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Belo Horizonte. 24 de dezembro de 2054. Atualmente.

Tá Ok. Temos alguns fatos constatados. Eu não acredito no coelhinho da


Páscoa, apesar de todo ano esperar que um ovo de chocolate surja do nada em
meu dia sem que eu esteja esperando. Não acredito em elfos, duendes, fadas e
gnomos, mesmo que de vez em quando eu já tenha visto alguns passeando por aí,
nem em cegonha, mas meu vizinho nasceu outro dia mesmo e eu nem sequer vi a
mãe dele grávida. ​Como esse bebê surgiu? Muito menos em Saci Pererê, apesar de
que minhas coisas sempre somem quando preciso e eu nunca as ache. ​Aliás, cadê
meus óculos que estavam aqui? Não acredito em Papai Noel, mas neste Natal eu
acho que esse fato talvez possa mudar. Porém, acredito em contos de fadas, em
princesas, príncipes, em “felizes para sempre”, músicas de casalzinho com
passarinhos assoviando ao fundo, sorrisos e mais sorrisos, cavalo branco​, tá, tá,
pode ser um carro conversível que já está de bom tamanho, não precisa ser
necessariamente um cavalo,​ creio ser possível viver um sonho. E se for possível, eu
não quero acordar. E é aqui que nossa história começa…

Minha mãe achou que seria legal me “dar de presente” de Natal (uma coisa
que sempre foi minha) todos os diários que escrevi em minha vida para me ajudar
na minha futura vida de jornalista. Estou tentando entrar na faculdade, acabei de
finalizar o ensino médio, sigo apenas esperando o tão temido resultado da prova de
vestibular, e segundo a minha mãe, seria bom eu reler e ver o quanto eu sempre
gostei de escrever. Acho que foi uma maneira que ela encontrou de me incentivar,
pois nesses últimos dias eu estava bem desanimada e com medo de não ser
aprovada para o curso que tanto desejo. Finalmente, com dezenove anos, eu tinha
certeza que jornalismo era o que eu queria. O resultado sai depois do réveillon, e
pensar nisso já me deixa completamente ansiosa.

Voltando aos diários… Estavam todos no “quarto da bagunça”, eu os


mantinha guardados em uma caixa de madeira. Coloquei-os lá porque não queria
recordar o quanto minha vida foi um desastre nesses últimos anos. Aconteceram
tantas coisas que preferi deixar tudo bem guardado longe dos meus olhos para não
querer reviver esses acontecimentos. ​Como se eu precisasse deles para relembrar
cada momento marcante desses meus últimos anos… A mente é um território
perigoso e o coração é ainda mais. ​E dona Marilu comprou uma caixa nova, toda
dourada com meu nome em cima, escrito em letras garrafais “ L I L Y”, para colocar
todos os sete diários já escritos até hoje.

Mamãe estava louca ou algo do tipo? Será que colocaram algo na bebida
que vamos tomar hoje a noite na ceia de Natal? Pois ela deve ter pirado por achar
que eu iria querer ler tudo que escrevi até hoje sobre mim mesma. Ah,
definitivamente, ela não deve estar batendo bem da cabeça. Toda essa neve que
anda caindo aqui em BH deve ter afetado seu raciocínio. A bonita simplesmente
deixou a caixa em cima do meu travesseiro e saiu do meu quarto. Apenas. Dá pra
acreditar? Mas como me conheço bem e vivo me sabotando, peguei o presente só
para dar uma espiadinha. Aproveitei e peguei também o diário que estou
escrevendo neste ano.

Fui à cozinha fazer um chocolate quente e um brigadeiro, peguei um pacote


de bolachas, chamei minha cachorrinha Mila para vir comigo e me deitei nas minhas
cobertas com um pijama bem grosso. Ainda era de tarde, então eu teria muito
tempo até ter que me arrumar e me produzir para… ficar sentada na sala com as
pessoas que já moram comigo. Ainda não consigo entender certas tradições… por
que simplesmente não podemos ficar de pijama na noite de Natal? Humpf.

Aqui em BH faz muito frio nessa época do ano, é neve o dia inteiro o que
atrai muitos turistas para passar as festas de fim de ano. Como eu amo frio, sou
apaixonada pelo mês de dezembro! Por mim, viveria todos os doze meses do ano
com esse clima gostoso e com a elegância que a neve consegue nos trazer. E a
cidade fica linda demais. Na Praça da Liberdade, temos um espaço só para poder
patinar,o que sem dúvidas nos traz muita diversão​. E muitos tombos, diga-se de
​ ão entendo como alguém pode preferir o calor, as pessoas ficam mais
passagem. N
estressadas, cansadas, passam mal. Sou mil vezes mais o frio!

Mamy uma vez me disse que na sua adolescência não existia neve em BH.
Fico pensando em como isso é possível. Não consigo imaginar a Savassi em pleno
Natal sem aquela camada de neve branquinha dando um toque especial com as
luzinhas dos pisca-piscas. É um dos lugares mais lindos da cidade para frequentar
em dezembro. Chega a ser mágico. ​Pensar na Praça do Papa então sem a pista
para esquiar parece uma loucura​. Ela me contou que nessa época, há mais ou
menos quarenta anos, todos sentiam calor demais, a temperatura era muito alta. A
única saída era ir para lugares com ar condicionado, os shoppings lotavam com
toda a programação natalina, as crianças brincando e uma praça de alimentação
que parecia um formigueiro. ​O Natal era totalmente diferente, levando em
consideração esse fato da ausência de neve! Dá até para entender, com tudo o que
o mundo passou, principalmente os efeitos do aquecimento global, levando a um
impacto de temperaturas extremas, seja de frio ou de calor (no nosso caso,
claramente fomos afetados pelo frio. ​:)

Bom, tenho o hábito de escrever desde os meus treze anos. No Natal


daquele ano, minha madrinha me deu um diário, que posso dizer que foi o pontapé
para que a escrita se tornasse um ​hobby​. E desde então, mantenho esse costume,
colocando tudo no papel. ​Sim, parece coisa de gente velha, mas eu amo ainda
poder escrever nas folhas, enquanto muita gente nem sabe mais por onde anda
uma caneta. Helô, minha melhor amiga, sempre me disse que um dia eu seria
escritora pois eu tinha uma imaginação muito fértil e gostava de criar histórias.
Quando éramos crianças, enquanto ela queria brincar de boneca, eu queria ler os
contos de fadas e inventar um novo final para cada um e eu fazia ela ouvir tudo.
Amigos são pra isso, né? :D

Sempre falo que quando eu escrevo, um peso gigante sai das minhas costas.
Escrever é libertador, mas recordar os anos passados ainda era algo doloroso para
mim, só que uma hora ou outra eu teria que enfrentar aquilo. E esse momento havia
chegado. Era agora.

Páscoa, 2050.

O instante em que tudo começou a mudar foi no feriado de páscoa, quando


eu tinha quinze anos. Na comemoração em família, chegou na casa dos meus avós
um menino um pouco desajeitado, mas muito bonitinho, que era enteado da minha
tia. Ele se chamava Renato. Como éramos os únicos adolescentes da festa, ficamos
juntos, jogando conversa fora, ​apesar de eu ser bem tímida com alguém que acabei
de conhecer, mas com ele tudo se tornava fácil, a conversa fluía, a gente se deu
bem de primeira. E foi aí que minha vida mudou. Para pior, vendo por agora.
Depois do feriado, a gente não se desgrudou mais. Foi sintonia à primeira
vista. Eu e Renato tivemos nosso primeiro encontro "de verdade", com direito a
borboletas no estômago, brilho nos olhos e foi tudo perfeito. Bem paixonite, o típico
primeiro amor. Começamos a namorar do dia para a noite. Doce ilusão dos meus
quinze anos achar que essa minha paixão se transformaria em um amor que eu
viveria para toda a eternidade… Quando somos adolescentes temos na cabeça que
tudo vai durar para sempre, tudo é muito intenso, do amor à dor.

Se não nos encontrávamos pessoalmente, a gente conversava o dia inteiro


no InterSpace, que usávamos vinte e quatro horas por dia. Mesmo estudando em
escolas diferentes, nós sempre demos um jeito de nos ver além do fim de semana.
E eu vivi muitos momentos felizes com ele. Eu diria que uns dos melhores da minha
vida, mesmo ainda sendo bem novinha. Eu era mais tranquila do que sou hoje. Meu
coração era dele.

Fizemos nossa primeira viagem juntos para Gramado com a minha


família. Ele também gostava muito de frio assim como eu, e não hesitei em
chamá-lo para ir conosco. E foram dias perfeitos que passamos juntos. Regados à
chocolate quente, fotos lindas, roupas felpudas. Andamos de pedalinho no Lago
Negro, um passeio super romântico que me fez ficar suspirando. Fomos também à
Fonte do Amor Eterno onde deixamos cadeados com os nossos nomes como
símbolo do nosso amor, ​me senti em Paris e protagonista de um filme clássico que
eu amo assistir, que se chama “Cartas para Julieta”. E, claro, compramos vários
tipos de chocolate para dar de presente para a família dele. Sem dúvidas foi uma
viagem inesquecível. Tínhamos também nossas músicas, segredos e piadas
internas que só nós dois entedíamos… A gente se dava muito bem.

Mas como tudo em minha vida, ​tudo mesmo, ​que é bom dura pouco, não
seria diferente com ele. As coisas começaram a desandar de um modo que até hoje
não entendo direito, só sei que as coisas começaram a dar errado. Depois de um
ano de namoro, vieram as brigas infantis, ciúmes bobos e possessivos, e tudo que
um casal passa, todas essas coisas "normais" começaram a se intensificar no nosso
relacionamento. Resultado? Isso mesmo, um término super doloroso pra mim, com
direito a muitas lágrimas.
"Acho que a gente deve terminar", ele me disse sem nenhum remorso na
voz. "Terminar? Por quê? Você acha que tudo seria perfeito para sempre sem
nenhuma briga? Poxa, Rê… vamos conseguir acertar nossas diferenças, vamos
fazer dar certo." Questionei, e ele apenas me olhou e confirmou com o olhar. Aquela
“luta” nem havia começado e eu já tinha perdido. Não ia implorar pra ele ficar, não ia
me rebaixar a isso, pelo menos um pingo de amor próprio eu tinha. Ele foi embora
sem olhar para trás, sem mais e nem menos, como se apenas eu tivesse vivido e
sido feliz naquele tempo todo.

O jeito com que ele fez o término acontecer me machucou muito, acho que
mais do que o término em si. O descaso e falta de vontade de ficar comigo me
doeram muito. É engraçado como passamos e dedicamos um tempo valioso da
nossa vida, achando que o outro está sentindo e retribuindo na mesma intensidade,
​ emais quando esse
e chega um momento que descobrimos que não. E é ​bad d
momento chega. Mesmo sabendo que não, parece que foi tudo em vão, todo o
envolvimento e dedicação para que o relacionamento desse certo. Parece que para
o outro não teve o mesmo significado que teve pra gente. E quando percebi que
com o Renato seria assim, eu chorei “como se não houvesse amanhã”, meu
coração se quebrou em mil pedacinhos ​e até hoje tem caquinhos dele por aí ​e
depois disso, a superação do meu ​quase​ amor da minha vida foi difícil.

Eu havia dedicado meu tempo a ele e tinha me esquecido de mim. Eu queria


tanto fazê-lo feliz, que esqueci da minha felicidade. Não entendo por que temos que
passar por isso, por tamanha dor... Seria tão mais fácil poder apagar as pessoas da
nossa memória e, principalmente, do nosso coração. Em um estalar de dedos.
Esquecer que fizeram parte de nossa vida e seguir em frente. Sem dor, sem
lágrimas, sem decepções, sem coração partido... seria pedir muito? Essa é a pior
parte do amor, ou pelo menos do que achamos ser o amor. Se eu tivesse um poder,
seria o de arrancar todo e qualquer tipo de sofrimento da vida das pessoas. O
processo não foi fácil, eu precisei estar cem por cento decidida a querer deixá-lo no
passado. Entendi que enquanto eu não me permitisse seguir, ele iria continuar
invadindo meus pensamentos. E por incrível que pareça, chegou o momento em
que consegui passar por cima disso.
Belo Horizonte. Final de 2052.

Todos os outros diários que vieram depois desse término, até então, são
muito monótonos e com muito baixo astral, com a mesma ​bad vibe.​ Eu passei muito
tempo achando que Renato era o único homem que queria ficar comigo. ​Como se o
​ incrível como a gente tenta
mundo não tivesse mais de nove bilhões de pessoas! É
se diminuir para caber na vida dos outros. Por várias vezes eu cogitei reatar com
ele, correr atrás, implorar de joelhos para voltar e fazer todo um drama para ele
aceitar a se reconciliar comigo. Eu o queria de volta, mas aquele menino que eu
conheci no dia de Páscoa, não aquele Renato que terminou tudo comigo quando as
coisas não iam bem. Ele pulou fora na primeira oportunidade, então se alguém
tivesse que correr atrás de alguém, seria ele, e eu nem deveria cogitar em aceitá-lo
novamente em minha vida.

Mas digo uma coisa: não foi fácil. Conversando com Helô ela me disse: "Lily,
você está focando demais no Renato e se esquecendo de viver, pois há muita coisa
boa ao seu redor esperando para ser vivida e notada", e eu parei para pensar e eu
realmente estava perdendo meu tempo precioso me lamentando por algo que não
estava em meu controle. Ela voltou a falar: "Você está esperando o quê? Que a
Fada Madrinha chegue aqui e resolva seus problemas em um passe de mágica?
Você não é a Cinderela e está longe de ser. ​Ok, você gostava do Renato e achava
que ele era sua alma gêmea, mas a vida segue e é pra frente. Nem a Rachel ficou
tanto tempo sofrendo pelo Ross, você precisa sair disso.", finalizou ela fazendo uma
analogia a uma série a que sempre assistimos juntas.

Percebi e caí na real que o meu "felizes para sempre" não dependia dele,
mas apenas de mim mesma, por mais clichê que isso possa parecer. Eu tinha pais
que me amavam, amigos, tinha a Helô que nunca havia me abandonado, a Mila que
lambia as minhas lágrimas toda vez que percebia que eu estava chorando e uma
Belo Horizonte inteira a ser frequentada e descoberta. Era muita coisa ao meu favor,
e não conseguia perceber isso. Eu estava depositando minha felicidade em uma
pessoa que simplesmente havia saído da minha vida. Tudo estava errado.

Fiquei dois anos sofrendo por ele, então, no meu aniversário de dezoito anos,
sim, sou capricorniana e um ano atrasada no colégio, eu joguei tudo pro alto e
resolvi que a partir daquele momento eu seria totalmente diferente. ​Eu queria ser
feliz​. Conversando com ​mamis,​ ela me disse: “Minha filha, você é muito nova para
sofrer desse jeito, só te vejo no quarto, deitada nessa cama… Já teve tempos em
que eu não tive escolha a não ser ficar em casa, e eu senti muita falta de sair, ver
meus amigos. Eu era mais jovem do que hoje, claro, e não sair de casa foi uma
coisa difícil para os meus dias. Agora você pode fazer isso e escolhe ficar no quarto!
Se soubesse o quanto foi complicado passar pela Pandemia do COVID-19,em que
todos tinham que evitar o contato com os outros, você daria mais valor agora que
pode sair quando desejar. Aproveita a vida, Lily, aproveita sua liberdade. Tudo
passa depressa demais, você vai ver. Aproveita a vida enquanto pode, depois
chega uma pandemia e aí sim você verá como é horrível não ter outra opção a não
ser ficar em casa para se proteger e proteger quem você ama.” Minha mãe finalizou
em tom tão melancólico que imediatamente dei um forte abraço nela.

Sei que a vida dela não foi fácil até aqui e perder uma irmã pra essa doença
que acometeu o mundo há tempos a feriu muito, de uma maneira que ela nunca
mais voltou a ter o brilho no olhar que papai dizia que ela tinha. Toda essa conversa
me deu vontade de fazer mil e uma coisas. Decidi que estaria em busca dessa
felicidade, de novos sorrisos.

Belo Horizonte. Ano de 2053.

Com o ano começando, eu fiz metas a serem cumpridas que é algo que
sempre faço com meus pais. Eu queria mudar e mudanças não são fáceis, mas são
necessárias. Para sair daquela lama que eu estava há dois anos, precisava fazer o
oposto do que já estava fazendo. Mudar é assim, se queremos resultados
diferentes, devemos fazer coisas diferentes.

Fiz uma lista de coisas que eu gostaria de começar a fazer, coisas das quais
eu gostava e até tinha me esquecido. Comecei a cuidar de mim e descobri que é um
processo gradual. Passei a cuidar do meu corpo e da minha saúde mental. Passei a
dar mais atenção para as minhas amigas, comecei a passar mais tempo com meus
pais. Foquei nos meus estudos e não peguei recuperação em nenhuma matéria.
Durante todo o ano, consegui manter a média das minhas notas e eu estava
satisfeita com isso. Todos os dias eu saía com a Mila para passear e eu aproveitava
para espairecer a cabeça. Separava um tempo para assistir aos filmes que gostava
e ler os livros de romance que aparentemente ​eram apenas histórias ​e que me
deixavam suspirando​. ​Desenvolvi o amor próprio que sempre esteve dentro de mim,
mas que estava adormecido. Eu precisava acordar pra vida. E foi o que eu fiz…

Ir a festas virou o meu mais novo hobby de fim de semana, apesar de que
sempre preferi ficar em casa à rolezar. Sair de casa se tornou uma distração para
ocupar meu tempo. Comecei a gostar das músicas do momento, até conhecer
pessoas virou algo legal. Estava cheia de pessoas novas a minha volta.

Amadurecemos emocionalmente com o tempo e isso é uma dádiva do


universo. Quando entendemos o que queremos, ele retribui. Para aprender a nadar,
é preciso entrar no mar, ou na piscina, né?! E para aprender a viver… é preciso sair
do quarto e encarar a vida. Claro que ativamos o modo ​quero ser uma porta e não
sentir mais nada e tentamos nos isolar de qualquer situação que nos coloque em
perigo. Por medo de términos, evitava os começos. Mas eu não conseguia imaginar
uma vida sem amar e nem ser amada. E queria buscar esse amor onde quer que
ele estivesse. Eu já o via nos lambeijos da Mila, nos carinhos dos meus pais
comigo, no apoio de Helô e dos meus outros amigos. O amor estava sempre ali, eu
só estava cega demais para enxergar.

Quando chegou o carnaval, eu aproveitei muito! Foi um dos melhores da


minha vida. Eu e Helô, que permaneceu ao meu lado nos momentos bons e nos
perrengues, separamos um dia desse feriadão para maratonar filmes e séries.
Conseguimos ver quase todas as temporadas de “Friends” que sem dúvidas é
atemporal. E nos outros dias fomos a bloquinhos de carnaval nos bairros mais
famosos da nossa cidade. Em épocas assim não tem lugar melhor do mundo para
morar a não ser BH, eu sou suspeita pra falar.

O bom da vida é isso, os amores vêm e vão, mas as verdadeiras amizades


sempre ficam. Helô estava sendo minha âncora há tempos... Ao lado dela, meus
dias se tornavam mais fáceis. Aos trancos e barrancos, fomos vivendo esse ano. Já
com a ansiedade batendo por estarmos finalizando o segundo ano do ensino médio
e pensando que no ano seguinte iríamos para o ano mais puxado que todo
adolescente poderia viver: o famoso terceirão. Então, aproveitamos tudo que a
gente podia, cada momento. E meu ano todo foi assim. Eu conseguia me sentir
mais leve...

No final do ano, Helô chamou o nosso grupo de amigos do colégio para ir em


uma festa que teria em Santa Luzia, e que, pelo visto, seria imperdível. O ruim seria
ter que pegar aerobus para ir e para voltar, mas como a gente estaria em turma, até
um rolê de aerobus já virava festa com muitas gargalhadas e zoeiras.

Confesso que eu estava com preguiça, mas como eu não tinha nada para
fazer, decidi ir e relaxar um pouco. Aparentemente todos os jovens belorizontinos
estariam aproveitando todas as noites desse final de ano e eu não queria ser a que
fica em casa olhando para o teto a noite inteira.

Então eu fui. E eu não fazia a mínima ideia de que aquela noite mudaria tudo.
De que se eu estivesse ficado em casa as coisas teriam continuado na mesma, sem
grandes emoções. Aquela noite mudaria meu coração, meu jeito de pensar, mudaria
meus planos, mudaria meus sonhos. Ela bagunçou tudo o que eu tinha de
organizado dentro de mim, ou que eu achava estar organizado. Porque eu conheci
“​ele”​, a pessoa que eu passei a querer encontrar todos os dias, que eu desejava ver
ao acordar, que começou a ocupar todos os meus pensamentos antes de dormir,
que causou uma confusão gostosa em meu coração e que fez com que eu sentisse
novamente uma das melhores sensações do mundo e que eu não sentia há tempos:
as borboletas no estômago. Foi nessa noite que eu o conheci. Foi aí que o Davi
entrou na minha história.

De início, eu não queria ficar com ele nem com ninguém. Eu gostava de
conversar primeiro e me sentir atraída pela essência da pessoa. Para mim a
aparência era o que menos importava… Até mesmo porque o Renato era bem fora
dos padrões... e quando eu falo isso, eu falo muito sério. Minhas amigas riem de
mim, elas só ficam com quem julgam ser bonitos e nem ligam para os gostos das
pessoas. E se elas estiverem ficando com alguém que não gosta de ouvir músicas?
Jamais deixaria isso acontecer comigo. Algumas pessoas falam que sou seletiva
demais e que isso é culpa do meu signo, mas a verdade é que eu não vejo muito
sentido em sair beijando pessoas aleatórias sem nem ao menos saber o nome. Qual
o sentido e o propósito disso? Eu realmente não entendo. Às vezes acho que nasci
na época errada. As meninas falam que é por isso que minhas chances de me
apaixonar são muito maiores que as delas. E eu não tinha como discordar. Quando
eu ficava com alguém, era porque eu realmente me simpatizava com a pessoa,
mesmo que a gente ficasse só uma vez. Eu precisava ​gostar da companhia do cara
para ele merecer os meus beijos. E ali eu só queria aproveitar a festa com meus
amigos. Mas, aos pouquinhos, eu senti que algo estava prestes a mudar.

Davi logo chegou em nossa rodinha, primo da Mel, uma outra amiga minha. E
ficou a festa inteira conosco. Ele se mostrava muito tranquilo, engraçado e amigo de
todos, mesmo que ele tivesse acabado de conhecer alguns ali, como eu. Logo de
início, ele já começou a me lançar olhares e eu retribuia. Conversa vai, conversa
vem, todo mundo já havia notado uma energia entre nós dois. Tudo que ele falava,
direcionava algum comentário para mim e eu fazia o mesmo. Conversamos muito,
bebemos, dançamos e demos muitas risadas. Parecia que a gente se conhecia há
tempos, eu diria que já nos conhecíamos de vidas passadas.

Entre sorrisos e mais olhares, nosso primeiro beijo aconteceu. Sem a gente
perceber, já estávamos nos beijando. E sorrindo. E completamente felizes por aquilo
estar acontecendo. Passamos o restante da festa juntos, já havíamos trocado
nossos números do InterSpace e tirado algumas fotos bem engraçadas e fofinhas.
Queríamos registrar aquela noite que com certeza seria inesquecível para nós dois.
Mesmo que, no dia seguinte, cada um seguisse seu caminho, a nossa conexão
estava sendo algo delicadamente especial. Estávamos vivendo o nosso primeiro
momento de felicidade juntos e eu não queria que acabasse. Queria congelar
aqueles olhos sobre mim, aquele sorriso, o seu cheirinho nas minhas narinas e
todos aqueles primeiros momentos ao lado de Davi. Gostaria de poder reviver pra
sempre aquela noite que foi tão incomum e singular para mim. Estava pronta para
ter coragem de me permitir sentir de novo. O amor é incerto e conhecer pessoas
também, oferece muitos riscos. É muito difícil passar por situações que nos deixam
emocionalmente expostos, mas se a gente não tentar, não saberemos quais serão
os resultados.

Os dias foram passando e continuamos a nos falar por mensagens, para


minha felicidade. A vida tem jeitos engraçados de colocar as coisas no eixo. Só
porque eu havia me machucado antes não queria dizer que eu não deveria dar uma
outra chance a esse sentimento que está tão em falta nos dias de hoje. Passei a
acordar esperando o “bom dia” dele. Tudo o que acontecia em meus dias, ele era a
primeira pessoa que eu gostaria de contar. Davi ficava realmente feliz pelos meus
feitos e era tudo muito sincero, a recíproca em querer bem era verdadeira.

Ele morava com mais dois amigos no Sion, o que significava quinze minutos
de caminhada de onde moro. Então, passei a frequentar a casa dele e começamos
a fazer mais coisas juntos. Começamos a nos aproximar e criar mais confiança
entre a gente. No primeiro dia em que fui lá, ele fez pão de queijo pra mim ( que eu
amo, como uma boa mineira que sou!) e me chamou pra gente ver um filme,
comendo brigadeiros. Era a primeira vez que ficávamos tão próximos um do outro.
Deitamos no sofá da sala e ele ligou a TV. Ainda sem jeito, eu tentava fazer
comentários naturais sobre as cenas dos filmes, para não ficar aquele silêncio
constrangedor( que eu detesto!) Eu sou uma péssima companhia para assistir
filmes, confesso. Eu falo o tempo inteiro e, às vezes, durmo no meio. ​Ops.

Ao final do filme, nossos pés se encostaram rapidamente e eu senti um choque,


como se uma corrente elétrica passasse por todo o meu corpo. Aquele momento ali
com ele era diferente de tudo que eu já tinha vivido e acho que ele também sentiu o
mesmo, aquela energia que tinha entre nós dois... Parece algo bobo e infantil, mas
esse momento me marcou, porque foi ali que eu tive a certeza que queria ainda
mais conhecer o coração dele e saber tudo de sua vida, queria saber toda a história
que o trouxe até ali. E cada segundo ao lado dele era melhor que o anterior!

Com isso, o Réveillon de 2053 se aproximava. Nós não iríamos passar


juntos, bem que eu queria, mas ainda não éramos um casal para passar essa data
na companhia um do outro, ainda tinha pouco tempo que a gente se conhecia.
Como ele morava em BH, no Natal ele iria para a casa da mãe dele passar as festas
de fim de ano com ela e seus irmãos, que moravam em outra cidade. Ou seja…
nada de beijo romântico na virada do ano.

Antes da gente se despedir, comprei para ele uma caixa de chocolates,


alguns porta- copos (quem dá porta- copos de presente para a pessoa que gosta?
Eu mesma!) e escrevi um cartão digital que dá pra ler por QR Code, no qual tentei
expressar todos os meus sentimentos de carinho. Queria mostrar o quanto a
presença dele fazia diferença em meus dias. Dezembro estava chegando ao fim e
com toda certeza eu o queria em meu próximo ano. Em meu coração ele já estava
sem sombras de dúvidas.
No dia da virada, ficamos conversando por mensagens. Ele havia raspado a
cabeça e me enviado uma foto e eu mandei uma foto minha no “Mirante do
Mangabeiras” com um casaco de veludo branco esperando a meia noite. O que eu
mais queria era ele ali ao meu lado com flocos de neve caindo sobre a gente.
Quando estava prestes a dar meia-noite, eu enviei uma mensagem pra ele,
agradecendo por ter feito parte do meu ano. Passamos a virada juntos, mas
separados, conectados por um celular e pelo coração. Eu sabia que o próximo ano
seria incrível, se Davi estivesse ao meu lado. Meu coração batia tranquilo pela sorte
de tê-lo em minha vida e eu não via a hora de começar a criar mais momentos ao
lado dele.

Belo Horizonte. Início de 2054.

​Demorou algum tempo até a gente se encontrar novamente. Ele ficou na casa
de sua mãe e eu aproveitei as férias como pude, com Helô. Aproveitamos nosso
tempo juntas antes das aulas começarem. Ela vivia lá em casa e vice-versa. Nossa
amizade estava cada dia mais forte e eu era muito grata por tudo que ela fez por
mim. Com o retorno das aulas, em fevereiro, Davi voltou para BH e íamos nos
reencontrar. Estava um pouco ansiosa, ficamos muito tempo longe e eu tinha medo
de como seria ver ele pessoalmente de novo. ​Ok que a gente conversava todos os
dias, mas uma coisa é o contato pela tela do celular, outra coisa é o contato
pessoalmente. E se ele não quisesse mais me ver? E se ele tivesse conhecido outra
pessoa nesse tempo que passamos longe? Eram muitas as questões que rondavam
a minha cabeça.

Marcamos de nos encontrar no Parque Guanabara. Cheguei lá e ele já


estava me esperando com um sorriso enorme no rosto. Quando meu coração sorriu
de volta, eu senti que não precisava me preocupar com nada, que todos os
questionamentos que eu tinha poderiam ir embora. Na hora em que nos abraçamos,
eu percebi que nada entre nós havia mudado, pelo menos era o que eu achava. Ele
tinha um “abraço casa” que me acolhia e fazia com que o mundo lá fora pudesse
acabar, quanto mais ele me apertava, mais eu queria ficar em volta dos braços dele.
Com certeza, era o meu lugar favorito em todo o mundo. “Ah, gato garoto, que
saudade que eu estava…” Disse, assim que me soltou, chamando-o de um apelido
que eu havia lhe dado carinhosamente. A gente foi em vários brinquedos e nem
mesmo ir na montanha russa se comparava com o frio na barriga que Davi me fazia
sentir... Matamos a saudade e, com ele de volta, minha rotina foi voltando ao
normal, do jeitinho que eu queria.

Com o tempo, fomos tentando nos adaptar aos horários um do outro. Eu estava
na correria do último ano do colégio e ele estava apertado com o semestre da
faculdade. Combinamos de não nos precipitar em relação ao nosso relacionamento
e deixar as coisas fluírem naturalmente, até mesmo para não atrapalhar nossas
rotinas de estudo. E, pra mim, estava maravilhoso daquele jeito, de verdade.

A gente combinou de maratonar várias séries de filmes ​geek super famosas


em todo o mundo. Assistimos a ​Harry Potter, Star Wars, O senhor do anéis, O
​ vários outros filmes que eu sugeria assistirmos (​leia-se aqui comédia
hobbit e
romântica) ou que ele queria ver: esses filmes pra lá de antigos... O que a gente
mais gostava de fazer juntos era assistir a esses filmes e cozinhar. Melhor dizendo:
Davi cozinhava, porque sou péssima na cozinha, ​mas apoio moral é tudo, né? Eu
era uma ótima degustadora. Sempre fazíamos alguma sobremesa gostosa para nos
acompanhar nas maratonas. E tinha dia que a gente caprichava e o que saía era
lasanha, arroz de forno, strogonoff e muita Coca-Cola, esses dias eram os
melhores, eu ficava lá, vendo ele cozinhar, às vezes abraçando-o por trás,
enchendo-o de carinho. Vendo assim, dá até vontade de reviver cada um desses
dias...

Havia também os dias em que a gente ficava conversando e ouvindo música,


a gente colocava uma ​playlist pra rodar, e estando ali na companhia um do outro, o
tempo passava voando e quando nos dávamos conta, já eram cinco da manhã. E
isso aconteceu várias vezes. Esse horário era definitivamente o nosso. Estarmos
juntos fazia o tempo passar, o relógio acabou se tornando nosso inimigo, porque
com ele,vinham as despedidas. Em um mundo utópico, nós passaríamos vinte
quatro horas juntos, felizes da vida. Mas a realidade era completamente diferente e
a rotina nos chamava. Apesar disso, dessa vontade de querer colar nele e não
desgrudar nunca, aquilo que estava acontecendo e crescendo entre a gente estava
me deixando muito feliz... Eu nem sabia mais como expressar o quanto ele vinha
me fazendo bem. E eu queria fazer ele se sentir tão bem quanto ele me fazia.
Chegou a Páscoa! Nos últimos dois anos, essa data foi difícil de ser vivida.
Todas as lembranças que sempre me trouxe desapareceram neste ano, tendo Davi
comigo. Era inevitável não associar a tranquilidade que eu estava sentindo com ele
em minha vida. Ele novamente viajou para a casa de sua mãe, mas saber que
gostava de mim e que queria ficar comigo já era suficiente para eu saber que tinha
conseguido superar o meu ​pseudo​ amor.

Vez ou outra me lembrava de Renato, não posso mentir. Mas meu coração
pertencia a outra pessoa agora, cada batimento, cada suspiro... Era Davi quem fazia
meu coração bater tão acelerado e ao mesmo tempo bater tão em paz. A gente
tinha combinado de não trocar chocolates, já que não passaríamos juntos essa data
e porque também a grana estava curta. Mas do jeito que sou, é claro que eu não iria
cumprir com o acordo. Pesquisei na internet todas as docerias da cidade na qual ele
se encontrava que estavam aceitando pedidos de ovos de chocolate. Encomendei e
pedi que entregassem na casa dele ​de surpresa, ​porque amo presentear pessoas e
principalmente, porque amo surpresas. Não tem coisa melhor do que fazer quem a
gente ama se sentir amado! E acho que ele gostou muito!!! Queria poder fazê-lo
sempre sorrir, eu sentia que nosso mundo estava completamente alinhado.

Depois do feriado, Davi voltou para BH e continuamos no mesmo ritmo em


que estávamos, até que as provas da minha escola e os estudos da faculdade dele
começaram a interferir em nossa relação. Ele estava no segundo semestre de
matemática e a cada semana o curso pedia mais dedicação. Passamos a nos ver
menos. Quando eu estava disponível, ele tinha que estudar para um seminário.
Quando ele estava mais tranquilo, eu tinha que assistir às monitorias. Estávamos
com dificuldade em conciliar nosso tempo. E as coisas acabaram dando uma
esfriada entre a gente, naturalmente isso aconteceu. Estávamos vivendo momentos
diferentes da vida e que só agora começaram a dar sinal de que poderia vir a ser
um problema.

Nossas conversas que antes eram diárias, passaram a ser semanais. Nossos
encontros agora eram eventuais. Estava morrendo de saudades e de quando as
nossas vidas eram ​perfeitas. Saudade do seu sorriso, do seu abraço, do seu
aconchego, do seu jeitinho único de me acalmar e falar que tudo ficaria bem. ​Por
que minha vida sempre é assim? Quando algo de bom está acontecendo logo podia
saber que tinha algo de errado. Mas tentei ao máximo não focar nisso. Afinal de
contas, a gente não tinha se separado, só nos afastamos devido a correria do dia a
​ ueria acreditar que, com o tempo, as coisas iriam melhorar
dia. Isso acontece, né? Q
e que encaixaríamos um na vida do outro como estávamos fazendo há um
tempinho. Eu estava esperançosa de que isso acontecesse. Não queria pressionar
Davi quanto a mim. Não queria questionar seus sentimentos...

E… resolvi não ficar triste por conta desse distanciamento. Eu já tinha sofrido
por uma pessoa, já tinha passado por todos os sofrimentos que uma menina poderia
passar e não iria permitir que isso acontecesse de novo. Então, tentei lidar com isso
da melhor maneira possível, mesmo que meu coração reclamasse um pouco, ​às
vezes.​ Na nossa vida nada acontece por um acaso e eu não iria discutir com Deus,
Buda, Alá ou qualquer outro nome para aquele que rege o mundo. O universo dá
sinais, basta estarmos antenados o suficiente para percebê-los.

Por incrível que pareça, eu estava me saindo muito bem no último ano do
ensino médio, dediquei muito aos estudos pois como é o terceirão, e eu já sou um
ano atrasada, queria entrar o mais rápido possível na faculdade e estudar aquilo
que eu realmente gostava. E estava colhendo frutos da minha dedicação: conseguia
alcançar as melhores notas das matérias de humanas, ​mesmo que às vezes eu
quisesse ir pra praia vender miçangas para viver disso,​ e não peguei nenhuma
recuperação em exatas, o que era um milagre, pois sou péssima com números.

Encontrava a Helô e outras amigas em toda brecha que a escola nos dava.
As meninas sempre sabiam das melhores festinhas que estavam rolando aos finais
de semana. Conseguia preencher meu tempo assistindo séries de comédia e lendo
os romances clássicos da Paula Pimenta. Até fui em um lançamento no Pátio
Savassi do livro “Minha vida fora de série 16”, que estava sendo febre entre todos
os adolescentes. A autora, com setenta e nove anos, era um amor de pessoa e
tinha uma equipe que a auxiliava bastante. Ela conversava com os fãs e
autografava os ​e-books ​nos leitores digitais de cada um, ​mesmo eu preferindo livro
de papel, era raro existir nos dias de hoje… então levei no meu ​Kindle para ela
autografar. Depois fiquei passeando no shopping e fui para casa. E assim eu estava
vivendo meus dias com a cabeça totalmente ocupada.
Belo Horizonte. Final de 2054.

Qual o pior dia da semana e por que domingo? Eu sempre tive isso comigo, o
domingo é um dia totalmente estranho. Era o dia que eu mais sentia saudade do
Davi, pois a gente sempre passava juntos, torcendo para que a segunda-feira não
chegasse e nos separasse novamente. Domingo podia chamar “melancolia” que
seria um nome perfeito. Uma coisa que aprendi na marra e na dor é que devemos
deixar nosso orgulho de lado. Eu e Davi estávamos distantes, ​mas poxa​, eu não
queria esconder meus sentimentos dele.

E com isso, bem no início de novembro, depois de alguns meses, eu e Davi


levando nossa relação daquele jeito que sabemos como é, resolvi mudar um pouco
as coisas. Tudo na vida é prioridade, independentemente de estudos, trabalho,
família, projetos: se a gente quer uma coisa, a gente a prioriza. Talvez por uma falta
de comunicação, essa maldita distância estava presente entre nós. Peguei meu
celular e resolvi ligar pra ele. E ainda bem que fiz isso. ​Como pode uma boa
conversa mudar o rumo de tudo? Davi era uma pessoa muito especial, e eu sabia
que essa sintonia que eu sentia, ele também sentia. E depois de muito conversar,
decidimos nos colocar como prioridade na vida um do outro a gente devia ter feito
isso desde o começo, hello.​ Que sentimento bom esse de estar fazendo a coisa
certa…

Depois dessa ligação tudo mudou. Passamos a nos encontrar aos finais de
semanas e conversar através do InterSpace nos dias de semana pois eu ainda tinha
minhas provas finais e ele, as dele. Mas meu coração batia todo feliz por eu ter
tomado essa atitude e focar naquele sentimento que ambos trazíamos um para a
vida do outro: o amor.

O frio já tinha chegado em Belo Horizonte, no início de dezembro todos já


estavam no clima de Natal, a cidade estava linda. Uma parte da minha família que
mora fora já estava animada para participar da ceia com a gente, seria uma festa
enorme! E mamãe e papai ficaram muito felizes com a proximidade das
comemorações. Eu e Helô saímos para comprar presentes, que para mim, é a
melhor parte de todas. Nós duas parecíamos a Blair e a Serena de Gossip Girl, com
casacos peludos e grandes pra aguentar o frio, indo para o BH Shopping gastar
todo o dinheiro que a gente tinha economizado para tal data. Não é New York como
a série, mas dá pro gasto. A neve deixava qualquer qualquer cidade perfeita.

Comprei para mamãe óculos escuros, eu sabia que iria acertar na mosca,
apesar dos nossos gostos serem bem diferentes. Para meu pai, rodamos o
shopping inteiro à procura de algo que realmente valesse a pena, pra compensar
seu esforço durante todo o ano trabalhando muito, e finalmente achei… a camisa
oficial do Cruzeiro, seu time do coração: foi a melhor escolha. Ele iria amar. Última
parada: presente do Davi. Sabia que esse seria o mais difícil, por isso eu e Helô
deixamos para o final. Queria algo especial. Foi então que eu tive uma ideia, ​eu
mesma iria fazer. Comprei tudo que precisava e Helô disse que me ajudaria e assim
fomos pra casa fazer o presente mais que especial para o Davi.

Belo Horizonte. 24 de Dezembro de 2054. Atualmente.

Depois de passar a tarde toda mergulhada no meu passado, debaixo das


cobertas com a Mila, ​me enchendo de brigadeiro,​ pude perceber tantas coisas que
eu não prestava atenção no momento que estavam acontecendo… essa é a beleza
da escrita. E estava feliz com o jeito que eu estava lidando com as coisas e também
pelo modo como elas estavam caminhando.

Resolvi tomar um banho para começar a me arrumar. Eu já estava entrando


no clima de Natal, com o cheiro das comidas que minhas tias estavam preparando,
a neve caindo fininha lá fora e as músicas natalinas tocando no ​iMusic​. Eu estava
me sentindo linda, coloquei uma meia calça na cor vinho que combinava direitinho
com meu vestido de frio azul turquesa que tinha comprado especialmente pra essa
ocasião. Depois de arrumada, fui ver se precisavam de alguma ajuda ​para degustar,
quem sabe! e acabei como previsto, sentada no sofá mexendo no celular. A
campainha tocou e fui atender. E foi aí que abri o maior sorriso do mundo! Eu não
estava acreditando naquilo: Davi em carne e osso na porta da minha casa.
A gente tinha combinado de se encontrar só na virada de ano, quando eu
entregaria o presente que fiz especialmente pra ele, e ver Davi ali… só faltou meu
coração sair pela boca!!! Ele me disse que tinha conversado com sua mãe para
passar o Natal comigo e com minha família. Eu estava derretendo de amor,
enquanto a neve derretia lá fora.

Depois desse distanciamento que tivemos e essa reaproximação, nós dois


percebemos que não deveríamos ter nos afastado, a gente queria compensar todo
esse tempo separados. Minha família ficou toda feliz com a presença dele, e antes
da ceia fomos passear na Praça da Liberdade para aproveitar o momento. ​Será que
estou vivendo um sonho? Ele me chamou pra patinar, logo eu que sou meio
atrapalhada. Qualquer coisa com Davi ficava divertida. A neve caía sobre nós, o
momento estava perfeito, o clima estava magnífico. E então eu não acreditei no que
ele estava fazendo….

A aliança no meu dedo era a coisa mais linda que eu estava vendo, toda
fininha com detalhes de pedrinhas. Eu queria beijar, abraçar, beijar de novo, abraçar
mais apertado aquele gato garoto, que estava me fazendo me sentir uma princesa
em um conto de fadas. Esse pedido de namoro foi totalmente surpreendente pra
mim e a coisa mais fofa do mundo: no meio da pista de gelo, depois de muitas
risadas, ele se ajoelhou e fez o pedido. Aparentemente todos que estavam ali já
sabiam que isso iria acontecer, foi tudo armado! Cada pessoa veio me entregar
flores, totalizando em mais de cem rosas vermelhas, formando um buquê
maravilhoso. Ele me disse que cada pétala daquelas rosas, juntas, eram o total de
dias que ele gostaria de passar ao meu lado. Eu estava mais do que apaixonada por
Davi, eu o amava com todo meu coração. O infinito era pouco para o tempo que eu
gostaria de ter com ele.

Olhando para Davi, era incrível ver como fomos feitos para dar certo. Ele era
alto, eu, baixa. Eu amava letras, ele amava números. Ele gostava de água gelada,
eu de quente. Ele era bom na cozinha, eu um desastre. Ele era mais velho e eu
mais nova. Eu era sonhadora e ele realista. Eu era tímida e ele, popular. E foram
todas essas diferenças que nos completaram e nos uniram ainda mais. Em todos os
meus planos ele já estava incluído. Em todos os meus sonhos ele estava presente
me ajudando a realizar cada um deles. Em todas as minhas viagens, ele seria o
meu companheiro. Tivemos nosso reencontro de corações. E de uma coisa eu
tenho certeza, nós seremos felizes. Sabe por quê? Nós já estamos sendo. Papai
Noel caprichou neste presente de Natal!

Voltamos para casa para a gente contar a novidade para minha família.
Todos ficaram super felizes e nos apoiaram. Aquele estava sendo o Natal mais
incrível de todos e sei que é o primeiro de muitos ao lado de Davi. Eu achava que
estava realmente sonhando, mas alguns sonhos não terminam depois que abrimos
nossos olhos. E eu estava vivendo o meu.

​Queria logo contar para todas as minhas amigas sobre a novidade. Abri meu
InterSpace para mandar foto para as meninas da minha aliança. E foi aí que meu
mundo caiu e eu desabei. Eu não sabia se era brincadeira do destino, ou o que o
universo estava querendo me dizer. Renato havia acabado de me mandar uma
mensagem, depois de todo esse tempo sem dar as caras. Logo hoje. Na mensagem
dizia: “Lily, podemos conversar? Preciso te ver. É importante”.

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