Você está na página 1de 11

Descrição do livro:

Como ia saber que quando minha mãe foi naquele cruzeiro de férias ia terminar voltando
com um anel de diamantes no dedo e com um marido milionário pendurado no braço?
Continuo repetindo para mim mesma que isso não pode ser real, que não é possível que
ela tenha se casado do nada no meio do nada, que minha mãe é uma pessoa responsável,
que não faria algo assim, que não faria uma coisa dessas comigo. Pois ela fez. E não só
isso, mas agora temos que nos mudar, temos que cruzar todo o país para viver com esse
homem e com o seu filho; tenho que deixar meu instituto, meus amigos, meu namorado, e
tudo, para quê? Para que a minha mãe possa viver seu sonho adolescente e fingir que tudo
o que tivemos que superar estes anos não tivesse existido.
O que eu não esperava, e quero dizer isso completamente, era ter que viver com alguém
como Nicholas. Alto, olhos azuis, cabelo preto como a noite… Parece genial, certo? Bem,
não, um sonoro não. Eu o odeio… e bem, ele também me odeia. O negócio é ver quem
acaba se matando primeiro… Porque eu te digo de todo o coração, Nicholas Leister foi
criado para tornar a minha vida miserável.
Quem diria que eu acabaria me apaixonando por ele?
Prólogo:
-Deixe-me em paz- disse ela andando ao meu redor para sair pela porta. Imediatamente
a agarrei pelos braços e a obriguei a olhar para mim.
-Pode me explicar o que diabos está pensando?- Eu disse furioso.
Ela me olhou e vi algo escuro e profundo em seus olhos, que estava escondendo de
mim, porém ela apenas sorriu sem alegria.
-Este é o seu mundo Nicholas- me disse com calma- Simplesmente eu estou vivendo a
tua vida, curtindo seus amigos e me sentindo livre de problemas. Isso é o que você faz e é o
que eu devo fazer- ela disse e deu um passo para trás para se afastar de mim.
Eu não acreditei no que ouvi.
-Você perdeu completamente o controle- eu disse abaixando o tom de voz. Não gostava
do que meus olhos viam, não gostei de quem estava se tornando a garota por quem pensei
estar apaixonado. Mas pensando bem… o que ela fez e como ela fez… era o mesmo que
eu havia feito, o mesmo que eu fazia antes de conhecê-la, eu a tinha colocado em todas
essas coisas, era minha culpa. Foi minha culpa que estivesse se autodestruindo.
De certa forma tínhamos trocado os papéis. Ela apareceu e me tirou do buraco escuro
em que havia me metido, mas ao fazer isso ela acabou tomando o meu lugar.
Capítulo 1
NOAH
Enquanto subia e descia a janela do novo carro da minha mãe, não podia parar de
pensar no que o próximo ano infernal à minha frente traria. Não parava de me perguntar
como acabamos assim, deixando nossa casa, nosso lar, para cruzar o país até a Califórnia.
Fazia três meses desde que havia recebido a notícia, a mesma que mudaria a minha vida
por completo, a mesma que me fazia querer chorar à noite, a mesma que me fez implorar e
reclamar como uma criança de onze anos em vez de dezessete.
Mas o que eu poderia fazer? Não era maior de idade, ainda faltavam onze meses, três
semanas e dois dias para fazer dezoito anos e poder ir para a faculdade; longe dos meus
pais que só pensam em si mesmos, longe daqueles estranhos com quem eu teria que viver,
porque sim, de agora em diante teria que dividir a minha vida com duas pessoas
completamente desconhecidas e ainda por cima, dois caras.
-Você pode parar de fazer isso? Está me deixando nervosa- disse minha mãe, ao mesmo
tempo que colocava as chaves na ignição e ligava o carro.
-Muitas coisas que você faz me deixam nervosa, e eu tenho que aturar isso- Eu disse a
ela rudemente.O sonoro suspiro que me veio em resposta tornou-se tão rotineiro que nem
mesmo me surpreendeu.
Mas como ela podia me obrigar? Ela não se importava com os meus sentimentos? Claro
que sim, minha mãe me respondeu enquanto nos afastávamos do meu querido povo de
Toronto, no Canadá. Eu ainda não podia acreditar que não iríamos morar sozinhas nunca
mais, era estranho. Já faz sete anos desde que meus pais se separaram, e não de uma
forma convencional e agradável: Foi um divórcio traumático, mas no fim, finalmente acabei
superando… ou pelo menos ainda estava tentando, e morar sozinha com a minha mãe me
deu uma tranquilidade que seria destruída assim que chegasse àquela que seria a minha
nova casa.
Eu era uma pessoa que tinha muita dificuldade de me adaptar às mudanças, tinha pavor
de estar com estranhos, não era tímida, mas muito reservada com minha vida privada e isso
de compartilhar minhas vinte e quatro horas do dia com pessoas que eu mal conhecia, criou
uma ansiedade que me deu vontade de sair do carro e vomitar.
-Ainda não consigo entender porque você não me deixa morar em casa- eu disse
tentando convencê-la no que seria pelo menos a décima vez desde que saímos de casa
ontem de manhã. -Não sou uma menina, eu sei me cuidar, além disso, ano que vem estarei
na faculdade e no final acabarei morando sozinha… é a mesma coisa- disse tentando
fazê-la ver a razão e sabendo que eu estava completamente certa.
-Não vou perder seu último ano do ensino médio e vou curtir minha filha antes de você ir
para estudar. Noah, já te disse mil vezes, quero que você faça parte dessa nova família,
você é minha filha, pelo amor de Deus, você acha mesmo que vou deixar você morar em
outro país sem nenhum adulto e com tanta distância de onde estou? -Respondeu sem tirar
os olhos da estrada e fazendo alarde com sua mão direita.
Minha mãe não entendia como tudo isso era difícil para mim. Ela começou sua nova vida
com um novo marido que supostamente a amava, mas e quanto a mim?
-Você não entende mãe. Não parou para pensar que esse também é meu último ano no
instituto? Que eu tenho lá todas as minhas amigas, meu trabalho, minha equipe...? Toda a
minha vida, mãe! -Eu gritei tentando segurar as lágrimas que estavam prestes a escorrer
pelas minhas bochechas. Aquela situação estava me afetando, isso estava muito claro. Eu
nunca e repito, nunca, eu chorei na frente de ninguém. Chorar é para os fracos, para quem
não sabe controlar o que sentem, ou no meu caso para aqueles que choraram tanto ao
longo da vida que decidiram não derramar nenhuma só lágrima mais.
Esses pensamentos me fizeram lembrar do começo de toda aquela loucura e assim
como sempre fiz, minha cabeça não parava de lamentar não ter acompanhado minha mãe
para aquele maldito cruzeiro pelas ilhas caribenhas. Porque tinha estado ali, num barco no
meio do nada, onde conheceu o incrível e enigmático William Leister.
Se eu pudesse voltar no tempo, não hesitaria um instante em dizer sim para minha mãe
quando ela apareceu em meados de abril com duas passagens para sair de férias. Tinha
sido um presente de sua melhor amiga Alicia, a coitada havia sofrido um acidente com o
carro e quebrou a perna direita, um braço e duas costelas. Como é óbvio que ela não
poderia ir com o marido para as Ilhas Fiji, ela deu para a minha mãe.
Mas vejamos... meados de abril? Nessa época eu estava com os exames finais e
totalmente envolvida nos jogos de vôlei. Minha equipe ficou em primeiro depois de estar em
segundo lugar, desde que me lembro, foi uma das maiores alegrias da minha vida, mas
agora vendo as consequências de não ter comparecido àquela viagem, eu devolveria o
troféu, deixaria o time e não me importaria de repetir a literatura e o espanhol, desde que
aquele casamento não acontecesse.
Casar em um barco! Minha mãe era completamente louca! Eles também se casaram
sem me avisar absolutamente nada, fiquei sabendo assim que ela chegou, e ainda por cima
me contou com tranquilidade, como se casar-se com um milionário no meio do oceano era a
coisa mais normal do mundo...
Toda esta situação era surreal, eu estava saindo do meu pequeno apartamento em um
dos lugares mais frios do Canadá para me mudar para uma mansão na Califórnia, EUA.
Não era nem meu país, embora minha mãe tivesse nascido no Texas e meu pai no
Colorado. Ainda assim eu gosto do Canadá, eu tinha nascido lá, era tudo o que conhecia...
-Noah, você sabe que eu quero o melhor para você- minha mãe disse, fazendo-me
voltar à realidade.- Você sabe o que eu passei, o que nós passamos, e eu finalmente
encontrei um bom homem que me ama e me respeita e faz tempo que não me sinto tão
feliz... preciso dele e sei que você vai amá-lo, e ele também pode lhe oferecer um futuro que
eu nunca poderia ter imaginado te dar.
-Meu instituto em Toronto era muito bom- eu disse suspirando ao mesmo tempo que
pensava na alegria que minha mãe estava. Fazia muitos anos que não a via tão feliz, tão
animada. Era outra pessoa, e eu estava feliz por ela, mas não sabia se conseguiria me
adaptar a mudanças tão radicais na minha vida.
-Um dos melhores...institutos públicos, Noah.-minha mãe me esclareceu. -Agora você vai
poder frequentar um dos melhores do país, e você poderá optar pelas melhores
universidades...
-É que eu não quero ir para uma dessas universidades, mãe, nem quero um estranho
pague por isso- eu disse, sentindo um arrepio ao pensar que em um mês eu começaria em
um colégio chique cheio de garotos ricos.
-Ele não é um estranho, é meu marido, então acostume-se com a ideia- acrescentou ela
em um tom mais forte.
-Eu nunca vou me acostumar com a ideia- eu respondi, desviando o olhar de seu rosto e
focando na estrada.
-Bem, você vai ter que fazer isso porque já estamos chegando- acrescentou ela,
fazendo-me ficar com os nervos à flor da pele e uma sensação estranha no estômago. -Este
é o seu novo bairro.
Concentrei meu olhar nas altas palmeiras e nas ruas que separavam as mansões
extraordinariamente grandes e impressionantes. Cada casa ocupava pelo menos meio
quarteirão e cada uma era diferente da outra. Havia de estilos ingleses, vitorianos e também
muitas em visual moderno com paredes de vidro e enormes jardins com fontes e flores.
Minha mãe dirigiu por ali como se fosse o bairro de sua vida, e comecei a ficar cada vez
mais assustada ao ver que à medida que caminhávamos pela rua as casas ficavam cada
vez maiores.
Finalmente chegamos a um portão de três metros de altura e como se nada tivesse
acontecendo, minha mãe puxou um pequeno controle do porta-luvas, apertou um botão e
as enormes portas começaram a se abrir. Ela voltou a engatar a marcha e descemos uma
colina rodeada de jardins e pinheiros altos que exalavam um cheiro agradável de verão e
mar.
-A casa não é tão alta quanto as outras da região, por isso temos as melhores vistas
para a praia.-Ela me disse com um grande sorriso. Eu me virei para ela e a olhei como se
não a reconhecesse. Ela não se dava conta do que estava ao nosso redor? Não sabia que
isso era muito grande para nós?
Não tive tempo de fazer as perguntas em voz alta porque finalmente chegamos em
casa. Só duas palavras me ocorreram:
MEU DEUS.
A casa era toda branca com telhados altos, cor de areia, tinha pelo menos três andares,
era difícil dizer porque tinha tantos terraços, janelas, tanto de tudo... Tinha uma varanda
impressionante à nossa frente e como já passava das sete da noite, as luzes estavam
acesas, dando ao edifício um aspecto sonhador. Lá fora o sol se poria em breve e o céu já
estava pintado de muitas cores, contrastavam com o branco imaculado da casa. As grandes
persianas da varanda teriam pelo menos seis metros de comprimento e sem falar da
impressionante entrada, cuja fonte central esguichava de mil lugares diferentes.
Minha mãe desligou o carro depois que contornamos a fonte e estacionamos diante dos
degraus que nos levariam até a porta da frente. A primeira impressão que tive ao descer, foi
de ter chegado ao hotel mais luxuoso de toda a Califórnia. Só que não era um hotel, era
uma casa… Supostamente uma casa... Ou pelo menos é o que minha mãe queria que eu
acreditasse.
Assim que saí do carro, William Leister apareceu na porta. Atrás dele estavam três
homens vestidos de pinguins que correram em nossa direção.
O novo marido da minha mãe não estava vestido como eu o tinha visto nas poucas
vezes que tinha me dignado a estar com ele na mesma sala. Em vez de usar ternos ou
coletes caros, ele estava vestido com uma bermuda branca e uma camisa pólo azul claro.
Estava calçado com chinelos de praia e seus cabelos escuros: despenteados em vez de
alinhados para trás. Tinha que admitir que eu podia entender o que minha mãe viu nele. O
homem era muito atrativo. Ele era alto, muito mais alto que minha mãe e ela já tinha um
pouco mais de um e setenta, ele está bem cuidado e com isso quero dizer que estava claro
que frequentava a academia, o seu rosto era bastante elegante, embora, é claro, mostrasse
os traços da idade. Ele tinha algumas rugas na testa e nas laterais da boca, e seus cabelos
pretos já expressavam alguns fios grisalhos, mas que lhe davam um ar interessante e
maduro.
Ele nos cumprimentou com um grande sorriso e desceu as escadas para cumprimentar
minha mãe, que ela correu até ele como uma colegial para poder abraçá-lo. Eu tomei meu
tempo, saí do carro e fui ao porta-malas pegar minhas coisas.
Mãos enluvadas apareceram do nada e eu recuei com um sobressalto.
-Vou pegar suas coisas, senhorita- disse-me um dos homens vestidos de pinguins.
-Eu posso fazer isso sozinha, obrigada- respondi, me sentindo muito desconfortável.
O homem olhou para mim como se tivesse enlouquecido.
-Deixe Pret ajudá-la, Noah- disse William Leister atrás de mim.
Relutantemente larguei minha mala e me virei para o casal que veio em minha direção.
-Estou tão feliz em ver você, Noah- disse o marido de minha mãe ao lado dela, sorrindo
afetuosamente para mim.
Ao lado dele minha mãe não parava de fazer gestos com o rosto para eu me comportar,
sorrir ou dizer algo.
-Eu não posso dizer o mesmo.- Respondi, estendendo minha mão para ele apertar. Eu
sabia que o que acabei de fazer foi extremamente rude, mas naquele momento me parecia
correto dizer a verdade.
Queria deixar claro onde eu estava nessa mudança em nossas vidas.
William não pareceu ofendido e se adiantou para apertar minha mão entre as suas. Ele
segurou minha mão por mais tempo do que deveria e me senti instantaneamente
desconfortável.
-Sei que é uma mudança muito brusca em sua vida, Noah, mas quero que se sinta em
casa, que você goste do que posso lhe oferecer, mas acima de tudo que você possa me
aceitar como parte de sua família... em algum momento- Adicionou, certamente vendo
minha cara de descrença. Ao seu lado, minha mãe olhou para mim com seus olhos azuis
fulminantes.
A única coisa que consegui fazer foi acenar com a cabeça e me afastar para trás para
que ele soltasse a minha mão. Não gostava dessas demonstrações de afeto, e menos ainda
de pessoas que eram desconhecidas para mim. Minha mãe se casou, muito bom para ela,
mas aquele homem nunca seria ninguém, nem pai, nem padrasto, nem nada que se
parecesse com ele. Eu já tive um pai, e com ele tinha tido mais do que suficiente.
-Que tal te mostrarmos a casa?- Ele disse com um grande sorriso, alheio à minha frieza
e mau humor.
-Vamos Noah- minha mãe disse, enlaçando seu braço no meu. Ela não foi nada
amigável, muito pelo contrário, assim eu não poderia fazer nada além de caminhar ao seu
lado.
As luzes da casa estavam acesas, então não perdi nenhum detalhe da mansão grande
demais até para uma família de vinte pessoas… e nem fale que somos quatro. Os tetos
eram altos, com vigas de madeira e grandes janelas para o exterior. Havia uma grande
escadaria no centro de uma enorme sala que se curvava para ambos os lados do piso
superior. Minha mãe e seu marido me levaram para conhecer a mansão, me mostraram a
enorme sala de estar com uma TV de pelo menos mil polegadas, se é que isso existisse, a
grande cozinha com ilha incluída, algo que eu suponho que minha mãe adoraria, já que ao
contrário de mim ela adorava cozinhar. Naquela casa havia de tudo, desde ginásio, piscina
aquecida, salões para fazer festas e uma grande biblioteca, que foi o que mais me
impressionou. Eu adorava ler, então fiquei surpresa ao ver aquelas estantes enormes com
milhares e milhares de livros.
-Sua mãe me disse que você gosta muito de ler e escrever- William me disse me fazendo
acordar do meu sonho.
-Como milhares de pessoas neste país- respondi secamente. Incomodou-me que ele se
dirigisse a mim com aquela gentileza, não queria que ele falasse comigo, simples assim. Eu
teria preferido que ele me ignorasse.
-Noah- minha mãe me disse, fixando os olhos nos meus. Eu sabia que a estava
colocando em um mau tempo, mas ela aguentava, já eu ia ter um ano ruim e não pude fazer
nada a respeito.
William parecia alheio à nossa troca de olhares e não perdeu o sorriso em nenhum
momento.
Suspirei frustrada e desconfortável. Isso é demais, diferente, extravagante... não sabia se
ia me acostumar a viver em um lugar como este.
De repente precisava ficar sozinha, precisava de um tempo para conseguir assimilar as
coisas...
-Estou cansada, posso ir para o que será meu quarto?- Eu disse em um tom de voz
menos áspero.
-Claro, a viagem foi muito longa, você vai querer se lavar e ficar confortável- William me
disse enquanto saíamos da biblioteca e íamos para as escadas.
-O lado direito do segundo andar é onde fica o seu quarto e o de Nicholas. Tem uma
grande sala com cinema e todo tipo de aparelhos eletrônicos... Você pode convidar quem
você quiser, Nick não se importará, afinal, de agora em diante, compartilharão a sala de
jogos.
A sala de jogos? A sério? Eu sorri o melhor que pude tentando não pensar que a partir
de agora, também teria que morar com o filho de William. Eu não o conhecia, só sabia o
que minha mãe tinha me falado dele, e era que ele tinha 21 anos, estudava na Universidade
da Califórnia, jogava futebol e era um riquinho insuportável. Bem, havia aquele último que
eu acrescentei, mas com certeza era a verdade.
Enquanto subíamos as escadas eu não conseguia parar de pensar que dali em diante
eu teria que viver com dois homens estranhos. Fazia dez anos desde a última vez que um
homem, meu pai, tinha estado em minha casa. Eu tinha me acostumado a ser apenas
garotas, apenas duas. Morar com minha mãe nunca foi um caminho de rosas,
principalmente durante meus primeiros sete anos de vida, os problemas com meu pai
haviam marcado tanto minha vida quanto a dela, assim como milhares de pessoas que
sofriam um divorcio, tanto para adultos como para crianças.
Depois que meu pai nos deixou, minha mãe e eu seguimos em frente, aos poucos fomos
conseguindo viver juntas como duas pessoas normais e conforme fui crescendo minha mãe
ia se tornando uma das minhas melhores amigas. Ela não era alguém rígida ou
controladora, ela me deu a liberdade que eu queria e foi justamente porque ela confiava em
mim, e eu nela... ou pelo menos até que ela decidiu jogar nossas vidas ao mar.
-Este é o seu quarto- disse minha mãe, parada na frente de uma porta de madeira
escura. Minha porta estava localizada no início de um grande corredor que tinha, na parede
oposta, mais duas portas, embora bem distantes da minha.
Olhei para o rosto de minha mãe e depois para o de William. Eles estavam sorrindo, na
expectativa...
-Posso entrar?- Perguntei ironicamente ao ver que ela não se afastava da porta.
-Este quarto é meu presente pessoal para você, Noah- disse minha mãe, com os olhos
brilhantes de expectativa.
Observei-a com cautela, e assim que ela se afastou abri a porta com cuidado, com medo
do que poderia acontecer, do que poderia encontrar.
A primeira coisa que meus sentidos captaram foi o cheiro delicioso das margaridas e do
mar. Meus olhos se fixaram primeiro na parede que ficava em frente à porta e que era
totalmente de vidro. As vistas eram tão impressionantes que fiquei sem palavras pela
primeira vez. O oceano é completamente visto de onde eu estava, a casa devia estar no
topo de um penhasco porque da minha posição eu só via o mar e o impressionante pôr do
sol que acontecia naquele instante. Era surpreendente.
-Meu Deus- repeti novamente no que se tornou minha frase favorita. Meus olhos
seguiram andando pela sala: Era enorme, na parede esquerda havia uma cama de dossel
com milhares de almofadas brancas para combinar com as cores das paredes que foram
pintadas em uma cor agradável de cor azul claro. A mobília, que incluía uma escrivaninha
com um computador Mac gigante, um lindo sofá, uma penteadeira com espelho e uma
enorme estante com todos os meus livros, eles eram de cor branca e azul. Essas cores
aliadas à vista impressionante que estava se desenrolando na minha frente era a coisa mais
linda que eu já tinha visto em toda a minha vida.
E para ser honesta... estou encantada, mas também impressionada. Isso tudo foi para
mim?
-Você gostou?- Minha mãe perguntou pelas minhas costas.
-É incrível...obrigada- eu disse me sentindo grata, mas ao mesmo tempo desconfortável
e até mesmo comprada.
-Estou trabalhando com uma decoradora profissional há quase duas semanas...queria
que tivesse tudo que você sempre quis e eu nunca pude te dar- ela me disse emocionada.
A observei por alguns momentos e sabia que não podia reclamar disso... Um quarto assim é
o sonho de qualquer adolescente e também de qualquer mãe.
Caminhei até ela e a abracei. Fazia pelo menos três meses desde que eu tive qualquer
tipo de contato físico com ela e eu sabia o quanto isso era importante para a minha mãe.
-Obrigada, Noah- ela sussurrou em meu ouvido para que só eu pudesse ouvi-la.- Eu juro
que farei tudo possível para nós dois sermos felizes.
-Eu vou ficar bem, mãe- respondi, sabendo que o que ela estava dizendo não estava em
suas mãos, mas nas minhas.
Minha mãe me soltou, enxugou uma lágrima que escorreu por sua bochecha e se
colocou ao lado do seu novo marido.
-Vamos deixar você se acomodar- William me disse gentilmente.
Eu balancei a cabeça sem agradecê-lo. Tudo nesta casa não era nenhum esforço para
ele. Era apenas dinheiro.
Depois disso, eles partiram deixando-me sozinha. Fechei a porta e observei que havia
trinco. Senti um alívio repentino e me afastei para continuar investigando o que seria daqui
para frente o meu refúgio. O piso era de madeira clara, mas em alguns lugares, como
embaixo da minha cama e ao lado da janela de vidro, um tapete branco tão grosso que dá
até para dormir sobre ele. Tirei os chinelos e deslizei os pés na suavidade do mesmo.
Suspirei de prazer enquanto acariciava a maciez da minha cama e me dirigia para uma
das portas que havia ali. Ao entrar adorei ver o banheiro privativo que era só para mim. Não
me surpreendeu nada, ainda mais em uma casa desse tamanho, e adorei saber que não
tinha que dividir o banheiro com um cara de vinte anos que eu nem conhecia. O banheiro
era tão grande quanto minha antiga casa e tinha um chuveiro, banheira e duas pias
individuais. O que me intrigava e preocupava era que a parede da frente, como a do meu
quarto, era de vidro. Eu não ia ficar sem roupa lá sabendo que qualquer um no chão lá
embaixo que olhasse para cima poderia me ver nua. Caminhei até a parede e me inclinei
para fora. Em efeito lá embaixo estava o jardim dos fundos da casa, e depois de ficar
impressionada novamente ao ver a imensa piscina e os jardins com flores e palmeiras,
voltei à minha preocupação principal, que era que eles iam me ver nua.
Então eu vi o pequeno botão que estava ao lado da banheira. Eu apertei e pouco a
pouco o vidro do banheiro começou a mudar de cor… Ficou mais escuro, mas você ainda
pode aproveitar as vistas incríveis do lado de fora. Sorri ao perceber que ao apertar aquele
botão ninguém de fora poderia me ver… Ao contrário de mim, claro.
Saí do banheiro e então percebi o pequeno quadrado sem porta na parede em frente ao
banheiro. Ai meu Deus… um closet.
Quase atravessei o espaço correndo e entrei no sonho de qualquer mulher, adolescente
ou menina. Ele tinha um armário, e não um armário vazio, mas cheio de roupas novas.
Soltei o ar que estava me segurando e comecei a correr meus dedos sobre as roupas
incríveis que estavam penduradas e dobradas nas prateleiras. Elas estavam todas com
etiquetas e só bastou eu ver o preço de um para perceber o quanto eram caras. Minha mãe
era louca, ou quem foi que convenceu a gastar todo aquele dinheiro em trapos para vestir.
Vejamos, vamos deixar uma coisa clara... eu estava pirando com as cores e não podia
acreditar que tinha todas aquelas coisas para mim, mas no fundo eu não conseguia me
livrar daquela sensação incômoda, de que nada estava real, que logo eu acordaria e estaria
em meu antigo quarto com minhas roupas comuns e minha cama de solteiro, e o pior de
tudo é que eu desejava com todas as minhas forças era acordar, porque essa não era a
minha vida, não era o que eu queria... Queria voltar para casa com todas as minhas forças.
Senti um nó no estômago tão incômodo e uma angústia dentro de mim, que me deixei
deslizar entre os sapatos e vestidos, apoiei a cabeça nos joelhos e respirei fundo, todas as
vezes que foram necessárias até que a vontade de chorar desaparecesse.
Depois da minha pequena crise, fui até as minhas malas que haviam sido trazidas para
o meu quarto antes mesmo que cheguei, e corri para pegar um short e uma camiseta
simples. Eu não queria mudar meu jeito de ser e não pensava em começar a usar camisas
pólo de marca e calças Ralf Lauren. Com a roupa separada, entrei no chuveiro, tirando toda
a sujeira e desconforto da longa viagem que havíamos feito. Sequei meu cabelo com o
secador que havia ali e fiquei grata por não ser uma daquelas meninas que tem que fazer
de tudo para que o cabelo fique bem. Por sorte, herdei o cabelo ondulado da minha mãe e
foi assim que ficou quando terminei de seca-lo. Vesti-me com o que tinha escolhido e pensei
em dar uma volta pela casa e também procurar um lanche.
Foi estranho andar ali sozinha...me senti uma completa estranha e fiquei com medo de
encontrar alguém e eles olharem para mim com cara de mau. Levaria muito tempo para se
acostumar a viver ali, mas sobretudo, ao luxo e imensidão daquele lugar. No meu antigo
apartamento bastava falar um pouco mais alto que o normal, para que pudéssemos nos
ouvir quando eu estava na cozinha e minha mãe no quarto dela, nossa casa era tão
pequena que bastava apenas isso para poder se comunicar. Aqui isso era completamente
impossível. Nem mesmo se eu gritasse, seria ouvida no meio de tantos quartos e
corredores, e sala, escada... puff. Era muito esmagador.
Depois de descer as escadas, fui para a cozinha, rezando para não me perder. Minha
mãe e seu marido haviam desaparecido. Eu só tinha encontrado uma mulher que estava
vestida com um avental branco e uniforme preto, muito parecidos com os dois homens que
nos receberam na entrada há algumas horas. Parecia estranho isso de ter pessoas
trabalhando para mim, limpando minhas coisas e fazendo a minha comida. Eu esperava
que minha mãe continuasse a se encarregar da cozinha, ela sempre gostou e eu adorava
como ela cozinhava.
Alguns minutos depois cheguei ao meu destino. Eu estava morrendo de fome, precisava
de um pouco de comida lixo no meu corpo com urgência. Infelizmente, quando entrei, não
estava sozinha. Havia alguém remexendo na geladeira, eu só conseguia ver o topo de uma
cabeça de cabelo escuro e quando eu ia dizer alguma coisa, um latido ensurdecedor me fez
gritar ridiculamente igual as menininhas fazem.
Eu me virei com um sobressalto para ver a causa do meu susto, ao mesmo tempo que a
cabeça da geladeira espreitou para ver quem estava fazendo tal escândalo.
Bem ao lado da ilha da cozinha estava um cachorro preto, lindo e me olhando com os
olhos de quem quer me comer aos poucos. Se não me engano era um labrador, mas não
tinha certeza. Meus olhos se desviaram do cachorro para o menino ao lado dele.
Observei com curiosidade e ao mesmo tempo com espanto o que certamente era o filho
de William, Nicholas Leister. A primeira coisa que me veio à cabeça assim que o vi foi: que
olhos! Eles eram azul céu, tão claros quanto as paredes do meu quarto, e contrastavam de
forma assustadora com a cor preta de seu cabelo, que estava desgrenhado e úmido de
suor. Aparentemente acabou de praticar esportes porque estava de bermuda e regata larga.
Deus, ele era muito bonito, isso tinha que ser admitido, mas não deixei que esses
pensamentos me fizessem esquecer a pessoa à minha frente. Este era meu novo
meio-irmão, a pessoa com quem eu viveria este ano de tortura...
E não gostei nada.
-Você é Nicholas, certo?- Eu perguntei tentando controlar meu medo do cachorro
endemoniado que ficava rosnando para mim de uma forma assustadora. Fiquei surpresa e
chateada quando ele desviou o olhar para o cachorro, e sorriu.
-O mesmo- disse ele, fixando os olhos em mim novamente. -Você deve ser a filha da
nova esposa do meu pai- disse, e eu não pude acreditar que ele falou isso de uma forma
tão impessoal assim. Eu o observei estreitando meus olhos.
-Seu nome era...?- ele me perguntou e eu não pude deixar de arregalar os olhos em
espanto e descrença. Não sabia meu nome? Nossos pais se casaram, eu e minha mãe nos
mudamos! E ele nem sabia meu nome?
-Noah- eu disse secamente. -Meu nome é Noah.

Você também pode gostar