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-".-

. martins ~ontes
seLO martins \-
Santiago García (Madri, 1968)
é escritor de quadrinhos e escreve
sobre eles há mais de vinte anos.

Fo rmado em Jo rnalismo pela


U niversidad Co mplutense e em
Histó ri a da Arte pela U niversidad
Autó no ma de Madrid , colabora co m
a seção de Quadrinhos do ABCD
las artes y Ins letras, o suplemento
cultural do jo rnal ABC, desde 2007.

Fez parte das equipes fundadoras


das revistas especializadas U e
Volumen, as quais dirigiu durante
algum tempo. Escreveu três livros
sobre quadrinhos antes de A naveln
gráfica, todos eles sob o pseudô nimo
de Trajano Bermúdez: Mangauisión
(1995), La noche dei murciélngo (1 998)
-
e EI mapa de los suerios, guia de lectura
de Sa ndman (1999), este último em
colaboração com Eduardo Garcia
Sánchez. Participa com diversos
textos em Del tebeo ai manga. Una
historia de los cómics, de Anto ni
Gui ral, uma série de doze livros sobre
a história dos quadrinhos, da qual
fo ram publicados, de 2007 a 2012,
nove volumes pela Panini Comics.

Como roteirista de q uad rinhos,


tem colaborado com diversos
desenhistas, co mo Pepo Pérez, Javier
O livares, Manel Fo ntdevila, Javier
Peinado e Sérgio Córdoba.

Santiago Garcia manté m um


blog sob re quadrinhos que pode se r
visitado em:
san tiagogarciablog. blogspot. com
© 201 2 Martins Editora livraria Ltda., São Paulo, para a presente edição.
© 2010 por Santiago Garda.
Todos os direitos reservados.
Publicado em comum acordo com a Astiberri Ediciones.
Esta obra foi originalmente publicada em espanhol sob o título
La novela gráfica por Santiago Garda .

Publisher Evandro Mendonça Martins Fontes


Coordenação editorial Vanessa Faleck
Produção editorial C íntia de Paula
Valéria Sorilha
Preparação Paula Passarelli
Projeto gráfico e capa RetJerson Reis
Revisão técnica Paulo Lopes
Revisão Flávia Merighi Valenciano
Silvia Carvalho de Almóda
Pamela Guimarães
Dados Internacio nais de Catalogaçio na Publicação (C1P) A meu pai , que não teve
(amara Brasileira do livro, SP, Brasil)
tempo de vê-lo acabado.
Carcfa, Santiago
A novela gráfica I Santiago García i tradução Magda Lopes. - 530 Paulo :
Martins Fontes - selo Martins, 20 12.

Título o riginal: La novda gráfica.


ISBN 978-85-8063 -070-1

1. Histórias em quadrin hos - História e crftica I. Título.

12·09 185 CDD·74 1.5


(ndices para catálogo sistemático :
I . H istórias em quadri nhos : Interpretação crítica 741.5

Todos os direitos desta edição reservados à


Martins Editora Livraria Ltcla.
Av. Dr. Arnaldo, 2076
01255-000 São Paulo SP Brasil
Ter.: (1 J) 3116 0000
info@martinseditora.com.br
WUIUI. martinsmartinsfontes.com. br
íNt?/CE

PIi~r:ÁCIO
A NOVELA 6RÁI'ICA E A ARTE ADULTA 9

tNrIiOPUÇÁO 1:3

,. ~OV'LA 8fiÁr:ICA
UM NOME VELHO PARA UMA ARTE NOVA 11

~. OS ~UAPfil~1-I05 APULT05 A~TH P05


~UAPlil~I-IOS APULTOS
00 S~ULO X!)( AT~ 1960 :39

3. COtrl/'J(, 05 ~UAPfil~1-I05 UtlP'fi8fiOUtlt:? 1968-1975 159

'f. OS ~UAPfiltl1-l05 ALT'fitlATlV05, 1980-Z000 191

~OTAS :31:3
/
PI?~I=ACIO

A NOVfLA 6RÁI=/CA f A ARTf AC/UL TA


,
Juan Antonio Ramírez

Lembro-m e bem de corno tivemos de fazer esforços muito sérios , em nossa


primeira juventude, para convencer a instituição acadêmica de que as histórias
em quadrinhos (gibis, H Qs) eram um objeto de estudo estético tão digno e res-
peitável como qualquer outro . Falo daquela Espanha de finais dos anos 1960 e
princípios dos anos 1980, o ditador ainda estava vivo (ai !) e com ele flutu ava no
pântano espanhol uma rançosa crosta cultural, hostil a todas as inovações. Mas
aquela sociedade não era tão monolítica como o poder pretendia - fe li zmente .
Os aficionados da arte, por exemplo, conheciam a pop art internaciona l, e alguns
de seus representantes autócto nes (Equipo Crónica , Equipo Realidad , Eduardo
Arroyo ... ) desfrutavam inclusive de uma ampla estima em alguns meios especia -
lizados. Por isso foi possível Anto ni o Bonet Correa , um catedrático de Histó ria
da Arte progressi sta e sagaz , formado em Paris, aceitar orientar minha te se de
doutorado, que era dedicada precisamente aos quadrinhos produzidos na Espanha
desde o final da guerra civil até os anos 1970, e que foi defendida na Unive rsidad
Complutense de Madri em 1975 . lIve (tivemos!) sorte , Franco morreu poucos
meses depois, e em seguida ficou claro que não me suicidei , enquanto pesquisador
universitário, ao dedicar alguns anos da minha vida ao estudo desse meio de co-
municação. O clima cultural se tornou m ais receptivo e pude alcançar até mesmo
ceno reconhecimento acadêmico graças aos li vros sobre o assunto, que publiquei
imediatamente pela progressista Editorial C uadernos para EI Diálogo (dedicada
aos quadrinhos femininos e às tirinhas humorísticas ).

É certo que desde então já se passou muito tempo , mas a verdade é que não
Conseguimos que se abrisse uma linha permanente de investigação sobre o assunto

9
A NOV~LA 6RÁ"ICA
Prl>'''ÁCIo

dentro da universidade espanhola. Só loram dele d 'd d


d d' d n r as uas teses de doutorado
e rca as aos quadrinhos nos departamentos de História da Arte (a d ,- . t provável que a poderosa emergê ncia da novela grálica, em datas recentes,
LI d ' UIB e Tanc rsca te nha algo a ver com esse repúdio, já que nao podiam ser considerados de todo como
a o , na , e a de Pablo D op ico na UAM ) , .
t d L" C crcl o eu, outra nos departamen -
I

os e lteratura. Compare-se es grandes artistas visuais, os autores de quadri nhos teriam recorrido ao seio da literatura
5a escassez Com os nume rosos estudos ded o d
aos vel h " ~ . Ica os para ver se seriam aceitos como escritores, ganhando prêmios Pulitzer e ocupando as
.- os generos artlstJcos e a todo tipo de criadores visua is e literários. Como
explrcar semelhante desproporção? Embo - . . vitrines de grandes estabelecimen tos comerciais e de livrarias comuns. Era necessário,
d . ra nao seja mUIto gratificante parece
que evemos ace rtar a ideia desenvo lvida po S . C ' ' por isso, fater coisas muito extensas, com fonnato de livro, e com todas as pretensões
h' ,. r antlago arCla neste livro de que
temáticas da Literatura com L maiúsculo (subjetivismo autobiográlico, fklShbacks , di -
as Istonas em :~adrinhos vêm sendo co nsi dera da s, até datas muito recentes um
subproduto artrstrco e literário dirigido a um público "inlar1tr'l" A d " ' lerentes tempos narrativos etc ). O movimento da novela grálica (chamemo-lo assim)
Iá . erc Ita va mos poderia ser considerado, portanto, a última (até agora ) das várias tentativas dos qua-
1 I qu~rent~ anos, que a revolução da pop art havia deixado evide ntes os elevado~
va ores es tetl cos e culturai s desse me io de comuni cação e q .. _ drinhos de assaltar a lortaleza da respeitabilidade cultural.
á . '. d" , ' ue Ja nao era neces-
S n o fC1Vln Ica- Ios de um modo . I
• I . espcCla , ma s semelhante cre nça parece estar
~al s ~ro. x Jma de um exercício vo luntari sta de otimismo hi stó rico do uc
Pode ser que os jornalistas encare m bem esse fenômeno , mas não vejo isso
dragnostrco certeiro da realidade Os quad . h . q do tão claro no caso dos historiadores da arte. Não temos dúvida alguma de que as
tet d . I _ ' nn os sempre tiveram um poderoso
o e cnsta , e nao estou Conv 'd d histórias em quadrinhos foram e são uma "arte grande" que não necessita se atrelar a
' I encr o e que sequer hoje já se te nha podido
Ievanta- o totalmente , outras modalidades criati vas para alcançar um amadurecimento expressivo, emoção
,
e qualidade. E muito instruti vo ver como Santiago García reexamina neste livro

Para essa situação , contribui a natureza desse mei o , _ , toda a história dos quadrinhos e como encontra os precedentes da novela gráfica
facilmente na "inst't ' _ " que nao se Insere nos invento res do gê nero no século XIX. Em todos os casos, vemos a fascinante
b' I d I Ul çao arte , tampouco na literatura. Pensemos em um a
rena e arte contemporânea por exemp lo . é lá '1 . combinação da análise de modalidades grálicas de grande interesse com narrações
se ter uma Ideia desse
, . CI
evento percorrendo Suas "salas" ou pavilhões de ex . - d de certa extensão. Com O transcurso do tempo , apareceram fonnulações industriais
d' . . poslçao urante um ou dois
h las; ~~~ assimilar o que aparece em um IIsalão de quadrinhos" exige muitas
e estéticas novas que pennitiram a apresentação das histórias em quadrinhos co mo
livros ou como romances , algo que parece ter convulsionado a instituição cultural
oras _Ias ou meses) de leitura solitária . Os meca nismos eco nômicos e de
promoçao que regem o mund d d . h no momento atual. O fio condutor é o da consolidação progressiva , para esse meio,
'
d as artes Visua iS A literat . o
os qua nn os não se parecem muito Com os
. de um público que não se conforma co m os antigos estereótipos temáticos ou es té·
h . ~ . . u~a , por sua vez , Insistiu tanto no idi o ma que ainda
Ir:~::s:st~~ada nas u,nrve mdades separada por âmbitos linguísticos (literatura ticos, de algum modo vi nculados à inlância e relegados à "baixa cultura".
, I eratura a emã, literatura portuguesa etc) Em q d
se h' d . " . . ue epartamento Está muito claro, enlim , que esse novo tipo de quadrinho para adultos al-
a e mCdUlr uma literatura desenhada , cuja parte idiomática está co ncebida
para sua tra ução? Como 'b d cançou um desenvolvimento extraordinário . É um mundo tão rico e complexo que
. pagar trr uto a equadamente a modal 'd d .
tlvas em que o grafism ' . I a es narra - necessita de guias e exegetas bem informados, capazes de selecio nar e avaliar. San-
. 0 , ou seja , o co mponente visual é tão im t
rnegável que os quadrinhos têm sido, desde sua ori e ' . portante? tiago Carda soma a essas qualidades a de ser um crítico agudo e sensível. Sem
cUdjo reconhecimento cabal no seio da alta cultura s: .:: ~:pmo erOb',ntedrsticial complexos localistas, dá conta , com clareza, do melhor que já loi leito na novela
ra oxa lm t I 55! I Ita o pa- grálica universal. Eis aqui uma demonstração de que, apesar de tudo, algo choveu
en e , pe a consolidação e extensão do siste d '
contradição , enquanto a c riaçã I" ma a arte . Que grande -Ielizmente - no campo dos estudos sérios sobre as histórias em quadrinhos a que
o p astlca contemporânea I
sitadas de liberdade I'd f a cançava cotas inu - me referi mais atrás.
, conso I avam -se as ronteira
sistema da arte não sabia Como integrar. s para a exclusão do que o ,

28 de julho de 2009
I

Os quadrinhos têm me acompanhado desde a infâ ncia . Essa experiência,


que era muito comum entre as pessoas nascidas antes de i985 , já não é tão habitual.
E, mesmo naquela época, não era habitual que os quadrinhos continuasse m nos
acompanhando durante o resto de nossas vidas, uma vez que houvéssemos cres-
cido e ultrapassado a idade que se considerava acei tável para deixá-los para trás .

Mas eu nunca deixei os quadrinhos para trás.


De uma forma ou de outra , eles sempre me acompanharam não 56 como
meio de entretenimento ou hobby de colecionador, mas também profissional-
mente . Fui livreiro do ramo , fui tradutor de quadrinhos, escrevi como crítico nos
meios especializados e generali stas, e escrevi roteiros de histó ri as em quadrinhos.
E se consegui manter o interesse pelo que comumente se consi derava uma fo rma
de lazer infantil , foi porque os quadrinhos cresceram comi go .

Durante os últimos 25 anos, deu -se um fe nômeno que podería mos considerar
de tomada de consciência dos quadrinhos como forma artística adulta . Embo ra os
primeiros passos nesse sentido já se encontrem nos anos 1960 e 1970 , durante o
período mais recente concorreu para isso uma séri e de ci rcunstân ci as, entre o utras
a crise profunda - insolúvel ? - dos quadrinhos comerciais e juvenis tradicionais e
o amadurecimento de gerações de quadrinistas formados co m vocação para autor
que ajudaram o fe nômeno a dar um salto qualitativo. Sem dúvida , os quadrinhos
adultos contemporâneos são, em grande medida, continuadores dos quadrinhos
de toda a vida , mas, ao mesmo tempo , apresentam algumas características tão
lNTRODU~O

distinti va s que foi necessário buscar um novo nome para identificá· los , e, por isso , foram consequência do trabalho . O que aprendi não foram apenas as informações
nos últimos anos, se di fu ndiu a expressão graphic novel, ou novela gráfica. novas que descobri , mas sobretud o como ordenar, situar c entender as que já
possuía. C omo entender a posição dos quadrin hos na sociedade e na histó ria das
Certam ente "novel a gráfica" é apenas um tenno conve ncional que, com o artes, e a min ha pró pria dentro dos quadrinhos. É isso que eu espero ser capaz de
costuma ocorrer, pode susci tar equívocos , po is não se deve entender que, co m transm itir a quem se aventuras por es tas páginas . A o le itor ocasio nal que sente
el e, nos referim os a uma his tóri a em quad rinhos co m as carac terísticas formai s curi osidade pelas histórias em quadrinhos, uma via de entrada para um mundo
o u narra tivas de um ro mance literári o, tampouco a um fo rm ato determin ado , mas tal vez ~ a i s rico e interessante do que ele imaginava; ao praticante do o fício de
simplesmente a um tipo de HQ adulto e moderno que reclama leituras e atitudes escrito r de quad rinhos , uma reflexão sobre sua pró pria situação que lhe permita
di s tin t~s dos quadrinhos de consumo tradicio nal. se relacionar com li ma tradi ção da qual ta lvez se si nta isolado i ao es tudioso das
HQs , um argumento para a discussão , um ponto de part ida para se aprofundar em
O que é exatamente a novela gráfica? C o mo surgiu e po r quê? Para mim , novos trabalhos na análise desta arte .
co mo auto r compro metido com os quadrinhos do nosso tempo , respo nder a es-
sas perguntas era urgente . C om o saber para o nde va mos se não sabem os o nde Ao escrever "estudioso das HQs", vem -me à cabeça a imagem de Juan An to -
estamos? Como saber o nde estamos se não sabemos de o nde viemos? H á quem nio Ramírez . Ele foi , em grande parte, inspira do r e respo nsável pela existênci a deste
considere que a reflexão teóri ca é um lastro inútil e que só a práti ca e a ação são trabalho. Juan Anto nio Ramírez iniciou, nos anos 1970, sua extensa e brilhante car-
necessárias. A esses, posso oferecer a meditação sobre o sentido das humanidades reira como pesqui sador da históri a da arte com um par de livros sobre históri a em
que fazia Erwin Panofsky, um dos pais da H istó ria da Arte - disciplina a partir da quadrinhos. Se, hoje em dia, o mercado para a análise teórica séria dos quadrin hos
qual este estudo está enfocado - , quando se perguntava po r que necessitamos das é ainda mínimo , tal decisão poderia ter sido interp retada co mo um erro fata l, tanto
humanidades se elas não têm nenhum fim prático , "Po rque nos interessam os pel a da perspecti va comercial qua nto da acadêmica. Co ntudo, trata-se do oposto, Ra-
realidade". E acrescentava: "É a v ida co ntemplativa menos real ou, para serm os mírez conseguiu, a partir desse in ício , desenvo lver lima traje tóri a incomparáve l em
mai s exatos, é menos impo rtante a sua contribuição para o que chamamos de nosso país durante as três últimas décadas, esn,dando toda uma variedade de temas.
realidade do que aquela da vida ati vai". Eu descobri aqueles volum es - El llcomic femenino en Espaii.a e La. historieta cômica de
lJ

postguerra - na biblioteca da Universidad Complutense quando estudava Jornalismo.


Po rtanto , este livro estuda os quadrinhos partindo do pressuposto de que Imediatamente soube que era isso o que eu queria fa zer al gum di a. Depnis de dar
são uma fo rma artísti ca co m entidade pró pria, e não um subgênero da literatura . muitas voltas, acabei recorrendo à fo nte, ao departamento de História da Arte da
A fastam o -n os assim da corrente de an álise que utiliza ferramentas pró pri as da nar- Universidad Autóno ma e ao próprio Ramírez. Sob sua tutela, realizei o traba lho
rato logia para nos concentrarmos nos aspectos visuai s, materi ais e, certamente, acadêmico que serviu de base para este livro, como parte do programa de douto ra-
nos histó ricos . N osso vo lume po deria ser definid o co mo um ensai o histó rico , pois do daquele departamento. Algumas semanas antes de apresentarmos este trabalho
tenta expli ca r seu o bjeto de estudo através de cad a momento da sua existência , e diante do Tribunal de Estud ios Avanzados, Juan Anto ni o faleceu repentinamente,
não em um plano puram ente abstrato , ideal e teórico. O que aconteceu , aconte- deixando um imenso vazio na univers idade espanhola, na História da A rte e , sobre-
ceu em um lugar e em um momento concretos, em circunstâncias determinada s e tudo , no coração daqueles que o co nheceram como a pessoa generosa , am ável e en-
,
é esse relato que tem os de reconstruir para chegar ao capítul o que es tam os escre - tusiasta que era. A ele, pois, e po r tantas coisas, faço es te primeiro e mais im portante
vendo nes te mo mento , hoje, amanhã. agradeci mento, de todos os que devo faze r, por ter escrito este livro.

No tran scurso desta investigação aprendi muitas coisas, e a maior prova Apesar da precariedade dos estudos sobre os quadrinhos na Espanha, seria
di sso é que cheguei a conclusões a que não tinha previ amente chegado _ elas injusto esquecer que ao lo ngo dos an os muitas outras pessoas tentaram tra ze r al go

I!J
à história e à teoria dos quadri nhos no país, quase sempre em condições adversas .-
e com esca sso ou nenhum apoio institucional. Para mim , esse esforço continuado I - /VOVELA 6RAI=/CA
sempre foi um estímulo , já que, com freq uência, me interessavam tanto os textos
sobre quadrinhos como os próprios quadrin hos, e, às vezes , também outros mate-
riais relacionados a eles . Sem o exemplo dessas pessoas, eu jamais teria sido ca paz
de seguir este cam inh o , e considero obrigató ri o agradecê- Ias, ainda que seja atra-
vés de uma lista incom pleta , na qual sem dúvida incorrerei em algumas omissões lIm /VOmf VfLI-IO PARA limA ARTf I'JOVA
provocadas pelo esquecimento. Mesmo assim , é melhor nomear alguns - repre-
sentando, todos - do que nen hum . Obrigado, e ntão, a Antonio Altarriba, Koldo
Azpitarte, Ma nue l Barrero, Enrique Bonet, Juan v i C huli á, Javier Coma, Lu is Con- Tenho a impressão de que os quadrinfws deixaram
de , Jesús C uadrad o , Lorenzo Díaz, J uan Manuel Díaz d e Cuerenu , Pabl o Dopico, de ser um icone do analfabetismo para se tornar
J. Ed é n, Pac ho Fernánd ez Larro nd o , Carlo Frabetti , Pepe Cálvez, Alberto Carda um de nossos últimos bastiões do alfabetismo l •
Marcos, Eduardo Carcia Sánchez, Luis Casca, Rom án C ube rn , Toni CU iral , Brei-
xo Harguindey, Antonio Martín, José María Méndez , Ana Merino, David Muiioz , Art Spiegelman
Francisco Naranjo, Joan Navarro , 6scar Palme r, Pepo Pérez, Álvaro Pons, Juanj o
Sarto, Antonio Tras horras, Salvad or Vázq uez de Parga, Enri q ue Vela, Yexus e
tantos, tantos outros , não só os que vieram antes, mas os que aí estão agora e os
que virão depois, todos os que tenham a vontade de tratar os quadrinhos como Ler q,uadrinho5 é elegante
uma arte digna desse nome.
A percepção qu e tem os hoje d o que é um a hi stória em quadrinhos mu-
Algumas pessoas me ajudaram de forma mais concreta e próx ima na realiza - dou bastante nos últimos vinte a nos . Em 1992 , ca us ou sensação o fato de uma
ção deste livro. Sou g rato a me us ed ito res d a Astiberri por sua co nfian ça . Manuel delas vencer o prê mi o Pulitzer - embora fosse um prêmio especial , fora de
Bartual e Javier Olivares também me deram suas impressões após a le itura d o categoria - , e o sucesso de Maus , d e Art Spiegelman , co nsi d erad o um fenô -
manuscrito em suas diversas fases, o que me serviu muito, e muito lhes agradeço . meno insólito , foi atribuído mais ao seu co nteúdo sé rio - uma mem óri a do
Holocausto - d o que ao me io e m que estava exp resso. Além di sso , p o d e ríam os
Mas, sobretudo, se há uma pessoa que me ajudou a escrever A novela gráfica, dizer que Maus recebeu tal distinção não por ser uma história e m quadrinhos,
e que me ajudou em tudo, é , certam e nte , María. Obrigado, María; este é o nosso mas apesar de ser uma hi stó ria e m quadrinh os . Em 2008 , o prê mio Pulitze r de
livro . ficção foi ganho pel o ro mance La maravillosa vida breve de O scar Wao [A fan tás-
tica vida breve de Oscar Wao 1 ], de Junot Díaz , que se inicia com uma citação de
Calactus , um supervilã o que aparecia na série em quadrinhos Quartew Fantásti-
co, de Stan Lee e Jack Kirby. O fato de o romance do ano ci tar um pe rso nage m
de quadrinhos não é surpreendente; como também não é surpreendente que a
citação não seja irônica , mas respeito sa e coerente com o co nteúdo da obra ;
e tampo uco surpreende que a HQ c itada seja um simples gibi d e super-heróis
para jovens . H oje em dia, de fato , falar d e um simples gibi é um a das formas de
ser considerado simples .
A NOVELA 6RÁI'ICA , - NOVELA 6RÁFlcA

lunar Díaz não é um caso raro . A última geração de escritores americanos De repente, le r gibi passou a ser elegante entre os adultos inteligentes . Não
está re pleta de aficionados por quadrinhos , Michael Chabon utilizou a Era de é , naturalmente, a primeira vez que os quadrinhos desempenham um papel ativo
O uro dos quadrinhos de super-heró is como cenário de sua obra mais celebrada, na sociedade, tampouco a primeira vez que se reconhece neles um valor artístico.
The amazing ad.entures of Kam lier & Clay [As incri.eis aventuras de Kavalier & Clay'J, Sempre houve olhares furtivos dos irmãos mais .elhos para os quadrinhos, como o
e posteriormente levou para os quadrinh os os personagens de ficção que nela fascínio de James Joyce pela série Gasoline Alley, de Frank King', de Picasso pelos
apareciam; Jonathan Lethcm escreveu por puro prazer um retlival de um super- suplementos de quadrinhos da imprensa americana, ou de John Steinbeck por AI
-herói dos anos 1970, Omega, o Desconhecido; Dave Eggers entregou a Chris Ware Capp, autor de Li'l Abner, que, em sua opinião, era o melhor escritor satírico dos
a antologia literária McSweeney's para que ele mostrasse ao mundo o esplendor dos Estados Unidos e merecia o prêmio Nobel de literatura'. Em 1966, John Updike
quadrinhos contemporâneos; Zadie Smith contou com o próprio Ware , Daniel levantou a possibilidade de que, em um futuro próximo , surgisse uma obra-prima
C1owes, Charles Burns e Posy Simmonds para sua antologia de narrativa atual , da novela gráfica, fruto do talento de um artista dotado para a prosa e para as
The Book of Other People. Novelas gráficas como Fun Home, de Alison Bechdel , ou imagens'. Inclusive o próprio Goethe bendisse os esforços de Rodolphe Tópffer,
Persépolis, de Marjane Satrapi , foram escolhidas e ntre os melhores livros do ano considerado hoje quase unanimemente o pioneiro dos quadrinhos modernos . Por-
(sem distinguir e ntre os que têm desen hos e os que não têm ) pelas revistas de tanto, não é nada novo que escritores de prestígio confesse m ser leitores de gibi ,
referência. embora seja mais extraordinário que se lancem sobre a oportunidade de escrever
quadrinhos com verdadeira paixão de fã .
o fenômeno não afeta apenas o mundo literário , mas também o artístico .
As exposições de quadrinhos já não são um fato pitoresco , mas cada vez chegam Pode-se argumentar que a situação mudou tão profundame nte que temos
com maior frequên cia aos cenários da gra nde cultura por seu próprio va lor, e não de nos perguntar se foi iniciada uma nova etapa, uma maneira de considerar os
como notas de rodapé da "arte verdadeira ". Nos primeiros meses de 2009, uma quadrinhos distinta daquela como eles foram considerados até hoje . Faz vinte
exposição intitulada "Le Louvre invite la bande dessinée" apresentou no museu anos que Joseph Witek escreveu,
de arte mais importante da Europa páginas originais de escritores de quadrinhos
como Nicolas de Crécy ou Marc-Antoine Mathieu , que foram encomendadas Uma análise crítica da forma artística da hi stória em quadrinhos é
pelo próprio museu . E tudo isso , como dizíamos, já não surpree ndei o mais especialmente necessária agora , quando um número crescente de revistas
importante dessa notícia é que ela já não é notícia . Desde o prêmio Pulitzer em quadrinhos americanas co ntemporâneas está sendo escrito como
especial para Maus até agora , o reconh ecimento do va lor da história em literatura dirigida ·a um público leitor gcral de adultos e preocupada - não
quadrinhos nos mundos da arte e da literatura tem sido crescente, e não só nos com os temas tradicionalmente escapistas dos quadrinhos, mas com tcmas
Estados Unidos e na França , grandes centros industriais e criativos da história em como o choque cu ltural na'história dos Estados Unidos , as cargas da cu lpa
quadrinhos ocidental , mas também em países periféricos da atividade cultural , e do sofrimento transmitidas nas famílias, e as experiências e os pequenos
como a Espanha . Em 2007, o governo espanhol concedeu pela primeira vez triunfos do mundo do trabalh o cotidiano 7 .
um prêmio nacional para a história em quadrinhos, e os principais suplementos •

dos grandes jornais começam a incluir com regularidade resenhas de HQs ao Essa total e - quase diríamos - repentina inversão de valores tem sua base
lado das críticas de romances. Os departame ntos de literatura e de História no surgimento de um tipo de quadrinho que até há pouquíssimo tempo não só
da Arte das universidades espanholas dedicam cada vez maior atenção aos não existia, mas praticamente não podia ter sido concebido . Hoje, títulos autorais
quadrinhos. Até mesmo nossos jovens romancistas , assim como os americanos, como Persépolis , de Marjane Satrapi , vendem centenas de milhares de exemplares
são contagiados pelos quadrinhos. Nocilla Lah (2009 ), de Agustín Fernández em todo o mundo (e isso antes de se realizar a adaptação para o cinema ), e, em um
Ma llo , termina com uma história em quadrinhos de Pere Joan . mercado tão pequeno como o espanhol , Arrugas, de Paco Roca, supera as 20 mil
A /'IOVGlA 6~~ICA 1- /'IOV"-A 6~~CA

cópias um ano depois do seu lançamento . Certamente as livrarias e os superrncr· Glwst World [Mundo fantasma' o), e que hoje em dia é uma presença cobiçada em
cados culturais ampliam cada vez mais suas seções de quadrinhos (frequentemente publicações como The New Yorker e The New York Times - seja precisamente um dos
sob a identificação de "novela gráfica") e os museus organizam cada vez mais desenhistas que mais contribuíram para que os quadrinhos sejam respeitados in-
exposições sobre histórias em quadrinhos . Algo aconteceu, e vamos dedicar estas telectualmente, ele tem manifestado um temor dessa respeitabilidade que o deixa
páginas a examinar esse fen ômeno. receoSO de novos termos que trasladem a história em quadrinhos definitivamente
para o imaginário da cultura séria . Depois de décadas confinados à marginalida-
de do produto maciço para crianças o u da subliteratura de consumo, muitos dos
Um novo conceito, um novo termo melhores escritores de quadrinhos contemporâneos temem as consequências de
dar o passo que os conduza definitivamente ao reconhecimento cultural , como se,
O escritor de quadrinhos escocês Eddie Campbell observou que "é inegável ao conquistar esse prestígio, pudessem perder algumas das qualidades que mais
que há um novo conceito do que são HQs e do que podem ser HQs, e esse con- diferenciam os quadrinhos. O próprio C10wes expressou essa posição conflituosa
ceito surgiu nos últimos trinta anos"'. Campbell sabe bem do que fala , pois não só em seu folheto teórico Modem Cartoonist,
é um dos autores recentes de novela gráfica de maior destaque, como tem dedica-
do tempo e esforço para refletir sobre o fenõmeno , tanto em diversas entrevistas Embora seja inegável que os preconceitos do públi co em geral nos
quanto em seu próprio site na internet, "The Fate of the Artist"9. Esse interesse mantenham à margem , também podemos obter vantagens que com
em teorizar a nova HQ levou Campbell a desenvolver o chamado "manifesto da frcquência não parecemos dispostos a explorar. A aura de veraci dade de que
novela gráfica", dez tópicos que apresentam , com o humor e a astúcia próprios falávamos é co nscquência de sermos considerados simplórios e (cultural
do desenhista britânico , algumas das características que observou nesse tipo de e financeiramente ) insignificantes. O escritor de quadrinhos sofisticado e
história em quadrinhos. Em seu "manifesto", Campbell começa reconhecendo que importante pode , por ora , se aproveitar disso para seu benefício, "jogando
o termo "novela gráfica" não é o mais adequado, mas é conveniente desde que não dos dois lados", com a consciê ncia de que, se conseguir certo grau de
nos esqueçamos de que não podemos interpretá-lo como um híbrido dos concei- aceitação junto aos criadores mais respeitáve is , essa qualidade não pouco
tos "novela" e "gráfica" em suas acepções originais. Pode ser que os quadrinhos substancial se perderá para sempre ".
aos quais Campbell se refira sejam "novos", mas desde o início reconhecemos os
mal-entendidos e os problemas terminológicos herdados dos velhos "gibis". Em C10wes escrevia em 1997, próximo ao que ele mesmo esperava que fosse
mais de cem anos, não conseguimos ter uma definição satisfatória do que sejam um momento decisivo no desenvolvimento dos quadrinhos como arte. Seu texto
as histórias em quadrinhos e sequer um termo adequado para denominá -Ias. Essa se iniciava indicando as revistas da ~ ditora EC como O primeiro sinal de que os
nova era começa sob o rótulo de novela gráfica, que aparece como um nome que quadrinhos tinham potencial para ser algo mais do que "material para crianças re-
provoca a desconfiança generalizada , inclusive, e talvez mais que em qualquer gido pelo mínimo denominador comum"ll , em 1953 , exatamente quinze anos de-
outro lugar, entre seus próprios praticantes. pois do surgimento do formato comic book " . Quinze anos depois da EC, C10wes
' reconhecia o movimento dos comix, os quadrinhos underground, como sendo o
Daniel Clowes, um dos autores mais proeminentes de novela gráfica, passo seguinte nessa tendência, e, quinze anos depois dos underground, identifi -
mostra-se tão resistente ao termo que até mesmo se deu ao trabalho de inventar cava, em 1983 , a explosão dos quadrinhos "alternativos". Seguindo com sua teoria
ll
a expressão "comic-strip novel para identificar seu Ice Haven (ironicamente , o dos ciclos de quinze anos, C10wes esperava o impulso seguinte a partir de 1998 .
editor espanhol da obra se limitou a traduzi-lo por "novela gráfica", ignorando Agora sabemos que, efetivamente, o que Clowes esperava havia chegado, e se
totalmente as intenções do autor) . Embora C10wes - que recebeu uma indicação chama novela gráfica. E parece inevitável que traga consigo essa respeitabilidade
ao Oscar pelo roteiro da adaptação para o cinema de sua própria série de quadrinhos, tanto ansiada quanto temida .
A NOV~LA 6RÁ~ICA

"Comic-strip no vel", de no minação que C lowes impôs ao seu Ice Haven, De le [o visualismo] deri varam invenções tão curi osas como o que se chama
não foi a única te ntativa , po r parte de um novelista g ráfico de destaque, de evitar nos Estados Un idos de fu nny srri ps ou comics, e na América Ibérica munequitos
precisame nte o te rmo graphic novel. Lou.is Riel, de C heste r Brown , se aprese nta o u tirillas. Em minha o pinião, esse gênero merece uma atenta consideração.
com o "comic -stri p bi ography", seguindo apare nte me nte o exempl o de C1owes , Equiva le a uma literatura de baixo estofo, com conteúdo deliberadamente
Nas c apas dos li vros ante ri o res do pró prio Brown, po d ia -se le r o humilde e tosco e vu lgar, publicada em partes, e cuja novidade está em ir d iminuindo o
maltratado te rm o "co mic book". Ir ', a Good Life, If Vou Don 'r Weaken e George papel da palavra em favo r do papel do desenhado, do gráfico, A linguagem
Sprort, de Seth , são "pic ture noveIs", e nqua nto Blanker" de C ra ig Tho mpson , das ririllas , pu ro di álogo, é como a últim a concessão feita à palavra huma na ,
é uma "illustrate d nove l". My Brain i, Ha ngi ng Up, ide Down , de David H eatl ey, seu últi mo reduto, nes ta lu ta co ntra a língua. As tirinhas podem ser
se aprese nta como uma "g raphic me mo ir". Todas as combin ações parecem compreendidas, c esta é a ra zão do seu sucesso, por crianças que acaba m de
possívei s, e to das elas parecem indicar a te nsão implíci ta e ntre a aspiração à ser alfa betizadas, e quase pelos analfa betos. São um a leitu ra sem texto, com
nobreza criati va e as o rigens no fluxo da cultura de massas que possue m os a escamoteação da linguagem em sua fu nção expressiva. t curioso que , em
quadrinhos, cuj a nature z a não po de ser se parada da chamada indústria cultural. uma época em que se exalla a instrução na arte da le itura, e se compadece,
Os quadrinhos se situam nessa posição paradoxa l e m que re prese ntam um como de um ser diminuído, da quele que não sabe ler, ce ntenas de milhões de
pro duto suspe ito para a tradiçao , segundo a qual "a cultura de massas é a pessoas que conseguiram esse pri vilégio do al fabcti smo, ma l abram os jornais,
anticultura''14, como o bse rvou Eco . atravessem preci pitadas as páginas impressas até c hegar ao del ei toso ca nto
das tirin has, onde o ler é des necessá ri o, o pensar, supérfl uo; e a li nguagem
humana, pobre servidora dos dese nh os, reduzida a um elementarismo infantil.
Em defesa da leitura Maravilhoso co nvite para não ler que o homem moderno tirou da cabeça,
de pois de render um culto idolátrico à necessidade de ler! Nas tirin has, po nto
C omo diri a Eco, a resposta apocalíptica à cultura de massas por parte de enco ntro de cria nças e adultos, de letrados e iletrados, que assim c hegam
-
das elites diri gentes é uma constante desde a Revolução Industrial. E o pavor a uma comun idade de gozo em regressar à me ntalidade dos sete anos, assoma
de Greenberg diante do kitsch", mais um entre tantos avisos co ntra a degrada - outra prova desse mate ri alismo ao mesmo tempo câ ndi do e bmta l do homem
ção da cultura d evido à sua massificação o u , o qu e é o mes mo , o utro e p isódi o modern o, que prefere ver ele uma coisa a vê- Ia através dos olh os de um grande
na resistê nc ia de uma tradição cultural logocêntric a ao assédi o da "c ivili z ação artista que a descreva no nívd de sua rea lidade prim ári a. Para q ue se entreter
da imagem"'6. WiIl Eisne r, a quem muitos co nside ram o pai da novela gráfi ca em sondar esse caudal de palavras com que H omero descreve as lutas dos
moderna , afirmou com insistê nc ia que os quadrinhos são lite ratura 17 , ideia que heróis, frente a ílion? Não é mais si mples, mais prático, mais breve, topar
fo i segUida com e ntusiasmo por muitos, e ntre os quais se incluem nume rosos com um escritor de tiTinhas que desenhe em quatro traços do is bo neqUin hos,
estudiosos acadêmicos da última fornada ' 8. Mas fo i p recisa me nte o te mor dos H ei tor e Aquiles, de modo que os vejam os, nós mesmos, com nossos pró prios
quadrinhos como literatura um dos recursos que mais freque nte me nte ati varam a - olhos, sem que H omero nos engane? Assi m como tantos roma nces vão se ndo
reação co ntrária a isso. Como indica Hatfic1d, "a recente insistê nc ia nos qua - , transferidos, em nosso tempo, das pág inas do livro para a tela do cinema,
drinhos como leitura parece destinada a se contrapo r a um a a nti ga tradiçao de gênero de tra nsposição que implica inevitave lmen te o sacrifício do melh or
estudos pro fi ssio nais que vinculam os quadrinhos ao anal fa be tismo e à abdi c a- e mais belo do romance , logo se chegará, para mai or glória da pressa e do
ção da le itura como uma c apac idade c ivilizada (e c ivilizado ra )"". Vale a pe na reali smo, à boneq ui zação das gra ndes o bras literárias, de sorte que o homem,
nos determos em uma citação um tanto extensa de Pedro Sa linas, po rque ela em vez de passar horas e horas Icndo Gu.erra e Paz de Tolstoi, a abrevie em tr€s
capta quintessencialmente os temores do homem culto diante do surgimento fascícul os, sem esquentar muito a cabeça e eco nomi zando um tempo e uma
dos quadrinhos , energia preciosos1o .
_ _ _ _'r' .-,~-.-..,.,.. O;;?IÇ"""J,;",,"'~-~--------~~~---- ~- I- NOVaA 6RÁHCA

[1) "Oon Quixote", em [tossics Illustrated 11 arte quanto as demais rev istas em quadrinhos, c, como frequentemente tem
(1944), Samuel H. Abramson y Zansky. se comprovado , não revelam às crian ças o mundo da boa literatura , que tem
sido em todo mamemo o pilar da educação liberal e humanista B .

A intenção de utilizar os quadrinhos como uma antessala da "ve rdadeira


o texto de Salinas, publicado ori- leitura" (que, na Espanha , se refletiu na campanha "Onde hoje tem uma revista em

g inalmente em \ 948 como resposta a quadrinhos amanhã terá um livro") também produzia , é claro, reações adversas.
sua "preocupação pelo risco que correm E se temia que essa subliteratura prejudicasse irremediavelmente as ternas mentes
hoje em dia algumas formas tradicionais infantis sem formá -Ias. O temor do poder das imagens produzia um pânico, des-
da vida do espírito que considero extre- crito por McLuhan em tennos geracionais ,
mamente valiosas"21 , começa advertindo
contra "o triunfo do visual " na sociedade Os anciãos da tribo , que nunca haviam notado que O jornal comum era
contemporânea (uma ameaça a que se so- tão frenét ico quanto uma exposição de arte surrealista , não podiam se dar

mam a fotografia e o cinema ). A reação conta de que os quadrinhos eram tão exóticos como os li vros ilustrados do
diante do "pictorial turn" (virada visual ), século VIII . Assim , po r não terem notado nada da farma , tampouco nada
como o batizou Mitchell , se inscreve nos puderam distinguir do se u con teúdo. O caos e a violê ncia fora m as únicas
movimentos típicos de reação iconoclas- coisas que distin guiram . Portant o, com uma lógica literária ingênua,
ta que cada sociedade sofre . Se Salinas tivesse se documentado, saberia que o seu esperaram que a vio lência inundasse o mund02~ .
temor do caos desencadeado por uma possível adaptação das grandes obras lite-
rárias aos quadrinhos não era infundado , desde \94\ , a coleção Classics Hlustrated Poderíamos dizer que o bem -intencionado empenho , po r parte de autores
(Editora Gilberton ) [ \ ] transcrevia em ilustrações Dom Quixote , Moby Dick, Hamlet, como Eisner, em considerar os quadrinhos como literatura não fez senão prejudi -
a Ilíada (certamente) e outros títulos canônicos das letras ocidentais. Curiosa- car a visão que se tem deles , já que facilitou que fossem julgados utili zando -se os
mente, a Classics Iltustrated, que lançou \69 números entre \94\ e \97\ , não se critérios próprios da literatura , em vez de seus critérios específiCOS . As histórias
apresentava como uma revista em quadrinhos : "O nome 'Classics lIIustrated' é o em quadrinhos são lidas , mas é uma experiência de leitura completamente distinta
melhor nome para a sua publicação periódica favorita. Na verdade, não é uma da experiência de leitura da literatura , do mesmo modo que a forma como vemos
revista em quadrinhos ... é a versão ilustrada , ou em imagem, de seus clássicos fa - uma história em quadrinhos não tem nada a ver com a forma como vemos televi·
voritos"". É claro que as afirmações dos editores da Classics Hlustrated não podiam são ou um filme . Harvey explica esse erro crítico comum :
enganar o Df. Fredric Wertham , que , em meados dos anos \950, foi uma das for-
ças intelectuais mais atuantes na crítica aos quadrinhos por sua suposta influência Os quadrinh os podem ser avaliados Cc com frequência o são ) a partir de
negativa sobre a formação intelectual e social dos jovens, , argumentos literários, quando o críti co se conce ntra em coisas como a
retratação dos personagens , o tom e o es til o da lin guagem , a verossi milhança
Os quadrinhos adaptados da literatura clássica são utilizados, segundo nos das perso nalidades e dos incidentes, o argumento, a reso lução do conflito ,
foi informado, em 25 mil escolas dos Estados Unidos. Se isso é verdade , a unidade e os temas. Embora sem elhante análise literá ria co ntribua
então nunca vi uma acusação mais grave contra a educação americana , pois para um entendimento da históri a em quadrinhos ou do li vro, utilizar
eles castram os clássicos, condensando-os (deixando de fora tudo o que faz excl usivame nte esse método ignora o caráter essencial do mei o , pois
um livro ser excelente) , são tão mal impressos e desenhados com tão pouca neg ligencia seus elementos visuais. De forma si mil ar, uma análise que se

®
A IIOVaA 6~~ICA , - IIOVIôlA ~~ICA

concentre no aspecto gráfico (comentando a composição , o desenho, o


estilo etc .) ignora o propósito a que servem os aspectos visuais , a história
ou a piada que está contando . Os quadrinhos empregam as técnicas tanto
da literatura como das artes gráficas, mas não é nem completamente ve rbal
nem exclusivamente gráfico em suas funçõesl.5.

A busca de um modelo de análise próprio dos quadrinhos é, portanto , um


dos projetos mais importantes para os estudiosos atuais das HQs. Um modelo NO"
LOATNSO.'.
capaz de explicar a relação dos quadrinhos com a arte e a literatura - inclusive I T Al.L 4 ..

com os clássicos da literatura - não em termos comparativos, mas em termos


alternativos . Mitchell l6 observou que os meios "mesclados", como os quadrin hos,
exigem uma atenção a aspectos da relação entre as imagens e as palavras, e não ao
mero valor de uns e outros em separado . Talvez esse seja o caminho para enten ·
der a reinterpretação pós-moderna que R. Sikoryak 17 faz de Dostoievski [2 ] em
uma HQ que, provavelmente, teria produzido pesadelos em Wertham e Salinas .
Sikoryak adapta Crime e Castigo em onze páginas, utilizando os personagens e a IIIHAT
linguagem gráfica dos quadrinhos do Batman dos anos 1950. Pastiche, paródia,
desconstrução ou alucinação, seja o que for, Crime and Punishment! não é explicá-
-
IOEA 7

vel em sua totalidade nem pela crítica literária ne m pela crítica de arte, e, se não
contamos neste momento com ferramentas suficientes para analisá· lo , isso não
deve fazer com que o tratemos como um aborto literário ou um subproduto artís-
tico, e sim nos estimular para desenvolver a linguagem precisa que nos capacite. a
enfrentá-lo em seus próprios termos.

Um meio de comunicação de massas

o "pecado original" dos quadrinhos é essencial para se compreender a função


social que eles têm desempenhado há décadas . A verdade é que nem os estudiosos
desse meio entram num acordo sobre qual é a sua verdadeira origem, agrupando-se
em duas tendências principais. Uma delas reconhece como inventor dos quadrinhos
o professor suíço Rodolphe T opffer, que realizou algumas histoires en estampes a partir
do fi m da década de 1820, e nquanto a outra prefere localizar o momento seminal
nos jornais de Joseph Pulitzer (New York World) e William Randolph Hearst (New (2) "Ra skol", em Drown & Quarter/y 3 (2000). R. Sikoryak.
York ]oumal) , no final do século XIX, e especialmente nos achados de desenhistas
como Richard Felton Outcault, Rudolph Dirks ou Bud Fisher, entre outros. Como

- ,.,
A ~OVQ.A 6RÁHCA I - ~OVIiLA 6RÁHCA

indica Ann Miller 8 , esse debate envolve uma manobra estratégica en tre aqueles que Durante anos, esse desterro dos arrabaldes da cultura implicou uma limita-
querem definir os quadrinhos como meio de comunicação de massas e aqueles que ção para o seu desenvolvimento artístico como um meio para adultos , mas, a partir
preferem vê-los como parte da tradição cultural artística . A busca das raízes corretas dos anos 1960, alguns dos mais importantes autores underground explorariam
é uma forma habitual de legitimar o presente e, portanto, não é de estranhar que essa tensão para abrir uma via experimental que aproveitasse as vantagens de se
nos últimos anos se tenha reivindicado enfaticamente a figura de T ópffer, mais em situar na margem do mundo intelectual , como reclama C1owes . Bill Griffith, um
sintonia com a imagem culta da novela gráfica atual. Entretanto, não se pode saltar dos pioneiros do comix , encontra , nessa ambiguidade, precisamente uma da s vir·

sobre décadas de histórias em quadrinhos filhas do ruído e da fúria da urbe moderna tudes da história em quadrinhos,
de Outcault e dos demais pio neiros da imprensa americana do final do século XIX e
início do xx. Foram eles, mais do que ninguém, que iniciaram a tradi ção que iriam Não sou capaz de decidir se sou um desenhista que escreve ou um escritor
seguir os quadrinhos americanos, europeus e japoneses durante o século passado, e que desenha. Os quadrinhos resolvem de maneira adequada essa co ntradição
os quadrinhos não podem renunciar tão rapidamente aos seus revoltosos antepas- de uma forma nova e muito satisfa tória . Também encarna , para mim , a
sados. lan Gordon distingue dois fatores que afastaram os comics americanos dos unificação das artes Alta e Baixa. Os quadrinhos são um meio originalmente
quadrinhos europeus anteriores: o uso de personagens com continuidade e sua apa- Baixo que foi colocado a selViço da arte Alta através de lima dinastia que
rição em jornais de circulação maciça, o que "os convertia em produtos do mercado começa com Krao Kat , co ntinua com a Mad , de Kurtzman , passando por
de massas"". Desde o princípio, essa dualidade dos quadrinhos teve consequências Crumb e os underground, chegando aos dias de hoje n .
contraditórias para sua recepção por parte da sociedade. O sucesso das tiras do
YeUow Kid [O Garoto Amarelo], de Outcault, foi tão fenomenal que chegou a defi - É por isso que, para C lowes , a graphic novel se conve rte em co mic- strip
nir tanto o jornal de Pulitzer como o de Hearst (durante um período, ambos foram novel , numa tentativa de reunir as novas ambições representadas pela novela ao
publicados ao mesmo tempo), dando assim lugar à expressão "jornalismo amarelo". afetuoso termo popular pelo qual sempre se conheceu as séries de quadrinhos da
imprensa: strips. Os problemas que autores e teóricos encontram - os editores
o fato de o primeiro personagem dos quadrinhos americanos ver como um parecem já ter escolhido - para entrar em acordo sobre um nome que defina o que
movimento jornalístico se apropriava da sua assinatura cromática dá amplo estão fazendo e lendo agora demonstram em parte a novidade desses quadrinhos,
testemunho do poder e da popularidade dos quadrinhos. Mas, como esse mas também a fragilidade da tradição intelectual da histó ria em quadrinhos e
movi mento era comp letamente comercial e encarnava uma ética censurável como são insatisfatórios os termos utilizados anteriormente . Não podemos dizer
e sensacionali sta dirigida às emoções mais baixas, a nova forma artística alegremente que o no me não importa. Os nom es importam muito, visto que, ao
ficou associada unicamente às ordens inferiores do comportam ento racional ; mesmo tempo que falam de nossas origens, podem também determinar o nosso
uma circunstância que projetaria a sua sombra durante muito tempo sobre futuro , e os nomes que têm sido uti lizados para desig nar a arte praticada pelos
qualquer reivindicação de mérito artístico e conteúdo intelectual para os novelistas gráficOS são habitualmente depreciativos.
quadrinhos. Como algo que apareceu pela primeira vez nas escandalosas
colunas da imprensa sensacionalista iria ter O menor interesse para um leitor
inteligente e respeitávcl ?30 Um mau nome

Ana Merino indica que "os quadrinhos pertencem à cultura industrial e, como O "mau nome" dos quadrinhos começa com o pró prio T õ pffer, que cos-
tal , constroem relatos modernos, embora a sua capacidade legitimadora esteja em ten· tumava utilizar apelidos pouco sérios para se referir às suas próprias c riações ,
são com o discurso letrado", e acrescenta que, com o repúdio da cultura letrada, os desde "garatujas" até "bobagens gráficas". Na recopilação de seus ensaios sobre
quadrinhos "se tomam marginais c, a partir dali, constroem seus próprios re!atos"31. a ane , intitulada Réflexions et menus-propos d'un peintre genevois ( 1848 ), "Tõpffer
A I'IOV'LA 6~;ij:ICA , - I'IOVGlA 6~ÁFlcA

lança uma série de teorias que não podem ser levadas a sério . Sobretudo, não acontecime nto de pouca importância" (dicionário da Real Academia Espanola),
se pode imaginar que o leitor o leve a séri o por muito tempo/IH. O desejo de ~ um termo importado da América Espa nhola, onde Ana Marino também indica
teorizar de Tõpffer, contraposto pelo temor de parecer pomposo de mais , tem que se utiliza O nome "muiiequitos"16 (em Cuba), o que não melhora muito a con-
um significativo eco no "ma ni fes to da novela g ráfica" de Eddie C ampbell , que , sideração social do meio.
em seu no no item , reza :
o caso do Japão merece que nos detenhamos um instante. O Japão oferece

N unca oco rreria aos novelistas gráficos utilizar o te rm o "novela gráfica" para o mundo dos quadrinhos - e para o da cultura popular contemporânea, em
qua ndo falam com seus colegas. Norma lmente se referirão simplesmente ao sua expressão mais ampla - um conjunto de contrastes e semelhanças muito inte-
seu "último livro", ou ao seu "trabalho em andamento", ou até dirão "história rcssante. Por um lado, o Japão representa o exotismo incompreensível do Extremo
em quadrinhos" etc . O term o tem de ser utilizado como emblema ou Orientei por outro, inclui-se na esfera da cultura de massas e do imaginário coletivo
bandeira que se rá içada qua ndo se for co nvocado para a batalha ou quando ocidental . Além d isso, é o principal mercado de quadri nhos do mundo, e, desde os
se perguntar entre dentes sobre a localização de determinada seção em uma anos 1980, foi conquistando pouco a pouco os âmbitos europeu e norte-americano,
li vra ria desconhecida. Os editores podem usar o termo repetidas vezes, até rcvitalizando, e m parte, seu corpo de leitores e também suas estratégias editoriais,
ele signifi car ainda menos do que já signifi ca. de forma muito especial nos formatos mais semelhantes ao livro tradicional , que se
distanciam da revista típica de nossas tradições quadrinísticas, e na utilização do
Além disso, os novelistas gráficos são muito conscien Les de que a próxima branco e preto. Essas características formais , junto à abertura a temas e gêneros que
onda de escritores de quadrinhos optará por trabalhar nos menores formatos vlo bem além da ave ntura para crianças e dos super- heróis predominantes no Oci-
possíveis e ridicularizará todos nós por nossa pomposidadc . dente, têm tido uma influê ncia marcante na configuração da novela gráfica atual ,
como veremos. O Japão é um país o nde a presença esmagadora dos quadrinhos na
É evidente que, de pois de mais de um século sem se levarem a sério , custa sociedade alcança até as mais altas esferas sociais. Frederick Schodl indicava que,
aos escritores de quadrinhos começar a fazê- lo agora . Na França, o nde a indústria -em 1995, o antigo prime iro- ministro japonês Kiichi Miyazawa começou a seriali ·
editorial mais poderosa da Europa tem se visto acompanhada do mais precoce re- Dr uma coluna com suas o piniões, não em um jornal ou em uma revista de notíc ias,
conhecimento cultural dos quadrinhos, estes são conheCidos pelo nome de bande mas na revista de mangá Big Comic Spirits"". Schodt esclarecia e m seguida que o res-
dessinée (literalmente, "banda desenhada") , tal vez um dos termos aparentemente peitado político de 75 anos talvez não fosse um leitor habitual de mangá, mas sabia
mais assépticos e descriti vos de todos os que têm sido aplicados ao meio em di versas que a revista que havia escolhido era lida po r 1,4 milhão de jovens trabalhadores.
línguas. Entretanto, Thierry eroensteen observa que esse termo só se estabeleceu Mesmo assim, as HQs continuaram mante ndo uma sombra de suspeita com respei-
na década de 1960, ou seja, quando os quadrinhos já tinham mais de cem anos, e to 11 sua verdadeira estatura cultural no Japão, que, em alguns mo me ntos, parece não
que ante riormente eram conheCidos por nomes como histoires en estampes (expressão se deve se orgulhar ou se e nvergonhar de sua giga ntesca oferta de quadrinhos.
inventada por Tôpffer, como já vimos), histoires en images, récits illustrés , films dess inées Talvez essa posição conflitante remo nte ao temlO depreciativo e conhlso pelo qual
"e, certame nte, comics"3~. A demora em encontrar um nome nos faz pensar em uma c:le vem a ser conhecido , mangá, inventado por H okusai em 18 14 e que poderia ser
arte órfã, uma arte que não consegue ser reconhecida pe la sociedade. traduzido como "dese nhos irresponsáveis"38 .

Na Espanha, os dois no mes mais difundidos de origem própria fazem refe - Cada idioma desenvo lveu sua própria expressão - "banda desenhada" em
rência à natureza infanti l ou ao escasso valor do meio . "Tebeo"15 deriva da revista Ponugal, "fumetti" na Itália, "Bildgeschichte" na Alemanha - , mas a palavra uni-
popular TBO , fundada em 19 17 e destinada ao humor para crianças, enquanto v~al , utilizada por todas as línguas para identificar as H Qs, é o termo inglês "co-
"histo rieta", que em si signi fica "fábu la, conto ou relato breve de aventura ou mic"39, que na Espanha é acei to e já está inserido no dicionário da Real Academia
A I'IOV.LA 6RÁ~ICA , - I'IOVaA 6RÁ~ICA

Espaiiola. "Comic", que nos Estados Unidos acabou se impondo a expressões de ainda falta muito para a expressão se consolidar, e no momento ela convive com
mesmo significado, como llfunnies", apresentou, no entanto, notáveis problemas no outras tentativas de nomenclatura, como "visual novel"43, grap hic album", "comic
II

âmbito norte-americano, pois lançou uma sombra de dúvida sobre aqueles comics novel"H ou nove l-in-pictures"4.5, Em 1978, a expressão "graphic novel" aparece
II

que não pretendiam ser cômicos. Já em 1935, nos primórdios do primeiro comic na capa de A contract with God [ Um contrato com Deus" ), de Wi 11 Eisner, um livro
de aventuras e dramático, um jornalista escreveu que "alguns poderiam ser chama- que antecipa em grande medida o verdadeiro espírito do fenômeno que queremos
dos mais apropriadamente de 'trágicos' ou 'patéticos' do que de 'cômicos' [comicsl, examinar. aqui. Entretanto, não se deve pensar que a implantação do termo se
mas tecnicamente todos sao c hamados de 'comics"'40, A necessidade de buscar lima produz a partir desse momento . Quando, em 1989, joseph Witek se propôe a
palavra que apresentasse, de forma mais neutra , o me io, livrando -o das conotações realizar um estudo acadêmico do tipo de quadrinhos que tratamos aqui , ele não
humoliísticas e infantis, existiu sempre que se apresentou a possibilidade de ensaiar utiliza ainda o termo "novela gráfica", mas sim a expressão ainda mais discutível
um comic que olhasse numa direção diferente daquela estabelecida pela corrente "arte sequencial", criada precisamente por Will Eisner pouco tempo antes".
hegemônica. Assim , em 1950, os editores de It Rhymes With Lust - uma história
em quadrinhos do gênero negro que preenchia mais de cem páginas e era vendida Não obstante, durante os anos 1980 ocorre certa popularização do termo
no formato típico dos livros policiais de bolso - apresentavam-na corno "picture "novela gráfica", aplicado precisamente a produtos de gênero das grandes edito-
novel". Quando, em 1955, a Editora EC tentou superar as limitaçôes do código de ras, distinguidos dos modestos comic books de banca ape'nas por sua encaderna-
autocensura da indús,tria dos comics - que reconhecia expressamente que todo o seu çIoe qualidade de produção mais luxuosa. A Marvel Comics, por exemplo, publi-
mercado era exclusivamente infantil - , experimentou um novo formato de combina- a partir de 1982, uma coleção de "novelas gráficas" cuja maioria dos títulos
ção de texto e ilustração e o batizou de J'picto-fiction", Os exemplos são numerosos. pelos super-heróis da casa . Na verdade , essas supostas novelas
eram apenas álbuns para a venda em livrarias especializadas. Ainda assim ,
que a mudança de nomenclatura denota um esforço para se diferenciar
Um givi com outro nome que evoca a palavra "comic", um produto descartável , barato e infantil.

As tentativas de localizar com precisão a primeira aparição da expressão Na Espanha, o termo novela gráfica já havia aparecido nos anos 1940" , e
IIgraphic novel" mencionam sua inclusão em fanzines norte-americanos dos anos celta difusão até a década de 1960. Mas não tinha relação alguma com nenhum
41
1960 . Na época, o termo aludia a um conceito hipoté tico, que ainda não exis- de HQ com maiores aspirações artísticas, que na Espanha só começará a ser
tia, quadrinhos de maiores ambições artísticas do que os produtos padronizados nos últimos anos do franquismo . As "novelas gráficas" espanholas eram
que as grandes editoras levavam às bancas. Entretanto, como sabemos, nos anos HQs românticas (ou de outros gêneros populares consolidados) com
.
1960 os tempos estavam mudando, e foi precisamente na segunda metade da dé- aparente maior complexidade [3]. l uan Antonio Ramírez comenta ,
cada que foram produzidas as rupturas dos quadrinhos underground, que teriam
também um efeito libertador nos quadrinhos co nvenci o nais . Assim , desde o final As histórias são mais longas e complexas, e o formato similar ao de qualquer
da década começam a ficar mais frequentes as tentativas de produzir quadrinhos novela de banca. As novelas gráficas, em teoria , não se dirigiam a um
dirigidos a um público adulto, ou pelo menos mais adulto do que o que lia habitual- públiCO infantil e juvenil , mas sim a pessoas "adultas"; mas é surpreendente
mente Batman t Archie e Pato Donald. Todas essas tentativas, embora continuem comprovar a escassa capacidade de evolução demonstrada pelos roteiristas :
fo rte mente ancoradas nos paradigmas do gênero (especialmente o thriller de ação os abraços talvez aparecessem com maior frequência, ma s a ideologia e as
ou policial, a ficção científica e a fantasia heroica), reclamam um novo nome que situações pennaneciam invariáveis. Salvo raras exceções, a novela gráfica
li berte os quadrinhos do estigma de "comie', e em vários deles, a partir de 197642, foi um caderninho ampliado em que a etapa dos "conflitos intermediários"
co meça a aparecer o termo "graphic novel" com mais frequência . Certamente, entre o namoro e o casamento ocupa um m aior número de páginas<49.
A NOV~L.' 6~Á~ICA I - NOV~LA 6~Á~ICA

[3] "' Noche decisiva", na [olecôón comics Marvel que viriam a ser publicados pela barcelonesa Edicioncs Vé rti ce
Novelas Gráficas, sede Celia 204 em coleções de bolso em preto e bran co a partir de 1969 , indicando também
(1 965). Enriq ue Badia. que as aventuras do H o mem -Aran h a e do Quarteto Fantástico esta va m desti -
Reproduzido em Reg ueira (2005). nadas a "a di
u tos" .

Na ve rdade, os comics o q,ue há de novo?


americanos tradicio nais tam -
bém ha v iam invocado, desde Se o surgimento real do tenno "novela gráfica" fo i recebido com receio por
me ad os d o sécul o XX, o ró tu - parte de muitos autores que o consideram um pomposo eufemi smo e, como já
lo d e "nove la" para dist ing u ir vimos antes, preferem não se expor diretamente à luz do escrutínio público junto
aquelas hi stó rias que , sem sair a outros meios sérios, a complexa h istória da gê nese e da uti li zação do termo ao
d os co nteúdos habituais, ti- longo das décadas, incluída a sua apropriação por parte dos editores para ve nder
nham lim a exten são superi or quadrinhos de consumo , provocou também reações que veem sua recente popula-
à no rmal. Desde suas ori - rização como outro estratagema come rcial dos empresári os do ramo . É a posição
ge ns' no final d os an os 1930, do investigador Manuelllarrero em um artigo de título bem expressivo, "A novela
a norma era que c ada c omi c gráfica. Perversão genérica de um rótulo ed itorial"51, que repassa com precisão os
book de super-heróis incluís- diferentes valores qu e fora m dad os ao no me "novela g ráfica", para concluir que
se várias histó rias fechadas d o "selllpre existiram os livros de histó rias e m quadrinhos - é necessário compli car as
personagem titular da revista , coisas com novos rótul os?".
mas, quando em determinadas ocasiões erarn empregadas to da s as páginas para
publicar uma única aventura de ex te nsão superi or - no rmalmente dividida em A questão não é tanto saber se em épocas passadas o termo novela gráfica
capítulos , talve z para lhe conferir um aspecto mais lite rári o - , era habitual que foi utilizado também em relação aos quadrinhos; a questão é, antes, saber se existe
tais hi stó rias fossem ide ntificadas na primeira página como "novelas". Esse é atualmente um tipo de história em quadrinhos diferente daquele que foi feito no
o caso de muitas das célebres "histórias ima g inárias" d o Superman , analisadas passado, ou seja, dos quadrinhos juvenis, massificados e regidos exclusivamente
po r Umberto E co~iO , e que se apresentam co mo "a n imaginary novel". As histó- por critérios comerciais, e se esses quadrinhos exigem um novo nome para serem
rias "im aginárias" do Superman acrescentam outra característica à condição n:conhecidos, não tanto como uma for~a nova , mas como um espírito novo . Pepe
de novela : não estando in serida s na co ntinuidade d o pe rso nage m , se permi - Gálvez, por exemplo , enfatiza que as dife renças entre a novela gráfica atua l e os
tem contar histó rias gra ndi osas com num erosos aco ntecimentos catastróficos quadrinhos tradicionais não têm de ser buscadas necessária o u principalmente nos
e uma aprese n tação , complicação , clímax e d esfech o definidos e sem possível aspe~tos formai s, "O g rande avanço , o grande salto que a histó ria em quadrinh os
reversão , rompe ndo o esquema narrativo ite rati vo e se aproximando mai s dos como meio de expressão deu nestes últimos anos não foi produzido ape nas no
elementos da ve rdade ira novela literária . Mas, em resumo, não dei xavam de campo da linguagem , mas també m no da ambição expressiva, na vo ntade de abar-
ser ave nturas do Superman , publicadas no mcsmo mercado e tendo em mente car objetivos narrativos mais pro fund os e mais complexos"s2. Na verdade, ta nto
o meSmo públi co . C ur iosa mentc, na Espanha seria aplicado muito antes o as novelas gráficas como os comics tradicionais são hi stórias em quadrinhos, mas
rótulo "novela grá fi c a" aos gibis do Superman , visto que a Editora Dólar os pu - não significa que Mortadela y Filemón [Mortadela c Salaminho" ] seja o mesmo
blicou a partir de 1958 com essa denominação . Também assim seriam definidos os Palamar [Crônicas de Palamar"].
, - ,.OVIaA 6RÁI'ICA
_----,. ~ ~ ......... ~o--to'",-""";&;Ç,.,' _ _-~----- -,----

Em se u manifesto, Campbell ex plic a qu e "'novela gráfica' significa um Sendo um meio de comunicação de massas, regido por uma lógica em-
movimento , mai s q ue uma fo rma". Barrero , no artigo anteri o rmente citado, 'al não podemos nos esquecer de que por trás de cada desenvolvimento
pl~san , .
o

critica essa afirmação , considerand o que "essa postura e1iti sta gera um gra- artístiCO dos quadrinhos há uma crise da indústria editorial. Em suas ongens, os
diente valorativo que pode desembocar na diferenciação de categorias de drinhos desempenharam um papel fundamental como repositório do imagi-
destinatári os (públi CO cu lto us . público in culto ), no parcelam ento das pos - :iO da sociedade urbana no primeiro terço do século XX, a ponto de se poder
sibilidades do mei o, na subordinação deste aos gêneros o u aos fo rmatos , ou, dizer sem exagero que nesse período os quadrinhos "o ferecem um elemento ma is
finalm e nte , no prejuízo do próprio estudo da hi stó ri a em quadrinhos". A res - Im rtante para entender a mentalidade americana do que q ualquer outro das
posta de Barrero se baseia em um erro muito comum que também co ntribuiu
PO
evidencias mais bem estudadas d
a nossai ' na I"" .
cu tura ,naClo
para provocar a resistência ao termo , pois muitos acham qu e dizer que algo
é uma "novela gráfica" é fa zer uma aval iação apri o ristica da sua qualidade . Ao A situação de declive permanente dos quadrinhos populares em todo o
co ntrário, para Camphell , se a novela gráfica é um movim e nto , isso só sig nifi ca Ocidente a partir dos anos 1950 fez com que, desde então , eles sejam uma arte
que ela representa uma tradição distinta da do comic book , e não que cada ...ediante a qual se entoa um canto fú nebre por um falecimento sempre adiado.
novela gráfica seja melhor que cada comic book , "C rei o que uma novela g ráfica Ana Merino indicava que
malfeita é muito men os interessante do qu e um ho m comic b ook"55, di sse el e .
E, de fato , Campbell prodUZiU histó rias em quadrinhos de super-heróis po r a perda de público leitor significou para os quad rinhos a perda da sua

enco me nda , sem que isso lhe causasse algum problema de consciência como capacidade cívico-popular. Agora os quadrinhos [ ... ] têm que competir

autor. Como indica Andrés Ibáíiez , "uma históri a em quadrinhos não será me- com a televisão, os videogames ou a internet. Mas certamente grande parte

lhor se aprese ntar uma forma que se aprox ima mais à de uma nove la , assim da estética utilizada pelas novas tecnologias é um produto que se inspirou

como um novelista não será melhor escritor se souber disparar um fuzil , ne m graficamente nos quadrinhos clássicos, underground ou de super-heróis~9.

um poli cial melhor po licial se souber tocar violino", e acrescenta , "Cada forma
artísti ca possui seu pró pri o códi go"5ó. A profundidade dos quadrinhos na estética mais ampla da sociedade já
observada por Masotta em 1970, quando afirma que "todo desenh o gráfico
Portanto, as tradições dos quadrinhos, as formas que eles foram assumindo com a histó ria em quadrinhos tem hoje assegurada uma imagem
- em resumo, a histó ria dos quadrinh os - são a (mica maneira de entendermos se . Entretanto, sobreviver no palimpsesto da explosão ico nográ fica do
essa novela gráfica atual é realmente uma nova arte . Seth, um dos pio neiros da contemporâneo não é exatamente sobreviver. Para permanecer ar te

novela gráfica contemporânea, escreveu: situação de crise como produto - re fletia Merin o - , era necessário que
quadrinhos reconhecessem o seu espaço dentro da histó ria cultural da mo-
Lamentavel mente, não ex iste nenhum mapa evoluti vo re al dos
quadri nh os. Ao olhar para trás, para as diferentes intenções da novela
co m imagens na rrativas antes de 1975 , rapidamente percebemos que uma o reconhecimento do seu passado e da sua Singularidade implica a

história lo nga contada com imagens é simplesmente uma ideia natural. construção de um cânone sobre o qual forjar o seu futuro . Os estudiosos
De poucos em poucos an os, ocorria a algum desenhista o conceito - de dos quadrinhos vão enfrentar, nos próximos anos, as ruín as de um sécul o
fo rma independente ou influenciado por obras similares - , mas cada nova de criação que necessita ser catalogado e reconstruído nas bibliotecas e
intenção parecia desaparecer rapidamente da visão pública, e a icleia hemerotecas. Essa apropriação canônica implica sua aceitação não apenas
de uma novela com imagens narrativas desaparecia até que surgisse o como objeto de consumo maciço, mas também como objeto de reflexão
próximo livro semelhante57 • crítica mino ritária.61
A NOV'LA 6RÁ~ICA

Essa aceitação dos quadrinhos comO "objeto de reflexão crítica" (minori -


tária ou não) nos leva ao momento atual da novela gráfica , sem dúvida um dos
z. - 05 (XUACJI?//VJ../05 ACJUL r05
"espaços" que os quadrinhos estão sabe ndo conquistar na m odernidade atual. A/VrE5 CJ05 (XUACJI?//VJ../05 ACJUL r05
Este estudo tentará entender como chegamos à novela gráfica atual , de
onde ela procede e qual é a sua história, mas em parte também tentará compre-
ender por que essa lIideia natural" da qual fala Seth demorou tanto a se materia·
lizar. Ou seja , este é um livro para entender por que a nove la gráfica surgiu, mas CJO 5fClILO XIX Arf /960
também por que não surgiu antes . Para fazê -lo, teremoS que praticar lima nova
"apropriação canônica", ou seja, teremos que reescrever a história dos quadrinhos
"Pertenço d baixa cultura . A isso me dedico.
do ponto de vista da novela gráfica .
Não apenas pertenço à baixa cultura, como não creio
que ela seja baixa cultura. Ê tudo cultura.'"

Ilernard Krigstein

oq,ue chamamos de q,uadrinhos?


Para reescrever a história do ponto de vista da novela gráfica, como suge-
rimos no capítulo anterior, precisaremos saber que h istória é essa que temos de
examinar, qual é o seu princípio e qual é o seu obje to . Assim , antes de empreender
a história , necessitamos saber qual é a definição de quadrin hos, e esta tem se mos-
trado tão esquiva e espinhosa que um número cada vez maior de livros especiali-
zados
--_o opta por evitar o tema, diante do lemor de se afundar no lodo da verborreia
teórica sem resolução possível. Croensteen , talvez em um mome nto de desespero,
chamou-a de lia definição im possível"2.

Existe atua lmente uma tendência a abordar as considerações ontológicas


em torn o dos quadrinhos a partir do conceito de "arte sequencia l", considerado
co~ a essência mais indiscutível das HQs. Sem dúvida, a popularização des-
sa ideiã te m m uito a ver com as reações despertadas por Understanding Comics
[Des.endanda os quadrinhos' ] ( 1993) , livro teórico de Scott McCloud que causou
grande surpresa na época por uti li zar justam ente os quadrinhos como veículo para
expressar o seu discurso . Sem dúvida, o ponto de partida de McCloud foi muito
z - 05 ~Al7f/r/'l"05 IlPULT05 II/'ITES "05 ~IIC'fIr/'l"05 IlPUL T05
influenciado por Comics and Sequential Ar< [Quadrinhos e arte sequencial' ) ( 1985), de Os problemas dessa defi nição são muitos . Em prim eiro lugar, assim como
Wi1I Eisner, livro que é uma mistura de receitas de truques profissionais e ensaio a de Eisner, ela poderia se aplicar a muitas coisas que não os quadrinhos c,
teórico , e que começava com a seguinte declaração: portanto , carece de qualquer valo r significativo . Mas também ignora alguns
aspectos mais evidentes dos quadrinhos, como a relação entre a palavra e a
o objetivo desta obra é cons iderar e examinar a estética inimitável da Arte imagem . McCloud não menciona em m omento algum o texto , que, para
Sequencia l corn o mei o de expressão cria tiva , matéria de estudo diferente, outros estudiosos, como Ha rvey, é fundamental. Harvey considera que "o
forma artística e literá ria que trata da di sposição de desenhos o u imagens e princípio da mescla visual . ve rb al é o primeiro princípio de uma teoria crítica
palavras para contar uma hi stória ou representar uma ideia. Isto é estuda do dos quadrinhos"'. Se a formulação de H arvey e nco ntra problemas ao e nfre ntar
,
aqui no padrâo da sua aplicação para os li vros de quadrinhos ou as tiras de as HQs isentas de palavras, a de McClo ud o fa z ao ignorar por completo o
jornais que se servem da Arte Sequencial em todo o mundos, papel delas . Alé m disso, M cCloud excl ui de sua definição qualquer história
em quadrinhos formada por uma ú nica imagem , julgando necessá ri o , para
Eisne r parece fazer uma distinção, portanto , entre "Arte Sequencial" e quadri - que o comic exista , que haja o "es pa ço in visíve l" entre uma image m e outra ,
nhos, Como se a primeira fosse uma ferramenta à disposição de diversos meios, entre desterrando para o impreciso lim bo d o "h umor gráfi co" ou da "ilustração" todas
eles o das H Qs, mas não esclarece depois qual é a especificidade dos quadrinhos e aquelas produções de tirinhas que se resolve m em um único quadro, apesa r
o que os distingue de outros meios que utilizam a IIArte Sequencial" _ que tampouco de uma simples caricatura poder se r também narrativa , já que ex ige, para se
são mencionados, embora possamos supor que, entre eles, se encontrem , talvez, o completar, que imaginemos um "momento posterior à ação"8, com o indica David
cinema, a pintura, a publicidade ou o design !,'fáfico, os quais se ajustariam à IIforma Carrier, que ilustra a ideia com uma ca ri catura de Daumier [ 5). Tem sentid o a
artística e literária que trata da disposição de figuras ou imagens e palavras para imagem do exemplo , se não imagi namos o momento pos te ri or ao que ela nos
contar uma história ou representar uma ideia". McC loud tentava ser mais preciso mostra? Esse ato de comple tar a "histó ria" é difere nte da "clausura" que McCloud
em sua definição e dotar de uma argumentação mais sól ida a ideia da "Arte Sequen- postula como sendo um e le mento ind ispe nsável para o hlnc ionamento sin gular
cial" de Eisner, ensaiando esta definição: "Ilustrações justapostas e outras imagens dos quadrinhos? Para não exaurir mais a discussão , mencionarem os também que
em sequência deliberada , Com • definição de M cCloud inclui a fotonovela" como se fosse uma histó ria em
o propósito detransmitir infor. quadrinhos. A hierarquia o utorgada ao seq uencia l faz co m que o seu valor prim e
mações e obter uma respos ta sobre a natureza específica do desen h o, cujo traço , em especial o cari ca turesco,
do le itor'" [ 4). esteve sempre ligado , de maneira completamente orgâ nica , ao se ntido do que
IMÂGENES 110 os quadrinhos, desde suas origens até os nossos dias . A im age m fotográfica
YUXTA- tem uma natureza comple tame nte di fe re nte da imagem dese nhada '·. Barrh es já
PUESTAS
observou que a fotografia autentica a ex istência do ser retratado · I , enquanto o
YOTRAS
IMÂGENESEN desenho inventa o que não existe.
,

Mas o que nos importa é, principalmente, que o sucesso do li vro de


que se ampara em uma espéc ie de ideal ism o te óri co, difundiu ,

a ideia de um conceito dos quadrinhos ampliado até o extre m o
de abarcar quase qualquer imagem a que se possa dar um se ntido narrativo.
[4J Entender el cómic (1993 ), McCloud é fiel à sua lóg ica quando diz que seu co nceito lh e permite "lançar
Scott McCloud. uma nova luz sobre a história dos quadrinhos"12. Essa nova luz conve rte ,
z - os <J/UIlt7r/If'lUOS IIt7ULTOS IIf'1T&;S vos <J/UIlt7r/If'lUOS IIt7UL TOS
pois, em quadrinhos, as pinturas egípcia ' C I d li .
de Bayeux' l. E SI a o una e raJano ou o tapete história dos quadrinhos dentro de limites mais manejáveis do que os propostos
esta mos falando de qu d . I -
exemplos de liA 5 . " a nn lOS, nao de protoQuadrinhos ou de por McC/oud. Trata-se da monumental história dos quadrinhos em dois volumes
rte equenclal aplicada a outr . D .
manuscritos pré-colombianOS '1 t d M os meIOS. epols de examinar os (Hisrory of the Comic Strip Volume 1: The Early Comic Strip e The History of the Comic
I US ra os cC/oud d I "I -
em quadrinho s, Eu acredito que seja !" r~ .' ec ara : sto e uma história Strip. The Nineteenth Century ) de David Kunzle, um discípulo de Gombrich que se
animou a mergulhar no tema seguindo uma sugestão de seu mestre: "Seria tentador
acompanhar o desenvolvimento desde as histórias em imagens de H ogarth até as
Essa "amp li ação ao nível
de Tõpffe r" ".
do absurdo" da hi stória dos
quadrinhos encontrou pOuca A definição de quadrinhos dada por Kunzle se baseia em quatro
resistência devido, em parte, condições que servem para definir uma H Q "de qualquer período , em qua lquer
à debilidade da tradição de país"", I ) Deve haver uma sequênc ia de imagens separadas; 2) Deve haver
estudos teó ricos nos Es tados uma preponderância da imagem sob re o texto; 3) O meio em que a história
Unidos a esse respeito até em quadrinhos aparece e para o qual está originalmente destinada tem que ser
• muito recentemente. Os livros reprodutivo, o u seja , em forma impressa, um meio de comunicação de massas;
americanos so bre Quadrinhos 4) A sequência deve co ntar um a hi stória que seja tanto moral quanto tópica ' 7 .
existe m pelo menos desde os Essa definição foi bastante criticada , sobretudo por Thierry Groensteen , que a
anos 1940, quando o desenhista considera inaceitável por ser normativa e interessada , já que "a terceira condição
Coulton Waugh escreveu The de Kunzle só serve para justificar o fato de ele ter escolhido a invenção da
Comic, ( 1947), marca ndo assim imprensa como ponto de partida para The Ear!y Comic Strip"". Certamente é
uma linha de investigação
possível compreender a postura de Croensteen se a inserimos em lima tradição
definida por estudiosos dos de estudos franceses muito mais robusta e acadêmica do que a americana ,
quadrinhos e po r revisões
principalmente no plano teórico, em que a semi ótica , o estruturalismo e
hi stóri cas escoradas até o
• psicanálise estao presentes nos textos sobre os quadrinhos desde o final
[5] Le dernier boin (1840), Honoré Daumier. anedótico / o nostálgico Ou as dos anos 1960. Assim , O próprio Groe nsteen busca uma definição baseada
Reproduzido em Carrier (2009). m em ó rias profissio nais. É o na "solidariedade icônica"'9 dos elementos que compõem os quadrinhos,
caso de History ofComics, de )im prescindindo de questões históricas o u materiais .
Comics ( 1974 ) de )er ' Steranko ( 1970- 1972 ), de The
. , ry Robllls on , ou de From Aargh! To Zap' ( 1991 ) "h ' _ .
vIsual dos co mics" de H K . I a Istona A nós, no entanto, é essa terceira cond ição de Kunzle que parece particu -
, arvey urtzman , três desenhis tas com inquieta _
como Waugh (e como os pró prios Eisner e McCloud) Enqua t F çoes, larmente interessante, já que todas as definições formalistas acabam sendo res -
n a
I 97 l , Franc is Lacassin já dava aulas de histó ria e est~tica da b:n: :anç~, em tritivas. A que se baseia na sequência ignora a imagem si ngul ar; a que se baseia
S Dr b onne o livro d f e eSSlnee na na imagem ignora O dese nho; e inclusive a de Groensteen acaba eliminando da
e re erenCla maIs popular durante duas d ~ d
A. •

,
Unidos fo ' a W. ld E I eca as nos Estados lista histórias em quadrinhos que reconhecemos como his tórias em quadrinhos.
I or ncycopediaofComic,(1976 ), editadapo M . H
e ra um dicionário de autores e personagens. r aUflce orn , que ~ muito mais produtivo para nossa investigação consi derar os quadrinhos como
Não obstante, um dos trabalhos de maior en d objeto social e, portanto, "definidos mais por seu uso comum do que por critéri os
mame t bé f . verga ura teórica até o fonnais a priorj"lO. E em seu uso social comu m, identificamos os quadrinhos como
notam m oi publicado nos Estados Unid s
o nos anos 1970, e fixava a um objeto impresso . Um livro, um folheto , uma revista , um caderninho o u uma

@
~TliS r:>OS ~UIlI7l/If'/"OS IICJULTOS
t - os CltII'I7II1f/"OS IICJULTOS 11"
--~----~--~_ ... .........
...---

. _ ular e estabelecem protagonistas com o estilo


seção de um jornal ou de outra publicação, porém reproduzido para o consumo contam com certa dlfusao pop ·b·s Apesar de suas imagenS
. tarde seriam comuns nos gl I .
massivo. Em parte, podemos parafrasear a famosa definição de arte de Dino Fo r- daqueles que , maIs ' _ b Ih a indústria cultural de massas, nas
. Hogarth nao tra a a n . • . d
maggio e dizer que, assim como "a arte é tudo aquilo a que os homens chamam se repro d UZlrem , ." d rtista inserido na dlOarntca a
. b ·l·dade e SIm e um gran e a
de arte"l l, "os quadrinhos são aquilo a que os homens chamam de quadrinhos" - O margens da respeIta I I . ' t te das artes figurativas , po rém ao lado
,. " o úniCO represe n an Id · II
que se encaixa bem para recordar que uma história em quadrinhos nâo é um qua· "idade da satlta com . S .f es ecialmente , Henry Fi e Ing .
de escritoreS da categona de Po pe , WI t ou, P
dro de lichtenstein que copia um desenho de uma HQ, assim como não o são a
Coluna de Trajano ou o teto da Capela Sistina, de Michclangelo , que também
nos contam uma história com imagens sequenciais . Diz McClo ud que, I'quando
nos concentramos no mundo dos quadrinhos, não podemos nos esquecer em
momento algum que esse mundo é apenas um ... entre muitos mundos possíveis!"ll.
Tendo isso em me nte , não nos esqueceremos de examinar os quadrinh os que
existiram e existem nesse único mundo, e não aqueles que poderiam existir
em outros mundos possíveis . Podemos começar, po rtanto , nossa histó ria dos
quadrinhos com a imprensa .

A pré-história dos q,uadrinho5

Como dizíamos, a imprensa é o ponto de partida do primeiro vo lume da


History of the Comic Strip de Kunzle . Nesse volume, o autor americano relaciona
os antecedentes dos quadrinhos com as numerosas publicações em folhas so ltas
(brood,heets ) que, lançando mão de uma combinação de imagens e texto, são
utilizadas desde o século XV na França, nos Países Baixos, na Crã-Bretanha e
na Itália, habitualmente com fina lidade de propaganda política e religiosa ou
intenção moral. Kunzle rastreou todas as coleções possíveis de narrativa gráfica,
impressa ou em estampa, que apareceram na Europa durante os séculos XVI e
XVII , incluindo o trabalho de artistas como Callot, com sua série sobre a guerra,
ou até mesmo Rubens, com sua série sobre a vida de Maria de Médicis, até chegar - III (1735) William Hogarth.
[6] A Rake's Progress , ilustra,ao '
ao século XVIII e William Hogarth. Reproduzido em Smolderen (2009 ).

Hogarth era o ponto ideal para pôr fim ao primeiro volume de sua
histó ria , uma vez que Kunzle o considera "o avô dos quadrinhos" devido à . anoS antes do verdadeiro SUf-
Hogarth, no entanto, ainda se situava cem d olume ocupado
sua influê ncia - a única reconhecida por ele mesmo - sobre Tõpffer, 'lO pai . K I dedicava o segun o v ,
dos quadrinhos, aos quais unz e . turistas vitorianos herdeiros
dos quadrinhos". As séries de imagens narrativas de Hogarth - A Harlot 's
sEcalo XIX . Embora os trabalhos de alguns canca do os de maior destaque _
Progress ( 1732), A Rake's Progress ( 1735), Marriage A-la-mode ( 1745) [6] - não só .___-- , Hogarth _ Cruikshank, Rowlandson e Clllray sen
antecipam alguns elementos da linguagem visual dos quadrinhos como tamjfu
t - 05 I$JIlf/f/lI'1U05 APULT05 AI'ITi<5 c>05 (f/UAf/f/lI'1U05 IIC>ULT05

- .
também elaborem muitos dos elementos que hoje reconhecemos como propnos modela entre 1832 e 1834. Feitos em barro cozido e pintados, revelam uma visão
dos quadrinhos, antecipando-se às vezes a Tõpffer, é este professor suíço que desidealizada da obra de arte e de seus temas que não apenas se choca frontalmente
Kunzle elege como verdadeiro inventor da nova arte. Tõpffer, escritor e educador contra as normas da escultura séria de sua época, mas se adianta em sessenta anos
que mal saiu de Genebra ao longo da sua vida, realiza alguns relatos em estam· à escultura de vanguarda de Medardo Rosso, Edgar Degas ou do próprio Rodin . A
pas acompanhados de texto nos quais a maioria dos especialistas distinguiu uma pobreza dos materiais ou o uso da pintura teriam sido gestos radi cais para qualquer
variação qualitativa com relação ao mundo da mera ilustração humorística e da escultor profissional da primeira metade do século XIX . Talvez por isso Daumier
caricatura , que tão fértil será ao longo do século . tenha se beneficiado da sua falta de formação acadêmica , à qual não pôde ter
acesso por ser filho de um vidraceiro marselhês sem recursos econômicos.

Em 1857, 8audelaire disse que Daumier era "um dos homens mais impor- Essa divisão entre o caminho da arte séria e da arte popular - ou de massas -
tantes , eu diria que não só da caricatura , mas também da arte moderna"2 4. O será uma das vias mais interessantes para se estudar o desenvolvimento da imagem
século XIX vê como se difundem internacionalm ente as condições necessárias a partir desse momento, e por isso a hi stória em quadrinhos desempenhará um
para o triunfo da caricatura, que até então havia existido apenas como diverti- papel fundamental nos primó rdios da modernidade, como veremos.
mento privado dos artistas ou como ferramenta na investigação para se chegar
a outros fins , um regime político parlamentar - com sua consequente liberdade Assim, se, na França, Roben Macai re - o vigarista extraído da Paris de
de expressão, por mais limitada e discutida que seja em diversa s ocasiões -, uma Balzac e Zola do qual Daumier produziu mais de cem litografias entre 1836 e
tecnologia capaz de produzir publicações impressas em série - a litografia, in- 1842 - representa I'a inauguração decisiva da carica tura de costumesl/26, fato que
ventada em 1798 por Alois Senefelder, facilitará a explosão da gráfica popular terá uma fértil continuação nos comics norte-america nos do fina l do século ,
ao longo do século - e uma burguesia próspera e dominante , que dote a carica - no resto da Europa também proliferam as revistas ilustradas e cômicas, e nelas
tura de conteúdo e público . Em outras palavras, frente ao regozijo privado pro - começam a aparecer quadrinhos e protoquadrinhos. Fundamental é a figura do
porcionado pela posse das obras de arte da tradição nobre , a caricatura encontra alemão Wilhelm Busch, autor das aventuras dos gêmeos Max und Moritz ( 1865 );
seu sentido como lima arte pública , também se destaca a Histaire pittoresque, drama tique et caricaturale de la Saime Russie
(1854) [7]. de Custave Do ré, o nde texto e imagem se contrastam com intenção
• • •

Na França , essas condições se dão especialmente a partir da Monarquia IrOTllCa, assim como a obra dos primeiros grandes chargistas franceses , Caran
de Julho de Luis Felipe de Orleans, em 1830. Três meses depois da instauração d'Ache ( 1858- 1909) e Christophe ( 1865 - 1945).
do regime, Charles Philipon funda La Caricature, à qual seguiria , em 1832,
L.e Charivari, do mesmo Philipon . É nessas publicações e em outras parecidas que não Na Inglaterra , a revista mai s importante - e de influência internacional _
só Daumier, mas também Cham , Gavarni , Nadar e outros, popularizam uma nova será Punch (fundada em 184 1), que "gera lmente se considerava digna demais para
estética que, mais que romper com o academicismo, se situa à margem dele, com as publicar quadrinhos"". É precisamente na Inglaterra que aparece aquele que é
consequências libertadoras que isso tem , Gombrich assinala que "a licença permitida c,onsiderado o prim ei ro personagem recorrente da história dos quadrinhos, o pí-
à arte humorística , sua ausência de travas , permitiu aos mestres da sátira grotesca caro Ally Sloper, que debutou nas páginas da revista }udy em 1867, mas em segui-
experimentar a fisionomia até um ponto vedado ao artista sério"25 . Certamente, a
da co meçana. a ver como suas aventuras eram recolhidas em li vros recopilatórios .
caricatura nos revela a vanguarda antes da vanguarda , ou talvez , como a tradição Além disso, foi protagonista de alguns dos primeiros filmes do novo meio cine-
hegemônica da arte desde o Renascimento , sirva menos de estímulo do que de lastro ---....'matográfico, que hoje não se conservam , embora haja dados indica ndo que dois
para os grandes artistas. Um exemplo interessante da liberdade desfnltada pelos estrearam em 1898 e outros dois em 190028 ,
I
caricaturistas pode ser encontrado nos bustos de parlamentares que Daumier


z - 05 (JUIfPliZ/'lU05 AI7UL T05 ANTH 1705 (JUAPrfINU05 AI7UL T05

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[8] "Por un cora cero", em fi Mundo Cómico 22 (1873). José luis Pellicer.
Reproduzido em Martín (2000b).

No Japão existia uma lo nga tradição da arte nar rati va , e hoje e m dia
el ... nden l /· I.."c <lu combal leUemen l doul."M que clacu ..
u<>, t devol , enlGn"., .001 Te deu ....
querem nos faze r ve r que o man gá atual é a continuação dessa tradição loca l.
Entretanto, as verdadeiras origens do mangá estão também no sécul o XIX , e
na assimilação cultural por parte, primeiro , dos arti sta s japo neses da era Meiji
da influência das revistas estrangeira s - em 1862 o oficia l britâni co C harles
Wirgman fundou The ]apan Punch, baseado no I'unch britânico - e, mai s tarde,
das HQs no rte-a mericanas - Bringing Up Father [I'afúncio e MaTamsl9 ] , de George
McManus, será muito imitada nos a nos 1920, "Na ve rdade , o mangá - ou seja , os
L. clI.-oII;'I"'''' NHIG ' qu'a drinhos - poderia não ter chegado a existir se a ex ten sa herança japonesa não
Me '. Nikoll. de .011 có t• •
poInche potI . 'l"e lo.ue deu .. Av,nl dto qultter le 'hamp d. to.t.me, ,. /lia .1'1 .... .
' '''011 ti. v' inqueu ...
pellc.he pou. q"e tGIU deu ..
l leDI tu V, Ift4 UL
,.... ho mme I.tft ladlleu !!:, lu/ f,U ab2$' . ... qIM , 'U VI"I tivesse sido pro fundame nte alterada pela influência dos chi stes, das caricaturas ,
.......... ce _ri d.no UD ,tal trh d.llI.mb ... .
das tira s de jornal c dos quadrinhos ocidentais"3o, com o observa G ravett .

(7) Histoire de la Sainte Russie (1854), Gustave Ooré. Reproduzido em Kunzle (1990).
Na Espanha, os estudos mais importantes sobre as ori gens dos quadrinhos
foram desenvolvidos por Antonio Martín , diretor da revista pioneira de informação
1. - OS ~UII&>riII'I"OS II(JUL TOS IIr1T;;S (JOS ~UII&>riII'I"OS IItJUL TOS

e estudos sobre quadrinhos Bang' (iniciada em 1968 como fanzine ), Nesse país, a investigação. Além de escrever os dois volumes da Hi5tory of the Comic Strip que
imprensa - e muito mais a satírica - sofreu o mesmo atraso endêmico que outros já me nci o namos, Kunzle se respo nsabilizou em 2007 pela mo numental e dição
meios culturais (em 1860 a taxa de analfabetismo é de 80% ), o que explica por completa e crít ica das tiras côm icas de T op ffer, assi m como por outro volume
que a primeira verdadeira tirinha locali zada por Martín corresponde a uma data de estudos sobre o autor genebre nse que o acompanhava .
tão tard ia como 18 73 31 [ 8]. Mais recentemente, Barrero 31 identificou como tira
pione ira uma página publicada na revista cubana Don Junipero em 1864 pelo Tõpffer nasceu e m Genebra e m 1799 , fi lho de um pintor af icio nado por
militar bilbaíno Víctor Patricia de Landaluze, Embora a espanholidade do autor quadros de gênero e paisagens que, co m seu entusiasmo pelas artes, trouxe
seja indiscutível , a obra por sua vez se insere em um ambiente social e político gravuras de H ogarth da Ing la terra , T õpffer, limitado por sua mi o pia e m suas
específico da colôn ia , o que faz com que a sua integração no discurso histórico am bições pictóricas, enco ntrou em H ogarth - segundo ele mesmo co nfessou
dos quadrin hos espan h óis apresente algumas difi culdades. Em todo caso , não _ a inspiração para desen vo lver sua própria forma narrati va media nte algum as
é fundamenta l escolher um vencedor nesta corrida para ser "a primeira história imagens mais simpl es e es po ntâneas do que ex igia a tela . Depois de trabalhar
em quadrinhos espanhola", Novas investigações poderiam propor novas algun s anos como professor, Tôpffer montou seu próprio internato em 1824 , e
ca ndidaturas, e afinal de contas as diferenças que se estabelecem entre estas nele acolheu jovens estudantes de toda a Euro pa, os quais levava a freque ntes
primeiras tiras e os protoquadrinhos que convivem com elas só se referem a excursões pel os Alpes , narradas pelo próprio autor em Voyage$ en Zigzag, um
matizes de linguagem , ou seja , ao grau em que se produz uma relação narrativa livro que fez sucesso em sua época . Ao longo de toda a sua vi da , T õpffer
e ntre os quadros e a relação coordenada dos desenhos com respeito ao texto. manteve aspirações literárias e acadêmicas e chegou a ser uma persona lidade
Além disso, o fundamental é que, com a Restauração - sobretudo a partir do intelectual de certo ren ome em Cenebra gra ças aos seus romances , seus po emas
momento em que se apazigua o clima revo lucionário, o que dará lugar a uma e sua posição como docente. Entretanto, hoje recordamo-no s dcl e co mo figura
liberalização da legislação e um relaxamento da censura -, na Espanha já se capital preci samente por aqui lo que ele fe z como di vertim ento privado , sem
pode falar de uma imprensa humorística e gráfica, e já aparecem os primeiros maiores aspirações que não fosse m as de se entreter e entre ter seus alun os! e
mestres dos quadrinhos locais, co mo o madrilen se Mecáchis (Eduardo Sáenz porg.ve sempre te ve res ervas em tornar o materi al públi co , temendo
H ermúa , 1859- 1898 ) ou o barce\onês Apeles Mestres ( 1854 - 1936). que ':i's--s-o- pré-judicasse sua carreira profis sional e literária . Na verdade, suas tiras
cômicas nasceram com o objetivo de di vertir seus alunos , diante dos quais criou
Significativamente, a History of the Comic Strip de Kunzl e não incluía em as primeiras como um espetácu lo ao vivo , irre fl exivo . Les Amours de Mr. Vieux
suas páginas as ori gens das tiras norte -america nas na imprensa dominical nova - Bois [Os amores do Sr, Jacarandá ] fo i a primeira tira, em 1827, mas permaneceria
-iorquina de finais do século XIX, como se isso já pe rtencesse a uma segunda inédita até dez anos mais tarde , Em .1832 recebeu a aprovação de um G oethe
etapa ou tradição da história em quadrinhos. Como veremos, isso será decisivo no ancião, divertido em suas horas finais e mais dolorosas pelo rascunho de Le
desenvolvimento do meio durante o século XX e até nossos dias. Docteur Fes tus , que Soret lhe mostrou em 27 de deze mbro , e cujo elogio apareceu
publicado em Kunsl und Alterthum , quando o esc ritor já ha via morrid o e a obra
etn questão ainda permanecia inéd ita . Com o passar dos anos, as palavra s de
Os q,uadrinhos como invenção europeia: Coethe foram adquirindo um valor quase de profecia sagrad a para as sucessivas
Rodolphe Tõpffer, autor gerações daqueles que acre ditava m no poder expressivo dos quadrinhos.

Foi Gombrich que m atraiu a ate nção sobre Tõpffer em seu ensa io "O São muito absurdas [as aventuras do doutor Festus], mas seu ta lento e
experimento da cari catura" de Art and I\lusion [Arte e Ilusão" ] ( 1959 ), e seu sua criativ id ade refulgem; em grande parte é completamente perfe ito;
discípulo Kunzle que, como vimos , desenvo lveu mai s minuciosam ente essa demon stra o qua nto o artista poderia conseguir caso se ocupasse de temas
A NOVIÕlA 6~Á~ICA
2 - 05 /lUloVI(ItYU05 lII7U.. T05 1I1'I1k5 V05 C?UIIIJI?II'IU05 AIJUL T05

menos frívolos e trabalhasse com menor precipitação e mais renexão . Se


Tõpffcr não tivesse diante de si um texto tão insignificante, inventaria Em 1845, publicou a Histoire de Monsieur Cryptogame em onze capítu los em
. ..
coisas que superariam todas as nossas expectativas . L'ILlustration , um semanário ilustrado parisiense de seu primo , Jacques -Julien
Dubochet, convertendo _se na primeira tira seriali zada em revista e posterior_

Tópffer, na verda d e, jamais se a t reveu a superar esses " textos


. mente recopilada como álbum , um processo que seria o habitual nos quadri -
insignificantes", mantendo · se no reino do "absurdo" durante toda a sua carre ira nhos franco -belgas durante quase todo o século XX , Com Tintim e Asterix na
como cartunista , e há quem possa argumentar que todos os desenhistas que liderança . Como a vista de Tópffer já não lhe permitia traba lhar em gravuras
lhe sucederam se viram diante da mes ma limitação até temp os muito rece~tes . na madeira com suficiente ve loci dade, os desenhos foram feitos por Cham
,
Os temas de T ópffer eram leves e frívolos , viagens satíricas nas quaIs o que havia dem o nstrado ser o melhor imitador de Tópffer até o momento.
rotagonista salta de peripécia rocambol esca em peripécia rocambol esca Nesse mesmo ano, T ó pffer publiCOU seu Essa i de Physiognomonie [Ensaio de
p ' f , .
impulSionado por casua lidades exageradas. De ritm o vivo e ate renetlco , fisionomia ], compêndio do seu pensamento artístico c de suas opi ni ões sobre

h oje em dia conservam uma frescura surpreendente. Inscreve m-se numa a caricatura , e primeiro tex to teórico sobre quadrinhos da história . Morreu em
1846, provavelmente vítima de leucem ia .
tradição satírica europeia mais ampla; por momentos re cordam as aventuras
do Barão de Münchausen , enquanto Pierre Assouline " observa que O burguês
fidalgo de Moliere empresta seu argumento para a Histoire de Mr. l abot. Tópffer As dificuldades que T ópffer enfrentou 110 mo mento da aprovação de suas
utiliza um curioso formato o blon go que faz com que , sem obrigação alguma , obras gráficas não foram de todo injustifi cadas . Apesar da primeira opinião
o primeiro quadrinho nasça co mo "tira" [9], um for mato de publicação que benevolente de Coethe, as críticas sobre suas tiras foram constantes até o
no futuro fi caria reservad o aos periódicos, nos quais se imporia por motIvos final de seus dias. Em 1846, nas vésperas da morte do autor, a Revue de Genéve
práticos para aproveitar o espaço . T ó pffer não faz uso de pequenos diál ogos condenava seus quadrinhos "como uma co rrupção do gosto, pois eram pueris,

- embora em seus esboços se observe que ele brincou com a ideia - , mas não exigiam nenhum trabalho, fatigavam co m a cons tan te repe ti ção das m esmas

coloca textos sob o quadrinho , escritos de próprio punho. Os quadrinistas figuras , e constituíam , em resumo , uma pros tituiç ão de um talento literári o

que o seguem recorrerão à tipografia , abando nando esse caminho , do mesmo indiscutível".J6. É normal que o professor se sentisse mai s tranquilizado pelas

modo que ninguém - exceto aqueles que imitam de liberadamente Tópffer " • /I
produção literária recebia do que pelas virulentas reações que
suas garatujas provocavam .
em seu momento de mai or sucesso na França - continuará o seu es til o de
desenho esboçado e espontâneo. Por sua extensão e seu sentido de obras
completas, as tiras de T o pffer se parecem mais com as novelas gráficas atuai s Apesar de suas difi culdades iniciais, Tópffer bu scou um pú bli co adulto
do que com os quadrinhos que prosperariam durante o século XX , e pisódi cos para suas histó rias ilustradas, ou no mínim o um públi co ge ral , de todas as
e protagonizados por heró is recorrentes . idades / e parece que em parte pelo ·menos o co nseguiu , embo ra sem dúvida a
ausência de temas esca ndalosos e a in ocê ncia inata da s peripécia s que narram
tenham feito com que parecesse m um a leitura familiar excelente . A edição dos
~Álbumes
Em anos sucessivos, apesar do beneplácito de Coethe , T ópffer conti-
nuou perseguindo o sucesso no reino da prosa e do verso. Em 1833 , autopubli- Tópffer" [Álbun s de T ó pffer] da Carnier em 1860 era vendida como
cou pelo método litográfi co a mencionada Histoire de Mr. l abot, que distribuiu "adequada para todas as sa letas, não escandalizará nin guém di ve rtirá todas as
entre seus amigos , e s6 em 1835 co locou essa obra à venda nas livrarias . N os idades e Constituirá um presente aceitável para damas jQve'ns, adolescentes e
l

anos seguintes imprimiu outros títulos : Mr. Crépin e a antiga Les AmOUTS de até mesmo crianças"" . Wilhelm Busch , o mestre alemão, também buscava um
MT. Vieux Bois, em 1837. Esta última, que foi plagiada em Paris , teve uma se- público adulto, ma s é preciso levar em Co nta que é no século XIX que surge o
gun da edição em 1839. Em 1840, Monsieur Penci!; em 1844, L'Histoire d'Albert . conceito da lite ratura infantil, representada de forma e loq uente pela expres-
são" . d d ·d d "
para cnanças e to as as I a es, que Kunzl e adverte que "indica um novo
z - OS I$JAf/f?II'I>lOS AVUL TOS AI'lTES VOS (tUAf/f?II'I>lOS AVUL TOS
- lasses sociais que se entrecruzam : as crianças maiores
público de geraçoe s e c . e existe dentro do adulto .
(de dez a dezesseis anos ) e educadas, e a ~n.ançaalqsUbaixas que lu tavam , como
..... ".F ........ C.~
. ,
')..~ ".~ ... ~ ,...'"' o, __ ....
t as classes SOCiaiS m ,
A estes de vemos acrescen ar 'd d "," Na Espan ha Antonio Martín indica
( g'f a matun a e . ,
as crianças, para a In I . ' d' h " s para a infância nào publi -
11· 'f' . "'nte os peno ICOS espan OI
que, SlgOI Icatlvame , d sse meio assegura o seu lugar
- . d d ' nhos nem sequer quan o e ..
carao tiras
. e qua holas
fi . d
a ,partir e 1880"" . É muito difícil relacionar Topffer
nas revistas espan . f . ., e como pioneiro que é, tanto
qu adrinhos para adultos ou 111 antls, Ja qu , . I' _ d
com 'hl' o estão por ser d esco b e rtos , e a comerc ia Izaçao e
sua arte como seu pu IC . _ o meio seguiria
f' aspecto decisivo na on entaçao que
sua obra tampouco OI o e em meados do século XIX,
trabalho de seus sucessores. Mas parece claro qu , ' .
com ° dno
os qua . hos _ assim como a caricatura _ não são considerados um meIO espe-
cial me nte infantil.

(10] Histoire de Nr. Vieux Bois (manuscrito originaL 1827), Rodolphe Tõpffer.

Reproduzido em Smolderen (2006).

o fato ma is decisivo em torno da obra de Tõpffer, o que a distingue clara-


mente do que a precede, encontra -se na sua descoberta da capacidade narrativa
o
Thierry Smo lderen' explica como Tõpffer era consciente da
diferença
as variações temáticas e as sequências narrativas . O que pratica-

.. . . ."
vam os caricaturistas anteriores, COmo George Cruikshank, eram contraposições
de diferentes aspectos de um tema . Como O próprio Tõpffer explicava em uma
carta ao crítico francês Sainte-Beuve: "Fazem suites, ou seja, aspectos diferentes da
mesma ideia; e as colocam uma diante da o utra, mas elas não estão en laçadas por
[9J Histoire d'Albert (1844), Rodolphe Topffer.
um pensamento"· l. Smolderen obseTVa o manuscrito da primeira página da Histoire
de Mr. Vieux Bois [ 10]. Na parte superior da fo lha aparecem dois quadros que
mostram uma dessas contraposições temáticas, enqua nto na parte inferior, e apa-
~ntemente sem nenhuma relação COm esses dois quadros, outros três compõem
à
O que o estudioso chama de um "sintagma narrati vo " comp leto e que dão início
Histoire de Mr. Vieux Bois. É uma mera casualidade, produto de reaproveitamento
z - OS ""~NUOS APU/. TOS ANTõS C>OS ~UAI7t/IN"OS AtJUL TOS

de um papel para diversos fins , ou é uma demo nstração :- talvez realizada dire · norte-americana do fi nal do século do que aos álbuns desse professor suíço,
tamente , perante seus alunos - da dife re nça que h á entre os dois processos? Para cuja influência nos Estados Unidos fo i muito menor que a de Busch . Mas o seu
Smo ldere n, esse descobrimento de Tóplfer é fundame ntal , po is conduz a algo descobrimento da capacidade narrativa e expressiva inata da garatuja o situa, ao
mais. O gabarito improvisado como exempl o acaba se desenvolvendo como uma olhá-lo da perspectiva dos nossos dias, numa posição privileg iada como arauto da
histó ria completa. Ou seja, modernidade. Gombrich o resume assim , "O mé todo de Tõpffer, o 'garatujar e ver
o que .acontece', foi implantado efetivamente como um dos meios reconhecidos
o surpree nde nte descobrimento que Tôpffer fez nessa ocasião foi para ampliar a linguagem da arte"".
realmente que ta l ideia narrativa podia se au to impulsionar pela din âmica
autônoma do mun do visual , o fato de que uma vez que alguém iniciava Além disso, se a garatuja libera T õ pffer para co nstruir um discurso baseado
uma e nun c iação gráfica de sse tipo , condu zia de fo rlll il natural a outra no desenho, e não no texto , T ó pffe r é, por sua vez , capaz de c hegar à garatuja
e nun ciação , e depoiS a outra, até o extremo de gerar toda um a aventu ra precisamente porque, em primeiro lugar, ele é de antem ão li vre . Ou sej a, livre
pica resca a partir do nada. Isto acontece assi m essencialme nte porque de toda exigência que não seja a sua pró pria inspiração. O primeiro autor de
as image ns narra ti vas - ao con trário da s alego ri as , dos hi eróglifos, da s quadrinhos da histó ria é um autor vocacional , não profiSSi o nal. Como já vimos,
séries temáticas, da ilus tração etc. - estão reple tas de dese nvol vimentos ele cria suas tiras para uso privado e só de forma tardia e reticente lhes dá uma
espaciais e temporais. Seus componentes não são símbolos, mas atores saída pública. Depois de T ópffer, todos os quadrinistas atenderão a diretri zes
que transbordam de intenções espo ntâneas e acessórios que pedem um editoriais, considerações come rciais e limitações técnicas na ho ra de empreender
uso oportu nista ou ca lamidades i nve nti vas~l. seus projetos. A escravidão da profissdo só começará a se agitar com a rebel dia
do umovimento" atual da novela gráfica, em que o primeiro c rité ri o na hora de
Estamos falando simplesmente de um tipo de narrativa em Image ns que determinar o conteúdo e a forma de uma HQ é a vo ntade do seu autor. É esta
não existia até o momento . Um tipo de narrativa em que, pela primeira vez , " 05 qualidade singular de T õpffer que o to rnou tão atrativo nos últimos anos, e por isso
desenhos impulsionam a narração"43. Um tipo de narrati va e m imagens que era uma parte das raízes dos quadrinhos contemporâneos sem dúvida lhe pertence.
inco ncebível sob as regras estritas das artes acadêmicas . COl11parando· o com seu
mestre declarado , Lanier observa,
Os q,uadrinho5 como invenção americana: Yellow Kid, o produto
[ ... ] em H ogarth , o resultado está determinado desde o princípio. Em
Tõpffer, você ol ha urna cena e a seguinte e pensa : se ele estivesse com A influência de Rodolphe T õpffer estendeu-se pela Europa em meados do
um hum or li geirame nte di ferente ". se UI11 ramo tivesse roçado a janela e o s~ulo , com grande sucesso na França; o nde foi publicado , reeditado e copiado. Em
houvesse distraído por alguns segundos, sua pena suspe nsa sobre a pági na ... 1841 , foi publicada na Ing laterra uma tradução de Les amours de Mr. Vieux Bois , com
lhe poderia ter ocorrido algo compl etame nte diferente, e a história teria O título The AdventuTes ofObadiah Oldbuá. Esta edição c hegou aos Estados Unidos,

tomado outra direção 44 . ,mas não teve muita repercussão. A figura decisiva para o dese nvolvi mento dos qua-
drinhos americanos será a do alemão Wilhelm Busch ( 183 2- 1908 ).
É provável que considerar T õpffer o "inve nto r" dos quadrinhos seja um
exagero , ou pelo menos irrelevante . Dado o dese nvolvimento da ilustração e Pintor, poeta e caricatu rista , Busch colaborava com o semanário humorís-
da caricatura no século XIX, parece inevitável que as histórias em quadrinhos Fliegende Blatter - o mesmo o nde havia aparecido o famoso desenho do pato-
cedo ou tarde acabassem surgindo, e afinal os quadrinhos não são apenas uma que serviria como introdução para a Arte e Ilusão de Combrich - a partir
linguagem , mas toda uma tradição que deve mais ao que aco ntece na imprensa
do década de 1850. Em 1865 ele publicou uma histó ria em quadrinhos
z - os ($JA/7Ji:ttVllOS AVUL TOS III'1TkS f70S ~UA/7JiII'I"OS IIClULTOS

intitulada Max und Moritz [ I I J. protagoni zada por dois garo tos travessos . Embora Os quadrinhos americanos da segunda metade do século XIX têm como
Busch se utilizasse de uma narração ágil própria dos quadrinhos modern os e de um principal suporte o mesmo que os quadrinhos europeus: as revistas satíricas, a maioria
estilo caricatural muito simples, acompa"nhava cada quadrinho de um par de ver- delas estruturada imitando as europeias, das quaiS a britânica Punch ("O Chariwri de
sos que acrescentavam um ritm o musical ao relato. Max e Moritz cometi am uma Puck, fundada em
Londres") era a principal. Entre as norte-americanas , a primeira foi
trapalhada atrás da outra, até encontrarem o seu final nas mãos de um ca mponês Saint Louisem 187 1 pelo vie nenseJoseph Keppler, com edições em inglês e em alemão.
que os colocava dentro de um saco e os entregava a um moleiro. Esmagados, os Em 1876 transferiu a edição alemã para Nova York, e em 1877, por fim , também levou
pequenos acabavam convertidos em grãos, que eram fina lmente engolidos pelos a esta c idade a edição inglesa da revista, que utilizava as mesmas ilustrações que a
patos do mo le iro. Esse relato alemã ... . Logo surgiram outras publicações concorrentes, como Judge ( 1881 ), realizada
sem lição de moral - os me - por desen histas saídos da Puck, ou a primeira revista com o nome L fe ( 1883). Estas
I .r . ._ \
.-
ninos não aprendem nada , são revistas humorísticas incluíam textos, ilustrações , caricaturas, chi stes gráficos e tam bém
apenas brutalmente castigados algumas das primeiras experiências dos autênticos quadrinhos norte-a mericanos,
no fina l - , rep le to de hum or que foram revisadas com grande ennlsiasmo nos últimos anos, redescobrindo um
negro e de violência , situava- tesouro desconhecido de pioneiros dos quadrinhos norte-americanos. A ênfase
-se na extremidade oposta das na importância de O utcault e dos demais desenhistas da imprensa dominical dos
aloucaclas mas inoce ntes odis- anos 1890 havia feito com que se negligenciassem as contribuições de nomes como A.
seias pe dagógicas de Topffer. B. Frost ou F. M . H owarth, que fizeram sua carreira nessas revistas a partir da década
Seu sucesso inter nacional foi de 1880. Na exte nsa Encyclopedia of American Comics de Ron Goulart de 1990, por
imenso, c se difundiu por toda exelllplo, esses do is desenhistas sequer desfrutam de crédi tos . Agora, no en tanto , são
a Europa - se ndo inclusive o considerados figuras fundamentais para se e ntender o desenvolvimento da arte das
primeiro li vro infanti l estran- histórias em quadrinhos nos Estados Un idos.
geiro publicado no Ja pão, em
t 887 -, co nve rtend o-se em A. B. Frost ( I 851 - 1928 ), nascido na Filadélfia , fo i pintor e ilustrador (colaborou
mo delo para muitas tradições em dois li vros com Lewis Carro ll ), e até pouco tempo seu trabalho como desenhista
locais dos quadrinhos . Nos de quadrinhos havia passado despercebido . Em 1876 ingressou no departamento
Estados Unidos també m seria artístico da Harper & Brothers (hoje continuam publicando a revista Harper's Bazaar)
uma referê nc ia fundamental. para colaborar com as diversas publicações da empresa. Em dezembro de 1879
publicou (sem assinar) o que já se conSIdera claramente uma H Q no Harper's New
MonthL:y e, a partir desse mo mento, co ntinuou prati ca ndo e aprimorando sua arte
[11] Max und Maritz (1865), Wilhelm em outras publicações durante a década seguinte. Thierry Smolderen" observa um
Busch . ponto de continuidade entre Frost e T opffer, ambos estão viciados na "grafomania",
um "priapi smo da pena" necessári o para que o desenho flua por seu própri o impulso

- para a narrativa g ráfica das histórias em quadrinhos. Entretanto, há uma diferença


,
ImPOrtante com respeito a T ô pffer que sinla Frost no umbral de uma nova época a
de '
em que o conceito da imagem , e da imagem repetida em série,
Sehnupdiwup! da wird naeh oben
mudar no que di z respeito ao conceito de imagem imperante na
Sehon ein Huhn heraufgehoben.
primeira metade do século . Recordemos que quando Topffer desenhou sua primeira
z - 05 ('lUlW1itfWlO5 IWUL T05 Af'lTH 005 ('lUAor{If'lU05 AOUI. T05
tira cômica, em 1827, ainda faltavam doze anos para o surgimento do daguerreótipo.
Frost, no entanto, estudou na Academia de Belas Artes da Filadélfia com Thomas
Eakins, o pintor norte-americano que havia se fonnado no realismo com Gérôme,
em Paris. Os estudos de Frost ( 1878-1883) na Academia da Filadélfia co incidiram
com o momento em que Eakins investigava com maior atenção as relações entre
a fotografia e a pintura. O pintor comprou sua primeira câmera em 1880, e era
fascinado pelo trabalho do fotógrafo inglês Eadweard Muybridge, estabelecido na
Califórnia. Eakins transferiu para seus quadros a obsessão por captar o movimento
que refletiam as fotografias com câmera múltipla de Muybridge, a ponto de
utilizar uma lanterna mágica para projetar as imagens sobre a tela em que pintava .
Entusiasmado, escreveu a Muybridge sugerindo-lhe que aplicasse suas técnicas
fotográficas ao movimento humano, ao mesmo tempo que pintava uma canuagem
em ação, seguindo os caminhos abertos pelo fotógrafo e seus estudos de cavalos.
Em 1883, Muybridge fez uma apresentação do seu trabalho para os estudantes da
Academia de Belas Artes da Filadélfia utilizando projeções de seu zoopraxiscópio,
que produzia um efeito de animação.

É precisamente nesses momentos que Frost realiza essa primeira história em


quadrinhos (pelo menos ainda não se encontrou nenhuma mais antiga) de 1879 [ 12]. [12J Quadrinhos na Harper's New Month/y (1879), A. B. Frost.
que se assemelha em grande medida aos estudos do movimento passo a passo das Reproduzido, em Smolderen (2009) .
fotografias de Muybridge (e, além disso, parece se antecipar ao interesse pela obser-
vação da mudança na expressão humana que será revelada no famoso filme Fred Ott',
,neeze [O espirro de Fred Ott] do cinetoscópio de Edison em 1894) [ 13]. Smolderen Por outro lado, a qualidade das impressões utilizadas nas revistas humorís-
assinala que Frost introduz a repetição no plano e no cenário de uma maneira que
não era a mais adequada para reproduzir as complexas gravu ras em metal ,
só havia estado presente antes na obra de Tõpffer. O motivo pelo qual a repetição por isso eram utilizadas em seu lugar gravuras em madeira, mais toscas , porém
de planos e fundos foi evitada nas narrativas com imagens era muito simples: nas legíveis e baratas, cuja rentabilidade está na quantidade de leitura que pro-
gravuras tradicionais, o uso de placas de metal exigia a produção de imagens com ao se multiplicarem como parte da experiência global da leitura da
uma alta densidade de in formações gráficas que justificasse seu alto preço. Não se Foi assim que artistas como Frost - que era excepcionalmente dotado pela
comprava uma estampa com seis imagens para que as seis imagens só oferecessem
para trabalhar explorando todos os matizes sutis do branco e preto, já
variações passo a passo do movimento dos personagens principais, a rentabilidade ele era daltônico - recuperaram a via da garatuja de Tõpffer (que também
estava em se poder desfrutar de seis cenas diferentes - embora relaCio nadas - que 5ellUida ao seu próprio estilo po r Busch), levando-o à sua explosão como
pudessem ser contempladas com deleite estético, e nao tanto em lê-Ias rapidamente, triunfante. Como diz Smolderen , "A batalha entre o estilo de 'esboço livre'
como é inevitável se fazer com os quadrinhos de Tõpffer e Frost. Enquanto as séries SOfisticado 'estilo da placa de cobre' será fundamental para o surgimento dos
de Hogarth apresentam uma seleção de cenas que podem ser interpretadas como uma modernos".
conti nuidade narrativa , os quadrinhos de Tõpffer
. e Frost apresentam uma seleção
de momentos que inevitavelmente se leem como contínuos.
A IIOVIiLA 6RÁ~ICA t - 05 <RU/WIlINU05 APUL T05 IWTH (705 ($JllfJRIf'I"05 IlI>UL T05

de padrões gráficos - refo rçada com o uso da cor de que dispunham - ajudará a
distinguir a tira do marasmo de texto e imagem que é a imensa página do periódico,
e além disso produzirá efeitos estéticos especiais .

I-Ji
I I

[14] "Our Cat Eats Ral Poison", na Harpers New Manth/y (1881), A. B. Frost.
[13] Fred Ott's sneeze (1894) , gravação cinetoscópica de Edison.
Reproduzida em Smolderen (2009 ).

Entretanto , Frost não parece apreciar especialmente o efeito dessa


reiteração no desenho da página , poi s; quando recopila suas tiras em forma de
Mas Frost vai um passo além de Tõpffcr po rque em seu horizo nte se abre o livro (publicou três volumes com elas, Stuff and Nonsense, 1884, The Buli Calf
mundo da imagem em movimento, para o qual também se dirigem pintores como
and Ot';lr Tales , 1882 , e Carla , 1913 ), prefere separar os quadros , publicando
Eakins, fotógrafos como Muybridge c , muito rapidamente , inventores como
ume,91 cada página . Isso parece a clara demonstração de que , a Frost, o desenho
Edison . Isso faz com que a sua preocupação em refletir a passagem do tempo -da página - algo próprio dos quadrinhos modernos - não interessa tanto
através da imagem o leve a indagar de forma muito especial , como já dissemos,
quanto o desenvolvimento do movimento quadro a quadro , plano a plano .
na repe tição de planos e fundos , como em uma de suas mais famosas tiras , l'O ur
Ou seja, a arte que Fros t pratica é hoje reco nh ecida como quadrinhos , mas na
Cal Eats Rat Poi,on", publicada na Harper's New Monthly em julho de 1881 [ 14]. sua época ainda não tinha esse nome , tampouco regras definidas , situando-se
Smolde ren observa que esse tipo de desenho reiterativo será muito importante
na encruzilhada da imagem múltipla e scquencial da qual sairão também o
no futuro para os desenhistas dos suplementos da imprensa , já que a redundância cinema e a anima ção .
z - OS I'iUlltJriI/'IUOS IlPUL TOS II/'IW (?()S I'iUlltJriI/'IUOS IlPUL TOS
F. M . Howarth ( 1864-1908), outro nativo da Filadélfia , também é um dos
pioneiros dos quadrinhos americanos recuperados recentemente que trabalhou
nas revistas humorísticas . Igualmente influenciado por Busch - na Filadélfia ha-
via uma extensa população que falava alemão - , Howarth desenvolveu sua car-
reira a partir dos anos 1880 nas revistas Life, }udge e Truth. Seus quadrinhos [ 15],
normalmente mudos, têm um estilo caricaturesco muito característico e situam
as tiras cômicas americanas diretamente no ambiente de onde extrairá seus prin-
cipais temas e tipos durante os anos 1890, o novo e pujante ambiente urbano,
com suas novas relações entre vizinhos e seus novos habitantes marginais, como
os mendigos . Jared Gardner observa que ,

Há uma estreita correlação entre o auge das histórias em quadrinhos


sequenciais nos Estados Unidos e a Europa , e o auge da cidade moderna,
especialmente seu traço arquitetônico mais distintivo: o edifício de
apartamentos . Embora os andares fizessem parte da vida da classe operária
desde a década de t 840 , a urbanização dos anos t 880 trouxe consigo para
a classe média a extensão da vida nos apartamentos . No final da década
de t 890, mais da metade da população das cidades vivia em edifícios
de apartamentos"a.

nela.," L kl " .... , . W...TOa,


•• • E E

[16J Hogon's Alley (1896 ), Richard F. Outcaul!.


Reproduzido em Smolderen (2009).

[15] "lhe Fifth Floor Lodger and His Elevator. A Lesson in Subtraction"', F. M. Howarth.
Reproduzido em Gardner (2008).
-------.-
~. T05 Af'lTk5 (705 ('IUIWflZf'I"05 Ar>ULT05
t - 05 ""-
" ''tc;lV!il:A 6R;AJ:tCA

Essa relação que Howarth estabelece entre a narrativa sequencial- ou seja,


o requadro - e a arquitetura - o andar do edifício - servirá de metáfora central
mais de um século depois para Building Stories, a última novela gráfica de Chris
Ware - ainda em desenvolvimento quando foi escrito este livro - , que joga com o
duplo sentido da palavra "story", história e andar de edifício residencial.

As rev istas cômicas seriam "os comics" até o final do século, quando
se desencadeia a guerra pelo mercado da imprensa diária em Nova York en-
tre dois gigantes do jornalismo, )oseph Pulitzer e William Randolph Hearst.
Em 1883 , Pulitzer, que enriqueceu com o Post-Dispatch de Saint Louis , adquire
o New York World, ao qual começa a implementar de imediato uma série de
mudanças que O converterão rapidamente em um dos meios impressos mais
lidos da história . Diante da mais sóbria imprensa nova-iorquina, o novo World
se mostra como uma força envolvente e exuberante. Um jornalista da época
assim se expressou referindo-se a PulitzeL "Ele chegou aqui como um tornado
vindo do Oeste, deixou tudo de pernas para o ar e pôs em fuga o conservado -
rismo que estava em moda na época , como um ciclone que devasta tudo em
sua passageml/ 49.

Em 1889, Pulitzer introduziu uma seção cômica - ainda em branco e


preto - na edição dominical do World, mas a verdadeira revolução chegou em
1894, quando o World começou a utilizar uma prensa colorida . No ano seguinte,
no mesmo suplemento cômico dominical , começa a ser publicado Hogan's Alley
[16] , uma série de ilustrações protagonizadas pelos pitorescos habitantes de um
bairro popular de Nova York desenhada por Richard Felton Outcault. Pratica-
mente ao mesmo tempo , William Randolph Hearst adquire o diário New York
Joumal. Começa a guerra entre os dois gigantes da imprensa popular americana,
que dará origem ao sensacionalismo e ao problema da influência dos meios de
comunicação no desenvolvimento dos acontecimentos que noticiam . A capa
da seção cômica semanal do World de 24 de julho de 1898 é um exemplo da [17) "All ls Lost Save Honor" , capa do Sunday Comi, Weekly do World (1898),
utilização que Pulitzer e Hearst fizeram da guerra contra a Espanha, estimulada George Benjamin Luks.
ferozmente para vender jornais [17].

67
- A NOVg:)\ 611A~ICA z- OS ctUlWIiIf'/UOS IWUL TOS Af'/n;S r>aS ctUAPrl1f'/"OS AOUL TOS

Os comics desempenharam um pape l hmdame ntal na conc orrência e ntre decis ivos para dar sua form a definitiva ao que será o m eio a partir desse m om en -
os do is jo rnais. Hogan's Alley não demorou a alcançar grande popularidade , e to, não apenas nos Estados Unidos, mas também na Euro pa e no Japão, o nde
e spec ialme nte um de seus personagens mai s c arac terísticos, o peralta Mi ckey sua influência é importantíss ima. Para e ntender em que sentido os suplem e n-
Dugan , que logo seria conhecido como The Yellow Kid devido à cor da blusa com tos do min icais em cores represen ta m uma nova experiência para os leito res, é
que sempre aparecia vestido. Em 1896, Hearst decidiu que a melhor maneira de preciso compreender q ue até esse mo m ento não se h avia v isto nad a pareci do :
publicar um supl eme nto do minica l à altura daquele apresentado po r Puli tze r a di fusão da im agem impressa e em cores , em um mundo onde não existia a

era , simpl esmente, contratar todo O seu pessoal , e assim O fez. Entre os que mu- tel evisão nem o ci nem a, e a fo tografia ainda não es tava im p lan tada de modo
daram de lado estava O utcault, que fo i para o New York Joumal com seu Ye\low maciço, mudo u a imagi nação do públ ico. Jo hn Carlin ind ica que os periódi cos
Kid debai xo do braço. A di sputa legal subsequente foi reso lvida nos tri buna is, da época ti ve ram uma presença ma is do minante do que jama is teve nen hum dos
Pulitzer co nservou os dire itos sobre o título da seção , Hogan 's Allcy, e a imagem mei os de co municação atu ais, e q ue "não só eram a úni ca fo n te de no t íc ias, ma s
do personagem, enquanto O utcault tinh a permi ssão para continuar desenhan - também o lugar o nde o estil o de vida da Améri ca moderna era representado e
do o menino amarelo , mas com ou tro títul o. Ass im , durante algum tempo , no compartilh ado po r milhões de pessoas . N esse co ntex to , os e norm es quadrinhos,
New York World, O Yell ow Kid aparecia desenhado no Hogan's Alley por out ro maravilh osam ente impressos em cores , sa ltavam sobre os leitores do jornal de
auto r e, no New York Journal , po r O utcault sob o título de McFadden's Flats . Os uma form a ve rd adeiram ente revolucio nária "so.
caminhões de entrega dos do is jorna is utili zavam o personage m como anúncio
publicitári o - tal era a sua po pularidade - , o q ue levou o públi co a chamá -los Os suplem e ntos côm icos são ta mbém um cenár io para a experimentação ,
de IIj o rnai s am arelos" f , por ex tensão, que essa cor ficasse associa da à impre nsa e não pelas inqu ie ta ções va ng uard is ta s dos d iári os, ma s po rqu e, co m o di ssem os
sensacional ista . antes ao fala r de Frost, es tam os em um mom en to de confusão gráfica , em que
ainda não fo ram fixadas normas nem t radições, e o nde a refl exão sobre o que
A si tuação não se prolo ngou, pois O utcault foi recuperado por Pulitzer no está aco ntece ndo ainda não teve tempo de ser produ zi da. Sirva de exemplo a
início de 1898 e Hearst desistiu de continuar publicando as aventuras do Ycl low primeira págin a da seção The Funny Side do World de 26 de agosto de 1900 [ 18].
ll
Kid. Na verdade, a Hogan's Alley desapareceria pouco depois. O incidente , no em que se apresenta "an absolute nO'llelty in comics O "mutoscó pio", um aparelh o
,

entanto , marcará de forma enleial to da a histó ria pos teri or dos q uadrinhos, tanto (cujo fun cionam ento ilustra um a ca ri catura na part e superior esquerd a) que per-
nos Estados Unidos como na Euro pa. Como produção industrial que é, e co ntro- mite ver "q uadrinh os" em II m ov imento". A pág in a apre senta du as pi adas simples
lada pela imprensa , a propriedade dos perso nage ns e das séries será hab itualme nte narradas em sequênci as de seis req uadros ocupados po r fo tografias .
das edito ra s, conve rtendo os auto res das histó rias em m eros assa lari ados de suas
próprias criações , uma situação d iame tra lmente opos ta à habitua l na arte e na li-
teratura , e que no entanto relacio na os quadrinh os diretam ente com outros meios
de co muni cação de ma ssas, co mo O cinem a, a animação e a televisão . O utca ult,
por sua vez , aprenderá a lição e, ao cri ar seu próximo perso nagem , Buster Brow n,
em 1902 para o New York Herald , se certificará de co nservar o copyright, o que lhe
produzirá imensos benefícios na expl oração co m erci al do personagem, um dos
primeiros m arcos da publicidade modern a.

Os comi cs que aparecem no New York World, no New Yurk l ournal, no H e·


rald e em o utros jornai s de to do o país a partir de 1895 são co mpletam ente
--------~~~~,~-~~~~--~--------------------------------~--------------~------ AAL TOS /lf'1Tr;S I>OS 5 APtLTOS

Na verdade, entre 1896 e 1900 ainda não está muito claro o que são os
comics nem qual vai ser sua função , mas antes de 1910 estarão fixadas muitas
das características temáticas e formais que o distinguirão até hoje . Em primei -
ro lugar, consolida-se o personagem recorrente como protagonista das séries,
frente aos comics autoconclusivos e sem personagem fixo que haviam sido
mais comuns anteriormente S1 . E os dois personagens privilegiados do primeiro

comic americano serão extraídos da ruidosa vida das ruas da grande cidade ,
os vagabundos e as crianças . De certa maneira , os dois tipos estão condensa-
dos no Yellow Kid de Outcau[t , e ambos refletem a herança de humor cruel e
implacável que chega desde Busch e mediante as revistas de humor da década
de 1880.

Happy Hooligan ( 1900) [19], criado por Frederick B. Opper para o Journal e
que durou três décadas, é o exemplo principal dos personagens marginais como
protagonistas dos comics, e talvez o herdeiro no Novo Mundo do Macaire de
Daumier. Mas serão especialmente as crianças protagonistas que proliferarão
e terão um efeito mais duradouro para o desenvolvimento do meio . Depois
de Yellow Kid, como já adiantamos, Outcault obterá um enorme sucesso em
1902 com Buster Brown , um menino perpetrador de terríveis travessuras que
popularizará sua imagem e a de seu cão lIge , e venderá milhões de produtos
as primeiras décadas do século XX". Outro dos pioneiros mais
James Swinnerton , empreendeu em 1904 sua série Little Jimmy ,
por um menino ingênuo que provocava o desastre ao se desviar
caminho por qualquer bobagem durante o cumprimento dos recados de
que era encarregado. Uma das séries fundamentais para o desenvolvimento do
meio , The Katzenjammer Kids [Os sobrinhos do caPitão"], iniciada em 1897 por
Rudolph Dirks no JournaL, e que co·n tinua sendo publicada hoje em dia , é uma
versão dos Max und Moritz de Busch . The Katzenjammer Kids obteve um sucesso
fantástico e foi outro dos peões na guerra entre Hearst e Pulitzer, provocando
[18] The Funny Side ofthe World (1900). . um novo caso de duplicidade . Depois de um enfrentamento entre o primeiro
e Dirks, este foi substituído pelo desenhista Harold Knerr. Em resposta, Dirks
continuou publicando seus personagens no New York WorLd de Pulitzer a partir
de 1914, embora esta versão acabasse sendo conhecida como The Captain and
lhe Kids .
z - OS (J/JAl>fiII'/UOS AOUI. TOS IW1TiS CJOS ~AtJ1?If'I"OS Al7tJL TOS
figura central das tiras de jornal nas duas séries mais importantes da segunda
metade do século X)C I'eanuts [Minduiml de Charles Schulz, e Cal"in and Hobbes
[Cal"in e Haroldo ], de Bill Watterson .

Th. - -
............ '7 'Ih • ...•. t, r
)

[19] Happy Hooligan (1905), Frederick Burr Opper.

Certamente , as grandes séries de quadrinhos "artísticos" da geração


seguinte tiveram protagonistas crianças , Li,de Sammy Sneeze ( 1904), Hungry
Henrietta ( 1905) c Li"", Nemo in Slumberland ( 1905), de Winsor McCay; The
Kin-der-Kids ( 1906) [20 ] e Wee Willie Winkie's World ( 1906), de Lyonel Feininger.
Mas nas mãos de McCay e de Feininger, a crueldade das ruas de Yellow
Kid , dos Katzenjammer Kids ou de Buster Brown se suavizou notavelmente ,
deslocando·se do cenário brutal dos cortiços para os ambientes embelezados
da classe média e para o mundo de fantasia inocente que a burguesia começa
a desenhar para seus filhos . Insistindo nos elementos gráficos e de desenho,
McCaye Feininger (aos quais se juntarão outros , entre os mais destacados está
certamente George Herriman e seu Kra z:y Kat ) afastam os comics de suas raízes
nos bairros pobres . Embora sem dúvida os suplementos de quadrinhos fossem
lidos por toda a família e dirigidos à totalidade de seus membros , a incidência
nas crianças protagonistas irá inclinando o meio de forma decisiva para o público
infantil. Enquanto o mendigo desaparecerá quando o estereótipo em que se
fun damentava deixar de ser socialmente aceitável , as crianças continuarão como [20] The Kin-der-kids (1906) , Lyonel Feininger.
---~_ . .~ ... . __ .--- ,,-,-.....-........ -.,- ------- ------~------- t. - OS ~APriZI'lUOS M7UL TOS 1I1'I1O'S c>OS ~III7t/ZI'l"OS IlAiL TOS

As arestas irão sendo ainda mais polidas a partir da generalização do siste-


ma de sindicalização como meio de distribuição predileto para os quadrinhos . Os
syndicates ("agências") distribuem seus conteúdos aos peri ódicos assinantes de toda
a nação, e assim muitos jornais locais que não têm capaci dade para produ zir seus
próprios quadrinhos podem desfrutar das mesmas tirinhas que os grandes jornais
nova-iorquinos. H earst vendeu seus comics junto com outros conteúdos des de o
princípio, e Pul itzer o fez a partir de 1898 , mas a partir de 1905 estabeleceu sua
própria agência exclusiva para os quadrinhos, e em 1906 eles já eram distribuídos
em todo o país". A sindicalização, como explicava um artigo de 1935, trouxe
co nsigó uma padronização.

A padronização teve um efeito muito marcante sobre a unificação da


cultura americana , pois os interesses dos leitores de Miami , Sea ttle , Los
Angeles e Bos ta" foram igualados em um padrão comum . O representante
de vendas que realiza uma viage m tran scontinental pod e acompanhar os
in fortúnios de Linte Orphan Annie, Bringing Up Father ou Tarzan todos os
dias, esteja em Nova York, lIIinois , Nebraska ou na C alifórnia H .
[2 1] "lhe Yellow Kid and His New Phonog raph",
no New York Journol (1896), Riehard F. Outeault.

Tão importante como a definição de tipos e temas será a definição dos Reproduzido em Smo1deren (2006).

traços formais dos quadrinhos americanos deste momento . No início do sécul o


XX já estão co ncretizadas as características principais que ainda hoje reco nhe·
cemos como próprias das histó rias em quadrinhos . O uso dos quadros seque n- A tira , em cores e compos ta de ci nco desenhos sem os requadros demar·

ciais, ou seja, da narrativa de mom entos consecutivos e, portanto , da ação, se cados, todos com o mesmo plano fi xo, que incluem Yellow Kid e um fonógrafo ,
consolida com The Katzenjammer Kids . Embora já hou vesse aco ntecido antes , foi sem nenhum fundo , revela um surpreendente humo r metalinguístico, quase pós-
esta série que o normalizou . A outra grande cara cterís ti ca di stintiva - junto com -moderno . Yellow Kid conversa com o fo nógrafo; os diálogos do menino apare-
a narrativa sequencial , é o cavalo de batalha de todas as tentativas de defini ção celll escritos em sua blusa; os do fonógrafo , em bal ões que saem do alto -falante .
dos quadrinhos - é o balão de diál ogo . Apesar da insistência no valor visual dos O aparelho exalta as virtudes do suple mento dominical colorido do jornal ("é
quadrinhos , o balão (ou seja, o uso da palavra integrada no requadro ) se identifi- wn arco-íris de cor, um sonho de beleza, uma expl osão de ri sos") e as do próprio

cou tanto com os quadrinhos que durante muitos anos sua aparição foi escolhida ("mais gracioso do que nunca"), ao que a blusa do menino respo nde
como O momento de funda ção das histórias em quadrinhos, concretam ente em obrigado". No último desen ho abre-se a caixa do fon ógrafo e dela
uma tira do Yellow Kid de R. F. O utcault publicada em 25 de outubro de 1896 no surge um . , verdadeira voz da máquina , revelando o truqu e do travesso
New York }oumal [2 1]. menino, tentava nos enganar e que, surpree ndido, interrompe a metade da
frase de seu último anúncio public itáriO, "O fonógrafo é uma gra nde inve nção ...
Não! ... ". A exclamação final do Yell ow Kid aparece também em um balão , enquan-
to Sua blusa se mos tra sem texto no último desenho.

®
z - os S IIAJL TOS III'1rr:S POS <$JlltJrlII'IUOS lII7Ut. TOS

Esta tira de Yellow Kid reúne os dois traços que mencionamos: narrativa se. enquanto a partir de Outcault o balão se integra no espaço do desenho, crian ·
quencial e balão de diálogo. Entretanto, apesar da sua importância para identificar do uma nova realidade, a do ar, e adquirindo uma entidade física própria, a do
a personalidade própria dos quadrinhos, o texto enquadrado em combinação COm som. Não é por acaso que a primeira tira em que Outcault faz uso desse "novo
uma imagem não aparece pela primeira vez nessa tira de Outcault. Sem necessidade balão" seja protagonizada por um fonógrafo , ou seja , que toda a tira gire em
de nos remontarmos às vírgulas pré-colombianas, o imaginário medieval é rico em torno da propagação do som no espaço . O ruído - o ruído das ruas, o som da
cartazes, rótulos e faixas, e, mais recentemente , as piadas, as caricaturas e as ilustra. urbe moderna - havia sido um dos principai s protagonistas das grandes cenas
ções, que são o antecedente direto dos quadrinhos no século XIX, também fazem multitudinárias (23 ) realizadas pelos caricaturistas das revistas cômi cas do final
uso daqueles elementos, como no exemplo que reproduzimos de Cruikshank [22]. da século XIX, assim como pelo próprio Outcault e outros . E o pró prio Oucault
Entretanto, há algo distinto e novo no sentido que o balão de diálogo de Yellow Kid havia trabalhado como desenhista técnico para Edison , no momento em que
terá em comparação com os usos que lhe foram dados anteriormente? este estava desenvolvendo o fonógrafo (em 1890 foi iniciada a fabricaçao em
série do aparelho). Se a leitura do texto junto com a imagem reduz o ritmo de
leitura de uma tira (algo demonstrado por Busch , que acrescentou versos ao
seu Max und Moritz justamente para prolongar sua leitura e assim acrescentar
valor a esta), os desenhistas americanos da imprensa se veem com o problema
de acrescentar o "som" às suas pantomimas sequenciais sem fazer com que a
narrativa visual perca a velOCidade . A solução estava no "novo balão", que se in -
tegrava no espaço como o som no ar, algo provavelmente inconcebível antes do
surgimento do som gravado . Som e imagem se distribuem em massa ao mesmo
tempo , e ambos são entendidos então como pertencentes à mesma cultura nova
da "reprodutibilidade técnica", como diria Benjamin . Dessa forma , o balão será
um elemento crucial para o futuro dos quadrinhos, pois afetará de forma decisi -
va a sua percepção por parte da sociedade e, portanto, o seu desenvolvimento .
Como observa muito bem Smoleren , "Pode-se dizer que até o último quarto do
século XX, os quadrinhos fizeram parte , em geral , da cultura audiovisual , a qual
havia ajudado a definir trinta anos antes do que o fizeram os filmes sonoros . e,
por isso, estiveram muito distanciados das preocupações literárias"s7 .

Se os quadrinhos tivessem seguido o caminho aberto por Tõpffer, um pro-


~sor cujo primeiro admirador é ninguém mais ninguém menos do que Coethe,
[221 Greys and Duns (1810). George Cruikshank (atribuldo). ~pai das letras alemãs, é muito possível que houvesse se desenvolvido como uma
Reproduzido em Smolderen (2006). forma literária , enfatizando ,r.sua qualidade de meio impresso, e que a novela
gráfIca tIvesse surgido antes. Mas o seu desenvolVImento a partlf dos suplementos
dominicais da imprensa ame~icana do final do século XIX o situa na encruzilhada
Thierry Smolderen 56 considera as faixas medievais e demais artefatos da cultura audiovisual. Impre~<lz.~:m, mas nãoy.eÁencente ao mundo da palavra
primitivos indicações que carecem de sentid~ narrativo e que s6 funcionam escrita. Nos mesmos periódicos eóT-qu apa'Teciam Ye!low Kid e Happy Hooligan
em espaços alegóricos que pararam no tempo , sem relação com a realidade , apareciam textos de Dorothy Parker ou Scott Fitzgerald, ocrdadeira UteTaturai mas
z. - os
' LIFE '
produção em massa e a criação de imagens em série que rapidamente substituirão o
que até o século XX havia sido conheCido como "cultura popular",

Durante décadas, o principal obstáculo para se conceber o tipo e obra que


hoje chamamos de novela gráfica será a incapacidade para superar essa definição
original , ainda hoje vigente, dos quadrinhos como antiliteratura,

Rumo ao relato de longa duração

Uma das características que costumam ser mencionadas como necessárias


para se reconhecer uma novela gráfica é a maior ex tensão da história. Embora isso
não seja realmente necessário , como veremos adiante, tendemos a associar a exten-
são de um relato à sua complexidade e, portanto, à sua capacidade para expressar
temas e argumentos mais sofisticados e profundos e, para resumir, mais nobres. En-
[23] ·When We AI! Get W'" , tretanto, os quadrinhos americanos da imprensa dom inical do final do século se
lSe , na reVIsta Li'.
'l'
(1911) , Harry Grant Dart.
expressam em unidades muito breves: uma única página, ou até mesmo uma porção
Reproduzido em Smolderen (2006),
dela. Cada história é autoconclusiva e conduz a uma piada ou a uma sucessão delas,
o fato de uns e outros co 'Ih sendo uma experiência estética que pode ser percebida com um olhar rápido, Pode-
mpartr arem o papei nã .
separava peJo contraste já que o • " d " o os Irmanava, mas antes os ríamos dizer que as páginas dominicais são extensões das piadas de uma s6 imagem ,
I ' peno ICO era co b 'd
e ementos heterogêneos Por s ~ . nce I O como uma síntese de recipientes válidos para uma anedota simples em que a caracterização se baseia no
h . ua propna natureza as á ' d
opun am às páginas de literatura P , P glnas e quadrinhos se estereótipo imediatamente reconhecível e na reiteração.
h . a r sua própr
n os passam a fazer parte do co I la natureza, as páginas de quadri -
. fi ' ng o merado m' d ' •t' d
In otamment, a imprensa de la . I la ICO o que hOje chamamos de No início do século , co ntudo , o comic da imprensa produz a tira diá-
d . zer e entretenimento c
as expenências que trará a ti ' orno um ensaio sobre papei ria , uma fileira horizontal de requadros - em geral três o u quatro - , todos do
d e a nos anos futuros . I
tro ução do SOm no cine I especra mente a partir da in . mesmo tamanho , impressos em branco e preto no jornal de segunda a sábado ,
ma, nos anos 1930 q d
uma mudança crucial nos quadrinh . d . ' uan o, como veremos, se produz Embora a tira de quadrinhos já houvesse aparecido de forma descontínua em
os a Imprensa A h' ó '
pertencem à paisagem da im ' s 1St nas em quadrinhos muitos periódicos , e inclusive como série continuada de um dia para o seguin -
d agem móvel sonora e ' d
o século XIX, e ficarão marcad ' meca Olza a que nasce no final te" , foi Bud Fisher, co m sua série A. Mutt , publicada no San Francisco C hronicle
as, pOrtanto du d
uma subliteratura Ou uma fite t ' fante to o o século XX não como .a partir de 15 de novembro de 1907, que co nsagraria o novo formato . Fisher
ra ura menor m
, as como antiliteratura . procedia das páginas de esportes do periódi co, dirigidas aos adultos, que habi-
. Ou seja, as origens dos quadrinhos mostram tualmente eram ilustradas com caricaturas, cartuns e tiras referentes à atualida-
Inequivocamente a modem 'd d T" duas características que definem de desportiva do momento , corridas de cavalo , boxe etc . No caso de Fischer,
d I a e, com opffer é o Sur ' d
e o espontâneo como fim e . glmento a ideia da garatuia o gênio criativo se une à iniciativa comercial e ao caráter empreendedor, e a
m SI mesmo como '. . 'J
pc/o primitivo" de que falava Gomb ' h ' O SIstema criativo, quase o "gosto ideia de criar uma tira com continuidade nasce do desej o do autor de adquirir
fi e i com utcauJt
e seus contemporâneos, é a maior notoriedade : "Ao selecionar a forma da tira para a imagem , achei que
-----_.._-_._ ------------ t. - OS ~UAOI?II'I"OS AiJUL TOS Al'lfr;S (/OS ~UAOI?II'I"OS AiJUL TOS

co nseguiria uma posi ção de destaque na parte su perior da página de esportes , Diri gida a um público mais adulto do que a pági na do minical, a série familiar
o que c o nsegui , e isso fez be m à minha vai d ade . També m ac he i que se ri a fácil cresce à m edida que a cultura de consumo capitalista vai se estendendo por todos
ler a piada desta man e ira . E fot 5'J . os Estados Unidos, já que muitas vezes os quadrin hos e a publicidade seguem inti-
mamente ligados. Uma pesq uisa do Gallup rea lizada em 1930" lança os seguintes
A . Mutt era protagoni zada por um apostador compulSivo , mas alcançaria seu resu ltados, os quadri nhos são mais populares e ntre as mulheres do que e ntre os ho-
esple ndor máxi mo quando Fisher acrescen tou um seb'lmdo personage m com O qua l mens , embora sejam lidos pela maioria de ambos os sexos; as novas séri es atraem seus
Mutt formari a uma das duplas cômicas mais populares da cultura americana contem - Seb71Jiclores lentamente; as séries de continuidade têm mais seguidores do que as tiras
porânea . Mutt and leff [Mutt e leffl [24] obteve um sucesso fantástico que reverteu autoconclusivas; e o públiCO é tão heterogêneo que se pode di zer que ele abarca toda
completamente para o seu cri ador, que havia tido o bom senso de registrar todos a sociedade, desde os professores até os agricultores, de advogados a caminhoneiros.
os direitos sobre os personagens e a séri e em seu próprio nome . Harvey informa
que em 19 16 as revistas rendiam cerca de 150 mil dólares anuais ao desenhista, e Bringing Up Father [ Pají<ncio e Marocas, 19 13] [25 ] é provavelmente a mais
que cinco anos depois, com o acréscimo dos desenhos animados e do merclw:ndising importante série de fam~ia . C riada po r Georges McMa nus ( 1884- 1954), re lata as
baseados em sua cri ação , além da distribuição cada vez maior da série , a quantidade situações humorísticas derivadas das tentati vas de integração na alta sociedade de
se elevava a 250 mil, co nve rtendo ~ o no "praticante mais ri co da pro fissão"60. As tiras uma fam~ia de novos ricos. O contraste entre a naturalidade do pai , Jiggs, que dese-
diária s trariam um novo tipo de no toriedade aos quadrinhos , já que, embora as pá- ja permanecer fiel aos hábitos de suas origens humildes, e a amhição de sua es posa,
gi nas dominicais se dirig issem a toda a família e tivessem um atrati vo muito especial Maggie, dá lugar a uma crítica social de costumes que fará parte desse reflexo hu-
para as crianças , as tira s se dirigiriam de fo rma especial aos adultos que co mpravam morístico que as tiras de jornal oferecem aos seus le itores . Além disso, Bringing Up
o jornal todos os dias e que tinham essas séries de quadrinhos entre suas seções de Father é uma das séries que terão uma in fluência decisiva na expansão internacional
notícias habituai s. dos quadrinhos americanos, tanto na Europa como 11 0 Japão . No país do sol nas-
cente, passa a ser publicado a partir de 1923 no semanári o Asahi Graph, liderando a
chegada de alguns dos maio res sucessos dos quadrinhos americanos. Muito rapida -
mente, em jane iro de 1924, será iniCiada a publicação de uma cópia autóctone das
aventuras de Jiggs e Maggie, Nonki na Tosan , que apa recerá no periódico Hochi com
um sucesso fe nome nal que a levou a ser objeto de diversas peças de merchandising
e a protagonizar séries radiofônicas e finalmente fil mes". Na Europa, Bringing Up
Father dei xará uma marca indelével nos fundad o res dos quadrinhos franceses , Alain
Saint-Ogan - considerado o primeiro 'desenhista a utilizar habitualmente balões de
[24] "'utt and Jeff, Bud Fisher. diálogo nas H Qs de língua francesa - e , muito es pec ialmente, o belga H e rgé6J . Ape-
sar de Bringing Up Father vi r a ser publicada na França com o nome de La famille /llico,
H ergé o descobriria em ediçôes em es panhol que Leon Deb'Ce lle lhe e nviava do
Mas, mais importante ainda : as tiras diárias trou xera m consigo a con ti- México quando ambos colaborava m com o semanário católico Le Vingtiéme Siecle"'.
nuidade . Embora cada tira ti vesse de ser uma unidade de le itura compl e ta men te Talvez por isso a influência de McManus seja muito depurada : m ais que as hi stórias,
autônoma , também podia servir de ga ncho para atrair a leitura do dia seguinte que o jovem H ergé não podia ler, trata- se do traço e da o rgani zação da imagem , de
e assim e laborar um re lato fragmentado , porém mantido. C om a continuidade uma clareza na sequênda de quadros elaborada co mo sistem a de leitura que H ergé
da tira diária , chega ao seu apogeu um gênero que triunfará durante a segunda trasladará para Tintim, formulando o paradigma hegemô nico dos quadrinhos euro-
década d o século, a série familiar. peus durante as décadas centrais do século XX a linha clara.
dessas séries se converterão em instituições da imprensa americana, como Blondie
[Belinda ]. de Chic Young, que, iniciada em 1930, continua sendo publicada hoje
em dia, depois de seu criador tê-Ia desenhado por 43 anos, até sua morte .

[25] Bringing Up Father (1940), George McManu,.

Junto com Bringing UI> Father, surgem muitas outras séries familiares , cada
qual com seu estilo característico. PaUy and Her Pais ( 1912) [26]. de Cliff Sterret,
começa com uma [lapper, uma jovem moderna como protagonista, mas logo a
distribuição de papéis secundários, entre os quais se destaca um padre tão caris-
mático como o Jiggs de McManus, acaba convertendo-a em uma série de pro-
tagonismo coletivo. A explosão gráfica de Sterret nos anos 1920, sobretudo nas
páginas dominicais, a coloca ao lado da HQ artística por excelência, Kraz:y Kat, e
a converte em motivo de veneração durante décadas para desenhistas de vanguar·
da como Art Spiegelman , que a definiria em seu aspecto visual como lIuma feliz
síntese pop de are decó , futurismo , surrealismo, dadá e caricatura pura"l:i5. Algumas
[26] Po/Jy and Her Pois, Clilf Sterrett.


z - os .ACJtL TOS Af'lTH "OS ~Al7t/If'I"OS A!JtIL TOS

É nas séries familiares que começa a se desenvolver um novo tipo de nar.


rativa que já não se baseia unica mente na piada do dia , mas explora de forma
muito mais consistente a continuidade. The Gumps ( 1917) de Sidney Smith é
uma das primeiras a abrir esse caminho a partir do início dos anos 1920. Gasoline
Altey ( 1918) [27], de Frank King, sofre uma transformação ainda mais profunda .
lniciada como série baseada em um tema atual , que no seu caso era a rece nte
febre pelo automóvel , deu uma virada em 14 de fevereiro de 1921 . Nesse dia ,
Walt, o roliço solteirão protagonista , encontra um bebê abandonado na porta
de sua casa . Walt adota o bebê, a quem batizará como Skeezix , e a partir desse
momento a série passa para o terreno do familiar, ou, mais ainda , do simp les [27] Gasaline AlIey (1922), Frank King.
transcorrer da ex istência . Não é que Gasoline Altey só explore a via da conti-
nuidade , do relato do transcurso do cotidiano, mas poderíamos dizer que fa z
dele seu próprio tema central. Em Gasoline Altey não há grandes aventuras nem Evidentemente, seria um desatino di zer que isso converte Gasoline Alley em
emoções extraordinárias, não há intrigas nem mistérios, e o humor é aquele que uma novela gráfica, mas igualmente seria precipitado subestimar a relação da série
deriva de uma visão astuta , porém digna, da vida cotidiana . Poderíamos dizer de King com o movimento moderno. Como assinala Campbell , a reedição de
que nasce uma nova espécie de relato que não tem princípio nem fim . King Gasoline Alley a cargo de C hri s Ware "foi recopilada e produzida com a sensibili -
parece estar retratando o passar do tempo , e é exatamente isso que distingue Ga- dade da novela gráfica . Tomá -Ia e dizer 'sim, mas são tiras de jornal', e arquivá -Ia
soline Alley. Os personagens envelhecem , como seres humanos de carne e osso . na seção de humor da biblioteca junto com Garfield não é algo produtivo. Walt
Skeezix acaba crescendo , indo para a guerra , se casando, tendo seus próprios and Skeezix deve ser arquivado ao lado das novelas gráficas porque pertence a essa
filhos , enquanto o próprio Walt também se casa e tem filhos biol ógiCOS com sua sensibilidade"71.

esposa . Atualmente Walt é um octogenário viúvo , pois a série continua sendo


publicada . Gasoline Altey, "o tapete sempre inacabado de uma pequena cidade"" Ware também foi encarregado da recente reedição de Krazy Kat n de George
cuja vida gira em torno do escritório, da família , das pequenas empresas e das Herriman a cargo da Fantagraphics, e Seth do Complete Peanuts" de Charles
festas nacionais, tem sido objeto de um interesse novo segundo a perspectiva Schulz na mesma editora . Ar! Spiegelman assinou - junto com o desenhista Chip
dos novelistas gráficos contemporâneos . Em 2007 foi publicada uma gigantesca Kidd - um livro que recuperava o Plastic Man [Homem·Borracha]" de Jack Cole, um
e respeitada seleção de suas melhores páginas dominicais 67 , que sempre se carac - super-herói publicado em revistas em quadrinhos durante os anos 1940. Isso não
terizaram pela criatividade gráfica de King. Dois anos antes havia sido iniciada converte esses quadrinhos em novelas gráficas, mas mostra como os novelistas
a reedição completa da tira diária desde 1921 (quando aparece Skeezix ), pela IP'áficos buscam suas raízes nas tradições da história em quadrinhos e como, em
primeira vez nas oito décadas de sua existência. Sob o título de Walt and Skeezix" arande medida , estão reescrevendo a partir de uma perspectiva atual esse cânone
(devido a problemas de copyright que impedem a utilização do nome Gasoline do qual falamos na introdução.

Alley), esta coleção, assim como o volume das páginas dominicais, é desenhada
por Chris Ware, que tem mostrado a influênc ia de King em muitos de seus qua -
drinhos". Ware explicou a respeito que, ao ler Gasoline Alley, "senti que, por fim , Novelas em imagens
havia encontrado o 'exemplo' do que estivera buscando nos quadrinhos , algo
que tentasse captar a tex tura e os sentimentos da vida à medida que ela passava Ao longo dos anos 1920, as séries continuadas vão se impondo como modc·
lenta, intrincada e desesperadamente"7o. lo triunfante nas tiras de jornal. Impulsionado pelo capitão Patterson, que gerenciou e
z - OS tJUlWtlINfKJS IIN TOS IINn<$ 1705 tJU1I17r?IN"05 IlOUL T05

editou muitas das séries mais importantes da época, e pela chamada "escola do Meio- no grupo Die Brücke ); em segundo lugar, a influência do cinema mudo sobre O público;
-Oeste'~S, integrada por nomes como os já mencionados Sidney Smith, Frank King e em terceiro lugar, o assentamento dos quadrinhos em jornais e revistas como meio
alguns dos que serão os mais destacados autores de história em quadrinhos da década válido para apresentar críticas políticas e sociais mediante imagens narrativas.
de 1930, como Chester Could (Dick T1llC)') e Milton Caniff (Terry and the Pirares), esse
modelo ganhará a fidelidade do públiCO de todas as idades com sua mistura de situações As primeiras novelas sem palavras são o bra de Frans Masereel ( 1889-1972 ),
folhetinescas e argumentos extraídos das manchetes dos jornais. É precisamente um dos filho de uma famOia abastada de Gante. Depo is de se formar na Academia de Belas
assistentes de Smith, o autor de 7ne Gumps, que, como já dissemos, foi a primeira série Artes de sua cidade natal e viajar para Paris, afiliou-se à Cruz Vermelha Internacio-
a introduzir aqueles elementos, que criará uma das séries mais populares da década, nal e ao Movimento Pacifista Internacio nal durante a Primeira Guerra Mundial.
Harold Gray, que inicia little Orphan Annie [Aninha, a Pequena óifã] 76 em 1924 e que Foi caricaturista político na Suíça e ilustrou diversos livros, entre eles os do francês
continuará a desenhá-Ia durante os 44 anos seguintes. Annie se inspira diretamente na Romain Rolland, prêmio Nobel de literatura em 1915. Masereel pertence a um
atualidade para criar situaçõcs de melodrama vitoriano cujo tom patético se vê acentua- mundo intelectual de artistas e literatos, muito distanciado do ambiente popular asso-
do pela fragilidade de sua protagonista, uma menina órfã que parece se antecipar às des- ciado aos quadrinhos. Amigo de George Grosz e de Stephen Zweig - que falou sobre
venttJras econômicas e sociais que logo sofrerá a maioria da população norte-americana. ele, "se tudo desaparecesse, todos os livros, as fotografias e os documentos, e só nos
restassem as gravuras que Masereel criou , através delas poderíamos reconstruir nosso
Entretanto, e ainda com continuidade, as tiras diárias (c as páginas colori- mundo contemporâneo'~' -, as edições dos seus livros publicadas na Alemanha por
das nas quais habitualmente sâo publicadas aos domingos ) seguem como microu- Kurt Wolff contaram com prólogos de Tho mas Mann e Hermann Hesse.
nidades de leitura que atendem à lógica narrativa da série, ou seja, à manutenção
perpétua de uma tensão dramática que nunca se resolve e que avança indefinida- Sua primeira novela sem palavras - na verdade, um relato curto - foi 25 lmages de
mente sem um rumo definido. A experiênc ia de ler um relato longo em quadri- la Passion d'un Homme ( 1918). Mediante 25 entalhes, mostrava o destino de um homem
nhos, uma narração que abrange várias páginas sem ser uma coleção de páginas nascido em um bairro operário, sem pai e sem sorte. Obrigado a trabalhar desde meni-
soltas ou tiras individuais, ainda não existia. Os quadrinhos continuavam sendo no, é preso por roubar um pão. Quando sai da prisão, já homem, enfrenta as tentaçõcs
algo que o leitor abarcava em sua totalidade com úni co olhar e ao qual dedicava da vida dissipada que embrutecem a classe operária - mulheres, música e vinho - , mas
escassos segundos de atenção , até voltar sua atenção ao próximo trecho narrativo. as repudia em favor dos estudos e da vida familiar. Logo seus companheiros de classe
o escutam , e ele os conduz à rebelião contra as forças repressoras a serviço das classes
As primeiras experiências de relato longo - na verdad e, de autênticas nove- dominantes. Preso novamente por suas atividades revolucionárias, a última imagem o
las - em imagens impressas surgiram também durante os anos 1920, porém muito mostra diante do paredão, com O corpo de outro executado a seus pés. O paralelismo
afastadas do âmbito que os quadrinhos haviam ass umido pe rante os olhos da so- entre a "paixão" do "homem" anônimo e à paixão de Cristo é evidente e enfatizado
ciedade, o da imprensa . Trata-se das chamadas novelas sem palavras, um conjunto pela penúltima imagem, que o mostra perante o tribunal que o julga, preSidido por um
de livros que contavam histórias completas por meio de imagens, sem a ajuda de enorme crucifixo. A preocupação com os temas sociais de uma perspectiva esquerdista
nenhum texto . Os mais famosos utilizaram diferentes técnicas de gravura : enta - que dominará esse gênero de obras fica fixada já nesse primeiro título.
lhe, xilogravura , Iinogravura ali gravura em chumbo , embora também várias obras
tenham sido produzidas utilizando-se o desenho à tinta convencional. Thomas Mann, que escreveria o prólogo para Mon livre d'heures ( 19 t 9 ), sua
próxima obra, contava que quando lhe perguntaram que filme , de todos os que ha-
David A . Berona
77
acha que foram três os fatores que inAuenciaram o surgi- via visto , mais ° comoveu , respondeu precisamente Mon livre d'heures7'J. A resposta
mento dessas novelas sem palavras. Em primeiro lugar, a revitalização da gravura em pode nos parecer chocante , pois afinal é óbvio que Mon livre d'heures não é um filme ,
madeira trazida pelos expressionistas alemães (pensemos, por exemplo, em Kirchner e e sim um livro, mas revela até que ponto a narração em imagens relaciona o meio

S7
A NOVa... 6RÁ~ICA
z - 05 auAl71iI~/I05 APUL T05 A~T1<5 1705 auAI71?I~"05 AI7tJLT05
gráfico impresso com o relato audiovisual , principalmente naquela época em que o
cinema era mudo c em preto e branco. O fato de s6 aparecer uma gravura em cada
página reforça ainda mais o parentesco com o cinema . Como observou Seth HO , as
novelas sem palavras se esforçam para evitar os dois elementos mais básicos dos
quadrinhos, os múltiplos quadros e os balões de diálogo, e optam , em vez disso, por
se aproximar mais do modelo do cinema mudo, num momento em que o seu desen-
volvimento expressivo - e o seu sucesso entre o público, que já havia assimilado uma
linguagem visual padronizada - estava em seu apogeu máximo.

Se há um gênero do cinema mudo do qual as novelas sem palavras estão mais


próximas é, sern dúvida, a sinfonia urbana, um tipo de construção cinematobTfáfica
em que o protagonismo passa do personagem individualizado à entidade coletiva
da cidade moderna, e ao qual se dedicaram alguns dos maiores talentos da época,
como Dziga Vertov (Um homem com uma câmera, 1929) ou Jean Vigo (À jmJpos de
Nice, 1930). A segunda novela de Masereel, a já mencionada Mon livre d'heures [28 ],
de uma complexidade muito superior à primeira - neste caso são 167 gravuras - ,
utiliza seu anônimo protagonista como uma desculpa para percorrer, em uma viagem
apaixonado. (esse é, de fato , seu título em inglês, PassionateJoumey ), os altos e baixos da
vida moderna, o amor, o sexo, a família , as injustiças sociais e a morte. A intenção é
captar um momento da vida coletiva da sociedade, mais do que nos contar a peripéci a
verossímil de um indivíduo com personalidade própria. Significativamente, o livro se
inicia citando Walt Whitman , da mesma maneira que o poeta americano enquadrava,
com seus versos sobreimpressos, Manhatta ( 1921 ), de Paul Strand e C harles Sheelcr,
um dos primeiros filmes do gênero de sinfonias urbanas. Manhatta se iniciava com a
chegada das massas à cidade por um meio de transporte moderno, o ferry . Mon livre
d'heures se inicia com o heró i chegando à cidade no meio de transporte emblemático da
modernidade, o trem. O trem também está nas primeiras gravuras de La Ville ( 1925 ),
outra obra posterior de Masereel que abandona qualquer desculpa argumentai para
nos oferecer diretamente uma panorâmica da grandeza e da miséria da grande cidade
e de seus heterogêneos habitantes. Uma das sinfonias urbanas mais emblemáticas da
época, Be-rlin. Die Symphonie einer Gro.<ltadt ( 1927), de Walther Ruttmann , parecerá
recolher pouco depois as ideias de Masereel, incluindo o início com o trem chegando
à estação central. Sem dúvida, a ausência de textos impulsiona de uma fOffila natural [28) Mon livre d'heures (19 19), Frans Mase reel.
os relatos de Masereel rumo a esse plano abstrato, afastando-o da concreção dos
personagens novelescos individualizados. A fascinação e o pavor ante a velocidade e
a violência da vida contemporânea são compartilhados pelos cineastas do momento.

IJIJ
Masereel realizou várias novel as puramente simbólicas, nas quais as ideias
se materializam em imagens formando alego rias narrativas, te Soleil ( 19 19 ), HistaiTe
saro paroles ( 1920), ldée, sa naissance, sa vie, sa mort ( 1920). Esta última, uma fábula
sobre a corrupção das ide ias artísticas nas mãos d os e mpresários, deu lugar a um
filme animado d e Berthold Bartosch em 193 2. Das Werk ( 1928 ) incidia nessa linha,
utilizando uma linguagem metafórica para contar a o disseia criativa de um esculto r.

A obra de Frans Masereel foi a inspiração para Lynd Ward, que popularizou o
fonnato nos Estados Unidos, o nde Masereel era pouco co nhecido. Ward ( 1905-1995),
nascido em C hicago, filh o de um pastor metodista, escrito r e ativista social, estudou
na Universidade de Columbia e, posteriormente, na Academia de Artes Cráficas de
Leipzig, onde descobriu as o bras de Masereel. Em seu regresso aos Estados Unidos,
Ward começou a trabalhar como ilustrador enquanto reali zava sua primeira novela sem
palavras, ao estilo das do belga, mas utilizando a xilogravura, o que lhe permitia uma
maior delicadeza de traço e uma infinidade de matizes na linha. Gad's Man [29] chegou
livrarias na mesma semana que se produzia a quebra da Bolsa de 1929. Apesar de tão
presságio, e de ser uma obra singular, impossível de ser comparada com ne-
outra existente naquele momento , alcançou um sucesso surpreendente, tendo
20 mil exemplares ao longo de seis edições em quatro anos".

Gad', Man, com suas 139 g ravuras , é uma lo nga alegoria sobre a entrega do
à sua vocação acima de todas as pai xões humanas, e a luta para se manter
~ sua arte diante da corrupção d o dinheiro e das tentações da vida mo derna.
~Iato está impregnado de um idealismo arquetípico nã o muito distinto daquele
por AmaneceT ( 1927), d e Murnau, um dos filmes que mais havia impres-
os espectadores naquele mo mento . No iníc io da o bra, o protagonista
um pincel que o situa na dinastia e terna do s artistas de todos os tempos-
os pintores egípcios até os m o dernos, passando pela Crécia clássica, a Idade
eo Renascimento - , mediante o qual conseguirá o êxito , mas pel o qual terá
pagar um preço com seu próprio sangue . Sem dúv ida , Ward se v ia v inculad o
~sa estirpe imo rtal de artistas, e não com os cari caturistas e quadrinistas .
[29] Gad', Man (1929), Lynd Ward.

Ward realizará outras cinco pictorial narratiocs - como ele as chamava82 - duran·
de maio r atividade, até 1937. A segui nte, Madman', Drum ( 1930), incidirá
elementos de drama com matizes sobrenaturais que já apareciam em God's Man ,
baixando o tom alegórico. Na maioria das seguintes, a Grande Depressão e

91
A NOVQ..A 6~ÁHCA

suas consequências sobre as classes desfavorecidas terão um protagonismo claro . É


o caso de Wild PiLgrimage ( 1932), outra história mo ntada sobre o pretexto da viagem
(como Mon livre d'heures, de Masereel ), que, neste caso, em vez de levar o protago nis-
ta a percorrer os caminhos sinuosos da cidade, se lança em um assustador descobri -
mento da miséria nacional, começando pelo linchamento de um negro no bosque e
tenninando na morte do protagonista em um confronto entre operários e policiais.
Nesse título , Ward utiliza uma bitonalidade avennelhada em algumas sequências para
diferenciá-las da narrativa co nvencio nal, indicando co m esse recurso que o que vemos
acontece na imaginação ou nos sonhos do protagonista.

Seus do is títulos segui ntes são de extensão mais moderada . Prelude to a Million
Years ( 1933 ), com apenas trinta gravuras, re toma ao tema do ideal artístico, mas
incorpora em seu pano de fundo o ambiente da Crande Depressão e a crítica ao na -
cionalismo militarista, e nquanto Song Without Words ( 1936, no que parece um eco da
Histoire sans paroles de Masereel ), um de seus trabalhos mais simbólicos, é como um
breve poema de protesto contra a Depressão e a ameaça do fascismo que apresenta
o dilema de se o mundo é um lugar adequado para se criar um filho.

A obra-prima de Ward foi Vertigo ( 1937) (30], um volume impressionante cons-


tituído por nada menos que 230 gravuras, realizadas ao longo de inúmeras horas de
minucioso trabalho. Vertigo é a denúncia final dos estragos causados pela Crande De-
pressão na sociedade. O simboli sm o, embora ainda muito intenso, põe um pouco os
pés no chão e permite uma maior personalização dos três protagonistas, que, embora
anônimos, se individualizam e se diferenciam em três tipos: o vel ho, a jovem e o me·
nino. Suas andanças e ntrecruzadas desde 1929 até 1934 proporcionam um argumento
a um relato de muito m aior complexidade que os ante ri ores . Ward utili za textos in·
tegrados no espaço diegético do relato, chegando quase à fro nteira dos quadrinhos
convencionais. Profundamente sombrio e desesperançado , Vertigo se encerra com uma
imagem perturbadora e aberta , a única que ocupa o ca pítul o intitulado "Domingo", e
que representa uma cena de festa popular noturna, em que toda a alegria e a jovialida-
de sugerida pelo dia festivo e pela montanha· russa se convertem no pâniCO irracional
provocado pela velOCidade ",,,-tiginosa do carrinho. Um final aberto e dinâmico, que
contribui para romper com o estereótipo de fábula com m oral das histórias anteriores
e que quase recorda oulTaS cenas finais de novelas gráficas contemporâneas em que o
corte final se produz na metade de um movimento inco ntrolável por parte dos prata· [30] Vertigo (1937) , de lynd Ward _
gonistas, ver Fun Home de Alison 8echdel ou Merralla de Rutu Modan .

O tto Nücke l, nascido e m Colônia e trasladado para Munique, foi outro Marjane Satrapi até Zeina Abirached, das quais Helena Boc horáková-Dimittrová
dos artistas que lançaram as bases das novelas sem palavras com seu ambicioso é de certa maneira uma precursora . A ilustradora checa também tocaria o gênero
Das SchiçksaL Eine Geschichte in Bildern (Munique, 1928), publicado como Destiny. religioso com sua segunda novela sem palavras, Kristus ( 1944).
A Nove! in Pictures em Nova York, em 1930. Nückel , ilustrador de livros de auto-
res como Thomas Mann, Alexander Moritz Frey e E. T. A. Hoffman , e também Embora as novelas feitas com gravuras tenham seu esplendor nos anos
caricaturista político, introduziu a gravura em chumbo nos livros impressos. O 1930, alguns dos melhores exemplos do formato chegarão nas décadas posterio-
resultado gráfico de sua inovação técnica está num ponto intermediário entre a res. White Collar ( 1940), publicada pelo imigrante italiano Giacomo Patri em São
absoluta simplicidade de Masereel e o traço sofisticado de Ward. Das SchieksaL Francisco, é constituída por mais de 120 linogravuras e volta ao tema dos estra-
Eine Geschichte in Bildern é outro empenho monumental , com mais de duzentas gos causados pela Grande Depressão . Patri , comprometido com os movimentos
gravuras que relatam a vida desgraçada de uma mulher pobre, oprimida pelas con - operários de esquerda , conta a história de um jovem empregado de uma agência
dições às quais a sociedade a submete. Órfã desde criança e obrigada a trabalhar de publicidade - um trabalhador "white coUar", em oposição aos operários "blue
ainda muito jovem , é seduzida por um viajante que pouco depois a abandona . collar" - diante do qual se abre um futuro prolissional - e familiar - esplendoroso.
Entrega seu filho ilegítimo às águas do rio - uma cena resolvida por Nückel com Quando os primeiros ferrões da Depressão aparecem diante dos seus olhos, ele
uma elegante elipse - e é presa por esse crime . Quando sai da prisão, trabalha os ignora, achando que não o afetarão. Mas pouco depois perde o emprego e tem
como prostituta , assassina um homem e acaba morta a tiros nas mãos da polícia. O início sua desoladora queda, contas não pagas, despejo, até mesmo um aborto que
componente de crítica social parecia ser parte essencial das novelas sem palavras . não pode custear. O protagonista por fim se conscientiza de que os profissionais
das artes liberais também são trabalhadores, e que só unidos, como os operários,
Essas obras de Masereel , Ward e Nückel provocaram uma pequena explosão podem enfrentar o acosso que sofrem como classe. Patri também faz uso dos tex-
de novelas sem palavras, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos . Algumas tos incluídos na narração, como Ward em Vertigo l e inclusive os integra com maior
foram de cunho religioso, como The Life ofChrist ( 1930), de James Reid, ou Die ddicadeza do que este .
Passion (1936), de Otto Pankok. Charles Turzak fez duas biografias, Abraham Lin-
eo!n (1933 ) e Benjamin Frank!in ( 1935 ). A checa Helena Bochoráková-Dittrichová, Um dos últimos representantes das novelas sem palavras surgiria em 1951 ,
formada em Praga, descobriu Masereel enquanto aprimorava seus estudos em Pa- quando o inglês radicado no Canadá, Laurence Hyde, publicou em Los Angeles
ris. A obra do belga lhe serviu de inspiração para realizar um trabalho que, em - Southern Cross. A Nove! of the South Seas Told in Wood Engravings. Constituída de 11 8
bora formalmente se assemelhasse ao dele, apresentava uma importante novidade gravuras, essa novela denuncia os testes atômicos realizados pelos Estados Uni -
temática . Enfance (Paris, 1930) é uma coleção de gravuras que rememoram mo- dos nos mares do sul depois da Segunda Guerra Mundial. Uma famnia nativa que
mentos da infância da autora e de sua vida familiar. Sem o dramatismo de Nückel , não é evacuada de uma ilha afetada po r uma detonação sofre as consequências
sem o simbolismo de Masereel , sem a épica de Ward, Bochoráková-Dittrichová da radioatividade, o que dá lugar a algumas imagens de uma terrível e eletrizante
opta pela via da memória e do "costumismo", tingido pela nostalgia de um passado beleza, quase abstrata. É como uma sombra em preto e branco dos temores do
feliz. É um caminho que durante décadas apenas foi transitado pelos quadrinhos. holocausto nuclear que refletem seus contemporâneos Jackson Pollock e os ex-
Olaf Gulbransson", cartunista norueguês radicado na Alemanha, também reali - pressionistas abstratos.
zou duas histórias em quadrinhos de memórias, sobre sua infância ( 1934) e sobre
suas experiências profissionais como desenhista (1954). Mas, em geral , o tema Como um eco das novelas sem palavras, apareceram também ao mesmo
permanecerá quase inédito até a chegada da novela gráfica atual , na qual cobra ~mpo alguns livros desenhados que apresentavam narrativas em imagens, em uma
uma importância fundamental para definir o movimento contemporâneo, e em espécie de translação para o mundo da caricatura e do desenho dos achados de
q ue existe uma abundância de memórias familiares de autoria de mulheres, desde Masereel e Ward. É o caso de Alay-oop (1930), de William Gropper, desenhista e
z - 05 ~UAf?f?I/'I1-I05 AVULT05 A/'I~5 1?05 ~UAf?f?I/'I1-I05 AI?UL T05
ilustrador, autor de uma famosa caricatura de Hirohito que provocou um processo artística genuinamente americana, junto com o jazz, a animação e o cinema, todas
instaurado pelo governo japonês contra a Vanity Fair em 1935"; ou de Eve ( 1943 ), elas fonnas artísticas sequenciais, e consagrados por ensaístas como Gilbert Seldes
de Myron Waldman , animador dos estudos Fleischer, onde participou de dese- em The Seven Lively Arts ( 1924 ). Mas o subtítulo anunciava que essa "grande novela"
nhos animados de Betty Boop, Popeye e Superman . Skitzy ( 1955 ), de Don Freeman , carecia do componente mais básico das novelas, as palavras, e nos advertia de que
antecipa de forma singular temas e atitudes que serão cruciais para os noveli stas ela tampouco tinha som, o que de novo vi nculava o livro com O mundo do cinema .
gráficos contemporâneos . Músico, humorista , ilustrador de contos infantis, Free- Na verdade, a relação entre o gênero pastelão de Cross e o humor de Keaton e
man desenhou Skitzy como forma ínti ma e artística de desa fogar a sua frustração Chaplin é muito estreita ao longo de toda a novela. O ambiente das montanhas ,
como criador submetido à exploração dos empresários. Dave Kiersh declara que onde se inicia a hi stória, remete imediatamente a The Gold Rush [Em busca do ouro,
ele lIapresenta , de forma humorística, as perspectivas das fantasias de um homem 1925). do gênio inglês.
da classe operária" e que é um esforço insólito para "oferecer temas adultos em
forma de caricatura para um público adulto"". O caráter autobiográfico (ve lado )
e a proposta fina l da autoedição como saída para o artista cC)flferem um raro va lor •,
. ,/ • •
profético a Skirzy, que não obteve nenhum eco em sua época .

Provavelmente, o mais importante desses livros foi He Done Her Wrong ( 1930)
[3 1). de Milt Cross. Planejado explicitamente como uma paródia das novelas de
Lynd Ward, He Done Her Wrong é um trepidante melodrama humorístico que Serve
de ponte para estabelecer essa comunicação impossível entre o reino dos quadrinhos
autênticos e o das novelas sem palavras. Hoje um tanto esquecido, Cross foi , na ver-
dade, um dos mais brilhantes quadrinistas de sua época, criador de numerosas séries
de sucesso e forjador de expressões deformadas da língua iídiche'· que se integraram
na fala popular. Em He Done Her Wrong ele tomava os elementos típicos de qual -
quer folhetim de Hollywood e os convertia em uma odisseia do mundo moderno
que funcionava como espelho deformante das nobres e patéticas visões de Ward,
cujo God's Man ele parodiou explicitamente em alguns momentos. Um inocente
caçador é enganado por seu astuto sócio, que lhe rouba sua namorada . O caçador
viajará até a cidade grande para recuperá-Ia, envolvendo-se assim em uma série de
peripécias resolvidas em frenéticas piadas visuais que, devido à acelerada inércia
narrativa do desenho, recordam as aventuras dos personage ns de Tbpffer. Todos os
clichês do azar inverossímil próprios do melodrama de H ollywood são explorados
pelo humor perverso de Gross. He Done Her Wrong tinha um subtítulo articulado em
dois níveis que parecia condensar muitas das questões que vimos tratando nestas
páginas, The Great American Novel... Not a Word in 1t; No Music, Too . Por um lado,
proclama - humoristicamente, claro, mas ainda assim ... - sua condição de aspirante
a "Grande Novela Americana", Por que o título não ia recair em uma revista em qua- (31) Ho Dono Hor Wrong (1930),
drinhosi Afinal de contas, os quadrinhos haviam sido adotados como uma criação Milt Gross.

,
.6
A NOVaA 6~ÁHCA

Talvez não haja melhor prova da extraordinária difusão da ideia da nove -


la sem palavras durante essas décadas do que o singular corolário que tiveram
esses livros na esfera da grande arte. Max Ernst, pintor dadaísta, também amigo
de George Grosz , como Masereel , realizou entre 1929 e 1935 três novelas sem
palavras utilizando a técnica da colagem , que havia definido como "a explora-
ção sistemática da coincidência casual , ou artificialmente provocada, de duas
ou mais realidades de diferente natureza sobre um plano aparentemente ina-
propriado [ ... ) e a centelha de poesia , que salta ao se produzir a aproximação
dessas realidades"". La Femme 100 tétes [A mulher de 100 cabeças, 1929) e Réve
d'une petite filie qui voulut entrer au Carmel ( 1930) combinam de forma chocante
recortes de imagens populares (manuais, catálogos, folhetins antiquados) para
criar imagens fantásticas , cuja heterodoxia se vê reforçada pelos textos que as
acompanham . A última e mais famosa dessas novelas , Une semaine de bonté [Uma
semana de bondade, 1935) [32 ), elimina completamente os textos e se torna, no
entanto, mais aparentemente acessível em sua narrativa do que nas demais . Juan
Antonio Ramírez não descarta a influência tanto do cinema quanto dos quadri-
nhos (entre eles as narrativas pictóricas dos novelistas gravuristas) sobre Ernst,
em quem distingue uma diferença entre a sua visão da colagem nesses livros e a
sua visão da colagem em trabalhos anteriores não destinados à reprodução em
série, enquanto em 1922 Ernst praticava a colagem emblemática, a partir de 1929
se dedica à colagem narrativa". Esta significativa diferença nos põe a pensar em
por que as novelas pictóricas de Ernst têm um interesse mais que anedótico . Por
um lado, revelam que no ambiente de finais dos anos 1920 havia amadurecido a
ideia de que as imagens tinham sua própria linguagem narrativa, e que essa ideia
estava presente tanto entre o público de massas que lia o jornal quanto entre os
artistas e escritores de vanguarda . Além disso , precisamente as novelas de Ernst,
com sua reutilização de materiais procedentes das imagens de consumo mais
anõnimas para reconvertê-los em obras de arte , estabelecem de forma Singular
esse vínculo entre a alta e a baixa cultura que deu lugar, como já vimos, a lima
das tensões mais características da novela gráfica contemporâneo.

[32] Une semaine de bonté (1935) , Max Ernst.

99
A 1'I0VQ.A 6RÁ~ICA z- os (JUlIPIl1f'IUOs APUL TOS AI'lTEs VOS (fUAfJfIII'IUOs AfJUL TOS

Durante muito tempo , as novelas sem palavras se mantiveram à margem da his·


tória dos quadrinhos, co mo um elemento estranho que tinha certo parentesco com os
quadrinhos, mas não se encaixava em seu discurso histó rico . Nos últimos anos, no en -
tanto , o interesse por recuperá-las e revisá-Ias tem sido crescente, e esse interesse está
ligado ao auge da novela gráfica contemporânea. As reedições têm sido numerosas,
têm aparecido alguns estudos a respeito, e vários autores de quadrinhos têm se sentido
atraídos por eles. Em seu prólogo para uma das últimas reedições de Um contraw com
Delli, Will Eisner situava esses livros na própria origem da novela gráfica contempo-
rânea, "Em 1978, animado pela obra dos artistas gráfiCOS experimentais Otto Nückel,
Frans Masereel e Lynd Ward, que nos anos 1930 publicaram novelas sérias contadas
com desenhos sem texto, tentei uma obra importante de forma si milar"89. E é possível
que muitos dos traços formais que distinb'Ucm Um COnlmw com Deus, assim como boa
parte das novelas gráficas posteriores de Eisner, sejam inspirados por eles, o uso fre-
quente de uma única gravura por página, o abandono das molduras dos requadros ou
o tom sépia que invoca os livros antigos, assim como o tratamento um tanto teatral
da gesntalidade e dos cenários, e a caracterização estereotipada aos quaiS esse autor
com frequência recorre. Seth, por sua vez, escreveu o epflogo de Graphic Witness, que
reeditava quatro novelas de Masereel, Ward, Patri e Hyde, além de um estudo de Ge-
, ,
orge A. Walker, e Peter Kuper se encarregou do prólogo de Wordle.1S Books. The Origi7U!1
Graphic Nowls , de David A. Berona .

Kuper é, juntamente com Eric Drooker, o mais direto herdeiro atual dos no-
velistas gravuristas. Kuper e Drooker, que colaboraram na revista de quadrinhos de
.-
\
crítica política World War 3 lUusrrated durante os anos 1980, recolheram dos novelistas \ \
gravuristas não apenas uma inspiração fonnal , mas também O compromisso com a
denúncia das injustiças sociais a partir de uma posição de esquerda. Drooker trabalhou
com escritores da geração beat, como William Burroughs ou Lawrence Ferlinghetti , e
assinou FIood! ( 1992 ), um "novel in pictures" [33]. Composto na verdade de três peças
distintas unidas tematicamente , FIood.! é uma autêntica novela sem palavras contem -
porânea, que remete àquelas dos anos 1930 tanto em sua aparência visual como em
seu conteúdo. O autor utiliza a raspagem para conseguir um efeito muito parecido
com o da gravura, embora não renuncie à combinação dos elementos proporcionada
;., II.\\
,
pelos múltiplos requadros por página, e de fato às vezes os utiliza com uma ênfase
expressiva. Drooker, que havia conhecido as obras de Masereel desde criança graças a
seu avô, encontrou em suas novelas e nas de Ward a inspiração para abordar a própria
[331 Flood! (1992) , Eric Drooker.
experiência de viver numa sociedade em crise, conforme explicaria:

100
z- OS S M7UL TOS AI'ITfiS (J()S ItUIWIiII'IUOS AI>UI. TOS

o tema trági co procedia de minhas experiências no Lower East Side.


literalmente, eu tinha que passar sobre as pessoas para entrar no meu
apartamento todas as noites. Quando Ronald Reagan foi eleito presidente
em 1980, uma onda de mendigos se derramou sobre as ruas da cidade, em
uma escala jamais vi sta desde a Grande Depressão dos anos 1930, que foi
quando Lynd Ward esteve ativo90 .

Kuper, por sua vez , tcm uma carreira mais ampla como quadrinista, na qual
se incluem numerosos quadrinhos convencionais, mas se celebrizou com obras
como The System [O sistema") ( 1996) [34). uma atualização do retrato social co-
letivo ao estilo de Vertigo de Ward ou The ciry de Masereel , contado sem palavras,
mas usando páginas divididas em requadros e coloridas.

O fascínio pelos quadrinhos sem palavras é universal , não unicamente


norte· americano, e com frequência é possível perceber neles a marca das no -
velas sem palavras, talvez porque a perda da palavra reforça O valor simbólico
das imagens e as torna apropriadas para trabalhos idealistas e críticos que
tratam com mais facilidade o coletivo do que o individual. Assim , embora se
situe num universo estético e formal muito afastado daquele das gravuras , No
Comment (2009 ), do francês Ivan Brun , também encontra sua razão de ser em
nos mostrar o funcionamento diabólico da máquina política e social para a
qual os indivíduos são simples peças intercambiáveis . Sua estirpe artística é a
do underground e do mangá , mas seu espírito é o dos novelistas gravuristas .
O uso de ideogramas complexos os aproxima também de Space Dog ( 1993 ),
do alemão Hendrik Dorgathen , que , embora recorra à fantasia para sua fábula
protagonizada por um cão que viaja para o espaço e volta à Terra dotado de
inteligência graças à intervenção dos· extraterrestres , também tem uma men -
sagem crítica a transmitir. Os mesmos elementos - a renúncia (quase total )
às palavras, o uso de ideogramas e a crítica social - encontramos em Natarew
(2p09), do maiorquino Álex Fito , que faz uso do humor negro . Inclusive de
Um âmbito cultural tão distanciado como o australiano, os quadrinhos sem pa -

, lavras seguem uma inércia social , como demonstra a grandiosa The ATTival [A
chegada") (2006 ) [35 ), de Shaun Tan , uma fábula universal sobre a emigração
cuja estética fantástica tem suas raízes precisamente no estilo e na moda dos
anos 1920 e 1930.
[34] The System (1996), Peter Kuper.

10. ~ __________________. .________________________"_ •


103
A NOVELA 6RÁéICA
z - 05 <$JIIVl/I/'1"05 IIPULT05 III'IT(;5 1705 ~UIIPRI/'1"05 III?UL T05

É muito possível que, se não fosse pelos quadrinhos, as novelas sem pala-
vras dos anos 1930 estivessem hoje completame nte esq uecidas. Não foi o mundo
da literatura nem o da arte que conservou sua memória, mas o dos quadrinhos .
Em 1999 , The Comics }oumal incluiu Madman 's Drum, de Lynd Ward , e ntre as cem
melhores HQs do século XX . Era quase uma forma de dar as boas-vindas de volta
à casa a esta curi osa família de obras órfãs. Sua estatura moral e seu posiciona -
mento político perante uma atualidade ameaçado ra são , mais que seus achados
formais , a qualidade que faz com que sej am revisitadas pelos quadrinistas atuais,
talvez sabedores de que , assim como aqueles trabalhos estiveram em grande me-
• dida marcados pelas consequê ncias da G rande Depressão, a nova novela gráfica
talvez te nha de enfrentar uma depressão econômica de proporções ainda maio res
e mais urge ntes.

o realismo exótico
Se ao longo dos anos 1920 as tiras de jo rnal vão adotando a co ntinuidade
como modelo predominante , no final da década a continuidade se cristaliza em
um novo gênero , os quadrinhos de aventuras, que serão decisivos na hora de criar
o comic book, um formato que surgirá muito pouco depois e qu e se converterá no
suporte predileto para os quadrinhos durante as sete décadas seguintes.

o giro para a aventura deriva naturalme nte da própria mecânica da conti·


nuidade . Para deixar o leitor pendente da resolução do conflito apresentado em
uma tira, nada melhor do que tornar esse conflito dramático . Cumo diria AI Capp ,
desenhista da série satírica Li 'i Abner: "Os editores dos periódicos desco briram que
.
as pessoas compravam mais periódicos , com maior regularidade, caso se sentissem
preocupadilS por uma série que simplesmente as divertia"93 . Não nos esqueçamos
também de que os anos 1920 são a era dourada dos seriados cinematográficos , que
eram emitidos por capítulos aos sábados pela manhã e que temática e iconogra·
ficamente estarão muito relacionados com os quadrinhos de aventuras, aos quai s
inclusive adaptarão com frequência a partir da década de 1930.

As séries de humor são as primeiras que se inclinam para a aventura . Se


[35 ] The Arrivol (2006), Shaun Tan.
obras impo rtantes como The Gumps ou Litde Orphan Annie já haviam prognosti -
cado esse caminho l outras como Wash Tubbs, de Roy Crane , se verão arrastadas

1O'f
A "'OV~LA 6RMOICA t - OS <$J1ltJt/If'/"OS AI7U. TOS Af'/Tf;S POS ~UAtJt/If'/"OS APU. TOS

irre mediavelmente pela força da gravidade do novo gê nero. Wash Tubbs, que se t, claro que esse salto para o desenho acadêmico teve um preço : podia-se
inic iou como Washington Tubbs /1 e m 1924 , protagoni zada por um hil ário herdei - discutir que semelhante estilo fosse apropriado para a linguagem dos quadrinhos,
ro rico, muda de to m e estilo com a introdução, em 1929, d o Capitão Easy, um e o primeiro que o discutiu foi o próprio Foster, que se considerava ilustrador de
aventureiro bro nco de nariz achatado que, a partir de 1933 , terá sua pró pria sé- uma história literária e não um desenhista de gibis. É significativo que e le te nha
rie , Ca ptain Easy, Soldier of Fortune . Algo semelhante ocorre com Thimble Theatre, renunciado a utilizar os balões de diál ogo que , como vimos anteriormente, são
a sé rie hum orística de protago nismo cole tivo c riada po r E. C. Segar em 191 9 , próprios do espaço das histórias em quadrinhos, mas não e ncontram seu lugar na
e que será invadida por um marinheiro brigão destinado ao estrelato , também to pografia da ilustração.
em 1929, Popeye . A partir desse mo men to, Segar irá se co nfirmar como um dos
grandes narradores dos quadrinhos americanos, de ixa ndo o humor e m segundo Com estilo mais ou menos caricaturesco , a partir daquele momento pro -
plano . Em 1929 também se inic iam (na ve rdade, no mesmo dia , 7 de ja neiro ) liferaram os "comics séri os". Em 12 de o utubro de 193 1 começava Dick Tracy,
duas séries que te rminarão de revolucionar o panorama das tiras de jornais, Buck de C h ester Go uld , um prodígio de contrastes em preto e branco que aplicava
Rogers e Tarzan. a estilização rad ical da ca ricatura a uma série policial , inspirada pelo auge das
histórias de gâ ngsteres durante os anos d a Lei Seca . Dick Tra cy inic io u o gênero
Buck Rogers, criação de Philip N owlan e Dick Calkins, era inspirada em policial nos quadrinhos e causou pavor pel a desenvoltura com que apresenta -
um relato do primei ro aparecido em uma revista pulp, as publicações de lite ratura va as cenas de v io lê nc ia . Scorchy Smi ,h, c ri ada pe lo muito lim itado John Terry
popular à venda nas bancas que triunfavam naqueles anos e sobre as quais falaremos em 1930, e ra ambientada no e ntão exótico mundo da aviação . Em 1933, a e n-
mais adiante. Foi a primeira série de ficção científica, e, apesar de ter uma qualidade fermidad e de Terry fez co m que e le a passasse para as mãos do brilhante Noel
inferior à das melhores séri es do momento, dela parte uma das correntes mais Sickles, que firmou co m e la os alicerces da nova escola que pouco depois Milton
importantes dos quadrinhos durante as décadas seguintes, a da fantasia. Tarzan, por Caniff co nsolidaria . Os ave nture iros disfarçados ou sobrenaturais também co-
sua vez, adaptava outra criação da literatura pulp, neste caso de Edgar Rice Burroughs meça ram a proliferar, antecipando -se aos super· he ró is, que es tavam com eça ndo
- que também havia se tornado famoso por seus títulos de ficção cie ntífica, como a aparecer. Podemos co ntar, entre eles, o próprio Popeye , que não só exibe uma
}ohn Carter of Mars. Tarzan trazia aos quadrinhos o mito do homem selvagem e da superforça des propo rCio nal , mas que pe la primeira vez , como indica Carlin ,
África desconhecida e inex plo rada, mas nesse caso o seu impacto fo i mais além emerge vitorioso de suas brigas95 , enquanto até aquele mo mento os pers o nage ns
do gênero que tratava e alcançou també m a estética geral do meio . Tarzan foi dos quadrinhos havia m si do as vítim as das brincadeiras e das trapaças de seus
encomendada a um ilustrador publicitário , Harold Foster, que a desenhou com um antago ni stas. Esse traço vai aparentá -lo co m Superman e seus epígonos, sempre
estilo de realismo romântico tomado do mundo da ilustração comercial e afastado- triunfantes perante o mal. O roteirista Lee Falk escreve do is proto-super-heróis ,
oposto, inclusive - da caricatura mais ou menos estili za da , pró pria dos quadrinhos o mági co Ma ndrake ( 193 4), dese nhado por Phil Davis , e o justiceiro da selva The
até aquele momento. Waugh diria que Phantom [O Fan'mma , 1936], uma espécie de Ta rza n com máscara , desenh ado
por Ray Moore .
o surgimento da obra de Fostcr, ao mesmo tempo que iniciou um novo
período nos quadrinhos, quase acabou com eles; o seu trabalho era tão Em 193 4 surgem as duas séries que termina rão de co nfirmar a virada plás-
bom que deixou pouco a ser m el horado pelos praticantes posteriores, e tica que o Tarzan de Foster havia ini c iado . A primeira foi Flash Gordon, publicada
muito poucos tiveram competência "ara se aproximar dele . Pela primeira Como página dominica l colorida com roteiros de Don Moore e desenhos de
vez , Foster introdu ziu nos quadrinhos um domínio absoluto do desenho das Alex Raymo nd; a segunda foi Terry and the Pira'es, escrita e desenhada por Mil -
figuras . Tarzan , apesar do seu peito e braços gigantescos, era ágil, solto e se ton Caniff co m o tira diária com página dominica l.
movia li vremente no espaço9-4.
z - 05 IWIJL T05 A!yn;;s /?O5 cYUAPtlI/VU05 Al7ULT05

Raymond, C aniff e Foster serão os três g randes referentes dos quadrinhos Foster, por sua vez , criou sua própria série em 193 7, Prince Valiant [O Prín-
de aventuras a partir desse momento , os três modelos que todos os profissionais
cipe ValenteJ [ 37], na qual aplicou seu estilo c1assicista à recriação de ambientes
tentarão seguir. Flash Gordon [36J foi a resposta do poderosíssimo King Features medievais, que o protagonista percorria vivendo majestáticas aventuras saídas de
Syndicate ao sucesso de Buck Rogers , mas sua influência sobre a ficção cientí-
um romance de Walter Scott. Em Prince Valiam , Foster renunciou de novo aos
fica e a fantasia foi muito superior à deste . Raymond seguiu a linh a de Foster, balões de diálogo, embora nem sempre à narração em sequência, criando um es-
com um estilo elegante de tom ilustrativo, mas mais românti co e dinâmico . Sua tranho híbrido entre ilustração e quadrinhos. Em todo caso, não foi O seu modelo

grande imaginação visua l e a liberdade que lhe davam os mundos inventados narrativo, mas o seu desenho que foi idealizado Como padrão de perfeição por
onde se desenvolviam as aventuras de Flash Gordon lhe permitiram criar uma gerações de desenhistas posteriores .
fascinante fantasia art decó, que em seu momento de máximo refinamento o le-
vou a eliminar os balões de diálogo, assim como Foster. Embora a influência de
Raymond tenha sido - e ainda hoje conti nue sendo - incalculável , sua carreira nc~
foi muito breve, pois ele morreu em um acidente de automóvel em t 956 , com
46 anos de idade .

[361 Flash Gordon (1940), Alex Raymond e Don Moore.


[37] Prince Valiant (1938) , Hal Foster.

109
z - OS atJlIPf?Il'IUOS IWUL TOS AI'ITkS I70S atJAPr/II'IUOS APUL TOS

Dos três, Milton Caniff foi o ' que teria uma influência mais decisiva sobre Em Te,.,.) and lhe Pirales , o requadro é uma janela impermeável que define os
a linguagem dos quadrinhos. Sua série Te" y and the Pira«s [ 38] era protagonizada limites da cena desenhada, e o que acontece nele, como o que acontece na tela , é
por um j ovenzinho que vivia aventuras na C hina e nos mares do Sul , acompanhado uma simulação da realidade que conce ntra exclusivamente to da a nossa atenção .
do aventureiro rat Ryan, criado segundo o molde do Capitão Easy de Roy Crane. Acabaram -se as quebras de requadros por um espirro de Litlle Sammy Sneeze de
Durante os doze anos que Caniff permaneceu na série, até 1946 , os conflitos se McCay [39]. O u seja, acabaram -se todas aquelas incursões na metalinguagem dos
tornaram ca da vez mais sofisticados, as relações entre os personagens mais ver· requadros .que brincavam com as convenções do meio . Ago ra só importava ser·
dadeiras, e o pró prio Terry se tornou um homem e participou da Segu nda Cuerra mos testemunhas de uma peripécia que se desenvolve diante de nossos o lhos sem
Mundial. Mais importante ainda foi o desenvolvi mento das ferramentas narrativas que nenhum elemento formal nos distraia . Caniff criou, na verdade, a fórmula para
de Caniff. Sua utilização do claro-escuro se mostrava prática no espaço confinado os comics ameri canos - e , por extensão , para os quadrinhos ocidentais de aven·
da tira diária para produzir no táveis efeitos de reali smo com um m ínimo de traços , turas - durante a maio r parte do século XX. Ainda hoje o estilo criado por Ca niff
e a alternância de planos e contraplanos, próximos e distanciados, aproximou os continua sendo considerado o estilo padrão, e está tão assimilado pelos autores e
quadrinhos da linguagem do cinema e os converteu em uma leitura extremamente pelo público que, apesar da sua grande sofisticação, tende a ser considerado um
fácil e dinâmica. Caniff trasladou para as HQs a essência do chamado modelo narrati- estilo natural e antiformalista.
w de continuidLlde de H o llywood, cuja finalidade "era a transparência, ou seja, que a
técnica ficasse oculta por trás da representação'""'. Foster e Raymo nd re presentavam
um ideal; Caniff represento u algo mais importante, um mestre com quem aprender.
Winsor McCay ou George Her.riman, observa Carlin , haviam criado obras-primas
singulares e invejadas por todos os desenhistas, porém inimitáveis, enquanto IICaniff
criou um estilo que era tanto magistral como eminentemente imitávell/97 .

[391 Little Sammy Sneeze (1905), Winsor McCay.

O fato de o estilo de Caniff seguir os padrões do modelo de narrativa cine-


matográfica de Hollywood contribuiria ainda mais para reforçar o distanciamento
[381 Terry and lhe Pirates (1943), Milton Caniff. dos quadrinhos em relação ao mundo literári o e sua inserção dentro da tradi ção de
z - 05 <tUIIPI?Il'iu05 IIC>ULT05 AI'iTH C>05 (tUIIPI?II'iU05 IIC>UL T05

e ntretenimento audiovisua l, embora seja um meio im presso . O mo delo de Caniff anunciar toda uma diversidade de produtos, mas, Ilcom o comic book, a forma
seri a o modelo adotado pelo comic book q ue estava prestes a c hegar, e , portanto , artística se converteu em um produto de entretenimento por direito próprio"'J8.
podemos dizer que o comic book herdou de Ca niff a cond ição de antiliteratura
que as t iras de jornais haviam tido desde Yel/ow Kid. o comic book nasce, na verdade, como suporte publicitário . Com diver-
sos formatos , os livros recopilatórios de HQs haviam existido desde a segunda
Com as séries de ave nturas, os quadrinhos se homogene izara m com o c ine- metade do sécu lo XIX, e nos primeiros trinta anos do século XX apareceram
ma e perderam sua singul aridade . Utde Nemo e Kra<) Kat ofereciam um tipo de ex- di ve rsos proto-comic books que norma lmente reeditavam tiras de jornais.
periência - um espetáculo , se preferir - que só os quadrinh os podiam oferecer, mas
as séries de ave ntura vão ser, no melho r dos casos, parentes do c inema, c , no pi or, Mas o comic book tal como o con hecemos h Oje em dia começa a ser ges-
seus sucedâ neos. O efeito mai s im edi ato será o da sua po pul ari zação como "ci - ta do em 1933 . Foi quando alguém da gráfica Easte rn Calor Pri nt in g Compa ny
nema dos pobres", mas a lo ngo prazo os quadrinh os sairão prejudi cados por essa (provavelmente dois emprega dos da seção de ve ndas , H arry W il de nberg e Max
relação, quando tiverem que competir com a televisão em seus pró pri os term os. Gaines) percebe u q ue co m as pranc has co m as quais e ram im p ressas as pág i-
nas d ominicais podi am se r im pressas duas pági nas de quadrinhos de ta manho
Po r último , as séri es de ave nturas afasta ram os quadrinh os da realidade redu zi do . Co nsegui ra m ven der a ide ia de uti li za r o novo for mato para im pri-
c otidian a, da atua li dade po líti ca e social, do costumismo e d a fa míli a como te ma mir cadern inhos que o utras empresas comercia is pude ram presentea r aos seus
e co mo públi co, e os o rie n ta ram para o consumo j uve nil. Parad oxalme nte , a mu - cli e ntes, e foi assim q ue rea li -
dança fo rm al para um estil o re presentativo consi derad o de maio r reali.~mo impli - zaram 10 mil exemplares de
cará um ma io r grau de irrealidade do que aq uel e que podia ser e ncontrado nos Funnies on Parade para a Procter
quadrinhos q ua ndo a caricatura e ra o paradi gma d a re p rese ntação hegemô ni ca . and Cam bi e, um fab ri ca nte de
É a partir desse mome nto , mais do que nunca , que os quadrinhos começaram a sabo netes que , por seu cos -
ser diri g idos rea lme nte para as crianças, e ma is ainda a partir do surg imento do tume de pat rocinar seriados
comic book. radiofôni cos , deu o rigem à
e xpressão "soap opera". A nova
revista incl uía re im pressões de
o comic l700k que chegou de outro mundo séries dos jorn ais, por c ujos di-
re itos se pagava mui to pouco,
Com O nome de comic book se conhece não um livro de comics, mas o que e esse fo i també m o con telldo
na Espanha se chama habitualmente de tebeoso um caderninho grampeado, em ge- dos próximos comic books que
rai em cores, com um núme ro de pági nas e ntre 32 e 64, que se ve nde nas bancas publ icaram dura nte os meses
po r um preço acessível para os bo lsinhos das crianças e que são colecio nados em po~teri ores , para sere m presen -
séries. O comic book será um passo decisivo na evolução dos quad rinhos, po is teados po r fa bri cantes de cre-
pe rmit irá que se desliguem da imprensa geral ou humo rís ti ca e alcancem uma me de ntal ou sapatos. Caines
autonomia como meio, al ém de ser um suporte o nde te rão espaço, finalme nte, as ac ho u que existia um me rcado
h istórias de longa extensão, ou pelo me nos de extensão superi or a uma página. Go r- para esses novos comic b ooks,
don , que estudo u o papel dos quadrinhos como produto de co nsum o na sociedade mai s al ém do seu va lo r como
capitalista, indi ca que, na imprensa, as HQs haviam servido como fe rra menta para incen tivos come rciais. Com o [40J Famous Funn;.s 1 (1934).
A I'IOVaA 6RÁI'ICA z - os <JUAPIlI~UOS A(JtJL TOS A~TH rJOS <'iUAPIlI~UOS ArJULTOS

apoio da editora Dell , a Eastern Color imprimiu 35 mil exemplares de Famous de correspondência e ide ias, autêntico precedente das "redes sociais" atuais da
Funnies [40], o primeiro comi c book que era vendido em lojas por um preço interneI. Alguns dos principais promotores desse [andom original dos pulps aca-
de capa, o qual ficou estabelecido em 10 centavos. Embora a tiragem tenha se bariam se convertendo em figuras importantes na edição de comi c books, aos
esgotado, a Dell se desv inculou da empresa , de modo que a Eastern co ntinuou quais trasladaram essa cu ltura clandestina e sectária .
sozinha. Do Famous Funnies número 2 foram impressos 250 mil exemplares,
que foram distribuídos nas bancas . Ao chegar ao sexto, a publicação já es tava Além disso, os pulps deram lugar a um bom número de personagens colori-
dando lucro". dos que anteciparam aqueles que pouco depois chegariam às páginas dos comic
books, o Sombra, Doe Savage , O Aranha, Black Bal.. . Muitos deles tinham du-
Durante os anos seguintes foram aparecendo mais comic books, todos in - pla personalidade , usavam máscara ou desfnltavam de poderes sobre-humanos, e
tegrados por reedições de quadrinhos publicados anteriormente nos peri ódicos. constituíram os ingredientes que dariam forma aos super-heró is.
Inclusive os syndicates se animaram a publicar diretamente seus principais títulos.
Mas faltava algo para o formato acabar de deslanchar, algum valor agregado que Foi nos pulps que se fez conhecer um personagem próprio de uma novela
lhe proporcionasse um atrativo próprio , além de ser um simples veículo para a picaresca , o coma ndante Malcolm Wheeler-Nicholson , que havia escri to alguns
reciclagem de HQs previamente utilizadas e que o leitor já conhecia . Esse compo- relatos para essas publicações durante os anos 1920 e 1930 . Wheeler-Nicholson ,
nente essencial que daria vida própria ao comic book não chegaria do mundo das que contava extraordinárias façanhas bélicas e eróticas a quem nel e acreditasse ,
tiras de jornal, mas de um mundo completamente diverso, O dos pulps . começou a editar quadrinhos em 1935, quando publicou uma revista intitulada
New Fun , com as tiras em preto e branco . New Fun seria LI primeira revista em
Os pulps eram novelas populares vendidas nas bancas . Jim Steranko assim quadrinhos a publi car material completamente novo , e não reimpressões de tiras
as descrevia: de jornaL Os quadrinhos Certamente não eram de grande qualidade, já que o co-
mandante pagava atrasado e mal , mas oferecia como estímulo a pOSSibilidade de
Os pulps eram revistas sem corte que recebiam seu nome do papel mole utilizar a revista como gancho para interessar algum syndicare, o que propiciaria
salpicado de pedaços de fibra de madeira nos quais eram impressos. Os aos jovens - muitos quase adolescentes - desenhistas desconhecidos assinarem
editores utilizavam a polpa de papel porque não havia nada mai s barato. Os um verdadeiro contrato profissionaL Wheeler-Nicholson chamou sua editora
pulps tinham pouco a ver co m a qualidade. A palavra -chave era quantidade! de National Allied Publishing e foi acrescentando alguns títulos à sua oferta ,
Os editores co nseguiam o sucesso repetindo -se implacavelmente a todos os quais se nutriam de qualquer coisa que lhe chegasse às mãos e pela qual
pergunta : Como posso imprimir ma is li vros , co m mai or frequênci a, de tivesse que pagar pouco ou nada . Certamente , dever dinhei ro a um inocente
.
forma mais barata '?'uo desenhista que vivia na outra ponta do co ntinente não era O mesmo que dever à
gráfica, ainda mais em uma época em que as gráficas e as di stribuidoras tinham
Com sua ênfase na ficção de gênero - aventura , western , crime , mistério, fortes vínculos com a máfia , depois da Lei Seca . Quando Wheel er-N icholson
ficção científica e fantasia - , os pulps puseram a primeira pedra na construção da teve problemas para enfrentar os pagamentos ao seu distribuidor, a Independent
subcultura do lazer que seria tão importante para o desenvolvimento do comic News, este, num primeiro momento, adquiriu parte da sua empresa, e finalmen-
book. Eram os primórdios do que Henry Jenkins denominou "cultura partici- te ficou com toda a propriedade . Estávamos em 1938 e a National havia come-
pativa" IOI . Em torno das revistas de Hugo Cérnsback , que lançou a primeira çado a publicar no ano anterior um comic book dedicado a histórias poliCiais,
coleção dedicada à ficção científica, Amazing Stories ( 1926), surgiu um movi - D etecritle Comics , cujas iniciais acabariam dando nom e à editora: DC . Quando a
mento de aficionados (conhecido nos Estados Unidos como [andom) que orga- empresa passou às mãos de Harry Donenfeld e Jack liebowitz - o proprietário
nizou publicações (os [anzines) , convenções (festivais ) e redes de intercâmbio e o contador da Independent News - , um novo título estava na metade de sua
t - 05 <1U1IPItI~05 A/lUI. r05 Af'lTri5 (J05 <1UAllrlIf'lII05 Ar>UL r05

produção : A ccion Comics . Faltava ainda a história principal , a que iria na capa .
Vince Sullivan , o editor da nova coleção, decidiu incluir uma tira de jornal
descartada por Max Caines, que a liberou do seu cargo editorial no McClure
Syndicate. A tira em questão estava há anos saltando de um syndicate a outro,
mas ninguém havia mostrado interesse em adquiri·la . Sullivan decidiu que seria
possível remontá-Ia para o formato de página de um comic book e colocá-Ia
na capa . Seus autores , dois jovenzinhos de C1eveland aficionados dos pu/ps de
Cernsback , Jerry Siegel e Joe Shuster, decidiram aproveitar a oportunidade de
vê-Ia publicada e finalmente a venderam - junto com todos os direitos sobre seu
protagonista - por apenas 130 dólares. O título da série era Superman .

O número 1 da Aaion Comic, apareceu com data de capa de junho de 1938 ,


e seus 200 mil exemplares se esgotaram . Apesar disso, Donenfeld se sentiu hor-
rorizado pelo ridículo do personagem , que na capa desse número 1 aparecia le-
vantando um automóvel sobre sua cabeça [41 ], e ordenou retirá -lo das capas dos
números seguintes. Entretanto, em seu número 7 , a Action Comics já estava ven ·
dendo 500 mil exemplares por mês, e uma pesquisa realizada nas bancas revelou
o motivo : as crianças perguntavam pela revista em que saía o Superman . Este
não só voltou imediatamente à capa, mas em 1939 estrearia sua própria coleção,
Supennan, o primeiro comic book dedicado a um único personagem , sem deixar
de aparecer em cada número da Action Comics . O comic book havia encontrado
aquilo que lhe ia ser próprio, e havia começado uma nova era para os quadrinhos .

O auge do comic book foi muito rápido e coincidiu com um declive


constante das tiras de jornal, que, a partir dos anos 1940, perdem espaço e
qualidade de reprodução nos periódicos. Dificilmente surgirão novas séries
importantes até Pago (1948 ), de Walt Kelly, e Minduim ( 1950), de Charles Schulz.
Entretanto, os comic books e as editoras que os publicam se multiplicam com um
ritmo desenfreado . Em 1942 são publicados 143 comic books diferentes por mês,
que são lidos por mais de 50 milhões de pessoas . Muitas delas são os militares
mobilizados pela entrada dos Estados Unidos na Segunda Cuerra Mundial. Apesar
das restrições do papel , os comic books não dei;<am de aumentar sua tiragem . O
gênero imperante é o dos super·heróis. Trata·se de uma figura nova, que herda
traços de tradições anteriores, mas em sua formulação exata, tal como aparece [41) Superman em Action Comics 1 (1938) , Jerry Siegel e Joe Shuster.
represe ntado no Superman de Siegel e Shuster, é diferente de qualquer coisa que
tenha existido antes. CeraldJones assim o explicava ,
z - 05 <!lUAl7fIZ~U05 APULT05 A~rr;;5 "05 ~UAl7fIZNI-'05 APULT05

Quai squer que fossem os antecedentes para os poderes, o disfarce ou a o negócio das revistas em quadrinhos herdou muitos dos traços do ne -
origem do Superman que possamos encontrar em Edgar Rice Burroughs gócio dos pulps: os editores eram estrangeiros e de origem suspeita , e seu úni-
ou Doc Savage , ou no Sombra, no Fanta sma , no Zorro, em Philip Wylie co objetivo era produzir material rapidamente e recuperar o investimento o
ou no Popeye , nada jamai s havia produzido urna leitura comparáv el. A quanto antes . Surgiu um sistema de produção organizado em "ShOpS" , estúdios
vigorosa mistura de pastelão , caricatura e perigo já era familiar desde ou até Hoficinas", que funcionavam como verdadeiras cadeias de montagem
o Wash Tubbs de Roy Crane , mas Crane nunca deu o salto para uma onde se produziam revistas completas para o editor que as encomendava . Will
fantasia tão pura . Hollywood havia criado momentos impressionantes Eisner, um rapaz de vinte e poucos anos praticamente sem experiência pro-
a partir dos desastres naturais, e Douglas Fairbanks nos havia feito fissional , criaria um dos mais famosos estúdios com o empresário Jerry Iger.
sentir o mesmo gozo de libertação física , mas não tinham nada que Anos depois , em sua memória gráfica daqueles anos, The Dreamer [O sonha-
igualasse o prazer imediato destas cores planas e brilhantes e suas dor' o" 1986] [42 ], ele recordaria como funcionava o sistema . Os desenhistas
formas ferozmente simplificadas . Era a destilação das emoções mai s contratados pelo estúdio trabalhavam na mesma sala , em mesas contíguas.
potentes no mais puro Ii xo !o2. Eisner, que era o chele do estúdio , se sentava no centro e planejava as histó-
rias, passava as páginas arte-finalizadas para o lado esquerdo , e dali se manda-
Para Amy Kiste Nyberg, o super- herói era um novo conceito, vam as páginas pintadas para o lado direito para acrescentar os fundos e limpá-
~Ias . Como observa seu sócio , "parece mais uma galera egípcia de escravos
Tão novo, na verdade , que O termo super-herói só foi cunhado vários que um estúdio de quadrinhos". Com mais razão se poderia dizer que parecia
anos depois do surgimento do Superman , o primeiro super-herói dos uma fábrica moderna , pois o comic book nada mais era do que uma produção
quadrinhos. Os personagens super-heroicos distinguiram os comic industrial. Para Harvey Kurtzman , os comic books foram criação dos conta-
books de outros meios e contribuíram para o crescimento do comic dores, não dos autores das HQs,
book , de curiosidade das bancas a um meio de massa , Em retrospectiva ,
é fácil ver o impacto que esses super-heróis tiveram sobre a cultura Foram os contadores que iniciaram o negócio das histórias em quadrinhos.
popular americana , já que o super-herói é atualizado e reinventado para E pensavam com a mentalidade de contadores. O artista não era nada. Era
cada nova geração l03 . importante a gráfica, importante a distribuidora, importante o tio da banca
e, certamente, importante o contador, e em algum lugar no nível mais baixo
Certamente, a De foi a primeira a imitar seu próprio sucesso, com Batman do totem estava o artista. O único que fazia falta era um tio com um pincel
e com muitos outros personagens , mas não foi de modo algum a única. Entre que enchesse as páginas. Fun,:ionava com ou sem os artistas! Ou seja, daria
1939 e 1941 apareceram centenas de super- heróis de todas as formas e cores, e no mesmo se houvessem enchido as páginas de merda ... I()6
à frente deles está o Capitão Marvel , um singular êmulo do Superman (de fato ,
foi motivo de uma ação de plágio por parte da DC que se manteve durante uma Ali acabavam aqueles que não tinham nível suficiente para ter acesso às
década nos tribunais) publicado pela Fawcett, que se distinguia por seu caráter tirás de jornais, profissionais da ilustração que haviam perdido o emprego com a
ingênuo e quase autoparódico em um momento em que a maioria dos super- Grande Depressão, e jovens que estavam verdes demais para aspirar a um cargo
-heróis se caracterizava por sua brutalidade. Em 1944 se atinge o momento melhor. Nick Cardy, que faria carreira durante décadas como desenhista român-
de apo geu máximo da indústria dos quadrinhos naquele período , que veio a tico e de super-heróis, explicou como renunciou à sua desejada carreira de pintor
ser conheCido como a Era de Ouro dos quadrinhos. Captain Marvel Adventures para se refugiar nos quadrinhos:
vendeu naquele ano 14.067.535 exemplares 'o,.
A rtOVQ.A 6~Á~ICA z - 05 ~U05 1It7UL T05 AI'ITH 1705 ~UAf7flZI'l"05 Ac>UL T05

D~scobri , em primeiro lugar, Que não podia me permitir as pinturas a ó leo.


As tintas a ó leo eram muito caras e eu tampouco podia me permitir comprar
as telas. Então pensei Que poderia me dedicar à ilustração. Nos anos 1930
16 1 •
estavam sendo realizados trabalhos mara vil hosos de ilustração: Harold von
Schmidt, Dcan Cornwell, Howard Pyle. Bons artistas. Não eram Degas, mas
eram bons. Isso era baixar um escalão nas belas artes, mas tudo bem , embora
cu tenha percebido que lambém não poderia fazer isso. Não sabia o que fazer
ou aonde ir. Não tinha um terno para me apresentar, c creio que de todo
modo esses estúdios eram muito fechados. Achei que não teria nenhuma
possibilidade e precisava ganhar a vi da. Precisava de dinheiro imediatamente,
para sobreviver. Então me meti nos quadrinhos, e gostei del es \U7.

Se até mesmo as tiras de jornal haviam tido dificuldades para ganhar o respeito
da sociedade, as revistas em quadrinhos baixaram ainda mais a percepção que esta
tinha das HQs. Esse era, claramente e sem nenhuma discussão desde o triunfo d os
super-heróis, um meio direcionado para as crianças, e que tampouco lhes era especial-
mente benéfico nem oferecia nenhuma qualidade redentora aos o lhos de pais e edu-
cadores. Se, para muitos, os quadrinhos em si já eram ruins, as revistas em quadrinhos
e.am os quadrinhos mim. Embora elas fossem lidas por muitos adultos, isso não era algo
que reconheciam sem sentir vergonha . GerardJones obselVa que, "quando a imprensa
quis pintar o gângster assassino Dukey Maffetore como mentalmente sub normal, só
teve que informar que ele lia gibis do Supemum""" . Isso fazia parte do cenário daquele
momento, apesar de uma pesquisa de 1950'09 mostrar alguns dados surpreendentes,
entre eles que 54% de todas as revistas em quadrinhos eram lidas por adultos com
mais de 20 anos, e que o adulto médio lia cerca de onze revistas por mês .

Os super-heróis atingiram seu auge durante a guerra, e ao fim do conflito en-

-" traram em rápido declive, o que talvez possa ser interpretado co mo a co nfirmação
de que grande parte do seu público se enco ntrava entre os soldados convocados
para as fileiras . Entre 1941 e 1944 as vendas das revistas em quadrinhos passaram
de 10 para 20 milhões de cópias por mês "" (para calcular sua verdadeira difusão é
preciso levar em conta que cada cópia era lida por uma média de seis a sete pes-

(42) The Dreamer (1986), Will Eisner. soaS), mas com a paz os super-heróis bateram em rápida retirada . Durante os quinze
anos seguintes, sobreviveram apenas as "vacas sagradas" da De: Supemlan , Batman
e Mulher-Maravilha . O Capitão Marvel , símbolo da Era de O uro, foi abandonado
~Ia Fawcett em 1953 . Quando suas vendas caíram , acharam que não era rentável
z - os ~Al7f/rf'lUOS AI7ULTOS Ar/fl'S vos ~UAI7f/1f'1UOS AVULTOS

manter o litígio aberto pelo processo da DC e interromperam sua publicação. Iro- angl o-saxô nico se conhece como "jovem adulto", ou seja/ um adolescente à beira da

nicamente, seria a própria De que acabaria comprando os direitos do personagem , maioridade, e por "ve rdadeiro" devemos entender o tom confess io nal das históri as.

que hoje faz parte do seu repertório e compartilha aventuras com o Superrnan . Evidentemente, não há em Young Romance nada autobiobTfáfico, já que as histórias não
são obra de jovenzinhas apaixonadas/ mas de homens maduros. Mas desde a primeira
história, "I was a Pick-upr', os textos estão escritos na primeira pessoa. Além disso,

Amor, crime, horror: 'l.uadrinhos 'l.uase para adultos OS quadrinhos românticos devolvem as HQs - poderíamos dizer que pela primeira

vez nas revistas em quadrinhos - à soci edade contemporânea, ao mundo das relações

Entretanto, se os super-heróis haviam sido fundamentais para lançar o forma - laborais e sentimentais plausíveis e reconhecíveis por parte do leitor. Fonnalmente,

to da revista em quadrinhos, seu declive não diminuiu o auge do suporte. Outros os quadrinhos românticos não apresentam diferenças significativas dos quadrinhos

gêneros começaram a proliferar, abrindo a oferta dos quadrinhos como nunca se de ação e de super-heróis. No fim , Jack Kirby e a maioria dos profissionais que se
havia visto nos Estados Unidos. HQs de adolescentes, de funny animals (animais dedicaram a eles já estavam há alguns anos curtindo o seu estilo e refinando a sua

antropomórficos, imitando os da Disney), western policiais românticas de terror própria linguagem . Mas na introdução de novos elementos te máticos e na captação
I I I ,

de guerra ... A era pós-super-heróis parecia ter algo a oferecer a cada setor da socie- de um público feminino mais vel ho, abriram o ca minho para tirar a revista em

dade. Alguns desses gêneros levavam em si a semente de um verdadeiro quadrinho quadrinhos do reino da infância. John Benson considera que o momento de esplendor
adulto que só necessitava de um pouco de tempo para amadurecer definitivamente. dos quadrinhos românticos foi entre 1949 e 1955 "', período em que foram vendidos
1 bilhão de exemplares e chegaram a ser publicados até 150 títulos di ferentes em um
Um desses gêneros foi o romântico. O título inaugural foi Young Romance mesmo mês, o que equi valia a cerca de 25% do mercado total dos quadrinhos.
[43], publicado pela Crestwood em 1947. Seus autores eram Joe Simon e Jack
Kirby, uma equipe que havia obtido um grande sucesso com um dos maiores super- aL
-heróis da guerra, o Capitão América / e que assinou um acordo pouco comum
com a editora para dividir os lucros nesta nova série de quadrinhos dedicada ao
mundo do amor. Joe Simon explicaria: "há muito tempo me causava assombro que
tantos adultos estivessem lendo revistas em quadrinhos concebidas para crianças,
e agora me perguntava cada vez mais por que havia tal escassez de quadrinhos
para o público feminind lJ 11. Com isso em mente / podemos observar dois elementos
de destaque na capa do número 1 de Young Romance . Primeiro que/ apesar de o
U
título da publicação incluir a palavra "jovem , uma faixa abaixo indicava que ele
era "designed for the more ADULT readers of COMICS", ou seja, "concebido para os
leitores mais ADULTOS de QUADRINHOS"; o segundo, um texto inserido no
desenho que avisava sobre seu conteúdo "Ali TRUE LOVE ,tmies", ou seja, "todas
histórias de AMOR VERDADEIRAS". A intenção de se dirigir a um público
adulto e de contar histórias verdadeiras não só jamais havia sido reivindicada em
-
uma HQ do Mickey Mouse, mas será um dos traços mais importantes da novela
gráfica contemporânea, que derivou boa parte da sua personalidade da memória
e do au tobiográfico . No entanto/ certamente não podemos exagerar o valor de
ambas as declarações em Young Romance: por "adulto" devemos ler o que no mundo [43] Young Romance 1 (1948), Joe Simon e Jack Kirby, [44] Crime Does Not Poy 22 (1942), Charles SiTO.

I
, t - 05 ~UAPrlI~U05 AroL T05 Af'/fH P05 ~UAPrlI~J.105 APUL T05
A NOVI'LA 6~AF!CA

Outro gênero importante foi o do crime . A revista em quadrinhos inaugural faixa a identificava como "picture nO'llel" - um termo que recorda aqu ele utili z ad o
desta tendência foi Crime Does Nor Pay Uunho de 1942) [44 J. publicada pe la Lev por Lynd Ward para descrever suas próprias obras , IIpicture narra tives" - e o uso
Cleason, cuja linha editorial era res ponsabilidade de Charles Biro . Crime Does Nor da palavra Lust (luxúria ), a de maior tamanho na capa , junto co m a tentadora
Pay foi um título de vendas moderadas enquanto durou o auge dos super· heróis, im agem de uma mulher com um amplo decote, já avisava que não era dirigida ao
mas, uma vez que estes perderam fôlego , suas cifras de ci rculação começaram mesm o público que seguia as faça nhas do Pato Oo nald . lt Rhymes Wilh Lu" era
a subir até ch egar a um milhão de exemplares por mês em t 948 . Certamente, uma hi stória de gênero noir que girava em torno da corrup ção em uma peque na

isto provocou toda uma febre de imitadores que, como no caso dos quadrinhos cidade minerária, Copper C ity. A ela c hegava o protago nista , Hal Weber, um
românti cos , asseguravam o ferecer casos verdadeiros de crim es, algo que Crime Does jornalista c hamado pela viúva d o dono da cidade , que acabara de mo rrer. Ela,
Not Pay já asseverava desde o seu primeiro número . Nem sequer os atuais quadrinhos chamada Rust (por isso rimava com lusr), era um antigo amor de Hal , que se
autobiográfi cos e documentais insistem tanto na veracid ad e de seus relatos. As veria captura do e ntre o co mpromi sso co m a ve rdad e , em fun ção de sua vocação
histórias de crime eram , em geral, sem floreios e não só incluíam elevadas doses de jornalística , e sua sujeição às m anipu lações de Ru st, da mesma m aneira que
violência , como não se recatavam na h ora de mostrar os estragos das drogas e da tinha que decidir cntre se deixa r seduzir por ela ou se entrega r ao am or puro
vida do crime . Assim como no caso das H Qs rom ânticas , dirigiam -se a um públiCO de Audrey, a inoce nte filha do falecido . A hi stóri a, em que ocorrem fraudes
leitor que provavelmente havia se desmamado dos quadrinhos de super-heróis eleitorais, assassinatos e gre ves de mine iros, tinha m ais ou menos o mesmo tom
c ago ra h avi a e ntradn na idade adulto que qualquer filme no ir daqueles anos . Na ve rdade , Arnold Orake , um de
adulta e ma ntinha um hábito de seus autores, decl araria que as pic ture noveis eram pensadas para ser "film es de
ler quadrinhos . Tendo em mente ação , mistéri o , western e roma nce em papel'l, e que ULust teria sido um bom filme
eSse público , e com a inte nção de para Joan Crawford ou Barba ra Sta nwyc k"'13. O rote iro e ra at ribuído a Orake
aproveitar o apogeu do gê nero de Walier, pseudô nimo so b o qua l se o cultava Orake , que teri a uma lo nga carreira
crimes, apareceu um a das obras que posterior co mo rotei rista de quadrinhos , e Le sli e Waller, que dese nvo lveria
mais legitimame nte pode reclamar sua atividade e m H o li ywood . O desenho correspondia à eq uipe formada por
o seu dire ito de ser reconhecida Matt Baker e seu colo rista favorito , Ray Osrin . Bake r, um dos prim e iros afro -
como "a prim eira novela gráfi ca -american os a co nqui star um nome na indúst ria d os quadrin h os l era o principal
americana", Ir Rhymes With Lusl. desenhista dos quadrinh os româ ntic os da St . Jo hn . Em testemunhos poste ri ores ,
Drake não hesitou em se atribuir a inve nção conscie nte e de liberada da nove la
Ir Rhymes with Lust [45 ] foi gráfica, ao ex plicar que o rac iocíni o que o levou à c riação de 1t Rhymes Wilh
publicada e m 1950 pela Archcr St . Lust foi a ideia de que , "para os ex -comb atentes que ha via m lido quadrinhos
Joh n , um a das principais edi toras enquanto estavam no exército e gostavam do estilo grá fi co de narração, h avia
de quadrinhos românticos . Tinha espaço para um comi c book mais desenvo lvido , um a ponte deliberada e ntre os
128 páginas em pre to e branco , comic book s e os li vros de ve rdad e u"4 .
e o fo rmato pequeno típico
dos livros de b o lso , incluindo a Apesar dessa afirmação , era o m ode lo ci nematográfi co , mai s ai nda que o
10mbada. Provavelmente foi a da ficção lite rária de gê nero , que 1t Rhymes Wilh LU.H imitava. C ilbe rt o bserva
primeira vez que uma HQ ori ginal até que ponto era a grande tela a referência ao assinalar a man eira em que fo ram
[45] lt Rhymes With Lust (1950), era apresentada como um livro utilizadas as re tículas mecâ ni cas , o cham ado Z ipatonc l um papel transparentc
Orake Walle r e Matt Baker. nos Estados Unidos. Na capa , uma com pontos impressos que com frequê ncia se aplicava sobre o desenho para
A NOV~LA 6~ÁF!CA
1. - os <1UAPrlIN"OS AClUL TOS ANTõS POS <1UAPrlIN"OS APUL TOS

conseguir efe itos de sombras e matizes acrescentados ao preto e branco puro. ALI. r I<NOW 15 _T
"HAO.
THI M'VE GOT TNeM DEAD
Em Ir Rhymes Wirh Lusr [46]. exp lica G ilbert ,
TO RlGHTS. _OIIT
DF IT, HALI WE'VI!
MAL ... Li. 'S GOl T'HI S(C(IP OF
utili za-se a retícu la branca de forma exaustiva para fazer com que certos THE yEIA IN OUIl
,.."., 'IMr
planos visuais selecionados re trocedam . Em co nsequênc ia , o desenho IlAHDS!
restante salta para a fre nte , dirigindo sutilme nte o le itor para zonas de
importância es pecial para O re lato , da mesma man ei ra que O faz a len te da 1... NO. LEAve /IIf.
câm era em um fi lme . Se uma câ me ra de c inema focali zar o primeiro plano , ALONE, IAK~ JUST
LfAve /IIf. AI.ONE.
o fundo fica borrado. Por isso, o olho do lei tor se di rige instinti va menle
para a imagem mais definida que está na fre nte. É uma téc nica simples, mas
surpree ndentemen te sofisticada , que Baker e Os rin poderiam ter usado para
fazer com Que o leito r se nti sse que estava ve ndo um fi lme sobre papel. E
l15
certamente era essa a intenção .

lt Rhymes Wilh Lu" só pretendia descobrir um novo formato qu e che-


gasse a um públi co potencial , o mesmo públi co adulto jovem q ue Joe Si mo n
e Jack Kirby buscaram com Young Romance. Evidentemente , não compartilha
nenhuma das aspirações li terá rias ou artísti cas que são hoje comuns na nove-
la gráfica contemporânea , embora a mudança de forma to por si só produza ru. ...I'LL LET VOU I THINK I GET n; HAL AVOIDEO
lI.... ES EYES
ICIIOW UTER, IAIC!. I MUST SE AWFUL OU"'&. IT'5
transfo rmações interessa ntes na narrativa . Sendo a página menor que a ha b i- WlU. SEE. WE'LL JUST _T I COULON'T QUI I e AJD IJW.O
SE!. 8!UM YOU- WEU., HEVEIl TO TAKE
tuai no comi c book , o número de requadros por página se reduz , no rmalmente "'INO. I HAO VOU WIIONe.
não passando de três, h ave ndo inclusive muitos requadros de página inteira .
E- um tipo de narrativa que só começará a ser praticado com certa frequên- •

"
HE
cia nos Estados Unidos quarenta anos depois, quando Frank M iller apli ca a "",., HI5_-
I1IJE1lADE AS
Sin City , sua revitalização do gêne ro noir, as lições aprendidas estudando os THE CRIISM)·
ING EDfTtJl?
mestres dos quadrinhos japoneses. Em /t Rhyme, Wirh LU' l, no entanto , esse WAS OVEI?
:rAKE KNEW
planejamento de página é só uma co nsequê ncia inconsc iente da adaptação ao THE lIlUTH.
SOON 1HEYf>
formato reduzido . É evidente o peso do model o ci nema tográfico que se hav ia AU. KNOW
imposto como um dogma invisível sobre a lin guagem dos quadrinhos desde 1HAT NA!
WE8E~ WAS
meados dos anos 1930, mas, apesar de tudo , é verdade q ue se reco nhece uma A WEAKI./NG
WHO AUJJWED
vo ntade de oferecer um produto um po uco ma is sofisticado a um públi co mais HIMSEU: TO
adulto . A suposta linh a de picture novel! fracassou quase antes de começar. Um MTW/SIIV
• A/iOIJND
segundo título morreu sem deixar marca, se é que chegou a ser publicado, e A W,,,.\4N"
FIN6Bl.
a lembrança de Ir Rhymes Wirh Lust se perdeu até ser recuperada , sig ni ficati-
vamente , nestes últimos anos em que se estão esquadrinhando os rincões da
[46] It Rhymes With lust (1950). Drake Waller e Matt Baker.
h istó ria para descobrir antecedentes da novela gráfi ca .

lU
A NOV~LA 6RÁ~ICA
z- OS {'lUAPr?INfJOS AI?UL TOS ANTH (70S {'lUAPr?INI-IOS AI?UL TOS

o fen ô meno da inclinação para um certo rea lismo e um público mais adu lto
a partir de gêneros como o romântico e o crim inal nos anos 1950 tem lima difusão MM'IO I)E H.."... UN SUFLE·
1361 SE HA' I .8A MeNTOPE40
internacio nal. Na Espanha , já mencionamos, é dura nte essa época que se ensaia ItI!.4LIl.ANPO 11t&S P 'GINÃS PAo"
08 .... 5 A LA vez. L.4 ReVISTA
o formato de nominado IInove la gTáfica", e nos quadrinhos fem in inos se pretende BOft: EIrI-O, A·
I I
.... .400 EL 5LJ.
um maior realismo. Um a IIfa/sa realidade de um mundo ideal, em que o amor e o PEftVIVIENTE.

sucesso sempre acabam se impo ndo"'16, como adverte Martín , mas em todo caso
certo "realismo" que supõe lIalgo como a abertu ra da mulher espanhola para as 'no .
vas profissões'" em virtude da qua l as hero ínas protagonistas passem do mu ndo das
fadas ao das "secretárias executivas, aeromoças, modelos de alta costura , jorna.
listas, manicures e cabeleireiras, enfermeiras, estudantes uni ve rsi tárias, model os,
fun cionárias de grandes lojas e até mesmo cantoras pop'lJ 17.

o gênero nuir, por sua vez, será a desculpa para algumas incursões e m cená -
rios e personagens mais adultos, Como na série de livros Oick Bos de Alfrcd Mazurc
(Maz ) na H o landa, inic iada em 1941 , ou no Oiabolik ( 1962 ) da s irmãs milanesas
Angela e Luciana Giussani que, apesar de ser um aven tu reiro disfarçado, tem um
tom eró tico e grave inadequado para o público infantil. Vito Nervio, o mais famoso
dos detetives argentinos, surge também em 1945 , nas páginas de PawTU zito.
Y LA OBRA
..8AIOCONEL
CACIfA-'E. OI:
128 PAGINAS.
No Japão, os anos 1950 verão o surgi mento de um novo tipo de quadrinho de
maior realismo , derivado das kashibonya, as livrarias de aluguel popularizadas du rante
,
o pós-guerra Como meio de se consegu ir e ntretenime nto barato . E nesse circui to, e ASES/NATO
EN LA MANSIÓN
no do kamishibai, uma espécie de teatrinho ambulante em que se narravam histórias IlU/SEIJOR. PA-R4
LA COl.EGCIÓN C>E
com a ajuda de desenhos, que são curtidos os que depois serão mestres des te mangá HISYORlÃS CORTAS
OE LA ceNTIUJ.
alternativo, Shigeru Mizuki , Sa npei Shirato, Tatsuo Nagatmatsu c Yoshihiro Talsu- BUfo.N<O.
mi [47], que batizará em 1957 este novo gêne ro Cama gekilra' " . Uma vez mais nos
vemos COm a necessidade de opor uma denominação nova à oficial dos quadrinhos
para libertá-los das restrições infan tilizantcs que e la impõe : gekiga vem a significar ~TeuÃS TRANGlUILO.
CON I AS HISTo- CUANooMe
IIdese nhos dramáticos" e foi adquirindo um matiz parecido com o que a "nove la grá- iItlÃS? CANSO DE UNA ÃSÍ SOY
HISTOflIA., PASO INCLUSO
fica I! representa para nós. O gekiga será o verdadei ro germe dos quadrinhos adultos A OTRA. MÁS PItO-
OUCTIVO.
no Japão, pois não só apresentará histórias e perso nagens mais realistas e ancorados
no mundo contemporâneo, o nde a representação , do sórdido e do violento não
escasseia, mas também , quando as livrarias de aluguel kashibonya desaparecerem nos
anos 1960 devido à recuperação econômica do país e ao aumento do poder aquisiti -
vo dos consumidores, fará com que os desenhistas se desloquem para as revistas de
quadrinhos gerais, assinando os primeiros mangás autorais.
[47 ] Una vida errante ll9 (2006), Yoshi hiro Tatsumi.
Z - 05 <1UAtJf/~U05 APULT05 Af'/TH fJ05 13UAtJf/If'/U05 APULT05

Hoje em dia, muitos desses quadri nhos estão sendo descobertos no Oci- mercado : western , fantasia , aventura . Finalmente, em 1950, lançaram o que aca-
dente, patrocinados por selos de prestígio relacio nados com a novela gráfica bou se chamando N ew Trend ou Nova Tendência da EC , em que estavam incluídas
contemporânea . Assim , com o apo io entusiasta do desenhista Adrian To mine (de coleções de c rime ao esti lo daquelas de Lev Cleaso n/Charles Riro - Crime Sus·
ascendê ncia japonesa), a e dito ra canadense Drawn & Quarterly está publicando penSwries - , títulos de ação e aventura - Two Fisted Tales , que mais tarde passaria
não só Tatsumi , mas Susumu Katsumata ou Se iichi H ayashi , enquanto na França a publicar h istórias de guerra -, ficção científica - Weird Fantasy e Weird Science - e ,
Shigem Mizuki colecio na galardões. sobretudo, as coleções de terror que desencadeariam um novo furor entre o pú -
blico, The Vault of Horror, The Cry pt of Terror e The Haunt of Fear"o.
o caso japonês é talve z o exemplo mai s claro de como esse tipo de relato
possuía o po tenc ial para ab rir os quadrinhos para toda a sociedade e todas as ida- A EC funcionava sob as mesmas severas condições de produção que a maio -
des. Outra coisa é que esse potencial se cum pra . Nos Estados Unidos, lt Rhyme.\ ria das editoras do momento: era preciso pro du z ir o maior número de páginas no
With Lust ficou como exemplo raro. Mas talvez fosse unicamente um problema de menor tempo possível. AI Feldste in estava encarregado de roteirizar e dirigir to-
oportunidade , talvez o formato fosse prematuro, já que o sucesso dos quadrinhos das as revistas, o que lhe impunha um ritmo de trabalho que às vezes o obri gava
românticos e de crime entre um públicO adulto parecia pressagiar a consolidação a escrever uma história por dia . Para facilitar o seu trabalho , escrev ia os roteiros
dos quadrinhos como um meio que podia aspirar à integração na respeitabilidade , diretame nte sobre as pági nas, que já e ram entregues arte-finali zadas aos desenhis ·
ou pel o me nos na ra zoável respeitabilidade que hav iam conseguido os irmãos tas. Esse mé to do , obviamente, limitava muito a capac idade dos desenhistas para
mais velhos das tiras de jurnal. Muitos dos profissionais que trabalhavam nas re - combinar o desenho da página com o ritmo narrativo , e produzia hi stórias que
vistas em quadrinhos amadureceram depois de dez ou doze anos de atividade muitas vezes caíam no relato ilustrado e na redundância texto-imagem [48 ]. Mas
contínua, e o meio começava a dar fnltos artísticos di gnos de apreço . os finais surpreendentes e a tnlculência de algum as situações - um bom exe mplo
dos extremos alcançados é a h istória em que um time de beisebol joga uma par-
Fo i e ntão que ocorreu a ascensão da EC Comi cs aos ombros dos qua - tida noturna utili zando como acessóri os os órgãos de um de seus companhei ros
drinhos de terror, o terc eiro e defi n itivo gê nero triu n fa l dos anos 1950 . A EC esquartejado 12 1 _ engancharam os leitores, e os desenhistas se sentiam estimulados
Comics havi a sido fundada por Max Caines (que , como v im os, foi fundamental a dar o melhor de si. Jovens, c hei os de ilusões e ma is bem pagos que na concor-
para a criação do co mi c book e posteriormente levou Supt'rman para a A cti on rência , os desenhi stas da EC ofereceram os mais be los desenhos que as revistas
Comics ) com o nome de "Educational Com ics", se lo sob o qual publicou cole - em quadrinhos já haviam conhecido até aquele momento . Em sua varie dade de
ções tão edificantes como Picrure Stories [TOm the Bible (observe-se como, mai s registros , abarcavam desde a cari ca tura até o realismo româ ntico: Jphnny Craig,
uma vez , se ev itava o nome "comic", que tal vez se considerasse indigno das Craham lngels, Wally Wood , Jack Davis, AI Williamson , Jack Kamen , Bill Elde r,
Sagradas Escrituras), divididas em "Edi ção Antigo Testame nto" e "Edi ção Novo George Evans hoje são lendas. Embora oiicialmente a EC continuasse produ z indo
T estamento", Pic ture Stories {TOm American History, Picwre Stories [rom Sc ience ou material descartável, gibis baratos de consumo rápido , a se nsação de que se podia
Picrure Stories fTOm WorUl History, além de t ítulos infantis de funny animals . Ca in es aspirar a algo mais impregnava o ambiente da redação. As histórias de conteúdo
morreu num aci dente náutico em 1947 , e a editora passou para as m ãos de seu político - de núncias de racismo ou de falso patriotismo , po r exemplo - não eram
filho 13ill , um jovem de 25 an os que de início não mostrou um interesse excessi - raras , e nas coleções de ficção científica começaram a adaptar relatos de escritores
vo pelo negócio herdado . Caines contratou AI Feldstein , roteirista e desenhista , como Ray Bradbury. Todos os dese nhistas da EC assinavam seus trabalhos, co isa
para que fosse seu braço direito na rees trrttura ção da ed itora , que , sem mudar que não era uma prática habitual no resto da profissão , mas que resultava num
su as siglas , passou a se chamar Entertaining Comics. Feldstein despertou em incentivo para se esmerarem mais . Dois deles foram alça dos diretam ente ao con -
Cai nes a paixão pelos quadrinhos. Seus títul os educativos de [unny animais fo ram ceito de artistas ou autores , forçando os limites das revistas em quadrinhos naquele
rapi da mente transformados em coleções mais de ac ord o com as tendências do momento : Bernard Krigstein e Harvey Kurtzman .

Cf??J
----~A ~OV;~6~~rCA'---~--------~---------------------------------- z - 0$ 1JU1IPItIf'IUO$ APUL TO$ ANfr;$ (JO$ ~UII~INU05 AroL TO$

6ernard Krigstein. O primeiro artista

Bernard Krigstein ( 19 19- 1990) descobriu Cézanne muito jovem e, desde


esse momento , quis ser pintor. Depois de cursar seus estudos de Belas Artes
na Brooklyn College, viu-se obrigado a buscar trabalho na indústria dos qua-
drinhos, já que nem as vendas em galerias nem as encomendas de ilustração
bastavam para o seu sustento . Krigstein tinha "o preconce ito de que os quadri-
nhos, como forma artística , não mereciam que eu os levasse a sério ll122 . Embora
quando menino ele tivesse lido as tiras cômicas dos jornais com muito prazer,
desprezava os quadrinhos de aventuras que enchiam as páginas das revistas em
quadrinhos . Krigstein se encaixava , portanto, no perfil que já con hecemos de
profissio nai s do desenho que se viam forçados pelas circunstâncias a trabalhar
em uma indústria que não lhes oferecia nenhum estímulo artístico e que viam ,
em princípio, como um rebaixamento da sua catego ria . O ambiente de produção
padronizada próprio da shop onde se iniciou - comandada por Bernard Baily -
tampouco ajudava alguém que havia sonhado em seguir os passos dos impressio-
nistas. Entretanto, depois da guerra sua atitude para com os quadrinhos mudou e
ele começou a co nsiderá · los uma forma artística válida por si mesma . "Descobri
que os quadrinhos eram desenhos , e se tornaram o único campo sério para mim
naquele momento" "', diria daquela época . A paixão que Krigstein aplicou ao
seu trabalho a partir daí foi tão intensa e sincera que provocou a incompreensão
de seus próprios colegas de profissão. Para todos eles , desenhar quadrinhos era
SÓ um trabalho normal , em que a recompensa econôm ica era mais apetecível
quanto antes se chegasse a ela. Para Krigstein os quadrinhos já eram uma forma
de expressão pessoal. Instruiu seus desenhistas admirados (alguns tão díspares
como Jack Kirby e Alex Raymond ), tomou consciência da história do meio e
se esforçou em vão para fundar um sindicato de quadrinistas, achando que com
isso não somente conseguiria melhorar as co ndições de trabalho da classe, mas
também se elevaria o nível da produção artística . No final dos anos 1940, seus
t~balhos - inseridos nas mesmas revistas em que seus companheiros trabalha -
vam , e atendendo aos mesmos roteiros toscos - o faziam se destacar como um
dos desenhistas mais singulares. Alguém tão dotado tecnicamente como Krigstein
parecia destinado a dar o salto para as tiras de jornais, criar uma séri e sindicali-

[48] uForever Ambergris", em Tales From the Crypt 44 ( 1954), (arL Wessler e Jack Davis. zada e ganhar o prestígio e o dinheiro que o seu talento merecia . Mas Krigstein
já estava tão comprometido com o mei o que preferia continuar nas revistas em
quadrinhos, pois ele se sentia mais satisfeito artisticamente desenvolvendo
z - os IJUAPrlINI-IOS AVUL ros ANrr;s " OS ~UAPrlINI-IOS A"ULTOS

hi stórias de seis a nove páginas d o que te nd o de trabalhar nas limitações d e


uma si mples tira . Bernard Krigstein mostrava , portanto, di versos traços d e um
compo rtamento contrári o ao habitual e m seus colegas d e profissão .

Depois de passar por várias edi toras, Krigste in desembarcou na


EC Comics tardiamente , em 1953 , qua ndo o grupo d e dese nhi stas que
••• I I I I . ' N " u n u - . . a :
carac terizaria a ed ito ra já estava praticame nte fec hado . A in sistê nc ia de Harvey ... TOIa,," IIF~""'"
r.TI nll: M " 5551.1. il .....
Kurt zman , admirador declarado de Krigstein , a q uem já ha via te ntado atrai r
anteriormente , conve nceu Cai nes a aceitá -lo no grupo . Krigstc in se e ncontrou
-----_...
MIf.CMT',- ____LA. TMI ...,ibI2i" _ _ ~.

pela prim e ira vez e m um ce nário receptivo às suas inqui etações . Os roteiros 0''' -p sc" ..•
de Feldstein , C rai g e demais colaboradores mostra va m -se h abi tualmente
mai s esti mulantes do que a porcaria que se h avia visto obri gado a colocar em
image ns durante os dez anos anteriores . Mas , mai s impo rtante ai nda , na EC
eram estimulados os estilos individuais, a personalidade de cada desenhista , e
isso resultou no estímul o definitivo para que Krigstein d esse rédea so lta à toda
a sua criatividade.

Logo começou a mostrar sua preocupação pelo planejam e nto da pág in a


e pelo ritmo narrativo, alterando as ríg id as planificações que lh e propunham
os comprimidos rote iros de AI Feldstein . Em "Monotony" (Crime SuspenStories
22 , abril de 1954 ) [49] , começa a romper co m as conven ções da narrativa .. . S"UH EI Mil: 1i iL P'ULL Of
N!lC e • lO ...a.I: fIOIIITIi ...
da revista em quadrinh os, a prese ntando uma primeira pág in a tão monóto na
como sugere o títul o da hi stó ria . Kr igstei n explicava que esse método era a
mais clara dem o nstra ção de como se o punha à perspec tiva clic hê , qu e e ra
an tema " para e Ie:

Em vez de utilizar esses seis req uadros para planos "emocionantes" e


"variados" co m a intenção de "criar interesse", o u de faze r com Que a
"câmera" se aproxime cada vez mais do perso nagem para "criar movimento"
(o estilo primitivo de Eisner-Kurtzman ), ma nteve deliberadamente O

mesmo ce nári o exato , sem mudar o ângulo , sem mudar a di stância, cuja
conseq uê ncia foi mu.ltiplicar e intensificar a men o r muda nça de atitude e
,
expressão do personagem; concentrar a atenção sobre o aspecto fun da mental
da narraçã o e do tJerdadeiro movim e nto, o movimento do perso nage m 124 , [49] "Monoto ny", em Crime SuspenStories 22 (1954), Bill Gaines. Al Feldstei n e Bernard Krigstein .

13'1
A NOV~LA 6RA~ICA 1. - 05 ~fjU(J5 A/7U~ T05 A/'Im "05 ~UA""I/'I"05 A/7U~ T05

Em "More Blessed do C ive" (Crime SuspenStaries 24 , agosto-setembro de 1954 ) Krigstein n ão só ex perim entava a sequência , mas também o dese nh o .
[50], uma história sobre a duplicidade de do is personagens com duas narrativas em Seu virtu os ismo lh e pe rmitia mudar de es til o , experimentar dife re ntes
paralelo, desdobra requadros que no roteiro original eram um só, e até os triplica. acabam entos, utilizar negro s potentes ou retículas , ou deixar se m massas
negras histórias in teiras, para que elas se apoiassem só na linha e na cor. Suas
r__,
i I
""_....-r ..... __ ........
14M...,.,..."._
influê ncias iam mais alé m do mundo e ndogâmico dos quadri nhos, e às vezes
se mostravam idea is para o trabalh o que tinha d e fazero a "Pipe Oream" (Shock
SuspenStories 14, ab ril de 1954 ), uma hi stó ri a protagonizada por um fumante de
ópio, pô de dar um loq ue orienta l graças ao seu interesse pela pintura chi nesa
e japonesa .

Embo ra Kri gstein não pe rdesse a paixão por experime ntar os limites do
meio , tod os os seus esforços estava m moderados pelas limitações inerentes
ao negócio e m que trabalhava . O número de páginas das quais dispunh a era
escasso - sempre so nh ou em di spor de um IIli vro" inteiro para dese nvolve r uma
narrativa conveni entemente compl exa - , e os roteiros , por mais avançada que
fosse a EC , não d eixavam de ser e le mentares e de atender aos gostos de um
público le itor ado lescente ou muito jovem . Por isso , quando se apresentou a
oportunidade , e m março de 1954 , de faze r algo que transce ndesse , Kri gste in
a reconheceu e saltou so bre ela . O roteiro que AI Feldste in havi a lhe e ntre-
gue tratava de um tema ve rdadei rame nte insólito : o ree ncontro no metrô de
um sobrevivente de um cam po de ex term íni o naz ista e do co mandante que
estava no comando . A hi stória , q ue se intitulava "Master Race" [51 ], era um
prodígio de sutileza , nã o acontecia praticamente nada , pelo me nos fora da
cabeça do protagoni sta . Nas duas primeiras pág inas ve mos como desce pelas
Uia TMr"".MOLL' MA"''''i nLn"
escadas que levam ao metrô o ex·comandante na z ista Rei ssman - um plano .
para o qual Krigstein se docume ntou fotografando sua esposa - e co mo to ma
assento no vagão . A entrada d o sobrev ivente no vagão dispara as recordações
de Reissman , que ocupam quase po r completo as quatro pági nas seguintes, um
ft!sumo da barbárie que varreu a Europa apenas dez anos antes . Finalm ente, o
tIObrevivente o reco nhece , e Reissman foge pela plataforma , ma s cai no espaço
entre os trilhos diante da chegada de um novo tre m , que o esmaga . N o últim o
requadro da história , o sobrevivente afirma enigmaticamente não saber quem
i! o homem esmagado pelo trem , "um total desconhecido".

[50] "More Blessed to Give", em Crime SuspenStories 24 (1954). Jack Oleck e Bernard Krigstein .

136
t - OS lIt'UL TOS AN7J;S &705 <tUAI7flIl'/U05 APIJL T05

o H olocausto era um tema insólito para uma revista em quadrinhos -


na verdade, era um tema quase inédito nos mei os de massa ocide ntais; Nuit et
Brouillard [Noite e neblina], o documentário de Resnais, só se produziria até O

ano seguinte -, e o judeu Krigstein o recebeu como o assunto sério que poderia
pôr à prova o verdadeiro valor de toda a experi mentação gráfica que vinha
realizando durante os últimos anos . liMaste r Race" devia ser a demonstração do
poder artístico dos quadrinhos .
Voo_ YOUII ACu""" ITLL Ii'C': Vou BOW
TO f 5 E IUIJ ca...-
co... AL" uru 111 'fIOU H''I P21ilU 10 1N€ ~ ..... ,... ....y~

.. • aI M fi' l'CUI . . COWfTIIY
Q • A primeira coisa que Krigstein fez foi pedir mais páginas a Feldstein .
W, ... E -.un' ... TOU tA . . . . A história estava pensada para ocupar seis páginas na Crime SuspenStones 26.
....... neo.lUJtJtM'. . ~
J(rjgstein pediu o dobro, que obviamente lhe foi negado; finalmente , conseguiu
oito páginas, apesar das reticências de seu editor. Dedicou -lhe um mês de trabalho
(o dobro do normal), e a entregou tarde demais para chegar à gráfica. Gaines e
Feldstein ficaram impressionados com o resultado, mas deixaram a história na
Fladeira até terem uma acomodação para ela .

Em sua célebre análise de "Master Race", Benson , Kasakove e Spiegelman


observaram que, apesar de ter sido o roteiro que inspirou Krigstein , foi a contri-
buição deste que elevou a história "acima do contexto da típica história com final
surpreendente dos quadrinhos e a converteu em uma experi ência artística memo-
"ITAM: AT 'ilE_iLlln 78THL
MO."D ... dvd", utilizando precisamente um "estilo que é a antítese da narrativa padrão em
quadrinhos"l2s . Esse estilo podia ser resumido na utili zação de planos "antiespeta-
adares" e na decomposição da sequência em um número superi or de requadros .
Se Feldstein "comprimia" seus roteiros com sua abundante verborreia, Krigstein
descomprimia-os, realizando às vezes três requadros do que era apena s um no ro-
Ieiro. A resolução da hi stória , narrada em uma sucessão de 1 ~ 1 requadros sem tex-
to, era inédita na época, e mais ainda em uma HQ da EC, sempre sobrecarregada
de verborreia. A multiplicação de imagens - como no último requadro da primeira
\l4gina - parece em parte a traslação das experiências futuri stas na represe ntação
cio movimento, mas por outro lado tem um valor icônico que anuncia a reiteração
cI8 imagem da arte pop.

o que Krigstein fez em "Master Race" foi, na verdade , romper com o mode-
lo de narrativa cinematográfica, o modelo Caniff ("Para mim, Terry and The Pirates
[51] "Master Race", em Impact 1 (1955). RiU Gaines, AL Fedstein e Bernard Krigstein.
era urna abominaçã o 126 , ele chegou a dizer), para recuperar os valores inerentes
l/

• narrativa em quadrinhos, fazendo experimentações com a forma de uma


t - 0 5 ~f'/U05 A/?UL T05 AMI'5 c>05 ClUAOf/If'/U05 A/?ULT05

m aneira não vista desde os tempos de Win sor McCay e G eorge H erriman . Mas Mas ox alá me tivessem deixa do - confessari a ele - , e isto foi algo que
Krigstein fez algo mais que McCay e H erriman, apli cou esse trabalho em narra- lam entei durante anos pos teri orm en te, oxal á me tivessem deixad o co ntinuar
Uvas longas , de vá ria s páginas, em relatos mais complexos que uma simples pi ada por esse cam inho, no qual poderia ampli ar o material [como em "Master
autoconclu siva, ou seja, a sistemas solidários, com o diri a G roe nsteen, nos quai s Race"]. Eu tinha a sensaçã o de que poderia ter feito muitas coisas novas
se podiam estabelecer relações que iam além do desenh o da página e que co mu - e boas . E, si nceramente, durante todos estes anos estive alim entando essa
nicavam el em entos de páginas separad as, como os ros tos repetid os que pontuam frustração; o se ntim ento de que te ri a podi do faze r algo fa ntásti co se me
"M aster Race". Kri gs tein entendeu os quadrinhos como fonna de uma maneira que houvesse m perrn itido 'lll .
el e~ não voltaram a ser entendidos até hoje, graças ao trabal ho de au tores como
C hris Ware, cujas palavras sobre Gasoline Alley poderíamos aplicar perfei tamente Depois da caça às bruxas contra os quadri nhos de 1954 , as cond ições de
à o bra de Krigstein , "Me fez perceber que o to m de uma história em quadrinhos trabalh o nas poucas editoras que perm aneceram ati vas se torn aram ai nda mais res-
não tinha que proceder dos desenhos nem das palav ras. O to m se percebe, não tritivas e Krigstein aba ndo nou a profissão para se dedicar por com pl eto à pintura,
olhando a história nem lendo as palavras, mas no ato de lê- Ia. A emoção procedia à ilustração e à docência. O pri me iro arti sta das revistas em quadrinhos havia se
do modo como a própri a históri a es tava es truturada"127 . visto obrigado a se aposentar com apenas 36 anos . Restava um lo ngo caminho até
o amadurecimento do meio.
Lamentavel mente, o atraso na entrega de "M as ter Race" fez com que ela só
fosse publicada em março de 1955, quase um ano depois de chegar à editora, no
número t de um a nova coleção, I mpact . N esse meio tempo, os quadrinhos ame- A verdade de Harvey Kurtzman
ricanos se viram abalados pela mais importante campanha de culpabili zação que
jamais haviam so frido , uma campanha -que, Como ve remos, alterou de fo rm a dra- Harvey Kurtzman ( 1924- 1993 ) chegou à EC em 1950 . Ele hav ia passado
mática o curso de sua histó ri a e praticamente acabou com a EC Quando lmpact por várias das editoras do pós-guerra, entre as quaiS a futura Marvel , o nde reali -
chegou às bancas, ironicamente, não produz iu nenhum im pac to . zou uma série de H Qs cômicas de um a pági na intitulada Hey Look! entre 1946 e
1949, que ainda hoje surpreendem po r sua modernidade, fresco r e inteli gência.
"M aster Race ", no entanto, não deixo u de ser redescoberta nas décadas Na EC não demo ro u a se to rnar edito r de uma coleçao, Two FiSled Tal" . C ri ada
seguintes por gerações de quadrini stas com vocação autoral que buscavam um originalmente como uma líder de aventuras e ação, logo passou a se dedica r às
modelo histó rico ao qual se aferrar. Não é po r acaso que Spiegelman, como já histó rias de guerra. Kurt zman re prese ntava um modelo de edito r completame n-
mencionam os, tenh a coescrito um dos prim eiros e mais importantes arti gos sobre te opos to a Feldstein . Enquanto es te esc revia co m a palavra, e não co nsidera va
"Master Race", vi nte anos depois da publicação da históri a, e que justamente Spie- inconveniente dar liberdade de interpretação g ráfica aos desenhistas q ue a bus-
ge lman tenha colocado a pedra fundamental da novela gráfica contempo rânea caSSem (como Krigste in ), Kurt zman escrevia co m o dese nho , e es perava que os
com uma H Q sobre o H olocausto. Um fi no fio une "Mas ter Race" a Maus. desenhistas seguissem fielmente seus esboços . Ku rtz man co ntrolava ri go rosa-
mente não só o tex to e o argumento das his tória s que esc rev ia, mas também o
N o entanto, a carreira de Krigstci n acabou frustrada, com o a de tantos de planejamento da página e os pl anos de cada requ adro . Seus esboços eram, na
seus contemporâneos, pelas intransponíveis condições da indústria em que se viu verdade , hi stóri as completa s em es tado bruto, às quais o desenh is ta só tinh a que
obrigado a trabalhar. Se pensarmos que ele t~lvez tenha se dedicado com tanta acresce ntar o vern iz do seu pró prio estilo pessoa l de desenho [52]. Esse método
paixão aos quadrinhos para compensar o seu fracasso em faz er carreira como pin - fazia com que ca da H Q de Kurtzm an fosse pe rfe itamente reconhecível , sern
tor e assim reco nduzir suas aspirações artís ticas, finalm ente não conseguiu chegar importar sua aparência gráfica, mas também resultava em muita restrição para
ao destino que buscava. Os desenhi stas com mais ambi ções cri ativa s. t. significativo que a úni ca vez em
A ~VGLA 6R ~ICA

, .
que Kurtzman tenha colaborado com Krigstein l 19 tenham saltado faíscas entre co m rosto propno,

os dois, apesar da admiração que sentiam um pelo outro . como víti m a da guer·
ra . Nesse sentido,
suas HQs, que além
[52J "lost Batallion! ", de tudo conserva-
em Two-Fisted rales 32 vam o final com uma

(1953) , Harvey Kurtzman e vi rada ao estilo de


Johnny Craig. Comparação O . Henry, que era a
entre os esboços de fórmula estabelecida
Kurtzman e a página por Feldstein para a
desenhada e pintada por EC, eram inquietan -
Craig, sem co r. Reproduzido tes e convidavam à re-

em Kitchen e Buhle (2009). flexão . Mas Kurtzman


nunca propôs que a
guerra não fosse ne ·

Em 1951 , Kurtzman cessá ria ou justa, ape·


acrescentou um SCh'l.m- nas que tinha conse-

do título de guerra à quências desagradá -


sua carga de trabalho, veis , das quais não

Frontline Combat. Se o podíamos esquecer.

gênero de guerra, em Ele explicaria,


seu sentido mais amplo,
podia ser confundido o que aconteceu foi

com o histórico e abar- que eu tinha de decidir certa atitude com a qual abordar as histórias de

car todo tipo de pe· guerra, e decidi que elas tinham que descrevê -Ia tão bem quanto fosse

ríodos , desde a Roma possível dentro dos limites de ... o quê?... da respon silbilidade , do bom gosto,

clássica até Napoleão, passando pela Guerra de Secessão ou pela Segunda Guerra de o que dizer às crianças sobre a guerra , se é que cu ia dizer algo às crianças

Mundial , Frontline Combat enfatizou um conflito aberto e atual, a guerra da Co- sobre a guerra, e a lógica mais elementar me levou a me documentar sobre
reia , à qual dedicou vários números monográficos . Rocco Versaci comparou as a guerra aUlêntica e co ntar aos infantes como era a guerra de verdade !\!.

HQs de guerra da é poca com os filmes do mesmo gênero"·, e observou que os


quadrinhos eram mais duros em sua representação do conflito e seguiam em A palavra-chave é verdade , o elemento que Kurtzman introduziu nos quadri-
menor medida a linha oficial a que se rendiam as produções de Hol1ywood . Foi nhos - não só no comic book - como el emento crítico do espetáculo de massas
atribuída a Kurtzman inclusive uma mensagem pacifista e anti bélica em seus próprio do século XX. Diante da visão adOCicada que os quadrinhos ofereciam - c
quadrinhos, que entraria em choque com a exaltação do militarismo própria do certamente também o cinema e a televisão - de todos os seus conteúdos, foram
m ome nto . Esse extremo, no entanto, é um tanto excessivo. Kurtzman introduziu das relações de casal ou da guerra que Kurtzman explorou o lado que ficava à
em suas histórias de guerra o fator humano, apresentando inclusive o inimigo sombra, e a partir daí algo começou a rachar. Quando ele posteriormente criou a
- - - _... . __.- z - os ~UlltJfll/'1"OS I1I7UL TOS II/'ITH ()OS ~UA()RI/'1"OS I1I7UL TOS

satírica Mad , abriu os olhos de gerações de norte-a meri ca nos, mui tos dos quais, o entendimento de Kurtzman de como os meios de massa estavam chegando
como Paul Auster, leitor ávi do da revista , cresceriam com o consolo de encontrar ·
para dommar a rea I'd
1 ade norte - americana do pós-guerra fez com que suas

em suas pági nas espíritos afi ns que zombavam dos íco nes da cultura ameri cana . paródi as fosse m mais profundas e perturbadoras do que seus mais implacáveis
críticos afirmava m que eram . Nesse sentid o, Kurtzman se antt·c.:ipou ao qu e
Mad, lia rev ista m ais influen te na his tória dos quadrinhos"1 31, surgiu da ne- críticos como Marshall McLuhan descreveram como o impa<.:to dos meios
cessidade eco nômica de Kurtzman. A o bsessão pela verdade - o u pelo menos a sobre a percepção da existência das pessoas na experiência cotidiana lB .
verossi milh ança fac tual - levou Kurtzman a ca da vez mais se prover de documen -
tos . As sessões de in vestigaç50 nas bibl io tecas se to rnaram in termin áve is, e lançar
a te mpo Two Fisted Tales e Frontline Combm fi cava cada vez mais difícil. Como os
editores pagavam por trabalh o entregue, Kurtzman sempre ganh ava menos que
Feldstein , que pro duzia seus ro teiros - muitos deles diretamente pl agiados da lite-
ratura, alta ou baixa - com a velocidade de um rel âmpago . G aines não podia au-

mentar os ganh os de Kurtz man , porque iss o o teri a obrigado a pagar mais tam bém
a Feldstein , o que poria em risco seu orça mento . A solução que lhes ocorreu foi
cri ar uma nova coleçã o para Kurtz man editar e aumentar seus ga nh os. E, para q ue
essa coleção não absorvesse tan tas energias nem ex igisse as intermin áveis horas de
docum entação, melhor seri a que fosse de humor. Em teoria , Kurtzman aumentaria
um terço de seus ganh os, e prepara r uma revista em quad rinhos de humor _ gê -
nero para o qual havia demo nstrado estar dotado em Hey Look! e outros trabalhos
anteri o res - não dev eria lhe to mar mai s que uma semana, o que sig nifica ri a quase
um descan so entre um número de Two Fisted Tales e outro de Frontline Combato

Assim nasceu Mad, cujo número um foi publicado Com data de ca pa de


outubro -novembro de 195 2 . Era uma revista em quadrinhos em cores, co m o mes-
mo formato que as demais coleções da EC, que apresentava quatro histórias d i-
ferentes. Todas elas eram paródias de gêneros dos quadrinhos, desenhadas pelos
quadrinistas habituais da casa. O número 1 incluía sátiras dos quadrinhos de terror,
de fi cção científica , de crim e e de western . Era como se a EC zombasse de si mesma.
Mas o número 2 fo i mai s al ém, abando nando o genéri co para entrar no concreto .
"Me/vin !" (com desenho de Jo hn Sevcrin ) era uma paródia de Tarzan . O caminho

estava aberto para visar diretamente personagens dos quadrinhos ou séries de tel e-
visão e filmes do momento, como Drag net ("Dragged Net", desenhada po r Will
Elder) no número 3. Quando apareceu o "Superdu perman" (desenhado po r Waliy
Wood) na Mad n. 4 (maio de 1953) [5 3]. uma sátira feroz do Superman que eles-
construía todos os clichês do personagem , ficou confirmado que Kurtzman havia
encontrado a fórmula genial para pôr a nu os mitos da aldeia global. Observa Carlin , [ 53 ] "Superduperman ", em Mad 4 ( 1953), Harvey Kurtzman e Wally Wood.
A NOY~L.A 6RA~!CA z. - 05 ~UIll71/I~"05 IlC>UL T05 IlNTH C>05 ~UIll71/I~"05 AC>UL T05

Com Ku rtz man , realm e nte, o meio era a mensage m . A capa do número C ertamente, o plano original saiu mal. Mad não só não seNiu para que
12 (j unh o de 195 4) [54] não incluía nenhum desenho , ape nas o título da revista Kurtzman aumentasse tra nquilamente seus ganhos, como esgotava de tal maneira
e o sumário. E, na parte inferio r, um texto que di zia : "Esse número especial fo i suas forças que ele se sentiu completamente incapaz de ficar à frente ao mesmo
concebido para pessoas que têm ve rgonh a de ler esse gibi no m etrô e em lugares tempo das três coleções. Em 1953 abandonou Two Fisted Tales e no ano segu inte se
desse tipo! Simplesmente segurem a capa di ante do rosto, assegurando -se de encerrava Frontline Combat. Em 1955, conve nceu Caines a mudar o formato da Mad .
que nã o esteja de cabeça pa ra ba ixo . O desenho da capa de Mad fa rá com que O comic book não representava o que Kurtzman queria, e o atava a uma tradição
as pesso as achem que es tão lendo co isas intel ectuais de elevada categoria em e a um públiCO que o limitavam . Ele queria se ver nas bancas, entre as revis tas de
vez de lixo descartável". A capa do número 14 (agosto de 1954 ) reinterpretava infonnação geral , numa publicação com valores de produção dignos do público
a M o na lisa segundo Duc hamp , a do número 19 (janeiro de 1955 ) oferecia uma adulto e não do acrÍtico setor infantil. Caines, diante da ameaça de Kurtzman de
li sta de resul tad os esporti vos, a do número 20 (fevereiro de 1955 ) era uma capa ir embora, aceitou converter Mad em uma revista de formato tradicional , o que
de um caderno de redação e a do número 21 (março de 1955 ), uma página de fez a partir do seu número 24 (j ulho de 1955). Entretanto, a convivê ncia entre o
anúncio s, estas duas últimas brinca deiras que lembram muito a Acme Novelty proprietário e o editor continuou sendo difícil , e Kurtzman abandonou a EC e a
Ubrary, de Chris Ware. A capa da última edição em formato de comic book, a Mad em seu núm ero 28 . A revista continuaria, editada por Feldstein , consolidando -
de número 23 (maio de 1955 ), só incluía o título , um fundo branco e um rótu lo , -se como um marco da cultura americana com sua presença continuada nas bancas
"THINK" (" pense") [55] durante os últimos cinquenta anos. Quando Gaines decidiu encerrar todas as
coleções de quadrinhos da EC, só a Mad sobreviveu, em parte porque o seu forma to
de revista a colocava a salvo das terríve is restri ções que o Comics Code (o código de
censura ) havia imposto aos comic books na segunda metade dos anos 1950.

Kurtzman continuou em busca do seu ideal de revista sa tírica e deixou um


rastro de excelentes publicações que nunca conseguiram se consolidar. Primeiro foi
Trump ( 1957), da qual publicou dois números financiados por Hugh Hefner. Depois ,
com alguns de seus companheiros desenhistas, autoeditou Humbug ( 1957- 1958),
curiosamente ao mesmo tempo que na Espanha vários desenhistas da Bruguera
criavam uma cooperativa com a qual publicariam a revista de humor Tío Vivo . Nem
Humbug nem Tío Vivo prosperariam (embora esta última acabasse sendo adquirida
pela Bruguera). A terceira tentativa de Kurtz man seria Help! ( 1960-1 965 ), publicada
pela Warren . Em Help' deu a primeira oporrunidade a alguns dos que seriam po uco
depois os desenhistas mais destacados dos quadrinhos underground , entre eles
Robert

Crumb. Foi também ali que criou o personagem Coodman Beaver, um jovem
ingênuo contemporâneo que Kurtzman utilizou para contrastar a idealizada visão
da SOCiedade que os meios de comunicação nos vendem com a negra realidade que
se esconde por trás das coisas - sempre alegremente ignorada por Coodman Beaver.
Quando Hefner lhe pediu uma série para a Playboy , Kurtzman converteu Coodman
[54J Mad 12 (1954). [55J Mad 23 (1955). Beaver em Lima coelhinha desconcertante, e com o paródico nome de Lirde Ann ie
• Fanny [56] continuou sua exploração da inge nuidade midiática , agora com forte
z. - 05

dose picante. Little Annie Fanny, reali zada em co laboração com seu desenhi sta
predileto e amigo de in fâ ncia WiII Elder, foi publicada entre 1962 e 198 8.
! lat~ étf, 1'11(
.""'lB1I ,. Y~ '3i~ w fP'~
is to /Ie OI' '1G'1~c:JON"
PIto trouble.
~ :sk~ell. /to
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«ellJ UBI'!' lo>e

[ 56] Little Annie Fanny em "lhe Artist" (1963 ), Harvey Kurtzman e WiII E1der. [57] Jungle Book (1959), Harvey Kurtzma n.

1- - 05 (fUlltJI?1f'1J.105 I1I7UL T05 IIf'lTõ5 c>05 (fUlltJI?1f'1"05 AI7ULT05

I · a ra hori zo ntes adultos e tin ha de


Entre os projetos que Kurtzman reali zou depois de abando nar Mad, criminal com o potencial para se d esenvO ve r P ,
fato um 'e levado número de leitores maio res de idade , aficionados pela le itura de
antecipa-se de forma espec ial o que seria a novela gráfica . A Ballantine Books
estava publicando reedições de Mad em volume. Quando perderam os direitos, quadrinhos desde a infâ ncia. Os profissio nais que começaram como adolescentes
em finai s dos anos 1930 havia m se consolidado e começavam a aparecer co mo
buscaram algo que pudesse ocupar a sua lacuna, e pediram a Kurtzman um livro
de material original. Este respo ndeu com Haroey Kttrtzman's lungle Book ( 1959) desenhistas co m personalidade própria de um verdadeiro autor, com o H arvey

[57], um curioso volume de formato alongado e 140 páginas em preto e branco , Kurtzman ou Bernard Krigstein . Foi quando tudo isso veio abaixo, devido em

completame nte escrito e desenhado por e le mesmo . Incluía quatro h istórias que, grande m~dida a uma campanha co ntra os quadrinhos em escala nacio nal.

novamente, parodiavam séries televisivas do momento (a cuja recordação , para ·


doxalmente, so breviveu). lungle Book é um precedente muito mais claro da nove la A perseguição contra os quadrinhos existia desde o seu iníc io no século XIX,
gráfica do que It Rhymes With Lust, pois não só se apresenta como livro, mas tam - e herdou os traços e denúncias de outras perseguições anteri ores contra novos meios

bém é publicado por uma editora de livros (não de quadrinhos ), que o distribui de massa . Como indicou Am y Ki ste N ybcrg , as acusações vertidas contra os comic

por canais generalistas C, sobretudo, é uma obra autoral , em que Kurtzman não books parafraseavam as críticas que receberam as dime noveis ou roman cetes popula-

apenas escreve e desenha com completa liberdade criativa , como també m tem seu res desde meados do século XIX, as tiras de jornal desde o seu su rgimento , e também
nome fazendo parte do título. Como diria Eddie Campbell sobre a sua descoberta o cinema nos prim eiros momentos de sua po pularização. E poderíamos acrescentar

de lungle Book em 1970, "Lembro-me de que foi a primeira vez que pensei que uma que muitas das acusações lançadas contra as revistas em quadrinhos fo ram reprodu-
HQ podia tcr uma voz autoral , a voz de um autor" I.~4 . zidas posteri orme nte diante da difusão da televisão, dos videogames ou da internet .
As tiras dos jornais foram objeto de campanhas de crítica mui to intensas entre 1906
135
Kurtzman pertence a uma geração de cômicos judeus que mudaram O hu- e 1911 , e os comic books receberam seu primeiro ataque em escala nacional po r
mor nos Estados Unidos na segunda metade do século. Talvez o mais lembrado parte de Sterling North , crítico literário do Chicago Daily News , que publiCOU uma
hoje seja Lenny Bruce, mas a influência de Kurtzman tem sido a mais duradoura, coluna em 8 de maio de 1940 intitulada "Uma ve rgonha nacio nal" . A c rítica de
embora seu nome não seja muito conhecido fora da indústria dos quadrinhos, North , baseada na visão clitista da decadênc ia cultural provocada pela dihlsão da
onde ele é venerado dos do is lados do Atlântico; nos Estados Unidos, com os arte de massas, teve um eco cunsiderável , mas não causou maiores efeitos, provavel -
prêmios anuais "Harvey", e na França com a recordaçã o de sua influência sobre mente porque a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial distraiu a
Re né Goscinny, o pai dos quadrinhos adultos franceses , que trabalhou com ele em atenção do público . Os profi ssionais dos quadrinhos trabalhavam , na verdade, com
Nova York . Kurtzman desen volveu uma linguagem crítica e satírica para o tema uma liberdade que não tinha comparação com nenhum outro meio de massa ame-
de nossos dias, os meios de co municação, e questio nou a veracidade de sua q; pre- ricano . O cinema e o rádio atendiam a regulamentações oficiais, mas o comi c book
sentação da realidade , criou a imagem do quadrinista como autor e abriu as por- estava demasiado por bai xo da atenção dos adultos para merecer alguma no rm ativa
tas para talentos como Terry Gilliam , Woody Allen , Gilbert Shelton ou Robert , dl
ou controle. A situação começou a mudar no pos-guerra , quan o a cu tura Juve m
" 1
Crumb, todos os quais publicariam em Help!. Seu papel como elo entre a tradição começou a se tomar mais visível. Os adultos, surpreendidos pela presença nas ruas
do co mic book e os novos quadrinhos renova dores e, por fim , verdadeiramente de jovens que aderiam a novas modas incompreensíveis , começaram a se alannar.
adultos, o converte em uma figura fundame ntal na história da novela gráfica . Produziu-se um pânico pela delinquê ncia juvenil e se procurou culpados naqueles
elementos distintivos dos jove ns, co mo as revistas em quadrinhos. Nyberg consi -

dera que no medo em relação aos comic books existe um componente de conflito
A repressão aos 'l.uadrinho5
de gerações, assim como existe em relaçao ao rock 'n' roH. Talvez não haja uma
imagem que evoque melhor a união desses dois fetiches juvenis para invocar o medo
Em meados dos anos 1950 a indústria dos quadrinhos vendia centenas de
nos adultos do que aquela que constitui uma das cenas de ScarPio Rising ( 1964), de
milhões de revistas ao ano, experimentava novos gêneros, como o romântico e o

ê~
1. - OS !3UAl71/It'I"OS AI7ULTOS At'lTEi5 V05 !3UAl71/It'I"OS AVULTOS

K enneth Anger, em que um dos jovens m otoristas se entretém lendo quadrinhos Democrático e desejava melhorar sua im agem pública com um assunto de pouco
enquanto espera a hora de ir para a festa . ri sco político . O Subcomitê real izou sessões em Nova York durante três dias , nas
quais escutou dezenas de teste munhas e exam inou provas com o objetivo de deter-
Embora algu mas edi toras, como a DC oU a Fawcett, te nham aprovado có- minar se os quadrinhos de terror e de crime ( todos os demais foram considerados
digos de contro le inte rn os desde o iníc io dos anos 1940, e contasse m com juntas de antemão inofensivos ) tin ham realmente um vínculo dire to e demo nstrável com
de assessores rep letas de educa dores e psicólogos, a indllstria não co nseguiu se a delinquência juvenil. Entre as testemunhas que foram ouvidas se encontravam
organi zar para estabelecer uma autorregul ação efetiva , apesa r da pressão social e edito res de quadrinh os e especia listas em del inquência j uve n il, mas os testemu nhos
leg islativa para que isso ocorresse. Próx imo ao fi nal dos anos 1940, ho uve tenta- que mais cham aram a atenção fo ram os dos dois homens q ue represe ntavam de ma-
ti vas de aprova r leis res tritivas para os comic books no estado de Nova York (não neira mais extremada as duas posturas e nfre ntadas, Fredric We rtham e Hill Cai nes ,
co nseguiral'n prosperar) e foram organi zados grup os de Cidadãos - muita s vezes o editor da EC Comics.
em torn o da ig rej a paroq ui al - que, po r todo o país , exerceram a supelVisão dos
quadrinhos lidos po r seus filh os e que tentaram tirar de circulação aq ueles títulos Ambos foram ouv idos no primeiro dia, depo is do almoço. Primeiro apresentou -
,
que não co nsiderava m saudáveis. A s vezes chegaram a prod uzi r queimas públicas ·se Werth am , a quem o comi tê tra tou com &TTa nde respei to e ao qual fizeram peQ,Jlm tas
de revistas em quadrinh os. A asce nsão do s quadrin hos de crime e o surgi mento "destinadas a esclarecer, mais que a questionar, seu testemunho"136. Em seguida foi
esple ndoroso das H Qs de terror na estei ra da EC não aj udariam a tranquili zar os interrogado G aines, que se viu numa situação muito m ais compro metida. Um diálogo ,
pais, preocupados pelas vozes de alarm e lançadas por educadores e bi b li otecários. que este manteve com Kcfauver chegou às manchetes dos jornais no dia segui nte e
passou para a história dos quadri nhos. Diante da pergunta "Existe algum limi te que
Em 19 48 ingressou no debate o doutor Fred ric Wertham, psiquiatra de re no- se poderia colocar em uma revista por acredi tar que uma cri ança não deva vê- Ia ou

m e que fo i quem pela prim eira vez apresentou a possibilidade de existir um vínculo lê-Ia?", Caines respo ndeu que seus únicos limites eram os limites do bom gosto. Foi
entre os quadrinhos e a delinquência juve ni l. We rtham, que havia trabalhado com então que Kefauver exibiu a capa de Crime SuspenStories n. 22 (maio de 1954 ) [58l, ..
I

crianças conAiti vas e havia descoberto que todas elas tinh am em comum sua afeição que mostrava um homem com um m achado ensanguentado em uma das mãos e uma "",
~.
,

pelos quadrinhos - ce rtam ente naquela época prati cam ente to das as cri anças, co n- cabeça de mulher na outra, e o corpo da mulher estirado no chão, e lhe perguntou
flitivas ou não, liam quadrinhos -, lançou um a intensa cam panha através da impren- se aquilo era de bom gosto. Ca ines não conseguiu responder outra co isa senão "Sim ,

sa po pular e de semi nários pro fi ssionais exigindo a pro ibição da ve nda de produ tos
senhor, para a capa de um gibi de terror""' . O dano que isso causou à imagem públ ica
tão nocivos. Embora a m aiori a dos tem ores se centrasse nos quadrinhos de terror
da indústria dos quadrinhos foi irre parável. A comissão do Senado apresentou outras
e de crim e, W ertham culpava to dos, inclusive os de super-heróis, nos quais desco-
provas da petversidade das H Qs da EC, algumas delas completamente adulteradas.
bria também a te ndência para defonnar o desenvolv imento pSicológico correto das
Por exemplo, Wertham apresentou a história 'The Whipping" (Shock SuspenStories n.
14, abril-maio de 1954) como um exemplo de racismo - "C reio que Hitler e ra um
crianças e d iminuir a sua ca paci dade para enfrentar a realidade. Por fim , em abri l de
principiante comparado com a indústria dos quadri nhos ... Ensinam o ódio racial aos
1954 publicou uma recopilação de seus ensaios e conferências, intitulada Seduction of
quatro anos, antes que as cri anças sa ibam ler", procla mou o psiquiatra - devido à
the Innocent, que causou um impacto imediato entre o público . Justam ente também
Utilização de termos pej orativos contra os hispânicos , quando a intenção da história
na primavera de 1954 foi celebrada a investigação sobre a indústria dos quadrinhos
pelo Subcomitê do Senado para a Delinquê ncia Juvenil.
era precisam ente m ostrar os horrores do racismo . A pesar da má imagem que ficou
da indústria dos quadrinhos após a investigação do Subcomitê, o resultado final foi o
--
de absolver os gibis. O s senadores recomendaram aos editores que pusessem o rdem
o Subcomitê, que havia sido fonnado no início do ano anteri o r, era pre- noseune góCID . , mas, restlm,"
. d o, nao
- encontraram nenhuma prova que v inculasse os
sidido pelo senador Robert Hendrickson, embo ra a sua perso nalidade de maio r
libis à delinquência juve nil nem razão que j ustificasse nenhuma legislação repressiva .
destaque fosse Estes Kdauver, que aspirava à indicação presidencial pelo Partido
Isso devia fi car a ca rgo dos própri os interessados.
A NOVELA 6RÁ~ICA

Certamente, a perseguição contra os quadrinhos não foi um fenômeno ex-


clusivo dos Estados Unidos, embora este país fosse em grande medida o epicentro
a partir do qual ele se estendeu par. outras regiões . Na Grã·Bretanha , as impor·
tações dos gibis da EC, que haviam sido reeditados em preto e branco , fizeram
com que o Parlamento aprovasse uma lei que proibia a entrada no país de qua·
drinhos nocivos . A proibição se manteve de 1955 até 1959. No Canadá também
se legislóu a proibição dos quadrinhos de terror e cri me, mas isso só provocou o
surgimento de um tipo de quadrinhos que foi considerado ainda mais pernicioso
para os jovens. Na Holanda , os beeldTDmans - quadrinhos de pequeno tamanho
com frequência com tema criminal , entre os quais se encontrava Dick Bos , que
mencionamos anteriormente - provocaram uma onda de protestos em t 948 e in-
clusive fogueiras de gibis . Na França, O ressurgimento dos quadrinhos americanos
no pós-guerra provocou os temores de sua influência corruptora e a conseguinte
aprovação da lei de 16 de julho de 1949 sobre as publicações destinadas à juventu·
de, que continua vigente até hoje . No Japão, talvez devido à influência americana,
já que a Ocupação durou até 1951 , em meados dos anos 1950 se produziria uma
onda de protestos contra as revistas eróticas e as "más leituras", que incluiu tam -
~m os quadrinhos. Kosei Ono chega a afirmar o seguinte,

[. .. ] pude comprovar documentalmente que o le va ntamento contra


os quadrinhos viole ntos se transmitiu desde a Améri ca do Norte até o
Japão. Havia uma revista para crianças chamada Shukan Manga Shinbun ,
que eu lia toda semana durante o primário. Em um de seus editoriais,
manifesta que "devemos aprender com o movimento americano contra
os quadrinhos violentos e ir elimi nando aqui também os mangás com
conteúdo daninho"m.

Na Espanha não é preciso dizer que com o regime franquista a pressão da


foi sempre constante, mas é curioso assinalar como Antonio Martín indica
1952 é também um momento decisivo para a regulamentação dos quadrinhos,
a criação da)unt. Assessora da Imprensa Infantil e algumas primeiras Normas
a Imprensa Infantil. Certamente a censura na Espanha não diminuirá até o
do regime , e inclusive nos anos 1960 foram proibidos os quadrinhos america-
- entre eles títulos aparentemente inócuos como Batman ou Superman - im-
pela editora mexicana Novara, embora nesse caso pudesse existir como

[58] Crime SuspenStories 22 (1954). Johnny Craig. Reedição de 1998. oculta o protecionismo às editoras nacionais .
t - 05 ~UAPr/rf'/"05 AC7UL T05 Af'/TH (J05 ~uAPr/rf'/"05 AC7UL T05

Nos Estados Un idos, o resultado líquido das campanhas contra os quadri - o principal culpado de todo o alvoroço - , e h á uma corre nte de o,Pinião q.u,e
nhos dos anos 1940, das denúncias públicas de Wertham e da investigação do Co mics Code so me nte a desculpa q ue os principais ed itores utd,·
acredi ta ser o
Subcomitê do Se nado foi a autorregu lação da indústria. No outono de 1954 foi zaram _ com a D C na lide rança - para purgar um mercado sobrecarregado e ,
formada a Comics Magazine Association of America , que tinha como um dos seu s especial m ente , para eliminar Bill Gaines , um indivíduo que su~iU muito alt o ,
principais Qbjetivos redigir um códi go de autocensura , que seria segu ido estrita - muito depressa . Frank Mi ller, em certa medida um dos herde tros da EC na
mente por todos os seus membros. Entreta nto, nem todas as ed itoras se submete- atualidade, e , sobretudo , das h istórias de crimes de Johnn y C raig , é um dos
ram à disciplina . A Dell , a mai or editora do momento graças aos personagens da defen sores dessa teoria ,
Disney, quis se afastar do resto da indústria, pois acreditava que seus gihis eram
intocave lmente saudáve is c que os editores sob suspeita só queriam se refugiar No meu modo de ver, o Comics C oae foi proposto pelos editores .
sob o manto do seu prestígio. C ilbertso n, o editor da Classics Illttstrated, também Iro nicamente , criaram · no quando Bil1 G aines convocou um a reunião de
se recusou porque continuava afirmando que suas adaptações dos clássicos não editores para combater a censura . Os outros editores O escreveram e o
eram HQs. A terceira e mai s sig ni ficativa ausência foi a do rebelde Bill Ca ines e fizeram cumprir junto com os distribuidores. Queri am acabar com G aines.
sua EC Comics. Cai nes renunciou às suas superve ndas de terror e fec hou também [ .. ,] Não foi por acaso que escolheram o melhor editor que a indústria
as coleções de crime . Em seu lugar, lançou uma bateria de títulos sob o selo de jamais viu, Quando se aceita qualquer tipo de censura, o que perde é sempre
139
uma "Nova Direção", ba seados em temas contemporâneos, como o jornalismo e a o trabal ho de qualidade superior .

psicanálise . Entretanto , ao se negar a aceitar o novo Comics Code de autocensura e ,


portanto, ao não levar o selo de aprovação na capa, muitos pacotes de suas novas Entretanto , Nyberg acredita que outros motivos concorrera m com a auto ·
coleções foram devolvidos sem ao menos serem abertos. Entre eles se encon - censura para provocar a derrubada dos quadrinhos americanos na segunda metade
tra o número 1 da Impact, que incluía o "Master Race" de AI Feldstein e Bernard dos anos 1950. Também foram latores de peso a saturação de títulos e editoras, a
Krigstein . Caines não teve outro remédio senão ceder, integrar-se à Associação e concorrência cresce nte da televisão c a perda do principal distribuid or nacional ,
aceitar a censura do Comics Cude. a America n News Company, que foi o bjeto de um processo anti monopólio do
Departamento de Justiça em 1952 , o que deixou sem distribuição um bom número
o Comics Code, cód igo de ética dos quadrinhos inspirado no Código Hays das editoras pequenas .
que velava pela limpeza das produções de H ol1ywood, impunha restrições não
somente à represe ntação de crime s e atos de violência , mas também ao tom com Seja co mo for, as consequências para a indústria foram devastadoras, Se em
que estes podiam ser mostrados. Assim , O parágrafo três dos critéri os gerais da 1954 haviam sido publicados 650 títulos, em 1955 a cifra caiu para pouco mais de
parte A para o conteúdo editorial rezava que "05 policiais, juízes, auto ridades do 300 ",0 No final do seu livro sobre o pâmco dos comics durante os anos 1950, The
Coverno e instituições respeitadas nunca devem ser apresentados de maneira que Ten-Cent Plague , David Hajdu inclui um apêndice com os no mes de rote iristas e
indique falta de respeito pela autoridade estabelecida", enquanto o parágrafo se is desenhistas que nunca voltaram a trabalhar com quadrinhos depois da purgação .
o rde nava que "em todos os casos o bem triunfará sobre o mal e o crimin oso será A lista de "vítimas" atinge quin ze pá gi nas e supera 450 nomes.
cas tigado por seus delitos". Do mesmo mod o, limitava-se o uso da palavra "crim e"
nas capas e eram proibidas diretamente as palavras "horror" ou ~te rro r" nos títulos , Sem dúvida , a perda mais recordada foi a da EC Comics . DepoiS da tenta-
entre muitas outras diretri zes . tiva fracassada de lançar sua "Nova Direção", Cai nes fez outro esforço passa ndo
ao formato de revista tradicional , que lhe perm itia escapar do C ódigo, já que este
A pro ibi ção das pala v ra s "ho rror" e "terror" pare ci a atentar diretam e nte era aplicado ape nas aos comic books . N esse novo formato experimento u uma
COn tra as co Ieçoes
- d a EC C omlcs
· - afll1
. al, mUItos
. co nsiderava m Bill Ca ines fórmula que misturava o texto com a ilustração , mas foi uma última e desesperada
A NQVRA 6RÁCICA

cartada . A EC encerrou todas as suas publicações menos Mad, que, transformada


em revista desde 1954, co ntinuou sua jornada à margem do mundo do comic .3 - COM/X, 05 (XUAf?R/NJ..I05
book, que a havia repudiado .
UNf?GR6ROUNl?, /968-/975
Com o Comics Code, a indústria dos comic books foi reco nhecida expressa-
me nte como manufaturaclora de produtos infantis . Já não haveria mai s veleidades
com temas ou apresentações que pudessem interessar a um público adulto. É sig -
nificativo nesse sentido o regresso dos super-heróis, que se produziu lentamente O s quadrinhos underground estâo mais próximos
desde a segunda me tade da década e acabou por se confirmar no início dos anos da arte do que dos quadrinho.l .'
1960 , com a revitali zação de algu ns pe rsonagens antigos da DC e, sobretudo,
com a nova fórmula de "super- heróis humanos" que trouxeram o Q uarteto Fantás- G ilbert Shelton
tico , o H omem-Aranha e demais personagens da Marvel. A indústria dos comics
havia decidido o seu destino, ha via expu lsado aqueles que não se conformavam
com isso e não ha via deixado nenhum a porta aberta para a re novação. Se esta
c hegasse, teria que ser de outro loca l completam e nte diferente. E assim ocorreria , Comix: gibis para adultos
media nte o comix, que se manteria unido à tradição dos comic books por meio de
um único elo: Harvey Kurtzman . No início dos anos 1960, o co ml C book estava em ruín as. Depois do
desaparec im e nto de muitas das edito ras que co mpetiam e m meados d a déca da
anteri or e do êxodo maciço de profiss io nai s para outros campos, as poucas em-
presas sobrevive ntes se co nformaram em co ntinuar a se expressar para o público
infantil com produtos in ócuos que não voltassem a at rair a ate nção de censores
e sentinelas da mo ral. Mas já não e ra necessári o fazer ne nhum esforço para
passar despercebido : o núme ro de lares que possuíam um televisor nos Estados
-
Unidos passou de 0 ,5% em 1946 para 90% em 1962 . Se os quadrin h os sempre
foram considerados um produto infantil descartável , agora começava a ser co n-
Siderado irrelevante. Na verdade, a me ntalidade predo minante en tre os profis -
sionais dos quadrinhos da é poca e ra a necessi dade de fugir para outros campos
antes que o meio deixasse de existir por completo e m um pra zo relativamente
Curto . Jack Kirby assim reco rda va a sua c hega da à redação da Marvel no final
dos anos 1950,

Eu entrei e estava m tirando os móve is, levando as mesas ... E eu prec isava
daquele trabalho! TInh a um a família e uma casa, e de repente a Marve l
estava desmo ronando. Stan Lee estava se ntado em uma ca de ira, cho ran d o .
Não sab ia o que fazer. Ficara se ntado em uma cadeira chorand0 2 .

159
A cena provavelmente é mais m ít ica do que real , ma s refl ete muito bem o [591 God Nose (1964), J ack Jack,on ,
clima do mome nto . Certamente, Kirby e Stan Lee, edito r e roteirista da Marvel , Reproduzido em Rosenkranz (2002).
logo lança riam uma o nda de novos super-heróis que revitalizariam a indústria e
atrairi am as gerações mai s recentes . Mas o mercado conti nuari a sendo juvenil.
Quando os autores modern os de novela gráfica volta m o o lhar para a segunda RobertCrumb ( 1943 ), nascido
me tade dos anos 1950, encontram pouca co isa inspirado ra, e tudo publicado na na Filadélfia, passou a infância
impre nsa geral, o Pogo de Walt Kell y, uma série de funny animais em que o senador desenha ndo quadrinhos junto com
McCarth y apareceu ca ri ca turiz ado co m o um ga to m o ntês , o humor moderni sta seu irmão C h arl es , com quem criou
do Minduim de C ha rl es Schul z e a sátira neurótica do Sick, Sick, Sick de Jules Feiffer em 1958 Spoo{, uma paródia do
em The Village Voice. Os auto re s jovens que queriam inici ar sua ca rre ira não tinh am Hum bug de Harvey Kurtzman . Em
o nde fazê-lo , porque a indústria dos quadrinh os ha via fec hado suas portas e se meados dos anos 1960 , instalo u-se
entrinch eirado numa economia de crise. em C1eveland, onde trabalhava para
a American Greetings Company
Mas havia autores jovens, e eles começaram a publicar, ainda que em ca nais desenhando cartões de felicitações .
heterodoxos. O barateamento dos processos de impressão facilitou o surgimento da Foi nessa época que criou um de seus
chamada imprensa underground a partir de 1965, com títulos de te ndê ncia esquerdis- persona ge ns m ais famosos , o gato
ta, como o Los Angeles Free f'ress, o Berkeley 8arb ou o East Village Oeher, que continuam Fritz 3; também co meçou a colaborar
a tradição inic iada pelo periódico marginal satírico The Realise, de Paul Krassner, que com algumas publicações da imprensa undergrou nd , como Yarrowstalks , e o
havia começado a ser publicado em 1958 em Nova York. Krassner, um colaborador próprio Kurtz man publ ica alguns de seus desenhos na Hclp', que para muitos fo i
da Mad, havia se proposto a trasladar a sátira típica da revista c riada por Kurtzman "a prim eira revista em quadrinhos undergro und"4 , po rqu e não ape nas Crumb ,
para um público adulto, e atraiu algun s daqueles que posteriormente se converteriam mas também Gilbert Shelton , joel 8eck , Skip Williamso n eJay Lync h publicaram
em desenhistas dos comi x, como jay Lync h. O utra via de publicação para futuros de- em suas páginas. Em 1965 , C rumb começou a co nsumir LSD , e a ex periênc ia o
senhistas underground foram as revistas de humor universitárias. Durante a primeira alterou profundamente ,
metade da década elas es tiveram muito ativas e algumas inclusive pagavam o suficien-
te para que seus diretores pudessem viver delas. Na Unive rsidade do Texas , em Austin , Isso mudou minha cabeça . Fez co m que eu deixasse de levar os quadrinhos
Gilbert Shelton esteve e ncarregado do Texas Ranger em 1962, ano em que aparece pela tão a sério e me mostrou outro lado de mim mesmo. Eu estava casado, tinha

primeira vez Wonder Warc-Hog, seu porco que parod iava os super-heró is. Também no um trabalho entediante e me embriagava toclas as noites . Tornava ácido nos

Texas, Jack Jackson - com o pseudõnimo de Jaxon - autoedita God Nose ( 1964) [59), fins de semana e vo ltava a trabalhar na segunda-feira e me pergun tavam :

em cuja capa aparece o rótulo "Adul, Comix", e Frank Stack publica The Adveneures of "Pode-se saber o que há com você?" ... A diferença entre as primeiras

Jesus ( 1964). Esses gibis, como as HQs de surfistas de Rick G riffin da mesma época, histórias de Fritz Lhe cal e as que fiz em 1967 deve-se ao ácidu5.
são quase artesanais e produto da iniciativa pessoal de seus au tores, que ocasional-
mente encontram um público reduzido, porém fiel. São produzidos e distribuídos à Enquanto o primeiro Fritz era simplesmente uma sátira do típi co uni-
margem da indústria , sem expectativas com erciais, o que implica uma lógica liberdade versitário ávido p or sexo , depo is de co nsumir LSD as criatura s que Crumb
cri ativa. Entretanto, o verdadeiro quadrinho underground só irá se consagrar na se- desenha "são mais irracio nai s, maníacas e inclusive perigosas"6. Em 1967,
gunda metade da década, quando Robert Cnlmb lança em São Francisco Zap Comix, o Crumb dá um pass o dec isivo para o nasci m ento dos quadrinh os unde rg ro und :
gibi que se to mará o símbolo da geração hippie pós-ácido . muda -se para São Fran cisco , aparentemente seguindo um irnpulso esp o ntâneo
.:5 - comrr, 05 <!J/JAC'tlrf'l"05 U~~6~OUf'I(J, /968-/97:5

e irresistível, "Em um dia de janeiro de 1967, depois do trabalho , fui ao bar


que frequentava . Ali estavam dois amigos que me disseram estar a ca minh o
de São Francisco . Começamos a conversar e, quase se m pensar, fui com eles .
Não voltei para casa . Abandonei minha esposa , meu trabalho , não disse nada
a ninguém "7.

No fim do ano, Crumb já tinha preparado uma nova revista em quadrinhos ,


a Zap n. 0, desenhada em São Francisco. Lamentavelmente, o editor desapareceu
com as páginas originais e não houve publicação . Em no vembro , Crumb já havia
terminado a Zap n. 1 [60), que finalmente foi impressa por C harles Plymell ,
um poeta beat que havia compartilhado uma casa com Allen Ginsberg e Neal
Cassady. A contracultura dos anos 1950 ajudava a dar os primeiros passos para
seu destaque geracional. No início de 1968, Crumb , junto com sua mulher
grávida (que o havia seguido desde C1eveland) e alguns amigos, vendia a Zap
n. 1 em Haight -Ashbury, em pleno coração da revolução hippie , utilizando um
carrinho de bebê para transportar os exemplares . O quadro pito resco representa
a Belém do nascimento dos quadrinhos underground .

O sucesso da Zap serviu de inspiração para desenhistas como Shelton ,


Jackson ou Lynch , que vinham há anos ruminando uma fórmula para desenvol-
ver seu próprio material completamente à margem da indústria . O ím ã de São
Francisco do {lower power atraiu quadrinistas e músicos de todo o país. C rumb
abriu os números seguintes da Zap a outros quadrinistas , convertendo a revista
em uma antologia, e logo começaram a proliferar numerosos comix dos mais
diferentes tipos.

Para Don Donahue , que publicou os primeiros números da Zop , o atrativo


da revista estava

em su a curi osa mistura do velho e do novo . O diferencial da Zap , e dos


quadrinhos underground em geral , é que aqui havia todo um meio de
expressão que esteve abandona do durante muito tempo , ou relegado
a uma posição muito inferior, e ninguém hav ia feito gra nde coisa com
ele. E, de repente , alguém começou a fazer algo , e se produziu uma
explosão! .
[60] Zap Comix 1 (1967). Robert Crumb.
.3 - CO/flIX, 0 5 ('iUIlPrlIflU05 UflCJr;Rt5ROUflf/, /968 -/975

A novidade que Cnllnb trazia eram os temas da geração hippie, o espírito páginas originais como dos direitos de reprodução e exploração dos personagens.
do momento encarnado por seu personagem Mr. Natural, um sarcásti co guru que Mas os jovens underground haviam apre nd ido a lição de Jerry Siegel e Joe Shuster,
se converteria rapidamente em ícone. Além di sso, havia uma liberdade cri ati va que afundados na miséria depois de vender o Superman por pouco mais de cem dólares.
surpreendia ao contrastar com a velha tradição do desenho e com a narrativa dos Como indicaria Denis Kitchen , "os royalties tratavam os quadrinistas como autores
quadrinhos de toda a vida, que corria pelas veias de C rumb de forma natu ral desde Iiterários"'o. Isso, por si só, estimulou o traslado da teoria do autor para os quadrin hos
a infância . A grande escola de C rumb foi Mad , com H arvey Kurtzma n e seu sócio undergrou nd em que, certamente, a figura do artista que rea lizava sozinho a sua
Will Elder na liderança, mas também os {unny animais infantis, entre e les as históri as obra - roteiro, desenho e arte-fina l como arte integrada - substituía a da cadeia de
do Pato Donald de Carl Barks ou o Popeye de E. C. Sega r, do qual tomou seu po- profissionais que trabalhavam em equipe nos quadri nhos convencionais - roteiro,
pular estilo de "pés grandes". Como figura icônica do unde rground, Crumb e ra cho- desenho , arte-final e colorização como ofícios separados . Quando os qlladrinistas
cante. Nunca de ixou o cabelo comprido e, com seu fino bigode, óculos de massa e undergTound colaborava m, faz iam-no em jams , um lermo inspirado pelas jam sessions
chapéu, parecia ter saído de UIll filme de Buster Keaton. Comportava·se mais como do jazz e do rock ps icodélico: cada desenhista improvisava seu próprio requadro
uma testemunha do que como um partícipe da revolução, um passageiro inesperado ou personagem em um conjunto no qua l se podia reconhecer perfeitamente cada
no trem do underground . C rumb era um colecio nador obsessivo - princ ipalme nte traço individual. Esse sistema criativo, unido à remuneração por royalties, teve ou-
de discos de jazz e blues dos anos 192D - , quase um arqui vo vivo da história dos tras duas consequê nc ias sobre os comix books. A pri mei ra era a im possibilidade de
quadrinhos, que reciclava e punha a serv iço de uma nova sensibilidade com seu pro· cumprir com prazos de entrega regulares por parte dos desenhistas. Devemos levar
digioso talento para o desenho. C rum b não desenhava por dedicação profissional , em conta não apenas a enorme carga de trabalho que implica para uma só pessoa se
mas por prazer pessoal, e poderíam os dizer que se relacionava com o "priapi smo ocupar de todos os aspectos da criação de uma história em quadrin hos, mas também
da pena" da tradição de T bpffer e Frost . O que Kurtz man havia feito com a Mad, O ambiente relaxado das comunas psicodélicas em que vivia a maioria, se não todos
Crumb ampli ou com a Zap , um "comentári o em quadrinhos sobre os quaclrinhos"9, esses quadrinistas. Isso fez com que se rompesse pela primei ra vez a escravidão da
mas sem sujeições comerci ais nem limi tações editoria is. serialização peri ódica nos quadrinhos americanos, e assim fo i dado o primeiro passo
para se considerar um comic book uma obra completa . M uitos títulos não passavam
Esse último dado é fu ndame ntal para se ente nder a ve rdadei ra revolução cau- do número um , e os que passavam tinham saída irregu lar. Isso não trouxe nenhum
sada pelos comix. Em prime iro lugar, eram comic books publicados sem o selo de problema para a economia undcrground, já que ela n50 se baseava em manter em
aplicação do Comics Code, ou seja, completamen te alheios a qualque r censura (o que movimento um enorme maquinári o industri al de produção e distribuição de papel
teve como inevitável consequência frequentes ch oques com a lei e denúncias por impresso que se renovava todas as semanas, mas obtinha seus lucros de maneira
obscenidade). Em segundo lugar, muitos comix eram autoeditados, e com isso os mais moderada e a longo prazo. Os títul os underground de maior sucesso eram
autores não tinham que responder a nenhuma diretriz editorial nem se amoldar a li · reeditados e se mantinham à venda durante anos, o que nunca havia ocorrido com
nhas homogêneas ou interesses comercia is alheios. Logo surgiram "editoras" under- OS quadrinhos convencionais. Os quadrinistas undcrground mais afortunados che-
ground, algumas importantes (Last Gap, Rip-OH Press, Print Mint, Kitchen Sink ), gavam a acumular ingressos avultados graças aos royalties que lhes proporcionavam
mas todas geridas por companheiros de geração dos autores, com os quais compar· as reedi ções contínuas, embora os que tinham vendas in feriores ga nhassem muito

tilhavam ideias, princípi os e objetivos. Q uer em reg ime de autoedição, quer sob menos. Em 197 1, quando os quadri nhos lInde rgrou nd já haviam se conso lidado, as
algum dos selos editoriais undergr ound, os quadrinistas conservavam os direitos so- tiragens médias dos títul os rnais populares podiam chegar aos 20 mil exemplares ll .
bre suas históri as e cobravam royalties po r elas, em vez da tarifa fi xa por pági na que Em 1973 , Freak Brothers n. I, de Shelto n, acumulou 20D mil exemplares ve ndidos, c
haviam cobrado e continuavam cobrando os profi SSionais dos quadrinh os comer- a série completa chegava a superar um milhão 12 . São cifra s muito im portan tes , em-
ciais. Q uando uma editora convencional pagava a um quadrinista pelo trabalho que bora quando as coloca mos em relação às cifras que eram manejadas na indústri a do
lhe havia encomendado, passava a ser a proprietária etern a dos materiai s, tanto das Comic book - recordemos, em plena fase de decadência -, compree ndemos que o
:!:J - COMIY, os (lUlU7r?IIVU0 5 UIV~fl6flOUIVV, /968-/975

underground continuava sendo um circuito marginal : em 1970 , o g ibi mais vendido co m seus irreverentes antepassados, em alguns casos de fo rm a bastante di re ta, co mo
fo i Archie Comics, que chegava aos 51 5.356 exemplares por número , seguido muito em Air Pirmes Funnies ( \97 \ ) [6 \ ], uma H Q coletiva pro tagoni zada po r personage ns
de pe rto por Superman (5\\ .984). Amazing Spider-Man, o título mais ve ndido da Mar- da Disney que foi condenada após um processo movido pela empresa proprietária
vel , alcançava os 373 .30 3" exemplares. do Mickey Mouse, que c hegou até o Supremo Tribunal.

Essa marginalidade não afetava apenas os processos de produ ção e edição [6 1J Air Pirates Funnies 1
dos co mi x, mas também o de distribuição . N ão c arecendo do selo de aprovação ( 1971), Bobby London .
do Comic5 Code, esses títul os não eram vendidos em bancas, superm ercados, loj as Reproduzido em Danky e
de guloseimas e demais po ntos de venda habituais do comic book para crianças. Kitchen (2009)_
Tampouco existiam livrarias especializadas em revistas em quadrinhos . Sua via de
distribuição principal eram as head slwps, lojas de venda de parafernália hippie, onde
tanto se podia co mprar um cachimbo como bongôs, papel para enrolar fumo ou a Juntame nte co m O
última edição da Zap . Enquanto os comic books eram distribuídos para as bancas se xo , outro tema que os
em consignação , ou sej a, o vendedor não pagava nada ao recebê-los , devolvia os quadrinhos unde rgro und
exemplares não vendidos (com a capa arrancada ) e pa gava apenas a porcentagem perco rrem co mo um a
correspo ndente aos exemplares vendidos, como se fossem periódicos, os comi x co rrente co mum é o da
eram pagos ao serem recebidos na distribuição, não tinham direito a devolução droga , o g rande ag lutina -
e, além disso, o seu preço era muito mais elevado . Esse seria o sistema de venda dor da co ntracultura d a
adotado pouco depois pelas editoras de comic books, quando se consolidou uma épo ca. M as os co m ix não
rede de livrarias espec ializadas nos Estados Unidos , e esse sistema acabaria sendo tardariam a do tar ess es te -
fundamental para a so brevivência da indústria dos quadrinhos comerciais e para a mas básicos de dife re ntes
manutenção da tradição dos quadrinhos alternativos, como veremos . coloridos gen é ricos . Se
Robert C rumb havia apli-
Os comix se distinguiram rapidamente por sua enfurecida rebelião contra a c ado as Iições do retra to
moral vigente. O sexo foi o atalho mais curto para articular essa rebelião e para que social das tiras de jornal
eles se distinguissem dos comic books infantis tradicionais. Não eram os primeiros do iníc io do sécul o à ge -
quadrinhos que be iravam a pornografia . Entre os anos \930 e \950, foram mui - raç ão do ácido , e havia
to populares as chamadas "Bíblias de l1juana", gibis clandestinos e anônimos nos liberado o subconscie nte
quais se representavam atos sexuais e, inclusive, em que apareciam pela primeira vez em HQs nas quais as fantasia s sex uais do autor se materializavam co m uma falta
gays e lésbicas, embora de forma estereotipada . As Bíblias de l1juana logo incluíram de pudor insólita , outros de senhi stas fo ram acrescentando mati zes a esse mo -
entre seus temas as caricaturas de personagens conhecidos e a utilização de perso- delo . Cilbert Sh e lton , por exemplo, seguiu o caminho do costume vige nte com
nagens famosos das tiras de jornal , desde Bringing Up Fathe-r até Litde Orplum Annie seu trio de hippies "drogadic tos" (tox ico dependentes), os Fa bulous Furry Freak
ou Popeye. Havia quem considerasse as Bíblias de l1juana "o elo perdido dos quadri - BTothers [ 62 ], e se converteu no grande humorista de sua geração , e nquanto
nhos satíricos americanos"". Art Spiegelman escreveu sobre elas, "Sem as Bíblias de S. Clay Wilson [63 ] incorporou uma visão paranoica e sombria às explorações
lIj uana jamais teria existido a Mad , e sem a Mad nunca teriam existido os quadrinhos no subconsciente de Crumb , a quem influenciou diretamente , mais po r seu trato
underground iconoclastas dos anos \960"" . O comix reconheceu seu débito para pessoal do que por sua obra .

-
A NOVOLA 6 ~Ar:ICA
3 - comn, 05 ~UA"I/If'I"05 Uf'I{?J;1/61/0Uf'I", /968- /975

Aprendi muito com Wi lson. Em certos aspectos, ele era mais sofisticado do que
eu. Ele desenvo lveu e articulou em muito alto grau o papel do artista-rebelde. El e
o vivia. Em comparação, o meu conceito do que eu pretendia como artista era
difuso , amorfo . Conhecer Robert Will iams também foi muito revel ador. Eu me
senti a um pouco como um sábio idiota com esses ti os. Em parte porque haviam
passado pela faculdade de Belas Artes e haviam absorvido e regurgitado todos os
e leme ntos das belas artes. Tinham uma im agem de si mesmos muito clara Com o
proscritos da arte, que iam além das bobagens, da grande mentira, do engano
coletivo da cultura geral, tanto a alta como a baixa. Eu vinha de uma formação
mai s convencional do quadrinista como profissional do entretenimento l 6 .

Os referenciai s mais diretos para Crumb haviam sido Mad e as demais


publicações de Kurtzman , mas a EC Comics , em geral , converteu -se no grande
modelo da maioria dos quadrinistas underground, que expressaram sua oposição
ao sistema através da rebeldia contra as imposições do Camics Code. Para alguns
dos desenhistas, os quadrinhos underground cumpriam inclusive uma função de
vingança pela destruição da EC pela censura institucionalizada. Assim O interpre-
tava Spain Rodrigue z : !lEu me sinto bem porque conseguimos dar alguns golpes
na guerra cultural. Conseguimos dar um pontapé na boca do desprezível Comics
Cude. Conseguimos ganhar a vida. Conseguimos refletir a nossa época"' ?,

A EC fez algo mais que dar o padrão para as capas, títulos e lemas que os
underground utilizaram; também lhes deu os gêneros de terror e ficção científica. O
primeiro, mesclado com erotismo, logo tendeu a lima espécie de pomobTfafia sangren-
ta, ao mesmo tempo que deu lugar a alguns dos quadrinhos mais extremos que já ha-
viam sido publicados, como os de Rory Hayes [64], "o lames Ensor dos quadrinhos",
como o chamou Crumb " . As HQs de ficção científica - também, certamente, com
sua carga erótica - desviaram para a ecologia. Esse gênero se abriu para desenhistas
como Richard Corhen [65], afastado do cenário undcrground fisicamente (ele mo-
rava em Kansas), ideologicamente (não tinha nenhum interesse pela contracultura)
e esteticamente (suas detalhadas texturas próprias da ilustração profiSSional eram o
mais opostas possível da ingenuidade brutal de Hayes). Corben nao demoraria a se
converter em um dos mais cotados desenhistas dos quadrinhos convencionais. A EC
oferecia também outro exemplo para os UnderhJTOund: havia reunido desenhistas de
estilos e personalidades muito distintos sem tentar homogeneizá-Ios plasticamente,
e a expressão individual, mesmo dentro do coletivo (muitos dos títulos underground [62] " Fabulous Furry Freak Brothers", em Obras completas 4.
eram antologias de diversos autores), era um dos princípios irrenunciáveis do comix. Vida campestre (1 984), Gilbe rt Shelton 19 •

/69
A NOVELA 6R"~ICA
3 - COhlIK, 05 (WAI7f/IN1405 UNpt;R6ROUNV, /968-/975

1H~'
I'Vl lVE

.
- ~ ; ,
-
[64J "Bits of Flesh", em Bogeymon Comies 1 (1969) , Rory Hayes.
[63[ "Va mpire Lust", em fi Viboro Especiol USA (1981), S. Clay Wilson.

/7/
:.......-
.;5 - CO/flrr, 05 (1U1lC'f11f'1H05 Uf'l"~6~OUf'l(7, /968-/97S
A I'IOVôLA 6RÁFICA

Apesar de sua preeminência, a EC não foi o único modelo resgatado pelos


underground, aos quais interessavam todos os comics pré-Code. Bill Criffith e Jay
Kinney criaram em 1970 uma das séries mais duradouras e mais vendidas, Young
LUSl, que adaptava a linguagem padronizada e os temas dos quadrinhos românticos
dos anos 1950 às relações sexuais liberadas da época . Em grande medida, desenhis-
tas como Crumb ou Criffith aplicavam aos quadrinhos os mesmos mecanismos que
lichtenstein ou Warhol haviam aplicado às artes plásticas, mas sem sair do meio
para fazê-lo . Os quadrinhos refletiam sobre os quadrinhos a partir de si mesmos.

Os quadrinhos underground também viram chegar a consci ência de gê-


nero às HQs . As mulheres desenhistas haviam si do exceções na histó ria dos
quadrinhos . Houve casos isolados, como Kate Carew, que desenhava no início
do século nos jornais dominicais nova- ioTquinos, ali Tarpé Mills , que criou a
primeira super-heroína em 1941 , mas eram exceções em um mundo predomi-

nantemente masculino . Os de-


senhistas underground, com sua
ênfase no sexo e na violência, fre-
quentemente unidos e decididos a
retratar fantasias que vitimizavam
a mulher - na verdade , uma das es-
pecialidades que tornaram Crumb
mais reconhecido - , não trataram
as mulheres de forma diferente ,
mas elas conseguiram abrir um
espaço no novo panorama. Trina
Robbins publicou o primeiro co-
mix de mulheres em 1970 , Il Ain ',
Me, Babe [66], e logo títulos como
Wimmen 's Comix ou TilS & ClilS
permitiram a Roberta Cregory,
Aline Kominsky, Lee Marrs , Me-
linda Cebbie e muitas outras da-
rem seus primeiros passos. Como
[65] Rowif (1971), Richard Corben. explica Robbins , "nós abordáva-
mos temas que os mais velhos não [66] It Ain't Me, Babe (1970), Trina Robbins_

tocariam nem com pinças; temas Reproduzido em Danky e Kitchen (2009).


..., "f(.) VIo:I..M e:;I(A~lCA

co mo o abo rto, o lesbianismo, a men struação e os abusos sexuais infantis"lo. O


undergro und , co m sua res istênc ia feroz aos tabus do Comics Code, também seria ,'~

o estímulo ideal para o surgimento das primeiras HQs de gays e lésbicas, já


que a homossexualidade era proibida pelo código de censura . Se a rebeld ia dos
desenhistas undergro und masculinos com frequência parecia derivar em escan -
dalosas travessuras de adolescentes, os comi x gays c de mulheres introduziram
uma consciênci a política mais rigorosa .

Mas, sem dúvida , o gênero mais importante que os quadrini stas under-
ground introduziram , e que realmente serviria como base fundamental para
a construção da novela gráfica contemporânea, será o da autobiografia . Em
Crumb já havia uma mistura de ficção e confissão quando o autor se introduz
"T'roIe; V~TlON l
como personagem e se dirige expressamente ao leitor em primeira pessoa, reve- ~e Pe·· .. z:;;> U'oQ .
'*'"...f;.... ...... ~
<'lIST,
lando suas verdadeiras obsessões , em especial as sexuais . Aline Kominsky _ que
com os anos acabaria se casando justamente com C rumb _ também realizou
aquelas que alguns consideram as primeiras HQs autobiográficas no início dos
anos 1970" . Mas a própria Kominsky reconhecia Binky Brown Meeu the Holy
Virgin Mary ( 1972) [67], de Justin Green , Como verdadeiro ponto de partida das
histórias em quadrinhos autobiográficas,

Mais ou menos nessa época, quando eu estava na escola de arte, vi a primeira


Zap e não conseguia acreditar. Realmente não conseguia acreditar. E poucu
depoi s vi Binky BTOwn Meets the Holy Virgin Mary , de ]ustin Green , e isso foi
definitivo para mim . Quando vi o trabalh o de )ustin , soube como podia
contar a minha história. Quando vi a Zal) Comix fiquei impressionadíssima,
mas esses mais velhos eram tão bons que eu não consegui a me imaginar
fazendo o que eles faziam . Era muito bom; era tão difíc il. Mas quando
vi o trabalho de ]ustin pude ver como eu poderia fazê -lo. Ele me ajudou
a e ncontrar a minha própria voz, porque me soava muito autêntico . O
desenho era tão simples e tão pessoal , e me pareceu o mais incrível que eu já
havia visto em minha vida. Compreendi que s6 queria fazer algo parecido.
Não me importava, não pensei em quem o le ri a Ou por que o leria, a única
coisa que eu queria era fazc:r algo como o que e le havia feito para mim 22.

[67] Binky Brown Meets the Holy Virgin Mary (1972) , Justin Green.

17!J
A N OV~LA 6R~~ICA

Se o sexo , a violência e a paró dia ou a home nagem a gêneros do passado conteúdos e formas de ex pressão . Podemos dizer que essa ruptura foi equi va lente
como o terror e a fi cção cie ntífica, ou antes a mistura de todos esses elementos, à mptura do modelo acadêmico hegemô nico por parte das vanguardas artísticas ,
haviam dominado a maioria dos quadrinhos underground, quase sempre com a ou seja, uma autêntica mudança de paradigma. A partir desse momento, podemos
justificativa do humor como último ho rizonte , Binky Brown aprese ntava um relato falar com rigor de um quadri nho verdade iramente adulto . Pela primeira vez na
de outra ordem que esca pava às defini ções genéricas e à c itada re ferência irô nica. hi stória, existiam não só quadrinhos para adultos, mas revistas e m quadrinhos para
Embora apare nteme nte humo rístico, Binky Brown (um alter ego mal dissimulado adultos, e exclusivamente para adu ltos . Como indica H atfield , "o comi x não conver-

do pró prio ] ustin Gree n) era principalmente uma memória. A H Q , de quare nta teu por si mesmo os quadrinhos em uma leilura apropriada para adu ltos - afinal , as
páginas - uma extensão mais que considerável para os padrões da época -, narra - tiras de jornal há muito tinham um público adu lto -, mas converteu o comic book
va a luta do protagonista contra suas ansiedades sexuais durante a adolescê ncia , em um produto para adultos"24 .
aflig ido pelo que hoje se conhece como Transtorno O bsessivo Compu lsivo. A
sinceridade e a seriedade com que era contada abriam a possibilidade de se utili zar
os quadrin hos como algo mai s que lima ferramenta de provocação fácil contra o A difusão internacional dos quadrinhos underground
ll
siste ma lidos ad ultos e para a de rrub ada da moral social caduca . Binky Brown cons-
truía rnais do que destruía . Art Spiege lman encontrou em suas páginas as c haves O eco da revolução juvenil dos anos 1960 c hegou a todo o mund o e m
para escapar dos tópi cos que o próprio undergro und ha via gerado em seu rápido mai o r ou me no r grau e co m di sti nLOs mati zes de politização , e, co m as ideias ,
desenvolvimento, e pôde utilizá-lo como guia para enfrentar suas próprias lem - o rock psicodélico e a moda , c he ga ram també m os quadri nh os underground
branças familiares . O pró prio Spiegelrna n diria que "sem Binky BTOwn não ha ve ria que tradu z id os diretamente em muitos países rapidamente deram lugar a pro-
l l

Maus"H. E sem Maus , poderíamos acrescentar, não existiria a novela gráfica como cessos de imitação e adaptação dos qua is surg iriam tradições lo c ais de qua dri -
hoje a conhecemos. nhos para adultos .

O clima co ntracultural e a rebelião juvenil dos anos 1960 foram funda - É prec iso di zer que a primei ra influê ncia dos quadri nhos underground se
me ntais para o surgimento do comi x nos Estados Unidos, assim como o fo i a produziu nos Estados Unidos. A indústri a dos quadrinhos comerciais cada vez l

falência da indústria dos quadrinhos comerciais e o vazio criativo provocado pc - mais polarizada em duas e ditoras de super-he róis - a enorme e vetera na De do
las imposições do Comic., Code, que dirigiram os quad rinhos irre mediavelmente Superman e a mu ito menor mas pujante Marvel d o H omem-Ara nha - , reagiu
para um públi co in fantil e para uma possível extinção a médio prazo. Muitos dos com extre ma le ntidão às mudan ças que a sociedade estava vivendo , especial-
quadrinistas underground te ntaram em primei ro lugar ganhar a vida através dos mente o setor juve nil, que constitu ía seu prinCipal público . Além da anedótica
canais que ficaram à disposição na primeira metade dos anos 1960, mas não con- presença de pe rso nagen s que refl e ti am a estéti ca e as gírias hippi es - desde a
seguiram , o que os obrigou a inventar seus pró pri os supo rtes, gestados por eles óbvia falta de conhecimento em primeira mão que se poderia es pera r de ro te iri s-
mesmos . Talvez se a imposição do Comies Code não houvesse acabado com a EC tas e desenhistas ma is velhos - , não houve ne nhuma mostra de abertura nos pro-
Comics em 195 4, esta poderia te r continuado a desenvolver seus gêneros para um cessos criativos, produtivos e de distribui ção das g randes editoras durante toda
mercado cada vez mais adulto, e em 1965 teria integrado os trabalhos de C rumb, a década de 1960 . Alguns profissi o nais, no e ntanto , começa ram a sentir a neces-
Wilson , Rodriguez e outros em uma revista em quadrinhos comercial de horizon - sidade de se expressar de forma mais pessoa l e, no tando a atividade dos autores
tes ma is amplos. Mas isso não aconteceu. Em seu lugar, a ruptura do modelo edi - undergro und decidiram se lançar em iniciativas de autoedi ção fora das g randes
l

torial provocada pela crise da indústria obrigou os quadrinistas novos a re inve ntar editoras . Wall y Wood , um desenhista veterano que ha via sido um dos gra ndes
quase completamente os quadrinhos, co nservando o suporte, mas refa zendo seus nomes da EC, le mbrado sobretudo por suas HQs de ficção científica , lançou
1S
orçamentos industriais, seus processos de produção e distribuição, e també m seus no ve rão de 1966 a wi tzend , um prozine ou seja , uma revista autoeditada po r
l
3 - COtr1rX, 05 (JUAf?r/rf'/~05 Uf'/(7I;ReROUf'/C>, /968-/975
--_.- ' . __.. -------------~

pro fi ssionais, não por fãs ( o termo se contrapõe a fanzine ). W oo d, depois de uma
[68] Hi5 Nome 15.. . 5avage! (1968) ,
Archie Goodwin e Gil Kane.
..,
longa carre ira de escravidão artística e limitações editoriais, desejava publicar
sem restri ções externas, e co nseguiu envolve r outros profissionai s, com o Steve
Ditko (o c ocriador do H ome m-Aranha ), G il Kane ali alguns antigos conhecidos
da EC, como Frank Frazetta o u Angelo To rres . Na aventura da autoedição , a
witzend se antecipou à explosão dos com ix, e chega ria até mesmo a publicar
alguns de seus quadrinistas - como Art Spiegelman . Entretanto , a liberdade
criati va que W ood c seus co legas ansiavam se traduziu em pouco mais que a pre -
se nça de nu s, pois a maio ria do m aterial caía nas fórmulas da ficção cie ntífi ca e
da fantasia . Não obstante, o exemplo da <uirzend, unid o à co nfirmação po r parte
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dos dese nhi stas underground pouco depois de que uma econom ia marginal era
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suste ntável para revis tas em quadrinhos autoeditadas e destinadas a adultos , fez
com que , a partir do final da década, os esforços por parte dos pro fissio nais mais
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inquietos por abrir novos ca minhos se to rna ssem mai s frequentes . O menc io na -
do Gil Ka ne, com a ajud a do roteirista Archie Goodw in, ex pe rim e ntou em 1968
um antecedente da no ve la gráfica ao reali za r uma h istória de quare nta pá ginas
em preto e branco , publicada e m fo rmato de revista e intitulada H is Name 15...
[69] Blood5tar (1976), Riehard Corben .
Savage! [68 ]. um thrilkr que tinha como protago ni sta um pe rso nage m in spirado
no Lee Marvin de Poinr Blank [Ã Queima Roupa, 1967]. e m que a abundância de Na França, a recepção do
tex to s e a utilização de tipog rafia mecânica tenta va m dar um ar mais literári o ao underground tem uma fase anterior
produto . Kan e vo ltou ao trabalho e m 1971 com BÚlekmark , mais uma vez com diretamente relacio nada co m
a ajuda de Goodwin , e agora toca nd o o gê nero da fantasia heroica no mesmo Harvey Kurt z man e a Mad , de mod o
formato que os romances de b olso . Blaekmark, que totali zava 1 19 pági nas, era que é possível estabelecer certo
em preto e branco e combinava o tex to com os requadros em mai or medida paralelismo entre ,os doi s momentos
do que His Name 15... Savage! . A fanta sia e a fi cção c ientífi ca fo ram os gêneros do iníc io dos quadrinhos adultos
,
favoritos desse tip o de experimento que, com o vimos no prim eiro capítu lo, va i nos Estados Unidos e seu eco nO paI s
se dirigindo, até meados dos anos 1970 , para uma defini ção da novela g ráfica e gaulês. A figura fundamenta l para
dos quadrinhos comerciais para adultos , Tile Fim Kingdom ( 1974), de Jack Katz , a arranc ada de um quadrinho que
Srar' Reaeh ( 1974), de Mike Friedri c h , entre o utros títulos nessa mesma linha . O vai se distanc iando dos quadrinhos
círculo que as iniciativas proce dentes dos quadrinhos co nvenc ionais e dos qua - puramente infantis nO merca do
drinhos underground foram traç ando se fec ha com o BlDods rar ( 1976) [69] de Ri - francófo no é a do ro teiri sta Rcn é
chard Corbe n . O tema é a fantasia heroica de raiz pulp; o autor ficou conhec ido Goscinny, que no final düs an os
nos quadrinhos underground , e o produto era comercial , mas ao mesmo tempo 1940 havia trabalhado e m Nova
estava isento das limitações e da censura às quais eram submetidos os comic York com Harvey Kurtzma n, cuja
books regidos pelo Comie.s Code . E, como vimos , foi um dos primeiros títul os aoS influência foi decis iva no momento
quais se aplica diretamente o termo gra phic novel.
A NOV'LA 6RÁ~ICA .3 - COtrlIY, 05 ~UA~If'/"05 Uf'/c-r;qe;qOUf'/C', /968-/975

de conceber uma revista que faria h istória nos quadrin hos europeus: Pilote quadrinhos num meio respeitado em que se possam dese nvolver obras adultas,
( 1959) [70]. Junto a tal entos como os de Jean -Michel C harlier, Albert Uderzo mas simplesmente os inserem na cultura de consum o pós-juvenil surgida a partir
ou Jean Giraud , Goscinny converteu a Pilote na plataforma de renovação dos dos anos 1960. Poderíamos di zer que comerciali zam a revolução . Mais sofisticada
quadrinhos juvenis franceses . "Co nheci muito bem a equipe da Mad - recordaria é Valentina [72 ). do italiano Guido Crepax, surgida pela primeira vez na revista
Goscinny - dos primeiros núm eros , na época de Harvey Kurtzman . A diferença milanesa Linus ( 1965). Crepax tem consciência do valo r artístico inerente aos
efetiva [entre a Mad e a Pilote] é que a Mad era muito ameri ca na"". Talvez a elementos próprios dos quadrinhos, O requadro e o planejamento da página estão
expressão ma is clara da translação eurapeia da sátira de Kurtzman e Elder seja acima do desenho. Ex plora O pastiche, tentando deliberadamente se co nverter
Asterix , convertido desde o início no símbo lo da revista. Co m os aco ntec im entos em um objeto pop com citações de Flash Gordon o u Little Nemo, mas também
de maio de 1968 em Paris e o descobrime nto dos quadrinhos underground discussões artísticas e políticas do mo mento. Em seus balões fala-se de Godard ,
americanos, que haviam sido traduzidos em revistas co mo Acruel, os autores Pasolini , müsica dodeca fônica e epistemologia , em uma onda mu ito nouvelle vague .
da Pilote impulSionaram a revis ta para um público mais adulto e entraram em Entretanto, Valentina , por mais que se apresente como uma reinvenção intelectual
con corrência com títulos inspirados diretamente no underground am eri ca no , dos temas dos quadrinhos, continua sendo uma fantasia . Como as demais heroínas
como as satíricas Hara-Kiri ( 1960) e Charlie Mensll el ( 1969 ). As tentati vas de pop, ela é irônica , adulta (ou pelo menos "não para crianças") e referencial , mas
desenhistas como Wolinski com te mas adu ltos provocaram os mesmos embates uma fantasia . Finalmente, há uma di fe ren ça entre esse primeiros quadrinhos
com a justiça que sofriam os comi x americanos, e revistas como Hara~K iri foram adultos francês e italiano e o quadrinho underground americano: enquanto este
submetidas a apreensões legai s. último surge à margem da indústria, completamente independente dela , e se
dirige a um pLlblico distinto do consum idor de quadrinhos comerciais, na França
Foi também nessa época que e na Itália esse movi mento é um desenvolvimento da indústria , integra -se nela e
surgiu uma onda de heroínas de tenta ampliar um público já existente , mas com O qual convive . O que nos Estados
o ficção científica de caráter erótico, Unidos é uma ruptura re volucionária, na França e na Itália não passa de reforma
encabeçada por Barbarella" ( 1962 ), conjuntural. Isso obrigará os autores europeus que se dirigem para os quadrinhos
de Jean -Claude Forest, seguida por adultos durante os an os 1970 a adaptarem suas propostas para formatos , tradições
HYPoCTite ( 1972) , do próprio Forest, e sistemas de ve nda impostos pela indústria, enquanto os americanos, sem víncul os
e pelas deslumbrantes Les aventures comerciais, terão a possibilidade (e a neceSSidade) de se rein ve ntarem e criarem
de l odelle ( 1967), de Pierre Bartier seu próprio ecossistema de produção e público.
e Guy Peellaert, além de Pravda la
Survireuse ( 1968) [71 ]. de Pascal Assim , ai nda que com os autores de finais dos anos 1960 e princípios dos
Thonias e Guy Peelaert. As H Qs 1970 como Bretécher, Mandryka , Gotlib, Druillet ou Moebius vejamos que "pela
de Peellaert, que alcançaria a fama , primeira vez , ao que parecia , havia quadrinistas que produziam obras com uma
entre outras coisas, com capas proposta culta que esperavam explicitamente que fossem re conhecidas como
de discos de rock , sao fantasias arte"18, também é certo que seus esforços foram canalizados para o mercado co n-
warholianas regidas por um venc ionaI. As revistas de humo r L'Echo des savalles ( 1969 ), F/uiJe Glacial ( 1975 ) e
berrante colorido plano e rematadas a de ficção científica para adultos Métal Hurlant ( 1975 ) [73] não ameaça rão tanto
com certo eroti smo publicitário. o sistema tradicional como o ajudarão a se renovar, da mesma maneira que os
(70] Pilote mensue/49 (1978) , F'Murr.
Apesar de vendidas para um públiCO quadrinistas mais inovadores aparam suas arestas no enfrentamento com a co n cor~
adulto, não convertem realm ente os rên cia em busca do grande público .
A /k)VGLA 6RÁÇICA 3 - comzr, 05 <lUllf?I?II'IU05 UI'I"'R6ROUf'IP. /968-/97!>

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[71] Pravda la Survireuse (1968). Pascal lhomas e Guy Peellaert. [72] Hola. Valentina~ (1966). Guido (,epax.
3 - COtrlIX, 05 ~UACJf/It'''05 Ut'r/f;R6ROUt'CJ, /968-/975

Talvez a mais fértil recep - Bruguera, o que provoca um desenvolvimento mais tardio. Três antologias traduzirão

ção dos comix tenha ocorri do na as páginas de Crumb, Shelton, Robert Williams, Victor Moscoso, S. Clay Wilson, Skip
Holanda , graças à difusão obtida Williamson, Justin Green e demais luminares da Costa Oeste. A primeira delas, Comix
com revistas como Tame Leny . Os Underground USA volume um ( 1972 ), publicada pela Editorial Fundamentos, foi editada
holandeses souberam absorver a por Chumy C húmez e OPS, pseudônimo de Andrés Rábago (atualmente conhecido
influência americana e integrá- como EI Roto), que também a traduziu. Os dois volumes seguintes seriam lançados
-Ia à própria tradição franco -belga em 1973 e 1976, e podem ser considerados a chispa que acende o fogo underground
herdada de H ergé. Joost Swarte nos jovens desenhistas que marcarão esse movimento: os Nazario, Max, Mariscal

( 1947), o princ ipal representante ou os imlãos Farriol , que serão reunidos em 1973 no álbum EI Rrollo EnTrUl5carado.
dessa tendência , foi quem a bati - "Quando me encontrei com essa gente [o grupo que formaria EI Rrollo EnTrUl5wrado ]
zou de ligne e/aire (linha clara), um e descobri os quadrinhos de Robert Crumb publicados pela editora Fundamentos,
dos movimentos estéticos funda- sofri um impacto. Acho que eu não havia me proposto a fazer quadrinhos porque
mentais nos quadrinhos europeus as histórias que lera até então não haviam me interessado muito . Mas ao ver o que

dos anos 1980. Swarte acabaria Crumb fez , compreendi que se podia fazer de n,do", recordaria Max, que c hamava
sendo uma das figuras de referência a atenção para a influência dos temas dos auto res americanos, assim como para o

para os quadrinhos independentes impacto gráfico do "conjunto dos underground americanos, a mescla em um só gibi

americanos devido à SLl a presença de Crumb, Shelton e Spain Rodriguez"B


[73) Mótal Hurlant 1 (1975), Moebiu,. nas páginas e capas de Raw, a re-
vista nova -iorquina dirigida por Art Uma segunda corren te de influência chega das revistas satíricas francesas

Spiegelman c Françoise Mouly. como L'Echo des Savanes ou Hara,.Kiri , e é percebida nos semanários humorísticos
espanhóis como Mata Ratos (em sua última e tapa , J 974) ou EI Papus ( 1973 ). Os
No cenário definido pela reinvenção pop do cômico au estilo de Forest, jovens underground espanhóis (aos já citados pode m ser acrescentados nomes
Peellaert e Crepax, situa-se uma obra excepcional que, se fosse publieada hoje em como Gallardo, Mediavilla , Martí, Montesol , Ceesepe , Pons , Azagra , Roger ou
dia, seria etiquetada sem a menor sombra de düv ida como IInovela gráfica"30. Poema EI Cubri) acabarão se aglutinando em revistas comerciais como a Star ( 1974) e, fi-
a Fumetti [Poema em q",wrinhos"] ( 1969), do escritor Dino Buzzati , é uma versão do nalmente, naquela que se converterá na revi sta "oficial" do undergrou nd es panhol
mito órfico passada pelo filtro das cores berrantes, dos cartazes publicitários e do rock (por mais paradoxal que pareça), EI Víbora ( 1979) [74]. Durante os anos 1980,
como prática moderna da rebeldia juvenil. Buzzati (que, curiosamente, tinha 63 anos ruirão as editoras que haviam mantido o g,bi tradic io nal espanhol , com Bruguera à
quando publicou a obra) ensaia uma fom,. tão desconcertante e heterodoxa de utilizar frente , e se viverá um boom dos quadrinhos espanhóis modernos em torno de uma

a história em quadrinhos - nos limites da narrativa - que não gerou frutos em outros série de novos títulos que dividem o mercado e m tendências, EI Víbora representa
autores. Ao contrário, perdeu· se na memória do meio como tantos outros quadrinhos O espírito underground, EI Cairo a corrente c hamada de "linha clara", que pretende
deslocados que foram recuperados graças ao interesse do presente por reconstruir a certa recuperação icôni ca da aventura desde a Europa francófona , enquanto revis·

cadeia histórica da novela gráfica. Parece que só agora se pode entender essa obra. tas como Cimoc, 1984, Creepy ou Comix Interna rionalcx ploram os novos quadrinhos
internacionais de gênero adulto ( tendo à frente mais uma vez a ficção c ie ntífica e

Na Es panha" não se pode conceber nenhum quadrinho adulto até as últimas o terror) . Ou seja, o caso espanhol, embora com atraso, acaba por se parecer mais

mani festações do franquismo, que havia mantido o gibi paralisado em Lima infância com o fran cês do que com o americano , já que os novos desenhistas só trabalham

eterna de HQs de humor, ro mânticas e de aventuras presidida pela on ipotente editora finalmente para dar nova vida a uma indústria moribunda .
o Japão, como já vImos,
tem sua idiossincrasia particular.
Os autores de gekiga , a corrente
mais realista e áspera que durante
os anos 1950 havia apresentado
desde Osaka uma alternativa à
poderosa indústria de Tóquio,
foram absorvidos por esta durante
os anos 1960. Alguns deles,
inclusive, optaram por publicar em
revistas experimentais, distanciadas
dos grandes títulos comerciais. É o
caso de Sanpei ShiralO, que leva
Kamui Den [A lenda de Kamui l4 ]
para a Garo em 1964, ano de início
dessa revista . Shirato abandona a
Garo em 1971 , deixando-a com a
(74) fi Vfbora 1 (1979) , Naz.no_ maior circulação de sua história :
80 mil exemplares". A Garo, uma
revista de vendas minúsculas em um país onde os principais títulos têm tiragens
milionárias, se converteria no centro dos quadrinhos de vanguarda japoneses, cujo
marco fundamental é Nejishiki J6 ( 1968 ) [75 ], uma HQ de Yoshiharu Tsuge que definiu
a tradição dos quadrinhos upara toda uma contracultura", de tal maneira que lia única
figura comparável nos quadrinhos ocidentais seria Crumb"". A HQ, uma fábula
onírica sobre a desolação do pós-guerra no Japão, abriu as portas para a expressão
pessoal no mangá sem as férreas imposições editoriais das grandes revistas. Sekishoku
Elegy (1971 ), de Seiichi Hayashi, que também apareceu na Garo, é uma verdadeira
novela gráfica sobre o amor e a arte protagonizada por um jovem casal e narrada de
uma forma oblíqua que recorda os tratamentos experimentais da nouvelle oogue. Até
mesmo Osamu Tez ka, o pai do mangá comercial moderno e a figura mais influente
dos quadrinhos no Japão, sentiu-se atraído por esse tipo de HQ artística, e em sua
,
revista COM ( 1967) publicou a que seria a sua obra mais pessoal (e inacabada), a . ••

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ambiciosa Hi no Tori.
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(751 NejisMId (1968), Yoshiharu Tsuge. Reproduzido em The Comics Journal 250.
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C hikao Shikatori observa que, e nquanto "a divisão e ntre as revistas im - um artista individual , e embora ou tros também o ten h am conhecido, especial-
portantes e as 'outras' revistas estava muito , muito clara nos anos 1980"38, nos mente Gilbert Shelton , a maioria dos desenhistas de quadri nh os underground
t 990, entretanto, as fronteiras se tornaram indistintas . A inc rível capacidade da só conseguiu sobre viver enqua nto durou a inérc ia do movimento. H arvey
indústria do mangá para assimilar temas, formatos e linguagens fe z co m que os Kurtzman observava que o underground estava condenado à autodestrui ção , e
achados do comic de vanguarda fossem assumidos cada vez com mais facilidade como prova disso citava uma frase de Sh elton : "Se tivermos suc esso, fracassamos .
pelo comic co nvenci o nal , que foi ampliando seu público até alcançar praticamen - Mas se fracassarmos , tivemos suc esso". Para Kurtzm a n , IIOS quadri nistas under-
te a totalidade da população japonesa . H oje em dia a indústria japonesa oferece ground tinham uma filosofia su ic ida, e os que c on h eci eram tipos muito frust ra -
tal diversidade de co nteúdos e formas que a corrente underground se diluiu quase dos , d esgarrados entre o desejo do sucesSO material e o desprezo por e le"41 .
completamente dentro da corrente principal. Alguns dos autores que poderiam se
a
juntar essa corrente, como Kiriko Nananan , Kan Takahama ou Suehiro Maruo , Não obsta nte , os fatores externos influíram de forma decisiva n o decl ive
imitam as propostas da novela gráfica ocidental. dos quadrinhos underground . Em 1973 o movimento atinge seu apogeu, quando
foi reali zada a primeira co nve nção d e comix em Berkeley. Mas nesse m esm o ano
teve iníc io a sua derrocada . Alguns dos fatores que con tribuíram para isso su rgi -
A decadência dos quadrinhos underground ram da dinâmica interna do undergrou nd . Bill Griffith , um dos quadrinistas com
maior co nsci ê nc ia a rtística , fez uma crítica co nt ra seus próprios compan h ei ros,
Os quadrinhos underground ameri canos não foram concebidos para durar. acomodados à repetição de clichês de terror, fantas ia e pornografia , já sem nenhu -
A necessidade havia impulsionado suas principais figuras para a autocdiç50 ou ma intenção irônica . Griffith entendia que o co mix d evia ser algo mais .
para as editoras marginais, mas logo seu sucesso atraiu as grandes empresas : revis -
tas de informação geral, editoras literárias e produtoras de H ollywood à frente . Mais importantes fo ram os fatores ex tern os: por um lado , um a saturação d e
A Crumb bastaram duas experiências com editoras séria..~ como a Balla ntin e e a títulos nao vendidos ameaçava a estabilidade das lojas que os ofereciam devido
Viking para renunciar eternamente às tentações d o sistema: "Quanto mais dinhei- ao sistema de distribuiçã o sem devoluções . Então ocorreu uma se nten ça histórica
ro está envolvido, maiores as poss ibilidades de co rrupção"39. C mmb representava por parte do Supremo Tribunal dos Estados Un idos, declara ndo que a obsceni -
algo mais que urna estética a lternativa , representtlva uma ética alternativa . dade estava submetida aos "c ritérios dtl comun idade", o qu e colocava nas mãos
das autoridades loca is a pOSS ibilidade de persegui r tudo aquilo que se alijasse dos
As pessoas me di ziam que eu estava "sabotand o" minhas possibilidadcs de padrões morais acei tos em seu âmbito de atuação . Isso fez com que as head shops,
te r sucesso, riqueza etc. Eu não en tendia. A mim parecia que eu já estava que haviam sido objeto frequente de denúncias , aumentassem sua cautela e se
obtendo um sucesso fabuloso l O que mais podia quercr'? Estava obtendo o desligassem de muitos comix que , por se u elevado co nteúdo erótico e por sua
reconhecimento sob meus próprios termos - se rá que isso não era sucesso peninaz associaçã o ao público infantil , to rnava m -nas es pecialmente vulne ráve is à
sufic iente ] Eu podia conlinuar desenhando quadrinhos undergrou nd, O que
intervenção judicial 41 .
significava liberd ade art ística lo tai, ganhar um dinheiro decen te faze ndo
isso, e ter ainda tempo livre suficienle para manter co ntato com Spai n
o comix começou a enfraquecer c a pe rder vita lidade , co m o quase todos
[RodriguezJ, Kim [Deitch] e [5. C lay] Wilson, e ocasio nalmente brincar l:om
os movimentos contestatórios juvenis dos anos 1960. A crise energética de 197 3
as ga rOlas bonitas que ficavam impressionadas com minha fama ... Pa ra mim
havia aplicado um duro golpe no ideali smo do f10wer power, e a saída dos Estados
isso continuava parecendo UI11 bom neg6ciol40
Unidos do Vietnã e m 1975 acabou por privar os m ovime ntos revo luc ionários d e
objetivo co ntra O qual se rebelar. Retirava -se o amor li vre e reto rnava m a apa-
Mas o sucesso de Crumb - prolongado durante as quatro últimas déca-
a conformidade e a rotina an6dina .
das - não era reproduzível mediante uma fórmula . Seu sucesso e ra o sucesso de
Em meados da década, os quadrinhos underground já estavam assimilados
c começa vam a se tran sformar em um gênero . O filme de anim ação de Fritz the Cat
'f - 05 CXUA/?RINJ-I05
( 1972 ), dirigido por Ralph Hakshi - o qual Crumb renegaria por toda a sua vida - ,
havia obtido um enorme sucesso nos cinemas, o que era ainda mais surpreendente
AL fERNAfIV05: /980-tOOO
por ter sido classificado como X (para maiores de dezoito anos). O underground
já não estava mais à sombra à margem Oll na cland estin idade; esta va exposto aos
l

olhos do público consumidor junto com todos os demais produtos . Pode ser que o
sucesso mai s significativo desse processo de assimilação tenha sido o lançamento Os quadri nhos al ternativos osciL tm entre
da coleção Comix Book pela Marvel em 1974. Dirigida por Deni s Kitchen , incluía duas posições: o punk e o comissário
HQs de Art Spiegelman , Skip Williamson e Howard C ruse, entre outros. Crumb da exposição, por assim dizer l .
se negou peremptoriamente a participar. Stan Lee, diretor editorial da Marvel ,
achava que nos anos 1970 sua empresa devia ampliar a oferta além dos super- C harles Hatfield
. heróis, C, da mesma maneira que experimentava quadrin hos de artes marciais ,
fantasia heroica ou terror, decidiu encobrir o fantasma do underground.

o canto do cisne do underground foi a Arcade , uma revista dirigida por Hill Um novo circuito
Griffith e Art Spiegclman - sem dúvida , os mais inquietos de todo o grupo - , que
pretendia oferecer uma visão mais ampla dos quadrinhos artísti cos gerados pelo No final dos anos 1970, os quadrinhos underground corriam o ri sco de
underground e ao mesmo tempo recuperar o passado , "desde L;tr/e Nemo até as serem recordados apenas como o movimento de cujo seio saiu Robert C rumb ,
Bíblias de l1juana""- Em sua proposta, a Arcade antec ipa em grande medida a Raw, um chocante ambiente propício para explicar os primeiros passos de um gênio
dirigida novamente por Art Sp iegelman, nessa ocasião de Nova York, que nos singular dos quadrinhos. De todos os desenhistas originai s do underground, ele
anos 1980 será um dos pilares sobre o qual se erguerão os quadrinhos altern ati - era o único que mantinha uma atividade visível e re levante . A primeira geração de
vos. Entretanto, a proposta da Arcade foi equivocada . Enquanto a Raw só aspirava desenhistas de comix não havia tido relevo . Como disse Spiegelman em 1979, "as
a ser uma revista minoritá ria e influente para uma elite, uma espécie de comando pessoas que abriram o caminho em 1967, 1968 , 1969, eu inclusive, ainda continuam
guerrilheiro de vanguarda, a Arcade quiS abrir guerra nas bancas contra as revistas aparecendo nos quadrinhos underground", o que fazia com que, infelizmente,
satíricas de distribuição nacional e fracassou. Seus sete números foram a última não fossem "um lugar para sangue novo"2. A falta de relevo geracional , unida
grande aventura do underground. Na segunda metade dos anos 1970, HQs como ao esgotamento do círculo de distribuição alternativo e ao pró prio declínio do
Sabre ( 1978 ), de Don McGregor e Paul Gulacy, um thriller de ficção científica ecossistema contracultural , havia deixado os quadrinhos underground, se não
com nus, anunciavam a chegada de um novo período em que um público não mortos, à beira do coma .
infantil tinha acesso a histórias em quadrinhos que transgrediam as limitações do
Comics Code, mas não as dos gêneros tradicionais. O "underground" se tornou en - Mas os quadrinhos comerc iais também enfrentavam sérias dificuldades .
tão um estilo que só sobrevivia nas páginas dos poucos veteranos da era dourada O lento declive que tinham sofrido as vendas de quadrinhos de super-heróis
do comix que continuavam ativos individualmente. Mas das cinzas desses quadri - desde o início da década havia se agravado na segunda metade dela . Em 1978
nhos underground nasceriam os quadrinhos alternativos. OCorreu a chamada lIimplosão" da De, em que a principal empresa editorial en -
cerrou de repente dezenas de coleções , limitando -se a uma oferta mínim a. A re-
vista em quadrinhos parecia incapaz de competir nas bancas, e a velha pro fecia
'f - 0 5 ~AI7I/INUOS AL TEQNATIVOS, /980- 1-000

do fim da indústria fina lmente ameaçava se cumprir. O salva ·v idas do negócio da década de 1960, publicava seu pró prio fa nzine, Alter Ego' , sobre a história dos
foi um novo circui to de vendas e distribuição , que viria a ser co nheci do como super- heróis. Esse grupo de aficionados co nscientes da história do meio criaria a
o direcr marker 3 . base de colec io nadores sérios de quadrinhos que já se faria no tar nos anos 1970 .
Os colecionadores trocavam gibis antigos, quc com frequê ncia estavam à ve nda

As revistas em quadrin h os eram ve ndidas tradi cio nalm ente da mesma em lojas que comerciali zavam quadrinhos underground . Algumas dessas lojas
maneira que a imprensa geral , sendo distribuídas em co nsig nação às bancas , foram desloca ndo seu interesse para os quadrinhos em geral , de maneira que

supermercados e lojas de gulosei mas, de forma indiscrim inada . O vendedor nelas era possível encontrar os últimos títul os underground junto com com ic

não podi a pedir ma is cópia s das co lcções que cram mais ve ndi das, nem menos books de segunda mao (na verdade , foi ass im que os auto res underground mais
daquelas menos vendidas. Isso fazia co m que alguns tít ulos se esgotassem ao jovens, como Rory H ayes , puderam descobrir a EC que lhes se rviria de inspi ra-
chegar a uma qua nti a que nunca podiam superar, enqua nto outros tinham ção). A coi ncidência dos colecio nadores de com ic books e do circu ito de comi x
devoluções maciças. De todo modo, os gibis eram tão baratos que suas vendas deu lugar ao cresci mento e à difusão de uma rede de livrarias especializadas em
pouco interessavam aos do nos das bancas, já que a margem de lucro quc quadrinhos por todos os Estados Unidos". A mescla desses estranhos elementos
proporcionavam era muito pequena . Eram simplesmente um complemento , c traria co nsequências para cada um del es em separado .
às vezes e ram utilizados para forrar os fardos de revistas mai s valiosas e assim
pro tegê· las de danos durante o transporte. "Por Que se fa z ia assim ?", perguntava· Phil Seuling foi um dos prim eiros que conseguiram convencer as grandes

-se Phil Seulin g, que seria uma figura-chave para a implantação do direct market. editoras _ Marvel e D C , principalmente - de que o circuito de distribuição em
IIPorque é assim que são ve ndidos os jornais, e as re vista s em quadrinhos são um lojas era uma via possível para salvar o negócio em declínio. Com o direcr marker,

derivado dos jornais. Nunca foram consideradas nada mais além disso. Portanto, as editoras eco nomi zavam o gasto das devoluções: imprimiam apenas o que as

a forma como as revi stas em quadrinhos eram ve ndidas era a forma como eram lojas lhes pediam , e esses exemplares não tinham devolução. O risco passava
vendidos os jornais"-4. do editor ao livreiro , liberando o editor para experimentar quadrinhos menos
convencionais
. , mas ao mesmo temp o convertendo o livreiro no verdadeiro fi ltro
Os quadrinhos underground já haviam demonstrado que era possível ob- do mercado e de suas tendências. A vantagem para o livreiro era a possibilidade
ter benefícios com um sistema altern ativo, distribuindo os gibis por meio de de administrar o material segundo o seu critério - apenas recebia aquil o que

livrarias especializadas , sob enco menda e sem devolução. Desde os anos 1960 pedia, e podia conseguir descontos maioresi o inconveniente era que os títul os

produzia -se uma progressiva consolidação do [andam , que havia começado a não vendidos fi cavam por sua conta e se acumulava m em suas es tantes ocupando

se in filtrar nas editoras profissionais. Se o [andam o riginal , o dos pulps de fic - um espaço vali oso .
ção científica e fantasia dos anos 1920 c 1930, havia proporcio nado alguns dos
profissionais que dariam forma ao comic book durante décadas , como Julius o mercado direto se mostrou rentável e salvou o comic book, mas ao fazê -
Schwartz ou Mort Weisinger, que seriam decisivos para mol dar o destin o de .10 mudou definitivamente a sua fi sio nomi a. Ao lo ngo dos anos 1980 , o novo cir-
Batman e Superman , nos anos 1950 surgiu um segundo [andam em torno da EC, cuit,O deixou de ser um com plemento à distribui ção tradicional para se converter

que esti mul ou a inter.relação entre seus lei tores por meio das seções de cartas e no principal suste nto das editoras. Isso fez com que o material fosse produ z ido

de um fã-clube . Stan Lee retomou essa ideia na Marve l dos anos 1960, publican- cada vez mais deliberadamente para o público das li vrarias especi ali zadas, que era

do os endereços dos leitores que escreviam cartas , o que permitia o co ntato di- um público extremamente fiel - colecionadores - , mas ao mesmo tempo muito

reto entre eles c, ainda, que se gerasse uma "cultura Marvel ". Foi também duran· exigente. Os comic books se tornaram ca da vez mais autorreferenciais, eso téricos

te essa época que fãs dos quadrinh os começaram a ter acesso às editoras, como e herméticos para o leitor ocasional , e começaram a se dirigir a um público ca da

Roy Thomas, que seria o braço direito de Lee durante anos e que , desde o início Vez mais velho . Não que os comics ten ham se tornado m ais adultos, mas se viram
----_. _----~~- ~

obrigados a crescer com seus compradores, que não abandonavam a "mania" de A aproximação do comic book convencional do circuito de vendas dos

co lecionar gibis, de maneira que um comprador do Homem~Aranha de 13 anos quadrinhos underground também ajudou de certa maneira a alterar a consciên -

continuava comprando ·o aos 35 e , embora esperasse que tudo continuasse igual , cia do primeiro . Alguns elementos da filosofia do underground, co mo o reco-
também es perava que o material va riasse o suficiente para manter o seu interesse nhecimento dos direitos autorais e o culto à figura do criador, começaram a ser

com o passar dos anos . Foram esses "fãs ve teran os" que ditaram a evolução cria- introduzidos nas grandes editoras. Os escâ ndalos devido ao tratamento dado às
tiva dos comics C, ca da vez mais, foram outros fãs veteran os que produziriam os figuras do passado acabaram mudando o comportamento das editoras . Durante
corni cs que liam . Resumindo, para sobreviver no mercado direto , as editoras se os anos t 970 , uma campanha da imprensa por pane dos desenhi stas do momen-

viram obrigadas a atender às necessidades do seu grupo de seguidores mais entu - to fez com que a D C finalmente reconhecesse alguns direitos de Jerry Siegel e
siasta, isolando-se cada vez mais do mundo exterior. Consegui ram evitar a morte , Joe Shuster - que se enco ntravam em uma situação econômi ca e de saúde muito

mas ficaram restritas . pre cária _ como c riad ores do Superman , justamente quando o maquinário de
Holl ywood havia se artic ulado para promover a grande superprodução basea·
o redirecionamento para o núcleo de fãs teve uma consequência da no personagem que C hristopher Reeve protagonizaria em 1978. Nos anos
importante para o desen volvimento da narrativa nos quadrinhos que ajudaria a 1980 , foi a revista de críti ca The Comics Jo"rnaL que liderou um protesto contra a
preparar o terreno para a novela gráfica. Uma das fórmulas de publicação que Marvel para que devolvesse suas páginas originais a Jac k Kirby, que havia sido o
os editores experimentaram para sobreviver à crise em uma econom ia defen siva principal dese nhi sta da editora quando lançou seus novOS super-heróis no início
foi a "série limitada" ou "minissérie". A primeira foi publicada pela DC em 1979 da década de 1960. Como consequê ncia de tudo isso , a partir dos anos 1970,
(World Df Krypron' ) e teve três números. A série limitada se diferencia das coleções a Marvel e a DC começam a pagar royalties aos roteiristas e desenhistas, e in ·
normais de comic books por não nasce r com duração indefinida, mas com um c1usi ve publicam coleções que se mantêm como propriedade de seus criadores ,

final fechado . Embora as histórias que abarcam diferentes números de uma que podem , portanto , continuar publicando em outras editoras quando lhes for
coleção existissem desde os anos 19 40 , esse conceito era novo , porque a série conveniente. O concei to de autoria , nascido com os quadrinhos underground,

limitada era concebida como uma história comp leta e terminada , independente já estava sendo assimilado pelos quadrinhos comerciais, apesar da compl icação
de suas vendas. Ainda que uma série limitada tivesse sucesso , ela acabava no de adaptá -lo para um entorno em que a ma io ri a dos quadrinistas trabalhava com

número previsto i caso fracassasse , de todo modo chegaria a se completar, sem personage ns de propriedade da editora , que havia m sido desenvolvidos co leti·
ser cancelada antes do final. Cada série limitada costumava contar uma histó ria vamente ao longo de décadas.
completa dividida em ca pítulos (o padrão mínimo foi estabelecido em quatro,
e o máximo, em doze), o que ajudou a co nsolidar O conceito de "relato longo" Mas se o direct marker teve conseq uências signifi cativas para o neg6cio dos

entre um püblico leitor acostumado à narrativa seriada sem princípio nem fim. quadrinhos comerciais, foi ainda mai s im portante para a co ntinuação dos qua -
Com a consol idação do direce market , as séries lim itadas se converteram no drinhos adultos além dos comix . O direct market abriu a possibilidade de se editar
material perfei to para ser recopilado em tomos , e constituíram um dos elementos comic books que tivessem uma distrihuição comercial fora das bancas e, mais
fu ndamentais na primeira expansão da novela gráfica , com a chamada "geração que isso , que nem sequer tivessem de ser vendidos em bancas . Assim , enquanto
de 1986". Como veremos mais adiante , junto com Maus, de Art Spiegelman, as grandes editoras mantinham um circuito dupl o - vigente até hoje - que incluía
os dois títulos que monopolizaram o foco naquele momento foram Watchmen , bancas e livrarias especializadas, ou seja , merca do maciço e direct market , um
de Alan Moore e Dave Cibbons, e Batman. The Oark Knight Returns [Batman. grupo de novas editoras pequena s pôde se introduzir na venda exclusiva a livra -
O cavaleiro das trevas], de Frank Mi ll er e Klaus Janson. Ambos eram gibis de rias. Essas novas empresas tiveram seu apogeu a partir do início dos anoS t 980 , c
supe r· heróis que foram publicados pe la DC como minisséries. foram co nhecidas como "independentes" ou "alternativas". Os dois termos eram
usados em oposição às grandes, Marvel e DC "Independente" significava que
• "'OV~LA 6~AHCA

não dependia economicamente das grandes, mas não implicava dife re nças com o declínio da cultura hippie da Costa Oeste , voltou para Nova York , onde
e las quanto aos objetivos artís ticos Oll comerciai s. UAlte rnativo" significava que conh eceri a Françoise Mo uly, uma estudante francesa de arq uitetura que
ofereciam um mate rial distinto daquel e o fereci do pelas gra ndes , mas às vezes as havia tirado um ano sabático . Mouly, que acabaria se casando e formando
difere nças se lim itavam a q uestões de censura (nos anos t 980 ainda continuava uma família com Spiegelman , descobriu e m Nova Yo rk sua paixão pelas artes
vige ndo o Comics Code , refo rmado ) ou de p ro priedade do copyright , pois as edi - gráfi cas, e convenceu o desenhista a fazerem uma nova tentativa de lanç a r
toras indepe nde ntes ou alternativas ofereciam um tipo de quadrinhos mu ito pa· uma revista de quadrin hos de va nguarda . Mas Raw [76 ]. o no me esco lhido para
recido com o das grandes, às vezes até reali zado pelos mesmos autores . Talvez a revista , n'ã o seria uma continu ação da A rcade nem dos com ix . Ao co ntrário ,
o exemplo mais sig ni ficati vo seja o da Pacifi c , que chegou a editar quadrin h os Raw se apresentou como uma forma de fazer algo "que não fossem quadrinh os
de Jack Kirby, o desenhista que havia e ngra ndec ido a Marvel e que era um mito undergro und"s, segundo as pa lavras do próprio Spiegelman . Ao co ntrá ri o de
dos q uadrinhos de super-heróis. Arcade, que aspirava a conve rter o underground e m um produto para o g rande
público , a Raw teve vocação vo luntari a mente min o ritária , e sua as piração era
Mas ao mesmo te mpo que surgiam essas editoras "alternativas" que pode - a de ser uma revista de e li te que at ing isse um público reduzido, porém se leto ,
riam melhor se c ha mar "sucedâneas", abriu · sc a porta para que surg issem outras e q ue exe rcesse assim sua influ ê ncia de cima para baixo , inverte ndo o sentido
peque nas empresas que publ icaram revi stas e m quadrinhos que apresentavam que os quadrinhos hi storicame nte ha viam seguido. "Não se i co mo fun c io nam
conteúdos e fo rmas rea lmente l/a lternativas" aos hege mônicos. Essas editoras as coisas na era e letrônica - diria Sp iege lman -, mas é assim que eu gosta ri a
exibiam uma clara continuidade espiritua l com os quadrinhos underground, em - de c hegar a um públi co maciço . Se só tivéssemos 5 mil leitores , mas que
bo ra muitos de seus auto res pertencessem a gerações mais jovens e de estética fossem os 5 mil leitores certos , seria ge nial "9. Em seu afã para se diferenciar do
d isti nta . Seus gibis eram vendidos em livrarias especializadas , com os da Mar· underground - algo fac ilitado pe lo afastamento da Cos ta Oeste - , Rawev itou
vel , da De e das outras "independentes" que as imitavam , o que as o brigou a os grandes nomes do comi x e , e m vez deles, esco lheu jovens desco nhec id os
adotar m uitas das formas e fórmu las do comic book co mercial - começando, que mostrassem novas inqui e tações esté ticas . Comple tame nte d is tintos e nt re
certame n te, com o mesmo formato do comic book - e a se definirem como si, Charles Burns, M a rk Newgarden , Ben Katc h or, Mark Beye r, Kaz, Chris
u m gênero que, se não tinha algumas carac terístic as ho mogê neas, pelo menos W are ou Gary Panter s6 coincidiam em seu interesse pela experimentação
podia se distinguir como clara mente distinw dos super-heróis do minantes . A ..ráfica e por seu repúdio - instituci o nalizado pela rev ista - aos gêneros que
mais importante dessas e ditoras seria a Fantagraph ics, que publ icava The Co mi c, haviam associado os quadrin hos à c ultura juvenil e de consumo : a fantasia , a
Journal , uma revista de crítica e informação de q uadrinhos , e que começaria a ficção científica, os super-heróis ... Talvez seja Cary Panter [77 ] a figura q ue
publicar uma coleção intitu lada Love and Rockets que , junto com as revistas Raw, mel hor exemplificava essa nova es té tic a. Ini ciado nas revistas punk de Los
de Art Sp iegelman e Françoise Mouly, e Weirdo , de Ro bert Crumb, definiria o es, Panter era mais um ilustrador e ·um desenhista do qu e um quadrini sta .
marco em que iria se produzir a transformaç ão dos quadrin h os underground em traço cru e antiprofissiona l cra raivosamente a tual. Apesar de suas citações
quadrin hos alternativos , a antessala da novela gráfica . alguns personage ns da tradi ção dos quadrinhos cláss icos que venerava,
requad ro seu era um manifcsto co ntra o co nformismo e ndogâmico dos
comerciais. Panter era , antes de tudo , o rosto de algo novo , e e ra
Raw, Weírdo, "Love and Rockets: rosto agressivo e desconccrtante .
O cérebro, as vísceras e o coração dos 'l.uadrinhos alternativos

Depois da frustrante experiência da Arcade ( 1975- 1976 ) junto com


Bill Criffith, Art Sp iegelman jurou nun c a mais dirigir nenhuma revista. Com
_ _ _ _,r• •-...........-.. _ _ ,,-,..,...........-..-,' _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _- _ - -_ _ _ _ _ _ ......
~-------

- On1UlIr>rlINUOS AL rr;;~NArIV05: 1980-~OOO

Na Raw, os quadrinhos mostrava um perfil tão internacional , e esses vínculos estabelecidos entre os autores ,
eram uma das Belas Artes, além das fronteiras, criariam um espaço compartilhado que alcançou sua plenitude
e o eram não só pelos dese· nos últimos anos, com movimentos como a franco-japonesa nouvel[e manga. Hoje
Ilhas, mas pela maneira com em dia é mais apropriado relacionar os quadrinistas por afinidades estéticas ou te -
que brincavam com a própria máticas do que por sua localização nacional.
forma dos quadrinhos, como
praticamente não se havia
feito desde as páginas mais
arriscadas dos pioneiros dos
quadrinhos americanos, com
McCay e Hcrriman à frente .
Certamente, os desenhistas
da Raw exerciam essa prá·
tica como uma ferramenta
de refle xão sobre o meio de
forrna muito mais deliberada
quc scus antepassados. Po-
deríamos dizer que aplica·
• • •
vam um tratamento lrOnlCO
e páymodemo às histórias em
[76) Row 1 (1980), Art Spiegelman. •
quadrinhos . A própria revista
adotou muitos subtítulos, mas
lr
na maioria deles estava incluída a fórmula "Graphix Magazine que enfatizava mais os
,

aspectos visuais do que os literários das histórias.

Junto à vocação para descobrir novos valores e ao olhar experimental , a


Raw acrescentou dois elementos que seriam fundamentais para o futuro dos qua-
drinhos alternativos e que são ainda mais relevantes no panorama atual da novela
gráfica, a vontade de internacionalização e o olhar para o passado .

Mouly e Spiegelman haviam viajado pela Europa (também iriam ao Japão)


e entrado em contato com os quadrinistas mais vanguardistas da Holanda, Bélgica,
França e Espanha . Assim , na Raw abriram-se as portas para autores internacionais,
como os argentinos Munoz e Sampayo, os espanhóis Mariscal e Martí, o congo-
lês C heri Samba, os franceses Tardi e Loustal , o italiano Mattoti , o holandês Joost
Swarte ou o japonês Yoshiharu Tsuge. Era a primeira vez que uma revista americana [77} Jimbo. Adventures in Porodise (1988), Gary Panter.
'f - 0 5 ~uAPfl1f/~05 AL r.~f/Ar1V05, /980-t OOO

_ 8 1980- 1986) publicada por Mouly


delas A primeira etapa (numeros l - , ' , h
A volta para o passado foi outro traço dos mais importa ntes para construir a cada Uflla ' . d "G phu ' Magazine" com formato magaz lIle, taman o
identidade atual da novela gráfica , Como dizíamos, a redescoberta da tradição adul- I fOI a etapa e ra ' f '
e Spiell" man, t Ao mesmo tempo OI nesses
. s quadrinhos visualme nte poten es . ' . .
ta, às vezes escond ida embaixo de nosso nariz, às vezes resgatada dos escombros que favorecia o ublicou por capítulos _ como um caderninho inserido - a pr.lme lra
do lixo comercial , fo i fu nda me ntal para dotar de ferramentas os autores que que- números que se p ' f' d S ' I n Embora Maus com sua sobnedade
novela gra lCa e plege ma . ,
ri am co ntar coisas que escapavam aos recursos dos quadrinhos de ação juvenis. Isso .-te de Maus , a 'd d ' nto da primeira etapa
pa _ denSidade literária , fosse uma ran a e no conJu ,
pe nniti u o resga te em reed ições cada vez me lhores dos clássicos dos quadrinhos,
gráfica e SU~ t'al efeito que acabaria sendo mais identifi cada com a revista do
mas ao mesmo te mpo essas reedições foram impulsionadas pelo interesse das novas D _u ela causOU ) A ' do
da lW'"" terial (salvo talvez as páginas de Cary Pontcr , SSlm , quan
gerações de dese nhistas em buscar exemplos váli dos para suas próprias indagações, Iquer outro ma v bl' d
que qua ( _ 1 3 1989- 199 1) dcssa czpu Icaa
.. ' eu segundo volume numeras - , ,
Sp iegelman e Criffit h já hav iam dedi cado um espaço ao passado em Arcade, mas a a Raw IIlIClOU S " p , formato mudo u para o de livro de bolso, de menor
Raw não se limi to u a recuperar páginas dos nomes consagrados - embora bastante d' li terana engulll , o I
pela e ltora , d_ " s mostrando o traslado da cultura visua para
h e maior numero e pagina , ~
esquecidos no início dos anos 1980 - , como W insor McCay, Ceorge Herrim an ou
laman o I Se a primeira Raw havia se apresentado como uma demonstraçao
I't t ra O
a cul
Gustave D o ré, mas acrescento u a desco be rta de dese nhistas extravaga ntes e ig no- tura textua ' d
' h - , M us acabou dcmo nstran o que eram I era u .
tos, como Fl etcher H anks o u Boody Rogers, os q uais consag rou como /Jartistas mar- s quadnn os sao arte , a /I . (.

de quelo d ' era três desse segundo volume seria sig ni fica tivo, Hlgh Cu!,,,re ,Of
ginais" da trad ição do com ic book, Não é de estranhar que também H enry Darger, subtftu o o num
um d os m ais extra ordi nári os dese nh istas outsider, t ivesse o seu es pa ço e m Raw.
L,owbrows" [Alta cul tura para bai xos intelectos].
A tentativa de sugerir um parentesco era deliberada, . _ anguardista da Raw era demasiado fria c experimen-
C ertamente a poslçao v ,
, d' noS quadrinhos como meio
Como último traço di fe ren ciado r dos "qu adri nhos como cultura de m assas",
1para muitos, inclusive entre aqueles que acre Itavam " 1/ • _

ta -o adul to É O caso de Ro bert C rtlmb , que diria que o Rawcra mUito ar


a Raw ofereceu em cada número algum elemento artesanal , fe ito à mão. O mais de expressa , " d ' comodado por seus
• . "1 0 Cnlmb que como vimos, haVia se sentI o In
c hamativo fo i sem d úvida o can to da capa arrancado à mão no núme ro 7 ( 1985), tfsuca para mlln , " I , f cu Idades de Belas Artes, tin ha em
anheiros underground que passaram pe as a . .
CO:~e o utro modelo de revista , e se lançaria como diretor ~a Wmdo [78] na pnma-
mas também incluiu etiq uetas adesivas e outros o bjetos q ue revelavam uma mani-
pulação individual da revista e , po rtanto, a redesco bria como o bjeto ma terial , e não ~ , ,,- esse titulo
vera de 198 1, Assim ele descreVia sua Insplraçao para
como mero supo rte invisíve l de uma simulação desenhada . O u seja, o importante
não eram ape nas os desenhos, mas tam bém as pági nas nas quais estavam inscritos. ' I' do meus "
exerClClOS d""
lanos de meditação
Eu estava, certo d la, rea Izan
.- d .sta louca e absurda em
quando explodiu diante dt: mim aVisa0 cssa revI ."' .
Q uando a personalidade da Raw estava clarame nte estabelecida e diferen - . b d b rTa uma mescla esullstlca das
tOda a sua essência infame, vaga un a e li , . d
ciada dos quadrinh os un de rg ro und , chegou o m o me nto de abrir suas pág inas aos " O' 1950 que combinava m pia as c
ant igas "revistas de piada dos anoS 19 4 c . .
me lho res so breviventes dos anos 1960, Robert C rum b , certa mente , mas ta mbém " Jd K e seu Humbug, e seus maIs VIS
caricaturas das pnmelras Ma e urtzman
Kim Dei tc h o u Justin Creen , Assi m , finalme nte , a Raw com ple tava seu mapa dos , "
imitadores, e dos fanzines punk autoeditados da época .
q uad rinhos ad ultos, ju nta ndo os pi o ne iros com a nova geração alte rn ativa : todos -
tinham seu própri o estilo e , ao mesmo te m po, todos estavam inseridos num mes- - d' ' I de Kurtzma n Crumb criou
Mais um a vez com suas citaçoes Ire tas a esco a ' d
mo projeto q ue co nsistia em mudar o pa pe l dos quad rinh os na sociedade , libe rá-
, ta que remetia mais o bviame nte à estética dos quadrin h os undergroun
-Ias da escrav idão da produção industrial. uma revls d f de C nlmb ser a
Raw mas a semelh ança se dev ia, sobre tu o , ao ato
do que a ; , h , - I dos
's reco nhecível da Weirdo, e também a imagem m ais reco n eClve
Raw teve du as eta pas, e é sig ni ficativa a mudança q ue se opero u e ntre uma imagem mal
,

e o utra, já q ue há uma correlação e ntre o fo rm ato e a respo nsabilidade edito ri al de comlx.


A NOV~~A 6RÁéICA 'f - 0 5 ~UAt?rIII'I"05 AL r"RI'IArZV05; /980-1:000

A Weirdo (publicada pela linha reivindicativa dos Wimmen's Comix de Trina Robbins . Julie Doucet, Carol
LaS!Casp, um dos selos clássi- Lay, Mary Fleener ou Phoebe Cloeckner estavam acompanhadas de grandes
cos do underground ) era mais figuras recuperadas do underground , como Spain Rodriguez . A ida dos Crumb
um produto das obsessões do (Robert, Aline e Sophie, sua filha , também desenhista ) para a França , o nde
que das reflexões de Crum b , residem até hoj e , acabou facilitando uma perspectiva internacional do último
que, às portas da maturidade número da Weirdo , que por fim a aproximava ainda mais da Raw .
(tinh a 38 anos ao iniciar a revis ·
ta ), já era aceito como um dos Embora a Raw e a Weirdo tenham definido em grande medida o hori zo nte
personagens mai s idiossincráti - estético dos anos 1980 e atuali zado a herança underground , vinculando-a direta -
cos dos quad rinh os em todo o mente às novas gerações de desenhistas americanos e ao panorama internacional ,
mundo . Só a e le seria admitido foi outra publicação que serviu de primei ro modelo para os novos quadrinhos
publicar fotonove las sensuais, alternativos. A Raw e a Weirdo eram antologias de autores diversos em formato
nas quaIs se apresentava como de revista , mas o suporte que permitiria prosperar a nova HQ alternativa seria o
um bufão lúbrico junto Com comic book em preto e branco de autor único . A Love and Rockets (Fantagraphics)
jovens modelos fiéis ao seu es- abriria o caminho .
pecífico câno ne de beleza . Essa
ex tra vagâ ncia desapareceu da Publicado pela pri-
Weirdo quando Crumb dei xou meIra vez como fanzine
(78] Weirdo 1 (1981), Robert Crumb.
de editar a revista , que a partir em 1981 , a Love and Rockets
do número 10 ( 1983 ) passou às [79] surgiria como série
mãos de uma de suas maiores descobertas , Peter Bagge . Este havia começado na profissional no ano seguin-
Punk Magazine, mas passou a ser conhecido com a Weirdo. Posteriormente , suas te . Tratava -se de um comic
séries Nem Stu!! ( 1985- 1989) e Hate ( 1990 - 1998 ), ambas publicadas pela Fanta- book de lombada canoa , em
graphics , iriam co nvertê-lo em um dos grandes astros dos quadrinhos alternativos. preto e branco, com tama-
Bagge era o elo perdido entre o underground e o punk , seu esti lo de caricatura nho um pouco maior que o
excessiva e sua crítica socia l contemporânea assemelhavam· no a Crumb, cujos en . habitual , e seu conteúdo era
sinamentos ap licou à geração X . Como Crumb, ele se sentia mais um profissional escrito e desenhado na ín-
do ra mo do entretenimento do Que um artista, e foi isso que distinbJtl iu principal - tegra pelos irmàos Cilbert,
mente a Weirdo da Raw. Embora as duas revistas compartilhassem muitos autores, Jaime e Mario Hernandez,
a perspectiva da Weirdo sempre esteve mais próxima de reconhecer de onde vinha este, último com um papel
a HQ do que a de Raw, Que estava mais interessada em averiguar para onde ela secundário . Cada um dos
ia . O enfrentamcnto de ambas resultava artific ioso : mais do que competir, os dois irmãos criava suas próprias
títulos se complementavam.
histórias, desenvolvendo seus
personagens dentro de um
A última etapa da Weirdo foi editada por Aline Kominsky-Crumb (núme- universo particular, de tal
ros 18·28, 1993 ) e enfatizava as mulheres quadrinistas , reto mando um pouco a
maneira que , na verdade , a [79] Love and Rockets 1 (1982), Jaime Hernandez .


'f - 0 5 ~AI7IIIIW'05 AL Tl'Rt'ATIV05: /980-1-000

Lwe and Rockets fun cionava como uma revista antológica, mas na qual a parti cipa -
ção esta va restrita ao tri o fa miliar (c, ocasionalm ente, a algum dese nh ista amigo
convidado). Essa limitação fez com que, apesar do seu conteúdo heterogê neo e
de seu fo rmato heterodoxo, a Love and Rockets fos se vista como o prim eiro co mic
book auto ral dos novos q uadrinhos alternati vos.

A uni ficação da auto ri a so b o mo te co let ivo de "Los Bras" acabou send o


injusta para G ilbert e Ja im e . Apesar de seus laços fam il ia res e de al gun s pontos
em comum - es teti ca mente, o uso de um pre to e branco mui to co ntra stado e
ex pressivo ; temati ca me nte, o gosto pelas narrati vas em co ro protagoni za das
po r personagen s fe mininos de forte pe rso nalid ade - , Gilbe rt c Jaim e dese n-
vo lveram doi s dos uni ve rsos imaginári os mais ri cos e pro fund os que os quadri -
nhos haviam aprese ntado até o mom ento, e muito di stintos entre si.

G ilbe rt cri o u O povoado fi ctíc io de Palo mar [80 l, "ao sul da fronteira",
um vilarej o adorm ecid o em um canto remo to da civili zaç ão "o nd e os homen s
são homens e as mulheres necessitam de senso de humor". Ali , em to rn o da
potente figura maternal da banhado ra de ho me ns Luba, en fati zada po r um
fálico martelo, G ilbert entrec ruzava as hi stó ria s d e seus habita ntes saltando
no tempo, mostrando -os a nós com o crianças e com o adultos , encad eando
relatos breves numa colch a de retalh os se m co ntorn o defi nido . As histó ri as
de Palornar, às vezes arreve sadas com o as novelas da tel ev isão , logo ganharam
comparações COm O realism o mági co de G abriel García Márquez , uma com -
paração que foi criti cada po r Andrés Ibáfi ez ,

Eu não relac:i o naria o Beto com o "rea li smo mágico" de Carcía M árquez, que
é um estilo narra tivo baseado na redundância e nos exageros da oralid ade,
ma s sim Com a arte dos nove li stas pós -modern os norte-america nos , com
sua elega nte co nce ntração , sua sinta xe clusiva e sua obl íq ua e herm éti ca
fragmentação da in fo rmação ' 2 .

[80J "Chelo ', Burden" (1996) , Gilbert Hema ndez.


, 'f - Os ~UAI7r/IfI"OS AL n;;~f1ATIVOS: /980- Z000
A NOVELA 6~A~ICA

Jaime, po r sua vez, c onta na saga que fo i assumindo o nome geral de "Lo· Gi lbert e Jaime ampliaram seu catálogo de histórias ao longo dos anos - es-
cas" [81 ] a história de Maggie e Hopey, duas adolescentes que vivem a vida dos pecialmente Gi lbert, o mais dado à experi mentação, embora esta o leve a incursões
clubes noturnos e dos co ncertos na é poca da explosão do punk e m Los Angeles. nos quadrinhos comerciais das grandes editoras ou ao gê nero pornográfico -, mas
Seu bairro , H oppers 13, é a ve rsão urbana da Palomar de C ilbe rt: um "buraco" não deixaram de continuar suas histórias de /J Palomar" (ou dos personagens de Palo-
às margens da sociedade que h lllc iona como um microcosmo com sua própria mar, já fora do povoado) e de IILocas", convertidas em vastíssi mos novelõcs que , em
história autônoma. sua própria imensidade, parecem uma representação da própria vida em escala natu-
ral. Em 1996 fecharam o primeiro vo lume da Love and Rockets ao chegar ao número
50, mas posteriorrnente reabriram a série em duas ocasiões, sendo a última em 2008 .

Os irmãos H e rnandez trouxeram aos quadrinhos alternativos algo que nem


a Raw nem a Weirdo podiam oferecer, a comb inação genética de duas escolas de
quadrinhos que pareciam irremediavel me nte contraditóri as, a dos quadrinhos con-
vencionais e a dos underground. Para Gi lbert e Jai me , Sleve Ditko e Jack Kirby - os
arquitetos da Marvel - , ou H ank Ketcham - criador de Dennis, o pimentinM - e Dan
DeCarlo - urn dos principai s responsáveis por Archie - e ram tão importantes quanto
Robert Crumb ou Spain Rodriguez . Leram Lins aos outros com a mesma paixão, e se
assimilaram de fo rma natural c n50 co ntraditó ria . O res ultado final foram histórias
intensamente pessoais, verdadei ras obras autorais escritas com O mesmo léxico que
os gibis tradicio nais, mas com um a si nta xe nova . Com Gilbe rt e Jaime H e rnande z,
os quadrinhos alternativos se apresentava m de urna fonna completamente distinta e
nova: já não eram margi nais como os unde rground, já não eram inacessíveis como
os de vanguarda . Eram , ao contrári o, um tipo de H Q li vre , que havia assimilado to-
das as corre ntes anteriores, e que só prete nd ia contar histórias. Mas seri am os autores
que decidiriam quais histórias seriam contadas, nâo os diretores das editoras. De Los
Bras emana uma das mais caudalosas correntes da novela gráfica atual.

Com a Raw, os quadrinhos alternativos já tinham cérebroi com a Weirdo , con -


seguiram as entranhas; O coração aca bava de ser colocado pela Lave anti Rockets.

o comic book alternativo: um corpo estranho


Ao longo dos anos 1980 e 1990, na este ira da Love and Rockets , os quadri -
nhos alternativos cresceram sobre o suporte do comic book em preto e branco .
Os títul os dos novos autores fizeram seu ni cho nas li vrari as especiali zadas, e ntre
[81] "Locas 8:01 a.m ." ( 1986), Jaime Hernandez. a massa de lançamentos da Marvel , da De e das novas "indepe nde ntes", o que os
'f - Os a UA/7 qItl140S AL n;QtlATIV05: /980- 1COOO

limitou praticamente a um público margi nal, fo rm ado por afi cionados dos super· m ais co mplexos tropeçou nas limitações do suporte . Certamente nem todos encon -
· heróis e dos quadrinhos em geral que tivera m inquietações m ais am plas . Mas a tra ra m os mesmos inconve nientes. Peter Bagge desenvolveu uma ll11rração episódica
partir de uma comic sho p e ra mui to di fíc il ter acesso a um público adulto geral em Hate que seguia os modelos do comic book seriado tradiciona l, de modo que o
que não fosse previamente aficio nado dos quadrinhos. suporte se ajustava às suas intenções . Os H ernand ez utilizavam uma fórmula narra -
ti va elíptica que lhes penni tia acumular relatos breves que se teciam em uma "novela
De pois da Lave arul Rockets, os prime iros com ic books alte rn ati vos a fazere m da vida" ou "novelário" sem estrutura definida, de modo que o formato de com ic
sucesso fo ram os de Peter Bagge e Daniel Clowes (que, na verdade, havia estrea- book também não parecia contrário ao sell trabalho. Entretanto, quando Gi lbert
do com uma histó ria curta como convidado na Lave and Rockets ). Bagge, que tinha quis contar as origens de Luba em Río Veneno, um relato de mais de cem páginas
uma vocação satírica semelhante à de C rumb , mas também com o que seri am Os que não era fragm entáve l e que saltava bruscamente entre o passado c o presente ,
Simpsoru de Matt Crocning, com sua visâo áCida da s insti n tições familiares e sociais os leitores que o encontrava m fragmentlldo em cada número da Lave and Rocket'i não
american as , cri ou um no me na Weirdo, com o vimos , mas depois lançou a Neat Sruf! con seguiram segui -lo. C ilbcrt foi acusado de s(.;r excessivamente co mplexo e opaco,
( 1985 - 1989) e, posteri o rme nte, Hate [Ódio"] ( 1990- 1998 ), que alcançou os trinta e na edição da obra em li vro se vi u obrigado a acrescentar páginas que esclareciam a
números e se con ve rteu em um dos sucessos de ve nda dos quadrinhos autorais dos história . N em mesmo ele foi capaz de detectar as deficiências do re lato ao publiGÍ-
an os 1990. C lowes , po r sua vez , inici aria a ca rrei ra que o levou a se conve rter na -lo à medida que o desen hava .
atualidade em um dos do is ou três nove listas gráfi cos mais respe itados com Lloyd
Lleweltyn ( 1986- 1987), uma fantasia hum orística po p baseada na estética decade nte Daniel Clowes també m sofreu com as deficiências do comic book seriado
dos bares de coqueté is dos anos 1950 e 1960 . Em 1989 lançou a Eightball, na qual para enfrentar h istóri as de ma ior envergadura . Sua primeira histó ria longa , Como
publicaria históri as curtas de todo tipo e estil o , e também amadureceria o seu estil o uma luva de veludo moldada em ferro , era li ma odisseia pseudossurrealis ta que começava
e serializaria suas nove las gráfiGls m ais impo rtantes , desde Like a Vel~Je[ GlotJe CasL in onde acabava o Blue Velvet [Veludo azul] de David Ly nch . Foi publicado em capítulos
lron [Como uma luva de veludo ",olilada em ferro"] até Ice Haven. O último número de nos números um a dez da Eightball ( 1989-1993 ) e acabou provocando lima sensação
Eightball (23 ) foi publicado em 2004. de esgotam ento tanto no autor como nos leitores. Para SUll próx ima hi stória longa,
Murulo Fantasma (Eightball números 11 - 18, 1993 - 1997) [82 ], C lowes optou por lima
Com Bagg e, C lowes e, certlll11 ente, Los Bras H ern andez co m o referência, au· fónnula distinta, cri ando ca pítul os autocon clu sivos. O u seja, cri ar a aparência de
to res de toda a Améri ca do N orte começaram a publicar seus próprios quadrinhos, uma série em vez de uma novela gráfi cll segm entada. Assim , ca da núm ero transmiti -
muitos deles na seminal Fantagraphics, seguida de pe rto pela canadense Draw n & ria a sensação de ser uma unidade narrativa completa. A fórmula fu ncionou - Mundo
Quarterl y. Embo ra também existissem as anto logias, estas ti ve ram um papel secun - fantasma é um dos m aiores sucessos da carreira
.
de C lowcs, som ado à sua tri un fll l
dário. Em geral , cada no me de autor se relacio nllva com o nome de uma série em adaptação para o ci nema, com ro teiro coescrito pel o próprio desenh ista - , mas à
quadrinhos, C hcster Brown era Yummy Fur; Seth, Palookaville; Joe Matt, l'eepshow; Custa de claudicar diante das velhas fó rmulas dos quadrinhos conve nc io nais. Em
Julie Douce t, DiTty Plotte; Robe rta G regory, Naughty Bits; C harles Hums, Black Hole"; seus esforços seguintes, C lowes tentou de todas llS m anei ra s escapar dessas con-
Eddie C ampbell, Bacchu.,; D avid Mazzucche lli , Rubbe-r Bla nket; C hris Ware, Acme venções , mas co ntinuava atado ao co mic book. A ss im, David Boring ocupou apenlls
Novelty Library; Adrian Tomine , Optic Nerve, e até mesmo o ve terano Robert C rumb liês números da Eightball ( 19 -2 1, 1998-2000), mais extensos, sem o ac résci mo de
se somou à onda com SelfLoathing Comics e Mystic FlInnies. nenhuma outra históri a compl em entar. Logo a Eightba ll já não se apresentava com o
uma "revista autoral ", mas como fascícul os de um li vro. Os do is ültimos números
M as o comi c book foi um formato de sobrevi vên cia, inadequado, na verda- da Eightball voltariam a ser destinados a uma única história , o núme ro 22 (200 1),
de, para os objetivos que os desenhistas alternativos propunham . Embo ra muitos dedicado a Ice Haven, e o 23 (2004), a The DeatlvRay. O u seja, desde finais dos anos
tenham iniciado com breves HQs satíri cas , logo a ambi ção de desenvo lver relatos 1990 (quando Hate, sua companheira de viagem, já estava concluída), a Eighrball
'f - 05 ~UAC'1?If'I"05 AL r(;Rf'lATI V05: /980- Z000
A NOV" LA 6RÁ~ICA

manifesta a vontade de se desfazer de sua ide ntidade de comic book miscelânea e se O utros autores já hav iam tentad o antes utili zar o comi c book para

situar como suporte para narrativas mais homogêneas e longas. seriali zar excl usivamente uma história lo nga. D o is casos a se des tacar foram os
de C h arl es Burns e C hester Bro wn , di stin g uidos como figuras de referê nc ia no
pan orama altern ativo . Burn s, que proce di a de Raw, empreendeu um rel ato de
_ .......... RA ....'i
~, •• '000\0' .. Ir ... ..
,.I0Il6 " M'J AIHEE! mai s de du ze ntas páginas intitulado Black Hole, se ri ali za ndo-o e m seg me ntos e m
'11lfT " ... ....." ...
~ ]" M H'I.... "fI
I' '''" .. wlla.1 MN~ IT c"",,,-r ! um comi c book do mesmo títul o . O em preendimento resultou em doze números
"' "' .. foWfttrrU •
e dez an os, com o que poderíarn os di zer que qua se perdeu o se ntido . Q uando
Burns inic io u Black Hole e m 1995 , to dos os seus co nte mpo râ neos publ icavam
em comi c books de lo mbada canoa; q ua ndo o concluiu e m 2005 , O fo rmato
estava em declíni O e triunhlVa a novel a gráfi ca. N esse meio· tempo , a própria
editora o riginal da séri e (Kitc he n Sink ) hav ia desa parec ido , e ela teve de ser
continuada pela Fa ntagraph ics . O comi c bo ok pe rmitiu q ue Burns rea li zasse
Black Hole le ntamente ao lo ngo de uma década , mas esses comic books de Black
Hole não eram na ve rdad e Black Hole. A o bra só alcan çou seu ve rdade iro se ntid o
quando fo i publi cada e m um só vo lum e pe la Pantheo n e m 2005 . Era uma novela
gráfica traves tida de comi c boo k.

o ca so de Brow n co m sua ambi ciosa Underwa ter foi ainda mais fru strante .
Em Underwater, Brown se pro pôs a co ntar a história de um menin o desde o
seu nascimento at é ating ir a idade madura , do po nt o de vista do menino . A s
primeiras pág inas, portant o , mos trari am o estad o de confu são , desori ent ação
e ausência de arti culação Iin guísti ca próprias de um recé m· nasc ido. O
resultado fo i um g ibi co nfu so , desori e ntado e desarti c ulado que avanç ava em
ritmo lentíssirno, para frustra ção dos leitores, qu e iam acumulando pequenos
fascículos que não parec iam so mar um relato si gnificati vo . O comi c book ,
além disso , permitia aos auto res improv isar em suas históri as longas à medida
que as publi c avam . Ao c ontrá ri o de uma nove la g ráfi ca , q ue é pro du z ida e
publicada como um a unidade coerente, o relato lo ngo no co mi c boo k nasce
como um projeto , mas nun ca es tá terminado antes que seja m publi ca dos os
Suce~sivos núm eros . Esse fo i um dos mo ti vos de os planos de Brow n terem
sido frustrados, a po nto de ele aband o nar U nderwater depo is de o nze números
e quatro an os de trabalho ( 1994-199 7). A o bra fi cou inaca bad a.

Ao longo dos anos 1990, com O amadurecimento da primeira ge ração de


alternativos e a tendência de muitos de seus mais destacados represe ntantes de
[82] Ghast Warld [Mundo fan tasma] (1997) , Daniel Clawes. abordar hi stórias séri as de longa duração, tornava · se ca da vez mais evid ente que
'I - 0 5 <$JACJr/INli05 ALT{;RNATIV05, /980- %000

o comic book era inadequado . A novela gráfica era um formato que estava espe- por mostrar os tetos dos cenários em seus fil mes "é quase urna marca estilística dos
rando para existir. Entre tanto , até quase a virada do século, publicar uma histó ria anOS 1940: talvez não seja casual a 'coincidência' estética entre esses procedimentos
em quadrinhos sé ria diretamente corno livro e ra prati camente in imaginável. Will e os insólitos e nquadramentos nas H Qs de The SpiriL que Will Eisner desenhou
Eisner já O havia tentado, e fracassado . entre \ 940 e \950"".

WiII Eisner e Um contrato com Deus Eisner



abandonou
o negócio do con1ic
Atualmente está muito am pli ada a ideia de que "a primeira novela gráfica" book antes do seu de-
foi A Contract with God [Um contrato com DelLl " ] ( \ 978 ), de Will Eisner. Esse re - clínio após a impla nta-
co nhecimento foi consequência de um processo de canoni zação de Eisne r, que ção do Comics Code em
durante os últimos vi nte anos foi esco lhido para desempenhar o papel de patriarca \ 954. Durante vi nte
dos quad rinhos norte-americanos. É significativo que atualme nte os dois prêmios anos, realizou um tra-
mais importantes que a indústria dos quadrinhos nos Estados Unidos concede balho ocu lto - h oje
sejam os prêmios H arvey (em homenagem a Kurtzman ) e os prêmios Eisne r, ins- começam a ser co-
tituídos em \ 988 . nheCidos muitos dos
seus trabalhos desse
Will Eisne r ( \ 9\7-2005) pertence à geração dos pioneiros dos quadrinhos . período - produ zindo
Desde o início se caracterizou por unir uma acentuada perspicácia empresarial quadrinhos educa tivos
com uma extrao rd inária inventi va visual. Com ape nas vinte e poucos anos se e instrutivos para o
colocou à fre nte de uma das shops que fo rneciam material aos primeiros editores exército e para empre-
de comic books dos anos \ 940, junto com Je rry Igcr. Mas Eisner, sempre inquieto, sas privadas. A co nse-
logo abandonou o lucra tivo negócio para se lançar numa aventura inéd ita : criar quê ncia fo i que Eisne r
um suplemento inteiro em forma de comic book para ve ndê-lo aos jornais. Para era praticame nte um
esse suplemento semanal c ri ou The Spirit, um justiceiro que, obrigado pelo auge desconhecido quando
dos super- herói s, adotou um a máscara. Eisner teve desde o princípio o controle Feiffer publicou, em
de suas criações, e conservou sempre os direitos sobre o personagem . The Spirit \965 , The Great Comic
( \940- \ 952 ) [83 ] se converteu em um campo de testes para b rincar com Book Hemes, um livro [83] lhe Spirit em "Beagle's Second Chance" (1946) ,
as possibilidades express ivas do meio. Com um pé na tradição narrati va em ho me nagem aos Will Eisner e estú dio.
c inematográfica e no claro-escuro de Milton Caniff, e o utro nos capri c hados gibis de sua infância
desenhos de página de Winsor McCay, Eisncr e sua equipe (na q ual se incluiriam que incluía a reedição
quadrinistas tão brilhantes como Jules Feiffer) ensaiaram todo tipo de soluções de uma histó ria de The Spirit . Era a primeira vez que uma geração de quadrinistas
insólitas que ainda hoje são modernas. Te m-se dito q ue The Spirit foi o Cidadão Kane podia ve r aquelas páginas .
dos quadrinhos , mas os achados de Eisner foram em muitas ocasiões autô nomos,
ou em sintonia com o ambiente de experimentação com a narrativa ex pressio nista Em \ 97 \ , Eisne r foi co nvidado para uma co nve nção de quadri nh os
da sua é poca , e não merame nte devedo ras do cin ema . Falando precisamente do e m N ova York , o nde co nheceu os jovens desenhistas underground . Um a
filme de O rson Welles, Juan Antonio Ramírez indica que a obsessão do cineasta das figuras mais ati vas d o movime nto , Denis Kitc hen , que justamente ha via
A NOV~LA 6RÁ~ICA 'f - 0 5 ~UA!?qIf'I"05 ALTkQf'lATIV05: /980-Z000

descoberto a existência de The Spirit graças a um artigo de Harvey Kurtzman grosseiros e eram sujos, mas utilizavam os quadrinhos como uma forma
na revista Help! no início dos anos 1960 18 , propôs -lhe reeditar sua séri e literária! Na verdade , recon heço que foram eles que me animaram a voltar
para o novo públi co alternativo . Eisner aceitou, embora Kitc hen só tenha com a novela g ráfica 19.
chegado a publicar dois núm eros de The Spirit, pois a direção da revi sta
logo passaria às mãos de outro editor Uim Warre n , q ue ha via sido o editor Graças aos seus manuai s ilustrados, Eisner levava anos comprovando em
da H elp!) . O veterano dese nhista ci nquentão , que h avia passad o as últimas prime ira mão a validade da lin guagem dos quadrinhos como meio de comu ni-
décadas recebe ndo dinheiro dos militares , era um estra nh o co mpanhei ro de cação para adultos . Por que não dar o sa lto para se dirigir diretam e nte a esse
viagem para os irreve re ntes quadrinistas underground , mas Eisne r foi aceito públi CO co m obras de ficção cujo co nteúdo lh e interessasse) Não havia nada
por eles porque , e ntre outros motivos , e ra v isto como um precursor do autor inere nteme nte infantil nos quadrinhos como forma artistica. Eisner diria :
que mantém a propriedade da sua obra e co ntrol a o seu destino. Logo Eisner
desenharia Spirit na capa da Snarf[84J. um dos comi x de maior sucesso. E o que estava aco ntece ndo era algo que comp reendi qua ndo comecei ,
em 1974 ou 1975, Um contrato com Deus, e racionalizei algo muito realista,
A influência teve que as pessoas que estavam lendo quadrinhos , o grosso do público leitor
duplo se ntido . Para Eisner, de quadrin hos dos primeiros tempos, tinham agora (em 1974- 1975) em
isolado do mundo dos co- torno de 25 a trinta anos ou mais! À medida que se tornava mais vel ho, esse
mies durante tanto tempo , primeiro público leitor de quadrinhos havia ficado sem nada dirig ido a ele.
o descobrimento da ética e Não podia continuar lendo hi stórias sobre super-heróis aos 35 e quarenta
da estética underground foi anos de idade. Foi isso que me animou a ir em frente e fazer Um contrato com
uma revelação . Eisner de- Deus. Senti que a direção era essa, e me se nti bastanle seguro para tentá -lo
clararia : nesse momento 20 .

A primeira vez que conheci Eisner, sempre metade empresá ri o e metad e artista, sabia que prccisava
o pessoal do underground , da respeitabilidade lite rária para obter sucesso com seu empreendimento, que
co mpreendi que estava acon- consistia não apenas em criar quadrinhos para adultos com tcmas adultos, mas
tecendo a lgo revo lucionário . também em conseguir que c hegassem ao público que não era o dos comics . Por
Era algo muito parecido com isso , empenhou-se, primeiramente, e m fazer com que Um contrato com Deus fossc
a revolução que se produziu publicado por uma e ditora literária , nào por uma editora de quadrinhos . Eisner
quando nós começamos, há sempre lembraria que lançou mão do termo "novela gráfica" como um recurso
muito, mu ito tempo , quando desesperado para vender sua o bra a alguns editores de livros que ja mais ol ha -
pegamos as tiras de jornal e riam o que lh es oferecia se lhes di ssesse que era simplesmente um g ibi. Não sc m
as co nvertemos em histórias dificuldades, Eisner conseguiu publicar Um contrato com De", em 1978 pela Ba -
co mpl etas. Esse pessoal esta- ron et, uma editora que não se dedicava aos quadrinhos . Entreta nto , como indica
va utilizando os gibis como Hatfi eld", ele fracassou em seu objetivo final. A Barone t fec h ou algum tempo
uma autêntica forma literária . depo is, e Um contrato com Deus não conseguiu e ntrar no me rca do das li vra ria s
[841 SnarJ 3 (1972), Will Eisner. Abo rd ava m problemas sociais. gerais - era uma obra singular, sem uma 10ca li zaçao própria . A única co isa que
Sim , eram insolentes, e ram Eisner co nseguiu foi , paradoxalmente , c riar um no vo formato para os editores
A NOV~LA 5~ÁI'ICA 'f - Os ~UAI?RItI"OS AL r fiRtlATI VOS, 1980-~OOO

de quadrinh os . As próximas "novelas gráfi cas" de Eis ncr, na verdade , seriam pu -


blicadas por editores de HQs e em formato de com ic book. Ainda faltavam de z
anos para o prim ei ro boom da novela grá fica, e este chegaria pela coincidência de
o bras tão antitéticas como Maus de Art Spiege lman , por um lado, e Watchmen,
de Alan Moore e Dave Gibbons, e Batman. O cavaleiro das trevas , de Frank Miller
e Klaus Janson , por outro.

A autobiografia, o "gênero" alternativo

Embora a re lação e ntre Will Eisnc r c O movimento alternati vo dos anos


1980 e 1990 te nha sido mínima , está presente em Um contrato com Deus um dos
traços que se rão ca rac te ríst icos dos quadrinhos altcr nalivos e que se manterão
como a artéria p rin cipa l da novela gráfica atual: a introdução da autobiografia ,
ou pel o me nos da memóri a e dos e leme ntos autobiográfi c os . Um contrato co m
Deus era um volume for mado po r quatro histó ri as in dependen tes i ou seja , ma is
do que uma //novela" g ráfica , era um a coleção de contos. Embora nenhuma das
histórias fosse exp li c itamente autobiográfica/ havia uma moti vação pessoa l
para a primeira d elas , que dava título ao livro . O protagonista se rebelava
contra Deus [85 ], co m quem acreditava ter um co n trato particular, q uando sua
afilhada morreu. A partir daí, passo u d e re ligi oso e caridoso a egoís ta e cruel , i'
pois ac ha va que o co ntrato ha via sido rompido. Eisner decla raria que a id e ia I
surgiu como co nsc CJuê ncia do falecimento de sua filh a Al ice , acometida por
uma doe nça . "Um contrato com DeU!; é basi ca me nte o resultad o da mo rte de Ali -
ce . Quando e la morreu fiquei muito irado. Estava furioso. Ela mo rreu na flor
da idade , co m dezesseis anos. Passa mos mo me ntos desoladores ve ndo mo rrer
a pobre menina . O materia l que escolhi e ra mui to emocio naL .. procedia da
minha vida"ll. Eisner não só escol heu uma inte nsa experiê ncia pcssoal co mo
tema de sua prim ei ra novel a gráfica como tam bém buscou e m sua mem ó ria
os cenários c personagens

de sua infância , na Nova York dos anos t 920 . Ao
longo de sua carreira , Eisner vo ltaria ocasiona lm ente à memória do que havia
vivido, embora sempre a filtrando através d e s6s ias literários .

[851 Um contrato com Deus (1978), Will Eisner.

#/6 ~/7
Em maior ou meno r g rau , o recurso à auto biografia fo i fundamental para es-
capar dos gê neros convencionais, que os quad rinistas alternativos co m aspirações
identificavam com a velha tradição dos quadrin hos juven is das grandes ed itoras.
A autobiografia era o "antigênero", defin ia-se por oposição aos super-heróis com o
um rel ato sem fó rmul as, absolutamente si ncero e pessoal. C ertamente, a realidade
era mai s problemática do que tudo isso .

Em alguns desenhistas, como Daniel C lowes ou C harles Burns, os elementos


autobiográficos só podiam ser enco ntrados altamente cod ificados . Evocavam am -
bientes , épocas ou desejos pessoa is que podiam ser decifrados se o leitor conhecesse
a chave adequada. Clowes refletiu ocasionalmente sobre a sinceridade dos quadri -
nhos autobiográficos, como em "Just Another Day" ( 199 1) [86]. em que representa
a si mesrn o sucessivam ente co m diferentes rostos , todos el es fictícios. Por fim , os
quadrinhos au to bi ográfi cos apresentam uma di ficuldade a mais co m relação à prosa
autobiográfica, pois estabelecem uma representação visual do narrador na terceira
pessoa, que se apresenta co m o "obje ti va" quando na verdade já é uma in ve nção ar-
tística . C lowes, no entanto, só se aproximari a da autobiografia de fo nna tangencial.

Peter Bagge projetou em seu alcer ego Buddy Bradley, o protagonista de


Odio, o retrato geracional de sua época , defasado em ci nco anos . Buddy estava
sempre cinco anos atrás de Bagge, o que permitia a este refl etir sobre suas vivê n - t ~tI ", E.ç ,
~""'6~T
cia s e selecionar aquil o que era mais interessante co m o espe tá culo. Seth criou uma TO-.,qp

das primeiras grandes novelas gráficas (serializada em formato de comic book, é


claro) sobre a impostura da realidade, aproveitando a febre pela autobiografia , lt ', • • . li V"f" t.wT 11: E ... tA.... ,
MfiJl,N . 1: pc>"'''' I.
a Good Life, lf You Don ', Weaken mostrava a busca , por parte do autor, de Kalo , um I. • • NO. ' ... "]:'M M tlflE
084~Il.IIÇ/lt •.. A.

vel ho e desconheCido cartunista do The New Yorker. Só depois que a obra estava
S05!"T~ , THO\A4o~ :t 'M
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terminada o públ ico soube que Kalo havia sido uma invenção de Seth. O artifí-
cio havia funcionado porque o público havia se acostumado à desavergonhada
si nceridade dos desenhistas autobiográficos, cuja principal premissa era a autenti -
cidade. Joe Matt, amigo de Seth e de C hester Brown, os quais utili zava como per-
,
sonagens em suas próprias HQs, contava sua s maio res in fe licidades sentimentais
e sexuais em Peepshow sem nenhuma censura aparente. Esse cami nho da revel açao
abjeta foi seguido por muitas mulheres. Debbi e Drechsler contou em Daddy's Girl
[87] os abusos sexuais aos quais seu pai a havia subm etido quando ela era menina,

en quanto Julie Doucet se expôs atravé s do relato de seus mai s íntim os sonhos e
tam bém em um diári o dese nhado . [86] "Ju st Another Day", em Eightball5 (199 1), Daniel Clowes.
'f - 05 ~UAI7I/ItI"05 ALT~RtlA TIV05: /980-Z000

de desen har, sempre depe nde u de o utros artistas para dar imagem às suas
histó ri as. Em 1976 começou a autopubli car seu própri o co mic boo k, American
Splendor . O títul o irônico contrasta va co m o conteú do , que era o mais dista nte
possível de qua lque r "es pl e nd o r nacio nal". Ao co ntrário , as hi stó ri as de
Pekar se fixavam na rotina cotidi ana, nos momentos em que nada aco ntece ,
desdramati za dos e vul gares , no transcorrer de uma vid a ordin ária care nte de
qualquer fulgor especia l. H at field indica que "a contribu ição de Pekar é ter
fundad o um novo estil o nos quadrin hos: a série autob iográfica cotid ian a,
concentrada nos aco ntec im entos e texturas da vida cotidia n a "l~. Nesse sentid o,
a autobiog rafia de Pekar se afastava da de Just in C reen , q ue co ntava fatos
reais , mas "interessa ntes". A pesar da sua v incu lação com C rum b e com outros
desenhistas unde rg ro un d , como Frank Stack, Pekar ca recia de relação com a
vida e o pen samento co ntracul tura !. Seu proje to de desenvolver uma narrativa
hiper. reali sta da vida co tidian a quase em te mpo rea l não tinh a com paração
com nenhuma outra séri e de quadrinh os. Co mo diri a joseph W itek, "American
Splendor se recusa a se encai xar em qua lquer das ca tegori as prin cipais dos
quadrinhos americanos"1". Pekar é Pekar. E, no enta nto , essa afirmação é
paradoxal , porque , se a autenti cidade é o pri ncipal val or que governa Ameri can
Splendor, essa mesma autenti ci dade é ques ti o nada quando leva mos em co nta
que todas as HQs sao desenh adas po r o utros dese nhistas , co m evidentes
diferenças estilísticas. E, mais ainda , como pode se r autênti co tud o o que
~ contado, quando o que se co nta é a próp ri a vid a, e o narrador sa be, no
momento de viv er os aco nteci mentos, que esse s mesmos acontec imentos são
[87] Daddys Girl (1996), Debbie DrechsLer. a matéria que vai utilizar para esc re ver sua próx im a HQ? Essa mesma dúvida
levou a uma crise o escocês Eddie Campbell , auto r de um a das mai s extensas
obras autobiográfi cas e m quadrinh os do mundo , aquela pro tagonizada por
Como já dissemos anteriormente , os quadrinhos autobi og ráfi cos seu sósia Alec , que vem aparecendo em nurnerosas histó ri as desde os anos
já haviam com eçado a ser praticados com os autores undcrground . Robcrt 1980. Confrontado com a impostura de viver uma vida pa ra ser co ntada num a
Crumb , Aline Kominsky e sobretudo Justin Creen haviam dado os primeiros revista em quadrinhos que só conta essa mes ma vida, Campbell te nta se fa zer
passos nessa dire ão . A figura mais importante fo ra , no entanto , a de Harvey desaparecer em The Fa re of the Artist (2006), em que se apaga com o perso na gem

Pekar [88 ]. A rigor el e não poderia ser conside rado underground , embo ra e, por fim , desaparece também de sua própri a vida. Campbell resol ve u (ou
tivesse começado a publicar estimulado po r Robert Crumb , que desenh ou evitou) essa crise autobi ográfi ca com um giro para a ficção, j á que sua s duas
suas primeiras histórias . Ambos se conheceram quando Crumb morou em obras seguintes foram exercíci os de gê nero di stan ciados do intimi sta .
C1 eveland , e co mpartilhavam a pai xão pel o colecionismo de discos de jazz
antigos . Pckar trabalhava como fun cionário administrativo em um hospital ,
e tinh a mais de trinta ano s quando com eçou a fazer quadrinhos . Incapaz
Esse seria um dos grandes problemas que os quadrinhos autobiográficos enfren -
tariam , em especial 05 de Pekar e seus segui dores, que começaram a escassear no final
dos anos 1980. Como já dissemos, a sobrevivência dos quadrinhos autorais dependia
da sua presença nas livrarias especializadas, que atendiam principalmente um públi co
fã dos super-heróis. Para delimitar seu próprio terreno nessas li vrarias e perante esse
público, os quadrinhos alternati vos tiveram que se redefinir com o um gênero, assim
como a autobiografia . Os quadrinhos autobiográficos, como indica H artficld, fora m
uma fonna de se rebelar co ntra os quadrinhos co merciais de gênero, mas ao m esmo
tempo também atenderam aos hábitos de consumo dos leitores de quadrin hos, pois
"as séries autobiográficas se adaptavam bem à ê nfase do mercado nos personagens
recorrentes, as histórias co ntinuadas e a publicação periódica"15 . Poderíamos di zer que
os autores substituíram os super-heróis como personagens, e o ind ividualism o como
rebeldia frente à sociedade se co nvertia assim em simpl esm ente mais um produto de
ll
consumo para o públiCO que reconhecia a si mesmo como "alternativo .

Portanto, podemos di zer que o poder do formalo do comic book se impunha


obstinadamente ao conteúdo . Por mais distinto que este fosse, os quadrinhos alter-
nativos continuavam atados em muitos sentidos pelas fórmulas dos quadrinhos tradi -
cionais. O suporte conve ncional , o ci rcuito de distribui ção especiali zado e o público
aficionado os cercavam. A via de escape , que seria -visto com a perspectiva do tempo
nos parece óbvia - a novela gráfica, seria fomllllada com Maus , de Art Spiegelman,
uma HQ na qual a autobiografia é o alicerce que sustenla todo o edifício.
1'00 M!JQ1 CF 1HIS. AS WNG
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A geração de 1986 e o primeiro boom da novela gráfica

Em 1986, apareceu publicado o pri meiro volume de Maus , com O subtítulo


"Meu pai sangra história", sob o selo de uma editora l iterária, a Panth eon. Maus
havia sido publicado em capítu los em caderninhos inseridos na Raw, mas desde o
princípio fora concebido como uma obra fechada e com uma estrutura co mpleta ,

uma verdadeira novela gráfica. Para Spiegelman , que tinha 38 anos qua ndo da
publicação do volume, Maus e ra a obra da maturidade. Sua produção anterio r
caracterizou -se pelas preocupações forma l istas e experimentais. Spiegclman pa·
Tecia interessado em pôr à prova todos os limites da narrati va e a representação
[88J "Hypothetical Ouandary", em American Splendor 9 (1984), Harvey Pekar e Robert Crumb.
em quadrin hos , e tentava questionar todas as co nvenções do meio. Em Maus , no
entanto, colocava· se a serviço da narração de uma hi stó ria da forma m ais eficaz
- - - ..- __. . ..... .,. -........ ' ....... ,.. • .-;0. ..... ,...
- - -' 'f
"T:_-:7
0'''5; I$JAC't?IN''05 AL n;;RNATIV05: /980-Z000

possível. Embora Maus seja um a HQ de e no rm e complexidade forma l, esta não é


aparente, como nas páginas de Breakdowns , mas se torna invisível.

Essa história foi aquela vivida por seus pais durante a Segunda Guerra Mundial ,
judeus que sobreviveram ao campo de extennínio de Auschwitz . Mas não era só isso :
era também a hi stória dt: como no presente seu pai contava a Spiegelm an o que havia
acontecido [89]. O u seja, Maus não era tanto a história do H olocausto, mas a hi stória
do legado do Holocausto. O so brevive nte não era tan to Vladek, o pai , mas Art, o fi -
lho . Para Vladek, a vida tinha sido dividida no antes e no depois da guerra . Entretanto,
Art, nascido em 1948, viveu sempre sob a sombra da guerra. A lembrança do irmão
mais velho de Art, morto durante o conflito, sempre pesou sobre a família , e mais que
ninguém sobre o próprio Spicgclman, a quem seu pai chama de "Richied' - o nome
do imlão - em seu último diálogo do li vro . Um lapso que Huyssen explica como pro -
duto da "recordação profunda", mas que dota de todo o seu significado O eq uilíbrio de
Spiegelman entre o passado c O presente. O pai , I'ao con fundir inconscientemente Art
com Richieu, estabelece uma relação imaginária entre os que estão vivos e os mortos;
isso permite ao autor Spiegelman dedicar Maus li tanto a seu irmão como a sua filha .
O processo de elaborar o passado não foi totalmente em vão"".

A mãe de Spiegelman acabou se suicidando, aco ntecimento que o desenhista


reAetiu em uma HQ underground, "Prisoner o n the H ell Pla net" ( 1972), incluída pos-
terionnente em Maus . Nesse mesmo ano , Spiegelm an deu os primeiros passos para se
aproximar do traumático passado de seus pais, em uma história de três páginas já inti ·
tulada IIM aus" [90 ], na qual utilizava os ratos e gatos antropornórficos para representar \F11'\E'1' &ROVt;Hi 't>\l
alb'llmas histórias que seu pai havia lhe contado, ao m esmo tempo que m ostrava os HERE, "04E.v'U.. rvr \(o\J
TO WORO<:.llif.V'1'l: I'\OT
m omentos em que seu pai as hav ia contado , quando era men ino . O primeiro "Maus", l"€1\1>'( \li lO u.
no entanto, era apenas um ensa io do que seria finalm ente Maus . Witek observa que
a principal di ferença entre uma e outra H Q é que "a prim eira versão é uma alegoria,
no melho r dos casos debilmente disfarçada, enq uanto a segunda é um comic book de
animais"J.? A representação dos personagens da história como animai s antropomórfi.
cos - os judeus como ratos , os nazistas co mo gatos , os polacos como porcos etc. - fo i
desde o primeiro m omento um dos elementos mai s co nflitivos e desconcertantes de
Maus . Não bastava trivializar O Holocausto convertendo -o em um tema de um gibi ,
mas, além disso, tinha de ser protagonizado por animaizinhos?, clamaram os críti cos .
Ou, pior ainda: a alegoria dos animais não era uma justifi ca tiva velada do Holocausto?
Afinal , é nacurul que os gatos extermin em os ratos, o que vinha a ser o que os nazi stas [89J Maus" (1992) . Art Spiegelman.
AI. rr:IiNATIV05: 1980-Z000

acreditavam ser os judeus. O erro daqueles que pensavam assim se devia ao fato de *'7''' ' ".ncCtS ~U&_

não terem sabido distinguir a diferença crucial que Witek assinalou. O Maus definitivo
já não era uma alegoria com animais, não era uma fábula , e sim, na verdade , uma histó-
ria em quadrinhos de animais antropomórficos na tradição dos gibis do Pato Donald
de Carl Barks, embora seu tema fosse muito mais sinistro. E em uma HQ de {unny
animais, os animais se comportam como pessoas, são pessoas, independentemente de
a que espécie animal pertençam. No entanto, para boa parte dos críticos literários
que se sentiram desconcertados diante da potência de Maus, a história em quadrinhos
que se atrevia a contar O tema mais traumático de todo o século XX no Ocidente, era
impossível compreendê-Ia, já que a primeira reação, quando por fim aceitaram a obra,
foi dizer que "Maus não era uma HQ" . Algo que, como indica Wolk, veio se repetindo
com uma frequência alarmante cada vez que uma história em quadrinhos rompia com
os esquemas infantis que a maioria dos criticos culturais manipulava . "Outro erro co-
mum é afirmar que, por algum motivo, os quadrinhos intelectuais não são realmente
quadrinhos, mas outra coisa [ .. .], distinta não apenas em classe, mas em espécie, de
seus homônimos da cultura de massas"29. Ao contrário , Maus não só era uma história
em quadrinhos, mas funcionava precisamente por ser uma história em quadrinhos e
porque tinha suas raízes firmemente consolidadas na tradição das HQs de massa. Um
dos grandes problemas do Holocausto foi a impossibilidade de representá-lo adequa-
damente, as imagens, e especialmente as imagens fotográficas, destroem seu signifi-
cado, e sua minuciosa brutalidade acaba por nos insensibilizar, trivializando-o. Como
indica Hatfield lO , as representaçõcs indiretas foram com frequência a única maneira
de mostrar o Holocausto, como em Noite e neblina ( 1955) de Resnais, em Shoah [Shoah,
lJO~es e faces do Holocausto] ( 1985 ) de Lanzmann e, inclusive, em Schindler's List [A lista de
Schindler] ( 1993) de Spielberg, em que o uso do preto e branco era quase uma neces-
sidade para reconfigurar as imagens e dar-lhes um novo sentido e frescor perante os
olhos do espectador, para estilizá-Ias e, assim, torná-Ias irreais e de novo compreen-
síveis. Spiegelman podia ter optado por contar sua história com pessoas, mas desde o
início compreendeu que esse teria sido um caminho equivocado:

Creio que isso teria colocado o livro em um caráter diferente, e esse caráter
seria plano. Nesse momento, estava tentando realizar uma reconstrução
hist6rica séria, e nunca poderia igualá-Ia à realidade . Ao colocar essas
máscaras nos personagens , tudo se produz em um limbo em que as coisas
existem como comentário . Permite que se avance pela HQ contemplando
os acontecimentos, e não tentando substituir o acontecimento pela HQ31.
[90J Maus (1972), Ar! Spiegelman .
., .-.....-. ......-..-_"",.............-. ----------~- - - - - -...,
....,,-:'? ;;w.APrlIf'I"05 AL n:;~f'lATIV05; /9Bo-tOOO
O"'S;-(JU

A questão da "realidade" que era tão crucial para os quadrinhos autobiográ- série limitada de doze comi c books de lombada canoa entre setembro de 1986
ficos se tornava em Maus verdadeiramente urgente. Spiegelman incluía uma foto e outubro de t 98 7. Seus autores eram doi s britânicos, o roteirista Alan Moore
de seu pai com roupa de prisioneiro do ca mpo de concentração no final de Maus , e o desenhista Dave Cibbons, acompanhados do co lo rista John Higgins. Co n-
como uma prova da realidade do relato . Mas a foto era um retrato de estúdio, o cebida como uma história completa e fechada , Watchmen pretendia oferecer um
que suscitava indagar até que ponto é real ou construído não apenas Maus , a HQ, olhar realista e adulto sobre os super-heróis e sua influência sobre o nosso mun -
mas o própri o relato original procedente da memória de Vladek . Versaci observa do se eles realmente existissem . Watchmen surpreendeu por seu tom político ,
que "Spiegelman desafia constantemente o seu próprio projeto suscitando dúvidas seu contraste entre a psicologia dos personagens e sua função estereotipada , e
sobre sua metáfora animal. Ao assim fazê-lo , Sp iegelman mostra uma con;ciência pela den sidade de leitura que oferecia , com co nstantes jogos entre a palavra e
de que o seu li vro existe como representação , e que, espreitand o por trás de suas a imagem . Além disso, cada episódio incluía uma seção de texto procedente de
imagens, há uma realidade maior e mais impressionante da qual só podemos nos algum canto do universo
aproximar de forma indireta""- Como diria Didi-Huberman , "Para saber é preciso fictício de Watchmen , que
imaginar. Devemos tentar imaginar o que foi o inferno de Auschwitz no ve rão de complem entava a narração
t 944. Não invoquemos o inimaginável"H. Ao reconfigurar a memória como uma principal. O remate da in -
fantasia de ratos e gatos falantes , Spiegelman não só nos permitiu imaginar o que tertextualidade foi a inclu-
aconteceu ali , mas nos obrigou a fazê -lo , talvez pela primeira vez . são de um gibi de piratas
que um dos personagens
Maus chegou num mo mento oportun o , já que lia dentro da história . Re -
sumindo , Watchm en utili -
os di scursos da memória se intensificaram na Europa e nos Estados Unidos zava os super-heróis co mo
no início da década de 1980, ativados em primeira instância pelo debate desculpa para um a narra -
cada vez mais amplo sobre o Holocausto (que foi desencadeado pela série tiva cínica , polissêmica e
de televisão Holocausto e, um tempo depois, pelo auge dos testem unhos) texturizada muito ao gos to
e também por uma longa série de quadragésimos e quinquagésimos dos anos 1980.
aniversários de forte carga política e vasta cobertura da mídia -~' .
Wacchmen represen-
A edição em livro da primeira parte em 1986 atraiu uma enorme atenção tou a culminação do pro-
que se transferiu para o panorama geral dos quadrinhos. De o nde havia saído cesso de apropriação do
aquele surpreendente gibi, Era um fenômeno extraordin ário ou fazia parte de uma mercado especializado dos
nova onda de quadrinhos adultos? Spiegelman queria ter se apresentado como a quadrinhos Uá identifica-
va nguarda de uma nova era de autores de quadrinhos sérios, intelectuais, artísticos do Com os quadrinhos de

e literários que , com obras como Maus , se integraram definitivamente na alta cul- super-heróis) por parte dos
tura . Mas quando olhou à sua volta , viu que na sua apresentação diante do grande aficionados vete ran os. Em
público ele estava escoltado por dois gibis de super-heróis. Watchmen , todos os adul-
tos que tiveram de justifi -
Esses dois gibis de super-heróis eram Watchmen e Bacman. O cavaleiro das car sua fidelidade a %Men [91] Watchmen (1988) , Alan Moore,
trevas , ambos publicados pela DC Watchmen [91 ] havia aparecido como uma e Homem-Aranha como Dave Gibbons e John Higgins.
'f - 05 <tU,4A?II'1"05 ,4L TkRI'I,4TIV05: /980-~OOO

uma simpática excentricidade encontraram a desculpa para defender a validez mídia se concentrou
artística não só do meio dos quadrinhos, mas do gê nero dos super-heróis . Assim , em quadrinhos de
Watchmen, que havia se apresentado como uma desconstrução pós-moderna irôni - super-heróis como
ca dos super-heróis, converteu-se em sua justificação e sua revalidação para o fu - Watchmen e O cava-
turo , e também na confirmação de que havia uma maneira de se continuar fazendo leiro das trevas , o pró-
super-he ró is aceitáveis para os adultos . prio Alan Moore di -

ria : I'Saquearam - nos
Batman. O cavaleiro das trevas [92 ] era quase exatamente o contrário de na grande via da cul -
Watchmen, uma reconstrução do mito heroico atualizado para os novos tempos. H a- tura usando as cuecas
via sido originalmente publicado como minissérie em quatro números, entre feve - por cima do terno",
reiro e junho de 1986, utilizando um formato novo que teria grande sucesso a partir em referênc ia à clás-
de então, chamado significativamente prestige (" prestígio') 48 páginas em cores, em sica indumentária do
papel de qualidade superior, com capa cartão e lombada quadrada . Um projeto Superman e de seus
assim teria sido inimaginável antes da era do direct marker. Seu autor, o roteirista e colegas.
desenhista Frank Miller (acompanhado pelo arte-finalista Klaus )anson e pela colo-
rista Lynn Varley), tomava o personagem de maior sucesso da editora, Satman, para Entretanto, se
imaginar sua última aventura, já cinquentão e aposentado, em um futuro distó pico levarmos a reflexão
em que ele reinventava os ícones do Universo De e lhes insuflava vida nova . Miller, um pouco mais além ,
ao contrário de Moore e Gibbons, acreditava no mito heroico, e o seu trabalho ser- compreenderem os
via de forma mais evidente para reafirmá-lo do que para questioná-lo . que, por mui to que
pese a Spiegelman ,
Assim como Watchmen , O cavaleiro das trevas era uma história com pl eta e e inclusive provavel-
fechada. Embora fosse protagonizada por um personagem habitual da casa (ao mente a Moore , as
contrário de Watchmen, cuj os personagens eram versões de outros preexisten tes, três obras compar-
mas distintos e autô no mos), situava-se fora da continuidade oficial dele, o que tilhavam um traço
dava a Miller libe rdade para fazer o que quisesse com a história . Se o Coringa ti - essencial que influiu
[92] Batman. O cavaleiro das trevas3~ (1986) ,
vesse que mo rrer, a nêmese histórica de Batman m orreri a. Finalmente , os aconte- de maneira decisiva
Frank Mlller, Klaus Janson e Lynn Varley.
cimentos ali descritos não teriam repercussão para o dia a dia das séries mensa is no seu sucesso ime-
de Satman na DC Isso fez com que Watchmen e Batman. O cavaleiro das trevas tives- diato entre o públi -
sem um sucesso ime diato quando fo ram recopilados em volumes. Os dois títul os, co . .Embora todas se
assim como Maus, tiveram uma grande repercussão midiática . Para Watchmen e apresentassem como algo novo , eram facilmente re conhecíveis co mo gibis nâo
O cava leiro das trevas , a co nsequência de se apresentarem ao público acompanha - só por sua forma , mas pela utilização dos mais poderosos pers onagens tópicos
dos de Maus foi terem sido considerados de imediato "novelas gráficas" respei- do imaginário dos quadrinhos , os funny animals e os super-heró is . Essas foram
távei s. Para Maus, a consequênci a de se aprese ntar ao público acompanhado de as figuras que ha viam lavrado a fama de infantil dos quadrinhos, e eram essas
Watchmen e de O cavaleiro das trevas fo i ele ser associado co m tais comi cs e ter sua mesmas figuras que agora se alçavam para reclamar uma atenção diferente por
respeitabilidade diluída . Ao referir-se ao modo como a atenção do públi co e da parte de um leitor mai s sofisticado .
'f - O S ($JAI7t/I/'I"OS AL n;q/'lATIVOS: /980- Z000

Fosse como fosse , Maus , acompanhado de Wa tchmen e Batman. O cavaleiro


das trevas, provocou uma febre pela novela gráfica e pel os quadrinhos "adultos"
no final dos anos 1980 e princípios dos anos 1990 nas grandes editoras de co-
mics. A Marve1 e a DC utilizaram subselos como Epic, Piranha o u Paradox para
atender esse segmento . Assim, foram publicados títulos como Brooklyn Dreams
( 1994), do roteirista de super-heróis J M . DeMatties, acompanhado de C lenn
Barr, que era uma memó ria da infância; Stuck Rubber Bahy ( 1995 ), de H oward Cru-
se, que contava a história do descobrimento de sua homossexualidade por parte ,,_~_.J

lAl
oi1#.'
do protagonista - um clássico dos quadrinhos underground gays - no contexto
dos movimentos em defesa dos direitos civis nos Estados Unidos; ou A History Df
Violence ( 1997), um relato de gênero noir de Jo hn Wag ner e Vince Locke adaptado
posteriormente para o ci nema por Da vid C ronenberg 36 . Qua drinistas inqui etos
que colaboravam habitualm ente com as grandes editoras de comics encontraram
a oportunidade de realizar novelas gráficas nessas mesmas ou em outras editoras.
Foi o caso de Kyle Baker (Cowboy Wally Show, 1988; Why 1 Hate Saturn , 1990) ou
Bill Sienkiewicz (Stray Toasters , 1988 ). Dave McKean , um artista versátil que ha-
via se tornado famoso ilustrando as capas da séri e de "super-heróis sofisticados"
Sandman ( 1989- 1996), escrita por Neil Ca iman , publ icari a em fascículos a ambi-
ciosa Cages (93), recopilada em 1998 num volume de mais de seiscentas páginas .
Os projetos de aparência artística e adulta pro tago nizados por super-heróis de
toda a vida escassearam , com frequência assinados pel os próprios Miller e Moore,
e por imitadores seus, uma boa parte dos quais chegou aos Estados Unidos por
meio dos quadrinhos britânicos. Os grandes editores tentaram capitali zar o pres-
tígio que magicamente outo rgava o te rmo novela gráfica com livros de produção
luxuosa, inclusive pintados, como a adaptação do fil me M, de Fritz Lang, a cargo
de Jon J. Muth , que conviviam com histórias suntuosas de Batman como Arkham
Asylum, esc rita pelo roteirista escocês Crant Morrison e desenhada pelo próprio
McKean . Parecia que a interpretação que a Marvel e a DC fizeram do termo "no-
vela gráfi ca" foi "gibi ostentoso".

O movimento foi, portanto, liderado e absorvido pelas grandes editoras dos


comics convencionais, que mesclaram trabalh os mais pessoais de seus profissionais
habitua is com meras adaptações de seus produtos de sempre. Do grupo alternativo,
ou seja, do te rreno do qual havia surgido Maus, a ativi dade não foi comparável.
[ 93J Cages (1998), Dave McKean .
Ed itoras como a Fantagraphics e a Draw n & Quarterly não estavam consolidadas o
bastante para empreender a inversão que implicava a publicação direta de novelas
,~ ..... _..... ---~--~---

gráficas . Além disso, os melhores autores alternativos ainda não haviam amadure-
fOr. Tl4E
~I~ €HTII.IElo f"""
''''''",
1\"~
PfAlOO COH~I~Tf' OF cido o suficiente para realizar suas obras mais ambiciosas, Em 1986, Daniel Clowes
"""""'HAC QU~~TloH~
(l)Htt"""N" Tl4E (25 anos) e C hris Ware (dezenove anos) nem sequer haviam começado a publicar a
in I.I.Mo\H {ME,
Eightball ou a Acrn< Novelry Library, Spiegelman, que fora aceito pelas livrarias gerais,
nas quais se sentia 56, assim como ocorreu com Will Eisner na época de Um con tmto
com Deus, tentou gerar novelas gráficas para se cercar de um conjunto de mate-
riais sufiCientemente numeroso para delimitar seu próprio territóri o nas estantes.
Conseguiu promover a publicação de Ciry of Glas, [Cidade de vidro") ( 1994) [94).
uma excele nte adaptação da novela de Paul Auster a cargo de Paul Karasik e David
MazzucchelJi, mas a tentati va não teve continuidade , O universo da novela gráfica
ruiu, afogado por um material pseudo-super- heroico e nas mãos de editoras de co-
mies convencionais, que continuavam vendendo principalmente nas livrarias espe-
cializadas e ganhando mai s com X·Men do que com Sruck Rubber 8a1ry", Q uando foi
publicado o segundo e último volume de Ma1<l em 199 1, e Spiegelman recebeu um
W~1 AAb bOH
"Df prêmio Pulitzer especial em 1992 , parecia que a obra de Spiegelman fi caria como
CIU
HE UlV!D .. , um fenômeno insólito e úni co, o gibi que se atreveu a ser maior.

'. " I
O',
, ' I
05 'l.uadrinho5 alternativos na França

Como vi mos no capítulo anterior, a innuência dos quadrinhos underground


americanos na França produziu fenô menos editoriais muito diferentes daqueles que
haviam ocorrido nos Estados Unidos, Enquanto os comix da Costa Oeste haviam
gerado um mercado alternativo que se desenvolveu completamente à margem das
,,,IH~T!A~ oF LlV/N" editoras, das distribuidoras e do público estabelecido, na França as novas formas e
oor THEI'" ADVfHT1IIlE9.
conteúdos foram assimilados em projetos que competiam pelo mesmo público que os
quadrinhos convencionais. Autores plenamente maduros como Lauzier ou Bretécher
estavam integrados nas estruturas comercia is. A via "alternati va" nunca chegou a ser
gerada porque a indústria soube absorver as novas propostas como parte da sua oferta .


É verdade que a tradição dos quadrinhos franco-belgas sempre esteve mais pró -
xima do reconhecimento do autor e do fomlato de livro do que a ameri cana . A fonna
habitual de vender quadri nhos na França tin ha sido através da serialização prévia em
revistas e posterior recopilação nos chamados álbuns, livros grandes com capa dura
em cores e número padrão de páginas (48 ou 64, geralmente). Enquanto nos Estados
[94] Cidade de vidro (1994), Paul Karasik e David Mazzucchelli. Unidos, dos anos 1940 até os 1960, o Superman havia sido uma propriedade de sua
'f - OS (jUAWINUOS AL n;~NATIVOS, /9BO-ZOOO

editora, a D C, e foi publicado de fonna anônima, nesse mesmo período na Europa o o desenvolvimen-
nome de Hergé estava fortemente ligado a llntim . Tanto que, com a morte do dese- to dos gêneros tradi -
nhista, as aventuras do célebre repórter chegariam ao seu fim , embora pudessem tcr cionais juvenis nos
sido muito bem continuadas por sua equipe. Reconhecia-se, assim , que, embora fosse quadrinhos para adul-
uma produção industrial, Tinam também era uma obra auroral. tos ao longo dos anos
1970 acabará desem-
A indústria francesa foi capaz de assimilar as tendências renovadoras em bocando na ideia das
um modelo evolutivo, e não revolucionário como O americano. Os quadrinhos de "novelas gráficas" pu-

aventuras juvenis, que haviam girado em torno do eixo belga-francês, corn a riva - blicadas em revista ,
lidade entre a Ecole de Brnxelles de Tintim e o estilo Atome da Ecole de Charleroi de cujo me lhor exemplo
Spirou, foram se transformando em quadrinhos de aventuras para adultos. Talvez será (à sui.".e) uma fer-
um dos melhores exemplos desse percurso seja o périplo de Corto Maltese, o per- ramenta de Castennan
sonagem de Hugo Pratt que estreou em Una bailara de! mar< salato [A balada do mar (o editor de Tintim)
salgado"] ( 1967), relato que começou a ser serializado na revista ita liana de aven- para produzir histó-
turas Sgt. Kirk . A partir de 1970, as andanças de Corto, um aventureiro romântico rias que excedessem
das primeiras décadas do século XX, apareceriam na revista juvenil francesa Pif as 48 páginas pa-
Gadget. A balado do mar salgado é , para muitos, um antecedente da novela gráfica drão. "São c hamadas
por suas dimensões (mai s de 160 páginas ), seu tom sério e a sutileza psicol ógica de 'novelas em bande
de seus personagens, mas a realidade é que se trata claramente de um produto da dessinée' e se dividem
tradição dos quadrinhos de aventuras co merciais , por mais que em suas páginas se em capítulos, enfati -
perceba a marca pessoal de um grande autor de quadrinhos . zando suas qualidades
[95J Blueberry em A mina do alemão perdida (1972) ,
literárias"". Evidente-
Jean-Michel Charlier e Jean Giraud.
Inclusive as tentativas de autoafirmaçao dos autores franceses acabaram se mente, essa proposta
somando à indústria, e não rompendo com ela. Em 1975, um grupo de desenhistas, é completamente anti -
entre os quais se encontravam Druillet, Moebius e Dionnet, hmdou Les Humano"ides tética à proposta dos dese nhistas alternativos e à proposta que deu lugar ao Maus de

Associés e lançou a revista Métal Hurlant, que por meio da sua versão em inglês, Art Spiegelman , mas muito similar ao que a Marvel e a DC fizeram quando viram

Heavy Metal, se converteria no princ ipal foco de dihlsão dos quadrinhos europeus o sucesso de Watchmen e Batman. O caw leiro das trCi/as. As novelas gráficas france -
sas foram produzidas seguindo uma lógica de mercado de massas, co m a intenção
nos Estados Unidos durante essa década. Mas Métal Hurlant não deixava de ser uma
revista de ficção científica e fantasia que acrescentava mais produto ao já existente.
de conseguir o equivalente aos best-sellers literários. Na verdade, durante os anos
A figura de Jean Ciraud/Moebius exemplifica como nenhuma outra a dicotomia dos 1980
. , essa padro nização conduzirá a certa saturação do mercado, que começa a dar
sinais de fadiga ao não ser capaz de suportar o número de superproduções , cada vez
quadrinhos adultos franceses, como Ciraud ou Cir, é o bem-sucedido dese nhista da
maiores, de aparência luxuosa , mas na verdade formulaicas e repetitivas. E a época
série do oeste Blueberry'" (desde 1965 ) [95]; como Moebius, é o autor de fantasias
em que triunfam as grandes sagas históricas ou fantásticas e se consagram autores
pessoais como L.e Garage H... ,létique [Garagem hermética" ] ( 1979) [96], Arzach ( 1976)
como Bourgeon (Les Passagers du vent [Os passageiros do ocnto], 1979-1984 ; Les Compag-
ou J.:/ncal [Incal"] ( 198 1-1 9 88 ), esta última com Jodorowsky. Por contraste, Robert
nons du crépuscule [Os companheiros do crepúsculo"], 1984- 1990), Jui llard (L.e, SepLvies
Crumb oferece uma única cara , e todos os seus trabalhos são inteiramente pessoais;
de I'Epervier [As sete vidas do gaviào"] 1982- 1991 ), Yslaire (Sambre, 1986- 1996, 2003 ),
seu contato com a indústria e com os gêneros convencionais é nulo.
--~ . .--- .. ' ,-, -, --. -,-....._ ._-------~-----

Rosinksi e Van Hamme (Tlwrgal" , 1980 até agora), Bilal (A feira dos imortais", 1980)
[97]. A queda das vendas no final dos anos 1980 (encerrando revistas míticas como
Pilote ou Tintim) fará com que as grandes editoras adotem estratégias mais conser-
vadoras. Mais uma vez, a crise da indústria, como aconteceu nos Estados Unidos
nos anos 1960, dificultará o acesso às gerações mais jovens. Isso fará com que, no
início dos anos 1990, os novos autores se vejam obrigados a criar seu próprio mode-
lo, pela primeira vez verdadeiramente alternativo, que será articulado em torno de
L' Associatian .

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\.D PIE.EffJU..ujõl~· VIC IO ,
MOEo . , ' ~eNoR tA ...

I Séól
...
., : '.'

[96] A garagem hermética (1979) , Moebius. [97] A feira dos imortais (1980 ), Enki Bita!.
As origens de L' Associa tion têm de ser buscadas em Futuropolis, uma das de quadrinhos , co m suas 48 páginas em co res e ca pa dura , que eu chamaria mai s
primei ras li vrarias especiali zadas em quadrinh os da França e que também foi tarde de '48 CC', CC indicando 'Cor' e 'Cartoné', que significa capa dura", diria

editora, fundada em 1972 po r Etienne Rob ial. A Futuro polis foi , segundo Jean - M enu-49. David B. se reafirmaria nessas m esm as intenções : "Sempre have rá uma
-Christo phe Menu, ideólogo de L' Associati o n, "a prime ira editora 'adulta' de qua- dem anda de imagens, e nos anos 1980 os parâmetros dos quadrinhos que estavam
drinhos que també m teve um conceito 'adulto' dos livros"". Robia l ado tou uma sendo publicados eram muito limitantes. Por isso criam os L' Associa ti o n; para nos
5o
postura radical em sua defesa dos quadrinh os como arte, a ponto de se negar a rebelarm os çon tra isso, para fazer algo diferente" .
vender Astenx e m sua loja . Ele distinguia entre "BD", te rmo que definia a produção
comercial , c "bande dessinée", que eram os quadrinhos artísticos . A Futuropolis ado- Depois da ideia da oposição à indústria com o primeiro recurso , os dois prin-
tou to da s as estratégias que h oje reconhece m os co m o parte do m ovi mento dos cípios declarados de L'Association foram "integridade c longo prazo", este último em
quadrinhos adultos, publicou quadrinistas "sérios" dos anos 1970, como C rum b, sintonia com as expectati vas de Eddie Campbell para a nove la gráfica , "Pode ser que
Tardi ou Swartei enfatizou a figura do autor, fazen do co m que seu nom e chegasse não o venda agora, pode ser que o venda dentro de trinta anos, mas nessa nova era dos
a ser o único elemento di stintivo da capai publi cou autores j ovens e pouco con - quadrinhos não existe o 'agora'; O 'agora' é indefinido e aberto"sl . A integridade era ,
ve ncionais ( entre eles Baudoin , que seria o pion eiro dos quadrinhos autobi ográ- certamente, a coerência com a visão do quadrinis ta concebido com o artista .
ficos fra ncófonos); e també m reeditou clássicos dos quadrinhos, tanto europeus
quanto ameri canos, os quais tratou co m a dign idade merecida para ressi tu á- Ios L'Association se co nve rteu em um ferve douro de ideias, muita s delas já pro-
como elementos-ch ave na definição dos quadrinhos como arte , Krary Kal, Bringing postas desde as reuniões da LABO, como recon heceria Menu ,
Up FatheT, Alain Sa inl -Oga n, C al vo .. .
As id~ias eram , por exemplo, criar quadrinhos com uma ba se literária e
A Futuropolis acabaria sendo absorvida pela Gallimard, e hoje seu nome não voltar nunca mais a fazê-los dentro dos moldes da H Q adol esc~ n tc
define uma linha de uma editora comercial (So le il ), sem ne nhum a relação com co mercial. Falar da realidade, utili zar os quadrinhos para fa lar do mundo real ,
Robial. Mas nos últimos anos em que es te ainda co nservava o controle da edi - aquele em que viv íam os , e não voltar a fazer fa ntasia ou uma enxurra da de
tora , deu andamento ao projeto de lançar uma rev ista que servisse de supo rte "gênero". Fazer ex peri ências com a estrutura dos quadrinhos. Proporcionar
para os jovens desenhi stas que haviam se autopublicado em fanzin es e minigibi s um lugar para a críti ca em uma revista que apresen tasse desen hos Sl .
fotocopiados durante os anos 1980 . O projeto, dirigido po r um desses jovens de-
senhistas, Jean -Chri stophe Me nu ( 1964), aca baria frutificando na LABO ( 1990), A utilização do preto e branco e a imersão na autobiografia rel acionam
da qual apenas um núme ro seria publicado . Entretanto, da LABO acabaria saindo L I Association aos alternativos americanos dos anos 1980 e 1990, m as outros ele-
o grupo que criaria pouco depo is L' Association , uma empresa de quadrinistas in - mentos os di ferenciam . Por exemplo, enquanto os am ericanos aderiram ao formato
dependentes cujos fundadores seriam o próprio Menu junto com Stanilas, Mattt da indústria - o comic book - para sobreviver camuflados entre os gibis de super-
Konture, David B., Killoffer, Lewis Trondheim e Moke"it. Em novembro de 1990, -heróis das grandes editoras, L ' Associa ti on , corn o vimos, repudia deliberadamente
L'Assoc iatio n lançaria sua primeira publicação, Logique de Gume Comi:<. o formato heg'e m ônico do álbum em cores e apresenta em seu lugar uma enonne
variedade de tamanhos e formatos, e ntre os quais tal vez se possa estabelecer uma
LIAssoci ation se situou dire ta mente em oposição a tudo o que representava única relação: têm um ar mais literário graças às capas sóbrias e frequentemente
a indústria fran cesa dos quadrinhos, percebida pelos membros do grupo como monocromáticas. Esse ar familiar dos lançamentos de L ' Association também re-
decade nte em finais dos anos 1980 . O formato hegemôn ico do álbum foi vela um sentimento de comunidade muito superi or ao dos desenhistas america-
o alvo pri ncipal : liA única coisa da qual estávamos seguros a princípio era que nos, de individualismo mais marcado. Os quadrinistas de L ' Association - que ime-
queríamos produzir li vros que não se parecessem em nada com o 'á lbum' clá ssico diatamente receberam de braços abertos muitos outros espíritos afins, inclusive
A NOVQ.A 6~A~lCA

quando procediam de gerações anteri ores, como 8auda in, ou do estrangeiro - man - Si m , é a mesma coisa, mas desprovi da de substância . [.0' ] Em que cada ideia
têm certo espírito co letivo, certos princípi os e m anifestações comuns em tom o dos se converte em mercadoria . Com essa maneira de pensar, você pode fazer
quais se articulam , em grande medida devido ao incansável trabalho teori zador de qualquer tipo de livro , de tam anho pequeno, em pre to e branco , com uma
Menu. Esse trabalho teorizador tem uma vertente po lítica - de análise do merca- autobiografia excess iva mente si mpl es ou um po nto de parti da ve ndável ,
do e de suas tendências - e uma vertente experimental , que levaram os membros de e cham á- lo de "bande dessinée lndépendnnte"o V ocê já os vê nas lojas: esses
L' Associatio n a se envolverem em projetos como o O uBaPo , baseado no sistema de produtos fa lsos ou de terceira catego ri a ocupam as mesmas esta ntes que os
restrições formais aplicado pelo grupo O uLiPo à literatura, mas transferindo-o para os nossos , e às vezes substi tuem os nossos 56 0

quadrinhos. Por exemplo , a imposição de fazer uma H Q sem um personagem huma-


no. Po r último, e com o já é comum no cenário franco-belga , em o posição ao am eri - Em 1999, L'Associatio n publi cou um projeto de ex tre mo va lo r si mbó lico,
cano, a maioria de suas principais fi bJUras se move entre as produções alternativas para que econo mi cam ente po deria muito bem ter afund ad o a ed ito ra caso tivesse
L' Association e os trabalhos claramente comerciais para as grandes editoras. Menu sido defic itári o , o Comix 2000. O livro, que acolheu um a seleção do mate rial
será justamente quem co m mais força irá se aferrar às suas raízes independentes - o recebido depo is de rea li z ar um a co n voc ação públi ca internac io nal, co ntinha
que acabará por lhe granjear muitas antipatias, incl usive en tre seus companheiros - , 2 mil pág inas de hi stórias em quad rinhos sem pal av ras , e sua inte nção era
mas David B., Lewis Trondheim ou Stanislas, entre os fundadores, e Joann Sfar ou Em- apresentar um pan o rama d os quadrinh os alte rnati vos no mundo to do . O pro duto
manuel Cuibert, entre os colaborado res pos teri ores mai s importantes, têm lima ampla final , que efe ti vamente incluiu mostras de quad rini stas de todo o plane ta , desde
carreira nas editoras convencionai s, o nde produziram numerosas séries de "48CC",B. os Estados Unidos até o Japão , passando pe la Euro pa, pode ser c o nsi derado uma
extravagâ ncia edito rial , ma s v inha represe ntar mate rialm e nte um a evidênci a: o
Certamente, essa dupla carre ira fl o resceu porque o tale nto e a fecundidade triunfo inte rnacio nal dos quadrinhos alte rna tivos. Consolidados dos do is lados
dos autores de L'A ssociati on fez com que o grupo não demorasse muito a chamar do Atlântico , esses quadrinhos com vocação para ating ir o público adulto hav iam
a atenção das grandes edito ras, desejosas de descobrir novas fórmulas que ti rassem se alim entad o mutuam ente, atende ndo mai s às irmandades qu e excediam as
a indústria da cri se dos an os 19 80. L'A ssociatio n teve que contratar seu prim eiro fronteiras do qu e às tradições locai s. Os am erican os influenciaram os fran ceses ,
funcionário e m tempo integral em 1994, e no ano seguinte duplicaram seus luc ros, mas e stes também influenciaram o s am eri ca nos, e fin almente tod os hav iam
que co ntinuaram aume ntando durante toda a década até chegar à sua ex pressão encontrado um frutífero te rritó rio comum de colabo ração . A dinami zação
máxima com o inesperado best-seller que David B. lhes pro porcio nou, PerséPolis", internacio nal que a ati v idade de L'Associatio n provocou tev e o seu e feito em
de sua amiga Marjane Satrapi , um livro que em 2002 já havia vendido mais de 100 muitas tradições perifé ricas . Na Es panha , do is dese nhi stas es tabe lecidos em
mil exemplares55 A inércia da edito ra já estava levando· a a se converter naquilo que
0 Mall o rca qu e ha v iam in iciado sua ca rreira nas revista s dos anos 198 0 , M ax e Pere
quisera ev itar: uma empresa pro fissional , quase lima grande editora . O surgimento Joan , ajudados pel o mais jovem Alex Fi to , publicaram um a revista de quadrinhos
de outras editoras ao estilo de L'Association era inevitável. Algumas, co mo a Seuil, de vanguarda intitulada Nosotros somos los muertos ( 1995 ), em sua prime ira e tapa,
a Comélius ou a Amok, foram recebidas por L'Association como camaradas, não e NSLM (2003 ) [9 8] na pos teri o r". O projeto , ini c iado e m um fan zine como
como competidoras. Uma distribuido ra, Le C ompto ir des Indépendants, proprieda- forma de e xpressar um pro testo individual co ntra a passividade dos govern os
de de L'Associatio n em sua maioria , acabaria se encarreg ando da difusão do material euro peus diante da guerra d os Bálc ãs , acab ou se con ve rtendo em um ve ículo para
dessas pequenas editoras, em um m ovimento que recorda as o rigens do direct market articular esses quadrinh os altern a tivos intern acio nais que uniam L'A ssoci ati on
nos Estados Un idos a partir das redes paralelas de distribuição dos comix. com a Fantag raphi cs. Em suas páginas, novos d esenhi stas espanhó is (linhart ,
Mas também as grandes empreendedoras realizaram seus próprios projetos de Paco Alcázar, Mi gue l Núfiez , G abi , Javi e r Olivares, Santiago Se quei ros, Porte ia/
aparência "independente" para pegar sua fatia do mercado descoberto por L' A ssociation, Iglesias) se uniam a ve te ranos rec uperados depo is do colapso dos anos 1980
provocando uma resposta muito menos complacente por parte de M enu : (Keko, Martí, Gallardo , D e l Barrio), e to dos podiam ser tratados de igual para
A NOV~LA 6RÁI'1CA

igual com C hris Ware , David B., Art Spiegelman , David Mazzucchelli , Julie ./
Doucet e outros nomes de referência do ce nário internacional. S - A NOV~LA 6RAI=/CA
A proliferação dos salões internacionais de quadrinhos, ju ntamente com O
barateamento dos custos de impressão e as facilidades que a internet oferecia para
o contato entre autores e a dihlsão das obras, ajudou a reforçar a "alternativa in-
ternacional". Por volta do ano 2000, existia a consciência de que esses quadrinhos Os qu.adrinhos estão a parecendo nm litn"arim
adultos já estavam bastante consolidados para aspirar a algo mais do que as mi - como romances e nos museus como arte l .
galhas que os ca da vez mais esgotados quadrinhos comerciais deixavam nas livra-
rias especiali zadas. Os primeiros autores alternativos começavam a entrar em sua C hris Ware
fase de maturidade como criadores . O Comix 2000 pareceu fechar si mbo licamente
uma etapa que terminava com o século e permitiu que os quadrinistas séri os se
reconhecessem em lima foto de família internacional. H avia chegado o momento
de deixarem de se consi derar "alternativos" e passarem a empreendimentos maio- o fim do alternativo
res. Em 2000 foi lançado na França o primeiro número de Persépolis, de Marjanc
Satrapi, publicado por L'Association, e nos Estados Unidos a Pantheon publicou Com a chegada do século XXI , o co nceito de "alternativo" p e rde o
o volume }immy CaniRan, sentido, sa lvo como lima etiqueta já convenciona l q ue tem certa utilida -

The SmarteSl Kid in the World de para distinguir "tipos de comics" entre os co nhecedores . O sistema de

[j immy Corrigan, o menino oposições que dava sentido a esse termo perde seu va lor, ou o altera , co m

maü esperto do mundo5 11 ], de o triunfo da nove la gráfica nas li vrarias genera li stas pelas mãos de editoras

Chris Ware. Finalmente literári as como a Pantheo n nos Estados Unidos, a Gallimard na França e a
hav ia c hegado o momento Random House Mondadori na Espa nh a. Se "alternativo" hav ia sido definido
da novela grá fica . sob o s uporte do co m ic book e por oposição ao gê nero d e super- heróis do-
minante nas li vrarias especia li zadas durante os anos 1980 e 1990 , no novo
pan orama das li vrarias genera listas e dos supermerca dos culturais ocorre um
reajuste , pelo qual o materia l que conhecía m os co mo alternativo , e que com
frequ ê nc ia trata de temas relacionad os à memória , à autob iografia , à hi s-
tória ou à ficção não de gê nero , passa a ser o m ater ial dominante par" um
público leitor gera l e não especializa do em quadrinhos , e nquanto o material
dominante nas li vrarias espec iali zadas , ou seja , a fantasia e os super- h eróis,
que acompanha as novelas gráficas adultas rum o às livrarias gerais , ocupa
um nicho especializa do , à se melhança do que oco rre e m outros setores do
Con sum o cu ltural , co mo a literatura O ll o cinema , além de servir de forragem
para as superproduções de efeitos especiais de Hollywood . A tendência , q ue
vai aumentando durante toda a primeira década do século , coincide com um

[98] NSLM 10 (2004), Max . declíni o cada vez m ais pronunciado dos com ic books, inclusive os de super-
---~--~~ ...
" --,. ----------- 5 - A NOVElA 6~Ii~ICA

-heróis , cuja presença está em declive nas bancas e nos pontos de venda ma · adequado . É significativo que não tenha saído uma Eigh,ball nova desde 2004'.
ciços . Em maio de 2009 , pela primeira vez na história, nenhum comic book Em parte, isso se deveu a questões externas - C lowes sofreu uma enfermida-
alcançou 100 mil exemplares vendidos'. Quarenta anos antes, em 1968 , a de cardíaca que o impediu de trabalhar durante meses, além de ter dedicado
DC cancelava uma coleção como Ooom Patrol [Patrulha do Oestino] porque as muito tempo ao desenvolvimento de vários proje tos ci nematográficos , depois
vendas haviam caído para apenas 250 mil exemplares'. do sucesso da adaptação de sua novela gráfica Mundo fa ntasma (2001 ) -, mas
em parte também aos co nflitos provocados pela realocação do comic book
o caminho do co mic book rumo ao ocaso já vinha se anunciando no no novo panorama dos quadrinhos adultos . C lowes expressou recentemente
mundo "alternativo" desde antes . Ódio , de Peter Bagge , o co mi c boo k mai s essas dúvidas ,
vendido dos anos 1990 e que havia sido O símbolo geracional dos novos qua -
drinistas, foi co ncluído em 1998 . De Palookaville, de 5eth , só apareceram seis Ninguém mais quer lidar co m o formato de: cO lm e book nos Es tados
números entre 2000 e 2009 , frente aos treze lançados entre 199 1 e 1999 ; além Unidos; é um formato antiquado. Deve -se sobretud o ao fato de que tem
disso , o autor ainda não havia conseguido terminar a picrure novella que seria- de St:f barato , c as pessoas esperam que não custe muito. Por isso as lojas
lizava nessa revista , Clyde Fans . Foram muito signi·ficarivas as transformaç ões não ganham dinheiro c não lhes interessa promovê -lo . Eu poderia trabalhar
sofridas pelos comic books das duas figuras máximas do movime nto , Daniel assim , mas tenho a sensação de que o momento já passou , e isso resultaria
C10wes e Chris Ware . em algo não espontâneo. Sempre quis que meus quadrinhos se parecessem
com os com ic books da minha infância. E agora parece que estou tentando
Clowes criou a Eigh,ball em 1989 para ser "a minha própria versão da fazer algo que saiu de moda e não mais ex iste, de mod o que creio que tenho
Mad, embora em uma versao muito perversa e mal -i ntencionada"4, Durante de modificar a forma como faço quadrinhos, ou seja , como ap resento os
seus dezoito primeiros números , a Eightball manteve esse espírito misce lânea quadrinhos 6 .
e foi rigorosamente fiel ao formato do comic boo k, que só sofreu a alteração
de receber paulatinamente cada vez mai s páginas coloridas à medida que a o trânsito .
das HQs do estilo "dos comlc books da infância" para as
consolidação das vendas a tornava economicamente viável. Em 1998, quan - aparentes exigências da novela gráfica co ntemporânea não foi indolor para
do Ódio morria , a Eightball se reconverteu. Manteve a lombada canoa , mas Clowes . Eventualmente , como no caso de Ice Haven, esse trânsito pôde ser
aumentou suas dimensões para um tamanho mais parecido ao de uma rev ista feito com uma simples adaptação do material para um formato novo [99]. Ice
tradicional , e seu conteúdo passou de diverso a monográfi co . Os número s Haven é uma hi stória em coro, que , embora utilize como enredo um suposto
19-21 ( 199 8-2 000) foram dedicados exclusivamente à serialização em três assassinato infantil (inspirado no caso real do assassinato de Leopold e Loeb
partes de uma novel a gráfica completa , Oavid Boring. O comi c book in spirado nos anos 1920 ), tem como real intenção examinar diversos personagens
nos comic books de antigamente passava a se converter num fascículo para a peculiares na vida de uma pequena cidade . Para co ntar essa hi stória , C10wes
pré-publicação de uma obra longa. Os dois números seg uintes co nservariam reuniu as páginas como se fossem tiras diárias e páginas dominicais dos jornais
o formato ampliado e acentuariam ainda mais essa tendên cia de conteúdo ho· dos • anos 1950 e 1960, ou seja, como unidades aparentemente heterogê neas
mogêneo , o 22 (2001 ) era dedicado a lima única histó ria , Ice Haven, que seria e autônomas que , no entanto , se relacionavam entre si. Em sua versão em
reeditada em 2005 como livro com ca pa dura pela Panth eo n, mudando O seu Ice Haven passava do comic hook com grampo
livro, ou IIcom ic-strip novel",
formato para oblongo . O 23 (2004 ) teria , mais uma vez , uma única histó ria, ampliado para o livro oblongo de pequeno formato e ca pa dura . Clowes diria
The Oeath-Ray, que ainda não havia sido reconvertida em novela g ráfica , tal- que "a história funciona melhor no formato de livro para mim . Parece mais
vez porque, devido a seu co nteúdo e intenção - é a visão peculiar de C10wes den sa. Ao folhear o livro , ao contrário do que acontece n o gibi , parece que
de um super-herói - , o formato com lombada canoa atual parece ser o mais ela adquire uma substância própria"'. A questão da densidade vinha há muito

~
A I'IOV;t.A 6~ÁHCA 5 - A I'IOV;t.A 6~Á~ICA

tempo preocupando os quadrinistas maduros . Em t 997, Max declarava que,


comparados com a literatura , os quadrinhos "não têm menos estatura , mas
creio que têm menos densidade . Para mim é uma questão de densidade , de
quantidade de conceitos por centímetro quadrado de página . Com relação a
isso, os quadrinhos são simples . Gasta ·se muito papel para transmitir poucas
idcias"8. De ime diato o apogeu da novela gráfica havia imposto aos desenhistas
a obrigação de mos trar sua densidade nos requadros . Durante muitos anos, Maus
havia sido o exemplo de uma HQ capaz de ser densa , mas sua prol ongada
solidão havia feito pensar que se tratava de um fenômeno extraordinári o c
único , cujo mé rito tal vez estivesse no tema , e não na forma . A re c uperação
das ambições formais de Mau, por parte de Chris Ware e do próprio C1owes ,
depois de David Boring e Ice Haven , obrigava os quadrinistas sérios a se
proporem desafios maiores . Para Clowcs , esse umbral implicava lima ansiedade
pela densidade , que o levou a empreender um projeto que, finalmente , depois
de vê-lo em perspectiva uma vez recuperado de sua e nfermidade , decidiu
abandonar. Segundo suas próprias palavras :

Passei cerca de um a no trabalhando nessa coisa que ... Estava tenta ndo
escrever uma nove la densa de um só fôlego , e tinha a sensação de que estava
me esforçando demais para fazer uma novela gráfica , e isso acabou se ndo
muito restritivo. Tive que de ixar de trabalhar nisso. Desde então, fiz um
punhado de coisas menores. Não sei, [a pausa produtiva] não teve tanto
a ver com eu me dedicar ao cinema quanto com o fato de necessitar de
um algum tempo sem fazer quadrinhos e voltar a repensá-los. Senti que de
repente a ideia de fazer um cornic book já não era adequada. E tinha que
Dl!AR 6oOtI, 'Tl'I~
averiguar como fazer quadrinhos; não sa bia se queria fazer necessariamente
..,"".
~ LLH!flt'Uf,.

D'EioU\~ .
livros individuais, nem era capaz de adivinhar corno fazê -los. Agora si nto
que tenho uma ide ia para abordá-los e sinto que vejo mais o hlturo que
tenho pela frente . Durante alguns anos não fui ca paz de ver bem o que
podia fazer, já não era capaz de entender como e ra o panorama do negócio
dos quadrinhos9 .

[99] "Ice Haven", em Eightball 22 (2001), Daniel Clawes.


5 - A rtOVIi\.A 6llÁ1=lCA

Essa tendência para a densidade, como já mencionam os, tem muito a ver com
a ascensão ao lugar principal do panorama internacional da HQ de vanguarda
Acme NcweLry Lilrrary, de Chris Ware. A Acroe começou em 1993 , e seu primeiro nú -
mero [100] seguia o formato canônico do comic book alternativo com grampo da
época. Entretanto, a partir do número 2 ( 1994), que adotava um insólito tamanho
gigante, a Acme não voltaria a se parecer com o que identificamos como um comic
book convencional. Até o número 14 (2000), no qual concluiu a serialização de
Jimm) Corrigan, C hris Ware experimentou todo tipo de forma e formato , enfati -
zando o desenho e se distanciando cada vez mais da aparência mais reconhecível Me !Justtl.
do que é um comic book. Mas, com a entrada no novo século, as distâncias entre
o formato padronizado original e o caminho seguido pela revista se acentuariam
enormemente . O número 16 (2005) da Acme seria o primeiro autopublicado por Supeloera
Ware - em que suas exigências com os detalhes fizeram com que ele entrasse em sedoso !f se
choque até mesmo com a Fantagraphics, a editora dos quadrinhos alternativos por ex-teJ1día a lo
excelência, conhecida por dar liberdade absoluta aos seus autores - e, a partir de lar!]O de su
então, ela será apresentada com capa dura, assemelhando-se mais a um livro inde- freJ1-te.
pendente em cada número do que a um fascículo de uma coleção de publicações Lo alisé !f lo
periódicas. O conteúdo dos últimos números da Acme é também monográfico, puse de-trás
como no caso dos números mais recentes da EightbalL. Em cada volume estão de su or~a.
incluídas páginas de algumas das novelas gráficas que nesse momento Ware está
desenvolvendo, mas o desenhista procura que o segmento incluído tenha em si
mesmo certa autonomia de leitura . Ou seja, cada Acme é agora uma miniatura de
novela gráfica que , por sua vez , gesta uma novela gráfica futura mais ampla .

relaJada
!f aUH así sus
c~as dibujabaH UH
!]est:o preoCupado,
[100] Capa f orntaHdo UH Ceff o
de diversos
números da
Acme Novelty
JQué te
Librory, preoCu paba?
Chris Ware.
reproduzidas
em uma escala
proporcional. [101] 81ankets (2 003). Craig Thompso n.
5 - A NOVI'lA I5RÁ~ICA

Civil War Loon~s o auge desse processo de substi tuição do comic book pela novela gráfica
como fonnato preferido se dá com o surgimento de quadrinhos que se apresen-
)'014 DID WHAT
E _ E 1 tam diretamente nessa forma , sem ter passado antes pela pré-publicação em suporte
fragmentári o e seriado. O título paradigmático dessa tendência, e que tal vez tenha
confirmado sua viabilidade comercial , é Blankets [Retalhos '"] (2003 ) [ \ O1], de Craig
Thompson. Com quase seiscentas páginas, Blankets era um esforço insólito num
meio em que era costume criar as obras de maior envergadura acumul ando-as pou-
co a pouco. Além disso, C raig Thompson ( 1975) tinha ape nas 28 anos qua ndo o
livro foi publicado, de modo que o sucesso de Blankw co nfirmava a existência de
uma nova geração de novelistas p;!"áfico5 que havia crescido lendo os grandes nomes
alternativos dos anos \990, e que essa nova geração chegava a um público novo, que
não havia se iniciado nas livrarias especial izadas. O bras como a recente Botwmless
Belly Burron [Umbigo sem fUndo " ] (2008 ) [ 102 ], de Dash Shaw, corroboram que a via
continua aberta . Dash Shaw ( 1983) tin ha entre 22 e 24 anos quando desenhou esse
livro de 720 páginas. Nunca, desde que Rodo lphe T õpffer começou a compor suas
histoires en estampes , haviam sido publica das históri as tão longas em forma de quadri -
nhos diretamente como livro unitári o.

Mestres da novela gráfica

A figura ce ntral dessa nova novela gráfica é C hris Ware ( 1967). Nascido
em O maha (Nebraska ), estud ou na Un iversidade de Austin , no Texas, e atual -
mente resid e em C hi cago . Ware tornou-se conh ecido com pouco mai s de vin -
I s aià
't'm SOAA~. te anos, quando Ar! Spiegelman O co nvid ou pa ra colaborar nos do is últim os
números da Raw ( 1990 - 199 \ ). Ali ele publ icou uma hi stó ria que se mostraria
paradigmáti ca de suas inquietaçoes por expe riment ar as ferramentas do meio :
''Thrilling Adventure Storics" (também con hecida como "I C uess") [ 103 ], em
que uma narrati va textual de ca ráte r autobiográfico e in timista ocupava todos
os espaços , diegéti cos ou não , destinados à palav ra - balões, requad ros, mas
também o no matopeias - em um pastiche de uma H Q de super- heróis dos anos
1940 . Em 1993 , Ware deu in íc io a seu próprio comi c book, a Acme Novelry Li-
brary , pelo emblemático selo Fantagrap hi cs, onde já estavam Los Bros, Daniel
Ciowes e Peter Bagge . Na Acme, Ware rccopi lava as pág in as que ia publi ca ndo
em diversas revistas e j ornais, com o o Daily Texan, o New C iry e o C hicago Reader,
[1021 Bottom/ess Bel/y Button (2008) , Dash Shaw. e dava- lhes no va fo rma adaptando-as aos extravagantes fo rm atos que inve ntava
--_.-. ......-.-, , , . -"'-.
- _...... .-.,--------------~------------ 5 - A rlOVQJ\ 6IlÁÇlCA

para sua revista , muito influenciada pelo design gráfico modernista. A consa-
gração de Ware chegou com a publicação em livro pela Pantheon de JimmJ
Corrigan, o menino mai, e,perto do mundo (2000) [104], previamente serializada na
Acme . JimmJ Corrigan é a história de três gerações de varões da família Corrigan ,
desde um presente situado nos anos 1980 até um passado em 1893, durante a
Exposição Colombiana de Chicago . O tema principal de JimmJ Corrigan era o
abandono e a solidão - assim como seu protagonista , Ware também foi aban -
donado por seu pai quando menino, e durante a realização da obra voltou a
contatá-lo brevemente sem tê-lo procurado - , mas a real novidade estava no
modo como Ware reinventava a linguagem dos quadrinhos para expressar sen-
timentos e matizes que até então pareciam fora do alcance de uma arte nascida
como entretenimento vulgar. Esse esforço para reinventar a linguagem dos qua-
drinhos era muito consciente por parte de Ware ,

Por exemplo, se alguém quisesse fazer um filme sobre a sua vida , provavelmente
poderia. Talvez ele não ficasse bom, mas como todo mundo cresceu assistindo
a filmes, todo mundo está versado na linguagem do cinema , e poderia
transmitir suas intenções, ainda que de um modo desajeitado. Ou se alguém
decide se sentar para escrever suas memórias, pode fazê-lo também . Basta
olhar o tamanho do dicionário: temos um enorme vocabulário e a gramática
para expressar nossos sentimentos com sutileza . Mas cada vez que se tenta
escrever sobre a vida utilizando a estrutura básica herdada dos quadrinhos,
o resultado acaba parecendo uma sitcom. A única maneira de mudar isso é
continuar fazendo quadrinhos, repetidas vezes, até que a linguagem acumule
os meios para transmitir esses detalhes e matizes ll .

Essa reinvenção da linguagem dos quadrinhos na qual Ware embarcou passa


a questionar a tradição Cinematográfica ou de narrativa invisível herdada de Milton
Caniff através do comic book e recupera aspectos dos pioneiros dos quadrinhos,
desde Winsor McCay e Ceorge Herriman até Frank King. Ou seja, a recuperação
do valor da página como elemento visual, como unidade gráfica que não apenas se
lê, mas se olha . Junto a isso, o questionamento da hierarquia do desenho e da pala-
vra - nas HQs de Ware, às vezes as funções de um e de outra se intercambiam [ 105]-,
e do valor do desenho e da materialidade do livro como objeto, expressada por meio
dos valores de produção e também dos anúncios paródicos - uma atualização do [103] "Thrilling Adventure Storie,", em Raw vol. 2, n. 3 (1991),
legado da Mad de Kurtzman - e dos recortes que oferece. Chris Ware. Versão colorida de Ou;mby the Mouse (2003).
5 - A NOV1õU\ 6lIN:ICA

seu parente mais musculoso, a novela gráfica"''s, demonstrando unicam ente quanto
caminho Ware e seus contemporâneos ainda tinham a percorrer para consolidar a
mudança na percepção dos quadrinhos como meio de comunicação .

KID [ARTH

(104) Jimmy [orrigon (2000) , Chris W.r•.

Ware é, sem dúvida, quem melhor reflete o significado da sua própria frase,
com a qual abrimos este capítulo. Suas HQs estão sendo reconhecidas como Iite·
ratura: Jimmy Conigan ganhou o prêmio First Book do jornal britânico The Guardian
em 200 1, a primeira vez que uma novela gráfica ganhava esse prêmio; foi requeri-
do para contribuir com uma história em quadrinhos para a mencionada antologia
de narrativa contemporânea The Book of Otha PeopJe Il , e ilustrou a capa da revista
Granta''' . Ainda, logo estariam tendo uma presença cada vez maior nos museus.
Participou da bienal do Whitney de 2002 e protagonizou uma exposição individual
de suas páginas de quadrinhos no museu de arte contemporânea de Chicago em
2006. Certamente, a penetração de Ware nos templos da cultura institucional não
deixou indiferentes os críticos mais conservadores. Com relação à última mostra, o
crítico de arte do Chicago Tribune, Allan Artner, escreveu que ela atrairia "os muitos
adultos que sofreram um atraso no seu desenvolvimento provocado pelos gibis e por [1051 História de uma página da Acme Novelty Library 18 (2007) , Chris Ware.
A rlOV~LA 6RÁ~ICA

Mas Ware não se lim itou a ser objeto de exposições. Também realizou um publicadas em livro ), C10wes realizou uma versão modificada de Ice Haven quando
importante trabalho de teorização, escrevendo artigos, editando antologias e su- passou da sua publicação original em comic book no número 22 da Eightbal! para
pervisionando ele próprio as exposições. Assim , foi responsável pelo número 13 sua publicação como livro oblongo de tiras.
da revista literária McSweeney's, dedicado aos quadrinhos, pelo antológico volume
The Best American Comics 2007, e dirigiu uma exposição dedicada a quadrinistas Desde os anos 1990, o canadense 5eth (nome real Cregory Callant, Clinton,
na Universidade de Phoenix. Sua facilidade para a análise objetiva e a expressão Ontário, 1962 ) publica sua HQ Palookaville, na qual apareceria a novela gráfica (ou
precisa, assim como a imensa autoridade derivada da sua categoria como autor, picture novella, como ele prefere chamá -lo) que lhe deu fama, /t's a Good Life if You
converteram-no num autêntico oráculo da nova HQ literária ou de vanguarda. Don't Weaken ( 1996), uma obra de caráter autobiográfico falso , como já dissemos,
5ua figura não é apenas de referência nos Estados Unidos, mas tem um alcance em que o próprio 5eth contava sua busca de um antigo desenhista esquecido. 5eth
internacional. Na França, Jimmy Corrigan ganhou em 2003 o prêmio de melhor sempre se caracterizou pela nostalgia de uma era perdida que ele nunca viveu, in -
livro no Festival Internacional de Quadrinhos de Angulema, o mais importante da clusive ele próprio veste trajes e chapéu à moda dos anos 1920. É essa saudade
Europa , que não era conquistado por um autor estrangeiro havia mais de quinze das épocas perdidas através de seus objetos e edifícios, e através dos personagens
anos. Em 2010 publicou um volume monográfico dedicado ao estudo da sua fi- anciãos e solitários que as viveram , que aparece na ainda inconclusa Clyde's Fans e
gura que começava com uma renúncia total a qualquer chauvinismo nacionalista em seu último livro, George Sprott" (2009), publicado originalmente em fascículos
por parte de seus autores , "Chris Ware est sans doute le plus important auteur de na The New York Times Maga<ine. George Spro" [ 106] mostra uma série de elementos
bande dessinée de ces dernieres années, et pas seulement aux État-Unis, son pays comuns com as propostas de Ware, a importância destacadíssima do desenho e da
de naissance et de résidence"16. materialidade do livro, a nostalgia dos produtos e edifícios de antes da 5egunda
Guerra Mundial e, sobretudo, a construção da história baseada na reunião de mate -
o peso de Ware na nova novela gráfica pode ser medido pela influência riais diversos: histórias de uma página com diferentes estilos, anúncios, ilustrações
que tem tido sobre seus próprios contemporâneos. Duas das principais figuras do etc. Num nível mais profundo, 5eth também compartilha com Ware um ritmo pau-
movimento , Daniel C10wes e 5eth , mostraram a marca do autor da Acme. sado, um interesse pelos detalhes e pelos momentos insignificantes da vida, e uma
obsessão pela solidão como tema, mas é justo dizer que esses traços já apareciam em
Daniel Clowes (Chicago, 1961) foi modificando a aparência da Eightball e sua obra antes do impacto de Jimmy Corrigan.
dando mais importância ao desenho, seguindo os passos de Ware. As três primei-
ras novelas gráficas que serializou em seu próprio comic book seguiam as conven- Além disso, 5eth desenvolveu durante os últimos anos sua faceta de excelente
ções da narrativa invisível e coerente , Como uma luva de veludo moldada em ferro , desenhista de livros e também escreveu prólogos e comentários de obras. Embora
Mundo fantasma e David Boring. 5ó Mundo fantasma estava estruturado em episó- Ware tenha escrito sobre os clássicos, tam bém sempre dedicou uma grande atenção
dios fechados, mas de caráter homogêneo, e parece que o recurso imitava o mode- aos últimos criadores. 5eth se interessou mais por mestres do passado, como Lynd
lo das histórias de Buddy Bradley que Peter Bagge publicava na Ódio. Mas depois Ward e Frans Masereel, os novelistas gravuristas dos anos 1920 e 1930, ou como o
da publicação de Jlmmy Corrigan , as duas últimas obras de Clowes ' 7 publicadas na britâf1ico Raymond Briggs, autor de contos infantis e de gibis para adultos desde os
Eightbal! são compostas pela junção de histórias breves heterogêneas, que nor- anos 1970, hoje considerado mais um dos pioneiros da novela gráfica. 5eth também
malmente citam de forma expressa gêneros e estilos do passado dos quadrinhos e seguiu Ware em seus esforços para enroupar as reedições de clássicos dos quadrinhos
colocam os mecanismos fictícios em primeiro plano e diante dos olhos do leitor, com desenhos adaptados ao gosto atual das HQs de vanguarda. 5e Ware foi responsá-
à maneira de Ware . Na verdade , assim como Ware transforma suas páginas em vel pelo aspecto gráfico das coleções de KrazY Kat [107] de George Herriman ou Walt
suas diversas fases de publicação (primeiro , quando aparecem na revista ou jornal & Skeezix (Gosoline Alley) de Frank King, 5eth assinou as de Minduim [ 108] de Charles
orig inal , depois quando são adaptadas à Acme Novelry Library , e por fim quando são Schulz, Nancy e Melvin Monster de John Stanley e uma recopilação monumental do
5 - A I'IOVIõLA 6RÁ~ICA

humorista canadense Doug Wright. Ou seja, poderíamos dizer que 5eth não s6 en -
controu vias criativas para sua própria obra através dos achados formais de Warc , mas
se ressituou como um nome no panorama da novela gráfica contemporânea: não só
um autor importante, mas também um referencial que determina tendências estéticas
e de desenho, e que assinala e glorifica as obras do passado que ficam canonizadas
como exemplos válidos para os criadores cultos atuais.

[107] Krozy ond Ignotz 1939-1940 (2007),


de George Herriman. Desenho de Chris Ware.
[108] The Complete Peonuts 1950-1952" (2004),
de Charles 5chulz_ Desenho de 5eth.

Ao lado de Ware, Clowes e 5eth, os principais mestres da novela gráfica


surgidos dos quadrinhos alternativos são os innãos Hemandez, C hester Brown,
Charles Burns e Cary Panter. Os primeiros se situam, como vimos, na origem de
toda a escola alternativa. O próprio Clowes se declararia em débito com eles, como
fonte de inspiração: IIForam os autênticos pioneiros da minha geração"20, Sua con -
tínua atividade durante os últimos 25 anos o converteu em modelo para várias ge-
rações, apesar de sua produção nunca ter se amoldado com facilidade ao fonnato
de novela gráfica . As histórias de Cilbert e Jaime, sempre publicadas originalmente
nas diversas representações de Love and Rockets ou em outras HQs derivadas que
foram lançadas ao longo dos anos, acabam sendo recopiladas em fonna de livro de
maneiras muito diversas, mas em raríssi mas ocasiões resultam em títulos com certa
autonomia. 5ó Cilbert, o mais aventureiro da família , produziu várias novelas grá -
ficas completamente independentes nos últimos anos, mas todos eles afastados do
universo fictício de Palomar e seus personagens, ou muito tangencialmente relacio-
nados com ele, e com frequência fora do seu selo-mãe, a Fantagraphics. Entretanto,
os personagens, a estética e o estilo narrativo dos Hernandez têm sido um modelo
constante para muitos dos jovens autores de raiz literária , desde A&ian Tomine até
R. Kikuo Johnson.
Chester Brown ( 1960) compõe, junto com Joe Matt e 5eth , com quem
1106] George Sprott (2009), 5eth_ mantém uma estreita amizade que Com frequência se refletiu nas histórias mais
- - - ;A flOVW[I\ 6~)\FICA 5 - A NOV~LA 6~ÁFICA

autobiográficas de todos eles, o trio de quadrinistas canadenses mais importantes


dos anos 1990. Brown foi um dos primeiros quadrinistas alternativos a desenvol -
ver relatos de envergadura através do comic book Yummy Fur. Ed The Happy Clown, '111" OU-'HO LI ~

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: INCHOd. lO: in ,•
uma perturbadora odisseia surrealista de mais de duzentas páginas, surgiu recopi-
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6AUCMl ! r' -.:í
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lada como livro já em 1989. Depois chegaram duas obras-primas que teriam gran-
,
I .

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de influência sobre os quadrinhos autobiográficos posteriores , Playboy" ( 1992)
e I Ne<JeT Liked Vou ( 1994), ambas centradas nos sentimentos da adolescência . A --
- <,...-' '-
brutal sinceridade das histórias de Brown tem sido o padrão para as dezenas de
desenhistas que posteriormente se dedicaram a contar suas experiências juvenis .
-- --- .-~ --
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Depois do fracasso de Underwater, a história não concluída pelo autor de um meni- •

-
no desde o seu nascimento, contada a partir do seu próprio ponto de vista, Brown \\ '" -- •

-

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deu uma virada surpreendente na sua trajetória com Louis Riel (2003 ) [109], uma
"comic-strip biography" que conta com um tom distanciado e aparente objetivi -
dade a vida de um revolucionário canadense do século XIX. >
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Charles Bums ( 1955 ) e Cary Panter ( 1950) parecem opostos à primeira vis-
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ta, mas ambos têm muitas coisas em comum. Os dois ficaram conhecidos na Raw
de Art Spiegelman e colaboraram no Facetasm ( 1998), um livro peculiar no qual --- -,

rostos desenhados pelos dois artistas estão cortados em três partes, de maneira
que se pode combinar partes de Bums com partes de Panter, criando milhares de •
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alterações possíveis. Foi Matt Croening, o criador de Os Simpsons e autor da HQ -- -
de humor Li!e in Hell, que foi colega de colégio de Bums, quem apresentou os dois
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artistas. Burns se tornou conheCido com suas histórias curtas que reutilizavam pas-
tiches dos quadrinhos mais convencionais dos anos 1950 e 1960, pervertendo as

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rígidas regras dos gêneros padronizados por sua obsessão pelo monstruoso, pelo
bizarro e pelo doentio. Embora tenha inventado um personagem recorrente, El
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Borbah , um absurdo cruzamento entre lutador mexicano e detetive, Bums insis-
tiu mais nos traumas da adolescência , personificados no freudiano Dog Boy, um
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garoto de esmerada aparência dominado por instintos caninos. Seu estilo replica -. --
em minúcias as técnicas dos desenhistas comerciais de meados do século XX, com
uma arte-final de traço redondo e perfeito, extremamente minuciosa . O auge de
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todas as obsessões de Bums chegaria em Black Hole [110], publicado em comic . -. - •
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book durante dez anos e finalmente como livro em 2005 . Black Hole volta ao
tema da desorientação da adolescência por meio da alegoria da enfermidade, na
atmosfera enigmática de um povoado americano durante uns anos 1970 extraídos
da memória mítica . [109J Louis Riel (2003 ), Chester Brown .
A "OV.LA 6RÁ~lCA 5 - A " OV.LA 6RÁCICA

A estética de Panter é completamente diferente da de Bums. Diante do


esmero de BUfns , Panter renuncia a toda formalidade, em uma orgia de rabiscos
que convertem seus requadros em uma espécie de comic brut. Nas páginas da Raw ,
Panter aprese ntou um personagem recorrente, limbo , que lhe serve de model o e
desculpa para veicular qualquer tipo de história. Seu último título, o monumental
limbo in Purgatory (2004 ) [ I 11 l. levava-o a parafrasear a obra de Dante, da qual ele
já havia se aproximado em limbo ', Inferno ( 1999, reeditado em um formato simi -
lar ao de I'urga tory em 2006). A o rig inalidade e a liberdade de Panter exerceram
grande influência sobre as novas gerações de quadrinistas - muitos dos quais ele
formou diretamente como professor da nova- io rquina School of Visual Arts, onde
também ministraram aulas, entre outros, David Mazzucchelli e Art Spiegelman - ,
o que permite consi derá -lo O pai de uma tendência g ráfica antiformalista de qua ·
drinhos de vanguarda c , de certa maneira, a grande figura paterna que compensa
a atração exercida pela minúcia de C hris Ware . O próprio Ware reco nheceu o
papel pioneiro de Panter na mudança para a tendência à experimentação formal a
4

- -

serviço de uma nova sensibilidade mai s artísti ca:

o desenhista Cary Panter merece mais crédito do que ninguém por


essa mudança, pois nos anos 1970 e 1980 de inve ntou um a nova (orma
de narração visual que articulava e destacava as mudanças emocionais da
experiência , transformando em tinta sobre papel a essênc ia das sensações
sinestésicas da memória em uma alquimia inseparável da poesia , da ca li grafia
e da visão , que deixa o leitor aturdido 22 .

O que Bums e Panter compartilham é o tratamento das imagens da cultura


de massas - sejam as HQs ro mânticas dos anos 1950 para O primeiro, seja a série
de humor infantil Nancy, pela qual sente veneração, para O segundo - como um
artefato pop que se readapta para a expressão pessoa l. Panter relaciona o processo
com a estratégia típi ca situacionista, embora "s6 mais tard e eu te nha me dado con -
ta de que o détoumement é um pouco o que faço em meus quadrinhos: pegar um a
fonte e mudar sua aplicação"". Com Ilurns e Panter abriam -se as portas da história
dos quadrinhos para Que os novos quadrinistas a saqueassem à vo ntade, reutilizan -
do convenções, tipos e estilos em projetos de alcance pessoa l. Já não se tratava
de representar a realidade, mas de processar imagens processadas e reconhecer a
realidade criada pelo universo simbólico de objetos e imagens manufaturados em
[1101 81ack Hole (2005). Ch orles Burns. que vivemos.


A aproximação da do indivíduo para o 50cial

..._............ A autobiografia , com frequência em sua vertente mais exibicionista e ba·


_---.. _--
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. , , _ . , ...
~'IP _ _ ,"-,t.
nal , foi o veículo que mobilizou o afastamento dos quadrinhos alternativos em
sua viagem rumo à novela gráfica. Por isso a figura do grande marginal dos
quadrinhos americanos recentes , Harvey Pekar, o autor que não era nem uno
derground nem comercial, agigantou·se nos últimos tempos (isso também foi
ajudado pelo sucesso do filme American Splendor [Anti·herói americano], 2003 ).
Certamente as raízes dessa tendência partem de Robert Crumb , Justin Creen e
Aline Kominsky, mas, como observou R. Fiare , "a carreira de Pekar ensinou duas
lições vitais aos quadrinistas que o seguiram , ( I ) Não deixe que ninguém lhe
diga que a sua experiência não é um tema válido para a sua arte; e (2) Não aceite

_
...,.....-
_1o..... ...
....
um não como resposta"". Na verdade , Pekar não só deu forma a um tipo de
quadrinhos com frequência solipsista , depressivo e antiemotivo , mas também a
um perfil de quadrinista instalado na consciência do seu papel minoritário e, no
entanto , implacável. A ética do perdedor, a renúncia expressa ao sucesso , sin·
tonizava com a neurótica geração X que escutava Kurt C obain durante os anos
1990, por mais chocante que isso tenha sido para Pekar, um notável conhecedor
e resenhista do jazz de vanguarda . Pekar era mais um intelectual proletário fi-
lho da geração beat do que um eterno adolescente consumista de classe média ,
como a maioria de seus segUidores .

-_
...,.................
.......... _-
--". o exibicionismo explícito de Pekar, sobretudo em sua primeira fase ,
........... -.-' , ... "" ...
~ ............. T . . . . . . . . . , .... foi seguido por quadrinistas já mencionados, como Joe Mat!, Julie Doucet ou
Debbie Drechsler, e também por outros que puseram sobre a página dolorosos
ou escabrosos episódios de seu passado. Phoebe Cloeckner contava nos sór-
didos A Chile! Life ( 1998 ) e Diary of a Teenage Girl (2002 ) - combinando texto ,
ilustração e história em quadrinhos - suas próprias memórias sexuais através de
um personagem. C loeckner sempre negou que sua obra fosse autobiográfica ,
embora essas afirmações tenham sido postas em dúvida pela crítica . Há toda

uma corrente de confissões sexuais abjetas que foi praticada por novelistas grá -
ficas femininas desde os anos 1990, talvez como parte de uma virulenta reivin -
dicação de gênero.

A obra de Pekar, que, como dissemos, não desenha suas próprias histó-
rias , mas deixa-as nas mãos de diversos colaboradores gráfiCOS de categoria muito
[111] Jimbo in Purgatory (2004), G.ry P.nter.
.Imper felçoes
. - - fez com que Brown t',vesse muitas dificuldades para encontrar editor.
desigual , também colocava uma questão estimulante para a última leva de auto-
Entretanto, uma vez publicada a obra, esta se converteu em um rápido sucesso de
res , a questão do ofício. Embora Ware, C1owes, 5eth, Burns, Los Bros e Tomine,
vendas internacional, graças à espontaneidade e à imediatez na transmissão das ex-
entre outros, sejam desenhistas de qualidade comprovada que, além disso, foram
periências do autor. A improvisação do roteiro e do desenho mostrava uma sintonia
aperfeiçoando seu domínio do desenho com o passar dos anos e investindo cada
, .. .
com a propna Improvlsaça
-o com ql,e Brown havia representado essas mesmas cenas
vez mais esforços no desenho geral de suas obras, os desenhistas de Pekar, que às
na vida real. John Porcellino ou David H eatley são outros expoentes dessa tendên -
vezes não estavam à altura de seus melhores colaboradores, e o desenho grosseiro
de seus gibis estabel eciam que, na autobiografia , a honestidade era a principal
cia de ~inimalismo confessional que se relaciona com a preocupação mais ampla

pela memória de um nutrido gmpo de quadrinistas americanos contemporaneos.
virttlde e que não era necessária uma elaboração muito formal para chegar com
toda a sua potência à página . Isso, juntamente a explosão dos minicomics - gibis
xerocados - durante os anos 1980 e 1990, e o acesso à educação artística de nível
universitário por um n((mero cada vez maior de novos quadrinistas, que apren -
diam assim os princípios da arte contemporânea anti acadêmica, facilitou o desen -
volvimento de to da uma corrente de minimalismo confessional. São histórias que
tratam a própria vida aparentemente sem distanciamento no conteúdo, evitando
ao máximo a censura de acontecimentos e de sentimentos, e com uma grande
imediatez no aspecto gráfico . James Kochalka, um dos mais firmes opositores
ao "ofício", desenvolve um diário [ 112] a partir de 1998 que o obriga a desenhar
cada dia uma pequena história contando um acontecimento cotidiano . Apesar da
simplicidade de sua proposta gráfica, Koc halka escolhe se representar como um
elfo, em um giro retórico surpreendente que recorda a escolha de 5piegelman por 2 .. ft .ct...-..•.."""
animais antropomórficos para os personagens de Maus . Se em Maus os ratos nos
pennitem imaginar de verdade o Holocausto, em American EI!, o elfo nos permite
ver o rotineiro como se fosse novo. Na recopilação dos cinco primeiros anos de
American EI!, Kochalka escreve,

Sou um ser humano. Todos somos, e todos fazemos cem pequena s


coisas diferentes todos os dias. E cada dia escolho uma dessas pequena s
ex periências e desenho uma história sobre ela . Já faz mais de cinco anos
que faço esse diário. Os dias passa m, as páginas se enchem , e a fileira de
cadern os negros cresce na minha estante. Cada história jndjvi~ual pode
ser quase insignificante, ma s todas juntas ganham força . Juntas, estão se
convertendo em um retrato completo da minha vida .

Jeffrey Brown estreou com Clumsy (2002) [1131 que contava a segunda rela-
ção sentimental importante do autor por meio de breves cenas desordenadas crono·
[112J American flf (2004), James Kochalka .
logicamente. A aparente falta de profissionalismo do desenho - repleto de erros e
5 - A NOV.LA 6RÁ~lCA

'44 •• A
Assim , seguindo a esteira de C hester Hrown, com seus regressos à adoles-
cência, ou do própri o Art Spiegelman , com o que Maus tem de resgate da h istória
familiar, podem ser encontrados títulos de David Small , Alison Bechdel , Lynda
Barry, Caro I Tyler, R. Kikuo Johnson, Gene Lue n Yang, Nate Powell ou Mari ·
ko e Jillian Tamaki , entre outros . Em St;tches (2009), Sma ll recupera sua infância
traum ática , submersa no silêncio depois que uma cirurgia para a retirada de um
tum or mali gno afetou suas cordas voca is . A tensão psico lógica em que sua família
.~

vivia, presidida por sua mãe irascível , lésbica e m segredo, recorda a que Bechdel
descreve na densa Fun Home" (2006) [ 1141, que foi recebida pela crítica literária
como uma das novelas do ano, gráficas ou não . Em Fun H omc co nta -se a descober-
ta da hom ossexualidade da autora , ao mesmo tempo que a de seu pai , cuja m orte,
atribuída a um acidente , Bechdel suspeita ter sido um suicídio . Caro I Ty ler segue
esse caminho de busca do pai em You'll Never Know (2009). Lynda Barry, em One
Hundred Demons (2002 ), reelabora as recordações (os "dem ô ni os") da infânc ia e da
adol escência em capítulos temáticos ("Magia", "Baile", "Lanternas mágicas", "5an
Francisco", "Odores"), e laborados com um colorido nal{, perpe tuamente perplexa
diante das emoções sempre novas da vida.

A exploração da adolescênc ia também levou ao surgim ento de te mas de


identidade e raça , que haviam sempre permanecido em segundo plano nos qua -
drinhos alternativos, apesar de seus pais fundadores , os irm ãos Hernand ez , te -
rem inundado Love and Rockccs de personagens latinos e de uma mescla lingu ística
peculiar de ing lês e espa nho l. Vale a pena me nc io nar um curioso antecedente
distante de natureza mista , Manga Yon;n Shose; é uma HQ de 1 12 páginas escrita
e desenhada por Henry Kiyama, um imigrante japonês de Sa n Francisco que
conta suas vivências e as de outros expa triad os durante sua estada nos Estados
Unidos entre 1904 e 1924"'. Ela apresenta os traços típicos reconhecíveis dos
quadrinhos , narrativa dividida e m vá rios requadros po r página e balões de diálo-
go . Estes apresentam um peculi ar bilinguismo, pois os personagens americanos
falam em inglês (um inglês incorreto , é claro , pois não nos esqueçamos de que
esses diál ogos são escritos por um imigrante japonês que es tá aprendendo a
língua ), e nquanto os personage ns japoneses fa lam em japo nês . Composto de
52 episódios, cada um com um tratamento humorísti co ao estilo d as tira s de
jornai s norte-am eri ca nos da época , o livro não dei xa de ser ao mes mo tempo um
testemunh o autobiográfico e um retrato da vida de Sa n Francisco no primeiro
[II3J C/umsy (2002), Jeffrey Brown.
quarto do século XX .


Z71
5 - A I'IOVIaA 6I!~lCA

rRn,rR LJ!PO te. cO'JDU1o ~ l"OOC6 DfAS ~SNtS. ftC ARI,' ~ VA1.OR y o descendente re mo to de Manga Yonin Shosei é American Bom Chinese [O
COf1f"Rt UNo.
chinês americano"] (2006), de Ge ne Lue n Yang , que quest iona a dupla identidade ,
herd ada e adqu irida, do pro tago nista, e ntrelaçando as insegura nças ado lescentes
e de ide ntidade com a mi to logia asiá tica do Re i Mo no". Pouco antes havia sido
publicado Same Difference (2003), uma coleção de re latos in ti mistas do coreano-
-ameri cano De rek Kirk Kim , que faz a lusão à mesma prob lemática . Luen Ya ng e

Ki rk Kim colaboraram posteriorme nte em The Etemal Smi/e (2009). Talvez anima-
do por esse espírito de autoco nheci me nto, um q uadrinista que h avia desenvolvido
sua carre ira pratica mente sem examinar as pró pri as raízes como Adrian Tomine,
de ascendê nc ia ja po nesa, também aborda essa questão em sua última novela grá -
fica , Shortcomings (2007), protago nizada po r um jovem nipo-americano obceca-
.... DIA S~ lo\E ocURRlO ~ fQt'nrA
BIJI'CAR I> PI EL CA"'~I ar", do pe las mulheres bra ncas e po r seu pró prio sentime nto de alie nação. R. Kikuo
DEFICtiAS.
Johnson, por sua vez, é havaiano , e redesenha, e m Night Fisher (2005 ), o idílico
Havaí dos posta is como um agreste para os descalabros pós-ado lescentes de seu
.L sósia, um estudante brilhante detido nesse caminho prév io para se introduz ir na
_O(
vida real que tão bem re presentou H o lde n Caulfield e m O apanhador no campo de
centeio. As canade nses de o ri gem japo nesa Jillian e Mariko Tamaki també m re-
lembraram os traumas sentime ntais do colégio em Skim (2008 ), ass im como Na te
Powell em Swallow Me Whole (2008 ), em que já começa a se di stin gu ir quase como
um subgê nero com ide ntidade pró pri a.

Entre tanto, mui tos quadrinista s, entre eles algu ns dos mais importantes da
prim eira geração alternativa , manti veram- se distanciados da autobiogra fi a pes-

(9J CAR>I~, soal ou familiar direta, construindo seus relatos com el ementos pessoais, porém
SE~r.rrA?
fi ccio nalizados. t o caso dos já me ncio nados Gi lbert e Jaime H ernandez, Daniel
C1owes, C hris Ware , C harl es Hurns, 5eth ou Adrian Tomine. Jessica Abel foi outra
que lançou mão das suas próprias experiências para tecer uma ficção que tem um
pé no auto biográfi co e o utro nas questões do gê nero e m La perdida (2005 ), em
que uma norte -am eri cana de pai mexica no viaj a para o M éxico para descobrir a si
mesma e acaba envolvida em uma tram a crim inosa . M as outros au tores ta mbém
praticaram uma ficção me nos apegada à realidade . t o caso de Kim Deitc h , um
clássico resgatado do underground para a novela gráfica com suas histórias mito -
lógicas sobre as ori gens da animação , como The Bou/evard of Broken Dreams (200 2 ).
Um tratame nto igualmente mitológico fo i aplicado pelo neozelandês Dylan H o r-
[114] run Home (2006 ), Alison Bechdel. rocks à histó ria dos quadrinhos em Hicksville ( 1998 ), que imag inava a existê nc ia
de um povoado secreto onde se escondiam todas as grand es obras que a indústri a
A I'tOY~LA 6RÁ~ICA 5 - A I'tOY"LA 6RÁ~ICA

não havia deixado os quadrinistas profissionais realizarem . A mitologia americana ainda incipiente, ma s muito interessante, que é o do quadri nho jornalístico . Há
em seu sentido mai s amplo é o tema a que se dedica 11m Lane , que, em Abandoned poucos quadrinistas com a preparação jornalística suficiente para abordá-lo com
Cor, (2008 ), revisita os tópicos da boemia literária - a vadiagem , os clandestinos rigor, e geralmente a imprensa tem tratado o quadrinho jorn alístiCO como pouco
viajando em trens de mercadorias, os bares de perdedores - à sombra de H e- mai s que uma mera curi osidade, talvez pela imediatez que as notícias requerem e
mingway e Kerouac. Richard Sala representa talvez o caso mais extremo dessa o lo ngo tempo que a produção de uma HQ consome. Como consequê ncia disso,
tendênc ia para a reutilização de tópicos da cu ltura popular, com suas histórias o jornalisl!l0 em quadrinhos reduz iu-se a incursões esporádicas de autores co mo
altamente estilizadas de terror, crime e mistéri o, que mesclam os estereó tipos do Kim Deitch , Jessica Abel , Ted Rall ou Peter Bagge, ou a livros-denúncia isolados
folhetim , reabilitados iro nicamente , com o distanc iam ento gráfico neogótico de como Addicted to War ( 199 1, atualizado em 2002 ), de Joel Andreas, sobre a es -
um Edward Corey. trutura militar-industrial dos Estados Unidos, o u ainda a livros- reportage m como
9/ 11 Report: A Graphic Adaptation (2006), de SidJacobson e Ernie Colon , que leva
o distanciamento da experiência pri vada não condu ziu apenas à ficção , mas aos quadrinhos as conclusões da comissão de investigação sobre os ataques terro -
també m à história . Mais uma vez, o Maus de Art Spiegelman é aqui uma referência ristas de 11 de setembro . Na Espanha, Pepe Cá lvez, Antoni C Uiral , Joan Mundet
inevitável , embora te nha sido Jaxon o quadrinista underground que demonstrou e Francis Conzález realizaram um trabalho de ambições si milares com " -M. La
mais interesse pelos temas histó ricos, te ndo desenhado , desde os anos 1970, com notlela grafica (2009 ), que utiliza como princ ipal tronco narrativo a sentença judi -
exaustiva documentação e com a liberdade formal que o com ix underground lhe cial sobre os atentados terroristas co ntra tre ns em Madri em março de 2004 . Na
outorgava, a história do seu Estado em obras como Comanche Moon, EI Alamo, !.ns Te· fronte ira entre a reportagem e a ficção , encontramos Shooting War (2007), de An-
janos entre outros títulos. Certamente, a indústria franco-belga tem uma longa tradi- thony Lappé e Dan Coldman, que cria uma fantasia política baseada na realidade
ção IIhistórica" pelo menos desde o pós-guerra, mas se trata de um tipo de quadrinho midiática da guerra do Iraque .
que, embora documentado , é concebido como variante do gênero de aventuras. Os
quadrinhos históricos prim ordialmente mais interessados nos acontecimentos que Mas o jornalismo e m quadrinhos gerou um dos grandes nomes da novela
nas "aventuras históricas" selVem simplesmente de pan o de fundo , mas não tiveram gráfica contemporânea, surgido das filei ras dos quadrinistas alternativos dos anos
tanta incidência até há muito pouco tempo , quando um número cada vez maio r de 1990. Joe Sacco ( 1960), desenhista norte-americano nascido em Malta e formado
artistas passou a lhes dirigir o olhar, às vezes, como já dissemos no caso do !.nuis Ricl em jornalismo, desenhou reportagens sobre o mundo do rock , mas se tornou fa -
de Chester Brown, com uma pretensa objetividade; em outras, ficcionalizando os moso por suas histórias sobre zonas do mundo em conflito, especialmente Palestine
fatos em paisagem histórica abstrata, como no caso de Storeyville ( 1995), de Frank [Palestina"] ( 1993) [ 11 5] e Safe Area Gorazde [Gorazde - Área de segurança - A guerra
Santoro, ambientada nos anos da Crande Depressão e protagonizada por um vaga- na Bósnia Oriental 1992-19953°] (2000). Rocco Versaci observou que o periodismo
.
bundo que procura um amigo. Mais detalhada e trabalhada em sua reconstrução é nos quadrinhos tem uma sinceridade superior à dos meios conve ncio nais, já que a
Bcr/in (2008), de Jason Lutes, que tenta recuperar o ambiente da capital alemã nos marginalidade do meio lhe permite transmitir verdades silenciadas ou manipuladas
anos anteriores à ascensão dos nazistas. James Sturm fo i outro daqueles que pes- por interesses econômicos na imprensa geral. N a ve rdade, Sacco realizou suas gran -
quisaram na história, e em Abooe and Below (2004) reúne dois relatos "da fronteira des -reportagens para si mesmo, não para instituições jornalísticas, aplicando com
americana". Sem dúvida a história também pode fazer referência a acontecimentos absoluta liberdade os princípios subjetivistas do "Novo Jo rnalismo" aos quadrinhos,
mais recentes, como é o caso de !.nika (2007), de Nick Abadzis, dedicado à vida da em especial na colocação em primeiro plano da perspectiva individual como cons -
cadela que foi a primeira viajante espacial saída do planeta Terra. ciência organizadora"] I. Na verdade , Sacco, que se introduz como um personagem
a mais em suas histórias , aparentando-as assim com os quadrinhos autobiográficos,
A novela gráfica hi stórica estabeleceu um tipo de relação entre os quadri- explora todos os recursos próprios que os quadrinhos colocam à sua disposição e
nhos e a realidade que não havia sido vista antes, e que se aproxima de um fenômeno que ficariam fora do alcance de uma simples repo rta gem em prosa :
5 - A I'IOV'LA 6~ÁÇICA
A I'IOV'LA 6~AçICA

Sacco destaca seu papel como jornalista não só mediante sua presença, mas Essa mesma subjetividade é a base sobre a qual se constrói L:Alfaire des
também mediante seu estilo artístico. Ou seja , Sacco desenha a si mesmo de alfaires (2009), do célebre jornalista investiga tivo Denis Robert, acompanhado dos
uma fom13 muito mais caricaturesca e de uma maneira muito mais exagerada quadrin istas Yan Lind ingre e Laurent Astier. Robert pratica o que Mariano Guin-
do que aqueles que o cerca m , e essa estratégia faz com que ele se destaque dai chama , no prólogo da obra, de "jornalismo negro", investi gando as profundas
como alguém que não consegue se "encaixar" nessa paisagem ou com seus redes de corrupção que envolvem os governos e os grandes negócios europeus. A
habitantes nativos 32 . narrativa está inequivocamente posicionada na vida privada e familiar de Robert,
em seu di'a a dia e , a partir dele, nas reportagens que, primeiro em Libération e
depois como agente livre , levam -no a entrevistar juízes, banqueiros, políticoS e
testas de ferro da nova paisagem de capitalismo sem fronteiras do século XX1.
L'Aflaire des affaires apresenta uma H Qjornalística de cu nh o novo, moderada pela
sensibilidade da novela gráfica , que con trasta com a clássica sá tira política , ao es·
tilo de La face karchée de Sarkozy (2006, Philippe Cohen, Richard M alka e Riss), em
que o trabalho de documentação serve fi nalmente a uma intenção humorística.

Por outro lado, L'Alfaire des afta ires também mostra um envo lvimento mais
direto com a realidade do que outras obras nas quais tal realidade se via obrigada
a se ficcionalizar em um relato de gênero quase convencional , como no caso de
RG (doiS vo lumes , 2007-2008 ), baseado nas experiências do age nte secreto Pierre
Dragon (nome hipo tético ) e desenhado por Frederik Peeters.

Abarcando todo o espectro desde o intimam ente banal até a reportagem


jornalística , passando pela memória , a ficção e a hi stória , todas essas novelas gráfi -
cas têm uma base narrati va fundamental. Algumas hi stória s, é claru , co mo aquelas
do paradigmático C hris Ware, se man tê m no ponto de equilíbri o exato entre o
literário e o artístico, entre a narrati va e a experim entação formal e visual. E em
parte é dessa inspiração - e da liberação de n1ptura de Gary Panter - que surgiu
uma corrente que se distingue muito viSi velmente das demais, a corrente daqueles
quadrinistas que es tão desenvolvendo o que poderíamos chamar de uma va nguar-
da gráfica . Nascidos em parte do formalismo modernista de Ware c em parte do
sun:ealismo de obras seminais dos quadrinhos alternativos - Como uma lutll! de
veludo moldada em ferro de Daniel C lowes, Ed The Happy Clown de C hester Brown
e, sobretudo, as hi stó rias de Frank, de )im Wood ring - , esses quadrinistas questio-
nam como nunca se a narrati va é um princípi o hllldamental dos Quadrinhos, ao
mesmo tempo que situam estes na esfera da arte contemporâ nea .

[115J Palestina (1993), Joe Sacco.


A 1I0V"-JI 6~~ICA

cosmopolita é identificado como um dos traços característi cos de The Cage por
Domingos Isabelin ho: IINão pertence a nenhuma tradi ção nacio nal dos quadri -
nhos""- E não é só isso , com suas c itações de Robbe-Grillet, Michel Butor e
Godard, fica ev idente que a aproximação de Vaughn -James dos quadrinhos tem
pouco a ver com alguma tradição estilísti ca das H Qs . Sua visão é radicalmente
nova e origi nal. Tanto que, se m dúvida, se perdeu no vazio até que a novela
gráfica lh e permitiu refletir sob re suas propostas a partir de novas propostas . Há
al go e m comum e ntre suas paisagens desoladas e mortas e a obsessão pelo passar
do tempo de C hris Ware .

Esse mesmo problema se man ifesta de forma mais evidente em "Here",


uma históri a de apenas seis páginas que é, no entanto , um dos pilares fundamen-
tais da novela gráfica co ntempo rânea . Publicada originalm ente no segundo vo-
lume da Raw n. I ( 1989 ), é obra de Richard McGuire , cuj o trabalho se estende
desde a animação até a ilustração, passando pelos brinquedos c pela müsica . Em
IIHere", composta de req uadros idênti cos - dentro dos quais se inserem às vezes

• outros requadros - , mantém-se um plano fixo sobre um mesmo e reduzido espa-


ço, do ano 500.957.406 .073 a.C até 20 33 d.C A sequência não é cro nol6gica ,
[116J The Cage (1975), Martin Vaughn-James. e às vezes os planos temporais se superpõem . No mesmo requadro podemos ver
um estegossauro que grunhe 100 milhoes de anos antes da nossa era, um pai de
família que ri quando tocado com uma pena de índio em 1986 e um rato preso
o formali smo sempre atraiu exploradores vindos de outras esferas das em uma armadilha em 1999 [ 117]. Nesse mesmo es paço existe uma casa que
artes plásticas, seduzidos pelo potencial dos quadrinhos . É o caso de Martin está habitada , que ainda não foi co nstruída, que já foi demolida . C hris Ware
Vaughn-James ( 1943 -2009 ), autor de uma série de livros singulares durante a afirmou que os achados de McGuire para os quadrinhos são equivalentes aos
década de 1970, entre os quais o mai s co nhecido é The Cage ( 1975 ) [ 11 6], um de Cézanne para a pintura, Stravinsky para a música e Joyce para a literatura ,
relato "criado a partir do nada"B, como indicaria o próprio artista . The Cage ca· e acrescenta : "não creio que haja outra história que tenha causado mai or efeito
rece de argumento , de ação c de personagens. Em suas páginas , sucedem-se pai- sobre mim ou sobre meus quadrinhos do que 'H ere"'35. Talvez isso se dê porque
sagens externas c internas nas quais se percebe um fascínio pela ruína contem- a grande inovação de McGuire esteja em romp er com o que o próprio Ware
porânea não muito distante daquela mostrada em "H o tel Palenque" de Robert chamou de "0 presente co ntínuo transparente" em que sempre se dese nvolve a
Smithson . Cada imagem dupla - pois cada página dupla é co ncebida como uma ação nos quadrinhos .
s6, embora peculiarmente desdobrada pela moldura do requadro - é acompa-
nhada de um texto, que finalmente deriva em canto litúrgi co ou obsessivo ("The
cage tlu, cage tlu, cage') antes de se dissipar completamente. Vaughn-James nasceu
em Bristol e viveu em Sidney, Londres, Montreal , Paris, Toronto e Bruxelas.
Seus livros foram originalmente publicados no C anadá e na França (onde foram
reeditados recente mente , e onde ele tem sido mais estudado ). Esse espírito
A I'IOVOlA 6RÁ~ICA

Uma terceira figura singular se eleva nesse território impreciso entre o gráfi co
e o plástico. "Jeny Moriarty construiu para si um lugar na fro nteira entre a pintura c
os quadrinhos"36, escreveu j ustamente Ri chard McGuire . Moriarty fo i um dos arti s-
tas atraídos pelo va nguardismo raivosamente modern o da Raw nos anos 1980, e ali
publicou sua série }ack Survives, em que mostra cenas coti dianas de um surrealismo
prosaico. Moriarty conti nuou investigando a re lação entre a pintura e a narra ti va
sequencial em seus quadros, conquistando O nome de paintoonist (uma mistura de
paincer e carroonist, ou seja, pintor e cartunista). Seu starus de mestre foi reconhecido
também por Ware, e a in sistência nas inAuências reconheci da s por este autor não é
pouco importante, já que por meio dele os traba lhos de artistas como McGuire ou
Moriarty chegaram aos novelista s gráficos mais jovens. Quando dizemos "por meio
dele" não nos referim os un icamente à m arca que esses desenhistas deixa ram em
suas próprias páginas, mas também ao trabalho de Wa re como recuperador deles.
The Complete }ack Suroi"'-l (2009) só poderia ter sido publicado no contexto atual de
interesse por antecedentes dos quadrinhos experimentais, e co nta co m o pró logo
obrigatório assinado por Ware, que fun c io na como um selo de garantia .

The Complete }ack Suroives foi editado pe la Bue nave ntura Press, o que não cau·
sa estranheza, pois a innuê nc ia desses fom,alistas é pe rcebida na revista editada pelo
mesmo selo , Kramer's Ergot, fundada em 2000 e dirigida por Sammy Harkham e AI-
vin Buenave ntura . Kramer's Ergot renetiu em sua própria fonna a tran sfonnação dos
quadrinhos de vanguarda durante a primeira década do século XXI , de uma tímida
marginalidade para uma eclosão deslumbrante . Em seu núme ro 7 (2008 ), a revista
que corneçou como minigibi se co nve rteu em um li vro monumental (40 x 53 cm ),
de capa dura e lombada de tecido toda colo rida, um ve rdadeiro objeto artís tico. Em
suas pág inas os nomes consagrados dos quadrinhos alternativos - Ware, C lowes,
Seth , Jaime H ernandez, Tomine, Ben Katchor, D e itch , Ivan Brunetti , Moriarty _
sancionam Com sua presença os esforços da última geração, dentro da qual se des·
tacam C F, Anders Nilsen o u Ron Regé, Jr., e ntre outros. CF está envo lvido em uma
série de novelas gráficas intitulada Powr Mastrs (do is volumes até essa data, em 2007
e 2008 )37 [ 11 8] e ambientada em Nova Ch ina, um país imaginário . À semelhança
das e popeias punk de Gary Pante r, a série oscila e ntre o sonho e o pesadelo ado-
[1171 "Here", na Raw v. 2, n. 1 (1989), Richard McGuire. lescente , sem que se possa estabelecer nenhuma distinção entre contelldo e fonna :
Poun- Mastrs não põe em imagens um roteiro que poderia ter sido expressado co m
outro estilo O Ll com outra estratégia, mas é uma torrente gráfica que Aui de requadro
em requadro c de pági na para página, sChJuindo uma lógica visual invisíve l.
A I'IOVaA 6~ÁFlCA 5 - A I'IOVaA 6~ÁI'ICA

-•
-
,
--
Mais cerebral é o trabalho de Anders Nilsen ( 1973 ). Dogs & WateT (2007)
'. --, se apresenta como uma novela gráfica convencional, de desenho realista e nar-
-
-
- •

. li rativa ortodoxa, que conta as andanças sem rumo de um jovem e seu urso de
/' _." , . ' . i ..... pelúcia por uma paisagem agreste distópic3 , o que o faz parecer uma versão
...
.,,,.-- . "" ' "' .
). )
~

- ...
",~ "" ~ , surrealista de The Road [A es trada"]. de Cormac McCarthy. Monologues For Calcu.
• •
,• ,
", < lating The Densiry Df Black Ho/es (2008 ) [ 119] é completamente diferente . Vo lu-


, ",
\ , ,V ' moso e de formato pequeno, é composto de peças de menor extensão rabiscadas
.~ •
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",:,. . . . ..... ~I, -I/
, " rapidamente com bonecos sem traços, a expressão mínima do desenho infantil.
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• \ \. , ..... ... " \11
Às vezes N ilsen superpõe os bo necos a fotografias ou mapas, produzindo uma
estranha te nsão entre os dois sistemas de represe ntação .

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\ . \.' -...."f""'."
' ''4)

[119] Monologues For Calculating The Density Df 81ack Holes (2008). Anders Nilsen.
[118] Powr Mastrs 1 (2007). CF.
- !:) - A IIOVIrt.i\ 6lliII'lCA

Ron Regé, Jr. ( 1969), por sua vez, é outro produto das HQs em minigibis,
as quais recopilou em Skibber Bee.Bye (2000), em que era apreciado o seu estilo
de enganosa ingenUidade e limpeza , porém de complexidade geomé trica . É in ·
teressante observar que muitos desses desenhistas de vanguarda gráfica, corno o
próprio Regé, ou Chris Ware - grande aficio nado do ragrime - e também CF e Da ·
vid Heatley, são também müsicos, o que talvez explique sua tendência para uma
visão mais harmônica do Que narrativa dos quadrinhos, em que a sequência de
formas visuais é mais importante do que o conteúdo representativo ou narrativo
delas. Poderíamos dizer que buscam a músi ca muda dos requadros . A publicação
da antologia AbstracL C omics (2009) [ 120], editada por Andrei Molotiu , marca
o ponto.limite dessa fronteira . O livro recolhe mostras de quadrinhos abstratos
desde 1967 ("Abstract Expressionist Ultra Super Modernistic Comics", de Robe rt
Crumb, publicado na seminal Zap Comix n . I ) até hoje. Para Molotiu, os quadri·
nhos abstratos

revelam algo fundamental sobre o meio do próprio quadrinho. Reduzidos


aos elementos mais básicos do meio - a grade de requadros, as pinceladas
ou traços da pena, e às vezes as cores -, destacam os mecanismos formais
que estão por trás de todos os quadrinhos, tais como o dinamismo gráfico
que conduz o olho (e a mente) de requadro em requadro , ou O jogo
esteticamente rico en tre a sequencia lidade e o planejamento da página 39 .

A novela gráfica internacional

Apesar de ao longo de sua históri a os quadrinhos terem se movido em mero


cados insulares dominados por indústrias locais, nos cap ítulos precedentes vim os
corno o fluxo internacional de influê ncias foi decisivo para dar forma aos qua·
drinhos adultos, tanto nos Estados Unidos corno na Europa . Harvey Kurtzman ,
cufo papel no desenvolvimento desses quadrinhos adultos é fundamental , exerceu
uma influência fonnativa sobre Re né Coscinny, que com a Pilote poria em marcha
o maquinário que conduziria à BD autoral na França . Ao mesmo tempo, desde o
final dos anos 1960, Kurtzman se sentiu deslumbrado pela qualidade dos valores
de produção dos quadrinhos europeus e por seu respeito pelos autores , e tentou
[120] "Um Caligramme", em Abstrod Comies (2009), Warren Craghead m. levar esses princípios para seus trabalhos nos Estados Unidos . Os pioneiros dos
5 - A rlOVaA 6~ÁHCA

quadrinhos underground am eri canos tiveram uma repercussão internacional que


acendeu a centelha de algo novo em todo o Ocidente. Como afirma Rosenkranz,

a Zap Comix teve o mesmo impacto em Amsterdã e Paris que nos Estados
Unidos. Provocou inquietação e ocasionou descendentes ilícitos. Comi x
americanos como Fritt the me e os Freak BrQthers foram rapidamente reedita · OIE.Z ANOS.

dos em línguas estrangeiras na Espanha , Itália , Suécia e mais além . Na Fran ·


ça, revistas de quadrinhos como Métal Hurlant , L'Echo eles Savanes e Hara·Kiri
tarnbém falaram corn vozes revolucionárias.o.

Essas vozes revolucionárias dos quadrinhos europeus acabariam sendo


ouvidas também nos Estados Unidos, por meio, entre outras, da mencionada versão
americana de Métal Hurlant, a Heauy Metal, que mudou a forma de pensar do jovem
Jaime Hernandez, 'Toda a minha primeira produção em fanzines, antes de looe and
Rockets, foi influenciada pela Heavy Metal. Estava descobrindo todos os europeus"". E
Jaime Hernandez é uma das fontes mais caudalosas das quais emanam os quadrinhos
alternativos americanos que serviriam de modelo para L' Association definir os
quadrinhos alternativos franceses e a novela gráfica europeia. Outra fonte, a revista Raw,
sempre teve uma nítida vocação internacional, criando a ideia de uma continuidade
universal entre Art Spiegelman , Joost Swarte, Mariscal , Tardi e Yoshihiro Tsuge.

L'Association, que havia afirmado com a antologia internacional Comix 2000


que suas fronteiras não se estabeleciam por limites políticos ou geográficos, mas por
intenções artísticas, produziu o exemplo perfeito da novela gráfica contemporânea
que é, ao mesmo tempo, a novela gráfica internacional. PerséPolis [121 ], de Marjane
Satrapi, foi publicada primeiro em quatro volumes (2000-2003 ) e posteriormente
recopilada em um único volume. As vendas de centenas de milhares de exemplares
superaram completamente não só o mercado habitual de L' Association , mas o
público espeCializado em quadrinhos. Persépolis apresenta as memórias da autora de
sua infância e de sua mocidade no Irã da revolução islâmica, seus estudos durante
a juventude na Europa e sua condição de exilada intelectual na França atual.
AAJI.fI ...o . . E.L
Satrapi nunca havia desenhado quadrinhos, mas, animada por David B. - cuja ,II\OIoISinuJO !>to
L~ flNIi\W..f.5..

obra autobiográfica magna, L'asceruion du haut mal [Epiléptico") ( 1996-2003 ), é o


modelo evidente para Persépolis - , apresentou a obra à L' Association . O sucesso
monumental que obteve, e que aumentaria ainda mais com a animação lançada em
-
2007, surpreendeu principalmente a própria L' Association . [121] Persépolis (2003 ), Ma~ane Satrapi.
Entretanto , o sucesso de PerséPolis torna-se mai s compreensível se a inseri - última obra é significativa para mos trar co mo os quadrinhos fora m conquistand o
mos na paisagem do co nsumo cultural g lo bali zado e tomamos como referê ncia o nos últimos anos novos espaços da expressão pessoal que antes es tavam reservados
triunfo do chamado IIcinema transnacional
ll
. O que Á ngel Quintana diz sobre isso exclusivamente à literatura ou à arte. We Are On Our Own é o relato autobiográfico
poderia ser aplicado quase palavra por palavra a Persépolis e a boa parte das novelas da fuga da autora, então uma menina, e de sua mãe (ambas judias húngaras) de
gráficas que vieram de poi s de la, Budapeste em 1944, quando escapam da perseguição do exército nazista invasor e
posteri orm ente das tropas soviéti cas. O peculiar é que Katin só empreendeu essa
Num ':l 0 mento em que esse império dos símbolos se des locou pa ra um mun- memória gráfica depo is dos sessenta anos, idade em que geralmente os autores de
do globali zado, o cinema contemp orâne o vive em lim a tensão pe rm anente quadrinhos já estão aposentados.
entre a h ibridaçào de culturas e a emergência do hiperl oca1. A mi gração de
fónnulas estéticas não cessa de propor lima série de intercâmbios simbó li -
cos que se tra nsformaram numa parte essencial do cin ema co ntemporâ neo ,
enquanto a OUlra vem detenninada pela forma com que os pequ enos relatos
de mundos distantes não cessam de se impo r como uni versai s" 3 .

É fácil imag inar um público comum entre os espectadores de Wong Kar-Wai ,


Fatih Akin, Kim Ki-Duk ou Isabel Coixet e os leitores de Marjane Satrapi . Podería -
mos fa lar inclusive de um novo exotismo dom esticad o . Satrapi oferece a experiência
remota e fascinante do Irã islâmico , mas sob o olhar de uma im igrante assimilada
na França e através dos cód igos da bd, fi rm emente desenvolvidos por um de seu s
esteios, como Q seu mentQr David B. O sabo r é ori ental , mas a receita é indi scuti-
ve lmente francesa . E o mesmo acontece no caso de muitas novelas gráficas que,
frequentemente escritas e desenhadas pelas mesmas mulheres que mal participaram •
-•
• .-
dos quadrinhos tradi cionais, nos mostram histórias de outros locais , explicando -as
com a linguagem familiar da H Q ocidental (ou seja, franco -belga). A israelense
Rutu Modan triun fou si multan eamente no mundo todo com sua novela g ráfica
&it Wounds (2006) [ 12 21 que, embora não seja autobiográfica, oferece um" visão
da vida cotidiana em Israel refrcscantemen te d istinta para um público acostuma -
do a conhecer apenas as notícias do conflito judaico-pa lesti no. A libanesa Zeina
Abirached segue mais de perto os passos de Satr" pi em Mourir Partir Rcvenir. L.e jeu de>
hirondelles (2007), que rememora a tensão doméstica da vida em Bei rute no in ício dos

anos 1980. Por motivos geracionais, essa década é uma presen ça co nstante em mui-
tas dessas obras. Por exemplo, em Meinc Mutter war Eine Sch6nc Fra u (2006), da sul -
-africana Karlien de Villi ers, escrita ori ginalmente em africâner c na qual a memória
fam iliar é traçada sobre a tela da decomposição do regi me do apan heid. A figura da
mãe é constante nessas novelas gráficas . t o caso de La historia de mi madre (2008 ),
da coreana Kim Eun -Sung, ou de We Are On Our Own (2006), de Mi riam Katin . Esta [122J Exit Wounds" (2006). Ruiu Modan.
5 - A NOVOLA 6RÁFICA

A aceitação e a assimilação desse tipo de novela gráfi ca em fónnulas co- Didier Lefevre contava suas viagens acompan hando expedições dos Médicos Sem
mercia is são confirmadas por títulos como Aya de Yopougon (2007), de Marguerite Fronteiras no país ocupado pelos nlSSOS durante os anos 1980.
Abouet e C1ément Oubrerie . Com um estilo gráfico alegre, livre e colorido, inspira-
-se nas vivências sentimentais da roteirista , Abouet, na Costa do Marfim no final Com ou sem concessões , para alcançar o sucesso internacional é inevitável

dos anos 1970 e princípios da década de 1980. Com aparência de novela gráfica , passar pelo curso do mo delo metropolitano. É insó lito uma obra local chegar a outro
Aya é na verdade uma série ao gosto tradicional da indústria francesa , e sem dúvida público periférico sem ter passado antes pela edição franco-belga ou norte-americana,
Abouet filtra a experiência africana através de seus olhos parisienses, já que vive na o que, evidentemente, impõe celta homogencização baseada nos gostos dos públicos
capital da França desde os doze anos, e ali trabalha em um escritório de advocacia . francês e norte-americano. Paradigmático é o caso de Le fils d'octof1re (2005), de Nikolai
Aya oferece uma aparência amável e de traços limpos , agradável de consumir, da Maslov, um raro exemplo de HQ russa. O siberiano Maslov ( 195 3), vigia noturno
experiência internacional em um idioma narrativo acessível ao leitor da metró pol e. em um estabelecimento comercial, desenhou suas histórias curtas , secas e lacônicas,
de paisagens espaçosas, muito ao estilo I1mo, no deserto editorial de seu país, onde
Certam ente , o exotismo às vezes vem nos buscar diretamente em casa. Em praticamente não existem quadrinhos profissionais. Um dia ele se apresentou na livraria
Couleur de peau: miei (2007), J un g recorda sua infância e ado lescência como meni - moscovita Pangloss e mostrou ao dono do estabelecimento, o francês Emmanuel
no coreano adotado por uma família belga. A autobiografia , a crô ni ca infant il , a Durand, uma amostra do seu traba lho. Durand financiou por três anos a produção
confissão sexual, a descoberta da vocação artística e os problemas de identidade de Maslov, que finalmente seria publicado na França em 2005 pelas Éditions Denoe/.
semelhantes aos apresentados por Gene Lue n Yang e Derek Kirk Kim , mas com Posteriormente, a obra foi comprada por editoras locais e traduzida para outTOS idiomas,
um v iés europeu, concorrem nessa obra que alterna continuamen te a memória chegando à Espanha em 2009. Como em tantas outras ocasiões, a novela gráfica
pessoal e a reflexão de caráter universal. Em um determinado momento, Jung internacional só existia como produto de uma das duas brrandes indústrias nacionais.
expressa a consciência que tem de si mesmo com o quadrinista : IIAgora sou autor
de quadrinhos, e em todos os álbuns que realizei , co m ou sem roteiristas , vo lto A popularização da internet e o barateamento da s viage ns durante a
aos mesmos temas incansavelmente. Abandono , desarraigamento, identidade ...·t última década também contribuíram em grande medida para reforçar os vínculos
internacionais. Visitando seu site na internet , hoje é tão fácil conhece r a obra de um
Em outras ocasiões, é o próprio cidadão da metrópole que sai ao encontro autor de outro hemis fério como a de quem vive em nossa própri a casa. E as viagens
do exó ti co e o conta depois em seus próprios tennos com perplexidade e empatia . de estu dos , ou os convites para os cada vez mais abundantes salões e festivais dos
O canadense G uy Delisle, residente em Montpellier desde 199 1, foi quem abriu quadrinhos, constituem excelentes veícu los para o contato entre quadrinistas de
o caminho para estes "modernos explo radores", em geral implicados em algum naCionalidades diversas, mas interesses comuns. Em Night Fisher, R. Kikuo Jo hnson
empreendimento comercial ou de ajuda aos países menos desenvolvidos. As viagens detalha que desenhou a HQ em Rom a, Wailuku e no Ilrooklyn, reconhece ndo
de Delisle, às vezes envolvido em encargos profissionais de animação , e às vezes que, durante sua estada em Roma , o contato com os quadri nhos europeus o afetou
acompanhando sua esposa, membro dos Médicos Sem Fronteiras, deram origem a profundamente . De certa maneira, segue os passos de C harles Burns, que também
Shen,hen (2000), /'yongyang (2003 ) e Chroniques Birmanes (2007). Esse mesmo tom de viveu na Itália . Craig Thompson é outro exemplo de astro internacional com
crônica pessoal livre, ca ricaturesco e um tanto cínico, quase grotesco, se encontra inÀuências universais. Venera igualmente o francês 13audoin , o pai da autobiografia
nos dois volumes de Kabul Disco (2007-2008 ), de Nicolas Wild, um quadrinista na França, e Jeff Smi th , criador de Bone, uma série norte-americana de fantasia
que viaja para o Afeganistão co m a missão de narrar em quadrinhos a Constitu ição heroica juvenil que ve ndeu milhões de exemplares. O resultado é um estilo misto
daquel e país depois da queda do regime dos talibãs relas mãos do exército norte- mui to atrativo para públicos diversos, que fez mais sucesso na França do que nos
-americano. O Afeganistão é também o cenário de Le l'1wtographe (2003-2006), três Estados Unidos. Na Espa nh a foi publicada em castelhano e em catalão , e alcançou
volumes desenhados por Emmanuel Guibe rt que adaptam o li vro no qual o fotógrafo quatro ediçoes e 6 .500 exemplares , cifras consideráveis para o mercado .
5 - A I'IOV1OLA 6~ÁÇICA

Nesse panorama, pode-se falar de astros puramente internacionais, autores


que alcançam o sucesso diretamente fora do seu país natal e que publicam simulta -
neamente em um entrelaçamento de mercados locais . Trata-se de autores como o
suíço Frederick Peeters, que triunfou com Pilu!.s B!.ues (200 I ), uma novela gráfica
sobre sua relação com uma mãe solteira portadora do vírus HIV. A já mencionada
Rutu Modan se projetou ao mesmo tempo na Europa e nos Estados Unidos, qua-
se por necessidade, dado que Israel não possui uma indústria de quadrinhos . O
italiano Gipi se converteu em uma figura da novela gráfica inte rnacional dos dois
lados do Atlântico, com histórias intimistas de alcance universal , como S. (2006),
ou a mais descarada autobiografia , La mia vira disegnata ma!. (2008 ). O mais in-
ternacional de todos talvez seja o norueguês Jason [ 123], que triunfa iguaJmente
na França e nos Estados Unidos, e certamente em seus mercados consumidores,
como o espanhol. Possivelmente a difusão de Jason foi favorecida por sua ten-
dência a realizar histórias sem palavras, e seu espírito nômade se transferiu para
sua própria vida, pois, depois de sair de sua Molde natal , morou em Nova York e
em Montpellier. As histórias de Jason, que brincam com os tópicos de gênero e
mesclam personagens e épocas históricas dependendo da conveniência, às vezes
para conduzir a finais surpresa, estão desprovidas, por sua própria condição de
materiais de aluvião, de especificações localistas . Qualquer pessoa que compar-
tilhe a bagagem cu ltural comum do Ocidente se sentirá igualmente familiarizada
com essas histórias, não importando qual seja a língua materna e a cultura local.

A relação da novela gráfica ocidental com o mangá é mais complexa de


analisar. Embora, como vimos, os quadrinhos norte-americanos tenham sido
fundamentais durante os primeiros passos dos quadrinhos japoneses modernos,
aos quais influenciaram , no século XIX , com as revistas de humor e, no início
do XX, com séries de tiras cõmicas tão imi fa das como Bringing Up Falher, de George
McManus, os quadrinhos japoneses se mantiveram durante boa parte do século XX
em uma trajetória paralela - mas isolada - à dos quadrinhos ocidentais . Nos anos
196Q, eles viveram sua revolução, nascida na revista GaTO, à semelhança do que
ocorreu com os quadrinhos undergTOund nos Estados Unidos e na Europa , mas
essa revolução respondeu mais ao reflexo de algumas circunstâncias políticas e
sociais comparáveis àquelas do Ocidente do que à influência direta de suas histó-
rias. Foi a partir dos anos 1980 que o mangá começou a ser conhecido nos Estados
[123J I Killed Adolph Hitler (2006), Jason. Unidos e na Europa, seguindo normalmente as séries de animaçao (conhecidas
como animê), transmitidas pela televisão. Akira ( 1982-1990), de Katsuhiro Otomo,
A " OV. LA 6RÁI'ICA
5 - A " OV.LA 6 RÁI'ICA

norte-americanos de crime e super-heróis se ve rte em páginas imagi nadas à luz de


uma espetacular epapeia apocalíptica, fo i o primeiro títul o que causOu sensação
e ntre os leitores ocidentais de q uadrinhos. A série fo i publicada nos Estados Un i- mestres es tra nge iros, como o japonês Coseki Koj irna e o francês Moebius . Ronin

dos ern 1988 - an o em que sua adaptação foi produzida para o ci nema numa
( 1983 ) co nde nsa essa estran ha fórmula híbrida assumindo seus resultados como
histórica produção de desen hos animados que se antecipa ao fin al da versão em algo natural. Durante os anos 1990, com o mangá já firmemente imp lantado na
quadrinhos da h istória, que ainda demoraria alguns anos - e na França em 1990. Europa , o monstro ed itoria l japonês Kodansha empreende um programa experi-
N esse mesmo ano chega à Fra nça Dragan Bati , de Akira Toriya ma, c ujo animê já mentai de ca ptação de autores estrangei ros , tra tando de renovar co m seu ta lento

era tran smitido pela tel evisão desde 1988 , c que se conve rte em um dos sucessos uma p rodnção que com frequência cai no formu laico devi d o ao seu eleva d o grau

mais avassaladores e nt re o público infan til das últi mas décadas. O mangá revolu- de pad ron ização indus trial. Desenhistas decisivos para a nova HQ, como Baru
cionou o mercado ocide ntal dos dois lados do Atl ântico e, a partir desse mo men - ou Lewis Trondhei m , participam dessa aventura . O experim ento será fi nalmente

to, as editoras já es tabeleci d as e muitas outras de cunho novo , especiali za das em cancelado pe la Kodansha sem d ar ne nhum d os res ul tados d esejados pela e mp re-
quadrinhos j aponeses , inundarão as li vrari as com títul os ex traídos da inesgo táve l sa, mas nos dese nhi stas eu ro peus e no rte- ameri ca nOs que trabalh ara m com e les

produção do país do sol nasce nte. Surpreende nteme nte, O mangá, ao co ntrário fica a ma rca de um modo de faze r quadrinhos que rompe com as convenções

do que previam os agoure n tos , não asfixia o produto autóctone, m as regenera fo rmai s oc identais.

a textura do pübl ico, injetando um novo vigor às ve ndas. Pode ser que muitos
dos jove ns compradores de mangá nunca o lhem uma H Q norte-ameri cana ou Um desses artistas, que talvez, desde Mille r, te nha simbo lizado mais que
europeia , mas alguns aca bam por fazê- lo. E mesmo os que não o fazem aj udam a ninguém e com ma ior perfeição O encontro entre a sensibilidade ameri cana, a

manter aberta s as li vra rias espeCiali zadas unde são ve ndidos os quadrinhos locais. japonesa e a europeia, é Paul Pa pe ( 1970). Figura esquiva e d ifícil de classificar, Pape
O mangá, al ém disso, re cupera o público fe minino, que havia sido completamente se move com a mesma dese nvoltura entre os mundos da au tori a e da comercialidade .

abandonado pelos edito res ocide nta is , e que ago ra está desempe nhando um papel C apaz de autoeditar seus quadrinhos - as es tranhas históri as de ficção científica

importante no au ge da novela gráfica - já vimos o elevado nümero de mulheres intim ista de TH B -, é igualme nte possível vê-lo ilustrando um projeto especial do
desenhistas que apareceram nos ül tim os anos -, c impõe outros tipos de formatos Batm an para a De ou A Mulher Biônica para a Dargaud, uma das mais importantes
que serão cruci ais para os quadrinhos adul tos cuntemporâneos. O rankobon, ou editoras fra ncesas. Pope salta sobre os gêneros e ve nde a si mesmo como marca que

livro recopilatóri o, é o formato típi co do mangá , que cos tuma ser publicad o em outorga O símbo lo de autoria aos seus múltiplos projetos, to dos eles de inegável
vo lumes de tamanho redu zido e muitas páginas - depois da sua pré- publicação e m atrativo transnacional. Taiyou Matsu moto ( 1967) o ferece do Japão o reflexo de Pa pe.
revistas de e norme gross ura e de papel de baixa qualidade -, e m geral e m pre to e Seu Tekkon Kinkreel (2007) fo i recebido com assombro na França , o que não é de
branco. Essas duas categorias serão típicas da novela gráfica. A liberdade narrati va estranha r, porque à sua personalidade indubitavelmente j aponesa se une uma fo rt e

que outorga o elevado nümero de página s de que dispõe o mangá suporá um a re- influê ncia de Moebius. Em Takemitsu Zamurái (2007) [ 124], com o roteirista Issei
velação para muitos autores séri os ocidentais que se en co ntravam sem espaço para Ei fuku, a vo ntade de co nseguir uma estética mangá heterodoxa e intern acional

expressar com deli cadeza os mati zes que bu scavam nos formatos con ve ncionais, o fica ainda mais evidente . Essa rica ponte curo-asiá ti ca fo i expl orada melhor do que

"48CC"" fran co-belga ou o comic book norte-ame rican o. ninguém


,
por Frédéric Ho ile t ( 1960), desenhi sta francês estabelecido no Japão desde
199 7 e que promoveu numerosos proj etos de encontro entre quadrini stas literários

No início dos anos 19 80 , já há autores que assumem influências do m an- dos do is mundos. O mais paradigmático é o volume Le lapan vu par 17 auLeurs (2005 ),
gá, embora não possam lê- lo sem tradução. Mas a maneira de narrar e de dese- em que se deu andam ento a um convite para oi to desenhistas franceses para que

nhar a página dos j apon eses impregna o j ovem Frank M iller, que , enquanto não passassem quinze dias no arquipélago nipônico. Cada um deles deveria desenhar

alcan ça suficiente prestígio para empreend er seu própri o projeto autoral, apre- uma históri a - fict íc ia, histórica ou autobiográfica - sobre o local que lhe tenha sido

sen ta uma obra de fi cção científica adulta em que sua educação nos quadrinhos destin ado . O volume se completava COm histórias de autores japoneses residentes
no país (e o próprio Boilet, é claro). Assim , Emmanuel G uibert, Nicolas de C récy, do adulto. Keyaki no Ki [O olmo do Cáucaso] ( 1993 ) é uma coleção de relatos que
Benoit Peeters ou Joa nn Sfar compartilharam páginas com Matsumoto, Moyoko adapta contos de Ryui ch iro Utsumi com extrema emotividade. Todas as histórias
Anno, Kan Takahama ou a figura central do que é conhecido como nouvelle manga , giram em torno da melancol ia, da perda e da solidão, embo ra em geral com uma re-
Jiro Taniguchi . denção fi nal que permite o alívio da es perança . Taniguchi, que recebeu a inAuência
de artistas euro peus através dos desenhos, sem entende r o texto, de fo rma parecida
como havia ocorrido a Miller com os japoneses, verte essa influência em um estilo
[1 24J Takemitsu Zamurái" (2007), de linha c/ara oriental imediatamen te acessível ao leitor ocide ntal , o que talvez expli -
Issei Eifuku e Taiyou Matsumoto. que em parte o seu sucesso entre os leitores europeus e americanos. Nele manifesta -
-se o "glocal", o exotismo da histó ria da pequena aldeia japonesa com os modos de
represe ntação dos quadrinhos contemporâneos intern acionais. Esse idfl io atinge o
Taniguchi ( 1947) é um vete- seu auge em Maho no yama [A Montanha Mágica] (2005), apresentado no Ocidente
rano desenhista de ampla carreira como álbum em cores com capa dura , ao estilo clássico francês , e que não só é um
no Japão, o nde realizou todo tipo compêndio dos temas recorre ntes de Taniguc hi - a famOia e o retorno à magia da
de quadrinhos, incluindo a ficção infância - , mas parece assimilar também o componente mitológico-emotivo que
científica, as aventuras alpinas, O converteu Hayao Miyazaki em um dos diretores japoneses de cinema mais admira-
gênero criminal ou o drama histó- dos no Oci de nte . É dizer que, em seu afã po r destilar os compo nentes recon heci-
rico . Também desenhou um tipo dos do sucesso, Maho no yama incorre em um ternuri smo premeditado. O processo
de HQ intimista e sentimental , de de ocidentalização de Taniguchi o levou a colaborar com autores franceses como
ritmo pausado e longos silêncios, Moebius (I caro, 2000) ou Morvan (Mon année, 2009).
revelando para muitos autores oci-
dentais os segredos para se fazer A necessidade da intemalização para a nove la gráfica fica patentemente de-
histórias em um tom mais sereno, monstrada mediante o exemplo espanhol. Na Espanha, a explosão da novela gráfica
para o qual não encontravam mo- foi mais lenta do que nos países centrais dos quadrinhos mundiais, e só teve seu pri-
delo. Um dos títulos mais paradig- meiro sucesso com a publicação, no final de 2007, de Arrugas [ 126], de Paco Roca,
máticos de Taniguchi é Arnku hito uma história sobre um ancião com mal de Alzheimer que ingressou em uma institui-
[O homem que caminha"] ( 1992) [ 125], uma coleção de relatos em que seu pro- ção para o cuidado de idosos. Arrugas, que depois de sucessivas reedições em pouco
tagonista anônimo, um homem maduro, se limita a passear por cenários urbanos mais de um ano atingiu o insólito número de mais de 20 mil exemplares vendidos,
japoneses não especialmente chamativos. O homem que caminha carece de anedota, outorgou ao seu criador uma longa série de galardões, à frente dos quais se encontra
de drama e com frequênc ia até de diálogos. Tudo o que é revelado em suas páginas o Premio Nacional dei Cómic de 2008, o mais importante outorgado na Espanha. O
é o que não aparece representado nos requadros minuciosamente desenhados por interessante é que Arrugas foi produzido por uma editora fran cesa, a Delcourt, c a As-
Taniguchi , ou seja, a verdade espiritual oculta à vista. Outros de seus títulos o con- tibem, editora espanhola, comprou os direitos de edição da obra e a traduziu como se
sagraram como um mestre do sentimental. Em Chichi no kayomi [O almanaque do fosse mais uma HQ francesa . Paco Roca era consciente de estar trabalhando para um
meu pai] ( 1994), o protagonista volta à sua alde ia de origem quando da morte de mercado global, e por isso teve de fazer algumas adequações formais para aproximar
seu pai , e recorda a história familiar. Em Harnka-na machi e [Bairro distante] ( 1998 ), a obra do gosto de seus editores: retirar um crucifixo de uma sala de aula, já que na
o retorno à infância é literal: o protagonista se converte em seu próprio eu quando França a educação é laica, ou adaptar o menu do Natal à tradição francesa. N a ediçao
ia ao colégio, e revive todos os sentimentos e sensações da época com a mentalidade espanhola, Roca restauraria essas modificações à sua versão ori ginaL
5 - A I'IOVQ.A 6IlÁl'lCA

[125J Aruku hito (1992), Jiro Taniguchi. [126J Arrugas (2007) , Paco Roca.
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Carlos Ciménez, considerado na Espanha o grande autor de referência gra-
ças a diversas obras que recuperam a memória pessoal e a memória histórica da
6 - A ÚL f1MA ART&
Espanha do pós-guerra e da transição , já havia realizado esse trabalho de con- /?& VAN6UAR/?A
quista a partir de dentro do mercado francês . Paracuellos ( 1976-2003 ), a recordação
da vida nos abrigos do Auxílio Social durante o franquismo , receberia justamente
em 2010 o prestigioso Prix du Patrimoi ne no Festival Internatio nal de la Bande
Dessineé d'Angoul ême, o mais importante realizado na França. Apesar do seu ca-
ráter decididamente espanhol , tanto por sua ambientação histó rica quanto por seu Desconfio que, embora enfrentanda a mais
tom e tradição narrativa, Paracuellos foi assimilado pelo públi co francês como algo absoluta indiferença, al&'UtlS de nós continuaremos
próprio - exótico, porém pró prio - desde o iníci o da sua publicação nas páginas criando quadrinhos. ainda que seja apenas pelo imenso e
de Fluide Glacial há mai s de trinta anos. inexplorado terreno que existe entre o que já se fez.
e as emocionantes possibilidades que nos
Embora na Espanha tenha havido focos de quadrinhos adultos, que se ma- cercam em todas as direções· .
terializaram em obras insólitas, como Manuel no está solo (2005 , que recopila pági -
nas dos anos 1980), de Rodrigo, ou em trajetórias individuais como a do roteirista Daniel Clowes
Felipe Hernández Cava, que colaborou com desenhistas como Ricard Castells ou
Federico dei Barrio, não se pode falar de novela gráfica espanhola em sintonia com
a corrente internacional até o surgimento de títulos como Modotti, una mujer deI siglo
.... inu (2003 ), de Ángel de la Calle; Maria y yo (2007), de Callardo; Súper Puta (2007), Durante a quase totalidade dos 180 anos de hi stó ria que examinamos nestas
de Manel Fontdevila; Bardín el Superrealista (2006), de Max; Buiiuel en ellaberinto de páginas, os quadrinhos foram uma arte de massas considerada vulgar, que estava
las tortugas (2008), de Fermín Solís; ou EI arte de IIOlar (2009), de Antonio Altarriba sempre e exclusivamente a serviço dos interesses comerciais, com frequência
e Kim . Até o momento, os autores espanhóis parecem concentrados em descobrir como um artigo que fazia parte do universo do consumo infantil e juvenil.
novos campos temáticos - a memória pessoal ou histórica, a biografia -, relegando
a experimentação formal a uma função secundária . Para encontrar HQs na fronteira Entretanto , os quadrinhos como forma artística não têm nada de vulgar
entre a arte e os quadrinhos em que se movem Richard McCuire ou Jeny Moriarty, nem de infantil. Ao contrário , eles são sofisticadíssimos. Os quadrinhos não são
temos de recorrer aos trabalhos de Francesc Ruiz, como l..n visita guiada (2008 ) ou um híbrido de palavra e imagem , um filh o bastardo da literatura e a arte que foi
Manga Mammoth (2009), inseridos no circuito da arte e completamente ignorados incapaz de herdar as virtudes de seus progenitores . Os quadrinhos pertencem
no mundo dos quadrinhos, ou a experiências marginais no mercado das HQs, como a uma estirpe distinta , e se realizam em um plano diferente daquele em que se
as de Felipe Almendros, Leandro Alzate ou Juanjo Sáez. realizam cada uma dessas artes. Têm suas próprias regras e suas próprias virtudes
e limitações , que mal começamos a entender .

Hoje em dia, a Espanha é um país exportador de talentos, e os desenhistas
que não trabalham diretamente para editoras estrangeiras, norte-am ericanas ou Mas uma forma artística não é um meio, e o entendimento dos quadrinhos
francesas, produzem suas novelas gráficas para editoras espanholas que tentam como meio é fundamental para se compreender o papel que eles desempenha-
vendê-las no circuito internacional. A s indüstrias locais perderam o mercado de ram ao longo da história . Quando falamos de meio de massas, referimo- nos à
massas que alimentou outrora os quadrinhos comerciais, c a única manei ra de definição que lhe dá MitchelL
rentabilizar as edições é recorrendo a um público global.
A I'IOV~LA 6~Á~ICA 6 - A ÚL TImA ARTI; ~ VAN8UARPA

Um meio , em resumo, não é apenas um conj unto de materiais, um aparato muito importantes: dese nvolveram -se como séries, basearam -se em personagens
ou um código que IImedeia" entre indivíduos. É uma instituição social (heróis) e se dirigiram a um público juvenil. A negação desses três elementos nos
complexa que contém os indi víduos em seu interior, e que é constituída dá a primeira referência para entender a tradi ção da novela gráfica que começa a
por lim a hi stória de práticas , rituais , espaços (cenários , estudos , pinturas deslanchar no último quarto de século sobre a tradição dos comix , os quadrinhos
de cava lete , cenários de televisão , compu tadores portátei s). Um meio é underground .
tanto uma agrem iação , uma profi ssão , um ofício , um conglomerado, uma
entidade corporat iva , quanto um cana l material para a cornunicação 2 . Essa tradição nova da novela gráfi ca e ncontra sua o portunidade com o
rompimento - em mai or ou menor medida - das tradiç ões anteriores, cujo sis-
Ou seja , se quisermos entender o ca min ho que os quadrinhos segui- tema , baseado no oferecimento de um produto de entretenimento maciço e ba -
ram desde suas origens, não nos basta considerá-los uma linguagem formada rato , entra em crise , sobretudo quando se demonstra incapaz de competir com
por desenhos , palavras e requadros sobre papel impresso , porque isso não um rival tecnologicamente superi or: a televisão . A imp lantação desta, em todas
explicaria seu desen vo lvimento , seus sucessos e fracassos , nem seu suposto as tradições , supõe o início do longo fim do reinado dos quadrinhos como "lazer
"amadureci mento" como arte, como se isso fosse si mplesmente um produto audiovisual" doméstico, lal e qual propunha Smolderen sobre como poderíamos
natural da passagem do tempo . Temos de entender os quadrinhos como meio interpretar o papel da HQ desde suas origens na imprensa americana . A forma
integrado pela forma artística , mas tamb ém pelas empresas editoras e suas artística dos quadrinhos não está obsoleta frente à forma artística televisiva , mas
crises econômicas, pe las redes de distribuição e seus avatares , pela queda das os quadrinhos como meio se vee m suplantados pela televisão . O que parecia um
bancas e o surgimento das livrarias espeCializadas , pelos rituais e práticas dos processo que levari a à morte dos quadrinhos na verdade foi um processo em que
leitores , pelo colecionismo e as convenções de quadrinhos , pelas variações sua forma artística conseguiu se desprender do meio quadrinhos de massas para
de formatos, o efeito que causaram e as razões por que foram produzidas, fundar uma tradição nova baseada em valores literários e artísticos próprios,
pela consciência ou não de si mesmos dos autores profissionaiS que os têm uma fo rma artística que já não compete com a televisão como meio de massas,
produzido . O entendimento do desenvolvim e nto da arte é o entendimento mas se apresenta co mo um m eio culto com identidade e espaço próprios - o
do desenvolvimento de uma instituição muito ampla que muitos praticantes li vro , as livrarias gerais , o museu inclusive - , e seu novo público , um público
conformam, dos leitores até os autores. Não basta ler as páginas . Nesse caso , geral acostumado mais do que nunca a decifrar textos integrados por palavras e
mais do que nunca , é necessário ler nas entrelinhas , ou talvez devêssemos ícones superpostos sobre uma tela retangular, depois de quinze anos de massifi -
dizer "e ntre requadros". cação dos computadores pessoais.

Essa leitura nos revela tradições, subcorrentes do meio , cada uma até certo Essa tradição da novela gráfica -reconhece as outras tradições e as integra
ponto autõnoma, embora relacionada com as demais. Em todas elas está presente em seu DNA, mas em muitos sentidos é completamente nova, pois nada pareci -
a forma artística dos quadrinhos, mas nem todas cumpriram as mesmas funções do havia sido visto até vinte ou trinta anos atrás . Uma de suas características é
nem tiveram as mesmas aspirações. A tradição das tiras de jornal nascida nos Esta- o. nascimento do autor de quadrinhos, por fim , o autor livre e adulto . livre nos
dos Unidos talvez seja a semente mais importante de todas as tradições mundiais conteúdos, mas também nos formatos , com uma liberdade que não se tinha desde
dos quadrinhos do século XX, o antepassado comum, por assim

dizer. As tradições Rodolphe Tõpffer, o primeiro quadrinista da história, o único que conseguiu tra-
do comic book nos Estados Unidos, do álbum franco-belga na Europa e das lon- balhar antes que os quadrinhos existissem como meio .
gas histórias em revistas no Japão foram as tradições hegemônicas nos três centros
de pro dução dos quadrinhos internacionais durante os três primeiros quartos do Até o surgimento da novela gráfica, essa liberdade era co nquistada com
século passado . Todas essas tradições tiveram pelo menos três elementos comuns dificuldade , e em geral só parcialmente. O meio não o permitia , e era difícil os
6 - A ÚL TI"'A AIlTE (}fi VAI'I6UAI/I7A

profissi onais que se dedicavam aos quadrinhos buscarem · na . Nos anos 1940, a amadurecer gro tescamente sem perd er sua aparência juvenil. Nem os canto -
dedicavam·se aos quadrinhos aqueles que não serviam para outra coisa : pin. res pop nem os desenhistas de comi c souberam como envelh ecer, porque seu
tores , ilustradores e escritores fracassados Que se viam reduzidos a uma ocu . meio se dirigia à juventude . E , no e ntanto , en velheceram ou desapareceram .
pação criativa vergonhosa para poderem sobreviver. Entretanto, como indica Os quadrinhos se debateram entre a imposição de se manterem sempre liga -
Boltanski , a partir dos anos 1970 a situação começa a mudar devido à maior dos a um imaginário juvenil e a necessidade de ampliar esses horizontes . Mas
difusão da educação universitária . Assim , indica que autores como Gotlib , Man - as tradi ções hegem ô nicas tinham uma presen ça tão fo rte que qualquer outra
dryka, Bretécher, Druillet, Mezieres e Fred compartilhavam um habitus surgido via parecia inconcebível.
das desigualdades entre seus capitais sociais e culturais . Uma origem social mais
elevada teria dirigido suas ambições para a pintura ou a literatura , mas acredita - A novela gráfica contemporânea representa, portanto , e mais do que qual-
ram que esses campos estavam fechados para eles . No entanto, o capital cultural quer outra coisa, essa consciência de liberdade do autor, um movimento - se-
que haviam adquirido nas escolas de artes fez com que buscassem algo além das guindo C ampbell - que estabelece uma tradição irmã das demais, porém distinta .
carreiras em desenho técnico às quais pareciam destinados por sua origem so. Falemos claramente , nem melhor nem pior, apenas diferente . Não é, por conse-
cial , e se sentiram atraídos pelos quadrinhos como forma de expressão simbólica guinte , um formato nem um gênero, nem tampouco um conteúdo . Não é neces -
à qual podiam ter acesso'- O mesmo processo foi vivido , simultaneamente , pelos sário desenhar duzentas páginas para fazer uma novela gráfica, assim como o fato
jovens desenhistas americanos underground, S. Clay Wilson , Robert Williams, de fazer um gibi de duzentas páginas não o converte em uma novela gráfica. Um
Spain Rodriguez e outros , que se formaram na universidade e se expressaram relato breve , como o "Here" de Maguire , ou uma história de tamanho interme·
através de um meio menosprezado, porém vital , e que reconheceram como pró. diário - trinta ou quarenta páginas, como o Binky Brown de Justin Green - podem
prio. Atualmente, artistas jovens como Dash Shaw escolhem voluntariamente os pertencer à tradição da novela gráfica . Também não é necessário tratar de temas
quadrinhos como forma predileta sem cogitar que seja um escalão intermediário autobiográficos para se fazer uma novela gráfica , embora eles tenham sido abun·
na ascensão para suas verdadeiras aspirações . Sua verdadeira aspiração é, sim- dantes até o momento. Na verdade, agora que foram dados os primeiros passos
plesmente, fazer arte em quadrinhos . para O reconhecimento da novela gráfica, a postura purista e excludente, que du-
rante anos os promotores dos "quadrinhos sérios" mantiveram , pode relaxar. Eddie
Os artistas - quer se reconhecessem ou não como tais - foram em gran- Campbell explicava que já não era necessária essa tática defensiva ,
de medida os responsáveis pelas mudanças de rumo que os quadrinhos sofre-
ram em sua etapa mais recente . O talento individual sempre foi o melhor ativo Já podemos deixar voltar os super-heróis. "Garotos, vocês têm que ir embora
dos quadrinhos. O talento de Kurtzman , de Crumb, de Spiegelman , de Los até termos esclarecido isso ... Muito bem , alcançamos essa posição, então já
Bras, de Ware , dos grandes repudiados pela indústria , o talento que cresce à podem voltar a entrar". Assim, depois de se ter desprezado e menosprezado
sombra . Esse talento foi se adaptando às circunstâncias. Os formatos da indús- os super-heróis durante os últimos trinta anos, agora posso desenhar
tria permitiam apenas um precário equilíbrio entre o comercial e o pessoal , de alegremente um gibi do Batman e me sentir orgulhoso de fazê -Io~ .
modo que os quadrinistas sérios se viam obrigados a condensar suas aspirações •
em breves histórias que seguiam fórmulas convencionais . Era como tentar es. David B. disse algo pareCido ao se referir às origens da L' Association na
crever uma grande novela no formato de uma canção pop de três minutos. A França e como as posições de resistência puderam relaxar confonne os objetivos
música pop, na verdade, oferece os melhores exemplos de paralelismo com os na conquista de espaços para os quadrinhos autorais eram cumpridos: "Não sentía-
Quadrinhos como meio , acima do cinema, com o qual se une por uma seme- mos nenhuma obrigação de produzir álbuns coloridos de capa dura de 64 páginas;
lhança superficial como forma artística . O pop, como os quadrinhos, foi um não havia razão alguma para isso. Agora que podemos fazê-lo , achamos que não
meio dominado por sua função como produto de massas, e que se viu obrigado há problema porque já existe L' Assoeiation"'.
6 - A tiL TIl'" AIi'TI< C7(; VA/V6lJAI/PA

Se a novela gráfica é apenas um termo de acordo - ou de desacordo - para


identificar uma HQ adulta em oposição ao gibi tradicional , isso quer dizer que
não podemos saber que caminho ela seguirá a partir de agora , pois , desde que
sua presença se consolidou , sua capacidade para absorver tendências distintas
parece carecer de limites. É fácil ser cínico e pensar que a indústria triturará e
converterá em mingau a verdadeira novela gráfica . Os exemplos desse fenômeno
já são abundantes, alguns muito conspícuos . L.e Combal ordinaire, de Manu
Larcenet, é uma série de grande sucesso publicada na França pela Dargaud -
uma das editoras mais poderosas do país - entre 2003 e 2008 . Centrada na crise
da meia-idade de seu protagonista , um fotógrafo , parece um exemplo perfeito
da novela gráfica contemporânea, séria e literária , que ao mesmo tempo se vende
em formato de álbum de capa dura colorido e tem um "personagem" como
protagonista . Com seus traumas acessíveis e suas reconfortantes lições de vida
mastigadas e filtradas pelos recursos dos quadrinhos comerciais de toda a vida ,
Le Combat ordinaire é uma das demonstrações mais notáveis de como a indústria
é capaz de converter em fórmula comercial o que nasceu para não ser uma
fórmula. Igualmente , a estética da nouvelle bd, nascida de autores fundamentais
para a novela gráfica europeia, como Joann Sfar, Lewis Trondheim , Blutch ou
David B., todos eles vinculados em sua época a L'Association , é representada
hoje em dia melhor do que ninguém por Christophe Blain , um desenhista
superdotado que se tornou célebre com recuperações dos gêneros clássicos do
álbum de aventuras, Isaac te pirate [Isaa c, o pirata'] [ 127] e Gus , um western.
Blain também trabalha no formato tradicional de álbum de capa dura colorido ,
mas nunca publicou nas editoras pequenas . Sua capacidade para revitalizar
os velhos gêneros com uma perspectiva deslumbrantemente moderna fez
com que ele conquistasse um terreno dentro da indústria que se vende como
"alternativo", mas que é um alternativo sancionado pelas grandes editoras?,
Apesar de seu ar familiar com a obra dos melhores novelistas gráficos franceses ,
cabe perguntar se o que Blain está fazendo não é simplesmente perpetuar a
tradição comercial de aventuras de toda a vida, se no fundo Blain não é O

Bourgeon do século XXI , O empacotador de artefatos luxuosos desenhados


para um público de fiéis aficionados.

[127) Isaae le pifate 2. Les glaees (2001), Christophe BLain.


A NOVQ.A 6RÁ~ICA 6 - A ú. rrmA AI/TE ~ VAJ'/6UAI/"A

A questão excede o formato . Também em capa dura, em cores e para uma Portanto , não podemos discutir - seria estéri l e matizável - onde come -
editora grande é a já mencionada Le Phawgraphe [O fotógrafo'] [ 128], de Emmanuel çam e onde termi nam os limites da novela gráfica em muitas das obras atuais .
Guibert, uma obra em três volumes que é, no entanto , uma das novelas gráficas mais Na França, sobretudo , os autores de obras pessoais cruzam co ntinuamente a
complexas e revolucionárias fe itas até o momento. O fotógrafo , que adapta as viage ns fronte ira para as vel has tradições comerciais, e voltam mais tarde, uma vez mais,
do repórter Didier Lefevre com os Médicos Sem Fronteiras através do Afeganistão em aos seus territóri os privados , ou se mantêm em ambos simu ltaneamente, quase
meados dos anos 1980, utilizando uma mescla suti l de desenho e fotografia , é em certa sem distingui. los . Nos Estados Unidos, os dois mundos estão mais separados
medida uma meditação sobre a aventura, mas não uma reinvenção nem uma atualiza- - por isso foram e co ntinuam sendo os ameri canos que lideraram esse movi -
ção. Não busca a nova fórmula mágica para revitalizar o antigo sistema, como o faz mento internacional - , mas oco rrem fenômenos curiosos que não podem ser
Blain, provavelmente o desenhista mais imitado na Europa neste momento . desdenhados com O fácil recurso ao cin ismo depreciativo . Um gibi como Omega
the Unknown (2008 ) teria sido in imagi nável antes da co nsolidação da novela
gráfica . Omega é uma "série limitada" publicada pela Marvel que recupera um
vel ho supe r· he rói - comple tame nte esquecido - dos anos 1970. O peculiar é
que a HQ foi escrita pelo prestigiado nove li sta lonathan Lethem (com a ajuda
de Karl Rusnak), desenhada por Farei Dalrymple, um dese nhi sta alternativo , e
colorida por Paul Hornsc hemeier, autor de uma das novelas gráficas mai s e lo - ,

giadas dos últimos anos, Mother, Come Home (2003 ). Em um dos episódi os há
inclusi ve páginas desenhadas por Gary Panter, a le nda dos quadrinhos punk.
Omega rompe com todas as convenções dos quadrinhos de super· he ró is, com
lo ngas digressões intelectua is, um argumento pouco claro , personagens pouco
atrativos e apresentações co ntrárias às fórmulas do gênero : em um dos ep isó·
di as, por exempl o, a atenção se concentra em um diálogo entre dois persona-
gens enqua nto a batalha super-heroica fica e m segu ndo plano e quase fora do
requadro [ 129 ). Devido à complexidade da h istó ria , ao tratamento dos persona-
ge ns e à so lidez do uni verso em que se dese nvolve, Omega pode ser considerado
uma verdadeira novela gráfica adulta , apesar de te r robôs , supe rvil ões e heró is
com ca pa em suas páginas . Se pe nsássemos que se trata apenas de uma mano-
bra comercia l vulgar da Marvel para 3lrair para seus super· heró is os leitores
de novela gráfica , poderíamos muito bem co njec turar por que não escolheram
então um personagem mais co nheci do - e nos últimos anos, sobretud o graças
às adaptações cinematográficas, a Marvel dispõe de muitos personagens muito
fam osos - que pudesse ter mais repercussão nos meios e seduzir um público
mai or. A resposta é que o projeto nasce mai s da oportunidade provocada pelo
desejo do novel ista Lethem de escrever um gi bi de Omega, como fã do pe rso na-
gem que era desde c riança , do que de estratégias comerciais. Lethem precisava
escrever Omega , como precisava escrever outras de suas novelas ( não gráfi cas ),
[1 281 Le Photographe 3 (2006), Emmanuel Guibert. e, no pan o rama atual da novela gráfica contemporânea - ou seja, da percepção
6 - A IÍL TIhlA ART'; "" VAt/6UARfJA

dos quadrinhos como um meio no qual se pode fazer qualquer coisa - , uma idci3
como essa pode se tornar realidade . Discutir em que medida O mega é um hí-
brido de novela gráfica e de gibi de super-heró is , em que medida é uma novela
gráfica pura ou uma obra bastarda , é estéril , e o será ainda mais com o passar dos
anos . É muito possível que no futuro essas misturas de gê neros e sensibilidades,
de formatos , autores e tradições, sejam cada vez mai s since ras e habituais .

o fenômeno da novela gráfica é tão recente que ainda não se solidifico u;


portanto , está neste momento sofrendo processos de mudança muito importan -
tes , que fazem com que possamos imaginar que veremos uma paisagem muito
distinta em um prazo muito curto . Os mestres da novela gráfica são muito jovens.
Crumb , Spiegelm an e Taniguchi , os avôs do movimento , ainda não completaram
setenta anos . Chris Ware, Daniel C lowes, Seth , Emmanuel Cuibert, David !l. ou
Blutch não chegaram sequer aos cinquenta ou acabaram de completá- los. Estão,
na verdade , no apogeu de suas carreiras . Dá a impressão de que mui tos deles
estão começando a trabalhar agora , e que só agora estão começando a entender
o meio em que trabalham . Essa é uma das virtudes mais emocionantes dos qua -
drinhos contemporâneos ocomo arte , estão muito pouco desgastados . Menu diz
que os quadrinhos são uma forma artística atrasada , que

a sua história é uma hi stória de atraso em relação à literatura, à pintura etc.


Creio que os quadrinhos estão agora talvez em um est ado equivalente ao
dessas formas nos anos 1910- 1920. Afirmo que a vanguarda pode ser ainda
relevante com relação à bande dessinee , e que tal vez esta seja a última arte
9
para a qual tal termo ainda tcm scntido .

Se Menu tem razão, os quadrinhos estão entrando agora na época de seus


Duchamp e Picasso , de seus Joyce e Proust . Nunca antes um quadrinista havia
tido a oportun idade de chegar tão longe . O profissional típico do meio começa-
va com vi nte anos e estava queimado aos quarenta , como os astros do pop . Foi o
que aconteceu com Bernard Krigstein , um dos primeiros que tentaram o ofíc io ,
nos anos 1950, e tiveram de abandoná -lo antes de completar qua renta anos . Os
noveli stas gráficos talvez devam trabalhar em outra ve locidade , uma velocidade
até agora desconhecida nos quadrinhos .
[129J Omega the Unknown (2008) , Jonathan Lethem , Karl Rusnak,
Farel Dalrymple e Paul Hornschemeier.
Para eles, o mai or estímulo será, como diz C lowes na citação que abre estas
conclusões, o imenso território artístico que está por ser explorado e conquistado. NOTA5
Mas seria um erro pensar que essa exploração é uma conquista inevitável , assina-
lada pela inércia do destino ou pelo suposto amadurecimento natural do meio . O
sucesso nesse empreendimento dependerá, como tantas vezes ocorreu na história
dos quadrinhos, do talento e do compromisso de alguns autores individuais que
continuarão fazendo HQs - quer se chamem ou não novela gráfica - apesar de
INTRODUÇÃO
tudo . Porque o terreno que têm de descobrir na verdade não ex iste. Esse terreno
1 Erwi n Pano fsky. EI significado Ctlla.~ ar[cs tli,uta les. Madrid : Al ianza , 2004 , p. 36.
são as marcas que deixam enquanto caminham no vazio.

CAPíTULO 1
1 Rosenkran z (2009 ), p. 27.

2 No Brasil: OfAZ, j unot. A fmuá.stica vida Im.'t'f de Oscar Wao. Rio de janeiro: Record, 2009. (N . E.)

3 No Brasil: CHABON, Michae l. A~ incrít1t'Ís aWnlUfUS de Kava lier & Clay . Rio de janeiro: Record,
2002 . (N E )

4 H eer & Worcester k ds.) (2004), xii.


5 Rcitberger & Fuc hs ( 1972 ), p. 9.
6 Ibá"ez (2007).
7 Wilek ( 1989), p . 3.

8 Deppey (2006), p . 79.

9 Pode· se consultar em <www.eddiecampbell .bl ogspot.com >.

10 No Brasil : CLOWES , Dani el. Mundofa nwsma , Silo Paulo: Cal Editora , 20 11. (N . E.)
11 C lowcs ( 1997), p. 10 .

12 Clowes ( 1997 ), p. 5.

13 No Brasil , o comic hook é chamado de revis ta e m quadrinhos , gib i ou H Q , (N . R. T )


14 ECO ( 1988), p . l2 .

15 Crccnberg (2002 ), p. 15· 33. O art igo origina l, "Vanguarda c kitsch", é de 1939. (No Urasi l: In:
GREENBERG, Cle ment ct a!. Clement Gre('nbeTg e o deba te critico. Rio de Janeiro: Jo rge Za har,
200 I. [N E.l).
16 Lara ( 1968 ), p . 18.
,

17 Eisner (2002 ). "Estou aqui para lhes dizer que ac red ito firmemente que este meio é li teratura . É
uma forma de literatura e está atingindo sua maturidade agora ".

18 Ver, por exemp lo, {) significativo livro de Versaci (2008 ), c ujo subt ítulo é "Comics as litera ture".
També m o de Hatfield (2005 ) tem COmo subtítulo "An Emerging lite ra ture". O fe nô me no Se
explica em parte porque um bom número dos mais recentes estud os unive rsitários sob re co mic
surge nos departamentos de lite ratura , não de arte.
/'lOTAS

19 Hatf;eld (2005), p. 33.


45 Tantrum (1 979), de Jules Feiffer.
20 Sal;n., ( 1984 ), p. 3 17-3 18.
46 No Brasil: EI SNER, W ill . Um CQntTatO com Deus . São Paulo: Devir, 2007. (N . E.)
21 SaHn., ( 1984 ), p. 17.
47 Em fi cómic:y d arte secuendal ( 1985).
22 Citado em Vcrsaci (2008 ), p . 186.
48 Barrero indica que a primeira vez que o termo apareceu na Es pan ha corresponde precisamente
23 Werth.m (2009 ), p. 55. à coleção La novela gráfica, da editora barce10nense Reguera, cm 1948. Disponível em: < www.
24 MeLu".n (2003 ), p. 229. lite raluras .com/vO 10/ sec07 12/suplemcnto/ ArticuI08diciemb re .html >. Acesso em: 8 maio 2009.
25 Harvey ( 1994 ), p . 8. 49 Ramírez ( 1975b), p. 104.
26 M;tehdl (2009 ), p . 11 6 . 50 Eco ( 1988 ), p. 225-267 .

27 R. Sikoryak , RClS Ku/. Crime Ll nd Pun ishmen t!, em Drawn & Qttarter/y Vo lume 3 (2000), p . 89-99. 5 1 Barrero (2008 ).

28 M;Jlec (2007), p . 16. 52 Cálvez (2008 ), p . 7 1.


29 Cordon ( 1998), p . 9 . 53 Mortadel.o e Salaminho foi publicado no Brasil pe la Editora Cedibra , e ntre os anos de 1974 e 1980.
30 Harvcy ( 1994 ), p . 7. IN. E )

31 Mer;no (200 3), p. 11. 54 No Brasil : HERNÁNDEZ, Gil bert. Crônicas de Palomar. Rio de Janeiro: Record , 199 1. (N . E. )

32 Ro,e nkran z (2002 ), p . 272 . 55 O<ppey (2006 ), p. 83 .

33 Kunzle (2007), p . 114. 56 Ibánez (2007).

34 CroenSleen (2009 ), p. 3. 57 Sct h (2007), p. 416 .

35 Tcbeo e historieta são nomes dados às histórias em quadrinhos na Espanha c nos países de Iínboua 58 Bereh told ( 1935 ), p . 36.
espanhola. No Brasil, temos um caso semelhante ao do "tebeo": a rev ista Gibi, lançada em 1939, 59 Merino (2003 ), p. 270.
que trazia di versos personage ns de hi stórias em quadrinhos e c ujo nome acabou se tornando um 60 Masolla ( 1982 ), p. 13 .
sinônimo de revista em quadrinhos . (N . T )
6 1 Merino ( 200.~ ) , p . 27 1.
36 Mer;no (2003 ), p. 32 .
37 Sehodl ( 1996 ), p. 19.
CAPíTULO 2
38 Para conhecer diversas explicaçiles de maior amplitude sobre o significado co ncreto da palavra
I Sadow,b (2002 ), p . I.
"mangá", cf. Cravett (2004 ), p . 2 1; Sc hodt ( 1986), p. 18; Mt:ca (2008), p . 151 . Koyama -Ri chard
(2008 ), p . 6, Power (2009 ), p . 8- 12. 2 G roc nsteen (2007), p. 12 · 17.
3 No Brasi l: McCLO UD , SCUll. Desvendando os quadrinhos . São Paulo: M . Book s, 2004. (N . E.)
39 Esse caso não se ap lica tanto ao Brasil, o nde o tenno comics, usado no plural, es tá ma is associ ado
aos quadrinhos no rte-america nos de super-herói s. Aqu i, os tcrm os mais po pulares são gibi, 4 No Brasi l: EISNER, W ill . Quadrinho.~ e Arte '\equencial. São Paulo: WM I~, 2010. (N . E.)
história em quadrinhos, quadrinhos e HQ. (N . R. T. ) 5 Eisner( 1994 ), p. 5 .
40 Berchto ld ( 1935 ), p. 36. 6 MeCloud (2005), p . 9 .
41 Paul Gravcn (2005 , p . 3) chama a atenção para Ric ha rd Kyle no boletim CAPAALPHA nO 2 7 Harvcy ( 1994), p . 10.
(nove mbro de 1964 ), publicado pela Comics Amateur Press Allianee . 8 Carr;er (2009), p. 108.
42 Gmphic n(K,'Cl a parece e m relação a três comics ou pseudoeomi<.:s em 1976: Bloodstar de Ri c hard 9 McCloud (2005 ), p . 20.
Corben , lleyond Time and Agllin de George Merzger e Chandler. Rd Tide de Jim Stc ranko .
10 Ver a respeito, por exemplo, Ramírez ( 1975b), p. 229 .
43 Chandkr. Red T;Je( 1976), de );m Steranko.
11 Bafthe, ( 1989), p. 162 .
44 Tan to gra phic album co mo comic novel aparecem em Sabre ( 197R ), de Don MeC regor e Paul
12 M eCloud (2005 ), p. 9 .
Culacy.
NOTAS

40 Smoldc ren (2006), cf. a epígrafe ''Tô pffc r Demo nstratio n p. 98 -99
N
13 Na verdade , os exemp los da C oluna de Trajano e do ta pe te de Bayeaux vinha m sendo util izados ,
, .

há mu ito tem po c omo a ntecede ntes do com ic . Ver Lacassi n ( 1982 , p . 15), que també m ci ta, 41 Smo lderen (2006 ).
en tr e outros, o fris o do Partenón ou os vitrais de C h an res.
42 Smo lderen (2006), p . 99.
14 McClolld (2005 ), p. 10.
4 3 Kun zle (2007), p. 11 8.
15 C itado e m Kunzlc ( 19 73), prefácio .
44 la n;e r (200 8), p . 122 .
16 Kunzle ( 197 3), p. 2.
45 Gombr;c h ( 1998 ), p 30 1.
17 KunzJe ( 197 3), p. 2.
46 Cordon ( 1998 ), p . 15.
18 C roensleen (2007), p . 13.
47 Smol dere n (2002 ).
19 C roe nsleen (2007), p . 17 .
48 Card ner( 2ooR ), p . 2 11.
20 To mamos o co nceito de H atfi el d (2005, p. 4), que cita Samud R. Dclan y co mo respo nsávcJ pela
49 C itado em Bakcr (2005 ), vi ii.
ap licação do conceito de objeto social (co m o sen ti do que lh e deu o soció logo Luce n C o ldma n)
50 C.rH n (2005), p . 28 .
aos comics, como parte do que c hamam de packages or pllblishing formaes, ou seja, "paco tes ou
fo rmatos de publ icação". 5 1 Com exceções como a já me nc io nada do b ri tân ico Al ly Sloper.

2 1 Ci tado em Jim é nez (2002 ). p . 5 1. 52 Ve r Gordo n ( 1998 ), es pecia lme nte "Co rn ics as Co mmo dity and Age rll o f C hange : Buster
Brown", p. 4 3-58 .
22 McC loud (2005 ), p. 23 .
53 No Bras il, os exemplares de Os sobrjnho.~ do capildu foram publ icados pela Editora O pe ra
2 3 Kunz le ( 1973 ), p . 298 .
Graph ka , na co leção O pera King . (N . E. )
24 Baudel aire (200 1), p . 133 .
54 H . rvey (2009), p . 43.
25 Combric h ( 1998 ), p . 296.
55 Berc htol d ( 1935 ), p . 35 .
26 Baudelaire (2001 ), p . 150.
56 Smol dcren (2006 ).
27 Kunzle ( 1990), p . 3 14 .
57 Smo ldc ren (2006 ), p. 112.
28 Sab;n (2009), p . 185.
58 O exemplo ma is notável é o da sé rie A Pih", Clerk, de C1a re Briggs, publ icada no Chicago Americtm
29 No Brasil: McMAN US, George. Pafúncio. São Paulo : Martins Fontes , 1989. (N . E.)
e m 1903 e prota go ni zada , assim como a stirie pos te rior de Fi she r, po r um jogador que apostava
30 Crave u (2004 ), p. 18. nas corridas de cavalos . Embo ra Fi she r ti vesse se c riado em C h icago , aban do nou a cidade
3 1 Trata-se de HPo r um eorace ro", de José Lu is Pell ice r, pub licada na revista Ill ad rilense EI Mundo a ntes de Briggs iniciar sua sé rie; portanto , não fica claro se hou ve uma verdadeira infl uê ncia de
Cómico nll 22 , de 30 de março de 1873 . Ver Martín (2000b), p. 30-3 1. An teriorm e nte, o pró prio A I ~ker Clerk sobre A. Mun. Alé m da co inc idê ncia do t ítul o e do tema, h av ia um recurso narrativo
Martín hav ia identi ficad o co mo a histo rieta mai s an tiga a anônim a "U n drama desco noc ido" comum: a a posta fe ita pelo protago nista a ca da dia e ra resolvida favorável ou desfavoravelme nte
( 1875 ), e m M.rl 'n ( 1978 ). no d ia seguinte. Cf. Ha rvey ( 1994 ), p . 36.
32 Barrem (2004). 59 H alVey ( 1994), p . 37. A fo nt e o ri ginal da ci tação é o artigo "Confessio ns of a Cartoonist", do
33 N o Brasil: GO M BRI C H , Ernst H . Arfe e Ilusdo - U m eSludo da psicol og ia da representação pró prio Bud Fish er, publicad o e m 28 de julh o de 1928 no Saw.rday Evening Pose , e que co nti nua ri a

pictórica . São Paulo : WM .: M art ins Fontes, 2007. (N . E.) nas tres sema nas segumtes.•

34 Ku nz le (2007), p . 52. 60 H arvcy, 1994, p . 38.

35 Assouli nc ( 1997), p . 36 . 6 1 Ci tada e m C ordo n ( 1998), p . 86 .

36 Kunz le (2007), p. 12 1. 62 Schodt ( 198 6), p . 45-48 .

37 Kunzle (2007), p. 5 . 63 S.doul ( 1986 ), p . 8 1.

38 Kun zle ( 1990), p . 2. 64 Assoul inc ( 1997), p. 35.

39 Marrin (2005 ), p . 17 . 65 Spiegel ma n ( 1990), p. 6 .


NOTAS

66 Phclp, (2001) , p. 197. 93 Ci tado em Harvey ( 199 4), p. 70.

67 Sunda,s Wilh Walt and Skeetix, Sunday Prcss Hoo ks. 94 W. u" h ( 199 1), p . 224 .

68 Walr and Skeaix, Drawn & Quarterl y. Até o momento apareCeram três volumes, que cobrem de 95 Ca rl ;n (2005 ), p . 58 .
192 1 até 1926. 96 Be ne t (2004), p. 92 .
69 Garci. (2008), p. 28 -34. 97 Car l;n (2005 ), p. 84.
70 Ware (2005 ), p . 5. 98 Gordon ( 1998), p. 133.
71 Deppey (2006 ), p . 83 . 99 W r; ght (2003 ), p. 4 .
72 Km'O & Ignm z (2002 -2008 ), dez volumes até o momento , que inc lue m pág inas de 1925 até 1944, 100 5teranko ( 1970), p. 14 .
momento em que a série acabou . O projeto continuará reeditando os volumes corres po ndentes
101 Je nk ;ns (2006).
aos anos anteri ores a 1925 .
102 Jo ne, (2004 ), p. 144.
73 TIte Complete I'ea ntm (2004-2009 ), onze volumes até o momento , que inclu e m tiras de 1950 até
103 N ybe rg ( 1998), p. 16.
1972 . A coleção está aberta e continuará até compl etar a reedi ção completa de Peanuts, que foi
conclufda em 2000. 104 Benton ( 1989), p . 39.

74 Kidd, Chip; Sp icgclman, Art. Jack Cole and Plaslic Man. Sa n Francisco: Chroni cle Books, 2001 . 105 N o Bras iL EISN ER, W ilJ . O 50nhador. São Paulo: D ev ir, 2007. (N . E. )

75 H eer (2008), p. 21. 106 Th omp, on & Groth (2006), p . 103 .

76 No Brasil , a tirinha fi cou ma is co nhecida como Aninha , a Pequena Órfã, mas també m houve 107 Hajdu (2008 ), p. 26 .
adaptações para outros veículos (r.:im: ma, teatro, televisão ), e m que passou a ser c hamada de 10 8 Jones (2004), p. 2 14.
Annje, a Pequena Órfã Oll simplesmente Annie. A tira co meçou a ser publicaa no "Suplemento 109 Ue llton ( 1989 ), p. 48.
Juveni l", que aco mpanhava o jo rnal A N ação, de Porto Ale gre. (N . R. T. )
110 G o rdon ( 1998 ), p . 139.
77 Beron' (2008 ), p. 10- 12.
111 Simon ( 1990 ), p . I 22 .
78 Beron. (2008 ), p. 15.
112 Benson (2003 ), p. 6 .
79 Mann (2004 ), p. 16.
11 3 C ilbert & Quattro (2006 ), r . 79 .
80 5eth (2007), p. 416 .
114 Cilbert & Quattro (2006), p . 79 .
8 1 Berona (2005 ), vi .
11 5 O lbert & Qumro (2006), p . 78.
82 Berona (2009) , v.
11 6 Martín (2000), p. 169.
83 G ravett (2009 ).
I 17 Martín (2000), p . 170 .
84 Beron' (2008 ), p. 135.
118 Tatsumi escreveu e dese nhou um comic auto biog ráfico em que rdata , po r meio de um sósia, as
85 K;ersh (2008 ), p. 98.
o ri gens do gckiga desde o pós-guerra até os anos 1960: Una tlida errante (do is to mos), publi cado
86 A respeito da relação de Milt Gross com o humor judaiCO e a represe ntação da fala dos o rigina lmente entre 1995 e 2006, e tradu zido para o espanho l peJa Astiberri em 2009 .
imigrantes, cf. Kelman (2010).
1 I? A o bra não possui ed ição brasileira. Seu título origina l é Gekiga Hyouryuu (editora Se irinkogeisha);
87 Ramirez (2008), p . 499. e m ing lês, recebeu o título de A Drifeing tife (editora Drawn and Quate rly). (N . R. T. )
88 Ramírez (2008 ), p . 502 . 120 EC é a editora paradigmática do movime nto , mas não fo i a úni ca, nem a primeira , a pratica r o
89 Eisner( 2004 ), xiii. gê nero de terror. Ve r Watt-Evans ( 1997).

90 Lanier (2007), s/n o 121 "Foul Play!", em Haunt of Fear 19 (maio-junho de 1 95 .~ ) . Roteiro : Hill Calnes c AI FeJdstein .
Desenho: Jack Davis .
91 N o Brasi l: KUPER, Peter. O sistema . São Paulo : Abril , 1998 . (N . E.)
122 5adow,k; (2002 ), p. 19.
92 N o Brasi l: TAN , Shaun . A chegada . São Paulo: Ed ições SM , 20 11 . (N . E.)
A "'OV~LA 6~Á~ICA
tlOTA5

123 Sadowsk; (2002 ), p. 77.


10 Rosenkranz (2002), p. 264.
124 Sadowsk; (2002 ), p. 166. 11 Rose nkra nz (2002 ), p . 17 1.
125 Be nson, Kasakove & Spiegelman (2009), p. 288 . 12 Danky & Kitchen (2009), p. 18.
126 Sadowsk; (2002 ), p. 19 . 13 Benton ( 1989 ), p7 4. •

127 Raeburn (2004. ), p. 13. 14 Raebum (2oo4b), p. 39.


128 Sadowsk; (2002 ), p. 201. 15 Raeburn (2oo4b), p. 39.
129 Em "From Etcrnity to Here" (Mud 12, junho de 1954). Posteri ornlt:nle , também trabalharam
16 C rumb ( 1996 ), viii.
juntos em "Bringing Up Father" (Mad 17, novembro de 1954 ), uma paródia de Brin~ng Up Facher
17 Rose nkranz (2009 ), p. 24.
em que também participou Will Elder, e na qual de novo o resultado fo i insati sfatório para rodos os
implicados. 18 Pouncey (2008 ), p . 7.

130 Versaci (2008 ), Cap ítulo 5, "Gucrilla Warfare and Sneak Attacks . Comic 1300ks vs. War Films", 19 No Brasil: SHE LTON , Gilbert . Fabulous Furry Freak Brotfu>rs. São Pau lo: Co nrad , 2004. (N . E. )
p. 139- 181. 20 Robb;ns (2009 ), p. 32 .

131 Benson (2006), p. 24 . 2 1 Robb;ns (2009 ), p. 32.

132 W;tek ( 1989), p. 45 . 22 Chute (2009), p. 59.

13 3 Car!;n (2005 ), p. 11 9 . 23 Spiegdman ( 1995 ), p. 4.


134 Deppey (2006 ), p. 81 . 24 Hatf;eld (2005 ), p. 7.

135 Nyberg ( 1998 ), p. 3. 25 Schell y (200 I).

136 Nyberg ( 1998 ), p. 60. 26 "Lucky Luke, sus autores" ( 1973 ), em Bang! 10, p. 47.
137 Nyberg ( 1998 ), p. 63 . 27 Barbarelln foi publicada no Brasil em 1969 pda Un og ráfica Editora Ltda ., com tradução de jô
138 Ono (2009), p. 9. Soares. (N E. )

139 Croth (2003 ), p. 53. 28 Beaty (2007), p. 24 .

140 Ben to n ( 1989) , p. 54. 29 No Brasil, Valentina foi publicada pelas editoras L&PM e Conrad . Essa histó ria especificame nte
foi pub licada pela Conrad em Valenlina - Volume 1 e se c hama "Olá , Valentina". (N . R. T. )

CAPir u LO ::l 30 E, na verdade, assim foi em sua primeira edição espanhola , nada menos que em 2006.

I Rosenkranz (2002 ), p . 4. 31 No Brasil : BUZZATI, Dino. PoeT1U1 em quadrin/ws. São Paulo: Cosac Naify, 2010. (N . E. )

2 Croth (2002. ), p. 38. 32 Temos acompanhado a histó ria do comic undergTOu nd espanhol de O o pico, Pablo (2005 ), El
c6mic unde,g,ound espanol, 197Q.. 1980.
3 Os Quadri nhos de Roben Crumb fo ram publicados no Brasil na revista Grilo, na década de 1970,
33 Carcia ( 1997), p. 6 .
e nas revistas Circo e Porrada na década de 1980. Atualmente, suas obras são publicadas pela
editora Conrad. (N . E.) 34 No Brasil, A lenda de Kamui fo i publicada pela ed itora Abril em 1993. (N . E. )

4 Rosenkranz (2002 ), p. 27. 35 Cravett (2004 ), p. 42.

5 Maremaa (2004 ), p. 3 1. 36 Sigo a tradução apresentada por Mare Bcrnabé em:


<www.mangaland.esl200S/03/ scan lation-de_niji _shiki _la _espita >.
6 Maremaa (2004 ), p. 29.
37 Randall (2003 ), p. t 35.
7 Croth (2004), p. 28.
38 Sh;rator; (2 000), p. 5.
R Rosenk ran z (2002 ), p. 7 1.
39 Maremaa (2004 ), p. 27.
9 H at[;eld (2005 ), p. 12 .
40 Crum b ( 1996 ), p. viii.
/'lOTAS

28 No Brasil, essa história foi publicada pela edilOra Brasilicnse em Maus - A história de um
4 1 Rosenkran z (2009), p . 26.
so~ itICnt e - Volume li , com tradução de Marfia Esther Martina . (N . R. T )
42 Roscnkranz (2009), p . 19 .
29 Wolk (2007), p . 12 .
43 Buhle (2009 ), p. 45 .
30 Hatficld (2005 ), p . 145 .
3 1 Sabin (2007), p. 108 .
CAP(TUL04
32 Vcrs.ci (2008 ), p. 92 .
I Hatfield (2005 ), p. xii.
II Didi:Hubennan (2004 ), p. 17.
2 Mullancy (2007), p . 21 .
34 Huyssen (2002 ), p. 15.
3 Para uma história detalhada do direcr market , ver Hee rbohm ( 1999 e 2000).
35 No Brasil, essa histó ria foi recentemente repuhl icada pela Pan ini C o mics em Batman. Ü eOt/aleiTO
4 Eisncr(2001 ), p. 287 .
das trevas - Ediçdo dcfinitioo . (N . R T. )
5 Fundado por Jerry llai ls e con ti nuado depo is ror Thomas,
36 Esse filme , prolagonizado por Viggo Morten se n, Maria Bello, Ed Harris e William Hurt , foi
6 Ver "The Dircet Markct and lhe Conso lidation a f Fandom" em Hat field (2005 ), p. 20-23 . lançado no Brasil com o título Marea$ da violência . (N . T )
7 No Brasil , O j(tbuloso mundo de Krypton (Superman ) foi publicado pela editora Eba l em 1982 . (N. E.) 37 No Brasil: AUSTER, Paul. Cidade de vidro. São Pau lo : Via Lettera , 1998 . (N . E.)
8 Mullaney (2007), p. 23 . 38 Em 199 1, na verdade , a Marvel vendeu quase 8 milhões de cópias d o X Men n. 1, o lançamento
9 Mull aney (2007), p . 29 . de uma nova sé rie protagonizada por seu gnlpO de super-heró is mais popular. O número
10 Gmth (2004 ), p . 55 . estava superestimado pelo mercado de co lecio nadores especuladores, que pouco depo is cairia
estrepitosamente.
11 C rum b (2000), p . vii .
39 No Brasil , CortO Maltese - A balnda do mar S(j/g(lJu foi publicado pela L&PM ( 1998) e pela Pixel
12 Ibáiiez (2007).
(2006). (N E )
13 No Brasil : BAGCE, Peter. Ódio. São Paulo: Via Lcttcra, 2001. (N . E.)
40 Embora não tenha si do pub licado no Brasil, e xiste uma edição em português de Blueberry - A
14 No Brasil : C LOWES , Dan iel. Como uma luva de veludo mo/dwla cm fcrro . São Paulo: Conrad , 2002.
mina do alemdo perdido publicada pela editora portuguesa Meribérica . (N . R. T. )
(N E.)
4 1 No Brasil, A g(lwgem h.ennética foi publicada pela editora Clobo na revista Os mundos fantás ticos de
15 No Brasil , Black Ho/e foi publicada em dois vol umes pela editora Conrad . São eles: BL:lCk Hole -
Moebius n' I ( 199 1). (N . R. T )
Introdução d biolo.oa (2007 ) C 8Iack Hok - O fim (2008 ). (N . E.)
42 No Brasil,)ODO ROWS KY, AlejandNl, MOEBIUS, )ean Ciroud. rncn1. São Paulo, Devir, 2006. (N . E.)
16 No Brasil: EISNER, WilL Um commw com Deus & ouons história.~ de cortiço. São Paulo: Devir, 2007. (N . E. )
43 Mille r( 2007), p . 27 .
17 Ramírcz (2003 ), p . 105 .
44 H á tdifjôes em português das duas obras de Bourgeon , publicadas pda editora porlUHuesa
18 Andelman (2005 ), p . 183 .
Meribérica . (N . E.)
19 Be nson (2005b), p . 128 .
45 Em ponuguês, ) UILI.ARD, André. As 7 vUJn., do gavião. AlfragiddPortug.L Asa Edições, 2004. (N . E. )
20 Kaplan (2005) , p . 13 1.
46 H á edição em português de Thorgal pela Asa Edições de Portugal. (N . E. )
2 1 H atficld (2005 ), p. 29.
47 Embora não tenha sido publicada no Brasil , há uma versão e m português de A feira dos imortais ,
22 Andel man (2 005 ), p . 289. publ icada pela editora portuguesa Meribérica . (N. R. T. )
23 Hatficld (2005), p . 109 . 48 Wivel (2006b), p. 151.
24 Witek ( 1989), p. 12 1. 49 W ivcl (2006b), p. 158.
25 H 'lfie ld (2005), p . 11 2. 50 Wivcl (2006. ), p. I I I.
26 H uyssen (2002 ), p . 144- 145. 5 1 D c ppey (2006), p . 71.
27 W itek ( 1989 ), p. 109. 52 W ivel (2006b), p. 156.
A /'IOV~LA 6RÁélCA "OTAS

53 Abreviação de "48 Cartonnéc Cf co Cou ler", tradicional fonnato das HQs franco -belgas, 11 No "rasil, a HQ se c.:hama Umbigo sem fundo e foi publicada pela Compa nhia das Letras
consagrado pelas séries Tinrim e Asterix, de 48 páginas, coloridas, com lombada quadrada e ca pa (Quadrinhos na Oa.), com tradução de f:rico Assis , 2009. (N . R. T. )
duca . (N . R. T.) 12 Raebum (2004 ), r . 17 .
54 No Brasil: SATRAPI, Marjane. Persépolis. São Paulo: Compan hia das LetTas, 2007. (N . E.) 13 As duas HQs incluídas na edição original desse volume por !oua ed itora, Zadic Smi lh , estão
55 Beaty (2007 ). faltando na tradução espanhola : EI libro de los O[fOS , Sa lamandra , 2009.

56 W;vel (2oo6b), p. 171. 14 Grama n. 108 , ou tono dt: 2009.

57 Nosor:ros somos los mUCT[OS foi lançad o como fanzi ne fotocopiado e ilutoeditad o por Max em 1993 . 15 Cw;klik (2006), r . 187 .
Esse fanzin e só incl uía uma historieta do pró prio Max e do is textos , um de Pere )oan e o outro 16 "Chris Ware é, sem dúvida , o autor mais importante de quadrinhos dos últimos anos, e não somente
de Emilio Manzano. O mImero I da revista propriamente dita, que incluía colabo rações de nm. Estados Unidos, seu país de nascimento e residência ." Samson & Peetcrs (2010), p. 5.
dese nhistas espanhóis e estrangeiros, apareceu e m maio de 1995. A partir do número 2 (mai o 17 O último comic publicado na época foi Mister Wondcrful , serializado em The New York Times
de 1996), adotou -se o formato de livro , com mai s de cem página s em preto e branco , que se Magazine em 2008 e de caráter mais convenc ional , segundo declarou o próprio Clowes , pelo
manteve até o número 6/ 7 (maio de 2000). Depois de uma longa pausa , a revis ta voltou a partir desejo de ser mais acess ível a um público mais geral.
do número 8 (2003 ), reduzindo seu títu lo para NSLM , ampl iando seu tamanho e acresce ntando
18 Gear.\: Sprott e Clyde's Fa ns não foram publicados no Brasil. Originalmente, foram pub licados em
cor e o subtítulo "g ráfica rad ia nte". Esta segunda fase tenninaria no número 15 (abril de 2007).
inglês pela editora Drawn and Quarterly. (N . R. T. )
O curioso é que as duas eta pas da NS LM podem ser comparadas com as duas etapas de Raw, mas
em o rdem inversa. Raw passou de formato de rev ista gráfica de g rande tamanh o para o formara 19 No Brasi l, a coleção fo i lançada pela L&PM , co m o nome Peanuts Completo. (N . R. T. )

de novela gráfica de bolso , e a NSLM , de novela gráfica para revista gráfica. 20 Ctúlbc rt (2009 ).

58 No Brasil: WARE, Chris. lim,"y Conigan, o menino mai.~ e.~perto do mundo. São Paulo: Quadrinhos 21 No ~r"il, BROWN , C hcsrcr. Playbcy. São P,u lo , Conrad , 200 I. (N . E. )

na C;, ., 2009. (N . E.) 22 Ware (2007), p. xxi.


23 H;glúte (2006 ), p. 75 .
CAPirUL05 24 F;ore( 1997), p . 68 .
I Ware (2007), p. xv ii. 25 No Brasi L BECHDEL, Alison. Fltn H ome. São Paulo: Conrad , 2007. (N . E.)
2 "fop 300 Comics AC lual (May 2009 )", dispon ível em: 26 Ver Schodt ( 1999 ).
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3 Drakc (2002 ), p . 6 . na Ci'.), 2009. (N . E.)

4 Cutlbert (2009 ). 28 As at!(.'n tu Tll$ Jo Rei Mono é um cláss ico da literatura chinesa mu ito desconhecido no Ocide nte.
Co nta as aventuras de um peregrin o budjqa que vai à índia para obter manuscritos da sua
5 E também é significati vu que a próxi ma obra impo rtante de Clowes, \ViLson (Drawn & Quaner1y,
reliKião para iluminar O Impéri O C ha ng ' por ordem da Bodhisattva Cuan Yin . No caminho , os
2010), anunciada quando este livro estava em vias de ser impresso, sej a publ icada diretame nte
deuses põem a seu serviço quatro monstros, e nca rregados de limpar sua vida "malvada" anterior.
no formato de livro. [Wibon foi publicado co rno livro de capa dura , co lorido, com oitenta
Entre eles o mai s importante é o Rei Mono, um macaco com superpodc res cósmicos. (N . T )
páginas, conte ndo uma série de se tenta h istórias de uma pági na. No Brasil, a publicação é da
Companh ia da s Letras (Quadri nhos na Oa. ), com tradução de Érico Assis, 2012 . (N . E.») 29 No Brasil , Palestina foi pub licado em dois volumes , "Uma naçã o ocu pada " c "Na Faixa de Gaza",
pela editora Co nrad, em 2000 . (N . E.)
6 Cutlbert (2009).
7 H;gn;te (2006 ), p. 167. 30 Pub licado no Brasil pela ed ito ra Conrad , em 200 1. (N . E. )
3 1 Versaci (2008 ), p. 111 .
8 Carda ( 1997), p. 24.
9 Cutl bcrt (2009 ). 32 Versac i (2008 ), p. 11 9 .
33 Vaughn-Jam es (2006 ), p. 7 .
10 No Brasil , a H Q se chama Retalhos e foi publicada pela Co mpanhia das Letras (Quadrinhos na
Oa.), com tradução de Érico Assis, 2009. (N . R. T ) 34 Isabel;nho (2004).
35 Ware (2006 ), p. 7.
36 McGu;re (2009), p. 5.
COPYRI61-1T l?A5 I!r1A6E/V5
37 A série já conta com um terce iro vol ume . (N . R. T )
38 No Brasil : McCA RTHY, Cormac. A estrada. Rio de Janeiro: Alfaguara Brasil , 2007. (N. E. )
o copy right aparece indicado segundo a pág ina em que se reproduz cada imagem.
39 Molol;u (2009 ), p. 17.
40 Rosenkranz (2005 ), p. 27.
Pági na 24 , © Cilberton Company, Inc. ; 27, © R. Sikoryak; 34 © Fleetway; 40,
41 H;gn;le (2006), p. 163 .
© Scott McCloud; 67, 70, © Joseph Pulitzer's newspape r; 73 , © Kitche n Sink
42 No Brasil , Epiléptico foi publicado pela editora Conrad em doi s volumes ( 2007 e 200 8). (N . E. )
Press; 82 , 83 , 108, 109, © King Fea tures Syndi cate; 85 , © Estate o f Frank King;
43 Quintana (2008 ), p. 7.
89 , © Artists Rights Society (ARS), New York / VC Bild -Kunst, Bonn; 90 , 93 ,
44 Originalmente publicado em ing lês co m o título Exit Wound.~ , lançado pela editora Orawn &:
© Robin Ward Savage and Nanda Ward; 97, 26 1, © Fantagraphics Books; 99,
Quartcrly. (N. R. T. )
45 48 CC (COU/eUT, canoné) é um padrão dos livros de quadrinhos adotado na França desde 1950,
°
© Max Ernst; 1 1, © Eric Drooker; 102, © Peter Kuper; 104, © Shaun Tan; li O,
© Tribune Media Selvices, Inc. ; 111 , © Peter Maresca and Sunday Press Books;
caracterizado pelo formato grande, COIll capa dura , colorido c, em ge ral , contendo 48 páginas.
1 i 3, © Eastern Colo r Printing Co.; 1 17 , 229, 23 I , © D C C omics; 120, 2 I 3, 2 14 ,
(N E.)
217 , © Will Eisncr·" 123 © Joe Simon and Jac k Kirby; 123 © Comic H ouse, Inc. ;
46 Foi lançado originalmente em japonês com o título Takemitsu zamurai, pela editora Shogakukan .
(N . R. T. )
124, 127, © Arnold Drake; 129, © Yoshihiro Tatsumi ; 132 , 135 , 136, 138 , 142,
14 3, 154, © William M . Ca ines, Agent, Inc. ; 145, 146 , © E.C. Publications, Inc. ;
47 Em português: TANIGUC HI , )iro . A arte de Jira Tan iguchi: o homem ql~e camin/w. Li sboa : Dev ir,
2005. Sér;e Ouro. (N . E.) 148 , © Playboy; 149, © Harvey Kurtzman; 161 , © Estate of Jack Jackso n; 163 ,
202 , © R. C rumb; 167, © Bobby London ; 169 , © C ilbe rt Shelton ; 170, © S.
C1ay Wilson; 171 , © Estate of Ro ry H ayes; 172 , © Richard Corben ; 173, © Trina
CAPiTULO 6
Robbins; 175 , © Jus tin Creen ; 179 , © Gi l Kane; 179, © The Morning Star Press,
1 C1owes ( 1997), p. 14 .
Ltd .; 180, 237, 239 , 307, © Dargaud; 182 , © Pascal Thomas e Cuy Peellaert; 18 3,
2 Müche11 (2005), p. 213 .
© Estate of Cuido Crepax; 184 , 238 , © Les Humano·ides Associés, Moebius; 186,
3 M;JJer(2007), p. 31.
© Nazario; 187, © Yoshihiro Tsuge; 198 , 225 , 227, © Art Spiegelman; 199, 266,
4 Deppey (2006 ), p. 99.
© Cary Panter; 203 , © Los Bros . Hernandez; 205 , © Cilbert Hernandez; 206,
5 W;vel (2006a ), p. 111.
© Jaime Hcrnandez; 2 10 , 219, 249 , © Daniel C lowes; 220, © Debbie Drechsler;
6 No Brasil , a prim eira edição foi publicada pela Conrad , com O títul o lsaac, o pirata (2005 ). Esta
222 , © Harvey Pekar; 233 , © Dave McKean; 234 , © Bob Callahan Studios;
segunda edição não foi publicada no Brasi l. (N . R. T )
244, © Max; 250, 255 , 256, 257, © Chris Ware; 251 , © C raig Thompson ; 252 ,
7 ~ significativo que tenha publicado na coleljão POisson Pil o te, que com seu nome tenta se
© Dash Shaw; 260, © Seth; 26 1, © United Features Syndicate; 263 , © Chester
vincular às origens da tradição do com ic de autor francês na revis ta Pilote de René Cosci nny, que
Brown; 264, © Charles Burns; 269, © James Kochalka; 270, © Jeffrey Brown;
t , por sua vez, a origem do eomic comercial moderno . •
272 , © Alison Bechdel; 276, © Joe Sacco; 278 , © Martin Vaughn -James; 280,
8 No Brasil , os três volumes de O fotógrafo foram puhli cados pela editora Conrad ( 2006, 2008 e
2010) (N . E ) © Richard McCuire; 282, © c.F.; 283 , © Anders Nilsen ; 284, © Warren Craghead
111 ; 287, © Marjane Satrapi & L'Association; 289, © Rutu Modan , 292 , © Jason
9 W;vcl (2006b ), p. 157 .
& Editions de Tournon - Carabas; 296, © Taiyou Matsumoto , Issei Eifuku; 298 ,
© Jiro Taniguchi ; 299, © Cuy Delcourt Producti ons - Paco Roca; 308, © Dupuis;
3 I I , © Marvel C haracters, Inc .
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