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Copyright © 2024 G.

BENEVIDES

REVISÃO: Camila Brinck


DESIGN CAPA: Thatyanne Tenório
DIAGRAMAÇÃO: G. Benevides

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer
semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais, é mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua
Portuguesa.
Todos os direitos reservados.

VÍCIO SOMBRIO
1° Edição Digital | Criado no Brasil.

É proibido o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer


parte dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível
— sem o consentimento escrito da autora.
Sumário
Sinopse
Ordem de leitura da série persaneses
O que tem nas próximas páginas?
Playlist
Anteriormente
Dedicatória
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Epílogo
Quer ver as ilustrações +18 desse livro?
Em abril vem aí
Leia o primeiro conto da série persaneses!
O que acontece a partir de agora?
Redes sociais
Quer ler mais mocinhas plus size?
Agradecimentos
Sinopse
Mocinha Plus size - Gravidez - HOT selvagem - monster romance
- mocinho com chifres e uma cauda que faz DP - descobertas
A maioria dos persaneses adoram atenção e costumam ser impulsivos
por conta de suas raízes mágicas e selvagens, já Astor escolheu ser
totalmente diferente. Desde que se tornou curandeiro, ele pensa em si
mesmo como um figurante, não como protagonista, e mantém uma fachada
de seriedade e sensatez.
O ruivo faz de tudo para suprimir a sua verdadeira natureza, zelando
pela saúde dos que precisam, enquanto esconde uma dor pungente em seu
peito e se isola nas ilhas de seu povo, vivendo como um eremita. Ele perdeu
o seu filhote anos atrás e desde então nunca mais foi o mesmo.
Mas o que o persanes bronzeado e de mais de dois metros de altura
não sabia, é que, na verdade, ele era apenas uma bomba-relógio, esperando
para explodir ao conhecer a fêmea com o nariz empinado e a dose de
teimosia e coragem certas.
Nancy está grávida e, junto com a sua irmã, Juliet, acabou de
conseguir fugir da Igreja do Oitavo Renascer, uma seita com dogmas
doentios e que odeia persaneses. A fêmea humana com menos de 1,55 de
altura, sonhou a vida toda com a liberdade e assim que olhou para Astor,
não enxergou apenas um figurante, ela enxergou um macho de cabelos
ruivos e longos que o fazem parecer um sol, com braços musculosos e uma
cauda preta deslumbrante.
O problema é que Astor não corresponde aos sentimentos da humana.
Ou pelo menos é isso que ele quer que todos acreditem. O curandeiro deseja
continuar controlando a si mesmo e a forma como os outros o percebem, e
por isso passa a evitar a mulher que está fazendo o seu corpo tão selvagem
quanto o dos outros persaneses. Astor só não esperava sentir o cheiro de seu
filhote persanes no ventre de Nancy, que está grávida de um bebê cem por
cento humano. Isso não dá outra escolha ao curandeiro além de seguir a
morena de perto até entender o que está acontecendo, mesmo que para isso
tenha que aguentar todos os seus limites sendo testados.
Atenção!
Esse livro é o quarto de uma série e não deve ser lido separadamente
caso você queira entender todo o plano de fundo da história.
Ordem de leitura da série persaneses
Acordo Sombrio
Tentação Sombria
Fraldas com Buraquinhos
Obsessão Sombria
Meu Lobo Proibido
Vício Sombrio
O que tem nas próximas páginas?
Dominação, degradação, sexo vaginal, sexo anal, DP com rabo,
mordidas, muito breeding, knoting (os famosos nós que incham no pau do
mocinho e deixam os dois presos um ao outro) praising, uma mocinha
gravida e de língua muito afiada que provoca um macho persanes que só
está querendo ficar quieitinho e ser um nerd gostoso de cabelos vermelhos.

ATENÇÃO: Essa obra é +18 e apresenta conteúdo sensível


relacionado à violência física.

Playlist
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Anteriormente
Em Acordo Sombrio, Klaus Dark Elf e Karina Choi eram o casal
principal. Karina virou acompanhante de luxo de Klaus, que planejava uma
vingança que nunca se concluiu, pois ele se apaixonou por ela. No final de
Acordo Sombrio, Klaus se transformou em lobo para proteger a sua fêmea
de um ruivo chamado Niflin, que morreu.
Para fugir dos olhos curiosos de quem não podia saber sobre as suas
habilidades de trocar de formas, Klaus foi obrigado a mudar-se. Levou a sua
família para as ilhas do arquipélago de Cosmos com a ajuda de seu tio, o
senador Vladimir Dark Elf, que em Tentação Sombria se envolveu com
Crystal Parker.
Crystal era uma jovem vinte anos mais nova que Vladimir e que no
final de Tentação Sombria foi sequestrada por um homem chamado
Frederick Burner, humano e senador maluco. Ela descobriu então que as
filmagens de Klaus virando lobo lá em Acordo Sombrio, foram reunidas
por Frederick, que é secretamente o líder de uma seita religiosa anti
persaneses com centenas de participantes.
Crystal se especializou em persaneses na faculdade e fez muitas
anotações, que a seita roubou e escondeu, porém, ela foi salva dessa
organização religiosa por seu persanes, que também se transformou em lobo
e que, assim como Klaus, também tinha a marca do lobo com chifres no
peito, representando os seus antepassados mágicos, os Vrunsni.
E em Obsessão Sombria, Oliver fez par com Dante, que a manteve
cativa em uma das ilhas persanesas, ilhas essas onde os casais de Acordo
Sombrio e Tentação Sombria se escondiam da seita. No final de Obsessão
Sombria, Oliver também foi sequestrada por essa seita, que vê os
persaneses como verdadeiros demônios. Ela foi salva por Dante em formato
de lobo, contudo, tudo que acontece nessa organização religiosa liderada
por Frederick ainda é um grande mistério.
Junto a Oliver, as irmãs Nancy e Juliet conseguiram escapar dessa
seita onde nasceram, só que Nancy está grávida e logo se interessa pelo
curandeiro Astor, irmão de Niflin, que morreu em Acordo Sombrio e deixou
um filhote para trás.
Quais são os verdadeiros planos da seita a partir de agora? Por que
eles estão cercando e tentando sequestrar as mulheres que se acasalaram
com os persaneses que estão virando lobo? Eles leram as anotações de
Crystal e sabem tudo que ela aprendeu na especialização de medicina
persanesa?
Nesse começo de história ainda não posso te responder isso, mas te
dou boas-vindas a esse livro, Vício Sombrio.

Atenciosamente,
G. Benevides.
Dedicatória
Para todos vocês que, assim como eu, adoram quando uma baixinha
de menos de 1.55 faz um demônio de mais de 2 metros comer o pão que o
diabo amassou, xingando e gritando com ele, até ele admitir os seus
sentimentos e amarrá-la com uma calcinha na cabeceira da cama e comer
ela de todos os jeitos possíveis.
Eu sei, foi muito específico.
Prólogo
Astor
O rabo do filhote está enrolado em meu braço direito, ele é
acinzentado e muito pequeno, e mesmo assim já tem força para me segurar
com a sua textura macia. Não parece algo possível de existir, é uma exata
cópia do que eu tenho, só que frágil e fina.
É como se o bebê estivesse fazendo carinho em mim, quando o
normal seria ao contrário. Pais fazem carinho em seus filhos. Mas esse não
segue regras enquanto se aconchega ainda mais contra o meu peito.
Nem sei quantos minutos eu passo observando os seus olhos cor de
violeta, sentado na mesma posição. Tenho que conter a minha vontade de
abraçá-lo para não o esmagar, ele é frágil demais.
Mas uma coisa estranha, é que mesmo que eu o esteja encarando,
não consigo realmente vê-lo. É como se tivesse uma nuvem, uma espécie de
névoa em suas feições. Só vejo as duas íris arroxeadas me assistindo
atentamente, como se tivesse algo muito importante para me dizer.
— Você já tem um nome? — Zeva, o curandeiro, pergunta baixo.
— Nimiar — respondo, sem precisar de mais tempo para pensar.
— Lua crescente em Vrain? Não prefere um nome de macho? Tenho
uma sobrinha chamada Nimiar.
Eu sempre fui obstinado pela lua e suas fases, pois a minha mãe me
fez decorar o nome de cada uma delas, mesmo que a lista seja extensa.
Persaneses que não se deixam ser regidos pelos humanos e se importam
verdadeiramente com a sua cultura, são guiados pela lua. E eu sou um
deles.
— Gosto de Nimiar. É a fase da resiliência — explico e o curandeiro
não concorda e nem discorda. — Você sabe me dizer por que… não consigo
ver o rosto dele? — pergunto, tentando focar em Nimiar e ainda sem
sucesso.
Por que é que não consigo enxergá-lo de verdade?
— Quando você irá liberar o corpo para o funeral, Astor? —
questiona de repente e as suas palavras me atordoam. — Está na hora de
deixá-lo ir, você já tem um nome.
— Do que está falando? — Franzo a testa, ainda mais confuso.
— Estão todos esperando. — Ele coloca uma de suas mãos ásperas
sobre o meu ombro e esfrega, o que me faz retrair.
— Que funeral?
Qual o sentido de suas perguntas? Por que esse macho está usando
essas palavras quando o meu filho acabou de nascer?
— Me dê o filhote, estão todos esperando. — Ele tenta pegar Nimiar,
mas eu afasto o filhote antes que consiga colocar seus dedos nele. Nimiar é
meu, eu esperei por ele. Eu o escutei todos os dias. — Está na hora de
deixá-lo ir.
— Por que você quer o meu filhote?! — Mostro as minhas presas
para ele, que não fica abalado com a minha fúria. O curandeiro de pele
escura, cabelos longos e negros tem uma expressão apática.
— Estão todos esperando, temos que enterrá-lo. — Não tem sequer
um pingo de emoção em sua voz, ele só exige e continua tentando pegar o
meu bebê, só que eu não deixo.
— Do que você está falando?!
— Estão todos esperando, Astor. Me dê o cadáver.
A palavra "cadáver" atinge o meu peito como se fosse um soco forte,
então eu olho para baixo e percebo que o meu filhote, que acabou de
nascer está completamente cinza. Toda a sua pele está morta, apodrecendo.
— Me dê o filhote, estão todos esperando.
— Não! — berro e sinto um rosnado maior se formar em minha
garganta, um som muito mais alto do que já ouvi vindo de mim antes. —
Ele é meu filhote! — A minha voz sai deformada, bruta. — Ele é meu! Eu o
esperei!
Sinto a minha carne se partir, os meus ossos fazem sons altos dentro
do meu corpo, que vai se expandindo. E de repente as mãos que seguram o
corpo do meu Nimiar já não são mais mãos, são patas cobertas de um pelo
acobreado do mesmo tom dos meus cabelos.

— Astor! — Alguém berra o meu nome e o meu corpo todo é


chacoalhado com força, o que me faz acordar com pressa. Eu estou quase
sem ar, puxando o máximo de oxigênio que consigo para dentro do meu
corpo, e os meus olhos não param de revirar sozinhos. — Você está
acordado?! — Dante berra mais alto e isso me faz lutar para conseguir parar
esse movimento estranho que os meus globos oculares estão fazendo. — O
que está acontecendo com você? — O cheiro da minha raiva se mistura com
o cheiro do desespero do loiro.
Arranco as mãos dele dos meus ombros com força e toco o meu
peitoral, que está fervendo, enquanto grudo as minhas pálpebras juntas e me
esforço para me acalmar. Não quero que encostem em mim agora, pois
sinto a selvageria correndo pelas minhas veias e preciso de espaço.
Não só a selvageria.
Eu também sinto a dor que atinge o meu corpo, porque a tristeza dói e
muito. Ela arde feito fogo subindo pela minha garganta enquanto se espalha
por cada um dos meus membros. O meu coração está batendo desesperado,
do mesmo jeito que acontece sempre depois dessas lembranças, e é como se
eu tivesse caído de algum lugar alto, direto nesse colchão pequeno e
mofado.
Sinto-me quente por toda parte e luto mais forte para respirar,
intoxicado com o número de cheiros estranhos que tem aqui.
— Onde estamos? — balbucio e me coloco de pé, só que os meus
chifres batem direto no teto e eu me encolho rápido, observando tudo à
minha volta feito um animal enjaulado.
Dante está aqui, com seus cabelos loiros e sua cicatriz escura no
rosto. Está ajoelhado ao lado do lugar que eu durmo e além disso, tem duas
camas e uma pia pequena e suja nesse quarto.
— Turquia, estamos procurando por Oliver — explica e as coisas
começam a fazer sentido. Oliver foi sequestrada assim que descobriu a sua
gravidez em Rigan e nós viemos atrás dela. — Melhor você lavar o rosto.
Estava gritando e rosnando, parecia que estávamos sendo atacados. Falava
coisas sem sentido algum.
Caminho até a pia com pressa, abro a torneira enferrujada e faço o
que Dante sugeriu, só que a água aqui é quente e não me ajuda tanto. Eu
faço uma concha com o líquido transparente e enfio a minha cara,
prendendo a respiração e querendo me resfriar. Eu quero a minha ilha, não
este hotel de beira de estrada, usado por bêbados para foder prostitutas. O
cheiro disso está por toda parte e é muito nojento.
Por um, talvez dois minutos, eu sigo me lavando, esfregando o
máximo de água que consigo no rosto, no pescoço e no peito.
— O que eu falei enquanto dormia? — pergunto, quando já consigo
formar palavras de maneira correta, sem ter conhecimento ainda se terei que
inventar alguma história para Dante enquanto a água escorre pelo meu
tronco. Eu só uso uma bermuda agora.
Sei muito bem o que costumo sonhar. Aliás, não são sonhos, são
lembranças transformadas em pesadelos. A minha cabeça funciona dessa
forma, tudo aquilo que eu não quero que fique, gruda dentro de mim e
nunca sai.
— Não entendi direito, na verdade. — As suas palavras me acalmam.
— Só espero que não tenha sido algum tipo de previsão. Sei que vocês
curandeiros têm visões, às vezes.
Oliver foi sequestrada há quase 24 horas em Rigan, nós fomos até a
Itália de barco e depois voamos até aqui. Combinamos de dormir apenas
uma hora para ficarmos alerta e depois voltaremos a busca por ela, junto
com as equipes que não param.
— Eu só… devo ter tido algum tipo de pesadelo aleatório. Não
consigo me lembrar mais — minto, me aproximo dele e coloco a minha
mão em seu ombro.
Dante ficou muito musculoso com o Nyn, a erva o deixou maciço,
mas nós ainda temos uma altura muito parecida. Na verdade, eu sou até um
pouco mais alto do que ele, com os meus dois metros e dez e mais sei lá
quantos centímetros de chifre.
— Por que você está acordado a essa hora? Não consegue dormir, não
é?
Eu já aprendi como desviar as pessoas dos meus fantasmas, como
fazê-las não perceberem os meus problemas. Me sinto mais do que expert
nisso. Basta que eu pergunte algo sobre elas ou sobre o que as está
afligindo.
— Não consigo fechar os olhos e não… imaginar o que podem fazer
com ela. — Os olhos claros dele refletem o seu desespero. — E esse país é
grande demais, talvez… — Ele não consegue nem terminar a frase.
— Iremos encontrá-la, Dante. Chegamos à Turquia faz pouco tempo,
temos homens por todo país buscando e não estamos muito longe deles.
Oliver vai aparecer a qualquer segundo. Além do mais, a rorani do pulso
ainda está em você, o que significa que a criança está viva dentro da sua
fêmea, então ela também está. — Dou um leve apertão em seu ombro,
passando toda a positividade que não sinto.
— Tomara que sim — ele murmura, com olheiras debaixo dos olhos e
sem conseguir conter um bocejo.
Zeva, o curandeiro que me contou tudo sobre a arte de cuidar dos
persaneses, me ensinou profundamente sobre a nossa natureza. Eu não sou
um médico, não posso só me importar com alguma pequena parte do corpo
da minha gente. Curandeiros têm que saber sobre tudo, e se tem algo que
aprendi, é que não vai ajudar falar para Dante que os humanos são ruins e
que podem fazer coisas terríveis com Oliver. Ele já sabe disso.
— Agora é melhor você dormir ou não conseguirá ajudar em nada nas
buscas.
Dante normalmente discordaria de mim, como ele faz com muita
frequência, assim como Klaus. Mas a dor desse macho é tão grande, que ele
não tem energia para discutir. Ele só quer que tudo se resolva, ele só quer a
sua família de volta. E disso eu entendo muito bem.
Capítulo 1
Nancy

— Mas e se elas só estiverem sendo manipuladas por esses seres das


trevas? Não é nossa missão guiar essas meninas para o caminho da luz?! —
A pergunta dela consegue fazer um burburinho começar na parte onde
ficam as mulheres.
Nos bancos da esquerda ficam os homens e nos da direita ficam as
mulheres, pois os dois gêneros não devem conviver, pois é assim que o
senhor supostamente gostaria.
— Não existe salvação para essas mulheres, Sabrina.
Quando Frederick usa o primeiro nome de uma pessoa ao invés do
sobrenome, ele sempre está puto, não importa o quão plácido esteja o seu
rosto. Notei esse padrão nele após as dezenas de palestras que fui obrigada
a ouvir. Os sobrenomes para ele são muito importantes, pois assim nos faz
lembrar que cada pessoa aqui nessa grande sala vem de uma família que
segue a Igreja há séculos. Todos os nossos sobrenomes estão escritos numa
pedra, a “tábua do compromisso”, que é onde vários idiotas assinaram
prometendo seguir a família de Frederick onde quer que eles fossem.
— M-mas se elas aceitarem o senhor, as almas delas ficarão mais
puras — Sabrina insiste e eu estou vendo a hora que o marido dela irá pegá-
la pelo braço e arrastá-la para fora da Igreja, por conta de suas perguntas.
Ninguém aqui vê questionamentos demais com bons olhos.
— Eu sinto muito mesmo, querida. — Frederick faz uma pausa
dramática atrás do púlpito, que é uma das suas marcas. O loiro é muito
dramático. — Se nós deixarmos que esses demônios, que se dizem elfos,
tenham mulheres, eles irão procriar e em breve vão terminar de amaldiçoar
a terra. Temos que tirá-las deles antes que seja tarde demais e dar um
tratamento duro para essas mulheres, para elas entenderem os pecados que
estão cometendo. Crystal, a minha candidata a noiva, que se mostrou uma
mulher muito suja, Karina e Oliver chegarão aqui em breve e devem ser
doutrinadas.
Eu me lembro de Crystal!
Eu a conheci numa festa e agora fico triste em pensar que ela está
voltando para esse antro de loucos, comandado por Frederick, esse homem
muito magro, muito alto e muito pálido. Ele deve estar na casa dos 30 e
alguma coisa, mas o rosto dele é do tipo que não dá para saber exatamente a
idade da pessoa. Se eu não o conhecesse, poderia dizer que tem 30, 40 ou
quase 50.
Ele fez questão de usar a roupa padrão dos homens, para fingir ter
algum tipo de “decoro”, todos os homens usam uma camisa azul céu e um
par de calças de alfaiataria, e é assim que ele se veste agora.
Como se todo mundo não soubesse que fora daqui, ele anda por aí se
vestindo da maneira mais luxuosa possível enquanto é Senador dos Estados
Unidos e não conta para ninguém que faz parte da Igreja do Oitavo
Renascer…
Frederick tem algumas linhas de expressão, mas o jeito estranho
como arruma o cabelo loiro, penteando para o lado como se fosse um
menino, e a falta de rugas em sua testa, o deixam muito estranho.
— Pense no que pode acontecer se eles continuarem se espalhando.
Pensem em como eles irão arruinar o futuro dos nossos filhos! — Ele
começa a se exaltar e bate os pés no pequeno palco recém-construído nessa
igreja também recém-construída.
Esse prédio aqui é ainda mais simples do que o anterior, tem poucos
bancos, um chão que range e um teto que não fica muito longe das nossas
cabeças.
— Receber essas mulheres aqui será apenas um pequeno sacrifício
em frente às bênçãos que virão. — Ele sorri de um jeito que sempre me dá
calafrios, porque é como se os seus olhos e sua boca falassem coisas
diferentes.
A boca dele mostra um sorriso largo demais, mas os olhos
permanecem gélidos, tentando se fixar no máximo de pessoas possíveis.
Frederick quer enfiar a sua mensagem goela abaixo nas pessoas, ele quer ter
certeza de que está sendo assistido.
Então ele segue falando uma série de baboseiras que deixariam
qualquer pessoa normal de cabelos em pé, e é por isso que eu sempre faço o
meu exercício mental para impedir que meu cérebro assimile as suas
palavras. Demorei anos para aperfeiçoar a minha técnica, mas valeu a pena,
assim eu não sofro essa lavagem cerebral.
Para conseguir não prestar atenção no discurso, eu tenho que pensar
em algo que realmente me interesse, então decido colocar a minha mente
para juntar algumas peças desse quebra-cabeça.
Eu nasci dentro da igreja do Oitavo Renascer, ou IOR, e desde
pequena me recordo de ouvir Frederick gritar o quão ruim os persaneses
eram, mas nunca tentou trazer ninguém de fora para dentro. Mostrava fotos
e vídeos desses seres gigantes, de rabos e chifres e sempre se gabou de
como nós somos os divinos, os escolhidos, e de como os outros são os
terrenos.
Então por que agora, depois que Alice, a mulher de Frederick,
morreu, ele está tentando trazer essas pessoas?
A pregação toda de hoje foi sobre como iremos receber algumas
mulheres que se deitaram com os demônios. Frederick tentou florear uma
palavra aqui e ali, mas deu para entender bem que isso é mais um sequestro
do que qualquer coisa. Eles foram atrás de mulheres que estavam nas tais
“terras dos demônios”, que são ilhas bem longe, e estão arrastando-as para
cá.
Mas qual será o real sentido de roubar só as mulheres deles?
Eu estou tentando ao máximo dar uma de Sherlock Holmes,
personagem que foi apresentado para mim por uma mulher que já não está
mais entre nós. Margot me contou tudo o que pôde, me ensinou sobre o que
é machismo, misoginia e me apresentou ao mundo quando eu não tinha nem
dezoito anos ainda. O mundo real, não o mundo da Igreja do Oitavo
Renascer.
Mas por trazer livros de fora, Margot desapareceu misteriosamente e
hoje em dia eu tento honrar sua memória usando o meu pensamento crítico
ao máximo. O problema é que eu tenho perguntas demais sem respostas
para entender por que o modus operandi de Frederick mudou tão de
repente.
E eu até gostaria de trazer algumas dessas questões à tona nesta
assembleia, mas se eu interromper mais uma reunião com perguntas, não
vou conseguir sentar por uma semana de tantas cintadas que o meu pai vai
me dar.
Palavras dele, não minhas.
— Persaneses marcam as mulheres humanas com suas tatuagens
demoníacas, que são padrões vindos diretamente do inferno. Se vocês virem
uma mulher com uma linha em volta do pulso, saibam que ela está grávida
de um monstro com chifres e rabo!
Frederick fala tão alto que acaba interrompendo a minha tentativa de
sair desse ambiente pesado, mas até que é bom eu prestar mais atenção nele.
Talvez prestando atenção, eu receba algumas respostas que estejam
escondidas entrelinhas.
— E o que nós vamos fazer aqui é salvá-las, mas não no mundo
terreno. Infelizmente, aqui na Terra, elas já não têm mais salvação. Mas
quando essas mulheres morrerem, daqui a vários anos, elas irão para um
lugar melhor depois de morar aqui conosco. — Ele bate com os punhos em
cima da bíblia apoiada no púlpito. — Crystal, Karina e Oliver irão nos
agradecer. Não agora, mas daqui a algum tempo sim.
Margot revelou para mim que, na verdade, essas bíblias que todos
aqui recebem nas escolas são alteradas. As bíblias de verdade não são essas
que nós temos, o nome da família Burner foi incluído em várias passagens.
É como se alguém tivesse pego o texto original, apagado um monte de
coisas que não seriam tão interessantes e depois distribuído por aqui, e todo
mundo engoliu.
Eu me lembro de aprender a ler com um texto que falava sobre como
os Burners eram a salvação do mundo.
— Mas elas estão vindo à força! Para as almas delas serem
verdadeiramente salvas, elas têm que aceitar o pai celestial e o senhor, e
elas não são divinas como nós, que nascemos em outro mundo e viemos
para esse para provarmos que somos bons. Elas são terrenas, por que
colocá-las entre as nossas crianças? — Sabrina continua insistindo nas suas
perguntas.
A morena usa o vestido padrão que todas nós, mulheres, somos
obrigadas a usar. É uma peça azul da mesma cor da camisa dos homens,
muito longa, quase chega nos pés, e o tecido é costurado de um jeito que
não marca nada, o que na verdade é muito bom, dado o meu pequeno
segredo que deve estar fazendo quase quatro meses agora.
— E elas vão aceitar, Sabrina, talvez não no começo, mas com o
tempo elas vão ver a nossa bondade! — explica num tom que tenta ser
amável, como se ele fosse um pai explicando para o seu filho pequeno uma
coisa.
Eu não sei por qual milagre Frederick ainda está respondendo
Sabrina. Normalmente ele só daria uma olhada para o marido da mulher que
ousasse falar diretamente com ele, e logo ela seria repreendida. Mas dessa
vez o loiro está respondendo mesmo as perguntas, e eu suspeito que seja
porque não só Sabrina está desconfiada dessas pessoas que ele quer trazer
para dentro das terras da igreja. Das novas terras, já que agora estamos na
Turquia. Talvez Frederick esteja enfrentando uma oposição
— Então quando todas elas chegarem até aqui é importante que vocês
não as escutem. Se elas implorarem para serem soltas, vocês não vão dar
ouvidos, pois é o demônio falando por elas! — Odeio o jeito como ele vai
buscando cada pessoa, em cada banco, para ter certeza que ninguém o está
ignorando.
O olhar dele chega em mim inclusive e eu me sinto gelada por dentro.
Frederick não passa mais tanto tempo entre as famílias da igreja, nesse
esquema quase medieval que ele inventou. Ele é o suserano e nós os
vassalos. Agora o loiro é senador e fica longe por várias semanas. Porém, o
pouco tempo que ele passa aqui dentro, sempre me deixa num nível
gigantesco de ansiedade.
— Não façam nem contato visual com essas mulheres. — Os
persaneses são uma praga para nossa igreja, eles são descritos como tudo
que há de pior, mas eu não consigo acreditar nisso, mesmo que nunca tenha
tido contato com nenhum desses seres tão diferentes. — Mantenham-se
puros, só assim serão aceitos nos reinos do nosso senhor quando o
arrebatamento chegar.
Nesse ponto Sabrina já está sentada de volta em seu banco, deve ter
recebido algum olhar muito estranho de seu marido, um homem muito
bruto, assim como quase todos os outros aqui. Se persaneses são horríveis e
uma praga no mundo, as mulheres são tolas e devem ser guiadas feito
ovelhas, enquanto que os homens são os provedores e os cérebros pensantes
de sua casa.
— Não queremos essas mulheres sujas aqui! — o velho Judy grita.
Ele é um dos mais antigos membros da igreja e dos mais malucos também.
Só que mesmo sendo muito velho ele ainda deve obediência total a
Frederick e por isso, sem que o loiro atrás do púlpito diga mais uma
palavra, os seus paus-mandados aparecem, pegam o velho por baixo do
braço e o retiram de dentro da igreja. Um deles é enorme de tão alto e tem
um nariz estranho, que parece que foi quebrado e remodelado de qualquer
jeito na sua casa.
E ninguém diz nada, ninguém vai contra, ninguém acha um absurdo.
Todos ficam quietinhos em seus bancos ouvindo o homem espernear. Mas
eu estou cansada pra caralho disso, de ser ameaçada, de ser doutrinada. Eu
quero liberdade, para mim, para minha irmã, Juliet, e principalmente para o
bebê que espero de forma secreta, e que cresce no meu ventre a cada
segundo.
— Sei que vocês estão com medo, nós tivemos que sair de onde
estávamos, viemos para a Turquia para expandir as nossas terras, lugar que
é tão longe onde os meus antepassados fundaram a nossa primeira Vila e a
Igreja. — Eu não sei como os outros não notam isso. Frederick sempre está
com um ar extremamente superior, sempre reforçando a porcaria dos seus
antepassados! — Mas saibam que tudo que estou fazendo, está sendo
guiado pelo pai celestial, estou recebendo mensagens diárias dele me
mostrando o caminho, e foi ele quem me disse que nós precisamos ter essas
mulheres aqui dentro. Acolhê-las é uma prova da nossa bondade.
Eu não consigo me conter e reviro os olhos, pois a vontade é mais
forte do que eu. Só que sou pega pela minha mãe e ganho um tapa na boca
por isso, um bem barulhento, que poderia reverberar pela igreja toda, isso se
não fosse o tamanho da falação de todos à nossa volta.
— Eu já disse para respeitar o nosso líder, Nancy — ela fala
entredentes e eu uso toda a minha força de vontade para não revirar
novamente os olhos.
— Agora a nossa assembleia acabou. — Frederick termina
abruptamente e ele pode enganar os outros, mas eu percebo o desespero se
instalando no loiro. Ele está escondendo algo. — Mulheres não casadas,
entrem na salinha e esperem por mais instruções, hoje fui abençoado com
muitas visões e pretendo enviá-las para as mãos de bons homens.
As palavras dele me deixam nauseada, já que eu sou uma mulher não
casada, assim como a minha irmã, que está do meu lado e que prestou
atenção em cada uma das baboseiras que esse idiota disse hoje. Eu não sei
Juliet, mas eu prefiro arrancar os meus olhos fora do que me tornar uma
segunda ou terceira esposa de um velho babão, ainda mais com o meu
problemão atual, que está crescendo mais a cada dia, e que daqui a pouco
vai ser difícil esconder.
Capítulo 2
Nancy
Após sermos liberadas da conversa com Frederick, minha irmã e eu
vamos para o nosso novo esconderijo. Não é um lugar exatamente secreto,
mas quase nunca tem alguém. Fica atrás de um dos prédios de madeira que
está sendo construídos aqui na fazenda, onde é muito árido e quente.
Provavelmente existem lugares paradisíacos nesse país, mas Frederick
comprou um pedaço de terra onde todo mundo parece que está sendo
lentamente cozido.
E ao chegarmos no nosso esconderijo, que não passam de duas
cadeiras velhas de balanço e um baralho enterrado, descobrimos que não
estamos sozinhas, encontramos Sabrina sendo espancada pelo marido.
— Você não é uma mulher solteira! — Ele praticamente rosna as
palavras e a sua camisa azul está toda grudada no corpo, de tão suado.
Joseph é um trabalhador braçal, assim como a maioria dos homens, então
ele tem força de sobra para acabar com a esposa se quiser. — Quem
mandou você fazer tantas perguntas para o nosso senhor!
Ela implora e luta, e eu quero ajudá-la. Estou com um pedaço de pau
na mão, pronta pra isso.
Foda-se que ele tem uns 1,80m de altura e eu um metro e cinquenta e
alguma coisinha, foda-se que ele é magro e ágil e eu peso mais de noventa
quilos, odeio correr e ainda estou grávida. Quando eu bater com toda a
minha força contra a cabeça dele, eu duvido esse desgraçado não morrer.
Só que na mesma hora que tento avançar, sinto um par de mãos me
puxando para longe.
— Feche os olhos e vamos embora — Juliet sussurra no meu ouvido,
enquanto me tira de fininho, puxando o meu corpo para longe. — Ele vai te
bater e depois nossos pais vão bater ainda mais na gente, fique quieta.
Mas eu não quero fechar os olhos. Eu encaro o tempo todo e assisto
cada tapa e murro que Sabrina leva, porque quero gravar isso na minha
cabeça. Quero que essas imagens rodem pelo meu cérebro toda vez que
tentarem me doutrinar nesse lugar e dizer quão especiais esses agressores
filhos da puta são.
Juliet passa as mãos no rosto, querendo se livrar das gotas de suor em
sua testa enquanto nos sentamos no nosso segundo esconderijo, uma sala
vazia no dormitório das mulheres. Não tem nenhum móvel aqui e a única
janela está fechada com ripas que deixam apenas algumas frestas de luz
entrarem.
— Ela realmente não podia ter questionado o senhor Burner, ele
parece ficar cada dia mais sem paciência. — A voz dela sai até fina e eu
consigo ver o medo estampado em seus olhos e na sua postura. O terror de
ter presenciado aquela agressão. — Ele diz que escuta o pai celestial e todo
mundo acredita nele aqui. O melhor é sempre passar despercebida.
Quero julgar Juliet, porque essa postura submissa dela me irrita
muito, mas eu entendo de onde vem a sua obediência. Quando ela era mais
nova, não era assim. Eu devia ter uns sete anos e me lembro da minha irmã
se metendo numa briga entre marido e mulher uma vez. Ela levou um soco
na cara do homem e quando chegou em casa apanhou ainda mais, porque
aqui não tem espaço para rebeldia.
— E por isso Sabrina merece levar uma surra do marido? Por que a
porra do Frederick escuta umas vozes estranhas na sua cabeça de noite e
acha que é Deus?
Margot nunca me diria para ficar quieta, Margot teria pego aquele
pedaço de pau junto comigo e acabado com Joseph.
— Você sabe que não… — Ela nega com a cabeça e os seus olhos se
enchem de lágrimas de novo. — Eu odeio violência e se-se nós tivéssemos
feito algo, ele teria batido na gente também.
— Se você odeia a violência, não apoia Frederick, porque aquilo ali
foi só uma demonstração do que aquele lunático prega. Então isso significa
que você não pertence a esse lugar, assim como eu!
A minha fala a faz voltar a esfregar o rosto arredondado de tanta
ansiedade e tentar ordenar o cabelo dourado, de tom completamente oposto
ao meu, que é castanho-escuro.
Juliet, assim como eu, é gorda, e isso significa que a maldita da nossa
mãe não para de pegar no nosso pé. Só que diferentemente de mim, a minha
irmã deve ter um pouco mais que um e setenta de altura.
— Não chame Frederick de lunático em voz alta, Nancy, as paredes
têm ouvidos aqui — sussurra e torce o pescoço, encarando todos os lados,
procurando por telespectadores. — Vou te falar algo sério agora, e vou falar
só uma vez. — As sobrancelhas claras de Juliet formam uma linha só e ela
cria um pequeno vinco entre as duas, como se estivesse sentindo uma
profunda agonia. — Eu sei que dói ver essas coisas, já fui como você e
achei que dava para fugir das minhas obrigações, mas não dá, existem olhos
em todos os lugares aqui — diz tudo com pressa, as palavras vão se
atropelando uma atrás da outra. — Ficar questionando só torna tudo pior,
vai te deixar em agonia, vai te manter acordada durante a noite, e quando
chegar o dia você ainda vai ser uma mulher, e as mulheres sempre têm que
obedecer.
— Não precisa ser assim.
— Mas é assim que as coisas são para nós agora. — Ela aperta os
meus ombros e eu respondo com um revirar de olhos. Juliet quer que eu
seja como ela, coisa que não vai acontecer. — E então, o que é que você
tem para me falar?
— Juliet, eu estou… — Eu me preparo para contar o segredo que
venho escondendo há algumas semanas desde que descobri, mas ela me
interrompe.
— Só não me diga que é outro plano para fugir, por favor — diz
entredentes. Quando nos mudamos para a Turquia, eu decidi tentar fugir
mais uma vez. Só que a minha mãe descobriu os meus planos, e eu acho
que eu nunca senti tanta dor na vida. Ela usou o cinto que tem uma cruz
pesada no meio para bater nos meus braços e atrás das minhas coxas. — Se
você for pega por alguém de fora da nossa família dessa vez, as coisas vão
ficar bem ruins.
Ninguém sabe realmente o que acontece com quem quebra as regras
da igreja. As pessoas só somem e ninguém nunca mais fala sobre elas,
como se nunca tivessem existido.
— Tecnicamente, não é um plano para fugir, mas se você quiser pode
virar um…
— Então nem me fale. — Ela coloca a mão sobre a minha boca
querendo me calar. — Juro que eu não quero saber. Eu sei que tudo parece
bom quando passávamos pelos mundanos em Red Town, mas você sabia
que lá fora existem vários crimes sendo cometidos? Roubo, estupro. As
mulheres não estão seguras — ela está sussurrando a esse ponto. — Você
lembra o que aconteceu daquela primeira vez que tentou fugir e conseguiu?
Se não fosse eu ter te seguindo e batido com um pedaço de pau na cabeça
daqueles homens que te encontraram na estrada, algo horrível teria
acontecido com você.
— Juliet, isso nem se c…
— Eu sei que você não gosta das coisas que acontecem aqui dentro,
eu também não gosto. — Ela não me deixa terminar. — Mas acredite, lá
fora também é muito pior do que você imagina. Pelo menos aqui dentro já
sabemos nos virar.
Vez ou outra nós recebemos permissão para sair, principalmente
quando temos que fazer manifestações contra os persaneses. Juliet já foi
mandada até para uma conferência de imprensa que um persanes senador
estava dando. Todas as palavras que ela disse foram ensaiadas, mandadas
por Frederick. Ele a colocou lá dentro e depois a tirou.
E é nesse tipo de saída que eu já tentei fugir, e foi também assim que
eu engravidei.
— Sei que lá fora não é um mar de rosas, mas também não quero
levar uma surra do meu marido só porque decidi perguntar para um lunático
por que ele está sequestrando três mulheres!
— Eu também queria poder escolher o meu destino, você sabe disso.
Juliet foi apaixonada por um garoto chamado Connor. Eu era
pequena, devia ter no máximo 8 anos, e já via a minha irmã andando de um
lado para o outro atrás de Connor. Ele virou o centro do mundo da minha
irmã.
Porém, Frederick tem uma política diferente para homens e mulheres
jovens. A partir dos 17 anos, as meninas devem ficar disponíveis para o
casamento, já os meninos, ele não permite que se casem. O filho da puta diz
que todos têm uma missão diferente.
As mulheres devem ajudar a Igreja a crescer, se tornando servas de
seus maridos, e os homens devem ajudar o senhor a construir sua obra
dando o seu suor, até que se tornem merecedores de quantas esposas o
senhor revelar a Frederick. Desse jeito, Burner ganha um exército de
pedreiros, seguranças e funcionários em geral, e outro exército de
empregadas.
Então, logo Connor começou a servir ao propósito da igreja e não
pôde mais ficar ao lado da minha irmã, que se tornou essa mulher obediente
de hoje em dia. Eu sempre quis descobrir exatamente o que aconteceu, por
qual motivo ela nunca se casou depois de Connor e aceitou fingir que gosta
da igreja tão profundamente. Mas Juliet sabe muito bem como segurar seus
segredos.
— Você está calada a tempo demais agora — reclama de repente, pois
eu acabei entrando no meu mundinho de pensamentos e esqueci que eu
tenho uma coisa para dizer a Juliet. Uma coisa muito importante. — O que
é que tem para me falar?
— Acho melhor você me dizer o que aconteceu naquela salinha
primeiro — argumento, com medo do que dirá.
Depois que a reunião acabou, todas as mulheres solteiras entraram
nos fundos da igreja e uma por uma elas foram chamadas para uma
conversa com Fredrick. A minha irmã saiu de lá com um rosto lívido, já eu
fiquei menos de um minuto e só o que eu vi foi “Infelizmente o senhor
ainda não me mostrou os planos dele para você, mas tenha fé e continue
orando que tudo dará certo”.
— Se eu disser você vai me encher o saco, então você fala primeiro.
— Ela se coloca de pé e começa a andar pela sala, do jeito que faz quando
está nervosa e começa a me deixar apavorada.
Frederick pode muito bem ter abusado dela. Depois que Alice, a
mulher dele morreu, o canalha não se casou de novo, o que é bem incomum
por aqui. Então ele pode estar querendo arranjar uma nova escrava e usado
a minha irmã para isso.
— Prometo que não vou, pode me contar. — Tento soar controlada
para que ela fale logo.
— Frederick disse que... vai me arranjar um marido — revela e espera
que eu fale algo, mas acho que fico em choque demais com a informação.
Ele pode até ter dito que o pai celestial mandou mensagens, mas Juliet está
com quase trinta e não se casou, então achei que estava imune a esse
desastre. — Disse que durante seu sono o senhor foi até ele e sussurrou com
quem eu deveria me casar.
— O quê?! — O nível das invenções dele nunca deixam de me
surpreender.
— Ele não disse quem era, mas disse que não é daqui, que não vive
nas terras da igreja.
Existem dois tipos de família na Igreja do Oitavo Renascer: as pobres
e as ricas. As pobres vivem nas terras da igreja e servem a ela o tempo todo
nesse regime de submissão absurdo. E existem as famílias ricas, que vivem
do lado de fora, sendo secretamente seguidoras das doutrinas da igreja. Só
que fora daqui, o que os homens fazem é considerado poligamia, segundo
Margot. Não se pode ter mais de uma esposa na maioria dos países.
Por isso, existem várias mulheres aqui que são casadas, mas que só
veem seus maridos de vez em quando, isso no momento que eles decidem
visitá-las. E é com esse tipo de homem que a minha irmã deve se casar.
— Ele é de fora, vou conhecê-lo em alguns dias e se ele gostar de
mim, vamos nos casar.
Juliet não é boba, ela não tenta fingir que está feliz para mim, como
sei que vai fingir que está feliz para os nossos pais. Ela sabe que eu nunca
acreditaria em um sorriso seu agora, não um sorriso que mostrasse os
dentes, pelo menos. Então ela sorri de boca fechada e desvia o olhar de
mim.
Esse é o retrato perfeito do que a porra dessa igreja faz.
— Mas você vai ser o quê? Décima esposa de um velho de setenta
anos?
— Na verdade… parece que vou ser a primeira esposa, isso é incrível,
não é?
— É… incrível… — Eu não quero ajudá-la a ficar mais ansiosa,
então engulo os meus verdadeiros pensamentos.
— Agora é melhor nós irmos, a nossa mãe deve estar nos procurando.
— Ela me pega pelo braço, me ajuda a ficar de pé e começa a me puxar em
direção a cozinha. Aqui ainda não temos uma cabana para cada, como era
na antiga vila. Aqui nós temos dormitórios, por enquanto, femininos e
masculinos, bem separados, claro. — Mas então o que você quer me dizer?
— Só queria te perguntar se você podia me emprestar alguns dos seus
bordados para eu mostrar pra mamãe hoje à noite. — Invento a mentira na
hora, sem coragem de dizer a Juliet que estou grávida.
Ela já tem problemas demais para pensar, sinto isso na mão trêmula
que colocou em mim.
Capítulo 3
Nancy
Não demora muito para que pessoas de fora cheguem até a fazenda,
só que diferente do que foi anunciado, não são três mulheres novas para
serem doutrinadas. Só quem aparece são bandidos contratados para trazer
uma mulher só e ela entra pelo portão principal, lugar que eu não sou
autorizada nem de chegar perto pelos meus pais, após as minhas, pelo
menos cinco, tentativas de fuga.
Eu não sei como, mas um bom número de idiotas que olham a mulher
ser carregada à força para dentro da fazenda, parecem aprovar o que está
acontecendo. Não consigo ouvir nenhuma frase inteira do que cochicha esse
mar de pessoas de azul céu, mas o pouco que pego das palavras no ar são
coisas como “ela será purificada” e “tem sorte de Frederick estar querendo
ajudá-la”.
Muitos param os seus afazeres para observar a terrena que é carregada
por alguns homens jovens, sem receber nem a chance de andar. É uma cena
grotesca, que embrulha o meu estômago.
Com tanto alvoroço, eu consigo disfarçadamente seguir os homens
que a levam para dentro da ala das mulheres, um dos primeiros prédios que
foram construídos assim que chegamos aqui na Turquia.
Percebendo para onde a estão levando, eu entro na sala do lado e me
coloco ajoelhada na frente de uma porta por onde eu já espiei outras vezes,
através do buraco da fechadura.
A mulher de fora é colocada em cima da grande mesa de mármore
que minha mãe usa para cortar carnes e dar lições sobre cozinha para as
mulheres da igreja,
assim elas aprendem o que cozinhar para os seus maridos com os
poucos recursos que temos aqui. Porém, as aulas dela não são assim tão
necessárias mais, já que agora todos comemos da mesma comida escassa.
Em Red Town não era assim.
Os meus dentes estão até batendo de tanta ansiedade por conta da
novidade que é ter alguém de fora assim, pois dificilmente alguém, depois
de crescido, vai querer se converter à Igreja do Oitavo Renascer. Na
verdade, as pessoas nem sabem que nós existimos e Margot deixou claro
para mim que o motivo disso é que a maioria das coisas que fazem aqui vão
totalmente contra as leis do restante do mundo.
A terrena tem um corpo baixo como o meu, talvez tenhamos quase a
mesma altura. Os seus cabelos são ondulados e alaranjados e ela é branca,
só que não tão pálida quanto eu e minha irmã, já que provavelmente tem
muito mais tempo para tomar sol. Aqui quem faz os trabalhos ao ar livre
são os homens, as mulheres têm que ficar dentro de casa orando e vigiando,
e fazem todo o trabalho doméstico. Margot me disse que nós vivemos quase
como freiras.
Enquanto a ruiva fica sentada, parecendo bem atordoada, ela não
recebe nem sequer uma palavra de Carol, a minha mãe, que deve ter sido a
pessoa designada a dar uma espécie de “boas-vindas” para ela. Isso enche
meu coração de pena, mesmo sem nem a conhecer.
Logo a desconhecida, que eu descubro ser Oliver, segundo a minha
mãe, recebe o traje azul básico de toda mulher aqui dentro e não demora
muito para começar a ser agredida. Ela ganha um tapa, pois tenta esconder
sua gravidez, sem saber que Frederick deu informação de que essas
espécies de tatuagens pretas em volta do pulso significam gravidez.
Desde pequenas, eu e minha irmã, fomos criadas no modo Shepard de
se fazer as coisas. Você só deve falar quando falam com você, caso
contrário, vai levar um tapa na boca. Se parecer indiferente ao que estão lhe
falando, se esquecer uma tarefa ou se decidir ter só um pouquinho de livre-
arbítrio, os tapas aumentam, até que se tornem chutes e pontapés. Os meus
pais são uns dos seguidores mais fiéis do psicopata que chamam de senhor,
tanto que meu pai foi feito pastor, então eles vão fundo no ditado criado por
Frederick: punir para restaurar o bem.
Depois de bater na ruiva, a minha mãe ainda pega uma faca para
ameaçá-la e eu vou ficando cada vez mais ansiosa com o que acontece lá
dentro e é difícil até de respirar.
— Agora vá se trocar e não tente nada! — Carol ordena e a mulher
vai para trás do biombo se trocar com o vestido azul.
Depois de vestida, a terrena é obrigada a se batizar e a jurar lealdade
ao filho da puta do loiro que administra todo esse circo, mesmo que ele nem
esteja aqui para recebê-la. Eu assisto tudo através da fechadura da porta, até
quando um velho gordo de azul entra na cozinha, então não vejo
exatamente o que acontece. Quando elas se movem, saem do meu raio de
visão e eu tenho que tentar adivinhar o que estão fazendo e prestar bem
atenção no que dizem.
— Agora abra os olhos e beba isso. — O velho gordo de azul, que
todos chamamos de pastor Johnson, ordena e depois entrega seu cantil na
mão da ruiva. Ela deve estar desesperada vendo todas essas pessoas
vestidas iguais e esse cara feio lhe obrigando a se batizar. Fiz isso quando
mais nova, mas sinceramente nem lembro direito como foi. — Você irá
ingerir a bebida sagrada todos os dias, até se purificar.
Eu não consigo ver a cara que a ruiva faz, só consigo ver a parte de
trás da sua cabeça enquanto ela bebe do cantil do pastor. Ela tosse muito e
eu fico curiosa para saber exatamente o que ela está ingerindo, porém, essa
bebida é uma coisa mais masculina, nunca vi mulheres bebendo isso, eles
nem nos dizem o que tem ali.
— Agora você irá ficar num quarto, pensando no que fez de errado e
fazendo uma dieta, Frederick já me avisou que não quer nenhuma de vocês
rechonchudas. Ore para que o pai celestial purifique a sua alma suja, peça
por perdão e medite! — Carol fala, pega a terrena com força por seus
cabelos e eu sinto a dor por ela, que faz um som alto de susto e tenta
escapar.
— E-eu não fiz nada de errado! — Oliver choraminga e luta contra a
minha mãe e o pastor, e se Juliet estivesse aqui, diria que esse é um grande
erro da parte dela.
Para ser justa, eu não acho que minha irmã seja uma doida e que siga
tudo de olhos fechados mesmo, mas ela com certeza é boa em fingir que é
um deles. Ela finge tão bem, com medo de estar sendo espionada, que até
mesmo eu acredito às vezes, porque não destoar no meio da multidão pode
te salvar de muitas punições.
— Se o seu pai e a sua mãe não te ensinaram certo, nós ensinaremos,
puta do demônio! Como pode engravidar de um daqueles seres sujos?! — a
voz de Carol é cortante, cheia de ódio e nojo, e ela me atinge como um de
seus tapas. Eu engulo em seco enquanto tento continuar assistindo pelo
buraco minúsculo da fechadura, só que eles se movem para ainda mais
longe, arrastando a ruiva e sumindo do meu campo de visão. — Meninos!
Levem-na daqui! E não deem ouvidos a ela, está proibida de comer
qualquer coisa que não seja eu que tenha enviado.
Só consigo observar a minha mãe empurrar Oliver, que eu escuto cair
no chão, mas não vejo a ruiva mais. Tenho que tampar a boca com as mãos
para não gritar de ódio enquanto escuto a mulher ser maltratada e levada
para fora da cozinha para ser trancada em algum dos muitos quartos que
fizeram nesse prédio.
Sei exatamente como é ser tratada assim e por isso meu estômago se
revira, porque a abordagem que eu receberei assim que Carol descobrir que
estou grávida, será três vezes pior do que isso.
Eu não sei nem se ficarei viva para contar a história depois, para
explicar que não planejei isso, que só reencontrei um cara da minha
infância. Kal conseguiu ajuda para estudar engenharia e ser um dos olhos da
igreja do lado de fora.
Quando eu e minha irmã fomos mandadas para uma manifestação,
acabamos tendo que ficar num hotel, e, nesse hotel, Kal estava. Ele ficou
diferente, cresceu, aprendeu um monte de coisas que eu nunca nem pude
chegar perto. Eu me senti como uma idiota quando tirou do bolso o seu
celular e começou a me mostrar como se mexia naquilo. Segundo Kal, todo
mundo tem um desse, serve para acessar a internet e fazer ligações, coisa
que eu nunca vou poder fazer na vida.
O jeito como ele parecia tão livre e a forma como me mostrou coisas
que podem ser feitas com o corpo entre um homem e uma mulher, me
deixou em êxtase. A igreja não deixa ninguém contar para as mulheres
antes do casamento como as crianças nascem, quem me explicou tudo isso
foi Margot, então eu sabia do perigo, tecnicamente.
Só que eu estava animada demais com todas as novidades, com Kal
me mostrando tudo que ele conseguiu no mundo real e com as suas
promessas de me tirar daqui.
Depois que voltei para as terras da igreja, eu nunca mais vi o filho da
puta, e também não podia pedir para chamarem ele, já que ninguém nem
sabia do nosso encontro. Algumas semanas depois eu comecei a vomitar, e
então nós nos mudamos para a Turquia, o que me ajudou bastante, na
realidade.
Antes, todas as famílias tinham as suas casas e conviviam muito
tempo juntas, agora que tem a ala das mulheres e dos homens, nem a minha
mãe e nem o meu pai ficam de olho no que eu estou fazendo, muito menos
a minha irmã. Carol sempre me achou gorda mesmo, então eu não precisei
dar nenhuma desculpa, só continuei usando as roupas folgadas e tenho dado
sorte que minha barriga mal cresceu até agora.
Mas já se passaram 3 meses desde Kal e eu sei que uma hora ou outra
eu serei pega, por isso preciso de um plano para sair desse lugar o quanto
antes.

— O que é isso na sua mão? — Juliet questiona, me pegando no


momento que eu coloco o pé no corredor.
Ela veste o mesmo que eu, uma camisola muito longa e branca só que
diferentemente de mim, ela usa o penteado de tranças que elas enrolam e
transformam em um coque baixo, mesmo que para dormir. Já eu preferi
soltar o meu e deixar que o cabelo ondulado e castanho ficasse livre, pelo
menos por agora.
— Você não me respondeu, o que é isso na sua mão? — Insiste, me
pega pelo ombro e me puxa para o final do corredor, para não ficarmos
assim tão perto do quarto e acabarmos acordando alguém que vai nos pegar
aqui.
— Roubei da cozinha quando ninguém estava olhando — cochicho e
levanto o pano de prato para mostrar o que tem embaixo.
Peguei uma pequena travessa de vidro no jantar e enchi com o
máximo de carne de cordeiro e purê de batata que consegui. Eu queria ter
conseguido vegetais e mais algumas outras coisas, só que pegar essas duas
coisas já foi bem difícil.
— Sei que a nossa mãe anda querendo fazer uma dieta forçada em
você, mas não achei que fosse para tanto. — Juliet semicerra os olhos, sem
entender nada, mas ainda assim desconfiada, como sempre.
A minha irmã tem uma pequena marca de expressão no meio das
sobrancelhas, de tanta preocupação. Ela também sorri muito raramente,
mesmo que tenha um lindo sorriso e covinhas, e está sempre olhando para
baixo, cumprindo a regra de não encarar os mais velhos nos olhos, como
sinal de respeito.
— Não é para mim.
— Então para quem é?
— Sabe a mulher que chegou hoje? — pergunto e ela já regala os
olhos acinzentados, entendendo tudo. — O nome dela é Oliver e ela está
grávida, eu ouvi eles falando que vão fazer um tipo de dieta nela, que
Frederick não a quer gorda — explico com pressa e isso faz a minha irmã
olhar para os dois lados com muito nervosismo, para saber se não tem
ninguém espiando.
Mas a maioria das pessoas aqui dorme cedo, estão sempre exaustos de
tanto trabalhar de graça, em troca de um monte de regras e uma porcaria de
uma promessa de salvação quando chegar o fim do mundo.
— Não acredito que você vai fazer isso! Se for pega, a nossa mãe vai
te punir — fala entredentes.
— Nós sempre somos punidas, vamos pelo menos fazer valer a pena
agora! Aposto que ela tem informações super interessantes de lá de fora…
mais do que Margot. — Eu esqueço e acabo falando o nome que causa
calafrios em Juliet. Ela diz que Margot foi quem plantou essa semente da
rebeldia em mim.
— Você não tem vergonha de falar sobre essa mulher? Não se lembra
qual foi o fim dela? — Eu irrito a minha irmã demais e sei que acabei de
foder com o meu plano. Ela não vai me apoiar.
— Não vou morrer sufocada aqui dentro, quando nem fui eu que
escolhi viver toda essa merda — protesto, ela respira fundo e massageia as
têmporas, como se estivesse com uma baita dor de cabeça, e provavelmente
está. Eu tiro o sono de Juliet, sem deixar que ela caia na mesmice da igreja,
nunca.
— Eu vou sozinha — fala de repente e me surpreende.
— O quê?!
— Você já tomou punições demais, se eu for pega, posso mentir e eles
vão acreditar. Se você for pega, vai acabar como Sabrina.
As imagens de Sabrina sendo agredida por seu marido ficaram
grudadas dentro da minha cabeça até hoje.
— Mas e o seu casamento? Frederick pode querer reconsiderar.
— Ele não vai, disse que foi o pai celestial quem enviou a mensagem.
Agora volte para dentro e eu vou entregar isso para essa tal de Oliver. —
Antes que eu possa dizer qualquer outra coisa, Juliet pega a travessa da
minha mão com cuidado e aponta com a cabeça para a entrada do quarto de
onde saiu agora há pouco. — Vai logo dormir e refaça a merda das tranças.
Acho que é a primeira vez no ano que eu escuto a minha irmã falar
palavrão, quebrando um pouco a sua fachada de garota certinha, o que me
arranca um sorriso.
— Vou esperar você voltar — aviso, ela revira os olhos e desiste de
me obrigar a voltar para o quarto, começando a descer as escadas para o
andar de baixo.
O meu coração fica mais em paz em saber que Oliver não vai ficar
sem ter o que comer, agora eu sei o quanto as grávidas sentem fome. Pelo
menos eu fico esfomeada o tempo inteiro.
Só para ter certeza de que tudo vai dar certo, aguardo pelo menos um
minuto, parada no meio do corredor vazio, ouvindo a minha irmã descendo
os lances de escada. Os passos dela tentam ser silenciosos, porém, tudo aqui
range. Mas pelo menos ela não é suspeita como eu, todos aqui acreditam
que Juliet nunca faz nada errado e eu queria ser como ela às vezes.
Seria bem mais fácil fugir.
— Acordada ainda? — Uma voz masculina profunda e estranha
pergunta de repente e eu fico até sem ar de tanto susto. O tom é diferente e é
dual, como se fossem duas pessoas falando ao mesmo tempo.
Viro-me com pressa, olhando em direção ao quarto, e dou de cara
com uma figura alta, de cabelos loiros, com um rosto conhecido e
completamente ensanguentado.
Capítulo 4
Nancy
Preciso respirar fundo para não acabar vomitando bem aqui, de tanto
susto.
Não sei o que pensar. O meu cérebro não consegue processar a
imagem que não faz sentido algum. Eu preciso correr dessa aparição
estranha, só que os meus pés ficam grudados no chão.
O homem veste as roupas azuis que a igreja manda todos usarem e ele
está tão próximo que consigo ver as gotas de sangue escorrendo por suas
bochechas, é como se tivesse tomado um jato de sangue em seu rosto e eu
juro que não quero saber de onde isso veio.
— E então, Nancy? Por que você ainda está acordada? — pergunta
mais uma vez, contudo, num piscar de olhos tudo muda no rosto dele e na
sua voz.
É como se eu tivesse alucinado o que acabei de ver, porque o sangue
some magicamente e agora consigo reconhecer o rosto por baixo do líquido
vermelho vivo. Na minha frente está Frederick, o homem que diz ouvir a
voz do pai celestial, e que é o filho, de um filho, de um filho, de algum
maluco que decidiu criar uma igreja própria.
— Eu… é… eu…. — Tento encontrar as palavras, mas elas não
querem sair.
— Eu p-perdi o sono. — Consigo responder depois de vários
segundos gaguejando, sentindo gotas de suor frio descerem pela minha
coluna.
Eu ponho a mão no coração e preciso me apoiar na parede, tentando
regular a minha respiração e o meu coração desesperado.
Como ele pode estar na minha frente, com o seu rosto pálido
completamente limpo? Isso não faz o menor sentido!
— Está tudo bem? — questiona e dá um passo em minha direção,
mas pelo menos os meus pés deixam de me sabotar e eu consigo me afastar
dele, mas só um pouco.
Alguns membros da igreja dizem ter sonhos, dizem conseguir ver
coisas que outros não veem, mas eu nunca acreditei nisso, sempre achei que
falavam essas coisas para assustar. Contudo, a visão de Frederick com o
rosto coberto de sangue foi real demais para ser negada.
— E-está — gaguejo e olho fixamente para o seu rosto para tentar
garantir de que estou vendo direito. — Está tudo bem.
Como essa porra pode ser possível?! Onde está o sangue?!
— Volte para o seu colchão e ore para o pai celestial por uma boa
noite de sono — ordena e age do seu jeito cínico preferido. Existem muitos
Fredericks diferentes. Existe o das assembleias, que é fechado e ativo na
luta contra os “demônios do mal”, existe o Frederick senador, e existe o
Frederick “bonzinho”, que age como se fosse um irmão mais velho
atencioso. E é essa postura dele agora, que até dá um pequeno sorriso. — E,
Nancy?
— S-sim? — pergunto, me sentindo estranhamente letárgica.
Eu já deveria ter corrido para dentro do quarto, mas estou
impressionada demais com o que vi. Foram segundos só vendo o rosto
masculino cheio de sangue. Sangue fresco e gotejando, como se sua vítima
tivesse acabado de ser atacada.
— Como está a sua irmã?
Eu não gosto que ele fale de Juliet.
— Ela está bem.
Ele normalmente não me dirige a palavra, mas me conhece, assim
como conhece a todos aqui. Vive dizendo que somos a sua grande família e
que reconheceria os nossos rostos a quilômetros. Mas isso faz total sentido,
o sanguessuga sabe bem quem é o seu rebanho que alimenta o seu ego.
— Diga a ela para se preparar para o casamento. É importante que a
esposa se mantenha virtuosa até os seus últimos dias.
A palavra casamento me enche de fúria e asco. Esse psicopata deve
ter arranjado algum doido igual a ele para casar com a minha irmã, e eu
decido agora mesmo que, se ela não vai fazer nada, eu precisarei arranjar
um jeito de salvar a nós duas.
— Sim, senhor — falo entredentes, agora numa mistura de ódio, nojo
e medo. — Boa noite — obrigo-me a dizer, seguindo a etiqueta dos outros
que veneram esse idiota, e forço os meus pés a se moverem. Eu dou a volta
em Frederick com pressa e quase consigo chegar na porta do quarto sem ser
interceptada. Quase.
— Onde está indo, não vai querer minha benção? Sabe que eu tenho
ligação direta com o pai celestial, posso ajudar você a ter uma boa noite de
sono. — Estampa um sorriso amigável, mostrando os seus dentes
branquinhos e certinhos, de quem vai ao dentista. Quando a maioria daqui
nunca viu um sequer na vida. — Lembre-se que eu posso ser de carne e
osso agora, mas o meu espírito é tocado por Deus diariamente.
Os meus olhos quase se reviram, é por bem pouco que consigo
segurar o impulso automático.
— Claro, senhor. — Vou até ele de má vontade, que estica a sua mão
ossuda e gelada para mim.
Eu me sinto muito estranha fazendo isso, muito errada. O meu corpo
todo está arrepiado e os meus instintos me dizem para correr.
— Abençoada seja a tua noite — murmura, eu dou um beijo rápido
no topo de sua mão e sem conseguir mais manter essa interação, eu
finalmente posso correr para o quarto, onde deslizo para baixo das cobertas
e, pela primeira vez em muito tempo, realmente rezo e peço para esse tal
pai celestial tirar da minha cabeça a imagem de Frederick.

Astor
— Qual o problema com você? — alguém pergunta e eu estou com a
cabeça tão longe daqui que só entendo quem é, ao colocar os olhos no
humano que diz se chamar Red.
— Do que está falando? — Arqueio uma sobrancelha e fecho o mapa
em minhas mãos. Red queria que eu usasse um celular para isso, mas não
gosto dessas tecnologias humanas.
Prefiro usar o mapa que me arranjaram, ele mostra bem os arredores e
me auxilia a continuar a minha busca pela fêmea ruiva, agora sem Dante,
que decidiu que seria melhor se nos separarmos para procurar.
— Ouvi uns gritos ontem à noite, vindos do seu quarto. Bati na porta
algumas vezes e eles pararam.
O meu rosto e pescoço esquentam na mesma hora e eu me sinto
envergonhado e enfurecido ao mesmo tempo. Eu tenho a obrigação de dar
um jeito nesses malditos sonhos que voltaram com muita força desde que
vim para a Turquia, ontem eu bebi um chá de ervas que deveria me fazer
dormir pesado o bastante para não ter sequer um pesadelo. Só que essas
memórias misturadas com delírios, me caçam e me acham toda noite, e de
dia elas me deixam apático.
Eu me sinto sem energia para nada.
— Acho que tive um sonho estranho, só isso — resmungo e reabro o
mapa, assim tenho algo para fazer enquanto Red dirige através das ruas que
só ele conhece nessa cidade que eu já esqueci o nome.
— Eu tive um colega que tinha sonhos estranhos, nós éramos do
exército e vimos algumas coisas bem ruins. Acho que isso afetou a cabeça
dele — continua falando e me surpreende duplamente. Primeiro porque ele
não é um humano dos mais conversadores, diferentemente do que está
mostrando agora, e segundo porque ele fala como se soubesse que tem algo
errado com a minha cabeça. — Acho que o nome do que ele tinha é estresse
pós-traumático.
Eu semicerro os olhos enquanto me xingo mentalmente.
Será que está tão claro assim para os outros que não me sinto bem?
Tenho feito o meu melhor para controlar a raiva descabida que
aparece às vezes e a tristeza repentina, mas tem sido difícil. Não ando nem
com vontade de falar.
— Hm… — é só o que posso responder, porque de repente me sobe
uma onda de ódio que vai arrepiando até os pelos da nuca, como se eu fosse
um jovem persanes descontrolado, que fica com o sangue quente quando
tentam interferir em sua vida, o que não faz o menor sentido, pois Red está
certo.
Os meus impulsos de raiva estão fortes, eu não consigo ser tão
racional quanto costumo e isso é assustador. E os meus sonhos realmente
estão bem ruins, como um trauma que grudou em mim e que nesse
momento voltou com toda força.
Preciso descobrir logo o que tem de errado comigo, antes que
alguém, além desse mercenário humano, note algo.
— Quantos anos você tem? — o homem negro, que é bem alto para
alguém de sua espécie, pergunta. Se lhe dessem chifres, caudas e roranis,
ele até poderia se passar por um persanes de longe.
— Trinta e cinco — respondo, sem fazer a mínima ideia de onde ele
está indo com essa pergunta.
Eu suspeito que seja a primeira vez que ele passa tanto tempo ao lado
de alguém da minha espécie e está aproveitando para falar à vontade,
diferentemente do que faz com os outros humanos contratados para buscar
Oliver.
E eu escolhi Red justamente por ser um macho que conhece o básico
da minha raça e é calado. Parece que não fui muito feliz nessa minha
seleção de homens.
— E onde está a sua fêmea? — fala a palavra “fêmea” como se
estivesse com dúvida se é assim mesmo que deve se referir a uma mulher
da minha espécie. — Vocês sempre têm uma, não é? Aos trinta tem essa
coisa de cio e fazem filhotes aos montes.
A minha cauda, que já está dolorida de tanto tempo que estou
encostado nela em cima nesse banco de carro, se sacode com impaciência
enquanto eu respiro fundo e controlo essa força estranha dentro de mim. Eu
dobro o mapa de qualquer jeito e o coloco sobre o meu colo, enquanto sinto
gotas e mais gotas de suor rolarem pelas minhas costas. Persaneses não se
dão bem com ar condicionado e o dia hoje está quente pra caralho, então eu
estou derretendo.
Mas não é só isso, tem uma angústia em meu peito que me faz sentir
como se estivesse ficando louco.
Tenho meditado, tenho até rezado para os deuses. E nada faz efeito,
agora mesmo tem um rosnado entalado na minha garganta e eu sinto a
energia do ódio circulando por mim. Me sinto enjaulado, indisposto, e nada
interessado em conversar.
— É, nós temos cio, mas eu sou curandeiro, então sou diferente —
minto, tentando desviar desse estranho interrogatório.
Ser curandeiro não impede persanes nenhum de ter cio e eu conheço
muitos, inclusive, que tem mais de cinco filhotes e uma parceira de longa
data. Mas eu não sou assim, a minha vida gira em torno de documentar e
salvar todo o conhecimento sobre a saúde persanesa possível, porque a
verdade é que eu não tenho sorte. Nunca encontrei a tal “polar”, que
significa lua destinada. Nunca me senti tão ligado a uma fêmea que não
pudesse respirar.
— Ser curandeiro afeta o seu corpo, então? Você me parece igual aos
outros. — Red soa exatamente como qualquer outro humano e eu deveria
saber que sua postura fechada e silêncio não durariam muito.
Eles sempre nos olham como pet’s, salvo algumas exceções, como
Karina, Crystal e Oliver, por exemplo. Mas elas são fêmeas únicas, que os
Dark Elf tiveram o destino de encontrar.
— Eu não tive tempo de conhecer uma fêmea nos últimos anos, tenho
muitas coisas para fazer como curandeiro — continuo me esforçando para
mentir, pois poderia muito bem ter topado com alguma companheira em
todos os meus anos nas ilhas, e enfio uma garra no centro da palma da
minha mão disfarçadamente.
O cheiro pungente do meu sangue não me agrada, mas pelo menos a
dor me faz concentrar no agora, porque se algum desses soldados da família
Dolunay souberem que eu me sinto como uma bomba-relógio agora, Oliver
será encontrada com ainda mais demora.
— Mas teve cio?
Solto o ar com força pelo nariz e dou uma olhada mais alongada para
Red, esperando que o homem todo vestido de preto se intimide e pare de
falar. A única coisa que preciso, é que ele continue dirigindo, que encontre
Oliver e que eu volte para as minhas ervas e para as ilhas. Lá, com certeza,
eu ficarei melhor.
— Tive sim, mas as fêmeas são difíceis.
Eu sei que os machos humanos tem toda uma cultura sobre reclamar
de como mulheres são complicadas, então eu apenas comento isso e espero
que tenha acabado.
— As fêmeas de vocês são difíceis mesmo — comenta e me chama
atenção pelo jeito que fala, carregado de uma certeza estranha.
— Você conheceu fêmeas persanesas?
A minha boca está seca e eu estou cansado, estou há alguns dias
dormindo muito mal, então não sei por que o questiono. Deveria ficar em
silêncio, para finalmente ter paz.
— Apenas uma — explica e pela forma como o coração dele bate
mais rápido, eu começo a imaginar que toda essa conversa não foi fruto da
curiosidade dele sobre mim, e sim sobre um outro alguém da minha raça.
Depois disso, Red finalmente fica em silêncio e nós continuamos as
buscas por grandes terrenos vazios, onde a tal da fazenda pode estar.
Capítulo 5
Nancy
Alguns dias se passam e Oliver continua trancada no quarto que a
colocaram assim que chegou. A minha mãe está tentando fazer uma dieta
absurda nela, nem água direito estão querendo dar para a pobre, que ganhou
uma coisa fina para dormir e que tem sangrado por causa da bebida que o
pastor deu a ela enquanto era batizada. Mas, infelizmente, aqui nós não
temos médicos para saber se tem algo de errado com o bebê dela e não
conseguimos descobrir o que era a bebida.
Quanto mais tempo passo com Oliver, que está apática, mais eu tenho
certeza que normalmente deve ser mais animada e mais coisas eu descubro
sobre os persaneses. Só que isso parece irritar bastante a minha irmã, ou
pelo menos é nisso que ela quer que eu acredite. Eu acho que, na verdade,
Juliet está tensa por conta do seu casamento iminente. Frederick cruzou
com ela hoje mais cedo e fez questão de falar sobre como o noivo dela era
um seguidor assíduo da igreja. E isso parece estar pirando a minha irmã,
que reza mais forte a cada noite.
Ela até tenta interromper Oliver enquanto me conta um pouco mais
sobre os persaneses e eu acabo provocando, porque fico com ódio de como
está querendo convencer a mim e a si mesma de que é uma doida seguidora
de Frederick, quando eu sei muito bem que dentro da minha irmã existe
alguém que não foi afetado por essa igreja. Eu tenho certeza disso, Juliet é
boa demais.
— Meninas, vocês não precisam brigar, tá bom? — Oliver tem que
interromper mais uma das minhas discussões com Juliet. — Não quis deixá-
las irritadas, é só que tenho ouvido muito essa palavra “terreno” e queria
saber o significado.
Eu estava explicando agora mesmo para Oliver esse sistema de
“terreno” e “divino” que inventaram. Aqui eles não julgam somente os
persaneses e sim os humanos que não compactuam com as crenças da
igreja.
— Está tudo bem, nós brigamos o tempo inteiro. — Dou de ombros e
sento-me ao lado de Oliver em seu colchão. Ela é a segunda pessoa que
conheço que vem de fora, e eu espero que ela não tenha o mesmo final que
a primeira.
— Agora vamos parar de brigar sobre baboseiras para você voltar a
contar como é esse seu demônio chamado Dante! Quanto ele tem de altura
mesmo? — questiono, tentando imaginar todos esses homens gigantes com
chifres que a ruiva descreveu.
Quando Frederick falava dos persaneses e de como eles eram
demônios horríveis e sujos, eu sempre achei que eles fossem uma coisa
realmente feia. Tem ilustrações na biblioteca que mostram figuras
desfiguradas e nojentas e eu achei que aqueles fossem os persaneses.
Mas quando vi um pela primeira vez, numa manifestação que estava
fazendo na rua, lembro de ficar extasiada com o tamanho da beleza dele. Só
que Juliet ficou falando na minha orelha que tê-lo achado lindo era pecado,
mesmo que também tenha olhado bastante, e depois me convenceu que
talvez só aquele que fosse tão grande e bonito.
Porém, pelo que Oliver me fala, todos os persaneses são gostosos pra
caralho, com essas roranis, que são como tatuagens pretas, e piercings no
mamilo! Fiquei sem acreditar nessa parte, já que eu sempre quis ter um
piercing depois de ver uma mulher com vários no rosto.
— Ele não é um demônio. Demônios são seres da crença cristã, os
persaneses não são cristãos, eles têm a própria religião — explica para mim
e para Juliet, que está no canto do quarto, que não tem nem uma cadeira
sequer.
Frederick nos fez correr com uma mão na frente e outra atrás da
cidade de Red Town, depois de apresentar uma noiva chamada Crystal para
a igreja toda e ela sumir. Eu perguntei sobre a história verdadeira do que
aconteceu com Crystal, não a inventada e contada para todo mundo na
Igreja que a conheceu na festa de noivado meses atrás, e Oliver me contou a
verdade.
Crystal ia casar à força com Frederick e ela já até tinha um
companheiro, um persanes chamado Vladimir que caçou o psicopata líder
de tudo isso e fez a Igreja toda se movimentar, assim não seríamos
encontrados por persaneses furiosos.
— Demônio ou não, não deveríamos ouvir sobre isso, é pecado —
Juliet fala, provavelmente porque desconfia que Oliver pode acabar
vazando a informação de que ela não acredita, e me faz revirar os olhos.
É como se sua aparência refletisse o que ela quer que todos vejam
hoje. Os seus cabelos loiros estão presos mais firmemente do que o normal,
num coque bem severo e ela não tem um fio fora do lugar, diferentemente
de mim, que estou sempre com o vestido azul amassado e manchado em
alguma parte, e os cabelos com vários fios apontando para vários lados.
Não sei fazer esses penteados obrigatórios.
— Se você não quiser ouvir pode ir lá ler a sua bíblia. — Aponto para
a porta, para ver se ela vai e para de encher o saco. — Eu vou ficar bem
aqui e ouvir sobre o persanes que chama a mulher dele de “pequena
fêmea”!
Quem me dera eu tivesse alguém que me amasse como esse Dante
parece amar Oliver. Ele dá joias para ela e a adora como uma verdadeira
deusa, e é isso que eu quero para mim: alguém que me adore, que enrole a
sua cauda no meu tornozelo e que diga que o meu cheiro é como se fosse o
melhor perfume do mundo para ele.
Mas como isso seria possível, se além de estar presa nessa merda de
lugar, eu ainda estou grávida de um humano filho da puta?
Eu realmente não sei.
— Não vou sair, tenho que ficar e ouvir a conversa para saber se você
não está aprendendo coisas erradas. — Juliet tem a cara de pau de fingir que
é por mim que continua aqui e não porque está muito curiosa sobre os
persaneses.
— Mas tem certeza que não é melhor vocês irem? Alguém pode vir
aqui e descobrir que estão falando comigo.
— Não, ninguém vai nos pegar. Eles estão ocupados, estão fazendo
todos os homens jovens construírem uma igreja maior e todas as mulheres
estão bordando o seu vestido e…
— Cala a boca! — a minha irmã grita e tenta me interromper, mas eu
acabei falando demais de qualquer jeito e fico com o rosto todo quente de
vergonha.
— Como assim o meu vestido?
Fui eu quem dei a ideia de não falar nada para Oliver sobre o enorme
vestido que está sendo bordado para uma cerimônia que Frederick disse a
todos que vai acontecer logo. A ruiva já não parece estar saudável, tem
muitas olheiras embaixo dos olhos e eu percebo como suas mãos e pernas
ficam trêmulas cada vez que ela se coloca de pé. Está sem forças e a sua
única muleta é a confiança de que o seu Dante vai chegar a tempo de salvá-
la.
Juliet concordou com a minha ideia de não falar nada, para não
encher Oliver ainda mais de medo e mantê-la firme. Só que eu não contava
com a porra da minha própria boca grande!
— Frederick disse que vai acontecer uma iniciação sua na igreja, você
não se tornará divina, mas começará a ter seus pecados limpos — Juliet
acaba tendo que explicar, já que eu comecei a falar, e os lábios de Oliver
empalidecem na hora, ela até desvia o olhar pro chão e eu fico me sentindo
uma merda. Deveria ter ficado de bico fechado. — Vai dar tudo certo, tá
bom? — De repente a minha irmã caminha até Oliver, se abaixa e coloca a
mão sobre a mão da ruiva.
Frederick diz que não devemos nem tocar nos terrenos, mas eu sabia
que a minha irmã não estava rendida a essa Igreja!
— Eu… não sei. — Ela suspira baixo e me convence a ter que criar
mais um plano.
Preciso esconder a minha gravidez pra sempre, livrar a minha irmã de
um casamento de merda e tirar Oliver daqui, com o seu bebê saudável e
sem nenhuma iniciação na igreja.
Agora a pergunta que não quer calar é: como eu vou fazer isso?!

Estou quase dormindo quando escuto um grito muito alto.


— Estamos sendo invadidos! — O berro ressoa lá longe e depois ele
vai se repetindo várias e várias vezes, por pessoas diferentes até que tudo
vire um caos total.
Alguém acende a luz do quarto e logo as mulheres estão correndo de
um lado para o outro feito galinhas. Elas batem os seus chinelos no chão
enquanto pegam os seus xales para esconder os braços e colo e me deixam
atordoada.
— Mulheres, nós temos que sair daqui o quanto antes! — Alguém
grita, querendo colocar um pouco de ordem em toda essa bagunça de
pessoas. — Peguem os xales para manter a modéstia e vão em direção ao
prédio central!
Eu fico encolhida no meu colchão, porque de alguma forma eu acho
que essa histeria pode me ajudar a fugir, só preciso pensar como fazer isso.
Até que sinto duas mãos tocarem o meu braço.
— Levanta daí logo, estamos sendo atacadas, Nancy! — É a minha
irmã que fala e nem me espera reagir, já chuta os meus chinelos para perto
de mim, enquanto o quarto começa a ser esvaziado, pois as mulheres são
rápidas em fugir.
— Atacadas por quem? — Enfio meus pés no chinelo, me coloco de
pé e Juliet já me pega pelo braço, me puxando em direção à saída.
— Você sabe por quem, ele deve ter vindo buscar a mulher dele! —
exclama e eu só consigo entendê-la porque faço leitura labial. O barulhão
que as mulheres estão fazendo é muito alto.
Nós temos que desviar de algumas conhecidas até chegarmos no
corredor, que já não está no seu silêncio costumeiro. Parece que estou no
meio de algum tipo de guerra, com as pessoas correndo e quase pisoteando
quem não vai tão rápido.
— Dante veio buscar Oliver, então?! Precisamos ajudá-la a encontrá-
lo! — exclamo enquanto Juliet me puxa para descer os lances de escada.
Quase escorrego algumas vezes e tenho certeza que se despencasse
daqui, quebraria algo. Eu só não reclamo da força que ela usa para me fazer
andar, porque é pra baixo mesmo que tenho que ir para encontrar a ruiva.
— Se cruzarmos o caminho de um persanes ele vai nos matar! —
Juliet torce o pescoço, com os olhos arregalados de espanto, e antes de
começar a descer um novo lance de escada, é a minha vez de puxá-la. Nos
faço entrar no corredor do terceiro andar, que está vazio, e parar de pular de
degrau em degrau. — O que você está fazendo? Temos que nos esconder!
— Não vai nos matar se devolvermos a mulher dele — cochicho. —
Precisamos montar um plano para ajudar Oliver, vamos aproveitar que está
todo mundo em pânico e não vão nem notar o nosso sumiço.
— Nós temos que nos esconder, agora não é hora de ser aventureira.
— Você vai deixar Oliver ficar nesse lugar sem o pai do bebê dela?
— Ele é um demônio — diz entredentes e tenta me puxar para voltar
para as escadas, mas dessa vez eu não aceito e me seguro firme no lugar.
— Eles estão apaixonados e ela está grávida. O que tem aqui dentro
dessa porcaria de fazenda para Oliver? Quando o Frederick fizer esse
batismo, que está com a maior cara de casamento, o que vai ser dela, Juliet?
— pergunto, morrendo de raiva que a minha irmã tenha virado uma
covarde. — Quer mesmo dar essa maravilhosa vida que nós temos para
outra mulher? — continuo questionando e a minha pergunta pega Juliet
desprevenida, porque ela fica em silêncio. Não consegue retrucar. — Que
tipo de monstro você é para querer isso?
A minha irmã solta o ar pelo nariz com força, o que significa que está
com ódio, porque sabe que estou certa.
— Depois que tudo isso acabar, você vai me obedecer! —
Praticamente rosna as palavras e eu poderia pular de felicidade, se não
tivesse um resgate para ajudar a ser feito.

Encontrar Oliver não é difícil, ela está no quarto em que a deixamos,


trancada. Ninguém lembrou de vir buscá-la. Então eu explico o que está
acontecendo, que estamos sendo invadidos, muito provavelmente, por
Dante, e a ruiva logo se coloca em movimento comigo e com a minha irmã
para sair do prédio que chamam de ala das mulheres.
Depois que começamos a descer o restante dos lances de escada,
nenhuma de nós três fala muito. Juliet deve estar evitando pensar para não
se sentir pecando, enquanto Oliver deve estar pensando no seu
parceiro/companheiro, e eu estou completamente em branco. A
possibilidade de sair daqui, com o misto de medo pelo desconhecido está
me deixando em curto-circuito demais para eu conseguir formular qualquer
coisa para dizer.
— Vamos para o nosso terceiro esconderijo — Juliet ordena.
Como se fôssemos mesmo um grande time, a minha irmã pega uma
mão de Oliver, enquanto eu pego a outra e nós seguimos, sendo guiadas
pelos nossos próprios pés e pela lua apenas, já que está de madrugada e nós
não temos lanternas e nem algum tipo de iluminação geral na fazenda. Acho
que todo mundo deve ter desligado as lâmpadas dos prédios construídos
nesse solo terroso para não chamar atenção.
Para a nossa sorte, não precisamos nos esconder de verdade, não tem
ninguém aqui se importando conosco. Todas as pessoas que passam, estão
correndo direto para o prédio central e eu acho que a grande maioria já até
está lá.
O nosso terceiro esconderijo é mais para o fundo da fazenda,
passando pelos lugares onde criam porcos, cavalos e galinhas, e é atrás de
vários montes de feno bem altos.
— Vamos ficar aqui até… — Juliet começa a falar, mas tem a sua
frase interrompida pelo som de tiros que me deixam em choque. — Merda!
— ela xinga mais uma vez, coisa que é anormal para a máscara religiosa
que normalmente usa.
— Como nós vamos passar por isso? Virou realmente uma zona de
guerra — a minha irmã resmunga, indo até a ponta do nosso esconderijo,
que não é nada além dessas plantas secas amontoadas que alimentam vários
animais aqui.
Se vierem em nossa direção, podemos ser atingidas por balas e morrer
antes mesmo de devolver Oliver. E o meu bebê pode não ter pai, mas o dela
com certeza tem, um que merece conhecê-lo.
— Não vamos precisar passar, Dante vai nos encontrar aqui — Oliver
fala e se senta de repente, parando de tentar ser curiosa como Juliet e
abraçando o próprio corpo. — Acho que vou vomitar.
Fico olhando de longe o que parece ser um batalhão de homens
invadindo a fazenda, mas parte do meu campo de visão é tampado por
vários prédios, o terreno é grande demais e muito mal-iluminado. Só
consigo ver com a ajuda dos fachos de luz dos próprios invasores.
— Nós realmente precisamos de um plano. — Juliet continua
alertando atrás de mim, mas eu só continuo vigiando, apenas com os meus
dois olhos e o topo da minha cabeça a mostra para quem estiver vindo em
direção a parte onde estamos. — Se o seu persanes veio te buscar, porque
tem um monte de homens humanos entrando aqui?
— Dante deve ter contratado homens. Os Dark Elf têm muito
dinheiro, não precisam agir sozinhos. — A voz de Oliver soa fraca e eu
começo a me preocupar que talvez ela passe realmente mal. — Pelos menos
é o que eu espero…
Perco a coragem de dizer qualquer coisa e prendo a respiração com a
visão de um animal vindo diretamente em nossa direção. É uma coisa
gigante, deve ter pelo menos uns 3 metros, e corre em suas quatro patas.
Capítulo 6
Nancy
Na floresta em que meu pai caçava quando eu era pequena, eu nunca
vi um lobo tão grande assim, e nem com chifres ou com olhos que parecem
estar brilhando. O bicho vem desviando de vários homens, ele é muito
potente em sua corrida. Faz eu me sentir gelada de tanto medo, pensando
que talvez tenha sido uma péssima ideia ficar aqui esperando por um
persanes que eu nunca vi na vida.
Mas Oliver contou as histórias, explicou sobre a tal rorani em seu
pulso, e falou que persaneses são uma raça muito apegada, principalmente
os machos. Eles se viciam no cheiro de suas fêmeas e as querem para
sempre. Só que ela não falou absolutamente nada sobre lobos com chifres.
Será que isso é tipo um pet para demônios?!
O bicho continua vindo em nossa direção, mesmo que estejamos na
parte mais distante da fazenda, e quando ele chega perto do monte de feno
onde eu, minha irmã e Oliver estamos atrás, me sinto capaz de fazer xixi
nas calças de tanto medo.
— O que você está vendo? Que barulhão é esse? — a ruiva pergunta,
ouvindo as patas do animal batendo contra o chão, provavelmente, e
começa a querer se mexer.
— Cuidado, Oliver! — exclamo e logo me arrependo. Não posso
fazer alarde.
— Tem… uma coisa chegando aqui — a minha irmã murmura, vem
para o meu lado e consegue ver então o mesmo que eu. — Acho que é um
lobo gigante! Meu Deus, eu acho que é um demônio! Tem chifres! — A sua
voz sai trêmula e cheia de pânico, deve ser por isso que, assim como eu,
não consegue controlar seu tom.
— Lobo com chifres? — Oliver pergunta e sem pensar duas vezes,
ela praticamente passa por cima de mim para espiar por onde o feno acaba,
então o animal joga a cabeça para o ar e uiva alto pra caramba.
O som me faz apertar bem os dentes, um contra o outro, e eu engulo
em seco.
Essa coisa é gigantesca!
A minha irmã fala algo, mas eu não consigo prestar atenção, estou
completamente alucinada vendo o lobo se aproximar e depois… o seu corpo
simplesmente começa a mudar. A criatura vai encolhendo e encolhendo, os
pelos vão sumindo, e como se isso não fosse nada demais, Oliver corre até
ele.
Isso está mesmo acontecendo? Ou será que eu endoidei de vez?
Num piscar de olhos a besta já não é mais uma besta, e sim um
homem muito alto, com chifres e uma longa cauda. E a coisa mais
importante: ele está completamente pelado. Tudo isso junto me deixa
paralisada no lugar, sem saber o que sentir ou pensar.
— Fêmea. — O persanes agarra Oliver, que parece não ter problema
com nada do que acabou de acontecer aqui, e como está de noite, eu não
consigo ver muito bem e nem ouvir por causa da invasão que continua
acontecendo.
Só o que sei é que Oliver está chorando e se apertando contra o
gigante que deve ser Dante. Eles se tocam e se beijam como nunca vi
ninguém fazer. Os homens que conheço não são carinhosos com ninguém,
já entre esses dois é tudo muito canal e eu sinto o meu rosto deixar de ficar
gelado de medo para começar a ficar quente de vergonha.
Dante até abaixa a cabeça para colocar a orelha pontuda como a de
um elfo na barriga de Oliver. Só que depois desse reencontro acalorado, os
dois começam a se afastar, sem nem olhar para trás. Eles só nos deixam
aqui no meio do fogo cruzado e isso me deixa com a boca seca.
— Oliver, espere! — grito, tendo que vencer a letargia do susto. —
M-me levem com vocês! — Até gaguejo de tanto nervoso, porque percebo
que nunca estive tão perto da liberdade.
Que aliado seria mais poderoso para ajudar na minha fuga do que um
cara que consegue se transformar num lobo gigantesco?
— O quê?! Você ficou maluca?! — A minha irmã, que ficou em
silêncio até agora também, vem para o meu lado na mesma hora.
— É melhor irmos embora, Oliver — o persanes sugere, mas engano
dele se acha que vai conseguir se livrar de mim. Esse cara é a resposta para
todos os meus problemas.
— Espere um pouco, elas me ajudaram! — Oliver, que está no colo
do seu companheiro, começa a se mexer, querendo se soltar de seus braços
extremamente musculosos. EXTREMAMENTE.
— Elas são da seita e podem te fazer mal! — ele argumenta, com uma
voz grossa que soa mais como um rosnado.
Então é assim que chamam a Igreja do Oitavo Renascer por aí? De
seita?
Faz bastante sentido, pra falar a verdade.
— Não, espere, Dante! Me coloque no chão, por favor! — Mas pelo
menos Oliver não o permite nos deixar para trás. — Por favor! — A mulher
se debate, o que obriga Dante a colocá-la no chão e eu reparo no
movimento esperto dele, de mantê-la bem à sua frente para esconder a sua
nudez.
— Me leve com vocês, digam que isso é um sequestro ou qualquer
coisa, só me levem, por favor! — imploro e Juliet faz um som engasgado as
minhas costas, como se tomasse um susto. — Eu estou grávida de Kal! —
As palavras saem de mim sem nenhum controle.
A realidade é que até agora eu não acredito mesmo que esteja grávida.
A minha barriga não cresceu, o meu corpo não mudou quase nada, mas eu
sinto os enjoos e tem uma voz dentro de mim que sabe que é verdade. A
minha menstruação nunca mais deu as caras desde a noite com o merdinha
que não voltou para me buscar e Margot me explicou muito bem os sinais
de gravidez.
E se eu ficar aqui dentro, o que vai ser de mim e do bebê que nem
nasceu?! Eu preciso ser esperta agora, não prudente.
— Você está brincando? — A minha irmã desiste de tentar me fazer
virar em sua direção, então vem para a minha frente.
Não consigo ver bem o seu rosto, mas consigo imaginar a ruga entre
as suas sobrancelhas se formando.
— Não estou. — Nego com a cabeça e os meus olhos se enchem de
lágrimas.
Eu queria estar brincando, queria que fosse tudo mentira, para não ter
que lidar com a vida de mais alguém além da minha, que já está fadada ao
fracasso enquanto eu ficar nesse lugar.
— Está sim! Você está mentindo, Nancy! — Ela não aceita e Juliet
fica completamente descontrolada, soando muito como a nossa mãe. —
Você não pode mentir assim, falar que está grávida quando não está! Isso é
absurdo!
— Ela não está mentindo, eu escuto o coração do bebê dela! — o
persanes fala de repente, o que paralisa a minha irmã.
Ele consegue realmente ouvir o coração do meu bebê?
— Eu fugi no meio da noite com Kal antes de vir para essa nova
fazenda, e-e acabei engravidando — tento explicar, para que ela entenda
que não estou brincando com algo sério. — Só que ele ficou nos Estados
Unidos e não vai assumir a criança, você sabe que eles nunca deixam os
homens mais jovens se casarem.
Juliet conheceu Kal quando ele ainda vivia dentro das terras da Igreja
e acho que se lembra dele.
— Alguém mais já sabe? — Oliver é quem pergunta, num tom muito
preocupado, enquanto a minha irmã fica num silêncio que me agonia, mas
que também me ajuda a pensar.
Eu preciso sair daqui, preciso tirar a mim e a Juliet daqui de dentro, e
tem que ser hoje. AGORA. Só que Dante não está inclinado a ajudar, ele
quer ir embora. Porém, Oliver está interessada, então eu preciso de uma boa
história para ela, uma melhor do que a minha verdadeira, que é patética.
— Mamãe já sabe, ela reparou no meu mal-estar e agora diz que vai
marcar o meu casamento com John Willian. Só que todas as esposas de
John têm olho roxo, então me levem com vocês — a mentira sai tão fluida
que eu poderia bater palmas para mim mesma. Ela cria um silêncio entre
nós e também cria urgência para o meu momento, quando, na verdade,
quem tem mais urgência aqui é Juliet. Só que ela nunca vai pedir ajuda.
— Se-se a minha irmã vai, então eu também vou junto. — Ela me
surpreende e eu arregalo os olhos, sem conseguir dizer mais nada.
— Dante, por favor, ajude-as. — Oliver abraça o quadril de Dante e
olha pra cima. — Por favor, é só colocá-las num avião e dar um pouco de
dinheiro, a sua família tem um monte, não tem? Pode até tirar da minha
conta se quiser, eu tenho guardado. Só as ajude, eu não morri de fome e
sede por causa delas.
— Oliver… — Ele nega com a cabeça.
Merda!
— Nós estamos na Turquia, não temos dinheiro e não temos pra onde
fugir. Nos trouxeram pra cá dizendo que a vida seria melhor, mas nunca
estivemos tão presas. Por favor, nos leve com vocês — argumento, já que
ele não parece interessado em ajudar.
— Merda — resmunga. — Tudo bem, então...
— Como vamos levá-las daqui agora? — Oliver pergunta e eu não
consigo acreditar no que está acontecendo.
Nós vamos sair daqui, eu e minha irmã, finalmente. Isso só pode ser
um sonho!
— Eu vou levar você até o helicóptero agora e…
— Não pode deixá-las sozinhas! — a ruiva interrompe, soando muito
mais brava do que eu me atreveria. Esse cara é perigoso demais, mas ela
não parece se importar com isso.
— Vou precisar buscar ajuda, Soslaia. Não vou conseguir proteger
vocês três dessa forma e a única que pode me montar é você.

Astor
— Nós precisamos ajudá-las, elas não são como as outras pessoas da
seita. São diferentes, são boas meninas — Oliver continua insistindo, mas
eu não consigo ter certeza de que é uma boa ideia.
Depois que Crystal foi resgatada por Vladimir de um casamento à
força com Frederick, Filipi ficou no continente e descobriu tudo o que
conseguiu dessa tal “Igreja do Oitavo Renascer”. Eles são horríveis e essas
fêmeas podem concordar com tudo que fazem de errado.
— Elas podem ter te enganado, pequena. — Dante tenta mais uma
vez explicar que tudo até agora pode ter sido uma farsa.
— Nancy deve ter uns 22 anos e Juliet uns 28, só que eu não acho que
elas receberam algum apoio aqui para amadurecer e aprender o que é certo
e o que é errado de verdade. Elas são só meninas! — A ruiva grita, achando
que nós não iremos ouvi-la por conta de nossos ouvidos tampados.
O helicóptero ainda está ligado a uns dez metros de nós e a coisa é
muito barulhenta, por isso eu uso fones grandes que cobrem as minhas
orelhas com uma espuma preta e redonda, assim como Filipi e também as
de Dante, agora que ele acabou de chegar com sua fêmea no colo. Nós
somos muito sensíveis a sons tão altos e seria torturante se esses fones não
fossem potentes.
— Como você pode ter certeza disso? — questiono, mexendo bem
devagar os lábios para ela conseguir fazer a leitura, e o companheiro de
Oliver parece estar do meu lado nessa.
Dante já colocou a sua ruiva no chão e está com o corpo preenchido
por adrenalina, o cheiro de seu ódio está mais do que potente. Só que a
pessoa mais responsável por isso aqui, o maldito Frederick Burner, não foi
encontrado até agora por nenhum dos homens dos Dolunay, a família turca-
persanesa. Então Dante não tem em quem descontar a sua fúria.
Estamos do lado de fora da fazenda, que é protegida por grandes
portões. A lua cheia está alta e gigante no céu e a operação continua, alguns
tiros são disparados só para assustar, acredito eu, pois a ordem foi que
nenhuma pessoa deveria ser morta, a menos que fosse preciso para resgatar
Oliver.
— Eu não estaria viva agora se não fosse por Nancy e Juliet, porque
eles não me davam água aqui, amor. Essas irmãs me salvaram, vieram até
mim quando tudo estava muito ruim! — Continua insistindo, pegando
Dante pelo braço e eu sinto o cheiro da raiva dele enfraquecer
instantaneamente quando Oliver diz a palavra “amor”.
Esse macho está enfeitiçado e eu já vi isso acontecer entre
companheiros. Todo o senso crítico do loiro vai para o ralo com a sua fêmea
demonstrando afeição a ele e eu não o culpo por isso, persaneses são
guiados por seus “instintos” e “feromônios”, palavras que descobrimos só
depois do contato com seres humanos, pois logo quando voltamos a
conviver com eles, deixamos que nos estudassem um pouco.
— Tem certeza mesmo de que elas não são perigosas? — Filipi
questiona, também desconfiado.
— Elas são humanas, não apresentam nenhum perigo para vocês —
Oliver explica para o Dark Elf mais novo, que diferentemente de mim, tem
a cauda acinzentada e os cabelos tão loiros que são quase brancos. —
Nancy e Juliet teriam, com certeza, sido espancadas por me ajudar. Elas me
contaram os métodos daqui, então agora eu queria poder retribuir a coragem
delas.
— Se elas protegeram a minha fêmea, então realmente temos que
retribuir. — O macho enfeitiçado argumenta, como eu sabia que faria. — E
se elas são só humanas, não vão conseguir fazer mal a três persaneses como
nós.
Não consigo segurar o rosnado que sai de mim e sou obrigado a fingir
uma tosse para tentar encobrir o som que Oliver não escuta por conta do
helicóptero, mas que os outros com certeza escutaram.
Ainda estou com muita dificuldade para controlar o meu gênio, tendo
que usar quase um coquetel de ervas diariamente para camuflar o cheiro das
emoções descontroladas que saem pelos meus poros. Eu tenho respondido
com ódio cada vez mais, qualquer pequeno empecilho me faz querer
explodir.
E agora fica ainda mais difícil me conter, pois como eu posso ficar
feliz em saber que iremos tomar conta de duas fêmeas inimigas?
— Elas são boas, Astor, eu prometo. — Oliver tenta conseguir o meu
apoio, enquanto Dante arqueia as duas sobrancelhas, surpreso com o meu
rosnado, provavelmente.
Nenhum dos Dark Elf estão acostumados a me ver assim, para eles eu
sou um macho controlado. O Astor curandeiro nunca rosna, nunca grita,
nunca demonstra emoções, além do necessário. Eles não me conheceram
anos atrás, quando eu era tão explosivo quanto o meu irmão Niflin.
Só de lembrar o nome dele a minha boca fica amarga.
Até hoje não sei lidar com esse luto, me esforço para olhar para Klaus
sem querer matá-lo por ter acabado com a vida do meu irmão mais novo
quando ele tentou sequestrar a sua fêmea Karina. Mas isso é outra coisa que
eu prefiro manter para mim mesmo.
Eu não devo e não vou deixar que a selvageria tome conta de mim.
— Está ouvindo, Astor? — Filipi questiona de repente e toca o meu
braço, o que me faz perceber que eles estão conversando a algum tempo e
eu simplesmente “desliguei” da realidade, me afundando em meus
pensamentos. Isso também tem se tornado comum. — Elas são duas
humanas sozinhas, uma está até grávida. Só precisamos resgatá-las e depois
a minha família ajuda com dinheiro para que comecem a sua vida longe
desse lugar.
— Tudo bem — resmungo, sem vontade de me estender mais aqui.
Preciso acabar esse resgate e depois voltar para as minhas ilhas, onde o meu
humor com certeza deve se regular.
Capítulo 7
Astor
Depois de alguns minutos andando fazenda a dentro, controlo o
melhor que consigo a ansiedade e a fúria estranha que fazem a minha
garganta ficar até dolorida de tanto que prendo rosnados e foco nesse campo
de batalha que se formou.
Os homens Dolunay estão invadindo prédio por prédio, contudo, eu
sei que Frederick não está aqui. Um dos primeiros lugares que localizaram
aqui dentro, foi uma casa que parecia simples por fora, porém com um
quarto mais do que luxuoso, que eu tenho certeza que é onde o macho se
esconderia. Só que o lugar estava vazio, segundo as mensagens que os
homens passaram por rádio.
Eu vi fotos de Frederick na televisão, ele nunca se prestaria ao mesmo
tipo de vida que as pessoas idiotas que o seguem. Deve ter dado um jeito de
saber que estávamos vindo e fugiu, até porque não tem como trazer tantos
homens até o meio do nada sem chamar atenção.
— Elas estão bem ali. — O macho que deixou sua fêmea na proteção
do helicóptero, rodeada por soldados, aponta para dois montes de feno a
vários metros de nós.
Fica menos perigoso andar aqui quando Dante não está transformado
em lobo, porque esses humanos de preto empunhando armas sabe quem
somos, Red lidera o bando e explicou muito bem o que estávamos
procurando. Eles se mantêm longe, cumprindo a sua missão.
— São eles, Nancy, estou vendo os chifres e os rabos — uma voz
feminina e humana diz bem baixinho. Sei que é humana, pois a maioria dos
persaneses carrega um sotaque comum de quem aprendeu a falar Vrain
primeiro que qualquer outra língua. — S-são três, eles são enormes, dê uma
olhada. — Escuto os dentes dela batendo um contra o outro de tanto medo e
a fêmea deve achar que não a ouvimos.
— São grandes mesmo… — Uma outra voz responde, só que o tom
dela é mais de surpresa do que medo.
Como Dante continua nu desde a sua transformação, elas devem estar
assustadas com isso. Persaneses, principalmente machos, não se importam
tanto com a sua nudez. Mas humanos sim.
— Vamos nos aproximar e fazer isso ser rápido — Dante comenta,
então nós damos alguns passos, até que fique impossível não ouvir a
respiração das duas mulheres.
Só o que me irrita, é que por estamos ao ar livre dessa fazenda e com
tantos homens que passaram por aqui, eu não consigo sentir mesmo o
cheiro dessas duas.
— Podem sair de seu esconderijo! — Dante exclama sem paciência e
eu acho que elas debatem um pouco se devem fazer isso, até que quase um
minuto depois, duas sombras aparecem de mansinho.
Elas estão de mãos dadas e o vento não me ajuda a farejá-las, então
decido me concentrar em suas imagens por agora, depois farei um exame
mais aprofundado. Planejo olhar para as duas, só que a primeira fêmea me
deixa tão surpreso, que não consigo desviar a minha atenção dela.
Ela é… tão pequena, as mãos devem ser metade da minha e o seu
corpo todo está coberto por um vestido azul folgado e de um pano estranho
demais para me deixar concluir qualquer coisa a respeito de seu corpo. Só o
que sei, é que ela é mais baixa do que Oliver, então a sua cabeça termina
mais ou menos onde o meu peitoral começa.
Isso é enervante para mim, a sua estatura não é normal. É de uma
fêmea fraca, que não saberia se defender nem mesmo de filhotes da minha
espécie.
Como essas humanas conseguem ser tão pequenas assim?
Fêmeas persanesas têm pelo menos 1,75m, menos do que isso já se
pode começar a achar que não tiveram uma infância e adolescência
saudáveis, eu como curandeiro aprendi assim. Elas só ficam menores
quando o sangue persanes está muito diluído.
A coisinha humana de cabelos castanhos quase pretos, de tão escuros,
deve ter algo como 1,55m de altura. Até menos que isso. Seus olhos são
acinzentados e eu sei que eles não conseguem mudar a cor de suas íris.
Somente persaneses são capazes. Mas, mesmo assim, eu tenho certeza que
o cinza vai pouco a pouco se tornando um azul safira, a cor não é tão viva
quanto a dos meus olhos quando estou com raiva, porém, mesmo assim
ainda é bem visível a mudança.
O problema é que não importa que a minha visão seja boa apenas com
a luz da lua, ainda assim posso não estar enxergando direito. Teria que
encará-la bem de perto para ter certeza de que não estou ficando maluco.
— Vamos logo, venham até nós. — O único macho acasalado entre
nós continua falando e dá alguns passos na direção das mulheres, que
permanecem paradas no lugar.
Eu e Filipi nos aproximamos também e nós dois parecemos
concordar, mesmo que sem conversar sobre isso, que passos lentos são os
melhores. Talvez essas humanas consigam nos dar algumas informações
afinal de contas.
— Onde está Oliver? — a outra humana fala, só que eu estive tão
preso na morena, que não reparei na loira.
Essa sim tem uma estatura mais comum para uma fêmea, deve ter
pelo menos 1,72m de altura. Os seus cabelos claros estão bem grudados em
sua cabeça, num penteado meio estranho. Só que diferente da outra, essa
não consegue olhar diretamente nem para mim, nem para Dante ou para
Filipi. Ela cheira a um medo ardido e que é quase doloroso para mim. Está
aterrorizada, sinto em minha própria carne o sentimento, mas mesmo assim
a sua voz soou bem autoritária quando falou.
— Ela ficou no helicóptero, não é seguro que ande por aqui assim,
por conta do risco das balas perdidas. Vamos levar vocês até ela —
respondo, já que eu sei que Dante não é um dos melhores negociadores.
Talvez as coisas tenham mudado agora que ele não está mais no cio e seu
corpo está limpo do Nyn, mas todas as vezes que o vi em Nayni, o macho
era muito agressivo. — Ela disse que vocês a ajudaram, então iremos ajudar
vocês.
— Não é melhor nós ficarmos aqui esperando tudo isso acabar e-
então? De-depois ir embora? — Mas nem toda a sua bravura a impede de
gaguejar quando os nossos olhares se cruzam. — A minha irmã está grávida
e ela normalmente já não é muito rápida.
— Juliet, eu consigo sair daqui muito bem! — A outra reclama que a
loira tenha apontado a sua fraqueza e eu volto a ser sugado para a fêmea
pequena demais.
Os seus cabelos, diferentemente dos da sua irmã, estão soltos. As
mechas castanhas têm algumas ondulações, chegando na altura de sua
cintura. E são essas mechas que trazem o cheiro da fêmea para mim, um
que faz a minha garganta e as minhas narinas queimarem na hora.
Eu me engasgo com a saliva e tenho que reprimir uma tosse
assustada.
Que cheiro é esse?!
Tem tantas nuances que mal consigo compreender por inteiro, mas é
cítrico e doce ao mesmo tempo. Pungente de um jeito que cobre a minha
língua.
Mas isso deve ser só algum erro, elas ainda estão longe demais, há
uns cinco metros de nós. Não tem como saber se vem mesmo dela e de seus
cabelos esvoaçando com a brisa repentina.
— Estou falando a verdade, temos que pensar em nossa segurança. A
minha irmã está grávida e-e é melhor esperarmos. Não queremos ser
atingidas por balas.
Eu não consigo nem focar na mulher que sei se chamar Juliet agora,
porque a outra me estuda com seus olhos de safira e eu percebo tarde
demais que suas íris se grudaram em meus braços de fora na regata que uso.
Isso é sério mesmo? Ou será que eu vim até aqui para começar a
perder a sanidade sentindo cheiros que são deliciosos demais para serem de
uma humana e vendo coisas que são sem sentido?
Essas mulheres são de uma seita religiosa, foram criadas aqui dentro
sem ter contato com nada de fora, odiando o meu tipo, e por mais que
tenham ajudado Oliver, não tem a possibilidade desse brilho de cobiça, que
acabei de ver nos olhos de uma, ser verdadeiro.
— Talvez seja melhor esperarmos então, assim as humanas não
correm risco de serem baleadas — Filipi comenta e enquanto a irmã loira
parece muito preocupada com tudo, a morena continua em seu próprio
mundinho.
Ela me encara tão fixamente, que parece estar tentando ler os meus
pensamentos, dessa vez olhando além dos meus braços. O coração dela bate
muito rápido, eu o escuto daqui, mas não tão rápido quanto o meu, que
dispara feito o de um bicho selvagem.
— Os homens estão avisados que nós vamos retirar duas mulheres
humanas daqui, só temos que mantê-las bem juntas e sermos rápidos. —
Dante realmente mudou, porque ele com certeza não pensaria num plano
minimamente elaborado como esse para salvar humana nenhuma há alguns
meses.
— Isso é muito perigoso, vamos esperar. — Juliet faz que não com a
cabeça e se aproxima mais de sua irmã. Ela é claramente muito protetora
com a outra, tentando parecer feroz quando está morrendo de medo.
— Não, vamos agora — a fêmea de cabelos castanhos fala, sem tirar
os seus olhos de mim. Ela quase engole o meu rosto com as suas íris, agora
azuis. — Vamos agora, por favor, eu tento sair desse lugar há muitos anos
— pede, não para Dante ou para Filipi, e sim para mim.
Ela pede para mim.
E eu sinto o seu desespero no jeito como a sua voz fica trêmula e
embarga.
Se essa tal Nancy estiver fingindo, então a seita realmente a treinou
muito bem.
— Sim, nós temos que ir agora porque Oliver precisa de assistência
do curandeiro e não pode esperar. Então ou vocês vêm agora, ou ficam aí.
— O Dante que eu conheço aparece, sendo grosseiro e prático, e ele está
mais do que certo, a humana ruiva não cheira a saudável.
— Se você não consegue andar tão rápido, eu posso te levar no colo
— Filipi oferece, dá um passo à frente e pela primeira vez eu sinto raiva de
seu jeito pacífico demais.
Por que tem que ser ele a levar a fêmea grávida?
— Vocês não vão tocar na minha irmã, demônios. — Ela se coloca na
frente da morena e eu estreito os meus olhos com o seu tom de escárnio. Se
elas são pessoas boas eu não sei, mas o que sinto é que irão dar trabalho se
vierem mesmo carregadas com os preconceitos da seita.
— Se somos demônios, então não querem a nossa ajuda e eu vou
levar a minha mulher para segurança. — Dante grunhe, sem gostar da
atitude da loira e perdendo um pouco das estribeiras.
— Não! Nós queremos ajuda, Juliet só está com medo. — Nancy é
rápida em contrariar a irmã, depois a pega pela mão e faz com que se
aproxime de nós, mesmo que a outra proteste bastante. Elas parecem dois
filhotes brigando para avançar dois ou três metros, no máximo.
— Pare com isso! Você vai acabar nos matando! — Juliet protesta.
— Não nos deixem aqui, vamos atravessar agora mesmo com vocês.
Não escutem a minha irmã, fizeram lavagem cerebral nela! — Nancy não
usa um tom bem-humorado, ela realmente acha que fizeram isso com a sua
irmã,
— Mas é perigoso cruzar essa fazenda e… — A outra começa a
argumentar e Dante perde cada vez mais a paciência, assim como eu. Eu o
escuto rangendo os dentes.
— Eu levo a sua irmã no colo, então — grunho e me aproximo,
tentando não deixar toda a minha curiosidade exposta no meu rosto.
Levando essa fêmea no colo, vou conseguir investigar melhor que raio de
cheiro é esse nela, se não é algo que passou em sua pele de propósito para
atrair persaneses.
Tudo é possível vindo dessa organização.
— Viu? Ele vai me levar no colo! — Nancy, que não parecia
concordar com essa história sobre ela não andar rápido o bastante, de
repente larga a mão da irmã e vem na minha direção. — Vamos fazer isso
logo, porque Oliver precisa ser cuidada.
— V-volte aqui, caramba! — A loira gagueja, mas não tem coragem
de tentar parar Nancy. O seu cheiro de medo aumenta e eu escuto os seus
dentes batendo um contra o outro de nervoso, enquanto a sua irmã caminha
os últimos metros até nós.
Os seus passos são curtos e cautelosos e ela me encara como se eu
fosse algum tipo de animal exótico, eu vejo como os seus olhos repousam
nos meus chifres e depois na minha cauda, mas a fêmea estranha não
desiste e chega até mim.
Ela para bem na minha frente e eu tenho que inclinar minha cabeça
para baixo, para pôr meus olhos nela e encarar o seu rosto redondo e a sua
boca carnuda, enquanto o seu cheiro enche a minha boca d’água, de tão
gostoso e feminino. Os pelos da minha nuca estão todos arrepiados.
A morena não é diferente das humanas que já vi por aí, sem cauda,
sem roranis, só pele pálida e lisa, com sardas no centro do seu rosto. Mas
tem algo em seu nariz levemente empinado e atrevido e no brilho ousado
em seus olhos, que me mantém hipnotizado, encarando a menor fêmea
adulta que já vi na vida.
— Nancy, é perigoso demais! — A irmã dela berra, só que agora ela
já está longe demais, eu mal reparo na existência de qualquer outra coisa, e
a Nancy está aqui, me deixando sentir o seu calor que emana de seu corpo e
ouvir os seus batimentos acelerados.
Então de repente ela levanta a mão e a coloca em meu antebraço, ela
faz isso sem dizer uma palavra sequer e eu sinto a sua energia banhar a
minha pele de um jeito que envia arrepios e mais arrepios que lambem a
minha coluna, enquanto algo que eu não gostaria começa a acontecer e eu
me sinto mortificado. O som retumba pelo meu peito e eu não sei controlar.
Estou ronronando para uma humana que nunca vi na vida.
Capítulo 8
Nancy
Enquanto eles vinham, olhei cada um com cuidado. Um é o Dante, o
companheiro de Oliver, com chifres grossos no alto da cabeça e uma
determinação latente em cada passo, de quem moveria mundos por sua
mulher. Eles andaram debaixo da lua cheia sem problema, mesmo que isso
aqui esteja uma bagunça e muito escuro. Escuto gritos de longe conforme
os prédios são invadidos e foi quase como uma miragem encará-los. Três
homens gigantes, esguios e com caudas que flutuam no ar feito a de gatos.
Isso com certeza seria um pesadelo para a maioria das pessoas da igreja.
Mas em mim só causa uma ansiedade que quase me faz esquecer de
respirar.
Eu vou sair daqui, vou embora e não tem ninguém para me impedir. E
ainda vou levar a minha irmã junto!
O segundo persanes é bem diferente de Dante, seus cabelos claros,
quase brancos, eram um farol no meio da noite. Ele é menor do que seu
primo, não em altura, mas com certeza no tamanho dos músculos. Os seus
braços são delineados, mas não tão grossos como os do outro, e seus chifres
são um pouco mais finos, mas ainda presentes o bastante para assustar todas
as mulheres do dormitório, caso o vissem.
Ao chegarem bem perto do monte de feno em que me escondi atrás e,
depois, quando a minha irmã decidiu discutir que não sairíamos daqui
agora, percebo como a pele do que acho se chamar Filipi é pálida. Mesmo
que ele seja um persanes, com fios pretos e grossos manchando seus braços
e pescoço, as tais roranis, ele é… diferente. Mais brando, mais
compreensivo segundo o pouco que consigo ver da expressão nada feroz em
seu rosto.
Ele só quer ajudar, a sua cauda é calma, o seu tom é firme, mas suave.
Oliver não o conhecia pessoalmente, só ouviu falar dele por Dante, mas
acho que o seu companheiro fez um bom trabalho em descrever o persanes
de cabelos quase brancos.
Porém eu não sei se alguém suave e que parece tão jovem ainda
combina comigo, não depois de tudo que eu já vi acontecer dentro desse
lugar. E é por isso que os meus olhos se grudam no terceiro demônio. Ou
melhor, no terceiro persanes.
Acho que vou ter que excluir a palavra demônio do vocabulário, eles
claramente não gostam dela.
Esse terceiro foi o que mais pensou pra falar. Ele parece ser bem mais
velho do que eu, no mínimo dez anos, seus cabelos soltos chegavam na
altura de seus ombros, são ondulados e parecem grossos daqui. Eu não
tenho uma visão tão boa quanto sei que eles têm, mas acho que esse…
macho, não é moreno, mesmo que pareça desse ângulo.
Se eu tiver memorizado bem os nomes, então esse deve ser o
curandeiro Astor, que tem cabelo acobreado, segundo Oliver, e que não sei
se é do jeito que ela me contou. Segundo a ruiva, ele era quieto, quase
humano em seu temperamento, tirando as partes extras em seu corpo, mas
eu não sei se a descrição básica que ela me deu é verdade, quando olhar pra
ele faz o meu estômago se revirar e a minha boca secar. Ainda mais quando
ele fala:
— Eu levo a sua irmã no colo, então.
O meu coração bate ainda mais desesperado e eu não entendo os
arrepios que correm pelo meu corpo e rezo para que ele cumpra a sua
promessa, porque essa é uma combinação dos sonhos: sair desse hospício e
ainda nos braços de um ser fortão com uma língua gigante e que talvez me
chame de “pequena fêmea”!
Eu só espero que ele tenha a capacidade de me carregar pra fora daqui
mesmo, porque a maioria dos caras da igreja com certeza não aguentariam
mais do que uma das minhas coxas e eu realmente não conseguiria desviar
de algum problema no meio do caminho. As minhas pernas são grossas e
naturalmente mais curtas do que as da minha irmã, que é mais de vinte
centímetros mais alta do que eu.
— Viu? Ele vai me levar no colo! — Largo a mão de Juliet, porque eu
sei que ela vai me seguir se eu tomar a dianteira, e vou em direção ao ruivo,
curiosa para entender melhor como são esses tais persaneses. Estou
angustiada nessa posição de não conseguir vê-los direito e já me desprendi
do medo há muito tempo. O que de pior pode acontecer comigo, do que
nascer nesse lugar? — Vamos fazer isso logo, porque Oliver precisa ser
cuidada.
Isso não é mentira, eu sei que a ruiva realmente precisa de ajuda e
tenho que arranjar um jeito de apressar Juliet.
— Nancy, é perigoso demais! — Ela deve estar se mijando de tanto
medo e tenta me impedir de me aproximar, mas agora não dá tempo de ser
delicada. Estou quase pulando de tanta ansiedade para sair logo daqui e
começar a descobrir tudo que a porra do Frederick escondeu de mim e de
Juliet.
Já saímos das terras da igreja, claro, mas estive sempre acompanhada.
Agora eu quero o mundo de verdade!
Então, antes que alguém mude de ideia ou algum problema aconteça e
eu perca a minha chance de ouro, vou direto para quem eu acho que seja
Astor, que segundo Oliver foi muito compreensivo com ela. E é disso que
preciso pra sair, compreensivo, mas não extremamente calmo.
Estou agindo por puro desespero e também por algo dentro de mim,
bem no pé da minha barriga, uma parte que está fria de tanta tensão e
antecipação. Essa partezinha me diz que esse é o dia que salvarei a minha
irmã de um casamento miserável. É o dia que acaba o pesadelo de acordar e
não saber se serei espancada por algum mísero erro que cometi, como
aconteceu uma parte da minha infância e só parou depois que eu peguei
uma faca para ameaçar cortar a garganta do meu pai enquanto ele dormia.
Assim que chego até Astor, tenho que esticar bem o pescoço para
fixar meus olhos nos dele e o meu peito começa a subir e descer numa
respiração pesada, que não sou capaz de controlar. Parece que vou desmaiar
a qualquer segundo, de tanta agitação.
Infelizmente não tem luz o bastante aqui para me ajudar, mas dá pra
perceber como a sua barba é cheia, ele tem até um bigode que faz conexão
com os pelos em sua face larga, extremamente masculina. As suas
sobrancelhas são grossas e ele me encara confuso, como se não entendesse
o que estou fazendo.
No intuito de não o deixar ir a lugar algum sem mim, coloco a mão
em seu braço e tomo um susto instantâneo. A pele desse persaneses é tão
quente, que parece febril, e ele é tão alto e largo quanto se mostrava de
longe, de um jeito que nunca vi mesmo antes. Estar assim perto, me faz
entender que realmente somos de espécies diferentes.
Ele tem uma aura em volta de si, uma coisa sobrenatural e cálida que
não sei explicar. Tem roranis negras como trepadeiras grossas subindo por
seu pescoço exposto e que parecem ter vindo de seu peitoral coberto por
uma regata fina. É uma visão e tanto. Astor é sexy e poderoso, com seus
cabelos soltos emoldurando um rosto diferente de tudo, tão lindo e ao
mesmo tempo severo. Ele não tem cara de quem aceita gracinhas.
Até que escuto algo estranho e onde eu toco Astor, ele vibra.
Literalmente vibra!
O que é isso?
O persanes respira fundo, como se estivesse prendendo o ar até agora,
e abre a boca. E eu não entendo como e nem por que, mas o seu hálito
quente faz os meus joelhos fraquejarem. Traz uma onda de calor que sobe
pelo meio das minhas coxas e eu sou obrigada a grudá-las juntas para
aliviar o susto.
Como esse cara pode me fazer pulsar com a porra de uma
respiração?!
— Vamos fazer isso logo, o helicóptero está logo ali — diz num tom
irritado, e sem mais nem menos, se abaixa e começa a me pegar.
Só que eu estou mais mole a cada lufada de ar, como se estivesse
engolindo o seu cheiro que me lembra algo salgado, mas também meio
adocicado ao mesmo tempo. Dou um gritinho de susto porque, sem dizer
nada, ele me puxa para os seus braços com pressa e me tira do chão com
uma força muito além da que imaginei. Astor não faz esforço, não solta
nem um gemido de dor ou algo assim, sou só um objeto que ele toma do
chão.
Os meus pés ficam balançando no ar enquanto as suas grandes mãos
me apanham pelas coxas e eu acabo sentindo a minha intimidade contrair
ainda mais por estar nessa posição inusitada. É uma pontada forte agora,
quase um choque elétrico, porque ele está pegando mesmo em mim e nós
nem nos conhecemos.
— Pare de tocá-la! — Juliet exclama de longe e acho que ela vem na
minha direção, mas nessa altura o persanes começa a me levar feito uma
noiva passando pela soleira da porta.
Vai andando comigo em seu colo e eu não sou capaz de dar um piu.
Tive o meu mundo virado de cabeça pra baixo e estou meio tonta até.
— Largue a Nancy! — Juliet não desiste e eu escuto a pobre
correndo, querendo acompanhar o ritmo desse cara, enquanto eu sinto cada
passo firme e rápido dele e desse jeito entendo que o raio de barulho e de
vibração vem do peitoral largo dele! Como estou encostada percebo que o
som e a espécie de tremor vêm daqui e se espalha pelo seu corpo, inclusive
pelas suas mãos! — Você não pode pegar a minha irmã assim!
Ele está ronronado pra mim! Do jeito que Oliver disse que Dante
fazia pra ela!
— Juliet, calma! — exclamo, porque ela consegue me pegar pela mão
e o seu rosto está lívido de tanto medo. O meu coração dói de ver a minha
irmã assim, tão nervosa, e eu me sinto mal por ter simplesmente largado ela.
Mas eu sei que se der tempo para pensar, capaz que Juliet desista de vir. Ela
tem que achar que eu estou em perigo, porque se importa mais comigo do
que consigo mesma. — Está tudo bem, vamos só sair daqui — falo, nessa
posição super estranha que é estar tão longe do chão e enquanto o meu
corpo é sacudido.
Astor nem diz nada, ele continua andando feito um soldadinho e isso
obriga a minha irmã a tentar acompanhar. É muito estranho. Mas talvez seja
algo persanes ser tão abrupto.
— Você nem co…
— Assim vai ser mais rápido, tá bom? Você tem as pernas mais
longas e-e vai vir junto comigo. Logo vamos sair daqui. — Interrompo a
sua frase e uso um tom mais calmo do que me sinto.
E quando eu acho que Juliet vai continuar protestando, ela só
concorda com a cabeça, enquanto os seus olhos se enchem d’água, e como
Astor é rápido, logo ela começa a ficar pra trás e isso me deixa aflita.
— De quantos meses você está? — ele pergunta numa voz rouca de
tão baixa e grossa e eu não sei no que prestar atenção.
Tento me mexer para olhar a minha irmã, mas Astor me prende com
um aperto de ferro na mesma posição, o que acende uma luz de desespero
dentro do meu cérebro e me faz começar a pensar que eu deveria ter bolado
algo diferente para obrigar Juliet a vir junto, algo que não envolvesse o colo
de um desconhecido.
— De quantos meses é a sua gravidez, Nancy? Eu sou um curandeiro
e preciso saber — insiste. — Você está cheirando a saudável, mas ainda é
perigoso. Tenho certeza que aqui dentro não existem médicos humanos para
cuidar de você e do seu bebê.
— Acho que… quase quatro. O tempo por aqui é meio-estranho. —
Os dias são tão parecidos nesse lugar, que às vezes eu achava que era
segunda-feira, mas uma semana toda já tinha passado. — Nós podemos só
ir mais devagar? Quero ver a minha irmã.
Os olhos dele são de um tom de castanho que eu nunca vi na vida, são
avermelhados e às vezes parecem magicamente cintilarem com dourado, e
eu só sou capaz de enxergar isso, pois estamos muito próximos um do
outro. A respiração dele continua chegando até mim e o cheiro salgado com
uma pitada de doçura ainda é forte e hipnotizador.
— A sua irmã está bem atrás de nós, mas precisamos ir logo, porque
Oliver não cheira bem. Ela pode perder o filhote. — A ruiva tinha me
contado que eles chamam bebês de filhotes, mas ouvir essa palavra saindo
da boca de Astor torna tudo metade fofo e metade estranho.
— Espero que tudo fique bem com ela — murmuro, me sentindo mal
por atrapalhar os cuidados que Oliver tem que receber. — Só me deixe dar
uma olhadinha em Juliet.
Tento de novo me mover, esticar o pescoço para olhar pra trás, só que
Astor me pega pela nuca e eu tomo um susto que me faz tremer. Ele me
obriga a olhar pra frente com seus dedos quentes e firmes e eu engulo em
seco com a sensação estranha que me causa. Nós não temos intimidade e
mesmo assim estou amolecendo em seus braços.
— Além disso, se você quer que ela venha junto, é melhor eu ir na
frente. Juliet vai sair mais rápido assim. — Ele soa muito prático e uma
onda pequena de alívio me invade. Talvez ele tenha entendido o meu plano.
— Sente algum tipo de dor? — questiona e eu faço que não com a cabeça,
sem acreditar que estamos tendo essa conversa assim.
Um de seus braços passa por debaixo do meu joelho e o outro está nas
minhas costas. Não é um toque atrevido, só é escaldante e muito mais gentil
do que imaginei.
— Eu vomitei bastante, cheiros fortes me dão enjoo, mas é só.
Além dos meus seios terem ficado mais sensíveis e crescidos um
pouco, o que é incomum pra mim, que sempre tive peitos pequenos, a
gravidez não parece ter mudado muito o meu corpo. A minha barriga só
começou a arredondar e crescer mesmo nos últimos dias.
— Depois de examinar Oliver, vou examinar você, para ter certeza
que tudo está bem.
Ele não olha pra baixo e isso me confunde, o seu rosto está sério
demais e tem até veias saltadas em seu pescoço. Mas eu sei que não é por
fazer força, já que me tirar do chão foi fácil. Astor está tenso e eu também,
porque mais uma vez eu pensei com a minha buceta e não com o meu
cérebro!
Foi assim que fiquei grávida, então acho que talvez eu devesse
começar a considerar mais a opinião de Juliet.
— Por que você está ronronando? Está tudo bem? — decido
perguntar, para ter certeza de que não estou doida, e isso o faz arregalar os
olhos na hora.
Ele até pigarreia e o ronronar fica mais forte, o que reverbera pelo
meu corpo e começa a endurecer os bicos do meu peito, fazendo-os ficar
apertados. Nunca ouvi nada assim, só em gatos.
— Nós já estamos chegando, é melhor parar de falar para a sua irmã
não achar que estou te dizendo coisas ruins — resmunga e como se fosse
possível, Astor apressa mais o passo.
Ele está quase correndo!
— Não precisa se importar com isso, Juliet só ladra, não morde —
respondo, quase mordendo a língua sendo sacudida assim, o que me obriga
a me agarrar mais nele.
Eu o seguro pelo ombro e pelo braço, cavando meus dedos nele, o que
faz os seus olhos começarem a mudar de cor. Eles estão ficando azuis neon!
— Se você está ronronando então signifi…
— Só fique quieta, Nancy! — rosna de repente e eu sinto o meu rosto
esquentar de susto por ter sido reprimida assim, mas também sinto uma
pontada de medo, porque ele mostra as presas pra mim enquanto fala e elas
são pontudas pra cacete.
— Mas e… — tento argumentar, porque o ronronar aumenta, os olhos
dele brilham tão forte que parecem uma lâmpada e o cheiro de sal, algo
como o mar cheiraria, também fica forte.
— Quieta! — grunhe, respirando pesado, e depois ele começa a
correr.
Capítulo 9
Nancy
Essa foi a viagem mais maluca de toda a minha vida e acho que tanto
eu, quanto a minha irmã, ainda estamos com as nossas cabeças bagunçadas.
Parece que tudo é um sonho, algo distante que pode acabar a qualquer
segundo, e isso me dá um medo do cacete.
Se eu acordar e ainda estiver dentro do dormitório com aquele monte
de mulheres, eu juro que vou cometer um crime!
Após atravessar a fazenda, para a qual acabamos de nos mudar na
Turquia, fomos colocadas dentro de um helicóptero. Astor me posicionou
num banco dentro da coisa gigante e barulhenta e prendeu o meu cinto, tudo
com o seu rosto bem próximo do meu. Só que eu estava tão assustada com
tudo acontecendo tão rápido, que eu não sabia pra onde olhava, se era pra
ele, se era para as janelas que refletiam a noite ou para a minha irmã.
Fiquei o voo todo com as unhas afundadas no acolchoado da poltrona
preta, me sentindo um gato assustado, que fica com tanta ansiedade que não
consegue se mexer. Depois eu e Juliet fomos colocadas num carro luxuoso e
escuro, e Dante falou que ficaríamos num hotel, só que isso não me agradou
em nada, não quero ficar longe deles. No final das contas, viver nas terras
da Igreja me condicionou a nunca ficar sozinha de verdade, além de eu não
ter nada do que as pessoas comuns têm, como uma conta no banco, dinheiro
e documentos. Isso tudo ficou em algum lugar na fazenda.
Porém, Dante não se importou que eu estivesse quase implorando
para eles não nos largarem em qualquer lugar na Turquia, até rosnou
quando eu tentei abraçar a ruiva!
Nós fomos colocadas para dentro de um prédio com alguns andares
que eu nem sabia que existia aqui na Turquia. Frederick nos trouxe para um
novo país, mas não nos deixou ver nada daqui, só o que eu conheci desde
que cheguei foi mato, não sei uma palavra sequer em turco e nunca nem
conversei com algum morador da região. Me sinto uma completa intrusa
nesse país e acho que era exatamente isso que a Igreja do Oitavo Renascer,
IOR, queria, que nós permanecêssemos ignorantes o bastante para sempre
precisarmos deles.
Mas eles não conseguiram me segurar. Eu venci!
Agora estou sentada numa cama de solteiro macia como uma pluma
em um hotel imenso. Aqui tem até televisão e uma mini geladeira no
quarto! Além deles terem falado que bastava pegar o telefone e pedir o
jantar quando quiséssemos, o que é incrível.
— Está ficando doida, Nancy? Você pulou nos braços de um
desconhecido e antes de subirmos para esse quarto, ainda aceitou que ele
voltasse hoje mais tarde pra te examinar! — Os olhos de Juliet estão
arregalados e ela fica andando de um lado para outro, quase fazendo um
buraco no carpete escuro. — Eu vi o jeito como estava se oferecendo para
ele enquanto perguntava se viria ou não. Você está se arriscando demais.
— Eu sou a doida? — Arqueio uma sobrancelha, irritada com a sua
atitude. — Você quem não queria fugir, depois de Frederick te dizer que vai
te casar com a porra de um desconhecido!
— Não mude de assunto, isso que você fez, foi marcar um encontro
com um demônio. — Os passos dela só ficam mais agressivos de um lado
para o outro.
Juliet ainda não entendeu que precisamos de aliados para nos erguer.
Não temos um centavo sequer no bolso e não sabemos nada sobre o mundo.
— Não foi um encontro, esse é Astor, lembra? — Eu mapeei bem as
personalidades e sei que o persanes ruivo é o compreensivo da história. E
agora também sei que ele é um gostoso que ronrona… — Oliver disse que
ele é curandeiro, então é tipo um médico, e ela também disse que mulheres
grávidas tem que ser acompanhadas. — Ela disse isso sem saber que eu
estava grávida, mas guardei a informação.
Gestantes têm que fazer exames constantes, tem que fazer uma coisa
chamada ultrassom, que deixa ver a criança dentro da barriga e saber se tem
doenças ou coisas assim.
— Ele só deve saber cuidar de persaneses. — Juliet dá de ombros e
continua andando.
Ela está descalça agora, assim como eu, e não quis nem testar a
maciez de sua cama branquinha ou olhar pelas janelas que têm umas
cortinas enormes e mais macias do que muito cobertor que já usei.
— Não, Astor cuida de humanos também, tem um olfato
superapurado e consegue detectar doenças a quilômetros. Se tiver algo de
errado com o bebê, ele vai saber dizer — falo, tentando acalmá-la, contudo,
isso só faz a loira torcer o pescoço para me encarar de um jeito desconfiado,
semicerrando os olhos.
— Eu vou ficar na sala enquanto ele te examina.
Nem a pau que ela vai atrapalhar o meu tempo sozinha com o homem
mais bonito que já vi em toda a minha vida! Ele era tão incrível, que depois
que apareceu eu nem quis olhar pra Dante pelado. E de qualquer forma, não
dava pra ver muito além da sua bunda. Estava escuro demais.
— Que tal darmos uma volta no hotel? — pergunto mudando de
assunto e querendo explorar mais esse lugar que tem quadros de paisagens
calmas e é cheio de paredes e móveis em tons de bege, creme e dourado.
— Os seguranças estão aí na porta e é melhor não sairmos, como eles
disseram. — Dante deixou três seguranças humanos e armados conosco,
que não falaram nada nem comigo ou com Juliet. Um deles está parado lá
embaixo, vigiando o hotel, e os outros dois estão aqui na porta. — Não
sabemos onde Frederick Burner está.
— Eles podem vir junto no nosso pequeno passeio. — Me coloco de
pé, sentindo uma dorzinha na lombar, e pego a minha irmã pela mão. Estar
grávida deve estar mesmo começando a afetar o meu corpo. — É a primeira
vez que não temos a nossa mãe por perto, vamos explorar. Dante disse pra
não nos preocuparmos com dinheiro.
A viagem foi silenciosa até aqui, mas no pouco que falou, o loiro
deixou muito claro que “resolveria” a nossa situação e que podíamos comer
e pedir o que quiséssemos.
— Não, Nancy. Fique aqui dentro desse quarto e não arranje encrenca
— ordena, largando a minha mão. — Eu vou tomar um banho e depois é
melhor você fazer o mesmo. Vamos tirar essas roupas. — Aponta com o
queixo para o meu vestido azul, que é exatamente igual ao seu.
Quando saímos das terras da Igreja, eles sempre nos davam roupas
diferentes das que usávamos lá dentro. Normalmente era algo brega e muito
longo, mas que parecia mais normal e fazia nós nos misturarmos com os
terrenos.
— Está tudo bem? — questiono, notando o tom de desânimo e como
a ruga entre as suas sobrancelhas fica mais acentuada. Ela está pensando em
algo, provavelmente algo bem negativo, como sempre.
— Eu… só preciso de um tempo. — Suspira baixo e passa as mãos no
rosto, se livrando das gotas de suor que não param de escorrer da nossa
cara.
O nervosismo está consumindo nós duas e eu daria tudo pra entender
de verdade o que está passando na cabeça de Juliet agora. Ela não está
pulando de felicidade, mas também não está chorando ou brigando comigo
por estar grávida.

Astor
Prendo a respiração por menos de dois segundos e me preparo, depois
abaixo a cabeça e grudo a orelha na barriga de Oliver. Os anos passam e os
lugares mudam, mas eu nunca deixo de me sentir apreensivo toda vez que
tenho que me aproximar de uma fêmea grávida ou de filhotes. Algo dentro
do meu peito dói tanto que fica difícil falar às vezes.
Acho que ninguém nota como eu fico nervoso, porque aprendi a não
deixar a minha respiração pesar ou o meu coração a bater descontrolado.
Também tento deixar algum cheiro mais forte no ambiente, pra não
sentirem a minha ansiedade e me concentro, com tudo que posso, em
cumprir o que me propus. Eu não sou um macho fraco, posso fazer isso e
Oliver e Dante nem vão notar a minha ansiedade
O problema é que é muito torturante para mim e parece que desde que
cheguei a Turquia, tudo que era complicado antes, se tornou quase
impossível agora.
Fico com dificuldade de prestar atenção no filhote, de tão nervoso, e
tenho que disfarçar com alguma coisa. Mas graças aos deuses não preciso
ficar muito tempo ouvindo e posso me afastar logo da barriga da ruiva.
— Eu não sei que erva foi essa que eles te deram, Oliver, mas ela
enfraqueceu demais o seu bebê. Se o filhote não fosse metade persanes, não
teria sobrevivido. — Percebo os batimentos fracos no filhote e um cheiro
azedo estranho, que é tão fraco, que a maioria dos persaneses deixaria
passar despercebido. Mas eu não, o meu olfato é mais do que bom.
— O que nós podemos fazer agora? Tem algum chá que ela possa
beber para reverter os estragos? — Dante questiona e eu aperto uma garra
no centro da palma da minha mão, querendo me concentrar na dor, mas sem
romper a pele.
Nimiar foi a cinco anos atrás, já está na hora de você superar isso,
Astor.
— Eu conheço receitas de chá que ajudam a fortalecer o corpo, mas
vou precisar entrar em contato com essa família persanesa aqui da Turquia
que está ajudando. Ver se eles têm um curandeiro que me empreste as suas
ervas. — Aproveito pra ficar de pé e me afasto um pouco, com a desculpa
de colocar um copo d’água, só que as minhas mãos tremem levemente e eu
disfarço me virando.
Depois que o meu filhote nasceu morto, eu fiz o melhor para me
esquivar de fêmeas grávidas. Em todas as ilhas persanesas, só me encontrei
com alguma quando Zeva queria me ensinar algo novo. Mas desde que
comecei a ter contato com os Dark Elf, que eles me trazem fêmea grávida
atrás de fêmea grávida, e vê-las é como enfiar ferro quente numa ferida
infeccionada em meu peito.
Eu não quero falar sobre isso, não quero a pena de nenhum desses
casais, que exalam algo que nunca provei. Um tipo de companheirismo
muito raro entre persaneses, mas que eles encontraram com humanas. Só
quero voltar para a minha ilha, onde pelo menos eu tenho um pouco de paz
de espírito e tenho dezenas de ervas para testar.
— O melhor a se fazer agora é se hidratar e descansar. O seu corpo
humano é quem está nutrindo o filhote, então você não deve passar por
mais nenhum estresse, deve se alimentar muito bem e não fazer viagens por
agora. — Agora que as minhas mãos pararam de tremer, entrego o copo
com água, depois dou mais algumas recomendações, até que Filipi me
mande uma mensagem no celular que fui obrigado a usar por Red, o líder
humano dos homens Dolunay.
— Onde está Filipi agora? — Dante pergunta e se aproxima de mim
para ler a mensagem curta de seu primo.
— Ele encontrou os cadernos de Crystal enquanto revirava aquele
lugar junto com muitos livros antigos que parecem ter coisas a respeito da
nossa raça e disse que estará aqui em algumas horas.
Isso é uma coisa boa, vou ter muito o que ler enquanto ficamos aqui
tempo o bastante para Oliver se recuperar um pouco e poder fazer grandes
viagens. Mas como o filhote é persanes, com certeza ele irá se recuperar.
Normalmente somos muito fortes, e é por isso que não entendo o que
aconteceu com Nimiar. A mãe dele tinha humanos na família, mas mesmo
assim, ele ainda era um persanes. Ainda tinha o meu sangue forte correndo
em suas veias e eu fiz tudo que foi possível.
Escutei aquele filhote todos os dias, tanto que parecia até que eu já o
conhecia. Ele já era tão meu, que quando foi arrancado de mim, doeu como
nunca.
— Não conseguiram mesmo pegar Frederick Burner? — Dante
questiona e eu me concentro em respirar devagar e não encarar Oliver
demais, assim a imagem de Natasha não vem à minha mente.
A fêmea que carregava o meu filhote era o total oposto dessa.
— Não, esse filho da puta é bom em escapar. Assim que explodiram o
portão eu acho que muitos deles pegaram carros e fugiram, só quem ficou
pra trás foram os com bem menos influência, que já estão sendo soltos,
segundo a mensagem de Filipi.
— Sendo soltos?!
Eu sabia que a reação dele não seria boa e por isso não estou
deixando-o mais tão a par das coisas. Tenho me comunicado mais com os
homens dos Dolunay e a cada dia fica mais claro que estamos em grande
dívida com essa família de persaneses que decidiu nos ajudar. Terei que
visitar os irmãos amanhã mesmo.
— Tinha um monte de famílias, um monte de mulheres e crianças lá,
Dante, pessoas que nasceram e cresceram dentro dessa lavagem cerebral
toda.
Desde o momento que peguei Nancy no colo até agora, tenho me
comunicado com Red, que está interrogando as pessoas da tal “Igreja do
Oitavo Renascer”, e segundo ele, muitas pessoas de lá são apenas
fantoches. E eu acredito que sim, devem ter pessoas ruins por lá, mas tenho
certeza que pelo menos os jovens, que nasceram dentro daquele lugar, não
conhecem nada diferente do ódio.
— Eu não entendo muito das leis desse mundo que vocês gostam de
chamar de civilizado, mas para realmente pôr fim a essa loucura, temos que
conseguir provas de que eles estão fazendo mais do que só acreditar que
somos o demônio. — Pensar de maneira mais aprofundada agora é difícil,
mas preciso pelo menos conter os danos que o loiro pode causar.
— Oliver foi sequestrada, isso é prova o bastante! — Dante coloca
mais de sua fúria para fora e eu acabo tendo que acalmá-lo, mesmo estando
cansado pra cacete.
Dante parecia um macho morto na ilha, eu o vi sofrer como um louco
por conta dessa fêmea humana e fico feliz que ele não tenha tido o mesmo
destino de muitos que tomaram Nyn. Ele merece a felicidade. Mas eu não
consigo ficar no mesmo cômodo que eles mais, não no meu humor que tem
estado tão volátil, e eu também não vou admitir que alguém note que tem
algo de errado comigo. Eu sou o curandeiro, então eu mesmo irei encontrar
a saída, já que não fui capaz nem de encontrar um bloqueador de cio
masculino para Dante.
Vou descobrir sozinho o problema com o meu corpo.
Depois de conversar um pouco mais, convenço o persanes a levar a
sua fêmea para o quarto dormir, assim eu consigo ver melhor quais são as
ervas que vão ajudar Oliver, e também consigo pensar sem ter que continuar
cheirando essa fêmea grávida.
O problema é que além dessa humana, ainda tenho outra para visitar,
e isso arranca um pequeno rosnado de frustração e raiva de mim mesmo. Eu
deveria encontrar um meio-termo entre ser um bom curandeiro e um macho
idiota. É mais forte do que eu querer saber sobre a saúde dos que estão à
minha volta, e essa Nancy ainda cheira estranho e me fez ronronar em
segundos ao seu lado.
— Mas vai ser só hoje — resmungo, pensando que terei que provar o
sangue dela para ter certeza que seu corpo está saudável. — Depois ela vai
passar com um médico humano.
Capítulo 10
Nancy
Não consigo dormir e mesmo que seja de madrugada nesse país
desconhecido, fico me sentindo estranha deitada nessa cama que cheira tão
diferente. Tudo aqui cheira diferente, na verdade. Cheira a caro e a limpo,
além do banheiro ser enorme e a comida ser tão deliciosa que eu repeti o
jantar, após semanas comendo mal e vomitando, sempre com a minha mãe
em cima reclamando.
Juliet já dormiu, ela está até roncando na cama de casal ao lado da
minha, mas Astor disse que viria, então estou o esperando, até que escuto o
meu nome ser chamado bem baixinho do lado de fora e isso faz meu
coração disparar. Eu me coloco de pé devagar, encaixo um chinelo grande
demais para os meus pés que o hotel deixou no quarto e depois ando até a
porta.
— Eu vim te examinar, se você ainda quiser — a voz masculina diz e
me assusta saber que ele está me escutando e sabe que sou eu, não a minha
irmã aqui atrás, mesmo que eu tenha me movido tão silenciosamente pelo
quarto iluminado apenas pela luz da lua entrando pela janela entreaberta.
Abro a porta com muito cuidado, não quero acordar Juliet. Já foi um
golpe de sorte ela ter dormido, então é melhor não desperdiçar. E assim que
uma frestinha para o corredor fica aberta, pulo pra fora por ela, só que não
calculo bem o movimento e dou de cara com um corpo maciço e muito
quente.
— Merda — resmungo, mas Astor puxa a maçaneta da porta atrás de
mim, fechando Juliet lá dentro e me prensando entre a madeira e seu corpo.
O cheiro de mar em sua regata de algodão, de sal mesmo, misturado
com algo levemente adocicado, algo suculento, enche os meus pulmões e eu
chego a salivar de tão bom que é. Só que eu não sou capaz de sair dessa
posição, então ele é quem dá um passo para trás, que nos deixa só a uns
trinta centímetros de distância.
As minhas bochechas começam a pegar fogo de tanta vergonha e eu
estou tão presa no cheiro e em sua proximidade, que não consigo dizer
nada. Eu só olho pra cima. Bem pra cima. E o rosto dele está lá, com os
seus olhos castanhos avermelhados e nada humanos me encarando com
uma intensidade ímpar.
— Vamos para o quarto ao lado para eu te examinar — diz, no seu
tom de voz normal, que já é tão baixo e rouco que nem precisa fazer esforço
para não acordar a minha irmã.
— Vo-você veio — murmuro, surpresa, na verdade, que ele realmente
tenha cumprido a sua promessa. Eu cometo o erro de inspirar com muita
força e acabo sugando outra lufada do cheiro masculino que me deixa mole.
— Achei que… não fosse aparecer aqui.
— Eu sou um curandeiro, Nancy, e disse que viria. — Ele soa
levemente irritado e passa a mão por sua barba grossa, ajeitando-a, mesmo
que ela esteja no lugar.
O dorso de sua palma tem uma estrela negra e os pelos em seu rosto
são uma mistura de tons dourados e acobreados bem diferentes para mim.
Mas não é nisso que eu foco. Os meus olhos grudam em seus lábios rosados
e carnudos, e num pequeno espaço entre eles, onde eu vejo a ponta de dois
caninos bem pontudos.
Agora não é hora pra pensar sobre Oliver contando que persaneses
adoram morder enquanto transam, Nancy!
Tome vergonha na cara!
— Aconteceu algo? Você não parece de bom humor — pergunto e
gosto do jeito como ele arregala os olhos, exatamente da mesma forma que
fez quando perguntei por que estava ronronando.
Juliet sempre disse que eu tagarelava demais e eu acredito que Astor
pensa o mesmo. Só que agora estou surpreendendo um cara de dois metros,
que parece mais fantasia do que realidade.
— Vamos fazer isso rápido, fêmea humana — grunhe, não gostando
da minha brincadeira feita exclusivamente para fingir que não estou nervosa
pra cacete, e quem quase arregala os olhos sou eu agora.
Não é um “pequena fêmea”, mas "fêmea humana” com certeza já é
bem interessante…
Astor me leva em silêncio para um quarto vazio e meio longe de onde
Juliet está, mas ainda continuamos no mesmo corredor acarpetado e os
móveis são iguais ao do lugar onde nos colocaram.
Eu sei que deveria estar com medo, pois não o conheço, é de
madrugada e estamos sozinhos. Os dois seguranças humanos ficaram na
porta do outro quarto. Só que tem algo em Astor, não sei se é o cheiro de
sal, se é a confiança contida em seus olhos quase vermelhos ou se eu só
perdi todo o bom senso mesmo. Eu não sei mesmo o que é, só que cada vez
que meus olhos o encontram, sou sugada para outro mundo.
E o pior é que agora estamos num ambiente iluminado, então eu
consigo ver tudo e mais um pouco sobre ele, e aproveito para engolir cada
um dos detalhes sobre o ruivo.
Adoro o jeito como a sua cauda preta praticamente flutua no ar, indo
de um lado para o outro sozinha, como se fosse um alguém com a sua
própria consciência. Os chifres dele são grossos e escuros também,
levemente curvados, e ficam envoltos por seus cabelos, que agora eu
consigo entender melhor o tom.
O cabelo de Astor, diferentemente do ruivo alaranjado de Oliver, faz
ele parecer um sol. É bem acobreado, porém, também tem nuances fortes de
dourado. Acho que nunca vi algo assim antes e talvez não seja algo que
humanos conseguem ter, só persaneses. Ele tem fios vermelhos, acobreados
e dourados na mesma cabeça, eles são longos e têm vários cachos se
formando nas pontas. É quase uma juba que vai até os seus ombros, só não
tem tanto volume assim.
— Você me entendeu, Nancy? — pergunta e só então percebo que
está saindo som por entre os lábios rosa queimados dele.
O rosto de Astor é largo, muito maior do que o meu, e a sua barba é
bem cheia. Ele é muito masculino, até um pouco felino, com olhos
levemente repuxados, e muito forte.
— Pode repetir? — As minhas bochechas queimam de vergonha,
porque eu sei que devo estar com a maior cara de boba agora.
Astor então se ajoelha à minha frente e finalmente eu não preciso
mais esticar o pescoço para encará-lo, só que essa posição é muito sugestiva
e estranha, faz meu coração disparar.
— Preciso escutar o seu filhote bem de perto, para ter certeza de que
tudo está bem — explica numa voz calma e eu concordo com a cabeça, sem
raciocinar as suas palavras, só prestando atenção em como ele é bronzeado
e como os seus braços nus, saindo de sua regata branca, são da grossura das
minhas coxas.
Eu quero me abanar!
Como pôde existir alguém desse jeito esse tempo todo?
E o melhor de tudo é que ele, com certeza, é mais velho do que eu.
Tem algumas marcas de expressão um pouco mais aprofundadas em sua
testa e no canto dos seus olhos. Sempre adorei caras mais velhos, só não tão
velhos como Frederick costumava arranjar para casar as mulheres.
— Vai ser rápido, eu prometo. — Ele deve achar que o meu silêncio é
medo, quando, na verdade, eu só estou assustada que ele esteja ajoelhado à
minha frente. Desse jeito dá pra ver as orelhas pontudas dele e com alguns
piercings dourados. — Só vou escutar o bebê, depois me afasto.
— C-claro… — Acabo gaguejando e fico com um pouco de raiva de
mim mesma.
Nada de parecer envergonhada, Nancy!
Sempre odiei a forma como as garotas recatadas e tímidas eram
escolhidas mais rápido por Frederick para se casarem, menos Juliet. Juliet
tentou por anos conseguir um casamento, foi uma mulher exemplar segundo
os requisitos dele, e mesmo assim a minha irmã sempre foi ignorada pelos
“sonhos vindos diretos do pai celestial” que Burner vivia tendo.
E foi por isso que jurei solenemente ser eu mesma, sempre mantendo
uma posição de confiança, não importa o que aconteça. Porque quando você
é toda meiguinha e educada, envergonhada e obediente, é quando mais te
ferram.
— Levante um pouco a camisa pra mim. — Pede num tom ainda mais
baixo do que antes e eu consigo ver o pomo de adão grosso em sua garganta
se mover, porque ele engole em seco.
Esse cara está nervoso?
Astor decide mudar de posição. Antes ele estava com a sua cabeça
batendo quase na altura da minha, porque, mesmo ajoelhado, ele ainda é
grande pra cacete. Só que agora ele escolhe se agachar, assim fica mais
baixo e na altura certa para ouvir o bebê.
Depois do banho, Juliet e eu encontramos no armário várias camisas
brancas masculinas, regatas de várias cores e cuecas samba-canção azul
céu. E é uma dessas camisas sociais que eu levanto agora, deixando exposta
a minha barriga arredondada. Só que ao invés de Astor grudar a sua orelha
pontuda no meu ventre, ele fica parado feito uma estátua e os seus olhos
começam a se encher d’água.
Astor
Não pode ser possível.
Isso não tem sentido.
Em meio ao cheiro doce e levemente cítrico de Nancy, eu encontro
algo mais. Algo que não sinto há anos e que dispara tanto o meu coração,
que toda a força que fiz até agora para não ronronar se esvai. O meu
controle escorre entre os meus dedos.
Em menos de uma respiração completa da fêmea grávida, eu estico os
braços e a agarro, grudo o meu rosto em sua barriga e sugo o aroma que tem
me atormentado dia e noite. É tão único, tão perfeito, que eu não sei
descrever.
— Astor?! — Nancy não entende o que está acontecendo, mas nem
eu entendo o que está acontecendo.
É o cheiro do meu filho.
É o cheiro do meu Nimiar.
As lágrimas quentes deslizam pelo meu rosto e eu escuto o coração
do bebê batendo rápido, o que faz o som do meu ronronado aumentar ainda
mais.
Vivo.
Ele está vivo.
A vibração que vem do meu peito e que soa quase como um pequeno
motor, nunca ficou tão alta, e, na verdade, acho que depois de adulto eu
nunca mais ronronei para ninguém.
— Você… — a palavra mal sai da minha boca, embargada em minha
garganta, e eu até soluço, de olhos fechados inalando mais e mais. É real.
Eu estou sentindo. — Voltou pra mim. — Beijo a barriga pálida e nua dela,
tão linda e quente, e a fêmea estremece no meu aperto.
— Astor! — Ela exclama assustada e imóvel. Estou ajoelhado aos
seus pés, com os meus braços em volta de suas pernas, segurando-a com
força.
Por um momento eu desejo como um louco poder ver através de
Nancy, poder olhar através de sua barriga, e eu esfrego o meu nariz na sua
pele cremosa, e continuo puxando ao máximo o cheiro da minha criança.
Mas como num passe de mágica, ele não está mais aqui. Some como
se nunca tivesse existido.
Por que sumiu?!
— Astor, o-o-o que está acontecendo? — pergunta, e no lugar do
aroma familiar do meu filhote, surge a ansiedade de Nancy, que enche os
meus pulmões e me deixa sem o aroma de Nimiar. — O que… o que você
está fazendo? — Ela respira rápido, desconcertada.
Eu me afasto, mesmo sem querer fazer isso, e quando a encaro nos
olhos, não sei o que dizer.
O meu corpo está trêmulo de tanta adrenalina e eu sinto o calor de
Nancy contra a minha pele ainda, a sua maciez. Diferentemente do que
acontece toda vez que chego perto de uma fêmea grávida, o meu peito não
dói de angústia. Agora eu me sinto assustado e querendo voltar para a
posição que estava, grudado na pequena humana, assim quem sabe o cheiro
de Nimiar volta.
Foi como entrar no paraíso por alguns segundos, com o cheiro do meu
bebê e o de Nancy juntos.
— Tem algo de errado? Quem voltou pra você? — sussurra, como se
tivesse medo de levantar a voz e eu seco as lágrimas do meu rosto com
pressa, porque ao mesmo tempo que quero me aproximar de novo para
entender, também não quero me abrir com essa fêmea desconhecida.
Sinto-me estúpido agora, mas também não consigo ignorar a força
com que fui arrebatado.
— Eu não sei o que me aconteceu. Eu só… senti um cheiro que não
sentia a muito tempo. — A minha voz quer sair embargada, mas eu faço o
meu melhor para que ela não fique muito rouca. — Me desculpe, eu… eu…
— É difícil pensar no que falar, estou abismado demais. Completamente
fora de mim. — É que você cheira como alguém que eu conheci há anos.
Coloco-me de pé, olhando a barriga humana que ainda não está
grande como se estivesse pronta para dar à luz, e continuo sem entender
como pode ser possível.
De repente esse quarto de hotel parece pequeno demais e a minha
cauda começa a se bater de um lado para o outro.
Capítulo 11
Astor
Eu tenho que entender isso.
Que tipo de brincadeira dos deuses é essa?
— Você não pode mais ver essa pessoa? — pergunta baixinho e de
um jeito doce que me desconcerta. Ela não sabe de nada sobre o que acabou
de acontecer aqui, mesmo que para mim, é como se alguém segurasse o
meu coração agora e o apertasse dentro do meu peito.
— Posso ver sim… — Tento despistá-la. — A pessoa só está muito
longe, e como nós persaneses somos muito ligados ao nosso olfato, o seu
cheiro realmente me surpreendeu.
Talvez, se Nancy souber o quão irreal é o que acabou de acontecer
aqui, ela se afaste de mim. Ou talvez ela não seja boa e use isso contra mim
de alguma forma. Humanos não podem ser confiados facilmente, até eu
sigo isso, mesmo que não tenha problema em cuidar deles caso necessário.
Preciso investigá-la melhor primeiro.
— Eu gosto do seu cheiro também. — Ela alisa a camisa social
branca no corpo, com o rosto da cor de um morango de tão vermelho.
— Gosta? — pergunto e ela faz que sim com a cabeça. O jeito
confiante como fala não combina em nada com a expressão de seu corpo.
Nancy arruma tanto a camisa e encolhe os ombros, que parece estar
tentando sumir. Além de cheirar ainda mais a ansiedade. — Do que eu
tenho cheiro para você?
Humanos não tem o melhor olfato do mundo, tanto que eles usam
coisas como perfumes, que geralmente tem um cheiro ofensivo demais. Já
persaneses são capazes de detectar muito através do suor. Cada pessoa tem
um aroma único para nós. E Nancy… é como uma fruta saborosa e
levemente azeda, e também como uma flor, de cheiro perfeito, e agora ainda
tem um bebê no seu ventre que eu não sei por que cheira como um humano,
quando segundos atrás cheirou exatamente como o meu Nimiar.
— Sal… você tem cheiro de sal. — Dá de ombros e força um sorriso,
que sai mais como uma careta.
Eu assustei demais essa humana e só agora paro para notar como ela é
jovem, segundo o seu rosto pálido. Devo ser uns treze ou quatorze anos
mais velho do que ela.
Quem será que é o pai desse bebê?
Será que ele foi criado com amor, ou será que…
Só de pensar que esse filhote tenha sido concebido com violência a
minha garganta arde com ódio.
— Eu cheiro a sal? — Forço-me a perguntar, mesmo que minha
cabeça esteja em outra coisa.
— Água salgada, como o mar. Eu só estive perto do mar uma vez,
quando Frederick nos levou para protestar numa cidade com praia, e a brisa
tinha esse cheiro. Você cheira como algo salgado e… como algo doce
também. — As palavras vão se atropelando uma em cima da outra.
— Que tipo de doce? — investigo e dou um passo em sua direção e
isso a deixa instantaneamente tensa. Vejo o jeito como a sua respiração para
um pouco e depois volta bem rápida.
— Eu não sei dizer, como baunilha, talvez. — Começa a passar as
mãos no rosto, provavelmente sem saber onde colocá-las. — A minha mãe
colocava baunilha no bolo e você cheira um pouco como isso. Bastante
água do mar e baunilha, é bem… gostoso. Meio quente, e-eu não sei
explicar. — Os olhos de Nancy se ligam apenas por alguns segundos aos
meus e agora eles estão extremamente azuis, depois ela desvia.
— Você já conheceu alguém que cheirava como eu antes?
— Não, acho que nunca reparei no cheiro de ninguém, na verdade. Só
quando cheiram mal, e você cheira… muito, muito bem — explica e depois
um silêncio estranho recai sobre nós dois. Eu tenho tantas dúvidas sobre o
que acabou de acontecer aqui, sobre a vida que Nancy levou. Quero saber
de tudo, quem sabe assim encontro alguma explicação. — E eu? Como eu
cheiro pra você?
Não posso dizer para uma fêmea que veio diretamente do lado
inimigo que nunca senti nada tão doce e nem tão delicioso como ela. Contar
que ela faz os pelos da base da minha cauda até a minha nuca arrepiarem
seria ruim.
— Já é tarde demais — falo baixo, num tom que costuma funcionar
quando preciso acalmar algum persanes.
— Você está se desviando de novo de uma pergunta, não me explicou
sobre o ronronar antes. — Ela fala com uma insolência que me faz querer
rosnar.
Normalmente esse tipo de coisa não me irritaria, uma fêmea petulante
e de língua afiada não é nada demais, mas esse maldito mau humor que se
instalou em mim desde que saí de Rigan está mais uma vez me
atrapalhando.
— Você não se importa que eu seja persanes? A sua irmã parecia
muito assustada com a minha espécie e você também deveria estar, cresceu
dentro da seita, não foi? — As perguntas saem voando da minha boca.
Filipi pesquisou tudo o que pôde sobre a tal Igreja do Oitavo
Renascer e eu ainda recebi mais mensagens dele agora, que assistiu os
interrogatórios de alguns membros. Eles têm famílias que estão juntas há
tempos e seguem os antepassados de Frederick Burner, e essas famílias têm
meninas e meninos que engrossam esse exército de Frederick, fornecendo
mão de obra barata e um monte de esposas para homens mais velhos na
seita.
— Oliver me contou sobre vocês e eu achei que somos bem
parecidos, persaneses e humanos, no caso, e… — Começa a falar, mas eu
me aproximo de novo, devagar dessa vez, e ela acha que consegue esconder
de mim o seu nervosismo, mas ela para no meio da frase e eu a vejo engolir
em seco bem rápido
— Nós dois podemos nos parecer, mas não somos iguais, Nancy —
murmuro e é como se existissem três lados meus agora brigando.
Um lado só quer mandar essa menina de volta pro quarto para o
próprio bem dela, outro lado meu quer ficar até que o aroma de Nimiar
apareça de novo. E ainda tem o terceiro lado, um cheio de instintos e raiva e
que acordou desde que eu cheguei nessa terra, e esse lado quer submissão.
— Eu sei que não somos iguais — responde baixo e o cheiro do seu
medo surge.
É só uma pitada de pavor, mas ele está aqui e isso é intrigante. Até
agora Nancy só ficou ansiosa, apesar de eu tê-la carregado pra fora de tudo
que conheceu a sua vida inteira. Ela é tão pequena, mas diferentemente de
sua irmã, que tinha um medo tão potente que machucava as minhas narinas,
Nancy é muito corajosa.
— Por que mesmo você me abraçou agora? Só responda a essa
pergunta, eu mereço saber. E eu acho legal o ronronado, na verdade. E-e-
estou muito feliz de ter sido resgatada por você e gostaria de entender mais
sobre a sua cultura. — Ela volta a empilhar as palavras, que vão se
atropelando e deixando claro a sua angústia.
Nancy parece feliz mesmo de ter sido resgatada, ela só quer conhecer
a minha espécie. Não está me perguntando nada muito profundo, nada que
não seja da sua conta, afinal, eu toquei o seu corpo sem a sua permissão.
Mas acho que estou tão acostumado a me desviar de assuntos que
revelam qualquer vírgula a mais sobre mim, que me abrir agora parece
impossível.
— Eu só… acho que o meu corpo gosta de como você cheira doce e
cítrico ao mesmo tempo. Uma parte me lembra uma pessoa, mas o restante
do seu cheiro é só seu e é muito bom — explico o melhor que consigo sem
citar nomes.
— Eu tenho um cheiro único então?
— Não! — minto, sem querer que ela vá por esse caminho, e Nancy
semicerra os olhos, sem entender o porquê de eu ter aumentado o tom de
repente. — Tem um monte de fêmeas que cheiram como você.
— Mesmo? — pergunta, desviando o olhar, tentando esconder parte
de sua decepção. — Eu acho que não entendi nada então, você acabou de
dizer que o meu cheiro é só meu. — Cruza os braços na frente do peito.
— É complicado…, mas o que estou querendo dizer é que o seu
cheiro é só seu, mas também é parecido com o de outras persanesas. — Ela
abre a boca para dizer algo mais e eu a impeço. Sei que a minha explicação
não fez o menor sentido e quero que continue assim. — Melhor você voltar
para o seu quarto agora, daqui a pouco a sua irmã acorda.
— Ela sempre dorme muito pesado — explica e toma coragem para
se aproximar de mim.
Só que para continuar encarando o meu rosto, Nancy tem que esticar
bem o seu pescoço e desse jeito eu acabo preso em sua beleza
extremamente humana, com seu nariz pequeno e olhos grandes, e também
acabo notando como ela tem grandes bochechas, coisas que normalmente
persaneses jovens têm.
Pelos deuses, essa fêmea é jovem demais…
— Quantos anos você e sua irmã tem?
— Eu tenho 22 e ela está com quase 28 — esclarece e eu estava certo.
Temos 13 anos de diferença. — Já que você não quer me explicar sobre o
meu cheiro, me diga como está o meu bebê. — Ela soa mais uma vez
insolente, desafiadora.
Fêmeas persanesas teriam farejado o cheiro da minha agitação agora e
não falariam assim comigo. Eu estou me sentindo angustiado e feroz de um
jeito estranho.
— Está bem — murmuro, mesmo sabendo que eu ainda não fiz o
mais importante: bebi o sangue dela. Só assim para eu ter certeza de que
está bem, mas acabei de beijar a barriga de Nancy e cheirar, então acho
melhor não fazer nada que possa despertar algo mais em mim.
Já vai ser difícil o bastante dormir sem me acabar em ódio e na
memória de como a pele dela é macia e de como tem um filhote ali dentro
que se parece muito com o meu.
Eu tento conter o meu corpo, mas não posso fingir que os instintos
persaneses são 100% controláveis. Temos sangue Vrunsni demais e por isso
alguns humanos nos julgam como demônios.
Provavelmente, muitas religiões deles guardaram em seus textos
sagrados as barbaridades que os meus antepassados fizeram e chamaram
isso de diabo. Então, tecnicamente, talvez nós sejamos mesmo demônios, já
que essas lendas devem ter sido inspiradas em nós, a diferença é que
demônios não são do jeito que eles imaginam.
— Quem é o pai do seu bebê? — faço a minha última pergunta e a
mais importante até agora. E pego Nancy desprevenida com isso.
Ela molha o lábio inferior antes de falar e faz algo estranho dentro de
mim acontecer enquanto vejo a sua língua rosada. Um calor esquisito sobe
pela minha garganta e isso até me lembra um pouco quando fiquei no cio.
Só que não faz o menor sentido!
Eu não cheiro a cio e ele só costuma ser desperto assim, do nada,
quando um macho chega aos trinta, e eu já tenho trinta e cinco, ou existe
uma fêmea para engravidar, o que não é o caso de agora.
— O nome dele é Kal, ele ficou em Red Town — diz com cautela.
Kal… soa como o nome de um macho imbecil para mim.
— Ele sabe do filhote?
— Não e acho que não faria diferença se soubesse. — Tenta soar
desinteressada, mas tenho certeza que não deve ser fácil estar grávida
sozinha.
— Frederick fez você… se deitar, com esse Kal? — as palavras saem
entre os meus dentes e elas fazem a minha garganta doer de tantos
xingamentos presos.
Essa opção me dá ânsia de vômito.
— Não, eu fiquei com ele porque quis. Foi uma coisa de uma noite
só.
Uma coisa de uma noite só…
Eu estudo as palavras e o tom delas, com a náusea sendo substituída
por outra coisa.
Como será que foi essa noite?
Os xingamentos tornam-se um rosnado grosso, que eu prendo, e eu
vejo os meus olhos começarem a ascender pelo reflexo da pupila de Nancy.
Preciso respirar fundo por alguns segundos para impedi-los de começar a
brilhar forte.
Qual a porra do meu problema?! Senti o cheiro de Nimiar e agora
ciúme!?
— É melhor você ir dormir — falo mais pelo meu próprio bem do
que pelo de Nancy. Eu preciso de espaço, de tempo pra pensar em qual
ervas preciso tomar para regular o meu corpo.
Ela me encara com confusão e como se eu tivesse acabado de lhe
falar o maior absurdo do mundo, mas um bocejo a pega desprevenida e
mostra como está exausta.
Tal qual um filhote, Nancy precisa ser guiada para o lugar certo. Ela é
muito jovem para lidar com tudo o que está acontecendo, e ao invés de
avançar feito um persanes no cio, mesmo que isso não faça sentido, já que
ela já está grávida, eu devo agir como Zeva me ensinou. Afinal de contas,
diferentemente de médicos, curandeiros não tratam apenas do corpo, mas
também ajudam as pessoas a se encontrarem.
— Vamos, vou te levar até o seu quarto. — Ando até a porta do
quarto e abro, mas a morena não arreda o pé do lugar. — Amanhã iremos
conversar sobre onde você e sua irmã irão ficar. — A minha frase a
surpreende.
Se antes eu estava convencido a deixar que dessem dinheiro para
essas duas e as ajudassem a encontrar um lugar tranquilo para viver, longe
da Igreja do Oitavo Renascer, agora eu só consigo pensar nos argumentos
para manter essa fêmea ao meu lado de qualquer jeito, não importa que eu
tenha que mentir para os Dolunay e para os Dark Elf.
Não vou mais tocá-la de maneira estranha, vou ajudar com a sua
saúde e ser um bom curandeiro, mas também não pretendo deixá-la sumir
da minha vista até entender o que está acontecendo.
Capítulo 12
Astor
Os olhos cor de violeta de Nimiar me observam de um jeito estranho.
É como se o meu filhote quisesse me dizer algo, porque suas pupilas estão
muito agitadas e dilatadas hoje. Os seus pequenos lábios se movem, mas só
o que sai deles são barulhos de bebê.
“Qual o problema?” pergunto a ele, enquanto estou sentado numa
grande pedra que fica de frente para uma praia vazia, com um mar tão azul
que parece impossível de existir.
Tento fazer carinho nas bochechas rosadas do bebê, só que de
repente o seu rabo acinzentado dá a volta no meu braço com muita força e
a sua mão com dedos minúsculos toca o meu peito com pressa.
O contato com ele faz a minha pele queimar como fogo e eu fico
aterrorizado, sem conseguir nem mesmo falar para chamar ajuda. A dor
aumenta de nível muito rapidamente e, mesmo sem querer, eu acabo me
curvando, deixando de sentar na pedra para me ajoelhar na areia clara.
Trinco os meus dentes juntos e sinto a dor percorrer o meu interior
feito um raio, mas não deixo o meu bebê cair, mesmo que esteja sendo
queimado vivo. Ele é precioso demais e acabou de nascer.
O problema é que a sensação de seus dedos em mim, é como lava
fervente tocando a minha pele.
“Acorde.” Uma voz feminina ordena. “Acorde para mim, Astor.”
Eu sei que é uma fêmea humana, pois ela não tem o sotaque comum
que os persaneses costumam ter. Então faço todo o esforço do mundo e
levanto a minha cabeça para reconhecer quem é essa pessoa que está
falando comigo, e dou de cara com uma fêmea muito pequena, de olhos
azuis e cabelos castanhos.
“Acorde para a nova era, mon durkiah[GS1].”

Desperto tão abruptamente, que pulo da cama e vou direto para um


chão duro e desconhecido. A aterrissagem do meu corpo faz um grande
estrondo e eu não consigo nem olhar para os lados para tentar entender o
que exatamente está acontecendo, estou com uma dor imensa no meu
peitoral e não sou capaz de pensar.
Respiro rápido, com suor quente rolando pela minha pele fria e sem
forças para me pôr de pé. Mas, mesmo que esteja incapacitado de me mover
e fazer qualquer outra coisa além de gemer, eu entendo que o que acabou de
acontecer foi um sonho. Um sonho que está afetando a minha carne na
realidade, já que a dor lacerante vem exatamente do lugar onde o meu
filhote me tocou.
— Astor?! — Uma voz masculina me chama de longe e dessa vez é
real, não uma Nancy gerada pela minha imaginação doentia, que gosta de
me torturar com a única memória visual que tenho do meu filho. — Você
está bem? Eu ouvi um estrondo.
Estou com tanta dor que a minha boca se enche de saliva, mas eu sei
que preciso me levantar.
— Eu… eu estou… bem — falo de maneira espaçada e me concentro
em puxar lufadas de ar mais longas para dentro dos meus pulmões e isso
parece me ajudar um pouco com a dor que começa a diminuir.
Estou quente, sinto o calor emanado do meu corpo, só que persaneses
não têm essas coisas, apenas quando estão no cio, e eu não estou no cio.
Não cheiro a cio.
Eu cheiro a tristeza e a dor.
— Tem certeza de que está bem? Podemos… chamar um curandeiro
se você quiser, outro curandeiro, no caso — explica, soando bem indeciso
de suas palavras.
Agora que estou raciocinando um pouco melhor, reconheço quem é
que está falando comigo. Filipi Dark Elf deve estar do outro lado da porta
muito preocupado comigo agora, que estou conseguindo me mover um
pouco melhor conforme a dor cessa.
— Eu estou bem, acredite. — Sou capaz de falar com um pouco mais
de confiança e também de me colocar de joelhos, e depois, segurando na
cama de casal em que estava dormindo, eu me coloco de pé.
Porém não me sinto cem por cento confiante de que não vou voltar a
sentir dor ou ter algum tipo de vertigem.
Tenho que encontrar logo o que tem de errado comigo!
— Então tá bom… — responde, com ainda mais incerteza. Ainda
bem que esse quarto grande e que é cheio de um luxo que não preciso, está
fechado, e que só eu dormi nele. Seria humilhante ter esses delírios na
frente dos Dark Elf. — Eu vim aqui também te lembrar que hoje nós temos
que ir até a mansão Dolunay.
— Eu… — começo a falar, mas interrompo no mesmo segundo a
minha frase, pois encontro o meu reflexo num espelho muito alto e largo
que ocupa uma boa parte da parede da mansão na Turquia que a família
Dolunay nos cedeu. E no espelho tem algo que não estava ali de jeito
nenhum antes, uma marca nova. — Eu… me-me lembro. — Até gaguejo
com os meus olhos bem arregalados, sem acreditar. — Já pode ir, Filipi,
estarei pronto para ir até a mansão em… alguns minutos.
Caminho rapidamente para mais próximo do meu reflexo e como
estou apenas com uma cueca cinza, sou capaz de ver a maioria do meu
corpo com facilidade.
— Vou avisar Dante então, ele está parecendo um louco. — O loiro
do lado de fora avisa e vai embora, para o meu alívio. Escuto os passos dele
se afastando.
— Que porra é essa? — sussurro para mim mesmo e toco o lobo com
chifres que nasceu do lado direito do meu peito.
Encaro com tanta força a nova rorani, que até esqueço de respirar.
Acabo tendo que puxar oxigênio com muita força depois.
Teoricamente, a minha espécie ganha roranis o tempo inteiro, elas são
marcas escuras, que humanos podem chamar de tatuagem, só que as nossas
são naturais. Elas aparecem nos corpos persaneses geralmente quando algo
importante acontece como, por exemplo, um filhote nasce ou quando um
macho ou fêmea saem da infância.
Até hoje eu só conheci um macho que não recebeu nenhuma rorani a
sua vida toda. Klaus só ganhou uma marca quando Karina engravidou, mas
aquela não era uma rorani de verdade, tanto que até a mãe humana do bebê
recebeu a marca, que é um símbolo de que o sangue mágico dos Vrunsni
ainda está conosco.
Roranis geralmente passam de seus pais para seus filhos, tanto que eu
tenho as mesmas estrelas negras nas mãos que o meu irmão Niflin tinha.
Também tenho uma estrela bem no centro do meu tronco, acima do meu
umbigo, e algumas marcas que se parecem com trovões e tomam uma parte
do meu braço e sobem pelo meu pescoço.
Todas essas minhas roranis são como as que outros familiares meus
tiveram.
Só que ninguém na minha família tinha um lobo com chifres…
— Isso não pode ser real — continuo falando sozinho e toco mais a
marca, que a cada segundo fica menos dolorida.
Esse lobo negro com chifres pontudos tem ligação demais com a
profecia mais importante do meu povo e eu nunca imaginei que algo assim
pudesse nascer em mim. NUNCA. Os machos que conheci até agora com
essa marca foram os Dark Elf, e eu não tenho nada em comum com eles. O
meu irmão, Niflin, até podia ter o mesmo pai que Klaus, mas eu não.
Eu não tenho o mesmo sangue que esses persaneses ricos, nem sequer
tenho uma fêmea como eles, que podem ser os persaneses da profecia,
então isso não faz o menor sentido.
Então por que isso nasceu?

Nancy
— Depois de visitar os Dolunay, talvez devêssemos viajar para longe
daqui. — Eu reconheço a voz da ruiva que passou alguns dias na Igreja do
Oitavo Renascer comigo e com a minha irmã.
— O estado de saúde do seu bebê agora não é bom, Oliver. Viagens
longas não são recomendadas. — E também reconheço, mesmo através da
porta, a voz do gigante chamado Astor que me examinou essa madrugada
no hotel.
Só de ouvi-lo os pelos do meu braço se arrepiam e eu me lembro do
jeito como ele basicamente me agarrou enquanto falava com a minha
barriga.
— Não quero que ela fique aqui, a minha mulher tem que se
recuperar num lugar seguro. — E esse deve ser Dante.
Acho que estou ficando boa nessa brincadeira de escutar atrás da
porta. Estou o mais quieta que consigo, com a minha orelha direita grudada
contra o tampo de madeira escura e que parece ser bem cara, assim como
tudo nesse lugar para o qual nos trouxeram após uma noite no hotel.
— Mas se ela foi sequestrada em Rigan, lá não é um dos lugares mais
seguros para se ficar, não mais e… — A voz masculina é interrompida por
um som curto de um alarme de celular, coisa que eu só conheço por ter
visto de longe algumas vezes.
Nunca pude ter algo tecnológico assim para mim, todo mundo na
igreja dizia que celulares eram uma forma do governo e dos persaneses nos
controlarem, mas eu sei que a verdade é que eles sabiam que se muitas
pessoas tivessem acesso livremente a informações, não ficariam naquele
antro de malucos.
— Os Dolunay parecem bem ansiosos nessa mensagem — Astor fala.
— É melhor irmos logo então, temos muito que conversar. Talvez eles
sejam os melhores aliados que podemos ter agora, já que os meus pais são
uns desgraçados — Dante fala novamente e mesmo que eu esteja atrás da
porta, ainda sou capaz de ouvir o seu nível de ódio.
Será que os parentes dele são tão ruins quanto os meus?
Se não fosse pelo meu pai e pela minha mãe, eu nunca teria passado
os meus 22 anos dentro daquele lugar. Se não fosse por eles eu teria uma
vida normal, provavelmente teria feito faculdade como Margot fez, talvez
tivesse até a minha própria casa e o meu próprio trabalho. Aliás, se os meus
pais fossem pessoas melhores, que não acreditassem no lunático que diz
conversar com Deus, com certeza, eu e a minha irmã, teríamos tido tudo
isso.
— Mas o que é que vamos fazer com aquelas duas humanas? — uma
terceira voz masculina fala e dessa vez eu sei que é um loiro de cabelos tão
claros que parecem quase brancos.
Oliver, Dante, Astor e Filipi se trancaram num cômodo nessa casa
gigantesca e deixaram eu e minha irmã para fora. Juliet não quis sair da sala
onde nos deixaram no térreo e talvez ela até confie um pouco mais neles, já
que não se importou que eu fosse explorar sozinha o lugar.
Ou talvez ela só esteja tão emocionalmente cansada, que tenha
desistido de tentar me segurar…
— Vamos interrogá-las, as fêmeas podem ter coisas importantes para
nos contar. — É o curandeiro ruivo quem responde. Astor quer me
interrogar? Será que ele acha que eu sou uma pessoa ruim? — E a
gravidez de Nancy não parece estar tão bem assim, acho que ela vai
precisar da minha ajuda.
Como assim? Achei que estava tudo bem com o meu bebê!
Só de ouvir as suas palavras sinto o meu coração bater mais rápido de
medo.
Não que eu esteja doida para arcar sozinha com a responsabilidade de
criar uma pessoa, mas eu também não quero que nada aconteça de mal com
essa coisinha aqui dentro, até porque eu já sonhei em ser mãe, na verdade.
Só esperava que as circunstâncias fossem melhores… com uma boa pessoa
ao meu lado, fosse homem ou mulher. Porém, dentro da Igreja do Oitavo
Renascer eu sabia que nunca encontraria isso, e por essa razão também que
eu estava louca para sair.
— Eu não confio nessas duas… — Dante rosna e eu semicerro os
meus olhos, tendo que controlar a minha respiração que quer ficar rápida.
O que esse cara acha que eu e minha irmã somos capazes de fazer?
Eles são os donos do dinheiro e da situação agora, nós não temos nada, não
sabemos como nada aqui fora funciona. Não sei nem onde estão os meus
documentos de identificação, certidão de nascimento e essas coisas. Tudo
sempre ficou em posse da Igreja.
— Elas são boas meninas — Oliver argumenta e eu fico feliz de ter
alguém como ela do meu lado e da minha irmã. Eu acho que se fossem só
por esses três homens, eles provavelmente não nos ajudariam.
Talvez só Astor…
— Tão boas que uma delas está escutando a nossa conversa escondida
— Dante fala e sem me dar nem um segundo para pensar, abre a porta em
que estou me apoiando.
Os meus olhos se arregalam e eu sinto meu rosto todo ficar quente
enquanto dou meu jeito para não cair com a cara no carpete. Eu me seguro
na parede e agradeço a velocidade que os meus pés e mãos agem, me
mantendo de pé.
Porra, como eu fui esquecer que a audição deles é maravilhosa?!
— Nancy?! — Oliver exclama, provavelmente porque foi a única que
não sabia que eu estava aqui, já que não é persanesa.
— O-olá… — gaguejo e dou um sorriso sem graça e forçado.
Os quatro pares de olhos dentro da sala me encaram, cada um com
um sentimento diferente, mas antes que eu passe ainda mais vergonha, um
macho muito alto vem na minha direção e me pega pelo pulso.
Eu tomo o maior susto e tento dar um pulo para trás, só que ele me
segura no lugar.
— Olha, eu não fiz por mal, tá? — balbucio, tentando me livrar da
situação estranha. Será que ele está bravo comigo? O seu rosto está bem
sério. Merda! — É-é só que eu queria saber o que estava aconte…
— Eu preciso terminar de te examinar, Nancy — Astor interrompe a
minha explicação furada e o meu coração começa a bater tão rápido que eu
não consigo nem ouvir mais os meus pensamentos. — Vou testar o seu
sangue.
Capítulo 13
Nancy
Eu sei que tem algo de estranho com ele, mesmo que não o conheça
há muito tempo, mas estou tão ansiosa que não consigo perguntar o que é. É
como se a mão de Astor, que não sai do meu pulso por segundo nenhum
enquanto me guia, mandasse descargas elétricas e arrepios por todo o meu
corpo, aumentando a minha ansiedade. E as coisas só pioram ao perceber
que estou me afastando cada vez mais de cômodos onde tem outras pessoas.
Astor está me levando para outro ambiente sem mais e nem menos
após me pegar ouvindo a sua conversa. Ele vai andando na frente com
passos largos e decididos e eu assisto hipnotizada a sua cauda balançando
de um lado para o outro.
Será que está muito bravo comigo por eu xeretar?
Mas como eu poderia não ouvir quando eles estavam falando coisas
tão importantes?!
Estou cheia de perguntas para fazer, principalmente sobre o meu bebê
e a noite passada, e mesmo assim fico calada. As poucas palavras que ele
me disse enquanto beijava a minha barriga não saíram da minha cabeça e eu
tive até uns sonhos estranhos, só não consigo me lembrar quais foram…
— Acho que aqui estamos longe o bastante — fala, vira uma
maçaneta dourada e revela um novo lugar bem iluminado por uma larga
janela.
Fico imaginando quanto de dinheiro os tais Dolunay, donos desse
lugar, não devem ter.
— Você está querendo ficar longe deles por quê? — questiono, me
sentindo desconfiada demais enquanto sou guiada para dentro sem uma
resposta e assisto o Astor fechar a porta pesada e ainda trancá-la com duas
voltas da chave.
O que está rolando aqui?
— As consultas de um curandeiro com sua paciente devem ser
particulares, e como eles tem ótima audição, é importante manter distância
— explica e eu sinto uma pontada grande de culpa, já que ele parece cem
por cento profissional agora, com o seu rosto alongado e barbado não
demonstrando nada além de concentração.
— Entendi — respondo e acabo mordendo o meu lábio inferior, sem
graça com o tom que usei para perguntar.
Só que os olhos castanhos avermelhados de Astor seguem o meu
movimento e eu fico até assustada de como a expressão dele muda tão
pouco, mas me afeta tanto. A forma como as suas íris se fixam em mim me
deixam com o rosto quente e mais uma vez eu me vejo presa na boca toda
envolta em barba.
Kal me beijou algumas vezes, porém, confesso que não senti nada
além de nervosismo na hora. Já agora… um calor instantâneo sobe pelo
meu corpo e eu fico até meio mole com a imagem desse ruivo me beijando
que o meu cérebro forma.
Será que ele teria fome em cada movimento? Ou será que Astor é do
tipo mais lento?
— Sente-se na poltrona, vou te examinar mais uma vez — a sua voz
firme e ditatorial interrompe o meu devaneio e eu noto que ele está
apontando para um móvel escuro perto da janela.
Essa mansão tem quartos demais e agora ele me trouxe para um que
parece uma pequena biblioteca. O ambiente é mais feminino do que o
restante que vi até agora e tem duas prateleiras que vão do chão até o teto
cheias de livros. Também tem uma mesa com uma cadeira para estudos,
provavelmente, e a tal pequena poltrona que parece bem confortável, então
eu ando até ela e me sento.
Porém eu não gosto dessa posição, porque se de pé a minha diferença
de altura com Astor já é grande, assim então, o seu rosto fica praticamente a
quilômetros do meu.
— Talvez tenha algo de errado com o seu bebê — explica algo que eu
já sei, pois o ouvi falando na sala, enquanto se aproxima de mim com
passos extremamente silenciosos. Como eu posso não ficar obcecada por
ele, quando Astor está me revelando todo um novo jeito até de se mover? É
literalmente como um grande felino que ele se põe à minha frente. —
Deixe-me ouvi-lo novamente, quem sabe hoje eu descubro. — Então ele se
ajoelha, com as coxas grossas mostrando toda a sua potência, e eu perco o
ar.
Ok, agora estamos bem próximos.
Bem próximos mesmo.
— Mas e essa coisa de… provar o meu sangue? — Tenho quase que
brigar comigo mesma para conseguir fazer as palavras saírem. É muita
tensão não saber como está o meu bebê e ainda ter Astor aos meus pés, com
a cabeça dele basicamente na altura da minha. Desse jeito nossos olhos
ficam nivelados e os meus dentes quase batem um contra o outro de tanta
ansiedade.
Jesus Cristo, quando foi que eu fiquei assim tão nervosa na frente de
alguém?!
Parece que tem uma corrente elétrica me atravessando.
— Isso é depois, agora levante um pouco a sua blusa para mim, e não
precisa ficar tão ansiosa, Nancy. Esse é o meu trabalho.
O sotaque diferente no tom de Astor fica mais encorpado por algum
motivo e eu estou convencida de que isso tem que ser uma mentira dele.
Tem que ser. Porque eu não posso aceitar que além de bonito, cheirar como
um sonho, ele ainda tem uma voz tão gostosa de se ouvir e com um sotaque
capaz de me deixar de pernas bambas.
Sorte minha que estou sentada.
— Você cheira muito a ansiedade hoje, fêmea — murmura com
cautela e é claro que cheiro mais a ansiedade hoje! Essa madrugada ele
ronronou pra mim enquanto me resgatava da prisão em que vivi a vida
toda, depois abraçou a minha barriga e agora ele age como se nada tivesse
acontecido! — Pretendo ser muito rápido dessa vez.
Ele sabe o que fez, é claro que sabe.
O jeito como está sendo manso prova isso e o “dessa vez” também.
— Tá bom — resmungo e começo a levantar um pouco a camisa
branca.
Hoje eu visto algo muito parecido com o que estava vestindo ontem.
Peguei uma nova camisa social branca no armário do hotel, assim como a
minha irmã, mas substituímos as cuecas samba-canção por calças sociais.
Em mim eu tive que enrolar o tecido até o joelho, mas em Juliet deu quase
certo o comprimento.
O meu corpo esquenta em mostrar a minha barriga para Astor, porque
querendo ou não isso é muito mais pele do que eu já mostrei para a maioria
dos homens. Eu não sou mais virgem, mas também não estou explodindo de
tanta experiência.
Para não perder a coragem, eu sou rápida em deixar a minha barriga à
mostra logo e isso só me deixa mais nervosa. Eu acho que ela cresceu um
pouquinho de ontem pra hoje, mas será que isso é possível?
E será que eu deveria estar pulando de alegria por isso? Porque
sinceramente, eu ainda não achei todo esse entusiasmo que as pessoas
parecem ter quando se trata de crianças.
O ruivo se inclina, com a cabeça de lado e eu não consigo nem
respirar ao sentir o seu hálito contra a minha pele. Ele não diz nada por
longos segundos, só escuta, e eu vou ficando cada vez mais nervosa nessa
posição estranha, porque diferentemente dele, não sou capaz de sentir essa
criança.
Eu daria tudo pra poder ouvir esse bebê, quem sabe assim conseguiria
começar a lidar com essa situação melhor. Poderia enfiar na minha cabeça
que isso é real.
Só que junto com a ansiedade também vem o calor que aumenta em
partes onde não deveriam estar.
Isso é errado, Nancy!
Ele só está ouvindo o seu bebê, não é sexual!
Só que não importa o quanto eu saiba que ele está fazendo isso só
pela minha saúde, ainda assim estou sendo tocada por esse homem, a sua
grande mão até repousa em mim e o seu toque é firme, o que me faz
palpitar bem entre as coxas.
— O coração está batendo numa velocidade boa, acho que está tudo
bem, e o cheiro é… bem humano agora — fala isso como se estivesse em
dúvida do que sentiu e isso não faz sentido.
É claro que o cheiro é humano, eu sou humana e meu bebê também.
— E como é essa coisa de provar sangue? — Sempre que me sinto
nervosa, eu faço perguntas. Um monte delas, uma atrás da outra. — Eu vou
espetar meu dedo e colocá-lo na sua boca?
Ele tira a sua orelha pontuda e com alguns piercings de perto de mim,
o que me faz notar que as tatuagens escuras descem por seu pescoço e
depois entram para a parte coberta por uma camiseta verde-escuro de
algodão folgada demais para o meu gosto.
— Não, não é assim. Uma gota só não basta, tenho que beber o seu
sangue — esclarece, no mesmo tom sério que tem usado até agora, e eu me
pergunto como ele consegue parecer tão impassível enquanto me diz algo
absurdo assim.
— B-beber? Achei que fosse só testar — eu até gaguejo.
— Escutei o seu filhote e consigo sentir o seu cheiro, pois sou um
curandeiro e tenho o olfato ainda mais apurado que qualquer persanes. Mas
só o que pode me dizer de verdade como está a sua saúde e a do seu bebê, é
o seu sangue. — Agora eu entendo toda essa seriedade, é para não me dar
escolhas!
Ele é do tipo mandão quieto.
— Vai me morder como um vampiro?!
— Não como um vampiro, eu não me alimento de sangue —
esclarece e do jeito que fala, é como se vampiros existissem. Ele quase
parece ultrajado por ser comparado assim à criatura, com uma ruga
surgindo entre as suas sobrancelhas mais escuras que seu cabelo. — Mas
sim, eu vou te morder, Nancy — a voz dele de repente fica ainda mais baixa
e rouca, o que faz um arrepio subir pela minha nuca. Astor não está
brincando comigo mesmo! — E não precisa se preocupar, vai ser bem
rápido e indolor — diz isso pegando o meu braço já.
Só que eu não acho que esteja pronta para algo assim, então com um
pouco de dificuldade eu fico de pé, pois o acolchoado da poltrona embaixo
de mim parece tentar me engolir, e me afasto. Astor não me impede, mas
me encara com curiosidade enquanto eu coloco espaço entre nós dois.
É sério que ele não acha estranho esse negócio de morder?
— Os seus caninos são grandes e parecem bem pontudos… —
Engulo em seco porque como se quisesse me deixar ainda mais em pânico,
Astor corre a sua língua pelos dentes brancos e pontudos e só então percebo
um fato importante.
A língua dele não é como a minha, não tem o formato de U que todas
as línguas humanas têm. A língua de Astor é em formato de V, ela é muito
vermelha e grossa, e se eu não estiver ficando maluca, me pareceu bem
maleável. E com esse movimento não dá para saber, mas talvez ela seja até
mais longa que a minha.
O palpitar entre as minhas coxas fica até maior.
Por que é que ele tinha que me mostrar isso agora? Esse cara tem
que se decidir! Ou interpreta o curandeiro sério ou me mata de ansiedade
logo!
— As minhas presas são bem grandes e potentes mesmo. — Ele se
coloca de pé com uma facilidade imensa e começa a vir até mim, o que me
faz dar um pequeno passo para trás e perceber que estou encurralada contra
uma alta estante cheia de livro. — Mas a minha saliva tem o poder de
anestesiar pequenos machucados, é algo que todo persanes consegue fazer.
Assim que eu morder, já vou lamber um pouco e você não vai sentir mais
nada, não se preocupe.
Lamber?
Astor vai me morder e depois me lamber?!
— Está pronta? — pergunta pegando de volta o meu braço em suas
grandes mãos, que são pelo menos 70% maiores do que as minhas. Isso é
assustador e ao mesmo tempo… muito interessante. — Vai ser pelo bem do
seu bebê, Nancy.
Ele tem que curvar bem o seu corpo esguio e musculoso e o ar que
Astor solta contra a minha pele é quente e consegue acender ainda mais o
fogo no meu interior.
Então ele me morde, sem nem esperar por uma decisão minha, e na
mesma hora os meus olhos se reviram e eu mordo o meu lábio inferior para
tentar conter um gemido necessitado, mas não consigo. Eu me apoio ainda
mais contra a prateleira atrás de mim e sinto bem as suas presas na parte
interna do meu antebraço.
A mordida de Astor dói, mas não é uma dor comum. Não é a mesma
dor de cair no chão ou de me cortar com uma faca. É algo que nunca senti
antes, ardido e profundo, mas ao mesmo tempo também é arrebatador. A
pontada firme de dor viaja pelo meu corpo todo e me causa o oposto do que
achei que eu esperava.
Estou sentindo prazer ao invés de só a queimação de ser mordida e
isso não faz o menor sentido.
O ruivo desencaixa suas presas bem devagar e eu o sinto espremer os
lábios contra minha pele, depois faz um pouco de pressão e dá uma grande
golada no meu sangue, o que me obriga a juntar as duas coxas procurando
um pouco de alívio para a excitação descabida que me atinge.
— Loarla — ele resmunga com o que se parece com raiva.
A palavra não faz o menor sentido para mim, mas não sou nem capaz
de pedir uma tradução porque ele afunda os seus dentes em mim novamente
e o meu corpo todo tem um solavanco.
Capítulo 14
Astor
O cheiro da excitação dela está em todo lugar e eu não consigo fugir,
é doce pra caralho e me intoxica como veneno, e a mesma coisa acontece
com o seu sabor. Eu não consigo me parar, o ideal seria apenas um pouco,
alguns ml bastariam. Mas o gosto inacreditável dessa mulher me impede de
ser racional e eu volto a ronronar alto.
O meu pau está duro e pulsando, vazando pré-gozo, eu me sinto
escorrer, praticamente. Estou a ponto de virar essa fêmea de costas e chegar
no lugar que está espalhando um cheiro mais do que suculento por essa
sala. O lugar quente e pulsante de Nancy, onde eu meteria a minha língua o
mais fundo possível, só para finalmente parar essa queimação em mim.
Seria só uma vez, só uma foda bem aqui, bem agora, para alimentar
esse animal que despertou em mim desde que cheguei nessa terra. Tenho
certeza que essa fêmea imploraria por mais enquanto os nós no meu pau
cresceriam dentro do seu corpo e a fariam sentir como se fosse partir ao
meio. O inchaço na cabeça do meu caralho, junto aos piercings, dariam
mais a ela do que qualquer macho humano é capaz de oferecer.
Eu seria o melhor macho que ela já teve, melhor do que esse maldito
Kal.
A umidade da buceta dela aumenta a cada chupada que dou nos furos
que fiz em seu braço, eu sinto o cheiro, e por ela ousar ficar molhada
enquanto eu provo o seu sangue, eu quero puni-la.
Não é justo que uma humana faça isso comigo, que me deixe fora de
controle. Tem um lobo com chifres no meu peito um dia após conhecê-la e
isso não é normal.
Não é justo que ela cheire tão bem e que faça barulhos tão deliciosos,
é como se implorasse para que essa selvageria saísse de mim, mordendo o
lábio carnudo e rosado, de olhos fechados e com as bochechas coradas. O
peito dela não para de subir e descer com respirações pesadas conforme
essa coisinha de cabelos negros e longos acaba comigo.
Essa loarla não pode ter tanto controle sobre mim.
Os mamilos dela estão duros, eu os vejo empurrando o tecido fino, se
esfregando nele. Ela ainda não tem leite, a gravidez humana é demorada
demais, mas tenho certeza de que seus peitos devem estar bons o bastante
para que a cada chupada, o prazer reverbere entre suas pernas.
A minha língua está coberta com o seu vermelho e ele tem tantas
nuances diferentes, porém, não é só o sangue dela que faz isso. É a
experiência de estar tão próximo de Nancy.
Ela não é da espécie certa, não tem o tamanho certo e não está no
momento certo da minha vida. O Astor de vinte e poucos anos era quem se
descontrolava e frequentava o Red Town Club pra fazer tudo o que lhe
desse vontade, o de agora não.
Não posso voltar a ser aquele macho, não posso deixar que o sangue
da minha família interfira. Eu sou da família Persha e nós não somos
conhecidos por nossa enorme bondade.
Além do que, eu vi uma fêmea humana ser partida ao meio por um
persanes uma vez e nunca me arrisquei a cruzar essa linha. Nunca estive
com uma humana.
E agora eu sou um curandeiro, não sou só um Persha, e tenho que
parar.
Preciso parar.
— Astor… — choraminga o meu nome com sofreguidão e isso
aumenta ainda mais a pulsação na minha ereção. Os piercings na cabeça do
meu pau ficam mais frios, o que me estimula a entrar cada vez mais nesse
frenesi. Shikri! — J-já está bom de sangue? — ela gagueja e só então
percebo no braço dela a luz azul que está saindo dos meus olhos.
A porra das minhas íris se acenderam e isso é um péssimo sinal, que
me assusta o bastante para que eu me afaste.
Quando os olhos de um persanes se acendem, significa que ele está
passando por emoções fortes, geralmente raiva ou muita excitação, e níveis
altos de excitação significam descontrole, e descontrole perto de humanos
dá sempre errado. Eu vi acontecer uma vez no clube e foi uma das coisas
que me afastou de lá.
Se eu não me parar logo, não vai ter nada que Nancy possa fazer para
me parar e pior ainda seria se ela tentasse correr de mim. Do jeito que o
meu coração está palpitando, acho que poderia gozar só de caçá-la. Eu
invadiria cada um de seus buracos e eu sinto dentro do meu peito que ela
amaria isso.
— Sim — respondo de maneira bem estranha, porque prendo a
respiração, depois passo a língua pelo ferimento que causei nela, o que vai
ajudar a curar e a tirar a dor. — Eu acabei. — Ajeito a minha postura com
pressa e só então percebo que dei a volta com a minha cauda em suas
pernas.
Desprendendo-me totalmente dela, dou dois grandes passos para trás,
com os músculos da minha perna queimando de tanta força que coloco.
Só que ao voltar a sugar oxigênio para dentro, vem junto o cheiro de
fruta cítrica que essa loarla tem. Pior ainda é passar a língua pelos meus
lábios e perceber que ainda tem sangue dela aqui. Mas eu não tenho escolha
e acabo sugando o resto desse líquido que será só uma lembrança na minha
cabeça agora.
Nunca mais vou beber de Nancy.
Nunca mais.
— Acho que seu bebê está… — começo a dizer a verdade, mas no
meio da minha frase percebo que se falar que o filhote de Nancy está mais
do que bem, ela vai embora e isso não pode acontecer. Agora não sinto o
cheiro do meu Nimiar, mas essa madrugada eu senti, e talvez eu volte a
sentir de novo, se tiver um pouco mais de tempo com essa fêmea. — Mais
ou menos. O seu filhote está mais ou menos.
Não sou bom de mentiras improvisadas, geralmente me saio melhor
quando tenho tempo de pensar no que dizer. Mas espero mesmo conseguir
enganar essa humana por um pouco de tempo, até ter respostas.
— Mesmo? O que ele tem? — Arregala os olhos, mas a fala soa um
pouco mais lenta que o normal.
Nancy não se recuperou do que acabou de acontecer e isso é bom. Se
estivesse pensando bem, me perguntaria de novo por que estou ronronando
tão alto e por que tem a marca de uma ereção tão grande na minha roupa.
Só que com o meu falso diagnóstico ela passa a cheirar rapidamente a
medo, o que me faz sentir culpado. Eu nunca menti para ninguém que me
consultou até hoje, nunca precisei.
Estou indo totalmente contra ao juramento que fiz ao me tornar
curandeiro.
— Ainda não sei bem, terei que estudar melhor o corpo de vocês
humanos, mas me preocupa que você esteja um pouco fraca e não consiga
ajudar o seu bebê a crescer o bastante — falo com toda a convicção que
consigo, soando o mais genuíno possível.
Depois de tantos anos falando com os mais teimosos dos persaneses,
aprendi a como ser calmo, mas rigoroso. Só que para ser convincente, tenho
que respirar normalmente e isso me deixa com o gosto do sangue e do doce
da excitação de Nancy na língua.
Eu quero rosnar muito alto agora.
Nunca me senti tão frustrado assim, tendo que controlar esses
impulsos insuportáveis dentro de mim. As minhas mãos praticamente
coçam e eu consigo me ver arrancando essa camisa branca de Nancy só
para dar uma boa olhada nela.
Só para meter na boca os mamilos duros dela, que continuam bem
marcados no tecido.
— Estou fraca então? — pergunta, e eu não paro o contato visual, o
que parece deixá-la absorta no meu rosto.
Se a morena olhar pra baixo, vai ver a minha ereção, então preciso
focar bem nos seus olhos, que estão um azul tão vivo como nunca. Eles
realmente mudam de cor, como os meus, e ficam azul também, mesmo que
sejam capazes de ficar cinza.
— Precisa de uma alimentação melhor e eu conheço várias ervas que
vão deixar o seu corpo mais forte para que o nascimento da sua criança seja
saudável.
Essa é uma meia-verdade, já que realmente conheço ervas que vão
deixar Nancy ainda mais saudável.
Talvez cuidando dela assim, eu me sinta menos mal por mentir de
maneira tão porca como agora.
— Eu não estava comendo direito mesmo na Igreja, eles estavam
racionando bem a comida.
As palavras dela são como um balde de água gelada jogado bem na
minha cabeça.
Como assim estavam racionando a comida de uma fêmea grávida?!
Ainda mais uma que está no início de sua gestação? Esses filhos da puta
realmente são monstros.
— Eu vou fazer o acompanhamento da sua gestação então, mas agora
você precisa tomar um banho. — Porque a porra do seu cheiro está quase
me deixando maluco e eu não sei quanto tempo mais vou aguentar cheirar
a sua excitação, o sangue e o seu medo, todos juntos e pungentes nessa sala
fechada. — Caiu sangue na sua camisa e… os outros persaneses não vão
gostar do cheiro.
Odeio como a minha voz soa tão normal enquanto minto, e também
odeio como vou precisar trocar de roupa, ou todos vão saber que algo
aconteceu. E ninguém aqui precisa saber o quão estranhas as coisas estão
sendo entre Nancy e eu.
— Mas eu não tenho como tomar banho aqui, as únicas roupas que
tinha ficaram n…
— Vou te levar até o meu quarto, lá tem um banheiro, e depois você
pode colocar uma camiseta minha — explico e a morena entreabre os
lábios, formando um delicioso “O” surpreso, mas logo em seguida aceita
com uma facilidade alarmante a minha oferta.

Por que fiz isso comigo mesmo?


Por que trouxe essa fêmea para tomar banho no banheiro do meu
quarto, quando Dante está com pressa de ir logo até a casa da família
Dolunay?
Não que esse cômodo seja realmente meu, passei apenas uma noite
aqui e nada nesse lugar tem a minha cara, não tem as minhas ervas ou os
meus projetos. Só que aqui já tem um pouco do meu cheiro impregnado e se
esse cheiro se grudar a Nancy, a minha situação que já está ruim, vai ficar
pior.
— A porta do banheiro é aquela. — Aponto a entrada do maior
banheiro que estive desde que me mudei para o Arquipélago de Cosmos e
acabo sendo obrigado a respirar bem fundo perto de Nancy, após quase me
matar sem ar.
Ah, assim… é por isso que eu trouxe ela até aqui.
A morena que está a uns bons palmos de altura de mim cheira demais
a sangue e a excitação, ela é um coquetel ambulante e poderoso de aromas
que deixaria qualquer macho não acasalado e perto do cio um pouco fora de
si. Persaneses são como humanos, nós temos preferências, aspectos que
para alguns são ótimos e para outros não. Porém, sangue e excitação são
aromas potentes demais para serem ignorados por machos que estejam
passando por algum momento mais delicado de sua vida.
Para muitos, inclusive, o medo também é um grande afrodisíaco, já
que o cheiro fala com o nosso lado mais bestial.
O cheiro do medo com certeza chama minha atenção, mas nada
supera a excitação para mim. Nada. E essa fêmea aqui, ficou
completamente molhada por ser mordida por mim, e por isso ela precisa se
livrar desse aroma, antes que eu enlouqueça e deixe de lado os meus anos
de experiência em me controlar.
— Tome banho rápido, nós temos que sair. Tem uma toalha lá dentro
para você usar — a minha toalha — e depois você pode sair aqui fora e
pegar as roupas que eu vou separar — as minhas roupas. — Ficarei no
corredor te esperando.
Nancy me encara, as suas sobrancelhas escuras arqueiam por um
milésimo de segundo numa expressão que não faz sentido para mim. É uma
mistura de surpresa com algo mais, só que ela não me dá tempo para tentar
ler e segue logo para o banheiro.

Eu fico muito atento do lado de fora do quarto, após mandar uma


mensagem para Dante explicando que logo estaríamos lá embaixo. Menti
que Nancy precisou de um banho após ter um sangramento um pouco maior
do que o esperado. Só que a verdade é que eu bebi praticamente cada gota
que se derramou dela.
Não consigo respirar direito ouvindo o chuveiro ligado, a minha
imaginação está numa corrida desgraçada para tentar imaginar o que é que
eu veria se entrasse no banheiro agora, porque ainda não consegui
realmente ver o seu corpo, as roupas que tem usado são folgadas e eu
preciso de mais do que isso.
Como vou conseguir retornar para o persanes que me tornei nas
ilhas de Cosmos, meus deuses?
Eu preciso me controlar. Preciso de algo, alguma erva, alguma
infusão, qualquer coisa que ajude esse frenesi a ir embora!
— O que é isso? — farejando de repente algo diferente, que faz a
minha garganta toda começar a queimar de tanto desejo. É uma brasa firme
que se acende em mim e incendeia até o meu respirar, conforme o meu
ronronar, que eu consegui parar a alguns minutos, volta com toda força.
Preciso até me apoiar contra a parede para me manter de pé, tamanho
é o baque que o cheiro causa em mim. A minha ereção não acabou, mas
pelo menos no caminho até aqui eu consegui pensar em coisas diferentes,
praticamente me dissociei de mim mesmo, me concentrando em outras
coisas que me mantivessem longe dessa mulher.
Só que agora, sem mais e nem menos, parece que o meu pau ficou
completamente duro de novo, porque o cheiro da excitação de Nancy está
soprando contra o meu nariz, mesmo que ela nem esteja tão próxima a mim.
Um rosnado grosso ressoa na minha garganta e faz o meu corpo todo
vibrar enquanto abro a porta com um solavanco. Ela realmente não está
aqui, continua no banheiro, mas tem algo nesse quarto cheirando de forma
pungente e não demora muito para eu descobrir de onde está vindo isso.
A pequena fêmea deixou um bolo de roupas em cima da minha cama,
bem no pé dela. Eu fuço nas peças, sem vergonha e com muita pressa, pois
estou sendo guiado completamente pelos meus instintos.
Primeiro vem a calça que ela estava usando, depois uma camisa social
e, no meio disso, bem escondida, está a calcinha da fêmea.
Porra…
O hotel em que elas ficaram não tinha muitas opções de quartos, era
um lugar bonito, mas nada bem equipado. Porém, eu fiz questão de pegar
um quarto onde Nancy e Juliet tivessem algumas roupas para vestir, mesmo
que, segundo o funcionário, fossem apenas peças masculinas, feitas para
homens de negócio de passagem.
As únicas peças femininas no hotel eram lingeries femininas simples
para vender caso um viajante precisasse. Então eu pedi que essas peças
fossem entregues no quarto delas o quanto antes. Provavelmente essa
madrugada não foi possível já que enquanto eu ouvia o bebê de Nancy, ela
usava uma cueca samba-canção, mas hoje de manhã parece que eles
realmente cumpriram o combinado.
A calcinha que seguro agora é rosa-claro, de algodão e é bem simples,
não tem nada que um macho humano consideraria sensual. Ela não tem
babados, não é de renda e não tem buracos em lugares estratégicos. E
mesmo assim… eu praticamente babo com o cheiro que ela exala. Porque
não importa como seja a peça, não é ela que faz diferença, e sim quem a
usou.
Um pequeno rosnado sai de mim, quase um choramingo, porque
estou literalmente sentindo dor agora, uma pontada aguda na minha barriga
e uma pressão imensa nas bolas. Faz tempo que eu não gozo, não do jeito
que preciso e só essa calcinha não é, de longe, o bastante para mim, ao
mesmo tempo, que ela é tudo que eu mais quero agora.
Levo a peça até mais próximo do meu rosto e farejando eu procuro o
ponto ainda mais quente e mais cheiroso, depois esfrego contra o meu nariz.
Os meus olhos até se reviram e eu engulo em seco, tamanho o prazer que é
finalmente ter a excitação de Nancy tão próximo a mim.
Foi esse pano aqui, esse pedaço quente e molhado de pano, que ficou
próximo a sua bucetinha esse tempo todo, principalmente enquanto eu
sugava o seu sangue. Ela se esfregou aqui feito uma cadela necessitada,
molhou o centro de tanto tesão, e ainda quis esconder de mim no meio de
suas roupas.
— Nancy — gemo, sem conseguir controlar os sons baixos e
necessitados. A peça é extremamente macia contra a minha pele.
Não consigo decidir o que fazer primeiro conforme uma gota de suor
frio rola pela minha nuca. Tenho que largar isso aqui, transformar tudo que
baguncei dela em um bolo de roupas novamente e fingir que nunca toquei
em nada.
Mas eu não consigo, não sou capaz de encontrar argumentos bons o
bastante para me impedir, então logo estou passando a língua na umidade
que sobrou na calcinha dela, coloco bastante saliva e bebo o que consigo.
Com certeza se eu estivesse com a minha língua direto em sua
intimidade, o gosto seria ainda mais forte, o azedo e o doce que é Nancy
estariam misturados com ainda mais força. Porém, é isso que eu tenho
agora, só uma calcinha que eu esfrego no nariz e na boca enquanto as
minhas mãos viajam para baixo, direto para o zíper da bermuda e depois
para dentro da minha cueca.
Outro gemido grosso me escapa, porque estou extremamente molhado
e sensível. O meu corpo está fabricando muito pré-gozo, como se soubesse
que ela seria muito apertada e difícil de entrar. Ela seria um desafio para
domar, para alargar, e é isso que quero agora.
Como não estou dentro da fêmea, que teria paredes vaginais para me
apertar, a minha ereção não engrossa por completo, eu só fico
dolorosamente duro. Por conta dos Vrusni e seus corpos variados, cada
persanes costuma ter órgãos genitais ligeiramente diferentes. O meu pau,
por exemplo, tem um inchaço na base e na cabeça toda vez que eu gozo, o
que prende a mim toda fêmea que eu monto.
E é isso que eu quero, quero montar Nancy, quero prendê-la a mim,
empalá-la no meu pau até que não consiga respirar. Quero que ela só seja
capaz de gritar.
A minha necessidade se torna tanta, que novamente eu recebo uma
onda de calor e desejo e tenho que me apoiar na cama, curvado, enquanto
esfrego a peça no meu pau. Me masturbo com a peça de algodão com tanta
força, querendo cobrir todo o meu caralho com a umidade da morena, que
eu quero uivar.
Estou perdido nesse mar de quentura, com o quadril dando trancos,
até que escuto um som que muda tudo.
O box do banheiro se abre, porque ela acabou o banho.
Capítulo 15
Astor
Arregalo os meus olhos e o meu cérebro forma direitinho a imagem
de Nancy me descobrindo no quarto, com a sua calcinha em volta da minha
mão enquanto estou com o meu pau para fora me esfregando feito um
bicho.
Shikri![2] Isso não pode acontecer! O que essa fêmea vai pensar de
mim se vir isso?
Só que o meu pânico dura um segundo no máximo, até que eu
finalmente consiga ter alguma reação.
Ela ainda vai se secar com a minha toalha e depois se enrolar nela,
eu tenho tempo!
Com uma pressa que me deixa sentindo mais do que humilhado, eu
coloco a minha ereção grossa e pingando de volta na cueca, fecho a
bermuda e enfio a calcinha no bolso. Depois enrolo mais ou menos como
encontrei as roupas de Nancy e não tenho tempo de pensar mais direito,
pois ela abre a porta do banheiro e sai enrolada na toalha branca e larga que
usei mais cedo.
— Porra, que susto! — exclama e leva a mão ao peito, o que me
assusta também, mesmo que eu soubesse que apareceria logo à minha
frente.
Eu me sento com pressa na cama, me lembrando que não estou
normal agora. Tem uma ereção presa na minha cueca e eu preciso esconder
isso. Então com ainda mais pressa, eu puxo um travesseiro para o meu colo.
— Me desculpe, fêmea humana — a minha fala sai tão robótica, tão
falsa e mecânica, que fico com ódio de mim mesmo enquanto mais gotas de
suor escorrem pela minha coluna.
Por que estou aqui, agindo feito um adolescente para uma mulher
que mal conheço?
Por que a excitação dela tinha que cheirar tão bem a ponto de me
fazer virar quase um persanes no cio?!
— Não, e-está tudo bem — gagueja e abraça ainda mais o próprio
corpo, querendo se proteger dos meus olhos.
Será que ela consegue sentir o perigo que é estar comigo agora?
Nancy usa só um pedaço de pano em volta do corpo, não tem
calcinha, nem sutiã, nem nada. Só tem a toalha que eu usei, o que esfrega o
meu aroma contra a pele dela e faz a minha garganta doer ainda mais.
O meu corpo todo está sendo atingido por arrepios e é muito difícil
ficar sentado aqui. É torturante, na verdade. Então eu, disfarçadamente,
enfio a garra do meu dedo do meio na palma da minha mão direita. A dor é
instantânea, como a picada de uma cobra.
Mas pelo menos cumpre um pouco com o seu intuito de me distrair.
— É só que você disse que ia ficar lá fora, só isso — explica e eu
concordo com a cabeça, enquanto inspeciono melhor o seu corpo.
A pele dela está avermelhada da água quente do banho e o cabelo dela
está preso em um coque alto e bagunçado, com fios e mais fios de seu
cabelo castanho caindo ao lado de seu rosto arredondado e parecendo tão…
devassa. Eu não sei explicar, mas o jeito que está corada leva a minha
imaginação a lugares que eu não deveria.
A porra da dor na palma da minha mão não está ajudando muito
quando eu tenho essa visão!
— Eu vim aqui dentro te apressar, temos que ir logo — minto e ela
concorda com a cabeça, enquanto morde o lábio inferior.
Esse com certeza não é um hábito saudável dela, não perto de mim,
pelo menos. Me faz desejar saber mais e mais o que tanto pensa enquanto
me encara e quase me faz esquecer o tamanho da ereção dolorosa que
escondo agora. Quase.
Além do que, persaneses adoram mordidas, tanto dar, quanto receber.
E eu assistiria com muito prazer essa pequena fêmea tentando deixar
alguma marca em mim, assim como deixa em sua pele.
— Como o meu bebê soa exatamente para você? — pergunta de
repente e o cheiro de ansiedade de Nancy chega até mim.
É no bebê dela que está pensando, claro.
Eu quem não consigo parar de pensar com o pau, Nancy está usando a
sua cabeça para coisas mais importantes.
— Ele soa bem, para um filhote humano. Já tive algumas experiências
perto de fêmeas humanas grávidas e o seu soa igual ao deles, eu que me
enganei ontem. É só o seu sangue, que tem um gosto… — Delicioso, bom o
bastante para me fazer questionar a minha própria sanidade. — …
diferente. O seu corpo está precisando de algumas vitaminas e minerais,
como diriam os seus médicos.
Eu duvido que Nancy saiba algo sobre vitaminas e minerais,
provavelmente a seita não lhe ensinou nada sobre a sua saúde, e isso quase
me deixa irritado, se não fosse pela movimentação estranha da morena.
Ela caminha para mais próximo de mim, segurando a toalha que
parece bem presa no seu corpo, com os seus seios balançando levemente.
Os quadris dela são bem largos para alguém de seu tamanho, a pele é clara
como papel, as pernas estão de fora e por mais que ela não tenha uma cauda
ou chifres, coisa que faria muitos persaneses não a acharem atraente, Nancy
me parece como um sonho delirante que eu teria durante um cio.
Eu engulo em seco e fecho os meus olhos então, quem sabe assim
estou seguro de ficar tão próximo dessa tentação.
Preciso sair daqui agora antes que eu faça algo que seja considerado
um crime para humanos. Porque com certeza se aproveitar de uma fêmea
que passou a vida toda presa, é crime.
O sangue ainda flui da palma que eu furei de propósito, mas o meu
ronronar não passou e a minha cauda está louca para voltar a se enrolar em
suas pernas.
— Está tudo bem? — a fêmea sussurra, soando tão inocente que me
faz sentir um monstro e eu abro logo os olhos.
Não é porque ela ficou excitada e que tenha se mostrado tão
interessada até agora, que esteja de fato tentando te seduzir, Astor!
Nancy é jovem e foi imprudente desde o começo, pode só estar
tentando testar os limites, saber até onde consegue ir.
— Sim — respondo e pressiono mais o travesseiro contra o meu colo,
apertando a minha ereção o bastante para me dar uma pitada de alívio.
— Você está ronronando de novo e… — começa a falar, mas a sua
frase é interrompida por um arquejo. — E você está sangrando! — exclama
e de repente Nancy está dando a volta no meu corpo e pegando a minha
palma esquerda.
Ela não sabe o que está fazendo, não sabe.
— É só… um pequeno sangramento — murmuro, me esforçando para
me concentrar no ardor do corte, e observo o seu lindo rosto se contrair
como se fosse ela sentindo dor. — Vamos falar do seu filhote, Nancy — eu
praticamente imploro e puxo a minha mão delicadamente de seu toque.
— Você não está bem. — Franze a testa e antes que tente me tocar de
novo, eu a pego por seu pulso e a guio para se sentar na cama.
A nossa diferença de altura é algo realmente estranho, eu apenas me
sentei aqui, enquanto que para a pequena morena a cama é alta demais, pois
foi construída para persaneses, não para um humano baixo, então ela faz um
esforço para colocar seu traseiro no colchão.
Eu penso em ajudar, mas não confio em mim mesmo.
— Eu estou bem, só me cortei sem querer com a minha garra, e está
na hora de você se trocar para irmos logo. — Estou pronto para me levantar
e sair, só que de repente os olhos azuis dela, que estavam me assistindo de
um jeito estranho mesmo, se enchem de lágrimas e ela funga baixo, o que
me deixa em alerta.
Estou duro demais para conseguir entender essa fêmea, duro demais
para ter sentido o cheiro da sua tristeza antes dela se revelar assim.
— Eu não sei se estou pronta pra isso — revela e volta a abraçar o seu
corpo pequeno, dessa vez tocando a sua barriga de grávida, que ainda irá
crescer bastante. Só de pensar nisso a minha boca enche de saliva e eu
tenho vontade de me dar um tapa. Fêmeas grávidas são uma das coisas mais
lindas para a minha raça. — As mulheres da Igreja normalmente estariam
casadas na minha idade. Mary Anne, por exemplo, nasceu no mesmo dia
que eu e já estava no terceiro bebê. E ela estava radiante, sabe?
Eu acho que vou literalmente morrer.
A voz dela é um choramingo baixo e ela está tão perdida em sua fala,
que nem nota que está de toalha do lado de um macho completamente
desconhecido, que está excitado pra caralho, ronronando sem parar e
perdendo o controle pouco a pouco.
Não sei quantos minutos mais eu aguento, o meu coração está
disparado e eu me sinto enjaulado.
— A barriga dela estava enorme, ela sentia os chutinhos do bebê o
tempo inteiro. Já a minha está começando a crescer agora e eu não sinto
nada, só um pouco de dor na lombar e… — Ela não consegue terminar a
frase e me faz entender que eu não tenho escolha.
Não existe a menor chance de Nancy me deixar sair daqui agora, ela
me prendeu a esse quarto com o seu cheiro, com os seus olhos azuis cheios
d’água, com a sua pele ainda com algumas gotículas de água do banho e sua
boca carnuda que simplesmente não para de falar!
— O quê? — digo com muito pesar, enfiando mais fundo a garra e
sentindo o cheiro do meu sangue, que deve estar gotejando na cama atrás
das minhas costas.
— Os meus seios estão crescendo, os bicos estão sensíveis também
— explica e tenho vontade de soltar outro gemido de dor, conforme os
meus olhos descem para os dois montes cobertos pela toalha. Eu já vi
muitas fêmeas com menos roupa do que essa toalha por aí, que está batendo
basicamente na altura do joelho de Nancy, mas nenhuma delas me instigou
tanto quanto essa. Eu já tinha pensando sobre seus seios, e agora ela só
piorou tudo. — E o meu bebê também não tem um pai.
É nisso que tenho que focar agora! No pai do bebê!
— Você se apaixonou por ele? — É um milagre que eu ainda esteja
falando, acho que mereço até um prêmio por isso.
Eu sei que ela disse que foi algo de uma noite só com esse tal de Kal,
mas como não conheço Nancy há muito tempo, tenho dificuldade em ler a
situação com facilidade, ainda mais que a nossa diferença de idade é
grande.
Sou um persanes de trinta e cinco anos e essa menina tem 22. É
inapropriado da minha parte estar basicamente tremendo para conseguir não
pular nela aqui mesmo. Seria isso que o meu irmão Niflin faria, não eu, e
isso me deixa com um amargo na boca.
Não quero pensar no meu irmão agora.
— Não me apaixonei por Kal. — Nega com a cabeça rapidamente. —
Eu estava pensando sobre isso… e acho que eu só queria ter controle sobre
algo, sabe? Não sabia o que aconteceria quando viesse pra cá, para a
Turquia, se seria forçada a me casar com algum homem nojento, então eu
queria ter… algo meu. Algo que fui eu quem escolhi, por isso acabei
dormindo com Kal, mas não sinto nada por ele, talvez porque nem parece
que estou grávida ainda.
Nancy tinha que ter essa crise existencial bem agora?!
Acho que se eu não resolver essa ereção logo, vou acabar
enlouquecendo ou desmaiando. Os meus músculos da perna tremem e
queimam, prontos para entrar em movimento.
— Você quer ter esse bebê? — questiono, querendo cortar o caminho
nessa conversa.
— Como assim? — Arqueia uma sobrancelha.
— Não há nada que te obrigue a ter essa criança na minha cultura.
Falar essas palavras faz o meu peito doer, porque eu senti o cheiro do
meu Nimiar em Nancy. Mas eu preciso fazê-la parar de falar, depois lido
com isso.
— Eu não posso fazer isso. — Nega com a cabeça rapidamente.
Aborto é um tema tabu para muitos humanos, por mais que em vários
países ele seja liberado, ainda é difícil para várias mulheres. Para persaneses
também não é algo tão fácil, mas nós sempre colocamos a saúde das fêmeas
em primeiro lugar, seja ela física ou mental.
— E você quer que esse Kal esteja perto de você? Um pai deve
assumir as responsabilidades, você não pode criar um filhote sozinha. —
Acabo soando um pouco mais exasperado do que gostaria e Nancy dá uma
risadinha.
— É tão fofo o jeito como você diz filhote. — Fofo? Ela me acha
fofo? Isso porque não sabe que estou com a sua calcinha no bolso, depois de
tê-la literalmente lambido e quase gozado nela. — Mas não, não quero que
Kal apareça, porque senão ele vai ensinar coisas sobre a IOR para o meu
filho.
— IOR? — pergunto, eu nem sei porquê. Acho que devo ter
enlouquecido.
Nancy conseguiu me deixar louco.
— Igreja do Oitavo Renascer — esclarece e depois nós dois
praticamente pulamos da cama, pois alguém bate à porta que eu tranquei ao
entrar aqui.
Fiquei tão concentrado, que nem prestei atenção nos passos do
corredor e isso raramente acontece, só quando estou com as minhas ervas.
— Astor?! Vocês já estão prontos? — o meu salvador pergunta.
— Só um minuto!
Eu gosto
muito mais do que deveria da forma como a minha camisa fica em Nancy.
Os seios dela são pequenos e os mamilos duros ficam tão marcados no
algodão que é obsceno.
Não quero interferir na liberdade do seu corpo. Claro que não. Ainda
mais porque fui eu quem deu a camisa cor de creme para ela vestir com um
par de calças de moletom que cortei mais da metade do comprimento para
não ficar arrastando pelo chão. Contudo, desde que falou como os peitos
estão crescendo e ficando doloridos com a gravidez, que não consigo me
conter. É como se suas palavras tivessem lançado um feitiço em mim, como
mergulhar numa espécie de transe, que me mantém preso e angustiado.
Meus olhos viajam dois segundos pela grande e nova sala em que
estou, com prateleiras de livros, muitos móveis pesados de madeira, e
depois estão de novo nos bicos duros. No rosto dela. Nos lábios.
Ainda bem que não estamos próximos nessa mesa de reuniões. Eu
estou sentado ao lado do chefe da família Dolunay, um persanes que deve
estar na casa dos setenta anos, de sua filha e de Filipi, enquanto que do
outro lado da mesa ficam Dante, Oliver e as duas irmãs.
Juliet cheira tão forte a medo e a ansiedade, que ela enche a sala com
o aroma ardido, mas eu só foco na doçura e na ansiedade levemente azeda
de Nancy.
Eu preciso parar, sei que preciso, mas não consigo porque parece que
Nancy pegou o controle do meu corpo e colocou no bolso, sem me deixar
ter acesso a mim mesmo.
É importante que essas duas estejam aqui, para que elas entendam que
vão ter que colaborar com a nossa investigação e para conseguirmos decidir
o que será feito com elas, ainda mais agora que os Dolunay estão a par de
toda a situação. Eles sabem sobre Frederick, sobre a sua seita imunda e
sobre a sua perseguição com os persaneses que já dura centenas de anos,
pelo que Filipi descobriu. Frederick Burner faz parte de uma linhagem de
homens que nos relacionou com os demônios de sua bíblia, ele acha que
nós temos algo a ver com as suas crenças.
Tivemos que contar sobre a parte onde Klaus, Vladimir e Dante
viraram lobos, porque Dante acabou se transformando na besta gigantesca
ao resgatar a sua fêmea e o rumor chegou até os Dolunay através dos seus
homens.
Eles acharam a parte sobre lobos uma coisa incrível, porém, eu não
sei dizer mais nada além disso, pois Nancy acabou com qualquer foco que
eu pretendia ter.
Os Dolunay acreditam que somos um perigo?
Eu não faço a mínima ideia, mas sei que Nancy não parou de mexer
no cabelo e morder o lábio inferior de tanto nervoso.
Os Dolunay vão nos apoiar com ainda mais homens?
Eu não sei, mas poderia dizer de cabeça quantas vezes ela teve que
reprimir palavras, para deixar que sua irmã falasse.
— Vocês dois são um casal recém-acasalado e essa fase é complicada.
Não seria melhor que ficassem sozinhos por um tempo? O meu pai sempre
fala para casais acasalados se isolarem por algumas semanas, não é pai? —
De fundo eu escuto uma voz feminina, porém, é claro que não consigo focar
nela.
A barriga arredondada de grávida de Nancy, ajuda a fêmea a
preencher melhor a minha camiseta, que não deixa de ser grande demais
para ela. É como se a morena brilhasse com seus cabelos ondulados,
escuros soltos e eu sei que isso talvez tenha a ver com o bebê em sua
barriga.
Só que desde que perdi o meu filhote, nunca mais quis colocar os
meus olhos em nenhuma mulher esperando um filhote. Até fui obrigado a
fazer isso várias vezes, examinei grávidas e pretendo cuidar da saúde de
todos os filhotes que puder, para que ninguém passe pela dor de receber um
filhote cinza.
Um bebê que não chora.
Que não segura o seu dedo de volta quando você o toca.
Que é frio e tem o peito silencioso.
Por isso eu nunca examino filhotes e fêmeas com prazer, sempre faz
os sonhos voltarem, faz o meu peito doer com um sentimento que eu não
posso deixar de descrever também como inveja.
Então por que é que nesse momento, eu gosto tanto de olhar para
Nancy e estou tão ansioso para sair daqui e tentar entender o que está se
passando em sua cabeça?
Ela parece tão concentrada no que estão falando, tão absorta nos dois
Dolunay ao meu lado e no que Filipi fala que achou na seita. Ela e a irmã
estão preocupadas com essa reunião, já eu estou mais do que absorto em
entender que tipo de mulher ela é e como conseguiu cheirar a Nimiar.
Ainda bem que tomei um pouco de pimenta azul antes de vir para cá.
A planta serve para prevenir cio masculino, mas também pode ajudar com a
excitação excessiva de um macho, mesmo que ele não esteja passando por
um cio. Talvez se eu não tivesse tomado a erva, não conseguiria ficar na
mesma sala que essa mulher, pois o cheiro da minha excitação deixaria mais
do que claro, para os persaneses à minha volta, que tem algo de errado
acontecendo.
— Você concorda, Astor? — A voz feminina ressoa de novo, dessa
vez com o meu nome no final de sua frase, e só então percebo que talvez eu
esteja não há alguns segundos e sim há alguns minutos olhando para a
humana. Será que alguém me viu parecendo um idiota? Mas que grande
merda! — Eu acho que é uma ideia ótima, e você?
Capítulo 16
Astor
Por incrível que pareça, eu conheço Kara, a persanesa que se coloca
de pé de repente. Desde que a minha raça veio para mais próximo dos
humanos, nós acabamos nos separando, indo para outras partes do mundo,
mas isso não quer dizer que nunca nos encontramos. Eu me lembro de ver
Kara uma ou duas vezes em algumas festas, antes de virar curandeiro. Ela
provavelmente é uns cinco anos mais jovem do que eu e deve ter em torno
de 1.80m ou 1.85m de altura.
— Sim, claro — minto, sem fazer a mínima ideia do que estou
falando, mas soando o mais seguro possível e tendo que me esforçar o triplo
para manter os olhos em Kara, que caminha até um móvel da sala, abre uma
gaveta, pega o que soa como uma chave e depois volta.
A pele de Kara é muito escura, um castanho que parece quase
dourado com os raios de sol entrando pela janela. Os seus olhos são cor de
mel e perto de uma fêmea humana ela pareceria muito grande, com seus
quadris largos e o corpo arredondado. Mas para uma persanesa, Kara tem o
tamanho ideal para não ser machucada. Com as suas garras longas e os seus
chifres acinzentados saindo de seus cabelos escuros, ela é mais do que
capaz de se defender e de entrar nos jogos sexuais persaneses mais bestiais.
— Tem certeza disso, Astor? — Oliver é quem pergunta agora, com
bastante dúvida em seu tom. O seu rosto demonstra muita preocupação e ela
olha para Nancy e Juliet com nervosismo. O que foi que eu perdi, meus
deuses? — Não sei se é uma boa ideia.
Fico cada vez mais preocupado com o que quer que tenha concordado
e quero me xingar por ter quase que apagado após entrar por essa porta. E o
pior é que não tem maneira segura ou normal de pedir para repetirem o que
acabaram de dizer, persaneses não tem problemas de audição quase nunca.
Recapitulo um pouco as coisas então. Ao chegarmos fomos muito
bem recepcionados por Kara, que pareceu confortável em volta de duas
humanas, coisa que não é comum para famílias persanesas ricas. Ela nos
encaminhou para essa sala onde estamos agora e eu sei que a conversa
começou com amenidades e eu fiquei quieto a maior parte do tempo,
deixando Dante falar. Ele com certeza está muito irado com a seita e como
o seu tio e primo não estão aqui, o loiro é quem contou a maior parte da
história.
Eu gosto de poder ficar quieto e analisar o ambiente, para montar
melhores estratégias.
Nós precisamos de aliados, não temos como lutar sozinhos contra o
tamanho que Frederick Burner parece ter, precisamos colocar a lei humana
ao nosso lado para impedir que ele cresça ainda mais e os Dolunay são bem
influentes, pois as famílias na Turquia são mais como uma grande rede,
diferentemente das famílias em Red Town.
Talvez para os Dark Elf não seja prazeroso precisar de ajuda, mas
agora nós precisamos de mais cabeças para pensar juntas.
— Astor sabe lidar com humanos, Soslaia. Na verdade, acho que ele
sabe lidar com qualquer pessoa — Dante me elogia, já que ele sabe que
lidei com ele mesmo quando estava mais louco de Nyn, e eu continuo
procurando desesperadamente na minha mente o que é que foi que eu
concordei. Mas só o que encontro são imagens da loarla que está me
tirando do sério.
Isso não tem nada de natural, vou precisar me consultar secretamente
com algum curandeiro.
Estou numa sala cheia de pessoas e não as ouvi por nem um segundo.
— Vocês dois acabaram de acasalar, é importante que fiquem longe.
Até o curandeiro de vocês concorda com isso, deixe que nós iremos
resolver isso — Kara explica e sorri, mostrando seus caninos pontudos. De
canto de olho eu vejo Juliet estremecer na cadeira. — Essa casa que tenho
para oferecer a vocês na Grécia é bem escondida e vai fazer muito bem para
o filhote de vocês, é próxima daqui também, então não vai ser uma grande
viagem.
Dante e Oliver vão para a Grécia? O que está acontecendo?
— Se Astor vai ficar aqui na mansão com vocês, junto com as duas
humanas, o que eu faço? — Filipi fala e eu arregalo os olhos.
Eles querem que eu fique na Turquia, nesta mansão, com as duas
humanas? Estão ficando malucos?!
— Eu não posso ficar aqui, tenho que voltar para as ilhas! —
exclamo, sem conseguir conter a minha aflição.
A Turquia está fazendo algo estranho comigo e foi nas ilhas Cosmos
que eu encontrei paz, então é pra lá que tenho que voltar, antes que
enlouqueça.
— Mas você acabou de concordar que elas deveriam ficar e que você
as interrogará enquanto estuda o que Filipi encontrou na seita. — Kara
franze o cenho e as suas pulseiras de ouro tilintam uma contra a outra.
— Nós… — Uma voz bem baixa soa, antes que eu comece a tentar
me retirar dessa situação em que a minha estupidez me colocou. — N-nós
não queremos ficar — Juliet até gagueja e de todas as pessoas da mesa, ela
escolhe os meus olhos para encarar.
As íris dela são muito parecidas com as da sua irmã, só que ao invés
do azul safira profundo, ela fica mais no cinza. Mesmo assim eu vejo os
pequenos toques de azul e acredito que talvez eles também sejam capazes
de mudar para algo mais vívido.
— Vocês têm que ficar, são as pessoas aqui que mais sabem como
funciona essa tal Igreja do Oitavo Renascer. Vão ter que colaborar,
meninas. — Kara soa como uma mãe persanesa dando uma bronca, mas a
loira humana já está desesperada, então esse tom faz ela até tremer um
pouco e eu quase consigo ver o cheiro de medo dela, feito uma neblina que
engole o seu corpo todo.
Que tipo de coisas Frederick colocou na cabeça dessa fêmea?
— Nós… — murmura devagar e uma parte minha sente pena dela. Dá
pra ver estampado no seu rosto o tamanho da força que está fazendo para
falar aqui. — A minha irmã está grávida e-e nós só queremos… viver longe
daqui. Só queremos criar o bebê longe.
— Vocês não vão tentar voltar para lá, vão? Porque esse lugar parece
ser uma coisa horrível. — As pulseiras de ouro de Kara tremem ainda mais
e Juliet treme junto com elas.
Ela está vendo um monstro em sua frente, mesmo que a fêmea
persanesa não tenha nada de assustador.
— Eu falo com elas depois, Kara — interrompo e Juliet está com os
seus olhos arregalados me encarando, seus lábios estão até pálidos. Foi uma
péssima ideia trazê-las e eu deveria ter interferido, se não estivesse tão
perdido em meus próprios pensamentos sujos e tão carnais quanto um
macho louco de cio. — Vamos clarear essa situação, mas eu não posso fi…
— Nós chegamos! — De repente alguém entra pela porta com um
entusiasmo gigantesco e corta a minha frase ao meio.
A surpresa não faz nada bem para Nancy e Juliet, que dão as mãos e
se encolhem em suas cadeiras. Talvez o tamanho da sala em que estamos
agora não ajude também, com um pé direito muito alto e um candelabro
enorme, quase como um castelo humano de séculos atrás teria. Um lugar
mais reservado e com menos persaneses teria sido o ideal.
— O que está fazendo aqui, Viki? — Kara questiona e vai até a
fêmea, que é muito parecida com ela e que está de braços dados com quem
acredito ser o seu companheiro.
Tem definitivamente persaneses demais nessa sala para Nancy e Juliet
saberem lidar. Até Oliver parece assustada, agora que eu olho melhor.
Todos aqui somos maiores e bem mais fortes do que elas.
— A cidade está um caos e mesmo assim Alan quis dirigir! Mas nós
chegamos e estamos muito felizes de receber todos vocês aqui! — Viki fala
olhando para as irmãs humanas.
— Eu não quis dirigir, o helicóptero é que não estava disponível hoje
— o homem, que agora eu sei chamar Alan, responde a sua companheira.
Ele tem a pele bronzeada, cabelos escuros e lisos e olhos bem alongados.
— Tá bom, tá bom. — Viki dá tapinhas em seu braço e depois o seu
olhar escaneia a sala, que eles invadiram sem mais e nem menos enquanto
tínhamos uma conversa muito importante. — Um Persha! — Ela aponta
para mim de repente, mais exatamente para a minha mão direita, onde está a
marca da minha família, uma estrela negra de cinco pontas.
O meu irmão Niflin tinha essa mesma rorani e o meu filhote também
teria se estivesse vivo.
Parece que todas as pessoas que amo estão indo embora…
— Olá — cumprimento seriamente de longe, não gostando que essa
fêmea pareça um furacão mas depois de alguns minutos as coisas na sala se
ajeitam melhor.
Todos ficam de pé e Viki, a irmã de Kara, que eu também já vi
algumas vezes, cumprimenta de maneira mais normal. Oliver fica bem
grudada em Dante, a ruiva passa a respirar rapidamente e não tem como
ignorar o seu coração batendo rápido em seu peito, junto com o som do
coração de seu filhote.
Eu acabo até dando a volta na mesa e me aproximando de Nancy e
Juliet, que estão muito desconfortáveis, e no momento que a morena me vê
tão próximo, ela se vira pra mim, ainda de mãos dadas com a sua irmã.
— O que é Persha? — pergunta com uma voz bem pequena e eu
praticamente engulo o seu rosto com os meus olhos.
Eu lambi a lingerie dessa fêmea e ainda tenho a peça, está guardada
na minha mala. E agora eu estou numa sala com ela, tendo que fingir que
nada aconteceu, tendo que fingir que sou civilizado e que está tudo bem.
— É o sobrenome da minha família e o nome de uma estrela. —
Coloco as minhas mãos lado a lado na frente do meu corpo e mostro as duas
grandes estrelas no dorso delas. Gosto que ela esteja interessada em mim, e
gosto ainda mais que essa seja a primeira pergunta que me faz agora que
estamos próximos. — Somos os únicos com essa rorani.
— Entendi — murmura e repete a sua mania, ao morder o seu lábio
inferior rosado.
Eu quase gemo com a imagem.
Quando foi que eu fiquei tão desesperado para comer uma fêmea
assim?
Acho que só no meu cio mesmo, só que não tem como isso ser cio,
Nancy já está grávida. A minha obsessão por ela deve ter algum outro
motivo, algo talvez ligado a rorani de lobo com chifres no meu peito.
— Por que não vamos comer um pouco agora? Eu e Alan estamos
morrendo de fome! Que tal um lanche ao ar livre? — Viki fala de repente e
como eu acabei de usar a palavra “comer” mentalmente, isso faz a minha
cauda se agitar atrás de mim, mas acho que ninguém percebe.
Ninguém além de Nancy, que encara os movimentos com atenção.
— Melhor não, os decoradores estão mexendo em tudo no pátio e nos
salões. Vamos para a minha sala, porque o Salah vai começar em alguns
dias e temos que correr com os preparativos — Kara explica e depois de
mais um pouco de conversa, todos começam a sair da sala.
— O que é Salah? — Dessa vez é Juliet quem me pergunta conforme
nós caminhamos para o corredor e eu sinto o meu rosto todo esquentar na
hora, porque Nancy também quer saber a resposta, seus olhos estão
grudados em mim.
— É uma festa tradicional persanesa, a maioria de nós já não
comemora mais — explico de maneira curta, sem coragem de falar para
essa humana o que realmente é Salah.
Juliet parece confiar um pouco mais em mim do que nos outros e eu
não quero ter que falar para ela algo que pode quebrar isso.
— Sim, porque a maioria ainda quer fingir que é elfo e o Salah seria
demais para humanos! — Viki interfere, mesmo que esteja a algumas
pessoas de nós, porque a sua audição, assim como de todo persanes, é mais
do que boa.
Ela soa animada e intrometida demais para o meu gosto.
— O que acontece no Salah? — É a vez de Nancy questionar, com
seus olhos azuis praticamente grudados na minha boca de tanto que
encaram.
Por que ela tinha que ser assim?!
— Sexo, bebida e muita droga! — A persanesa, que ainda continua
bem na frente do que se tornou praticamente uma comitiva para fora da
sala, exclama e faz as duas humanas arquearem as sobrancelhas.
— Viki! Salah é um festival sagrado e a maioria das pessoas não
entra nesses jogos — Kara tenta corrigir, também um pouco longe. Quem
está mais próximo são Dante e Oliver, depois vem Filipi e só depois vem os
Dolunay.
— Um festival sagrado de sexo ao ar livre, onde ninguém é de
ninguém! — Viki insiste em seu ponto e eu acho que Juliet e Nancy
engolem em seco.
Capítulo 17
Astor
Após dois dias na mansão Dolunay, eu finalmente começo a fazer o
que já deveria estar fazendo há muito tempo: estudar, ao invés de pensar
numa fêmea que apareceu só para me tirar dos eixos com seu cheiro
diferente e viciante.
Filipi encontrou uma pilha de livros roubados por Frederick e tudo
precisa ser verificado. Alguns cadernos tem uma aparência mais nova e
esses, com folhas brancas e caneta rosa, eu acredito serem de Crystal.
Ela escreveu muita coisa em códigos estranhos e eu quero me
concentrar em suas anotações para desvendar se o professor de Paris dela
lhe ensinou algo que eu ainda não saiba. Mas o problema é que, mesmo que
eu esteja dentro de uma espécie de casebre nos fundos da mansão, em total
silêncio e afastado de todos, a cada cinco minutos eu olho pela janela para
procurar por um alguém que eu não deveria nem lembrar da existência, um
alguém que passou as últimas duas noites nos meus sonhos e que estou
evitando ao máximo.
E é numa dessas observações pela janela à minha frente, que eu dou
de cara com a tal Viki e seu companheiro Alan passeando no gramado
bonito que cerca a mansão cor de vinho. Eles nem notam a minha presença,
estão absortos demais um no outro, conversando sobre o filhote que tiveram
há poucos meses.
A visão me causa uma pontada firme no peito e me lembra de um
outro assunto, que eu evito pensar ainda mais que Nancy, que é o meu
sobrinho.
Logo quando Cyan nasceu, entrei em contato com Niflin, mesmo que
estivesse sem falar com ele por conta da vida que levava. Ele não
desgrudava de Dante Dark Elf e eu sempre soube que o meu irmão estava
com algum plano em sua mente contra a família que ele achava que lhe
devia algo, principalmente contra Klaus, o seu meio-irmão.
Só o que recebi foi silêncio de Niflin ao perguntar do meu sobrinho,
que hoje em dia deve ter em torno de um ano. O meu irmão aprendeu tudo
de ruim que pôde com a minha mãe e eu sempre senti que essa história
daria muito errado, mas também sempre senti que não podia interferir. Eu
cresci com Niflin, ele era meu irmão caçula. Eu cuidei dele incontáveis
vezes, enquanto a nossa mãe corria atrás de machos com dinheiro, tentando
muitos golpes, e o meu pai desapareceu no mundo.
Depois que Niflin faleceu, eu passei por um período de luto
silencioso, um que acho que ainda não acabou. Klaus matou o meu irmão
após ele tentar sequestrar a sua fêmea e a bola de mágoa que sinto em meu
peito nunca se esvaiu. E eu nem sei o que fazer com ela, assim como não
sei o que fazer com a dor por Nimiar ter falecido.
Mandei várias cartas para a mãe de Cyan enquanto vivia nas ilhas
Cosmos, contudo, ela só me respondeu uma delas, dizendo que o filhote de
meu irmão estava bem e que ela não queria que eu tivesse proximidade com
a criança.
Eu deveria ter insistido para conhecê-lo, deveria ter até invadido a
casa dela se fosse necessário, porque ele é responsabilidade minha, agora
que Niflin se foi. Contudo, eu aceitei o que a mãe do filhote queria e fui
egoísta também, pensando na minha própria dificuldade de conviver com
bebês.
Mas hoje, logo cedo, eu decidi novamente escrever para a mãe de
Cyan, para quem sabe, em um futuro breve, ter acesso ao mínimo de
alguém que é uma parte viva do meu irmão. Fui sucinto e pedi a um
funcionário Dolunay me ajudar a enviar de um jeito que a correspondência
não fosse rastreada, caso Frederick decida ir tão longe.
Decidi deixar de ser um macho covarde enviando essa carta,
diferentemente do que estou sendo agora, sentado tentando ler documentos,
ao invés de tentar entender o que está acontecendo com o meu corpo. A
calcinha que roubei é um lembrete constante em meu bolso de que eu
preciso me mover.
Como essa casa é praticamente um castelo, existem lugares o bastante
para que eu não encontrasse a humana nos últimos dois dias, e todas as
vezes que contaram para ela onde eu estaria, ouvi seus passos de longe e me
retirei. Não é normal o jeito como eu me sinto tentado perto dela, então
decidi pelo que parecia melhor.
O problema é que não demora muito para que eu seja obrigado a
encontrar com a fêmea que vem me atormentando tanto. Mais cedo, eu
mandei uma mensagem para Dante perguntando sobre a saúde de Oliver,
que terá de tomar muito sangue persanes para continuar se curando. E agora
ele me respondeu, enquanto faz a sua viagem curta até a Grécia, onde
viverá com sua fêmea pelo menos por agora, assim eles têm privacidade.
A mensagem dele foi clara.
“Oliver está muito bem, mas precisamos que interrogue as fêmeas
humanas. Temos que saber tudo o que elas sabem e você é bom com
humanos, faça-as falar. Oliver acha que ela seria melhor em tirar algo
de Nancy e Juliet, mas eu confio em você para não cansar a minha
fêmea.”
E eu sei que ele está certo, preciso cumprir a tarefa que peguei para
mim mesmo sem querer. Por isso eu respiro e esfolo mais um pouco o meu
pau contra a calcinha da fêmea, já que não deixei de ficar duro por ela hoje.
Ou eu me controlo perto dela e consigo ficar atento, ou vou ter que
passar com um outro curandeiro, o que seria uma demonstração clara da
minha falta de habilidades.

Nancy
Hoje eu me sinto mais nervosa do que das outras vezes que vi Astor,
o que faz bastante sentido, porque ele parece ter tirado a tarde para me
“interrogar”, após ter praticamente sumido desde anteontem, quando
chegamos aqui nessa mansão.
— Posso te contar tudo o que quiser saber, não precisa se preocupar.
Eu e minha irmã vamos colaborar. — Tento soar o mais calma possível, só
que não consigo parar de sacudir o meu pé de nervosismo.
Ele trancou a porta e as janelas do quarto que estou dividindo com a
minha irmã e agora nós estamos sozinhos. Parece mesmo que sou uma
criminosa e é um milagre que Juliet esteja longe, acho que até ela está se
distraindo com o tamanho dessa casa.
— Tem certeza de que sua irmã vai colaborar? — Semicerra os olhos
castanho-avermelhados e eu me esforço para focar neles.
Hoje Astor parece mais bagunçado, a barba cresceu um pouco, e os
cabelos dele estão mais selvagens do que nunca. Os fios alaranjados e
dourados estão altos, como se ele tivesse acabado de acordar.
Será que isso é algum indicativo de que participou do tal Salah?
Esse festival não saiu da minha cabeça, mas Juliet me proibiu de sair
do nosso pequeno ninho e perguntar. Ela passou a manhã toda tentando me
convencer a ir embora daqui, e depois que fui mais forte e fiz ela aceitar
passar mais uns dias, para conseguirmos dinheiro e documentos, em
contrapartida Juliet me fez prometer tomar cuidado com o que falo.
— Vai sim, a minha irmã é uma ótima pessoa, ela só é meio casca
grossa — brinco, mas fico sozinha nessa. O ruivo com certeza não está para
brincadeira.
Ele me pergunta uma dúzia de coisas e eu respondo tudo o que
consigo. Falo sobre a família Burner e suas várias gerações comandando a
Igreja do Oitavo Renascer, falo de como eles modificaram as bíblias, de
como eles criaram até escolas para ensinarem só o que achavam necessário
para as crianças. Explico como homens mais velhos podiam ter um monte
de esposas e de como as mulheres sofriam violência física caso
desobedecem.
E no final eu já estou até cansada de tanto falar e bem surpresa que
ele tenha anotado praticamente tudo o que lhe dissesse. O rosto de Astor
ficou sério a maioria do tempo, menos quando cheguei em algumas partes
pesadas, explicando como eram as punições físicas que as mulheres e
homens jovens e sem dinheiro costumavam receber. Nesses momentos o
rabo dele sacudia loucamente e eu tive que conter a minha curiosidade de
tocá-lo.
A cauda dele brilha como camurça escura e realmente parece flexível.
— Astor? — chamo, enquanto ele continua na minha frente, sentado
numa cadeira que puxou de uma escrivaninha no canto, escrevendo em seu
caderno mais observações sobre o interrogatório.
— Sim? — questiona, sem me encarar.
— Eu posso te fazer umas perguntas também? — murmuro, ainda
ponderando se falo mesmo o que tenho em mente.
— Que tipo de perguntas? — Ele soa muito cauteloso, como se
estivesse com medo de mim, o que é bem estranho.
— O que está acontecendo com as pessoas da IOR agora? — O que
eu quero saber, na verdade, é onde estão os meus pais, pois tenho calafrios
de imaginar que eles podem encontrar a mim e a minha irmã.
Juliet tem me surpreendido até agora, porque ela parece ter esse
mesmo medo. Ela, em momento algum, cogitou voltar para as terras da
Igreja e a única coisa que quer, é não depender dos persaneses.
— Todas as pessoas da seita foram agrupadas em casas alugadas perto
da fazenda onde vocês estavam vivendo. Frederick parece estar
comandando tudo de longe e não dá pistas de seus planos. Filipi é quem
está buscando por ele, já que é um macho não acasalado, e ele está junto
com os Dolunay e os advogados tentando descobrir o que fazer — ele fala
livremente, o que demonstra que Astor sabe que eu e minha irmã não somos
as pessoas ruins.
— Vocês não têm nenhum plano mesmo? — investigo, querendo ficar
a par dessas informações. A última coisa que eu quero, agora que saí da
IOR, é voltar a ficar no escuro.
Lá dentro eles nunca nos contavam nada.
— Precisamos que a seita pague por maltratar as pessoas, por fazê-las
de escravas. Temos que saber quem são todos os homens ricos por trás
dessa espécie de rebanho que é a Igreja do Oitavo Renascer, para punir só
os participantes certos, e não os inocentes.
— Entendi — murmuro e mordo o meu lábio inferior, enquanto a
minha cabeça dá um nó.
Teoricamente, o meu pai e a minha mãe não são pessoas com grandes
poderes dentro da Igreja. Não são membros ricos e o meu pai só tem uma
mulher, por exemplo, porque Frederick sempre pegava homens mais
abastados para terem várias esposas.
Mas isso não quer dizer que os dois são inocentes. E todos os castigos
físicos que deram em mim e em minha irmã? Isso é crime também? E a
vida fechada dentro de casa que eles nos obrigaram a ter porque
acreditavam em um monte de baboseira, isso não deve ser punido?
— Eles não vão te encontrar, Nancy — ele assegura, com um rosto
muito sério. — O seu pai e a sua mãe nunca mais vão chegar perto de você
e da sua irmã, e se algo mais aconteceu, além do que você acabou de me
contar, pode me dizer e nós vamos dar um jeito.
A forma confiante como Astor disse “Dar um jeito” me deixa
intrigada.
— Eles diziam que… vocês, persaneses, resolviam tudo com sangue.
Mas agora vão resolver com as leis? — Eu não quero acusar Astor de algo
que eu não sei se realmente é real, mas preciso saber o que realmente
planejam.
— Nós persaneses somos como vocês humanos, podemos ser uma
raça só, mas cada indivíduo tem suas peculiaridades — esclarece e eu
concordo com a cabeça, para mostrar que estou acompanhando o raciocínio
do curandeiro. — Sim, a maioria dos persaneses resolve tudo com a força, e
se você disser para mim que é isso que você quer contra os seus pais, eu
vou fazer, Nancy.
Eu engulo em seco com a determinação de Astor e até fico arrepiada.
— Você… — Começo a falar, mas não tenho coragem de terminar a
frase, pois sou inundada por uma agonia profunda. O meu coração até erra
as batidas, pra depois começar a pulsar muito rápido.
Ele está falando sério?
— Você quer os seus pais mortos pelo que fizeram com você e com a
sua irmã? — pergunta, com os seus olhos castanho-avermelhados me
encarando tão profundamente, que parece que ele vai ver a minha alma.
É como se um filme rodasse dentro da minha cabeça. Eu me vejo
criança, tomando surras que cortavam a minha carne e depois era amarrada
no canto da sala como forma de punição, para ter certeza de que rezaria e
pediria perdão do jeito que a minha mãe queria.
Eu me vejo adolescente, fazendo perguntas e sendo reprimida com
tapas na cara enquanto as pessoas em voltam riam e falavam: “Essa garota
vai te dar trabalho, é melhor casá-la logo”, como se casamento não fosse só
um código para estupro dentro daquele lugar.
E depois de tudo isso… eu não sei se tenho um coração bom o
bastante para dizer que nunca quis os meus pais mortos. Mas também não
consigo decidir algo assim agora, ainda mais sem a minha irmã ao meu lado
e me sentindo tão perturbada com a oferta de Astor.
— Eu não sei — confesso baixinho e limpo o suor da testa e debaixo
do nariz, porque de repente eu me sinto quente e desconfortável, com raiva
e tristeza crescendo dentro de mim ao mesmo tempo. — E por que você
sumiu desde que chegamos aqui?
Eu sei que o surpreendi com a minha pergunta pela forma como ele
arqueia as duas sobrancelhas rapidamente, mesmo que tente esconder o
sentimento logo depois.
— Tive… trabalho a fazer. — Não sei eu estou ficando maluca ou se
ele que é um péssimo mentiroso mesmo, mas a sua frase soa tão estranha
enquanto começa a olhar as suas anotações.
— Que tipo de trabalho? — Semicerro os olhos.
Procurei ele por todo canto e não achei, até cheguei a questionar uns
funcionários daqui, que me deram um tour completo por esse lugar, só que
ninguém nunca tinha a localização certa de Astor. Parecia que estávamos
brincando de pega-pega.
— Pesquisa. — Dessa vez ele é mais assertivo e me faz sentir mais
estranha, invasiva.
— Como é, de verdade, essa festa chamada Salah? Ela já começou
essa noite? — Decido mudar de assunto então e ir para algo que me faça
esquecer um pouco do meu pai e da minha mãe.
As minhas palavras fazem o ruivo levantar a cabeça com pressa,
parando de olhar as suas anotações.
Bingo!
Ele me encara por alguns segundos em silêncio, como se avaliasse a
minha dúvida e decidisse se vai responder ou não, o que não é nada justo.
Eu respondi tudo o que ele queria saber sobre a Igreja e agora ele está sendo
extremamente evasivo.
— Bom… ela é uma festa em comemoração à vida, que dura vários
dias. Tem muitos banquetes, danças e músicas tradicionais do meu povo —
explica, mas eu acho que essa é só uma versão editada das informações. —
Eu nem sabia que ainda existiam persaneses que comemoravam o Salah, na
verdade, e ele só começa daqui a alguns dias.
— Você não comemora normalmente, então?
— Não, eu não comemoro. — A sua voz fica mais rouca de repente,
mais baixa, e eu me remexo um pouco na cama, nervosa de como o seu
olhar fica intenso, concentrado apenas no meu rosto.
— E-e como é essa coisa de sexo grupal no Salah? É verdade mesmo?
— Infelizmente eu acabo gaguejando e Astor arqueia as duas sobrancelhas,
com uma surpresa muito grande.
Juliet disse para eu não perguntar para os tal Dolunay sobre o Salah,
que acabamos de conhecer, ela não disse para não perguntar para o
curandeiro.
— Salah não é algo feito para humanos — responde categoricamente
e não consegue esconder o nojo em seu rosto.
Por que ele tem nojo? Será que é nojo de mim?
Será que é por isso que basicamente se escondeu de mim e da minha
irmã desde que chegamos nessa mansão?
Eu achei, depois da reunião de dois dias atrás, que ele seria meio que
o responsável por mim e Juliet, o que não aconteceu.
— Mas você pretende participar dessa festa? — Eu não posso perder
a chance de saber.
Pelo pouco que tive a chance de ver da área ao ar livre onde isso vai
acontecer, é uma espécie de festival muito colorido, cheio de flores.
— Kara me chamou como convidado de honra e é importante que o
curandeiro vá p… — explica e é como se o meu coração errasse algumas
batidas.
— Eu posso ir também? — interrompo a sua resposta, pois a
ansiedade me atinge.
Essa tal de Kara está de olho em Astor?!
Ela agiu toda educada comigo e com a minha irmã ontem no jantar
em que o ruivo não estava, antes de Dante e Oliver irem embora. Não achei
que estivesse interessada nele.
— Isso não é uma festa para uma fêmea como você, Nancy. — Ele
passa a mão no rosto, como se limpasse o suor, só que Astor não está suado.
— Esqueça o Salah.
— Uma fêmea como eu? Como assim? — investigo, sentindo um
calor estranho subir pelo meu colo. Mas não um calor de excitação, e sim
algo como ciúmes e raiva.
— Você está grávida e é fraca demais, esse tipo de festa é feita apenas
para persaneses participarem. — Ele cruza os braços na frente do peito, o
que faz os músculos ficarem ainda maiores. A camiseta que usa fica até
apertada. — Vocês humanos não são bons para algo assim.
— Mas e se eu quiser ir? — insisto porque não gosto do desdém que
ele usa. Como ele pode dizer que sou fraca assim, sem mais e nem menos?
— Você vai com a tal da Kara, não vai? Eu quero ir também, então. — Dou
de ombros.
Não que eu esteja louca para fazer sexo grupal, mas quero saber o que
Astor vai fazer lá, mesmo que isso me deixe muito triste. Não sou do tipo
que gosta de fugir das coisas assim, melhor saber logo como Astor é de
verdade, assim paro de criar expectativas.
— Nancy… — De repente ele rosna o meu nome e o meu corpo todo
se retrai. Astor nunca falou assim comigo, parece que foi um animal quem
disse o meu nome, um animal rouco e muito irritado. — Se você aparecer
nessa festa, em qualquer lugar dela, eu vou te farejar e vou te arrastar para
casa, está me ouvindo? — As palavras dele são baixas, grossas demais. São
inacreditáveis.
— O quê? — sussurro, assustada com a forma como ele muda de
postura, jogando o seu caderno e caneta no chão e endurecendo os ombros.
Capítulo 18
Astor
— Está me ouvindo?! Apareça nessa festa, e você vai ficar sem sentar
uma semana! — Eu não consigo me conter, é como se esse quarto todo
ficasse vermelho enquanto uma angústia estranha se instala em meu peito.
Uma ansiedade que me deixa com a boca seca.
De onde Nancy tirou a maldita ideia de ir ao Salah? Aquela filha da
puta da Viki que não parou de falar sobre essa festa quando chegamos. Foi
ela quem instigou a minha humana a querer ir para essa porra de festa
perigosa?!
— D-do que você está falando? — Nancy foca bem no meu rosto,
tentando me entender.
Mas como ela acha que eu reagiria ao dizer que quer ir em uma festa
onde os machos e fêmeas se tocam livremente?
Como eu estou fora de controle, a proximidade com ela faz o meu pau
literalmente doer, de tão duro. Ele lateja e arde e a minha vontade é de me
tocar para tentar interromper as pontadas de alguma forma, porque ao
mesmo tempo que imaginar ela no Salah me deixa completamente maluco
de ódio, também me deixa… excitado.
Tenho certeza que qualquer macho que visse Nancy no Salah a levaria
para o lado onde as coisas mais sórdidas acontecem. Nenhum deles
resistiria a essa pequena humana grávida. E se eu estivesse lá, faria o
mesmo com ela.
Se alguém tem que levá-la para essa festa, esse alguém só pode ser
eu!
— O que você quer fazer no Salah? Por que quer ir?!
— Eu-eu só… — A ansiedade de Nancy invade a sala toda e o medo
também, cheiro que eu nunca me atraio, mas o dela me atrai agora.
E é por isso que não consigo me manter apenas sentado numa cadeira
à sua frente. Antes que consiga colocar a minha cabeça no lugar, eu já
avancei.
Ajoelho na frente dela, que está sentada na cama, e a pego pelo
queixo, para impedir que desvie o olhar de mim e possa mentir. O ódio
queima dentro de mim como algo vivo e ele não faz sentido. Ele só vai
nascendo e com isso vem a fantasia na minha cabeça.
— Você o quê? — insisto.
Preciso saber quem falou mais para ela sobre o Salah quando eu não
estava.
Fêmeas vestem panos finos no Salah, as mais ousadas vão apenas
com vestidos translúcidos, mostrando muitas joias em seus corpos.
Se uma coisinha pequena e humana como Nancy caísse na mão de
qualquer macho nesse festival, ele a levaria de mim.
Mas ela é minha!
— Responda, loarla! — grunho, muito próximo ao seu rosto, tão
próximo que a sua respiração quente atinge os meus lábios, lambendo a
minha pele e me torturando. A minha ereção pulsa em resposta e as gotas de
pré-gozo escorrem por ela. — Algum macho falou com você hoje? Cruzou
com alguém nessa casa que te chamou? — As palavras saem deformadas da
minha boca e eu não consigo me obrigar a parar.
Não quero me afastar, mas sei que preciso. São anos demais de
diferença entre nós dois, além de sermos de raças diferentes, e tudo isso
geralmente resulta em problemas para a parte humana.
— Ninguém me chamou, Astor. Você quem disse que… que Kara te
convidou. E se você vai, eu também vou. — A voz dela é só um fio, algo
muito fino e quase desaparece, e mesmo assim ainda acha que consegue se
impor.
Essa fêmea grávida não tem a menor noção do que está fazendo! Ela é
muito inconsequente e a sua irmã esteve certa o tempo todo em tentar
protegê-la.
— Por quê? Para que você tem que ir, Nancy? — Eu soo desesperado
até para os meus próprios ouvidos. — Salah é perigoso, persaneses são
perigosos! Nós não temos limites! — Eu tento alertá-la, só que seus olhos
estão completamente grudados na minha boca, porque eu fiz isso.
Quis pegá-la pelo queixo para que não pudesse fugir com os seus
olhos e agora estamos tão próximos, mas tão próximos, que se eu avançasse
alguns centímetros nossas bocas se encostariam.
Eu deveria saber que tinha que continuar longe dessa menina, já que
estou dolorido de tanto imaginá-la durante esses dois dias.
O meu corpo está me avisando sobre Nancy e eu não consigo ouvir.
— Você vai me beijar? — questiona, tendo a coragem de soar
desafiadora e eu franzo a testa. Da onde Nancy tira coragem de falar assim
com um macho muito maior do que ela? Essa loarla não percebe o meu
estado atual? — Vai, Astor?
A sua provocação faz um rosnar grosso sair de mim.
Eu preciso parar, sei disso, mas é tão difícil.
Tão difícil…
— Você… ainda não me disse quem foi que te instigou a querer ir ao
Salah. — Falo praticamente em cima da boca dela, segurando-a no lugar,
com os meus dedos que são grandes demais para o seu rosto.
As minhas garras escuras estão de fora e eu poderia cortar a sua linda
pele, mas depois a lamberia até que estivesse curada, pois a última coisa
que quero, é deixar cicatrizes profundas em Nancy.
— Você, eu quero ver você no Salah — confessa baixinho, mas
mesmo assim com muita coragem, uma coragem que queima fundo dentro
de mim e que deixa a minha ereção ainda mais dura, mesmo que eu achasse
impossível. — Eu… quero saber o-o que é que você vai fazer lá e quero
entender o que está acontecendo, porque você não tirou os olhos de mim na
reunião anteontem, Astor.
— Eu estava… pensando em um monte de coisas. Estava com a
cabeça cheia — minto, com o meu rosto quente, porque assim tão perto
dela, é difícil inventar qualquer coisa.
— Isso não é verdade, você roubou a minha calcinha quando tomei
banho no seu quarto, procurei pela peça e não achei depois — revela, com
as suas bochechas ficando mais rosadas do que nunca, e eu arregalo os
meus olhos e depois disso eu sei que preciso me afastar.
Ela já tem pistas o bastante para saber que tem algo de errado comigo,
para saber que eu não sou o curandeiro calmo que digo ser.
Só que antes que eu consiga sair daqui, Nancy decide por mim o que
vai acontecer. Essa pequena e atrevida humana fecha os olhos e vem pra
frente com o seu rosto, roçando as nossas bocas juntas.
Um gemido baixo sai da minha boca, soa como algo estranho e
absurdo até para os meus ouvidos, algo que nunca ouvi antes. Eu faço o
mesmo som que um animal ferido faria, porque sim, estou sentindo dor,
pontadas que só passaram quando me esfreguei na lingerie dessa fêmea.
Como isso pode ser possível?
Ela movimenta os seus lábios curtamente, pressionando-os um pouco
contra os meus, e isso me faz perceber que Nancy pode estar grávida, mas é
inexperiente nessa parte.
Kal não soube mostrar nada a ela, foi só uma noite.
Então o meu peito se enche de um orgulho idiota e o meu maldito
corpo me inunda com vontade de mostrar como se faz para ela. Eu sei que
sou melhor que qualquer humano imbecil que ela já tenha conhecido e
também não aguento mais resistir.
E não faz nem 3 dias que conheci Nancy…
Qual a porra do meu problema?!
Ainda ajoelhado no chão, com a palma em seu queixo, apertando de
leve as suas bochechas com os meus dedos e a obrigando a ficar parada,
coloco a minha língua para fora e traço a abertura de seus lábios.
A minha fome é tanta, que sinto um arrepio dos pelos da minha nuca
até a minha cauda, o que me faz respirar de maneira mais barulhenta, assim
como ela, que obedece ao meu comando silencioso e abre a boca pra mim.
Sem pensar duas vezes, eu coloco a língua de fora e obrigo o seu
corpo a se submeter, a me receber. Como estou sem freio, vou estufando a
sua boca, como faria se ela estivesse sugando a minha ereção, mesmo que
testando o seu tamanho agora, acho que nem a cabeça do meu pau passaria
aqui.
Ela é molhada, convidativa demais, e geme feito uma fêmea
desesperada e no cio pra mim, o cheiro da sua excitação inunda o ambiente
numa velocidade imensa e isso me deixa ainda mais agoniado pelo controle
estar escorrendo entre os meus dedos.
O meu ronronado fica tão alto que é difícil ouvir os meus
pensamentos e parece que estou fodendo Nancy já, de tanto que ela
choraminga, mesmo que ainda não tenhamos feito muito.
É só o primeiro beijo e eu já me sinto perdendo a sanidade pouco a
pouco.
Eu volto e me entrelaço na língua dela, brincando com a diferença
entre os nossos comprimentos, chupando Nancy, sugando a sua saliva e os
sons de desejo que ela faz.
Ela é tão doce…
— Estou pulsando. — A frase sai abafada e difícil de entender,
enquanto eu devoro a sua boca, mas só essas palavras são capazes de me
mandarem para um frenesi ainda maior.
Ela não entende o quão deliciosa é para mim?
Só a fantasia de vê-la nua tem me mantido acordado, a fantasia de
sugar seus mamilos sensíveis que ela falou enquanto estava de toalha.
Eu quero a buceta dessa fêmea e ela parece querer me dar isso
também. Eu quero a dominação de seu corpo e de sua língua atrevida.
Antes que eu consiga pensar muito, já estou me sentando na cama e
puxando a fêmea grávida para o meu colo. Ela fica de lado e mais alta, o
que permite que seus dedos quentes me abracem e tracem a minha pele. A
fêmea se gruda a mim, me agarra tanto quanto eu a seguro com uma mão
deslizando para a sua nuca e a outra em suas pernas.
Eu não entendo porquê, mas Nancy simplesmente está me
acariciando, espalhando o seu calor por mim. Até que ela chega num lugar
diferente. A pequena humana toca bem em cima da rorani de lobo com
chifres, a marca que nasceu na noite em que a conheci, e eu não sei porque,
mas essa parte minha começa a arder.
Assustado com a dor repentina, eu paro na hora o que estou fazendo e
afasto as nossas bocas, muito ofegante e voltando um pouco a mim por
conta da sensação aguda e incômoda diferente.
— O que foi? — pergunta, tão atordoada quando eu me sinto. — Por
que você parou? Não vamos transar?
Eu tiro a palma dela da rorani com pressa, mesmo que ela nem saiba
exatamente o que está tocando por cima da minha roupa, e percebo que a
minha mão está tremendo.
Estou completamente fora do controle.
Completamente.
Se eu tocar essa fêmea agora, vou repetir a cena mais horrível que já
vi no Red Town Club, onde um persanes descontrolado partiu o corpo de
uma humana ao meio.
Klaus, Dante e Vladimir podem até conseguir fazer isso, mas eu não
confio em mim, ainda mais com o frenesi que me tomou desde que cheguei
na Turquia. Eu estou diferente, arredio, e não tenho a mesma confiança que
os Dark Elf, de que sou capaz de me parar antes do pior.
— Não, Nancy. — Nego com a cabeça e a coloco rapidamente na
cama. — Não chegue perto de mim mais — rosno as palavras já me tirando
do quarto.

Nancy
Passo o dia todo me perguntando que PORRA que aconteceu entre
mim e o curandeiro, para fazê-lo sair correndo como se eu fosse um
monstro no quarto com ele. Astor literalmente me colocou em seu colo
enquanto me beijava de um jeito que fazia parecer que a minha alma ia sair
do meu corpo. Eu estava derretendo em seu toque, me sentindo tão bem
como nunca, quando de repente ele parou, me largou na cama e saiu
andando.
Eu nem tentei procurá-lo, sinceramente, mas me sinto torturada por
esse silêncio dele, por essa rejeição estranha e não quero levar outro “chega
pra lá”.
Não revelo para a minha irmã o acontecido, não quero que saibam
que eu fiz mais uma escolha ruim. Eu ainda nem contei que menti sobre
estar com um casamento marcado para ela e passo o dia me sentindo uma
grande merda também por isso.
Juliet e eu fazemos as nossas refeições no quarto e eu nem reclamo
que ela esteja tentando se distanciar dos Dolunay. Só estamos aqui porque
prometeram nos ajudar, se nós os ajudássemos a entender a seita. E talvez
eu devesse começar a encarar desse jeito mesmo, de maneira mais distante.
Começo a pensar que Astor talvez tenha se sentido desconfortável
porque eu estou grávida e isso me deixa ainda mais chateada, ao mesmo
tempo que fico com ódio.
Se ele não queria, por que me beijou então?! Por que ronrona? Por
que me toca?
Conforme vai ficando mais tarde, após o jantar, a minha irmã se deita
para dormir bem cedo, mas eu continuo tentando entender o ruivo. Eu sei
que não sou uma persanesa, sei que não tenho uma cauda bonita ou sou alta,
mas ele se interessou por mim se me tocou.
Não faz sentido a recusa repentina!
Decido dar uma volta silenciosa no jardim menor da casa, onde não
tem preparativos para o Salah, e fico cada vez mais irritada conforme
relembro tudo o que aconteceu mais cedo após o interrogatório.
Eu me sento num banco de pedra no canto, a alguns metros dos
canteiros de flores, e fico sentindo o vento frio da noite e observando como
esse lugar é grande, com árvores por todos os cantos.
Talvez porque eu esteja sendo tão engolida pela forma que me sinto
por Astor, esse frenesi estranho que ele me traz, que eu mal prestei atenção
em como esse lugar é grande e luxuoso. É diferente de tudo que eu tive a
minha vida toda.
Aqui as pessoas comem a hora que querem, têm acesso a internet, a
notícias, mas Juliet ainda não despertou para isso. Ela tem medo e pra falar
a verdade, eu também tenho agora.
Só que de repente, no meio do meu devaneio, escuto uma vez
feminina.
— Está tudo bem? — ela pergunta.
— Puta merda! — exclamo e coloco a mão no peito, quase dando um
pulo no banco enquanto Kara se aproxima.
— Te assustei? — questiona e sorri enviesado, me mostrando as suas
presas, quase como as de um vampiro.
Eu aprendi que aqui na mansão atualmente moram três Dolunay,
Kara, o seu pai, que eu não consigo decorar o nome, e um irmão de Kara,
que eu também não consigo lembrar o nome. Só que Kara e o pai são os
únicos que aparecem regularmente, sempre perguntando como eu e minha
irmã estamos.
— Pra caramba! — exclamo e dou espaço para ela se sentar ao meu
lado no banco.
Juliet morre de medo de persaneses, mas eu, pra falar a verdade, não
consigo vê-los como muito diferentes de humanos. Kara, por exemplo, é
uma das pessoas mais bonitas que já encontrei na vida, e isso me deixa com
um gosto amargo na boca.
Se essa mulher de quase dois metros estiver interessada em Astor, ela
com certeza o terá.
— Desculpa, eu esqueço que vocês não têm a mesma audição que os
persaneses. Devia ter feito mais barulho ao chegar — explica e eu concordo
com a cabeça.
Hoje ela veste mais um de seus modelitos que eu só poderia descrever
como icônicos. Kara está sempre usando vestidos ou saias esvoaçantes, com
um cabelo diferente cada vez que a vejo. O de hoje são tranças longas e que
chegam até a altura da sua cintura. Também usa muitas joias,
principalmente em suas orelhas pontudas, e se eu olho muito pra ela,
começo a achar que estou perto de algum tipo de deusa.
Ok, talvez eu realmente veja diferença deles para seres humanos,
porque todo persanes que eu vejo é bonito e alto.
— Tudo bem ter me assustado. — Dou de ombros, querendo garantir
que ela não precisa agir estranho em volta de mim e a persanesa aceita o
espaço que dei e se senta com cuidado.
— Está tudo bem, Nancy? Você cheira a… irritação e excitação — a
persanesa que me faz sentir um duende de jardim fala e eu arregalo os meus
olhos.
— Você consegue sentir o cheiro de irritação e excitação?!
— Sou filha de curandeiro, então sou boa em cheirar algumas
coisinhas, acho que herdei isso. Se você não quiser que nenhum macho
sinta o cheiro da sua excitação, posso te dar algumas calcinhas especiais.
Sinto o meu rosto todo esquentar de vergonha quando ela diz isso e
nem consigo mais encará-la, escolho olhar para os meus pés. Só que além
de me deixar muito constrangida, a fala dela me faz notar que Kara também
não está tensa a minha volta, acho ela é tão falante quanto eu.
— Quando cruzei com Astor, ele também cheirava a irritação e um
pouco de excitação. — Ela vai despejando as informações em mim e me
deixa até atordoada. Como pode falar essas coisas como se não fosse nada
demais? Ela está falando sobre Astor estar tesão como se conversasse
sobre o tempo! — Só que eu acho que ele está mascarando a excitação com
bloqueadores. — Eu desisto na hora de olhar para os meus pés, para encarar
a mulher com as duas sobrancelhas bem arqueadas.
Acho que realmente interpretei muito mal Kara. Quando a vi pela
primeira vez, achei que ela fosse muito séria, mas agora ela me parece
alguém muito observadora e principalmente: muito conversadora.
— Você consegue saber de tudo isso só pelo olfato? — sussurro, mais
do que assustada.
Esse mundo persanes é uma coisa de maluco mesmo! Não dá pra
achar que eles são parecidos com humanos nem a pau!
— Sim, os nossos sentidos são mais apurados, então persaneses têm
que tomar muito cuidado com o que deixam no ar — ela começa a falar e
vai adicionando informações atrás de informações sobre o seu povo, mas eu
ainda estou digerindo o que começou dizendo sobre Astor.
— O que é bloqueador de cio? — interrompo a sua frase, querendo
ordenar um pouco. Encontrei alguém que tagarela ainda mais do que eu.
— Vou te dar uma explicação básica, ok? — pergunta e eu faço que
sim com a cabeça. — Geralmente, quando machos completam 30 anos, eles
ficam no cio e só então eles podem fazer filhotes. Nós fêmeas somos mais
como vocês humanas, temos a menstruação todo mês e podemos ter bebês
após uns 15 anos, geralmente.
Eu tive a minha primeira menstruação com treze, só que não vou
corrigir Kara, que está me dando informações importantes e bem do nada.
Eu não entendo os seus motivos, mas se ela quer falar, então eu aceito.
— Astor tem mais de trinta, então já pode ter filhotes —
complemento, pra ver se entendi mesmo as informações.
Kara virou o seu tronco na minha direção e assim como Astor, pra
falar comigo ela tem que olhar pra baixo. Mas eu foco menos no complexo
que estou desenvolvendo com a minha altura, e mais nas informações que
me dá.
— Sim, só que ele só vai poder ter filhote quando estiver no cio, por
isso a nossa espécie não precisa de preservativo, além de também não
termos doenças sexualmente transmissíveis. — Meu Deus, que mundo
diferente! Dentro da Igreja ninguém podia falar sobre isso livremente ou
seria olhado como maluco! — Mas vamos focar nos bloqueadores de cio,
eles são ervas e não são capazes de impedir um cio masculino de verdade,
mas eles podem atrasar um pouco o processo, acalmar o macho em sua
afobação, entendeu?
— Astor está entrando no cio, então?!
Como será que é um cio persanes? Será que é como os dos animais?
A minha cabeça parece que vai explodir, acho que não sou feita para
acumular tantas informações de uma vez só. Estou tento que aprender sobre
o meu mundo, humano, e o persanes, ao mesmo tempo.
— Eu não sei bem, teria que perguntar pro meu pai, porque Astor não
cheira a cio, só a excitação normal. Talvez ele tenha tomado o bloqueador
para conseguir… se conter. Mas isso seria melhor você perguntar pra ele.
— Não acho que ele vá me responder, desde que o conheci ele tem
agido estranho. — Cruzo os braços na frente do peito, irritada só de pensar
no que aconteceu mais cedo.
— Estranho como? — ela investiga e eu mordo o meu lábio inferior
por alguns segundos, pensando no momento.
— Ele… saiu correndo enquanto… fazíamos algumas coisas. — Eu
sei que não deveria falar sobre isso com ela. A cada palavra que sai da
minha boca, fico ainda mais certa disso. Só que Kara é a única pessoa que
consegue me dar um panorama maior de Astor agora. Oliver não está aqui.
— Mas eu não acho que ele me odeia, ele até ronrona pra mim e… também
me chama de lo alguma coisa, o que acho que é um apelido carinhoso.
— Lo alguma coisa? — Ela coloca a cabeça de lado, como se fosse
um gato.
— Loala ou era loarla, algo assim. — A minha memória para nomes
assim é uma coisa terrível.
— Entendi — fala com uma preocupação na voz, que me deixa
sentindo estranha. O que quer dizer isso que ele me chama? Será que não é
bom? — E você gosta dele?
— Só vi ele umas quatro vezes, e dessas quatro, duas vezes ele estava
me examinando — respondo com pressa.
Eu posso até ser falante, mas sair por aí dizendo que gosto de Astor é
outra história.
— Quatro vezes é o bastante para um persanes se decidir se gosta de
uma fêmea ou não. Na verdade, geralmente uma vez basta. — Ela continua
me surpreendendo, ao mesmo tempo que me deixa preocupada. Se quatro
vezes é o bastante e mesmo assim Astor fugiu de mim, então talvez após o
nosso primeiro beijo ele já tenha entendido que não gostou de estar comigo.
— Sabe… eu acho que tenho algo para você, algo que pode te ajudar com
Astor.
— Algo tipo o quê? — Franzo a testa, deixando de lado as minhas
dúvidas, já que o jeito como Kara fala é bem suspeito, meio enigmático.
— Como eu disse pra você, eu sou filha de curandeiro, e o meu pai
vive contando a história de como conheceu a minha mãe. — Ela fala
bastante com as mãos e eu acabo um pouco chocada demais com o tamanho
de suas unhas e de como são pontudas. — Ele também era um cara bem
sério antes dela. Toda persanesa que tentava, sempre falhava em conseguir
o meu pai. Mas aí chegou a minha mãe e ela já sabia o que fazer, então logo
eles se casaram, na mesma semana que se conheceram.
Eu termino a sua pequena história com a boca entreaberta.
— O que foi que ela fez?
— Eu até posso te ensinar, mas você vai ter que fazer um bom teatro
quando ele descobrir, porque se não Astor vai ficar muito bravo com você
— explica e eu concordo com a cabeça, muito intrigada com o que pode ser
essa coisa, ao mesmo tempo que começo a ficar preocupada com a minha
sanidade por estar disposta a tentar algo assim. — E acho que se você
conseguir decorar duas palavrinhas na minha língua, também vai conseguir
o que quer com ele fácil.
Capítulo 19
Nancy
Não preciso nem bater no lugar onde Kara prometeu que Astor
estaria, pois assim que me aproximo da cabana de madeira escura, a porta
dela se abre e o ruivo aparece na soleira. Ele é tão grande, que toca a parte
mais alta da entrada com seus chifres escuros.
Então é aqui que veio se esconder de mim depois de fugir…
Os Dolunay lhe deram um local reservado para ficar, no fundo da
propriedade tão vasta e verdejante que parece a fazenda para a qual a Igreja
se mudou. Tem até um riacho cruzando esse lugar, pelo menos eu escuto o
som da água corrente.
Mas não é isso que mais me interessa agora.
Eu até tento focar no seu rosto, nos seus cabelos. Acho tão lindo
como são longos e cheios de ondulações e cachos. Mas os meus olhos
deslizam sozinhos para o seu peitoral nu e eu perco a coragem de andar por
alguns instantes. A minha respiração fica presa e um calor descomunal sobe
do meu colo até o meu rosto.
É a primeira vez que o vejo assim, só de bermuda, sem nada na parte
de cima.
Eu já sabia que Astor era grande e bronzeado, que ele era largo e
musculoso, com braços grossos e cheios de tatuagens que lembram raios
negros preenchendo o céu. Mas eu não sabia que, além das estrelas negras
no dorso de cada uma das suas mãos, ele também tinha uma centralizada no
meio do seu tronco, abaixo de seu peitoral maciço, e que também tem uma
rorani no lado direito.
Ele tem um lobo negro no peito. Não é algo super detalhado, é mais
como um símbolo, como algo que seria estampado por aí, uma
representação do animal, e tem chifres na cabeça desse lobo.
Tomo coragem de ir em frente só para conseguir ver melhor o peitoral
de Astor, e quanto mais perto eu chego, melhor percebo que o brilho em
seus mamilos são dois piercings dourados, duas argolinhas pequenas e tão
sedutoras que me fazem engolir em seco e voltar a respirar.
Eu chego à sua frente devagar, tendo que erguer bem a cabeça para
manter contato visual, e eu consigo perceber perfeitamente bem o jeito
como as suas narinas estão se expandindo, cheirando a minha “armadilha”,
que espero que me leve a algum lugar.
— O que você tem? — A voz dele sai ainda mais preocupada do que
eu esperava. É um tom baixo e angustiado que me faz sentir uma dor
estranha na garganta, pois tenho que segurar a verdade para não acabar com
esse plano. — O que está acontecendo? — A testa dele se franze e o
curandeiro, ao invés de me deixar andar para dentro de sua cabana,
simplesmente se abaixa, coloca uma mão de cada lado meu e me puxa pra
cima.
Eu tomo o maior susto e solto um gritinho conforme fecha a porta e
me encosta contra o seu peito, assim eu consigo passar as minhas pernas
por sua cintura e me abraçar contra ele. Engulo em seco, sentindo como a
sua pele é quente e macia, assim como quando me beijou mais cedo, só que
agora é ainda mais íntimo, pois Astor está sem camisa e eu consigo até
sentir o seu coração batendo de maneira acelerada.
Parece que eu vou derreter grudada nele assim.
— Você estava bem quando te vi, pequena. Qual o problema? — A
expressão no seu rosto faz parecer que ele está com dor só de cheirar a erva
em mim e eu não consigo olhar para o interior da cabana, só para o seu
rosto. Estou hipnotizada, não esperava essa recepção. — Por que você
cheira assim?
Os olhos de Astor começam a brilhar um azul neon incrível e ele não
ronrona dessa vez, porque acha que estou muito doente por conta do meu
cheiro, e é esse azul que me ajuda a enxergar melhor.
Agora já está bem tarde da noite e escuro, porque o plano foi todo
desenhado assim que Kara me falou que sua mãe tinha um jeito de deixar
qualquer curandeiro maluco. Eu não tive tempo de me preparar muito, nem
psicologicamente e nem fisicamente.
Uso só a camisa de algodão e um short de moletom de quem estava
indo dormir. Não tenho uma peça de roupa mais provocante para tentar
seduzi-lo, mas vou confiar na persanesa e no meu próprio coração, que fica
apertado em não ver Astor.
— Eu não sei… só me sinto estranha.
Kara me garantiu que o melhor a ser feito era me fingir de besta.
Jurou que só o que eu precisava era aparecer na frente dele e seguir tudo o
que ele me ordenasse, e desse jeito as coisas avançariam.
E ela está se mostrando certa até agora, pois Astor vai me levando
pela casa assim, como se eu fosse uma boneca extremamente leve, que ele
pode simplesmente pegar.
Ele até sobe as escadas de madeira comigo, que vão rangendo nesse
lugar que é grande de altura, mas não muito de largura. O pouco dos cheiros
que chega até mim, além do cheiro aconchegante de Astor, é o aroma da
madeira do lugar e de antigo, como se fosse uma casa que ficou fechada por
muito tempo.
E realmente, segundo Kara, essa é uma antiga cabana que ninguém
costuma usar mais, pois é pequena e muito rústica, toda de madeira, com
móveis datados de dezenas de anos atrás.
Logo eu estou sendo sentada numa cama de casal grande assim como
as camas da mansão, porque as coisas aqui são feitas para o tamanho
persanes, não o humano. O lençol debaixo de mim é claro e está bem
arrumadinho.
Ele realmente é um macho do tipo esforçado, não fica esperando que
uma mulher faça tudo para ele, como acontecia na Igreja. Astor é um
cuidador, não é cuidado.
— Olha pra mim, minha pequena bouan — sussurra com um carinho
que não tinha demonstrando por mim até agora, e se coloca de joelhos à
minha frente, depois coloca a mão na minha testa.
Eu fecho os olhos rapidamente e quase gemo de prazer ao ser tocada
assim, com o seu cheiro aconchegante inundando os meus sentidos. Sinto
na ponta da língua o gosto de Astor e isso não tem o menor sentido, nunca
tive um olfato tão bom assim.
— Você não está com febre e não cheira a febre, de qualquer jeito.
Mas… tem algo de muito errado. — Ele continua com a mão na minha
testa, que, na verdade, só comporta alguns de seus dedos. A palma toda de
Astor seria muito maior que o meu rosto. — Eu vou precisar beber o seu
sangue e fazer muitos testes.
O meu estômago se revira só dele dizer que vai beber o meu sangue.
— Como eu cheiro? — sussurro, morrendo de curiosidade, já que eu
mesma não estou sentindo nada demais. Parece só que esfreguei grama na
pele. — É muito ruim?
Eu passei a erva seca que Kara me deu em lugares estratégicos, nos
ombros, nos meus braços, no pescoço e só um pouco na barriga. Não quis
passar em lugares mais íntimos, pois isso poderia levar Astor a não querer
me tocar ali.
Ela me prometeu que a coisa chamada “vox” era muito poderosa para
os curandeiros, pois mudava de cheiro de corpo para corpo, então Astor não
saberia logo de cara o que passei em mim.
Vox não tem nada de venenoso e a maioria dos persaneses nem se
importa com ela, segundo Kara. Mas os curandeiros persaneses têm um
olfato apurado, eles sentem cheiro de doenças a metros de distância, e a vox
faz parecer que a pessoa que usou está muito doente. Kara disse que o
cheiro da erva roxa é tão pungente, que deixa maluco qualquer persanes
com um olfato melhor que os outros.
— Cheira como se estivesse fraca, como… se estivesse muito doente.
Eu não sei explicar bem, mas vou precisar tirar essas roupas de você para
entender, porque parece estar vindo de debaixo delas — murmura, e eu
quase consigo ver as engrenagens funcionando dentro de sua cabeça e a
fumacinha saindo por suas orelhas pontudas.
Astor vai ter que me ver nua, porque o cheiro da vox está nos meus
ombros cobertos pela blusa e em uma parte da minha barriga também.
— Tudo bem, eu tiro pra você. — Faço o melhor para não soar
nervosa ou animada demais com isso. Estou numa mistura de sentimentos, e
um deles com certeza é culpa.
— Não. — Nega com a cabeça assim que pego na barra da camiseta.
Merda! Será que já deu errado? — Eu tiro pra você, é melhor não fazer
esforço. Não sei o que é isso, Nancy, mas é forte demais.

Astor
Eu me empenho muito para esconder o tremor na minha mão
enquanto estico os braços e pego a barra da camiseta de Nancy.
— Está tudo bem, p-pode tirar — gagueja, com o coração disparado.
Eu consigo fazer isso sem transformar em algo sexual.
Eu consigo.
— Isso é uma consulta, é para a sua saúde. Não vou te fazer mal —
falo mais para mim, do que para ela, enquanto a minha respiração fica
pesada e eu observo os olhos dela migrarem pouco a pouco do cinza para o
seu azul safira mais vivo.
A esse ponto, acho que está mais do que comprovado que olhos
persaneses não são os únicos que mudam de acordo com o nosso humor.
— Eu sei que não vai me fazer mal, é só que você é muito bonito — a
fala dela é tão inesperada para mim, que demoro alguns segundos pensando
pra ver se entendi certo mesmo.
Nancy realmente tem uma cabeça que funciona diferente, eu nunca
esperaria que alguém que cheira tão doente falasse isso. Ainda mais alguém
que foi criada para ter medo de mim.
E de uma maneira estranha, ela consegue me deixar um pouco mais
calmo. Só um pouco. Então eu limpo a garganta, ajeito a barba e me dou
alguns segundos para me preparar.
Passei a tarde toda fugindo da memória dela, só para ter que vê-la nua
agora.
— Relaxe, pequena humana. Só quero te examinar — murmuro e
decido que não dá mais para enrolar.
Se for muito grave, tenho que descobrir logo e tratar para não a
perder. Isso é mais importante do que qualquer desejo sexual avassalador e
estranho que tem nascido cada vez mais forte em mim.
— Tudo bem. — Concorda com a cabeça, enquanto puxo a barra da
sua blusa que seguro pra cima.
Ela é uma humana grávida, Astor. Pelo amor de todos os deuses! Se
você se concentrar bem, até escuta o coração do bebê.
É um pecado gigantesco pensar em qualquer coisa que não na saúde
dela.
E mesmo assim… a porra do meu corpo não entende isso, que essa é
uma situação séria, porque assim que a peça de roupa sai por sua cabeça, a
cascata de cabelos grossos, ondulados e castanhos de Nancy caem pelo seu
corpo e me fazem segurar a respiração.
Eu tenho fantasiado muito com esse momento e agora está
acontecendo da maneira mais torta possível.
Os seios pequenos e arredondados dela ficam à mostra e levam todo o
meu bom senso por água abaixo. Os peitos de Nancy têm um certo peso, o
que os faz começarem a ficar no formato de uma gota. Talvez até o final de
sua gravidez eles mudem, fiquem ainda mais pesados.
Cheios de leite. Duros. Sensíveis. Precisando que alguém os mame e
esvazie para essa pequena bouan não sentir dor.
Os mamilos estão de um rosado tão vivo agora, que parecem que
estão meio-machucados, só que isso só os deixa parecendo mais suculentos.
Ela fica parada feito uma estátua, não demonstra nada. Mas eu sinto o
cheiro de seu embaraço, aprendi quando mais novo que vergonha é o cheiro
do medo, só que bem mais fraco e geralmente mais ácido. E é isso que sinto
agora, enquanto vejo pelo reflexo em suas íris que os meus olhos estão se
tornando neon.
A barriga arredondada de Nancy é uma das coisas mais lindas do
mundo, crescendo pouco a pouco, e eu não vejo a hora que cresça ainda
mais, com o seu bebê dentro. Mas eu queria tanto que fosse nosso bebê, que
o meu peito até dói agora.
Essa ideia vem fermentando dentro de mim, sobre o cheiro do meu
Nimiar nela, e se antigamente gravidez me causava ansiedade e tristeza,
agora estou angustiado porque queria que esse bebê realmente fosse meu e
dela. Eu sei que não é uma vontade coerente, mas não vem da minha
cabeça, vem dos meus instintos.
Todo macho quer ter seus filhotes, o nosso corpo é feito para isso. E o
meu corpo quer um filhote com Nancy, esse filhote dela, mesmo que ele
nem seja persanes. Esse foi um dos motivos de eu me afastar.
Mas, infelizmente, não são esses os meus principais pensamentos
agora. O que roda dentro da minha cabeça em sua maioria, não é nada casto
como querer ajudá-la e acompanhá-la nessa gravidez.
Eu praticamente engulo a fêmea com os olhos pelo que deve ser
quase um minuto todo, com tantos pensamentos sujos passando pela minha
cabeça, que fica difícil focar em qualquer outra coisa. Se o meu pau já
estava duro, agora ele virou algo como uma pedra, que lateja pra caralho
entre as minhas pernas e começa a vazar pré-gozo.
Tenho medo de me mover só um pouquinho e perder o controle.
A pele dela é muito pálida e algumas estrias avermelhadas nasceram
já em seus seios e barriga, o que me dá ainda mais água na boca. Uma das
coisas mais sensuais para um persanes, é uma fêmea grávida.
Só de pensar que ela cogitou ir no Salah assim, o meu estômago se
revira com ansiedade.
Os quadris dela são largos, as coxas são bem grossas, como eu nunca
vi em persanesas por aí. Agora que paro para pensar sobre isso, deve ser por
conta de sua altura que elas parecem tão grossas assim, ela é uma fêmea
“compacta” e eu estou quase babando.
Com certeza vai dar pra encher quase um balde com o tanto de porra
que eu vou gozar pensando em como eu lamberia Nancy dos pés à cabeça.
Isso aqui é pura tortura pra mim.
— Eu vou… — começo a falar, antes que tudo fique pior. Se Nancy
normalmente tagarela pelos cotovelos, agora ela está estranhamente quieta e
isso me dá tempo para voltar os meus olhos para os seus seios, com os bicos
extremamente duros, mas eu disfarço virando de lado. Eu preciso de um
bom banho gelado e de muita paciência. — Eu vou ter que cheirar você
mais de perto.
— Ok. — Os dentes dela começam a bater um contra o outro, como
se estivesse com frio, e a sua ansiedade aumenta enquanto me vê cheirar
seus ombros.
Coloco rapidamente uma mão ao lado dela na cama e afundo as
garras, me prendendo ao colchão para não a tocar. Parece que eu vou
explodir e a única coisa que me impede disso, é o cheiro da doença em seu
corpo.
— Está tudo bem? — pergunta, obviamente notando como eu pareço
estranho.
Se eu pudesse, me amarraria em algum lugar agora, para ter certeza
que não faria mal a essa pequena fêmea. Ela literalmente parece um sonho,
com a sua forma arredondada e macia, algo que qualquer macho mataria
para ter, mas eu sou um curandeiro.
Agora eu não sou um Persha, não sou um macho necessitado ou
qualquer outra coisa além de um curandeiro. Eu preciso cuidar, só isso.
Só cuidar.
— Eu não vou mentir, Nancy. — Arrasto o meu nariz pela sua pele,
engolindo o aroma do seu nervosismo e da excitação, e ao mesmo tempo,
tem esse agudo da doença que eu não entendo de onde vem. — Você é uma
das coisas mais lindas que eu já vi na vida, é a fêmea mais… deliciosa. Está
sendo difícil pra mim te ver assim, mas você não precisa ter medo —
decido confessar.
Se ela está tão doente assim, com certeza quer ser ajudada, então vai
me auxiliar a não perder a cabeça.
— Não tenho medo de você… é-é só que eu nunca fiquei nua assim
na frente de ninguém. Não depois de grávida. E antes Kal quis fazer tudo no
escu…
— Machos persaneses não são como homens, nós não temos a
escolha do autocontrole tão ao nosso alcance, então preciso que você me
ajude — interrompo a sua frase, porque não quero ouvir falar de porra de
Kal nenhum.
Só de ouvir o nome desse snifli nain eu tenho vontade de rosnar e não
consigo decidir se é bom ou ruim eu não conhecer o seu rosto. Não o
conhecendo, eu não tenho ninguém para imaginar fazendo sangrar, mas não
o conhecer também preserva a vida desse infeliz caso eu o veja algum dia.
— Não estamos aqui para nada além de verificar a sua saúde. O seu
cheiro não está certo e é importante focar nisso, que é mais importante do
que qualquer coisa.
É claro que Nancy não precisava ouvir isso, a pequena fêmea está
cheirando a doença e eu, um macho idiota, não consigo pensar porque estou
vendo os seus seios.
Eu já fui melhor do que isso, já examinei uma dezena de persaneses,
às vezes até sem roupa, mas essa é a primeira que isso me acontece, que eu
me sinto descontrolado e fervendo. Acho que o problema é que a maioria
dos meus pacientes nunca tinham doenças de verdade, porque persaneses
são afetados por pouquíssimas coisas. Os que tem alguma doença, é porque
tem sangue muito diluído com o humano.
Meu corpo não sabe se rosna de ódio pela instabilidade de minhas
emoções ou se ronrona pelo prazer de finalmente vê-la assim.
— Tem certeza que não está sentindo nenhuma dor? Nada? — Faço o
meu melhor para focar. Preciso descobrir logo e colocar distância entre nós.
— Os meus mamilos estão ainda mais sensíveis hoje — fala e eu
tenho que conter um arregalar de olhos. Isso só pode ser brincadeira… —
Acho que chega até a ser uma pequena dor.
— Entendo… — resmungo.
— Toque neles pra ver se tem algo de errado. — Instiga e totalmente
alheia ao que está acontecendo no meu interior, ela toca o dorso da minha
palma direita e só então percebo que estou tremendo. — Pode me examinar.
— Você não manda aqui, fêmea! — rosno, com ódio que ela me faça
voltar a olhar para os seus seios. Eles caberiam mais do que bem nas
minhas mãos, e ainda melhor na minha boca…
— Mas está doendo mesmo — insiste e eu decido tocá-los
rapidamente, assim quem sabe, sem pensar muito, eu me saia melhor.
Retraio as garras que me fincam no colchão e toco o seu seio direito.
Pelos deuses, como é macio…
O meu ronronado fica forte conforme eu sinto o seu peso e depois
exploro um pouco a pele e aperto o mamilo rosado. A minha boca enche
d’água e eu engulo a saliva com força. Eu daria tudo para enfiar a boca
entre as pernas dela, me revezando entre mamar seus mamilos e sua
bucetinha, que deve ter a exata cor dos seus bicos.
— Astor… — geme baixinho, o que me arranca à força do meu transe
e faz eu me afastar na hora.
Merda!
Vamos lá, Astor. Preste atenção, cacete!
Nancy está doente e o cheiro está vindo mais de onde? Foque nisso,
pelo amor dos deuses!
Farejo melhor agora que estou tão próximo e percebo que o aroma da
doença, infelizmente, vem bastante da sua parte de baixo.
Capítulo 20
Astor
— Eu… preciso olhar melhor para você, o cheiro está vindo de algum
lugar nas suas pernas. — Arranco a minha outra mão do colchão e respiro
fundo. Estou suando frio, com gotas e mais gotas de suor empapando a raiz
do meu cabelo e descendo pela minha nuca. — É… melhor você se virar
para eu olhar.
Assim como os humanos dizem, quanto antes eu arrancar o curativo,
melhor. Se ficar enrolando, a dor será maior.
Então Nancy deixa o par de chinelos que ainda está nos pés cair no
chão e se vira na cama, ficando de quatro pra mim com muita pressa, o que
me deixa sem palavras.
— Faça as coisas devagar, Nancy. Você está grávida — alerto e vejo
ela balançar a cabeça, concordando comigo.
Se antes eu estava quase zonzo olhando para os seios, agora que ela
está com o traseiro empinado para mim, com o seu short subindo, estou
realmente tonto.
Eu fecho os olhos e puxo respirações pesadas.
— Desculpe, é que você está falando como se fosse algo sério, então
fiquei nervosa. — Ela soa aflita e isso amolece o meu coração.
Essa pequena fêmea só quer ser ajudada, só isso. Foi por isso que ela
veio até mim, porque sabia que poderia confiar, então preciso fazer por
merecer essa confiança.
— Tudo bem, querida — sussurro, voltando a abrir os olhos querendo
acalmar o seu coração. Ela não precisa saber como eu me sinto, só precisa
que eu faça o que estudei pra fazer. — Vou precisar tirar o seu short agora
— aviso, conseguindo soar muito mais calmo do que me sinto. Se o cheiro
vem de baixo das roupas, então eu tenho que cheirar direto na fonte.
A bunda de Nancy é grande assim como o seu quadril e conforme ela
se arruma melhor de quatro na cama, suas nádegas se movem de um jeito
que me faz ter que apertar o pau entre as coxas. Ainda mais que eu sei que
por baixo desse short tem a calcinha dela, e logo depois tem a sua buceta.
O meu cérebro automaticamente tenta gerar imagens de como deve
ser e eu me xingo mentalmente por isso, ainda mais que eu não consigo
pensar em nada muito concreto. Estou a tempo demais sem transar, desde
que perdi o meu filho, há cinco anos, mas não é por isso que não consigo
imaginar, e sim porque o tesão está prejudicando o meu cérebro.
— Pode tirar — ela aceita e como eu não quero prolongar isso, ao
invés de puxar a peça por suas pernas, decido rasgar o short com dois
grandes puxões de cada lado, até que o tecido caia na cama.
Um gemido grosso escapa de mim ao olhá-la assim e eu engulo em
seco.
Ela usa uma calcinha branca hoje, menor do que a outra. Bem menor.
A peça está enfiada na bunda de um jeito que mostra muito da sua pele
cremosa e me faz pulsar com força. E como se essa tortura não fosse o
bastante, Nancy separa mais as coxas e empina mais pra mim, o que me
deixa ver uma marca molhada cobrindo onde a sua buceta começa.
Pelo amor dos deuses!
— Você molhou toda a sua calcinha. — A observação que deveria
ficar só na minha cabeça, escapa pela minha boca. — Está tão molhada que
quase encobre o cheiro da sua doença…
Se Nancy cheira tanto a doença, por que ela não parece doente? E
essa loarla ainda está excitada pra caralho.
Ou será que… ela andou falando com algum macho que a deixou
assim?!
Porém eu farejo o seu cheiro e não encontro nenhum vestígio de outro
persanes, o que me impede de soltar o rosnado que estou segurando.
— Está tudo bem? — pergunta e eu não sei porquê, mas recebo uma
lufada forte do cheiro da sua doença com ela mexendo as coxas.
Será que o problema está aqui? O que poderia ser?
Vou farejando e farejando o aroma agudo e estranho, subo na cama e
fico atrás da fêmea, com a cabeça abaixada para encontrar o problema. Só
que no meio do caminho, a excitação de Nancy me pega desprevenido e
antes que eu consiga me impedir, eu grudo o nariz por cima da calcinha
dela.
Sinto-me como um viciado, como um usuário de Nyn, porque esse foi
exatamente o cheiro que estava na calcinha dela que eu roubei. Só que
agora está fresco e quente e eu não resisto. Esfrego o nariz contra o pano e
logo em seguida esfrego a língua também, coletando a sua umidade que me
faz rosnar de tanto tesão.
Assim não tem como me controlar.
— Como pode cheirar a doente e estar tão excitada assim? — grunho
e as minhas garras rasgam a calcinha dela numa velocidade imensa.
Eu preciso parar.
Tenho que parar.
Mas eu estou a apenas uma camada fina de tecido de vê-la. Então eu
puxo a lingerie e finalmente. FINALMENTE. Olho para o que tanto
preciso.
E como se para me afrontar, os lábios carnudos de Nancy estão bem
espalhados, encharcados, e a sua abertura se contrai pra mim, precisando de
mim tanto quanto preciso dela.
Sem pensar nem um pouco, eu coloco o meu rosto contra a umidade
de Nancy e esfrego o nariz e a boca. O calor dela, o sabor levemente azedo
e doce ao mesmo tempo, me fazem gemer de tanta necessidade e desespero.
Eu molho até a minha barba e sinto Nancy tremer, mas como ela só
choraminga e não diz nada concreto, é como se meu cérebro se desligasse.
Talvez, se ela gritasse para eu parar, se se afastasse de mim, existisse
uma grande chance de eu desgrudar o rosto de sua buceta. Mas a fêmea não
faz nada disso, muito pelo contrário, ela vem na minha direção com o seu
traseiro.
Eu abro mais espaço com dois dedos de uma vez e a bucetinha dela
não resiste, ela deixa que eu me afunde em seu interior quente e apertado, e
novamente se contrai para mim, o que me faz rosnar.
— Astor! — Escuto muito longe o meu nome ser chamado, porque
não é como se continuássemos no mesmo quarto.
Estou em outro lugar agora, num outro mundo, afundado no
desespero, na excitação, no cheiro dela. Um frenesi quente e insuportável
toma conta de mim, e é tão forte que parece que eu vou derreter se não
conseguir mais de Nancy.
Com os dedos lá dentro, eu empurro para baixo as paredes vaginais
dela e faço um lindo espaço por onde a minha língua entra. Eu sinto o corpo
dela se chacoalhar e ignoro, só vou estufando mais a sua buceta, até que
esteja muito bem preenchida e estremecendo.
Eu como Nancy assim e não me orgulho do meu desespero ao provar
direto da fonte, do prazer que sinto. Vou e volto dentro dela, como se fosse
com o meu pau, várias e várias vezes. O som aquático da minha saliva
preenche os meus ouvidos e eu só paro porque os piercings na minha ereção
ficam tão gelados que eu quase gozo. O metal persanes reage ao ambiente,
quanto mais quente, mais frio ele vai ficando, causando dor e prazer ao
mesmo tempo.
— Porra! — o grito rouco da fêmea é forte conforme eu retraio a
minha língua de dentro dela e volto a respirar.
A buceta e o cu de Nancy ficariam lindos esticados com o meu pau e
os meus nós inchados, e ainda mais perfeitos cheios com a minha porra.
Posso imaginar isso acontecendo agora só de assistir os dois buracos se
contraindo para mim, eu daria no mínimo três gozadas em cada um deles,
pra ter certeza que ela vazaria porra o resto da noite.
— O seu gosto… é tão bom — murmuro esbaforido, me acalmando
só um pouco e depois não resisto a colocar os dedos de volta, dessa vez três,
que são grossos e longos demais para a bucetinha apertada de Nancy, mas
eu esfrego o seu clítoris com o dedão e pouco a pouco vou conseguindo
fazê-los caber.
Eu fecho os olhos e grunho, com inveja que esse não possa ser eu.
— Como você pode ser tão gulosa? — pergunto mais para mim
mesmo que qualquer outra coisa e abro os meus dedos dentro dela.
Nancy precisa ter espaço dentro de si, ela precisa relaxar os músculos
para mim, porque o meu pau vai ser a maior coisa que ela já meteu aqui
dentro e eu mal posso esperar pelos gritos de dor e depois de prazer, quando
o meu pré-gozo começar a fazer efeito.
Vou esticando os dedos, fazendo o movimento de uma tesoura, e
desse jeito o meu tesão só aumenta, como se fosse possível. Até que Nancy
começa a ir e vir, rebolando os seus quadris nos meus dedos.
Então eu decido lhe dar uma tapa, por me fazer ficar ainda mais
esfomeado, e a marca dos meus cinco dedos fica gravada em vermelho em
sua bunda empinada e grande. Ela geme de dor em resposta.
— Boa menina — elogio e desfiro outro tapa, dessa vez mais forte,
mas ainda no mesmo lugar, só para ver o vermelho se aprofundar, e logo em
seguida eu cravo os meus dentes em Nancy.
Deixo a minha mordida em cima do vermelho no seu traseiro e ela
choraminga de maneira aguda, mas o sangue que escorre dos furos faz os
meus olhos literalmente se revirarem. Eu quase gozo de tanto tesão.
— No calen, mon durkiah. — Escuto baixinho de repente e é como se
essas palavras fossem um soco na minha cara, que me fazem parar na hora.
— O que você disse? — sussurro, parando tudo que estou fazendo na
hora e espero uma resposta, só que ela fica em total silêncio. — Você
acabou de dizer “me toque, meu macho” na minha língua materna, Nancy?
Ela se vira rapidamente na cama, se senta com o traseiro no colchão e
me encara com grandes olhos acinzentados.
— Eu… eu…
— Quem. Te. Ensinou. Isso? — falo entredentes, pausando em cada
palavra, e ela continua me encarando, sem dizer nada, enquanto o cheiro do
seu medo inunda o quarto. — Responda!
— Kara me-me falou que você ia gostar de ser chamado assim —
admite baixinho e eu franzo a testa.
Por que Kara ensinaria algo assim à minha humana?
Eu fico em silêncio por alguns segundos, tentando retomar a minha
consciência, que se perdeu no segundo que vi Nancy na porta dessa cabana.
— Kara te ensinou isso e… você cheira como doente, mas… — Eu
farejo o ar mais uma vez e percebo como o cheiro da doença quase não
existe mais agora que toquei Nancy. Como pode ser possível? Como ela
pode ter se curado tão rápido? A menos que… nunca estivesse doente! —
Isso não é doença, não é? — Continuo farejando o ar, tentando entender.
— A-astor, eu não fiz por mal. — Só que o jeito como ela se
desculpa, deixa claro que a minha suposição estava certa. — Ela me deu a
erva roxa e disse que não era perigosa, aí eu passei na pele, e-em lugares
para você cheirar e…
— Isso é vox?! — berro, interrompendo a sua frase, e percebo como
estou tremendo. Até o meu rabo chacoalha atrás de mim. — Você não tem
vergonha de mentir pra mim, fêmea?! — exclamo, com a minha voz
engrossando muito.
É como se um raio de energia cruzasse o meu corpo todo e me
eletrificasse com ódio. Só agora eu consigo ver o que estava fazendo, o
tamanho da merda que essa loarla nos enfiou!
Sem pensar duas vezes, eu me aproximo de Nancy e pego a fêmea
pelos cabelos na base da sua nuca com muita firmeza. Eu não puxo para
doer, só quero ter certeza que esteja me encarando bem nos olhos para
entender o que eu digo.
— M-me desculpe — gagueja e o cheiro do seu medo se mistura com
a minha raiva, mas ainda tem a minha excitação e a dela pairando forte no
ar.
Cada lufada de ar que entra em mim, queima mais forte, ainda mais
olhando para o lindo rosto dessa maldita fêmea tão… deliciosa, que está
toda vermelha! Os lábios dela tem até a marca de onde estiveram sendo
mordidas por seus dentes.
— Eu achei que você estivesse doente! Achei que tinha algo de
errado com você e com o filhote! — exclamo, mas não consigo parar de
olhar pra porra da boca dela!
— Me desculpe, tá bom? Eu-eu não sabia que você ficaria tão
preocupado. Eu sinto muito mesmo — fala empinando o queixo, porque eu
puxo os seus cabelos e me coloco de joelhos na cama, enquanto ela
continua sentada, com as pernas cruzadas e a buceta de fora.
Pelos deuses! Como um macho se concentra assim?!
— Como eu não ficaria preocupado? Você apareceu na minha porta
cheirando a doente, Nancy! Eu estava perdendo a minha cabeça já, sem
saber o que teria de fazer para te curar, pra não te perder! — Coloco o meu
rosto sobre o dela, porque quero que essa maldita veja como estou com
raiva, como eu a odeio por mentir para mim!
Mas talvez… eu também queira sentir o seu hálito quente contra a
minha boca.
A respiração dela é tão deliciosa em mim, tão quente.
— Me descul…
— Não, você não vai falar mais nada, loarla! Foi longe demais! —
Interrompo o seu choramingo. — Você é uma fêmea dissimulada! Uma
menina imatura, que quase me deixou louco! — rosno e dou um puxão em
seu cabelo, e em resposta a filha da puta geme, como se gostasse de ser
maltratada.
Isso faz eu receber uma pontada direto no pau.
— Só queria saber como poderia ser entre nós dois — murmura, só
que ela fica com a boca aberta, respirando pesado, olhando para os meus
lábios também. Porra… — Eu só… queria tentar ter você, Astor. — O tom
dela é tão baixo e ao mesmo tempo tão verdadeiro, que eu preciso de alguns
segundos pra respirar.
— Você é dissimulada e jovem demais, Nancy. Não sabe julgar quem
eu sou de verdade, você… só quer me tentar. — É como se essa morena
tivesse um imã, que me deixa completamente focado em seu rosto, em seus
lábios, que ficam a centímetros dos meus agora que estou abaixado. —
Quer me tirar do sério para ver até onde consegue ir.
— Então me fode — fala do nada e me deixa tão assustado, que eu
arregalo os olhos. Mas ela consegue manejar uma expressão determinada e
os seus olhos vão pouco a pouco indo para o azul safira. Um humano talvez
não notasse a diferença mínima, mas um persanes consegue ver o que eles
não veem, ainda mais de uma fêmea que tem me atormentado tanto. — Me
come… como punição por eu ter mentido pra você.
De onde Nancy tirou essa porra de ideia?!
Cheia de confiança, ela estica o braço e toca a frente da minha
bermuda, que está úmida, e me faz ter que reprimir um tremor.
Até agora eu estava atacando, esperava que se envergonhasse e
parasse de uma vez por todas com os seus absurdos. Só que mesmo que eu
esteja pegando Nancy pelos cabelos agora, ela não está nem um pouco
intimidada, e rapidamente abre o botão e o zíper da minha bermuda,
aproveitando que estamos numa boa altura.

Nancy
Astor não usa cueca e os seus pelos ruivos e grossos estão por todo
canto, me fazendo hesitar só por um segundo antes de tentar enfiar a mão e
pegar a sua ereção pesada que está marcando bem a peça.
Mas o ruivo não deixa que eu faça isso e, ao invés de me empurrar
para longe como eu esperava, ele segura a minha mão em cima da abertura
de sua bermuda, abaixa a cabeça e junta nossos lábios num beijo duro,
punitivo.
O persanes enfia a sua língua na minha boca sem delongas e eu ainda
não sei o que estou fazendo, o jeito como Kal me beijou não tem nada a ver
com o jeito de Astor. Mas eu me esforço para sentir a sua língua e beijá-lo
de volta tão sensualmente quanto consigo.
O ruivo me pega pela cintura e vai empurrando o meu corpo, me
fazendo ir mais para trás na cama. Eu tento ajudá-lo nisso, só que o macho
prefere me levantar com apenas uma mão e colocar o meu traseiro mais no
centro da cama, sem nunca desgrudar a sua boca da minha, me fazendo
derreter por dentro.
Depois de um malabarismo eficiente, logo estou com as pernas em
volta da sua cintura. Eu não sei como fez isso, já que não sou nenhuma
pluma, mas Astor me distrai tanto com a sua boca, que só me desgrudo dele
quando já estou sem fôlego, com os meus dedos enfiados em seus cabelos
longos e macios.
— O que é que você quer fazer comigo? — pergunta com sofreguidão
em cima da minha boca e enrola o seu rabo no meu pescoço, que age feito
como uma serpente com vida própria. — Você quer me enlouquecer,
ficando com essa sua bucetinha toda molhada pra mim? Tão apertada… —
grunhe as palavras de um jeito que me faz contrair e a sua mão livre, Astor
coloca na minha coxa, bem próxima da minha virilha. — Por que você tem
que ser assim, Nancy? Tão gostosa.
Capítulo 21
Nancy
Ele conseguiu me deixar pelada e eu só notei agora. Os rasgos que fez
na minha calcinha e no short fizeram as peças escorregarem pra fora de
mim.
— M-me toque — gaguejo, nervosa que ele só se mantenha próximo
e não dentro, e ele aperta mais a cauda em volta do meu pescoço, não o
bastante para me deixar sem ar, mas o bastante para me fazer sentir presa.
— Me diz, sua cadela desobediente, o que você quer de mim? — Os
meus olhos se arregalam com o xingamento e como ele parece ficar cada
vez mais irritado ao pegar os meus dois pulsos e os prender juntos na frente
do meu corpo. Eu automaticamente tento me soltar e não consigo. — Você
quer me deixar maluco até não sobrar mais nada dentro da minha cabeça?
Ele quer mesmo conversar assim? Comigo vendo o seu tronco
bronzeado e largo e os seus pelos pubianos enquanto me prende pelada em
sua cama?
— Só queria ter a sua atenção, queria ter certeza que você não me
mandaria para longe. — Decido ser completamente sincera, pois é só o que
consigo fazer agora.
— E você não vê que é melhor ficar longe? — sussurra de um jeito
que soa mais sincero e sério do que eu esperava. Ele quer que eu desista?
Quer que eu continue tentando? Eu não entendo. — Olha a nossa diferença
de tamanho, de idade. Eu sou 13 anos mais velho que você. — Os lábios
dele voltando a se abaixar e eles roçando nos meus, é o único aviso que
recebo antes de voltar a me beijar.
Astor me beija como se sua vida dependesse disso, ele me devora
com a sua língua e faz de propósito cada um dos seus movimentos
deliberadamente sensuais. O ruivo quer acabar comigo enquanto me prende.
A sua mão na minha cintura cava a minha pele e eu sinto o ardor de ser
espetada por suas garras, que não estão retraídas.
— Eu quero você — choramingo, conforme ele deixa de beijar a
minha boca, para deixar beijos e chupões numa trilha da minha orelha até a
minha clavícula. Eu me esqueço de como se respira e os meus olhos se
reviram em suas órbitas. Isso é pura tortura, eu nunca fui beijada assim,
com adoração. — Quero você dentro de mim.
Só que enquanto me deita na cama, se colocando por cima de mim,
ele larga uma das minhas mãos. Então eu sou rápida em esticar o braço e
enfiar na bermuda de Astor. E como ela já está aberta, é fácil encontrar o
que eu quero e o que me deixa impactada.
— Coloque pra fora, loarla, já que você quer tanto isso — ordena,
falando entredentes e bem no pé da minha orelha, enquanto se mantém
suspenso em cima do meu corpo com apenas um braço.
Eu não consigo dar a volta toda em Astor com uma mão só, de tão
grosso que ele é.
— Isso é… bem grande. — Arqueio as duas sobrancelhas e sinto os
cabelos longos do ruivo acariciando a minha pele nessa posição.
Eu sei como um pênis se parece, até antes de Kal eu já sabia, porque,
bom… talvez eu tenha espionado quando mais nova um dos garotos bonitos
da pequena escola que Frederick criou pra enfiar coisas absurdas na cabeça
de todo mundo.
Só que nem Kal ou esse garoto se pareciam com Astor, o pau dele é
uma versão muito maior e mais grossa.
— Eu quero ver — peço, encarando o neon em seu rosto. Com ele por
cima de mim, eu só consigo tocá-lo, não dá pra realmente entender o que
estou segurando entre os nossos corpos. — Deixa eu ver, Astor.
Como um milagre, ele sai um pouco de cima de mim e só de olhar
para a ereção do ruivo, eu sei que valeu toda a pena usar vox. O pau de
Astor é literalmente suculento, pois é rosado pra cacete, com veias grossas,
uma cabeça muito grande e tem piercings na ponta!
Oliver disse que eles tinham piercings, mas eu acho que esqueci.
Porém, Astor não tem uma joia só, ele tem duas, que se cruzam na cabeça
de seu pau por dentro, o que faz com que quatro bolinhas douradas fiquem
visíveis na extremidade de sua ereção.
— Se chama magic cross — explica, ao perceber a minha
curiosidade.
— É lindo — elogio e o assisto pulsar, o que enche a minha boca
d’água. Eu aproveito esse momento e volto a tocá-lo, dessa vez com as duas
mãos, já que ele me largou. Com todos os meus dedos nele, eu consigo
segurá-lo bem. — E bem molhado.
Nessa hora uma gota de líquido claro, mas ainda esbranquiçado, brota
do orifício na extremidade de seu membro.
— Para meter em buracos apertados como os seus — explica e faz
mais arrepios correrem pela minha coluna. — E esse tamanho é só inicial.
— Fi-fica maior? — pergunto e ele vai voltando pra cima de mim.
Acho que o deixei excitado o bastante para não ficar resistindo,
mesmo que fale coisas para tentar me fazer desistir.
— O bastante para ficar preso dentro de uma fêmea como você. Ele
incha na base e na ponta, até te fazer transbordar com porra — explica e eu
engulo em seco, tentando imaginar isso, mas sem sucesso. — Persaneses
não são seguros, eu já vi um de nós fazer algo horrível com uma de vocês,
menina, porque ele se perdeu no prazer.
— Você não vai se perder, mon durkiah. — Astor me pega pelo
quadril, me levantando um pouco da cama e eu passo as minhas coxas por
seu quadril. O rosto dele está muito grave, muito sério. — Eu quero saber
como é ficar presa a você.

Astor
— Nancy… — tento advertir essa fêmea humana, mas ela me ignora
e fala as coisas mais provocativas e deliciosas do mundo, o que faz com que
o ronronar no meu peito tome uma força imensa.
Nem quando eu era um filhote ronronava assim, mas ouvi-la me
chamar de seu macho, me deixa mais quente do que já me sinto. Ela me
afeta como nenhuma outra.
— Além do mais, tamanho e idade não fazem tanta diferença assim.
— Nancy tem a coragem de dar de ombros enquanto a minha cauda se
enrola em seu tornozelo.
— Tamanho não faz diferença, pequena fêmea? — Coloco o pau bem
em cima da buceta dela, desse jeito ela sente como sou pesado e grosso. Só
que desse jeito não é só ela que se sente torturada. — Tem certeza? —
grunho e os dentes dela começam a bater um contra o outro, de tanta
ansiedade e excitação.
— Te-tenho. — Sacode a cabeça positivamente, sem certeza alguma.
— Tem certeza mesmo, Nancy? — Separo os lábios vaginais dela,
quase explodindo de tanto tesão ao vê-la assim, debaixo de mim, com os
cabelos espalhados nas suas costas como se fosse uma deusa, e empurro
contra a sua entrada.
É mais um carinho do que qualquer coisa, e mesmo assim tenho que
prender a respiração para não avançar mais.
— Astor! — exclama e me agarra ainda mais, de um jeito que me
deixa sentindo feroz.
Nancy está espalhando seu cheiro por mim, espalhando calor e
desejo, e a cada segundo eu me sinto mais como uma bomba-relógio.
Mas já que eu comecei a fazer essa loucura, eu preciso me manter sob
controle, então empurro mais um pouco a cabeça do meu pau.
Vários arrepios descem do meu couro cabeludo até a minha cauda e
eu me esfrego nela, deixando que sinta o gelado das quatro bolinhas do
piercing que coloquei há vários anos.
— O meu pré-gozo vai ajudar, então relaxe pra mim — murmuro e
ela morde o meu lábio inferior, provavelmente tentando relaxar. Só que
desse jeito, quem não consegue relaxar sou eu.
Persaneses adoram morder e levar mordidas, e quando Nancy me
mostra a língua ou os dentes assim, sempre me deixa na beira de um
precipício que já está difícil demais não pular. Eu tenho que ter calma,
tenho que fazer isso não virar um banho de sangue, como eu vi acontecer
com um casal de um persanes e uma humana anos atrás.
— Não morde o lábio assim e respira, pequena — falo como se não
estivesse louco para me meter todo nela de uma vez só. Eu só não estou
tremendo porque estou fazendo o meu melhor e me segurando com uma
mão.
Como um milagre, Nancy obedece e eu empurro o quadril um pouco
mais contra ela, o que me faz começar a entrar. O meu pré-gozo realmente
está ajudando a relaxar os músculos de Nancy.
— Boa garota — sussurro roucamente e na mesma hora a pequena
fêmea é quem treme. Ela dá um solavanco com o seu quadril, como se
quisesse que eu entrasse logo. — Você quer mais do meu pau, loarla? —
pergunto, só para vê-la sendo sem-vergonha.
Eu não consigo me decidir se odeio ou se amo o jeito como é ousada,
como corre atrás do que quer, não importa o que tenha que fazer. Ou
melhor: eu estou tentando não me decidir, porque a verdade é que o meu
pau pulsa mais forte para fodê-la cada vez que ela usa essa boca esperta.
— Sim — responde e afunda mais os calcanhares perto do meu rabo,
se segurando em mim feito um macaco e mais uma vez mexendo o quadril
na minha direção, querendo que eu entre logo. — Por favor, mais.
Pelo bem de nós dois, eu ignoro a tentativa dela de adiantar esse
processo de recebê-lo e trabalho em estocadas rasas, testando o caminho, e
isso é o bastante para fazê-la contrair a cada milímetro que entra mais.
Se eu ceder e for com toda a vontade que sinto agora, na melhor das
hipóteses, essa fêmea vai ter dificuldades para andar amanhã. E na pior…
Eu consigo me imaginar cravando os dentes por sua pele macia,
bebendo o seu sangue delicioso, e perdendo o controle com o quadril até
alojar o meu pau inchado bem no fundo dessa buceta apertada e quente de
Nancy.
A fêmea avermelhada debaixo de mim joga pra trás a cabeça e os
choramingos dela me fazem ter que respirar devagar.

Nancy
— Você não está… nem… perto de entrar todo, né? — Acho que pra
eu conseguir acomodar algo grande assim dentro de mim, eu precisaria de
algumas tentativas, o que me deixa angustiada.
Eu não sei se Astor vai querer tentar várias vezes.
— Você não precisa do meu pau todo, Nancy — fala por cima da
minha boca e, como sempre, eu me sinto amolecer com tanta proximidade
enquanto os cabelos dele formam uma cortina que nos deixa fechados no
nosso próprio mundo. Estou sendo coberta por seu corpo musculoso, por
seu calor, por seu cheiro, e só quero mais. — Você é tão linda, pequena
humana. Tem um rabo tão perfeito… — Ele está com as garras de fora,
então caminha com elas por cima da minha coxa direita, perto da minha
bunda que está grudada na cama. — E se eu quisesse mais do que a sua
buceta? E se eu quisesse foder o seu cuzinho por você ter mentido para
mim?
Eu me contraio com tanta força ao ouvi-lo, que quase vejo estrelas.
O curandeiro que conheci até agora nunca falaria isso e ele faz de
propósito, porque desse jeito eu me abro ainda mais pra ele, que consegue
afundar a sua ereção gigantesca em mim e me faz gemer com mais força. E
ainda tem os piercings, que não sei como, mas parecem ficar mais gelados a
cada minuto.
— Eu… ia pedir pra você comer a minha buceta primeiro, depois o
meu cu. — Esforço-me para fazer graça.
— Você mal está aguentando o meu pau aqui, quanto mais no seu cu.
— Astor me segura pela cintura com sua grande mão e levanta a minha
parte de baixo alguns centímetros do colchão, formando um ângulo perfeito
para estocar mais fundo e eu não consigo manter os meus olhos abertos,
eles se reviram em suas órbitas e o meu corpo fica largado na mão de Astor
para ele fazer o que quiser.
— Relaxa, Nancy — ronrona as palavras no meu ouvido e vai
deixando beijos e mais beijos na pele debaixo da minha orelha. — Eu estou
cuidando de você, querida. Estou tomando o que é meu.
Não entendo como, porque a minha parte racional para de funcionar
cada vez que ele se enfia mais fundo, só sei que gritos começam a me
escapar sem controle algum, vindos do fundo da minha garganta, conforme
eu sinto a pressão de ter algo tão grande dentro de mim.
— Essa é a minha pequena fêmea. — Cada elogio que ele fala pra
mim, me deixa mais excitada, e ele ainda aproveita para tomar velocidade,
criando um ritmo mais rápido que me deixa ardida e me sentindo como se
pudesse explodir. Eu remexo o quadril indo de encontro a ele e mesmo
assim não parece o bastante para tê-lo por inteiro. — Está me tomando tão
bem, amor, já entrou metade.
Eu sinto arrepios descendo pela minha coluna que me fazem
chacoalhar pelo jeito firme e ao mesmo tempo cuidadoso como fala
comigo. Estou sendo esticada e esfregada ao extremo e tão sensível que dói,
mesmo que ele tenha tomado o cuidado de me esperar acostumar. Os meus
dedos dos pés até ficam dormentes, de tão forte que é o redemoinho de
prazer que Astor constrói dentro de mim, até que eu não aguento mais e
gozo gritando o nome dele.
E como se não pudesse melhorar, ele aproveita pra meter de uma vez
só e parar, só que bem fundo, e desse jeito eu sinto o tal inchaço dele
começar a acontecer. Astor está se expandindo, se tornando ainda maior do
que já era.
— Goza pra mim, Nancy — fala isso lambendo o meu ombro e
depois ele me morde.
— Porra! — o xingamento sai como um berro da minha boca.
Astor enfia dois caninos em mim e me faz chacoalhar. O meu quadril
treme e eu sou inundada por um segundo orgasmo enquanto a dor se torna
algo agudo e ardido, e tão bom, que não consigo prestar atenção em mais
nada.
— Minha — rosna e depois começa a lamber o sangue que escorre de
mim, enquanto o prazer de gozar tanto me deixa mole contra a cama, não
consigo nem o abraçar mais com as coxas. — Minha Nancy, minha pequena
fêmea. — A frase não tem nada a ver com o curandeiro que eu conheço, é
muito grossa, inumana, completamente sobrenatural.
— Sua — consigo forças para sussurrar e recebo o seu beijo molhado,
sem capacidade para mais nada.
Só que Astor continua dentro de mim, imóvel, mas dentro, e
inchando. Eu não consigo ver a junção entre nós dois, mas o que sinto, é
que estou completamente cheia, e ficando cada vez mais.
— A-astor, é muito grande — gaguejo, separando o nosso beijo com
medo do que está acontecendo lá embaixo.
As joias dele ficam mais geladas e os meus olhos se arregalam, a
minha intimidade está pegando fogo e doendo.
— Calma, pequena — sussurra. — Eu estou cuidando de você.
— Astor! Está crescendo ainda… — Os meus olhos se reviram em
suas órbitas porque eu nunca senti nada assim, é forte e a cada segundo fica
mais dolorido e mais gostoso. A sensação de estar sendo tão preenchida é
única, é arrebatadora, e sem ter que mexer os quadris, o ruivo consegue me
fazer começar a entrar em outro orgasmo. — Você está me arregaçando —
resmungo esbaforida.
— Se você relaxar vai doer menos. — Ele esfrega a ponta do seu
nariz no meu e uma gota de algo cai na minha testa. Eu olho pra cima e
percebo que é o suor dele, que continua se mantendo em cima de mim esse
tempo todo, mas sem nunca me esmagar. — Você não tem ideia da força
que estou fazendo até agora para não me perder — confessa, soando como
alguém que está sem ar. — Para não deixar que esse seu aperto gostoso pra
caralho leve embora todos os meus pensamentos. Você é macia demais para
eu perder o controle, Nancy, e-e está grávida.
Então eu percebo que se ele me fez sentir bem até agora, é a minha
vez de retribuir.
Ao invés de segurar seus braços, eu seguro o seu rosto com uma mão
e com a outra eu jogo os seus cabelos ruivos para trás de sua cabeça, e os
mantenho assim, longe de seu lindo rosto para que não fique suado e
consiga respirar melhor.
— Pode me foder, Astor, eu aguento — sussurro, volto a abraçar seu
quadril com as minhas coxas e levanto a cabeça pra repetir o seu gesto,
esfregando a ponta do meu nariz no dele. — Eu sou sua.
Astor tenta resistir, só que eu acaricio mais o seu rosto com os meus
dedos, levando as poucas gotas de suor embora, então ele aceita o meu
pedido, metendo em mim com estocadas mais fundas enquanto eu encaro as
duas órbitas neon em seu rosto.
O ronronar dele fica ainda mais alto, mas não tão alto quanto os
nossos gemidos, até que o pulsar lá embaixo cresça e o Astor também, se
expandindo tanto que eu arregalo os meus olhos, mas não protesto contra a
dor, porque ela vem com jatos de porra tão quentes que eu choramingo
desesperada.
— Pode me dar tudo — peço, empurrando meu quadril contra a
virilha de Astor, que estica o meu interior pra caralho enquanto goza quente
dentro de mim. — Tem a-algo de errado c-comigo.
Eu já me masturbei sozinha, mas nunca senti vontade de fazer xixi
durante isso. Agora parece que tem algo forte se formando no meu baixo-
ventre, que eu tento controlar, mas não consigo.
— Para de se mexer, Nancy, ou eu vou continuar te comendo pelo
resto da noite — rosna no meu ouvido, só que eu não consigo parar. As
minhas paredes vaginais ordenham o pau inchado de Astor, sentindo o
gelado dos seus piercings como mais um incentivo para eu não conseguir.
Até que um jato de algo transparente saia de mim enquanto eu tremo
feito uma maluca debaixo do ruivo. O meu rosto esquenta de vergonha e eu
não entendo o que está acontecendo.
— Me desculpe — gemo, completamente embaraçada com essa
situação. — Eu… — Não consigo terminar a frase, o meu corpo continua
fazendo os jatos saírem de mim, enquanto isso Astor me enche de porra.
— Está tudo bem — grunhe, fazendo força pra conseguir falar, e mais
jatos saem de mim, molhando a virilha dele. A sensação é aguda e violenta,
faz eu perder as forças para segurar Astor.
Só que como ele continua esporrando, com o líquido grosso vazando
pra fora de mim tamanha abundância, nós dois criamos uma marca molhada
gigante na cama.
Capítulo 22
Nancy
— Você não precisava ter perdido desculpa por ter tido um squirting
— Astor fala enquanto entramos no box do banheiro da cabana, após
termos que esperar pelo menos uns dez minutos enquanto o pau dele
desinchava dentro de mim.
Confesso que foi muito bom ficar grudada nele e eu nem tentei
entender como funcionava, se não dava mesmo para sair caso eu puxasse
um pouco. Eu só aceitei, quase dormindo de tanto cansaço, e ele ficou
ronronando com o rosto na curva do meu pescoço.
— O que é um squirting? — pergunto e Astor liga um chuveiro
prateado, tão forte e alto na parede, que quase molha nós dois por inteiro ao
mesmo tempo.
Diferentemente do restante da cabana, o banheiro não é algo que
parece de séculos atrás. Tem um box de vidro aqui, uma privada larga e
azulejos brancos e com estampas azuis que me fazem sentir num tipo de
luxo aconchegante, diferente da mansão.
— Quando você me molhou enquanto gozava, aquilo era um
squirting. E é normal que isso aconteça ao se ter muito prazer.
Olho pra cima desconcertada com o tom “didático” de Astor.
Agora que já não estou inundada pela excitação, parece que a minha
cabeça está funcionando melhor, o que me deixa entender que estou dentro
de um box bem espaçoso, com um ruivo de mais de dois metros de altura,
chifres e uma cauda.
Astor tem uma pele dourada, de tão bronzeado, com mamilos escuros
e rosados, que eu até evito olhar, se não acabo hipnotizada. Ele tem o tal
“tanquinho” que só ouvi falar e vi uma foto uma vez, em uma revista que
Margot conseguiu me mostrar.
Quando eu saí para protestar, nunca vi nada igual a esse persanes que,
nesse exato segundo, está ainda meio ereto, enquanto o chuveiro jorra água
morna em nós dois. O pau dele está muito avermelhado, e mesmo depois de
tudo que fizemos, ele ainda está cheio de veias saltadas e pior ainda: eu sou
tão baixa em relação a ele, que eu só precisaria me curvar um pouco para
encostar em sua ereção.
— Nunca aconteceu isso comigo enquanto eu… me tocava ou com o
Kal.
Na IOR não era permitido explorar o próprio corpo, principalmente as
mulheres. Devíamos nos guardar para os nossos maridos e, por incrível que
pareça, é mais fácil falar sobre Kal do que sobre masturbação em voz alta.
— Você teve um orgasmo com Kal enquanto fazia o seu filhote? —
Semicerra os olhos e eu faço que não com a cabeça. — Foi o que eu
imaginei. Sem orgasmo, não ter squirting, e você gozou muitas vezes hoje.
Será que Astor não tem nem um pouco de ciúmes de Kal?
Oliver me disse que Dante era muito ciumento com ela, mas olhando
para o ruivo agora, o rosto dele parece tão plácido, que não acho que se
importe, o que me deixa meio desapontada. Talvez ele seja um persanes
diferente, um mais centrado e que não se interessa tanto nessas coisas. Que
prefere o estudo e não tem um temperamento tão persanes.
Pensar isso faz meu coração doer, porque eu queria muito que Astor
estivesse obcecado por mim, assim como estou por ele.
Enquanto continuo olhando para o corpo dele feito um bichinho de
luz que acabou de achar uma lâmpada acesa, o ruivo de cabelos longos pega
uma garrafa de shampoo que fica junto com outros produtos numa espécie
de prateleira feita na própria parede.
— Você vai lavar o cabelo? — questiono com curiosidade e faço o
meu melhor pra não ficar olhando pra parte de baixo dele ou acho que vou
acabar tendo um colapso.
— Sim, quer levar o seu também?
A pergunta dele me faz perceber uma coisa que eu nunca tinha
notado. Nunca, em toda a minha vida, eu vi um homem de cabelos grandes
como os de Astor. Os dele tem vários cachos e ondulações e passam de seus
ombros, e do mesmo jeito que eu cuido dos meus fios, ele também deve
cuidar dos dele.
Viver nas terras da Igreja realmente era viver em outro mundo, onde
mulheres sempre tinham que manter cabelos grandes e homens cortavam os
deles periodicamente.
— Não quero lavar o meu agora, mas posso te ajudar com o seu? —
pergunto esperançosa, porque mesmo que esteja dentro de um box com
cada vez mais vapor, ainda assim me sinto meio fria por dentro. Depois que
Astor saiu de dentro de mim, ele não olhou pra mim como se tivesse
encontrado algo incrível e estivesse em êxtase, que é como eu me senti. —
Se você se abai… — começo a falar e sou interrompida, pois de repente o
ruivo se abaixa, me pega pela cintura e me levanta.
— Se quer lavar meu cabelo, é melhor ficar na altura da minha cabeça
— fala enquanto eu passo as minhas pernas em volta de sua cintura com
pressa e me agarro bem nele.
Se fosse outra pessoa me levantando assim, eu ficaria com muito
medo, mas Astor tem braços grossos demais e um corpo que parece ter sido
construído para levantar peso.
— O-obrigada — sussurro e a minha voz fica mais rouca, porque
colada assim nele eu o sinto ronronar.
Quando não o estava tocando, não conseguia ouvi-lo ronronar, ainda
mais com a água caindo, mas agora eu consigo entender que o barulho
constante e baixo que tenho ouvido até agora, vem dele.
Ele dá um passo mais pra baixo da água e mesmo que eu não queira
lavar meu cabelo, acabo com ele todo molhado. Depois de encharcar bem
os nossos corpos juntos, me dando uma das melhores visões do mundo, ele
dá um passo para trás e coloca shampoo nas minhas mãos em concha.
— Aqui — fala e despeja uma quantidade generosa de shampoo nas
minhas mãos, que eu levo até o topo da sua cabeça e despejo lá.
Faço movimentos circulares com as minhas mãos em seu couro
cabeludo, entrando nas suas camadas de cabelo, e consigo ver melhor os
exatos lugares de onde saem seus chifres na sua cabeça e eles crescem tão
naturalmente, que é um pouco assustador.
Só que lavando a sua cabeça assim, o ronronar de Astor vira algo
ainda mais alto enquanto os meus olhos acabam descendo para o seu rosto e
eu percebo como ele parece concentrado em algo.
— Isso é gostoso? — pergunto e ele faz que sim com a cabeça, com a
sua atenção toda nos meus seios nus, que estão com os bicos rosados duros.
Astor deixa o meu corpo escorregar um pouco, para ficar mais baixo e
eu continuo esfregando seu couro cabeludo, sem dar muita importância para
esse movimento.
Só que a expressão facial dele não faz sentido pra mim agora, parece
que está com dor conforme eu o massageio gentilmente com shampoo. Até
que o persanes solta um gemido grosso e eu começo a entender o que está
acontecendo, ainda mais que sinto algo molhado e ereto encostar na minha
bunda agora que estou com as minhas pernas um pouco mais pra baixo em
seu corpo.
— Você está completamente duro de novo… — Arregalo os olhos e
no mesmo minuto ele me põe contra o azulejo frio, que faz correr um
arrepio forte por cima da minha pele, e depois abaixa bem a cabeça branca
de espuma de shampoo.
Espero que os olhos dele não ardam.
A língua dele se desenrola e deve ter no mínimo uns dez centímetros
de comprimento para fora da boca, depois ele enfia o meu mamilo duro em
sua boca e enrola a língua nele, puxando o bico sensível com uma força
considerável, o que me faz remexer os quadris de susto e prazer, sem
esperar por algo assim.
— Astor! — exclamo e tento entender o que ele começa a falar, mas
não consigo, ele está de boca cheia, sugando o meu seio com força e acho
que não fala o meu idioma. Astor está perdido, lambendo a minha carne,
mordiscando o meu mamilo sensível, e faz eu me perder também.
— Mal posso esperar para você ter leite, bouan — murmura e eu
tento gravar mais outra palavra estranha que ele usa comigo, só que é
impossível nessa situação, porque logo volta a distribuir chupadas nos meus
peitos, praticamente os devorando, já que cabem bem dentro da sua boca.
— Você v-vai inchar agora também? — gaguejo, porque ele esfrega
mais a ereção na minha bunda e isso me faz começar a sentir um ardido
entre as pernas.
— Não, só quando o meu pau é muito apertado em volta que ele incha
— explica, tirando a boca do meu seio e os meus olhos se reviram sozinhos,
porque Astor deixa uma trilha de beijos debaixo da minha orelha e esfrega
as suas presas na minha pele. — Fique com a porra do quadril parado,
Nancy! — rosna, só que isso é impossível.
Se ele esfrega em mim, eu vou me esfregar de volta.
— Coloca pra dentro de mim, só um pouco — imploro, sentindo a
ponta do seu pau e o frio de seus piercings.
Isso é pura tortura!
— Você ainda está pingando a minha porra de quando fodemos na
cama, então não implora assim pra mim, loarla — fala e logo em seguida
captura a minha boca num beijo profundo e cheio de fome. Eu retribuo,
dessa vez com um pouco mais de experiência e fazendo vários barulhos de
prazer. Ao nos separar, eu me sinto praticamente pingando de tanto tesão.
— Tem que entender que quando fala comigo desse jeito, eu não consigo
me controlar. Nós dois temos que tomar cuidado ou eu vou te pegar do jeito
que o meu corpo quer e não vai ser bonito.
As ameaças dele só me deixam mais quente, enquanto recebo água do
chuveiro em algumas partes do corpo e a espuma escorre da cabeça dele.
— Por favor, coloca só um pouco pra dentro — insisto no pedido.
— Se eu colocar, nós vamos ficar presos aqui no banheiro, esperando
ele desinchar enquanto eu te machuco — explica, mas eu não gosto disso.
— Se você já não estivesse grávida, eu com certeza te engravidaria essa
noite.
Sem me perguntar e sem obedecer ao meu pedido, Astor encontra os
meus lábios vaginais e os separa habilmente, com os dedos que me fazem
contrair, depois abaixa ainda mais o meu traseiro, para ficar na altura do seu
pau e ele parar de se esfregar por fora da minha bunda e sim na minha
entrada e no meu clítoris.
— Caralho… — xingo e a minha respiração vira uma bagunça,
comigo tentando conseguir com que ele me penetre. Só que eu não estou no
comando aqui.
— Olha só como você é apertada, menina — grunhe, com o shampoo
escorrendo de seus cabelos, porque o ruivo dá um passo grande para a
direita e se coloca debaixo dos jatos enquanto eu continuo encostada no
azulejo.
Desse jeito recebo água, porém, não mais do que ele.
Astor mete um dedo pra dentro do meu canal e eu choramingo,
querendo mais do que só ser esfregada apenas por um único dedo, que
empurra as minhas paredes sem dó alguma.
— Você vai ficar a noite toda sendo fodida se continuar com essa
porra dessa sua boca suja, é isso que você quer?! — rosna com raiva. —
Virar um deposito de porra meu? Porque eu não vou sair de dentro até ter
certeza que arranquei cada gemido possível seu. Cada orgasmo.
— Sim! — Os esfregões do pau dele ficam mais fortes, só com o
persanes mexendo o quadril, e mais dedos de Astor se unem ao outro dentro
de mim. O ruivo mete as suas digitais dentro de mim com força,
empurrando pra baixo. — Me-me fode, eu quero ficar cheia de porra.
— Você não sabe com o que está brincando, Nancy. Abra a boca! —
ordena, soando muito mais animal do que persanes, e eu obedeço. — Eu
deveria fazer você tentar engolir o meu pau por ser tão atrevida, fêmea.
Você deveria ser punida por ser tão safada. — Astor estufa toda a sua
enorme língua da minha boca e logo em seguida eu perco os seus três
dedos, o que não faz sentido algum.
Até que, ao mesmo tempo que um jato de porra quente atinge a porta
de fora da minha bunda e a da minha buceta, de repente escuto o som alto
de algo se quebrando perto e sinto o meu corpo todo se chacoalhar de susto.
Eu afasto os meus lábios dos de Astor com pressa e respirando pela boca,
percebo que a mão que ele tirou de dentro de mim, simplesmente trincou o
azulejo ao lado da minha cabeça, de tanto que fez força.
— Você… — Franzo a testa e vejo um fio de sangue vermelho vivo
escorrer por seu braço. — Está ferido.
— Isso não é nada, só um corte fino. — Nega com a cabeça e deixa
que a água leve o seu sangue, enquanto me segura com uma mão só. —
Você está grávida, então tem que parar de me provocar, porra! — fala
entredentes e eu o encaro extremamente assustada, sem mover um músculo
mais sequer, com mais jatos de porra me atingido. Ele ficou com tanto tesão
enquanto eu lavava seu cabelo, que quebrou um azulejo! — Cada vez que
você implora pelo meu pau ou fala coisas sujas, parece que eu vou explodir
de tanta vontade de te comer, Nancy. — O meu coração fica disparado.
Só que enquanto Astor parece tão nervoso assim, parece que o seu
cheiro de sal e baunilha invade completamente os meus sentidos e eu me
sinto ficar ainda mais molhada.
— É que o-o seu cheiro é tão… tão diferente… eu não entendo. — A
minha boca enche d’água e as minhas pálpebras vão ficando pesadas.
Eu deveria ficar com medo de Astor, mas só fico mais excitada por
saber o tamanho da vontade que ele tem de mim.
— O que tem o meu cheiro, pequena? — pergunta, agora já sem
shampoo no cabelo por conta da água no chuveiro que bate muito mais
nele, e eu mordo meu lábio inferior.
Sei que se falar demais vou acabar revelando que talvez eu esteja
completamente viciada em Astor. Se declarar primeiro nunca é certo,
Margot me disse uma vez que homens gostam de brincar de gato e rato, mas
se você não é um rato interessante o bastante, eles encontram outras coisas
para perseguir.
— Não faça isso — murmura, coloca o dedo no meu lábio inferior e
faz uma leve pressão, me obrigando a parar de mordê-lo, o que me deixa
ainda mais quente. A proximidade com Astor está me matando. — Não
consigo pensar quando você faz isso ou me olha assim. — A revelação dele
me enche de surpresa. — Você é muito difícil de entender.
— Acha que eu sou difícil? — Arqueio as duas sobrancelhas.
— Tento adivinhar o que está se passando na sua cabeça e não acho
que entendo, mesmo sentindo mais cheiros do que a maioria dos persaneses
— explica e caminha ainda mais para onde os jatos do chuveiro são
uniformes, assim molha a nós dois. Eu fecho os olhos e me encolho. — O
que você está pensando agora? Ajude-me a me acalmar, por favor. — O
jeito desesperado como ele diz “por favor” me pega desprevenida.
Eu abraço o seu corpo, me escondendo na curva de seu pescoço, e ele
me gruda mais ao seu peitoral quente e largo, com o seu cabelo molhado
ficando todo para a parte de suas costas.
— Eu… estou pensando que você é a pessoa mais bonita que já vi em
toda a minha vida. — O meu rosto esquenta de vergonha e eu sei que
mesmo com o barulho da água, ele ainda me ouve. — E você me deixa e-
excitada quase que o tempo todo, porque o seu cheiro é muito bom, como
eu já te falei. Ele parece que me deixa mole… — gaguejo ainda mais,
porque tenho medo. Mas essa situação toda é surreal demais. — A sua voz
também é linda.
— Continue falando. O que é que você pensa quando me olha por
vários segundos, como se estivesse intrigada? — Eu o escuto sem
problemas, porque estou pele a pele com ele.
— Você é lindo, Astor — sussurro e sinto um aperto grande no meu
coração. E se ele não quiser mais nada comigo? — É incrível e grande, e
nesse momento acho que não consigo pensar em nada. As suas mãos
ásperas contra a minha pele me agarrando com força assim me deixam
perdida. Eu acho que também gosto do jeito como você é cuidadoso com
todo mundo a sua volta e eu… queria que você continuasse cuidando de
mim.
Essa conversa está se tornando profunda demais e a minha vontade é
me esconder, porque só eu estou me expondo agora. Só que não dá pra me
esconder, estou no colo de Astor.
— É por isso que você está me perseguindo? Por que você quer
alguém para cuidar de você? — Ele sai debaixo da água, nós estamos
encharcados, e volta a me encostar contra o azulejo.
Perseguir é uma palavra forte, mas é assim que ele vê?
— Não é bem assim, eu não quero você só pra isso.
— Me quer para te foder também? — Uma ruga aparece entre as suas
sobrancelhas.
— Eu só… me sinto muito atraída por você, Astor. Você é quente e-e
eu quero passar mais tempo perto, quero te conhecer.
Por que estamos tendo essa conversa assim?
Ele claramente está atraído por mim e mesmo assim parece que ergue
uma barreira entre nós dois falando desse jeito, me tratando como se eu só
quisesse usá-lo para algo.
— E você acha que é a única que se sente atraída assim, loarla? Pra
que mentir daquele jeito e quase me enlouquecer? — Toca o meu rosto com
os seus dedos e o braço dele parece ter parado de sangrar.
— O que quer dizer essa palavra “loarla”? — Finalmente tenho a
chance de saber, já que Kara enrolou, enrolou e não me falou.
Talvez seja um apelido bonito, como Oliver tem. Dante a chama de
Soslaia, que é uma deusa do sol da cultura persanesa. Eu me lembro da
ruiva dizer que as outras humanas também tinham apelidos, não vou me
recordar quais eram exatamente, mas eram coisas profundas na língua
persanesa.
E Astor é alguém muito gentil e cuidadoso, então provavelmente ele
escolheu algo incrível.
— Você não vai querer saber. — Roça de leve os seus lábios contra os
meus, assim como fez com o seu nariz antes. É um carinho de um jeito que
nunca recebi, muito íntimo e sensual, faz o meu corpo se acender.
— Mas eu quero — insisto.
— Quer dizer praga — revela e por alguns segundos, eu fico em
silêncio, absorvendo.
Eu não sei como reagir.
Capítulo 23
Nancy
— Praga? Tipo um bicho intruso e sujo? — Franzo a testa, sem
conseguir esconder a minha cara de decepção. Sei que menti pra ele com a
ajuda de Kara, mas eu me lembro dele me chamando disso logo quando
sugou o meu sangue pela primeira vez e eu nem tinha feito nada demais,
além de pedir ajuda para sair de um lugar horrível. — Você está me
xingando, então?
É como se uma pequena chave virasse dentro da minha cabeça.
Oliver foi chamada de deusa do sol. Karina, que eu nem conheci, era
chamada de algo a ver com a lua, e ele me chama de praga?
— Você está se instalando dentro de mim e de uma forma
inexplicável me mantém cativo, mesmo quando eu sei que isso não é certo
— explica e só fica pior. — O que aconteceu hoje saiu totalmente do meu
controle, Nancy. Você ativa os meus instintos mais profundos desde que te
conheci e eu continuo achando que isso não deveria ter acontecido.
— Por que não? — pergunto, mesmo sem querer.
Tenho medo do que ele pode me dizer mais.
— Você é pequena demais, não é como uma persanesa, e eu tenho
medo de machucar o bebê também. O que eu sinto, desde a primeira vez
que te vi é… — Por favor, diz incrível, por favor. — Muito esquisito. Tenho
tido sonhos estranhos, sinto muita angústia desde que te conheci. Eu preciso
estudar tudo que Frederick Burner parece ter acumulado sobre persaneses,
mas não consigo parar de pensar em você e olha só o que acabei de fazer
com esse azulejo. Eu nem percebi até ouvir o barulho, Nancy. E poderia ter
sido com você, poderia ter sido uma parte sua.
— Esquisito? — Eu já sabia que Astor estava fora de si enquanto
transávamos, mas acho que estava esperando que ele mudasse e me visse
como uma boa opção agora. Mas talvez eu esteja querendo que isso
aconteça muito rápido… — Você acha mesmo que eu sou uma… loarla,
então? — murmuro e não consigo olhar pra ele, me sinto desapontada
demais e com uma dor na garganta estranha.
Uma bola de angústia difícil de engolir.
Estou mesmo com vontade de chorar por causa disso?
Mas é que agora, nesse exato segundo, eu me sinto tão sozinha e
rejeitada. Ele basicamente está dizendo que se pudesse escolher, com
certeza não seria eu para estar atraído.
— Sinto muito que isso não seja o que você estava esperando. Não é
de uma maneira maldosa é só que v…
— Tudo bem — interrompo a sua frase com pressa e dou de ombros,
antes que Astor me diga mais coisas que me machuquem. — Acho melhor
eu descer daqui agora, estou dolorida, preciso descansar.
— Eu fui duro demais com você, me desculpe. — Ele me coloca no
chão devagar, deslizando seu calor pela minha pele de um jeito que minutos
atrás seria prazeroso, mas que agora me incomoda. — Nancy? Olhe pra
mim.
Eu o ignoro, faço um coque de cabelo rápido, usando o meu próprio
cabelo molhado mesmo como prendedor, e me esforço para engolir o choro.
Não vou ficar aqui, ouvindo Astor falar desse jeito sobre mim, só
porque ele tem um complexo estranho e acha que a sua raça é melhor do
que a humana. Isso sim é estranho, saber que ele esteve comigo até agora
me comparando com as fêmeas dele e pensando o quanto seria melhor se eu
fosse uma delas.
— Me passe o sabonete — peço, porque estou com o cheiro e a porra
dele espalhada pelas minhas coxas, mas continuo sem encará-lo. Foco os
olhos num azulejo no canto vazio.
Aproveito que estou molhada e rapidamente me esfrego com a barra
de sabão que ele me dá.
Se ficar perto dele me intoxica tanto que não consigo pensar, preciso
me afastar e colocar a cabeça no lugar. Nunca terei como primeira opção
alguém que tem tanta repulsa assim de mim e que não consegue nem
entender por que quer me tocar.
Está na hora de eu começar a tomar as rédeas dessa situação e parar
de sonhar com a fantasia do persanes perfeito. Pode ter acontecido com
Oliver e suas amigas, mas claramente comigo não vai.

Astor
— Aonde você vai? — pergunto e o som da minha voz faz a pequena
fêmea dar quase um pulo, de tanto susto, e mesmo assim ela não se vira
para me encarar.
Nos cinco minutos a mais que fiquei no banheiro após ela ter
terminado de se esfregar e saído do box às pressas, Nancy deu um jeito de
encontrar uma cueca samba canção minha, que já vestiu. E nesse momento
ela está colocando uma regata vermelha, cobrindo com pressa os seios de
mim.
— Tenho que voltar para o quarto com a minha irmã, não quero que
ela saiba que eu saí. — Nancy soa distante, o seu tom de voz é pálido,
robótico demais comparado a meia hora atrás.
Eu não deveria ter dito a ela o que loarla significa, eu sei que não
deveria. Esse xingamento saiu de mim da primeira vez que vi como o poder
dessa fêmea sobre mim era potente, e desde então não consigo não a ver
como uma praga que virou o meu mundo de cabeça pra baixo, que está me
empurrando para longe de ser um bom curandeiro e mais para perto de
perder a cabeça.
— Ela vai saber que esteve aqui pelas minhas roupas em você — falo
e uma parte idiota e bestial dentro de mim, ronrona de prazer em vê-la
vestida com as minhas peças, que ficam largas em seu corpo, marcando a
sua barriga de quatro meses e os seus mamilos duros.
Eu rasguei basicamente tudo que Nancy veio usando, então a fêmea
precisa usar as pouquíssimas coisas que tenho aqui na Turquia.
Ela deveria ter roupas para si, coisas bonitas. Mas desde que
chegaram na mansão, escolhemos deixar as irmãs mais soltas, se
aclimatando à nova vida.
Porém… talvez eu devesse sair com ela e comprar coisas bonitas para
enfeitá-la, só não sei se eu sobreviveria assistindo essa fêmea entrando e
saindo de um provador.
— Quando eu chegar no quarto troco de roupa, escondo essas e
depois te devolvo. — Ela se coloca de joelhos com um pouco de
dificuldade e procura por algo perto da cama, enquanto entro mais no
quarto, com uma toalha amarrada na cintura, e molho o chão com os meus
cabelos que estão pingando muito. Mas eu tinha que entender o que Nancy
estava fazendo e não tinha tempo de secá-los direito. — Juliet vai estar
dormindo e nem vai notar nada.
— Nancy, nós precisamos conversar melhor — falo seriamente, só
que ela encontra o seu par de chinelos e os enfia nos pés com tanta pressa
que quase cai. Ela só não tomba de vez porque eu sou rápido em dar alguns
passos e a seguro pelo braço.
Só que esse pequeno toque parece eletrizar a nós dois, e me faz
lembrar de como foi tocá-la mais profundamente.
— Conversamos outra hora. Agora já vou indo… boa noite, Astor. —
Então ela finalmente levanta a cabeça e me encara, e ao contrário do que eu
esperava, os seus olhos não estão cinzentos, eles estão um azul safira
profundo, o que significa que ela sente muito, só que compartilha pouco.
— Está muito tarde para você andar pela mansão. — Franzo a testa
enquanto o cheiro de tristeza e de raiva da fêmea inundam o meu olfato. Eu
até me engasgo por alguns segundos, porque é muito forte.
— Não está. Eu quero ir embora para o meu quarto agora, então me
solte. — Ela sacode o braço, tentando se livrar de mim, mas eu não a
obedeço. Não quero deixar de tocá-la, eu quero repetir tudo de novo, até
que nossos corpos estejam exaustos e o meu cheiro esteja completamente
nela. — Vá colocar um curativo no seu machucado e me deixe ir.
— Eu não preciso de um curativo, já estou curado, vê? — Mostro a
ela a palma da minha mão, para que veja que não tem nem sequer uma
cicatriz do pequeno corte que o azulejo deixou em mim.
— Que bom pra você então, mas eu preciso ir agora.
— Eu te levo de volta até lá — ofereço e ela nega com a cabeça,
numa postura de gelo, tentando me esconder os seus sentimentos.
Não quero vê-la assim, eu não quero fazer mal pra essa fêmea. Mas
ela é realmente muito jovem e tem expectativas altas demais. Eu não sou
um Dark Elf, eu sou um Persha, e Pershas, além de terem estrelas nas mãos,
também são conhecidos por serem imparáveis. Assim como o meu irmão e
a minha mãe.
Eu podia ter prejudicado o filhote que cheirou como o meu Nimiar,
podia ter prejudicado uma fêmea linda e doce e tão… cativante. Mas,
diferentemente do que sempre pensei de mim, eu não tenho tanta
inteligência emocional assim. Não consigo colocar os meus pensamentos
em palavras de um jeito que não vá me fazer parecer doido por sentir cheiro
de um filhote morto.
Agora mesmo eu estou confuso pra caramba.
— Você tem que voltar pros seus estudos e eu sei bem o caminho de
volta, tenho boa memória.
Eu pego Nancy pelo braço, mas não é só o braço dela que eu quero
pegar, e ela olha pra cima assustada. Primeiro a sua atenção recai sobre o
meu rosto e eu percebo como as suas bochechas estão vermelhas e ela
respira rápido. Depois Nancy nota como estou sem camisa, com o peitoral
todo molhado e só de toalha, então ela engole em seco e volta a desviar o
olhar.
Mas só esses poucos segundos já me deixaram pegando fogo, ainda
mais que ela encara um pouco a cama enquanto tenta me ignorar.
— Você pode ficar aqui na cabana e eu… posso dormir no chão. — A
minha voz sai muito mais rouca do que eu planejava, dada a nossa
proximidade.
Se dormir na cama vou agarrá-la durante a noite e vai ser ruim para
nós dois, porque no segundo que eu a machucar, me sentirei um macho
muito ruim. Só que se eu falar isso pra Nancy, o tamanho do meu medo por
sua segurança, não acho que ela vai querer colaborar comigo.
Essa coisa dela sentir cheiro em mim, um cheiro que a atrai, é muito
estranho e eu preciso entender por que estamos assim, se não tem como ter
cio, que é uma condição que vai mexer com a minha e com a cabeça dela.
— É melhor e-eu ir embora — gagueja e molha o lábio inferior. Eu
vejo como as narinas dela se alargam e ela respira fundo o meu cheiro,
assim como estou fazendo agora, e isso me faz rosnar baixo e apertar ainda
mais o braço por onde a seguro. — Eu nem deveria ter vindo.
— Você me deixou em pânico, Nancy, e depois… eu me senti um
monstro por estar desejando uma fêmea que cheirava tanto a doença —
confesso e ela faz um aceno curto com a cabeça, como se dissesse que
entende os meus motivos. — Sente na cama comigo, vamos conversar.
Esqueça o que eu te disse no chuveiro, me deixe… reformular as coisas —
peço, mas a morena não sai do lugar.
— Me desculpe por ter mentido, eu fiz mal — sussurra e o seu lábio
inferior treme, como se estivesse prestes a chorar. As minhas mãos coçam
para tomar mais da Nancy, para colocá-la em meu colo e ter seus olhos na
altura dos meus, assim consigo assistir cada emoção passando por seu rosto
e consigo desvendar pelo menos um pouco do que se passa em sua cabeça.
— Você não está gostando de mim desde o início e eu fiz tudo de maneira
errada, como sempre. — A voz dela está tão embargada que sinto dor física.
— Não é sobre gostar ou não, Nancy, o que eu sinto é…
— Muito estranho, né? — Interrompe a minha explicação, com muita
mágoa, num tom de escárnio. — Eu sou como uma praga, não é, Astor?
Uma coisa suja que você não consegue entender por que gosta tanto, por
que quer tanto tocar. Mas se eu fosse uma persanesa, aposto que você me
adoraria! — exclama, deixando um pouco de sua raiva escapar.
— Não é desse jeito, fêmea. Nós dois estamos sentindo coisas
anormais dentro de nós. — Nancy fez nascer uma rorani em mim! Que às
vezes arde e às vezes não! Eu senti o cheiro do meu filhote nela e isso não
tem nada de normal! — Você está atraída pelo meu cheiro e talvez isso
tenha a ver com…
— Foi desse jeito que fiquei grávida e sozinha, fazendo as coisas sem
pensar, com homens que não tiveram nem tempo de me conhecer para
gostar de mim — ela continua me interrompendo e sacode o braço com
tanta força enquanto se afasta, que eu não tenho outra escolha além de
soltá-la se não quiser que se machuque. — Eu não quero me sentir mais
sozinha, Astor. Então tenho que fazer as coisas certas e ficar longe de caras
que me veem como um inconveniente.
— Não fique assim, pequena. Por favor — peço, mas a verdade é que
eu nem sei o que falar pra ela.
Tenho que parar com isso, chamei Nancy até de amor enquanto
estávamos na cama e agora pouco de bouan. Estava tremendo feito um
macho jovem no primeiro cio, e agora eu quero ser carinhoso com ela, eu
quero lambe-la até que a sua tristeza vá embora e quero impedi-la de ir
embora, quando isso é exatamente do que preciso.
— Acho que eu só queria ser a “pequena fêmea” de alguém, como
Oliver é. — Os seus olhos azuis se enchem d’água, ela funga e uma lágrima
grossa lhe escapa, mas logo a fêmea limpa o rastro de sua tristeza. O meu
coração se aperta em resposta e a minha cauda atrás de mim só quer abraçá-
la.
Como eu posso querer tanto alguém que conheci há pouquíssimos
dias? Como o meu peito pode doer com tanta força por uma fêmea?
— Vamos conversar, Nancy. — Tento pegá-la novamente, mas ela dá
um salto para trás como se tivesse nojo do meu toque.
— É muito assustadora essa nova realidade — confessa e abraça o
próprio corpo, tocando onde eu a peguei antes, que ficou vermelho com a
marca dos meus cinco dedos. Será que eu a machuquei?! — Mas eu sei que
consigo, tenho uma ótima irmã, e mesmo que eu queira muito, não preciso
ser de ninguém pra aprender como me virar. — As suas palavras são
cortantes e dentro da minha cabeça se forma um nó.
Ela está fazendo o que nós dois precisamos, está colocando um
espaço entre nós que eu não fui capaz e se mantendo em segurança, longe
de um macho que tem ficado cada vez mais descontrolado.
Mas ao mesmo tempo… não consigo vê-la fazer isso, vê-la ficar tão
chateada, e não querer arrumar essa bagunça.
— Durma aqui, Nancy, ou me deixe te levar até lá. — Eu não sei o
que vou falar para ela, se conto a verdade sobre o cheiro que senti em sua
barriga e sobre a rorani, que a profecia diz ser a marca do escolhido.
Mas como eu posso ser o escolhido junto com os Dark Elf?
Logo eu, um macho que só sabe fingir estar bem para todos, enquanto
remói a morte de todos que amou um dia. Eu perdi meu irmão e perdi meu
filho e não tenho nada para oferecer, além do meu trabalho como
curandeiro.
Na verdade, eu não sou nada além de um curandeiro, e nem sequer
consegui criar um bloqueador efetivo de cio para Dante.
— Eu volto sozinha, pode ficar. — Dá de ombros. — E não brigue
com a Kara, foi tudo minha culpa, se quiser continuar bravo com alguém,
que seja comigo.
Eu não acho que consigo ficar bravo com Nancy por mais do que
alguns minutos, parece que eu perdi completamente o controle dos meus
sentimentos, dos meus pensamentos e dos meus atos.
— Boa noite, Astor — ela murmura e fica me encarando por alguns
segundos, como se esperasse por alguma reação minha.
Mas o que é que eu posso fazer? Pegá-la em meus braços e impedir
que vá? Continuar tocando-a como se não existisse o perigo real de eu
machucá-la num momento de descontrole? Se eu fosse o Astor das ilhas
Cosmos talvez eu pudesse garantir algo, mas tem um rosnado estranho na
minha garganta que me faz ter medo de ficar perto demais dela e fazer algo
que me assombrará o resto da vida.
Não posso machucar Nancy e nem esse bebê.
Então ela vira as costas e vai embora, e deixa eu me sentindo o macho
mais imbecil do mundo.
Capítulo 24
Nancy
— Eles estão buscando por vocês, meninas — Kara fala, assim que
faz minha irmã e eu sentarmos na cama, como se pudéssemos desmaiar se
escutássemos a notícia de pé.
— Quem? — pergunto, ainda meio zonza por ter acabado de acordar.
A madrugada com Astor me virou de cabeça pra baixo e eu fiquei tão
cansada que, assim que deitei na cama, dormi um sono profundo. Só
acordei hoje, com uma batida rápida na porta, que me fez correr para o
banheiro para esconder as mordidas e até hematomas que ganhei do ruivo
enquanto ele me segurava com força. Coloquei uma calça de moletom e
uma blusa de manga longa.
Persaneses realmente gostam de deixar a sua marca.
— Os seus pais, Nancy! — Kara explica, com uma sobrancelha
arqueada, sem acreditar que eu esteja tão perdida assim. — Ou pelo menos
essas duas pessoas dizem ser os seus pais, mas eles claramente conhecem
vocês e estão espalhando um monte de fotos suas por aí!
É como se suas palavras me puxassem para a realidade. Estou tão
atenta a toda essa coisa com o ruivo, que esqueci totalmente dessa parte da
minha vida, que deveria ser a mais importante, já que é tão perigosa.
— T-tem certeza? — eu até gaguejo e a persanesa faz um aceno
positivo e pesaroso com a cabeça.
Hoje a cauda escura de Kara está muito agitada atrás do seu corpo
alto e tão largo quanto o meu. Ela usa um short jeans curto, que deixa as
suas coxas torneadas de fora, e uma blusa com um grande decote em V,
mostrando bem os seus grandes seios.
Aliás, ela é toda grande, como eu nunca vi uma mulher ser, mas ainda
assim não tão grande quanto um de seus machos.
— Nós reportamos a Igreja de vocês para o governo, porque os Dark
Elf decidiram que vamos tentar acabar com essa seita pelo tribunal. — Eu
acho que Kara não concorda com esse posicionamento. Talvez, assim como
na minha conversa de ontem com o Astor, ela acha que o melhor seja fazer
justiça com as próprias mãos. — Mas parece que Frederick também tem
muita influência na política e nos tribunais lá nos Estados Unidos. Ele
decidiu voltar para Red Town de forma secreta, levando algumas pessoas,
inclusive os pais de vocês. Eles estão dando reportagens dizendo que nós,
os persaneses malvados, sequestramos vocês — explica, se atropelando um
pouco nas palavras, já que a minha língua obviamente não é o idioma que
mais costuma falar.
— Isso é sério?! — Arregalo os meus olhos e encaro a minha irmã,
que não mexe um músculo de sua face. É como se ela estivesse em transe,
paralisada. — Podemos ver essas reportagens? Que tipo de coisas
exatamente eles estão falando? — questiono, ficando mais aflita a cada
segundo.
Isso se parece bastante com algo que a porra do Frederick faria.
Quando ele não precisava de nós, nos mantinha dentro das terras da Igreja
feito camponeses, lendo a sua bíblia inventada e vivendo sob suas leis
estranhas. Mas toda vez que ele precisava de alguém, nos tirava rapidinho
com o ônibus, aviões e o que fosse preciso, e nos colocava nas ruas para
fazermos protestos, sem nunca se envolver diretamente com as nossas
ações.
— Frederick falou como se todos que estivessem aqui na Turquia pela
Igreja, estivessem fazendo algo como um retiro espiritual. Até que vocês
foram atacados por persaneses, que levaram embora duas mulheres jovens e
indefesas — ela continua explicando, mas não mostra as imagens, o que me
deixa mais nervosa, ainda mais com toda a agitação que demonstra.
Eu conheço bem pouco de Kara, mas acho que alguém com tanto
dinheiro, que é dona de uma casa gigante como essa, não ficaria aflita por
qualquer coisa
— Pode nos deixar ver essas reportagens? Talvez nós pudéssemos
ajudar em algo, dependendo do que eles estiverem falando — peço mais
uma vez e ela franze o cenho e, assim como a minha irmã costuma fazer
quando está nervosa, Kara começa a andar de um lado para o outro, de tanto
nervosismo.
E por falar na minha irmã, me admira que Juliet esteja aqui, trancada
nesse quarto com uma persanesa, e não tenha falado nada de desagradável
ainda sobre ela ser um demônio ou algo assim.
Será que está se acostumando com eles?
Mas a minha irmã nem saiu do quarto desde que chegamos aqui, ou
pelo menos é o que eu acho, já que toda vez que entro, Juliet está deitada na
cama vendo TV ou dormindo. Porém, como eu passei muito tempo fora
buscando Astor, talvez não esteja vendo tudo que está acontecendo com ela.
— É melhor vocês não verem essas reportagens, eles estão fazendo
um show de horrores na cidade de vocês. Agindo como se vocês tivessem
sido raptadas por nós e eles fossem só um grupo religioso que prega a paz.
— Eu acho melhor nós vermos isso sim — Juliet interfere e Kara
ainda resiste por alguns segundos, pensando se deve ou não, até que ela
percebe que não vai conseguir nos convencer a não assistir, tira do seu
bolso traseiro um celular, clica em algumas coisas e depois nos dá o
aparelho.
— Isso está aparecendo em todos os lugares lá nos Estados Unidos —
a persanesa fala, enquanto eu e Juliet assistimos uma repórter no meio da
rua falar.
A mulher de cabelos loiros, parece uma super modelo, com um
terninho bem-arrumado e ela soa muito revoltada, o que não me deixa com
dúvida nenhuma que ela com certeza foi comprada por Frederick para fazer
tudo parecer ainda pior.
“O retiro espiritual da Igreja do Oitavo Renascer se transformou num
pesadelo por causa de bestas sanguinárias. Os membros foram até a Turquia
para uma comemoração e terminaram tendo que sair de lá às pressas, pois
um grupo de persaneses invadiu as terras que eles haviam acabado de
comprar, quebraram e queimaram tudo, e ainda levaram embora duas
jovens inocentes, que imploraram de joelhos para não serem sequestradas.”
A loira fala tudo com uma convicção imensa, segurando o seu
microfone e fitando a câmera como se pudesse olhar para cada pessoa do
outro lado da tela.
— Que porra é essa? — pergunto com a testa franzida, totalmente
incrédula enquanto divido a tela com a minha irmã.
— Espere só para ver o que acontece agora — Kara alerta e a
reportagem mostra uma rua larga e cheia de pessoas interrompendo o
trânsito, algumas estão com bíblias nas mãos e outras de mãos dadas,
inclusive crianças.
Todos se vestem de branco e um por um, eu vou reconhecendo os
rostos dos mentirosos.
“Nancy e Juliet eram tementes a Deus, elas eram boas meninas, iam
se casar com bons homens, mas isso não impediu o monstro de arrastá-las e
as levaram embora de seus pais.” De repente a minha mãe aparece falando
com lágrimas nos olhos, enquanto veste uma camiseta branca com o meu
rosto e o da minha irmã e sacode uma bíblia.
Eu estou ficando maluca ou isso é real mesmo?
Essa mulher nunca derramou sequer uma lágrima na minha presença
e só sabia criticar a mim e a minha irmã.
“As minhas filhas eram tudo para mim, Nancy e Juliet Shepard eram
um presente de Deus!” Ela fala com tanta emoção que me deixa com ânsia
de vômito ver a sua encenação absurda.
Essa mulher sempre deixou claro como me odiava!
“Elas eram as melhores filhas que alguém poderia ter e parece que os
monstros sentiram isso! É como se eles pudessem sentir o cheiro da
bondade das minhas meninas!” A voz dela fica muito embargada e ela
limpa as suas lágrimas de crocodilo com um lencinho dado pela repórter ao
seu lado.
— Que filhas da puta! — resmungo, mas Juliet assiste tudo com
atenção demais para xingar. Parece que ela vai explodir a tela, tamanho o
ódio em seus olhos.
“É isso que persaneses fazem, eles vão atrás das pessoas mais gentis,
mais bondosas e puras, e as levam embora para viver em suas casas cheias
de tudo que há de ruim. Eles estupram mulheres e as enfeitiçam. Fazem
orgias aos montes!”
A minha mãe fala com uma convicção enorme e me deixa chocada
quanto tempo a televisão deu para que ela gritasse feito uma maluca, com
um monte de protestantes ao fundo.
“Eu sinto muito por sua filha, senhora Shepard” a porra da repórter
murmura.
“Essas bestas estão sendo permitidas na nossa sociedade, porque tem
dinheiro e poder, enganam a todos com essa história de elfo, mas eu sei o
que eu vi quando levaram embora as minhas meninas. Eles não são elfos,
são demônios e está na hora de alguém fazer algo contra os persaneses,
antes que seja tarde demais para as minhas meninas e para tantas outras que
podem ser sequestradas por aí!”
A minha mãe consegue até fungar, de tão cínica! Eu odeio essa
mulher! E só fica pior, porque de repente o meu pai aparece, sabe Deus de
onde, e a câmera foca nele.
“Persaneses são perigosos, eles são sujos e sombrios e vão corromper
toda menina jovem que passar por sua frente. Eles são o que há de pior no
mundo e levaram as minhas meninas!”
O meu pai mal falava comigo e com a minha irmã. Ele nunca ajudou
em nada dentro de casa, nunca limpou nem cozinhou, ele só servia de
marionete para Frederick.
“Voltem para sua terra! Nós não queremos vocês aqui, vivendo ao
lado dos nossos filhos!” Alguém grita de longe e o vídeo acaba.
— Eles estão malucos! É isso, endoidaram de vez! — Eu não consigo
conter a minha raiva e preciso esbravejar. — Essa foi a porra mais suja que
eu já vi na vida. Nenhum deles se importava de verdade comigo ou com
Juliet!
— Essa reportagem está sendo repetida por aí, além deles estarem
criando um monte de notícias falsas na internet, com vídeos do suposto
incêndio que fizemos na fazenda. Querem fazer a opinião pública se voltar
contra a minha raça. Segundo as minhas fontes, eles já foram até a polícia e
a sua mãe deu vocês duas como desaparecidas — Kara explica e parece que
nós duas estamos juntas no desespero.
Eu me sinto impotente e frustrada com essas informações.
— Isso significa que se nós pisarmos nos Estados Unidos, eles vão
nos encontrar, certo? Porque estão nos dando como desaparecidas. — Mas
Juliet não parece nervosa, ou pelo menos ela não demonstra.
Ela cruza os braços na frente dos seios, com seus cabelos loiros soltos
formando uma cortina densa de fios claros e luminosos à suas costas
enquanto usa uma camiseta e uma bermuda de moletom, e me parece bem
pensativa.
— Exatamente. É melhor vocês ficarem aqui mais algumas semanas e
eu prometo que quando quiserem ir embora, vão ter todo o apoio financeiro
— Kara assegura e por mais alguns minutos ela fica no quarto conversando
comigo e com a minha irmã, depois diz que precisamos comer e que vai
estar nos esperando para tomarmos café da manhã na sala e sai do quarto,
como se pudesse sentir que eu e Juliet precisamos conversar.
Só que no segundo que a persanesa negra vai embora, não é sobre os
meus pais que a minha irmã quer falar.
— Aonde você realmente foi essa noite, Nancy? — Ela me
surpreende tanto que eu fico sem fala.
Juliet está com os olhos semicerrados e espera sentada ao meu lado na
cama que eu conte algo.
— Eu… — começo, mas só de imaginar a gritaria que vai ser, eu
mordo os lábios e não consigo terminar.
Merda!
Por que eu tinha que ser tão descabeçada? Por que eu não posso ser
mais sensata e parar de me enfiar em problemas?
O meu pai e a minha mãe estão lá em Red Town acusando os
persaneses de fazer uma coisa que eles obviamente não fizeram, uma coisa
que afeta todos os persaneses do mundo, e enquanto isso eu estava me
fingindo de doente para um ruivo que não está nem aí para mim e me acha
uma praga na sua vida.
— Pela sua cara, já sei que estava fazendo coisa errada, não é? —
pergunta e eu ainda não sei o que responder.
— Vamos ficar mais tempo aqui na Turquia então? — tento mudar de
assunto da forma mais óbvia possível e rezo para que ela não queira me
torturar pisando na minha ferida aberta. Pensar em Astor me faz estremecer,
porque o meu cérebro guardou direitinho as palavras dele no banho. —
Porque você tinha falado que ficaríamos só um tempo, até contar pra eles
tudo sobre a seita e nós duas já fomos interrogadas, mas agora estão todos
nos procurando.
— Não dá para confiar nesse monte de persaneses que a gente nunca
viu na vida — fala bem baixo, com medo de ser ouvida por Kara, que
acabou de sair. — Mas eu ainda não sei como vamos voltar para Red Town
ou andar por aí sem sermos encontradas.
— Sabe… eu acho que a gente podia tentar ir embora, quem sabe p…
— Começo a argumentar e seu interrompida pela minha irmã que me olha
como se eu fosse uma maluca, o que faz bastante sentido.
Até agora quem estava tentando ir embora de qualquer jeito era ela,
não eu. Só que a conversa com Astor ontem me fez sentir que esse aqui não
é o meu lugar e que quanto mais eu ficar perto dele, mais idiotices eu vou
cometer.
Não sou como a minha irmã, acho que ela ficou com toda a sensatez
disponível e só sobrou a burrice para mim no útero da nossa mãe.
— Nós não convivemos de verdade com as pessoas daquela cidade,
não éramos moradoras de Red Town. A gente não sabe viver sozinha,
Nancy, e você mesma me disse isso alguns dias atrás. — As palavras da
minha irmã me deixam boquiaberta.
Ela realmente acordou para a realidade?
— Talvez pudéssemos mudar de cidade, encontrar algum lugar bem
distante de Red Town, e irmos ainda essa semana. — Dou de ombros.
— Nós vamos ter que ficar um tempo. A sua saúde, segundo o
curandeiro, não está boa. — Ela é categórica.
— Está tudo bem com você? — Coloco a mão em sua testa, fazendo
graça. — Juliet Shepard está querendo ficar perto de persaneses?!
É como se os papéis se invertessem agora.
— Quando falei que sairia com você, eu fiz a minha escolha. Nunca
deixaria você casar com um homem que te espancaria e também não vou
deixar que nada aconteça com você e com o seu bebê. — Ela dá um leve
apertão na minha mão, mostrando que me apoia. — E se tiver que confiar
em seres com cauda e rabo, então tá bom. Mas só por agora.
A fala dela faz o meu rosto todo esquentar, porque tecnicamente eu
menti para Juliet. A nossa mãe nem sabia que eu estava grávida e nunca
tentou me arranjar um marido, mas quando soubesse, provavelmente me
colocaria sim para casar às pressas com um homem ruim.
— Eu tenho uma coisa pra te contar… — murmuro, sem saber qual
absurdo eu falo primeiro.
— Que você está transando com o curandeiro? — pergunta, e meu
rosto esquenta ainda mais.
— Como você sabe?!
— Além de você obviamente ter gostado dele desde a primeira vez
que o viu, eu também tive um sonho naquele dia que estávamos no hotel —
ela fala como se não fosse nada demais.
— Como era o sonho? — pergunto, muito curiosa.
Os sonhos da minha irmã sempre foram uma incógnita para nós duas,
incógnita essa que já fez ela levar muitas surras da nossa mãe. Isso porque
os sonhos dela, de alguma forma estranha, às vezes preveem o futuro.
— Sonhei que você estava com uma barriga grande, com esse Astor
do lado, e segurando um bebê de chifre e rabinhos de cabelos ruivos —
conta, mas não parece muito animada com isso. — Mas não leve isso a
sério, pode ter sido só um sonho aleatório, não significa que vai acontecer.
Além do mais, pela sua cara hoje, as coisas entre vocês dois parecem estar
dando errado.
Eu fico alguns segundos imaginando o sonho e é como se o meu
coração fosse sair pulando pela minha boca a qualquer segundo, de tão forte
que bate.
— É… não estão mesmo — resmungo.
— Estou tentando me acostumar a tudo isso, Nancy, mas está sendo
muito difícil. — Eu sinto a tristeza pesando na sua voz e isso cria um aperto
na minha garganta. — Você não deveria dormir com esses homens que nem
conhece, mas eu não sou sua mãe, então faça o que quiser. — Ela dá de
ombros, mas eu sei que não quer dizer isso.
Juliet está magoada comigo e com toda razão. A minha irmã sempre
andou atrás de mim arrumando os meus erros e agora eu só tenho dado
mancada atrás de mancada.
— Você ficou chateada comigo por que não conseguiu se casar? —
questiono com cuidado. Já que estamos sendo verdadeiras uma com a outra,
decido fazer a pergunta que está me assombrando.
— Que pergunta absurda é essa?! — Ela arrega os olhos, incrédula,
mudando totalmente o clima.
— Só me responde, July. Você queria se casar ou não com aquele cara
de fora da IOR? — Encaro o fundo de seus olhos acinzentados. — Porque
antes de fugirmos, você me parecia bem… inclinada a aceitar essa merda.
— Eu sei que você me julga como maluca, mas se não tivéssemos
fugido, o que eu faria se não me casasse com ele, Nancy? — Ela se levanta
da cama, irritada comigo e demonstrando isso claramente, o que é um
milagre hoje, que Juliet está parecendo tão paralisada e pensativa. — Viu o
jeito que a nossa mãe olhava para mim? Era como se eu fosse um monstro
por conta da minha altura e do meu peso. — A loira soa brava, mas os seus
olhos ficam um pouco úmidos, como se pudesse chorar.
Eu sabia que a minha irmã se sentia afetada pelo jeito como a nossa
mãe falava dela, só que como eu sou baixa, acho que só prestava atenção
nas coisas que ela falava sobre o nosso peso.
As “verificações de saúde” aconteciam bem pouco, eles nos mediam e
nos pesavam e se eu não me engano da última vez que fui medida, eu tinha
1,53 de altura. E Juliet sempre era olhada estranho quando crescia alguns
centímetros e isso gerava comentários que eu não sabia que ela tinha
internalizado tanto.
— Você é incrível do jeito que é, July. E queria eu ter a sua altura,
com cert… — estou pronta para tentar recuperar um tiquinho da autoestima
dela, que foi destruída pela desgraçada da minha mãe, quando de repente
sinto algo estranho e paraliso na hora.
— O que foi? — pergunta, desconfiada.
— Eu… senti uma coisa estranha — cochicho, sem entender nada. —
Acho que são gases, sei lá.
— Gases?
Então acontece de novo a sensação estranha na minha barriga, só que
mais forte, o que me faz arregalar os olhos feito uma maluca.
— Juliet, eu acho que o bebê chutou! — exclamo e me coloco de pé
muito mais rápido do que deveria.
— Chutou?! — ela berra, de tão assustada.
— Coloca a mão aqui — falo, mas antes que Juliet se mexa, eu já
estou colocando a palma dela na minha barriga arredondada.
— Eu… — começa a falar e depois fica quieta, porque de novo eu
sinto o pequeno movimento. É algo bem curto mesmo, mas está aqui. —
Estou sentindo! Ele chutou mesmo! — Juliet fica ainda mais extasiada do
que eu enquanto o quarto todo fica borrado, de tantas lágrimas que se
acumulam dentro dos meus olhos.
Talvez agora o meu cérebro realmente entenda que eu estou grávida.
Capítulo 25
Astor
Dois longos dias se passam e eu nunca me senti tão drenado em toda
minha vida, além dos primeiros meses após perder Nimiar. Persaneses não
costumam ter indisposição como humanos, então o que eu sinto não é
exatamente físico, e sim mental. Eu me sinto um macho estúpido, muito
burro mesmo, que não consegue focar em nada.
Uma das coisas pelas quais sempre me orgulhei foi o meu intelecto, e
agora ele não parece servir para me ajudar a ler sequer um parágrafo
completo sem me perder.
Mesmo que eu esteja trabalhando numa pequena pilha de
informações, com os livros que Frederick e sua família roubaram da minha
raça a provavelmente muitos anos atrás, não estou animado com isso e nem
descobrindo coisas novas.
O Astor de umas duas semanas atrás acharia incrível conseguir
desvendar registros físicos do meu povo, coisa que é muito rara. Persaneses
e Vrunsni nunca foram dados à escrita, diferentemente dos humanos, que
gastavam bastante do seu tempo anotando acontecimentos e criando
documentos. O meu povo tinha tanto poder em suas mãos, junto com seus
antepassados, que passaram a maior parte do tempo em guerra, transando e
pilhando, queimando as fortalezas uns dos outros e acabando com
informações úteis.
Então nunca tive acesso a nada disso antes, os dois livros antigos com
capa de couro em minha mão são uma completa novidade para mim.
Segundo o pouco Vrain escrito que eu conheço, um se chama
“Medicina persanesa” e o outro “Vrunsni nômade” ou algo assim.
Tudo que aprendi sobre o meu povo foi passado no boca a boca pelo
meu curandeiro e é fantástico ter dois livros assim, mesmo que sejam finos,
com páginas que quase se desintegram ao serem tocadas e praticamente
incompreensíveis para mim.
Eu também tenho alguns cadernos de Crystal, que foram roubados
pela seita e que estão comigo após a invasão da fazenda. Com muito
esforço para desvendar os seus códigos, percebo que as coisas que ela sabe
eu também sei, porque quem lhe ensinou foi o seu professor parisiense, que
provavelmente também aprendeu tudo do jeito que aprendi.
E além disso, eu tenho um diário que foi dividido entre duas pessoas,
um se chamava Joseph Burner e o outro foi seu filho, Louis Burner. Pelo
que entendi e pelo que Nancy e sua irmã me disseram dias atrás, quando eu
falava com elas e não as estava evitando, esses são fundadores da Igreja do
Oitavo Renascer.
Mas o primeiro problema, é que tirando as coisas de Crystal, o diário
dos Burner e os livros persaneses estão cheios de páginas arrancadas,
anotações que mais parecem rabiscos e que deixam tudo muito difícil de se
entender.
O segundo problema, é que os livros do meu povo foram redigidos
em Vrain, a minha língua natal, e todos os persaneses que conheço e sabem
falar Vrain, não aprenderam a escrevê-lo. O nosso alfabeto é tão difícil
quanto os hieróglifos de humanos egípcios e era usado por poucos. Na
época dos reis e rainhas Vrunsni, só quem sabia escrever e ler Vrain eram os
encarregados da realeza.
E a porra do terceiro problema, é que o diário de Joseph e Louis
Burner, que começa sendo escrito por um, e depois passa a ser escrito por
outro, muitos anos depois segundo as datas, é tão confuso quanto os livros
do meu povo.
A minha cabeça dói pra caralho só de olhar para a bagunça que fiz na
escrivaninha da cabana onde estou ficando, nos fundos da mansão, e só
piora, porque se de dia eu lido com isso, de noite eu sou assombrando com
sonhos sem pé e nem cabeça.
É claro que Nancy está em todos eles, me tornando um escravo do seu
corpo, do seu rosto arredondado e até da sua voz. Ela me diz coisas que me
deixam angustiado e quando eu acordo, eu já não me lembro de mais nada,
só sobra o sentimento. Além da minha nova rorani no peito doer muito e eu
estar excitado a porra do tempo todo.
— Que grande merda! — xingo e me jogo de novo na cadeira de
madeira, que pelo menos tem um buraco por onde enfio o rabo e não sou
obrigado a sentar em cima dele. — Quando é que as coisas vão melhorar?
Parece que estou vivendo no que os humanos chamam de inferno.
Mas eu sei que não posso ceder, e por isso eu reabro o diário dos
Burner e me esforço para entender o que é que esses dois filhos da puta
tanto planejavam quando criaram a sua seita imunda.
— Vamos lá, Astor. — Tento me estimular em voz alta, quem sabe
assim consigo deixar de me sentir tão burro.
Se eu conseguir entender algo dos livros em Vrain, talvez seja eu a
dar as respostas que todos precisam sobre a profecia da nova era. Além do
que, tenho certeza que se desvendar esses documentos, lutar contra a Igreja
do Oitavo Renascer vai se tornar muito mais fácil.
— Mas será que não é cio? — pergunto a mim mesmo enquanto sinto
sede de novo e tomo mais água da minha garrafa.
Só que não tem cheiro de cio, o único cheiro que sinto em mim
mesmo é excitação, e, mesmo em Nancy, eu também não senti cheiro de
cio, só senti o cítrico e o doce que provavelmente são seus aromas naturais,
que saem por seus poros sem nenhuma interferência dos meus feromônios.
— Parece que estou ficando maluco — resmungo e limpo o suor da
testa, determinado a focar, quando de repente alguém fala comigo.
— Está tudo bem, Astor? — a voz masculina pergunta.
— Shikri! — xingo sem querer, quase pulando de tanto susto da
minha cadeira e olhando para trás, para encontrar Dion Dolunay, o pai de
Kara e o verdadeiro dono de tudo isso, mas que está sempre em seu quarto.
Como ele chegou até aqui e eu nem percebi?
— Eu te assustei, rapaz? — pergunta, com um sorriso brincalhão de
canto de boca.
Dion já é um ancião, então ele tem uma bengala com o que imagino
que seja um naery vermelho na ponta. Os seus cabelos crespos já estão
todos brancos, então os pelos do seu rabo também estão bem pálidos, mas
os seus chifres escuros continuam grossos em sua cabeça, e ele não anda
nem um pouco curvado.
A pele de Dion é tão escura quanto a da sua filha e ele já está bem
magro, porém, diferentemente de um senhor humano, persaneses mais
velhos enfrentam muito menos problemas na velhice.
— Um pouco, não escutei a porta da cabana se abrindo — explico e
viro o meu corpo em sua direção na cadeira, assim podemos conversar
olhando um para o rosto do outro.
Dion dá alguns passos lentos na minha direção, mas os seus olhos
estão no ambiente. Mesmo que essa cabana toda de madeira seja sua, eu
duvido que o senhor venha aqui com frequência, já que tem uma
propriedade tão grande e tanto dinheiro que ganhou sendo um dos melhores
curandeiros que eu já ouvi falar.
— Um persanes que não escuta a porta abrindo? Isso é estranho, nisi.
— Faz tempo que alguém não me chama de “nisi”, é a maneira carinhosa
que pessoas mais velhas chamam os mais novos. Seria o equivalente ao
“meu filho” e “minha filha” que já vi humanos mais velhos usarem. E Dion
parece continuar brincando, só que a sua pergunta não me deixa à vontade.
Se eu não escutei, é porque Nancy está povoando os meus pensamentos,
mas eu não quero que ninguém saiba disso. — Você cheira a… frustração.
Ele chega mais próximo de mim e coloca uma mão em meu ombro.
Dion cheira a ervas variadas, pois provavelmente, assim como eu, quando
morava nas ilhas, ele devia passar o seu dia mexendo com plantas variadas.
— É… está sendo meio difícil por aqui. — Aponto com a cabeça para
os livros na escrivaninha de madeira.
— Posso dar uma olhada, nisi? — pergunta e eu encaro melhor o seu
rosto magro e com uma barba branca.
Parando para pensar agora, faz tempo que eu não vejo um ancião,
desde que Zeva morreu. Os persaneses mais velhos não estão mais
querendo voltar às suas origens, todos querem viver em cidades como os
humanos e aproveitar suas riquezas. E de qualquer forma, acredito que
mesmo que todos nós quiséssemos voltar para as ilhas, não teríamos mais
espaço, a nossa população cresceu demais e se espalhou muito.
É por isso que o que Frederick está fazendo é muito ameaçador. Por
mais que sejamos grandes hoje em dia, em todos os continentes, se eles
espalham por aí que estamos sequestrando pessoas inocentes e abusando
delas, seremos muito afetados e não teremos para onde ir, porque os
humanos ainda estão em maior quantidade.
— Claro, senhor. Fique à vontade. — Eu pego a primeira coisa que
consigo na escrivaninha e dou em sua mão, que no caso é o diário dos
Burner.
— Eu sei que já estou velho, mas acho que ainda sirvo de alguma
coisa. — Ele continua brincando, me parece ser alguém muito bem-
humorado, o que me faz questionar por que estou me mantendo tão longe
de todos, e no mesmo segundo a resposta aparece em minha cabeça.
Se eu ficar andando pela mansão, irei topar com aquela fêmea.
— Não diga isso, o meu professor sempre me falou do senhor e sobre
como ajudou muitos com a doença persanesa. — Doenças são muito
incomuns na nossa espécie, mas quando voltamos para o radar dos
humanos, mais ou menos a vinte anos atrás, vários filhotes nasceram
doentes por conta da miscigenação em larga escala entre persaneses e
humanos. — E dizem que quanto mais idade um curandeiro tem, melhor as
suas técnicas ficam.
— Não é isso que as famílias por aqui pensam, todos eles têm
adorado passar com tal de curandeiro Kris, um macho jovem e que tem a
boca muito grande. — Ele dá de ombros, mas não cheira a frustração ou a
raiva, então acho que não se importa muito com esse Kris e continua só
brincando. — O que você tem aqui? — questiona enquanto folheia com
cuidado o diário.
— Isso em sua mão, segundo os nomes que as… humanas deram, é o
diário do pai e do filho que fundaram a seita, há mais ou menos
quatrocentos anos atrás. — Escolho chamar Nancy e Juliet por humanas,
assim quem sabe consigo despistar um pouco o quão viciado eu estou na
fêmea grávida. — E aqui eu tenho dois livros escritos em Vrain. — Pego os
dois livros com capa de couro em mãos.
— Livros escritos em Vrain? Que raridade! — Ele arregala os seus
olhos escuros. — E você sabe ler?
— Infelizmente eu sei um pouco, mas não o bastante. A maioria das
frases ficam quebradas pra mim.
— Eu também não sou um bom leitor de Vrain, o que é uma
vergonha, não? — Faz um barulho de frustração com a boca.
— É sim.
— Bom, eu posso não entender cem por cento de Vrain escrito, mas
eu ainda assim, sei alguma coisa. — Ele me devolve o diário e pega um dos
livros finos em mãos. — Que tal trabalharmos em dupla? Aliás, acho que
deveríamos ter feito isso desde o começo, mas Kara está querendo me
poupar de trabalho, só porque estou chegando nos meus noventa anos. —
Dá uma risada curta e grave.
Se um humano visse o senhor Dolunay, diria que ele tem em torno de
setenta a setenta e cinco anos, mas nunca noventa. Porém, persaneses tem
uma vida média um pouco mais longa, em torno de 120 anos, por conta de
nossos antepassados, então envelhecemos mais devagar também.
— O senhor tem razão, já deveríamos estar fazendo isso em dupla —
concordo e tento soar pelo menos um pouco bem-humorado, por mais que
não me sinta assim.
A verdade é que eu achei que fosse ser bem mais fácil lidar com essa
pilha. Quando vivia nas ilhas Cosmos, eu lia muito. Não tinha nada da
minha espécie, mas eu conheço muito da espécie humana pelos livros, por
sua literatura rica. Eu devorei muitos clássicos e também muita coisa atual.
Então não esperava ser derrubado por alguns cadernos de Crystal, um diário
de dois humanos imbecis e dois livros em Vrain.
— Mas não acho que seja isso que esteja te frustrando, rapaz… —
murmura e as suas narinas se movem, inalando o meu cheiro enquanto me
encerra os olhos. — O seu cheiro está bem peculiar.
Mas que porra…
Como ele pode saber tanto? Eu acho que nunca cheirei a frustração.
— Peculiar como? — pergunto baixo, percebendo que talvez o
momento tenha chegado. Até agora eu enrolei para me consultar com outro
curandeiro, só que eu acho que está na hora de quebrar a minha resistência e
fazer o que deve ser feito, pelo bem da minha pesquisa. — O senhor acha
que talvez… eu esteja cheirando a cio?
O cio é o responsável por bagunçar a cabeça dos persaneses, então
talvez eu esteja tendo um, mesmo que seja um silencioso, como o da Karina
e de Klaus. Porém, mesmo um cio silencioso é sentido por curandeiros, só
não é sentido por persaneses comuns.
— Você já passou da idade do primeiro cio, certo? — pergunta e eu
faço que sim com a cabeça, e agradeço aos deuses que ele não pergunte
onde está o meu filhote. Eu não aguento mais receber condolências e ter
que explicar toda a história. Sempre querem saber sobre a mãe primeiro, se
ela sobreviveu, e sim, ela sobreviveu e deve ter até um macho hoje em dia e
um monte de outros filhotes. Natasha nem olhou para trás naquele dia. — E
está convivendo com algumas fêmeas, porém, a minha filha parece muito
bem, então não acho que seja dela que estamos falando.
Começo a achar que tenha sido uma ideia de merda ter me aberto para
um curandeiro tão esperto assim!
— M-mas nem sempre o cio tem a ver com uma fêmea, certo? Foram
cinco anos desde o primeiro, o meu corpo pode achar que está na hora do
segundo. — Eu até gaguejo e o cheiro do nervosismo sobe com facilidade.
— Talvez… uma fêmea grávida seja um grande atrativo para um
persanes jovem como você. — Ele acerta na mosca sem dificuldade
nenhuma.
O meu rosto esquenta na hora, ainda mais sendo chamado de
“persanes jovem” enquanto estou babando por uma fêmea de vinte e dois
anos.
— Não é questão de atração por uma fêmea, senhor. Eu só me sinto
estranho. — Tento corrigir, mas não acho que consigo.
— Estranho como? Excitação em excesso? Muito calor?
Irritabilidade? Dificuldade em separação? — A cada pergunta é como se ele
estivesse dentro da minha cabeça, lendo os meus pensamentos.
— Exatamente! — exclamo.
Como ele pode saber tanto apenas me cheirando?
Anciãos são realmente os melhores e eu tenho muito a aprender com
eles.
— Sabe, nisi… — ele murmura e me devolve o livro com uma
expressão no rosto muito pensativa. — Às vezes o que vocês jovens
persaneses acham que parece cio ou descontrole, são só os seus
sentimentos. É um fenômeno que eu tenho observado, persaneses têm
ficado tão concentrados em si e se acham tão superiores aos humanos, que
eles esquecem que sentem tanto quanto os sem cauda. — As palavras dele
me fazem engolir em seco, ainda mais com a simplicidade com que fala. —
A diferença é que o nosso povo tem a tendência a sentir com muita
intensidade desde o começo.
— Entendi — murmuro, sem saber como respondê-lo depois desse
puxão de orelha.
— Mas, na verdade, não foi sobre nada disso que eu vim conversar
com você, Astor — explica e me deixa curioso, ao dizer o meu nome com
seriedade.
— Não? — Franzo a testa.
— Não, eu vim aqui pra te falar que você tem uma visita.
Capítulo 26
Astor
Eu fico paralisado na porta da pequena sala na mansão para onde fui
conduzido por Dion, e ficou assim por um longo momento. Parece até que
esqueço como se respira, e só lembro quando o meu peito começa a doer
pela falta de ar.
Ele é a cara do meu irmão. Tem exatamente os mesmos cabelos
ruivos ondulados, que são um pouco mais claros e alaranjados do que os
meus, e os exatos olhos verdes que Niflin tinha.
E são esses olhos que me encaram agora, muito mais seriamente do
que eu já vi qualquer outro filhote encarar alguém. É como se entendesse
quem eu sou, como se entendesse que essa é a primeira vez que nos vemos,
o que não faz o menor sentido.
Por mais que Cyan pareça crescido para um humano, que daria uns
três anos para ele, o meu sobrinho, com sua fina cauda acinzentada e
pequeno par de chifres, só tem um ano e alguns meses. Isso porque
persaneses costumam ter um salto grande de crescimento no começo de sua
vida.
— Olha só quem está aqui, Astor! — Kara exclama animada e me
puxa pra fora da minha paralisia. A persanesa segura o meu sobrinho em
seus braços no meio dessa pequena sala, que assim como o restante dessa
mansão, é acarpetada e luxuosa. — O funcionário disse que esse é seu
sobrinho, Cyan, e não tinha nem como negar, ele é a sua cara.
Tecnicamente, Cyan é sim parecido comigo, talvez eu pudesse até me
passar por pai dele. Mas se Niflin estivesse aqui, todos nessa sala
perceberiam de quem essa criança é realmente.
De quem ele deveria ser, na verdade, mas não pode mais, porque o
meu irmão foi morto.
Cyan é a junção dos meus dois piores pesadelos. É um filhote que
lembra muito o meu, mesmo que Nimiar nunca tenha chegado a ficar
realmente acordado fora da barriga de sua mãe. E, ao mesmo tempo, o bebê
pálido demais tem exatamente a mesma cara do meu irmão falecido.
A ânsia de vômito me toma com muita surpresa e eu preciso respirar
devagar se não quiser colocar tudo que tomei de café da manhã para fora. O
meu estômago se revira olhando para esse menino, as minhas pernas ficam
fracas e eu não sei o que fazer. Não sei como agir.
Eu sabia que ia doer, sabia que meu peito iria arder como uma
queimadura mal cicatrizada ao conhecer essa criança. Eu só não esperava a
onda de culpa que me atinge, que faz a bile se acumular na minha garganta.
O que foi que eu fiz até agora que não fui atrás dele?
Por que eu deixei esse menino tão pequeno sozinho com a sua mãe e
seu egoísmo de não me permitir conhecê-lo?
— Eu… eu… — Faltam-me palavras e os meus olhos se enchem de
lágrimas grossas que borram completamente a sala.
Sei que mandei uma carta para a mãe do meu sobrinho, dizendo que
queria conhecê-lo, só não esperava que ele fosse aparecer aqui tão rápido.
— Quer segurá-lo? Ele deve preferir você. — A fêmea dá alguns
passos na minha direção, só que desse jeito o meu cheiro com certeza deve
ficar mais claro para Kara.
A minha tristeza está em volta de mim como uma cortina grossa de
aroma.
— Eu não o conhecia ainda — resmungo e as lágrimas vão ficando
piores, tão piores que eu me coloco de lado de um jeito que os meus cabelos
ficam no meu rosto. Desse jeito o menino também não fica no meu campo
de visão. — O-onde está a mãe dele? — pergunto e enxugo com velocidade
o choro.
Eu me sinto tão desconfortável que os pelos da minha cauda se
arrepiam. Chorar num cômodo com Dion, um ancião, e Kara, a sua filha,
não é algo que nem de longe me agrada.
Preciso sair daqui.
Preciso de espaço.
Mas também preciso tomar coragem e finalmente conhecer o menino
do meu irmão.
— O funcionário que o deixou aqui já foi embora, não esperou que
você chegasse, Astor — informa num tom cauteloso, e eu não consigo nem
a cheirar, de tanto que os meus próprios sentimentos me intoxicam.
Não quero parecer fraco na frente de ninguém, ainda mais de duas
pessoas que não são exatamente conhecidas para mim.
Eu me sinto culpado, me sinto perdido, me sinto um completo imbecil
e, ao mesmo tempo… tem uma pontinha minha que está surpresa de como
esse filhote é parecido com ele.
O meu irmão soube como fazer uma cópia exata dele quando era
criança, e eu sei disso porque me recordo de carregá-lo no colo, mesmo
quando eu tinha pouca idade. Tínhamos poucos anos de diferença, mas eu
ainda era o mais velho, o que dava banho, o que carregava nos braços e nas
costas.
Ele era meu. Niflin era meu e agora ele se foi, mas deixou um filhote
exatamente igual a ele.
Limpo com as mãos trêmulas o meu rosto e me livro de mais choro e
do suor.
— Esse funcionário foi embora tão rápido assim? — Dion investiga
por mim, que não consigo falar.
— Ele parecia com muita pressa, só deixou o menino e essas duas
malas enormes aqui. — Kara aponta para duas bolsas azuis em cima de uma
mesa de canto. Elas parecem fazer parte de algum tipo de conjunto infantil,
pois são bem enfeitadinhas. — Eu já olhei dentro e estão cheias de
roupinhas de bebê e brinquedos.
— Mas onde está a mãe dele? — insisto, tentando ao máximo me
controlar.
Prendo meu cabelo num coque rápido, agora que parece que as
porcarias das lágrimas não vão mais descer pelas minhas bochechas, e
respiro profundamente, ainda lutando contra a ânsia.
Tenha controle, Astor.
— O funcionário não deu nenhuma Informação de onde a mãe estaria,
só deixou essa carta aqui. — Kara tira do bolso um envelope branco e eu
evito o seu rosto.
Não quero saber qual a sua expressão agora e nem a do seu pai.
— Dê o envelope para Astor, querida — Dion ordena com cuidado,
aliás, os dois estão falando com muito cuidado. Eu não sei se eles entendem
o que está acontecendo comigo, mas pelo menos não comentam.
Kara se aproxima segurando o meu sobrinho e estica o envelope na
minha direção. Só que agora Cyan está bem na minha frente, perto o
bastante para eu sentir o seu cheiro de filhote e ter ainda mais certeza que
ele é a cópia fiel do meu irmão mais novo.
— Eu já li a carta, me desculpe pela intromissão, mas… se quiser
digo para você o que tem dentro dela — Kara fala, ao perceber que eu não
falo nada, só encaro o filhote.
Ele é o bebê mais lindo do mundo, com bochechas grandes, a boca e a
ponta do nariz rosados e as orelhinhas pontudas.
— É melhor você dizer, filha. Astor não parece estar em um momento
bom. — O ancião continua interferindo.
Como esse filhote pode ser tão quieto? Ele não faz um som sequer!
— A mãe dele escreveu pouco, disse basicamente que não pode mais
cuidar dele sozinha e que você deveria ficar com ele por um tempo até que
ela pudesse voltar.
— Só isso? — pergunto, com meus olhos arregalados, e agora faço
contato visual com Kara, de tanta surpresa. — Ela não deu uma data? Um
telefone para contato? Eu nunca vi essa mulher antes.
Como assim vai deixar a criança comigo por um tempo?
A mãe desse menino nem me conhece! Eu nunca deixaria o meu
filhote assim com ninguém, mesmo que fossem familiares de sangue.
— Só isso. — Kara parece entender que tem algo de estranho com
essa carta agora.
— Acho que essa fêmea… está abandonando filho. — As palavras
são dolorosas de dizer e eu me sinto engasgado com o tanto de coisas que
estão acontecendo ao mesmo tempo. No mesmo dia que eu conheço meu
sobrinho, ele é abandonado pela mãe. — Eu não sei se meu irmão escolheu
uma boa mulher, não a conheci, porque nenhum deles me quis por perto —
admito amargamente.
— Mas e o pai da criança? — Kara questiona e a frase dela é como
um gatilho para mim.
Eu mordo o meu lábio inferior, segurando o soluço que tenta me
escapar, e mais uma vez limpo debaixo dos olhos antes que as lágrimas
escorram com muita força pelo meu rosto.
— Ele é… filho do meu irmão que morreu — a minha voz sai
embargada, as palavras soam levemente deformadas pelo meu choro.
— Eu preciso de um minuto — falo, já me colocando em movimento.
Não tem como eu ficar aqui.
Saio da sala sem rumo, sem olhar para trás, e procuro uma porta para
entrar com pressa, até que encontro o que parece ser um banheiro.
Eu praticamente arremesso o meu corpo para dentro do lugar, fecha a
porta com velocidade, não acendo a luz, e sento em cima da tampa do
sanitário.
— Merda, merda, merda! — xingo, com as mãos trêmulas no meu
rosto, e começo a chorar.
É como se tudo que venho guardando todos esses meses quisesse sair
de uma vez de dentro de mim, o que me obriga a morder o meu próprio
braço para abafar os rosnados e gritos que quero soltar.
Isso não é justo!
Como essa criança pode perder o pai e agora perder a mãe?!
Que porra de mundo é esse?!

Eu fico
pelo menos vinte minutos dentro do banheiro, trancado e chorando. A
angústia que sinto em meu peito é descomunal, parece que vou me engasgar
com os meus próprios sentimentos e eu me recuso a olhar o espelho, porque
sei que mesmo no escuro conseguiria ver o reflexo de um macho que está
completamente perdido.
Mas eu sei que não posso ficar aqui para sempre, o luto é um processo
difícil para todos e acontece de maneira diferente. A única lei que ele segue,
é que não vai embora com facilidade. Então mesmo que eu queira muito
seguir em frente, o que eu posso fazer por agora é lidar com esse problema
que se apresentou e dar para esse filhote algo que eu não posso ter:
conforto.
Com o rosto lavado, o cabelo preso em um coque no alto da minha
cabeça e me sentindo um pouco mais calmo, eu volto para a sala e dessa
vez encontro não só Kara e Dion, como Nancy, o que me faz arquear as
duas sobrancelhas enquanto o meu coração volta a galopar em meu peito
como um animal vivo e selvagem.
O que ela está fazendo aqui?
Faz dois dias que não a vejo, desde que mentiu para mim sobre estar
doente, então por que tinha que aparecer bem agora, quando eu já estou me
sentindo bem frágil?
— Está melhor agora, Astor? — É Dion quem pergunta, enquanto eu
me aproximo com curiosidade deles.
Kara e Nancy estão sentadas em duas poltronas no canto, perto das
janelas, e o ancião está de pé, observando através do vidro o lado de fora da
mansão.
A persanesa segura o bebê no colo, que está abrindo o berreiro
enquanto estica o seu corpo, esperneando e gritando muito alto, e Nancy me
encara, mas logo em seguida ela desvia com pressa o olhar para o filhote.
O que está acontecendo aqui?
— Não chore, querido. Não fique assim, o seu titio vai cuidar de
você. — Kara tenta ajudar a criança, sem deixar que ela caia de seu colo
enquanto se move, mas não está dando muito certo.
Agora que estou menos nervoso, noto como a persanesa não parece
ter muito jeito com crianças, acho que ela nunca conviveu com um filhote
antes, pois não sabe como segurar Cyan direito, parece ter medo de
machucar, só que desse jeito não contém o garoto.
— Deve estar com saudade da mãe — murmuro e sinto minha
garganta doer, observando de perto os três, enquanto o meu interior parece
começar a ficar anestesiado.
Como essa mulher pôde largar o filho assim?
Mesmo que esteja chorando agora, essa criança está bem-tratada. Ele
não parece subnutrido, os chifres estão crescendo de acordo com a idade, e
por mais que ele esteja um pouco mais pálido do que eu esperaria para um
Persha, isso combina com Niflin quando ele era pequeno.
— Me dê ele aqui, deixa eu tentar — Nancy pede e eu semicerro os
olhos, enquanto Kara passa o meu sobrinho para a pequena humana.
Nos braços da persanesa, Cyan parecia minúsculo, mas no colo de
Nancy, consigo ver como ele tem pernas longas e provavelmente deverá
ficar do meu tamanho ou até maior.
— Tem certeza que ele não é muito pesado para você? — pergunto e
me sinto estranho por estar falando assim com Nancy.
Da última vez que nos vimos, ela estava muito irritada comigo. Na
verdade, acho que estava mais triste do que qualquer coisa, e pensar nisso
aumenta o meu nervosismo e acaba com as minhas chances de me acalmar
agora.
— Se você quiser, posso dá-lo para você — oferece baixinho, só que
como não está me encarando, ela só olha para o filhote, eu demoro a
entender que está falando comigo enquanto ajeita a criança em seu colo.
— Pode ficar com ele um tempo — falo por cima do choro da
criança.
Eu me lembro de Zeva dizer que existiam diferentes choros de filhote.
E o de Cyan agora me parece muito sentido, os berros vêm do fundo de sua
garganta, o rosto dele fica cada vez mais molhado, com lágrimas grossas
que escorrem de seus olhos.
Essa criança está sofrendo, ele cheira a um filhote saudável, mas
também cheira a tristeza. Mesmo que seja muito pequeno, já sente saudade
de sua mãe, pois ela tem o aroma que ele está acostumado e que deve ter
sumido de repente.
— Shhhh, está tudo bem — Nancy sussurra de um jeito muito
maternal, enquanto balança levemente o corpo de Cyan. Ele é um menino
grande, mas eu acho que ela com certeza já cuidou de alguma criança,
porque não tem a mesma dificuldade que Kara para manejá-lo. Ela o segura
com cuidado, mas ainda assim está fazendo força para não o deixar cair, até
porque esse menino deve pesar uns bons quilos. — Qual o seu nome,
pequeno?
Pergunta isso, porque provavelmente uma criança humana desse
tamanho já estaria falando várias palavrinhas, só que o meu sobrinho não
consegue responder, ele tenta juntar algumas sílabas, mas não sai nada de
coerente. É apenas um filhote indefeso, o rosto com algumas sardas e
avermelhado, que agora está com o nariz escorrendo e as orelhas baixas.
— O nome dele é Cyan — respondo pelo bebê, que é abraçado com
mais força por Nancy. Ela faz o menino grudar o rosto em sua blusa e
balança um pouco para frente e para trás. — Ele só tem um ano e alguns
meses.
— Um ano? — fala com desconfiança e eu observo com fascínio o
pequeno filhote enrolar a sua cauda acinzentada no braço de Nancy,
enquanto que o volume do seu choro vai abaixando e a sua voz fica abafada
por Nancy. — Ele não é muito grande para ter só um ano?
— Persaneses têm um salto de crescimento bem grande na infância.
Depois, quando ele estiver com uns seis ou 7 anos, começa a crescer mais
devagar.
— Ele é só um grande bebezão — Kara fala, parecendo muito
encantada com o filhote, que agora só choraminga a palavra “mama” bem
baixinho.
— Será que ele não está com fome? — Nancy pergunta e mais uma
vez, quando eu tento fazer contato visual com ela, a fêmea desvia o olhar.
— Com essa idade, ele provavelmente ainda deve estar sendo
amamentado, mas na malinha que a mãe dele deixou não tem nada a
respeito disso, segundo Kara — Dion esclarece, mesmo que um pouco mais
de longe. — Eu já conversei com algumas fêmeas que não gostavam de
amamentar e soube que humanos tem uma coisa chamada fórmula, que
persaneses também tomam, é como um leite falso. Talvez, por agora, esse
pequeno possa tomar fórmula, enquanto não encontramos a mãe dele.
— Vou pedir para um funcionário buscar agora mesmo essa tal de
fórmula — Kara fala prontamente e todos ficam em silêncio enquanto a
pequena humana faz a sua mágica com o bebê.
Ele ainda soluça e resmunga algumas coisas, mas não chacoalha mais
o corpo e aceita o abraço, enquanto passa a segurar uma mecha de cabelo
castanho e fica sentado no colo de Nancy.
— Você não quer pegá-lo? — sussurra para mim.
— É melhor não. — Nego com a cabeça e Nancy franze a testa sem
entender.
Aliás, acho que ninguém aqui me entenderia, só se eu contasse
exatamente o que me aconteceu. E nem assim eu acho que seria possível, já
que o nó de sentimentos que está entalado na minha garganta é muito
complicado e estranho.
— Tem certeza? — Ela até poderia tentar me oferecer a criança, só
que Cyan é pesado mesmo para a minha pequena fêmea que…
Minha?
Que porra é essa de minha pequena fêmea, Astor?!
Pelo amor dos Deuses!
Eu sei que já pensei assim dela em algum momento com o pronome
possessivo na frente, mas agora é inadmissível.
— Ele está bem no seu colo, parece gostar de você. Deve ouvir o
coração do seu bebê e sentir o cheiro dele, e assim se acalma — explico a
minha teoria e ela morde o lábio inferior, com dúvida se acredita ou não. O
meu coração dispara com a visão e eu escolho fazer como ela e desvio o
olhar. Que grande merda! — Ele… deveria ficar com você por um tempo.
Sei que o que estou pedindo é absurdo e todos à minha volta também
sabem. Ele é meu sobrinho, minha responsabilidade. Só que eu não acho
que consigo ter uma cópia do meu irmão morto tão perto de mim agora.
— É, mas só por um tempo — Kara interfere de repente. — Hoje à
noite é o primeiro dia do Salah e eu convidei Nancy e a irmã dela — revela
e eu tenho que me segurar para não rosnar em resposta.
Capítulo 27
Astor
— Minha filha, um filhote é mais importante do que uma festa que
acontece duas vezes no ano. — Dion é o primeiro a se pronunciar, e ainda
bem que ele fala, porque o tamanho do meu ódio me faz ter que morder os
lábios juntos e isso causa um sangramento que me faz sentir dor o bastante
para não explodir.
Que ideia de merda de Kara é essa?
Essa filha da puta está querendo matar Nancy?!
— Mas Nancy está animada, já até escolhemos as roupas dela e da
irmã — Kara continua falando, como quem não quer nada, e a morena
concorda com a cabeça, e mais uma vez nossos olhares se cruzam, só que
dessa vez ela sustenta o contato visual, até que suas pupilas começam a
ficar azuis.
E não o azul humano, e sim o meu azul neon, porque as minhas íris
estão brilhando e refletindo nas dela.
— Juliet vai também? — A minha voz sai mais do que grossa e eu
sinto que todas as cabeças viram na minha direção, mas o fogo dentro de
mim queima muito forte para que eu me importe.
— Sim, se eu conseguir convencê-la. Senão, vou sozinha. — Nancy
empina o queixo, orgulhosa de sua decisão, e isso me diz que ela sabe
exatamente o que está fazendo.
As bochechas dela até ficam coradas.
— Vocês são humanas, pode causar estranhamento — rebato e isso só
faz a morena me olhar com ódio. Ela acha mesmo que isso é um jogo, que a
sua opinião é que importa e que se fizer uma cara feia para mim vai
conseguir o que quer.
— Não se preocupe com isso, aqui na Turquia os humanos são aceitos
com muito mais facilidade entre os persaneses do que em outros lugares —
Kara argumenta, ainda mantendo o bom humor na voz, mas obviamente
com cautela.
Só que eu não sei que tipo de expressão tem em sua face agora, não
tiro os meus olhos da loarla, que veste um short jeans mais do que curto
hoje, e uma blusa de alcinhas que abraça bem as suas curvas e deixa os seus
seios bem mais à mostra do que o normal.
Essas roupas são novas?
Não notei antes, porque estava concentrado demais no meu sobrinho,
mas agora que ela fez o favor de me encher de ódio, eu presto mais atenção
em Nancy.
— Ela está grávida, é humana e pequena, a maioria dos machos tem
muita altura e muita força. Qualquer um pode tentar tirar vantagem dela. —
A minha frase acaba saindo como um rosnado baixo entre os meus dentes,
enquanto sinto arrepios de ódio percorrerem o meu corpo.
A minha cauda faz até barulho atrás do meu corpo, de tanto que se
debate.
— Eu só vou assistir. Isso não vai interferir em nada na minha saúde
ou na do meu bebê. — Dá de ombros, ainda achando que a sua opinião
importa enquanto segura o meu sobrinho abraçado ao seu corpo. A esse
ponto, o menino já até fechou os olhos e parece alheio ao que acontece à
sua volta.
Nancy definitivamente não sabe com o que está mexendo, ela não
deve fazer a menor ideia de como um Salah acontece. Porém, como está
determinada a infernizar a minha vida, inventou essa história junto com
Kara, que deveria ser a voz da razão aqui, já que é bem mais velha que a
humana.
— Mas se aparecer um bom macho pra você, não perca a chance —
Kara fala e dá uma risada curta e seca no final da frase, que me faz ter
vontade de arrancar os seus olhos fora.
O rosnado alto que prendo em minha garganta queima e eu tenho
vontade de esticar os meus braços e esganar essa fêmea desgraçada que está
levando Nancy exatamente para o caminho que deseja.
Não posso nem dizer que Kara é quem está sendo a dona dessas ideias
absurdas, já que eu conheço a morena. Mas ela deveria, no mínimo, não
levar a humana em consideração.
— Eu quero conversar com você agora — falo, e não importa o
quanto ela tente me ignorar e olhar para qualquer outro lugar na sala,
porque eu continuo fuzilando o seu rosto.
— Mas Cya… — começa a falar e eu a interrompo.
Ela não vai brincar comigo como há dois dias.
— Deixe o meu sobrinho aqui, ele já está quase dormindo. — Ela
desiste de tentar me ignorar e, através do reflexo dos olhos de Nancy, vejo
os meus olhos se tornaram cada vez mais neon. — Kara vai cuidar dele
enquanto conversamos.

Não quero
que a nossa conversa seja ouvida, então escolho levar Nancy até a cabana
onde estou vivendo desde que cheguei, e como não estou com paciência
alguma para aguentar a sua birra, pego a fêmea pelo pulso e vou puxando,
não importa o quanto ela reclame. Se não andarmos logo e chegarmos num
lugar reservado, eu vou explodir na frente de todos e não é isso que eu
quero.
Eu só começo a conseguir respirar um pouco melhor quando vejo o
gramado em volta do pequeno chalé de madeira no final do terreno
gigantesco da mansão.
— Isso é um absurdo! Você está me puxando demais, eu posso andar!
— berra atrás de mim e sacode o pulso, mas eu nem viro a minha cabeça
para olhá-la.
— Quer que eu te jogue nos meus ombros ou vai ficar calada e
esperar chegarmos lá? — grunho, andando ainda mais rápido.
Não me importo que ela tenha que praticamente correr para me
acompanhar, porque ela também não se importa com a sua saúde o bastante
para ficar longe do perigo.
— Você só pode estar ficando maluco! — A sua voz sobe de altura
cada vez mais.
— Devo estar mesmo! — rosno, sem reconhecer a voz do macho
descontrolado que sai de mim, e nós finalmente chegamos até a entrada da
cabana, que eu abro com pressa, depois coloco a fêmea para dentro, e por
último fecho com pressa a porta também. — Que porra de história é essa de
você ir no Salah procurar por um macho?!
— Eu nunca disse que estava indo lá procurar por um macho. — Ela
olha pra mim com indignação e tenta andar para longe na cabana, agora que
não a seguro mais pelos pulsos.
Só que eu sou mais rápido e a coloco contra a parede do corredor de
entrada, empurrando o seu ombro com apenas uma mão, e mesmo assim ela
não consegue mais se mover.
Isso é algo que qualquer macho conseguiria fazer com ela no Salah,
sem esforço algum.
— Você não sabe de nada, Nancy. Não tem ideia de como é essa festa
e mesmo assim quer ir, como pode ser tão irresponsável? — Franzo a testa,
a encarando de cima.
Só de imaginá-la na festa, já começo a me sentir descontrolado. Sim,
essa propriedade aqui é gigantesca, e sim, o Salah é uma festa de
comemoração à vida, onde acontecem muitos banquetes, danças criadas
pelo meu povo há muitos anos e existe muito o que uma fêmea grávida
poderia fazer, ainda mais se os persaneses turcos realmente forem abertos a
humanos como Kara disse que eles são.
Porém, eu duvido que Nancy ficaria satisfeita em apenas assistir
pessoas dançando com pinturas corporais enquanto come vários tipos de
iguarias diferentes. Tenho certeza que ela daria um jeito de entrar nos
buracos mais perigosos dessa festa, que eu só fui uma vez na vida.
— Eu tenho ideia sim. — Ela revira os olhos e atiça o fogo no meu
interior. Nancy quer mesmo que eu exploda? — Kara me contou
exatamente como são as coisas. Então pare de me chamar de irresponsável e
de gritar comigo, eu não sou uma criança! — Tenta se soltar mais uma vez e
eu passo a segurar os seus dois ombros contra a parede.
Essa fêmea não está mais lidando com o curandeiro que conheceu. Eu
não sou aquele Astor agora e isso é tudo culpa dela, que despertou o pior
em mim.
— Eles vão tentar tocar em você, não entende isso? Não precisa me
obedecer se não quiser, mas pense na sua segurança, porra!
— Você está mentindo, se eu não quiser que ninguém se aproxime de
mim é só eu não chegar perto do salão onde vão acontecer as coisas mais
pesadas. — Ela me acusa com uma petulância que me faz ter vontade de
urrar.
— Olha pra mim, Nancy. — Eu a pego pelo queixo, para não lhe dar
outra opção que não trancar os seus olhos nos meus. O rosto todo dela está
vermelho e quente e ela se debate agora que estou tocando mais de seu
corpo, mas eu gosto da fúria que demonstra. Porra, como eu posso gostar
de tudo que essa desgraçada faz? Ela está me desafiando e o meu pau está
pulsando entre as minhas pernas! — Você não vai no Salah, é perigoso, e
Kara não vai ficar cem por cento do tempo ao seu lado para ficar de olho
em você.
Eu me esforço ao máximo para baixar o meu tom de voz, porque soar
desesperado, obviamente, não está dando certo.
— Ela não pode te dar certeza que ninguém, realmente, não vai tocar
em você, machos não são previsíveis. Ou melhor, eles são extremamente
imprevisíveis, e assim que virem uma humana pequena como você, ainda
mais grávida, vão achar que têm direito de te tocar, já que você não vai
conseguir fazer nada contra eles.
Eu poderia bater palmas pra mim mesmo por não rosnar e soar quase
como o Astor de semanas atrás. Quase.
— Você também é um macho imprevisível, Astor — Coloca a cabeça
de lado de um jeito teatral e arrogante que faz algo estranho no meu interior.
— Agora pare de me tocar tanto assim… — A fêmea minúscula me mostra
os dentes a cada palavra, como se pudesse realmente fazer algo com os seus
dentes retos.
Nancy cheira a ansiedade e a raiva, mas não a medo. Ela acha que
está certa em me desafiar assim e que eu não apresento nenhum perigo.
— Do que está falando? — pergunto e paro de pegá-la pelo queixo,
mas continuo segurando os seus ombros contra a parede.
Tocando-a assim, quem está mais em perigo aqui sou eu, de terminar
de perder a cabeça.
— Você não faz o menor sentido! Você me toca e depois some. Me
toca de novo e depois me fala que eu sou algo indesejado na sua vida. E aí,
quando eu tento me afastar, adivinha só? — Dá um sorriso cínico, só que eu
sinto como o seu corpo treme de ódio. — Você acha que tem direito a dizer
o que eu posso ou não posso fazer!
Se essa pequena fosse uma persanesa agora, ela com certeza rosnaria
e eu começo a achar que toda essa vontade de desafiar, é mau humor de
filhote, que é algo comum entre fêmeas grávidas. Elas ficam irritadas e
respondonas, e o jeito melhor de se lidar com isso é dando tudo que
quiserem.
Mas se eu der tudo que Nancy quiser… talvez eu acabe me destruindo
no caminho. Ou pior ainda, talvez eu destrua a nós dois e vire o Persha que
todos esperam para alguém com o meu sobrenome.
— Eu acho que o seu silêncio já diz tudo, não é? Você disse que vai
ser meu curandeiro, mas nem sequer faz o meu acompanhamento direito.
Sabia que o meu bebê mexeu?
— Mexeu? — Recebo com surpresa a informação e meus olhos se
focam em sua barriga, que parece dar uma pequena crescida a cada poucos
dias que fico longe.
Eu gostaria muito de sentir esse filhote mexer… quem sabe assim ele
volte a cheirar como o meu Nimiar.
— Sim, mas você não se importa com isso, só quer saber de gritar
comigo e de me ignorar. — Dá de ombros e ela parece ter aceitado que vai
ficar aqui e vai ter que conversar comigo, pois está parada. — Eu juro que
eu não sei qual é a sua.
— Você sabe muito bem qual é a minha. — Semicerro os olhos. —
Desde que nos conhecemos você tem me provocado, tem me tentado. Há
dois dias até fingiu estar doente para que eu te tocasse e você conseguiu e…
— E agora que eu consegui, percebi que nunca deveria ter ido atrás
de você! — Ela me interrompe com uma exclamação ultrajada. — Porque.
Você. Não. Vale. A. Pena. — A fêmea vai pausando em cada palavra com o
seu jeito desaforado, sem medo de nada.
Nancy faz um arrepio correr da minha nuca até a ponta do meu rabo
com a sua frase e o seu jeito desdenhoso. Ela tem a coragem de me encarar
assim e mentir, então o rosnado que estou segurando acaba saindo de mim
muito alto, enquanto eu me abaixo bem, para os nossos rostos ficarem um
pouco mais equiparados em questão de altura.
— Não foi o que parecia enquanto você gemia meu nome feito uma
putinha debaixo de mim. — A cada palavra, a minha voz fica mais grossa e
mais baixa, e isso faz a fêmea ficar paralisada, enquanto os seus batimentos
aumentam ainda mais. — Eu parecia valer muito a pena enquanto você
gozava no meu pau, Nancy — sussurro em cima da sua boca. — Enquanto
gritava o meu nome e pedia pela minha porra nessa sua buceta apertada.
É como se a temperatura nesse corredor mudasse completamente. O
calor me envolve com força e o meu pau está grosso e muito molhado de
pré-gozo, e a cada lufada de ar que entra, eu só fico com mais tesão, porque
o cheiro dela me atinge feito um tapa. O dulçor de Nancy me enlouquece de
um jeito que não consigo pensar.
Ela ficou excitada com o jeito como rosnei para ela, mesmo que esteja
morrendo de tanto ódio de mim, e tudo que eu quero agora é sentir o gosto
desse ódio e dessa excitação.
— Sabe o-o que Kara me contou hoje mais cedo? — A voz dela falha,
mas ela não desiste e não quebra o contato visual, parecendo mais
determinada do que nunca. — Que parece que todos vocês persaneses
fodem muito bem. Então eu acho, que não vou ter dificuldade nenhuma de
encontrar alguém para fazer tudo isso que você acabou de dizer, só que sem
a parte onde sou tratada como se fosse uma idiota.
Eu rosno novamente e o meu rabo fica como um chicote atrás do meu
corpo, enquanto eu sugo lufadas pesadas de ar e o meu peitoral sobe e desce
com pressa.
Quero acabar com essa mulher!
— Eu juro para você que mato qualquer um que encostar em um fio
de cabelo seu. — Sinto uma gota de suor escorrer da minha testa e passar
pela lateral do meu rosto e entrar na minha barba. — Eu juro pra você,
Nancy. — Eu estou tremendo dos pés à cabeça.
Capítulo 28
Nancy
Esse cara só pode ter ficado maluco! Que tipo de absurdo é esse?!
E a pior parte? Esse absurdo dele de dizer que vai matar alguém por
encostar em mim, enquanto está com o seu rosto quase colado no meu, está
me fazendo pulsar pra caralho entre as coxas.
Eu não consigo nem raciocinar direito, só vejo a boca de Astor e as
presas dele, e me lembro de como ele mordeu a minha bunda e o meu
ombro há dois dias.
— Você e-está se ouvindo falar? — A tensão fica tão grande que eu
gaguejo. Até agora estava me sentindo cheia de energia e de coragem,
gritando com um cara de mais de dois metros, mas com ele tão perto e
falando tantos absurdos, a minha coragem vai evaporando. — Foi você
quem quis distância de mim, quem me deixou sair desse lugar depois de
falar como preferia que eu fosse outra coisa. E agora acha que pode mandar
em mim e me ameaçar?
Você consegue, Nancy. Tem anos de experiência discutindo com a
maluca da sua mãe, mesmo que acabassem em castigos péssimos.
— Você me ouviu, fêmea, e se decidir ir, já sabe o que eu vou fazer
— grunhe e continua perto demais. Ele está mesmo falando sério? Esse
ruivo, que nem se importa quando eu falo do cara que me engravidou, está
prometendo mesmo matar alguém por mim? — Eu sou o curandeiro, eu
estou cuidando da sua saúde e do seu filhote, e se você vai arriscar isso,
então vou ter que começar a mudar os meus métodos.
Astor está realmente fora de si, deve ser algo persanes, porque não faz
sentido! Kara me garantiu que se eu não quisesse participar dos jogos
sexuais, era só ficar na área da comida, ainda mais que essa mansão é
gigantesca e tem dezenas de lugares pra ir.
— Nós não temos nada um com o outro! Você é curandeiro, mas não
é meu dono, não manda em mim! — argumento, sem entender o momento e
sem saber como agir. Eu peguei Cyan no colo e de repente Astor estava me
arrastando para longe, me trancando nessa cabana e gritando comigo.
Mas se ele acha que vai conseguir me acuar com todo esse
estardalhaço, está muito enganado. Eu não abaixei a cabeça para ninguém
da Igreja do Oitavo Renascer, então não vou começar agora.
— Se você está me dizendo que v…
— E por que você também não vai na porra do Salah e relaxa um
pouco?! — grito por cima, mesmo que dizer isso faça o meu peito doer de
tristeza. — Encontre uma persanesa para você, quem sabe ela não te deixa
mais calmo, já que me comer só te deixou estranho?!
Eu não quero falar isso, não quero sugerir que ele vá atrás de outra
pessoa. Me magoa toda vez que penso que Astor não me acha boa o
bastante, porém, se ir atrás de outra vai fazê-lo parar de me tratar friamente
e depois começar a rosnar, ótimo.
Eu posso lidar com a rejeição, já aguentei coisas piores. Mas não
posso lidar com ele agindo feito um maluco.
— Eu não quero outra, quero que você pare de me desafiar e fique em
casa enquanto essa merda de festa, que não foi feita para humanos, acontece
— explica, mas não existe a menor possibilidade de Astor me convencer a
não ir nessa festa agora.
Eu já fui longe demais para desistir e não vou aceitar receber ordens
de um cara tão confuso como ele.
— Kara me convidou e eu vou, agora me solte! — ordeno, sem me
debater mais. A minha força não é nada contra as mãos de Astor me
empurrando contra a parede.
— Olhe para mim, sua filha da puta! — ele me xinga e eu quero ficar
com ódio, mas de repente ele se encosta mais contra mim e eu sinto a
dureza da sua ereção, o que me deixa de boca aberta e mais do que surpresa.
Ele está excitado no meio de uma briga comigo?! — De onde você tirou
essa porra de ideia de que eu tenho que achar outra fêmea?
Astor me deixa zonza de tão perdida e só fica pior, porque ele se
aproxima com os lábios entreabertos e eu quase gemo, percebendo que vai
me beijar.
— E-e-eu já falei que ia para… — Não consigo nem terminar a frase.
— Mas você não vai, Nancy, eu já decidi — grunhe baixo e a
arrogância dele me tira do transe de desejo e inflama a minha raiva.
Quem falou para esse cara que ele decide alguma coisa sobre mim?
— Não ouse me beijar ou eu vou arrancar a sua língua fora com os
dentes — ameaço baixo, sem fazer ideia de onde vem a minha coragem,
que o faz parar no meio do caminho.
Só que o problema é que eu quero beijá-lo! E a minha sorte é que eu
sou rancorosa demais para deixar o meu tesão falar mais alto.
— Nancy… — ele continua rosnando, mas afasta o rosto do meu, o
que me deixa com a mente um pouco mais clara.
— Uma hora você fala que sou a fêmea mais linda que você já viu e
depois você está dizendo que como não sou uma persanesa, é esquisito
sentir atração por mim.
Eu só quero ser gostada, só quero ser abraçada e cuidada. Não quero
lidar com um cara que parece mais um quebra-cabeça cheio de peças
faltando.
— Isso aqui não é sobre o que aconteceu entre nós dois, é sobre a sua
segurança. — Ele fala com a maior cara lavada, fazendo a sua expressão
mais séria, mas que para mim agora só aparece bem cínica, enquanto se
afasta de mim e me deixa sozinha contra a parede.
— Eu quero que você vá se foder, Astor — xingo entredentes, quase
tremendo de ódio. Olhar para ele desperta uma raiva imensa em mim,
porque eu sei que esse filho da puta está mentindo, que está escondendo
coisas de mim. Até hoje nunca explicou porque abraçou a minha barriga do
nada, dias atrás. Ele ronronou desde a primeira vez que nos vimos e agora
está tendo um ataque e espera que eu apenas aceite as suas ordens. —
Quero que você pegue esse “é sobre a sua segurança” e enfie no seu cu,
seu… seu idiota! — exclamo, com a respiração pesada.
O persanes fica até atordoado com as minhas palavras, os olhos dele
se arregalam, as narinas se dilatam, como se estivesse sentindo um cheiro
completamente diferente, e eu aproveito isso e saio o mais rápido que
consigo da maldita cabana.

Astor
Eu senti o cheiro do meu filhote de novo e não foi numa boa ocasião,
foi enquanto Nancy me xingava e parecia que ia explodir de tanto ódio.
Fiquei paralisado no lugar, não consegui ter nenhuma reação, nem de me
ajoelhar para ver se o cheiro ficava mais forte ou de falar para ela o que
estava acontecendo, então a fêmea saiu pela porta da cabana e não voltou
mais.
Dessa vez o aroma apareceu muito forte e era o cheiro do meu filho
quando ele estava na barriga de Natasha, não quando ele estava morto em
meus braços. Era o cheiro do meu filhote vivo, mas como isso pode ser
possível?
Quando eu conseguir entender o que está acontecendo, talvez esse
frenesi todo passe.
E sentir esse cheiro só me deu ainda mais forças para impedir a
morena de ir até o Salah. Além de me importar com a saúde de Nancy, eu
me importo também com a saúde dessa criança em seu ventre, que de
alguma forma estranha tem algum tipo de ligação com Nimiar.
Pelo menos é essa desculpa que eu uso para estar parado feito um
stalker do lado de fora do quarto das irmãs. Mesmo que elas abrissem a
porta dupla agora, não notariam a minha presença, já que o corredor é muito
grande e eu estou um pouco mais para o final dele.
Porém, com a minha orelha grudada na parede e fazendo muito
silêncio, consigo ouvir a conversa das duas que estão se arrumando,
achando mesmo que vão para o Salah se divertir e conhecer um monte de
persaneses.
Juliet pode até ir, ela tem muito mais noção do que a sua irmã, tenho
certeza que não se meteria em encrenca e no primeiro sinal de problema, ela
viraria as costas e voltaria para o seu quarto. Mas, com o jeito como Nancy
me desafiou mais cedo, eu tenho certeza que ela teria coragem de fazer o
mesmo com qualquer outro persanes.
— Você tem certeza disso, Nancy? — Escuto Juliet perguntar para
sua irmã.
Até ela sabe que essa ideia é absurda, então por que não para a
irmã?
— Você não? — Nancy fala e eu não consigo saber exatamente qual o
seu tom, mas tenho certeza que não fala com seriedade.
Deve estar empinando o nariz de forma petulante.
— Eu sei lá… acho que essa festa não é um lugar para mim — Juliet
reclama e depois as duas começam a falar mais baixo, então eu não entendo
quase nada.
Que merda!
— Você está, passou o dia todo com Kara ontem e teve um… caso
com esse curandeiro — Juliet é quem volta a falar alto e me surpreende que
ela saiba algo. — Só espero que seja verdade mesmo que acabou tudo entre
vocês dois. Esses demônios são perigosos.
Eu me pergunto como está a cabeça de Juliet. Não a vejo saindo com
frequência do quarto, mas eu também não tenho rondado tanto assim a
mansão, passo a maior parte do tempo na cabana.
Será que ela ainda está morrendo de medo da minha raça? Será que o
preconceito que Frederick enfiou em sua cabeça ainda está completamente
enraizado?
— Eu já falei para você parar de chamá-los de demônios, se algum
deles ouvir você falar desse jeito na festa, vão ficar muito bravos mesmo —
Nancy alerta, com razão, e elas conversam mais um pouco fazendo coisas
no quarto.
Acho que já estou aqui há pelo menos meia hora ouvindo essas duas e
confesso que gostaria de ter ouvido mais, só que estava ocupado antes,
resolvendo as coisas de Cyan.
Assim que Nancy saiu da cabana, eu consegui raciocinar um pouco,
fiz alguns telefonemas com o celular que eu nem queria ter, e com a ajuda
de Dante e dos meus fundos, coloquei detetives atrás da mãe do meu
sobrinho. Eu posso ter passado muitos anos vivendo no meio do mar, mas
eu também passei muitos anos vivendo em terra, tenho uma quantia boa de
dinheiro guardada, o bastante para criar uma criança, e também sei como as
coisas funcionam na cidade.
Vou investigar o sumiço da mãe do menino, porque é muito injusto
que Cyan perca os dois pais em tão pouco tempo. Esse filhote vai sofrer
muito quando crescer e entender que foi abandonado, mesmo que eu
pretenda dar todo o apoio ao pequeno.
Eu posso estar de luto ainda por Niflin e Nimiar, mas isso não vai me
impedir de dar uma boa vida ao meu sobrinho, mesmo que para isso eu
tenha que superar o meu vício por essa morena.
Desde que estou aqui, ela evitou falar sobre mim para a irmã, não
contou sobre a briga, não se abriu mais e isso me deixa ainda mais
angustiado. Eu não sei o que planejo fazer, parado aqui ouvindo as duas
conversarem a alguns metros de distância, mas eu sei que Nancy não vai ao
Salah, não importa o que eu tenha que fazer.
E depois eu irei parar de ser um grande imbecil irresponsável e vou
novamente atrás do meu sobrinho, que agora está sendo cuidado por Dion e
uma babá humana, que foi providenciada com uma velocidade ímpar.
— Você vai mesmo usar essa roupinha básica? — A morena pergunta
e eu fico muito curioso para saber o que Kara separou para que elas
usassem.
Só que aquela persanesa com certeza está do lado de Nancy, eu vi
como ela estava ajudando a morena a me provocar, falando até sobre
machos. Então com certeza os modelitos que ela selecionou, são uma coisa
escandalosa.
— Pela primeira vez a gente vai ter a chance de usar algo espetacular,
algo que chame atenção, Juliet! — Dá para ouvir de longe a ansiedade no
tom de Nancy. — A gente nunca teve sequer uma blusa com um pequeno
decote, tudo tinha que nos cobrir dos pés à cabeça. Você não quer começar a
experimentar coisas diferentes? — pergunta, Juliet resmunga algo em
resposta para sua irmã e as duas seguem conversando baixo.
A minha boca até se enche de água ao imaginar Nancy com um
modelito ousado. Ao mesmo tempo que eu quero rosnar de ódio.
Não é que eu não queira que ela vista algo bonito, a maioria das
fêmeas da minha raça se vestem de maneira grandiosa, usam muita joias, as
suas roupas sempre têm decotes e fendas, e eu confesso que sim, acho
muito bonito e em Nancy isso ficaria perfeito.
Só que o clima do Salah é diferente, a maioria dos machos jovens
vem caçar uma parceira, seja ela temporária ou não. Eles veem como um
momento oportuno para criar laços e até despertar o cio, assim fazem logo
os seus herdeiros. Então esse não é o momento para a humana começar a
experimentar roupas chamativas, ainda mais que a morena parece certa de
que não vai acontecer mais nada entre nós dois.
— Tudo bem então, mas eu vou com o meu vestido de fada! —
Nancy fala mais alto de repente.
Essa loarla realmente não tem limites!
Como será esse tal vestido de fada?
A minha imaginação começa a me matar, mas logo as minhas
perguntas a respeito dessa tal roupa são respondidas, pois as irmãs decidem
que estão prontas e que já vão sair para o festival, que está bem barulhento
lá fora, na verdade.
Mas no que depender de mim, nem eu e nem Nancy veremos algo do
Salah.
Elas saem do quarto conversando sobre suas roupas, e eu não consigo
focar em nada e sou obrigado a me segurar, se não quiser avançar em Nancy
agora.
O tal ”vestido de fada” é um retalho, não uma roupa. A coisa é de um
rosa-claro, mas não é um tom de rosa brilhante e artificial, e sim algo que
poderia ser a própria pele de Nancy quando ela fica corada. É cheio de
glitter e vai até o meio das coxas dela, com um forro por baixo da saia
rodada, coisa que não existe na parte de cima.
Não tem forro na parte de cima! Só tem o tecido rosa cheio de glitter,
que é muito fino, com alcinhas, um decote em V e que deixa os mamilos
rosados de Nancy quase à mostra. Eles não ficam 100% visíveis, mas dá
para ver o formato e são como uma sombra atrás do pano.
Eu até considero que talvez esteja vendo errado, já que estou bem
longe, mas a minha ótima visão persanesa junto à ótima iluminação do
corredor não deixa dúvidas, ela realmente escolheu uma roupa que faz
parecer que está pelada e brilhando.
Essa fêmea nunca vai chegar a essa festa!
Nunca!
Eu vou seguindo as duas de perto, com passos lentos e muito
silenciosos, e como são humanas, elas nem sequer sentem a minha
presença.
— Droga! — Nancy fala de repente e para no lugar, então eu freio o
meu passo também, para não andar mais rápido do que elas.
— O que foi? — Juliet questiona e eu acabo reparando nela.
Como eu estou quase queimando essa roupa da morena só com os
meus olhos, eu nem notei o que a sua irmã vestia. Enquanto o vestido de
Nancy é algo bem persanes, já que é chamativo e curto, Juliet está usando
um par de shorts jeans, que quase chega na altura dos seus joelhos, chinelos
e uma camiseta.
— Esqueci a tiara que Kara me emprestou, ela disse que os brilhos
são diamantes mesmo — Nancy resmunga. — Vai indo na frente, que eu já
volto. — Ela aponta para as escadas por onde devem descer para chegar até
a entrada do Salah.
Os Dolunay colocaram muitas tendas no grande gramado de seu
jardim imenso, também colocaram as mesas de comidas lá e a maioria da
festa vai acontecer ao ar livre, como deve ser. Menos os jogos sexuais que
ficaram reservados para o grande salão principal da família turco-persanesa.
— Indo na frente?! Você não pode me deixar sozinha com esses…
persaneses. — Juliet faz um óbvio esforço para evitar a palavra
“demônios”, só que na mesma hora eu escuto passos e logo Kara aparece
subindo as escadas.
Eu começo a rezar para que as correntes de ar não levem o meu
cheiro até ela.
Como a audição dela é muito melhor que a dessas humanas, acabo
tendo que me afastar bem devagar se não quiser ser pego, só o bastante para
ela não ouvir meu coração, e fico parado perto de um vaso de plantas
enorme.
A audição de curandeiros costuma ser muito melhor do que de
persanes comuns e eu não acredito que Kara esteja tão concentrada assim
para ficar ouvindo os seus arredores, ainda mais enquanto pensa na grande
festa que organizou.
— Onde você está indo, Nancy? — Kara pergunta e a roupa dela com
certeza é bem o tipo de coisa que persanesas adoram usar. Uma saia longa
com uma fenda enorme e uma blusa muito curta e também com um grande
decote.
— Eu esqueci a tiara que você me emprestou no quarto, vou lá buscar
— Nancy informa.
— Ah sim… e você pretende ir assim mesmo para festa, Juliet? Todos
lá vão estar muito bem-arrumados.
Para uma volta na rua, a roupa da loira não está ruim, só que em
comparação ao que persanesas gostam de usar, Juliet está extremamente
simples.
— Eu falei para ela! — Nancy exclama e eu começo a ficar cada vez
mais impaciente.
Se eu fosse um macho que se deixa governar por seus instintos, não
seria tão doloroso estar aqui de tocaia, mas como eu tenho pleno
entendimento do absurdo que é eu estar obcecado por uma fêmea que
acabei de conhecer, eu me sinto mais uma vez um grande imbecil.
— Eu não quero que fiquem olhando para mim — Juliet responde.
— Vão ficar olhando para você se entrar naquela festa feito uma
mendiga. — Kara é rápida em tentar ajudar a loira, que não tem noção
alguma de como funciona a nossa sociedade. — Vamos fazer assim. Você
vem para o quarto comigo, eu te arrumo rapidinho, e enquanto isso a sua
irmã vai buscar a tiara.
— Perfeito! Assim que eu pegar a tiara, vou para o seu quarto, Kara.
Elas conversam mais um pouco, mas logo a morena entra em ação.
Ela volta para o seu quarto pelo corredor e me deixa em pânico, porque eu
preciso pensar muito rápido onde me esconder. Eu decido entrar num quarto
com a porta aberta e ela passa direto por mim.
E enquanto isso Kara e Juliet descem as escadas para o outro andar,
assim vão se arrumar.
Eu conto até cinco bem devagar, assim tenho certeza de que não serei
ouvido, e antes que Nancy entre de volta no seu quarto, com uma mão eu a
pego pela cintura e com a outra eu tampo a sua boca para que não grite.
Capítulo 29
Nancy
— Fique quieta, Nancy! — a voz grossa de Astor no meu ouvido não
me deixa dúvida alguma de quem é que está atrás de mim, ainda mais
porque ela faz correr um arrepio tão grande no meu corpo, que eu ranjo os
dentes.
A força do ruivo é fora de série e mesmo que eu me debata, ele
contém cada um dos meus movimentos e me dá até um chacoalhão, um
aviso de que eu tenho que parar.
— Eu disse para ficar quieta! — ordena e me deixa ainda mais
atordoada.
Primeiro ele gritou comigo mais cedo e agora está me agarrando
assim que fico sozinha no corredor. Será que Astor planeja me impedir de ir
à festa usando a sua força, já que não conseguiu me convencer com
palavras?
Isso é um absurdo e não tem nada a ver com o curandeiro que me
resgatou da IOR.
Se bem que a cada dia ele tem se tornado mais diferente.
— Não vou ficar parada, seu maluco! Agora me solte! — grito, só
que as palavras saem todas deformadas e baixas, pois o filho da puta está
com a sua palma contra a minha boca. — Me solte ou eu vou morder a sua
mão! Eu tenho que ir para a festa!
— Você não vai para o Salah — sussurra, num tom que é o completo
oposto do meu e começa a andar comigo, não importa o quanto eu chute o
ar. — Eu só não jogo você sobre os meus ombros, para o seu peso não ficar
na sua barriga — avisa e por isso ele vai me carregando de qualquer jeito,
me segurando pela cintura e tentando conter as minhas pernas.
— Astor, isso é um absurdo! — exclamo e de repente ele para, me
vira de frente para ele, para que eu possa encará-lo, e me encosta contra
uma parede no corredor.
Agora ele está me levantando por debaixo dos braços e nos deixando
rosto a rosto, sem tampar mais a minha boca. Eu sinto o meu corpo todo
tremer numa mistura estranha de sentimentos que envolvem raiva, surpresa
e tesão.
Eu realmente subestimei a força dele até agora. Nunca imaginei que
alguém pudesse me sacudir e me prender assim.
Os olhos dele estão brilhando neon e iluminando a sua expressão
indignada e enraivecida. O seu pescoço está grosso, cheio de veias, e o seu
cabelo está uma bagunça selvagem.
— Mais absurdo é você achar que vai assim pra algum lugar sem eu
estar ao seu lado — a voz dele está rouca como quando estávamos na cama
e isso aumenta o meu calor. Por que o meu corpo está respondendo com
excitação, quando eu deveria estar aterrorizada? Que merda! — Você está
maluca? Olha o tamanho desse vestido. — Astor abaixa a sua cabeça para
olhar o meu corpo e eu resfolego.
É claro que eu pensei como seria a reação dele quando me visse desse
jeito, e talvez… eu tenha aceitado usar algo assim tão transparente e
chamativo, só para fazê-lo se arrepender de me chamar de “loarla”. Só que
eu nunca imaginei que eu nem teria chance de chegar no Salah para me
mostrar.
— O-o que eu visto ou deixo de vestir não é problema seu! — berro e
a minha voz ecoa pelo corredor, agora que a mão dele já não está na minha
boca.
Só que mesmo que eu consiga gritar, os sons da festa estão muito
altos lá fora, tambores, gritos e risadas ecoam do lado de fora da mansão
Dolunay, e eu duvido que alguém vá conseguir me ouvir, não importa o
quanto a audição deles seja boa.
— Você nem está usando o sutiã, estou até vendo os seus seios,
Nancy… — A voz dele é só um sussurro rouco e sexy sobre a minha boca e
parece que eu vou explodir de tanta tensão, com os meus pés balançando
bem longe do chão. — Está usando calcinha pelo menos, fêmea? —
pergunta e usa uma das suas mãos debaixo dos meus braço para me
desnudar. Ele estica o seu dedo, e como tem garras muito afiadas, faz a alça
do vestido se partir, o que me pega completamente desprevenida.
— O que você está fazendo?! E-está tentando me deixar pelada no
meio desse corredor? — Só eu falar isso, que Astor parte a outra alça do
vestido também, o que faz a parte da frente toda da peça cair e deixar os
meus dois seios completamente nus. — Pare com isso! — ordeno, só que o
meu corpo amolece pouco a pouco nas mãos dele, pois a brisa quente lambe
a minha pele e é como se ela fizesse o fogo dentro de mim ficar ainda
maior.
Eu nunca fiquei nua para ninguém e agora Astor está me vendo
pelada pela segunda vez, e ele parece adorar isso de um jeito carnal e
primitivo que não é nada justo comigo.
Sem mais e nem menos, sem me dar tempo de respirar ou de dizer
algo mais, o persanes me ergue mais um pouco contra a parede, vem com o
seu rosto bem para frente e abocanha praticamente um seio inteiro meu.
— Porra! — xingo, com uma voz desesperada que eu só ouço sair de
mim quando estou com ele.
— Minha… — fala de boca cheia, me devorando com a sua língua
extremamente quente e os meus olhos se reviram. — Só minha.
Ele arranha a minha pele com os seus dentes pontudos e eu quase
gozo, o que é absurdo. Me deixa com muita raiva saber o quão desesperada
por ele eu estou. Mas não tem nada que eu possa fazer, estou à mercê desse
homem gigante.
Até que Astor para de chupar o meu peito e desce o meu corpo
novamente para que fiquemos rosto a rosto. O persanes nem me pede nada,
ele só me beija, e assim como chupou o meu mamilo ele chupa a minha
língua. E eu, feito a idiota que sou, retribuo, com muita fome dele.
Ele me tira da parede para me colocar contra o seu peitoral quente e
eu automaticamente passo as minhas pernas por sua cintura, ficando bem
grudada ao seu corpo largo e quente.
Enfio os meus dedos em seu cabelo cheio, puxando mechas que são
parte douradas e parte acobreadas, gemendo com a fricção que os meus
seios fazem contra a sua camisa. A cauda de Astor se enrola no topo da
minha coxa e ela me aperta, como se acariciasse, me deixando ainda mais
excitada.
Só que de repente, além de me beijar, Astor começa a andar comigo
em seu colo.
— Você achou mesmo que eu ia te deixar ir pelada para aquela festa?
— Para de enrolar a sua língua na minha e sussurra, e eu estou tão sedenta e
mole, que tenho que me esforçar para conseguir dizer qualquer coisa.
— Eu não estava pelada… você… quem está me deixando agora —
murmuro e sinto ele descendo as escadas comigo.
É como se tivesse bebido muito, estou embriagada por seu cheiro
delicioso e seu toque quente e esfomeado.
— Já que você quer tanto se exibir, vou te levar pra baixo assim. —
Astor abraça o meu corpo e me leva como se eu fosse uma princesa em seus
braços, dando solavancos a cada degrau que desce com pressa. — Quer se
mostrar, Nancy? — o tom dele está cheio de raiva, o que me deixa com
mais tesão. Eu acho que gosto quando esse ruivo fica com ódio de mim. —
Eu te levo lá, mas antes de você ver qualquer coisa, eu vou te foder na
frente de todo mundo.
Eu me sinto contrair com tanta força, que nem consigo esconder no
meu rosto a sensação. Minha calcinha deve estar ensopada agora.
— V-você… — Estou incapaz de respirar direito, com o coração
pulando muito em meu peito, e Astor sabe disso.
A imagem dele fazendo o que acabou de falar está se formando na
minha cabeça e eu me sinto derreter.
As suas narinas se alargam sentindo o meu cheiro, assim como Kara
me explicou. Um homem humano nunca sabe dizer quando uma mulher
está excitada, mas os persaneses sabem, eles sentem o aroma não só no seu
nariz, mas em sua boca também. É por isso que o ruivo lambe o lábio
inferior, como se o cheiro da minha excitação tivesse se acumulado no ar.
— Está com a bucetinha toda molhada, não está? — pergunta e eu
faço que sim com a cabeça. Se eu tivesse um rabo agora, o estaria abanando
para Astor. — Eu vou te levar até lá então, só fique quieta.
É como se ele tivesse me hipnotizado e a cada lance de degrau, o
curandeiro vai falando coisas mais sujas para mim, coisas que me deixam
envergonhada e ao mesmo tempo desesperada.
Só que ao chegarmos no térreo, passamos brevemente por alguns
persaneses que estão de costas e nem nos notam, e ele toma uma rota
alternativa na casa, uma que eu não conhecia. Passa por salas escuras e
antes que eu possa perguntar qualquer coisa sobre o porquê de não estarmos
indo para o Salah, o ruivo tampa a minha boca.
O desgraçado mentiu para mim, só para passar despercebido pelas
pessoas do térreo!
Eu tento lutar contra o seu aperto, só que o curandeiro está muito
concentrado no caminho e não me deixa fugir, enquanto o vestido vai quase
que se desfazendo no meu corpo. A única parte que sobra é a saia, porque a
parte de cima é frágil demais.
Até que nós passamos por uma última sala escura, que ele com
certeza consegue ver alguma coisa com a sua visão de persanes, e sem mais
e nem menos chegamos até o gramado na parte de trás, mais próximo a
cabana dele.
— Achou mesmo que eu iria te levar para essa maldita festa, loarla?
— rosna e o meu corpo se sacode mais a cada passo, ele está ficando com
mais pressa.
— Eu não sou loarla! — grito, mas não com muita força, já que não
vai adiantar de nada e só ele vai entender as palavras deformadas saindo da
minha boca tampada.
Esse cara realmente está me sequestrando?! Oliver falou que ele era
bonzinho, não era como Dante!
— É sim! É uma praga que não sabe obedecer. — De repente Astor
faz uma pinça com o seu dedo indicador e o dedão e puxa o meu mamilo
direito pra frente, o que me faz gemer conforme continua andando em
passos mais do que decididos em direção a porcaria da sua cabana de
madeira.
Está doendo tanto ter o meu peito apertado assim, com aspereza, mas
ao mesmo tempo eu só sinto a minha calcinha ficando mais encharcada a
cada segundo. A minha umidade está se acumulando como uma poça entre
as minhas coxas, com o cheiro dele me fazendo tremer de tanto tesão e o
jeito mandão como me leva.
Eu fico tão concentrada na pontada de seus dedos rolando o meu
mamilo e puxando, brincando comigo, que só percebo que chegamos na
frente da cabana, quando ele larga o meu peito e destranca a porta com uma
chave escondida em seu bolso.
Esse filho da puta tem as mãos tão rápidas!
Depois, Astor coloca nós dois para dentro, me põe no chão com muita
pressa, só que as minhas pernas estão bambas de tanta excitação, então ele
me coloca apoiada numa parede, se vira e começa a fechar todos os trincos
da porta.
— Você é um brutamontes! — protesto e tento impedi-lo, só que mais
uma vez ele tem a total vantagem da situação. — A minha irmã e a Kara
vão notar o meu sumiço! — A minha voz ecoa menos na cabana, ela não é
como o corredor do meu quarto. Aqui tem muitos móveis antigos e agora
cheira menos como algo que esteve muito tempo trancado.
— Tenho certeza que não notaram até agora, loarla. — Com uma
expressão voraz no seu rosto, o filho da puta se abaixa, porque só assim, ou
ele me levantando, para ficarmos na mesma altura, e junta os meus dois
braços na frente do meu corpo, apertando os meus pulsos juntos.
— Para de me chamar assim! — Eu fuzilo seu rosto com o meu olhar,
o que só faz ele levantar um pouco os lábios e me mostrar as suas presas
grandes e pontudas enquanto rosna para mim. O som é animalesco e me
deixa nervosa, por isso eu lambo o meu lábio inferior seco e isso chama
bastante a atenção de Astor. Como pode existir tanta atenção sexual entre
nós dois enquanto ele está sendo um selvagem comigo!? — V-você não tem
vergonha de me trazer até aqui à força?
— Você quem me provocou, e é melhor isso do que matar algum
macho que se aproximasse de você, não acha? — fala com muita seriedade,
como se fosse mesmo acabar com a vida de alguém, o que me faz engasgar
com o meu próprio ar, enquanto novamente Astor me pega em seu colo com
seus braços grossos.
— Ei! — A esse ponto eu já estou cansada de tanto gritar e
começando a ficar rouca. Eu devo estar toda vermelha de tanto que me
debati e os meus seios balançam nus. Mas não muito, já que eu nem tenho
tanto assim para balançar.
— Eu vou lhe dar algo pra você lembrar de mim, fêmea. — Fala
comigo sem esforço conforme anda até a escada de madeira e começa a
subir para o primeiro andar da cabana.
É claro que eu não diria isso em voz alta, mas… é meio que muito
bom ficar no colo dele. Mesmo que o que esteja fazendo seja um absurdo
completo.
— Por que você está fazendo essa porra?! Qual o seu problema?! —
pergunto, ainda sem jogar a toalha, e ele fica em silêncio até que entramos
em seu quarto.
Ele me coloca em sua cama de casal, onde transamos da última vez e
fica me encarando, como se pudesse explodir a minha cabeça com o seu
olhar neon.
O colchão é macio debaixo de mim e a esse ponto eu já estou
pulsando ainda mais entre as pernas e talvez… ser tão tocada assim por
Astor tenha deixado uma espécie de calor fantasma em cada parte da minha
pele. Estou até suando, ainda mais com os dois seios de fora pra ele, que
não se esquece nem um pouco desse fato, tenho certeza.
— Você quer saber o meu problema, Nancy? — pergunta baixo, numa
falsa calma, já que a sua cauda está até fazendo barulho, de tanto que
chicoteia o ar atrás dele. — Quer mesmo?
Parado de pé na frente da cama que parece ser muito antiga, usando
uma calça e camisa pretas, ele começa a desabotoar a parte debaixo e me
mostrando que novamente não usa uma cueca. Os pelos acobreados estão lá
e eu fico parada feito uma idiota, sem saber o que dizer.
Tenho a chance de correr agora? Sim, mas absolutamente nada me
tiraria daqui enquanto Astor coloca a sua ereção monstruosa para fora. Ela
está como me lembro dela, grande, grossa, cheia de veias e muito vermelha,
com os piercings na ponta. E ainda está pingando!
Eu quero me abanar!
— Esse aqui é o meu problema. — Rosna de um jeito que faz os
meus mamilos ficarem ainda mais duros e começa a se masturbar.
Só que ele não faz os movimentos com delicadeza. Astor não está
tentando só se acariciar, está tentando se esfolar, apertando todo o seu
comprimento com muita força enquanto gotas e mais gotas de um líquido
transparente cai no chão e enche a minha boca d’água.
O cheiro de mar e de baunilha fica mais forte e a minha respiração
pesa, parece que corri uma maratona. Eu consigo me ver ajoelhando na
frente dele só para tomar um pouco do líquido e até aperto as coxas juntas
de tanto tesão.
— Você é o meu problema, fêmea. — Ele começa a falar com
dificuldade, sua respiração fica pesada como a minha e o seu peitoral sobe e
desce rapidamente por conta disso. O espetáculo que ele faz para mim me
deixa em transe. — Sabia que eu ainda tenho a calcinha que roubei antes de
virmos para essa mansão? — revela e eu engulo em seco.
Os cabelos de Astor caem em seu rosto e a sua cauda fica mais lenta
atrás de si.
— Eu estou ficando maluco, Nancy — confessa e a voz dele é quase
um choramingo desesperado enquanto os seus movimentos ficam mais
afoitos. O seu quadril passa a se mover para frente e para trás, como se
estivesse metendo em mim, e isso me afeta tanto que é difícil pensar. — Eu
não consigo nem me concentrar para ler, mon bouan! Para ler!
— O que é bouan? — sussurro, sem querer perder a tradução de outra
palavra. — Já me disse isso antes.
— É com isso que você se preocupa agora? — Ele dá um sorriso
enviesado e doloroso, como se estivesse indignado e maravilhado com a
minha pergunta. — Significa princesa, Nancy — explica e eu sei que não
deveria, mas eu me sinto mais excitada em saber disso. Então eu não tenho
só apelidos ruins... — Você chegou aqui cheirando a doença, falsa doença,
mas ainda assim cheirando como alguém que poderia cair de cama a
qualquer segundo, e sabe o que eu fiz?
Ele tira as calças, e só agora eu percebo que esteve descalço esse
tempo todo, dá dois passos na minha direção e fica na beirada da cama. Se
eu esticar o braço já consigo tocá-lo.
— Eu comi você, menina. Eu fodi você, mordi você, chupei você…
— Ele se abaixa e feito um gato, com o pau de fora e os cabelos soltos,
Astor engatinha até mim. — Eu estou viciado em você.
Eu não sei o que estava esperando dele agora, mas com certeza não
era mais um ataque. Astor pega o que sobrou do meu vestido e rasga sem
mais nem menos, usando as suas enormes garras e a sua força.
— P-pare com isso! — gaguejo e tento impedi-lo, empurrando os
seus braços.
— Você gosta tanto assim dele? Ou colocou isso só para que eu
tivesse no Salah e morresse de ódio? — Ele forma uma ruga entre as suas
duas sobrancelhas e eu não consigo pensar, não com o pau de Astor
apontando diretamente para mim, tão suculento e pesado.
Porra, como eu queria chupar esse cara, estou quase babando por isso!
Mas eu me recuso a implorar para tocar Astor, foi ele quem me trouxe aqui
à força e eu não vou cair no seu jogo.
Seja forte, Nancy!
— Isso não é da sua conta, não temos nada. — Nego com a cabeça
enquanto ele puxa ainda mais o tecido e faz tirinhas com o meu ex-vestido,
que agora virou só um amontoado de pano na cama.
— Porque é mais seguro para você que não tenhamos, só que eu não
acho que você quer entender isso. — A esse ponto não existe mais nada da
peça da cor da minha pele, eu estou só de calcinha e Astor lambe o lábio
inferior olhando para mim. Eu acho até que vejo o seu pau pulsar, como
uma coisa viva. — Você quer que eu vire um persanes desesperado, não é?
Quer me deixar doido.
— E-e-eu não fiz nada.
— Agora você vai dizer que não fez nada, loarla? — Ele arqueia as
duas sobrancelhas grossas, ultrajado com a minha declaração, e de repente
enfia dois dedos de cada lado da minha calcinha e puxa, o que transforma a
lingerie também em outro retalho.
Eu a achei tão bonitinha! Até com um lacinho na frente.
— Ei! O que você está fazendo?!
Estou com meus olhos arregalados e não importa o quanto eu
reclame, Astor puxa o que sobrou da calcinha para fora do meu corpo,
passando pelas minhas coxas com muita força, e depois ele me pega pelos
dois pulsos e com um puxão só me leva até a cabeceira da cama.
Nesse exato momento eu odeio que ele seja assim tão forte, o meu
corpo deslizou pela cama sem problema algum e não importa o quanto eu
tento soltar as minhas mãos, ele não deixa.
— Me avise o que você quer de mim antes de só fazer! — reclamo, só
que Astor não me responde, pois está concentrado em sua tarefa de amarrar
os meus dois pulsos na cabeceira da cama com a minha própria calcinha. —
Pare com isso!
— O que eu quero de você, Nancy? Eu quero que você fique parada e
receba a sua punição — diz entredentes.
Capítulo 30
Nancy
— Punição? — pergunto, conforme Astor engatinha pra cima de mim
com o seu corpo enorme. Eu consigo ver cada músculo dele trabalhando
aqui debaixo, grudada na cama, conforme o persanes coloca uma perna de
cada lado do meu quadril na cama. — O-o que você está fazendo, Astor?!
— Eu continuo tentando separar os meus dois pulsos que estão acima da
minha cabeça, o que me obriga a ficar deitada de barriga para cima nessa
cama, mas não tenho nenhum sucesso.
Na primeira e única vez que transamos, Astor não estava tão assim.
Agora ele está selvagem mesmo e me puxando por aí sem mais nem menos.
— Eu vou te dar tudo que algum macho te daria no Salah, do mesmo
jeito que ele te daria, Nancy. — O ruivo tira a própria camiseta por sua
cabeça e deixa o seu peitoral bronzeado de fora, o que faz a minha boca
ficar seca. Ele está me dando um show de músculos, marcas escuras e
cabelos bagunçados que aumenta a maldita umidade entre as minhas coxas.
Será que eu sou algum tipo de doente por estar com tanto tesão
depois de ser tecnicamente sequestrada e tão maltratada?
— Só que eu vou te dar melhor do que qualquer um deles, Nancy, e
bem mais forte, pra você aprender a não brincar comigo.
Ele abaixa a sua cabeça feito um predador muito grande, os seus
movimentos são suaves e poderosos ao mesmo tempo, e eu sinto o seu pau
roçando em mim, enquanto a sua boca pressiona a minha. Eu não quero
retribuir a porra do beijo dele! Mas o meu maldito corpo está tão sedento
por mais, que eu deixo que enfie a sua língua enorme na minha boca e sou
devorada com força.
Astor brinca comigo, se entrelaça em mim e chupa a minha saliva de
um jeito que me faz imaginar outras coisas.
Se eu falasse 10% do que ele fez comigo hoje para a minha irmã, ela
nunca mais pararia de chamar os persaneses de demônios.
— Essa é a minha menina — sussurra em cima dos meus lábios ao
parar o beijo e as suas mãos seguram a calcinha que prende os meus pulsos
na cabeceira da cama de casal.
— O que é tudo isso, Astor? O que você vai fazer comigo? —
pergunto, sentindo o seu hálito quente com cheiro de hortelã contra a minha
pele e ficando mole por isso.
— Não foi gostoso até aqui? O seu cheiro diz que sim, pequena. — A
adoração pecaminosa em seu tom é pura hipnose para mim. — O seu cheiro
diz que você adora ser pega assim, que você gosta de se sentir caçada. — A
sua respiração está acavalada, assim como a minha. — E persaneses adoram
caçar, adoramos ter uma presa, e você tem se comportado como uma,
Nancy. Você… tem me provocado e me feito querer ter você de tantas
maneiras diferentes.
A confissão dele me deixa sem palavras e os seus cabelos tocando o
meu corpo me acariciam de uma maneira estranha.
— Isso aqui que está acontecendo agora, é culpa sua. — A língua dele
volta a sair de sua boca e dá uma lambida nos meus lábios que me faz
contrair com força mais uma vez. — Eu estou há anos negando os meus
instintos e quando você desvia o olhar do meu, quando grita de volta,
quando se veste assim para ficar na frente de outros machos, acorda tudo
que há de mais sombrio em mim.
Quando desviei o olhar dele enquanto eu segurava Cyan, foi porque
estava me sentindo mal por descobrir o que “loarla” significava para ele,
não porque queria provocá-lo.
— O seu… pastor, padre, sei lá o que Frederick é, diz que persaneses
são demônios. Então por que é que você se comporta tão mal perto de mim?
— As palavras dele não são muito mais altas do que o batimento cardíaco
em meus ouvidos. — Por que é que você age como se eu não fosse um
macho sedento, Nancy?
— M-me desculpe — gaguejo e mordo o lábio inferior, depois me
lembro do que ele falou antes e paro de morder. Em resposta, Astor esfrega
a ponta do seu nariz contra o meu.
— Você sabe como um macho e uma fêmea persanesa fodem? — Os
meus dentes começam a bater um contra o outro de tanta tensão. Ouvir
Astor falar “fodem” com certeza me deixa nervosa. — Eles se provocam,
até que o macho domine a fêmea e tome o seu corpo. Mas você não tem
garras, querida. Não tem força contra mim, viu como foi fácil eu te trazer
até aqui?
O curandeiro está obviamente tentando se segurar agora, a fala dele é
lenta, quase didática, e eu acho que isso é o melhor que ele consegue fazer
agora.
— Então eu vou te perguntar, para não ser injusto com você. Você
quer ser fodida por mim, do jeito que eu estou agora? Ensandecido de tanto
tesão? — pergunta entredentes, com a sua voz quase ficando grossa, mas
ainda se mantendo no seu “normal” a maior parte da frase, e eu não penso
por nem um segundo, só faço que sim com a minha cabeça. — Eu quero
ouvir você falando isso. — Ele esfrega de novo a ponta do seu nariz no meu
e eu fecho os olhos, recebendo o seu pequeno carinho.
Ninguém nunca fez carinho em mim, nem a minha irmã. Ela nunca
foi dada a grandes demonstrações físicas de afeto e eu também nunca soube
que precisava disso, até estar nos braços de Astor.
Eu quero tanto ser gostada por ele, acarinhada, amada, que dói.
— Quero que você me toque, só não me machuque — cochicho, sem
saber onde focar. — Eu estou grávida, lembra?
— Agora você lembra que está grávida, fêmea? — Ele solta o ar
levemente pelo nariz, como se achasse graça. — Existem muitas maneiras
de se machucar uma fêmea pequena e atrevida como você, e todas as que eu
planejo não envolvem nenhum dano ao filhote.
Eu confesso que o Astor que conheci anteriormente não parecia
alguém que sabia como “machucar uma fêmea”, mas a minha curiosidade
está me matando para saber o que vai acontecer agora.
— Você vai me machucar então? — pergunto confusa, tremendo de
medo e excitação.
Quando foi que eu imaginei que esses dois sentimentos se
misturariam?
Sem responder a minha pergunta, Astor se afasta um pouco de mim,
só para me pegar pela cintura e conseguir virar o meu corpo de bruços
numa velocidade que me deixa até zonza. Eu fico de cara contra a cama e
não preciso nem mover um dedo para isso.
— Ei! — respondo, com dificuldade de respirar com a mudança
repentina de posição, e ele vai mexendo nas minhas pernas até que eu esteja
de quatro, mas ainda presa na cabeceira.
— Vou arrumar isso — fala, usando as suas garras na minha calcinha
para rasgá-la mais um pouco. — Não queremos marcas nos seus pulsos
amanhã, não é?
Por alguns segundos eu fico solta, só que com o seu peitoral contra as
minhas costas e o seu pau cutucando o meu traseiro, o meu tempo de
resposta diminui muito e isso lhe dá a chance de me amarrar de novo, dessa
vez um pouco mais frouxo, mas ainda bem preso.
Astor desliza uma mão pelas minhas costas, me mostrando como
estou suada, brincando com as gotas, e depois empurra a sua ereção contra
mim.
— Empine para mim, cadela — rosna no meu ouvido e nem me
espera obedecer, ele me empurra e desse jeito, acabo apoiando os seios e a
maior parte do meu peso nos travesseiros da cama. — Você tem uma bunda
linda. — De repente, Astor desfere um tapa do lado direito do meu traseiro
e eu tremo, porque o golpe é forte e de mão aberta. Faz um barulho imenso
no quarto.
Eu solto um pequeno grito em resposta, que é metade susto e metade
prazer, e puxo os meus braços, mesmo que de nada adiante.
— Você achou mesmo que ia até lá para rasgarem as suas roupas e te
comerem, menina? Só quem pode fazer isso, sou eu — sussurra no meu
ouvido, enquanto junta os meus cabelos num rabo de cavalo e os puxa,
mantendo uma pressão constante e que me deixa com o pescoço bem
esticado. — Separe as coxas ou eu vou te fazer sangrar mais do que já
pretendia. — Mais uma vez ele não me espera responder e me faz ficar bem
empinada na cama, de costas para ele, quando recebo mais um tapa forte.
— Pare com isso — falo, sem forças, e só por isso eu ganho um
terceiro tapa logo em seguida, no exato mesmo lugar do outro, o que é de
uma maldade imensa, já que deixa a minha pele ardida.
Cada vez que ele bate, eu sinto algo se sacudir dentro de mim e a
minha pele fica em chamas. O meio das minhas pernas fica ainda mais
quente, começa a escorrer a minha excitação, e eu estou tremendo tanto,
que nem consigo tentar olhar para trás.
— Quer mesmo que eu pare? — pergunta e começa a ronronar alto,
eu sinto a vibração no meu traseiro, porque de joelhos Astor empurra a sua
ereção na minha pele dolorida, me cobrindo com o seu líquido. — O que
você acha que um persanes faria com você no Salah? Uma fêmea humana
grávida com a buceta apertada e um cu lindo assim? Ele ia te foder, Nancy.
— A sua voz está cheia de uma raiva, de um ódio, que mexe com algo
dentro de mim.
Ganho um quarto tapa e dessa vez o meu grito é só de prazer mesmo.
Eu me lembro vagamente que Margot me contou que existem certas coisas
que podem ser feitas entre casais que envolvem dor.
Só que eu, que já levei muitos tapas dos meus pais e já vi muita gente
ser punida, nunca achei que eu gostaria de algo assim. Cada vez que Astor
bate, eu me contraio com mais força e não faz o menor sentido, mas é tão
gostoso que eu estou com dificuldade de respirar.
— Mas se é selvageria que você está querendo, é isso que você vai
ter, fêmea desobediente. — Eu ganho mais um tapa no mesmo lugar e nesse
ponto é como se a minha pele estivesse em carne viva, porque os golpes
dele são fortes, sem dó alguma de mim. Ele tem força demais e está a
usando sem piedade.
Eu continuo tentando olhar para trás e ele continua segurando o meu
rabo de cavalo. Estou sendo tratada feito um animal, nua em cima dessa
cama, de quatro, presa à cabeceira. E… eu estou amando.
— Astor! — choramingo o nome dele, que esfrega os dedos em cima
do lugar onde me bateu, o que o faz espalhar o calor e gerar pontadas de
prazer entre as minhas pernas, além de me fazer sentir tão vazia que dói.
— Você gosta, não gosta? — pergunta, e como eu não respondo, ele
bate mais uma vez no exato mesmo lugar, o que me faz praticamente
convulsionar para frente, caindo de cara em cima dos travesseiros.
O esfregão que dá em cima da minha pele em seguida só faz doer
ainda mais, o que causa trancos no meu quadril. Parece que a minha buceta
é uma torneira entreaberta, porque eu sinto as gotas escorrendo pelo interior
da minha coxa.
— Responda se gosta, Nancy! E não minta, eu vou saber se mentir.
— Sim — gemo, sacudindo a cabeça afirmativamente e sentindo o
meu couro cabeludo ser repuxado.
Só que ao invés de dar outro tapa, Astor entra com seus dedos
atrevidos entre as minhas pernas e esfrega os lábios da minha buceta,
espalhando o melado. O meu corpo todo chacoalha e eu resfolego.
— P-por que está fazendo isso?
Na verdade, a pergunta que eu quero fazer é “por que eu gosto disso
que você está fazendo?”, mas eu não quero aumentar ainda mais a minha
humilhação.
— Eu estou punindo você, sua cadela, porque você merece. Quem te
deixou ter seios tão gostosos? Quem te deixou andar por aí com uma
bucetinha tão molhada?
A declaração dele me faz pulsar tão forte que eu até perco o ar por um
segundo, e uso a força nos meus joelhos para me erguer um pouco dos
travesseiros. Ainda mais que ela vem seguida dos seus dedos afastando os
meus lábios vaginais e cutucando levemente a minha entrada, enquanto um
outro dedo dele empurra contra o meu traseiro. O meu quadril dá um tranco
em resposta, de tanto susto. Nunca nada chegou perto da minha bunda.
— Você vai pagar por me fazer virar um macho descontrolado.
Não consigo nem processar o que ele fala, até que sinto os seus dentes
se cravando em cima do lugar onde me estapeou. Astor morde com força e
rompe a minha pele, e logo em seguida ele lambe, mas não sem antes me
deixar sentir o ardor que é ser tratada assim.
Ele chupa o meu sangue e esfrega sua língua longa e extremamente
úmida nos furos, o que faz o meu quadril tremer para frente e para trás e faz
o vazio dentro de mim se tornar insuportável. A minha buceta precisa tanto
de algo para abraçar que dói.
— A sua bunda fica linda assim, toda vermelha, com a marca dos
meus cinco dedos nela e dos meus dentes. Mostra como você é só uma
putinha vagabunda, doida pra ser usada. — Ele mete sem dó dois dedos na
minha vagina e não tem dificuldade pra isso, estou completamente
escorregadia, e o que surpreende mesmo é o outro dedo que ele enfia no
meu rabo. Astor nem tenta me acariciar muito, ele só mete o dedo no meu
ânus e a sensação é estranhamente prazerosa.
Eu espero que ele vá mexer os seus dedos ou me dar mais tapas, mas
ao invés disso, ele retira todos os dedos de dentro de mim e depois eu o
escuto se deslocando na cama. Eu não consigo ver o que está fazendo,
porque segura a minha cabeça no lugar, então eu só sinto o gelado dos seus
piercings encostarem na minha vagina.
— Eu poderia te preparar, Nancy, como eu fiz da última vez, passar
horas te chupando e esticando você até que implorasse por mim. Mas eu
não acho que você mereça.
A invasão dele é muito dolorosa e mesmo assim os meus olhos se
reviram, porque a dor me faz tremer e contrair desesperada, me dando um
prazer estranho, que não faz o menor sentido.
Uma das mãos cheia de garras do curandeiro se finca em um lado da
minha cintura, e eu sei que isso é pura selvageria, mas eu estou debaixo
dele gemendo feito uma cadela, que foi do que ele me chamou, e logo eu
também estou me abrindo para ele, fazendo espaço no meu interior quente
para que ele encaixe o seu pau enorme.
Ele vai me possuindo centímetro por centímetro, acomodando a sua
ereção grossa e extremamente molhada, maltratando o meu interior, e os
meus choramingos só ficam mais profundos porque dói. Ele é maior do que
qualquer outra coisa que já enfiei aqui e eu não acho que algum dia vou me
acostumar com a grossura da sua cabeça e com o frio dos piercings.
E mesmo assim… os meus olhos se reviram tanto que eu não vejo
nada direito, a minha boca fica entreaberta e um fio de saliva escorre sem
que eu possa controlar, ainda mais porque ele puxa o meu couro cabeludo
com força.
É tão dolorido e tão gostoso!
— Porra! — xinga de maneira estrangulada e aos poucos a ardência
vai diminuindo como mágica, por conta de seu pré-gozo. — Caralho de
buceta apertada! — As palavras dele só me deixam ainda mais mole e a
minha boca se abre em um grito silencioso conforme Astor volta um pouco
com o seu quadril, se retirando de mim, só para me empalar novamente no
seu pau.
As minhas paredes internas pulsam e se contraem, apertando o
comprimento do persanes, e eu finalmente não me sinto mais vazia, pelo
contrário, estou muito cheia mesmo.
— Astor! Eu… eu… por favor! — Não estou falando nada com nada
mais, de quatro, sentindo ele ir e vir com seu quadril, enquanto enfia suas
garras na minha pele e faz sangue escorrer do meu quadril.
— Eu vou foder filhote atrás de filhote em você, está me ouvindo,
Nancy? — rosna e de repente ele larga o meu quadril e cola o seu peitoral
nas minhas costas, me fodendo como um animal. — Quando essa criança
nascer, eu vou encher a sua buceta de porra, pra viver com as tetas sempre
cheias de leite, e eu vou beber de você, sua vagabundinha. — Os grunhidos
ácidos de Astor são como sopros em uma brasa. Eles fazem o meu fogo
acender ainda mais alto e eu não consigo parar de gemer o nome dele.
— Astor! — eu estou muito rouca, os meus joelhos se afundam no
colchão e quando eu sinto que estou perdendo as forças, Astor dá a volta no
meu quadril e segura o meu corpo na posição, assim eu nunca me deito
sobre a minha barriga.
— Eu vou deixar os seus mamilos em carne viva, de tanto que vou
mamar em você, Nancy. — O jeito raivoso como diz o meu nome me deixa
mais molhada, como se fosse possível. Nós dois estamos escorrendo na
cama. — Eles vão ficar duros e inchados, e tão vermelhos, que você vai
ficar viciada em ser mamada por mim.
— Me enche de porra, por favor — choramingo, sentindo ele meter
com raiva dentro de mim, me obrigando a recebê-lo.
— Você não manda aqui, sua cadela. — A palma de Astor encontra
um dos meus seios encostado contra os travesseiros, já que eu estou com a
minha bunda pra cima, e ele aperta o meu bico e puxa. — Sou eu quem
mando, agora diga que sou seu “durkiah”, ou não vou te deixar gozar.
— Mon durkiah — gemo as palavras que Kara me ensinou e que
significam “meu macho”.
— Preciso ver o seu rosto quando você me diz isso — sussurra
esbaforido e de repente ele para e se retira por completo de dentro de mim.
— Eu vou te virar, Nancy. — Dessa vez ele avisa e sem dificuldade, Astor
de desamarra, me pega de quatro, me coloca no ar pela cintura e me vira, o
que me faz voltar a ficar deitada na cama.
Eu estou respirando pesado e não consigo abrir os olhos por alguns
segundos. Enquanto isso, o ruivo aproveita pra refazer o nó e tira o monte
de mechas do meu cabelo que aterrissam no meu rosto.
— Agora diga de novo — ordena, em cima de mim, e se eu o estava
achando selvagem antes, é porque não tinha visto Astor depois que fiquei
de quatro.
A boca dele está manchada com o meu sangue, ele está muito suado,
com fios de cabelo ruivo grudados em seu pescoço e em sua testa, e o brilho
de seus olhos está tão forte, que é como se entrasse por debaixo de sua pele
e iluminasse toda a área ao redor de seus olhos.
Capítulo 31
Astor
— Mon durkiah — sussurra pra mim, com os seus lábios rosados
úmidos e a respiração desregulada.
A imagem de Nancy parecendo tão perdida no prazer, com os seus
cabelos escuros espalhados por todos os lados, os seus mamilos tão duros e
avermelhados e a sua barriga arredondada faz correr um arrepio da minha
nuca até a ponta da minha cauda e eu não consigo não abaixar para beijá-la,
enquanto o seu corpo está todo rosado.
Ela retribui cada movimento da minha língua e geme dentro da minha
boca, sem poder me tocar, com os seus braços presos em cima de sua
cabeça, enquanto eu posso deslizar minhas mãos por seu corpo,
massageando os seus peitos. Eu adoro como a sua pele é macia e como
cheira tão bem que tenho vontade de mordê-la por inteiro.
Eu vou descendo os meus beijos, espalhando calor por seu pescoço.
Lambo a sua barriga, passo bem perto de sua bucetinha, mas só o bastante
para atiçá-la a tremer, e logo chego em suas coxas, onde cravo os meus
dentes uma vez atrás da outra.
— Astor! — berra e dá trancos com o seu quadril, só que a cada
mordida que eu dou, eu bebo de seu pequeno corpo e logo em seguida
alivio a sua dor com a minha saliva, e isso faz o cheiro da sua excitação
ficar tão pesado no ar que é difícil respirar sem enlouquecer.
— Minha fêmea — rosno, sem conseguir me impedir de ficar de
joelhos na frente dela. — Minha fêmea. — O meu coração está disparado e
eu sinto tanto ódio e desejo ao mesmo tempo, que não faz sentido.
Por que eu me sinto assim? Tão possessivo, tão… mergulhado no
desejo de tê-la para sempre? Fico com raiva só de imaginar que alguém
pode tentar tomá-la de mim algum dia.
A minha cauda escura dá a volta em sua panturrilha direita e eu pego
o seu pequeno pé esquerdo, assim afasto bem as suas duas pernas e me
coloco entre elas. Embaixo de mim, Nancy olha para cima apreensiva,
conforme eu coloco a minha ereção bem em cima da sua bucetinha rosada e
me esfrego em seus lábios.
Em comparação a entrada dessa pequena loarla, eu pareço um
monstro. Os meus chifres são grossos demais e o meu pau é gigantesco,
mas eu sei que ela consegue me tomar e que gosta de se sentir cheia, o
cheiro dela não mente.
— Sente o peso do meu caralho, fêmea? — as palavras saem
deformadas da minha boca, de tão grossas, e ela faz que sim com a cabeça.
— Sinta o quão grosso e pesado eu estou por você.
O meu pau está tão inchado quanto nunca, as veias estão saltadas em
volta dele e as minhas bolas estão cheias de porra para dar a essa fêmea. Eu
não estou no cio agora, a minha pequena já tem um filhote em sua barriga,
mas se não estivesse, Nancy ficaria grávida essa noite.
Eu sinto a pulsação bem na cabeça do meu caralho, que pinga pré-
gozo em cima dos pelos pubianos escuros dela. Eu sinto suor escorrendo
nas minhas costas e o tamanho do tesão que essa mulher me causa é
inacreditável.
Quero montar Nancy feito um animal, por horas seguidas.
— Eu quero você, Astor, por favor — ela implora, como se eu já não
estivesse louco o bastante. — Me fode — ordena e nesse momento, mesmo
que ela esteja amarrada na cabeceira da cama, sinto como se não fosse eu
quem estivesse no controle, porque eu quero obedecê-la. Quero agradá-la.
Roço os dedos na ponta do meu pau, molhando bem, depois uso eles
para separar os lábios vaginais inchados de Nancy e esfregá-la. Eu estou a
maltratando e não consigo parar, porque Nancy gosta disso.
Ela se contrai em resposta, várias e várias vezes, o que faz o meu
ronronar tomar ainda mais o meu corpo. A vibração se espalha por todo
canto. Então eu começo a meter a cabeça grossa na buceta de Nancy, de
onde nunca mais quero sair.
É claro que as suas paredes vaginais me apertam no início, eu fecho
os olhos e jogo a cabeça para trás, rosnando muito alto e tendo que me
controlar ao máximo. Ela está me empurrando para fora.
— Astor! É tão grande — choraminga, muito rouca, e pouco a pouco
eu invado Nancy. — Está doendo tanto — a sua voz está trêmula. — Então
não para.
O meu pau é grosso demais para ela, que não foi feita para ser fodida
por algo assim, mas nós vamos fazer isso tantas vezes, que logo Nancy vai
ter o formato direitinho da minha ereção dentro de si. Eu vou estragar essa
fêmea, vou viciá-la em foder de um jeito que só eu sei fazer.
Até que estou todo dentro, mas como quero ver bem onde nossos
corpos se juntam, puxo os seus lábios vaginais para o lado com a minha
mão livre e continuo segurando o seu pé para o lado. Sou quase como um
polvo agora, tendo a minha cauda para ajudar e mantendo os braços dela
amarrados.
— Porra! — ela berra e seus olhos se reviram, sentindo o prazer que é
ser comida por mim.
Os sons das minhas bolas batendo contra a sua bunda e do meu pau
arregaçando a sua buceta enchem os meus ouvidos, eles são a melhor
melodia, juntando a sua respiração desesperada e dos pequenos
choramingos que solta cada vez que eu bato contra ela e os seus seios
balançam.
— Oh! Astor! — Ela não consegue parar.
— Não grite! Quieta! — grunho, e para inundar ainda mais o seu
corpo com tesão, eu lambo o seu dedão, entro por debaixo do meu pau e
encontro o seu cu, onde começo a pressionar. — Você vai ficar quietinha
agora, Nancy.
Eu quero torturá-la na mesma medida que quero que sinta prazer. Por
isso eu castigo a sua buceta, indo e vindo com força com o meu quadril e
sendo abraçado por seu interior encharcado.
A cama em que estamos é muito forte, caso contrário, já estaria
quebrada. Os trancos que eu dou dentro dela, ignorando a resistência que a
sua vagina apresenta, são fortes demais e fazem a minha pequena e
deliciosa fêmea se desfazer debaixo de mim.
Só que fodendo assim, logo o meu pau quer inchar mais e eu sei que
se gozar agora, vou ficar preso aqui e não vou poder entrar onde eu quero
agora. E eu quero agora, não depois. Então eu me retiro devagar e Nancy
me olha em pânico.
— O-o que você está fazendo? — pergunta, sem entender nada, e eu
sigo massageando a entrada do seu rabo com o meu dedão. — Astor… —
Ela molha o lábio inferior e seu corpo treme, me sentindo fazer pressão até
que o meu polegar entre.
— Você já pensou em foder assim, pequena bouan? Já pensou em se
tocar aqui? — Eu largo o seu pé e com essa mão eu levo a cabeça do meu
pau até o seu cu, onde deixo cair gotas do meu pré-gozo.
— Não — confessa e se fosse uma outra fêmea que foi criada para me
odiar, eu tenho certeza que ela teria medo.
Mas Nancy é curiosa demais, ela me encara de um jeito tão sedento e
ao mesmo tempo confiante, que eu engulo em seco e eu escolho ir e vir com
o meu quadril, ao invés de me perder no mar de emoções em seu rosto.
Esfrego a cabeça do meu pau, que tem as quatro bolinhas de piercing,
e em resposta a minha pequena humana joga a cabeça para trás na cama e
geme bem alto, parecendo ainda mais descontrolada. Ela aceita o meu vai e
vem, e enquanto eu tento abrir espaço para minha ereção em sua bunda, eu
meto três dedos na sua buceta, assim ela não fica vazia em momento algum.
— Eu vou foder o seu cuzinho, está me ouvindo, Nancy? — provoco
e sinto que as minhas palavras sujas a fazem ficar um pouco mais sedenta, o
que me dá espaço para enfiar um quarto dedo em sua vagina. só fica de fora
o meu dedão e isso é surpreendente.
A morena está me cobrindo com a sua umidade, molhando a minha
mão toda.
Então eu decido arriscar e como o meu pré-gozo ajuda bastante, sou
capaz de dar um pequeno impulso no seu cuzinho apertado e a cabeça do
meu caralho entra. É só uma pequena parte, mas é o bastante para fazê-la
arregalar os olhos.
— A-astor, é muito! — choraminga, só que o seu quadril está dando
trancos em resposta, então eu sei que ela gosta, só precisa se acostumar. Eu
fico parado com a extremidade da minha ereção dentro, enquanto vou para
frente e para trás com os meus dedos em sua buceta, que está úmida o
bastante para escorrer até o cu e ajudar na lubrificação. — Mas é tão
gostoso. — Os seus olhos estão se revirando enquanto ela não consegue
fechar a boca e as suas pernas tremem abertas.
— Eu vou te dar exatamente o que você está pedindo ao querer usar
aquela porra transparente numa festa cheias de macho, sua vadiazinha —
xingo entredentes, sentindo o ódio borbulhar dentro de mim ao imaginar
alguém tentando chegar perto dela, e desisto de ficar com o meu quadril
parado.
Meto um pouco mais do meu pau no seu rabo apertado e ela consegue
me receber, mas não passa de dois ou três centímetros, então eu tenho que
ficar indo e vindo bem pouco enquanto afundo os meus dedos em sua
buceta quente. Esfrego as minhas digitais em suas paredes vaginais,
maltratando Nancy do jeito que ela parece gostar enquanto treme debaixo
de mim.
— Eu vou invadir cada buraco seu, sua puta! — xingo e ganho mais
velocidade em sua vagina com os meus dedos que se abrem para alargá-la,
o que afrouxa o seu rabo e permite que o meu pau entre até a metade. —
Estou dentro do seu cuzinho e da sua buceta.
— Sim! Sim! Sim! — geme descontrolada e eu continuo me movendo
devagar no seu cu, e mais rápido na buceta, até que o corpo dela me aceita
até um pouco mais que a metade e eu sou capaz de realmente experienciar o
aperto da bunda dessa fêmea grávida.
— Astor, eu… estou tão cheia. — Ela está muito vermelha e eu sei
que deve sentir um pouco de dor, mas eu também sei que essa cadela gosta
de dor, e é só por isso que eu dou um golpe final com o meu quadril e entro
todo na sua bunda.
— É um pau enfiado no cu que você está pedindo, indo grávida e com
os peitos de fora pra essa porra de festa, sem nada para cobri-los, então é
isso que eu vou te dar — falo e essa é a última coisa que consigo, porque
depois disso eu perco o controle.
Os rosnados saindo da minha boca são completamente animalescos e
como o meu pau entrou todo no seu traseiro, eu posso largá-lo e usar a
minha mão para segurar um dos seios de Nancy. Eu aperto o seu mamilo
duro e roço as minhas garras nele, o que faz a pequena fêmea descarada
gritar de dor e de prazer.
O meu quadril fica cada vez mais rápido e quem não consegue mais
parar de revirar os olhos sou eu, mesmo que eu saiba que eles estejam
completamente neon. Parece que vou explodir sendo apertado por sua
bunda, que me aperta dentro dela, do mesmo jeito que a sua buceta se
expande o bastante para eu enfiar o quinto e último dedo dentro dela. Eu só
não consigo meter a minha palma, mas isso não importa, porque é demais
pra mim, ver Nancy arregaçada assim, tão sedenta por mais.
Nancy
A expansão do pau de Astor dentro de mim dessa vez é dolorosa, eu
nunca tinha feito nada como isso, nem sequer chegado perto do meu cu
quando me masturbava.
Mas, logo em seguida da dor de sentir a sua ereção se expandir ainda
mais, vem jatos de porra dele, que são abundantes e fortes e ajudam o
latejar e o ardido passarem.
— Você vai ficar com o cuzinho todo cheiro de porra, cadela. — A
voz dele é algo completamente sobrenatural agora, muito forte e grossa.
Eu o sinto inchando ainda mais enquanto o meu corpo todo treme. Os
jatos de porra no meu interior são uma delícia, são quentes e me fazem
sentir ainda mais cheia e assim como da última vez, as sensações ficam tão
fortes que da minha intimidade sai um jato de líquido transparente.
Astor me explicou que isso é um squirting, então eu não fico com
tanta vergonha dele achar que estou fazendo xixi nele, só fico muito
surpreendida em como ele consegue continuar se expandindo enquanto me
masturba por dentro, com os seus cinco dedos fazendo pressão. Eu me sinto
amolecer debaixo dele e não sou nem capaz de gritar coisas coerentes mais,
eu só gozo como nunca antes e parece que vou explodir.
A onda de prazer demora um pouco a passar, até que pouco a pouco
Astor se retira da minha vagina, mas continua no meu traseiro, alojado bem
lá dentro e pulsando.
— Você vai dormir assim, com a minha porra, está me ouvindo? —
pergunta, e como eu estou sem coragem de falar depois de tudo isso, eu
faço que sim com a cabeça e mordo o meu lado inferior.

Está de
noite e tem uma lua muito grande no céu. Eu estou descalça, pois sinto os
meus pés serem cutucados por pedrinhas num chão de terra que é muito
conhecido para mim.
Olhando de um lado para o outro, percebo que estou sozinha no meio
de uma rua cheia de casinhas de madeira, uma do lado da outra. Todas
elas parecem cópias uma das outras, porque são mesmo. Ninguém podia
parecer ter mais do que o outro nas antigas terras da Igreja.
Eu reconheço logo a Vila onde eu, a minha família e todas as outras
pessoas da Igreja que são pobres moravam, antes de nos mudarmos para a
Turquia.
A vila ficava no interior de Red Town e era um lugar muito simples, o
chão não era asfaltado e a maior parte do lugar era tomado por árvores e
lugares para criarmos animais, assim tínhamos o que comer. E é nesse
exato lugar que estou agora, descalça, e no meio da noite.
Como e por que eu estou aqui?
— Não faça nada comigo, Frederick, p-por favor. — Escuto alguém
implorar, uma voz feminina trêmula e desesperada, só que ao invés de
caminhar até o lugar onde essa pessoa está, é como se eu fosse
transportada até lá.
Eu simplesmente apareço dentro de um quarto, um que nunca estive
antes, e algo me diz que ainda estou na vila, só que não estou em nenhuma
das pequenas casas, e sim na maior casa, o sobrado onde Frederick Burner
vivia com a sua esposa.
Ele era o único que tinha acesso a um lugar grande, em que quase
ninguém podia entrar, mesmo que essa casa no meio da vila ficasse vazia a
maior parte do ano. Frederick sempre passou a maior parte do tempo
viajando pelos países, fingindo que estava “espalhando a palavra divina” e
angariando fundos para a Igreja.
— Eu preciso fazer, Alice. Ele pediu você — uma voz masculina surge
e eu me viro no quarto de casal, para encontrar Frederick Burner e Alice
Burner.
Eu conheço esses dois, os vi desde que me conheço por gente
andando de um lado para o outro como se fossem o rei e a rainha, ou
algum tipo de anjos enviados pelo senhor.
Anjos esses que odiariam que eu estivesse em seu quarto sem a sua
autorização, então o medo toma conta de mim e eu sinto um arrepio correr
a minha coluna. Fico congelada no lugar de tanta ansiedade, enquanto o
loiro alto segura a sua esposa pela gola de sua camisola.
Só que nenhum dos dois olha pra mim, a intrusa no meio da noite,
eles parecem muito concentrados um no outro, o que não faz o menor
sentido.
— D-dê outra pessoa a ele, você já deu tantas mulheres esse mês a
ele! — a morena alta e muito magra exclama, com o seu rosto vermelho
molhado de tantas lágrimas. Alice tenta empurrar o seu marido usando
muita força, ela está até suada, só que Frederick a segura bem e não deixa
que vá a lugar nenhum.
Puta merda, eu preciso sair daqui!
— Tem que ser você, Alice. Ele me disse o seu nome em sonho!
Bruven quer você! — Frederick responde, com um olhar estranho em seu
rosto.
Eu nunca o vi parecer tão bravo, tem até uma veia em sua têmpora
que está saltada e ele também parece estar suado, com machucados em seu
rosto e braço, como se tivesse estado em uma luta física.
— Ignore essas vozes! Antes você ouvia o-o pai celestial e… agora…
agora você escuta essa c… — ela tenta argumentar, mas antes que possa
dizer mais alguma coisa, Frederick mostra o que estava escondendo em
suas costas. Ele empunha uma adaga prateada e longa.
Caralho, que merda é essa?!
— Você sabe que tenho que obedecê-lo, sempre foi assim, Alice. —
Ele pressiona os dois lábios juntos, demonstrando só um pouquinho de
culpa enquanto a sua esposa grita, e logo em seguida o loiro alto e muito
magro enfia a arma direto no peito de sua esposa, sem dó nem piedade.
Ela parede perder as forças na hora, pois para de lutar e cai nos
braços de Frederick, enquanto o meu corpo todo tem um solavanco ao
assistir como o sangue dela começa a descer por seu corpo imóvel e
acumular em seus pés, até que uma luz verde sai de dentro do corte.
O que é isso?
A luz é forte e brilha tão forte, que quase me cega.
— Fra in normani, mur nagi — Frederick sussurra.
Capítulo 32
Nancy
Ao abrir os olhos, encontro tudo escuro em volta de mim e o único
som que escuto, é um ronronar constante. Eu não consigo ver nada mesmo e
me sinto muito quente. Parece que estou sendo apertada por algum tipo de
redoma de calor e é difícil respirar. Tento puxar o ar para dentro de mim, só
que encontro muita dificuldade, pois tem algo impedindo que eu realmente
consiga inspirar mais profundamente.
— Nancy? — a voz masculina pergunta baixo, o que me assusta
bastante, e eu logo reconheço quem é que está me apertando tanto assim. Os
braços grossos de Astor estão em volta do meu corpo e ele está atrás de
mim, me apertando bem contra si. — Está tudo bem? Você está cheirando a
medo. — O tom dele é muito preocupado e ele fala direto no meu ouvido,
de um jeito que me deixa toda arrepiada.
— Astor… você está me sufocando — sussurro e na mesma hora a
redoma fica mais frouxa, então eu consigo puxar para dentro todo o
oxigênio que preciso e por alguns segundos eu só respiro.
— Me desculpe — fala, com muita culpa e se afasta, o que me deixa
sentindo fria e estranha nessa escuridão. — Acabei dormindo e acho que
perdi a noção da minha força. Eu sinto muito mesmo — murmura e eu fico
com dó de Astor, enquanto termino de recuperar o ar.
Ele realmente conseguiu me apertar tanto que eu fiquei sem ar e ele
nem notou? Por Deus, isso é loucura!
— Não precisa se afastar. — Eu me viro nessa cama estranha e macia
demais, Astor está em algum lugar atrás de mim, então eu o procuro. Não
demora muito e eu acho os seus braços e tento fazê-los voltar a me pegar.
— Pode me abraçar de novo? — peço, me sentindo muito perdida.
É como se eu tivesse me afogado e voltado só agora. É muito
estranho.
A verdade é que faz muito pouco tempo que eu ganhei a minha
liberdade. Às vezes eu acordo de noite me perguntando onde estou, se ter
conseguido fugir não foi só um sonho, e tudo fica pior agora que acabei de
ter esse pesadelo horroroso.
Astor não me responde, mas logo eu sinto os seus braços grossos me
puxando para si, agora de frente. Eu aproveito para me encaixar melhor em
seu corpo, levanto uma perna e passo por seu quadril, me afundando em seu
peitoral quente e incrivelmente macio, mesmo que ele seja musculoso.
Ele cheira como o paraíso e eu quase quero gemer de tanto prazer por
ser abraçada assim no meio dessa noite.
— Isso é muito perigoso, Nancy, eu poderia ter matado você. — Ele
começa a resmungar, culpando a si mesmo.
— Essa é só a primeira vez que dormimos juntos, tenho certeza que
você vai se acostumar a abraçar uma grávida de meio metro de altura sem
esmagá-la daqui um tempinho, é um curandeiro esperto — murmuro, sem
deixar ele considerar as chances de não dormirmos mais assim.
Aqui, nos braços desse ruivo, parece ser o lugar mais certo do mundo.
— Com o que você estava sonhando, grávida de meio metro? —
pergunta, com um tom um pouco mais leve que me surpreende bastante.
Para um ser tão grande e com tantas habilidades, ele é alguém muito tenso.
— Está cheirando a ansiedade, acho que deve ser por isso que o meu corpo
te abraçou instintivamente. — Eu o sinto enfiando o que acredito que seja a
sua cabeça no topo da minha.
Astor inspira o meu cheiro com bastante força, os arrepios ficam mais
fortes e eu não consigo conter o gemido dessa vez, que sai muito baixo e
rouco de mim.
— Você teve um sonho ruim, pequena? — questiona e porra! Como
ele consegue ser tão gostoso, cheirar tão bem e ter uma voz tão bonita ao
mesmo tempo?
Chamando-me de “pequena” parece que eu vou literalmente derreter.
Eu queria poder ver no escuro como ele, assim conseguiria enxergá-lo
em volta de mim e guardar a imagem de Astor me abraçando. Talvez
amanhã as coisas mudem, porque só o que eu sei é que eu causo raiva nele,
e tesão também.
Mas além disso, o que vai ser de nós dois agora?
— Estamos na sua cabana? — eu desconverso.
Não sei se aquilo foi verdade ou se eu estou só delirando. A pessoa
que sempre teve sonhos diferentes foi a minha irmã, não eu. E eu sinto que
se falar sobre isso com Astor, ele vai levar a sério.
Alice morreu de câncer, segundo o seu marido, e eu não quero que
Astor saia dessa posição para investigar algo que deve ter sido uma
invenção da minha cabeça, ainda mais com Frederick falando palavras sem
o menor sentido no final do pesadelo.
A minha vontade é continuar assim para sempre. Nunca me senti tão
confortável e nem tão segura, mesmo que há um minuto ele estivesse quase
me matando.
— Estamos na cabana, você dormiu aqui, não se lembra? — pergunta
e eu consigo sentir as palavras saindo de Astor, já que estamos pele com
pele.
— Eu lembro e… — Paro a minha frase no meio porquê de repente
eu sinto algo me cutucar. Algo duro, quente e molhado. — Você está duro?
— Eu contraio em resposta à minha descoberta.
Como ele pode estar duro depois de gozar dentro de mim umas
quatro vezes?!
Nós tomamos banho e ele passou uns bons minutos me lambendo,
dizendo que a sua saliva ajudaria a não me deixar dolorida e Astor estava
certo. Não parece que um trem passou por cima de mim agora, não nas
minhas partes de baixo, pelo menos.
— Me desculpe… — cochicha, como se fosse algo ruim, mas na
minha opinião, essa é uma ótima forma de me recuperar desse pesadelo
horrível, então eu me esfrego no volume quente.
Estou no meio de uma cama de casal mais macia do que qualquer
colchão horrível que já tive em toda minha vida, enquanto um cara ruivo de
2 metros me abraça, e eu acho que ele está só de cueca, e está duro por
mim! Com certeza não tem coisa melhor do que isso.
— Pare com isso, Nancy — ordena, mas é claro que eu não obedeço e
só torna a fricção mais intensa. Com a minha perna em volta da sua cintura,
eu só preciso rebolar um pouco o meu quadril, fazendo a ponta do seu pau
empurrar contra o meu clítoris. — Pare agora ou eu vou te amarrar de novo
e te comer até o dia amanhecer! — ameaça e eu me sinto contrair ainda
mais forte com o seu tom mandão e o jeito como ele me segura pelo quadril
com força, para me fazer parar.
— Até o dia amanhecer? Margot disse que homens não duram muito
— provoco, pra ver se consigo fazê-lo cumprir essa promessa.
— Eu não sou homem, sou um macho persanes. — Se fosse qualquer
outra pessoa falando, eu diria que essa pessoa está se gabando e mentindo,
só que o ruivo não faria isso.
— Bom… se você quiser. — Dou de ombros no escuro, sabendo que
ele enxerga. — Só que eu acho que eu vou precisar de mais lambidas. —
Na hora que termino de falar, os olhos de Astor começam a acender o azul
neon incrível e iluminam a sua expressão.
Ele parece bem feroz e eu adoro isso!
— Está muito dolorida? — Astor me puxa pela cintura para que os
nossos rostos fiquem mais próximos e eu aproveito e grudo os nossos lábios
juntos.
Eu sempre quis saber como é ter alguém que você quisesse beijar.
Olhando do lado de fora, beijos sempre me pareceram bem estranhos, mas
dentro da Igreja eu nunca pude perguntar exatamente como funcionava e
era com muita raridade que eu via algum casal juntando as bocas.
Mas agora, enquanto o Astor enfia a sua língua na minha boca, eu
sinto meu corpo todo estremecer e tenho vontade de me fundir a ele, então
volto a esfregar a minha buceta na sua ereção.
— Nancy, pare com isso — resmunga dentro da minha boca enquanto
eu passo os meus braços por trás do seu pescoço e sinto o seu ronronar
aumentar ainda mais. Parece que eu vou explodir de tão forte que o meu
coração bate. — Você está dolorida. — Ele nos separa e fico muito feliz que
ele seja tão mágico assim.
Os seus olhos neon me deixam ver tudo que eu preciso.
— Não, eu só disse aquilo porque queria fazer você me lamber
mesmo — explico em um tom de brincadeira e ganho um tapa leve na
bunda. Só que como Astor me espancou mais cedo, com a sua mão pesada,
o tapinha de agora dói, mas de uma maneira boa.
— Você é uma fêmea aproveitadora — sussurra e eu confesso que
estou adorando o jeito descontraído de Astor agora. — E quem é Margot
que falou para você que homens não duram muito?
Mesmo que eu não saiba muito sobre esse ruivo, ele sabe sobre quase
tudo da minha vida, que, para falar a verdade, não é exatamente
interessante. Na espécie de interrogatório, a minha irmã também falou
muito e nós contamos tudo o que sabíamos. Eu acho que mesmo Juliet não
escondeu nada, porque nós não sabemos nada demais.
Sabemos como funciona a Igreja e sobre as regras, sabemos das
atrocidades e conhecemos as pessoas de lá dentro, mas só.
— Ela foi uma mulher que eu conheci dentro da… Igreja. — É
estranho, porque depois de ouvi-los tanto chamar a Igreja do Oitavo
Renascer de seita, que eu quase chamei também.
Quando estava lá dentro eu sempre soube que aquele lugar era errado,
Juliet também sabia e eu sinto que às vezes ela acreditava muito em Deus,
mas não nos costumes estranhos da Igreja.
Só que olhando aqui de fora, eu acho que mesmo sabendo que nem
Frederick nem aquela bíblia não fazia sentido, ainda assim eles
conseguiram entrar na minha cabeça, o que me deixa preocupada.
Será que toda essa estranheza da minha irmã, é porque ela acredita
muito mais do que eu acho que acredita?
— Alguém falou sobre sexo com você lá dentro, então? — Astor me
traz de volta do meu devaneio.
— Margot não era bem lá de dentro, ela foi a única pessoa que eu
conheci que quis se converter, porque normalmente quem é da Igreja do
Oitavo Renascer nasce lá dentro, ninguém é maluco o bastante para querer
entrar, mas Margot quis.
— Entendi, como ela descobriu vocês? — A sua pergunta me obriga a
não continuar tentando fazer com que me coma.
— Eu não sei, ela nunca me falou sobre isso. Na verdade, Margot era
bem misteriosa, ela era diferente. Quando os outros estavam olhando, ela
fingia pensar como todas as outras mulheres, mas quando não tinha
ninguém por perto ela me contava muito como era o mundo aqui fora —
explico, me lembrando da mulher.
Eu sempre achei a Margot muito bonita, não bonita do jeito que as
pessoas na Igreja esperam uma mulher ser, mas bonita do jeito que gostava.
Ela era negra, tinha cabelo curto e talvez… eu tenha tido uma espécie de
queda por Margot. Só que ela era uns quinze anos mais velha do que eu e
agia como se fosse uma tia minha.
— E essa mulher ficou lá dentro? — pergunta e o meu coração se
aperta.
Assim como a minha irmã, existem coisas que eu aprendi a enterrar, e
o sumiço de Margot foi um deles.
— Bem, há alguns anos atrás, algumas pessoas começaram a sumir.
Mas não eram pessoas importantes, eram pessoas que de alguma forma
desobedeciam. — Como os olhos de Astor ainda estão brilhando um pouco,
dá pra ver em seu rosto que ele está prestando bem atenção. — Margot foi
uma delas, eles descobriram que ela dava mais informação do que deveria
para as mulheres, incentivava elas a não deixar que seus maridos tirassem
proveito delas, então ela sumiu.
Capítulo 33
Nancy
— Sumiu ou morreu? — pergunta e eu sinto a sua cauda fazendo
carinho na minha perna, como se quisesse me acalmar.
Ele provavelmente sente o cheiro da minha tristeza.
— Eu não sei bem — a minha voz começa a embargar, então eu
pigarreio. — Ela só sumiu e depois nós recebemos um monte de sermões
sobre se rebelar contra as palavras divinas e contra Frederick.
— Eu sinto muito, bouan[GS3]. Você devia gostar muito dela. — De
repente Astor passar melhor os seus braços por mim e realmente me gruda a
ele, o que faz uma porra de uma lágrima escorrer pelo meu rosto.
— E-eu acho que ela morreu, eu acho que eles mataram ela —
gaguejo e de repente me sinto tão pesada, sem energia alguma de tentar
provocar Astor. — A Igreja é assim, tudo que não serve a eles é descartado.
Na época que Margot sumiu, pelo menos umas 10 pessoas que eram
consideradas desobedientes se foram. Durante uns anos isso seguiu
acontecendo e em um deles, também morreu a esposa de Frederick.
O sonho volta pra minha cabeça, o momento em que o loiro enfia a
adaga no peito da mulher e faz a luz verde sair.
Será que aquilo era verdade? Se sim, como eu sonhei com isso?
— Como era essa mulher?
— Alice era perfeita aos olhos de todos lá dentro. — O meu choro até
para, lembrando em como a minha mãe sempre ficava comparando a minha
irmã e eu com aquela maldita mulher. — Ela parecia uma boneca, nunca
falava em público, só cochichava o que queria na orelha de Frederick, e o
máximo que eu me lembro dela ter falado, foi para dar uma pequena oficina
para mulheres sobre como se comportar bem para agradar os maridos e
também teve uma palestra sobre como receber bem as outras esposas de seu
marido.
Para falar a verdade, agora eu já não me sinto mais triste e sim com
ânsia de vômito. Sempre me deu vontade de vomitar imaginar que algum
dia eu teria que me casar com um homem nojento, que provavelmente já
teria outra mulher.
Se eu fosse a primeira esposa, até poderia falar um pouco mais, mas
se eu fosse a segunda ou a terceira, só obedeceria ordens. Os meus filhos,
que seriam todos fruto de estupro, já que eu nunca escolheria essa vida de
casa na Igreja, também seriam tratados com menos direitos aos olhos das
mulheres que vieram antes de mim.
— Frederick tem uma segunda mulher, então?
— Não, eles eram hipócritas, Frederick só tinha Alice como esposa,
que provavelmente morreu porque não tínhamos médicos para cuidar de
ninguém. Eles não acreditam na ciência e uma vez eu ouvi Frederick dizer
até que se alguém morre, é porque o Deus Celestial quis e seria errado
tentar salvar a pessoa com remédios.
Será mesmo que foi de câncer que Alice morreu? Mas por que
Frederick assassinaria sua esposa com uma adaga no meio da noite?
— É melhor você dormir agora, Nancy. — Astor deixa um beijo no
topo da minha cabeça. — Não vamos falar sobre isso agora, você está
cheirando muito a ansiedade e o seu coração está disparado. É melhor você
descansar, fêmea.
— Será que a minha irmã não está preocupada comigo dormindo
aqui?
— Kara já deve ter nos encontrado, então relaxe. — Ele começa a
fazer carinho na minha cabeça, mexendo no meu cabelo de um jeito que me
faz bocejar na hora. — Nós descemos aquela escada cheirando muito a
excitação, ela com certeza deve ter conseguido entender o que aconteceu e
explicado para a sua irmã.
— Isso é… bom, eu acho. — Franzo a testa, sem saber como a minha
irmã deve lidar com tudo isso. Ela tem aceitado Kara com muito mais
facilidade do que eu achei que aceitaria, só que, ao mesmo tempo, Juliet
passa tempo demais dormindo ou pensando de boca fechada, o que me
deixa apreensiva.
— Você sentiu isso?! — Astor exclama e se move tão rápido que eu
até me assusto e me encolho.
Ele para de passar os braços por mim, só para se colocar entre as
minhas pernas e colocar a sua cabeça sobre a minha barriga. O seu ronronar
aumenta e o brilho nos seus olhos também.
— Sentir o quê? — pergunto, confusa, enquanto ele gruda a sua
orelha direita por cima do meu ventre arredondado. A sensação é boa, bem
quente, então eu não posso reclamar. — O que está acontecendo, Astor?
— O bebê mexeu, Nancy! Ele mexeu! — A respiração do persanes
fica até pesada, de tão ansioso que ele está, e tem um sorriso em seus lábios
que é contagiante.
Acho que ele é a pessoa que ficou mais feliz até agora pela minha
gravidez, não que a minha irmã tenha ficado triste, mas ela com certeza não
estava esperando por algo assim e nem eu. Pensar nessa gravidez me deixa
confusa e com medo, mas ver Astor assim deixa o meu coração mais
quente.
— Mas eu não senti nada, só… uma coisinha pequena. — Pareciam
até gases, para falar a verdade, mas eu não quero quebrar o clima. Quando o
bebê mexeu com a minha irmã também parecia um pouco com gases, como
pequenas bolhas explodindo dentro da minha barriga.
— Eu ouvi ele mexer, vamos ficar quietos para ver se mexe de novo
— diz e eu obedeço, ficando completamente imóvel, só olhando os dois
faróis azuis de Astor, até que a mesma sensação acontece de novo, só que
com muito mais força. Eu até sinto o pequeno o chute e arregalo os meus
olhos. Puta merda, está acontecendo mesmo! — Ele mexeu de novo, bouan!
— O ruivo praticamente berra de tanta animação, eu nunca o vi assim antes.
— Acho que ele gosta de você. — Dou um pequeno sorriso e isso faz
o ruivo dar uma risada baixa e animada, o que dispara o meu coração ainda
mais de felicidade.
Eu aproveito que ele está abaixado, ainda com a orelha pontuda na
minha barriga, e começo a acariciar os seus cabelos, o que faz o seu
ronronar virar quase o ronco de um motor de carro. Eu sinto o tremor até as
pontas dos meus dedos dos pés e fecho os olhos.
Parece um momento perfeito, ainda mais perfeito do que ser abraçada
por ele enquanto durmo. Eu vou penteando os seus cabelos em volta de seus
dois chifres e sinto Astor esfregar o seu rosto barbudo no meu ventre com
delicadeza, me fazendo carinho.
— Você acha que é um menino ou uma menina? — pergunta e
começa a farejar a minha barriga, o que faz meu rosto todo esquentar de
vergonha.
Eu entendo que as pessoas acham que porque uma mulher está
grávida, tudo bem mexer em sua barriga do nada. Só que eu continuo sendo
uma pessoa, e com esse cara gigante me cheirando, eu não consigo
controlar a forma como meu corpo responde a ele.
— Eu não sei bem… — respondo e para ser bem verdadeira, eu não
acho que me importo se é menino ou menina.
Não consigo nem imaginar como vai ser a carinha dessa criança e isso
me dá um aperto na garganta, de repente, tão grande, um bolo de emoções
estranho se forma, e de repente eu quero chorar de novo.
Qual a porra do meu problema?
— Eu ouvi uma pessoa dizendo uma vez, que dava para saber o
gênero no final da gestação ou algo assim — falo, tentando conter o
embargamento na minha voz.
— Você está cansada não está, minha pequena? — pergunta e eu
tenho que prender a respiração para não chorar mesmo.
Essa madrugada está sendo uma montanha-russa de emoções,
primeiro acordei ansiosa com o meu pesadelo, depois fiquei triste por
lembrar de Margot, com raiva por perceber o quão absurda eram as regras
da igreja e agora eu estou… eu nem sei explicar como estou, só sei que é
até difícil respirar enquanto sou encarada assim, tão internamente, e
chamada de “minha pequena”.
— S-sim — gaguejo sem querer e Astor volta a deitar ao meu lado e
me puxa para si, colocando-se de lado para eu afundar o meu rosto em seu
peitoral de novo, enquanto a sua cauda dá a volta em uma das minhas
coxas.
— Por que você está cheirando a tristeza de repente, Nancy? —
cochicha com cautela e só por isso o choro acaba me vencendo e saindo
pelos meus olhos.
— E-eu me sinto tão burra. — Começo a fungar e não consigo parar,
me sinto descontrolada.
Por que eu tinha que transar sem a tal camisinha que Margot me falou
anos atrás? Por que o meu filho tinha que ser do merda do Kal, que é
basicamente um desconhecido? Por que essa criança não podia ser… de
Astor?
— Burra por quê? — Eu acho que, mesmo podendo sentir o cheiro da
minha tristeza, ele só está conseguindo entender que eu estou realmente
chorando agora.
Mesmo assim ele não soa desesperado, só afasta o meu rosto de seu
peitoral e faz eu encostar a cabeça contra o travesseiro.
— Por que eu tinha que engravidar daquele cara? Eu nem conhecia
Kal direito e agora o meu bebê não tem um pai e eu nem sei como ele vai se
parecer direito! — O meu choro fica mais forte e eu tento cobrir o meu
rosto, mas Astor não deixa, colocando as minhas mãos pro lado.
Essa sensação é tão angustiante, porque não tem como arrumar essa
situação. Essa criança está crescendo e se mexendo e a cada dia que passa, a
Nancy que conheci fica mais longe.
— Vai ser um bebê lindo, o mais lindo de todos, porque ele é seu e
você é linda. — A voz do ruivo soa tão calma enquanto ele seca as minhas
lágrimas. Os seus olhos ainda brilham um pouco então eu consigo enxergar
o formato de seu rosto, o seu nariz, a sua boca e a sua juba.
— Eu queria… queria… — Se eu falar o que estou pensando, será
que vai achar que eu sou muito sem-noção e ficar com medo?
— O que, meu amor? — pergunta e ouvi-lo me chamar de amor me
deixa ainda mais sentimental.
— Eu queria que esse bebê fosse como você, Astor. Queria que ele
fosse seu, porque você é o-o homem mais confiável que eu já conheci —
explico e a angústia em mim se torna insuportável, então eu fecho os olhos,
com medo de sua resposta.
— Você quer que eu… seja o pai do seu bebê? — cochicha, sem soar
assustado como eu achei que ficaria. Eu não usei a palavra pai porque
queria poder voltar no tempo e só engravidar quando tivesse certeza de que
era o momento certo para algo tão grande. Mas Astor está usando, porque
ele é responsável, e está falando sobre cuidar dessa criança que com certeza
vai nascer, não importa o tamanho do meu medo. — Tem certeza disso?
Não é só mau humor de filhote?
— O que é mau humor de filhote?
— Fêmeas grávidas sentem mais raiva e mais tristeza, e podem falar
coisas que não querem — explica e eu acabo abrindo os olhos, porque de
repente a luz neon aumenta muito. — Então você tem certeza, Nancy, que
me quer como pai do seu bebê?
— Você não tem medo da responsabilidade?
Nenhum homem da Igreja assumia filhos que não fossem seus, caso
uma mulher ficasse viúva, ela até podia casar de novo, mas os filhos de seu
outro casamento seriam tratados como lixo e nunca realmente teriam um
pai. O mesmo acontecia caso a mãe morresse, o pai da família arranjava
uma nova esposa, mas a nova esposa não tinha dever nenhum de cuidar das
crianças, que geralmente acabavam largadas e muito solitárias.
— Não, pequena. — Ele se abaixa e deixa um beijo na ponta do meu
nariz. A respiração dele contra o meu rosto, é uma das coisas mais
calmantes que já senti. — O que eu mais desejo é ver essa criança nascer, e
se você quiser mesmo, esse filhote será nosso. Essa será a nossa
responsabilidade, Nancy. Você quer isso? — pergunta e ouvindo falar
assim, eu não consigo fazer nada além de acenar positivamente com a
cabeça. Uma parte de mim diz que eu não deveria acreditar assim tão fácil
em alguém que conheci há tão pouco tempo, mas Astor não é só um
alguém, ele é… tudo. — Então agora ele é nosso — sussurra e depois me
beija com muito carinho e muito cuidado.
Capítulo 34
Astor
— Que horas são? — Nancy pergunta, terminando de descer as
escadas e chegando até a sala no térreo onde estou. — Espero que não seja
muito tarde.
Assim como da última vez que ela esteve aqui, ontem eu rasguei
completamente as suas roupas. Não sobrou nada da calcinha e nem do
vestido para contar história, então agora Nancy veste só uma camiseta
branca minha e uma cueca samba-canção.
Eu sei que a maioria das fêmeas gosta de se vestir muito diferente
disso, pelo menos as persanesas adoram roupas de grife e bem caras, mas a
pequena humana fica tão linda vestida assim, com o meu cheiro exalando
do seu corpo e as minhas mordidas em suas coxas, que eu não tenho
coragem de perguntar se ela quer roupas novas.
— Por quê? — questiono, sem me lembrar se a fêmea tem algo para
fazer hoje e assisto com curiosidade Nancy vindo na minha direção, com
seus quadris balançando de um lado para o outro enquanto a sua barriga de
grávida se sobressai na roupa.
Eu me sinto quente por dentro de um jeito que não acontece há muito
tempo e acabo até desviando o olhar, pra tentar ser menos óbvio. Passar
tanto tempo assim com essa humana mudou algo dentro de mim,
principalmente a conversa que tivemos essa madrugada, e eu não posso
negar isso para mim mesmo, até porque as palavras de Dion ficam ecoando
na minha cabeça agora.
“Às vezes o que vocês jovens persaneses acham que parece cio ou
descontrole, são só os seus sentimentos.”
Será que toda a raiva que tenho sentido, desde que saí de Rigan,
eram só os meus sentimentos se mostrando depois de eu tentar reprimi-los
todos esses anos?
Se sim, então a minha capacidade de lidar comigo mesmo é ainda
menor do que eu imaginava, o que não faz nenhum sentido. Tenho tratado
pessoas desde que me lembro por gente, mesmo antes de começar a estudar
a ser curandeiro.
— Vamos aproveitar se estiver cedo ainda e pegar o seu sobrinho, pra
ele passar mais tempo com você. — Por mais que as intenções de Nancy
sejam ótimas, só de pensar em trazer a pequena cópia do meu irmão para
dentro dessa cabana, eu já começo a ficar ansioso. — Ele deve estar
sofrendo sem o pai e a mãe e acho que vai ser legal se ele acordar aqui —
explica, com um pequeno sorriso doce em seus lábios conforme chega perto
de mim e observa o que coloquei num balcão da cozinha, que é quase que o
mesmo cômodo da sala.
A cabana tem essa pequena cozinha aberta com balcão e um fogão a
lenha, só que nada que tem nos armários é útil para um café da manhã de
uma grávida. Então eu fui até a cozinha da mansão e trouxe para cá algumas
coisas que eu achei que a morena gostaria de comer, como croissants, suco
de laranja e bolinhos de mirtilo feitos pelas cozinheiras.
Só que antes que eu pudesse pegar a bandeja que montei e levar para
cima, Nancy acordou e desceu.
— Cyan está ficando com uma babá agora, enquanto eu procuro pela
mãe dele com detetives.
Eu sei que essa não é uma boa desculpa para me manter longe do
menino, mas só de pensar em vê-lo mais uma vez, os pelos da minha nunca
ficam arrepiados. Eu nunca vi um filho parecer tanto com o seu pai, ou
talvez eu pense isso, porque literalmente vi Niflin crescer e depois
abandonar tudo para trás para perseguir o dinheiro dos Dark Elf.
— Que coisa horrível essa mulher ter largado o próprio filho aqui —
murmura, enquanto escolhe o que quer comer da bandeja e fica com um
croissant de queijo. Será que eu consegui fazê-la desistir da ideia de trazer
o meu sobrinho para cá? Aquela criança precisa de mim, mas eu me sinto
tão estúpido e tão pequeno agora, com medo de encarar a cópia de Niflin
nos olhos. E se eu enlouquecer? E se a tristeza e o ódio me consumirem tão
forte, que eu não consiga mais voltar? — Quando encontrá-la, eu espero
que ela tenha uma ótima desculpa para deixar um bebê na mão de pessoas
que ela nunca viu.
— Eu não esperava que ela fosse ser uma boa pessoa, mas também
não é comum as fêmeas abandonarem seus filhotes assim — explico e ela
concorda com a cabeça. — Você tem experiência com crianças?
Para alguém que parece estar morrendo de medo de estar grávida e de
ter um filhote, Nancy estava muito à vontade com o meu sobrinho no colo.
Ela sabia exatamente como falar com ele e como acalmá-lo. Essa pequena
humana com certeza será uma ótima mãe, ela só deve estar com mau humor
de filhote mesmo, que a está deixando insegura.
— Pra caramba! — exclama enquanto dá outra mordida no croissant e
faz um monte de casquinhas caírem em sua camiseta. — O que não falta
são crianças na Igreja, já que um monte de homens tem mais de uma
esposa.
— Deviam ser muitas então. — A esse ponto eu só estou fazendo
pequenos comentários para que Nancy continue falando. Ela tem uma
habilidade imensa de me distrair dos meus problemas.
— Eram sim e tudo bem que a maioria das mães é quem cuidava das
suas crianças, mas às vezes, quando as mulheres precisavam de tempo para
limpar a sua casa, elas aceitavam deixar os bebês na minha casa e nos
davam um pouco de comida como pagamento. — Ela continua comendo e
falando, mas acho que fica difícil de engolir, então toma um pouco de suco
no copo que eu coloquei para levar para cima. — Eu fui babá várias vezes
na minha adolescência e a minha irmã também. Você pode não acreditar,
mas Juliet ama crianças!
Nancy está muito enérgica hoje, ela cheira a felicidade e a
entusiasmo, e isso me deixa um pouco feliz também. É prazeroso ver a
pequena fêmea parecendo tão à vontade, diferentemente de ontem,
enquanto chorava de desespero na cama.
— Eu acredito sim, a sua irmã não parece ser uma pessoa ruim, ela só
cheira a medo o tempo inteiro — comento e decido comer também, então
ficamos nós dois, no meio dessa sala/cozinha, comendo croissant de pé.
— Sério? — Ela arregala os olhos. — Juliet é complicada, ao mesmo
tempo que ela parece supercorajosa, várias vezes ela também recuava muito
com medo de que alguém na Igreja fizesse algo contra nós. Acho que a
minha irmã está 100% do tempo no modo de sobrevivência.
— Você deveria conversar mais com ela, tentar entender o que Juliet
acha que nós podemos fazer com ela de tão ruim.
— Eu posso tentar, mas vai ser difícil, a minha irmã é muito fechada
— explica e termina o seu croissants muito mais rápido do que eu, partindo
agora para um bolinho de mirtilo. — Ela não era assim antes.
— Como ela era antes? Nancy me intriga muito e eu quero saber tudo
que há de importante sobre ela. Quero descobrir que tipo de vida a pequena
fêmea levava na Igreja, pois tenho medo que eles tenham danificado ela de
alguma forma que ainda não ficou visível para mim.
— Juliet gostava de um garoto e os nossos pais perceberam. — Ela
encolhe os ombros. — Eu não sei exatamente o que aconteceu, Juliet nunca
me falou, mas eu acho que ela recebeu uma punição muito, muito grande, e
depois disso ela se fechou. — Nancy suspira baixo com angústia.
— Você acha que eles podem ter feito algo de ruim com a sua irmã?
— pergunto e eu logo me arrependo, porque o cheiro de ansiedade dela
aumenta no mesmo segundo, e a última coisa que eu quero é deixar essa
grávida estressada.
— Eu não sei mesmo… juro que já tentei descobrir, mas ela não
parece muito interessada em me contar. — Os seus olhos se enchem de
lágrimas, mas ela passa a mão e tenta disfarçar. — E então, vamos lá pegar
o seu sobrinho? Seria legal ele ficar aqui na cabana junto com você, não
acha? — pergunta e eu não sei como responder. — Astor… por acaso você
não gosta do seu sobrinho? — O seu tom é bem cauteloso e ela fica olhando
para cima, diretamente nos meus olhos.
— Eu… não sei lidar com bebês — admito e é a minha vez de
suspirar baixo.
Aquela criança pequena precisa de mim e essa madrugada eu prometi
cuidar do filhote que está na barriga de Nancy, então não é nem um pouco
justo deixar o meu sobrinho de lado.
Eu quero conhecer Cyan, eu quero vê-lo sorrir, não chorar. Eu quero
que ele cresça um menino forte, assim como o seu pai, e se torne um macho
bom e digno. Mas tem um medo estranho dentro de mim que me mantém
paralisado.
— Mas você tem um filhote, não tem? — pergunta de repente e eu
sinto o meu corpo todo ficar tenso na mesma hora.
— Como assim? — sussurro, com a minha testa franzida.
Eu acho que ninguém aqui sabe sobre meu passado e, mesmo quando
eu estava ao lado dos Dark Elf, eles sempre estiveram enfiados demais em
seus próprios dramas. Além do que, casais recém-acasalados nunca prestam
atenção nos outros, então eu acho que nunca passou pela cabeça de
ninguém que eu deveria ter um filhote.
Mas Nancy prestou atenção em mim e nas minhas explicações sobre
cio.
— Eu estava pensando nisso ontem à tarde. — Ela coloca uma mecha
de cabelo escuro atrás da orelha e limpa a boca. — Se todo persanes macho
tem um cio aos trinta, então você tem um bebê também, né?
Ela fica me encarando inocentemente com as suas íris, que agora
estão azuis, e eu não consigo pensar em nada que possa distraí-la. É como
se eu tivesse dado curto-circuito e a minha cabeça até dói de tanto que eu
procuro uma desculpa.
— O meu filhote ele… ele… — As palavras não saem com facilidade
da minha boca e eu continuo caçando alguma desculpa, até que o meu rosto
esquenta de tanto que ela me encara, esperando pela minha resposta. É claro
que essa fêmea esperta notaria que tem algo de errado, ela decorou
praticamente tudo que Oliver lhe disse. — O meu filhote está morto, Nancy
— revelo e primeiro ela não parece entender o que eu falei, faz uma careta
confusa, mas depois de um ou dois segundos, Nancy entende mesmo as
minhas palavras.
— Eu… sinto muito — fala baixo e estica a sua mão para tocar na
minha, o que faz o meu coração disparar. Ela coloca os seus pequenos
dedos em volta dos meus e aperta. — Sinto muito mesmo. Eu não estava
esperando por isso.
— Ele já nasceu morto, eu nunca cheguei a realmente vê-lo crescer de
qualquer forma — falo, como se isso fizesse a situação ser menos pior, mas
não faz.
Sinceramente eu não sei o que seria pior, tê-lo perdido com alguns
meses, depois de conhecê-lo, ou simplesmente nunca ter a chance de
conhecê-lo.
— Vem aqui, vamos conversar. — Ela tenta me puxar, mas eu não
deixo, então Nancy larga a minha mão, anda até o único sofá desse lugar,
um móvel escuro, velho com alguns rasgos, se senta e dá dois tapinhas no
assento ao seu lado, como se quisesse que eu me sentasse ali.
— Eu não sei se quero falar sobre isso. — Nego com a cabeça e a
morena morde o lábio inferior em resposta, como sempre faz quando está
pensando.
— É que isso é algo muito importante, então eu queria saber mais,
porém, se não quiser não precisa me contar... — Ela dá de ombros, no
entanto, dá para perceber que Nancy quer muito saber mais sobre isso, pela
sua postura e o jeito como mexe as mãos em seu colo nervosamente. —
Só… me diga o que conseguir — pede com um pouco mais de esperança.
O problema é que eu nunca me abro para ninguém, para falar a
verdade. A pessoa que esteve mais ao meu lado durante esse período foi
Zeva, o curandeiro que me ensinou muito do que eu sei, e ele morreu de
doença persanesa, porque tinha muito sangue humano correndo em sua
família e isso diminuiu o seu tempo de vida para algo mais humano do que
persanes.
Eu me ofereci para dar meu sangue a ele, pois eu sou Persha e a
minha família não se misturou muito com humanos, então o meu sangue é
forte e poderia ajudá-lo a viver por mais tempo, mas Zeva não quis.
— O que você quer saber, exatamente? — pergunto e acabo cedendo
e indo sentar ao seu lado. Porém, assim que eu me ajeito no sofá, Nancy
não perde tempo e coloca o seu traseiro em cima das minhas coxas, para
sentar no meu colo.
Essa fêmea realmente é única.
— Podemos começar pelo básico, onde está a mãe da criança? — É
claro que ela está ansiosa para saber sobre isso.
Nancy passa as suas pernas pelo meu quadril, abraçando o meu corpo
e ficando de frente para mim.
— A minha relação com Natasha, a mãe de Nimiar, não era algo
muito romântico. Eu estava na idade de ter um filho e ela era a fêmea mais
próxima de mim na época.
Pensando agora eu acho que talvez… eu nunca tenha me apaixonado,
romanticamente falando. A minha maior paixão da vida foi o amor que
senti pelo meu irmão, pelo meu filhote e por estudar as formas de curar e de
viver do meu povo.
— Você sabe onde ela está agora, essa Natasha? — Mesmo que eu
não sentisse em cheiro, dá para perceber a pitada de ciúme no tom da
morena.
— Não, foi algo como você e Kal — explico, porque eu também não
gosto do cara com quem ela se envolveu, então acho que estamos quites
nesse caso.
— Entendi — murmura e molha o seu lado inferior. — Esse era o
nome do seu bebê então, Nimiar? — Ela junta ainda mais os nossos corpos
e encosta sua cabeça no meu peitoral enquanto passa os seus braços pela
minha cintura, o que, para falar a verdade, deixa mais fácil conversar sobre
isso.
— Sim, quer dizer lua crescente.
— É um nome muito bonito — elogia e, por incrível que pareça,
Nancy consegue me fazer ronronar e dar a volta no seu corpo com a minha
cauda, por mais horrível que seja falar sobre isso.
— É sim. — E por alguns minutos nós ficamos assim, colados e
quietos, até que as palavras começam a querer sair de mim.
É como voltar mais um pouco à superfície a cada fato que eu conto
sobre o meu filhote. Falo sobre como foi esperar Nimiar por quase cinco
meses, todos os dias ouvindo o meu filho e sonhando com ele. Eu falo
como ele se parecia comigo quando nasceu, com os cabelos ruivos que
predominam em todos na minha família e eu até falo um pouco sobre a sua
morte, que fica aparecendo o tempo todo nos meus sonhos.
Eu não falo sobre o cheiro da podridão que ficou no meu nariz por
semanas e não me aprofundo tanto na dor que é ter um filhote morto, me
concentro nos meses de vida de Nimiar, para não assustar Nancy, e de
alguma forma isso me ajuda também.
— Se você quiser, podemos colocar um nome persanes no meu bebê.
No nosso bebê — ela se corrige e para de enfiar o seu rosto no meu peito,
para olhar para cima e me encarar. Só que os meus olhos estão cheios de
lágrimas agora, então é um pouco vergonhoso.
— Isso seria incrível, pequena — sussurro e me abaixo para beijá-la e
disfarçar as minhas lágrimas, mas ela começa a falar antes disso.
— Você ainda quer que seja o nosso bebê? — pergunta e eu faço que
sim com a cabeça.
Eu juro que não sei como, mas colocar tudo isso para fora me
energizou de um jeito tão estranho. O meu ronronar não para e o cheiro
doce cítrico da pequena fêmea, contente por estar no meu colo, me deixa
ainda mais à vontade, como não me sinto a um bom tempo.
— Agora vamos lá buscar Cyan — falo, com muito mais coragem de
saber como lidar com o bebê, já que Nancy parece ser uma expert nisso, e
ela concorda.
Capítulo 35
Astor
Através da porta aberta dessa espécie de escritório de Dion, eu
consigo ouvir Nancy e Juliet brincando com o meu sobrinho bem de longe,
mas as vozes delas são quase que completamente apagadas pelos sons da
televisão, que eu não olho, mas escuto o zumbido baixinho.
“Os membros da Igreja do Oitavo Renascer tem feito um grande
alvoroço aqui em Red Town, e eles têm conseguido a atenção de muitos.”
“Ao contrário do que se era esperado, o número de pessoas nas ruas
só aumenta e a demanda é uma só, eles querem a segurança garantida
contra os persaneses. Até agora, nenhuma família persanesa se pronunciou
sobre o crime de ter sequestrado essas duas mulheres lá na Turquia, nessa
espécie de retiro espiritual que eles estavam fazendo, e enquanto isso as
coisas esquentam, pois os membros da Igreja tem conseguido vozes
poderosas para os auxiliarem.”
— Deixa eu desligar essa porcaria — Dion fala em Vrain e detrás sua
escrivaninha, sentado em sua cadeira, ele pega um controle e desliga a sua
televisão fina pendurada na parede. — Esses desgraçados acham que vão
mesmo conseguir algo contra nós, quando já foi provado que os persaneses
são os maiores contribuintes para a economia de qualquer país do mundo.
— Ele continua falando em nossa língua materna e faz sentido.
Eu me acostumei muito em ter conversas em inglês, é como se fosse a
minha segunda língua já, e mesmo com persaneses eu costumo falar nessa
língua que aprendi depois de alguns anos de vida. Mas o Vrain ainda é
muito mais confortável.
— Sinceramente… não sei até onde eles vão conseguir ir com tudo
isso.
O maior problema da Igreja do Oitavo Renascer é que eles não são só
criminosos, eles são ruins e são insanos. E quando se é ruim e insano como
eles, se você está sozinho é uma coisa, mas eles têm números gigantes de
pessoas que nós nem conhecemos. Existem homens por aí patrocinando
essa maldita igreja que não sabemos o nome, pessoas que andam até mesmo
entre os da minha raça.
Se algo não serve para Frederick, ele vai lá e dá um jeito de fazer
servir, como as bíblias que Nancy disse que ele altera. Todos dentro dessa
igreja são muito imprevisíveis e isso é assustador, e por isso eu decido que
talvez o melhor seja não contar para a humana tudo o que a sua família tem
feito em Red Town.
Frederick tem mexido aos seus pauzinhos e se as coisas continuarem
assim até o presidente dos Estados Unidos vai ter que se pronunciar daqui a
pouco, porque eles estão pedindo a expulsão dos persaneses e estão
encontrando outras pessoas que já não gostavam de nós antes.
— E então, você descobriu algo mesmo no diário de Joseph Burner e
Louis Burner? — pergunto para Dion, querendo mudar um pouco de
assunto, mas nem tanto.
No dia em que eu estava lutando muito para não ir atrás de Nancy,
após ela ter fingido estar doente com vox, eu acabei entregando o diário dos
Burner para Dion me ajudar a estudar, já que a minha cabeça não estava das
melhores para se concentrar em algo tão sério, enquanto a humana povoava
cada um dos meus pensamentos.
— Na verdade, eu queria te mostrar uma coisa — diz e me deixa
muito intrigado.
Dion é um homem muito vaidoso e conforme o ancião tira o diário de
uma gaveta e o folheia com muito cuidado, eu reparo nas abotoaduras
douradas de seu terno. De uma forma estranha é muito bonito para mim ver
um persanes mais velho parecendo tão familiarizado com a terra em que
vive.
O escritório dele, em que estou agora, é luxuoso, as paredes são verde
musgo, ele tem cortinas pesadas nas janelas, quadros de deuses e deusas
persanesas e tudo aqui cheira a ervas, mas não é nem de longe tão
bagunçado quanto a minha cabana lá em Rigan, que estava cheia de coisas
penduradas no teto e espalhadas por móveis deixados por Zeva e outros que
também fui eu quem acumulei.
Talvez eu devesse aprender com esse curandeiro a ser mais
organizado, mas é tão difícil quando se tem milhares de micro projetos que
te distraem de pensar no seu irmão morto.
— Olhe isto aqui. — Após encontrar a página certa, o ancião vira o
caderno para mim e me mostra a sua descoberta nas páginas sépia.
Eu fico alguns segundos observando e não consigo não arregalar os
olhos. Joseph Burner e Louis Burner, de alguma forma, foram capazes de
desenhar exatamente a rorani de lobo com chifres que está no meu peito.
Eles não erraram sequer um traço.
— Como isso pode ser possível? — Franzo a testa, sem conseguir
imaginar em que circunstância um membro da igreja do Oitavo Renascer
teria acesso a uma rorani persanesa.
Eu tenho certeza que essas pessoas não eram como Nancy, que
aceitou o meu tipo tão bem. Eles têm nojo de nós, acham que somos
monstros, então não tem como saberem algo tão específico.
Desde pequeno eu sempre ouvi sobre a profecia, sobre como o lobo
com chifres marcava o escolhido, que voltaria a ser um troca formas, assim
como os nossos antepassados mágicos, e traria a nova era que seriam os
anos de ouro para os persaneses.
Alguns de nós achavam além de incrível, mas parecia existir um
medo geral de ser escolhido, alguns anciãos diziam que a nova era não era
boa coisa e que se o escolhido fosse encontrado ele deveria ser morto o
quanto antes.
— E tem mais. — Dion volta a folhear o caderno e eu continuo
sentado na cadeira à frente de sua escrivaninha de uma madeira escura com
formas muito interessantes. — Você já ouviu falar em Bruven, Astor?
— O Deus antigo que odiava os persaneses?
Existem muitos deuses na mitologia Vrunsni, que são os meus
antepassados mágicos. Porém, um dos mais importantes era Bruven, um ser
obscuro e sem forma, que condenava os Vrunsni por terem se misturado
com humanos e criado os persaneses.
— Eu posso estar muito velho e ter sido um pouquinho difícil me
concentrar em algumas partes dessa porcaria, mas… — Ele folheia um
pouco mais antes de encontrar o trecho certo. — Aqui eles falam que a
Igreja do Oitavo Renascer foi construída por conta de um sonho que Joseph
teve.
— E como isso tem algo a ver com Bruven? — Eu com certeza não
esperava que algo assim saísse desse diário. Estava esperando por sandices
e mais regras a serem seguidas, já que Nancy me contou como existiam
milhares delas dentro da Igreja.
— Bom, a maior parte do tempo eles chamam o sonho que deu
origem à Igreja de sinal, e ficam falando como esse sinal foi divino e aqui,
nas últimas páginas, Louis diz que quem deu esse sinal foi Bruven — revela
e me deixa ainda mais confuso, então eu pego o diário de suas mãos e leio a
página.
“Aquele que nos enviou o sinal divino, é um ser grandioso, é um ser
de luz esverdeada que deve ser cultuado no coração de todos na Igreja do
Oitavo Renascer, pois Bruven estará ao lado do todo-poderoso quando
formos arrebatados.”
— A Igreja do Oitavo Renascer foi criada não por humanos e sim por
um Deus Vrunsni? — Eu fico sem saber o que pensar.
Pelo que Nancy me contou, na Igreja eles não cultuam Bruven, e sim
os descendentes da família Burner, que fundaram a Igreja, e eles também
cultuam um grande Deus no céu, que chamam de pai celestial.
Se Nancy ou Juliet tivessem me falado Bruven em algum momento,
eu com certeza me lembraria.
— Eles sabem de tudo da nossa cultura, de uma maneira muito
retorcida, mas sabem. — Dion parece tão surpreso quanto eu com suas
descobertas, enquanto ajeita a sua barba branca. — E a prova está toda aqui,
nesse diário. Eles sabem sobre a profecia, sabem sobre a marca do lobo com
chifres e de como todos que a tem serão capazes de se transformar em lobo
assim que encontrarem seus companheiros ou suas companheiras de alma.
O meu coração fica disparado ao ouvir suas palavras. Eu achava que
essa religião que inventaram era completamente infundada e agora estou
descobrindo que ela tem sim fundamentos, e não é qualquer fundamento, e
sim na minha própria cultura, nos meus próprios antepassados.
Frederick esteve com esse diário o tempo todo, então isso quer dizer
que ele leu tudo isso, e pior ainda, com as anotações de Crystal que roubou,
ele não só conhece a minha cultura, mas também conhece sobre a saúde do
meu povo. Talvez não tenha entendido tudo, as partes mais importantes a
médica colocou em códigos, então consigo voltar a respirar um pouco,
contudo, ainda é bem preocupante.
— Como eles podem… ter chegado até Bruven? Eles têm algum tipo
de magia? Será que eles têm videntes?
Faz anos que não conheço videntes, eles normalmente têm suas
revelações feitas por sonhos.
— Tem partes aqui que nem eu sabia sobre. — Dion passa as mãos
por seu rosto e agora eu consigo ver o cansaço em seus olhos. Ele está tão
preocupado quanto eu. — Nesse maldito diário, eles falam que a marca do
escolhido, o lobo com chifres, é a mesma marca do exército especial de
Persani, o último rei Vrunsni antes dos humanos ficarem em números tão
grandes que já não fosse possível comandá-los. Eu perguntei para o
curandeiro conhecido na Grécia se isso era verdade e ele falou que sim, que
o mesmo lobo da profecia é a marca do exército especial de Persani.
— Isso é loucura. — Eu não consigo mais ficar sentado na cadeira e
preciso me colocar de pé.
O meu corpo está se enchendo com uma raiva e uma angústia
estranha, um medo do que esses doentes possam fazer. Com tantas
informações assim eles podem acabar com o meu povo, que está espalhado
pelo mundo. Nós não somos monstros, nós temos famílias, temos filhotes
para cuidar, e a maioria da minha raça já perdeu o contato com a sua
ancestralidade há muito tempo, a maioria nem se importa com magia e só
quer viver as suas riquezas aqui no mundo dos humanos.
— E sabe qual a pior parte? — pergunta e não me recrimina enquanto
eu fico de pé na sua frente, tentando não explodir, batendo com o meu pé no
chão. — Louis Burner diz que a profecia não foi criada para ajudar os
persaneses a entrarem numa nova era, numa era de benevolência e de
amor... — Dion me encara bem no fundo dos olhos, e eu vejo nele a mesma
angústia que sinto. — Ele diz que quem criou a profecia da nova era foi
Bruven. Tanto o pai, Joseph Burner, quanto o filho, Louis Burner, os
fundadores da Igreja, tinham um total conhecimento da profecia e eles a
tratavam como se fosse uma coisa boa. Eles dizem que essa nova era seria
uma nova era sem persaneses, na verdade.
— Como esses filhos da puta podem saber tanto enquanto nós, os
descendentes dos Vrusni, nem sabemos de nada?! — exclamo e fico feliz
que até agora nós estejamos falando em Vrain. Se Nancy ouvir essas coisas
a sua cabeça só vai ficar bagunçada.
— Eles acham que quem está virando lobo são os herdeiros das
famílias de persaneses que conseguiram manter o seu sangue puro durante
várias gerações, e isso os faria ser Vrusni, mas Bruven ainda acha isso
errado e quer matar todos os que estão virando lobo.
— Mas o que isso quer dizer afinal? Onde eles querem chegar com
tudo isso? — A minha cabeça está começando a doer com tantas
informações.
Eu estou acostumado a lidar com leituras extensas, no meu tempo na
ilha eu li até Senhor dos Anéis. Mas não estou acostumado a ouvir coisas
que podem mudar completamente o destino do mundo.
— Eles estão querendo dizer, que nós estamos no meio do fim dos
tempos, no apocalipse, e que essa é a nova era já — explica bem devagar,
porque sente o cheiro da minha ansiedade, da minha raiva. — Eles acham
que Bruven vai deixá-los forte, que vai ajudá-los a afastar e matar todos os
persaneses, e os únicos que podem ajudar são os que trocam de forma, os
guerreiros do exército especial de Persani, e que esses devem ser
derrotados.
— Como eles teriam acesso a um Deus tão antigo e poderoso?! — A
minha respiração está muito pesada e as minhas mãos começam a tremer de
tanto ódio, enquanto eu esbravejo. — Como aquele grupo de pessoas
malucas e ruins sabem tanto sobre nós e mesmo assim são tão ignorantes?!
— Calma, Astor. — Ele usa um tom baixo e continua me encarando
nos olhos. — Isso tudo não precisa ser verdade, eles podem ter descoberto o
nome de um dos nossos deuses e inventado tudo isso.
— Não parece invenção quando eles sabem tanto. Eles têm algum
tipo de pacto, então?! Eles conseguem contato com Bruven como?!
Bruven é o deus da caça, ele não é fácil, sempre foi descrito como
muito vaidoso e volátil.
— Eu acho que é melhor nós não ficarmos apenas conversando aqui,
ou isso vai nos deixar malucos, vamos fazer algo. — Ele respira e inspira
devagar, como se quisesse que eu fizesse igual, então eu acabo tentando
copiá-lo mesmo. — Você deve ler esse diário, para ter certeza que eu
entendi tudo corretamente. — Estica o caderno na minha direção e eu o
aceito. — E também acho que vamos ter que realmente procurar por alguém
que saiba ler Vrain, para conseguir ler os dois livros que pegamos de
Frederick. Esse curandeiro que eu conheço na Grécia pode nos ajudar, ele é
o mais famoso de lá e é muito aberto. O nome dele é Shura.
— Mas você acha que ele é confiável mesmo? — pergunto, lutando
pra conseguir respirar devagar como ele quer.
Parece que estou tendo um desses ataques de pânico que já ouvi falar
que humanos têm.
— Eu acho que sim, ele é jovem como você e já conversamos
algumas vezes — explica e eu concordo com a cabeça.
— Certo, eu vou contar para os Dark Elf tudo que descobri, eles logo
vão para a Grécia ficar junto com Dante e Oliver para a ilha que vocês
indicaram, não tem mais sentido viver nas ilhas de Cosmos, se Frederick
achou um jeito de chegar até lá.
— Não, você não vai fazer isso — fala de repente e eu fico sem
entender.
— Desculpe?
— Você vai até a sala conhecer o seu sobrinho que acabou de ser
abandonado depois de ficar órfão. — Ele aponta para a porta de seu
escritório. — E eu vou falar com os Dark Elf sobre tudo que descobri até
agora.
— O senhor não acha melhor que seja eu quem f… — começo a falar,
mas sou interrompido.
— Não, eu vou conversar com os Dark Elf, estamos nisso juntos. —
Dion está claramente tentando tirar o peso disso das minhas costas, o que
funciona, mas não muito. Eu tenho a marca do lobo e a ganhei depois de
conhecer Nancy, e ela… é uma das melhores coisas que eu já tive na vida.
Nancy cheira como o paraíso e parece tão certa e tão errada ao mesmo
tempo. E ouvir como esses filhos da puta podem acabar com tudo isso me
deixa com tanta raiva e medo que é difícil pensar. — E pode deixar que só
falo com os machos, é melhor poupar fêmeas grávidas ou as que acabaram
de ter bebês de notícias assim.
— Tudo bem, senhor — murmuro, segurando com força a porra do
diário.
Eu quero queimar esses desgraçados da seita, todos eles. Sinto um
rosnado forte se formando e a minha vontade é de quebrar algo para ver se
isso ajuda.
— Não é porque eles dizem que é o apocalipse, que precisa ser, e por
enquanto nós ainda estamos em vantagem.
— Vantagem? — Arqueiro as duas sobrancelhas. — Eles sabem
demais e-e agora estão por aí mentindo, dizendo que sequestramos Nancy e
Juliet quando aquela fêmea literalmente pulou nos meus braços. Além
disso, eles também têm apoiadores secretos, que podem fazer coisas contra
nós.
— Pode ter certeza que não importa quem sejam os apoiadores de
Frederick, nós temos muito mais dinheiro do que eles com todo o naery que
vendemos e também continuamos tendo muito mais credibilidade. — O
senhor de pele negra, que faz um contraste incrível com seus cabelos
brancos, caminha até o meu lado e coloca a mão no meu braço. — Vai ficar
tudo bem, nisi.
Capítulo 36
Nancy
— Me conte como foi o Salah, por favor! — Imploro pela décima vez
para a minha irmã e ela só fica mais vermelha, sentada ao meu lado no sofá
largo e muito mais macio que qualquer um que já tenhamos tido na nossa
casa, na vila em Red Town.
— Foi normal, Nancy, já te falei isso. — Dá de ombros e volta a
pegar a colher de um pratinho azul com decoração de patos para dar mais
banana amassada na boca do pequeno Cyan.
Nós estamos numa sala separada de onde Astor e Dion, o pai de Kara
e dono de tudo isso, foram conversar. Confesso que tem sim uma pulguinha
atrás da minha orelha sobre o que eles estejam falando, mas também estou
muito curiosa com a saída da minha irmã, então tento focar no agora.
— Normal? Você foi numa festa cheia de persaneses e persanesas
bonitões comendo e… — Eu abaixo o tom de voz, já que Cyan está entre
nós duas no sofá, mesmo que ele com certeza não vá entender nada do que
estamos falando. Ele é um completo bebezão. — Transando em grupo, e
quer me dizer que foi normal?
— Eles não estavam transando em grupo, para de ser tão pervertida
— responde cochichando também. — A festa é muito bonita e eu não sei o
porquê de você estar tão curiosa com essa parte!
Ela dá mais uma colher de banana amassada na boca do pequeno
chifrudinho e ele está fazendo a maior bagunça. Cyan põe pra dentro
sempre metade da colherada que recebe e o resto cai em seu babador,
também azul com patos amarelos.
Para falar a verdade, é bem irreal ter esse bebê aqui, com seus chifres
pequenininhos e seu rabo cinza bem clarinho, que se move como o de
Astor, feito o de um gato.
Ele é mais ou menos da minha cor, bem pálido, a diferença é que eu
tenho essa cor porque não podia sair muito de casa. Cyan é gordinho, com
braços, pés e um pescoço bem fofinhos, o que dá vontade de morder. E,
diferentemente de quando chegou, o seu cabelo liso, avermelhado e curto
está apontando para todas as direções hoje.
— Então por que é que você está ficando vermelha se a festa foi só
muito bonita? Conta outra, Juliet! — exclamo pra minha irmã que faz sinal
de silêncio e depois aponta para o bebezão ruivo entre nós duas.
Eu nunca vi uma criança de um ano desse tamanho, ele com certeza
deve ficar com a altura de Astor quando crescer.
— Eu não fui até essa parte, ok? Não sou igual a você, não quis me
arriscar. — Ela joga na minha cara a minha irresponsabilidade com zero
sutileza. — Kara explicou que alguns machos podem perder a cabeça, ainda
mais se você correr deles. Então eu fiquei na parte da comida e das danças,
como foi combinado. E, sim, é muito bonito, eles têm pinturas corporais e
as roupas são incríveis, mas eu não fui até essa parte secreta.
Eu gosto bastante da forma como Juliet parece ter verdadeiramente
achado a cultura persanesa bonita, me deixa com o coração mais calmo
saber que ela está se encaixando aqui, mesmo ainda me sentindo culpada
por deixá-la sozinha para dormir com Astor essa noite.
Não quero que a minha irmã se sinta abandonada, mas é que tem algo
naquele ruivo que me puxa para ele feito um imã.
— Eu vou fingir que acredito em você agora, mas saiba que depois
vou te obrigar a me contar tudo que aconteceu de verdade nessa festa, além
das pinturas corporais e das danças. — Provoco e ela me fuzila com os seus
olhos acinzentados.
Hoje a minha irmã usa um vestido rosa-claro cheio de florzinhas, que
é muito diferente da porcaria do vestido azul que nos obrigavam a colocar
sempre. A peça que ela usa agora só vai até o seu joelho, e além do mais, o
vestido é de alcinhas, o que deixou espaço para Juliet começar a tomar um
pouco de sol aqui na Turquia, coisa que nós duas estamos precisando.
— Por que você mesma não vai lá ver? Não tem nada demais nas
partes onde eu fiquei — resmunga e se abaixa para limpar a banana da cara
de Cyan.
— Porque Astor não quer deixar eu ir. — Eu reviro os olhos.
— Como assim? Ele está te proibindo de algo? — Ela tem que prestar
atenção no meu rosto, mas o menino começa a tentar fazer uma bagunça.
— Mama! — o filhote balbucia e coloca a sua mão dentro do pote de
banana. — Mama.
Cyan só sabe falar essa palavra pelo que parece, e ele a repete tanto
pra mim, quanto para a minha irmã, o que me deixa muito triste. Como a
verdadeira “mama” desse garoto foi capaz de deixá-lo pra trás?
— Droga! — Juliet xinga e usa o babador para limpar a mão dele,
mas abaixada desse jeito o pequeno ruivo pega seu cabelo loiro com as suas
mãos gordinhas e sujas e puxa. — Cyan, solta. Não faça isso com a mama
— ela ordena, de um jeito muito paciente, mas ainda com seriedade na voz,
e na hora o menino solta.
A minha irmã realmente sabe como lidar com crianças!
— Astor acha que eu vou me meter em encrenca se for no Salah —
explico.
— Então ele já está te conhecendo muito bem. — Ela dá um pequeno
sorriso e volta a dar colher de bananas para o bebê. — Mas o que eu posso
te dizer que eu descobri, é que parece que aqui as mulheres persanesas
podem ter mais de um macho se elas quiserem — fala e o seu rosto volta a
avermelhar.
Juliet não consegue esconder a sua vergonha de mim nem se quisesse
muito.
— Sério?! — Eu arregalo os olhos e ela faz que sim com a cabeça
bem rápido, porque deve ter achado isso muito diferente também.
— Sabe aquela irmã de Kara e o marido que a gente conheceu logo
no primeiro dia que chegamos aqui? Eu a vi beijando um homem diferente
dele e fiquei me sentindo mal. Mas depois o marido dela apareceu e beijou
ela também e parecia que tinha ficado tudo bem!
— Você está falando sério?
Se Astor já acabou comigo nas duas vezes que transamos, imagina
dois persaneses em cima de você se revezando?! Puta merda, a coitada da
mulher não andaria no dia seguinte, não importa quantas lambidas levasse.
— Estou, eu até perguntei para Kara depois e ela me disse que
acontece às vezes. Persaneses tem parceiros temporários, que são tipo
namoro, mas eles também têm parceiras fixas.
Juliet e eu só sabemos o que é um namoro por conta de Margot, já
que dentro da Igreja não era permitido. Ou você era solteira, ou era casada
ou era viúva. Frederick fazia todo mundo pular direto para o casamento,
sem dar tempo para as mulheres conhecerem os seus maridos, o que era
uma boa estratégia na verdade, porque tenho certeza que qualquer mulher
dentro da Igreja que conhecesse o seu marido por alguns dias antes do
casamento, daria um jeito de fugir dali.
— E essa coisa de parceira fixa todo mundo pode ter quantos quiser?
— Eu sinto meu estômago se revirar de ansiedade.
Será que Astor vai aparecer com alguma outra mulher algum dia,
assim como acontecia na Igreja, que os homens se casavam com quantas
mulheres Frederick dizia que eles podiam?
Isso sempre foi um pesadelo para mim, sou ciumenta demais e
detestaria ter que dividir a atenção com qualquer outra, ainda mais se ela for
persanesa, que são todas perfeitas, altas e super fortes.
— Não, Kara falou que não é bem assim. Só as fêmeas persanesas
podem ter mais de um parceiro, os machos geralmente não se interessam
por isso.
— Como assim não se interessam? — Semicerro os olhos, porque
homens sempre se interessam em ter mais de uma mulher.
— Basicamente ela disse que os machos costumam ficar viciados no
cheiro de suas fêmeas, e que a maioria deles sente até ânsia de vômito ao
chegar perto de outras mulheres quando estão acasalados. — Juliet parece
tão abismada e interessada quanto eu. — Existem sim casos de traição de
machos, mas isso é muito raro. Só que as fêmeas são diferentes, nem todas
tem essa coisa de ânsia de vômito, e podem ter vários parceiros temporários
ao mesmo tempo. Isso só não acontece com frequência porque machos
persaneses são muito territorialistas e não costumam aceitar outras.
— Então como essa irmã da Kara tem dois maridos se as fêmeas só
podem ter machos temporários ao mesmo tempo? — pergunto e Cyan acaba
de comer a banana com a ajuda de Juliet, que desvia das mãozinhas espertas
e sujas dele.
— Parece que os persaneses aqui da Turquia tem uma cultura meio
diferente do resto das persanesas do mundo. Não é tão incomum aqui que
fêmeas tenham dois parceiros ao mesmo tempo, e eu não tô falando de
parceria temporária, e tô falando de acasalamento a longo prazo.
É estranho ver que a minha irmã sabe muito mais do que eu agora,
sendo que, a sei lá quantos dias atrás, ela ainda estava os chamando de
demônios. Aliás, talvez ela até chame eles assim ainda.
Será que ela conseguiu dar fim no seu preconceito? Mas por quê?
Com certeza deve ter a ver com o Salah e essa safada não quer me
contar!
— Então as mulheres aqui casam com dois caras?
— Algumas sim, e quando elas acasalam é para vida toda. Elas não
podem, por exemplo, se casar com um macho e depois se casar com outro.
As fêmeas só podem ter dois machos se ela casar com os dois ao mesmo
tempo, e ela tem que dar atenção igual para os dois — esclarece e me deixa
cada vez mais intrigada enquanto coloca o pratinho com a colher no chão e
puxa Cyan para o seu colo bem devagar, porque essa criança é pesada pra
caramba. — Passei a manhã toda com ele depois que Kara me explicou o
que aconteceu com a mãe e com o pai dele, e ele sempre dorme depois de
comer qualquer coisa.
A minha irmã ajeita o grande bebezão em seu colo, colocando a
cabeça dele contra o seu peito e abraçando o seu corpo. Como ela é uns 20
cm mais alta do que eu, fica um pouco mais fácil de segurar, mas nem tanto.
E como se fosse mágica, a agitação do bebê parece que acaba em 2
segundos, assim que ele é colocado nessa posição mais na horizontal, e logo
os seus olhinhos se fecham enquanto ele enrola o rabo no braço da minha
irmã.
Eu não posso nem dizer que é uma surpresa que ela esteja cuidando
dessa criança, muito menos dizer que só está cuidando após conhecer
melhor os persaneses. Acho que mesmo antes, quando ela não os conhecia,
se esse filhote aparecesse sem ter quem cuidar, a minha irmã o pegaria.
Juliet cuidou de mim desde que me conheço por gente, segundo as
histórias que me conta, ela me deu comida na boca assim como deu para
Cyan agora, mesmo que tenhamos só seis anos de diferença.
— Isso tudo de uma mulher casar com dois caras é uma loucura —
falo baixo.
— Não sei bem se é loucura, Frederick vivia casando mulheres mais
novas do que você, com caras de mais de cinquenta anos — comenta e me
deixa feliz que ela já esteja se sentindo segura o bastante para criticar
aquele lunático.
— É que para mim é muito estranho, acho que eu não conseguiria
fazer algo assim, mas que bom para elas. — Dou de ombros.
— É, que bom para elas… — Morde o lábio inferior, e agora eu
percebo como nós duas fazemos muito isso, depois do ruivo me mandar não
fazer. — E então, você e Astor estão juntos mesmo? — A minha irmã faz a
pergunta de uma maneira meio acanhada, meio sem graça.
Nós duas sempre fomos muito abertas uma para outra, porém, eu acho
que eu sempre fui a campeã em esconder uma coisa aqui e ali dela.
— Eu ainda não sei, não conversamos sobre isso ainda. — O que
parando para pensar agora não faz nenhum sentido.
Ele se ofereceu para ser pai da minha criança e disse que vamos criar
o bebê juntos, mas ao mesmo tempo nós dois não temos definido o que é
nossa relação exatamente.
— Eu continuo tendo sonhos com vocês e… — fala e eu a
interrompo, pois percebo que deixei uma coisa importante passar.
— É verdade! Você sonhou comigo grávida e Astor, e um bebê de
cabelos ruivos! — Aponto para Cyan no colo dela.
Agora tudo faz mais sentido!
— É, parece que os meus sonhos estão ficando cada vez mais fortes
— diz, mas não parece nada animada com isso, enquanto balança levemente
o persanesinho.
— Você tem tido muitos?
— Sim, o tempo inteiro, está me deixando até meio drenada. Eu me
sinto muito ansiosa — cochicha e uma mecha de cabelo loiro cai em seu
rosto, mas como ela não pode mexer os braços, eu coloco o cabelo atrás de
sua orelha.
— Com o que você está sonhando?
— Às vezes fico sonhando com o passado, com a nossa infância, às
vezes eu sonho com o presente, o dia que se passou fica repetindo na minha
cabeça durante a noite, às vezes até quando estou acordada.
— Será que não é melhor você falar com Astor sobre isso? Ele é
curandeiro e pode te ajudar — pergunto e a loira nega a minha oferta com a
cabeça na mesma hora.
— Se eu falar muito sobre isso, acho que só vai piorar. Você lembra
da Joy, que ficava tendo sonhos assim?
Joy foi uma colega que estudou comigo quando eu estava na porra da
escolinha de Frederick. Ela começou a sonhar tanto, que enlouqueceu e
passou a andar falando coisas aleatórias pela vila, até que se afogou num
riacho dentro da propriedade por onde era permitido andar.
Só de lembrar eu fico toda arrepiada.
— Mas você está vendo o futuro também?
— Eu não sei se vejo o futuro, Nancy. Isso seria algo mágico e
estranho, e essas coisas não existem. Eu estou começando a achar que é só
uma coincidência que eu sonhe com coisas que acontecem.
O problema da minha irmã agora, é que mesmo que ela não acredite
em Frederick, ela ainda acredita em muita coisa que nos foi passada pela
boca de outras pessoas, mas que foi a família dele quem criou.
Na Igreja sempre disseram que os únicos que recebiam mensagens
divinas, eram os homens. Frederick era quem podia escutar Deus sussurrar
no seu ouvido durante a noite, os seguidores dele até tinham revelações,
mas as mulheres nunca eram levadas a sério nessa parte.
— Bom, a gente tá mexendo com um monte de coisa que ele também
não dizia que existia, tipo persaneses bonzinhos. — Insisto e ela morde com
mais força ainda o lábio inferior. Desde pequena a minha irmã sonha, e de
tempos em tempos eles ficam muito fortes e depois somem. — Pode me
contar pelo menos os que eu estou? Tem algum com Astor?
Eu espero que sim!
— Às vezes eu vejo vocês dois — sussurra e o meu coração dispara
de felicidade. A minha irmã pode querer ignorar, mas eu acredito em cada
sonho dela, eles fazem muito mais sentido do que os meus. — Vocês
parecem felizes, como uma família.
As palavras de Juliet me deixam ainda mais eufórica. Essa madrugada
o curandeiro disse que queria ser o pai do meu bebê, e hoje de manhã ele
ainda se abriu para mim, falando sobre a sua perda. Eu me sinto contente
como não fico há muito tempo.
Até agora eu tenho me perguntado “Por que isso aconteceu comigo?”
Mas cuidando de Cyan, ainda mais com ele ronronando, e sentindo que de
alguma forma eu pertenço a alguém, é como se tudo ganhasse até mais cor e
eu me sentisse mais corajosa para ter esse filho.
— E você está lá junto com a gente? — pergunto e ela faz uma careta.
— Eu não tenho me visto em nenhum dos sonhos, Nancy — explica e
eu não entendo, ainda mais que de repente ela parece murchar de desânimo.
— Não está sendo fácil para mim essa nova realidade, tudo está parecendo
muito bagunçado, ainda mais com essa montanha de sonhos estranhos que
eu tenho. Mas eu realmente acho que você encontrou um bom macho, já eu,
não sei se me encaixo nesse lu…
— Ele dormiu? — Astor pergunta de repente, entrando na sala em
que estamos após sair do escritório de Dion.
Capítulo 37
Astor
— Ele sempre dorme depois de comer — Juliet responde e começa a
cheirar a ansiedade, mas não tanto quanto a conheci. Acho que ela está
aprendendo a confiar mais no meu povo, o que é um grande progresso.
Eu achei que demoraria mais para ela parar de nos demonizar.
— Vocês já acabaram a sua conversa? — Nancy pergunta com a
curiosidade estampada em todo o seu rosto.
É claro que a fêmea que percebeu que eu roubei a sua calcinha e que
também notou que na minha idade eu já deveria ter um filhote, está
interessada no que eu estava conversando com outro curandeiro. Só que eu
não pretendo contar a ela exatamente o que descobri, talvez eu possa tentar
sondar se ela já ouviu o nome “Bruven” em algum momento, mas não
agora.
— Já sim — respondo e faço o meu melhor para não parecer suspeito
de alguma forma conforme caminho até elas no sofá.
É realmente curioso o quão bem essas duas sabem lidar com crianças.
Cyan parece bem apagado no colo de Juliet agora e ele cheira a banana.
— Já que vocês acabaram, por que não levamos Cyan para a cabana?
Ele deveria ficar mais próximo de você. — A morena sugere e eu penso em
caminhar até ela e fazer um carinho em sua cabeça, assim já aproveito e
passo um pouco do meu cheiro pra ela, mas ainda não sei o quanto Juliet
sabe e o quanto ela acharia estranho da minha intimidade com Nancy.
— Claro, mas hoje eu tenho muito o que estudar — murmuro.
— Você pode estudar e eu e a minha irmã ficamos com ele na cabana
— sugere e antes que eu possa dizer qualquer outra coisa, escuto passos no
corredor e não me surpreende nada quando a porta da sala é aberta e Kara
entra por ela.
A persanesa alta está muito arrumada, usando botas altas e
barulhentas e uma roupa cheia de coisas penduradas que me diz que ela
pretende sair.
— Na verdade, Juliet e eu ficamos de ir comprar roupas — Kara fala,
pois deve ter conseguido ouvir o que Nancy acabou de dizer, sobre ela e a
irmã ficarem na cabana comigo, e eu sei bem o que está fazendo.
Casais recém-acasalados geralmente devem receber um tempo para
ficar sozinhos, só que eu ainda não expliquei o que significa estar acasalado
para a minha pequena humana. Ela não sabe o peso de um acasalamento, o
peso de eu estar bebendo o seu sangue e de querer que ela beba o meu
também, e eu pretendo ir com calma nessa área, assim não estrago as
coisas.
Além do que, eu estou dividido nesse caso, a minha raça não é
conhecida por ponderar muito quando o assunto é acasalar. O cheiro de uma
fêmea sempre diz para o persanes o que ele deve fazer, se ela é a certa ou
não, e eu sei que essa humana cheia como a certa para mim. Eu só não sei
se estou realmente pronto, se tenho para oferecer tudo o que ela precisa.
— Comprar roupas? — Nancy questiona e olha para a cara da irmã
em busca de respostas.
— Sim, vocês duas não tem nada e Cyan tem poucas roupinhas de
calor. Mas não se preocupe, Juliet e eu vamos comprar, vocês ficam
cuidando do bebê. — Kara fica parada na porta, como se esperasse por
Juliet ir até ela.
— A minha irmã precisa de roupas também — Juliet interfere, com a
testa franzida.
— Você sabe as medidas dela, não sabe?
— Sei sim.
— Ou você quer ir comprar roupas também, Nancy? — pergunta e dá
pra ver que Nancy não quer desapontar a irmã, mas está louca para voltar
para a cabana comigo.
— Eu vou ficar com Astor na cabana — decide e Juliet pensa um
pouco, e depois faz um aceno curto com a cabeça.
Eu espero que essas duas não estejam brigadas.

Diferentemente do que conversei com Dion, eu não leio o diário dos


Burner, pois toda vez que começo a descobrir o que eles escreveram nesse
caderno, fico tão irritado com a forma prepotente como falam de si mesmo
e de sua nova religião, que acabo querendo jogar o diário longe.
Então prefiro começar a ler pelos livros Vrunsni e não é surpresa
nenhuma para mim que quanto mais eu folheie, menos eu entenda.
— Por que eu não fui tentar aprender Vrain escrito quando mais
novo? Que merda! — resmungo para mim mesmo e escuto Nancy soltar
uma risada.
Ela e o meu sobrinho estão na cama de casal do primeiro andar agora,
brincando, e eu queria estar lá também, só que não consigo ficar no mesmo
ambiente que aquela fêmea e fingir que nada está acontecendo.
Então eu continuo tentando ler e, por incrível que pareça, eu consigo
achar algo que já vi antes no livro escrito em Vrain. Há um tempo, quando
ainda estava em uma das ilhas de Cosmos, eu, Karina e Klaus e Crystal e
Vladimir saímos para uma pequena busca, fomos procurar uma flor especial
para celebrar o acasalamento deles.
No templo onde nós encontramos a flor, também encontramos o
seguinte dizer escrito em uma pedra: “O lobo escolhido está no coração
vermelho brilhante de seus antepassados”, e é exatamente essa frase que
está escrito agora em Vrain, em um dos dois livros que conseguimos pegar
da seita.
No momento que eu vejo isso, sou tomado por ainda mais ansiedade e
começo a folhear o outro livro, e de novo eu encontro a frase, escrita bem
grande e várias vezes.
Puta merda!
Eu posso não ter ideia da grande maioria das coisas que é dita nesse
livro, só palavras quebradas aqui e ali, mas essa frase é como um farol que
fica aparecendo.
Assim fica difícil seguir o conselho de Dion, sobre deixar que ele fale
com os Dark Elf. Eu sei que a intenção dele era boa, que ele só estava
querendo que eu vivesse a minha vida, mas não dá para viver a minha vida,
enquanto não consigo encontrar saídas para essa montanha de problemas
novos que ele acabou de me apresentar.
Primeiro eu tento contato com Vladmir e com Klaus, mas nenhum
deles me atende. Eu acho que hoje eles estão no mar, indo em direção à
Grécia, então só quem sobra para conversar sobre isso é Dante, que não
estava no templo que encontrei essa frase, mas que ainda pode tentar
contato com o curandeiro Shura que Dion disse, lá da Grécia.
— Bom dia, Dante e Oliver — cumprimento, sem saber quem foi que
me atendeu e rezando para ser o macho. Assim como estou poupando a
minha fêmea, que estava grávida, também pouparei a dele.
— Bom dia! — Oliver responde, então o meu plano de falar demais
vai por água abaixo.
Nada de falar sobre Bruven e sobre como Frederick sabe praticamente
tudo que há para saber sobre o nosso tipo.
— Como estão as coisas? Você ainda está enjoada, Oliver? —
questiono, porque eles estão vivendo sozinhos na Grécia agora, para
aproveitar o acasalamento, e isso me preocupa.
— Estou ótima — ela responde.
— Nós estamos muito bem aqui na Grécia, porém Oliver não para de
perguntar sobre Nancy e Juliet. Como estão as irmãs? — Dante responde
também e eles devem estar no viva-voz.
— Estão… bem. — Juliet ainda cheira a medo toda vez que vê um de
nós e Nancy, bom… Nancy é de outro mundo. — Eu liguei para saber se
vocês estão bem e como eu estou lendo os livros que Filipi conseguiu na
seita, gostaria que vocês fizessem contato com o curandeiro persanes mais
famoso da Grécia, dizem que o Vrain dele é muito bom e talvez ele possa
me ajudar com uma frase que fica aparecendo nos livros.
Talvez ele tenha uma interpretação melhor dessa frase e quem sabe as
coisas que estão em volta dela no livro também ajude.
— Que frase? — Oliver questiona e eu acho que essa parte é
inofensiva para ela saber.
— “O lobo escolhido está no coração vermelho brilhante de seus
antepassados”. Antes de Karina dar à luz a Lena, nós encontramos essa
frase num templo, mas eu acho que deve estar faltando algum pedaço, não é
possível.
— Não, isso está errado. Eu já li essa inscrição lá em Nayni num
templo abandonado e o certo é “A escolha do lobo está plantada no
coração vermelho brilhante de seus antepassados” — Dante explica e me
faz arregalar os olhos
— Você sabe ler Vrain, a nossa língua materna?!
Se ele souber, então nem precisamos entrar em contato com nenhum
outro curandeiro e revelar mais do que deveríamos. Por que esse macho não
falou isso antes?
— Na verdade não, eu só consegui ler enquanto estava transformado
em lobo. As palavras fizeram muito sentido na minha frente — Dante
explica e eu anoto essa informação.
Será que a forma de lobo mexe mais profundamente com a cabeça
deles?
— Nós até encontramos uma pedra vermelha que Dante disse ter
cheiro amadeirado nesse dia — Oliver fala e eu até me engasgo com a
minha própria saliva, o que me faz tossir algumas vezes.
— Uma pedra vermelha com cheiro?!
— Sim, tinha um cheiro muito bom pro lobo, mas Oliver disse que pra
ela não tinha cheiro algum.
— Onde está essa pedra agora?! — Eu acabo praticamente berrando
com essas descobertas e mais uma vez me pergunto: por que eles nunca
falaram sobre isso?!
— Acho que ficou lá em Nayni, na casa onde Oliver e eu moramos
por um tempo.
— Dante, eu acho que essa pedra vermelha era uma pedra rara
chamada pedra do lobo, ou moarni, e agora que você falou a frase desse
jeito, está começando a fazer sentido para mim.
— No que você está pensando? — Dante questiona.
— Moarni é quase uma lenda entre os curandeiros, de tão poderosa.
Ela é a pedra que diziam ser capaz de trazer os Vrunsni de volta, de trazer
qualquer um de volta, na verdade. Consegue até parar um cio masculino! E
agora que você falou a frase de maneira correta, já que leu como um lobo,
eu acho que “A escolha do lobo está plantada no coração vermelho
brilhante de seus antepassados”, significa que Moarni é a pedra vermelha
capaz de dar a escolha para os machos se eles querem ter o cio ou não!
Eu não sei se estou ficando maluco, se estou interpretando da maneira
certa e é realmente muito ruim não ter ideia se as minhas habilidades são o
bastante ou não. Mas talvez moarni exista e ela sirva para muito mais do
que o cio masculino, só que não posso falar sobre Bruven para eles, então
fico apenas no cio masculino.
— Caramba, isso seria incrível! — Oliver exclama.
— Eu vou conseguir um jeito de encontrar essa pedra em Nayni,
porque isso pode mudar tudo!
Eu não sei como vou fazer isso, se vou ter que voltar para as ilhas que
Klaus e os outros acabaram de sair, mas talvez moarni tenha algum poder
que nos ajude caso essa coisa de Bruven seja verdade.
— E se cair na mão do persanes errado, pode fazer um grande
estrago. Trazer Vrunsni de volta vai acabar com a raça humana, Astor.
O meu estômago se revira de ansiedade.

Nancy
— Como estão as coisas? — Ele pergunta ao terminar de subir a
escada para o andar em que Cyan e eu estamos.
Faz quase uma hora desde que Astor se enfiou em livros e em
ligações de telefone e agora ele finalmente apareceu, com uma expressão
estranha em seu rosto, perdida, o que não é nada comum para esse persanes
sabe-tudo.
— Estão bem, e com você? — questiono e ele caminha até se sentar
ao meu lado na cama de casal.
Astor parece muito cansado e o seu olhar está perdido, mas ainda
assim é bom ter sua presença, o seu cheiro reconfortante.
— Estão bem também — murmura num tom bem baixo, enquanto
nós olhamos para Cyan, que está sentado no centro da cama brincando com
o seu ursinho de pelúcia azul. Ele fica pegando o brinquedo, jogando pro ar
e gritando coisinhas para ele. Com certeza não é o mesmo tipo de
brincadeira que uma criança de um ano faria, já que os seus pensamentos
parecem ser de acordo com a sua idade, mas a sua força e coordenação não.
— Não precisa mentir para mim, você está ansioso, não está? —
pergunto para Astor que molha o lábio inferior e depois de pensar um
pouco, ele faz que sim com a cabeça, enquanto o seu rabo se enrola na
minha panturrilha direita.
Eu adoro o jeito como ele é carinhoso.
— Por que não pega o bebê? Eles são ótimos em nos acalmar —
ofereço, ansiosa para que ele conheça mais o próprio sobrinho.
Eu vejo a dúvida estampada em seu rosto, se aceita ou não a minha
oferta, mas no final o curandeiro acaba esticando os seus braços e pegando
o seu sobrinho da cama. Como o ruivo tem muito mais força que eu e
minha irmã, ele não tem dificuldade de colocar o bebê sentado em sua coxa.
Cyan fica durinho sem problemas e Astor também pega o ursinho
para entreter o ruivo.
Eu queria muito ser persanesa agora, para sentir o cheiro de verdade
desses dois e ouvir os seus corações.
— Como se sente? — pergunto, encantada com a imagem deles dois,
mas percebendo que Astor parece muito tenso.
O homem alto de braços fortes, diferente de alguns homens que já vi
por aí, sabe como lidar com o bebê. Ele sabe segurá-lo e sabe mexer o
ursinho para chamar atenção. Só que ele não parece saber lidar com os seus
próprios sentimentos. É tudo meio mecânico.
— Bem — responde, mas continua tenso.
Eu já entendi que ele não quer me contar as coisas, está estranho
desde a conversa com Dion, mas eu ainda quero ajudá-lo a relaxar.
— Agora dê um abraço nele — sugiro e Astor aperta o braço que
segura o bebê pela frente, mas não muito, porque senão ele deixaria a
criança sem ar assim como eu fiquei essa noite. — E agora, como se sente?
— Bem também. — Ele acaba sorrindo pra mim, porque é engraçado
que eu lhe diga o que fazer assim, e faz o meu rosto esquentar em ver os
seus caninos pontudos. A Nancy adolescente não acreditaria se eu dissesse
que eu dormi com esse cara cabeludo e tão gostoso! — Você vai ser uma
ótima mãe, pequena.
O meu rosto esquenta ainda mais em ser chamada assim e elogiada,
até que um som diferente começa. É baixo, mas é constante, e vem do colo
de Astor.
Cyan está ronronando! E está de olhinhos fechados dormindo
enquanto é abraçado!
Eu vou derreter de tanta fofura.
— Ele gosta de você, Astor. — Coloco a minha mão no braço dele e
me encosto contra ele. — Você deve lembrar o pai dele — cochicho,
olhando pra cima.
— Ele é quem lembra o pai dele. Cyan é a cara do meu irmão.
— O que morreu? — pergunto e percebo que pisei na bola. Não
deveria ter falado sobre a semelhança deles.
Merda, Nancy!
— É… — responde e de repente os seus olhos se enchem de
lágrimas.
O meu curandeiro está sofrendo, ele está guardando toda a tristeza
dentro de si e não consegue nem falar sobre o seu irmão, que chora.
Isso aperta tanto o meu coração!
— Você não precisa olhar tanto para a cara dele, ele não vai saber,
pelo menos não agora. Só dê carinho para ele, tá bom? — Eu tento arrumar
as coisas, como o ruivo fez essa madrugada comigo, só que eu não sou boa
como Astor, com as palavras.
Na verdade, eu sou o completo oposto de boa e uma lágrima escorre
por sua bochecha, o que me deixa em pânico. Então eu me coloco rápido de
joelhos e começo a beijar o seu rosto, enquanto isso Cyan fica alheio a tudo
isso e continua ronronando e dormindo sentado.
— Me desculpe. E-eu não queria piorar as coisas — sussurro, passo
um braço por seu pescoço e limpo a sua lágrima com a mão livre.
— Está tudo bem, bouan — responde e aceita os meus beijos na sua
pele, até que eu chego em sua boca e ele retribui o meu carinho de maneira
terna, o que esquenta o meu corpo todo com uma sensação de aconchego.
— Está tudo bem, eu só vou precisar de um tempo pra me acostumar. Não
quero que você ache que sou um macho fraco p…
— Você não é um macho fraco, não é, está me ouvindo? — sussurro,
interrompendo a sua frase na hora, e ele faz que sim com a cabeça. — Só
está lidando com o luto e está tudo bem. — Eu tento não colocar o meu
peso em Astor, já que está segurando um super bebê, mas ele é tão quente
que eu o abraço meio desajeitada e enfio o meu rosto em seu pescoço. —
Tudo bem — repito e de repente ele começa a ronronar também, o que cria
uma pequena melodia.
Capítulo 38
Astor
Duas semanas depois
Eu não preciso nem virar a minha cabeça para saber que Nancy está
descendo as escadas da cabana bem devagar, e se aproximando de mim
pelas costas como se fosse a mulher mais silenciosa do mundo.
— Você acordou cedo hoje — murmuro e ela respira um pouquinho
mais rápido, sem esperar que eu fosse percebê-la. Nancy tem testado a
minha audição nos últimos dias, para ver o quanto consegue me enganar,
mas nunca funciona e eu sempre a pego no flagra.
— O que você está fazendo agora? — pergunta, como quem não quer
nada, desiste de ser silenciosa e vem caminhando até o meu lado.
São oito da manhã e eu já estou sentado na cadeira da escrivaninha,
com cadernos e livros em volta de mim e agora eu uso um notebook, assim
consigo me comunicar com o curandeiro da Grécia que tem traduzido aos
poucos os dois livros em Vrain que nós temos. “Medicina persanesa” e o
outro é “Vrunsni nômade”.
— Estou lendo — respondo e ela investiga o que tem em um caderno
perto de mim, onde eu estou anotando alguns pontos que acho importante.
Até agora eu escrevi: “A marca do lobo tem a ver com os guerreiros
de persani, procurar sobre essa guarda especial” e “Como Bruven chegou
até eles?”
— E você pode me contar o que está lendo ou vai ser segredo de
novo? — a fêmea espertinha pergunta, com um tom de deboche.
Esconder coisas dela é muito difícil, é por isso que chegou um
momento, após poucos dias estudando com Dion, que eu tive que contar
tudo para ela, que não saía do meu pé de jeito nenhum.
Ela sabe sobre Bruven, sobre os antepassados de Frederick terem
fundado a seita com a intenção de acabar com os persaneses no mundo,
sobre a nova era e sabe até sobre a rorani do lobo com chifres. E ficou
indignada em saber que todos os outros viram lobos, mas que eu não. É só
uma rorani no meu peito e eu não sei por que ela está aqui, eu não sou um
Dark Elf, não tenho poderes nem nada que ajude a nos proteger na nova era.
— Eu não estou fazendo segredo, Nancy. Você já sabe tudo que eu sei
e agora nós estamos procurando saber mais sobre a fundação da seita e
sobre a moarni.
Filipi tentou buscar a pedra vermelha em Nayni, onde Dante e Oliver
a acharam, mas o loiro não encontrou nada e eu acredito que é porque só
um lobo conseguiria cheirar e encontrar essa pedra. Só que nem Klaus, nem
Vladimir e muito menos Dante estão com coragem de abandonar as suas
fêmeas, agora todos estão vivendo escondidos na Grécia.
A ameaça da seita tem crescido muito em Red Town e eles têm
conseguido contaminar cada vez mais a opinião pública sobre os
persaneses. Muitos da minha raça tentaram se pronunciar, após terem suas
casas apedrejadas e invadidas, abriram processos contra eles, mas a verdade
é que não dá para controlar as grandes massas quando parecemos tão
diferentes delas e sempre estivemos tão distantes.
— Agora não está mais fazendo segredo, mas antes estava… — ela
resmunga e aponta para a tela do computador. — O que é isso?
— Esse é a adaga de Bruven, Shura quem me mandou, é um quadro
que ele tem em casa. — Na tela do dispositivo tem uma espécie de faca
prateada, longa e bem afiada.
Desde pequeno sempre ouvi sobre vários deuses, Bruven era um
deles, mas como na lenda ele sempre foi descrito como alguém que odiava
os persaneses, por sermos fracos, eu nunca conheci alguém que cultuasse
esse deus.
— Por que ele é o deus da caça, né? — pergunta e me mostra que
realmente prestou atenção em tudo que já lhe falei.
Nancy tem uma memória e tanto e é muito inteligente. Tenho certeza
que a maioria dos humanos que convivem com o meu povo, que são
poucos, não costumam aprender com facilidade sobre nós, mas a minha
pequena fêmea tem muita vontade de aprender, e já está até decorando
frases completas na minha língua.
— Isso, essa adaga dele era muito poderosa, pois qualquer um que ele
matar com essa arma vai perder a alma — explico.
— Como assim perder a alma?! — ela exclama surpresa, ainda
fuçando nas coisas da mesa.
— Quando Bruven usa a adaga, ele causa dano não só no corpo, como
na alma da pessoa. Segundo as histórias, sairia uma luz de dentro do corpo
e ele conseguia se alimentar dessa alma e ficar mais forte. Tem várias
lendas diferentes envolvendo ele. Tem umas que dizem que Bruven só se
tornou deus após comer mil almas, outras dizem que quem inventou a adaga
foi ele e que se alguém conseguir roubar essa arma e comer as mil almas,
vai viver para sempre.
Na mesma hora Nancy começa a cheirar a um medo muito forte e me
deixa muito surpreso que ela esteja levando um deus Vrusni tão a sério.
— I-isso é muito perigoso, né? — Ela até gagueja.
— Não precisa ficar com medo. — Viro a minha cabeça e ao
realmente encará-la, percebo que a minha humana trocou de roupa.
Ela não está usando o camisetão que coloquei nela enquanto dormia.
Nancy veste uma camisola preta que fica vários palmos acima de seu
joelho. Na verdade, eu acho que deve estar quase na altura da bunda dela.
A peça é completamente transparente, só a parte dos seios que
fizeram um sutiã com renda para cobrir. E no máximo ela tem uma calcinha
minúscula por baixo de tudo, mais ou menos encoberta por sua barriga
arredondada, que andou dando uma boa crescida nos últimos dias.
— O que é isso que você está usando, pequena? — Eu analiso melhor
a peça, a forma como as suas coxas grossas ficam nuas e a sua pele fica
mais do que à mostra.
Na mesma hora o meu corpo responde, com uma pulsação forte bem
no meu pau.
Ela nunca deixa de ser uma loarla!
— Eu vi na loja ontem e comprei pra usar com você. — Dá de
ombros simplesmente e eu quero encarar o seu rosto para saber o que está
pensando, para vê-la sorrir de maneira safada por conta da minha reação
obcecada, de quem já está viciado, mas eu estou hipnotizado demais para
isso.
A cada dia que passa, eu sei mais porque Dante chama a sua humana
de deusa. A minha acorda todos os dias com um olhar manhoso, se
esfregando em mim, e nunca perde a chance de me tirar do sério.
— Venha aqui. — Coloco para o lado de qualquer jeito as coisas em
cima da longa escrivaninha e, ainda sentado, eu pego Nancy pela cintura e a
coloco sentada na minha frente, substituindo tudo que estava estudando por
ela.
Nancy acha que é muito pesada por ser maior que as fêmeas humanas
magras que eles tanto adoram mostrar na televisão, mas para mim o peso
dela faz tanta diferença quanto levantar Cyan.
Ela toma o maior susto em ser tirada do chão assim de repente, mas
eu quero conseguir olhar direito para a minha pequena fêmea.
— Astor! — exclama e eu fico sentado na frente dela, pego as suas
panturrilhas e as separo, assim ela fica de pernas abertas e eu tenho essa
vista mais do que privilegiada da calcinha preta e pequena que escolheu.
— O que você estava pensando ao aparecer assim para mim? —
sussurro, me abaixando para beijar a parte interna de suas coxas macias, o
que a faz tremer. O cheiro é maravilhoso e eu sugo o máximo que consigo,
depois espalho a minha língua, absorvendo o seu gosto. A sensação dentro
de mim é tão quente e deliciosa de poder lambê-la, que eu começo a
ronronar na mesma hora. — Tão macia…
— Que bom que gostou, porque eu tive que fazer o maior
malabarismo para comprar na loja sem Juliet ver. — Agora Nancy passa
todas as noites aqui, não fazia sentido que ela viesse, passasse o dia todo
colada em mim, e depois de noite fosse dormir no mesmo quarto que a
irmã.
Mas elas ainda passam bastante tempo juntas e o meu sobrinho
reveza, ficando alguns dias com Juliet, que gosta bastante do menino, e
dormindo aqui a maioria dos dias. Eu comprei até um berço para ele ficar
no quarto, mas a coisa não serve muito, é pequena demais, então Cyan
acaba dormindo entre mim e Nancy.
— Eu achei que você ficaria cansada depois de tudo que fizemos essa
noite — murmuro, ainda me esfregando entre as suas coxas.
Enquanto isso ela enfia os seus dedos entre os meus cabelos e me faz
carinho de um jeito que aumenta ainda mais o meu ronronar.
— Estou começando a ficar com ciúmes desse monte de papéis que
você lê, também quero atenção — responde e eu decido ser malvado então.
Já saboreei Nancy bem vagarosamente essa madrugada e agora eu só
quero estar dentro dela o quanto antes, por isso enfio o meu dedo indicador
na calcinha e puxo, partindo o pano como se não fosse nada.
— Ei! — ela exclama e eu me coloco de pé, entre as suas coxas,
depois a pego pelo queixo.
— Se você não queria que eu rasgasse, não deveria tê-la usado assim
para mim, mon nya — sussurro em cima da sua boca, empurrando os seus
cabelos para longe de seu rosto.
— Minha fêmea? — pergunta, com a sua ótima memória para Vrain,
e eu faço que sim com a cabeça, antes de beijá-la profundamente, até que
ela esteja respirando pesado e cheirando a sua excitação doce e que quase
me enlouquece. — Eu sei que você só passou horas me chupando e me
comendo bem nesta madrugada, para me distrair do Salah, que acabou essa
noite. Não me deixou ir em nenhum dia — resmunga, fazendo biquinho.
— Acha mesmo que eu só ia querer te foder por causa dessa festa? —
pergunto e ela morde o lábio inferior.
— Eu não sei… — Eu dou a volta com o meu braço e com a minha
cauda em sua cintura, tomando cuidado para não apertar demais a sua
grande barriga.
— Daqui a algumas semanas começa tudo de novo, o Salah é assim.
Bonito e perigoso — murmuro e a beijo novamente, enquanto que com a
minha mão livre, eu abro as minhas calças e deixo que caiam em meus pés.
— O que você tem tanto medo que eu faça lá? — Ela semicerra os
olhos, e arqueia as costas quando eu flexiono os meus joelhos e fico na
altura certa para esfregar a minha ereção dura e molhada em sua entrada.
— Não tenho medo de você, só não quero que corra perigos
desnecessários — murmuro e faço com que a cabeça do meu pau espalhe a
sua umidade.
A minha vontade é de jogar a cabeça para trás e uivar, de tão quente e
gostoso que é foder essa loarla. Parece que os meus olhos vão rolar pra
dentro da minha cabeça, de tanto que eu os reviro. Ela tem a bucetinha mais
molhada e mais gostosa de todas, todos os dias é uma batalha para mim
sentar nessa cadeira e estudar, quando eu tenho uma fêmea tão quente e que
cheira tão bem me esperando.
— Mentira. O que você realmente acha que eu vou querer fazer lá,
Astor? — pergunta entre respirações pesadas, enquanto eu me esfrego com
cada vez mais força e, ao invés de mantê-la sentada na escrivaninha, porque
assim a nossa diferença de altura ainda fica meio grande, eu a pego no colo,
com as suas coxas em volta do meu quadril.
Nancy novamente dá um gritinho de susto e passa logo os seus braços
pelo meu pescoço, para se segurar bem contra mim. Prefiro fodê-la assim,
de pé, assim consigo sentir o seu aperto enquanto o seu lindo rosto se torna
algo vermelho e tão devasso que eu não quero parar nunca.
— Eu só não quero que todos aqueles machos vejam tudo que eu
tenho. Estou tão errado assim por isso? — Começo a mexer o seu corpo,
subindo e descendo Nancy, assim o meu pau cutuca a entrada da sua vagina
e ela geme. — Qual o problema em não querer que nenhum daqueles
machos sujos desejem a minha pequena fêmea?
Segurando-a com um braço, grudada contra mim, eu vou por baixo
com a mão e encontro a sua entrada molhada. Eu acaricio um pouco Nancy,
espalho a sua umidade ainda mais e ela fecha os olhos.
— Como você pode achar que eu daria atenção para qualquer outro?
— pergunta, conforme eu acabo tendo que voltar para a escrivaninha, assim
boto a bunda dela lá e consigo fazer a cabeça do meu pau entrar.
A nossa diferença de altura realmente me faz ter que realizar alguns
malabarismos às vezes, mas eu não me importo com isso, e Nancy nunca
reclamou. Pelo contrário, ela parece gostar bastante que eu seja um “macho
gigante” como já disse algumas vezes.
— A-astor — geme e seu corpo todo treme com a minha invasão, que
não é nem um pouco educada. Nancy abre a boca em um grito silencioso,
sentindo parte do meu comprimento deslizar para dentro dela.
Queria que ficasse mais fácil a cada vez, mas eu sou grande demais,
Nancy não consegue nem me colocar em sua boca direito, então o nosso
encaixe é bem apertado e só não é tão dolorido, por conta do meu pré-gozo.
Eu tiro-a novamente da escrivaninha e passo a segurá-la pela bunda,
fazendo o seu corpo subir e descer, assim o meu pau entra e sai de sua
buceta. Os gemidos dela ficam mais fortes, assim como a minha respiração,
e o barulho da minha ereção entrando e saindo dela é melodia para os meus
ouvidos.
— Eu nunca vou te trocar por qualquer outro, Astor — ela consegue
dizer, esbaforida, conforme eu aumento a velocidade com que entro.
A cauda persanesa não é exatamente como um segundo braço, por
exemplo, com uma mão que consegue escrever e segurar coisas, é mais
como uma perna e um pé. Ela não se move com tanta facilidade,
normalmente só fica flutuando e respondendo a forma como nos sentimos,
mas eu ainda sou capaz de passar a esfregar a ponta dela bem no traseiro de
Nancy, lugar que ela tem gostado bastante de explorar.
— Eu só não acho que eles mereçam o privilégio de ver você —
brinco e a encosto contra a parede, assim consigo meter no ângulo certo.
A fêmea se derrete nos meus braços, sem força nenhuma para se
segurar enquanto eu me enterro em sua bucetinha apertada, que eu venerei
essa noite toda e gozei bastante.
Cada vez que eu como essa mulher, o balde de porra que eu planejava
me masturbar da primeira vez que a vi nua, vai parar dentro dela.
Eu aproveito para rasgar também a cobertura em seus seios, que estão
mais inchados hoje também, de tanto que ficaram dentro da minha boca.
— E-eu vou… eu vou… — ela geme, desesperada, porque cada vez
que o meu quadril investe contra a sua entrada, eu consigo enfiar a ponta do
meu rabo mais para dentro do seu cu e os seus peitos balançam, agora mais
pesados.
Eu quero grunhir mais forte só de imaginar que em alguns meses
Nancy vai ter leite para me dar.
— Astor, por favor, goza em mim — choraminga manhosa, com o seu
corpo subindo e descendo e sua barriga arredondada roçando contra o meu
corpo. — Goza em mim, por favor!
— Você quer porra, não quer, minha putinha? — pergunto perto da
sua boca e aumento a velocidade. Até que se torna impossível para nós dois
não termos um orgasmo.
O aperto de ferro de Nancy me faz esporrar muito mais rápido do que
eu pretendia, inchando tanto que ela grita e o seu rosto se desmonta
exatamente do jeito que eu gosto de ver. A sua boca fica aberta, os seus
olhos se reviram e parece que a fêmea está sentindo dor e prazer ao mesmo
tempo.
Capítulo 39
Nancy
— Isto é para você. — Assim que eu me sento na cama de casal em
que Astor e eu dormimos aqui na cabana, ele coloca uma pequena caixinha
de veludo no meu colo e me deixa sem reação.
— O que é? — pergunto e o meu coração dispara na mesma na hora
de tanta ansiedade, eu sinto os batimentos direto na minha garganta.
— É um presente, bouan — sussurra, com os seus olhos grudados em
mim, e eu vejo como a sua cauda está inquieta atrás de seu corpo, então fico
preocupada e com medo de estar entendendo as coisas erradas.
Quando Frederick dizia que o senhor revelou a ele em sonho com
quem uma mulher deveria se casar, geralmente ela ia na salinha dele, que
contava as novidades e dizia quem era o “querido” pretendente.
Alguns dias depois, o homem fazia o pedido oficialmente, só de
praxe, e entregava uma caixinha de veludo com um anel de casamento
dentro. Se a família fosse muito pobre a mulher só recebia um anel, que era
uma bijuteria básica, o que seria o caso da minha família.
Mas quando a família tinha um pouco mais de dinheiro, a mulher
recebia um anel de noivado e depois um anel de casamento. Eu ouvi falar
uma vez que nas famílias muito ricas o anel era de diamantes ou qualquer
outra pedra preciosa.
Eu sempre pensei que seria incrível receber algum tipo de enfeite
assim, porque a única coisa que eu tinha era um colar com um pequeno
crucifixo que joguei pela janela do carro assim que saí das terras da Igreja.
E é claro que eu nunca recebi um anel de ninguém, porque Frederick nunca
me viu como uma boa opção para o casamento, e a minha família nunca
pegava em dinheiro.
Tudo que recebíamos era igual a das outras famílias mais pobres de
lá. Quando morávamos em Red Town, a comida era bem variada, porque
tínhamos animais e plantações e todo mundo dividia o que plantava. Mas
aqui na Turquia a comida era sempre a mesma e pouca.
— Pode abrir, Nancy — Astor me estimula, já que eu estou parada,
usando uma camiseta dele e sem saber o que dizer.
Eu só achei que nós dois íamos dormir, nem por um segundo
desconfiei que ele pretendia fazer algo diferente e agora eu não sei como
reagir.
Será que Astor vai me pedir em casamento? Mas não faz um mês que
nos conhecemos!
Mas e se ele pedisse, será que eu aceitaria?
Não preciso nem pensar na pergunta, porque a minha resposta com
certeza seria sim!
— Pode abrir, amor — ele continua insistindo, com o seu jeito calmo
e carinhoso, e eu, quase tremendo de ansiedade, abro a caixinha e fico numa
mistura estranha de sentimentos.
Não é um anel, é uma correntinha prateada com uma estrela azul
como pingente. É muito bonito, brilhante e é um enfeite pra mim, coisa que
eu nunca tive, então eu deveria ficar feliz.
Mas de repente os meus olhos se enchem de lágrimas, e não é de
felicidade.
— São várias pequenas safiras — ele aponta e eu percebo que as
pedrinhas azuis foram encaixadas numa espécie de forminha de prata. — É
bem da cor dos seus olhos quando está mais animada ou com raiva —
explica com muito entusiasmo em seu tom, ainda sentado ao meu lado na
cama. Eu já tinha notado essa mudança em mim e um pouco na minha irmã,
porém nunca esperei que outra pessoa pudesse ver isso em meus olhos
também. — Eu aprendi a comprar online, porque tenho tido que estudar
demais, e só chegou hoje, mas espero que você goste.
— Safira tipo a-a pedra preciosa? Que é cara pra caramba? —
gaguejo e me esforço para engolir o choro, mas as lágrimas grossas vão
embaçando a minha visão.
Eu só sei o que são safiras e diamantes porque uma mulher que
estudou com a minha irmã vivia se gabando que era a primeira esposa e que
ganhou um anel com safiras uma vez e várias outras joias, como esmeraldas
e rubis. O marido dela tinha dinheiro de uma empresa que tinha fora da
Igreja e ela usava tudo com muito orgulho, até que Frederick disse que o
orgulho dela era pecado e confiscou todas as joias “pelo bem dela”.
— Sim, safira tipo a pedra preciosa, o que achou?
Astor me deu uma joia cheia de pedrinhas caras, com o formato da
estrela que ele tem nas mãos e no meio do tronco. E mesmo assim eu estou
chorando porque… pra falar a verdade, queria muito que fosse um anel.
Não importa que seja apressado da minha parte ou mal-agradecido. Nada
disso muda o sentimento de angústia dentro de mim.
— Achei linda — elogio, limpo apressadamente as lágrimas do meu
rosto e pego o presente nas mãos.
É a coisa mais linda que eu já vi em toda a minha vida. É um presente
incrível, dado por um homem incrível, mas eu não consigo parar de chorar!
— Qual o problema, Nancy? Achei que estivesse chorando de
felicidade, mas você cheira a tristeza. — Ele se ajoelha à minha frente,
assim nossas cabeças ficam mais ou menos da mesma altura e Astor me
encarar nos olhos.
O ruivo afasta os cabelos do meu rosto e seca algumas lágrimas
minhas com os seus dedos longos e quentes.
— O que nós somos um do outro, Astor? Kara disse que vocês
persaneses adoram dar joias para a-as suas fêmeas, principalmente para as
parceiras. Então nós somos tipo parceiros temporários? — Então eu começo
a fungar e soluçar e viro uma bagunça na frente dele, o que borra bastante a
sua imagem.
Deve ser o maldito mau humor de filhote que ele me falou dias atrás!
— Você quer que seja temporário? — pergunta e eu fico com medo
de responder sinceramente e ser diferente do que ele sente. Até que Astor
arregala os olhos, como se entendesse o que está acontecendo. — Você
achou que fosse um pedido de casamento, como vocês humanos fazem?
Achou que fosse um anel dentro da caixa?
— S-sim — admito com vergonha e Astor fica em silêncio por um
tempo, enquanto eu faço o melhor para não chorar mais.
— A verdade… é que nós já estamos acasalados, Nancy, o que seria o
equivalente de vocês humanos a casamento — revela com cuidado e me
pega de surpresa.
— Nós já estamos? — Arregalo os olhos, ainda segurando a caixinha.
— Você tem o meu cheiro e eu tenho o seu, e nós dois já bebemos o
sangue um do outro. Isso é um acasalamento, mas ainda podemos fazer a
cerimônia e você pode entrar de branco, se quiser. — A cada palavra dele
eu fico mais surpresa.
— Mas… só nos conhecemos por menos de um mês e eu estou
grávida. Só virgens entram de branco. — Lembrar disso me dá ainda mais
vontade de chorar.
Eu me sinto tão culpada agora, por não conseguir ficar feliz como
deveria. Astor comprou um presente especial que tem a ver com nós dois e
eu não consigo dar valor.
— Nenhuma regra que outros humanos inventaram precisa valer se
você não quiser — sussurra e de repente tira a sua camisa e começa a usar o
pano para limpar o meu rosto. Eu engulo em seco, porque vê-lo assim
sempre mexe comigo, ainda mais enquanto sinto o seu calor e o seu cheiro.
— E lá na Igreja as pessoas não se casavam praticamente sem se conhecer?
— Sim, mas achei que aqui fora as pessoas faziam as coisas de forma
diferente — explico e deixo que ele esfregue o pano devagar em minhas
bochechas e limpe as minhas lágrimas. — Achei que quisesse namorar e
esperar pra nos conhecermos melhor.
— Eu sou persanes, querida, e um macho sempre sabe quando
encontrou a fêmea dele, o cheiro nunca mente. — As palavras de Astor me
fazem parar de chorar, porque o meu coração dispara e eu começo a
entender do que ele está falando. — Acasalamento é pra sempre, Nancy,
assim como casamento. Só que para nós é muito mais simples tomar essa
decisão, enquanto que homens humanos parecem querer esperar anos e
mais anos para tomar a fêmea por quem estão apaixonados.
Puta merda, nós estamos mesmo casados então?!
— Por que você não me falou isso antes?! — Eu não consigo
acreditar no que ele está me falando agora!
Faz semanas que Astor e eu estamos dormindo juntos, ele me morde
quando transamos e me fez beber o sangue dele uns dias atrás, dizendo que
era pelo bem do bebê. Eu nunca imaginei que era para nos acasalar!
— Achei que fosse querer fazer as coisas mais devagar — admite e
isso me arranca um pequeno riso, ainda mais com a cara de culpado dele.
Eu não consigo nem ficar com raiva dele e não sei nem qual o meu
problema por isso. — E acasalamentos só são pra sempre, porque nós o
fazemos pra sempre
— Se algum dia você não quiser mais, é só parar de bebermos um o
sangue do outro que o cheiro enfraquece até sumir.
— Entendi — murmuro, sem saber como lidar com essa informação
que Astor está me dando agora.
Ele é completamente diferente do que eu imaginei quando Oliver me
descreveu. Ela disse que era sério, que só falava a verdade, que fazia o certo
não importava a ocasião, e que parecia até meio frio.
A última coisa que esse macho que está disfarçadamente enrolando a
sua cauda no meu calcanhar é, é frio. Os cabelos dele são como uma juba,
com uma cor quente e vibrante. O corpo todo dele é bronzeado, o seu
peitoral é largo e os seus braços são grossos como nunca vi antes, perfeitos
para quase me sufocar de noite, de tanto que ele me abraça enquanto
dormimos.
E eu estou acasalada com ele…
— Posso colocar o colar em você? — pergunta, porque eu passo
alguns segundos em silêncio, tentando processar essa novidade, e eu faço
que sim com a cabeça.
Então ele pega o colar da caixinha e tenta abrir, só que os dedos dele
são grandes demais para isso.
— Deixa eu abrir o meu presente — peço e ele me entrega o colar,
que é bem mais fácil pra mim de lidar. Depois que eu abro o fecho, entrego
pra ele as duas pontas da corrente e Astor coloca em volta do meu pescoço.
— Quer que eu faça isso também? — pergunto, porque ele demora um
pouco para conseguir fechar, e enquanto isso nós dois ficamos colados, com
o seu rosto quase que entrando no meu cabelo, e isso o faz ronronar.
— Não — respondo e um soluço me escapa, porque eu posso não
estar chorando mais, mas ainda me sinto bem balançada. — Pronto. — Ele
se afasta um pouco e o colar fica pendurado no meu pescoço. — Ficou
lindo. — Sorri enviesado, enquanto enfia a mão no bolso e tira outra
caixinha de veludo, e depois mais outra e mais outra.
— O que é isso? — Agora eu estou ainda mais perdida. — Astor,
onde você arranjou isso? Essas coisas são caras!
— Eu poderia ter um lugar como essa mansão se quisesse, só que eu
prefiro morar em cabanas e gastar com coisas importantes — revela e me
surpreende. Eu não achava que Astor fosse pobre, mas também não sabia
que ele era rico pra caramba! — É costume persanes dar muitas joias para a
sua fêmea, mas eu pretendia te dar só essa hoje, pra disfarçar — explica e
depois limpa a garganta com um pigarro.
Eu uso a camiseta dele para realmente limpar as minhas lágrimas,
depois coloco a peça na cama e aceito as três caixinhas, que nas minhas
mãos não cabem muito bem.
— Disfarçar o nosso acasalamento? — Eu franzo a testa e Astor abre
uma por uma das caixas.
Duas delas têm anéis dourados, um com uma pedra da mesma cor do
colar e outra um azul mais claro, da cor dos olhos de Astor quando eles
brilham. E na terceira, que é um pouco mais longa, tem uma coisa muito
brilhante, que parece ser uma pulseira prateada com várias pedrinhas claras
que cintilam.
— Eu ia continuar te cobrindo com o meu cheiro, depois ia te encher
de joias e mordidas e afastar todos os machos sem que você percebesse até
o final do mês — revela baixo, pegando as joias em seus dedos e colocando
as caixinhas na cama ao meu lado, depois ele pega a minha mão e encaixa
os dois anéis, um do lado do outro, sem dificuldade alguma. — E aí, no mês
seguinte, quando tivéssemos passado um pouco mais de tempo juntos e eu
não parecesse um macho desesperado e… persanes demais, eu ia te pedir
em casamento.
As palavras dele fazem os meus olhos voltarem a se encher de
lágrimas de novo, o que eu não gosto, porque eu quero olhar para Astor
agora. Eu quero ver o seu rosto enquanto me revela o “grande plano” e me
surpreende totalmente.
Eu sempre sonhei com algo assim, com alguém que se importasse o
bastante para fazer planos por mim.
— Eu não acredito nisso! — Dou um tapa em seu ombro nu, o que
não faz nem cócegas nele.
— Eu espero que você não fique chateada, Nancy, mas eu… não ia
aguentar se outro macho fizesse a… — começa a falar, mas eu não deixo.
Pego Astor por seus chifres e o puxo para perto, assim os nossos
lábios se encontram e ele me beija com tanta paixão, que eu começo a
respirar pesado.
— Juro que não sei de onde você tirou que eu iria atrás de outro
macho, literalmente, não vejo nenhum homem além de você, Dion e Cyan
— resmungo, enquanto Astor me pega pela cintura, fica de pé e me coloca
no centro da cama, onde vem se colocando por cima de mim.
— Fala isso porque você não tem ideia de quão perfeita você é —
responde e depois disso o que sai da boca dele é um tipo de romantismo que
a minha mãe com certeza não aprovaria.

Não sei
exatamente onde estou, mas é escuro e eu estou descalça, então sinto que
tem um gramado debaixo de mim. Uma lua cheia muito grande está alta no
céu e a minha visão demora um pouco para se acostumar com a penumbra
da noite.
Pouco a pouco, eu percebo que não estou sozinha e tem pessoas em
volta de mim.
— Eu espero que isso valha mesmo a pena — uma das quatro
mulheres fala.
Elas usam o vestido azul que todas as mulheres na Igreja são
obrigadas a usar, e andam de mãos dadas por este terreno vazio e rodeado
de árvores. Eu encaro bem os seus rostos e acho que conheço essas
pessoas, não me lembro o nome delas agora, mas eu com certeza já vi essas
mulheres por aí.
Mas só uma delas me chama realmente a atenção. Ela é alta, tem
cabelos crespos e olhos castanhos que eu nunca esqueceria.
— Margot! — eu grito, só que junto com as mulheres, ela vai
andando para longe de mim, como se não me enxergasse.
— Vocês têm que ir embora daqui agora, essa coisa de Frederick
querer fazer revelações no meio da madrugada para vocês, é muito
estranha — Margot avisa, como sempre querendo cuidar de todas.
— Ei, olhem pra trás! Eu estou aqui! — Eu chamo por elas no meio
da escuridão da noite, só que elas me ignoram, até mesmo Margot.
— Vamos embora agora — ela continua avisando, mas as mulheres a
ignoram e vão entrando cada vez mais fundo nesse bosque e eu as sigo,
chamando por Margot.
Até que chegamos numa clareira, no meio dessas árvores, e eu
percebo que tem uma pessoa se aproximando. Um homem muito alto e
loiro, usando uma roupa toda branca.
— Senhor Burner? — Uma das mulheres sussurra e tudo acontece
muito rápido e borrado, de um jeito estranho, como se eu estivesse
drogada.
Frederick Burner tira de suas costas um punhal prateado e na mesma
hora as mulheres gritam, como se finalmente entendessem o perigo. Elas
tentam correr dele e até eu tento correr junto com elas, mas é como se
existisse uma força estranha que nos deixasse lentas.
Ele enfia o punhal nas costas da primeira mulher, que sem forças,
tenta se arrastar pelo chão. Uma luz verde forte se abre do rasgo e entra
em Frederick, como se fosse uma coisa viva, que flutua no ar da noite. E
depois ele segue com a sua matança, pega cada uma das mulheres, que,
assim como eu, ficam fracas. Ele engole essa luz verde e abundante de
dentro delas, come como se fosse a melhor coisa do mundo.
Margot é a que consegue ir um pouco mais longe, mas feito um
monstro, Frederick não diz sequer uma palavra. Ele só a agarra por trás e
enfia o punhal até o final em Margot.
— Fra in normani, mur nagi! — grita e os seus olhos ficam verdes da
mesma cor da luz que ele engoliu, e de repente ele se vira na minha
direção.
Ninguém me viu até agora, eu corri porque estava com medo, mas
tudo isso parece um sonho de tão estranho e sem sentido.
— Me dê o que é meu! — Frederick diz, com uma voz estranha, como
se duas pessoas falassem ao mesmo tempo. — Eu quero, persanun!

Eu acordo
e quase que pulo para fora da cama, de tão assustada que fico com essa
porra de sonho.
Sentei-me na cama de casal e tento ver algo, só que está tudo escuro
agora e eu estou morrendo de calor, com gotas de suor rolando pelas minhas
costas, enquanto eu respiro pesado e tento me fazer entender que foi só um
sonho.
Não era real. Mas por que parecia que era?
— O que foi? Teve um sonho ruim? — Astor acorda fácil e se põe
sentado como eu. Ele soa muito sonolento e puxa o meu corpo para si com
facilidade, me abraçando com seu calor.
Eu tive um desses semanas atrás e depois nunca mais voltou, então eu
esqueci. Mas agora parece que esse sonho voltou, mais forte e mais real.
Era como se Frederick falasse comigo, ou seja lá o que fosse aquela coisa
sanguinária.
— Astor… eu tive um sonho muito estranho — sussurro e ele se
afasta um pouco, liga o abajur, o que me ajuda bastante, e volta a me
abraçar contra o seu corpo largo.
— Como era? — Ele afunda o seu rosto no topo da minha cabeça e
fica ali, me cheirando e me beijando.
— Eu tive um sonho agora com Frederick, ele matava um monte de
pessoas e dias atrás eu tive esse mesmo tipo de sonho, só que ele matava
Alice, a mulher dele. — Só de falar eu já fico toda arrepiada.
— Por que não me falou antes? — pergunta, num tom calmo, sem se
mover. É tão bom sentir que ele não me recrimina, que eu não preciso ter
medo de contar as coisas pra ele e ser tratada como era antes.
— É que eu não sabia nada de Vrain naquela época e achei que
estivesse só muito ansiosa, porque ele falou uma frase no final que me
pareceu estranha e nada com nada. E agora ele apareceu de novo e falou a
mesma frase, e eu acho que aquilo era a sua língua persanesa — explico,
me atropelando nas palavras.
— Qual a frase, mon nya[GS4]? — ele me incentiva, mas eu consigo
ouvir a cautela em sua voz.
— Fra in normani, mur alguma coisa — repito bem devagar.
— Fra in normani, mur nagi? — pergunta, falando igualzinho o que
Frederick disse no meu sonho.
— É isso mesmo. O que quer dizer?
— Quer dizer “por essa alma eu te peço força”.
Capítulo 40
Astor
— Ela disse que já teve esse sonho duas vezes, só que da primeira vez
achou que fosse uma alucinação — explico e o ancião faz um som de
entendimento em sua garganta.
De novo eu estou conversando com Dion em seu escritório, só que
dessa vez de manhã, após o acontecido com Nancy, e sabendo muito mais
sobre essa coisa de Bruven. Só que, na verdade, isso não é tão bom, não
para mim pelo menos.
Quando Nancy me contou dos seus sonhos eu me senti angustiado e
preocupado, só que agora, repetindo tudo que ela me disse para Dion,
parece que o meu desespero fica maior porque fica mais real. Bruven
realmente vive e está dentro de um humano cheio de ódio e de dinheiro, que
de alguma forma tem uma ligação com a minha pequena fêmea.
Será que isso faz ele saber onde estamos?
Eu estou começando a achar que sim e os pelos da minha cauda ficam
todos arrepiados por causa disso.
Shikri!
— Então Frederick está esse tempo todo matando silenciosamente as
mulheres da seita, que ele diz estar levando para um casamento fora das
terras da Igreja? — o ancião pergunta, coçando a sua cabeça branda e
parecendo bem preocupado.
— Sim, Nancy disse que na hora não reconheceu as moças, mas
depois que acordou ela se lembrou que duas daquelas mulheres foram
consideradas infiéis e supostamente foram expulsas, e as outras duas teriam
ido se casar fora da seita e nunca mais voltado — explico, tentando não
deixar passar nenhum detalhe.
Preferi que Nancy ficasse na cabana com Cyan, assim eu consigo
dosar o estresse dela. Por mais que eu tenha mentido no começo que a sua
saúde estivesse ruim só para tê-la por perto, eu não quero que essa mentira
se torne verdade.
— Todas essas pessoas vivendo nas terras dele, são como uma
plantação de almas para Bruven — comenta e eu concordo com a cabeça.
Juliet, que estava com um casamento arranjado fora da seita, provavelmente
teria um fim muito trágico se tivesse continuado por lá. — Ele pode ter
quantas almas quiser e se estiver fazendo isso há muito tempo, talvez esteja
próximo de um número tão grande que dê poderes grandes a ele, como o
controle da natureza ou até a vida eterna, pelo menos é isso que a lenda diz.
Mas não acho que seja isso que esse monstro queira, ele é muito
preconceituoso e deve estar interessado mesmo em acabar com a nossa
raça.
— Você acha que o deus está dentro dele, que Bruven roubou o corpo
dele? Ou acha que foi um pacto que Frederick fez com o deus para
conseguir força?
Eu estou cheio de teorias e ficar sentado nessa cadeira estofada está
sendo uma grande tortura agora. Só estou fingindo civilidade nesse
escritório, porque a minha vontade é pegar um avião e caçar Frederick até a
morte. Arrancar membro por membro dele. Mas agora sabendo que ele tem
a adaga de Bruven, matá-lo deve ser bem difícil, o que me enche ainda mais
de ódio.
— Eu, sinceramente, não sei como ele chegou até alguém tão
poderoso assim, mas acho pouco provável que o deus esteja dentro do corpo
dele. Bruven já é muito forte, ele não precisaria de um humano, seria mais
ao contrário. Então acho que Frederick pode ter conseguido chamar o deus
de alguma forma e feito um pacto.
— No diário dos fundadores da Igreja não tem mais informações? —
pergunto e o senhor com várias rugas em seu rosto faz que não.
Agora que encaro mais Dion e passei mais tempo com ele, consigo
ver melhor os sinais da idade nele. Com certeza o curandeiro já foi um
macho muito forte, mas hoje em dia ele é bem magro, com dedos longos e
ossudos, e até as suas sobrancelhas são completamente brancas.
— Talvez Bruven não tenha conseguido se aproximar totalmente de
Louis e Joseph Burner, só tenha ajudado a fundar a Igreja, que futuramente
poderia acabar com os persaneses, e só agora o deus conseguiu se
aproximar de verdade de algum deles.
— Sem saber exatamente o que está acontecendo, fica difícil decidir
como agir a partir de agora. — Mesmo com Juliet e Nancy aqui, nós ainda
ficamos no escuro com muitas coisas, já que elas não receberam
informações privilegiadas da seita, eram apenas fantoches. — Como
podemos ter certeza de que não estamos sendo observados agora mesmo
por Bruven? Ele é um deus, pode fazer o que quiser.
A minha raiva é tanta que a minha cauda não para de balançar atrás
da cadeira e a minha vontade é de rosnar, mas eu estou na frente de um
ancião e devo mostrar respeito, então me contenho o melhor que consigo.
— Você tem razão, Astor — murmura, parecendo muito pensativo. —
Se ele fosse tão poderoso assim, já estaria aqui e já teria conseguido tudo o
que quer. Provavelmente Bruven está enfraquecido de alguma forma e por
isso nós ainda temos chances de conseguir matá-lo.
— Como se mata um deus? — pergunto, já que eu nunca encontrei
essa informação em livros.
— Essa é uma boa pergunta, nisi. — Ele dá um pequeno sorriso muito
afetuoso, mas eu não consigo sorrir de volta.
Logo quando o mundo se formou, somente deuses e monstros
andavam por aqui, mas depois que o ser humano surgiu tudo foi mudando.
Os deuses e os monstros tiveram filhos atrás de filhos, e foram dando luz a
diferentes espécies como persaneses e nagas, e depois eles sumiram.
Os humanos têm muitos registros de como as coisas eram antes, mas
a minha raça sempre tentou manter tudo no maior segredo possível, para
que nunca soubessem as nossas fraquezas. Só que isso resultou em
persaneses que não conhecem muito do seu passado e só pensam em vender
naery, os cristais extremamente caros das nossas terras.
Eu me sinto perdido e fraco, afinal de contas, Frederick não é uma
ameaça apenas a nós que estamos nesta casa, é uma ameaça a essas dezenas
de pessoas ignorantes, que podem estar dependendo de nós agora. O que me
faz perceber que não posso mais esconder segredos, preciso buscar ajuda
para resolver todos os problemas se quiser mesmo que a minha raça não
sofra.
— Tem uma coisa acontecendo desde que eu conheci, Nancy — falo
com dificuldade, pois esse não é um assunto que eu gostaria de trazer à
tona. Eu preferia resolver isso sozinho.
— Que tipo de coisa? — questiona me encarando nos olhos, o que me
obriga a manter o contato visual com o ancião.
— Às vezes… eu sinto o cheiro do meu filho na barriga dela, como se
ele estivesse lá dentro, o que não faz sentido. Filhotes humanos e filhotes
persaneses cheiram diferente — confesso e espero pela reação de surpresa
dele, o que nunca acontece.
— O filho que você perdeu há uns 5 anos? — pergunta com cautela e
quem fica surpreso sou eu.
— Como o senhor sabe? — Arregalo os olhos.
Tenho certeza que não falei sobre isso com ninguém aqui, apenas com
Nancy, e ela com certeza não diria algo tão pessoal assim meu para Dion.
— Todo macho tem um filhote quando completa 30 anos, Astor, mas
você nunca fala da sua criança. Então eu supus que é por isso que você é tão
fechado, ainda mais com a morte do seu irmão sendo tão recente — explica
e agora sim faz total sentido. Estou tão acostumado a apenas cuidar e
analisar, que não me lembro que também posso me tornar um paciente e ser
analisado por outra pessoa. — Mas pode voltar a falar, nisi. Você está
sentindo o cheiro do seu filhote que faleceu na barriga da sua parceira, é
isso?
Dion é um macho que realmente passa a calma para as pessoas, eu
espero ser bom como ele algum dia. O seu tom de voz é mais do que
relaxado, o que não me faz ter vergonha de continuar explicando.
— Sim, não o tempo todo. Só às vezes quando estou perto dela e de
repente o mesmo cheiro que eu sentia na barriga de Natasha aparece, e nem
o meu sobrinho cheira como o meu Nimiar — tento explicar e como ele
parece não achar tudo isso tão absurdo, talvez já tenha acontecido algo
assim antes e eu não sou um maluco.
— Antes de te falar qualquer coisa, tem algo que eu preciso conversar
com você, nisi. Uma coisa de curandeiro para curandeiro. — Ele se ajeita
melhor em sua cadeira, fica mais ereto, é só me deixa mais nervoso. —
Sabe quando você sente um cheiro diferente no casal? Todo casal acasalado
ganha o cheiro um do outro e isso é normal, mas eu estou falando daquele
casal que você sente o cheiro deles separados e que de cara você sabe que
eles vão se dar bem juntos, você já sentiu algo assim antes?
Por que ele está falando sobre isso e não sobre o meu filhote?
— Sim, quando Klaus e Karina chegaram na ilha e eu senti o cheiro
dos dois, eles pareciam certos, de uma forma estranha. A combinação era
muito equilibrada, mas sutil.
Eu me lembro deles entrando na cabana que eu herdei de Zeva e o
cheiro deles era muito equilibrado. Com Crystal e Vladimir e Dante e
Oliver foi o mesmo.
— Quando encontramos casais assim, nós chamamos eles de
companheiros de alma, certo? — pergunta, aí eu faço que sim com a
cabeça. — O problema é que muitos de nós usamos esse termo de maneira
banalizada. Na nossa visão de curandeiros, que temos um olfato muito
apurado, os companheiros de alma são só um casal que se dá muito bem
junto? Ou tem mais?
— O curandeiro que me ensinou como cuidar falava sobre vidas
passadas, mas eu não entendo como realmente funciona isso — admito,
percebendo que existem ainda mais assuntos para eu estudar do que
imaginava. — Eu sei que muitos humanos acreditam, mas eu não vejo o
nosso povo falando sobre isso com frequência.
— Na última tradução que nós recebemos do nosso amigo da Grécia,
em “Vrusni nômade” quem escreveu fala mais sobre isso, não sei se você
teve tempo de ler ainda.
— Não, eu não tive.
Estava ocupado com uma certa loarla…
— Eu vou te resumir então. A parte que Shura conseguiu traduzir, era
sobre vidas passadas, sobre companheiros de alma e sobre como nenhum de
nós lembra do que aconteceu, mas que conseguimos sentir, principalmente
através do nosso olfato, quem já foi importante para nós um dia.
Assim como Zeva, o meu professor já falecido, Dion é muito calmo
em suas explicações e isso me deixa até um pouco nervoso, sem saber onde
isso vai dar.
— Você já parou para pensar que esse lobo no seu peito, que apareceu
no dia que você conheceu Nancy, significa que você encontrou a sua alma
gêmea? A sua companheira de outras vidas, Astor?
As palavras dele me fazem arquear as suas sobrancelhas e gerar um
arrepio muito forte no meu corpo.
É por isso que eu me sinto tão ligado a Nancy? Tão angustiado?
— Mas Klaus já nasceu com a marca do lobo, antes de conhecer
Karina.
— Klaus tem algo de diferente em si, mas tirando ele, segundo o que
os Dark Elf me contaram por telefone e o que tenho observado você aqui,
com Nancy, a marca do lobo só nasce depois que vocês acham as suas
companheiras de alma e se acasalam com ela, e vocês só se transformam
em lobo mesmo, quando a fêmea está em grande perigo — explica as suas
deduções e deixa a minha cabeça com um nó ainda maior do que antes.
— O senhor quer dizer que acha que eu vou virar lobo então? — Eu
não sei o que dizer para ele e não é que eu não tenha pensado sobre todas
essas informações, eu só não tirei nenhuma conclusão, para não acabar
chegando até uma resposta errada.
— Não precisa me olhar assim, com tanta surpresa, eu só estou
tentando juntar as peças.
— Não, eu só… estou tentando juntar todas as peças — murmuro e
até abaixo um pouco a minha cabeça, revisando os fatos. — Eu só não
consigo achar como isso teria a ver com o cheiro do meu filhote na barriga
de Nancy, se o se… — começo a falar e logo percebo do que exatamente
Dion está falando, o que me deixa em choque, piscando feito um bobo, sem
conseguir terminar a frase.
— Não acho que você está sentindo o cheiro do seu filho em outra
criança, Astor. Eu acho que você está sentindo o cheiro do seu filho em um
outro corpo, em uma nova encarnação dele.

Nancy
— Mama — o pequeno ruivo fala e faz o meu coração doer.
É fofo que ele seja um dorminhoco e chame a mim e a minha irmã de
mama, mas ao mesmo tempo é cruel, porque a “mama” de verdade dele
simplesmente sumiu e o largou aqui sem nenhuma explicação.
— Você está com fome? — pergunto, mas é claro que ele não entende
o que eu falo e fica me olhando sentado com os seus buchechões e os seus
olhinhos.
Cyan tem cílios alaranjados bem grossos e suas íris são verdes e cor
de grama. O seu cabelo está penteadinho hoje após eu lhe dar um banho de
banheira junto com a minha irmã mais cedo, e como Astor disse que
filhotes são muito calorentos e não gostam nem um pouco de roupa, ele só
veste uma fralda com um buraco que eu mesma fiz para o seu rabo.
A pele dele é completamente pálida ainda, mas conforme crescer, ele
vai ganhando as roranis.
— Fome? — pergunto, segurando o pratinho dele com o purê de
maçã, e decido tentar algo diferente, já que ele continua sentado na cama
estrangulando um elefantinho de pelúcia. — Fal? — questiono a palavra
que Astor me ensinou outro dia e que significa “comida”, e os olhos de
Cyan se dilatam, como se ele entendesse, e ele para de mexer com o
elefante na hora.
Vitória!
Talvez ele saiba mais palavras além de mama, só que tudo em Vrain.
Eu já vi Astor falar com ele nessa língua persanesa enquanto o colocava pra
dormir, mas quem sabe ele só saiba coisas bem simples e o ruivo tenha
falado frases inteiras para ele.
E eu também só sei coisas simples, que anotei no meu caderno, então
acho que consigo tentar algo. Vou até o térreo, pego o meu caderno e depois
subo o mais rápido que consigo, com a minha barriga que agora parece ter
desembestado a crescer.
Leio todas as palavras da folha em que anotei a minha última mini
aula de Vrain bem devagar e Cyan grita e bate palminhas enquanto eu o
supervisiono comendo de colher o purê, mas o bebê só sabe repetir
“mama”, até que eu chego na palavra “cuma” que significa brinquedo.
— Cuma! — grita e aponta para o seu elefantinho de pelúcia que está
ao meu lado agora, enquanto ele se suja todo de maçã.
— Isso! — eu comemoro toda animada que consiga me comunicar
com esse bebezão, pego o ursinho e balanço no ar. — Cuma? — pergunto e
ele abre um sorrisão banguelo pra mim.
— Cuma! — responde e como eu bato palminhas, ele bate palminhas
também e grita de animação, enquanto balança o corpo.
— Ai, como você é fofo! — exclamo, tendo que conter a minha
vontade de morder ele todo e podendo apenas me abaixar e beijar a sua
carinha e os seus bracinhos, enquanto ele grita e gargalha e suja tudo de
maçã, inclusive a minha boca. — E que cheirinho gostoso, Cyan!
— Mama! — ele grita e continua gargalhando e eu pego em sua
barriga redonda e faço um pouco de cócegas.
O cheiro dele é tão bom!
— Quem é o meu chifrudinho, quem é? É o Cyan! — Eu acabo
fazendo a voz boba que todo mundo usa com crianças, mas isso me distrai
tanto, que eu tomo o maior susto quando o meu nome é chamado.
— Nancy? — Astor termina de subir as escadas, hoje com o seu
cabelo preso em um coque, mas usando as suas roupas de sempre, que
consiste em alguma regata clara, uma bermuda e uma sandália de couro.
— Caramba, quase morri do coração aqui! — Eu quase pulo pra fora
da cama e o persanesinho acha graça, então continua rindo.
— O que vocês estão aprontando? — ele pergunta e se esforça pra
sorrir, mas eu consigo ver a tensão em seu rosto.
A conversa dele com Dion deve ter sido séria.
— Vendo se ele sabe falar algo além de mama e descobri que ele sabe
falar “cuma”. — Eu me coloco de pé e vou até Astor, então ele abaixa a sua
cabeça e deixa um beijo rápido nos meus lábios. É como se eu pudesse
sentir o estresse em seu corpo.
— Brinquedo? — pergunta e eu faço que sim com a cabeça e nós dois
vamos nos sentar na cama.
Astor é mais rápido do que eu e pega um pano na mesinha de canto e
começa a limpar a bagunça, tanto no bebê, que dá risada, achando que seu
tio está fazendo cócegas nele, quanto no cobertor.
— Sabe o que eu estava pensando? Se eu e a minha irmã não
deveríamos ensinar os nossos nomes ou algo como “tia” pra ele — sugiro o
que já falei pra Juliet mais cedo e ela concordou.
— Por quê? — Astor pergunta, ainda limpando.
— Quando a mãe dele aparecer, teremos que devolvê-lo e ele pode
acabar com saudade da gente e ficar com a cabeça bagunçada sobre quem é
a mama de verdade dele — explico e o persanes gigante para de limpar e
me encara com pesar.
Dá pra ver pelo jeito como comprime os lábios carnudos um contra o
outro, que Astor está bem pessimista.
— Nancy, eu não acho que a mãe dele vai voltar.
Capítulo 41
Nancy
— Não vamos pensar assim. — Nego com a cabeça e sinto um bola
de emoção na garganta na hora, uma vontade de chorar estranha, que é
difícil de engolir.
— Onde quer que ela esteja, não está querendo ser encontrada. Já faz
semanas que estamos com o filhote e ela nem liga para perguntar como
Cyan está. — Astor parece tão entristecido com isso quanto eu, e alheio a
nossa conversa, Cyan começa a comer com as mãos o purê de maçã que fiz,
que é basicamente maçã cozida e bem amassadinha.
A dieta dele é bem parecida com o que daríamos pra um humano, a
diferença é que ele precisa de maior quantidade, já que é maior do que um
bebê de um ano comum, e tem um gosto especial por carne crua que o
curandeiro me jurou ser normal.
— O que vamos fazer então? — pergunto.
— Vamos continuar procurando por ela e mesmo que a achemos, eu
só devolvo esse menino se tiver uma ótima explicação e com muitas provas.
Ele é meu agora, eu tenho o direito de ficar com ele por ser irmão do pai se
a fêmea não estiver fazendo um bom trabalho. — Ouvi-lo dizer isso me faz
morder o meu lábio inferior, ainda mais com a determinação em seu rosto.
Astor ainda não tem uma grande familiaridade para cuidar do bebê, mas ele
está se esforçando para combater seu trauma. — Qual o problema? —
Limpa a sua mão no paninho e depois me pega gentilmente pelo queixo,
sem me deixar abaixar a cabeça para esconder minhas emoções.
— É que eu me sinto muito errada fazendo isso, Cyan é um menino
lindo e parece que estamos roubando ele da mãe. Eu me sinto mal por ele,
durkiah — explico, com a minha voz se tornando embargada, e o ruivo para
de segurar o meu rosto para fazer carinho em minha bochecha.
Assim como o filhote, Astor é muito quente e isso sempre me causa
espanto.
— Não foi você quem o abandonou, bouan — sussurra com ternura e
enrola a sua cauda macia no meu tornozelo, me fazendo carinho lá também.
— A mãe dele deixou ele aqui e você e a sua irmã têm cuidado desse filhote
como se ele fosse filho de vocês. Eu quem me sinto errado e que estou
aprendendo com vocês duas a lidar com esse bebê e tenho certeza que
vamos conseguir criá-lo muito bem, isso se você quiser fazer isso junto
comigo. — O “se” na frase dele me pega desprevenida.
Eu encaro Astor e seus olhos castanhos-avermelhados com surpresa
por ele pensar que existe essa possibilidade de eu deixar o chifrudinho para
trás.
— Claro que eu quero criar Cyan junto com você, eu só tenho medo.
— As lágrimas embaçam a minha visão e a esse ponto eu já não questiono
mais essa história de mau humor de filhote, porque ela com certeza é
verdade.
Qualquer coisinha me faz chorar horrores, é constrangedor!
— Medo de quê, mon nya[GS5]? — Acho que ele franze a testa, mas
eu não tenho certeza porque as minhas lágrimas são grossas e eu tento
limpá-las com velocidade.
— E-e se nós não dermos certo? E se tu-tudo acabar? — pergunto e
começo a fungar e gaguejar, enquanto molho as minhas bochechas com o
meu choro repentino. Merda, Nancy! — Você pode encontrar alguma
persanesa por aí que seja mais alta e-e-e ir atrás dela. Alguma fêmea alta e
que seja resistente, que tenha cauda e… — Ele interrompe a minha frase,
colocando o seu dedo indicador sobre os meus lábios e fazendo eu me calar.
— Nunca. — Astor me pega por baixo dos braços e como já fez isso
outras vezes, eu não me desespero e deixo que me coloque sentada de lado
em seu colo. O cheiro dele me invade de um jeito tão forte que o meu corpo
todo estremece, é tão aconchegante. — Isso nunca vai acontecer porque
você é minha fêmea para sempre — fala com convicção.
Eu limpo as lágrimas do meu rosto com a barra da regata dele, com
vergonha de mais uma vez precisar me apoiar em Astor para conseguir
regular as minhas emoções.
— Mas quando nos beijamos pela primeira vez, você falou que o
Salah não era pra humanos c-com desdém, como se não fosse para mim,
por eu ser estranha ou algo assim. E você tem que ficar tomando cuidado de
noite pra não me esmagar, porque eu sou muito pequena. — Os
choramingos vão se atropelando um depois do outro, saindo da minha boca
numa velocidade imensa, porque isso é tudo que eu tenho pensado
ultimamente. — Você com certeza deve preferir as mulheres da sua raça,
elas são todas bonitas e altas e-e tem garras e joias.
Astor ouve cada uma das minhas comparações com as fêmeas da sua
raça em silêncio, ele não me interrompe dessa vez, então eu vou falando e
falando.
— Primeiro, quando eu falei aquilo para você, que o Salah não era
para humanos, é porque eu estava morrendo de ciúmes e com medo que
você me trocasse por algum macho melhor na festa — ele rebate, abraçando
o meu corpo contra o seu. Os braços de aço de Astor me fazem sentir em
casa, ficar pele contra a pele com ele é como uma droga para mim. — Você
acha que eu sou o melhor persanes que você pode encontrar, Nancy? Eu não
sou, existem machos por aí muito mais ricos, muito menos… — Ele
procura a palavra por uns segundos. — Menos tristes do que eu, sem um
passado complicado, e muito mais bonitos.
— Você é o macho mais lindo, Astor. — Eu olho pra cima
inconformada.
Esse homem gigante é a coisa mais linda que eu já coloquei os meus
olhos, além de ser muito inteligente e gentil também. — Você é perfeito. —
É a minha vez de tocar o seu rosto, faço carinho por cima de sua barba e ele
começa a ronronar na hora.
— Qual foi a primeira coisa que eu fiz quando te encontrei, bouan?
Eu ronronei pra você como agora. Só filhotinhos fazem isso, ou você acha
que persaneses crescidos estão ronronando por aí? — pergunta e eu faço
que não com a cabeça. — Eu nunca me apaixonei, Nancy, só por você que
me sinto assim. Com você não existe cio, porque você já está grávida, e
mesmo assim estou enlouquecido como se esse fosse um cio de anos. Se
uma fêmea ficasse excitada perto de mim, eu vomitaria de tanto nojo —
revela.
— Sério? — pergunto, gostando bastante de sua declaração.
Será que eu sou boba por só acreditar no que ele me fala sem
questionar?
Margot disse que a maioria dos homens é muito mentirosa, mas o
meu Astor não parece um mentiroso pra mim. Ele é muito doce, muito
cuidadoso, e nunca me fez mal como os homens da Igreja faziam para as
suas esposas.
— Não existe a remota possibilidade de eu deixar você ir a qualquer
lugar, fêmea, eu juro pela minha cauda.
— Pela sua cauda? — pergunto, sem conseguir me impedir de sorrir
para ele. Só que agora, abraçada contra ele, eu não consigo ver o seu rosto e
saber se está sorrindo também.
— Pela minha cauda. — Deixa um beijo no topo da minha cabeça e
faz carinho em minha barriga enquanto me abraça. Eu adoro as grandes
mãos dele e como ele as esfrega em mim. Adoro como ele me trata como se
eu fosse importante e não tem raiva que eu esteja grávida. Astor só me
abraça, com todos os meus problemas do passado e inseguranças. — Eu me
importo que você seja pequena porque não quero te machucar, tenho medo
de mim perto de você às vezes, porque você me deixa tão descontrolado,
loarla.
— Não me chame assim — digo com um tom que deixa claro que
estou brincando.
— Mas você é uma pequena praga, Nancy. Me enfeitiçou e o pior de
tudo é que nem sabe o quanto eu… — Ele começa a dizer algo, mas para no
meio da frase e fica em silêncio, como se repensasse o que ia dizer. Será
que Astor… ia dizer que me ama?! — Estou ansioso para que essa coisa
com Frederick acabe. Nós vamos dar certo, já estamos dando, somos feitos
um para o outro e até Dion confirma isso.
O ruivo disfarça bem e eu decido não interferir, mesmo que meu
coração esteja batendo loucamente agora. O carinho que ele me dá já são
demonstrações boas o bastante por agora e talvez nós possamos falar isso
daqui um tempo. Não quero interferir e estragar tudo, já fiz isso vezes
demais na minha vida.
Você consegue deixar ele falar no tempo dele, Nancy, eu confio em
você!
— Dion confirmou como? — Fico sem entender como Dion pode
confirmar isso. Eu sei que ele é um ancião persanes muito bom no que faz,
mas não sabia que até isso eles podiam saber.
— Eu contei do seu sonho e ele me falou algumas coisas que
descobriu na tradução que chegou da Grécia agora, daquele curandeiro
Shura que está ajudando a mexer com os dois livros em Vrain que
encontramos — explica, soando sério de repente e me deixando
preocupada, o que faz eu me afastar dele, assim consigo encarar seu rosto.
Será que foi por isso que Astor chegou tão tenso aqui?
— Que coisas?
Astor
— Ele acha que eu e você somos parceiros de alma então? Tipo alma
gêmea pra vocês persaneses? — Nancy abre um sorriso após eu contar uma
boa parte do que conversei com Dion e é a coisa mais linda de se ver.
O cheiro de sua felicidade floresce com muita rapidez e o seu rosto
arredondado fica até vermelho, de tanta animação.
— Sim e tem uma coisa que eu nunca te disse — falo e logo ela já
parece ficar preocupada e um pouco menos feliz, o que é uma pena. —
Sabe quando eu fui te examinar no hotel e de repente eu abracei o seu corpo
e falei coisas que não tinham o menor sentido para você?
Aquela primeira vez foi como levar um choque elétrico enorme. Eu
fiquei tão assustado que avancei na fêmea feito um maluco e fui beijando a
sua barriga sem nem a conhecer.
— E aí você me deu a pior desculpa do mundo e achou que eu tinha
acreditado? — diz, conseguindo fazer graça num momento como esse, o
que é uma habilidade que só Nancy tem. — Sim, eu me lembro.
— Eu estava sentindo o cheiro do meu filhote e por isso eu fiquei
daquele jeito — revelo com cautela, prestando atenção nas suas expressões
faciais para saber se não é melhor recuar.
— Mas o seu filhote era persanes, né? — pergunta, muito confusa. —
Todo persanes sempre tem filhos persaneses, não importa se é com
humanos ou não, não é?
Ainda fico chocado como a memória dela é boa. Tudo que eu falo,
principalmente sobre a minha raça, Nancy absorve feito uma esponja.
— Sim, é isso mesmo, e por isso eu também achei estranho e acabei
mentindo para você e dizendo que a sua saúde estava ruim, para passarmos
mais tempo juntos — admito e estou pronto para fazer o que for preciso
caso ela fique brava.
— Eu nunca estive precisando de vitaminas? — Arregala os olhos
— Não, mesmo tendo uma alimentação completamente controlada
pela seita, você está e sempre esteve muito bem — explico e fico muito
feliz que ela não cheira a raiva por eu ter mentido. — Eu só queria ficar
mais próximo de você, era uma desculpa para você não ir embora, porque
de repente o cheiro de Nimiar estava em você e logo depois sumiu. Isso já
aconteceu umas quatro vezes.
— Eu ainda não sei como isso pode ser possível, Astor, de verdade.
— Dion acha que é porque o filho que está na sua barriga é o meu
filho também — explico, mas isso não parece ajudar em nada e só deixa
Nancy ainda mais perdida, segundo o jeito como ela franze a testa.
— Como assim?
— Lendo os livros que nós pegamos de Frederick, Dion viu uma parte
sobre vidas passadas, explicando que companheiros de almas são almas que
se apaixonaram em todas as suas outras vidas e criaram um grande laço.
Dion já sabia desse conceito, mas ele costuma ser ignorado dentro da
comunidade persanesa.
Eu explico para a fêmea no meu colo que na profecia da nova era, que
é passada de geração em geração através de histórias, sempre foi dito que o
persanes que encontrasse a sua companheira de alma, teria a rorani do lobo
com chifres, e a minha rorani de lobo apareceu assim que a conheci.
A diferença é que na profecia que todos sempre falaram, só existiria
um escolhido, apenas um macho que se transformaria em lobo, mas parece
que nós estávamos errados.
Nancy não entende porque eu nunca contei isso para ela, sobre
Nimiar e o cheiro, mas a verdade é que eu nunca fui um macho como meu
irmão, eu sempre fui mais fechado e introvertido e isso só piorou depois dos
problemas que tive.
Conto para Nancy do sonho que tive com ela e o meu filhote, e como
ele tocou o meu peito e fez queimar, e quando eu acordei, a rorani estava no
meu peito.
— Então Dion acha que eu e você somos companheiros de almas de
outras vidas e ele também acha que o motivo de eu estar sentindo o cheiro
do meu filhote que morreu na sua barriga, é porque a criança em seu ventre
seria uma reencarnação do meu filho, ainda mais por ele nunca ter
conseguido viver.
Falar tudo isso me dá uma sensação ruim no estômago, um medo de
perder que eu não sinto faz muito tempo. As minhas mãos estão até suando
de tanto nervoso.
— Isso é… Isso é… — Ela começa, mas não termina a frase, fica
procurando palavras, mas nunca acha.
— É tão real o cheiro, Nancy. Eu achei que fosse enlouquecer quando
senti da primeira vez, era exatamente igual ao do meu filhote. — Agora é a
minha vez de ficar emocionado, a minha voz até embarga. — Eu não quis te
contar sobre isso antes porque eu não tinha uma explicação boa e não queria
que você achasse que eu sou algum tipo de maluco.
— Eu não acho que você está ficando maluco, o seu olfato é o melhor
que eu já vi — ela me assegura, o que me deixa mais calmo. — Eu só estou
muito chocada.
— Lembra que você me falou que no seu sonho, Bruven disse que
queria persanun? — Decido contar tudo de uma vez, é melhor, a partir de
agora, não esconder mais nada dela, pois não quero voltar a sentir
ansiedade.
— Você disse que nunca tinha ouvido essa palavra. — Nancy me
encara com apreensão.
— Eu nunca ouvi, mas tanto eu quanto Dion achamos que persanum é
persanes mais a palavra “um”, que em Vrain quer dizer humano. Persanum
seria persanes humano, ou algo assim — explico, mas eu não acho que
Nancy entende do que estou falando, mesmo assim o cheiro do seu
nervosismo começa a ficar forte. — O bebê em sua barriga é um humano,
com uma alma que em sua última vida foi persanes, então ele é um
persanum.
— Astor… — Os olhos dela voltam a se encher de lágrimas e Nancy
toca o seu rosto com a sua mão tremendo. Enquanto isso, eu continuo
monitorando Cyan, que caiu no sono faz alguns minutos. — Ele quer o meu
filho? Ele entrou no meu sonho para dizer que quer o meu filho? —
choraminga, com o seu lábio inferior tremendo.
É difícil contar isso para Nancy e se eu pudesse, não diria nada.
Aumentaria as minhas horas de estudo e daria um jeito de arrumar tudo isso
sem deixar que ela se abalasse, mas como ela está tendo esses sonhos, é
importante para a sua segurança que Nancy saiba do que se trata tudo isso.
— A lenda diz que o Bruven devora almas, mas que nem todas as
almas têm o mesmo peso para ele. Eu escutei isso quando era só um filhote
ainda, ele é como uma história de dormir para filhotes levados. — Tento
não soar desesperado, só que a minha pequena já está tremendo em meus
braços e chorando, e é difícil manter a emoção longe do meu tom. — Uma
alma que encontrou a sua alma gêmea, dá muito mais poder pra ele. É por
isso que Frederick estava querendo Oliver, Crystal e Karina, porque elas
encontraram as almas gêmeas e são bem mais fáceis de conseguir sequestrar
do que um persanes.
— E-e o meu bebê seria uma alma que ele quer comer, então? —
pergunta abraçando a própria barriga, as lágrimas já fizeram um caminho
em seu rosto e se Nancy já estava com as emoções à flor da pele por estar
grávida, agora ela está ainda pior.
— Deve ter algum tipo de importância grande para ele. — Eu não
posso mentir, não posso, mas queria tanto! —Não fique assim — sussurro e
limpo algumas lágrimas de seu rosto, com um braço passado em suas
costas. — Dion acha que Frederick ainda não comeu almas o suficiente pra
ficar tão forte, se ele pudesse te encontrar, ele já teria encontrado. Você
estava na seita com ele antes de vir para cá.
— Da última vez que vi Frederick, eu estava no corredor e de repente
ele apareceu e o rosto dele todo estava cheio de sangue, eu achei q-que
estava ficando louca, porque o sangue sumiu do nada, mas agora eu sei que
é porque ele é muito ruim. — Ela soluça e eu uso a barra da minha regata
para secar o seu rosto.
— Ele não é tão forte, mas o melhor a se fazer agora é te esconder,
bouan. Vamos continuar estudando os livros e procurando uma forma, mas
eu não vou correr o perigo de deixar você numa casa tão chamativa.
Eu esperava que essa solução fosse deixar ela menos nervosa, só que
o que acontece é exatamente o contrário.
— Eu não quero ficar longe de você e-e de Cyan. — Nancy olha para
o meu sobrinho dormindo e depois para mim. — Ele não pode ficar aqui,
sem pai e sem mãe.
— Eu vou junto com você e podemos levar Cyan, ok? — Coloco uma
mecha de seu cabelo escuro atrás de sua orelha.
— Posso levar Juliet também? — pergunta, ainda com medo.
— Sim, eu contei pra Dion que você me disse que a sua irmã tem
sonhos também, e mesmo que os dela sejam bagunçados, talvez vocês duas
sejam videntes.
Eu sempre senti que Nancy tinha algo de diferente, eu perguntei uma
vez sobre os seus olhos mudando de cor e ela me disse que isso é comum
entre humanos que têm olhos acinzentados ou azulados. Mas mesmo assim
eu sempre achei diferente e agora está explicado. Tanto ela quanto a irmã
têm um pouco de magia dentro de si.
— Videntes? — Ela arqueia as duas sobrancelhas.
— Sim, vocês sonham com o futuro. Essa habilidade é muito rara,
mas também muito chamativa. Então vamos todos nos esconder e achar um
jeito de matá-lo — murmuro, fazendo uma concha com as minhas mãos
para segurar o seu rosto.
— Você acha que dá? — A sua voz treme e me faz ter ainda mais
ódio de Frederick, um arrepio de ódio até sobe pela minha coluna e deixa o
meu corpo tenso.
Não basta ele destruir a vida de dezenas de pessoas com suas
mentiras, ele ainda quer mais!
— Vamos ter que dar um jeito.
Capítulo 42
Nancy
Um mês depois
“Eles estão mesmo pedindo por isso, Rob?” a mulher do rádio
pergunta e eu me aprumo na poltrona, enquanto tomo um chá que Astor
preparou para o desconforto no estômago que eu estava sentindo, só que eu
tive que colocar algumas pedrinhas de gelo para conseguir fazer esse
líquido amarelado e amargo descer, já que o calor aqui está de matar.
Estou com um ventilador apontado diretamente para a minha cara e
mesmo assim ainda tem suor escorrendo pela minha nuca.
“Estão sim, os manifestantes estão pedindo pela expulsão imediata de
todos os persaneses dos territórios dos Estados Unidos.” o tal Rob responde
e eu arregalo os olhos.
É por isso que Astor não me deixou ter uma televisão! Ele está
tentando esconder o estado real de Red Town. Aquela cidade deve estar um
completo caos.
— Esses filhos da puta são um bando de malucos — resmungo e testo
para ver se já dá para equilibrar um copo em cima da minha barriga e eu,
surpreendemente, consigo.
Agora eu estou com 6 meses, a minha barriga está bem maior do que
antes. Não que eu não tivesse uma barriga meio grandinha já, afinal de
contas, eu sou uma mulher gorda, mas agora não dá para fingir que eu não
estou grávida. Qualquer um que olhe pra mim repara, mesmo que isso
nunca aconteça, pois nessa fazenda onde tenho vivido não tem ninguém
além de Astor, a minha irmã, Cyan e às vezes aparece um tal de Red. Um
cara negro e alto pra cacete, funcionário dos Dolunay.
“Essa onda de protestos nas ruas tem inspirado cada vez mais pessoas
ao redor do mundo a fazer o mesmo. Parece que tem muita gente irritada
com os persaneses há muito tempo e todos estão querendo se juntar de uma
vez só para espantar os chifrudinhos da convivência com os humanos” a
mulher diz num tom de brincadeira, como se isso tudo fosse uma grande
piada.
“Mas será que esses pedidos não são um pouco irreais? Os persaneses
movimentam a economia mundial, você já viu um deles pobre alguma vez
na sua vida?” o tal Rob responde, também bem-humorado.
“Eu nunca vi mesmo um deles ser pobres e é por isso que a briga está
sendo tão grande, os governantes não querem mexer nesse vespeiro, mas os
manifestantes não se importam com isso e a voz deles tem ficado cada vez
mais alta.”
Eu acho que é a linha do programa deles, eles dão notícias de maneira
“leve”. Porém esse jeito dele só me deixa mais irritada, então eu acabo me
revirando na poltrona dessa sala no térreo.
Essa casa tem dois andares e é enorme, toda de madeira e até luxuosa
demais, considerando que ela está no meio de uma propriedade
completamente rural. Tem uma lagoa a pouquíssimos metros e tem espaço
de sobra para criar animais, provavelmente é o que a pessoa antes de nós
fazia aqui, mas os estábulos estão vazios hoje em dia e a casa tem
pouquíssimos móveis. Foi um milagre ter encontrado esse radinho e mais
ainda ter encontrado uma estação que falasse a minha língua.
“Você viu o recado que o presidente deu na última sexta?” Rob
pergunta e me deixa atônita.
Eu não vi esse recado porque Astor não me deixou ver. Ele só fica
falando que tudo vai ficar bem e que se eu ficar ligada demais nas notícias
vou acabar me estressando demais.
Porra, se até o presidente está falando, então a situação deve estar
séria!
“Ele está pedindo paz, mas eu não acho que seja tão fácil assim. Saiu
uma matéria ontem mostrando que o encarceramento de persaneses é
basicamente nulo, enquanto isso as cadeias estão cheias de humanos
pagando por seus crimes. A relação deles com humanos é muito desigual e
as pessoas estão se revoltando com isso.”
Eu termino de tomar o meu chá e paro de fazer graça com o copo em
cima da minha barriga, colocando numa mesinha ao meu lado, que assim
como quase tudo aqui é marrom. De noite vou mostrar esse truque para
Astor.
“Mas você acha mesmo que vai dar em alguma coisa? Já existiram
muitas manifestações antes e nunca deu em nada, afinal de contas, eles são
todos milionários e pedir para que todos eles sejam expulsos é algo que não
é nada simples, para onde todos eles iriam?”
O meu coração fica cada vez mais disparado e eu sinto ânsia de
vômito instantaneamente. As coisas estão horríveis e isso é tudo culpa
minha e da minha irmã, porque os protestos só se iniciaram pois a minha
mãe e o meu pai espalharam por aí que nós fomos sequestradas por
monstros malvados.
“Eu não sei, Fig, mas essas manifestações têm tomado um tamanho
que eu nunca vi na vida. parece algo quase sobrenatural que todas aquelas
pessoas estejam juntas.”
O programa continua e eles começam a falar cada vez mais coisas que
eu não sabia, coisas que tem acontecido com os persaneses por conta desses
protestos. As pessoas estão ficando completamente loucas! Estão atacando
jovens persaneses sem mais e nem menos.
— Não fique ouvindo isso — a minha irmã fala ao entrar na sala de
repente. Estou tão concentrada em Rob e Fig, que acabei nem prestando
atenção à minha volta. Juliet caminha decididamente até o rádio pequeno na
mesinha ao meu lado e aperta o botão vermelho para desligá-lo. — Não vai
adiantar você ficar ouvindo, Frederick está conseguindo incitar todas essas
pessoas, os discursos dele são perfeitos, dizem tudo que querem ouvir e os
protestantes vão segui-lo, não tem nada que possamos fazer. Lembra do que
Astor disse?
O meu curandeiro acha que de alguma forma, Bruven está ajudando o
loiro, inflando o ódio de todos os envolvidos com seus poderes, que nós
ainda não temos certeza da extensão. Nas histórias que os persaneses
contam entre si, Bruven é um deus muito poderoso, mas agora ele já não
parece ser tanto assim, pois estamos nos escondendo e nada de ruim chegou
até nós.
— Você já sabia de tudo isso então? — pergunto, enquanto a minha
irmã se senta no sofá marrom ao meu lado, que faz conjunto com a poltrona
em que estou sentada.
O jeito seguro como ela falou agora e como não parece nem um
pouco surpresa, me faz ter certeza que Juliet sabe muito mais do que eu.
— Ele pediu para não te contar por conta do seu bebê, disse que o
estresse não é bom para vocês dois. — Dá de ombros, parecendo culpada.
— Vocês dois não podem ficar me escondendo coisas, isso não é
justo! — Se Astor estivesse aqui agora ele ia ver só! Mas aquele ruivo só
quer saber de estudar desde que chegamos aqui, passa o dia todo trancado
em seu escritório, procurando respostas. — Eu preciso saber das novidades
também.
— Eu sei que sim, mas a sua saúde é mais importante — murmura e
passa a mão no seu rosto avermelhado para secar um pouco de suor. As
bochechas dela parecem dois tomates agora e os seus cabelos loiros e
dourados estão presos em um rabo de cavalo.
Como essa casa é muito antiga, ela não tem ar condicionado, que foi
uma coisa que eu vi pouquíssimas vezes na vida. Então todos nós temos que
nos vestir para esse clima, a minha irmã agora está usando um vestido de
alcinha bem solto, e eu uso um short de tecido maleável e uma blusa cor de
rosa fina, que deixa parte da minha barriga de fora.
— Eu sei disso. — Respiro fundo, sentindo uma dor estranha em
minha garganta, uma vontade de chorar que embaça esse cômodo largo
demais para pouquíssimos móveis e cheio de pinturas de cavalo em suas
paredes. — Os nossos pais continuam sendo os primeiros nas filas das
manifestações, eles até falaram o nome deles na rádio. A nossa família é
uma merda.
— Isso não importa, eu sou a sua família. — Ela estica o seu braço e
coloca a sua mão sobre a minha.
— Você sabia que vários persaneses estão diminuindo o convívio com
os humanos? Eles já não podem mais ir para a faculdade ou para a escola
que são linchados na porta. Um filhote morreu, Juliet. — A minha voz se
transforma em um choramingo angustiado. — A babá humana que se
infiltrou dentro da casa, asfixiou o menino enquanto ele dormia e a mãe e o
pai estavam fora. Uma criança persanesa recebeu pedrada de outras crianças
na sua sala, tudo porque a-acham que nós fomos sequestradas e abusadas
e…
— Shhh. — Ela faz o barulho com a sua boca e aperta a minha mão
um pouco. — Isso não é culpa nossa, mesmo que nós aparecêssemos agora,
nada disso iria parar, Frederick só queria uma desculpa. Ele está fazendo
esse circo todo, porque sabe que sozinho nunca conseguiria acabar com os
persaneses, ele só quer o nosso desespero para ver se nós duas aparecemos
logo.
— Eu sei, mas… dói tanto. — Eu seco algumas lágrimas que se
espalham por minha bochecha. — Será que somos mais importantes do que
essas pessoas que estão morrendo?
— Nós não somos mais importantes do que ninguém, só que se ele
nos encontrar, ele vai nos matar também e depois vai seguir matando ainda
mais gente. Se nós aparecermos, seremos apenas mais um número na conta
de pessoas dele — argumenta e eu sei que Juliet está certa, mas isso não me
impede de fungar algumas vezes.
— O problema é que muitas dessas pessoas não estão erradas, muitos
persaneses fazem coisas erradas e nunca são punidos por serem ricos. Um
monte de pessoas tem se juntando na internet pra fazer uma espécie de
banco de dados de vítimas de persaneses que a polícia nem chegou perto.
Mas muitos deles também são bons e-e-e não merecem isso. — As palavras
vão se atropelando dentro da minha boca e o meu desespero só cresce. —
São só crianças, July, só crianças. Podia até ser Cyan que morreu asfixiado.
Fecho os olhos e o choro toma conta de mim, então eu coloco as
minhas duas mãos no meu rosto e não consigo parar. O meu coração dói em
pensar no bebê ruivo sofrendo com algo assim.
Eu só queria que tivesse algo que eu pudesse fazer, além de ficar
sentada aqui, me escondendo. Não queria ser a pessoa que não pode nem ter
uma televisão para saber dos fatos, eu queria ser forte e poder bater de
frente com Frederick.
— Vem aqui fora, vamos tomar um pouco de sol. — Ela se coloca de
pé, pega as minhas duas mãos e me puxa para que eu também me levante. A
minha irmã nunca teve facilidade para demonstrar o seu afeto, ela
geralmente prefere fazer algo pela pessoa e dar conselhos, do que dar
abraços, por exemplo. Esse é o seu jeito de ajudar. — Você está ficando
muito tempo dentro de casa, sentada nessa poltrona. Daqui a pouco vai ficar
grudada aí.
Juliet me faz sair da sala, passar pela porta larga dessa casa e olhar a
linda paisagem. Se o mundo não estivesse acabando e eu não fosse uma
foragida, esse lugar seria incrível. Em volta da casa têm metros e mais
metros de grama, daqui eu consigo ver o riacho com árvores em volta e o
céu está bem azul, com o sol brilhando firmemente lá em cima.
Parece um lugar antigo, mas de alguém com muito dinheiro, que
gostava de algo rural. É uma espécie de rancho e é muito grande, feito para
uma dúzia de pessoas tirar férias. Até tem uma piscina vazia nos fundos e
não tem vizinhos a quilômetros.
Juliet me leva até duas cadeiras que colocamos debaixo de uma
árvore bem larga, onde faz sombra, e me põe sentada em uma delas e se
senta na outra.
— Vamos ficar aqui um pouco, você não está com fome, está? —
pergunta e eu faço que não com a cabeça, com a cara toda molhada. —
Cyan está tirando o cochilo pós almoço dele. Se deixar, aquele garoto come
até a colher e o prato, então temos um tempinho.
— Ele está em fase de crescimento — falo, lutando para conseguir
parar de chorar e não pensar em tudo que ouvi.
— Está sentindo esse vento na sua cara? Vamos ficar um pouco aqui
agora, para você relaxar. — Ela se recosta em sua cadeira de balanço e eu
faço o mesmo, sentindo a tal brisa.
Esse um mês aqui não seria nada fácil para alguém normal, que
cresceu em alguma cidade, indo e vindo de casa quando queria. Mas para
mim e para a minha irmã, que vivemos o tempo todo nas terras da Igreja,
não é assim tão difícil. A parte mais difícil é sentir que tudo está
desmoronando, que o perigo está cada vez mais próximo, agora viver nessa
espécie de rancho espaçoso, com os alimentos que nós quisermos chegando
semanalmente e enchendo as despensas, não é complicado para mim e
Juliet.
Mas além de tudo isso, ainda tem uma mentira que tem me
assombrado, uma coisa que tenho pensado todos os dias e que me faz sentir
muito culpada.
— Lembra quando Dante foi resgatar Oliver e eu disse para você que
estava grávida e que nós deveríamos ir embora porque a nossa mãe ia me
casar com um homem agressivo que ia me bater? — pergunto, pois essa
parece a melhor hora.
Eu estou grávida e sensível, e ela não pode ficar com raiva de mim. É
perfeito para admitir uma mentira.
— Sim — responde e eu continuo de olhos fechados.
— A verdade é que a nossa mãe nunca soube que eu estava grávida,
ela nunca prestou atenção em mim desse jeito e nunca prometeu me casar
com ninguém, eu só falei aquilo para você aceitar sair de lá o quanto antes
— admito, mas a minha irmã fica em silêncio por tanto tempo que eu sou
obrigada a abrir os olhos e a encará-la.
Capítulo 43
Nancy
— Eu sei disso — responde, com um pequeno sorriso esperto em seus
lábios rosados que me deixa chocada.
— Sabe?! — Arqueio as duas sobrancelhas e até me desencosto da
cadeira que começa a balançar sem parar, então eu não posso me mexer
muito rápido se não quiser ficar indo para frente e para trás.
— Comecei a pensar sobre o assunto algumas semanas atrás e percebi
que se algo assim fosse acontecer, você teria me contado muito antes, para
pedir ajuda. Você sempre me pede ajuda, Nancy. — Um vento mais forte
bate em nós duas e alguns fios de cabelo loiros invadem o rosto de Juliet.
— Mas você só falou sobre a nossa mãe querer te casar, no momento que
estava louca para sair daquele lugar, para tentar me forçar a ir mais rápido.
Às vezes eu esqueço o quão perspicaz é a minha irmã, afinal de
contas, ela me conhece desde que eu nasci e é muito mais observadora do
que eu, que sou mais do estilo “fazer primeiro, pensar depois”.
— Me desculpe por ter mentido — murmuro, tendo a descendência
de parecer culpada, mesmo que não me arrependa nem um pouco da minha
estratégia. — Eu não queria fazer isso, mas foi só no que eu consegui pe…
— Está tudo bem —interrompe-me e mais uma vez coloca a sua mão
sobre a minha. O seu toque é muito terno, assim como ela tem sido desde
que descobriu a minha gravidez.
Confesso que até hoje eu espero um momento de julgamento, espero
pela hora que ela vai ficar zangada comigo e dizer como estraguei a minha
vida engravidando, mas isso nunca aconteceu. Juliet parece ter entendido
que não é que eu queria que algo assim acontecesse, é que dentro da seita
ninguém nunca me deu nenhum tipo de educação sexual. Margot falou
comigo uma vez só sobre camisinha, indo contra todos os dogmas, e agora
que eu descobri com Astor que existe uma dezena de métodos
contraceptivos.
Eu achava que seria mais difícil engravidar, já que lá dentro vários
casais tentavam por anos e nunca tinham filhos.
— Está tudo bem mesmo? — pergunto, porque a verdade é que
quando eu olho para trás me sinto tão estúpida, tão pequena.
Por que eu não podia ter nascido em uma família normal? Em uma
família que mora num apartamento onde as crianças têm acesso à internet,
onde elas vão para a escola com o ônibus, onde elas têm as suas próprias
coisas e podem ter uma personalidade?
— Você fez o que precisava ser feito para nos tirar daquele lugar,
então sim, está tudo bem. — Só que ouvir a minha irmã falar isso é como
um pano morno em cima das minhas feridas ardidas. Nós podemos não vir
de um lugar normal, podemos não ser boas conversando sobre os nossos
sentimentos. Eu não tenho ideia do que se passa na cabeça da minha irmã
na maioria do tempo. Mas, mesmo tão diferentes, nós temos uma à outra. —
Eu podia não acreditar em tudo que eles diziam, mas mesmo assim eu
estava acomodada, achava que não existia nada melhor do que aquele lugar
que a gente já conhecia e sabia como se proteger das pessoas. Acabei
caindo nas histórias que a nossa mãe contava, de como era agressivo e
horrível aqui fora, só que lá dentro também era agressivo e horrível.
— Isso é verdade. — Dentro da Igreja do Oitavo Renascer, eles
passavam o tempo todo criticando os terrenos, falando como aqui fora as
coisas eram sujas e perigosas para pessoas como nós, que éramos divinos e
merecíamos ir para o céu.
— Pelo menos aqui a gente consegue decidir para onde vai, não
precisamos obedecer às ordens cegamente. A hora que eu quiser comer eu
como, o dia que eu não quiser fazer nada eu não faço e eu não tenho que
ficar olhando para baixo o tempo inteiro, sem poder encarar as pessoas. —
Juliet parece mais relaxada agora, mais plena. Ela realmente encontrou a si
mesma depois de todas essas semanas fora da IOR.
Ouvir a minha irmã parecer tão dona de si enche os meus olhos de
lágrimas de novo.
— D-desculpa. — Eu fungo e limpo a umidade em minhas
bochechas.
— Está tudo bem, é a gravidez. — Dá um pequeno sorriso
reconfortante e dois tapinhas nas costas da minha mão. — Significa que
logo, logo Cyan vai ter um irmãozinho ou irmãzinha pra tomar cuidado para
não quebrar.
— Astor tem certeza que a mãe dele não vai aparecer, acha que ela
deve ter ido começar uma nova vida com um novo macho e quis se livrar do
menino — comento e a minha irmã faz uma careta de nojo, enquanto nós
duas começamos a balançar um pouco nas cadeiras.
— Isso é muita crueldade — diz e nós ficamos em silêncio de novo.
— Você vai ficar, né? — a pergunta sai sem que eu pensasse muito, já
que esse parece ser um ótimo momento para me conectar com July.
— Como assim? — Ela franze a testa.
— Quando nós chegamos na mansão Dolunay, o plano era ir embora.
Agora nós temos que nos esconder de Frederick, já que ele quer o meu
bebê, mas e depois? E quando não tiver mais perigo? — Se Astor estivesse
aqui ele com certeza conseguiria cheirar a minha ansiedade.
— Você acha mesmo que eu iria embora e deixaria você, o meu
sobrinho ou sobrinha e Cyan para trás? — questiona e eu mordo o lábio
inferior. — Nós somos uma família, Nancy, não importa que você esteja
meio que casada com um cara chifrudo — o seu tom é descontraído, mas
não muito. Não me dá pistas de verdade de como ela se sente, o que é uma
grande merda. — Não tem por que eu ir embora, eu nem saberia para onde
ir ou o que fazer.
A resposta dela é de alguém que achou a minha fala absurda, no
entanto, eu tinha que perguntar e agora que tenho uma resposta me sinto
muito melhor. E talvez, para ajudar na estadia da minha irmã, eu consiga
achar um pretendente para ela, eu só preciso poder voltar para a mansão
Dolunay, onde Kara com certeza vai me ajudar.
— Como estão os seus sonhos? Eu nunca mais sonhei com nada
relacionado a Bruven. — Tento mudar um pouco de assunto, assim quem
sabe eu paro de vazar pelos olhos feito uma torneira.
— Eu também não tenho tido sonhos que mostram nada.
— Será que eles perceberam que nós estávamos sonhando e de
alguma forma conseguiram cortar isso fora? — Na minha cabeça essa teoria
faz total sentido.
— Eu não sei, mas vai ficar tudo bem. — Ela fala isso com uma
certeza invejável. Provavelmente esse é só um plano dela e de Astor para
fazer contenção de danos, eles não querem me assustar. — Nós estamos
aqui faz um mês, a sua barriga está crescendo, Cyan está aprendendo um
monte de palavras novas e está quase correndo pela casa já.
— Ele é tão rápido. — Sorrio um pouco.
— Ele é, mas Astor disse que esse salto de crescimento é normal,
afinal de contas, persaneses são gigantes, né!?
— É — murmuro e um soluço me escapa.
— Você acha que é menino ou menina? Astor acha que é menina —
pergunta e só então eu noto que estou fazendo carinho em minha própria
barriga esse tempo todo sem nem perceber.
— Eu juro que não faço a mínima. — Eu finalmente consigo voltar a
ver a paisagem menos borrada e paro de chorar, só preciso manter os
pensamentos mais críticos longe, se não fico até com falta de ar.
Esse lugar é realmente incrível. Estamos no interior da Turquia e aqui
é tudo muito bonito, tudo bem que nenhum de nós pode explorar, mas isso
não tira a beleza de viver nesse monumento de casa atrás de nós. Ela tem
janelas de sobra, um monte de quartos e banheiros, e muita luz solar.
— Como você está lidando com o filho na sua barriga ser a
reencarnação do filhote dele? — Juliet chama a minha atenção, depois de eu
passar alguns minutos só sentindo o vento.
— Na verdade… eu acho que estou meio feliz por isso agora. Se ele
foi um persanesinho em sua última vida, que não teve a chance nem de
conhecer o seu pai, dessa vez eu espero dar essa chance a ele. Astor vai ser
um ótimo pai pra ele ou ela — respondo e a droga das lágrimas voltam, o
meu nariz fica até entupido e agora eu estou morrendo de calor, com a cara
toda molhada e sem conseguir respirar direito.
Merda!
— Por que você está chorando, Nancy? — A minha irmã fica sem
entender nada e o seu tom mostra que ela está começando a entrar em
pânico.
— É que e-eu pensar em como isso é bonito p-para o bebê me deixa
feliz. Ele morreu dentro da barriga d-da mãe, antes de ver o pai, e agora vai
voltar e conhecê-lo — explico, entre trancos e barrancos, e Juliet se levanta.
— Vem aqui, sua chorona — diz isso ficando de pé atrás da minha
cadeira e me abraçando pelos meus ombros, o que é uma coisa
extremamente rara e que só me faz chorar ainda mais forte, com o meu
corpo todo se sacudido.
No dia
seguinte
Astor
— Por que não posso ter o meu radinho de volta? — pergunta e eu
respiro fundo. Não é a primeira vez que ela me pergunta isso e só fica mais
difícil negar.
— Você sabe o porquê, estava usando para ouvir notícias de Red
Town e isso vai te fazer mal — respondo e a morena contrariada cruza os
braços na frente dos seus seios, e eu sei que ela faz de propósito. Aliás, tudo
agora é de propósito.
O jeito como está usando um vestido curto, que mal cobre a sua
bunda. A falta de sutiã, o que deixa os seus mamilos duros marcando bem o
pano e a sua barriga. Tudo isso é pra me obrigar a lhe dar de volta o
aparelho que eu escondi e, por mais tentador que seja, eu não posso cair
nessa ou o bebê em sua barriga, que eu tenho quase certeza que é uma
menina, vai sofrer.
— Que tal tirarmos um cochilo agora, então? — Nancy muda de
estratégia, parada ao lado da minha cadeira enquanto encara as coisas em
cima da escrivaninha. Assim como quando morávamos na cabana, ela está
tentando descobrir o que eu estou estudando e se estou escondendo algo. —
Está tão quente e você só fica fechado aqui dentro, deve até te fazer mal.
De fato, eu não me sinto feliz de ficar trancado nesse quarto, mas aqui
é onde o sinal de telefone é melhor e eu posso me comunicar com os
Dolunay.
— Eu já vou, me dê só alguns minutos, tá bom? — Como eu ouvi os
seus passos, me preparei antes mesmo dela entrar e já guardei tudo que a
fêmea não deve saber.
Sei que ela não é um filhote, e isso está bem claro em tudo que está
deixando à mostra, mas se eu não a tratar assim, ela vai sofrer ainda mais do
que já está sofrendo e isso parte o meu coração.
Eu estava lendo um jornal antigo que chegou na cesta de coisas dos
Dolunay, que fala detalhadamente sobre tudo que os manifestantes contra
persaneses estão conseguindo ao redor do mundo, e se ler isso já me
embrulhou o estômago, eu imagino o que isso faria com a minha pequena.
— Tudo bem, então… — fala de maneira desconfiada e coloca uma
de suas mãos no meu antebraço, esfregando os seus dedos em mim de um
jeito lento que faz um arrepio correr da minha nuca até a ponta do meu
rabo.
— Eu já vou, juro, bouan[GS6] — murmuro e ela sabe muito bem o
que está fazendo comigo agora. Os seus olhos estão azuis, as suas
bochechas estão coradas e a sua excitação está começando a perfumar o ar,
o que é um golpe mais do que baixo.
Persaneses são seres profundamente sexuais e não importa que eu
tenho fodido ela bem gostoso essa manhã, já estou com fome de novo,
desesperado por seu cheiro.
— Você está sempre jurando e nunca cumprindo… — fala manhosa e
eu realmente não ando dando tanta atenção para a minha grávida quanto
gostaria.
Principalmente essa semana, que uma família persanesa inteira foi
expulsa de uma cidade no interior da Espanha após os moradores
conseguirem colocar a polícia ao seu lado, eu mal consegui dormir. Com
ajuda de Bruven, Frederick tem conseguido avançar muito rápido, o seu
ódio tem contaminado as pessoas enquanto ele pode posar apenas como um
defensor dos direitos humanos.
— Eu vou só terminar aqui e vou lá tirar um cochilo com você na
cama, tá? — pego Nancy pela cintura com o meu braço direito e faço com
que o seu corpo se grude ao meu.
Mesmo que eu esteja sentado, as nossas alturas não ficam muito
diferentes, então não é difícil colocar a mão em sua nuca e puxar os seus
lábios para ficarem contra os meus, o que é difícil mesmo é resistir a ela.
Nancy é quem enfia a sua língua dentro da minha boca e quando eu
me enrolo e chupo a sua, ela geme pra mim e prolonga o beijo, fazendo
movimentos lentos e se empurrando contra mim, como se estivéssemos
fazendo outras coisas.
A barriga da minha pequena humana está se tornando cada dia maior,
mais arredondada também, e, consequentemente, ela tem se tornado mais
frágil. Eu tenho pesadelos com algo acontecendo com ela, pesadelos com
Frederick conseguindo dar um jeito de fazer mal a Nancy, e isso tem me
paralisado. Mesmo para foder, tenho feito tudo bem devagar e com cautela.
— Não faz assim — sussurro, respirando pesado em cima de sua boca
e o seu hálito quente atiça o fogo dentro de mim, fazendo o meu ronronar
começar.
— Você sabe do que eu preciso, sabe o que eu quero. — Nancy tem
ousadia de morder o meu lábio inferior e isso arranca de mim um gemido
que vem do fundo da minha garganta. — Eu vou te esperar pra me comer.
Pelos deuses, como ela está descarada e tão gostosa!
— Nancy… — rosno o seu nome e ela só esfrega o nariz no meu,
como eu sempre faço antes de dormir, e depois se afasta, fazendo com que o
meu braço caia enquanto deixa os movimentos do seu quadril ainda mais
provocativos conforme sai da sala. O seu traseiro vai de um lado pro outro,
se esfregando no pano fino de seu vestido que me deixa ver tudo, menos a
sua calcinha, o que significa que ela não está usando uma.
A loarla me deixa sozinho e literalmente pulsando!
O problema é que mesmo que eu tenha ficado excitado, assim que
reabro o jornal que estou lendo secretamente, acabo me perdendo nele,
deixando que a preocupação ocupe a minha mente e me faça temer pelo
pior, e só depois de quase meia hora eu noto o que acabei de fazer.
Merda! Nancy vai ficar puta!
E não é só ela que está puta, eu também estou extremamente
estressado, duro pra caralho e molhando as minhas calças de tanto pré-gozo.
Mas se eu fizer algumas coisas com a minha língua, acho que
consigo o perdão…
Saio dessa espécie de escritório e ando pela casa com pressa. Eu estou
no térreo agora, então preciso subir algumas escadas de madeira. No
primeiro andar fica o quarto de Juliet e ao passar pela porta de seu quarto,
eu escuto ela e Cyan dormindo. Como não tem tanto o que fazer por aqui,
além de jogar jogos de tabuleiro, cozinhar e nadar na piscina, depois do
almoço as irmãs costumam tirar um cochilo.
E no segundo andar fica o meu quarto e o de Nancy, eu preferi nos
colocar longe de Juliet, assim os… sons, que eu e minha mulher fazemos à
noite, não ficam tão audíveis para uma humana, que não tem uma ótima
audição como eu.
Geralmente eu procuro Juliet pela casa antes, farejando e ouvindo ela,
para saber se a fêmea está longe o bastante. Na minha raça, chega um
momento que não dá pra evitar se ouvir coisas um dos outros, por isso
muitos filhos preferem sair da casa de seus pais no fim da adolescência.
Caminho devagar, mas assim que abro a porta do cômodo onde estou
indo, já escuto a respiração lenta de Nancy e a encontro dormindo na cama.
Merda!
A fêmea está com um travesseiro debaixo de sua cabeça e dorme com
a barriga pra cima, com um braço acima de sua cabeça e o outro esticado na
cama. O vestido deu uma subida e está muito próximo de mostrar a sua
intimidade e ela está com a boca aberta, roncando baixinho.
Não tem como, eu não posso acordá-la, a minha pequena precisa de
todo o sono do mundo para continuar tendo forças e ela já anda com um
pouco de dificuldade para dormir por conta de sua barriga grande, que deixa
bem difícil para ela encontrar uma boa posição.
Fico assistindo Nancy dormir por um tempo, ela parece tão serena
agora, ao contrário do que estava ontem quando ouviu só uma parte do que
vem acontecendo com a minha raça. O seios dela sobem e descem debaixo
do vestido, ainda com os bicos duros, e isso é pura tortura pra mim agora.
Ela já era linda antes, mas agora que a sua pele está mais bronzeada e
vivendo aqui, parece que Nancy floresceu mais ainda.
Estou hipnotizado pela fêmea, até que sinto um cheiro que já estou
acostumado, mas que não deixa de ser uma delícia. Vou farejando
silenciosamente o aroma pelo quarto largo e ensolarado, até chegar numa
peça de baixo de uma cadeira que mantemos no canto.
Eu me abaixo e pesco com os dedos o que deve ter sido a calcinha
azul que ela tirou para ir me ver lá no escritório, o que significa que a
lingerie ficou grudada na sua bucetinha a manhã toda e pegou bem o cheiro
dela, que aparentemente estava escorrendo de tanto tesão.
Porra, como o cheiro dela é incrível. É azedo e doce ao mesmo
tempo.
Nunca deixa de ser uma delícia e de me dar vontade de rosnar. Nancy
me deixa feroz.
Capítulo 44
Astor
Não posso acordar a fêmea, mas… eu posso usar essa peça aqui para
procurar um pouco de alívio. Então, com a calcinha na mão, entro no
banheiro delicadamente e fecho a porta pesada de madeira atrás de mim.
Quando chegamos aqui, as coisas não estavam sujas e usadas, mas
tudo tinha muito pó e cheirava a uma casa que esteve fechada por muitos
anos. Esse banheiro mesmo fui eu quem esfreguei os azulejos bege do chão,
a pia e o vaso.
É um lugar simples, mas tudo é muito espaçoso, então acho que
Nancy não vai me ouvir. Eu conheço os sons que faz enquanto dorme e ela
não parece que está prestes a acordar. Depois eu posso me deitar na cama,
cochilar um pouco abraçado com a minha humana e voltar ao trabalho.
Enquanto abro o meu zíper e deixo as minhas calças e cueca caírem
no chão, eu me sinto tão sujo, tão errado, mas eu já fiz isso várias vezes,
após roubar a calcinha dela logo nos primeiros dias quando tínhamos
acabado de nos conhecer, e não dá pra fingir que sou o mesmo macho que
morava em Nayni.
Estou viciado, doente por essa fêmea, então eu não tenho escolha a
não ser lamber o algodão em busca de um pouco dela. Esfrego o meu nariz
também no pano e inalo o cheiro pungente, enquanto aperto o meu pau duro
com a mão livre.
Eu não deveria tê-la deixado sair do escritório, deveria ter me aliviado
dentro dela, enquanto chupava os seus seios. Ela já está começando a ter um
pouco de leite e eu tinha que ter aproveitado isso.
— Porra… — o xingamento sai estrangulado dos meus lábios e eu
começo a respirar pesado, aumentando a velocidade da minha masturbação.
Aperto com muita força a minha ereção que pinga pré-gozo no chão e
o meu corpo todo treme. Eu estou tão necessitado, mas tão necessitado, que
dói. O meu coração bate alto e eu não consigo ouvir nada além disso.
A calcinha azul céu de Nancy está colada na minha cara e eu me
esfrego nela, eu lambo ela, molho com saliva. Se eu pudesse, a enfiaria toda
na minha boca.
É a buceta da minha fêmea, é Nancy que eu estou lambendo agora. É
a minha mulher grávida e necessitada. Ela melou esse pano por mim, ela é
minha.
Ela é minha.
Nancy é minha.
— Shikri — choramingo sem orgulho algum, ronronando com muita
força, encostado contra a parede para não acabar caindo no chão.
Os meus joelhos estão até fracos e os meus olhos se reviram enquanto
eu me curvo e aumento a velocidade de como eu me esfrego. O meu pau
está quase roxo de tanto que aperto, ordenhando cada gota de pré-gozo.
Até que eu vou sentindo o orgasmo se formando. Ele deixa cada
músculo do meu corpo tenso, o meu pau pulsa mais forte e eu quero uivar
de tanto tesão, então coloco a lingerie na minha ereção e me esfrego nela, o
que faz o meu quadril dar ainda mais trancos e suor escorrer pela minha
testa.
A minha vontade é abrir essa porta agora e gozar em cima dela, abrir
as suas pernas e deixá-la pingando com a porra. A imagem até se forma na
minha cabeça e ela é tão forte que eu não tenho outra opção além de gozar
imaginando a minha pequena fêmea coberta com o líquido esbranquiçado.
Tampo a minha boca com o meu braço e desse jeito me controlo para
não morder a minha própria língua, enquanto jatos e mais jatos de sêmen
saem de mim. Alguns deles até atingem o piso, mas a maior parte fica na
calcinha dela.
A carga de porra que solto é tão grande, que cobre toda a calcinha da
minha fêmea e ela deixa de ser azul céu, para ir se tornando azul escuro. O
pano fica encharcado de sêmen, pingando, e parece até que eu vou desmaiar
de tão intenso que foi isso.
— Astor? — Até que sem mais nem menos a porta do banheiro, que
eu esqueci de trancar, se abre, e do outro lado está o meu maior desejo.
Tomo um grande susto, mas do jeito que fiquei fissurado em me
masturbar, nem se Nancy tivesse gritado do outro lado eu teria ouvido. Ela
me encara confusa por alguns segundos, examinando todo o ambiente, até
que entende exatamente o que está acontecendo. E eu estou numa mistura
tão grande de tesão e vergonha, que não sou capaz de proferir nenhuma
palavra sequer. Ainda estou segurando o meu pau e ele ainda continua duro,
não tem como negar o que eu estava fazendo.
Só que Nancy não é uma fêmea comum, ela nunca foi, e sem dizer
nada, ela entra no banheiro junto comigo, estica a mão e pega a calcinha
gozada de mim. Eu acabo a deixando levar a lingerie, para ver o que vai
fazer, e é claro que a pequena humana me surpreende.
Ela se curva do melhor jeito que consegue, por conta de sua barriga
que atrapalha um pouco, coloca um pé e depois o outro nos dois buracos da
peça, e devagar a morena sobe a calcinha completamente coberta de porra,
até que esteja encaixada em seu corpo. No caminho, muito do seu sêmen se
esfrega nas suas coxas e também na sua bunda e me faz engolir em seco.
— Eu fico bonita assim, mon durkiah? — pergunta com manha e um
olhar determinado e safado em seu rosto, depois abre um sorriso pra mim.
Eu não consigo responder, estou maravilhado e chocado demais.
Nancy se vira de costas e sobe o seu vestido, me mostrando como a
calcinha gozada fica em seu corpo. Ela pega a peça pelas alças e faz com
que a coisinha molhada fique bem enterrada em sua bunda, enquanto se
curva para frente e me mostra tudo o que consegue.
— Loarla — rosno e não deixo que continue a sua provocação. Nancy
não vai me enlouquecer como ela adora fazer, eu vou colocar rédeas nessa
fêmea hoje. Com pressa, antes que ela queira brincar de gato e rato comigo,
eu me aproximo e a pego pela cintura, para que fique parada no lugar.
Eu não sei quem foi que contou para Nancy que correr atiça
persaneses, mas ela está sempre tentando testar essa teoria comigo, e é claro
que nunca deixo. Primeiro porque ela é muito mais baixa do que eu, então
as suas pernas são mais curtas e ela não consegue ir muito longe, e segundo
porque se essa morena ativar o meu modo de caça, eu não vou conseguir ter
cuidado algum com o bebê.
— Sua filha da putinha. — Desço as mãos por seu corpo, apertando
os seus seios no caminho, que deram uma certa crescida desde o último
mês, e vou massagear por trás a sua buceta por cima da calcinha, fazendo o
meu gozo se esfregar nela.
Eu não consigo nem pensar direito agora, só quero impregnar o meu
sêmen nela.
A minha vontade é de rosnar e uivar feito um maluco, porque vê-la
vestida assim faz algo de muito estranho comigo, me deixa muito mais
selvagem do que eu posso ficar perto da minha fêmea humana.
— Você acha que é justo xingar uma grávida, senhor curandeiro? —
Ela consegue brincar, já que sou eu quem ainda tenho uma ereção pulsando
e dolorida.
— Quando ela está tentando me enlouquecer, sim! — grunho e não
perco tempo. Levanto uma perna minha de cada vez, me livrando da calça e
da maldita cueca que Nancy quer que eu use, e depois me curvo, enfio um
braço por trás de seus joelhos e o outro eu uso para apoiar as suas costas e
tirá-la do chão.
— Ei! — exclama, conforme eu a levo para fora do banheiro e direto
pra cama, onde a coloco com a maior delicadeza que consigo, que não é
muita.
— Eu não estou com tempo para as suas gracinhas — falo sério,
sentindo o meu pescoço engrossar com as minhas veias que devem estar
saltando. A minha cauda não para quieta atrás de mim e parece que eu corri
uma maratona.
— Você nunca está. — Encarando-me no fundo dos olhos, Nancy se
coloca de joelhos em cima do colchão. — Não aguenta nenhuma das
minhas brincadeiras sem ficar duro e louco pra me comer. — Ela levanta os
braços e tira o vestido pela cabeça. — Como eu gosto desse, vou tirar antes
que você rasgue — fala com a experiência de quem já foi fodida por mim
muitas vezes.
Eu me sinto um bicho do mato, um pervertido a assistindo se despir
lentamente, enquanto volto a me masturbar. Nancy tira o vestido larguinho
com facilidade e depois o joga no chão despreocupadamente. Ela está
ansiosa, com o coração batendo rápido, mas não deixa de ficar quase nua,
com todas as suas pintinhas em sua pele e agora a marca da parte superior
do biquíni que usa para ficar na piscina, o que me faz rosnar.
— Acha que eu tenho medo só por que você rosna, lobo mal? — Ela
continua brincando, com seus cabelos castanhos cobrindo uma boa parte de
suas costas e os seus seios com bicos rosados duros. — Pode rosnar o
quanto quiser, Astor, eu sei que você me adora.
Ainda segurando o contato visual comigo, olhando por cima de seu
ombro direito, ela se ajeita na cama de casal larga até ficar em seus quatro
apoios, com a calcinha pequena e gozada no corpo aparecendo bem.
Porra, eu quero matar essa mulher!
Nancy fica linda de quatro pra mim, consigo olhar a sua barriga se
apoiando na cama aqui de trás e ela sacode o traseiro pra mim, fazendo os
dois lados de sua bunda se baterem.
— Vai vir comer ou vai ficar só olhando? — pergunta, com o rosto
todo vermelho por saber que está me provocando. Porra, ela está tão
animada por isso!
Então eu me obrigo a largar a minha ereção, caminho até Nancy, me
sentindo mais um adolescente que qualquer coisa, já que ela está parecendo
uma deusa, e sem pensar muito coloco a lingerie azul para o lado e depois
ponho uma mão de cada lado de sua bunda e faço ela se esticar, dando uma
boa olhada em seu cuzinho e em sua buceta.
Na mesma hora Nancy se contrai e eu a sinto tremer, com a sua
excitação num nível tão alto quanto o meu. Ela sente muito prazer em me
provocar, em me dominar, de certa forma, me forçando a dominá-la.
— Você não sabe pelo que está pedindo — falo, já me posicionando
atrás de seu corpo, com uma perna em cima da cama, apoiando o joelho
para me dar precisão, e a outra perna ainda no chão.
Eu pego os cabelos dela, faço um rabo de cavalo e enrolo no meu
pulso, assim consigo ter total controle enquanto monto Nancy, que faz um
barulho como um animal ferido, conforme a cabeça larga do meu pau
começa a deslizar para dentro. Como sempre, não é fácil conseguir enfiar
algo tão grosso num canal tão apertado, mas também não é tão difícil como
da primeira vez.
Aperto tanto os meus dentes um contra o outro, que o meu rosto todo
fica tenso enquanto eu empurro o meu quadril e vou dando pequenos
trancos, me encaixando em Nancy. Escolho não tirar a calcinha dela, deixo
a peça só de lado, e vou entrando no lugar mais quente, apertado e delicioso
do mundo.
— A-astor… — gagueja o meu nome e joga mais o peso do seu corpo
para frente, assim não se apoia em sua barriga. Tenho certeza que seus
olhos estão se revirando agora.
— Porra! — eu xingo e vou pegando maior velocidade, batendo com
a minha pelve contra a sua bunda grande, que impede que uma parte do
meu pau entre.
Nessa posição, eu sinto que ela consegue me tomar com muito mais
facilidade e logo estou pegando ritmo e metendo em Nancy com as minhas
duas mãos segurando em sua cintura, para mantê-la no ângulo certo,
enquanto a fêmea geme todo tipo de palavrão possível. Ela sabe que não
pode gritar ou isso acordaria Cyan, que tem os ouvidos mais sensíveis,
então mantém a voz no tom mais baixo que consegue.
Até que eu tenho uma ideia, de algo que ainda não tentei, e que com
certeza vai agradar Nancy. Pego a minha cauda e passo a esfregar do lado
de fora do seu ânus, que responde na mesma hora deixando que eu comece
a me afundar nele. Na ponta do meu rabo eu não tenho muita sensibilidade,
não é a mesma coisa que colocar o meu pau aqui, mas ainda é uma
cartilagem em forma de triângulo que consegue se dobrar e entrar pouco a
pouco.
— O que você está… — a pergunta dela se perde no meio do
caminho conforme eu empurro mais para dentro da sua bunda, até que o
triângulo todo entre.
— É a minha cauda, fêmea — respondo e desfiro um tapa em seu
rabo, o que faz Nancy me apertar ainda mais em sua buceta e me deixa
começar a empurrar a cauda dentro dela, fazendo fricção, assim consigo
penetrá-la duplamente.
— Eu não acredito nisso — geme, com a sua boca contra a cama,
assim o som fica abafado. — É tão gostoso.
Eu fodo Nancy freneticamente, com o meu pau e com a cauda, até
que o som das minhas bolas batendo contra ela vire uma constante. Só que
desse jeito Nancy não dura muito, eu sinto as suas paredes me apertando
cada vez mais e isso quer dizer que o seu orgasmo está chegando.
— Astor, eu vou gozar — avisa e mesmo assim eu não paro de meter,
enfio tudo que consigo da minha ereção vermelha com os piercings
dourados nela, até que a fêmea esguicha pra mim e me deixa morrendo de
vontade de beber tudo. — N-não para, pelo amor de Deus. — Só que
quando Nancy goza, é quando ela mais sente vontade de ser penetrada,
então se eu me retirar agora para enfiar a minha cara no meio de suas
pernas, ela vai se sentir muito vazia.
Por isso eu tenho que aguentar o seu orgasmo, com as suas paredes
vaginais me apertando feito um punho, e me fazendo ter que me segurar
muito para não gozar também. É uma prova de fogo continuar fodendo e
não me derramar dentro dela.
Eu só paro um pouco quando o seu corpo amolece e me retiro devagar
de seus dois buracos, para que a fêmea se vire na cama e fique com as
costas contra o colchão e as pernas abertas. Só que eu ainda estou duro,
então volto para dentro dela.
— E-eu estou sensível — choraminga e mesmo assim eu mantenho as
suas coxas separadas com as minhas duas mãos. O seu corpo todo se sacode
com a minha invasão, mas eu só paro mesmo de meter ao sentir que vou
gozar também, então me retiro rapidamente, antes que o meu pau comece a
inchar.
Com os meus dedos, abro o buraco onde eu acabei de estar e como ele
já está bem alargado, os jatos de porra saem do meu pau e começam a
cobrir a buceta de Nancy.
Não sei como, mas mesmo que tenha acabado de gozar no banheiro,
ainda assim eu tenho um estoque muito bom de sêmen para preencher a
minha pequena loarla.
Capítulo 45
Astor
Assim que eu acabo de encher esse buraco com gozo, Nancy acha que
nós acabamos por aqui. Mas antes que ela possa se mexer, eu aproveito a
posição, tiro a minha cauda de dentro dela e começo a esfregar a cabeça da
minha ereção na entrada de sua bunda.
— Porra — xinga, respirando com dificuldade e com suor rolando em
seu rosto, então eu empurro um pouco mais o meu quadril e ela treme. — O
que vai fazer agora? — pergunta, surpresa e tentando olhar onde os nossos
corpos se juntam, só que a barriga de grávida dela já está grande demais
para isso.
Nancy sabe que eu consigo gozar uma dezena de vezes para ela se for
preciso, mas acho que a fêmea se esquece disso, já que eu ando tão tenso e
ocupado, sempre conversando com Dion e procurando um jeito de colocar a
minha família em segurança.
— Você sabe o que eu vou fazer. — Continuo insistindo, com o gozo
de sua buceta descendo para o seu rabo e ajudando a lubrificar. — Relaxa o
cuzinho, senão, não vai entrar. — As palavras saem entre os meus dentes e
eu tenho que controlar a minha respiração, para conseguir respeitar os
limites que o seu corpo dá.
— Mas nós acabamos de transar — geme, com os seus peitos
balançando e o seu corpo todo vermelho. Ela ainda deve estar hiper sensível
do squirting que acabou de ter.
Essa posição com ela deitada na cama toda aberta na minha frente,
enquanto eu continuo de pé, é muito boa para que eu possa adorar os seus
pés que tem inchado por conta da gravidez. Eu puxo um deles para a minha
boca e lambo a sola, o que faz Nancy praticamente rosnar em resposta.
Chupo alguns de seus dedos com a minha longa língua e isso deixa a fêmea
feroz, puxando o lençol de baixo de si e tentando conter as sensações. Ela é
muito sensível aqui, então eu já aproveito para me curvar e deixar uma
mordida atrás de sua panturrilha.
Nancy se move desesperadamente, ela tenta sair do meu aperto, se
levantar de alguma forma e eu não deixo. Lambo o fio de sangue que
escapa pelos buracos que fiz e sinto-a abrir espaço no seu rabo para mim
com a minha provocação.
— Está louca pra dar o cu pra mim, mas o meu pau é grande demais e
vai te arregaçar se você não me obedecer. — A minha pequena humana
adora palavras sujas e como tudo está bem molhado lá embaixo, ainda mais
comigo vazando pré-gozo, a minha ereção entra até a metade. — Isso, bem
relaxado. — O meu ronronado está reverberando até no meu pau enquanto
eu invado Nancy, preenchendo-a de um jeito que me deixa suando,
revirando os olhos conforme meto com vontade. — Você é uma delícia,
meu amor, uma delícia.
Rasgo a calcinha na frente assim que consigo entrar e sair sem tanta
dificuldade e para ensinar para Nancy uma boa lição. Puxo o pano de baixo
dela e enquanto sigo comendo o seu cu, enfio parte da lingerie em sua
buceta gozada. Com os dedos eu estufo a peça até que fique pendurada em
Nancy.
— Astor! — grita e eu enfio mais a calcinha nela, massageando-a por
dentro em seus dois buracos. — Você… o-o que você está fazendo? —
Nancy está esbaforida.
— Não, você vai calar a boca e vai aceitar tudo que eu te dou, fêmea
desobediente — grunho e coordeno estocadas profundas em seu rabo,
enquanto meto em sua buceta, até que o meu pau começa a inchar e dessa
vez eu não saio de dentro dela.
A cabeça do meu caralho e a base dele incham, como sempre fazem
quando estou sendo muito apertado. É uma forma do meu corpo me manter
alojado dentro da fêmea e eu gozo tanto no cu de Nancy, que eu me
pergunto o que vai acontecer quando ela não estiver mais grávida.
Como eu vou conseguir me segurar para não fazer um filho atrás do
outro nessa mulher?

O dia
acabou de amanhecer segundo a luz que entra pelas frestas da janela, mas
eu não quero ter que me levantar agora. Nancy está dormindo
profundamente ao meu lado e eu gosto de ouvir a sua respiração lenta
enquanto a abraço por trás. Ela se encaixa perfeitamente bem contra mim e
se eu pudesse passaria o resto do meu dia assim, com a minha pequena
fêmea relaxada, sem chorar de medo pelo que está acontecendo lá fora, só
que filhote nenhum se importa com o horário para começar a chorar.
Eu fiz dois berços nesse tempo que temos passado nessa nova casa,
com certeza me deixou menos estressado mexer com marcenaria, coisa que
eu vivia fazendo quando estava em Nayni. Um dos móveis fica no quarto de
Juliet e o outro fica no quarto que eu durmo agora, e essa noite Cyan
dormiu aqui conosco, então eu sei que se não me levantar logo e tirá-lo
daqui antes que comece a gritar, Nancy vai acordar.
Sento-me na cama por dois segundos, só tempo o bastante para passar
a mão no rosto e terminar de me sintonizar. Mas o menino chora de maneira
ainda mais sentida, se sacudindo dentro do berço, o que me faz lembrar de
uma conversa que tive com Juliet um tempo atrás. Não que eu e ela nos
falemos bastante, mas por incrível que pareça, esse filhote parece tê-la feito
se aproximar muito mais da minha raça nos últimos dias.
A irmã da minha fêmea acha que o choro de Cyan vem do fundo de
seu coração, que é sofrido, como se estivesse magoado por ter sido
abandonado por sua mãe, porque ele sempre derrama lágrimas, o que não
costuma acontecer toda vez que um bebê chora.
— Vamos lá — resmungo pra mim mesmo, caminho até o berço
devagar e olho para o ruivinho, que está no processo de rolar de um lado
para o outro e para feito uma estátua.
As suas bochechas avermelhadas do pouco de sol que ele tem pego
aqui, estão realmente muito molhadas, mas no segundo que me vê, Cyan
abaixa o volume de sua voz e fica me encarando com as suas íris verdes,
que são exatamente da mesma cor das de Niflin.
Tudo bem, Astor, você já fez isso antes, já pegou esse menino no colo
várias vezes e se vai continuar o comparando com o seu irmão morto toda
vez que o ver, vai ser difícil criá-lo, e eu sei que você quer fazer um bom
trabalho.
Então enfio os braços por debaixo do seu corpo e com muito cuidado
tiro o pequeno persanes que está fervendo de tão quente de seu berço e o
coloco contra o meu peito. Nancy tem um pouco de dificuldade de pegá-lo
assim, devido ao seu tamanho e de como esse menino tem crescido. Ele
deve estar no mínimo com uns 17 ou 18 Kg e isso é muito para ela.
Mas pra mim é bem fácil, só tenho que lembrar de abraçá-lo da
maneira certa e isso faz Cyan se aconchegar contra mim na mesma hora e
começar a ronronar baixinho. Ele é sempre tão agitado com as irmãs, mas
comigo sempre está pronto para tirar um cochilo.
— Shhh — sussurro, porque ainda está fungando e soluçando, e vou
saindo do quarto com ele no meu colo. A fêmea está tão cansada que a sua
respiração nem muda na cama, o que significa que o seu sono não foi
afetado. — Eu vou te dar o seu café da manhã — falo descendo as escadas e
indo em direção a cozinha dessa casa mais do que enorme para três adultos
e um filhote viverem.
Normalmente, as mães costumam amamentar os seus bebês até pelo
menos um ano e meio a dois anos de idade, enquanto isso eles têm uma
dieta mista, rica em carne crua e muitas frutas, mas infelizmente esse
pequeno aqui não teve esse luxo e tem que beber fórmula pronta.
Quando Nancy começar a lactar de verdade, se tudo der certo ele
pode voltar a mamar e isso vai ajudar na sua nutrição.
— Você já sabe ficar sentado porque é um menino grande, então eu
vou te colocar aqui e você vai ver o seu titio Astor preparar a sua
mamadeira.
Sei que é loucura tentar bater papo de igual pra igual com um filhote
que chama todo mundo de “mama” e que passa o dia estrangulando os seus
bichinhos de pelúcia. Porém, de uma forma estranha me deixa mais
confortável conversar com ele assim, ainda mais porque Juliet e Nancy
batem papos completos com ele e elas são os meus melhores exemplos de
como cuidar de um bebê.
Tento colocar Cyan sentado em cima do balcão de mármore na
cozinha, só que ele não desgruda de mim. O menino, que tem muito mais
força do que qualquer criança humana da sua idade, se gruda em mim feito
um macaquinho e ameaça começar a chorar alto.
— Tudo bem, tudo bem. — Paro de tentar colocá-lo no balcão no
primeiro grito mais alto dele e começo a procurar pela fórmula. — Nós
vamos fazer isso juntos então.
Todos os cômodos nesse lugar são repletos de partes de madeira, e
aqui não seria diferente. A cozinha tem muitos armários que quando
chegamos estavam cheios de teias de aranha, mas que nós já preenchemos
com muitos mantimentos.
Acho o pote da fórmula com facilidade e passo o tempo todo
balançando Cyan devagar, enquanto ele brinca com os meus cabelos.
Eu sei cheirar as emoções de adultos, mas de crianças tão pequenas eu
não sou bom, já que não tenho muita prática com filhotes nessa área
específica sobre as suas emoções. Lena, a filhote de Karina, e os gêmeos de
Crystal foram os últimos que vi e eu até que não me senti tão mal com eles,
o que foi um grande milagre. Mas de maneira geral, acho que Cyan cheira
mais a contentamento a cada segundo em meu colo e isso é estranhamente
reconfortante.
— Que bom que você está feliz — sussurro, dando tapinhas leves em
sua fralda enquanto ele enrola a sua cauda fina e cinza no meu braço, e
agora eu entendo o que Nancy quer dizer sobre o meu ronronar. É realmente
muito bom senti-lo assim, me deixa menos tenso.
Claro que Cyan já ronronou pra mim antes, mas eu acho que essa é a
primeira vez que ficamos sozinhos um com outro, já que Juliet e Nancy
amam esse garoto e o levam pra todo canto.
É como se esse fosse o nosso momento.
Quando ele chegou na mansão Dolunay, eu com certeza não
conseguiria fazer isso. As pessoas têm medo de muitas coisas, mas eu
nunca vi ninguém ter medo de bebês como eu. Não era bem medo dele me
fazer mal, mas medo de eu fazer algo de errado, de eu explodir e deixar
toda a tristeza em meu peito sair em cima de um menino tão pequeno e tão
puro.
Mas com o tempo que temos passado juntos, eu já aprendi a lidar com
esse filhote. Ele não entende o que está acontecendo e só quer se sentir
aconchegado. Contudo, dentro de mim ainda existe uma espécie de trava
estranha, um aperto no peito que me deixa em pânico às vezes, me
perguntando como eu vou conseguir criar esse menino sem que ele sofra a
falta de seus pais de sangue.
Nancy diz que eu tenho que relaxar mais e seguir os meus instintos,
só que ultimamente a minha ansiedade tem falado muito mais alto do que
qualquer instinto e a minha cabeça tem se tornado uma zona de guerra.
— Será que esse tanto aqui de água está bom? — me pergunto
enquanto coloco água dentro de uma panela para esquentar no fogão e, por
incrível que pareça, Cyan tenta me responder, mas é claro que não sai
palavras muito inteligíveis de sua boca, no máximo eu consigo entender
“papa”, porque Nancy e Juliet falam isso quando chega no momento dele
comer: “É hora do papa” elas dizem e ele se agita todo.
Para que tudo ocorra bem, eu ligo o fogo rápido, coloco a panela em
cima da boca do fogão e enquanto a água fica esquentando, vou para o lado
oposto na cozinha com o filhote no colo.
— Sei que nos conhecemos faz pouco tempo... — Começo a falar e
depois paro. Eu quero mesmo conversar com ele assim? Mas talvez
conversar assim seja o melhor jeito, porque não tem como eu errar e dizer
algo para magoá-lo, pois o menino está começando a formar frases agora, e
bem curtas. — Eu quero muito poder cuidar bem de você, Cyan. Não quero
substituir o seu pai, só quero lhe dar uma boa vida.
A minha voz embarga na hora e o filhote continua alheio, colocando a
sua cabeça na curva do meu pescoço e me cheirando enquanto ronrona.
Eu já pensei e repensei um milhão de vezes sobre isso, mas não
consigo decidir se eu devo me impor como pai dele. E se ele crescer e não
gostar disso? E se ele achar que eu fiz um trabalho horrível e se revoltar
porque apaguei a memória de Niflin?
— O seu pai de verdade infelizmente se foi e quando você crescer
talvez você entenda, pelo menos eu espero isso — murmuro e a cozinha
fica toda borrada, com as lágrimas que tomam os meus olhos. Mas não tem
ninguém por perto, acabou de amanhecer, não tem pra que ter vergonha. A
minha mãe não está aqui para dizer que chorar não é coisa de macho. — As
circunstâncias da morte dele não foram boas, ele estava tentando fazer mal
a uma fêmea que estava com um filhote como você na barriga, e o… bubu
desse bebê teve que parar o seu bubu. Mas eu nunca vou mentir para você,
Cyan, nunca.
— Bubu. — Ele parece reconhecer a palavra, que é um jeito em Vrain
de dizer “papai” que crianças pequenas geralmente usam e que eu falei pra
tentar soar mais amigável.
— Foi Nancy quem te ensinou a falar bubu? — pergunto, surpreso
com sua reação.
— Bubu! — ele exclama dessa vez e eu noto que a água ferveu e está
quase transbordando na panela.
— Shikri! — xingo e corro para desligar o fogo.
— Shiki! — ele repete com a sua voz fina e o seu próprio jeito de
falar e para de me abraçar, pra começar a querer mexer nas coisas enquanto
eu ando pela cozinha atrás da mamadeira dele.
— Isso você não pode falar. — Acabo sorrindo com o filhote
repetindo “merda” em Vrain.
Demoro um pouco, mas eu consigo fazer a mamadeira dele e não
coloco a cozinha abaixo, então acho que é uma vitória. Tenho que aprender
a cuidar direito dele e ainda pegar o jeito para quando Nancy der à luz.
Eu coloco Cyan de barriga pra cima na horizontal no meu colo e ele
mesmo segura a mamadeira de pé, enquanto suga o conteúdo com fome e
mexe as suas orelhinhas a cada vez que suga o bico transparente.
Fico parado assim por poucos minutos, encostado contra o balcão, e
só quando ele acaba com todo o conteúdo da mamadeira, eu percebo que
me juntei a Cyan e estou ronronando também.
Eu tiro a mamadeira de suas mãos gordinhas e ele fica me encarando
com os seus olhões que parecem bem sonolentos agora, depois boceja e se
vira no meu colo, como se eu fosse o colchão do seu berço. Cyan gruda o
seu rosto no meu peito, coloca um dedo na boca pra chupar, já que chupeta
nenhuma resiste aos seus dentes, e com a outra ele segura uma mecha do
meu cabelo.
— Bubu — fala, chupando o polegar e se aconchegando em mim, e
essa é com certeza a coisa mais mágica que já me aconteceu na vida. O
cheiro do que acho que seja felicidade nele aumenta, está saindo por todos
os seus poros e o ronronar só fica mais alto, o que enche o meu peito de um
sentimento quente, um alívio muito grande. — Bubu Ator. — Com certeza
deve ter sido Nancy quem ensinou isso pra ele.
— Eu sou vian, Cyan — explico a ele como dizer tio.
— Bubu Ator — ele repete, continua chupando dedo e puxa o meu
cabelo, o que me faz soltar uma respiração pesada pelo nariz.
Por mais racional que eu queira ser sobre a morte de Niflin e sobre o
jeito de criar Cyan para minimizar os danos no futuro, esse filhote aqui não
quer saber de nada disso agora, ele só quer um pai. Ele só quer ser cuidado
por suas duas “mamas” e ter com quem se aconchegar.
Ele só quer ser amado e eu sei que posso aprender a dar esse amor,
porque fiz isso pelo meu irmão há muitos anos.
— Eu vou ser o seu bubu, então.

Nancy
O cheiro de terra molhada preenche as minhas narinas conforme
ando por essa selva escura e densa. Eu olho para cima e só vejo as copas
das árvores, enquanto dos meus lados os seus troncos me espremem e me
fazem ter que me esforçar muito para passar.
Não tem ninguém à minha volta, eu estou sozinha nesse lugar.
Está escuro por conta da vegetação no alto, que cobre tudo o que
deveria ser céu, então eu não sei dizer se é dia ou se é noite, e a minha
respiração não está fácil aqui. É como se tivesse algo impedindo que eu
sugasse todo o ar que realmente preciso.
Eu sigo me esfregando contra os troncos pra conseguir passar, até
que vejo uma luz verde vindo lá de longe.
No começo parece um vagalume e depois vai ficando mais forte. As
cascas das árvores raspam na minha pele e isso faz arder, só que eu não
tenho o que fazer além de seguir em frente, por isso vou andando mais
rápido para investigar o que está acontecendo.
Porém, quanto mais eu ando, mais longe parece que fica. O
nervosismo vai se apossando de mim, eu começo a ficar tonta pela falta de
ar e o meu coração bate muito forte, mas eu não desisto de atravessar essa
vegetação para saber o que é essa luz.
Só que ao chegar perto do brilho esverdeado, as árvores ficam com
mais espaço entre si, deixando eu me mover livremente, e eu encontro um
corpo jogado no chão terroso.
A luz some de repente.
Sem dificuldades, eu entendo que é um homem adormecido com o seu
rosto grudado no chão de terra, só que algo em seus cabelos alaranjados e
nos chifres saindo de sua cabeça, me dizem que eu o conheço.
Ajoelho-me e faço muita força para conseguir rolar o macho, até que
o seu rosto fica visível e eu entendo que esse homem de olhos fechados e
todo sujo de terra é Astor.
Começo a chamar o seu nome, ou pelo menos eu tento isso, já que
nenhum som sai da minha boca e isso é aterrorizante. Toco o seu rosto,
pego em seus cabelos e mesmo assim ele não responde.
Eu tateio o meu caminho por seu corpo e encontro algo enfiado nele.
Tem um punhal prateado enfiado em seu abdômen, que está empapado de
sangue.
Capítulo 46
Nancy
— E-eu tive um sonho horrível, Astor — falo, ainda com as minhas
mãos tremendo por conta do que acabei de ver. O meu rosto está banhado
em um suor frio e pegajoso, assim como as minhas costas, e o meu
estômago está revirado de tanto enjoo.
— Calma, mon nya [GS7]— ele sussurra, provavelmente sem
entender nada do que está acontecendo comigo, enquanto segura Cyan com
um braço só, que dorme contra o seu peito. — O que você viu? — Astor
coloca o meu cabelo para longe do meu rosto e no mesmo momento Juliet
desce as escadas e caminha em nossa direção usando o seu short e blusa de
dormir.
Ela deve ter me ouvido vir até aqui com pressa e veio atrás.
— O que foi, Nancy? — pergunta, soando preocupada. Deve estar
estampado na minha cara que tem algo de errado então eu descrevo
exatamente o que acabei de ver.
— Foi horrível. — A minha respiração ainda está desregulada de tão
verdadeira que a visão pareceu.
Tem uma angústia grande no meu peito e mesmo que esteja olhando
para o rosto de Astor nesse segundo, ainda assim a imagem do punhal
enfiado em sua barriga fica reverberando em minha cabeça.
— Eu também tive um sonho — Juliet revela, agora encostada contra
um balcão.
— Como foi o seu?
Será que ela viu o mesmo que eu?
Se sim, então as chances de acontecer são maiores e isso me deixa
com os dentes batendo um contra o outro de tanta ansiedade. Eu não posso
perder Astor, nós acabamos de começar a nossa vida, acabamos de nos
conhecer e ele tem certeza que somos companheiros de alma.
— Eu sonhei com a tal pedra vermelha que está nas suas ilhas, a
moarni. E no meu sonho uma voz dizia que essa pedra era a nossa saída. —
A minha irmã consegue descrever o seu sonho com pelo menos 50% mais
calma do que eu, que estou freneticamente mordendo o meu lábio inferior.
— Mesmo? Tem certeza?
Eu sonhei com um problema e a Juliet sonhou com a solução, ótimo.
Agora um dos Dark Elf só precisa ir até a ilha buscar a pedra, já que ela só
cheira diferente para lobos, e podemos procurar um jeito de usar moarni
contra Frederick.
— Sim, primeiro eu estava andando por Red Town, caminhando entre
os protestantes e é como se eu visse uma sombra atrás de cada um deles,
como se eles fossem só marionetes. Bruven está manipulando a todos —
explica e eu concordo com a cabeça, me esforçando para imaginar como
foi. — E depois eu ia parar no meio de um monte de árvores, que eram
muito apertadas umas contra as outras. No chão dessa floresta encontrei
uma pedra vermelha e uma voz feminina disse na minha cabeça: “Essa é a
sua única saída para derrotá-lo.”
— Deve ser a mesma floresta que eu estava! — exclamo mais alto do
que deveria e a sorte é que Cyan está sempre dormindo quando fica nos
braços de Astor, se não ele com certeza teria acordado e ficaria de mau
humor o resto da manhã.
— A ilha onde a pedra ficou tem uma floresta tropical muito grande e
esses sonhos são a prova de que eu tenho que ir buscar moarni — o ruivo
fala e de repente a pouca animação que eu estava sentindo já acaba.
— Como assim você ir buscar moarni? — Franzo a testa, sem gostar
dessa ideia. — Você não pode ir, quem tem que ir são os Dark Elf. Eles
viram lobos, então conseguem cheirá-la e vão encontrar com muito mais
facilidade essa pedra, que foi Dante e Oliver que localizaram quando estava
na ilha e esqueceram na casa.
— Os sonhos de vocês duas deixa mais do que claro que nós
precisamos de moarni. Sem essa pedra, nós vamos todos morrer e… —
começa a falar, mas eu o interrompo.
— Não! O meu sonho deixava claro que você ia morrer se fosse até
essa floresta! — berro e dessa vez Cyan acorda mesmo, e já acorda
chorando. — Não tem por que você ir, converse com eles e faça um deles
ir!
Eu não consigo me controlar para ajudar o bebê a parar de chorar,
porque me sinto com muito ódio agora e com tanta ansiedade que parece
que eu vou vomitar. O único Dark Elf que conheci foi Dante e ele com
certeza vai conseguir voltar até a ilha e achar a pedra sem problema algum.
Era grande e forte, e ele foi quem viu moarni pela última vez.
— Se essa é a nossa chance de parar Frederick, eu preciso ir, Nancy
— argumenta, me encarando no fundo dos olhos e chegando mais próximo
de mim. — Eu vivi naquelas ilhas durante anos, posso não virar lobo, mas
conheço aquelas matas e vou saber encontrar a casa que Dante descreveu
com muita facilidade. — Astor acha mesmo que vai me convencer
enquanto a minha irmã tira o bebê do seu colo e vai para a sala sem dizer
nada, provavelmente para tentar acalmar o filhote.
— Não! Você tem que ficar aqui, comigo e-e com a minha irmã, e
com Cyan. — Nego com a cabeça freneticamente e as lágrimas começam a
descer pelos meus olhos porque eu me sinto impotente diante dessa
situação. Eu estou fungando e soluçando agora, vendo tudo borrado. —
Você não pode fazer isso comigo, v-você é meu, nós estamos a-acasalados e
se você for, vai morrer, Astor. Eu vi! — Eu vou gaguejando e me
atropelando nas palavras, porque o curandeiro realmente pareceu sério
quando disse que iria buscar moarni.
— Calma, tá bom? — Ele me pega pelo queixo e o meu lábio inferior
treme.
— Como eu vou ter calma? — Consigo controlar o meu tom de voz,
pois não quero assustar mais o meu pequeno persanes. — Tem três machos
perfeitamente capazes de buscar e-essa pedra, que viram bestas de mais de
3 metros e podem se defender, e você quer me convencer que é você quem
tem que ir buscar isso, Astor? — falo seriamente, mesmo que esteja
tremendo, e isso faz o ruivo colocar as suas mãos nas minhas costas e me
abraçar contra o seu peito.
— Tudo bem, Nancy. Se você não quer que eu vá, eu não vou. — O
tom dele é conciliador, mas ainda assim eu continuo com medo.
— Promete? — pergunto com a minha boca contra o seu corpo, de
olhos fechados, sentindo a sua cauda me abraçar também. — P-promete que
não vai se colocar em perigo? Converse com os Dark Elf, negocie com eles.
— Tudo bem, meu amor. — Astor dá batidinhas nas minhas costas e
eu o abraço com força, como se pudesse prendê-lo a mim. Encho os meus
pulmões com o seu cheiro tão familiar e que sempre ajuda a me acalmar e
me esforço para não surtar ainda mais. — Eu vou conversar com Klaus,
Dante e Vladimir ainda hoje, ok?
— Não decida nada só com eles, Astor, porque eu vi no meu sonho
você… você todo ensaguentado nessa floresta. — Levanto a minha cabeça
e o encaro. — Se você for, vai morrer.

Astor
A conversa que eu tive com os três Dark Elf’s não foi tão conclusiva
quanto eu gostaria, eles acreditam nas habilidades de ver o passado e de
prever o futuro tanto de Nancy quanto de Juliet, mas acham muito perigoso
voltar agora para as ilhas. Eles têm medo de serem interceptados no meio
do caminho, já que os protestos estão por todos os cantos e a maioria dos
persaneses não está saindo de casa. Em comparação a um humano, nós
somos com certeza muito mais fortes. Só que hoje em dia eles não estão
andando sozinhos, andam em bandos armados e prontos para atacar
qualquer ser com chifres e cauda que vejam.
Além disso, foi vazado na internet um documento com uma série de
ervas que podem fazer mal à minha raça. Com certeza foi Frederick quem
deu um jeito de disseminar essas informações.
O ódio está generalizado e os Dark Elf querem montar um plano que
seja menos arriscado. Eles entraram em contato com os humanos que vivem
na ilha e vão precisar que algum deles ache a pedra e traga para nós, só que
até mesmo essas pessoas estão mais arredias, e se antes já era difícil ter com
quem contar em Nayni, agora está ainda pior.
Mas Dante, Vladimir e Klaus preferem esperar para encontrar uma
pessoa certa, do que arriscar uma viagem até o Arquipélago de Cosmos e
encontrar moarni eles mesmos.
É claro que eu achei essa ideia um absurdo, visto que, quanto mais
tempo nós demorarmos para buscar a pedra vermelha, pior as coisas vão
ficar, e quem sabe como vão estar daqui dois ou três meses?
No final das contas, eu tive que concordar com os Dark Elf, não tinha
como pressioná-los a arriscar as suas vidas, pois todos nós temos pessoas a
zelar. Eles têm as fêmeas e os filhotes deles, e eu tenho a minha fêmea que
está grávida, a irmã dela e o meu sobrinho.
— Merda — resmungo baixo, pensando nessa ligação que finalizei
dias atrás, mas tenho que conter a minha frustração e o meu ódio, pois
agora eu estou na cama e Nancy ainda dorme pesado.
Mas é só eu parar para prestar atenção em como está o seu sono, que
a sua respiração tem um pico muito rápido e o cheiro do seu nervosismo se
espalha feito um gás tóxico pelo quarto. Eu já ouvi dizer que não se deve
acordar alguém no meio de um pesadelo, só que esses sonhos da minha
pequena estão ficando cada vez mais reais, o que tem causado muito
sofrimento a ela, então coloco a mão em seu ombro com cuidado.
— Nancy? — sussurro, querendo acordá-la, mas e não assustar. —
Mon bouan? Abra os seus olhos, eu estou aqui, minha princesa. — Faço
uma leve pressão em seu ombro e balanço o seu corpo também um pouco,
até que suas pálpebras comecem a se mover com velocidade. — Nancy,
acorda, por favor. — Eu não quero soar desesperado ou isso a deixaria
ainda mais ansiosa, só que me dói tanto não poder fazer nada para impedir
que sofra.
É torturante para um macho ver a sua fêmea sofrer. Nancy é o meu
coração e ela sempre foi agitada quando a conheci, falante, sorridente e
danada. Ela me desafiava o tempo todo e tinha a boca tão suja, era uma
coisa incrível de se ver, uma baixinha dessas me xingar e tentar me enganar
com os seus truques.
Mas desde a semana passada que ela parece ter sido consumida por
esses sonhos ruins. Não come direito, não dorme direito.
— Astor? — cochicha, muito perdida, sem entender o que está
acontecendo. Para ela, tudo o que acontece enquanto está dormindo é
verdade e por isso sofre tanto.
— Você estava tendo outro pesadelo.
— S-sim — gagueja e já começa a chorar, então eu a abraço forte,
trazendo-a para ficar em cima do meu peito enquanto faço carinho em sua
cabeça.
— O que você viu, meu amor? — pergunto, mesmo que esteja com
medo de saber.
— Ele… enfiou o punhal em você e depois… — Ela para um pouco
para fungar e soluçar. O seu corpo todo está tremendo contra mim. — E-ele
estava com o nosso bebê no colo. Eu não sei como, mas ele estava e aí… e-
e-ele enfiou o punhal no bebê também, Astor, e-e-e comeu a alma de vocês
dois pra ficar mais forte.
— Isso é só um pesadelo, querida, não vai acontecer. — Eu tento
negar, mesmo sabendo que isso não deve funcionar.
Tem uma bola de angústia na minha garganta e eu me sinto tão
impotente, que me faz lembrar do momento do parto de Nimiar, quando eu
recebi o filhote morto e não tinha nada que eu pudesse fazer para mudar
aquilo.
E pelo que Nancy tem sonhado, é o que vai acontecer mais uma vez.
Eu vou perder a minha família.
— Como você pode ter certeza? Eu vi antes ele matando a esposa
Alice e matando aquelas pessoas da seita, fui eu quem viu a lâmina de
Bruven pela primeira vez. — Choraminga e se aperta bem contra mim.
— Videntes nem sempre acertam, nem tudo que você vê realmente
acontece. — Continuo tentando acalmá-la.
— Você não pode ter certeza disso. Parecia tão real, mon durkiah, tão
real. — Ela soluça de novo e molha o meu peito com as suas lágrimas.
— Apareceu alguma outra coisa além dessas mortes? Alguma outra
pista? — pergunto, pois preciso de algo diferente, preciso de uma saída para
tudo isso.
— Eu vi a pedra também — revela e faz o meu coração bater mais
forte. Só quem tinha sonhado com a pedra até agora foi a irmã dela, que
parece sofrer também com visões ruins durante a noite. — Ela estava no
chão, do lado do seu corpo.
— Entendi. — Beijo o topo da sua cabeça e infelizmente eu já sei o
que tenho que fazer.
Eu disse para Nancy que não iria até a ilha buscar moarni, mas terei
que ir contra as minhas palavras, pois se mais uma vez eu perder a minha
família, assim como eu perdi o meu filhote e perdi o meu irmão, eu não vou
aguentar.

— Você
tem certeza, nisi? — Dion pergunta pelo telefone, depois de eu falar para
ele tudo o que Nancy me contou e do meu plano.
Pretendo ir para Nayni essa madrugada, assim que o dia amanhecer.
Vou pegar um avião até a Itália no aeroporto pequeno que fiz a uns 60
quilômetros daqui e de lá pego um barco até o arquipélago. Existem poucas
pessoas que conseguem velejar e passar pelas barreiras em volta das ilhas,
vai ser difícil pra cacete viajar despercebido pelas pessoas, mas eu vou dar
o meu jeito.
É só eu lembrar o quão importante é a minha missão, que eu consigo.
— Tenho que buscar moarni, as duas estão tendo visões com a pedra
e com muita matança — explico, sentado na cadeira do escritório, falando
bem baixo para que nenhuma das irmãs me escute.
Não quero deixar Nancy que está grávida, Juliet que tem pouca
experiência no mundo real e Cyan que é só um bebê desprotegidos, mas
aqui no interior as coisas estão mais calmas do que nas cidades. Não tem
vizinhos a quilômetros, a comida chega através de um caminhão, com
visitas agendadas toda semana. Tudo está sendo organizado pelos Dolunay,
elas só precisam ficar dentro de casa e me esperar voltar.
E se precisarem buscar qualquer coisa de fora, é só pedir para o
mesmo homem que faz as entregas e ele pode arrumar o que quiserem.
Juliet e Nancy sabem disso. Além da casa ter um sistema secreto de
segurança muito bom, com senha, que elas também aprenderam a usar em
caso de emergência.
— Mas videntes precisam de anos de prática para controlarem as
suas habilidades. — É claro que o ancião soa preocupado, eu também
estou, mas não posso ficar sentado esperando os Dark Elf conseguirem
alguém para trazer a pedra, ainda mais alguém cem por cento confiável, o
que é bem difícil.
O humano que pegar a pedra pode ser interceptado por Frederick ou
pode até vender achando que vale muito dinheiro, e, de fato, nas atuais
circunstâncias, vale mesmo.
Tempos de muito caos estão chegando e eu posso prevenir tudo isso
com uma viagem de uma semana, no máximo, talvez até menos.
— As duas estão vendo a pedra e nós sabemos como ela é poderosa.
Frederick vai nos encontrar uma hora ou outra e eu preciso estar pronto,
pela minha família, Dion.
— E você vai preferir deixá-las sozinhas aí, ao invés de formar um
plano melhor?
— Não tem plano melhor, você sabe que estamos perdendo —
sussurro e sinto a minha voz começar a querer embargar. — A cada dia que
passa a nossa comunidade está se afundando mais e o pior é que os
humanos tem razão em um milhão de coisas. Persaneses são corruptos, a
maioria dos que eu conheci cometeram muitos crimes sem nem piscar, é a
nossa natureza. Nós temos ódio de sobra e não conseguimos nos unir pra
merda nenhuma, e sabe no que isso vai dar se Frederick continuar? Na
nossa extinção. Todos nós vamos sumir do mapa, a minha família, a sua
família, Dion, vão ser atacadas. O meu sobrinho, que perdeu a mãe e o pai,
vai ser atacado. O meu filho, que está voltando pra mim depois da porra de
cinco anos, vai ser atacado. — As palavras vão fluindo da minha boca como
água, porque eu estou cheio de ódio, cheio de indignação e de medo, e não
posso demonstrar nada disso aqui, eu só posso pensar e engolir os meus
sentimentos de angústia. — A minha companheira de alma está vendo tudo
isso e ela está chorando todo santo dia e eu não consigo dizer que vai ficar
tudo bem pra ela mais, porque eu sei que não vai! Nós precisamos da pedra
e precisamos agora! Klaus, Vladimir e Dante podem não ver isso, mas é a
verdade, e eu conheço aquela ilha melhor do que qualquer um. Vou
encontrar moarni muito mais rápido do que eles e vou voltar, porque agora
eu finalmente tenho porque voltar!
As minhas bochechas estão molhadas quando eu termino de falar, e
eu estou chorando ódio, medo e tristeza, tudo ao mesmo tempo. Dion escuta
cada uma das minhas palavras de desespero em silêncio, e quando eu acabo,
ele ainda continua em silêncio por quase um minuto inteiro, o que me faz
questionar se o ancião continua em linha.
— Vá com cuidado, nisi. Eu vou te arrumar o avião para você voar
sem outras pessoas, esteja no aeroporto no horário que eu falar. — Ele não
parece concordar comigo, mas pelo menos entende os meus motivos. —
Você é um macho capaz, vai encontrar moarni e vai conseguir proteger a
sua família.
— Não conte para ninguém até que eu esteja dentro de um barco indo
para Nayni, por favor. — As palavras dele só me deixam ainda mais
abalado.
— Tudo bem. Boa sorte para você, Astor.
Capítulo 47
Nancy
Eu ando pela floresta de troncos grossos, que são todos muito juntos,
com dificuldade, o breu é forte e tem uma luz verde lá longe. O meu
coração bate muito forte porque eu já sei o que vou encontrar, então eu me
apresso para chegar logo e como da última vez, assim que eu chego a luz
some.
Só que dessa vez Astor não está jogado no chão, ele ainda está sujo
de terra marrom, mas está de pé com um homem ao seu lado que eu
reconheço muito bem.
Frederick me encara de cima, com um olhar de desdém em seu rosto
longo e pálido. Ele está como na última vez que eu vi, os cabelos loiros bem
penteados para trás, vestido com a camisa azul que todos usavam na Igreja
do Oitavo Renascer. Mas tem algo de errado com ele e com Astor, nenhum
dos dois se move, ficam parados feito duas estátuas.
Eles ficam me encarando e eu percebo que Frederick está com a
lâmina prateada em sua mão, esticando-a na minha direção.
Por que Frederick me daria o seu punhal que tira almas para ele
comer?
“Você consegue, Nancy” uma voz feminina diz de repente e eu encaro
os arredores com pressa, para ver se encontro a mulher, só que não tem
mais ninguém aqui.
“Você consegue salvá-lo, você tem força para isso. Pegue a lâmina e
enfie no peito dele” ela ordena e eu quero responder, mas não consigo, não
sou capaz de formar as palavras.
“Pegue a lâmina e enfie no peito dele, você é a única que consegue.”
Com as minhas mãos tremendo, eu obedeço a ordem devagar, muito
desconfiada de que Frederick vai me atacar a qualquer minuto. Só que o
loiro está praticamente me entregando a lâmina, então quando os meus
dedos puxam o punhal pelo cabo, ele não faz nada.
Eu olho para Astor em busca de alguma ajuda, só que ele não me
encara de volta, está imóvel e olhando para longe, como se não quisesse
ver o que eu vou fazer.
“Salve a sua família, Nancy. Você é a única capaz” a voz diz e ela
tem razão, eu consegui pegar a lâmina sem problema nenhum das mãos de
Frederick.
Então eu ajeito o punhal em minhas trêmulas mãos e enfio o punhal
até o fim no peito do desgraçado que está ameaçando acabar com todos
que eu amo.

Eu já
acordo com o coração disparado, então instintivamente abro os braços para
tatear a cama e encontrar Astor, assim posso contar a ele o que acabei de
ver e ele pode me abraçar e me acalmar, como tem feito todos esses dias.
Só que o outro lado do colchão está completamente vazio e enquanto
isso a luz do sol começa a entrar pelas frestas da janela, o que significa que
o dia está amanhecendo agora.
Eu me levanto, coloco os chinelos no pé e mesmo que esteja muito
apertada, sei que não vou conseguir fazer nada enquanto não o encontrar
para me abraçar.
Só que ao chegar no escritório, para onde ele geralmente vai assim
que acorda, eu encontro uma sala vazia. Astor costuma deixar uma pilha de
papéis em cima da sua mesa, coisas que ele está estudando sobre a cultura
de sua raça e também sobre os problemas globais com os persaneses.
Porém, a pilha de papéis sumiu e só o que ficou para trás foi uma folha
dobrada ao meio.
Na mesma hora as minhas mãos começam a tremer. Eu sei que ainda
tem o resto da casa para procurar, ele pode estar na cozinha preparando o
café da manhã para Cyan, pode estar dando um mergulho matinal na
piscina, pode estar dando uma volta no terreno para esfriar a cabeça.
Mas o jeito como essa sala está vazia e como as cortinas estão
fechadas me deixa nervosa, então eu vou em frente, pego a folha de papel
dobrado ao meio e leio o seu conteúdo com pressa.
“Sei que eu não te disse isso ainda, não de verdade, mas eu te
amo, Nancy. Eu te amo como nunca amei nenhuma outra fêmea na
vida. E é por te amar e ter medo de te perder, que estou indo buscar
moarni, antes que o pior aconteça. Vai ficar tudo bem com vocês, eu
volto em no máximo uma semana, então me esperem.
Tem um celular na primeira gaveta da escrivaninha para você e
sua irmã usarem, com o contato de Kara Dolunay para ligarem e com o
meu contato, do celular que estou levando comigo. Tem dinheiro em
espécie caso seja necessário e tem um mapa nessa gaveta também, mas
eu espero que vocês não precisem usar nada disso.
Estou fazendo isso pelo nosso futuro, que não vai existir se
Frederick continuar avançando.
Por favor me perdoe por ir sem te acordar, eu não conseguiria
sair com você me olhando.
Com muito amor, Astor, o seu durkiah”
As lágrimas deslizando pelo meu rosto rapidamente, se tornando um
choro alto e completamente desesperado.
— E-eu não acredito que ele fez isso — choramingo, deixo a carta em
cima da escrivaninha e me sento na cadeira onde Astor passava a maior
parte do seu tempo. — Eu o-odeio esse macho! Quando ele voltar eu vou
estrangular ele! — xingo e continuo chorando, com o meu corpo todo se
sacudindo.
Eu quero gritar, quero berrar de tanto ódio, mas eu só me encolho em
cima do assento o melhor que consigo, com a minha barriga atrapalhando
que eu abrace os meus joelhos, coloco as mãos contra o meu rosto e desabo.
Não posso perder Astor, não posso deixar que a minha visão se torne
real, mas o que eu posso fazer agora para impedir que ele chegue até lá?
Talvez até já esteja fora da Turquia.
Só que ontem à noite eu me lembro de acordar pra fazer xixi de
madrugada, lá pelas três horas da madrugada, e o persanes ainda estava
aqui.
Levanto a minha cabeça com pressa e olho no relógio da parede e
percebo que aqui na Turquia são cinco e quarenta. Do aeroporto até essa
casa, eu me lembro de ter demorado pelo menos quarenta minutos de carro,
e eu também me lembro que o aeroporto é minúsculo, então deve ter poucos
voos… existe a chance dele nem ter conseguido sair daqui ainda! Talvez
esteja parado no aeroporto esperando!
— Eu não vou ficar aqui chorando — resmungo e me coloco em
movimento. Me coloco de pé e pego a carta dele. — Astor não vai se
colocar sozinho em perigo assim, quando existem outros machos que
também poderiam fazer isso, não é justo! Ainda mais que ele nem se tornou
um lobo e não pode farejar moarni! — Não tem ninguém pra me ouvir e
mesmo assim eu vou marchando e reclamando até o quarto de Juliet, depois
bato várias vezes na sua porta, até ela abrir.
— Eu juro pra você que se não for importante, eu te mato! — Juliet
veste o seu pijama preto e branco, está com um rabo de cavalo bem malfeito
e tem olheiras debaixo de seus olhos, que mal se abrem.
— Astor acabou de fugir pra buscar a pedra, então nós temos que ir
atrás dele! — exclamo e isso parece começar a acordar a minha irmã de
verdade.
— Como assim, Nancy? Você teve algum tipo de sonho? — Ela passa
as mãos no rosto, lutando para conseguir lidar com a luz que está entrando
pelas janelas da casa.
Ela devia estar realmente num sono profundo.
— Astor deixou uma carta, ele está indo para as ilhas persanesas e
nós temos que ir também. — Pego a mão dela à força e coloco a carta dele
entre os seus dedos. — Eu sei que você sabe dirigir, ele deve ter saído com
a caminhonete e isso deixa a gente com o carro.
— Calma, deixa eu ler isso aqui… — fala, meio grogue, e coloca o
papel próximo do rosto. Ela deve estar com a visão toda embaçada e por
isso demora quase uma eternidade.
— Você tem que pegar Cyan agora e nós vamos atrás dele no
aeroporto! — exclamo, perdendo a paciência com a sua lerdeza. Cada
segundo que gastamos aqui, é um segundo a mais pra Astor ir embora. —
Nós temos que ir agora, Juliet, antes que ele pegue o avião para a Itália! É
assim que eles fazem, vão até a Itália, de lá pegam um barco e atravessam o
mar Mediterrâneo.
Ela solta o ar pelo nariz com pressa, enquanto massageia a própria
têmpora. Deve estar com dor de cabeça porque também não anda dormindo
bem.
— Isso é loucura, você nem sabe como chegar nesse aeroporto e ele
disse pra gente ficar aqui. — Ela veta o meu plano sem nem pensar muito.
— Nós temos um mapa e nós temos um carro, podemos chegar lá no
mesmo tempo que ele, e eu sei que o nosso pai te ensinou a dirigir quando
morávamos em Red Town pra você ajudar na igreja. — Dou de ombros,
sem ceder nem um pouco.
— Não tem mais o que fazer, Nancy, ele já deve estar longe. — Ela
coloca a carta de volta na minha mão. — Por favor, vamos sentar um pouco,
você vai tomar um chá e a gente vai ligar pra ele. Mas só ligar.
Por que ela tinha que ser tão diferente de mim agora? Tão
comportada? Eu só quero um pouco de ajuda!
— Eu vou atrás dele até no inferno se for preciso, Juliet! E se você
não quiser vir junto, pode ficar, eu vou entrar naquele carro e vou dar o meu
jeito! — Dou as costas pra ela e começo a voltar pro escritório, indo atrás
do mapa.
— Você nem sabe dirigir e está grávida de quase sete meses! — Ela
começa a me seguir pela casa.
— Gravidez não é doença! — berro de volta e antes que eu dê mais
um passo, Juliet me pega pelo braço com força.
— Que merda, Nancy! Você está ficando maluca?! — Ela me encara
com a testa franzida.
— Se eu falar que sim, você vai me ajudar? — pergunto, sentindo o
meu coração bater tão forte, que parece que ele está na minha garganta.
— Tem certeza que você quer fazer isso? — pergunta e eu vejo em
seu rosto que está cedendo, então faço que sim com a cabeça, bem rápido.
Mas Juliet ainda pensa por alguns segundos, parada me encarando, como se
pudesse ler a porra dos meus pensamentos. — Me dá 10 minutos.
— Isso! — eu comemoro e até poderia sorrir, se não estivesse
morrendo de medo.
— Eu vou trocar a fralda de Cyan, pegar uma bolsa com fraldas e as
coisas que ele vai precisar, trocar a minha roupa e ir ao banheiro. Você volta
para o quarto, troca de roupa, vai no escritório pegar o dinheiro, o mapa e o
celular depois vai na cozinha pegar coisas pra gente comer. — É claro que
ela dá as ordens.
— Fechado — concordo, Juliet larga o meu braço e eu volto a andar.
— Mas se o voo dele já tiver decolado, nós vamos voltar para cá e
esperar, e não se fala mais nisso! — ela grita as minhas costas, como se eu
não pudesse ouvi-la muito bem de onde estou.

A minha
irmã briga um pouco com o carro até entender como funciona, faz tempo
que não dirige e eu acho que ela nunca pegou um modelo como esse para
pilotar. Mas antes das seis e dez nós estamos indo em direção onde eu
acredito que seja o aeroporto. Como o lugar em que estamos é bem remoto,
a rodovia em que entramos também não tem muitos carros, só um monte de
espaço aberto em volta do asfalto e que acaba virando uma tonelada de
bege, por conta da vegetação rasteira e das formações rochosas que sobem e
descem ao nosso redor.
Eu me esforço ao máximo para usar o mapa, contudo, usar o celular é
muito mais fácil. Posso nunca ter tido uma coisinha dessas antes, mas Astor
me ensinou a usar depois que chegamos aqui e eu consigo achar até um tipo
de coisinha que fala as instruções em voz alta para onde ir, que acredito se
chamar aplicativo. Só tenho que digitar no teclado flutuante e, porra, como
eu demoro pra formar qualquer palavra e depois ainda traduzir pra turco.
Ainda bem que a maior parte do tempo nós passamos só indo em frente.
Eu nem ouso tentar colocar música no rádio do carro, não quero me
distrair, e também não quero acordar o bebê que dorme feito um anjinho no
banco de trás.
Passo os quase 50 minutos rezando de verdade, como nunca rezei na
Igreja. Eu peço para conseguir encontrar Astor a tempo e também peço para
que nenhum policial nos pare, já que nem eu e nem a minha irmã temos
qualquer tipo de documento ou permissão para dirigir.
Até que como um milagre, nós encontramos a cidade e a minha irmã
vai dirigindo feito uma lesma pelas ruas. A maioria dos lugares são todos
predinhos de um acinzentado meio bege que eu não sei muito bem como
descrever. Todos eles têm sacadas e são bem parecidos entre si.
No térreo desses prédios de no máximo três andares, tem lojas
abertas, com toldos e fachadas com palavras que eu não faço a mínima do
que querem dizer.
Graças a Deus a voz do celular nos guia, dizendo se temos que seguir
pela direita ou pela esquerda, e a cada rua que passamos, eu me sinto mais
amedrontada. Desde que cheguei na Turquia, eu não conheci mesmo esse
país e não faço a mínima de como os moradores são. Eu sei que o meu
medo é idiota, já que quem anda pelas ruas não tem nada de diferente das
pessoas que já conheci na Igreja. As pessoas só estão vivendo a sua vida,
conversando numa língua que não entendo e seguindo seu caminho, mas
agora sou só eu, a minha irmã e um persanes que não pode ser notado de
jeito nenhum.
Após uns dez minutos dando voltas, nós chegamos numa ruazinha
bem apertada, mas que fica de frente pra um lugar aberto, como se fosse
uma praça. O chão dessa espécie de pátio é diferente, mais antigo do que o
asfalto da rua em que andamos, então deve ser um lugar onde eventos mais
acontecem, dado o número maior de pessoas andando pra lá e pra cá. Aqui
tem um monte de lojas vendendo o que parece ser temperos de todos os
tipos e cores, e também estão vendendo comida, com mesinhas de madeira
para fora dos estabelecimentos, o que faz a minha barriga roncar.
A minha irmã conseguiu comer um pouco de pão com queijo, mas eu
estou enjoada demais pra isso e agora também estou com fome.
— A entrada do aeroporto é ali, segundo a foto que você me mostrou,
eu vou até lá e você fica no carro. — Ela aponta para um prédio grande que
quase se mistura com os outros, já que ele também é desse acinzentado
meio bege, só que bem maior e fica do outro lado desse pátio, com uma
entrada larga.
— Eu não posso ficar no carro, tenho que ir junto com você procurar
ele — respondo Juliet, sem entender como ela espera que eu fique aqui.
— Você está grávida e é mais lenta, além do que, alguém tem que
ficar com Cyan no carro, não podemos sair com ele por aí. — Ela me lança
uma de suas olhadas mortais, de quem já está chegando ao seu limite.
— Nós podemos enfiar o rabo dele dentro da calça e colocar uma
touca na cabeça pra cobrir os chifres.
— Você sabe que ele odeia toucas.
E também odeia calças, mas nós não temos outra opção e eu não vou
ficar aqui esperando que as coisas aconteçam.
— Não vamos discutir agora, pelo amor de Deus — resmungo e já
vou saindo do carro. Abro a porta para o banco de trás e deixo o filhote
sentado na cadeirinha de criança que Astor teve o discernimento de
comprar.
Como eu já planejava ter que disfarçá-lo, deixei a touca fácil dentro
de sua bolsa azul de patos, só que no segundo que coloco a peça em sua
cabeça, ele já começa a fazer uns barulhos estranhos, de quem não está
gostando nada, nada de ser vestido, enquanto se debate.
— Se isso der errado a culpa é sua — Juliet reclama e também sai do
carro, eu escuto a porta bater, só que estou concentrada demais em vestir
Cyan bem rápido, então não fico olhando para ela. — Eu nem sei se posso
estacionar em qualquer lugar aqui e… — De repente ela para sua frase no
meio, mas eu não dou atenção, porque agora estou fazendo um malabarismo
que é colocar um par de calças em um garotinho que sente calor o tempo
inteiro.
— Podemos combinar um lugar de encontro dentro do aeroporto,
você vai para um lado e eu vou para o outro, e aí nos encontramos em um…
— Eu também paro a minha frase no meio, pois sinto um arrepio estranho
na nuca e logo em seguida a minha boca é tampada por uma mão muito
grande.
A minha primeira ação é começar a me debater e tentar gritar, tentar
ver quem é que está atrás de mim, mas a força dessa pessoa é grande
demais e faz Cyan começar a chorar, assistindo tudo preso a sua cadeirinha.
— Quieta! — o homem fala na minha língua, mas o sotaque dele é
muito forte e diferente.
Capítulo 48
Nancy
As lágrimas escorrem dos meus olhos e vão parar direto nas mãos do
homem, que aperta muito o meu rosto, enquanto o meu peito sobe e desce
em respirações pesadas e difíceis. Ele prende os meus dois braços nas
minhas costas com tanta violência que dói, fazendo eu esticar o meu corpo
de um jeito extremamente desconfortável.
Eu olho para o lado desesperada, querendo lutar, querendo achar
alguém para nos ajudar, mas percebo que a minha irmã também foi pega e
está sendo arrastada sem dó nem piedade para mais perto de mim.
O pouco do rosto dela que fica de fora de ser tapado pelo homem, está
completamente vermelho. Juliet está em desespero, também tentando gritar,
só que o filho da puta todo de preto segura cada tranco que ela dá com o
corpo, porque é muito forte.
— Vamos pegar o menino também. — o homem que segura a minha
irmã diz, mas ele não tem o mesmo sotaque que o que me segura e de
alguma forma eu acho que já vi esse cara antes.
— É bom ele pagar o que me prometeu! — De repente o bandido para
de tapar a minha boca e me solta tão abruptamente que eu quase caio. —
Pegue o menino no colo, rápido — ordena pra mim, mas é claro que eu não
faço isso.
Sugo respirações desesperadas e rápidas, para conseguir fôlego, e
depois começo a gritar.
— Socorro! So… — Tento berrar a palavra pela segunda vez, só que
o homem volta a cobrir a minha boca e infelizmente ninguém me escuta,
porque nós ainda estamos na pequena rua, longe dos olhares de todos.
— Cale a boca, orospu! — Eu levo um tapa na parte de trás da cabeça
que me faz cair pra frente, de tanta força que ele usa.
Bato com a cara na lateral da cadeirinha de Cyan e a minha boca vai
direto numa parte que deveria ser macia, por ser coberta de espuma, mas
que acaba sendo muito dura por conta da velocidade com que sou
arremessada contra ela.
Pra falar a verdade, eu não sinto dor, só me assusto pra caramba.
Talvez só doa mais tarde.
— Não machuque a grávida, seu imbecil! — O homem que segura
Juliet grunhe, mas está tudo rodando agora, enquanto Cyan chora alto e eu
fico ajoelhada no chão, trêmula. — Se ela perder o bebê, Frederick vai
querer nos matar. Agora a cara dessa vagabunda vai ficar inchada!
Eu também escuto a minha irmã tentando dizer algo e se debatendo,
mas as tentativas dela são em vão.
— Pegue o menino, Sürtük! — ordena, só que por conta do golpe que
acabei de levar eu estou mole, então o homem atrás de mim enfia as mãos
por debaixo dos meus braços e me puxa até que eu fique de pé. — Pegue a
porra do demônio, sua cadela americana — diz entredentes.
— E-ele é muito pesado pra mim — gaguejo, sentindo o meu rosto
todo ficar quente por conta da pancada.
Eu mal estou me aguentando grávida, com essa barriga que está
crescendo mais a cada dia. Levar Cyan no colo pra mim é quase impossível.
— A outra leva então — grunhe e me arrasta para longe, com a mão
na minha boca novamente, enquanto Juliet é colocada na frente da porta
aberta e com os dedos trêmulos e de costas para mim, ela solta Cyan da
cadeirinha.
A minha irmã não tenta dar um piu e o pobre do menino está se
debatendo muito, primeiro por conta da touca e da calça que eu consegui
enfiar nele e segundo pelo medo desses dois desconhecidos. Juliet pega o
persanesinho no colo e ele tenta de qualquer jeito sair.
— Faça ele parar de chorar! — manda o homem de preto e nariz
estranho que está grudado na minha irmã e, mesmo que eu esteja com dor,
eu acho que já vi esse cara dentro da seita perto de Frederick algumas
vezes, quando ele vinha visitar raramente.
Merda! Merda! Merda!
O nariz dele é estranho demais pra esquecer, grande e meio quebrado
no meio.
— O que o americano esquisito quer agora? Ele está em algum hotel?
— o cara que me segura pergunta e a esse ponto eu já não me debato mais,
estou me esforçando pra olhar os arredores.
As pessoas no pátio não olham na direção dessa ruazinha apertada,
elas estão longe e ainda é muito cedo, o que significa que a maioria nem
está acordada direito ainda. Sem contar que agora, depois que Cyan foi
retirado de dentro do carro, nós estamos atrás dele, então a nossa imagem
está sendo escondida.
— Temos que levá-las até o meio ali e esperar ele aparecer — o
homem de nariz estranho fala. — E é bom vocês duas ficarem quietas, nós
dois estamos armados e o primeiro tiro vai ser na cabeça desse bebê!
Eu fecho os olhos por alguns segundos e respiro fundo, mas o medo
está deslizando pelas minhas veias e me paralisando, enquanto que a minha
mente forma a imagem horrível do meu Cyan levando um tiro.
Como nós vamos conseguir sair disso?
Só se dermos um jeito de correr e nos esconder, mas como fazer isso
sem levar um tiro? Eu não sou a porra da mulher mais rápida do mundo e
Juliet ainda está segurando um bebê bem pesado.
— Vamos no meio de toda essa gente com reféns? — Os idiotas
continuam conversando e eu encaro Juliet, agora que ela já não está mais
sendo segurada por nenhum deles.
Os olhos dela, assim como Astor notou que acontece com nós duas,
estão mudando um pouco do cinza para o azul, e como ela sabe que eu
estou procurando um jeito de fugir, ela faz disfarçadamente uma negativa
com a cabeça.
Como nós vamos escapar se nem tentarmos?!
— Elas vão andando próximas a nós, não precisa parecer que são
reféns. Só precisamos que elas fiquem ali no centro e você será bem pago
quando acabar. — O homem sem sotaque e que está atrás de Juliet explica e
desse jeito fica mais fácil de bolar um plano.
Eles não vão estar nos segurando, só preciso que o movimento no
pátio fique maior, assim dá pra tentar despistar eles.
— Se você está dizendo, então vamos fazer assim — resmunga o cara
que com certeza não tem nada a ver com a seita, só quer uma grana. —
Andem, vocês duas, e sem gracinhas!
Com as pernas bambas eu vou caminhando pra fora da rua e Juliet vai
ao meu lado, com Cyan que não para um segundo de chorar. Tento olhar
para os lados, para encarar a minha irmã e tentar entender o que está
pensando, só que o homem atrás de mim me puxa pelo cabelo com força e
me faz ficar com a cabeça erguida, indo pra frente.
Deixando o carro pra trás e chegando perto do centro desse espaço
entre as bancas de comida, as pessoas passam por nós sem notar nada, elas
seguem a vida delas e nem se importam que eu e minha irmã estejamos
chorando e tremendo, até que chegamos no centro desse lugar aberto.
O sol já está alto no céu e a luz machuca os meus olhos, enquanto
sinto o meu rosto cada vez mais quente da batida. O filho da puta tem razão,
a minha cara deve ficar inchada, principalmente a minha boca, e eu
machuquei os meus joelhos também ao cair no chão.
— E ago… — Começo a perguntar, mas paro a frase no meio do
caminho, pois de repente um homem vestindo uma capa preta se aproxima e
me faz até perder o ar.
Ele caminha no seu próprio tempo, sem pressa. Está coberto dos pés à
cabeça com esse pano escuro, que parece bem pesado, já que não esvoaça, e
nele as pessoas logo prestam atenção, já que é muito estranho e alto. Os
meus dentes começam a bater um contra o outro de tanto nervosismo e os
meus olhos se arregalam, com o meu corpo se grudando ao chão de tanta
ansiedade.
Eu não conseguiria sair correndo nem que quisesse.
— Eu estou procurando vocês há tanto tempo, vocês não têm ideia.
— A voz dele é baixa, para só nós ouvirmos, e assim como em um dos
sonhos que tive, é dual. São duas pessoas, ou melhor, duas coisas falando
ao mesmo tempo e isso arrepia todos os pelos da minha nuca. —
Continuem paradas ou esse demônio morre primeiro — ameaça, apontando
para Cyan, e fica difícil raciocinar, porque além de eu estar num nível de
nervosismo extremo, ainda tem um cheiro horrível invadindo o meu nariz.
Eu sei que é Frederick, mesmo que não consiga ver o rosto dele
porque ele está contra a luz e com a capa na cara, e eu não sei se sou só eu
que estou sentindo isso, mas, ele cheira a algo que já morreu. Frederick
cheira a carne podre, rançosa, e quando pega a minha mão com seus dedos
finos, longos e pálidos, a pele dele está tão fria que eu quase perco o
equilíbrio, de tanto susto.
— Me solte! — exclamo e tento me afastar, só que as minhas costas
batem direto no homem que me trouxe até aqui e ele me segura pelos
ombros no lugar.
Não é possível que ninguém chame a polícia! Nós estamos em praça
pública, chorando e tem um cara de capa aqui!
— Todos devem ver vocês morrerem, todos aqui devem testemunhar
o início da nova era! — Abre os braços numa pose idiota de salvador da
pátria e continua coberto com a capa, mas desse jeito a luz bate em uma
parte do seu rosto e eu consigo dar uma pequena olhada no que está por
baixo.
Frederick está com a pele esverdeada como um cadáver que uma vez
eu vi escondida num filme de terror. Ele cheira a podre e o seu rosto parece
podre também, os olhos estão brancos feito o de um peixe morto, como se
estivesse se decompondo em vida.
O tal Bruven deve estar corroendo o corpo dele.
— O-o que você vai fazer conosco? — Juliet, que está ao meu lado,
pergunta com a voz trêmula, querendo fingir alguma coragem, e isso só faz
o maldito mudar a sua atenção pra ela.
A minha mão está sendo segurada pelo capanga de Frederick, mas ela
fica parada no lugar, abraçando bem Cyan e tremendo de medo das armas
que eles dizem ter. O menino não se debate mais, agora ele está com os seus
bracinhos quase enforcando Juliet, de tanto medo de Frederick.
Ele fica falando “mama” e “bubu Ator” de forma abafada e meio
distorcida pelo seu choro e isso parte o meu coração.
Como eu vou salvá-los se não consigo nem correr? Todos eles são
muito mais fortes do que nós, tanto que conseguiram nos arrastar, e
Frederick ainda está mais estranho ainda, o que significa que está sendo
afetado por Bruven e deve ter algum tipo de plano macabro em mente.
— Não machuque a minha irmã! — berro e isso chama a atenção de
algumas pessoas.
Eu vejo pelo canto de olho que tem pessoas olhando pra nós agora e
eles falam coisas em turco, que um dos capangas de Frederick responde
com gritos ameaçadores.
A minha cabeça parece que vai explodir de tanta dor, com tanta coisa
acontecendo ao mesmo tempo.
— A única que vai morrer hoje é você, o seu persanum e essa criança
suja. — A voz dual me faz arrepiar cada vez mais e ele pega Juliet pelo
braço com força. — A minha filha vem comigo.
— V-você está louco? — Juliet franze a testa e tenta se soltar, mas
Frederick, por mais que pareça alguém em decomposição, ainda tem muita
força e puxa a minha irmã, fazendo ela cambalear em sua direção.
Eu tento avançar contra ele e de novo levo um puxão de cabelo que
me faz gritar de dor e ficar no lugar.
— Você nunca desconfiou da diferença entre vocês duas? — pergunta
para a minha irmã e ela parece tão perdida quanto eu, ainda tentando sair do
lugar enquanto Cyan berra de tanto medo. Só que Frederick consegue
mantê-la perto usando apenas uma mão só. — Você tem a minha cor de
cabelo! É muito mais alta que qualquer um daquela família suja. Muito
melhor do que eles, porque tem o meu sangue, Juliet! — a voz horrível vai
listando as coisas que a minha irmã tem em comum com ele e eu fico ainda
mais em choque.
— Não! — ela berra e se tudo já estava rodando antes, agora fica
ainda pior. — E-e-eu não sou sua filha! Você está mentindo! Isso é mentira!
— Os gritos dela chamam cada vez mais atenção das pessoas em volta.
O meu estômago se revira e eu quero vomitar. Quando a minha boca
se enche de saliva assim, eu sempre vomito. Cyan chora mais alto, o
capanga grita com mais gente em turco, mandando-os se afastar,
provavelmente.
— A puta da sua mãe sempre me adorou — a voz nojenta retruca e
ele enfia a mão livre na abertura central da capa e puxa o punhal que eu
tenho visto em todos os meus sonhos.
A arma prateada e que brilha de tão afiada.
O meu coração bate tão forte que eu não consigo ouvir mais nada. Eu
só olho para o punhal, que está tão próximo de mim, e como tem muitas
pessoas se reunindo, o capanga se distrai gritando com elas, então eu
avanço.
Eu não penso, eu só faço.
Corro com as mãos esticadas e, como previ, o homem não tem tempo
de me segurar no lugar. Chego em Frederick em segundos e consigo agarrar
o punhal da mão dele.
Na mesma hora eu sinto como se tivesse levado um soco no
estômago, essa coisa emana algo físico, um pulso de energia que tenta me
afastar, mas não funciona, eu sacudo os meus braços e tento puxar,
enquanto isso a gritaria em volta de mim aumenta.
Só que mesmo que eu tenha vindo até ele de surpresa, Frederick não
deixa a arma cair na minha mão como eu pretendia. Não, ele segura com
muita força.
— Você achou que aquele seu sonho era verdade? Achou que seria
capaz de me matar? — A voz dual fala dentro da minha cabeça, eu tenho
certeza que esse som não está vindo da boca escondida pela capa de
Frederick. Ele está falando dentro da minha mente e é como se o tempo
passasse bem devagar, fica em câmera lenta. — Acha mesmo que eu não
mexi nos seus sonhos, pra trazer você pra mim depois de se esconder tão
bem? Você não é capaz de nada, menina!
Mas então o tempo volta ao normal e em um piscar de olhos, ao invés
de Frederick puxar para trás o punhal, ele empurra para baixo a arma e
crava ela com toda força na minha barriga.
Capítulo 49
Astor
O meu voo deveria sair exatamente às seis e quinze da manhã, eu
peguei a estrada cedo e cheguei com antecedência. Entrei no aeroporto por
uma passagem nos fundos e cheguei na pista de pouso por uma porta
escondida, já que o pequeno e velho avião que deveria me levar até a Itália,
não era pra mais ninguém além de mim.
Mas no segundo que o piloto, um homem baixo de meia idade e sem
cabelo nenhum na cabeça, apertou a minha mão, o humano simplesmente
vomitou. Parte do que ele colocou pra fora caiu em meus pés e foi uma
nojeira só. O cheiro era tão forte e azedo que até eu quis vomitar junto.
Então é por isso que já são quase sete e meia e mesmo assim eu estou
aqui no aeroporto ainda, esperando pela volta do homem do banheiro.
— Shikri — resmungo e é como se o celular em meu bolso queimasse
para que eu o pegue e ligue para a minha fêmea.
Eu só queria ouvir a voz dela, nem que fosse pra ser xingado, só isso.
Quem sabe eu até conseguisse ouvir Cyan falar “bubu Ator” uma vez e isso
com certeza deixaria o meu coração mais calmo.
Posso não vomitar como o humano, mas o meu estômago não está
nada bem, como se eu tivesse comido algo estragado.
No entanto, não importa o quanto eu fantasie em falar com Nancy ou
até em pegar o carro e voltar para casa, eu sei o que devo fazer para manter
a minha família a salvo.
Fico trocando toda hora a posição das pernas, sentado num banco de
canto desse aeroporto minúsculo, numa salinha dos fundos, para não ser
visto por nenhum humano. Tive que amarrar um pano em minha cabeça,
como um turbante, para esconder os chifres, e pra esconder a cauda eu estou
sendo obrigado a usar um casaco de moletom longo, assim ela fica nas
minhas costas e só parece que eu tenho algum tipo de corcunda ou algo
assim.
Até que a porta da salinha em que me enfiaram se abre de repente e o
piloto aparece no batente. Ele ainda está com o rosto meio esverdeado e a
testa brilha a suor, mas pelo menos acho que não vai vomitar mais.
— Foi mal por ter sujado o seu pé, cara — fala com um sorriso
amarelo.
Eu tive que lavar os meus pés e as minhas sandálias de couro, só que
não acho que o cheiro saiu de verdade, ainda mais para mim, que tenho um
ótimo olfato.
— Tudo bem, já podemos sair? — pergunto com pressa, sem querer
perder mais tempo e começo a seguir o homem para fora da salinha, que dá
direto na pista de voo, que não é muito larga.
Com certeza devem sair pouquíssimos aviões daqui por dia, agora
mesmo não tem nenhum estacionado além do pequeno que vai me levar até
a Itália. Foi um milagre Dion arranjar algo para mim tão exclusivo assim.
— Já sim, podemos sair agora.
— Tem certeza que você consegue pilotar e que não vamos ter
nenhum problema? — questiono, com medo que ele passe mal de novo,
enquanto um vento muito forte bate no meu rosto, tão forte que quase
arranca fora o turbante que coloquei na minha cabeça e faz o homem ter
que proteger os olhos por conta da poeira.
— Tenho — responde e junto com o vento, eu sou atingido por um
cheiro estranho, um cheiro que me faz parar no lugar na mesma hora, como
uma parede invisível. — Eu sei que você não é humano, cara, não precisa se
preocupar com isso, e eu tomei um monte de remédios pro estômago,
vamos chegar na Itália em dois tempos — fala e vai andando para mais
próximo do seu avião, só que eu não o acompanho. Eu fico parado, sem
conseguir sair do lugar. Então ele vai até o avião e depois tem que voltar até
mim. — Você fala a minha língua direito, não fala? Não entendeu que já
podemos ir?
— Não é isso, é só que… eu acho que ela está aqui. — Franzo a testa
e continuo farejando o ar, só que agora o cheiro já foi embora.
Mesmo assim eu tenho certeza que senti o cheiro de Nancy, muito
fraco, mas senti.
— Quem?
— A minha fêmea, ela está aqui… — Farejo ainda melhor o ar e nada
de sentir o mesmo cheiro de novo, mas eu não estou ficando maluco, eu sei
o que acabou de acontecer. — E eu acho que ela está com medo.
Antes que eu consiga realmente pensar com a minha cabeça, o meu
coração já decidiu o que eu devo fazer. Ao invés de ir em frente, com a
minha mochila nas costas, eu largo a bagagem no chão para ir mais rápido e
volto correndo para trás com pressa.
— Ei! Para onde você está indo?!
— Eu já volto, me espere aqui! Só preciso ter certeza de uma coisa!
— respondo e o cheiro do medo de Nancy volta pra mim, tão real como
quando ela tem os sonhos ruins. É como um tapa forte no meu rosto.
Só que ao invés de me puxar para a entrada discreta dos fundos, onde
ninguém vai ver um homem com um moletom e um turbante escondendo
chifres e as orelhas, o cheiro dela me leva para a área onde tem mais gente.
Eu corro pelos corredores com os olhos atentos, freneticamente buscando
por seus cabelos escuros longos e pelos seus olhos azuis.
Onde está você, Nancy? Por que você veio até aqui? Eu sei que você
não tem medo de se arriscar, mas será mesmo que chegou a esse nível?
Os pensamentos dentro da minha cabeça são frenéticos, porque eu
conheço a mulher que tenho, eu sei o quanto ela faz as coisas sem pensar
duas vezes, então não consigo me convencer a não me preocupar que ela
tenha feito essa loucura. Não consigo me convencer que me enganei,
porque isso é algo que a Nancy faria.
O meu corpo responde a esse cheiro se enchendo de fúria, a porra do
lenço se desenrola da minha cabeça e cai no chão, a minha cauda chicoteia
as minhas costas querendo sair e tem um rosnado na minha garganta, algo
forte como nunca senti antes. A angústia em meu peito aumenta a cada
passo rápido que eu dou, batendo os pés no chão e fazendo muito barulho
por onde passo.
As pessoas olham para mim sem entender nada e os seguranças do
aeroporto me veem correndo de maneira desesperada pelo saguão de
entrada, que eu nem sei como fiz para chegar, e gritam para mim, só que eu
não entendo uma palavra do que eles dizem.
Eu sinto ela, eu não sei como, mas eu sinto a minha fêmea, eu escuto
o seu coração batendo alto junto ao do nosso filho.
Ela precisa de mim.
Nancy está aqui em algum lugar e precisa de mim.
Só que por todo o saguão eu não tenho nem uma pista dela, então vou
em direção a luz natural, a entrada maior do aeroporto, que é larga e alta, e
dou de cara com uma rua movimentada, cheia de pessoas passando. Pessoas
essas que não poderiam me ver de jeito nenhum.
Porém, nem todas estão passando, algumas estão se aglomerando em
volta de algo, em volta de…
Ela está ali! Eu vejo o seu corpo pequeno, com a barriga grande e os
cabelos castanhos até a cintura.
Shikri, Nancy! O que você veio fazer tão longe de casa?!
Ela está no meio dessa espécie de pátio onde acontece uma feira, mas
pelo menos a sua irmã está ao seu lado e com Cyan no colo. Só que tem
algo de errado, o pequeno persanes está com o rosto vermelho de tanto
chorar, tem dois homens grandes e desconhecidos muito próximos a elas e
tem um terceiro usando uma capa preta esquisita e mesmo que eles estejam
longe, eu sinto um cheiro tão podre que o meu estômago termina de se
revirar. É como um bicho morto.
Isso não está certo…
A minha respiração aumenta de velocidade, como se fosse possível,
fazendo o meu peitoral subir e descer com força. Parece que eu vou
desmaiar de tanto nervoso, porque tem algo dentro de mim querendo sair e
o que quer que seja, não tem paciência alguma.
O meu coração bate como se tivesse subido e grudado em meus
ouvidos, martelando dentro de mim, e eu não consigo impedir o rosnado de
sair, ele é muito mais forte do que qualquer coisa. O som é tão alto e
selvagem, que faz o meu lábio inferior tremer, só que ao invés de se
alongar, no momento em que eu vejo a lâmina prateada na mão do homem
de capa, o rosnado para.
Tudo para.
Ela é minha. Nancy é minha fêmea, grávida do meu filhote e esses
desconhecidos estão colocando a vida dela em perigo.
Eu não vejo nada além dela. Nada. E não vou focar em nada além do
seu medo, tão forte que fica na minha língua e dói a minha garganta.
De repente eu escuto um grande rasgo acontecer nas costas do
moletom que uso, e depois esses rasgos vão aumentando e aumentando,
como se a roupa estivesse explodindo em mim, enquanto o meu corpo se
expande pra cima e para os lados.
— Não! — A palavra sai grossa da minha boca, numa voz que eu
nunca ouvi antes, áspera e profunda, assim que a pequena fêmea avança
contra a pessoa de capa. — Nancy!
A minha bouan[GS8] tenta tomar o punhal prateado que descreveu
tantas vezes pra mim. Só que no momento que ela tenta puxar para si, o
homem força a ponta da arma para baixo e isso atinge a barriga dela em
cheio.
Parece que é a minha carne que está sendo cortada, tamanha a dor que
sinto em meu peito. Parece que arrancaram fora o meu coração. Eu jogo a
cabeça para trás e uivo feito o animal que eu sei que estou me
transformando. O som é tão alto que reverbera pelo meu corpo todo,
selvagem, profundo, doloroso, enquanto a transformação continua
acontecendo.
Escuto os meus ossos se quebrando, sinto a minha cabeça mais do que
dobrando de tamanho enquanto fico apoiado em quatro patas muito grandes
no chão. Mas eu não espero isso acabar para me colocar em movimento,
assim que sinto a potência do meu novo corpo, a forma como o meu rosto
se alongou e como a minha audição ficou ainda mais potente, eu corro em
direção a minha fêmea, que cai ajoelhada no chão.
Ninguém faz mal a minha Nancy e sai impune. Eu vou arrancar a
cabeça de todos eles e vou salvá-la!
Eu vou acabar com todos eles.
Ela é minha!
MINHA!
As pessoas em volta de mim gritam ao perceber a minha presença,
correm antes que eu as esmague, no entanto, nenhuma delas existe para
mim agora.
Os homens que estão ajudando o homem de capa tiram armas de suas
cinturas e começam a atirar em mim, eu sinto dor por ser atingido, o
impacto das balas. Só que isso não é nada agora, só que eu ainda preciso
pará-los, para não atingirem a minha bouan ou o restante da minha família,
Juliet e o meu filhote Cyan.
Então antes que eles continuem, eu pego um pelo ombro com uma
mordida só e arremesso longe, e com o outro que tenta fugir eu planejo
fazer o mesmo, só que eu o mordo tão forte, que acabo dividindo o seu
corpo em dois e só o que jogo longe é a sua parte superior. As pernas dele
ficam caídas no chão e a minha boca se enche com o seu sangue podre, o
que me dá nojo.
Tudo isso acontece em segundos.
— Astor, ele vai fugir! — Juliet grita e eu vejo o homem da capa
escura tentando correr. Só que ele nunca vai ser mais rápido do que eu.
O problema é que o maldito vai se embrenhando entre as pessoas e
por isso eu acabo atropelando várias delas. Eu escuto alguns ossos se
quebrando, porque os humanos não são tão rápidos quanto as minhas quatro
patas, mas eu não consigo me importar com nada além de matá-lo.
Ele tem que morrer.
Assim que consigo encurralá-lo, sem persegui-lo por mais do que um
minuto, eu não paro para olhar o seu rosto. Abocanho o homem com a capa
pela cabeça e sacudo o seu corpo, rosnando alto, até que o seu pescoço não
resista a ser chacoalhado assim e o restante dele voe longe, só sobrando a
cabeça do desgraçado em minha boca, que eu faço explodir com a força da
minha mordida.
— Eu vou matar todos! — As palavras saem com certa dificuldade da
minha nova boca cheia de dentes pontudos e a minha visão fica estranha,
muito mais ampla.
Os sons da correria ficam maiores, as pessoas não param de gritar à
minha volta e eu começo a me perder, a ficar zonzo, até que meus ouvidos
captam dois sons, dois batimentos cardíacos. Um está muito rápido e outro
bem mais lento.
Eu luto para não me perder nessa nova mente bestial, luto para não
esquecer que atrás de mim tem a minha fêmea, que a vingança acabou.
Então eu me viro e vejo Nancy deitada no chão, com uma poça de sangue
se formando debaixo dela, enquanto Cyan chora no colo de Juliet.
— Minha Nancy. — A minha voz continua grossa e eu caminho até
ela tremendo, sentindo o sangue escorrer de algumas feridas no meu corpo
por causa dos tiros que levei.
Mas foi tudo tão rápido, que nem dor eu tenho agora, porque não
importa. Nada em mim importa. Só o que importa é a minha pequena fêmea
no chão. Os seus cabelos escuros estão espalhados por toda a sua volta e
mesmo que eu seja uma besta gigantesca agora, os meus olhos se enchem
de lágrimas e uma delas cai em sua barriga ferida, lavando um pouco do
corte profundo.
O punhal sumiu.
— Você precisa voltar ao normal, Astor. Agora, por favor! — Juliet
grita desesperada e olha para o meu rosto lá de baixo. Eu estou muito longe
do chão agora. — Por favor, Astor! Volte ao seu tamanho normal e me
ajude a levá-la pra longe o-ou ela vai morrer!
— Eu não consigo. — Articulo as palavras devagar, sem saber como
voltar ao meu tamanho de persanes. A raiva ainda está grande demais
dentro de mim, as pessoas estão fazendo muito barulho à nossa volta e isso
me deixa em pânico.
— Faça por ela, por favor, Astor! — A loira continua gritando
comigo e quanto mais alto ela chama o meu nome, menor eu fico.
Achei que fosse complicado, achei que fosse impossível, mas eu virei
um lobo e é tão estranho, porque foi tão natural. E do mesmo jeito que eu
me transformei na besta, sem saber como, eu me transformo de volta em um
persanes, só que agora eu estou completamente nu e caio no chão de joelhos
ao lado da morena na mesma hora.
O problema é que… não tem mais batimento cardíaco, nem de Nancy
e nem do bebê.
Acabou.
A minha Nancy sumiu.
— Pegue-a no colo, o carro está bem ali. — A loira me pega pela mão
e ela está gelada e trêmula, querendo fazer eu me mover. — E-eu vou levar
a gente de volta pra casa e nós vamos salvá-la, está bem?! — Juliet me
sacode. O seu rosto está todo molhado de lágrimas e Cyan parece
aterrorizado, com uma touca pendurada em um de seus chifres. — Dê o seu
sangue pra ela agora! — ordena e como não funciona me puxar, ela começa
a dar tapas em mim.
— Juliet… — Eu olho pra Nancy e ela parece tão pálida. Ela não está
mais aqui. — Não adianta mais.
Já não escuto nenhum batimento. Eles pararam, os dois pararam.
A loira não entende que se ela foi atingida pelo punhal de Bruven, a
sua alma foi danificada, e eu não acho que o meu sangue vai ajudar a curar
a alma da minha pequena. Sangue persanes cura, não ressuscita. O maldito
Frederick deve ter conseguido tomá-la enquanto o lobo matava.
Depois de achar que já tinha perdido tudo que podia no mundo, eu
consegui perder ainda mais.
Eu falhei.
— Pare de só olhar e comece a curá-la! Você é o curandeiro, porra! —
Juliet continua gritando e de repente… eu escuto dois corações bem
baixinhos.
Como assim?!
As pálpebras de Nancy começam a se mover e sem mais nem menos
logo elas se abrem. As suas íris estão acinzentadas e ela continua
sangrando, mas é como se ela e o bebê tivessem ressuscitado.
— Astor… m-me desculpe. — A voz dela sai trêmula e baixa e ela
continua no chão.
Parece que quem vai morrer agora sou eu, de tanto nervoso.
— Dê o sangue pra ela! — Juliet grita com mais força ainda e eu na
mesma hora mordo o meu braço e crio um grande buraco.
— Eu achei que fosse… conseguir te… salvar por causa do sonho. —
Ela continua falando, mesmo que muito baixo e soando muito débil.
— O-olha pra mim, bouan. Tome o meu sangue. — Com muita pressa
eu coloco o meu braço contra a sua boca e Nancy bebe. Eu estou tremendo
muito, estou muito ansioso e com certeza estou em choque, mas eu não
estou maluco e a minha fêmea realmente está viva. — E você me salvou de
tudo, Nancy. V-você é a minha salvação, você é o-o meu motivo de viver.
Eu estou tremendo da porra da cabeça até os pés e chorando alto feito
um filhote, nu, no meio de um monte de gente. Juliet não sabe o que
aconteceu agora, pois os seus ouvidos não captaram. Mas eu sei o que eu
ouvi.
— O bebê… — ela sussurra e tem forças para mover o braço e tentar
colocar perto da ferida.
— O nosso bebê está vivo, eu estou ouvindo ele — explico rápido e
ela continua bebendo.
— Agora nós precisamos sair daqui, Astor. Tem muita gente em
volta, a polícia vai chegar. Você dá o seu sangue pra ela no carro — Juliet
ordena, porque ela parece ter entrado num estado estranho de espírito. Ela
cheira a medo e a ansiedade, mas como sempre, as palavras que saem de
sua boca são muito confiantes, então eu concordo com ela.
Só que não é nada fácil encontrar um jeito de tirar Nancy do chão sem
piorar o seu estado.
— Ah! — ela grita de dor enquanto eu enfio os braços por debaixo de
seu corpo e isso me faz chorar mais forte, ainda mais que o sangue de
Nancy escorre dela e me atinge.
Os deuses me deram uma segunda chance e eu nunca vou deixar de
agradecer por esse milagre.
— Calma, meu amor, eu vou te levar pro carro e vai ficar tudo bem
— sussurro, enquanto Juliet vai na frente com o bebê no colo, que a esse
ponto já sofreu muito mais do que deveria. A maioria das pessoas saiu
correndo para se esconder, então não é difícil chegarmos até onde elas
deixaram o carro.
— V-você… promete? — Nancy pergunta e a cada passo que eu dou,
ela faz outra careta de dor. E eu aprecio cada uma delas, qualquer coisa que
essa fêmea me der, é uma dádiva.
— Eu prometo, dessa vez eu prometo — respondo e antes de entrar
no banco de trás do carro, eu olho pra trás. Eu encontro muito sangue no
chão, encontro os corpos dos dois primeiros homens que matei, só que uma
coisa que eu não encontro, é o homem de capa e o seu corpo dilacerado.
Capítulo 50
Nancy
Uma semana depois
— Eu acho que ele fez de propósito — escuto uma voz feminina
conhecida falar, mas não sei dizer exatamente de onde ela está vindo.
— Como assim? — outra voz feminina também conhecida responde.
— Frederick fez Nancy acreditar que Astor ia morrer com os sonhos
que nos deu, para nos fazer ir até um lugar movimentado. Você não está
vendo como essas notícias estão repercutindo no mundo todo? Isso é tudo
que Frederick precisava, fazer vocês parecerem um perigo à segurança
pública — a mulher responde e eu começo a ficar preocupada, tanto com o
que ela diz, como com a minha impossibilidade de raciocinar e de me
mover. Estou completamente paralisada. — Tinha muita gente lá, muitos
olhos pra espalhar por aí como vocês são perigosos.
Tudo está escuro agora, nem que eu quisesse conseguiria saber quem
são essas duas pessoas conversando, e o mais desesperador é que eu não
estou sentindo o meu corpo, parece que sou só… uma coisa flutuando no
nada. Sem cabeça, sem mãos e sem pés.
— Isso que você falou faz bastante sentido — as mulheres continuam
conversando, totalmente alheias a mim, e eu decido me concentrar bem.
Quem sabe se eu fizer muita força e não me deixar levar por esse
sono estranho que estou sentindo, eu consiga vencer essa letargia.
— A única coisa, é que eu acho que ele esperava conseguir comer a
alma de Nancy e do bebê dela — a outra responde e pela altura de sua voz,
eu acho que elas não estão longe de onde quer que eu esteja, mas também
não estão super perto.
A frase “comer a alma de Nancy e do bebê dela” me faz sentir muito
medo, tanto medo que de repente um arrepio corre pelo meu corpo e me faz
tremer, o que é muito bom, na verdade. Se eu consigo tremer, logo devo
conseguir me mover mais.
— Mas ele está morto agora.
— O corpo dele sumiu, não sabemos se está morto ou não, Kara — a
voz feminina argumenta e um rosto me vem à mente. Uma mulher de olhos
acinzentados, sobrancelhas e cabelos claros, com lábios carnudos. Ela me
encara com seriedade, mas tem um brilho em seus olhos que me faz sentir
em casa.
Só que mesmo que eu esteja vendo o seu rosto, logo a escuridão
engole a sua face e ela ameaça me esmagar. Eu fico mais cansada, mais
debilitada.
— Astor acabou com ele, segundo as filmagens — a outra voz diz e
um segundo rosto aparece pra mim.
Ele tem olhos castanhos-avermelhados, cabelos ruivos com fios
dourados que o fazem parecer um sol, uma pele muito bronzeada e um jeito
de me encarar, que me faz sentir aconchegada.
Essa imagem me faz ficar nervosa, faz algo dentro de mim se agitar e
logo eu entendo que esse é meu coração batendo com força. Eu também me
torno ciente da minha própria respiração, que está muito rápida, além de
entender que nesse momento eu estou completamente na horizontal, deitada
em algo muito macio.
— Eu acho… — ela começa a falar, mas faz uma pausa longa. —
Que o coração da sua irmã acabou de disparar.
— Tem certeza, Kara? — A pessoa que eu reconheço como sendo
Juliet pergunta e me faz lembrar quem é Kara também. Ela é uma persanesa
de pele escura e sorriso largo, com dois chifres pequenos em sua cabeça.
— Tenho certeza, estou ouvindo daqui, e a respiração mudou de ritmo
também! — Kara soa aflita e eu escuto as duas se aproximarem com passos
rápidos.
Elas estão perto de mim, eu estou ouvindo suas respirações também, e
agora já não tem tanta escuridão, ela está ficando estranhamente mais clara,
algo como um acinzentado. Além disso, eu também não estou só flutuando,
eu sinto o meu corpo. Sinto as minhas mãos, os meus pés e a minha cabeça
e, principalmente, eu sinto o meu rosto, então eu começo a tentar me mover.
Demora um pouco, elas conversam por mais um tempo, mas eu foco
em mim mesma, não nas palavras de Kara e Juliet. Até que finalmente sou
capaz de mexer as minhas pálpebras, elas só tremem um pouco, mas já é o
bastante para me fazer ficar ainda mais ansiosa.
Parece que eu estou presa aqui dentro e eu quero sair logo, ainda mais
que a minha garganta está muito seca de repente.
— Você viu isso?! As pálpebras dela mexeram! — uma delas grita e
agora que eu sei o caminho, consigo fazer de novo o mesmo movimento e
dessa vez eu quase consigo fazer os meus olhos pararem abertos.
— Nancy, e-eu estou aqui. — Eu sinto alguém pegar na minha mão
direita e apertar os meus dedos. A pele dessa pessoa está quente e ela está
tremendo. — Faça isso de novo, você vai conseguir. — Eu reconheço que é
Juliet quem está falando comigo, então eu faço o que ela pede. Tento
algumas vezes, até que finalmente as minhas pálpebras param abertas.
— Puta merda, ela acordou mesmo! — Kara exclama, só que por
alguns segundos eu não vejo nada, o que me deixa em desespero.
Eu fiquei cega? Por que só estou vendo branco agora?
Até que eu entendo melhor o que está acontecendo, quando Juliet
coloca a cabeça no meu campo de visão. Eu não estou cega, só estou
olhando para o teto, deitada em uma cama.
— Como você está, Nancy? — a minha irmã pergunta numa voz
chorosa e logo o rosto dela fica embaçado para mim, porque os meus olhos
também se enchem de lágrimas. Eu estou viva, não estou presa em canto
algum. — Você acha que já consegue falar comigo? — questiona e agora é
a vez de me concentrar na minha boca.
— Se ela demorou um pouco para abrir os olhos, acho que vai
demorar um pouquinho também para falar — Kara fala isso para acalmar a
minha irmã, mas de certa forma também me acalma. Eu não entendo por
que estou nessa condição, porque estou deitada aqui e tive dificuldade até
de entender quem são elas.
Mas eu me esforço para não deixar o nervosismo tomar conta e foco
no meu próprio corpo. Primeiro eu sinto a minha língua, ela está meio
dormente, porém, mesmo assim eu sei que estou mexendo ela dentro da
boca. Toco os meus dentes e me concentro em conseguir engolir a saliva.
— Você está com dor? — Juliet pergunta e eu decido que isso eu vou
responder.
— N… — começo a dizer a palavra, mas preciso parar para conseguir
engolir a saliva de novo. — N… não. — A negativa sai bem letárgica, mas
faz Juliet e Kara comemorarem alto, elas até batem palmas, o que faz o meu
ouvido fazer sons estranhos, como se bolinhas de sabão estourassem dentro.
— Meu Deus, Nancy… — A minha irmã choraminga e o rosto dela
se aproxima ainda mais do meu. As lágrimas em meus olhos escorrem pelo
canto e ela as limpa para mim usando a sua blusa. Eu daria tudo para estar
normal agora, para dizer que está tudo bem. — Eu estava com tanto medo,
m-mas você voltou para mim. — O seu tom faz o meu peito doer, me faz
pensar numa Juliet deprimida e muito triste.
— Ju… Juliet — consigo dizer, numa voz mole.
— Eu estou aqui. — Ela se abaixa bem, tanto que consigo sentir a sua
respiração contra o meu rosto, e deixa um beijo terno em minha bochecha.
Só que depois ela continua beijando, sobe até a minha testa e beija a minha
cabeça também, numa espécie de ataque de carinho. — Eu estou aqui e-e-e
você está também, pra sempre. Eu te amo tanto, Nancy.
— Eu te… amo, July — sussurro e dessa vez as palavras saem de
uma vez, só que isso faz ela chorar mais forte, o que me deixa mais
desesperada. — Água. — Não quero mesmo ter que parar de receber o seu
carinho, mas se eu desejo conseguir falar com ela, preciso molhar a minha
garganta, que está seca feito um deserto.
— Claro, esqueci disso, vou pegar pra você — avisa e logo a minha
irmã sai do meu campo de visão, só que eu não consigo levantar a minha
cabeça para ver onde ela foi tão rápido, então Kara aparece e ela beija o
meu rosto também.
Eu solto uma risada baixa e gutural, porque ela aperta o meu rosto
entre as suas mãos calorosamente, e vai espalhando as minhas lágrimas pela
minha pele.
— Eu sabia que você ia voltar, menina! — A voz dela é calorosa e me
faz sentir bem com o tamanho da sua animação.
— Oi, Kara. — Eu até consigo sorrir para ela, pequeno, mas consigo.
— Não tinha como você não ficar bem, aquele cara te dá sangue o
tempo inteiro, sabia? Ele te dá sopa, sucos, tudo que você tem direito!
— Astor? — pergunto, com o meu coração disparando ainda mais. Só
de pensar nele, já fico toda arrepiada.
— Sim, quer que eu chame ele pra você?! — ela está praticamente
gritando de tanta animação.
— Sim. — Consigo responder mais rápido e fico eletrizada pela
possibilidade de ver o ruivo agora.
— Eu já volto então — avisa, depois caminha e sai pela porta.
As paredes daqui são claras e muito amplas, eu não sou capaz de virar
a minha cabeça muito bem, mas o que está no meu campo de visão me
lembra uma certa mansão.
Logo em seguida a minha irmã aparece com a água, só que ao
perceber que vai ser difícil eu conseguir tomar deitada, ela arranja dois
travesseiros e os coloca debaixo da minha cabeça, assim consigo beber sem
me molhar toda.
Juliet segura o copo pra mim com as suas mãos tremendo e vai
virando aos poucos, e eu bebo feito uma louca. Depois ela coloca o copo
vazio numa mesinha ao lado da cama de que eu estou e nessa nova posição,
eu vejo melhor os meus arredores.
Estou deitada numa cama de casal muito grande mesmo, coberta com
um lençol fino, pois segundo a temperatura do meu corpo, não está muito
frio e nem muito quente.
— Como você está? Como e-está se sentindo? — pergunta, sem
conseguir conter as suas emoções. Juliet está chorando muito, está
fungando e soluçando, enquanto dá a volta na cama, sobe nela e vem para o
meu lado. — Tem certeza de que não está sentindo dor?
— Parece que um caminhão passou por cima de mim de tão cansada,
mas não tem dor. — Agora que não estou com tanta sede, as palavras saem
com muito mais facilidade. — A quanto tempo eu estou aqui e onde
estamos?
— Uma semana e nós estamos na Turquia ainda, na mansão Dolunay
agora — responde e agora faz mais sentido todo esse luxo. — Do quanto
você se lembra?
— Nós… — Eu forço um pouco a minha mente e as imagens
começam a vir pra mim, fazendo eu me sentir muito apreensiva. —
Estávamos naquela feira e aí… tinha um cara de capa e ele apunhalou a
minha barriga… — Eu arqueio os olhos ao lembrar e no mesmo momento,
olho pra baixo e encontro a minha barriga arredondada parecendo bem
normal. Não consigo ver a minha pele mesmo, porque estou usando um
pijama, mas o formato está como eu me lembro. — Como está o meu bebê?
— Ele está bem, vocês tiveram muita sorte mesmo. Astor disse que
você já está até cheirando a saudável.
— Tem certeza de que está tudo bem? — pergunto desconfiada. Eu
me lembro da facada, ela foi funda, depois eu me lembro de ouvir um uivo.
O lobo de pelagem alaranjada tinha um grande focinho e olhos enormes,
azuis e neon,
Mas depois tudo se apagou.
— Está sim, foi por bem pouco, Nancy. A facada não pegou em nada
que não pudesse se regenerar com o sangue persanes — responde e fica me
encarando, como se quisesse dizer algo, mas não sabe se diz. — Eu vou te
abraçar agora, tá bom? — fala isso já se aproximando e me pegando, mas
com cuidado. Juliet dá a volta em meus ombros com os seus braços e enfia
o seu rosto na curva do meu pescoço. — E-u achei… achei que fosse te
perder, Nancy — sussurra, com dificuldade de falar. Ela está chorando feito
uma criança. — Por que você fez aquela loucura, sua maluca?
— Pensei que fosse a única forma de proteger vocês — cochicho e
nós ficamos assim por longos segundos, abraçadas e chorando. O cheiro de
Nancy acalma um pouco o meu coração, mas não muito, porque eu sei que
logo Astor vai estar aqui. — O que aconteceu exatamente depois da facada?
— Astor virou um lobo, você lembra dessa parte? — ela pergunta e
tira o seu rosto do meu pescoço, mas fica deitada ao meu lado, segurando a
minha mão.
É tão bom estar assim com Juliet. Eu me sinto quente e viva de novo,
mesmo que sem muita facilidade pra me mover e sem saber se eu devo.
— Eu me lembro, aquilo foi surreal.
— Depois nós te levamos pro carro, você foi bebendo o sangue dele e
os Dolunay nos ajudaram a voltar pra cá, pra mansão. Mandaram um
helicóptero e nós chegamos rapidinho.
— Eu achei que tinha morrido, July. Tudo se apagou — confesso e a
minha garganta fica dolorida, de tanta angústia, o que faz Juliet se sentar
para eu conseguir ver o seu rosto, ao invés de continuar deitada.
— Você está aqui e vai ficar aqui por muito tempo. — Ela sorri, ainda
com o rosto bem molhado, mas chorando menos. As suas bochechas estão
muito vermelhas. — Se você achou que morreu, eu então achei que ia
enlouquecer. Faz uma semana que não durmo direito e Astor também, ele
não sai do seu lado. Nós dois estávamos começando a feder, então primeiro
eu saí pra tomar banho e ele saiu agora a pouco também.
— Meu Deus do céu! — Arregalo os olhos, sem acreditar nisso.
— A partir de agora eu não aceito mais os seus planos malucos,
nunca mais.
— Me desculpe — murmuro e ela faz uma negativa com a cabeça,
como se dissesse que isso não é necessário.
— Só prometa que vai pensar antes de fazer merda, tá bom? — pede e
antes que eu possa responder, a porta do quarto ensolarado se abre.
— Nancy?! — ele berra tão alto que o meu corpo todo se chacoalha, e
se eu achei que a minha irmã tinha dado um grande show, é porque ainda
não tinha visto Astor. O ruivo está completamente esbaforido.
Os seus cabelos estão molhados, encharcados, na verdade, pingando
água por seu corpo e no chão. Ele nem colocou uma camiseta, só uma
bermuda, e também não teve tempo de colocar sapatos.
Como eu estou na mansão, provavelmente Astor foi tomar banho na
cabana, que fica mais pro fundo do terreno, então assim que ele foi avisado
por Kara, o homem deve ter saído correndo para vir me ver.
Só que ao invés de se aproximar, o ruivo fica parado no batente da
porta, o que começa a me deixar nervosa e ainda mais ansiosa. É como se as
minhas mãos formigassem para tocá-lo, para ter certeza de que é tudo real
mesmo.
— Você… — Uma lágrima grossa se forma em seu olho e depois
desce por sua bochecha. — Você acordou, meu amor — sussurra e eu volto
a chorar, percebendo o quão emocionado ele está.
— Por favor, s-só me abraça — peço, com dificuldade de respirar, e
sem pensar duas vezes ele vem até mim. Parece que demora uma
eternidade, mas quando Astor me toca, tudo em mim explode em quentura e
arrepios. — Obrigada por me salvar — cochicho e fecho os meus olhos,
enquanto os seus braços fazem o mesmo movimento que os de Juliet
fizeram há pouco, ele me abraça pelos ombros e enfia o seu rosto nos meus
cabelos.
— Nunca senti tanto medo na vida — admite numa voz rouca e
vacilante e ele me aperta, enquanto se ajoelha no chão. O abraço de Astor,
com seus braços grossos, se transfere para a minha cintura e a sua cabeça se
encosta contra a minha barriga. — Eu fiquei enorme, eu… machuquei
tantas pessoas que não tinham nada a ver com aquilo. Explodi a cabeça de
Frederick com os dentes. — Só que Astor está desabando em culpa e em
desespero, o seu corpo está tremendo e ele molha a minha blusa de pijama
com as suas lágrimas.
Eu nunca o vi assim antes, parecendo tão perdido.
— Você não fez isso por querer, foi tudo culpa dele, não sua —
sussurro e passo a fazer carinho em seus cabelos, ajeitando-os em volta de
seu chifre, já que estão encharcados.
— Eu te amo tanto, bouan. Você é a-a minha vida. — Astor levanta o
seu rosto para me encarar de baixo e eu reparo que ele tem olheiras e parece
até ter emagrecido, mesmo que só tenha se passado uma semana. — Você é
o meu tudo, Nancy. E-eu não sabia se você i-ia realmente acordar, aquele
punhal é tão poderoso. — Coloco a minha mão em seu rosto e ele soluça,
num choro sentido, me encarando com incredulidade. — Se você não
acordasse, eu…. eu… — Ele não consegue terminar a frase.
O que foi uma semana de escuridão para mim, sem sentir dor, sem
perceber o tempo passar, foi uma semana de sofrimento para Astor e para
Juliet, e agora que os dois me viram, eles estão desabando.
Então eu dou um tempo para ele continuar me abraçando, para ele
levantar a minha blusa e beijar a minha barriga com sofreguidão, mas chega
uma hora que eu começo a ficar assustada de tanto que o meu curandeiro
está sofrendo.
— Pode ronronar pra mim, durkiah? — pergunto com delicadeza pra
ele, que volta a levantar a cabeça. O lábio inferior de Astor treme agora e
ele funga.
— Nancy… eu estou tenso demais pra isso. — Nega, apertando mais
os seus braços no meu quadril.
— Não, você está feliz porque eu acordei e vai tudo ficar bem agora.
— Faço carinho devagar em seu rosto, tentando acalmá-lo do jeito que ele
me acalmava quando eu tinha sonhos ruins.
— Eu caí na armadilha de Frederick, tenho certeza que só fez tudo
aquilo pra fazer as pessoas ficarem c-com medo da minha raça — confessa
com culpa e sendo muito negativo.
— Você me salvou, Astor. Sem você a minha irmã e Cyan não teriam
sobrevivido. Agora, por favor, venha aqui, chegue mais próximo do meu
rosto. — O ruivo faz o que eu peço e é surpreendente que eu seja a menos
chorosa dessa situação, a mais calma, então tento passar isso para ele,
enquanto Juliet continua sentada ao meu lado. Ela até pega uma mão minha,
como se para ter certeza que eu não escapasse. — Você é o melhor macho
que eu poderia ter, você fez o que conseguiu e salvou a todos. Não merece
se culpar, Astor. Você merece ser feliz, está me ouvindo? — pergunto e ele
faz que sim com a cabeça, mas não me encara nos olhos enquanto faz isso.
— Olhe pra mim e diga que está me ouvindo.
— Eu estou te ouvindo — sussurra e como as nossas bocas estão
próximas agora, eu consigo ir um pouco para frente e encostar os nossos
lábios. Só que ao invés de me beijar com paixão, o meu curandeiro faz tudo
com muita delicadeza, com muito carinho. — Tem uma coisa que eu quero
te perguntar — sussurra e se afasta com pressa, o que me deixa com medo.
Será que algo mais aconteceu enquanto eu fiquei de cama?
— Pode falar — respondo e ele limpa as lágrimas do rosto, tentando
se livrar delas com pressa, depois Astor tira do bolso uma caixinha de
veludo.
Eu não tenho tempo de me chocar, porque logo o ruivo abre a
caixinha, com os seus dedos literalmente tremendo, e lá dentro tem um anel
dourado, com uma pedra azul da cor dos meus olhos. É uma joia muito
bonita, mas não é algo exagerado, parece uma coisa que a Barbie ganharia
no único desenho que eu pude assistir dela quando pequena, antes dela ser
banida na IOR.
— Você quer casar comigo, mon nya[GS9]? — pergunta, ainda
ajoelhado, e a minha irmã faz um som de animação que quase lembra um
gato levando um susto.
— Claro que sim, durkiah[GS10]. — Eu entrego a minha mão a ele,
recuperando o meu posto de chorona, mas não uma chorona qualquer, e sim
uma chorona que vai se casar com o ruivo mais gostoso do mundo, que
ronrona pra ela.
FIM
Epílogo
Nancy
— Você acha mesmo que devemos fazer isso? — pergunto, me
encarando no espelho.
Kara disse que eu poderia ter chamado uma cabeleireira e uma
maquiadora se quisesse. Aliás, ela disse que eu poderia ter tudo o que
quisesse, literalmente tudo, mas eu disse a ela que não era necessário.
Juliet colocou algumas flores brancas e azuis no meu cabelo, fez
algumas pequenas tranças entre as camadas, mas de maneira geral eu
preferi deixar as mechas castanhas soltas. Elas já não estão tão longas como
eu era obrigada a manter, dei uma cortada por conta do calor, agora meu
cabelo só vai até a minha cintura. A minha irmã fez o mesmo, só que ela
preferiu deixar o dela na altura dos ombros.
— O quê? Você não quer mais se casar?! — Kara pergunta, tomando
o maior susto.
Tanto ela quanto Juliet já estão vestidas, usam tons de azul, como eu
pedi, mas de maneira geral eu deixei que elas escolhessem a decoração e
como queriam os seus vestidos, não importa que sejam as minhas
madrinhas. Antes eu nem sabia que essa coisa da noiva escolher tudo
existia, mas andei assistindo muitas séries e filmes sobre casamentos e
descobri um montão de tradições.
— Talvez… devêssemos esperar um pouco. — Dou de ombros.
Agora eu uso um sutiã branco e um shortinho cor da pele e estou
parada na frente de um grande espelho, que pega o meu corpo todo. Só que
tem uma coisa que me chama muita atenção, no alto da minha grande
barriga arredondada, uma pequena cicatriz branca. Ela não ficou escura por
causa de Astor, que teve o cuidado de lambê-la, assim como sempre fez
com as mordidas que deixava em mim. Mas mesmo assim sobrou essa
lembrança do golpe.
— Qual o problema? — Juliet vem por trás de mim, coloca as suas
mãos em meus ombros e olha para o espelho junto comigo.
Eu me sinto bonita, a maquiagem leve de Kara, com cílios postiços
curtos, brilho nos olhos e um batom rosa claro, escondeu o cansaço em meu
rosto e chamou atenção para a minha boca e minhas íris azuis. Só que eu
não sou mais a mesma, essa uma semana de cama dormindo me fez perder
peso e agora que estou acordada também, não tenho comido muito e mal
saio da cama.
As mulheres que eu vejo na série sempre estão lindas na cerimônia,
cheias de energia, elas dizem que o casamento é o seu grande dia e todos
olham para elas assim que entram na igreja, depois elas dançam em suas
festas e tem uma lua de mel incrível.
Eu não vou me casar em uma igreja, vou casar em um jardim, mas
mesmo assim eu acho que deveria estar saudável para fazer isso.
— Não tenho forças pra ficar de pé mais do que dois minutos ainda,
July — cochicho. O punhal pode não ter danificado tanto o meu corpo
físico, mas ele fez algo comigo, algo na minha alma, eu acho, que me
deixou cansada. Todos os dias me recupero um pouquinho mais, só que não
estou cem por cento. — Vou ter que ficar parada lá, sentada numa cadeira, e
todas as minhas fotos vão ser assim. — Os meus olhos se enchem de
lágrimas.
— Não chora, querida, a maquiagem já está pronta, todos estão
esperando no jardim e só falta você colocar o vestido — Kara fala com
ternura, mexendo no meu buquê de flores azuis e brancas. Eu estou no
quarto que tenho ficado desde que cheguei na Turquia, onde Astor tem
dormido comigo todas as noites. Eu, ele e Juliet somos unha e carne agora,
eles agem como se fosse um milagre. — Esse é um casamento simples,
você mesma disse que queria simples, então não tem problema ficar
sentada. Todos vão compreender o seu estado de saúde.
Eu mordo o meu lábio inferior, entendendo o que ela quer dizer, mas
mesmo assim ainda me sinto triste. Assim que Astor fez o pedido de
casamento, imediatamente ele começou a planejar como seria, não quis
perder tempo. Então faz pouquíssimos dias que eu acordei.
— O problema é só você ficar sentada no altar, Nancy? — Juliet
questiona e ela está muito bonita.
Lá na Igreja não podíamos nunca usar maquiagem, então é diferente
nos ver assim. Kara nos deu um monte de batons e sombras que não
sabemos usar, e ela também deu joias para Juliet, pois Astor já tinha dado
algumas pra mim, e eu estou usando tudo agora. Me senti meio exagerada
com um colar de diamantes no pescoço e pulseiras de ouro no braço, mas
Kara jurou que persaneses adoram isso.
— Sim. Eu só não queria parecer tão fraca, o meu rosto está bom,
mas… eu sei lá. — Dou de ombros, com as mãos em minha grande barriga.
Eu posso até não gostar dessa cicatriz, mas ela me deu um senso novo
sobre essa gravidez. O medo de perder essa criança me tomou por inteira
quando levei a facada e a cada dia que passa eu fico mais ansiosa para
conhecê-la. Não vejo a hora dela nascer, de tê-la em meus braços e de criá-
la junto com a minha família. Eu vou dar tudo que eu não tive a esse bebê,
todo o carinho e entendimento que os meus pais nunca deram, nem pra mim
e nem pra minha irmã.
— Coloque o vestido nela, Kara — Juliet fala e se afasta de mim, o
que me deixa confusa. — Eu já volto.

— Onde
ela está? — a voz masculina que conheço mais do que bem pergunta e na
mesma hora eu arregalo os olhos.
— Você não pode me ver, dá má sorte! — exclamo, só que eu não
tenho para onde fugir, estou sentada na cama agora com o vestido em meu
corpo e assim que ele entra de vez no quarto, já dá de cara comigo.
Eu escolhi usar uma peça branca nada pesada, ele é de alcinha, tem
um decote pequeno em formato de coração e só tem duas camadas, uma de
pano opaco e por cima outra de renda fina e leve, porque eu não queria que
fosse ainda mais difícil para eu me movimentar. O vestido é acinturado, tem
bordados incríveis e vai até o meu pé. Tem cara de casamento, mas eu
também não quis algo que se parecesse com um bolo gigante.
Nada contra vestidos que se pareçam com bolos gigantes, mas para
carregar algo assim eu teria que estar em ótima forma.
— Mas Kara disse que vocês… — Astor começa a falar enquanto a
minha irmã entra atrás dele, mas o persanes trava no meio da frase. Os
olhos dele se enchem de lágrimas na mesma hora, me encarando de um
jeito que esquenta o meu corpo todo, como sempre. — Você está linda,
parece uma fada — sussurra maravilhado e molha o lábio inferior, como se
pudesse engolir a minha imagem agora. Ele repara no meu cabelo, repara
no vestido, na joia, no meu rosto e até no meu pequeno decote. Astor nem
tenta esconder como se sente. — Está linda, mon nya — repete, com a voz
embargada.
— Obrigada — agradeço com um pouco de vergonha, porque esse
macho está obviamente emocionado e também faminto agora e eu também
estou sentindo um turbilhão de emoções.
Nunca vi esse ruivo vestindo um smoking e, puta merda… é a coisa
mais sexy do mundo. A parte do topo do seu cabelo está preso atrás da sua
cabeça, mas deixaram várias mechas na parte de baixo em seus ombros,
assim os seus cabelos ficaram arrumados, mas nem tanto. Ele fez a barba,
pensou até em tirá-la totalmente, mas eu disse que não precisava disso,
então Astor apenas aparou o bigode e também os pelos embaixo do seu
queixo e deixou tudo em um formato simétrico.
Ele usa uma camisa branca que parece que vai explodir em seus
braços fortes, paletó e calças pretas, e uma gravata azul, que, para falar a
verdade, parece um pouco apertada demais, ou talvez sejam só as veias em
seu pescoço que estão saltadas agora que ele me viu.
O curandeiro está uma mistura de sexy com sério, tipo um homem de
negócios, só que com dois chifres em cima da sua cabeça, orelhas pontudas
e um rabo que não para quieto.
Mas a minha irmã e Kara também estão neste quarto, então nós dois
temos que nos controlar.
— Podemos ir? — Juliet questiona e eu fico perdida de qual é o plano
dela exatamente.

Astor
A minha Nancy não queria ficar sentada numa cadeira no altar, ela
queria andar como as outras noivas fazem. É por isso que eu a carrego no
colo agora, indo em direção onde Dion está, por cima de um tapete
vermelho que estenderam até o altar, que é marcado por um arco de galhos
e flores incríveis.
— Está tudo bem? — cochicho disfarçadamente em seu ouvido e o
seu coração já disparado, bate ainda mais forte.
Nós não temos muitos convidados, a maioria das pessoas aqui são
funcionários da própria mansão, a família Dolunay, os Dark Elf com suas
fêmeas e filhotes e só, mas isso já é mais do que o bastante. Todos eles
estão sentados em cadeiras brancas enfileiradas lado a lado.
— Está sim — ela responde e os seus olhos se desviam de Dion, para
o meu rosto. Nancy morde o lábio inferior para tentar segurar as lágrimas.
— Muito obrigada, Astor. — Dá um aperto no braço que passa pelo meu
pescoço e segura em meu ombro.
Eu carrego Nancy na horizontal, com um braço atrás de seus joelhos e
o outro nas suas costas. Ela está linda, com a barriga tão grande que parece
que vai explodir, e os seus olhos quase brilham pra mim, mesmo sendo
humana. Nunca esquecerei essa imagem, a minha pequena humana é o meu
presente.
— Eu posso te carregar quantas vezes você quiser, por quanto tempo
você quiser, meu amor — confesso e caminho ainda mais lento, assim
demoramos mais tempo. Eu mal escuto o som do violinista que Kara
contratou para tocar. Nancy escolheu uma música de um desenho que ela
pôde assistir pela primeira vez chamado a “Bela e a Fera”. — Não precisa
ficar triste por estar se recuperando, você fez isso tentando salvar a minha
vida.
— Mas eu estava errada — ela choraminga, com uma culpa que não a
abandonou desde que acordou.
— Você é a fêmea mais corajosa que eu já vi, a única capaz de
arriscar a sua vida para tentar impedir que o pior me acontecesse, e é isso
que importa — cochicho e deixo um beijo leve em seus lábios, ainda
andando em direção ao altar. Só que quando eu estou com Nancy assim, é
difícil prestar atenção no mundo exterior.
Ela é o meu tudo.
— Sem beijar a noiva antes do tempo! — alguém grita e eu percebo
logo que foi Crystal e só quando vejo a minha pequena dar um pequeno
sorriso, é que eu volto a andar numa velocidade normal, até chegarmos ao
altar.
Nancy decidiu que queria uma cerimônia metade humana e metade
persanesa, o que significa que o texto normal do casamento humano foi
cortado mais do que pela metade, o que é muito bom para ela, que não está
totalmente recuperada, e logo nós estamos chegando em uma das partes que
eu estava mais ansioso.
— Agora vocês podem trocar as alianças — Dion fala e no mesmo
segundo Vladimir coloca Cyan no começo do tapete vermelho. Ele se veste
igualzinho a mim, até mesmo com a gravata, só que tudo em miniatura,
com os seus cabelos claros bem penteadinhos.
— Meu Deus! — Nancy exclama, pois ela não estava esperando por
essa, e eu a coloco no chão para esse final, depois de passar a cerimônia
toda com ela em meu colo. — Que coisa mais fofa!
Desde ontem que eu estou treinando o meu menino para trazer as
alianças até nós, e como ele já está andando sem cair, consegue vir até nós
sem problemas, a única coisa é que Cyan decide fazer isso correndo e dá de
cara com o vestido de Nancy, o que faz todo mundo rir.
— Dê as alianças para o seu bubu — peço para o pequeno ruivinho e
ele entrega a almofadinha azul com as duas alianças presas.
— Mama! — Cyan chama, olhando pra cima sem entender porque
teve que ficar longe de Nancy até agora, depois começa a puxar a roupa
dela, então Juliet acaba vindo resgatá-lo, mas eu prefiro pegá-lo no colo
com um braço.
— Pode deixar — murmuro para Juliet, a minha cunhada, e ela
concorda com a cabeça e volta pro lugar perto de Nancy no gramado.
— Eu te ajudo — a minha fêmea diz, que está mais radiante a cada
dia, pega a almofada e depois coloca a aliança dela na minha mão, que é
umas duas vezes menor que a minha.
— Para sempre — falo, deslizando o anel no dedo trêmulo que ela
coloca no ar, de tanta emoção, mas quem está mais chorando agora sou eu.
— Para sempre — Nancy murmura, também colocando o anel em
meu dedo.
— Os noivos já podem se beijar. — É incrível como Dion aprendeu
rápido o texto que ele precisava dizer.
Então nós nos beijamos com delicadeza e como Cyan também não
pôde aguentar, ele aproveita a altura que eu o seguro e deixa um beijo na
bochecha de Nancy.
— O bubu também merece um — reclamo e dou duas batidinhas na
minha bochecha. Ele dá uma risadinha, se encolhendo nos meus braços,
depois dá um beijo estalado no meu rosto.
Fui eu
quem fiz o parto dos bebês Dark Elf até agora, só que dessa vez, agora que
a minha menina vai nascer, Dion acha melhor ele cuidar das coisas e eu
ficar apenas de apoio, o que é um jeito bonito de dizer que eu estou nervoso
demais e que vou estragar tudo se continuar querendo rosnar cada vez que a
minha bouan[GS11] grita.
Quando Klaus ficou desesperado, querendo arrancar o filhote da
barriga de Karina à força, eu achei que ele estava sendo exagerado, até
porque eu estava no parto do meu Nimiar e não fiquei tão desesperado
assim. Mas isso porque naquela época não me passou pela cabeça que algo
poderia dar errado.
Agora é diferente, agora Nancy está fragilizada após ser apunhalada
por um tipo de arma que é capaz de rasgar a alma de uma pessoa. Foi um
milagre ela não ter morrido, um completo milagre, então é torturante vê-la
com dor agora, mesmo que já esteja recuperada. Consegue andar e até
correr normalmente, e recuperou a sua vitalidade.
— Você tem que respirar, Nancy, não se esqueça disso — falo,
segurando a sua mão do lado oposto de onde Dion está. Nós dois estamos
sentados no chão e ela está agachada, se segurando numa cadeira, assim o
bebê sai com mais facilidade.
Colocamos panos no chão, mas assim que eu vir a cabeça, já vou
colocar as mãos por baixo, para não deixar que o meu filhote nem sequer
encoste neles.
— Vai dar tudo certo. Você só precisa respirar — repito e ela inala
com força e depois vem outra contração, que faz Nancy gritar por quase
trinta segundos inteiros, segundo o relógio no meu pulso.
— Você j-já disse isso, quando vai nascer?! — pergunta, com o rosto
e a blusa que usa empapada de suor contra o seu corpo. — Eu não aguento
mais, Astor.
Eu acho que vou vomitar, o meu coração está batendo muito forte no
meu peito e faz dias que o nascimento de Nimiar tem estado em meus
sonhos, se repetindo feito um looping desgraçado.
— Já vai nascer, Nancy — Dion é quem fala e eu acabo tendo que
sair de perto.
Escuto os batimentos do bebê e de Nancy, mas eu também escutei os
de Nimiar e mesmo assim, alguns minutos antes dele nascer, tudo sumiu,
então a cada momento que passa a minha ansiedade aumenta.
Só que de repente… enquanto eu estou perto da porta, segurando a
ânsia de vômito, eu vejo a cabeça da criança, o que me faz correr de volta
para o lado dela e me sentar de novo.
— Força, Nancy, você está conseguindo — Dion encoraja e faz
carinho nas costas dela. — Está quase lá, menina, o seu bebê está nascendo.
Só que você tem que empurrar!
A minha pequena obedece quase rosnando de tanto que faz força e o
seu rosto já está vermelho como uma pimenta a esse ponto, então eu coloco
as mãos trêmulas entre as suas pernas e espero, até que pouco a pouco o
pequeno corpo vai deslizando para fora. Só que a criança, que tem cabelos
escuros e a pele pálida como a de Nancy, fica em silêncio e de olhos
fechados.
— Está tudo bem? — Nancy questiona e eu não consigo responder,
enquanto Dion corta o cordão umbilical com uma tesoura esterilizada. Ele
já fez muitos partos.
O bebê, que eu logo constato ser uma menina mesmo, continua em
silêncio.
— Vire a filhote de bruços e dê um tapa no bumbum, Astor — Dion
manda e custa tudo de mim obedecê-lo. Estou suando frio e a minha
respiração está uma bagunça, mas eu consigo colocar o filhote como ele
manda. — Agora dê um tapinha — insiste e eu consigo obedecer e então
vem o choro, alto e forte.
Nimiar voltou para mim. Ele veio de outra raça, de outro gênero e
vários anos depois, mas mesmo assim voltou, e ainda me juntou com a
minha parceira de alma, pois se não fosse o cheiro dele, eu teria me
afastado de Nancy com medo de meus próprios sentimentos.
— Ela nasceu! — Nancy choraminga, parecendo exausta. — Lear
nasceu! — revela e eu arregalo os olhos. Ela até agora não tinha me contado
qual seria o nome.
— Lua nova? O nome da nossa filha vai ser lua nova? — pergunto,
com lágrimas grossas descendo pelo meu rosto, e Nancy faz que sim com a
cabeça.
FIM
Quer ver as ilustrações +18 desse livro?
CLIQUE AQUI
Ou acesse
https://gbenevidesautora.carrd.co/
Em abril vem aí
Em abril eu irei lançar um conto para esse livro, com muito
conteúdo quente e aquela pontinha de lactofilia que várias de vocês adoram.
Leia o primeiro conto da série
persaneses!

CLIQUE AQUI E LEIA


“Acordo Sombrio” e “Tentação Sombria” acabaram, mas os problemas de Karina, Klaus, Crystal e
Vladimir não! Agora eles enfrentam as dificuldades de serem de espécies diferentes, com filhotes a
caminho e mistérios a serem desvendados.
“Fraldas com Buraquinhos” é um conto curto, feito sobretudo para mostrar um pouco do dia a dia
desses quatro e como o amor deles prevalece, apesar de todos os problemas.
Atenção: É necessário ter lido Acordo Sombrio e Tentação Sombria para ler esse conto!

O que acontece a partir de agora?


“Vício Sombrio” faz parte de uma série de livros, e cada livro da série é de
um casal diferente. Porém, os livros se passam mais ou menos ao mesmo
tempo, então o que fica aberto em um livro é fechado no outro, assim vocês
conseguem rever os personagens que amam e ganham mais informações
sobre os persaneses também.

Redes sociais
Você consegue me encontrar no Instagram como @g_benevides_autora
para ficar por dentro dos meus próximos lançamentos e no Twitter como
@g_benevidess
Quer ler mais mocinhas plus size?

BOM COMPORTAMENTO
Quando o golpista caiu no próprio golpe
Ian Rojo é um golpista conhecido por sua malícia e tatuagens
ousadas. Vanessa Darche é uma escritora plus size e doce, porém, um tanto
quanto solitária e para piorar ela está de casamento marcado com um
péssimo noivo.
Ian acabou de sair da cadeia e precisa de dinheiro, portanto, resolve
unir o útil ao agradável ao se aproximar de Vanessa, que é filha de um dos
chefes da máfia. Então o homem de olhos verdes começa a fingir ser um
vizinho atencioso e insistente da mulher, tocando-a como nunca antes e a
deixando escandalizada, enquanto se prepara para roubá-la.
LEIA AQUI
Livro 2 da Série Mentirosos (Pode ser lido separadamente)
Agente federal fechado e de dois metros + mocinha plus size,
animada e sexy
Se para alguns o mundo dá voltas, para James Akerman ele deu
cambalhotas.
O agente de olhos claros e sérios sempre julgou muito os mentirosos
com quem teve que tratar. Em sua cabeça, James era superior a eles.
Contudo, por conta de sua boa aparência, acaba sendo designado
para uma missão nada usual.
O loiro de nariz empinado e viciado em controle deverá fazer a
segurança ao mesmo tempo em que conquista a funcionária de um
empresário conhecido, de forma secreta, claro, para investigar se ela é uma
criminosa ou não. O problema é que além de fazê-lo ferir os seus princípios
morais, essa moça ainda é diferente de tudo que ele conhece.
Onde o policial é caladão e fechado, por conta de uma experiência
ruim do passado, Barbara é inconsequente, sempre provocando-o com suas
curvas, fazendo-o se sentir bobo e obrigando o seu novo segurança a engolir
cada uma de suas palavras.
LEIA AQUI
Uma história curta, plus size e sexy de Natal!
Os planos da jovem e tagarela Amanda para o Natal não eram nada
tradicionais. A mulher pretendia fazer uma grande surpresa para o seu
namorado, Pedro, usando um modelito que, com toda certeza, era
contraindicado para as ceias mais comuns.
Porém, ao entrar escondida na casa do homem amado, com longas
meias listradas, descobriu estar sendo traída na melhor data do ano. E além
disso tudo, a moça ainda topou com o colega de apartamento do traidor,
Fernando, que coincidentemente estudou na mesma escola que ela e foi o
causador da maior vergonha que já passou em toda a sua vida.
Então agora os dois velhos conhecidos estão sozinhos e reunidos
pelo destino, num Natal capaz de mudar tudo.

Porém, mesmo que não existam mais algemas em seus pulsos, Ian
começa a se sentir preso a Vanessa e aplicar o golpe até o final fica cada vez
mais difícil.
Será que ele conseguirá resistir a essa mulher?
UMA INQUILINA PARA HARVEY
(Plus size country Girls livro 1)
Cowboy safado e mulher briguenta se reencontram
E se o clichê da garota mimada que detesta a roça, mas é obrigada a
viver lá, e do cowboy safado que ama o lugar, fosse diferente do que você
imagina?
Alexandra e Harvey com toda certeza se odeiam e brigam bastante,
mesmo que ele não consiga tirar os olhos da boca carnuda e das curvas
daquela mulher. E ela também seja incapaz de não desejar aquele bruto de
mãos calosas e palavras obscenas, isso enquanto grita aos quatro ventos
como não o aguenta mais.
Porém, dessa vez esse romance é um pouco mais apimentado do que
esperado, e esconde um passado secreto dessa mocinha tão revoltada.
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EMPREGADA - COWBOY TATUADO

2° livro da séria plus size country girls (pode ser lido


separadamente sem problema nenhum)

Os Blackwaters são tradicionais e donos das maiores fazendas de


Yellow Village, muito orgulhosos e firmes, e o novo herdeiro não poderia
ser diferente.
Samuel Blackwater é um cowboy tatuado com a voz rouca e baixa,
que cuida dos seus negócios com mãos de aço e pretendia continuar assim,
até descobrir que o seu reinado está ameaçado por uma nova versão do
testamento deixado por seu pai adotivo, com uma cláusula não muito
comum.
Samuel percebe que precisará se casar tanto quanto precisará tirar
Alina de sua cabeça, a mulher que começou a trabalhar em sua mansão
recentemente como camareira e o que deixou obcecado.
Ele planeja esquecê-la de qualquer jeito, mesmo que seu corpo
curvilíneo e grandes olhos doces não saiam de seus pensamentos, mas seus
planos mudam completamente, após uma noite inesperada, e agora o
cowboy terá que fazer um trato com ela para não perder os seus bens.
Porém até onde um relacionamento de “mentirinha” pode realmente
ir?
Segunda edição do livro com cenas extras, hot's atualizados e mais
narração do nosso cowboy safado!
OBSCURO
Quando almas gêmeas perdidas se reencontram após um acidente
Jacob Quinn é o xerife de uma cidade pequena e fria no interior do
estado. Fechado e com um passado trágico, ele tem pouca paciência para
conversa fiada e prefere viver numa cabana no meio da floresta.
Angeline é uma mulher sexy, tagarela, que ama seu corpo curvilíneo e
só quer curtir a vida, mas que vê todos os seus planos serem destruídos após
uma bala atravessar seu pescoço.
Porém, surpreendentemente, ela acorda, sem saber como, muito longe
de casa e com o coração batendo mais forte do que nunca por um homem
bruto, que é sua única chance de sobrevivência e maior perdição.

"Quanto o instinto de sobrevivência se confunde com desejo, nem


mesmo um homem obscuro consegue resistir".
Agradecimentos
Escrever nunca é fácil porque exige que você se reinvente e tenha
um comprometimento que nem todos estão interessados em ter. E não pense
que isso não vale para quem vive de escrita, porque vale. Todo livro eu faço
uma série de sacrifícios, todo livro eu quero desistir, e esse não foi
diferente, porque mais de 50% do que você leu aqui, eu tive que dizer em
voz alta devido a minha tendinite.
Mas ele chegou até o seu fim e assim como começar é difícil, deixar
ir é ainda mais. Ainda bem que eu só escrevo séries e posso sempre revisitar
os meus bebês, assim como você também. Muito obrigada por acompanhar
o meu trabalho e eu espero que esteja sendo bem mais divertido para você,
do que é pra mim.
Um grande beijo da G. Benevides e até mais.

[GS1]Meu homem em Vrain


[2]merda em Vraini
[GS3]Princesa
[GS4]Minha fêmea
[GS5]Minha fêmea
[GS6]Princesa
[GS7]Minha fêmea
[GS8]Princesa
[GS9]Minha fêmea
[GS10]Macho
[GS11]Princesa

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