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FAMÍLIA: conceito histórico e funções

O estudo do conceito de ‘família’ é algo dinâmico, mutável através dos tempos, e


acompanha o próprio processo evolutivo das civilizações. Pensar na origem da estrutura
que hoje chamamos família, é perder-se no tempo e viajar por um passado quase
imensurável. Segundo ao antropólogo evolucionista Lewis Henry Morgan (1818-1881)
partes da família humana existiram num estado de selvageria, outras partes viveram na
barbárie, e outras no estado de civilização já mais organizado. Por isso, a história tende à
conclusão de que a história humana seguiu um caminho evolutivo da selvageria até a
civilização.
Em povos primitivos o agrupamento de pessoas dava-se em torno de um ‘patriarca’, um
chefe sagrado que tinha poder sobre toda tribo; poderes administrativos, poder de julgar
a vida dos seus membros, poder religioso de conduzir os cultos e rituais sagrados. Este
agrupamento não necessariamente formava-se por elos de sangue, mas por afinidade e
objetivos comuns da ‘comunidade’.
Na Roma antiga a família era também uma estrutura patriarcal. Daí a origem latina da
palavra ‘família’ (famulus), que significa escravo, pois no direito romano o pai tinha
direito de vida e de morte sobre todos que viviam sobre suas ordens: a mãe, os filhos,
escravos, etc. Daí o termo conhecido como família patriarcal.
No período colonial, mais próximos a nós, portanto, a organização se dava em torno do
latifúndio (da terra), e ao pai cabia o direito de chefiar todos os membros e decidir sobre
suas vidas, não importando o laço sanguíneo. O pai era o grande proprietário: das terras,
dos bens e das pessoas que habitavam sob seu domínio. As mulheres (esposas e filhas)
eram figuras quase esquecidas, viviam em casa, quando saiam era para as obrigações
religiosas e, geralmente, acompanhadas por algum homem, não podiam estudar, tinham
filhos muito jovens e, por isso, morriam também muito mais cedo (muitas vezes pelas
complicações do parto).
Ainda neste período colonial, aos filhos homens reserva-se outro destino. O mais velho
era o herdeiro natural e seguidor da administração do pai; o segundo deveria ser padre,
motivo de orgulho à toda família; ao terceiro, cabia os estudos acadêmicos e seguimento
de uma carreira. A Igreja, por sua vez, vem adicionar à união entre um homem e uma
mulher as bençãos sagradas constituindo, desse modo, uma união legalizada e
socialmente reconhecida. Compreende-se, a partir disto, o modelo machista, patriarcal e
nucelar do modelo de família que nós conhecemos em nossa época.
A família, pois, não é uma compreensão estática ao longo da história. Segundo Morgan,
ela é um elemento ativo, nunca estacionada, mas que passa de uma condição inferior a
uma condição superior, à medida que a sociedade também passou de formas mais
primitivas à formas mais refinadas de organização.
Nesta compreensão de evolução podemos chegar ao nosso tempo moderno e
contemporâneo, na qual a Revolução Industrial teve marcada influência, pois as novas
tecnologias, a vida nas fábricas, o aprimoramento técnico e as novas regras do trabalho
obrigou as pessoas saírem de casa para trabalhar. Agora não mais somente “o chefe”, mas
também a esposa, os filhos, para dar contar da subsistência familiar. Este foi um grande
salto; mudou as relações, arrancou a mulher daquela posição de secundária, levou aos
deslocamentos para ir aonde o trabalho está (migrações), provocando um fenômeno de
“separação” deste familiar nucelar, advindo um certo individualismo nas relações.
E em pleno século XXI é isso que observamos: pessoas migrando para outras regiões
distantes da sua terra de origem, jovens entrando no mercado de trabalho, a mulher
emancipada e com igualdade de direitos (a despeito de toda uma marca permanente de
desigualdade), o casamento não sendo mais um “laço obrigatório”, a vida sexual não
apenas como reprodutora. Mudanças que alteraram na estrutura do conceito familiar, mas
também no interior das pessoas, ou seja, na subjetividade do que cada pessoa se
compreende como ser vivente. É o exemplo da mulher, antes destinada ao papel
secundário de cuidar da casa e dos filhos, enquanto o marido saia para buscar o sustento,
hoje ela precisa cuidar da casa e dos filhos e sair para trabalhar. Ou da mulher que quer
manter uma relação estável, mas não deseja filhos, lançando mão de artifícios que
impedem a gravidez.
É, portanto, uma mudança de paradigma. Com isso vieram as novas configurações
familiares, não mais aquela família nuclear como tão historicamente foi construída. De
modo semelhante, a concepção de que família não é uma mera união consanguínea, senão
laços que unem pessoas, sobretudo pela força do afeto e das afinidades em comum; que
não se restringe à união entre homem e mulher, mas pessoas de mesmo sexo que decidem
unir-se, criar filhos, ampliando o conceito de família. Podemos dizer de uma “nova ordem
familiar” que assim se fez acompanhando as transformações sociais, econômicas,
políticas e culturais ocorridas ao longo dos tempos.
Mas algo é importante de uma compreensão que se mantém: a família é um berço de
aprendizagem, um laboratório para a formação da personalidade e do caráter do
indivíduo. É um espaço de socialização, de busca coletiva de estratégias de sobrevivência,
possibilidade de desenvolvimento individual e grupal, sendo, portanto, de fundamental
valor para a compreensão do desenvolvimento humano.
Segundo Minuchin (1985, 1988) a família é um complexo sistema de organização, com
crenças, valores e práticas desenvolvidas ligadas diretamente às transformações da
sociedade, em busca da melhor adaptação possível para a sobrevivência de seus membros
e da instituição como um todo. O sistema familiar muda à medida que a sociedade muda,
e todos os seus membros podem ser afetados por pressões interna e externa, fazendo que
ela se modifique com a finalidade de assegurar a continuidade e o crescimento
psicossocial de seus membros.
E qual seria o papel sociológico da família? Socialização, espaço de aprendizado
relacional, provimento econômico (principalmente dos incapazes), reprodução, educação
(cada vez mais partilhado com a escola, as redes socias, o mundo em volta).
Contudo, é preciso ter algum cuidado para não cair num estrito conceito funcionalista de
família, já existente nas ciências sociais, e que atribui à família o papel de ensinar aos
filhos. Compreendemos que é também na família que a criança aprende a ser pessoa.
Como também não é um lugar de mera procriação (como alguns autores seguem
defendendo como necessário para perpetuação da espécie), mas um lugar de trocas e
aprendizados, exercício do afeto.
Como já dito, novos modelos e configurações surgiram e, talvez, continuem a surgir. Para
uma compreensão mais acadêmica, enumeramos “os tipos” de família reconhecidos pelas
ciências sociais, embora as denominações quanto aos tipos de família possam constituir
uma lista bem extensa.
Família nucelar: pai, mãe e filhos.
Família monoparental: qualquer um dos pais (pai ou mãe) e o filho ou filhos.
Família reconstituída: resulta da união de conjugues, já divorciado e com filhos desta
1ª união, que formam uma nova família cada qual trazendo seus filhos anteriores.
Família Extensa: moram no mesmo lugar outros parentes consanguíneos (tios, avós,
primos, etc).
Família homoparental: quando os conjugues são de mesmo sexo.
Família Uniparental: constituída por um único membro.
Família anaparental: formada sem os pais, vivem apenas os irmãos.
Família eudemonista: formada unicamente pelo afeto e solidariedade de uma pessoa
para com outra.

Concluímos, com isso, ser o conceito de família algo que se constitui de modo dinâmico
ao longo do tempo e dentro de uma cultura particular. A concepção de família no ocidente
é algo diversa do que segue sendo nos países islâmicos, pois cada cultura, e nisso há forte
influencia da religião, traz seu código moral de família e casamento. O que não podemos
negar é das novas aberturas e compreensões que o status família carrega hoje em nosso
meio. Naturalmente isto traz um grande desafio, pois resistências e incompreensões
podem surgir. Os elementos da vida social e econômica também exercem marcada
influencia, haja visto o número de homens que abandonam a família quando atravessam
crise financeiras, ou das mulheres vitimas de violência doméstica que decidem por largar
seus companheiros, muitas delas optando por uma vida mais autônoma.
Com tais mudanças e desafios impostos, é papel da psicologia (e, portanto, do psicólogo)
compreender estas novas configurações e pôr-se apto à escuta. Ao estudante de
psicologia, cabe abrir sua compreensão e estar apto para discutir questões tais, como:
A) Dentro de tantas transformações e novas configurações que vem surgindo, como
manifesta-se o sofrimento nesta dinâmica familiar?
B) Que sintomas de adoecimento têm sido manifestos pelas estruturas (as mais
diversas) de família?

Profº Carlos Mendes


Psicoterapia de Família, Casal e Criança

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