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THUNDER BAY

Cena bônus do universo da série Devil's Night

**AVISO: Por favor, leia! Essa cena se passa no mundo da série Devil’s Night, mas não
engloba nenhum dos personagens. Também terá um final aberto, porque nada em Thunder Bay
realmente acaba, certo? É apenas algo que achei intrigante e divertido para a Noite do Diabo,
então, por favor, não leia se você odiou como Nightfall e Fire Night terminaram. Não é
necessário ler na ordem para entender a série.
Ao longo dos anos, sempre me perguntei como os outros residentes de Thunder Bay
celebravam esta época do ano e o que pensavam de sua cidade, da Noite do Diabo e dos
cavaleiros. Sempre senti que precisávamos do ponto de vista de outra pessoa de lá, que não
estivesse conectada com os personagens principais para também ver como a tradição mudou
desde que os cavaleiros saíram da escola.
Porque mudou muito.
A maioria de vocês não sabe disso, mas minha ideia original para Corrupt era que os
flashbacks nos levassem a três noites — não apenas uma. Os eventos entre Rika e os caras
deveriam se passar entre a Noite do Diabo, o Halloween e o Dia de Todos os Santos. Contudo,
mudou enquanto eu escrevia. Meu nível de escrita não era tão bom quanto a minha vontade no
momento, muita coisa estava acontecendo na Noite do Diabo e o livro ficaria do tamanho de
uma Bíblia se eu tivesse feito aquilo, então abandonei aquela ideia e consolidei tudo em uma
única noite.
Mas… a Noite do Diabo mudou. Não é a mesma que era quando os garotos estavam no
ensino médio. Os adolescentes da escola de Thunder Bay agora achariam as pegadinhas de
Michael, Kai, Damon e Will entediantes, então, para a tradição sobreviver, ela teve que mudar. A
Noite do Diabo agora é uma celebração de três noites chamada NetherNight, que inclui a
própria Noite do Diabo, o Halloween e o Dia de Todos os Santos, e mesmo sabendo que muitos
de vocês sentem falta dos personagens originais, não se preocupem. Tem alguma coisa na água
de Thunder Bay. Todos eles são doidos.
Aproveitem!

Obs.: Mesmo que os personagens originais não participem, eles são mencionados. E
talvez mais do que isso. ;)
# NOITE DO DIABO

**ALICE**
Parte de mim sente que eu deveria ter mudado de roupa, mas já estou atrasada.
E por que fingir que sou bem-vinda na NetherNight, de todo jeito. Eu não sou. É como se
vestir para um jantar com a sua mãe, descer as escadas e descobrir que não foi realmente
convidada. Para um jantar com a sua mãe. Sim, isso aconteceu.
"Trancou a casa?"
Um sorriso curva meus lábios quando encaro a mensagem do meu pai. Como padrasto,
ele é fácil de conviver, muito porque nunca está em casa.
Ele costumava ser advogado na cidade grande, mas agora só tem um cliente. Graymor
Cristane, uma das empresas no guarda-chuva das quatro famílias de Thunder Bay — os Fane, os
Mori, os Grayson e os Torrance. Ele viaja para eles, compra propriedades, fecha negócios…
Paga as pessoas certas e faz os problemas que surgem simplesmente desaparecerem. E
para tudo aquilo, eles pagam duas vezes o que ele recebia na Sanders, Hogan & Wardwell. O que
já era muito.
“Ah, merda”
Mandei a mensagem de volta, folhas sendo esmagadas debaixo das minhas botas de
combate.
“Alice!”
Nego com a cabeça, segurando uma risada, mesmo sabendo exatamente sobre o que ele
está preocupado, que é mais do que o fato de sua filha estar voltando para uma casa vazia,
sozinha, no escuro, na Noite do Diabo.
Se eles quiserem, vão entrar, pai. Mas não digo isso a ele.
“Sim, trancada.”
Digito, pois tenho que ir.
“Tudo bem, fique em segurança.”
Enfio o celular na gola da minha Polo branca, por dentro do sutiã, já que não tenho
bolsos. Enrolo o cós da minha saia escolar xadrez azul-marinho, como a maioria das garotas faz
assim que o último sinal toca no dia, e então levanto meu rabo de cavalo. Não faço ideia de para
onde a noite vai me levar e estou congelando pra caralho, mas é meu último ano. Vou
comemorar.
Coloco as mãos na frente da boca e sopro um pouco de hálito quente nelas, sentindo meus
mamilos pressionarem minha camiseta, vapor escoando por meus dedos.
Olhos se viram na minha direção enquanto desço a pequena colina em direção à entrada
do labirinto de milho, o alvo nas minhas costas queimando até que tudo que eu possa perceber é
que eles me encaram.
Alguns nem acreditam que estou dando a cara. Outros estão muito animados que eu
tenha feito.
Paro perto de Arden e ela estica sua garrafinha para mim. Faço que não com a mão.
— Onde você estava? — sussurra.
Eric Feldman passa por seus amigos com suas máscaras.
— Barnes me fez correr — explico a ela.
Negando, leva o frasco de volta para a boca.
— Você precisa parar de falar com ela.
— Eu sei.
Culpo nossa treinadora de tênis, porque ela é a única que eu posso fazer isso. Ela não
pode me fazer nada.
Meu pai me protege e a Graymor Cristane o protege. Esta cidade nos odeia, mas nos
toleram. Eles não têm escolha.
— Parou na St. Killian’s, né? — Arden sussurra.
— Claro — murmuro.
É importante mostrar respeito, afinal. St. Killian’s é uma catedral antiga, que foi
abandonada e esquecida por décadas.
Mas não completamente. Anos atrás, os Cavaleiros reinavam na escola de Thunder Bay e
começaram a Noite do Diabo, usando a catedral para reuniões, festas e todas as merdas que
adolescentes fazem. Todos eles cresceram e mais Cavaleiros foram e vieram desde então, mas
nenhum tão icônico como Will Grayson, Damon Torrance, Kai Mori e Michael Crist, o último
agora vive na catedral restaurada com sua esposa e filhos.
Talvez os dias de glória dos Cavaleiros não tenham sido tão gloriosos quanto as histórias
fazem parecer, mas, mesmo assim, todo estudante ainda passa pelos portões da catedral no
começo das celebrações da Noite do Diabo, desce a calçada e joga um pedaço de madeira na
fogueira que queima os três dias da celebração.
Pelos cardeais — e sua visão.
Pelo chamado do vazio.
Ela toma um gole, o aroma floral do gin distinto e ligeiramente reconfortante. Não percebi
que era o cheiro vindo do hálito do meu meio-irmão quando eu tinha catorze anos, mas agora
que eu sei, muito mais coisas fazem sentido, que não faziam antes. Seu humor. Sua queda.
Aquela noite.
As folhas secas dançam pela grama conforme o vento sopra meu rabo de cavalo e respiro
fundo, fechando os olhos por um momento. Eu tenho agora a idade que ele tinha quando subiu
naquele banco do motorista, matando seus três amigos. Alguns dizem que ele estava bêbado.
Outros que bateu de propósito.
Não importa. Acidente ou não, quando você mata três Cavaleiros — estrelas do basquete
que reinam em Thunder Bay —, você vira inimigo público. Seus amigos estão de luto. Já eu,
tenho que sentir a falta dele em particular. Ver seu nome riscado em cada placa de troféu na
escola. Ouvir as vaias quando mostram imagens de jogos antigos e ele está em quadra.
Vejo manequins vestidos com seu casaco pendurados na ponte. Meu Deus, sinto a falta
dele.
Por quatro anos, eu me mantive trancada com medo de esta cidade usar a NetherNight —
uma celebração de três dias que engloba a Noite do Diabo, o Halloween e o Dia de Todos os
Santos — como a desculpa perfeita para se vingarem de mim quando não podem fazer isso com
meu meio-irmão, Mane. Que momento melhor do ano para não ser pego fazendo coisas ruins?
Máscaras, armas de brinquedo, comoção, paixão, bebida, público, escuridão e todos os lugares
para esconder coisas nesta cidade.
Mas eu tenho dezoito anos agora. Sou uma formanda. É a minha última chance de
celebrar como aluna.
— Não tirem suas mascaras — Eric Feldman continua as instruções. — Ou pinturas de
rosto. O que acontece no labirinto, fica no labirinto. E não esqueçam… — Um brilho acende seus
olhos azuis. — Eles podem te pegar, qualquer coisa além depende de você.
As pessoas riem, sussurros surgindo, a maioria dos garotos dando um olhar malicioso por
trás de seus disfarces e garotas sorrindo em suas pinturas faciais.
Ele diz aquilo para o caso de alguém estar gravando. Alguém está sempre gravando.
— Mas… — Dorian Castle adiciona, encontrando meus olhos através de sua máscara de
crânio. — Se você for suja, pode muito bem se sujar ainda mais, né?
Mais risadas enquanto ele me encara e passa a mão pelo peito nu, fazendo um showzinho
ao espalhar tinta corporal preta em cada centímetro visível de pele, incluindo suas mãos.
Ninguém sabe o que acontece no labirinto de milho na Noite do Diabo. Tudo o que fica
claro quando você sai de lá é que foi tocado e onde. Olho a graxa endurecida em seus dedos, meu
estômago estremecendo. Há algumas garotas misturadas aos cavaleiros e alguns garotos entre
nós, esperando que um jogador de basquete admita que não é hétero por poucos minutos no
meio da plantação de milho.
Meus pés se conectam com a terra abaixo das minhas botas, mantendo-me plantada.
Estou cansada deste beco sem saída. As provocações. As ameaças. O ódio. Estou cansada de me
esconder.
Encaro Dorian, recusando-me a quebrar o contato visual. Meu irmão levou o dele. Agora
ele vai me levar.
A menos que eu possa sair dali antes que ele me alcance.
— Preparem-se! — Eric grita.
Todo mundo se espalha, dando um ao outro espaço para preencher o labirinto sem criar
engarrafamento, mas apenas permaneço no fundo, esperando a minha vez.
Viro-me para Dorian Castle, sentindo seus olhos em mim conforme encaro a escuridão da
plantação por trás dele e para o caminho praticamente invisível até desaparecer na
profundidade.
O vazio…
Há coisas que eu tenho medo de que vão acontecer, mas preciso de algo.
— Não é uma boa ideia — Arden resmunga.
Olho para Dorian.
— São apenas preliminares — digo a ela. — Ele não vai me machucar.
Mas, mesmo pensando nisso, não tenho certeza. Sua máscara branca não é como os
crânios que os garotos costumavam usar. Parece um rosto esculpido com mandíbula e maçãs do
rosto afiadas, olhos escuros que não consigo ver, mas que fazem meu coração tremer, porque sei
que ele está me encarando.
— Se o seu plano é apenas continuar correndo deles, então por que não ficar em casa?
— Não vou correr. — Volto-me para ela. — Eles estão perseguindo. Tem diferença.
Apenas não vou mais me esconder.
— A presa tem uma vantagem inicial — Eric nos conta —, mas nós cortamos caminhos,
então sabemos todas as saídas e por onde não há como escapar. Que Deus te ajude se for pego
em um.
Excitação rola por todos que estão reunidos e olho para baixo, certificando-me de que
meus cadarços estão amarrados.
— Prontos? — ele grita.
Dorian inclina a cabeça enquanto os outros dois cavaleiros — Slater Ciccone e McGivern
Ellison — colocam suas máscaras e liberam o caminho que leva ao labirinto.
— Três! — Eric começa.
O vento sopra os caules, a lua brilhando entre as nuvens, e um arrepio gela minhas
pernas, meus músculos tensionando.
— Dois! — berra, todos se preparando para correr. — Um!
Disparamos, gritos subindo pelo ar enquanto corremos para o milharal, risadas e
gritinhos ecoando por todo lado. Não consigo evitar. Sorrio, porque não consigo processar o
medo de nenhuma outra forma agora. Corro, enfiando os calcanhares na terra e pisando mais
duro, mais rápido, passando pela Arden e me virando para sorrir com ela.
Mas ela está balançando a cabeça e me pedindo para segui-la, conforme mergulha pelas
fileiras. Paro, pessoas batendo nas minhas costas ao correr, quase me derrubando.
Ela não deveria sair do caminho. Estou tentada a segui-la, mas isso seria trapaça e não
vim hoje à noite para pegar atalhos. Mesmo que eu saiba que ela está tentando me ajudar.
Encaro o longo caminho até a entrada, vendo os garotos com suas máscaras e sentindo a
corda que nos mantém presos. Eles estão vindo — apenas esperando os trinta segundos
obrigatórios de vantagem.
Não sorrio de novo, mas o tornado em meu estômago é algo que não entendo totalmente.
Girando, viro em um corredor, minhas botas de combate se enchendo de terra enquanto o
sino da torre marca a hora pela cidade. Minha saia esfrega minhas coxas e os arrepios que
passam pela minha pele não são de frio.
Inalo, sentindo o aroma de madeira, terra, grama e fogo. As tochas que cercam o
labirinto. As fogueiras acesas pela cidade. As lanternas brilhando pelo vilarejo. E a leve sugestão
de mar por sobre os penhascos onde o sino toca.
Correndo pelo caminho, viro para a esquerda, sigo em frente, depois à esquerda de novo,
mas o milho me para.
Estaco, respirando fundo. Fim da linha.
— Merda.
Giro nos calcanhares, mas então um grito penetra o ar, um uivo maníaco, rugidos que
parecem vir de todas as direções. Dou meia-volta, prendendo o ar.
— Aaaliiiceee! — gritam.
Meus ombros caem.
Volto pelo caminho que tomei e viro à esquerda de novo, ouvindo-os a minhas costas.
— Apareça, apareça, onde quer que você esteja!
Risadas ecoam pela noite, minha cabeça girando para todos os lados, seguindo as vozes.
Tropeço, perdendo o controle das curvas, mas pego a direita e vejo um longo caminho à frente,
então disparo, correndo o mais rápido que posso. A este ponto, mesmo se eu decidisse
mergulhar no milho, não saberia para que direção a saída estaria, de todo jeito.
Mas, ao parar no final do corredor e olhar para a esquerda e direita, mais caules se
ampliam nos caminhos escuros e minha cabeça gira. O mundo se inclina na minha frente e nem
consigo me lembrar da direção em que estava correndo. Eu me viro, depois viro de novo. De
onde vim?
Onde estão todos? O vazio ameaçador dos caminhos para ambos os lados consome o que
está por vir, mas uma coisa é certa.
Estou sozinha aqui.
Com eles.
Um galho se quebra na minha direita e paro de respirar. Por um momento, estou
paralisada. Então, lentamente, me curvo um pouco e espio pelos caules.
Eles são altos, galhos que se estendem com as espigas de milho que ainda não foram
colhidas e folhas grossas. Giro a cabeça para a direita e para a esquerda, tentando detectar
qualquer coisa, mas, além de alguns metros, minha visão se perde na escuridão. E em hectares e
mais hectares de milho, escondidos em fileiras.
Quieto demais.
— Nós vamos te encontrar! — outro grito surge, mais perto que antes.
Um rosnado um pouco mais baixo adiciona:
— E vamos te foder.
— E te matar — um sussurro vem de trás.
Sufoco um grito e giro, gargalhadas ecoando à distância.
Corro para a direita, depois para a esquerda, e logo para a direita de novo, ouvindo o
farfalhar dos caules. Finjo ir para a direita, mas vou para a esquerda outra vez, as vozes a poucos
metros de mim na outra fileira.
Meu coração pula e eu mergulho no milho, saindo do caminho como não deveria fazer.
Dane-se.
Deslizando entre as hastes, passo com a maior calma e cuidado possíveis, para que eles
não possam detectar o movimento, mas tenho que ir mais fundo. Eu deveria ter trocado de
roupa. Uma Polo branca foi uma péssima ideia.
Um movimento chama minha atenção e rapidamente me jogo para trás de dois talos,
agachando-me, encarando o caminho a quatro metros de distância.
Vejo pernas correrem e pararem, juntando-se a outro par na direção de onde vim.
— Você a viu? — um deles pergunta.
— Não — diz o outro par de pernas. Ele soa como se tivesse asma. Chuto que seja Slater
Ciccone. O cara fuma desde os catorze anos.
— Você veio pela saída? — outro pressiona, a voz abafada pela máscara.
Levanto-me devagar, vendo uma máscara completa de demônio vermelho e sabendo que
o segundo é McGivern. Eles não deveriam vir pela saída, para não pegar as pessoas antes que
elas pudessem chegar lá. Mas estou me escondendo, o que também é trapaça, então…
Não escuto a resposta de Slater, mas McGivern rosna.
— Seu idiota do caralho…
Onde diabos está Dorian? Ele é o único que eles escutam. Se me pegarem, é o único que
pode pará-los. Se ele estiver a fim. E ele tem que estar, certo? Eles não estão realmente tentando
me matar, estão? Apenas me assustar.
Dou um passo para trás, um caule seco e quebrado sendo esmagado pela minha bota.
Prendo a respiração, arregalo os olhos e vejo-os pararem, virando as cabeças.
Mordo o interior da bochecha.
— Vá pegá-la! — um deles grita.
Corro. Através do milho, o vento soprando em meu cabelo, uma risada por trás de mim.
— Uhuul! — alguém vibra.
— Preciso de você, baby! — outro declara.
— Vamos — digo, mas não tenho certeza se é para eles ou para mim mesma.
Salto para fora dos caules, cruzo o caminho e pulo para o próximo arbusto, desviando e
correndo o mais rápido que posso até ter certeza de que estou protegida. Abaixando-me,
mantenho os olhos abertos, examinando entre as plantas enquanto tiro a lâmina da minha bota.
Normalmente eu não a carrego, mas rumores dizem que os cardeais o fazem. Pelo menos
Banks Mori e Erika Fane, nossa prefeita. As pessoas dizem que Banks tem uma faixa com
lâminas presa na coxa o tempo inteiro. Dizem que a Prefeita Fane as arremessa. Ela pode acertar
seu crânio a 15 metros de distância.
É tudo besteira, claro. Outra história assustadora que é repassada como aquelas do
marido da Prefeita ter matado o irmão e Damon Torrance ter assassinado os pais, pelas quais
todo mundo os idolatra. Essa galera estaria na cadeia se qualquer uma dessas merdas fosse
verdade.
Mas é intrigante imaginar que sim. Um dia, na primavera passada, encontrei um canivete
em uma vendinha e o comprei. Eles são ilegais, então quem sabe quando eu veria outro.
Vapor sai da minha boca, ondulando no ar, mas o suor reveste minhas costas.
Escuto. Passos se arrastam pelo caminho sujo e vejo pernas vestidas de preto passarem
lentamente.
Dorian? Talvez o Slater? O objetivo dos disfarces era esse. O que eu deveria estar usando e
não estou. Todo mundo pode foder com tudo por aqui e não ter que encarar o outro na escola.
Ou identificar pessoas que querem se safar de tudo.
Levanto os olhos, reconhecendo a máscara vermelha por entre os arbustos.
— Se você sair agora — McGivern diz —, serei só eu.
Concentro cada músculo para não se mover. Fecho a boca para esconder minha
respiração no frio.
Ele está mentindo.
Algo se estilhaça à minha esquerda e viro a cabeça. Não posso ver merda nenhuma na
escuridão, mas sei que estou cercada.
— Encontre-me antes que meus amigos te peguem — provoca.
Olho de novo para McGivern, sentindo as paredes se fecharem ao meu redor, e aperto o
botão, expondo a lâmina. Foda-se.
Caminho, saindo de trás do milho, e sua cabeça se vira para mim, seus olhos encontrando
os meus.
A pintura preta está em todo seu torso nu, além das calças militares pretas e botas, a
máscara vermelho-sangue, a única cor que usa. Seus olhos vão para a lâmina na minha mão. A
cada poucos anos, um novo grupo de cavaleiros reina, mas eles não são escolhidos.
Simplesmente acaba sendo quem assumir o trono.
McGivern pode ser a porra de um padrãozinho, mas eu seria estúpida de subestimá-lo,
mesmo se ele estivesse sozinho.
— Seu irmão matou três cavaleiros — declara. — Esta cidade merece retribuição, não
importa o que os cardeais digam.
— Os cardeais sabem que aqueles cavaleiros mereceram. — Aumento o aperto no cabo da
lâmina, meus lábios se curvando em um sorriso malicioso. — Mas você nem liga…
— Não, eu não ligo.
Certo. Porque as pessoas precisam de um objetivo, e os mais fracos são os que mais
precisam. Não importa que os últimos cavaleiros tenham matado uma criança — feito bullying
tão pesado com ele em uma noite nas cavernas que ele morreu — ou que meu irmão também
tenha estado naquele acidente. Não importa que esta cidade tenha odiado todo mundo que
queimou naquele carro, porque Loren Foster não merecia o que fizeram com ele, mas eles iriam
se safar de qualquer maneira. Meu irmão, Mane, era um cavaleiro — naquela noite, nas
cavernas, ele viu tudo — e não podia deixar nenhum deles escaparem dessa.
Não importava que os cardeais tivessem protegido minha família quando tudo veio à
tona. Tenho um débito aqui, porque alguns daqueles pedaços de merda morreram, mas tinham
irmãos crescidos agora.
— Vamos — encorajo-o.
Ele inclina o queixo para baixo e melhoro minha postura.
— Vamos — rosno.
Coloca um pé para trás, preparando-se para usá-lo para se lançar, mas, antes que possa se
mover mais, eu rosno e levanto o pé bem no meio da porra das suas pernas.
Ele prende o ar, eu pego a máscara do seu rosto e giro, correndo na direção oposta.
— Porra, sua vagabunda! — reclama.
Mas já estou correndo e não paro. Vou dar o fora daqui com a sua máscara como a droga
de um troféu. A humilhação deles será doce.
Viro à direita, corro uns seis metros e vou para a esquerda, dando de cara com um beco
sem saída, mas não posso parar. Passo por entre os caules, em combate, e continuo seguindo
enquanto gritos e chamados surgem no ar.
— Alice! — berram e, ainda mais alto, continuam: — ALICE!
Corro pelos caules, empurrando folhas para longe e pulo para o próximo caminho, o luar
espreitando pelas nuvens. Alguém vem até mim e viro para ver McGivern me perseguindo.
Grito, dou um passo para trás e tropeço em uma espiga de milho, nós dois caindo no chão, ele
por cima de mim.
— Não! — grito. Ele conhecia os atalhos, afinal, eles cortam caminhos.
Largo a máscara e o empurro com uma das mãos, já que ele agarra meu pulso e bate
contra o chão até que eu solte meu canivete.
— O que você vai fazer? — cuspo. — Vai repetir o que fizeram com Loren Foster e trazer o
inferno para os cavaleiros de novo? Hein?
A escola de Thunder Bay não conseguiria lidar com outro escândalo. Se continuarem a
perder o controle, alguém terá que controlá-los.
Ele prende meu pulso no chão e me encara, enquanto me contorço.
Mas então eu paro. Fico olhando para ele, forçando minha respiração a se acalmar e meus
músculos a relaxarem.
— Só… — Quase engasgo com a minha respiração. — Só não me machuque, ok?
Ofereço um gemido para vender a atuação. Lentamente, abro as pernas, dobrando-as na
altura dos joelhos, deixando sua virilha afundar no meio.
— Só você, tá? — choramingo.
Ele para, seu peito subindo e descendo um pouco mais forte, mas continua me encarando.
— Por favor — imploro de novo. — Só não me machuque.
Um brilho atinge seus olhos e ele se impulsiona, esfregando-se em mim através das
roupas e abaixando-se para morder meu queixo.
— Porra. — Solta o ar.
Ele passa os lábios pelo meu rosto, beijando e mordiscando, e, finalmente, chega à minha
boca, a sua molhada e fria. Gemo, beijando-o de volta, esfregando-me contra ele também,
enquanto ele me fode a seco.
— Me fode de verdade — imploro, passando a língua em sua boca, seu gemido vibrando
pela minha garganta. — Tire a minha calcinha.
E ele não aguenta. Solta meus braços e eu abaixo a mão, abrindo seu cinto e as calças,
enquanto ele segura minha calcinha por baixo da saia.
Ele a puxa para baixo e eu mergulho em sua calça, agarrando seu pauzinho semiduro e
aperto-o, bem quando me inclino para frente e mordo sua orelha com o dente. Em menos de um
segundo, estou mordendo e apertando, arrancando dele um empurrão e um grito de gelar o
sangue.
— Ah! — chora.
Aperto com mais força, sentindo o gosto do seu sangue e sentindo seu corpo tremer em
cima do meu. Solto-o, empurrando-o para longe, e pego minha faca.
Mas ele chega a ela primeiro, erguendo-a no alto, e eu recuo, segurando os braços por
cima do rosto para me proteger, mas…
Ele não vem. Ele não me atinge.
Seu peso se vai, alguém grunhe e eu ouço um barulho. Abrindo os olhos, vejo dois deles
agora. Alguém o segurou.
Sento-me e recuo, observando-os lutar. Os dois de calças militares. Os dois de pintura
corporal.
Só que o outro está usando uma máscara preta. Nenhum dos quatro usa uma assim. A do
Dorian é branca. A do McGivern é vermelha. Do Eric é cinza, e do Slater é azul. Quem é esse?
McGivern sai correndo, os olhos o seguem e eu fico de pé. Que droga é essa? Quem é esse?
Meu canivete está no chão, e eu corro, pegando-o, mas quando me viro para escapar enquanto
tenho chance, minha razão me deixa.
Pegando a máscara do McGivern, vou pelo milho, seguindo seu trajeto de galhos partidos
e folhas caídas. Eu deveria ir. Sair daqui enquanto posso, mas não consigo explicar. Eu quero
ver. Isso foi um truque? Uma pegadinha?
Que porra está acontecendo?
Sigo seu rastro e, quanto mais longe eu vou, mais começo a sentir como se nunca mais
fosse voltar, mas preciso continuar vendo. Eu lutei contra ele. Eu lutei contra ele, porra.
Fico olhando para a trilha, mas vejo dois pares de pernas do nada e paro imediatamente.
Persigo-os, passando por seus corpos, e vejo-os parados lá entre o milho, encarando-me.
Quase engasgo, dando um passo para trás por instinto. Mas que porra?
A máscara preta, assim como a branca de Dorian, esculpida e cheia de músculos, me
encara. Os olhos escuros por trás dela parecem algo que não é real.
Ele é mais alto que McGivern, facilmente com mais de 1,90m. Tem que ser um dos colegas
de time dele. Aperto as coxas, minha barriga se afundando como se eu estivesse em uma
montanha-russa. Segura McGivern em sua frente, um braço em volta do pescoço e a ponta da
faca em sua jugular.
— Alice… — McGivern ofega. — Que porra está acontecendo? Me ajude.
Ele acha que estou nessa. Ou está fingindo. Isso é uma pegadinha.
O outro aperta novamente, sem piscar, como se me desafiasse a impedi-lo, mas não serei
enganada. Ele empurra a faca para trás como se estivesse se preparando para atingi-lo, para por
um segundo e me observa, esperando que eu grite em protesto, mas…
Nego com a cabeça.
— Faça.
Ele age, enterrando a faca no pescoço de McGivrn, o garoto gritando, algo que se perde
imediatamente quando sangue escorre da ferida falsa.
Meu estômago afunda com o quão real isso parece — os olhos girando enquanto sangue
quente e vermelho espirra do seu pescoço para o peito, as pernas cedendo sobre ele.
O homem da máscara preta continua a me observar e McGivern cai dos seus braços,
colapsando no chão. Olho para ele lá, esperando que a pegadinha acabe, mas ele agarra o
pescoço, já que o sangue segue vazando. Ele continua a cuspir e lutar por ar, seu corpo
convulsionando.
E no momento que ele para de se mover, deitado ali, uma onda de medo passa por mim e
não consigo tirar o olhar de sua forma sem vida. Não me movo, respiro ou pisco, o assassino me
assistindo… assistir McGivern.
Vermelho continua a pingar, manchando o milho podre que está no chão.
Máscara Preta se move, pressiona o indicador nos lábios e eu levanto os olhos.
— Shhh — diz a mim.
Um arrepio me paralisa e sinto um líquido quente descer por dentro da minha perna. Ah,
caralho.
Ai, meu Deus.
Tropeço para trás, esperando que ele me persiga.
Viro, quase caindo, e reúno cada grama de força para correr tanto quanto posso. Empurro
os milhos, sem perder tempo pelo caminho, e corro, corro e corro até cair em alguma estrada.
Não tenho nem certeza de onde estou, mas sei que não é a saída. Não há ninguém por aqui.
Onde está todo mundo?
Movo-me rapidamente, correndo pela pista, e eventualmente vejo o sinal para retornar
para Coldfield, a casa mal-assombrada.
Eu deveria voltar para o meu carro, mas não posso. Não sei o que acabou de acontecer, ou
quem estava envolvido naquilo, mas eu apenas vou. Corro para casa, olhando para trás a cada
poucos segundos e, uma vez lá dentro, tranco a porta, ativo o alarme e puxo o celular para ligar
para a emergência.
Mas escuto um barulho e saio voando até meu quarto, olhando para as janelas.
Jesus. O que foi aquilo? Quem era aquele?
Esfrego as mãos pelo rosto. Não foi real. Não podia ser. Eles estavam provavelmente
filmando aquilo e eu me mijei igual uma porra de uma criancinha. Minha humilhação será épica
amanhã quando eu acordar.
Pauso, estudando a linha das árvores por algum movimento na escuridão. Mas pareceu
real.
Pareceu tão real. Vou me sentir mal se foi? McGivern é uma perda? Meu Deus, preciso
pensar.
Coloco o celular na mesinha de cabeceira, tiro o uniforme da escola e entro no chuveiro.
Esfrego a sujeira e as lágrimas secas do meu rosto e empurro o cabelo encharcado para longe
dos olhos. Passo o sabonete pela pele, os braços, e tento limpar debaixo das unhas. Lavo as
pernas e as coxas.
Desligando o chuveiro, eu saio, me seco e visto uma boxer antiga do meu irmão e a
camiseta verde do time de tênis da cidade.
Levando a toalha para o quarto, uso-a para secar o cabelo e tranco a porta, verificando as
janelas. Pego o telefone e o encaro.
Eu deveria ligar para o meu pai. Ele voltará para casa.
Mas o telefone toca imediatamente. Pulo, praticamente deixando cair. O número não é
familiar e dificilmente alguém me liga, exceto a Arden.
Pergunto-me quem pode ser, mas seria muita coincidência se eu soubesse.
Engulo o nó na minha garganta e forço-me a deslizar o botão verde.
— Você não deveria ter visto aquilo — uma voz diz.
Paro de respirar por um momento. Como ele tem o meu número? Ele me conhecia na
plantação de milho.
— Mas ver você molhar sua calcinha me agradou — continua.
Lágrimas queimam em meus olhos, mas não posso desligar.
— Você me conhece — afirmo.
— Eu conheço todos vocês. — Suas palavras são resolutas, com uma paciência que soa
diferente do que vi no labirinto. É uma cobra se enterrando em meu ouvido, devagar e calma. —
Thunder Bay é o meu centro. Minha pulsação. — E, em seguida, murmura: — Eu conheço todos
vocês.
Dou a volta ao pé da cama, tentando umedecer minha boca seca, e minha cabeça gira com
questões para as quais eu não tenho respostas. É o Dorian? Ou Eric? Não vi nenhum dos dois no
labirinto. Talvez um deles tenha trocado de máscara.
Mas por que eles matariam um amigo? Estavam me protegendo?
Ou me guardando para si mesmos?
— Onde está o McGivern? — indago.
— Onde nós o deixamos.
Frio sobe pela minha espinha. Ele diz “nós” como se tivéssemos feito aquilo juntos.
— Acha que eu não vou à polícia? — digo, com um rosnado.
Mas uma risada sombria faz cócegas em minha orelha.
— Amanhã será muito mais interessante se você não for.
O quê?
— Ainda não terminei — esclarece.
Meu coração para por um segundo e eu agarro o telefone. O relógio de pêndulo no saguão
toca lá embaixo e ele deve ter ouvido pelo telefone, pois me diz:
— Passou da meia-noite, Alice.
Tremo com meu nome saindo de sua boca.
— Halloween — declara. — Você deveria ficar em casa.
E ele desliga, enquanto permaneço ali, o telefone ainda em meu ouvido.
Halloween. Coldfield. Doces ou travessuras.
Ele está apenas começando.

***

Veja o que acontece no Halloween a seguir, na parte dois desta história!


Boa Devil’s Night!

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