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HIGGINS, Nina.
TÓXICO – A Vingança do CEO [TÓXICO – A Vingança do
CEO] / Nina Higgins. – RJ: edição número um, 2021].
Ficção - romance – contemporâneo romance - jovens e adultos
I. TÓXICO – A Vingança do CEO II. Nina Higgins
Nota da autora
Prólogo
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Epílogo
Recado da Nina
Nota da autora
Oi, leitorx
Só para você ter ideia, esse livro na verdade foi escrito em 2019,
bem no comecinho de minha coragem para publicar na Amazon; acho que foi
meu terceiro livro, mas... eu o odiei, simplesmente o odiei quando o
publiquei... quis tentar algo muito diferente, e tive protagonistas antipáticos,
que não me causavam nada além de uma imensa frustração... não deixei nem
uma semana na plataforma, tirei e guardei a ideia na geladeira, porque eu
gostava do plot, era algo que eu queria trabalhar, mas definitivamente de
outra maneira.
Esse ano nasceu a vontade.
Pronto.
Nasce assim, algo totalmente diferente do que escrevi na primeira
vez e agora tem minha essência, estou feliz com o resultado – o antigo se
chamava (IM)PERFEITOS, para fins de curiosidade rsrs
Desta vez, tive a ajuda das preciosas betas Maylah, Babi, Ana
Clara, Lea, Fabíola e Joyce e devo a elas todas as reviravoltas que dei... só
para constar, não foram poucas hahaha coitados de meus revisores da Control
K, piraram comigo dessa vez!
Mil beijos,
Nina Higgins.
Ah, antes de cada capítulo, você vai se deparar com um trecho de
música que me inspirou a escrevê-lo, ouvi muito rock clássico e nostálgico
nessa escrita, assim como alguns mais atuais, desde levinhos à mais
intensos... é a playlist do e-book e uma dica para que ligue o som e curta o
ritmo enquanto lê o capítulo seguinte, que tal?
Prólogo
Meu pai estava certo, eu era uma Kane e meu destino estava
traçado.
Eu era uma covarde.
Outra vez o rancor arde minha garganta... como se meu pai tivesse
sido, um dia sequer em toda sua estúpida vida, um pai preocupado e protetor
ou minha mãe olhasse para alguém que não fosse seu próprio reflexo no
espelho...
— Chegamos.
Olho para o lado e não consigo evitar o suspiro que me sai por entre
os lábios. Eu estava tão absurdamente cansada que preferiria ficar naquele
carro durante as próximas horas do que andar os poucos metros até o iate
onde a festa da empresa estava acontecendo há algumas horas.
Noto que o homem vem em minha direção e puxo minha bolsa até
os ombros, içando-a em um movimento instintivo, mas assim que vejo suas
belas roupas não tenho dúvidas que dinheiro ou status não são coisas que
faltam àquele homem.
Acredito que seja algum dos convidados de meu pai, não parece que
preciso temê-lo, ainda que eu sinta um arrepio estranho em minha coluna.
— Boa noite, Ellie Kane. — ele me cumprimenta e eu miro seus
olhos, tão noturnos como o céu, sem entender como sabe quem sou. — Não
me parece uma boa noite para uma festa no iate. Parece que vem tempestade.
— ele tem um sotaque diferente, forte, poderoso, que me leva a prestar
atenção em seus lábios, mesmo que eles por si só já pudessem fazer isso sem
esforço algum.
Meus olhos vão dos seus para sua boca e então reconheço-o das
Empresas Kane, o jovem prodígio que meu pai tanto elogiava em seus
jantares conosco. O que ele fazia longe da ostensiva celebração dos Kane?
— Por que atrasou tanto, Ellie? — ela sibila e tudo que vejo são
seus lábios num tom carmim se curvarem em desgosto enquanto me analisa
de cima a baixo. Escuto meu pai falando ao microfone, mas mal tenho tempo
de me virar para vê-lo em algum palco improvisado. — Por que está com o
cabelo preso? — seus dedos gelados vão até à franja presa e ela solta alguns
fios, tentando tapar minha testa. — Eu já te disse que assim você não se
valoriza. E a... marca... fica à mostra, Ellie, querida...
Meu pai olha pra mim por um breve instante, mas seu rosto é
indecifrável e noto que ele parece mais velho do que sua idade, as rugas e a
pele muito branca e doente, que tenta disfarçar com alguma base, tão artificial
quanto o sorriso que agora lança para mim:
— Agora que minha bela filha chegou e minha amada família está
completa, finalmente posso anunciar o propósito de nossa festa.
Ele pausa, dando o suspense que lhe é característico nos discursos,
mas tampouco presto atenção em meu pai, o homem ao seu lado é dono de
meus olhos, só consigo ver a beleza que se destaca pela iluminação do iate,
ainda que fosse evidenciada mesmo na penumbra. Seus cabelos são
ondulados e a pele morena contrasta com o belo sorriso de dentes brancos
que, obviamente, anseiam o que meu pai vai falar, provavelmente alguma
promoção nas empresas Kane.
Meus olhos se voltam para o palco e meu pai abraça o homem que...
— meu Deus, eu escutei aquilo mesmo? — que... anunciou ser meu noivo, e
eu simplesmente não entendo o que está acontecendo, tão perplexa e
mortificada quanto qualquer um ficaria no meu lugar, mas na mesma medida
todos simplesmente me parabenizam, sorrindo e brindando ao meu noivado,
nada mais faço a não ser controlar minha respiração.
Olho meu marido... ele está de terno e parece mais belo do que
nunca.
Eu conheço minha mãe e sei como são seus sorrisos quando evoca a
modelo que era antes de casar com meu pai. Sei quando ela posa para uma
câmera ou interpreta a esposa perfeita e sei quando ela sorri genuinamente.
Principalmente porque os sorrisos genuínos eram raros.
Meu pai estava doente, mas isso não o impedia de me usar como
marionete, atrelando tantos pormenores ao meu testamento que ficou claro
nessa última semana que, se eu não fosse a senhora Willians, não haveria um
único hospital nesse país que contratasse a futura enfermeira que almejo ser.
Desmond Kane nunca admitia sua derrota diante do seu quadro de saúde e
tampouco me via como possível herdeira de seu bem mais valioso, não para
gerenciar pelo menos.
— Pelo visto já se sente mejor. — ele avança com o nariz até o meu
pescoço e eu me encolho ao notar que inala o aroma de meu perfume antes de
buscar meus olhos logo em seguida. — Está se casando com um homem
guapo e rico. É mais do que merece. Não reclamaria de meu destino se fosse
você, preciosa.
Ele não poderia estar feliz casando com uma mulher que nem ao
menos conhece, e sei que nada mais sou do que um negócio rotineiro de um
CEO inescrupuloso. Sim, inescrupuloso, até negócios tinham limites, mas a
aliança em meu dedo só me provava que para aquele homem não.
E tudo escurece.
Seus braços estão caídos sobre seu peito nu, o lençol branco
despencando de seu corpo para o chão, o rosto virado de lado no travesseiro,
olhos muito bem fechados, o ressonar constante.
Seria possível que não tivesse acordado com todo o barulho que fiz?
Olho à minha volta procurando alguma roupa para vestir, e ando pé-
ante-pé até uma poltrona solitária perto da janela, mas não encontro nada ali,
apenas uma almofada solitária ao lado das peças do smoking que Trevor usou
na noite anterior. Estico meu pescoço até a janela e olho o prédio de vidro do
outro lado da calçada refletindo o letreiro, estou no Four Seasons.
— Não.
Ele avança mais um passo e agora posso ver uma pequena cicatriz
no canto esquerdo de seu rosto, quase imperceptível, assim como uma pinta
perto de seu nariz. De modo algum aquele par de detalhes o enfeia, pelo
contrário, parece mais um tipo de magnetismo para seu rosto tão incógnito.
Sua mão pousa em meu braço e eu seguro mais firme o lençol entre
meus dedos. Trevor respira lentamente perto de meus cabelos e eu vislumbro
os fios dançarem com o mínimo de ar que ele solta de seus lábios
entreabertos.
— Não vejo o que você ganha, já que está dizendo que meus pais
beiram à falência e precisou casar comigo para salvá-los.
Trevor olha para mim, curioso:
Minha família...?
O vapor quente da ducha entra pelo quarto, acompanhado da luz
amarelada do banheiro, e eu inspiro fundo, fungando um pouco ao voltar a
mexer meus braços tensos e doloridos. Apoio meus pés descalços no tapete
ao lado da cama e a fragrância do sabonete me alcança, estico meus olhos em
direção ao banheiro, concluindo que Trevor nem sequer encostou a porta, ela
está escancarada.
Apenas negócios.
Trevor lava seus cabelos com o rosto voltado para a ducha, quase de
perfil para mim, os pingos escorrem por seu pescoço, ombros, costas, costela
e acompanho o caminho que a água faz como corredeiras em seus músculos,
deslizando pela pele bronzeada de sua bunda e coxas, misturando-se à
espuma do chão, o vapor sobe com uma calma insinuante, tornando aquele
segundo tão efêmero quanto meus sentimentos ao confrontar sua beleza
quase agressiva ao se virar e ser surpreendido comigo o observando.
— Vista-se.
Não é a dor física, muito menos estar sozinha, ainda que pareça que
o mundo me cerque. É estar sozinha e ao mesmo tempo sufocada. Um
esgotamento sem fim de tudo que venho tentando ser, tentando mostrar,
tentando provar. Eu não queria herdar o sangue, embora lutasse para herdar
todo o resto. As lágrimas escapolem pelas minhas pálpebras torrencialmente
e desta vez não seguro o choro, eu o libero com força, com toda minha alma.
No entanto, da mesma maneira que começa, cessa.
Eu havia dito o “sim”. Eu havia dito “sim” para aquilo tudo, ainda
que fosse vítima de uma chantagem de meu pai... talvez a ambiguidade
daquilo tudo fosse o que mais me torturasse.
Eu disse sim querendo dizer não, mas ao mesmo tempo era uma
opção minha... eu poderia ter dito “não” ao casamento, ainda que meu “não”
englobasse tudo que eu estava acostumada... a vida que eu sempre tive,
minha faculdade... ainda assim, eu poderia ter dito “não” e seguido com
minhas próprias pernas, não me importando com tudo que minha família
construiu ao longo dos anos... que ruísse, que afundasse...
Mas eu não era capaz, eu não era capaz por tantos motivos que
temer tempestades era o menor deles.
— Por que tudo isso? — aponto para o alto, mas o que quero
mesmo é englobar a baboseira toda que envolve estarmos em lua de mel. —
Se estarmos casados nada mais é que negócio, qual a intenção desse teatro
todo?
Trevor dá de ombros:
— Ah, você não pode ser tão ingênua assim, Ellie. O amor de su
madre é tão ilimitado quanto seu cartão de crédito. — faz uma careta
desgostosa. — Uma joven que mal fez quarenta anos e su padre beira os
setenta. Acreditar nesse amor verdadeiro é como acreditar em cuentos de
fadas. Não me diga que é uma dessas.
Mal noto que as portas voltam a fechar, hipnotizado por sua bunda
se distanciando de mim em direção ao bar. Então seguro-as no último instante
e vou atrás dela, concluindo que, se eu não poderia foder minha própria
esposa em nossa luna de miel, pelo menos eu ainda me satisfaria.
Eu tinha pagado muito caro por aquela lua de mel ostensiva e iria
usufruir de cada pedaço dela.
Evito o elevador e subo as escadas até os andares do convés, ainda
que eu saiba que aquilo iria me custar mais tarde. Abro a porta da nossa
cabine sem fazer muito barulho e entro pela penumbra, percebendo que ela
deixou apenas a luz de um abajur acesa.
— Trevor! O que é isso? — minha voz sai aguda e meu peito chia
de medo... ele... ele... o que ele faria comigo? Debato meus pés embaixo da
coberta, que cede aos meus movimentos, e respiro, ansiosa ao ver que ainda
estou vestida, a mesma camisola que me deitei. — Trevor, me solta!
— Não. — ele responde simplesmente, passando a mão pelos fios
molhados.
Fecho os olhos, sabendo que ele bate uma punheta, e inspiro fundo,
tentando prestar atenção à música, não deixando que o som de seus dedos em
sua pele ecoe em meus ouvidos. No entanto, sem resistir, abro uma das
pálpebras e o encontro me fitando, o peito inflando e desinflando e o leve
respirar de seus lábios em silêncio é o que o separa dos meus. Ele está me
olhando fixamente, me devorando, os movimentos mais intensos em seu
braço... minha respiração fraqueja por um segundo e involuntariamente
minhas pernas cruzam.
Trevor joga sua cabeça para trás e sinto minha umidade deslizar por
minha pele, minhas coxas se esfregam com mais força e meus olhos se
fecham por um segundo enquanto anseio me tocar.
Amanhecemos em silêncio.
Dou uma olhada rápida para trás, baixando meus óculos escuros um
tantinho só e o vislumbro, concentrado com os cabelos molhados e uma
camisa polo azul petróleo, aquele aroma almiscarado dominando todo o
ambiente. Volto a mirar o horizonte, sentindo minhas bochechas queimarem
pela lembrança nítida de seus músculos acentuados enquanto se dava prazer.
— Preciso?
— Só vim me refrescar. — retruco, azeda.
Decerto ainda que fosse rico não era bilionário, senão não aceitaria
ser um funcionário de meu pai; o que me faz, outra vez, me perguntar qual
seria sua influência com Desmond ou dentro das Empresas Kane.
— Há quanto tempo trabalha com meu pai? — questiono após dar
uma bicada no canudo e sentir o gosto de suco de laranja naquela bebida
estranhamente azul anil.
Olho-o ao lado daqueles homens e sei que não teria coragem para
um embate, principalmente na presença de outros, no entanto franzo meu
cenho e fico em minha cadeira, observando-o conversar compenetrado, o
semblante sério, como um homem de negócios em meio a uma reunião.
Não gosto da sensação estranha que tenho ao observar aquilo, como
se ele estivesse à espreita da presença daqueles homens e, quando os analiso
melhor, entendo o motivo: reconheço o senhor Clark, vice-presidente da
empresa de meu pai. Ele estava mais careca do que eu me lembrava e o short
com motivos havaianos certamente me dificultaram a reconhecer o senhor
sempre sisudo de terno que jantava muito de vez em quando em nossa casa.
Meu melhor amigo sempre me relaxava com suas piadas depois que
eu e meu pai travávamos um embate por qualquer coisa. Só ele e Chloe
tinham o poder de me fazer sorrir com suas baboseiras e, pensar que não
foram ao meu casamento, somava mais um item ao absurdo que minha vida
se encontrava.
Ele solta meus dedos e assim que saio em meu caminho ainda
escuto o velho dizer que Trevor era sortudo, não se faziam mais meninas
bonitas e obedientes como eu.
— Maria?
Avanço pelo corredor e, assim que abro a porta do nosso quarto,
meus ombros caem sem forças. Eu não estava preparado para aquilo
novamente, mas antes mesmo que eu pensasse, já estava debruçado sobre a
cama, abraçando-a:
Outro dia a gente era criança, agora nem parecia que íamos fazer
quinze anos em poucos meses. Maria tinha adquirido uma maturidade que
não lhe cabia tão nova e eu queria ser o irmão que ela precisava, me
fingindo ser forte:
— Bee, você sabe que isso faz parte do seu tratamento... Acho que
quer dizer que está funcionando...
Minha irmã parecia tão menor, tão frágil, tão mais nova que eu...
Nem parecíamos gêmeos... Desvio meus olhos pelo nosso quarto e vejo
minha cama bagunçada ao lado, algumas coisas espalhadas pelo chão,
livros, maquiagens, jogos de tabuleiro... Lembranças da família que éramos
antes.
Agora meu pai vivia enfurnado no trabalho fazendo hora extra para
pagar o tratamento de minha irmã, inventando mil promessas para a cura de
sua linda filha.
— Não é verdade, Maria. Você sabe disso. Sem contar que você
existe para mim. Mais do que qualquer outra pessoa no universo.
— Você é meu irmão, não vale. — agora suas mãos vão para seus
olhos e ela seca lágrima por lágrima, um esforço inútil já que elas não
param de brotar de seus olhos verdes... Verdes como cristais em um rio de
lágrimas. Tão translúcidos quanto os meus.
Respiro fundo:
Poderia.
Mas não cheguei até aqui para que uma mulher com berço de ouro e
sobrenome Kane me desfocasse de meus objetivos. Obviamente ela ficaria
hermosa com tanta produção, quem não ficaria? Do nada, minha Bee aparece
em meus pensamentos e eu vislumbro seu sorriso ligeiro após meu pai
prender uma margarida atrás de sua orelha, entre seus cabelos cacheados, os
risquinhos verdes de seus olhos espremidos ao ouvi-lo chamá-la de “honey”,
como ele sempre fazia.
A beleza natural de seu sorriso sempre me surpreendia, mas agora
mais do que nunca, mais do que nunca! E talvez porque eu estou envolto em
tanta artificialidade que me prendo ao que era genuíno... sim, seus sorrisos
eram genuínos e os meus nunca mais foram depois que ela parou de sorrir.
Não, nem que eu conseguisse transar com ela, ela seria a última!
Nem fodendo que uma Kane seria a última mulher que eu comeria nesse
carajo de vida!
Mais uma vez me aborreço por não ter nem meu celular ao meu
lado para me distrair, queria saber como estavam, o que estavam fazendo, se
estavam bem ou se sentiam minha falta depois de quase dez dias longe, desde
a notícia de meu noivado.
Eu tinha ficado tão chocada que mal consegui sair de casa ou ir
estudar até o fatídico dia de meu casamento. Nada fiz além de pesquisar sobre
Trevor, mas não tive muitas respostas além das que eu já sabia, o prodígio
estrangeiro de 34 anos que havia conquistado meus pais o suficiente para que
eles o quisessem não só na sua empresa, mas em sua família.
Nada.
Eu só precisava pegá-lo.
Tenho vontade de me levantar dessa mesa e sufocar aquela boca de
rato com a carne em seu garfo até seus olhos esbugalharem, mas tudo que
faço é forçar o sorriso ouvindo o cagón do Milner Clark se gabar de uma
vaga que era para ser minha, se tudo tivesse corrido conforme meus planos.
Não era difícil concluir, ao vê-lo passear suas mãos pelas curvas da
mulher, que tudo sairia conforme planejei.
— Você realmente estava gostando daquele papo furado ou seus
risos também faziam parte de alguma negociação?
Olho para Ellie, que me tira dos devaneios, e reparo que seus olhos,
naquele tom quase cinza, estão centrados nos meus. Cinzas... intensamente
gris...
— Você sabe que sou filha do chefe de seu chefe, não sabe...? —
ela responde com uma pergunta irônica, num sussurro. — Por que confia que
eu não vá dizer o que acabou de me falar para o senhor Clark?
— Porco. — ela não grita ou sequer chama atenção para si, falando
num tom de voz tão baixo que apenas eu ouço o quanto se sente indignada
com minha ousadia.
Eu contava com isso, estávamos em público e eu imaginava que não
iria dar nenhum show, embora se revoltasse comigo. Girando e batendo seus
saltos com força no piso de madeira, ela se afasta de mim em direção ao
elevador e eu não demoro mais nenhum segundo, seguindo seus passos com
meus olhos, desvio-os em direção ao cabrón do Clark e peço ao garçom uma
dose de Bourbon ao ver o velho sair de maneira sorrateira do salão com a
loira em seu encalço.
Engulo minha bebida com calma, contando até cem duas vezes
antes de devolver o copo ao balcão do bar. Então vou a caminho da cabine da
loira, onde estive dias atrás, e dou dois toquinhos ligeiros na porta, mirando o
corredor de soslaio. Segundos depois, uma fresta da porta é aberta e
vislumbro rapidamente su cuerpo seminu quando ela estica os dedos para
mim, me entregando, sorrateiramente, cartão de acesso daquele ratón
imundo.
Uma viagem que ele dizia para os que lhe interessavam que foi um
tempo que tirou para a família, mas que ele deixava de lado o fato de eu ter
ficado no hotel o tempo todo com as babás enquanto ele e minha mãe iam à
jantares de negócio ou celebravam em festas... tudo sem mim... ali eu vi o
quanto eu importava para meus pais: fotos ostentando uma família feliz,
imagem.
Talvez não com o esforço que deveria, até porque eu não conseguia
ter tanta empatia assim por Ellie. Ainda assim, dei uma chance a ela de
mostrar que não é como o resto da família, mas pelo visto era difícil negar
seu DNA.
Olhar para aquela foto... Ellie deveria ter no máximo uns seis ou
sete anos e eu, na mesma época, meus quinze. Eu vivia o luto pela morte de
mi cariño e a família feliz de Desmond viajava para compras em Paris. Eu me
lembro dessa cena como se fosse ontem, meu pai nos contando que tinha que
ir para o trabalho porque su jefe havia ligado pessoalmente da França pedindo
que ele enviasse um e-mail importantíssimo... e aquilo tinha que ser feito
naquele dia... ainda que fosse o funeral de Maria.
Lembro que uma vizinha que cuidava da gente quando meu pai
trabalhava, Celeste, ficou horrorizada, mas meu pai tinha dito que ele havia
se solidarizado com a situação e avisado que pagaria os gastos do funeral
depois. Meu pai só voltou de madrugada e bêbado. Eu e Celeste ficamos o
dia todo em casa velando mi hermana e, quando chegou a hora do enterro, eu
quem tive que consolar meu próprio choro de criança.
Bato a porta e olho à minha volta, não sei o que procuro, não sei ao
certo o que quero, estantes cheias de livros, prateleiras com troféus e quadros
ostentando os prêmios das Empresas Kane me engolem de volta, empurro
com força um monte de pastas empilhadas em cima da mesa redonda de
reuniões e elas tombam no chão, espalhadas, pego um peso de papel de cristal
de cima da escrivaninha e levanto meu braço, me detendo no último segundo
antes de lançá-lo contra a parede.
Pego em seu punho e a puxo para mim, seu pequeno corpo bate
contra o meu e ela tenta se soltar, forço mais ainda os meus dedos em sua
pele, deixando o copo de uísque quase intocado sobre o buffet. Se ela pensou
que aquilo era dor ao segurar seu pescoço, agora eu mostrava o que não fiz
em sua garganta, cravando minhas unhas em sua pele.
— Eu toco onde quiser, Ellie! Você é mi esposa!
Deslizo meus dedos por seu pescoço e seguro sua nuca entre os fios
de seus cabelos soltos, trazendo sua boca para a minha. Eu a beijo
furiosamente, meus dentes roçam em seus lábios e a arranham, ela se debate
enquanto levo o braço que ainda seguro em direção ao volume de minha
calça, espalmando seus dedos em cima de meu pau:
— Olha como você me deixa, Ellie, olha como a porra de su cuerpo
me deixa! — encaro-a nos olhos. — Toda vez que você me deixa puto, eu
fico duro e quero enterrar meu pau em sua boca como castigo, Ellie, até você
engasgar com meu gozo! — ela engole em seco, soltando seus dedos da
minha calça. — É isso que você quer que eu faça, Ellie? É isso que você
pretende, me desafiando assim?
— Você quer chupar meu pau? Quer sentir meu gosto? — pergunto,
levantando sua camisola e exalando excitação ao ver a pequena calcinha roja
que ela usa enfiada no rabo. Debruço sobre ela, alcançando seu ouvido: —
Porque eu quero sentir o seu gosto e prometi que lamberia seu próximo gozo.
Ellie ofega em resposta e, mesmo que não me diga nada, quando
enfio meu dedo por debaixo da calcinha, ela arqueia as costas, espalmando a
mão na parede atrás do buffet. Aquilo claramente era um sim, um sim que
arranhava o papel de parede com unhas esmaltadas de azul turquesa enquanto
eu ensaiava masturbá-la.
— Você quer que eu sinta seu gosto, preciosa? — deslizo meu dedo
por sua buceta e ela arfa, levantando o rosto e olhando em volta, como se
tivesse em dúvidas se aquilo era uma opção razoável.
Consigo ver em sua testa como ela está confusa, como passou da
raiva por mim ao tesão em poucos segundos. Vejo que mira a mesa de
Desmond e fecha os olhos imediatamente, um pequeno e fugaz sorriso
perpassa seus lábios antes de ela mordê-los.
Murmuro um palavrão, intrigado com aquilo:
Ela está tensa, suas pernas duras elevadas, mas sinto estremecerem
em minha mão, que ainda a segura pelos tornozelos, meus olhos a devoram,
empurro a calcinha para o lado e meu dedo agilmente começa o lento
movimento de entrar e sair, meu pau lateja implorando para rasgar minha
calça e fodê-la com força, mas respiro fundo, inalando seu cheiro ao descer
meus lábios sobre sua buceta: hoje eu iria amansá-la.
Ellie levanta o rosto para mim por um segundo, mas tomba a cabeça
de volta mirando o teto e arfando alto conforme o envolvo, pressionando o
mamilo arrebitado. Suas coxas me apertam e ela se revira sobre a mesa,
derrubando tudo que Desmond deixava por ali, canetas, porta-retratos, laptop,
seus óculos...
— Puta que pariu! — Ellie agarra suas próprias pernas e vejo que
finca suas unhas nelas, beijo de maneira pornográfica sua buceta, cuspindo e
esfregando minha língua com força em seu clitóris e ela urra baixo, tentando
se conter.
— Esse é o seu gosto, Ellie. — eu a beijo mais uma vez, ela parece
aturdida, tentando me retribuir, mas sei que imponho mais força que deseja,
estou inflamado de tesão, tão ensandecido que sinto que posso perder minhas
razões. — Como prometido, na minha boca. — eu esfrego o volume de
minha calça na sua buceta molhada pelo seu gozo e por minha saliva e sinto
que instintivamente ela aperta suas coxas em minha cintura. — Esse é meu
pau, Ellie. — eu me esfrego com mais vontade, a estante treme, o troféu rola
e cai no tapete. — Você quer que eu faça alguma promessa para ele también?
07
— Como assim você não vai me contar detalhe nenhum sobre esse
casamento, Ellie?
Deslizo minha cadeira para trás e miro Lennox com o copo de café
parado na altura dos lábios. Eu tinha chegado cedo à faculdade, antes mesmo
de Chloe, que sempre madrugava na sala de aula, ou de Abby, que nunca
deixava de aparecer como se fosse turista e não uma das alunas... Eu tentava,
em vão, me focar no nosso trabalho, nada fluía, principalmente porque a cena
da noite anterior não me saia da cabeça.
— Não dei, Lennox! Não dei! — empurro sua cadeira para trás, mas
a minha desliza em conjunto. — Qual parte você não entendeu que nem
conheço ele?
— Ah, tá. E isso impede alguém... — ele rola os olhos. — Eu
mesmo tenho um encontro hoje à noite e nunca vi o cara, só as fotos da rola
dele.
Rio baixo e ele trava minhas mãos, me puxando para perto de si, as
rodinhas guincham estridentes ao rolarem pelo piso, mas o som é abafado
pela gargalhada de meu amigo:
— E você está bem com tudo isso? Quer dizer, Ellie... você mal nos
contou o que está acontecendo, de uma semana para outra anunciou seu
casamento, disse que não nos convidaria porque eram só negócios... que
negócios incluem não só uma lua de mel, mas o maior comprometimento de
sua vida?
Apesar de sua voz estar branda, eu sinto a tensão em cada uma das
pausas nas palavras de meu amigo. Suspiro, meneando a cabeça um tantinho
só para ele e concluo, sem deixar que lhe restem dúvidas:
— Não, Lennox, você está errado. Um casamento não é o maior
comprometimento de minha vida. Essa faculdade é, ser enfermeira é. Você e
Chloe são.
Desvio meu rosto para Chloe e ela revira os olhos, pegando minha
mão:
Chloe se cala e nos fitamos por alguns segundos antes que ela
desvie o rosto ao escutarmos os saltos pelo piso de madeira. Levanto meus
olhos a tempo de ver Abby se jogando no colo de Lennox, entupindo-o de
beijos estalados.
Seu cabelo loiro vira uma cortina que tapa o rosto por completo de
meu amigo durante alguns segundos antes de ele a empurrar de volta para o
chão, limpando as bochechas teatralmente. Abby ri alto e nos fita com ar
blasé antes de olhar a foto de uma manchete em que meu pai e Trevor
apareciam fechando algum negócio:
— Ah, é! Você casou, não casou? — ela pisca para mim. — Sorte
sua, Lily! Bonito e rico e sem trabalho algum, de presente do papai! — Abby
joga os cabelos para os lados e olha para Lennox: — Tenho Francês agora, a
gente se fala mais tarde, querido. — então sai pelo laboratório sem se
despedir de mim ou de Chloe e eu fico parada no mesmo lugar, ainda meio
pasma com sua atitude.
— Não liga, Ellie. Ela ficou chateada porque você não a convidou
para o casamento. — Lennox cochicha para mim de olho na porta e eu
suspiro, desanimada, sem saber mais o que falar sobre esse assunto.
Olho para o professor assim que ele entra pela sala e afundo, em
algum lugar bem escondido dentro de mim, o ressentimento que me invade
quando penso que Abby nem sempre era muito diferente de seu irmão,
Patrick.
— Uno a uno, hasta que se derrumben todos ... por ti, Maria, por ti,
mi Bee.
Cabrón patético...
Eu tinha praticamente forçado essas férias, incutido em sua
cabecinha oca e oleosa o quanto ele merecia aquele descanso, ainda mais
depois de conseguir o melhor cargo da Kane, somente uma cadeira abaixo da
de Desmond. Quinze dias apenas, eu havia dito em um de nossos almoços,
você merece comemorar, merece... essa empresa não seria nada sem seus
serviços, senhor Clark, nada...
Dou uma piscadela para ele assim que o carro sai da vaga e vejo em
seus olhos o pavor ao confrontar meu sorriso, completamente perdido com
aquilo. Ele não fazia ideia do motivo de estar sendo preso, mas eu apenas
fechava o botão do meu paletó à caminho do elevador pensando que sim... Sí!
O velho havia recebido o que merecia.
Agora eu subia rumo à cadeira que ele sentava e... eu só estava
começando.
— O que foi desta vez, Ane? A reunião está marcada só para daqui
a meia hora!
— Eles adiantaram. Parece que a notícia da prisão do senhor Clark
chegou antes mesmo de acontecer. Para todos os acionistas, senhor Willians.
— ela praticamente sussurra e vira seu rosto, mirando através do corredor até
a sala onde os acomodou. Sua mão encosta levemente em minha cintura e ela
me incentiva a seguir a direção de seus olhos, então eu miro o vidro que
separa aquela sala do extenso corredor. — O senhor Kane disse que tem um
anúncio a fazer.
Trevor.
Viro meu rosto e abro apenas um olho lentamente, vislumbrando-o
deitado ao meu lado, seu perfil para mim, o rosto para o alto, o braço jogado
em cima dos olhos. Amanheceu em algum momento e eu nem havia
percebido que tinha adormecido. Suspiro e o mínimo exalar de meus lábios
chama sua atenção: Trevor se vira para mim e se mantém em silêncio
enquanto me fita.
— Eu quero que você resolva isso agora, seu merda!!! — ele berra
repentinamente ao celular, jogando sua xícara contra a parede. Dou um pulo
na cadeira e derramo o suco do copo, assustada com sua reação. O café
escorre pelo papel de parede e ele me encara, os cabelos bagunçados, os
olhos praticamente soltando faíscas de raiva: — Está olhando o que, Ellie? —
ele dá um passo em minha direção e eu vejo uma das empregadas correndo
com um pano até a xícara espatifada. — Acha que é fácil ser dono de um
império? — ele ri, escarnecido. — Claro que não... o que você saberia disso?
Faz aquele curso ridículo e acha que um dia vai ser alguém! Enfermeira?
Nem para ter pensado em ser médica, pelo menos?! Não poderia me dar mais
desgosto... pelo menos se casou. Ainda que eu preferisse que Trevor fosse
meu filho!
— Podia ter sido pelo menos uma mulher forte como sua mãe, já
que tive a infelicidade de ter tido uma filha mulher... — ele resmunga e para
antes de sair pela porta, voltando-se para a empregada: — Limpa logo essa
merda antes que Sophia veja! Inúteis! Todos vocês são umas merdas de uns
inúteis! — grita com a moça agachada ao chão, esfregando os respingos no
tapete, e sai pisando firme pelo corredor.
Seguro o engasgo vendo a mulher levantar os olhos rapidamente
para mim antes de volta-los à limpeza, sem conseguir falar nada para
confortá-la pelas palavras duras de meu pai, seus olhos cancelaram qualquer
palavra em minha boca quando vi que ela sentia mais pena de mim do que eu
dela.
Não deveria!
A porta do box se abre e eu levanto meus olhos, encontrando Trevor
em meio ao vapor do chuveiro, eu peço que me deixe em paz ali, mas seus
braços me envolvem, e ele me pega em seu colo, me carregando para o
quarto. Baixo minha cabeça em seus ombros e afundo meu rosto em sua
camisa, molhando-os com meus cabelos, ele me deita em minha cama e some
pela porta do banheiro de volta.
Ele solta minhas mãos de sua roupa, mas percebo que, apesar de
impor uma segurança, seus olhos vacilam por um instante.
— Não tem mais nada que precise saber, Ellie. Apenas que sou seu
marido pelo tempo que for necessário. — ele conclui e não tenho como não
notar o tom amargo em sua voz. Trevor se levanta e pega o paletó que deixou
sobre a cômoda. — Tenho uma reunião daqui a pouco e... — ele se cala
abruptamente, fechando os olhos por alguns segundos, percebo que seus
passos vacilam e me levanto imediatamente, tentando ampará-lo quando seu
corpo oscila, no entanto Trevor me empurra para o lado, a respiração forte e
descontrolada.
Ligo algumas vezes para Trevor. Várias. Ele não atende e aquilo me
esgota mentalmente em um momento que preciso ter a autoconfiança
inabalável, até porque iríamos representar em público outra vez e eu não
sabia se ele tinha conhecimento daquele evento.
Passo meu batom e sigo pela porta, guiando meus saltos até o salão
de festas, me mantendo pelos cantos enquanto admiro todos os enfeites e
apetrechos que ornamentam o ambiente elegantemente adornado para o
evento de gala. Modelos desfilam e posam para as fotos usando algumas joias
da nova coleção, pessoas dançam envolvidas pela música da orquestra no
palco, a cena típica das festas de minha mãe, como sempre.
Analiso-o outra vez e não acho que aquilo tudo seja resultado de um
“banho rápido”, no entanto ignoro o pensamento. Antes mesmo de eu falar
que hoje era sábado, ele pede licença e sai, seguindo meu pai quando
Desmond passa ao nosso lado falando com outro homem de terno, que mais
parece um assessor do que um convidado.
Eu me sento e o observo por mais um tempo, inspirando a dualidade
de tudo que venho vivenciando. Por mais que eu negue sua presença, ela me
atrai como imã. Exatamente por não querer olhá-lo, não consigo me
concentrar em mais nada que não seja ele.
E sei que tudo isso não é apenas por estar casada com ele, o que
seria por si só motivo suficiente.
Ellie... você vai enredar mesmo por esse caminho...? Não há nada
para ser comparado ao meu marido porque simplesmente não o conheço para
tanto... sua beleza não pode ser motivo de minhas desculpas, não... não
mesmo!
Sorrio para meu ex, incrédula com sua presença naquele evento,
mas mais ainda com sua cara de pau, meus olhos me traem, buscando Trevor
logo em seguida... E não é difícil encontrá-lo: ele não sorri, encarando-me
enquanto minha mãe fala ao seu lado, gesticulando sem parar.
Estonteantemente bela?
A mulher que ele comparou com a beleza de minha própria mãe?
Não poderia ser mais ridículo e bajulador e certamente estava precisando de
algo.
Sua língua desliza por minha pele, fresca pelo álcool da bebida e
quente pelo seu lento respirar... eu sinto os rodamoinhos entre minhas pernas
e cruzo meus braços quando ele alcança meu maxilar.
Trevor traz o gargalo da garrafa até sua boca e bebe outro gole,
deixando que escorra por meu queixo tanto quanto por sua barba rala. Aquilo
é diferente e me tira dos eixos, sinto a pulsação de meu coração no ouvido,
ansiando o que fará em seguida.
Ele não se importa que eu não me mexa, que eu não abra minha
boca o suficiente quando roça sua língua nela, me fazendo sorver o uísque de
sua língua; aparto meus lábios assim que ele os mordisca de leve, inspirando
com força o seu cheiro agridoce misturado ao da bebida.
Tiro sua mão dali e ele sobe o rosto para o meu, sorrindo de canto e
beijando minha boca:
― Está com ciúmes de mim, Ellie? ― desvio meu rosto do seu e ele
força suas unhas em minha pele. ― O que quer saber? Se eu também acho
Sophia mais hermosa que você?
Tento empurrá-lo de mim, chocada com suas palavras. Minhas
mãos escorregam em seu paletó, ele me prensa com mais força e sinto o
baque das minhas costas batendo outra vez contra a parede.
― Não, Ellie, diga não para mim... diz que não quer me sentir
dentro de você... ― ele sussurra e eu engulo em seco, cercada por seus
braços. ― E eu digo que você é muito mais hermosa que sua mãe, muito
mais, Ellie...
Eu me viro entre seus braços e o encaro ofegante, mas não falo nada
e ele nega com a cabeça antes de agarrar minhas coxas, me suspendendo em
seu colo e me levando até a cama. Sem cuidado algum, ele me joga ao
colchão e abre suas calças, tirando seu pau de dentro da cueca, sem o trabalho
de descer a roupa completamente enquanto veste uma camisinha.
― Ellie, diga que não quer... seu silêncio continua sendo um sim
para mim.
Eu o olho nos olhos:
Eu pulo da cama e vou atrás dele, sem saber de onde tiro tanta
coragem:
― Não! Eu não tinha que ter contado nada! O que eu sei de você,
cacete?! A minha virgindade é só minha, a decisão também é! ― sinto o caco
fincar em meu pé antes de continuar dizendo tudo que penso e grito de pavor.
Fecho meus olhos com raiva por me sentir rendida à minha dor,
quando sinto a força de seus dedos segurando meu calcanhar, percebendo que
ele tenta tirar o caco ainda preso em minha pele.
― Não vai precisar costurar, enfermeira. ― ele me avisa num tom
baixo e eu abro minhas pálpebras, vendo-o debruçado sobre a quina da
banheira, espremendo seus olhos enquanto manuseia uma pinça e deixa o
pequeno caco cair sobre a louça da banheira.
― Nem eu desejava ser sua esposa, Trevor. Mas pelo visto nem
sempre temos o que queremos.
Ele espalma uma mão em cima do colchão e paira seu rosto sobre o
meu:
― Eu não preciso provar nada para mim mesmo, Ellie. Su cuerpo
sempre me dá a resposta que quero. ― segura meu queixo. ― A gente só
precisa provar algo que duvida e eu não tenho dúvidas do quanto você me
quer dentro de você. ― seus dedos escorregam pelo meu pescoço. ― Toda
vez que te toco... como disse mesmo? Maliciosamente...
Olho outra vez o celular e volto a mirar a porta para depois voltar a
olhar o celular e, quase dando um bote, pulo, arrancando o celular do
carregador, revirando-o quase do avesso ao tentar liberar a tela bloqueada,
meu pé lateja de dor, mas a curiosidade é bem maior no aparelho de Trevor
que contém uma foto de uma paisagem como imagem de fundo.
Trevor treme da cabeça aos pés e eu não entendo qual dor que
precise daquele choque de temperatura, então me fita com os lábios
arroxeados e semicerrados, sem falar nada.
Eu pego uma toalha do armário e ele faz que sim com a cabeça
antes de começar a se levantar, como se precisasse reunir toda a força do
mundo para reerguer seu corpo. No entanto, assim que sai da banheira e
alcança a toalha em minhas mãos, cambaleia um pouco e eu o amparo,
ajudando-o a seguir até a cama, onde ele se senta, sem se importar de
encharcar tudo à sua volta.
Os pingos caem como cachoeira de seus cabelos por seu peito e ele
parece zonzo, mirando o chão enquanto segura com força a toalha embolada
sobre seu colo. Sua pele está arrepiada, os fios bagunçados, o olhar
completamente vulnerável e eu nunca o achei mais lindo desde que o vi pela
primeira vez.
Meu pé se desloca para dar um passo para trás e deixar que ele se
seque no seu tempo, porém, em um movimento rápido, Trevor alcança minha
cintura com uma mão e me puxa para entre suas pernas, levantando o rosto e
me olhando debaixo para cima, as pestanas quase tapando toda sua íris negra.
— Não deveria, não é mesmo...? — sua voz rouca sai baixa e ele
parece consternado, suas ações tão ambíguas que quase dá para perceber que
até ele mesmo se surpreende com elas.
Trevor inspira profundamente e continua me fitando, sem tirar seus
olhos dos meus um segundo sequer. Faço que não com a cabeça, quase que
imperceptivelmente, mas Trevor suspira baixo e suas mãos forçam mais em
minha pele.
Trevor olha de meu rosto para eles e parece engolir em seco antes
de sussurrar:
— Então faz ele ficar duro pra você, Ellie. — ele murmura e guia
minhas mãos pelas suas curvas másculas, levando meus dedos até seu pau,
onde ele começa uma punheta, me ditando o movimento que gosta. Eu subo
meus olhos procurando os seus quando ele geme baixo, cerrando os lábios
com força, não sei se geme de dor ou prazer, mas o som selvagem, quase
como um rosnado, faz meu ventre pulsar em resposta.
Desta vez não é com força, mas a pressão é suficiente para que eu
desça meus olhos para os seus e os veja semicerrados me encarando, a boca
mordida em meio a outro gemido. A cada estocada forte que ele me dá, sinto
dificuldade em respirar, seus dedos apertam com mais força em volta de meu
pescoço enquanto murmura palavras incompreensíveis em espanhol, mas
quando penso em me livrar de suas mãos, ele me puxa para um beijo,
espirando entre meus lábios.
Eu sorvo o ar que ele assopra em minha boca e ele aproveita para
dar uma estocada forte dentro de mim, me fazendo gritar.
Então, sem falar nada, ele solta minhas pernas já sem forças de sua
cintura e se joga ao meu lado, tirando a camisinha e a jogando ao chão,
tapando o rosto com o antebraço.
Já era lá para a décima vez que ela saltitava pela sala me olhando,
o gorro afundado em sua cabeça, tentando esconder que ali não restava mais
nenhum de seus cachos, o cachecol de coraçõezinhos rosa enrolado no
pescoço e o conjunto de moletom largo em seu corpo magro. Ainda assim,
estranhamente, ela sorria sem parar e nada me lembrava a garota que
consolei há menos de um mês.
— Caramba, Bee! Fala logo o que você quer! É uma nova onda de
seus remédios?
Ela se sentou ao meu lado num pulo, ignorando minha cutucada
ácida. Hoje eu tinha recebido uma prova com uma nota baixa — a primeira
em toda minha vida! — e ainda por cima levado um fora da garota que eu
estava afim há meses... eu não estava muito bom para qualquer coisa a não
ser ficar quieto na minha, e até minha irmã estava me tirando do sério, o que
revelava meu péssimo humor.
Bem, se ela queria falar sobre aquilo, tinha me encontrado num dia
errado, pela primeira vez eu tinha levado um toco de uma garota e não
estava muito afim de papo, quanto mais sobre garotos ou garotas.
Eu só não sabia que tinha perdido minha família muito antes mesmo
da partida de Maria.
Acordo percebendo a cama vazia, mas não me importo de verdade
com aquilo; não esperaria outra coisa, ter Ellie nunca foi ter a cama quente.
Eu não tinha intenção de confundir as coisas, por mais que toda a revelação
de ontem tivesse mexido comigo de alguma maneira, ainda mais somado ao
pesadelo que tive com Maria.
Aquilo seria enterrado dentro de mim, invariavelmente. Bien
enterrado en mis entrañas... Eu não estava ali para ter empatia por qualquer
um dos Kane. Nem cogitava isso.
Franzo meu cenho para ele, sem entender o teor de sua pergunta, e
ele, na mesma hora, percebe o estranhamento, apontando para um dos
empregados que carrega sua mala porta afora:
— Ellie não te falou que sempre passamos o 4 de julho na nossa
casa nos Hamptons?
Ellie entra pela sala na mesma hora em que o pai sai e vejo que está
com os cabelos despenteados, vestindo um robe sobre a camisola ainda,
Desmond reclama mais alto, berrando que não acredita que ela não está
pronta, e vislumbro que sua filha revira os olhos ao mesmo tempo em que
sobe os degraus ao meu lado, se adiantando pela escada até o quarto.
Ele devia ter pena de mim, sim, era isso, mais um que devia ter pena
da coitada da Ellie Kane, e imediatamente me lembro do olhar complacente
da empregada antes de limpar a xícara espatifada por meu pai.
Tiro a franja que açoita meu rosto e tento prendê-la atrás de minha
orelha, pensando no homem que parecia vulnerável naquela banheira ontem...
aquele homem era o mesmo que se encontrava ao meu lado? Trevor não era
um bom homem, eu não estava casada com um bom homem, apenas com um
homem numa busca implacável por poder ao se casar com uma Kane com a
benção de meu pai.
Espero mais um pouco por ali até decidir pegar uns cachos de uva e
seguir pela praia ao seu encontro. Eu me sento ao seu lado, ele me olha
rapidamente antes de voltar a fitar o horizonte, eu como uma uva e ofereço o
cacho a ele, que nega, sem falar nada. Olho os veleiros no mar e enterro meus
pés na areia, deixando que uma uva gelada e saborosa exploda entre meus
dentes:
Continuo:
Seus lábios se curvam sutilmente como se ele não quisesse que nem
eu mesma percebesse que continuava sorrindo:
— Quem disse que não, preciosa? — fala em resposta ao meu olhar
interrogatório e eu pego outra uva, mastigando-a, aflita.
— Estou tentando ter uma conversa séria, Trevor. Isso pode ser, de
alguma maneira, comum para você ou para o mundo dos negócios, o que eu
realmente duvido muito, no entanto estar casada é um desafio e tanto para
mim, mas não mais que estar casada com você. É como se eu desse um passo
e recuasse três, sempre.
— Apenas que os negócios podem voltar aos eixos e... você siga
seu caminho e eu o meu. — me responde, mas não acho que tenha sido
convincente o suficiente, não sei, algo em suas palavras, no modo como as
diz, na escolha pensada em cada uma delas antes de falar, não sei... relembro
de quando esteve vulnerável e o espanhol escorreu por seus lábios com
naturalidade... aquilo contrastava grotescamente com a artificialidade de seu
inglês.
— Pelo menos Patrick foi sincero quando disse o que achava de
mim... — bufo, começando a me levantar, mas sou retida no mesmo lugar
quando Trevor segura meu punho:
— Não. Não é tudo. — tiro seus dedos de mim. — Você diz que é
tudo, mas sinto que não é tudo.
— Por quê? Por que ficou com ele? Por que retirou a queixa?
— Você é muito branca para esse sol, Ellie. Sua pele vai ficar
horrível, devia ter ficado na varanda sob a sombra. — ela joga os cabelos
fartos para trás de seus ombros revelando o maxicolar combinando com o
biquíni, Trevor sobe os olhos por seu corpo e esse movimento não me passa
despercebido. — Vai ficar com manchas avermelhadas no jantar, Ellie!
Será que que Trevor estava nesse acidente e por isso as dores
insuportáveis? Teria afetado sua coluna ou algo do tipo?
Olho para o lado e dou de cara com Abby, sentando-se ao meu lado
no sofá.
— Alex Perry. — passo os dedos pela alça e levanto minha
sobrancelha, me gabando por usar uma coleção exclusiva que nem fora
lançada ainda pelo estilista. Normalmente não tenho esse tipo de atitude, mas
ver seu nome no celular de Trevor me impelia a querer me posicionar um
pouco diferente naquela noite.
Ele esboça reclamar algo, eu firmo meus olhos nos seus, apertando
el pequeño cuerpo de Ellie contra o meu, e a arrasto da varanda sob os olhos
de todos, as duas tagarelas se silenciam, Desmond tira o telefone da orelha,
boquiaberto, e Richard não se move.
Mierda! Mierda!
Bufo ao pensar naquilo e forço a garrafa entre seus dedos, meus
pensamentos só poderiam estar desconexos com minha raiva, eu não sentia
nada por ela e não era porque sofria nas mãos daquele puto que eu teria
empatia por uma Kane! Não, não teria! Não teria!
Assim que ela se vira para mim, pego em sua cabeça e tomo sua
boca, ainda sentindo o gosto de viño em sua língua, apertando seu quadril em
meu pau, hmmm, aquela mulher me excitava de maneira insana, só podia ser
isso, só podia! Exploro suas costas com minhas mãos e desço, apertando sua
bunda, não lhe dando tempo de respirar, sorvendo com raiva o ar que ela
expira... Ellie era minha quando eu a quisesse! Ellie era mia y de nadie mas!
O que tinha de errado com aquela mujer? Por que era tão submissa?
Fecho meus olhos com raiva e me concentro no aqui e agora, na
pele caliente que cravo meus dedos, nos gemidos baixos que sua boca cerrada
insiste em segurar, sua bunda redonda e sua cintura desenhada... por Dios, o
que era aquela mujer? Quem era Ellie Kane?
Ela afunda seus ombros e o topo de sua cabeça se encosta na areia,
empinando sua bunda ainda mais para mim, eu sinto sua lubrificação escorrer
por meu pau, e não posso acreditar que Ellie seja tão perfeita assim, tão
intocada, no era posible... penso em Patrick a lambendo, ele a chupando,
penso nela chupando aquele maricón, desvio o rosto para o céu e meto meu
carajo até o fundo:
— Fale que nunca vai deixar que ele chegue perto de você, Ellie! —
vocifero e quando sinto o gozo em minhas bolas, empurro-a e Ellie cai
sentada de lado, seus olhos me procuram, eu mordo meus lábios enquanto
seguro meu pau, a porra jorrando na areia e não dentro dela.
Inspiro profundamente, meus dedos tremem, meu peito dói, ela fica
paralisada, os espasmos continuam, eu a encaro enquanto gozo, ela nem
pisca, limpo minha mão na barra de meu paletó, ela estica seus dedos para
mim, eu me levanto, dando as costas para ela.
Eu a deixo sozinha en la playa.
As horas passam, não durmo, apesar de fingir ao lado de Ellie.
Fingia estar dormindo quando ela entrou no quarto uma hora depois
de tê-la deixado sozinha, continuo fingindo depois de horas sob o mesmo
lençol. Quando acho que já deixei tempo suficiente entre o recostar de sua
cabeça no travesseiro e seu ressonar, me levanto com calma e em silêncio,
saindo do quarto e descendo as escadas na penumbra da madrugada.
Abro a porta e me esgueiro pelo quarto sem fazer ruído algum, a luz
de la luna entra pelas frestas da persiana e ilumina el cuerpo em cima da
cama, eu sorrio sozinho ao ver seu sono profundo, andando devagar pelo piso
de madeira, meus sapatos deslizam sem emitir som e eu debruço um joelho
sobre o colchão, fazendo-o acordar apavorado e arregalar os olhos para mim
no instante em que aperto sua garganta:
Ele abre a boca, tentando sorver ar, seus braços amolecem, desço
meus lábios até perto de seu ouvido:
— Você vai não só aceitar que eu seja vice-presidente da Kane,
como vai incentivar o restante do conselho, está me ouvindo? Ou digo para
todo mundo que come uns culos por aí... — solto minhas mãos dele e Patrick
leva as suas até o pescoço, inspirando com força, as lágrimas escorrendo de
seus olhos. — Sí, eu tenho algumas fotos, e, por mais que tudo bem para mim
sua bandeira arco-íris, tu papá e tu padrino não ficarão felizes, não é
mesmo... — sorrio jocoso, me levantando. — preciosa...?
Eu ainda teria um dia inteiro para lidar com eles e o dia mal tinha
começado.
14
Não tive como não reparar que toda vez que meu marido se dirigia
para ele, fazendo alguma pergunta pertinente à empresa, meu ex parecia
tremer, a xícara de chá vibrava em suas mãos e tiritava toda vez que ele a
repousava no pires, mal conseguindo formular uma frase coerente em
resposta, deixando todos à mesa curiosos com seu jeito.
De qualquer maneira, ninguém ousou perguntar se ele estava bem e
eu me limitei a pouco ligar para aquilo, já que pouco me importava mesmo.
— Não me parece.
Rio alto:
— Acidentes acontecem.
Ele sorri:
— Digo el mismo, foi sem querer quando você caiu no mar — ele
me cerca com seu braço, me colando a seu corpo, a água ondula à nossa
volta. —, sou muito pesado, não foi mi intencion te fazer cair. — seus dedos
espalmam em minhas costas e deslizam com facilidade na minha pele, olho o
barco ao lado de nossas cabeças e, ainda que queira subir de volta
imediatamente, me sinto tentada a ficar onde estou, mesmo que seja boiando
no meio do oceano.
Trevor não fala mais nada enquanto vira suas páginas. Eu tento
ajeitar meu cabelo, consciente de que outra vez me enxerga mais do que eu
tento mostrar... só Chloe e Lennox admiravam meus desenhos, tão íntimos e
privativos como segredos meus.
— Você é incrivelmente boa no que faz, preciosa. — ele comenta
sem tirar os olhos do caderno e eu me sobressalto, sem saber o que responder
ao seu elogio. — Deveria se desenhar. — seus olhos percorrem meu corpo de
cima a baixo, demorando-se em meus lábios. Por fim, ele me entrega a pasta.
Estendo a mão e ele deixa seus dedos tocarem devagar em mim. Sinto meu
pulso acelerar. — Ficaria belíssima se você se visse com esse mesmo olhar
que vê as outras coisas, Ellie.
Pego a mão de Trevor e o levo pelo caminho de pedras, nos
distanciando da festa de meu pai. Não aguentava ficar mais um minuto sequer
na presença de seus convidados, mas mais ainda, de Patrick e Abby. E é por
isso mesmo que não conto para ela que vou encontrar Lennox e Chloe na
praia, ansiando um momento à sós com eles e... Trevor.
Meu marido não me pergunta o que tenho em mente e por mais que
eu ache que suspeite que estou o levando para uma rapidinha em meios às
dunas, simplesmente não me questiona quando encontramos meus amigos
sentados em uma canga florida, olhando o pôr do sol, que nada mais é que
um risco laranja quase que completamente coberto pela manta azul marinho
do oceano.
— Achei que aqui seria mais agradável que lá — aponto para o
deque de casa. — para vermos os fogos.
Estar atraída por ele era igualmente, em absoluto, estar atraída pelo
desconhecido.
— Você que é a filha do jornalista da Times, não é? — escuto-o
perguntar quando Chloe volta a se sentar e ela confirma que sim ao mesmo
tempo em que Lennox puxa a champanhe de sua bolsa de praia; minha amiga
praticamente se joga ao seu lado, tirando o gargalo à centímetros de sua boca,
servindo a todos nas taças que trouxe, coisa que não me surpreendia.
Subo meus olhos, tirando os cabelos que voam sobre eles, mirando-
o e ele sorri, estendendo seus dedos para mim:
— ¿Baila conmigo?
Ele me mira e seus olhos sorriem para mim com uma sinceridade
que mal acredito estar presenciando, Trevor ri e parece perplexo:
— Como... como fez isso?
Mas mais que isso... eu não podia acreditar que tinha admirado
tanto a herdeira dos Kane... olhando-a fascinado sob os fuegos...
E aquilo era um erro imperdoável.
— Um problema?
Desligo sem esperar sua resposta e afundo meu rosto entre minhas
mãos respirando sem forças. Eu tinha que me concentrar no meu objetivo,
tinha! Acontecimentos como os de ontem nunca mais poderiam existir!
Nunca más! Eu não poderia deixar que outras... outras crianças tivessem o
mesmo destino que mi Maria... esses... esses testes clínicos de campo no
Brasil...? Eram crianças...?
Tenho certeza até hoje que ele aceitou somente para evitar ter outro
ataque do coração e não porque queria o meu melhor. Ou isso, ou sua amada
empresa precisava de sua atenção depois de tanto tempo fora e não quis se
dar ao trabalho de prestar atenção em mim outra vez.
Minha mãe faz um muxoxo e eu volto a olhar para ela, que continua
o que eu penso ser uma lição de moral:
— Custa retribuir um pouco tudo que lhe proporcionamos, filha? Se
tivesse tido a vida que tive... — ela murcha os lábios e começa a ladainha
enfadonha de sempre quando tentava me convencer de algo. — Seu pai
mudou minha vida, Ellie. Eu ainda seria uma modelo em busca de meus
quinze minutos de fama se ele não tivesse me visto, filha. Me visto de
verdade, não só minha beleza. Você já tem isso tudo aqui de mão beijada,
Ellie. Manter o patrimônio da família na família é o mínimo que você pode
fazer.
— Meu pai quis que eu casasse com Trevor para que ele fosse
presidente da empresa e, como meu marido, a herdasse e mantivesse na
família? — eu não deixo a conexão de nossos olhares se perder, nem quando
sinto meu coração doer absurdamente em meu peito. Decepção doía assim?
— É isso que está me dizendo? Nada tem a ver com... reputação?
— Claro que tem a ver com reputação também, filha. — ela se
levanta da poltrona e se senta ao meu lado, soltando a presilha de meu cabelo
e deixando que os fios caiam na lateral de meu rosto. Insatisfeita, ela ajeita as
mechas, tapando minha cicatriz, o que apenas reforça e prova sua fala:
reputação, imagem. — As ações caíram quando Patrick fez aquela entrevista
sobre você, Ellie. Seu pai quase o demitiu e qua-se terminou a amizade com
Richard. Mas as coisas se acertaram. — ela sorri como se realmente
acreditasse que as coisas se acertaram, como se seu ex-genro tendo me
socado não fosse nada demais e aquilo se apagasse num passe de mágica. —
No entanto, ficamos na corda bamba com a doença de seu pai. As ações
subiram com seu casamento, Ellie, subiram como há muito não faziam.
— Ellie, amor, é melhor vir aqui na boate, tem um babado que lhe
pertence aqui. — ele anuncia sem nem mesmo esperar meu alô e a bola presa
em minha garganta parece me dificultar a respondê-lo. Limpo meus olhos e
desço a escada de dois em dois degraus, por que aquilo estava me afetando
tanto? Era tão diferente assim do motivo anterior para que eu tivesse me
casado com Trevor? Tão pior assim? — Ellie, você me ouviu? Boate Lounge,
você sabe qual. Vem logo! Seu marido está bêbado aqui e... as mulheres
estão gostando...
Jogo o celular contra a parede e dou um berro, assustando a
governanta que atravessa o corredor, eu a ignoro, avançando pela casa em
direção à porta. Meus pés nem tocam direito as pedras do pátio quando
Andrew agarra meu braço e me vira para ele de modo abrupto, me segurando
ao lado do carro.
Não sei o que fazer, muito menos o que pensar e parece que as
meninas tampouco se importam com a cena que acabei de presenciar,
sorrindo para Trevor, que entorna uma bebida pelos lábios, como se nada
tivesse acontecido a poucos metros de seus corpos dançantes.
— Há quanto tempo ele está aqui? — aponto para o local onde elas
estavam e vejo que Trevor sumiu de minha vista.
— Oi, tudo bem com você? — ele ri, implicando, e eu giro meu
pescoço à procura de meu marido. — Não te deram educação no berço de
ouro, não, diva?
— Até que tem um pouco sim, Ellie! É a primeira vez que te vejo
xingar e por causa do homem que casou por negócios. Acho que você não me
contou tudo, contou, Ellie? — ela baixa o tom de voz, obviamente doido pela
fofoca. —Está se apaixonando por seu marido de contrato, amiga?
— Não!
Trevor passa por meu campo de visão e o soca no rosto, não dando
tempo nem para que o cara se levante, completamente perdido com o que
aconteceu nos últimos segundos, assim como eu. Um casal à minha frente
berra quando Trevor pega o colarinho do cara e soca a cabeça dele na mesa
quebrada ao mesmo tempo em que algumas pessoas tentam tirá-lo de cima do
cara.
Um soco direto no nariz do homem, e a boca que há poucos
segundos me beijava é banhada por sangue, eu grito apavorada e Trevor se
levanta, ajeitando o paletó bagunçado, empurrando os homens que tentaram
segurá-lo em vão. Ele me olha por um segundo, levantando sua mão em
direção à minha nuca antes de me agarrar o cabelo e puxar minha cabeça para
si, dou outro berro assustada e meu salto cambaleia, quebrando.
— Yo no soy así. —ele murmura tão baixo que mal posso ouvir. —
Eu não sou assim! — repete, desta vez mais alto, e eu me aproximo, pegando
com força no colarinho de seu paletó e o encarando tão de perto que nada
mais vejo além de seu rosto.
Trevor respira profundamente e o ar que solta levanta alguns fios de
minha franja, desço meus olhos para sua boca e ele me observa mirar seus
lábios, aperto mais ainda seu colarinho e subo de volta meus olhos para os
seus, percebendo que me fita, concentrado, exalando tanta masculinidade que
meus dedos tremem em seu paletó. Fecho meus olhos antes de me aproximar
mais, no entanto é ele quem me beija primeiro, sorvendo meus lábios como
se nunca tivesse experimentados eles antes.
16
— Trevor...
— Trevor...?
— Você quis que fosse eu ali, não quis, preciosa? — pergunta, a
acidez destilando nas sílabas. Tento sair daquela posição, mas ele impõe mais
força nos movimentos, me segurando entre os braços. — Você desejou que
fossem meus dedos em sua bunda, não desejou?
— Trevor?
— Me responde, Ellie, porra! — tento me desvencilhar, mas seus
dedos deslizam por meu braço e ombros e ele agarra minha nuca, passando as
unhas em meu pescoço e subindo pelos cabelos, bagunçando-os todos
enquanto me beija outra vez, fervorosamente. — Tú quis que fosse mi carajo
forçando em seu quadril, não quis, Ellie? — pergunta em meus lábios e logo
em seguida empurra meu rosto para longe do seu, mordendo minha nuca,
socando seu pau em mim com força. — Eu te excito mais, Ellie? ¿Soy más
guapo que él?
— Trevor...
— No. — ele me corta, tirando a camisinha e fechando as calças,
sem me olhar nos olhos. Sinto as lágrimas vindo, mas as seguro quando ele
levanta os olhos para mim: — Necessito um poco de aire...
Um de seus braços sai do aperto que mantém nas pernas e ele ergue
a mão para mim, seus dedos tremendo. Pego-os com força e entro no box,
não me importando de estar de roupa quando ele cruza as pernas e eu me
sento em seu colo, abraçando-o completamente. Trevor treme por completo,
o rosto enfiado no meu decote molhado e eu agarro sua pele, quase fincando
minhas unhas, o trazendo mais para mim, minha cabeça em cima da sua, seus
cabelos em meu queixo, ele me espreme entre os músculos de seus braços,
parecendo implorar pelo conforto de meu corpo e eu o escuto arfar, os sons
de seus lábios abafados por meu peito...
— Por favor, Trevor... — balbucio entre meu choro. — O que... o
que você tem...? Está me assustando... Eu... eu estou com medo, Trevor...
Trevor não fala nada toda aquela noite, mal fecha os olhos. Eu
também. Apenas o mantenho entre meus braços na cama, como se eu pudesse
protegê-lo de seus piores pesadelos, mesmo acordado.
É pouco, mas é o bastante para que eu admita para mim mesma que
estou completamente entregue àquele homem... que mal conheço, mal
tínhamos um convívio para tal sentimento tão avassalador em meu peito.
Morreu com ela? Era um outro irmão? Um amigo? Teria sido num
acidente? Alguém que causou o acidente? O mesmo que matou os pais deles?
— Trevor, quem é...
— Sua vez. — ele me interrompe. — Sua vez de me responder,
Ellie. — seus olhos se voltam para mim e ele me encara, sério. — Por que
aceita isso?
— Isso?
— Esse casamento...? As imposições de seu pai? Por que, preciosa?
— Sim, claro, porque sou rica não tenho o direito de ser infeliz,
tenho, Trevor?! E é isso que você não entende! Meu pai acha que, no
máximo, eu deveria ser uma socialite preocupada com moda e joias, assim
como minha mãe! Eu nunca seria boa o suficiente para qualquer coisa além!
E pelo visto, você acha o mesmo!
— No, no es! Essa é a Ellie que você quer que os outros acreditem
que seja! Você diz ser medrosa, mas montou em mim e me ordenou que a
fizesse mulher mesmo sabendo que eu poderia machucá-la! Você casou com
um homem que não conhecia, e isso requer coragem, Ellie, muita! — suas
mãos estão agora em minha cintura e ele me olha de modo sério, como se
quisesse convencer não apenas a mim. — Você mantém um barco de quase
uma tonelada na direção do vento, sob seu domínio! E o comanda
hermosamente, Ellie! Você faz Enfermagem numa faculdade conceituada
mesmo que tu padre seja contra! Você se diz ser covarde, preciosa, mas a
mujer que eu vejo ahora é mais forte que pensa!
— Você poderia ser quem você quisesse, preciosa. — ele fala num
tom amargurado. — Mas prefere ser infeliz na redoma de tu padre...? Só
por... segurança... segurança financeira?
— Não fale sobre o que você não sabe! — mesmo que eu não
queira, minha voz se altera um pouco, eu me sinto na defensiva e nem sei
bem o que quero defender. — Você também é rico, mal completou seus trinta
anos e está a um passo de ser CEO na maior empresa de fármacos dos
Estados Unidos! Eu vi como ele te humilhou, Trevor, como ele falou de sua
língua... da língua do país onde você nasceu! A língua que eu vejo que se
orgulha em falar ainda! E você... você engoliu tudo para continuar beijando o
chão que ele pisa! Não me venha falar de segurança financeira ou emocional,
você está casado comigo, Trevor! Casado por causa de uma negociação! É
tão culpado de seu destino quanto eu do meu! — sibilo, tentando conter a
raiva, e ele me encara de volta.
Mas não, no así, não desse jeito. Desse jeito, nunca más!
A única coisa que faço nos dias em que Trevor está no Brasil pode
parecer tudo, menos desencanar e conseguir desfocar das informações que
tenho sobre ele agora. Meus dedos desenfreados no teclado remetem a um
trabalho intenso, talvez Chloe e Lennox pensem que estou super focada no
projeto final de minha faculdade, ou lendo algum blog de fofocas ou moda,
mas tudo que faço é procurar o que posso sobre Trevor na internet.
— Sua mãe, Ellie! Sua mãe está no site da Radar Online! Eu estava
procurando mais notícias sobre os Kane e... bem, acho que você deve ler por
si mesma...
Não leio. Não consigo ler nada, é impossível que meus olhos
vagueiem pelas palavras quando uma imagem diz muito mais que elas.
Minha mãe aparece em algum tipo de imagem desfocada, como se fosse uma
foto de um vídeo e, ainda que eu não possa vislumbrar muitos detalhes,
claramente é ela. O close está em seu rosto e é difícil ignorar seus lábios
mordidos na expressão de prazer que faz enquanto um homem chupa um dos
seus seios.
Meus olhos apreendem que ela está completamente nua, mesmo que
a imagem desfoque propositalmente todas suas partes íntimas.
Olho para os dois uma vez mais antes de me lançar pela porta e
descer as escadas, ouvindo meu pai e minha mãe discutindo na sala.
Desmond berra com Sophia, que anda pelo cômodo desesperada atrás dele.
Ele grita que não consegue compreender como ela pôde se deixar ser filmada
e eu paro no degrau antes de ele concluir que ela desmoralizou a família, sem
acreditar no que escuto.
É isso mesmo que ouvi? Meu pai estava mais furioso pelo vídeo ter
sido vazado na internet do que pela traição em si? Assisto a porta se abrindo e
Trevor entra na sala segurando uma pasta no instante em que meu pai joga
um enfeite da prateleira ao chão. Trevor tenta circundar pela mesa e alcançar
meu pai, acalmando-o, mas Desmond o empurra, se virando para minha mãe:
— Que você dava para todo mundo eu sabia! Não sei como você
não dá para ele! — meu pai aponta para Trevor e eu aperto o corrimão da
escada, estupefata pela escolha absurda de palavras de meu pai e muito mais
por incluir Trevor naquilo.
Meu pai xinga e sai em direção à porta da sala berrando sem parar.
Não consegui, não depois da visita ao Brasil. Não depois de ver que
se não fosse eu disposto a pará-lo, talvez outro o fizesse... e não da maneira
certa.
Talvez fosse cedo para envenená-lo, o certo era ter um pouco mais
da confiança dos acionistas. Mas nada poderia ser mais perfeito que o
presente momento. Canto o refrão da música a caminho das Empresas Kane:
Ele se joga à cadeira e passa as mãos pela testa suada, agora abrindo
o botão do colarinho; eu continuo onde estou, a mão enfiada no bolso de meu
paletó, o pequeno frasco rodando entre meus dedos. Eu seguro meu punho,
forçando minha mão a ficar onde está e não esmurrar a cara dele, como
ousava falar assim da Ellie, chamando sua própria hija de puta e burra... que
tipo de padre era ele?
O mesmo homem que pagou ao meu pai o silêncio das atrocidades
do laboratório da Colômbia, claro... Desmond era pior do que eu um dia
supus imaginar e seus argumentos apenas me inflamavam mais ainda a fazer
o que eu devia fazer.
Meus dedos apertam com tanta raiva a taça que ela estilhaça em
minha mão. Desmond entra no lavatório e eu olho o sangue escorrer por meu
punho, mas ainda assim não consigo me mover, completamente pasmo com o
que Desmond destila como veneno, mas... seria... seria possível que la sangre
dos Kane não corresse nas veias de... Ellie...?
Era a hora.
Não era um veneno comum, eu havia conseguido extrato de
acônito, a toxina da planta raramente era identificada por deixar o corpo da
vítima em menos de 24 h. Para um velho que já sofria do coração e acabara
de descobrir a traição da esposa e as ações em baixa de sua empresa?
Perfecto, ninguém desconfiaria.
Há uma semana minha mãe anda pela casa como uma moribunda,
entupida de calmantes e tarjas pretas. Não por causa do ataque cardíaco de
meu pai, claro que não, eu sabia que parecer um zumbi em nossa casa só
tinha a ver com o fato de ser ainda pivô das notícias de fofocas,
principalmente agora que as manchetes diziam que era culpada pelo infarto
do marido.
Não sei por que sinto medo, mas sim, sinto, mesmo com sua débil
saúde me garantindo que não consiga se aproximar de mim ou me tocar.
— Sai daqui. — ele rebate, começando a tossir e a enfermeira entra
com uma bandeja de medicamentos. — Sai daqui, sua idiota! — o tom
aumenta e a tosse seca se torna um engasgo, misturando-se ao som, agora
frenético, do bipe.
Mierda!
Por que não? Por que vou acabar com tudo que ela conhece por sua
vida e me sentia culpado ou... por que me sentia culpado por mentir para ela?
Ou... por que sentir algo por ela poderia me fazer desistir de tudo que planejei
por tanto tempo?
Como ela ficará depois que a Kane decretar falência... sem seus
estudos... sem sua mansão... sem a vida a qual foi acostumada?
— Na boate Lounge.
Ellie não era uma Kane, apesar de ser uma Kane... e por mais que a
vingança me cegasse... eu estava enxergando-a...
Entro pela boate sem nem saber como dirigi os quilômetros até
aqui, focado nas perversidades que fiz àquela mujer... como eu podia
condenar Desmond agindo como ele próprio, condenando um sangue como
se aquilo significasse tudo...?
Eu não tinha direito a nada ali, mas mesmo assim queria tirá-la a
força daquela espelunca e fechar o sorriso de sua face. Ou pior... ir embora e
deixá-la ser feliz.
— O que está fazendo aqui, Trevor? Veio tomar conta? — sua voz
me faz centrar seu rosto e eu limpo minha garganta, me lembrando da vez
que me perguntou a mesma coisa no navio. Tento manter um sorriso em meu
rosto, ainda que pequeno, do tamanho de como estou me sentindo ali ao seu
lado:
— É necessário, mi preciosa?
— Não tivemos a última aula, vim com Lennox. — ela aponta para
trás, mas não o vejo. No entanto, o cara que ela dançou ainda está em meu
campo de visão:
— Não muito.
— E você sabe dançar música latina, preciosa?
Ela pisca algumas vezes e parece pensar um pouco. Quando sua voz
finalmente sai de seus lábios, parece envergonhada:
Ellie desce seus dedos por meu peito e parece tentar me olhar
através de minha pergunta. Eu seguro meus olhos nos seus e aguardo sua
resposta, como se fosse possível não desejar que eu não fosse apenas uma
lembrança no futuro... inspiro profundamente e ela dá um passo para trás, me
soltando um pouco, meus joelhos cedem na mesma medida, o medo que ela
se vire e me deixe para trás:
— Algumas horas não apagam tudo que falou ou fez... Trevor... ou
inclusive o que me esconde. — ela me solta completamente. — Vamos. Já
deu por hoje. Quero ir embora. Você me leva ou ligo para Andrew?
E foi bom... e foi tão bom que me deu medo. Medo que no segundo
seguinte que eu novamente me entregasse a Trevor, ele me machucasse outra
vez.
Como a dança em que nos cadenciava, eu decidi guiar os passos,
não cedendo à sua vulnerabilidade daquela vez.
Eu não sabia dizer o porquê. Mas eu sentia que tinha algo diferente.
Abro a porta, decidida agora a saber o que acontecia, mas me
deparo com uma enfermeira no corredor, parando os passos ao me encontrar:
— Uma leve piora, mas o quadro fica mais estável sob os cuidados
hospitalares.
— Eu não a encontrei, mas uma das empregadas disse que ela foi
para um spa.
Eu a vejo sair e depois de algumas horas, sem saber ao certo o que
fazer, decido que vou visitar meu pai, mesmo que minha presença fosse outra
vez preterida por ele. Tento ligar algumas vezes para Trevor, mas ele não me
atende, então saio de casa naquela manhã indigesta, com meus nervos à flor
da pele, a tensão me deixa com olheiras profundas e me sinto nauseada
durante todo o trajeto em que Andrew me leva ao hospital.
— O que você está fazendo aqui? Como sabe que ele veio para o
hospital? — inquiro, incrédula, e minha voz sai fina e desagradável.
Trevor se volta para mim, parecendo desconcertado por alguns
segundos, mas logo a segurança volta para seu semblante e ele me olha,
tranquilo.
— Bom dia, Ellie. — sua voz sai estranha e ele limpa a garganta
antes de continuar. — Eu que assinei a transferência de su padre. A
enfermeira me ligou e vim direto da empresa para o hospital.
—Como ele está? — pergunto, desconfiada, e ele dá de ombros,
olhando para o monitor cardíaco antes de se voltar para mim novamente.
Faço que sim e ele mantém a distância entre nós dois, me olhando
por breves segundos antes de sumir pelo corredor. Cruzo meus braços sobre
meu peito e tenho vontade de me abraçar, já antecipando todo um escudo
quando escuto meu pai me chamar às minhas costas.
— Ellie. —a voz é severa e contrasta o seu estado de saúde. Meu
pai está sentado na cama, recostado aos travesseiros e seu olhar duro me
penetra como raios. — Ellie!
— Ela está com aquele cara? Sua mãe está me traindo outra vez?
Vai engravidar de outro merda? — ele me interrompe, sua voz grossa e
distorcida e todas aquelas perguntas me dilaceram o estômago, tenho vontade
de vomitar e eu simplesmente me apoio à uma mesa de canto, respirando
devagar. — Ellie! Olha para mim enquanto falo com você! Você e sua mãe
querem que eu morra, é isso que vocês querem! Ficar com meu patrimônio,
claro! Eu vou mudar essa merda de testamento, se é para meu patrimônio
ficar com alguém que não tem meu sangue, que seja o Trevor!
— Pai...
— Você não vai ficar com nenhuma herança! — ele anuncia, sua
voz me afrontando, quase gritando. — Nem você nem a puta de sua mãe!
Você é uma ingrata, Ellie, uma ingrata, eu te criei como se fosse minha!
— Eu dei uma vida para vocês duas, que não mereciam! — meu pai
berra e eu esbarro em um cabideiro, quase o jogando no chão. Seguro uma
bengala e a apoio de volta ao gancho, observando minhas mãos tremerem.
Tapo meus olhos e enxugo as próximas lágrimas que me invadem. — Vocês
não mereciam nada que é meu!
— Não era o que você queria desde o começo? Que meu pai o
colocasse em sua cadeira? Pois bem, aí está o bônus! Você é o filho que ele
sempre desejou, o império dos Kane é seu!
— Yo no soy así, preciosa. Mas nem você é, Ellie. Não seja como
yo, não se esconda atrás de uma máscara.
Pisco algumas vezes, respirando profundamente, a náusea
avançando por meu corpo, o tremor. Fecho minha boca e tento respirar pelo
nariz, soltando pela boca, uma vez e outra até me acalmar.
Trevor afunda seu rosto entre meu pescoço e ombros, me puxa mais
e mais para si, voltando a moldar seu grande corpo no meu.
— Você está existindo para mí, preciosa.
— Eu te disse que eu não tinha mais pais... mas não sei o que é
pior... não ter os meus, ou você ter os seus...
Não o respondo porque simplesmente não consigo respondê-lo, sem
acreditar, mas ao mesmo tempo acreditando, naquelas palavras que saem de
sua boca. Outra vez, Trevor parece me mostrar que toda a suposta aura de
genro e empregado perfeito de Desmond Kane rui quando se deixa levar
pelas emoções.
Trevor saiu há algumas horas dizendo que tinha que pegar algumas
coisas na empresa para passarmos alguns dias nos Hamptons, disse que
precisava de uns documentos para continuar trabalhando de casa enquanto
meu pai estava no hospital, mas não queria me deixar sozinha e passaria o
restinho da semana comigo.
Carajo, carajo!
— Você ainda não me pagou essa semana, Trevor. — ele enfia uma
mão no bolso do seu uniforme de motorista e me mostra o fundo vazio,
sorrindo de maneira debochada. — Se quer que eu continue comendo a
patroa, tenho que manter tudo isso em forma para continuar garantindo o
interesse e você sabe — ele aponta para o próprio cuerpo. — isso tudo custa
dinheiro.
— Se quiser continuar fodendo Sophia, o problema é seu, Andrew.
— pego minha carteira e a jogo em suas mãos, ele quase deixa o copo cair,
equilibrando-o enquanto tira um grosso maço de dólares de dentro dela. — Já
tive o que eu queria, você cumpriu nosso trato. Se continua trepando com ela,
é escolha sua, não minha.
Eu apostei em seu ego e ganhei. Quem era louco de dizer não para
uma mujer como Sophia Kane?
Eu fui.
Chica burra!
Em menos de dois meses eu alcançava o mesmo andar que
Desmond e, um pouco depois, ganhava sua confiança com uma assinatura
minha que o livrou de uma indenização bilionária. Eu não me gabava daquela
assinatura, não mesmo. Mas tive que fazer para chegar onde cheguei. E o
mesmo se dava às tantas outras decisões que me fizeram escalar aos poucos,
riscando ponto a ponto de meu plano milimetricamente calculado.
Eu sabia que Sophia ainda mantinha uma paixão por mim, era
visível em seus atos, inclusive quando deixou claro que eu me casava com
Ellie para estar mais perto dela e, por isso mesmo, incentivou o marido à
nossa proposta de matrimônio. Ahh, Sophia, o que usted tinha de beleza,
sofria em inteligência...
Pero ter minha sogra sustentando uma paixão por mim era um
trunfo, principalmente naquele feriado nos Hamptons quando transou com
Andrew na varanda de seu quarto, mesmo sabendo que seu marido e
convidados a aguardavam para jantar. Seus olhos cravados em minha janela
enquanto era fodida pelo motorista me diziam tudo... ela sabia que eu poderia
vê-la... e queria que eu assistisse, achando que me enciumaria... só que ela
não sabia era que eu filmava aquela cena, um deleite para minha filmadora.
O que ela achava se tratar de uma cena de ciúmes, tinha sido e
muito bem pago por mim a Andrew.
Obviamente eu não sentia nada além de asco por aquela mujer que
se amava acima de tudo... acima da própria filha... pela Sophie Kane, eu seria
seu amante, mesmo casado com sua filha.
Aquela família não merecia a filha que tinha... inspiro dolorido... eu
também não merecia.
Olho Andrew e ele conta nota por nota, tão saciado com o
pagamento quanto com o sexo com Sophia Kane. Ele guarda o dinheiro no
bolso e me olha antes de seguir pela sala em direção à porta:
Eu estava vivo.
Eu estava sobrevivendo.
E para mim era óbvio o motivo, ele estava em sua carta: vingar
minha família.
Eu me recosto ao banco e fumo o charuto calmamente até o fim,
vendo a hora passar e a luz acesa finalmente apagar. Somente então saio do
carro e sigo em direção à casa.
Olho meu relógio e vejo que já passa das onze, fecho as cortinas e
me levanto, saindo do quarto e descendo as escadas rumo ao pátio dos
fundos. Abro a porta de vidro e atravesso o jardim, tirando minha camisola
pela cabeça e mirando a piscina, as luzes acesas subaquáticas a deixam mais
linda, um tom azulado quase bruxuleante em contraste com o delicado vapor
que sai de suas águas aquecidas.
— E você, Ellie? O que sente por mim? — eu seguro a mão que ele
agarra meu seio por cima de meu sutiã, olhando o jardim silencioso, alguns
postes iluminando a noite. Volto meu olhar para a casa, me certificando que
nenhum dos empregados esteja nos observando pelas janelas e abafo meu
gemido, compreendendo que pouco me importa se estão.
Eu gostava da brutalidade de Trevor, mas me rendo ao delicioso
martírio daquele sexo lento e carinhoso, um ritmo que eu ainda não havia
experimentado. Ele sorri, segurando minha cintura e me olha enquanto
prendo meus cabelos.
— Sí, preciosa, sí... — ele usa uma mão como apoio na borda e
com a outra agarra meu cabelo, puxando meu rosto de novo para si, tomando
minha boca para ele, dominando meus lábios, sugando minha língua. —...
minha Ellie... minha esposa... mi preciosa.
Olho para Trevor e ele dorme encolhido, segurando com força seu
travesseiro, a respiração entrecortada. Miro o teto e a imagem do jogo de
futebol me vem claramente, a camisa da seleção em campo, a bola rolando e
os jogadores goleando. Não preciso nem pegar o celular de Trevor para
conferir, sei que a camisa que ele vestia naquela foto quando criança era da
Colômbia.
Minha respiração pausa.
Entro pelo quarto e jogo a maçã longe, ela bate na estante e rola em
pedaços pelo chão, despertando-o com o barulho, Trevor se levanta
abruptamente e me mira, sem entender, no entanto quando o encaro ele deixa
os ombros caírem e sei... sei que sabe que eu sei.
― O que mais você mentiu para mim? ― ela berra, não dando
tempo nem que eu assimile a sua raiva. ― Você é da Colômbia! Sua mãe era
colombiana e seu pai americano!
— Sí, você está certa, mi padre era americano, não minha mãe... mi
madre morreu em nosso parto... — minha voz treme e eu pauso minha
respiração, ouvindo tudo que eu mesmo revelo, como se um peso saísse de
meus ombros. — Ele foi trabalhar na Colômbia e conheceu mi madre. Ele era
químico no laboratório de seu pai, Ellie. Chefe do laboratório das empresas
Kane na Colômbia.
— Trevor, eu...
— Não ouse mentir, Trevor, não ouse mais mentir para mim!
Eu tiro seu dedo de minha cara e cerro meus olhos, minha voz
denunciando a raiva contida, tremida, o medo latente, todas as emoções
misturadas:
Ellie me mira apavorada, suas mãos vão para sua boca e ela tapa a
expressão de horror, eu não me seguro mais, não mais, nunca mais:
— Dejetos, Ellie, mierdas de dejetos porque su padre não quis
gastar dinheiro com o descarte adequado, não numa vila do submundo,
carajo! — bato em meu peito com raiva. — Terceiro mundo, é isso que ele
faz com os laboratórios nos países de terceiro mundo, como se fôssemos
ratos! — meus dedos arranham minha pele e é pouca a dor que me inflijo,
pouca perto do que sinto dentro de meu peito, do que sinto na porra de meu
corazón de mierda. — Maria nadava naquele poço quase todo dia... Era a
água que bebíamos... mas ela... ela nadava naquilo todo santo dia no verão
e... O câncer a levou em meses! Meses, Ellie, meses... um dia minha Bee
estava sorrindo para mim, no outro eu rezava em cima de sua tumba!
Ellie está paralisada sentada à cama, sei que é muito a absorver, mas
o que me impedia agora? Se ela me mandasse embora por qualquer um dos
motivos, por que não todos? Pelo menos ela saberia, pelo menos ela saberia
quem sou, do que eu fui capaz, pelo menos ela saberia!
— Abby foi um meio que achei para saber tudo de você. Mas não
porque eu queria você, Ellie. Eu queria me casar com a hija de Desmond. E
sua amiga confirmou tudo que eu precisava para saber que não teria
problemas nesse casamento. — eu bufo pensando em que tipo de amiga Ellie
tinha. — Ela não é boa para você, Ellie.
— Nem você. — responde quase sem voz e eu concordo com a
cabeça, movendo-a devagar, sentindo o peso de concluir que também não era
bom para ela. — Sai daqui. — ela pede em voz baixa, eu não me movo. —
Sai daqui, Trevor! — sua voz aumenta vários tons e ela se levanta, abrindo a
porta do quarto. — Vai embora, me deixa sozinha!
— Ellie, eu...
— VAI EMBORA DA MINHA VIDA, PORRA!
A porta bate em minhas costas e eu vou embora, desço as escadas,
atravesso a casa, sigo pelo portão olhando o oceano à minha frente, meus pés
escorregam nas pequenas dunas e eu caio de joelhos na areia.
Eu abraço meu corpo e volto para minha cama sem saber como
tenho forças para respirar, mas lá estou eu, me encolhendo entre os lençóis e
travesseiros, as lágrimas infindáveis que eu tanto queria negar deslizando por
minhas bochechas enquanto encaro suas malas abertas em cima do tapete por
horas a fio, vendo o dia ir embora e a noite chegar.
Sentindo meus nervos em frangalhos, me refugio na varanda
olhando o mar platinado pelo luar, ainda tentando entender todas as
informações que Trevor havia me dado. Seu pai trabalhava para o meu...
laboratório na Colômbia... ele havia nascido na Colômbia e não na Espanha...
seu pai era químico... meu pai havia matado sua irmã com a negligência que
imperava sua indústria em prol de seus lucros.
A faculdade que eu fazia, a mansão que eu morava, a casa que eu
estava, o barco que eu velejava... todo o dinheiro era manchado com o sangue
da irmã de Trevor.
Dou uma risada seca fechando meu laptop, aquilo era a cara de meu
pai, o menosprezo... a prepotência... não era de se admirar que teve que
desembolsar tanto em ações judiciais por suas falas em entrevistas. Eu me
recosto ao travesseiro, imaginando que os motivos não eram poucos para que
meu marido odiasse meu pai, não se Trevor Willians estava em nossas vidas
como meu marido.
De qualquer maneira, doía demais me sentir traída.
Os dias passam.
O homem que ele disse não ter mais vida quando chegou em minha
casa, as sirenes ainda ecoando em nossas cabeças. Agora tenta, de qualquer
modo, salvar a minha vida... o que ele não sabe é que não tenho salvação...
minha alma não tem salvação.
O médico tenta colocar os exames entre meus dedos, me forçando a
olhá-los, eu os deixo cair no chão e apenas sigo em frente, sem olhar para
trás.
24
Aumentando o buraco.
Ele passa o antebraço pelo rosto e sai andando no meio das pessoas,
sumindo no meio da boate. Meu estômago dói e eu passo a palma da mão nos
meus lábios tentando entender da onde era aquele sangue. A dor aumenta em
minha barriga e eu inspiro fundo, alcançando o meu copo no balcão, mas sou
surpreendido quando um homem me cutuca e me pergunta por que não
arrumo alguém do meu tamanho.
― Por que não vamos velejar? Ou vamos ficar dentro de casa com
esse dia lindo, mimando Ellie como sempre?
A garota era bonita, nada demais, tudo que tinha de belo, ela
realçava com muita maquiagem ou decote. Era o tipo de mulher que poderia
ser uma caixinha de surpresas ao acordar pela manhã, apenas de pijama e
cabelos bagunçados.
― Você sabe que apesar de isso ser verdade, não é tudo. Nós te
conhecemos, amiga. Anda, desembucha.
― Aiii, mas que saco! ― Abby tenta ajeitar, com raiva, os cabelos
que voam com o vento. ― Podemos só pegar sol e aproveitar o dia sem
dramas? Eu vim aqui pra isso, não pra ficar ouvindo as lamúrias de Ellie mais
uma vez.
— É claro que eu sei! Ele era louco por mim, vivia atrás de mim!
Nos conhecemos numa reunião de Patrick e meu pai com Desmond e ele, e
desde então não nos largamos. — o sol ilumina seu rosto e eu vejo como ela
me olha com nojo. — Algumas semanas antes do anúncio do noivado, ele
sumiu e... eu soube por Patrick que ele se casaria com essa ameba!
— Cala a boca!!! — eu grito de volta e o vento golpeia a vela com a
mesma força que meu coração bate em meu peito, confrontando-a finalmente.
Sem nem pensar duas vezes, eu solto a retranca, que muda de lado
atravessando o convés e golpeando o braço que ela me segura. Assisto-a
cambalear seus passos e sorrio vendo seu corpo tombar para trás, as pernas
para o ar antes de afundar na água de cabeça.
Eu me debruço na borda acompanhada de Lennox e Chloe, que
murmuram apavorados; sorrio para os dois e peço que se acalmem quando
Abby emerge gritando, os cabelos encharcados sobre os olhos, exigindo que
eu desça a escadinha para ela enquanto apenas sorrio para seus apelos:
Depois de passar outro dia olhando o mar, volto para casa sentindo
saudade de Lennox e Chloe.
Eles tinham partido há dois dias, tinham que voltar para suas rotinas
e eu não podia mais ignorar a minha, matava aula desde que fui para os
Hamptons e tentava não pensar em nada, velejando ou desenhando sem parar.
Não sei como reage me vendo, não consigo ver seus olhos, mas
quando desvia o rosto, sei que espera que eu o evite.
— O que está fazendo aqui?
Seguro seu braço e o faço me olhar antes que entre e sente no banco
do motorista:
— Não pense por mim, Trevor Willians.
Ele baixa os olhos e olha para meus dedos em sua pele, piscando de
maneira dolorosa como se qualquer contato meu o fizesse sentir muita, muita
dor.
Eu não sabia o que ela escolheria, estava nas mãos de Ellie decidir o
que faria, minha vingança estava em suas mãos. Mi padre, mi Bee...
Desmond tinha matado todos eles.
Olho para Ellie, seu olhar é mordaz, os cabelos caem pelos ombros,
o leve casaco de linho aberto, o peito sob a camiseta, subindo descendo.
Eu estilhaço meu coração mais um pouco, ansiando quando ele
finalmente parasse de bater. Qualquer morte doeria menos que... aquilo...
doeria menos que ver o medo em seus olhos.
— Eu te odeio. — sibila.
— Eu não tenho culpa do que meu pai fez! — berro e dou um passo
em sua direção. — Ele é um criminoso e apesar de eu ter ficado assustada
com o que confessou, acho que eu poderia esperar tudo, tudo daquele
homem! — levanto os braços teatralmente. — Mas você não pode me pedir
que qualquer destino, que não seja o meu, esteja em minhas mãos! —
empurro-o e sigo em direção às malas vazias em cima de minha cama, mas
Trevor se antecipa colocando seu corpo entre mim e o móvel. — Ele merece
que você acabe com ele, é isso que você quer ouvir, é isso que quer de mim?
Anda, pode ir, você já tem tudo que sempre quis!
— Ellie, eu...
— Se quer meu aval, você o tem, faça o que quiser, não há nada
nessa família que valha a pena, não há nada que não seja ruínas! — eu me
viro para ele chorando. — Eu estou pouco ligando. Finalmente estou pouco
me fodendo pra isso. Ele merece perder tudo, ele merece a prisão, ele merece
que tudo saia no jornal.
Quase tombo para trás quando Trevor se adianta para mim pegando
a cartela de meus dedos ao mesmo tempo que me fuzila com os olhos. Eu
percebo como segura suas palavras, mas não consegue fazer o mesmo com o
olhar, as faíscas em seus olhos projetam sua descrença e pavor enquanto
engole em seco uma vez atrás da outra.
— Não... nós sempre nos protegemos... — ele sussurra e seu peito
desinfla estrondosamente: — A piscina... o sexo na piscina. — Trevor avança
até a porta e a escancara, abrindo espaço para mim.
Positivo.
Ellie me mostra o resultado e lá estão los dos traços.
Ellie coloca a mão em seu próprio peito ainda encarando o luar, mas
eu sinto mi próprio corazón ecoando em meu ouvido.
Ellie Kane se vira para mim e pega minha mão, seus dedos tremem
levemente nos meus e seria imperceptível se os meus também não tremessem
de volta.
Ellie morde os lábios assim que meu dedo encontra seu ponto
sensível entre suas pernas, deslizo-o e ela volta a fechar os olhos ao beijar sua
boca, levantando seus cabelos, penetrando-a com indicador.
― Eu quero fazer amor com você, preciosa... ― digo em seu
ouvido, empurrando meu quadril entre suas pernas, roçando meu pau sobre
sua buceta. Ela geme baixo arqueando as costas e empinando um pouco mais
ao meu encontro e vejo seus braços relaxarem ao lado de seu corpo. Lambo
sua orelha. ― Miguel e Ellie.
Forço mais um pouco e ela geme, forço outro pouco e seu gemido
aumenta, colo minha boca na dela e sufoco seu arfar quando me afundo mais,
uma mão acariciando sua nuca, a outra agarrada a sua bunda.
Olho para ele, que me olha de volta, sereno; a luz da lua cheia
cintila em sua íris e ilumina meu coração.
Quando acordo pela segunda vez naquela noite, entendo que é a voz
de Trevor pela casa que me chama a atenção. Ele está falando ao telefone,
noto que é madrugada, uma tempestade retumba lá fora e eu não consigo
escutá-lo mais.
Vejo uma pequena mala sobre o tapete da sala e volto meu olhar
para seu corpo fraco e visivelmente cansado, concluindo que, mesmo que não
tivesse que ter recebido alta do hospital, a persuasão de Desmond era
inegável.
Ele está virado para mim e tenho certeza que me vê, seria
impossível não me ver.
Um pouco menos.
— Por que você veio atrás de mim, Ellie? — sua voz é baixa e
contida e eu fico estancada no mesmo lugar, sem me mover.
Ignoro sua pergunta quando vejo um papel dobrado em sua mão
esquerda.
— Por que está armado? — aponto para o papel quando ele fita sua
arma. — Você ia deixar um bilhete para mim? — ele sobe seus olhos
fixando-os nos meus e eu não deixo minha coragem morrer, não, chega,
chega! — O que pretende fazer? Vai matar Desmond? — tapo meus olhos,
esfregando-os e o encaro: — Meu Deus, vai matar e fazer... fazer o que
depois...?
— Por que você está aqui...? — ele repete, mas parece que mais
para si mesmo do que para mim, pegando sua arma novamente. Estanco toda
a minha raiva dentro de mim e me limito àquele momento, ao que ele estava
fazendo em minha casa armado. — Você não podia estar aqui, Ellie... Não
hoje, não aqui...
— Miguel?
— Miguel! Miguel! — grito mais ainda com raiva e medo e não sei
de onde tenho forças para me levantar novamente. Mas me levanto correndo
até a porta, tentando forçá-la a abrir, socando-a. — Miguel! O que está
fazendo???
Nada!
— Não, não, não, não pode ser verdade... — ele geme e é jubiloso
ver o pavor em seus olhos crescer na mesma medida que compreende quem
sou e o que faço em sua empresa, em sua casa...
— Oh, si, si si, si... soy yo, Desmond... el diablo que veio levar sua
alma ao infierno que es tu lugar.
28
Esmurro a porta.
— Miguel, abre essa merda! O que está fazendo aí? — não. Não.
Não. Não. Não. Não! Sinto-me asfixiada e acho que vou morrer ali mesmo.
— Trevor, porra!
— Por que não conta para sua filha o motivo de eu estar aqui,
Desmond?
— Fica aí, Ellie! Não se mexa! Meu assunto agora é com tu padre,
carajo!
Eu permaneço estática, tremendo, o coração acelerando e
desacelerando, desorientado.
O olhar do homem que se dizia meu pai parece mais doentio que o
normal, sua voz sai tremida quando ele inquire Miguel:
— Seu pai agora sabe quem eu sou, Ellie! E antes dele morrer, eu
quero que tenha a certeza de quem lhe tirou a empresa! Esse filho da puta tem
que saber que Trevor Willians é o novo dono das Empresas Kane! Miguel,
Miguel Guzmán! Todo seu dinheiro, tu-do, vai para as famílias que você
ferrou, Desmond, acabou, acabou, você não tem um centavo mais, nenhum!
Desvio meu olhar, apavorada, para meu pai e ele parece alucinado,
o rosto vermelho beirando o roxo, os olhos vidrados em Miguel.
— Mi padre me falava que havia recebido por uma patente no
laboratório. Eu quis acreditar, mas no fundo sabia que tinha algo errado. Ele
bebia dia e noite... quase não saia de casa, nem de seu escritório. No dia
seguinte que fiz vinte e um anos, ele se matou. — ele vira seu rosto para mim
e seu olhar é triste enquanto continua. — E deixou uma carta para mim... com
todos os detalhes... não só do que foram capazes... mas do que eu deveria
fazer para estar onde estou agora... quem eu deveria chantagear, com o que eu
deveria chantagear, quem tinha costas quentes, quem devia... tudo, tudo.
Ele nos olha, sério, e não entendo o que se passa em sua mente.
Ele deveria estar surtando mais do que eu!
— Se você falar mais uma palavra, pode ter certeza que não estará
em meu testamento.
Dou de ombros.
— Eu não quero seu dinheiro sujo, pai.
Olho meu marido e ele está acabado, suas mãos tremem e o revólver
pende de um de seus dedos enquanto abre o laptop e começa a digitar
rapidamente alguns números. Ele olha Desmond e parece tentar não sucumbir
à vontade de aniquilá-lo ali, agora mesmo. Com um olhar cansado, aponta
com a arma para a máquina ligada ao meu pai, que parece pirar agora:
— Mas não vou precisar mover um dedo. Tu propio corazón não te
quer vivo. E eu vou apenas assistir a tu muerte enquanto relembro que você
não tem mais nada, dinheiro, poder, saúde... Eu te tomei tudo. — Desmond
começa a tossir, parecendo se engasgar. Ignoro o bipe muito alterado e
tampouco me espanto por não ter medo que ele morra. — E a última coisa
que vai ouvir antes de seu último suspiro é minha maldita língua te dizendo
que seu império morre com usted.
Seguro a conexão de seus olhos, sem sentir nada mais bater em meu
peito.
― Meu pai falou que você o contactou esses dias. ― ela diz de
maneira firme. ― Era você perto de minha casa quando fomos para
Hamptons, não era? ― mordo meus lábios e minha mão solta a de Chloe. Ela
continua: ― Meu pai disse que você queria que ele lançasse uma matéria,
que você entregaria tudo no devido tempo... Assim que cheguei em casa
depois de Hamptons... eles estavam loucos, ligando para tudo quanto é
conhecido, averiguando todas as suas provas... Era tudo uma vingança e meu
Deus, você tinha todos os motivos, mas... ― sua voz treme um pouco e eu
percebo que o que vai dizer a deixa com receio, no entanto, ela diz mesmo
assim. ― Você não esperava amar Ellie, esperava...?
Chloe se levanta:
― Faça por merecer seu perdão. ― ela anda um passo para trás,
mas para, me olhando de lado. ― Eu e Lennox sempre fomos a família que
Ellie nunca teve... se sua irmã morreu por causa dos tóxicos da empresa
Kane, saiba que Ellie cresceu em meio à toxidade da família Kane. Ela não
merece sofrer mais... Miguel.
― O mais estranho nisso tudo? ― seus olhos correm por meu rosto.
― O cara que mais mentiu para ela foi o mais verdadeiro em seus
sentimentos. A vida é irônica, não é mesmo?
— Morrer? — Lennox segura meu braço. — Por que acha que seu
único destino é a morte?
— Não tenho o que achar, terei o mesmo destino que Maria. Bebia
da mesma água. — respondo, meus olhos cravados nele. O silêncio retorna e
talvez ele já saiba tudo que tenha que saber. — Tem quase seis meses que
tive o diagnóstico.
— Mas você não sabe que...
— Tenho câncer, Lennox. Por isso apressei as coisas, por isso não
pude esperar que Desmond demorasse para me colocar como vice-presidente.
Por isso precisei que ele confiasse mais rápido em mim do que se não fosse
seu genro. Por isso me casei.
Ele me olha nos olhos, a postura do amigo que Ellie sempre disse
ter, a família que envolvia muito mais que laços sanguíneos:
Nós tínhamos chegado há pouco mais de uma hora e ela não tinha
falado nada desde que recebeu alta e viemos pela estrada, uma viagem
pesarosa que me doía mais que qualquer coisa no mundo.
Tudo que eu queria era abraçá-la logo e arrancar cada fragmento de
dor em su corazón transportando-o para o meu.
Paraliso.
Eu evitava vê-los quase que rotineiramente, tirando ou colocando as
lentes sem precisar de um espelho e agora, vendo meu reflexo, admito para
mim mesmo que o uso delas era muito mais que um disfarce idiota que não
enganaria a ninguém além do próprio Trevor Willians.
Ela vem ao meu encontro e desta vez não interpreta a mãe zelosa na
frente de todos, somente mira minha barriga e nega com a cabeça num
movimento de desagrado:
— Foi bom você ter perdido essa gravidez, seria uma derrota estar
grávida de um homem procurado. — sem esperar que eu a responda, ela dá
um tchauzinho para o padre ao lado do púlpito e sai em seu encalço, o colar
de diamantes que usa no pescoço reluz contra a manhã de sol e eu desço
minhas mãos por minha barriga, pensando nos olhos verdes de Miguel me
mirando, como duas esmeraldas.
Preciosa,
Eu te amo tanto que não me sinto eu mesmo quando não estou com
você. Eu, Miguel Guzmán. Ele só existe porque você existe em mi vida. E o
meu maior medo não é que eu não me reconheça, mas que você não ame o
homem que revelo ao seu lado, pois só ele é de verdade.
E yo quiero ser ele para sempre, sem mistérios, sem planos, sem
estratégias... apenas Miguel para su Ellie.
Mas não sei se meu amor pode ser o bastante para que você
suprima tudo que fiz. Não sei se entregar minha vida a você pode ser o
bastante para que você me perdoe.
Contudo, eu vou entender se não for. Eu vou entender sua escolha,
seja qual ela for.
Não importa qual escolha você tomar... você es fuerte para tomá-la,
mi preciosa.
Te amo.
Miguel Guzmán.”
Agosto de 2017
Foi assim, exatamente assim, que vimos nossa filha pela primeira
vez: Dulce Maria brincava com o pequeno vira-lata sozinha, no triste e
solitário orfanato de uma vila vizinha a de Miguel quando era criança. Nós
tínhamos acabado de chegar do Brasil, depois de alguns anos em Porto Rico e
pensávamos em fixar morada no país natal de Miguel, mas não sabíamos se
era cedo ou não.
Ali tivemos nossa resposta, naquela garotinha miúda de cabelos tão
cacheados quanto os de Miguel e uma pintinha como um pequeno molde de
abelha pertinho dos lábios desenhados em forma de coração. Dulce Maria era
seu nome e demos a ela o nosso amor e com ela tivemos um lar que
chamávamos de nosso nos últimos cinco anos, num cantinho único da
Colômbia, onde vivíamos e tentávamos fazer diferença — mesmo que as
malas prontas escondidas nos armários sempre estivessem à mão no caso de
precisarmos fugir mais uma vez.
Ressignificava tudo.
Passo as mãos pelos seus cachos suados e ele sorri para mim, meus
dedos deslizam por seus fios eu fito seus olhos verdes, me lembrando que
uma vez ele havia me dito que aquela cor era a da esperanza.
Sorrio mais um pouco ao me lembrar que ele havia me falado aquilo
depois de o médico dizer o protocolo de tratamento para seu câncer, quando
nos deitamos naquela noite e eu disse que seus olhos eram meus faróis em
qualquer escuridão.
— Você sabe que não gosto que fale assim. — bronqueio, mas beijo
seus lábios logo em seguida.
Miguel estava curado.
Minha família.
Recado da Nina