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Índice

Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Capítulo 07
Capítulo 08
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Epílogo
Bônus
Sobre a autora
Copyright
Ficha Catalográfica
Sobre a editora
Livro anterior na Série Bro Code
Conheça a série As Bilionárias de Bluewater
Leia O Resto de Mim
Conheça a Série Benevolence
01

Beckett Ryder, também conhecido como “um homem completamente


alheio ao fato de que acabou de tuitar uma grande merda que vai torná-lo
inimigo público número um”.
A vida é perfeita pra caralho.
O tempo está maravilhoso e ensolarado nesta brilhante manhã de junho.
Meus novos tênis de corrida são tão perfeitos que parece que estou correndo
em uma nuvem. As árvores do Reynolds Park estão fazendo umas sombras
ótimas, minha playlist está no volume máximo e não tenho nada marcado
até a festa de noivado da minha irmã, hoje à noite.
Dez horas inteiras fazendo o que eu quiser.
Estou sorrindo enquanto percorro o caminho familiar pelo parque da
cidade, muito feliz por estar de volta a Copper Valley. Amo meu trabalho,
mas não há lugar no mundo como a nossa casa.
Aceno para uma mulher que vem empurrando um carrinho de bebê no
sentido contrário, mas ela faz uma careta e me mostra o dedo do meio.
Que estranho.
Pessoas loucas são normais quando estou em Los Angeles, ou às vezes na
Europa, mas aqui?
O povo da minha cidade natal me ama.
Diminuo o volume da música e verifico minha camisa.
Não, nada ofensivo na camisa do Fireballs. Eles podem ser os maiores
perdedores do beisebol, mas são uns perdedores adoráveis.
Olho para baixo e – sim, me lembrei de colocar calças hoje. Shorts, na
verdade. São da minha marca, óbvio, mas não uso só por serem da minha
marca. E sim porque são mesmo confortáveis, e é por isso que escolhi
adicioná-los à minha coleção RYDE.
Talvez seja porque estou cantando alto o último sucesso do Levi, mas não
sou tão ruim assim. Claro, eu era só o colírio para os olhos na época da Bro
Code, nossa boy band, mas consigo cantar sem desafinar.
Ela deve ter me confundido com outra pessoa. Ou os dedos dela estavam
travados daquele jeito estranho. Sair por aí com essa cara de “P” da vida
pode acontecer com qualquer um, não deve ser culpa dela.
Continuo no ritmo, e uma senhora idosa sentada no banco sacode a
bengala para mim e diz algo que não eu entendo, pois seu cachorro está
latindo. Tiro um dos fones do ouvido.
— Você é uma vergonha para os homens bons do mundo! — grita ela.
Eu desacelero e a encaro, correndo sem sair do lugar.
— Senhora?
— Sua pobre mãe deve estar envergonhada.
Ah. As fiscais de roupas íntimas. Não são tão incomuns assim. Levi se
tornou uma sensação do pop quando terminamos a Bro Code, Cash foi para
Hollywood, Tripp se cansou da fama e sossegou, Davis sumiu do mapa, e
eu segui meu próprio caminho.
Minhas escolhas de carreira pós-boy band são conhecidas por causar uma
certa estranheza.
— Sim, senhora. Ela está horrorizada. Tenha um bom dia.
Eu a cumprimento e volto pelo caminho em direção à fonte no centro do
parque.
Nos anos desde que fiz meu primeiro trabalho como modelo de cuecas
para a Giovanni & Valentino, antes de me aventurar na criação do meu
próprio império de moda, tive minha cota de inimigos. É algo comum nessa
área.
Mas minha mãe não tem vergonha de mim.
Pelo menos não mais do que tinha durante meus dias de boy band.
Acima de qualquer coisa, ela se diverte com tudo isso. Conformada às
vezes, mas com certeza se diverte.
Ellie – minha irmã – me perturba pra caramba. Assim como todos os
caras com quem crescemos.
É por isso que eu amo todos eles.
Eles me mantêm com os pés no chão.
Inferno, metade deles precisou dessa ajuda para se manterem centrados.
Depois da curva, lá está ela.
Minha fonte.
Ok, ela não é exatamente minha. Mas está localizada no topo da cidade, e
é como se exclamasse lar para mim.
Eu amo minha terra natal, mas administrar o império da moda Beck
Ryder – pois é, pode rir porque é engraçado mesmo – me mantém muito
longe daqui.
Saio para a luz do sol e dou a volta pela calçada, com os pés batendo no
concreto e a neblina acariciando meu rosto. Os cinco golfinhos de pedra ao
redor da fonte jorram água alegremente nos baldes das sereias do segundo
nível, enquanto um círculo de cavalos-marinhos sopra chifres de água.
A brisa do início do verão faz os arbustos balançarem e as folhas de
bordo brilham à luz do sol. O ar está limpo. O céu está da cor do meu azul
favorito. Flores brotam em vermelhos, amarelos e roxos no paisagismo
cuidadosamente cultivado que mascara os arranha-céus do centro e silencia
o barulho da cidade.
É a minha recepção particular feita pela natureza.
Mal posso esperar para estar aqui mais vezes.
Em breve. Muito em breve.
Dou a volta na fonte e volto para o caminho que leva à Torre Schuler e
para a minha cobertura perto do parque. Amanhã, tenho que voltar ao
trabalho; mas, hoje, minha equipe tem o dia de folga. Sempre há trabalho
quando você está administrando um império e inaugurando uma nova
fundação. Meu celular ainda está no modo avião, e toda a área
metropolitana de Copper Valley é a minha ostra.
Nada de celular, nada de trabalho, nada de responsabilidades.
Talvez eu deixe a cidade para trás e vá até as Blue Ridge Mountains para
uma caminhada. Cochilar lá em cima no ar fresco. Comer. Comer um pouco
mais. Voltar a tempo da festa surpresa de noivado da Ellie e do Wyatt.
Dizem que terá churrasco.
Eu não como um bom churrasco há meses.
Estou tão ocupado babando com o pensamento de comer carne de porco
desfiada que quase deixo de notar a aula de ioga.
Uma aula de ioga no gramado perto da fonte não é algo incomum. Mas
essa aula parece ser menos no estilo Namastê e mais em arremessar os
blocos de ioga.
Especificamente em mim.
Elas me atacam como um grupo, uma multidão de calças de ioga
correndo sobre a grama verde, gritando obscenidades e agitando os punhos.
Uma senhora tem seu tapete enrolado na mão e está liderando a matilha
bem ao estilo Coração Valente.
— Nojento!
— Idiota!
— Vá você para casa e arrume o seu próprio avental!
Meus batimentos aumentam como se eu estivesse em uma corrida.
— Ei, ei. — Levanto as mãos em rendição enquanto ando de costas,
porque, sério, que porra é essa? — Vocês sabem que eu amo vocês. O
que…
Um sapato atinge meu rosto. Outro bloco de ioga acerta meu ombro.
— Peguem ele, garotas! — grita a Coração Valente.
Ah, merda.
Elas querem sangue.
Não faço a menor ideia do que fiz, mas essas senhoras querem sangue.
Meu sangue.
Minha corrida se transforma em uma disparada, mas pela primeira vez,
meu cérebro está girando mais rápido que minhas pernas.
A mãe com o carrinho de bebê e seu dedo do meio. A avó e sua bengala.
E agora, uma aula de ioga?
Estou em desvantagem.
Devo estar em desvantagem e também superado.
Outro bloco de ioga.
E ainda estou muito longe de algum lugar seguro.
— Cale a boca e deixe a sua cueca falar!
Um amontoado de… ah, cara, isso é nojento. Cocô de cavalo voador.
Impressionante.
Movo minhas pernas com mais velocidade. Joelhos subindo mais alto.
Como se eu fosse derrotar o Usain Bolt. Correndo. Disparando. Para longe
de uma multidão de mulheres raivosas.
Essa é nova.
Assim como ter uma multidão de mulheres furiosas me perseguindo.
As mulheres costumam me amar. Ou se não amam, pelo menos me
toleram, mostrando aqueles sorrisos meio falsos.
Talvez uma corrida não fosse a melhor cura para o jet lag.
Mas como eu poderia saber que hoje era o Dia Internacional do Beck
Ryder é o Inimigo?
— Eu vou te mostrar qual é o seu lugar — grita uma das mulheres.
Não tenho a menor ideia de onde ela pensa que seja meu lugar, ou por
que ela acha que pertenço a ele, mas sei de uma coisa.
Estou totalmente fodido.
02

Sarah Dempsey, também conhecida como “uma geek que não tem a
menor intenção de ter os bebês de Beck Ryder”
Da última vez que usei óculos escuros, um boné abaixado para esconder
o rosto e um moletom com capuz para ir às compras – em pleno verão de
junho –, eu estava em Los Angeles, tinha dezessete anos, e tudo o que eu
queria era um baralho de cartas do Pokémon.
Hoje estou comprando papel higiênico, que é literalmente a única coisa
no mundo que me faria sair de casa. Não é até eu estar na fila do caixa com
meu pacote Charmin de quatro rolos agarrado ao meu peito que me ocorre
que as pessoas não estão olhando para mim só porque Beck Ryder tuitou
ontem à noite que eu deveria calar a boca e ir fazer bebês, não comigo, é
claro. E sim porque não há nenhuma razão legítima para eu estar agindo
como uma celebridade e tentando me esconder, já que ninguém aqui sabe
que eu sou @must_love_bees no Twitter e, sinceramente,
@must_love_bees não é nenhuma celebridade.
Maldito modelo de cueca.
Ele está fodendo com a minha cabeça. E com a minha vida.
A mulher do caixa me dá uma olhada.
— Você vai a uma festa? — pergunta ela, seu olhar percorrendo meus
óculos escuros, boné e o papel higiênico.
— Experimento social — respondo. — É mais ou menos provável que
você converse com as pessoas que entram na loja de óculos escuros?
— Mais — diz ela, ao mesmo tempo em que o cara do outro caixa diz:
— Menos. Respeito a privacidade.
— As pessoas só se vestem assim quando querem atenção — a
senhorinha atrás de mim fala para todos. Ela bate na capa de um dos
tabloides. — Como esse cara aqui que afirma ser a reencarnação de Gengis
Khan com um pênis em forma de dragão. Ele usa óculos de sol em todos os
lugares.
Contanto que ninguém peça para ver a minha dragoa, acho que vai ficar
tudo bem.
Escapo dali, enfio o papel higiênico dentro do carro e me sinto uma
idiota por ter vindo dirigindo, porque a temperatura está na casa dos 21
graus, o sol está encoberto pelas nuvens brancas e fofas, e são apenas dez
minutos a pé da minha casa até o mercado.
Quando chego em casa, três minutos depois, nenhum dos vizinhos está
bisbilhotando as minhas janelas.
Nem mesmo Ellie Ryder, que sem dúvida é parente do primata de cuecas,
embora nunca tenhamos conversado sobre as nossas famílias, por vários
motivos. E ela também está fora da cidade esta semana.
Pelo menos, foi o que ela disse quando seu namorado apareceu com o
filho no último fim de semana. Algo sobre um festival pirata nas
montanhas, mas não perguntei mais detalhes.
Não costumo me aproximar muito das pessoas.
Da maioria das pessoas, devo especificar. Mas existem exceções, e meus
vizinhos não estão inclusos nessa categoria.
Minha gata, Andrômeda – Meda para abreviar – está dormindo na janela
da frente do meu pequeno bangalô estilo Craftsman. E não há carros
incomuns estacionados na rua sob os carvalhos e cicutas.
Não é que eu seja paranoica.
É só que… tá bom.
Eu sou paranoica.
Você também seria se tivesse meus pais e minha infância.
Eu deveria ligar para eles.
Entro na garagem e aperto o botão para abrir a porta atrás de mim antes
de sair do carro com meu papel higiênico. Eu o deixo no banheiro e passo
pelo meu pequeno esconderijo, onde está o computador, porque… ugh…
vai levar semanas até que os feeds das minhas redes sociais parem de
explodir com mensagens sobre aquele modelo estúpido de cuecas e seu post
mais estúpido ainda que dizia que eu não sou nada mais do que uma fábrica
feia de bebês.
Eu poderia muito bem me reinventar, mudar completamente.
De novo.
Ainda mais se a vizinha for mesmo parente dele. E se ela ainda se
lembrar do meu nome de usuário do Twitter.
Ela é engenheira ambiental.
Eu também sou engenheira ambiental.
Ela gosta de animais.
Eu também gosto de animais.
Fazia sentido na época contar a ela sobre o meu site de ciência e
conservação ambiental.
Deixa pra lá.
Devem existir milhares de pessoas com o sobrenome Ryder em Copper
Valley.
— Sabe o que mais me irrita, Meda? — digo para a minha gata.
Ela mia de volta de seu poleiro no parapeito da janela, me dando um
vislumbre do que está pensando. Eu aceno com a cabeça. Ela é meio
siamesa, meio malhada, acho, e muito atrevida. Tem toda essa atitude para
compensar o fato de não caber muito bem dentro de uma caixinha, e nos
damos muito bem.
— Isso mesmo. Eu finalmente tenho um grupo de seguidores que amam a
ciência e se divertem com as descobertas planetárias e as novas tecnologias
de reciclagem, e lá vai ele transformar toda a minha existência num circo
sobre o meu útero, em vez de falar sobre salvar o planeta.
Não preciso fazer login nas minhas redes sociais ou ver as estatísticas do
meu site para saber como está tudo por lá. É a mesma coisa com qualquer
linchamento digital.
Todo mundo acha que sabe toda a história. Eles publicam suas opiniões
na internet, depois começam com os xingamentos, dos dois lados. Postam
coisas que nunca diriam na sua cara, e a qualquer momento alguém irá
encontrar o meu endereço. E aí eu vou ter que me esconder.
De novo.
Merda, merda, merda.
Não que eu não tenha aproveitado o meu ano sabático, mas gosto da
minha vida de agora.
Jogo meus óculos de sol na mesa de centro reciclada da minha sala de
estar super eclética e depois o boné, que cai bem dentro da enorme caixa de
bonecos dos Vingadores, que mamãe enviou na semana passada e que eu
ainda não arrastei para o porão.
Não há momento melhor para isso que o atual, porque quando eu tiver
que ir embora, essas coisas podem ficar para trás. Não por não gostar delas
– até porque acho que o Thor Dourado está naquela caixa, e olá, gostoso
dourado, por favor, não conte a ninguém que eu disse isso –, mas porque
prevejo a necessidade de fazer uma fuga rápida apenas com o essencial.
Eu gosto da minha casa.
E é uma grande dor de cabeça mudar de nome em segredo. Talvez eu
devesse pular essa etapa e me mudar logo para Fiji.
— Eu sei, eu sei, estou sendo melodramática — digo a Meda, embora
tenha certeza de que não esteja. É difícil afirmar quando você sabe que nem
sempre tem uma firme compreensão do que é normal. — Mas eu prometo
que não vou deixar você para trás.
Ela mia de novo, olhando para mim com um olho azul e outro âmbar,
pula da sua cama na janela da frente e vai para a cozinha, onde, sem dúvida,
está esperando seu jantar.
Quatro horas adiantada.
Eu a sigo, porque ela pesava só dois quilos de pele e osso quando eu a
trouxe do abrigo para casa, então pode comer quando quiser.
Mas assim que entro na cozinha, os pelos da parte de trás dos meus
braços se arrepiam.
Alguém está no meu quintal.
Do lado de dentro da minha cerca.
Perto das minhas colmeias de madeira.
Um homem está se esgueirando em direção à casa, usando óculos
escuros, um boné puxado para baixo e moletom.
Em pleno verão de junho.
E se ele acha que vai conseguir alguma coisa de mim, está muito
enganado.
Eu tiro meu taser do pote de biscoitos da minha avó e fico de joelhos
para rastejar sobre o piso bege até a porta dos fundos, então levanto a
cabeça o suficiente para espiar pela janela de vidro acima da maçaneta.
Ele está vindo para cá.
Merda. Merda.
Meda mia de novo.
A cabeça do estranho vira para a minha direção – o idiota está se
certificando de que não esteja sendo observado –, e eu me abaixo.
Mas só até ouvir uma batida na porta.
E então eu entro em ação.
Pulo, giro a maçaneta e grito:
— Se deu mal, idiota!
Meu coração está batendo tão forte que meus peitos estão balançando.
Minha voz está grossa e alta porque, porra, estou encarando um intruso, e
não penso, apenas aponto e aperto.
Não consigo ver seus olhos, mas vejo seus lábios se separarem sob a
sombra escura ao redor da boca e mandíbula. Seu corpo estremece uma,
duas vezes, e então ele cai.
Como um saco de batatas.
— Ah, meu Deus, Beck, eu vou te matar! — uma mulher grita enquanto
corre pelo meu portão dos fundos.
Eu aponto o taser para ela.
— Para trás! — grito, uma fração de segundo antes de o reconhecimento
acontecer.
Eu conheço essa mulher.
Eu a conheço muito bem, mas meu cérebro está operando no: ai, meu
Deus, os paparazzi me encontraram! E não consigo fazer meu cérebro
raciocinar. Se ela tiver uma dessas câmeras espiãs nos bolsos, minha foto
estará em todos os tabloides de fofocas em seis horas, e minha mãe vai ficar
horrorizada por eu não ter penteado meu cabelo hoje.
Ela tropeça até parar e levanta as mãos, estremecendo quando parece
mudar o peso de uma perna para outra.
— Sarah. Me desculpa. Eu tentei impedi-lo. Ele achou que você ia gostar
do pedido de desculpas pessoalmente mais do que pelo Twitter.
Ela estremece novamente, e… eu conheço essa mulher.
Conheço mesmo.
— Quem é você?
Ela pisca uma vez, depois relaxa.
— É a Ellie. Sua vizinha.
Minha vizinha.
Merda, merda.
Olho para o saco de batatas com braços e pernas ridiculamente longos
esparramados na minha porta
E então, de volta para ela.
— Você deixou o primata de cueca entrar no meu quintal — digo.
Seus lábios se abrem, e um sorriso lento começa a se formar em suas
feições bonitas. Minha mãe iria adorá-la, porque sem maquiagem ela é
bonita, mas com maquiagem – e um corte de cabelo, e roupas que
combinam, e o senso de estilo – ela é linda pra caramba.
— Primata de cueca — diz ela, balançando a cabeça devagar. — Sim.
Gostei. O Beck é o meu irmão. Também conhecido como “o idiota que não
sabe usar um direct”. Ele está muito arrependido. Ele pensou que estava me
parabenizando pelo noivado, com esse jeito especial e fraternal que ele tem.
Ele geme no chão.
— Porra, Ellie, eu falei para parar com essa brincadeira idiota de apertar
o mamilo.
Seu sorriso se alarga.
— Eu disse para ele que ligaria para você primeiro, só para ter certeza de
que você não ia… bem, eu disse chamar a polícia, mas acho que assim é
melhor.
— Você tem um lado perverso — digo.
— Eu cresci com ele — responde ela, como se explicasse tudo.
Volto a olhar para ele.
Ele é alto. Ombros largos. Parece mais esguio pessoalmente do que
naquele outdoor da I-56 pelo qual eu passo algumas vezes por semana, mas
pode ser por causa do moletom folgado. Seu boné está torto – dos Fireballs,
legal – e uma mecha escura de cabelo está saindo por baixo da aba. Seus
olhos azuis estão um pouco fechados sob os óculos de sol tortos, mas
parecem estar voltando ao foco enquanto ele pisca preguiçosamente para
mim.
— Você me deu um choque — diz ele.
— Não reconheci você com roupas.
E isso é tudo o que tenho a dizer para ele, então me viro e volto para a
minha casa.
No que me diz respeito, esse assunto está encerrado.
03

Primeira regra para pedir desculpas: certifique-se de que ela saiba que
você está indo até lá.
Puta merda, que viagem foi essa.
E aqueles olhos.
Todos os quatro.
Nossa.
Você acredita em amor à primeira vista? Eu sempre acreditei.
Só que eu não sei se isso é amor ou apenas o efeito colateral de um zilhão
de volts no peito.
— Você se mijou todo? — pergunta Wyatt, com um sorriso, assim que
Tucker, seu filho, corre até o quarto para pegar um brinquedo para me
mostrar.
Meu melhor amigo de infância está encostado na porta larga entre a sala
de estar e a sala de jantar, ouvindo Ellie contar a versão resumida dos
eventos, enquanto eu, deitado com as pernas apoiadas no braço do sofá,
seguro uma bolsa de gelo para ajudar a aliviar a dor que está rapidamente se
espalhando pela minha cabeça.
— Porra, foi quase — admito, e tudo bem, ainda estou tremendo um
pouco.
Minha irmã e meu melhor amigo trocam um daqueles olhares entre casais
e caem na gargalhada.
Eu ficaria puto, mas vamos ser honestos… Primeiro, era meio que
inevitável que eu levasse um choque por alguma coisa em algum momento
da vida. E, segundo, pelo menos agora eu sei como é. E outra, eu estraguei
a surpresa da festa de noivado da Ellie, já que ela não sabia que eu estava
voltando para casa até Wyatt contar, para que eles pudessem correr em meu
auxílio a respeito da catástrofe dos tuítes, então eu devo a eles algumas
risadas às minhas custas.
Mesmo que seja por eu ter tomado um choque de taser.
Não é algo que eu tinha planejado adicionar à minha lista de desejos, mas
esta será uma história para contar no futuro, quando meu peito parar de
pinicar.
Porém, se for mesmo amor à primeira vista, minha vida está prestes a
ficar complicada pra caralho.
Não deve ser amor, decido.
Deve ser por causa de todos esses volts no meu coração. Fico imaginando
se levar um choque na bunda teria o mesmo efeito.
Bem improvável, decido. Eu com certeza deveria levar um choque na
bunda da próxima vez, se é que precisa acontecer uma próxima vez. Vamos
torcer para que não precise.
— Eu disse para você me deixar ligar para ela primeiro. — Ellie se joga
no sofá ao lado da minha cabeça e bagunça meu cabelo. — A Sarah é…
meio exaltada.
— Uma espécie rara — concorda Wyatt, irônico.
O cara é militar e um dos meus melhores amigos desde criança. Poderia
ter se juntado a nós na Bro Code, mas ele tinha essa atitude de foda-se tudo
isso, vou salvar o mundo.
— E não deve ser suscetível aos seus encantos sem igual.
Sarah – também conhecida como @must_love_bees –, a mulher que eu
sem querer insultei on-line, quando pensei que estava enviando uma
mensagem engraçada no privado da Ellie, respondendo seu post do anel de
noivado. A mesma que tuitou de volta: Esta tentativa desesperada de
roubar os meus 51 fãs não vai funcionar, @BeckettRyder. Os 49 são
cientistas e não se deixam enganar pelo seu tanquinho, o que foi bem
hilário, ainda mais porque ela tem mais de dez mil seguidores – e tem
quatro olhos na minha memória. Quatro grandes olhos castanhos escuros,
com íris enormes que parecem dominar suas feições e engolir suas pupilas.
Nariz reto, os dois. Lábios cheios. E todo aquele cabelo castanho cacheado
e selvagem.
Ela é como um cruzamento entre a Medusa e a sereia do Peter Pan. Meio
assustadora, meio adorável.
— Tio Beck! Olha isso! Eu tenho um boneco de cueca!
— O Levi vai se ver comigo por ter dado isso para ele — anuncia Ellie,
enquanto Tucker empurra um boneco Ken na minha cara.
Só que não é um boneco Ken.
É um boneco Beck Ryder.
— Esse é o boneco de cueca mais chique que eu já vi — digo a ele. —
Você é um carinha de sorte.
— Sua boca está engraçada — diz Tucker.
Ele é filho de Wyatt de seu primeiro casamento e quase um total clone do
meu amigo, exceto que o garoto tem os olhos castanhos da mãe em vez dos
olhos azul-cinzentos ou que for de Wyatt. Tucker tenta apertar os lábios
para parecer um pato, e chega muito perto de conseguir, o que é errado em
uma criança de oito anos.
Ellie se engasga com uma risada, mas eu ergo um punho para um “toca
aqui”.
— Se você continuar fazendo essa cara, todas as mulheres vão cair em
cima de você antes dos dez anos.
Wyatt me lança o olhar de: não brinca comigo que eu te dou um cuecão,
mas eu devolvo um sorriso de: de nada.
Porque Tucker está recuando de horror.
— Eca! Eu não quero as mulheres! Elas são mais velhas.
— É com elas que alguns de nós estão presos, cara — eu digo a ele, em
tom solene, embora tenha sido meses, ou mais, desde que eu tive uma
mulher de verdade.
Ou qualquer outra forma de companhia além da minha mão.
É o que acontece quando você quer que o sexo signifique algo depois de
namorar muitas mulheres que só querem contar por aí que dormiram com
alguém famoso, que pegaram um modelo de roupas íntimas ou que ficaram
grávidas de um bilionário.
Quase me pegaram nessa última.
Duas vezes.
E as duas estavam mentindo.
— Eu nunca vou crescer. — Tucker pega seu boneco de volta e corre
para Wyatt. — Posso comer um biscoito?
— Você pode comer uma cenoura, porque a vovó Michelle vai te dar
biscoitos na festa hoje à noite.
Vovó Michelle.
Minha mãe está tão feliz que parece estar no céu.
Ela finalmente vai casar um de nós e logo ganhar um neto. Não que ela já
não tenha adotado Tucker como um dos seus, já que crescemos na mesma
rua, e como a pequena família de Wyatt se foi, nós somos tudo o que ele
tem. Ela está pulando de alegria, porque Ellie e Wyatt enfim perceberam
que a razão por terem brigado tanto ao longo dos anos era serem almas
gêmeas.
Eles são nojentos. E adoráveis.
Uma personificação de todas as metas de relacionamento que um famoso
dono de império que viaja pelo mundo, como eu, jamais terá. Além de
nunca saber o que uma mulher quer de mim – meu corpo, meu dinheiro ou
minha fama. Se você já esteve em tudo quanto é lugar ao redor do mundo e
ainda não encontrou a pessoa certa, ela não existe.
Provavelmente.
Mas eu tenho uma família, e algumas fundações que beneficiam crianças,
além de sobrinhas e sobrinhos adotivos da parte de Wyatt e Tripp, então
está tudo bem.
Na maior parte do tempo.
É melhor dar o seu amor para as pessoas com quem você sabe que pode
contar do que guardar para alguém que talvez nunca apareça, não é?
Alguém bate na porta, e eu me encolho.
Ellie disfarça um sorriso.
— Relaxa. Posso garantir que não é a Sarah voltando com o taser. Ela
não costuma ser tão agressiva.
Sarah.
Nome bonito.
E ainda faz meus pulmões se contraírem. Deve ser bom ela não voltar.
Wyatt olha pela pequena vidraça da porta e abre.
— Reforços — diz ele.
Começo a ficar animado, pensando que Tripp ou Davis ou um dos irmãos
Rivers estão entrando, mas não é nenhum deles.
— Era inevitável, não era? — Charlie, minha assistente, diz com um
sorriso atrevido. — Nunca mais deixe o seu celular no modo avião durante
a noite, ou eu me demito.
Assistente não é bem a palavra certa.
Ela é mais como a pessoa que lida com tudo na minha vida.
— Você está oficialmente de castigo, e nem venha com o temos que estar
no evento blá-blá-blá, porque você foi desconvidado de todos. Mesmo
aquele parque-fazenda em Nebraska, que nunca respondemos sobre o
Festival do Bode, rescindiu seu convite para participar da Corrida do Bode,
e eles foram os mais educados do grupo.
Eu a encaro, porque ouço as palavras que ela está dizendo, e que estão
começando a penetrar no meu cérebro.
Os blocos de ioga voadores e ter levado um choque foram só o começo.
Eu não irritei só a galera do Twitter e metade das mulheres do universo.
Eu fodi minha vida inteira.
— A fundação? — falo, rouco.
Merda, merda, merda.
Ela tem que me dizer que eu não ferrei a nova fundação.
Ela não diz.
— Tem Wi-Fi aqui? — ela pergunta a Ellie e Wyatt e, em poucos
minutos, está instalada na poltrona reclinável ao lado do sofá, laptop aberto
no colo, celular em uma das mãos, tablet na outra, sem responder à minha
pergunta.
Ela está comigo há seis anos, e eu nunca perguntei sua idade, pode ter
vinte e cinco ou trinta e cinco anos. Se nota quantas pessoas a olham de
cima a baixo quando viajamos pelo mundo para desfiles de moda,
lançamentos de produtos e sessões de fotos, ela não deixa transparecer.
— Videoconferência com suas equipes de relações públicas e gestão em
trinta minutos, e eu estou trabalhando para você conseguir uma ligação com
o Vaughn — relata ela, então me olha duas vezes. — Seu cabelo está
fumegando?
— Ele tentou escapar e levou um choque de taser da minha vizinha —
responde Ellie, prestativa.
— Eu já falei para você manter os seguranças por perto — responde
Charlie, antes de voltar para o laptop.
— Aqui é a minha casa — zombo.
— E você simplesmente irritou a internet inteira. Não ligue para os dois
carros pretos na rua, porque eu providenciei segurança extra. E você deve
ser capaz de voltar para a cobertura dentro de algumas horas. Pedi aos
policiais que deixassem o protesto continuar, a menos que ficasse violento.
— Você pode controlar os protestos? — pergunta Ellie.
Charlie dá de ombros.
— Na verdade, não, mas parece bom estarmos cooperando em vez de ter
um ataque de diva. Assim que colocarmos o Beck na câmera com a Ellen
ou o dr. Phil, se desculpando por tudo, eles irão embora. Ele é
repugnantemente encantador.
— Eu deveria mesmo te enviar presentes de Natal melhores — diz Ellie,
admirada.
— Seus pais cuidam bem de mim.
— Ei. Eu comprei um carro para você no Natal passado — aponto,
mesmo sabendo que uma frota inteira de carros não compensaria o fato de
ela ter que lidar comigo alguns dias.
Tipo hoje.
— E estou em casa para dirigi-lo talvez um total de dois meses por ano.
Seus pais me deram uma assinatura mensal do clube de manteiga de
amendoim, que é magicamente encaminhado para onde quer que a gente
esteja todos os meses.
Merda.
Eu sou ruim em dar presentes.
E eu aqui pensando que arrasava.
Além disso, eu gosto de manteiga de amendoim.
— Que dia de merda — murmuro.
— Bem-feito por você ser um babaca.
Ellie leva a mão à boca e olha em volta, mas Tucker não está mais ali.
— Esse tuíte deveria ir para você, e foi uma piada — digo a ela. — Eu
nunca diria para alguém calar a boca e ir fazer alguns bebês. Mas é você
que está roubando o meu melhor amigo, sabia? O Wyatt já era meu
primeiro.
— Já estou pesquisando as melhores instituições de igualdade de direitos
das mulheres para uma doação considerável — diz Charlie. — Não vai
resolver tudo, mas é um começo no plano de controle de danos.
— A Fundação? — pergunto de novo. — Vai ajudar, não é?
Ela me prende com o olhar, e percebo que não só acabei de foder tudo.
Eu FODI TUDO MESMO. Em letras garrafais.
Não é como na vez que sem querer dei parabéns para aquela âncora de
jornal por estar grávida, sendo que ela não estava – eu sei, eu sei, mas eu
tinha dezenove anos e era um idiota. Quase nos baniram de voltar a Detroit.
Isso aqui é muito pior.
Porque em cerca de dez dias, eu deveria anunciar uma fundação conjunta
com o Vaughn Crawford, uma famosa escola de basquete, com o objetivo
de patrocinar organizações esportivas para crianças de todo o país.
E agora eu posso ter ferrado a coisa toda com essa mancha na minha
reputação.
Mandei o plano todo para o buraco como se fosse um meteorito em
chamas feito de merda de vaca.
Algo me dizia que uma videoconferência com toda a minha equipe não
iria resolver isso. E não haverá um escândalo quente o suficiente em
Hollywood para abafar o fato de eu ter enfiado a perna inteira na jaca, bem
ao estilo Twitter.
— Eu não deveria ir à sua festa — digo a Ellie com uma careta, porque
serei apenas uma distração.
— Eles vão falar sobre você, esteja você lá ou não — aponta ela.
— Só amigos e conhecidos mais íntimos — acrescenta Wyatt. — Mas se
você não consegue lidar com essa merda toda…
Eu não mereço estar perto de conhecidos hoje.
E preciso me recompor, parar de sentir pena de mim mesmo e ajudar
minha equipe a dar um jeito em tudo em vez de mais uma vez deixar
Charlie lidar com as coisas para mim.
É o trabalho dela, e eu pago muito bem para ela fazer isso, mas esse erro
é meu.
— Eu preciso ligar para o Vaughn — digo a ela.
Ela concorda com a cabeça.
— Ah, sim, precisa mesmo. Vá com cuidado e implore, porque ninguém
quer que a sua reputação os atinja. A única coisa que você tem a seu favor
agora é que será muito difícil para ele encontrar outro copatrocinador que
possa doar equipamentos tão fácil quanto você.
Pois é.
Ela está certa.
A Fundação Voe Alto não é apenas composta por verba para financiar
complexos esportivos, equipamentos e taxas administrativas. Também vai
receber doações da linha de calçados do Vaughn e minha linha de
equipamentos esportivos.
Nem tudo deve estar perdido, mas Vaughn é um dos caras bons e merece
um parceiro melhor nisso do que um idiota que insulta todas as mulheres no
Twitter.
É hora de começar a implorar.
Eu me empurro para ficar sentado e pego o celular, mas meu olhar vai
para a casa ao lado.
Também preciso pedir desculpas do jeito certo para a Sarah.
Quando Ellie me encontrou na frente do meu prédio com um carro de
fuga, eu estava correndo na rua, e ela me contou o que tinha acontecido
enquanto eu estava sem internet. Então tirei o celular do modo avião e
verifiquei as redes sociais.
A coisa está feia.
Eu não só estou sendo massacrado, mas no meio de todo o apoio a
@must_love_bees, ela também está sendo ridicularizada e xingada por
pessoas que acham que seu jeito de ser é estúpido. Que não há crise de
abelhas, que girafas não estão em extinção, que a Terra é plana, que
partículas atômicas são um mito. E sugeriam que ela deveria se matar por
ter uma foto tão feia de perfil, a qual é um desenho artístico de Saturno com
os anéis dobrados em forma de asas e uma cauda de abelha na ponta.
Ela não pediu para ser famosa.
E ela não pediu para todos esses loucos caírem em cima dela.
Eu causei todas essas coisas.
E eu preciso fazer parar.
A questão, porém, é como.
04

Não há nada melhor para aliviar o estresse do que a negação completa e


absoluta junto com uma dose de loucura.
E eu tenho loucura de sobra nesse momento.
Os Fireballs vão jogar hoje à noite, o que significa que minha melhor
amiga de todo o universo invadiu minha casa para assistir ao jogo.
E quando digo invadiu, quero dizer invadiu mesmo.
Mackenzie espalhou velas de abóbora com especiarias – mesmo em
pleno junho – para inspirar pensamentos positivos na temporada de outono
de beisebol. Seu banner dos Fireballs está pendurado no varão da cortina da
minha sala. Ela me fez vestir uma camisa dos Fireballs, o que não foi uma
grande dificuldade, porque eles ganham com mais frequência quando nós
duas usamos camisas do Cooper Rock. A menos que estejamos no estádio,
nesse caso eles ganham com mais frequência se eu estiver vestindo uma
camiseta científica nerd.
Ela também colocou música no celular para relaxarmos. É algum tipo de
techno com uma batida que deveria fazer nossos pulsos entrarem em
sincronia para que pudéssemos ser as pessoas zen mais animadas do
mundo, assistindo ao nosso time da casa perder um jogo.
Estatisticamente falando, esperamos um banho de sangue esta noite,
porque vencemos ontem, mas não falo isso para Mackenzie, porque ela
apareceu uns sete minutos depois que usei o taser em Beck Ryder e ocupou
a minha tarde, me distraindo longe da internet desde então.
Agora, estou acampada no sofá ao lado dela com meu laptop no colo,
ignorando as notificações da caixa de correio que está prestes a ficar lotada
por causa de todas as notificações do Twitter, e coloco a transmissão ao
vivo da jornada da Perséfone, a girafa, para dar à luz no zoológico de
Copper Valley.
Tenho tuitado sobre essa transmissão ao vivo desde que os tratadores
anunciaram que ela estava mostrando os primeiros sinais de trabalho de
parto há uma semana, e é divertido ver que quase meio milhão de pessoas
em todo o mundo está assistindo comigo.
— Nossa garota ainda está grávida? — pergunta Mackenzie enquanto se
acomoda ao meu lado com sua pipoca.
— Teoricamente, ela poderia aguentar mais um mês.
— Fico me perguntando se o fato de ela estar grávida é boa ou má sorte
para os Fireballs.
— Talvez ela dê à luz ao amuleto de boa sorte da próxima temporada.
Mackenzie é meu completo oposto. Ela é loira, de olhos azuis, pernas
compridas, seios empinados, bem-vestida – até sua camiseta parece estilosa,
deve ser porque seu short serve certinho nela e não está manchado, além de
ela estar usando acessórios. Ela é uma engenheira especializada em resíduos
sólidos,  o que não é tão diferente quanto parece de um engenheiro
ambiental, mas somos como noite e dia.
Ainda mais porque ela é uma engenheira de resíduos sólidos apenas
porque não pode ganhar dinheiro sendo uma fã profissional dos Fireballs.
No terceiro tempo, os Fireballs estão perdendo por dois a zero, e está
ficando doloroso de ver. Não tão doloroso quanto pensar em quanto tempo
vai demorar até que eu seja hackeada e alguém descubra quem são meus
pais, mas ainda assim é doloroso. Digo a Mackenzie que preciso checar as
abelhas hoje à noite, o que é uma mentira, já que elas são autossuficientes
nessa época do ano, mas ela não me questiona sobre isso, então saio pelas
portas dos fundos para ter certeza de que nada perturbou minhas colmeias.
Elas são meio que um hobby e meio que uma ação para tentar salvar o
mundo.
Tudo está quieto na casa do meu vizinho desde o incidente com o taser. 
Pelo qual me sinto um pouco mal, porque eu não queria mesmo ter que
dar um choque em alguém, mas quem vem pela porta dos fundos para
conversar?
Assassinos com machados, estupradores e paparazzi. São os que fazem
isso.
Depois de me certificar de que o trinco do portão está fechado e as
abelhas têm água, volto para dentro. A princípio, acho que Mackenzie está
ouvindo um comercial, mas depois percebo que não, ela está falando algo.
Com uma pessoa.
Que também está na minha sala.
— Ai! — diz uma voz masculina.
— Isso é por você ter sido um idiota com a minha melhor amiga —
anuncia Mackenzie. — Além disso, posso pegar o seu autógrafo? Ai, meu
Deus, ainda tenho aquele primeiro pôster de quando você desfilou para a
Giovanni & Valentino antes de se separarem, e, às vezes, eu… deixa pra lá.
Mas sério. Autógrafo. Você me deve. E se não me deve, pelo menos deve à
Sarah.
— Eu sei, é por isso…
— E é melhor você não dar azar para os Fireballs.
Entro na sala de estar, e nossa.
Beck Ryder parece mais alto em pé.
Tipo, óbvio, né? É claro que ele é mais alto em pé.
Além disso, quando seus globos oculares não estão se revirando, são
mesmo impressionantes. Tão azuis. Como se todos aqueles outdoors não
fizessem jus.
Ele muda sua atenção para mim, começa a sorrir – olhos primeiro, minha
nossa – e então se encolhe um pouco ao lado da linda mulher com ele.
— Juro que a sua irmã me deixou entrar — diz ele, com um gesto em
direção a Mackenzie. — Só quero pedir desculpas.
Ela e eu trocamos um olhar.
Irmã?
Ela se dobra de tanto rir.
A namorada do primata dá um sorriso exasperado.
— Mackenzie e eu parecemos irmãs? — pergunto.
Seus ombros relaxam, e cara… As mãos desse cara estão nos bolsos de
sua calça jeans – sem dúvida jeans da RYDE, que são mesmo muito
confortáveis, o que eu não vou mencionar a ele –, mas seus braços são
longos. Eu não estava tão errada assim em chamá-lo de primata de cueca
com braços desse tamanho.
— Não, mas isso não significa nada — diz ele. — Minha irmã e eu não
nos parecemos nem um pouco.
Ele está falando sério? Eles poderiam ser gêmeos, têm os mesmos olhos,
o mesmo sorriso, o mesmo cabelo escuro.
— Só porque ela nasceu com os genes da beleza.
— Sarah — sussurra Mackenzie.
Mas o primata de cueca dá uma risada e pisca para mim.
— Você entendeu certinho.
Mackenzie está encantada, mas quando digo que conheço o tipo de Beck
Ryder, e o quanto eu nunca deveria confiar nesse charme, não quero dizer
que leio a revista People nem que assisto a Vidas Secretas das Estrelas na
TV tarde da noite.
Tipo, nem minha melhor amiga sabe onde eu cresci.
— Desculpas aceitas — digo a ele, porque é a maneira mais rápida de me
livrar dele e daquele sorriso sexy, e também porque estou tendo esse
formigamento estranho nos seios que sugere que eu não deveria chamá-lo
pelo nome ou incentivá-lo a ficar mais tempo do que o necessário. Ainda
mais com o jeito como sua namorada está me avaliando.
Quero explicar para ela que se ele está namorando, namorando sério com
ela e não apenas em algum esquema de Hollywood que seu pessoal de
relações públicas disse que o faria parecer bem na mídia, então ela não tem
nada com que se preocupar.
E por que diabos eu estaria interessada em um cara aleatório que me
insultou no Twitter?
Eu preciso segurar meus malditos seios.
Não literalmente, claro.
Olho para Mackenzie.
— O jogo recomeçou.
— Oh! — Seus olhos se movem descontroladamente entre o jogo e o
primata de cueca. — Hum, você dá sorte para os Fireballs?
— Eu raramente dou azar — responde Beck com aquele charme
galanteador. Pois é, galanteador até demais, e você sabe exatamente do que
estou falando. Galãs desse jeito não são confiáveis. Ele é um romântico
galanteador e ainda com o fator beleza a seu favor.
Oficialmente fora do círculo de confiança, não importa quais promessas
estejam pairando naquele céu de verão que são seus olhos enquanto ele me
estuda perto até demais.
Ele não está aqui para se desculpar porque se sente mal sobre a situação,
e sim porque está recebendo má publicidade.
Odeio não poder só confiar nas boas intenções das pessoas. Talvez ele
tenha boas intenções e tenha sido criado nas maneiras sulistas que todo
mundo em Copper Valley parece ter. Pode ser que esteja sinceramente
arrependido, e que isso não tenha nada a ver com as pessoas queimando as
roupas íntimas da RYDE nas ruas e que ele esteja tentando apenas salvar a
própria pele.
Eu quero acreditar nele.
Mas tenho muita experiência com Hollywood para cair nessa.
Minha melhor amiga está olhando para nós dois agora. Ela simplesmente
ignorou a namorada do primata, mas o beisebol dos Fireballs não é
brincadeira, e sei que ela está avaliando para decidir se eles serão boa ou má
sorte.
— Com que frequência você assiste? — questiona ela.
— Algumas vezes no verão — diz Beck, enquanto sua namorada dá o
sutil aceno de cabeça, indicando poucas vezes.
— Ah! Confirmando. Ok. Ok. Podemos tentar, porque não é como se a
gente tivesse muito a perder. Você, senta ali. Você, fique ao lado da planta,
mas não olhe para a gata porque dá azar. Toda vez que a Sarah faz carinho
na gata enquanto os Fireballs estão jogando, eles perdem.
Meda revira os olhos de cores diferentes de cima da cadeira de balanço
florida.
Beck Ryder ocupa meu usual assento. Sua namorada obedientemente fica
ao lado do fícus, para onde Mackenzie insiste que ela vá.
E minha melhor amiga, talvez uma traidora, mas sobretudo supersticiosa,
me empurra para o sofá ao lado do homem que eu derrubei com um choque
algumas horas atrás.
— Pare de surtar — diz a ele quando ele fica tenso e me olha novamente.
— A Sarah já guardou o taser dela horas atrás, e só podemos ter
pensamentos positivos quando estamos assistindo aos Fireballs.
— Me desculpa, de verdade — diz ele com o canto da boca enquanto
cola os olhos na TV, como se estivesse com medo de que Mackenzie
gritasse com ele interrompesse o jogo, mas seu olhar continua voltando para
mim, como se estivesse igualmente com medo de estar tão perto de uma
psicopata.
O medo é legítimo.
Talvez ele seja mais esperto do que seus outdoors e posts do Twitter o
façam parecer.
— Está tudo bem — murmuro de volta, porque não quero falar sobre
isso, e minha boca está ficando um pouco seca. Ele tem dedos muito longos
que estão me fascinando, e Mackenzie provavelmente vai dizer que falar dá
azar.
Alguns dias eu não consigo lembrar como ela se infiltrou tão
completamente na minha vida, mas ela me aceita pela esquisitona que sou,
e nunca tive que me afastar dela porque ela queria conhecer meus pais. Sim,
eu já passei por esse desgosto, então o mínimo que posso fazer é retribuir o
favor e satisfazer seu experimento científico sobre a sorte.
E, sim, sou bem ciente de que ciência e sorte não estão relacionadas, mas
haveria um enorme buraco na minha vida se ela parasse de vir assistir ao
beisebol comigo.
— Sei que você não tem muita experiência com esse tipo de publicidade
— diz ele — e se for muito esmagadora, minha equipe ficará feliz em te
ajudar a resolver essa bagunça. Já que a culpa é minha.
Eu bufo. Não tenho muita experiência. Ele não tem ideia.
— Eu não estou falando da boca pra fora — insiste ele. — Eu ferrei com
tudo. Você não deveria ter que pagar pelos meus erros.
Ele cheira a chá Earl Grey em uma cabana coberta de neve. Bergamota e
um grosso cobertor de lã. Deve ser sufocante em pleno verão de junho, mas
está me fazendo desejar uma viagem para as montanhas.
— Alguma outra celebridade será pega enfiando o pé na jaca na próxima
semana e isso tudo será completamente esquecido — respondo. — Está
tudo bem.
— Pare de ser idiota e tire vantagem dele — sussurra Mackenzie. — Oh,
oh, oh, corre! CORRE! — Ela fica de pé e dá um soco no ar, enquanto Jose
Ramirez faz uma rebatida pelos Fireballs.
Meda uiva e corre para as escadas que levam ao sótão convertido no meu
quarto.
A namorada de Ryder reprime um sorriso e mexe no celular.
Eles são um casal para alguma ação publicitária, decido. Porque ele está
aqui todo em cima de mim, e ela não está nem aí.
— O Centro de Educação Ambiental está mesmo precisando de fundos
para melhorar o playground — reflete Mackenzie, enquanto se senta e pega
um punhado de pipoca como se não estivesse dedurando meu projeto
favorito de fim de semana.
— Feito — diz Beck. — Qual Centro de Educação?
— Sshh — responde ela, acenando com a mão para ele.
É a vez do Darren Greene, lateral-esquerdo. Sua paixão não tão secreta,
que ataca com mais frequência do que fica na base atualmente.
— Qual Centro de Educação Ambiental? — Beck sussurra para mim.
Eu o calo também, porque não acredito em chantagem, mesmo quando o
chantagista está se voluntariando para isso, mas especialmente quando ele
cheira tão bem e suas coxas enormes são toda compostas por músculos, ou
será que é outro truque do jeans macio e apertado?
Sua namorada está franzindo a testa para mim de novo, mas a ignoro,
porque Greene acerta a rebatida que leva Ramirez para a terceira base.
— Sarah! — Mackenzie grita enquanto a câmera se move para Cooper
Rock se aproximando para rebater. — BANHEIRO!
— Obrigada por vir aqui — digo para o primata de cueca. — Sério. Está
tudo bem. Pode ir agora.
Eu nunca fui tão grata pela eterna superstição de Mackenzie de que eu ir
para o banheiro dá sorte para os Fireballs.
Porque quando Cooper Rock terminar de rebater, Beck Ryder, com seu
corpo sexy, olhos azuis brilhantes e cheiro delicioso, terão ido embora, e
minha vida voltará ao normal.
05

Assim que Sarah desaparece na esquina, olho para Charlie ao lado da


estranha planta repleta de folhas. Nesse tempo todo, ela ficou
estranhamente silenciosa, o que significa que ela decidiu que não adianta
tentar me impedir ou que está tendo alguma ideia.
Ela é metade do cérebro por trás da maioria das minhas transações – tá
bom, provavelmente uns noventa por cento, e é por isso que eu pago tanto a
ela. Trabalhamos juntos há tanto tempo que, em geral, consigo ler sua
expressão facial, mas hoje não tenho a menor ideia.
Claro.
Já faz muito tempo que tentei me desculpar com alguém, mas consegui
apenas que me mandassem ir embora.
A maioria das pessoas quer meu dinheiro.
Ou se aproveitar da minha fama.
Também houve aquela vez que me perguntaram se eu poderia batizar um
coelho, mas tento não pensar nisso.
Sarah só quer que eu vá embora.
É estranho.
Charlie queria ligar para a equipe de relações públicas antes de vir, mas,
pela primeira vez, eu a contrariei, porque isso não deveria ser um esquema
de relações públicas.
Eu só queria me desculpar da maneira correta.
Olho para a loira – Mackenzie, acho que esse é o nome que Sarah disse.
— Ah, obrigado pela hospitalid…
— Banheiro — sussurra ela para mim. — Vá você também. E ela quer
muito salvar as girafas, então agarre essa última chance.
Eu sabia sobre as girafas. Charlie fez um resumo dos tuítes e do blog de
@must_love_bees depois do meu telefonema humilhante para Vaughn, e é
bastante óbvio que tenho sorte de não ter levado uma picada de abelha na
bunda depois que ela me deu um choque. Eu deveria ter aparecido com uma
girafa batizada em homenagem a Sarah se eu quisesse que ela aceitasse
minhas desculpas.
Não que ela tenha que aceitar.
É estranha a rapidez com que a Sarah está me dispensando.
Não porque sou tão incrível quanto deixo minha família pensar que sou,
mas por ser rico e famoso.
Brincadeira, eu juro.
Porra, não é à toa que eu me ferrei muito no Twitter.
— Vai logo — grita Mackenzie.
Me levanto em um salto e vou para a direção que Sarah seguiu,
planejando permanecer no corredor, fora de vista e deixá-la sozinha, porém
a porta do banheiro está bem ali do outro lado da parede, aberta. Sarah está
parada lá dentro com o quadril encostado na pia, cabeça abaixada olhando
no celular, e não há como deixar de notar a tensão que toma conta de seu
corpo inteiro quando seus olhos se levantam lentamente para me observar.
Seus olhos são muito escuros. Como se eu não pudesse dizer onde suas
pupilas estão no meio de todo aquele marrom-chocolate, e isso me faz
querer olhar mais de perto. Ou simplesmente cair dentro deles e nadar lá
por um tempo. Praticar o meu nado de costas, ou qualquer nado.
Porra, estou ficando com o jeans apertado.
Sua camiseta é tão folgada está escondendo seu corpo quase até os
joelhos. Há algo estranhamente familiar nela.
Ou talvez seja um efeito colateral persistente do taser.
— A Mackenzie me enviou — digo, levantando as mãos como se eu
fosse inofensivo, apenas para me precaver, caso ela tenha outra arma. —
Para dar boa sorte.
Pelo menos, eu acho.
Ela solta um suspiro, o que faz seus seios se levantarem, e eu recebo um
aperto familiar lá embaixo, nas joias da família.
Muito conveniente.
Não.
Ela não está usando maquiagem, e eu conheço pelo menos uma centena
de mulheres que matariam para ter cílios como os dela. Ou pelo menos que
lutariam em uma piscina de gelatina por eles.
A maioria dos meus conhecidos não são capazes de coisas assim.
Aprendi há muito tempo como evitar esses tipos em Hollywood.
— Eu pensei que estava mandando uma mensagem privada para a minha
irmã — digo no silêncio, porque está ficando estranho, e eu não gosto de
silêncio.
Gosto de conversar.
Ou ouvir.
Não sou muito exigente, desde que não fique esse silêncio.
— Tenho certeza de que ela gostou da sua preocupação com o aparelho
reprodutivo dela — responde Sarah, seca.
— Ela acabou de ficar noiva do meu melhor amigo e eu diria para ele a
mesma coisa.
— Cara sortudo.
— Pois é, o Wyatt acertou na loteria quando se mudou para o lado de…
espera. Você não quer dizer que ele tem sorte por ser o meu melhor amigo,
não é?
Eu dou a ela um sorriso brincalhão.
Ela não sorri de volta, mas também não revira os olhos. Apenas me
observa como se eu fosse um experimento científico em que ela tropeçou e
agora não sabe o que deve fazer.
— AI, MEU DEUS, ELE ACERTOU UM HOME RUN!
Pulo com o grito de Mackenzie. Sarah aperta um botão no celular, e o
som de uma descarga de vaso sanitário enche o ar.
— Funcionou? — grita ela.
— SARAH! ELE FEZ UM HOME RUN!
— Você tem um aplicativo que reproduz sons de descarga? — pergunto a
ela.
— Nem pense em estragar tudo — ela sussurra.
Eu levanto as mãos em rendição novamente.
— Claro. — Eu sei que não devo deixar a sra. Taser brava. — Sua amiga
gosta do Cooper Rock? Ele é um bom amigo, eu poderia conseguir uma
bola autografada para ela.
Agora ela revira os olhos com tanta força que seus cílios tremem, e
imediatamente há mais uma agitação no meu pau.
— Eu não quero o seu dinheiro, a sua fama ou as suas conexões — diz
ela. — Está tudo bem, ok? Vá embora.
— Eu só… queria fazer as pazes com você. As pessoas são uma merda,
você estava tentando fazer algo bom, e eu fodi tudo, porque sou um idiota
que não sabe mandar mensagem privada no Twitter.
Eu a sigo de volta para a sala de estar, percebendo depois o que há de
estranho no cômodo.
Não há fotos.
Cada casa que possuo está cheia de fotos da minha família.
Tá bom, e também fotos minhas, mas é engraçado ver as pessoas se
assustarem quando ficam cara a cara com um daqueles recortes de papelão
em tamanho real de mim de cueca ou nós cinco da época da Bro Code.
Hum.
Eu deveria dar ao Wyatt um recorte de papelão dele mesmo. Ellie iria
adorar.
Mas a questão é que todo mundo que conheço tem fotos de família em
algum lugar.
Sarah não tem.
Não na sala de estar, nem no corredor ou na cozinha. Sim, estou
bisbilhotando.
Nossa.
Ela está sozinha no mundo? Uma órfã? Abandonada? Abusada?
Merda, merda, merda.
Eu fiz merda das grandes e de repente quero abraçá-la bem forte e
prometer que ela não precisa ficar sozinha de novo.
Mackenzie se joga alegremente no sofá, um sorriso bobo no rosto.
Charlie olha para mim, e eu balanço a cabeça, porque tenho a sensação de
que abraçar Sarah só resultaria em uma das minhas bolas encontrando um
novo lar em algum lugar no meio dos meus intestinos.
Hora de deixar a pobre mulher em paz.
Pelo menos por enquanto. Talvez daqui a seis meses, eu possa aparecer
casualmente e vamos dar boas risadas, vou me oferecer para fazer um chá
gelado para ela – ah, sim, chá gelado, pão de milho, pudim de pão,
pãezinhos de canela e… e preciso parar de pensar em comida antes de
começar a babar.
Mas ela é vizinha da minha irmã. Vai ser difícil para Ellie se eu não der
um jeito nisso.
— Se você mudar de ideia… — começo.
— Eu não vou.
— O Beck doará um milhão de dólares para a instituição de caridade de
sua escolha se nos deixar gravar vocês dois com ele pedindo desculpas a
você diante das câmeras — anuncia Charlie.
Começo a balançar a cabeça para ela de novo, pois já atormentei Sarah o
suficiente e não estou interessado em irritá-la mais, quando percebo que as
duas outras mulheres congelaram.
A mandíbula de Mackenzie fica rígida.
E o rosto de Sarah acaba de adquirir um tom de branco que lembra
nuvens de verão descoloridas. Mas ela não deixa sua palidez impedi-la.
Gira nos calcanhares e estreita aqueles olhos escuros para mim. Parece que
estou assistindo a um demônio sendo invocado, e é sexy pra caralho.
Ou talvez eu precise parar de me empolgar assistindo reprises da Buffy.
— Sua namorada sempre gasta o seu dinheiro assim? — pergunta ela.
— Namorada? Ah, só nos sonhos dele — diz Charlie, com uma risada.
— A Charlie é a minha assistente executiva — digo a Sarah. — E, sim,
ela arrasa. Geralmente é muito inteligente.
— Exceto hoje.
— Não, hoje também. Fico feliz em doar para qualquer uma ou para
todas as suas causas favoritas. Pode ser dois milhões, como um pedido de
desculpas ainda maior.
— Com que frequência ele precisa do dinheiro para se livrar dos
problemas? — Mackenzie pergunta a Charlie.
— Algumas vezes por ano — responde ela, alegremente. — Este trabalho
não é tão chato.
— De nada — digo a ela.
— É o seguinte — diz ela para Sarah. — Temos um novo projeto de
caridade que está em jogo. Com toda a repercussão negativa… sim, sim,
merecidamente, estamos preocupados que dê errado, porque a outra parte
não está muito feliz por estar associado a nós agora. Você não é obrigada a
aceitar as desculpas dele e nem é obrigada a perdoá-lo. Mas estaria
prestando um grande serviço às crianças de todo o país que se beneficiariam
da nossa nova fundação. Tudo o que estamos perguntando é se você
trabalharia com a gente para suavizar o lapso de julgamento do Beck e suas
péssimas habilidades de lidar com as redes sociais.
— Nossa, isso é que é se sentir culpado — diz Sarah.
— Ela está falando da porra de um milhão de dólares — Mackenzie
guincha para ela.
— Dois — corrijo.
Juro pela cueca que me deixou podre de rico, que Sarah está tão pálida
que poderia estrelar um show de vampiros.
Mackenzie não está nem assistindo mais ao jogo. Ela está apenas sentada
ali, imitando um rato. Nariz contraído, pequenos ruídos estridentes
escapando de seus lábios enquanto tenta formar palavras reais.
O olhar de Sarah é perfurante.
— Contrato?
Mulher esperta. Eu gosto disso.
— Em vinte e quatro horas ou menos. Posso conseguir que se apressem.
— Talvez mais cedo que isso — oferece Charlie.
Ela lambe os lábios. Engole com tanta força que posso ver sua garganta
trabalhando. Seus olhos estão ficando brilhantes, seu queixo está tremendo,
e nossa.
Ela tem medo de câmeras.
Talvez ela não seja órfã. Talvez seja parte de um experimento do governo
que deu errado. Ou está no programa de proteção de testemunhas.
Abro a boca para cancelar tudo, e dizer que enviarei cinco milhões para
onde ela quiser, que não precisa ficar na frente das câmeras comigo, mas ela
me interrompe antes que eu possa pronunciar uma sílaba.
— Você vai falar sobre as girafas.
Não esperava por essa, mas pelo menos não foi um choque de taser desta
vez.
— Se você tem certeza de que quer fazer isso.
— Não apenas hoje à noite, mas em todas as entrevistas nas próximas
duas semanas e sempre que um repórter mencionar o meu nome.
Nossa. Ela não está para brincadeira.
— Você sabe que eu sou só um modelo idiota de roupas íntimas, não é?
Isso é demais para um cara como eu se lembrar.
— Quero por escrito.
— Precisamos do vídeo de desculpas o mais rápido possível — diz
Charlie, com calma. Ela fala com aquele tom de desculpa misturado com o
tom de voz que demonstra que estamos ficando sem muitas opções para
negociar. — Quanto mais cedo, melhor para todos nós.
— Então, o vídeo antes do contrato.
— Vou dar um telefonema e colocar a nossa equipe jurídica nisso agora
mesmo. Mas se você quiser que o seu advogado examine…
— Não é necessário. Eu entendo bem a linguagem de Hollywood.
Sinto um desconforto instantâneo, e vejo o mesmo refletido na boca de
Charlie.
Com certeza não é proteção a testemunhas ou um programa do governo
que deu errada.
Não que eu achasse mesmo que essas coisas fossem uma possibilidade.
Na maioria das vezes.
Sarah pisca para afastar o brilho dos olhos e cruza os braços.
— Você pode usar apenas o meu primeiro nome, e a gente soltar o vídeo
hoje à noite. Agora mesmo, e a Mackenzie vai gravá-lo. Quando eu estiver
com o contrato, você recebe o vídeo.
Não era exatamente irracional. Eu lanço outro olhar para Charlie, que dá
um pequeno aceno de cabeça.
— Pode levar algumas horas para o cabelo e a maquiagem… — começa
Charlie.
— Sem cabelo e sem maquiagem. — Sarah desliza um olhar para mim.
— Para nenhum dos dois.
— Sarah — sussurra Mackenzie. — Pelo menos deixe eles fazerem a sua
maquiagem.
Ela balança a cabeça e se inclina para puxar uma gaveta na cômoda
embutida na parede entre a cozinha e a sala de estar.
— Telefones, tablets e computadores serão todos guardados aqui, e a
gente pode começar. Menos o meu. Vamos usar o meu celular.
— Beck — diz Charlie, um aviso em sua voz, e sim, ela está certa.
Pode ser uma péssima ideia, e pode dar mais merda ainda para mim.
Não é possível prever como ela vai sair na câmera. Ainda mais uma
câmera de celular, sem iluminação, sem maquiagem e sem equipe.
Um vídeo de desculpas deve fazer com que nós dois pareçamos bem.
Não é que Sarah esteja com uma aparência ruim. Ela é fofa com esse
cabelo bagunçado e essa desconfiança.
Mas quando você é uma celebridade há tanto tempo quanto eu, sabe a
diferença que um único fio de cabelo fora do lugar pode fazer no tribunal da
opinião pública.
— A gente tem um cara que pode fazer a sua maquiagem e parece que
você não está usando nada — ofereço a ela. — A câmera, às vezes…
— Não. — Ela aponta de novo para a gaveta aberta. — Você tem dois
minutos antes que eu mude de ideia.
— Estou enviando um e-mail para a nossa equipe jurídica — Charlie diz
a ela. — Vamos nos certificar de que, primeiro, eu tenha as suas condições
legais por escrito.
Sarah aperta os olhos para ela, depois para mim, e de repente tenho cem
por cento de certeza de que não estamos apenas falando com uma mulher
cujo perfil no Twitter a define como Vingadora do Meio Ambiente, Geek da
Ciência e Amante dos Animais com medo de agulhas.
Esta é uma mulher com segredos.
E eu quero descobrir cada um deles.
06

Não preciso do dinheiro de Beck Ryder e não quero nada relacionado


com a fama dele. Se eu pudesse desfazer as últimas vinte e quatro horas, o
faria num piscar de olhos.
Mas não posso.
Todos os meus segredos provavelmente serão expostos de uma forma ou
de outra. A questão é quando, e o que posso fazer de bom antes que
aconteça.
Não se trata só de mim.
E sim de mostrar ao mundo as condições das girafas e das abelhas. Além
da lista interminável de outros animais ameaçados de extinção.
Meus pais podiam me dar dinheiro para doações para as girafas e para
renovação do playground.
Mas mudei meu nome para fugir da fama deles.
E eles não podem fornecer esse tipo de visibilidade.
Perto dos meus pais, eu sou aquela garota que arruinou o próprio baile
de formatura. Ao lado de Beck, sou uma geek mal-humorada e irritadiça
que ninguém vai reparar.
E mesmo que façam isso, podem não ligar os pontos até meus pais.
Beck pode me dar uma visibilidade maior e que não será ofuscada pelo
meu passado. 
Ele pode me ajudar a salvar o mundo.
Eu só tenho que ligar para os meus pais e pedir a eles que ignorem
qualquer vídeo meu circulando na internet e neguem para amigos deles que
sou eu nos vídeos.
Então, menos de vinte e quatro horas depois que minha respeitável
presença nas redes sociais foi para os ares, graças à idiotice de Beck com
aquele comentário, eu estou apontando uma cadeira na minha mesa de
cozinha para ele se sentar, enquanto minha melhor amiga perde um jogo de
beisebol e usa meu celular para gravar um vídeo nosso.
Preciso mesmo contar tudo para Mackenzie.
Logo.
Eu juro.
Logo.
— Você tem que se sentar na minha direita — digo a ele.
— Ah. Para a gente filmar o seu lado bom? — pergunta ele, com um
sorriso sedutor.
Meu lado direito é o meu lado bom. Meus olhos se enrugam de forma
desigual quando sorrio, e sempre achei que o lado direito fica menos
estranho, mas aponto para uma pinta em forma de coração no alto da minha
bochecha direita, que deve ser a minha característica mais marcante.
— Pois é.
— Huh. Eu nem percebi — diz ele e então tira a camisa.
— O que você está fazendo? — Eu me engasgo com as palavras.
— Olha. — Ele se vira e aponta para o ombro esquerdo, onde há uma
marca de nascença avermelhada do tamanho de uma moeda. — Eu também
tenho uma. A minha parece uma Tartaruga Ninja.
— Põe essa camisa de volta.
Nossa, ele não recebe tanto retoque no Photoshop nas fotos daqueles
outdoors. Meu Deus, o homem é todo trincado. Tento dizer a mim mesma
que isso significa que ele passa um quarto do dia na academia, ou que ele
tem um cirurgião plástico muito bom. E também que é muito estúpido o
fato de que seu sorriso fácil esteja endurecendo meus mamilos.
Droga.
Estou usando sutiã? A última coisa de que preciso é que a mensagem se
perca porque as pessoas estão vendo que meus mamilos estão duros só de
olhar para o modelo de cueca na minha cozinha.
Meu Deus! O que é que eu estou pensando?
E não é nem de longe o pensamento mais estranho que já tive, mas faz
mais de uma década que saí de casa e mudei meu nome, então já faz um
tempo que não tenho pensamentos estranhos.
Eu esperava mesmo ter deixado tudo isso para trás.
Além disso, se meu corpo tivesse que despertar de novo depois do
desastre que foi sair com Trent Fornicus no ano passado – e sim, ele era tão
bom nisso quanto seu nome sugere –, tinha que acontecer justo agora?
Com um modelo de roupa íntima?
— Espera — digo.
Beck levanta uma sobrancelha.
Droga, até suas sobrancelhas são a perfeição Hollywoodiana.
Ele deve se depilar também.
Embora tenha uma quantidade razoável de pelos no peito. Não é como se
fosse peludo, mas se ele depila, não está fazendo isso direto.
— Estamos esperando por…? — diz ele.
Eu balanço a cabeça. Se recomponha, Sarah.
— Eu nunca mostro o meu rosto lá, então por que alguém vai acreditar
que eu sou a @must_love_bees e que você não contratou alguém para
gravar fingindo ser eu?
Ele olha para Charlie, que lhe dá um olhar que diz você está por conta
própria, amigo.
— Você pode postar o vídeo na sua conta — diz ele.
— Como as pessoas vão saber que você não me hackeou?
— Você já me deu um choque de taser uma vez. Foi bem divertido na
primeira vez, mas eu não vou fazer nada para provocar isso de novo.
Apesar de seu sorriso fácil sobre o assunto, estou ficando bem vermelha.
Posso sentir e não fico com bem com vermelho. É uma das coisas que
minha mãe sempre lamentou. Ah, Serendipity, eu queria tanto que você
tivesse o meu blush lindo no rosto em vez das manchas vermelhas
horrorosas igual ao seu pai. As pessoas vão te julgar sem dó por isso.
— Eu não sabia que era você na minha porta — começo, mas Beck acena
para mim, ainda sorrindo.
— É. Eu mereci, por vários motivos.
— Você está feliz até demais para o cara que mereceu tomar um choque.
Seu sorriso fica mais tímido.
— Péssimo hábito. Ser feliz, quero dizer. Estou tentando desistir disso.
Ele… ele está flertando comigo?
— A câmera está ligada, não é? — pergunto.
— Sim, está gravando — anuncia Mackenzie. — Continuem. Vocês dois
são fofos.
Eu atiro nela o olhar de Mas que merda?
Ela sorri e me dá um joinha.
Eu suspiro. Podemos editar o vídeo depois.
— Tudo bem, vamos fazer isso logo antes que eu vomite.
Ou mude de ideia e fuja para o Himalaia.
Salve as girafas, Sarah. Seja a diferença que você quer ver no mundo.
Sua melhor chance está bem aqui.
— Tem certeza? — pergunta Beck.
Eu não gosto do jeito que ele está me observando.
Porque há muita preocupação naqueles lindos olhos azuis, e ele está
fazendo um trabalho muito bom em me fazer sentir que sua preocupação é
mesmo comigo, e não com a fundação que sei que ele está tentando salvar.
Concordo com a cabeça, de qualquer maneira, porque o mundo realmente
precisa saber que as girafas estão ameaçadas de extinção.
Charlie está de pé ao lado da pia da cozinha, observando. Ela guardou o
celular, mas está anotando algo em um bloco de papel.
Beck olha para Mackenzie, e seu sorriso desaparece.
— Ei, pessoas do mundo todo. Aqui é o Beck Ryder com um enorme
pedido de desculpas para todos vocês, mas principalmente para esta
adorável moça aqui, a Sarah. Também conhecida como @must_love_bees
no Twitter.
Eu forço um sorriso, mas agora que estamos gravando, com certeza acho
que vou vomitar.
— Oi.
Beck se aproxima, e a sensação mais estranha de calor inunda meu peito
quando ele coloca seu braço enorme nas costas da minha cadeira. Como se
tudo fosse ficar bem, mesmo sabendo que é completamente ilógico que o
braço dele seja tão reconfortante.
Acho que é como pular de bungee jump com um instrutor. Você acredita
que ele sabe o que está fazendo, então você vai sobreviver, mesmo sabendo
que ainda existe a possibilidade de que aquele seja o momento em que a
corda se romperá.
— Posso te contar uma coisa? — pergunta Beck.
Passo a língua nos meus lábios, porque, caramba, está quente aqui.
— Sobre você?
Seu olhar vai para os meus lábios, depois de volta para os meus olhos, e
ele sorri para mim.
— Minha irmã ia gostar muito de você. Você sabe que ela ficou noiva
esta semana?
— E você deseja a ela uma vida inteira parindo bebês, esfregando o chão
e recebendo o marido grande e forte com um frango assado e um sorriso no
rosto todas as noites pelo resto da vida?
Ai, meu Deus, eu pareço uma idiota ranzinza.
— Esse tuíte foi de muito mau gosto, não foi? — diz ele, baixinho.
— Bastante — respondo com calma.
— Meus pais trabalhavam o tempo todo quando eu era pequeno — conta
ele. — Os dois trabalhavam juntos. Eles têm uma empresa de engenharia
ambiental.
— Eu sei. É por isso que a sua irmã me segue. Estamos todos tentando
salvar o mundo.
— Menos eu. — Suas sobrancelhas franzem por meio segundo. — Você
está tentando salvar as girafas.
— Elas estão em perigo.
— Mas a gente consegue vê-las nos zoológicos o tempo todo.
Dou um suspiro exasperado.
— Só porque você girafas nos zoológicos não significa que não estejam
em perigo na natureza. Os zoológicos trabalham com protetores do meio
ambiente. Os pandas estiveram em perigo por muito tempo. E por sabermos
disso, as pessoas se uniram para salvá-los. Eles ainda estão vulneráveis,
mas estamos progredindo. Ninguém sabe que as girafas estão ameaçadas de
extinção, e é por isso que é tão importante que a Perséfone, a girafa do
zoológico de Copper Valley, esteja tendo um bebê. Não é só sobre ter um
filhote fofo de girafa, e sim sobre a sobrevivência da espécie.
— E as abelhas? — pergunta ele.
Palavras mágicas para os meus ouvidos.
Sou capaz de falar sobre abelhas por horas.
De repente, é como se Mackenzie e Charlie tivessem desaparecido. Só
existem nós dois enquanto eu explico para o primata de cueca como as
abelhas são importantes para nosso suprimento de alimentos e toda a cadeia
ecológica que tanto importa para mim.
Um assunto completamente nerd.
E mesmo que ele não esteja ouvindo de verdade, está me fazendo sentir
como se estivesse, pois concorda e faz mais perguntas, e ainda conta
algumas piadas bem engraçadas.
Faço uma pausa, porque percebo que estou divagando, e ele sorri para
mim.
Não é um sorriso de: Ei, moça, quer me ver na minha pose de cueca, mas
um sorriso simpático de: Eu entendo, sou apaixonada por algumas coisas
também.
— Você se importa — diz ele.
— Todo mundo se preocupa com alguma coisa. O que é importante para
você?
— Minha família.
Ele nem fez uma pausa para pensar, e não sei se é porque essa é a
resposta que ele foi treinado para dar, ou se isso já estava bem consolidado
nele ao longo dos anos.
Ele dobra um braço longo para coçar o pescoço, seu sorriso ficando triste
novamente.
— Minha mãe me deu uma bronca enorme hoje de manhã — diz ele. —
Nunca se é velho demais para tomar esporro dos pais quando você merece,
sabia?
— Se você precisar de mais esporro, eu tenho uma amiga que está muito
‘p’ da vida com você também — ofereço.
Ele ri.
— Pois é, acho que já a conheci no parque hoje de manhã. Ela
arremessou um bloco de ioga em mim.
— Você deve ter merecido mesmo.
— Que sorte que isso foi a única coisa que ela jogou em mim, porque
aquele tuíte foi bem idiota. Eu não deveria nem ter enviado para a minha
irmã mesmo que fosse no privado. Ela trabalha duro, muito mesmo. Você
sabia que quase a perdemos em um acidente de carro cerca de dezoito
meses atrás?
Eu notei que Ellie mancava um pouco quando me mudei para cá um ano
atrás, mas não sabia por quê. Balanço a cabeça.
— Ela trabalhou muito para andar de novo e voltar ao trabalho, e acabou
de finalizar um projeto que vai economizar muito dinheiro para a cidade em
custos com energia, todos os anos. E eu sou apenas um modelo de roupa
íntima que encoraja as pessoas a usarem roupas confortáveis e estilosas.
Ele balança a cabeça.
— Continue fazendo isso, Sarah. Salve as suas girafas. O mundo precisa
de mais pessoas como você. Não desista, sra. Taser.
Ele estende o punho e, mesmo que a última pessoa que cumprimentei
com um soquinho tenha sido um estranho bêbado no centro da cidade mais
de um ano atrás, eu bato em seu punho de volta.
Ele sorri para mim.
E eu sorrio para ele, porque é quase impossível não sorrir.
— Obrigado pelo seu tempo — diz ele. — Você não me deve nada. Eu
agradeço de verdade.
— Claro — respondo. — As pessoas dizem coisas idiotas o tempo todo.
— Encerramos aqui? — pergunta Mackenzie, e eu dou um pulo.
Quase esqueci que ela estava ali.
— Acho que encerramos — diz Charlie.
Beck se inclina para trás, e percebo que ele estava sentado aqui com o
braço nas costas da minha cadeira praticamente a gravação inteira.
E agora eu me sinto estranhamente gelada.
— Assim que eu verificar o meu celular, já devemos ter um esboço do
advogado para o acordo — diz Charlie. — Vou mandar para você.
Puff.
A magia acabou.
Agora voltamos ao trabalho.
Que é o motivo desse vídeo.
Trabalho.
E não para compartilhar minha paixão com alguém que entenda. Só
trabalho. Com alguém que precisa pagar pessoas o suficiente para que sua
equipe tenha um acordo padrão pré-pronto no qual um advogado só precisa
modificar os termos. Em uma noite de sábado, quando ele deveria estar
fazendo qualquer coisa além de trabalho.
— Ai, meu Deus, o jogo! — grita Mackenzie.
Ela corre para a sala com meu celular e, um momento depois, está
gritando de alegria.
— Ganhamos! GANHAMOS! Dois jogos seguidos! GANHAMOS!
— Vou dar uma olhada em tudo e te retorno pela manhã — digo a
Charlie.
Pois é, vou ligar para o advogado dos meus pais e pedir para ela jurar
segredo, embora eu tenha dito que não iria fazer isso. Tenho certeza de que
eles não têm contas nas redes sociais, mas seus amigos devem ter.
E também vou ligar para os meus pais antes de postar o vídeo.
Vou mesmo.
Depois digo a Mackenzie quem eu sou de verdade.
Juro.
Ela merece ouvir isso de mim.
Tudo isso está acontecendo muito rápido, mas não tenho certeza se estou
pronta.
Mais doze horas. Vinte e quatro, no máximo.
Beck aperta meu ombro.
— Obrigado, Sarah. Me desculpa mesmo por ter arrastado você para essa
confusão.
Eu ignoro o frio na minha barriga e aceno para ele.
— Só espero que algo bom venha disso tudo.
E que minha vida possa voltar ao normal muito, muito em breve.
Ele e Charlie pegam seus aparelhos eletrônicos na minha sala e saem,
mas não antes de Beck olhar para mim mais uma vez, me estudando com
olhos muito sérios, que fazem meu pulso acelerar e meus seios formigarem
antes daquele sorriso fácil voltar para seu rosto.
— Obrigado. De novo.
Parece que ele quer dizer mais alguma coisa, mas Charlie o cutuca, e eles
vão embora, deixando Mackenzie e eu sozinhas para rebobinar meu
gravador e assistir o que perdemos do jogo. Meda nos espia de seu
esconderijo na torre de gatos ao lado da minha estante de quadrinhos da
Buffy, a Caça-Vampiros, e eu ajo como se não tivéssemos visto um modelo
de cueca saindo pela porta. Ao mesmo tempo em que tento descobrir como
soltar um: Ei, Mackenzie, quer saber uma história engraçada sobre a
minha infância? e falhando totalmente nesse propósito.
Pois é.
A vida vai voltar ao normal.
07

O estacionamento do Centro de Educação Ambiental está mais cheio do


que o normal quando chego para a limpeza de domingo de manhã.
Mackenzie e eu somos voluntárias aqui uma vez por mês para ajudar a
recolher lixo, consertar placas de sinalização e fazer qualquer outra coisa
que a pequena reserva ambiental no distrito de Belmont precise. Vou até a
pequena cabana que serve como posto de guarda florestal e minimuseu para
os visitantes aprenderem sobre os animais que vivem na cidade quando
alguém chama meu nome.
— Sarah! Sarah, não é?
Aceno para a mulher alegre se aproximando com uma camiseta da
Reserva Natural de Belmont.
— Quanto o Beck Ryder pagou para você fazer aquele vídeo? — sussurra
ela.
Abro a boca.
Então a fecho.
Porque eu não tinha postado o vídeo ainda.
Também não abri o Twitter desde ontem de manhã, ainda mais porque
Mackenzie me convenceu a não fazer isso durante meus três minutos de
fraqueza.
— Cai fora, Tricia — diz Mackenzie, evitando a mulher para enlaçar seu
braço no meu. — Aposto que eu pego mais lixo.
— Como ele postou o vídeo? — sussurro. — Acabei de enviar o contrato
uma hora atrás e ainda não postei.
Os lábios de Mackenzie se apertam e ela aponta um dedo trêmulo para
uma árvore, claramente tentando me distrair.
— Olha só. Você acha que os filhotes de tordo já deixaram o ninho?
— O. Que. Você. Fez?
— Você ia editar o vídeo — sussurra ela.
— Mackenzie!
— E você não gravou por causa do dinheiro — acrescenta, enquanto eu a
puxo para fora da trilha principal e para um pequeno nicho que não é
privado o suficiente.
— Mackenzie!
Meu celular vibra. Eu o tiro do bolso e há uma mensagem de Ellie.
Ei, Beck aqui, pegando emprestado o cel da E. Obrigado pela confiança.
Estou retuitando o vídeo agora. Vou enviar os recibos das doações o mais
rápido possível.
Meu peito vibra.
Minhas pernas ficam bambas.
Juro por Deus que ficaram.
Eu deveria ter mais algumas horas para ligar para os meus pais, que não
devem nem ter chegado à Califórnia ainda.
— Eu tenho que te dizer… — começo, mas Adriana, a gerente do centro,
corre da cabana para me abraçar.
— Sarah!  Ai, Sarah, por que você não disse para a gente que estava
namorando o Beck Ryder?
— Eu… nós… nós somos só amigos — balbucio.
Era isso que o contrato dizia. Meio que amigos.
Ambas as partes concordam em abster-se de falar negativamente um do
outro, ou de iniciar rumores, blá blá.
Tá, tudo bem. Somos amigos é o código padrão de Hollywood para:
Queremos que você se pergunte o que somos de verdade.
— Então era só uma brincadeira? Aquele tuíte sobre ter filhos, mas não
com ele?
— Sarah! Era você mesmo?
— Você é a @must_love_bees?
— Ai, meu Deus! Sarah! Vocês dois são fofos.
— Acho que o seu namorado te deve alguns seguranças — sussurra
Mackenzie.
Olho para Adriana.
— Eu tenho que…
— Me conta tudo — diz ela.
— … fazer uma ligação — termino.
Geralmente há uma dúzia de voluntários, e pelo menos metade deles
muda todo mês.
Mas juro que há quase cinquenta pessoas ali, e a maioria está se reunindo
ao nosso redor.
— Foi uma mensagem bem legal sobre as abelhas — um dos voluntários
regulares me diz.
— Eu pesquisei e você estava certa sobre as girafas estarem ameaçadas
de extinção — diz um cara. — Mas nem todas as girafas, só três espécies. O
resto está apenas vulnerável. Você deveria… ai.
— Pare de ser um idiota. — A mulher ao lado dele sussurra. Ela revira os
olhos para mim. — E você não deveria ter deixado o Ryder se safar tão
fácil. Ele representa tudo o que há de errado no mundo.
— Pessoal. Deem um espaço para a Sarah respirar. — Mackenzie pula na
minha frente e abre os braços. — Estamos aqui para fofocar ou para ajudar
a tornar o mundo um lugar melhor? Continuem andando. Você! Xô. Vá
trabalhar. Você também. O lixo não vai se coletar sozinho. E algum de
vocês mencionou que os Fireballs venceram ontem à noite? O que há de
errado com vocês?
A multidão se dispersa e, claro, agora que eu deveria ter trazido meu
moletom, óculos escuros e boné.
Mas ninguém está falando sobre meus pais.
Então, pelo visto, ninguém me reconheceu.
Estou tremendo de alívio enquanto roubo o boné e os óculos escuros de
Mackenzie, porque ela me deve isso.
— Estou indo para casa — digo a Adriana. — Desculpa, mas acho que
hoje vou ser mais um obstáculo do que uma ajuda.
— Tudo bem, mas você precisa me contar todos os detalhes da próxima
vez. — Ela olha ao redor com um sorriso. — E obrigada por trazer todos os
voluntários. Eu não percebi, quando comecei a receber perguntas sobre se
você viria, que isso significava que muitas pessoas iam querer falar com
você. Mas então alguém me mostrou o vídeo e…
— Sarah? Sarah!
— Sim. Tenho que ir — digo.
Corro de volta para o meu carro, com Mackenzie logo atrás de mim.
— Você está louca? — sussurra ela.
— Não.
— Você está agindo como louca.
— Só estou surpresa. E odeio atenção. E por que as pessoas pensam que
estamos namorando? Não estamos namorando. E…
— Sei lá — diz ela com um encolher de ombros, que me dá a entender
que ela claramente sabe.
— Mackenzie!
Ela morde o lábio inferior e me dá um olhar de cachorrinho.
Cruzo os braços e olho para ela de cara feia, ao mesmo tempo em que
alguém que estava no meio do caminho chamando “Sarah!” se vira e vai
para o outro lado. Isso me faz sentir horrível, porque eu odeio olhar feio
para Mackenzie. Ela é a minha melhor amiga. E ainda devo a verdade a ela,
e espero mesmo que ela continue sendo a minha melhor amiga depois que
eu confessar tudo.
— Tudo bem, olha. Eu leio páginas de fofocas — sussurra minha melhor
amiga. — E é tudo sobre química. Química no set, química caminhando
pela Sunset Boulevard, química em um jantar secreto em Nova York,
química nas entrevistas. Você e o Beck têm química. As pessoas amam isso.
E se eu tivesse te deixado editar o vídeo, você teria tirado toda a química, e
talvez um terço das pessoas que se importam agora nem teriam assistido. Eu
fiz isso pela causa. Juro pela sequência de vitórias do Fireballs, foi tudo
pela causa. Salvar as girafas é muito mais romântico quando as pessoas
pensam que há um relacionamento secreto por trás do vídeo.
— Não é… olha, eu tenho que te dizer uma coisa.
— Sarah! Ai, meu Deus, Sarah — mais uma pessoa grita, e, caramba.
— Tenho que sair daqui — digo a Mackenzie. — Eu te ligo mais tarde,
tá?
— Por favor, não fique brava.
Dou um abraço apertado nela, porque ela é basicamente da minha
família, e eu posso estar brava, mas ainda a amo.
— Não comente nada relacionado a esse vídeo. Entendeu? E você tem
que prometer que não vai ficar com raiva de mim também.
— Sarah. Ai, meu Deus! Por que alguém ficaria brava com você?
Eu estremeço, porque ela vai descobrir em breve.
Demora um pouco para manobrar, mas consigo sair do estacionamento,
contornando os voluntários que chegam para o dia da limpeza. A oitocentos
metros da estrada, vejo um shopping com um estacionamento lotado.
Estaciono perto dos fundos – onde suponho que seja para carros de
funcionários, já que há pouco tráfego de pedestres – pego o celular e digito
um número.
O sol nem nasceu na Califórnia ainda, mas minha mãe pode estar
acordada.
Uma hora de ioga antes do nascer do sol faz um belo dia nascer na sua
alma.
Ela atende no primeiro toque.
— Serendipity! Você ligou! Já esperava por isso.
— Oi, mãe.
— Então. Quando vamos conhecer o seu namorado?
— Eu não…
— Absurdo. O Franklin já me enviou o vídeo. Querida, o seu cabelo.
Você não vai manter um homem como o Beck Ryder feliz com um cabelo
assim por muito tempo.
— Ele gosta de tirar os insetos que ficam presos.
— Serendipity Astrid Darling, que coisa horrível de se dizer. Sei que
você lava o cabelo com muita frequência para que isso aconteça. Mas… o
que foi aquilo sobre as abelhas? Eu não fazia ideia de que você adorava
abelhas. Você está nos sites de namoro de apicultores? É por isso que você
está no Twitter falando sobre abelhas?
— Não, eu…
— E as girafas! Ah, querida, eu não fazia ideia de que as girafas estavam
em perigo. Você se lembra da girafa que trouxemos para o seu sétimo
aniversário? Você teve tanto medo. Mas não se preocupe, seu pai e eu
estamos fazendo uma doação considerável para a pesquisa de conservação
das girafas. E imagino que o nosso querido sr. Ryder tenha feito o mesmo.
— Sim, uns quatro ou cinco mil por ano — murmuro para mim mesma.
— O sr. Ryder não é o sr. Darcy, mocinha — informa minha mãe — Se
eu soubesse que você estava interessada em ex-músicos, eu poderia ter
entrado em contato com o meu agente para ver se poderíamos te apresentar
para o Cash Rivers. Agora, esse aí é um sr. Darcy decente para você.
— Mãe…
— Eu sei, eu sei, querida. É tudo por causa da publicidade para limpar o
nome dele, e o Cash Rivers tem aquele nariz estranho. Agora, o que
podemos fazer para ajudar?
— Só… só não diga nada, por favor. Para ninguém. Toda essa
repercussão vai sumir. Eu não quero…
— Nossos nomes envolvidos — termina ela, e eu me encolho com o tom
magoado em sua voz.
Não quero machucar minha mãe. Ou meu pai. 
Mas não me dou bem com toda a atenção do nível de Hollywood.
Mudar meu nome, tirar um ano sabático no Marrocos e depois me
matricular em uma pequena universidade técnica em Copper Valley – do
outro lado do país, longe dos meus pais e de seu estilo de vida de alto nível
– funcionou muito bem para me dar o anonimato de que eu precisava
desesperadamente depois do ensino médio.
Depois de toda a minha infância, na verdade, mas o ensino médio foi o
pior.
— O problema não é com você — digo, baixinho.
— Eu sei, Serendipity. — Ela suspira novamente, o que aumenta a culpa
que eu já sentia e faz minha pele coçar. — É só… deixa pra lá.
— O que é?
— Se você mudar de ideia, sabe onde nos encontrar.
Encosto a cabeça no volante. Eu sou a pior filha do mundo.
— Obrigada, mãe.
— E penteie esse cabelo, querida. Vai fazer você se sentir muito melhor.
Eu ignoro seu último conselho, porque não preciso disso. E eu penteei
meu cabelo hoje de manhã.
Essa coisa com Beck Ryder vai acabar.
As pessoas só precisam de uma nova distração.
E eu preciso ter certeza de que ninguém nunca, jamais, descubra quem
são meus pais.
Embora eu tenha que confessar para a minha melhor amiga.
Provavelmente.
Eu acho.
Quero dizer, se as pessoas ainda não descobriram… será que vão
descobrir?
08

Sair do meu apartamento não é uma opção no domingo de manhã. Na


verdade, sair da área de Copper Valley não é uma opção para o futuro
próximo. Todas as reuniões que eu deveria ter em Nova York, Califórnia e
no resto do país foram canceladas ou então outra pessoa da minha equipe
irá comparecer.
Meus convites para aparições públicas foram revogados.
Todos eles.
Estou na lista dos cancelados do mundo todo, esperando para ver se
aquele vídeo que a Sarah postou ajudará a resgatar mesmo que seja uma
fração da reputação que construí com trabalho duro, um pouco de sorte e
muitas horas passadas com crianças em hospitais, escolas e em países do
terceiro mundo, onde outra das minhas instituições ajuda a fornecer
alimentos e água limpa.
De tudo que faço, minha parte favorita é ajudar as crianças. Eu amei
minha infância, e sempre quis ter filhos. Caramba, eu ainda sou uma
criança. Mas desde que tomamos a decisão de assinar aquele contrato de
gravação da Bro Code, minha vida está indo em uma direção que, a cada
ano, me convenço mais e mais de que isso não vai acontecer tão cedo.
Já se passaram cinco anos desde que a segunda – e última – mulher me
disse que eu seria pai. Nos dois casos, os testes de paternidade provaram
que elas estavam erradas, mas foi o suficiente para mim. Não namorei
ninguém desde então, já que eu sinto que não posso confiar por completo
nelas.
Então, ver que agora tudo o que eu construí está à beira de desmoronar,
justo quando tenho uma conta bancária grande o suficiente para comprar
um pequeno país, e meus negócios operam quase no piloto automático para
continuar financiando mais trabalhos de caridade, como a fundação com
Vaughn.
É péssimo.
E é ainda cedo demais para voltar a ligar para Vaughn e implorar um
pouco mais. Jamais entre para a lista de pessoas indesejadas de um atleta
profissional quando ele é um garoto de rua reformado que virou garoto-
propaganda do basquete para projetos relacionados a crianças – pelo menos
não se você quiser criar uma fundação em conjunto com ele.
Estou na minha pequena academia treinando com Davis, meu amigo de
infância e também ex-membro da banda. Ele mora a cerca de uma hora da
cidade e tem um trabalho de verdade na usina nuclear na fronteira entre a
Virgínia e a Carolina do Norte, o que exigiu que ele fosse para a faculdade
depois que a banda se separou. Ele veio para a festa de noivado de Ellie e
Wyatt ontem à noite.
— Esse tuíte poderia ter sido pior — diz ele, enquanto mira um gancho
de direita nas minhas costelas. — Você poderia ter postado na conta de
algum idoso.
Grunhi e mirei um gancho de direita.
— Teria sido engraçado de verdade.
— Toc, toc, vocês estão vestidos? — grita Ellie, de algum lugar perto da
entrada da academia.
— Não, nós dois estamos pelados, e o seu irmão está chupando o meu
pau! — grita Davis.
— Nesse caso, vou filmar — responde.
Ele bloqueia meu soco direcionado para seu estômago e pula para trás
quando Ellie aparece em todos os espelhos ao redor da sala.
— Eca, coloquem as camisas — diz Ellie com um sorriso.
Eu uso a minha para limpar o suor do rosto antes de ir em direção a ela.
— Vem cá e dá um abraço no seu irmão favorito.
— Toque em mim e morra.
— Toque nela e morra — concorda Wyatt atrás dela.
Tenho certeza de que ele é capaz de me derrubar, pois é um engenheiro
de teste de voo da Força Aérea que leva a sério o serviço militar e, além de
ser brilhante, também pilota jatos para testá-los, o que o torna bem durão na
minha opinião. Então, apenas me curvo e estendo o punho para Tucker, que
está de pé entre eles.
— Ei, carinha. Você se divertiu na festa ontem à noite?
— Os adultos falam demais — diz ele.
— É, e isso nunca para — concordo.
— Você sabia que o seu celular está quase explodindo no balcão da
cozinha? — diz Ellie.
— Que celular? Eu não tenho celular.
Merda. Se eu tiver perdido uma ligação do Vaughn, estou muito ferrado.
Ela me dá um sorriso exasperado, e então bagunça o cabelo de Tucker.
— O tio Beck tem um jogo de Pac-Man aqui.
— Tenho nada!
— Tem. Bem depois daquela porta.
Esse é todo o incentivo que Tucker precisa. Ele vai correndo para minha
sala de jogos do outro lado do corredor antes que eu possa dizer a ele que
também tenho Donkey Kong.
— Não quebre — murmura Davis, com um sorriso, sob toda aquela
barba e coque masculino, enquanto veste uma camiseta preta que combina
com as tatuagens que cobrem seus braços.
— Ele não pode quebrar — digo.
Ele, Ellie e Wyatt trocam olhares, e Davis é o único que parece estar se
divertindo.
— Cara. Merda.  Vocês quebraram o Pac-Man na minha casa em
Naufrágio?
Eles estavam no meu pequeno refúgio favorito nas montanhas Blue
Ridge na semana passada, no Festival Pirata. Sim. O Festival Pirata nas
montanhas existe mesmo.
— Relaxa — diz Wyatt. — A gente não quebrou o Pac-Man.
— A mamãe mandou pãezinhos de canela — acrescenta Ellie depressa.
Caramba, eles estão escondendo alguma coisa.
Mas pãezinhos de canela são as palavras mágicas.
Minha mãe faz os melhores pãezinhos de canela de todo o planeta. Eu já
voei para casa vindo da Austrália durante a noite toda, só para chegar lá
quando ela tirasse do forno. Quando éramos crianças, todos sabiam quando
ela fazia pãezinhos de canela, porque dava para sentir o cheiro até o fim da
rua, na casa dos Wilson. E ela sempre fazia o suficiente para alimentar um
exército, porque muitas crianças apareciam na porta pedindo pãezinhos de
canela no sábado de manhã.
Mas quando vou para a cozinha, Ellie me bloqueia.
— Me diz que você não está fazendo aquele lance de Hollywood de
relacionamento falso com a minha vizinha — diz ela, naquele tom de voz
mortal que sugere que há uma resposta certa e uma resposta errada que
resultará em consequências severas.
Mas isso não me impede de fantasiar sobre Sarah, o que tenho tentado
não fazer a manhã toda.
Aqueles olhos. Aqueles olhos intensos e cautelosos. Sem falar das curvas
escondidas sob suas roupas.
Ela me fascina. E isso é perigoso, porque eu sei que ela tem segredos.
— O quê? Relacionamento falso com a Sarah? Não. Você me conhece
melhor do que isso.
Ela cruza os braços e demonstra o quanto aprendeu sobre ser mãe durante
esse ano que está namorando sério com Wyatt.
Merda, ela é boa nesse olhar intimidador de: nem pense em mentir para
mim.
— O quê? — pergunto de novo.
— E o vídeo de desculpas? — pergunta ela.
— Ela queria divulgar as girafas e eu queria pedir desculpas, os dois
saem ganhando.
E minha crença de que tudo era tão simples, que ela não estava
interessada em mais nada além disso, é ao mesmo tempo revigorante e
frustrante, porque acho que gosto dela.
— Você já conversou com a sua equipe hoje? — pergunta Ellie.
— Ei, carinha pelado, o seu cérebro está aqui — grita Davis.
— Ele sempre foi assim tão sem graça? — pergunto a Ellie.
— Você sempre foi assim tão sensível? Aquilo foi hilário. E acho que a
resposta é não sobre ter falado com a sua equipe hoje.
— É domingo, eu disse a eles para tirarem o dia de folga. Não que eles
tenham escutado, porque a gente está no meio de uma crise, mas foi um
sonho legal.
— Nesse ritmo, eu vou tirar um domingo de folga daqui a três anos —
diz Charlie. Ela para na porta e me olha de cima a baixo, seu medidor de
babaquice também deve estar marcando alto hoje. — Você não está
atendendo o celular.
— Você quer um dos pãezinhos de canela da minha mãe? Eles combinam
muito bem com más notícias. Perdi uma ligação do Vaughn?
— Não, e nem tudo são más notícias.
Significa que são principalmente más notícias com um pequeno lado
bom.
— Novo plano. Cancele todas as minhas aparições públicas do próximo
mês, e eu vou me esconder em Naufrágio enquanto contamos às pessoas
que estou na reabilitação.
— Todo mundo que te convidou para as aparições nos próximos quatro
meses já cancelou. Estamos em um ponto de ter que inventar um evento
para você aparecer e ser visto em público de novo.
— Então… só precisamos espalhar os rumores da reabilitação?
— É surpreendente como você consegue administrar um império da
moda de bilhões de dólares com esse tipo de atitude — diz Ellie.
Eu grunhi. Não será um império da moda de bilhões de dólares por muito
tempo nesse ritmo.
— Ele é muito mais esperto quando estamos em Milão ou Paris — diz
Charlie. — Estar em casa o transforma de volta em um adolescente que só
quer jogar videogame.
Eu diria que não é justo, porém é verdade.
— Casa é para descontrair e relaxar. Eu trabalho quatrocentos e oitenta e
sete dias por ano, então quando consigo meus vinte e seis para relaxar, eu
relaxo. Trabalhe duro para se divertir bastante.
— Até você foder com tudo — aponta Charlie.
— O vídeo não funcionou?
— Funcionou bem demais.
Ellie me dá aquele olhar novamente.
E Charlie me dá aquele sorriso que diz você está tão ferrado.
Aí percebo que independentemente do que esteja acontecendo, os
pãezinhos de canela não vão resolver.
09

Mackenzie aparece pouco depois do meio-dia com ofertas de paz na


forma de hambúrgueres e pipoca caramelizada. E porque eu já teria postado
o vídeo de qualquer maneira – talvez tivesse editado, talvez não – e por
ainda não ter contado a ela a verdade sobre onde cresci, eu a deixo entrar e
a abraço forte.
— Por que há dois carros pretos com homens assustadores do outro lado
da rua? — pergunta ela.
— Segurança. No caso de alguém me expor. A Charlie que organizou
isso.
— Expor?
— Sim, expor. Se algum maluco na internet encontrar o meu endereço e
postar, então os stalkers podem aparecer para ver se o Beck Ryder é mesmo
o meu namorado.
Reviro os olhos como se não fosse grande coisa, mas às vezes a internet é
um lugar assustador com pessoas assustadoras.
Não posso negar que fiquei grata ao receber a mensagem de Charlie hoje
de manhã de que eles colocariam segurança extra na vizinhança como
precaução.
Ainda mais depois que entrei no Twitter para checar o quão ruim foi a
exposição do vídeo quando cheguei em casa algumas horas atrás.
Atualmente é oito ou oitenta, metade do mundo se pergunta se o pedido
de desculpas de Beck Ryder foi sincero o suficiente para resultar em uma
paixão por ele, e a outra metade está em um caos total ainda discutindo se
Beck e eu somos o casal mais feio, estúpido, idiota ou o mais desesperado.
Ninguém está especulando sobre o lugar de onde eu vim ou quem são
meus pais.
Talvez eu tenha tido êxito nesse ponto.
— Vocês dois estavam muito fofos no vídeo — minha melhor amiga diz,
sem deixar dúvidas de qual lado ela pendia na balança. — Dá até para
imaginar outras milhares de pessoas cometendo o mesmo erro que as
pessoas no Centro de Educação Ambiental hoje. Não que um modelo de
roupas íntimas possa ser outro Trent Fornicus. Tipo, eles enchem as cuecas
antes de tirar as fotos, não é? Mas são seus quinze minutos de fama e você
está usando isso para salvar as girafas.
Aí está.
Essa é a abertura que eu estava esperando.
Respiro fundo para dizer a verdade, mas ela me abraça por impulso.
— Sério, estou tão orgulhosa de você. Onde está a sua camisa? O jogo
começa em dez minutos.
E o momento se foi.
Eu me troco, faço pipoca, uso algumas das técnicas de meditação da
minha mãe para esquecer o que Mackenzie falou sobre Trent e clarear
minha mente o suficiente para me concentrar em como vou contar que,
basicamente, tenho mentido para ela há quase uma década. Acabamos de
ligar a TV quando ela se levanta e corre para a cozinha.
— O que… — eu começo, mas então ouço vozes na porta dos fundos.
Bem, vozes familiares.
— Ei. Estou atrasado?
— Não. Entre! Entre! Espera. O que é isso? A gente não come algodão
doce durante os jogos de beisebol. Dá azar. Joga fora. Isso é pipoca
caramelizada do Fletchers? Oooh, não experimentamos essa ainda.
Meda está mais uma vez sentada no topo da poltrona reclinável. Ela me
dá um sério olhar que pergunta: o modelo de cueca de novo? e seu olho azul
parece um pouco mais irritado do que seu olho âmbar, o que me faz pensar
se ela também está tendo pensamentos conflitantes sobre ele.
Dou de ombros e ignoro a pequena acelerada no meu pulso.
Ele não está aqui por mim.
Ele está aqui porque será bom para a imagem dele.
Só que… por que entrar pela porta dos fundos se for esse o caso? O
ponto não seria ele ser pego vindo me ver?
Mackenzie o empurra para a sala.
— Sarah! Olha quem quer assistir ao jogo com a gente.
Ele dá um sorriso autodepreciativo que exala masculinidade sexual e
sugere que ele sabe o que fazer com seu equipamento, o que eu também
acho que é uma provável mentira de Hollywood. E se não for, posso pelo
menos me confortar com aquele velho rumor, então não sentirei que posso
estar perdendo alguma coisa.
— Tenho que fazer o que funcionou na última vez que o time venceu —
diz ele.
— Essa é a sua lógica? — pergunto.
— Você se lembra daquele ano que eles foram para o Mundial?
— Não.
— Não?
— A Sarah cresceu no Oregon — diz Mackenzie, e eu estremeço, mas
ela não percebe. — Eu a converti.
— Oregon, hein?
Oregon, Los Angeles, é tudo a mesma coisa. Só que não exatamente, mas
para meus propósitos, conta.
Até hoje.
Eu preciso mesmo dizer a ela. Mas não com Beck aqui.
— Mm-hum.
Ele sorri, porque é tudo o que sabe fazer, pelo visto.
— Portland é incrível.
— Hum — concordo novamente. — O jogo está começando.
Mackenzie me enxota para que Beck possa se sentar no mesmo lugar em
que estava na noite anterior, o que coloca seu corpo comprido bem próximo
dos meus quadris largos.
Hoje ele está com cheiro de bergamota e grama recém-cortada, e sua a
barba está maior do que na noite passada. Se ele dormiu tão mal quanto eu,
não dá nem para dizer só pela sua aparência.
Ele abre a tampa da lata de pipoca e a inclina para mim.
— Para dar boa sorte.
Claro que ele pegou a pipoca com caramelo e queijo. É a minha favorita.
— Onde está a Charlie? — pergunto enquanto me sirvo, porque não é
nada estranho estar sentada aqui com o modelo de cueca que me insultou no
Twitter duas noites atrás. O mesmo em quem eu dei um choque de taser
ontem de manhã, depois voltou para fazer um vídeo de desculpas ontem à
noite, e apareceu hoje do nada para dar sorte para o nosso time de beisebol.
E ao dizer que não é nada estranho, eu definitivamente quero dizer que
um buraco de minhoca se abriu na minha sala.
Eu me pergunto se ele fica irritado com pessoas que mastigam alto,
porque acho que não consigo comer pipoca em silêncio, e vou mastigar bem
perto de seu ouvido, esse deve ser o som menos atraente do universo.
Não que eu me importe se sou atraente para ele.
Da mesma forma que talvez ele seja um mastigador barulhento e vai ser
perfeito porque eu não estou atraída por ele.
Ou curiosa sobre o real motivo de ele estar aqui.
— A Charlie está em uma teleconferência com a minha equipe de
gerenciamento — responde Beck.
— Então você escapou?
— Na verdade, eles ficaram no meu pé para que eu não estragasse nada.
— Como a Mackenzie sabia que você viria?
— Poderes psíquicos.
Ele sorri para mim, e juro que esse sorriso faz trinta e duas calcinhas
pegarem fogo em quatro minutos, e a verdadeira piada é que estou usando
calcinhas da RYDE, porque elas são tão confortáveis que eu não consegui
queimá-las junto com o número decrescente de mulheres postando vídeos
no Twitter fazendo exatamente isso em solidariedade a mim.
Estou traindo minhas maiores apoiadoras.
Não é como se queimar minha calcinha diminuísse alguns dólares de sua
conta bancária. Eu já comprei, só não vou comprar mais.
— Isso! É assim que se começa um jogo!
Mackenzie dá um soco no ar. Os Fireballs começaram com uma rebatida
e isso é surpreendentemente positivo.
— Você já foi em algum jogo? — pergunta Beck.
— Em todos os jogos de bonecos bobblehead — confirma minha melhor
amiga. — E nos jogos de domingo à tarde quando são em casa.
— Eles vão ter uma série de jogos em casa começando amanhã — reflete
ele.
Aos poucos paro de mastigar em silêncio para lançar um olhar para ele.
Ele está insinuando que quer ir a um jogo dos Fireballs com a gente?
E se sim, por quê?
— Tem cerveja de raiz aqui? — pergunta ele de repente. — Quando eu
era adolescente, eu e meus amigos íamos para o porão do Cash assistir aos
jogos de sexta à noite, bebendo cerveja de raiz com pipoca caramelizada.
Cara, bons tempos.
— Ai, meu Deus, eu amo o Cash Rivers. — Mackenzie suspira. — Ele
era o meu favorito da banda. Eu até assisti àquele primeiro filme bem ruim
que ele fez o papel de um homem guepardo depois… espera. Você não vai
contar para ele que eu disse isso, vai?
— Não, desde que você não conte para ninguém que a Sarah me
nocauteou com um taser ontem.
— O mundo inteiro já sabe disso, porque está no seu vídeo — lembra
Mackenzie.
— Ah.
Maravilha. Agora ela não tem nenhuma vantagem para ameaçar Beck
caso ele queira contar para o Cash Rivers, o ídolo dela de Hollywood, que
Mack achou o primeiro filme dele uma merda. Sei que não é grande coisa,
mas para ela é. O rosto dela está ficando vermelho como uma beterraba.
— Te erveja na geadea — digo, com a boca cheia de pipoca, que eu não
conseguiria mastigar em silêncio nem se fosse para salvar a minha vida.
— Maneiro — diz ele, levantando e indo para a cozinha.
— O quê? — sussurra Mackenzie.
Eu mastigo rápido e engulo a pipoca.
— Tem cerveja na geladeira — murmuro de volta.
— Não foi isso que você disse.
— Sim, foi.
— Ai, meu Deus, parecia que você estava invocando um demônio da
pipoca.
— Não parecia.
— Parecia. E os demônios da pipoca não são a energia espiritual positiva
que os Fireballs precisam para vencer hoje.
Tudo bem, ela me pegou aí.
— Vocês, querem alguma coisa, moças? — Beck coloca a cabeça de
volta na sala de estar. — Cerveja de raiz? Cara, tem batatas fritas no freezer.
Faz anos que não como isso. Maldita dieta do trabalho.
Isso está ficando estranho.
— Por favor, fique à vontade.
— Coloca um pouco de bacon — diz Mackenzie. — Pode derreter queijo
gouda em cima e colocar pedaços de bacon, aí a Sarah será toda sua.
— Mackenzie — assobio.
— O quê? Eu quero ver você dar um choque de taser no Beck quando ele
descaradamente tentar entrar na sua calcinha. Porque ele ainda não se
transformou num Trent. Quero dizer, como ele poderia ser igual ao Trent?
Eu estremeço e tento me dar coragem mentalmente. Diz logo para ela,
Sarah. Diga por que você realmente terminou com Trent.
Ela não entende o motivo do meu estremecimento e também estremece.
— Desculpa — sussurra ela. — Mas eu aposto que ele não é.
Beck, que obviamente ouviu tudo, sorri e balança a cabeça, então
desaparece de volta para a cozinha.
— O que você está fazendo? — sussurro para ela.
— Testando ele — ela sussurra de volta. — Percebi que o pessoal de
relações públicas pode ter dito para ele vir de conversinha para cima de
você por causa de todo esse povo shipando vocês.
— Esse povo o quê?
— Shipando, Sarah. Eles estão fantasiando sobre vocês estarem
namorando.
— O quê? Não, as pessoas não estão fazendo isso.
Ela me dá o olhar de: aaah, estão sim. E então percebo que não posso
argumentar que as pessoas não costumam fazer isso, porque não posso nem
contar o número de vezes que ouvi meus colegas da escola desejando que
meus pais se divorciassem para que um ou outro pudesse se casar com
qualquer estrela de cinema com quem estivessem contracenando em um
filme naquele momento.
Tipo, sério, eu só não sabia que isso tinha um nome.
Porque, tudo bem, metade do Twitterverso está especulando que Beck e
eu estamos namorando, mas não desejando isso. Há uma diferença.
Além disso, vinte por cento ainda está chateado com ele e outros trinta
por cento acha que sou feia demais – pois é, feia demais, porque feia por si
só não é bom o suficiente – para pegar um cara gostoso como Beck. E
também que acham que as mulheres precisam ficar longe da ciência.
— Tá bom, tudo bem, esse povo shipa as pessoas. Mas não geeks como
eu — emendo.
Posso parecer toda legal e normal assistindo ao beisebol com minha
melhor amiga supersticiosa, mas eu fiquei acordada bem depois da meia-
noite na noite passada jogando Vikings no Espaço enquanto assistia à
transmissão da Perséfone. Estou ansiosa de verdade para voltar ao jogo,
porque minha capitã viking acabou de fazer contato com uma nova espécie
de alienígenas que podem dobrar o tempo ou hipnotizar as pessoas com
música folclórica, ainda não tenho certeza de qual dos dois.
Além disso, a última vez que Mackenzie me fez ir a uma noite de vinho e
pintura, enquanto todo mundo estava pintando flores da primavera, eu
posso ter pintado um Pokémon sem querer.
— Você é uma geek que sem querer acabou envolvida com um modelo
de roupas íntimas — sussurra ela. — E estava tão fofa naquele vídeo, caso
eu ainda não tenha dito isso dezesseis vezes.
— Nossa, você tem bacon de verdade — diz Beck da cozinha. — E não
aquele bacon de peru. Que outras guloseimas você esconde aqui?
Mackenzie agita os dedos e acena com as mãos no ar como toda
patricinha animada já retratada na TV.
— Isso não é falso — sussurra ela.
— Para com isso — eu a aviso. — Daqui a umas três semanas, ele nem
vai se lembrar do meu nome. E, como você já disse, ele ainda não se
transformou em um Trent Fornicus. Ah, olha lá. O Stafford vai arremessar.
Você acha que o ombro dele vai aguentar a temporada inteira?
— Vai. E ele não vai esquecer o seu nome.
— Ainda não temos nada em comum.
— Puta merda, esse pôster de Firefly é muito legal. Como quando eram
uns bebês. Onde você conseguiu? — Beck fala da cozinha.
Mackenzie sorri.
— Pois é. Nada em comum.
10

Eu odeio ser um babaca.


Mas aqui estou eu, me apaixonando pela cozinha de Sarah mesmo
sabendo que não temos futuro nenhum. Não posso ficar aqui para sempre
com as batatas fritas dela, e o bacon de verdade, e essa porra de arte incrível
da minha série favorita de caubóis do espaço.
Quando ela descobrir o motivo real de eu estar aqui, basicamente vou
perdê-la para sempre.
Ela e sua cozinha.
E aqueles grandes olhos escuros.
É como se o choque do taser tivesse fixado a imagem desses olhos na
minha memória, mesmo sabendo que tenho um histórico muito ruim com
mulheres, e que Sarah tem segredos. Ainda assim, eu não posso deixar de
lamentar a perda dela, de sua casa, e comida, e gosto impecável.
— Não. Não. Não! — geme Mackenzie da sala. — Beck. Volte aqui!
Eles estão perdendo enquanto você não está aqui assistindo!
A gatinha de Sarah entra na cozinha, me dá um olhar desdenhoso, como
se ela soubesse que eu vim aqui para perguntar a Sarah se ela consideraria
fazer outro vídeo comigo, ou sair em público juntos, e também se certificar
de usar a frase mágica que somos só amigos sempre que alguém perguntar
esta semana.
Quero mandar minha equipe se foder e dizer que essa é uma péssima
ideia, só que não é.
Vaughn acreditou no vídeo também. Totalmente fisgado. Nós
conversamos uma hora atrás, e agora que ele não está tão chateado e me
chamando de machista que odeia as mulheres, ele perguntou se eu estou
mesmo a fim dela, ou se estou apenas fazendo isso para limpar minha
reputação.
Eu não pude dizer a ele com sinceridade que não gosto dela, porque
gosto. Confio nela o suficiente para sair com ela? Nem tanto. Mas eu gosto
dela.
E eu quero que essa parceria funcione, então quando ele me disse para
deixá-la feliz, você pode ter certeza de que eu vou fazer o que for preciso
para deixá-la feliz.
Eu me sinto culpado?
Sim. Não é legal continuar a arrastando para tudo isso.
Mas é por uma boa causa, pelas crianças que não têm as mesmas
oportunidades que eu tive quando era pequeno. Crianças que precisam de
apoio e ajuda para praticar esportes coletivos e que terão um lugar para ir
depois da escola, e que não teriam a chance de jogar em um time sem a
nossa ajuda.
Se tudo der errado, se as pessoas pararem de comprar roupas RYDE – e
as roupas das minhas outras linhas também – eu vou ficar bem. Tenho
muito dinheiro. Muitas opções.
Depois do que fiz na sexta à noite, eu poderia simplesmente desaparecer
e cair no esquecimento. Mas não quero cair fora desse jeito e ser o homem
mais odiado da América, que fez uma merda gigantesca com uma piada
péssima e que pensou a minha irmã ia gostar.
Ainda mais que sou capaz de dar um jeito em tudo e continuar colocando
meu dinheiro em bom uso para ajudar as crianças do mundo.
Então eu serei o idiota que usa a Sarah, mesmo que eu não goste.
Volto a verificar se o forno está esquentando e vou para a sala com uma
lata de cerveja de raiz para recuperar meu lugar entre as mulheres no sofá.
A pontuação está um grande zero no primeiro turno. Sem eliminações e
nem corridas na base.
— Home run para Tampa? — pergunto.
— Cala a boca e faça algo para dar sorte — resmunga Mackenzie.
Olho para Sarah, que congela no meio da mastigação de um bocado de
pipoca.
— Ela não quer dizer me beijar — diz com a boca cheia de pipoca.
Eu sou muito bom em traduzir pessoas falando de boca cheia, até porque
é a minha primeira língua.
Além do mais, agora que ela menciona isso, eu me pergunto quanta sorte
um beijo poderia trazer de verdade.
Acho que não muita. Ainda mais quando eu finalmente me forçar a
perguntar se ela vai fingir sair comigo.
Além disso, superstições não são a minha praia, mas fico feliz em
agradar duas moças adoráveis que acreditam nelas.
Forço um sorriso e me recosto no sofá.
— A sorte vem de todos os tipos de lugares — digo a ela.
Provavelmente não do esquema Hollywoodiano de usar uma namorada
para melhorar sua imagem, mas com certeza de outros lugares.
Sarah tira o celular do bolso, e eu fico tenso por um momento até
perceber que ela não está planejando tirar uma foto de nós três para postar
nas redes sociais, o que não seria ruim para a minha imagem.
Estou me desapaixonando muito depressa da palavra imagem, ainda mais
depois de quase ter que pagar uma mulher para não postar um vídeo de sexo
meu antes do segundo teste de paternidade. Ainda fico nervoso.
Mas ela está acessando um vídeo ao vivo do YouTube de uma girafa
comendo em um recinto de concreto.
Óbvio. Ela não quer fotos comigo. Nem vídeos comigo. Ela quer ser
deixada em paz.
Mas aqui estou eu, não a deixando sozinha ou em paz.
— É a girafa do zoológico de Copper Valley? — pergunto a ela.
— Grávida e com o parto previsto para qualquer momento nas próximas
seis semanas — confirma ela. — O nome dela é Perséfone.
— Dá azar assistir a uma girafa grávida quando você deveria estar
assistindo aos Fireballs? — murmuro enquanto observo a girafa mastigando
grama de um balde bem na altura de sua cabeça.
— Seria pior se as girafas fossem extintas.
— Nossa. Você viu o tamanho da língua dela?
Eu me inclino para mais perto para dar uma olhada melhor na tela. Ela
tem um modelo de celular mais antigo, um daqueles aparelhos menores que
Ellie sempre diz que cabe melhor nas mãos e nos bolsos femininos. Sinto
um cheiro de caramelo e café, e quando meu braço roça o dela, ela fica
tensa.
Recuo, porque, cara, espaço pessoal.
Este meu crescente fascínio claramente não é correspondido.
— Desculpa. Esqueci da bolha.
Ela vira aqueles grandes olhos escuros para mim, suas sobrancelhas
franzidas como se me achasse esquisito.
— Bolha pessoal — esclareço. — A Ellie me lembra toda vez que estou
na cidade que nem todo mundo se sente confortável com um estranho
chegando perto demais.
Mackenzie tosse.
— Quantas pessoas estão assistindo? — pergunta ela a Sarah, que
murmura um número em resposta.
— Você acabou de dizer cinco milhões?
— Aham.
— Puta merda, Sarah. Dez vezes mais pessoas do que ontem.
Ela não responde, mas suas bochechas estão ficando vermelhas.
— Nossa, você viu aquele strike? — pergunto.
Mackenzie olha para a TV e depois para Sarah.
— Cinco milhões. Nada mal depois de pouco de atenção pública com um
videozinho — diz ela, baixinho.
Sarah enfia um punhado de pipoca na boca e fecha a transmissão on-line
da girafa. Ela está encostada no braço do sofá, dando a si mesma muito
espaço físico. Não está olhando para nenhum de nós, sua atenção toda no
jogo.
E de repente estou insanamente curioso para saber por que ela odeia os
holofotes.
É óbvio que ela odeia.
Mas não é óbvio o porquê.
Sei que algumas pessoas são apenas tímidas. Mas também sei que ela
saiu e interrogou os seguranças particulares que colocamos na rua – para
ela, e Ellie, e Wyatt, e Tucker – e fez perguntas que a maioria das pessoas
não saberia fazer.
E ontem à noite disse: eu falo Hollywoodês. Sei que há uma história
escondida sob todo aquele cabelo escuro e espesso e por trás daqueles
grandes olhos castanhos.
Seja o que for, se conseguirmos superar, talvez ela ainda aprecie a
atenção extra para as girafas.
Talvez eu não seja um babaca completo por estar na casa dela para
perguntar se podemos interpretar os “namorados por acidente” para o
mundo.
O time de Tampa marca mais duas vezes, e quando a primeira entrada
finalmente termina, Sarah se levanta e se espreguiça, o que puxa sua camisa
um pouquinho para cima, expondo o menor indício de pele morena da sua
cintura.
Já fiz fotos com supermodelos que não me deixaram loucamente
desesperado para saber se a pele delas era tão macia quanto parecia, e tenho
que me mexer no meu assento para resolver o problema de inchaço na
minha virilha.
Talvez se ela me desse um choque novamente, reverteria o efeito que o
primeiro choque causou.
Só que não estou realmente irritado com a reação do meu corpo a ela.
Curioso com certeza.
E definitivamente intrigado.
Mas ainda cauteloso.
— Foi divertido — diz ela, com uma careta. — Vou dar uma olhada nas
minhas abelhas.
Eu observo seus quadris balançando enquanto ela caminha para fora da
sala e para a cozinha.
E eu nem percebo que estou observando sua bunda até que ela
desaparece pela porta.
Mas eu noto quando ela se vai.
11

Meu Deus, ele estava perto demais.


Saio para o sol e respiro fundo pela primeira vez desde que Beck chegou.
Minhas abelhas estão zumbindo ao longo dos jardins de flores silvestres ao
redor da cerca, voando entre as colmeias de madeira e as pétalas das flores.
O zumbido suave faz meus ombros relaxarem ainda mais.
Me sento em uma das espreguiçadeiras ao ar livre sob o pergolado depois
de me certificar de que as pequenas fontes de fadas do meu pequeno quintal
têm água fresca, e pego o celular novamente. Estou fazendo uma busca
rápida pelos nomes dos meus pais no Twitter – embora prefira pesquisar no
Google alguma dica sobre meu jogo, Vikings no Espaço, preparar mais
tuítes sobre as girafas ou até mesmo assistir à Perséfone em seu recinto no
zoológico – quando a porta se abre e o primata de cueca coloca a cabeça
para fora.
— Ei. Você quer batata frita? Não posso dizer o quanto a sua amiga
estava falando sério sobre você vender a sua alma por batatas fritas com
bacon, mas com certeza não vou perder a chance de provar que tenho
habilidades culinárias, além de toda essa beleza incrível.
Ele é mesmo esse bobão legal e um pouquinho egoísta que está sendo na
minha frente? Ou é só atuação?
— Se você encontrou na minha cozinha, as chances são boas de ser algo
que eu gosto de comer — digo.
Não foi uma resposta irônica.
Foi mais para provocativa. Porque, sinceramente, é difícil não relaxar um
pouco quando ele está sendo tão bobão assim. A camada de
autodepreciação em sua incrível boa aparência era tão espessa que você é
capaz até de passar na torrada.
E funciona, porque ele abre aquele sorriso brilhante que faz seus
profundos olhos azuis enrugarem nas laterais.
— Então, não é só para a sua gata?
— Eu não estou interessada em fingir ser a sua namorada — anuncio.
Então talvez eu não tenha uma veia provocativa em mim.
Ele sai com os braços longos ao lado do corpo, apesar de estar enfiado
nos bolsos da calça jeans.
Além disso, quem usa jeans nesse clima? Está chegando aos 30 graus,
mas ali está ele, com um jeans chique que se encaixa em seus quadris
esbeltos como se fossem feitos para ele, e devem ser mesmo, porque é claro
que ele usa sua própria linha de roupas. E essa camisa verde-menta que
deveria torná-lo tão perigoso quanto um ovo de Páscoa de plástico, mas em
vez disso é cortada bem ao redor de seus ombros largos, afunilando em sua
cintura fina e terminando no meio da virilha, que deve ter o comprimento
que os cientistas determinaram que seria mais provável de induzir comas
por luxúria na população feminina em geral.
Eu não tenho ideia de como eles determinam essas coisas, mas sei que
sua camisa terminando ali está me fazendo pensar em sua virilha, o que é
uma péssima ideia.
E também o fato de eu estar usando calcinha RYDE novamente torna
todo esse momento mais íntimo do que deveria ser.
Ele marcou minha calcinha.
Literalmente.
Ele para e se encosta no pergolado, o sol brilhando em seu cabelo escuro,
toda a sua beleza de modelo amplificada pela vista pitoresca do meu
quintalzinho, olhos azuis enganosamente despreocupados. Não é possível
que um cara como esse não esteja preocupado com todos os boicotes
anunciados para suas várias linhas de moda.
— Você está saindo com alguém? — pergunta ele.
— Por que não querer fingir ser a sua namorada tem que ser
imediatamente seguido pela suposição de que estou saindo com alguém?
— Quem é Trent?
Ah. Pois é.
— Um ex. Professor de Física no centro da cidade, escreve simulações de
computador sobre o Big Bang. Ele me deu os melhores orgasmos da minha
vida.
Ah, merda, cala a boca, Sarah.
E lá vem, bem na hora. O sorriso e o charme todo galanteador.
— Sarah Dempsey, você quer começar uma competição?
— Não foi um desafio.
— Não? Porque com certeza pareceu um.
— Quer saber? Talvez fosse mesmo se você não estivesse aqui para me
pedir para interpretar a sua namorada.
Há muita verdade nessa afirmação, porque mesmo sabendo que esse
homem encantador, autodepreciativo e amante da comida deve estar
desempenhando um papel, ele ainda é assustadoramente gostoso e
engraçado, e eu ainda sou uma mulher com sangue nas veias.
Ele abre a boca, então esfrega a mão sobre ela enquanto desvia o olhar.
Não negou que está aqui para me pedir para fingir ser sua namorada.
— Então você estava on-line hoje — diz ele.
— Sim. Vamos acabar logo com isso.
Aqueles olhos azuis profundos voltam a me estudar, e sim, eu posso
entender por que a aparência desse cara o deixou rico.
Ele interpreta bem o cara bobão e engraçado, ao mesmo tempo em que é
capaz de se concentrar quando precisa. Como ontem à noite, no vídeo. E
quando ele foi embora.
— Você sabe sobre o acidente da Ellie? — pergunta ele.
Balanço a cabeça, sem saber para onde ele está indo com essa pergunta,
porque sim, eu sei que ela sofreu um acidente, mas não os detalhes. Nada
além das migalhas que ele me deu ontem à noite enquanto estávamos
fazendo nosso vídeo.
Nossa, isso não soou bem na minha cabeça.
Eu não queria mesmo ter crescido em Hollywood.
— Aconteceu no Natal — diz ele, claramente não percebendo o que está
acontecendo na minha massa cinzenta, graças a Deus. — Há um ano e
meio. Teve a perna esquerda esmagada. Os médicos não achavam que ela
voltaria a andar.
— Ah! Eu… isso é horrível. Mas não dá para adivinhar olhando para ela
agora.
Ele sorri de um jeito irônico.
— Ela não gosta de ser subestimada. É óbvio. Tenho certeza de que ela
poderia voar se alguém dissesse que ela não é capaz.
— Fisicamente é impossível — aponto.
— Droga, Sarah, agora ela vai ter que provar que você está errada.
Seus olhos brilham, e não é um truque de câmera. Mas ele logo fica sério
quando olha para o lado, para a casa de Ellie.
— Eu estava em casa quando recebemos a ligação, já que era feriado.
Foram os dias mais assustadores da minha vida. Eu não sabia se ela
sobreviveria e acordaria. E, depois, se ela seria capaz de andar de novo e
quanto cuidado precisaria, ou seu estado emocional e mental. Percebi que
eu só passo umas três ou quatro semanas em casa, por ano. Meus pais estão
ficando velhos, Ellie vai se casar com o meu melhor amigo e tornar o filho
dele oficialmente o meu sobrinho. Eu não quero ficar tanto tempo fora.
Passar meus domingos reunido com um grupo de relações públicas quando
faço merda. A sua família é quem está com você, sabe?
Eu me encolho, porque vejo meus pais menos do que ele vê os dele.
Não é que eu não os ame.
E sim que eu não me encaixo na imagem ideal de Hollywood, nunca me
encaixei.
Ainda mais quando cheguei ao ensino médio.
Experimentei todo aquele nível de escrutínio e com o qual eles vivem e
nem sempre conseguiam me proteger. Sim, eu era aquela criança de
Hollywood que as pessoas especulavam sobre ser mesmo a filha de algum
amor secreto do meu pai, já que de jeito nenhum eu tinha a beleza da minha
mãe. Não vou à casa deles há seis ou sete anos.
Nos encontramos em locais estranhos e menos prováveis de ter repórteres
à espreita quando nossos horários se alinham, e conversamos por telefone
ou por vídeo algumas vezes por mês.
— Você tem família? — pergunta ele.
— É complicado — digo baixinho.
— Mas você tem a Mackenzie — ele aponta, com um sorriso sedutor.
— Então, você vai vender o seu negócio? — pergunto, porque desviar a
atenção é a chave.
Seus olhos se estreitam.
— O quê?
— É assim que funciona, não é? Você quer dar um passo atrás, então tem
que se livrar de algumas responsabilidades. A menos que você vá parar de
modelar, mas isso faz parte do negócio, você modela as suas próprias linhas
de roupas agora. A marca Beck Ryder não seria a mesma se algum jovem
tentar tomar o seu lugar de gostosão. Então, você vai vender para alguém
que tem algum superstar em ascensão e que poderá entrar no seu lugar, mas
não se você arruinar a marca primeiro.
— Alguém andou investigando.
Ele pisca para mim como se fosse adorável o fato de eu me importar o
suficiente para investigá-lo.
Só que eu não pesquisei sobre ele, porque já presenciei uma ou duas
vezes a maneira como as celebridades funcionam na indústria da moda.
Mas agora ele acha que estou totalmente a fim dele.
Se ele não fosse famoso – e lindo – e se eu não fosse uma geek total que
não está interessada nos garotos bonitos que quase sempre são uma
decepção, poderíamos ter algum futuro. Mas ele só está aqui porque precisa
de uma coisa de mim.
— Eu não vou fazer parte do seu golpe de relações públicas.
Ele desencosta e vem se sentar na cadeira ao lado da minha, as pernas
bem abertas de modo que nossos joelhos estão quase se tocando. Eu fico
parada, porque não quero que ele veja que estremeci.
— Você não gosta de atenção do público — diz ele.
— Ou de mentiras — digo, bem como a hipócrita que sou, porque mentir
é exatamente o que tenho feito a maior parte da minha vida adulta.
— Três telefonemas e consigo mais dez milhões de pessoas assistindo a
Perséfone e aprendendo sobre as abelhas e as girafas.
Eu diria que é palhaçada, mas sei uma coisa ou outra sobre a Bro Code, e
sei que Beck é o menos famoso dos caras, que continuaram no centro das
atenções do público depois que a banda se separou. Não é como se eu
seguisse Levi Wilson ou Cash Rivers, mas morando em Copper Valley,
onde todos eles cresceram, é impossível não saber sobre eles.
O que significa que é quase impossível não saber que ele ligaria para os
dois, pediria que compartilhassem o vídeo da Perséfone e falassem sobre as
girafas ameaçadas de extinção.
Para seus zilhões de fãs.
Eles já o defenderam publicamente nas redes sociais, enquanto, de
alguma forma, também se desculpavam comigo em nome dele.
As pessoas fazem merda, e o Beck é o meu irmão de outra mãe que vai
consertar as coisas para a pobre garota que ele envolveu nessa zona, era a
essência das duas mensagens.
— Isso é suborno ou chantagem? — pergunto.
— Não vou vender a minha empresa — diz ele —, mas estou trabalhando
para delegar o que posso, para ficar mais em casa. Família é o que importa
no final. Essa fundação que a Charlie te falou ontem à noite é algo de que
toda a minha família poderá se orgulhar. E vai ajudar muitas outras famílias,
dar a seus filhos uma chance de praticarem esportes, serem saudáveis, terem
um lugar para ir depois da escola e durante o verão. Eu não preciso de mais
dinheiro, mas ganhar mais dinheiro me permite ajudar mais famílias. É por
isso que não é suborno ou chantagem. Sou só um cara que gostaria de fazer
a diferença no mundo, pedindo um favor que só você pode dar.
— Então é culpa.
— A atenção vai desaparecer depois de um tempo. Em seis meses,
ninguém vai se lembrar disso.
— Exatamente. Então você pode esperar seis meses e aí inaugurar a sua
fundação.
— Não é tão simples assim. — Ele se inclina para frente, as mãos
penduradas entre os joelhos, um apelo persistente em seus olhos. — A
fundação não é só minha. Estou arrastando o nome do Vaughn Crawford
para a lama também por ele estar associado a mim, e se eu acho que faço o
bem para o mundo, nem se compara ao que esse cara faz. Esse é um grande
passo para mim. E sim, você pode afirmar que estou te pedindo isso para
salvar a minha cara e continuar vendendo roupas. Mas se os meus negócios
afundarem, se eu for embora e deixar tudo acabar, centenas de pessoas vão
perder seus empregos. Centenas de famílias vão sofrer. Eu não costuro as
roupas. Marketing é muito mais do que eu sorrindo para uma câmera.
Caramba, eu nem mesmo desenho as peças. Só coloco a minha marca nas
coisas de que gosto e usaria, e compramos os direitos dos designers que não
poderiam ganhar uma fração do que ganham se eu não colocasse minha
marca nelas. Não se trata só de lançar uma fundação, se trata de salvar
centenas de empregos também.
Eu afundo na cadeira e puxo meus joelhos para o peito.
— Não é justo mesmo.
— Vamos anunciar a fundação em menos de duas semanas. E se eu não
recuperar a minha imagem para ontem, o Vaughn está fora, e a coisa toda
morre, porque precisamos de nós dois nisso para fazer acontecer. Você é a
minha melhor chance. Com a reação do público ao vídeo ontem à noite,
você é a minha única chance.
Eu sou sua única chance.
Abro a boca, mas em vez de um argumento racional e bem pensado do
motivo de ser uma ideia terrível, digo:
— Ah, merda.
Porque meu portão dos fundos acabou de abrir.
E uma porca gordinha vestindo um tutu e coleira acabou de enfiar a
cabeça para dentro.
Não, não estamos em uma dimensão alternativa.
Ou no circo.
Não.
Aquela porca gordinha de tutu significa uma coisa.
Meus pais chegaram.
12

Sarah fica de pé tão rápido que meu cérebro mal registra.


— O que… — começo, mas ela me agarra pelo braço e grita:
— Para dentro! — tão desesperada que não penso, apenas me movo.
Até que…
— Serendipity! Eu sabia. Eu sabia! Judson, eu falei que ela estava
guardando um grande segredo.
— Você disse mesmo, querida.
As vozes me dão calafrios, e eu me viro, meu queixo cai quando um
casal com uma porca num tutu e coleira fecha o portão dos fundos atrás
deles.
Sarah ainda está me empurrando em direção à casa.
Em direção ao seu taser.
— Ah, merda, Sarah, para. — Eu afundo meus calcanhares, porque de
jeito nenhum que eu vou deixá-la dar um choque de taser em Sunny
Darling e Judson Clarke.
— Não, não, não, não pare, só saia.
Ela está segurando meu braço com tanta força que suas unhas estão
furando meu bíceps, mas eu me inclino para fazer meu centro de gravidade
trabalhar ao meu favor e resistir.
Porra, ela é forte.
— Eles não são perigosos — digo a ela.
Eu acho.
Nunca os conheci pessoalmente, mas Cash sim. Uma vez. Quando ele
estrelou aquele remake de Blazing Sun há dois anos.
— Querida, não tenha medo — diz Sunny, atravessando o gramado com
seu corpo esbelto, calça lilás e camisa branca esvoaçante, a porca em
miniatura trotando alegremente ao lado dela, cheirando as flores. — Fiz
algumas ligações e encontrei para você a melhor estilista de toda a Virgínia.
Sua estreia será gloriosa.
— Mãe… Eu não vou ter uma estreia.
Mãe?
Eu a olho de novo.
E puta merda.
Sarah tem os olhos de Judson Clarke.
E o nariz de Sunny Darling.
E a mancha de rubor de outra pessoa.
— Nós não vamos fazer nada disso — diz ela, e não sei se ela está
falando comigo ou com o poderoso casal não-tão-aposentado de
Hollywood.
— Puta merda — murmuro.
— Cala a boca — Sarah murmura de volta. — Conte a qualquer um e eu
farei da sua vida um inferno.
— Liguei para a minha amiga Giselle, e ela tem certeza de que pode
encontrar um vestido do Dr. Who para você, se quiser. Ou um com vaga-
lumes. Você ainda pode ser autêntica sem comprometer a sua moral
cortando o cabelo de vez em quando. Ah, aquilo são colmeias? Isso é tão
californiano, querida. As abelhas têm nomes?
— Cupcake, não! — Sarah finalmente libera seu aperto matador em mim
para enxotar a porca de cima das flores. — Mãe, ela vai ser picada.
Judson Clarke para na minha frente e me avalia. Eu sou alguns
centímetros mais alto que ele, mas me sinto com cerca de um metro de
altura agora.
Eu disse à filha de Judson Clarke para calar a boca e ir fazer alguns
bebês. Mas não comigo.
Em público.
Sou um cara morto.
— Você está tratando a minha garotinha direito? — pergunta ele, com um
sotaque rouco que poderia rivalizar com Clint Eastwood.
— Pai, somos só conhecidos. — Sarah puxa a coleira da porca, mas ele
tem a motivação ao seu favor, e eu me pergunto se são vinte quilos de
músculo sólido e teimosia. — Pare com isso.
— Você sabe que eu não gosto de homens olhando para você da maneira
errada — rosna ele. — Ou falando com você de um jeito inapropriado.
É.
Sou um homem morto.
— Ele veio se desculpar e já está indo embora — diz Sarah.
— Eu vi aquele vídeo, querida. Ele já se desculpou. Então, qual motivo
ele tem para se desculpar agora?
— Acho que isso depende se ele conseguir ficar com a boca fechada —
responde ela.
Serendipity.
Puta merda.
Sarah é a Serendipity Darling.
E a… a … ah, merda.
Não é à toa que ela não quer estar na frente das câmeras.
— E eu vou trancar esse portão — acrescenta ela.
— Eu tenho um cara que pode fazer uma tranca para você — ofereço.
Judson Clarke estreita os olhos para mim, e eu juro que acabei de ouvi-lo
sussurrar: só tenta, cara.
Sunny Darling franze a testa.
— Você quer dizer de uma maneira humana e ambientalmente amigável,
é claro — diz ela. — O ambiente é muito importante para a Serendipity.
Toda vez que ela diz Serendipity, o globo ocular esquerdo de Sarah se
contrai. Ela grunhe e puxa a porca com mais força, enquanto algumas
abelhas enxameiam ao redor de sua cabeça.
— Você precisa de ajuda? — pergunto a ela.
— Eu preciso de vodca — grita.
— Ah, querida, não é tão ruim assim. Cupcake, vem. Venha por aqui,
querida. — Sunny puxa a coleira, mas a porca ainda está se esforçando para
comer as flores, onde as abelhas estão zumbindo cada vez mais agitadas.
Judson Clarke ainda está me eviscerando com seu olhar mortal, e estou
tendo flashbacks de cada um de seus filmes de caubói que assisti quando
criança.
E como ele tinha uma mira mortal.
E sempre vencia.
Porque ele sempre foi o mocinho.
Sempre.
A porta dos fundos se abre.
— Sarah! Banheiro! O Cooper Rock está… Ai, meu Deus, Sunny
Darling!
Ela olha para mim.
Eu olho para Sarah.
Sarah Dempsey.
Serendipity Darling
Que ainda está lutando com uma porca de tutu em uma tentativa
desesperada de salvar suas abelhas de virarem comida de porco ou de o
focinho de sua porca virar alvo das abelhas.
E eu achava minha vida estranha.
Parece que eu preciso sair mais de casa.
13

Nossa, que constrangedor.


Há um modelo de cueca que quer que eu finja ser sua namorada, fazendo
batata frita com queijo para todo mundo.
Meu pai está rondando a casa, procurando insetos e gravando áudios para
si mesmo sobre aumentar a segurança, porque a versão de segurança
daquele modelo de roupa íntima não seria capaz de proteger um mosquito
em um pântano, já que eles conseguiram entrar no quintal com uma porca
de tutu em uma coleira.
Minha mãe está apaixonada por Mackenzie, que está tão calada, sem nem
assistir ao banho de sangue que está sendo o jogo de beisebol na TV, e nem
me pediu para explicar nada, e isso está me fazendo sentir uma merda total.
Cupcake está tentando subir na minha gata, que está deitada embaixo de
uma cadeira da cozinha, observando tudo como se fosse normal.
— Cai fora. Cai fora. — Puxo a coleira da porca de novo.
Ela olha para mim, mas não para de tentar subir em Meda.
Sim.
A porquinha dos meus pais está com tesão.
O que não é incomum.
— Você não tem que simplesmente aceitar — digo a Meda.
Ela rosna e olha para mim como se eu a tivesse traído.
Eu a puxo pelo chão para tirá-la de debaixo de Cupcake, que funga em
decepção por eu ter negado a ela uma nova amiga.
— Você gosta de gatos? —  pergunto a Beck, porque ele é o único na
minha cozinha que está realmente olhando para mim, e não sei se é porque
ele descobriu quem são meus pais, ou se é porque sabe alguma coisa sobre
mim, antes de eu me tornar Sarah Dempsey, ou porque estava apenas
olhando para a minha bunda.
A bunda que herdei do lado mais rechonchudo da família do meu pai.
Não a bunda esbelta, graciosamente curvada, do lado da minha mãe.
Na verdade, acho que herdei as duas bundas da parte deles. Não há
escassez aqui.
— Gatos são incríveis — Beck me diz enquanto pega Meda e a segura
como uma bola de futebol. — Como cães ou crianças, só que menores e
mais limpos. Quem é a gatinha mais boazinha?
Ele a coça debaixo do queixo, e ela me dá outro olhar enquanto ronrona
alto, seu olho azul me dizendo que é assim que se trata uma rainha, seu
olho âmbar me chamando de traíra, e a combinação claramente
transmitindo: se você me amasse, me faria carinho assim o dia todo, todos
os dias.
— Vocês são amigas há oito anos? — minha mãe pergunta para
Mackenzie. — Você joga esses jogos de RPG também?
— Mãe, eu não jogo mais RPG — digo depressa. — A Mackenzie é
engenheira de resíduos sólidos, a gente se conheceu na faculdade.
— No último ano — concorda ela, seus olhos azuis ainda estranhamente
arregalados. — Ela era a única outra garota vestida de Zoe na noite do
Browncoat no teatro do campus.
— Você foi de Zoe? — pergunta Beck. Seu olhar desce pelo meu corpo, e
um sorriso lento se espalha em seus lábios. — Com a calça apertada e tudo
mais?
— Ela estava gostosa — diz Mackenzie.
— Posso imaginar — diz ele com um aceno de cabeça.
— Pare de olhar para a minha filha assim — rosna papai.
— O que é Browncoat? — pergunta mamãe.
— É como os fãs da série Firefly se chamam — diz Beck. Ele gesticula
para o meu poster de Firefly Babies na parede da cozinha. — Legal pra
caralho. Onde você conseguiu isso?
— Na internet. — A internet, que é uma bênção e uma maldição.
— Buracos nas telas — murmura meu pai enquanto passa pelas janelas
da cozinha. — Corrente de ar. Espaço para uma câmera espiã.
— Ele está estudando para o próximo papel — mamãe sussurra para
mim, o que eu já tinha percebido, porque ele está usando sua voz de Bat-
Pai, que só ouvimos quando ele está se preparando para um papel de durão.
— Ainda não temos permissão para falar sobre isso.
Beck ainda está acariciando Meda, que agora está ronronando alto o
suficiente para sacudir as janelas.
E eu só quero subir na minha cama, dormir e acordar amanhã para ir
trabalhar como se os últimos três dias não tivessem acontecido.
Não deveria haver esse caos todo na minha casa.
Deveria haver paz, calma, videogames e, de vez em quando, superstições
malucas de beisebol e, às vezes, Buffy, a Caça-Vampiros ou maratonas de
Dr. Who, mas nada de caos.
E nada de minha melhor amiga descobrindo quem são meus pais. Não
desta forma, de qualquer maneira. Ou Beck Ryder interpretando o herói
improvável que a distraiu com perguntas sobre a melhor maneira de fazer
batata frita com queijo, assim que ela percebeu o que eu estava escondendo
dela nos últimos oito anos, embora a distração só tenha durado até ela voltar
a olhar para minha mãe meio boquiaberta.
É só uma questão de tempo antes que ela descubra que eu terminei com
Trent no ano passado porque, embora o sexo fosse incrível, eu não queria
que ele conhecesse os meus pais.
— Onde você vai, querida? — pergunta mamãe. — Você não vai
escapulir pela janela, né?
— Dor de cabeça — digo a ela.
Não é uma mentira.
— Ah, aqui. Eu tenho alguns suplementos de ervas que vão animar você
rapidinho.
— Não use drogas — meu pai rosna para mim.
Mamãe está revirando sua enorme bolsa Prada em cima da mesa da
cozinha.
Os olhos de Mackenzie estão acompanhando o número de frascos de
suplementos caindo.
— Vamos ver… não a raiz valeriana ou a kava… ah, aqui. Aqui está um
pouco de magnésio. E lavanda. A lavanda vai te ajudar a relaxar.
— Mãe, eu não preciso de suplementos.
— É tudo natural — diz papai enquanto se dirige para a porta dos fundos.
— Melhor que drogas. Só uma tranca? Só uma?
Eu preciso sair daqui.
— Na verdade, eu ia levá-la para tomar milkshake — anuncia Beck.
— Sim — concordo, mesmo que as batatas fritas com o bacon estejam no
forno agora, e de jeito nenhum eu vou deixar Mackenzie ali sozinha com
meus pais e Cupcake, porque isso seria maldade. — Eu e a Mackenzie.
Porque é muito difícil ficar aqui e ver os Fireballs levarem uma surra.
— Ah, querida, isso é maravilhoso! — Mamãe bate palmas e pega uma
escova de cabelo no meio das pilhas de frascos de suplementos de ervas. —
Aqui, deixa eu arrumar o seu cabelo rapidinho, e acho que tenho o tom de
batom perfeito para você na minha bolsa de viagem.
— Você precisa é de um cachorro — rosna meu pai enquanto olha pela
janela na porta dos fundos, braços cruzados, e estuda meu pequeno quintal
normalmente tranquilo.
— Mãe, eu já escovei meu cabelo hoje.
— Ah, querida, fica tão fofo quando você faz uma trança francesa. Só
dois segundos…
— Eu gosto dele solto — diz Beck.
— Você está tentando envergonhá-la?
— É macio. — Ele enrola uma mecha do meu cabelo em seu dedo, e,
caramba, o leve puxão está acendendo as terminações nervosas por todo o
meu couro cabeludo. — E bonito.
Ele está de pé, segurando minha gata ronronante e brincando com meu
cabelo, tão perto que eu posso sentir o calor de sua pele, e tenho que me
lembrar de que não preciso de um cara na minha vida para me sentir
completa.
Ainda mais com todas as outras complicações que a minha vida traz.
E todas as complicações que a vida dele também traz.
Presumindo que ele não esteja apenas desempenhando um papel aqui.
Eu mencionei complicações, não é?
— Não há segurança suficiente — rosna meu pai.
— Vou corrigir isso agora — diz Beck.
Evito minha mãe e sua escova de cabelo e tropeço na porca, que guincha
e corre para mamãe, que se assusta e derruba no chão a escova de cabelo,
que se parte em duas. O cabo gira no piso e para nos pés de Mackenzie.
— Estou começando a entender — ela me diz. — Fodam-se vocês,
famosos. Eu e a Sarah vamos para a minha casa.
Ela enlaça seu braço no meu e me leva para fora da cozinha, apontando
um dedo para as três pessoas famosas que tentam se opor.
— Fiquem aí. Não queimem o bacon. E devolva a gata. E se os Fireballs
perderem, a culpa é de todos vocês.
Beck me entrega minha gata. Minha mãe fica olhando, boquiaberta, deve
ser porque nenhum de nós está usando sapatos. Meu pai tenta nos seguir,
mas Beck estende o braço.
— Ela tem um taser. Vai ficar bem.
Mackenzie me puxa pela porta da frente, onde os seguranças estão
tirando um cara aleatório com uma câmera dos meus arbustos de gardênia.
Meu coração para. Congela de terror.
Eles sabem onde eu moro.
Eles sabem onde eu moro, e o próximo passo é saber quem são meus
pais. Depois disso meu baile de formatura será retransmitido repetidamente
para todo o universo pelos próximos doze anos, talvez não para o Taiti.
Acho que seria melhor se eu encontrasse um mosteiro nas montanhas do
Himalaia e começasse a pintar e meditar.
— Já cuidamos disso, srta. Dempsey — diz o maior dos dois caras. —
Você precisa de uma carona para algum lugar?
— Sim — responde Mackenzie, e um terceiro segurança encosta um
carro preto no meio-fio. Sem hesitar, nós duas entramos.
Estou muito, muito feliz por ter verificado as credenciais deles quando
cheguei em casa mais cedo, ou senão chamaríamos muita atenção no carro
dos Fireballs da Mackenzie, porque não entro em carros de seguranças
cujas credenciais eu mesma não tenha verificado.
— Você tem muito o que contar — murmura Mackenzie, enquanto nos
afastamos do meio-fio. — Mas, primeiro, respira funda. — Ela aperta
minha mão, enquanto eu abraço Meda com meu outro braço e ela ronrona
como uma gata louca. — Parece que você precisava disso.
— Você não está brava? — sussurro.
— Ainda não. Você vai me contar tudo, né?
— Vou.
— Então, com certeza não estou brava. Fora que isso explica muito.
Nunca acreditei na sua vibe do Oregon, mas imaginei que nenhuma de nós
se encaixa totalmente em nenhum lugar. E, só para constar, eu não consegui
tirar a vibe de Hollywood de você. Como você sobreviveu a isso?
Estou tão aliviada que minha garganta se aperta, e faço uma encenação
de tirar meu celular do bolso.
— Eu tenho que mandar uma mensagem para os meus pais — sussurro.
Eu ignoro mamãe e vou direto para papai, porque apesar dos rosnados de
hoje, ele entenderia que eu preciso de um pouco de espaço para processar
que minha vidinha aconchegante está prestes a ser virada de cabeça para
baixo, mais do que já está.
Além disso, digo a ele para pegar leve com Beck.
E para garantir que a porquinha não coma as minhas abelhas.
Eu não deveria mesmo ter abandonado as minhas abelhas.
Mas voltarei para cuidar delas em breve.
Só preciso de um tempinho para descobrir o que fazer a seguir.
14

Eu nunca fui tão grato pelos paparazzi como hoje, porque o idiota
tentando se esgueirar pelos arbustos de Sarah levou os seguranças
particulares a exigirem que desocupássemos a casa, enquanto eles
checavam todos os quarteirões ao redor.
O que foi uma boa desculpa para me afastar do olhar suspeito do durão
do Judson Clarke, o mesmo olhar que eu posso ter dado uma ou sete vezes
para os ex-namorados de Ellie.
Eu não quero dar essa notícia para Charlie e minha equipe, mas vai vazar
em algum momento, então eu preciso.
Ainda estou pensando nisso quatro horas mais tarde, mesmo depois de
participar de outra videoconferência com meu gerente, líder de marketing e
líder da equipe de relações públicas, sobre a importância de Sarah
concordar com esse plano de fingirmos namorar, porque porra.
Só porra.
Não me admira que ela fosse tão hesitante sobre a publicidade.
E acabei de tornar isso um milhão de vezes pior para ela.
Agora, estou me escondendo da culpa e ensinando ao Tucker a jogar
Mario Kart na minha cobertura.
— Os utensílios domésticos do Wyatt vão chegar esta semana, Beck —
Ellie está dizendo, enquanto eu corro pela pista de pasto de vacas com
Tucker e tento não pensar no ultimato que recebi de Vaughn quando voltei
para minha casa mais cedo: Vou te dar uma semana para provar que
continuar essa fundação com você não é um erro. Mas para ser honesto,
Ryder, não estou me sentindo muito confiante agora. — Aqueles fotógrafos
vão ficar sentados lá fora tirando fotos dos seus móveis e caixas?
Wyatt passou os últimos dois anos em uma base da Força Aérea na
Geórgia, mas acabou de receber a aprovação de transferência para a
instalação militar ao norte de Copper Valley, e estamos todos empolgados.
Ele e Ellie vão viver no meio de um monte de caixas de mudança esta
semana.
— Só se tiverem alguma etiqueta de… — Faço uma pausa e olho para o
garoto de oito anos na cadeira de jogos ao meu lado, que está com orelhas
de morcego. — Algo interessante mesmo — termino.
— Tem pelo menos sete com etiquetas de brinquedos — oferece Wyatt.
Ellie suspira.
— Eu sei, eu sei. — Desvio daquele maldito macaco que está sempre me
pegando com cascas de banana. — Se eu tivesse que tuitar para alguém,
deveria ter escolhido o Levi. Ou o Cooper. Ou o Palácio de Buckingham.
Eles me seguem, sabia?
— Para um desastre — diz Wyatt. — Use o casco vermelho, Tucker.
Você vai vencer o tio Beck em dois segundos.
Eu bati em uma bomba na pista de propósito, e Tucker passa por mim
com um grito de alegria.
O elevador apita, e na mesma hora fico com água na boca, embora eu
tenha comido as batatas com bacon e um pedaço de queijo gouda da casa de
Sarah – sim, vou comprar mais para ela.
— A pizza chegou! — Ellie bagunça meu cabelo antes de ir buscar. —
Você come como um adolescente.
— Tenho que viver de grama e feijão quando estou viajando. Vou comer
todas as coisas que consigo enfiar na barriga enquanto estou aqui. Nossa,
Tucker, caramba, você acabou de vencer o Luigi. Desista, homenzinho.
Eu bato meu punho no dele.
Ele sorri, mostrando seus grandes dentes tortos da frente, e merda.
O menino é adorável.
— Você gosta de pepperoni?
— Eu gosto de anchovas.
Eu enrugo minha testa.
— Você gosta…Ah. Ah! Anchovas. Ah, é, daquela pizzaria em
Naufrágio. Ele tem bom gosto.
Na cidadezinha bem legal com tema de pirata nas montanhas Blue Ridge
também há uma torta incrível em sua pizzaria. Olho de volta para minha
irmã, mas ela não está trazendo a pizza.
Não.
Ela está trazendo sua vizinha.
Que não está usando sapatos, ou carregando sua gata como da última vez
que a vi, mas o que lhe falta em sapatos ou em pelo, ela compensa com uma
determinação de aço no olhar.
— A gente precisa conversar.
— Claro. — Fico de pé em um salto, porque ela, basicamente, tem meu
futuro nas mãos. Eu não estava exagerando sobre as pessoas que teriam que
encontrar novos empregos se a RYDE e todas as minhas linhas subsidiárias
saíssem do mercado. Além disso, ela poderia me dizer para andar rebolando
pela rua cacarejando como uma galinha e eu provavelmente faria isso. —
Vamos para o meu escritório.
Wyatt engole uma risada.
Ellie revira os olhos com um sorriso divertido.
Ou talvez exasperado, mas prefiro apostar na diversão.
— Você tem um escritório, tio Beck? — pergunta Tucker.
— Claro — digo a ele. — É onde todo o meu trabalho sério é feito.
Sarah está parada com uma postura rígida e olhando para todos nós como
se fôssemos malucos. E ela pode ter um pouco de razão nisso. Mas ela me
deixa conduzi-la pela cozinha até a minha sala de jogos.
O que foi?
É onde tenho as melhores ideias.
Há algo totalmente zen em relaxar perto de um Pac-Man ou um jogo de
pebolim.
Fecho a porta e me apoio na mesa de sinuca.
— E aí?
— Isso é aqui é Donkey Kong? Tipo, o Donkey Kong original… não,
espera. Para. Deixa pra lá. Não é por isso que estou aqui.
— Você gosta de Donkey Kong?
— Sim. Eu, ahm… para com isso. Para de me distrair, ou eu não vou
conseguir fazer isso. — Ela afasta o cabelo castanho ondulado da testa e
solta um suspiro curto e pesado. — Tudo bem, eu concordo.
— Você concorda em…?
— Fingir que estou apaixonada por você. Mas sob as minhas condições,
e você tem que fazer todo o trabalho pesado. E quero isso por escrito, óbvio.
Não se trata de dinheiro, mas sim de controlar essa história e ajudar as
girafas. Entendeu?
Eu deveria estar aliviado, é exatamente o que eu quero.
Só que, de repente, não tenho certeza se ela vai conseguir. E ser pego na
mentira seria pior do que não fazer nada neste momento.
— Para onde você foi?
Seu nariz enruga.
— Para a casa da Mackenzie. E eu tenho certeza de que o seu segurança
te disse isso.
— Depois da coisa toda com o Hagrid.
Ela congela. Congela mesmo. Ela é como uma princesa de gelo trancada
em uma geleira, e seu rosto parece estar transmitindo a mensagem: eu vou
trazer o apocalipse em forma de bola de neve, se você comentar sobre
incidente do Hagrid de novo.
Eu deveria ter me certificado de que ela não está com o taser.
Eu me viro para a mesa de sinuca e gostaria de não ter jogado com o
Wyatt por último, porque o cara guarda tudo onde deveria ficar. Sempre.
Aí nada de tacos de sinuca para me defender ou bolas para jogar nela e
distraí-la.
— Eles vão perguntar — aponto. Bem simpático. Com as mãos sobre as
joias da família, porque nem sempre sou o idiota sexy e adorável que
interpreto na passarela e nas filmagens. Às vezes, eu tenho habilidades de
autopreservação. — Você precisa de uma reposta fácil para uma pergunta
difícil, e sou a pessoa que pode te ajudar. Mas só se você deixar.
Eu espero, enquanto ela luta contra seus instintos, aqueles olhos
castanho-escuros me perfurando como se fosse minha culpa o que
aconteceu em seu baile de formatura.
Depois de tantos anos no negócio, as fofocas são fáceis de ignorar. Estou
sempre falindo, sendo abduzido por alienígenas, festejando em clubes de
strip-tease ou tendo um filho com o Pé Grande. Você se acostuma com tudo
isso, porque acaba aceitando que é parte do pacote.
Mas Sarah não pediu para ter pais famosos. Ou para crescer sendo
observada sob o microscópio da mídia. Duvido que ela teria trocado de
nome e se mudado para o outro lado do país se a coisa do Hagrid no baile
de formatura não tivesse acontecido. Até que eu fodi tudo e a arrastei de
volta para o centro das atenções, ela tinha encontrado seu caminho bem
longe das colunas de fofoca e das constantes críticas de ser a única no
mundo de Hollywood que não valoriza a aparência da perfeição acima de
tudo.
— Controle a história — eu a lembro. — Se você controla a história,
você tira o poder deles.
Ela pisca e desvia o olhar, então vai em direção ao Donkey Kong.
Eu sigo e aperto o botão para iniciar um jogo.
Mel. Esse é o cheiro doce sempre presente nela.
Mel.
O jogo começa e ela exala uma respiração trêmula enquanto comanda o
Donkey Kong no primeiro nível.
— Marrocos — diz ela, baixinho. — Fui para o Marrocos depois…
depois do ensino médio.
— Marrakech? — pergunto.
— Todos os lugares. Rabat, Fez, Casablanca, Marrakech. Peguei um
ônibus pelas montanhas até o Saara. Eu acampei, andei de camelo, li,
aperfeiçoei o meu francês. Conheci as pessoas mais incríveis e comi doces
todos os dias.
Porra, agora estou com água na boca de novo. Eu estive no Marrocos
algumas vezes, mas sempre em ensaios fotográficos onde eu tinha que
parecer como a porra de uma pessoa de milhão de dólares. Nada de bolos
ou biscoitos para mim. A equipe ia a uma padaria e voltava com um café
preto simples para mim e um monte de balas, biscoitos e guloseimas
cobertas de mel que eu não podia tocar, porque sem chance que eu ia deixá-
los me retocar com um aerógrafo.
— São tão bons quanto parecem?
— Acho que minha bunda ainda pode atestar o quanto eram bons. E o
chá de menta meio que mudou a minha vida.
— Você tomou com açúcar?
— Você não?
— É isso. Preciso voltar lá. Da próxima vez, vou pegar algumas semanas
a mais entre as fotos, de qualquer jeito. Ficar em forma é sempre uma dor
de cabeça.
Ouço Tucker gritar a palavra mágica “pizza!”, e meu estômago tenta sair
do meu corpo para alcançar a maravilha de queijo e massa que vou comer,
porque o estresse queima calorias extras.
E também porque a mini sessão de fotos que eu deveria fazer em um
abrigo em Nova York foi cancelada esta semana, o que significa que tenho
algumas semanas para ser um pouco mais flexível com a minha dieta.
Sarah faz uma pausa entre as fases para olhar minha barriga.
— Você deveria consultar um médico para ver esse barulho aí.
— Que nada. É só uma padaria. E uma hamburgueria. E também o cara
que eu conheço que faz um milkshake de malte com morango que vai… ah,
merda. Desculpa. — Eu limpo a baba e sorrio para ela.
Um franzido aparece entre seus olhos como se perguntasse: sério
mesmo?
Mas depois se transforma em um sorriso.
Um sorriso largo, desinibido, que diz você é um grande bobão, faz os
olhos escuros dela brilharem e intensifica aqueles brancos perolados, além
de aparecer uma covinha em sua bochecha esquerda.
— Você pode querer repensar algumas das suas escolhas de vida.
Eu não conheço um único homem no mundo que não fosse capaz de
sorrir de volta para aquele lindo rosto iluminado.
— É. Tem suas vantagens.
Seu sorriso desaparece tão rápido quanto surgiu, e juro pelo meu primeiro
contrato de modelo, o quarto fica escuro e frio.
— Eu me consultei com um terapeuta por um tempo quando voltei para a
faculdade — diz ela, encarando o jogo. — Conversamos sobre não deixar
um momento no ensino médio arruinar a minha vida inteira, mas ainda me
dá vontade de vomitar só de pensar em deixar os repórteres destruírem as
minhas escolhas de vida de novo, ainda mais porque não foi a primeira vez.
Eu tinha sete anos na primeira vez que estreei em uma coluna de fofoca, e
os meus pais cometiam tão poucos erros que eu era o alvo fácil na nossa
pequena família. Eu gosto da minha vida de agora. É tranquila e tenho um
trabalho que amo, ninguém se importa com quem são os meus pais ou onde
cresci, e eu construí uma rede de seguidores, por conta própria, que se
importam com o mundo da mesma forma que eu.
— Você vai ter isso de volta — prometo a ela.
— Não, não vou. Meu chefe já me mandou uma mensagem perguntando
se quero tirar folga amanhã para não levar esse circo todo para o trabalho.
As fofoqueiras do escritório estão perguntando como é o seu cheiro, e o
meu líder de equipe mandou uma mensagem para descobrir quais são meus
donuts favoritos para a nossa reunião de segunda-feira de manhã. Eles
esqueceram de pôr meu nome no bolo dos aniversariantes de maio do
escritório, mas agora querem saber quais são os meus donuts favoritos.
— Talvez…
— Não, eles não se sentiram culpados por terem esquecido o meu
aniversário, porque eu não contei para eles, porque aí nesse caso eles
perguntariam se alguém da minha família me deu algum presente, e eu não
queria falar que os meus pais me enviaram o lego do castelo de Hogwarts
do Harry Potter este ano porque eles se lembraram do quanto eu implorei
pelos livros no ensino médio. E a minha mãe acabaria dizendo que é porque
a sua médium disse para ela, porque a Madame Susan sabia que eu
precisava de um aviso de que o baile voltaria para me assombrar.
— A vidente da sua mãe é a Madame Susan?
Ela se vira depois de arrebentar na terceira fase e me prende novamente
com aqueles olhos fascinantes.
— Isso é o que te chamou atenção?
— Não. Essa é só a parte menos perturbadora. Eu estou muito
esmalucado, desculpa.
— Esmalucado?
— Sim. Eu não fico bravo quando estou com fome, eu viro um
esfomeado maluco, esmalucado.
— Quer fazer uma pausa para comer?
Ela é adorável quando age com toda a lógica.
— Não, já passei por coisas piores.
Seus lábios se abrem novamente, sua testa franze, e ela balança a cabeça
enquanto volta para o jogo.
— Isso nunca vai funcionar.
— Por que não? Eu gosto de você e você me tolera. É bem o tipo de
química que todas essas pessoas querem. Sempre vão se perguntar se é tudo
verdade, porque o show vai acabar com você finalmente postando uma
declaração de que estamos melhor como amigos. Que ficamos juntos depois
que eu fui um idiota, mas que você prefere uma vida tranquila tentando
salvar as abelhas, e as girafas, e educando as pessoas sobre eclipses solares,
que não são obra de bruxas de verdade. Seus pais vão falar com a Ellen
sobre o quão orgulhosos estão de você e do seu trabalho de engenharia
ambiental, dirão ao mundo que eu sou um cara legal fazendo coisas boas,
vamos mencionar a Perséfone de novo, e em dois meses, nenhum dos seus
colegas de trabalho vai se importar mais com a identidade de seus pais.
Só que eu tenho uma forte suspeita de que eu vou me importar.
E esse será o meu fardo, não dela.
Ela fica quieta enquanto passa para a quarta fase com o Kong. Acho que
ela está concentrada no jogo, mas estou errado.
Não que seja algo incomum.
— Sempre me perguntei se eu fui adotada. Minha mãe não consegue
controlar o próprio cartão de crédito. Meu pai chegou em casa uma vez se
gabando de ter conseguido um papel como engenheiro, mas era um
maquinista, não o tipo de engenheiro da matemática e da ciência.
— Ah. Uma piadinha de tiozão, muito engraçado. Assalto no Deserto,
não é? Filme divertido.
Ela faz uma careta sem graça para mim.
— Não foi uma piada de tiozão.
— Tem certeza?
Ela faz uma pausa, e suas bochechas ficam com uma leve mancha de cor.
— Bem… não. Acho que não. Mas eles não entendiam quando eu pedia
de presente kits de ciências, Legos e também para me tornar membro do
centro de ciências e para ter festas de aniversário nos planetários. Mamãe
sempre perguntava se eu não queria uma festa de beleza, e papai se oferecia
para construir uma cabana de arte na casa de praia.
Pego um banquinho e me sento, me aproximando dela. Minha infância
foi exatamente o oposto – pais administrando sua própria empresa de
engenharia ambiental, irmãzinha com notas 10 e depois eu, o bobão que
tinha grandes sonhos, mas não cérebro suficiente para realizá-los –, mas
nunca questionei se me encaixava.
Deve ter sido difícil crescer em Hollywood, no centro das atenções, e não
se encaixar no padrão.
— Sua mãe disse que pegaram um voo noturno assim que viram o vídeo
ontem à noite. Eles estavam preocupados com você.
— Eu me preocupo com eles também — ela me diz. — Mamãe passou
alguns anos sem conseguir um papel e achei que ela fosse desmoronar. Ela
falou com um diretor que disse para ela fazer uma harmonização facial.
Outro disse para ela perder cinco quilos. Um sem-noção disse que ela
estava velha demais para trabalhar. E, enquanto isso, papai estava recusando
papéis a torto e a direito, porque envelhecer para os homens é uma coisa
que vende, mas ele queria desacelerar. Mas não posso dizer a ela para
responder foda-se e ir embora, porque é o que ela ama fazer, é quem ela é.
Não entendo por quê, mas acho que seria como se alguém me dissesse que
eu sou velha demais para me importar com energia limpa ou que tenho
cabelos grisalhos demais para falar sobre espécies ameaçadas de extinção.
— A fama é uma merda às vezes. — Eu me inclino e aponto para a tela,
porque Donkey Kong está prestes a levar um barril na cabeça.
— Eu percebi — murmura ela. — Você sabe o que é estúpido de
verdade?
— Leite de soja?
Ela dá uma risada surpresa.
— Sério?
— Passei seis anos viajando pelo mundo com quatro dos meus melhores
amigos. Chega um momento que fica chato. Alguém tinha que entreter todo
mundo, e esse alguém era eu.
— E agora eu entendo por que você é famoso por suas fotos e não pelas
entrevistas.
— Vou virar coach pessoal quando eu me aposentar como modelo. Mais
pessoas deveriam surfar nessa mesma onda.
Ela ri de novo, uma risada baixinha que dizia não acredito que estou
rindo desse cara, e isso faz meu dia.
— Então, me diz o que você acha estúpido nesse mundo.
Ela morde o lábio enquanto se inclina para o jogo, lutando contra o
último obstáculo antes de passar para a fase cinco.
Ela tem lábios bonitos.
Cheios.
São fáceis de ignorar sem maquiagem ou brilho, mas são perfeitos.
É como se ela estivesse se escondendo à vista de todos.
— Quando eu tinha dezesseis anos, perguntei para os meus pais se eles
me ajudariam a criar um blog sobre poluição. Eu queria ser famosa por
salvar o mundo.
— Isso não é estúpido.
— Talvez sim, talvez não. Mas pensei em usar toda a publicidade deles
para lançar a minha própria, quando percebi que não fui feita para a vida
sob os holofotes.
Não respondo, porque não concordo. Se há uma coisa que aprendi em
quinze anos na vida pública é que você nunca sabe do que é capaz até
tentar, e não há vergonha em usar as ferramentas que possui para chegar lá.
Eu nunca tive a intenção de entrar no ramo da moda e da modelagem,
mas esse mundo me encontrou, e parece que eu tenho um faro para isso, ou
algo do tipo. Então eu continuo contratando as pessoas certas para me
ajudar a ter uma boa aparência, e aqui estou eu.
Ela pausa o jogo e se vira para olhar para mim.
— Só vou fazer isso pelas girafas.
— Por que as girafas?
— Porque elas colocam seus pescoços para jogo.
Agora estou quase me engasgando com uma risada surpresa.
— Pior piada de tiozão, isso aí.
Ela abre outro sorriso, e meu pau nota e desperta. Digo a mim mesmo
para me acalmar, porque namorar sob os olhos da mídia já é difícil o
suficiente sem adicionar atração de verdade à mistura.
Além disso, sou um juiz relativamente ruim de quem me quer por mim
mesmo e quem quer só tirar vantagem.
Eu quero confiar nela – ela é bem sincera sobre o que quer, mas também
é filha de Hollywood. Sabe como esses jogos funcionam.
— Sério — pressiono. — Por que as girafas?
Aqueles grandes olhos castanhos me observam com cautela, e acho que
ela vai apenas ignorar a pergunta quando diz suavemente:
— Elas são esquisitas e desajeitadas, e mesmo assim bonitas do jeito que
são. É inspirador.
Não estou muito familiarizado com o ardor que comprime meus pulmões,
mas acho que pode ser meu coração amolecendo um pouco quando percebo
que ela só se vê como esquisita e desajeitada.
É.
Acho que estou caidinho, gostando disso ou não.
Ela balança a cabeça.
— De qualquer forma, eu quero um contrato.
— Com cláusula de confidencialidade — concordo, deixando pra lá.
Porque por mais que eu esteja começando a gostar dela, não sou o cara que
ela precisa para convencê-la de que ela é linda do jeito que é.
Eu trago toda essa bagagem da qual ela trabalhou tão duro para se livrar,
e se há uma coisa que eu aprendi nos últimos quinze anos é que se algo
parece bom demais para ser verdade, provavelmente é.
— Achei que confidencialidade já estava implícita — diz ela.
— Vamos ter que sair em público algumas vezes, e a minha equipe já está
trabalhando para encontrar qualquer evento público de caridade que me
garanta boa publicidade. Se acontecer nas próximas duas semanas, eles vão
querer que você vá. Se eles não encontrarem nada, conhecendo a Charlie,
ela vai arrumar alguma coisa.
Ela me dá um olhar ilegível.
— Legal. Culpe a sua equipe.
— Culpar? Que nada, estou dando crédito para eles. É uma ótima ideia.
— É uma péssima ideia.
Eu seguro suas bochechas em minhas mãos, porque ela está ali tão perto,
e sua pele é tão macia e suave, e se nós vamos fazer isso, vamos ter que nos
tocar.
Seus olhos se arregalam e se conectam aos meus, e eu espero mesmo que
ela não esteja carregando aquele taser neste momento, porque eu não posso
proteger as joias da família deste ângulo.
— Confia em mim? — digo, baixinho.
— Você é a razão de a gente estar nessa bagunça.
Estou sorrindo de novo, porque não há muitas pessoas no mundo além da
minha família, meus amigos de toda a vida e minha assistente que apontam
os meus erros na minha cara, e eu gosto que Sarah não tenha medo de fazer
isso.
— Está longe de ser a pior bagunça que eu já causei.
Uma sobrancelha se levanta.
— Pergunta para o Levi um dia desses sobre o elefante em Delhi.
— Você sabe que os elefantes também estão em perigo?
— Sim, é por isso que salvamos a vida dele. Custou muita coisa para
encobrir tudo e dar ao elefante um novo lar, mas agora ele é um cara muito
feliz em um santuário de animais.
Seus olhos se arregalam.
— Você salvou um elefante?
Eu poderia mostrar fotos, mas parece um exagero.
— O ponto é, a gente vai conseguir, tá? E se a sua vida não voltar ao
normal em seis meses, eu entro no Twitter e começo uma guerra com
Chrissy Teigen só para distrair todo mundo. Pode apostar.
— Você salvou um elefante.
Merda. Ela está olhando para mim como se eu fosse algum tipo de herói.
Tiro minhas mãos de seu rosto e me levanto, movendo o banco de volta
contra a parede. Eu o coloquei aqui ontem para que Tucker pudesse
alcançar os controles.
— Só uma vez. E quase joguei a banda inteira numa prisão indiana por
isso. Como quando fui pego mijando atrás de um bar em Berlim. Mas em
minha defesa, eu não podia nem entrar no banheiro masculino sem pedirem
o meu autógrafo. Eu só queria dar uma mijada em particular.
— Obrigada.
Dou de ombros, modesto, e intencionalmente a interpreto mal.
— Sempre feliz em dar um bom exemplo quando se trata de mijar. Nem
sempre sou um idiota. Quer pizza?
Ela me estuda por um segundo, então um pequeno sorriso brota em seus
lábios.
— Cuidado, ou você não vai caber nas suas cuecas apertadas na próxima
semana.
— É por isso que estou expandindo meus negócios para agasalhos.
Ela sorri, e mais uma vez, eu sorrio de volta.
Não posso evitar.
Sorrisos são contagiosos.
Ainda mais quando eu tenho que lutar tanto para ganhá-los.
15

Como esperado, segunda-feira é um desastre no trabalho.


Em uma segunda-feira normal, todo mundo está mal-humorado e meio
lerdo, e todos se juntam para conversar com seus amigos regulares de
fofocas na segunda-feira de manhã sobre o fim de semana, sobre os
Fireballs – ou Thrusters no inverno –, sobre algum programa ou o que quer
que esteja na Netflix ou nas atividades dos filhos de alguém.
Nesta segunda-feira, todos os meus vinte e sete colegas de trabalho
param na minha mesa em nossa pequena empresa de engenharia ambiental
para me perguntar sobre Beck Ryder ou sobre meus pais, porque, sim, o
mundo inteiro sabe agora que eu nasci Serendipity Astrid Darling, filha
geek de um dos casais mais famosos e antigos de Hollywood.
Tudo porque eu não editei a parte do vídeo em que mostrei minha pinta
ao Beck. E um paparazzi viu meus pais comendo aqui na cidade ontem à
noite.
E isso tudo antes de Beck enviar um buquê gigante de flores-de-cone
púrpuras e margaridas amarelas, que chega na hora do almoço.
Flor-de-cone púrpura e margarida amarela.
As favoritas das abelhas.
E aqui estou eu, tentando sufocar o rio que ameaça vazar pelos meus
olhos, porque eu não esperava esse nível de consideração, e também não
quero acreditar que foi pensado pelo Beck, porque é perigoso.
E não ajuda nada a fazer meu trabalho hoje.
Além disso, ele não deve ser tão bom na cama quanto Trent era.
Ah.
Fico imaginando se o Trent viu as notícias.
Sarah, querida, não me importo com quem são os seus pais. Eles criaram
você, isso é bom o suficiente para mim. Eu só quero conhecê-los.
Ele pediu para conhecer meus pais, e eu o larguei no dia seguinte.
E me senti péssima por isso.
Me senti mesmo.
Mas só fomos para o apartamento dele depois que ele me viciou em seu
pau mágico, e não abrimos sua conta do iTunes para assistir a filmes juntos
até um mês depois, mas ele literalmente não tinha nenhum filme salvo lá
que meu pai não tenha participado.
Você gosta do Judson Clarke? O cara é uma lenda do caralho.
O sexo não ficou tão bom depois desse momento.
Para mim, de qualquer maneira.
O que foi uma pena, porque ele era supertalentoso.
No meio da tarde, estou prestes a encerrar o dia de trabalho. Não estou
conseguindo fazer nada, e até mesmo meus clientes só querem falar sobre
Beck e o tuíte que já se espalhou pelo mundo, querendo saber se eu o
perdoei de verdade ou se ele está me pagando.
As pessoas são implacáveis.
Ah, querida, tire o dia de folga, minha mãe disse ontem à noite quando
passei pelo hotel deles a caminho de casa, para me desculpar por tê-los
abandonado e agradecê-los por estarem aqui e explicar a situação. Porque
meus pais são da realeza de Hollywood há tempo demais para acreditarem
que meu futuro romance com Beck Ryder é algo mais do que um golpe
publicitário.
Você não assinou nada sem o meu advogado olhar, não é? meu pai disse.
Tá bom, rosnou. Ele está mesmo praticando para qualquer que seja seu
futuro papel. E a sua mãe está certa, tire o dia de folga. Você tem um fundo
fiduciário por esse motivo.
Mas eu não queria tirar o dia de folga.
Eu queria o meu normal.
Sair em público e fazer minha rotina normal é uma boa maneira de
praticar para sair em público com Beck hoje à noite no nosso primeiro
encontro falso oficial.
Porque não posso parar o circo todo.
O que posso fazer é aceitar que tenho que me ajustar a esse novo normal,
aproveitar ao máximo e confiar que realmente vai acabar em um mês ou
seis.
O dia parece durar anos, mas o fim do dia finalmente chega, e eu saio do
prédio com a cabeça baixa, porque não sei quem está olhando.
Mackenzie me encontra na minha casa. Ela está com um capuz sobre o
cabelo loiro, óculos escuros que quase engolem seu rosto, e um lenço
enrolado na boca e no nariz. Sim, tudo isso em torno do capuz. Ela é hilária.
— Sério? — digo quando abro a porta para ela.
Ela tira as luvas assim que entramos, então arranca a calça de abotoar,
tira o cachecol e o moletom. Seu cabelo fino está em pé como se ela
estivesse tocando uma bola de eletricidade estática, pelo menos eu sei que o
clima não estará insuportavelmente úmido hoje à noite.
— No momento não tenho certeza do nível de atenção que quero só por
ser a sua melhor amiga, mas queria te apoiar antes do seu encontro.
— Eles vão pesquisar a placa do seu carro e, mesmo que não façam isso,
você dirige o carro dos Fireballs.
Nós duas olhamos para o carro Smart dela, pintado com as cores do time
Fireballs com o mascote no capô.
— Merda — murmura ela.
— Mas eles podem pensar que você ficou toda queimada em um acidente
horrível e teve que fazer um transplante de rosto — diz minha mãe,
enquanto sai da cozinha para dar beijos na bochecha de Mackenzie. —
Sempre me disfarço quando quero que pensem que eu fiz algum
procedimento. Aumenta o seu ego descobrir que eles acham que você está
menos flácida e enrugada quando tudo o que fez foi comer melhor e se
hidratar sempre. Agora, venha, venha. Temos canapés na cozinha e preciso
da sua ajuda para convencer a Serendipity a usar essa roupa linda que
escolhi para ela hoje.
— Acho que a Sarah é fofa do jeito que é — diz Mackenzie.
— Ela é sem dúvida adorável — concorda minha mãe com um sorriso
para mim. — Mas os paparazzi são implacáveis e não apreciam a moda
criativa. Precisamos definir o tom se esse relacionamento tiver alguma
chance de sobreviver.
— Somos só amigos — lembro a minha mãe, porque esse foi o roteiro de
hoje. Somos só amigos. E eu posso não ser feita para Hollywood, mas sei
como interpretar uma fala.
Eu sou a filha de Sunny Darling. E apesar de ter que lutar por papéis
agora, ela ganhou muito mais prêmios do que o papai.
Mamãe sorri.
— Mm-hum.
Eu reviro os olhos.
— Vou a um jogo de beisebol, então vou vestir uma camisa geek. É para
dar sorte.
— A Sarah dá muita sorte quando usa uma camisa geek — concorda
Mackenzie.
Mamãe suspira.
— Pelo menos, me deixa fazer algo com seu cabelo e maquiagem.
Combinamos um rabo de cavalo e brilho labial, mas não tenho ideia de
porque um rabo de cavalo precisa de spray de cabelo. Então, eu a distraio
com a sugestão de que ela faça o cabelo e a maquiagem de Mackenzie.
Não contei à minha melhor amiga todos os detalhes do que está por vir
com Beck, porque assinei um contrato prometendo que não faria isso, mas
ainda me faz sentir péssima por mentir para ela de novo. Espero que ela não
suspeite.
Meus pais sabem. Seu advogado fez as negociações finais com o
advogado dele, com a contribuição dos meus pais.
É melhor ter a mamãe e o papai envolvidos.
Os dois já passaram por todas essas coisas e viram tudo o que há para ver
em Hollywood. Eles foram a cortina de fumaça atrás da qual eu desapareci
quando fui para o Marrocos depois da formatura do ensino médio, e embora
mamãe insista em me chamar de Serendipity, eles me ajudaram a
legalmente mudar meu nome para escapar da sombra de seus holofotes.
Beck chega em um Tesla Roadster vermelho uma hora antes do jogo.
— Carro meio afeminado — murmura meu pai enquanto espia pelas
persianas.
— É tão sexy — Mackenzie sussurra para mim. — Você pode ser amiga
dele por tempo suficiente para eu pegar uma carona?
— Claro.
Eu sou contratualmente obrigada a ser amiga dele pelas próximas duas
semanas de qualquer maneira.
— Vocês dois são tão fofos juntos — acrescenta ela. — Mas se ele sequer
insinuar que o seu valor está diretamente ligado ao seu útero de novo, acabe
com a carreira de modelo de roupas íntimas dele, de todas as formas
possíveis.
Ela faz uma pausa, então abaixa a voz ainda mais.
— Tipo, cortando as bolas dele.
— Já entendi essa parte — eu asseguro a ela.
— Eu te treinei para arrancar aquelas bolas com as próprias mãos —
rosna meu pai da minha poltrona.
— Ai, meu Deus. — Mackenzie suspira.
— Pai, para de assustar os meus amigos. Você pode praticar as suas falas
amanhã.
— Não haverá um amanhã se não entrarmos todos no jogo.
Mackenzie passa de horrorizada a resignada num piscar de olhos.
— Ele está praticando para um filme sobre os Fireballs, não está? —
pergunta ela.
Beck bate antes que eu tenha que responder, e eu me apresso para
alcançar a porta primeiro.
Meu pai faz um daqueles movimentos que ele aprendeu em um filme de
kung fu dez anos atrás, e eu acabo caindo para trás sobre o braço da cadeira
de balanço, quase esmagando Meda, que está acampada no braço desde que
Cupcake finalmente desmaiou na cozinha gelada com ar-condicionado.
Minhas pernas se agitam, e eu estico os braços para me segurar quando
começo a escorregar de lado para fora da cadeira, com a bunda no ar.
Papai abre a porta.
— Senha — rosna ele.
— Sua filha é um gênio bondoso que merece mais do que um idiota
como eu — adivinha Beck.
Mackenzie ri.
— Nossa, ele é encantador. — Minha mãe suspira.
Eu giro no chão a tempo de ver Beck piscando para minha mãe.
Ela se abana.
Papai cruza os braços sobre o peito.
— Pare de flertar com a minha esposa.
— Desculpe, senhor. Reação natural à beleza.
Eu me levanto bem a tempo de Cupcake entrar correndo na sala.
Meda rosna e corre para as escadas, para o meu quarto. Eu mergulho para
pegar a porquinha antes que ela possa segui-la.
— Não, Cupcake! Nada de escadas! Mãe! Onde está a coleira dela?
— Você não pode impedir o amor verdadeiro, Serendipity.
— Você não pode obrigar a minha gata a amar a sua porquinha.
Estou lutando com uma porca no chão, vestindo a minha melhor camiseta
geek, tentando salvar minha gata, que me ama mais quando lhe dou frango
ou quando ela me entrega algum bicho morto ou como ontem, quando eu a
resgatei da porca e a deixei passar a tarde com os bonecos bobbleheads da
Mackenzie.
— Sua gata estava amassando a barriga da minha porquinha cinco
minutos antes de você entrar pela porta — mamãe me diz. — Ela está
enganando você.
— Então… carne de porco desfiada para o jantar. Boa ou má ideia? —
pergunta Beck.
Mamãe suspira.
— Péssima ideia. Já entendi. E os hambúrgueres, Sarah? Vamos comprar
no parque. Aqui. Deixa eu pegar a porca para você. — Beck levanta
Cupcake, que se debate, mas apesar de um ou dois grunhidos dele enquanto
tenta segurar a porca, ele a segura firme e ela para de gritar. — Ah, olha só
essa porquinha boazinha. Você quer que o seu pai te leve para passear, não
é?
Eu pego a coleira de Cupcake do cabide atrás da porta e coloco nela antes
que Beck perca o controle. Uma vez que ela está amarrada e no chão, eu
entrego o cordão incisivamente para meu pai.
— Finja que está fazendo um teste para o papel de agricultor e distraia
todos os paparazzi.
— Eu como agricultores no café da manhã.
— Ok, Bat-Pai. Finja que você está fazendo um teste para um papel de
guarda-costas da porquinha que vai salvar o mundo. O destino da
humanidade está em suas mãos.
— Este jogo era mais divertido antes de você ter idade suficiente para
namorar. — Ele ainda está rosnando com sua voz de caubói durão, mas há
um brilho em seus olhos escuros quando ele pega a coleira.
Beck passa o braço em volta do meu ombro, o que causa um arrepio
delicioso pela minha espinha, o qual ignoro.
— Está pronta para dar boa sorte para os Fireballs? — pergunta ele.
— A sorte não tem estado do meu lado ultimamente — aponto, irônica.
— Então, você deve dar sorte hoje. — Ele me puxa em direção à porta e
dá um tapinha no ombro do meu pai quando passamos. — Não a espere
acordado.
Papai faz um barulho entre um silvo e um rosnado, e Beck praticamente
me puxa pela varanda coberta em direção ao carro.
Tento ignorar os quatro carros estranhos estacionados à sombra dos
carvalhos ao longo da rua, porque sei que há fotógrafos lá dentro esperando
para conseguir uma foto, e também sei que eles não podem me machucar
com os três sedãs pretos lotados de guarda-costas também na rua, mas meu
pulso ainda está perto de um ataque de pânico quando Beck abre a porta do
passageiro para mim. Uma vez que estou lá dentro, tendo chegado em
segurança sem tropeçar, minhas roupas não sendo sugadas do nada por um
vento não natural, ou um pássaro fazendo cocô em mim, eu respiro fundo.
Só andamos até o carro.
Eles não podem inventar nada só com uma caminhada até o carro. E
mesmo que façam isso, eu sei a verdade, e eles não podem me machucar.
Beck sobe no banco do motorista e liga o motor silencioso.
E aqui estamos.
Em um encontro que não é um encontro de verdade.
Sozinhos.
Sem nenhum amortecedor no carro para distrair o fato de que
basicamente não temos nada em comum, exceto que nós dois conhecemos
sua irmã, conhecemos pessoas famosas, e que ele praticamente virou meu
mundo do avesso com um tuíte mal direcionado.
Ele liga o rádio.
Os sons suaves de Queridinho da América, a música da Bro Code que
lançou a banda, enche o interior.
Sim, sim, tudo bem.
Eu conheço as músicas da Bro Code.
Mas só algumas, e apenas porque minha primeira colega de quarto da
faculdade era apaixonada por eles, e também porque todas as estações de
rádio em Copper Valley ainda tocam o tempo todo.
— Opa — diz ele, com um sorriso que diz que isso não foi opa de
verdade. Ele aperta um botão, e a música muda para uma música pop que
não reconheço. — Melhor.
— Revivendo os dias de glória? — pergunto.
Seu sorriso fica mais largo.
— Eu levei o Tucker para dar uma volta mais cedo. Apresentei os
clássicos para ele. Como foi no trabalho?
— Como foi no trabalho? — repito, porque é uma pergunta tão normal e
mundana enquanto estou sentada em um carro que deve valer mais do que a
minha casa, com um ex-galã de boy band que faz muito dinheiro apenas
colocando seu nome nas roupas de baixo de outras pessoas.
Como a que estou usando hoje, de novo.
Sério, ele entrar no ramo de roupas íntimas femininas foi brilhante.
Droga. Isso saiu errado.
Digo, é uma calcinha muito confortável.
— Meus pais dirigem uma empresa de engenharia ambiental — me
lembra ele enquanto saímos do bairro, seus dedos tamborilando no volante
branco, completamente alheio ao fato de que estou ruminando sobre roupas
íntimas. — Eu sei uma coisa ou duas sobre banheiros que economizam
água, painéis solares e energia eólica.
— O… quê?
— Energia gerada pela velocidade do vento. Termo técnico — diz. —
Você não aprendeu na escola?
— Isso não existe.
Ele sorri adoravelmente.
— Você é fisicamente incapaz de falar sério, não é? — pergunto.
— Todo mundo adora o palhaço da turma.
— Menos o professor.
— Você é professora?
— De jeito nenhum. Odeio pessoas. Eu só gosto de informação.
Ele para em um sinal e olha para mim.
— Eu também odeio pessoas. Elas são tão humanas. Todos aqueles
braços, pernas e narizes… Os narizes com certeza são os piores.
Mais uma vez, ele conseguiu arrancar uma risada surpresa minha.
— Pessoas são incríveis — ele me informa. — Elas são complicadas.
Todo mundo tem alguma coisa com que se preocupa e alguém que ama.
Todo mundo já passou por algum tipo de tragédia. Mas ainda vão para os
jogos de beisebol e sorriem ou vão para o teatro e choram. O mundo está
cheio de pessoas boas fazendo o seu melhor, e todos nós fodemos tudo de
vez em quando, mas ninguém é completamente mau.
Na verdade, não odeio pessoas, mas prefiro ter alguns poucos amigos
próximos a deixar o mundo inteiro saber sobre as minhas coisas. Também…
— Ninguém?
— Tá bom, os fotógrafos que se esgueiram pelos arbustos das pessoas e a
escória que engana as pessoas on-line são maus e sem qualidades
redentoras. E não me venha com haters que chamam as pessoas de gordas e
mandam fotos de pau. Todos eles devem ter herpes anal e suas mães os
chamam de feios, então é isso.
— Você é a razão que fez a Bro Code terminar, não é? Os outros caras
não aguentavam mais.
— É — responde ele, com outro sorriso totalmente sem vergonha e nem
um pouco insultado. — Mas foi só porque eles sabiam que nunca seriam tão
incríveis assim. Então, quantos habitats de sapos você salvou hoje?
Eu inclino a cabeça de lado para ele.
— Como você sabe sobre os sapos?
— No site dos moinhos de vento? A Ellie me contou.
— Ela também te disse de quais flores as abelhas gostam?
Ele sorri, mas a coisa mais estranha acontece: ele cora.
— Contou. Tudo o que aprendi sobre como tratar uma mulher inteligente
foi com a minha irmã.
Ele me disse muitas coisas nos últimos dois dias, mas essa é uma que eu
não acredito.
Nem um pouco.
Porque o rubor o está entregando.
Olho mais de perto para suas bochechas bronzeadas, para ter certeza de
que não é um truque da luz, e, ai, meu Deus.
Ele está corando mais forte agora.
Beck Ryder.
Corando.
Por causa de flores.
Um calor surge em minha barriga, e meu pulso aumenta novamente. Mas
pela primeira vez, não é porque estou aterrorizada.
Não.
É algo totalmente diferente que me recuso a pensar.
Porque esse relacionamento é falso. E temporário.
E só para o bem das girafas.
E é isso que vou continuar lembrando a mim mesma.
16

Chegamos ao Duggan Field alguns minutos antes do primeiro arremesso


e, com a ajuda da equipe, entramos de fininho pela entrada dos jogadores e
chegamos ao nosso camarote particular. Apenas algumas pessoas me
chamam de idiota ou perguntam a Sarah quanto estou pagando a ela ou que
ela deveria ter um gosto melhor e mais autorrespeito.
Os dois seguranças sérios de cada lado de nós ajudam.
Sarah também ajuda, fixando um sorriso brilhante em vez de responder a
qualquer pergunta, apesar do aperto forte que ela dá na minha mão.
Nós dois estamos de óculos escuros e bonés, e ela está tão tensa que eu
juro que seu cabelo e lóbulos das orelhas também estão rígidos quando
chegamos ao camarote particular que foi estupidamente fácil de reservar
para hoje à noite.
O apoio dos torcedores está diminuindo para o time da casa.
Os Fireballs estão em perigo.
— Onde ficam os assentos favoritos da Mackenzie? — pergunto
enquanto nos acomodamos nas almofadas envelhecidas na mesa estreita
com vista para o campo, onde Colorado está terminando o treino de
rebatidas.
Ela aponta para o campo esquerdo ao longo da terceira linha de base.
— Ela está apaixonada pelo Darren Greene.
Então, dois ingressos da temporada para Mackenzie na linha do campo à
esquerda. Na primeira vez que Sarah for ao banheiro, vou pedir esses
ingressos.
— E você? — pergunto a ela.
Ela franze a testa e passa os olhos devagar pelas arquibancadas. Estamos
entre a base e a terceira base, com uma visão clara do sol pairando sobre as
montanhas azuis nebulosas a oeste, atrás das arquibancadas, e uma visão
ainda melhor do campo interno e do banco de reservas dos Fireballs.
— Eu não acompanhava jogos de beisebol até conhecer a Mackenzie —
ela me diz. — Então, nunca parei para pensar nisso.
Eu coloco meu braço sobre as costas de seu assento e aponto para as
arquibancadas.
— Já se sentou lá?
— Uma vez. Os caras ao nosso redor ficaram comprando cervejas para
ela, e nós duas ficamos muito felizes quando o jogo finalmente acabou. A
Mackenzie pegou uma bola de home run.
— Ela conseguiu um autógrafo?
— Não, perdemos por quatorze a zero nesse jogo. Ela jogou de volta.
Depois de virar um copo de cerveja.
— Ah. Assentos que dão má sorte então.
— Com certeza — concorda ela com um sorriso. — Eles têm um recorde
de quatro a doze quando ela consegue assentos perto do campo esquerdo.
Em qualquer outro lugar é como um a seis. Mas nem de longe tão ruim
quanto o jogo da arquibancada.
— Mas você se divertiu?
Seu sorriso se torna melancólico.
— Sim. Acho que precisava de beisebol na minha vida. É uma coisa
normal, sabe?
— Você nunca foi ver os Dodgers ou os Angels jogarem quando era
criança?
Ela franze o nariz.
— Uma vez. Os Dodgers. Eu tinha oito anos. Nós três fomos, e foi
quando o papai estava fazendo a série Stone McFlint, e a mamãe teve dois
blockbusters consecutivos e mais indicações ao Emmy e ao Oscar do que
ela podia acompanhar, mal entramos no estádio com todos os paparazzi
querendo fotos e gritando perguntas, e isso com uma equipe grande de
segurança. Os dois lançaram o primeiro arremesso, depois foram
convidados para a cabine do locutor, e depois para o camarote do
proprietário, e depois para um onde havia alguns jogadores de basquete, e
toda vez que trocávamos, eles eram parados pelas pessoas querendo
autógrafos e fotos. Além disso, eles tiraram uma foto minha que parecia que
eu estava cutucando o nariz, e quando voltei para a escola algumas semanas
depois, todo mundo fez um grande estardalhaço por eu ser a Darling
Comedora de Meleca.
— Não foi um passeio tão bom em família, hein?
Ela levanta os ombros.
— Essa é a vida de uma criança de Hollywood.
Aponto para o campo central. Não gosto que as pessoas sejam idiotas, e
não quero ficar pensando sobre isso, ou deixá-la pensar sobre isso também.
— Meus lugares favoritos. Ali. Assim que tínhamos idade suficiente para
pegar os ônibus e os trens, antes da Bro Code, eu e os caras do meu bairro
pegávamos os assentos baratos e passávamos um tempo com os fanáticos
das arquibancadas algumas tardes todo verão. Levi ganhou cinquenta
dólares de um deles uma vez, apostando que o André Luzeman faria um
grand slam. E o Wyatt sempre inventava palavras diferentes para a gente
escrever no peito. Já fiquei queimado de sol uma vez, exceto onde estava o
B gigante. — Escrevi a letra sobre o meu peito e estômago. — A gente era
Bolas naquele dia.
— Mas é claro — diz ela com uma risada.
— Tentei fazer isso de novo depois que fizemos vinte e um anos. Todos
estavam pintados, reservei uma fileira inteira, arrastei os irmãos do Cash
com a gente, o Wyatt também, é claro, e todos nós estávamos com chapéus,
óculos escuros e barbas falsas. Colocamos as roupas mais esfarrapadas que
pudemos encontrar. Bem desleixados, sabe. Tudo para ficarmos
irreconhecíveis.
— Funcionou?
— Que nada. Primeiro, a gente se sentou na ordem errada, então éramos
os Birefalls, e depois porque parecíamos péssimos imitadores da banda ZZ
Top, as câmeras se aproximaram da gente. A gente havia tirado a sorte
grande com a banda no ano anterior. O Davis tinha acabado de fazer a sua
primeira tatuagem, que estava em todas as colunas de fofoca, então por
causa disso e do nariz do Cash, a gente nem passou pela primeira entrada
antes que os seguranças nos puxassem para fora de lá para nos afastar dos
fãs que estavam ficando um pouco agressivos.
Ela está pensativa novamente.
— Você escolheu isso.
— Pois é. E nos divertimos bastante. Ainda nos divertimos. Falamos às
vezes em comprar uma seção inteira da arquibancada só para tentar de
novo, mas não é a mesma coisa, ficar sozinho, só a gente. Eu gosto de
descobrir que o cara sentado na minha frente coleciona bolas autografadas e
sabe as estatísticas de cada jogador de cor. Ou que a vovó, duas fileiras
atrás, está no seu primeiro jogo para dar ao primeiro neto o presente de
aniversário da vida dele. O realismo da coisa toda. Pessoas sendo pessoas.
— Você gosta mesmo de pessoas.
— As pessoas são incríveis pra caramba. — E são mesmo. Nem sempre
confio nelas hoje em dia, mas se eu não fosse famoso, nem pensaria duas
vezes.
— O que você seria se a Bro Code tivesse sido um fracasso total?
Abro a boca, mas as palavras não saem direito.
Porque já pensei sobre isso. Várias vezes, na verdade. E, recentemente, o
acidente da Ellie colocou algumas coisas em perspectiva.
Mas eu nunca disse isso em voz alta.
Um sorriso curioso provoca seus lábios.
— O quê? — ela pergunta novamente.
— É ridículo — digo a ela. — Eu provavelmente teria acabado
trabalhando na empresa dos meus pais.
— Isso é ridículo?
— Não. Tipo, trabalhar para os meus pais não seria ridículo. Eles são
estrelas do rock. Não como as estrelas do rock de verdade, não como o
Levi, mas, sabe, são estrelas do rock porque estão salvando o mundo.
— Então, o que é ridículo?
Merda, está ficando quente aqui. Olho de volta para os dois guarda-
costas, que fingem que não estão ouvindo.
— Você está corando de novo? — sussurra Sarah.
Eu esfrego a mão no meu rosto como se pudesse tirar o rosa das minhas
bochechas.
— Eu queria ser médico.
— Por que isso é ridículo?
— Tem que ser inteligente para ser médico.
— Ser um pouco ignorante nas redes sociais não é o mesmo que não ser
inteligente.
— Eu era um estudante B, na melhor das hipóteses.
— E agora você já viu o planeta inteiro e construiu um império de
bilhões de dólares.
— Construir um império da moda não é como uma cirurgia no cérebro.
— E nem mesmo foi minha ideia. Quando o Giovanni da Giovanni &
Valentino decidiu quis sair, o império desmoronou, minha cláusula de não
concorrência evaporou, e a Charlie sugeriu que eu assinasse com um
designer em ascensão que precisava de algum crédito na passarela.
Coloquei o meu nome numa roupa de dormir e a coisa decolou a partir daí.
Não estou dizendo que eu não tinha olho para o que um cara comum
desejava em roupas casuais, sapatos e bermudas, e que eu não insistia em
colocar meu nome só em roupas que fossem realmente confortáveis de usar,
é só que essa carreira me encontrou mais do que eu a encontrei. E eu faço
um trabalho melhor contratando as pessoas certas e dando sorrisos bonitos
para as câmeras com as roupas que eu gosto do que como um magnata da
moda.
— Você queria ser um cirurgião? — pergunta Sarah.
— Não, um pediatra. Combina mais comigo, em termos de maturidade.
Ela não ri.
— Você não pode ser modelo de roupas íntimas para sempre.
— O quê? Claro que posso. Já tenho tudo planejado. Cueca até os
sessenta anos, depois lanço as fraldas geriátricas super sexy.
— Você ainda pode fazer isso.
— Fazer as fraldas geriátricas parecerem sexy?
— Não. Se tornar um médico.
— Haha, claro.
O dr. Ryder? Sem chance. Mesmo se eu me matriculasse na faculdade
hoje, estaria na casa dos quarenta antes de terminar a faculdade de
Medicina, e quem quer um médico novato e que aparece seminu em todos
os outdoors da cidade?
— Ah, ei… olha.
Aponto para a tela do placar sobre o campo direito.
Sarah olha rápido e depois se vira para olhar direito.
— Aquilo é… você fez… — Ela vira a cabeça, olhando para as
arquibancadas meio vazias, mas que estão se enchendo aos poucos. — Você
colocou a Perséfone no telão.
— Quem eu? De jeito nenhum. — Claro que sim. — Ela é famosa agora.
Você a tornou famosa. Aposto que estão mostrando essa girafa por todo o
país.
Você consegue, Perséfone! pisca na parte inferior da tela sob a
transmissão ao vivo da girafa balançando o rabo e andando de um lado para
o outro em seu habitat no zoológico. As palavras de encorajamento são
seguidas imediatamente por Salve as girafas e um site de preservação
animal.
Sarah pisca rápido. Ela está ficando com as bochechas coradas de novo, e
seu queixo treme. Mas ela ainda se vira em seu assento para me encarar.
E então me pega completamente de surpresa quando segura minhas
bochechas e pressiona um beijo direto nos meus lábios.
Meu corpo acende como um fósforo no deserto, acendendo para a vida
sob seu toque. E sei que preciso deixá-la ir, não posso levar isso adiante.
Não é inteligente ou mesmo sábio, pois ela deve estar carregando aquele
taser, mas não posso evitar.
Seus lábios são tão macios, seus dedos roçando as minhas orelhas, sua
respiração doce, seu aperto firme, e eu não beijo uma mulher há meses.
Não assim.
E não sei por que é diferente. Ou talvez eu saiba, mas gosto de estar em
negação.
Eu inclino os lábios para capturar os dela, um braço apertando ao redor
de seu corpo, a outra mão descansando em sua coxa, e…
E nada.
Ela salta para trás como se eu tivesse batido nela com um ferro em brasa.
— Obrigada — gagueja. — Pela… pela Perséfone. E as girafas. Você já
lançou o primeiro arremesso em um jogo? Os meus pais já fizeram, naquela
vez que fomos. Meu pai fez a minha mãe ir primeiro para que ele pudesse
tentar seu próprio arremesso se ela não chegasse perto do home plate.
Eu deslizo para trás em minha cadeira, me sentindo um idiota.
Claro que ela não queria me beijar.
Eu virei a vida dela de cabeça para baixo. Revelei sua identidade. E estou
sugando-a de volta para os holofotes para limpar meu nome.
Ela não está nisso por nada além das girafas.
E eu tenho que ficar aqui, fingindo que estou totalmente a fim dela
durante todo o jogo, porque é uma oportunidade de fotos para os tabloides.
Onde ela nem quer aparecer.
E, na verdade, nem tudo fingimento.
Não para mim. Estou sentindo coisas.
Só não sei se posso confiar nesses sentimentos.
— Sim — digo. Ela está se esquivando, meio sem graça com a situação.
Eu queria insistir nisso, mas sei que é melhor não. — Já dei o primeiro
arremesso algumas vezes.
Eu facilmente começo a minha história favorita do primeiro arremesso –
aquela sobre eu ter perdido o home plate e ser o dragão mascote dos
Fireballs – e ponho minha cabeça de volta no jogo.
Se trata de salvar minha reputação, minha fundação e meu negócio.
Não se trata de ficar de verdade com a mulher por quem eu deveria estar
apenas fingindo me apaixonar.
Não importa o quanto eu esteja gostando dela cada vez mais.
17

É só para a mídia.
Esse encontro no jogo é só para a mídia.
Beck Ryder não me beijou porque gosta de mim. Ele pensou que eu
estava interpretando o papel, e eu hesitei, o que deve ter arruinado a cena
que ele queria, mas eu não sou atriz.
Sou apenas eu mesma.
— Você gosta de funnel cake? — pergunto, quando um silêncio
constrangedor cai entre nós. Se eu aprendi alguma coisa sobre Beck nos
últimos dois dias, é que ele sempre está morrendo de fome.
— Ah, gosto pra caramba — responde ele, um sorriso de menino tirando
dez anos de seu rosto.
Não que ele pareça velho. Ele tem… o quê? Trinta e dois? Trinta e três?
Com certeza velho o suficiente para não ficar excitado como um
cachorrinho com funnel cake, mas ainda assim, aqui estamos nós.
Com ele quase abanando o rabo com a ideia de comer massa frita e
açúcar.
Ele é fofo. E com aqueles olhos tão sensuais… é uma combinação letal.
Beck se vira para os guarda-costas.
— Não vendem funnel cake no estádio, sr. Ryder — diz o primeiro.
— Mas dá para comprar um cachorro-quente muito bom — o segundo
oferece. — Ou hambúrguer e pretzels.
Ele franze o nariz.
— Não é a mesma coisa. Você quer funnel cake, Sarah?
— Eu posso me contentar com um pretzel.
— Mas você quer funnel cake?
Vinte minutos depois, o segurança do estádio entrega uma caixa de
comida.
E quando digo caixa, não me refiro a uma pequena caixa do tamanho da
embalagem de frango assado.
Quero dizer uma caixa enorme. Uma daquelas que comportam vinte
resmas de papel e parece que tem óleo suficiente para lambuzar um porco.
— Ah, aí sim, é disso que eu estou falando — diz Beck.
Ele começa a retirar embalagens e sacolas, e o cheiro de fritura enche o
ar.
Há frango frito. Batata frita. Funnel cake. Quiabo frito. Torta de pêssego.
— Com fome assim? — pergunto.
— Faminto — responde ele. — Você quer uma asinha? Coxa? Tem
funnel cake. As câmeras estão assistindo.
As câmeras.
As mesmas câmeras que estavam observando na noite em que dei meu
primeiro beijo, que foi transmitido em todos os jornais de fofoca quando
ficou um pouco estranho. Eu tinha um fio de saliva pendurado entre meu
queixo e minha boca porque pensei que ele estava vindo me beijar e ele
pensou que estávamos nos abraçando, então eu decidi ir com tudo. Minha
turma se divertiu por semanas, inventando todo tipo de apelido com baba.
Solto um suspiro lento e me lembro de que não tenho mais catorze anos,
e estou no controle desta história, enquanto Beck levanta a tampa do funnel
cake, o segura perto do rosto e respira fundo.
— Paraíso.
— Você gosta mesmo de comer.
Ele cheira a caixa de novo, o nariz enfiado na massa frita, e não sei o que
dá em mim, mas eu bato no fundo da caixa, e Beck recua com açúcar no
nariz, seu olhar surpreso dando lugar a um sorriso muito, muito maligno.
— Então, é assim que vai ser — diz ele.
— Eu não sei do que você está falando — respondo, mas estou lutando
contra meus músculos faciais para não sorrir de volta, porque mesmo que
essa foto vá parar em todos os tabloides, não serei eu aquela com cara de
boba. Ele não só tem açúcar no nariz, mas suas bochechas também estão
sujas, e sua barba por fazer e uma das sobrancelhas parecem que acabaram
de sobreviver a um ataque.
E ele está sorrindo.
Ele está com um sorriso enorme, tão desinibido, com aqueles olhos
dançando com alegria total, que eu corro o risco de pular no trem da alegria
com ele.
— Você sabe quanto tempo leva para tirar o açúcar do cabelo? —
pergunta ele enquanto passa o dedo por cima do funnel cake.
Estou me pressionando o máximo que posso no meu assento, sabendo o
que está por vir e incapaz de parar de sorrir para ele.
— Isso pressupõe que eu me importo o suficiente para lavar meu cabelo
com regularidade. Pergunte para a minha mãe, ela vai te dizer. Lavo uma
vez por mês.
— Venha aqui, Sarah. A gente precisa estar de maquiagem combinando.
— Ah, não. Não até que você esteja vestindo molho ranch também.
Ainda estou usando molho de pimenta que derramei na semana passada
durante o jogo. Quer ver? — Aponto cegamente para minha camisa cinza,
enquanto ele se aproxima, me ameaçando com um dedo açucarado.
— Parece limpa como uma flor cheia de pólen na primavera — responde
ele.
— Você nem olhou.
Ele aponta para minha bochecha, eu grito e puxo seu boné para baixo.
Ele bate o cotovelo na mesa quando tenta endireitar o boné, e a comida
desliza precariamente para a borda.
Eu me atiro para cima dele, e ele pensa que estou começando uma guerra
de comida, e acabamos em um emaranhado de braços e pernas com funnel
cake no colo de Beck e uma asa de frango dentro da minha camiseta.
— Ai, meu Deus, tira isso, tira isso daqui.
Estou gritando e rindo, enquanto me inclino o máximo que posso no meu
assento para tirá-la de dentro da blusa sem mostrar nenhuma pele.
— Quer ajuda? — pergunta ele, inclinando a cabeça para olhar meus
seios, que estão esmagados contra minha perna. — Eu posso ser um total
cavalheiro e ajudar.
— Nos seus sonhos, Ryder.
— Você sabe que este funnel cake é todo meu agora. É uma regra. Se
você pegar, você pode… humm. O que rima com pegar?
— Agregar? — Sugiro quando finalmente pego o frango frito e o puxo de
dentro da minha blusa. — Ficar? Agarrar?
— Sim. Se você pegar, você pode agregar.
Meus olhos se arregalam.
— Eu não acho que isso seja mais sobre funnel cake.
Ele me dá o famoso olhar quente de Beck Ryder, e meu corpo acorda
para a vida. Você pode me agarrar.
— Você vai comer essa asa? — pergunta ele. — As asas são as minhas
favoritas.
Eu me acomodo no meu lugar e entrego a ele.
— Achei que o quiabo era o seu favorito, como na música.
— É o favorito para cantar.
Começo a rir de novo, porque… o quê?
— Estou começando a entender por que a Ellie não fala sobre você.
— Excesso de fabulosidade. Ela nunca foi capaz de lidar com isso.
— Uh-hum.
— Está bem, está bem. É porque eu a fiz assinar um contrato para não
falar nada. Sou uma diva terrível e não quero que ninguém saiba.
— Você é um bobão.
Seu rosto se abre em um sorriso, e, meu Deus, ele é lindo.
— É o que ela diz também.
Pela primeira vez, eu acredito nele. Ele bufa em uma risada curta
enquanto pega um grande pedaço de funnel cake do pacote em seu colo.
— Ei, tem um jogo acontecendo.
Olho para o campo. O placar diz que estamos lutando em um jogo muito
disputado no terceiro turno. Mackenzie deve estar na beira do sofá, roendo
as unhas.
Ela fica tão tensa nesses jogos quase empatados.
— Você vai jogar mais comida em mim se eu olhar se a Mackenzie está
me mandando mensagens dizendo para ir para o banheiro? — pergunto.
Ele dá outro olhar pelo meu corpo, e um rubor quente segue em todos os
lugares que seu olhar toca.
— Talvez.
— Eu sei como transportar abelhas e esconder uma colmeia na sua cama.
Sua risada é profunda e longa, e embora eu saiba que precise parecer que
estamos nos dando bem para as câmeras – e, sim, contei pelo menos sete,
todas apontadas em nossa direção – parece muito, muito real vê-lo rindo de
uma das minhas piadas.
— Você não tem permissão para passar um tempo com o Wyatt. Nunca
— ele me informa.
— Pena que você vai embora da cidade e ele está se mudando para a casa
ao lado da minha. Parece que você está ferrado.
Ele sorri novamente.
Diga o que quiser sobre o homem, mas não dá para negar que ele é um
cara feliz.
Engraçado, até.
Fugi dos holofotes para encontrar minha felicidade.
E aqui está ele, se deliciando com isso. Feliz com tudo isso. Mesmo
depois de ter todo tipo de coisas desagradáveis ditas sobre ele nos últimos
três dias.
Em um mundo que gira em torno da boa aparência, ele se encaixa bem.
Não poderíamos ser mais opostos se tentássemos.
Mas isso não significa que eu não corro o risco de me render aos seus
encantos.
Então, é hora lembrar a mim mesma quem são meus pais. Encontrar
dentro de mim um pouco dessa pessoa para mostrar ao mundo. E segurar
meu coração com força, porque não vou deixar esse mundo me quebrar
novamente.
Não importa o quão incrível seja saber que sou uma parte pequena e
direta do motivo pelo qual os Fireballs estão, mais uma vez, mostrando a
milhares de pessoas como a Perséfone está indo no zoológico.
É por isso que estou fazendo todas essas coisas.
Para salvar as girafas.
18

Ficamos no camarote após o jogo terminar para esperar as arquibancadas


esvaziarem. Deveríamos ter saído antes da sétima entrada, mas o jogo
estava perto do fim, e Sarah estava realmente interessada quando nós dois
conseguimos nos limpar e a defesa do Fireballs se intensificou.
Adicione um home run de duas corridas do meu amigo Cooper Rock, e
parecia que íamos ganhar.
— A gente deveria ter saído uma hora atrás — diz ela, franzindo a testa.
— Você estava se divertindo.
Ela vira aqueles olhos escuros para mim, e eles não estão cheios de
alegria como estavam quando ela enfiou meu rosto no funnel cake – os
caras vão amá-la –, mas também não estão irritados.
Apenas pensativos.
— Rendeu as melhores fotos, eu acho — diz ela.
Dou de ombros.
— Talvez.
O plano é que eu a leve para casa, e depois seguimos caminhos separados
por dois dias.
Vamos deixar as fotos de hoje à noite vazarem, vamos deixar o suspense
crescer, nós dois responderemos que somos só amigos por acaso, os pais
dela vão emitir declarações de suas agências de publicidade pedindo
privacidade. Aí nos reuniremos novamente na quinta-feira para jantar em
um clube de comédia no distrito dos armazéns no centro da cidade e vamos
deixar escapar que ela irá me acompanhar a um jantar de angariação de
fundos do Amigos do Zoológico, que a Charlie literalmente organizou hoje
de manhã. Porque ela é mágica, e porque eu disse a ela que, se íamos fazer
uma angariação de fundos, teria que ser para o projeto favorito de Sarah.
Mas esse plano de levar Sarah para casa parece errado. Ou talvez eu só
não queira encerrar a noite ainda.
— Que horas você tem que chegar no trabalho amanhã? — pergunto a
ela.
— Oito ou nove. Mas devo chegar mais cedo para terminar o trabalho
antes que todo mundo esteja lá. Foi… interessante hoje.
Eu balanço na minha cadeira e a observo, enquanto os dois guarda-costas
verificam a situação no corredor.
— Muita fofoca?
— É a natureza humana. Mas a maioria dos meus colegas de trabalho
foram educados. Mas agora acho que alguns pensam que eu sou arrogante,
porque não socializo muito no escritório. E pelo visto sou melhor do que
todo mundo, só porque os meus pais são estrelas de cinema. — Ela franze a
testa, e eu odeio essa careta.
Essa careta diz que é algo inevitável. Ela não gosta disso, mas é o que é.
— Eu não gosto de não confiar nas pessoas para não ficarem fofocando
sobre mim — diz ela, baixinho. — É por isso que eu nunca contei para
ninguém daqui quem são os meus pais. A Mackenzie me conhece há mais
tempo. Ela tem sido a minha melhor amiga desde antes de eu conhecer
qualquer um dos meus colegas de trabalho. Se alguém deveria se ofender,
esse alguém é ela, mas ela está lidando com isso muito bem. Já as pessoas
do trabalho…
Eu a cutuco.
— Significa que você tem bom gosto para escolher quem deixa entrar no
seu círculo pessoal. Há uma razão pela qual os meus melhores amigos são
todos daqui de casa.
— Uma das minhas amigas mais próximas do ensino médio foi a razão
pela qual a história da coruja aconteceu. E eu nem sabia disso até mais
tarde, mas uma das minhas outras supostas amigas ficava contando para os
paparazzi quando a gente ia ao cinema ou saía para as noites de jogos. Era
por isso que as minhas fotos saindo do banheiro com papel higiênico preso
no sapato ou com refrigerante derramado na roupa ou com pipoca presa no
cabelo sempre pareciam encontrar o caminho para as páginas de fofocas.
— Ah, porra, Sarah. Que merda.
Ela balança a cabeça, os olhos pensativos e sem olhar para mim, como se
estivesse revivendo tudo em sua cabeça.
— As histórias sempre ficavam mais fora de controle do que eles
imaginavam que ficariam, ainda mais essa da coruja. Se fossem só as
fotos… bem, não é como se eu não tivesse convivido com isso a vida toda,
sabe? Mas quando os jornais de fofoca vieram para cima de mim… foi essa
amiga que eles citaram como fonte sobre as coisas que eu gostava de fazer
no meu tempo livre.
— Você quer que eu mande a minha mãe ao seu escritório para dar um
sermão em todo mundo? Ela sabe fazer um discurso que faria um santo se
sentir culpado, e eles vão te trazer sorvete e biscoitos de chocolate frescos
por semanas.
Ela abre um sorriso para mim, e eu juro que todo o estádio fica mais
brilhante, mesmo o sol tendo se posto uma hora atrás.
— Como você disse, daqui a alguns meses ninguém vai lembrar que isso
aconteceu.
Eu vou.
Eu sempre vou lembrar que isso aconteceu.
— Vai estar tarde quando eu conseguir te levar para casa. Se quiser, eu
posso te acomodar em um dos meus quartos vagos. Só alguns quarteirões
daqui.
— Dormir com você não faz parte do acordo.
— Quarto vago. Inferno, você pode ter um apartamento inteiro. Sou dono
do prédio e mantenho o andar abaixo do meu aberto para a minha equipe,
porque é mais fácil do que reservar hotel o tempo todo.
— Você é o dono do prédio inteiro?
— Um cara me disse uma vez que era um bom investimento.
— Um cara aleatório disse para você comprar um… quantos andares tem
essa coisa?
— Quarenta e seis. E não era alguém aleatório. Ele foi um cara para
quem os meus pais trabalharam muito no passado.
Ela está fazendo aquela cara de peixe, o que poderia ser considerado um
movimento de dança se as pessoas colocassem seus braços para nadar do
jeito que deixam suas bocas e olhos bem escancarados.
Mas é por isso que estou no ramo da moda e não no de dança.
Um cara tem que ter alguma fraqueza.
— Eu estava diversificando — digo a ela. — E paguei bem caro, um
roubo, já que precisava de reformas pesadas em todo o prédio.
— Que os seus pais fizeram — adivinha ela.
— Bem, sim. O nepotismo é importante.
Ela balança a cabeça, claramente presa entre querer sorrir e revirar os
olhos.
— Estou tentando imaginar os meus pais me ajudando a conseguir um
papel no cinema, e não está funcionando.
— É porque Hollywood tem sido fraca ultimamente nos filmes de ciência
de verdade.
Seu nariz enruga.
— Pois é, é nisso que todos os geeks de Hollywood são bons, não é?
— Tudo limpo, sr. Ryder — diz o guarda-costas mais robusto, me
salvando de ter que enfiar minha perna inteira na jaca mais uma vez. —
Vamos lá.
Colocamos nossos chapéus e óculos escuros de volta e o seguimos,
enquanto o segundo guarda vem por trás.
As passarelas estão quase desertas, exceto pelos funcionários, que estão
limpando ou apressando os retardatários. Está tudo bem até quase
chegarmos ao manobrista na garagem executiva.
Posso ver meu carro do outro lado da rua, mas há uma multidão de
repórteres entre nós.
— Serendipity! Serendipity!
— Vocês estão namorando de verdade?
— Aqui! Sorriam para cá!
Sarah pega minha mão, enquanto os dois guarda-costas nos apressam.
— Isso é um golpe publicitário?
— Vocês se conheciam antes do tuíte ser visto no mundo todo?
— Vocês estão dormindo juntos?
— Há quanto tempo vocês estão namorando?
Ela aperta mais forte e, puta merda, ela poderia esmagar um ovo com as
próprias mãos.
— Só ignora — murmuro.
— Estou fazendo isso há muito mais tempo do que você, Ryder —
responde ela, os lábios inclinados para cima, e eu sorrio para ela.
Não posso evitar.
A mão dela pode estar gritando: “Me salva! Me salva!”, mas a boca tem
todo esse controle.
— Ah, é? — murmuro de volta em seu ouvido. — Quer jogar um osso
para eles?
Seus lábios se contraem mais.
Ela tem lábios lindos mesmo. Volumosos e macios.
— Nada de ossos — diz ela. — Mas boa tentativa para me beijar de
novo.
— Só porque eu te ofereci um quarto de hóspedes não significa que você
não seria bem-vinda no meu. Nunca deixe que digam que não sou um
cavalheiro em primeiro lugar, isso quando não estou fazendo papel de
idiota.
Alcançamos meu carro e abro a porta do passageiro para ela antes que o
manobrista possa lutar contra a multidão ao redor do carro. Ele mal está se
segurando na porta do motorista.
Quando chego ao seu lado, lhe dou algumas notas e entro também.
Sarah está tão curvada no assento que acho que suas costelas podem ter
derretido em seus quadris.
— O jogo foi divertido. Isso aqui, nem tanto.
— Deveria ter jogado um osso para eles.
Ela tira os óculos escuros e olha para mim, e antes que eu perceba o que
ela está fazendo, ela aperta o botão para abrir a janela.
— Vocês querem uma visão rara de verdade, vão dar uma olhada nas
girafas — fala ela. — Modelos de roupas íntimas custam um centavo a
dúzia. — Ela sopra um beijo e aperta o botão novamente, afundando de
volta em seu assento, quando uma respiração alta e trêmula escapa de sua
boca.
Eu aperto seu joelho.
— Se sente melhor?
— Sinto como se tivesse corrido uma maratona entre a saída e este
assento. Para onde foram os guarda-costas?
Eu verifico o espelho.
— Logo atrás da gente.
É difícil acelerar devagar um motor de carro elétrico, então buzino um
feliz — tap-tap-tap, pausa, tap-tap — e então movo o carro para frente até
que os repórteres recuem e me deem espaço para ir embora sem atropelar
ninguém.
— Obrigado — digo a ela, baixinho.
Não sei mais o que dizer.
O próprio fato de termos sido assediados com perguntas sobre se estamos
namorando em vez do quão idiota eu sou sugere que isso tudo está
funcionando exatamente como minha equipe e eu queremos que funcione.
Mas fazer Sarah enfrentar os repórteres, depois de escutar algumas das
histórias que ela me contou hoje à noite, me faz sentir menos que um lixo.
— Toda vez que começo a pensar que poderia dar um pouco mais de
atenção ao meu blog e feeds das redes sociais, percebo que estou errada —
diz ela. — Eu não sei como você vive assim.
— Nem sempre é tão ruim.
— É, às vezes, é pior.
Pura verdade. Ainda mais em nossos dias da Bro Code.
— Você gosta de sorvete? — pergunto, de repente. Porque ela parece
totalmente derrotada, e eu sinto uma necessidade desesperada de animá-la.
— Sério?
— Sempre me faz sorrir. Parece que você precisa de um pouco disso.
— Estou bem.
— Eu tive uma irmã quase a minha vida toda. “Eu estou bem” não
funciona comigo.
— Meus irmãos eram todos furões ou tatus ou porcos barrigudos.
— Então, basicamente, tivemos a mesma infância.
Nenhuma risada.
Ela vai tomar o sorvete, sim.
Viro à esquerda quando deveria ir para a direita, e ela me dá um olhar
desconfiado de contemplação.
E por contemplação quero dizer que ela pode estar contemplando a ideia
de procurar no meu carro por um taser para me atacar.
— Cookies, bolo, sorvete, crème brûlée, pudim de banana ou biscoitos de
cachorro? — pergunto.
— Biscoitos de cachorro?
— Eu teria escolhido o sorvete, mas se é isso que você quer…
— Você quer mesmo sobremesa? — A cor está voltando para suas
bochechas, a luz para seus olhos, e eu quero caçar suas ex-melhores amigas,
cobri-las com mel e deixá-las ao lado de um formigueiro por alguns dias
por colocar tanta desconfiança em Sarah.
— Porra, sim, eu quero sobremesa. Não posso te levar para casa dos seus
pais parecendo que você foi atacada por gatos selvagens no cio cantando
músicas ruins da Broadway. Sobremesa cura tudo.
Sorrio para ela.
Ela não sorri de volta.
Huh. Meus encantos devem estar se desgastando.
— Ou eu posso te levar para casa — digo, tímido.
— Você conhece a Cidade Universitária?
— Não. Livros não são a minha praia.
— Tanto faz. Mas você deve ter passado por lá quando tinha uns
dezesseis anos para ficar na biblioteca com óculos de leitura e tentar pegar
as garotas mais velhas.
Huh. Ela não acertou em cheio, mas chegou perto.
— Tripp que fazia isso. Ele sempre foi atraído pelas mais intelectuais.
— Eu também. Desça na Veterans Parkway em direção ao anfiteatro da
CVU.
— Espera, você ficava nas bibliotecas da faculdade procurando por caras
quando tinha dezesseis anos?
— Sim. Eu queria que um daqueles gostosos da UCLA conversasse sobre
física comigo.
— Ah, olha só para você, me entendendo e me ensinando. Espera. A
Mackenzie disse que você cresceu no Oregon.
Quando ela não responde, dou uma olhada nela.
Ela ficou corada de novo.
— Que foi? Você nunca colocou um disfarce, fingiu um sotaque e disse
para as pessoas que era italiano?
— Bem, sim, seria um dia normal para mim. Mas ela é a sua melhor
amiga.
— Eu não sabia que ela seria a minha melhor amiga quando disse para
ela que cresci no Oregon. E eu gosto do Oregon. A gente foi para o litoral
uma vez para passar férias, quando mamãe estava se preparando para filmar
em Seattle, e ninguém nos incomodou. Passeamos por todos os lugares, e
dava para ver as estrelas e até a borda da galáxia à noite. Juro que dava.
— Bom vinho também — digo.
— Eu estava no primário.
— Ainda assim, já devia ser bom nessa época.
Ela cai em silêncio, e eu percebo que está olhando para mim.
— Que foi? — pergunto.
— É uma encenação ou você é assim mesmo o tempo todo?
Eu sorrio enquanto viro para Veterans Parkway.
— Não posso te contar todos os meus segredos, srta. Dempsey. Isso
arruinaria toda essa bela magia.
— Hum.
Ela fica quieta pelo resto do caminho, me orientando pelas ruas escuras e
sinuosas do campus, até pararmos em um shopping a cerca de dois
quarteirões da biblioteca da CVU. Uma placa escrito aberto brilha em
vermelho em uma loja entre uma lavanderia e uma farmácia.
— Kefta? — Eu não poderia parar de sorrir nem se minha vida
dependesse disso. — É o que eu acho que é?
— Você quer sobremesa ou não? Estou com vontade de chebakia.
— Ah, pode apostar.
O estacionamento não está deserto, mas também não está cheio. Bom
sinal.
Os guarda-costas nos acompanham. Despistamos os paparazzi um tempo
atrás, mas esta é uma parada não programada, então quem sabe quem está
esperando lá dentro?
Assim que a porta de vidro se fecha atrás de nós com um tilintar de sinos,
minha boca se enche de água. Sinto cheiro de canela, cominho e cordeiro, e
algo doce também. É um restaurante típico de shopping – uma pequena
entrada com uma caixa registradora em um balcão de vidro e um balcão de
madeira escura –, mas as luzes estão fracas na esquina, e eu sigo Sarah
enquanto ela espia ao redor.
Várias mesas redondas baixas. Almofadas vermelhas nos bancos baixos
combinando com as mesas separadas por paredes com painéis escuros na
altura dos ombros. Pinturas de medinas de muros altos, a costa em
Casablanca ou Rabat e as montanhas do Atlas estão penduradas nas paredes
vermelho-escuro.
Uma mulher de hijab nos nota e se aproxima.
— Desculpa, já estamos… Sarah!
Seu sotaque é pesado e seu sorriso é brilhante.
Sarah troca facilmente para o francês e diz algo tão rápido que não
consigo entender.
Não que eu fale francês.
Mas pesquei uma coisa ou outra aqui e ali. Não posso viajar pelo mundo
e ser um idiota completo, não importa o que eu escreva no Twitter.
A mulher ri e responde, também em francês, e as únicas palavras que
consigo entender são bem-vindo, delicioso e fogo de dragão.
Devo ter errado a última.
Só que, considerando que acabamos de chegar do estádio, talvez não.
— Não, não, venha e sente-se — a mulher finalmente diz. Seus olhos
escuros dançam sobre mim. — Mas não ele. Ele está proibido.
Sarah cai na gargalhada.
— Ele deveria estar mesmo, não é?
— Desgraça total, falar assim com você.
— Ele está tentando fazer as pazes.
— Vestindo isso? — pergunta a mulher com outro olhar arrebatador
sobre o meu jeans e a camisa do Fireballs.
— Ele nunca tomou chá de menta do jeito certo.
Ah, merda, agora meu estômago está roncando.
— Ah, tudo bem, tudo bem, ele pode entrar também. Mas nada dessas
baboseiras machistas.
— Obrigada, Fatima.
— Obrigado — concordo.
Fatima me cala.
— Você fica com as sobras.
Sarah franze os lábios, mas não consegue esconder o sorriso.
— Parece justo — diz ela.
— Muito generoso — concordo.
E quando ela inclina a cabeça para trás com uma risada curta, sinto que
ganhei o jogo.
19

Como Beck parece não conseguir dirigir com o estômago cheio – e ele
está cheio demais depois do chá de menta, e chebakia, e biscoitos
marroquinos –, eu tenho que dirigir seu Tesla.
E, sim, é muito legal, e com certeza o farei levar a Mackenzie para um
passeio antes que nosso contrato termine.
Ele resmunga enquanto sai do carro ao chegarmos na minha casa. Os
guarda-costas param logo atrás de nós. Três abutres estão estacionados do
outro lado da rua.
Maravilha. 
Abro a porta da frente para entrarmos, e um alarme soa no mesmo
instante. Meu pai pula do sofá.
— Parado, idiota — rosna ele.
— Pai! Desliga isso!
Meda corre pela sala e mergulha atrás do suporte da TV, derrubando meu
Funko Pop do Capitão Mal. Cupcake vem da cozinha, confusa pra caramba,
correndo para os móveis, e, ah, merda, mamãe colocou uma máscara de
dormir de unicórnio na porca.
Cupcake está correndo às cegas.
Os seguranças jogam Beck no chão, e o mais baixo salta para pegar o
detector de movimento que meu pai está batendo contra o meu bufê de
nogueira, mas que continua apitando.
— Judson? — grita mamãe. Ela desce correndo as escadas com um
roupão rosa curto, sua máscara de dormir de unicórnio, combinando com a
da porca, no alto da testa, quando o barulho finalmente para. — Judson,
você está fumando bacon no vaporizador de novo?
Todos nós a encaramos.
Ela pisca uma, duas vezes, depois se vira e volta para cima sem dizer
mais nada.
— Diga alguma coisa sobre a minha esposa falando enquanto dorme —
papai rosna para Beck, que está lentamente ficando de pé enquanto segura a
barriga. — Vamos lá. Isso faz o meu dia.
— Esses chinelos de unicórnio são o máximo — responde Beck. — As
luzes chamativas foram colocadas depois? Ou já vieram assim?
Todos nós olhamos para os pés de papai, e o pavor percorre minha
espinha, porque papai não gosta que zombem de seus calçados.
Mas o entusiasmo de Beck parece genuíno o suficiente para passar no
teste de papai. Ele resmunga e assente.
— Depois.
— Legal. Eu tinha chinelos de tartaruga que cantavam quando a gente
estava em turnê. Deixava o Cash louco quando eu usava no ônibus. Ele
costumava ameaçar jogá-los para a multidão todas as noites.
— Idiota filho da mãe — rosna papai.
— Pai! O que você está fazendo aqui? Por que mamãe está dormindo na
minha cama? E o hotel?
— Não confiei nesse nudista inútil para não tirar vantagem de você.
— Acho que posso lidar com ele.
— Essa é a minha garota. Mas ainda não confio nele.
— Pai. É hora de dormir.
— Já passou da hora de dormir.
— Exatamente.
— O hotel está cheio de espiões. Os euranianos estão invadindo o centro
da cidade. Precisamos ir para um lugar seguro.
— Pai.
— Sarah. — Beck coloca a mão no meu ombro e aperta, a consciência de
seu toque inunda minha pele e faz minha respiração acelerar. — Ele tem
razão. Os euranianos são perigosos.
— Não o encoraje — aviso.
— Protejam-se — rosna papai. — O porão. Vai.
— Eu não…
Mas Beck está pegando Cupcake, que ainda está batendo nas coisas às
cegas, enquanto puxa minha mão.
— Eu cuido dela, senhor. Não vou deixar os euranianos pegá-la. É
melhor você checar a sua esposa.
— Minha esposa está morta, seu bastardo.
Beck deposita Cupcake na cama de porco ao lado do radiador que não
funciona mais, na cozinha, e me puxa para a porta do porão. Meda entra de
fininho com a gente.
— Ele costumava ter papéis divertidos. — Suspiro enquanto
relutantemente me deixo ser empurrada escada abaixo. — Mas os
euranianos? Sério?
— Poderia ser pior. Ele poderia estar construindo uma máquina caça-
fantasmas no quintal.
Ele não está errado, mas não sei como ele sabia que papai fez isso mesmo
quando teve o papel naquele filme alienígena. E, sim, eu que disse para
construir uma máquina de caça-fantasmas para um filme alienígena. Isso
nunca foi publicado nos tabloides. E se a mamãe está sonâmbula, é porque
ela deve estar tomando uma mistura ruim de ervas e suplementos.
— Porra, eu estou cheio. Você tem um sofá aqui onde eu poderia dormir
um pouco?
— Hum, não.
Ligo as luzes do porão e Meda se lança nas sombras. Há caixas
empilhadas por toda parte, além de um caixote de transporte que mal
conseguimos trazer ali para baixo, e prateleiras abarrotadas com meus livros
de astronomia da infância.
— Caramba.
— Um caramba de impressionado ou de ai, que merda? — pergunto.
Ele cai contra o único trecho de parede sem nada e esfrega o estômago.
— Isso é a Serenity? A nave de verdade?
Olho para o adereço do filme, ainda meio escondido em um caixote de
madeira entre outras caixas, e aceno com a cabeça.
— Meu pai conhecia alguém que conhecia alguém no set quando eles
estavam desmontando tudo. Eles estavam guardando isso para mim há anos,
mesmo que eu não soubesse. Então, quando eu disse para eles que comprei
uma casa, eles a enviaram.
Ele começa a sorrir.
— Você tem a porra da Serenity.
— Você assistia Firefly mesmo?
— Várias vezes no ônibus de viagem. A gente encenava as cenas quando
ficávamos entediados. Sempre fiz o Davis interpretar a Kaylee.
— E você era a Jayne.
Ele ri.
— Que nada, deixei o Levi ficar com a Jayne para que eu pudesse brincar
com os dinossauros do Wash. Posso tirar uma foto? Os caras vão morrer
quando virem isso. Levi está tentando há anos encontrar essa coisa.
Eu não respondo imediatamente.
Não é que eu não confie nele – Beck parece bem verdadeiro, e agora já
passei tempo suficiente com ele para pensar que posso confiar em meu
julgamento –, mas já confiei demais nas pessoas antes.
E embora eu tenha certeza de que ele entende, ainda estou superando
velhos hábitos.
— Ou talvez mais tarde — diz ele depressa. Ele se afasta da parede e faz
uma careta.
— Ainda cheio?
— Eu faria tudo de novo. O chá estava uma delícia.
Ele é tão entusiasmado com tudo, não apenas com a comida. Mas
também com adereços de filmes. Interpretar um papel com meu pai.
Chinelos de unicórnio.
— Você nunca se cansa de ser feliz? — pergunto.
Ele dá uma risada.
— De jeito nenhum. Por que eu deveria? Ser feliz é o melhor de tudo.
— Você nunca fica infeliz?
Ele solta um suspiro feliz.
— Sim, de vez em quando. E é uma merda. O mundo é um lugar incrível
pra caralho. Tipo, teria sido legal viver com os dinossauros, mas eles
provavelmente teriam nos comido, e a gente estaria extinto agora também,
então acho que prefiro a era da internet, ser capaz de voar para qualquer
lugar do mundo, conhecer novas pessoas e experimentar todos os tipos de
comida.
Eu fico boquiaberta, e é quando percebo o que está acontecendo.
Ele é um robô.
— Tire a camisa — digo a ele.
Suas sobrancelhas se levantam, mas seus lábios começam a formar um
sorriso preguiçoso, e ele faz o que pedi, lentamente desabotoando os botões,
um de cada vez.
— Assim?
— Mais rápido.
O idiota desacelera. Meus mamilos ficam duros. Minha língua fica seca.
E ele vai tirando lentamente a camisa de seus ombros em um strip-tease,
que está me deixando com tesão pra cacete e mais vermelha do que minha
mãe naquela vez que ela me deixou passar protetor solar nela quando eu
tinha três anos.
Engulo em seco e giro um dedo no ar.
— Dê uma volta. Eu preciso encontrar o seu botão de desligar.
— Meu… botão de desligar?
— Sim. Sei que me mandaram um Beck-bot. Onde está o verdadeiro
Beck Ryder? Ele está escondido no Egito ou na Austrália ou em algum
lugar, não é?
Ele se vira, me deixando inspecionar suas costas, incluindo aquela marca
de nascença que parece mesmo uma Tartaruga Ninja, mas – para citar um
certo modelo de cueca – nossa.
Pele de verdade.
Até se arrepia sob meus dedos enquanto eu o toco e cutuco, procurando
por evidências de que caí em uma pegadinha, embora eu seja racional
demais para acreditar que ele possa ser um robô.
— Você acha mesmo que eu sou um robô, ou está só usando isso como
pretexto? Eu estou bem com qualquer uma das opções, só curioso.
Não sei o que acho, mas tenho certeza de que agora que estou tocando a
pele lisa de suas costas, traçando os planos magros de seus músculos e as
protuberâncias duras de suas costelas, não quero parar.
Não durmo com ninguém desde Trent. Isso meio que perdeu o apelo
quando percebi que nunca seria capaz de ser eu mesma no sexo.
— Sarah? — diz ele, sua voz ficando rouca.
— Estou pensando — sussurro.
Meus dedos descem até as covinhas acima de sua cintura.
— Eu não tentei te beijar por causa das câmeras — diz ele, baixinho,
algo em sua voz me fazendo pensar que a confissão é tão difícil para ele
quanto seria para mim. — Eu só queria te beijar.
— Nosso relacionamento é só para a mídia — respondo, também rouca,
porque meu pulso está subindo perigosamente e estou tendo um
formigamento em minhas regiões inferiores, que estão mesmo a favor de
ver se ele é tão bom com seu equipamento como Trent era. — Não é de
verdade.
Suas costelas estão se expandindo e contraindo rápido.
— Eu me diverti muito com você hoje.
— Você se divertiria até com um estraga-prazeres.
Por que não consigo parar de tocá-lo?
— Eu quero te beijar de novo.
— É uma péssima ideia.
— Diz a mulher que está me acariciando.
— Seus feromônios de robô estão me hipnotizando.
— Sarah.
Ah, merda, agora ele também está usando meu nome contra mim.
Ele é engraçado. E doce. E não há literalmente nada sobre ele – além de
como nos conhecemos e o fato de ele ser uma celebridade – que eu possa
criticar.
Ele já se desculpou bastante.
Ele adora sua mãe.
Ele perde nos jogos de videogames com o sobrinho. De propósito.
E eu simplesmente gosto dele.
Que mal há em beijá-lo?
Sinto falta de beijar.
E eu nunca beijei um homem que sabia tudo sobre quem eu era. E sobre
meus pais. E o incidente com o Hagrid. Nunca contei a um namorado sobre
meu tempo no Marrocos.
— Não há botão de desligar aqui atrás — digo a ele.
Mas há uma bunda bem torneada vestida em jeans da marca RYDE que
eu poderia apertar, se eu fosse do tipo ousada.
Ele se vira, e eu abaixo meus braços e olho para baixo, mas meus olhos
percebem a protuberância em seu jeans, e não há nenhuma maneira de Beck
Ryder estar excitado por minha causa.
Não é?
Eu faço de tudo para não parecer sexy.
Mas ele está enchendo as cuecas agora, não estava antes, o que sugere
que ele está excitado comigo, ou está pensando em pornografia na internet.
Ele engancha um dedo sob meu queixo e levanta meu rosto, então estou
olhando para ele.
Tão alto. Tão alto, e magro, mas também envolto em uma camada dura
de músculos que eu quero percorrer.
E lamber.
Estou tão ferrada.
— Eu gosto de você, Sarah Dempsey — sussurra ele.
E aqueles olhos azuis não estão mentindo. Eles não estão transbordando
confiança ou ego ou presunção.
Eles são cautelosos. Examinando. Como se ele soubesse que está se
esgueirando por um galho que pode ou não suportar seu peso, mas aquela
maçã no final vale o risco.
Eu sou a maçã dele.
Como eu posso ser a maçã dele?
— Estou me esforçando muito para não gostar de você.
Seus olhos se enrugam quando ele sorri, como se soubesse que estou
mentindo e que não estou me esforçando tanto. Eu gosto dele, e estou tão
de saco cheio.
Não há câmeras aqui embaixo. Nenhum olhar indiscreto. Nenhuma razão
para ele fingir que gosta de mim quando temos um contrato que expressa
muito especificamente que isso é uma péssima ideia.
Mas meus lábios estão formigando, minhas partes femininas estão se
contraindo e sua pele é tão quente e macia sobre o músculo rígido em sua
cintura, onde minha mão foi parar sem querer, e quando ele abaixa seus
lábios para os meus, eu não luto.
Porque eu quero saber.
Eu quero saber se tudo isso é um acaso, se é o chá de menta falando, se
são apenas as circunstâncias estranhas, ou se ele está secretamente excitado
pelo fato de eu ter uma réplica da nave Serenity.
— Você tem os olhos mais bonitos — murmura ele contra a minha boca,
seus lábios provocando os meus, sua respiração quente e doce.
Eu vou fazer isso.
Vou beijar Beck Ryder.
Claro…
— Tudo limpo! — grita meu pai. A porta do porão bate na parede com
um estrondo. — Vá! Vá agora, antes que os euranianos voltem!
Nós nos separamos enquanto seus passos trovejam pelos degraus. Beck
pega a camisa, e ainda está abotoando quando papai nos alcança.
Eu mergulho em uma caixa de quadrinhos, porque é a coisa mais
próxima que eu tenho.
Papai olha entre nós. Não preciso olhar para cima para saber que ele está
ameaçando matar Beck com os olhos.
— Você estava comprometendo a minha filha? — rosna ele.
— Eu estava tentando descobrir o que a marca de nascença no ombro
dele me lembra — digo, desesperada, enquanto levanto um quadrinho. —
Tenho certeza de que já vi isso… em… Buffy, a Caça-Vampiros.
— Caramba, puta merda, você tem… ah, é. Marca de nascença. Buffy.
Como um dos monstros ou algo assim — diz Beck.
Olho para ele.
Ele está cobiçando a caixa de quadrinhos da Buffy que eu estava
mexendo.
O que não deveria ser uma surpresa. Se ele gosta de Firefly, é lógico que
ele também gosta da Buffy.
— Você tem três minutos para dar o fora da minha casa — papai diz a
Beck.
— Pai. É a minha casa.
— Eu a reivindiquei para essa missão. E a missão é tirar esse nudista
daqui. Ele tem seus próprios objetivos secretos. Eu não gosto disso. Não
gosto nada disso.
— Foi uma honra levar a sua filha a um jogo de beisebol, senhor — diz
Beck.
— Pode apostar que foi — rosna papai.
— Obrigada — sussurro para Beck com um sorriso, porque não sei mais
o que dizer.
Ele sorri de volta, e o friozinho na barriga vai desaparecendo.
— Eu te ligo — diz ele.
Como se fôssemos adolescentes que acabamos de ser pegos nos beijando
no porão da casa dos pais.
— Você vai me ligar primeiro — rosna papai.
— Tenho que ir — responde Beck. — Antes que aqueles euranianos
voltem.
Ele me dá um sorriso torto que parece ser igualmente divertido e
frustrado, e vai para os degraus.
— Pai — digo.
Ele também sorri para mim, olhos castanho-escuros brilhando
alegremente.
— Você deveria ter namorado mais no ensino médio — rosna ele. — Isso
foi divertido.
Minha vida, senhoras e senhores.
Esta é a minha vida.
20

Terça-feira de manhã, e eu estou no meio de uma videoconferência da


equipe no andar abaixo da minha cobertura e estou enlouquecendo.
— Crawford pode ter acalmado por enquanto com todas aquelas fotos da
noite passada e a opinião pública se inclinando ao seu favor, mas não há
como dizer se ele vai permanecer assim por muito tempo — meu
empresário, Bruce, está dizendo de seu escritório superdecorado em Los
Angeles. — Você precisa ser pego comprando flores para a garota
desmazelada. E você pode fazê-la pentear o cabelo?
— O nome dela — digo, lentamente — é Sarah.
— Certo, certo. O que os pais dela estão dizendo? Você os conheceu, não
é? A porra do Judson Clarke. Se pudéssemos fazê-lo falar a seu favor, tudo
isso desapareceria.
Charlie revira os olhos. Ela e Bruce muitas vezes batem de frente, mas
está ficando pior.
— Você quer que um homem fale sobre o outro homem que transformou
o útero de sua filha em chacota pública?
— Ela está certa, Bruce. — Hestia, minha chefe de relações públicas
também está revirando os olhos. — Agora, se conseguíssemos que a Sunny
Darling fosse à Ellen, isso ajudaria. Mas há rumores de que ela está
precisando ir para a reabilitação.
— Sunny Darling não precisa de reabilitação.
Vou arrancar os cabelos. Punhados dele. E jogá-los por toda a porra do
chão. Essas pessoas foram tão competentes na semana passada. Que merda
está acontecendo?
— E eu não vou à Ellen. Estamos seguindo o plano.
— Você foi desconvidado para o World Music Awards.
Olho para Charlie, eles estão mesmo ouvindo uma palavra que qualquer
um de nós disse?
— Beck já não ia ao World Music Awards — diz ela à equipe. — Ele
estará de férias nessa semana. Férias de verdade. Quando ele não estará
tuitando ou conversando com as pessoas. Ou fazendo qualquer outra coisa
que exija que qualquer um de nós trabalhe horas extras, e ele vai até lavar a
própria roupa e cozinhar.
Aceno com veemência em concordância. Eu não sabia que estaria de
férias naquela semana, mas nunca recuso uma oportunidade de ficar em
casa, atormentar minha irmã e lembrar minha mãe o quanto ela sente minha
falta quando estou fora.
Além disso, há o fator Tucker agora, e ainda tenho outros amigos que não
encontrei na cidade.
— Ainda parece ruim que você não tenha sido convidado para mais nada
— diz Hestia. — Vão comentar sobre isso.
— Você sabe que ele vai parecer um santo quando finalmente
anunciarmos a Fundação Voe Alto, então isso não vai importar — responde
Charlie. — E acabamos de organizar o jantar de gala para a girafa favorita
da Sarah no sábado à noite, e o Vaughn está inclinado a vir para participar
também. Não acho que alguém vai dar a mínima se o Beck não for a uma
premiação daqui a dois meses, que ele também já recusou.
— Você precisa mesmo de mim aqui? — pergunto a ela.
— Cale a boca e sente-se. Isso ainda é culpa sua.
— Justo — resmungo.
— Você precisa ir brincar com os animais naquele abrigo que a sua irmã
gosta — diz Hestia.
— Ele precisa fazer com que o Levi Wilson e o Cash Rivers façam mais
barulho sobre ele ser um cara legal — responde Bruce.
— Ele pediu favores pessoais de mais de cinquenta celebridades e
políticos e os convenceu a comprar ingressos de mil dólares para um evento
de cinquenta dólares para arrecadar dinheiro para o animal ameaçado de
extinção mais famoso do mundo, e vai levar tanto a família dele quanto a da
Sarah — diz Charlie. — Você o manda para um canil, ele vai e faz uma
piada sobre uma cadela e é o fim. Deixa o plano acontecer como planejado,
e tudo vai dar certo. — Ela olha para mim e faz um movimento de cortar a
garganta.
Certo. Ela já está de saco cheio do Bruce.
— Recebi uma ligação de um produtor de cinema perguntando se você
quer uma participação especial num filme de terror — Bruce me diz. —
Eles fariam você parecer bem quando morresse.
— Ele não fará figuração — responde minha guru de marketing, Vicki.
— Vai estrelar papéis ou nada.
— Ei, espera, não vou fazer filmes — digo.
Minha equipe inteira se cala e me encara.
— O quê? — pergunto.
— Ryder, eu gosto de você, mas você é um pesadelo de relações públicas
— diz Bruce. — Vamos salvar o seu traseiro desta vez, mas o que vai
acontecer quando você chamar um bebê de feio ou for pego enfiando o pau
em uma cabra?
— Pesadelo de relações públicas? A Fundação Família Ryder doa
milhões todos os anos, e nem duas semanas atrás eu estava em todos os
noticiários quando aquelas câmeras divulgaram a minha visita ao hospital
infantil em Londres.
Ele balança a cabeça.
— Você precisa pensar a longo prazo, porque mais cedo ou mais tarde,
vai estragar tudo nos negócios. Então, faz uma fachada bem sinistra. Não
que você seja do tipo que escreve um livro que conta toda a sua vida,
porque você não dormiu com mulheres o suficiente para que alguém queira
comprar a sujeira por trás de toda a sua carreira. E conheço um cara que
está interessado em comprar as suas linhas DRYVE e SHYNE. Você
deveria falar com ele, porque não vai conseguir um negócio melhor.
— Vender as minhas linhas de roupas?
Charlie não está nem falando. Hestia e Vicki limpam a garganta e correm
para tomar o café e pegar um cigarro.
— Venda — repete Bruce. — E aí você precisa pagar pau para o
Crawford, porque todos nós sabemos que a Fundação Voe Alto é apenas
uma desculpa para fechar uma parceria com ele para que possamos
expandir para os calçados.
Eu me levanto e sem querer despejo uma caneca de café cheia em cima
do computador.
Ele chia, frita e faísca, a tela fica em branco, e Charlie cai para trás na
cadeira com um suspiro.
— Porra, você demorou até demais para fazer isso.
— Vender as minhas linhas de roupas? — digo a ela.
Ela revira os olhos.
— Não importa quanto tempo ele é seu empresário, você precisa demiti-
lo. Ele está completamente louco, e sempre foi um babaca. Além disso, eu
não vou substituir esse computador. Você vai até a loja da Apple desta vez,
e não me importa quantas pessoas tentem te atropelar na rua.
Ela pega o celular e digita uma mensagem, sem dúvida dizendo à minha
equipe que eu estraguei tudo e que nos falaremos novamente amanhã, no
horário agendado. Porque Charlie faz tudo, e eu preciso mesmo dar a ela
um aumento de novo esta semana. Vou para a cozinha situada na pequena
área do escritório, o resto do andar é todo de apartamentos.
— Você gosta de comida marroquina? — falo. — A Sarah me mostrou
um lugar na Cidade Universitária. A gente pode pedir cuscuz, ou kafta, ou
kebab. Ou tudo isso. Com quatro litros de chá de menta. E biscoitos.
Biscoitos, com certeza.
Ela me segue e se inclina no batente da porta, ainda com a cabeça baixa
sobre o celular.
— Você não pode comer isso tudo, Beck. Ainda tem uma filmagem
marcada para daqui a três semanas.
— E nada para fazer enquanto isso, exceto malhar e jogar videogame.
Tudo na minha vida está em espera. Tudo. Os designs que eu deveria ver
esta semana estão atrasados. Todas as minhas reuniões, menos as reuniões
de crise com minha equipe, foram canceladas. Meu único trabalho é não
estragar tudo e continuar cortejando a Sarah em público.
Talvez cortejar Sarah em particular.
Eu queria tanto beijá-la ontem à noite, e ainda não sei se era uma boa ou
uma má ideia, mas era o que eu queria.
Charlie não sorri.
— Você já pensou seriamente em vender tudo e se aposentar?
Eu disse que ia fazer isso no ano passado, depois do acidente de Ellie.
Ela não me levou a sério, mas também garantiu que tudo na minha agenda
fosse adiado ou cancelado, e me manteve menos ocupado para que eu
pudesse estar mais em casa.
— Por quê? — pergunto a ela. — Você quer desacelerar um pouco? —
Ela vê sua família menos do que eu vejo a minha, mas nunca reclamou.
— Eu não funciono devagar, Ryder. Você sabe disso.
— Que bom, porque mesmo se eu vendesse tudo e me aposentasse, ainda
precisaria de você para administrar a minha vida, sabe. Quem mais me faria
sair da cama e me lembraria de escovar os dentes pela manhã?
— Sua mãe, Ryder. Sua mãe.
Eu rio da imagem da minha mãe tentando me acordar de manhã. Ela
despejaria água gelada na minha cabeça sem hesitar, uma dica que não vou
compartilhar com Charlie, ou ela pode tentar o mesmo da próxima vez que
estivermos viajando.
Ela está sorrindo também, porque ela não ajusta meus alarmes ou me
lembra de escovar os dentes.
Na maioria das vezes.
— Você deveria se inscrever em um aplicativo de namoro — digo a ela,
mesmo achando que teria que vender meus negócios se não tivesse Charlie
para me manter na linha. — Encontrar alguém. Ver o mundo pelos olhos do
amor.
— Prefiro ver o mundo sozinha, muito obrigada. As fotos do jogo de
ontem à noite estão por toda parte, e estão falando que a Sarah te negou um
beijo e que ela começou uma guerra de comida, que deve ter sido uma
preliminar para o que vocês fazem no quarto. As fotos estão perfeitas.
Muitas com vocês dois rindo, especialmente ela. Além disso, a mídia gosta
que ela esteja se fazendo de difícil e que você continue tentando.
— Boa mudança de assunto.
— Prefere falar sobre o motivo de você ter chegado tarde depois do jogo
ontem e de estar parecendo que encontrou um rodízio de carne e cupcake?
— Não.
Ela sorri.
— Foi o que pensei. Tripp Wilson está esperando por você lá em cima.
— Então, é um não para comida marroquina?
— Vamos pedir um de cada. Cidade Universitária. Pode deixar. Mas você
vai ter que passar mais duas horas na esteira.
Eu odeio a esteira.
— Posso pedir para entregar.
— Não. Não posso falar e dirigir ao mesmo tempo. Sua bunda de diva
está me tirando de uma teleconferência com o babaca e os caras para
discutir a sua incompetência em participar de teleconferências.
— Babaca?
— Bruce, o babaca.
— Vamos esperar essa coisa do meu tuíte idiota passar, e então eu vou
falar com o Bruce sobre o motivo de ele estar enlouquecendo. Duas
semanas. No máximo. E se ele ainda estiver agindo como um louco, vou
demiti-lo.
— Vou usar o seu cartão para pagar o almoço de todo mundo no
restaurante.
— Mande um cuscuz também para o escritório da Sarah quando fizer o
pedido.
— Isso seria arquivado, dã.
— Você é a imperatriz das assistentes.
— Eu sei. Não coma o seu próprio braço enquanto espera pela comida.
Você precisa dele para assinar os papéis para que possamos nos livrar do
Bruce.
Ela vai para o elevador, enquanto eu subo as escadas para a cobertura,
onde encontro um velho amigo esperando por mim.
E ele não está sozinho.
— James! Ei, cara. Toca aqui. — Estendo o punho para o filho de três
anos de Tripp, que me olha com uma suspeita legítima. Ele está vestindo
calça jeans tamanho pré-escolar com shorts de pijama verde brilhante sobre
ela, e pelo menos duas camisas, porque eu posso ver uma gola amarela sob
sua camisa laranja brilhante do Capitão Puff.
Ele também está vestindo uma capa roxa.
Os meus amigos têm os filhos mais fofos.
— Ele tem Twitter e sabe que você é um desastre — diz Tripp. — Você
vai ter que dar mais do que um toca aqui para conquistá-lo.
Ele está segurando a filha, que tem pouco mais de um ano e claramente
não se vestiu sozinha esta manhã, porque não há como ela ter colocado
aquele vestido sozinha.
Bem, acho que não.
Além disso, se eu tivesse só um ano de idade e pudesse me vestir, ficaria
nu. Então, eu estou assumindo que ela provavelmente faria a mesma coisa.
— Todo mundo estraga tudo de vez em quando — digo.
Tripp me dá um sorriso irônico.
— Pois é. Só de vez em quando.
— Você gosta de jogar pingue-pongue? — pergunto a James.
— Você faz pling, depois ploft, mas ela cai na fonte — responde ele,
solene.
Tripp bagunça o cabelo dele.
— O caminhão acabou a bateria. Deixamos em casa.
— Eu tenho caminhões — digo a ele. — Bem, são carros, mas eles têm
rodas e você pode fazê-los vroom.
Tripp balança a cabeça para mim, arregalando os olhos.
— Cara, ele vai destruir essas coisas.
— O quê? São só coisas. Vem, James. Vamos dar uma olhada nos meus
carros.
Eu o coloco para brincar com alguns dos modelos de carros esportivos
que eu mantenho em uma prateleira alta na sala de jogos, enquanto eu
brinco de esconde com Emma, que finalmente decide que eu sou legal o
suficiente para babar em mim por um tempo. Seu cabelo loiro está preso no
topo da cabeça, no estilo da Cindy Lou Who, e ela estava chupando os
dedos logo antes de erguê-los para que eu a pegue.
Tripp afunda no sofá de frente para a TV.
— Obrigado. Ela está ficando pesada.
— Você precisa malhar mais.
— Carrega ela por duas horas e depois diz isso de novo. — Ele está com
olheiras sob os olhos e raspou apenas a metade direita do rosto, mas ainda é
capaz de sorrir.
— Está aguentando bem o tranco? — Eu não sei nada sobre ser pai
solteiro, ou sobre a perda de alguém próximo, mas sei que é trabalhoso. Um
trabalho duro da porra.
— Estou cansado pra caramba.
— Você precisa de uma babá.
Ele balança a cabeça.
— Só durante a noite. Vai passar. Ela vai acabar dormindo seis horas
inteiras. Ela está apenas… se ajustando.
Todos eles estavam. Tripp perdeu a esposa para a gripe durante o
inverno, e essa é mais uma razão pela qual minha agenda está ficando mais
leve. Nenhum lugar é como nosso lar, ainda mais quando as pessoas
precisam de você. Embora eu esteja frustrado pra caramba por estar de
castigo agora, pelo menos estou aqui.
— Qual é a história com a nova namorada? — pergunta ele, antes que eu
possa pressioná-lo mais. — Levi apostou dez mil que você está se
apaixonando por ela, então é melhor que seja um golpe publicitário.
— Vocês são uns babacas — digo a ele.
Ele limpa a garganta e olha para James.
— Ah, é. Desculpa. Vocês são uns bobões.
Tripp me conhece há tempo demais para achar engraçado. Ele estica as
pernas enquanto me estuda.
— Davis disse que você vai se aposentar.
— Por que diabos ele diria isso?
— Vamos lá, cara. O acidente da Ellie, sua agenda sempre lotada. Esse
tuíte de autossabotagem, seguido por um golpe de relações públicas…
Balanço Emma no meu joelho e faço caretas para ela.
— Seu pai está falando engraçado.
— Então o Davis está certo e o Levi me deve dinheiro.
— Você se lembra daquela fundação que eu disse que a gente estava
trabalhando? Com o Vaughn Crawford?
— Programas esportivos para crianças?
— A gente deveria anunciar na próxima semana.
Ele estremece.
— Ah…
— Pois é. Preciso corrigir o meu erro para que o Vaughn não caia fora, e
preciso continuar ganhando dinheiro para financiar todos os meus projetos
favoritos. Não foi autossabotagem. Eu amo o meu trabalho. Fui apenas um
cabeça oca que pressionou o botão errado no aplicativo do Twitter e muito
cheio de mim mesmo para assumir que tuítes errados poderiam acontecer
comigo. Essas coisas acontecem quando você é fabuloso e não dorme há
três dias.
Ele segura o riso enquanto balança a cabeça.
Eu recebo muito disso.
— Você sente tanta falta assim de dormir bastante? — pergunta ele. —
Quer ouvir sobre uma criança com dentes nascendo e diarreia?
Emma sorri para mim. Seu estômago borbulha.
— Ela está com uma fralda de tamanho gigante, não é?
— Rodízio de bebê, cara. Você quer segurá-la, então assuma as
consequências.
Olho para a gracinha de cabelos loiros e bochechas redondas.
Ela sorri tanto que a baba escorre por seus dedos e braços, e ela balança
as pernas gordinhas.
O elevador soa e eu me levanto.
Porque a probabilidade de ser minha mãe é boa. Ela tem passado aqui
uma ou duas vezes por dia – geralmente com comida, porque ela me ama –
e ela é mestre em trocar fraldas de bebês.
Outro som sinistro vem de Emma. Ela aperta os lábios e a boca, e, ah,
porra, aqui vamos nós.
Corro em direção à cozinha e à entrada do apartamento, e assim que vejo
um corpo, empurro Emma em direção a ele.
— Ei… bebê?
Uma piscada tarde demais, e percebo meu erro.
Não é minha mãe.
Ou minha irmã.
Ou mesmo Charlie, que provavelmente se viraria e levaria meu cartão de
crédito de volta para a loja, porque Emma, de fato, tem um distúrbio
intestinal, e ela solta tudo assim que Sarah se agarra a ela.
É um desapego longo e demorado, e ela não está com uma fralda de
tamanho gigante, mas com certeza vejo puro e absoluto horror no rosto de
Sarah, enquanto ela silenciosamente me pergunta o que diabos eu fiz agora.
Porra.
Acabei de entregar à minha namorada falsa uma bomba de cocô de bebê.
E está vazando.
Tudo.
Nela.
— Ah, carambolas — resmungo.
E se o olhar em seu rosto é alguma indicação, essas serão as últimas
palavras que eu vou proferir.
21

Até agora, aprendi muitas, muitas coisas.


Aprendi que é difícil me concentrar no trabalho com pessoas falando
sobre eu ter enfiado a cara de Beck em um funnel cake e querendo saber se
eles podem conseguir seu autógrafo, além de que nunca teriam me
escolhido como o tipo dele.
Aprendi que meus pais vão passar no meu escritório só para ver sua
mesa, querida, e que meu pai tem uma alegria obscena em se preparar para
papéis em público, se isso me envergonhar.
E agora aprendi que Beck é rei quando se trata de vencer guerras.
— Você está fod… — começo, mas ele coloca a mão na minha boca.
— Orelhas virgens — sussurra ele, e então seu nariz enruga. Eu inalo e
descubro porque, e…
— Ai, meu Deus, que cheiro é esse?
Não estamos sozinhos.
Passando pela cozinha, há uma criança pequena – da pré-escola? –
brincando com uma miniatura de carro, indo para cima e para baixo nas
janelas que vão do chão ao teto com vista para o parque e as montanhas,
enquanto nos observa com olhos azuis muito sérios. E também há um
homem adulto rolando no chão e rindo pra caramba.
— Eu…você…aqui…a gente deve…
Pela primeira vez, Beck parece estar sem palavras.
Até das suas bobagens.
— Pensei que você fosse a minha mãe — ele finalmente deixa escapar.
O cara no chão ri ainda mais.
— Eu pareço com a sua mãe?
As orelhas de Beck ficam rosadas.
— Não, eu só… eu não estava te esperando, e… não que você não seja
bem-vinda. Você é bem-vinda. A qualquer momento. Dia ou noite. Eu… a
gente deveria colocá-la na pia.
O cara no chão rola de quatro e faz um esforço para se levantar.
— Ela é do Tripp — acrescenta Beck, com um movimento de cabeça
para seu outro convidado. — Muito fofa. A maior parte do tempo.
Suas mãos ficam suspensas no ar, como se ele estivesse com medo de
pegar a criança suja e se contorcendo de mim, mas sente que deveria, só
que não tem certeza onde segurar no seu vestido amarelo sujo.
Porque a coisa disparou para todos os lugares.
Para baixo de suas pernas. Até nas axilas. E no pescoço.
Seu doce sorriso de bebê vem com um guincho, e ela balança as pernas, o
que faz o material pingar nos meus sapatos.
Eu amo esses sapatos.
Amava.
São meus sapatos de coragem. Botas, na verdade – a única coisa que me
faz seguir a moda. Salto baixo, couro, teoricamente lavável, mas o couro
não absorve cheiros?
Além disso, eu não posso ficar brava de verdade, porque a bebê –
criança? Eu nunca passei muito tempo com crianças – é incrivelmente fofa
com esse sorriso enorme.
Beck gesticula sem jeito para a cozinha.
Eu seguro a bebê, enquanto ela sorri, grita e agita seus braços e pernas,
deixando um rastro de coisas de bebê da porta até a pia da cozinha, onde
Tripp finalmente nos encontra.
Ele está enxugando os olhos.
— Charmoso, cara. Bem charmoso — diz ele ao Beck antes de assumir o
controle da criança. — Tripp Wilson. Prazer em conhecê-la — diz ele para
mim.
— Igualmente. Embora eu tente me arrumar melhor quando conheço
pessoas novas.
Beck estremece, sem perceber a piada de que eu não me arrumo mesmo
para ninguém.
— Eu vou, ah… ligar para a Charlie. Ela vai te dar um pouco… — Ele
para e gesticula para minhas roupas.
— De senso de moda? — digo, impassível.
— Por… caria, é uma camiseta personalizada, não é?
Todos olhamos para minha camiseta do Einstein, incluindo a bebê, que
sopra uma bolha enorme que estoura e nos borrifa com saliva.
— Posso não ter bom gosto, mas tenho consistência — digo.
— Você tem um gosto incrível — Beck me garante.
O elevador soa novamente.
— Yoo-hoo! Alguém em casa? — uma mulher chama.
— Eu disse que achava que você era a minha mãe — murmura ele. —
Além disso, prepare-se. E eu sinto muito.
Tripp se engasga com outra risada enquanto tira a roupa da bebê.
— Ah, bom, vocês todos… ai, meu Deus. Essa é a Sarah? — Uma
mulher de cabelos castanhos e olhos azuis para do outro lado da ilha e se
ilumina totalmente com alegria. — Ah, é tão bom conhecer você! Ellie tem
me contado tudo sobre as suas abelhas e a sua missão de salvar as girafas. E
você trabalha na Plantwell? Temos muito respeito pelo Gary e o Jonathan.
Ela me sufoca em um abraço antes que qualquer um de nós possa dizer
uma sílaba.
— Hum — digo, porque nunca fiz a coisa de conhecer os pais. Será que
os pais dele sabem ou estão totalmente no escuro?
— Sra. Ryder, você pode querer diminuir a pressão sobre a obra de arte
da Emma aí — diz Tripp.
Ela se afasta, olha para baixo e ri.
Ri.
— Eu não me sujo de cocô de bebê há anos. Isso me lembrou a primeira
vez que o Beck teve uma explosão.
— Mãe… — começa ele.
— Shiu, eu quero ouvir isso — digo.
— Ele tinha oito meses e estava tão entalado…
— Mãe…
— Eu também quero ouvir — concorda Tripp.
Emma grita quando ele começa a acertá-la com o jato de água.
Quero dizer, dar banho nela. E não acertando de fato.
— Tão entalado que quando ele finalmente explodiu no carro,
encontramos pedaços dele no teto semanas depois.
— Adorável — digo.
— Acho que você tem sorte de a Emma ter sujado você e não o Beck,
porque de outra forma, a gente nunca teria arrancado essa história dela —
diz Tripp, e eu decido que ele é uma boa pessoa.
— Ah, você. — A sra. Ryder lhe dá um abraço de um braço só e dá um
tapinha no nariz de Emma. — Sua barriga está chateada, pedacinho de
gente?
— Talvez eu tenha uma camiseta e um moletom que caiba em você. —
me diz Beck, enquanto Tripp e a sra. Ryder discutem os problemas
intestinais de Emma.
Não posso exatamente voltar ao trabalho de camiseta e moletom, mas
também não posso dirigir para casa e me trocar assim. Nem quero ir para
casa, ou voltar ao trabalho, e é por isso que estou aqui.
— Excelente. Obrigada.
— Por aqui.
Ele me leva para um quarto que é muito claro e limpo para ser dele.
Eu acho.
Talvez seja dele. É brilhante e alegre o suficiente. Mas não acho que
pareça muito com ele, por causa do edredom florido, pinturas em estilo
impressionista, fronhas com sua própria foto, e um recorte de papelão dele
mesmo com um polegar enfiado na cueca.
Seria muito mais a cara dele se tivesse um edredom do Pac-Man e pelo
menos três Game Boys na sua mesa de cabeceira.
Além de fotos da família.
Aposto que ele tem fotos da família em todos os lugares.
— Eu estava tentando não perder no rodízio de bebê — confessa ele,
levantando aquele braço longo para esfregar o pescoço. — Mas eu não a
teria entregado se tivesse percebido que era você.
— Só para a sua mãe? — pergunto.
Ele abre a boca, então cora.
De novo.
— Eu sou um verdadeiro merda para as mulheres da minha vida, não
sou?
— Hum.
— Eu a teria entregado para o meu pai também. Ele só não costuma
aparecer fazendo barulho como a mamãe faz.
— Hum.
— Ah! Ei. Eu nem perguntei se aconteceu alguma coisa. Está tudo bem?
Levo meio segundo para lembrar por que pensei que vir aqui era uma boa
ideia. E o fato de que, apesar do cocô de bebê, estou me sentindo
estranhamente feliz.
É o brilho residual de Beck Ryder. Tem que ser. Como se eu estivesse
absorvendo suas vibrações felizes.
— Muita fofoca no trabalho — digo a ele. — E o meu chefe estava
desconfortável com os fotógrafos vigiando o prédio.
Ele estremece.
— Desculpa.
— Não é sua culpa. Quero dizer, não de tudo. Meus pais pensaram que
era o dia de visitar a filha no trabalho. Acho que eles ainda estão lá dando
autógrafos.
Seu estremecimento está ficando mais pronunciado.
— É muito constrangedor?
— Você vai ao trabalho dos seus pais e dá autógrafos?
— Que nada, eu costumo esperar pelo leilão beneficente que eles fazem
para o hospital infantil e depois envio roupas íntimas autografadas.
E mais uma vez, o homem me surpreendeu com uma risada.
— Sério?
— Ah, sim. Ninguém quer dar lances, porque o papai comanda o leilão,
então geralmente alguém ganha por dezoito dólares e murmura algo sobre
doá-las para um evento maior de arrecadação de fundos no escritório da
esposa.
Ele é totalmente descarado. Mas não acho que tenha um ego superinflado
de verdade. Ele é muito autoconsciente sobre a constrangimento dessa coisa
da roupa íntima para isso.
Além disso, como observado, sua roupa íntima é mesmo muito
confortável.
Olho para o recorte de papelão em tamanho real no canto, e mais uma
vez, ele cora.
— Isso é… para chocar.
— Você deveria colocar uma das fotos da parte de trás. Sem a cueca.
Tenho a estanha sensação de que os seus amigos gostariam de jogar o dardo
nas nádegas de Beck.
Ele ri e aperta meu ombro.
— Ideia brilhante. E aqui estava eu preocupado com o que dar a todos no
Natal. Fico feliz por você ter tido um lugar para fugir da loucura toda.
Prometo que não vou bombardear você da próxima vez. O banheiro é por
aquela porta. Deve ter sabonete e outras coisas. Deixa eu ir buscar algumas
roupas. Volto logo.
Ele realmente tem roupas que me servem, embora as calças de moletom
RYDE fiquem apertadas na bunda e tenham que ser enroladas até meus
tornozelos – mas são tão, tão macias. E a camiseta que ele me deu ficou
quase um vestido em mim, uma camiseta escrito Heróis Despreparados… o
que diz que Levi lhe deu como uma piada. Mas pelo menos posso tomar
banho em seu chuveiro orgásmico com saídas de água na parede e na parte
de cima que são absolutamente deliciosas e luxuosas, e é a única coisa que
me dá saudades da vida em Los Angeles.
E eu nunca usei gel de banho SHYNE antes – sua linha de cuidados com
o corpo – mas, caramba, é delicioso. E tem cheiro de Beck.
Quando finalmente saio de seu quarto de hóspedes, um monte de gente se
juntou ao grupo.
Ele me apresenta Levi Wilson, irmão de Tripp, que é impossível não
perceber, porque ele é a versão Justin Timberlake de Copper Valley. E
também Hank, Waylon e June Rivers, irmãos de Cash, que têm olhos
idênticos ao integrante da boy band que virou uma estrela de cinema. E
Davis Remington, o quinto ex-membro da Bro Code, quem eu nunca teria
identificado sem a apresentação graças às tatuagens, barba e coque
masculino.
— Eles estavam do seu lado primeiro — Beck me assegura. Ele está com
o garotinho nos ombros, e eu acho que o lugar de honra do garoto tem algo
a ver com as marcas de giz de cera em todas as janelas, para afastá-lo de
mais tentações.
— Eu sempre fico do lado contrário ao do Beck — concorda Levi. Ele
está segurando Emma, a garotinha cujos intestinos gostam de fazer suas
próprias apresentações, e parece não ter nenhuma preocupação com a
possibilidade de sua calça branca se tornar uma orgulhosa dona de manchas
de cocô.
E uma observação: como os homens se safam com essa coisa de usar
calça branca?
É incompreensível. Mas percebo que são jeans RYDE, então presumo
que sejam confortáveis também.
Na verdade, alguém aqui não está usando as roupas de Beck?
— O lado contrário ao Beck costuma ser o mais seguro — concorda um
dos caras Rivers.
Charlie chega com um carrinho de supermercado cheio de comida, e eu
dou uma cheirada, e meus sentimentos por Beck Ryder podem
simplesmente ultrapassar aquela linha que tem me feito lutar tanto para
mantê-los contidos, o que é ruim, porque eu não quero voltar para uma vida
exposta aos olhos do público.
Além disso, quem disse que ele está mesmo a fim de mim de verdade?
Eu sou uma geek que deu um choque nele.
E tudo o que ele quer é recuperar sua reputação.
Ainda assim…
— Você pediu comida marroquina?
— Ah, sim, no Hersheys — responde Beck com um sorriso, e eu percebo
que ele está se censurando por causa das crianças. Será que ele poderia ser
mais real e pé no chão?
Sua mãe franze a testa.
— Comida marroquina é picante?
— É gostosa, você vai amar.
Ele não espera Charlie descarregar o carrinho, mas em vez disso
mergulha direto com todo mundo pegando caixas e sacolas e tirando pratos
e talheres.
— Ei, Charlie, Sarah, vocês vão primeiro — chama Beck.
Charlie dá uma olhada nas minhas roupas.
— Eu quero saber o que aconteceu?
— A dentição da Emma está nascendo — diz Tripp a ela.
— Ela te sujou com baba?
— Saiu pelo outro lado — corrige Tripp.
— Isso acontece sempre?
— Sim.
— Eu nunca vou ter filhos.
— Às vezes, eles também vomitam em você.
— Você não está ajudando.
— Sim, ele está — responde Beck. — Se você tiver filhos, você vai me
deixar.
— Cara, você tem problemas de dependência — diz o cara Rivers, que eu
acho que é Hank.
— Segurança no emprego não é uma coisa ruim — retruca Charlie com
um olhar voltado para ele, e que tensão é essa entre eles?
Beck coloca James para baixo em um banquinho na ilha e, enquanto eu
preparo um prato, ele convence o garoto a experimentar um kebab de kafta.
— É como um hambúrguer no espeto.
— Eu coloco ketsbup no meu hambúrguer — diz James.
— Carinha, você tem bom gosto. Hank, pega uma garrafa de ketchup na
geladeira.
— Eu não sabia que ele ia dar uma festa — digo baixinho para Charlie.
Ela bufa suavemente.
— Não foi planejado, mas uma vez que você está por aqui há tempo
suficiente, você aprende a antecipar essas coisas. Se não fosse um dia de
trabalho, eles estariam na sala de jogos e a Ellie e o Wyatt estariam aqui
também. E o Davis não costuma vir em dia de semana, isso é estranho.
— Turno da noite — diz ele a ela enquanto pega uma colher e serve um
pouco de cuscuz. — A distância.
Ela ainda está apertando os olhos para ele como se fosse estranho.
— Ele é um agente secreto — June me diz.
Davis revira os olhos.
— Dupla graduação em Ciência da Computação e Engenharia Nuclear —
acrescenta June. — Receita total para ser um agente secreto. Mas fingimos
que não sabemos e acreditamos na história dele de que trabalha naquele
reator nuclear ao sul da cidade, para manter a polícia federal longe da gente.
— Você é louca — diz Hank a ela.
— Você só está bravo por não ter inventado essa teoria da conspiração
primeiro — diz Charlie.
June acena.
— Isso aí que ela disse.
Hank resmunga e vira as costas para as mulheres para pegar um prato.
Levi e Tripp exigem que eu me sente entre eles na sala de jantar arejada,
que também tem janelas do chão ao teto, mas elas dão para o resto dos
arranha-céus do centro. Mink Arena aparece entre os prédios, embora eu
não consiga ver o Duggan Field.
Os irmãos me enchem de perguntas sobre onde estudei, há quanto tempo
estou em Copper Valley, onde eu morava na cidade antes de comprar minha
casa, há quanto tempo crio abelhas e quando comecei a blogar.
É diferente de qualquer festa em que já estive com pessoas famosas,
porque ninguém menciona papéis em filmes, agentes, empresários, acordos
de patrocínio ou fofocas. Quase não tocam nesses assuntos. Davis puxa uma
cadeira no final da mesa e dá um soco em Levi por ter outro hit número um
nas paradas da Billboard.
Mas foi só isso, antes que a conversa volte para o jogo de beisebol da
noite passada.
— Bom trabalho enfiando aquele funnel cake na cara do Beck — me diz
Levi. — Todo mundo já quis fazer isso uma ou duas vezes.
— Ela tinha que aproveitar o momento — diz Tripp. — Ainda mais
porque os Fireballs não devem durar mais uma temporada.
— Espera, o quê? — pergunto.
Ele entrega a Emma um prato de frango amassado, legumes e cuscuz.
— É como se a administração estivesse tentando fazê-los perder para que
Copper Valley os bote para fora. Eles precisam de novos donos.
Ele dá um olhar para Levi, que abaixa a cabeça, mas não deixo de
perceber os outros olhares ao redor da mesa. Entre Beck e Davis. Os irmãos
Rivers. June e Tripp.
Até mesmo Charlie parou de digitar em seu celular, como se ela estivesse
tomando notas, ou talvez, ela esteja as arquivando mentalmente.
Essas pessoas são capazes de conversar sem dizer uma palavra.
Um calafrio desce pela minha espinha, porque isso é íntimo. Não a
intimidade de ser parente de sangue, mas uma intimidade de família.
E eu sinto que estou escutando uma conversa que eu não deveria saber.
— Ah, pelo amor de Deus, rapazes, tirem os cotovelos da mesa — diz a
sra. Ryder, interrompendo a conversa silenciosa que não era uma conversa
de verdade, e de fininho eu removo o meu também. Mas, quando ela sorri
para mim, tenho a sensação de que eu poderia pular na mesa e fazer a dança
do MC Hammer nua e ela ainda pensaria que eu sou perfeita. — Sarah,
onde você disse que fez faculdade? Vai ser tão bom para a Ellie ter alguém
para conversar sobre o trabalho. Não que o Wyatt não escute, é claro, mas,
às vezes, é difícil para ela fazer amizades. As pessoas sempre querem falar
com ela sobre o Beck e nunca param para conhecê-la primeiro.
Não consigo decidir se quero chorar ou abraçá-la, porque ela claramente
entende. Como é ser amada por quem é seu parente em vez de por quem
você é.
— Mãe, a Ellie foi em dois casamentos no ano passado — aponta Beck.
— Mas não de mulheres engenheiras.
— Ela cheira a sangue fresco — me diz Levi, levantando o queixo em
direção à sra. Ryder, enquanto eu pisco para afastar a ardência em meus
olhos. — Já que a Ellie está praticamente cometendo incesto ao se casar
com o Wyatt…
— Ah, para. — Ela aponta o garfo para ele. — Eles não são parentes.
— Seria como se ela se casasse comigo — diz Davis. — E a Ellie é a
minha irmã também.
Todos param e olham para ele, então uma onda de risadas se espalha pela
sala. A diversão é tão densa que é como se estivesse diminuindo a pressão
atmosférica. Eu me sinto cinco quilos mais leve, o que é um alívio, depois
da estranha tensão sobre a coisa do beisebol e meu súbito sentimentalismo
por perceber que posso confiar em cada pessoa nesta sala.
É estranho e ao mesmo tempo bom. Ninguém aqui se importa com quem
são meus pais. Eles não se importam com o quão estranha eu era no ensino
médio e antes disso. Não querem nada de mim. E eles se protegem, e
também me adotaram.
— Então o Wyatt não corre o risco de perder a Ellie para o Davis? —
pergunto a Levi.
— Nenhum de nós conseguiria, e muito menos o Davis. Ela já foi babá
dele.
— Ela não foi — diz June. — Ela era nova demais. — June se vira para
mim. — Não dê ouvidos a nada que esses caras te digam. Eles são
totalmente malucos, todos eles.
— Como se você pudesse falar isso — diz um de seus irmãos.
— Todos eles têm bom coração — insiste a sra. Ryder.
Beck beija o cabelo de sua mãe.
— Porque a gente teve você na nossa vida.
— Ownnnnn — todo mundo entoa, como se estivessem tirando sarro
dele, mas eu não deixo de perceber os sorrisos no rosto de todos.
Como se todos concordassem, mas precisam provocar Beck por uma
questão de rotina.
Emma se junta ao grupo, gritando e jogando um punhado de cuscuz pela
a mesa. Mais tarde vou pensar no motivo de Beck ter uma cadeira de bebê
em seu apartamento, mas eu já estou um pouco apegada demais.
Em particular com o quão estranhamente normal esta refeição parece,
apesar de todas essas pessoas serem basicamente estranhas para mim.
Até a grande explosão pela manhã, de qualquer maneira. Acho que tocar
no cocô da filha de um homem cria uma amizade na mesma hora.
— Ei, ei, onde está o chá? — pergunta Beck.
— Eles não fazem chá em garrafa grande para viagem — Charlie diz a
ele. — Você está sem sorte.
Ele já comeu dois pratos cheios de comida e está empilhando biscoitos
amanteigados de gergelim e o chebakia coberto de mel em outro, mas fica
tão abatido com a falta de chá que tenho pena dele.
— Tenho um bule em casa. E hortelã fresca. Só preciso de um pouco de
chá verde.
Beck sorri para mim, e parece mais genuíno do que deveria.
— Ela tem isso tudo e ainda tem a Serenity que você está procurando,
Levi.
Todos os olhos estão de repente em mim, e outro silêncio cai sobre a sala,
mas este é reverente.
— Você tem a Serenity? — sussurra Levi.
Meu rosto está ficando quente, e eu sei que está ficando todo manchado.
— Não está à venda.
— Claro que não, cara… caramba — murmura ele. — Posso tocá-la?
Só… só uma vez?
— Não o deixe tocar na nave sem conseguir algo em troca — diz Tripp.
— Ele é um pirralho mimado.
Beck está sorrindo.
— Se você quiser tocá-la, vai ter que fazer algo estúpido enquanto estiver
na cidade para tirar os paparazzi da rua da Sarah.
— Diz o rei das distrações estúpidas — dispara Levi de volta com um
sorriso.
— Você não pode negociar a minha nave — eu informo a Beck. — É
minha nave. E ele terá que passar pelo meu pai primeiro.
— Eu sei — diz Beck, com um sorriso maligno. — Eu serei a pessoa
escondida nos arbustos gravando tudo quando isso acontecer.
— Cash diz que o seu pai é legal — diz June, cautelosa.
— Porque ele não é o pai do Cash — digo.
— Vou colocar sua girafa no telão dos meus próximos dez shows —
oferece Levi.
— Ah, tudo bem, claro, use a munição pesada — diz Beck. — Cara.
Qualquer estrela do rock pode oferecer isso para ela. E você deve fazer isso
de qualquer maneira para salvar as girafas, pelo resto do ano. Mostre
também aquela girafa bebê.
— Eu vou hackear todos os sinais de TV de notícias nacionais e
transmitir o que você quiser sobre as girafas se eu puder tirar uma foto com
a Serenity — diz Davis.
Eu rio, mas paro quando percebo que sou a única rindo.
— Espera, você está falando sério?
— É a porra da Serenity.
— Eu quis dizer sobre hackear… — começo, mas James me interrompe.
— A porra da Serenity! — grita ele.
Tripp dá a Davis um olhar de você é um homem morto e, desta vez, todo
mundo ri.
Eles são uma família grande, feliz e muito louca.
E eu tenho a estranha sensação de que, se eu tivesse crescido com eles,
eu teria gostado das pessoas tanto quanto Beck.
22

A bunda da Sarah fica incrível na minha calça de moletom.


Eu acho. A camisa está cobrindo a calça, mas a camisa também está
abraçando suas curvas, e, sim, definitivamente incrível.
Ela balança de um lado para o outro enquanto olha pela janela para a
vasta extensão do Reynolds Park. O zoológico fica do outro lado. Eu
poderia levá-la lá, fazer uma visita privada à Perséfone.
Inferno, ela provavelmente pode conseguir uma visita privada ela mesma.
Mas se eu oferecer, ela vai parar de balançar, e eu vou ter que parar de
olhar para sua bunda.
Eu me mexo, desconfortável, no sofá, onde estou fingindo verificar meu
e-mail e mensagens no celular, porque minhas calças estão ficando
apertadas.
— Eu deveria estar no trabalho — diz ela.
A culpa me atinge e enfia uma torta de creme na minha cara. E não é do
tipo bom com chantilly de verdade. Esta tem sabor artificial de banana, e eu
não gosto.
— Você pode trabalhar a distância? A Ellie faz isso às vezes quando eu
apareço nas notícias e as pessoas ficam perturbando demais.
— Posso, mas não quero. — Ela se vira, e consigo desviar o olhar de sua
bunda antes que ela me pegue observando.
Tripp foi embora para que as crianças pudessem tirar uma soneca. Todos
os Rivers tiveram que voltar ao trabalho. Mamãe também. Levi e Davis
saíram para uma aparição pública para o Levi que terminará com os dois em
um bar, onde não posso ir, porque estou de castigo. Charlie disse isso
quando ela saiu para trabalhar sozinha no andar de baixo.
Se você sair deste prédio, eu vou me demitir.
Então somos só eu e Sarah.
— O que você quer fazer? — pergunto. — A gente poderia escapar para
o zoológico, ou ir para a minha casa em Naufrágio. A Ellie bateu o meu
recorde no Frogger um ano atrás e eu preciso trabalhar para recuperá-lo.
Ela morde o lábio inferior e me encara.
— Ou, sim, a gente poderia dar uns amassos — concordo, e é estranho a
facilidade com que isso sai, e o quanto eu realmente quero dizer isso.
Porque eu posso me ver deixando essa mulher se aproximar com tudo.
Eu deixo as pessoas chegarem perto o tempo todo. Não me importo se
pegarem minhas coisas, geralmente concordo em tirar fotos ou dar
autógrafo. Mas eu não as deixo me terem por completo. Não do jeito que
importa.
Suas bochechas ficam com aquele rubor manchado.
— Eu estava pensando em trabalhar no meu blog.
— Namorar, blogar, é tudo a mesma coisa. — Eu sou tão idiota. — Tudo
isso acelera o meu motor. Você precisa de um comput…ah. Certo. Deixa
pra lá.
E agora eu sou um idiota que não está fazendo nenhum sentido e que está
mais excitado porque ela está olhando para mim como se eu devesse ir para
um hospício.
Um hospício para deuses do sexo – juro que ela está a fim de mim agora
–, mas ainda assim, um hospício.
— Eu ia oferecer o meu, mas derramei café em cima dele hoje de manhã
— digo a ela, sem jeito.
— Eu tenho um computador lá embaixo, no meu carro.
— Ah.
Suas sobrancelhas franzem.
— Você derrama café nos seus eletrônicos com frequência?
— Só quando preciso sair de uma videoconferência.
— Se alguém mais me dissesse isso, eu não acreditaria.
Eu sorrio.
— Olha só para a gente, se conhecendo tão bem.
Ela cruza a sala para se sentar na outra ponta do sofá comigo e puxa os
joelhos até o peito, os quais eu não consigo ver por baixo da camisa
enorme. Ela não é magricela, parece mais com o corpo médio, com curvas
saudáveis em todos os lugares, mas eu tenho os ombros dos Ryder, o que
torna difícil passar por batentes de portas e comprar camisas normais às
vezes. Por causa disso, minha camisa fica muito grande nela.
— Eu não sou totalmente contra a ideia de dar uns amassos, mas você
deve ser uma decepção — me diz ela, e todos os pensamentos sobre roupas
saltando pela janela e voando para o chão, quarenta e poucos andares
abaixo.
— Só há uma maneira de descobrir — digo, indo para o meio do sofá e
jogando meu celular para o outro lado da sala.
Ela levanta a mão.
— Eu disse que não sou totalmente contra. Há uma grande margem de
erro sobre o quanto eu sou mesmo contra.
— Ok. Fala qual é problema, e eu vou resolver.
— É você.
— Eu? Eu não sou um problema. Eu sou fantástico pra caralho em dar
uns amassos.
— Minha mãe me disse uma vez, quando eu era nova demais para ouvir
isso, que a razão pela qual ela e meu pai davam certo juntos era que ele
deixava seu ego de Hollywood na porta do quarto e sabia que tinha que se
esforçar se quisesse vê-la nua com frequência.
Abro a boca, depois fecho, porque literalmente não há nada de bom que
qualquer um possa dizer sobre os pais no quarto.
— Então — continua ela, no silêncio constrangedor que estranhamente
não está fazendo nada para aliviar a pressão no meu pau —, aqui temos a
minha pessoa, com alguns amantes muito satisfatórios no meu passado; e
você, feliz em dizer que é muito bom em dar uns amassos.
Agora estou ficando chateado.
E isso ainda não está fazendo nada para ajudar com o inchaço nas minhas
calças.
Um inchaço saudável, quero dizer. Nada que precise ir ao meu médico.
Além disso, tenho quase certeza de que ela está me provocando de
propósito, se divertindo muito me vendo inquieto, e que ela quer que eu a
jogue por cima do ombro, a carregue para o meu quarto e a faça gritar meu
nome.
Só que eu estou quase fazendo isso, mas já fodi as coisas o suficiente na
semana passada no que diz respeito a Sarah.
— Amantes satisfatórios — repito.
Ou possivelmente zombo.
— O duplo O não é um mito.
Porra, merda.
— E você acha que eu não posso te dar um duplo O.
— Eu não faço ideia, mas você já tem vários pontos contra você.
— É uma analogia a um experimento científico ou ao beisebol?
Ela não está ficando menos vermelha, mas está se esforçando, e há um
pequeno sorriso surgindo em seus lábios.
— As pessoas são complexas, você mesmo disse. Então, por que não
posso ser os dois?
— Estou tão excitado e chateado agora, e não sei como isso aconteceu.
— Eu não estou tentando te insultar — ela me assegura. — Só…
expressando as minhas dúvidas. Ainda mais por causa da natureza
temporária da nossa necessidade de contato. Mas já que você falou sobre
dar uns amassos, pensei em ser honesta.
— Você pode dizer isso naquela voz rouca que o seu pai usa? Talvez
pode ajudar a situação do tesão, já que estamos sendo honestos.
Ela esconde um sorriso, as bochechas ainda brilhantes com o contorno
vermelho.
— Você já deu a uma mulher um orgasmo duplo?
— Eu… — Não consigo encontrar o resto das sílabas para formar uma
frase, porque, porra. O aquecimento global está acontecendo aqui na minha
cobertura. Engulo em seco, me obrigo a olhá-la diretamente nos olhos e me
preparo para confessar mais do que já confessei a uma alma viva, o que é
um pouco aterrorizante, mas ainda não o suficiente para aliviar o tesão. —
Eu não tenho tanta experiência quanto minha carreira pode fazer parecer
que eu tenha.
— Você é virgem?
— Não. Mas eu não… Olha, o problema de ser famoso é que às vezes as
mulheres querem dormir comigo, mas elas não se importam com nada além
do fato de estarem dormindo com O Beck Ryder! E eu não sou… eu sou
mais do que apenas um idiota com dinheiro pra caramba e um rostinho
bonito. Então, eu sou exigente. Muito exigente. E na maioria das vezes, isso
significa que fico um tempo na seca.
— Você fica solitário — diz ela, baixinho.
Como se tivesse entendido de verdade, apesar do fato de ela claramente
ter mais experiência do que eu em sexo.
Eu nunca teria usado essa palavra, mas…
— Sim.
— Terminei com o meu último namorado porque não queria que ele
soubesse quem eram os meus pais.
— Ele… deixa pra lá.
Ela sorri com tristeza.
— Sim. Mas qual era o sentido se eu não o deixava entrar aqui? — Ela
bate na cabeça, depois no coração. — Ou aqui, eu acho.
Eu me aproximo e aperto a mão dela, porque ela está ali tão perto, e
porque eu sei uma coisa ou outra sobre manter as pessoas afastadas. E sobre
não saber se alguém gosta de mim de verdade, ou se gostam de quem eles
pensam que eu sou.
É por isso que sou tão agradecido pelas pessoas da minha cidade natal.
Posso não ter alguém aquecendo minha cama todas as noites, mas tenho
uma família. Minha família, que não vai me acusar de ser pai de filhos que
não são meus. Isso é uma merda tremenda, a propósito, porque eu adoraria
ter filhos um dia. Aqui ninguém vai tentar tirar vantagem de mim por não se
importarem com quem eu sou de verdade.
Ela aperta minha mão de volta, e com a Sarah, eu não sei se isso significa
um obrigada ou vamos fazer uma queda de braço e eu vou chutar o seu
traseiro, mas eu gosto da sua mão na minha.
Suave, mas forte.
Tão confortável.
E tão fácil apenas ficar sentado aqui, sem dizer nada. Com uma mulher
que eu nunca deveria ter conhecido, mas que está rapidamente se tornando
uma das minhas pessoas favoritas, mesmo quando ela me faz ficar
envergonhado.
Deve ser porque ela faz parte de uma raça rara de pessoas dispostas a me
fazerem ficar envergonhado, e que também entendem como é difícil confiar
nas pessoas em um nível íntimo.
— Você poderia me ensinar — ofereço. — Sou muito humilde para
admitir que poderia aprender alguns truques novos.
Ela ri e se levanta do sofá.
— Talvez amanhã.
— Talvez? — Isso é decepcionante.
Eu gosto dela. Confio nela. E quero ficar com ela.
Ela olha para as janelas, para o mundo lá fora.
— Ok, não é você. Sou eu. Tenho problemas de confiança.
— Eu ficaria preocupado se você não tivesse. — Ainda mais depois de
crescer sob o microscópio das celebridades. — Quer saber um segredo?
— Não sei. Eu quero?
— Eu também tenho problemas de confiança.
Ela me estuda de perto, então acena com a cabeça.
— Talvez seja bom para você.
— Sim, mas não é bom para ganhar experiência em dar a uma mulher um
duplo O.
Ela coloca uma mecha de cabelo atrás da orelha, mas não consegue
esconder o pequeno sorriso e um sutil rubor. Talvez seja mais difícil para
ela dizer do que eu posso compreender, e eu apenas ganhei pontos pela
minha própria honestidade.
— Vou pegar o meu computador — diz ela. — Charlie disse que há um
escritório um andar abaixo?
Droga.
— Sim. Deixa eu ver se as suas roupas já estão secas e eu te mostro.
Mas não vou desistir.
Porque eu gosto dela.
E não sou capaz de dizer quando foi a última vez que gostei de uma
mulher. Não desse jeito. Isso é assustador? É.
Vale a pena?
Espero que sim.
Devagar e com calma, é isso.
Até que o nosso contrato termine.
Depois não sei o que vou fazer, mas tenho tempo.
Vou descobrir.
A menos que eu foda mais as coisas nesse meio tempo.
23

Eu mal terminei um post no blog sobre uma próxima chuva de meteoros


quando Beck bate na porta do escritório.
Não que eu esteja surpresa.
Ele não parece gostar de ficar sozinho. Não me importo, porque é
incrivelmente fácil de conversar com ele.
Sobre qualquer coisa.
— Ei. Você está com fome?
Eu empurro meu computador para trás e olho para ele.
O que não é nada difícil, diga-se de passagem. Ele fica mais atraente a
cada pequena mudança em sua personalidade. Se eu não fosse tendenciosa
contra homens lindos com cabelo escuro, e olhos azuis de estrelas de
cinema, e sorrisos fáceis, e corpos perfeitamente esculpidos – sim,
incluindo os braços enormes de primata – eu provavelmente o chamaria de
gostoso.
Em vez de uma camisa de botão elegante ou uma polo, ele está vestindo
uma camiseta branca dos Simpsons. Seus jeans ainda parecem custar um
milhão de dólares, se encaixam em seus quadris finos e abraçam suas
longas pernas perfeitamente – sem dúvida de sua própria linha de roupas.
Também está descalço, o que adiciona a quantidade certa de realismo a ele.
E, de alguma forma, ouvir que ele não teve muitas namoradas aumenta
ainda mais o apelo. Em geral, não sou tão ousada ao falar sobre sexo – não
que eu tenha muitas oportunidades, porque os caras quase não batem na
minha porta –, mas foi ele que falou sobre os amassos.
Várias vezes.
Como se ele talvez não se importasse que eu esqueça de cortar o cabelo,
nunca use maquiagem e pense nas roupas como itens funcionais para o
conforto e para evitar que eu infrinja as leis de indecência mais do que
declarações de moda.
Seus lábios se contraem, como se ele não pudesse suportar o silêncio, e
com certeza, em segundos, ele começará a falar de novo. Não que eu me
importe. É meio divertido.
— É preciso muitas calorias para ter essa aparência tão boa — diz ele,
como se precisasse explicar por que está com fome novamente.
— Se eu comesse tantas calorias assim, pareceria um dirigível.
— Você malha?
— Aulas ocasionais de ioga e taekwondo quatro dias por semana. Menos
esta semana, porque o meu pai foi ver o estúdio ontem à noite e brigou com
o grande mestre sobre as janelas na frente do prédio, então eu tenho que
esperar até os meus pais saírem da cidade e depois enviar algum tipo de
presente como pedido de desculpas.
— As artes marciais não deveriam estar acima do suborno?
— Não quando esse grande mestre em particular sabe que você tem mel
fresco.
— Seus pais deveriam conhecer meus pais. Eles vão trocar fotos e
histórias de bebês por três dias.
— Seus pais sabem? Sobre o nosso acordo?
Ele balança a cabeça.
— Beck. Você tem que contar para os seus pais.
Ele balança a cabeça com mais força.
— Mas…isso é tão… cruel.
— Você contaria para os seus pais se eles fossem pessoas normais?
— A gente não estaria nessa bagunça se os meus pais fossem pessoas
normais.
— Claro que sim.
— Não, não estaríamos, porque metade do motivo pelo qual o mundo
está shippando nós dois, ou seja lá como você chama esse negócio, é porque
eles querem a desculpa para fofocar sobre como você se sente sobre tudo
isso enquanto especulam se a minha mãe deveria estar na reabilitação.
Ele franze a testa.
— Sua mãe já esteve na reabilitação?
— Não, mas ela desapareceu na África do Sul por três meses quando sua
carreira estava decaindo e deixou as pessoas pensarem que ela estava na
reabilitação para que houvesse mais atenção e especulação quando ela
voltasse. Funcionou, diga-se de passagem. Isso foi logo antes de ela
conseguir o papel de mãe solteira e defensora dos direitos dos animais que a
fez ganhar todos os prêmios disponíveis.
— Então, você ficou sozinha em casa por três meses? Só você e o seu
pai?
— Só metade desse tempo. Ele estava finalizando um filme em Los
Angeles, então voamos para nos juntarmos a ela por algumas semanas, até
que ele tivesse que se apresentar para o próximo filme. Era verão, então eu
nem perdi aula. Além disso, tinha a babá quando ele estava trabalhando. A
única parte constrangedora foi quando voltei para a escola e os meus
professores vasculharam minha mochila do nada, porque tinham visto os
tabloides e queriam ter certeza de que minha mãe era uma mãe decente que
não estava viciando em nada.
Eu abro um sorriso, apesar de ser a verdade e ainda me fazer sentir
desconfortável, mesmo depois de todos esses anos.
Beck não sorri de volta pela primeira vez. Na verdade, ele ainda está
franzindo a testa, o que não é totalmente natural nele. Eu gostaria de que o
Beck bobão voltasse, porque há algo reconfortante sobre ele falar bobagens
e não levar nada desta semana a sério.
— Eu não acho que teria uma cabeça tão boa se eu crescesse nesse
ambiente — diz ele.
— Eu consegui encontrar o meu equilíbrio.
— Quando você mudou de nome e desapareceu do outro lado do mundo.
Isso é extremo.
Ele provavelmente está certo. Não existe equilíbrio para uma criança de
Hollywood.
— Acho que eu estaria bem se não fosse por… você sabe — digo
lentamente.
— O incidente do Hagrid.
Eu tremo.
— Voldemort? — diz ele.
— O quê?
— Você deveria fazer essa cara quando eu disser Voldemort, não quando
eu disser Hagrid.
— Eu não me vesti como o Voldemort e coloquei meu rosto em todos os
tabloides juntamente com rumores de que a filha geek de Sunny Darling e
Judson Clarke estava envolvida em jogos sexuais de bruxos malvados.
— Você gostava mesmo de se fantasiar?
— Eu tinha dezessete anos. Que porra você acha?
— Acho que você precisa controlar a história, torná-la pública e superar
isso.
Se eu não soubesse que é fisicamente impossível meus globos oculares
saírem da minha cabeça, eu estaria tentando segurá-los neste momento.
Sem mencionar fazer um bloqueio nas costelas para que meu coração não
saia do meu peito.
— Você acabou de me dizer para superar isso?
Ele sorri.
— Não, eu disse para você controlar a história. Vamos lá, bora fazer
outro vídeo.
— Primeiro, bora fazer um vídeo não é algo para se dizer a uma filha de
celebridades. Segundo, não temos que fazer outro vídeo até sexta-feira. Está
no contrato.
— Foda-se o contrato. Essa é a sua vida. Vou entrevistá-la, você conta o
seu lado, fala sobre como foi estar constantemente sob os holofotes que
você nunca pediu para estar, e você pode ser uma heroína para todas as
crianças crescendo sob um microscópio neste instante. Como o James e a
Emma. Mais ou menos. Ou qualquer outra criança que esteja passando pelo
inferno por causa de qualquer rumor.
— Isso é baixo.
— Você quer salvar as girafas, mas não quer dar esperança às crianças
que têm medo da mesma coisa que você passou, da qual você se recuperou?
Meu coração está acelerado e minha boca está seca, porque ele tem
razão.
Um ponto muito sólido e muito poderoso.
— Você é malvado.
— Tenho os meus momentos. E, sim, minha mãe está muito orgulhosa de
mim.
— Eu não quero falar sobre isso.
Ele puxa uma cadeira de debaixo da mesa em que estou sentada e a traz
para perto, depois se senta, se inclinando em minha direção.
— Sarah. A história já vazou. Minha equipe está atendendo ligações de
todas as principais redes de notícias querendo entrevistas exclusivas com
nós dois, e eles estão perguntando sobre mais do que apenas a cobertura que
fizeram do seu baile. Eles estão falando sobre toda a sua infância. Garanto
que os seus pais também estão recebendo essas ligações, e eu sei que você
está ignorando os e-mails do seu blog. Então pegue essa história, controle-a
e conte a sua versão. Nos seus termos, de uma forma que só você saia
ganhando com isso.
Ele bate no meu peito, no alto, mas ainda no topo do meu seio esquerdo,
bem onde meu coração está lutando para se agarrar na borda e não cair do
penhasco em que está pendurado.
— Gosto mais do Beck bobão do que de quem você é agora — digo a
ele, mas minha voz está rouca e grossa.
— Pensa nisso. — Ele se afasta, fica de pé e se espreguiça, mostrando o
abdômen de bilhões de dólares quando sua camisa levanta. — Estou
pensando em comida mexicana. Não me lembro da última vez que comi
fajitas. Você gosta de carne ou frango?
— Dos dois — grita Charlie de seu pequeno escritório do outro lado do
corredor. — E vá comprar um computador novo, porque estou cansada de
checar o seu e-mail, mas depois volte para este prédio.
— Só faz uma hora que você está checando — grita ele de volta.
— E já é tempo suficiente. Por que você ainda assina metade dessas
coisas? Você precisa de uma limpeza no e-mail.
— Ela estava ouvindo? — sussurro.
— Ela é um robô — sussurra ele de volta. — Então, provavelmente sim.
Mas ela é super confiável. Eu mesmo a programei.
Merda, agora estou rindo no meio de um quase ataque de pânico.
— Isso é aterrorizante.
— Eu me vesti como a sra. Potts no show de talentos do primeiro ano do
ensino médio e cantei I’m a Little Teapot — fala Charlie —, mas acabou
saindo como “I’m a Little pee pot”, e o time de futebol colocou sacos de
urina no meu armário todos os dias por duas semanas inteiras depois disso.
Se eu não soubesse como detonar bombas de fedor no vestiário deles,
também acabaria mudado o meu nome e me mudado para a Libéria.
— Isso é horrível — digo.
— Está no YouTube, mas eu não viralizei, porque algum ator idiota foi
pego tentando fazer um buraco em um carvalho quando estava chapado na
mesma semana.
Olho para Beck.
— Carne bovina? Frango? Os dois? — pergunta ele. — Eu posso comer
tofu, mas teriam que ser seguidos de meia dúzia de churros e sorvete na
chapa, o que significa que vou precisar correr, mas não posso correr até
todas as aulas de ioga acabarem no Reynolds Park durante o dia, já que a
minha esteira e eu não estamos nos falando.
— Dá para ver agora por que os seus pais tiveram que manter os
empregos diários — digo, ganhando uma risadinha de Charlie e um sorriso
sem vergonha de Beck.
— Pode apostar — diz ele. — Os dois então. Mas nada de feijão frito. A
gente aprendeu essa lição da maneira mais difícil, não foi, Charlie?
— Fale por você, Ryder. Meus peidos cheiram a flores.
Eu deveria estar no trabalho, lidando com um problema de habitat de
sapos em um local proposto para um moinho de vento.
Mas o tempo livre desta tarde valeu a pena.
E isso tudo mal começou.
24

Acordo na quarta-feira de manhã esperando mais do mesmo, como nos


últimos quatro dias. Alguns dias passei me escondendo, outros,
atormentando a Sarah, o que é divertido. Juro que ela fica mais bonita a
cada sorriso, além disso, eu tive alguns sonhos quentes com ela e xarope de
bordo ontem à noite, e agora estou desejando waffles. Tive algumas
teleconferências, conversas com Vaughn, algumas mensagens de texto no
grupo com os caras, e talvez uma ameaça ou dezessete delas do pai de
Sarah.
O que eu não esperava é ver um focinho da porca bem na altura dos meus
olhos.
— É melhor você não estar nu aí embaixo — diz Sarah —, porque a
Cupcake gosta de salsicha.
Faz muito tempo que não sorrio antes mesmo de sair da cama.
— Bom dia, querida — digo quando ela entra em foco na porta. Ela está
segurando a coleira, o que significa que a porca está moderadamente
contida. — Sentiu tantas saudades assim?
— Vamos fazer o vídeo — responde ela.
— Você quer tomar banho primeiro?
— O quê? — Ela cheira as axilas — Já tomei banho.
— Eu quis dizer comigo. Pelados. Se vamos fazer esse vídeo, você me
deve lições sobre orgasmos duplos.
— Diga isso para a minha filha de novo, e eu vou cortar os seus mamilos
e enfiá-los no seu cu — rosna o pai dela.
— Ah, porra! Meu Deus! Merda! Desculpa, senhor. Não te vi aí.
— E eu vou enfiar suas bolas nas suas narinas — continua ele, e eu não
acho que esteja praticando para um papel.
— Desculpa, senhor. Desculpa.
Sarah está rindo enquanto puxa a porca para longe.
— Deixe-o em paz, pai. Ele ainda deve estar sonhando e pensa que está
falando com uma costela de primeira.
— E eu vou cortar o seu pau e descascá-lo como uma banana e dar para
os macacos do zoológico — acrescenta Judson.
— Pai. Foi longe demais. Isso é nojento. E macacos são vegetarianos.
Começo a corrigi-la, mas percebo que não vai ajudar no meu caso.
— Eu não entendo por que você deixa alguém entrar aqui — Sunny
Darling me diz, porque pelo visto é o dia de trazer seus pais para o quarto
do namorado falso. — Sua segurança é terrível.
— Mãe, ele me deu o código do elevador.
— Você e essas dezessete pessoas que já estão no apartamento dele.
Existe alguém nesta cidade que não saiba como entrar aqui?
— Mãe, você vai vê-lo nu se ficar mais tempo aí. Vamos. Já o
acordamos. Agora vamos encontrar os abacates.
— Quem é o malvado agora? — murmuro para mim mesmo enquanto
pego meu celular.
Trezentos e-mails e noventa e oito mensagens não lidos desde a meia-
noite.
Hora de mudar de número, de novo. E de e-mail também.
E desta vez, vou só dar o meu contato para os caras, mesmo. E a Ellie e
aos meus pais. E a Charlie.
E ao Vaughn, por necessidade.
Talvez.
E com certeza para a Sarah.
Tomo banho rápido e visto meu jeans RYDE favorito com uma camiseta
velha da Bro Code, porque foram dias de glória, cara. Além disso, ela é
super macia. E já tem manchas de mostarda.
Minha mãe está na cozinha fazendo panquecas com mel e bacon. Dou um
beijo na cabeça de Sarah, em parte para fazer a mandíbula de Judson
tensionar, mas principalmente porque ela cheira a mel de novo e estou
ridiculamente feliz em vê-la. Ela me deu uma aula no Donkey Kong ontem
à tarde antes de pedir para sair com Mackenzie para o jogo de beisebol, e eu
senti saudade dela.
Eu também sinto saudade da minha mãe, então eu a envolvo em um
grande abraço.
— Eu já te disse que você é a minha mulher favorita em todo o universo?
— Beckett Ryder, isso não é jeito de falar na frente da melhor chance
que eu tenho de te casar — sussurra ela.
— Mas ele não está errado — meu pai diz a ela da mesa de jantar, que é
de fato do tamanho de um quarto, e grande o suficiente para vinte lugares.
— Você é a melhor mulher de todo o universo.
Ela cora e me enxota para fora da cozinha.
— Sarah está em segundo lugar — admito. — Ela me apresentou àquele
restaurante marroquino. E me prometeu chá de menta.
Eu aceno um bom-dia para Charlie, Davis, Levi, Tripp, as crianças e
Cooper.
Cooper Rock. Segunda-base dos Fireballs. Esse Cooper.
Que está atualmente sendo admirado por Mackenzie, a qual, pelo visto,
também veio junto com Sarah hoje de manhã.
— Cara. Autografa uma bola de beisebol — digo a ele.
— Eu já ofereci e ela ficou me olhando como uma múmia congelada —
responde ele.
— Então dê para ela a sua camisa em vez disso. As mulheres não querem
bolas, elas querem algodão.
Mamãe me acerta com uma espátula na cabeça.
— Já é o suficiente saindo da sua boca hoje. E você não me disse que
teria companhia, então eu não trouxe bacon suficiente para todo mundo.
Cupcake ronca.
— Vamos pular o bacon, querida — Sunny diz à mamãe.
— Eu gosto de bacon — rosna Judson.
— Bacon do caralho! — exclama James.
— James — Tripp rosna.
Judson desce ao nível do garoto.
— Você sabe o que acontece quando você diz caralho? — rosna ele.
Sério. Ele só fala rosnando, o tempo todo.
James balança a cabeça.
— Seus testículos…
— Pai. Já chega. — Sarah o empurra para fora do caminho e se agacha
ao lado de James. — Você quer saber a palavra mais suja de todo o idioma?
— sussurra ela.
Ele assente, de olhos arregalados.
Tripp se levanta do sofá e a encara.
— Não ele não quer…
— É gororoba — diz Sarah.
James ri.
— Não é? — diz Sarah. — Não diga isso para os adultos, tá?
— Tá bom, gororoba — responde James. — Bacon da gororoba!
— Mano, você tem que se casar com ela agora — anuncia Levi.
Minha mãe funga.
Judson arranca minhas bolas com os olhos.
E Cupcake ataca um coelhinho de poeira que estava debaixo do sofá e faz
todo o móvel se mover vários centímetros.
— Panqueca da gororoba! — James grita.
Emma bate uma colher de pau em uma panela que minha mãe, sem
dúvida, ajudou a encontrar para ela.
— Ela está de roupa de mergulho hoje? — pergunto a Tripp.
— Ela está nua. Rodízio de bebê, próximo.
— Cocô da gororoba! — James grita.
Sarah se levanta e tira o pó das mãos, então marcha e agarra meu braço.
— Agora. Você. Andar de baixo. Antes que eu perca a coragem.
— Você não precisa fazer isso, querida — diz Sunny a ela.
— Não com gente como ele — rosna seu pai. — Ele não consegue nem
segurar os euranianos.
Mackenzie vira a cabeça na direção dele, lábios e testa enrugados.
— O que são os euranianos? — pergunta Cooper, e Mackenzie volta o
olhar para o deus do beisebol e, juro pela porca, ela quase desmaia.
— Mackenzie. Você também — diz Sarah. — Você é o meu amuleto da
sorte de gravação de vídeos.
— Certo! — A pequena loira se levanta e tropeça na porca. Davis a pega,
e ela fica vermelha como uma cereja. — Sarah, há muita gostosura nesta
sala. Eu não consigo lidar. Eu simplesmente não consigo.
Cupcake se aproxima para cheirar a bunda de Emma, então cai de lado.
— Você deveria ter festas em casa com mais frequência — me diz Levi.
— Você não vai fazer um show em Seattle nesse fim de semana?
— Tentando se livrar de mim?
— Sim.
— Beckett. — Mamãe me acerta com a espátula novamente. — Levi não
vem para casa o suficiente. E que vídeo é esse? Você não vai fazer um
daqueles vídeos, vai?
Passo um braço em volta dos ombros de Sarah.
— Mãe… Olha para esse rostinho. É um rosto para o qual você é capaz
de dizer não? Se ela quer que eu faça um vídeo…
Sarah me dá uma cotovelada, e meu pai ri.
Judson rosna.
Sunny suspira.
E mesmo que hoje seja quarta-feira – eu acho? – consigo imaginar todos
os domingos de manhã do resto da minha vida. Bem aqui. Oferecendo café
da manhã para as famílias. Brigando com meus melhores amigos. Matando
a porca com cheiro de cocô de bebê.
Toques furtivos em Sarah.
Faz anos que desisti do sonho de ter a minha própria família, desde que
muitas pessoas oportunistas levaram aquele pedaço da minha alma que
ainda acreditava que a fama não arruinaria minha chance de encontrar
alguém que ainda pudesse me enxergar de verdade. Mas tudo isso aqui?
É muito legal.
E está me dando esperanças de novo.
Esperanças com uma amiga bonita que precisa de uma ajudinha para
deixar um pouco de seu passado para trás.
E também algumas fantasias muito ardentes com ela no meu chuveiro. E
na minha cozinha. E na minha mesa. Coberta de mel, canela e chantilly.
Talvez seja por isso que é ela. Ela precisa de ajuda para superar seu
passado.
Talvez eu também precise.
— Pelo menos, prometa que não vai tirar a cueca — diz mamãe com um
suspiro.
— Eu prometo, ele vai ficar com a cueca — assegura Charlie a ela. —
Porque não há horas suficientes no dia para o tipo de trabalho extra que esse
tipo vídeo exigiria para recuperarmos a imagem dele.
— É para o blog da Sarah, mãe.
— Ah! O blog da ciência e das abelhas. Você tem um conteúdo
fantástico. Beck, você deveria falar com o Hank sobre otimizar o site da
Sarah e atualizar o servidor. Demora um pouco para carregar com o tanto de
tráfego que ela está recebendo.
— Pode deixar, mãe.
— Espera, o quê? — diz Sara. — Que Hank? O Hank de ontem?
— Ele é um gênio da gororoba — diz Levi a ela.
— PÊNIS DA GOROROBA! — grita James.
— Eu vou te matar com gororoba — murmura Tripp para seu irmão.
E então, a coisa mais estranha acontece.
Os olhos de Sarah ficam brilhantes, ela abaixa a cabeça e puxa meu
braço. Com força.
— A gente pode, por favor, ir logo? — murmura ela.
Meu estômago ronca, mas ignoro. Sei como fazer cara de coitadinho para
conseguir uma panqueca inteira para mim mais tarde. Mas mesmo se não
soubesse, ainda seguiria Sarah até as escadas.
— Ei — digo enquanto vou atrás dela. — O que houve?
Ela para no degrau e olha para cima, mas estamos sozinhos.
— Você tem uma família incrível de verdade — diz ela, claramente
tentando esconder o que a está incomodando.
— Um deles disse alguma coisa? Eu vou socá-lo por você. Só me diga
quem.
Ela balança a cabeça.
— Não. É exatamente isso. Eles são tão… legais. E todos vocês se
conhecem tão bem, e é muito divertido, o tempo todo. Mesmo que metade
de vocês seja perseguido por fotógrafos malucos e fofoqueiros que querem
dizer coisas ruins sobre vocês, quando estão todos juntos, são apenas… uma
família.
Tem alguma coisa aqui que não estou percebendo.
— Você sente saudade de algum primo?
— Não. Somos só eu, mamãe e o papai. Só nós três. E eu tenho me
escondido de Hollywood por mais de uma década, longe de todas as
câmeras, fofocas e tudo mais que define a vida deles, e já era assim antes de
eu nascer. Você vive isso todos os dias, mas ainda consegue ser feliz. E eles
também. Você os conhece bem o suficiente para deixá-los entrar na sua casa
a qualquer hora do dia, e eles não pensam duas vezes em aparecer, pois são
família. Uma família grande, disfuncional, hilária, perfeita e cheia de amor.
Eu não entendo exatamente por que ela está à beira das lágrimas, mas
talvez eu saiba.
Porque aquele olhar em seu rosto é exatamente como eu me senti
naquelas poucas horas em que pensávamos que poderíamos perder Ellie. A
maneira como me senti quando recebi a ligação de que Tripp havia perdido
Jessie, e o vendo passar por tudo aquilo depois que ela se foi.
Como se eu finalmente tivesse percebido a coisa boa que tinha com as
pessoas que eu amo e que me amam e, num instante, tudo poderia
desaparecer.
— Você nunca esteve conheceu famílias grandes?
Ela balança a cabeça.
— Você pode ter um pouco da minha. Vou compartilhar com você.
Ela dá uma risada relutante.
— Você é tão doido.
— Obrigado.
— Sério, como? Como você se mantém normal?
Eu coloco uma mecha de seu cabelo para trás de seu rosto, e, porra, é tão
macio. Vou entrar na internet assim que terminarmos esse vídeo e pesquisar
no Google como dar um orgasmo múltiplo a uma mulher. Juro por Deus
que vou, embora tenha certeza de que conseguiria sozinho, porque há tantas
coisas que gostaria de fazer com ela, se ela deixasse…
— Posso te contar um segredo? — murmuro.
— De repente, fiquei apavorada — responde ela, com um sorriso que não
chega a iluminar aqueles grandes olhos castanhos.
— Na verdade, eu não sou normal.
— Acho que isso não é segredo.
— Pois é, mas a maioria das pessoas pensa que eu não sou normal porque
me acham incrível. A verdade é que eu sou um grande bobão.
— Mais uma vez, eu não acho que isso seja um segredo.
— Você não teria dito isso uma semana atrás.
Seus lábios se separam, mas ela os morde com uma carranca.
— Tudo bem — digo a ela. — O truque é encontrar as pessoas que são
capazes de olhar além dessa grandeza para a pessoa sob toda a fama. E eu
os conquistei naturalmente. Esses caras? Crescemos jogando bola, indo para
o cinema e brigando pela vez de jogar no PlayStation. A gente não se
chamava de Bro Code, código dos caras, porque estava na moda. Mas sim
porque foi desse jeito que crescemos. Todos nós da vizinhança somos como
irmãos. E se você me perguntar quem é o meu melhor amigo de todo o
universo, sem dúvida, todas as vezes eu vou te dizer que é o Wyatt. Ele é
militar, ganha uma porcaria de salário e tem que enviar metade para a ex-
mulher. Deu a entrevista mais constrangedora que já vi para um canal de
TV local há alguns meses. Ele não foi feito para esta vida, mas é o primeiro
a me ligar quando estou ficando arrogante demais, o primeiro a me irritar, e
o primeiro a aparecer com uma pá quando a gente precisa enterrar um
corpo. Ele é tão normal quanto parece e é um dos meus irmãos. Não dá a
mínima para quanto dinheiro há na minha conta bancária, porque ele me
conhecia quando eu tentei convidar uma garota para o baile escrevendo o
nome dela em papel higiênico no gramado da frente da escola, no meio de
uma tempestade.
— Ai, meu Deus, Beck, só você para fazer isso — diz ela, com um aceno
de cabeça.
— Ninguém mais acreditaria nessa história.
— Ah, acho que eles iriam, sim.
— É o que a minha irmã diz também.
— Então, agora eu sou como a sua irmã.
— Não, você com certeza é algo mais.
Ela prende a respiração, e seus olhos ficam cautelosos novamente.
Percebo que a apoiei contra a parede, minhas mãos em seus quadris macios
e meu rosto a centímetros do dela.
— Eu estou invadindo o seu espaço — digo, baixinho.
Mas não me movo.
E ela não me afasta.
— Eu nem percebi — sussurra Sarah.
— Sou tão esquecível assim?
— Mais para confortável.
— Eu diria magnético e sexy, mas acho que posso aceitar o confortável.
Melhor do que fedorento, ou intolerável.
— Beck?
— Sim?
— Cala a boca e faça algo sobre estar no meu espaço antes de deixar os
meus problemas de confiança tomarem conta de novo.
É esse sorriso que me faz entrar em ação. Aquele sorriso doce, divertido,
que diz sim, você mexeu comigo, me faz abaixar a cabeça e esfregar meus
lábios contra os dela.
Macios pra caramba. E cheios. Sinto o cheiro de mel.
Seus dedos se enrolam em minha camisa, e eu chupo seu lábio inferior,
enquanto seus olhos se fecham, e uma respiração doce e trêmula escapa.
Beijá-la é como descobrir um novo sabor de sorvete. Doce, perfeito, e
ainda melhor. Com um sabor mais profundo, um finalzinho mais suave, que
deixa tudo mais fresco.
Ela pressiona seu peito contra o meu e separa os lábios, sua língua
fazendo um movimento hesitante, e, porra, eu deveria ter pesquisado
orgasmo duplo ontem à noite em vez de me masturbar enquanto fantasiava
sobre ela, porque se eu não for capaz de corresponder às suas expectativas,
estou ferrado.
Demais.
Hora de jogar a toalha, aceitar que esta é a minha vida, exatamente como
ela é, e nunca terei mais nada.
Mas eu quero ser bom.
Eu quero ser bom pra caralho para ela. O melhor que ela já teve.
Não deveria. Temos um contrato. Ela odeia publicidade e eu não posso
fugir disso.
Tudo isso é uma péssima ideia.
Com relutância, me afasto, mesmo que eu queira continuar beijando até
não conseguir respirar ou pensar.
— Melhor assim? — sussurro.
Ela encosta a cabeça no meu ombro, escondendo os olhos, ainda
segurando minha camisa.
— Preciso de mais um minuto.
— Sem pressa. Estou de castigo até sábado. E se você precisar de mais
beijos, meus lábios estão aqui o dia todo.
Sua risada suave é tudo o que eu preciso para saber que vamos ficar bem.
E quando ela me deixa envolvê-la em um abraço, não parece um favor
para um amigo inesperado.
Parece muito mais.
25

Eu não deveria ter beijado Beck.


Porque agora que o beijei, não consigo parar de pensar nele. Ele está
sentado bem ao meu lado, em um sofá de couro vermelho muito confortável
de um dos apartamentos no andar debaixo, e isso está me fazendo querer
beijá-lo novamente para ver se foi um acaso ou se meu coração começaria a
palpitar, meus mamilos a endurecer e se sentiria um forte e irreprimível
desejo em minhas partes femininas.
— Tem certeza de que não quer maquiagem? — Charlie me pergunta
pela septuagésima bilionésima vez.
Beck suspira.
— Charlie. Para com isso. Ela é linda do jeito que é.
— Eu vejo isso e você também, mas os haters da internet são uns
babacas.
— Se passo muita maquiagem, dizem que pareço uma prostituta — digo.
— Se não coloco o suficiente, dizem que estou tentando demais parecer
bem na imagem. Estou confortável assim, não quero ser linda. Só quero ser
eu mesma. Tá bom? Vamos acabar com isso.
— Vamos nos divertir — corrige Beck. — Você está prestes a dizer a dez
milhões de fofoqueiros que eles estão fazendo o trabalho deles do jeito
errado.
— Estou prestes a dizer ao mundo que soltei as corujas no meu baile de
formatura do ensino médio e por isso fui rotulada como uma pervertida
sexual com uma queda por garganta profunda com pênis gigantes e caudas
de dragão.
— Ai, meu Deus — suspira Mackenzie.
Eu olho boquiaberta para ela.
— Você não buscou o meu nome no Google quando eu te disse apenas
que o meu baile foi horrível e foi mal interpretado pela mídia?
— Não. Por que eu faria isso? Não quero saber sobre a Serendipity. Você
é incrível demais como Sarah.
E agora eu vou chorar. Engulo de volta uma mina terrestre emocional, e
ela fica no meu estômago como uma bala de canhão da qual está brotando
espinhos.
— Você pode não querer ficar para ver isso então.
Ela bufa.
— Eu tirei o dia de folga para ser o seu amuleto da sorte. Cala a boca e
aceite a minha ajuda. Até porque, se você não fizer isso, eu vou ter que ficar
lá igual uma múmia congelada babando na frente da porra do Cooper Rock.
Ela termina com um olhar para Beck, como se fosse culpa dele que ela
estivesse obcecada com os Fireballs.
— Um telefonema e eu poderia chamar o time inteiro, se você quiser —
oferece ele.
Eu o empurro de leve quando todo o sangue deixa o rosto de Mackenzie
e talvez seus ombros, e braços, e abdômen. Seus pés devem estar inchando
como balões e a qualquer momento ela vai explodir, os dedos dos pés
primeiro, e me livrar de fazer o vídeo.
Pois é, eu tenho problemas.
Beck está certo.
Eu preciso encontrar uma maneira de me divertir com isso tudo.
Controlar a história.
— Mackenzie. Eles são só pessoas. Está tudo bem — digo a ela.
— Sarah. Não são só pessoas. Eles são… eles são… eles são deuses.
— Não fale para o Cooper que ela disse isso — sussurra Beck para mim.
— Meio que entendi — sussurro de volta.
— Tudo isso é divertido e constrangedor para todos os envolvidos —
interrompe Charlie —, mas vamos gravar um vídeo ou vamos falar do
Cooper Rock?
— Eu falaria muito dele se conseguisse respirar enquanto estivesse na
mesma sala que ele. — Mackenzie suspira.
Charlie empurra um celular para ela.
— Vamos fazer isso.
Solto um suspiro e agito as mãos.
— Ei. — Beck segura as minhas mãos.
Sério, esse homem também tem mãos de primata, com dedos longos que
são geneticamente improváveis de serem reais, mas nunca ouvi falar de
alongamento de dedo. Então, já que ele não é um robô, os dedos devem ser
reais, e eu suspeito que eles podem fazer coisas maravilhosas no meu corpo.
Ele coloca a mão no meu colo, apertando de leve, enquanto o polegar da
outra mão esfrega suavemente meu ombro.
— Somos só você e eu conversando com uma caixa quadrada estranha
que um dia dominará o mundo, tudo bem?
Eu bufo, indelicada. Sim, foi meio engraçado. E talvez seja verdade.
Mas era mais que apenas conversar, porque seu toque está disparando
estranhas vibrações por todo o meu corpo. Não só entre as minhas pernas e
seios, mas também nos meus joelhos, que estão formigando
agradavelmente. Nos meus ouvidos, que estão ficando quentes, e nas
minhas costelas, que parecem estar derretendo.
— Eu não sei se estou no estado de espírito certo para isso — sussurro
para ele. — Sinto que a estrutura atômica dos meus ossos está mudando de
uma construção de cálcio para açúcar em pó.
— Basta acompanhar o que eu disser, tudo bem?
Ele sorri para mim. Não aquele sorriso bobo, e também não o sorriso
super sexy, mas um sorriso real e amigável que diz eu estou aqui para te
ajudar, Sarah. E meu coração batendo forte começa a desacelerar.
— Preparada?
Passo a língua nos lábios e aceno.
Seus olhos vão para minha boca, e suas pupilas ficam grandes e
redondas, escondendo todo aquele lindo céu profundo de verão. E agora eu
não me importo mesmo que minhas costelas possam quebrar com o menor
empurrão, porque, caramba, Beck Ryder está a fim de mim.
Ele não está só fingindo.
Ele está a fim de mim.
Se ele fosse apenas um modelo de roupas íntimas insípido e superficial
que só se importasse com seus resultados finais e criasse uma fundação para
parecer bem na mídia ou para obter algum tipo de incentivo fiscal, eu
poderia descartá-lo em um piscar de olhos.
Mas esse cara?
Esse cara ama sua família, comida e vida. Ele deixa tudo mais brilhante.
Eu estou tão ferrada
Ele encosta as costas no sofá e cruza um joelho no tornozelo. Sorri para
Charlie, que está assistindo atrás de um celular em um tripé. Mackenzie
aponta para ele, e ele começa a falar.
— Ei, pessoal incrível do mundo todo. Beck Ryder aqui com a minha
amiga Sarah. Li o blog dela ontem e agora estou obcecado pelas estrelas.
— Não dá para ver as estrelas aqui da cidade — digo a ele como uma
completa nerd sabe-tudo. — Há muita luz ambiente.
— Você já viu as estrelas no Havaí? — ele me pergunta.
Ele não está com gel no cabelo, e alguns fios estão caindo, bem naturais,
como se ele tivesse acabado de sair da cama. Ah, na verdade, ele acabou de
sair da cama. Mas ele tomou banho, então não deveria estar com esse
cabelo desarrumado tão perfeito que está me fazendo querer correr meus
dedos por ele.
— Sim — digo depressa, percebendo que estou o encarando e não
respondi à pergunta. O que requer alguma verdade da minha parte. — Foi
onde vi a Via Láctea pela primeira vez. A gente costumava ir ao Havaí uma
ou duas vezes todo inverno quando eu era criança.
Ele está me observando tão de perto que não consigo dizer se é porque
ele gosta do que vê, ou se é porque ele está totalmente no modo
celebridade, esperando por um sinal de que devemos cortar o vídeo porque
eu agi como uma total bobona.
— Ah, quando você era criança. — Há uma nota de provocação em sua
voz, e o sorriso que a acompanha parece relaxar e acelerar meu coração ao
mesmo tempo.
O que é biologicamente impossível.
Claramente estou morrendo.
— Há rumores circulando pela a internet sobre quem são os seus pais —
diz ele.
— Os que dizem que eu fui adotada por um bando de guepardos e criada
por lobos são completamente verdadeiros.
E agora ele está sorrindo ainda mais, formando pequenas rugas ao redor
dos olhos. E esse olhar quente que pode não ser bem um olhar quente, mas
mais como um olhar que diz essa é a minha garota, é ainda mais perigoso.
— Criada por lobos deve ser mais preciso, né?
— Isso — concordo, suavemente.
— Quantos anos você tinha na primeira vez que seus pais foram
assediados pelos paparazzi?
Franzo a testa.
— Sei lá. Não consigo me lembrar de uma época em que não fosse
normal ir a qualquer lugar em Los Angeles com eles e ter pessoas gritando
seus nomes e tirando fotos.
Ele sorri e balança a cabeça.
— Que foi? — pergunto.
— Uma vez, quando eu tinha…uns treze anos? Quatorze? Algo assim.
Os caras e eu, todos os caras da vizinhança, colocamos os nossos alarmes
para as duas da manhã numa noite de dia de semana, saímos pela janela e
nos encontramos para colocar o dinossauro gigante que compramos num
desses bazares, na janela do quarto do diretor da escola.
Eu fico boquiaberta.
— O que… mas… como?
— Ah, um de nós tinha idade suficiente para dirigir. Não tão bem com
aquela carreta presa a ele, usamos cada centavo que a gente ganhou
cortando grama naquele verão, juro que fizemos isso. Porque tivemos que
comprar a carreta também, mas conseguimos. Compramos aquele gigante…
qual é o dinossauro com o pescoço comprido? A girafa dos dinossauros?
— Você está inventando. — Estou sorrindo enquanto o chamo de bobo,
porque não pode ser verdade.
— Não estou — diz ele. — Como se chama aquele dinossauro? Eu nunca
consigo lembrar.
— Brontossauro? — sugiro. — Ou um braquiossauro?
— É. Um desses. De qualquer forma, a gente fez isso. Montamos tudo no
gramado da frente da casa do diretor, posicionamos da maneira certa. E
aquele negócio era pesado, precisou oito de nós para movê-lo, e depois
voltamos para casa e escondemos a carreta na garagem da casa vazia, a
alguns quarteirões de distância. Cheguei na escola naquela manhã e todo
mundo estava falando sobre a maior pegadinha que já fizemos.
— Ai, meu Deus, foi você! — sussurra Mackenzie. — Eu lembro disso!
Charlie a silencia baixinho, mas Beck aponta para ela e pisca.
— Legal, não é?
— Ainda está lá.
— O quê? Sem chance.
Ele aperta meu joelho.
— Vamos fazer uma visitinha. Eu vou te mostrar.
— Por quê?
— Porque você não acredita em mim. — Seus olhos estão brilhando, e eu
sorrio tanto que estou quase dando risada.
— Não, tipo, de todas as brincadeiras que você poderia fazer, por que
aquela? É meio… tosca.
— Você só está dizendo isso porque está com inveja de não ter tido essa
ideia primeiro.
— Se eu tivesse feito isso, os tabloides teriam dito que a filha de Sunny
Darling distorceu o continuum espaço-tempo e trouxe de volta dinossauros
de verdade. Ou que eu os inventei a partir de amostras de DNA que roubei
de um museu.
— Exatamente. A gente fez isso, e, bem, agora tenho a sensação de que
algumas mães estão se preparando para soltar os cachorros para cima da
gente, mas ninguém sabia que havia sido a gente. Se você tivesse tido essa
ideia, acabaria sendo seguida pelos paparazzi por semanas, e eles só
esperando você cometer algum erro. Deve ter sido uma merda.
— E foi mesmo — concordo, com um suspiro. — Você se livrou depois
colocar um maldito dinossauro no jardim da frente do seu diretor. E a vez
que eu espalhei gel no cabelo antes de tirar todos os nós e depois esguichei
spray desembaraçante no olho quando o estilista da minha mãe estava
tentando ajudar a arrumá-lo, eles tiveram que pagar os paparazzi para não
publicar as minhas fotos entrando na escola.
— Que merda, Sarah. Isso é um saco.
Controle a história. Controle a história. Dou de ombros e faço uma piada
no estilo Beck.
— Sério, que garota de dezessete anos não teve um dia de cabelo ruim?
Seus olhos se arregalam, e eu me permito sorrir.
— Brincadeira. Eu tinha seis anos. Mas os meus pais pagaram mesmo os
paparazzi. E essa é a única vez na minha vida que eu tive o cabelo curto de
verdade. Fica bom no meu pai, mas em mim, fico parecendo um poodle.
Seus olhos estão suavizando.
— Você devia ser uma fofa.
— Você pode até achar isso, mas eu assustei as criancinhas e os animais
de estimação exóticos.
É. Sim. Eu consigo fazer isso, porque ele está certo.
Me livrar desse peso e estar disposta a zombar um pouco de mim mesma
torna tudo mais fácil.
Como se não fosse tão real.
Talvez eu pudesse fazer uma série de vídeos no meu blog.
— Você quer falar sobre o baile? — pergunta ele, e lá vou eu, ficando
tensa novamente.
Mas estou segura aqui.
Se eu disser não poste esse vídeo na internet, ele não vai postar.
Mas talvez eu precise mesmo contar o meu lado da história. Mesmo
sabendo que as pessoas vão distorcer e me chamar de idiota, e feia, e
prostituta. Embora eu não saiba como você enfia uma prostituta numa
história de coruja, mas é a internet, então é claro que vão falar essas coisas.
Talvez seja hora de realmente encarar isso tudo.
— Eu estava na turma dos geeks no ensino médio, e devia haver uns seis
ou oito de nós que ficavam nos corredores, trocando cartas de Harry Potter
antes da aula e durante o almoço. Então pensamos que seria divertido ir ao
baile vestidos como todo o elenco. Quem não gosta de Harry Potter, não é?
— Não é a Buffy, mas sim — diz Beck. — É legal. Mesmo que todos
saibam que bruxos não são reais.
— Não como os vampiros?
— Exatamente. Você foi vestida de Hermione?
Dou de ombros.
— Eu tinha o cabelo que combinava. E o meu pai conseguiu alguns
adereços de um dos sets de filmagem, o que achamos bem legal, ainda mais
porque a maioria dos meus amigos não tinha pais na indústria do cinema. E
a minha mãe conhecia um cara que criava corujas para os filmes, então
quando eu perguntei para ela se a gente poderia conseguir algumas corujas,
ela ligou e disse que estava tudo arranjado, que teríamos duas ou três
corujas… e o treinador, para ir com a gente na noite do baile.
— Seus pais são muito incríveis — diz ele.
— São mesmo. — Sorrio e deixo por isso mesmo, porque eu não quero
envolvê-los mais do que já fizeram. — Então todos tínhamos nossas
fantasias, um dos meus amigos encontrou um dragão de pelúcia que era
bastante épico, pelo menos, até eu ouvir a sua história do dinossauro. Os
pais de outro amigo eram donos de um restaurante que organizou uma noite
com o tema de Harry Potter, então tivemos um delicioso jantar lá, e depois
fomos para o baile, onde era para a gente encontrar o treinador de corujas.
— Era? — ele aperta meu joelho.
— É Hollywood. Reviravoltas na trama, não é? É claro que ele não
estava lá. Liguei para a minha mãe, e ela disse que ia falar com ele, então
entramos, e, sim, as pessoas estavam olhando, mas quem não olharia?
Minha amiga Jasmine estava vestida de Hagrid. Estava até usando pernas
de pau, porque ela sabia andar nelas e também colocou uma barba peluda e
uma peruca para rivalizar com a minha. Encontramos um canto da pista de
dança e estávamos todos dançando e passando o dragão de pelúcia de mão
em mão quando as corujas chegaram.
Percebo que Mackenzie está roendo as unhas como faz durante os jogos
do Fireballs.
— As corujas não teriam sido tão ruins sozinhas — digo a ela —, mas foi
todo o pânico que começou assim que elas voaram pelo salão do baile. As
pessoas estavam caindo umas sobre as outras, tropeçando, e então os
paparazzi apareceram bem quando eu dei de cara com a virilha de Jasmine e
a derrubei, com as pernas de pau e tudo, mas não antes que uma coruja
pendurada em um dos lustres jogasse comida regurgitada no meu decote.
Beck passa a mão pela boca e balança a cabeça.
— Nossa. E eu pensei que ser vaiado do palco no meu baile de formatura
foi ruim.
— Você não foi vaiado.
Ele levanta as mãos e sorri.
— Juro pelas minhas roupas de baixo. Pergunte para o Levi e o Cash. Foi
o que nos levou a começar a praticar. A gente ia horrorizar todo mundo
ainda mais do que no baile, só que…
— Só que vocês viralizaram no YouTube e conseguiram um contrato de
gravação. Eu acabei mudando o meu nome e me escondendo no Marrocos
por um ano.
— Pois é. — Seu sorriso vacila. — Isso fede igual ovos podres.
— É o que eu ganho por me envolver com magia negra.
Ele ri, e agora que está tudo exposto, eu me sinto meio… livre.
Não totalmente sem esse peso, mas mais leve.
— Eu amei o Marrocos — digo a ele, com sinceridade. — As pessoas
foram incríveis. A comida então…
— Deliciosa — finaliza. — Ei, você me prometeu chá de menta.
— E você me prometeu que não coloca enchimento nas suas cuecas.
Ele se dobra de rir, e eu fico com o rosto quente.
— Desculpa —murmuro. — Não podia perder a piada.
Ele estende um punho, e eu bato com o meu.
— Boa jogada, senhora magia negra. Boa jogada. Você vai usar essa
magia negra para trazer aquela chuva de meteoros no próximo mês?
— Você percebe que estamos sentados a apenas alguns milhares de
quilômetros sobre um núcleo de lava derretida se arremessando pelo
universo a 100 mil quilômetros por hora? E não só em torno do sol. O sol
também está se movendo pelo universo, o que significa que estamos
basicamente nos arremessando pelo espaço em uma incrível espiral
controlada. Tipo, como isso acontece? E então, moramos neste pequeno
biodomo, onde a coisa mais importante na internet hoje será que eu fiz uma
piada sobre o tamanho do seu pacote?
Oficialmente, não poderemos postar este vídeo.
Maravilha.
Agora teremos que fazer de novo.
Mas Beck ainda está sorrindo.
— Seu blog não é só sobre salvar as abelhas e as girafas.
— O planeta inteiro é fascinante demais para postar só sobre os animais
ameaçados de extinção. Mas eles são a prioridade nesse momento.
— Como está a nossa garota no zoológico?
— Ela está completamente alheia a toda essa atenção, e está demorando
para entrar em um trabalho de parto ativo.
— Você acha que ela vai ter um menino ou uma menina?
— Sim. — Balanço meus dedos para ele. — A menos que meu truque de
magia negra para fazê-la dar à luz a gorilas funcione.
— Se você for presa por fazer magia negra ou por fazer a Perséfone dar à
luz a um gorila, posso ficar com a sua…
Coloco minha mão sobre sua boca antes que ele possa terminar de pedir
minha nave Serenity, mas estou rindo.
— Não. Isso é segredo. Shhhh.
— Ma ees oo — diz ele.
— É hora de dizer boa noite, Beck.
Ele lambe minha mão, eu grito e a afasto com uma risada atônita.
— Você me lambeu.
— A gente não pode encerrar antes de lembrarmos às pessoas de visitar o
seu blog e conferir o link do vídeo da Perséfone — ressalta. — Minha mãe
fez bacon para você de novo? Estou sentindo cheiro de bacon.
— Você sempre sente cheiro de bacon.
Ele sorri e olha para a câmera.
— Às vezes, sinto cheiro de hambúrguer e pizza também. E esse foi o
vídeo de hoje do blog de ciências Must Love Bees. Vá conferir. — Ele
pisca, e Charlie aperta um botão no celular.
— Feito — anuncia ela.
Coloco a cabeça entre os joelhos.
— E agora temos que fazer tudo de novo para que eu não faça uma piada
sobre o seu pacote.
— Ah, não, o vídeo vai subir do jeito que está — relata Charlie. —
Porque foi hilário. Vai irritar o Bruce e encantar o resto do mundo, menos
os haters que vão xingar vocês dois.
— Bruce? — pergunto.
Beck faz uma careta.
— Não é importante. Você está preocupada com outra coisa além do fato
de dizer ao mundo que eu tenho um pacotinho pequeno?
— Ai, meu Deus.
Mackenzie cai no chão, rindo tanto que está chorando.
— Ótimo — diz Beck. — Posta. Eu tenho que avisar o Levi e o Cash
para preparar as fotos de Pinto.
— O quê? — Sério, desta vez eu estou mesmo erguendo as mãos para
tampar meus globos oculares.
— Esses caras fariam qualquer coisa por mim — diz Beck.
A porta se abre, e minha mãe entra correndo com Cupcake, que guincha e
corre direto para Mackenzie, que ainda está no chão, enxugando os olhos.
Ela grita e pula de pé quando o porca tenta subir nela.
— Perdemos a gravação? Querida, me diga que você ficou vestida. E
você está pronta para ir? Marquei um horário para irmos às compras nas
butiques do centro. Não é a Quinta Avenida, mas o seu pai disse que você
não vai querer voar até Nova York no meio de uma tempestade da mídia.
— Compras. Para quê?
— Seu vestido, querida. — Ela dá um sorriso brilhante de estrela de
cinema para Beck. — E se esse vídeo envergonhar a minha filha, vou ligar
para a minha vidente em seu nome.
— Sim, senhora — responde ele.
— Que vestido? — pergunto.
— Para o jantar black-tie de arrecadação de fundos para o zoológico no
sábado à noite.
Eu olho para minha mãe.
Em seguida, para Beck, que está realmente parecendo um pouco tímido.
— São só algumas horas — diz ele. — Não mencionamos isso ainda, não
é?
O contrato.
Estou contratualmente obrigada a ir a um jantar chique, do qual pensei
que escaparia, já que não havia de fato um jantar chique marcado quando
assinei, só uma possibilidade caso Beck tivesse a sorte de receber um
convite.
E, pelo visto, meus pais estão a favor desse jantar chique para arrecadar
fundos para o zoológico, que eu claramente não posso recusar.
Uma angariação de fundos black-tie. Código para gala chique onde
pessoas com muito dinheiro falam sobre a própria importância.
— Você não precisa se vestir de forma tradicional — acrescenta ele
rápido. — Use o que faz você se sentir confortável.
— Nada de jeans ou calça de moletom — diz Charlie.
— Mas as calças de moletom RYDE são tão confortáveis — respondo.
— Porra, são mesmo. — Acena Beck, enfático. — É por isso que eu as
escolhi.
— Vocês são ridículos — declara Mackenzie. Ela aponta para mim. — E
nem tente falar que não gosta dessas porcarias chiques. Vi você na festa de
Natal e sei que você se divertiu. E lembra do casamento que o Trent te
levou? Você consegue fazer isso. E você vai arrasar. Além do mais, os
Fireballs massacraram Minnesota quando você foi ao casamento no ano
passado, então você tem que usar um vestido para ver se ainda dá sorte.
Os lábios da minha mãe se abrem.
Cupcake se senta de cócoras e torce o pescoço para olhar para
Mackenzie, como se ela tivesse um parafuso solto.
Mas Beck sorri.
Aquele brilhante e adorável sorriso que diz haha, ela te pegou.
— Não dá para discutir com isso. Você deve isso ao time e à toda a
cidade.
— Tudo bem — digo. — Mas não vou depilar as pernas.
Com certeza irei depilar as pernas.
Beck me puxa para um abraço e dá um beijo na minha têmpora.
— Obrigado, Sarah.
Estou com um problemão…
Porque eu tenho certeza de que eu teria cedido apenas pelo abraço dele,
mesmo que o que eu gostaria mesmo é de ver se aquele beijo poderia
resultar em algo mais.
— Eu não vou dizer de nada até que você convença a minha mãe a não
me fazer usar uma cinta modeladora.
— Feito.
— Nada feito — responde mamãe, secamente.
— Podemos discutir isso comendo panqueca com mel.
— Não podemos discutir isso nunca. Nosso compromisso é em vinte
minutos. O motorista está esperando, Serendipity. É hora de ir.
— Pode deixar comigo — Beck sussurra para mim. — Nada está
definido até que o ex-boy bander fale.
— Amador. — Mackenzie funga. Ela dá um passo para o meu lado e
enlaça o braço no meu. — Eu te protejo, Sarah. Ele vai ficar fora disso.
Mamãe olha Mackenzie de cima a baixo.
— Você tem bom gosto?
— Fui criada por duas drag queens. O que você acha?
Mamãe acena.
— Excelente. Venha, Sarah. A beleza não espera por nenhuma mulher.
Beck pega minha mão antes que eu possa segui-lo.
— Você sabe que é um talento natural, né? — diz ele. — Na frente da
câmera, quero dizer. Você poderia fazer vlogs regulares, se quisesse. E só
me falar que eu consigo uma visita particular à Perséfone para você.
Mamãe para e olha para ele. Então pisca, e ela vai chorar? O que
infernos anda acontecendo?
— Isso é muito gentil da sua parte — diz ela.
— Espera, essa não é a minha fala? — pergunto.
— Só se você marcar um gol e agarrar o homem, querida. Venha comigo.
Vamos fazê-lo se arrepender do dia em que insultou o seu útero, fazendo
com que ele se apaixone loucamente por você depois que a gente te
transformar na Cinderela.
Ele está com uma expressão ilegível no rosto quando eu deixo mamãe e
Mackenzie me puxarem para longe.
Mas o estranho é que, apesar de todo o meu pânico no fim de semana
passado por ter sido sugada para o mundo dele e depois exposta por quem
eu sou e quem são meus pais, acho que estou feliz de verdade por ele ter
colocado meu útero no meio dessa história.
Porque talvez eu devesse mesmo fazer vídeos para o blog, e atualizar meu
site.
E pode ser que eu tenha que parar de deixar meu passado me segurar e
agarrar esta oportunidade inesperada de descobrir quem eu deveria ser neste
mundo.
26

Não tenho notícias da Sarah há horas.


Já passou café da manhã, lanche da manhã, segundo lanche da manhã,
almoço, segundo almoço, lanche da tarde e lanche pré-jantar. Davis volta
para casa. Levi parte para voar até Seattle para o show de fim de semana.
Tripp leva seus filhos para um encontro em uma biblioteca ou algo assim,
onde ele sem dúvida terá babás se jogando em cima dele, e todo mundo vai
trabalhar.
Até Charlie me abandona.
Mas Judson não.
Ele e Cupcake ficam comigo o dia todo, e quando as coisas ficam
estranhas depois que eu o venci no pebolim, ele me desafia para uma sessão
de academia. Cara, não seja como eu e pergunte o que é isso, ou você vai se
arrepender. Ligo para Hank, irmão de Cash, que dirige uma pequena
empresa de design de sites.
E por pequena, quero dizer que ele é especializado em clientes como eu,
Levi e Cash, que têm grandes demandas de sites, e que ele emprega pessoas
suficientes para manter tudo funcionando vinte e quatro horas por dia para
sua pequena clientela, mesmo que ele possa facilmente expandir para ser
um dos grandes caras da internet.
Mas até ele me abandona depois de obter todas as informações que
precisa de Sarah para atualizar e ajustar seu site.
Ela está mandando mensagens para ele, mas não para mim.
Ainda assim, ele foi uma distração o suficiente para que Judson agora
ficasse relaxando no meu sofá, Cupcake esparramada em seu colo,
assistindo ao golfe.
E por assistir ao golfe, quero dizer que os dois estão dormindo.
Wyatt vem em meu socorro pouco antes de eu estar pronto para
mergulhar no lanche antes do jantar. Ele e Ellie estiveram supervisionando
as mudanças o dia todo, sem os paparazzi os observando, porque todos os
repórteres se reuniram em Naufrágio quando um dos meus guarda-costas
pegou meu carro e foi embora com o outro cara no banco de trás, coberto
por um cobertor.
Heh.
— Churrasco na casa dos Rivers — diz Wyatt. — Vamos. Eu te levo lá.
Ellie já está lá com o Tucker, e ele está contando histórias sobre as coisas
que o seu boneco Beck Ryder fez no acampamento de verão hoje.
Olho para Judson.
Então de volta para Wyatt, que revira os olhos.
— Cara. Ele é quase o seu sogro. Você não pode simplesmente deixá-lo
aí dormindo.
— Ninguém está dormindo, garoto — rosna Judson com os olhos
fechados. — Isso se chama meditar sobre como vou estripar o seu amigo
como um peixe quando ele partir o coração da minha filha.
— Cara, você conhece todos os bons truques de festa — digo a ele. —
Você gosta de peito bovino e feijão cozido?
— Você tem uma perna oca para caber tudo isso aí? — responde ele.
— Ele é meio vaca — Wyatt fornece. — Quatro estômagos. O
experimento científico deu errado.
— Deveria ter entrado no experimento de quatro paus — diz Judson. —
Isso poderia ser capaz de preencher as suas cuecas. Mantenha-o longe da
minha filha ou morra.
— Você conhece as melhores pessoas — Wyatt me diz.
— É um dom.
Todos nós subimos no SUV de Wyatt, incluindo Charlie, que não fez uma
única refeição comigo hoje, mas pelo visto recebeu uma massagem e um
tratamento facial e está se sentindo muito útil ao sugerir diferentes maneiras
de Judson me torturar se eu machucar a Sarah.
O jantar é um banquete incrível, porque a sra. Rivers é quase tão boa
cozinheira quanto minha mãe. Digo quase, porque ainda me lembro de
quem me deu à luz.
E é uma perfeição absoluta estar de volta ao meu antigo bairro.
Árvores velhas. Casas construídas nos anos 1970. Calçadas largas. Aros
de basquete em garagens. Aquele galho faltando no carvalho na antiga casa
da avó de Wyatt que sem querer acertamos com um foguete de garrafa que
podemos ter abastecido demais. A mesa de piquenique desgastada que
usamos como nosso palco improvisado quando decidimos que era estúpido
para Levi, Tripp e todos os garotos dos Rivers terem sido forçados a ter
aulas de música por todos esses anos se não fôssemos famosos de alguma
forma, mesmo que Davis, que nunca estudou música um dia na vida, tenha
a melhor voz de todos nós.
E costelas, e pão de milho, e salada de repolho, e feijão cozido, e estou
desejando mesmo ter quatro estômagos quando termino o pudim de banana
que minha mãe trouxe.
Mas por mais perfeito que seja finalmente estar de volta – tenho tentado
evitar que os repórteres me sigam até aqui, então eu não apareço desde que
voltei para a cidade –, parece que algo está faltando.
E não é porque Ellie e Wyatt estão melosos, ou porque os filhos de Tripp
estão me fazendo lamentar a família que provavelmente nunca terei – Sarah
não é a única pessoa com problemas de confiança – ou porque Levi, Cash e
Davis não estão aqui, ou porque estou recebendo todas as provocações
sobre o vídeo de hoje de manhã e a sugestão de Sarah de que meu pinto é,
na verdade, um pintinho, porque está faltando a parte longa.
E o relato de Charlie de que o vídeo disparou especulações sobre nós
também não está ajudando. Nem ouvir que Las Vegas está aceitando
apostas se Sarah está grávida.
Tipo, sim, eu me sinto mal pela vida dela ter voltado a ser tão pública,
quando ela não queria que fosse, mas não é a culpa me incomodando.
Eu não consigo descobrir o que é até que meu celular acende com a
mensagem que eu estive esperando o dia todo.
Posso parecer uma garota no sábado à noite, mas não posso prometer
ficar feliz com isso.
É.
É exatamente isso que está errado.
Eu queria que ela estivesse aqui para se divertir com a minha família e
com a família do bairro também, em vez de sair para comprar um vestido
que ela não quer usar para um evento que não precisava acontecer se eu não
fosse um idiota.
Para ver seu pai comandando Cupcake para fazer truques em seu tutu e
desafiar Wyatt para um concurso de queda de braço. Para assistir ao Hank e
Waylon fazendo apostas sobre se o novo namorado de June vai ficar por
aqui depois disso. Ouvir as mães conversando sobre planos de casamento e
Ellie insistindo que seu casamento será algo pequeno, muito obrigada.
Como se ela tivesse uma escolha nisso.
Ainda estou sorrindo para o meu celular, debatendo sobre o que
responder, e decido enviar a ela um vídeo rápido da minha vista do quintal.
— Ei, seus loucos, digam oi para a Sarah — chamo.
— Você pode arrumar coisa melhor do que esse cara aí — diz Hank.
— Ele faz piadas terríveis — concorda Waylon.
— Péssimo jogador de pôquer — diz Wyatt.
— Vou servir os olhos dele em uma bandeja no café da manhã ao lado do
baço se ele te machucar — rosna seu pai.
— Beck é um rapaz maravilhoso e estamos muito felizes por você tolerá-
lo — diz a sra. Rivers.
— Mãe, isso não foi legal — sussurra June.
— Mas, querida, é a verdade.
— Amo você, Beck. — Ellie me manda um beijo. — Sarah, se você der
um choque de taser nele de novo, eu quero isso registrado em vídeo.
— Vagina de gororoba! — grita James.
— Quero presenciar o choque — concorda Tripp.
— Seja legal — repreende sua mãe.
Emma peida. Alto. Cupcake finge cair morta. E eu encerro o vídeo e
envio para Sarah.
— Ah, querido, você sabe que a gente te ama, não é? — diz mamãe.
— Quase tanto quanto amamos a Ellie — concorda papai, com um brilho
nos olhos.
Judson está me estudando com os olhos semicerrados.
— Você pode ficar bem com essa equipe para te manter humilde — rosna
ele. — Mas eu ainda não confio em você perto dos euranianos.
— Com razão, senhor — concordo.
Meu celular vibra novamente com outra mensagem de Sarah.
Dá para ver de onde você tira seu senso de humor. Com certeza da
porca.
Ela tem seu próprio senso de humor. E é divertido vê-lo surgindo. Porque
a mulher que eu conheci naquele sábado de manhã que surtou e me deu um
choque não é a mesma mulher que está encantando o mundo em um vídeo
que postamos nas minhas contas de redes sociais hoje de manhã.
Mamãe costumava falar sobre o ano em que Ellie floresceu.
Eu não entendi direito.
Mas sinto que estou vendo Sarah florescer.
E é a porra da melhor coisa do mundo.
27

Não importa quantas vezes eu tente dizer a mim mesma que isso não é
um encontro de verdade, eu não consigo parar meu coração de bater rápido
e meus joelhos de tremerem e, basicamente, tudo de entrar em modo de
pânico enquanto espero Beck chegar na quinta à noite.
Depois de Trent no ano passado, percebi que nunca seria a garota certa
para um relacionamento. Que eu me seguro demais, e eu estava bem com
isso, porque… bem, deve ser porque eu estava sendo muito estúpida. E com
medo de que ninguém jamais pudesse só me amar, apesar das complicações
da minha vida.
E, agora, aqui estou eu, prestes a ir a um encontro falso-real com o cara
que me trouxe de volta aos holofotes, a quem estou ficando cada vez mais
apegada a cada dia, que tem muito em jogo se a mídia decidir que ele é
mesmo o babaca que seu tuíte o fez parecer, e em quem eu ainda confio de
qualquer maneira.
Apesar do meu coração agitado demais alertar para irmos devagar.
Relacionamentos físicos nunca costumavam me deixar esquisita. Não até
que Trent perguntou se ele poderia conhecer meus pais. Mas me apegar a
Beck e sua personalidade boba, àquele sorriso irresistível e a sua fácil
aceitação de quem eu sou, me faz tremer, porque não vejo como isso vai
acabar bem se eu me deixar envolver, e, no final, ele for só muito bom em
atuar.
Isso não é só físico.
Nem de longe.
Estou com uma camiseta aprovada pela mamãe – a clássico Rolling
Stones sempre a conquista – e jeans justos que proclamam em voz alta ao
mundo que eu amo sobremesa mais do que amo me exercitar, mas não estou
parecendo um muffin, então mamãe também não se opõe a eles. Eu a deixo
fazer uma trança francesa no meu cabelo e concordo com um pouco de
brilho labial da Burt’s Bees, mas, fora isso, sou apenas eu.
Até o sutiã de algodão liso e a calcinha RYDE.
Ele é pontual e, quando bate, meu pai não rosna ou ameaça dar seus
testículos à porca.
Acho que eles se aproximaram depois de uma competição de flexões de
um braço que meu pai ganhou ontem. E o mundo nunca saberá se Beck o
deixou ganhar ou se meu pai é tão durão assim, porque eu nunca vou
conseguir uma resposta direta de Beck.
Que agora está sorrindo para mim, da minha varanda, como se eu fosse a
pessoa que colocou o sol, a lua e as estrelas em sua dança dinâmica e bonita
pelo espaço.
— Ei — diz ele.
Sorrio de volta, e não é porque eu sei que existem fotógrafos capturando
cada movimento meu, mas porque é impossível não sorrir de volta para ele.
Ele é essa combinação inesperada de completo bobo com absolutamente
nenhum problema de autoestima, e ele está me contagiando.
— Traga-a para casa às dez — diz papai em uma voz menos rouca. — E
ligue antes de entrar para que eu possa desligar o alarme.
— Judson, querido, Serendipity conhece o código agora. E ela é adulta.
Quase trinta já. Ela pode ficar fora a noite toda com um homem, se ela
quiser.
— Ele não é um homem. Ele é uma besta determinada a pegar a
inocência da minha filha e jogá-la em um tanque cheio de esgoto de lodo
tóxico.
— Espero que as seus genitais tenham seguro — murmuro para Beck,
porque claramente é isso que papai vai ameaçar em seguida. De novo.
Beck tosse, seus olhos indo de um para outro. Mamãe agarra papai pelo
braço e puxa com força suficiente para tirá-lo do lugar e fazê-lo tropeçar em
Cupcake, que está procurando por Meda, que está se escondendo de
Cupcake.
Papai aponta dois dedos para seus próprios olhos, depois para Beck.
— Estou de olho.
— Estou de olho em mim também, senhor. — Beck lhe dá uma saudação
e então puxa minha mão. — Pronta, Sarah? Não vai querer perder o show.
— Não, é?
— Pode apostar. Vai ser incrível.
Aceno para meus pais, curiosa sobre o quão engraçado um programa de
comédia pode ser e ao mesmo tempo ansiosa para deixar o olhar mortal de
papai para trás.
E também grata por não ter que me vestir para isso como terei que fazer
no sábado à noite, quando haverá mais centenas de olhos em mim.
— Não espere acordado.
— Vou esperar acordado — rosna papai.
— Não, não vai, Judson. Mais uma noite naquele sofá vai arruinar as
suas costas. Aliás, vamos voltar para o nosso hotel, querida. Tem certeza de
que a Meda vai ficar bem aqui sozinha? Cupcake sente tanta saudade dela.
— Cupcake a aterroriza.
— Que absurdo. Elas estavam abraçadas enquanto você estava no
trabalho hoje. Eu tenho fotos.
— Deixe-os ir, Sunny — rosna papai. — Quanto mais cedo eles saírem,
mais cedo eu posso estripar esse pedaço imundo de esterco de rato que está
tentando comprometer a minha filha.
— Mal posso esperar por isso, senhor — diz Beck, e finalmente
partimos.
— Você sabe que ele está falando sessenta por cento a sério, não é? —
pergunto enquanto nos apressamos para seu carro.
— Não. Ele está só compensando todos aqueles namorados que ele não
conseguiu ameaçar desde que você saiu de casa. E eu sou um alvo fácil.
Colocamos o sinto e saímos do bairro, seguranças atrás de nós, paparazzi
atrás deles. Minha vizinha no final da rua, regando as flores, olha duas
vezes para o carro, aperta os olhos para ver o que está dentro e depois nos
ignora.
— Não sei que vírus está circulando pela cidade, mas está dando às
pessoas um caso horrível de dedos rígidos — diz ele. — Melhor lavar bem
as mãos. Várias vezes.
— Está falando sério? — pergunto, um sorriso aparecendo em sua versão
ridiculamente otimista do que está acontecendo.
Mackenzie está filtrando tudo o que vejo, e por filtrar tudo o que vejo,
quero dizer que ela roubou meu celular, e removeu meus aplicativos de
redes sociais, e instalou um filtro no meu computador que também não me
deixa acessar os sites, e ela está me enviando com frequência prints de tela
de coisas boas que as pessoas dizem.
— Isso ajuda. — Ele dá uma olhada em mim quando paramos no sinal.
— Já aprendi a minha lição. Prometo. E ainda sinto muito por ter arrastado
você para tudo isso. Na maior parte. Mas só pelas partes dolorosas. Você é
incrível. Eu gosto de sair com você.
— Você também não é tão ruim assim, apesar de seu julgamento
questionável em conselhos de moda.
Ele sorri.
— Já venho dizendo isso há anos, mas as pessoas continuam sendo todas:
não, Beck, você é brilhante, aceite o nosso dinheiro.
— É óbvio, eles se sentem mal por você ter que carregar esses braços de
primata o tempo todo e estão tentando fazer você se sentir melhor consigo
mesmo.
Ele sorri ainda mais.
Eu me viro para encará-lo.
— Você alguma vez já se ofendeu? Porque isso foi muito maldoso da
minha parte.
— Encoste e deixe o seu cinto de segurança fazer o trabalho, e, sim, já
me ofendi antes. Fico ofendido quando as pessoas são idiotas com a minha
família. Ou quando aquele babaca no Twitter disse que a Perséfone era uma
vadia feia.
— O quê?
— Pois é. Disse que o Jagger, o pai do filhote, deve ter vomitado depois
que a fodeu. Charlie teve que jogar o meu celular no banheiro para me
impedir de responder, porque ela é linda. Perséfone, quero dizer. Você
assistiu hoje? Ela lambeu a câmera. Foi nojento e fofo ao mesmo tempo.
Você sabia que as línguas das girafas têm cerca de dois metros e meio de
comprimento?
Um dia.
Eu quero um dia ser tão feliz com a vida quanto Beck Ryder.
— O quê? — pergunta ele, enquanto eu o encaro.
Ai, meu Deus! Estou me apaixonando por Beck Ryder.
Pra valer.
— Está funcionando? — pergunto, porque informá-lo de que as línguas
das girafas não têm dois metros e meio de comprimento vai me fazer ser
ainda mais desmancha-prazeres do que em um dia normal, e não quero ser
apenas uma geek desmazelada que fala sobre fatos.
Não que eu esteja prestes a ser muito melhor.
— O que está funcionando?
— Isto. Nós dois. Manter a sua fundação no caminho certo.
Posso até estar desligada da internet e permitindo que Mackenzie apenas
me dê as boas notícias enquanto estou nesse hiato temporário das redes
sociais, mas eu fui trabalhar hoje.
E ouvi os sussurros.
Ela deve estar fazendo isso para poder dizer que pegou o Beck Ryder.
Você acha que ela está planejando abandonar o barco e ir trabalhar
para a Ryder Consulting quando tudo isso acabar?
Quanto ela teve que pagar àqueles imitadores para fingir ser o Judson
Clarke e a Sunny Darling?
Você pode imaginar o quanto ele está pagando para ela?
Puta merda, olha essa foto. Ela está comendo um pau gigante.
CLARAMENTE comendo um pau gigante.
A parte estranha foi que eles se afastaram. Mamãe costumava dizer que
você aprende bem rápido quem são seus amigos.
E meus instintos estão sendo confirmados.
E isso me faz pensar se esse relacionamento falso está realmente fazendo
o que deveria.
Ele olha para os carros à nossa frente em um semáforo enquanto balança
a cabeça lentamente.
— Sim.  Está funcionando. Vaughn é um cara legal e está quase pronto
para me defender. Parece que ainda vamos conseguir lançar a fundação
dentro do prazo. E isso deve melhorar o resto da minha reputação.
— Isso é… ótimo.
Sua testa se contrai como se talvez não fosse tão bom.
— Acho que sim. É uma merda que tanto do mundo tenha que ser
rotulado como você é bom ou ruim com base em uma noite da sua vida ou
em um pequeno tuíte. Quero dizer, qualquer pessoa. Não você. Mas… todos
nós.
Eu disse me apaixonando por Beck?
Está mais como mergulhar na atmosfera com um foguete amarrado às
minhas costas sem paraquedas.
Eu me contenho quando percebo que estou alcançando sua coxa apenas
para tocá-lo, porque, apesar daquele beijo ai, meu Deus na escada ontem –
que ele parou – eu não sei quais são nossos limites de verdade.
— Então a sua vida voltará ao normal em breve.
— Parece que sim.
— Você vai ter que parar de comer tanto?
Seus ombros relaxam, e seu sorriso volta.
— Talvez eu tire mais algumas semanas de folga antes do normal. Estou
com vontade de passar algum tempo em Naufrágio. Você já foi lá?
Balanço a cabeça.
— Melhor cidade de todo o planeta. Depois de Copper Valley, claro. E
talvez a ilha de Capri na costa italiana, mas não é uma comparação justa, já
que a Gruta Azul é mágica.
Um décimo de seu entusiasmo seria magia absoluta.
— O que há de especial em Naufrágio?
— Cooper Rock é de lá, mas não diga para ele que eu disse que isso torna
a cidade especial. O que é incrível mesmo é que é uma cidade pirata nas
montanhas.
— Estou em Copper Valley há mais de uma década e ainda não entendo
como isso funciona.
— Tipo oitocentos anos atrás, esse cara pirata, Thorny Rock, estava
sendo emboscado pelo exército norueguês na costa da Carolina do Sul,
então ele colocou todos os seus galeões chineses em uma carroça coberta e
deixou os unicórnios puxarem para o interior até perderem seus chifres, e
foi lá que ele enterrou seu tesouro e fundou uma cidade, e agora seus
descendentes mantêm viva a tradição pirata todos os anos. Ellie e Wyatt
ficaram juntos no Festival Pirata do ano passado e voltaram este ano para
ficarem noivos. É uma porra mágica. E um dia, vou levar um detector de
metais por toda a cidade e encontrar esse tesouro. Só observe. Não ria.
Estou falando sério.
— Oitocentos anos atrás? — Sem contar os unicórnios, mas estou rindo.
— Exército norueguês? Galeões chineses?
— Sou péssimo em Geografia.
— História.
— Também. — Ele me lança outro sorriso. — Estou muito feliz que você
gosta de rir, porque isso é basicamente tudo o que vamos fazer hoje à noite.
— Você está inventando histórias?
— Não estou. Estamos brincando de “a hora dos amadores do clube de
comédia”. Não, não, não faça essa cara. É incrível. E tem essa
ventríloquo…
— Nem. Pensar. Pode parar.
— Não se assuste. Ela é engraçada. E superinteligente. Mais inteligente
que você, e a Ellie, e o Davis, e a Cupcake, todos juntos.
— Cupcake?
— Cara. Os porcos são inteligentes. A ciência diz que sim.
— Ela surtou com um pedaço de cebolinha no chão quando a mamãe
estava fazendo omeletes hoje de manhã, deu de cabeça na perna da mesa e
quase teve uma concussão.
— Compreensível. As cebolas verdes são aterrorizantes.
Jogo as mãos para cima, rindo.
— Tudo bem. Você ganhou. Você é oficialmente o homem mais
engraçado do planeta, e eu nunca vou ganhar uma discussão com você,
nunca.
— Talvez você conseguisse. Tipo, pode te custar lições de orgasmos
duplos, mas eu deixaria você ganhar uma discussão.
Zing! E lá vai minha calcinha.
— Você não vai deixar isso pra lá, vai?
— Não até que eu tenha certeza de que não tenho uma chance. — Ele
desliza até parar novamente, e desta vez, quando olha para mim, seu lado
bobo recua e aquele lado muito masculino está bem ali. — Agora, eu sei
que tenho uma chance.
Solto uma respiração trêmula, porque, nossa, sim, ele tem mesmo.
E não é só porque ele está usando esse olhar quente.
É porque ainda me lembro da sensação de seus lábios nos meus. É
porque toda vez que ele me toca – mão, perna, costas, rosto –, minha pele
vibra para a vida como um letreiro de néon. É porque eu deveria odiá-lo por
seu tuíte ignorante na semana passada, mas ele ainda conseguiu passar pelas
minhas defesas com seu pedido de desculpas, porque eu sinceramente
acredito que existe um ser humano vulnerável capaz de arrependimento
verdadeiro, e determinação para fazer melhor, e um buraco de muito amor
por todos ao seu redor escondidos sob aquela superfície linda.
Posso sobreviver a esse olhar quente. Eu cresci em torno de
galanteadores sexy.
Mas o homem por trás disso está me pegando.
— Esse relacionamento é temporário — eu o lembro. — E isso não é
real.
— Isso é muito real. E não precisa ser temporário.
Eu não tenho um argumento sólido para ele, então apenas fico ali,
olhando estupidamente para ele, com o calor se espalhando pela minha pele
e meu coração bombeando um punho no ar e gritando: Sim, baby!
Ele não ri. Ou dá um sorriso forçado. Ou se chateia.
Não.
O homem aperta meu joelho e volta sua atenção para a estrada.
— Por que você parou de me beijar ontem? — sussurro.
Pela primeira vez, ele não responde logo, e quando o faz, ele ainda está
quieto e sério.
— Eu… já tiraram vantagem de mim antes. E é uma merda. E os seus
pais não são as únicas pessoas que já tiveram que pagar alguém para
proteger alguém que amam.
Eu me engasgo com uma respiração, porque isso não era o que eu
esperava que ele dissesse.
— Eu entendo, Sarah. Você não se inscreveu para isso. Você não pediu
para ser empurrada de volta aos olhos do público. Portanto, sem pressa.
Gosto de você. Quero você. Mas não quero que pense que estou te beijando
só porque temos um contrato, porque não estou fazendo isso.
Meu coração aperta, meus pulmões se comprimem, e minha respiração
fica curta.
Ele sabe as coisas certas para dizer. E eu confio na honestidade crua em
seus olhos e em sua voz, o que é assustador.
Porque Beck não é só o Beck.
Ele é tudo de que eu fugi quando saí do ensino médio. Famoso. Seguido
por paparazzi. Navegando pela política das celebridades.
Como pode alguém tão envolvido no jogo de colocar máscaras para o
mundo parecer tão real?
— Quando eu te beijar, quero que você saiba que eu estou te beijando
porque eu quero — ele continua, sua voz ficando mais rouca. — Não
porque parece bom para a minha reputação. Não porque você é a mulher
que me salvou em um negócio. Mas porque eu gosto de você.
Minha mão hesitante vai para sua coxa, e eu aperto o músculo tenso.
— Eu também gosto de você.
— Assustador como o inferno, não é?
— Mais assustador.
Ele sorri, e eu afundo no meu assento com uma risada envergonhada.
— Sinto muito que tenham tirado vantagem de você — digo baixinho.
— Eu escolhi esta vida. Conhecia os riscos. — Ele cobre minha mão com
a sua e aperta.
— Não deveria ser um risco fazer o que você ama.
Seus lábios se curvam em um sorriso, e eu quero beijá-lo, porque, ah,
esse sorriso.
— Ah, eu não sei — diz ele. — Estou começando a pensar que as coisas
que mais valem a pena ter são as que devemos mais se esforçar para
conquistar.
E lá se vão mais bolhas borbulhando no meu peito, porque ele faz parecer
que está falando de mim.
— Como ser um pediatra?
— Ah, a senhora está mirando no coração. — Ele aperta o peito em uma
lesão simulada enquanto sorri para mim. — Me tentando com sonhos
impossíveis de atingir.
— Você faria isso? Se isso não funcionasse, se o seu império da moda
afundasse, você voltaria para a faculdade?
— Tentando me convencer a ficar?
— Quem a gente poderia ter sido sempre faz parte de quem somos. Se eu
não fosse uma engenheira ambiental, gostaria de ser uma escritora de
viagens.
Seu sorriso está ficando afetuoso, o que é igualmente perigoso.
— Dá para ver isso.
— E aí? Você teria voltado para a faculdade? O que mais você faria se
não fosse o famoso Beck Ryder?
— Me tornar muito, muito bom em dar orgasmos duplos.
28

Temos um passe na porta dos fundos para entrar no The Laugh Track, o
clube de comédia no centro da cidade, que é tão eficaz para chamar a
atenção quanto comprar um ingresso na porta da frente, já que os paparazzi
foram avisados de que iríamos, exceto que não tenho que passar por todo
mundo comprando ingressos, o que é só mesmo uma desculpa da minha
equipe para salvar meu ego das pessoas que vão me dizer para chupar um
pau e morrer.
Concordei com a porta dos fundos, porque eu não queria que Sarah
ouvisse nenhuma das besteiras que as pessoas estão falando no Twitter
sobre sua aparência, ou que um babaca corajoso o suficiente diga isso
pessoalmente, e também porque Charlie me avisou que ela desistiria de
verdade se eu desse um soco em alguém.
Isso seria como Ellie se recusando a me comprar mais presentes de Natal
para o resto da minha vida, e Ellie dá os melhores presentes de Natal.
Como a escova de dentes elétrica do Justin Bieber que ela me deu há dois
anos.
Épico. Pegadinha nível infinito bem ali. Como um cara pode viver sem
isso?
— Idiota mimado — murmura um dos seguranças, enquanto passamos
pela porta dos fundos.
— Estou trabalhando nisso — responde Sarah, alegremente. — Sério,
pedi para os meus pais que doassem a minha habitual Ferrari de aniversário
para uma subcelebridade este ano. Isso não é ser um idiota, é?
Engulo um sorriso surpreso e a puxo pela porta, enquanto os seguranças
se engasgam com seu próprio cuspe e meus guarda-costas a puxam mais
rápido também.
— O quê? — murmura ela. — Como se nunca tivessem falado algo
constrangedor.
— Isso foi incrível. Você praticava ser atrevida com os paparazzi quando
era criança?
— Não, eu sempre penso na réplica perfeita cinco minutos depois, e a
mamãe sempre dizia que não valia a pena provocar de qualquer maneira.
— Ela está certa — um dos guarda-costas grunhe.
— Eu sei. — Sarah suspira. — Mas isso foi mesmo fantástico. Por uns
dois segundos lá, eu era a garota com a réplica. Isso nunca vai acontecer de
novo e, falando sério, meu coração está acelerado no meu peito, mas valeu
a pena.
Com certeza vou praticar orgasmos duplos com ela quando este contrato
acabar. Triplos. Quádruplos. Uma mulher pode ir para um quíntuplo, ou
isso a mataria? Porque tenho certeza de que um quíntuplo me mataria.
Vou ter que perguntar a um médico.
Somos conduzidos ao redor do palco para uma mesa redonda para duas
pessoas à esquerda na área de estar aberta, guarda-costas na mesa ao nosso
lado. Nós dois estamos bem localizados com uma boa visão da cortina preta
bloqueando o palco, e nossa garçonete se apressa, apenas me dando um
pequeno sorriso antes de voltar sua atenção para Sarah.
— Oi, querida. O que posso te servir? Temos um cosmo de morango que
é delicioso. Torna a companhia mais suportável. Aliás, não consigo parar
de assistir à Perséfone. Você acha que ela vai ter o bebê esta semana?
— Eu… ela pode aguentar mais algumas semanas, mas é emocionante
mesmo, não é?
— Ela é tão linda.
— Eu amo a língua dela — digo.
— Temos as melhores batatas fritas com queijo em Copper Valley — a
senhora diz a Sarah, me ignorando por completo. — Bacon, cebolinha, e
nós não usamos só aquele queijo laranja pegajoso, mesmo que seja
delicioso no estádio. Aqui derretemos gouda, suíço e cheddar juntos.
Meu estômago ronca.
— Estou com muita fome hoje — diz Sarah. — Você tem hambúrgueres?
Tipo aqueles grandes de meio quilo?
— Eu posso te trazer um hambúrguer de meio quilo. Bacon? Molho de
churrasco? Ovo frito?
Sarah pede a mãe de todos os hambúrgueres, com tudo, de abacate a
bacon, provolone e cebola frita, e eu sorrateiramente tenho que limpar a
baba do canto da minha boca.
O quê? Eu malhei hoje. Na porra de uma esteira em vez de sair pelo
glorioso dia de verão, mas, ei, eu vivo em uma época em que posso correr
em um espaço de um metro por dois metros para não ter velhinhas cuspindo
em mim ou outras velhinhas me pedindo para beijar seus cachorros, já que
essas outras velhinhas acreditam mesmo que eu estou muito arrependido
pelo tuíte visto no mundo todo na semana passada.
Não que eu tenha escapado do meu apartamento hoje de manhã para dar
uma volta até a loja da Apple e isso aconteceu.
Sério.
Não conte para minha equipe, tudo bem?
Sarah termina seu pedido com uma grande salada Cobb com bacon extra,
batata-doce frita, anéis de cebola, brócolis cozido no vapor, um chá doce –
traga uma jarra, por favor, porque estou com muita sede – e um malte de
Nutella.
Eu nunca me apaixonei de verdade antes – quero dizer, por um humano,
porque eu me apaixonei muito por palitos de queijo frito e um bife bem
maciço –, mas estou ficando cada vez mais convencido de que o sentimento
após o incidente com o taser não foi apenas tensão residual.
Quando a garçonete finalmente sai apressada, eu me aproximo dela,
colocando meu braço em volta de sua cadeira para que eu possa sussurrar
em seu ouvido.
— Posso beijar você? Agora mesmo? Porque essa foi a porra mais sexy
que eu já ouvi na minha vida, e estou tendo muita dificuldade em manter
minhas mãos para mim.
Ela finge estar intrigada, o que faz seus olhos cintilarem e brilharem e,
sim, com certeza não é voltagem residual.
— O quê? Aquela doce garota insultando as suas habilidades
interpessoais e perguntando sobre a Perséfone?
— Você, pedindo montes e montes de comida. Estou tendo essas
fantasias sobre espalhar isso tudo por todo o seu corpo e festejar por horas.
— Se você não tomar cuidado com toda essa conversa suja, nós dois
vamos nos arrepender do que esses fotógrafos publicam para o mundo em
cerca de dois minutos. — Ela respira, seus olhos escurecendo como sim, ela
quer que eu coma em cima dela.
E agora eu estou querendo saber de que cor são seus mamilos e se ela é
do tipo calcinha de seda, renda ou algodão, ou se ela está usando uma tanga,
ou tipo boxer, e, porra, é possível ficar excitado em seu estômago ao mesmo
tempo em que você está ostentando uma sequoia, porque tudo está
praticamente acelerando os motores agora.
— Eu não me importo com os fotógrafos — digo a ela. — Estou tão
excitado agora.
— Ah, é por que você acha que eu vou dividir?
Seus lábios estão sorrindo e provocando, mas seus olhos estão escuros.
Tão escuros. Não apenas o escuro normal de Sarah, mas intenso, e
profundo, e sombreado por suas pálpebras baixas, mas ainda brilhantes. A
sala está mal iluminada, mas está brilhando apenas por tê-la sentada aqui.
— Diga o seu preço. Qualquer coisa. Você quer o meu jogo Frogger?
Meu carro? Uma casa nas montanhas? Um aluno disposto com uma língua
ansiosa que quer mesmo aprender esse truque do orgasmo duplo?
— Acho que você está trapaceando — sussurra ela.
— Acho que você é a mulher mais perfeita do mundo e estou muito
ferrado.
— Foi mesmo tão sexy assim?
— Se eu estivesse mentindo, diria que você é a rainha alienígena de um
planeta distante que veio aqui para hipnotizar todos os homens e roubar
pedaços de nossos baços para iniciar uma raça superior de escravos sexuais
em seu próprio planeta.
Ela ri mesmo quando se inclina para mais perto de mim, seus dedos
pousando na minha bochecha.
— Como você se tornou um magnata da moda? Isso é mais cruel do que
Hollywood, e juro que você é um garoto de treze anos no corpo de um
homem. Com o qual estou completamente bem, a propósito. Eu gosto de
você tão feliz e pateta.
— Como ninguém nunca notou antes como os seus olhos são lindos?
Seus olhos são como o flautista de Hamelin. Você deveria ter homens
seguindo você como cachorrinhos em todos os lugares que você vai só por
abrir esses lindos olhos todas as manhãs.
— Aparência não é tudo.
— Mas seus olhos são. Seus olhos são tudo.
Centímetros. Centímetros. Eu poderia beijá-la em meros centímetros. E
estou completamente sério sobre tudo o que estou dizendo a ela.
Ela é gostosa e sexy. E seus olhos… sim, eu poderia me afogar nesses
olhos. Alegremente.
— Lavoie. Lavoie, olha. É o cara da cueca.
Sarah recua e olha para cima.
Dois caras familiares de aparência maciça estão me avaliando. Eu
conheço esses caras.
— Ai, meu Deus, Nick Murphy e Duncan Lavoie. — Sarah suspira.
Pois é.
Jogadores de hóquei. Os Thrusters.
Eles roubam duas cadeiras da mesa do outro lado de nós e me empurram
para fora do caminho para rodear a Sarah. Murphy sorri para ela, e eu quero
socar sua cara de goleiro bajulador. Lavoie pega a mão dela e dá um beijo
na parte de trás, e eu quero enfiar toda a parte superior de seu corpo em um
vaso sanitário.
— Esse cara está incomodando você? — pergunta Lavoie.
— Não. — Ela o assegura com um sorriso. — Ele é uma companhia
muito boa. E inofensivo.
— Eu não sou inofensivo — protesto. — Posso acabar com você no Pac-
Man.
Murphy olha para mim novamente com seu olhar verde-escuro.
— Você aprendeu a sua lição sobre como falar com as mulheres ou
precisamos ir lá para fora?
— Pare — diz Sarah. — Ele com certeza aprendeu a lição. Ele até se
ofereceu para me deixar ficar com o carro dele. Ele está muito, muito
arrependido. E a mãe dele o repreendeu e pediu desculpas em seu nome
também. Desculpa, amigo, mas você não pode tocar nisso
A testa de Nick franze.
— Pois é, eu tenho uma mãe assim. Exceto que eu nunca fodo tudo.
— Cara — murmura Lavoie. — Você está falando sério?
— Ei, eu não tuitaria essa merda para a minha irmã ou qualquer outra
mulher.
— Só para os ex da sua irmã — diz Lavoie.
— Estou vingando a porra do mundo. — Ele aponta para mim. — E essa
é a minha irmã prestes a subir no palco, então é melhor você rir pra
caramba. Mas só nos momentos certos. E nem pense em tuitar nada sobre
ela. Nada. Nem mesmo qualquer coisa boa. Eu vou estar de olho em você.
Meus guarda-costas são inúteis.
Ou possivelmente estão gostando disso.
Difícil dizer. Mas eu estaria gostando disso se eu fosse eles.
— Posso tirar uma foto? — pergunta Sarah. — Minha amiga Mackenzie
ama os Fireballs em primeiro lugar, mas os Thrusters são o seu segundo
favorito.
— Bem de longe — acrescento, solícito.
Sarah sorri, e esses dois jogadores de hóquei claramente levaram muitos
discos na cabeça, porque nenhum deles cai aos seus pés e a venera apenas
por aquela linda visão.
— Bem, sim, mas eles ainda estão em segundo lugar — concorda Sarah.
— Você não pediu uma foto comigo — aponto.
— Ah, acho que tenho muito mais do que uma foto com você. — Ela me
lança outro sorriso que me atinge com tanta força no peito que quase caio
da cadeira.
Ou talvez fosse um garçom tropeçando na perna da cadeira.
Possivelmente de propósito enquanto tenta me acertar na cabeça com
uma bandeja.
Mas ainda assim.
Eu sinto aquele sorriso até nos ossos.
E não apenas o tesão aumentando com força a cada segundo que passa
atrás da minha braguilha.
O garçom entrega a bebida e o milkshake de Sarah e uma cesta de picles
fritos de cortesia enquanto eles tiram fotos. Depois que Sarah manda uma
mensagem para Mackenzie, Murphy me dá o mesmo dedo duplo de estou
de olho, que Judson me lançou antes de sairmos da casa de Sarah.
— Você. Risadas. Nos momentos certos. Fora do Twitter. Entendeu?
— Eu rio quando estou nervoso — digo a ele, o que faz Sarah espirrar
chá doce pelo nariz. — Ah, merda. Desculpa. Aqui. — Pego guardanapos e
toco em seu nariz e boca, que são bonitos pra caramba.
Como diabos ela se escondeu por tanto tempo?
— Estou bem — gagueja ela em torno de uma risada. — Obrigada.
Depois de ter certeza de que eu não vou matá-la sem querer, Murphy e
Lavoie nos deixam em paz.
Mas eles se sentam perto durante toda a noite de microfone aberto.
O que é tolerável, exceto pelo ventríloquo, que é hilário pra caralho, e
não só porque Nick Murphy vai chutar meu traseiro se eu não pensar dessa
forma e rir em todos os momentos certos. Aquele fantoche de cabra que ela
está usando me lembra Wyatt. Totalmente apropriado.
O que eu acho que faz de mim, a marionete de gato chamada Lucy, o que
é um pouco estranho, mas eu posso lidar com o sentimento de afinidade
com uma marionete de gato.
Sarah divide toda a sua comida comigo, nossas cadeiras juntas para que
eu possa passar um braço a sua volta a noite toda, porque estou tendo
orgasmos só de tocá-la, e quando o show acaba e todos os últimos
comediantes tiveram suas vezes, os fotógrafos à espreita do outro lado da
sala conseguem um suprimento infinito de boas fotos de Sarah e eu curtindo
o show.
E eu estou puto.
Porque ela deveria poder sair e curtir um show de comédia sem saber que
cada movimento seu está sendo observado e examinado pelo mundo.
— Precisamos parar por aqui — digo a ela quando estamos de volta no
meu carro, indo para o meu prédio. A segurança pode levá-la para casa em
um carro sem identificação de lá.
— O quê? Por quê?
— Porque eu não gosto desses idiotas tirando fotos de você.
Ela me observa enquanto paramos na minha garagem, e eu viro para a
esquerda para entrar na garagem subterrânea privada atrás da porta do
elevador, que a maioria das pessoas assume que é para entregas.
— Talvez não seja tão ruim assim — finalmente diz ela, enquanto estou
estacionando. — Fiz uma pesquisa seletiva no trabalho hoje. As doações
para projetos de conservação animal aumentaram vinte por cento esta
semana.
Minha vontade de fodê-la aumentou mais de vinte por cento.
Mas eu também sou o idiota que acabou de dizer a ela que precisávamos
cancelar, e, porra, ela provavelmente pensa que estou falando de parar com
nós dois também.
— Eu poderia fazer duas ligações e triplicar, e você jamais teria que
sorrir para uma câmera de novo.
— Gosto de fazer a diferença. — Suas bochechas começam a ficar
manchadas, e eu não posso deixar de traçar as bordas irregulares vermelhas
em suas bochechas. — Eu me importo — sussurra ela. — As pessoas
podem ver. E isso significa mais do que o Levi Wilson ou o Cash Rivers
falando da boca para fora.
— Eu ia chantagear um dos príncipes britânicos e lembrar a alguém, cujo
nome legalmente não posso mencionar, que ele me deve um favor, mas
posso ligar para o Levi e o Cash também.
Ela brilha tanto quando sorri.
Mas eu não estava brincando.
— Minha mãe me pede há anos para sair de férias com ela e o meu pai —
diz ela. — Eu sempre tinha uma desculpa, mas todos nós sabíamos que eu
não queria sair em uma foto com eles. Talvez agora… a gente poderia
tentar. Já não tenho tanto medo. — Ela sorri, hesitante, como se se sentisse
boba por ter afastado os próprios pais por tanto tempo. — Talvez você tenha
me feito um favor sendo um babaca da internet. E eu nunca tinha
conseguido usar o taser em ninguém antes, então tem isso também.
Em vez de responder, eu solto meu cinto de segurança e me jogo no
banco para beijá-la. Eu acaricio seu cabelo grosso e sedoso e desejo que não
estivesse preso, e ela agarra meus pulsos, mas em vez de me empurrar, ela
se agarra com força e posiciona seus lábios contra os meus e se inclina
completamente.
Isso.
Isso é o que eu tenho procurado por toda a minha vida, mesmo sem saber
que eu queria.
Essa necessidade desesperada de não apenas beijar uma mulher, mas ser
beijado por ela.
Ser tudo o que ela quer.
Subir um nível na minha vida. Tentar mais. Ser mais inteligente. Mais
galante.
Mais galante?
Merda.  Estou me transformando em uma espécie de cavaleiro medieval
por ela.
E estou totalmente a favor de ir todo cavalheiresco em sua bunda, se for
preciso.
Ainda mais quando ela abre os lábios e me deixa entrar.
Porra. É o paraíso.
Suas mãos percorrem meus antebraços, ela aprofunda o beijo, e estou a
dois segundos de explodir nas minhas calças só porque uma mulher está
deslizando sua língua sobre a minha.
Posso não ser o amante mais experiente do mundo, mas não faço nada
precipitado.
E eu não acho que ela beijaria um cara só por beijar um cara.
Especialmente não este cara.
Então, eu tenho uma chance.
Uma chance real.
Minha mão está descendo por seu ombro em direção ao seio quando a
buzina do meu carro toca do nada.
E não só a buzina, mas todo o maldito alarme.
Sarah se joga para trás, seus dedos vão para seus lábios, olhos
arregalados, e ela tateia pela maçaneta da porta.
Eu deixo cair meu celular entre os assentos, tentando agarrá-lo para abrir
o aplicativo do meu carro e desativar o alarme, mas assim que Sarah salta
do carro, percebo o que está acontecendo.
Charlie.
O celular de Charlie está ligado ao meu carro, e ela acabou de ativar o
alarme.
E tenho certeza de que é ela, porque ela está bem ali, na frente do meu
carro, celular na mão, e o alarme para assim que Sarah fecha a porta.
Olho para a minha assistente.
— Não está no contrato — murmura ela.
Mostro o dedo do meio.
Ela sorri.
É um sorriso malicioso, sabe-tudo, bem feito. Possivelmente com um
lado de se você vai cortejar a mulher, faça direito, depois que você não for
contratualmente obrigado a apenas agir como se gostasse dela, quando ela
souber que você gosta dela de verdade, e não pelo que ela pode fazer pela
sua carreira.
Deixo cair minha cabeça para o volante, porque, porra.
Ela está certa. Mesmo dizendo a Sarah que isso não é sobre o contrato,
ela não tem garantia. O que significa que ela está indo apenas pela fé.
Fé em mim.
Eu deveria estar grato por não haver um botão de ativação do airbag de
emergência no aplicativo.
Também estou revogando os privilégios de Charlie no aplicativo do
carro.
— Pronta para ir para casa? — ela está perguntando a Sarah quando eu
finalmente saio do carro.
Sarah acena com a cabeça, com o rosto corado, sem olhar para mim.
— Você quer vir amanhã e assistir a uns filmes? — Eu me ouço
perguntar.
Ela olha para mim e mantém contato visual, mas fica mais vermelha a
cada segundo que passa. Merda.
— Tenho planos, mas obrigada pela oferta — diz ela.
Droga, droga, droga.
— A qualquer hora. Você é divertida.
Você é divertida? Quantos anos eu tenho, doze? Eu tinha todas as
palavras certas antes, e agora estou fodendo tudo.
Charlie está mordendo os lábios. Sei que ela está sufocando um sorriso, e
eu estou ficando com o rosto quente também.
Um beijo.
Um único beijo de boa noite.
E minha assistente vai e estraga tudo.
Eu deveria demiti-la.
Só que ela provavelmente está certa.
Eu não deveria estar beijando mulheres quando não está claro se é para
mim ou para o estúpido contrato, porque se eu fosse a Sarah, eu estaria
duvidando de cada palavra que eu disse sobre gostar dela por ela mesma.
— Eu quis dizer sair em público — digo a ela. — Devemos parar com
essa de sair em público.
— Não vai acontecer, Romeo — diz Charlie. — Ou eu vou te demitir.
Sarah me dá um breve sorriso que não alcança seus olhos, e acho que
acabei de estragar tudo de novo, mas não sei como, ou por que, ou como
dar um jeito nisso. Só sei que não quero que ela vá embora.
E não porque eu não quero ficar sozinho.
Mas porque eu quero estar com ela.
— Posso te ligar? — pergunto, enquanto Charlie a conduz em direção à
porta dos fundos da garagem.
Desta vez, ela para e olha para mim. Ela ainda está corando, mas
finalmente levanta aqueles lindos olhos para encontrar os meus, e, bum.
— Sim — diz ela, com um sorriso tímido.
— A janela está se fechando para você sair antes que seja seguida — diz
Charlie, e Sarah e eu suspiramos.
Estou prestes a dizer que ela pode ficar quando ela abaixa a cabeça
novamente e deixa Charlie empurrá-la para fora da porta.
Eu me encosto no meu carro.
Esse foi o melhor encontro que eu já tive em toda a minha vida.
Foi apenas um show de comédia. Com boa comida. Alguns fotógrafos
nos observando. Um quase acidente com uma cerveja, ou dezessete,
derramadas na minha virilha.
Mas eu não dividi um hambúrguer em um encontro desde que eu tinha
dezessete anos e não podia pagar mais que isso. Eu não deixei meus dedos
permanecerem na cesta de fritas na esperança de que nós acidentalmente
nos tocássemos ainda mais. Eu não desejei que o show acabasse para que
pudéssemos ficar sozinhos de novo, ou fiquei tão triste ao mesmo tempo
quando partimos, porque isso significava que eu estava muito mais perto de
ter que deixá-la ir para casa.
E ouvindo sua risadinha de algumas das piadas péssimas de hoje à noite,
eu não entendo por que a internet como um todo não está correndo para
falar sobre o quão linda, engraçada, inteligente, e gentil ela é.
Meu celular apita. Mensagem de Charlie.
Vá para a cama, Beck. Reuniões de negócios o dia todo amanhã.
Suspiro e sigo para o elevador, onde há seguranças sempre presentes,
vigiando meu esconderijo na garagem.
— Não é o seu tipo habitual, sr. Ryder — diz o cara.
Faço uma careta para ele.
— Muito melhor.
Seu sorriso desaparece e ele fica rosa nas bochechas.
— Sim, senhor.
Este mundo.
Eu pensei que era o cara que estragou tudo no fim de semana passado.
Mas talvez o mundo inteiro tenha perdido a cabeça.
29

Charlie não menciona o beijo enquanto me acompanha em um Audi preto


dirigido por um guarda-costas no caminho para casa. Ela também não
pergunta como foi o encontro. Nem me conta histórias sobre Beck ou sua
família ou seu negócio.
Nada.
Conversamos sobre minhas abelhas. Ela está pensando em ter uma
colmeia algum dia, quando finalmente estiver pronta para desacelerar e
encontrar um lar, já que viu o suficiente do mundo para saber que pode ir a
qualquer lugar que quiser, mas ainda está refletindo sobre onde seria esse
lugar.
E eu finjo que meus lábios não estão ainda formigando do beijo de Beck,
e que eu posso me impedir de estender a mão e tocá-los sem parar só para
ter certeza de que ainda são os mesmos lábios que eram antes do beijo.
Não é como se fosse a primeira vez que ele me beijou.
Mas esta vez foi muito mais.
E se não tivéssemos sido interrompidos, acho que não teríamos parado de
nos beijar.
Quando chegamos à minha casa, as luzes estão todas acesas.
Meus pais ainda devem estar aqui.
E quando o guarda-costas me leva até a minha porta e espera que eu
entre, percebo que eles não estão sozinhos.
Não.
Mackenzie está aqui.
E os Fireballs estão empatadas em dois no final da décima segunda
entrada.
— Sarah!  Sarah, senta. Coma pipoca. Você tem que experimentar a
pipoca, porque não podemos perder este jogo depois de a gente ter lutado
tanto para chegar aqui, e a pipoca dá boa sorte. Espera. Que cara é essa?
Por que você está fazendo essa cara? Ele tentou alguma coisa? Eu preciso
acabar com ele?
Meu pai fica em alerta no mesmo instante, seus olhos escuros me
examinando como se ele tivesse um aplicativo de leitura de mente interno
em seu cérebro enquanto ele se levanta. Minha mãe, porém, bate palmas.
— Ah, querida, eu sabia que ele era mais do que apenas um rostinho
bonito.
— Que seja. Ele só está fazendo isso para salvar a própria cara — diz
Mackenzie. — Tipo, ele parece um cara legal o suficiente, e se não
houvesse todo esse fator de fama, eu o deixaria namorar você, desde que ele
seja mesmo tão legal quanto parece, mas você conhece Hollywood. Sem
ofensas, Sunny e Judson. Ele tocou seus seios? Preciso ligar para o meu
amigo Bubba-Shark para cuidar das coisas?
— Bubba-Shark?
— Ele é um cara que os meus pais conhecem. Não gosto de falar dele por
alguns motivos, mas tempos desesperados, medidas desesperadas. Ele te
mostrou o piupiu dele?
— Strike-out! — grita minha mãe.
— O quê? Ele conseguiu o strike-out? Vai de bullpen! Eu não esperava
isso.
Com Mackenzie distraída, mamãe pisca para mim.
Papai faz o rosnado de Bat-Pai.
E percebo que estou tocando meus lábios novamente.
Eu afundo na poltrona reclinável, então me levanto de novo quando
Cupcake guincha, indignada, embaixo de mim.
— Quem colocou a porca na minha cadeira?
— Ssh! — diz Mackenzie. — Ela dá boa sorte. E eu vou arrancar o resto
dessa história de você assim que terminar essa última entrada.
— Alguém mais quer sorvete? — pergunto a todos eles.
— Isso! Sorvete dá boa sorte. Droga. Beck deu sorte. O encontro foi tão
ruim que você não pode mandar uma mensagem para ele e perguntar se ele
faria aquele movimento com a bunda que ele fez da última vez que a gente
conseguiu uma final em uma entrada?
Eu não me incomodo em dizer a ela que ele não vai responder, porque ele
tem sete milhões de mensagens não lidas e aumentando, mas em vez disso,
entro na cozinha e faço o que ela pediu, porque espero que ele responda.
E quando ele responde imediatamente, sorrio tanto que sei que meu
coração está em sério perigo.
Com ou sem calça? E você precisa que grave?
Meu cérebro sussurra sem, mas minha mãe entra na cozinha atrás de mim
e se dirige para os armários, fazendo as tigelas chacoalharem alto enquanto
ela sussurra:
— Foi um bom beijo?
— Foi — sussurro de volta.
Ela sorri.
— Mandei o nosso detetive investigar ele e a família dele, e o seu pai e
eu aprovamos oficialmente.
— Mãe… Ele está fazendo isso pelo contrato. — Ele não está fazendo
isso pelo contrato, mas não posso impedir que os velhos hábitos apareçam.
Você gosta DELA? Você sabe que ela é adotada, não é? De jeito nenhum
aquela nerd veio da barriga de Sunny Darling. E ela guarda a cera do
ouvido para fazer estátuas.
Pelo visto, meus problemas são um pouco mais profundos do que apenas
aquele momento em que as corujas invadiram o baile.
— Mm-hmm — murmura mamãe. — Você sabe que foi assim que o seu
pai e eu nos conhecemos.
— O quê?
— Sim, o agente dele se aproximou do meu, porque o seu pai foi pego
em uma posição comprometedora com uma mulher seminua que precisava
de uma carona em uma certa parte de Los Angeles, e eles queriam o meu
nome ligado a ele para limpar sua imagem.
— Você disse que se conheceram quando você era uma figurante no set
do primeiro filme dele.
— Ah, não, querida, ele tinha um trailer no lado direito daquele set de
filmagem, e eu mal tinha uma única fala. Quando começaram os rumores de
que ele contratava acompanhantes, eu comecei a fazer o meu nome, e
Hollywood engoliu a história de que estávamos namorando em segredo há
meses. E agora, estamos casados e felizes desde então. Além disso, a pobre
garota a quem ele deu carona era uma detetive disfarçada que ficou tão
encantada com as maneiras e a capacidade dele de resistir às provocações e
ofertas de sexo pago que ela veio ao nosso casamento. Para quem você acha
que eu liguei para investigar o nosso querido sr. Ryder?
Coloco o sorvete de baunilha no balcão e vou vasculhar os armários em
busca de granulados.
Esta noite com certeza pede granulados.
— Eu gosto dele — sussurro, porque não consigo dizer isso mais alto.
— As maiores recompensas exigem os maiores riscos.
— Isso não é uma fala de um de seus filmes?
— Sim, mas ainda é verdade.
E exatamente o oposto de eu desejar que as coisas que amamos sejam as
mais fáceis do mundo.
Talvez ela esteja certa. Talvez eu precise lutar por ele. E o defender mais
quando as pessoas o chamarem de babaca, e parar de me esconder das redes
sociais e ir lá e tomar uma atitude.
Papai entra na cozinha, estudando nós duas com os olhos semicerrados.
— Aquele filho da puta mostrou alguma coisa para você?
Meu celular toca e um texto aparece com um vídeo anexado.
Um vídeo da bunda de Beck, em cuecas RYDE pretas, enquanto ele
balança, e rebola, e flexiona em uma dança muito, muito boa. Embora eu
esteja hipnotizada por suas costas. Todo aquele músculo magro, aquele
comprimento, as covinhas na base de sua espinha, a marca de nascença, a
largura de seus ombros.
Como diabos ele come tanto e ainda tem as costas feitas para
pornografia?
— AI, MEU DEUS, VOCÊ VIU ESSA JOGADA? — grita Mackenzie.
— Terceira eliminação! Terceira eliminação! Terceira eliminação!
Todos nós olhamos para o meu celular.
Depois para a sala de estar.
— Merda — murmura papai.
— Coloque de novo, querida — pede mamãe.
Mackenzie corre para a cozinha, assustando Meda, que dispara para a
sala de seu esconderijo debaixo da mesa e que, provavelmente, vai se
esconder debaixo da minha cama durante a próxima semana.
— Ele fez isso? Ele fez isso?
Mamãe pega meu celular e mostra o vídeo para ela antes que eu possa
impedi-la.
— Sim.  Diga para ele ficar preparado. Cooper é o primeiro na entrada
após o intervalo comercial.
— Vá em frente — rosna papai para mim. — Diga para ele que
precisamos que o nosso time vença.
Nosso time. Meu pai é um verdadeiro fã dos Dodgers, mas ele adotou os
Fireballs.
— Estou pegando sorvete — eu o informo com um sorriso.
Papai me empurra para fora do caminho e pega minha colher para
assumir as funções com o sorvete. Mamãe empurra meu celular de volta
para mim. Começo a mandar uma mensagem para Beck, mas Mackenzie
grita novamente.
— Não. Não mande mensagem para ele! Você precisa ligar para ele. Isso
só funciona quando vocês dois estão no banheiro juntos e, como não estão
juntos, precisam estar ao telefone. É a melhor coisa agora.
— Eu… — começo, mas ela entra de fininho e aperta o botão de
chamada no topo da minha mensagem com ele.
E agora ela tem minha atenção.
Porque não é como se eu pudesse desligar e esperar que ele não me ligue
de volta.
Não depois daquele beijo.
Puta merda, aquele beijo.
E o eu te ligo dele.
— Você não tem que trabalhar amanhã? — pergunto a ela.
— Sarah. Os Fireballs podem ganhar o terceiro jogo em oito dias.
Ninguém vai ligar se eu dormir na minha mesa.
Beck atende antes mesmo do primeiro toque terminar.
— Ei. Funcionou, não é? Diga para Mackenzie que farei isso todas as
noites se ela se converter totalmente ao time do Beck.
— Time do Beck? O que é o time do Beck?
— Estou totalmente no time do Beck desde que ele dançando de cueca
resulte na vitória do Fireballs — diz Mackenzie, como se ela estivesse neste
telefonema e não eu.
Pego uma tigela cheia de sorvete coberto com chantilly, calda de
chocolate, e metade de um pote de granulado de flores oferecida pelo meu
pai, e vou para o banheiro.
— Os Fireballs estão com tudo — digo a Beck.
— Eu sei. Estou assistindo no meu tablet no banheiro. Você está no
banheiro?
— Sim — respondo com a boca cheia de sorvete.
— Ah, cara, você está comendo alguma coisa. Não é pipoca. A pipoca
faz muito barulho. Eu não queria parar de te beijar. Você é tão… tão…
Eu me encolho, esperando que ele diga diferente. Porque é isso que eu
sou.
Não me encaixo totalmente na comunidade geek, mas também não me
encaixo no estilo de vida dos meus pais – e também do dele.
— Especial — termina ele, baixinho.
O calor se espalha pelo meu peito, até a ponta dos dedos, e coloco meu
sorvete no balcão para não derreter, embora eu esteja familiarizada o
suficiente com termodinâmica para saber que é impossível para minha pele
aquecer o suficiente para derreter de uma vez uma tigela de sorvete através
da cerâmica.
— Todo mundo é especial — digo baixinho.
— Mas você é nível especial Sarah. Isso é ultra mais que especial.
Eu rio baixinho.
— Ultra mais que especial?
— É a minha expressão. E eu gostei. Vou ficar com ela. Posso te ver
depois que as nossas duas semanas terminarem? Eu quis dizer isso. Odeio o
contrato. Eu só quero namorar você.
— Por quê? — Vejo meu sorriso bobo no espelho e, em vez de corar,
sorrio ainda mais.
— Porque eu gosto de você. Gosto de você.
— Por quê? — pressiono.
Não porque eu não goste dele como ele mesmo, mas porque o estilo de
vida com o qual ele vem nunca apreciou meu tipo de qualidades antes, e eu
vivi nisso durante dezoito anos antes de finalmente escapar para encontrar
um local onde eu achava que me encaixaria.
— Porque você tem um gosto excelente para filmes e programas de TV,
seus amigos te amam o suficiente para me ameaçar com coisas que me
mandarão para terapia por anos, e você não precisava perguntar para saber
que cebola frita é a melhor cobertura extra já inventado para um
hambúrguer. Você sabe como usar um taser, você cria abelhas para tentar
salvar o mundo, e a única coisa que você quer de mim é que eu me levante
e cumpra o meu dever como cidadão da Terra para ajudar a salvá-la. Além
disso, você não me pediu calcinhas de graça, ou se eu autografaria seus
peitos, embora eu faria isso total por você, porque sou sem vergonha e
aceito qualquer desculpa para tocar em você, ou se eu conseguiria ingressos
grátis para os shows do Levi ou para as estreias de filmes do Cash. E
também porque você tem padrões altos o suficiente para exigir que eu saiba
dar um orgasmo duplo no quarto. Ninguém nunca quis que eu fosse melhor.
Eles só querem que eu fique nu. Você é… real. E nada deslumbrada. E isso
me faz querer te impressionar.
— O que acontece quando essa novidade desaparecer?
— Você é fascinante demais para não ser fascinante. Eeeeee eu sou o
bobão que acabou de dizer essa frase estúpida. Desculpa.
Sorrio para o meu sorvete derretendo.
— Não, você é mesmo um doce e fofo.
— E sexy e gostoso e você quer me tirar do meu roupão de ursinho de
pelúcia.
— Você não está vestindo um roupão de ursinho de pelúcia.
Meu celular me dá um alerta de mensagem, e eu o afasto do meu ouvido
para olhar.
Com certeza, é uma foto de Beck. Em um manto branco fofo com
ursinhos de pelúcia marrons por toda parte.
Caio na gargalhada.
— É a sua roupa normal de dormir?
— Eu não estava prestando atenção no que peguei quando vi que você
estava ligando. Os filhos do Tripp me deram no Natal. James estava com
uma mania de ursos. E agora sabemos que dá boa sorte para os Fireballs,
então terei que usá-lo toda vez que eles jogarem.
— Você tem alguma ideia de como é atraente que você ame tanto a sua
família?
— Nem ideia. Você vai ter que soletrar para mim. Use muitas palavras
elogiosas. Meu ego precisa ser inflamado.
— HOME RUN! AI, MEU DEUS, SARAH, ELE ACERTOU UM
HOME RUN!
— Espera — digo a Beck, e o coloco em espera enquanto aciono meu
aplicativo que imita o som da descarga do banheiro. — Isso é ótimo —
respondo para Mackenzie.
— Fica! Fica aí no banheiro! — grita ela de volta. — E o que quer que
você esteja fazendo, continue fazendo!
Beck está rindo quando eu levanto o celular de volta ao meu ouvido.
— Temos que continuar conversando, não é?
— Sim.
— Impressionante. Qual é o e-mail dela? Vou enviar os ingressos para a
temporada amanhã.
Eu pisco.
Então pisco novamente, porque meus olhos estão ficando quentes.
— Você sabe que a maioria dos caras diria flores, não é?
— Eu sei que te enviei algumas antes, mas a verdade é que eu odeio
mandar flores. Você as cultiva, elas ficam felizes e todas conectadas às suas
raízes, comendo, bebendo e se aquecendo ao sol, ou a uma lâmpada de
cultivo, eu acho, mas então você as corta, as envia para alguém, e elas
morrem bem antes do tempo. Os ingressos para a temporada são o presente
contínuo. Até outubro, pelo menos. Ou até que ela decida que ir
pessoalmente dá azar. Merda. E se ela decidir ir pessoalmente e der azar?
Então, terei arruinado o beisebol para ela.
— Ela não vai decidir que dá azar estar lá pessoalmente — digo a ele. —
É mais provável que ela decida que seus assentos estão errados, mas ela não
vai dizer isso, porque ela é mais educada do que supersticiosa. Mas você
sabe que não precisa fazer isso, não é?
— Sarah?
— Humm?
— Eu queria mesmo estar beijando você agora.
— AAHHH!!! UM DOUBLE! — grita Mackenzie. — DARREN
GREENE ACABA DE GANHAR UM DOUBLE!
Eu engulo em seco.
— Você viu aquilo? — sussurro.
— Vi. — Sua voz é mais suave, mas também mais profunda. — Parece
que a gente precisa continuar falando sobre beijos.
— Minha melhor amiga está totalmente tentando juntar a gente.
— Ela com certeza tem um gosto incrível para homens. E já que isso
significa que eu posso continuar falando com você sobre como seus lábios
são deliciosos, eu vou pegar este pequeno presente do universo e ir com ele.
E seus lábios são deliciosos.
— Foram os anéis de cebola.
Ele ri baixinho.
— Não, Sarah. É você.
— Você não foi tão ruim — digo a ele, embora a verdade seja que ele foi
incrível. Eu sei o que namorar com Beck realmente significaria para o meu
futuro, e a minha relativa privacidade, mas aquela parte de mim com medo
de ter minha vida dilacerada está falando por mim novamente. Eu limpo a
garganta e tento de novo. — Quero dizer, você estava a, pelo menos, setenta
por cento do caminho para me dar um orgasmo só por me beijar.
— Se estivéssemos sozinhos, eu te beijaria da cabeça aos pés, e
aprenderia todos os seus lugares favoritos, e fingiria não saber o que você
quer dizer quando diz para ir mais baixo ou mais forte, ou mais rápido, só
para que eu pudesse construir toda a expectativa até que eu finalmente
pressionasse todos os seus lugares mágicos — diz ele, sua voz baixa e rouca
e fazendo minha pele formigar.
Fecho a porta do banheiro e me afundo no chão para que ninguém possa
entrar.
— O que mais? — sussurro, mesmo que as portas sejam finas como
papel e meus pais e minha melhor amiga ainda estejam do outro lado.
— Eu tiraria suas meias e sopraria nos dedos dos seus pés — sussurra
ele, e não deveria ser excitante, mas meus dedos se contorcem e tenho um
choque de luxúria direto entre minhas coxas. — E então, eu acariciaria seus
tornozelos e lamberia uma trilha até a sua panturrilha e provocaria para ver
se você sente cócegas nos joelhos antes de abrir suas pernas e comer a
sobremesa.
Benditas abelhas. Meus joelhos se abrem, e alcanço debaixo da minha
camisa para esfregar um mamilo dolorido.
— Você acha que é bom com sobremesa?
— Eu sou terrível. Vou precisar de horas e mais horas de prática.
Eu vou precisar de algum tempo privado com meus dedos em um minuto
aqui. Eu belisco meu mamilo, e uma corrente de prazer dispara do meu
peito para minhas partes femininas.
— Horas?
— Horas. Com o meu rosto entre as suas pernas.
Eu choramingo.
Por que o que são palavras mesmo?
— Droga, estou fazendo isso errado. Eu deveria falar sobre o quanto eu
quero beijar aquela boca de novo primeiro.
— Nada de… errado — consigo dizer.
Eu posso ouvi-lo sorrindo.
— Sarah Dempsey, você está excitada?
Minha cabeça cai para trás, meus olhos se fecham e minha mão desliza
para baixo.
— Só um pouco.
— Ah! Só um pouco? Estou duro como uma frigideira de ferro fundido.
E agora eu estou o imaginando com uma ereção forçando sua boxer
preta, e há um formigamento de excitação acontecendo na minha boceta.
Minha boceta parece um chihuahua latindo neste momento, abanando o
rabo e formando um plano para atravessar a cidade com a cabeça pendurada
para fora da janela do carro para que eu possa atacar sua ereção.
Eu choramingo.
— Estou fazendo isso errado — diz ele. — Você quer que eu pare?
— Não.
— Ah. Então, você gostaria que eu beijasse esses lábios de novo. E te
despir até só restar sua pele nua. E chupar seus lóbulos das orelhas.
Odeio que toquem na minha orelha, mas oferecê-las como tributo se é
isso que Beck quer chupar soa absolutamente divino. Ainda mais se eu
pudesse me segurar em seus ombros largos e enterrar meu rosto em sua pele
quente e provar a própria essência dele.
— E você?
— Não há um único centímetro do meu corpo inteiro que não estaria
completamente excitado se você estivesse me tocando.
Eu sorrio. É um sorriso ofegante, e eu quero tanto esfregar meu clitóris.
— Eu quero mesmo te beijar de novo — sussurra ele. — E eu quero tirar
você de suas roupas, adorar o seu corpo, e aprender o que você gosta, sentir
seu gosto, te acariciar, e te amar, até que você não consiga se lembrar de um
momento em que você esteve infeliz com qualquer outra coisa.
Eu puxo uma respiração estremecedora, minha pele alternando entre o
calor flamejante e o frio gelado.
— Eu não acho que você precise de aulas sobre qualquer coisa.
— Não me roube das minhas fantasias aqui. De nenhuma delas. Não as
do meu quarto. Ou da minha banheira de hidromassagem. Ou do meu pátio.
Em um cobertor de piquenique cercado por frango frito, e biscoitos, e torta
de pêssego.
Rio baixinho enquanto esfrego meu jeans no meu clitóris.
— Biscoito de morango.
— Donuts. — Ele geme baixinho. — Donuts de pudim de banana.
Eu o imagino usando um donut como anel peniano, e, de repente, estou
tão excitada que minha calcinha está pingando, mas também estou rindo.
É uma mistura estranha, mas eu gosto.
— Cream cheese dinamarquês — digo.
— Porra, Sarah, avisa o homem. — Ele solta um suspiro audível, e eu me
pergunto se ele está sinceramente tão excitado quanto eu. Sua respiração
irregular sugere que ele pode estar.
— Tudo bem. Controle. Tudo bem — rosna ele. — Pizza de calabresa.
— Chá de menta e biscoitos gazelle.
— Se eu estivesse perto de você, eu estaria afundando em você com tanta
força agora, nenhum de nós seria capaz de andar amanhã.
Não são suas palavras.
É a forma como sua voz ficou completamente rouca e trêmula, como se
ele fosse um homem prestes a perder o controle.
— Você está se tocando? — sussurro.
— Você quer que eu faça isso? — Rouco. Áspero. Como se ele não
estivesse no controle.
— Quero.
— Eu gostaria que você estivesse me tocando.
— Eu gostaria que você estivesse me tocando também.
— Onde?
— Meus mamilos são muito sensíveis.
— Sarah — geme ele.
A porta do banheiro bate de repente nas minhas costas.
— Sarah! SARAH! A dança do bumbum! DIGA PARA O BECK QUE
PRECISAMOS DA DANÇA DO BUMBUM!
O jogo.
Merda. Droga. Inferno.
Eu salto para cima, minhas pernas bambas, meus mamilos tão duros que
provavelmente viraram do avesso, minha cabeça leve, meu coração batendo
forte.
— Não. Nada de dança do bumbum! — grito.
— Sarah? — A voz de Beck está dolorosa, meio gemido, meio
desespero.
E então há silêncio. Por meio segundo antes de Mackenzie abrir a porta e
me espiar com apenas um olho.
Um globo ocular azul muito largo.
— Ai, meu Deus — sussurra.
Faço alguns movimentos com as mãos que espero que signifiquem vá
embora e não conte aos meus pais e posso odiar você agora, mas ainda vou
te amar amanhã.
— Quero dizer, se isso é o que é preciso para eles vencerem, acho que
você vai ficar extremamente satisfeita até outubro. Bom para você, amiga.
Mas você pode me enviar esse vídeo por mensagem?
— Não!
— Está bem, está bem. Nossa, só estou perguntando. — Ela fecha a porta
novamente. — Não, Judson, ela está tomando banho. Deixe-a sozinha. Ela
fica toda estridente quando as pessoas a veem nua.
— Você usou os sais de banho que enviamos para o Dia dos Namorados?
— grita minha mãe.
Eu deixo cair minha cabeça para a porta do banheiro, de repente sentindo
falta de orgasmos mais do que em qualquer momento no ano passado.
— Eu te devo algo melhor do que chocolates por isso, não é? — diz Beck
no meu ouvido, me fazendo pular.
— Você gozou, não é?
— Você gosta de waffles? Ou omeletes? Eu faço um sanduíche de
omelete de waffle matador. Eu poderia vir fazer o café da manhã para você.
Ou agora mesmo.
— Está tudo bem. Eu tenho um vibrador.
— Porra, vou pensar nisso a noite toda.
Eu estremeço.
— Desculpa.
— Sem problema. Vou aproveitar pra caralho essas fantasias.
— Você está adicionando funel cake e churrasco a elas, não é?
— Sarah Dempsey, vou convencê-la a se casar comigo um dia.
Eu rio.
Ele não.
Deve ser porque ele está salivando com a ideia de eu me masturbando,
cercada de comida.
— Tem certeza de que tem planos para amanhã à noite? A gente podia ir
para a minha casa em Naufrágio. Eu tenho um telescópio lá.
Meu coração aperta atrás dos meus mamilos ainda formigando.
— Talvez no próximo fim de semana.
— Feito. Você está na minha agenda. Nada de desistir.
— Você acabou de mandar uma mensagem para a Charlie?
— Não. Coloquei na minha agenda sozinho. Bem ao lado de comer
naquele lugar indiano ali na rua. Mas eu posso mudar isso.
— Espera. Que lugar indiano? Aquele com o naan de alho que você sente
o cheiro assando no meio do Reynolds Park?
— Existe algum outro lugar indiano na cidade?
— Tecnicamente, sim.
— É um encontro. Comida indiana, depois Naufrágio. E donuts de pudim
de banana.
— AI, MEU DEUS, NÓS VENCEMOS! GANHAMOS NA ENTRADA
EXTRA! GANHAMOS, GANHAMOS, GANHAMOS!
Sorrio para a porta de madeira branca e para os gritos de Mackenzie na
sala.
— Obrigada por ser o amuleto da sorte dos Fireballs de novo — digo,
baixinho.
— A qualquer momento. Ainda mais se isso me der uma desculpa para
falar com você.
As palpitações da barriga se juntam ao calor do meu coração e à
frustração nas minhas partes femininas.
Isso parece real.
E divertido.
E fácil.
Só espero que dure.
30

 Estou tão empolgado na sexta de manhã que nem consigo me concentrar


no Donkey Kong. Continuo ouvindo a respiração irregular e os suspiros
suaves da Sarah, aquela necessidade em sua voz, e eu nem quero o segundo
café da manhã.
Eu quero ir encontrá-la.
Mas estou preso em reuniões com minha equipe, e eu já nem consigo cair
fora apenas fritando outra placa-mãe, ainda mais porque meu café de hoje é
de uma loja local na rua que usa paus de canela como palitos para mexer e é
delicioso, e eu teria que pegar uma xícara de café diferente só para despejar
no meu computador se eu não quiser chorar enquanto faço isso.
Além disso, Bruce decidiu que a Operação: Recuperar a reputação do
Beck foi tão bem que precisamos convencer Vaughn a fazer uma parceria de
negócios no ramo de meias.
Sim, meias.
— É um mercado fácil — insiste ele. — Quem mais está fazendo meias
de grife? E poderíamos puxar a garota para isso. Essas fotos de você
olhando para ela, enquanto ela está fazendo aquela cara de burro com um
pênis no ombro são exatamente o tipo de coisa que venderia se vocês
estivessem sentados juntos em um sofá, exibindo as suas meias.
— Cara de burro com um pinto no ombro?
Charlie desliza o celular para mim, e eu olho para baixo para ver Sarah
rindo tanto que sua boca está aberta e seus olhos estão bem fechados, e de
alguma forma, sua trança está pendurada sobre o ombro, mas parece
bagunçada o suficiente para que, sim, se você tem uma mente suja, poderia
parecer um pênis, mas meu Deus, é preciso mesmo distorcer muito a
realidade.
— Ela parece estar se divertindo — digo.
— Tanto faz.
— Não é tanto faz — rosno e não dou a mínima para o fato de que estou
pensando em perguntar a Judson se podemos contratar alguns daqueles
euranianos para jogar bombas de cocô em chamas na porta da frente de
Bruce, porque não eu vou fazer uma parceria de negócios sobre meias. —
O nome dela é Sarah…
— Serendipity, tecnicamente — diz Hestia.
— O nome dela é Sarah — diz Charlie. — E eu me oponho
violentamente à ideia de tentar trazer lucro para essa parceria com o
Vaughn. É para crianças, não para aumentar contas bancárias já bem
infladas.
— Veementemente — corrige Hestia.
— Não, violentamente.
— Querida, você é apenas a assistente — diz Bruce.
— Ela é a porra de um gênio, e você está me irritando — rosno.
Huh.
Entendo por que Judson faz isso.
É bom pra caramba rosnar quando se está com raiva.
Todos ficam em silêncio. São quatro cabeças falantes na minha tela de
vídeo, todas boquiabertas para mim.
Exceto Charlie.
Ela está olhando para a tela do meu computador como se estivesse
esmagando a cabeça de Bruce com a mente.
— Nós não vamos pedir para o Vaughn para entrar no ramo de meias
comigo — digo a Bruce. — Próximo assunto.
Há mais uma hora de discussões entorpecentes de negócios sobre
algumas pequenas parcerias que tenho com um chefe celebridade em
ascensão, um influencer do Instagram e uma empresa de chá – minha
equipe ficou chateada com isso, mas, caramba, às vezes, um cara na estrada
precisa de uma xícara sólida de camomila e a porra do Snore-Tea – e
quando desligamos, eu não quero comida, nem sair para correr, ou ir dar
uma volta na casa dos meus pais e ver quem está por perto na vizinhança.
Eu quero ver a Sarah.
O celular dela cai no correio de voz.
Mando uma mensagem, mas não aparece como lida.
— Não — Charlie diz quando eu pego minhas chaves.
— Vou sair para comer um hambúrguer.
— Você vai passar pela casa da Sarah e no seu escritório.
— E para pegar um hambúrguer.
Dois hambúrgueres. Ou cinco. Na verdade, não sei quais são os recheios
favoritos dela, porque tenho certeza de que ela pediu aquele hambúrguer
ontem à noite para mim, e mesmo que ela tenha comido, não significa que
era o favorito dela.
Preciso descobrir qual é o hambúrguer favorito dela.
E o que ela gosta em sua pizza.
E se ela come chantilly direto da lata.
Porra, estou ficando de pau duro de novo.
— Ela está visitando um cliente hoje — Charlie me informa. — Fazendo
o seu trabalho de verdade. E eu posso não aguentar mais uma semana antes
que o Bruce me faça desistir, mas você pode ter certeza de que vou
processá-lo por condições hostis de trabalho se eu me demitir.
Eu esfrego a mão sobre o meu rosto.
— Vou ligar para ele. Não desista. Vou te dar o meu primogênito e uma
fábrica de manteiga de amendoim.
— Você não vai ter filhos, e a beleza da manteiga de amendoim é que eu
não estou presa a apenas um tipo para a eternidade. Fale para o Bruce parar
com isso.
Ela olha incisivamente para o meu celular.
— Está bem, está bem. Agora mesmo. Vou ligar para ele agora mesmo.
É mais fácil reclamar sobre respeitar todos na equipe – incluindo Sarah –
quando percebo que esse cara poderia mesmo ter motivos para falar com
ela, ou minha mãe, ou minha irmã um dia. Ele me lembra de que fez um
monte de trabalho para me ajudar a lançar e manter não apenas a linha
RYDE forte, mas também minhas linhas de roupas de banho e cuidados
com o corpo, e eu o lembro que é exatamente isso que eu o pago para fazer,
e se ele foder essa fundação com Vaughn, tentando roubar mais acordos de
negócios dele quando eu disse especificamente para não fazer isso, eu
também tenho uma equipe jurídica excêntrica e sei que ele está traindo sua
esposa.
Eu não sabia mesmo se era verdade até que ele ruge que estou falando
merda e gagueja ao me desafiar a provar isso.
Chame isso de um pressentimento.
Quando desligo, me sinto uma merda, porque odeio repreender as
pessoas.
Encontro Charlie em um pequeno escritório do outro lado do corredor.
— Por que você não me disse há um ano atrás que ele era tão babaca?
— Ele não era até que a última amante o largou. Agora, ele está saindo
com uma de vinte e três anos que acha que ele é mais rico do que você, e o
estresse de falir por estar fingindo está acabando com ele.
Fico boquiaberto para ela.
— Mas eu já pedi para o Hank monitorar as suas contas bancárias e
quaisquer tentativas de fazer transações não autorizadas, além da sua equipe
jurídica ter vasculhado seu contrato de trabalho, então está tudo bem.
E agora meus olhos vão cair da minha cara.
— Beck. Quando estamos na estrada, você está viajando vinte horas por
dia. Você não faz a diva, você não manda os fotógrafos terminarem logo,
você não reclama de viver de agrião e quatro feijões pretos por dia, você
nos faz parar para jogar futebol com crianças aleatórias em parques público,
e você me dá aumentos todos os meses. Meu último chefe batia na minha
bunda com frequência, teria um ataque se o café dele não estivesse
exatamente a 183 graus e, finalmente, parou de pagar o meu salário porque
ficou sem dinheiro depois que uma de suas amantes descobriu que ele a
estava traindo e hackeou suas contas bancárias. É do meu interesse garantir
que você ainda possa me pagar.
Estou neste negócio há muito tempo. Sua história não me surpreende, e
isso me irrita. Eu estendo um punho.
— Você é muito foda, e eu espero que você tenha dado um soco nas bolas
dele quando se demitiu.
Ela bate o punho no meu.
— Tive que me demitir e isso foi bom o suficiente. Além disso, eu não
gosto mesmo de socar os homens quando eles estão caídos, e a segunda
amante dele o colocou no hospital com um rim sangrando. Não irrite uma
mulher usando salto alto. Além disso, você tem um telefonema com o
Vaughn às onze horas, não o irrite também, porque ele está deixando o
pessoal dele trabalhando com o nosso pessoal para continuarmos com a
fundação, e o Tripp está lá em cima esperando por você. Parece que você é
a melhor chance dele para uma conversa adulta. Coitado. Teleconferência
com o gerente da Ryder Family Foundation em trinta minutos. Não se
atrase.
Ele não é a Sarah, mas ainda estou sorrindo quando vou para o meu
apartamento. James está pilotando um avião pela minha sala e Emma está
mordendo uma girafa de pelúcia.
— Ei, cuidado, garota. Esses animais estão em perigo. — Eu toco seu
nariz e saio do caminho do avião de James. — Aah! O avião fora de
controle vai me pegar!
Ele me persegue pela sala e cozinha, rindo e gritando, até cairmos no
chão em frente aos sofás e ele se jogar na minha barriga para empurrar o
avião no meu nariz.
— Você, saia daí — diz Tripp, puxando-o de cima de mim e o virando
para olhar para algum desenho animado na TV. — O tio Beck precisa que o
nariz bonito dele permaneça bonito se ele quiser continuar empregado.
— Você está de brincadeira? Ser ferido ao salvar coelhos e crianças de
aviões malvados só vai aumentar a minha áurea de mistério e melhorar a
minha reputação.
Ele balança a cabeça e passa a mão pelo cabelo castanho.
— É como ter um terceiro filho — murmura ele.
Eu sorrio.
— Bem como estar na estrada, só que agora os seus filhos reais são
menores.
— Mas crescendo.
— Preciso embrulhar a Emma em uma lona plástica ou a bunda dela está
melhor?
— Não há mais nada dentro dela até que a alimentemos de novo. Seu
piso está seguro por enquanto.
Ela olha para nós, joga sua girafa para o lado, então desce de quatro para
correr até o avião de plástico abandonado de James, que também vai direto
para sua boca.
— Hum. Eu deveria ter pensado nisso — digo. — Parece que é delicioso.
Tripp balança a cabeça.
— Você está vai vender a sua marca?
Ele descansa no meu sofá e está parecendo relaxado – ajuda que ele
esteja em uma camisa de algodão RYDE, porque, cara, essas coisas são tão
macias que derretem em torradas quentes –, mas eu o conheço desde que
aprendi a falar, e há algo o incomodando.
Além disso, por que ele continua me perguntando isso?
— Você está ficando louco? — pergunto com uma inclinação de cabeça
para as crianças.
Ele apoia os cotovelos nos joelhos e junta as mãos.
— Sim. Não. Eu… sim.
— Sem culpa, cara. Lembra quando as nossas mães costumavam jogar a
gente em cima dos nossos pais e desapareceriam por finais de semana
inteiros?
Seu sorriso fica triste.
— Sim. A minha sempre se sentiu culpada.
— O quê? Por quê?
— Porque ela teve que jogar a gente no pai de outra pessoa.
— Ninguém ligava para isso.
Ele abre a boca, então balança a cabeça novamente.
— Ouvi um boato confiável de que os Fireballs estão à venda.
— Ah, gororobas — murmuro. Não que eu esteja surpreso. —
Mackenzie vai morrer.
— A amiga da Sarah?
— Sim, ela está… — Eu paro, porque pensar nas superstições de
Mackenzie me faz pensar na noite passada, e pensar na noite passada me
faz pensar em Sarah, e pensar em Sarah me faz pensar em Sarah
sussurrando sobre pornografia gastronômica, e pensando em Sarah e
pornografia gastronômica me faz pensar em Sarah nua, comigo, sozinha, e
estou pegando o celular para enviar outra mensagem para ela antes que eu
perceba que Tripp está sentado ali, olhando para mim como se eu tivesse
enlouquecido.
— Você está apaixonado, Beck — murmura ele. — Só tenha cuidado.
Diz um homem que se casou com uma queridinha de Hollywood.
Não que Sarah seja uma queridinha de Hollywood, mas seus pais são.
E agora, ele sabe como é perder a mulher que ama. Então, seus avisos
estão vindo com camadas.
James olha para sua irmã e um grito profano enche todo o andar da
cobertura.
— PARE DE COMER MEU AIÃO!
Emma começa a chorar e joga o brinquedo no chão.
E Tripp suspira e esfrega a testa.
— Eu tenho sorvete — digo a ele.
— Dê açúcar para eles, e eles serão seus pelas próximas seis horas.
Não seria tão ruim.
Estou sem outros companheiros de brincadeiras e seria uma ótima
desculpa para escapar de algumas reuniões, pelo menos até a Sarah chegar
em casa.
— Você acha que os Fireballs podem encontrar novos donos? —
pergunto a Tripp enquanto seguro uma revista para Emma mastigar.
Ele me dá o olhar de não faça papel de idiota, idiota.
E agora eu entendo.
Ele quer que eu venda.
Puta merda.
Ele não está procurando alguém para socializar.
Ele está procurando um parceiro de negócios.
— Cara — murmuro. — Sério?
Ele balança a cabeça, mas não acho que ele está me dizendo não.
— Você se lembra de quantos dias a gente passava lá antes da banda?
Mesmo antes de podermos dirigir? — Ele inclina a cabeça para seus filhos.
— Você sabe a quantos jogos eu quero levá-los? Você já pensou em levar os
seus próprios filhos algum dia?
Engulo em seco. Não sei quanto custa um time de beisebol, mas apesar
dos milhões que ganhamos na banda e das dezenas de milhões que Cash,
Levi e eu fizemos individualmente todos os anos – meu império vale mais
de um bilhão de dólares, mas isso não é dinheiro vivo, são ativos e
patrimônio –, duvido que qualquer um de nós tenha dinheiro suficiente para
comprar um time.
Mesmo o pior time de beisebol.
O que significa que meu amigo está me perguntando se posso liquidar
alguma coisa.
Fazer negócios com ele. Provavelmente com todos os caras. Reunidos
por uma nova causa.
Comprar nosso time de beisebol da cidade natal.
Engulo novamente, mas no meio de engolir, não consigo evitar um
sorriso.
— Isso seria tão gororobamente incrível — murmuro. Meu cérebro está
girando de um jeito que eu não costumo fazer girar, mas, merda. Possuir
nosso próprio time de beisebol?
Trazer os Fireballs de volta à glória?
Ele não sorri de volta.
— Gororobamente complicado, difícil e arriscado.
— Você tem números?
Ele acena com a cabeça uma vez, enquanto James corre para empurrar o
avião na minha cara.
— Tio Beck! Está vendo?
— Voe, aviãozinho — digo. — Aaaahhh! Voe para longe dos meteoritos!
— Eu amasso uma página da revista e a jogo no ar, e James sai correndo,
rindo.
Então dou uma olhada em Tripp.
— Me manda um e-mail.
Ele bufa.
— Você quer dizer um e-mail para a Charlie?
Balanço a cabeça e jogo para James outro meteorito para que ele evite.
— Me manda um e-mail.
— É uma tonelada de gororoba — diz ele, tão sério que eu tenho que me
perguntar se ele está falando de um montante ainda maior do que todos nós
valemos juntos.
— Sim, e nós somos cinco caras de um bairro de classe média na
Virgínia que governou a gororoba por cinco ou seis anos. O Levi topou?
— Estou começando com os alvos fáceis.
Isso me faz rir, mas é verdade.
Eu sou o alvo fácil.
Davis pode ser tecnicamente o mais novo de todos nós, mas eu sou o
garoto.
— Isso é loucura. Até eu sei disso.
Mas não estou pensando como loucura.
Estou pensando em desculpas para ficar ainda mais em casa.
E o olhar no rosto de Sarah se eu dissesse a ela que salvei o time de
beisebol de sua melhor amiga.
Se eu dissesse a ela, estaríamos menos no centro das atenções. Porque
quem, fora de Copper Valley, se importa de verdade com os Fireballs?
E agora estou sorrindo de novo, a adrenalina circulando assim como
aconteceu na noite em que todos subimos em um ônibus para a primeira
etapa da nossa primeira turnê.
— Você tem um lado muito louco — digo para Tripp, que sempre foi o
único que nos vigiava em turnê, porque, sim, ele é o pai do grupo.
Ele passa as mãos pelo cabelo.
— Às vezes, um cara precisa de uma mudança.
Ele pode estar certo.
31

Uma vez na vida outra na morte, Mackenzie e eu vamos a uma noite de


pintura em uma lojinha de arte bonitinha a poucos quarteirões da minha
casa. Quando eles anunciaram que uma de suas novas opções de pintura é
uma cena noturna de Duggan Field, ela nos inscreveu.
Antes do Beck, é claro. Porque tínhamos que sincronizar uma noite de
pintura com um jogo diurno, porque não seria bom pintar o Duggan Field
enquanto perdíamos o jogo.
Mas agora somos nós duas, mais minha mãe, Ellie e a sra. Ryder.
Quando os funcionários perceberam que eu estava vindo, eles
perguntaram a Mackenzie se ela preferia remarcar ou trazer gente suficiente
para encher a loja nós mesmas, já que eles não queriam que eu ficasse
desconfortável por ser bajulada.
— Eu não sou a droga de uma celebridade — murmuro para ela enquanto
começamos a tomar o vinho. Eu tenho dois copos, um vermelho, um
branco, e um assento recém-limpo, e pinceis novinhos em folha, porque
parece que eu ainda vou ser a pessoa do momento hoje à noite, o que é
ridículo.
Eu sou só eu mesma.
— Sim, você é — murmura ela de volta. — E um dia, quando você
aceitar a oferta do Beck para deixar a sua equipe de vídeo te ajudar a criar
alguns vídeos sobre os seus assuntos favoritos, vai perceber que existem
todos os tipos de estrelas, e você é do tipo que deveria ser.
Ellie se senta do meu outro lado com seu vinho e sua bandeja de pintura.
— Se a minha mãe perguntar quantos bebês você quer, apenas diga três, e
ela ficará tão feliz que não vai perguntar mais nada pelo resto da noite —
sussurra ela.
— Eu ouvi isso — diz a sra. Ryder. — E eu prefiro falar sobre o seu
casamento, querida.
— Eu adoro casamentos — anuncia mamãe. — Já tive dezessete.
— Dezessete? — Mackenzie suspira.
— Dezesseis foram para papéis — digo a ela.
— Ah, é. Verdade. Faz sentido.
Enquanto Mackenzie pergunta à mamãe qual foi o favorito dela, dou uma
espiada no meu celular.
Beck mandou uma mensagem, o que me dá mais emoção do que estou
disposta a admitir em voz alta. Porque sei como são suas mensagens não
lidas.
Acabei de girar o James tão rápido que ele vomitou macarrão com
queijo, e agora o Tripp diz que perdi meus privilégios de babá. Isso é uma
droga. Me mostra uma foto de um cheeseburger para me fazer sentir
melhor? Não, espera. Me manda uma foto sua COMENDO um
cheeseburger para me fazer sentir melhor.
Lanço um rápido olhar ao redor para ter certeza de que ninguém está
prestando atenção, então tiro uma selfie minha levando o copo de vinho
tinto aos lábios.
Só porque minha mãe me atacou com delineador e aquele tom de batom
perfeito, eu pareço um pouco um guaxinim surpreso com lábios roxos, mas
se ele ainda estiver sinceramente atraído por mim depois dessa foto, então
com certeza vou criar aquele blog que esbocei de manhã.
Estou voltando às redes sociais e mergulhando de cabeça.
Assim que envio a mensagem, sua resposta é quase instantânea.
Isso não é um hambúrguer, mas eu adoro ver esses olhos bonitos. Onde
você está? Você quer que eu peça palitos de queijo frito? Ou eu poderia
mandar naan. Engordei muito naquele lugar na rua entre as reuniões de
hoje.
Alicia, a senhora que lidera a noite de pintura, bate um pincel em seu
cavalete para chamar a atenção de todos.
— Boa noite, senhoras. Estamos muito felizes em tê-las aqui. Quem está
pronta para começar?
— Você está trocando mensagens com ele? — sibila Mackenzie. —
Deveria estar fazendo isso quando os Fireballs estavam jogando hoje.
— Eu estava no trabalho hoje à tarde — sussurro de volta.
Ela sorri.
— Ah, é, eu não gostaria que você fosse demitida por ser indecente.
— Eca — sussurra Ellie do meu outro lado.
— Então, senhoras, vamos começar com o pincel grande. Este aqui. —
Alicia segura um pincel com cerdas grossas. — E o mergulhe na sua tinta
azul para começar no fundo.
Nós obedientemente começamos a pintar o fundo azul-púrpura profundo
acima da forma desenhada a lápis do estádio em nossas telas.
Olho para a minha tela.
Mackenzie suspira.
— Sério, Sarah?
— Mas é um Pikachu quando você aperta os olhos e olha de lado. —
Gesticulo para as bordas arredondadas das arquibancadas. — Ou talvez um
fantasma do Pac-Man, se você adicionar mais pernas. Ou o que quer que
sejam essas coisas que contam como as pernas.
Ellie olha para mim.
A sra. Ryder olha para mim.
Mackenzie suspira profundamente de novo enquanto volta a pintar seu
plano de fundo, e minha mãe levanta a mão.
— E se eu quiser pintar isso como o Dodger Stadium?
— Ah, claro, sra. Darling. — Alicia se apressa. — Nós encorajamos a
liberdade de expressão aqui.
— Viu? — murmuro para Mackenzie. — Liberdade de expressão.
Pego um lápis e modifico a forma na minha tela.
Ellie e a sra. Ryder trocam um olhar. Mackenzie pega seu vinho.
E quando elas estão todas distraídas, pego meu celular, porque ele está
vibrando com pelo menos mais três mensagens de Beck.
Estou com saudades desses olhos bonitos.
Quanto tempo mais você vai ficar aí? Você gosta de piscina? Ou hóquei
ao ar livre? Posso preparar um sundae como troféu e a gente pode jogar
valendo o direito de lamber o corpo um do outro.
Sarah? Merda. Não temos que lamber nada se você não quiser. E o seu
pai está me dando um olhar mortal de novo como se ele soubesse que estou
tentando enviar uma mensagem para você, então se você puder só ignorar
essa última mensagem até que você chegue aqui e me salve dele e dessa
porca raivosa, isso seria incrível. E então, a gente pode… você sabe. Em
pessoa. Se você estiver livre depois. Estarei aqui a noite toda.
— Essa é uma mensagem enorme — diz Mackenzie, e eu pulo e deixo
cair meu celular, em seguida, derramo minha água de enxaguar o pincel
quando estico a mão para o aparelho antes que Ellie possa ver o que a
mensagem de seu irmão diz.
Todas se levantam para me ajudar, mas estão todas sorrindo.
Até minha mãe, que prefere sorrir com benevolência e graciosidade ao
invés de sorrir com malícia, o que não é o que os produtores de Hollywood
estão procurando em papéis de matrona hoje em dia.
— Se você pode lidar com o quanto o Beck fala, então a gente nunca vai
deixar você ir — diz Ellie.
— Ele é bastante verborrágico para um macho da espécie, mas
encantador — admite sua mãe, como se eu ainda não tivesse decidido que a
amo. — Ele simplesmente ama as pessoas.
— Isso foi tudo uma armação? — pergunta Alicia. — Esse tuíte para
você? Quero dizer, aquele vídeo de desculpas foi absolutamente adorável.
Você só pode ter planejado isso por semanas, não é? Essa é apenas uma
peça de Hollywood porque ele está prestes a anunciar uma nova linha de
moda ou algo assim, não é?
— Alicia — diz a sra. Ryder, muito calma, com um sorriso que rivaliza
com alguns que minha mãe usou enquanto eviscerava um repórter ou dois
ao longo dos anos —, você vai nos ensinar a pintar Duggan Field, ou
precisamos encontrar outra instrutora?
— Oh! Sim, senhora. Embora eu ainda seja uma orgulhosa fã de
carteirinha, uma queridinha, da Bro Code, e fiquei feliz mesmo quando ele
se desculpou porque eu não queria ter que odiá-lo. Vamos continuar
pintando o fundo do nosso parque de beisebol…
— Eu não vou a um jogo dos Fireballs há séculos — diz Ellie quando eu
termino de limpar minha bagunça com a ajuda de outra equipe e todos os
outros voltam para a pintura.
— A gente devia ir! — Mackenzie está pulando em seu assento e
correndo o risco de derramar sua água de enxágue e seu vinho agora. — Eu
tenho dois ingressos para a temporada — acrescenta ela em um sussurro
alto, como se não se tivesse a intenção de se conter, as pessoas a quatro
quarteirões vão ouvir também, porque eu sei que ela está esperando o
momento certo para gritar dos telhados. — Quero dizer, Sarah, está tudo
bem se eu levar outras pessoas de vez em quando, não é? Mesmo que os
Fireballs ganhem enquanto eu estou levando outra pessoa, isso não significa
que você não tem boa sorte.
Aceno com meu pincel.
— De todas as formas, espalhe o amor.
— Você sabia que ele ia fazer isso, não sabia? — sussurra ela.
— Ele pode ter mencionado sim.
— Isso é suborno. E está funcionando.
Ellie bufa em sua taça de vinho, e a sra. Ryder olha para nós com um
sorriso indulgente.
— Eu amo esse tom de meia-noite — anuncia minha mãe. — Isso me
lembra os corações negros de alguns produtores. Alicia, que pintura é essa?
Não consigo decidir se é um pato ou uma roda gigante.
— Essa? — Alicia aponta para uma das amostras no alto da parede para a
qual mamãe está gesticulando com seu pincel. — É a fonte em Reynolds
Park, sra. Darling.
— Mãe, onde estão os seus óculos de leitura? — pergunto.
— São para ler, querida, não para pintar.
Na verdade, não são óculos de leitura, mas nós os chamamos assim,
porque ela se recusa a reconhecer que está cega como um morcego há anos.
Ela também se recusa a se submeter a uma cirurgia ocular a laser e deve ter
esquecido suas lentes de contato hoje. Deve ter pensado que alguns
suplementos extras de betacaroteno cobririam isso.
Não é à toa que eu gosto tanto do Beck.
Na verdade, venho de uma família de bobões.
Huh.
Enquanto todos olham para a fonte e provavelmente também contemplam
em silêncio se minha mãe está usando drogas, dou outra olhada no meu
celular.
Você sabia que o seu pai ama o Scooby Doo? Só para constar, não tenho
vontade de experimentar um Scooby Snack. Um cara tem que ter alguns
limites. Mas eu comia fufú na África Ocidental. Bastante decente.
Mamãe está balançando sua garrafa de água Perrier e contando uma
história sobre uma vez que ela teve uma discussão sobre visão artística com
um diretor, que se recusou a ver o simbolismo na sombra das cortinas em
uma determinada cena, então eu mandei uma mensagem de volta para Beck.
Papai ama Road Runner ainda mais. E se você coçar atrás das orelhas
da Cupcake, ela será a sua melhor amiga para a vida.
— Eu estou vendo — sussurra Mackenzie, então eu guardo meu celular.
Mas continuo encontrando oportunidades para voltar e conferir os
comentários da noite dos rapazes de Beck na casa dele.
E os convites para se juntar a ele para qualquer coisa, desde capinar os
vasos de plantas em seu pátio até ajudar a esfregar atrás das orelhas depois
de uma bomba de cupcake lançada por James.
E quando a noite de pintura acaba, não há nenhum lugar que eu prefira ir
do que voltar para a casa de Beck.
O que pode ser um sinal de que tenho um sério problema.
Não acho que ele esteja apenas interpretando o papel. Mas também sei
que havia pelo menos um fotógrafo sentado do lado de fora do café do
outro lado da rua a noite toda, e quanto mais tempo estamos juntos, seja por
causa de um contrato – ou mais, se tudo isso for real –, mais eu estarei de
volta aos holofotes do público.
Mamãe enlaça sua mão na minha e me puxa para a porta dos fundos, já
que temos um motorista esperando por nós fora da vista da rua.
— Vamos, vamos — diz ela, radiante. — Amanhã é a grande noite. E
alguém precisa de seu descanso de beleza.
A menção da grande noite me dá um arrepio nas costas, porque eventos
formais e eu não nos damos bem quando as câmeras estão envolvidas.
Descanso de beleza não vai resolver minha paranoia ou meus medos
legítimos.
Mas ainda quero ver o Beck. A própria razão pela qual estou no centro
das atenções, e tenho que me vestir bem, e fazer uma grande entrada, e
fingir ser alguém que eu não sou.
No beco atrás do prédio, Ellie e a sra. Ryder entram em um carro que está
esperando e Mackenzie me abraça antes de entrar em um segundo. Estamos
sendo conduzidas como celebridades, com guarda-costas em cada carro.
Está me dando coceira, o que estou ignorando ativamente, porque eu
posso fazer isso.
Eu posso fazer isso por Beck.
Mamãe me conduz até o último carro.
— Antecipação faz o coração ficar mais afeiçoado, querida — sussurra
ela. — Se ele tiver um interesse sincero, deixe-o cozinhar por um tempo.
Eu não quero deixá-lo cozinhar.
Eu quero ir vê-lo. Apesar de todas as complicações com fotógrafos e
fofocas e ter que ir com guarda-costas para todo lado na cidade, eu quero
vê-lo.
— Bastante tempo depois que o seu contrato acabar — acrescenta ela, e
um calafrio momentâneo toma conta de mim.
Ela está certa, claro.
Quando se trata de fama e tabloides, ela geralmente está.
— O papai gosta dele — digo lentamente enquanto nosso carro sai do
beco.
— Seu pai é uma tarefa fácil, e nós duas sabemos disso — responde ela.
E ela não está errada sobre isso também.
— Eu também gosto dele, Serendipity. Mas vá com calma. E tenha
certeza de que ele vale a pena. Ele tem que ganhar sua afeição por sua
carreira agora. Vamos ver se ele se esforça tanto, quando a única coisa em
jogo é você.
— Obrigada, mãe.
— Não use esse tom comigo, mocinha. Você sabe muito bem que é uma
joia que vale dezessete anos da carreira dele. Mas eu quero saber se ele sabe
disso.
Suspiro e coloco minha cabeça em seu ombro, e então me sinto como
uma impostora, porque faz anos desde que me apoiei em minha mãe, e ela
vai deixar a cidade na próxima semana, enquanto Beck estará aqui muito
depois.
— Obrigada por estar aqui — sussurro.
Ela aperta meu joelho e dá um beijo na minha testa.
— Não há outro lugar que eu preferiria estar.
32

Eu não posso ficar parado.


Faltam duas horas para o jantar de gala começar.
Duas horas até eu ver a Sarah de novo.
Ainda mais horas até que eu esteja sozinho com ela de novo.
Achei que a tinha convencido a vir ontem à noite, mas ela mandou uma
mensagem com uma foto de seu quarto por volta da meia-noite e disse que
ela e Meda estavam rastejando para a cama depois da rotina noturna antes
de um evento de sua mãe, mas para não me preocupar que ela tinha certeza
de que sua pele sobreviveu.
Não é estranho ter memorizado tudo sobre o quarto dela, é? Paredes
amarelas claras, um edredom lavanda no que deve ser uma cama king-size,
almofadas floridas, com a gata enrolada no lado direito.
Ela tem uma estante ao lado de sua cama com uma mistura eclética de
ficção científica e romances, todos com lombadas bem gastas, mas não tão
gastas que eu não conseguisse ler os títulos quando dei zoom na foto. E a
lâmpada de leitura sugere que os livros não são apenas para decoração.
Há uma pintura – era impressionista – de uma criança em um campo de
palha e outra de nenúfares de Monet. Muito parecida com a pintura que
tenho no meu quarto de hóspedes, que parece uma serendipidade.
Serendipity!
Sarah.
É impossível pensar em seus nomes sem sorrir.
Além disso, aqueles filhos da puta que postaram a foto dela da noite de
pintura nas páginas de fofocas hoje de manhã, especulando se ela dorme em
uma cama de foguete personalizada com pôsteres de David Bowie no filme
A História Sem Fim e projetos de como passar pelos níveis mais difíceis do
Pac-Man podem apodrecer no inferno.
Não que houvesse algo de errado com seu quarto, com o que quer que ela
queira colocar ali, mas sim porque eles estão tentando encaixotá-la em uma
parte de sua personalidade.
Eles continuam tentando derrubá-la.
Enquanto meu índice de popularidade continua subindo depressa como se
eu não fosse a razão pela qual ela está nessa bagunça para começo de
conversa.
Se ela me permitir, vou levá-la para Naufrágio, para longe de tudo isso
assim que o baile de gala de hoje à noite terminar.
Só que ela fez outro post no blog de manhã.
Sobre a ciência da fofoca, humilhações públicas e sem-noção.
Minha garota está revidando. Ela ignorou todos os comentários dos sem-
noção, mas começou a tuitar de volta para as pessoas que estavam falando
sobre coisas científicas de verdade.
Ela está florescendo.
E eu não a vejo há muitas horas. Nem mesmo a proposta de Tripp sobre
as Fireballs ontem pôde me distrair de pensar nela.
Eu estou caidinho, mas da melhor forma.
— Você nunca fez um desses antes? — papai me pergunta enquanto ele
está passando pelos canais. Mamãe e Ellie estão tendo o cabelo e a
maquiagem feitos no quarto de hóspedes por um membro da minha equipe,
mas papai, Wyatt e eu não temos que nos arrumar ainda. Tucker está com
Tripp e seus filhos e sua mãe hoje à noite, o que soa melhor do que o que
estamos prestes a fazer, se você me perguntasse.
Exceto pela parte em que Sarah não estaria lá.
— Um do quê? — pergunto ao papai.
Ele olha para o meu joelho balançando.
— Um desses jantares beneficentes.
Eu me forço a parar de me mexer.
— Ah!  Sim. Várias. Eu levei a mamãe para uma premiação de gala há
dois anos em Milão, lembra?
Ele sorri.
— Lembro que ela disse que não conseguia entender uma única palavra
que alguém dizia, mas o colírio para os olhos foi espetacular.
— Tenho certeza de que o problema é que ele nunca teve um encontro de
verdade antes — oferece Wyatt.
— Ah. Faz sentido.
Eu não discuto com eles, porque eles não estão errados. Não por
completo, de qualquer maneira. Eu já fui em encontros.
Milhares de encontros, ainda mais se contarmos os que não terminaram
com uma mulher na minha cama. Mas nenhum em que senti que o destino
do meu coração dependia de que tudo corresse bem.
E nenhum nos últimos cinco anos ou mais em que eu estivesse disposto a
arriscar meu coração pela mulher que estará ao meu lado.
Eu confio nela.
Eu confio nela.
Isso é meio que… importante.
— Sua mãe disse que o vestido dela é lindo — papai me diz.
— Ela ficaria linda em um saco de papel — respondo.
Ou de preferência sem nada.
E lá vou eu ficando duro como um bloco de mármore de novo.
Depois de um tempo, colocamos nossos smokings, e mamãe e Ellie saem
do quarto de hóspedes parecendo anjos travessos de cabelos escuros.
Mamãe está com um vestido azul suave de manga comprida, e eu deveria
ser capaz dizer todos os termos técnicos, mas roupas de gala femininas,
sapatos e bolsas são três segmentos que eu me recuso a integrar nas minhas
linhas de moda.
As duas têm os cabelos cacheados e presos com joias, e mamãe parece
vinte anos mais nova.
Todos nós olhamos para Ellie com expectativa, até que ela levanta a
bainha de seu vestido bordô para revelar que está de sapatilhas, porque
mesmo que ela quase não manque mais depois de se recuperar do acidente,
todos sabemos que saltos não são sua escolha mais sábia.
— Boa menina — diz Wyatt.
Ela revira os olhos, mas também sorri e dá um beijo na bochecha dele,
depois limpa o batom.
— Pensei que você vestiria o seu uniforme chique.
— Não queria ofuscar o seu irmão quando ele precisa parecer bonito.
— Ah, ou arrastar a Força Aérea para isso se ele fizer papel de idiota de
novo. Certo. Entendi.
— Quieta — diz mamãe a ela, embora eu provavelmente tenha merecido
isso, e é entregue com um sorriso provocante que suaviza o golpe. — Todo
mundo comete erros. Como você que ficou odiando o Wyatt por vinte anos.
— Bem diferente — responde ela com um sorriso alegre.
— Com certeza — concorda Wyatt, apesar de que ele concordaria com
qualquer coisa que ela dissesse se ele achasse que isso o faria transar.
Babaca. Ela ainda é a minha irmã.
— Vocês estão todos prontos? — Charlie entra na minha cozinha em um
vestido preto justo e elegante, celular agarrado em seu punho. — Nossa
carona está aqui. Hora de pegar a Sarah e ir jantar.
Meu estômago ronca.
Meu pau também pode ter reagido à menção do nome de Sarah, mas
felizmente, está muito quieto sobre isso. E digo para se acalmar, porque eu
não vou tirar fotos minhas ostentando uma ereção na noite em que eu
deveria estar fazendo o grande pedido de desculpas para Sarah e para o
mundo.
Meu joelho ficou balançando durante todo o trajeto. Mamãe está
radiante. Papai está balançando a cabeça e sorrindo com tristeza. Ellie está
divagando sobre o quanto Tucker adoraria este carro, ainda mais com todos
os botões ao lado do assento.
E eu estou me sentindo um idiota por usar um Hummer alongado para
transportar três engenheiros ambientais em nosso caminho para encontrar a
quarta.
Mas não é como se pudéssemos pegar um trem.
Ok, tecnicamente, poderíamos. Mas não sem causar uma cena.
Fiz cenas suficientes esta semana, e eu gostaria de ostentar o ar de
magnata da moda competente esta noite em vez de um total idiota.
— Entre no modo de trabalho, Ryder — Charlie me lembra baixinho
quando chegamos ao planetário, onde ela montou a arrecadação de fundos
de última hora. Há um tapete vermelho estendido, e fotógrafos, e câmeras
de vídeo atrás das cordas, formando um caminho para dentro do edifício
abobadado de vidro e aço.
— Puta merda — murmura Wyatt. Ele agarra a sua gravata-borboleta,
mas Ellie agarra sua mão antes que ele possa desfazer.
— Sorria para as câmeras — diz ela. — Eles vão te amar.
— Um pouco mais do que havia em Milão, não é? — diz mamãe. Ela
também está se encolhendo um pouco.
— Vai ficar mais tranquilo quando a gente estiver lá dentro — digo a ela.
— Ellie está certa. Apenas sorria. Eles vão te amar.
— Claro que vão — concorda papai.
Charlie desce primeiro e dá um passo para o lado. Wyatt é o próximo, e
ele espera do lado de fora da porta para ajudar Ellie. Câmeras piscam e
gritos de: são os Ryders! sobem do meio da multidão.
— Você é tão popular assim ou estão todos esperando que você caia de
cara? — me pergunta papai com uma piscadela e um sorriso.
— Os dois — respondo.
Espero não estar errado sobre os repórteres lá dentro.
Charlie vetou a mídia e minha equipe contratou segurança extra para a
noite. Uma vez que estivermos no espaço principal para o jantar
semiprivado, exatamente quatro repórteres autorizados se juntarão a nós no
prédio, e examinei pessoalmente cada um dos setenta e cinco convidados –
a maioria empresários de Copper Valley, alguns atletas, e músicos, e
políticos locais, e eu comprei a maioria de seus ingressos e apenas pedi que
eles ficassem ali sem fazer nada além de se vestirem para um show e jantar
–, eu sei que tudo vai ficar bem.
Eu acho.
Espero.
A semana não foi exatamente tranquila, e sei que Vaughn está esperando
os relatórios finais da noite para decidir se a fundação ainda está de pé. Nós
o convidamos, é claro, mas ele não poderá vir.
Ou provavelmente não queria estar aqui se eu estragasse tudo de novo.
Mas parece que as apostas são muito maiores do que apenas ajudar
algumas crianças e recuperar minha imagem.
Por causa de Sarah.
Espero que a noite não seja uma tortura para ela.
Papai sai do Hummer e ajuda mamãe a descer, e posso vê-la corar até o
pescoço enquanto sorri para a imprensa que espera.
Eu sigo todos, puxo o punho da manga para baixo e abro o sorriso que
me rendeu meu primeiro contrato de modelo antes de dar um passo para o
outro lado de mamãe e oferecer a ela meu braço.
— Dois acompanhantes para a bela do baile?
Ela ri e enfia o braço no meu cotovelo.
— Você é um charme.
— Aprendi com o melhor.
Ela sorri para o papai.
— Eu sei.
Ele pisca para ela, e nós seis caminhamos para entrar em meio a
perguntas gritadas sobre se eu aprendi minha lição, se Sarah está ali, se os
pais dela organizaram tudo isso para reviver a carreira de Sunny, se estou
pagando os piquetes na minha fábrica em Hoboken, quanto estou pagando a
Sarah para namorar comigo, quanto ela está me pagando para falar sobre
Perséfone, e se é verdade que estou me vendendo para financiar um foguete
para Marte para ofender todos os homenzinhos verdes também.
— É sempre assim? — murmura mamãe.
— Geralmente pedem para ele mostrar a cueca — diz Charlie a ela. —
Então, isso pode ser considerado uma melhoria.
— Eles estão apenas esperando reações — asseguro a ela quando as
portas de vidro se abrem e nos deixam entrar no saguão maneiro
E eu quero mesmo dizer maneiro.
Não só está dez graus mais frio do que a noite de verão lá fora, mas
também está simplesmente incrível.
As paredes arredondadas são de veludo preto com estrelas salpicadas
como purpurina, e as luzes embutidas no teto três andares acima iluminam
uma representação artística do sistema solar em cores brilhantes e tinta
texturizada que faz você pensar que dá para alcançar e sentir as chamas no
sol brilhante.
Há uma bússola desenhada no piso de mármore, e os sapatos femininos
fazem sutis clique-clique-clique em meio ao murmúrio dos ilustres
convidados que conseguiram chegar em tão pouco tempo.
Não seria realizado aqui se um casamento não houvesse sido cancelado.
Mas a noiva era uma antiga queridinha – é assim que o fã-clube da Bro
Code era chamado na época – e ela concordou em nos deixar assumir o
local com a garantia de que ela poderia comparecer.
Fácil demais.
Saúdo os outros convidados de última hora, depois olho para cima
novamente, examinando o bar no segundo andar, no topo de uma escada
que abraça a curva da parede.
Minha filha vai acompanhar você, mas só se ela puder fazer uma entrada
em grande estilo, disse Sunny durante as negociações sobre como esta noite
seria.
Porra.
Isso não faz nem uma semana.
Charlie precisa de outro aumento por fazer isso.
Ah, ali está Sunny no topo da escada de metal agora, em um vestido cor
de manteiga que abraça sua figura esbelta. Judson está ao lado dela, com a
cabeça virada para dizer algo à mulher que está atrás dele.
Consigo distinguir um rastro de tecido dourado, mas não consigo ver
Sarah.
Essa tem que ser a Sara.
A menos que ela esteja dando para trás.
Mas é por que ela não quer a atenção?
Ou por que eu fui um idiota que não deveria ter dito a ela o quanto eu
queria beijá-la na outra noite?
Eu quero beijá-la. E despi-la. E fazer amor com ela.
E eu queria estar lá no quarto com ela ontem à noite, ou tê-la no meu.
Mas se ela não estiver pronta, posso esperar. Vou esperar a porra de um
século se for preciso, porque ela pede comida para mim e publica posts que
repreendem os sem-noção que não percebem que estão sendo repreendidos,
e ela zomba de seguranças que me chamam de idiota mesmo quando eu
mereço isso, e ela não tem ideia de que é linda, e forte, e uma baita
inspiração por apenas ser ela.
Judson dá um passo para o lado, e cada pensamento, cada respiração,
cada batida do meu coração para.
Para completa e totalmente.
Juro pela minha cueca que até a terra para de respirar.
Travo os olhos com aqueles lindos orbes marrons, escondidos atrás de
camadas de rímel, mas ainda estão lá, procurando por segurança, e me foda
com um batedor de mão, quando seus lábios rosados se inclinam em um
sorriso hesitante, eu venderia até a última das minhas linhas de roupa, e
casas, e edifícios e lhe compraria uma passagem de primeira classe para
Marte, se fosse para lá que ela quisesse ir.
Ou Saturno.
Ou para a constelação Ursa Maior, para que ela pudesse tentar beber do
poço do Espaço.
Engulo em seco quando Wyatt me cutuca.
— Acho que você deveria ir buscá-la, não ficar parado aí de boca aberta,
idiota — murmura ele com um sorriso, e meus pés começam a trabalhar
novamente.
Mamãe me dá uma pequena sacudida do outro lado, e percebo que
esqueci que ainda estou segurando a mão dela no meu cotovelo. Eu a solto e
vou em direção às escadas para encontrar meu par.
— Se você a machucar, vai desejar estar morto — rosna Judson enquanto
ele e Sunny me cumprimentam no pé da escada.
— Estou gostando mesmo dessa coisa de rosnar — murmura Sunny para
ele. — Você vai falar comigo assim na cama hoje à noite?
Tento me concentrar neles, porque eu deveria sorrir com tristeza, e
apertar suas mãos, e agradecer por estarem aqui conosco esta noite, mas
Sarah ainda está esperando, e eu não consigo tirar os olhos dela.
Seu cabelo escuro e grosso está puxado para cima em uma torção
elegante, com alguns cachos habilmente soltos. Seu vestido – ela está
envolta em renda dourada, todas as curvas à mostra, com duas alças finas
sobre os ombros. Sunny claramente conseguiu colocar maquiagem nela, e
os caras na Estação Espacial Internacional devem conseguir ver seus cílios
lá de cima. E o cor-de-rosa em seus lábios… claro que é perfeito.
Mas são seus olhos que me cativam por inteiro. Orbes grandes e escuros,
repletos de apreensão misturada com ansiedade.
Eles estão ainda mais incertos de perto.
— Oi — sussurro quando eu a alcanço.
— Eu odeio que as suas roupas de baixo sejam tão confortáveis, mas que
você se recusa a fazer esse tipo de mágica com as monstruosidades
conhecidas como sapatos femininos – diz ela com um sorriso falso, e
mesmo sabendo que ela provavelmente já está precisando de um pouco de
conforto nesses pobres pezinhos dela, não posso deixar de sorrir ainda mais.
— Vou colocar a equipe de pesquisa e desenvolvimento nisso logo na
segunda de manhã. — Dou um beijo em sua bochecha, perto de sua orelha,
e sussurro: — Fiquei com saudades.
— Estou com saudades de mim mesma agora também, mas mais ainda de
você. Vamos deixar todas essas pessoas tirarem fotos para que a gente possa
ir comer. Alguém que eu conheço me deixou obcecada por comida agora.
— Não acho que eles querem a minha foto — digo a ela com sinceridade,
o que me rende uma sobrancelha franzida de: não seja ridículo. Um arco de
sobrancelha que eu vi fotógrafos passarem horas tentando convencer
modelos femininas a fazerem. — Se os seus pés estão doendo tanto assim,
eu poderia carregá-la.
— Não se atreva. Este vestido é tão apertado que provavelmente rasgaria
e mostraria a minha cinta de compressão para todos os repórteres lá
embaixo.
Eu coloco seu braço em meu cotovelo e a conduzo pelos degraus
curvados.
— Por que tão apertado?
Ela suspira, os olhos em mim.
— Porque eu adorei — confessa ela. — Parece que tenho um pouco da
minha mãe em mim, afinal.
— Eu tenho um alfaiate…
— Beck. Minha mãe é a Sunny Darling. Este vestido passou por seis
alfaiates. Até minhas cintas de compressão foram modificadas.
Eu não consigo parar de sorrir.
— Já mencionei que senti saudades, né?
— Eu também senti saudades — sussurra ela novamente com um sorriso
suave e bum.
Meu coração implode de felicidade, então se recompõe para dar um soco
no meu estômago.
— Vou convidar você para outro encontro — informo a ela — mas desta
vez, não vou começar com um post péssimo nas redes sociais.
Ela finalmente ri, então faz uma careta.
— Você ouviu isso? Ou foi a minha imaginação?
— O quê?
— Juro que acabei de estourar uma costura.
— Onde?
— Nas minhas costas.
— Você sabe que se eu me inclinar para trás e for verificar, vai haver um
milhão de fotos minhas olhando a sua bunda em todos os tabloides amanhã.
Não que eu não queira olhar a sua bunda, eu quero demais, mas a minha
equipe de relações públicas me mataria, minha mãe me repudiaria e a Ellie
morreria de rir, e é nesse ponto em que o Wyatt encontraria o meu corpo
frio e sem vida e o traria de volta à vida só para me matar de novo por ter
matado a minha irmã.
Seu nariz enruga enquanto ela ri novamente.
— Você é totalmente insano e eu senti saudades mesmo.
— Você tinha um trabalho importante a fazer. Como aquela postagem no
blog. O que foi excelente, diga-se de passagem. Eu fiz a Ellie traduzir as
palavras importantes para mim.
— Beck.
— Tudo bem, tudo bem, eu li e entendi cada palavra. Não conte para
ninguém. Tenho uma reputação a zelar.
— Gosto mais de você do que da sua reputação.
Chegamos ao pé da escada, e eu pego o olhar de Charlie e consigo
comunicar um pedido para que ela verifique as costuras das costas de Sarah,
enquanto meus pais a abraçam, e Judson me dá o olhar de vamos para o
pasto resolver isso para eu colocar uma bala na parte de trás do seu
cérebro e enterrar o seu corpo no meio de um arbusto emaranhado, que
tem que ser para as câmeras, porque estamos a pelo menos três mil
quilômetros desses arbustos emaranhados.
Mas com certeza não tão longe das pastagens mais próximas.
Huh.
— Você com certeza sabe como limpar a barra — Sunny me diz com um
sorriso brilhante. — E quais são as suas intenções para a minha filha depois
que a noite acabar?
— Sorvete — respondo sem hesitação. — Vamos sair para tomar sorvete.
Estamos entre os últimos a chegar – como planejado –, então não estou
surpresa quando Charlie me dá o movimento cabeça: continue andando, seu
lerdo. Junto com um polegar para cima, indicando que o vestido de Sarah
está inteiro.
Nós nos juntamos e seguimos pelas exposições em direção ao teatro de
cúpula inclinada. Sarah faz uma pausa enquanto caminhamos pelos
corredores sinuosos, às vezes apontando uma lua em particular em Júpiter
pintada nas paredes, e às vezes, tenho quase certeza, só para recuperar o
fôlego, e me pergunto o quão apertado aquele vestido está de fato, e se ela
vai ser capaz de se sentar com ele.
O prefeito de Copper Valley, que está um pouco atrás por apreciar as
obras de arte, olha duas vezes e fica boquiaberto para Sarah.
Assim como dois jogadores profissionais de futebol e o quarterback do
time de Copper Valley quando finalmente entramos no teatro.
— Eles estão esperando que eu caia de cara no chão, não estão? —
sussurra ela enquanto aceita uma taça de champanhe de um garçom.
— Sem chance. — Aperto sua mão. — Eles estão se perguntando como
um idiota como eu conseguiu a mulher mais linda do salão.
Ela bufa suavemente.
— Aham.
— Que pena, eles não sabem que eu que tenho o mais inteligente, com o
maior coração e o pior gosto para encontros também.
Isso recebe um sorriso, e também faz com que um cara de smoking
tropece na cadeira de sua acompanhante enquanto tenta chegar a um assento
livre.
Sarah para e olha para ele.
— Você está bem?
— Ergalaaargh — responde ele enquanto olha nos olhos dela.
— Você precisa de um paramédico?
— Senta, Jeremy — sibila sua acompanhante. — E pare de olhar para os
peitos dela. — Ela murmura algo sobre implantes enquanto eu cutuco Sarah
ao longo do nosso caminho em direção à frente da sala.
Sua testa franze.
— Perdi alguma coisa?
— Você é fofa pra caralho — declara Ellie com um sorriso.
O que não ajuda a expressão confusa de Sarah.
Mas toda a minha família está claramente se apaixonando.
Como deveriam estar mesmo.
Gesticulo para ela ir para a primeira fileira, cumprimentando rostos
familiares atrás de nós, porque é isso que eu devo fazer, antes de tomar meu
lugar ao lado dela. Quando ela olha para as paredes curvas e escuras ao
nosso redor, decido que vou colocar um teatro planetário exatamente como
este na minha casa se isso a fizer sorrir de novo.
Merda. 
Eu não estou apenas caidinho por ela.
Eu estou caidinho pra caralho.
E isso é antes de ela deslizar a mão na minha e apertar quando o show do
planetário começa com a transmissão ao vivo de Perséfone andando em seu
recinto no zoológico.
— Eu te perdoo por me fazer usar cintas — sussurra ela.
— Da próxima vez o meu alfaiate está encarregado do seu vestido —
sussurro de volta.
— Acho que não — murmura Sunny do meu outro lado.
Antes que eu possa perguntar se ela quer dizer que não haverá uma
próxima vez, ou se ela está brigando comigo pelos direitos de vestir Sarah,
o curador do zoológico vai até a frente da sala para dar as boas-vindas a
todos nós, para agradecer aos Amigos do Zoológico por organizar o evento
de hoje e dar boas-vindas especiais a uma blogueira muito dedicada por
trazer Perséfone à atenção de tantas pessoas ao redor do mundo.
A iluminação do teatro é baixa para que todos possamos ver o vídeo em
que Perséfone anda de um lado para o outro em seu habitat, mas posso
facilmente distinguir as bochechas de Sarah se iluminando com aquele
corado único.
Ela recebe uma salva de palmas tão longa que começa a se mexer e
murmura algo sobre seu maldito vestido.
O curador não menciona seus pais. Ou eu. Ou Charlie, que basicamente
comandou os Amigos do Zoológico esta semana para organizar tudo isso.
Que é como deve ser, porque esta noite não se trata de mim, ou da Charlie
– que claramente nunca dorme – ou de qualquer outra coisa além de
Perséfone e Sarah.
Quando os aplausos cessam – sério, isso me lembra de quando os caras e
eu terminávamos um show e havia pedidos de bis –, o curador sorri para
Sarah mais uma vez.
— E esperamos ver muitos, muitos outros vídeos bastante esclarecedores.
Sozinha, quero dizer. Sem a ajuda de um câmera.
Todos riem, Sarah sorri, cora ainda mais e esconde isso atrás de um gole
de champanhe.
Somos brindados com um show de vinte minutos sobre a teoria do big
bang – cantado ao som de rock, porque, cara, isso é muito mais incrível do
que alguém falando – e então, somos levados a um espaço de conferência
preparado para um jantar formal.
Levamos nosso tempo para chegar aos nossos lugares, ainda mais porque
todos na sala queriam falar com Sarah.
Sobre a Perséfone. Ou algo em seu blog. Ou sobre como ela está linda
esta noite, que é a única coisa com o qual ela contrai o nariz. Como se ela
não acreditasse.
Estou começando a ficar chateado. Não porque ela não acredita que é
bonita, mas porque ninguém nunca notou antes que ela usasse maquiagem e
vestisse cintas por debaixo do vestido.
Nós finalmente chegamos à nossa mesa e eu puxo a cadeira para ela.
— Não — diz ela de repente, se virando para mim com uma faísca de
malícia em seus olhos que mais uma vez me rouba a capacidade de respirar.
Levo um minuto para encontrar minha voz.
— Não o quê?
— Não, eu não me ligo para o quão apertado este vestido está, você não
terá a minha única trufa de chocolate como sobremesa.
— Desafio você a uma queda de braço por ela — respondo por instinto.
— Beckett… — sussurra minha mãe do outro lado da mesa.
Eu disparo para me sentar reto e me viro para ela, porque eu poderia ter
setenta e oito anos e aquele tom ainda me assustaria pra caralho.
— Senhora?
— A quantos desses jantares chiques você já foi e ainda coloca os
cotovelos na mesa e propõe às damas uma queda de braço por sobremesas?
— Para ser justo, Michelle, nós o criamos — diz papai.
Enquanto apoia os cotovelos na mesa.
E olhando para mamãe: que porra é essa?
Ele está de olho na sobremesa da mamãe.
— Por que há só uma única trufa para a sobremesa? — pergunto.
— Eu vou esmagar as suas trufas se você não parar de olhar para o peito
da minha filha — rosna Judson.
— Desculpa, mas ele estava olhando nos olhos dela — retruca minha
mãe.
Judson pisca uma vez, depois duas, depois se recosta em sua cadeira.
— Perdão, senhora.
— A gente deveria vir a essas coisas com mais frequência — diz Ellie a
Wyatt, que engasga com a água e balança a cabeça com veemência.
Sarah me dá um sorriso.
E eu sorrio de volta.
E deslizo a mão sob a mesa para apertar sua coxa, o que eu não posso
fazer muito bem, porque, puta merda, esse vestido está muito apertado.
— Mãos para você, Beckett — diz minha mãe.
Aponto para Wyatt, que sem dúvida está tocando Ellie por baixo da
mesa.
— Eles estão noivos — responde mamãe com primor.
— Nem pense em propor só para me tocar — diz Sarah baixinho.
Minha mente logo se lembra de que preciso me provar no quarto e, de
repente, gostaria de ter planejado melhor essa semana inteira.
Sarah me dá um tapinha na coxa debaixo da mesa.
— Mas você pode pensar sobre isso — acrescenta ela suavemente.
Minha mãe sorri para ela.
Embora, sim, Sarah esteja me tocando por baixo da mesa. E tenho certeza
de que minha mãe sabe disso.
Na verdade, tenho certeza de que é por isso que minha mãe está sorrindo
para ela.
Tenho que amar as mães e seus padrões duplos. Ainda mais porque
significa que eu posso segurar a mão de Sarah enquanto ela avança pela
minha coxa.
— Serendipity — diz Sunny docemente para Sarah —, embora ele limpe
bem a barra dele, você não sabe onde a perna dele esteve.
— A senhora tem razão — concorda meu pai.
— Christopher… — sussurra minha mãe.
Ellie e Wyatt riem um pouco mais, e enquanto os garçons entram no
salão com pratos abobadados, eu apenas sorrio.
Porque isso é tão normal quanto o normal pode ser. E quando preciso que
essas pessoas me protejam, elas estão sempre ali.
E Sarah está desenhando círculos na minha perna com o polegar.
Este momento?
Com a minha família e a mulher com quem vou passar o resto da minha
vida, não importa o que eu precise fazer para conquistá-la?
Este momento é perfeito pra caralho.
33

Eu sou uma idiota de duas caras, mas não dá nem para dizer isso, porque
há tanta maquiagem no meu rosto que eu poderia mesmo ser a gêmea da
Cupcake e ninguém saberia que havia um focinho de porco escondido sob
todas essas camadas de reboco.
Aqui estou eu, em um vestido que eu meio que amo mais do que estou
disposta a confessar a Beck, mesmo que eu só possa usar cerca de quarenta
por cento da minha capacidade pulmonar agora, e estou dividida entre
querer apenas olhar para ele em seu smoking a noite toda ou arrancá-lo do
seu corpo com meus dentes.
Não importa o quanto eu diga a mim mesma que é porque o homem sob
o smoking é um cavalheiro gentil, doce e sexy, isso não vai me convencer
de que eu não sou duas caras por babar sobre seu porte físico de absoluta
perfeição.
Nem me lembrará de que ele é tão atraente vestindo jeans e uma camisa
dos Fireballs, ou um roupão de ursinho de pelúcia, ou enquanto se deixa ser
repreendido por sua mãe.
Mesmo que com certeza eu esteja incomodada por ele não estar
devorando até a última mordida de seu bife.
— Você está passando mal? — sussurro.
— Com fome — sussurra ele de volta —, mas estou oficialmente
trabalhando, o que significa que não posso fazer papel de porco.
— Você pode ficar com a minha trufa, se quiser.
— De jeito nenhum. Se eu comer a sua trufa em público, minha
reputação está oficialmente destruída e terei que recorrer a meias de
modelo, se quiser ganhar o suficiente para ajudar os meus pais a se
aposentarem.
Eu tenho um choque de desejo direto entre minhas coxas quando ele diz
comer a sua trufa, mas quando tento respirar, minha cinta de compreensão e
meu vestido me apertam tanto que toda a circulação é cortada em meus
mamilos e eu termino ao mesmo tempo tentando sugar o ar e engasgo com
minha própria falta de ar.
Os olhos de Beck se arregalam, e ele dá um tapinha nas minhas costas.
— Você está bem?
— Problemas de mulher — deixo escapar.
E então fico tão quente que metade da minha maquiagem provavelmente
vai se derreter.
Minha mãe, a mãe de Beck e Ellie se lançam para suas bolsas, deve ser
para pegar absorventes.
— Problemas de vestido — corrijo às pressas. Droga, juro que as pessoas
nas duas mesas atrás de mim ouviram isso.
— Só respire com calma, querida, vai ficar tudo bem — aconselha a
minha mãe.
— Minha cinta de compreensão está me matando também — diz Ellie.
— Eu disse para você não usar essa merda — murmura Wyatt.
Eu gosto dele. Ele é muito prático.
— Estou bem — digo a Beck, que ainda está me observando tão de perto
que estou começando a me perguntar se há um pelo errante no nariz ou algo
assim. Aceno para seu prato. — Tem certeza de que não precisa de mais
comida?
— Vamos comprar comida em algum lugar mais tarde. Depois que a
gente tirar você desse vestido. Ai! Mãe! Isso está fisicamente a
machucando.
Ele ainda sorri para mim, e meu coração assume um novo ritmo com a
implicação de que estarei com ele quando formos pegar comida.
E fora do meu vestido enquanto comemos.
— Eu dei à luz a você. Estou ciente do que está passando pela sua cabeça
— diz sua mãe.
Não.
Isso não matou o zumbido.
Talvez haja algo errado comigo, afinal.
— Serendipity vai ficar com a gente hoje à noite — rosna meu pai.
— Hum, não, vamos ter uma festa do pijama para meninas — corrige
Ellie.
— Vamos? — pergunta Wyatt. E então ele também murmura ai e esfrega
a perna debaixo da mesa. — Ah, é! Acho que sim. Sem me avisar. Ai! Tudo
bem, tudo bem, calando a boca.
De repente o curador do zoológico corre para a frente da sala, onde os
funcionários estão puxando às pressas uma tela de projetor.
— Senhoras e senhores, se eu puder ter a sua atenção por um momento
— chama ele —, acabei de receber a notícia de que a Perséfone está em
trabalho de parto ativo.
Eu me endireito. Beck lança um olhar para Charlie duas mesas adiante,
como se ela tivesse arranjado isso e ele precisasse lhe dar um aumento. Ela
revira os olhos e fala de volta: só você.
Eu bufo. 
Porque acho que ela está certa.
Só Beck poderia ter esse tipo de sorte.
— Ele só está dizendo isso para conseguir mais algumas doações, não é?
— murmura ele para mim.
Um projetor pisca, e uma mulher a três mesas atrás grita.
— Ah, não — digo a ele enquanto olho para a girafa muito grávida,
muito agachada, e parindo na tela.
— Ai, meu Deus — murmura minha mãe.
Todos os Ryders largam os garfos.
Meu pai fica pálido.
Perséfone dá um empurrão forte, expulsando as pernas da girafa bebê e o
líquido amniótico, e meu pai enxuga a testa.
O prefeito ainda está comendo na mesa ao lado.
Murmúrios estão atravessando a multidão.
— Eu não posso comer com isso — alguém sussurra.
— É a natureza, Felicia. Você também pode — alguém sussurra de volta.
— Ai, meu Deus, ela é tão linda, eu vou chorar. — O curador sacode um
lenço branco e enxuga a testa.
Perséfone bufa e balança a cabeça acima de seu longo pescoço.
Beck está extasiado.
— Ela é forte pra caramba.
— A maioria das mulheres são, querido — diz sua mãe.
Perséfone empurra novamente, e eu cutuco minha mãe e aponto para o
meu pai.
— Ah, aqui vamos nós de novo. — Ela empurra a cadeira para trás e
envolve um braço em volta dos ombros dele. — Cabeça entre os joelhos,
Judson. Só respire. Inspire o amor e expire a dor. Amor dentro, dor fora.
Quase todos os sons de talheres nos pratos pararam. Beck ainda está
olhando para a tela, mas ele passa o braço sobre a minha cadeira e se
aproxima, cheirando a canela e cravo hoje.
— Você já viu algo assim antes?
— Vi um documentário sobre elefantes dando à luz uma vez, mas não ao
vivo. E eu assisti à câmera da águia, mas a eclosão dos pássaros não é a
mesma coisa.
— Ela é simplesmente… uau — sussurra ele.
Ele não está nem um pouco enojado, ou horrorizado, e seu estômago dá
um ronco que ele não parece notar.
Eu aperto sua perna e dou um beijo em sua bochecha barbeada, porque
não posso evitar. Ele me dá um sorriso, não um sorriso ardente, não um
rosto para as câmeras, mas um sorriso suave e honesto que faz como se
abelhas zumbissem na minha barriga.
Ele se aproxima e, em vez de manter seu braço casualmente ao redor da
minha cadeira, ele envolve um braço em volta de mim, e eu me inclino para
ele, respirando seu cheiro, minha mão descansando em sua coxa longa,
magra e sólida enquanto assistimos. Perséfone dá à luz uma nova girafa
bebê.
Um suspiro sobe pela sala quando o bebê cai no chão, mas em poucos
minutos, Perséfone ajuda o pequeno a se levantar, e eu não estou chorando,
mas com certeza estou sufocada.
O curador está chorando.
E Beck apenas sussurra:
— Uau.
— Mais uma girafa no mundo — sussurro.
— É um menino ou uma menina? — alguém pergunta.
O curador assoa o nariz e levanta um dedo.
— Eles não vão saber até que possam examiná-lo — digo.
O curador aponta para mim, depois para seu nariz.
Meu pai ainda está fazendo os exercícios de respiração com minha mãe,
com a cabeça debaixo da toalha da mesa.
Beck parece lembrar que não estamos sozinhos, e ele se endireita de
repente com um sorriso largo.
— Isso foi épico.
— Você tem a sorte mais louca — diz Ellie.
— Pois é. Quais eram as chances de esse tuíte nos trazer a Sarah?
E lá se vai mais um aperto piegas no meu peito, porque ela claramente
quis dizer sorte com o momento de Perséfone dar à luz, mas em vez disso,
ele falou sobre mim.
Papai se recupera e os ruídos graduais de pessoas comendo voltam ao
salão. As pessoas começam a se mexer, enquanto o vídeo ao vivo de
Perséfone cuidando de seu recém-nascido é reproduzido no projetor.
Nenhuma coruja entra.
Meu vestido não rasga.
Beck mantém a mão em mim o tempo todo. Nas minhas costas.
Escovando meu cabelo do meu rosto. Tocando meu cotovelo para me virar
para conhecer alguém novo.
Ninguém pergunta sobre o tuíte, mas várias pessoas param em nossa
mesa e querem falar sobre Perséfone, ou o meu blog, ou um dos projetos
em que os Ryders trabalharam, ou como Ellie está depois do acidente, ou
quais são os planos de Wyatt para depois das forças armadas, ou como eles
estão honrados em ter meus pais aqui em Copper Valley.
Eles provocam Beck sobre suas roupas íntimas.
Pelo menos, até eu apontar que é a roupa de baixo mais confortável do
planeta e desafiá-los a provar que não estão usando.
Tudo com um sorriso aprovado pela mamãe, é claro. Ainda sou filha de
Sunny Darling.
A transmissão ao vivo de Perséfone se encerra antes que qualquer um de
nós dê uma boa olhada em seu filhote, e o curador do zoológico nos diz que
as atualizações serão publicadas on-line assim que os tratadores puderem
verificar a mamãe e a girafa bebê.
Quando a multidão começa a se dispersar e Charlie nos dá o sinal de é
hora de irmos, eu paro e pego meu celular da bolsa e aciono a função de
câmera.
— Como está a luz? — pergunto a Beck.
Suas sobrancelhas se unem.
— A luz?
— A luz. Precisamos postar outro vídeo, já que a Perséfone deu à luz.
Seu intenso escrutínio lentamente se transforma em um sorriso largo que
faz meu coração pular sobre si mesmo.
— Ah, é?
— Sim. E se apresse antes que a Charlie leve a gente para fora daqui e eu
perca a coragem.
Ele pega meu celular de mim e o estende, seus longos braços trabalhando
a nosso favor.
— Preparada?
Eu aceno, e ele aperta o botão para gravar.
— Ei, seguidores do Must Love Bees, aqui é a Sarah Dempsey. E este
cara aqui eu peguei em um jantar chique hoje à noite. E estou muito
animada para esperar chegar em casa e me trocar antes de perguntar se
todos viram que a girafa Perséfone deu à luz agora. Se você estava
assistindo junto com o resto de nós, ela não foi incrível? Uma criatura tão
bonita. E se você ainda não viu, bem, não faça o que o meu pai fez e
desmaie debaixo de uma mesa. Talvez apenas espere pelas fotos se você
estiver enjoado, tudo bem? Clique nos comentários e me conta o que você
estava fazendo quando a Perséfone deu à luz! Estou indo para casa para um
bom banho de espuma e esperar pelas notícias sobre se temos uma menina
ou um menino.
— Ela teve uma menina — diz Beck.
— Você acha? — pergunto.
— Com certeza. Você viu o quão forte ela foi e quão rápido ela se
levantou? Totalmente uma garota.
— Girafas machos também podem se levantar logo após o nascimento.
— Pode ser, mas ainda acho que o nosso bebê é uma menina.
Minha barriga vibra.
— Então, só para discordar, eu vou ter que achar que ele é um menino.
Ele sorri para mim.
— Quer apostar dinheiro?
— Não, mas eu apostaria um sundae.
— Apostado, sra. Taser.
Aceno para a câmera.
— Parabéns a Perséfone e ao Zoológico de Copper Valley pela chegada
de seu novo filhote.
Beck desliga o vídeo, e antes que eu perca a coragem, eu posto no meu
feed.
— Você é tão natural, querida — diz minha mãe com uma fungada.
— Eu vou vomitar.
— Não, não vai não. — Beck me puxa para um abraço e dá um beijo no
meu cabelo gigante. — Você é a pessoa mais corajosa e foda que eu já
conheci — sussurra ele.
— Você com certeza viveu uma existência de celebridade muito
protegida.
Ele ri.
— Hora de ir, pessoal — diz Charlie.
Fizemos o caminho para fora do planetário, agradecendo a equipe
enquanto íamos, e a noiva cujo casamento foi cancelado, a quem eu não
conhecia até que Beck me apresentou a ela e ela nos agradeceu por salvar
sua recepção.
Eu a abraço bem apertado na saída, porque sei uma coisa ou um milhão
sobre situações embaraçosas.
Quando chegamos às três limusines esperando na porta, Beck segura
minha mão.
— Você vai mesmo para a noite das garotas? — murmura ele.
— Depende. Se eu for para casa com você, vou precisar das minhas
roupas?
— Não. Eu tenho esse roupão de ursinho incrível que você pode pegar
emprestado.
A risada escapa de mim, e a próxima coisa que sei é que estou dando
tchau para todos enquanto mergulhamos na parte de trás da primeira
limusine, e então seus lábios estão capturando os meus, seus braços me
envolvendo, e de repente a única coisa no mundo inteiro que importa é
beijá-lo de volta.
Porque isso não é o que eu estava esperando desde o momento em que
ele voltou a minha casa para se desculpar depois que eu o derrubei com o
taser.
Isso é o que eu tenho esperado por toda a minha vida.
34

Eu não consigo controlar minhas mãos.


Ou minha boca, de qualquer forma.
E já que Sarah está me beijando de volta, suas mãos segurando minha
camisa, eu decido que vou morar aqui, na parte de trás deste carro, e beijá-
la – e mais – pelo resto da minha vida.
Ainda bem que vivo em uma época em que podemos pedir comida para
ser entregue no banco de trás de um carro. E que posso conhecer uma
completa estranha que acaba sendo o amor da minha vida graças às ondas
invisíveis flutuando pelo ar até os computadores em nossos bolsos.
Que mundo incrível.
O carro para e percebo que estamos de volta ao meu prédio.
Huh.
— Você quer ficar aqui ou subir? — pergunto a ela. Em um ofego. Eu
não quero parar de beijá-la.
Seu nariz enruga, e percebo que ela não deve estar pensando em morar
em um carro só para dar uns amassos, mas agora eu quero saber o que ela
está pensando.
Eu não posso lê-la através de toda essa maquiagem.
— No andar de cima — digo, e me distraio com sua clavícula, porque é,
sem dúvida, a clavícula mais bem torneada da história dos ossos. E
pescoços. E está bem em exibição neste vestido que eu odeio, apesar do
quão bonito é no que diz respeito a vestidos, e o quanto de sua clavícula
fica à mostra, porque ela não está confortável nele.
Droga.
Eu tenho que levá-la para cima e tirá-la dessa roupa ridícula.
Eu me movo tão rápido que ela fica boquiaberta para mim quando eu a
alcanço e abro a porta do carro.
— Vamos lá. Andar de cima. Vai.
— Mandão.
— Vou beijar você no elevador.
Ela ri, então estremece quando há um ruído distinto de algo se rasgando.
Mas ela está saindo. Eu tiro o casaco e jogo em volta dos seus ombros
para que onde quer que esteja rasgando, ninguém tenha que ver. Não
estamos exatamente sozinhos aqui, porque estamos descendo na frente do
prédio, não nos fundos, ou na garagem. Eu a empurro para dentro, para o
meu elevador privado e aperto o botão da cobertura, e então tenho minhas
mãos sobre ela novamente.
Seus quadris. Sua bunda.
— Ah, não, aqui. — Ela passa o polegar pela minha boca.
Eu devo estar usando o batom dela. Não que eu me importe.
Ainda mais que isso significa que ela está me tocando.
— Eu odeio esta coisa — murmura ela, e sim, eu também odeio. Não
porque estou usando, mas porque todo aquele rímel está obstruindo minha
visão dos seus olhos.
— Quero te beijar até que eu não consiga me lembrar de como respirar.
Essas lindas piscinas de chocolate se erguem para encontrar o meu olhar,
e eu sinto como se tivesse levado mais dez mil volts no peito.
Tão linda pra caralho.
Tão perfeita pra caralho.
— É o vestido — diz ela.
— Sarah. — Solto um suspiro impaciente. — Eu não me importo com o
que você está vestindo. É você.
Suas sobrancelhas franzem, mas ela está sorrindo enquanto continua a
esfregar os meus lábios. Pego sua mão e pressiono beijos em seus dedos.
— Você me faz sentir bonita o tempo todo — sussurra ela.
— Você é muito mais do que só bonita.
Chegamos ao último andar e tranco o elevador, porque, porra, não vou
deixar mais ninguém entrar agora. Então, puxo Sarah para a cozinha.
— O que… — começa ela.
Seus olhos giram quando eu puxo uma tesoura da gaveta da ilha.
— O quanto você gosta desse vestido? — pergunto.
— Zíper! — grita ela, e há mais um som distinto de uma costura se
rasgando.
— Espera, baby, vou fazer você respirar de novo em apenas um minuto.
— Com certeza há um zíper na parte de trás do vestido. Puxo o zíper para
baixo, e ela suga uma respiração gigante enquanto o tecido se abre.
— Ai, meu Deus, isso é tão bom.
Suas pernas ainda estão embrulhadas no vestido.
— Você gosta mesmo dessa coisa?
— Não comece, polícia da moda. Eu gosto de renda dourada, tá? Realça
os meus olhos.
— Eu amo os seus olhos. Ainda mais quando eles não estão cercados por
pernas de insetos. Eu ia gostar mais do seu vestido se ele não estivesse te
estrangulando.
Ela está rindo quando se vira, me dando outra visão para aquelas
omoplatas, e, porra, se eu não estou duro em um instante.
Suas omoplatas são tão sexy quanto suas clavículas.
Talvez mais.
Tão protuberantes. E pontudas. E cobertas pela pele macia de Sarah. E
levando até a bunda mais curvilínea que eu quero acariciar e amassar a
porra da noite toda.
— O zíper vai mais para baixo — diz ela por cima do ombro. — Se você
conseguir… para baixo…
Eu a paro antes que ela gire em um círculo tentando alcançá-lo sozinha,
fico atrás dela e puxo seu zíper para baixo, abaixo do meio das costas, até a
cintura e mais baixo, sobre a curva de sua bunda, minha mão trêmula, meu
pau doendo.
Não consigo ver a pele dela abaixo das omoplatas, porque ainda está tudo
preso por um body nude. Ela lança um olhar furtivo para a parede sólida de
janelas com vista para as luzes cintilantes da cidade.
— Mabel, escureça as janelas — digo.
— Escurecendo as janelas — diz minha assistente digital, e as persianas
baixam automaticamente de sua caixa no teto.
— Ai, meu Deus, isso foi tão sexy — sussurra ela. — Mas a Mabel não
está espionando a gente, está?
— Mabel, vá dormir.
— Comporte-se e use camisinha — responde ela em sua voz eletrônica.
— Boa noite.
— Maldito Hank — murmuro.
Mas Sarah está rindo e depois ofegante.
— Ai, meu Deus, me tira dessa coisa.
Quem sou eu para negar uma senhora em necessidade?
Tento enfiar um dedo sob a roupa de baixo, e meu dedo começa a ficar
dormente em segundos.
— Eu te proíbo de usar um pedaço de merda como este outra vez — eu a
informo.
— Você me proíbe?
— Não use essa voz de sai fora cara para cima mim. É sobre a sua
circulação que estamos falando. Eu não posso te dar um orgasmo duplo se
você não está sentindo a sua boceta.
Ela para de falar.
Ela também suga uma respiração profunda, o que faz com que o elástico
de força industrial em que ela está enrolada aperte meu dedo ainda mais, e,
porra, espero não cortar nenhum de nós, mas não é como se eu estivesse
chamando reforços para deixá-la nua.
E eu sequer me importo em deixá-la nua.
Quer dizer, eu me importo, mas estou realmente mais preocupado em
garantir que ela possa respirar.
— Se eu cortar o meu dedo, quero que você continue sem mim — digo a
ela enquanto inclino meu dedo mais para dentro sob a lycra da morte. —
Você precisa respirar mais do que eu preciso da ponta do meu dedo.
Ela ri de novo, mas consigo usar minha força sobre-humana para esticar
o elástico mutante longe de sua pele o suficiente para cortar a ponta dele, e
então eu largo a tesoura e puxo.
E resmungo.
E puxo.
Merda. 
E então eu tenho que pegar a tesoura de novo e cortar-cortar-cortar meu
caminho para baixo do body.
Enquanto ela treme com uma risada silenciosa.
Eu faria papel de bobo a noite toda só para ouvi-la rir.
Quando eu o divido até a base de sua coluna, coloco a tesoura para baixo
– de novo – e desta vez, envolvo meus braços ao redor de sua barriga e
pressiono um beijo em seu ombro.
— A parte de entretenimento da noite agora está completa — digo a ela.
Ela estremece, e arrepios surgem por toda a sua pele lisa.
— Você quer uma calça de moletom? — pergunto, meus lábios ainda em
sua pele deliciosa.
Mel.
Ela sempre tem gosto de mel.
— Não — sussurra ela.
— Droga, não me diga que você quer mais elásticos. Vamos ter que
descer para o escritório. Se você gosta de amarras, a gente pode fazer de
maneira que você ainda consiga respirar. Acho. Vou ter que pesquisar isso
no Google também.
— Beck.
— Você tem a voz mais sexy.
Ela gira em meus braços para ficar de frente para mim, e seus dedos vão
para minha gravata-borboleta.
— Tenho que confessar uma coisa — sussurra ela.
— Eu sou um tumulo. Por favor, nunca pare de me tocar.
Meu Deus, esse sorriso.
Mas está errado. Não é a cor certa.
— Eu tenho uma queda por caras que usam gravatas-borboleta de
verdade.
Ela habilmente me desamarra e o deixa solto em volta do meu pescoço,
então começa a abrir os meus botões.
— Eu tenho uma queda por mulheres que têm quedas por caras que usam
gravatas-borboleta de verdade.
Seus dedos ainda estão trabalhando enquanto ela me estuda.
— Então por que a carranca? Você nunca franze a testa.
Porque eu não consigo ver seus olhos claramente através de toda aquela
gosma em seus cílios, e seus lábios estão com a cor errada, e essa não é a
Sarah.
Essa é a falsa Sarah de Hollywood.
Eu não gosto disso.
Ela grita quando eu a balanço sob em meus braços.
— Beck? O que…
— Eu senti saudades de você — digo.
E eu vou encontrar a Sarah de verdade, porra.
35

Meu vestido está pendurado na metade de cima e ainda grudado na


metade de baixo quando Beck me carrega pelo corredor e entra em um
quarto.
Um quarto grande e arejado, prateado e preto, com lareira de mármore e
duas poltronas enormes, uma estante cheia de quadrinhos e uma cama king-
size com lençóis amarrotados e um edredom preto jogado pela metade. O
quarto se abre para um pátio que não consigo ver bem através do vidro, mas
com certeza há luzes de fadas lá fora, entre outras luzes. Ele vira outra
esquina, e então estamos em um banheiro do tamanho do meu quarto com
uma enorme banheira de imersão e um chuveiro de parede de vidro com um
bico em cima e nas paredes. Ele me coloca gentilmente no balcão de
mármore, vasculha uma gaveta embaixo da pia e aparece com um pano
removedor de maquiagem e dois panos pretos limpos.
Eu engulo uma respiração.
Claro que ele tem removedor de maquiagem.
— Feche os olhos — diz ele, ríspido, e porque ele está muito sério, eu
faço o que pediu.
Ele aquece a água, e um momento depois, está passando uma toalha
quente no meu rosto, removendo a maquiagem, então esfregando círculos
suaves e lentos sobre minha pele, massageando meu rosto.
Sem falar nada.
Beck.
Sem falar.
Começo a abrir uma pálpebra, mas ele sussurra:
— Fechado, Sarah.
E então, ele está suavemente enxugando meus olhos também.
Gentil.
Tão gentil.
Como se eu fosse delicada e ele não quisesse me quebrar.
Dou uma respiração trêmula enquanto meu coração incha, porque em
toda a minha vida, ninguém nunca me tratou como se eu fosse delicada.
Meus sentimentos, sim, meus pais pisaram em ovos por alguns anos
depois do baile. Antes disso também, para ser sincero, porque minha
adolescência foi desagradável por vários motivos.
Mas fisicamente… não assim.
Ele usa a toalha quente para massagear minha testa. Minhas bochechas.
Ao redor dos meus olhos. Minha mandíbula e queixo. Tão suave sobre
meus lábios. Abaixo do meu pescoço.
Tudo isso com a mão segurando a parte de trás da minha cabeça, seus
dedos massageando com cuidado a base do meu crânio, seu cheiro
enchendo meus sentidos, se misturando com o cheiro da minha excitação,
seu toque incendiando minha pele.
— Aí está você — diz ele suavemente, e eu abro os olhos para encontrá-
lo estudando meu rosto com uma mistura de admiração e reverência.
Minhas bochechas formigam de alívio por estarem no ar fresco novamente,
e há um nó estranho entupindo minha garganta, porque, juro, ele está
pensando que eu sou linda sem nenhuma maquiagem.
Eu nunca quis ser linda.
É superficial e desnecessário.
Mas ter o homem mais lindo do mundo olhando para mim com total
adoração por eu apenas ser eu mesma, me faz sentir bonita.
E forte.
E muito, muito sexy.
Estou seminua, com meu vestido aberto na frente, minha cinta de
compressão dividida ao meio e enrolada para baixo, e minhas pernas ainda
presas em um vestido, com o cabelo que deve estar espetado, e sem
maquiagem para esconder meu rubor ou minha marca de nascença.
E ele me faz sentir como uma deusa irresistível.
Ele toca de leve a minha bochecha com um dedo, e então ele está me
beijando.
Mas não é um beijo normal, com apenas lábios, línguas e dentes.
Não, é como se nossas almas estivessem dizendo oi.
Desabotoo sua camisa aos poucos. Ele move meu corpo enquanto tira
meu vestido sobre meus quadris, me beijando e arrancando os grampos de
cabelo. Eu alcanço sua calça e a abro também.
Ele geme em minha boca, enquanto eu a empurro por seus quadris e a
faço deslizar para o chão. Minhas mãos se curvam para segurar sua bunda, e
minha calcinha já molhada fica com certeza encharcada.
Meu vestido bate no chão, e ele agarra as bordas da minha cinta e puxa, e
elas se dividem em dois.
Estremeço de alívio quando meu corpo finalmente está todo livre, e então
percebo que estou completamente nua.
Exceto por uma calcinha RYDE pequena.
— Você é tão linda — sussurra ele enquanto segura meus seios, então se
inclina para pressionar um beijo suave em cada mamilo antes de chupar um
em sua boca. Eu suspiro com a intensa dose de prazer que irradia do meu
peito, através das minhas costelas, e desce até o meu centro. Agarro sua
cabeça no lugar, meus dedos em seu cabelo grosso, e abro minhas pernas,
porque preciso que ele…
Sim. 
Toque em mim.
Ele acaricia seu polegar sobre o tecido que cobre meu clitóris, e eu volto
a suspirar e arqueio para ele.
— Você gosta? — sussurra ele contra o meu peito, o que faz minha pele
se arrepiar em todos os lugares que sua respiração toca.
— Sim — consigo dizer.
Ele ainda está com a camisa aberta, gravata pendurada em um lado, com
uma camiseta branca e boxer preta. Eu ainda estou em meus saltos de tiras.
Ele endireita e guia minhas pernas ao redor de seus quadris, e então ele
está me carregando para o seu quarto, mãos massageando minha bunda, me
beijando novamente, me abaixando em sua cama, onde suas mãos vagam
pelo meu corpo.
— Me diga para parar e eu paro — sussurra ele.
— Tira essa camisa.
Ele sorri enquanto faz o que foi pedido, e o colete voa para um lado, a
camiseta branca apertada por baixo para o outro.
— Melhor?
Eu curvo um dedo para ele, e ele se abaixa em seus braços acima de mim.
Eu seguro suas bochechas, em seguida, movo minhas mãos para baixo de
seu pescoço, ao redor de seus ombros, sobre seu peito, e sorrio de volta para
ele.
— Muito melhor.
Seu estômago ronca, e nós dois olhamos para ele.
— Você não conseguiu jantar o suficiente — sussurro.
— Estou prestes a dar um jeito nisso — responde ele, e então está
beijando o meu corpo, do meu pescoço, entre os meus seios, sobre a minha
barriga, abaixo do meu umbigo, até que ele para na parte superior da minha
calcinha. — Sarah Dempsey, você está vestindo minha roupa de baixo. —
Ele respira contra o elástico.
— Sim — solto, porque é tudo o que posso dizer. Ele está provocando as
bordas da calcinha com os polegares, tomando seu tempo, sua boca
descendo para pressionar beijos no topo do meu monte sob o tecido.
— Eu gosto de você com elas. Mas acho que posso gostar mais de você
sem elas.
— Sim — suspiro novamente.
Ele respira meu cheiro, e eu me esforço para abrir mais minhas pernas.
Eu já estou tão molhada, e a antecipação da boca de Beck em mim está
fazendo meu coração palpitar no meu clitóris.
— Quero… você — consigo dizer.
— Quão brava você vai ficar se eu rasgar isso aqui? — pergunta ele a
minha boceta.
— Beck.
— O quê? Eu posso te dar uma nova. — Ele sopra no tecido, e meus
quadris se levantam da cama. Tudo está zumbindo e formigando em
antecipação.
Ele guia minhas pernas para que possa puxar a calcinha.
— Incrível demais para desperdiçar — diz ele, o que me faz rir sem
querer, e então faz uma pausa nos meus pés. — Puta merda. Isso não dói?
— Nada dói agora.
— Sarah. Eles estão cortando os seus pés — murmura ele para si mesmo
enquanto desfaz as pequenas fivelas e as tira, então levanta meus pés para
uma inspeção.
Meus dedos dos pés brilham na luz baixa, e ele levanta um sorriso para
mim que fica escuro e encapuzado quando seu olhar trava na minha boceta
nua.
— Você pintou o universo na ponta dos pés. — Ele solta meu pé, mas
desliza as mãos pelas minhas pernas enquanto se estica de volta para se
centrar com a boca sobre meus quadris. — Lindo.
Eu não sei se ele está falando sobre meus dedos dos pés ou o resto do
meu corpo, mas de repente não importa, porque sua língua está provocando
meu clitóris e seus polegares estão desenhando círculos preguiçosos na
minha coxa, e ai, meu Deus, por que eu alguma vez duvidei desse homem?
Meus quadris se levantam, meus dedos dos pés se curvam, meus ombros
arqueiam, um grampo no meu cabelo crava em meu crânio, e eu estou
cantarolando sem sentido enquanto sua boca explora minha boceta até que
eu esteja além de ser capaz de respirar.
E quando eu não aguento mais, ele chupa meu clitóris entre os dentes, e
tudo se aperta com força, e eu me desfaço em uma explosão de faíscas
azuis, roxas e vermelhas que brilham atrás dos meus olhos, a boca de Beck
me impulsiona mais para cima e por mais tempo, enquanto meu corpo
estremece com sensações transcendentes que me balançam da raiz do
cabelo às unhas dos pés, com prazer irradiando tão espesso e profundo do
meu clitóris que com certeza nunca mais serei capaz de andar novamente.
Caio nos lençóis amarrotados enquanto as ondas gradualmente
diminuem, e ele salpica beijos na parte interna das minhas coxas que fazem
cócegas o suficiente para fazer tremores secundários sacudirem meus
ovários.
— Linda pra caralho — murmura ele, e quando levanta seu olhar
novamente, há tanto calor em seus olhos que eu quase gozo uma segunda
vez só com aquela sensação vertiginosa de saber, sem dúvida, que ele pensa
de verdade que eu sou linda. E irresistível. E sexy.
Até que de repente ele franze a testa.
— Seu cabelo está doendo?
— O qu…? — Huh. Agora que ele mencionou isso. — Ah! Sim. Sim.
Hum.
Ele se levanta e me orienta a fazer o mesmo. Eu observo a tensão em sua
boxer – Meu Deus, sim, por favor –, mas então ele está atrás de mim,
arrancando mais grampos de cabelo, sua ereção pressionando minha parte
inferior das costas, seus lábios beijando o meu pescoço entre desembaraçar
a bagunça profana.
— Eles colocaram uma fábrica inteira de grampos aqui? — murmura ele
quando metade do meu cabelo finalmente cai pelas minhas costas.
— Mãe, massagens, me amanteigaram, sem força de vontade —
murmuro.
— Eu vou te fazer massagens. E vou te dar um dia de spa. E seu próprio
massagista pessoal. Só que… porra, Sarah. Não deixe que façam isso com
você.
— Beck?
— Hum?
— Quando você fala assim, eu quero pular em você.
Suas mãos ainda no meu cabelo.
— O tipo bom de pular ou o tipo pular com taser?
— Hum-hum — murmuro, meus dedos se levantando para esfregar meus
mamilos.
Ele ri no meu cabelo, e então seus dedos se unem aos meus.
Apenas uma das mãos. A outro ainda está procurando grampos de cabelo
aleatórios.
Mas ele é muito talentoso em provocar meu corpo com só uma das mãos.
Ainda mais quando sua mão percorre minha barriga para provocar as
dobras logo acima do meu clitóris.
— Ainda sensível? — murmura ele em meu pescoço enquanto arranca
mais um grampo de cabelo.
— Me toca — respondo.
Seu pau incha mais contra minhas costas, e estou instantaneamente
excitada de novo.
Há algo tão poderoso em ser desejada. E mais ainda por ser desejada por
ser eu mesma.
Apenas eu. O lado bom e o mau.
Seus dedos deslizam para baixo, e eu gemo e abro minhas pernas
enquanto deixo cair minha cabeça contra ele.
— Sarah — sussurra ele, tão reverente que poderia muito bem ter
sussurrado eu te amo.
Me viro em seus braços e fico de joelhos, então agarro suas bochechas e
o beijo.
Forte.
Profundo.
Desesperado.
Eu não esperava por ele.
Eu não pedi por ele.
Mas não posso me imaginar o deixando ir.
Eu terei que fazer isso, pois sua vida está lá fora, ao redor do mundo com
fotógrafos o perseguindo, enquanto a minha está enraizada aqui. Mas não
hoje.
Hoje, ele é meu.
Eu o monto, com as costas contra a cabeceira da cama, e liberto seu pau
de sua cueca.
Ele geme em minha boca, enquanto eu acaricio seu comprimento duro, e
então ele está procurando um preservativo na mesa de cabeceira.
— Eu quero você — sussurro enquanto o ajudo a colocar.
Sua respiração é irregular, seus olhos escuros como meia-noite sob
pálpebras pesadas, seus lábios separados, e quando eu me abaixo nele, o
levando para dentro de mim, nós dois estremecemos de alívio.
— Tão perfeito pra caralho — solta ele.
Eu fecho a boca, porque senão vou começar a cantar eu te amo, e não é
algo que eu possa voltar atrás, e o amor me assusta muito.
Mas o Beck?
Beck não.
Ele empurra para dentro de mim, o pescoço esticando, os olhos fixos em
mim enquanto ele me enche, e me estica, e bombeia em mim, e eu o monto
com força, levando-o tão fundo que ele está atingindo aquele ponto especial
várias vezes, construindo essa tensão, minhas paredes apertando em
antecipação, até que eu estou tão, tão perto.
— Sarah — suspira ele. — Eu… não posso… preciso… gozar, Sarah.
Goza para mim.
Ele passa os polegares sobre meus mamilos e, gemendo, deixa a cabeça
cair para trás. Sinto a pulsação de sua liberação, e isso me leva ao limite
também, apertando com força em torno de seu pau em espasmo, enquanto
ele envolve aqueles braços longos e fortes em volta de mim e me segura tão
apertado, enterrado tão fundo, nos conectando tão completamente que não
posso imaginar um momento em que estaremos desconectados.
Não importa os quilômetros.
Não importa as montanhas ou oceanos entre nós.
Eu nem sabia que o queria, e agora não consigo imaginar deixá-lo ir.
— Sarah. — suspira ele novamente em meu ombro enquanto seu corpo
começa a relaxar, e eu envolvo meus braços em volta dele e o abraço forte
também.
Beck não tem apenas um pedaço de mim.
Ele tem tudo de mim.
E é a sensação mais assustadora e emocionante que já conheci.
36

Ela é minha.
Eu a tenho. Você não pode tê-la. Você dorme, você perde. Eu a lambi. Ela
é minha agora.
Está bem, está bem.
É mais como se eu basicamente fosse passar o resto da minha vida como
gelatina nas mãos dela, porque, puta merda, ela é tudo.
— Ai, meu Deus, acho que estou babando no seu ombro — murmura ela
enquanto nos sentamos, deitamos? Caímos?, na minha cama.
— Hum, baba. — Meus braços estão moles. Assim como minhas pernas.
Meu pau está muito orgulhoso de si mesmo, e ainda enterrado dentro
dela, e por que eu pensei que queria viver em um carro com ela quando
podemos ficar na cama assim para sempre?
Ela dá uma risada ofegante, e isso faz suas paredes internas apertarem
meu pau novamente, que sorri com orgulho e fica mais ereto.
Vou cumprimentá-lo mais tarde.
— Você quer um queijo quente? — pergunto. — Posso te dar quatro
orgasmos, mas eu preciso de um queijo quente primeiro.
— Quatro podem me matar.
— Você vai ganhar três, goste ou não, porque eu não empato. Eu venho
em primeiro.
— Você já está em primeiro lugar.
— Nada disso. Não alimente o meu ego. Estou conquistando isto aqui.
— Beck.
— Sarah.
Ela levanta a cabeça, e, meu Deus, seu cabelo. Está uma loucura, saindo
por todos os lugares, ainda cheio de spray e deve ter algum tipo de
sacrifício animal, e eu a amo pra caralho assim. Real, e sonolenta, e linda
pra caralho.
— Você… me conhece — diz ela, baixinho. — Eu nunca dormi com
ninguém que… me conhecesse de verdade.
Acaricio seu cabelo selvagem.
— Uma pena para eles.
Ela suspira e se aconchega mais perto novamente.
— Obrigada por me mostrar do que sou capaz.
— A gente ainda não chegou a três — eu a lembro.
— Eu quis dizer enfrentar o mundo e não me esconder dele.
— Você teria descoberto isso em seu próprio tempo se eu não tivesse sido
um idiota.
Ela balança a cabeça, mas não responde.
E então, meu estômago ronca, e nós dois rimos.
— Tá bom, tudo bem. Comida — diz ela.
Pego um roupão para ela e descarto a camisinha, e passamos a hora
seguinte comendo sanduíches gourmet de queijo grelhado com queijo brie,
bacon e peras, e ela me conta sobre os projetos favoritos em que trabalhou,
e eu conto a ela sobre os maiores contratempos que já tivemos em várias
sessões fotográficas.
Verificamos Perséfone, e Sarah grita de alegria ao ver o bebê mamando.
— Veja. Olha só para aquela mancha no bebê. Não parece a cabeça do
George Washington?
Eu olho mais perto, e ela não está errada.
— É um sinal — digo a ela. — Esse bebê vai salvar a população de
girafas do mundo.
Ela ri e me beija, e nós dois temos orgasmos com minhas criações
culinárias, o que, não, não conta como seu terceiro.
Eu cuidei disso no banho depois.
E então eu a carrego para a cama e esfrego suas costas até que ela
adormeça, e eu adormeço também, com meus braços em volta dela, por
causa disso.
Sarah é o que faltava na minha vida.
A peça que eu nunca pensei que encontraria.
Que eu nunca pensei que existisse.
A vida é incrivelmente foda. E fica cada vez melhor.
37

  Estamos tomando chá de menta, com sanduíches de omelete de waffle


no pátio de Beck no domingo de manhã, descansando lado a lado no sofá de
vime e debatendo nomes para a filhinha de Perséfone, quando nossos
celulares explodem.
Para ser justa, o dele está sempre explodindo, e é por isso que ele o
mantém silenciado, mas a tela tem acendido a manhã toda.
A minha, no entanto, tinha apenas três mensagens de texto esperando por
mim quando acordei – uma de meus pais apenas checando se está tudo bem,
uma de Mackenzie também me checando e uma de Charlie perguntando se
eu queria roupas novas entregues hoje de manhã, ou se eu preferiria que ela
fosse até minha casa para pegar algo que eu já possuía.
Sim. Só essas três mensagens. Até o final do café da manhã.
Deslizo um olhar para o meu e começo a ignorá-lo, porque dezessete
mensagens em um minuto significam desgraça, e eu não queria desgraça.
Eu quero alimentar Beck com a última metade do meu sanduíche de
waffle e omelete e acidentalmente ter que lamber as migalhas de sua barriga
nua.
Considerando que ele se banqueteou comigo novamente hoje de manhã
no café da manhã, é justo que eu o coma na sobremesa.
Mas quando meu celular não para, ele o pega. Suas sobrancelhas
franzem, e então ele pega seu próprio aparelho.
— Você está mandando mensagem para alguém de volta?
Ele balança a cabeça.
E ele está fazendo aquela coisa silenciosa de novo, o que é sempre um
pouco preocupante, ainda mais quando combinado com a carranca e o
rosnado sutil saindo de seus lábios.
— Beck?
— Nada ruim — me assegura.
— Então por que você parece querer arrancar os braços de alguém?
Ele me entrega o celular, aberto em uma notícia com uma manchete
enorme.
— Conheça a Queridinha Geek da América.
Dou um meio sorriso.
— Apelido fofo — digo, mas quando rolo para baixo… — Ai, meu
Deus.
Sou eu.
Há uma foto de ontem à noite, no alto da escada do planetário, e eu quase
não me reconheço.
Pareço a filha de Sunny Darling e Judson Clarke.
E Beck está nela também, e, ah, a foto do Beck.
Ele está me olhando enquanto sobe as escadas, e aquele olhar em seu
rosto – minha respiração trava.
O homem pensa que eu arraso.
Olho para ele.
Ele está carrancudo.
Beck Ryder.
O homem que nem mesmo fez uma careta quando eu o ataquei com um
taser, ou quando meu pai ameaçou fazer coisas inomináveis para sua
masculinidade, ou quando sua própria mãe o repreendeu em público ontem
à noite, está fazendo uma careta.
— Você… não gosta do apelido?
— Eu não gosto que assim que você coloca um vestido, uma maquiagem
e algum maldito penteado aprovado por Hollywood, de repente, você é
socialmente aceitável. Isso aqui? — Ele coloca uma mecha de cabelo atrás
da minha orelha, em seguida, acaricia a minha bochecha com o polegar. —
Isso aqui é você sendo linda. Isso aqui é você dando um show. E eu odeio
os idiotas que pensam que o show é tudo o que importa. Porque isso aqui é
o que mais importa.
Sua mão pousa no meu coração, e se ainda restasse alguma dúvida sobre
o que eu sentia por ele, ela evapora como o orvalho da manhã.
— Eu te amo — sussurro.
E então coloco a mão na boca, porque nunca disse isso antes, e se ele
não…
Ele puxa minha mão e esmaga minha boca na dele, me segurando
apertado contra ele até eu rastejar para seu colo e montar nele. Seu pau duro
pressiona contra meu clitóris, e eu gemo em sua boca e balanço meus
quadris para esfregar minha protuberância dolorida contra ele.
— Sarah — sussurra ele.
— Eu te amo. — Não posso parar. Eu quero gritar isso para o mundo. E
estou bem em um telhado. Eu posso. Eu poderia gritar deste telhado aqui, e
todo o centro de Copper Valley vai me ouvir, e eles saberão que eu me
apaixonei perdidamente por Beck Ryder e não vou voltar atrás, porque ele é
o homem com um grande coração e mais gentil, mais engraçado, mais sexy
e mais forte que conheço, e não sei como vamos conciliar sua agenda de
viagens com meu trabalho diário precisando de mim aqui, mas vamos,
porque… — Eu te amo.
Eu me atrapalho com suas calças, liberando seu pau novamente.
— Sarah, eu não…
Eu o ignoro e deslizo para baixo em seu corpo, levando sua ereção em
minha boca, e quando sua respiração engasga e suas mãos apertam meu
cabelo, eu chupo seu comprimento duro com mais força, esfregando a parte
plana da minha língua ao longo dele, o levando fundo e então puxando
quase para fora, em seguida, o tomando fundo de novo, enrolando minha
língua em torno dele, mais e mais até que ele tenta se afastar.
— Sarah, eu vou…
Eu o ignoro novamente e o tomo o mais fundo que posso até que ele
desce pela minha garganta, seu pau pulsando contra a minha língua
enquanto eu o engulo.
Quando ele está esgotado, eu o solto, pressiono um beijo em sua ponta, e
o coloco de volta em sua calça de moletom, e então subo de volta em seu
colo para me aconchegar nele. Assim que eu chego ao nível de seu ombro,
ele explode em um grande espirro.
Meus olhos se arregalam.
— Você está bem?
Ele estremece.
— Hipno-terapeuta-merda.
Caio na gargalhada, embora não devesse, porque já ouvi falar disso.
— Você espirra quando tem um orgasmo? — sussurro.
— Curado… na maioria das vezes — ofega. Ele me puxa em seus braços.
— Se eu… digo… você sabe… não é… por causa disso.
— Eu sei — sussurro.
— Você… é… incrível… pra caralho.
Estou em um roupão de ursinho com cabelo bagunçado e sem calcinha, e
ele está agarrado a mim como se eu fosse sua tábua de salvação.
Eu.
A geek maluca com pais famosos que nunca se encaixa em lugar nenhum
e é obcecada por animais em extinção e que o atacou por tentar se
desculpar.
Mas ele faz eu me sentir que me encaixo aqui.
— Eu te amo — volto a dizer a ele.
— Vou desistir — anuncia ele. — Vou vender tudo. Mudar de casa. Eu
quero você. E uma família. O tempo todo. Para sempre. Só que temos que
ver o mundo. Juntos. Você e eu. Vamos começar no Marrocos, passamos um
mês lá, e depois levo você para a França, por causa de queijo e pão, e você
já esteve na Islândia? Temos que ir para a Islândia. Verão e inverno. São
dois países diferentes.
Estou sorrindo tanto que minhas bochechas doem.
— Seu entusiasmo é muito contagiante, mas sei que você não vai apenas
desistir de tudo. Está tudo bem.
— Você ainda pode trabalhar, se quiser, mas terá que trabalhar para os
meus pais, porque sei que pessoas normais não vão deixar você tirar seis
meses do ano para viajar comigo.
E agora estou rindo. Sei que ele não está falando sério – não de todo,
porque é claro que ele não vai desistir de seu império da moda –, mas posso
me imaginar viajando para Paris, Marrocos ou Índia com ele, só para ver
mais do mundo.
— Eu ainda posso trabalhar sob os seus termos, não posso?
— Ou eu trarei o mundo para você. — Ele sorri. — YouTube é quase o
mesmo que ver Machu Picchu pessoalmente.
— Ah, isso é deprimente.
Ele puxa meus dedos para seus lábios e os beija. Meu esmalte de ontem
já está lascando, o que deve fazer minha mãe suspirar, mas ela também vai
me ajudar a tirar tudo, porque é isso o que ela faz.
— Venha para Naufrágio comigo esta semana — diz ele. — Só… fique
longe de tudo isso até a gente anunciar a fundação. Tipo, se você puder tirar
férias. Sei que o seu trabalho é importante para você.
— Você sabe que eu tenho um fundo fiduciário, não é?
— E? Ter um fundo fiduciário não salvará os seus sapos.
— Eu já disse que eu te amo?
Ele sorri.
E não é um sorriso para a câmera, ou um sorriso bobo, ou um sorriso
ardente.
É um sorriso cru, honesto, enorme e feliz.
— Eu te amei primeiro — anuncia ele.
Eu desato a rir.
— Você está brincando comigo?
— Juro por Deus, quando você me acertou com aquele taser, eu fiquei,
tipo, é ela. Esses olhos são mortais o suficiente quando há apenas dois
deles, mas, cara, você me fritou, e então você tinha quatro, e eu era um caso
perdido.
Ainda estou rindo quando ele se inclina para um beijo.
— Eu te amo, Sarah Dempsey — diz ele contra meus lábios sorridentes.
— E eu vou fazer você rir todos os dias pelo resto da minha vida.
38

A vida é muito incrível.


Depois de um grande jantar em família ontem à noite com meus pais e
Cupcake, Charlie, Mackenzie, a família de Beck e sua família adotiva do
bairro – eu entendo completamente por que eles chamaram a banda de Bro
Code quando eu o vejo com todos os seus irmãos adotivos, não apenas os
caras que estavam na banda –, eu fiquei com ele de novo, e agora estou indo
trabalhar com planos de pedir o resto da semana de folga.
Ninguém do escritório mandou mensagem sobre a cobertura da mídia na
noite de sábado. Meu vídeo sobre a Perséfone dando à luz tem mais
visualizações do que qualquer outro vídeo sobre a girafa, exceto as
transmissões oficiais do zoológico, e estou estranhamente feliz com meu
novo apelido.
A Queridinha Geek da América.
Eu não me importo mesmo em ser famosa, e sei que alguém vai distorcer
isso e torná-lo algo ruim em pouco tempo, mas eles não podem tirar minha
autoestima.
Eles não vão me tirar das pessoas que eu amo.
De novo não.
Estou pegando carona com um dos guarda-costas de Beck, então passo a
viagem mandando mensagens para mamãe, que está cuidando de Meda e se
certificando de que minhas abelhas e flores tenham água desde o jantar de
sábado à noite.
Ela quer que eu pare de trabalhar e seja uma blogueira que faz vídeos
científicos em tempo integral, porque é a sua paixão, querida, e você a
compartilha com tanta eloquência.
Papai aparece com uma mensagem ocasional, perguntando se é possível
que uma porca e uma gata tenham bebês juntos, porque ele acha que a
Cupcake está no cio.
Acho que ele está tentando ver até onde pode me empurrar.
Ou isso, ou ele bateu a cabeça na outra noite enquanto Perséfone estava
dando à luz.
Ou talvez ele esteja praticando para seu papel, para o qual ele tem que
voltar para a Califórnia na sexta-feira.
Chegamos cedo ao escritório e entro despercebida entre os outros que
também chegaram cedo. Estou organizando meus projetos para descobrir o
que preciso fazer pela semana e o que posso fazer depois, para saber quanto
tempo consigo tirar de folga para ir com Beck a Naufrágio, quando alguém
na mesa atrás de mim suspira.
Trinta segundos depois, outro suspiro sobe no mar de cubículos.
Seguido um minuto depois por quatro em uma rápida sucessão.
E depois há passos.
Muitos. E muitos. E muitos. Passos.
— Desligue o seu computador — ordena meu chefe.
Alguém mergulha debaixo da minha mesa e faz isso por mim.
Olho para o mar de rostos brancos ao meu redor.
— A gente pegou algum vírus?
— Sim, é chamado de flagelo da humanidade — murmura um deles.
— Seu blog é incrível demais. Eu não percebi que era você até depois
de… você sabe. Mas acompanho há meses.
— Esses filhos da puta não deveriam… desculpa, Gary. Esses babacas e
sem-noção com as pessoas não deveriam ser permitidas na internet.
Meu celular vibra e o rosto de Mackenzie ilumina a tela.
Gesticulo para ele e olho para o meu chefe.
— Posso?
Sua carranca se aprofunda.
— É um amigo?
— É a minha melhor amiga.
— Então sim.
Deslizo para responder. Ninguém sai do meu cubículo, e outra pessoa
irrompe no prédio gritando:
— Você viu o que aqueles idiotas disseram? E que babaca completo. Eu
não posso acreditar que ele…
— Cala a boca! — grita alguém.
— Ei — digo para Mackenzie. — Você está no trabalho?
— Sim, mas, Sarah, escuta, não entra na internet hoje, tá?
— Hum, isso não é exatamente um problema agora.
— Você pode me colocar em contato com aquele cara que estava
ajudando com o seu site?
— Mackenzie?
— Não, é para mim. Quero dizer, o cara que se parece com o Cash
Rivers. Aquele que o Beck arrumou para atualizar os seus servidores?
Aquele cara.
— O que está acontecendo?
— Os babacas estão acontecendo. Só… fique fora da internet. E pode me
passar o número do Beck também? Porque… porque… a gente vai lidar
com isso, tá bom?
— Lidar com o quê? — Olho para os meus colegas de trabalho. Alguns
não encontram o meu olhar.
Alguém esfrega minhas costas.
— Nunca imaginamos que o motivo de você ser tão reservada era porque
você já foi exposta a isso antes, mas tudo faz sentido agora. Eu
simplesmente não posso acreditar que ele vai terminar com você dessa
forma.
Meu corpo inteiro congela.
Apenas vira gelo.
Coração e tudo mais.
— A internet está sendo a internet. — Mackenzie suspira alto. — Você
poderia, por favor, só me enviar o nome e o número dele? E talvez não ir
trabalhar hoje.
— Eu já estou aqui.
— Ah, merda… Só me manda uma mensagem com o nome e o número
dele. E o número do Beck. E prometa que vai ficar fora da internet.
Prometa. Como o juramento de mindinho sobre a sequência de vitórias do
Fireballs.
— Eu não posso te ouvir. Estamos passando por um túnel. Shh-wusshhh-
sshhusshh.
— Você acabou de me dizer que está no trabalho.
— Não consigo te ouvir. Estou passando por um túnel. Ssshh-wussshhh-
sshhussshhh.
Sim, me sinto mal por desligar na cara de Mackenzie, mas estou cansada
de ser tratada com luvas de pelica.
Eu preciso enfrentar isso.
E saber que não importa o que os sem-noção aleatórios da internet estão
dizendo. O meu valor não está ligado ao que dizem as fofocas. Está ligado a
como me sinto em relação a mim mesma e em ter pessoas que me amam
incondicionalmente, apesar das minhas manias, medos e más escolhas.
Abro meu site no meu celular.
Ou tento.
Na verdade, não carrega.
— Ah, nossa — murmuro.
— Você está checando a internet? Não! Fique longe da internet!
Alguém se lança para o meu celular, mas eu me viro e continuo
segurando-o apenas porque minhas aulas de tae kwon do mantiveram meus
reflexos relativamente rápidos.
— Alguém, por favor, pode me dizer o que está acontecendo?
Gary coça a cabeça careca.
— Talvez você queira tirar uma folga? Você tem muitos dias de folga que
nunca usa.
— Gary…
— Eu não entendo. Eles te amavam ontem. A Queridinha Geek da
América. Nome fofo demais. Mas então o Beck… — Ele para, e o gelo
ameaça congelar meu coração novamente, mas eu conheço Hollywood.
Eu conheço o jogo.
— Eu sabia que ele estava interpretando para ela — murmura uma
pessoa, e eu a ignoro, porque eu preciso.
— Cala a boca — sussurra alguém.
Suspiro e abro o Twitter.
E… sim.
Aqui vamos nós.
E meus pais devem estar vendo isso.
Droga.
Engulo em seco para manter o pânico sob controle, porque pânico é
exatamente o que está subindo como bile na minha garganta.
A Queridinha Geek da América quando ela era apenas uma geek
qualquer, estampa um post, completo com uma foto minha com ketchup
espalhado na minha bochecha quando eu não devia nem estar no ensino
médio.
Queridinha Geek da América? Mais como Aberração Geek da América,
estampa outro com uma foto minha, esta do final do ensino médio,
contorcida de lado e olhando para o chiclete na minha própria bunda, meu
cabelo inclinado em um ângulo estranho que me faz parecer que um polvo
está crescendo na minha cabeça, e uma lista de cidades na turnê da banda de
rock Binary Babes na parte de trás da minha camiseta.
Por fim, a verdade: A nova namorada de MENTIRA do modelo de cueca.
Esquema de chantagem de Sunny Darling EXPOSTO.
O representante de relações públicas de Beck Ryder confirma: Modelo e
filha do poderoso casal de Hollywood se tornaram “bons amigos”; e pede
privacidade.
É esse último que envia um tremor pelos meus ossos.
Porque esse foi emitido pelo perfil oficial do Beck no Twitter.
O mesmo perfil que há menos de dez dias me atraiu de volta aos
holofotes do público.
Essa é a fala. É o que devemos dizer.
Mas não até sexta-feira.
— Sim — digo para Gary. — Folga. Aaaatchim. Eu devo precisar de
uma… uma semana. Obrigada.
— Nós não estamos atendendo nenhuma ligação da imprensa — ele me
diz enquanto me leva até o estacionamento, meus joelhos ameaçando ceder
enquanto mais equipes de filmagem estão chegando e o guarda-costas de
Beck está esperando na porta da frente em um Audi preto padrão. — E isso
é uma coisa muito corajosa que você está fazendo, se tornando pública
quando tantas pessoas estão sendo filhas da p… quero dizer, desumanas.
Eu não vou chorar. Não vou dar a eles a satisfação de me verem chorar.
— Vou te mandar por e-mail o que estou tendo que colocar em espera.
— Obrigado, Sarah. Sarah, certo? Você não quer ser…
— Sarah — confirmo e entro no carro.
— Tudo bem, sra. Dempsey? — pergunta o guarda-costas.
— Sim. — Não.
— Casa ou para a casa do sr. Ryder?
— Casa, por favor. — Quero ver a minha gata. E verificar minhas
abelhas por mim mesma e ver se preciso colher algum mel. Ainda é cedo,
mas minhas colmeias estão bem ativas neste verão.
Eu me afundo no banco e abro o Twitter novamente, embora eu saiba que
não deveria.
Está rolando.
Está rolando uma maldita tempestade.
Essa foto da @must_love_bees a faz parecer um primata esmagado
numa roupa prestes a estourar.
Só as putas gostam de ver os animais dar à luz. Vá arrumar o que fazer,
@must_love_bees.
Eu conheço a @must_love_bees pessoalmente, e posso prometer que
essa coisa com o @Beckett_Ryder é tudo uma farsa. Ela é nojenta.
Respiro devagar para acalmar meu coração acelerado, porque isso não
importa.
Não.
Não posso acreditar que a @must_love_bees hackeou a conta do Beck
Ryder para conseguir seus quinze minutos de fama. #lindoparasempre
Mal posso esperar para ouvir o anúncio do @Beckett_Ryder na sexta-
feira! Espero que ele esteja leiloando um encontro. Vem para a mamãe! Eu
tenho o $$!
Eu não ligo se o coração dele não está partido de verdade, eu vou
confortar o @Beckett_Ryder qualquer dia.
Balanço a cabeça, porque sei que esta é apenas a versão pública dos
acontecimentos. Não significa nada.
Uma ligação para Beck esclarecerá tudo.
Então, por que não estou ligando para ele?
Por que ele não está ligando para VOCÊ? uma vozinha insidiosa
sussurra na parte de trás da minha cabeça, e eu olho para o Twitter
novamente.
Eu namorei a @must_love_bees um ano atrás. Pessoa mais fria DO
MUNDO. Ryder pode ficar com ela, a vadia mentirosa. Mas acho que ele já
descobriu a verdade, né?
Meu queixo cai. Porque não é um hater aleatório da internet inventando
uma história sobre namorar comigo.
É o Trent.
E ele adicionou uma foto minha de quando estávamos namorando. Uma
saída para comer frutos do mar. Eu estava com manteiga na minha
bochecha, meu cabelo caindo em um emaranhado que desafia a gravidade,
um olho meio fechado, e meus dentes estão fazendo alguma coisa estranha
que me faz parecer um burro zurrando enquanto abro a boca para uma
mordida no caranguejo.
— As pessoas são uma merda — murmuro.
— Só aqueles que são uma merda, senhora — diz o guarda-costas. Ele
olha para mim pelo espelho retrovisor. — Tem certeza de que você quer ir
para casa?
Concordo.
Meus pais devem estar lá. Eles já estiveram nessa antes. Já fizeram isso.
Eles vão saber todas as coisas certas a dizer.
E não importa o que um ex-namorado diga, ou mesmo as fotos feias ele
queira postar.
Ainda mais porque ele não está errado.
Eu era fria.
Eu nem disse a ele quem são meus pais.
Eu devo merecer isso.
Mas estou melhor agora. Eu sou mais forte. Eu estou mais confiante.
Um sussurro sombrio que diz é porque você teve que passar por isso
tudo enche a minha mente
Junto com outro sussurro que diz você ainda é aquela idiota que fica com
o rosto todo sujo de manteiga e não consegue tirar uma foto boa nem que a
sua vida dependesse disso.
Se Beck não tivesse aparecido para se desculpar por aquele tuíte, eu seria
a mesma velha e chata Sarah, se escondendo do mundo, mentindo para a
minha melhor amiga, namorando caras que tiram fotos feias de mim,
trabalhando em silêncio para fazer uma pequena diferença em vez de
contemplar como fazer uma grande diferença.
Então, isso me faz melhor de verdade?
Ou apenas uma oportunista?
De qualquer forma, estou começando a desejar não ter comido o café da
manhã..
39

Estou boquiaberto para a tela de vídeo e desejando que Charlie não


tivesse tirado meu café antes de começarmos a videoconferência. Bruce
olha de volta, beligerante. O resto da equipe parece tão chocado quanto eu.
Exceto Charlie.
Ela parece estar tomando notas sobre algumas daquelas coisas com as
quais Judson me ameaçou, e ela está se preparando para voar para a
Califórnia e praticá-las em Bruce assim que a reunião terminar.
— Comece de novo e use palavras pequenas — digo a Bruce —, porque
parece que você acabou de dizer que cancelou o contrato com a Sarah mais
cedo.
— Já era tempo. — Bruce acena com a cabeça, sua careca brilhando à luz
do abajur de sua mesa. — A opinião pública sobre você nunca foi tão alta, e
podemos pintá-la como aquela que se aproveitou de você. Ficou decidido
anunciar a fundação para quarta-feira. Compromisso total do Crawford,
ainda mais quando eu disse para ele que você gostava mesmo dela e ficou
desapontado por ela ter caído fora, embora eu não saiba por que ele
acreditou nisso.
— Quem diabos te deu autoridade para fazer isso?
— Ryder. Meu e-mail está explodindo com notas de compradores em
todas as principais redes de varejo e lojas on-line. Todo mundo quer
apresentar uma oferta não apenas para a RYDE, mas para as suas outras
linhas também. Não podemos correr o risco de a garota foder com isso.
— O nome dela é Sarah.
— O nome dela é o problema. Você está muito envolvido e precisa
colocar a cabeça no lugar e parar de pensar com o seu pau, embora eu esteja
um pouco preocupado com isso, se aquilo é o que você procura de verdade
em uma mulher.
Minha cabeça está girando, porque que porra é essa?
— Retire. Isso.
— Tarde demais, querido. E de nada.
Pensei que ficar chateado já fosse ruim o suficiente. Mas agora um medo
legítimo está apertando meu peito, porque isso soa muito ameaçador.
— O. Que. Você. Fez? — rosno.
Os olhos de Vicki se arregalam. Hestia se engasga com o suco verde que
está bebendo.
E Charlie sorri.
É um daqueles sorrisos feios.
— O que você quer dizer com o que eu fiz? Estou sentado aqui
administrando o seu maldito império para você, enquanto você brinca com
a garota com cara de cavalo.
— Garota com cara de cavalo — repito, e vejo vermelho.
Eu não gosto de ver vermelho.
Isso torna o mundo uma fossa feia de azeitonas podres, e azeitonas são
um alimento que eu não suporto de jeito nenhum.
Empurro minha cadeira para trás da mesa e gesticulo para Charlie ficar
na frente e no centro.
— Hestia, Vicki, eu ligo mais tarde. Estou desligando agora. Charlie,
faça as honras.
Estou ligando para o chefe da minha equipe jurídica antes que Charlie
acabe de dizer a Bruce que ele foi demitido. Na verdade, antes mesmo de
ela começar.
Ela vai receber uma promoção.
E eu…
Porra.
Preciso descobrir o que Bruce fez e pará-lo antes que o que ele fez
chegue a Sarah, porque não tenho dúvidas de que o que quer que ele tenha
feito, envolve ela.
Dou a minha equipe jurídica um resumo da demissão de Bruce e peço
que eles se preparem para uma briga, e também para investigar se posso
ameaçar processá-lo por violar um contrato em meu nome, se foi realmente
o que ele fez, e o que eu preciso para descobrir. E pronto.
Talvez despedi-lo tenha sido meio precipitado. Mas talvez não. Estou
encerrando com minha equipe jurídica quando Hank vira a esquina, laptop
em uma das mãos, a maior xícara de café que já vi na outra.
Ele sacode a cabeça para o escritório do outro lado do corredor.
— Sarah está encrencada, e o que diabos há de errado com você? Eu
gostava dela. O Tripp gostava dela. A minha irmã gostava dela.
Meu coração salta na minha garganta.
Foda-se o mundo da moda.
Sarah.
Sarah é por quem eu sou apaixonado.
— O quê? Onde ela está? Quão grande? O que há de errado? Você pode
dar um jeito nisso?
Ele aperta os olhos para mim por meio segundo antes de abrir um sorriso.
— Para responder às suas perguntas, primeiro, você é um idiota se a
deixou ir. Dois, eu sou TI, não vidente, então não sei onde ela está. Três,
depende do que você chama de grande e se ela teve o mau gosto de gostar
de você de volta, o que, na verdade, são dois problemas separados no
momento. — Ele volta a sorrir para mim. — E finalmente, Ryder. Vamos lá,
se eu posso dar um jeito nisso? Nossa. A Charlie está gritando com alguém?
— Ela está demitindo o Bruce.
Ele empurra o laptop para mim.
— Aqui. Você começa. Eu tenho que ouvir isso.
— Hank.
— Ah, porra. Está bem. Mas você me deve pra caramba. Estou querendo
ouvir a explosão dela há meses.
Ele pega o escritório do outro lado do corredor de onde Charlie ainda está
listando as falhas de Bruce – ela chegou à parte de você é um idiota sexista,
o que significa que ela está começando ou terminando em breve – e abre
seu laptop.
— Pega o seu celular e descubra o que fazer com o Twitter, mas não
digite nada sozinho, tudo bem? Eu tenho que recuperar o site dela. Você
terminou mesmo com ela?
Minhas veias congelam.
— Porra, não. Por que… — Não consigo terminar a frase, porque não
consigo fazer essas palavras saírem da minha boca.
Ele olha para mim.
Em seguida, aponta para o meu celular.
— Twitter, cara. Sua tarefa. Computador? Minha tarefa.
Eu abro o Twitter.
E porra.
Apenas porra.
Tuíte após tuíte dizendo que ela não me merecia de qualquer maneira.
Que ela é feia. Que depois de tudo o que fiz por ela e sua amante girafa, ela
deveria ser grata, não uma vadia que me deixa na segunda de manhã.
Charlie entra, olha por cima do meu ombro e suspira.
— Que porra é essa? Eles a amavam ontem. O Bruce fez isso? Ele é um
homem morto. Ele está mais morto do que a morte.
Troco para o meu perfil, e lá está.
A declaração anunciando que terminamos.
— Você pode se livrar disso? — pergunto a Hank, apontando para o tuíte.
Porque eu não posso simplesmente apagá-lo. Nunca podemos
simplesmente apagá-lo. As pessoas tiram prints e compartilham essa merda
por toda a eternidade. Ele vai estar chovendo no molhado.
Porra.
— Uma coisa de cada vez — diz Hank. — O site dela caiu de novo com
todos os acessos.
— Não me faça ligar para o Davis.
— Já estou ligando para ele — diz Charlie.
— Eu posso lidar com isso sozinho — rosna Hank para ela.
— Enfie esse seu ego numa bolsa de ginástica suja. É para a Sarah. —
Ela faz uma pausa, então murmura: — E Davis é mais rápido.
— Vou fingir que você não disse isso.
— Posso falar mais alto.
Eu os deixo com suas brigas e vou para o elevador, já digitando o número
de Sarah.
Quando ela não atende, ligo para Judson.
— Onde está a Sarah? — pergunto.
Porra.
Porra.
Isso é tão estúpido. Não é da conta de ninguém com quem eu namoro ou
como me sinto. E agora, eles a estão arrastando pela lama sem saber nada
de verdade sobre nenhum de nós.
E eles estão a machucando.
Eles estão a machucando, porra.
Coloco Judson no viva-voz e mando mensagem para Hank e Davis com
ordens para hackear o Twitter e derrubar a porra do site inteiro.
— Ela está com a mãe no jardim. Que porra você fez agora? — rosna
Judson.
— Ela está bem? — Aperto o botão para o nível da garagem, sabendo
muito bem que eu poderia perder o sinal, mas de jeito nenhum eu vou
perder outro segundo para chegar até ela. — Ela não viu nada, não é? Ela
está bem? Ela não acreditou, não é? Eu demiti o idiota. Quero dizer, eu
deixei a Charlie fazer isso, mas estou limpando a casa com a minha equipe
e se eles não gostarem da Sarah, eles vão embora. Ela está bem? Me diga
que ela está bem.
— Depende da sua definição de bem — rosna ele, e essa é a última coisa
que ouço antes que o sinal caia.
— Fique bem, fique bem, fique bem — sussurro para mim mesmo.
Ela não está partindo em um jatinho para o Marrocos e mudando de
nome. Ela está em seu quintal com a mãe. Ela não está cavando um bunker.
Judson teria dito que estava cavando um bunker se estivesse cavando um
bunker.
Ela não está empacotando suas abelhas para se mudar para alguma
cidadezinha no Kansas sem internet. Além disso, todo o Kansas tem
internet. Eu acho. Estive em uma ou duas cidadezinhas no Kansas, e eles
sempre tiveram internet, embora todos em Los Angeles e Nova York
pensem que não.
— Fique bem, fique bem, fique bem — murmuro.
Aponto para o guarda-costas no porão e para o meu carro.
— Dirija. Casa da Sarah.
Minhas mãos estão tremendo. Eu não posso dirigir.
Se ela não estiver bem, eu vou ficar tão puto comigo mesmo por tê-la
arrastado para isso.
Eu já estou puto comigo mesmo por tê-la arrastado para isso.
Mas quando finalmente chego à casa dela, quando passo por Judson, a
porca e a gata e saio para o quintal, descubro que não é ruim.
É pior.
Bem. Bem. Bem. Pior. Porra.
40

Estou debruçada sobre uma caixa aberta de sombras quando Beck


irrompe pela porta dos fundos, varre seus olhos azuis quentes sobre todos
nós, e então explode de raiva.
— Que porra você está fazendo? — uiva ele.
Ele atravessa o pátio – meu quintal está cheio, mas não é grande, então
ele leva apenas quatro passos, se abaixa e fica bem de cara com a minha
mãe.
— Ela. É. Linda. Como. Ela. É.
Eu pulo em alerta e agarro seu braço.
— Beck…
— Não. Não. Você não precisa provar nada para aqueles perdedores que
estão com inveja só por não serem tão inteligentes, dedicados, apaixonados
e naturalmente lindos quanto você. — Ele vira todo o estojo de maquiagem
e olha para minha mãe de novo, então rosna para o meu pai, que está se
inclinando para fora da porta dos fundos e assistindo com os olhos
estreitados. — E vocês dois. Vocês nunca disseram para a Sarah que ela é
perfeita do jeito que é? O que diabos há de errado com vocês?
Fico boquiaberta para ele, porque Beck com raiva é como o Incrível
Hulk, se o Hulk vestisse tão bem o azul celeste que realçasse seus olhos
com perfeição, e destacasse toda a raiva fervente em suas maçãs do rosto, e
tivesse uma semana de compulsão alimentar deliciosa para abastecer sua
ira.
E também se ele estivesse determinado a ser meu herói.
— Eu te proíbo de usar essa merda — declara Beck.
Eu engasgo com minha própria saliva.
— Você me proíbe.
Meu pai fica boquiaberto.
Minha mãe se recosta na espreguiçadeira e fica boquiaberta.
E Beck enfia os dedos no cabelo e tenta puxá-lo.
— Tudo bem, olha, sei que não posso te proibir de fazer nada, porque
não sou um total idiota, e acabei de despedir um babaca por aquele tuíte,
que foi uma mentira, e também por ser um babaca com a minha assistente e
tantas outras coisas, que eu deveria tê-lo demitido há anos, mas, caramba,
Sarah, você não precisa dessa merda, e eu vou caçar cada sem-noção no
Twitter e enfiar a cabeça deles em água suja de privada até jogarem a toalha
e perceberem que não existe a porra de definição de beleza e que a alma
deles os tornam os babacas mais feios da história dos babacas. Eu. Te. Amo.
Do. Jeito. Que. Você. É. Não com toda aquela gosma no seu rosto e em
sapatos que te machucam e envolvida num dispositivo de tortura de lycra. E
eu não vou deixar você ir sem lutar se você tentou mesmo me largar hoje de
manhã, mesmo sabendo que era meu empresário babaca sendo um babaca, e
eu não consigo pensar em coisas mais criativas para chamá-lo porque eu
estou tão puto. Mas o ponto é, foda-se qualquer um que tente fazer a sua
autoestima estar ligada à sua aparência.
Eu espero enquanto ele anda pelo meu pequeno pátio, porque as chances
são boas de que ele ainda não terminou.
Mas ele não diz mais nada.
Não.
Ele para de repente e olha para mim.
Apenas olha para mim.
No início, estava com as narinas dilatadas e a chama azul em seus olhos
ameaçando queimar seus cílios, mas as linhas apertadas ao redor de sua
boca se afrouxam, e suas sobrancelhas se desfazem, e ele cai no assento que
acabei de desocupar e envolve seus braços em volta da minha cintura.
— Por favor, me diga que eles não feriram os seus sentimentos e, por
favor, me diga que você não viu esse tuíte, ou se viu, que não acreditou,
porque juro que nunca vou me perdoar se eles te machucarem, e eu prefiro
mesmo estar aqui com você a ter que vingar a sua honra no mundo inteiro
pelos próximos seis anos.
— Eu conheço um bom asilo para loucos — rosna meu pai.
— Judson, cale-se, e venha dar um abraço no pobre Beckett. Ele teve
quatro minutos difíceis.
— Posso falar? — sussurro para Beck.
— Eu amo quando você fala assim — diz ele contra a minha barriga.
— Você comeu hoje?
— Quatro vezes.
Eu sufoco um sorriso e acaricio seu cabelo.
— Acho que estive perto de celebridades o suficiente para saber que não
devo ouvir nada que eu não ouça da boca do cavalo — sussurro para ele.
Seus braços apertam ao meu redor.
— Eu sou um cavalo muito bom — diz ele em meu estômago.
— Um garanhão muito bom — corrijo.
Ele bufa uma risada, e eu continuo acariciando seu cabelo, porque é tão
grosso e perfeito e tão fácil de tocar, e eu senti saudades dele.
Eu também posso estar com os joelhos um pouco trêmulos de alívio,
porque embora eu soubesse que aquele tuíte era tudo bobagem de relações
públicas, eu precisava ouvir isso dele.
E eu posso estar me escondendo de medo de que ele não me queira mais
quando me puxasse para o seu círculo, e sempre significará que nós dois
temos que lidar comigo sendo um alvo tão fácil nas redes sociais.
Só que eu não me sinto tão inútil e pequena agora, como eu me sentia no
ensino médio quando eu aparecia nos tabloides. Porque no meio da
tempestade ainda há gente falando sobre Perséfone e seu novo bebê. E
sobre ir assistir a uma chuva de meteoros pela primeira vez.
E sobre uma velha, velha notícia que compartilhei sobre areia.
Sim, areia.
Porque quando a areia é magnifica, não são apenas pequenos grãos de
nada. É todo um universo de conchas em miniatura que todos nós
percorremos para chegar à praia sem perceber a beleza que está sob nossos
pés.
Talvez sejamos todos pequenos universos de conchas em miniatura. E
talvez eu devesse ser mais como a areia e ser fabulosa como sou, mesmo
que só algumas pessoas parem para olhar perto o suficiente.
Como Beck fez.
— Vou desistir, Sarah — diz ele com a voz rouca. — Juro, vou vender
tudo. Vou me aposentar e voltar para casa e convencer você a tirar férias a
cada duas semanas para ver o mundo e ficar em casa, e preparar o jantar, e
outro jantar, e a sobremesa, e o café da manhã, e aparecer no seu escritório
com um segundo café da manhã, e o lanche da manhã, e o almoço, e um
segundo almoço.
Meu coração está tão cheio que está aquecendo meu corpo inteiro e
tornando as palavras difíceis.
— Beck. Você não precisa fazer isso por mim.
— Eu não quero esses idiotas dizendo coisas desagradáveis sobre você.
Não quero ninguém dizendo coisas desagradáveis sobre você.
— Não importa.
— Importa, sim. Você está sentada aqui olhando para essa maquiagem e
não está vestindo uma camiseta geek.
— Tem certeza de que comeu? — pergunto baixinho.
— Estou ficando com fome de novo, mas esse não é o ponto. Eu posso
aguentar.
— Beck. Compromisso nem sempre é uma coisa ruim.
— Eu deveria ter comido umas três ou cinco vezes…
— Não, estou dizendo que se eu vou fazer mais vídeos no blog, posso
usar uma maquiagem bem leve para compensar o fato de estar sob luzes
fortes.
Seu pescoço fica tenso sob meus dedos.
— Você vai fazer mais vídeos?
— Posso me concentrar em quantas pessoas estão dizendo coisas feias,
ou posso perceber que tenho uma oportunidade única de compartilhar
algumas das minhas paixões com as pessoas que querem ouvir, apesar desse
circo todo. Se eu desistir, se desaparecer de novo, não importa quem irá
vencer. Importa que eu saia perdendo. Eu não quero perder. Ainda mais
quando estou meio que perdendo para mim mesma.
Ele finalmente olha para mim, me estudando com olhos tão sérios que
quase não se parecem com os dele.
Mas são dele.
E estão cheios de preocupação, e interesse, e…
Minha respiração fica presa, porque isso é total adoração.
Por mim.
Ainda assim…
— Você é foda pra caramba — diz ele com reverência.
Eu rio e me curvo para beijá-lo.
— Nem sempre.
— Ainda vou caçá-los e ligar os mamilos deles a uma bateria de carro
enquanto dou descargas elétricas.
— Serendipity, está na hora — rosna meu pai com um rosnado mais
grosso do que o normal. — Ele provou a si mesmo. Pode se juntar à luta
contra os euranianos.
Eu volto a rir e acaricio os ombros tensos de Beck.
— Obrigada, pai. Mas não sei se quero perdê-lo para a guerra.
— Os sacrifícios devem ser feitos em nome da justiça.
— Judson, querido, pelo menos deixe que eles se casem e tenham bebês
primeiro. Isso contribui para uma história mais angustiante se ele morrer
enquanto ela está dando à luz.
— Mãe.
— O quê? Sim. Na ficção, naturalmente. Não na sua vida, querida.
Um uivo irrompe de dentro da casa, e eu inclino minha cabeça para a
porta dos fundos.
— Ah, não. A Cupcake está sozinha com a Meda.
Beck me solta e me segue, enquanto eu corro para dentro da casa, onde
encontro Cupcake esparramada de costas no meio do chão da cozinha, com
Meda lambendo seu focinho de porquinho.
— O que… — começo.
— Eu disse que elas se amavam — diz mamãe.
Beck desliza os braços em volta da minha cintura e descansa a cabeça
contra a minha.
— Huh.
Enquanto assistimos, Cupcake começa a se levantar, mas Meda uiva de
novo e dá um tapinha na orelha da porca, e Cupcake humildemente volta a
descansar para que Meda possa amassar seus ombros de porca e limpar seu
rosto.
Eu apenas fico boquiaberta com as duas.
— O amor sempre vence — rosna papai.
Os braços de Beck se apertam ao meu redor, e eu me inclino para ele.
— A gente ainda pode ir para essa tal Naufrágio que você tanto ama? —
pergunto.
Ele me agarra com mais força e acena no meu cabelo.
— Sim. Deixe as suas roupas aqui. Você não vai precisar delas. Ai!
Droga. Desculpa, senhor. Esqueci que você estava aqui. Quis dizer que eu
tenho algumas que caberiam nela. Prometo.
— Naufrágio — pergunta mamãe. — O que é Naufrágio?
— Uma cidadezinha suja. Terrível. Nada de comida vegana. Todos
bebem cerveja em potes comunitários. Ai! Ei, eu preciso dessa costela.
— Você está mentindo para a minha mãe e muito mal — sussurro.
— Eu sei, mas é a maneira mais fácil de ter você só para mim sem ter
que compartilhar.
— Você sempre terá que compartilhar — rosna papai.
— Pode esperar uma semana?
— Espera, volta. — Mamãe franze a testa para ele. — Você está falando
sério sobre se aposentar da moda?
— Sim. Não. Sei lá. — Ele suspira no meu cabelo. — E eu tenho que
voltar para anunciar minha nova fundação na quarta-feira. Mas quero estar
mais em casa. Aqui. E não quero que a Sarah lide com toda essa merda que
vem com a vida pública.
— Beck…
— Eu sei. Eu sei. Você é forte. Você pode lidar com isso. Mas você não
deveria ter que fazer isso.
Minha mãe sorri radiante.
— Excelente.
Papai e eu olhamos para ela, porque nós dois conhecemos esse olhar.
— O quê? — pergunto a ela.
— Eu preciso de um novo emprego. Me treine para administrar o seu
império da moda e não vou deixar o Judson estripar você por tocar na nossa
filha.
— Mãe.
— Eu amo roupas. E essas roupas íntimas são ridiculamente
confortáveis. Tenho pensado em me aposentar, mas não me dou bem com o
tédio. Eu poderia muito bem ajudar a administrar um império. Além disso,
dessa forma podemos mesmo usar isso contra ele se ele for estúpido o
suficiente para deixar você.
Meu queixo está todo no chão.
E o sorriso da minha mãe está aumentando. Aumentando e assumindo
um brilho bem maligno.
— Além disso, será muito revigorante ser aquela que diz aos homens que
eles são velhos demais ou não são bonitos o suficiente para um trabalho. A
melhor vingança é ter sucesso quando todos ao seu redor estão tentando te
derrubar.
— Essa é a minha garota — rosna papai.
Beck fica sem palavras.
Não, sério. Ele se parece com a Mackenzie quando ela encontrou Cooper
Rock no outro dia. Eu toco sua bochecha.
— Ei. Você está bem? Você não tem que contratar a minha mãe para ficar
comigo. Você sabe disso, não é?
Ele olha para mim. Então, de volta para minha mãe. Ele balança a
cabeça, joga o celular na pia e, em seguida, me pega em seus braços e
marcha pela casa.
— Beck?
— Sou completamente inútil — declara.
Eu o aperto mais forte.
— Você não é.
— Completa e totalmente inútil. Não consigo nem conciliar a minha
própria agenda e vida para estar com a mulher que eu amo. A única coisa
em que eu sou bom é sequestrar você e te levar para Naufrágio e tentar
ganhar uma nota de cinco dólares.
E lá vai minha calcinha.
Novamente.
— Beck.
— E nem sei por que eu mereço você, quando é óbvio que você é
inteligente o suficiente para saber no que está se metendo comigo, então eu
estou sequestrando você. Não tente me impedir.
— A Mackenzie vasculhou o meu e-mail e encontrou um convite do
zoológico para a gente passar lá e ver a Perséfone e a filhinha dela.
Ele para na porta da frente e olha para mim.
— Então, eu não posso nem sequestrar você do jeito certo.
— A gente poderia parar e comer uns hambúrgueres antes de irmos ao
zoológico.
— Eu amo você.
Eu não sabia que era possível sorrir tanto.
— Tem certeza de que não é apenas o seu estômago falando?
— Nós dois amamos você. Sunny, Charlie vai ligar para você para falar
sobre os detalhes em cinco minutos, porque ela é psíquica, e eu a estou
promovendo para ser a minha nova chefe de operações, o que ela já deve
saber também, já que é psíquica.
Ele sai da minha porta da frente e não hesita enquanto me leva para o
carro. Há dois paparazzi estacionados ao longo da rua, e eu não me importo.
Eu os deixo tirar todas as fotos que quiserem.
Eu não consigo parar de correr meus dedos pelo cabelo de Beck, e dou
um beijo em sua bochecha antes que ele me coloque de volta de pé para que
eu possa entrar em seu carro.
— Eu já te disse que foi muito sexy quando você gritou com a minha
mãe por causa da maquiagem?
Seus olhos azuis brilhantes se conectam com os meus, e um sorriso lento
segue.
— Ah, é?
— Muito. Porque eu acho que o meu pai poderia mesmo acabar com
você, e ele é excelente com ataques surpresa, então você estava literalmente
colocando a sua vida em perigo para defender a minha honra.
— Isso é um aviso?
— Vamos apenas dizer que eu suspeito que a vida para nós dois está
prestes a ser muito mais divertida do que eu jamais pensei que iria gostar.
Ele parece perceber que somos mais uma vez o assunto das lentes das
câmeras e, em vez de me ajudar a entrar no carro, ele me prende contra a
lateral dele.
— Quer começar com um estrondo?
Eu coloco meus braços sobre seus ombros.
— Você quer que eu te dê um choque de novo?
Ele está rindo enquanto abaixa sua boca na minha.
— Não. Eu quero que você me ame.
— Feito.
E eu o puxo para mais perto quando nossos lábios se tocam, e eu não me
importo com quem está assistindo.
Por que este homem?
Ele vale a pena.
Epílogo

Um mês depois que Sarah me deu um choque com o taser, finalmente


consigo levá-la a um dos meus lugares favoritos no mundo inteiro.
Naufrágio, Virgínia.
A peculiar cidadezinha pirata aninhada nas montanhas fora de Copper
Valley sempre me deixa feliz. Deve ser porque eles têm um incrível pudim
de banana, e pessoas amigáveis que me tratam como um deles, e toneladas
de trilhas pelas montanhas, e também minha casa aqui é onde eu guardo
meu jogo de arcade Frogger.
Aquele em que Ellie e Wyatt bateram meu recorde há um ano.
Ainda estou puto, mas lidando com isso. E planejando recuperá-lo,
porque Sarah é foda nos videogames e entre nós dois, sei que podemos
fazer isso. Em algum momento. Quando nos cansarmos de beijar. E tocar. E
fazer amor.
Huh.
Talvez nunca consigamos minha pontuação mais alta de volta, e acho que
estou bem com isso.
Deslizo um olhar para ela na escuridão, observo suas feições à luz do
fogo dançante, e me pergunto quanto seria necessário para convencê-la a
entregar a bebê adormecida. Ela fica tão natural com Emma abraçada a ela,
e isso está me fazendo querer tudo.
— Você está fazendo esse para mim, Ryder? — fala Cash, e eu volto
minha atenção para a segunda coisa mais importante da minha vida. Tudo
bem, terceira.
O marshmallow que estou assando vem depois das pessoas que vêm atrás
de Sarah, que estão aqui com a gente neste fim de semana.
Meus pais, Ellie, e Wyatt, e Tucker, e os caras do bairro, e Charlie – sim,
ela é da família.
Sarah trouxe Mackenzie, que está se adaptando muito bem ao nível de
celebridade que a cerca. Ajuda o fato de Tripp notar suas opiniões sobre
beisebol, porque ela é capaz de falar sobre beisebol por horas.
Contanto que ela não perceba que Cooper apareceu alguns minutos atrás
e trouxe Darren Greene e Jose Ramirez com ele, já que eles estão no
intervalo do All-Star. Embora ela esteja pirando um pouco com Vaughn
Crawford também sentado do outro lado da lareira, falando bobagens com
Levi, Davis e minha mãe sobre alguma coisa.
É tarde e estamos todos reunidos em volta da fogueira no meu quintal,
comemorando tudo.
Ellie e Wyatt sendo felizes. Sarah e eu queimamos aquele contrato que
assinamos. A fundação foi lançada com solidez.
Sarah sendo o ser humano favorito de Emma em todo o mundo agora, já
que pelo visto o cocô de bebê une as pessoas.
O último álbum de Levi ganha dupla platina.
O último filme de Cash está no topo das bilheterias.
A promoção de Charlie a Diretora de Operações para todas as linhas da
RYDE e minhas subsidiárias.
Sunny – que não está aqui, embora Sarah tenha feito uma chamada de
vídeo mais cedo – está aprendendo tudo com muita facilidade na RYDE e
correndo como uma louca com novas ideias, novos modelos e novas
oportunidades.
Como entrar na moda de estampa de animal.
Ela chama isso de moda madura, mas essas ideias de marketing que ela
está jogando na Vicki e Hestia são muito mais animais do que maduras.
Sarah está mortificada, é claro, mas eu garanti a ela que só vou deixar os
homens mais jovens e mais respeitosos em comerciais com a mãe dela.
Charlie está incentivando tudo. Judson, naturalmente, quer cortar minhas
bolas, mas ele está terminando seu filme apocalíptico de jogador de
beisebol caubói, e parece que está escalado para um papel de comédia
romântica em seguida, então minha masculinidade pode estar em menos
perigo em breve.
— S’more? — pergunto a Sarah, puxando um marshmallow
perfeitamente torrado do fogo e o deslizando em um biscoito antes que ele
caia do palito.
— Você deveria… — ela começa, mas antes que possa terminar, Cash
mergulha sobre ela e Emma e a pega de mim.
— Aaaah, é isso aí. Parceiro. Não como um s’more feito pelo Beck
Ryder há anos.
— Era para a minha namorada, idiota. Devolva.
Ele enfia tudo na boca e geme.
— Bobeo ooou perd eeu — diz ele, o que eu traduzo facilmente para
bobeou, perdeu.
— Ela está segurando um bebê.
— Isso não é legal, cara — diz Cooper.
— A gente precisa dar uma lição nele para você, Sarah? — pergunta
Darren.
— O Beck pode fazer outro s’more — responde ela com aquele sorriso
divertido que eu tanto amo. — Os três primeiros teriam sido para ele de
qualquer maneira.
— O primeiro é sempre para você.
Ela se inclina e me beija na bochecha, e eu sinto um cheiro de bebê
sonolento, e sim.
Com certeza vamos fazer isso.
Vamos fazer bebês algum dia. E vou largar tudo para ficar em casa e
arrasar em ser pai, enquanto Sarah salva o mundo. Assim que ela estiver
pronta.
— Eu te amo — sussurro.
Ela sorri novamente, desta vez como se soubesse o que estou pensando, e
recebo outro beijo, que é interrompido por um grito de terror.
— Ai, meu Deus, é o… é o… AAAAAAHHHH!
— Você deveria ter avisado para ela — sussurra Sarah contra meus
lábios.
— Você não está com gosto de s’mores ainda. Preciso dar um jeito nisso
— respondo.
— Essa é a catatônica? — murmura Darren para Cooper atrás de nós.
— É. E esse cara ainda precisa de uma lição por roubar o s’more da
Sarah.
Cash salta para cima e corre atrás de todos sentados na fogueira,
colidindo entre Charlie e Hank, que estão dando um ao outro o tratamento
do silêncio, o que é bem hilário se você me perguntar.
— Vocês são o melhor tipo de loucos — diz Vaughn a todos.
E em algum lugar ao longe, atrás da casa, alguém espirra um espirro
muito alto, muito feminino.
— Filho da puta — murmuro enquanto quase todos ao nosso redor
gemem.
— Arranjem um quarto — grita Davis.
— A gente não precisava ouvir isso — concorda Tripp.
— Bendito seja — fala minha mãe. Constrangedor. Ao compartilhar um
olhar com meu pai.
Ah, porra.
Eu fico boquiaberto com eles.
— Sério?
Sarah ri tanto que corre o risco de acordar Emma.
Ela fez uma série de uma semana sobre efeitos colaterais estranhos do
sexo na semana passada, e, sim, ela incluiu o espirro não tão mítico. E Ellie
e Wyatt desapareceram. E todo mundo lê o blog da Sarah.
Além disso, sim, eu voltei ao meu hipnoterapeuta, e estou bem agora.
Na maior parte do tempo.
Mas indo direto ao ponto, a maioria dos caras sabe sobre o problema do
espirro. Então, todos nós sabemos o que está acontecendo lá atrás na
floresta.
O que estou escolhendo ignorar, já que tenho meus próprios planos para
muitos orgasmos neste fim de semana.
— Eu amo a sua risada — digo a Sarah, porque amo mesmo, e nem me
importo que ela esteja rindo de mim, contanto que ela esteja rindo.
— Eu amo você — responde ela.
— Você vai mesmo pendurar a sua cueca, Ryder? — chama Vaughn do
outro lado do fogo.
— Se isso me mantiver em casa com esta linda e brilhante senhora —
respondo. E eu vou mesmo. Estou aos poucos entregando o controle a todos
os outros, porque quero estar mais em casa.
E não sei o que o futuro reserva, mas sei que entre os planos de Tripp
para todos nós reunirmos nossos recursos para salvar os Fireballs, e o
próprio desejo que tenho sentido desde que conversei mais com Sarah sobre
ciência e o mundo, aquela vontade de talvez tentar a faculdade e, quem
sabe, talvez a Faculdade de Medicina depois disso – bem, de uma forma ou
de outra, serei mais do que o modelo de cueca aposentado que joga
videogame o dia todo.
Seus dentes brilham em um sorriso.
— Que bom para você, cara. Só não peça em casamento pelo tuíte. Quem
sabe para quem você faria a pergunta de verdade.
Todo mundo dá boas risadas – é, é engraçado – e eu colocou outro
marshmallow para fazer para a Sarah o melhor s’more da história dos
s’mores.
— Eu poderia viver assim todos os dias — murmuro baixinho para ela.
Ela se inclina para mim com outro daqueles sorrisos que eu tanto amo.
— Eu também.
— Eles não são demais?
— Eles são família. E eles são seus. E são perfeitos. E a gente vai trancar
a porta do quarto hoje à noite.
— Você é absolutamente perfeita, sabia disso?
Ela ri baixinho.
— Longe, longe disso.
— Mas você é perfeita para mim.
— Quem diria que um pequeno tuíte poderia mudar as nossas vidas por
completo? — murmura ela.
— Com certeza eu diria.
Ela volta a rir, e Emma acorda assustada com um grito. Eu aceno para
Tripp quando ele começa a se levantar, porque ele está ajudando Mackenzie
a respirar. Além disso, Sarah e eu já dominamos coisas piores do que um
bebê agitado.
— Troca? — Entrego a ela o palito de marshmallow, e ela se mexe para
me deixar pegar Emma.
E então nos sentamos lá juntos, eu acalmando um bebê para voltar a
dormir, Sarah provando que suas habilidades de assar marshmallow
superam as minhas, nossos amigos e familiares conversando alegremente ao
nosso redor, e, sim…
A vida é perfeita pra caralho.
Bônus
Ei, Lindezas! Beck Ryder aqui para convidar vocês a continuar seu
caminho pelo Pippaverse com uma viagem à Naufrágio! É uma das minhas
cidades favoritas por alguns motivos — piratas, papagaios e tesouros
enterrados, além de ter as segundas melhores pessoas do mundo (a primeira
melhor sendo Sarah, é claro). Meu amigo Grady Rock está prestes a ficar
cara a cara com uma explosão de seu passado em Mestre Confeiteiro,
próximo livro da série Bro Code!
Temos um bônus especial para você!
Quer ler um pedacinho do final feliz de Beck e Sarah? Além de algumas
cenas deletadas do livro? Clique aqui e baixe os epílogos bônus que a
autora preparou especialmente para todos que se apaixonaram casal lindo!
Sobre a autora

Pippa Grant é autora best-seller do USA Today e escreve comédias


românticas que vão fazer lágrimas correrem por suas pernas.
Quando ela não está lendo, escrevendo ou dormindo, está criando seus
três filhos comicamente imprevisíveis com seu mocinho da vida real e
sendo coroada a funcionária do mês por ser uma dona de casa e esposa que
tenta preparar seus adoráveis demônios para serem membros produtivos da
sociedade. E o tempo todo fantasiando com longas caminhadas na praia e
cookies de chocolate.
Ela acredita que o amor, o riso e o bacon são as forças mais poderosas do
universo.
Copyright

Título Original: America’s Geekheart


Copyright © 2019 por Pippa Grant
Copyright da edição brasileira © 2022 L3 Book Publishing
Este livro foi negociado mediante acordo com a autora.

Todos os direitos reservados.


Nenhuma parte do conteúdo deste livro pode ser reproduzida por
qualquer meio eletrônico ou mecânico, incluindo sistemas de
armazenamento e recuperação de informações, sem permissão da editora,
exceto pelo uso de breves citações em uma resenha literária.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares ou eventos são
produtos da imaginação do autor e usados de maneira fictícia. Qualquer
semelhança com pessoas, lugares ou eventos reais é mera coincidência.

Produção Editorial: Luiza Cintra e Alice Garcia


Tradução: Alice Garcia
Preparação: Monique D’Orazio
Diagramação: Equipe L3
Design de Capa: Gisele Souza
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
G762
Grant, Pippa
Queridinho da América / Pippa Grant;
Tradução Alice Garcia. - 1. ed. - Rio de Janeiro: L3 Book Publishing,
2022.
379 p. (Bro Code: 2)
Título original: America’s Geekheart
ISBN: 978-65-995909-6-2
1. Literatura Americana. 2. Ficção. 3. Romance Contemporâneo. I.
Grant, Pippa. II. Garcia, Alice. III. Título. IV. Série.
CDD: 813.54
Larissa Aguiar de Oliveira - Bibliotecária CRB- 007226
Sobre a editora

Para saber mais sobre os títulos e autores da Editora L3, visite o nosso site.
Sua opinião é muito importante. Envie um email para
contato@l3bookpublishing.com com suas críticas e sugestões.
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Livro anterior na Série Bro Code

Livro 01 - Flertando com o inimigo

Missão: Sobreviver ao casamento da minha melhor amiga onde devo ser


boazinha com meu ex e sua nova namorada perfeita.
Estratégia: Trazer o namorado falso mais gostoso do planeta.
Alvo: Grady Rock. Covinhas. Músculos. O namorado falso perfeito.
Complicação: Wyatt Morgan. O melhor amigo do meu irmão e meu
inimigo jurado. Militar. Sexy para caramba, pai solteiro. O homem com
quem tive apenas uma noite de sexo depois que meu ex me deixou.
Esse é o homem que afugentou aquele alvo perfeito, mas eu posso lidar
com isso.
Qual é o problema de flertar com o inimigo se isso me ajudar a alcançar o
objetivo?
Complete a missão e siga em frente.
Assim eu pensava. O problema sobre os casamentos é que... nada sai
como planejado.
SAIBA MAIS
Conheça a série As Bilionárias de Bluewater

Livro 01 - O Preço do Escândalo

Emily Stanton tem uma vida perfeita. Sua empresa mundialmente famosa
está pronta para alcançar um novo patamar com a abertura da venda de
ações e, para essa nova etapa, tudo precisa estar impecável, inclusive sua
imagem como CEO bilionária.
Mas um deslize momentâneo faz com que a imprensa a flagre sendo
algemada com acusações de posse de drogas, tudo por causa de um
encontro arranjado que ela nem queria ir. Agora, o conselho está furioso,
seu negócio que vale bilhões de dólares está em jogo, e há um homem nu
em sua banheira que afirma que fará todos os seus problemas
desaparecerem.
Charmoso, e feliz em quebrar as regras quando necessário, Derek Price
ganha a vida consertando os escândalos dos ricos e famosos. Ele nunca
mistura as coisas e nunca leva clientes para a cama. Até conhecer a
deslumbrante Emily Stanton. Derek prometeu a ela uma vitória e ofereceu
um suprimento vitalício de orgasmos como parte do acordo. Mas, se ele não
puder impedir seus inimigos, vai acabar perdendo muito mais do que
esperava.
SAIBA MAIS
Leia O Resto de Mim

A morte nunca se contenta apenas com a vida daquele que leva.


Ela é gananciosa. Roubou todas as nossas vidas na noite que enterrei o
meu marido, deixando-me sozinha com os meus quatro filhos.
Após um tempo de sofrimento, nos mudamos para o Wyoming. Um lugar
do interior, com muitos campos abertos, céu estrelado e ar fresco. Descobri
que o convívio com cavalos era uma forma eficiente de terapia para
crianças com traumas e esse foi o principal motivo que me trouxe até ali.
Foi uma coincidência que nosso vizinho fosse o instrutor de equitação que
eu precisava para ajudar meus filhos.
Porém, eu não poderia imaginar que as habilidades de Reid, um peão de
rodeio aposentado, iam além do trato com os animais. Ele se revelou o
apoio que os meus filhos precisavam para seguir em frente e finalmente
começarem a se curar.
Distraída pelo rumo que a situação tomou, eu não notei que os demônios
de Reid dançavam colados aos meus. E, quando o deixei que roubasse meu
coração, era tarde demais para perceber... que ele já o havia roubado.
SAIBA MAIS
Conheça a Série Benevolence

Livro 1 - Finja que é minha

Luke Garrison está de volta na cidade, e a última coisa que está


procurando é uma mulher para arruinar a sua solidão, mas quando Harper
entra na sua vida, ele percebe que ela é o chamariz perfeito. Uma namorada
falsa para manter sua família distraída até que seja convocado para uma
nova missão do Exército.
Harper estava prestes a começar uma nova vida… de novo. Mas algo
sobre Luke a faz querer se estabelecer nesta pequena cidade e fazer da casa
dele, um lar.
Uma noite juntos se transforma em algo mais e Luke não consegue parar
de pensar nos grandes olhos cinzentos de Harper ou manter as mãos longe
de suas deliciosas curvas. Ele nunca pensou que se sentiria assim por uma
mulher novamente, mas sabe que não pode dizer a ela a verdade sobre o seu
passado, da mesma forma que ela não pode revelar do que está fugindo.
Pelo menos não é um relacionamento real. É apenas por um mês. É
apenas faz de conta. Até que não seja mais…
SAIBA MAIS
Table of Contents
 
1. Capítulo 01
2. Capítulo 02
3. Capítulo 03
4. Capítulo 04
5. Capítulo 05
6. Capítulo 06
7. Capítulo 07
8. Capítulo 08
9. Capítulo 09
10. Capítulo 10
11. Capítulo 11
12. Capítulo 12
13. Capítulo 13
14. Capítulo 14
15. Capítulo 15
16. Capítulo 16
17. Capítulo 17
18. Capítulo 18
19. Capítulo 19
20. Capítulo 20
21. Capítulo 21
22. Capítulo 22
23. Capítulo 23
24. Capítulo 24
25. Capítulo 25
26. Capítulo 26
27. Capítulo 27
28. Capítulo 28
29. Capítulo 29
30. Capítulo 30
31. Capítulo 31
32. Capítulo 32
33. Capítulo 33
34. Capítulo 34
35. Capítulo 35
36. Capítulo 36
37. Capítulo 37
38. Capítulo 38
39. Capítulo 39
40. Capítulo 40
41. Epílogo
42. Bônus
43. Sobre a autora
44. Copyright
45. Ficha Catalográfica
46. Sobre a editora
47. Livro anterior na Série Bro Code
48. Conheça a série As Bilionárias de Bluewater
49. Leia O Resto de Mim
50. Conheça a Série Benevolence
Landmarks
 

1. Cover
2. Table of Contents
A proposta perfeita
Kingsley, Claire
9786599590955
230 páginas

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Everly Dalton é um desastre amoroso ambulante, não consegue nem passar


do primeiro encontro. Mas no trabalho, ela é maravilhosa. É a assistente do
bilionário Shepherd Calloway que conseguiu permanecer mais tempo no
cargo. Seus colegas se perguntam como ela lida com o lobo mau e nunca é
mordida. Shepherd Calloway não está interessado em ser o amante rico de
ninguém. Cansado de mulheres que querem apenas seu dinheiro, agora ele
está determinado a se concentrar nos negócios. Até que sua ex-namorada
interesseira o atinge onde mais dói, colocando-o em uma posição
complicada. Sua solução maluca é fazer Everly se passar pela namorada
com quem está morando. E acontece que Everly precisa de um grande e
estranho favor de seu chefe e isso pode garantir que seja a proposta perfeita
para ambos. E, à medida que Everly conhece o verdadeiro Shepherd, vai
descobrindo que há muito mais sobre esse homem do que a enorme conta
bancária. O que era para ser de mentira começa a parecer bem verdadeiro.

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Minha para proteger
Score, Lucy
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480 páginas

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Nunca se apaixone por um bombeiro se você não aguenta um pouco de


calor... O chefe dos bombeiros Lincoln Reed, conhecido por seu heroísmo,
tem uma vida boa e tranquila. Até que uma certa mulher aparece na cena do
acidente que ele está e depois, bem no quintal de sua casa. A cirurgiã de
trauma Mackenzie O'Neil está à beira do esgotamento. O emprego
temporário como médica em uma cidade pequena é justamente o que ela
precisa. Lá, Mack deve começar a meditar, dormir mais e fazer jardinagem.
O que ela realmente não deve fazer é explorar o corpo muito sexy e tatuado
de seu vizinho bombeiro. Mas Linc é muito persuasivo... Que mal tem uma
pequena aventura entre vizinhos? Tudo é apenas diversão nos lençóis até
que as sombras do passado de Mack acabam encontrando-a. Afinal, Linc
será capaz de ser seu herói quando ela mais precisar? Uma coisa é certa:
alguém irá se queimar. Minha para proteger é um romance sexy e
envolvente, com uma pegada de suspense e muito sentimento envolvido. Se
passa em uma cidade pequena e tem momentos sensuais deliciosos na
cozinha.

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Flertando com o inimigo
Grant, Pippa
9786599590900
290 páginas

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Missão: Sobreviver ao casamento da minha melhor amiga onde devo ser


boazinha com meu ex e sua nova namorada perfeita. Estratégia: Trazer o
namorado falso mais gostoso do planeta. Alvo: Grady Rock. Covinhas.
Músculos. O namorado falso perfeito. Complicação: Wyatt Morgan. O
melhor amigo do meu irmão e meu inimigo jurado. Militar. Sexy para
caramba, pai solteiro. O homem com quem tive apenas uma noite de sexo
depois que meu ex me deixou. Esse é o homem que afugentou aquele alvo
perfeito, mas eu posso lidar com isso. Qual é o problema de flertar com o
inimigo se isso me ajudar a alcançar o objetivo final? Complete a missão e
siga em frente. Assim eu pensava. O problema sobre os casamentos é que...
nada sai como planejado.

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Como comprometer um duque
Reid, Stacy
9786599590931
280 páginas

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Inglaterra, 1817. A srta. Adeline Hays está sem opções. Determinada a


escapar de um casamento com um conde repugnante, ela planeja ser pega
em uma situação comprometedora durante uma festa, com um homem
muito mais gentil com quem espera se casar. No entanto, Adeline entra por
engano no quarto errado e acaba na cama do duque louco. Edmond
Rochester, o duque de Wolverton, está procurando uma esposa para cuidar
de suas duas filhas. Uma jovem com sensibilidade, prendada e, mais
importante, alguém por quem ele não se sinta atraído. Completamente o
oposto da beldade encantadora com quem é forçado a se casar. Mas, apesar
da luxúria que sente por sua nova duquesa, Edmond está decidido a nunca
permitir que tenham intimidade, pois não deseja correr novamente o risco
de sofrer a perda torturante de um ente querido.

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O Resto de Mim
Munoz, Ashley
9786599098017
307 páginas

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A morte nunca se contenta apenas com a vida daquele que leva. Ela é
gananciosa. Roubou todas as nossas vidas na noite que enterrei o meu
marido, deixando-me sozinha com os meus quatro filhos. Após um tempo
de sofrimento, nos mudamos para o Wyoming. Um lugar do interior, com
muitos campos abertos, céu estrelado e ar fresco. Descobri que o convívio
com cavalos era uma forma eficiente de terapia para crianças com traumas e
esse foi o principal motivo que me trouxe até ali. Foi uma coincidência que
nosso vizinho fosse o instrutor de equitação que eu precisava para ajudar
meus filhos. Porém, eu não poderia imaginar que as habilidades de Reid,
um peão de rodeio aposentado, iam além do trato com os animais. Ele se
revelou o apoio que os meus filhos precisavam para seguir em frente e
finalmente começarem a se curar. Distraída pelo rumo que a situação
tomou, eu não notei que os demônios de Reid dançavam colados aos meus.
E, quando o deixei que roubasse meu coração, era tarde demais para
perceber... que ele já o havia roubado.

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Table of Contents
Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Capítulo 07
Capítulo 08
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Epílogo
Bônus
Sobre a autora
Copyright
Ficha Catalográfica
Sobre a editora
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Leia O Resto de Mim
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