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Aos 13 anos
A dor é psicológica.
Essa foi a frase que mais ouvi da psicóloga que esteve
comigo durante toda a minha vida até hoje . embora, Adriano
dissesse que eu nunca tive problema algum e que ele apenas
queria que eu crescesse saudável.
Eu sabia que a iniciação é difícil, mas não tinha ideia de
que eles pretendiam destruir a minha cabeça.
Soube disso hoje e entendi o porquê dos encontros com a
psicóloga duas vezes por semana: para me transformar em algo
ruim, a minha mente precisava estar saudável.
A dor é psicológica e eu acreditava nisso, até senti-la.
A pior delas é a fome, porque a sensação é de que o
estômago está se alimentando dele mesmo ou de que tudo em meu
corpo lateja, atrapalhando qualquer pensamento que faça sentido.
Estou estirado em uma grama molhada, à medida que
algumas gotas de água caem sobre mim, depois de pularem das
folhas das árvores que me cercam.
Sei que é uma floresta.
Sei reconhecer uma, mas não faço ideia se fica na Sicília
ou se até mesmo na Itália.
Apenas sei que estou com fome, muita, resultado de alguns
dias sem comer. Estou fraco, com os lábios rachados pelo
ressecamento da pele, devido à falta de água, e não sei o que é
ferimento pelas etapas anteriores da iniciação e o que faz parte da
surra que tomei, por desobedecer o Sottocapo do meu pai.
Estou com sede.
Virado de barriga para baixo, lambo os pedaços de capim
molhado no chão, na tentativa de beber qualquer mísera gota
d’água que possa acabar com a queimação na minha boca e na
garganta, mas é inútil. Ainda queima.
“— Os Constantinis são leões. E os leões caçam,
Alessandro. Não seja caçado pela morte. Será um problema para
a Omertà se o sétimo filho se deixar levar.”
Não consigo ter saudade de casa.
Não posso ir embora, não posso sumir.
A única coisa que me espera é a morte ou a mansão
principal dos Constantinis, quando eu couber no molde que
Adriano determina ser perfeito.
A minha morte fará Alessa ser acusada de não ter lhe dado
um filho forte o suficiente, para aguentar a iniciação, e tenho
certeza de que o meu pai a culpará pelo nascimento de um sétimo
filho que não atingiu o patamar que a Cosa Nostra determina: o
posto de Capo.
Não posso desistir.
A minha falha vai trazer o pior para Alessa.
Não é justo que, depois de se doar para a Monarquia
durante toda a vida, ela sofra mais do que já o fez.
A minha única preocupação deve ser com a Cosa Nostra,
pois este será o meu foco para sempre, enquanto eu me sentar na
cadeira que, agora, pertence a ele.
Foi isso que o meu pai me ensinou, mas, neste momento,
essa é a minha menor preocupação.
Se eu não for capaz de mudar este pensamento, sei que será
a minha ruína, pois o que evitou que o meu pai caísse em um
abismo foi o fato de que a Omertà é tudo o que importa para ele.
Não o seu filho ou a sua esposa.
Apenas esta organização.
É exatamente para isso que Alessa e eu estamos aqui: fazer
com que ela continue existindo, assim como vem fazendo, já que
Adriano estima que nem o tempo será capaz de destruí-la.
Eu me ergo com um resto de força, tentando vencer meus
braços magros, que tremem ao menor movimento.
Nasci um homem morto.
Um escravo do poder bélico e político.
Eu sou a política de Adriano, e ele está apenas me
lapidando para que eu possa ser a carta usada no jogo que
fortalece nossa casa.
Se eu não comer na próxima hora, perderei a consciência, e
a dor, que deveria existir apenas na minha mente, será muito real
e definitiva
Forço a vista para enxergar com nitidez, quando um ponto
branco na grama verde cria forma .
Um coelho.
Meus braços ainda tremem, mas, com a pouca força que
lhes resta, agarro o animal pelo pescoço e enfio os dentes em sua
pele, enquanto sinto a tristeza me consumir, exatamente como
faço com a sua carne, para salvar a minha, à medida que o
ressecamento nos meus lábios cede e a queimação finalmente
começa a desaparecer
Esta foi a primeira das inúmeras vidas que o meu pai me
obrigará a ceifar.
Jogos
psicológicos
16 anos
15 anos
Minha respiração nunca se regula. Meus pulmões parecem
viver uma escassez eterna de oxigênio. Fico preso em minha
própria cabeça quando sou jogado entre o passado e o presente de
forma incessante, como se eu precisasse buscar dentro de mim
por algo que nem mesmo sei o que é.
Desta vez, estou de pé. O corpo está dormente e inflamado.
Essa sensação eu conheço bem. Depois de tomar tanta
porrada, você se acostuma com a dor, é psicológico e funciona
com todo mundo. Uns desmaiam e outros se anestesiam; é assim
que me sinto agora: anestesiado e inflamado, como se alguém
tivesse me enchido, feito um balão. A derme está lesionada em
diversas regiões diferentes, mas ao menos não desmaiei, o
Sottocapo de meu pai disse que seria meu presente de
aniversário, afinal... estou fazendo quinze anos hoje.
Estou dentro do escritório de Adriano e, do lado de fora,
consigo ouvir as vozes estridentes que tentam sobrepor umas às
outras, disputando autoridade quando quem quer que seja
obviamente se esqueceu de que está falando com um Capo.
— Eu quero ver Daemon agora! — Alessa impõe, com uma
raiva que nunca ouvi em sua voz. É a primeira vez que estou
ouvindo-a em anos.
— Daemon morreu. Meu filho se chama Alessandro
Constantini. O nome de batismo importa muito mais do que o
civil. — A instabilidade materna provoca nela o medo da perda.
Por ordem natural biológica, um filho perde a mãe primeiro e,
quando isso é invertido, o desequilíbrio psicológico é só um fator
resultante. Não importa quantos homens Adriano tenha matado
para se tornar um homem duro, a coragem de uma mãe em risco
de perda se sobrepõe à coragem de qualquer homem.
— Eu quero vê-lo agora! Sei que ele está aqui, que voltou
da iniciação — ela volta a exigir, com um rompante muito mais
decidido.
Eu quero sentir algo ao ouvi-la, mas nada acontece. Meu
coração não se acelera e tampouco sinto saudade. Sei que Alessa
deveria ser tudo para mim e, no fundo, ela é tudo o que eu tenho,
mas estou tão quebrado para o mundo que tudo o que consigo
fazer é esperar uma ordem de meu pai.
Ela sempre soube a quem eu pertenceria quando aceitou
casar-se com o Capo da Cosa Nostra. Nunca fui dela, apesar de
sua natureza dizer o contrário. Meu pai sempre intervinha quando
notava grandes provas de carinho por parte dela, com a alegação
de que um ambiente muito amoroso poderia comprometer a
iniciação.
E aqui estou eu, em pé, mas de quatro como um cachorro,
salivando pelos cantos da boca, à espera de um dever para
cumprir.
O som de um tapa forte ecoa, mesmo com a porta fechada
que separa os cômodos.
— Voltou apenas para provar o que aprendeu fora. Quando
eliminar, em nome da Cosa Nostra, quem precisa, ele vai voltar
para se aperfeiçoar e então estará pronto para a formatura da
iniciação — Adriano diz. Ele não me deixa reconhecê-lo como
pai. Diz que meu nascimento foi a continuação de um pilar de
certezas e de uma Sociedade, que é a Omertà. A melhor forma de
confirmar que ela continuaria crescendo monetária e
politicamente é propagar seus conhecimentos e habilidades a
alguém que ele tenha total liberdade de dobrar quantas vezes
fossem necessárias; um filho. Além de acreditar que o sangue
entre linhagens carrega muitos genes que alguém de fora jamais
seria capaz de desenvolver.
Memória genética.
— Eu só quero vê-lo... — O tom de voz desce e vai de
exigência à súplica. — Ele também é meu filho, Adriano.
— Ele nunca foi seu, sequer meu. Ele pertence à Cosa
Nostra, assim como eu pertenço a ela; assim como você, Alessa.
— A zombaria é uma característica infindável do Capo, ainda
mais quando se trata de coisas tão óbvias, que formulam nossas
leis. Não é como se ela não soubesse, mas evidentemente deixa
seu sentimento falar mais alto.
O silêncio se manifesta, mas é interrompido quando a porta
se abre tão depressa que estala contra a parede. Alessa atravessa
o batente e se agarra ao meu corpo, apertando-me tanto que agora
consigo sentir todos os ferimentos se tornando latentes. Não me
sinto em agonia, pois estou acostumado a senti-los a todo
momento.
Tão pequena que consigo ver o topo de seus cabelos, mas
me recordo de quando precisava olhar para cima para ver seus
olhos verdes, que ficavam sobre o alto de minha cabeça. No
entanto, os papéis se invertem. Um dia, chorei em seu colo,
manchando seu vestido, mas agora é ela quem chora no meu, a
diferença no cenário é que estou modificado o suficiente para não
pedir que ela não chore, já que nada consigo sentir.
— Meu Deus... — É o que diz quando me encara, a voz
trêmula, os dedos suados sobre a minha pele, seu corpo quente e
a preocupação estampada em seu olhar. Esta é a mulher que me
pôs no mundo. Seu toque aquece meu corpo por dentro, mas eu
não consigo retribuir, como se uma grande faixa vermelha
estivesse entre nós dois. Quando ela tenta tocar meu rosto, meu
reflexo ligeiro faz com que meus dedos se fechem em seu punho
e eu a atire contra a parede. Suas costas se chocam no quadro de
uma águia, que despenca junto dela até o chão. — Daemon... —
Eu não sei o que responder. Nem quero.
Não sinto nada.
Não sou capaz de sequer sentir remorso por não sentir.
Meu pai entra no recinto, agraciado com a cena que acaba
de presenciar, pois, se havia qualquer tipo de dúvida quanto a
sentimentos do passado, ela foi sanada agora.
— Eu lhe disse que Daemon morreu — atesta ele. Alessa
está debruçada em lágrimas, olhos esbugalhados, e vejo sua
garganta se contrair em uma aparente dor que não consigo
mensurar, pois ela sente tristeza, eu sei, mas não me compadeço;
já não sei mais o que é isso.
— O que você fez com ele? O que você fez com o meu
menino? — ela grita, avançando contra ele, feroz como uma leoa,
mas antes que chegue lá, enrolo seus cabelos em minhas mãos.
Ela não deve ir contra o Capo.
Ela deve respeitá-lo.
Ela não deve desacatá-lo.
Adriano está servido em honra.
É a minha mãe. Eu deveria protegê-la, mas a Cosa Nostra é
quem merece meu cuidado e, se ela é pelo Capo e o Capo é por
ela, eu devo proteger Adriano.
— Alessandro é perfeito, não? — O Don suspira. Quase
apaixonado. — Se eu pedir que ele a mate agora, ele o fará.
Alessa segura em minha mão, ainda enroscada em seus fios
loiros.
— Sou eu, Daemon, A SUA MÃE! — Desesperada, não pela
sua vida, que agora corre risco, mas porque seu próprio filho
sequer a reconhece como genitora. — Eu... eu deveria ter fugido
quando tive você... me perdoa, meu amor... — Ela tenta se
desculpar, mas por quê, se desde que ela nascera de sua mãe já
estava com o destino cruel tão traçado quanto cordas de cera em
um poço? Ela quer passar os dedos em meu rosto, como fazia no
passado, mas não há motivo, se não há finalidades que somem a
Omertà, tanto quanto sua presença aqui.
Dois soldados da primeira decina entram no escritório da
casa principal. Alessa me tem como destino de seu olhar, e seus
olhos só não piscam, porque as lágrimas os mantém úmidos.
— Tranquem-na no quarto do segundo andar — ordena
Adriano. Os homens seguram seus braços e seus cabelos deslizam
por entre os meus dedos. — E você, esposa... me espere de pernas
abertas à noite. Você me deve uma filha. — Ela se vai e só corta
sua atenção dos meus hematomas quando some pelo corredor.
O Don da Cosa Nostra se aproxima, ergue meu queixo para
o alto e admira o que ele vem lapidando há anos, esperando o
pico de perfeição que nenhum de nossos antepassados foi capaz
de alcançar.
Sei que isso é uma lembrança, mas não consigo entender
em que momento a obediência por Adriano se tornou ódio a ponto
de surgir a vontade de matá-lo. Não foi no dia que soube que
Alessandra morreu. Foi antes.
Bem antes.
A idealização de sua morte sempre foi um broto, escondido
na grama, e quando menos percebi, floresceu, sobressaindo-se a
qualquer verde.
É na inércia do escuro que a luz é engolida pela escuridão.
A noite
dos homens
Passado...
Dia 1
Dia 2
Dia 3
“Temos um objetivo claro e nossa estadia estendida só vai
piorar as coisas. Precisamos sair daqui como um só, porque, se
souberem que nossa cabeça é dividida, iremos de mãos dadas
para o inferno. Precisamos de um acordo.
Daemon.”
Dia 4
“Está pedindo demais. Aliás, sempre sei o que você
pretende, mas seria monótono debater sozinho. Muito mais
divertido te obrigar a escrever bilhetes.
Alessandro.”
Dia 5
Fico ligeiramente incomodado por ser o único que sofre de
perda de memória ao tomar a frente nesta relação transtornada
que tenho com ele.
“Estou pedindo o básico para continuar respirando.
Morrer agora seria anular tudo o que foi conquistado até o
momento.
Daemon.”
Dia 6
“Quero autonomia.
Alessandro.”
Dia 7
“Que tipo de autonomia?
Daemon.”
Dia 8
“Poder decidir o rumo das decisões e suas consequências.
Alessandro.”
Dia 9
“Apenas com a supervisão de Mattia, e suas ações
precisam ser previamente avisadas, porque, se qualquer dedo
sair dos trilhos, voltaremos para cá.
Daemon.”
Dia 10
“Tenho mais uma condição.
Alessandro.”
Dia 11
“Hoje já é o décimo primeiro dia que estamos aqui. Seja
direto e poupe cartas.
Daemon.”
Dia 12
“Jezebel deve se mudar para a casa principal e, quando
chegar a hora, a vida de Alessandra e Dario serão ceifadas por
mim.
Alessandro.”
Dia 13
“Jezebel vai continuar no chalé, esse foi o combinado, não
vou correr o risco de que você a mate e, sobre Alessandra e
Dario, não vetarei.
Daemon.”
Dia 14
“Não vou passar a vergonha de ter minha futura esposa
dormindo em um teto diferente. Se tivermos um acordo, eu terei
minha liberdade e Jezebel certamente terá sua segurança.
Alessandro.”
Dia 15
“Minha condição é que você não toque nela, tampouco lhe
dirija a palavra quando estiver na luz.
Daemon.”
Dia 16
“Feito, contanto que se lembre dos nossos planos. Não me
importo que você a foda de vez em quando. Até mesmo Jesus
precisou de Maria Madalena, não é mesmo?
Alessandro.”
Dia 16
“No primeiro erro, nós voltaremos para cá.
Daemon.”
Dia 17
“Estou ansioso para ver a gaiola aberta.
Alessandro.”
A
decisão primordial
Santa
enganação
Vaticano
Desperto em um susto.
Suado, respirando fundo e com a porra dos pulmões
queimando, como se estivesse inalando fogo. A sensação não é
das melhores, mas eu a sinto passar conforme inspiro e expiro. O
anel de prata fora de meu dedo é um sinal sutil de que, já que não
me lembro de tê-lo feito, não fui exatamente eu a tirá-lo.
O calendário sobre a bancada do armário do quarto marca
dois dias passados, dois dias que eu não vivi. O pequeno bilhete
com letras alinhadas e organizadas preenche a superfície do meu
travesseiro, o que me faz comprovar que Alessandro deu as caras
outra vez.
“A próxima vez que ela dormir naquele chalé, vou arrastá-
la pelos pés até a cama do nosso quarto.”
Ele não assina, nem precisa, porque meu entendimento
sobre o outro lado da moeda é mais cristalino agora.
— Daemon? — O rosto de Mattia surge na porta, como se
tivesse um ponto de interrogação no alto de sua cabeça; a dúvida
que espera sanar com minha resposta.
— Ele veio? — Minha pergunta o faz suspirar aliviado e,
da mesma forma que responde à minha indagação indiretamente,
eu respondo à dele. O Conselheiro entra no quarto, joga seu
corpo mole sobre minha cama, passando a mão em todo o rosto, e
abre os braços enquanto fecha os olhos.
— Graças a Deus. Eu nem me recordava de como era sentir
raiva dele.
— Ele... se comportou?
Seus olhos castanhos se revelam.
— Um senso de humor ridículo. Bebeu seis garrafas de
conhaque, ameaçou metade dos soldados lá fora, manteve-se
longe de Jezebel, mas disse que ela deve estar na mansão
principal, ou ele voltaria para cobrar você. — Um verdadeiro
mensageiro. É a minha vez de suspirar aliviado; não que eu
acredite que Alessandro possa não cumprir com o combinado.
Mattia me conta sobre a reunião com Dante e Lucius, informando
sobre as origens interessantes da Legião. Estudei muito a história
do catolicismo com o passar dos anos, mas nada que me fizesse
algum tipo de pesquisador ou especialista no assunto, apenas o
básico para não me permitir ser manobrado por um controle de
massas.
Eu não faço parte da massa.
Usamos o mesmo véu que a arquidiocese usa no mundo
para benefícios próprios, e os meus conhecimentos se mantiveram
nisso para alimentar o que aqueles que vieram antes já faziam. É
apenas a continuidade de um trabalho de cargo. Não é como se
deturpássemos a visão das pessoas diante de um achismo com
base nas escrituras antigas.
As pessoas se enganam, porque querem; acreditam, porque
querem. Poucas procuram embasamento teórico ou teológico para
os milagres, pois desejam ficar na ignorância, e embora eu já
tenha tido muito mais fé do que hoje tenho, minha crença é na
colheita automática daquilo que se planta, mesmo sem perceber.
— Precisamos fazer a nomeação de Peter a sumo pontífice.
— Sento-me na cama, meus pés parecendo estar melhores quando
exerço força ao chão.
— Peter Novak não é um Constantini. Não acha que isso
pode ser um problema? — Mattia está um pouco receoso. —
Nunca houve uma ascensão ao cargo sem o seu sangue, Daemon.
— Teremos uma primeira vez e eu, sinceramente, espero
que chame a atenção deles, assim como a de Alessandra e Dario,
pois, quem sabe, conseguimos acertar dois coelhos com apenas
uma cajadada.
— Eu estou preocupado.
— Não vou dizer para que não fique. — Esfrego os punhos,
sentindo-os doloridos. — Jezebel?
— Tentei fazer com que ela se sentisse tranquila durante o
período que você... ficou fora, mas todas as vezes que passei pelo
jardim, ela estava na janela — ele alerta e minha preocupação se
mantém, na possibilidade de que eu possa ter feito alguma
besteira, ou melhor, que Alessandro possa ter feito alguma
besteira.
Calço os sapatos com pressa, vestindo a calça escura
jogada pelo chão, e desço a escada enquanto ainda visto a
camiseta, tentando não cair pelos degraus. Mattia fica para trás
sem uma resposta, quando, na verdade, quero ter certeza de que
minha esposa está tão inteira quanto na última noite que estive
em sua cama.
Abro a porta do chalé em um rompante bruto. Eu caminho,
procurando-a com o olhar pela casa arrumada, e atravesso o
corredor até encontrar a porta de seu quarto aberta. A cama está
bagunçada, embora o que chame minha atenção não seja metade
do cobertor no chão e os dois travesseiros deslocados sobre ela,
mas o meu anel de prata, que brilha sobre o móvel de seu quarto.
Eu o seguro entre os dedos e encaixo-o no indicador. Está
gelado. O som de descarga ecoa e Jezebel surge à porta do
banheiro, secando o rosto . Ela paralisa ao enxergar minha
imagem bem diante dela.
Tantas coisas se passam pela minha cabeça, e uma delas,
que me revira o estômago, é saber que Alessandro pode ter se
deitado com ela. Que tipo de mulher faria isso com alguém que
quase a matou várias vezes? Bom, ela se deitou comigo, por que
não se deitaria com ele? O corpo é o mesmo, mas abomino a ideia
de me deitar com ela e sequer ter lembranças ou controle do que
faço. É como ter um buraco vazio entre as memórias densas do
meu consciente.
— Quem dormiu aqui? — Zero cordialidade, porque, neste
momento, a minha fome por respostas é maior do que qualquer
educação.
— Daemon? — ela questiona e eu não afirmo, tampouco
nego, espero pelo que pedi. — Hum... eu.
— Apenas você? — volto a questionar e seu rosto fica
rubro, os olhos diminuem. Ela está envergonhada.
— E... você, da última vez. — Jezebel usa a tolha para
cobrir a região dos seios por cima da camisola, mas não foi
rápida o suficiente para que eu deixasse de ver, ao menos por
alguns segundos, os bicos de seus seios marcando o tecido
volátil, pela ausência do sutiã. — Você está... bem?
— Sim — respondo. As imagens de Jezebel com outro
homem me fazem contrair a musculatura da mão com toda força e
ouço os meus próprios dedos estalarem apertados.
— Mattia disse que vocês... tiveram uma reunião
importante com Lucius. Conseguiram descobrir o que é a Legião?
— Eu disse que havia assuntos que não eram da sua alçada,
Jezebel. — Um alerta costumava ser mais eficaz.
Sem perceber, ela arreia a toalha até o quadril, expondo
novamente os mamilos marcados na camisola.
— E o que difere os assuntos que não são de minha alçada?
Um anel de casamento? — minha esposa questiona, tão corajosa
que eu sentiria orgulho, se não fosse algo preocupante. Ela
provou que seus excessos de coragem nunca deram bons fins. —
Quando precisou de mim, em Pavia, não hesitou para que eu
ajudasse. Quando precisou de mim, antes de seu casamento com
Antônia, também não hesitou, mas por que hesita agora? Do que
tem medo, Daemon?
— Não é sobre ter medo, é sobre entender o seu lugar. Você
é a parte mais fraca que existe hoje, dentro da Cosa Nostra, e não
vou expor você às informações que nem sei ainda se são
verídicas.
— Achei que Lucius não mentisse — insiste, porque isso é
o que ela faz de mim.
— Você não dita nada. — Minha voz sobe.
— Eu não vou participar de exposições ridículas, como se
fosse uma integrante da alta sociedade. As pessoas cochicham, as
pessoas zombam de mim em sussurros. Você não quer me expor à
sua investigação acerca da Legião, mas quer me expor a quem
agoura sua esposa? — Lá vamos nós. O silêncio ao dar as costas
é sempre a melhor solução quando não quero respondê-la, mas
acho que já se foi a época que Jezebel se calava apenas por minha
ausência. — Você não está me dando liberdade, está tentando me
distrair. Daemon, não me vire as costas. — Passo pelo corredor,
ouvindo sua voz, que não se distancia; sinal de que ela vem logo
atrás de mim.
— Não vou perguntar o que você quer, porque já perguntei
e você já teve o que queria. Não me faça arrancar de você o
pouco que tem. Dê valor ao que eu lhe dei, pois o combinado foi
que você ficasse em sua casa e eu na minha. — Jezebel aperta
seus lábios em um bico feroz e suas sobrancelhas se unem em
uma demonstração de raiva.
— Eu sei que você ama sua irmã... — Esse assunto agora
não.
— Para — peço baixo, fechando os olhos e juntando
paciência.
— Sei que Alessandra, no fundo, também te ama... — Ela
precisa parar.
— Eu mandei parar... — A pele interna de minha boca é
comprimida entre meus dentes.
— Ela só precisa do estímulo certo para voltar... — O fio
de paciência se vai ligeiro quando meus dedos se fecham em
torno de seu pescoço, acabando com qualquer palavra que
completaria sua frase. Meu indicador se afunda em sua bochecha
e eu sei que, nesse instante, tudo o que ela enxerga nos meus
olhos é raiva.
— EU MATEI ALESSANDRA! — grito. — Eu a matei,
assim como fiz com Adriano, com Alessa, com Lucca, com todos!
— Suas mãos se fecham em torno de meu punho e ela tenta se
esticar na ponta dos pés, em uma tentativa banal de aliviar meu
aperto.
—... Daemon... o... o... a-ar... —murmura, e eu a solto de
supetão. — Eu vi Alessandra no discurso de filantropia — diz em
uma lufada de ar, passando os dedos pelo pescoço e aliviando a
pele antes comprimida. O descontrole da raiva é insalubre ao lado
de minha consciência racional, tendo em vista que esse é um
assunto delicado, porque muitas coisas poderiam ter sido evitadas
se eu tivesse dado atenção ao ponto certo quando achei que tudo
estava sob controle e Alessandra estava mais protegida em Pavia
do que ao meu lado.
Sinto uma fagulha do que não sentia há muito tempo:
arrependimento.
— Impossível — digo, ríspido. Alessandra estava reclusa
para dar à luz a seu filho e, mesmo que eu não concorde, sei que
Jezebel tem um bom coração e quer enfiar meio mundo dentro
dele, mas o mundo em que ela viveu lá fora, nada se parece com
este, ao qual tenta se moldar. — Não tente inserir mentiras, como
se fossem verdades, entre nós dois.
— Tenta me sufocar e me chama de mentirosa? Nós nos
casamos não tem um mês sequer e já estamos assim, brigando a
cada vez que nos vemos.
— Controle sua língua e vamos viver em harmonia. —
Minha mão sobre a maçaneta abre a porta.
— Controlar a minha língua? Sou sua esposa, preciso
participar da sua vida. — Eu a encaro por pequenos segundos e
não acredito que ela aguentaria uma fagulha do que o peso do
poder de governar pode causar.
— Então é isso que você quer? Participar da minha vida?
— eu questiono, e uma faísca de esperança se acende em Jezebel,
como se eu estivesse fazendo-lhe um convite primoroso.
— Não é assim que deveria ser, desde o começo? —
pergunta.
Esfrego o rosto com a mão áspera, pensando em como fugir
disso, mas a realidade é que não posso. Ela está certa, vai
continuar insistindo com essa ideia de divisão de vida
matrimonial até que eu ceda. O que ela precisa é apenas desistir,
e não é necessário muito para que ela o faça. Uma fagulha de
horror e os dois pés, que Jezebel insiste em botar para a frente,
irão retroceder mais passos do que ela avançou.
— Vou pedir que Mattia providencie sua ida para a mansão
principal em dois dias. Você vai dormir no meu quarto e me
acompanhar a partir da primeira noite que estiver acomodada lá.
— Ela abre um sorriso tão grande que mal parece que quase a fiz
engasgar com minha mão em sua garganta. — Os seus treinos
continuam com Benito, o Sottocapo. Vou pedir para que ele pegue
leve. Hoje, você vai dormir com o vazio ao seu lado e, em dois
dias, esteja pronta. Será a posse de Peter Novak.
— Peter?
— O novo papa do Vaticano — concluo, antes de deixá-la
sozinha.
Estilhaçado
9 anos.
Passado.
ALERTA; INFANTICÍDIO
Um mês depois.
Dois dias.
Dois dias de silêncio enquanto o mundo gritava ao lado de
fora. Daemon sequer me olhava dentro de casa nas poucas vezes
que me viu passar. Mattia estava na Calábria com Benito e Dante,
e eu estava amargurada em uma tristeza que consumia até a
última de minhas células. Contrapor-me a esse sentimento me faz
sentir muito mais do que o necessário.
Sei da minha parcela de culpa, assim como também sei que
Daemon está magoado pela mentira que se estendeu por tempo
demais, igualando minha ação à mais terrível traição que eu
poderia causar em nosso relacionamento.
Dormimos na mesma cama. Eu o via chegar no meio da
noite, e o via virar-se de costas e postergar o sono, revirando-se a
todo momento. Daemon estava perturbado e, por um segundo,
não sei como não me obrigou a deixar o quarto pela manhã, mas,
quando o sol raiava, o seu lado já estava vazio.
Descendo para o primeiro andar, Marta estava pondo a
mesa, para uma pessoa apenas. Meu olhar fúnebre desfaz o anseio
pela felicidade quando tudo que faço é tentar me esquivar da
tristeza. Ao me sentar na cadeira, a governanta vem com o último
item do café, uma xícara de chá.
— Ele descobriu. — Ela deposita sobre a mesa o bule
quente e me encara sem entender, apesar de escutar exatamente o
que eu acabo de dizer.
— Ele descobriu? Eu não... você diz sobre a gravidez? —
Afirmo com a cabeça — Ah, meu Deus! Jezebel do céu.
— Eu não consegui... contar a tempo — murmuro,
mordendo a torrada em minha mão, como se fosse um pedaço de
ferro não mastigável.
— Eu disse, eu disse para você... — O descontentamento é
visível, mas o que posso fazer?
— Acho que agora tenho apenas um casamento, não mais
um marido.
— Deveria ter me ouvido. — Seu tom é de lamentação.
— Eu sei que... – Minha narrativa é interrompida. A porta
da entrada se abre e, por ela, passa Daemon, sem olhar para o
lado, sabendo que estou aqui, e está acompanhado de ao menos
quatro soldados das decinas de segurança que ficam do lado de
fora.
Eu o acompanho com o olhar. Segundos se passam, Marta
continua a falar, mas eu não escuto. O som de coisas batendo no
segundo andar faz com que ela se junte a mim na intenção de
adivinhar o que estão fazendo lá em cima. Eu poderia ficar aqui,
eu poderia ficar quieta e não me meter, mas o senso de teimosia e
curiosidade nunca vai me deixar, é exatamente quem eu sou. Ao
me pôr de pé, subo as escadas enquanto o barulho está crescente.
Marta aguarda-me no pé da escada, tendo estranhado os mesmos
sons que eu.
Estão retirando grande parte dos itens do meu quarto e de
meu marido, pondo-os no quarto de visitas do segundo andar.
— O que está fazendo, Daemon? — Ele coordena um dos
soldados que leva a estante de livros já vazia nos ombros,
pedindo passagem para que eu me afaste e ele consiga entrar na
porta do outro lado do corredor.
— Você já cumpriu o seu papel. Não há por que dormirmos
juntos. — Suas palavras são um rosnado e ele não esconde a fúria
e o ódio sucinto de estar praticamente me expulsando de algo que
deveria ser nosso.
— Do que você está falando? — questiono, ainda nublada
pela falta de entendimento.
— Você cumpriu seu papel como esposa. Tem um herdeiro
no seu ventre e de acordo com a Constituição Siciliana desta
contravenção, você não dorme mais comigo a partir de hoje. — O
sentimento é de ser humilhada. De ser descartada como papel
barato e eu só consigo olhar em desespero para as mobílias que
continuam saindo do nosso quarto. Ele está me abandonando. O
homem que me jurou proteger está me abandonando, consciente
de suas ações, não por achismo, mas por certeza e decisão.
— Por que está fazendo isso? Ao que isso implica de forma
negativa entre nós dois? — Minha voz é uma mistura de tristeza e
desespero.
— Essas são as regras. O Don segue as regras de sua casa e
eu disse exatamente quem seria para você a partir daquela noite.
Seu único dever é acatar. — Torce o nariz.
Em um último ato de aflição, paro os soldados que, sem
reação, não avançam, conforme a ordem do capo.
— PAREM! Deixem tudo aqui! — grito, impedindo que
mais coisas entrem no quarto de hóspedes.
— Jezebel! — meu marido grita de dentro de seu quarto,
observando-me no corredor. — Não é você quem dita as regras
aos meus homens.
— Eu sou a sua esposa, não pode fazer isso. — Uma
mistura de decepção e raiva.
— Se aumentar a voz, eu vou jogá-la no quarto branco. —
Ele está diante de mim, encarando-me de cima a baixo, com o
mesmo tom de ordem que dá aos seus homens, mas Daemon
precisa entender que não sou um deles.
— Você não teria coragem — grito também, e seus dedos
fecham-se em meu braço, não de forma grosseira, mas firme o
suficiente para que eu não saia, mesmo que tente.
— Eu adoro quando você duvida. — Ele desce as escadas e
eu sou obrigada a acompanhá-lo, pois, pelos passos rápidos e
densos no chão, não acho que ele vá desistir.
— Para! — grito.
— Nem pensar! — A porta se abre e o carro oficial da
Omertà está no jardim, onde Dante e Mattia logo desembarcam,
petrificados e confusos, sem entender a cena que se desenrola
diante de seus olhos. Atravessamos o jardim juntos,
aproximando-nos do salão e da área de treino, na qual fica o
quarto que prometera, o quarto branco.
Seu agarre afrouxa e consigo finalmente puxar o braço,
desvinculando-me a carne de seus dedos.
— Você não precisa agir assim, me tratar mal ou me odiar
como Alessandro, apenas porque Daemon foi magoado. — Meu
marido arregala os olhos pela ousadia. Ele não espera tanta
autossuficiência de mim, não espera qualquer confronto, pois, em
sua cabeça, minha permanência depois do casamento se daria em
um quadro de passividade como tivemos ao decorrer do primeiro
ano em Pavia.
Antes que ele tente recuperar meu braço, Mattia surge,
segurando-o pelo peito, enquanto seus olhos verdes de pupilas
dilatadas me têm como foco principal, ensandecido pela tristeza,
acreditando que minha permanência no mesmo lugar em que enfia
seus inimigos vai aliviar qualquer sentimento de frustração que
tenha aparecido dentro dele, desde o dia que descobriu que, de
fato, seria pai.
— Qual seu problema, Daemon? Ficou louco? Pretende
matá-la, apenas porque ela expôs seus sentimentos? — Mattia
está perplexo, mas então, como eu deveria ficar? Já que ele,
como Conselheiro há anos, talvez nunca vira o próprio chefe tão
ensandecido dessa forma.
— Matá-la? Do que está falando, porra? Apenas uma
punição pela desobediência! — ele grita, ainda tentando me ter
em suas mãos, mas o Conselheiro mais uma vez o impede. Dante
está de pé a alguns metros, com a face calma, analisando a
situação com uma frieza surreal.
— Nem pensar, você vai se arrepender depois — o
Conselheiro insiste.
— Diga a ele, diga a ele a mentira que escondeu! —
Daemon se apazigua, mas as veias saltadas ainda palpitam em seu
pescoço e seus braços expostos.
—Merda! — Mattia recolhe o olhar famigerado pelo
sentimento de frustração, porque ele acaba de entender a
motivação de Daemon em me punir e, assim como Marta, após ter
me alertado inúmeras vezes, sabe que estou apenas colhendo o
que plantei no início. — Vamos conversar lá dentro. Desse jeito,
não vamos resolver absolutamente nada. Só vai piorar as coisas.
Daemon dá exatamente quatro passos. Seus lábios se
entreabrem e seu rosto está retorcido entre a decepção e o mesmo
sentimento de traição que teve na noite em que descobriu minha
mentira, mas agora tem a certeza de que não o fiz sozinha.
— Você... você sabia? — Olha para Marta de pé, pronta
para me retirar daqui. — Você também, Marta?
A governanta evita o olhar dele, mas Mattia se entrega cada
vez mais com seu jogo de suspiros e tentativas eximes de
controlar Daemon, que está entre a ruptura do ódio e o amargor
da decepção. Seu rosto está vermelho, o pescoço também.
Normalmente, ele não se deixaria afetar tanto, mas noto, há
algum tempo, que quando se trata de mim, ele não tem qualquer
controle sobre isso.
— Você precisa se acalmar. Eu não vou deixar que você
converse com Jezebel nesse estado — o Conselheiro murmura.
— Você deveria ser a minha mão direita, Mattia. Você
escondeu de mim todo esse tempo? Você a ajudou a esconder isso
de mim? Quando mudou de lado?
— Você ao menos tentou ouvir o que ela tinha a dizer? —
Daemon não me tem como foco agora, seus olhos estão pregados
em seu Conselheiro e talvez ex-companheiro.
— Não há nenhuma conversa que explique o que ela fez.
Além de ter escondido a gestação, ela estava se deitando com...
Alessandro. — Mattia fecha os olhos, respirando fundo, como se
a cada segundo ficasse mais difícil me defender.
— Olha, Jezebel só não te contou antes, porque ela tem
medo de você, Daemon. Não de Alessandro, mas de você. — O
Conselheiro se mostra imponente e eu devo dizer que vivi para
ver isso. Ele não desrespeita seu Capo, mas o faz entender a
importância de sua presença como a mão direita que lhe serve. —
Eu sou completamente leal a você, mas não espere que eu vá ficar
a seu favor nessa situação. Eu tenho promessas... — Ele me olha
para me deixar segura. Mattia me prometeu que tudo ficaria bem.
— E eu pretendo cumpri-las, mesmo que precise ficar contra você
agora.
Isso, sim, é um baque para o Capo. Seu homem de
confiança acaba de escolher um lado, e Dante, que estava sério
até então, fica surpreso e entra em uma crise de riso irônica.
— Você enlouqueceu? — murmura Daemonl desacreditado,
com as mãos abertas e os ombros caídos.
— Nunca imaginei que uma vinda à Sicília seria tão
divertida e reveladora, porque talvez não seja apenas o
Conselheiro de Lucius que esteja apaixonado pela esposa do
Capo. — Então o mundo acaba de desabar sobre a minha cabeça,
pois consigo ver apenas o olhar de Daemon dirigir-se para mim,
então para Dante, que continua a rir, e para Mattia em seguida.
Uma granada é lançada entre nós, e ainda que não seja
literal, o ambiente se densifica tanto quanto.
— Não seja idiota! — exclama o Capo, mas o silêncio
reverbera.
— Era para ser um blefe. — Dante retoma à seriedade de
antes, entendendo a grande merda que fez.
— Mattia... — Ele puxa o ar do fundo do peito, cerrando a
mandíbula com os dentes para tentar apaziguar a euforia que o
toma. — Diga que ele não está falando a verdade.
O Conselheiro me encara, em seguida olha para Marta em
um pedido que, na verdade, torna-se uma afirmação para a
pergunta de Daemon.
— Marta, tire Jezebel daqui agora. Leve-a para dentro! —
Marta o faz, temerosa, já que viu tanto Daemon quanto o seu
braço direito crescerem juntos e entende o que a exposição deste
fato pode causar entre os dois.
— Mattia! Responda! — o Capo grita, severo em sua voz
que se torna tão forte como a de um touro, que para se
transformar em um animal, falta apenas ficar de quatro no chão,
já que o acúmulo de raiva está inteiramente em seus olhos. —
Como você pôde? Você não tinha a droga do direito!
Marta me puxa, mas eu não quero ir.
— Mas eu não escolhi isso, Daemon. Isso não muda nada
entre nós. — O que o faz perder a credibilidade é que ele
simplesmente me encara para ter certeza de que estou longe o
suficiente.
— Não muda nada? Você se apaixonou por ela, porra!
— Eu sempre a respeitei, sempre respeitei você e isso
nunca vai mudar.
— Acha que eu sou idiota? Como acha que eu vou
continuar permitindo que você continue próximo de Jezebel,
sabendo que deseja a minha mulher da mesma forma que eu? —
Frustrado, é essa a palavra mais permissiva que encontro para
encaixar o estado de Daemon, em uma linha tênue com a
ignorância que o faz ficar cego. O telhado está desabando sobre a
minha cabeça, mas é o mundo inteiro que acaba de desabar na
dele.
— Não bote as palavras na minha boca. — Em um minuto,
estavam a quase um metro de distância, mas, no outro, o punho
de Daemon cortou o ar, acertando o de Mattia. Posso ver Dante
indo em direção a ambos, mas tudo foge de cena quando a
governanta, com ajuda de alguns soldados conseguem me pôr
dentro de casa, enquanto outros provavelmente vão em direção à
briga para apartar os ânimos decadentes do Capo da Cosa Nostra
e de seu Consigliere.
SÉTIMA TROMBETA
E o sétimo anjo tocou a sua trombeta, e houve no céu grandes
vozes, que diziam: Os reinos do mundo vieram a ser de nosso
Senhor e do seu Cristo, e ele reinará para todo o sempre. —
Apocalipse 11:15
Bem-vindo ao inferno
4 anos depois.
Um grande beijo.
[1]
Que inspira aversão, ódio; abominável, detestável.
[2]
Bebês e crianças.
[3]
Significa baixo teor (concentração) de oxigênio. É quando a quantidade de oxigênio
transportada para as células do corpo é insuficiente.
[4]
A função do camerlengo é cuidar interinamente da administração da igreja quando o
sumo pontífice falece ou abdica de sua cadeira. Ele anuncia o fim do papado, organiza um novo
conclave e é responsável por assumir o poder eclesial até que o novo papa seja nomeado.
[5]
Dia 11 de julho, a Igreja Católica celebra o Dia De São Bento, considerado “o pai dos
monges” e padroeiro da Europa.
[6]
“A palavra liberta” é uma interpretação derivada de alguns princípios e versículos
presentes na Bíblia. Um versículo que pode ser associado a essa ideia é João 8:32, que diz: "E
conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará". Aqui, a palavra "verdade" é associada à libertação
espiritual e ao conhecimento que leva à liberdade interior.
[i]
Mecanismo presente no fogão que marca o tempo em que a comida deve ficar no fogo,
que ao chegar no tempo marcado, apita alto.