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Você é a razão da minha felicidade

Não vá dizer que eu não sou sua cara-metade


Meu amor, por favor, vem viver comigo
No seu colo é o meu abrigo
Meu abrigo - Melim
Sumário
PRÓLOGO
UM
DOIS
TRÊS
QUATRO
CINCO
SEIS
SETE
OITO
NOVE
DEZ
ONZE
DOZE
TREZE
CATORZE
QUINZE
DEZESSEIS
DEZESSETE
DEZOITO
DEZENOVE
VINTE
VINTE E UM
VINTE E DOIS
VINTE E TRÊS
VINTE E QUATRO
VINTE E CINCO
VINTE E SEIS
VINTE E SETE
VINTE E OITO
VINTE E NOVE
TRINTA
TRINTA E UM
TRINTA E DOIS
TRINTA E TRÊS
TRINTA E QUATRO
TRINTA E CINCO
TRINTA E SEIS
TRINTA E SETE
TRINTA E OITO
TRINTA E NOVE
QUARENTA
QUARENTA E UM
QUARENTA E DOIS
QUARENTA E TRÊS
QUARENTA E QUATRO
QUARENTA E CINCO
QUARENTA E SEIS
QUARENTA E SETE
QUARENTA E OITO
QUARENTA E NOVE
CINQUENTA
CINQUENTA E UM
CINQUENTA E DOIS
CINQUENTA E TRÊS
EPÍLOGO
SOBRE A AUTORA
AGRADECIMENTOS
OUTRAS OBRAS DA AUTORA
CRÉDITOS
Alana e Matheus tiveram suas vidas marcadas por um acidente que
modificou tudo aquilo que eles conheciam. A tragédia e a dor da perda os
aproximou e uma amizade surgiu, dando espaço para algo mais.

Eles sempre estiveram presentes na vida um do outro, mas guardavam


em segredo tudo aquilo que sentiam. Como na vida nada acontece por acaso,

o destino os obriga a enfrentar seus medos e a lutar um pelo outro. Mas será
que eles terão coragem para se entregar ao que sentem ou o destino vai acabar
separando-os outra vez?
PRÓLOGO

“Por mais longa que seja a noite... a aurora chegará. “ — Provérbio Africano.

Eu precisava correr! A Karen estava me esperando e ela odiava


atrasos. Nós iríamos comemorar seu aniversário de dezoito anos numa casa
noturna do litoral, porque ela tinha um conhecido que trabalhava lá e que nos
colocaria para dentro. Ela estava ansiosa pela noite, eu não podia decepcioná-

la!

Vesti um vestido preto, curto e com um decote V profundo, coloquei


um salto alto, deixei meus longos cabelos soltos e fiz uma maquiagem
marcante. Encontrei-a na frente da minha casa, usando um conjuntinho
cropped e um salto altíssimo. Minha amiga estava muito gata!

Pegamos um táxi e, quando chegamos ao local, ignoramos a fila


gigante e fomos direto para a entrada. Algumas pessoas que esperavam para
entrar praguejaram contra nós, mas entramos na festa sem problemas

maiores.

O som estava bem alto, dançamos, bebemos e curtimos muito. A noite


estava sendo maravilhosa!

Encontramos alguns carinhas lá do colégio, a maioria do time de


futebol. Olhei bem para ver se eu o encontrava, mas ele não estava entre os

garotos.

— Ele não está ali — Karen disse ficando na minha frente.

— Quem não está ali? Não estou procurando ninguém — respondi


parando de olhar para os meninos.

— Tem certeza? Você não me engana, Alana! O Matheus além de ser


muito gato é uma excelente pessoa, até agora não sei por que vocês nunca
ficaram juntos — ela disse me encarando.

— Somos totalmente diferentes, eu sou água e ele é óleo, somos

incompatíveis. Mas esquece ele e vamos curtir — avisei e nós fomos ao bar
pegar mais bebidas.

Assim como o Matheus, o irmão dele, Alex, não estava na boate. Era
estranho, porque ele era o namorado da Karen e aqueles dois viviam
grudados. Onde a Karen estava o Alex estava também, e provavelmente os
dois estavam se pegando. Isso era certo.

— Achei que ia ficar de vela a noite toda, Ka! Cadê o Alex? —


Perguntei.

— Ele disse que tentaria vir, mas teve um compromisso em família. O

bom é que ele prometeu me compensar depois, disse para eu ir pensando no


que quero que ele faça para mim. Estou pensando falar para passarmos um
fim de semana acampando na praia, o que acha?

— Bem a sua cara. E como o Alex é todo ligado nessas coisas de

natureza, ele vai adorar a sugestão.

— Também acho! Mas chega de falar de homem! — Karen falou,


soltando seu copo vazio no bar, pegando na minha mão e caminhando para a
pista de dança. — Hoje eu estou aqui para celebrar meu aniversário com a
minha irmã, vamos dançar!

Depois de dançarmos muito, saímos da festa às três da manhã e, como


não achamos nenhum táxi na frente da boate, resolvemos ir até o ponto do
outro lado da rua. Andamos até a faixa de pedestres, cantando:

— Amiga, parceira! Só se for amiga solteira! — Praticamente


gritávamos na rua, segurando-nos uma na outra. Estávamos muito felizes e,
então, um feixe de luz branca fez nossos olhos doerem.

Como se tudo estivesse acontecendo em câmera lenta, vimos um carro


vindo em nossa direção. Tentei sair, mas não consegui me mover, estava em
choque, congelada.

Só pude sentir um empurrão da Ka pouco antes de ela ser arremessada


para longe. Ao mesmo tempo, um corpo voou através do vidro e caiu

próximo ao corpo dela.

O carro seguiu desgovernado e bateu em um muro mais à frente.


Então eu o vi. Saindo do banco do carona estava o cara que esperei a noite
toda para ver. O Matheus gritava e colocava as mãos sobre a cabeça, seu
rosto expressava puro desespero.

Minha mente rodava e percebi que, assim como o Matheus, eu


também gritava desesperadamente. Tentei me levantar, mas minhas pernas
estavam bambas.

Aquele definitivamente foi o pior dia das nossas vidas.

Eu perdi a Karen.

E o Matheus perdeu o Alex.

Em algum momento, sirenes invadiram meus ouvidos e eu fui levada


em uma ambulância. Mal olhei para as pessoas que me examinaram e não

sabia para onde estava sendo levada, mas eu não me importava.

Eu não gritava mais, minha voz havia ido embora.

Apenas o meu pranto tinha ficado.

Minhas lágrimas corriam de modo silencioso pelo meu rosto e um


vazio tomava conta do meu coração.

Ainda consegui olhar para o Matheus enquanto andávamos pelo


hospital, vi em seus olhos o mesmo vazio, a mesma dor. O mesmo silêncio
que tomara conta de mim tomou conta dele.

Naquela noite, perdemos uma parte de nossas vidas e elas jamais

voltariam a ser do mesmo jeito.


UM

“Nem todos aqueles que vagam estão perdidos. “ — J.R.R. Tolkien

Abri meus olhos, mas não tive vontade de levantar. Aquele seria o
meu primeiro dia de aula depois de tudo o que aconteceu.

Eu não queria voltar àquele colégio, mas mamãe havia insistido e


apelado muito para que eu voltasse, porque segundo ela eu merecia um final

decente para o meu ensino médio. Eu mal saíra de casa naquele verão. A
minha mãe e a minha avó compreenderam e respeitaram meu luto me dando
espaço e tempo. Elas não insistiram quando eu quis largar a terapia, mas me
persuadiram a voltar a comer um pouco e a pelo menos levantar da cama por
algumas horas por dia.

Uns dias depois do acidente, a polícia fez uma investigação e, junto


com o depoimento do Matheus, foi constatado que os freios do veículo
estavam gastos e, devido à velocidade do carro, eles não funcionaram

corretamente naquele momento.

Respirei fundo e cocei meus olhos. Virando na cama, olhei para foto
que ficava na cabeceira. Nela, Karen e eu, ambas com doze anos, sorríamos
como se aquele fosse o melhor dia das nossas vidas.

E talvez tenha sido. Tínhamos ganhado ingressos para o melhor

parque aquático da região e nos divertimos como nunca antes.


Experimentamos a liberdade de sair sem nossos pais e provamos a adrenalina
dos tobogãs. Éramos muito jovens na foto, mas já sabíamos o que queríamos.
Iríamos nos aventurar pelo mundo, curtir a única vida que tínhamos.

Não sabia o que faria sem ela, era a minha irmã de alma, minha
melhor amiga. Esse era para ser o nosso ano, o último ano nessa cidade antes
de mochilarmos pelo mundo.

Agora eu estava sozinha e não sentia mais vontade de fazer nada.

Eu sabia que minha mãe viria me chamar se eu não levantasse, então,


com certo esforço, fui até o banheiro para fazer minha higiene matinal.
Estava evitando espelhos, mas minha mãe tinha recolocado o do meu
banheiro. Ao encarar meu reflexo, não me reconheci.

Havia emagrecido tanto que podia ver claramente os ossos abaixo do


meu pescoço, tinha olheiras muito fundas e estava pálida. Eu definitivamente
não era a mesma menina de alguns meses atrás.
Entrei na sala vestindo uma calça jeans que agora ficava folgada e um
casaco moletom que quase me engolia. Apesar do calor infernal que fazia lá

fora, eu só queria estar no meu casulo.

Avistei minha mãe preparando o café da manhã. Ela parecia cansada,


como se não dormisse há dias. Dei-lhe um abraço e fiquei junto dela,
sentindo seu cafuné por um tempo.

— Preparada para hoje? — Ela perguntou com naturalidade.

— Não, mas já que não tenho escolha... — respondi frustrada.

— Não é bem assim, Alana. Você sabe que só quero seu bem, minha
filha. Ver a minha garotinha nesse estado me dói tanto... — ela disse e eu vi
as lágrimas em seus olhos.

— Eu sei mãe, desculpa. Prometo me esforçar — respondi tentando


ser compreensiva. Minha mãe fazia muito por mim e eu mal retribuía.

Comi todo o café da manhã para deixá-la mais tranquila, apesar de

mal sentir o gosto, e fui caminhando até o colégio. Quando cheguei ao


portão, eu parei. Era um colégio grande e, depois de tanto tempo, eu me senti
um pouco intimidada, parecia que as lembranças iriam me sufocar. Tentei
engolir o choro e precisei me encostar no muro para não desmaiar, então eu o
vi.

O Matheus caminhava de cabeça baixa em minha direção, eu não o


via desde o enterro de Alex. Ele tinha emagrecido e seu rosto ainda estava
bem abatido. Apesar de toda a mágoa e raiva, o que tinha acontecido naquela

noite havia criado cicatrizes profundas em nós dois.

Como se sentisse que eu o observava, ele olhou em minha direção e


levou um susto ao me ver. Acho que ambos fomos obrigados a enfrentar o
último ano. Ele não falou nada e eu não aguentei encará-lo naquele momento,
entrei no colégio sem parar, falar ou cumprimentar ninguém. Sabia onde era

minha sala e fui até ela, levei minhas coisas até as últimas cadeiras da sala,
sentei e abaixei minha cabeça.

Ainda estava com sono, então fechei os olhos e tentei tirar um cochilo
antes da entrada da professora, mas a sensação de ser observada foi muito
incômoda. Levantei minha cabeça e vi alguns rostos conhecidos olhando para
mim.

Fingi não dar importância e peguei o meu diário, onde fiquei fazendo
alguns rabiscos até a professora começar a aula e todos focarem em outra

coisa. O Matheus, sentado algumas cadeiras à minha frente, encarava o


caderno, evitando fazer contato visual com nossos colegas. Eu tinha um
palpite que, assim como eu, ele não conseguiria focar nas aulas daquele dia.
DOIS

“Você é mais corajoso do que acredita, mais forte do que parece e mais esperto do que pensa. “ —
Christopher Robin (A.A Milne)

Esperei o intervalo para ir até a diretoria para cancelar minhas aulas


extracurriculares. Eu mal tinha energia para as aulas regulares, então fiz
outros planos para minhas tardes. Planos que envolviam deitar na minha

cama e esperar pela manhã seguinte.

Passei pelos corredores atraindo alguns olhares, então passei a andar


bem rápido para não falar com ninguém. Quando entrei na sala, a diretora
Núbia estava conversando com o Matheus e, pela cara dos dois, a conversa
era bem séria.

Ao me ver, ela me chamou e me mandou sentar na cadeira ao lado do


Matheus, que não olhou para mim.
— Oi, Alana. Chamei o Matheus aqui para conversar sobre as notas
dele, foi bom que você apareceu porque nós precisamos ter a mesma

conversa. Como sabem, todo o colégio foi muito compreensiva com toda a
situação de vocês, respeitamos o luto, mas precisamos completar as notas do
histórico de vocês, então, até a metade do ano vocês farão matérias
complementares para organizarmos as notas do ano passado — ela disse e eu

entrei em desespero. Meus planos foram por água abaixo.

— É obrigatório fazermos isso? Não poderemos fazer as aulas


extracurriculares? — Matheus perguntou e, pela cara dele, vi que ele também
não estava satisfeito com as aulas extras.

— Sim, é obrigatório. Eu já conversei com seus pais e eles pediram


para que eu comunicasse a vocês — ela disse séria.

— Ah, é que eu estava pensando em voltar para o time, por isso


questionei sobre as aulas, não terei tempo para o futebol com as aulas da

tarde — Matheus disse se justificando, porém era fácil saber que ele só estava
tentando fugir das aulas extras. Os pensamentos dele deviam ser os mesmos
que os meus, e no momento eu só pensava que precisava arrumar uma
desculpa, também.

— E eu também, diretora Núbia. Eu quero voltar para o jornal do


colégio, tive muito tempo extra para praticar minha escrita — disse a ela, que
me encarou com um quê de pena, sabendo que eu estava mentindo.
Imediatamente desviei o olhar.

— As aulas não vão atrapalhar as aulas extracurriculares, até aprovo

que vocês façam. Assim talvez as coisas voltem ao normal — ela disse e eu
me enfureci. Normal?

— As coisas nunca, nunca vão voltar ao normal. Ela não está mais
aqui — disse me levantando e saindo da sala, batendo a porta atrás de mim.

Lágrimas escorriam do meu rosto e eu tentava rapidamente limpá-las.


A porta da diretoria se abriu e o Matheus parou na minha frente. Por um
momento, pensei que ele iria me dizer algo, mas ele apenas suspirou e seguiu
seu caminho sem falar nada, deve ter desistido. Ainda bem. Tudo o que eu
não precisava era piorar ainda mais aquele dia.
TRÊS

“Nenhum ato de bondade, por menor que seja, jamais será desperdiçado. “
— Esopo.

Passei todo o intervalo no banheiro feminino, tentando ler alguma


coisa no meu celular e me escondendo do mundo. Enquanto tentava me fazer
de invisível, pude escutar algumas meninas falando sobre mim.

— A Alana voltou tão estranha, né? Quer dizer, ela já era estranha, o
que a deixava um pouco normal era a Karen, uma pena que ela se foi —
reconheci o falso lamento da Tiana. Ela era uma antipática.

— Olha, para te falar a verdade, sempre achei a Karen uma puta e


ladra de namorado dos outros — disse outra garota do meu ano, a Laís. Mais
uma vez naquele dia eu me enfureci.

Saí do box do banheiro e, ao me ver, as duas levaram um susto.


— A única ladra de namorados aqui é você, Laís, que não aguentou
ver a felicidade da Karen com o Alex e armou aquele showzinho para ficar

com ele — disse partindo para cima dela e colocando o dedo em sua cara. Ela
se amedrontou, retraindo-se um pouco. — Tenha respeito pelos mortos, sua
ridícula! — Gritei pegando a minha mochila e saindo em direção à sala de
aula.

O resto das aulas foram muito cansativas. Os professores ficavam


surpresos ao ver o Matheus e eu, acho que nunca tivemos tanta atenção
quanto naquele dia, afinal, desde o acidente eu evitava sair de casa. Eu não
sabia do Matheus, mas imagino que tenha feito o mesmo.

Eu era a única que entendia a dor dele, ambos havíamos pedido um


irmão naquela noite e o tempo não reparava isso. Era uma dor eterna.

E eu sabia que ele era o único que me entendia, mas eu mal aguentava
olhar para ele. As lembranças que trazia com ele eram muito dolorosas.

Quando cheguei em casa, minha mãe estava preparando o almoço. O


Pudim, meu cachorrinho de terapia recomendado pela minha psicóloga, veio
até mim para que eu o acariciasse. Ele era muito fofinho e manhoso. Deitei
com ele no meu colo e, enquanto ele lambia meu rosto, minha mãe me viu.

— Boa tarde, mocinha. Como foi seu primeiro dia?

— Exaustivo. Acho que nunca fui tão encarada em toda minha vida.

— Isso passa, em breve eles esquecem.


— Duvido. Eu queria sumir do colégio, mas hoje a diretora me contou
das aulas extras e vou voltar para o clube do jornal, então só chegarei em casa

quase na hora do jantar.

— Desculpe por não falar sobre as aulas. Achei melhor que a diretora
comunicasse isso a você. Eu e a Lúcia iremos dividir os custos com os
professores, já que essas aulas vão ser só para você e para o Matheus.

— Nossa, que ótimo, mal posso esperar — disse sarcástica, tirando


Pudim do colo, levantando e indo até o sofá. Minha mãe me seguiu.

— Filha, eu sei que você não está feliz, mas é para o seu futuro. E
você ainda vai ter tempo para fazer as coisas que você gosta, como o jornal.
Eu sei o quanto você gosta de escrever e de estar com a equipe, você é tão
boa escritora...

— É, eu gosto... — disse finalizando a conversa e ligando a televisão.


Encaramos um comercial juntas por alguns minutos, então ela casualmente

perguntou:

— Você viu o Matheus? A Lúcia me falou que ele voltava hoje


também.

Levantei surpresa e a encarei, tamanha que foi a minha surpresa com


essa novidade.

— Você conversa com a mãe do Matheus?

— Claro, Alana, Depois de tudo aquilo, ela precisa de apoio. E apesar


do que a mãe da Karen diz, a Lúcia e o Matheus não são pessoas ruins. Você
não queria que eu mantivesse contato com eles? — Ela questionou

subitamente preocupada.

— Não, mãe. A senhora fala com quem quiser, eu só estou surpresa...

— Está bem então. Todos nós precisamos superar nossas dores e às


vezes precisamos de ajuda. Falando nisso, como está seu apetite?

Eu não sentia a menor fome e meu estômago embrulhou um pouco à


menção de comida, mas sabia que precisava comer para não preocupar a
mamãe.

— Vou tomar banho e desço para almoçar — avisei andando até meu
quarto. Comecei a me despir, mas antes de entrar no chuveiro o meu celular
apitou.

>> Eles não merecem suas lágrimas, levante a cabeça e siga em


frente, minha flor.

Reli a mensagem duas vezes e não reconheci o número. Senti uma


pontada de gratidão no estômago. Seja quem fosse e qual fosse a sua intenção
em me mandar aquela mensagem, minha mãe estava certa: todos precisamos
de apoio, e saber que alguém se preocupava o suficiente para mandar aquela
mensagem me fez bem.
QUATRO

“ Se alguma vez se sentir perdido, deixe o coração ser sua bússola. “ — Emily

Levou uns três dias até as aulas extras começarem. Tanto eu quanto o
Matheus almoçávamos no colégio e, depois de comermos, íamos para uma
sala reservada onde tínhamos aulas com alguns dos nossos professores. Ficar
constantemente na presença dele me incomodava um pouco, mas eu tentava

me acostumar.

Na segunda-feira seguinte, estávamos sozinhos na sala aguardando o


professor, que demorava a chegar, e o silêncio entre nós estava tão
desconfortável que pus os fones de ouvido e aumentei o volume do meu
celular para o máximo. Matheus não olhou para mim, como de costume. Eu
tentava não o observar, mas pelo canto do olho eu o notei tirando o casaco e.
por um momento de pura fraqueza, encarei os músculos de seu braço. Antes
de poder me repreender, notei uma nova tatuagem abaixo do seu bíceps.

Tirei meus fones e encarei com mais atenção, agora sem nenhum
pudor. Em letras finas e garrafais, havia uma frase em inglês e uma data. Era
letra de uma música que se tornou uma das minhas favoritas depois daquele
dia: The Scientist, do Coldplay.

Quando li a data, lágrimas embaçaram minha visão, limpei-as e


respirei fundo. Era tão lindo o que ele tinha feito.

— Você gravou eles em sua pele — disse com a voz embargada.


Quantas vezes eu tinha desejado fazer o mesmo?

Ele me olhou pela primeira vez em dias, surpreso por eu estar me


dirigindo a ele. Então, ele seguiu meu olhar para a tatuagem e a acariciou
com tristeza.

— Eles são parte de mim. Sempre serão.

— Queria fazer uma, mas não consegui... foi difícil sair de casa
durante esses meses — revelei e ele se aproximou.

— Então é por isso que o seu cabelo está tão grande? — Ele
perguntou puxando a ponta do meu cabelo.

— É, digamos que minha mãe não é a melhor com tesouras — disse


dando um sorriso fraco que ele retribuiu debilmente.

— A sua mãe foi lá em casa algumas vezes, minha mãe se tornou


muito amiga dela e eu sempre agradeço quando ela vai lá, isso nos ajudou

bastante — ele revelou com a mão sobre a tatuagem.

— Descobri há alguns dias que ela mantinha contato com vocês e...
— Fui interrompida pela porta, que se abriu para revelar o professor de
matemática. Matheus assentiu com a cabeça para mim e foi para o lugar dele.

Assistimos a aula. Como eram aulas praticamente particulares, eu não

tinha escolha a não ser prestar atenção. Matemática não era meu forte, mas o
professor era bastante paciente. Quando ele nos dispensou mais cedo, devido
às aulas extracurriculares que faríamos, eu senti que entendia mais do que
normalmente entenderia numa aula comum. Levantei-me e caminhei pelo
corredor com o Matheus, novamente silencioso ao meu lado. Chegamos à
saída para a quadra e eu continuei meu caminho para a sala do jornal, mas
quando não ouvi a porta se abrir, olhei para trás e vi Matheus encarando a
maçaneta.

— Não está preparado para voltar? — Perguntei e ele me encarou,


levantando os ombros como se dissesse “não sei”. — Eu sei que eu estou
nervosa, não me sinto preparada — confessei.

— Parece que o passado quer rir da nossa cara, toda vez que olho para
o campo eu vejo o meu irmão correndo comigo — ele disse com melancolia.

— Toda vez que olho para o campo vejo seu irmão e a Karen se
pegando na arquibancada — disse com um pouco de humor. Ele soltou uma
risada seca.

— É, eles faziam muito isso. Eu ainda me pego esperando encontrá-

los por aí quando não estou pensando muito. Ainda não consigo aceitar que
eles se foram — ele disse.

— Também não consigo. É tão injusto. Eles tinham a vida toda pela
frente. A minha mãe diz que tudo acontece por uma razão, que nada acontece

por acaso... mas eu ainda estou tentando achar uma razão nisso tudo — disse
e então ele segurou minha mão.

Por um segundo, vi o tempo parar. Era como se restassem apenas nós


dois no mundo, dois corações quebrados compartilhando dores e curando
cicatrizes.
CINCO

“ Sempre que o sol nasce, surge uma nova esperança. “ — Jack.

Quando as aulas terminaram, voltei andando para minha casa. Ao


virar a esquina de casa, vi que minha mãe também estava chegando repleta de
sacolas. Corri ao seu encontro para pegar algumas e sorri para vovó, que
cuidava de suas plantas no jardim. Deixei tudo na cozinha e fui para o meu

quarto. Deitei em minha cama para descansar um pouquinho, e então meu


celular apitou novamente.

>> Minha flor, mesmo quando o dia parecer escuro, veja o sol nos
pequenos momentos.

Sorri e pensei em responder esse meu correspondente secreto, mas


não sabia muito bem o que dizer. Eu me sentia muito grata pelas palavras,
mas apenas agradecer não parecia o bastante. Resolvi responder mais tarde,
com a cabeça mais vazia.

Tomei um banho bem relaxante, coloquei uma roupa surrada e

confortável, e fui escrever um pouco. Escrever sempre foi minha escapatória


do mundo e, nos últimos meses, era a única coisa que mantinha um pouco da
minha sanidade. Olhei para a pilha crescente de cadernos na escrivaninha do
meu quarto e suspirei. Tinha enchido tantas páginas que eu estava começando

a ficar sem espaço.

O que eu faria com todos eles? Não queria me desfazer de nenhum.


Comecei a folhear os cadernos mais antigos e encontrei alguns textos
interessantes. De início, eram apenas entrevistas que eu tinha feito quando
criança, depois, um pouco mais velha, eu tinha feito algumas reportagens
sobre o meu bairro, sobre o colégio e sobre alguns poucos casos polêmicos
que tinham acontecido por ali. Recolhi e separei alguns deles que ainda se
mostravam relevantes para levar até o jornal no dia seguinte. Desci para

almoçar e, depois de comer, fui ajudar minha avó com os bordados que ela
vendia.

Depois da separação dos meus pais, nós fomos morar com a vovó. A
minha mãe dizia que era por minha causa, que ela temia que eu ficasse muito
solitária, mas no fundo eu sabia que era mais por causa dela própria. Ela
ficara muito fragilizada depois de todo o processo e precisava de um carinho
de mãe. Por ser filha única, as duas sempre foram muito ligadas, então era
natural que minha mãe quisesse estar em casa.

Era um raro momento silencioso em nossa casa: enquanto eu e vovó

bordávamos, minha mãe separava algumas encomendas de bolos e doces que


ela fazia para festas. Mesmo tendo dificuldades para comer, eu nunca negava
um pedaço de algum dos doces da mamãe, que era a melhor confeiteira da
cidade, mesmo tendo começado recentemente. Antes do acidente, ela era

assistente de um poderoso do marketing, mas mudou sua vida toda para ficar
comigo. Ela dizia que éramos uma família de mulheres fortes, mas
precisávamos do apoio uma da outra, e por isso ela não hesitou em largar
tudo para me ajudar a superar. E eu a amava ainda mais por isso.

Meus dedos já doíam quando terminei o centro de mesa que estava


fazendo.

— Está ficando bonito, você só precisa melhorar nesse ponto aqui,


ainda não está perfeito — minha avó disse pegando o bordado da minha mão

para olhar mais de perto.

Assenti e estiquei as mãos para pegar de volta, mas então a campainha


tocou e eu me levantei para atender, mesmo estando toda bagunçada.

Quando abri refazendo o coque em meu cabelo, eu me deparei com o


Matheus parado bem na minha frente. Ele estava desconfortável e levemente
entediado, como sempre. Essa parecia ser sua expressão padrão ultimamente,
e eu sentia falta do jeito que ele sorria. Pisquei surpresa e senti meu rosto
corar. Durante alguns segundos, fiquei sem reação, mas então notei que a

mãe do Matheus também estava ali, sorrindo para mim, e me recompus.

— Boa tarde, Dona Lúcia.

— Oi, Alana, a sua mãe está aí? — Ela perguntou.

— Está assim, pode entrar — disse dando espaço para eles entrarem e
tentei arrumar minha roupa desajeitadamente.

— Oi, Alana — Matheus disse ao passar por mim.

— Oi, Matheus — Respondi sorrindo.

Minha mãe, provavelmente tendo ouvido a comoção, entrou na sala,


limpando suas mãos no avental e cumprimentando a todos.

— Lúcia, que bom que você veio! Estava mesmo querendo sua
opinião!

— Parece que adivinhei em passar aqui, então. Nós estávamos aqui


perto e pensei em fazer uma visitinha, acho que você estava me chamando

por pensamento — a mãe do Matheus riu.

— Talvez estivesse mesmo, porque eu preciso do seu bom gosto!


Venha até a cozinha que preciso mostrar o bolo que estou fazendo para o chá
de bebê da Laura — ela chamou.

As duas saíram conversando animadamente, então voltei-me para


Matheus, que estava sentado silenciosamente ao lado da vovó.

— Querem alguma coisa? — Perguntei sem saber o que falar.


— Se você puder pegar o suco de laranja para mim, vou tomá-lo junto
com os meus remédios — minha avó pediu.

— Claro, vovó. Quer alguma coisa Matheus? — Perguntei olhando


para ele.

— Não, Alana. Obrigado — ele respondeu se ajeitando no sofá. Ele


parecia bem pouco à vontade.

Segui minha mãe e Dona Lúcia até a cozinha, onde as duas discutiam
sobre a paleta de cores do bolo que estava pronto e cheirava muito bem.
Peguei o suco e voltei para sala para entregá-lo à vovó. Ela estava fazendo
um monólogo sobre suas flores e como ela fazia para vê-las crescendo muito
bem, e Matheus estava bastante compenetrado na explicação. Achei a cena
um pouco cômica, porque não sabia se ele estava apenas sendo educado ou
estava realmente interessado nos segredos da jardinagem, mas as duas opções
eram igualmente engraçadas.

Aproveitei a chance para escapar para o banheiro e consertar a


bagunça que era a minha aparência. Quando desci com outra roupa e o cabelo
penteado, os dois tinham ido para a cozinha, onde mamãe cortava um bolo
para as visitas.

— Que centro de mesa mais lindo, Alana! Dona Teresa disse que foi
você que fez — Dona Lúcia disse sorrindo para mim.

— Obrigada, mas o mérito todo é da vovó, foi ela quem me ensinou


tudo com muita paciência — falei acariciando os cabelos da minha avó.

— Mas mesmo assim, você é uma menina muito talentosa! Fiquei

sabendo que você também escreve, acho isso maravilhoso. O Matheus


também escreve algumas coisinhas — ela revelou e eu vi o Matheus se
encolher um pouco na cadeira.

— Ah, é mesmo? Dessa eu não sabia! Achei que o talento dele era

para o futebol — disse me sentando ao lado dele.

— Que nada! Você precisa ver tudo o que ele escreve, cada poesia
maravilhosa... um dia desses eu te mostro — ela falou animada.

— Vou adorar lê-los! — Disse e o Matheus me encarou levemente


apavorado.

— Você nunca vai ter acesso a eles — ele sussurrou para mim e eu
gargalhei bem alto. Fazia muito tempo que eu não ria.

Todos me encararam e eu fiquei vermelha de vergonha, peguei alguns

biscoitos da mesa e os coloquei na boca para não falar mais besteiras.

— Como estão as aulas de reposição? — Mamãe perguntou sorrindo.

— Estão bem tranquilas — Matheus respondeu e eu concordei. Não


sei se os professores estavam aliviando ou se era a atenção quase individual
que tínhamos, mas as aulas estavam especialmente fáceis.

— Que bom, fico feliz que estejam conseguindo se reerguer —


mamãe falou e ambos sorrimos para ela.
Encarar a vida sem eles era algo que estávamos tentando fazer desde
aquele dia e, no final de tudo, a vida estava começando a ficar suportável de

novo.
SEIS

“O que importa não é o que acontece, mas como se reage. “ — Epíteto

Após o jantar, eles foram embora. A mãe do Matheus era uma pessoa
muito simpática, mas ainda conseguia ver em seu olhar a mesma tristeza que
via nos olhos do Matheus e nos meus próprios, quando me encarava no
espelho.

Eu já tinha ido deitar há algumas horas, mas meu sono não vinha.
Respirei fundo e me remexi na cama. Alguns dias eram mais fáceis que
outros, e algumas noites eram especialmente difíceis.

Levantei e fui até a cozinha, peguei um suco na geladeira. Olhei para


os brownies da mamãe, pensando se devia comer alguma coisa. Meu apetite
estava voltando aos poucos, mas eu ainda tinha certa dificuldade em me
alimentar corretamente. Meu estômago reclamou um pouco, então decidi não

forçar. Fui até a sala, liguei a televisão e coloquei o primeiro filme da

madrugada, que prometia ser longa. Decidi por uma comédia que eu conhecia
muito bem e que me confortava sempre que eu via: “As Patricinhas de

Beverly Hills”.

Deitei no sofá para assistir, e imediatamente Pudim veio até mim,

meio sonolento. Peguei-o no colo e acariciei seus pelos. Quando meu celular
vibrou, avisando que havia chegado uma mensagem, eu me surpreendi,
afinal, não era comum eu receber mensagens às três e meia da manhã.

Olhei para a tela e vi aquele mesmo número que vinha me mandando


mensagens há alguns dias.

>> Está acordada?

Pela primeira vez, não era um incentivo, mas um convite para uma
conversa. Estava tão focada no jornal e nas aulas extras que tinha esquecido

de responder! Mas dessa vez eu não precisava pensar muito, então salvei o
número com o nome “romântico anônimo” e respondi:

<< Sim. Sem sono.

>> Eu também. O que está fazendo?

<< Vendo um filme, e você?

>> Apenas conversando com você.

<< Sério? Sou tão importante assim?


>> Para mim é.

<< Se sou mesmo, por que não me mostra quem você é?

>> Porque acho que você não gostaria de saber.

<< Por que não faz um teste? Serei sincera.

>> Por enquanto não, prefiro me manter no anonimato. Prometo que


não sou nenhum predador, só quero ter a chance de conversar com você.

<< Ok. Eu acredito e vou respeitar isso por enquanto, mas aviso que
sou curiosa. Me diz uma coisa, já nos conhecemos?

>> Sim.

<< Humm, o que você gosta de fazer?

>> Gosto de muitas coisas, jogo bastante vídeo game, gosto de


música, de futebol e às vezes escrevo algumas coisas.

<< Sério? Eu também escrevo! Será que já não te vi no clube de


jornalismo?

>> Não, nunca entrei nesse clube e nem pretendo.

<< Oh, é uma pena. Vou voltar para lá essa semana, mas estou meio
nervosa.

>> Por quê? Aposto que escreve bem.

<< Às vezes não gosto das coisas que escrevo e também não gosto de
tanta atenção. Essa semana está sendo bem ruim.

>> Eu percebi, mas vai dar tudo certo, minha flor.


<< Gosto quando me chama assim, é diferente.

>> E eu gosto de te chamar assim, apesar de já ter pensado em um

apelido mais diferente ainda.

<< É mesmo? Qual?

>> Bruxinha. Eu te vi fantasiada na festa de Halloween.

<< Eu gosto de Bruxinha! Desde que eu li Wicked, tenho um

verdadeiro fascínio pelas bruxas.

>> Ok, então... Acho que vou alternar entre bruxinha e minha flor.
Quais dos seus feitiços você usou em mim?

<< Isso você nunca vai saber...

Larguei meu celular em cima da mesinha ao ver minha mãe descendo


as escadas.

— Insônia de novo, meu bem? — Ela questionou sentando no sofá e


apoiando minha cabeça em seu colo.

— Sim... nem sempre tenho dias bons — respondi fechando os olhos


por causa do cafuné que ela fazia em meus cabelos.

— Oh, querida, eu fiquei tão feliz de te ouvir rindo mais cedo, achei
que essa noite fosse ser mais fácil. Eu vou fazer um chá para te acalmar um
pouco.

— Mas não gosto de chá, mãezinha — falei fazendo manha.

— Vai beber, mocinha. Vou fazer o de camomila — ela disse indo


para cozinha.

Peguei meu celular e encontrei várias mensagens do meu “Romântico

anônimo”.

>> Será que terei sorte de te ver amanhã para você me enfeitiçar
novamente?

>> Dormiu, foi? Não acredito, no meio da conversa! Que absurdo!

>> ALANA!

Ao ler, não pude evitar que os cantos dos meus lábios se curvassem
para cima. Era muito bom ter alguém se preocupando comigo.

<< Voltei! Desculpa a demora! Minha mãe acordou e agora está


fazendo um chá para que eu vá dormir. Ela odeia minhas insônias.

>> Mães se preocupam mesmo, entendo o drama. Eu odeio os chás


que a minha me faz beber.

<< Também não gosto, mas a minha costuma colocar gotas de

baunilha, então fica bom.

>> Aí está uma boa dica. Baunilha é uma delícia.

<< Eu também acho! Ela voltou, vou tomar o chá e dormir, tente
também, ou vai ter olheiras amanhã.

>> Vou tentar! Bons sonhos, bruxinha!

Li a mensagem e guardei o celular no bolso. Tomei o chá todo e


depois voltei para o meu quarto. A mamãe deitou comigo em minha cama e
me fez cafuné até eu adormecer. Eu me sentia uma criança sempre que ela

fazia isso. Pouco depois do meu pai nos deixar, ela deitou comigo na cama e

me contou que a partir daquele dia seriamos nos duas contra o mundo, para
sempre.

Normalmente eu via meu pai no verão, ele tinha casado novamente e


tinha outros filhos. Gostava de estar com os meus irmãos, mas não deixava

minha mãe sozinha por muito tempo. Ela virou o meu alicerce depois que a
Karen se foi.

Na manhã seguinte, por incrível que pareça, eu acordei bem cedo.


Encarei o teto por alguns segundos e tive um impulso. Levantei, coloquei
uma roupa qualquer e fui até a lavanderia, procurei dentro de todas as
prateleiras algo que eu tinha guardado ali há um bom tempo. Sorri quando
finalmente encontrei um frasquinho de tinta azul para cabelo.

Queria que a Karen estivesse comigo de alguma maneira. Azul era a


cor favorita dela e nós tínhamos comprado essa tinta juntas. Pretendíamos
pintar nossos cabelos depois do aniversário dela.

Entrei na sala e minha mãe me olhou surpresa:

— O que você está fazendo acordada essa hora, Alana? — Ela


questionou limpando as mãos no avental.
— Eu estava na lavanderia procurando isso — disse caminhando até
ela e entregando o frasco que havia comprado. — Me ajuda a passar essa

tinta no meu cabelo?

— Vai pintar o cabelo todo? — Ela questionou lendo o rótulo da


embalagem.

— Não, só as pontas. Tem que descolorir e depois pintar — expliquei.

— Ok, vamos fazer isso logo. Não sei se vai dar tempo de descolorir e
pintar, pelo que entendi aqui, isso leva tempo. Mas vamos pelo menos
descolorir — ela disse me fazendo subir a escada até o meu quarto.

Chegando no meu quarto, minha mãe me colocou sentada em um


banco e ficou olhando para o descolorante.

— Mãe, acho melhor eu mesma colocar no meu cabelo — eu disse


tentando tomar o frasco da mão dela.

— Nada disso, eu coloco — ela falou segurando-o com firmeza.

Minha mãe continuou encarando o descolorante e eu me arrependi de


ter pedido para ela fazer isso. Ela não sabia nem cortar o meu cabelo, imagina
pintar.

— Mãe, mudei de ideia! Deixa que eu arrumo um jeito de pintar


depois — disse me levantando.

— É melhor mesmo, vou chamar a Lúcia para vir aqui, ela sabe fazer
essas coisas... quer saber? Acho melhor você ir ao salão dela — ela disse
pegando o celular.

— Não mãe, não quero dar trabalho — falei prendendo meus cabelos.

Eles estavam bem longos e sua cor mesclava entre o castanho escuro e o
louro mel nas pontas.

— Trabalho nenhum, vou ligar para ela e você vai com o Matheus,
ok? — Ela questionou.

— Está certo, mãe.

Mais tarde, quando estava indo para o colégio, encontrei Matheus no


meio do caminho, como se ele adivinhasse que eu estava pensando nele.
SETE

"Palavras gentis não custam muito e ainda sim conquistam muito. “ — Blaise Pascal

Estava no meio do caminho quando escutei o sininho de uma bicicleta


e, quando me virei, vi Alana vindo em minha direção. Ela ficava linda com os
cabelos presos, assim eu conseguia ver o rosto dela muito bem.

Ela estacionou ao meu lado.

— Bom dia — disse cumprimentando-a.

— Bom dia! Acordou cedo hoje — ela disse descendo da bicicleta e


passando a empurrá-la.

— É, não dormi muito bem. Mas ei, minha mãe disse para te levar lá
em casa hoje depois da aula — comentei.

— Achei que iríamos para o salão — ela disse levemente confusa.


— O salão fica na minha casa. Pode ficar tranquila, minha mãe vai
cuidar bem dos seus cabelos.

Fomos andando e conversando sobre o trabalho de história que


tínhamos que fazer e, quando chegamos ao colégio, ela foi prender a bicicleta
no estacionamento. Eu continuei andando até nossa sala.

Sentei para conversar com uns colegas do time, já que o campeonato

estava para começar e eu precisava voltar a treinar. Eu costumava amar jogar


futebol e me diziam que eu era muito bom nisso. Era difícil para mim, mas eu
sabia que precisava recuperar minha paixão. O Alex, que era o meu maior fã,
não gostaria de me ver fora do campo.

A Tiana e a Laís entram na sala e a Laís veio até mim, sentando em


meu colo e me abraçando.

— Bom dia, Math! Eu estava com saudades — ela disse ignorando


nossos colegas. Nós já tínhamos ficado algumas vezes, mas eu não estava

mais a fim dela.

— Tem cadeira para todo mundo, Laís — disse tentando fazê-la sair
do meu colo.

— Não, aqui está mais macio — ela disse se aconchegando ainda


mais.

Naquele momento, a Alana entrou na sala, olhou para nós dois com
uma cara de nojo e foi até o fundo da sala.
A professora chegou e a Laís finalmente desceu, mandando um beijo
para mim e andando até a carteira dela. A manhã passou tranquilamente, mas

eu não consegui prestar atenção nas aulas porque a Alana estava de cara
fechada e não olhou em minha direção nenhuma vez, nem falou mais nada
comigo.

Será que ela estava assim por ter me visto com a Laís?

Após almoçarmos, assistimos às aulas complementares. A Alana


continuou sem olhar para mim e pareceu especialmente interessada em tirar
dúvidas no final da aula de química, depois de sermos liberados para as
atividades complementares.

Caminhei para o vestiário meio frustrado, tirei o uniforme e coloquei


a camiseta do time do colégio. Então, fui até o campo de futebol e, enquanto
estava me alongando, consegui ver perfeitamente a Alana do lado de fora da
sala de jornalismo, escrevendo alguma coisa em um papel.

Ela parecia triste.

Terminei de me alongar e peguei meu celular na mochila, mandando


uma mensagem para ela.

>> Por que essa carinha triste, minha bruxinha?

Olhei para ela que, ao ver minha mensagem, sorriu e olhou ao redor,
procurando quem tinha enviado. Discretamente caminhei até a arquibancada
para me esconder e aguardei sua resposta. Logo o celular vibrou com a
mensagem da “Bruxinha”.

<< É difícil voltar a fazer as coisas que eu fazia antes.

>> Eu sei que você sente falta da sua amiga, mas não fica triste não,
o mundo fica melhor quando você sorri.

<< Você existe mesmo? Estou começando a achar que é alguém de


brincadeira comigo, você é tão fofo que não pode ser real.

>> Sou real sim, e não estou brincando com você, apenas não sou tão
corajoso para me mostrar a você.

<< Ah, é uma pena. Seria bom ter pelo menos um amigo.

Senti uma enorme tristeza ao ler aquilo. Ela estava muito sozinha sem
a Karen.

>> Nós já somos amigos. Mesmo você não sabendo quem eu sou, eu
sou seu amigo. Você pode contar comigo.

<< É bom saber disso. Fico muito feliz. Mas agora tenho que ir,

preciso redigir um texto para o jornal de amanhã. Espero que você leia.

>> Eu adorarei ler qualquer coisa que você escrever; tenha certeza.
Até mais tarde.

Guardei o celular, pois o treinador já estava me chamando.

Pedi proteção em uma pequena prece e entrei em campo pela primeira


vez depois que meu irmão se fora. Mesmo depois de tanto tempo sem treinar,
consegui orientar muito bem os outros jogadores e marcamos três gols contra
o time reserva.

Depois do jogo, caminhei até o vestiário conversando com o Albert e

o Nicolas, eles eram os mais próximos de mim.

— Acho que a nossa defesa anda meio fraca.

— Também acho. O Ronaldo até que joga bem, mas o Lucas vacilou
duas vezes e por pouco não levamos um gol. Isso não pode acontecer em jogo

oficial — Albert falou.

— Por que a gente não troca de zagueiro e coloca o Tony? Eu sei que
ele é só do primeiro ano, mas a gente podia tirar ele da reserva e dar uma
chance a ele no time principal. Assim a gente cobre esse buraco na nossa
defesa — Nicolas sugeriu.

— Pô, cara, mas aí a gente coloca o Lucas no banco? Ele não vai ficar
feliz, esse é o último ano dele — falei.

— Eu sei, brother, mas não dá para brincar agora não. O treinador

vive falando que a gente não pode ser individualista no esporte — Albert
disse e Nicolas concordou com a cabeça.

— É, bobeou foi para o banco. O time é mais importante que o ego do


bicho.

— Verdade. Vocês têm razão. Vou falar com o Tiago, ele leva bem a
sério minhas opiniões. E se for para o bem do time, ele vai concordar.

Tomei banho, me arrumei e fui até a sala de jornalismo, onde


encontrei a Alana escrevendo em uma mesa repleta de papéis. Pedi licença e

fui até ela. Os outros nerds pareciam não acreditar que eu estava ali, me

olhavam com o maior espanto.

— Alana, já terminei o treino, você ainda vai demorar muito aí? —


Perguntei ao me aproximar dela, que cobriu rapidamente os papéis,
escondendo-os antes que eu pudesse ler qualquer coisa.

— Já estou quase terminando, você pode esperar lá fora? — Ela


questionou.

— Posso sim, mas não demora — disse saindo da sala e me sentando


em um dos bancos, esperando por ela.
OITO

“A felicidade não é algo pronto. Ela vem de seus próprios atos. ” — Dalai Lama

Estava terminando de escrever o texto que seria publicado na minha


nova coluna do jornal amanhã quando o Matheus apareceu para me chamar.
Depois que eu pedi que ele me esperasse do lado de fora, terminei de
organizar o espaço da minha coluna no jornal, que se chamaria Quer um

conselho? Seria uma coluna de autoajuda, as pessoas me contariam


anonimamente os seus segredos, problemas e dúvidas, e eu tentaria ajudá-los
com meus textos.

A ideia tinha sido da Lívia, a editora chefe do jornal, papel que eu


ocupava no ano anterior. Ela ficava meio constrangida de me dar ordens e eu
achava isso um pouco engraçado, mas não tinha vontade nenhuma de ser
editora-chefe novamente. Era muita responsabilidade e stress, eu não tinha
mais condições de me irritar com a falta de responsabilidade dos outros em
relação a prazos.

Entreguei meu texto para a Lívia e saí da sala, me despedindo de


todos. O Matheus estava sentado em um dos bancos, esperando.

— Podemos ir agora, desculpa a demora.

— Tudo bem, nem demorou tanto — ele falou caminhando ao meu

lado. Fomos pegar a minha bicicleta e saímos andando em silêncio. Eu estava


um pouco incomodada com a falta de assunto, então perguntei:

— Como foi o treino?

— Foi bom, mas diferente. Foi a primeira vez que eu tive coragem de
entrar em campo esse ano. Eu preciso seguir com a minha vida — ele disse
reflexivo, e depois perguntou: — E você, como foi no clube de jornalismo?

— Foi bom também. Eu ainda me sinto um pouco estranha por lá,


apesar de me esforçar muito para me readaptar.

— Entendo. É meio difícil seguir como se nada tivesse acontecido,


não é?

— É... Mas como você disse, precisamos seguir em frente.

Ele assentiu e o silêncio recaiu novamente sobre nós. Quando


chegamos à casa dele, Dona Lúcia me recebeu de braços abertos e me levou
até o seu salão. Ela me colocou sentada em uma das cadeiras e começou a
trabalhar em meus cabelos enquanto conversávamos sobre um gosto em
comum: Reality shows.

Ela assistia a vários, quase todos de culinária ou de moda. Minha mãe

e eu assistíamos bastante, também, era um dos nossos programas favoritos.

Enquanto ela descoloria meu cabelo, recebi uma mensagem do meu


romântico anônimo.

>> Então, o texto que você estava escrevendo ficou bom?

<< Ficou sim, mas na verdade foi mais uma apresentação da coluna
que será publicada amanhã.

>> E como vai ser essa coluna? Vai escrever sobre o que nela?

<< Vai ser um espaço para as pessoas abrirem o coração e pedirem


ajuda, sabe? E aí eu vou dar conselhos, essas coisas.

>> Gostei da ideia! Quem sabe um dia eu não mande um e-mail para
você?

<< Do jeito que tem vergonha, duvido muito.

>> Preciso de coragem, bruxinha. Mas quando você precisar de


ajuda, vai recorrer a quem?

<< Oh, não sei. A você, se você quiser.

>> Eu não disse que éramos amigos? Você pode contar comigo!

<< Hm, então me diz uma coisa, já sentiu ciúmes de alguém?

>> Sim, várias vezes. Por quê?

<< Nada, não gosto desse sentimento, ainda mais quando é por algo
que não é meu, sabe?

>> Está gostando de alguém? Achei que tínhamos alguma coisa aqui.

<< Não estou gostando, não. Ele é uma coisa do passado, amor de
infância, sabe? Gosto dele há tempo demais e sei que as coisas entre nós não
dariam certo.

>> Por que não?

<< Porque eu não sou o “tipo” dele. Mas ah, deixa para lá, viu? Não
é nada. Eu estou pintando os cabelos e preciso terminar aqui, te mando uma
mensagem mais tarde. Beijos, meu romântico anônimo.

>> Conversamos melhor depois. Beijos, minha bruxinha.

<< Espera, me diz uma coisa... Qual o seu signo?

>> Meu signo?

<< Sim, signo!

>> Acho que escorpião, por quê?

<< Nada não, beijos!

Coloquei meu celular em cima da mesa e fui até a outra cadeira para a
Dona Lúcia enxaguar o meu cabelo. Assim que eu chegasse em casa eu veria
se meu signo era compatível com o dele.

— Estava falando com seu namorado? — Dona Lúcia questionou


sorrindo.

— Não, ele é só um amigo — respondi.


— E qual é o nome dele? Sua mãe o conhece? Ele é do seu colégio?
— Ela me encheu de perguntas.

— Uau, bem. Não sei o seu nome ainda, minha mãe não o conhece,
pelo menos eu acho que não, afinal, nem eu mesma o conheço, mas sim ele é
lá do colégio — revelei.

Ela largou os meus cabelos e veio para minha frente.

— Como assim, menina? Me explica essa história direito.

— Bem, alguns dias atrás eu comecei a receber mensagens com frases


gentis e que me faziam muito bem e, quando comecei a respondê-las,
construímos um laço de amizade, mas ele não tem coragem de me dizer quem
é — expliquei a ela.

— Hmm, e você não tem medo, não? Falando assim com um estranho
— Ela perguntou voltando a lavar meus cabelos.

— Na verdade não, sinto que já o conheço e ele me faz bem, trocar

mensagens com ele não me faz nenhum mal... — disse olhando para ela
através do espelho.

— Está certo, então. Só não marque nenhum encontro com ele, ok?
Mesmo ele te fazendo bem, você não o conhece — ela me aconselhou e eu
concordei.

Estávamos em silêncio enquanto ela pintava as pontas do meu cabelo


de azul, o único som entre nós era o da televisão. Estava passando Titanic e
eu adorava esse filme, uma história clássica de amor trágico, como Romeu e
Julieta.

Estava prestando atenção quando o Matheus entrou com lanches e um


suco no salão, oferecendo-os para mim e para a mãe dele.

— Obrigada, filho. Mas fica aqui um pouco, nem consegui conversar


com você. Como foram as aulas? — Ela questionou.

— Foi tudo bem, deu tudo certo — ele disse a ela, mas pelo tom da
sua voz percebi que ele estava mentindo.

— Oh, que bom, fico muito feliz — ela disse bagunçando seus
cabelos como se ele fosse uma criança. — Seu pai ligou mais cedo, disse que
vai ligar depois para falar com você — ela falou e eu vi o rosto do Matheus
mudar repentinamente.

— Não quero falar com ele — ele disse irritado.

— Matheus, ele é seu pai — Lúcia disse em um tom calmo.

— Não me importo. Se ele ligar de novo, diz que eu morri igual o


Alex, ele não se importa mesmo — ele falou, mas pareceu se arrepender logo
depois, quando as lágrimas começaram a escorrer do rosto de Dona Lúcia.
Matheus voltou abraçando a mãe e pedindo desculpas, e eu me senti um
pouco constrangida por estar no meio daquilo tudo. Discretamente coloquei
meus fones de ouvido e fiquei escutando algumas músicas, encarando o chão
por uns bons vinte minutos, até sentir mãos em meus cabelos.
Olhei para a sala e vi que Matheus não estava mais lá, então tirei os
fones e a Lúcia disse com tristeza:

— Desculpa por isso, querida. Mas a relação do Math com o pai dele
só piorou depois do acidente. Às vezes ele tem alguns acessos de raiva e é
muito difícil para mim...

— Não se preocupa, eu entendo. Meu pai nunca compreendeu a

minha dor, então ele não se importou o suficiente para me consolar —


revelei.

— Infelizmente só nós sabemos a dor e a delícia de ser quem somos,


espero que o tempo cure nossas feridas — ela falou enxaguando os meus
cabelos.

Ficamos em silêncio assistindo ao filme enquanto ela terminava.


Assim que me virei e vi meu cabelo parcialmente azul, meus olhos se
encheram de lágrimas. Tinha ficado exatamente como eu imaginava e foi

impossível não lembrar da minha melhor amiga.

— Espero que essas lágrimas aí sejam de felicidade, porque ficou


lindo, Alana! — Lúcia disse arrumando ainda mais o meu cabelo.

— São de emoção, dona Lúcia. Muito obrigada mesmo!

O Matheus não apareceu mais por lá e não me viu com parte do


cabelo azul.

Minha mãe foi me buscar e, antes de dormir, conversamos como há


muito tempo não fazíamos. Ela me contou que tinha achado um lugar para ser
sua confeitaria e que o aluguel não era tão abusivo, e pensamos mais uma vez

em mil opções de decoração, em tudo que faríamos naquele lugar. Era difícil
não lembrar da Karen, que tinha sonhado isso junto com a gente. Eu sentia
muita falta dela, o tempo ainda não tinha curado as minhas feridas, mas eu
esperava que isso acontecesse logo.

Não aguentava mais as crises de choro antes de dormir.


NOVE

“ Nada pode tornar nossa vida, ou a vida das outras pessoas, mais bonitas do que a gentileza eterna. “
— Leon Tolstói

Acordei animada na manhã seguinte, estava ansiosa para ir para o


colégio, queria muito ver como as pessoas reagiriam à minha coluna. Eu
queria receber e-mails, queria ajudar todos aqueles que precisavam de um
conselho amigo.
Estava me sentindo estranhamente corajosa, talvez os cabelos azuis
tivessem me dado a força da Karen, porque me sentia bem como há dias não
sentia. Tomei banho e desci para a cozinha, onde minha avó me aguardava
alegremente com o café da manhã pronto.
— Bom dia, vovó — cumprimentei-a com um abraço.
— Bom dia, minha neta — ela beijou minha testa e mandou eu me
sentar.
— Cadê a mamãe? — Perguntei tomando meu café.
— Saiu cedo para encontrar uma cliente, acho que em breve teremos
muita gente nessa casa — ela disse colocando uma fatia enorme de bolo em
meu prato. Eu sabia que não conseguiria comê-lo inteiro, mas não queria
decepcionar a minha avó, que se entristecia muito com os problemas que eu
estava tendo para comer, então não comentei sobre o tamanho avantajado do
bolo.
— Evento grande? — Questionei. Só tínhamos os ajudantes de
mamãe em casa quando o evento era muito grande.
— Sim, enorme. Acho que é um casamento, querem que sua mãe
cuide de tudo. O dinheiro vai ser alto, quem sabe não seja o suficiente para
ela abrir sua própria confeitaria! — Vovó parecia muito animada.
— Espero que sim, sei que é o sonho dela.
Tomamos nosso café conversando um pouco. Como o esperado, meu
estômago embrulhou na segunda garfada do meu bolo, então disfarcei e,
quando vovó estava distraída, levantei e joguei o resto fora. Prometi para
mim mesma que tentaria comer bem no almoço.
Levantei, despedi-me da vovó e fui de bicicleta até o colégio.
Infelizmente dessa vez não encontrei Matheus no caminho.
Andei até a caixa onde ficam os jornais e admirei a minha coluna.
“Quer um conselho?
Você tem um segredo, não tem coragem de contá-lo a ninguém, mas
precisa desesperadamente de ajuda ou de um conselho? Sua oportunidade
chegou! Essa coluna será exatamente para isso.
Mande uma mensagem para
queroumconselho@colegio.sanvallentin.com e você será respondido!
Não se preocupe, o processo é totalmente anônimo. Sinta-se à
vontade para criar um e-mail fake, caso se sinta mais confortável, então não
se envergonhe e me mande um e-mail! Prometo fazer o meu melhor para
ajudar!
Alana Soares”
Quando terminei de ler, abracei o jornal e dei uns pulinhos. Estava tão
feliz que nem percebi as pessoas ao meu redor, foi só quando escutei
risadinhas que despertei do meu momento de alegria.
A Tiana e a Laís estavam zombando de mim perto da cantina,
apontando dedos, cochichando e rindo. Senti uma pontada de raiva, mas sabia
que não adiantaria confrontá-las, então ignorei e segui para sala.
O lugar do Matheus estava vazio. Estranhei, porque desde o começo
do ano ele começara a chegar bem cedo. Se ele não viesse, eu teria que
assistir às aulas da tarde sozinha. Sentindo-me um pouco solitária, peguei
meu celular para buscar consolo no meu Romântico Anônimo. Ele me
mandava mensagens todas as manhãs antes das aulas começarem, mas
naquele dia a minha caixa de mensagens estava vazia.
Resolvi mandar uma mensagem para ele, apenas para me certificar
que estava tudo bem.
>> Olá, romântico anônimo. Está tudo bem? Não me mandou
mensagens ainda...Estou começando a ficar preocupada...Me responde
quando puder.
Enviei e aguardei uma resposta, mas nada.
O professor entrou na sala, e eu guardei o celular na bolsa. Assisti às
duas primeiras aulas sem nenhum problema, então, no terceiro horário, fomos
para o campo de futebol para aula de educação física e eu finalmente vi o
Matheus.
Ele estava deitado na arquibancada, olhando para o céu, como se não
se importasse nem um pouco com as aulas, com o sol forte ou com o calor
intenso. Fui para o vestiário para me trocar e o professor nos mandou dar
voltas no campo. Quando vi as meninas correrem em grupinhos ou duplas,
me senti novamente um pouco solitária, então eu vi a Luana. Ela não era
minha amiga, mas apesar de não sermos próximas, nós conversávamos
bastante no ano anterior, antes do acidente.
Eu devia estar mesmo desligada naquele ano, porque me assustei
muito quando vi o quanto ela estava diferente.
A Luana estava magérrima! Era tão estranho vê-la assim, ela ficava
muito mais bonita com todas aquelas curvas. Bom, talvez ela não estivesse
tão feliz com o outro corpo e quisesse mudar... quem era eu para julgar?
Aproximei-me meio receosa, cumprimentando-a.
— Oi, Lu — chamei-a pelo apelido.
— Oi, Alana. Tudo bem? — Ela questionou se alongando.
Quando me aproximei mais dela, reparei nas olheiras fundas embaixo
dos seus olhos, ela também me parecia abatida.
— Tudo bem também. Escuta, posso correr com você? Estou sem
dupla — perguntei a ela.
— Pode sim, claro — ela respondeu sorrindo.
Corremos juntas por um tempo, sem dizer nada uma a outra, até eu
quebrar o silêncio.
— Quase não te reconheci, você mudou tanto — disse a ela.
— Ah, obrigada. Eu me sinto muito mais bonita agora que eu
emagreci — ela falou ajeitando seus cabelos longos e loiros.
— Fico feliz. É importante nos amarmos acima de tudo, não é?
Ela apenas sorriu debilmente e voltou a ficar em silêncio. Ela estava
um pouco arfante, mesmo que estivéssemos correndo devagar. Estranhei,
porque ela era bastante atlética, mas como estava calor, assumi que ela
estivesse um pouco desidratada. Quando terminamos a corrida, o professor
propôs um jogo amistoso e enquanto os times se formavam, fui falar com o
Math na arquibancada. Subi os andares e parei no degrau abaixo dele para
ficar de frente para ele.
— Ei, esqueceu que tem aula hoje? — Questionei, mas ele nem se dar
o trabalho de olhar para mim, o capuz do seu casaco cobria parcialmente o
seu rosto.
— Não esqueci, só não quis aparecer por lá — ele respondeu mal-
humorado.
— Nossa, que bicho te mordeu, garoto? Aconteceu alguma coisa para
você estar com todo esse mau humor? — Perguntei tentando entender o que
estava acontecendo.
— Não te interessa o que aconteceu. Pode me deixar em paz, Alana?
Vai cuidar da sua vida — ele disse ríspido.
Encarei-o boquiaberta. Não esperava tamanha grosseria assim,
principalmente dele. Então, enfureci-me e dei as costas a ele, largando-o lá
sozinho. Não sei por que me dei ao trabalho de falar com ele.
Perdi totalmente a vontade de voltar para a aula depois disso. Sentei-
me no banco dos reservas e despistei o professor dizendo que estava
esperando para entrar no jogo. Tirei meus fones de ouvido e coloquei uma
banda de rock para tocar, esperando que ela fizesse minha raiva passar.
Quando a aula acabou, fui até o vestiário, mas antes de entrar, senti
uma mão puxando meu braço.
Era o Matheus.
— Desculpa, não estou muito bem, mas não devia descontar em você
— ele disse. Ainda senti uma pontada de raiva dele, mas quando realmente
olhei para o rosto do Matheus, vi que o seu olho esquerdo estava em um tom
arroxeado e a fúria se dissipou, dando lugar para a preocupação.
Ele havia levado um soco.
— O que aconteceu com seu rosto? — Questionei assustada, tocando
sua pálpebra com delicadeza para não machucar ainda mais.
— Briguei com meu pai — ele disse sem muita explicação.
— E então ele te deu um soco? Meu Deus. Quer conversar? —
Perguntei tirando minha mão do rosto dele.
— Quero, mas não aqui — ele segurou minha mão me levando até o
estacionamento onde estava a moto dele, que fazia muito tempo que eu não
via.
Não sabia aonde iríamos, mas não sentia nem um pingo de
arrependimento por deixar o colégio no meio da aula.
DEZ

“Só se pode entender a vida olhando para trás; mas deve vive-la olhando para frente. “ — Soren
Kierkgaard

O Matheus me entregou um capacete sem dizer nada, olhando para


mim e esperando que eu o pegasse.

— Opa, opa! Não vou andar nisso não — eu queria muito ir com ele,
mas morria de medo de andar de moto.

— Deixa de ser medrosa, você anda de bicicleta e é quase a mesma


coisa! — Ele falou rudemente, esticando o capacete na minha direção com
mais veemência.

— Que saco, garoto! Não gosto de motos. Se você quer sair, vamos
andando ou de Uber — respondi grosseiramente.

— Estamos indo para um lugar longe, vamos de moto ou não vamos.


O Uber não é uma opção. Você escolhe! — Ele disse jogando o capacete em
meus braços.

Contrariada, coloquei o capacete e ele me ajudou a subir naquele


veículo da morte, como eu costumava me referir a motocicletas. Ele deu a
partida e, assim que começou a acelerar, eu me segurei nele, abraçando sua
cintura. Ele parecendo sentir meu nervosismo, então acariciou uma das

minhas mãos e isso me acalmou um pouco.

Como não estávamos indo tão rápido, apreciei o vento contra o meu
rosto e tentei descobrir para onde íamos. Quando passamos pela ponte que
ligava o centro ao litoral, eu entendi.

Estávamos indo para uma praia que eu adorava. Olhar as ondas me


trazia uma paz enorme. Estacionamos e o Math me ajudou a descer, então ele
retirou uma toalha da mochila e a colocou sobre a areia para sentarmos.

O mar estava revolto e o vento estava frio, apesar do sol forte. Por um

tempo ficamos ali, em silêncio, apenas escutando o barulho do mar.

Era estranho estar ao lado do Matheus. Eu estava surpresa por


estarmos conversando tanto ultimamente. A Karen insistiu para que eu
fizesse isso durante todos esses anos, mas nunca consegui.

Estudávamos no mesmo colégio desde que éramos crianças, sempre


tive algo por ele, mas nunca senti que fosse correspondida.

Esqueci essa paixonite depois de alguns anos, porém ela voltou com
força depois que a Karen e o Alex começaram a namorar. Ambos pareciam

ter a missão de unir seus irmãos para que pudéssemos sair em casais. Nem eu

nem o Math dávamos muita corda para os planos dos dois, apesar do meu
coração acelerar sempre que os dois nos deixavam sozinhos. A Karen tinha
certeza que assim que ficássemos sozinhos ele se declararia para mim e
seríamos o casal mais feliz do mundo.

Mas infelizmente isso nunca aconteceu.

O Math sempre foi popular, o capitão do time de futebol que ficava


com todas as meninas do colégio, e eu sempre fui muito reservada. A única
vez que tive toda atenção do colégio foi quando não aceitei suborno do ex-
diretor e denunciei para o jornal local a realidade dos lanches do nosso
colégio.

Aquele foi um dos momentos mais emocionantes da minha vida, um


texto meu foi publicado no jornal local e isso foi motivo de muito orgulho

para minha mãe. Foi a partir daquele momento que eu decidi que tocaria as
pessoas com as minhas palavras. Eu queria ser jornalista e teria um
compromisso com a verdade e integridade dos fatos, e era isso que eu vinha
tentando fazer desde então.

— Math, quer me dizer o que aconteceu entre você e o seu pai? Sei
que vocês não se gostam, mas agressão física é demais... foi algo sério? —
Questionei calmamente na tentativa de fazê-lo me contar algo.
— O Valdir é um completo idiota, um canalha que não valoriza o que
tem. Ele poderia ter ficado comigo e com a minha mãe quando o Alex

morreu, mas não, ele não teve coragem e nos abandonou — ele respirou
fundo, limpando algumas lágrimas do seu rosto. — Agora ele acha que pode
interferir em nossas vidas, aparecendo lá em casa completamente bêbado e
fazendo minha mãe sofrer ainda mais.

Ele olhava diretamente para o horizonte. Com o coração partido,


estiquei minha mão até a dele, tentando passar algum conforto. Ele entrelaçou
nossos dedos, ainda sem olhar para mim.

— Ontem à noite ele apareceu lá em casa, totalmente embriagado e


disse coisas horríveis para a minha mãe. Ele disse que ela era culpada pela
morte do Alex, que foi ela quem deu o carro para ele. Ela chorou muito,
porque ela também se culpa por isso. Não foi culpa dela, e eu estava
começando a convencê-la disso, então ele veio e destruiu tudo. Foi horrível

vê-la daquele jeito de novo, então comecei a discutir com ele, trocamos
vários xingamentos até ele dar o primeiro soco e eu revidar. Nos
engalfinhamos por um tempo até os vizinhos separarem.

— Eu sinto muito, Math. Nunca poderia imaginar que isso tivesse


acontecido... não foi culpa de ninguém, foi uma fatalidade. Seu pai também
está de luto, ele só está descontando nas pessoas erradas. Ele ainda vai
perceber isso.
Ele não disse nada, apenas acariciou minha mão com o polegar e
continuou olhando o mar. Ficamos lá por um tempo dividindo nossa dor, até

que o Matheus quebrou o silêncio.

— Que tal caminharmos um pouco? Tem um parque de diversões


daqui alguns metros. Deve estar abrindo agora, podemos ir para lá e fingir
que somos normais por um tempo, o que acha? — Ele questionou se

levantando me estendendo a mão.

Agarrei-a de bom grado e caminhamos de mãos dadas até o parque,


que era bem amplo e repleto de brinquedos e barracas com comidas e
artesanatos.

Compramos camisetas para trocarmos as do colégio e caminhamos até


a montanha russa. Em todos os brinquedos que íamos, o Matheus não largava
a minha mão. Eu não sabia como devia me sentir em relação a isso, mas ele
me fazia bem.

Estávamos felizes, como há muito tempo não ficávamos. Éramos dois


adolescentes normais, sem traumas ou tristezas, aproveitando a vida.

Caminhamos até a roda gigante e, apesar de não gostar muito de


altura, o Math me passava muita confiança.

Quando estávamos na parte mais alta, eu perguntei:

— Como foi o treino?

— Foi bom. Temos algumas ideias novas para o time. Estava com
saudade de jogar com o resto do time.

— Você não estava mais jogando?

— Só um pouco. Às vezes o Albert, o Nicolas e eu treinávamos


alguns lances e pensávamos em jogadas, mas nada sério — ele disse e eu
sorri.

— Vocês sempre foram muito amigos, né?

— Sempre. Nós nos conhecemos ainda moleques, na escolinha de


futebol, e não nos separamos mais. É bom estar de volta ao time com eles...
mas e você? Como foi no clube de jornalismo?

— Foi bom também. Quero aprimorar algumas matérias, fiz a minha


coluna, quero me dedicar mais a isso, já que pretendo cursar jornalismo.

— Esse sempre foi seu sonho, né? — Ele perguntou apertando de leve
a minha mão.

— Sempre, desde que aprendi a ler eu soube que queria ser jornalista.

— Você gosta muito de ler também, né? Comecei um thriller bem


legal essa semana, um do Stephen King — ele disse e eu me interessei ainda
mais na nossa conversa. Eu adorava conversar sobre livros!

— Nunca li nada dele. Eu curto mais romances, mas li um thriller da


Gillian Flynn, Garota Exemplar, e é um livro surreal de bom. Sério, coloca na
sua lista de leituras — falei sem conter minha animação.

— Já ouvi falar! Assisti ao filme e ele é muito bom, então o livro deve
ser melhor ainda.

— Pode ter certeza que é! Espero que você leia e me conte, quero

saber sua opinião. Acho que também vou ver o filme e aí nós podemos
comparar os dois!

— Boa ideia! Vamos comparar para ver se a adaptação ficou boa —


ele disse e eu sorri. Não sei se essa conversa um dia aconteceria, mas eu

esperava que sim.

— Mas ei, será que esse brinquedo vai demorar muito aqui em cima?
— Perguntei olhando para baixo, o que foi uma péssima ideia.

— Demora um pouco, por quê? Está com medo? — Ele questionou já


rindo.

— Só um pouco, não curto muito ficar em um lugar tão alto.

— Relaxa que não vamos cair. E, se cairmos, eu te seguro — ele disse


me abraçando e eu me aconcheguei a ele por um tempo.

Quando saímos do parque, já eram quase sete horas da noite, minha


mãe ia me matar!

Corremos até a moto do Matheus e, ao pegar meu celular, percebi que


ele estava desligado.

Droga! Acabou a bateria!


— Math, me empresta seu celular? A minha mãe deve estar
desesperada — disse colocando a mochila em minhas costas.

— Estou sem celular, quebrei o meu ontem na briga e ainda não


comprei outro — ele disse me entregando o capacete. — Sobe aí que vamos
rápido, eu te deixo em casa e converso com a sua mãe.

Subi na moto e o Matheus pilotou até minha casa, indo bem rápido e

me fazendo abraçá-lo por todo o caminho.

Ao estacionarmos, vi um carro da polícia na porta da minha casa.

Era oficial. Eu estava muito ferrada.


ONZE

“Não espere até descobrir quem você é para começar. “ — Austin Kleon

Desci rapidamente da moto e, ao lado do Math, corri para dentro da


minha casa. Sentados na sala, encontrei minha mãe; a mãe do Matheus, Dona
Lúcia; a minha vó e o Senhor Cortez, o delegado da cidade.

Ao me ver, mamãe se levantou rapidamente, correu até mim e me

abraçou. Ela estava chorando, eu conseguia sentir as lágrimas dela em meu


ombro.

— Mãe, não precisa chorar, eu estou bem — disse acariciando suas


costas e tentando acalmá-la.

— Como você pôde sair do colégio e sumir o dia inteiro sem me


avisar, Alana Soares Calmões? Não pensou em me dar nenhum tipo de
satisfação? Você não era assim! Está tentando me fazer enfartar antes da
hora? — Ela gritou limpando as lágrimas.

“Ok! A tristeza já passou, agora vem a fúria”, pensei.

— Desculpa, mãe. Meu celular descarregou e a gente não viu o tempo


passar lá no parque — revelei sem encará-la.

— A gente? Então quer dizer que você também estava com ela,

Matheus? São dois irresponsáveis agora? Você não pensa na sua mãe não,
rapazinho? — Ela questionou irritada, alternando seus olhares entre mim e
Matheus.

— Fica calma, Susana. Eles estão bem e é isso que importa, não é? —
O delegado Cortez falou para a minha mãe, colocando as mãos em seus
ombros. Ela pareceu relaxar um pouco.

— É sim, a gente só quis relaxar um pouco, mãe, desculpa de


verdade. Meu celular descarregou e estávamos curtindo tanto que não

percebemos — eu respondi indo ficar ao lado dela.

O Matheus, que até então tinha ficado estático, em silêncio, foi até a
mãe dele e conversou baixinho com ela.

Voltei minha atenção para minha mãe, que agora levava o delegado
até a porta, conversando baixinho com ele. Todo mundo tirou o dia para
sussurrar, foi?

— Bem, meu trabalho por aqui acabou — Ele disse para todos e
depois olhou diretamente para mim. — Tenta não dar tanto trabalho a sua
mãe.

— Vou tentar, mas o problema é que ela não é muito paciente. Você
viu que ela te chamou sendo que não tinha sumido nem por 24 horas — falei
e minha mãe revirou os olhos. Sentei-me no sofá ao lado da minha vó e
Pudim deitou em meu colo.

— É natural dos pais se preocuparem, Alana. Mesmo com o meu filho


Jordan morando longe, eu ligo constantemente para saber onde ele está — ele
contou e eu sorri lembrando dele. Éramos muito próximos até ele se mudar
para outro estado com a mãe dele.

— E como está o Jordan? Há anos não o vejo... — Escutei minha mãe


perguntar antes deles saírem de casa.

O silêncio reinou na sala. O Matheus já tinha parado de conversar


com a mãe dele e agora me encarava como se pudesse ver além do meu

exterior. Eu me remexi, levemente desconfortável com a intensidade.


Ficamos nos encarando até minha mãe voltar para sala, atraindo minha
atenção para ela.

Depois de tanto choro, irritação e preocupação, ela estava bastante


feliz, parecendo que tinha visto um passarinho verde. Ou seria azul, a cor dos
olhos do senhor Cortez?

— Aconteceu o que lá fora que te deixou toda feliz assim? —


Questionei provocando-a. Ela imediatamente fechou a cara, ainda irritada
comigo.

— Não aconteceu nada, Alana. Vá tomar um banho para me ajudar


nos preparativos para o casamento — ela disse tirando o Pudim do meu colo
e indo para o lado da Lúcia.

— Poxa, mãe. Cadê seus bilhões de ajudantes? Desde quando eu

tenho que te ajudar nessas coisas? — Perguntei fazendo uma careta.

— Desde quando você resolveu dar uma de adolescente rebelde. Você


precisa aprender a ter mais responsabilidade. A senhorita está de castigo e vai
me ajudar porque eu estou mandando — ela respondeu com um tom de voz
autoritário que eu não ouvia há anos. Pelo canto do olho, vi o Matheus rindo
disfarçadamente.

Que sacana!

— Aff, mãe! Que saco! Já estou muito grande para ficar de castigo —

falei a ela.

— Grandes castigos eu te dou! Deixe de reclamar que no tempo de


sua avó os castigos eram bem piores — ela respondeu e eu resolvi parar de
contestar antes que ela me envergonhasse ainda mais.

Revirei os olhos e, sem olhar para ninguém, especialmente para o


Matheus, fui até meu quarto. Lá, liguei minha caixa de som em um volume
baixo, conectando-a ao Spotify, e andei até o banheiro, onde tomei um longo
banho e lavei meus cabelos. Voltei para o quarto e caminhei até o guarda-

roupas apenas de toalha, cantarolando baixinho junto com a música que

soava no ambiente. No meio do caminho, no entanto, minha voz morreu


quando notei algo diferente no meu mural.

Era uma foto bastante familiar.

Uma foto minha e do Matheus.


DOZE

“ Cuide do que existe dentro de você. “ — Chuang Tzu

A foto em si eu nunca vira antes, mas a situação retratada nela vibrava


em minha mente como se tudo tivesse acontecido há minutos. Foi logo depois
do Alex e a Karen começarem a namorar. Naquele dia, fizemos uma fogueira
no quintal do Alex. Era alta primavera e tinha sido um dia quente no qual eu

usara roupas de verão, no entanto, assim que anoiteceu, a temperatura baixou


bastante e o Matheus veio me aquecer.

Ele se sentou ao meu lado com uma enorme manta e me abraçou. Eu


me aconcheguei a ele e ficamos assim por um tempo. Nunca tínhamos ficado
tão próximos um do outro, eu podia sentir até as batidas do seu coração. Ele
estava sendo gentil comigo até perceber que a Karen estava nos fotografando
e me deixar sozinha e com frio.

A Karen nunca tinha deixado eu nem chegar perto da foto. Como o

Matheus tinha conseguido? Peguei-a do mural e observei-a de perto.

Qualquer um que olhasse para ela diria que éramos um casal, porque
de fato parecíamos com um.

O que será que ele queria com aquela foto? Que eu visse o quão bem

nós ficávamos juntos? Isso era bem estranho, ele nunca nem demonstrou
querer sequer a minha amizade.

Coloquei-a de volta no mural e fui me vestir. Coloquei um short jeans


bem confortável e uma blusa regata com a logo da Mulher Maravilha. Sequei
meus cabelos com o secador e os prendi em um coque. Calcei minhas
sandálias, coloquei meus óculos e desci.

Quando cheguei na sala, notei que Matheus e sua mãe já tinham ido
embora. Fiquei decepcionada com isso, tinha esperanças de confrontar ele

sobre a foto e fazê-lo me dizer porque tinha a deixado lá. Beijei a testa de
vovó e caminhei até a cozinha, encontrando minha mãe fazendo os recheios
dos cupcakes para o casamento.

— Demorou, hein? — Ela disse me entregando a massa já pronta e


me mostrando onde estavam as forminhas.

— Desculpa, precisava relaxar um pouco — falei começando a


colocar a massa nas formas.
— Não é como se a senhorita já não tivesse relaxado a tarde toda. Eu
ainda não consigo acreditar na sua irresponsabilidade, Alana! Eu te criei para

ser melhor que isso! — Ela esbravejou batendo a colher na beira da panela,
sem nem ao menos olhar na minha direção.

— Mãe... Eu já te pedi desculpas. Você me perdoa? Eu prometo que


nunca mais vou te deixar preocupada assim, mas por favor, você já me

deixou de castigo e isso é o suficiente. Não brigue comigo assim — eu pedi


enquanto colocava a massa nas forminhas com bastante cuidado.

Ela suspirou e permanecemos alguns minutos em silêncio. Então, com


o tom de voz bem mais calmo, ela disse:

— Ok. Eu conheço você e sei que foi apenas um descuido. Mas que
seja a última vez.

— Eu prometo, mãe — disse com sinceridade.

— Certo. Então está bem. E como foi o passeio com o Matheus? Ele

te contou o que aconteceu? A Lúcia estava arrasada — ela perguntou


enquanto mexia o recheio no fogão.

— Contou sim. Foi por isso que fomos para o parque, ele precisava
espairecer um pouco. Parece que a briga foi séria — eu disse colocando a
primeira leva de cupcakes no forno.

— Muito séria, filha. Eles foram às vias de fato, se engalfinharam na


sala da Lúcia e ela, coitada, nem sabia o que fazer — mamãe me contou.
— Deve ter sido horrível. O Matheus estava muito chateado.

— Pois é — ela comentou. Por um tempo, ficamos em um confortável

silêncio, apenas trabalhando. Eu estava tentando julgar se ela de fato estava


menos brava comigo para que eu pudesse perguntar o que eu queria
perguntar, e foi quando ela me deu um sorriso por cima do ombro que eu me
senti confiante em questioná-la:

— Mãe, me diga. Está acontecendo alguma coisa entre a senhora e o


delegado? — Assim que terminei de falar, ela se virou para me encarar com
uma expressão levemente escandalizada e um rubor na face.

Bingo! Estava sim acontecendo alguma coisa. Senti meu rosto se


curvar em um enorme sorriso.

— Não está acontecendo nada, Alana. Somos amigos, apenas — ela


disse voltando a encarar as panelas.

— Amigos, hm, sei... você sabe que pode me contar a verdade né,

mãe? Nunca escondemos nada uma da outra — eu disse indo abraçá-la.

— Sei sim, filha. E pode ter certeza de que se acontecer alguma coisa
você será a primeira a saber, mas dessa vez não tem nada acontecendo
mesmo — ela falou sem me encarar. Senti meu sorriso ficando maior. Ela
não estava preparada para me contar, mas os trejeitos de adolescente com
uma quedinha não escondiam nada. E olha que a adolescente ali era eu!

Falando de várias bobagens, trabalhamos até um pouco depois da


meia noite, quando ela guardou os cupcakes prontos e me enxotou para o

meu quarto, dizendo que estava tarde e eu precisava dormir.

Eu estava sem sono, mas para não a contrariar depois de um dia


turbulento, desliguei a luz, peguei o meu notebook, levei-o até a cama e abri
logo o meu e-mail. Queria saber se alguém já tinha se correspondido comigo.
Imediatamente meus olhos foram para a seguinte mensagem:

“Você tem cinco e-mails!”

Relei-a várias vezes e tapei a boca com as mãos para me impedir de


soltar gritinhos de alegria, tamanha minha euforia.

Respirei fundo e abri o primeiro e-mail, que era de uma garota


chamada Yara.

“Querida Alana.

Será que posso confiar em você?

Estou namorando há alguns meses com um cara que eu gosto muito,

ele sempre foi muito gentil e respeitoso, mas ultimamente tem me


pressionado muito para transar com ele. E eu ainda não me sinto pronta! Ele
tem ficado distante e acho que vai terminar comigo por isso... Devo me
entregar a ele apenas porque ele quer? Não quero dividir isso com minhas
amigas porque eu sei que elas iriam acabar me julgando, me chamando de
santinha. E tudo o que não preciso agora é ser julgada. Gostaria de um
conselho de alguém de fora... me ajuda?”
Reli a mensagem novamente, com bastante calma, e tudo o que se
passou na minha cabeça foi:

“Seu namorado é um babaca, Yara!”

Mas não podia escrever isso, então me preparei para aconselhá-la.

“Querida, Y.

Temos alguns problemas aqui nessa situação. O primeiro é toda essa


pressão para você fazer algo que você não quer. Nunca devemos fazer coisa
alguma por pressão dos outros, todos temos nossas vontades e anseios e eles
devem ser respeitados, independentemente da situação, mas principalmente
em um assunto tão delicado como esse. Em tempos atuais, muito se tem
discutido em relação à liberdade sexual e com razão, afinal, existem muitos
tabus ao redor desse assunto e eles devem ser quebrados. Mas o que não
podemos esquecer jamais é que liberdade sexual também é a liberdade de

dizer NÃO! Se você não se sente preparada, você não se sente preparada,
não tem o que discutir aqui, o que nos leva ao segundo problema da sua
pergunta.

O que eu acho que está acontecendo aqui é uma grande falta de


respeito que esse rapaz está tendo por você nesse momento. O corpo é seu,
SEU e de mais ninguém! Não é do seu namorado, nem de nenhum homem
que porventura venha a se relacionar com você. Cabe ao seu namorado
respeitá-la por quem você é, e não pelo prazer que você pode proporcionar a
ele. Não abra mão de aproveitar um momento tão importante como esse

apenas porque ele quer. Namorado da Yara e qualquer outro garoto que
esteja lendo isso: respeitem as meninas!

E então chegamos ao terceiro problema da sua situação: o fato de ele


estar se afastando de você porque você não quer transar com ele. Será que

ele não está com você por interesse? Se você acha que ele vai terminar por
você dizer não, querida, eu sinto lhe dizer que ele não te ama e que esse
relacionamento não é nem um pouco saudável. Eu tenho certeza que você é
uma pessoa incrível que merece alguém que te ame e te respeite, alguém com
quem você vai ter momentos maravilhosos e, o mais importante de tudo, com
consentimento e amor de verdade.

Termina logo com esse babaca.

Espero ter ajudado.

Alana Soares.”

Sorri ao terminar de escrever e enviei para a Lívia. Como era um


jornal semanal, a maioria das pautas tinham que estar prontas alguns dias
antes da publicação.

Guardei o notebook, vesti meu pijama, deitei na cama e peguei o meu


celular na cabeceira da cama. Queria ver se meu romântico anônimo tinha
dado um sinal de vida.

Alegrei-me ao ver uma mensagem dele, mandada há apenas alguns

minutos.

>> Às vezes eu me pergunto por que não me permiti conhecer você


melhor antes e sempre chego à conclusão de que eu era um covarde que não
tinha coragem de expressar meus sentimentos. Ainda bem que eu mudei.

Bons sonhos, minha bruxinha

Suspirei encantada e senti muita vontade de respondê-lo. Eu queria


muito saber quem ele era, queria ouvir a voz e abrir meu coração para ele.
Mas eu não podia me entregar a quem eu não conhecia.

E ainda tinha o Matheus no meio disso tudo.


TREZE

“Sua vida é sua história. Vá escreve-la. ” – Clare

No dia seguinte, acabei não escutando o despertador e cheguei


atrasada no colégio. Mal tive tempo de me arrumar, então cheguei usando
uma saia jeans enfiada às pressas e a camisa do uniforme, que estava bastante
amassada. Saí correndo entre os corredores até parar na porta da minha sala.

A professora de inglês estava dando sua aula e ela era gente boa, mas
odiava atrasos, então optei por não interromper sua aula. Fui direto para sala
do jornal, liguei o computador para olhar como estava a diagramação do
exemplar da semana.

Enquanto o programa carregava o arquivo, meus olhos se prendem no


quadro de avisos dos alunos, pois lá estava um convite extremamente
chamativo e brilhoso para a festa da Tiana.

Ela faria dezoito anos e aparentemente estava convidando o colégio

todo para a festa, que seria no dia seguinte, na casa dela. Revirei os olhos e
ignorei, eu nunca apareceria na casa dela depois das coisas que ela e a Laís
disseram sobre a Karen.

Voltei minha atenção para minha mesa, organizei alguns textos para

serem postados ao longo da semana e, quando o sinal bateu, fui para sala no
segundo horário. Assim que entrei, deparei-me com a Laís praticamente em
cima do Matheus.

De novo!

Aquela garota parecia não ter senso do ridículo.

O Matheus não estava nem dando atenção a ela, continuava


conversando com seus colegas de time. Quando ele me viu, parou de
conversar e me encarou como se quisesse me dizer alguma coisa.

Eu queria conversar com ele, queria saber por que ele tinha deixado
aquela foto no meu quarto.

Estava tão confusa!

Precisava saber o que significava aquilo tudo.

Sentei ao lado da Luana, que tinha olheiras enormes abaixo dos seus
olhos, a menina parecia que não tinha dormido nada.

— Oi, Lu! Noite difícil? — Questionei preocupada.


— Um pouco, às vezes não consigo pregar o olho — ela disse
deitando sobre a mesa.

— Também tenho insônias as vezes e é uma merda! Tenta beber um


café no intervalo — falei tirando meu celular e caderno da mochila.

— Vai ser o jeito, apesar de que o café da cantina tem gosto de tinta
velha — ela disse com uma careta, fazendo-me rir. — Mas ei, já que você

está aqui, me diz uma coisa, está acontecendo alguma coisa entre você e o
Matheus? — Ela questionou intrigada. Senti uma contração no estômago e
meu coração acelerou imediatamente.

— Entre mim e o Matheus? Não! — Exclamei com a voz trêmula. —


Por que está perguntando isso?

— Ele não para de olhar na nossa direção e, como sei que ele não está
olhando para mim, achei que vocês estavam tendo alguma coisa — ela disse.

— Ah — falei olhando para o Matheus, que estava realmente me

encarando. Ainda muito nervosa, deixei nossos olhares se encontrarem e


ficamos nos olhando até o professor entrar na sala e chamar a nossa atenção.
Do meu lado, a Luana estava me olhando com uma expressão divertida. Senti
meu rosto aquecer, desviei o olhar dela e comecei a retirar o resto dos meus
materiais da mochila. Foi então que esbarram na minha mesa, derrubando boa
parte das coisas que estavam nela.

Olhei para cima e vi que foi a Laís.


— Qual foi, garota! Está cega agora? Não enxerga nem minha mesa!
— Falei irritada. Ela sorriu maliciosa, debruçou-se na minha carteira e

sussurrou:

— Não estou cega, pelo contrário estou vendo tudo e não estou
gostando. Acho bom você parar o que está fazendo, o Matheus é meu, sua
santinha — com um grande e falso sorriso, ela voltou para a carteira dela.

Eu devia ter ficado irritada, mas tudo o que eu consegui sentir foi
apatia. Que garota patética! Revirei os olhos e a Luana me ajudou a pegar os
meus materiais para que eu pudesse prestar atenção na aula.

Quando chegou a hora do intervalo, todos falavam sobre a festa da


Tiana. Era incrível como a garota adorava esse tipo de atenção. Passei o
período todo na arquibancada com a Luana, que estava sendo bastante
simpática comigo. Eu gostava da companhia dela, afinal ela era muito
inteligente e engraçada. As piadas sarcásticas e ácidas dela me fizeram rir

tanto que minha barriga doeu um pouco.

Fazia bastante tempo que eu não me sentia feliz assim. Apesar de eu


estar de castigo, minha relação com minha mãe estava melhor que nunca,
minha atuação no jornal com a coluna nova estava me animando para a
minha futura faculdade, eu estava indo bem no colégio, tinha feito uma nova
amiga e ainda tinha um admirador secreto para alegrar minhas noites. Pensei
sobre como a Karen ia gostar de me ver feliz assim.
Depois de vários meses sofrendo, eu finalmente consegui comer todo
o meu sanduíche e não me senti enjoada. Mais uma vitória! Dividi isso com a

Lu, que me deu um abraço para comemorar. Eu ofereci um pedaço para ela,
mas ela disse que não queria, que se meu apetite tinha voltado era para eu
aproveitar.

Quando estávamos saindo do campo, o Nicolas, amigo do Matheus,

nos interceptou.

— Oi Alana, oi Lu — ele nos cumprimentou.

— Oi, Nicolas — respondemos juntas.

— Então, vocês estão indo para sala? — Ele perguntou e eu estranhei.


O Nicolas, assim como o Matheus, dificilmente falava com alguém que não
fosse do grupinho dele. Abri a boca para responder, mas de repente senti
mãos enlaçando minha cintura e fui levantada de surpresa. Ouvi uma risada
familiar enquanto fui colocada no ombro do meu sequestrador: Matheus.

Comecei a socar suas costas e gritei:

— Você está louco, garoto? Me coloca no chão, seu doido!

Ele apenas riu e me levou até o pátio do colégio, não longe dali, onde
ele me soltou como se nada tivesse acontecido.

— Por que fez isso? — Questionei irritada, dando-lhe um empurrão


de leve. Eu estava de saia! Não ficaria surpresa se todos que presenciaram
essa ceninha tivessem visto minha bunda.
— Não percebeu que ele queria falar com ela sozinha? É tão lerda
assim? — Ele perguntou dando um peteleco na minha testa.

Bati em sua mão e olhei para os dois, o Nicolas parecia super


deslocado falando com a Luana.

— Eles não combinam em nada, nunca perceberia que ele quer


alguma coisa com ela — Disse chamando a atenção dele.

— Você não percebeu porque é lerda, só vê as coisas quando elas já


estão sendo esfregadas na sua cara — ele falou saindo de perto de mim, mas
eu o puxei de volta pelo braço, perguntando:

— Você consegue ser bem idiota às vezes, né? Eu não te entendo,


sinceramente. Me diz, como conseguiu aquela foto que você colocou no meu
quarto ontem?
CATORZE

“Descubra qual é o seu dom e o alimente. ” – Katy Perry

Suspirei. Claro que ela ia me interrogar, essa era a futura jornalista


que eu estava começando a conhecer.

— Meu irmão me deu aquela foto, ele pegou em uma das visitas à
casa da Karen e me deu. Ele achou que seria engraçado me provocar com

uma foto de nós dois juntos — disse desvencilhando-me do aperto em meu


braço e, vendo seu rosto confuso, acrescentei: — Satisfeita agora?

— Muito. Olha só, nunca mais entra no meu quarto, seu babaca! —
Ela gritou para mim, deu-me o dedo do meio e deu as costas para mim,
marchando até a nossa sala sem olhar para trás.

Fiquei parado observando, muito provavelmente com a maior cara de


tacho do universo. Precisava dar um jeito nessa minha situação com a Alana.
Eu gostava dela, estar com ela era bom e conversar com ela por mensagens

me fazia um bem danado, mas ela parecia gostar mais do romântico anônimo

do que de mim, e éramos a mesma pessoa!

Precisava dar um basta nisso logo.

— Querido, você não devia estar na aula? O sinal já bateu — ouvi a

voz da inspetora do intervalo atrás de mim e me sobressaltei, percebendo que


estava encarando o vazio que Alana deixara para trás.

A inspetora cruzou os braços e ergueu uma sobrancelha para mim,


então, murmurando um pedido de desculpas, caminhei até a sala para o
quarto horário. Eu até que gostava de geografia. Não era a minha matéria
favorita nem nada, mas eu me dava bem com a teoria. Sentei em minha
cadeira esperando uma aula tranquila, mas então e o professor resolveu
passar um trabalho em dupla. Grunhindo um pouco, virei-me para procurar

alguém para fazer comigo, preferencialmente a Alana, ainda que ela estivesse
brava comigo. E foi aí que o professor cortou o meu barato, anunciando que
ele definiria as duplas por sorteio. Vi a Alana ser sorteada para fazer dupla
com o Tadeu, um dos caras da equipe de natação. Eu não ia com a cara dele
porque ele era um babaca metido a besta.

Quando ela arrastou a carteira para junto da dele, toda sorrisos, e eles
começaram a conversar, senti um desconforto no estômago. Eu tentei desviar
meu olhar do casalzinho e, quando meu nome finalmente foi chamado,

percebi que as coisas podiam ser piores. Minha dupla seria a Laís.

Resignado, arrastei minha cadeira para o lado dela e abrimos nossos


livros nas páginas indicadas. Precisávamos relacionar a teoria com os
problemas ambientais presentes no nosso bairro.

Tentei me concentrar e escrever alguma coisa, mas era meio

impossível com a Alana e o Tadeu gargalhando do outro lado da sala. Eu


queria muito saber o que tinha de tão engraçado no tema deles, ou se aquele
babaca estava cantando a minha garota.

— Poxa, Math! Presta atenção! Não vamos terminar o trabalho desse


jeito! — Laís exclamou irritada, depois da milésima vez que me virei para
olhar para os dois.

— Foi mal — respondi coçando meus cabelos, sem tirar os olhos de


Alana.

— A aula já está acabando e não escrevemos nem a metade, o


trabalho é para amanhã, presta atenção em mim! — Ela falou frustrada,
segurando em meu rosto e virando-o para ela, chamando minha atenção
novamente.

— Foi mal, Laís, mas estou sem cabeça para fazer esse trabalho
agora, não consigo me concentrar com todo esse barulho. Vai lá em casa mais
tarde que a gente escreve lá, está bem? — Disse a ela, que bufou para mim e
tirou o celular para mandar mensagens, provavelmente reclamando de mim
para a Tiana.

Paciência.

Quando o sinal bateu, peguei minhas coisas e saí sem olhar para
ninguém. A última aula seria de educação física. Quando chegamos na
quadra, as meninas começaram a se agrupar fora da área, esperando as

instruções do professor, que geralmente pedia que elas corressem ou fizessem


alguns exercícios de ginástica enquanto os meninos jogavam futsal ou
basquete, mas dessa vez ele fez gestos para que elas se juntassem a nós no
centro da quadra.

— Bom dia, meus jovens Padawans — ele cumprimentou com a


animação costumeira, então se abaixou e pegou uma bola colorida do chão.
Ocorreu um grunhido geral entre as garotas quando percebemos, todos ao
mesmo tempo, que teríamos uma aula de vôlei. — Não adianta reclamar não,

precisamos de esportes para fortalecer esses bracinhos de vocês aí! — O


professor apontou para as garotas, jogando a bola para Laís, que a apanhou
com uma careta.

Quando as redes foram montadas, fomos divididos em quatro times


que jogariam alternadamente, e infelizmente a Alana ficou no time um,
enquanto eu fiquei no dois, o que significava que jogaríamos um contra o
outro.
Comecei a partida dando o primeiro saque, que passou lindamente
pelo bloqueio e chegou na defesa, posição ocupada por Alana. Ela bateu

desajeitadamente na bola, tentando rebatê-la para o levantador, mas o ângulo


estava errado e ela não tinha força alguma, então a bola foi direto para fora e
o professor apitou, marcando o primeiro ponto para a minha equipe. A Alana
não sabia jogar vôlei! Notei isso com um quê de divertimento e pensei em

como eu adoraria ensiná-la, mas antes que eu pudesse pensar em dizer


alguma coisa, o babaca do Tadeu, que estava no time dela, saiu da frente da
rede para demonstrar como ela devia receber uma bola, tocando no braço dela
e dando risadinhas em seu ouvido. Irritado para caralho, bati a bola com força
no chão, pronto para sacar mais uma vez.

Como o Nicolas e o Albert estavam na minha equipe, fiz alguns


gestos e discretamente eles me deram o sinal de positivo. Nós nos
conhecíamos bem o suficiente para montar uma estratégia sem dizer uma

palavra, e agora nós tínhamos um alvo.

Dessa vez, errei meu saque propositalmente para que ele batesse com
um forte estrondo no bloqueio de Tadeu, voltando com força para o nosso
lado da quadra, tocando o chão antes que alguém pudesse se mover. Foi um
ponto entregue, mas a exclamação de dor que escapou dos lábios dele foi
ainda mais satisfatória. A partir de então, independentemente da posição que
ele se encontrava, fazíamos o possível para tornar as jogadas dele muito
difíceis.

No final do jogo, minha equipe ganhou e eu fui comemorar com eles.

Eu estava me divertindo bastante até ver a Alana de papo com ele de novo.
Aproveitei sua distração e gritei:

— Albert, lança a bola!

Ele jogou e eu saquei a bola que foi bem na cabeça do babaca. Eu

gargalhei e cumprimentei o Albert com um high five, mas de repente ele veio
em minha direção, já me empurrando. Empurrei de volta e ele perguntou:

— Qual o teu problema, Matheus?

— Com você? Nenhum — disse dando de ombros.

— Pois não parece, vê se fica esperto, não vou ficar baixando a


cabeça só por vocês serem do time, não! — Ele avisou saindo da quadra e
sentando na arquibancada.

Dispersei a galerinha que tinha se juntado achando que ia ter briga e

senti alguém trombar em mim.

Era a Alana, segurando duas garrafas de água.

— Qual o seu problema, garoto? Por que fez isso com o Tadeu? —
Ela questionou irritada.

— Meu problema é sua proximidade com ele. Se afasta dele, ouviu?


— Avisei de maneira firme, colocando o dedo no rosto dela

— E você acha que manda em mim? Se toca, garoto, eu converso com


quem eu quiser! Deixa de suas maluquices que você só me confunde! — Ela
gritou indo até a arquibancada ficar com o babaca. Ah, então era assim?

Irritado, caminhei até a Laís, que me encarava com surpresa, e peguei-


a pela mão, levando-a até minha moto para irmos para minha casa.

Se a Alana queria ficar com ele, que ficasse!

Não ia dizer mais nada.


QUINZE

“Você pode reclamar porque as rosas tem espinhos, ou pode ser grato porque os arbustos com
espinhos tem rosas. ” – Ziggy (Tom Wilson)

Fiquei surpresa quando o Math me levou para a casa dele assim que
saímos do colégio, já que naquele dia ele não ia ter aula de reposição. Achei
que ele ia me pedir para ir apenas mais tarde, mas não, ele me levou até a

moto dele sem falar nada e eu, que não sou boba, aproveitei para abraçá-lo
pelas costas no caminho. Quando chegamos, a mãe dele foi muito receptiva
comigo e almoçamos os três juntos.

Esta era a oportunidade perfeita para ficar com o Math mais uma vez.
Nós já tínhamos ficado algumas vezes, mas depois da morte do Alex ele
esfriou e se afastou de mim. Eu me preocupava um pouco com o bem-estar
dele, ele era muito próximo do Alex e sofreu muito com a perda. Queria

ajuda-lo e estar lá por ele, mas ele rejeitou todas as minhas investidas e eu
tinha certeza que era por causa da santinha.

Era notável como eles tinham se aproximado depois do acidente, as


trocas de olhares, as aulas juntas, as conversas. Eu percebia tudo! Mas o
Matheus era meu, seria eu quem juntaria os pedaços do coração dele. Ele

sempre seria meu.

E ela não o tiraria de mim.

Depois de comermos a sobremesa, eu me ofereci para ajudar a mãe do


Matheus com a louça, mas ela recusou veementemente, dizendo que
precisávamos estudar, então subimos para o quarto dele para fazer o trabalho.

Sentamos no tapete e ele imediatamente começou a mexer no celular.


Senti novamente um incômodo, mas deixei passar, não podia ficar bancando
a ciumenta, ou ele não ia querer ficar comigo.

— Matheus! Qual é, cara? Não quero ficar com nota baixa nessa
matéria não, lá na sala você não prestava atenção e aqui só fica no celular,
não vai me ajudar? — Reclamei e ele me encarou.

— Foi mal, eu estou com a cabeça cheia, pensando em umas coisas


aqui. Vamos fazer assim, vou tomar um banho para espairecer e aí gente
termina o trabalho — ele disse beijando meu rosto e indo até o banheiro.

Encostei-me na cama dele e percebi que ele tinha deixado o celular


em cima da mesinha de cabeceira.

Engatinhei até a porta do quarto e vi a porta do banheiro fechada,

encostei mais a porta do quarto e peguei o celular que, para a minha sorte,
não tinha senha.

Que maravilha!

Vi as conversas do Whatsapp, porém lá não tinha nada demais, então

fui até a galeria e me surpreendi ao encontrar várias fotos da santinha.

“Você deve estar de brincadeira comigo, Matheus!”, pensei.

Algumas fotos eram do Facebook dela, mas a maioria eram fotos


espontâneas que ele provavelmente tirara quando ela não estava olhando.

Não acreditei que ele gostava dela!

Enquanto eu olhava as fotos, ficando cada vez mais indignada, o


celular vibrou e eu levei um susto. Soltei o celular rapidamente, fingindo que
não estava comigo, mas então percebi que ele apenas tinha recebido uma

mensagem.

Meu Deus! Quem manda mensagem de texto hoje em dia?

Cliquei para abrir e li:

>>De: Bruxinha:

Meu querido romântico anônimo, você está bem sumido. Há dias não recebo
mensagens sua, aconteceu alguma coisa?

O quê? Romântico anônimo? Bruxinha? Com quem que o Matheus


estava falando? Eu precisava saber, porque fosse quem fosse, ela iria

aprender a ficar bem longe do que me pertence.

Anotei rapidamente o número e coloquei o celular exatamente onde


ele estava antes.

O Matheus voltou para o quarto sorrindo e terminamos o trabalho. Ele


estava bem concentrado agora, já eu estava bem nervosa. Eu achava que sabia

quem era, mas precisava descobrir quem era aquela garota para ter certeza.

Quando terminamos o trabalho, ele sugeriu que assistíssemos a um


filme. Sorrindo, recostei-me na cama enquanto ele pegava o computador e
abria a Netflix. Não prestei atenção no que ele escolheu, porque ele se
recostou em mim e eu fiquei acariciando os cabelos dele, que fechou os
olhos, apreciando o carinho.

— Você parece cansado — disse e ele balançou a cabeça


afirmativamente.

— Estou mesmo, ainda bem que terminamos logo esse trabalho — ele
disse ainda de olhos fechados.

— Vai para festa da Tiana amanhã? — Questionei me aproximando


mais dele.

— Acho que sim, vou falar com os caras — ele respondeu abrindo os
olhos e me encarando.

Estávamos tão próximos que eu poderia beijá-lo facilmente, mas


alguém bateu na porta e ele largou o computador, que ainda rodava o filme há
muito esquecido.

— Oi, querido, já terminaram o trabalho? — A mãe do Matheus


entrou no quarto perguntando.

— Sim, mãe. Vou levar a Laís até a casa dela, tudo bem? — Ele
questionou, levantando e beijando a bochecha dela. Eu levantei também para

guardar meu caderno na mochila.

— Tudo, tudo. Você pode aproveitar e na volta você passar na casa da


Susana para pegar uns bolos de pote que eu encomendei com ela? — Escutei
enquanto eu saía do quarto, acenando para a mãe dele, que sorriu e acenou de
volta.

Não escutei o que ele respondeu e continuei caminhando até a moto


do Math. Um tempo depois ele apareceu, sorriu para mim e me entregou o
segundo capacete.

Confesso que adorei andar de moto com o Matheus, era a


oportunidade perfeita para ficar agarradinha a ele por um bom tempo.
Quando ele estacionou na frente da minha casa, eu desci, me despedindo dele
com um beijo bem próximo da sua boca.

Entrei em casa e, antes mesmo de ele dar a partida, tirei meu celular
às pressas para ligar para a Tiana.

— Ti, cadê o seu irmão? — Questionei apressada quando escutei um


“oi” do outro lado.

— Meu irmão? O que você quer com ele? Ele disse que não vai mais

hackear nada para a gente, Laís — ela falou com firmeza.

— Ah, Ti! Convence ele, preciso que ele descubra de quem é um


número aqui, caso de urgência, amiga — expliquei nervosa.

— Calma, manda o número que eu vou conversar com ele, aproveitar

que ele está de bom humor. Mas antes me explica essa história direito —
Tiana questionou curiosa.

— Depois eu explico, só descobre isso para mim! — Respondi


desligando e mandando o número por mensagem.

Fiquei andando de um lado a outro do meu quarto, roendo minhas


unhas. Os minutos passavam e nada, eu já estava impaciente.

Então quando meu celular apitou, eu corri até ele e abri a foto que a
Tiana tinha mandado.

“Número: +55 41 99435-57802

Pertence a: Alana Soares Calmões”

Assim que terminei de ler, gelei e deixei meu celular cair.

Gritei furiosamente, assustando a todos em minha casa.

Ah, essa santinha não perdia por esperar!


DEZESSEIS

“Use o talento que você tem: as florestas seriam muito silenciosas se só cantassem os pássaros que
cantam melhor. ” – Henry van Dyke

O Matheus estava muito estranho, agindo daquele jeito com o Tadeu


sem motivo algum, do nada.

Nós não conversávamos muito, mas quando tivemos nossos nomes

sorteados para o trabalho de geografia, ele se mostrou um cara muito legal.


Ele estava sendo muito simpático a manhã inteira e, quando fomos fazer o
trabalho na biblioteca, no período da tarde, ele me fez rir quase o tempo todo.
Senti que estávamos criando um vínculo de amizade.

Confesso que estava meio emburrada quando cheguei, porque não


gostei muito do Matheus ter levado a Laís para a casa dele, não queria nem
imaginar o que eles estavam fazendo em seu quarto, mas o Tadeu fez com
que meu humor melhorasse um pouquinho.

Caminhei para fora do colégio depois que terminei a matéria do

jornal, usando com meus fones de ouvido e escutando uma das minhas
músicas favoritas do momento, “I Don”t Wanna Live Forever” — apesar de
eu não gostar muito da Taylor Swift, esse dueto com o Zayn estava
maravilhoso.

Quando estava já perto casa, fiquei surpresa ao ver uma moto muito
conhecida estacionada ali. Apressei meus passos e encontrei a minha mãe na
cozinha com o Matheus, fazendo carinho no Pudim, que imediatamente se
desprendeu dele e correu ao meu encontro.

— Boa tarde! — Cumprimentei os dois, acariciando o meu cachorro.

— Oi, minha filha. Por que chegou agora? Muito trabalho no jornal?
— Ela perguntou beijando minha testa.

— Um pouco. Fiquei fazendo um trabalho de geografia e depois

passei por lá para ajudar na diagramação — respondi e depois acrescentei: —


Oi, Matheus.

— Oi, Alana — ele disse sem expressar emoção nenhuma. Nos


encaramos um pouco até mamãe pigarrear, chamando nossa atenção.

— Bem, querido, aqui está a encomenda da sua mãe, alguns cupcakes


e os bolos de pote. Você vai conseguir levá-los em sua moto? — Ela
questionou entregando-lhe a caixa.
— Acho que sim, se eu prender com jeitinho ele não cai. Pelo menos
eu espero, ou minha mãe vai me matar! — Ele falou e minha mãe sorriu.

— Então acho melhor a Alana te levar no meu carro, porque assim


você não derruba nada. Pode ser, filha? — Minha mãe me perguntou com a
voz casual demais para não ser forçada.

— Pode sim, mãe — respondi meio a contragosto. — Vou deixar

minhas coisas lá em cima já pego as chaves do carro.

Subi apressadamente as escadas, jogando minha mochila em cima da


cama e prendendo os meus cabelos.

Peguei as chaves atrás da porta e caminhei até a garagem. O Math e


minha mãe já me esperavam. Desativei o alarme e entrei no carro, Matheus
entrou com duas caixas no banco do carona.

Estávamos em completo silêncio enquanto dirigia. Eu me sentia


estranha perto dele, suas atitudes em relação a mim eram tão confusas que

estava começando a ficar irritada.

Liguei o som para aliviar a tensão e então ele disse:

— Desculpa pela maneira que agi hoje, eu estava tentando te proteger.


O Tadeu é um babaca que quer fazer você ser mais uma da lista dele.

Olhei para ele através do retrovisor, erguendo uma sobrancelha.

— Primeiro que você não tem que me proteger de nada porque eu sei
me cuidar, segundo que você está falando do Tadeu mesmo? Porque ele não
me pareceu ser assim, pelo contrário, foi muito gentil e educado — disse com

um misto de irritação e surpresa.

— Você que sabe, só não quero ter que dizer o famoso “eu avisei”
quando ele te machucar — ele falou assim que estacionei e saiu do carro sem
se despedir.

O Matheus estava agindo como um completo babaca! Quem ele

pensava que era para me dizer essas coisas? Uma menina bobinha que não
sabe avaliar o caráter de ninguém? E ainda saiu do carro sem me dar o direito
de revidar!

Otário.

Voltei para casa puta da vida com ele. Mas com o tempo fui me
acalmando e passei a pensar no que ele disse: eu realmente conhecia muito
pouco do Tadeu, mas nunca ouvi nenhum boato ruim dele no colégio. Talvez
o Matheus estivesse exagerando.

Entrei em casa e tomei um longo banho de banheira no quarto da


minha mãe, ainda pensando se eu realmente deveria ser mais cautelosa com o
Tadeu. Ele parecia ser um cara legal, mas por que o Matheus mentiria para
mim? Eu estava um pouco confusa, mas a água quente estava me relaxando
muito para eu me preocupar muito com aquilo. Decidi que deixaria o tempo
dizer quem estava certo na história. Teria um pouco mais de desconfiança,
mas não me afastaria de ninguém. Completamente relaxada, desci para jantar.
Estava descendo as escadas distraída, mexendo no meu celular, quando

escutei aquela voz e congelei. Ergui os olhos do telefone e me abaixei um

pouco apenas para ter certeza e o vi.

Meu Deus! O que o Delegado estava fazendo na minha casa? Sabia


que estava acontecendo algo entre ele e a mamãe!
DEZESSETE

“Felicidade é um perfume que não dá para borrifar nos outros sem também ser atingido pelas gotas. ”
– Autor desconhecido

Caminhei até a grande mesa de jantar e encontrei minha avó e o


Senhor Cortez sentados enquanto mamãe colocava a mesa.

— Boa noite — disse cumprimentando a todos.

— Boa noite, minha neta. Senta aqui ao meu lado — Vovó apontou
onde eu deveria me sentar e eu obedeci. Não era meu lugar de sempre, mas
aparentemente ela queria que a minha mãe sentasse ao lado do delegado.

— Boa noite, Alana. Como vão as aulas? — Brian perguntou


simpático.

— Estão indo bem, e o Jordan como está? — Perguntei. Mamãe


sentou no meu lugar costumeiro, parecendo um pouco nervosa, fazendo
gestos para que nos servíssemos de sua famosa lasanha.

— Ele está voltando para cidade, na verdade — o delegado comentou

casualmente.

— O quê? Por quê? Eu achei que ele amava Porto Alegre! Não que eu
não vá ficar feliz de vê-lo novamente, mas o que aconteceu? — Perguntei
confusa.

— Ah. O Jordan... Bem, não tem outra palavra para isso. Ele estava
sofrendo bullying. Uns três babacas estavam perseguindo, espalhando boatos
e fazendo da vida dele um inferno. A gota d’água foi quando eles resolveram
agredir o meu garoto. O colégio não fez nada, a polícia muito menos, então
eu conversei com a mãe dele e achamos melhor ele vir morar comigo — ele
respondeu se servindo e então virou-se para minha mãe: — O cheiro está
divino!

Fingindo não perceber ela corar, eu disse:

— Que babacas! Coitado do Jor, mas que bom que ele está vindo.
Sinto saudades dele.

— Infelizmente o nosso país ainda é muito preconceituoso com quem


é um pouco diferente, mas nós o amamos como ele é. E ele vai gostar de
saber que ainda te tem como amiga, Alana.

Sorri e voltamos a comer. Agora que eu conseguia sentir o gosto das


coisas novamente e comia sem sentir enjoo, minha mãe estava muito mais
empolgada com a nossa comida. A lasanha estava deliciosa, ela tinha

caprichado mais do que o costume.

Jantamos tranquilamente, conversando sobre tudo e nada ao mesmo


tempo. Na maior parte do tempo, eu apenas observei a mamãe sorrindo
abobadamente para o delegado, como se fosse uma garotinha apaixonada. Ele
não ficava muito atrás, lançando olhares furtivos para ela. A vovó estava

muito feliz de tê-lo como companhia, fazendo várias perguntas


entusiasmadas sobre o trabalho dele.

É, parece que ele se encaixava bem na nossa família.

Após todos terminarem, retirei a mesa e trouxe a sobremesa, um pavê


na tigela que estava com uma cara muito boa. Servi a todos e, após colocar
uma colherada na boca, Brian perguntou:

— Como anda a negociação do espaço na Rua Alfredo?

— Está indo bem, amanhã devo ir conferir se o dono fez as melhoras

que prometeu e devo fechar o negócio — mamãe respondeu animada.

— Isso é ótimo. Se quiser companhia, eu adoraria ir com você — ele


disse muito galanteador.

— Ah, isso seria muito bom, Brian. É bom ter uma segunda opinião...

Olhei para minha avó, indicando que estávamos de vela daquele novo
casal, mas ela não percebeu e continuou comendo. Revirando os olhos, eu
disse:
— Vovó, será que pode ir comigo lá em cima? Quero te mostrar um
bordado novo que aprendi na internet.

— Ah, claro, minha linda, só pega os meus remédios lá na cozinha


que eu vou me deitar logo depois — ela disse se levantando. — Boa noite,
Brian, boa noite, filha.

Recolhi minha taça e a dela, peguei os remédios, voltei para a sala de

jantar e disse:

— Tchau, Brian. Diga ao Jordan para ele aparecer aqui quando voltar.

— Claro que digo, boa noite, querida — ele respondeu levantando e


me dando um beijo na testa de um jeito extremamente paternal. Não
conseguia me lembrar se o meu próprio pai havia feito isso.

Dei um tchauzinho para a minha mãe, subi rapidamente as escadas e


fui até o quarto de minha avó, encontrando-a assistindo Maria do Bairro pela
milésima vez! Maldita hora que ensinei ela a mexer na Netflix.

Deitei-me na cama ao seu lado e ela fez cafuné em meus cabelos.

— É tão bom ver a mamãe com alguém — disse e ela concordou.

— Já estava mais do que na hora de sua mãe arrumar outra pessoa, é


bom que seja o senhor Cortez, ele é uma pessoa boa.

— É sim, e ele parece gostar muito dela.

Assistimos um pouco da novela em silêncio até que ela resolveu


se deitar. Separei os remédios para ela e a cobri, beijando sua testa.
Fui até meu quarto, mas parei no meio do caminho. Ouvi um soluço e,
com o coração apertado, bati na porta do quarto da minha mãe. Quando abri,

vi que ela estava sentada em sua cama, seu rosto estava um pouco vermelho.
Ela estava chorando. Corri até ela e sentei-me ao meu lado, colocando a mão
em seu ombro.

— Mãe, o que foi que aconteceu? Por que está chorando? Brian fez

alguma coisa? — Questionei.

Ela olhou para mim, limpando algumas lágrimas e disse:

— Não aconteceu nada, meu amor. É só que nunca pensei que fosse
encontrar alguém depois do seu pai. E aí agora, com isso tudo que está
acontecendo entre o Brian e eu... não sei, eu fico pensando se vale a pena me
entregar a isso. Não quero que aconteça tudo o que aconteceu novamente.
Você era muito pequena, mas sofri muito com o seu pai.

— Mãe, eu não tenho muita bagagem no assunto, mas não baseie seus

futuros relacionamentos em experiências ruins. O papai te fez sofrer, mas isso


não significa que o Brian fará o mesmo, até porque ele parece gostar de você
de verdade. Poxa, mãe, só dá uma chance a ele, você estava tão feliz durante
o jantar, quero te ver assim mais vezes — disse beijando o rosto dela. — E
outra, se ele te fizer sofrer, eu quebro a cara dele — acrescentei estalando os
dedos ameaçadoramente. Mamãe riu e o aperto em meu coração se desfez um
pouco.
— Oh, minha princesa. Ele tem o dobro do seu tamanho.

— É, mas sou muito mais esperta e rápida que ele, aposto — disse

divertidamente.

— Alana, eu que devia te dar conselhos amorosos e não o contrário! –


Ela disse sorrindo. — Te amo muito, obrigada por sempre estar comigo.

— Às vezes essas coisas acontecem! Te amo, mãe — eu disse e

ficamos abraçadas por um bom tempo.

— Está cansada? Com sono? — Minha mãe perguntou.

— Não, por quê?

— Que tal uma sessão de cinema em casa, com muita pipoca e Ritmo
Quente? — Ela propôs e eu joguei o punho no ar, comemorando.

— Adorei a ideia, eu amo o Patrick nesse filme! — Exclamei e


descemos juntas.

Enquanto ela fazia a pipoca, peguei meu celular e notei que o meu

romântico anônimo ainda não tinha me respondido.

Isso era tão estranho!

Há dias ele não se correspondia comigo, então, em uma última


tentativa, resolvi mandar mais uma mensagem:

>>Aconteceu alguma coisa? Você anda tão estranho, se afastou de


mim... Foi algo que falei?

Enviei e fui até a cozinha buscar dois copos e o refrigerante, enquanto


mamãe veio com duas vasilhas de pipoca.

Sentamos no sofá e ela deu play no filme. Tentei me concentrar, mas

toda hora pegava meu celular para ver se tinha alguma mensagem. Estava tão
dispersa que minha mãe percebeu.

— O que foi, filha? Você não larga esse celular.

— Não é nada não, mãe. Só um garoto idiota — disse irritada com o

silencio do romântico.

Eu não merecia isso! Não tinha feito nada!

Desliguei o celular e tentei prestar atenção no filme, mas estava muito


irritada. Quando ele acabou, fui até meu quarto, tomei um banho e vesti o
meu pijama. Enquanto eu escovava os dentes, meu celular vibrou.

Era ele.

>>Você não fez nada, eu só cansei desse joguinho que eu mesmo


comecei. Quero que você goste de mim e não de alguém que você imagina

que eu seja. Vamos nos encontrar amanhã na festa da Tiana e eu te contarei


toda a verdade.

Reli duas vezes, estava completamente incrédula.

Finalmente eu iria conhecê-lo e mal podia esperar por isso.


DEZOITO

“Não me diga que o céu é o limite se há pegadas na lua. ” – Paul Brandt

Estava treinando algumas jogadas na rua em frente à minha casa com


o Nicolas e o Albert, que tinham vindo depois que me viram chegar em casa.
Mamãe ia sair com algumas amigas e eu ficaria sozinho. Já estava
anoitecendo, então não jogamos por muito tempo.

Depois de algumas jogadas, compramos alguns salgadinhos e


refrigerantes. Não era comum comermos tanta besteira, mas de vez em
quando a gente saía da dieta do treinador. Ninguém era de ferro! Discutimos
algumas jogadas que estávamos ensaiando, além de algumas melhorias nos
nossos passes que precisávamos treinar. Quando eles foram embora já estava
bem tarde, fiquei sozinho assistindo alguns filmes que passavam na televisão.
Minha mãe chegou no exato momento em que meu celular apitou.
Levantei-me para falar com ela, ignorando o meu celular por enquanto.

— Oi, mãe. Como foi lá com suas amigas?

— Oi, filho. Foi bom e divertido. Fazia tempo que eu não fazia algo
assim. E você, o que fez?

— Nada demais, joguei bola com os meninos e depois jogamos um

pouco. Eles foram embora tem pouco tempo.

— Ah, que bom que se divertiu. Seu pai apareceu por aqui?

— Não, por que ele apareceria? — Perguntei abrindo a geladeira.

— Ele me ligou dizendo que passaria por aqui, achei que fosse se
desculpar pelo que aconteceu na última vez.

— Ah, ele não apareceu e foi até bom, ainda não o perdoei —
respondi bebendo um copo de suco.

— Você não deve ficar guardando mágoa do seu pai, Matheus.

— Não estou guardando mágoa, é raiva mesmo, mãe.

— Sei que seu pai errou, mas gostaria que vocês tivessem uma boa
relação.

— Também gostaria, mas não depende só de mim.

Ficamos em silêncio por um tempo, enquanto ela guardava algumas


coisas que tinha comprado. Então, ela levantou, olhou no fundo dos meus
olhos e disse:
— Amanhã vou sair para jantar com uma pessoa.

— Hm, que bom. Alguma de suas amigas? — Perguntei

desinteressado.

— Não, um homem com quem eu venho conversando há um tempo


— ela disse com um ar decidido, como se tivesse treinado o que ia me falar.
Um pouco surpreso, perguntei:

— Quem é esse homem, mãe? E por que que você nunca me falou
dele?

— Porque nós só estávamos conversando. Ele é um homem muito


respeitoso e estávamos indo com calma em respeito a você! Mas percebi que
não posso me negar a felicidade por causa de você, meu filho — ela falou um
discurso tão obviamente ensaiado que senti uma leve vontade de rir. Ela
estava com medo da minha reação, mas se preocupara à toa, no fim das
contas. Eu queria vê-la bem.

— Eu sei que não pode, mãe. E nem deve, a senhora nunca mais se
relacionou com ninguém desde o acidente do Alex. Sei que, assim como eu,
ele ficaria contente se a senhora estivesse feliz.

— Eu estou, meu filho. O Tiago me faz muito bem — ela disse


sorrindo.

— Espera! Tiago? Tiago Andrade? A senhora está falando do meu


treinador?
— Sim, algum problema?

— Não, ele é um cara muito legal, eu só não esperava. Como

começou isso entre vocês? — Indaguei sentando-me em uma das cadeiras.

— Bem, a gente sempre conversou sobre o seu desempenho nos


jogos, ele sempre se mostrou muito interessado no seu bem-estar, então
basicamente você nos uniu, filho. Antes falávamos só sobre você, mas outros

interesses em comum acabaram surgindo. Ele sempre me respeitou e me


tratou com muito carinho — ela sentou ao meu lado, meio nervosa.

— Ah, mãe. Bom, se a senhora está feliz, eu também estou. E olha,


amanhã vou para uma festa, então se quiser jantar com ele aqui, fique à
vontade.

— Obrigada, meu filho. Confesso que fiquei preocupada com sua


reação, mas graças a Deus você é um filho maravilhoso.

Ficamos abraçados por um tempo, depois ela se recolheu e eu voltei

para sala.

Peguei meu celular e notei uma mensagem da Alana, percebi que ela
tinha mandado outra ontem e eu não tinha visto. Estranho. Não lembrava de
ter aberto, mas ela estava marcada como lida.

>> Meu querido romântico anônimo, você está bem sumido. Há dias
não recebo mensagens sua, aconteceu alguma coisa?

>> Aconteceu alguma coisa? Você anda tão estranho, se afastou de


mim... Foi algo que falei?

Estava cansado disso. Tudo bem que fui eu quem começou, mas eu

gostava da Alana e queria que ela gostasse de mim, e não do anônimo! Odiei
vê-la com o Tadeu, precisava dar um basta nisso.

<< Você não fez nada, eu só cansei desse joguinho que eu mesmo
comecei. Quero que você goste de mim e não de alguém que você imagina

que eu seja. Vamos nos encontrar amanhã na festa da Tiana e eu te contarei


toda a verdade.

Enviei a mensagem e fui tomar um banho, deixando a água cair e


relaxar meus músculos tensos, estava assim desde que a vi com o babaca.

Será que ela não enxergava que ele não prestava?

Enxuguei meu corpo e meus cabelos, que já estavam precisando de


um corte, e fui até meu quarto. Vesti um short folgado e deitei em minha
cama, pegando meu celular.

>> Você está falando sério? Não está brincando comigo, não é?

<< Jamais brincaria com algo assim, estou falando sério. Me


encontre próximo ao lago que fica aos fundos da casa. Estarei usando uma
camisa vermelha.

>> Bem, eu estarei usando um vestido rosa, mas você sabe quem eu
sou, só preciso saber quem você é!

<< Você já me conhece. Só espero que não me odeie depois disso,


não sei se suportaria viver com o seu desprezo.

>> Não conseguiria te odiar, você me fez um bem danado durante

esses dias... Prometa que não pararemos com as mensagens.

<< Não pararemos, pelo contrário. Poderemos ligar um para o outro


depois que nos “conhecermos”.

>> Verdade, esqueci dessa parte... Será que irei gostar de sua voz?!

<< Você irá amá-la. Não querendo me gabar, mas minha voz é muito
bonita, poderia até ser cantor se eu quisesse.

>> Mas você não é nem um pouco convencido, hein, boy? Vou
dormir e sonhar com você, ou como imagino que você seja. Bons sonhos,
anônimo.

<< Até amanhã, Alana...

Depois de enviar, desliguei meu celular.

Controlando minha ansiedade, fui dormir pensando em como seria

finalmente tê-la em meus braços.


DEZENOVE

“Como é extraordinário ninguém precisar esperar um momento específico para melhorar o mundo. ”
– Anne Frank

A aula daquela sexta foi bem entediante, quase ninguém foi para o
colégio por causa da festa, nem o Matheus apareceu. Apesar do Tadeu e da
Lu me fazerem companhia, foi terrível perceber que eu queria vê-lo, o quanto

eu ansiava sua presença.

Não queria pensar no Matheus desse jeito. Ele me confundia com as


suas atitudes o tempo todo, eu nunca sabia o que ele queria. Mas o
sentimento que ele causava em mim era surreal, e eu odiava isso. E ainda
tinha o romântico nesse meio todo!

Finalmente conheceria meu romântico anônimo e mal podia esperar


por isso. Se ele fosse tudo o que expressou em suas mensagens, a aparência
não teria tanta importância, já que conhecia o seu interior.

Almocei sozinha e fui para as aulas de reposição. Logo depois que a

professora Letícia entrou na sala, um Matheus bem apressado e suado correu


para entrar antes que ela fechasse a porta.

— Está atrasado — ela disse repreendendo-o.

— Desculpa, professora! Esse fim de semana tem jogo e passamos a

manhã toda treinando, não tive tempo nem de almoçar direito, saí do banho e
corri para cá. O senhor Andrade mandou um papel para justificar meu atraso
— ele entregou o papel a ela e sentou próximo a mim, balançando seus
cabelos molhados.

— Que isso não se repita, Matheus! Ser jogador não vai te dar um
futuro decente se você não tiver estudo — ela disse para ele, virando para o
quadro começando a escrever.

Comecei a pegar meus materiais quando senti que ele estava me

observando. Encarei-o de volta e ele não desviou o olhar. Me sentia um


pouco estranha por me sentir atraída pelo Matheus quando eu conversava
tanto com o romântico, mas ele me encarava como se soubesse que eu me
sentia atraída por ele. Ficamos nos encarando por um bom tempo até a
professora chamar nossa atenção.

— Quero uma síntese desse texto na minha mesa até o final da aula,
ela deve ter duas laudas completas. As instruções do que vocês devem
observar está na lousa — avisou sentando em sua mesa.

— Que texto? — Math questionou confuso.

— Esse texto — mostrei a ele um texto de seis páginas que ela tinha
me entregado assim que entrei na sala. — Você tem que ir buscar sua cópia
com ela.

— Acho que vamos ter que dividir o texto, porque não vou enfrentar

esse dragão de novo — ele disse encostando sua cadeira na minha e pegando
o texto da minha mão, colocando-o na mesa de uma maneira que nós dois
pudéssemos ler.

Começamos a ler juntos e ele pareceu bem concentrado, enquanto eu


me distraia fácil com o cheiro do perfume que emanava dele.

Era quase como se me enfeitiçasse! Desse jeito, não conseguiria


terminar esse trabalho nunca! Levantei-me, assustando o Matheus, e
caminhei até a professora para pegar o outro texto.

Quando me sentei novamente, ele perguntou:

— Não estava conseguindo ler?

— Não, estou sem óculos, o que dificulta um pouco.

— Então quer dizer que além de lerdinha você ainda é esquecida?

— Cala a boca, Matheus! E vai terminar seu resumo!

Ele sorriu e voltou à leitura. Abusado! Eu mostraria a ele quem de nós


dois era “lerdinho”. Decidida, afastei minha cadeira da dele discretamente,
voltei minha atenção ao trabalho e liguei minha super-concentração de futura
jornalista. Eu tiraria nota máxima nesse trabalho nem que fosse a última coisa

que eu fizesse!

Um tempo depois, entreguei a síntese para professora, triunfante,


esperei Matheus entregar a dele e saímos juntos da sala.

Estávamos caminhando até a saída quando resolvi perguntar a ele:

— Vai para a festa hoje?

— Acho que sim, ainda não decidi. E você?

— Vou, hoje vai acontecer algo muito importante para mim.

— É mesmo? O quê?

— Vou conhecer uma pessoa especial, ou pelo menos eu espero.

— Ah, legal! Só toma cuidado para não ser um babaca igual seu
amiguinho Tadeu.

— Nossa, você tem uma implicância com ele, deixa o garoto em paz!

Ele é legal — reclamei abrindo as portas para o estacionamento.

— Você que pensa, Alana. Você ainda vai perceber quem ele
realmente é. Te vejo na festa? — Ele disse acenando com a mão, indo até a
sua moto.

Fui de bicicleta até em casa e, quando cheguei, joguei-a de qualquer


jeito nos jardins e entrei apressadamente em casa, sem nem perceber quem
me aguardava na sala.
— Eita, Alana anda tão importante agora que nem fala com as visitas?
— Escutei uma voz me gritar e levei um susto ao reconhecer o dono dela.

Voltei correndo e me jogando nos braços de Jordan, um dos meus


melhores amigos na infância. Nós nos afastamos um pouco quando ele foi
morar com a mãe dele em outro estado, mas agora estava de volta e eu não
podia estar mais feliz.

— Meu Deus! Você voltou! — Disse animada, notando os olhares da


mamãe e do Delegado, que estavam sentados no sofá.

— Voltei! Como tu cresceu, guria! — Ele falou me avaliando.

— Olha quem fala, você era menor que eu quando saiu daqui e agora
não alcanço nem seu ombro! — Respondi abraçando-o novamente.

— Vejo que tem muita saudade aí, mas agora vai tomar um banho
para jantarmos, Alana. Estávamos te esperando — Minha mãe disse
levantando e me entregando minha mochila, que eu havia jogado de qualquer

jeito na sala.

— Mãe, hoje tem a festa da Tiana! Eu já tinha te avisado que iria —


respondi caminhando até a escada novamente.

— Você pode ir depois que jantarmos, ande logo que você não se
atrasa!

— Está certo. Já desço, Jordan!

Subi as escadas pulando os degraus, tomei um banho caprichado e fui


até o guarda roupa para escolher que roupa eu iria usar. Avaliei todas elas e

optei por usar o vestido rosa que eu havia informado ao Romântico que

usaria. Ele era curto, com um decote de coração e um dégradé de folhas


brancas na barra da saia. Fiz baby-liss no meu cabelo, deixando solto e
repleto de ondas.

Separei a sandália que iria usar e deixei a maquiagem para depois.

Desci e me juntei a eles na mesa de jantar.

— Oi, Brian! Tudo bem? Desculpa por não ter falado com você antes
— falei cumprimentando-o.

— Não tem problema, Alana. Como foi no colégio? Sua mãe me disse
que tem uma festa para ir — ele disse me dando novamente aquele abraço tão
paternal.

Sentei-me ao lado de Jordan e mamãe nos serviu o jantar, uma


moqueca de peixe que eu adorava!

— Mas e aí, Jordan? Está feliz de voltar para cá? — Perguntei


enquanto me servia.

— Estou sim, Lana! É bom estar longe daquele pessoalzinho


preconceituoso. Quer dizer, claro que eu vou sentir falta da minha mãe, do
mate todo dia de manhã cedo e dos meus amigos — quando ele disse a última
palavra, ele deu uma leve corada. Será que existia alguém especial que ficara
para trás?
— Ah, Jor, mas aqui tem vários amigos novos! E a gente tem tererê!
— Falei tentando animá-lo. Ele riu, concordando.

— É, e tem o meu velho.

— Eu ainda sou muito jovem, rapazinho! — Brian disse fingindo


estar indignado, fazendo com que todos ríssemos.

Comemos em uma harmonia incrível, parecíamos aquelas famílias de

comerciais de margarina, só que ali ninguém estava atuando e estávamos


mesmo felizes.

Quando estava quase terminando de comer, recebi uma mensagem do


meu anônimo.

>> Estarei te esperando nos jardins da frente, à esquerda, próximo


da fonte.

Sorrindo, respondi:

<< Estou tão ansiosa que sinto meu coração palpitar! Estarei aí

daqui a uns trinta minutos, espere por mim!

Terminei de comer e tirei meu prato da mesa, levando-o para cozinha.


Subi para o meu quarto e estava tirando meus pincéis da gaveta quando me
assustei ao ver Jordan entrar no meu quarto, com meu celular na mão.

— Quem vai te esperar? Está indo a um encontro? A tia sabe?

— Vou para uma festa e lá pretendo encontrá-lo. Mas agora não posso
te contar a história toda, ela é longa! Preciso me arrumar!
— Faz um resumão que eu entendo, Lana. Faz muito tempo que não
conversamos!

— Basicamente estou trocando mensagens com um romântico


anônimo há algumas semanas e hoje finalmente ele vai se revelar para mim
— respondi começando a me maquiar.

— Tu por um acaso é maluca, Lana? E se esse cara for algum

maníaco da internet que quer te estuprar?

— Não fala assim, Jor! O Romântico é um cara legal que me entende


e gosta de mim.

— Não confio em estranhos, tu também não deveria confiar! Vou


avisar ao meu pai que vou para essa festa contigo, nunca na vida deixaria que
fosse sozinha.

Ele desceu para falar com o delegado e eu terminei de me arrumar.


Peguei uma bolsinha, colocando minha identidade, um pouco de dinheiro,

alguns chicletes e meu celular.

Encontrei o Jordan me esperando, nos despedimos de nossos pais e


fomos de Uber até a casa da Tiana.

Uns dez minutos depois chegamos, o Jordan pagou a viajem e


descemos. Percebi que estava tremendo um pouco quando ele segurou minha
mão.

— Calma, Lana! Vamos torcer para que esse cara seja um bonitão.
— Não é isso, não me importo com a aparência dele, só estou
nervosa. Esperei tanto por isso e agora que vai acontecer tenho até medo de

ser uma brincadeira do destino — respondi olhando nos olhos dele.

— Fica calma, está certo? Os cosmos já abençoaram a relação de


vocês, cara! O guri fica se declarando para ti por mensagens, que boy faz
isso? São poucos! Então vai lá, estou bem atrás de ti para te proteger caso

algo aconteça — ele disse me abraçando.

Inflando meu peito de coragem, caminhei até a fonte que ficava entre
os jardins da entrada. Minhas mãos suavam e eu tentava me acalmar.

Chegando lá, não encontrei ninguém e realmente pensei ser uma


brincadeira estupida de alguém. Sentei na beira da fonte, impacientemente.
Peguei meu celular e não vi nenhuma mensagem. Depois de o que pareceram
mais de três horas de espera, mas na realidade devem ter sido apenas alguns
minutos, decidi que ele não vinha. Já estava indo embora quando escutei-o

dizer:

— Já vai embora, minha bruxinha? Achei que queria me conhecer.

Virei-me encarando seu rosto, reconhecendo, mesmo com pouca


claridade, a fisionomia do garoto por quem fui apaixonada por boa parte da
minha vida e que agora havia feito eu me apaixonar por ele novamente.

Era ele, o Matheus.

Ele era o meu romântico anônimo.


VINTE

“A melhor maneira de fazer seus sonhos se tornarem realidade é acordar. ” – Paul Valéry

— Então era você esse tempo todo? Eu não acredito! Qual era o seu
objetivo em me fazer de besta? Me iludir, me fazer acreditar que você
gostava de mim? — Perguntei irritada me aproximando dele.

— Como você pode achar isso? Eu nunca quis brincar com seus

sentimentos ou te iludir de qualquer maneira, eu gosto de você de verdade, só


não tinha coragem para admitir antes — ele respondeu parando em minha
frente.

— E do nada te deu coragem? O que mudou? Convivemos por anos,


seu irmão namorou a Karen, mas você nunca quis nada comigo! — Disse
dando uns passos para trás, queria fugir e pensar com mais clareza.
— Você me deu coragem! Caramba, Alana! Estou tentando mostrar
que gosto de você e você está agindo dessa maneira! — Ele disse segurando

minha mão, puxando-me para perto dele, deixando nossos corpos


praticamente colados. Matheus colocou sua mão em minha nuca, então fechei
meus olhos e esperei pelo beijo. Podia sentir sua respiração em meu rosto e a
proximidade de sua boca da minha. Eu comecei a me inclinar, mas então

escutei palmas e me afastei rapidamente.

Avistei Laís e Tiana aplaudindo e rindo de nós dois, apontando um


celular para mim. Vi Jordan se aproximar também, com um pouco de raiva
nos olhos, e percebi que ele seguira as meninas depois de vê-las chegando.
Entendi o mesmo que ele entendera: tudo ali não passou de algum joguinho
para me humilhar.

— Que merda vocês estão fazendo aqui? Para de filmar, Tiana, ou eu


vou jogar seu celular longe! — Matheus gritou para elas duas.

— E não registar essa encenação perfeita, meu amor? Nunca! Sua


atuação foi digna de um Oscar! — Laís disse se aproximando do Matheus. —
Realmente foi muito bom rir dela durante todo esse tempo em que vocês
trocaram mensagens, mas essa cena agora me fez gargalhar como nunca.
Sério que você acreditou nele, santinha? Tudo não passou de uma
brincadeirinha, queríamos nos divertir, e por que não com você? Uma garota
patética e bobinha que se derreteu toda só porque começou a receber
mensagens de um garoto anônimo — ela debochou.

Lágrimas inundam o meu rosto, mas não queria chorar, não na frente

deles.

Senti uma mão segurar a minha, puxando-me para longe.

— Vem, Lana. Vamos embora! — Jordan praticamente me arrastou


para o lado de fora e finalmente me permiti chorar. Abraçada ao meu amigo,

chorei pelo que tinha acabado de acontecer, por saudades da Karen, por
perder o Romântico e o Matheus. Ele não podia ter feito isso comigo, não
podia ter brincado com meus sentimentos assim.

O Matheus não era assim, ele não me magoaria dessa maneira.

Jordan sussurrava palavras de conforto em meu ouvido e eu comecei a


me acalmar, tentando raciocinar um pouco. Aquele não era o Matheus que eu
conhecia. Não fazia sentido. Então, eu me afastei do Jordan, secando as
minhas lágrimas.

— Tu vai ficar bem, guria — ele disse preocupado, mas tentando me


confortar.

— Eu sei que vou — respondi no exato instante em que Matheus saiu


da casa da Tiana e olhou para mim. Naqueles olhos eu conseguia enxergar a
verdade como nunca antes eu enxergara. Eu não ia deixar a Laís estragar isso
para mim.

— Deixa eu me explicar, por favor, nada do que ela disse é... — Ele
começou a dizer em tom suplicante, mas eu o interrompi.

— Eu sei — Respondi caminhando até ele e tomando seus lábios

iniciando um beijo lento e carinhoso, que rapidamente foi retribuído me


proporcionando uma das melhores sensações que já havia experimentado.
Creio que me apaixonei ainda mais por ele naquele momento, e todas as
dúvidas que eu poderia ter sobre o que ele sentia não existiam mais.

Quando terminamos o beijo, eu estava morrendo de vergonha, então


escondi meu rosto em seu peito e pude sentir ele tremer quando ele riu.
Enlaçando seus braços ao meu redor, ele disse em meu ouvido:

— Me beija desse jeito e agora fica com vergonha? Você é mesmo


uma pessoa surpreendente, Alana.

— Sou um pouco impulsiva às vezes, acontece com as melhores


pessoas — respondi com a voz abafada.

— Só posso concordar com isso, mas vou adorar quando você tiver

atitudes impulsivas como essa — ele disse erguendo meu rosto e me dando
um selinho.

— Precisamos conversar, não é?

— Precisamos sim, mas estou tão feliz por você não ter acreditado nas
mentiras da Laís que queria curtir um pouco mais esse clima entre nós dois.

— Acho que posso concordar com isso, mas só se você me levar para
andar de moto — falei ainda presa em seus braços.
— Seu desejo é uma ordem, bruxinha — ele respondeu me dando
mais um selinho.

Viramos para sair dali e o Math finalmente notou o Jordan que estava
de costas para a gente, mexendo no celular. Meu amigo tinha presenciado
tudo, e novamente um rubor surgiu nas minhas bochechas,

— Oi, Jordan, quanto tempo! — Matheus o cumprimentou como se

nada tivesse acontecido. — Vi no Facebook que você voltou, é bom te ver,


cara!

— Ah, oi, Matheus — o Jordan virou-se, também fingindo que nada


demais estava acontecendo. Homens são esquisitos! — Pois é, vou formar
com vocês...

— Que bom, seja bem-vindo de volta. Mas escuta, a gente conversa


mais outra hora, brother! — Ele disse sorrindo, virou para mim e disse: — Se
despede do Jordan que vou buscar a moto lá na outra rua, volto logo.

Caminhei até o meu amigo, que estava com um sorriso grande demais
para o seu rosto.

— Para, Jor! Você está parecendo o gatinho da Alice e está me


assustando desse jeito.

— Sua safada! Em uma hora está chorando e na outra está


simplesmente beijando o cara? Tu me surpreendeu legal, viu? Não esperava
essa atitude de ti, achei que ia bater nele — ele confessou rindo.
— Digamos que o choro foi um momento de desespero, mas depois
que caí em mim, percebi que o Math nunca faria isso comigo, nunca mesmo!

E outra, a Laís não é de confiança, jamais acreditaria nela.

— Ainda bem que tu continua sendo uma garota esperta, viu. Vai lá
ficar com o teu não-tão-anônimo assim que eu vou ver se as pessoas ainda
lembram de mim por aqui. De repente eu também descolo uns beijinhos —

ele disse brincando. — Não faça nada que eu não faria e amanhã a gente
coloca o papo em dia, viu — ele disse me abraçando, beijando minha testa e
se despedindo.

— Claro, aparece lá em casa! Vê se não apronta muito! — Respondi


acenando para ele, que entrou na casa de Tiana. Sorrindo, fui em direção ao
Math que já me aguardava montado em sua moto segurando meu capacete.

Coloquei-o em minha cabeça e subi atrás dele, abraçando-o. Ele tocou


minhas mãos entrelaçadas em sua cintura e eu perguntei:

— Para onde vamos?

— Surpresa! — Ele disse ligando a moto e eu comecei a imaginar


para onde ele estava nos levando. Se eu estivesse certa, essa noite seria ainda
melhor do que eu pensava.
VINTE E UM

“Tenha uma árvore sempre verde no coração, e talvez um pássaro venha cantar. ” – Provérbio chinês

Levou um tempo até chegarmos ao lugar. Estava adorando estar


abraçada a ele, sentindo seu cheiro, mas aquele lugar representava muito para
nós dois.

Foi ali, no quintal dos avós dele, que nos conhecemos. Ele jogava

bola sozinho quando eu apareci, pedindo para que ele me empurrasse no


balanço. Meio relutante, ele concordou e me empurrou por um tempo, mas
depois me obrigou a jogar com ele. Nós nos divertimos e comemos deliciosos
biscoitos de polvilho que a avó dele fizera.

Desci da moto e ele fez o mesmo, guardamos os capacetes e, com as


mãos entrelaçadas, caminhamos até o balanço.
— Você lembra o que aconteceu aqui? — Ele perguntou me
abraçando.

— Como não lembrar? Meu Deus, que saudades desse lugar, nunca
mais vim aqui desde que meus pais se separaram e meus avós morreram —
respondi tentando esconder a tristeza em minha voz.

Ele me apertou ainda mais e beijou minha testa, dizendo:

— Minha avó ainda mora aqui, ela ficou bem abalada depois que meu
avô faleceu, mas não quis sair dessa casa. Eu venho visitá-la algumas vezes e
gosto de estar aqui, me faz lembrar de você.

Sorrindo, eu disse:

— Sabe que tentei por anos deixar de gostar de você? Mas parece que
não fui muito feliz nessas minhas tentativas, você sempre esteve presente em
meus pensamentos, por mais que eu não quisesse.

— Até quando iríamos negar isso que sempre foi tão claro para nós

dois?

— Eu não sei, a única coisa que eu quero agora é ficar com você.

— Posso fazer isso acontecer. O que eu mais quero é ficar com você
para sempre — ele jurou olhando em meus olhos.

— Para sempre — selei nosso juramento com um beijo apaixonado,


enquanto nossas línguas calmamente conheciam cada parte um do outro.
Separamo-nos com um sorriso e andamos até o balanço, onde ele me
balançou algumas vezes e rimos como crianças. Deitamos lado a lado na

grama e olhamos para o céu estrelado.

Aconcheguei-me a ele, colocando minha cabeça em seu peito,


aspirando aquele cheiro que eu gostava tanto. Math fez cafuné em meus
cabelos e minhas pálpebras começam a pesar.

— Para de me fazer cafuné, eu vou acabar dormindo assim — disse

entre bocejos.

— Vamos fazer outra coisa então. Está com fome? Tem uma
lanchonete ótima aqui perto, vamos comer e depois eu te levo para casa.

— Perfeito! Eu estou com um pouco de sede — disse pegando meu


capacete. Depois de alguns segundos de hesitação, estendeu a chave para
mim:

— Quer pilotar?

— Você é louco, garoto? Nunca tinha nem andado nisso antes de

você!

— Não tem mistério nenhum, você anda de bicicleta quase o tempo


todo, é praticamente a mesma coisa.

— Eu não vou saber andar nisso, Matheus. Deixa de inventar e sobe


logo!

— Nada disso, você vai pilotar até a lanchonete, ela fica a duas
quadras daqui e essas ruas não são movimentadas — ele disse e eu ia
contestar mais uma vez, porém ele me interrompeu:

— Aqui estão o acelerador e o freio, não tem mistério nenhum, você

dirige, sabe dosar o acelerador e o freio, então sobe logo que quero lanchar
com minha namorada — ele disse de maneira tão natural que eu acabei
soltando um suspiro apaixonado.

— Então nós já estamos namorando e eu nem fui comunicada? Vai

ser assim mesmo? Sem um encontro, sem um pedido? Que decepção, boy! —
Falei e ele ficou muito constrangido. Sério, a cara que ele fez foi impagável.

— Cara, eu não sabia que você gostava dessas coisas não, mas a gente
pode fazer isso aí sim, que tal um cineminha amanhã?

— Eu estava brincando, mas adoraria ir ao cinema! — Dei-lhe um


selinho e subi na moto. Ele montou atrás de mim, segurando em minha
cintura.

Comecei a guiar e, por incrível que pareça, não era mesmo tão difícil

assim. Chegamos a tal lanchonete e fomos direto para o balcão fazer os


pedidos.

— O que você quer comer? — Ele perguntou olhando o cardápio.

— Eu comi antes de sair de casa, acho que só uma batata e um


refrigerante! E você, vai comer o quê?

— Vou pegar um hambúrguer e um suco, não posso extrapolar muito


ou o treinador me mata — ele fez o pedido, pagamos e fomos sentar em uma
das mesas.

Começamos a conversar sobre um filme que estava nos cinemas que

eu estava louca para assistir. Era o terceiro de uma série de filmes que seriam
lançados. O Math não conhecia, então meio que resumi tudo para ele, que
pareceu bastante interessado em tudo o que eu falava e sugeriu que fôssemos
juntos. Ficamos ali por algumas horas, apenas conversando com bons amigos.

Nossos gostos para entretenimento eram muito parecidos, mas musicalmente


éramos completos opostos, o que gerou certo atrito.

Ele me fazia rir tanto que eu nem vi o tempo passar. Quando os


funcionários começaram a varrer o lugar impacientemente, indicando que
estava na hora de fechar o estabelecimento, o Math me levou para casa.

Estávamos a alguns minutos parados na porta de casa, apenas olhando


um para o outro. Ele me abraçou e eu me aconcheguei cada vez mais em seus
braços.

— Me diz que isso tudo não foi um sonho?

— Felizmente, não foi. Um sonho não seria tão perfeito assim — ele
disse dando um beijo nos meus cabelos.

— Ah, ele seria, já sonhei com você muitas vezes, por isso perguntei.

— Eu também já sonhei com você, mas meus sonhos envolviam


muita pouca roupa — ele disse dando um sorrisinho safado. Dei um tapa no
braço dele.
— Seu sem vergonha! — Falei rindo.

— Preciso ir, prometi a minha mãe que não iria chegar tão tarde e já

são duas da manhã — ele avisou se despedindo.

— Até amanhã, estarei contando as horas para te ver novamente —


declarei tomando seus lábios em um beijo casto. — Bem que vocês poderiam
almoçar aqui amanhã, né?

— Pode ser, vou falar com a dona Lúcia e te aviso — ele me beijou
novamente e foi embora.

Entrei em casa, tentando não fazer barulho. Tirei os meus saltos,


deixando-os na lavanderia. Caminhei descalça na ponta dos pés e me
surpreendi ao encontrar as chaves e o distintivo do delegado na mesinha de
centro.

Resolvi ignorar esse pequeno detalhe (por enquanto) e corri para o


meu quarto. Tomei um banho rápido, tirei a maquiagem, vesti o meu pijama e

deitei na cama. Estava cansada, o dia havia sido bem agitado, mas eu não
conseguia pegar no sono, então peguei meu celular e olhei minhas redes
sociais. A maioria das fotos recentemente publicadas eram da festa da Tiana.
Vi uma foto do Jordan com a Luana e o Tadeu e sorri. Ele já estava se
sentindo em casa, cheio de amigos, como o Jordan que eu conhecia na
infância. Os dias de sofrimento ficaram para trás, eu tinha certeza.

Já estava pensando em tentar dormir novamente quando o meu celular


começou a vibrar e o nome “romântico anônimo” apareceu no identificador
de chamadas. Agora que eu sabia que era o Math, eu precisava mudar o nome

dele na minha agenda!

— Não falei que a minha voz era irresistível pelo telefone? — Ele
disse assim que eu atendi.

— Nem um pouco convencido você, né?

— Só um pouquinho, talvez — ele respondeu rindo. — Eu me


apressei tanto para chegar e minha mãe nem está em casa.

— Sério? Vai ver ela saiu para algum lugar e resolveu dormir fora.

— Sei muito bem onde ela deve estar, mas não quero nem pensar
nisso, ainda estou me acostumando com a ideia de ter minha mãe namorando.

Quase deixei meu celular cair com a novidade. Parecia que todo
mundo estava começando a namorar ao mesmo tempo!

— Ai, meu Deus! Que máximo, com quem que ela está?

— Com meu treinador, o senhor Andrade e ela estão saindo há um


tempo, não sei como não percebi.

— E depois eu sou a lerda, né? Fico muito feliz por ela, sua mãe
merece todas as coisas boas que a vida pode dar a ela.

— Eu sei disso e fico feliz, só preciso me acostumar.

— Super te entendo, ainda mais agora que tenho quase certeza que o
delegado está dormindo no quarto ao lado com a minha mãe.
— Nossa, parece que está todo mundo se encaixando.

— É sim. Sabe, eu tenho certeza que eles ficariam felizes com isso —

disse me referindo aos nossos irmãos.

— Ficariam sim, o Alex adoraria ver o quão feliz a mamãe está.

— A Karen provavelmente iria querer organizar todo o casamento, ela


sempre sonhou com isso.

— É, mas eles estão bem onde estão, pelo menos é nisso em que eu
tento acreditar.

— Não só tenta, acredita de verdade que eles estão juntos em um


lugar melhor e felizes por estarmos juntos — disse puxando a boca. — Mas
eu preciso dormir. Bons sonhos, Math.

— Bons sonhos, bruxinha.


VINTE E DOIS

“Apenas siga o dia e busque o sol! ” – The Polyphonic Spree

Apesar de ter ido dormir tarde, acordei muito cedo na manhã seguinte.
Era incrível a minha capacidade de acordar cedo nos dias em que eu poderia
dormir até tarde! Mas naquele dia eu nem consegui sentir ódio de mim
mesma, porque depois de alguns segundos acordada, as cenas da noite

anterior invadiram minha mente e eu não pude deixar de sorrir. Eu estava


muito feliz. O sentimento de calor no meu peito não me deixaria dormir
novamente, então saltei da cama e decidi comer alguma coisa. Meu estômago
voltara a ser meu amigo e, agora que eu irradiava felicidade, eu nunca mais
me deixaria de lado. Eu iria amar e cuidar do meu corpo exatamente como ele
merecia ser cuidado.

Enquanto preparava meu café da manhã, pensei em ligar para o Math,


mas ele merecia dormir mais um pouquinho.

Matheus. Math. Romântico Anônimo. Meu namorado.

Sorrindo, levei meu sanduíche e meu café até a sala e resolvi ver um
desenho da minha infância: Três espiãs demais. Aninhando-me no sofá,
liguei a TV, e então ouvi um barulho da vindo da escada. Esperava ver minha
mãe ou minha avó, mas me surpreendi ao ver o Delegado vestindo um short e

uma camisa de dormir. Ao me ver, ele ficou bem sem graça, acho que
imaginava que eu acordaria tarde e não descobriria que ele havia dormido
com a minha mãe.

— Bom dia, Delegado! — Cumprimentei-o animadamente,


quebrando o silêncio que tinha se instalado na sala.

— Ah... bom dia, Alana — ele coçou a nuca, evitando fazer contato
visual comigo. — Eu, hm, acabei passando a noite aqui porque...

— Não precisa se explicar — cortei a desculpa dele com um sorriso.

— Está tudo bem. Bem-vindo, sinta-se em casa e tudo mais.

Ele finalmente olhou para mim com um pequeno sorriso


constrangido.

— Perdoe meu estado — disse apontando para o próprio pijama. —


Prometo ter mais cuidado. Você dormiu bem? Não ouvi você chegar.

— Dormi muito bem! Meu estômago me acordou — disse apontando


para meu café da manhã. — E o senhor, dormiu bem? — Acrescentei com
um tom extra de inocência na voz. Imediatamente ele enrubesceu e eu
precisei segurar o riso. Não era todo dia que eu via um homem de meia idade

com pinta de durão todo sem graça.

— Olha, eu só queria dizer que o que eu sinto pela sua mãe é muito
especial. Ela é uma mulher incrível — ele falou, a voz repentinamente muito
formal.

— Ela é mesmo. E eu acredito que o senhor vai fazer muito bem para
ela, não precisa se preocupar comigo. Ela é uma mulher forte e sabe o que
faz, mas eu espero que o senhor tenha consciência de que nós nos protegemos
nessa casa. Se uma de nós é ferida, todas nós ferimos — falei casualmente,
mascarando a seriedade em minha voz. Eu sabia que ele não machucaria
minha mãe, mas algumas coisas precisavam ser faladas.

— Isso foi uma ameaça? — Ele questionou erguendo a sobrancelha.


Não me deixei abalar.

— Imagine! Um aviso, no máximo. Eu confio em você, Brian — falei


com um sorriso.

Ele me avaliou por alguns segundos e sorriu de volta, entendendo o


recado.

— Você puxou à sua mãe, sabia?

— Eu sei — concordei voltando minha atenção para televisão.

Ele riu, pigarreou e disse:


— Escuta, será que pode me ajudar a encontrar algumas coisas na
cozinha?

Eu gostava do Brian, ele deixava minha mãe feliz e isso já me deixava


satisfeita. Agora que os recados estavam devidamente dados, eu podia voltar
a ser perfeitamente agradável com ele, então concordei com a cabeça e fui até
a cozinha, com ele logo atrás de mim.

— Diga, do que você precisa? — Perguntei me encostando no balcão.

— Pensei em fazer um pão de queijo caseiro para colocar no café da


manhã da Susana, mas não sei onde ficam os ingredientes.

— Ah, só me diz o que você vai usar que eu pego — disse indo até os
armários, retirando os ingredientes solicitados pelo Brian e colocando-os no
balcão.

Enquanto ele estava fazendo o pão, separei e cortei algumas frutas, fiz
um suco de laranja e o café. Trabalhávamos em um silêncio agradável, quase

familiar. Eu me sentia muito confortável ao redor dele, quase como se ele


sempre estivesse ali. Quando o pão ficou pronto, arrumei tudo em uma
bandeja e mandei que ele a levasse para o quarto.

— Você acha que ela vai gostar? — Ele me perguntou um pouco


inseguro.

— Claro que sim, mamãe é uma romântica, ela vai adorar — disse
colocando a bandeja em sua frente. Ele a pegou, colocou-a novamente no
balcão e segurou minhas mãos.

— Você é uma ótima filha e uma garota maravilhosa. Ela tem muita

sorte em te ter por perto e eu espero compartilhar dessa mesma sorte daqui
para frente — ele disse me puxando para um abraço e eu o retribui, sentindo
meus olhos encherem de lágrimas. Disfarcei e ele beijou minha testa, levando
a bandeja consigo até o quarto da minha mãe.

Limpei algumas lágrimas que caíram. Meu pai nunca tratou a minha
mãe desse jeito e eu me sentia muito feliz por ela estar recebendo tanto amor
quanto ela merecia.

E por falar em amor... já estava na hora de voltar lá.

Decidida, fui até meu quarto. Tomei um banho rápido e coloquei uma
roupa confortável, um short jeans e uma blusa regata. Prendi meus cabelos
em um rabo de cavalo e desci, encontrando minha avó na sala, fazendo seu
tricô.

— Bom dia, minha linda — beijei suas bochechas e ela me deu sua
benção.

— Vai sair, Alana? — Ela perguntou sem tirar os olhos do jornal.

— Sim, vou no lugar de sempre e prometo não demorar — disse


colocando café da manhã para dois na minha mochila. Coloquei meus fones,
peguei minha bicicleta e pedalei sem parar até chegar em uma casa que por
anos foi o meu segundo lar.
O lugar que me trazia felicidade e muito amor, pois nela morara uma
das pessoas mais importantes da minha vida, a pessoa com quem eu dividia

tudo, os momentos bons e ruins. A minha irmã de alma: a Karen.

Toquei no colar com a inicial dela que estava em meu pescoço. Eu


não costumava usar muito, porque na maioria das vezes isso entristecia a
minha mãe. Ela achava que o luto estava me dominando, mas não era assim.

Não mais, pelo menos. Estava feliz como não me sentia há muito tempo, mas
a verdade é que a dor da perda nunca desapareceria. Eu estava acostumada a
conviver com essa tristeza e cada dia ficava mais fácil, mas o amor que eu
sentia por ela continuava forte. E isso nunca mudaria.

Apenas fazer aquele caminho fez com que as lembranças me


invadissem. Mesmo depois de todo esse tempo, eu ainda esperava encontrá-
la, esperava escutar a voz dela e às vezes me pegava procurando o nome dela
no WhatsApp para contar alguma história nova. Limpei as lágrimas e bati na

porta. Levou um tempo até que a Vitória, a mãe da Karen, aparecesse. Ela
estava muito mais magra do que na última vez que eu a vira, e também estava
bastante pálida. Meu coração apertou um pouco e eu me senti culpada por
não ter vindo visitá-la antes.

— Oi, tia Vi, estava com saudades de mim? — Perguntei abraçando-


a.

— Oh, minha pequena Alana! Você está tão linda! Claro que senti
saudades... Entre, o Manuel teve que viajar, mas deve voltar hoje ainda — ela

disse segurando minha mão e me guiando para dentro da casa.

O ambiente que eu frequentava antes não se parecia nada com como


ele estava. A sala estava escura e um pouco suja, não havia espelhos nem
nada de vidro. As decorações haviam desaparecido, deixando o ambiente
sombrio, e a tia Vi havia preenchido a sala com inúmeras fotos da minha

melhor amiga.

Sentei-me no sofá e ela se sentou de frente para mim. Retirei o café da


manhã da minha bolsa, entregando alguns pães de queijo e um pote com
frutas para ela, que retorceu um pouco o rosto para mim, mas não disse nada.

— Trouxe o café da manhã para comermos juntas, que tal? Sei que a
senhora adora suco de laranja — disse tirando a térmica com suco da bolsa e
incentivando-a a comer.

— Não estou com fome, Lana. Desculpe-me, mas já comi algo mais

cedo — ela desconversou com um olhar distante.

— Ah, tem certeza que não quer nem um pouquinho? Está delicioso.

— Não quero mesmo. Desculpa novamente, mas não estou me


sentindo bem aqui, podemos ir para o jardim?

— Claro, vou deixar a comida no balcão da cozinha e já vou para lá,


ok? — Disse observando-a ir até os jardins dos fundos, o lugar favorito da
Karen em toda aquela casa.
O pai dela havia instalado uma cadeira de balanço para ela, que
adorava ficar lá. Quando fui ao encontro dela, não me surpreendi ao encontrar

a tia Vi sentada, olhando para o nada enquanto se balançava.

— Posso me sentar ao seu lado? — Perguntei e ela consentiu.

Ficamos em silêncio por um tempo até que ela perguntou:

— Como vai a sua mãe? E a sua avó, está bem?

— Sim, graças a Deus! A mamãe deve abrir a sua loja no centro em


breve, estamos animadas com isso.

— Que bom, fico feliz por ela — ela disse apertando minha mão. —
E você? O que tem feito? Como vai no colégio?

— Está tudo bem, tenho feito aulas de reposição para poder me


formar no tempo certo e voltei a participar do clube de jornalismo.

— Minha Karen ficaria feliz com isso, ela sempre adorou os seus
textos — ela apertou um pouco mais a minha mão e disse: — Sinto tanta falta

dela... eu não sei como viver sem a minha princesa, Alana — e então
começou a chorar copiosamente.

Eu lhe dei um abraço, tentando reconfortá-la da melhor maneira que


podia. Aquilo acontecia toda vez que eu a visitava, e por isso eu acabava
adiando essas visitas. Era sempre assim: eu tentava fazer com que ela
comesse algo, ela recusava, perguntava sobre minha vida e então ela chorava.

O resto da visita aconteceu sem que disséssemos nenhuma palavra.


Fiquei ali, acalentando-a em meus braços por um longo tempo, até que o tio

Manuel, pai da Karen, chegou com um ar cansado e a tirou dos meus braços,

ocupando meu lugar sem mudar a expressão impassível. Fiquei ali por alguns
segundos, apenas observando os dois, então anunciei que estava indo embora.

O tio Manuel apenas acenou com a cabeça para mim, enquanto a tia
Vi não deu sinais de ter me ouvido. Com o coração apertado, corri até em

casa reprimindo o choro.

Entrei em casa apressadamente e fiquei aliviada ao encontrar minha


mãe na sala. Ela olhou para mim e, apenas com o olhar, entendeu. Ela abriu
os braços para mim e eu corri para deitar em seu colo. Ela acariciou meus
cabelos e finalmente derramei as lágrimas que eu havia segurado durante
todo o caminho.

Bem que me falaram que seguir em frente era a parte mais difícil.
VINTE E TRÊS

“O mundo não sabe quanto deve às pequenas gentilezas que existem em toda parte! ” – J.R. Miller,
The beauty of kindness

— Você foi na casa da Karen não foi? — Minha mãe perguntou


depois de me acalmar um pouco.

— Fui. Não posso deixar a tia Vi se afundar ainda mais na depressão


— justifiquei.

— Sei que não pode e nem quero que se afaste dela, minha filha,
apenas desejo que você seja sensata e que não vá sozinha, não faz bem para
você.

— Eu sei, mãe, mas não queria te deixar triste, não hoje.

— Está certo, meu amor. Apenas me prometa que irá até lá apenas
comigo, eu odeio te ver desse jeito — ela disse fazendo cafuné em meus
cabelos. Assenti com a cabeça. Ainda fiquei deitada em seu colo por alguns

minutos, e eu deixei a tristeza se esvair. Querendo mudar de assunto,


perguntei:

— O que teremos para o almoço hoje?

— Estava pensando em fazer uma lasanha, o que acha? De frango


com molho branco? Sei que você adora e é a preferida do Brian também. Ah,

aliás, ele vai buscar o Jordan daqui a pouco e os dois vêm almoçar conosco
hoje.

— Pois coloque mais dois lugares na mesa que convidei o Matheus e


a Lúcia para almoçarem conosco — revelei fungando um pouco e ela me
encarou.

— Você convidou o Matheus? Alana, minha filha, você está bem?


Está com febre, doente? — Ela começou a medir minha temperatura.

— Para com isso, mãe! Estou perfeitamente bem. Eu e o Math

estamos nos entendendo ultimamente, só isso — disse com inocência,


levantando de seu colo. Ela continuou me encarando com desconfiança, então
eu, para disfarçar, acrescentei: — Vou tomar um banho e desço para te
ajudar!

Beijei a bochecha dela e subi as escadas correndo. Já no primeiro


andar consegui escutar ela gritar:

— Eu vou querer saber de tudo, viu, mocinha?


Rindo um pouco, fui até meu quarto, liguei o som e “Shape of you”
começou a tocar. Meu Deus! Como não amar cada música do Ed Sheeran?

Impossível!

Tomei um banho bem relaxante e aproveitei para lavar meus cabelos.


Vesti um vestido lilás bem folgadinho e desci para ajudar minha mãe.

Entrei na cozinha e imediatamente congelei, porque minha mãe estava

com os braços ao redor do pescoço do Brian, que a beijava com delicadeza.


Discretamente tentei sair sem fazer barulho para dar privacidade aos dois,
mas falhei miseravelmente. Eu, desastrada como sempre, esbarrei em uma
panela que estava na bancada e ela caiu com um forte estrondo. Eles se
separaram assustados e me olharam de olhos arregalados, e então um silêncio
constrangedor se instaurau no ambiente enquanto eu sentia meu rosto
esquentar de vergonha.

— D-desculpem, o meu celular está tocando, depois eu volto para te

ajudar, mãe! — Gaguejei e saí tropeçando da cozinha o mais rápido que eu


consegui.

Joguei-me em um dos sofás e escondi o rosto nas minhas mãos. Que


vergonha! Eu precisaria começar a fazer barulho antes de entrar nos cômodos
da minha própria casa! Peguei meu celular do bolso para contar o episódio
para o Matheus, e coincidentemente vi que havia três ligações perdidas dele.

Resolvi retornar as ligações e ele não demorou a atender.


— Oi, moreno!

— Oi, linda, estava dormindo até agora, foi? — Ele perguntou com a

voz macia, levemente rouca. Senti borboletas no meu estômago e não pude
deixar de sorrir.

— Não, acordei bem cedo, fiz umas coisas e cheguei em casa agora
pouco, mas eu não levei meu celular e não vi que você tinha me ligado.

— Ah, posso saber para onde foi?

— Visitar a mãe da Karen... a tia Vi precisa muito de ajuda — disse


com certa tristeza. Ele fez um barulho de concordância do outro lado da linha
e respondeu com um pouco de pesar:

— Eu sei disso, eu e a minha mãe tentamos ajudá-la por um bom


tempo, mas ela nos odeia e sempre reagiu muito mal a qualquer coisa que
fizéssemos.

Suspirei. Tudo estava muito diferente desde o acidente.

— É uma pena que ela guarde essa mágoa de vocês, que não tem
culpa de nada. Todos nós estamos sofrendo, se ao menos ela se deixasse ser
ajudada...

— É complicado. A minha mãe ainda faz terapia para lidar com o


luto, eu fiz por algum tempo e ajudou. Nós tentamos falar com ela para que
ela também procurasse ajuda profissional, mas ela não quis nos ouvir. Talvez
ela devesse mudar de ares, fazer alguma coisa diferente, sabe?
— É. Eu acho que eles estão com planos de se mudar, espero que isso
seja positivo para eles... — informei.

— Ah, é? Tomara mesmo — ele disse pensativo. Depois de hesitar


um pouco, ele acrescentou: — Mas mudando de assunto, eu te liguei para
saber se você já falou com a sua mãe sobre eu ir almoçar aí com vocês.

— Já sim, ela concordou! Que horas vocês vêm?

— Eu devo aparecer aí antes do meio dia, mas a minha mãe não vai
— ele disse com certo ressentimento. — Ela falou que vai passar o dia fora
com o treinador no município vizinho — percebi que a mágoa em sua voz só
podia significar uma coisa e não pude deixar de soltar uma risada debochada.

— Ô, moreno, você está com ciúmes da sua mãe?

— Não, claro que não! — Ele se defendeu com muita rapidez.


“Negação”, pensei segurando mais uma risada. — Não viaja, Alana! Só estou
me acostumando com toda essa situação e leva um tempo — ele afirmou

chateado.

— Você nem me fale nisso! Leva mesmo! Acredita que peguei minha
mãe aos beijos com o Brian agora há pouco?

— Eita que o negócio está serio mesmo! Preparada para ganhar um


padrasto, linda? — Ele questionou me provocando.

— Te faço a mesma pergunta, lindo — respondi com ironia. Ele


resmungou um pouco antes de responder:
— Claro que não estou!

Não pude mais aguentar e soltei uma gargalhada. Ele ficou em

silêncio por alguns instantes, mas eventualmente começou a rir também.

— Mas acho que nós vamos ter que nos acostumar, não é? — Ele
falou em meio as risadas.

— Vamos mesmo — concordei. — Mas olha, já que a sua mãe não

vem, eu vou convidar a Lu para almoçar aqui. Ela me contou que os pais dela
viajaram e fico preocupada que ela não se alimente direito.

— Ok, ela vai para o cinema com a gente?

— Talvez. Então é bom você convidar o Nicolas, já que disse que ele
é doido por ela.

— Boa ideia, bruxinha!

— Até, beijos!

Desliguei no exato momento em que a Dona Susana e o Brian

passaram pela sala, indo em direção à porta. Fingi estar mexendo no celular e,
pelo canto do olho, observei eles se despedindo na porta.

Os dois conversavam em voz baixa, os rostos bastante próximos. Ele


passou a mão pelo braço dela, que se ergueu para um selinho, sorrindo. Eles
eram muito carinhosos um com o outro, era estranho ver mamãe assim.

Para dar privacidade aos dois, fui até a cozinha beber água. Não
demorou muito para minha mãe entrar, indo direto para pia temperar o
frango. Observando a aura de felicidade que a rodeava, fui até ela e dei-lhe

um abraço por trás.

— Não precisa falar nada, nem ficar com vergonha, ok? Se ele te fizer
feliz, por mim está tudo bem — sussurrei no ouvido dela, que se virou para
me ver e sorriu.

— Já disse que te amo hoje, minha menina?

— Hoje ainda não! — Respondi rindo.

— Pois eu te amo, viu?

— Também te amo, mãe.

Desfiz o abraço e comecei a abrir os armários para ver o que eu


poderia fazer para a sobremesa. Primeiro pensei em fazer trufas, mas depois
resolvi fazer algo mais elaborado e peguei uma receita de torta de biscoito
com chocolate no caderninho de receitas da mamãe.

Coloquei os ingredientes na bancada e pus o creme de leite para

esquentar. Enquanto picava o chocolate para a ganache, resolvi ligar para a


Luana. Apoiei o celular no ombro e continuei cozinhando.

— Alô? — Ela disse ao atender com uma voz baixa e rouca.

— Lu?! Tudo bem? — Questionei estranhando sua voz.

— Tudo bem sim, Lana. Acho que estou ficando gripada.

— Hmm, quer vir aqui hoje? Mamãe está fazendo lasanha! — Falei
com entusiasmo. Ela ficou em silêncio por alguns instantes e eu achei que a
ligação tinha caído, mas então ela finalmente falou, a voz ainda muito baixa:

— Acho que não, Lana. Não sou uma boa companhia hoje...

— Ah, não faz isso, Lu! Você tem que vir para cá, muita coisa
aconteceu ontem e eu preciso te contar tudo — insisti um pouco, desligando
o creme de leite e colocando o chocolate na mistura.

— Hoje não, Lana. Pode ser amanhã? Conversamos no colégio e você

me conta.

— Vou mandar o Matheus passar aí para te buscar, esteja pronta,


hein? — Olhei para o relógio em cima do batente da porta e constatei que
eram onze da manhã. — Em meia hora!

— Que droga, Alana! Será que é tão difícil escutar um não? Eu não
sou a Karen, não sou a sua melhor amiga e não quero ser! Para de tentar
forçar as coisas e não manda o Matheus passar aqui, eu não quero sair hoje!
Me deixa em paz um pouquinho! — Ela explodiu desligando na minha cara.

Soltei a colher que segurava e peguei meu celular, encarando a


ligação terminada, em choque. Senti uma mágoa se formar no meu peito, mas
alguma coisa estava estranha. Ela falara coisas muito dolorosas, não era do
feitio dela.

— Aconteceu alguma coisa? — Minha mãe perguntou ao me ver


encarando o celular.

— Não, mas acho que vai acontecer — respondi ligando para o


Matheus, que atendeu rapidamente.

— Oi, moreno! Já está vindo?

— Oi, estou terminando de me arrumar, por quê? Já está com


saudades? — Ele disse divertido. Precisei ignorar a provocação e disse, com
seriedade:

— Na verdade, não. Queria uma carona até a casa da Lu, você pode

me levar?

— Por quê? Aconteceu alguma coisa?

— Eu não sei. Talvez. Eu liguei para convidá-la para o almoço e ela


agiu de um jeito muito estranho, foi muito evasiva, e quando eu insisti ela
explodiu comigo e desligou na minha cara.

— E o que você acha que pode estar acontecendo? Talvez ela só


esteja um pouco irritada e sem vontade de sair.

— A Luana não é assim, Math! Eu sei que eu sou amiga dela há

pouco tempo, mas as coisas que ela me falou... ela nunca agiu assim, tem
alguma coisa muito errada!

— Ok, Lana, mantenha a calma! Daqui a alguns minutos eu chego aí


e vamos até lá descobrir o que está acontecendo, beleza?

— Beleza — falei tentando me acalmar. — Até daqui a pouco e


obrigada.

Ele se despediu e eu desliguei sob o olhar atento da dona Susana.


— Vou até a casa da Luana com o Matheus, não devo demorar —
avisei beijando seu rosto. — A vovó pode terminar a sobremesa quando ela

voltar da igreja.

— Ok, toma cuidado naquela moto e me liga se for algo sério com a
Luana — ela falou preocupada.

Subi as escadas correndo para colocar uma calça jeans e uma

camiseta, já que andar de moto de vestido era uma péssima ideia, peguei
minha carteira e o celular e desci ao escutar a buzina do Math.

Matheus já me esperava na calçada com o motor ainda ligado, então


eu, com urgência, peguei o capacete que ele estendia para mim, coloquei e ele
colocou a moto em movimento. Sentindo minha urgência, ele acelerou
bastante e, quando chegamos, desci correndo para tocar a campainha. Toquei
várias vezes, mas não houve resposta.

Comecei a ficar ainda mais preocupada. Fui até a janela da sala de

estar e me deparei com a cena que provavelmente ficaria gravada em minhas


lembranças para sempre.

— Math! Chama uma ambulância! — Gritei pouco antes de quebrar


os vidros da janela com uma pedra.
VINTE E QUATRO

“Não tenha medo de dar um grande passo. Não se pode cruzar um abismo com dois saltos
pequenos. ” – David Lloyd George

Tentando não deixar o desespero tomar conta de mim, forcei a


abertura da janela e consegui entrar. Corri até a porta para destrancá-la e
deixar o Matheus entrar, e então corri até onde Luana estava jogada no chão,
desacordada, em meio a uma poça de sangue que vinha dos diversos cortes

espalhados por suas pernas e braços.

Cortes profundos.

Eu não conseguia não pensar sobre há quanto tempo a Luana estava


se automutilando ou há quanto tempo ela estava tendo pensamentos suicidas.
E eu nunca havia reparado. Entre os cortes recém-feitos, havia várias
cicatrizes de cortes antigos. Ela estava sempre com roupas compridas, mesmo
quando fazia muito calor, eu devia saber que não era normal. Que péssima

amiga eu era...

— Matheus, pegue uns panos de prato na cozinha, rápido! — Gritei


quando ouvi ele soltar uma expressão de espanto ao entrar na sala. Ele correu
e eu acariciei os cabelos da Lu, tentando não chorar. Eu estava desconfiada
que ela tinha algum distúrbio alimentar, mas suicídio? Como eu pude ser tão

cega?

Quando o Math voltou com uma pequena pilha de panos de prato, eu


procurei o corte mais profundo e tentei estancar o sangramento, dando
instruções para o que o Math fizesse o mesmo. Com a mão livre, chequei a
respiração dela e me desesperei ao perceber que ela estava muito fraca.

— Luana! Lu! Acorda por favor! — Eu gritei sacudindo-a


pelo ombro, mas ela não despertou.

— Tenta ficar calma, morena. A ambulância já está chegando, vai

ficar tudo bem, ela vai ficar bem — Matheus disse tentando me acalmar, mas
eu podia ouvir o desespero na voz dele, também.

— Não vai ficar tudo bem, Math! Olha como ela está! Eu não
enxerguei isso, não a ajudei e agora ela pode morrer! — Falei derramando
algumas lágrimas.

— Nada disso é culpa sua, Alana! Fica calma, nós precisamos tentar
amenizar o sangramento. Eu preciso que você fique calma — ele disse com a
voz mais firme. — Alana, olha para mim — ele chamou, e eu o encarei. —
Ela precisa de nós agora. Ela vai ficar bem, mas agora nós temos que nos

focar. Faça mais pressão no corte — ele ordenou e eu percebi que ele estava
certo. Eu concordei com a cabeça e passei a fazer pressão com as duas mãos
no corte profundo que subia pelo braço da Lu.

Eu não soube dizer quanto tempo ficamos lá, tentando parar o

sangramento enquanto o Matheus sussurrava palavras de conforto, mas


quando a sirene da ambulância chegou aos meus ouvidos, eu chorei de alívio.
Logo os médicos invadiram a sala, pedindo para que nós nos afastássemos e
verificando a situação. Minha visão ficou turva e eu me senti completamente
desorientada. Os médicos gritaram alguns comandos e a colocaram em uma
maca e a levaram às pressas para a ambulância. Um dos médicos tentou falar
comigo, mas eu não conseguia ouvir nem focar em nada, então a voz do
Matheus, clara como o dia, soou nos meus ouvidos:

— Ela vai junto. Eu vou avisar os pais dela. Alana. Alana, olha para
mim. Eles vão levar a Lu para o hospital e você vai junto, ok? Eu logo vou te
encontrar, eu vou buscar a sua mãe.

Eu não olhei para ele, meus olhos estavam na ambulância e nos outros
dois médicos. Apenas concordei e corri para me juntar à Lu.

Eu queria segurar a mão dela, mas os médicos me pediram para ficar


afastada, então apenas rezei para que ela estivesse bem. Estava tentando focar
na Luana e canalizar a força do Matheus, ser forte por nós duas, mas meu

corpo tremia.

E a Karen não saía da minha mente.

Quando chegamos ao hospital, eles levaram a Luana para um dos


centros de trauma e me pediram para esperar. Ainda tremendo, sentei em uma
das cadeiras da recepção e logo uma enfermeira me entregou uma ficha que

me pedia algumas informações básicas da Luana. E então eu percebi que eu


não sabia muita coisa sobre ela.

Éramos amigas há pouco tempo e não conversávamos sobre alergias


ou tipo sanguíneo. Preenchi o que eu sabia e entreguei na recepção, pedindo
desculpas por não conseguir dar muitas informações.

Eu sentei novamente e enterrei o rosto nas mãos. Que tipo de amiga


eu estava sendo para a Lu? Ela sabia muito de mim, mas o que eu sabia dela?
Eu nem havia reparado que ela tinha depressão! Sentindo as lágrimas

escorrerem pelo meu rosto, eu só conseguia desejar que a Karen estivesse ali
comigo.

Não demorou muito para o Matheus chegar acompanhado da minha


mãe. Eu levantei e corri para ela, que me abraçou. Chorei no peito dela e ela
acariciou meus cabelos, passando todo o seu amor de mãe que me deu uma
calma instantânea.

Rapidamente dona Susana tomou as rédeas da situação. Ela me soltou


e entrou em contato com os pais da Lu. Como ela era menor de idade, ela
precisava de um responsável legal. O Math se aproximou de mim, colocando

a mão nas minhas costas, enquanto a mamãe falava no telefone, e eu notei


que a roupa dele estava suja de sangue. Surpresa, olhei para mim mesma e vi
que eu também estava. Senti meu estômago embrulhar e engoli em seco.

Alguns minutos depois, minha mãe soltou uma exclamação de revolta

e terminou a ligação, furiosa.

— Acredita que eles nem deram importância para tudo que contei? É
como se ela nem fosse filha deles! Eles só queriam saber se ela estava viva, e
então transferiram a ligação com a maior frieza! Foi a secretária quem me
passou tudo, eles apenas disseram que não poderiam abdicar de
compromissos sérios por causa de uma brincadeira da Luana — ela disse
nervosa, nunca havia visto mamãe tão chateada assim.

— Calma, mãe. A Lu já tinha me falado que os pais dela eram desse

jeito, acho que faz sentido que ela tenha alguns problemas. Não sei como eu
não pensei nisso antes, na verdade... Eu sou mesmo muito privilegiada por ter
uma mãe maravilhosa — estiquei a mão para a mamãe, que a segurou e
pareceu relaxar um pouco.

Nós sentamos um ao lado do outro na sala de espera e eu apoiei


minha cabeça no ombro da mamãe, dando a mão para o Matheus. Senti a
adrenalina baixando no meu corpo e um cansaço absurdo tomou conta de
mim. A mamãe acariciou meus cabelos e o Math traçou círculos com o dedão

na minha palma, tentando me confortar. Minhas pálpebras pesaram e eu só

percebi que cochilei quando acordei com a voz grave do doutor que atendeu a
Luana.

— Parentes ou responsáveis por Luana Moraes?

Minha mãe se levantou e eu e o Math fomos atrás dela.

— Sou a cuidadora dela, doutor. Susana Soares, os pais da Luana


estão viajando — ela informou e o doutor assentiu.

— Muito bem. Senhora Susana, a paciente chegou aqui inconsciente e


acabou perdendo muito sangue. Nós conseguimos controlar os sangramentos,
fizemos uma transfusão de sangue e ela está estável. Ela já foi transferida
para um quarto. Os exames acabaram de voltar, ela está desnutrida e com
uma anemia grave, anterior à tentativa de suicídio. Precisamos de doadores
do sangue tipo o AB negativo para que possamos fazer mais algumas

transfusões e normalizar seu quadro.

— Oh, minha nossa senhora! Podemos vê-la agora, doutor? — Minha


mãe perguntou com a voz trêmula.

— Ela ainda está sob efeito da anestesia, mas deve acordar em breve.
Ela passará por uma avaliação psiquiátrica e será encaminhada para
acompanhamento psicológico assim que ela estiver estável o suficiente.
Geralmente isso é difícil para pacientes psiquiátricos, então será bom que ela
veja rostos familiares. Por favor, me acompanhe.

— Filha, veja com seus amigos quem pode doar sangue para a Lu,

certo?

— Pode deixar, mãe. Vou mandar nos grupos — disse observando


minha mãe indo em direção ao elevador.

Virei para o Math e ele me abraçou, um abraço daqueles de urso

mesmo.

— Ela vai ficar bem — ele sussurrou no meu ouvido. Levantei o rosto
para lhe dar um beijo casto e perguntei:

— Você sabe se algum dos meninos do futebol é... — olhei para a


lista fixada no mural da recepção para ver os tipos sanguíneos doadores — A
negativo, B negativo, AB negativo ou O negativo?

— Não sei, mas acho que o Nicolas, talvez. Vou ligar para ele para
perguntar — ele disse tirando o celular do bolso e indicando que faria a

ligação do lado de fora do hospital.

Voltei a sentar e mandei mensagem para todos que eu conhecia e


todos os grupos que eu estava. Fiz um texto, escolhi uma foto da Lu e
divulguei nas minhas redes sociais, pedindo que espalhassem a notícia.

Pouco tempo depois o Matheus voltou.

— O Nicolas é doador, ele já está indo para o banco de sangue. Eu


avisei no grupo do time e outras pessoas se prontificaram. O treinador disse
que nesses casos todos podem doar, independentemente do tipo sanguíneo,

porque o que foi utilizado nela precisa ser reposto para outros pacientes —

ele avisou.

— Então precisamos de mais gente! Eu não posso doar por causa do


meu peso, você pode? — Perguntei e o Math negou com a cabeça.

— Eu tive malária quando eu tinha cinco anos. Vou mandar

mensagem para a minha mãe, ela é doadora, também.

Voltamos a tirar nossos celulares, procurando doadores. Eu recebi


várias mensagens aflitas querendo notícias da Luana, mas poucas pessoas
verdadeiramente interessadas em ajudar. Quando comentei isso com o Math,
ele bufou.

— Essas pessoas não estão preocupadas, elas estão curiosas!


Aconteceu muito depois do acidente do Alex, muita gente perguntando como
estavam as coisas na minha casa, pouca gente interessada em ajudar. É nessas

horas que vemos quem vale a pena e quem não vale — ele disse com raiva.

O mesmo havia acontecido comigo, mas eu tinha ignorado todo


mundo por meses e logo as mensagens pararam de chegar, então não tinha
pensado nas coisas por esse ângulo.

Mas ele estava certo e isso me encheu de desprezo. Passei a responder


apenas as pessoas que eu sabia que estavam de fato preocupadas. No fim das
contas, bastante gente se disponibilizou a doar sangue e eu comecei a me
animar. Quando minha mãe apareceu na recepção, eu já estava me sentindo
mais calma.

— Ela estava bastante grogue e não conseguimos conversar muito,


mas ficou feliz ao me ver. A coitadinha está tão pálida... ela vai precisar
muito do nosso apoio, filha. Como ela terá alta daqui a mais ou menos uma
semana, ela vai ficar lá em casa. Vamos arrumar um cantinho para ela lá, pois

não podemos deixar essa menina sozinha novamente.

— Ela pode ficar no meu quarto, mãe.

— Pode ser, também! Agora preciso arrumar um psicólogo para ela.


Depressão não é brincadeira, precisamos que ela fique bem — mamãe
comentou aflita.

— Mãe. Não é só depressão... eu estava notando há algum tempo já,


mas não dei muita atenção. Ela surtou quando eu a convidei para almoçar
com a gente, eu acho que a Lu tem anorexia.

— Oh! — Mamãe exclamou. — Eu achei que ela estava sem forças


para comer, mas acho que isso faz mais sentido. Pobrezinha, tão bonita...

— Dona Susana, a minha mãe vai a um psicólogo muito bom, a


senhora pode falar com ela — Matheus se manifestou.

— Ótimo, vou conversar com ela sim, obrigada, querido — ela disse
fazendo um carinho no rosto dele, e depois virou para mim dizendo: —
Agora vamos para casa. Vocês precisam tirar essas roupas com sangue. Vou
pedir para o Brian fechar a casa dela, amanhã arrumo alguém para limpá-la.

Dito isso, fomos os três para casa, minha mãe de carro e eu fui de

moto com o Math. Queria sentir o vento sobre o meu rosto e relaxar um
pouco.

Quando chegamos em casa, Matheus me deixou lá e foi embora. Corri


para o meu banheiro, tomei banho e joguei as roupas que estava vestindo no

lixo. Eu não conseguira vesti-las novamente sem lembrar de todo ocorrido.

Desci as escadas e, exausta, deitei no colo da vovó, que assistia à


televisão, mas imediatamente a desligou, perguntando da Luana. Enquanto eu
a atualizava, o Brian veio buscar minha mãe para levá-la novamente ao
hospital. Antes de sair, ele caminhou até mim, pedindo que eu me levantasse
e me deu um abraço bastante paternal.

— Você é uma garota muito corajosa e salvou a vida da sua amiga


hoje, Alana — ele disse pouco antes de sair pela porta da frente.

Brian era definitivamente muito especial.

— Minha filha — vovó chamou. — Você comeu alguma coisa? Já


está tarde e você saiu daqui antes do almoço.

— Não tenho estômago para isso, vó. Não hoje... — eu reclamei.

— Você precisa comer. Foi isso que levou a sua amiga para o
hospital, podia ser você — ela disse levantando e me pegando pela mão,
levando-me para a cozinha.
— Não, não é a mesma coisa! A Lu tem anorexia, eu não... —
comecei, mas me interrompi.

No que eu era diferente dela? Eu também tive depressão, eu também


parei de comer e comecei a ficar doente, eu também tive dificuldades em
lidar com tarefas simples como falar com as pessoas e conseguir me
alimentar. Talvez nossos motivos fossem diferentes, mas a única real

diferença entre nós é que eu tinha o suporte da minha família me forçando a


reagir até que eu tivesse forças para sair disso sozinha, e ela não tinha
ninguém.

Com o peito apertado, deixei que minha avó esquentasse um pouco da


lasanha da mamãe e comi sob o olhar atento dela. Quando a vovó se deu por
satisfeita, ela me mandou para a cama, porque já estava bastante tarde. Eu fui
até o armário, separei os remédios dela e, depois de me certificar que ela
tinha tomado corretamente, fui para o meu quarto tentar dormir.

E falhei terrivelmente.

Toda vez que fechava os olhos, via a Luana repleta de sangue.

Demoraria para que eu conseguisse tirar essa imagem da minha


cabeça. Decidindo que eu precisava me distrair antes de tentar lidar com
minha insônia, desci para a sala para assistir algum filme.

Eu mal me sentara no sofá quando meu celular começou a tocar, o


identificador de chamadas mostrando o nome do Matheus.
— Oi, moreno.

— Oi, linda. Atendeu rápido, não está conseguindo dormir também?

Suspirei. Pelo menos eu não era a única

— Não consigo pregar o olho sem ver a Lu na minha frente —


comentei.

— Pois é, eu também não. Sangue sempre me faz lembrar do

acidente... — ele disse com a voz séria.

— Você também começou a ter insônia? — Questionei.

— Comecei. Passei noites e mais noites em claro, só melhorou um


pouco depois de uns chás calmantes que a minha avó me fez tomar. Mas não
tenho nenhum deles aqui. E você? O que fazia para melhorar? — Ele
perguntou.

— Dormir com a minha mãe me ajudava, mas hoje ela não está aqui,
então vou virar a noite assistindo filmes até ser vencida pelo cansaço.

Ele ficou em silêncio por alguns segundos, então disse, com certa
hesitação:

— Eu posso ir aí se você quiser companhia.

— Você viria mesmo? Não está muito tarde?

— A hora não é importante quando se quer estar com quem se ama.


Te vejo daqui a pouco, minha bruxinha — ele disse e desligou sem esperar
por uma resposta.
Pela primeira vez desde a ligação da Lu, permiti que meus lábios se
curvassem em um pequeno sorriso. Era uma coisa pequena e boba, mas ele

disse que me amava! Claro que eu já imaginava que esse sentimento fosse
recíproco, mas ter essa certeza foi demais para o meu coração.

Embasbacada, fui até a cozinha estourar pipoca para comermos vendo


filme. Eu estava colocando sal na pipoca já pronta quando ouvi a campainha.

Saltitei feito uma criança para abrir a porta e ali estava ele, o amor da minha
vida. Inclinei-me para ele e recepcionei-o com um beijo digno de cinema.
Nossas línguas se encontraram e as mãos dele envolveram minha cintura,
trazendo-me para mais perto dele. Quando nossas bocas se separaram, deitei
minha cabeça em seu ombro, apreciando o cheiro maravilhoso do perfume
que ele usava.

Fomos até o sofá e sentamos abraçadinhos. Ele pegou o controle da


minha mão e anunciou que ia escolher o primeiro filme da noite. Por

coincidência, ele escolheu O exterminador do futuro: Genesis, que era um


dos meus favoritos da franquia.

— Nossos gostos são muito parecidos — comentei.

Matheus fazia cafuné no meu cabelo enquanto assistíamos e eu senti


meu corpo relaxar. Ele fazia alguns comentários sobre o enredo e, pela
segunda vez no dia, senti as pálpebras pesarem e não lembro quando
adormeci, só sei que acordei assustada com uma voz grave chamando meu
nome. Abri os olhos e vi Brian com uma expressão muito severa.

— Alana, posso saber o que está acontecendo aqui? — Ele questionou

aborrecido.

Meio confusa, pisquei para ele e então me dei conta do que aconteceu:
eu e o Math dormimos juntos no sofá e o Brian tinha acabado de flagrar a
cena.

Meu Deus!

Não queria nem imaginar o que ele pensou quando nos encontrou ali.
VINTE E CINCO

“O que você faz todos os dias importa mais do que o que você faz de vez em quando. ” – Autor
desconhecido

— Ai, meu Deus! Não é nada disso que o senhor está pensando! —
Disse apressada e empurrei o Math, que ainda dormia.

— Não estou pensando nada, Alana. Estou vendo você e seu


namoradinho dormindo no sofá sem sua mãe estar em casa — ele falou

nervoso passando as mãos pelos cabelos.

— Ele não é o meu namorado! — Soquei a perna do Matheus, que


despertou assustado.

— Poxa, Alana! Minha coxa! — Ele reclamou comigo, mas então viu
o Brian e sentou-se rapidamente, assustado. — Delegado, caramba! O senhor
está aí há muito tempo?
— Estou aqui há tempo o suficiente para ver o que aconteceu — ele
respondeu friamente. O Matheus passou pelos mesmos estágios de confusão

pelos quais eu passara há alguns instantes e, quando ele chegou à mesma


conclusão que eu, falou apressadamente:

— Cara, não aconteceu o que o senhor está pensando, nós só


dormimos juntos!

Senti meu rosto esquentar. O Matheus não estava ajudando!

— Estou vendo que dormiram juntos! Não é só porque atingiram a


maioridade que acham que podem fazer o que quiserem. A mãe dela não está
em casa, rapaz.

— Não, não! Nós só pegamos no sono! Eu e a Alana estamos


namorando, senhor. Sei que não deveria ter vindo dormir na casa dela sem a
dona Susana estar presente, mas não pensei muito nisso ontem à noite.

— A Alana me disse que vocês não são namorados e você diz o

contrário, quem está mentindo aqui, garoto? — Ele questionou encarando o


Math.

— Nós estamos ficando — ele corrigiu. — Ainda não pedi ela em


namoro, mas isso vai acontecer em breve, não se preocupe.

Minhas bochechas esquentaram mais uma vez, feliz por saber que ele
pretendia me pedir em namoro logo. Mas o delegado não pareceu
convencido. Ele pigarreou e encarou Matheus, procurando intimidá-lo.
— Serei sincero com você, garoto. Como os pais da Alana não estão
presentes, eu vou ter que assumir certos papéis aqui. Eu não acho que vocês

possam ficar sozinhos em casa sem a permissão da mãe dela e enquanto eu


não ouvir essa permissão, vou ter que pedir para que isso não se repita. Vocês
são adolescentes cheios de hormônios e tenho certeza que Susana não quer
ser avó tão cedo — ele disse com sua melhor voz de policial malvado.

— Brian, não precisa ter essa conversa com a gente! — Exclamei


constrangida.

— Preciso sim, Alana. Vou confiar em vocês e aceitar que nada


aconteceu, mas e se acontecesse? Vocês precisam conversar com as mães de
vocês antes de tomar qualquer decisão sobre essas coisas, podemos combinar
assim?

— Por mim tudo bem — Math disse e eu assenti.

— E vocês podem sair juntos, desde que não cheguem muito tarde,

mas não quero que o relacionamento de vocês atrapalhe os estudos. Sair dia
de semana atrapalharia isso, então esse é mais um tópico que vocês precisam
conversar com as mães de vocês — ele foi categórico e nós concordamos.

Apesar de toda a atitude de policial em um interrogatório, ele estava


sendo bastante razoável e, mesmo me deixando um pouco constrangida, ele
estava cuidando de mim. Era bom ver outra pessoa além da minha mãe
querendo o meu bem.
— Eu vou falar com a mamãe sim, Brian, desculpe — eu disse.

— Certo. Eu confio em vocês, ok? Vou fazer algo para comermos de

café da manhã, venham me ajudar — ele ordenou, virando as costas e indo


até a cozinha.

— Vou ao banheiro e já vou — Matheus disse dando um beijo no


meu rosto.

Fui atrás de Brian, que estava cortando pães debruçado sob a bancada
da cozinha. Fui até a geladeira e tirei alguns hambúrgueres congelados.
Quando liguei o fogo, o delegado tocou em meu ombro.

—Alana — ele me chamou e eu me virei para encará-lo. — Quero


pedir desculpas se fui muito agressivo, não quero que me interprete mal, mas
como sua mãe não está e ela não comentou nada sobre vocês, acho que ela
não sabe ainda, não é? Eu me senti na obrigação de falar alguma coisa, espero
não ter passado dos limites — ele disse parecendo estar constrangido.

— Não se preocupe. Se eu achasse inapropriado, falaria na hora, você


sabe que não me calo. Mas sei que estava tentando me proteger e te agradeço
por isso. Confesso que não pensei nas consequências quando convidei o Math
para dormir aqui — admiti.

— Que bom que não ficou chateada. É estranho assumir esse papel
paternal, na verdade... Só tive o Jordan e ele não conviveu muito comigo.
Mas é bom saber que estou fazendo o certo — ele coçou a cabeça, sem jeito.
— Está sim. Eu às vezes acho que preciso de limites mesmo, o meu
pai não é muito presente e a mamãe é mole demais para me repreender de

verdade — disse rindo. Ele coçou minha cabeça com o punho, brincalhão, e
voltou-se para a cafeteira.

Logo depois o Math apareceu e eles começaram a conversaram sobre


o campeonato do colégio, pedi que fizessem o suco e colocassem a mesa

enquanto eu mandava uma mensagem para minha mãe para saber como ela e
a Lu tinham passado a noite.

Quando terminamos de comer, Matheus se despediu com um beijo


casto e foi embora. Brian levou as louças para a pia e não deixou que eu o
ajudasse a lavar, então eu fui arrumar a casa e cuidar das plantas, que estavam
começando a murchar. Quando terminei, Brian avisou que ia buscar minha
mãe no hospital e saiu.

Olhei para o relógio e percebi que minha avó estava muito quieta,

então fui procurá-la no andar de cima, encontrando-a em seu quarto,


bordando uma toalha de mesa e assistindo Maria do Bairro.

De novo!

— Bom dia, vovó! — Cumprimentei-a deixando um beijo estalado


em sua bochecha.

— Bom dia. Lembrou que tem vó só agora, foi? — Ela disse sem me
encarar.
— Vó! A senhora não desceu e eu fiquei preocupada — exclamei
sentando-me ao lado dela.

— Não parecia preocupada enquanto estava lá agarrada com aquele


boyzinho — ela falou e eu não aguentei, gargalhando ao seu lado.

— Boyzinho? Quem te ensinou essa gíria, dona Lurdes?

— Ninguém me ensinou, eu assisto televisão, Alana — ela respondeu

como se fosse a coisa mais óbvia da face da terra.

— Meu Deus, vó! A senhora é a melhor! — Dei-lhe outro beijo e me


levantei. — O café da manhã está pronto, quando a senhora quiser, só me
avisa que eu esquento.

Nos outros dias, entre aulas normais e aulas extras, visitei a Luana e
nós criamos um laço ainda maior do que o que já tínhamos antes, ela estava
se dando muito bem com a minha mãe também e eu estava adorando isso. Ela

ainda estava se recuperando e às vezes ela se recusava a falar conosco,


ficando em silêncio e chorando sozinha, mas nós estávamos lá por ela e não a
deixaríamos sucumbir novamente.

Entrei em seu quarto e ela deu um pequeno sorriso ao me ver. Minha


mãe estava ao seu lado e felizmente seus dias no hospital já estavam
acabando.
— Lu, eu e a mamãe queremos te fazer uma proposta — falei depois
de cumprimentá-la.

— Que tipo de proposta, Alana?

— Queremos saber se você não gostaria de ficar lá em casa conosco.

— Na casa de vocês? Não, Alana. Não quero incomodar — ela disse


apressadamente.

— Não seria incomodo nenhum, Lu. Sério!

— Sim, minha linda. Seria um prazer tê-la em nossa casa, não quero
te ver sozinha naquela casa enorme — minha mãe falou segurando a mão
dela.

A Lu pareceu relutante no início, mas então a expressão dela se


suavizou.

— Tudo bem, ficarei com vocês sim. Quando meus pais voltarem eu
vejo o que faço, também não quero ficar sozinha. Eu nem sei como agradecer

tudo o que vocês estão fazendo por mim — ela disse com lágrimas nos olhos.

Corri para abraça-la e a mamãe disse:

— Lu, saiba que você pode contar com a gente para o que precisar,
amigos são para essas coisas.

Depois de conversarmos sobre sua mudança, assistimos um filme pelo


aplicativo do meu celular, a Lu estava mais à vontade com a gente e isso me
deixava muito feliz.
Com tantas coisas acontecendo, a semana passou voando. Depois de
entregar os atestados médicos da Lu na coordenação e explicar a situação

toda, fui liberada das aulas extras da sexta e avisei no jornal que faria minha
coluna em casa. Assim que as aulas comuns acabaram, dei um beijo rápido
no Math e saí correndo para casa para arrumar o meu quarto e abrir espaço
para acomodar as coisas da Lu ali, porque eu queria que ela se sentisse

bastante à vontade e acolhida.

Estava terminando de liberar as gavetas de baixo do armário quando


escutei o telefone tocando e saí correndo, quase caindo da escada no
processo.

— Alô?

— Filha — respondeu a voz do outro lado.

— Oi, mãe — falei ofegante.

— Está tudo bem? Porque está falando desse jeito? — A mamãe

perguntou preocupada.

— Está tudo bem sim, só tive que correr para pegar o celular — disse
colocando a mão no peito, tentando recuperar o fôlego.

— Hm. Ok, só liguei para avisar que os pais da Luana já mandaram a


procuração para eu assinar os papéis de alta dela, estou apenas esperando a
última sessão com a psicóloga do hospital acabar e já vamos buscar as roupas
dela para irmos para nossa casa.
— Ah, que bom, mãe. Farei um almoço para celebrarmos a chegada
dela! — Anunciei.

— Isso, filha, mas lembra do que a terapeuta disse para a gente. Nada
que seja muito difícil para ela comer, o corpo dela ainda não está acostumado
a digerir.

— Eu sei, mãe, pode deixar, vou fazer uma comidinha bem leve. Eu

quero que ela se sinta bastante acolhida aqui, vamos ajudá-la a superar tudo.

— Está bem, então. A Lu foi liberada aqui, daqui a pouco estaremos


aí, beijo! — Mamãe disse e então desligamos.

Fui para a cozinha e vi que a minha avó tinha descongelado peito de


frango, então decidi fazer uma salada e um arroz para acompanhar. Chamei a
vovó para me ajudar e ela começou a grelhar o frango, contando-me
animadamente sobre o que estava acontecendo na novela.

Quando terminamos, coloquei a mesa e então ouvi a porta da frente se

abrir. Corri para receber a Luana, que não estava com sua melhor aparência.
Os olhos dela estavam vermelhos e inchados, a pele ainda estava um pouco
pálida e a expressão dela era de muita tristeza.

Assim que nós nos olhamos, como um filme, aquele trágico momento
passou pela minha cabeça. Senti meus olhos encherem de lágrimas e corri
para abraça-la. Imediatamente ela retribuiu e começou a soluçar em meu
ombro. A mamãe fechou a porta atrás de nós e nos abraçou, também, e ali
ficamos por um tempo.

— Calma, Lu. Vai ficar tudo bem, nós vamos cuidar de você. Está

segura agora — disse enquanto acariciava seus cabelos, desejando que coisas
boas acontecessem.

O almoço foi bastante tenso. Mesmo com a comida sendo leve e


saudável, a Luana colocou muito pouco no prato e ficou muito relutante em

comer, chorando a cada garfada que colocava na boca. Nós tentávamos não
prestar muita atenção nisso para não a desencorajar, mas mamãe sentou ao
lado dela e colocava a mão nos ombros dela o tempo todo, dando suporte.

— Você é uma guerreira — anunciei quando todas terminamos todas


de comer. Ela limpou as lágrimas do rosto e deu um sorriso fraco.

Senti que as coisas logo iriam melhorar.


VINTE E SEIS

“Ninguém é bom em tudo, mas todo mundo é bom em alguma coisa. ” – Clark

No domingo, Brian e Jordan passaram lá em casa para nos fazer uma


visita. Estávamos vendo um filme de comédia que passava na televisão, Jor, a
Lu e eu no sofá maior, largados um em cima do outro, e minha mãe, Brian e
vovó no outro, conversando baixinho para que não escutássemos.

Eu estava tão absorta no filme que nem percebi meu celular vibrando
na mesinha de centro. Jordan se esticou para pegá-lo e anunciou:

— Alana, o teu namorado está te ligando aqui — ele anunciou em


voz alta, com um sorriso malicioso no rosto.

Senti meu rosto corar e evitei fazer contato visual quando peguei o
aparelho da mão dele para ir até a cozinha atendê-lo.
— Oi, Moreno — disse assim que fechei a porta atrás de mim.

— Oi, linda. Você está ocupada? — A voz do Matheus respondeu

com certa urgência.

— Não, por quê?

— Quero conversar com você — ele disse ainda bastante sério.

— O que foi, aconteceu alguma coisa? — Perguntei preocupada.

— Não, nada. Me encontra na esquina que eu já estou chegando.

— Ok então, até daqui a pouco — disse e ele desligou. Franzi a testa e


fui até a sala.

— Mãe, vou aqui na praça rapidinho, beleza? — Disse assim que me


aproximei dela.

— Está bem. Por que não leva o Jordan e a Luana com você? — Ela
questionou olhando para os dois.

Jordan me encarou e eu dei graças aos céus por ele entender as coisas

com facilidade, porque ele rapidamente respondeu:

— Não precisa, tia. Não sei a Lu, mas eu estou descansando o almoço
ainda — ele disse acariciando o próprio estômago e sorrindo para ilustrar sua
fala.

— Também estou bem aqui — Luana respondeu tímida.

Mamãe olhou para os dois e então para mim, desconfiada. Tentei


fazer a minha melhor cara de inocente, então ela disse, depois de um suspiro:
— Pode ir então, Alana. Mas não demore, não te quero fora de casa
até tarde, viu?

— Certo, mãe, pode deixar que eu vou me comportar — depositei um


beijo no rosto dela, acenei para os outros e saí.

Tranquei o portão atrás de mim e fui até a esquina, onde o Math me


esperava escorado em sua moto. Ele esticou o braço para mim e me puxou

para perto dele, dando-me um beijo casto. Eu sorri, mas ele continuou sério e
me entregou o segundo capacete, montando na moto e esperando que eu
subisse atrás dele.

Sem uma palavra, ele ligou o motor e dirigiu até a casa dos avós dele.
Desci e me sentei no mesmo balanço da noite do nosso primeiro beijo, e ele
veio até o meu lado, esticando o braço para pegar minha mão.

— Você vai me falar o que aconteceu? Você está tão sério... —


perguntei observando-o.

— Não é nada demais, só estou pensativo — ele disse dando um


sorriso fraco, aliviando um pouco a tensão. — Quer dizer... Não me leva a
mal, mas você não ficou chateada com o que o Brian falou naquele dia? Ele
meio que só começou a mandar na gente... Sei lá, eu tenho muita
consideração pelo treinador Andrade, mas jamais deixaria ele interferir desse
jeito em minha vida — ele concluiu, dando de ombros.

Eu fiquei em silêncio por alguns instantes, mas não pude impedir uma
risada fraca de escapar dos meus lábios.

— Você ficou remoendo isso a semana toda, né? — Perguntei.

— É. Eu queria te perguntar naquele dia, mas você não pareceu ter


ficado ofendida, então não sei, achei que talvez você pudesse se chatear. Eu
também não quero impor nada para você — ele disse erguendo nossas mãos
unidas até seus lábios.

— Você não precisa ficar pisando em ovos comigo. A gente precisa


confiar um no outro... mas para te responder, eu não achei que ele impôs nada
a gente, apenas sugeriu e pediu para que falássemos com nossas mães sobre
isso, não vi nada demais. Ele estava tentando ser um adulto responsável,
apenas isso — expliquei e o Math sorriu para mim.

— Você gosta bastante dele, né? — Ele questionou.

— Sempre tive muita consideração por ele, desde que éramos


crianças. Quando eu o via com o Jordan, meu coração se apertava porque

meu pai não era daquele jeito comigo, sabe? Eles se entendiam tão bem, ele
era tão carinhoso... não sei. Era como se ele fosse o pai que eu queria ter,
sabe? E quando ele e a minha mãe começaram a namorar, eu vi a felicidade
nos olhos dela. Eu acho que ele vai fazer muito bem para ela, e para mim
também — expliquei e ele soltou nossas mãos, apenas para me puxar para o
colo dele.

— Eu não sabia que você se sentia assim em relação ao seu pai. Eu te


entendo, eu via os pais dos outros meninos jogando bola com eles,
acompanhando no colégio... e eu só tinha o Alex e a mamãe — ele disse

deixando um beijo nos meus cabelos.

— Pelo menos as nossas mães são maravilhosas.

— São mesmo. Mas agora nós temos que conversar com elas sobre a
gente, antes que o delegado conte. Espero que elas não encrenquem muito...

— ele falou

— Não se preocupe em relação a isso. A minha mãe jamais me


repreenderia ou tentaria impor alguma coisa no nosso relacionamento — eu o
tranquilizei.

— Então estamos acertados. Agora que conversamos, quero te dar


uma coisa. Fecha os olhos — ele disse. Obedeci na maior expectativa, e senti
ele pegando minha mão e depositando algo nela. Abri meus olhos, e fiquei
encantada ao encontrar um par de alianças prateadas. Quando as examinei

mais de perto, percebi que nossos apelidos estavam gravados na parte interna:
na minha estava escrito “moreno”, e na dele, “bruxinha”.

— Ai, meu Deus! Que lindas, Math! — Exclamei animadamente.

— Fico feliz que tenha gostado — ele sorriu, afastando o cabelo do


meu rosto. — Estou planejando isso há dias. Não gostei de dizer ao seu quase
padrasto que só estávamos ficando, então fui na joalheria e encomendei essas
alianças de compromisso para nós dois. E agora eu posso finalmente fazer o
pedido: Quer ser minha namorada, bruxinha?

— Claro que eu aceito, seu bobo! — Tomei a boca dele em um beijo

apaixonado.

Ficamos com as testas coladas por um tempo, sorrindo um para o


outro. Ele me afastou um pouco dele e tirou a aliança menor que eu ainda
segurava, colocando no meu dedo, e eu coloquei a outra no dedo dele. E

então ficamos ali apenas curtindo a companhia um do outro e assistindo o


pôr-do-sol. Quando escureceu, resolvemos ir embora. Quando chegamos na
minha casa, entramos rapidamente para chamar o Jordan e a Luana, e juntos
sentamos na varanda para colocar o papo em dia.

— Preparados para as aulas amanhã? – Jordan perguntou a todos nós.

— Nem um pouco. Espero que as pessoas não comentem, mas duvido


que isso aconteça — Lu respondeu cabisbaixa.

— Fica tranquila que eu não vou deixar ninguém te dizer nada — eu

disse passando um braço pelos ombros dela.

— Isso, Lu, nós vamos bater o pé caso alguém diga algo. E além do
mais, as pessoas estarão mais ocupadas falando do casalzinho aí — Jordan
falou apontando para mim e o Math.

— Ninguém vai falar da gente, Jordan. Não exagera! — Matheus


exclamou.

— Guri, tu deve estar alucinando. Em que mundo tu estava na última


semana? No Instagram e no grupo do colégio não se fala de outra coisa. As
maria-chuteiras estão querendo matar a Alana, afinal ela está pegando o

camisa 10 do time.

— Não estou pegando o Matheus, Jor, estamos namorando! —


Respondi mostrando minha mão e apontando para a aliança.

— Opa, subiram de nível! Isso vai render muita fofoca. Meu Deus! —

Ele gargalhou. — A Laís vai enlouquecer.

— Que enlouqueça. Depois daquela palhaçada da festa, não quero o


Math nem de conversa com ela — avisei entrelaçando os meus dedos com os
dele, que beijou minha bochecha.

Conversamos mais um pouco até dona Susana aparecer ao lado do


Brian.

— Bem, crianças o papo está muito bom mais já são dez horas e
amanhã vocês têm aula.

— É, Jordan! Vamos que amanhã ainda temos que levar o resto dos
papéis da sua matrícula — Brian disse. Ele deu um beijo casto na minha mãe,
acenou para nós e andou até o carro, esperando que o filho o seguisse.

— Está bem, está bem. Tchau, gente. Até amanhã — Jordan


depositou um beijo na bochecha de cada uma, então fez um toque de mãos
com o Math e saiu atrás do pai.

— Luana, querida, está na hora de trocar seus curativos — minha mãe


anunciou. — Vamos lá? Tchau, Matheus — ela disse abrindo a porta da
frente. Luana acenou para Math e seguiu minha mãe para dentro de casa,

deixando-nos sozinhos.

Quando estávamos a sós, ele me beijou. Foi um beijo lento e sem


pudor, as mãos dele passando lentamente pelo meu corpo e nossas línguas se
tocando em uma sintonia incrível. Quando nossas bocas se separaram,

permanecemos com as testas coladas.

— Até amanhã, moreno — eu disse um pouco ofegante.

Ele me deu mais um selinho e foi embora em sua moto. Observei até
ele virar a esquina e entrei em casa suspirando. Encontrei minha mãe na
cozinha, arrumando caixas com doces encomendados para a festa do dia
seguinte.

— Nossa, quanta coisa! Quando a senhora teve tempo para fazer tudo
isso? — Perguntei sentando-me no balcão.

— A Laura fez uma boa parte, fiz alguns hoje à tarde e decorei o bolo
— ela respondeu mostrando-me o bolo com detalhes de princesa.

— Ficou lindo, adorei a nova técnica que usou, os detalhes ficaram


perfeitos — comentei impressionada.

— Também gostei. Sabe do que mais eu gostei? Dessa aliança aí no


seu dedo — ela comentou casualmente, terminando de colocar o bolo na
caixa e guardando-o na geladeira. — Podemos falar sobre esse namoro de
vocês agora?

— Claro que podemos, mãe — respondi levemente constrangida.

— Você gosta dele? Gosta de verdade? — Ela questionou com


expectativa.

— Gosto, mãe. Muito. Sempre gostei, na verdade, mas nunca achei


que fosse recíproco — respondi e ela sorriu para mim.

— Isso é tão bom, não é? Gostar de alguém e receber tanto carinho de


volta.

— É maravilhoso, mãe. Fico muito feliz que isso esteja acontecendo


com nós duas ao mesmo tempo. Depois de tudo o que passamos, merecemos
receber todo o amor do mundo — respondi dando-lhe um abraço.

— É verdade. Mas falando em merecer amor, você poderia ir checar


se está tudo bem com a Lu? Nós não podemos deixá-la muito tempo sozinha,
recomendações da psicóloga.

Respondi afirmativamente e subi as escadas. A Lu estava terminando


de trocar seus curativos e estava aparentemente bem, então avisei que ia
tomar um banho. Quando saí já com o pijama no corpo, convidei-a para ir ao
quarto da minha mãe comigo.

— Que surpresa boa, vamos fazer uma festinha do pijama hoje? —A


mamãe perguntou assim que nos viu entrando no quarto.

— Acho que sim, mas na verdade eu só queria um colo de mãe, será


que podemos ter isso hoje? — Questionei me aconchegando ao lado dela.

— Não precisa nem pedir — ela passou o braço por meus ombros e

esticou o outro para a Lu, que estava em pé ao lado da cama, constrangida.


Meio relutante, ela se acomodou do outro lado da mamãe, que começou a
fazer cafuné em nós duas.

A minha mãe e a Luana começam a assistir um filme que estava

passando na TV, mas eu não conseguia prestar atenção. Tudo o que


conseguia pensar era no que Jordan tinha dito.

Não queria que o meu relacionamento com o Math se tornasse uma


fofoca, porque sabia que nem todos torciam pela nossa felicidade.
VINTE E SETE

“Bons amigos são como estrelas. Você nem sempre as vê, mas sabe que estão ali. ” – Autor
desconhecido

Acordei cedo na manhã seguinte. Minha mãe já tinha levantado e


apenas a Luana e eu estávamos na cama. Cutuquei o ombro da Lu para
acordá-la e fomos nos arrumar para ir ao colégio. Vesti uma calça jeans e a
blusa do uniforme. Como não estava muito a fim de pentear o cabelo, fiz um

rabo de cavalo.

Quando a Lu terminou de se arrumar, descemos as escadas e


encontramos minha avó tomando seu café na cozinha.

— Bom dia, vozinha mais linda do universo — depositei um beijo em


sua bochecha e sentei ao seu lado.

— Hmm, bom dia! Você está querendo alguma coisa, não é? Espero
que não seja dinheiro, porque eu não tenho.

— Que absurdo, vovó! Não posso ser carinhosa com a senhora? —

Exclamei colocando o café na xicara. Peguei uma fatia de pão, passei um


pouco de margarina e coloquei na frente da Lu, que encarou a comida com
uma expressão desanimada, mas começou a comer, ainda que relutante.

— Pode sim, mas como você é muito interesseira desde pequena,

preciso desconfiar — ela disse dando uma risadinha.

— Não ia te pedir nada, mas já que me chamou de interesseira, vou te


pedir uma coisa.

— Sabia! Diga logo — ela riu mais uma vez.

— Quero sair com o Math em um fim de semana, ir para a casa dos


meus tios lá na praia. E a senhora sabe como a tia Lucélia é chata, então
queria que a senhora visse com ela para mim, pode ser? — Pedi.

— Hm, você quer ir com o boyzinho para a casa da praia? — Ela

questionou me encarando e a Luana se engasgou com café, rindo.

— Vó, para de chamar ele assim! — Exclamei rindo também.

— Vocês chamam ele assim, por que não posso chamar? Quer que eu
seja mais moderna e chame ele de crush? — Ela perguntou com muita
naturalidade.

— Meu Deus, chega vó! Vamos, Lu! Preciso passar no clube de


jornalismo antes de ir para aula.
Antes de irmos, certifiquei-me de que a Lu comera um pouco mais da
metade do pão, então nos despedimos da minha avó.

— E pode deixar que eu falo com a sua tia, sim, querida — vovó
falou antes que nós saíssemos.

Comemorei e fui caminhando com a Luana até o colégio. Apesar do


calor, ela estava com uma camisa de mangas compridas.

— Estão cicatrizando bem? — Perguntei quebrando o silêncio entre


nós duas.

— Estão sim. Não se preocupe, não é a primeira vez, eu já estou


acostumada — ela disse tão casualmente que meu coração se apertou.

— Ah, Lu... — exclamei sem saber o que dizer. Eu queria confortá-la,


mas sabia que não havia muito que eu pudesse fazer. A única pessoa que
podia ajudar, de fato, era ela mesma. — A mamãe me mandou uma
mensagem pedindo para eu lembrá-la da consulta e falando que vem te

buscar as duas horas, ok?

— Certo. Obrigada — ela agradeceu e andamos mais alguns passos


em silêncio, antes de ela mudar de assunto: — Então quer dizer que você vai
viajar com o Matheus, é?

— Pretendo. Quero comemorar agora que estamos namorando.


Demoramos tanto tempo para expressar nossos sentimentos que agora só
quero comemorar. Mas pensei em convidar a galera toda, ainda não sei —
falei e ela sorriu para mim. Ela tinha um sorriso tão bonito! Torci para que

em breve encontrasse mais motivos para exibi-lo.

— Eu acho tão bonita a relação de vocês... Dois corações quebrados


se unindo pelo amor — ela suspirou.

— É bem isso mês-

Comecei a falar, mas fui interrompida pelo Nicolas, que apareceu em

nossa frente parecendo bastante agitado.

— Oi, Alana, oi, Lu. Tudo bem com vocês?

— Oi, Nico. Tudo bem sim, aconteceu alguma coisa? Por que você
está ofegante? — Perguntei.

— Não aconteceu nada não, eu só corri um pouco. O Math está te


procurando, vai lá, ele está perto da quadra — ele me empurrou um pouco e
eu não protestei, porque percebi que essa agonia toda era para ficar sozinho
com a Luana. Acenei para ela, que me encarou com um pouco de ansiedade

no olhar.

Debati comigo mesma se eu devia deixa-la sozinha para enfrentar as


fofocas de todo mundo, mas eu cheguei à conclusão de que o Nico faria um
bom trabalho em intimidar qualquer um que viesse falar com ela com
maldade, então entrei no colégio. Imediatamente notei os ruídos ao meu
redor. Alguns me olhavam e cochichavam entre eles.

Ótimo! Virei assunto novamente!


Ignorei e continuei andando até o clube de jornalismo. De lá consegui
ver uma parte da quadra. Vi o Matheus e mais uns dois jogadores com umas

cinco meninas da torcida. Elas usavam o uniforme provocante e não paravam


de tocar no meu namorado.

Revirei os olhos, ignorei o ciúme e entrei na sala, cumprimentando os


meus colegas.

— Olha se não é a estrela do nosso jornal! — O Samuca falou e todos


aplaudiram. Ri e tentei entender o que estava acontecendo

— Estrela? Minha coluna recebeu muitos elogios?

— Recebeu sim, mas não é disso que estou falando. Adivinha quem
está na capa hoje? — Ele perguntou fazendo um suspense.

— Pelo amor de Deus, não diz que sou eu!

Meu coração começou a bater bem rápido e uma sensação ruim se


apossou do meu corpo, eu tinha certeza que eu e o Math provavelmente

éramos a capa daquela edição.

— É sim! Você e o seu boy magia! — O Tito comemorou. Quando


ele viu que eu não fiz o mesmo, ele me encarou e perguntou: — O que foi,
não gostou?

Meu Deus! Será que essas pessoas me conheciam tão pouco a ponto
de pensar que eu gostaria de uma exposição dessas?

— Não, não gostei. Não acredito que vocês fizeram isso! Minha
própria equipe me expondo dessa maneira! — Disse irritada.

— Alana, a gente não está te expondo menos do que você já está

exposta! Você e o Matheus são o assunto desde a festa. A gente publica as


notícias, mas também temos colunas de fofoca, não podíamos deixar vocês de
fora só porque você faz parte da equipe — o Samuca se defendeu. Senti a
raiva subir pela minha garganta.

— Cara, você tem noção do que você está dizendo? O absurdo? Estão
querendo lucrar com o meu relacionamento! — Falei furiosa.

— O nome disso é integridade jornalística, Alana, então deixa de


drama! Você sabia muito bem o que aconteceria quando você assumisse
namoro com o craque do time. O garoto mais popular do colégio. Se está
achando ruim isso, imagina quando ele for um grande craque do futebol
brasileiro e a mídia cair em cima do relacionamento de vocês. Você vai
aguentar a pressão, gata? — O Tito se juntou ao Samuca na defesa e o

deboche na voz dele me fez ficar ainda mais irritada.

— Cara, eu realmente não esperava isso de vocês. Entrega minha


coluna para Lívia. Vai ser a minha única da semana — disse marchando para
fora da sala.

Olhei para quadra e vi o Math com seus amigos, porém dessa vez
quem os acompanhavam não eram as meninas da torcida, mas a Laís e a
Tiana.
Eles conversavam animadamente, como se fossem velhos amigos.
Quando o Matheus riu de algo que a Laís falou, não consegui ficar olhando.

Aparentemente só eu tinha ficado chateada com a exposição do nosso


namoro.

Precisando esfriar a cabeça, andei até a área da piscina e sentei-me na


beira, tirando meus sapatos colocando meus pés na água. Milhões de coisas

se passam na minha cabeça. O Tito estava certo: será que eu aguentaria toda
essa pressão da mídia? Afinal, jornalismo não era sempre justo ou correto,
haviam algumas frutas podres no pé.

Soltei meus cabelos e senti uma mão em meus ombros. Ao me virar


para ver quem era, sorri.
VINTE E OITO

“Viver é como velejar. Você pode usar qualquer vento para seguir em qualquer direção. ” – Robert
Brault

— Oi, Tadeu! Tudo bem? — Perguntei enquanto ele se sentava ao


meu lado.

— Estou bem, e você? Estranho te ver por aqui, você costuma ficar
mais na área norte do colégio — ele comentou.

— Bem, na verdade nem me lembrava mais daqui. Eu só queria me


afastar de todos desse colégio, não quero ouvi-los falando de mim —
respondi ouvindo a chateação na minha própria voz.

— Ah, é. Eu escutei algumas coisas — ele admitiu meio sem graça.


— Muitas coisas, na verdade, mas preferi não dar muita importância.

— Ah, eu até tentei, sabe? Mas eu odeio ser o centro das atenções, ver
o colégio toda comentando sobre o meu relacionamento com o Math não é
algo que me agrada.

— Eu entendo, mas se você quer ficar mesmo com ele, vai ter que se
acostumar, né? — Ele disse dando de ombros.

— Estou tentando. É que são muitas coisas acontecendo ao mesmo


tempo, tudo o que eu não queria é ter o colégio falando de mim ou

inventando coisas.

Ficamos em silêncio por alguns instantes, então ele disse:

— As pessoas sempre vão falar, Lana. Não só no colégio, mas pelo


resto das nossas vidas. Não tem nada que a gente possa fazer a não ser
ignorar e seguir em frente, sabe? A gente só não pode deixar isso acabar com
a nossa felicidade.

— Verdade. Você está certo. Obrigada pelos conselhos — eu disse


mais calma, e ele me acalentou em seus braços.

Ficamos em silêncio por um tempo, apenas observando o balanço das


águas, e então fomos subitamente interrompidos.

— Será que estou atrapalhando alguma coisa?

Era o Matheus.

— Oi, moreno. Não, não está atrapalhando nada, eu e o Tadeu só


estamos conversando — respondi me soltando do abraço do meu amigo e me
levantando.
— É, cara, relaxa. Eu e a Alana só estávamos conversando, estava
tentando deixá-la mais tranquila — Tadeu disse se levantando também.

— Hm, e ela estava nervosa, por um acaso? O que aconteceu que a


minha namorada veio procurar você e não eu? — Matheus perguntou com
raiva na voz.

— Ela estava chateada com o fato de todos estarem falando de vocês,

cara, só isso.

— Mais um motivo para ela ter vindo falar comigo — Math se


aproximou mais, intimidador.

— Olha, eu não vou discutir isso com você — Tadeu disse se


rendendo. — Fica bem, Alana. Qualquer coisa me liga — ele se dirigiu para
mim e então saiu, deixando-nos sozinhos.

— Então quer dizer que eu fico que nem besta te esperando lá na


quadra e você vem se encontrar com esse playboyzinho? — O Matheus falou

para mim, cruzando os braços.

— Eu não vim me encontrar com ele, eu vim para ficar sozinha. Mas
ele é meu amigo e quis me ajudar. Além do mais, você me pareceu bem
ocupado quando eu te vi, primeiro dando atenção para as meninas da torcida
e depois falando com a Laís. A Laís! Eu não sei se você lembra, mas ela é a
garota que tentou separar a gente.

— Eu lembro muito bem o que ela fez, ela estava conversando com os
outros caras e eu estava te esperando — ele se justificou.

— Não foi isso que eu vi. Mas quer saber? Não quero brigar, não

quero dar o gostinho a ela de ser o pivô das nossas brigas — ergui as mãos
em frustração.

— Não estamos brigando — ele disse firme.

— É, não estamos, mas fique sabendo que não gostei da maneira

como falou com o Tadeu. Ele estava me apoiando enquanto você estava com
outras garotas — retruquei sublinhando as últimas palavras.

— Não fala dessa maneira, até parece que eu estava fazendo algo
errado. Não distorce as coisas, você que estava aqui abraçada com aquele
babaca.

— Ele é meu amigo, Matheus, meu amigo! Não posso mais ter
amigos, agora? Você desconfia tanto assim de mim? — Perguntei com raiva.

— Não é de você que eu desconfio! — Ele exclamou nervoso.

— Pois saiba que eu sou bem grandinha e sei me cuidar. Eu estava


chateada com o fato de novamente estar na boca de todos desse colégio e ele
estava me apoiando, apenas isso!

— Sou eu quem devia te apoiar, Alana. Por que você não foi atrás de
mim, independente de com quem eu estava?

—Sabe por que eu não fui? Porque se estavam falando de mim, foi
por culpa sua! — Explodi. Ele me encarou estarrecido, mas logo a expressão
dele voltou à raiva.

— Minha culpa? Agora eu tenho culpa de ser quem eu sou?

— Eu só não esperava isso, Matheus. Não esperava mesmo, depois de


tudo o que aconteceu no ano passado, eu queria ser invisível aos olhos dos
outros, eu não queria ser vista ou exposta, eu não gosto disso — limpei as
lágrimas que caíam no meu rosto.

— Eu não imaginei que isso te afetaria tanto. Eu já estou acostumado


com essas coisas e não posso mudar quem eu sou. Nem por você, nem por
ninguém.

— Não estou pedindo para você mudar, eu só... — comecei a falar,


mas fomos interrompidos por uma funcionária do colégio.

— Senhorita Calmões e Senhor Vieira, a aula já começou, vamos os


dois, para sala! — Ela ordenou e eu a segui até a sala sem relutar, com o
Matheus atrás de mim.

Cumprimentamos o professor e sentamos distantes um do outro.


Passei a aula toda de cabeça baixa e não me recordo de uma palavra que o
professor disse.

O sinal bateu e eu continuei da mesma maneira. Estava tão confusa,


queria chorar. Se eu chorasse, talvez eu me sentisse melhor.

Nessas horas eu queria muito ser como a Karen, espontânea e


tranquila, ligar o foda-se para o que falavam de mim...
Mas não conseguia, eu me importava demais. Sempre me importei.

Senti uma mão passar nos meus cabelos e alguém sentou ao meu lado.

Não precisei nem perguntar quem era, apenas pelo cheiro do perfume
amadeirado eu sabia que era o Matheus.

Aconcheguei-me em seus braços e não trocamos uma palavra. No


intervalo, ele beijou minha testa e saiu com os amigos, deixando-me sozinha

com a Luana.

— O que aconteceu? Por que está esse clima tenso entre vocês? —
Ela perguntou sentando-se na minha frente.

— Nós brigamos lá na área da piscina — eu disse sem encará-la.

— Sério? Por quê?

— Matheus não entende o porquê de eu não querer toda essa atenção.


Ele acha que eu quero mudá-lo, mas não é isso — respondi.

— Entendi. A verdade é que ele já está acostumado com isso, olha

para ele... está rodeado de gente o tempo todo. Se você gosta mesmo dele,
amiga, vai ter que se adaptar — ela disse resignada.

— Eu sei... — respondi. Então, ergui os olhos para ela: — Mas chega


de falar de mim. Como foi a sua manhã?

— Ah. Eu acho que igual a sua, mas eu já esperava. Muitos


cochichos, muita gente me encarando. Ninguém falou nada para mim, além
de alguns desconhecidos que me desejaram boas melhoras — ela deu de
ombros. — Obrigações sociais, duvido que eles se importem de fato.

— Não fala assim, Lu. Muita gente quer te ver bem, você tem que

começar a enxergar isso — falei pegando na mão dela.

Ela me olhou incrédula, mas antes que eu pudesse continuar, o sinal


bateu. Quando todos voltaram para a sala, a coordenadora apareceu para
avisar que os professores estavam em reunião e que estávamos liberados para

as aulas extracurriculares. Como não estava muito afim de ir ao clube de


jornalismo, eu e a Luana fomos para a arquibancada da quadra.

Ficamos observando os garotos jogarem, mas logo o Jordan chegou


com a Tami, uma garota da turma dele com quem eu não conversava muito,
mas sabia que ela bastante simpática.

— Guria, aconteceu aquilo mesmo entre vocês na área da piscina? —


Jor perguntou aflito por respostas.

“Ah, pronto”, pensei.

— O que estão dizendo que aconteceu?

— O que ouvimos foi que o Matheus e o Tadeu quase saíram na


porrada por sua causa — Tamires revelou e eu revirei os olhos.

— Quando será que esse povo vai achar outro assunto para falar? —
Perguntei irritada.

— Vai demorar, viu. As meninas estão loucas para saber o que você
fez para fisgá-lo — Tamires respondeu olhando para quadra.
— Se eu fosse tu eu aproveitava! O Matheus poderia ter qualquer
garota, mas te escolheu, sua boba! Deixe de besteira e curta isso! Deixe que

falem, ignore o que não te acrescenta em nada. Vai curtir teu namorado,
garota — Jordan falou e eu ri. Só ele para me confortar nessas horas.

Realmente, eu precisava me esforçar. O Matheus gostava de mim e


não das outras garotas. Isso devia ser a única coisa que importava para mim,

e não o que os outros falavam. Eu me levantei, acenei para meus amigos e


caminhei até o Matheus. Ele estava jogando, mas ao me ver na beira do
campo, veio até mim.

Mesmo ele estando todo suado, enlacei seu pescoço e o beijei. Foi
beijo leve e casto que eu esperava que transmitisse as minhas desculpas. Ele
intensificou, roubando-me um beijo apaixonado e intenso.

Escutei aplausos e gritos da arquibancada e sabia que eles vinham dos


meus amigos. Nossas bocas se separaram e eu ri, abraçando-me ao Math.

Consegui observar uns olhares de carinho e outros repletos de inveja.

Fechei os olhos, absorvendo apenas as coisas boas, afinal, se eu


quisesse ficar com ele, precisava me acostumar com isso. E eu queria.
VINTE E NOVE

“Se você é sortudo o bastante para ser diferente, nunca mude. “ – Taylor Swift

— Como nosso plano pode ter dado errado? Não era para eles estarem
se pegando agora! — Tiana disse irritada ao meu lado.

— Não deu errado. Se você parasse para pensar iria perceber que ele
deu muito certo! — Falei observando o casal se pegando na beira do campo.

— Como assim, miga? Não estou entendendo! Você não está vendo o
que eu tô vendo? — Ela disse confusa, apontando para os pombinhos.

— Simples assim, Tiana! Descobrimos o ponto fraco dos dois! O


ciúme do Math e o fato da Alana não gostar da fama do Matheus — declarei
com um sorriso pleno.

Algo se acendeu nos olhos dela. Sorrindo perversamente, perguntou:


— Hmm, e o que faremos com isso?

— Vamos falar com o Tadeu! Se ele quer ficar com a santinha, vai ter

que nos ajudar.

Levantamos e caminhamos até a área de natação, onde a Tiana


imediatamente se distraiu e foi flertar com um grupo de nadadores, mas eu
apenas revirei os olhos e fui diretamente até o meu alvo.

— Sabia que ia me procurar uma hora ou outra — ele disse sem olhar
diretamente para mim, arrumando a touca em sua cabeça.

— Não seja tão convencido. Só vim te falar que nosso plano ocorreu
como planejado. Abalamos as estruturas do casalzinho e agora que sabemos o
ponto fraco deles, podemos lutar com unhas e dentes pelo que queremos.

Ele deu de ombros, colocando os óculos de natação.

— Contanto que a Alana seja minha, eu faço o que você quiser.

— Ótimo, vamos nos dar muito bem se você seguir essa linha de

pensamento — declarei sorrindo. Ele continuou com o leve ar de indiferença


que ostentava quando estava longe da santinha, mas pela primeira vez no dia
me olhou nos olhos.

— Perfeito. Mas agora me dê licença que eu preciso treinar logo


porque mais tarde eu e a Alana vamos terminar nosso trabalho na biblioteca.

— Vão, é? Você não me contou isso.

— Não sabia que tinha que te contar tudo.


— Quando for relacionado a eles dois, você precisa me contar sim! —
Exclamei irritada. Ele apenas deu de ombros novamente. — Mas tudo bem,

dessa vez passa — declarei e retirei-me sem me despedir, separando uma


Tiana aos beijos com um dos nadadores.

Agora eu só precisava convencer o Matheus a flagrar os dois juntos


em algum momento estratégico.

— Cara, a Alana me surpreende muito! Eu achei que ela ia me dar um

gelo o dia inteiro, mas não, ela soube relevar a situação — disse a Nico no
vestiário.

— E porque vocês discutiram mesmo? — Ele questionou confuso


enquanto enfiava o uniforme suado na mochila.

— Eu encontrei ela com o Tadeu. Aquele carinha quer me tirar do


sério! Ele gosta da Alana, eu vejo isso, e não o quero perto dela. Encontrei os
dois conversando e explodi, falei algumas merdas — expliquei.
— Bicho... — ele disse reflexivo, fechando o zíper da mochila. — O
cara é afim da Alana a mó tempão, meu vizinho é brother dele e comentou

comigo. Mas sei lá, ela está namorando com você e não com ele, né? Talvez
seja o caso de relevar.

— Não vou relevar isso não! Controlar os ciúmes é uma coisa, deixar
um otário dar em cima da minha mina bem na minha frente é outra. Eu já

percebi que ele faz a linha de bom moço, mas isso não cola comigo não! Tem
alguma coisa muito estranha nele e naquele maldito sorrisinho falso. Sacou?
— Tirei a toalha de meus ombros e sequei meus cabelos. O Nicolas sentou no
banco atrás de nós e começou a calçar os tênis, pensativo.

— Saquei. Só não faz ceninha de ciúmes na frente da Alana porque


assim ela vai achar que você não confia nela. Porque parece, né, bicho?
Confiar é saber que não importa quem queira a sua mina, ela não vai querer
mais ninguém.

— Eu sei disso. Eu confio nela, mas o problema é ele. Ela não


enxerga o quanto ele é manipulador. Mas ela já está meio cabreira comigo, e
para piorar ela não gosta da atenção que eu atraio, ficou chateada porque
saímos no jornal hoje.

— Vish, cara! Ela vai ter que aprender a viver com isso, você é
Matheus Vieira! Um dos melhores jogadores do time!

— Eu sei, mas ela não gosta da atenção. Eu entendo, mas não posso
mudar quem eu sou, nem por ela nem por ninguém, estou fazendo o que eu

amo e sou feliz com isso — disse terminando de me vestir e sentando ao lado

dele para calçar meus tênis.

— Acho que isso é a coisa mais justa que tem. Mas nesse caso, você
também não pode exigir que ela mude. Ela não vai aprender a gostar da
exposição, então você vai ter que ensinar ela a pelo menos aceitar. Sei lá,

mostra o lado bom. De repente isso não dá mais visibilidade para a coluna
dela — ele sugeriu bebendo um pouco de água.

— É. Pode ser. Talvez assim ela aceite melhor.

— Mulheres, né, bicho. Ruim com elas, pior sem elas — ele disse me
dando tapinhas no ombro e levantando.

— Falando nisso: me fala como foi sua conversa com a Luana —


perguntei seguindo-o para fora do vestiário. Ele desviou os olhos para o
horizonte antes de responder.

— Foi boa. Ela ainda está bem tímida e relutante em se abrir comigo,
mas conseguimos conversar um pouco hoje e foi bom. Ela acabou de passar
por um perrengue enorme e ainda não está curada, né, eu estou indo com
calma.

— Você é o cara que tem mais paciência nesse mundo e é exatamente


disso que ela precisa. Com o tempo ela vai confiar mais em você e vai ser
bom para a saúde dela — falei.
— Espero que sim, não quero pressionar nada. E sei lá, eu gosto dela,
mas eu sei que ela precisa lidar com os próprios demônios. É só ela que pode

se tirar desse buraco — ele disse e fiquei bastante surpreso com a maturidade
dele.

— É, mas certamente ter alguém para escutar ajuda muito. Vamos ver
como as coisas vão andar, cara. Mas ó, vou lá na biblioteca pegar um livro.

— Beleza, vou para casa! Qualquer coisa você me liga.

Caminhei até a biblioteca esperando achar algum livro de poesias.


Queria fazer uma surpresa para a Alana, e como ela gostava muito de coisas
escritas à mão, pensei em escrever uma carta.

Perguntei à tia da biblioteca onde podia achar livros de poesias, que


me direcionou por dentre as enormes estantes. O nome de um autor me soou
familiar, então tirei da estante uma cópia antiga de um livro chamado “Cem
sonetos de amor”, do Pablo Neruda, e comecei a folhear. Um dos poemas

saltou aos meus olhos, mas então me surpreendi ao escutar a risada de Alana.

O que ela estaria fazendo aqui? Achei que já tivesse em casa.


Caminhei em direção ao som de sua voz e a avistei. Senti meu sangue subir
quando vi Tadeu ao lado dela.

Estavam os dois sentados, bem próximos em uma das mesas, havia


livros sobre elas, mas não foi isso que mais me incomodou. Ela poderia
conversar com quem quisesse, mas não queria que ele tivesse suas mãos
sobre ela.

Tadeu alisava as mãos de Alana, como se eles não fossem apenas

amigos. Aproximei-me sorrateiramente, limpei a garganta e anunciei, com


minha voz mais fria e controlada:

— Achei que já tivesse ido para casa.

Eles pararam de conversar e olham para mim, surpresos. Alana puxou

rapidamente sua mão e o Tadeu deu um sorriso sacana.

Ah, finalmente chegara o dia em que eu iria socar o rosto desse cara!
TRINTA

“Encontra-se coragem em lugares improváveis. “ – J.R.R Tolkien

— Alana! Alana! — Estava quase saindo do colégio quando escutei o


Tadeu me chamando. A Luana me disse que ia para casa na minha frente,
então me despedi dela e fui falar com o Tadeu.

— Oi!

— Alana, oi! Será que podemos terminar aquele trabalho hoje? — Ele
perguntou com um sorriso caloroso.

— Ai, meu Deus! Eu tinha esquecido, me perdoa! Vamos para


biblioteca agora que terminamos.

Caminhamos juntos enquanto ele me contava sobre o programa de


treinamento que o técnico dele passara para o time. Adentramos a biblioteca e
imediatamente recebemos um sonoro “shhh” da bibliotecária. Tadeu soltou

uma risadinha e revirou os olhos, mas calou-se. Após deixarmos nossas

coisas na mesa, fomos procurar livros para começar o trabalho. Ele sussurrou
para mim indicando que encontrara, mas que só havia um exemplar.
Sussurrei de volta para dizer que nossa biblioteca precisava de mais
investimento, mas que por enquanto íamos ter que dividir, e voltamos para a
mesa, sentando lado-a-lado.

Estava entretida com a leitura que nem percebi que o Tadeu


acariciava minha mão. O toque dele era tão singelo que não havia chamado
minha atenção.

Foi apenas quando ouvi o Math falar que levei um susto e a puxei de
volta para mim:

— Achei que já tivesse ido para casa — eu nunca ouvira tanta frieza
na voz dele.

— Oi, moreno! Eu ia, mas o Tadeu e eu tínhamos que terminar esse


trabalho — respondi indo na direção dele e dando-lhe um selinho antes que
ele fizesse uma cena.

— Hmm, e já terminaram? — Ele perguntou ainda encarando o


Tadeu.

— Ainda não, começamos faz pouco tempo — respondi voltando à


mesa e puxando ele para sentar ao meu lado. — Pode me esperar? Assim não
volto sozinha e você pode jantar lá em casa, que tal? — Beijei seu rosto e ele
finalmente olhou para mim.

— Pode ser — disse com a voz mais calorosa, retirando os próprios


cadernos da mochila para aproveitar o tempo.

Voltamos a estudar em um completo silêncio. Concentrei-me para


terminar o quanto antes e, quando terminei a síntese do que tinha lido,

entreguei para o Tadeu fazer a parte dele. Despedi-me dele, mas o Math não
disse uma palavra, guiando-me para fora do prédio pela mão. Já estávamos
quase no estacionamento quando ele parou subitamente.

— Puts, esqueci um livro na biblioteca! — Anunciou.

— Nossa, amor! Vamos voltar para buscar então, você vai precisar
para amanhã?

— Vou, mas eu volto sozinho, vou correndo. Fica aqui me esperando,


ou vai direto para o carro, vim com o da minha mãe hoje — ele disse

apressadamente me entregando a chave, correndo de volta para o colégio.

Fui para o carro e esperei por ele lá por alguns minutos, mas ele não
demorou a aparecer e seguimos para minha casa.

— Como foi o treino? — Perguntei a ele enquanto mexia no som do


carro.

— Foi bom, estamos nos preparando para o próximo jogo, a equipe


está focada e temos grandes chances esse ano — ele respondeu animado, mas
sem tirar o foco do trânsito.

— Isso é bom, estarei torcendo por você! Estou feliz com as aulas de

reposição, consegui me adaptar melhor do que eu pensava — falei.

— Eu também. Apesar dos inúmeros trabalhos, pelo menos vamos


conseguir nos formar junto com os outros. Mas mudando de assunto, você
decidiu se vamos para festa? Os caras lá no vestiário não falavam de outra

coisa — ele perguntou.

— Nós poderíamos ir sim, acho que vai ser divertido! — Falei e pelo
resto do caminho fomos discutindo sobre as músicas que tocavam na rádio.

Chegando lá, depois de cumprimentar Brian e Jordan que estavam na


sala, deixei o Matheus com eles e segui para o meu quarto.

Estava entrando no banheiro quando a Lu apareceu sorrindo,


parecendo bem feliz.

— Oi, moça! Viu o passarinho verde, foi? Ou foi azul igual aos olhos

do Nicolas? — Perguntei erguendo as sobrancelhas e ela ficou encabulada.

— Ah,.. hm... O Nicolas me convidou para sair depois do jogo de


sexta — ela respondeu cobrindo os olhos com as mãos.

— Ahhh! Que maravilha! Ele te chamou para a festa? O Math me


falou sobre ela hoje quando estávamos vindo para cá!

— Não, ele disse que todos irão para festa, mas que ele quer me levar
ao restaurante da mãe dele — ela disse sorrindo muito. Eu estava muito feliz
de vê-la sorrindo novamente, então dei um breve abraço nela.

— Que fofo! Você aceitou, né?

— Aceitei — e então eu vi o sorriso dela murchar. Ela desviou o olhar


para o chão. — Mas não sei se deveria.

— O quê? Por que não? — Perguntei confusa.

— E se ele só quiser brincar com os meus sentimentos? Eu não sou

como as outras meninas do colégio... eu sou quebrada por dentro, Lana. Ele
não vai gostar de uma garota cheia de problemas... — ela disse isso com os
olhos cheios de lágrimas.

Segurei o rosto dela gentilmente e a obriguei a olhar nos meus olhos.

— Lu. Você não é quebrada, você é uma pessoa inteira. Uma pessoa
incrível, inclusive. E é por isso que ele já gosta de você, e há muito tempo!
Ele jamais brincaria com você, nem com ninguém. Ele não é assim. E
acredita em mim, você não quer ser que nem as outras meninas. Ser diferente

é o que te torna tão especial, e quem não enxerga isso perde a companhia de
uma menina maravilhosa e muito forte. Por favor, não se menospreze assim,
está bem?

A Luana engoliu o choro e, relutante, concordou com a cabeça.

— Eu estou tentando, Alana.

— E está conseguindo. Vai ficar tudo bem, você vai ver — prometi
dando-lhe um beijo na testa.
Depois de eu tomar um banho, eu e a Luana descemos para jantar. A
mesa já estava posta e eles só estavam nos esperando para comer.

Durante o jantar, minha mãe tomou toda a nossa atenção ao falar da


sua futura confeitaria, ela sempre sonhou com isso e agora seu sonho estava
cada vez mais próximo de se realizar.

Após o jantar, eu e o Math subimos para o meu quarto e deitamos na

minha cama, me certifiquei de deixar a porta aberta – uma exigência da


minha mãe – não queria que ela ficasse chateada ao encontrar a porta
fechada.

Ficamos namorando um pouquinho, mantendo nossas bocas ocupadas


uma com a outra enquanto nossas mãos apreciavam nosso corpo.

Estávamos ofegantes quando o celular do Matheus começou a tocar.


Ele terminou nosso beijo e foi atender, dizendo:

— Deve ser minha mãe.

Ele retirou o celular do bolso e fez uma careta ao ver quem era.

Com certeza não era sua mãe.


TRINTA E UM

“Um único raio de sol é suficiente para desfazer muitas sombras. – São Francisco de Assis

— Oi, Tiana. Aconteceu alguma coisa? — Ele perguntou e eu revirei


os olhos ao ouvir o nome dela. — Daqui a pouco eu passo aí, para a sua sorte
eu estou com o carro da minha mãe. A gente faz uma chupeta e rapidinho o
carro volta a funcionar.

Ele desligou e veio em minha direção, dando um selinho em mim.

— Vou lá dar uma força para a Tiana, o carro dela ficou sem bateria a
algumas quadras daqui.

— Hhm, é mesmo? O carro dela quebra e ela liga justo para você?
Você é algum mecânico, Matheus? — Questionei erguendo as sobrancelhas
para ele.
— Não, não sou, mas não custa ajudar, deixa de ciuminho. De lá eu
vou para casa, belê? — Ele disse tentando me beijar outra vez, mas eu

desviei.

— Não estou com ciuminho. Meu ciúme não vem no diminutivo, meu
amor! Vai lá, ajudar ela e me liga assim que chegar em casa, belê? —
Respondi com ironia, controlando minha irritação.

— Pode deixar, mandona! — Ele riu e se inclinou novamente para me


beijar, e dessa vez eu permiti. Acompanhei-o até a porta e observei-o indo
embora.

— Ei! — Gritei quando ele já estava abrindo a porta do carro. —


Avisa a Tiana que você não é mecânico nem amigo dela, viu? Diga que dá
próxima é para ela chamar outra pessoa!

Ele sorriu e embarcou, dando a partida. Voltei para o meu quarto e


fiquei lendo até a Luana e o Jordan entrarem no quarto, se jogando na minha

cama.

— E aí, namorou bastante? Foi difícil segurar os coroas lá em baixo!


— Jor disse e eu dei risada.

— Namoramos um pouco, poderíamos ter namorado mais se uma das


antipáticas não tivesse ligado para ele pedindo ajuda — disse e eles me
olharam questionadores. Suspirei e contei tudo, tentando manter meu tom de
voz neutro.
— Pela sua cara você não gostou nada, né? — A Luana comentou.

— Não gostei, mas estou tentando abafar meu ciúme. O Math só foi

ajudá-la e nada mais — deitei na minha cama, mas me levantei rapidamente


quando o Jordan gritou:

— Lana! Vem ver isso! Socorrinho! Olha o que a Tami acabou de me


mandar! — Ele me entregou o celular e eu arregalei os olhos quando vi uma

foto do Math batendo no Tadeu na frente da biblioteca.

A foto tinha sido postada no insta do jornal do colégio e tinha a


seguinte legenda: “Para quem era invisível, a Alana está sendo bem
disputada, hein, pessoal? Quem será que vai ganhar o coração da moça? O
jogador ou o nadador? Façam suas apostas!”

— Puta merda! Esses caras vão me pagar! Tão achando que eu sou o
quê para ficar me apostando? E o Matheus, aquele cachorro! Por que ele fez
isso? Fingiu que estava tudo bem e depois voltou para bater no Tadeu! —

Exclamei com raiva e devolvi o celular para o Jordan antes que eu o atirasse
contra a parede.

— Eles são uns babacas, a única pessoa legal do jornal era você. O
resto está só preocupado com o que vende e vocês são notícia! Mas seguinte,
o Tadeu fez alguma coisa na biblioteca para provocar essa ira? — A Luana
perguntou olhando para o próprio celular.

— Ele pegou na minha mão e o Matheus viu, mas não estava


acontecendo nada! E ele tem que confiar em mim, assim como eu tento
confiar nele! E se esses canalhas acham que vão ficar lucrando com a minha

imagem eles estão muito enganados! Meu Deus, que raiva!

— Você sabe como teu boy é ciumento! E esse Tadeu adora provocar,
fica fazendo o bom moço na tua frente, mas eu conheço o tipo dele — o
Jordan disse com seriedade.

— Não viaja, Jor! O Tadeu é meu amigo, ele sabe que eu tenho
namorado.

— Eu sei que ele sabe, mas isso não o impede de comer pelas
beiradas até chegar ao prato principal, que é tu mesma! Abre o olho, Lana!

As palavras do Jordan foram apoiadas com acenos entendidos da


parte de Luana, então parei para considerar e decidi que eu conversaria sério
com o Tadeu. Mesmo que eu gostasse da nossa amizade, não ficaria próxima
a alguém que quisesse algo mais de mim e não respeitasse meu

relacionamento.

Ficamos conversando até o Jordan ir embora. A Lu anunciou que ia


tomar um banho e eu me deitei novamente, pegando meu livro da cabeceira.

Mas não pude voltar a ler, porque meu celular apitou e eu o peguei
para abrir a mensagem:

>> Já estou em casa, linda. :*

<< Beleza. Quando estiver livre, me liga. Preciso conversar com


você.

>> Aconteceu alguma coisa nesse meio tempo que ficamos longe?

<< Aconteceu. Já olhou o insta do jornal do colégio? Parabéns, você


é a estrela dele novamente!

Joguei o celular na cama, sem esperar por uma resposta. Fui ao quarto
da minha mãe e encontrei-a sozinha, olhando a planta da sua confeitaria.

— Então já está tudo pronto? — Perguntei deitando minha cabeça no


colo dela.

— Quase, filha. Acho que conseguimos inaugurá-la logo!

— Ah que maravilha! Estou animada para te ajudar. Já falei até com a


Lu e o Jordan e eles super querem também!

— Que bom, vou precisar de muitas mãos! — Ela disse com


ansiedade na voz.

— Você terá muitas! — Beijei suas mãos e ela começou um cafuné.

— Escuta, Lana, como anda o seu relacionamento com o Matheus?


Toda vez que eu vejo vocês, parece que há uma tensão entre os dois — ela
disse preocupada.

— Ah, mãe! Está complicado, viu? E o fato de eu não ter experiência


nessas coisas só piora — reclamei.

— Eu sei que ele é o seu primeiro namorado e também sei o quando


você é turrona e ciumenta, mas em um relacionamento é preciso haver muita
conversa e concessões! Você e o Matheus tem tanto atrito pelo simples fato
de não abrirem mãos de algumas coisas para não machucar o outro. Vocês

são jovens, sei que agora tudo parece grande e complicado demais, mas não é
o fim do mundo, meu amor.

— É tão difícil às vezes, mãe! Tem hora que temos tantas coisas em
comum e em outras vezes somos como água e óleo. Eu gosto dele, de

verdade, mas é complicado — disse enterrando meu rosto no colo dela,


frustrada.

— Claro que é, você só tem dezoito anos, Alana. Tem muita coisa
para viver e construir ainda. Tenha calma, não brigue por pequenas coisas,
tenta escutar ele e faça ele te escutar. Se vocês se amam de verdade, vai dar
certo — ela disse e ficamos ali, em silêncio, por um tempo refletindo sobre
tudo que ela havia me falado.

Quando eu voltei para o meu quarto, a Luana já estava dormindo,

então peguei meu celular e um cobertor e fui para varanda.

Fiquei um tempo olhando o céu estrelado e depois liguei para ele,


ignorando as diversas mensagens que ele tinha me mandado anteriormente e
as inúmeras ligações perdidas.

Quando ele atendeu, imediatamente começou a dar explicações e a


falar rapidamente, mas eu ignorei e tomei coragem para dizer algo que estava
guardado em mim por tanto tempo:
— Matheus! Eu... eu te amo! Queria que você soubesse disso, que
independente de qualquer coisa, eu amo você!
TRINTA E DOIS

“Não se limite a seguir a corrente, arrisque-se também na correnteza. “ – Isabelle

— Pronto, Tiana! Não foi um problema sério, nem precisei fazer a


chupeta no carro, foi só um probleminha no motor, já consegui ajeitar — falei
fechando o capô.

— Nossa! Obrigada, Matheus. Se você não viesse, eu não sei o que

teria acontecido — Tiana disse me abraçando.

— Não precisa agradecer. Eu não sei muita coisa sobre carros, mas
não se nega ajuda aos amigos — sorri para ela.

— Que pena que nem todo mundo pensa assim. Eu liguei para uma
galera e nem meu irmão quis vir me ajudar. Obrigada de verdade.

— De nada! Pode ir para casa tranquila agora — falei caminhando até


o meu carro.

— Certo! A gente se ver no colégio! — Ela entrou no carro dela e eu

suspirei aliviado quando ele ligou.

Então eu segui para casa. Chegando lá, tomei um banho e me deitei,


mandando mensagens para Alana.

<< Já estou em casa, linda :*

>> Beleza. Quando estiver livre, me liga. Preciso conversar com


você.

Ergui uma sobrancelha para o tom de hostilidade da mensagem.

<< Aconteceu alguma coisa nesse meio tempo que ficamos longe?

>> Aconteceu. Já olhou o insta do jornal do colégio? Parabéns, você


é a estrela dele novamente!

Reli a mensagem duas vezes e abri o aplicativo do Instagram. Os


idiotas tinham postado uma foto da minha briga com o Tadeu e ainda

estavam pondo a Alana de troféu.

Que babacas!

Mas eu ia conversar com esse Samuca e também com a diretora do


colégio, tinha certeza que ela não ia gostar nem um pouco disso.

Mandei mensagens para Alana para me explicar e esperei que ela


respondesse, mas nada. Frustrado, fui fazer um sanduíche para comer e, ao
voltar, ela ainda não tinha respondido. Mandei mais algumas e liguei
também.

Já estava começando a ficar nervoso. Se ela estava me ignorando com

tanta veemência, era porque ela estava muito brava comigo.

Quando ela finalmente me ligou, não disse oi, comecei a me explicar,


atropelando as palavras:

— Amor! Não foi só ciúmes, você sabe que eu confio em você, mas

ele faz as coisas de propósito e eu não consigo deixar de pensar que tem
alguma coisa muito estranha com ele, eu só estava tentando...

— Matheus! — Ela me interrompeu — eu... eu te amo! Queria que


você soubesse disso, que independente de qualquer coisa, eu amo você!

Emudeci. A minha mente se esvaziou e eu me levantei, ainda


completamente abismado com o que ela havia me dito.

— Sei que talvez seja cedo para falar esse tipo de coisa, mas não
consegui mais guardar aqui no meu coração, eu precisava te falar isso para

que você se sinta mais seguro e eu também.

— Linda, como você pode me falar uma coisa dessas por telefone?
Agora tudo o que eu quero é ir para aí e te beijar até que a gente fique sem ar
— falei e ela riu.

— Não brinca com essas coisas, garoto!

— Não estou brincando, sabe há quanto tempo eu espero para escutar


essas três palavrinhas saírem da sua boca? Muito tempo, linda! — Eu senti
um calor se espalhando por todo o meu corpo. Era felicidade que se chamava

essa sensação.

— A gente precisa confiar mais um no outro. Eu quero que isso dê


certo, eu quero ficar com você, mas ultimamente tem sido tão complicado...
— ela disse com certo pesar na voz.

— Realmente — concordei. — A gente está deixando as coisas

pequenas nos afetarem. Caramba, eu sou ciumento, mas parece que aquele
babaca fica perto de você de propósito. Tem alguma coisa muito errada
naquele sorriso falso dele.

— E você fica com aquelas garotas e eu não falo nada! — Ela


exclamou.

— Não fala, mas fica de cara feia depois. Não posso ficar ignorando
as meninas, não sou mal-educado — justifiquei.

— Não estou pedindo para você ignorar, é só evitar! Caramba, parece

que a gente gosta de ficar brigando por coisa pouca. A gente precisa parar
com isso, Math. Não há amor que sobreviva a tanto ciúme.

— Eu sei, linda. Vamos fazer um trato. Precisamos, antes de tudo,


confiar um no outro, certo? — Propus.

— Certo. Já que a gente confia um no outro, não vamos mais brigar


por essas coisas, vamos conversar sobre eles apenas quando incomodarem
muito. Que tal?
— Acho que tem que ser assim, mesmo! Estamos combinados? —
Perguntei.

— Combinadíssimos! — Ela disse e eu pude ouvir o sorriso na voz


dela.

— Eu queria estar com você agora — sussurrei.

— Também queria. Observar o céu sem você não tem graça.

— Onde você está, exatamente? Foi para o jardim?

— Não, vim para a varanda, acho que todos foram dormir e eu estou
aqui. Quero dormir escutando sua voz hoje — ela disse e eu me decidi.

— Posso providenciar isso! Espera um pouco — larguei o celular em


cima da cama, colocando uma camisa de qualquer jeito, peguei minhas
chaves e desci as escadas correndo encontrando minha mãe na cozinha.

— Vou sair! — Gritei.

— Vai para onde, menino? Você acabou de chegar! Nem para mais

em casa — minha mãe gritou de volta.

— Foi mal, mãe! Depois a gente conversa sobre isso, acho que vou
dormir fora! — Falei e saí antes que ela pudesse contestar.

Peguei a moto e fui até a casa da Alana o mais rápido que pude.
Como a varanda era nos fundos da casa, estacionei com cuidado e corri até lá,
escalei até encontrar ela com o telefone na orelha, de costas para mim,
chamando meu nome no telefone.
— Pronto, cheguei! — Falei e ela se virou, levando um susto.

— Garoto, o que você está fazendo aqui? — Ela perguntou com os

olhos arregalados.

— Você disse que queria dormir escutando minha voz, só estou


realizando seus desejos — disse entrelaçando meus dedos nos dela, puxando-
a para mais perto de mim.

— Você é louco! — Ela disse sorrindo.

Aproximei nossos rostos e, com minha boca praticamente colada na


dela, eu me declarei:

— Sou louco por você. Louco! Eu te amo, Alana! — Tomei os lábios


dela com intensidade e ficamos namorando ali por um tempo.

Depois, recolhemos as coisas e andamos na pontas dos pés até o


quarto dela. Luana já dormia, então tentamos fazer silêncio. Deitei-me na
cama esperando ela voltar do banheiro. Ela se deitou ao meu lado e enterrou

o rosto no meu pescoço. Fiz cafuné até ela adormecer e eu senti meus olhos
pesarem, apagando logo depois.
TRINTA E TRÊS

“ Onde há amor, há alegria. “ – Madre Teresa

— Alana! Acorda! Pelo amor de Deus! Se sua mãe pega o Matheus


aqui você vai escutar até a próxima encarnação! — Acordei com a voz da
Luana no meu ouvido. Ainda sonolenta e de olhos fechados, ignorei-a e virei-
me para encostar meu rosto no corpo quente que estava ao meu lado.

Peraí.

Corpo quente?

Assustada, abri meus olhos e foi aí que eu percebi que o Matheus


tinha dormido comigo, não tinha ido embora depois que eu adormeci. Sentei-
me abruptamente e encontrei uma Luana bem desesperada ao lado da cama.

— Lu! — Exclamei.
— Graças a Deus você acordou! Está quase na hora da sua mãe
chamar a gente e ele está aqui! Por que não me avisou que ele dormiria aqui

hoje? Eu daria mais privacidade a vocês e te acobertaria — ela disse tudo de


uma vez, muito nervosa.

— Eu não sabia que ele viria, decidimos de última hora. E não


aconteceu nada, não... — falei baixinho e deitei-me novamente. O Math

imediatamente se aconchegou a mim, abrindo os olhos lentamente.

— Bom dia, linda — ele disse beijando meu pescoço.

— Bom dia — falei virando para lhe dar um selinho, mas ele
intensificou nosso beijo. A Lu pigarreou alto, então eu lembrei que tínhamos
plateia.

— Deixem para namorar depois! Vou distrair sua mãe e vocês saem
pelos fundos! Não demorem! — Ela disse com urgência, virando-se para sair
do quarto.

— Que horas são? — Ele perguntou acariciando meu rosto.

— Acho que seis e vinte. Minha mãe nos acorda cedo. Ainda bem que
Lu costuma acordar antes da mamãe, já que você não foi embora.

— Acabei pegando no sono depois de você. Estava tão bom que eu


não quis ir — ele falou encostando o rosto no meu.

— Apesar de eu gostar tanto quando você faz isso, é arriscado


demais. Se minha mãe pega a gente aqui, escutamos o maior sermão — disse
preocupada.

— Desculpa, linda. É que a sua cama é tão confortável... mas fica

tranquila, da próxima vez coloco o despertador para me acordar mais cedo —


ele disse me beijando novamente. A mão dele percorria o meu corpo,
apertando-o, enquanto eu puxava seus cabelos, trazendo-o para mais perto de
mim.

Mas quando meu celular começou a tocar na cabeceira, nos afastamos


rapidamente.

— A Luana vai me matar e não vai mais encobrir a gente! Deixa para
a gente namorar no colégio! — Falei dando um selinho nele e levantando da
cama.

— Estou fazendo o que não poderei fazer lá, não vou para o colégio
hoje — ele avisou sentando-se e colocando a camisa.

— Não vai por quê? — Perguntei enquanto prendia meus cabelos e

calçava a sandália.

— Tenho consulta com a fisioterapeuta do time. A diretoria do


colégio liberou — ele falou se levantando e me abraçando ao ver o meu
semblante entristecer.

— Então quer dizer que eu vou enfrentar aqueles babacas falando


merda de mim sozinha? Que maldade, moreno. Depois te passo o assunto da
aula de reposição, mas vai ser bem chato ficar sozinha por horas com o
Gusmão, a voz dele me irrita muito — falei abraçando-o mais apertado.

— Desculpa, meu amor. Mas não tenho escolha, se eu não fizer os

exames de liberação, eu não jogo. E se eu não jogar, não vou para o


profissional e boa sorte com o Gusmão, ele é um pé no saco, mas
infelizmente nós precisamos dele — ele disse beijando minha testa.

— Ok, ok, dessa vez você está perdoado. Mas vamos logo, antes que

a Lu surte — falei puxando-o pela mão e levando-o até a sacada. Observei-o


arrastando a moto até um pouco depois da minha casa, montando-a e
sumindo das minhas vistas.

Voltei para o meu quarto sorrindo. Tomei um banho, me arrumei e


desci as escadas saltitando. Na sala de jantar, encontrei a mamãe, a vovó e a
Luana tomando café.

— Bom dia, meus amores! — Falei beijando a bochecha de cada uma.

— Acordou tarde, filha. Já ia te chamar, mas a Luana me contou que

você foi dormir tarde ontem — mamãe disse, servindo café em uma xícara e
entregando-a para mim.

— Foi sim, mãe. Acabei ficando sem sono — respondi aceitando o


café e bebendo um gole.

— Insônia de novo? Podemos falar com sua terapeuta — ela me


lançou um olhar de preocupação.

— Não precisa, fica tranquila! Eu dormi muito bem depois que


consegui — respondi e ela me avaliou longamente.

— Certo. Mas a senhorita me avise caso algo esteja estranho com

você, ouviu bem? — Ela enfim disse, levantando-se. Sorri para ela e fiz que
sim com a cabeça. Satisfeita, ela apanhou as louças sujas e foi para a cozinha.

— Alana! — Vovó me chamou cochichando assim que a mamãe


desapareceu pela porta.

— Oi, vó! Aconteceu alguma coisa?

— Aconteceu que eu já falei com sua tia e ela liberou a casa, então
deixa para dormir com o boyzinho lá! Vocês não sabem ser discretos! — Ela
falou revirando os olhos e meu queixo foi no chão. Olhei para Lu e ela estava
se controlando para não rir, escondendo o rosto com seu café e fingindo que
não estava ouvindo.

— Eu não sei do que você está falando, vovó — disse com minha
melhor voz de inocência e pigarreei, desviando o olhar do dela. — Mas

obrigada por conseguir a casa com a tia Lucélia, vou organizar as coisas para
irmos depois do jogo.

— Ir para onde depois do jogo? — Mamãe apareceu subitamente


perguntando.

— Ah, hm. Eu e a galera do colégio vamos para casa de praia da tia


Lucélia depois do jogo, mas eu já tinha falado isso para a senhora... —
disfarcei.
— Falou? Eu não me lembro... mas se você vai com outras pessoas e
não sozinha com o Matheus, por mim tudo bem, só tenha juízo, Alana. Juízo!

— Ela disse colocando as mãos na cintura. Vovó balançou a cabeça com um


sorrisinho e eu rezei para a mamãe não perceber.

— Mãe, eu já tenho muito juízo! Relaxe! — Falei beijando seu rosto.

— Está bem, está bem. Mas vão logo escovar os dentes que eu vou

levar vocês duas para o colégio — ela disse apontando para a Luana.

— Vai? Mas por quê? — Perguntei confusa, olhando para a Lu, que
deu de ombros.

— Por três motivos. Eu preciso falar com a diretora sobre as aulas de


reposição, vocês estão atrasadas e eu estou indo ver como ficou a decoração
da confeitaria! — Ela anunciou animada. Eu e a Lu nos entreolhamos e
começamos a falar ao mesmo tempo:

— Ai, meu Deus! Quero ver! Leva a gente com você!

— Por favor, tia, leva a gente junto, a gente pode ajudar com o que
faltar!

— Eu não acredito que ficou pronta tão rápido, ai meu Deus, mãe!

— Eu mal posso esperar para ver, aposto que o tom de rosa que eu
sugeri para as paredes está lindo!

— Nada disso! — Mamãe exclamou, calando-nos. — As mocinhas


vão para o colégio para estudar e passar em bons vestibulares no fim do ano!
Murchei na cadeira. Luana deu uma fungada de infelicidade.

— ...Mas vocês podem ir para lá depois da aula, a confeitaria não vai

fugir nesse meio tempo — mamãe acrescentou com um sorriso e nós duas
assentimos, novamente animadas.

Subi as escadas correndo para escovar os dentes e pouco tempo


depois, estávamos na porta do colégio. Sem o Math por lá, senti um pouco de

nervosismo e, por isso, entrelacei meu braço com o da Lu antes de entrarmos.

Imediatamente comecei a escutar os burburinhos. Era impossível não


perceber as pessoas olhando para nós duas e fazendo comentários nada
discretos.

Eu odiava isso.

Baixei a cabeça e tentei ignorar, puxando a Lu para irmos para as


salas de aula. Quando estávamos perto, a Laís, a Tiana e mais algumas
meninas pararam na nossa frente, impedindo nosso caminho.

— Precisamos saber com quem que você vai ficar, Alana! Confesso
que estou torcendo para o Tadeu ganhar e ficar com você, assim o Math fica
comigo! A gente combina muito mais! Sabe, eu não sei por quanto tempo
você vai aguentar isso tudo, mas eu espero que seja por pouquíssimo tempo
— Laís disse com um sorriso falso.

— Sai da minha frente, Laís! — Falei tentando passar por ela, mas ela
me empurrou e eu pude sentir a Luana se encolher ao meu lado.
— Não vamos sair da sua frente. Você se julgava tão boa e agora está
brincando com dois caras, Alana! Eu esperava isso de qualquer uma, mas da

santinha do colégio não! Foi um choque para mim! — Tiana falou jogando o
jornal em mim.

— D-deixa a gente passar, Tiana... — A Luana disse, no que a Laís


riu maldosamente.

— Qual foi, resolveu criar culhões? Onde é que estava essa coragem
na hora de fazer o serviço completo? — Ela perguntou apontando para os
pulsos enfaixados da minha amiga. Os olhos da Luana imediatamente se
encheram de lágrimas e ela baixou a cabeça.

— Cala a boca, deixa a Lu em paz! Você não sabe do que está falando
— exclamei com raiva.

— Ih, ficou nervosinha? Assim até parece que você tem culpa no
cartório, viu... — A Tiana disse olhando para as próprias unhas, levemente

entediada.

— Não é estranho, Ti? — A Laís comentou com uma falsa


preocupação. — Parece que todo mundo que chega perto da Alana sofre de
algum jeito. Primeiro aquela vagabunda bate as botas, depois essa aí tenta
seguir pelo mesmo caminho... Coitados dos meninos! Espero que pelo menos
um deles saia vivo dessa história.

— Você lava a sua boca para falar da Karen! Saiam da minha frente
agora, antes que eu arrebente a cara de vocês! — Gritei. As pessoas estavam
começando a se reunir perto de nós, cochichando e apontando para mim.

Senti minha visão ficar turva. — Me deixem em paz, todos vocês! — Berrei
para que todos que estavam ao redor pudessem escutar e, ao me virar,
encontrei minha mãe parada observando tudo completamente abismada.

— Vamos dispersar isso aqui! Agora! — Uma das inspetoras

apareceu e as pessoas se afastaram, indo para as salas. A Tiana e a Laís foram


as primeiras a sair de fininho, sem olhar duas vezes para nós.

Minha mãe veio até mim e eu me agarrei a ela. Eu estava a um fio de


desabar e, como sempre, ela foi minha fortaleza. A Lu estava silenciosamente
ao nosso lado e eu só percebi para onde estávamos indo quando chegamos na
porta da diretoria.
TRINTA E QUATRO

“Em algum lugar, alguma coisa incrível está esperando para ser descoberta. “ – Carl Sagan

— Bom dia, senhora Soares. Ao que devo a sua presença aqui pela
manhã? Aconteceu alguma coisa? — A diretora Núbia perguntou assim que
minha mãe bateu na porta e abriu-a.

— Aconteceu sim. A Alana e a Luana acabaram de ser verbalmente

atacadas por duas alunas no pátio. Eu acabei de presenciar a minha filha


sofrendo bullying e eu acredito que o colégio não permita esse tipo de
violência — mamãe disse com seriedade.

— Poderia me explicar exatamente o que aconteceu? — A diretora


perguntou, indicando a cadeira para minha mãe se sentar. — Essa com
certeza não é uma atitude recorrente ou tolerável nessa instituição.

— Aquelas meninas... elas disseram coisas horríveis. Elas insinuaram


que minha filha tenha tido culpa no acidente com a Karen e também na
condição da Luana. Isso tudo parece ter sido motivado por mentiras

envolvendo dois rapazes e a Alana. Além disso, eu tenho quase certeza que
incitação ao suicídio é crime, não é? — Ela perguntou e se virou para mim.

— Poderia me dizer quem eram elas, Alana?

Eu apenas encarei meus próprios sapatos e permaneci calada, sentia-

me como se fosse desabar a qualquer momento.

— Foram a Laís e a Tiana, tia Susana — A Lu respondeu por mim,


com a voz embargada.

Antes que a diretora Núbia pudesse dizer qualquer coisa, minha mãe
completou:

— Estou extremamente desapontada com esse colégio e espero que


isso não seja algo que aconteça sempre por aqui.

— Senhora Susana, essa não é uma atitude recorrente. Temos

inspetores nos pátios e corredores para evitar esse tipo de coisa, além de uma
política de zero tolerância com bullying — ela disse calmamente.

— Pois eu duvido que essa tenha sido a primeira vez, a senhora já viu
a publicação do jornal hoje? Em vez de publicarem notícias ou fatos
importantes, estão manchando a imagem da minha filha como numa revista
de fofocas! — Minha mãe disse mais nervosa, pegando o jornal que Tiana
jogara em mim e entregando-o bruscamente para a diretora. — Eu sei que a
imprensa precisa ser livre, mas vocês não têm nenhuma regra para
publicações nesse jornal? Nenhuma supervisão de um professor? Eu procuro

sempre me manter a par de tudo o que acontece com a Alana. Eu conheço a


minha filha e sei que para ela perder o controle e gritar daquele jeito é porque
o que aconteceu não foi um fato isolado!

— Peço que se acalme, Susana. Eu entendo a sua preocupação. Eu

não tinha conhecimento da situação do jornal. Vou apurar tudo isso que está
me relatando e tomarei atitudes — a diretora disse levemente nervosa,
voltando-se para o computador e começando a digitar. — Convocarei uma
reunião com os pais e alunos do terceiro ano, conversarei com os professores
para que alguém passe a supervisionar as atividades do jornal. De imediato, é
o que posso fazer, mas vou convocar os professores e funcionários para
criarmos novas políticas contra o bullying. Isso não pode continuar assim.

— Eu espero mesmo, Núbia. A Alana estuda aqui desde o ensino

fundamental e confesso que só deixei que ela continuasse aqui porque era seu
último ano. A minha filha perdeu a melhor amiga há pouco tempo e ela não
precisava voltar a um ambiente com tantas lembranças positivas para sofrer
esse tipo de coisa. Francamente, o jeito que estavam falando da Karen... —
minha mãe disse indignada.

— A perda dela e do Alex foi dura para todos nós. Alana — ela me
chamou e eu levantei o rosto para ela. — Peço que venha até mim caso algo
dessa magnitude volte a acontecer, ok? Eu farei tudo no meu poder para que
isso não se repita.

Assenti fracamente e minha mãe falou:

— Muito bem. Se estamos acertadas, eu espero ouvir as atualizações


sobre esse caso.

A diretora disse novamente que iria tomar providências, então minha

mãe se despediu e, assim que saímos da sala, percebi que os corredores


estavam vazios.

— Estamos atrasadas... — Luana falou ajeitando a alça de sua


mochila no ombro.

Assenti e permaneci calada, eu não estava muito afim de conversar,


pois sentia que iria desabar a qualquer momento. Eu não conseguia entender
esse ódio todos que elas tinham de mim. As mentiras que elas jogaram na
minha cara foram tão maldosas que reabriram feridas no meu peito. E o que

mais doía era que o colégio todo acreditava que eu estava jogando com o
Math e o Tadeu... eu não devia me importar com o que eles pensavam, mas
eu não conseguia suportar a ideia de todos esses boatos.

— Acho que é melhor vocês não irem para aula, minhas meninas.
Vamos para a confeitaria, vocês queriam me ajudar, não é? — A mamãe
disse tentando nos animar.

— Pode ser — falei me aconchegando a ela. A Lu também concordou


e fomos em silêncio para o estacionamento. Quando entramos no carro,

minha mãe virou para a Lu e começou a falar algo sobre marcar terapia de

emergência para ela, mas eu desliguei meu cérebro tentando esquecer tudo
aquilo. Alguns instantes depois, meu celular vibrou e eu o peguei, vendo uma
nova mensagem do Matheus.

>> Linda, acabei de saber por alguns caras do time o que aconteceu

e sinto muito que você tenha passado por isso tudo sozinha. Eu queria poder
sair daqui para estar ao seu lado, mas estou preso na clínica até meus
resultados saírem. Se isso te deixar feliz, saiba que estou pensando em você
durante todo esse tempo. Te amo muito.

Sorri ao ler a mensagem. Como queria que ele estivesse comigo...

— Mensagem do Matheus? — Minha mãe me perguntou e eu assenti.


— Ele não estava no colégio hoje, né?

— Não. Ele foi fazer a avaliação obrigatória com a fisioterapeuta do

time de futebol. Ele está muito animado com o jogo de sábado,


aparentemente alguns olheiros de times profissionais foram convidados —
comentei.

— Hm, e como você se sente em relação a isso? — Ela perguntou


parando no semáforo.

— Em relação ao quê?

— Em relação a ele ir para o profissional. Você sabe que não temos


grandes times aqui, ele teria que ir para Curitiba, talvez até para outro

estado... — ela disse acelerando novamente.

— Talvez eu também vá para a capital, né? Isso é, se eu passar no


vestibular. Mas não sei, mãe, a gente só namora. Apesar de eu amá-lo, não sei
até quando isso vai durar — falei me encostando na janela.

— Não sabe o quanto isso vai durar? — Ela perguntou surpresa.

— Sim, mãe. O nosso namoro não pode interferir nos nossos planos
futuros.

— Achei que o amasse! — Ela disse surpresa.

— E eu o amo! Tenho sentimentos por ele desde que nos


conhecemos, mas sei o que eu quero e o Math também. E nossos caminhos
não convergem.

— Não pensa em um namoro a distância, Lana? Talvez funcionasse


para vocês dois — a Luana sugeriu.

— Já pensei, mas não curto muito a ideia. Vai ser difícil, mas vamos
nos ajustar — falei e nós sorrimos uma para a outra. Logo depois minha mãe
estacionou em frente a confeitaria. A mamãe tinha decidido o nome há alguns
dias, mas queria me fazer uma surpresa, então desci cheia de expectativas
para descobrir.

As paredes de fora eram de um lilás bem clarinho, uma enorme


vidraça tomava boa parte da parede e bem ali na frente havia um canteiro
cheio de flores cor-de-rosa recém-plantadas. Lentamente, subi meu olhar para
o letreiro e senti meus olhos se encherem de lágrimas.

“Pedacinho de Amor”, li lentamente. Mas o que me emocionou foi o


logo: um pedaço de bolo que me trazia muitas lembranças. Virei-me para
abraçar a minha mãe, derramando inúmeras lágrimas.

— Queria mantê-la com a gente nessa conquista tão importante. Eu

sei que ela estaria comemorando conosco como sempre esteve durante todos
esses anos — mamãe falou beijando minha testa.
TRINTA E CINCO

“Para ser amado, seja amável. “ – Ovídio

O bolo em questão era de baunilha com mirtilos, o favorito da Karen.


A mamãe o fazia em todos os aniversários dela e em datas especiais que ela
comemorava conosco. Ela amava aquele bolo de um jeito único.

Como eu queria que ela estivesse aqui agora, como queria que aquele

acidente não tivesse passado de um pesadelo ruim...

Minha mãe me apertou em seus braços e depois limpou minhas


lágrimas, segurando minha mão. Ficamos ali por um tempo, admirando a
fachada da loja, então mamãe estendeu a outra mão para a Lu e entramos na
confeitaria. Imediatamente, paralisei e meu queixo caiu. Estava tudo perfeito!
Era exatamente do jeito que nós tínhamos sonhado por tantos anos.
As paredes eram do rosa clarinho que havíamos escolhido há algumas
semanas, mas o que eu não esperava eram os docinhos desenhados por elas,

dando um aspecto fofo ao local. Havia algumas mesas brancas espalhadas,


cada uma enfeitada por um vasinho de flores, e cabines com confortáveis
sofás ficavam junto das paredes. Havia uma grande vitrine onde os bolos e
doces ficariam expostos e, atrás desta, um grande quadro de giz contendo um

lettering incrível do cardápio inicial, ladeado por quadros com ilustrações em


aquarela de algumas das especialidades de mamãe. Havia, também, um
balcão de atendimento onde os cardápios estavam empilhados ao lado de uma
grande cafeteira. Por fim, em cantos diferentes, pude ver caixas de som e
plantinhas diversas.

— Tia, isso aqui está muito lindo, acho que a galera do colégio vai
amar! Vai virar o novo point, vai ser o maior sucesso! — Lu disse abraçando-
a e eu não podia deixar de concordar.

— Também acho viu, mãe! Não tem como não amar seus doces, e
esse lugar está maravilhoso! — Falei e ela sorriu para mim, emocionada.

Mamãe nos levou para os fundos para nos mostrar a cozinha e todos
os equipamentos. Era uma parte mais técnica, e mamãe nos explicou para o
que cada coisa servia, mas eu não entendi boa parte. Pela expressão da Lu,
ela também estava se esforçando para acompanhar, mas mamãe estava muito
animada falando sobre estufas, fornos e batedeiras, então apenas sorrimos e
fingimos entender. Depois de nos mostrar até mesmo o interior dos fornos,
mamãe sorriu, emocionada.

Fechamos o local e fomos para casa, no caminho eu virei para minha


mãe e disse:

— Estou tão orgulhosa de você! A confeitaria ficou tão linda, mãe! —


Falei sorrindo para ela.

— Obrigada, meu amor! Isso sempre foi um sonho para mim, eu


nunca achei que conseguiria — ela disse levemente emocionada.

— Mas conseguiu! Também estou muito orgulhosa de você, tia! — A


Luana falou para ela do banco de trás.

— Quando eu comecei foi muito difícil. Conquistar clientes não é


fácil e eu comecei muito tarde, apesar de sempre ter me interessado por tudo
isso. O pai da Alana nunca me apoiou e eu abdiquei desse sonho por um
tempo, mas nunca desisti — ela contou com os olhos cheio de lágrimas, mas

sorrindo.

— Eu sei, e isso só me faz sentir mais orgulho de você — falei


acariciando seu braço.

— A Pedacinho de amor vai ser um sucesso, tia! Vamos começar a


pensar nas músicas que irão tocar — Luana disse animada mexendo no
celular.

— Ih, deixa que eu monto essa Playlist aí, Lu. As suas músicas são
emo demais — disse brincando, o que gerou uma exclamação de protesto
vinda da Luana, mas todas rimos.

Depois que chegamos em casa, minha mãe foi fazer o almoço, Luana
resolveu fazer companhia a minha avó, já que ela não tinha terapia, e eu fui
para o meu quarto.

Me joguei na cama e coloquei os meus fones, quando Mercy do

Shawn Mendes começou a tocar e eu fechei os olhos para senti-la. Eu estava


tão feliz pela minha mãe! Ela sofreu muito nos últimos anos de casamento
com o meu pai, e vê-la conquistando aquilo que desejava só me fazia desejar
que a Karen estivesse conosco para comemorar também.

Provavelmente cochilei, pois quando senti um peso afundar o colchão


e abri os olhos, a música era outra e havia um Matheus muito suado do meu
lado.

— Garoto, que nojo! Não podia ter tomado um banho antes de vir,

não? — Perguntei tirando os fones e passando a mão nos meus olhos.

— Qual foi, linda! Vim correndo te ver e você me trata assim? — Ele
perguntou sorrindo e mostrando suas covinhas.

— Mano, você podia ao menos ter passado um desodorante! Quem te


deixou subir? — Questionei me sentando, mas ele segurou minha cintura,
puxando para mais perto dele, deixando-nos frente a frente.

— Sabe que sua mãe me ama né? Mas não foi ela que me deixou
subir não, vim correndo do colégio para cá, pulei a sacada e vim para o seu

quarto — ele explicou como se fosse a coisa mais normal do mundo.

— Você está é louco! Se minha mãe te pega aqui, vamos os dois


escutar, Matheus! — Repliquei tentando me desvencilhar.

— Vamos nada! Eu só queria ficar com você. Fiquei muito mal pelo
que te fizeram no colégio. A diretora marcou uma reunião de pais e mestres

para quinta, minha mãe me ligou e tudo — ele disse me soltando, sério.

— Também queria que estivesse comigo. Toda essa situação passou


do limite. A mamãe ficou furiosa e com razão, elas me disseram coisas
horríveis e ainda enfiaram a Lu no meio da história, coitada — falei sentindo
uma enorme tristeza ao lembrar como ela se encolhera ao meu lado. Ela ainda
estava muito frágil.

— Aquelas garotas passam do limite mesmo. Foi tudo por causa do


jornal, no fim das contas. Muito me admira o jornal do colégio publicar

aquilo.

— Eles querem visualizações — bufei. — Você viu a quantidade de


likes que o post da sua briguinha rendeu. No fim, não é jornalismo, é uma
grande rede de fofocas. Andaram assistindo muito Gossip Girl.

— Desculpa por te por numa situação dessas, amor. Essas meninas


estão te atacando porque não conseguem aceitar nosso namoro... — ele disse
cabisbaixo.
— Não se sinta culpado, meu amor. Isso não é culpa sua, elas que não
têm nada melhor para fazer na vida e se sentem bem maltratando os outros.

Não é novidade, elas fazem isso desde que entrei no colégio, a Karen sempre
foi o meu escudo, ligando o foda-se para tudo o que elas diziam. As coisas
que elas disseram dela... foi horrível, Math. Ela não está mais aqui para se
defender, nem a mim, e eu preciso aprender a lidar com tudo isso sozinha —

falei acariciando seus cabelos.

— Não precisa não, você tem a mim, sempre — ele respondeu


enlaçando nossos dedos e acariciando a palma da minha mão com o polegar.
— Acredita que sonhei com o Alex essa noite?

— Sério? — Indaguei e ele confirmou com a cabeça.

— Na verdade foi mais uma lembrança. Estávamos jogando bola no


quintal dos meus avós e ele me dizia para aprender a perder, rindo da minha
cara e me falando que nem sempre se ganhava — ele disse com um sorriso

triste.

— Bem, ele não estava errado, né? — Disse encostando meu rosto no
ombro dele, depositando um beijo ali. Ele ficou em silêncio por um tempo,
então me envolveu com os braços.

— Sinto falta dele. Tanta falta que as vezes me sufoca, não sei como
conseguirei entrar no campo sábado para jogar sem ele — ele finalmente
disse com a voz marcada pelo choro.
— Meu amor, ele vai estar lá com você. Tenha certeza disso. E eu
também vou — assegurei-o, tentando soar confiante e segurando minhas

próprias lágrimas.
TRINTA E SEIS

“ Quando a corda chegar ao fim, dê um nó e segure firme. “ – Thomas Jefferson

Enquanto eu sussurrava palavras de conforto, a respiração do Matheus


começou a normalizar e ele se acalmou. Ficamos mais um tempo abraçados,
em silêncio, mas então escutei minha mãe gritar, do andar de baixo:

— Alana, filha! O almoço já está pronto!

— Já vou! — Gritei de volta. — Moreno, quer descer e almoçar com


a gente? — Perguntei.

— Pode ser, mas não vai pegar bem eu descer aqui, sua mãe vai
descobrir que ando pulando a sacada — ele disse com uma fungada, um
pouco mais descontraído. Dei uma risadinha involuntária.

— Verdade, acho melhor você entrar pela porta da frente. Vou dizer a
mamãe que te convidei para o almoço — falei me levantando.

— Certo! — Ele levantou também, beijando-me brevemente e

dizendo: — Te vejo daqui a pouco!

Sorri e abri a porta do quarto, descendo as escadas.

— Mãe! — Falei assim que cheguei na cozinha e a encontrei


separando os pratos. Fui até ela e os peguei na mão. — Convidei o Math para

almoçar conosco, tudo bem?

Ela riu, concordando.

— Aqui sempre tem comida para mais um, ou dois, ou cinco. O


Matheus foi bem nos exames?

— Foi sim, deu tudo certo. Ele já deve estar chegando — disse
levando os pratos e talheres até a sala de jantar, colocando-os nos lugares.
Logo, a Lu apareceu conversando animadamente com a vovó, e a mamãe
trouxe a comida para a mesa. Todas nos sentamos e vovó começou a servir a

Lu, que estava conseguindo comer melhor nos últimos dias.

Fiquei olhando a porta, esperando o momento que o Math decidiria


tocar a campainha. Passaram-se alguns minutos e nada. Qual o problema
daquele garoto?

— Ah, esqueci a salada! — Mamãe exclamou.

— Eu pego! — Prontifiquei-me. Voltei para a sala no exato momento


que a porta abriu e o Math e o Brian entraram.
Ai, meu Deus! Será que o Brian tinha visto o Math pular da sacada?
Engoli em seco, mas fingi que era apenas um dia comum em minha vida.

Disfarçadamente comecei a colocar salada no meu prato, enquanto o Matheus


sentava ao meu lado sem dizer uma palavra.

— Bom dia para vocês! — Brian disse animadamente, decididamente


não olhando para mim. Minha família respondeu animadamente, mas o Math

continuava calado ao meu lado.

— Algo errado? — Perguntei baixinho.

— Se você considerar seu padrasto ter me visto pulando a sacada,


então sim, Huston, nós temos um problema! — Ele respondeu em um
sussurro. Eu ergui os olhos para o Brian, que se antes me ignorara, agora me
encarava de frente.

— Ele brigou com você? Por isso você está com essa cara? —
Perguntei disfarçando.

— Digamos que levei um enorme sermão na porta. O cara sabe falar,


viu? Ele chega a ser pior que o treinador em dia de jogo... mas jurei que foi
primeira e última vez e agora já estamos resolvidos — ele disse servindo-se
de um pouco de salada.

— Será que ele vai falar com minha mãe? — Disse forçando um
sorriso e esticando o braço para pegar comida. A mamãe estava me olhando
com uma expressão engraçada, decididamente percebendo nossa nem tão
secreta conversa sussurrada. Fingi que não era comigo.

— Acho que não. Se ele falar, você confirma, primeira e última vez.

Concordei discretamente e virei-me para a Lu, elogiando o progresso


dela e engatando em uma conversa sobre nossas recuperações. O almoço na
nossa casa era sempre muito animado, com várias conversas acontecendo ao
mesmo tempo e com muita risada, e logo estávamos em nosso estado natural.

— Matheus, como foram os exames? Tudo certo para o jogo? —


Minha mãe perguntou.

— Sim, foi tudo bem, tanto para mim, quando para o Albert e o
Nicolas. Estamos liberados para jogar — Math disse com um grande sorriso
orgulhoso.

— A Alana me contou que vocês irão para casa da Lucélia no


sábado... — mamãe comentou.

— É combinamos de comemorar a vitória do jogo lá...

— Vejo que confiança vocês já têm! Isso é importante.... Algum


adulto vai acompanhar vocês? — Brian perguntou erguendo as sobrancelhas.

— Hm, eu não sei. A maioria da galera do time é maior de idade, não


sei se teria necessidade — ele respondeu.

— O que acha, querida? Poderíamos acompanhá-los e nos divertirmos


um pouco, acho que seria bom para você relaxar um pouco — Brian disse
para minha mãe. Senti meus ombros ficarem tensos e olhei para a mamãe de
olhos arregalados.

— Seria muito bom, meu bem. Há muito tempo não vou na casa da

Lucélia. E lá é bem espaçoso, se nos organizarmos bem cabe todo mundo —


mamãe respondeu animada e, pela expressão, já fazendo planos detalhados.

— Vocês estão brincando! — Levantei bruscamente e todos os


olhares se voltaram para mim. Ignorei e continuei olhando para a mamãe. —

Pelo amor de Deus! Vocês não vão! Eu estou planejando isso há dias e não
vai ser a mesma coisa com vocês lá!

— Não iremos atrapalhar, só queremos curtir um pouco, filha —


minha mãe respondeu com a maior naturalidade e sem nem ao menos se
deixar abalar com minha pequena explosão.

— Se ajeitem para ir em outro fim de semana, estou falando sério.


Aprendam a confiar em mim, em nós! — Apontei para o Math, incluindo-o
no meu discurso. — Nós já somos praticamente adultos. Só queremos nos

divertir um pouco antes dos cursinhos e dos vestibulares, não estraguem isso
— falei sentando novamente e cruzando os braços.

— Relaxa, Alana! Eu e a sua mãe estávamos apenas brincando com


você — Brian disse em tom brincalhão, surpreendendo-me. A minha mãe
começou a rir e eu me senti um pouco traída, mas o Matheus pegou na minha
mão por debaixo da mesa e eu senti a tensão se dissipar.

— Eu estou mesmo planejando levar sua mãe para algum lugar nesse
fim de semana — Brian continuou — e nós confiamos em vocês dois, ainda
mais depois da conversa que tive com o Matheus, certo? — Ele perguntou

olhando diretamente para o Math.

— Sim, tudo certo, iremos curtir, mas com todo o respeito, senhor —
ele respondeu com bastante seriedade.

Por mais que tenha tudo sido uma brincadeira, eu ainda estava um

pouco alterada. Eu sabia que eu estava errada, mas a verdade é que eu estava
bastante ansiosa para sábado, e a possibilidade de tudo dar errado mexeu
comigo. Todos voltaram a conversar e comer normalmente, mas eu estava
sem fome. Quando a mamãe serviu a sobremesa, senti meu estômago
embrulhar como não fazia há semanas. Olhei de relance para a Lu, que estava
com uma aparência nervosa. Ainda era difícil para ela e eu às vezes esquecia
que precisava servir de exemplo, então me servi de uma pequena porção e
comecei a comer, ainda que sem vontade. Ao me ver comendo, ela

timidamente ergueu o braço para se servir também.

Ao terminarmos, comecei a recolher os pratos, mas minha mãe disse


para que eu deixasse, então o Math, a Luana e eu sentamos na sala de estar.

— Ainda vai sair com o Nicolas hoje? — Perguntei para a Lu,


jogando-me no colo do Matheus.

— Sim. Ele vai me buscar na terapia e vamos ao cinema — ela falou


tímida, olhando para as próprias cutículas.
— Vai dar tudo certo! Qualquer coisa você me liga, ok? O Nicolas é
um perfeito cavalheiro e eu sei que ele vai se esforçar para que seja bem

legal, mas caso você não se sinta bem fora de casa... — disse levemente
preocupada.

— Ei, não me excluam. Pode me ligar também, Luana. Qualquer


coisa eu vou te buscar — O Matheus acrescentou.

Ela sorriu e concordou com a cabeça. Sorri de volta, sentindo meu


coração aquecer um pouco. Ela estava progredindo cada dia mais, agora que
tinha uma rede de apoio e motivos para querer melhorar.

Assistimos a um pouco de TV por um tempo, mas logo a Luana se


levantou dizendo que ia se arrumar para a terapia. O Matheus parou o carinho
que estava fazendo no meu cabelo para erguer o punho para ela. Eles
trocaram um soquinho e então ela nos deixou a sós.

— Está mesmo mais relaxado em relação ao jogo? — Perguntei

acariciando a perna dele. Ele suspirou longamente.

— Estou tentando ficar. Estou falando na vitória para todo mundo,


mas na real eu estou um pouco nervoso. É o primeiro jogo do campeonato e o
técnico me falou que têm uns olheiros que confirmaram presença, é difícil
ficar calmo. Mas eu sou o capitão, eu preciso passar confiança para os caras
— ele respondeu.

A braçadeira fazia com que ele tivesse um forte senso de


responsabilidade que o fazia brilhar em campo, mas também gerava bastante
pressão.

— Fica tranquilo, meu bem. Você treinou para isso e é um líder nato.
Eu tenho certeza que os olheiros vão notar todo o seu talento e dedicação —
disse levantando-me para sentar ao lado dele.

— Espero que sim, porque esse é todo o meu futuro — ele falou

pegando na minha mão.

— Dá um nervoso, né. Eu estou sentindo a mesma coisa. Vou me


inscrever para os vestibulares na semana que vem — comentei.

— Vai se inscrever na UFPR, amor? — Ele perguntou.

— Vou, mas também quero tentar PUC, UEL e... hm. USP — revelei.
— Minha mãe não gostou nada quando eu contei para ela.

— Você vai para Sampa? — Ele perguntou um pouco surpreso.

— Eu queria, moreno. É meu sonho. Mas a mamãe não quer que eu

saia do Paraná — expliquei.

Ele ficou em silêncio por um tempo, pensativo. Então, ele apertou a


minha mão e disse:

— Até que eu entendo ela. Para mim não tem coisa pior que viver
longe de você, linda — ele disse me puxando para um beijo intenso e, por
alguns minutos, eu me perdi em sua paixão.
TRINTA E SETE

“Você é livre para fazer suas próprias escolhas, mas nunca estará livre das consequências delas. “ –
Srishti

Estava me arrumando para ir para terapia quando recebi uma


mensagem do Nicolas.

>> Tudo certo para hoje?

<< Tudo! Você me busca na terapia?

Comecei a escovar meus cabelos, que estavam muito longos. Estava


começando a ficar mais fácil olhar para mim mesma no espelho e isso me fez
sorrir um pouco.

Meus pais sempre foram obcecados pela aparência física e pelo que os
outros pensariam de nós. Desde muito nova, minha mãe controlava o que eu
colocava no meu prato e dizia o quanto eu ficaria feia se eu continuasse
comendo aqueles chocolates que eu ganhava da minha avó. Eu sempre aceitei

e ficava até feliz, porque esse era o único momento que ela prestava atenção

em mim. Para o meu pai, eu servia apenas para ser levada a eventos, para ser
mostrada. “Olhem como minha filha é linda”, ele queria dizer para todos.

Mas isso não o impedia de gritar com a minha mãe para dizer que ela
não estava me pressionando o suficiente, que eu estava crescendo e ficando

cada dia mais feia. Como consequência, minha mãe gritava comigo.

A puberdade me mostrou que eu tinha certa tendência a engordar.

— Essa garota nem parece que é nossa filha — ouvi meu pai falar,
certa vez. — São os seus genes, sua família é cheia de gente desleixada igual
ela.

Eu ficava muito ansiosa para suprir as expectativas deles e tentava


amenizar isso com a comida. A culpa era sempre muito grande,
principalmente quando as roupas começaram a não caber e minha mãe

começou a surtar.

Fiz inúmeras dietas, todas ministradas por ela, e fui induzida ao uso
de remédios, mas nada me fazia perder peso. Eu continuava gorda. Isso fazia
minha mãe me odiar e meu pai não querer mais olhar na minha cara. Eles
continuaram a comprar roupas do mesmo tamanho, sem se importar se elas
caberiam em mim.

Foi aí que eu comecei a vomitar.


Conforme eu fui crescendo, meus pais começaram a ficar cada vez
menos em casa. Eu ficava sozinha depois do colégio e a solidão começou a

ser minha constante companhia.

Eu não tinha muitos amigos no colégio, também. Algumas pessoas


eram simpáticas, mas eu tinha muita dificuldade em me abrir, então logo as
pessoas pararam de falar comigo. Eu tinha muitas crises de choro e me

culpava sempre por tudo o que estava acontecendo, não conseguia me ver
como inocente naquilo tudo quando meus pais diziam que eu não conseguia
as coisas por ser gorda.

Minhas notas passaram a sofrer, então além de gorda, eu era burra.


Uma vergonha para a família.

Eu passei a ser invisível naquela casa, eles simplesmente fingiam que


eu não existia e eu fui sumindo aos poucos. Os cortes vieram como uma
maneira de aliviar toda a dor que me sufocava e me matava aos poucos. Mas

com o tempo eu já não sentia mais dor. Nem felicidade.

Nem nada.

Apenas um vazio.

Os cortes continuaram, mas agora eu os fazia para tentar sentir


alguma coisa. O sangue me lembrava que eu ainda estava viva. Eu passei a
usar roupas largas e moletons até mesmo no verão, e ninguém, absolutamente
ninguém perguntou o porquê.
Então eu comecei a pensar em suicídio. Talvez morrer fosse mais fácil
do que conseguir viver assim. Eu já não suportava mais tanto descaso.

Tentei lembrar se em algum momento da minha vida eu fui amada e


não encontrei lembrança alguma. Minha avó morrera quando eu ainda era
muito criança, eu lembrava muito pouco dela na minha vida. E meus pais
nunca estiveram lá.

Lembrei do dia em que eu desisti de tudo e tomei coragem...

Eu me deitei no chão da sala, escutando uma música qualquer da


playlist mais triste do Spotfiy. Lágrimas escorriam dos meus olhos enquanto
eu tomava coragem para fazer o que estava prestes a fazer.

Segurei a lâmina entre meus dedos e meu celular tocou. “Deve ser a
operadora”, pensei, mas o peguei do chão mesmo assim. Era a Alana.
Estranho.

— Alô? — Disse ao atender.

— Lu?! Tudo bem? — Ela perguntou.

— Tudo bem sim, Lana. Acho que estou ficando gripada — menti.

— Hmm, quer vir aqui hoje? Mamãe está fazendo lasanha! — Ela
disse meu estômago roncou com a menção da comida, mas minha cabeça
imediatamente começou a contar quantas calorias tinha em uma lasanha.
Comida que, aliás, eu comera pouquíssimas vezes, já que a minha própria

mãe nunca permitiria que eu comesse.

Eu estava com fome e isso me fez começar a chorar, mas eu não


podia deixar a Alana perceber. Eu não podia comer, mas ninguém tinha
nada a ver com isso, o problema era só meu.

— Acho que não, Lana. Não sou uma boa companhia hoje... — falei

baixinho.

— Ah, não faz isso, Lu! Você tem que vir para cá, muita coisa
aconteceu ontem e eu preciso te contar tudo! — Ela insistiu. Comecei a me
irritar um pouco. Não era como se eu não me importasse com o que
acontecia com ela, mas tinha tanta coisa acontecendo na minha vida e ela
não fazia ideia. Ela nunca perguntava...

— Hoje não, Lana! Amanhã pode ser? Conversamos no colégio.

— Vou mandar o Matheus passar aí para te buscar, esteja pronta,

hein? — Ela fez uma pausa e continuou: — Em meia hora!

Explodi.

— Que droga, Alana! Será que é tão difícil escutar um não? Eu não
sou a Karen, não sou a sua melhor amiga e não quero ser! Para de tentar
forçar as coisas e não manda o Matheus passar aqui, eu não quero sair hoje!
Me deixa em paz um pouquinho! — Gritei, desligando sem esperar pela
resposta.
Aumentei o som e ergui minhas mangas, pegando a lâmina na mão e
encostando-a primeiro na minha perna.

E o resto era história.

Quando eu acordei, eu já estava no hospital. Depois de muito


conversar com médicos e terapeutas, concordei que eu estava doente e eu
precisava de ajuda. Não foi fácil ouvir as palavras “anorexia” e

“depressão”. Eu sempre pensei que pudesse tê-las, mas nunca levei a sério.
Às vezes eu ainda me pergunto se eu não estou só sendo dramática, mas a
terapia estava me ajudando a aceitar que o que eu tinha não era invenção
minha. Cada dia era uma batalha e uma vitória, mas não era nada fácil. Só
eu podia lutar essa luta.

O que me ajudava era ter uma família para quem pedir ajuda, uma
família que me apoiava. Claro, não eram meus próprios pais. Eram a tia
Susana, a Alana e a Vovó. Naquele dia, a tia Susana me abraçou, me

permitiu sofrer e chorar, e também disse que tudo ficaria bem. E, pela
primeira vez em muito tempo, eu me permiti acreditar.

Voltei para o quarto, colocando tudo o que eu precisaria na bolsa e


olhei o meu celular.

>> Claro, busco sim! Podemos tomar um açaí depois do filme, sei que
você adora e encontrei um lugar bem legal na orla.

Após ler o que ele escreveu, eu sorrir.

<< Assim que a sessão terminar eu te aviso. Bjos

Respondi e guardei tudo na bolsa.

Encontrei o Math e a Alana namorando no sofá da sala e preferi não


interferir. Avisei para a tia Susana que eu estava indo e fui andando. O

exercício físico me ajudava a sentir menos culpa na hora de comer.

Coloquei meus fones de ouvido, mas não consegui me concentrar na


música. Eu só conseguia pensar no Nicolas. Eu estava começando a gostar
dele, o que era estranho, eu não conseguia entender o que ele via em mim, era
sempre gentil e tão atencioso, além de ser muito bonito. Ele poderia estar
com qualquer garota daquele colégio, mas queria sair comigo e isso era
surreal para mim.

Como ele podia gostar de mim se eu mesma mal conseguia fazer isso?

Eu ficava tão nervosa perto dele que nem sabia como agir e o que
falar. Caramba! Eu tinha dezessete anos e nunca tinha beijado ninguém. E
toda essa situação com ele só me deixava mais insegura.

Foi esse o tema da minha terapia. Depois de eu entregar as minhas


tarefas e me pesar, a terapeuta fez eu me sentar e contar como eu estava me
sentindo. Quando eu contei para ela a situação com o Nicolas, ela ficou muito
feliz por mim e me garantiu que ia dar tudo certo, mas eu precisava aprender
a ter mais confiança em mim mesma. Ela me ensinou alguns exercícios de
autoconfiança e discutiu comigo o fato de que um relacionamento amoroso

não ia me salvar, nem fazer eu aprender a me amar. Isso era algo que tinha
que acontecer de dentro para fora.

Quando o nosso horário acabou, saí sentindo-me um pouco mais leve.


Eu peguei meu celular para enviar uma mensagem para o Nicolas, mas

quando pisei na rua, ele já estava em frente ao prédio.

Caminhamos juntos até o shopping que ficava ao lado. Eu não falei


nada, mas sorri quando ele segurou minha mão, entrelaçando nossos dedos.

Depois de comprarmos nossos ingressos, ele foi comprar a pipoca e o


refrigerante e eu fiquei sentada em uma das poltronas. Estava nervosa e a
batida incessante de um dos meus pés no chão mostrava isso.

Estava olhando umas fotos no Pinterest quando apareceu uma


mensagem da Alana.

>> Oi, gatinha! Como está sendo seu encontro com o Nicolas?

<< Oi, Lana... Está tudo bem, eu acho. Estou nervosa!

>> Nervosa por quê? O Nic gosta de você, gosta de verdade! Vai com
calma, que tudo vai dar certo!

<< Vou tentar, mas você sabe é a primeira vez que eu faço isso. Não
sei como agir, o que falar... e se ele tentar alguma coisa? Vou surtar!

>> Não vai não, tenta ficar tranquila, que quando acontecer você vai
saber exatamente o que fazer... Me diz uma coisa, o que vocês vão fazer

depois do cinema?

<< Vamos tomar um açaí, não sei onde fica.

>> O Math deve saber. Vamos encontrar vocês lá, mas tenta relaxar!
Isso é um encontro, não um bicho de sete cabeças, relaxa e curte! Tenho
certeza que ele deve estar bem mais nervoso, beijooos!

— Falando com a Alana? — Nicolas perguntou sentando ao meu lado


com a bandeja com pipoca, refrigerante, pãezinhos de queijo e balas finis.

— Sim, ela e o Math vão nos encontrar depois, tudo bem? —


Perguntei sorrindo nervosamente.

— Tudo sim! Vou avisar o Matheus onde nós vamos, ele conhece o
lugar — ele falou pegando o celular e digitando algo rapidamente. Olhei para
a comida e meu estômago embrulhou.

— Nicolas, isso tudo aí é para gente? — Perguntei apontando para a

pequena montanha na bandeja.

— É sim, espero que esteja com fome! — Ele disse sorrindo para
mim. Eu forcei um sorriso de volta, mas fiquei um pouco chateada. Eu estava
começando a conseguir comer direitinho, mas comer porcaria era um pouco
demais para mim. O Nicolas não sabia disso, não era culpa dele, mas eu senti
uma leve vontade de chorar. — Vamos entrar, acho que o filme já vai
começar — ele disse levantando e esticando a mão para mim.
Entremos na sala e logo depois o filme começou. Percebi que a sala
estava bem fria, então vesti meu cardigã, que não ajudou muito. Ele colocou

as comidas entre nós e me entregou o meu refrigerante, que eu peguei sem


animação. Coloquei algumas pipocas na boca, mas ignorei as balas e os pães
de queijo. Depois de recusar umas três vezes, o Nicolas me olhou
longamente. Senti meu estômago despencar. Ele estava percebendo que eu

não estava comendo e ia começar a me julgar, e então ele não ia mais querer
sair comigo. Desviei o olhar e fingi prestar atenção no filme.

Sobre o que era mesmo? Já estava na metade e eu não fazia ideia do


que estava acontecendo. Encarei meu colo, controlando a vontade de chorar.
Mas então o Nicolas tirou as comidas de perto de mim passou um braço pelos
meus ombros, dando um beijo no meu rosto.

— Desculpa. Eu não me liguei. Prometo prestar mais atenção. Você


está bem? — Ele sussurrou no meu ouvido.

Ele estava preocupado comigo? Olhei para ele, surpresa. Não vi pena
nos olhos dele, nem julgamento. Apenas preocupação e carinho.

Senti um peso sair das minhas costas, sorri e me aconcheguei a ele.


Bastou que eu me encostasse para que toda a minha atenção se voltasse para
seus movimentos. Eu sentia as batidas do seu coração próximas ao meu
ouvido, a respiração levemente acelerada dele e o perfume que ele usava, que
a partir daquele momento era o meu cheiro favorito no mundo.
Aconcheguei-me mais ao Nicolas e ele pareceu gostar disso. No final
do filme, caminhamos de mãos dadas para o carro dele, conversando sobre a

história do filme. Quando entramos, ele não ligou o carro, mas virou-se para
mim e disse:

— Lu, você me desculpa pela mancada da comida? Eu não parei para


pensar que isso ainda estava sendo difícil para você.

— Ah — falei com um pequeno sorriso. — Você ter percebido já é o


bastante, Nicolas. Não é que eu não tenha gostado de você ter comprado tudo
aquilo, é só que... velhos hábitos, sabe? Eu ainda não consigo lidar muito
bem com comida muito calórica — expliquei.

— Açaí é ok? Podemos cancelar, ir para outro lugar, de repente — ele


sugeriu, ainda olhando nos meus olhos.

— Açaí é ok — concordei.

— Está bem — ele disse ligando o carro. — Sabe, eu posso não

entender muito bem pelo que você está passando, mas eu estou tentando. Eu
andei lendo um pouco sobre transtornos alimentares e quero que você saiba
que eu estou aqui se você precisar conversar — ele me pegou de surpresa
com essa, mas fiquei feliz.

— Poxa, obrigada! É um pouco complicado, eu não sei se um dia eu


vou conseguir me livrar disso, mas ter apoio me dá forças para continuar.

— Você vai conseguir, sim. Mas me promete que da próxima vez vai
me avisar quando eu for insensível? — Ele perguntou, colocando o cartão do

estacionamento na máquina.

Ergui as sobrancelhas.

— Próxima vez?

— É. Promete? — Ele perguntou novamente, nem ao menos


pausando.

Senti meu rosto corar. Ele tinha acabado de me convidar para um


segundo encontro?

— Prometo — respondi meio desconsertada.

Ele sorriu com os olhos ainda na estrada e me entregou o celular dele


com o Spotify aberto, dizendo-me para colocar minha banda favorita.

— Ah, você não vai gostar... — disse dando play na música. A Alana
vivia me dizendo que eu só gostava de música emo, e eu reconhecia que eu
podia ser muito melancólica quando eu queria.

Quando ele reconheceu, soltou uma exclamação alta.

— Você está brincando comigo. A sua banda favorita é Radiohead?

— Por quê? Depressivo demais? — Perguntei rindo. Eu esperava a


reação negativa, mas ele me surpreendeu novamente dizendo:

— Eu cresci ouvindo isso! Mas não menciona isso para ninguém não,
o Matheus vive me zoando, dizendo que eu só gosto de velharia. Quer ver
quando eu resolvo ouvir Oasis perto dele...
— Você gosta de Oasis? — Praticamente gritei, animada.

Fomos o resto do caminho falando sobre nossas bandas favoritas. Era

surpreendente como nós gostávamos das mesmas coisas. Eu me senti muito


confortável em falar com ele, e nem percebi quando chegamos na lanchonete.

A Alana e o Math já nos esperavam lá, junto com o Albert, o Jordan e


a Tami. O Nicolas veio para o meu lado e estendeu a mão para mim,

sorrindo. Quando entramos e a Alana acenou para nós animadamente, fiquei


olhando para eles. Eu estava tentando gravar esse momento em minhas
lembranças, pensando no quanto eu perderia se minha vida tivesse acabado
há uns meses atrás. Eu não conheceria o amor materno ou fraterno, não teria
amigos, não me apaixonaria e, principalmente, não teria notado o melhor dos
amores: o próprio. Eu ainda estava lutando para aprender esse último, mas
sentia que estava cada dia gostando mais de mim.

Eu tinha recebido uma nova chance. Alguém achava que eu merecia e

eu precisava aproveitá-la.
TRINTA E OITO

“ Sempre parece impossível até que seja feito. “ – Nelson Mandela

— Então, tudo pronto para o fim de semana? O jogo dos meninos será
sexta à tarde e chegaremos na casa de praia antes de anoitecer para
comemorarmos ainda sexta — falei me aconchegando ao Math.

— E quem disse que vamos ganhar? — O Nicolas perguntou.

— Eu tenho certeza disso! É só o começo da temporada, tenho certeza


que vocês vão arrasar! — Falei fazendo um high five com o Albert.

— Beleza, o tigre vai comer um porquinho, mas chega de falar do


jogo. Como é a casa da sua tia? Vai ter lugar para todo mundo? — Tami
perguntou tomando seu açaí.

— Então! Tem uns três quartos só, mas os cômodos são enormes. Vai
dar para dormir uma boa quantidade em cada canto se dividirmos direitinho.

Mas precisamos levar nossos próprios suprimentos, então temos que ver
quem vai levar o quê — respondi

— Acho que os meninos poderiam levar as bebidas e as meninas os


lanches! Não vamos ficar muito tempo lá, vai ser a fogueira à noite, o café da
manhã e almoço do dia seguinte — o Matheus sugeriu e todos pareceram

pensar um pouco.

— É, pode ser. Vamos ser umas vinte pessoas no total, né? Alguns
caras do time e algumas meninas. Vai ser perfeito! — Falei e eles assentiram.

Passamos um fim de tarde bastante relaxante, fazendo planos para a


comemoração. Rimos muito com a imitação que o Jordan fez do jeito de falar
da Tiana, falamos sobre o filme que a Lu e o Nicolas tinham visto, zoamos o
Albert quando ele resolveu pedir um segundo açaí cheio de leite condensado.
Quando finalmente resolvemos ir embora, os donos da lanchonete pareceram

felizes de se ver livres daquele grupo barulhento de adolescentes, o que nos


fez rir ainda mais.

A parte mais fofa da noite foi ver o Nicolas se despedindo da Lu com


um selinho. Ela fiou muito vermelha e ele foi todo carinhoso com ela. Amei
vê-los juntos, pois shippava muito esse casal.

— Para de encarar, sua doidinha — o Math sussurrou no meu ouvido,


me abraçando para me arrastar para o carro.
Entramos e, um pouco depois, a Lu entrou também, bastante
envergonhada. Abri a boca para fazer um comentário, mas o Math fez um

sinal de silêncio para mim.

— Lu, vou deixar você escolher a música hoje — ele disse,


provavelmente apenas para me impedir de pedir detalhes para a Lu e deixá-la
ainda mais constrangida.

— Vocês estão todos querendo ouvir as minhas bandas, estou


começando a desconfiar — ela falou, mas escolheu uma banda bastante
animada para os padrões dela.

Quando finalmente chegamos em casa, a Lu deu tchau para o Math e


saiu do carro, deixando-me para trás.

— Tenta não matar a garota de vergonha — ele falou para mim, me


abraçando. Despedi-me do Math e, depois de muitos beijos e declarações, e
entrei.

Gritei um “oi” para a mamãe e subi, jogando-me na cama. Enquanto a


Lu estava no banheiro, montei uma lista de tudo o que as meninas
precisariam levar, fiz um grupo, adicionei todas que iriam e sugeri que todas
fôssemos ao supermercado depois da aula, na terça-feira. Quando a Luana
finalmente saiu do banho, sorri para ela, falando:

— Senta aqui. Eu quero saber tudo!


Durante os dias que se antecederam ao jogo, não havia outro assunto
no colégio. Era o primeiro jogo da temporada e todos estavam muito
animados, afinal era o último ano de muitos garotos ali. Além da emoção e
ansiedade pelo jogo, a inauguração da Pedacinho de amor no dia anterior

tinha sido um sucesso e minha mãe não poderia estar mais feliz e eu mais
orgulhosa.

Na quarta-feira, juntei-me ao Jordan na arquibancada e fiquei


observando o Matheus treinar. Nós não nos víamos direito há dias, já que ele
estava focado e precisava se manter assim até o dia do jogo. Apesar de apoiá-
lo, eu sentia muita falta do meu amorzinho.

— Alô! Terra chamando, Alana! — Jordan disse estalando os dedos


em minha frente.

— Desculpa! O que foi? — Perguntei o encarando.

— Percebi que tu estava ocupada observando seu deus grego sem


camisa, mas eu queria saber se tu está preparada para nosso fim de semana —
ele disse olhando para mim com um sorriso sugestivo que eu não
compreendi.

— Claro que estou, eu que estou organizando tudo. Ontem eu fui com
as meninas ao mercado e você não tem ideia do quão exaustivo é sair para
fazer compras com várias meninas, cada uma com um gosto? Pegamos tanta
comida que vai dar para um batalhão — respondi.

— Não estou falando disso. Tu e o boy não vão dormir juntos lá na


casa da tua tia? — Ele perguntou erguendo as sobrancelhas.

— Dormir junto não é um problema, nós já fizemos isso na minha


casa — respondi confusa.

— Não estou falando em dormir, dormir, Alana! Estou falando em...


— ele ia completar, mas eu finalmente entendi.

— Ai, meu Deus, Jor! Eu-eu, ainda não sei, v-vou deixar acontecer...
— gaguejei sentindo meu rosto corar.

— É o melhor que tu faz. Não tem nada pior que fazer as coisas e se
arrepender depois, vai por mim — ele disse torcendo o nariz. — Só transe
com ele se estiver mesmo afim — ele completou e eu tapei a boca dele.

— Você está louco? Como pode falar isso alto? Quer que todo o

colégio saiba? — Questionei escandalizada.

— Opa, foi sem querer! — Ele disse rindo.

Eu pigarreei, desconfortável, e tendei mudar de assunto:

— Vocês já compraram as bebidas?

— Guria, tu não faz ideia de como esses atletas bebem, viu? O


estoque já está lá na casa do Matheus, mas é possível que algumas pessoas
entrem em coma alcóolico nesse fim de semana — ele respondeu balançando
a cabeça negativamente.

— Ai, meu Deus. Eu espero que todo mundo seja responsável, isso é

a última coisa que precisamos que aconteça. Vou pedir para a minha mãe
preparar alguns doces para o caso de precisarmos de glicose emergencial.

— Boa ideia, mas não te preocupe. O rolê só vale a pena caso a gente
não lembre de nada no outro dia — Jordan completou, rindo.

Na quinta-feira à noite, ajudei minha mãe a terminar os bolos de pote


que ela fez para comemorarmos a vitória dos meninos, dei boa noite para
minha avó e subi para arrumar minha mochila. Quando coloquei as últimas
roupas, meu celular vibrou com uma mensagem.

Do Math.

>> Como a luz do seu quarto está acesa, eu presumo que você esteja
acordada. Que tal descer para matar essa saudade, morena?

Nem pensei em responder e desci as escadas correndo, passando pela


mamãe sem dar explicações e ignorando quando ela perguntou onde eu
estava indo. Abri a porta e encontrei o meu namorado encostado na moto dele
do jeito irresistível de sempre.

Assim me que viu, ele abriu os braços e eu pulei nele, enroscando


minhas pernas em sua cintura, beijando-o avidamente.
Ele riu, mas retribuiu o beijo, me levando até o muro baixo da minha
casa e ficando entre as minhas pernas.

— Estava morrendo de saudades de você! Ansioso para amanhã? —


Perguntei quando nossas bocas se separaram.

— Estou um pouco nervoso, não vou mentir, mas também estou bem
confiante. Eu vou jogar para valer mesmo — ele disse beijando a minha testa

delicadamente.

— Vai dar tudo certo! Você treinou muito e vai arrasar.

— Espero que sim — ele disse, mas ainda estava com a expressão
bastante séria. — Sabe, conhecemos um olheiro ontem. Ele é amigo do
treinador Andrade e vai nos acompanhar no campeonato.

— Uau. Mas isso é muito bom, não é? Por que você está com essa
cara?

— É bom, sim, mas não quero nutrir esperanças nem criar

expectativas. Vai ser complicado caso não dê em nada — ele respondeu.

— É... mas... e se der? O próprio treinador vive falando que você tem
talento, e até eu, que estou só começando a entender de futebol, sei que você
é bom. E não estou falando isso só porque você é meu namorado, não —
falei, o que finalmente arrancou um sorriso dele.

— Já pensou se esse cara me escolhe? Eu vou direto para o


profissional.
— Isso seria incrível, meu amor — dei-lhe um selinho e o abracei,
fazendo cafuné em seus cabelos.

— Seria mesmo. Mas eu vou manter meus pés no chão, primeiro eu


preciso focar no jogo de amanhã, e depois têm as provas. A diretora te avisou
das provas finais das aulas extras?

— Avisou. Quinta que vem, né? Podemos estudar juntos durante a

semana, mas não acho que serão tão difíceis.

— Também acho que não. No fim das contas, estamos estudando


coisas bem mais complicadas nas aulas normais, mesmo. Eu só estou feliz de
não ter mais que ir para as aulas extras, porque a minha mãe resolveu que
está na hora de eu começar o pré-vestibular — ele disse me apertando um
pouco mais forte.

— Ah, é? Eu também vou começar, mas achei que você não fosse
fazer — disse levemente surpresa.

— É, eu não ia, mas a minha mãe quer que eu não me iluda com o
futebol e tenha uma segunda opção no futuro — ele explicou.

— Ela está certa. O mundo da bola é muito imprevisível. Você já


pensou em qual curso vai fazer como segunda opção?

— Ainda não. Educação física, talvez? Eu acho que ia gostar de ser


treinador, ou talvez eu abra minha própria escolinha de futebol. Não sei, na
verdade — ele respondeu bastante pensativo. Acho que ele não tinha
considerado essa segunda opção muito a fundo.

— Tudo bem, amor, você não precisa saber agora. Vamos viver um

dia de cada vez, né? — Tranquilizei-o.

— É, até porque os próximos meses serão caóticos.

— Por causa do pré-vestibular?

— Não só por causa dele. Vamos viajar muito durante os jogos,

principalmente nos fins de semana. Ou seja, só teremos algum tempinho


juntos no colégio — ele me apertou mais em seus braços e eu lamentei,
também.

Odiava essa distância que se instalava entre a gente, mas não havia
nada o que eu poderia fazer contra ela. O Math e eu teríamos que trilhar os
nossos próprios caminhos algum dia, e eu não sabia se trilharíamos juntos.
TRINTA E NOVE

“ Ontem à noite o sol se foi, e ainda assim hoje ele está aqui. “ – John Donne

Finalmente o dia do jogo tinha chegado. Mesmo já tendo visto o Math


jogar inúmeras vezes, dessa vez era diferente. Eu não estava conseguindo
parar de pensar no jogo e nem na comemoração que faríamos na praia.

Eu estava determinada a torná-la especial, tinha organizado tudo com

as meninas e as coisas que levaríamos já estavam prontas e organizadas


dentro dos porta-malas. Sairíamos depois do jogo, nos dividiríamos em
quatro carros e partiríamos em segurança para uma noite que prometia ser
inesquecível.

Estava ansiosamente me arrumando quando minha mãe entrou no


quarto, já arrumada.

— Vocês também vão ver o jogo? — Perguntei vendo ela se deitar em


minha cama.

— O Brian não vai, ele tem que ficar na delegacia hoje, mas eu vou

ficar com a Lúcia, fazer companhia a ela na arquibancada — ela respondeu.

— Ah, que bom! A tia Lu vai precisar de apoio, ela estava meio triste
nesses últimos dias — mencionei passando o delineador.

— É o primeiro jogo oficial sem o Alex, né? Nem consigo imaginar

como aqueles dois devem estar se sentindo.

— É. O Matheus estava tentando se mostrar confiante, mas eu sei que


isso estava na mente dele. Tentei confortá-lo essa semana, mas nós vimos tão
pouco... — lamentei mexendo nos meus batons, tentando decidir qual eu
usaria.

— Por quê? Não estão conseguindo se ver no colégio? — Mamãe


perguntou levantando e tirando a caixa de maquiagens das minhas mãos,
escolhendo um batom de cor coral e me entregando.

— Muito pouco — respondi abrindo o tubo e aplicando. Quando


terminei, continuei: — Nas aulas não dá para namorar, mãe. É ano de
vestibular, precisamos focar nos nossos objetivos. Ele tem treinado muito e
está fazendo academia. Daqui duas semanas nós vamos começar o cursinho,
ele de noite, eu de tarde, vai ficar cada vez mais difícil nos vermos —
comentei meio triste.

— Mas vocês não conseguem se ver no fim de semana?


— Às vezes sim. Estamos tentando, mas logo ele começa a viajar para
os jogos. É difícil, mãe, eu estou me sentindo um pouco solitária. E para

ajudar, a Lu foi embora essa semana — choraminguei um pouco.

— Eu sei, meu amor, eu também já estou com saudade dela. Mas ela
não podia morar aqui para sempre, né — a mamãe disse sentando na minha
escrivaninha.

— Pelo menos a Lu vai fazer cursinho comigo. E é o melhor, né, a tia


dela se mudou de Sampa só para ficar com ela. A mulher ficou tão
preocupada que não cansa de me agradecer toda vez que me vê.

— A Mira gosta mesmo da Luana. Ela me disse que estava bastante


afastada do irmão, por isso não sabia de tudo que estava acontecendo. Ainda
bem que a Lu ligou para ela, porque senão ela nem ia ficar sabendo.

— Pois é. Esses pais da Lu são complicados — falei enquanto prendia


meus cabelos em um rabo de cavalo e observava minha aparência.

Eu estava bonita. Tinha pintado as pontas do meu cabelo novamente,


pois elas já estavam desbotando, e estava usando minha camisa do time, que
tinha um logo bem grande do Tigre do Oeste, com as cores laranja e preto.
Nas minhas costas, o número 10 estava estampado. O número do Math.

Ajeitei meu short, amarrei os cadarços do tênis e terminei de conferir


a minha mochila. Fiz isso tudo enquanto minha mãe me observava. Sem que
eu esperasse, ela me abraçou e beijou minha testa.
— Espero que sua noite seja como sempre sonhou. É meio estranho
na primeira vez, mas depois passa e começa a ficar bom — ela disse e meu

rosto corou.

— Mãe! — Protestei.

— Não, filha, deixa eu falar. Eu só posso falar isso uma vez na vida.
Não quero que se sinta obrigada ou pressionada a fazer nada. Faça só se você

quiser e se sentir à vontade, ok? E se proteja — ela me aconselhou alisando


meus cabelos.

— P-pode deixar, mãe. Eu sei de tudo isso... é só... vamos mudar de


assunto, ok? Mas obrigada pelos conselhos, eu te amo — falei beijando sua
bochecha.

— Me ama tanto que vai para longe de mim! — Ela disse me


apertando em seus braços de novo.

— Não exagera! Eu volto amanhã! — Respondi, mas o olhar dela me

indicou que não era sobre a praia que ela estava falando.

Fomos juntas para o jogo e, quando chegamos, deixei-a com a tia


Lúcia, que me cumprimentou animadamente. Do outro lado da arquibancada,
o Jordan, a Tami e a Luana acenaram para mim, então fui ficar junto com
eles.

— Nossa, Lana, está gata, ein? — Jordan disse assim que me


aproximei.
— Imagina, vesti a primeira coisa que vi pela frente — brinquei e
todos riram. Sentei ao lado da Luana, que sorriu nervosamente para mim.

Era o primeiro jogo do Nico que ela iria assistir e ela estava bastante
ansiosa. Eu achava muito fofa a relação deles dois, era o primeiro
relacionamento sério de ambos, e vê-los descobrindo pouco a pouco as
peculiaridades de cada um era bastante gratificante.

— Mas e aí, gente, preparados para a praia? — Perguntei.

— Eu não vejo a hora de colocar os pés no mar, estou precisando dar


uma boa lavada na alma — a Tami comentou com um biquinho. — Essa
noite eu até sonhei que estava fazendo prova de matemática, vai quebrando,
senhor, toda maldição e feitiçaria! — Ela recitou fazendo-nos rir novamente.

— Eu também vou gostar de dar uma relaxada, eu só queria que o...


— O Jordan começou a falar, mas então uma música começou a tocar e o
anúncio de que os times entrariam em campo foi dado.

Levantamos para torcer, gritando e comemorando, mas os meus olhos


não saiam do Math. Ele vinha na frente dos outros garotos, vestindo o
uniforme com orgulho e uma expressão séria de concentração e
determinação.

O hino começou e todos nós nos levantamos para cantar. Meus olhos
não saíam do meu namorado e, quando o hino terminou, ele olhou em minha
direção e sorriu. Sorri de volta, tentando passar toda confiança e amor que eu
tinha por ele. Soprei um beijo para dar boa sorte, e ele fingiu pegar com a
mão, levando-a até o coração.

Tudo ia certo. Tinha que dar certo.


QUARENTA

“ Às vezes as perguntas são complicadas, mas as respostas são simples. – Dr. Seuss

— Vocês estão entendendo alguma coisa? — Jordan perguntou para


nós, que nos entreolhamos e demos de ombros.

— Não muito. O Math até tentou me explicar e eu sei as coisas


básicas, tipo em qual posição cada um joga. Eu consigo ver que tem jogadas

orquestradas aí, mas não sei exatamente o que está acontecendo. Sei lá, as
explicações do Math são empolgadas demais, eu me perco um pouco porque
acho o entusiasmo dele a coisa mais fofa do mundo — respondi sorrindo,
lembrando de como os olhos dele brilhavam quando ele estava animado.

— O Nicolas também tentou, mas eu achei tudo muito confuso. E a


boca dele é tão linda se mexendo que eu não me aguento — Luana revelou
ficando vermelha e nos fazendo rir.
— Quem te viu, quem te vê, ein dona Luana? — Jordan disse e a
Tami reclamou:

— Poxa, gente! Faz silêncio! O Matheus quase marcou um gol e


vocês nem viram!

— Sério? Ah, não, eu vou ouvir muito por ter perdido esse lance,
mesmo sem entender direito — falei tentando prestar atenção. O outro time

estava com a bola e o Math estava tentando recuperá-la, enquanto os outros


garotos se posicionavam para recebê-la.

O primeiro tempo não teve nenhum gol, mas teve um cartão amarelo a
favor do outro time quando a bola bateu no braço do Nicolas e uma pequena
confusão se formou. Quando o árbitro apitou, os garotos pararam e foram
para o vestiário com caras não muito boas. O Matheus, pela expressão dele,
estava tentando animar o time.

A Luana e eu resolvemos aproveitar o intervalo para irmos comprar

pipoca para combater a ansiedade que começava a apertar. Estava começando


a ficar angustiada com o jogo, porque sabia que o Math precisava ir bem,
tinha alguém nessa arquibancada que estava de olho nele.

Queria que o Matheus tivesse todo o sucesso do mundo, fosse perto


ou longe de mim. Não queria pensar muito na possibilidade de termos que ter
um relacionamento à distância, mas eu sabia que ela existia e estava cada dia
mais próxima de se tornar realidade. Afinal, eu o amava, mas não concordava
com a ideia de ficarmos presos um ao outro, infelizes e frustrados. Nossas

carreiras eram muito importantes e eu temia que a nossa felicidade fosse

longe um do outro.

Mas não era hora de pensar nisso. “Um dia de cada vez”, repeti
mentalmente.

Voltamos para nossos lugares na arquibancada, distribuindo os

saquinhos de pipoca. Logo que nos acomodamos, os times voltaram ao


campo, tomando suas posições, e o apito soou, iniciando o segundo tempo.
Imediatamente percebi que o nosso time estava mais rápido e mais focado.
Os adversários mal chegavam perto da bola, a sintonia dos meninos estava
incrível e, depois de alguns passes, o Matheus fez o primeiro gol.

As arquibancadas explodiram com gritos e comemorações.

O Math correu para o nosso lado da arquibancada, ajoelhando e


apontando para o céu, logo em seguida olhando na minha direção. Sorri e

senti meus olhos encherem de lágrimas, porque sabia bem o que isso
significava.

Ele estava dedicando o gol para eles.

Os garotos vieram abraçá-lo, celebrando, mas logo o jogo reiniciou. O


outro time pareceu mais focado, também, roubando a bola e fazendo lances
perigosos que a Tami explicou por cima, e ela também falou que a posse da
bola estava mais com os nossos meninos. O jogo seguiu com algumas faltas
cobradas e muitas defesas de ambos os lados, mas os ataques dos adversários
finalmente surtiram efeito, empatando o jogo e fazendo meu estômago

despencar.

— Estava impedido! — Ouvi a Tami berrar, xingando o juiz. — Você


está cego, meu filho?

— Tamires, pelo amor de Deus, eu quero sair vivo daqui hoje — o

Jordan falou, apontando para algumas garotas da torcida adversária que


olhavam feio para nós.

Porém, nós não precisávamos ter nos preocupado, porque o Albert


marcou logo depois, fazendo uma dancinha para comemorar.

— Eles estão segurando o outro time, mas está meio perigoso — a


Tami explicou. — Faltam dez minutos para acabar, mais os acréscimos, é
bem capaz de eles furarem a nossa defesa e empatar. Eu ainda acho que
aquele último gol devia ser anulado, mas paciência — ela concluiu,

emburrada.

Juntei as mãos em oração, pedindo para todas as entidades que eu


conhecia, e acho que surtiu efeito, porque em um contra-ataque montado pelo
Nicolas e pelo Jhonny, a bola foi passada para o Matheus, que marcou.

Dessa vez, ele fez um coração na minha direção e eu me enchi de


orgulho. Não demorou muito para o árbitro soar o apito final e a partida se
encerrar com 3x1.
Os meninos comemoraram enquanto as arquibancadas tremiam.
Pulando de felicidade, abracei a Luana, e juntas acenamos para nossos

respectivos namorados.

— Vamos indo? Os guris já estão voltando para o vestiário — o


Jordan avisou, então fomos até os carros esperar os meninos do time. Depois
de meia hora eles apareceram de cabelos molhados e com um enorme sorriso

no rosto. Matheus me abraçou, erguendo-me em seus braços e me beijando


apaixonadamente.

— Que saudades de ter você aqui pertinho de mim! — Ele disse me


beijando mais uma vez.

— Também estava morrendo de saudade, não aguento ficar tanto


tempo longe — disse e ele selou nossos lábios mais uma vez.

— Pronto, chega de namorar, vamos! A praia nos espera! — Jordan


gritou e nós nos separamos, entrando no carro.

O caminho foi um pouco longo, mas foi bem tranquilo, sem qualquer
imprevisto.

Assim que todos viram a casa da minha tia, ficaram de boca aberta
assim como eu quando vi pela primeira vez. O lugar era incrível, toda de
madeira com janelas e portas de vidro, por causa da maresia, ainda contava
com uma extensa área verde, piscina e um deck que tinha uma vista
maravilhosa para o mar. Depois de abrir toda a casa e acomodar algumas
pessoas eu corri para fechar o quarto que eu e o Math ficaríamos. As outras
pessoas se adaptariam nos outros quartos, que mostrei para todo mundo antes

de irmos até os carros para começar a comemoração.

Eu e as meninas fomos vestir os biquínis enquanto os rapazes


acendiam as tochas e colocavam as bebidas para gelar.

Estava decidindo o que ia vestir, quando bateram na porta, depois de

ver que era a Lu, deixei-a entrar. Ela ainda estava com a mesma roupa.

— Ué, desistiu de tomar banho? — Perguntei espalhando algumas


peças sobre a cama.

— É desisti, não vou me sentir confortável com todos olhando para as


minhas cicatrizes, Lana — ela disse se sentando na cama.

— Lu, nada disso! Você está entre amigos! Todos nós aqui temos
cicatrizes, algumas visíveis e outras nem tanto, mas isso não nos faz mais
fraco ou pior que ninguém. Não quero que se prive de nada por causa delas

— falei acariciando seus braços e ela se encolheu um pouco mais. — Se elas


realmente te incomodam tanto, eu comprei uma daquelas camisetas térmicas,
nem usei ainda, mas ela tem uma cor maravilhosa e acho que vai ficar ótima
em você — completei e ela me deu um pequeno sorriso.

Corri até a mala para procurar a camiseta e depois de entregar a ela,


terminei de me arrumar optando com um maiô preto que minha vó havia me
dado de presente.
Quando descemos, as carnes já começavam a ser assadas, o som
estava bem alto e os rapazes também tinham colocado as roupas de banho.

A festa se iniciou. Os garotos estavam radiantes de ter vencido o


primeiro jogo e não conseguiam parar de falar sobre isso. A animação
aumentou ainda mais quando as primeiras cervejas começaram a circular e,
quando vi, estava todo mundo dançando, rindo e bebendo.

E eu não conseguia tirar as minhas mãos do Matheus.

Ele me estendeu um cooler e me chamou para dançar. O clima entre


nós dois não poderia estar mais harmonioso.

Enquanto dançávamos, observei nossos amigos ao redor. O Jordan


dançava muito animado bem perto da gente, a Tami estava conversando —
provavelmente sobre futebol — com o Jhonny. A Lu estava numa conversa
bem divertida com o Nico, já que ela não parava de rir e eu amava vê-la feliz.
Mais a fundo, um pouco mais perto da praia, conseguia ver o Albert

conversando com uma garota que não pude reconhecer. Todos estavam se
divertindo, e isso fez meu coração se encher de amor.

Mas então o Math chamou a minha atenção, me beijando e fazendo


tudo ao meu redor desaparecer. Éramos só nós dois ali, sozinhos, e o mundo
era nosso.

Entre amassos, fomos até o quarto. Eu sabia que o grande momento


havia chegado, tinha esperado por ele a cada segundo daquele dia. Ele me
deitou na cama e ficou sobre mim, sem separar nossos lábios. Meu corpo
correspondia ao dele de maneira singular.

Cada toque.

Cada beijo.

Eu seria dele, inteiramente dele. E mal podia esperar por isso.


QUARENTA E UM

“ Pessoas fortes não põem as outras para baixo. Elas as puxam para cima. “ – Michael P. Watson

Salpiquei beijos no pescoço dele, que beijou meu ombro. Nossos


olhares se chocaram e eu senti meu corpo todo em chamas, parecia até que
estávamos nos vendo pela primeira vez.

— Eu te amo — ele disse e eu uni nossos lábios em um beijo longo e

tortuoso.

Eu gostava do toque dele, parecia que nós tínhamos sido feitos um


para o outro, na medida certa. Ele foi conhecendo pouco a pouco cada parte
do meu corpo, assim como eu fui conhecendo o dele. Fechei meus olhos e
ofeguei quando entrelacei minhas pernas em sua cintura.

Nossos corpos se conectavam causando-me arrepios. Só existíamos


nós dois, não existia passado, nem futuro. Os medos e receios desapareceram
e a única coisa que restava era o contato de pele com pele.

Eu o amava e ele também me amava.

Estávamos inundados e repletos de amor.

Ele foi cauteloso no início. Doeu um pouco, mas ele sussurrou


palavras de conforto em meu ouvido e logo encontramos uma sintonia
deliciosa. Eu estava entorpecida de algo que nunca senti, não havia sensação

melhor do que amar e ser amada.

O Math foi muito atencioso, respeitando e respondendo a cada


movimento do meu corpo, fazendo minha primeira vez ser mais que especial.

Depois de tomarmos uma ducha juntos, voltamos a deitar na cama,


frente a frente, olhando-nos sem conseguir parar de sorrir. Ele acariciava
meus cabelos enquanto eu acariciava o peito dele, sentindo as batidas do
coração.

— Quero ficar mais tempo com você. Sinto sua falta — falei.

— Eu também quero isso, você sabe. Essa semana foi um pouco


difícil por causa das preparações do jogo, foi bem difícil estar longe de você.

— Nossos horários estão um pouco incompatíveis, só te vejo em sala


de aula — reclamei um pouco melancólica.

— Eu sei, também não gosto disso, mas vamos ter que dar um jeito —
ele disse.

— Como? Você precisa treinar e fazer o cursinho, eu também preciso


ir para o cursinho e logo vou começar a trabalhar com a mamãe.

— Eu sei, — ele disse me puxando para mais perto, encostando

minha cabeça no peito dele — mas precisamos pensar em algo. Não suporto
só te ver no fim de semana.

— Não podemos abrir mão dos nossos estudos e dos seus treinos. É o
nosso futuro...

Ficamos em silêncio por alguns minutos, apenas pensando e sentindo


a presença um do outro. Com a voz um pouco rouca, ele perguntou:

— Nosso futuro é ficarmos longe um do outro?

— Talvez — respondi. — Eu não sei. Queremos coisas diferentes,


Math, não sou tola.

— Sei que não é, eu também não sou! Mas eu sei que eu quero estar
com você e nós vamos fazer dar certo — ele disse me puxando para um beijo.
Concordei com ele, precisávamos fazer dar certo.

— Eu também quero estar do seu lado. Sempre.

— Não se preocupe, meu amor. Nós vamos pensar em alguma coisa


— ele disse puxando a boca. Mesmo com todo barulho lá fora, estávamos
cansados e não demoramos a adormecer, abraçados um ao outro e com a
promessa de um futuro juntos.
Depois de uma noite tranquila e sem sonhos, acordei antes do Math e,
por um tempo, observei-o dormindo. Meu moreno era tão lindo.

Cogitei acordá-lo, mas o dia anterior tinha sido muito cansativo, então
apenas levantei e, de pijamas mesmo, caminhei pela casa, indo até a cozinha.
A maioria das pessoas ainda estavam dormindo, jogadas de qualquer jeito nos
quartos e na sala. Parecia que a festa tinha sido muito animada e, a julgar pela

quantidade de garrafas vazias acumuladas na cozinha, todos iam precisar de


uma boa dose de cafeína.

Remexi nas sacolas que havíamos trazido e achei o café, que coloquei
na cafeteira. Assim que liguei, a Tamires e a Luana entraram na cozinha,
ambas com a cara meio amassada. Imediatamente, ao olhar para mim, a Lu
sorriu de orelha a orelha, deixando-me vermelha.

— Ih, olha a carinha dela! A noite deve ter sido boa, hein? — Tami
brincou.

— Ai, meninas, não vou mentir não, foi maravilhosa! — Falei e elas
se entreolharam, sorrindo, vindo me abraçar. Nós três pulamos juntas,
comemorando, e só paramos de rir quando o Albert entrou na cozinha
coçando os olhos, procurando cegamente por um pouco de água. Pigarreei e
fingi que nada estava acontecendo.

— Meninas, vocês podem começar a montar os sanduíches e levar


tudo lá para fora? Albert, você pode pegar o bolo que está na geladeira? Eu
vou fazer um suco e já levo o café — disse e eles concordaram.

Levei o café e os copos de isopor para o quintal, onde a Tamires e a

Luana já tinham colocado boa parte da comida, e voltei para a cozinha para
pegar o suco. Foi então que senti mãos em minha cintura e virei a cabeça para
ver um Math de cabelos muito bagunçados.

— Bom dia, meu amor — ele disse beijando o topo da minha cabeça.

— Como você está? Está se sentindo bem?

— Maravilhosamente bem — respondi virando meu corpo para beijá-


lo. — E você?

— Eu nunca estive tão feliz — ele sorriu e me deu um selinho e me


soltou, olhando para a cozinha. — Você precisa de ajuda?

— Ah, me ajuda a levar o suco lá para fora!

Sentamos para tomar o café e, pouco a pouco, as pessoas foram


acordando e se juntando a nós. Algumas pessoas estavam bastante quietas,

sentindo os efeitos da ressaca. O Jordan, em especial, mal tirava os olhos do


celular, com uma expressão bastante triste. Tentei chamar a atenção dele para
perguntar se estava tudo bem, mas ele só balançou a cabeça negativamente,
indicando que conversaríamos depois.

Apesar disso, o café e o bolo da mamãe foram animando todo mundo


e, no fim de tudo, estávamos todos rindo e nos divertindo. Até mesmo o Jor
riu um pouquinho de um trocadilho péssimo feito pelo Nicolas.
Depois que todo mundo comeu, resolvemos ir todos para a praia.
Limpamos aquilo que sujamos no café da manhã, e enquanto os meninos

enchiam os coolers e ligavam as caixas de som, eu e as meninas fomos trocar


de roupa e separar alguns petiscos.

Quando percebi que os meninos tinham montado uma rede, pedi para
o Math me ensinar a jogar futevôlei, não deu muito certo. Eu era péssima.

Apesar dos inúmeros incentivos e elogios que o meu namorado me dava, eu


sabia que não estava indo nada bem.

Desisti e corri para o mar. O Math veio logo atrás de mim, me


erguendo da areia e me levando até a água em seu colo. Estávamos
namorando quando escutei gritos.

Nos separamos e o Matheus soltou um palavrão quando vimos dois


dos garotos do time ameaçando jogar a Babi, uma das amigas da Tami, na
água.

— Math, fala para eles pararem. Ela não quer entrar na água, eles são
surdos? — Falei com urgência.

Indignado, o Matheus nadou até a parte mais rasa e eu fui atrás,


observando o Cauã erguê-la em cima das pedras, levando-a para parte que
dava para uma área mais funda.

— Cauã, larga a menina! Não está vendo que ela não está a fim de
brincadeira? — O Math gritou e nós começamos a andar mais rápido.
— É uma brincadeira, Math. Deixa de ser careta — o Thales falou
rindo e eu comecei a me assustar.

— Não é brincadeira, larga ela, Cauã! — Berrei. A Babi se debatia,


tentando se soltar.

— Me solta, seu idiota! — Ela gritou, empurrando o peito dele.

Esse foi o erro dela.

A expressão divertida dele se transfigurou para o pânico quando ele se


desequilibrou. Em fração de segundos, os dois sumiram do nosso campo de
visão, caindo no mar.

Ela não sabia nadar e o mar estava agitado.

Fechei meus olhos e temi o pior.


QUARENTA E DOIS

“ Sempre há flores para aqueles que querem vê-las. “ – Henri Matisse

Cobri minha boca com as minhas mãos e observei o Math e os outros


meninos que estavam na areia, entrando no mar. Corri para a borda e vi o
Cauã nadando e lutando para segurar a Babi, que se debatia e chorava,
desesperada. As ondas estavam batendo muito fortemente contra as pedras,

empurrando-os contra elas, e o salva-vidas não estava por perto.

Foi só depois de muito esforço que os meninos conseguiram chegar


até eles e os puxaram até o raso. Quase chorei de alívio. A Babi sentou na
areia e chorou enquanto a Tamires e o Jordan falavam baixinho com ela. O
Cauã também estava um pouco trêmulo, mas o Nicolas e o Matheus o
pegaram pelos braços e o arrastaram para longe de nós.

As outras meninas se juntaram ao redor da Babi e a levaram para


dentro, tentando acalmá-la.

— Vem, Ba, a gente precisa cuidar desses arranhões — o Jordan falou

enquanto eles se afastavam de nós. A Luana veio para o meu lado com
lágrimas nos olhos.

— Ainda bem que não foi nada sério — ela disse.

— Mas podia ter sido! — Falei enfurecida. — Sinceramente, o que

esse cara tem na cabeça?

Não tínhamos mais ânimo para ficar na praia. Voltamos para a casa da
titia e começamos a retirar as coisas dos quartos. Logo, as outras garotas
vieram ajudar a limpar o segundo andar e, quando descemos, os meninos
estavam terminando de limpar a sala, a cozinha e o quintal. Quando tiramos o
lixo, o clima estava um pouco pesado, então antes mesmo do almoço já
estávamos voltando para casa. Se estávamos animados na viagem de ida, a de
volta foi bem silenciosa.

Ao chegarmos na cidade, nos despedimos, cada carro indo para um


lado. O Matheus deixou a Lu e o Jor em casa, e então começou a fazer o
caminho para me levar também.

— O Cauã é mesmo um babaca, estragou o final da viajem! — Ele


finalmente falou. — Eu e os meninos demos uma chamada nele e ele vai ficar
de molho nos próximos jogos.

— A atitude dele foi completamente ridícula, pensa se acontece algo


mais sério com essa menina! — Exclamei.

— Nem fale. Sorte que foram apenas arranhões.

— Sim, mas podia ter sido muito mais sério. E o Thales também é
culpado. Esses garotos precisam aprender a respeitar quando eles escutam um
não!

— Não se preocupe, linda. Essa não é a última vez que os dois vão

ouvir sobre isso — o Matheus disse estacionando na frente da minha casa.


Não desci, apenas ficamos em silêncio por um tempo.

— Ok. Passou — falei, pegando na mão dele. — Não vamos deixar


que eles estraguem a viagem maravilhosa que tivemos. Eu adorei estar com
você.

— Eu também. Obrigada por tudo, meu amor. E o que eu falei foi


sério, ok? Eu vou me esforçar mais para passar mais tempo com você.

— Eu também. Vou conversar com a mamãe sobre ela me dar umas

folgas extras da confeitaria. Mas eu sei que ela vai me dar se eu explicar os
motivos — falei sorrindo.

— Gosto muito dessa minha sogra! — Ele disse se inclinando para


me beijar.

— Vem me ver amanhã? — Perguntei quando nos separamos.

— Venho sim. Amanhã vamos passar o dia inteiro juntos — ele me


beijou mais uma vez.
— Ok, me avisa quando chegar em casa, ok? — Disse abrindo a porta
do carro.

— Aviso. E ei — ele chamou. — Eu te amo.

Sorri e virei-me para entrar em casa, encontrando minha avó


assistindo Mamma Mia!, o filme favorito dela. Beijei sua testa e a abracei.

— Nossa, como você chegou rápido! — Ela exclamou. — Achei que

ia ter a casa só para mim por mais um tempinho.

— É, nem demorei para a senhora não sentir saudades — falei me


jogando no sofá — Cadê a mamãe?

— Viajou com o Brian, só volta amanhã.

— Hm, e para onde eles foram?

— Não sei, não perguntei. Sua mãe é bem grandinha e vacinada,


Alana — ela respondeu sem tirar os olhos da TV.

— Nossa, vó! — Falei rindo. — A senhora diz cada coisa às vezes.

Entrei na cozinha, sentindo o aroma da comida que ela havia feito.


Coloquei um pouco no prato e me sentei na mesa, pensando na noite
maravilhosa que havia tido com o Matheus. Eu estava temerosa sobre o que
aconteceria, mas ele me fez sentir tão segura e amada que minhas
inseguranças desapareceram. Logo que terminei de comer, dei um beijo na
minha avó e subi.

Chegando no meu quarto, me peguei sentindo saudades da Luana de


novo. Ela estava feliz em estar com a tia, progredindo bastante na terapia e

namorando o Nico, mas eu sentia falta de ter minha melhor amiga por perto

24 horas por dia.

Liguei a caixinha de som, sincronizando-a com meu celular, e deixei a


música inundar meu quarto. Tomei banho, vesti uma roupa leve e aproveitei
para desfazer a minha mochila e colocar as roupas sujas para lavar.

Peguei minha agenda e comecei a planejar a semana. Já tinha passado


da hora de eu começar a me dedicar para o vestibular, então procurei
organizar a semana com as matérias que eu tinha um pouco mais de
dificuldade, além de reservar a tarde de quarta-feira para fazer uma prova
antiga da USP. No espaço da quinta-feira, anotei de lápis uma sessão de
estudos em grupo que proporia para o Jordan e a Luana.

O Jor queria prestar arquitetura na UFRGS, mas a Lu queria ir para


São Paulo comigo. Desde que ela iniciara a terapia, ela estava decidida a

fazer psicologia, e todos nós aprovávamos a ideia. Eu, é claro, estava muito
animada com a perspectiva de morarmos juntas novamente.

Parei um pouco e fui procurar um livro na minha estante quando a


Luana me mandou uma mensagem:

>> Lana, nós vamos fazer alguma coisa amanhã? O Nicolas me ligou
e pediu para eu fazer uma mochila para passar a tarde ao ar livre. Você
também vai?
Franzi o cenho para a tela e respondi:

<< Não sei, eu vou passar o dia com o Math, mas até agora ele não

me falou nada sobre irmos para algum lugar.

A Lu devia estar bem ansiosa com isso, porque eu mal enviei a


mensagem e ela já havia respondido:

>> Vish, será que vamos ser só nós dois indo a algum lugar? Eu não

gosto muito de surpresas, não sei muito bem como me preparar!

Ri em voz alta. Típico da Luana! Eu sentia falta de tê-la por perto.

<< Relaxa um pouco, migs! Tenho certeza que vai ser bem legal, só
não esquece de levar repelente! Se o Math me falar alguma coisa eu aviso,
mas eu realmente acho que vão ser só vocês dois...

>> Ai. Ok. Vou tentar ficar calma. Acho que ele deve estar tentando
passar um tempo a mais comigo, agora que os treinos começaram a ficar
pesados a gente quase não se vê.

<< Nem me fala. Eu quase não vi o Matheus essa semana, e a gente


devia estar aproveitando enquanto pode.

Suspirei. O Math tinha prometido que ficaríamos juntos, e eu estava


tentando acreditar, mas quanto mais eu pensava, menos opções eu
encontrava.

>> Como assim “enquanto pode”?

<< Ah, amiga. Ele quer ser jogador profissional, você sabe como é
uma carreira imprevisível. A gente não sabe para onde ele vai com isso, e eu

quero fazer jornalismo na USP desde muito nova.

>> Ou seja, os sonhos de vocês não se encontram.

<< Não se encontram... Por isso quero passar o máximo de tempo


possível com ele.

>> Ah, Lana, dessas coisas a gente nunca sabe. Vai que o destino

leva vocês para o mesmo lugar?

<< É, mas quais as chances? Eu tenho que ser racional.

>> Bom. De qualquer forma, eu sei que vocês merecem ser felizes.
Vocês vão encontrar um jeito.

<< Deus te ouça.

O resto do sábado foi bastante calmo. Assisti um pouco de novela


com a vovó, fizemos uma janta leve e eu terminei o dia na cama, lendo um

romance de banca antigo da mamãe. Meu celular começou a vibrar no meu


colo e vi que havia recebido uma mensagem de um número desconhecido.
Curiosa, marquei a página do meu livro e desbloqueei a tela do telefone.

>> Oi, Alana! É o Tadeu, tudo bem? Tem um tempo que a gente não
se fala, né. Poderia me encontrar hoje? Eu sei que já está um pouco tarde,
mas eu queria conversar com você.
Salvei o número dele antes de responder.

<< Oi, Tadeu, tudo bem? Então, não poderíamos nos encontrar

amanhã? Eu voltei de viagem hoje e queria ir dormir cedo, estou bem


cansada.

>> Entendi, tudo bem. Pode ser amanhã sim. Às nove, na praça perto
da confeitaria da sua mãe?

<< Sim, pode ser lá! Até amanhã.

>> Até, Alana!

Bloqueei a tela novamente e fiz menção de pegar meu livro, mas


novamente o celular começou a vibrar, dessa vez com uma ligação.

Era o Matheus.

— Oi, moreno! — Atendi com entusiasmo.

— Oi, minha linda.

— Já estava pensando que você não ia falar comigo hoje!

— Desculpa, fiquei preso em uma conversa com a minha mãe e o


treinador — ele disse com a voz levemente exausta. — Só consegui me livrar
agora. A mamãe gosta de falar, sabe como ela é.

— Hm, conversa séria? — Perguntei.

— Seríssima. Eles me chamaram para perguntar o que eu achava


deles morarem juntos.

— Uau! Grande passo! E o que você respondeu?


— Que não via problemas. Minha mãe passa muito tempo sozinha e
vai ser bom ter alguém para assistir os jogos comigo. Ela até tenta, mas ela é

que nem você para entender as jogadas — ele respondeu rindo um pouco

— Ei, eu me esforço! — Ri junto com ele. — Mas fico feliz que você
esteja lidando bem com isso, achei que você fosse estranhar mais.

— Eu tenho que lidar, né, amor? Eu quero que a mamãe seja feliz.

— Falando em casal feliz — lembrei-me. — O Nicolas e a Luana vão


passar um dia ao ar livre e ela veio perguntar se a gente também ia.

— Ah, verdade. Ele me disse que eles iam fazer uma trilha e convidou
a gente. O Nico é todo ligado nessas coisas de natureza. Você quer ir?

— Acho que prefiro passar o dia agarradinha com você assistindo


algum filme — respondi manhosa. — Amo eles dois, mas quero sua atenção
só para mim.

— E eu quero o mesmo, linda! Em vez de eu ir aí, por que você não

vem para cá? Minha mãe e o treinador não vão estar em casa.

— Tudo bem, mas vou depois do almoço, pode ser? Vou fazer umas
coisas de manhã e também tenho que esperar minha mãe chegar.

— Beleza, fico te esperando, linda!

— Até amanhã, moreno! — Desliguei, coloquei o celular na cabeceira


da cama.

Já estava bem tarde para voltar a ler, e eu estava exausta. Deitei e logo
devo ter adormecido. Naquela noite, sonhei com a Karen, coisa que há muito

tempo não acontecia.


QUARENTA E TRÊS

“ Se você não pode mudar seu destino, mude de atitude. “ – Amy Tan

— E então, falou com ela? — Perguntei ao Tadeu quando ele largou o


celular.

— Falei, ela vai vir me encontrar amanhã aqui na praça — ele


respondeu e eu sorri.

— Faz tudo como planejamos, tem que dar certo dessa vez!

— Eu sei, Laís. Não precisa ficar repetindo isso o tempo todo, eu vou
ser bem convincente e a Alana vai acreditar em mim, tudo vai depender se
você vai conseguir fazer a sua parte.

Torci nariz para o tom petulante dele. Esse garoto me dava nos
nervos, sinceramente! O plano era meu, quem era ele para duvidar da minha
competência?

— Eu vou fazer a minha parte. O Matheus vai estar aqui, você é quem

tem que fazer a coisa certa!

— Eu sei, garota, que saco! Quantas vezes eu preciso falar que vou
fazer tudo certo? Se liga, você não manda em mim — ele respondeu
revirando os olhos.

Era só o que me faltava! Perdi a paciência.

— Não mando? Quem idealizou todo plano aqui, Tadeu? Se liga


você!

— Não, você não manda. Não importa que você tenha idealizado toda
essa merda, nesse jogo ou os dois ganham ou ninguém ganha, coloque isso na
sua cabeça.

— Eu vou ganhar o Math de qualquer maneira, não preciso de você


para me livrar da santinha! Eu estava tentando te ajudar, mas você fica aí de

grosseria gratuita e eu não sou obrigada a te aturar não — falei e cruzei os


braços, bufando. Ele riu com escárnio, o que só serviu para me deixar mais
nervosa com ele.

— Não precisa de mim, né? Beleza! Pois agora dê um jeito de fazer


eles terminarem sozinha, estou fora dessa.

— Você está caindo fora!? Achei que fosse mais corajoso, seu
covarde! Vai deixar ele ficar com ela? — Berrei.
— Abaixa a sua voz para falar comigo! E olha, se ela quisesse ficar
comigo, ela ficava. Estou cansado de joguinhos, Laís. Cansado desses seus

planos que nunca dão certo.

— Pois bem, eu me enganei muito com você.

A expressão dele endureceu.

— Não, você não de enganou. Eu sempre mostrei quem eu era de

maneira muito clara, mas você vive num mundo paralelo e não quer ver as
coisas. Vê se cresce e percebe que toda essa história de que o Matheus só não
está com você por causa da Alana é coisa da sua cabeça. Acorda, Laís!
Mesmo que ele termine com ela, ele nunca vai olhar para você! Você é
egoísta e mimada demais!

— Cala sua boca, Tadeu! O Matheus sempre gostou de mim! Sempre!


Ele está com ela porque não vê que ela não serve para ele! — Gritei. Esse
garoto estava se passando e eu não ia permitir!

— Você é muito iludida! Não conta comigo mais para nada! — Ele
avisou e eu me enfureci ainda mais.

— Você vai mesmo dar para trás?

— Quantas vezes eu vou ter que falar? Vou falar diferente para ver se
você entende: eu vou finalmente andar para frente. Tchau, Laís — ele disse
me deixando sozinha no banco da praça.

Berrei de frustração, mas ele nem sequer olhou para trás. E agora, o
que eu ia fazer? Eu não podia ficar parada. Prendi meus cabelos em um coque
e respirei fundo. Precisaria mudar os meus planos e para isso eu precisava

estar calma. Reprimi minha raiva e escondi o rosto nas mãos, tentando bolar
alguma coisa. Eu precisava ter o Math para mim.

Peguei o meu celular e liguei para Tiana. A linha chamou algumas


vezes e, quando ela atendeu, falei antes que ela pudesse dizer qualquer coisa:

— Ti, o Tadeu pulou fora!

— Não brinca, migs! Por que ele fez isso? Que canalha!

— Porque ele é um babaca! Perdi a paciência com ele aqui, foi tão
afrontoso que tive vontade de socar a cara dele. Vê se pode, ele estava
querendo insinuar que meu plano ia dar errado! — Falei ainda nervosa,
minha mente fervilhava.

— E o que vamos fazer agora?

— Precisamos pensar em algo grande, algo que acabe de vez com o

relacionamento deles. Só que precisamos de um aliado, alguém do grupinho


deles para nos contar tudo.

— Ai, haja paciência para lidar com eles, né? Bando de gente chata!
— Ela disse maliciosa, mas eu não estava com paciência para falar mal das
pessoas.

— Ti, se liga na urgência do negócio! Tem que ter alguém que a gente
possa usar! De repente um dos jogadores, não sei! — Falei esbaforida.
— Eu posso tentar chegar no Albert, acho. A gente ficou na minha
festa... Foi péssimo, mas ele é um dos melhores amigos do Matheus. Se eu

fingir que estou interessada num remember, vamos estar incluídas no círculo
deles.

— Perfeito, Ti! — Exclamei quase chorando de alívio. — Até que


enfim você pensou! Começa a colocar seu plano em prática, sua vaca! A

gente se vê amanhã! — Falei desligando e levantando para ir para casa. Com


a cabeça mais fria, uma nova estratégia começou a se formar na minha mente.
Até a nossa viagem do terceirão, o Math seria meu.
QUARENTA E QUATRO

“ Seja você mesmo, pois para isso não há uma segunda chance. “ – Daniel

>> Alana, não vou poder te encontrar lá na praça hoje. Tive um


problema, conversamos no colégio amanhã.

<< Tudo bem, Tadeu! Espero que não seja nada grave.

Responder à mensagem do Tadeu foi a primeira coisa que eu fiz

depois de acordar. Fiquei alguns segundos encarando o teto, criando coragem


para sair debaixo das cobertas, então levantei para ir ao banheiro, arrastando-
me um pouco.

Depois de alguns minutos, saí de lá e troquei o pijama por um vestido


longo. Desci as escadas e encontrei minha avó arrumando uma mesa bem
caprichada para o café da manhã.
— Bom dia, vovó! Posso saber para que tanto capricho se só estamos
nós duas em casa? — Perguntei dando um beijo no rosto dela.

— Bom dia, minha neta! Sua mãe ligou, disse que está chegando e
com novidades.

— Ai, será que aconteceu algo ruim? — Questionei ajudando-a a


distribuir os pratos pela mesa.

— Não, pela voz dela foi algo bom. Ela estava muito animada, então
achei que seria caso de comemoração — minha avó disse, deixando-me
aliviada. Terminamos de trazer as coisas para a mesa e logo minha mãe
chegou.

Sozinha.

Eu me preocupei e por isso fui logo abraçá-la.

— Oh, deixe-me olhar você! Está tão linda, filha! E com um brilho
diferente... – ela falou alisando meus cabelos e sorrindo.

— Senti sua falta, mas lá foi incrível — disse um pouco acanhada.

— Imagino que sim! Vamos sentar e você me conta tudo. Oi, mamãe
— ela disse abraçando a vovó, e então sentamos as três à mesa, comendo as
delicias que minha avó tinha feito. Contei a elas tudo que havia acontecido lá
(omitindo a minha noite com o Math, isso por enquanto era só de nós dois) e
elas me escutaram atentamente.

— Nossa filha, ainda bem que a menina não se machucou gravemente


— mamãe comentou abismada, levando a mão ao coração. — Esses garotos

precisam ser mais responsáveis, imagina se algo sério acontece sem nenhum

adulto por perto!

— Sim. Foi bem tenso na hora, tanto que não conseguimos ficar mais
por lá e viemos embora mais cedo — disse com pesar.

— Foi o melhor que vocês fizeram — a minha avó disse balançando a

cabeça, murmurando algo muito parecido com “esses jovens de hoje em dia”.

— Sim, mas e você, mamãe? Foi para onde? Conta tudo!

— Fomos para uma pousada no litoral. Foi maravilhoso, o Brian é


muito romântico — ela disse com um sorriso e olhar longe, lembrando de
algo privado.

— Ah que lindo! Não imaginava que ele fosse assim, parece ser tão
durão — comentei, sorrindo para ela. Eu estava muito feliz por ela também
estar contente.

— Ele é um fofo embaixo daquela armadura... e ele me fez uma


proposta — ela contou meio hesitante.

— Hm, que proposta?

— Ele quer que nós moremos juntos como uma família. Nos
convidou para morar com ele — ela disse e eu arregalei os olhos para ela.

— Então nós vamos deixar essa casa? — Questionei.

— Eu queria conversar com vocês antes de tomar uma decisão, na


verdade — minha mãe disse meio nervosa. — Fomos nós três por muito

tempo e eu amo morar com as duas. O convite foi estendido para todas nós,

na verdade, mas não sei o que vocês querem fazer, então eu ainda não dei
uma resposta definitiva.

— Mamãe, o que importa aqui é: você quer ir? — Perguntei.

— Quero — ela admitiu. — E eu gostaria que vocês fossem comigo.

— Ah, filha, me perdoe, mas eu vou continuar aqui. Essa é minha


casinha e eu pretendo ficar aqui até o fim dos meus dias. Podem ir tranquilas,
quero a felicidade de vocês — minha avó disse a nós duas com um sorriso no
rosto.

— Não sei se fico tranquila com a senhora aprontando aqui sozinha


— minha mãe disse com certo receio na voz.

— Vá atrás da sua felicidade, minha querida. Eu estou velha, não


gagá! Deixe de agonia! — Minha avó respondeu saindo da mesa e fazendo-

nos rir.

— Nós vamos morar com ele então, a senhora já decidiu.

— Não decidi. Preciso saber de você. Se você me disser para ficar, eu


fico.

— Mãe, você acabou de falar que quer ir.

— E eu quero. Nós já não somos jovens e nutrimos um sentimento


muito bonito um pelo outro, morarmos juntos faz sentido, Alana. Mas eu não
vou sem você, nunca te deixaria.

— E eu nunca impediria sua felicidade. Vai ser bom que estejamos

vivendo com ele, não quero que fique sozinha quando eu for para faculdade
daqui uns meses — respondi dando a minha resposta final.

— Nem me fala disso! Os meses estão passando tão rápido! Não sei
se vou conseguir dormir tranquila com você longe.

— A senhora vai acostumar, mãe. Vai ser pelo meu bem.

— Eu sei, filha. Eu sei. Então é isso. Vamos nos mudar! Vou contar a
novidade ao Brian. Ele está animado com tudo isso, o Jordan também.

— O Jordan já sabe?

— Nós conversamos com ele antes de vir para cá. O garoto mal podia
conter a animação, disse que vai adorar te ter como irmã adotiva — ela disse
rindo e eu ri junto.

O Jordan nunca ficava muito tempo triste, mas eu ainda queria saber o

que estava acontecendo com meu amigo. Fiz uma anotação mental para falar
com ele mais tarde.

— Vai ser uma fase muito boa na nossa vida, mãe. Eu te amo.

— Também, meu amor! Mais que tudo na vida! — Ela disse


levantando-se para me abraçar e eu fiquei aconchegada a ela por um tempo.

— Ah, eu preciso me arrumar — falei quando nos separamos. — Vou


até a casa do Matheus passar o dia.
Mamãe suspirou, antes de falar:

— A senhorita ainda tem coisas para me contar, não é? Mas vou te

deixar escapar por hoje. Vai lá se arrumar.

Sorri para ela e subi para me ajeitar para ir até a casa do Matheus. Fiz
uma mochila com umas coisas básicas, me despedi de mamãe, da vovó e fui.

A manhã estava muito bonita, então coloquei uma Playlist bem alegre

e fui o caminho todo com um sorriso no rosto.

Mas, então, quando estava próxima do meu destino, vi a Laís saindo


da casa do Matheus. Estanquei no caminho, confusa. Ela me viu, deu um
sorrisinho presunçoso e continuou andando.

Eu fiquei cega de ciúmes e voltei para casa. O Matheus sabia muito


bem o que a Laís tinha feito e ainda dava corda para ela, permitindo que ela
fosse a sua casa.

Eu estava com muita raiva!

Muita mesmo.
QUARENTA E CINCO

“ Nós damos sentidos ao nosso mundo por meio da coragem de nossas perguntas e da profundidade de
nossas respostas. “ – Carl Sagan

Quando o despertador tocou, soltei um grunhido. Amaldiçoei-me


mentalmente por ter ficado acordado até tão tarde jogando League of
Legends sabendo que eu precisaria acordar para dar uma ajeitada na casa.

A minha mãe, antes de avisar que ia dormir e passar o dia com o

treinador, me deu uma pequena bronca por deixar tudo jogado por aí,
sabendo que a responsabilidade de manter as minhas coisas no lugar era
minha e todo aquele blábláblá de sempre. Ela estava certa, claro, mas eu não
pude deixar de revirar os olhos antes de dizer que, quando ela voltasse, ia
estar tudo no seu devido lugar. Ela então sorriu para mim e eu pude ver o que
há muito tempo eu não via nos olhos dela: felicidade plena. Prometi para
mim mesmo que faria o possível para mantê-la assim.

Obriguei-me a levantar, lutando contra o cansaço, liguei a cafeteira e

fui arrumar as roupas que eu deixara espalhadas por aí. Liguei o som e resolvi
passar uma vassoura no chão, porque queria deixar tudo perfeito para a
Alana.

Depois de terminar, bebi uma boa caneca de café para estar mais

alerta, fui tomar banho e me arrumei para esperar a minha namorada. Quando
a campainha tocou, corri para atender imaginando que fosse ela, mas não era.

— Ah... Oi, Laís... — cumprimentei-a sem entender por que ela


estava ali.

— Oi, Math. Eu posso entrar? — Ela perguntou com um sorriso


brilhante, encostando-se no batente.

— Claro, entra aí — falei abrindo mais a porta para permitir que ela
passasse.

— Precisava falar com você, não queria mandar mensagem nem nada
disso, preferi vir pessoalmente — ela se explicou sentando no sofá.

— Pode falar, Laís — respondi rezando para que fosse algo rápido. A
Alana não ia gostar de encontrá-la quando chegasse.

— Bem, sei que já tem um tempo, mas eu queria te pedir desculpas


por aquela situação na festa da Ti, eu não fiz por mal, juro — ela falou
piscando lentamente, com um tom de arrependimento.
— Tudo bem, Laís. Aquilo já são águas passadas, eu já esqueci, fique
tranquila — sorri tentando tranquilizá-la, afinal eu realmente já nem pensava

sobre isso.

— Ah, ótimo! Eu fiquei preocupada. Não quero que você pense em


mim como uma pessoa horrível, sabe? Te considero meu amigo e gostaria
que você pensasse o mesmo de mim, mesmo! Mas como a sua namoradinha

não vai muito com a minha cara, fiquei pensando que talvez você se sentisse
da mesma forma — Laís disse com tristeza na voz. Balancei a cabeça
negativamente.

— Eu não me sinto. Nós éramos bons amigos no ano passado, não é?


Conversávamos bastante. Não há porque guardar mágoas, não sou disso. E
sabe, é verdade que a Alana não gosta de você, mas você deu motivos para
isso.

— Eu sei! Perdi a cabeça. O terceiro ano é muito estressante e eu fiz

algumas coisas das quais eu não me orgulho, mas estou tentando me redimir.

Observei-a por alguns instantes. Algo me dizia que ela não viera
apenas para pedir desculpas, mas ela parecia verdadeiramente arrependida.
“Bom”, pensei. “Quem sou eu para julgar alguém, não é?”

— Tem sido um ano difícil, é verdade. Mas como minha amiga, eu


espero que você apoie o meu namoro, porque ele é muito importante para
mim. A Alana é uma pessoa tranquila, você só precisa ser sincera com suas
ações, tenho certeza que ela também não vai guardar rancor se você for

verdadeira com ela.

— Eu vou ser. Obrigada por ser assim, Math — ela disse se


levantando subitamente para me abraçar.

— De nada, Laís — falei me soltando do abraço. — Preciso admitir


que fiquei bastante surpreso com suas atitudes.

— É, eu andei refletindo e achei que era melhor admitir meus


próprios erros para que não fique um clima ruim entre nós. Afinal, vamos nos
ver bastante a partir de agora. A Tiana está saindo com o Albert, sabia? Quer
dizer, eles estão conversando e hoje terão um primeiro encontro. Mas eu acho
que eles têm futuro!

— Ele me contou, espero que dê certo! O Al precisa dar uma relaxada


também, ele está focando demais no futebol, eu fico um pouco preocupado.
Uma namorada ajudaria bastante nesse momento — comentei.

— Vai dar certo! Os dois merecem ser felizes. Mas viu, eu já vou, tá?
Só queria te pedir desculpas e deixar as coisas às claras para ficar mais
tranquila.

— Tá certo, Laís. Nos vemos no colégio! — Disse indo até a porta


para deixá-la sair.

— Até loguinho, Math — ela disse indo embora.

Sentei no sofá para esperar a Alana, que já devia estar chegando. Mas
se passou mais de meia hora e ela não tinha chegado, então comecei a ficar
preocupado e mandei mensagens para ela.

>> Alana, já está vindo?

>> Morena, tô ficando preocupado, você falou que estava vindo e até
agora não chegou aqui!

>> Alana! Me responde, por favor! Aconteceu alguma coisa?

Liguei duas vezes para o celular dela, mas só chamou e ninguém


atendeu.

>> Amor, me diz onde você está! Vou ligar para sua casa, já estou
preocupado.

Esperei exatos dez minutos, mas não obtive nenhuma resposta. Liguei
para casa dela já aflito.

— Alô? — Respondeu a familiar voz da tia Susana.

— Oi, tia, tudo bem? — Falei tentando manter a calma.

— Matheus? Oi, querido, tudo bem sim. Aconteceu alguma coisa?

— Na verdade, não. Eu queria falar com a Alana, ela está? —


Perguntei casualmente.

— Ela ainda não chegou, achei que ela estivesse indo para sua casa —
ela disse e senti uma pontada de preocupação.

— Então, eu também achei, mas até agora ela não chegou, eu estou
ficando preocupado.
— Calma, querido, eu vou ligar para ela e vê o que está acontecendo,
se eu conseguir fala com ela, eu mando ela te ligar.

— Certo, obrigado, tia!

Desliguei e aguardei ansiosamente que meu celular tocasse e que


estivesse tudo bem.

Longos minutos depois, meu celular vibrou avisando a chegada de

uma mensagem.

>> Não precisava ter ligado para minha mãe. Para de me mandar
mensagens e me deixe em paz, Matheus. Se tem uma coisa que eu não quero
fazer nesse momento é falar com você.
QUARENTA E SEIS

“ Seja um farol para si mesmo. “ – Buda

Joguei meu celular na mochila e me recusei a pegá-lo novamente


quando ele vibrou. Eu estava exausta, emocional e fisicamente cansada.

“Poxa, será que elas não cansam nunca?”, pensei escondendo o rosto
nas mãos, frustrada.

Depois que eu vi a Laís saindo da casa do Math, eu não sabia para


onde ir, mas a praia me pareceu a melhor opção. Durante o trajeto do ônibus,
meu celular começou a vibrar. Achei que seria o Matheus se desculpando,
mas não.

Era a Laís.

Ela anexou uma foto dela com o Matheus e escreveu.


>> Somos perfeitos um para o outro. Estou disposta a fazer tudo por
ele, sempre estive, e quando ele perceber isso, você estará fora da jogada,

santinha.

Fechei meus olhos e os apertei com força. Eu não iria chorar por isso.

Estava tudo tão bagunçado na minha cabeça! Eu queria muito


conversar com o Math sobre a minha mudança e sobre como eu estava um

pouco receosa de deixar a minha casa e a minha avó para trás, mas que faria
tudo para minha mãe ficar feliz depois que eu fosse embora. Queria que ele
me tranquilizasse, desse apoio e dissesse que tudo ficaria bem. Mas não, ele
estava com ela, na casa dele, mesmo sabendo tudo o que ela fez comigo,
conosco.

Eu estava cansada de ser forte o tempo todo. O final de semana não


estava terminando perfeito como começara.

Assim que cheguei na praia, aproveitei que o sol não estava muito

forte, coloquei a toalha sobre a areia e me deitei.

Meu celular vibrou novamente e dessa vez era o Matheus. Tinha três
mensagens dele.

>> Alana, já está vindo?

>> Morena, estou ficando preocupado, você falou que viria daqui a
pouco e até agora não chegou aqui!

>> Alana! Me responde por favor! Aconteceu alguma coisa?


Ignorei as mensagens e voltei a olhar o céu, o mar e qualquer coisa
que não fosse meu celular. Escutei-o tocando duas vezes, mas não dei

importância. Encarei o horizonte e senti o vento no meu rosto, tentando


limpar minha mente. Eu não ia chorar. Foquei no barulho do mar e fechei os
olhos, tentando limpar minhas energias.

Um tempinho depois, o telefone começou a tocar novamente, mas não

era o Matheus. Se Fábio Junior cantava “Só você”, só podia ser a minha mãe.

— Oi, mãe! — Atendi com a voz surpreendentemente controlada.

— Oi, filha. Onde você está? Achei que tinha ido para casa do
Matheus, mas ele acabou de me ligar e nem sabe onde você está — ela falou
bem rápido, parecendo aflita.

— Eu ia para casa dele, mas mudei de ideia, mãe. Vim para a praia.

— Sozinha? Por quê? Aconteceu alguma coisa, filha? — Mamãe


perguntou desconfiada.

— Não, nada. Está tudo certo, fique tranquila. Eu vou avisar ao Math
onde eu estou. Só estava precisando de um tempo para mim, mais tarde eu
volto para casa!

— Ok, Alana. Se precisar de algo, me fale, ok? Amo você.

— Eu também, beijo!

Desliguei e vi a última mensagem que o Matheus tinha me mandado.

>> Amor, me diz onde você está! Vou ligar para sua casa, já estou
preocupado.

<< Não precisava ter ligado para minha mãe. Para de me mandar

mensagens e me deixe em paz, Matheus. Se tem uma coisa que eu não quero
fazer nesse momento é falar com você.

>> O quê? Por que não quer falar comigo? Que diabos aconteceu?
Eu não estou entendendo nada! Onde você está?

<< Eu não quero falar com você porque você me prometeu que não ia
falar com ela e, depois de tudo que ela aprontou, você deixou ela entrar na
sua casa!

>> Ah, você encontrou com a Laís? Amor, ela veio aqui para pedir
desculpas e está bem arrependida! Ela nem ficou nem muito tempo, nada
aconteceu!

<< Pedir desculpas? Arrependida? Deixa de ser inocente, garoto!


Não sei se ela é patética por fazer ceninha ou se o patético é você, por

acreditar!

>> Eu não guardo rancor eterno pelas pessoas, Alana. Ela se


desculpou para que possamos conviver normalmente, não significa que
vamos ser melhores amigos.

<< Claro que não vão ser melhores amigos, até porque amizade é
algo que ela não quer de você.

>> Você está exagerando, me fala onde você está que nós vamos
conversar direito.

<< Não quero conversar! Já falei tudo que eu precisava falar e

preciso ficar sozinha. Nos falamos amanhã.

>> Nada disso, vamos conversar hoje! Não quero que você fique
criando coisas que não aconteceram na sua cabeça.

<< Eu já disse que hoje não. Será que você pode me respeitar? Até

amanhã, Matheus.

Digitei e, antes que ele pudesse me responder, eu desliguei o celular e


me deitei novamente, observando a calma e a serenidade do mar.

E o invejando fortemente, porque calma e serena era tudo que eu


queria estar naquele momento.
QUARENTA E SETE

“ Mire na lua, porque, mesmo que você erre, acabará entre as estrelas. “ – Les Brown

Quando já estava anoitecendo, resolvi ir para casa. Peguei o ônibus e


não demorou muito para chegar. Entrei em casa encontrando minha vó na
cadeira de balanço.

— Oi, vozinha. Cadê a mamãe?

— Lá em cima, acho que já começou a arrumar as coisas dela.

— Já? Achei que não íamos mudar logo.

— Ela vai ter dois eventos essa semana e disse que precisa adiantar.
Acho que vocês irão mudar fim de semana que vem.

— Vou conversar com ela — falei um pouco ressentida. Achei que


teríamos um pouco mais de tempo antes da mudança.
— Está certo — vovó sorriu para mim, tranquilizadora. — E como foi
na casa do seu boyzinho?

— Não fui para casa dele — funguei chateada. — Resolvi ir para


praia.

— Ah — ela disse com um leve sorriso, fechando os olhos


lentamente. — Isso explica as flores...

— Flores? — Perguntei confusa

— Sim, minha neta. Chegaram algumas flores para você, junto com
uma carta. Coloquei tudo no seu quarto.

— Tudo bem, obrigada, vovó.

Subi apressadamente até o meu quarto, encontrando sobre a minha


cama um ramalhete de margaridas. Minhas flores favoritas. Senti o cheiro
delas, coloquei-as no vaso ao lado da minha cama e peguei o envelope entre
as folhas. Abri e encontrei uma carta que, pela letra, eu sabia exatamente

quem era.

“Alana,

Já escrevi tantas vezes essa carta e nunca pareço encontrar as


palavras certas. Quem é boa com essas coisas de escrita é você, mas eu
preciso tentar. Não sei se devo me desculpar, mas acho que é o que você
quer que eu faça. Sei lá, às vezes acho que você não confia em mim. Aliás,
acho não, tenho certeza. Eu tenho a sensação de que você fica esperando eu
errar para a gente terminar e você ficar livre de toda pressão e de todas
essas coisas que você não gosta, mas que fazem parte do meu mundo. Eu te

amo, mas não posso amar sozinho. Uma vez você disse que não iríamos
brigar por coisa pouca e que iríamos confiar e conversar um com o outro
sempre, mas isso não está acontecendo. Você foge sempre que tem a
oportunidade e eu não sei mais o que fazer. Depois da noite linda que

tivemos, eu achei que tudo ficaria bem, mas estava enganado. A confiança é
a base de um relacionamento e o nosso está desmoronando.

Vamos dar um tempo. Eu acho que é o melhor. Fizemos tudo muito


rápido, e talvez por isso que as coisas não estejam funcionando tão bem...

Eu ainda te amo, mas não sei se só amar é o suficiente.

Matheus.”

Quando eu terminei de ler a carta, ela já estava toda molhada devido


às lágrimas que caíam do meu rosto. Soltei-a e me deitei em posição fetal,

entregando-me à minha dor.

Eu tinha estragado tudo e tinha plena consciência disso.

Em algum momento, minha mãe ouviu meu choro e veio me amparar.


Ela abriu a porta e sentou ao meu lado, colocando a minha cabeça no colo
dela e acalentando-me até as lágrimas cessarem. Acho que eu tinha acabado
com todo o estoque.

Controlando-me para não chorar mais uma vez, eu sentei na cama,


enxuguei o rosto e contei par a mamãe tudo o que tinha acontecido. Ela ouviu

atentamente

— Meu amor, acho que com tudo isso que aconteceu entre vocês, um
tempo não é de todo o ruim, nesse momento acho que é até o melhor para os
dois — ela disse afagando meus cabelos.

— Ah mãe, você realmente acha isso? Estou sofrendo tanto.

— Está doendo agora, mas vai passar, tudo vai ficar bem. E eu vou
marcar um horário para você com a terapeuta da Lu, você está precisando
conversar um pouco com ela. E nem invente de negar.

— Tudo bem, eu só quero que essa dor passe... — falei me


aconchegando a ela.

Ela ficou comigo por um tempo e depois voltou para o seu quarto.
Deitei e tentei controlar meus sentimentos. Estava olhando as minhas fotos
com o Matheus quando recebi uma mensagem da Luana.

>> Miga que papo é esse de tempo? O Nicolas acabou de me contar.


Você está bem?

<< O Math pediu um tempo. Acho que ele cansou do meu ciúme
excessivo, eu mereci.

>> Nada disso! Estou indo aí para você me contar essa história
direitinho.

<< Não, Lu. Hoje não, eu preciso ficar sozinha, mas te conto tudo no
colégio, tudo bem? Passa aqui e nós vamos juntas.

>> Tudo bem! Mas fica bem e qualquer coisa me liga!

<< Pode deixar! Bjo!

Coloquei meu celular ao lado da cama e me levantei. Tomei um


banho e, depois de me arrumar, fui até a varanda. Levei uma manta e fiquei
enrolada, olhando para o céu, pedindo que a Karen estivesse comigo e que

me desse coragem para ir para o colégio no dia seguinte. Eu não sabia se iria
suportar ver o Matheus sem poder tocá-lo.
QUARENTA E OITO

“ A vida não é medida pelo número de vezes que respiramos, mas pelos momentos que nos tiram o
fôlego. “ – Autor desconhecido

Quando o sol raiou, abri os olhos e senti uma enorme tristeza, mas
demorei alguns segundos até lembrar o motivo. Quando lembrei, me encolhi
inteira, sem querer levantar.

— Filha? — A minha mãe bateu na porta e a abriu lentamente. —

Vamos acordar?

Se a minha mãe achou que tinha que me acordar, é porque ela estava
muito preocupada, e isso era tudo o que ela não precisava. Suspirando,
levantei e tentei dar um sorriso para ela, que nem por um segundo acreditou
que eu estivesse bem.

Tomei um banho e me arrumei de qualquer jeito, forçando-me a


comer alguma coisa sob os olhares atentos da mamãe e da vovó. Estávamos
todas em silêncio naquela manhã, e logo a Lu chegou para irmos juntas para

o colégio. Despedi-me da minha família e, no caminho contei para a Luana o

que tinha acontecido.

Quando terminei a história, ela parou, fazendo-me parar também para


me dar um abraço.

— Amiga, essas coisas acontecem! Eu sei que está tudo meio


bagunçado agora, mas vocês vão se entender. Vocês são feitos um para o
outro. Vai ficar tudo bem, eu tenho certeza! — Ela disse fazendo carinho nas
minhas costas.

Eu rezava que sim!

Sorri debilmente para ela e recomecei a andar, tentando mudar de


assunto, mas sem vontade alguma de conversar. Ficamos em silêncio pelo
resto do caminho e, quando chegamos no colégio, demos de cara com ele.

Junto dele, estavam o Nicolas e o Albert, bem como a Laís e a Tiana.

Não queria encará-lo, mas simplesmente não consegui parar de olhar


para ele. O Matheus passou por mim sem dizer nada e sem sequer reconhecer
minha presença.

Eu baixei a cabeça, tentando não chorar e fui para sala, com uma
Luana muito aflita segurando minha mão.

Sentei na minha cadeira e encarei a carteira, aguardando o sinal


indicar o início da aula e tentando bloquear os murmúrios ao meu redor.

Quando a professora chegou, tentei prestar atenção na aula. A professora de

redação estava nos dando algumas dicas em relação ao vestibular e ao ENEM


e eu sabia que era importante que eu a ouvisse, mas eu simplesmente não
conseguia.

O Matheus estava sentado na fileira ao lado da minha, duas cadeiras à

frente, bastante atento na aula, ao contrário de mim, que não parava de olhar
para a nuca dele, esperando que ele me desse um pouquinho de atenção.

Eu queria conversar, esclarecer tudo e prometer que eu iria mudar,


mas nem eu própria estava tão convicta disso. Eu amava o Matheus, amava
demais, mas não sabia mais se éramos compatíveis. Na verdade, éramos
muito diferentes e talvez o amor realmente não fosse o suficiente para nós.

Fechei meus olhos quando senti as lágrimas chegando. Eu não podia


ficar na sala ou ia desabar na frente de todo mundo. E isso era tudo que a Laís

queria. Eu não daria esse gostinho para ninguém.

Aproveitei o momento que a professora se sentou depois de passar a


atividade e fui até a mesa dela.

— Professora Ana — chamei, fazendo-a erguer os olhos para mim. —


Desculpe, mas não estou me sentindo muito bem, poderia me dispensar dessa
aula?

— Oh, Alana — ela disse levemente preocupada. — Essa aula é tão


importante para você... mas já que não está bem, tome aqui o passe para
enfermaria, espero que pegue o assunto com outro colega depois, ok?

— Pode deixar, obrigada — agradeci indo até minha mesa para pegar
meu material e saí da sala sem olhar para trás, sentindo muitos pares de olhos
nas minhas costas.

Pensei em ir até a enfermaria, mas não adiantaria de muita coisa. Eles

não podiam curar a tristeza, então fui até os jardins perto da quadra e me
deitei na grama, sentindo o calor do sol no meu rosto, permitindo-me chorar.

Os restos dos dias foram assim e, quando eu vi, semanas já haviam se


passado. Eu alternava entre me manter firme na frente dos outros e desabar
emocionalmente quanto estava sozinha. Fazia três semanas que eu e o
Matheus não nos olhávamos ou falávamos um com o outro.

Enquanto eu me isolava e me afundando na minha tristeza, ele parecia

estar bem, sempre rodeado dos amigos. Isso me matava, principalmente


porque a Laís parecia estar com ele o tempo todo.

Nesse meio tempo, eu e a mamãe nos mudamos para a casa do Brian.


Estávamos nos acostumando, mas ele e o Jordan eram pessoas maravilhosas e
eu realmente queria estar muito feliz por esse momento novo nas nossas
vidas.
Ela tinha me dito que eles se casariam no civil em agosto e isso me
deixava em um misto de emoções: em um momento eu estava feliz por ela,

celebrando com o Jor, mas no outro eu desabava porque eu queria que o


Matheus estivesse celebrando conosco. Em uma das vezes que corri para o
meu quarto para chorar, o Jordan veio atrás de mim e eu chorei no colo dele
até eu me acalmar. Quando ergui os olhos, havia lágrimas escorrendo pelo

rosto dele também.

Sentei-me na cama e nos abraçamos, ficando em silêncio por longos


minutos. Quando nos separamos, estávamos melhor, então eu peguei na mão
dele e questionei:

— Bem, eu sei o porquê de eu estar chorando. Mas e você? Desde a


praia que você anda esquisito e não quer me contar o motivo.

— Não é nada não, Lana. Só fico triste de te ver triste — ele


desconversou.

— Não vem com essa, Jor. Nós somos quase irmãos agora. Você não
confia em mim?

Ele ficou em silêncio por um tempo, olhando para o chão, e eu apenas


apertei a mão dele. Quando ele estava pronto, ele suspirou e começou a falar:

— Tu tá certa. Eu confio plenamente em ti, é só que... eu não estou


muito acostumado a falar disso, sabe? Eu nunca escondi minha orientação
sexual, mas algumas pessoas usaram isso contra mim, então é um pouco
difícil.

— Eu nunca faria isso, Jor. As pessoas que fizeram isso com você são

podres. Você é maravilhoso do jeito que é! — Eu falei e ele sorriu um pouco.

— Queria que todo mundo pensasse como tu pensa. Tudo bem, tu


venceu. É só... sabe como eu vim morar aqui porque tinha uns caras sendo
babacas comigo? — Ele questionou e eu assenti, então ele continuou: —

Bem, um deles é o meu ex namorado.

Arregalei os olhos para ele, chocada com a revelação.

— O que esse babaca fez para você? Meu Deus, Jor...

— Aquela velha história. Ele era meu amigo primeiro, aí um dia ele
me beijou do nada. Eu achei que ele estivesse só experimentando, mas acabei
me envolvendo igual, e quando eu vi, ele estava se declarando e me pedindo
em namoro. A gente foi bem feliz por um tempo, só que tu sabe como é gente
heteronormativa, né? Tinha que ser tudo escondido. Se a gente queria sair,

tinha que ser em outra cidade, se a gente queria privacidade, tinha que ir para
o motel. Quando a gente ia para o colégio, ele me ignorava. E eu, bobo,
aceitava tudo, porque eu amava ele demais — ele disse fungando.

— Ah, não, não foi sua culpa. Ele só foi covarde...

— Não, eu fui idiota em achar que ele me amava de verdade, Lana.


Quando os amigos dele começaram a me perseguir, eu tentei conversar, mas
ele só riu e disse que era bobagem, que era coisa de moleque. Até que um dia
eu apanhei de um deles. E... bem, ele não fez nada. O que foi meio que um

soco no estômago por si só. Mas eu relevava, tentava pensar que ele

precisava se proteger, ninguém sabia que ele era gay. Enfim. Eu devia ter
terminado tudo nesse momento, né?

Meu coração doeu de saber que o Jordan tinha passado por isso. Ele
estava sempre tão feliz, tão animado. Nunca imaginei que algo tão sério tinha

acontecido. Eu sabia que alguns caras tinham feito a vida do Jor bem difícil,
mas nunca pensei que alguém pudesse ser tão baixo.

— Aí as coisas ficaram ruins o suficiente para eu precisar vir morar


com o meu pai — ele continuou. — A gente chorou juntos, ele disse que ia
sentir a minha falta. A gente até fez planos de ir estudar na UFRGS juntos,
acredita? Em Porto Alegre ninguém conhece a gente, lá a gente poderia ficar
juntos.

— Era por isso que você queria ir para lá? — Perguntei.

— Era — ele riu sem humor. — Agora eu vou só para ficar perto da
minha mãe, já que ele resolveu postar no Facebook que vai se mudar para
Santa Catarina com a namorada dele.

Larguei a mão dele em espanto.

— O QUÊ? — Berrei de olhos arregalados.

— Isso mesmo. Aquele dia lá da praia eu estava dançando feliz e senti


falta dele. Mandei mensagem, mas ele não respondeu, então eu abri o
Facebook dele só para ver as fotos e matar um pouco da saudade. E aí eu vi o

post dele dizendo que tinha se inscrito pra UFSC, que estava ansioso para

morar em Floripa. Achei muito esquisito, ele não tinha me falado nada. Então
fui olhar o perfil e ele tinha postado uma foto beijando uma conhecida nossa.
E os amigos babacas dele todos comentando sobre o quanto ele era sortudo,
já que ela é “mó gostosa” — ele fez aspas no ar. — Aí eu percebi que ele era

apenas um babaca que nunca ia me assumir. Liguei para ele e passamos a


noite inteira discutindo, ele dizendo que me amava, mas que precisa manter
uma imagem e mais um monte de bobagem. Dei um basta, terminamos — ele
finalizou fungando.

— Ai, Jor, eu não acredito que ele teve a pachorra de fazer isso com
você! Que babaca! — Falei extremamente indignada. — Como alguém podia
ser tão sujo com outra pessoa? É compreensível não estar pronto para se
assumir, mas usar as pessoas para manter uma imagem é extremamente

desprezível.

— Pois é. Mas tudo bem, eu mandei fotos íntimas nossas para a


namorada dele. Devidamente censuradas, claro, porque eu não sou um idiota
como ele para espalhar nudes por aí. Eu só não quis que ele enganasse mais
uma pessoa, sabe? A menina não tem culpa de nada.

— Eu estou orgulhosa de você por ter saído dessa relação abusiva e


ainda ajudar outra pessoa. Você é muito especial, Jor, vai arranjar alguém que
não só vai te assumir, mas vai querer te exibir por aí como se ele fosse a
pessoa mais sortuda do mundo, porque ele vai ser! Você vai ver — falei

abraçando meu quase irmão adotivo.

— É um pouco difícil, mas guria, eu já baixei o Tinder. Já chorei


demais por causa do Roger. Tem tantos Brunos, Gabriéis, Césares por aí, não
dá para parar não!

Nós rimos juntos e eu falei:

— Então vamos fazer o seguinte. Hoje foi a última vez que nós
choramos por causa de homem, ok? — Estendi o mindinho para ele e
selamos o pacto.

— Mas tu e teu homem logo vão se ajeitar. Não faz essa cara que eu
tenho certeza disso.

Eu não tinha certeza, mas a verdade é que, depois daquele dia, nós
dois começamos a nos recuperar e eu não chorei mais. O Jor voltou a ser o

cara alegre de antes e até saiu em um encontro com um tal de Júlio.

Algumas noites depois, minha mãe e o agora noivo dela tinham saído
para uma festa de casamento de um dos amigos do Brian, deixando o Jor e eu
como responsáveis pela confeitaria. Minha mãe tinha deixado muita coisa
pronta, e a funcionária nova da cozinha, a Olga, estava cuidando do resto.

Estava distraída lendo um dos livros requisitados pelo meu cursinho


pré-vestibular quando o sininho da porta tocou, avisando que alguém estava
entrando. Levantei meus olhos para ver quem era e encontrei o olhar que eu

estava evitando há dias.

Era a primeira vez desde que nós demos um tempo que eu via ele
sozinho. O Matheus me encarou por um tempo, a expressão impassível, e
depois sentou em uma das mesas, pegando o cardápio distraidamente.

Olhei para o Jordan, que estava passando um pano no balcão e, sem

olhar de volta para mim, ele disse:

— Nem pense nisso. Eu não vou lá, pode ir atendê-lo.

— Não faz isso, Jor! Por favor, faz isso por mim.

— Irmãzinha — ele disse com muita paciência na voz. — Vocês


precisam sentar e conversar, resolver isso de uma vez. Esse tempo de alguns
dias já está durando semanas.

— Não quero falar com ele aqui, não agora, por favor!

— Não tem conversa, Alana. Vai até lá! — Ele disse colocando o

pano no ombro, virando as costas e entrando na cozinha.

Eu me vi sozinha com o Matheus e fiquei alguns segundos


considerando minhas opções. Eu podia sair correndo e me fazer de doida, ou
fazer o mais sensato e ir até ele. De má vontade, peguei o bloquinho e fui até
a mesa dele.

Aproximei-me e, só de sentir o cheiro dele, o meu coração bateu


acelerado. Meus olhos se encheram de lágrimas, mas engoli o choro e
pigarreei.

— Olá, boa noite! Você já gostaria de fazer o seu pedido? —

Perguntei controlando toda emoção da minha voz.

— Oi, Alana. Na verdade, eu gostaria de conversar com você...


podemos fazer isso agora? — Ele perguntou me deixando totalmente sem
palavras.
QUARENTA E NOVE

“ Navegue o oceano mesmo quando os outros ficarem na costa. “ – Emma

— Parece que estamos evitando um ao outro — disse olhando nos


olhos dela. Como estava evitando fazer isso, meu coração até bateu mais forte
naquele momento.

— É, mas não sabia se você queria me ver, então para não me

machucar mais, eu me afastei — ela disse descascando o esmalte das unhas


nervosamente.

— Queria que não tivesse se afastado tanto. Eu nunca pensei que


fosse durar tanto tempo — falei segurando a mão dela e entrelaçando nossos
dedos. — Sinto sua falta.

— Eu também sinto, mas mesmo me sentindo miserável nesses dias, o


nosso relacionamento não podia continuar do jeito que estava. E eu não teria
coragem de me afastar de você, pedir um tempo ou terminar... — ela disse
apertando minha mão.

— Eu sei que não, tive que ser corajoso por nós dois. Foi bem difícil.

— Imagino... eu voltei para a terapia. Minha mãe meio que me


obrigou, na verdade. Estou com a mesma terapeuta da Luana, ela me deixa
bem à vontade e gosto disso.

— Isso é bom, fico feliz por você.

— Eu estava precisando. Eu só tive duas sessões, mas já está


mostrando resultados. Eu descobri uma coisa bem importante — ela falou
ligeiramente séria, então eu apenas aguardei o resto da história, acariciando a
palma da mão dela. — Aparentemente eu tenho problemas com confiança.
Segundo a terapeuta, parte desse problema é culpa do meu pai e das inúmeras
vezes que ele falhou comigo.

Não era novidade nenhuma ouvir isso, mas eu fiquei feliz de ouvi-la

admitindo. Assim seria mais fácil de vencer esse problema.

— É, tentei lidar com isso da melhor maneira que pude, mas me doía
saber que você não confiava em mim — falei surpreendendo até a mim
mesmo com a mágoa na minha voz. Apertei a mão dela novamente quando os
olhos dela se encheram de lágrimas.

— Eu sei. Estou trabalhando nisso, eu juro que estou.

— Sei que sim — respondi e ficamos nos olhando por alguns


segundos, então eu perguntei: — vai ficar aqui até que horas?

— Tenho que fechar a loja com o Jordan hoje, minha mãe saiu com o

Brian.

— Ok. Quer sair comigo depois?

— Quero sim, aonde vamos? — Ela perguntou sorrindo.

— Surpresa. Volto às dez para te buscar — falei me levantando e ela

fez o mesmo. Acariciei seu rosto e lhe dei um beijo, estava com tanta saudade
de tê-la perto de mim. — Senti muito a sua falta, bruxinha — disse e ela
sorriu.

— Eu também senti, meu moreno — ela falou me beijando mais uma


vez antes que eu fosse embora.

Fui de moto até minha casa, indo direto para garagem e colocando na
mala do carro a barraca de acampamento. Entrei em casa colocando alguns
refrigerantes em lata e suco no cooler. Separei algumas coisas para a gente

comer, mas logo percebi que teria que passar no mercado antes de ir buscá-la.
Peguei o celular e mandei uma mensagem para o Nicolas e, quando ele
respondeu afirmativamente, dei a partida no carro e coloquei a música bem
alta. Estacionei na casa do Nico e ele veio até o carro trazendo uma caixa
com toras de madeira que ele colocou no porta-malas. Em seguida, ele abriu a
porta e sentou ao meu lado.

— Vai dar um jeito na vida, ein, brother? — Ele disse à guisa de


cumprimento, colocando o cinto de segurança.

— A vida é agora e não há tempo para perder. Não é isso que você

vive falando? — Respondi dando a partida novamente.

— Finalmente alguém resolveu me ouvir — ele falou rindo. — Mas


mano, pelo amor de deus, troca essa música. Isso aí nem letra tem!

— Ah, não começa, Nicolas! — Exclamei iniciando a discussão de

sempre.

No caminho, parei em uma venda e comprei marshmallows e


salgadinhos antes de seguir viagem até a praia. Chegando, aplainamos a areia
e comecei a montar a barraca enquanto o Nico montava a fogueira com as
toras que ele trouxera. Ele costumava acampar com o pai dele e estava
acostumado a montá-las. Como estava com medo de alguém mexer no
acampamento, também era bom ter alguém para vigiar as coisas antes de eu
buscar a Alana. Avisei-o que eu estava voltando e ele ergueu o polegar para

mim.

— Vai lá buscar sua mina, mas não esquece que você prometeu pagar
o Uber de volta — ele disse e eu revirei os olhos, mas mesmo assim agradeci
pela força.

Voltei ao carro e fui buscá-la. Quando estacionei em frente à


confeitaria, senti até um frio na barriga, mas ela estava lá, me esperando com
um sorriso tão lindo no rosto que me perguntei como aguentei passar tanto
tempo longe dela.
CINQUENTA

“ Uma imensidão de pequenos prazeres constitui a felicidade. “ – Charles Baudelaire

Quando olhei o Matheus saindo do carro e caminhando em minha


direção, sorri novamente. O sorriso demorou a sair do meu rosto depois que
ele foi embora. Estava com tanta saudade de tê-lo por perto, de ouvir a voz
sua voz e sentir seu cheiro.

O que eu sentia por Matheus era um daqueles amores de livro: o


tempo que ficamos afastados não abalava em nada o sentimento.

Ao se aproximar de mim, ele me ergueu pela cintura e me pediu


permissão com os olhos para me beijar novamente. Eu assenti e ele tomou
minha boca em um beijo repleto de paixão e saudade. Abracei-o bem forte,
fez muita falta não ter o corpo quentinho dele ao lado do meu.

De mãos dadas, caminhamos novamente até o carro. Ele dirigiu por


todo o caminho apenas com uma mão, pois não queria largar a minha.

— Eu me mudei — falei enquanto conectava a minha playlist ao som

do carro.

— Sério? Eu ouvi uns comentários, mas não achei que fossem


verdade.

— Bem, eu e a minha mãe mudamos para casa do Brian há alguns

dias, está sendo bem legal ter o Jordan oficialmente como meio-irmão.

— Posso imaginar, ele é um cara bem legal. Sua avó foi também?

— Não, ela disse que preferiria ficar em sua própria casa, então
respeitamos a vontade dela. Vou visitá-la sempre que tenho um tempo livre e
ela me obriga a assistir a Maria do Bairro — falei e ele riu um pouco.

Chegamos na praia e, depois de descer, notei o acampamento que ele


tinha montado. Sorri para ele, beijando-o novamente.

Estava com tanta saudade!

Ouvi alguém pigarreando e nos separamos para ver um Nicolas


bastante sorridente.

— Meus pombinhos, desculpe interromper, mas eu não trouxe minha


carteira e quero ir embora antes que vocês se empolguem — ele disse e senti
meu rosto esquentar.

O Math resmungou um pouco sobre amigos sem noção e procurou


alguma coisa no bolso, enfiando algumas notas na mão do Nico, que bateu
uma continência para nós e saiu andando, pescando o celular no bolso

traseiro. Ergui a sobrancelha para o Matheus e ele encolheu os ombros.

— Eu precisei trazer alguém para vigiar as coisas. E ele sabe montar


fogueiras sem que elas se transformem em um incêndio, tem até lenha em
casa — ele explicou e eu ri, beijando-o novamente.

Sentamos ao redor da fogueira e ele me deu muitas guloseimas para

comer, ali com certeza tinha comida mais que suficiente para nós dois, afinal
o Math comia muito quando resolvia sair do plano de alimentação do
treinador dele.

— Eu acho que a partir de agora nós deveríamos evitar pessoas que


são tóxicas para o nosso relacionamento — falei enquanto comia.

— Eu também acho, eles já interfeririam demais.

— E também devemos evitar sermos tóxicos um com o outro. Eu


estou fazendo terapia, estou tentando melhorar os meus problemas de

confiança. Com o tempo irei confiar mais em você, por isso tenha ainda mais
paciência comigo, tudo bem?

— Tudo. Eu fico feliz que você tenha procurado ajuda.

— Eu também... O que fez nesse tempo que ficamos afastados?

— Além de te observar de longe? Treinei bastante e conheci uma


banda que toca muito bem na cidade vizinha, acho que deveríamos ir no
próximo show deles... E você, o que fez?
— Hm, no começo foi bem difícil, mas eu passei boa parte do tempo
com a Lu ou o Jordan, escrevi alguns textos e trabalhei bastante na

confeitaria.

— Eu notei, aquele lugar ficou incrível.

— Sim, do jeito que a minha mãe sonhou, estou muito feliz por ela —
falei e ficamos um tempo em silencio contemplando o luar.

Quando ficou bem tarde e o vento começou a me fazer tremer, eu e o


Matheus entramos na barraca. Ele me entregou uma camiseta dele para eu
usar de pijama e, depois de nos trocarmos, deitamos bem juntinhos embaixo
de um edredom quentinho. Estava atenta às batidas descompassadas do
coração dele quando percebi que ele estava falando comigo.

— Hein? O que achou? — Ele perguntou.

— O que achei sobre o quê?

— Estava no mundo da lua, bruxinha? Perguntei o que você achou da

Ilha de Narciso ter sido escolhida para a viagem de formatura.

— Ah, eu gostei! Apesar de nunca ter ido até lá, algumas pessoas
disseram que lá é lindo e super romântico.

— É mesmo? Bom saber! Vamos poder namorar bastante lá.

— Talvez, moreno, talvez. Os inspetores costumam ficar no pé.

— A gente dá um jeito — ele disse me virando para ficarmos cara a


cara. — Senti sua falta, meu amor! Mais do que você pode imaginar.
— Eu acho que posso, viu! Doeu tanto não estar com você e te ver tão
perto, mas tão longe.

— Não vivo bem sem você, então acho que vamos ter que dar um
jeito de estar sempre ao lado um do outro.

— Eu concordo bastante com isso! Eu te amo, Matheus.

— Também te amo, Alana.

Beijamo-nos selando aquele acordo silencioso de amor e união.


Nunca pensei que a minha felicidade dependeria de alguém, mas agora, ao
lado do Matheus depois de tanto tempo longe, eu duvidava que eu
conseguisse ser feliz sem ele.
CINQUENTA E UM

“ Neste mundo, é preciso ser bom um pouco demais para ser bom o suficiente. “ – Pierre Carlet de
Chamblain de Marivaux

Duas semanas depois...

Faltavam apenas alguns dias para a viagem até a Ilha Narciso.

Eu e o Matheus estávamos vivendo um momento bem feliz e a terapia


estava realmente me fazendo bem, porque eu já conseguia me sentir mais

segura sobre nós dois.

Acho que o que sempre atrapalhou tudo foi a minha insegurança


excessiva. Eu simplesmente não suportava que a Laís ficasse perto do Math,
porque na minha cabeça, ela era uma ameaça para o nosso relacionamento. O
que não fazia sentido num contexto em que o Matheus nunca iria fazer nada,
não importa o quanto ela quisesse. E agora eu sabia disso.
Todos os dias eu me sentia mais confiante, sabendo que o Math não
me machucaria nunca. Ele estava treinando bastante para o último jogo,

aquele que encerraria a temporada.

O Math estava bem ansioso, ele esperara por isso por muito tempo.
Era o jogo que definiria tudo. O Tiago tinha treinado ele muito bem e ele
estava cheio de expectativas. Eu estava feliz por ele, mas também estava

bastante preocupada com o ENEM e o vestibular, que estavam chegando.


Conforme as semanas se passavam e as datas se aproximavam, o clima ia
pesando no colégio. Estávamos todos com muitas coisas para fazer e mal
tínhamos tempo para nós mesmos. Algumas pessoas já começaram a chorar
na sala por puro stress do terceiro ano.

Naquela manhã, saí para o intervalo e vi a Laís sozinha, na


arquibancada, absorta em um livro que reconheci como uma das leituras
obrigatórias da UFPR. Acho que era por isso que ela andava tão estranha: as

provocações tinham cessado e concluí que ela estava, como todos os outros,
preocupada com o vestibular e também muito ocupada com a comissão de
formatura, afinal tanto a viagem quanto a festa estavam chegando.
Considerando que a festa seria apenas alguns dias depois das provas finais,
eram várias coisas para fazer ao mesmo tempo.

Caminhei até ela e sentei do seu lado, esperando ela falar alguma
coisa. Mesmo estando mais na dela, aquela garota nunca perdia a
oportunidade de me provocar. Mas ela nem ergueu os olhos do livro.

— Laís... Aconteceu alguma coisa? — Perguntei depois de alguns

minutos.

— Não, nada. Por quê? — Ela perguntou virando a página.

— Estou do seu lado há um bom tempo e você não disse nada de


ofensivo. Na verdade, você não tem dito nada há um bom tempo.

Ela dobrou o canto da página e fechou o livro bruscamente,


suspirando.

— Acho que eu cansei, Alana. Aconteceram algumas coisas que


obviamente eu não vou te contar, mas não quero me tornar uma pessoa
amarga e isso é o que aconteceria se eu continuasse a correr atrás dele. Você
enfeitiçou aquele ali direitinho, viu?

— Eu não fiz feitiço nenhum! A gente se ama. É difícil lutar contra


um sentimento dessa magnitude.

— Eu percebi, fiz de tudo e mais um pouco e o Matheus não me deu


um olharzinho diferente — ela disse sem olhar na minha direção, com mágoa
na voz.

— Isso é bom, significa que ele gosta de mim de verdade... E olha,


talvez se você parasse de só olhar para o Matheus, começasse a ver as outras
pessoas. Eu sei que a gente não se dá nada bem, mas eu não quero o seu mal.
Tem outros homens aí no mundo e você vai ficar com vários deles.
— Bem, eu pretendo fazer isso na viagem. É o meu último ano e eu
preciso aproveitar.

— Com certeza — falei e vi a Luana no campo, acenando para mim


com uma expressão engraçada. — Eu tenho que ir, preciso ver umas coisas
antes de viajarmos.

— Tudo bem... olha, não vou pedir desculpas por tudo porque eu não

faço isso, mas acho que podemos pelo menos tentar nos dar bem nessa
viagem, ok? Afinal, depois que tudo isso acabar a gente não vai se ver tanto e
eu não quero que você leve para sempre a imagem de que eu era uma pessoa
tão ruim.

— Pode ser sim, Laís. Até amanhã!

Desci os degraus da arquibancada, encontrando a Luana que me


encarava como se eu tivesse mais de uma cabeça.

— Vocês estavam conversando? Você e a Laís? Sem gritos, sem

farpas lançadas uma contra a outra? Meu jesus, eu estou bem chocada!

— Palhaça! A gente só amadureceu, eu acho. Nossos atritos eram tão


infantis, amiga. E ela não me pediu desculpas, nem nada assim, só pediu uma
trégua.

— Uau, isso é surreal, principalmente para ela.

— A Laís não é de todo ruim, lembro que ela mudou bastante depois
que os pais se separaram. A Karen que era bem próxima a ela na época, e
depois disso começou a afastar todo mundo, falar mal da Karen e espalhar
boatos maldosos. Foi o jeito que ela conseguiu lidar com tudo, eu acho.

— Isso não justifica as atitudes dela, mas como somos pessoas de


coração bem bom, vamos compreender. De relações ruins com os pais eu
entendo.

— Ah, pois é! Às vezes a gente só precisa ignorar a rebeldia alheia.

Espero que ela tenha de fato amadurecido. Mas ei, vamos logo no shopping,
preciso de um biquíni novo com urgência.

Depois de fazermos compras e tomarmos um suco, fazendo planos


para a viagem, concordamos que a Lu iria dormir na minha casa no dia
seguinte para que nenhuma de nós se atrasasse. Despedimo-nos e fui para
casa.

Cumprimentei a mamãe e o Brian, que estavam na cozinha, e corri


para o meu quarto. Estava tirando as roupas da sacola quando o Math me

ligou.

— Oi, moreno — falei ao atender.

— Oi, minha linda.

— Tudo certo para a final do campeonato?

— Tudo sim, hoje fomos conhecer o estádio do jogo.


Reconhecimento de campo, apenas, mas é bem legal lá. E a sua tarde, como
foi? — Ele questionou casualmente.
— Saí com a Lu hoje, fomos comprar algumas coisas para a viagem
— disse me jogando na cama.

— Ah, verdade! O Nico tinha comentado alguma coisa. Está


chegando o dia, né.

— Pois é. Nem acredito que logo estaremos formados, o tempo está


passando muito rápido! — Exclamei, já sentindo saudades dos dias de

colégio.

— Pois então. O jogo está cada vez mais próximo, estou começando a
ficar ansioso.

— Os vestibulares também! Ah, aliás, hoje eu e a Lu compramos as


passagens para São Paulo, agora só precisamos reservar o hotel. Nós vamos
aproveitar e dar uma passeada por lá, conhecer um pouco da cidade. E
também falamos um pouco sobre as férias. Você já sabe o que vai fazer nas
suas?

— Ainda não. E você?

— Eu e a Lu vamos para Orlando com a tia dela, já vamos aproveitar


e tirar o visto em São Paulo — anunciei.

— Ah — ele disse um pouco desapontado. — Legal, mas achei que


passaríamos as férias juntos.

— São só alguns dias, amor. E você pode vir com a gente se quiser —
sugeri animada, mas ele não pareceu gostar muito da ideia.
— Estava pensando em algo mais romântico, ano que vem, com a
faculdade, nosso tempo juntos vai diminuir bastante.

— Eu sei, mas não posso abrir mão da viagem, Math. Já combinei


com a Lu e com a tia dela. E vão ser só três semanas. Temos mais de um mês
de férias, vamos poder ficar juntos até o final dela.

— Tudo bem, Alana — ele disse parecendo um pouco mais feliz. —

Mas eu vou descansar, preciso dormir para estar descansado para as provas
de amanhã.

— Eu também! Até amanhã, moreno.

— Até, bruxinha.

Desliguei e fiquei admirando meu plano de fundo, que exibia minha


foto favorita de nós dois, curvados juntos sobre um livro e sorrindo um para o
outro. A Lu havia tirado sem que percebêssemos no meio da aula de
geografia. Eu amava aquela foto porque eu conseguia ver o quão confortável

estávamos um com o outro, e foi olhando para ela que eu adormeci.

Na manhã seguinte, eu e o Jordan fomos juntos para o colégio e,


depois de encontrar nossos amigos, fomos para nossas respectivas salas fazer
as provas finais.

O dia passou voando. Para quem estava no cursinho e estudando para


o vestibular, as provas não estavam difíceis, mas como eram quatro provas, a
manhã acabou com todos exaustos. Eu não consegui me juntar aos meus
colegas que freneticamente conferiam os gabaritos, só conseguia pensar em ir

para casa relaxar, então foi exatamente isso que eu fiz. Assim que cheguei em

casa, engoli o meu almoço e subi para meu quarto. Descansei até a hora de ir
para o cursinho, para o qual eu fui me arrastando. A prova de física esgotara
as minhas energias.

Mais tarde, naquela noite, depois de eu arrumar minha mala para o dia

seguinte, minha mãe se deitou comigo na minha cama. Assistimos a um filme


juntinhas, só nós duas. O Brian estava de plantão e o Jordan anunciara, muito
feliz, que estava saindo com o Lucas, seu novo crush, e depois buscaria a
Luana para dormir conosco.

— Alana, seu pai me ligou mais cedo — a mamãe anunciou


casualmente, me assustando.

— Ligou? O que ele queria? — Perguntei desinteressada.

— Queria saber como você estava, quando seria sua formatura e onde

você iria passar as férias.

— Ah, tá. E o que ele disse?

— Que vem para sua formatura e que quer que você passe algumas
semanas das férias com ele — ela comentou e eu senti a irritação me
dominar.

— Ahhh, mãe! Fala sério, pensei em passar esse tempo com o Math.

— Alana, ele é seu pai! Vocês mal se viram durante esses anos.
— Se não nos vimos, não foi por culpa minha — reclamei
amargamente.

— Eu sei que não foi culpa sua. Mas se ele deu o primeiro passo, cabe
a você dar o segundo.

— Não sei de onde veio esse interesse súbito em mim. Olha, eu vou
passar uns dias com ele sim, só para não parecer ingrata, mas o Math não vai

ficar muito feliz.

— Ele supera isso, vocês têm a vida toda para ficar juntinhos — ela
falou e eu senti um peso no estômago.

Eu estava pensando muito nisso ultimamente.

— Não sei disso, mãe. O Math tem quase certeza que o olheiro vai
levar ele para o tal time que ele tanto quer ir. Ele está se esforçando como
nunca. Eu assisti aos jogos, ele foi incrível.

— Eu imagino, mas não podemos prever o futuro. Quem sabe ele não

vai para a tal da USP com você? — Ela disse sorrindo, mas eu não retribuí.

— Ele não seria feliz se fosse — falei com pesar e ela me abraçou,
fazendo um cafuné em meus cabelos e eu adormeci novamente.
CINQUENTA E DOIS

“ Se alguma vez se sentir perdido, deixe o coração ser sua bússola. “ – Emily

Na manhã seguinte, acordamos muito cedo. O ônibus que nos levaria


até o barco que iria em direção à Ilha Narciso sairia bem cedo do colégio,
para aproveitarmos muito bem esses três dias lá.

— Eu nem vi vocês chegando ontem — falei ao encontrar o Jordan e

a Lu sentados na mesa, tomando café.

— Eu percebi, sua mãe disse que você pegou no sono. Eu não cheguei
muito tarde, o Jordan mandou mensagem cedo demais — a Luana comentou
fazendo uma careta.

— Nós precisávamos dormir cedo, né, gata? Eu sei que tu queria ficar
com o teu boy, e eu também queria ficar com o meu, mas aí nós não íamos
aproveitar em nada a viagem! — O Jordan retrucou, fazendo a Luana rir.
— E como estão as coisas com o Lucas? — Eu perguntei servindo-me
de café.

— Bem boas. É muito cedo para afirmar qualquer coisa, mas ele é
bem atencioso. E pegou na minha mão em público, o que é algo que o meu ex
nunca faria.

— Que máximo, Jor. Você merece! Mal posso esperar para sairmos

em casal — falei e ele sorriu.

A mamãe, logo em seguida, apareceu nos apressando e dizendo que


íamos nos atrasar. Subimos correndo para escovar os dentes e pegar as malas,
então o Brian nos levou para o colégio. Depois de muitas recomendações dos
professores, nos despedimos dos nossos pais e entramos no ônibus.

Os dias na Ilha Narciso foram os mais maravilhosos da minha vida.


Fizemos inúmeras trilhas, mergulhos e comemos muitos frutos do mar.

No segundo dia, eu estava deitada ao lado da Luana em uma das

espreguiçadeiras enquanto o Math e o Nicolas jogavam futevôlei com os


outros meninos do time. O Jordan estava entre eles e era um jogador horrível,
mas estavam todos rindo e tentando ensiná-lo.

— Alana, minha tia me disse que vamos poder ficar no apê dela lá em
São Paulo! — A Lu exclamou sem tirar os olhos do celular.

— Ótimo, já economizamos com aluguel.

— Sim, estou tentando controlar minha ansiedade, mas você não sabe
o quanto estou feliz por estarmos indo juntas.

— Eu também estou muito feliz, Lu. Vai ser incrível.

— Eu espero que sim... E acho que não te contei — ela disse


erguendo os olhos para mim, radiante. — O Nico está pensando em ir
conosco para São Paulo! Eu nem acreditei quando ele me contou ontem. Ele
fez a inscrição do vestibular há meses e só contou agora!

— Ah que bom! Engenharia ambiental que ele quer fazer, né? Tomara
que ele passe! Como eu queria que as coisas fossem mais simples e que o
Math pudesse ir também, mas eu sei que não é isso que ele quer.

— Talvez ele queira, Lana. Você não sabe...

— Ele quer jogar futebol, Lu. Esse olheiro vai decidir o futuro dele e
talvez não seja comigo ao seu lado... É tão difícil aceitar isso — falei com
algumas lágrimas molhando os meus olhos.

— Não fica assim! Viva o agora, Lana. O Nicolas vive dizendo isso, e

ele está certo, sabe? Não pensa no futuro, curta esse momento com ele e crie
memórias inesquecíveis, assim, mesmo que vocês estejam longe, ainda estão
pertos um do outro — ela disse e suas palavras aqueceram meu coração.

Logo depois os meninos apareceram suados, nos carregando até o


mar, onde passamos o resto da tarde.

Eu e o Math estávamos em uma sintonia incrível, conseguimos fugir


dos professores nas duas primeiras noites e dormimos em uma tenda que
tinha na beira da praia, um lugar aconchegante, mas pouco confortável.
Fiquei com muita dor nas costas depois, mas valeu a pena só por eu estar com

ele.

No nosso último dia lá, a equipe de recriação do hotel fez uma


competição entre os casais. Eu estava de mãos dadas com o Math, sentada ao
lado da Lu e do Nico, esperando a atividade ser organizada. Subitamente, a

Luana soltou uma exclamação.

— Estou chocada com aquele casal — ela disse olhando para a Laís
de mãos dadas com o Tadeu.

— Eu não estou tanto. O Tadeu fez tudo aquilo de se aproximar de


mim para conquistar ela — revelei.

— Menina, não brinca! — Ela disse arregalando os olhos. — Mas ele


era tão grosso com ela! Eles viviam brigando! Quando você percebeu isso?

— Percebi no barco. Sei lá, acho que as brigas eram amor reprimido.

Pelo jeito eles resolveram o conflito, porque eles estavam bem diferentes.
Fiquei observando como ele agia perto dela e como ela agia perto dele, a Laís
nunca se permitiu enxergar ninguém além do Matheus.

— Isso foi algo que vimos claramente durante esses anos, mas acho
que depois que vocês voltaram, ela se aquietou mais.

— Ela viu que isso aqui é inabalável, bebê — disse beijando o


Matheus, que sorriu junto à minha boca e me abraçou, aprofundando o beijo e
me deixando cada vez mais apaixonada.

Logo fomos interrompidos pela equipe do hotel, que nos chamou e

entregou um mapa para cada casal, explicando a atividade em que percorrer a


ilha em uma mistura de corrida de obstáculos com caça ao tesouro,
recolhendo algumas pedras coloridas depois de cada desafio. O casal que
chegasse ao outro lado primeiro, com todas as pedras, ganharia um almoço

especial no melhor restaurante da ilha.

Eu ficaria feliz em ganhar, mas não me importaria em perder. O legal


para mim era participar, mas ao contrário de mim, o Matheus era competitivo
ao extremo e só entrou na brincadeira para ganhar.

Quando foi dada a largada, entramos na floresta, que era bem


inclinada, então já começamos com muito esforço na subida. O Math subiu
mais rápido que eu e me ajudou, me puxando pela mão. Pegamos a primeira
pedra e desvendamos a pista que nos mandou para a gruta, onde estava a

pedra verde. Chegando lá, vimos uma placa indicando que ela estava dentro
do lago e que teríamos que mergulhar.

— Acho melhor eu ir, mergulho melhor que você — falei tirando a


blusa e ficando apenas com a parte de cima do biquíni.

Amarrei a blusa no short e o Math disse:

— Vamos os dois, você mergulha primeiro, se não achar eu vou


procurar.
Assenti e mergulhei nas águas transparentes, logo encontrando a
pedra e entregando ao Math, que a colocou no bolso e passou a decifrar a

terceira pista.

Vários obstáculos depois, chegamos à missão final. Subimos uma


escada bem alta, e recuperamos a última pedra. Eu desci primeiro na tirolesa
e quando cheguei lá em baixo o Math desceu também.

Corremos para a praia e, quando chegamos lá, vi o Tadeu correndo de


mãos dadas com a Laís até a linha de chegada. O Matheus me pegou pela
mão e começamos a correr desembestados, mas eu não era uma boa corredora
e o Matheus não queria me machucar, então ficamos em segundo lugar. A
Laís e o Tadeu ganharam e até beijo de comemoração rolou. Os outros casais
chegaram e nós aplaudimos os vencedores, mas o Math estava meio
emburrado. Rindo, dei um abraço nele e beijei seu rosto, dizendo para ele
desfazer o bico, o que fez ele rir um pouco também.

Voltamos para os dormitórios e eu e a Lu fomos arrumar as malas.


Depois de tomar um banho, esperei a Lu tomar o banho dela enquanto eu
mandava fotos para a minha mãe e matava a saudade que eu estava dela,
contando tudo que estava acontecendo.

Fomos almoçar na cantina e depois fomos todos para o píer tirar a


foto da turma. Foram dias maravilhosos e um ano de muitas mudanças. Por
um momento, desejei que a Karen estivesse ali para que tudo fosse perfeito,
mas eu sabia que ela estava comigo, sempre esteve e sempre estará.

Pegamos o barco e depois um ônibus para o colégio. Ao contrário da

ida, que foi bastante animada, a volta foi muito silenciosa. Estávamos todos
muito cansados e eu dormi no ombro do Math o caminho inteiro.

Quando chegamos no colégio, o Brian nos esperava no


estacionamento. Me despedi do Math com um longo beijo e fui até ele, que

estava colocando as malas do Jordan no porta-malas.

Cumprimentei-o com um abraço e perguntei:

— Onde está a mamãe? Por que ela não veio?

— Sua mãe acordou enjoada. Ontem ela sentiu umas tonturas, e como
ela estava dormindo, preferi não a acordar e eu mesmo vim buscar vocês.

— Ah, tudo bem. Espero que não seja nada demais.

— Deve ser uma virose, algo assim — o Jordan disse, soando


exausto.

— É o que ela também acha. Mas vamos logo, vocês precisam


descansar — ele disse entrando no carro.

Assim que cheguei, vi minha mãe acordada na sala assistindo


televisão. Corri para seu colo, envolvendo-a em um abraço.

— Que saudade da minha menininha — ela disse beijando minha


testa.

— Foram poucos dias, mãe. Como está? Soube que não anda se
sentindo bem.

— Já estou melhor. Deve ser essa virose que está se alastrando pelo

bairro.

— Pode ser, mas qualquer coisa vamos ao médico.

— Pode deixar, mocinha. Mais tarde a sua avó vem jantar aqui, ela
quer te ver, está com saudades.

— Também estou com saudades dela, mas agora vou tomar um banho
e descansar. Depois eu desfaço as malas, ok?

Subi para o meu quarto, tomei um longo banho e depois de me


arrumar me joguei na cama, mandei uma mensagem para o Math.

>> Amor, vou dormir, ainda estou muito cansada. De noite nós nos
falamos. Te amo.

<< Oi, morena, vou descansar também. Quando você acordar, me


avisa que quero dormir juntinho de você, ok?

Respondi com um emoji de coração e desmaiei. Eu estava realmente


cansada, porque quando acordei já estava escuro lá fora. Encontrei o Jordan e
o Brian fazendo o jantar e fui ajudá-los.

A mamãe ainda estava um pouco enjoada e mal tocou na comida, mas


fora isso, tivemos uma noite bastante agradável. Matamos a saudade da vovó
e o Brian foi leva-la em casa, enquanto eu e o Jordan fomos lavar a louça.
Quando acabamos de arrumar a cozinha, fui falar com o Matheus. Depois de
algumas mensagens, decidimos que seria melhor ele vir ao meu encontro.

Minha mãe concordou quando eu pedi permissão que ele viesse dormir

comigo, ela só pediu para tomarmos os devidos cuidados.

Esperei que ele chegasse e fomos direto para meu quarto. Ele
imediatamente se jogou na cama e sorriu para mim, mas pedi que ele
esperasse um pouco. Depois de escovar os dentes, vesti o meu pijama me

deitei ao lado dele, escorando a cabeça em seu peito. Ficamos ali, em


silêncio, ele distraidamente traçando círculos com a mão nas minhas costas.

— Math, você está bem? Está tão quieto...

— Desculpa, amor. É que o jogo é daqui a dois dias, não consigo


pensar em outra coisa — ele respondeu e eu ergui meu corpo para olhar nos
olhos dele.

— Consigo sentir a sua ansiedade. Qualquer um no seu lugar estaria


nervoso também, é o seu sonho. Mas você treinou o ano todo para isso. Você

vai conseguir.

Ele sorriu e ergueu a mão para colocar meu cabelo atrás da minha
orelha.

— Adoro o fato de você acreditar em mim. Eu só queria estar mais


seguro.

— Calma, moreno. Você é o melhor jogador da cidade e, se duvidar,


do Paraná inteiro. E você não está sozinho, eu vou estar lá com você — falei
e ele me puxou para ele, invertendo nossas posições e me envolvendo em um

beijo lento e apaixonado.

Eu o amava muito, mas enquanto eu me entregava a ele, eu só


conseguia pensar que eu estava morrendo de medo de perdê-lo.
CINQUENTA E TRÊS

“ Este é o início do conhecimento: a descoberta de algo que não entendemos. “ – Frank Herbert

O dia do jogo finalmente havia chegado e eu estava tão tensa que


preferi não ver o Math antes do jogo, queria que ele se concentrasse e ficasse
focado.

A dona Lúcia, a mamãe e o Brian estavam comprando bebidas, e o

Jordan, a Luana e a Tamires estavam conversando animadamente na


arquibancada ao meu lado, mas eu não conseguia prestar atenção neles. O
jogo já iria começar e a minha ansiedade estava aumentando a cada minuto.
Estava quase na hora quando o Nicolas apareceu, com joelheiras e tudo, me
chamando.

— Alana, preciso de você. Vem comigo — ele falou franzindo o


cenho e todos olharam para ele sem entender nada.
Eu me levantei e fui, perguntando:

— O que aconteceu?

— O Math precisa de você, está surtando lá no vestiário, dizendo que


não vai conseguir. Já tentei todas as técnicas que costumamos usar nessas
situações, mas não está adiantando. Você é nossa última esperança — ele
disse e eu assenti, seguindo-o apressadamente.

Entrei com ele no vestiário e ele me mostrou onde o Matheus estava.


Meu namorado estava sentado em um banco, com a cabeça baixa e chorando.

— Oh, meu amor, o que aconteceu? — Perguntei me agachando em


sua frente e segurando as mãos dele nas minhas.

— Eu não vou conseguir, Alana. Eu achei que conseguiria, que daria


tudo certo e que esse nervosismo que estava sentindo era algo passageiro,
mas não. Eu estou morrendo de medo — ele falou e eu nunca ouvira tamanho
desespero na voz dele.

Meu coração se quebrou, mas eu precisava ser forte por ele, então
muito calmamente soltei as nossas mãos para segurar seu rosto e falei:

— Math, você é o garoto mais confiante que eu conheço. Não pode


deixar um jogo te abalar, você conseguiu em todos os outros.

— Os outros jogos não tiveram o peso que esse tem.

— Tiveram sim. Se você não tivesse ido tão bem em todos os outros,
o time não estaria na final do campeonato hoje.
— Estou com medo de não ser bom o suficiente. Eu não sou o Alex
— ele praticamente sussurrou.

— Não é mesmo, mas você é tão talentoso quanto ele era. Dê o seu
melhor em campo hoje, meu amor. Vai ser mais que o suficiente — falei
abraçando-o.

Não havia muito tempo para consolá-lo, mas eu senti seu corpo

relaxar um pouco contra o meu e eu soube que tudo ficaria bem.

— Eu te amo, Alana. Não sei o que faria sem você — ele disse me
beijando e me abraçando ainda mais forte.

Logo o treinador chamou todo o time para a concentração e eu tive


que voltar para arquibancada. Minha mãe já havia voltado e parecia bastante
aflita com meu desaparecimento. Expliquei a situação rapidamente e
tranquilizei a dona Lúcia quando ela perguntou como o Matheus estava,
então logo os jogadores entraram em campo.

Depois dos hinos dos colégios, o árbitro apitou e o jogo começou.


Novamente precisamos das narrações e explicações da Tamires para entender
o que estava acontecendo, mas mesmo sem isso eu pude perceber que o
Matheus estava sendo constantemente marcado, não tendo muita liberdade
para jogar como ele geralmente jogava. Eu conseguia ver que ele estava
começando a ficar impaciente.

O fim do primeiro tempo estava se aproximando e nenhum gol tinha


acontecido ainda.

— Agora vai, o Nico está livre! — A Tamires exclamou e eu pude

observar o Matheus correndo para um ponto estratégico, enquanto o Nicolas


recebia a bola e se preparava para passar para ele. Mas, subitamente, um
jogador adversário trombou com o Matheus, que caiu no chão.

— Falta! Foi falta! — O Brian gritou.

O Matheus pareceu concordar, porque imediatamente ele se levantou


e deu um empurrão no adversário. Uma pequena discussão começou a se
formar quando outros dois adversários se juntaram à briga, e então o árbitro
ergueu o cartão amarelo, apontando para o Matheus.

— O quê? Mas foi aquele número 6 que começou! — Eu falei,


indignada. O Matheus não pareceu nada feliz, mas o Albert correu até ele e
falou alguma coisa, e então o jogo reiniciou.

O clima ainda estava bastante tenso quando o apito soou indicando o

fim do primeiro tempo, que terminou 0 a 0.

— Vamos, filha, vamos comer alguma coisa — a mamãe falou atrás


de mim, e fomos todos atrás do vendedor de pipoca.

Eu não sabia que um jogo de futebol podia me deixar tão nervosa


assim, mas então a vida me provou que nada é tão ruim que não possa piorar.
Enquanto eu entregava a bandeja de papelão para o Jordan, virei para a
mamãe para pegar dinheiro, e então vi o sorriso dela murchar e ela desfalecer,
sendo aparada por Brian.

— MÃE! — Gritei e fui até ela, quase derrubando o Jor no processo.

O Brian a carregou até o carro e eu fui atrás, assim como o meu meio-
irmão.

— Vou levar ela para o hospital, sua mãe é muito teimosa, Alana.
Estou falando com ela para ir desde que você voltou — ele disse nervoso e

ela começou a despertar em seu colo.

— Eu vou com você, minha mãe nunca passou mal desse jeito —
falei e ela olhou para mim, piscando.

— O que aconteceu? — Ela perguntou um pouco desorientada.

— Você desmaiou e estamos indo para o hospital. E nem conteste, é a


terceira vez em dois dias — O Brian disse decidido e ela assentiu. Fui até a
porta traseira e o Jordan segurou meu braço.

— Tu não vai ver o final do jogo? — Ele perguntou.

— Não vou conseguir me concentrar, estou muito preocupada com


ela. Explica ao Math que ele vai entender. E pede para a Tamires me fazer
um resumão depois — falei, dando um abraço rápido nele e entrando no
carro.

Quando chegamos ao hospital, o Brian carregou a mamãe até a sala de


espera, colocando-a em uma cadeira enquanto eu explicava a situação para a
enfermeira, que me deu uma ficha para preencher. Não demorou para um
médico chamar pelo nome dela, e o Brian a ajudou a levantar e ir até o

consultório.

Enquanto eu esperava notícias, roí todas as minhas unhas que eu


estava deixando crescer. Eu estava tensa por não saber o que a minha mãe
tinha e estava tensa por não estar vendo o jogo pelo Math para passar toda a
confiança que ele precisava. Mas eu tinha fé que ele se sairia bem, mesmo

sem mim.

Depois do que pareceram horas, o Brian saiu da sala com os olhos


molhados e um enorme sorriso no rosto.

— Brian, o que aconteceu? — Perguntei confusa e ele me abraçou


forte. Por cima do ombro dele, vi minha mãe em uma maca sendo levada para
algum lugar.

— A sua mãe quer falar com você. Ela está sendo levada para
enfermaria, vai ter que ficar mais umas horas aqui. Vem que eu vou te levar

até ela — ele disse e eu o segui em silêncio, milhões de teorias se formando


na minha cabeça.

— Oi, mãe — disse assim que a vi.

— Oi, meu amor — ela falou emocionada.

— O que a senhora tem? Não é nada sério, é? — Perguntei


entrelaçando nossos dedos.

— Não, meu amor. É uma coisa maravilhosa. Você vai ganhar mais
um irmãozinho ou irmãzinha, eu estou grávida — ela me contou e eu
arregalei os olhos.

Senti várias emoções me invadirem, todas ao mesmo tempo: alívio


por ela estar bem, preocupação pela idade da minha mãe, compreensão
quando pensei em todos os sintomas que ela exibira nos últimos dias e, o
mais importante deles, felicidade.

— Ah, mamãe! Que notícia maravilhosa — abracei-a sentindo meus


olhos se encherem de lágrimas. — Eu te amo muito, sabia?

— Também te amo, meu amor. Sabia que você ia ficar feliz — ela
beijou minha bochecha e eu a encarei emocionada.

— O que a médica disse?

— Ainda não muita coisa, vamos conversar mais tarde. Mas já


sabemos que eu não sou mais tão jovem, vou precisar tomar vários cuidados
extras — ela disse e eu segurei sua mão.

— É, mas vai dar tudo certo. O Brian com toda certeza vai estar lá por
você em todo o processo. Ah, mamãe, mal posso esperar para conhecer esse
neném lindo! Espero que ele resolva nascer em uma semana tranquila, eu
quero poder viajar para vê-lo nascer!

— Eu vou te querer do meu lado, filha. Mas agora vai para o estádio,
vai lá apoiar o Math, eu vou ficar bem — ela disse me abraçando e eu assenti,
dando-lhe mais um abraço e correndo para fora do quarto, dando de cara com
um Brian muito sorridente.

Abracei-o rapidamente, parabenizando-o. Ele ainda estava muito

mexido e só conseguia sorrir, então dei alguns tapinhas em seu ombro,


explicando que precisava voltar ao estádio. Ele me entregou as chaves do
carro e eu segui meu caminho.

Pelo tempo que havia passado, eu sabia que o jogo já tinha terminado.

A mensagem do Jordan dizendo “Nós ganhamos!” repleta de emojis só


confirmou isso.

Estacionei e fiquei esperando do lado de fora. Alguns minutos depois,


vários jogadores saíram, cantando e rindo, mas não vi o Matheus entre eles.
O Nicolas me viu e veio até mim, os punhos erguidos em comemoração.

— Parabéns! — Eu falei abraçando-o. — Vocês mereciam muito!

— Você ajudou! Sem você, o Matheus não teria jogado, e ele foi a
estrela do segundo tempo!

— Falando nisso, cadê ele?

— Está lá dentro. Ele e o treinador estão conversando com o olheiro.


Alana, acho que ele conseguiu! — Ele disse animado.

— Ai, meu Deus! Tenho certeza que sim, o Matheus treinou muito
para esse momento. Ah, quantas notícias boas hoje! Mas e você, não pretende
seguir carreira profissional?

— Ah, não. A estrela sempre foi o Math, eu só comecei a jogar por


causa dele e do Alex, sabia? Eu quero fazer engenharia ambiental. Minha

pegada sempre foi a natureza! E eu pretendo ir para São Paulo com vocês —

ele informou.

— Ah, a Lu comentou que coisa boa! Está preparado para o


vestibular? Tenho certeza que vamos passar! — Disse animadamente e ele
riu, meio sem graça.

— Você e a Lu eu tenho certeza que vão, mas eu, já não sei. Você já
deu uma olhada na concorrência de Ambiental na USP? Mas de qualquer
forma, eu não me importo de me encaixar em qualquer outra faculdade em
São Paulo. Eu só quero estar perto da Lu.

— Ah, não, você é muito fofo, Nicolas. Vai lá encontrar com ela que
eu tenho certeza que ela está doida para te dar os parabéns — falei
abraçando-o novamente.

Um tempo depois, o treinador saiu acompanhado de um homem de

aparência séria, que assumi ser o olheiro. E logo atrás deles saiu o Matheus,
com os olhos cheios de lágrimas.

Assim que ele me viu, veio correndo até mim e me abraçou. Ele me
apertou em seus braços sussurrando que tinha conseguido e eu não podia
estar mais feliz por ele. Choramos juntos e, quando ele me beijou, foi como
se pudéssemos compartilhar tudo o que não conseguíamos dizer em palavras.

Enquanto eu o parabenizava, dando vários beijos em seu rosto, eu


senti minha felicidade se misturar à angustia. Eu sentia a minha decisão
ficando cada vez mais sólida dentro do meu coração, mas decidi que esses

pensamentos não iriam ofuscar a noite maravilhosa e cheia de novidades que


eu estava tendo.

Fomos comemorar a vitória no campeonato em uma lanchonete


próxima do estádio. Estar com todos ali reunidos foi incrível. Eu lembraria

desses momentos por toda a minha vida e, mesmo se não lembrasse, as


inúmeras fotos que estávamos tirando fariam o favor de me lembrar.

Já era madrugada quando nos despedimos de todos e seguimos para


minha casa. O Jordan tinha saído com o Lucas e a mamãe havia mandado
uma mensagem avisando que passaria a noite no hospital, então eu convidei o
Math para entrar e tivemos a mais perfeita noite juntos. Nós nos amamos
intensamente e trocamos juras de amor eterno. Por um momento, eu me
permiti sonhar com um futuro ao lado dele, mas logo a razão falou mais alto

e me lembrou que esse futuro não era possível.

Na manhã seguinte, eu acordei antes dele. Levantei-me sem fazer


barulho e com o coração já apertado. Desci, preparei todo o café da manhã e
esperei ele acordar. Quando ouvi passos na escada eu soube que o inevitável
momento tinha chegado. Ele me abraçou por trás, beijando meu pescoço e
sussurrando um bom dia, que eu retribuí numa voz quase sussurrada.

Coloquei o café na mesa e ele sentou, servindo-se e começando a falar

sobre o jogo e toda a adrenalina que ele tinha sentido. Eu apenas o escutei,
em silêncio. Não conseguia nem mesmo olhar para a comida.

— ...e então o olheiro me chamou e começou a falar sobre contratos e


essas coisas, o treinador fez um monte de perguntas burocráticas e enfim, me

ofereceram uma vaga em um time sub-20 na Espanha! Espanha, Alana! Quer


dizer, não é o melhor time que existe, mas é uma oportunidade de ouro para
eu iniciar a carreira profissional! — Ele concluiu seu monólogo sorrindo para
mim, que não consegui retribuir.

— Matheus, eu acho que a gente devia terminar — soltei e ele


arregalou os olhos. Ficamos em silêncio por vários segundos, ele me olhando
como se eu tivesse mais de uma cabeça e eu tentando não chorar.

— Espera, o quê? Terminar? Você só pode estar de brincadeira

comigo, Alana! — Ele finalmente falou.

— Nunca falei tão sério — disse controlando minhas lágrimas. —


Isso é o melhor para nós dois.

— Isso não é o melhor para mim! É por causa do time? Eu posso


tentar ir para um time em São Paulo, um que não seja tão longe, e se eu não
conseguir eu abro mão disso para estar com você. Eu faço algum outro
vestibular para sei lá, educação física, engenharia química, qualquer coisa!
— Eu não quero isso! Eu te amo, Math. Te amo de verdade, e por isso
sei que o melhor para nós é acabar aqui. Nós temos que ir por caminhos

diferentes. Vá para Espanha e seja o melhor jogador que eu sei que você pode
ser. Siga os seus sonhos e eu vou seguir os meus — falei já não controlando o
choro.

— Então vai ser assim? Lutamos tanto para morrer na praia? Você

está terminando comigo mesmo eu dizendo que desisto de tudo para ficar
com você?

— Não, estou terminando com você porque não quero que você
desista dos seus sonhos por ninguém.

— Não estou desistindo! Meus sonhos podem mudar, Alana. Meus


sonhos estão onde você está, eu posso me encaixar em qualquer lugar que
você esteja. Não faz isso, Alana, a gente pode tentar à distância — ele
implorou com lágrimas escorrendo pelo rosto.

— Não, Math. Nós já tínhamos concordado que um relacionamento à


distância não funcionaria para nós. Eu quero que você seja feliz e você não
vai ser feliz nem aqui, nem em São Paulo. Vai embora, Matheus! Eu não
quero mais ficar com você! — Gritei. Ele me encarou por um tempo, então
fungou, levantou e saiu.

Quando escutei o ronco da moto dele do lado de fora, desabei no chão


da cozinha, em prantos. Chorei compulsivamente não sei por quanto tempo,
mas quando vi, estava sendo carregada no colo pelo meu padrasto até o

quarto da minha mãe.

Ela me acolheu em seus braços e sussurrou que tudo ficaria bem e, no


fundo, eu esperava que sim. Eu só esperava que a minha decisão estivesse
certa.

Passei o dia na cama, alternando entre períodos de choro e de um

sono agitado e cheio de pesadelos. A mamãe tentou falar comigo, mas eu não
conseguia explicar sem cair em prantos, então ela chamou o Jordan, que ligou
para a Luana. Eles ficaram comigo, pacientemente esperando que eu estivesse
pronta para falar e tentando me distrair falando sobre uma série de televisão
que eles estavam assistindo. A mamãe nos fez descer para jantar e eu engoli a
comida sem sentir o gosto de nada.

Depois do jantar, fomos para o meu quarto e eu imediatamente deitei


na minha cama, abraçando o sushi de pelúcia que o Math me dera quando

completamos três meses de namoro. Meus amigos sentaram ao meu lado e eu


soltei:

— Nós terminamos. Para valer, dessa vez.

Novamente algumas lágrimas teimaram em cair, mas fui envolvida


em um abraço coletivo que fez com que eu conseguisse me controlar um
pouco para contar a eles tudo o que havia acontecido e os motivos da minha
decisão.
Durante os dias seguintes, eu evitei muito contato com o mundo. A
Lu e o Jordan estavam me fazendo bastante companhia, mas como as aulas já
tinham terminado, eu não vi mais ninguém e evitei ao máximo usar as redes
sociais.

Eu não tinha falado com o Math, mas eu sabia que eu teria que
encará-lo no dia seguinte. O dia da nossa formatura.

Minha barriga embrulhava só de pensar nisso, porque eu sabia que


seria muito difícil vê-lo sofrendo. Eu teria que controlar a vontade de abraçá-
lo e pedir que desconsiderasse tudo que eu tinha falado e ficasse comigo.

Mas eu não podia ser egoísta, o Matheus merecia tudo de melhor que
a vida poderia dar a ele.

Aproveitei o tempo livre para ligar para o meu pai para combinarmos
minha visita. Eu iria para casa dele logo depois da formatura e só voltaria

perto do natal e uns dias antes da minha viagem com a Lu.

Como eu estava sozinha, deitei na cama e resolvi maratonar alguma


série apenas para me distrair, mas logo meu celular vibrou com uma
mensagem do Jordan.

Era uma foto do painel que ficaria logo na entrada do colégio,


formado por inúmeras fotos que o jornal do colégio tinha tirado durante todo
o ano letivo. Meus olhos se encheram de lágrimas ao ver que, no centro de

tudo, havia uma grande foto da Karen e do Alex. A homenagem me

emocionou muito e fez meu peito arder de saudades, e as lágrimas


começaram a cair quando dei zoom em uma foto minha com o Matheus.

Meu coração doía de tanta saudade que eu sentia dele, mas a escolha
havia sido minha e eu precisava seguir em frente.

No dia seguinte, eu acordei no meio da tarde. Tinha ficado até quase o


dia amanhecer assistindo a série que o Jordan e a Lu recomendaram, e como
eu tinha avisado minha mãe sobre isso, ela não tinha me acordado. Quando
eu desci, fui até a cozinha e sentei em um dos balcões, observando minha
mãe terminar o bolo de formatura da minha turma. Tinha ficado enorme e
lindo demais.

Depois de comer o almoço requentado que a mamãe me obrigou a


comer, ajudei minha mãe a finalizar alguns cupcakes e uns detalhes do bolo.

Quando a Lu chegou, minha mãe a encheu de beijos e então subimos para o


meu quarto para começarmos a nos arrumar.

A Lu estava falando animadamente sobre a decoração que ela e o


Jordan tinham ajudado a montar, mas eu me arrumei em completo silêncio.
Eu não estava falando muito naqueles dias.

Depois de prontas, ela me deu um abraço e disse que ficaria tudo bem,
o que quase fez com que eu recomeçasse a chorar, mas consegui me controlar
porque não queria estragar a maquiagem. Descemos e encontramos o Jordan

muito bonito em um terno azul marinho, abrindo os braços para mim. Me

aconcheguei junto a ele e a Luana se juntou a nós. A mamãe nos encontrou


assim e soltou exclamações de animação, tirando várias fotos nossas. Só
depois de ela praticamente ter um book de cada um é que fomos para o
colégio.

Chegando lá, eu fiquei completamente encantada com toda a


decoração. Estava tudo muito lindo, com luzes de led em todos os lugares,
painéis com fotos e recados, e flores espalhadas em grandes vasos. Tudo
estava perfeito.

Fomos para o auditório e, assim que eu entrei no lugar, eu o vi. Ele


estava de costas, conversando com o Nicolas e o Albert. Meu coração bateu
acelerado dentro do meu peito e eu senti uma enorme vontade de virar as
costas e sair dali, mas a Lu não deixou. Ela começou a praticamente me

arrastar até o lugar onde eu iria sentar.

Apesar de todos os meus esforços, eu não conseguia tirar os olhos


dele e, quando nossos olhares se cruzaram, eu senti que ele ainda me amava e
que sofria tanto quanto eu com a nossa separação. A cerimonialista chamou
todos os formandos para sentar e meu coração palpitou quando vi que
estávamos a duas cadeiras de distância um do outro. Quando eu olhei para ele
mais uma vez, percebi que ele me encarava antes de desviar o olhar para o
palco.

Os discursos e homenagens começaram de maneira emocionante,

relembrando o ano letivo repleto de perdas e ganhos que tivemos. Quando


eles terminaram, os diplomas foram entregues e todos gritaram em
comemoração.

Estava oficialmente encerrado o Ensino Médio.

A nossa nova fase começaria em breve.

E eu não conseguia nem ao menos sorrir.

A festa seria na quadra e todos seguiram para lá, mas eu fiquei. Eu


precisava fazer uma coisa antes.

Caminhei até o painel de fotos e retirei a da Karen.

— Ah, minha irmã. Eu sei que você esteve comigo esse ano, cuidando
de mim e acompanhando toda a turbulência que aconteceu. Mas eu sinto sua
falta todos os dias. Especialmente agora... — falei, voltando meu olhar para a

minha foto com o Matheus. Estava cogitando tirá-la também quando escutei
sua voz atrás de mim.

— Ainda dá tempo de voltar atrás.

— Eu sei, mas isso foi o melhor para nós dois — falei me virando
para encará-lo.

— Para de dizer que isso foi o melhor para nós dois. Não é o melhor
para mim, Alana — ele gritou.
— Mas para mim é!

— Como as coisas estão melhores para você? Eu vejo que está

sofrendo assim como eu — ele disse passando a mão nos cabelos, frustrado.

— As coisas não são tão simples, Matheus. Olhe para além de nós
dois e você vai ver que não são tão simples.

— Tudo que importa para mim somos nós dois, Alana. E nada mais.

Eu te amo.

Engoli em seco e ficamos ali, nos encarando. Eu precisava ser forte e


resistir à vontade de pular no pescoço dele e falar que ele estava certo, porque
eu sabia que ele não estava.

— Eu também — sussurrei. — Quero que você seja muito feliz,


espero que tenha uma carreira incrível. Eu te amo, Math, nunca duvide disso
— falei tocando seus lábios pela última vez antes de ir embora.

Fui para casa com a cabeça rodando. Muita coisa havia acontecido

naquele ano. Eu perdi uma das pessoas mais importantes da minha vida, mas
também me apaixonei perdidamente e conheci pessoas que levaria para
sempre em meu coração. E nada fora em vão.

O ditado é que, se você ama alguém, deve deixá-lo partir. Eu não


sabia se voltaria a ver o Matheus algum dia, ou se eu conseguiria amar outra
pessoa. Mas a verdade é que eu tinha certeza que meu coração sempre
pertenceria a ele. E eu teria que viver a minha vida da melhor forma possível
sabendo disso.
EPÍLOGO

“Transforme suas feridas em sabedoria. ” – Oprah Winfrey

Alguns anos depois...

<< Hoje o Facebook me lembrou da nossa viagem de formatura. Eu


estava há tanto tempo sem olhar as redes sociais e justo hoje, que eu resolvi
olhar, a lembrança do dia foi exatamente aquela foto da turma. Acho que

nunca estive tão feliz quanto naquele dia, foi um dos nossos momentos
únicos, aqueles nos quais eu sentia que você me amava na mesma proporção
que eu te amava.

O dia em que eu te deixei ir foi um dos mais difíceis da minha vida.


Você não queria terminar, eu vi nos seus olhos e na maneira como me
implorou para ficarmos juntos, mas eu não podia fazer isso com nós dois. Eu
tinha um plano maior para nós e não podia deixar que um de nós abdicasse
daquilo que nos faria feliz. Não estávamos mais no ensino médio, tínhamos

virado adultos. E então nós precisamos seguir as nossas vidas.

Quatro anos se passaram eu ainda sinto saudades. Eu não sei como


eu arranjei forças para simplesmente me acostumar a não falar com você
todos os dias, para não saber como você estava, se estava bem e feliz. Partiu
o meu pobre coração, mas essa foi a minha escolha. Eu tive que arcar com

as consequências.

Amanhã será a minha formatura e eu não consigo nem escrever um


discurso decente porque eu só consigo pensar naquela viagem. Há milhões
de bolinhas jogadas no chão do quarto e eu sei que a Luana vai reclamar
muito quando ela chegar.

A Lu está muito feliz com o Nicolas, mas eu sei que você sabe disso.
Sei que ela manteve contato com você durante esses anos, mas mordi muito
minha língua antes de perguntar qualquer coisa.

Eu queria viver apenas com as lembranças que eu já tinha, e não


criar novas sem você.

Eu não sei onde você está agora, nem para que time está jogando, e
sei que eu não tenho nem o direito de te pedir isso depois de anos ignorando
suas mensagens.

Mas eu queria te ver, preciso saber que eu fiz a escolha certa em te


deixar ir, porque quando chegasse o momento certo, você voltaria.
É isso que dizem sobre o amor, não é?

Pois então, espero te ver amanhã, mas caso você não apareça,

saberei que esse é o sinal para eu seguir em frente de uma vez por todas.

Da sua eterna Bruxinha.

Terminei de escrever a mensagem e a enviei para o novo número do

Matheus, que tinha pegado com a Lu no dia anterior. Ela praticamente surtou
de felicidade ao digitar o número em meu celular.

Ela torcia muito por nós dois e me mostrava isso em cada sessão
informal de terapia que fazia comigo no meu quarto. Minha futura psicóloga
só se formaria no ano seguinte, assim com o Nico, mas eu já havia entregue o
TCC e sido aprovada com nota máxima.

Eu estava muito orgulhosa da Luana. A história de superação da


minha melhor amiga me inspirava de muitas maneiras, ela era uma guerreira

que soube tirar forças dos seus traumas de maneira sublime. Eu a amava, ela
era como uma irmã para mim.

Deitei-me na cama, aguardando — talvez — uma resposta rápida do


Matheus, mas ela não veio. Horas depois, eu cansei de esperar. A Lu chegou
com o Nicolas, rindo de alguma coisa, mas seu semblante mudou assim que
me viu. Ela sussurrou algo no ouvido do Nico, que assentiu e murmurou algo
sobre fazer algo para comer, desaparecendo na cozinha.
— O que aconteceu? Por que está com essa cara? — A Lu perguntou
se jogando ao meu lado.

— É a única que eu tenho, Luana — respondi emburrada.

— Vish, está chateada, amiga? Desabafa aí, o que foi que aconteceu?
Achei que você já estaria começando as produções para a formatura.

— Ah, amiga, não estou muito afim de me arrumar agora não.

— Alana, você precisa melhorar essa vibe! Sua formatura é amanhã.


Achei que estaria mais animada! Foram quatro anos sofrendo para entregar
todos os artigos e entrar em todas as bolsas de extensão, e finalmente acabou!
Sem contar que seu TCC foi um sucesso. Ânimo! E o que são todos esses
papéis no chão?

— Estava tentando fazer um discurso para amanhã, mas não saiu


nada. Estou bem frustrada.

— Por que isso agora? Você estava tão felizinha quando eu saí daqui

mais cedo. Não conseguiu falar com o Math? — Ela perguntou e eu me virei
para a parede apenas para não a encarar.

— Não respondeu. Eu não sei porque achava que ele iria querer falar
comigo depois de tanto tempo — falei controlando as lágrimas que enchiam
meus olhos.

— Ele deve estar ocupado, Lana. Nem o Nicolas consegue falar com
ele às vezes, de tão atarefado que ele está — a Luana disse. — E olha que os
dois não se desgrudam, às vezes eu tenho que cancelar meus planos porque o
meu digníssimo namorado estava conversando com o Matheus e se atrasou

para nossos compromissos. Uma hora ou outra ele vai te responder, agora
levanta que nós vamos até aquele salão que tem perto do campus, sua mãe vai
me matar se chegar aqui amanhã e ver que você nem fez as unhas ainda —
ela falou me puxando.

— Tá bom, deixa eu tomar um banho e nós vamos — falei me


levantando indo até o banheiro.

Depois de me arrumar, peguei as chaves do nosso apartamento e nos


despedimos do Nicolas, que tinha que buscar os pais dele no aeroporto.
Apesar de eu estar um pouco frustrada com o silêncio do Matheus, confesso
que depois de fazer as unhas e investir em um tratamento no meu cabelo, meu
humor melhorou um pouquinho. A Lu deixou um horário marcado para nós
duas e para a mamãe no dia seguinte e avisou que precisava ir encontrar os

pais do Nicolas, então segui de volta para o apartamento sozinha.

No caminho de volta, eu olhei para o meu celular esperando uma


única resposta para reacender a fagulha de esperança que ainda existia no
meu coração. Mas as notificações de mensagem só indicaram que a mamãe
havia me enviado uma foto do meu irmão, o Jonas. Ele tinha três anos e era o
bebê mais fofo do mundo. Recebi, também, uma mensagem do meu outro
irmão, o Jordan, de uma foto da maquete que ele estava terminando. Fora
isso, nada.

Morria de saudades da minha família e fazia o possível para visitá-los

sempre que podia. O Jor nem sempre conseguia voltar ao mesmo tempo que
eu, mas em todas as férias de verão nós passávamos uma semana em São
Paulo e uma em Porto Alegre antes de irmos visitar nossos pais no Paraná.
Assim como a Lu, ele ainda iria demorar um ano para se formar.

Eu provavelmente voltaria para o Paraná no ano seguinte. Eu amava


São Paulo, mas queria ver meu irmãozinho crescer. O Nicolas iria ocupar o
meu lugar no nosso apartamento no último ano de faculdade dele e
continuaria estagiando na empresa de Engenharia que ele estava trabalhando.
Depois da formatura, ele e a Lu também não sabiam para onde iriam, mas
estariam juntos, já que tinham planos para um noivado.

Assim que cheguei no apartamento, tentei novamente escrever o


discurso da formatura e, depois de muitas tentativas, um discurso sucinto e

emocionante surgiu.

Deitei na cama e mais uma vez olhei para o celular. Ainda não havia
nada.

Liguei a TV e coloquei em um documentário na Netflix. Já estava


quase adormecendo quando meu celular vibrou e finalmente estava lá. A
resposta do Matheus.
Eu estava exausto. Estávamos treinando intensamente há vários dias,
o campeonato estava acabando e infelizmente nosso time estava na zona de
rebaixamento.

Durante esses quatro anos, minha carreira teve altos e baixos. Troquei
de time, de empresário, de país. Muitas coisas mudaram na minha vida.

Mas basicamente nada aconteceu do jeito que eu imaginava. Lutei

muito para me destacar na minha equipe, eu definitivamente não era mais a


estrela e competia arduamente com caras mais velhos e experientes apenas
para ter o meu espaço no time.

Assim que cheguei no meu apartamento, joguei-me no sofá e peguei


meu celular para ver se havia recebido alguma mensagem, apenas para
encontrar a tela preta e a bateria totalmente descarregada. Arrastei-me para
colocá-lo na tomada e tentei lembrar há quanto tempo eu não fazia isso.

Definitivamente mais de dois dias.

Isso era uma grande irresponsabilidade, mas eu estava tão cansado


que sinceramente aquilo era a última coisa que me importava. Eu sabia que se
minha mãe ou meu padrasto quisessem falar comigo eles ligariam para o meu
empresário.

Depois de tomar um banho, passei na cozinha apenas para colocar a


comida para esquentar no micro-ondas. Sentei no sofá com a comida na mão
e procurei entre os canais algo para assistir. Encontrei um dos jogos do nosso
time adversário passando e assisti para estudar as jogadas que eles
utilizavam.

Depois que o jogo acabou, lavei os pratos que tinha usado e me joguei
na cama com o celular na mão. E qual não foi a minha surpresa ao me
deparar com uma mensagem dela?

Ela. A única mulher que era dona do meu coração.

Mesmo depois de tanto tempo, o que eu sentia pela Alana não tinha
mudado. Eu custei a entender que o que ela tinha feito, mas anos depois eu
sabia que tinha realmente sido o melhor para nós dois.

E foi assim que eu decidi que eu não podia procurá-la e tinha que a
acompanhar de longe, sabendo de tudo o que acontecia com ela através do
Nicolas ou da Luana, que falavam comigo constantemente.
Depois de ler e reler sua mensagem, eu respondi com o coração
acelerado devido a emoção:

<< Sinto muito a sua falta e estou muito orgulhoso por você estar
realizando seu grande sonho. Eu ainda te amo, e muito. Me espera amanhã,
vou voltar por você e pelo nosso amor.

Pensei se eu conseguiria ir até o encontro dela e voltar a tempo do

jogo. E tratei logo de procurar rapidamente algum voo para São Paulo.
Encontrei um que sairia na manhã seguinte, o que me daria tempo de avisar
ao meu empresário e ir conversar rapidamente com o treinador, já que eu
havia sido escalado o próximo jogo.

Pelos meus cálculos, eu chegaria no meio da cerimônia. Infelizmente,


devido ao fuso horário e à distância, era praticamente impossível eu chegar
no horário certo.

Mas eu estaria lá e isso que importava.

Comecei a arrumar a minha mala com algumas peças de roupa, coisa


pouca, já que não ficaria por muito tempo.

Mandei uma mensagem para minha mãe avisando que estava indo
para São Paulo, caso ela quisesse me encontrar lá, e meu celular notificou
outra mensagem da Alana.

>> Também te amo muito e te esperarei pelo tempo que precisar.

Meu coração deu um salto em meu peito e eu sorri. E depois de reler


essa mensagem, apaguei devido ao cansaço, mas aliviado por saber que ela
ainda me amava.

Na manhã seguinte acordei com o barulho do despertador e, depois de


tomar um banho e me arrumar, comi um sanduiche natural e bebi um café
bem forte.

Pedi um táxi até o estádio, e no caminho liguei para o meu

empresário. Ele achava a viagem arriscada, mas torcia para que eu estivesse
de volta a tempo do jogo.

Depois de pagar o taxista, corri para conversar com o meu treinador e


explicar a situação. Ele também não gostou nem um pouco da minha viagem
de última hora e pediu que eu não perdesse o voo para chegar a tempo do
jogo, ou eu estaria desempregado antes que eu pudesse arranjar uma
desculpa.

Depois de prometer estar de volta a tempo do último dia de

treinamento, segui até o aeroporto em outro táxi e, depois do check-in,


aguardei pacientemente até embarcar.

Assim que o avião levantou voo, tomei meu relaxante muscular,


coloquei os fones e logo adormeci, afinal o voo seria longo e eu queria estar
descansado para aproveitar tudo com a Alana.

Quando o avião pousou e a comissária de bordo me acordou, minha


ansiedade aumentou. A vontade de correr até a Alana era tão grande que, se
eu pudesse, nem esperava a mala e iria correndo até ela.

Mas eu precisava me acalmar, ela não iria fugir.

Estava quase pedindo um táxi quando me surpreendi ao encontrar o


meu padrasto ali, me esperando. Sorri e corri até ele, abraçando-o apertado.

— Minha mãe te mandou aqui? — Perguntei.

— Sim. Ela está nos esperando, estamos hospedados em um hotel

aqui perto — ele disse pegando a minha mala e colocando-o no porta malas
de um carro alugado.

— Ótimo, preciso me arrumar e ir até o local da cerimônia. Falando


nisso, você sabe onde fica? — Falei ansiosamente, abrindo a porta do
passageiro enquanto ele se posicionava na frente do volante.

— Fica tranquilo, garoto! Eu te levo até lá.

Seguimos de carro até o hotel onde eles estavam hospedados e que


realmente não ficava muito longe do aeroporto. Assim que entramos no

quarto de hotel, minha mãe me recepcionou com um abraço que só ela sabia
dar.

Como eu tinha saudade do seu carinho de mãe! Apesar de eu


constantemente levá-la para ficar um tempo comigo em Madri e de voltar
para o Paraná quando eu tinha algum tempo livre, não era a mesma coisa, já
que antes eu cuidava dela o tempo todo. Éramos apenas nós dois depois que o
Alex se foi, mas agora, com o Tiago, eu sabia que ela estava em boas mãos e
que estava feliz. Era só isso que me importava, ver a felicidade dela depois de
tudo o que passamos.

Tomei um banho rapidamente. Depois de me arrumar, entrei no carro


junto com a minha mãe e o meu padrasto e seguimos até o lugar onde estava
o amor da minha vida.

Assim que chegamos lá, percebi que boa parte da cerimônia já havia

se passado, pois cheguei a tempo de ouvir chamarem o nome dela. Ela se


levantou e caminhou até o reitor. Meu coração parou.

Como ela estava linda! Muito mais linda do que eu lembrava, e eu


não sabia que isso era possível. Controlei minha vontade de correr até ela, e
fiquei admirando-a.

Quando ela se virou para o público para exibir o canudo recém


recebido, nossos olhares se cruzaram. O seu sorriso ficou mais amplo e eu
pude ver seus lábios formando meu nome antes de voltar para seu lugar.

Ela havia conseguido realizar o seu sonho e eu não poderia estar mais
feliz e orgulhoso.

A felicidade dela era a minha felicidade. Esperei ansiosamente a


cerimônia terminar sem tirar os meus olhos dela, que me encarava de volta
sem ao menos disfarçar.

Assim que tudo acabou e todos os formandos jogaram os capelos para


cima, saí do auditório e aguardei ela sair. Foi praticamente impossível
controlar minhas emoções quando a Alana saiu por aquelas portas, segurando

a barra da beca de formatura e correndo em minha direção.

Segurei-a em meus braços e eu soube que ali era o lugar onde eu


deveria estar. Assim como eu, ela estava chorando. Suas lágrimas molhavam
minha roupa.

Toquei seu rosto, limpando as lágrimas e ela fez o mesmo comigo.

— Você veio mesmo, não acredito que você está aqui — ela disse
sorrindo.

— Eu vim por você, meu amor. Você não sabe o quanto senti sua
falta.

— Eu senti tanta saudade! Todos esses anos, eu sempre pensei em


você. Nem acredito que está mesmo aqui!

— Eu não perderia esse momento — eu disse encarando seus lábios


pedindo permissão para beijá-la. Ela apenas sorriu e apenas se aproximou de

mim, me dando total liberdade para lhe dar um beijo longo e apaixonado.

— Quero que você venha comigo — falei quando ela se aconchegou


em mim novamente,

— Para a Espanha? Ficou louco?

— Só se for louco por você. Não quero mais ficar longe de você,
Alana.

— Eu também não quero.


— Então vem comigo. Eu comprei duas passagens, me deixa te
mostrar que as coisas entre nós nunca mudaram... O que me diz? —

Perguntei esperançoso

Ela não me respondeu rapidamente, como eu esperaria que fizesse.


Tirou os olhos de mim e percebi que ela estava procurando por alguém,
quando vi uma troca de olhares dela com a mãe dela, compreendi que ela

precisava falar com a mãe antes de responder. Enfim, a dona Susana assentiu
e a Alana voltou-se para mim, sorrindo.

— Eu vou com você, não posso deixar a razão da minha felicidade ir


embora outra vez — ela disse me beijando delicadamente.

E, de mãos dadas, caminhamos até os nossos pais para dar a notícia.

— Espero que você cuide bem da minha filha lá em Madri, viu rapaz!
— A dona Susana disse me abraçando.

— Pode deixar, vou cuidar muito bem dela — respondi e, enquanto

ela e a Lana conversavam, fui até o Nico.

— Cara, quanto tempo! Quer dizer nem tanto tempo assim, mas dessa
vez você mal chegou e já vai embora! Nem vai dar tempo de te dar uma surra
no videogame como na outra vez — ele disse me puxando para um abraço.

— Só nos seus sonhos! Mas dessa vez vim só para buscá-la. Tem
noção de quanto tempo esperei por isso?

— Tenho sim. Esqueceu que era para mim que você ligava quando
bebia demais? Agora acabou o chororô, aproveita agora cada segundo com
ela, porque é isso que eu vou fazer com a Luana — ele disse olhando para a

Lu, que se aproximava com a Alana.

— Math! Estou tão feliz por vocês dois! Finalmente! — A Luana


falou super empolgada, envolvendo-nos em um abraço coletivo.

Depois de comemorar com os nossos amigos, pegamos um Uber até o

apartamento da Luana. Depois de arrumarmos as malas dela, fizemos amor e


conversamos até o amanhecer. Ela me contou da faculdade, dos artigos
publicados, dos congressos de comunicação, e eu contei dos grandes jogos,
dos times e do breve período que morei na Itália. Tínhamos muito para dizer
um ao outro, mas logo o despertador nos avisou que iríamos perder o voo.

Ela segurava minha mão enquanto andávamos pelo aeroporto. Com os


olhos molhados depois de tantas despedidas, ela se agarrou a mim e eu soube
que jamais a deixaria partir.

Nossa história juntos estava apenas começando.

FIM
SOBRE A AUTORA
Mila Maia é baiana, Pedagoga e uma leitora voraz que resolveu se arriscar no
mundo da escrita. É viciada em romances, gênero em que se encontrou como
escritora. Autora da Trilogia Chances, ela possui outras obras na Amazon e
no Wattpad.
Facebook: www.facebook.com.br/autoramilamaia

Instagram: @autoramilamaia

Email: autoramilamaia@gmail.com

Wattpad: @autoramilamaia
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, por ter estado comigo em cada


momento. Escrever esse livro foi algo único para mim: são quase dois anos
para finalizar essa obra e eu estou extremamente feliz e satisfeita com o

resultado final.

À minha família, por todo o apoio, carinho e incentivo durante toda


essa jornada. Vocês são maravilhosos e eu sou muito grata por tê-los ao meu
lado.

Ao meu grupo “Leitores da Mila”, obrigada por todo carinho e apoio


que vocês me dão diariamente. Vocês me impulsionaram a continuar; e aos
meus Igs e Blogs parceiros, obrigada por estarem sempre ao meu lado.

À Débora Schoenhals, pela paciência e dedicação durante todo o


processo de revisão.

À Lara Ferrari e Débora Albuquerque, minhas leitoras betas. A ajuda


de vocês foi muito importante e significou muito para mim, muito obrigada.

A todos aqueles que conheci através dos meus livros, não posso citar
todos, pois com certeza acabaria esquecendo de alguém, mas saibam que
lembro de cada um. Muito obrigada por acreditarem em mim e por me
inspirarem tanto.
OUTRAS OBRAS DA AUTORA
Livros:
Mais uma chance para o amor – Trilogia chances – I
Uma nova chance ao amor – Trilogia Chances – II
Outra chance ao amor – Trilogia Chances - III
Apenas fique
Apenas um olhar
Box Trilogia Chances
Contos:
Na ponta dos sonhos
NEROS
Cartas para mamãe
Um doce reencontro
Uma chance para recomeçar – Um conto da Trilogia Chances
O natal da família Sullivan – Um conto de natal da Trilogia Chances
CRÉDITOS
Copyright 2018 © Mila Maia

Capa: ML Capas

Revisão: Débora Schoenhals

Diagramação: Mila Maia

Está é uma obra fictícia. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos são


produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com pessoas vivas
ou mortas é mera coincidência. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizado
em quaisquer meios existentes sem a autorização por escrito da autora.

OBRIGADO PELA LEITURA! SE POSSÍVEL, DEIXE SUA


AVALIAÇÃO NA AMAZON OU NO SKOOB! VOCÊ FARÁ UMA
AUTORA MUITO FELIZ!

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