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BENEVIDES
Klaus
— Por favor, mon durkiah[1], converse com Astor. — Os seus dedos
tocam o meu rosto e Karina sabe muito bem o que está fazendo me
chamando de “Meu macho”. Crystal tem ensinado demais a minha humana!
— Ele é o nosso curandeiro, se mudou para Rigan por nós e está aqui
cuidando de mim, da sua filhote e dos filhotes do seu tio.
Karina quer que eu me desculpe com Astor, quer que eu e ele
conversemos sobre eu ter matado o irmão dele e tecnicamente o meu
também, o que é absurdo! Niflin não morreu por ser um bom macho, e sim
por tentar roubar o que é meu!
— Shikri, [GS2]Karina! — xingo e faço um barulho alto e irritado em
minha garganta. — Quer que eu pareça um fraco me desculpando para
outro macho assim? — Cruzo os braços na frente do corpo, de pé no centro
da sala e perto do sofá que eu dei à minha fêmea. Ainda pretendo dar
muitos outros móveis a ela.
— Não rosne para mim! — Semicerra os olhos castanhos alongados e
eu me controlo para não repetir o som. Não quero que briguemos, já foi
difícil demais conseguir a confiança dela de volta depois de descobrir o
meu plano em Red Town. Agora devo amansá-la e fazer o melhor para não
pensar sobre essa história de seita, ou ficarei doente de tanta raiva. — Sei
muito bem que desde que chegamos aqui Astor tem agido como se você não
tivesse matado Niflin, mas tenho certeza de que no coração dele ainda tem
muita mágoa.
Karina fala como se os persaneses fossem como humanos.
— Já conversamos sobre Niflin. Eu contei tudo o que aconteceu
naquele telhado e você contou como o irmão dele disse que te machucaria,
não é o bastante?! Se ele é honrado como diz que é, não sa…
— Niflin tem um filhote, você sabia? — interrompe a minha fala. —
Astor disse que o irmão dele tem um filhote em Red Town, uma criança que
ficou sem pai por nossa causa.
As palavras dela fazem as minhas orelhas pontudas se abaixarem
levemente.
Eu também tive um pai ruim, um pai que me deixou ser torturado até
que minhas mãos e antebraços ficassem pretos de tantas queimaduras. E
pensando bem hoje em dia, acho melhor que aquele maldito tenha morrido
mesmo!
— Quer que eu lamente a morte do homem que tentou te tirar de
mim?! — pergunto, indignado, com o meu rosto ficando quente de ira.
Fiz o que tinha que ser feito para mantê-la viva!
— Não. — Nega com a cabeça e como se percebesse que estou
prestes a explodir de raiva, se aproxima e pega as minhas mãos.
Agora, quando eu olho para baixo, além do rosto e dos seios de
Karina, também vejo uma grande e arredondada barriga entre nós. A barriga
onde está o nosso filhote, algo que eu nunca pensei ser capaz de ter.
— Vladimir disse que sentiu cheiro de raiva em Astor e nós não
queremos isso. Já que estamos todos presos nesse lugar, não vamos
começar uma guerra. Crystal é médica, mas não sente cheiro de doença
como Astor e também está grávida. Precisamos dele, além dele ser um
macho muito legal conosco. — Eu não digo nada em resposta. Karina é
pacífica demais, diferentemente de mim e da maioria da minha raça. —
Fale comigo, mon durkiah.
— Você está tentando me manipular me chamando assim… —
grunho e pego a minha fêmea pelo queixo, para que não desvie o olhar.
— E está funcionando? — Sorri, me mostrando uma covinha em sua
bochecha redonda, que ficou ainda mais redonda agora.
— O que eu ganho com isso? — pergunto e abaixo o meu rosto até
ficar bem próximo do seu, inalando o seu cheiro delicioso.
— A satisfação de saber que está fazendo a coisa certa — brinca e eu
nego com a cabeça.
— Sabe muito bem que eu não me importo com isso.
— O que você quer? — Lambe o lábio inferior, chamando a minha
atenção para a sua boca carnuda, o que me faz engolir em seco. Essa
pequena quer me seduzir de qualquer jeito, mas não vai conseguir, porque
sei o que está planejando.
— Irei até a cabana do curandeiro agora pedir essa desculpa que tanto
deseja então, mas só se você prometer ficar aqui enquanto vamos atrás das
sementes de Luna. — Dou a minha cartada final, não caindo em seu jogo.
— Isso está fora de cogitação, quero conhecer esse templo persanes!
— Tenta se afastar, porém, eu não deixo. Mantenho-a exatamente onde está
com o seu semblante emburrado.
— O lugar está abandonado, não tem nada lá. Deve estar quase todo
destruído e teremos sorte se acharmos alguma semente.
— Mas Crystal vai e ela está quase do meu tamanho, já que está
grávida de gêmeos! — exclama, achando que pode argumentar a sua
segurança comigo.
— Crystal tem o meu tio na coleira e ele faz tudo que ela quer, já
você, está muito perto de dar à luz segundo Astor. É melhor não ficarmos
andando por aí, tem animais grandes aqui.
— E vocês são maiores que qualquer um deles e conseguem escutá-
los antes de chegarem. Você é um macho forte, vai me proteger — elogia.
Ela sabe bem o que acontece quando faz charme para mim, porque sou um
macho ganancioso e obcecado. — Por favor, Klaus… me deixe ver alguma
coisa além da campina. Astor disse que o templo não está a mais do que
meia hora de caminhada e que lá devem ter informações sobre a profecia.
— Não, Karina — nego, sem precisar nem pensar. Não importa o
quão ainda mais bonita ela esteja grávida, com essa barriga arredondada e
as covinhas na bochecha. Não cederei.
— Quero tanto saber mais sobre a nossa ligação, sobre as nossas
almas, sobre o porquê de você poder se transformar em lobo. Vladimir pode
até ter uma marca de lobo, mas foi você quem nasceu com uma e não
desenvolveu nenhuma rorani. Quero saber sobre você, Klaus, por favor.
— Não me faça colocar você em perigo — peço e as mãos delas vão
subindo pela minha barriga, acariciando a minha pele que queima feito fogo
toda vez que é tocada por ela.
— E se a profecia conseguiu prever mais do que persaneses virando
lobos? E se conseguiram prever uma saída para nós dessa ilha? Deixe-me
ver, o templo, por favor! Sei que vai me proteger, é um macho muito
grande… — Coloca a língua para fora sugestivamente e lambe os lábios
mais uma vez, só que dessa vez mais demorado. Eu sinto essa porra desse
movimento bem na virilha! — Muito grande mesmo… — sussurra e raspa
as unhas nos meus mamilos, tocando os piercings.
— Você é uma grávida tão difícil, Karina — grunho e ela sorri,
porque sabe que venceu. Maldita humana que me tem nas palmas de suas
mãos! — Me chame de mon durkiah de novo, então…
Capítulo 2
Klaus
A cabana de Astor com certeza não consegue ser tão abarrotada
quanto o lugar em que vivia em Nayni, mas isso não significa que o
curandeiro não tentou esse feito. A mudança dele de Nayni para Rigan, essa
ilha afastada e sem mais ninguém além de nós, foi algo rápido. Não
queríamos ser vistos por mais ninguém. E mesmo assim o curandeiro
conseguiu encher esse novo lugar.
O macho tem muitas ervas e coisas antigas que foi encontrando na
floresta, pois vários persaneses já tentaram viver aqui anteriormente e
desistiram, não só por conta da dificuldade de chegar e de plantar, como por
conta do vulcão, que de tempos em tempos ameaça cobrir tudo de lava.
— Não gostaria que Karina fosse nessa busca por sementes — falo,
após ter conseguido desviar de várias trouxas que ele pendurou no teto. A
nossa cabana é muito parecida, só que enquanto a minha é como uma casa
de alguém que acabou de se mudar, a dele parece uma loja de produtos
naturais, que estão espalhados em mesas de madeira no meio da sala. —
Mas a minha fêmea enfiou na cabeça que nas paredes do templo vão ter
pistas sobre a profecia e até informações que nos ajudem a acabar com a
seita, o que é…
Maluquice! Penso, mas não falo. Karina me mata se me escuta
chamando-a de maluca.
— Uma ótima ideia! — Contudo, Astor completa a minha frase dessa
forma e me surpreende. — Os persaneses e os Vrunsni, nossos
antepassados, tinham profecias realmente muito potentes. Os oráculos eram
levados a sério. — Sacode a cabeça, concordando consigo mesmo.
Hoje ele está com os cabelos soltos, que são ondulados, na altura de
seu ombro e de um ruivo diferente. É um vermelho meio alaranjado e
escuro, que fica mais evidente no sol.
— Karina é muito esperta mesmo. — Coço a minha nuca, me
sentindo culpado por duvidar da minha pequena. — Como eram esses…
oráculos? — pergunto e o assisto achar um peixe desidratado no meio de
sua mesa bagunçada.
Mesmo que Astor cuide da cura, ele é quem tem cozinhado mais por
aqui, porque toda a comida é feita para agradar as duas fêmeas grávidas que
temos e para nutrir seus corpos humanos.
Só de lembrar o quão enjoada Karina tem estado nos últimos dias,
sinto um arrepio correr a minha coluna. Se soubesse que para ela seria
difícil assim, talvez nunca tivesse deixado que engravidasse. Mas eu nunca
prestei atenção no que acontecia quando um persanese acasalava com uma
humana, não até agora. Agora o meu mundo gira em volta disso, cada
respirar meu.
— Bom, você não deve saber sobre os oráculos, porque hoje em dia
eles mal existem — fala sem me olhar, ainda mexendo com o peixe que
deve virar algum tipo de caldo. — Mas quando os Vrunsni ainda andavam
sobre a terra com a sua magia, os oráculos estavam aos montes por aí,
recebendo profecias dos deuses e às contando para o povo. Tinham machos,
mas eram principalmente fêmeas. Contudo, a única profecia que sobreviveu
após a morte de todos os Vrunsni, foi essa sobre o lobo do seu peito.
— Que nós ainda não sabemos muito… — resmungo e ele concorda
com a cabeça.
Como é possível os persaneses estarem sempre falando sobre a
profecia do lobo, mas quase não termos informações sobre ela?
Isso realmente me enfurece.
— Como você sabe, os nossos antepassados não eram os maiores fãs
da escrita, era tudo passado no boca a boca. Eu mesmo nem sei ler muito
bem a nossa língua, o Vrain. — Isso é o mais comum, que os persaneses de
hoje em dia saibam falar e escrever mais a língua humana do país que
habitam ou têm contato, do que a sua própria. — Claro que um ou outro
anotou as coisas que os oráculos falavam, principalmente nos templos, mas
nós não temos um livro como a bíblia, por exemplo, que guarda as
informações da nossa religião e dos tempos antigos. Não que seja
conhecido, pelo menos.
— Então mesmo que exista algo sobre a profecia na parede, nenhum
de nós irá saber ler. Não tem para que se animar com isso. — Dou de
ombros.
— Eu sei ler um pouco e conversei por acaso esses dias com a fêmea
de seu tio, Crystal, e parece que o professor dela a ensinou o que pôde sobre
Vrain escrito. Talvez juntos, consigamos desvendar as coisas escritas nas
paredes do templo.
— Esse templo antigo deve estar com as paredes gastas, então podem
nem conseguir ler… — Estou convicto de minha posição.
Astor levanta a cabeça na mesma hora, deixando de dar atenção para
o peixe, e me encara com olhos semicerrados.
— Qual o real problema, Klaus? — pergunta e eu não sei se quero
mesmo responder isso.
Porém, os curandeiros são sempre os persaneses mais sábios, são
criados para guardar muito conhecimento, e se estou querendo ajuda, o
melhor é contar a verdade, mesmo que não seja prazeroso.
— Todos só sabem algumas partes da profecia e até alguns meses
atrás, eu achava que só um persanes com o lobo no peito se transformaria
em lobo, e agora o meu tio também se transforma e até o meu primo Dante
tem uma tatuagem, mas não se transforma — explico e Astor acompanha a
minhas palavras, fazendo sons de entendimento em sua garganta. — Só que
a deles apareceu depois de crescidos e a minha nasceu comigo.
— Qual o problema nisso? — pergunta mais uma vez e eu engulo em
seco, relutante.
— E se tiver mais coisas nessa profecia? Coisas…ruins? Coisas que
tirem a minha fêmea e o meu filhote de mim? — As palavras ditas em voz
alta enviam calafrios pela minha espinha.
— Entendi — murmura, larga de vez o peixe desidratado na mesa e
vai limpar as mãos num pote de barro cheio de água, com uma expressão
pensativa no rosto. — Eu acho que não tem porque a profecia tirar isso de
você, pois o que estou vendo é que talvez nós só estivéssemos errados sobre
ser um casal só. Você e seu tio encontraram boas fêmeas e tiveram filhotes
com velocidade, elas são as suas companheiras de alma, o cheiro de vocês
está totalmente fundido e combina.
— Você consegue saber se o macho e a fêmea são companheiros de
alma por isso? — Arqueio as sobrancelhas e franzo a testa. Passando tempo
com Astor, eu percebo que aprendi muitas coisas pela metade sobre a minha
raça.
Sei que existem companheiros de alma, são casais que viveram outras
vidas juntos segundo os mais velhos. Contudo, não sabia que dava para
cheirar isso.
— Sinto cheiros de muita coisa, Klaus, de doença, de raiva, de
tristeza e até de felicidade. É por isso que sou curandeiro. E sinto que o
cheiro de Karina e o seu se combinou como uma coisa só, porque vocês são
destinados um para o outro. Aposto que você sente isso em seu coração, um
calor que nunca teve por outra fêmea.
É estranho falar sobre sentimentos com alguém que não seja a minha
humana, então desvio o olhar.
— Tenho certeza de que Karina é minha companheira de alma,
mesmo sem sentir tantos cheiros como você. — A minha voz sai bem baixa,
mas eu sei que ele me ouviu.
— Todos os curandeiros com quem conversei sobre a profecia,
sempre me disseram que era uma boa profecia. Falavam que os novos
tempos seriam difíceis no começo, mas que depois tudo voltaria a dar certo
para os persaneses, que nos livrariamos da maldade e da cobiça que se
instalou entre nós desde que voltamos a viver entre os humanos.
— Isso… é bom então.
— O templo não fica longe, a sua fêmea precisa caminhar um pouco e
se aparecer algum animal, você pode se transformar em lobo e mostrar
como é forte para ela — sugere e eu considero a sua ideia. Foi mais ou
menos o que Karina me disse agora há pouco. — Poderá demonstrar como
é um macho digno e ganhar ainda mais a admiração dela.
É como se pudesse quase ver a imagem de algo assim acontecendo e
isso enche o meu peito de orgulho.
— Tem razão, seria muito bom. — Sorrio, animado agora com essa
excursão, porém, acabo me lembrando do real motivo de ter vindo até aqui
e a animação acaba. — Eu… tenho algo para falar com você, algo
importante, na verdade.
O macho fica em silêncio por um tempo, inspecionando um ramo de
folhas que tira do bolso, o que me deixa nervoso.
— É sobre Niflin que quer falar? — ele adivinha e por um segundo eu
me pergunto se esse persanes sabe ler mentes.
— Eu… — Começo a falar, mas parece que a minha garganta está
enferrujada. — Sinto muito que as coisas tenham acontecido do jeito que
aconteceram. — Pretendia terminar a minha frase aqui mesmo, contudo,
Astor me encara ainda, esperando por mais. — Ele ameaçou a minha
família e eu não poderia ter agido de outra forma, mas não fiquei feliz de ter
feito o que fiz, ainda mais sabendo que Niflin tem um filhote no continente
e um irmão como você.
Após terminar a minha declaração eu acabo ficando ansioso por saber
como o curandeiro irá reagir, o que acontece totalmente contra a minha
vontade. Odeio me sentir dependente de outra pessoa para algo, ainda mais
por perdão, que é uma coisa que nunca me interessei em pedir.
— Você nunca soube mesmo que o seu pai tinha um segundo filhote?
— Ele me surpreende com o seu questionamento e eu nego com a cabeça.
— Nem mesmo viu a segunda rorani no pulso que o pai de vocês tinha por
conta de Niflin?
— O meu pai estava sempre com blusa de manga comprida, dizia que
era porque tinha um problema de pele, o que pensando agora é bem
absurdo, já que a maioria dos persaneses nunca adoece de nenhuma forma.
— Pisco algumas vezes, sendo invadido com as poucas e borradas
memórias que tenho da minha infancia antes da tortura. — Só que eu era
uma criança, não questionava isso.
— A sua mãe deveria saber de tudo, então. — A voz de Astor assume
um tom muito frio.
— É… ela provavelmente sabia sim — resmungo, pensando nisso
agora e sentindo um gosto estranho na boca. O meu pai foi quem traiu,
quem teve um filho fora do acasalamento, mas a minha mãe com certeza
também sentiu o cheiro de tudo isso e mesmo assim… ficou ao lado dele.
— Todos na minha família sempre trataram a sua mãe como uma lunática,
infelizmente.
A mãe de Niflin e Astor fazia escândalos na porta da minha casa e
tentou de todo jeito alertar as pessoas sobre o que estava acontecendo,
contudo, não consigo me sentir compadecido dela. Não quando ela foi a
responsável pela minha tortura. Não quando eu me lembro de sua risada
ressoando no lugar onde fui aprisionado.
— Ela passou anos querendo provar para a alta sociedade de Red
Town que tinha um Dark Elf bastardo, mas a sua família fez questão de
tratá-la como lixo — grunhe e esmaga as folhas em sua mão.
— Depois Niflin se aproximou de Dante, que passou a levá-lo aos
eventos da alta sociedade, só que eu nunca fui bem-vindo nesses lugares…
sempre fui olhado como menos que um pedaço de lixo por todos eles, por
não ter as roranis — falo, mostrando que ele não é o único que pode sentir
raiva.
Eu também perdi parte da minha vida por conta do trauma e do caso
do meu pai!
— Entendo que você não tem culpa de julgar a minha mãe, Klaus,
mas confesso que… demorei a realmente aceitar isso — Ele volta a soar
mais pacifico. — Ela se relacionou com o seu pai depois de eu ter nascido e
teve Niflin, o seu meio irmão, e vocês dois foram vítimas. — Aponta para
um dos meus braços ao lado do meu corpo, preto como carvão. — O seu pai
deixou que você, o meu irmão e a minha mãe sofressem, e disso nunca irei
esquecer, nem mesmo que você matou Niflin.
Comecei gostando da frase dele, contudo, a forma como acabou não
me agrada em nada.
Será possível que esse macho não vê que o irmão dele era um snifli
nain? Um macho podre e sujo?!
— Só fiz isso p…
— Mas olhando Karina agora, grávida de Lena, e vendo o quanto
você endeusa a sua fêmea, eu sei que teria feito o mesmo. — As palavras
dele, que interromperam as minhas, me atingem com surpresa. — Se eu
tivesse uma fêmea e um filhote, e o meu irmão os ameaçasse, eu também o
mataria, ainda mais se todo o meu corpo fosse tomado pela bestialidade de
um lobo gigantesco.
Por alguns segundos eu vejo algo novo nos olhos de Astor, algo que
nunca vi ali antes, ou talvez eu só não tenha reparado. Inveja. Ele tem
inveja de mim, provavelmente porque a sua vida é muito solitária, e a
percepção disso me deixa sem palavras por um longo momento.
— Obrigado por… cuidar da minha fêmea. — A minha voz até
embarga, o que esquenta o meu rosto com vergonha. Um macho não pode
demonstrar fraqueza assim e mesmo assim eu me sinto estranho.
Nunca vi nenhum persanes me invejar tão claramente que não fosse
pelo meu dinheiro. Mas agora eu tenho algo extremamente precioso e
único: uma família de verdade.
— O luto ainda é fresco em mim, que vi Niflin crescer, mas não há
nada que possa ser feito. — Ergue o queixo e ajeita os ombros, assumindo
uma postura mais séria, e eu aproveito isso para me aproximar um pouco
dele em seu banquinho.
— Você sabe como está o filhote de Niflin? — pergunto, com uma
ideia se formando em minha cabeça.
Eu sei muito bem como é estar cercado de pessoas que tem tudo que
você quer, pessoas que estão tão felizes e completas, que nem sequer notam
a sua necessidade, então talvez eu possa auxiliar esse curandeiro em algo.
Karina com certeza ficaria orgulhosa de mim se pudesse ler os meus
pensamentos agora, ela já me disse algumas vezes que devo praticar essa tal
“empatia” que os humanos tanto falam sobre.
— Eu não sei, Niflin era muito distante, não conheço a fêmea e
também não posso entrar em contato, já que todos nós combinamos não nos
comunicar muito com o continente.
— Se você quiser, posso conversar com o meu tio e conseguir
informações sobre o filhote, saber se está sendo bem cuidado — sugiro e
isso surpreende Astor, que me encara desconfiado.
— Faria mesmo isso?
— Nunca deixaria um filhote ser maltratado… sei como é passar por
isso. — Suspiro baixo.
— Eu sei que o meu irmão não se envolveu com boas pessoas, então
talvez a mãe da criança não seja das melhores — informa, ainda não
acreditando muito em mim. Isso fica estampado em seu rosto, nos seus
olhos, que observam bem os meus.
— Tenho muitas pessoas no continente trabalhando para mim e
descobrirei tudo que puder sobre o filhote. — Estico a minha mão para ele e
espero por sua retribuição do movimento. — Farei tudo que for possível
para garantir uma boa vida ao… nosso sobrinho.
As palavras ficam estranhas na minha boca, mas no final das contas, é
exatamente isso que o filho de Niflin é, o meu sobrinho.
— Irei aguardar, então. — Levantando do banco com um aceno de
aprovação de sua cabeça, o persanes me dá a sua palma e aceita o meu
aperto de mãos, como se estivéssemos selando um pacto.
Capítulo 3
Karina
Eu sei, eu sei. Fui eu quem inventou de ir até o tal templo para
espairecer e descobrir mais sobre a profecia, então não posso reclamar de
estar acabada. Dentro da cabana, é como se fosse explodir se não viesse
logo, e agora que estou indo, preferia que Klaus tivesse me amarrado
mesmo a cama como prometeu fazer.
Estou na floresta de Rigan, um lugar inóspito, lotado de insetos e
MUITO quente, de um jeito que faz a minha testa escorrer suor e entrar
dentro dos meus olhos!
Os meus pés estão me matando um pouquinho mais a cada passo e a
parte interna das minhas coxas assaram tanto que eu sinto pena de mim
mesma. Na volta, com certeza vou ter que engolir o choro de tanta dor.
— Está tudo bem? — Klaus pergunta pela décima vez, enquanto
tropeço num galho e solto um rosnado do jeito humano de se fazer isso. —
Quer que eu te carregue o resto do caminho?
Sim, eu quero que Klaus me carregue e faça essa bendita ânsia de
vômito passar!
— É melhor que ela continue andando, as persanesas fazem
caminhadas diárias quando estão tão próximas de dar à luz — Astor, que
está a uns cinco passos à nossa frente, fala antes que eu possa responder e
eu mordo o lábio inferior. Fodam-se as persanesas! Elas não têm pernas
curtas como as minhas! — E nós estamos só a alguns minutos do templo.
Estou tão irritada, que nem encaro o curandeiro enquanto ele fala,
para que os meus olhos não deixem claro como quero bater nele agora.
— Você não é persanesa, amor. Quer que eu te carregue? — Klaus
insiste, ignorando totalmente o curandeiro, o que é um alívio para mim.
Contudo, nessa mesma hora Crystal passa por mim feito um furacão, de
mãos dadas com Vladimir e parecendo que está no shopping fazendo
compras por entre essas árvores verdejantes, que formam um dossel no alto
e tapam muito do céu azul.
— Conseguimos colher algumas flores, depois vamos testar o chá
delas! — ela fala animada e mostra para Astor o seu achado.
— Karina? Está me ouvindo? Quer que eu te carregue? — O meu
companheiro insiste e já começa a rebocar o meu corpo para perto do seu,
contudo, eu o impeço.
— Está tudo bem, já estamos chegando — resmungo, respiro fundo e
continuo em frente nessa espécie de excursão por esse lugar que mais se
parece com o que já vi da Amazônia na televisão.
— O que isso quer dizer? — Franzo a testa, após olhar por longos
momentos para uma pequena placa de pedra que eles encontraram. O objeto
foi tratado há dezenas de anos, talvez centenas, provavelmente bem lixado
para ficar fino e num formato mais quadrado, contudo, não me parece ter
nada de muito diferente além disso.
Se Crystal e Astor não estivessem tão empolgados com as saliências
aleatórias, que estão alinhadas na superfície, eu juro que teria passado reto
pela pedra que sobreviveu ao tempo.
— Está meio apagado, como você pode ver, mas nessa parte aqui
sobrou uma frase quase completa. — Aponta para alguns pauzinhos, risco,
bolinhas, pontos e um triângulo? Eu não sei bem. — Tivemos que juntar o
meu conhecimento de Vrain escrito, o de Astor e Vladimir, mas temos
quase certeza que quer dizer… — Paro até de respirar, para ouvir bem as
próximas palavras que irão sair da boca de Crystal. — “O lobo escolhido
está no do coração vermelho brilhante de seus antepassados”
— No do coração? — Klaus pergunta antes que eu possa e faz uma
careta de quem não entendeu.
O que raios essa frase quer dizer, meu Deus do céu?!
— A minha teoria é de que esse espaço vazio deveria ter alguma
palavra entre “no” e “do” — Astor explica e todos ficamos em silêncio.
— Eu sei que é confuso, mas já é alguma coisa, não é?
— Sim, e existem outras placas aqui — Vladimir explica e aponta
para outras pedras lisas que se parecem com a que a sua companheira
segura agora. — Podemos procurar por uma por uma continuação e traduzir
o melhor que conseguimos.
Eu mordo o meu lábio inferior, mas sacudo a cabeça concordando.
Afinal de contas, pista incompleta é melhor que pista nenhuma.
Crystal
Dante está queimando em febre, de um jeito que nenhuma pessoa
aguentaria. Porém, é sempre bom lembrar que o loiro deitado à minha
frente, em sua grande cama no que parece um pequeno castelo, não é uma
pessoa. É um persaneses. Um que não vai com a minha cara e
provavelmente com a de mais ninguém na face da terra.
— O que aconteceu? — O curandeiro pergunta e eu aproveito para
olhar à vontade, já que o Dark Elf machucado não parece notar a minha
presença. — Como você ficou assim?
Quem foi chamado aqui foi Astor, não eu. O humano que abastece a
despensa de Dante chegou esbaforido em Rigan com sua canoa, pedindo
ajuda, dizendo que aconteceu algo horrível. Porém, mesmo que a minha
presença não tenha sido requerida, eu vim colada no ruivo e em Vladimir,
que está ao meu lado feito um cão de guarda.
— Naga — Dante responde, sem vida em sua voz, respirando devagar
enquanto é examinado.
Foi bem difícil convencer Vladimir de que deveria me ajudar a entrar
na canoa e chegar até aqui, ele queria que eu continuasse no templo com
ele, onde é seguro, procurando por alguma coisa mais palpável do que a
frase “O lobo escolhido está no do coração vermelho brilhante de seus
antepassados”. Contudo, eu não aceitei não vir, essa coisa de Naga sempre
foi muito curiosa para mim.
— Isso eu entendi, estou sentindo o cheiro do veneno daqui. Mas
quero saber como esse embate ocorreu. Consegue me explicar com
detalhes? Preciso ter certeza também de que sua cabeça está funcionando
direito. Não vou embora daqui até ter certeza de que está bem. — Astor
não se formou em medicina, mas ele com certeza sabe o que está fazendo.
Se o persanes não consegue nem explicar o que aconteceu, não pode ser
deixado sozinho.
Dante é um macho muito grande, tanto em altura, como em largura.
Ele deve ser até um pouco mais forte do que Vladimir, e devido aos abusos
que fez do Nyn, uma substância muito perigosa, ele se tornou um macho
ainda mais volátil e territorialista do que é comum para persaneses.
— Estava voltando de uma caça, carregando uma carcaça… quando
encontrei a naga dentro da minha casa… ele estava em busca de uma
fêmea, acredito eu — Dante está grunhindo e lutando muito para conseguir
falar, pois está quase desmaiando, o que é assustador. — Ele fez questão de
me morder logo, para que o veneno me debilitasse. Não sei para onde foi
depois.
A maior parte de seu musculoso corpo está coberto por um lençol cor
de creme, mas o que ficou de fora, está cheio de hematomas e cortes. A pele
dele está toda pintada de vermelho.
O que pegou Dante deve ser monstruoso, pois eu não consigo
imaginar uma briga onde ele sairia tão debilitado.
A tal naga deixou arranhões profundos em seu corpo e o que mais me
chama atenção, é um em seu rosto, que quase pegou em seu olho direito. A
marca começa uns três centímetros acima de sua sobrancelha grossa, pula o
seu olho, e depois vai até o meio da bochecha. A naga poderia ter arrancado
o globo ocular dele fora e aí não teria como o seu sangue forte regenerar.
Ficaria cego e ponto final.
— Beba isto, vai ajudar você a se curar mais rápido. Precisa expulsar
o veneno que estou sentindo cheiro. — O curandeiro serve uma boa
quantidade de um líquido de sua pequena garrafa num copo. — Onde foi
que a naga te mordeu?
— Na coxa — sussurra e aceita um copo cheio com um fermentado
verde que eu já tomei antes, ajudou a curar a minha mão quando Vladimir a
quebrou, meses atrás.
Ele engole a coisa amarga em goles sedentos, tendo que levantar a
cabeça de um jeito que com certeza dói, e quando acaba, se joga de volta na
cama com um gemido alto. Os cabelos loiros escuros dele, tão grandes que
estão quase na altura da base de seu pescoço, estão revoltos, grudando em
seu rosto suado.
— A naga deve ter vindo nadando da ilha Koda à procura de fêmeas.
As dele não aguentam muitas gestações e nem se interessam por isso, já que
os machos são possessivos e cruéis — Astor revela, depositando uma palma
de folhas maceradas que eu sei ajudar a abaixar a febre na testa do Dark Elf
loiro.
O meu professor de Paris me contou sobre Nagas, são uma espécie
ainda maior do que os persaneses. Da cintura para cima eles são como
humanos quase normais e da cintura para baixo tem um rabo gigantesco de
cobra. Porém, eu nunca vi uma naga de perto, já que eles são encontrados
apenas na ilha Koda, aqui no arquipélago Cosmos.
— Mas nagas conseguem mesmo sair da ilha deles? Eles não são
como vocês persaneses, não tem tecnologia e vivem na floresta de Koda
sem nunca ver humanos, não é? — pergunto baixo para Vladimir, que está
com o seu braço em volta da minha cintura e cauda enrolada na minha coxa.
— Algumas nagas sabem nadar, doutora… — o macho na cama é
quem me responde, conseguindo soar irritado com a minha presença mesmo
na sua atual situação. Dante realmente não gosta de humanos.
— Isso quer dizer que… se elas quiserem ir até onde estamos
morando e nos atacar elas conseguem? — As palavras saem até com
dificuldade da minha boca.
— Não, porque Koda fica mais próxima de Nayni e não da ilha onde
moramos. Algumas nagas podem nadar, mas não tão bem e nem por tanto
tempo para chegar até nós — Vladimir é rápido em esclarecer, porém,
mesmo assim eu ainda fico nervosa.
Se uma naga é capaz de quase matar um persanes após ter nadado de
uma ilha a outra, o que aconteceria caso um desses seres encontrasse um
humano?
Parte 2
Anteriormente
Karina e Klaus acabaram de ter a sua filhote, Lena, e no dia seguinte a
melhor amiga de Karina deveria chegar até Rigan, a ilha deserta em que eles
estão. No entanto, Oliver foi interceptada em Nayni, a ilha maior do arquipélago
de Cosmos, e sequestrada.
Capítulo 4
Um mês depois
Vladimir
— Está pronta para o batizado, Crystal? — pergunto ao entrar no
nosso quarto, agora bem mais mobilhado do que a alguns meses atrás ao
chegarmos em Rigan, fugindo de tudo.
Só que Crystal não me escuta, ela está quase em um transe na nossa
cama, olhando para o mapa desenhado a mão por Astor e falando sozinha
coisas como “talvez ela esteja aqui ou aqui”. O curandeiro colocou tudo que
sabia sobre Nayni, a ilha maior e mais povoada. Todos os pontos
importantes, as cachoeiras e riachos que conhecia estão no mapinha que foi
muito útil para que Klaus e eu procurássemos por Oliver durante a maior
parte do dia de hoje.
Porém, não pudemos ir muito longe, já que ninguém deve saber que
estamos aqui. As buscas pela ruiva agora continuam com os humanos da
área, um persanes que conhecemos e que prometeu não dizer nada a
ninguém e Dante, o meu sobrinho cabeça dura.
— Crystal? — chamo o seu nome de novo e nada, está imersa mesmo
em pensamentos.
Então eu me aproximo devagar, lutando para que o piso barulhento de
madeira da cabana não revele a minha posição. Pego a fêmea firmemente
pelo pescoço, depois desço com as minhas garras de fora, arranhando de
leve as suas costas parcialmente nuas por conta de sua blusa rosa de
alcinhas.
— Vladimir… — O meu nome sai tremido por entre os seus lábios
carnudos e ela fecha os olhos. — Porra — geme baixo e a sua respiração
fica mais profunda.
— Você ainda não está pronta, está? — pergunto, num tom baixo e
provocativo para quem sabe distraí-la de tudo que acontece a nossa volta.
— Se quer que eu fique pronta logo, não passe a mão desse jeito em
mim. — Ela sorri e vira o seu corpo na minha direção, que me sento ao seu
lado na cama macia e reforçada o bastante para sustentar um persanes
grande como eu.
— Está pensando em Oliver, não está? — questiono e ela faz que sim
com a cabeça, então toco o seu queixo num carinho mais inocente dessa
vez. — Temos muitas pessoas em busca dela, será encontrada logo. —
Encaro-a nos olhos para falar isso, mergulhando em suas íris castanhas.
— Nós poderíamos estar em busca dela também. — Dá de ombros.
— Acha mesmo que eu deixaria a minha fêmea com dois filhotes na
barriga desbravar uma floresta gigante agora? — Arqueio as sobrancelhas e
a luz pisca um pouco.
Temos painéis solares para fornecer energia agora, contudo, vez ou
outra a ligação fica instável. Mas quem fez tudo foi Klaus, numa ânsia
imensa de dar algo para distrair Karina, que está com o que chamamos de
“Mal humor de filhote”, então não posso reclamar. O meu sobrinho mais
velho realmente se tornou um macho responsável após esse acasalamento.
Mal humor de filhote é muito comum e se refere a mãe do filhote, não
a ele. É normal que persanesas fiquem inquietas durante a gravidez,
irritadas e reclamonas, e o ideal a se fazer é dar tudo o que quiserem até que
volte ao seu normal. Os humanos chamam isso de “hormônios da gravidez”.
— A ilha onde ela está agora é a mais povoada e menos perigosa,
então não teria problema se só eu e você continuássemos as buscas. Karina,
que acabou de ter filhote, poderia ficar aqui com Klaus — argumenta e eu
me pergunto se Crystal não vê o mesmo que eu. Porque o que estou vendo
agora é uma fêmea que passa mal toda madrugada e com uma barriga
gigante, cheia com dois filhotes que adoram chutar.
— Eu senti cheiro de naga em Nayni, mais de uma — revelo.
Enquanto andava pela floresta de Nayni, Klaus e eu encontramos o
cheiro forte de cobra e fiapos de roupas de Oliver, o que indica que ela
tentou lutar.
— Naga?! — Os lábios dela formam um “O” de tanto susto.
— Não fale alto, Klaus pediu para não contar a Karina — sussurro e
me aproximo ainda mais da fêmea. — Ela já está num estado de nervosismo
muito grande, fraca e cansada após o parto. É melhor que não saiba sobre as
nagas que devem ter sequestrado a melhor amiga.
— Quantas nagas sequestraram Oliver, Vladimir? — Franze a testa e
a sua expressão corporal me diz que está indignada que eu não lhe disse
nada.
Só que eu já passei por uma fêmea mal-humorada na gestação, Ellona
dizia que tinha vontade até de me bater. Então não importa o quanto de cara
feia Crystal faça para mim, ela não irá me convencer a colocá-la em perigo.
— São dois machos que a pegaram, mas não se preocupe.
— Como posso não me preocupar?! Vocês já me disseram que nagas
são cruéis! — berra e depois tenta se recompor, só que não dá muito certo.
— E se... estuprarem a Oliver?
— Eu e Astor passamos o dia todo buscando por Oliver e o cheiro
dela foi constante, e também não sentimos nada que significasse que ela
tenha sido molestada por eles.
— Nagas não são persaneses, Vladimir. Vocês não sabem como eles
são de verdade, do que são capazes. — Crystal coloca as duas mãos no
rosto e esfrega. Quando ela fica repetindo o meu nome assim, ao invés de
algum apelido carinhoso, é sinal de que a coisa está feia.
— Lena nasceu ontem, mon naery, precisa ser batizada logo. Se não
for batizada, o corpo dela fica aberto para o perigo. — O batizado de um
filhote deve ser feito na mesma semana que ele nasce, durante a noite e por
um curandeiro. — Coloquei todos os humanos da ilha que são de confiança
em busca dela, passei o dia lá, procurando pela humana ruiva, e irei voltar
assim que acabar o batizado, mas se pensarmos demais no pior, não iremos
conseguir impedi-lo de acontecer.
— Eu sei... — Suspira baixo e para de cobrir o rosto. — Eu sei.
Coloco a minha mão na dela e dou um pequeno aperto, um bem
cuidadoso, já que nunca mais quero quebrar nada de Crystal.
— Se são duas nagas, elas provavelmente devem estar brigando entre
si, sem tempo de fazer algo com Oliver. E Dante está lá e ele é um ótimo
farejador, ainda mais depois do Nyn, a droga que ele tomou.
— Mas Dante odeia humanos... não sei se foi uma boa ideia.
— Ele mudou.
— Mas da última vez que o vi, ele me olhou como se fosse vomitar
por sentir o meu cheiro a qualquer momento — reclama de Dante e eu
aproveito que a sua raiva está direcionada a outro, e me aproximo ainda
mais.
O cheiro do meu pequeno naery mudou por conta dos filhotes em seu
ventre. Nada perceptível para um humano, mas para mim com certeza será
algo que ficará na memória.
— Ele vai ajudar a encontrá-la mesmo não gostando de humanos.
Tenho certeza de que os instintos de macho de Dante vão ser muito mais
fortes e vão ajudar a proteger a fêmea. — O meu sobrinho tem passado por
momentos ruins, mas ele ainda é o filhote que eu vi nascer e crescer.
— Mas se não for encontrada logo, mesmo que as nagas não façam
mal a ela, Oliver pode morrer de fome!
— Vai. Dar. Tudo. Certo — falo pausando em cada palavra e Crystal
só concorda com a cabeça, querendo acreditar nas minhas palavras tanto
quanto eu e desistindo de surtar, pelo menos por alguns minutos.
Faz tempo que não pego um bebê no colo, sempre trabalhando muito
no senado e sem tempo para nada. Além do que, não é como se eu tivesse
muitos amigos com filhos em Red Town, eu tinha apenas contatos que da
mesma forma que me pediam favores, eu também os pedia de volta.
Tudo bem... isso não é bem verdade.
Pensando aqui, até que alguns conhecidos antigos meus tinham
filhotes, só que do mesmo jeito que me mantive longe de fêmeas após o
falecimento de Ellona, eu também ficava longe de crianças. Elas me
lembravam demais um momento da minha vida que eu queria esquecer, não
por não ter gostado de ter Filipi, e sim por sentir falta demais.
Então segurar Lena no colo agora, uma filhote recém nascida que
ronrona o tempo inteiro, é algo completamente... surreal. Talvez seja porque
os meus filhotes irão nascer em pouco tempo e eu passo os dias ansioso
para conhecê-los, mas eu não consigo largar a criança. Os seus dedos
minúsculos seguram os meus enquanto ela usa apenas uma fralda de pano
com um buraco para o rabo e o meu corpo não deixa a menininha ir.
Crystal percebe que estou encantado, quase hipnotizado com o bebê,
então pede para que o batizado seja com Lena em meu colo e o curandeiro
aceita, assim como os pais da pequena também. Estamos debaixo de uma
grande lua cheia que ilumina a campina onde vivemos, acendemos uma
fogueira grande e Astor está usando um casaco de couro escuro feito por si
mesmo e usado em ocasiões especiais.
Hoje deveria ser um dia só de alegria, de cantos e de diversão, mas
Karina e Klaus estão tensos e com medo demais, eu sinto o cheiro muito
forte daqui de ansiedade.
— Vocês que são os padrinhos, devem dar as gotinhas do chá de Luna
na boca da filhote — o curandeiro avisa, enquanto eu seguro a pequena
Lena em meu colo.
— Vladimir e eu entendemos se vocês não quiserem que sejamos os
padrinhos. — Eu concordo com a cabeça com a minha fêmea enquanto
balanço levemente o corpo, para ninar Lena. —Como somos as únicas
pessoas sobrando na ilha, ent...
— Queremos sim que vocês sejam os padrinhos, Crystal! — Karina
interrompe a minha fêmea e pega em suas mãos na hora. — Não se
preocupem com isso, estamos muitos felizes que vocês estejam aqui e
podem dar as gotinhas de Luna na boca dela — autoriza, com o reflexo do
fogo brilhando em seus olhos.
A noite está quente e a atmosfera não se parece com o de um
batizado, infelizmente. Mesmo assim, da para ver que Astor se esforçou
para trazer cada pedaço da tradição, até mesmo as folhas de horliça roxa
que joga de tempo em tempo na fogueira. Essa não faz dormir, só tem um
cheiro muito bom, como uma bala de caramelo.
— Eu fico honrada, então — Crystal responde e eu coloco a mão em
seu ombro. — Nós ficamos — corrige, entendendo a minha mensagem.
Klaus e eu deixamos que as fêmeas façam tudo sozinhas. Elas são
humanas, mas parecem ficar entusiasmadas com a tradição, que distrai um
pouco os seus pensamentos. Porém, mal esperavam elas, que Lena abriria
um grande berreiro assim que provasse o chá amargo de Luna.
— Isso é normal, não se preocupem — Astor assegura, mas parece
que Karina vai começar a chorar a qualquer momento junto com a sua filha,
que após alguns minutos se acostuma com o gosto do chá e deixa a sua mãe
mais relaxada.
— Como decidimos não fazer cerimônia de casamento até Oliver ser
encontrada, vocês podem só beber o chá juntos antes que esfrie e dizer os
juramentos sagrados do acasalamento, que tal? — O curandeiro sugere,
quando o batizado rápido já acabou e Karina olha para Klaus com surpresa.
O chá de Luna, assim como a sua flor, não é algo que dura muito, e
como Astor fez uma boa quantidade para o batizado, eu entendo o
curandeiro não querer desperdiçar a bebida rara e sagrada.
— Prometo que vai doer bem menos do que o vinho que tomou na
mansão Dark Elf — Klaus brinca com a sua fêmea, que avermelha e me faz
lembrar desse jantar.
Se não me engano, Karina bebeu vinho persanes demais e eu só
imagino como a noite deles deve ter terminado.
— Como funciona? — pergunta, querendo fingir não estar
envergonhada. — Klaus me falou sobre, mas não sei se me lembro.
Astor dá uma pequena explicação para a humana enquanto encontra
dois copos e coloca o chá de coloração arroxeada, e depois ele pega a
filhote do meu colo para que eu possa ficar frente a frente com Crystal.
O problema é que no segundo em que encaro os olhos do meu
pequeno naery, é como se as minhas pernas fraquejassem. É claro que eu
não peço um banquinho e nem nada, mas fico tão ansioso quanto um
filhote.
— Vladimir, você já conhece o juramento, então pode dizê-lo, Crystal
você repete depois exatamente o que ele falar, só trocando o gênero de
algumas palavras — o curandeiro ordena e eu sei que Karina e Klaus estão
ao meu lado e que Astor segura uma pequena filhote a poucos passos de
mim, só que nada disso tira a minha concentração. Agora sou só eu a minha
humana.
— Eu prometo não abandonar e cuidar da minha fêmea Crystal para
sempre. — O meu coração bate tão alto que fica difícil até pensar, mas eu
encontro as palavras. — Prometo dar tudo que estiver ao meu alcance a ela
e honrarei o nosso acasalamento enquanto estiver vivo. — A minha
garganta até dói, de tanta força que faço para que tudo saia como deve ser, e
depois eu tomo um gole do chá amargo dentro do copo em minhas mãos e
passo para Crystal.
— E-eu prometo não abandonar e cuidar do meu macho Vladimir
para sempre — gagueja, também muito nervosa, e precisa respirar fundo, o
que me faz sorrir e apertar a minha cauda em seu quadril. — Prometo dar
tudo que estiver ao meu alcance a ele e-e... honrarei o nosso acasalamento
enquanto estiver viva.
Ela tem óbvia dificuldade em lembrar, mas com certeza conhece o
texto, diferentemente de Karina, que repete bem devagar cada parte e está
chorando muito, assim como o seu macho.
No entanto, nem eu e nem a minha fêmea derramamos uma lagrima,
por mais que eu possa cheirar a sua ansiedade. Estamos num completo
transe.
— Cada respirar meu, é seu, Crystal — sussurro, me abaixando para
ficar da altura da mulher que virou a minha vida de cabeça para baixo e que
insistiu em mim como nenhuma outra pessoa no mundo.
— Cada respirar meu, é seu, Vladimir — devolve o final do
juramento e o seu lábio inferior treme. — Para sempre.
— Para sempre — ecoo as suas palavras e beijo a sua testa,
completando a pequena, mas importantes cerimonia do acasalamento.
— Que a deusa Luain e a deusa Soslaia abençoem vocês e os seus
corações! — Astor exclama e depois imita um uivo de lobo, o que de uma
forma estranha afeta tanto eu, quanto Klaus. Segundos depois estamos nos
afastando para nos transformamos em lobos gigantesco que uivam para a
lua e assustam uma filhote recém nascida.
FIM
Mas não vai embora ainda não, dá uma olhadinha no que tem na
próxima página, por favor (imagina a autora fazendo uma carinha de
cachorro que caiu do caminhão da mudança e ninguém voltou para buscar)
Acordo Sombrio versão física!
BOM COMPORTAMENTO
LEIA AQUI
Porém, mesmo que não existam mais algemas em seus pulsos, Ian
começa a se sentir preso a Vanessa e aplicar o golpe até o final fica cada vez
mais difícil.
Será que ele conseguirá resistir a essa mulher?
OBSCURO
Quando almas gêmeas perdidas se reencontram após um acidente
Jacob Quinn é o xerife de uma cidade pequena e fria no interior do
estado. Fechado e com um passado trágico, ele tem pouca paciência para
conversa fiada e prefere viver numa cabana no meio da floresta.
Angeline é uma mulher sexy, tagarela, que ama seu corpo curvilíneo e
só quer curtir a vida, mas que vê todos os seus planos serem destruídos após
uma bala atravessar seu pescoço.
Porém, surpreendentemente, ela acorda, sem saber como, muito longe
de casa e com o coração batendo mais forte do que nunca por um homem
bruto, que é sua única chance de sobrevivência e maior perdição.