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Copyright © 2024 Jéssica Ribeiro

ESTRELAS ALÉM DO TEMPO


1ª Edição

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser reproduzida ou transmitida
por qualquer forma, meios eletrônicos ou mecânico sem consentimento e autorização por escrito
do autor/editor.

Capa: Mirella Santana


Diagramação: Luana Berle | LB Design Editorial
Revisão: Rafaela Horn e Miriã Caetano
Leitura crítica: Maria Eduarda
Ilustrações: Gabriela Gois

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos
da imaginação da autora. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. Nenhuma
parte desse livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes – tangíveis ou
intangíveis – sem prévia autorização da autora. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na lei nº 9.610/98, punido pelo artigo 184 do código penal.

TEXTO REVISADO SEGUNDO O ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA


PORTUGUESA.
PLAYLIST
NOTAS DA AUTORA
AVISOS DE GATILHO
PRÓLOGO
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
CAPÍTULO 03
CAPÍTULO 04
CAPÍTULO 05
CAPÍTULO 06
CAPÍTULO 07
CAPÍTULO 08
CAPÍTULO 09
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
EPÍLOGO I
EPÍLOGO II
NOTAS FINAIS
SOBRE A AUTORA
Para todas as garotas que já olharam para homens mais velhos
e fantasiaram das doces às mais devassas histórias. Desejo que, um dia,
você encontre alguém que queira te dar uma galáxia quando
você pensava merecer apenas uma estrela.
Você é digna de um céu inteiro!
Caro leitor, seja muito bem-vindo!
Talvez você me conheça de outros trabalhos ou talvez essa seja a primeira obra minha à
qual você dá uma chance. De qualquer forma, quero esclarecer que esse livro não tem a
pretensão de abordar com profundidade grandes temas, ter cunho social ou plots super-
impactantes.
Digo isso porque este já foi meu objetivo em outras obras. Diferente delas, porém,
“Estrelas Além do Tempo” tem uma narrativa mais simples, focada no relacionamento dos
protagonistas e seu ciclo pessoal.
Quando Tommaso e Romana vieram para mim, eu imaginei que os escreveria em outro
momento, afinal, já estava com alguns projetos na fila. Porém não tive escolha, senão passar os
dois teimosos na frente. No meu momento mais sombrio e repleto de dúvidas sobre a minha
carreira, foram eles que me mantiveram ancorada aos motivos que me fazem dedicar horas de
esforço para dar vida a uma história. Eles foram o motivo dos meus melhores sorrisos, suspiros
apaixonados e gritinhos animados nos últimos meses enquanto planejava cada detalhe e,
principalmente, enquanto contava a história de amor deles.
Esses dois vieram para me desafogar da pressão que exerço sobre mim mesma, de um
perfeccionismo que não é saudável e me fazer respirar pela primeira vez no meio de um turbilhão
de problemas. Escrevê-los foi como sentir a Jéssica que começou com tudo isso e que se divertia
muito construindo cada diálogo e não se sentia horrível por passar dias sem conseguir criar nada
que gostasse.
Espero que eles causem um efeito parecido em você.
Espero que te façam sorrir e rir, mesmo em meio a grandes tempestades.
Nenhum momento ruim dura para sempre, afinal de contas.
Caso você esteja lendo através de um PDF, quero pedir que pare nesse instante e, por
favor, busque o livro na Amazon para adquiri-lo. Você pode comprar o e-book por apenas 5,99
ou lê-lo de graça se decidir ser um assinante do Kindle Unlimited. É muito importante para mim,
afinal, é o meu trabalho e só posso continuar a exercê-lo com a sua colaboração de não ler o livro
por meio da pirataria.
Combinado? Certo, muito obrigada!
Ah, uma última coisa! Não se esqueça de me dizer sua opinião ao terminar. Sua avaliação
me ajuda a fazer o livro chegar a mais pessoas, seja com uma resenha (que eu amo muito ler!) ou
apenas com as estrelinhas no final da leitura. Pode me chamar nas minhas redes sociais também,
vou amar conhecer um pouquinho de quem dedicou seu tempo a conhecer o meu trabalho.
Bom, acho que é isso! Abra seu coração e se divirta sem moderação ao viver a história
dessas duas estrelas.
Com muito amor, Jess.
Alerto que o livro possui cenas de sexo explícito, não sendo recomendado para menores
de dezoito anos. Além de gatilhos sobre relações parentais problemáticas, abuso de álcool
(abordado de forma superficial), drogas, e menções à violência física e psicológica, adulta e
infantil. Reforço também que a narrativa conta com múltiplas quebras no tempo, transitando
entre o presente e o passado do início ao fim. Logo, se é algo que te incomoda, talvez não seja o
livro certo para você.
HOJE
BAYDEN HAVEN[LB1], KANSAS
DOIS DIAS APÓS O RETORNO DE ROMANA À CIDADE

— Do jeito que homem mente, deve ter sido Adão quem comeu a maçã e jogou a culpa
na coitada da Eva. Já parou para pensar nisso? — compartilho o pensamento com Nora, tirando
alguns vestidos do armário. — Toda essa coisa de pecado original e misoginia começou bem ali.
E, sério, por quê? Por conta de uma mísera maçã?
Escuto sua gargalhada.
— Romana...
— Pensa bem! — prossigo com o raciocínio. — Não foi por um chocolate importado ou
um Tonkatsu quentinho.
— O que é isso mesmo?
— Ou..., ou uma barca de frutos-do-mar. Mas uma maçã? — Não dou ouvidos ao
questionamento. Se dedicar algum tempo para explicar o prato japonês, perderei o ponto dos
meus argumentos. — Que mulher briga por uma maçã, Honora?
Um gemido insatisfeito atinge os meus ouvidos, incomodando meus tímpanos pelo tom
estridentemente agudo. Ops! Afasto o telefone do ouvido ao mesmo tempo que minha expressão
se distorce em uma careta, pois conheço o motivo da insatisfação.
— Ei, agora você foi longe demais!
— Desculpa, tá? — peço, largando os cabides por um momento e controlando o sorriso
na minha voz.
Se estivéssemos frente a frente agora, não tenho dúvidas de que avistaria a expressão
ameaçadora dela. Os fios ruivos de seu cabelo fazendo par com os olhos azuis e cristalinos em
chamas, enquanto a dona deles me fuzila.
Honora Kensington é a minha melhor amiga. O nome dela foi dado em homenagem à sua
avó falecida e odiado desde sempre, embora ela ame a sua família, claro. Por isso, ela faz questão
de obrigar a todos a chamá-la de Nora desde criança.
— Olha, Romana... — começa, e eu fecho os olhos por um segundo. Preferia que ela
continuasse com a bronca, mas a julgar pelo tom diligente que passa a usar, sei que vai deixar a
conversa séria. — Eu sei que teve seu coração partido, mas não pode se fechar para toda a
população masculina. Até porque, já faz um ano!
Engulo em seco ao ouvir as palavras. Saber que doze meses se passaram não altera minha
perspectiva dos fatos. Muito pelo contrário, na verdade. Porque de todos os erros que cometi ao
longo da vida, esse certamente foi o pior deles.
— E nem dar um piti por conta de um convite para jantar.
Isso me faz reagir, entreabrindo os lábios em choque.
— Eu nem o conheço, Nora! — protesto, voltando a passar meus cabides, como se
estivesse realmente concentrada em escolher algo decente para usar nesta noite. Uma mentira
que conto a mim mesma a fim de evitar pensar que estou de volta à Bayden Haven depois de
passar um ano na Espanha. — Por que acha que vou sair com ele? Só porque nos esbarramos no
aeroporto quando eu estava voltando e, sabe-se lá como, ele conseguiu meu número?
— Por que ele é atraente? — especula, sem disfarçar a ironia em seu tom. — E você é
atraente? E, bom, pessoas atraentes deveriam sair e se divertir, e não ficar em casa com um pote
de Ben & Jerry’s lendo Diário de Uma Paixão pela décima quinta vez? — Nora suspira. — Fora
que esse gesto de conseguir seu telefone foi bem romântico, você tem que admitir.
Umedeço os lábios, aborrecida.
Puxo um vestido branco do armário, analisando as mangas bufantes e o comprimento
curto do modelo com desgosto enquanto tento pensar em alguma resposta espertinha para dar a
ela.
— Você também ama esse livro — acabo dizendo após alguns segundos. Claramente
falhei na missão.
— Eu amo todos os livros de romance, não é esse o ponto.
Deixo meus ombros caírem.
— Eu só... não gostei muito dele.
— Por que o seu tipo de espanhol é outro, certo? — provoca, fazendo meus olhos
revirarem dentro das pálpebras. — Não quero ser uma megera, mas nós duas sabemos que isso
não tem nada a ver com o convite repentino de um cara bonitinho. Você está nervosa com hoje à
noite. Tem certeza de que tudo bem ir?
Pego um macacão vermelho, elevando-o um pouco diante dos meus olhos. O balançar
negativo da minha cabeça não tem nada a ver com o estilo dele, no entanto, é uma desaprovação
à pergunta descabida de Nora.
— É o seu primeiro lançamento.
— Eu sei, mas...
— Eu não perderia isso por nada — interrompo-a. Depois, jogo o macacão vermelho na
cama, julgando-o como uma possível opção. — Além de que é a sua noite especial. Eu não
deveria estar enchendo os seus ouvidos, Nora. Deve estar atolada com a organização do
lançamento.
Ouço sua língua estalar, um sinal de que está desconsiderando todo o meu discurso. Não
consigo evitar o sorriso, sabendo que mesmo com todos os preparativos, ela não vai desligar até
ter cem por cento de certeza de que estou realmente bem com isso.
— Na verdade, é bem melhor focar nos seus problemas do que nos meus. Eu chamo isso
de Método Kensington de resolução de conflitos. — Ela ri, e eu acompanho. — Eu tenho uma
burocracia chata e uma dose cavalar de ansiedade por saber que precisarei enfrentar todas
aquelas pessoas com meu livro em mãos. Tenho certeza de que irei errar o nome umas dez vezes
por puro nervosismo, e não quero pensar nisso.
— E eu estou te distraindo, certo?
— Exatamente — concorda, divertida. — Afinal, você tem um reencontro épico com o
homem mais quente de Bayden Haven.
Reviro os olhos, jogando um modelo florido sobre a cama.
Outra possível opção.
— É, bom, a cidade é pequena...
— Nós duas sabemos que ele se destacaria até em uma metrópole.
— Por que você o convidou mesmo? — questiono, sem dar o braço a torcer.
— Por que ele manda na porra da cidade? — relembra aquilo que eu já sabia,
considerando o fato uma excelente justificativa para me torturar. — A editora também queria o
máximo de convidados possível, mais chances de vender os exemplares e tal.
E isso é ótimo para Nora, mesmo se tratando de uma editora pequena em uma cidade
ainda menor no interior do Kansas. Essa pode ser a chance dela de ter seu talento notado por
alguém, e eu não poderia estar mais radiante por essa oportunidade. Se isso significa que irei
reencontrar alguém que eu, seguramente, não desejo ver de novo... Bom, terei que lidar com isso.
— Não faz mal — decido, dando a mim mesma uma dose extra de coragem. Pensando
bem, talvez eu devesse tomar um pouco de coragem na forma líquida antes de sair também. —
Não é como se ele fosse aparecer realmente.
Nora fica em silêncio por um segundo.
Um péssimo, péssimo sinal.
— Então..., ele disse que iria.
— Mas ele nunca gostou de eventos... ou de pessoas.
— É, mas eu sei de algo que ele gosta e que estará lá — provoca, bem-humorada. O que
é estranho. No passado, Nora o detestava tanto quanto eu. — E se quer saber a minha opinião...
— Eu não quero.
— ...Ele também sabe.
Movo a cabeça, voltando a pegar outro vestido ao som da risada de Nora pela minha
resposta malcriada. Dessa vez, um amarelo sem mangas e com a cintura marcada. Muito alegre.
É a minha cor favorita, então considero, colocando a peça em frente ao corpo e caminhando até o
espelho mais próximo.
Fica muito bem em mim, considero ao projetar o vestido no corpo. Analiso meu rosto
ovalado e meus olhos repuxados com íris escuras, decidindo que deixarei os cabelos soltos nesta
noite.
— Tudo bem, não importa! — anuncio, fazendo meu melhor para manter o tom de voz
inalterado. Mesmo que isso quase nunca funcione com Nora. Ou com Santi. — Estou nervosa
porque é uma noite importante para você e quero que tudo saia perfeito. Não porque o juiz estará
lá.
— Claro que não...
— Eu já o esqueci.
— Certo...
Franzo o cenho, jogando a peça sobre o colchão.
Perdi cinco meses da minha vida antes de ter a sorte de sair do país para um intercâmbio,
não vou cometer os mesmos erros do passado.
— Por que eu não esqueceria?
— Apenas considere todas as qualidades que aquele espécime raro possui, ok? —
devolve, risonha demais. — Vou começar pela mais óbvia: o tamanho.
Faço um som de desdém, pronta para retrucar:
— Vários homens possuem mais de um metro e noventa.
— Não estava me referindo a essa... envergadura.
Engasgo com a saliva.
— Pelo amor de Deus!
— Viu só? — Minha amiga ri alto. — É por este e outros motivos que a sua vida é muito
mais interessante do que a minha, e eu uso meu método fantástico para saber mais dela. — Há
uma pausa curta na linha. — Pensando melhor, eu deveria colocar isso em um livro.
Passo a mão pelo meu cabelo, afastando os fios escuros para longe do rosto. Totalmente
arrependida da conversa que tivemos no passado.
— Por que eu te contei isso mesmo?
— Porque sou sua melhor amiga — responde prontamente. — E melhores amigas não
possuem segredos.
— Certo, mas falar sobre o tamanho do pau dele pode ter sido um pouco demais. — Seco
o suor que brota na minha nuca e decido abrir a janela do quarto. Por que diabos ficou tão quente
de repente? — Além do mais, o tamanho não importa realmente.
Dessa vez, Nora não ri. Gargalha.
Mulherzinha imunda!
— Até eu sei que isso é uma mentira deslavada.
— É muita prepotência sua afirmar isso com esse selo intacto no meio das pernas, você
não acha?
— Qual é, Romana?! — reclama entre risadas. — Nenhuma mulher vai querer um
diamante minúsculo se puder ter um de três quilates, certo? Ou uma amostra grátis de uma
fragrância da La Rive com a chance de laçar um frasco da Chanel.
— Eu não faço ideia de qual marca seja essa.
— Céus! — É a vez de ela ofegar, e posso apostar que está com uma das mãos sobre o
peito. — Espero que você não esteja falando da Chanel.
Ser amiga de Nora torna esse feito impossível. Mesmo com showzinho reclamão, ela
sabe disso, tanto que continua sem que eu precise desfazer o mal-entendido sobre qual marca
estava me referindo.
— O ponto, Romana, é que ninguém em sã consciência iria cavalgar pelos vales
orgásticos do prazer sobre um cavalinho mixuruca se pudesse montar em um unicórnio mágico
com um chifre grosso e reluzente de vinte e dois centímetros.
Aperto os lábios para conter uma risada.
Não posso dar este gostinho a ela depois de tudo.
— Diz que não escreveu isso no seu livro.
— Assim você me ofende! Só falo essas merdas para você.
Agora é impossível não rir.
— O valor de um pênis não deveria ser medido por centímetros, Nora — opino,
desistindo de procurar mais roupas. Depois de uma hora em uma busca incessante, vou ficar com
o primeiro modelo que peguei no guarda-roupa. Cômico, não? — Além do tamanho, há um fator
a ser considerado: o desempenho. E grande parte dos caras falha nessa parte, mesmo com um
pênis digno de prêmios.
Minha amiga solta um gritinho e tenho certeza de que está vasculhando cada canto do seu
quarto epopeico em busca de algum post-it para fazer a anotação. Ela sempre faz isso para não
perder a inspiração, recorrendo a notas autoadesivas, eletrônicas ou ao bloco de anotações do
celular. Escritores e suas esquisitices... Nora tem muitas.
— Uau, isso sim é bom para estar em um livro!
— Você não existe — digo como um elogio porque realmente é. Pessoas comuns são
totalmente desinteressantes. — Mas podemos, por favor, falar sobre outra coisa?
Antes que ela possa responder, alguém parece chamá-la. Um segundo depois, ouço a voz
rouca de Max próxima, abafada por estar longe do telefone. Ele é o agente literário de Nora e se
foi até a casa dela, eles provavelmente precisam resolver alguma crise sobre a noite de
autógrafos.
Digamos que o Sr. e a Sra. Kensington não reagiram muito bem a essa... Hum, nova vida
de Nora. Tanto que não estarão presentes nesta noite.
— Escuta, por mais que eu fosse adorar opinar na sua escolha de roupas para hoje ou
discutir sobre aquele outro grande assunto, preciso mesmo ir. — Volta a falar comigo com uma
pitada de malícia na voz. — Estamos com problemas na disposição dos exemplares e eu nem fiz
a minha maquiagem.
— Não se preocupe, Nora. Me liga se precisar de algo?
— Com certeza. Não se atrase, tá bom? — ressalta, ciente de que pontualidade não é
uma das minhas qualidades. — Estou muito feliz que está de volta. Amo você!
Abro um sorriso alegre.
— Vejo você logo.
Desligo, respirando fundo ao encarar a bagunça que fiz enquanto escolhia algo para usar
e, em seguida, espio na direção do pequeno relógio sobre a mesa de cabeceira. Tenho pouco mais
de uma hora antes do horário marcado, faço as contas mentalmente. Preciso organizar isso, tomar
um banho, me arrumar e chegar à Heartland.
Sem atrasos, é claro.
— Merda... — murmuro para mim mesma, balançando a cabeça em recriminação ao
derrotismo em seguida. — Você consegue, Romana. É só fazer tudo bem, bem rapidinho.
Aqui vai um spoiler: não, eu não consegui.
Ao que parece, apenas acreditar no seu potencial não é suficiente.
Cheguei quinze minutos atrasada e quase quebrei meu salto na entrada. Um azar e tanto,
mas não posso me dar ao luxo de reclamar. Cheguei antes de Nora começar a autografar os
exemplares e não encontrei o Diabo em canto algum após uma rápida passada de olhos pelo
lugar.
Sabia que nunca se sacrificaria tanto.
Romance, pessoas e diversão?
Provavelmente ele é alérgico a essas três coisas.
Sinto meus lábios se curvarem ao dar uma olhada ao redor. A Heartland foi uma escolha
assertiva, mesmo que Nora não tivesse muita opção por ser a única livraria da cidade. Há alguns
sebos, é claro, mas nada que comportasse um evento como esse.
As luzes amareladas contrastam com a estrutura de madeira exposta no teto, decorada
com livros abertos suspensos por cabos quase invisíveis. Além das estantes posicionadas em
pontos estratégicos do espaço, há quatro pilhas enormes de livros no centro da livraria, próximas
a uma mesa coberta com um forro simples. Nela, consigo avistar três exemplares de “Amor de
Verão” ao lado de um lindo vaso de crisântemos. São as flores favoritas da minha amiga, e eu
apostaria um braço no palpite de quem as trouxe, embora não o tenha visto.
— Oi, Romana. — A voz ecoa próxima de mim, e eu giro a cabeça para encontrar o
agente de Nora. Ele realmente se arrumou nesta noite, penso ao olhá-lo. Até abandonou os
suéteres que costuma vestir. — É bom ter você de volta à cidade.
Uma coisa sobre cidades pequenas: todos ficam sabendo de tudo o que acontece em
tempo recorde. Maior que o carisma típico dos moradores, apenas a língua! Disposta a
compartilhar sobre a vida alheia sempre que possível.
— Obrigada, Max. — Não é como se tivéssemos muito o que conversar, então procuro
minha amiga entre as pessoas. — Sabe me dizer onde Nora está? Não a vi desde que cheguei.
Ele ri.
— Retocando o batom depois que eu avisei que o jornal da cidade iria vir tirar algumas
fotos — confidencia, bem-humorado, fazendo meu próprio sorriso se expandir. Ela é a pessoa
mais vaidosa que eu conheço. — Ah, ali está ela! — Aponta em direção a um dos corredores,
próximo ao banheiro. — Bom, preciso ajustar alguns últimos detalhes. Foi bom ver você.
— Digo o mesmo.
Max se afasta para conversar com uma das funcionárias da livraria, e eu aguardo
pacientemente enquanto minha amiga se aproxima, examinando com olhos astutos a minha
escolha de roupas. Não é um vestido de grife, mas me rendi a um par de saltos, então recebo um
joinha de aprovação. Fora que o modelo amarelo acinturado por um corpete simples e alças finas
me cai muito bem.
— Essa noite não seria a mesma sem você aqui — murmura ao me dar um abraço
apertado. Retribuo o gesto, feliz por saber que vamos voltar a nos ver com frequência a partir de
agora. — Significa muito para mim.
A felicidade e o sucesso dela sempre terão um sabor tão doce quanto as minhas próprias
conquistas, e ela sabe disso. Por isso, inclino um pouco a cabeça e brinco:
— Eu não poderia ficar sem meu autógrafo.
Nora abre distância entre nós.
— Vai ser o mais especial, mas não deixe Santi saber disso. — A ruiva me lança uma
piscadinha travessa. Não deixo de reparar como seu cabelo está incrível com cachos grossos de
babyliss. — Aliás, ele me mandou flores e um cartão, mas ainda não chegou.
A incerteza por não saber se ele virá faz meu coração apertar no peito, refém do velho
sentimento de culpa que me castigou demasiadamente ao longo dos últimos meses. Sinto como
se a nossa relação fosse um campo minado.
— O que dizia no cartão? — pergunto, preferindo fugir disso.
Recebo um gesto de ombros.
— Que eu iria arrasar nessa noite — pontua ela, lutando contra um sorriso. — Mas se os
exemplares não se esgotassem, Santi compraria todos.
Ergo as sobrancelhas.
— Hum...
— Hum o quê, Romana?
Abro a boca para provocá-la, sem articular nenhuma frase de fato.
É engraçado que eu não tenha me distraído com o som da porta se abrindo ou o de
alguém se movendo, o que seria impossível com tantas pessoas andando e conversando, mas sim
por ter sentido a presença dele. De imediato.
Com um virar sutil de cabeça, confirmo que o arrepio na minha nuca não foi
desmotivado. Eu o vejo a distância. Descendo as escadas que dão acesso à entrada principal em
passos lentos e comedidos. Está vestindo preto da cabeça aos pés: camisa de botões preta, calça
preta, cinto preto, sapatos pretos.
Coração preto também.
Esse é Tommaso Falcão-Ruiz.
Agradeci a minha sorte cedo demais...
— Droga... — praguejo baixinho, segurando a respiração no instante em que nossos
olhares se encontram.
Mesmo com todas as cabeças do lugar voltadas em sua direção, impressionadas com sua
presença aqui, eu suponho, ele não se importa com nada nem ninguém. Tommaso não se
preocupa em cumprimentar ou ser minimamente educado, apenas mantém seus passos punitivos
com um objetivo traçado: chegar a mim.
— Acho que você tem problemas maiores para lidar agora. — Minha amiga murmura,
apertando meu ombro em sinal de conforto antes de se afastar. — Seja educada, você consegue!
Contenho o som irônico borbulhando no meu peito.
— Eu não tenho tanta certeza disso...
É patético que eu não consiga desviar os olhos, como deveria fazer. Há algo sobre ele que
chama a minha atenção, algo que me mantém hipnotizada e, ao mesmo tempo, também tenta me
afastar. Sempre houve.
Quando Tommaso chega a cerca de três passos de mim, quase recuo, sentindo o espaço
pequeno demais de repente. Ele é insanamente alto e intimida com sua postura altiva e estrutura
corpulenta. O cabelo loiro-escuro está mais curto nas laterais e atrás, deixando-o um pouco mais
comprido e bagunçado na parte de cima. A barba cheia, que eu sei ser áspera, possui o mesmo
tom.
Suspiro, resignada.
Eu gostava de correr meus dedos por ela quase tanto quanto o juiz era obcecado pelos
fios longos do meu cabelo preto. Em um ato de rebeldia, quase os cortei quando estava no
intercâmbio. Felizmente, notei que seria uma atitude idiota a tempo.
— Estás hermosa — diz, sem esboçar nenhuma emoção. Sem um inclinar de cabeça, sem
algum gesto, sem um sorriso. Ah, é, ele não sabe sorrir... — Sempre está bonita, Romana. E esse
seu olhar surpreso fica bem com esse vestido.
Movo a cabeça, brava comigo mesma por me deixar afetar com o tom grave e rouco de
sua voz e o sotaque espanhol. Quero dizer, acabei de passar meses com vários espanhóis e
nenhum deles extorquia reações do meu corpo com tamanho encanto.
Por que ele?
Por que caralhos ele?!
— Você... — pauso, buscando por palavras. — Veio até aqui apenas para me dizer isso?
Não precisava se dar ao trabalho de me cumprimentar, já que...
Antes que eu termine, capto uma reação vinda dele.
Finalmente.
O juiz sempre tão controlado perde o compasso da respiração. As narinas se dilatando um
pouco conforme desliza sua atenção por cada centímetro do meu corpo, analisando a forma como
o vestido simples e alegre se molda às minhas curvas e expõe grande parte das minhas pernas.
O deslize não dura muito tempo.
— Quero conversar, Romana.
Abro um sorriso irônico, examinando as pessoas ao nosso redor. Todas estão
conversando sem parar, fitando Tommaso pelo canto de olho de tempos em tempos. Um ano
atrás, ele jamais se colocaria nessa situação.
— Você odeia tudo sobre essa noite — afirmo, voltando a encará-lo de frente. Ao que
parece, ele não moveu sua atenção de mim nem por um segundo.
— É verdade.
— Não consigo entender a razão pela qual está aqui.
— Consegue, sim. — Ele faz uma pequena pausa, então emenda: — Sempre valeu a pena
enfrentar o que eu odeio se a recompensa, no final de tudo, for algum tempo com você.
Sorvo uma respiração profunda, tentando me manter calma.
Nora ainda vai levar algum tempo para começar os autógrafos e duvido muito que
Tommaso me deixe em paz tão facilmente. Isso seria contra a natureza intransigente dele, que
nunca aceita que nada saia fora dos seus planos. Velho mandão!
— Ok, é assim que vai ser... — aviso, ríspida. — Vamos ao bar do outro lado da rua
tomar uma bebida e conversar por cinco minutos. — Ameaço lhe dar as costas, mas mudo de
ideia, relembrando um tópico importante. — E se você tocar em mim, eu vou quebrar os seus
dedos. Entendido?
Vejo a mudança sutil em sua expressão, apenas nas íris esverdeadas. Um leve franzir que
cria rugas ao redor dos olhos experientes e, de forma paradoxal, o deixam um pouco mais jovem.
— Sei que é capaz de tentar fazer isso — responde com um prazer doentio. — Ainda que
todos aqui saibam o risco fatal que é até mesmo discutir comigo.
Mantenho os ombros erguidos.
— Diferente deles, eu não tenho medo de você.
Espalmo a mão em seu peito apenas para afastá-lo de mim e conseguir passar. O que eu
julgava ser uma missão árdua por sentir os músculos firmes e quente abaixo das camadas de
tecido sob os meus dedos torna-se uma tarefa totalmente impossível quando encontro as batidas
aceleradas do seu coração.
Ele está morto.
Como pode bater assim?
— Não tenho permissão para encostar em você, mas me tocar é permitido? — questiona
com humor. — No me parece muy justo. — Ele toma o caminho da saída antes que eu pense em
uma resposta espertinha e pouco educada para retrucar.
Lanço um último olhar à Nora, que, atenta à nossa interação como a boa abelhuda que é,
apenas sorri quando faço um gesto de mãos, transmitindo que volto logo. Encontro meu karma
do lado de fora, coberto por um casaco pesado e escuro. As mãos dentro dos bolsos, distraído
com o movimento tranquilo da rua.
Ao sentir minha aproximação, seus olhos caminham até mim.
E caem para o meu vestido.
Bom, de novo.
— Vai conseguir encarar meu rosto enquanto conversamos?
— Vou fazer o meu melhor — responde, sem se afetar com a minha grosseria. — Não
trouxe um casaco?
Fecho os olhos um momento.
— Esqueci lá dentro.
Encaro a porta, pesando a decisão de voltar e buscá-lo. Está frio aqui fora — congelando,
na verdade —, porém, não pretendo ficar por muito tempo de qualquer forma. Antes que eu
consiga me decidir, sinto meus ombros serem cobertos por um tecido macio e aquecido. Viro o
rosto e encontro o olhar autoritário de Tommaso, muito mais perto do que seria apropriado, dado
o passado que temos.
Engulo em seco, sentindo a tensão que irradia dele também me castigar com a nossa
proximidade. Até porque ele não diz absolutamente nada, apenas continua a me lançar aquele
olhar que não abre discussão.
Mas eu, bom, discuto mesmo assim.
— Eu avisei para não me tocar — reclamo, segurando o casaco pelas bordas com a
teimosa intenção de tirá-lo.
É claro que ele não permite. Segura as laterais um pouco mais acima de onde estão as
minhas mãos e endurece mais a expressão. Como se ele pudesse ficar ainda mais carrancudo...
— Não disse nada sobre coisas minhas te tocando.
— Mero detalhe! Não precisa disso.
— Deixa de ser teimosa, menina!
Solto uma risada seca.
Menina? Porra!
— Você e eu sabemos que isso é impossível.
— Seja uma boa garota e faça um esforço, então. — Tommaso afasta as mãos e recua um
pouco. — Agora, a menos que você queira me fazer quebrar realmente uma regra ao colocar a
mão nas suas costas para te conduzir... — aponta para a fachada do The High Five, um bar, do
outro lado —, é melhor mover a sua bunda até lá.
Penso em resistir, mas fui eu quem sugeriu, afinal. Então, faço o melhor para demonstrar
a insatisfação que estou sentindo ao caminhar, ouvindo o som dos passos pesados dele a me
acompanhar. Sem surpresa, Tommaso se coloca entre mim e a rua, mantendo-se do meu lado
direito assim que atravessamos.
Há apenas dois bares na cidade, este e o Cheer’s, onde eu costumava pegar alguns turnos.
Assim que entramos, escolho uma das banquetas de tampo vermelho para me sentar e mal espero
Tommaso se acomodar no assento ao lado do meu para tirar o casaco e empurrar a peça em seu
peito duro como concreto.
Com pouca delicadeza, diga-se de passagem.
Ele o pega com uma expressão irônica dançando em seu rosto, e eu, enfim, sugo uma
respiração profunda, sem sentir o perfume dele me rodeando. Um pouco mais disso e eu ficaria
bêbada sem uma gota de álcool no corpo.
— Não acreditei que tinha mesmo voltado. — Due, o barman, anuncia ao me ver,
cumprimentado Tommaso com um aceno respeitoso. Quase uma reverência, o que é
absolutamente ridículo. — O que vai querer, Romana? A Coca-Cola com gelo de sempre?
Olho para o homem ao meu lado.
— Dessa vez, não. — Volto a fitar Due com um sorriso. — Preciso de algo mais forte,
pode ser?
Surpreso com a minha resposta, Due coça a nuca.
— Pode me mostrar seu documento?
— Qual é, Due? — ecoo, sem acreditar. Ele dá de ombros, puxando um pano e
começando a secar alguns copos próximos. Está no segundo, quando eu volto a falar, percebendo
que está falando sério. — Você me viu nascer, sabe que acabei de fazer 21 anos.
— Só quero ter certeza de que as minhas contas não estão erradas — justifica, lançando
um olhar para os lados. Todo mundo sabe o que aconteceu. — Regras da casa. O xerife tem
reforçado isso no condado.
Ouço a risada sarcástica de Tommaso. Ele sabe que esqueci meu casaco na livraria e que
estou sem bolsa, então deve ter presumido que meus documentos estão lá. E realmente estão,
junto das chaves do meu apartamento.
Odeio quando o babaca está certo!
— Você pode ter oficialmente idade para beber, mas aposto que sempre vão pedir seu
documento nos bares. — É evidente que ele não perde a chance de tripudiar. Tampouco de me
ajudar, pois a pedido dele, eu poderia receber uma garrafa inteira de tequila em vez de apenas
uma dose. — Eu mesmo quase me esqueci de que você acabou de sair das fraudas, não pode
culpar o Due.
— Tranquilo... — devolvo no mesmo tom baixo, enquanto Due continua a secar os
copos. — Eu também quase me esqueci de que em pouco tempo você vai precisar usar umas no
asilo da cidade. Todo mundo comete erros às vezes.
Abro um sorriso encantador e continuo:
— Aliás, está na hora de ser mais legal com as pessoas. Ou vão descontar toda a sua
crueldade quando for um velho. — Rio baixinho. — Bom, mais velho, não é?
Ele umedece os lábios, examinando rapidamente os meus. De um jeito que não é vulgar,
mas predador. Tommaso aparenta a idade que possui. A experiência praticamente exala de seus
poros e de cada aspecto de sua aparência que deixam muito claro que ele não é como os garotos
da minha idade. É um homem de 39 anos e, portanto, não se ofende com a minha alfinetada
ácida.
— Quer que eu peça uma bebida de gente grande para você? — O juiz escolhe sua
contraposição, continuando a me atiçar.
— Vou querer a Coca, Due. Obrigada. — Elevo o tom ao pedir, com um sorriso que dura
pouco na minha boca. Em um instante, estou fuzilando Tommaso com os olhos e pressionando
os lábios. — Você não sabe quando calar a boca, não é?
Calmo, ele faz seu pedido, e Due se afasta de nós.
Fico surpresa por não pedir uma taça de vinho. A bebida mais próxima de uma
Sangria[LB2] que, como um legítimo espanhol, o juiz adora.
— Nem você, Romana.
— É verdade.
— Às vezes, eu me pergunto... — pondera, vagueando entre meus olhos. — Se é por isso
que éramos tão bons juntos. Você se lembra?
Fico em silêncio, recusando-me a responder. Sem escolha, ele também direciona sua
atenção para o homem preparando nossas bebidas. Infelizmente, não demora mais que alguns
minutos para que Tommaso esteja erguendo seu copo raso com soda e limão. Eu tomo um gole
generoso de Coca, respirando fundo ao sentir o conteúdo gelado descendo pela minha garganta.
— O que você realmente quer? — volto a falar quando percebo que ele não pretende
romper a quietude.
— Disse que quero conversar.
Movo a cabeça, irresignada.
— O que aconteceu não foi o suficiente?
— Romana...
— Eu não entendo por que está aqui nessa noite, por que insistiu em vir ao lançamento.
Está tentando me torturar com a sua presença, é isso? — Exalo sonoramente, apertando mais o
vidro do copo entre os dedos. — Sinceramente, é a única conclusão que eu consigo chegar. E se
for esse o caso, você está fazendo um excelente trabalho, meus parabéns!
Orbes verdes me fitam intensamente, sem deixar transparecer nada que está passando por
sua cabeça. Tommaso sempre foi um homem difícil de ler e isso não parece ter mudado ao longo
do último ano. Foi ele quem caminhou até mim, foi ele quem disse que tínhamos que conversar e
agora... Apenas continua a me examinar com essa compenetração desconcertante.
— Você nem se desculpou — acuso mais baixo, vários segundos mais tarde.
Ele exala, endurecendo a mandíbula.
— Porque não tenho motivos para fazer isso.
Movo a cabeça.
Só pode ser brincadeira!
— Acha que vou esquecer o que você fez?
— Não é o que quero, cariño — diz sem mais explicações, atenuando o tom ríspido. —
Realmente espero que você possa enxergar o que aconteceu de uma forma diferente.
E aqui está, o homem que jamais admite seus erros.
Que nunca, nunca mesmo, pede desculpas.
— Quer saber, estou cansada de andar em círculos com você — desabafo, erguendo-me
da banqueta com um sobressalto. Atraio sua atenção com o movimento exacerbado e nada
gracioso, assim como a atenção de Due ao bater o copo sobre o balcão. — Vou voltar para a
livraria, e se decidir fazer o mesmo, finja que não estou lá. — Giro de costas, mas lembro de uma
coisa. — Ah, e você paga a bebida!
Saio a passos apressados do bar e só consigo porque o juiz decide me deixar ir. Desafiá-
lo dessa forma, sobretudo em público, seria um ato de insanidade para qualquer outra pessoa,
mas eu não ligo se ele manda em tudo e em todos nessa porcaria de cidade.
Em mim, Tommaso nunca mandou e jamais irá mandar.
Estremeço de imediato ao sentir a temperatura gélida do lado de fora sem o casaco
quentinho que antes estava sobre os meus ombros. Com um suspiro, abraço meu corpo e ando
em direção à livraria. Caso ele decida vir, fingirei que não está aqui e vou me concentrar em
Nora. É o que eu deveria ter feito desde o início.
Volto a me arrepiar com o aquecimento interno da Heartland assim que a porta principal
se fecha nas minhas costas. Suspiro diante da temperatura muito mais agradável, começando
uma caminhada absorta à procura da minha amiga.
No meio de tantos convidados, esbarro em um homem alto. Ele imediatamente segura
meus braços para estabilizar o meu corpo oscilante, e pronta para reclamar, eu ergo a cabeça e
encontro familiares íris verdes me encarando.
— Santi... — sussurro surpresa.
Deus, como eu senti saudades dele!
— Temos muito o que conversar, não é, japonesa? — A pergunta vem acompanhada de
um inclinar charmoso de cabeça. O apelido carinhoso, por si só, me faz sorrir. Gesto que não
combina em nada com o aperto apreensivo no meu peito.
Engulo em seco, concordando.
— Sim, nós temos.
Sem saber por onde começar, apenas continuo a fitar seu rosto. É diferente estar de novo
cara a cara com ele, e não apenas lendo uma mensagem ou ouvindo sua voz reconfortante em
uma ligação.
Santi é quem toma uma atitude primeiro, relaxando os ombros e envolvendo os meus de
forma tão afetuosa que sinto meus olhos marejarem ao recordar alguns desses momentos
corriqueiros entre nós.
— Antes, vamos bajular um pouco a nossa escritora preferida — decreta ao nos colocar
em movimento, ainda me confortando. — O que você acha?
— Santi...
— Isso pode esperar, Romana.
Esperou um ano e isso tem me matado, mas não discuto.
Ele aperta mais o abraço, como se sentisse a relutância.
— Ok... — murmuro, por fim.
— Sabe, é bom ter você de volta.
Sorrio, grata pelas palavras.
Afinal, fui eu que fiz uma merda épica com ele no passado e me apaixonei pelo seu irmão
quase vinte anos mais velho. Suponho que o fato de Santi ainda falar comigo seja um admirável
ato de sorte.
PASSADO
UM ANO ANTES
BAYDEN HAVEN, KANSAS
CABANA DOS FALCÃO-RUIZ

— Vai precisar empinar mais a bunda.


Oh, meu Deus!
Puxo uma respiração difícil.
— Preciso que você relaxe, ok? Tensa será muito pior. — Ele continua, tocando a minha
coluna e favorecendo o ângulo da posição. Está atrás de mim, fazendo o melhor que pode ao que
parece. — Oh, assim mesmo! Não se mova.
O ofego trêmulo que escapa dos meus lábios desvanece no ar, mas é devidamente ouvido
pelas notas ruidosas que o compõem. Sem que ele faça sequer um movimento, minhas pernas
tremem sobre a ponte de ripas e minhas mãos apertam com força o guarda-corpo de madeira. A
única coisa a ocupar a minha mente, porém, é que estamos fazendo isso na casa do lago da
família dele.
— Ande logo com isso, Santi! — choramingo, impaciente.
Alguém pode nos flagrar nessa situação a qualquer momento. Consigo ouvir o som de
Surround do aparelho moderno na festa tocando músicas pop.
Ele suspira.
— É da sua bunda que estamos falando, Romana.
— Acha que eu não sei?
— Se eu não for cuidadoso, pode doer mais do que está doendo agora, e não acho que
você vai aguentar — argumenta em tom firme. Sendo totalmente sincera, com o incômodo que
estou sentindo nesse momento, acho que não irei mesmo.
— Você queria minha permissão, não é? — contesto, de qualquer forma, honrando minha
teimosia descabida. O que, para mim, é uma das minhas melhores qualidades. — Você a
conquistou, então se apresse, Santino!
Escuto o exalar pesado que escapa de seus lábios, um pouco insatisfeito até. Homens...
Por que o cérebro deles parece parar de funcionar nas horas mais inconvenientes?
— Como eu suspeitava, é mesmo uma piranha.
Rolo os olhos ao ouvi-lo.
O que mais seria, caramba?
— Tire logo esse bicho de mim!
— Você já foi mais paciente, Romana.
— Vou fazer uma dessas piranhas morder o seu pau! — ameaço com um rosnado,
girando a cabeça para conseguir encará-lo. — Aí, vamos ver com quanta paciência você lida com
o assunto, mestre da serenidade.
O cintilar dos olhos verdes é o prenúncio de um sorriso que, rapidamente, descontrola-se
e ganha forma. A risada de Santi ecoa sobre nós junto a um “namastê” murmurado com deboche.
— Não seria a primeira vez, sabe...
— Argh! Você é nojento, sabia?
— Mas sou seu melhor amigo — devolve, bem-humorado. Consigo esconder um sorriso
voltando a encarar a paisagem calma à minha frente. — No momento, também sou a melhor
opção para tirar essa piranha cravada na sua bunda. Então, seja uma japonesa boazinha e não me
deixe irritado.
Gemo, arrependida pelos últimos acontecimentos.
As últimas horas, pensando melhor.
Após tantas referências cinematográficas de jovens americanos sozinhos em uma cabana
afastada da cidade, eu deveria ter aprendido que o resultado é imutável e se resume a um grande
caminhão de merda. Foi um ato de sorte ser atacada por um animal de água doce, e não por
algum fanático bizarro de filmes de terror, incorporando Jason Voorhees. Isso, se, com a minha
sorte caminhando rumo ao Precipício da Vergonha, não acontecesse até o fim da noite.
Espera, existe um filme com piranhas assassinas, certo? Ai, puxa, é como estar
protagonizando um remake sem receber o cachê!
— Isso tudo é culpa da Honora! — reclamo em um muxoxo.
Santino volta a rir.
— Ela vai cortar a sua língua se ouvi-la chamando assim.
— E você não tentaria me salvar?
— Está pedindo para eu provar minha lealdade colocando minhas bolas em risco? —
interpela, murmurando um mierda com sotaque espanhol. — Sabe que você teria que se casar
comigo e cuidar de um pobre eunuco, certo?
Aperto os lábios, chateada.
— Mas eu tenho razão nisso — reforço, apertando o guarda-corpo com mais força ao
sentir os dentes da piranha gozadora machucarem mais o meu bumbum com o movimento
cuidadoso de Santino. Deus do céu, com esse carinho, ele não vai tirar essa coisa de mim nunca!
— Santi...
Ele sussurra um shhh para o meu lamurio.
— Conta por que acha que é culpa da Nora.
Fico desnorteada com o pedido a princípio, recuperando o tópico da conversa assim que a
pontada de dor deixa de incomodar. Tomo nota de que Santino está incentivando minhas
reclamações somente para que eu tenha algo para me distrair. E eu, bom, aproveito essa chance.
— Sendo bem justa, você tem parte da culpa.
— Claro que tenho. Vai me falar por quê?
— Uhum! A ideia de fazer uma festa na casa do lago foi sua. Convenceu a gente com
esse seu charme de quarterback a percorrer quase quarenta milhas de carro até Milford Lake. —
Faço uma careta angustiada. O fato de ele ter me dado carona é um mero detalhe. — Mas Nora
tem culpa também, porque eu não estaria nessa situação vergonhosa se ela não tivesse desafiado
a gente a pular pelado na merda desse rio. Gelado pra caramba e, voilà, cheinho de piranhas!
Não preciso olhá-lo para saber que está balançando a cabeça de um lado para o outro,
conheço Santi como a palma da minha mão. E a recíproca é verdadeira entre nós, eu poderia
fazer um pedido a esse cara sem precisar usar sequer uma palavra.
— Tenho que fazer uma observação: a brincadeira foi ideia sua.
— Porque a festa estava chata!
— De tédio, agora você não pode reclamar.
Rolo os olhos.
— Por que somos amigos mesmo?
— Porque eu faço tudo por você, japonesa.
Disso eu não posso discordar.
Apesar do penhasco social entre mim, Nora e Santino, somos amigos desde muito
pequenos. O contato entre eles veio naturalmente por serem vizinhos e terem idades muito
próximas, já eu tive a sorte de Nora gostar de mim no jardim de infância e um belo dia me
chamar para brincar com ela na sua casa da árvore. Desde então, este lugar se tornou o nosso
retiro e somos um trio inseparável.
Passei alguns feriados com a família Kensington ao longo do tempo, Santino também.
Ele tem uma avó e um irmão mais velho que eu apelidei, entre outras coisas, de “homem de
gelo”. E, bom, às vezes eu queria que ele derretesse e virasse uma poça na qual eu poderia
banhar meus delicados pezinhos. Com exceção da descendência espanhola e o sangue quente —
as únicas semelhanças entre eles —, Tommaso e Santino não poderiam ser mais diferentes. Um
eu amo, o outro me faz ter vontade de perder o réu primário.
A grande piada aqui? O cretino é juiz.
— Porra, Santino! Isso doeu! — reclamo ao sentir uma dor aguda. Se houvesse um
concurso de arrancadores de piranhas, Santino certamente terminaria em último lugar.
— Perdón. Mas agora você é uma mulher livre.
— Uma mulher livre ainda com um bumbum?
— A melhor bunda de toda Bayden Haven — responde para me fazer sorrir, e não
demora para que nós dois estejamos rindo.
Pego um pouco da água do rio para me limpar antes de girar os calcanhares e conseguir
encará-lo de frente de novo, apoiando a parte baixa das minhas costas contra a madeira. Encontro
Santi pelado, igual veio ao mundo, e rio um pouco mais ao olhar para baixo.
— Isso é constrangedor! — Ele admite.
— Até para nós. Não é a mesma coisa de quando tínhamos seis anos.
— Com certeza, não. Mas isso... — aponta para a ereção — é uma reação inevitável do
meu corpo ao estar perto de qualquer mulher.
— Oh, certo! Não vou me sentir especial.
Ficamos nos encarando por alguns segundos e, então, caímos na risada novamente. Não
há esse tipo de química entre nós, nunca houve. Nem mesmo na adolescência com os hormônios
em ebulição. Sempre foi como se fôssemos irmãos.
— Agora, sério, acho que seria bom ir a um hospital. — Santi propõe, colocando fim ao
clima leve de antes. — Não está feio nem nada, mas seria bom ter a opinião de um médico.
Encaro os girassóis no meu biquíni, pensativa. Diferente de Santi, não estou
completamente nua. Acabei burlando as regras do desafio e dando uma roubadinha ao pular com
roupa de banho mesmo. Aliás, fui muito esperta. Imagina se outro bicho resolvesse se agarrar
nos meus seios? Sinto calafrios só de pensar nisso.
— Nora pode ligar para o pai dela.
— Ela saiu sem avisar, o senhor Kensington vai matá-la — nego, movendo a cabeça. —
Além do quê, ele é urologista. Talvez só seria útil se a piranha tivesse mirado nos seus países
baixos. — Temos o hospital local como opção — contesta, claramente mais preocupado do que
deveria. — Nora pode ir com você.
Santi não vai a hospitais. Tipo, nunca. Nunquinha mesmo. Caso a única alternativa fosse
me levar no seu carro, decerto ficaria com o Audi estacionado em frente ao Mercy Regional até
que eu saísse.
— Acho que não precisa. — Dou de ombros, tentando examinar o estrago da melhor
forma que posso ao me contorcer. Tenho um kit de primeiros socorros com gaze, antisséptico e
água-oxigenada em casa, então vou ficar bem. — Não está doendo tanto...
— Romana...
Ele pega a mentira, mas tenho analgésicos também. Vários tipos deles, na verdade. Meu
pai costuma arranjar briga nos bares da cidade quase toda noite.
— Vamos perder nosso tempo — alego, empertigando a coluna. — Vão dizer que preciso
manter a região bem limpa com água e sabão.
Ele avalia a minha expressão com cautela.
— Tem certeza? — interpela, finalmente.
— Ficou alguma coisa lá? Um dente ou algo assim?
— Uh, não. Mal sangrou.
Forço um sorriso.
— Então, tenho certeza. Vamos voltar lá para dentro?
Santino exala, murmurando alguma coisa em espanhol.
— Tá. Beleza.
Caminhamos pela ponte, rumo ao local em que deixamos nossas roupas. As minhas
cuidadosamente dobradas, as dele em uma pilha bagunçada.
É uma droga que eu não tenha sido capaz de cumprir o desafio, tendo perdido a coragem
de entrar nua no último segundo. Sobretudo, porque Nora fez uma campanha enorme para mim
para os alunos da KU[LB3] . Mas não há nada que eu possa fazer sobre isso agora, certo? Quero
dizer, eu teria que me odiar muito para pular no lago de novo.
— Já sabe o que vai dizer para Nora? — Santino indaga enquanto andamos. — Ela vai
exigir um relatório completo.
— Acho que posso... — interrompo a frase, sem concluir o pensamento ao escutar um
som estridente muito mais próximo do que a música abafada da festa.
A percepção cai sobre mim e logo a vejo refletida nos olhos de Santino. O som está tão
alto porque está em movimento, aproximando-se de nós um pouco mais a cada segundo.
— Sabe aquilo que você disse sobre eu ser uma mulher livre? Em poucos minutos, acho
que não será mais verdade. — Ofego, entrando em pânico ao identificar as sirenes da polícia. —
A gente está ferrado!
— Ei, sem toda essa negatividade.
Sarcasticamente, repito em um tom animado:
— A gente está ferrado!
Ele ri.
— Muito melhor.
Engulo em seco, ciente de que Santino pode ser o príncipe dessa cidade, um
nepobaby[LB4] do império babilônico que comanda cada mínima coisa por aqui, mas eu... Eu
sou só eu, caramba! Filha de um bêbado que não para em casa e uma mãe que neste momento
está em Forest Lawn, o cemitério local.
Não demora para que consigamos ver a frente da lataria branca do carro com as luzes
vermelhas e azuis piscando em cima do automóvel. Santino alcança sua cueca, mas eu continuo
congelada quando a porta da viatura se abre e revela o xerife Montgomery.
— Gostaria que fosse a primeira vez que flagro uma festa clandestina. — O homem de
cabelos grisalhos exala, encarando a floresta próxima. A parte de cima do uniforme composta
por um tom bege e desbotado faz a estrela em seu peito brilhar a distância e o rádio em seu
ombro esquerdo se destacar. — Recebi três chamadas de reclamação de ordem pelo barulho.
— Xerife Montgomery. — Santino cumprimenta em tom calmo, aproximando-se dele.
Fico onde estou, constrangida por estar de biquíni. — Entendo a situação, mas é apenas uma
comemoração pelo fim do recesso. Não achamos que as famílias ao redor do lago se
incomodariam com uma festa de fraternidade.
— Seu irmão sabe que está na cabana?
— Também sou um Falcão-Ruiz.
O xerife não fica satisfeito com a resposta.
— É melhor vocês virem comigo — decide, indicando a viatura. — Wright está cuidando
dos seus colegas que estavam na casa.
Tremo no lugar ao ouvir aquelas palavras.
— Não podemos resolver isso de outro jeito?
— Não estão detidos nem nada — tranquiliza o xerife. É claro que Santi, pelo menos, não
passaria a noite na delegacia. Só um louco mexeria com um Falcão-Ruiz nessa cidade, seja ele
qual for. — Mas vou ligar para os seus responsáveis. Não posso liberá-los para dirigir a essa hora
com o risco de estarem bêbados. Ou pior, drogados.
Como dizer a ele que eu não tenho um responsável? Murcho por dentro, mantendo o
questionamento para mim. Normalmente, sou uma boa garota, ao contrário do que as pessoas
pensam dado o meu histórico parental. Contudo, é difícil argumentar isso frente à situação em
que estamos.
— Olha, isso é ridículo! — Faço minha voz ser ouvida, abraçando o tronco com os
braços buscando esconder os meus seios. — Quer nos levar para a delegacia por conta de um
barril de cerveja barata e um pouco de Dr. Peper com vodka? Que, a propósito, é horrível!
— Romana... — Santino murmura, e eu o ignoro.
— Podemos decidir o futuro da América com um voto, sermos preso e até comprar a
porra de uma arma, mas tomar um shot de tequila é um crime antes dos vinte e um? — continuo
despejando as palavras. — Toda essa legislação é ridícula!
O xerife Montgomery avança alguns passos.
— Mais uma palavra e você vai acabar passando a noite na cela por desacato, mocinha.
— Ele olha para Santino, como se pedisse para que me controlasse. Diga-se de passagem, isso
me deixa mais furiosa. Montgomery não fez isso por sermos amigos, fez porque é um machista
de merda e acha que o outro homem no recinto pode colocar algum freio em mim. — Estou certo
de que pelo cheiro no ar, não será apenas maconha que vamos encontrar examinando a casa.
Poupe-me do esforço e venha comigo, Santino. Seu irmão apreciaria esta atitude.
Sem esperar uma resposta afirmativa, sabendo que deu uma boa cartada ao mencionar
Tommaso, o xerife dá meia volta e caminha em direção à viatura.
— Ele é um idiota. — Santino diz baixinho para mim, xingando em espanhol em seguida.
Acho o som de carajo incrível. — Discutir com ele seria perda de tempo, você sabe. Aposto que
ele não entenderia nada do seu vocabulário rebuscado sendo o asno que é.
Certo, isso me faz rir.
Santi é bom nisso.
— Vista sua roupa e vamos acabar logo com isso, ok?
— Ok...
Santino pega sua calça, camisa e jaqueta do time de futebol com facilidade. Eu, ao
contrário, procuro pelo meu vestido — que tenho certeza absoluta ter deixado ao lado das roupas
dele, bem dobradinho — e não o encontro em lugar nenhum.
— Merda, Santi!
Ele olha para mim, colocando a jaqueta sobre os ombros.
— Qual é o problema?
— Meu vestido! — protesto, fitando os arredores da ponte de madeira. Será que algum
esquilo ou guaxinim o pegou? — Não estou vendo em lugar nenhum. — Passo as mãos pelos
fios úmidos e embaraçados do meu cabelo, lançando um olhar aturdido na direção do meu
amigo. — O que eu vou fazer?
Um grito grosseiro ecoa de dentro da viatura, chamando nossa atenção pela demora. O
olhar que Santi oferece em resposta só não é mais aterrorizador do que se o próprio Diabo
estivesse aqui. E, neste caso, estou me referindo ao irmão dele.
— Caramba, não acredito! — choramingo, incrédula com a minha falta de sorte.
Santino se aproxima mais, tirando a jaqueta dos seus ombros e me pedindo para vestir.
Obedeço de imediato, grata por ter algo para cobrir o meu corpo, ainda que seja apenas uma peça
de roupa. O tecido macio da jaqueta é um acalento e, pelo tamanho de Santi, a barra bate no meio
das minhas coxas, engolindo-me inteira. Outra coisa boa foi ter deixado meu celular no bolso
dele, embora esteja descarregado a essa altura.
— Você fica bem como a quarterback — elogia, tentando me deixar mais à vontade.
Começamos a caminhar lado a lado em direção à viatura. — Quer entrar para o time de futebol
do estado do Kansas?
Rio, erguendo um punho em torcida.
— Vai, Wildcats!

— Eu não acredito! — guincho, sentada ao lado de Santino na cadeira da delegacia.


Desconfortável pelo assento ser rígido e pelo machucado no meu bumbum. — Chamou seu
irmão para nos ajudar?
Sou perscrutada por seus olhos confusos e cenho franzido. Há praticamente nós dois aqui
e mais três pessoas na outra fileira de cadeiras da parede oposta. Dois garotos e uma garota,
namorada de um deles. Ouvimos que alguns universitários conseguiram fugir pela floresta e
Nora foi apanhada ainda em Milford Lake ao som dos berros do sr. Kensington.
— A quem mais eu poderia recorrer, Romana?
— Não sei, a um demônio mais bonzinho? — sugiro em desespero, quase fazendo bico.
A última coisa que quero é tomar mais esporro hoje. — Um agiota com Alzheimer? Com
certeza, seria mais fácil pagar o favor depois.
Ele revira os olhos, verdes como o do irmão, mas infinitamente mais afetuosos. Pelo
menos, para mim. Com os caras, ele costuma pegar pesado, mas é um golden boy para as garotas.
— Não exagere.
— Exagerar? Ele vai nos comer vivos.
— Relaxa, japonesa. — Santino empurra o ombro para o lado, quase acertando a minha
cabeça pela nossa diferença de tamanho. — Por mais mal-humorado que ele esteja...
— Esse é o humor habitual dele.
— ...E por mais estressado que Tommaso fique com essas coisas...
— Acho que se tirarmos o estresse do corpo dele, ele desintegra.
— Meu hermano não vai fazer de você a próxima refeição dele.
Paro de imediato com meus argumentos espertinhos, ocupada em espantar o arrepio que
passa pelo meu corpo com a interpretação errônea. Deus, não! Nananina não! Que horror! Isso
está profundamente enterrado no meu passado hediondo de adolescente, onde tive uma
pequenina, bem pequenininha mesmo, queda por Tommaso.
Um desvio de caráter.
Culpa dos hormônios desta fase, eu diria.
Nessa época, eu ainda achava que o infeliz era nascido de uma mãe humana, e não
diretamente do cu do Satã.
Felizmente, criei juízo.
— Ei, tudo bem? — Santino percebe algo de errado. — Está mesmo tão preocupada com
isso?
— Não. Comecei a sentir o frio — respondo com a primeira coisa que passa pela minha
cabeça, o que não deixa de ser verdade. Estou com a jaqueta dele, claro, mas meu corpo ainda
estava meio molhado quando eu a vesti. — Talvez seja a proximidade com a morte, já ouvi dizer
algo sobre isso. Está vendo alguma luz se aproximando ou sou só eu?
Meu amigo ri, passando o braço em volta do meu corpo para me trazer para mais perto e
conseguir me aquecer com o seu calor. Suspiro, relaxando.
— Está chateada e não está pensando direito — diz com cuidado. — Ouviu o que o xerife
disse sobre acionar nossos responsáveis, certo? Minha bateria estava morrendo, se eu não
enviasse uma mensagem para Tommaso no caminho para cá, eles ligariam. Suspeito que teria
sido muito pior.
Odeio saber que tem razão.
E que agora nós dois estamos incomunicáveis.
— Wright não para de nos olhar — comento incomodada, dando este assunto por
encerrado.
O policial está sentado à sua mesa, que fica de frente para onde estamos, e parece pouco
interessado na papelada considerável que está sobre a sua mesa. Prefere ficar lançando olhares
furtivos na nossa direção com a falsa impressão que está sendo discreto.
— Olhar para você. Ele é outro idiota!
— É... — exalo, puxando a barra da jaqueta para baixo. Não cobre nem mais um
centímetro de pele, mas eu me sinto melhor com a atitude.
— Não ficaremos aqui por muito tempo, tá bom? — Santino percebe meu desconforto, e
vejo na postura dele como odeia a situação. Ele exigiu por roupas quando chegamos, mas Wright
afirmou que não tinham nada. Como dissemos, é um idiota. — Meu irmão não vai demorar e vai
chegar cuspindo fogo aos quatro ventos.
Disso, eu não tenho dúvidas...
Contenho as ondas de nervosismo caminhando pelo meu corpo de novo, certa de que
terei uma parcela bem grande dessa irritação direcionada a mim.
O ponto aqui é que a minha relação com Tommaso Falcão-Ruiz nunca foi muito boa.
Nunca medi palavras perto dele e, bom, o juiz não faz o tipo buda calmo que sai por aí
distribuindo sabedoria e tranquilidade. Não, ele está mais para o tipo que destrói vidas
diariamente por causa de um olhar torto, certo de que possui essa cidade nas mãos. Ele não se
importa que o mundo queime ao seu redor, desde que possa andar sobre as cinzas deixadas com
seus caríssimos calçados John Lobb.
Digamos que eu tenho uma coleção desses olhares tortos advindos do meu perfil falante
e do meu bom-humor, o que sempre o tirou do sério como nada nem ninguém jamais conseguiu.
O motivo disso? Meu principal palpite é inveja. Aquele homem é tão escuro e morto por dentro
que tem inveja da minha personalidade encantadora.
E, claro, não posso me esquecer de um fato importante. Talvez, o mais relevante acima
de tudo que mencionei: Tommaso me considera um perigo iminente para o futuro promissor que
planeja para Santino. Para ele, eu não passo de uma garota desajustada e festeira.
Uma garota problema.
Tenho muito orgulho de ser um homem pragmático e controlado em cada um dos
mínimos aspectos da minha vida. Algo lapidado ao longo dos meus trinta e oito anos e colocado
em prática todos os dias, seja no tribunal ou na minha vida pessoal. Existe apenas uma coisa
capaz de fazer todo o meu equilíbrio e compostura descerem ralo abaixo.
Bem, não exatamente uma coisa, mas uma pessoa.
Romana Takayama.
Problemática, tagarela e demasiadamente irritante.
Sempre que Santino está envolvido em alguma confusão, a japonesa atrevida está a
tiracolo. Parei de acreditar que se tratava apenas de coincidência ao longo dos anos, sobretudo
dado a família desajustada que ela possui e sua ausente perspectiva de um bom futuro.
O caminho até a delegacia é preenchido por exasperações que em nada ajudam a
melhorar o meu temperamento. A batida brusca que dou na porta do meu Cadillac Escalade ao
sair é um sinal claro do meu mau-humor por ter sido interrompido no meio de algo importante
com Sawyer e Amaya. E, se tratei meu apreciado brinquedo dessa forma, não tenho a menor
etiqueta com a porta da delegacia. As dobradiças desgastadas rangem, atraindo os olhares de
todos lá dentro, e o baque no vidro por pouco não faz as paredes tremerem, tamanha a
brusquidão.
— Senhor juiz! — A voz de Montgomery atinge meus ouvidos conforme o homem
fardado se aproxima de mim. — Que bom que chegou.
O fato de ser mais velho do que eu poderia fazer a formalidade soar estranha a ouvidos
desatentos, mas a bajulação nada tem a ver com idade, e sim com poder. Algo que eu certamente
possuo nessa cidade.
Embora Bayden Haven possua um prefeito, chefe do poder executivo, eu fui o principal
patrocinador da campanha de Robert Taylor. E isso explica quão longe a minha influência pode
chegar, infiltrando-se por cada membro do conselho municipal. A maioria me deve favores, o
restante está intrinsecamente envolvido nos meus negócios.
— Eles estavam na cabana do senhor em Milford Lake consumindo bebida alcoólica com
menores. Achei melhor manter seu irmão e a garota aqui. — O xerife continua, dando-me os
detalhes do ocorrido. Minha atenção, no entanto, é desviada totalmente assim que coloco os
olhos em Santino e Romana.
Na japonesa arisca, melhor dizendo.
Sentada em uma das cadeiras amarelas, nada cobre a garota além da jaqueta do time de
futebol universitário de Santino. As pernas nuas e roliças não param de se mover, exibindo seu
nervosismo que parece ter se intensificado desde a minha chegada. Os dedos magros, com as
unhas pintadas por um tom forte de rosa, trabalham duramente contra a barra do tecido, como se
com esse gesto inútil conseguisse esconder o que qualquer homem aqui já deve ter notado.
— Xerife — corto sua explicação, mantendo meus olhos nela —, por que diablos
ninguém ofereceu roupas decentes para a garota? — Passo a encará-lo, minha mandíbula
retesada pela irritação. — Ou devo pressupor que estava apreciando o show junto ao outro oficial
aqui presente?
Montgomery engole em seco.
— Não, é claro que não.
— Então, o que está esperando?
Observo as gotículas de suor lhe marcando a testa, entregando não somente seu
desconforto, como também o nervosismo. Patético, assim como Wright. A lei nessa cidade sou
eu, mas o episódio me faz questionar com seriedade se não deveriam ser substituídos.
— Wright... — chama com um rosnado.
— Não. Ele não.
Desconcertado, ele fica imóvel por alguns segundos.
— Ah... Bom... — O xerife limpa a garganta. — Senhora Davis? — chama a secretária,
então, e eu não faço objeções. Ela não demora a aparecer no corredor, saindo de sua mesa. —
Pode ajudar a garota com as roupas? Devemos ter algo que sirva nela no achados e perdidos da
delegacia.
— Oh, claro! — Ela encara Romana sentada. — Vamos lá?
— Um pouco tarde... — A insolente comenta baixinho ao se afastar.
Assim que some no corredor, eu me aproximo de Santino.
Eu o vi nascer e passei a vida cuidando dele, talvez por isso perdemos fragmento por
fragmento do que seria uma relação entre irmãos normal. Acabo tratando-o com um instinto
paterno que a vida me obrigou a adquirir para ser capaz de seguir em frente, e ele tenta manter
tudo o que ama bem longe de mim. Para Santino, quando eu toco em algo, não apenas quebro,
também destruo para sempre.
Ele não concorda com muitas das minhas atitudes, acredita que os meios importam. Eu,
ao contrário, como um hijo de la puta que sou, prego que, chegando ao fim desejado, os danos
causados pelo caminho são irrelevantes.
Espero que um dia ele compreenda isso.
— Quando pediu a cabana para encontrar alguns amigos, pensei que seria mais esperto
para não deixar as coisas saírem do controle. — Não me preocupo em ocupar a cadeira ao lado
dele, mantenho-me de pé e o obrigo a me encarar.
— Não teria tido nenhum problema se um dos vizinhos não tivesse chamado a polícia. —
Ele abre um sorriso zombeteiro, tentando me desafiar. Nos últimos anos, é tudo o que tem feito.
— Ou se o xerife não fosse seu pau-mandado e fizesse questão de rebocar meu carro e me trazer
aqui.
— Se fosse eu naquela casa, não haveria música adolescente. Tampouco bebida barata e
drogas — digo devagar. Santino me olha surpreso, sem ideia de como me enlouqueceu saber que
ele estava em um ambiente como esse. — Por isso, e apenas por isso, um dos vizinhos chamou o
xerife.
— Está exagerando.
Cruzo os braços sobre o peito de forma impaciente, fazendo o tecido escuro da camisa
social se esticar em minhas costas, tal como o colete preto que estou trajando.
— Sabe que eu não me importo que você beba e se divirta. Mas não tolero drogas,
Santino! — rezingo, irritado. Acima disso, muito preocupado. — Nenhuma, em circunstância
alguma. No usarás esa mierda bajo mi techo! [LB5]
Mi hermano exala.
— Eu não usei nada.
O som de passos a se aproximar, indicando o retorno de Romana, põe fim a conversa. E
ao olhar na direção da garota, sinto meu sangue ferver. Sinceramente, não pensei que pudesse
ficar pior, mas a ninfeta parece se esforçar para minar a porra da minha paciência.
Com o único crédito de estar constrangida, a garota desponta vestindo apenas uma camisa
branca que a cobre tanto quanto a jaqueta fazia. Nada mais. A diferença está no material, que se
cola ao corpo miúdo e curvilíneo, marcando os mamilos contra o tecido fino e fazendo o biquíni
rosa com girassóis ser facilmente notado.
A reação primitiva é o que me faz avançar um passo, tentado a cobri-la quase tanto
quanto a lhe espancar a bunda por ser tão inconsequente. Por Deus, qualquer homem que a visse
se imaginaria marcando os quadris largos com os dedos ou a cintura tão fina que eu poderia
envolver com o braço. Senão com a mão.
Fecho os olhos por um curto segundo, afastando os pensamentos estúpidos e distorcidos
que não deveriam existir. Nem agora, nem nunca.
— Está pior do que antes... — Santino comenta com uma careta.
— Romana — chamo, e sequer tento ser amigável quanto mi hermano. Apenas quero a
atenção dela, e consigo. — Por que não está usando uma parte de baixo?
A garota encolhe os ombros, calada.
— Havia apenas duas calças, uma masculina tamanho grande e uma infantil. Embora seja
magra, não serviu nela. — É a senhora ao lado dela a responder, dando uma risadinha em
seguida. — E olha que a mocinha tentou.
— Eu perguntei a ela, senhora Davis.
Recebo um fitar duro de seus olhos repuxados que, sem palavras, dizem uma frase
conhecida. Qual-é-a-merda-do-seu-problema? Se eu fosse responder, ficaríamos aqui nessa
delegacia por um bom tempo.
— Você a ouviu. Nada serviu em mim.
— Quando eu faço uma pergunta, Romana, espero uma resposta direta.
Seu rosto fica rosado ao perceber meu olhar fixo, e eu respiro fundo sem entender a
magnitude da raiva que queima dentro de mim. Seguramente, sei o motivo: o ato estúpido de ter
notado o corpo de uma garota que é totalmente o oposto das mulheres sofisticadas e experientes
que prefiro lidar na cama e fora dela.
— Escuta, Santi... — fala com meu irmão, fugindo de mim. Ela ergue a jaqueta dele que
estava em uma de suas mãos por todo esse momento. — Eu iria te devolver, mas ela... hum,
ainda parece a melhor opção para evitar minha iminente morte por humilhação. Posso usar, por
favor?
— Jesus, Romana! — grunho.
Santino mais do que depressa vai até ela e a ajuda a vestir a jaqueta, sem confirmar com
palavras o seu pedido. Mi hermano se apressa em auxiliá-la a fechar os botões da frente, e,
sorridente como costuma ser, é assim que a garota o agradece pela gentileza.
— Os dois. — Atraio a atenção deles, meneando um aceno curto com o queixo em
direção à saída. — Esperem no carro.
Certo de que farão o que mandei, viro-me de costas para encerrar a minha conversa com
o xerife Montgomery. Deveria ter previsto a cutucada insolente nas minhas costas. Viro o corpo
e olho para baixo, encontrando uma Romana furiosa.
— Eu posso me virar sozinha!
— Não perguntei se pode. Informei que vou te levar em casa.
Entreabrindo os lábios, ela solta uma risada.
Não a que costuma dar para qualquer outra pessoa. A que me direciona é seca e
desaforada.
— Você não manda em mim! — guincha.
— Não aja como a porra de uma menina mimada!
— Então, pare de agir como se fosse o meu pai! — devolve no mesmo tom, erguendo o
queixo como se pudesse ficar mais alta. Um ato tão inútil quanto suas reclamações. — Você até
pode ter a idade, mas graças a Deus não é.
Não compreendo como Santino pode ser amigo dessa criatura e conseguir adorá-la tanto,
penso em cólera. Sempre que está perto de mim, o que não acontece com frequência, costumo ter
a constante vontade de estrangulá-la. Ou ela está falando pelos cotovelos, ou tem o hábito
irritante de tentar me enfrentar.
— Menina... — murmuro entredentes. — Seu pai provavelmente está enchendo o rabo de
bebida no bar mais medíocre dessa cidade e nunca largaria uma dose para vir socorrer a filha.
Então, pare de ser mal-agradecida, carajo!
Santino bufa.
— Tommaso — reclama atrás dela, grunhindo meu nome. Ele sempre fica do lado da
japonesa. — Pare de agir como um imbecil.
— Meu palpite, Santi, é que ele não consegue.
Romana me empurra para passar, pressionando a palma pequena no centro do meu peito
por míseros segundos. Instantes perturbadores que queimam a minha pele e os meus músculos,
atravessando todas as camadas do meu corpo até chegar ao fundo do estômago. Perturbado,
assisto àquele pequeno furacão de um metro e sessenta marchar de cabeça erguida para fora da
delegacia.
Capto os sinais de que está se sentindo envergonhada e vulnerável com a exposição em
sua postura e nos passos apressados, mas não deixo de respeitar como não deixa ninguém além
de mim perceber isso. Romana não abaixa a cabeça para ninguém, nem mesmo para mim, e ser
amiga de Santino é a única coisa que lhe protege do fato.
— Você realmente consegue ser um idiota quando quer. — Santino diz, apressando o
ritmo dos passos para alcançar a amiga. — E aparentemente está fazendo disto a missão da sua
vida.
Exalo, movendo a cabeça.
— Xerife — digo, determinado a colocar fim a essa noite. — Creio que podemos deixar
esse incidente passar com uma conversa que certamente terei com mi hermano e, claro, com
você.
Rugas preocupadas lhe marcam o cenho.
— Comigo, senhor juiz?
— Da próxima vez que uma mulher estiver nesta delegacia, eu espero que você e seus
oficiais tenham mais tato para lidar com a situação. — Vagueio a atenção em seu rosto cansado,
aguardando o tremor agitado dos olhos. O medo de quem sabe que pode perder o cargo com uma
ligação minha. — Do contrário, eu sugiro que você e Wright comecem a aproveitar bastante o
par de olhos que ainda têm. Entende onde quero chegar?
Engolindo em seco, ele assente.
— É claro.
— Especialmente se a mulher em questão for a senhorita Takayama. Santino a considera
como uma irmã, então é como se ela fosse da família.
— Uma irmã mais nova para o senhor.
Confirmo, sentindo a palavra pesar em minha boca, soando estranha:
— Exatamente.
Ele assente.
— Não irá se repetir.
— Ótimo.
Não trocamos mais nenhuma formalidade visto o estado irritadiço de Montgomery que,
apesar de zangado, não pode se dar ao luxo de dizer nada. Com tranquilidade, ouço o baque da
porta atrás de mim ao deixar a delegacia e caminho em direção ao carro, observando que
Romana e Santino estão dentro dele. Uma vitória essa noite, penso ao entrar no Cadillac e dar
partida.
O silêncio pesado reina dentro do automóvel nos minutos seguintes, algo que não me
incomoda. Ambos podem ficar bravos, se isso fizer com que também fiquem calados. O que eu
sinceramente prefiro.
Ajusto o retrovisor, observando os olhos puxados da japonesa no espelho encarando a
paisagem noturna do lado de fora. Sempre que pode, a garota está olhando para o céu. Romana é
completamente apaixonada pelas estrelas. Um fascínio incompreensível para mim, tal como
muitos outros aspectos acerca dessa garota.
Um aroma floral e fresco se impregnou no carro a cada maldita milha percorrida, e
certamente não vinha de mim ou do outro homem no carro.
Abri a janela em dado momento, trafegando pela Bluemont Ave, em busca de algum
alívio. Experimentar o ar frio no rosto ajudou, mas a sensação de estar em um jardim primaveril
não foi embora, por mais que eu tentasse expulsar o cheiro doce dos meus pulmões a todo custo.
Essa merda é mais nociva do que os charutos que aprecio, carajo!
Por pouco, consigo evitar o exalar aliviado ao chegar em frente à minha casa.
Aproveitando que Santino sai do carro, eu faço o mesmo após verificar Romana no banco de
trás. Cabeça apoiada contra o vidro, os cabelos negros e longos praticamente lhe cobrindo o
rosto, e a respiração tranquila. Tudo indica que está dormindo.
— Falei para não bater a porta — recrimino mi hermano enquanto nos afastamos, assim
como fiz quando tentou ligar o rádio do carro. Ninguém toca no meu Cadillac.
Santino se vira e noto mais uma vez como há tantas semelhanças entre nós, apesar da
diferença de dezesseis anos. Na cor dos cabelos loiros, no tom esverdeado dos olhos — os dele
apenas um tom mais claro —, e na forma como sempre xingamos em espanhol. Eu mais do que
ele, claro. Ter crescido na Espanha fez isso comigo. Santino, ao contrário, somente ouviu muito
de mim e da nossa abuela[LB6] Nina ao longo dos anos.
— Precisava ter feito aquela cena na delegacia? Você a magoou! — Santino acusa,
afastando os fios do cabelo com os dedos. — Está tão obcecado em distribuir ordens e
acostumado que obedeçam, que não escuta ninguém ao seu redor.
— Pode falar o que quiser comigo.
— Não é sobre falar, é sobre você não ouvir. — Ele olha para além de mim, suspeito que
verificando o carro. Estamos a uma distância segura dos ouvidos de Romana, sobretudo pela
garota estar adormecida. — Sabe por que ela e Nora nunca vêm aqui? Porque você insiste em
tratá-las dessa forma.
— Sabe que não tenho grandes problemas com a filha dos Kensington. Mas essa
menina... — escarneço, contrafeito. — Você sabe que a família dela é uma tragédia!
— E a nossa não é? — devolve.
— Não. Porque eu cuidei de você.
Santino faz uma negação sutil, desviando os olhos novamente.
— E é culpa dela não ter ninguém que tenha feito ou faça o mesmo por ela? — interpela,
retornando sua atenção para mim. — Isso não a define como pessoa.
Chego mais perto dele.
— Acha que eu verdadeiramente me importo com o futuro dela? — inquiro em uma
retórica ácida. — Puta madre, Santino! O que me deixa preocupado é a influência que isso pode
ter sobre você. Ela não ter perspectiva de futuro além daquela lanchonete. Chances ou, ao que
parece, sequer vontade de ir para uma faculdade. Isso faz com que ela precise se conformar com
essa vida patética e com aquele mau-caráter asqueroso que chama de pai, que sempre será um
estorvo.
Respiro fundo, enervado.
— Às vezes, penso que foi ela quem meteu essa ideia inútil de ganhar a vida como um
quarterback na sua cabeça. Não faz sentido declinar um caminho melhor e muito mais rentável,
dedicando-se ao seu curso de Direito e entrando comigo nos negócios.
— Romana não tem nada a ver com isso.
— É, no mínimo, curioso que ela sempre esteja com você nos seus piores lapsos de
comportamento.
— Eu tenho as melhores notas da turma, mesmo que saiba que não preciso disso. —
Santino argumenta, gesticulando de forma exacerbada. É ciente de que seu sobrenome lhe
garantiria a vaga de QB e o diploma, ainda que não se esforçasse tanto. Eu construiria alas e
doaria alguns milhares de dólares para fazer isso acontecer. — E só para constar, ser jogador
pode ser uma ideia inútil para você, mas é o meu sonho. Sinto te decepcionar, hermano, mas ter
me garantido um bom passado não te dá direito de escolher o meu futuro. Lo siento!
Santino se afasta, criando uma distância que, embora seja física, parece se estender muito
mais além entre nós. Prova disso está no fato de ele não entrar em casa, mas atravessar o jardim
em direção à vizinhança. Estou certo de que irá pular a janela do quarto de Honora e passar a
noite por lá.
Esfrego meu cenho crispado, sem saber como melhorar a situação, antes de retornar ao
carro. Como um gesto instintivo, encaro o retrovisor interno para observar a garota no banco de
trás. Por um momento, penso que ela acabou se deitando, mas a dúvida leva poucos segundos
para se dissipar conforme giro a cabeça e examino o banco de trás completamente vazio.
— Mierda! — impreco irritado, socando o volante. — Por que você não consegue passar
cinco minutos sem criar algum problema, carajo?
Arranco com o automóvel de forma descuidada, cantando pneu ao sair da entrada da casa.
Mantenho os olhos atentos na vizinhança, percorrendo a rua arborizada e quieta a essa hora da
noite, antes de fazer um retorno rumo à Thurston St. Romana certamente não está andando a
esmo, está traçando o trajeto mais rápido em direção ao Northview, e essa é a minha melhor
chance de encontrá-la.
De fato, não levo muito tempo para avistá-la.
Ela não é boba e percebe a aproximação do Cadillac. A descarada tem coragem até
mesmo de apressar o ritmo que caminha, embora seja notório que a japonesa não possui chances
de se afastar. Consigo equiparar o carro ao lado dela sem dificuldade, reduzindo a velocidade a
fim de acompanhar o ritmo dos seus passos.
— Entra no carro — ordeno, ríspido, ao abrir o vidro pelo controle automático do
veículo.
Romana sequer olha para mim.
— Não.
— Entra. Na. Porra. Do. Carro.
— Oh, você não conhece a palavra não?
— Romana!
Ela para de andar subitamente, assustada com a força do meu grunhido. Em seguida, traz
os olhos até os meus, abrindo um sorriso. Irônico, provocativo e sem um pingo de felicidade. No
entanto, também noto seu medo.
— Você pode mandar na cidade, mas não em mim.
— Isso nós vamos ver — desafio.
A resposta lhe causa uma risada revoltada.
— É quase fofo como você acha que pode dar palpite na minha vida — expõe, arqueando
uma sobrancelha fina e muito bem-feita. — Mas soa um pouco doente, até mesmo para você.
Aperto um pouco mais o volante.
— É só uma carona, Romana.
— Claro, e o inferno é apenas uma sauna.
— Vou ter que estacionar e te carregar no ombro?
O sorriso fingido se fecha, dando lugar a lábios entreabertos. Um misto de choque e
desconfiança. A dúvida é visível até mesmo em seus olhos repuxados e escuros, arregalados mais
do que o de costume.
— Você não ousaria... — diz baixinho, cometendo o grave erro de duvidar de um homem
como eu.
Paro o carro.
— Experimenta. Você tem cinco segundos para trazer essa bunda aqui para dentro de
novo. — Com os olhos fixos nos meus, ela se mantém imóvel. — Um... Dois... — A garota
ofega, o peito subindo e descendo com rapidez. — Três, Romana... — Ela espia o carro, nervosa.
— Quatro....
Romana não anda, corre. É cômico como se apressa para abrir a porta, vacilando com os
dedos na primeira tentativa antes de entrar no Cadillac e bater a porta com mais força do que o
necessário. Ela ganha meu olhar de repreensão, é claro. Tanto por ter tratado mal meu brinquedo
caro quanto por ter se movido antes que os cinco segundos que dei a ela acabassem. A garota
merecia umas palmadas.
— Boletim informativo, senhor juiz — comunica ao colocar o cinto, ainda buscando
normalizar a respiração. — Pode pensar o que quiser de mim, eu não me importo. Mas se falar
do meu pai da forma como falou na frente do seu palacete de novo, eu juro que arranco suas
bolas e transformo em brincos.
Apesar da língua afiada e das respostas malcriadas, como essa, direcionadas a mim,
Romana tem uma doçura própria dela, que não é comum a nenhuma outra pessoa que conheço.
Nunca a vi sem um dos seus vestidos floridos ou suas roupas coloridas. Agora mesmo, noto os
brincos de ouro em formato de flor em suas orelhas, como um registro sutil de sua delicadeza, ao
mover os cabelos para trás.
— Não deveria ter ouvido a minha conversa com Santino. Não tem realmente a ver com
você. — Ligo o carro, seguindo o trajeto para Northview, o bairro onde Romana vive. — Pensei
que estivesse dormindo.
— E saber que me magoou muda algo para você?
Não muda.
— Não compreendo como pode defendê-lo.
— Quem? O meu pai?
Assinto brevemente.
— Ninguém em sã consciência abre mão do que ama, Tommaso — responde baixo. Pelo
canto do olho, noto que não está olhando para mim. — Não acho que deveríamos abrir mão de
uma história na dificuldade, sobretudo quando se trata da nossa família. Você fica ao lado dela e
supera o que for preciso.
— Mesmo se a família te machuca?
Romana fica algum tempo em silêncio.
Tanto, que penso que não vá responder.
— Acho que é melhor do que ser sozinho.
— A solidão não é tão ruim como fazem parecer.
— Talvez não, mas não é na solidão que eu vejo beleza.
Com um desviar rápido da estrada, percebo com essas palavras admiradas onde essa
garota vê beleza. Ela voltou a encarar o céu.
— Para mim, tudo que vale a pena requer esforço — complementa, ainda imersa no céu,
visto parcialmente pelo vidro. — Acho que é necessário lutar se quisermos viver algo realmente
extraordinário.
Pressiono os lábios.
— Não tenho esse par de óculos cor-de-rosa com o qual você enxerga a vida.
— É uma pena, senhor juiz — lamenta, sem ironia ou mesmo irritação. — Você precisa
deles mais do que eu. Se fosse um homem bom, eu até me ofereceria para emprestá-los.
Acontece que eu não sou, e ambos sabemos disso. Logo, não me dou ao trabalho de
respondê-la, apenas continuo a dirigir com a mente e os olhos concentrados na estrada. Não
voltamos a conversar durante o restante do caminho.
Assim que avisto a simplória casa azul de Romana, quase caindo aos pedaços, eu
estaciono o Cadillac na rua. A varanda precisa de reformas, do contrário, vai acabar caindo na
cabeça dela ou do pai em algum momento; as calhas certamente não funcionam mais e se há
duas janelas abertas no andar de cima com esse tempo e o risco de chuva, decerto estão
emperradas.
O mais estranho de tudo é que o gramado da frente está impecável. Assim como o
canteiro de frésias e outras flores — que eu nunca saberei o nome —, que seguem o caminho de
pedras até a entrada. No jardim dos fundos, uma cerejeira-japonesa ganha destaque, alta e
imponente, roubando a atenção com os poucos galhos róseos sobressalente a distância, vistos
mesmo de onde estou.
Romana não se despede, tampouco demora a abrir a porta e saltar para fora do
automóvel. Observo os cabelos longos e negros se movendo enquanto ela caminha, sendo pego
de surpresa por sua hesitação prestes a subir os poucos degraus da varanda. A garota acaba
dando meia volta e, incerta, aproxima-se da minha janela.
— Não é porque você é um babaca, que deixarei de ser educada — diz meio a
contragosto, algo que surpreendentemente acho... divertido. — Obrigada, senhor juiz. Tenha uma
boa noite.
Apenas aceno, sem responder.
Ela volta a andar, e eu espero até que entre em casa. Um pouco mais do que isso, sendo
sincero, já que as luzes estão apagadas. Aguardo até que a iluminação surja em uma das janelas
do andar de cima, onde agora suspeito ser seu quarto, antes de arrancar com o carro.
Em dado ponto do trajeto, lanço um olhar na direção do banco do passageiro, onde
Romana estava sentada, ainda incomodado com o cheiro da garota. Flagro um dos brincos que
estava em sua orelha com surpresa. Suspeito que ao mexer neles, a joia caiu sem que nenhum de
nós notasse.
Fato é que a ninfeta o deixou para trás, como se fosse um maldito sapatinho de cristal. E
agora eu precisarei devolvê-lo.
Assim que bato a porta, apoio as costas e a minha cabeça contra a madeira, cerrando as
pálpebras com força. Deus, essa mísera carona foi mais estressante do que o meu último
Papanicolau!
Mas qual é a surpresa? É sempre assim com Tommaso. Por isso não queria aceitar que
me trouxesse em casa para início de conversa.
Muito menos vestida desse jeito, lamento, olhando para baixo e avistando a jaqueta dos
Wildcats. Gosto de time, amo o QB, mas não é bem a minha ideia de vestimenta ideal. Em geral,
minhas roupas possuem muito mais tecido.
Solto uma respiração lenta, vasculhando o interior da casa com olhos astutos. Somente os
abajures do andar de baixo estão ligados, salvando o espaço da escuridão completa, o que
significa que papai não está em casa. Nem pretende voltar tão cedo, eu imagino. O fato, após
tantos anos, não deveria machucar, mas dói de qualquer forma.
— Só espero não ver o xerife de novo nas próximas horas por sua causa, pai — murmuro,
chateada com a possibilidade. Ter a porta esmurrada no meio da noite só não é pior do que
quando ele costumava trazer seus amigos bêbados para casa.
É triste pensar que eu realmente poderia passar a noite inteira na delegacia, sozinha
depois que todos os pais buscassem os filhos, se não fosse a “proteção” de Tommaso em me
levar consigo.
Movo a cabeça, colocando fim a esses pensamentos estúpidos. Ficar grata ao Diabo é
perigoso, além de ser um péssimo caminho. No geral, costuma acabar com as pessoas perdendo a
alma e, contando que não tenho mais nada, isso é literalmente tudo o que me resta.
Uma vez no meu quarto, tomo um longo banho, sem remorso em gastar toda a água
quente. Depois, passo os próximos vinte minutos ocupada com os cuidados do ferimento no meu
bumbum. Preciso de certo contorcionismo, mas sou flexível, então consigo limpar bem a ferida
com poucas caretas de dor. Engulo dois comprimidos de Vicodin do papai com a água da torneira
e até faço uma busca rápida na internet sobre o que favorece uma cicatrização rápida.
Eu vou ficar bem.
Sempre fico.
Com o celular em mãos, vejo as mensagens deixadas por Nora que não tive como
verificar antes com tudo o que estava acontecendo. Todos os textos são preocupados,
questionando se saí da casa do lago com Santi e se está tudo bem.
Decido ligar para ela.
Como sempre, Nora atende logo no segundo toque.
— Eu vou matar você! — guincha, reduzindo o tom logo em seguida. — Sabe como eu
fiquei preocupada, Romana?
Faço o meu melhor tom de desculpas.
— A bateria do meu celular morreu.
— Santino também não me respondeu.
— A dele também — contraponho. — Logo antes de chegarmos à delegacia.
Nora suspira.
— Vou encomendar dois carregadores portáteis para vocês — avisa, provocando uma
risada em mim. — Não ri, é sério! Santi eu sabia que não iria se dar mal, mas fiquei nervosa
por você. Se não tivesse saído de Milford Lake tão rápido, teria feito meu pai te levar comigo.
Um sorriso paira pelos meus lábios.
— Eu sei, Nora.
— Está mesmo tudo bem?
Ando pelo quarto, passando os olhos pela decoração conhecida. Com exceção do espaço
aberto nos fundos da casa, é meu lugar favorito da casa. O meu refúgio.
Amo os móveis brancos de aparência vintage, a colcha azul-claro sobre a cama, coberta
por almofadas de vários tamanhos e formas, e pintura discreta nas paredes. E, principalmente,
amo os arranjos de frésias cor-de-rosa na penteadeira e na cômoda, colhidos por mim no jardim.
— Estou em casa — respondo sutilmente. — Com muitas novidades para te contar
quando nos virmos pessoalmente. O que envolve uma piranha mordendo a minha bunda, mas
não pergunte sobre isso agora. Ainda é um gatilho!
Nora começa a gargalhar.
— Já disse como sua vida é terrivelmente interessante?
— Com frequência — murmuro risonha. — É gratificante saber como minhas
humilhações divertem você.
— Se não posso perguntar sobre a piranha, vou ter que tocar em outro assunto delicado
— avisa ao cessar o riso. — Se você e Santi esperaram na delegacia e você está em casa, devo
pressupor que viu a personificação do mal esta noite?
Minha amiga também não gosta de Tommaso. Os pais dela são os médicos mais
renomados da cidade e parte desse prestígio veio através de um laço de negócios com o Falcão-
Ruiz mais velho. No entanto, Nora, assim como eu, não concorda que ninguém deveria ter tanto
poder. Tampouco com o fato de os pais sempre fazerem o que é pedido por Tommaso. Ou
melhor, ordenado.
— Não apenas vi, como ele me trouxe em casa.
— Puta merda! — murmura. O som que se segue parece com o de uma porta se
fechando, o que me faz desconfiar que ela entrou em seu quarto para ter privacidade. — Pensei
que eu estava encrencada por ter que ligar para o meu pai.
— Castigo por duas semanas?
— Três, e eu estou na faculdade. Isso é ridículo!
Ela reclama da superproteção do sr. Kensington com frequência e eu nunca sei muito
bem o que dizer a ela frente a isso. É horrível que ela esteja cursando Medicina para seguir o
legado dos pais, não seguindo seu próprio sonho. Mas não consigo evitar pensar que, pelo
menos, ela tem um pai presente e uma mãe para brigar.
— Ele foi um idiota como sempre? — pergunta.
— E o juiz consegue ser diferente?
— Bom ponto! — murmura com uma risadinha sarcástica. — Você precisa de alguma
coisa? Café? Uísque? Tranquilizante para cavalos?
Depois do Vicodin, não vou ter dificuldades para pegar no sono, mas as vantagens de
estar dopada não são as que Nora imagina. Pior do que reviver a carona não solicitada e aguentar
o humor cadavérico de Tommaso, é precisar reconhecer a possibilidade de que, talvez, a minha
quedinha adolescente idiota não tenha sido plenamente superada.
Não entenda mal, continuo odiando cada aspecto prepotente da personalidade dele, afinal,
meu desvio de caráter não é tão grave assim, pelo amor de Deus! O meu corpo, porém... O corpo
dele, melhor dizendo, continua sendo um ímã para fêmeas. É injusto que Tommaso seja um
despertador de vaginas ambulante.
— Não, vou superar — digo a ela.
Não há tesão que não possa ser controlado, certo?
Bom, eu espero que sim.
— Certo, então nos vemos amanhã? — propõe, mesmo que seja praticamente uma rotina
para nós. Sempre que podem, meus amigos vão até a lanchonete em que eu trabalho para tomar
café da manhã e me ver. — Emily Dickens ficou de amasso com o safety dos Wildcats.
Ecoo um som surpreso de propósito.
— Claro, preciso de todas as fofocas.
— É assim que se fala! — Nora comemora, provocando outro sorriso em mim. — Santi e
eu chegamos às oito lá no Fiverstars.
— Ok. Amo você.
— Te amo mais!
Meu estômago reclama, roncando alto assim que encerro a chamada, pedindo por
comida. As opções no congelador não são nada atraentes, no entanto, então eu não desço para a
cozinha.
Pego o livro que fica sempre escondido embaixo do meu travesseiro e, vestida com meu
pijama estampado favorito e meias, desço a escada e fujo pela porta dos fundos. No caminho,
ignoro a pilha de contas que preciso pagar até o fim da semana e o aviso do banco sobre a
hipoteca da casa. Só paro de andar quando meus pés sentem a mudança de textura do piso para a
grama e eu avisto a cerejeira-japonesa.
Sento-me embaixo dela, sem me importar com a fraca iluminação amarelada que vem das
luminárias pendentes na porta dos fundos e dos balizadores no jardim. Muitos já deixaram de
funcionar, mas os poucos que se mantêm firmes fazem ser possível que eu consiga ler um livro
sem dificuldade.
A luz do céu auxilia também.
As estrelas sempre, sempre me ajudam.
— É bem aqui que o mundo é capaz de parar — murmuro, delineando a capa do livro A
lenda de Tanabata com a ponta dos dedos.
As letras douradas do título chamam atenção com o contraste escuro e estrelado do
restante. De forma inevitável, a capa está gasta por ser um livro antigo, embora muito bem
cuidado. Era o livro favorito da mamãe e se tornou o meu também. Em especial, por amar tanto a
história japonesa que me ninava com ela todas as noites.
Lembro disso com clareza e de algumas outras coisas que, pouco a pouco, foram se
perdendo nas minhas lembranças com o passar do tempo. A verdade é que eu mal a conheci, já
que Sakura Takayama morreu quando eu tinha apenas quatro anos. Motivo pelo qual sei tão
pouco da cultura do Japão, sobre ela e sobre ter uma mãe.
Meu pai é americano e qualquer coisa que recorde a mamãe ou o país de origem dela não
é mencionado nessa casa desde o seu falecimento. A verdade, porém, é que isso não mudaria a
ordem dos fatos ou o resultado: eu sou a lembrança dela que mais o faz sofrer.
De qualquer forma, é bom pensar que há alguém lá em cima que torce pelo meu sucesso.
Ainda que muitos nessa cidade pensem que me conformei com essa vida, trabalhando em dois
lugares e lutando para pagar as contas, isso não é verdade. Eu ainda sonho com o dia em que
deixarei Bayden Haven para trás e finalmente irei construir meu futuro.
Vou ser uma astrônoma famosa.
E vou descobrir uma estrela para batizá-la de Sakura.

Como combinamos, às oito em ponto vejo o sino da porta do Fivestars badalar com a
chegada de Nora e Santino. Estou atendendo uma mesa, então apenas lanço um sorriso rápido a
eles e termino de anotar rapidamente o pedido do cliente.
Coloco o papel sobre o passa-prato, disposto em um balcão que serve como ponto de
transição entre a área de atendimento ao cliente e a cozinha, facilitando a comunicação entre as
equipes. Logan vê quando eu afundo o papel na haste de metal e me lança um sorriso.
Não hesito em retribuir.
Logan Williams foi meu primeiro e único namorado, e isso aconteceu ainda no colégio. O
primeiro em tudo, sendo sincera. Depois dele, fiquei apenas com mais dois outros caras, o que
torna a minha experiência com homens bem deprimente.
Acho que parte de mim meio que tinha esperanças de reatar com ele e retomar de onde
paramos, mas nunca aconteceu. Agora trabalhamos no mesmo lugar, na lanchonete do centro, e
vivo o pesadelo de ver meu ex todos os dias.
Sério, às vezes acho que espanquei um unicórnio na vida passada e toda vez que ele
vomita arco-íris na Unicorniolândia, uma merda acontece na minha vida. Tanto karma não pode
ser normal.
— Isso nunca vai deixar de ser estranho. — Nora comenta, apontando sutilmente com o
queixo em direção à cozinha. — Ele ainda arrasta um caminhão por você, não é?
— Não sei se chega a tanto.
Pego meu bloquinho e começo a rabiscar os pedidos deles sem perguntar. Eles sempre
comem a mesma coisa, Nora com sua bagel de queijo e café — muito café — e Santi com uma
pilha generosa de waffles de banana e um prato grande de ovos com bacon. Tanto carboidrato e
um corpo com pouquíssima gordura e um tanquinho de seis gomos marcados... Nora e eu
frequentemente temos inveja do metabolismo ciclópico dele.
— E isso importa? — Ela vai um pouco mais fundo, analisando minha expressão ao
perguntar. — Quero dizer, daria outra chance a ele?
Suspiro.
— Não há nada de errado com Logan — respondo, apertando o clipe de mola da caneta
com muito mais pressão que o necessário antes de guardá-la no bolso do meu uniforme. — Ele é
um cara legal.
— É, legal e... mediano. — Nora faz uma careta, culpada pelas próprias palavras cruéis.
— Certo, isso não soa legal. Mas sabe o que eu quero dizer. — Ela reduz ainda mais o tom. —
Logan é o típico cara de cidade pequena, Romana. A mulher que se casar com ele vai ter cinco
filhos e morrer aqui em Bayden Haven.
No fundo, sei que ela tem razão e talvez seja isso que me aterroriza. O que me faz evitar
que qualquer conversa entre nós se desenvolva por tempo demais.
— Ela tem outras opções. — Santino entra na conversa.
Abro um sorriso pela gentileza.
— Tenho mesmo? — pergunto, franzindo o nariz.
— Qual é, japonesa? Sem falsa modéstia! — recrimina, inclinando-se sobre a baqueta de
um jeito dramático. — Pelo menos três amigos meus sonham em ficar com você.
— Ah, certo, os atletas! — digo com um suspiro debochado, buscando o bule de café ao
som estrídulo do apito da cafeteira. — O tipo mais mulherengo que existe.
Nora ergue um dedo, chamando atenção.
— Corrigindo: o tipo mais gostoso e mulherengo que existe!
Santi olha para ela.
— Acabou de me chamar de gostoso?
Assisto com diversão o rosto de Nora ficar vermelho.
Isso vai ser... interessante.
— Acabei de chamar o conjunto de gostoso. — Ela reitera, plissando o cenho como
sempre faz nos momentos em que está argumentando. — Você... Bom, você... simplesmente faz
parte do conjunto.
— Teoricamente, continua me chamando de gostoso.
Dessa vez, não consigo não rir.
— Qual é, você tem um espelho em casa? — retruca impaciente, tomando um grande
gole da caneca que lhe entreguei. — Ou o Conde Drácula do seu irmão jogou todos fora?
Santino dá de ombros.
— De qualquer forma, gracias pelo elogio, hermosa.
Deixo que continuem a conversa sozinhos, liberando o pedido deles para a cozinha. Passo
os minutos seguintes servindo mesas de clientes que chegam a todo o momento para tomar um
café da manhã rápido enquanto Maddy — a outra garçonete — cuida dos pedidos que são para
viagem. Basicamente, só trocamos as funções nos momentos em que a filha dela, a pequena Ava,
está aqui e Maddy prefere servir mesas para ficar de olho na garota.
Trabalho duro por aqui, não somente porque preciso muito do emprego, como porque sei
que Larry nos paga um pouquinho a mais do que a média para tentar ajudar. Maddy ainda dança
em boates à noite, e eu pego os turnos disponíveis no Cheer’s para complementar a grana do fim
do mês, mas é a gentileza dele que conta.
Retorno para Nora e Santi com seus pedidos, dando-me o luxo de conversar mais um
pouco. As manhãs costumam ser mais agitadas por aqui, mas até o horário do almoço o
movimento sempre reduz um pouco.
— Escuta — chamo a atenção de Santino, que já devora seus ovos com bacon com muito
apetite —, vou poder mesmo pegar as apostilas com você?
Os olhos dele entregam a resposta ao serem firmemente fechados um segundo antes de
uma expressão de culpa invadir seus traços.
— Acho que alguém esqueceu. — Nora comenta.
— Mierda, Romana! Foi mal. — Santi suspira, terminando de mastigar a comida. —
Deveria ter trazido no carro vindo para cá.
— Está ocupado hoje?
Santino assente, coçando a nuca.
— Tenho treino até tarde. Sabe como é, a temporada regular começou oficialmente e o
técnico vai pegar pesado a partir de agora.
— Sobretudo com o QB para dar o exemplo.
— Pois é.
Mesmo sem ser uma grande fã de esportes, acabei me rendendo ao futebol americano.
Nunca é má ideia torcer pelo seu melhor amigo e, como uma recompensa, assistir um bando de
gigantes suados em campo. Principalmente quando um deles resolve tirar a camisa. Então, Nora
e eu nos tornamos torcedoras por associação.
— Tudo bem, eu entendo — tranquilizo, dando de ombros. — E o esforço vai valer a
pena, os Wildcats vão para os Bowls. [LB7]
Nora rapidamente acrescenta:
— E vão ser os campeões nacionais no College Playoff.
— Vocês são as melhores!
— Posso te dar uma carona quando você acabar aqui, amiga. — Nora sugere, observando
o impasse em que estamos. — Você passa na casa de Santi e pega as apostilas.
— Melhor não...
— Tommaso não vai estar lá. — Santino acrescenta, atentando-se para o meu
desconforto. Esbarrar com o irmão dele em qualquer lugar é sempre uma tragédia, mas no
palacete? Isso seria desastroso! — Hoje é dia de ele visitar a abuela, então chegará mais tarde do
que eu.
Contenho-me para não perguntar nada sobre Antonita porque sei que o assunto o
atormenta. Ele fica mal por não ter informações sobre o estado de saúde da avó até que
Tommaso volte para casa e conte o que os médicos disseram, ainda que Santi converse com ela
por telefone.
Gosto muito da vovó Falcão-Ruiz e de sua boca suja espanhola que nos ensinou os piores
palavrões quando adolescentes.
— Tem certeza? — insisto, preocupada.
— Tenho, Romana — garante, apontando o garfo para mim. — Você pode estudar lá em
casa se quiser, inclusive. Assim mata um pouco do tempo, e eu consigo chegar do treino.
Podemos comer uma pizza na Nora depois. Eu te levo para casa.
Isso me faz sorrir.
— Seria legal.
— Então, combinado. — Nora decreta, animada com a programação. — Agora, por
favor, prove que você me ama mesmo e me traga mais uma caneca de café.
Rio.
— Toda cafeína para minha dissecadora de cadáveres favorita.
— Sabe que eu tenho contato com pessoas vivas e sem cheiro de formol fora do
laboratório de anatomia humana, certo?
— Mas que graça isso tem? — devolvo.
Santino mantém um olhar bem-humorado.
— Já que vai buscar mais um pouco de estímulo para nossa viciada aqui, pode me trazer
mais uma pilha de waffles? Por favor?
— Outra? — Nora e eu ecoamos em uníssono.
Recebemos um dar de ombros como resposta.
— Vocês entenderam que estou em temporada regular, certo? — Ele suspira, movendo a
cabeça para os lados em uma negativa reflexiva. — Vou beijar mais o gramado da universidade
do que o que eu realmente aprecio colocar a minha boca. Preciso de todo incentivo possível,
garotas!
Nora solta um guincho insultado pelas palavras, e eu saio rindo em direção ao balcão para
encher a caneca dela e aproveitar para pedir ao Logan mais uma pilha de waffles de banana e
mel. Um lindo vaso de flores, que eu mesma colhi, está sobre a superfície e alegra o ambiente,
fazendo um sorriso surgir em meus lábios.
Estou certa de que teremos mais uma rodada de conversa em que eles irão me atualizar
das fofocas do campus, e eu vou me envergonhar contando sobre o episódio da piranha ao som
das interrupções de Santino, que sempre deixa qualquer história muito mais engraçada ao
exagerar.
É quase fácil esquecer os meus problemas nesses momentos. Por isso, eu nunca nego
qualquer festa de fraternidade que me convidem, mesmo que não conheça quase ninguém lá. Não
vou pelo álcool, pela dança ou pela música. Com certeza, não é pela droga pesada que nunca
cheguei a usar. Mas porque eu sempre consigo evitar pensar no que me machuca nos momentos
em que estou rindo e me divertindo com os meus melhores amigos.
É um tipo diferente de terapia.
HOJE
BAYDEN HAVEN, KANSAS
DIA SEGUINTE AO LANÇAMENTO DE HONORA

Quando ouço batidas na porta logo pela manhã, arrancando-me do sonho fantástico que
estava tendo com o meu café favorito em Barcelona, sei que se trata de Nora. Depois do
lançamento maravilhoso dela ontem, combinamos que minha melhor amiga passaria aqui para
tomarmos café da manhã e colocar a conversa em dia.
Estar animada com o nosso momento de garotas não impede o meu resmungo ao afastar
as cobertas. Por sua insistência do outro lado, não tenho tempo sequer de jogar uma água no
rosto antes de abrir a porta. Sorrio do jeitinho desmazelada que estou, prestes a fazer uma piada,
quando meus olhos batem na linha de um peito forte.
A humilhação a essa altura faz meu corpo estremecer enquanto eu, relutantemente, ergo a
cabeça para encontrar um colarinho aberto, um pescoço longo com um pomo de Adão forte e um
rosto estupidamente bonito do carrasco da minha felicidade. Tommaso Falcão-Ruiz.
— Santo cielo! Confesso que não esperava por isso. — Ele umedece os lábios, afiando os
olhos em busca de explicações. Abro e fecho a boca bobamente, chocada com a presença dele no
meu apartamento. — O que, claro, não significa que não estou tentado a aceitar o convite.
Fica evidente que sim quando o homem desce vagarosamente os olhos por mim. Íris com
um brilho divertido diante dos meus cabelos bagunçados e o rosto inchado de sono. O interesse
diante da camisa larga e confortável que estou usando com N’amastay in bed[LB8] gravado em
estampa bem nos meus peitos. E, o pior, o pigarrear rouco e seco ao se deparar com a parte
debaixo. Diga-se: a minha calcinha. Rosa, pequena e totalmente inadequada para esse momento.
Se tivesse certeza de que conseguiria chegar à janela em tempo suficiente, eu me jogaria
de lá. Estou no segundo andar, afinal. Uma queda dessa altura não pode trazer mais
consequências que os pontos vertiginosos que a minha dignidade está perdendo nesse momento.
Abro a boca, mas a fecho antes de ter sucesso na ação.
Droga, eu deveria ao menos ter escovado os dentes.
— Parece que eu também te deixei sem palavras.
Pigarreio ao perceber que ele aprecia o rubor tingindo minhas bochechas.
— É claro que eu não estava esperando por você. — Junto toda a minha dignidade para
dizer. — E isso... — aponto para a camisa —, não foi um convite. Prefiro me jogar da escada de
incêndio.
— De fato, as coisas ficaram quentes por aqui.
— É sério? — digo, sem paciência.
— Quero dizer, você não poderia ser mais direta nem se tentasse.
Respiro fundo, irritada com o comentário idiota, prestes a replicar e bater a porta com
força nessa expressão esnobe em seu rosto. Mas, além de isso não ser muito maduro, percebo a
diversão nos olhos de Tommaso e a leve curva no cantinho dos lábios. Como me irritar pode
causar tanto prazer a ele?
— Olha, eu ainda nem tomei café.
— E você leva ao menos dez minutos para acordar depois da primeira dose de cafeína —
aponta com uma naturalidade que me deixa desconcertada. — O que significa que ainda está
praticamente dormindo.
Movo a cabeça, coçando os olhos.
Poderia dormir mais uma hora, se ele não estivesse aqui.
— Exato — concordo verbalmente. — Isso explica o pesadelo de ter você na minha
porta, aliás.
— Com certeza esse não é o tipo de sonho molhado que você normalmente deve ter
comigo. — Tommaso ergue uma embalagem que está sustentando dois copos. — Mas eu trouxe
café para você.
Arqueio uma sobrancelha.
— É? Um babacaccino?
— Poderia, mas eu preferi um mocha.
É o meu favorito, e ele sabe.
Esse novo Tommaso é um estraga prazeres.
Sem resistir, agradeço a gentileza e pego o café porque... Bom, guerra é guerra, mas
minha doce cafeína está a parte disso.
— Tem donuts também. — Mostra o pacote em sua outra mão.
Olho-o, desconfiada.
— Comprou um amontoado de gordura saturada e açúcar para gente?
— Para você. Eu vou ficar só no meu expresso. — Foi a boca dele a dizer, mas poderia
muito bem ter sido um dos gomos do seu abdome trincado.
— É claro.
— Então, vai me deixar entrar?
— Só porque trouxe meu café.
Abro espaço para que entre no apartamento, reparando em cada detalhe da pequena sala
de estar. É alugado, barato e não tem muito a ser visto, mas Tommaso concentra alguns segundos
para examinar as duas janelas na sala, o sofá de segunda mão com estampa florida e o vaso de
plantas que tenho sobre uma mesa no canto.
Ele deixa a caixa com os donuts sobre a mesa de centro e se senta no meu sofá, ocupando
muito espaço. É um modelo fofo, mas parece pequeno em comparação a altura de Tommaso,
como se fosse um móvel de brinquedo. Quase rio com a imagem dele, taciturno e vestido de
preto, destoando no meio de tantas cores.
— Vai vestir uma roupa? — ele pergunta, limpando a garganta. — Eu certamente aprecio
a vista, mas não tenho dúvidas de que será difícil eu me concentrar.
Suspiro, envergonhada.
— Só um minuto.
Volto para o quarto a passos apressados, odiando ter que dar as costas a ele e oferecer a
visão do meu bumbum. Sem outra alternativa, já que pular da janela causaria grandes danos,
engulo um grande gole de café e deixo o copo apoiado na cômoda apenas por tempo suficiente
para pegar o primeiro short que encontro.
Ao retornar para a sala, Tommaso parece não ter movido um músculo. Quadrado e rígido
como um robozinho, penso sarcasticamente.
— Donut de farinha integral com açúcar mascavo e mix de castanhas? — Leio o rótulo
grudado em cima da embalagem de papelão ao me sentar, arqueando as sobrancelhas em sua
direção. — Em qual padaria você foi? A Expresso Fitness do Sofrimento?
Ele cruza um dos tornozelos sobre o joelho, relaxado.
— O plano era tentar te convencer a dar uma chance a esse, mas não estamos em um bom
momento, então... — Com o queixo, ele aponta para o outro donut na caixa. — Esse é de
chocolate com creme de baunilha.
Um sorriso largo se abre em meus lábios. Troco rapidamente os donuts e gemo diante da
primeira mordida. Isso, sim, é uma massa fofa e uma cobertura pela qual vale a pena consumir
tantas calorias.
— Muito melhor! Obrigada.
Um discreto movimento de cabeça diz que ele me ouviu, mas Tommaso parece mais
preocupado em afrouxar um botão de sua camisa e arregaçar as mangas do tecido do que em me
responder de fato, como se estivesse com muito calor.
— Quer que eu abra a janela? — ofereço, mesmo que a temperatura esteja amena a essa
hora e o aquecedor desligado.
— Não adiantaria.
Dou de ombros, mordendo meu doce, sem disposição para tentar entender esse homem
tão cedo. Meu humor melhorou consideravelmente após os carboidratos, mas não a esse ponto.
— Então, o que faz aqui? — quebro o silêncio.
— Vim conversar.
— E vai ficar calado que nem ontem?
O canto de seus lábios volta a se erguer.
Uma insinuação, nunca um sorriso.
— Sou novo nesse lance de reconquistar o amor da minha vida.
A resposta direta me faz precisar de outro gole de café. Infelizmente, o líquido quente
não mata as borboletas traiçoeiras voando no meu estômago, mas eu mascaro o desconforto
dando de ombros.
Não acreditar em toda essa comoção do nosso reencontro por parte dele não anula o fato
que, após um ano, também deve ter sido um choque para ele me ver de novo na cidade. Mas eu
já perdi cinco meses da minha vida, não vou perder sequer mais um segundo investindo em um
relacionamento que se provou um completo fracasso.
— Não sei o que pode ter para falar, de qualquer forma.
Ele descruza as pernas e traz o tronco para frente, aproximando nossos corpos, ainda que
eu esteja na poltrona. Com os cotovelos sobre os joelhos, Tommaso entrelaça os dedos sobre a
boca, escondendo parte de sua expressão.
— Eu tenho uma proposta.
— Uma proposta... — arrasto a palavra.
— Sim, sua audição está ótima.
— É claro que está. Se alguma audição fosse estar prejudicada, seria a sua — devolvo
com um arquear de sobrancelha e um sorrisinho dissimulado. — Afinal, esse é um problema que
vem com a idade, não é?
Assisto à sua mandíbula cerrar.
— Ah, menina... — repreende, rouco demais.
— Não gosto quando me chama assim.
— É por isso que eu chamo.
Faço uma careta.
— Escuta, Romana, eu andei pensando...
— Isso parece horrível, não deveria gastar tanta energia.
Percebendo o que estou tentando fazer, adorando o ar de aborrecimento emanando dele, o
juiz simplesmente continua a falar como se eu não tivesse dito nada para irritá-lo. Eu mordo mais
um pedaço do meu donut, aguardando o que está por vir.
— ... e gostaria de te convidar para um jantar.
Paro de mastigar.
— Um jantar? — ecoo, surpresa.
— Virou um papagaio?
— Como é?
— Fica repetindo tudo o que estou dizendo.
Solto uma risada seca, que soa como um bufado.
— Não.
— O quê?
— Eu disse não.
— Como assim não?
Sorrio diante dos vincos se formando em sua testa. Eu costumava passar meus dedos por
eles até conseguir apagar a exasperação de Tommaso aos pouquinhos. Agora... Bem, não é mais
problema meu.
— Estou ciente de que você provavelmente não ouviu muito essa palavra em sua longa
vida de conquistas, sobretudo quando eu estava fora, então vou soletrar para você. — É a minha
vez de inclinar um pouco o corpo para chegar mais perto dele. — N-Ã-O. Jamás!
Seus olhos verdes e escuros se afiam, e eu volto ao meu lugar, decidindo que manter certa
distância é, na verdade, o melhor caminho.
— Acabou de falar... em espanhol?
— O que foi? — devolvo, ácida. Eu passei esse último ano na Espanha e tenho certeza de
que ele sabe, logo, é um absurdo que considere que não me dei ao trabalho de aprender um
pouco da língua. — Está impressionado com uma mulher que tem cérebro também?
— Elas normalmente não têm uma língua tão afiada, isso eu tenho que admitir. — Ele
volta a pegar seu café na mesa de centro, tomando um gole da bebida sem pressa. — Que mal
pode ter? É só um jantar.
— Aham, e tortura é apenas um esporte.
— Romana...
— Olha, eu não gosto de você — digo simplesmente, interrompendo-o. — Você também
não gosta de mim, só está... obcecado.
Ele umedece os lábios.
— É uma boa palavra.
— O que nos leva ao seguinte cenário — continuo, tentando não me distrair. — Ou
vamos quebrar o restaurante ou eu vou acabar na cadeia por agredir você. Por mais que eu
aprecie a segunda opção, não quero dormir em uma cela tendo uma cama quentinha à minha
espera.
— Não seria a primeira vez que te busco em uma delegacia — lembra com diversão, e eu
não resisto ao sorriso que força meus lábios. Tommaso estava bravo, muito bravo naquela noite.
— Pense comigo, se for mesmo um completo desastre, você pode jogar isso na minha cara
depois. Aposto que terá prazer em repetir o erro como uma maldita maritaca.
Tento não me ofender. Ele me chama de tagarela, mas na minha visão, sou apenas uma
mulher muito comunicativa.
— Mas se estiver errada e for uma noite agradável... — prossegue, inabalável. — Bom,
sinal de que a nossa química não é explosiva somente para discussões.
É claro que não é, e ambos sabemos disso. Nosso passado tórrido está aí para provar, mas
eu prefiro não recordar como podemos ser em cima de uma cama com esse temperamento difícil.
Ou de que eu gostava de brigar com ele de propósito apenas pelo que vinha a seguir.
— A questão é que... não estarei disponível.
Ele me avalia de perto.
— É mesmo?
— Sim, sinto muito.
— Mas eu ainda não disse o dia.
Ops! Se esse fosse um jogo, esse seria o momento em que o jogador está estático no
campo após um chute desastroso que levou a bola para o gol rival.
— Hum, certo... — Abro um sorriso, mordendo o último pedaço do meu donut e
aproveitando para ganhar tempo. Mastigo. Fuzilo-o. Mastigo. — E qual dia seria?
Tommaso sequer pensa antes de responder:
— Hoje à noite?
— Oh, nesse caso... — Faço uma pausa totalmente proposital. Posso parecer imatura,
mas a verdade é que nesse caso estou sendo a mais adulta aqui. Insistir nisso, em abrir feridas
antigas, é um erro gigantesco. — Desculpe, não posso.
— Amanhã, então?
— Tenho um compromisso com a Nora.
De todas as reações que eu esperava, ele tem a pior de todas. Tommaso simplesmente...
ri. Baixo, rouco, breve demais. Mas entregando toda a sua diversão na forma como seus olhos
verdes se iluminam. Não resta um sorriso depois do breve momento, por mais que eu tenha
torcido por revê-lo.
Uma besteira.
O homem de gelo não sorri.
Não mais.
A última vez que ele sorriu para mim... Bom, estávamos em uma cama. Pouco antes de
ele voltar a ser um imbecil completo, o que não vou permitir que volte a acontecer.
— Seja razoável, Romana.
Exalo, cansada.
— Um jantar... — repito em voz alta para refletir como soa, detestando considerar um
cenário em que, como agora, estaremos a sós. O perfume dele bagunça o meu raciocínio. —
Quero dizer, vamos ser só nós dois?
— Sou aberto para convidarmos novas pessoas, mas hoje eu gostaria de provar apenas a
sua companhia — diz em tom dúbio, maliciando palavras que, em outra boca, soariam
totalmente inocentes. — É claro que seremos apenas nós, Romana. Como eu poderia te matar e
esconder seu corpo com testemunhas?
Balanço a cabeça.
— Você sabe mesmo como convencer uma mulher, não é? — devolvo de forma
sarcástica. — Saber que vou terminar no fundo de um rio no fim da noite realmente é uma
perspectiva muito melhor do que o harém da sua cama.
Tommaso descansa as costas contra o assento.
— Essa doeu.
— Vai doer mais embaixo se tentar alguma coisa — completo com um arquear de
sobrancelhas. — Vou mirar o joelho bem no meio das suas pernas.
— Não fui eu quem mencionou a minha cama. — O canalha joga a culpa do tom da
conversa para cima de mim. — Vim aqui te convidar para jantar comigo em um restaurante.
Nada mais.
Esse olharzinho de você-me-ofende-tentando-se-atirar-para-cima-de-mim me faz tremer
no lugar junto à sugestão de sua inocência fajuta. Sabe, se ele pelo menos soubesse ficar de boca
fechada, poderia ser um sujeito decente. Um pedaço de fita adesiva resolveria o problema pelo
bem da população feminina.
Abro um sorriso, que é examinado com desconfiança por Tommaso, pensando no rolo
que tenho guardado, imaginando como seria acariciá-lo e fazer um bom uso dele, pregando-o
nessa boca bonita do juiz.
— Uma vez que você trouxe esse tópico à conversa... — continua, percebendo que não
falarei nada. — Quando voltar à minha cama, Romana...
— Isso não é uma possibilidade.
— ...Pode acreditar em mim, você vai pedir para acontecer. Implorar, como na primeira
vez. — O canto de seus lábios se ergue de forma arrogante. O ego desse homem encheria todo o
Rio Missouri, logo, mal está cabendo na minha pequena sala. — Lembra como só eu conseguia
te fazer pedir por favor? A propósito, em cima de uma cama é o único lugar onde você age como
uma boa garota.
Puxo várias respirações profundas, perdendo a batalha que travo comigo mesma de não
dar a ele o prazer de me ver tão afetada. E já que a perdi, aproveito para tirar o desgraçado do
apartamento.
Ergo-me com um salto da poltrona e planto os pés em frente ao sofá em que Tommaso
está sentado, esticando o braço erguido na direção da porta.
— Sai logo daqui! — ordeno.
Sem demonstrar qualquer incômodo ou pressa pela grosseria, ele se levanta do sofá com
uma lentidão impressionante. Sendo muito mais alto do que eu, seu rosto passa a centímetros do
meu, e termino encarando novamente o colarinho aberto de sua camisa escura antes de conseguir
recuar dois passos e, respirando fundo, marchar em direção à porta para abri-la.
Felizmente, Tommaso não faz mais nenhuma gracinha ao caminhar para fora. Porém não
perde a chance de me lembrar do jantar assim que seus sapatos caros ultrapassam a soleira do
meu humilde apartamento:
— Hoje à noite. 20h.
Espalmo a mão na parede ao lado do batente, ainda segurando a porta com uma mão,
mantendo o meu corpo nesse intervalo de espaço.
— Demoro a me arrumar, talvez me atrase.
— Eu não gosto de atrasos. Sabe disso.
Sorrio, maldosa.
— Terá sorte se eu não mudar de ideia.
— Sabe a melhor parte de tudo isso? — Ele se inclina na minha direção, trazendo o rosto
novamente para perto do meu. Seus olhos verdes, vistos assim tão de perto, fazem os pelinhos
dos meus braços se erguerem pateticamente. — Eu sei onde você mora. E como sou um
cavalheiro, virei te buscar.
Pressiono os lábios, atraindo sua atenção por um instante.
— Um cavalheiro — debocho, mesmo que em uma visão um pouco distorcida e da forma
dele isso seja verdade.
— É, você sabe... — pontua, sem remorso. — Quase sempre.
Pauso, respirando fundo para refrear memórias indesejadas. Nesses curtos segundos,
franzo o cenho a perceber uma informação importante que quase deixei escapar.
— Aliás, como sabe onde eu moro? — interpelo.
Tommaso dá de ombros, afastando-se.
— Recebi uma dica — responde com uma piscada sutil. — Tenha um bom dia, Romana.
Você é minha mais tarde, não se esqueça.
Bato a porta antes mesmo que ele deixe o meu campo de visão. É inevitável não refletir
sobre a resposta enigmática de como descobriu o meu endereço, mas não me preocupo muito
com isso. Como se Bayden Haven não fosse uma cidade pequena em que as informações se
espalham rápido demais, Tommaso continua sendo o rei dessas terras. É claro que ele sabe de
cada passo meu desde que voltei.
Passo as mãos pelo rosto, afastando os fios de cabelo para trás e me recompondo. Tudo
bem, talvez eu tenha me deixado levar pelo nosso clima perverso de cão e gato de sempre e me
metido em uma armadilha, mas não importa. Eu aceitei, então irei a esse jantar. E tudo que
Tommaso fizer, eu farei pior.
Porque se ele acha que possui algum poder sobre mim depois de tudo o que aconteceu,
mostrarei a ele que dois podem jogar este jogo. Posso ser cinquenta por cento doce, cinquenta
por cento diabólica e cem por cento o pesadelo do juiz.
O mais engraçado em viver aqui é que, quando perguntavam a minha cidade natal no
tempo em que passei em Barcelona, ninguém nunca a conhecia. Grande parte das pessoas fora da
América de Norte tem um conhecimento superficial sobre a maioria dos estados, tendo os olhos
fisgados por cidades famosas como San Francisco, Los Angeles, Nova York e assim por diante.
Lugares que, diga-se de passagem, eu nunca conheci. Tudo o que meus olhos viram antes
do intercâmbio foi Bayden Haven, uma minúscula cidade localizada no interior do Kansas com
quase quarenta mil habitantes. O mais próximo que temos de um Central Park é o clube de golfe
do Colbert Hills que ficou fechado por uns anos.
Sendo bem sincera, nada disso nunca importou de verdade para mim. Mesmo com as
fofocas, as conversas maldosas e a falta de privacidade, ainda há mágica nas lembranças mais
bonitas que vivenciei na infância ao crescer aqui e nada poderia abalar isso. Já ouviu o que eles
dizem sobre as garotas do Kansas, certo? Elas são as melhores da América. E as de Bayden
Haven... Bom, além de boas, nós somos fortes como aço.
Sorrio com esse pensamento, apressando meus passos pela Houston St. ao avistar a
fachada desgastada do Fivestars, a lanchonete onde trabalhava. Diferente do bar, aqui a maioria
dos clientes é legal e meu antigo patrão, Larry, nunca tocou abaixo do meu ombro ou de
qualquer outra menina que trabalhava como garçonete. Apesar de ser o mínimo, é mais do que
qualquer um pode dizer do dono do Cheer’s.
Abro a porta de madeira com uma mão, espiando pelo retângulo de vidro o movimento
no interior do lugar. Um sino badala assim que coloco os pés para dentro, atraindo a atenção de
Madson aprontando uma bandeja no balcão.
— Olha quem está de volta! — Ela larga o hambúrguer e o refrigerante que estava prestes
a levar para alguma mesa e vem me encontrar do outro lado do balcão. — Não acredito!
— Oi, Maddy.
Sorrio, abraçando-a com um dos braços, segurando firmemente o vaso que trouxe da
floricultura da cidade no outro. Ela logo percebe e se afasta de mim, lançando um olhar na
direção da imensidão amarelo-esverdeada.
— O que é isso?
— Flores. — Lanço um olhar ao redor, confirmando o que eu suspeitava. — Esse lugar
sempre precisa de um toque feminino. — Entrego à Maddy o jarro de tulipas amarelas. — Os
clientes vão gostar.
Ela move a cabeça para os lados.
— É por isso que esse lugar era bem melhor com você aqui — diz, lançando um olhar
para Larry, que não demora a assentir. Eu costumava trazer flores do meu jardim para cá antes,
enquanto morava na minha antiga casa. — Ninguém espalha beleza e alegria como você,
Romana.
Agradeço ao elogio baixinho.
Não posso dizer que somos amigas, já que não saímos para algum lugar depois do
expediente nem nada do tipo, mas adoro Madson por um motivo simples: ela faz tudo pela
pequena Ava de sete anos e meio. A garotinha é tipo o xodó da lanchonete, uma vez que
costumava fazer as lições de casa aqui conosco.
Após se apaixonar por um imbecil e ficar grávida antes da maioridade, Madson foi
expulsa de casa e começou a trabalhar em casas noturnas e bordéis para conseguir cuidar da
filha. Quando Ava entrou na escola, as coisas se complicaram, então ela largou tudo mais uma
vez e agora se mata de trabalhar em três empregos para tentar dar conta de tudo. E eu entendo
esse tipo de desespero.
— Não acredito que estou mesmo vendo você aqui. — Larry atrai minha atenção quando
a loira se afasta, e eu retribuo o sorriso amigável que abre para mim. Sem demora, ele pega a
minha mão e a cobre com as suas, como se a abraçasse por um segundo. — Como foi a viagem?
— Conto tudo se me preparar um hambúrguer.
Larry ri.
— Com fritas extras e Coca com gelo, certo? — confirma, embora ele saiba exatamente o
que eu gosto de comer aqui.
— Meu estômago está gritando que ama você.
Rindo, ele acena e grita em direção à cozinha para preparar o pedido. Larry deve estar
próximo dos cinquenta anos, talvez por isso aja como se fosse o pai de todas nós na maior parte
das vezes. Não posso negar que aprecio o fato, embora tenha aprendido muito bem a cuidar de
mim mesma e não depender de ninguém.
— Então — introduzo o assunto que me trouxe até aqui, além do objetivo claro de revê-
los —, vocês andam precisando de alguém?
Larry não esconde a sua surpresa.
— Quer voltar a trabalhar aqui?
— Pensei que estivesse vivendo uma vida boa na Espanha. — Madson comenta, voltando
à conversa depois de ter posicionado o vaso e servido a mesa que pretendia quando entrei no
Fivestars.
— É, mas com as férias no intercâmbio, preciso voltar à vida real e organizar o que posso
— respondo a ela, dando de ombros. — Aluguel, despesas da clínica que ainda não estão
quitadas. Toda essa merda que quando somos crianças não fazemos ideia que vamos enfrentar
quando adultos, sabe?
Madson ri, balançando a cabeça em confirmação.
— Romana... — Larry diz com certo pesar. — Sabe que eu não queria perder minha
melhor funcionária. — Madson faz um muxoxo em reclamação, e nós rimos. — Mas eu
precisava contratar alguém para te substituir na época e a nova garota acabou surpreendendo com
seu esforço. Não posso demitir Jules assim.
— Eu não gostaria que fizesse isso — digo em resposta. Não preciso conhecer a outra
garota para saber que se está trabalhando aqui é porque precisa, como todas nós. — Está tudo
bem.
Forço um sorriso.
Talvez eu precise voltar a trabalhar no bar também para dar conta das contas, mas não
queria pegar mais de um turno no Cheer’s por dia. Especialmente, os da noite.
— Mas a gente sempre precisa de ajuda no fim do dia para fechar o caixa e dar conta de
tudo, não é? — Madson vem ao meu socorro, expondo o problema como quem não quer nada. —
Sobretudo com Jules ajudando na cozinha pelo pulso machucado de Logan.
Suspendo a respiração por um segundo. Por algum motivo, não me atentei quando Larry
fez o pedido à cozinha, esquecendo-me completamente da presença de Logan aqui a essa hora,
trabalhando na montagem dos lanches.
— Logan está aqui agora? — pergunto, lançando um olhar cheio de significado para
Maddy, que não demora a assentir com a cabeça.
— Na cozinha nesse momento.
Alheio à nossa conversa, Larry respira fundo e chama meu nome novamente, quebrando
os devaneios que começaram a passar pela minha mente. Neste caso em particular, a babaca fui
eu. Logan sempre foi um cara legal.
— É verdade, Madson. O que acha de começar amanhã? — questiona, fazendo meus
olhos se arregalarem.
— Larry...
— Sempre tem lugar para você — afirma com um sorriso. — Isso, desde que você não
tenha aprendido nada com nenhuma espanhola esnobe naquele intercâmbio de gente rica e
trabalhe duro como antes.
Gargalho, negando com rapidez.
— Pode contar com isso.
Na vida, quando a maior parte das coisas nunca sai como planejamos, temos que
comemorar as pequenas vitórias. As minhas hoje foram conseguir meu emprego de garçonete de
volta, comer o hambúrguer que estava morrendo de saudade e não ter esbarrado com Logan
ainda.
O dia passou em um piscar de olhos depois da visita de Tommaso ao meu apartamento. A
visita à floricultura e ao cemitério tomou grande parte da minha manhã e, em seguida, teve a
passada na lanchonete. A grande questão aqui é que são pouco mais das seis da tarde e eu ainda
não aceitei que em menos de duas horas precisarei encontrar o juiz de novo.
O pior de tudo é que, de alguma forma, eu consegui sufocar a mágoa que sinto por ele
diante do que aconteceu, deixando apenas a raiva emergir sobre a superfície. Um terreno habitual
e muito seguro. Mas o desejo? Caramba, este está correndo solto pelo meu corpo desde que o
reencontrei, atropelando a minha compostura com a mesma elegância de um elefante em uma
loja de cristais.
Ainda de toalha, uma envolta do corpo e outra cuidando dos fios molhados do meu
cabelo, eu ouço o som de uma notificação no celular. Desbloqueando o aparelho, encontro uma
mensagem de Nora.
Nora: Desculpe por ter furado o café da manhã, Max quis fazer uma reunião de
emergência. Jantar hoje?
Ela contou que tinha tido um imprevisto em uma ligação rápida esta tarde, mas não
explicou o que tinha acontecido.
Romana: Não posso. Vou a um restaurante com Tommaso.
Nora: Algo mais que queira me contar?
Sento-me na cama.
É o tipo de conversa que pode demorar.
Romana: Na verdade, sim. Se houvesse um reino de gente idiota, eu seria a rainha. Sabe
por quê? Porque disse sim quando ele veio me convidar hoje cedo.
Romana: Tudo culpa sua, aliás.
Três pontinhos surgem na tela, indicando que Nora está digitando uma resposta. De olho
na tela, solto a toalha dos meus cabelos. A bagunça de fios negros cai pelos meus ombros e
costas. Longos como são, chegando quase aos meus quadris, precisarei secá-los com o secador
devido o pouco tempo que tenho.
Nora: Culpa minha você sair com o gostoso?
Sinto todo o sarcasmo embutido no texto daqui do meu apartamento.
Nora: Consegue me explicar? Porque eu, sinceramente, não entendo como posso fazer
coisas tão boas, até mesmo de forma inconsciente.
Digito uma resposta.
Romana: Se tivesse vindo aqui, eu não estaria no apartamento na hora em que ele veio.
Aliás, nem sei como o juiz conseguiu meu endereço.
Nora: Eu dei.
Por um segundo fico estática, encarando o visor. São apenas duas palavras, mas leio a
mensagem outras três vezes para ter certeza da informação.
Romana: Você fez o quê, Honora?
Nora: Alto lá, Romana!
Romana: Para, nem começa! Você deu meu endereço para o anticristo?
Nora: Não está exagerando um pouco?
Romana: Rebobina, Nora.
Nora: Ele me perguntou, tá legal? O que você queria que eu fizesse? Mentisse?
Moramos em uma cidade que mal aparece no mapa do Kansas, Romana.
Romana: Você é oficialmente a rainha da idiotalândia.
Com maturidade, ela envia uma figurinha de Santi mostrando o dedo do meio, e eu não
consigo refrear a gargalhada. É da época em que ele precisou se vestir de Mike Wazowski para
cumprir sua iniciação[LB9] no time de futebol e na universidade, assim como os outros caras.
Santi queria ser o grandão azul, é claro, mas perdeu os argumentos para ser o James por ter um
amigo com o sobrenome Sullivan.
Nora: Deveríamos estar tratando do que realmente importa.
Romana Como eu vou fugir para o Japão resgatar minha ancestralidade?
Nora deve ter revirado os olhos com essa.
Nora: Escolheu a roupa que vai usar?
Romana: Preto. Apropriado para um funeral.
Nora: Argh, tchau! Não posso fazer parte desse assassinato fashion.
Sorrindo, eu bloqueio o aparelho e o jogo na cama. Faço o mesmo com o meu corpo em
seguida, deitada no colchão, mirando o teto branco do quarto. Ainda estou suspirando quando ele
volta a tocar, e eu bufo antes de atender.
— Olha, Nora, se tentar me dar alguma lição de moda nesse momento — disparo a falar,
sem ouvir nada do outro lado —, eu juro por Deus que saio do jeitinho que estou. E devo
informar que uma toalha felpuda não é nada glamourosa.
— Apesar de saber que você ficaria estonteante com qualquer coisa e apreciar a imagem
que criou na minha cabeça… — A voz de Tommaso surge, e eu sinto meu coração acelerar
conforme minha boca se torna repentinamente seca. Merda, merda, merda! — Eu me sentiria
obrigado a arrancar os olhos de cada homem que visse você assim, o que seria fácil, dada a
minha posição na cidade e o meu cargo de juiz. Sei que não gosta de violência, então, por favor,
vista-se.
Comigo sem conseguir reagir, Tommaso prossegue:
— Seria um pecado se qualquer mero mortal tivesse uma visão sequer parecida com à
que eu tive há um ano na minha piscina.
A memória invade a minha cabeça, sem permissão.
— Liguei somente para confirmar que chego em uma hora.
Sem sequer mais uma palavra, ele desliga.
E eu, bom, sou levada de volta no tempo.
PASSADO
UM ANO ANTES
BAYDEN HAVEN, KANSAS
HORAS ANTES DO FATÍDICO EPISÓDIO DA PISCINA

A imagem da senhora com um lenço de seda enrolado em volta do que costumava ser um
cabelo loiro-escuro saudável e espesso, e agora não é nada além de couro cabeludo, entra em
foco assim que adentro o quarto privativo de abuela no Mercy Regional.
Ao me ver, a bela senhora abre um sorriso enorme, erguendo os braços para que eu não
tenha a escolha de me sentar na poltrona antes de lhe dar um abraço. Tenho tempo apenas para
retirar o paletó antes de me aproximar.
— Senti saudade, Tommy.
Somente ela me chama dessa forma.
Qualquer outro teria a língua cortada.
— Faz dois dias que estive aqui.
— Sim, mas a história parou em um ponto importante, mi hijo — argumenta com
seriedade, afastando-se um pouco para ser capaz de me examinar com seus olhos astutos. A mão
frágil, conectada à infusão, apoia-se no meu ombro com afeição. — Estou curiosa para saber se
finalmente acontecerá o que tanto tenho esperado.
— Ah, esse é o verdadeiro motivo.
— Senti um pouco de saudades suas também.
Movo a cabeça, ocupando a poltrona ao lado da cama.
Abuela sempre tenta me arrancar um sorriso ou qualquer reação positiva sem sucesso.
Não forço nada porque foi ela a me ensinar que jamais devemos mentir para quem amamos,
sobretudo se isso tiver relação com os nossos sentimentos.
— Por sua causa, eu preciso subornar todas as enfermeiras do hospital — informo a ela,
desconfiado de que saiba disso de qualquer maneira. Foi Antonita a me instruir desde pequeno a
ser tão obstinado e persuasivo, afinal de contas. — E ameaçar destruir a carreira de cada um dos
médicos.
Ela ri sem remorso.
— Para que nada do que fazemos saia daqui, suponho.
— Exatamente.
— Você seria um neto ingrato se não viesse ler meus romances para mim. Até porque, se
recusa a permitir que eu fique na sala de quimioterapia geral com os outros pacientes. — O
sorriso em seus lábios pintados de batom se amplia. Mesmo com o avançar da doença, ela gosta
de ser vaidosa. — Teimoso para um carajo!
Foi crescendo assim que me tornei um desbocado de primeira.
— Muita gente não gosta de mim, abuela — reitero, resgatando uma conversa que
tivemos várias e várias vezes. — Preciso ter certeza de que está sendo cuidada de perto. Não
posso permitir que Santino perca mais ninguém.
Uma respiração pesada escapa dela.
— Por isso o segurança na porta.
— Eu colocaria dois se tivesse certeza de que não os faria sair chorando daqui por pura
implicância com a minha preocupação.
A expressão angelical não me engana.
— Puta madre, Tommy! Aquele foi um incidente isolado.
— Seria, se não tivesse se repetido outras duas vezes.
— Juro que não disse nada para o menino.
Faço uma negação.
— Claro que não.
Faz três anos que abuela foi diagnosticada com um adenocarcinoma gástrico de evolução
rápida. Fiz de tudo que estava ao meu alcance para que ela tivesse o melhor acompanhamento
médico possível e que obtivesse a cura do câncer. Cerca de um ano e meio depois, no entanto, o
adenocarcinoma retornou de forma ainda mais agressiva e descobrimos uma metástase no
pâncreas.
Não admiti que ela fosse cuidada em casa, como antes, mesmo com uma linha de
equipamentos modernos. Exigi uma ala privativa no Mercy e investi mais de um bilhão de
dólares em pesquisas focadas no tratamento do câncer ao redor do mundo. Até agora, apesar dos
avanços, nenhum tratamento foi conclusivo para o caso dela. Embora os estudos tenham ajudado
muitas pessoas, foi uma decisão egoísta impulsioná-los.
— Apesar do mal que eu pratico como um esporte todos os dias... — dou prosseguimento
à conversa —, estou certo de que poderia me salvar do inferno apenas por ser obrigado a ler esse
pornô de dona de casa que a senhora curte.
Abuela estica a mão sem o acesso para bater na minha cabeça em repreensão. O gesto não
faz mais do que bagunçar os meus cabelos, mas provoca um estreitar irritado dos meus olhos de
qualquer forma.
— Você leu tantos romances para mim e ainda não percebeu? — retruca, zangada
também. Eu culpo o sangue quente espanhol correndo pelas nossas veias. — Há muito mais
neles do que só erotismo, querido hijo. Eles empoderam e inspiram as mulheres. Confortam e,
sim, às vezes excitam. — Ela ergue o queixo. — E não há nada de errado nisso.
Contenho um suspiro impaciente, anuindo.
— Não está mais aqui quem falou.
— Ótimo! Comece logo a leitura, hijo.
A sessão de diversão dela é a minha tortura particular. Meio que tudo bem, uma vez que
ela não pode ver o outro neto — carinhoso e brincalhão — nos períodos em que está internada,
mantendo contato com Santino somente por telefone.
Depois que nos mudamos da Espanha para os Estados Unidos de forma ilegal sem pai
nem mãe, cruzando a fronteira pelo México, a abuela entrou em cena e se tornou os dois. Ela é a
rocha que manteve os Falcão-Ruiz vivos no nosso primeiro ano na América do Norte, passando
fome e fugindo das autoridades para não sermos deportados.
Demorou para que alguém confiasse em um fedelho de dezessete anos que mal sabia
inglês e me concedesse um emprego. Abuela trabalhou duro em serviços de limpeza enquanto eu
me esforcei em uma firma de construção civil para ajudar com as despesas. No meio disso,
lutamos para cuidar de Santino, que era apenas um bebê menor de um ano.
— Você prometeu se comportar. — Eu leio, retomando de onde paramos da última vez.
O grunhido descomposto é do conde sendo torturado pela sedução de uma jovem que é casta
demais para o histórico dele.
Abuela se endireita na cama de hospital, aguardando o contra-ataque de Arabella. Ela
sempre aplaude as barbaridades que a protagonista diz para atiçar a paciência do conde. Eu, por
outro lado, acho todo o jogo de gato e rato uma sedução bem deprimente.
— Prometi, mas ainda não estou casada com o seu irmão — exponho a réplica ácida de
Arabella. — O visconde de Everhart ainda não me desposou, o que faz de mim uma mulher livre.
Ainda é tempo de dizer o que significo para você, Vossa Graça.
— Teoricamente, está desimpedida mesmo. — Abuela se intromete na narrativa. —
Afinal, o casamento não passa de um acordo entre as famílias. Aposto que o conde está negando-
a tão fervorosamente por medo de se apaixonar. O que você acha, Tommy?
Reviro os olhos, prosseguindo com a leitura sem respondê-la. Ler para entretê-la, tudo
bem, comentar sobre os personagens é exigir demais da minha exígua paciência.
— Você não significa nada desde o dia em que coloquei os olhos em você — continuo,
adotando o barítono profundo que eu imagino que o tal conde possua. Pelo menos, é o que a
autora pormenoriza adiante do travessão.
— Mentiroso! — praticamente grita.
— Jamais desejei que...
— Está enganando a si mesmo ao dizer que não sente atração por ela, apenas porque
Arabella foi prometida jovem demais para ele fazer qualquer coisa além de ignorá-la ao longo
dos anos — interrompe a minha leitura pela terceira vez, e eu não gosto do caminho desses
pensamentos.
O pobre conde pode muito bem detestá-la e ponto-final, certo? Arabella é enervante para
um carajo, no fim das contas. Não o culpo por se enfurecer com a garota.
— É mais fácil se enganar e tratar a mocinha mal do que admitir o interesse. Mesmo
estando claro o quanto o conde quer foder com ela desde o baile de reencontro.
Quase engasgo com a saliva.
— Abuela! — xingo.
— O quê? É verdade.
— Eu não precisava ouvir da sua boca.
— Está no livro, hijo! Leu para mim a cena desses pensamentos picantes dele na última
vez que veio me ver. — Antonita pigarreia, pronta para narrar: — “Desejo fodê-la aqui mesmo,
no centro desta maldita pista de dança”. Dios, hacia calor! [LB10]
Apoio a mão contra a têmpora.
— Tommy, olha para mim...
Ergo os olhos com um movimento relutante e encontro o sorriso sádico de Antonita,
largo a ponto de marcar as covinhas em suas bochechas. As linhas enrugadas de seu rosto, mais
estranhas do que costumavam ser com a falta de sobrancelhas e cílios agora, atraem toda a minha
atenção.
— Sim?
Ela inclina a cabeça e muito deliberadamente pronuncia:
— Foder, foder, foder...
— Dios mio, abuela!
— Trepar também é bom.
Ergo-me da poltrona, fechando a porcaria do livro.
— Aposto que não tem vergonha de falar coisas muito piores quando está com uma
mulher — retruca, criticando o meu conservadorismo. — Você acha que só porque sou velha e
doente não posso ficar excitada? — Solta uma risada seca e ofendida. — Até nós velhotas temos
necessidades, tá bom?
Carajo, meu cérebro.
Eu meteria uma bala nele agora.
— Se a janela desse andar estivesse aberta, tenha a certeza de que a senhora perderia um
neto.
— Não seja dramático, ok? — Ela ajeita o lenço de seda ao redor da cabeça com cuidado.
— Nem ficarei brava se você tiver uma ereção literária lendo, mas vou, senão continuar logo.
Estou há semanas esperando a cena de sexo entre eles.
Nego com veemência, caminhando pelo quarto. O livro está jogado meio aberto sobre a
poltrona depois do meu rompante.
— Não posso ler uma cena assim para senhora.
— Por que não? — interpela.
— Porque é a senhora! Es como mi madre.[LB11]
Abuela cruza os braços, determinada. Suspeito que está me deixando alerta e preocupado
com a possibilidade de o acesso sair de sua veia de propósito.
— Vou ter que voltar ao discurso de mulheres velhas e com tesão? — fortalece o
argumento verbal agora com palavras. Palavras afiadas que detesto ouvir.
— Dios, no! — nego, mais depressa do que se tivessem apontado uma faca contra o meu
peito. Então, lá estou eu com a porcaria do livro em mãos novamente, procurando onde parei. —
Mas vou censurar o que for de baixo calão.
— Nem ouse me privar do vocabulário depravado do meu livro erótico, Tommaso
Falcão-Ruiz! — rezinga, alto e mordaz como se eu tivesse quinze anos de novo e precisasse de
uma reprimenda. — Te voy a ordenar que te la lleves por...[LB12]
— Já entendi, abuela!
— Se quiser fingir que não estou aqui enquanto está lendo, tudo bem. Você era muito
bom em fazer isso na adolescência, quando levava garotas para o seu quarto. — Antonita solta
uma risadinha vingativa. — Mas nada de censura, ouviu? Não estive ao lado do seu avô na
Guerra Civil Espanhola para ser advertida pelo meu próprio neto.
— A senhora sequer estava viva quando a guerra começou!
— Você também não, então não discuta comigo.
Solto o ar, travando a mandíbula ao ler com raiva a próxima interação entre eles. Eu me
arrependo por cada segundo em que narro em voz alta a cena em que o conde desgraçado
finalmente reivindica a virgindade da protagonista. Abuela até mesmo bate palma quando a
jovem Arabella chega ao clímax e o conde finalmente libera sua torrente de paixão no ventre de
sua amada.
Sério, quem escreve essas coisas?
— Na manhã seguinte...
— Está escrito isso aí? — Abuela desconfia, impedindo que eu continue. — A autora
realmente cortou a cena logo após o orgasmo? Sem nem um chameguinho?
Solto um suspiro, flagrado pela sagacidade dessa mulher. Lendo minhas reações ao
comentário com uma maestria que apenas alguém que me criou poderia ter, ela me envia um
beijo, soltando risadas altas em seguida.
Essa imagem resume perfeitamente a essência de Antonita Falcão-Ruiz. Uma senhora
que nunca deixou a juventude e a alegria escaparem, mesmo nos piores momentos. Melhor
ainda, uma jovem de dezesseis anos vivendo no corpo de uma mulher de setenta e cinco. Muitos
hormônios psíquicos para uma senhora imbuída pela menopausa há anos.
— Foi tudo como sempre sonhei — leio na voz da Arabella, deixando de lado o meu
desconforto.
Sou recompensado com a alegria de Antonita ao prosseguir e descrever o tal... O que foi
que ela disse? Ah, chameguinho. Acho que essa palavra sequer existe, mas tudo bem.
Em breve, abuela estará fadigada, nauseada e reclamando de dor no local da aplicação.
Então, faço com que esses breves minutos de felicidade durem o máximo possível e me obrigo a
continuar lendo por mais três capítulos, embora esteja atrasado para um compromisso
importante. Suponho que devo comemorar o fato de não haver nenhuma outra cena de sexo.
Paro no início do quinto capítulo do dia ao senti-la manifestar sinais de cansaço. Não está
sentada e animada como antes, mas deitada e se curvando cada vez mais. As pálpebras, lisas sem
cílios, ameaçam se fechar a todo momento.
— Quero pedir uma coisa — murmura quando estou prestes a ir embora, pegando o
paletó dobrado sobre as costas da poltrona. Achei até que tivesse adormecido.
— Desde que não sejam rosquillas[LB13] — decreto o limite. Abuela gastaria toda a
minha fortuna para conseguir seus doces preferidos, e eu mataria qualquer um que cedesse a sua
vontade e fizesse seu estado agravar.
— Não é nada disso. — Com esforço, ela consegue sorrir. — Sinto falta de alguma coisa
colorida e viva. Aqui é sempre tão frio e estéreo, Tommaso.
Concordo com um aceno.
— O que a senhora quer?
— Quero que me traga flores.
— Vou passar na floricultura da próxima vez.
— Não, não...
Sua feição distorce em uma careta, e eu me preparo para pegar o recipiente que fica ao
lado da cama, junto à comadre, para ajudá-la com o vômito comum no fim da sessão. Após
algumas respiradas fundas, porém, abuela se recompõe da onda de náusea. Faço uma nota
mental, no entanto, para pedir à enfermeira que venha medicá-la.
— Quero frésias, são as minhas favoritas — prossegue, e eu volto a consentir. — Aquelas
cor-de-rosa do jardim da menina Romana.
— Abuela...
— Ela não vai se importar.
Claro que não. Pela japonesa, ela entregaria uma a cada habitante dessa cidade com um
sorriso de orelha a orelha.
— Há frésias na floricultura da cidade — argumento, vestindo o paletó que estava em
minhas mãos. — E posso conseguir as cor-de-rosa.
— Não serão as mesmas.
Exalo, exasperado.
— Além do mais, sinto saudade de Romana e de Nora — explica com uma expressão
entristecida no rosto. — Sei que você não permite que venham aqui e que elas nunca gostaram de
ir ao palacete, mas eu passava na lanchonete apenas para vê-las, sabia? E quando eram mais
novos, ficava vendo-as com Santino na casa da árvore no jardim dos Kensington.
Encaro o Rolex no meu pulso, avaliando meu atraso. A questão aqui não é o receio pelo
compromisso — a reunião acontecerá de qualquer forma se eu assim desejar —, mas meu apreço
pela pontualidade.
Concluo, após alguns segundos, que será mais fácil ir para casa do que retornar ao
tribunal. Posso revisar o caso durante uma chamada com Sawyer no escritório, mas infelizmente
terei que desmarcar meu compromisso com Amaya esta noite.
— Preciso ir — digo a ela, avançando alguns passos para lhe beijar a testa. — Tenho que
revisar um caso importante, o julgamento é amanhã de manhã.
— Vai trazer minhas flores da próxima vez?
— Eu vou.
— Do jardim de Romana, promete?
Movo a cabeça.
— Prometo, abuela.
Ela abre um sorriso mais expressivo do que qualquer um que me deu essa tarde, ciente de
que tratei suas amadas frésias cor-de-rosa na próxima visita em dois dias. Sou um homem de
palavra e jamais volto atrás em uma decisão.
Ao me encontrar diante do palacete dos Falcão-Ruiz, sinto meu coração acelerar, como
um aviso de que eu não deveria estar aqui. Eventualmente entrei na mansão ao longo desses anos
de amizade com Santi, é claro, mas nunca sozinha. Até hoje. Teria pedido à Nora que ficasse
comigo se não soubesse que ela prometeu à Moon — sua irmã mais nova — que a ajudaria com
o projeto da feira de ciências do colégio.
Pego o celular na minha bolsa e escrevo uma mensagem para Santino. A fechadura
moderna exige uma senha que é atualizada de tempos em tempos e é enviada para um aplicativo
de segurança que ambos os irmãos possuem. Bizarro, eu sei. A maioria das pessoas
simplesmente possui uma chave para entrar em casa.
— Pensando bem, pode não ser uma excentricidade de gente rica — divago, mordendo o
interior da bochecha. — Algumas pessoas colecionam discos de vinil, canetas e objetos de arte.
Tommaso, além dos carros, coleciona inimigos.
Santino não demora a me responder com os números que devo digitar no painel, o que
me faz suspeitar que está em uma pausa no treino regular. Teclo a sequência numérica e giro a
maçaneta quando o sensor fica verde.
Santi: Conseguiu, japonesa?
A mensagem chega em seguida.
Romana: Sim, tudo certo. Obrigada!
Santi: Vou sair o mais rápido que puder, mas não chego antes das seis.
São quase quatro horas agora.
Por um milagre, saí mais cedo do trabalho.
Romana: E o anticristo...?
Santi: Estaremos na casa da árvore comendo pizza com Nora quando meu irmão chegar.
Vou manter seus olhinhos puxados bem longe dele, eu prometo.
Abro um sorriso, e envio um emoji de coração como resposta.
O som pesado da porta de madeira se fechando ecoa atrás de mim, causando um eco ao
meu redor devido ao espaço mastodôntico do hall de entrada. O piso de ébano escuro está
parcialmente coberto por um tapete intricado por padrões elegantes, o papel de parede é refinado
e na divisão da entrada há um arco pleno, oferecendo uma visão privilegiada da suntuosa escada
reta no centro.
Ainda parada, sei reconhecer a divisão da casa, mesmo tendo se passado muito tempo
desde a última vez que estive aqui. Seguindo em frente e à direita, há a sala de estar pública com
abertura para a sala de jantar, cozinha, bar e área externa. A sala de estar privada, bem como
cinema e a piscina coberta, ficam nesse mesmo piso, mas mais afastados em outra ala.
Os Falcão-Ruiz têm até mesmo uma biblioteca!
Sempre quis entrar lá. Mas o juiz não deixa ninguém pisar lá dentro.
— Possessivo com absolutamente tudo — resmungo, indo em direção ao andar de cima,
onde ficam os quartos.
Entro na terceira porta, sorrindo para o quarto um pouco bagunçado de Santino. A
decoração não mudou tanto desde que éramos crianças. A pintura continua azul e os móveis, de
um tom de cinza-escuro, tal como as cortinas. O que mais entrega a personalidade de Santi, no
entanto, é o símbolo da NFL pintado sobre a cama king size, uma moldura de vidro com a
primeira camisa de QB que ele usou no colegial e a coleção de bolas autografadas por seus
jogadores favoritos. Babe Ruth, Willie Mays, Mariano Rivera, entre outros.
— O dinheiro realmente faz coisas — comento para mim mesma, localizando as apostilas
separadas sobre a escrivaninha.
É uma pilha enorme, então eu a divido em duas para ter a chance de conseguir levar as
apostilas em duas viagens para o andar de baixo. Decido deixá-las sobre o balcão da cozinha
porque vou conseguir admirar a vista da área externa de lá. Santino disse que demoraria um
pouco, então posso começar lendo alguma coisa.
É melhor ocupar a mente do que deixar a minha curiosidade me fazer alguma besteira e
ir, por exemplo, espiar o quarto do Diabo. Aposto que é todo sério e... preto. O juiz claramente
tem algum conflito com cores.
— Aprimoramento de leitura crítica... — recito o título da primeira apostila que decidi
estudar. — Parece ridiculamente entediante, mas será útil para construir uma boa carta de
apresentação para as universidades. Então, coragem, Romana.

O auto-incentivo funciona.
Depois de uma hora concentrada no assunto, distraio-me com o som da porta se abrindo.
Assisto à sra. Harris, governanta dos Falcão-Ruiz, entrar com um amontoado de sacolas. De
imediato, salto do balcão para ajudá-la e ganho um sorriso largo como agradecimento.
— Quanto tempo, querida — diz, surpresa por me ver aqui. Ou por ver qualquer pessoa
que não seja da família, eu suponho. — Como você está?
— Bem, esperando Santi chegar do treino de futebol. — Aponto na direção das apostilas
como uma explicação gestual. — Você, no entanto, se estiver precisando de ajuda, é só piscar
duas vezes. Posso ligar para a polícia.
Ela ri da brincadeira.
— Tommaso não deve apreciar o seu senso de humor.
— Evidente que não. — Finjo que meu dedo do meio é um bastão de batom e, depois de
retirar a tampa imaginária, percorro meus lábios com ele, fazendo a sra. Harris gargalhar dessa
vez. — Sou uma mulher divertida e faço o irmão dele muito feliz, azar do juiz se não percebe.
Limpando o canto dos olhos enrugados, ela assente.
— Santino ama você e Nora mais que tudo no mundo. — Ela contorna o balcão, indo em
direção aos eletrodomésticos da cozinha planejada. Sem surpresa, até o mármore das bancadas é
preto e sombrio. — Ainda está trabalhando no restaurante?
— E no bar — confirmo, meneando um aceno também. — Consegui sair mais cedo hoje
à tarde para buscar as apostilas. Larry valoriza como tenho trabalhado duro e me esforçado para
mudar de vida.
— Ele é uma boa pessoa.
— É, sim.
— Posso preparar algo para você comer?
Normalmente, eu diria que não porque, bom, não gosto de sentir que estou dando
trabalho às pessoas ao meu redor. O último mês, porém, foi difícil em casa, e eu não aguento
mais ver embalagens de comida congelada.
— Fazer uma pausa pode ser bom — prossegue em um tom mais gentil, sentindo a minha
hesitação. A sra. Harris me lembra muito a avó dos meninos, Antonita. Ela costumava nos tratar
muito bem, apesar da boca perigosamente suja.
Sinto meus lábios se curvarem em um sorriso.
Meu sim disfarçado, que ela aceita.
— Ainda gosta de torta de maçã?
Inclino um pouco a cabeça.
— Com sorvete de baunilha?
— Acha que seria capaz de te oferecer se não tivesse? — devolve, forçando um tom
ofendido. — Não seja boba, minha jovem!
— Hum... — gemo, alargando o meu sorriso. — Vir aqui e correr o risco de enfrentar o
juiz valeu totalmente a pena graças a você.
A sra. Harris acaba preparando o jantar, e eu, comendo um prato bem cheio. Depois,
claro, provo a torta de maçã com uma bola generosa de sorvete. E, meu Deus, isso está realmente
divino!
São pouco mais de cinco da tarde quando ela diz que precisa ir e me pede para avisar ao
Tommaso que o jantar dele está no forno. Como não pretendo encontrar com o dito cujo, faço
uma nota mental para comentar com Santino quando ele chegar.
Decidida a espairecer um pouco depois de avançar vinte páginas no estudo, deixo a
minha bolsa e caminho em direção à piscina coberta na ala oeste da propriedade. O segundo
maior paraíso do palacete, depois da biblioteca.
Andando pelos corredores, aprecio os quadros. Há telas em quase todas as paredes
principais da propriedade, o que acho verdadeiramente encantador. Posso não conhecer muito de
arte moderna, mas aprecio uma boa pintura. Van Gogh é meu artista favorito, tenho até uma
réplica de noite estrelada no quarto. Uma cópia não tão fiel, mas que custou bem baratinho.
— Ainda tenho, pelo menos, meia hora — calculo pelo celular ao chegar à piscina,
deixando-o na espreguiçadeira. — Posso dar um mergulho e sair bem rapidinho. Santi não vai se
importar e Tommaso sequer irá saber.
Tiro minha roupa depressa, deixando somente a lingerie amarela de renda cobrindo o
meu corpo. De pé, na borda da piscina, observo a extensão olímpica dela, contemplando a leve
fumaça sobre a superfície da água aquecida. Um detalhe tão singelo que me faz recordar a
natureza de Milford Lake à noite, onde a temperatura gélida do lago contrasta drasticamente com
a do ar, gerando uma bruma leve na água.
Presa nisso, recordo do desafio daquela fatídica noite. Algo idiota, claro, mas que eu não
fui capaz de cumprir ou de esquecer. Era simples, tirar as roupas, dar um mergulho rápido e sair.
Por que diabos eu não consegui?
Exalo, examinando o ambiente vazio e silencioso. A governanta saiu, os seguranças estão
fora e os donos da casa não voltarão, pelo menos, pelos próximos trinta minutos. Posso fazer
isso, certo? É o tipo de coisa que você precisa viver para contar aos seus netos quando estiver
bem velhinho.
Convencida, recuo um pouco e tiro a minha calcinha e o sutiã. Deixo as peças sobre o
meu vestido e o celular na espreguiçadeira, e, finalmente, salto na piscina.
É... libertador! A sensação da água acariciando minha pele desprotegida, a adrenalina
fluindo pelas minhas veias, e meu coração batendo tão rápido que desafia as minhas habilidades
aquáticas e minha respiração treinada pelos muitos mergulhos em rios e lagos na infância.
O tempo parece desacelerar por alguns segundos, mas não me dou o luxo de aproveitar
mais do que três voltas indo e voltando de uma extremidade à outra antes de decidir sair.
Combinar meu temperamento impulsivo ao azar que me persegue nunca é uma decisão
inteligente. O unicórnio que eu maltratei na vida passada pode muito bem decidir que esse é um
ótimo momento para me castigar.
Deixo a piscina com os olhos fortemente fechados, sentindo a ardência causada pelo
cloro artificial que não estou acostumada. A grade na escada facilita a minha saída e começo a
caminhar às cegas assim que percebo o piso antiderrapante sob meus pés. Afinal, não posso
demorar. Morreria de vergonha se Santi me encontrasse assim, mesmo sendo meu melhor amigo.
Não percorro mais do que três passos antes de colidir vigorosamente com uma muralha
de músculos rígidos. Uma barreira imponente, impregnada de aroma masculino e mãos tão
amplas que, por pouco, são capazes de circundar completamente a minha cintura.
Abro os olhos, piscando várias vezes com dificuldade, para me deparar com a expressão
atordoada de Tommaso. Tudo isso acontece em um breve instante que antecede nossa inevitável
queda e o rugido irritado dele em espanhol. O juiz escorrega, levando-me junto, mas mantém
meu corpo sobre o dele, absorvendo todo o impacto.
E é assim que eu percebo.
Não apenas esbarrei pelada no juiz.
Como ele está completamente nu também.
— Puta madre! — Ele xinga de novo, rosnando as palavras.
Levo meus olhos ao deles e a energia caótica que existe entre nós eclode, espessa e
pesada. Mais magnética do que é saudável para qualquer um de nós.
— Merda, você está bem?!
— Eu não usaria essa palavra para descrever o meu estado nesse momento, Romana. Que
carajos você...?
— Foi uma batida tão ruim assim? — interrompo-o, erguendo um braço e lhe mostrando
um dos meus dedos. — Quantos dedos vê aqui?
— Um. E é o do meio.
— Ótimo, isso é bom!
Ele revira os olhos.
— Seu peso nunca seria capaz de fazer estrago.
Toco a cabeça dele com os dedos ainda assim, apenas para confirmar. Assim como forço
meus olhos, ainda ardendo um pouco, a examinar o piso ao redor dele. Sem sangue, graças a
Deus! Mas há dois airpods próximos que devem ter sido completamente detonados depois disso.
— Então, a boa notícia é que não tem corte ou sangue, então não vai precisar de pontos
— digo, forçando um sorriso. Que situação horrorosa! — A má é que esse machucado não será
grave o suficiente para lhe causar uma mudança de personalidade. Consegue ouvir o coro de
anjos chorando?
Ele não responde.
Posso sentir Tommaso tenso embaixo de mim, tentando controlar a respiração. Perceber
como está bravo me faz tomar uma atitude impensada e erguer o meu corpo, sentando-me sobre
ele apenas para afastar nossos rostos e, em seguida, me levantar.
Uma ideia tão, tão idiota!
Agora meu corpo está pressionando a parte mais baixa do seu abdômen e posso sentir
como ele fica gradualmente mais duro. Tento ignorar, engolindo em seco e tentando colocar
minhas pernas para funcionar enquanto faço minha vagina acreditar que — para esse homem —
ela está morta. Mortinha!
Infelizmente, ela tem outras ideias.
— Você está molhada. — Tommaso fala em voz baixa, e eu quase engasgo com a saliva.
O tom rouco e irritado disparando arrepios pela minha pele sem autorização.
— Ah... O quê? Não! Não, eu não...
— Você está pingando água, Romana.
— Ah!
Olho para baixo, para o peito musculoso e com pelos que as minhas mãos — sem querer
— espalmaram. É o corpo de um homem que se exercita exaustivamente. Seus braços são largos
e grossos, e suas mãos... Tão pesadas quanto o restante dele parece ser. Para o meu desespero,
também consigo sentir algo do pau que cutuca a minha bunda nesse momento, completamente
erguido.
— O que faz aqui? Nua, ainda por cima.
Pisco, voltando a encarar seu rosto.
Está mais tenso do que antes, como é possível?
— O quê?
— Por que estava nadando pelada na minha piscina?!
— Ah, isso... Bom, eu... fiz um desafio comigo mesma.
— E pular em cima de mim completamente nua fazia parte disso?
— Não exatamente. — Assim como transformar o meio das minhas pernas em uma zona
de alagamento também não era uma questão. — Deveria ter me visto na água quando chegou.
— É claro, você é a invasora e a culpa é minha.
— Ou as minhas roupas na cadeira — continuo.
— Estava distraído, Romana. E com fones antirruído.
Quero responder com uma bela sacada, mas nada me vem à cabeça. Em vez disso, penso
sobre bater nele. Se a pancada for forte o suficiente, ele pode desmaiar, certo? E ao acordar, pode
imaginar que tudo isso não passou de um sonho. Ou, como parece para mim, um terrível
pesadelo. Esse momento estará engavetado na mesma caixinha em que bani todos os sonhos
quentes que já tive com Tommaso quando eu tinha aquela pequeniníssima queda por ele.
— Quer ficar montada em cima de mim o dia todo? — Tommaso questiona, emitindo um
grunhido exasperado em seguida. Até mesmo a maneira como ele engole parece desordenada, o
pomo de Adão movendo-se de maneira abrupta para cima e para baixo.
— Queria ter caído por baixo para estar desacordada e não precisar nem mesmo olhar
para você! — retruco com rispidez, passando uma das minhas pernas para o outro lado a fim de
me reerguer.
— Finalmente concordamos em algo.
De pé, meus olhos vagueiam pelo corpo dele sem controle. Deslizando por todo tronco
esculpido e pelo abdômen trincado até chegar na parte que não tive como ver antes. Sinto a
minha boca ficar seca diante do vislumbre do seu pênis. Oh... uau! É enorme e está
completamente duro. Da cabeça vermelha até o fim, grosso a ponto de me fazer imaginar se eu
conseguiria ou não fechar os dedos ao redor dele.
— Romana...
Nada nele se parece com um garoto.
As veias marcadas, os pelos grossos e curtos da base, subindo em direção ao abdômen
definido... Nada. Tommaso é um homem de quase quarenta anos e é fascinante. De um jeito
totalmente perturbador, como uma pantera rara e exótica que possui beleza e poder em partes
iguais.
— Romana! — xinga alto, arrancando-me dos meus devaneios. Sob seu olhar atento,
sinto minhas bochechas queimarem em vergonha. — Será que você consegue parar de encarar o
meu pau?
Limpo a garganta, saindo do transe e ficando ofendida.
— Eu tenho olhos, Tommaso. Não posso tirá-los do meu rosto.
— Mas pode desviar sua atenção. Basta ter invadido a minha casa e a minha piscina, vai
babar em cima dela também?
— Nossa, muito engraçado!
— Vai ser descarada e negar que é o que estava fazendo?
— Você é muito arrogante, viu? — Solto uma risada sem humor, que soa aguda e
nervosa. — Será temporada de esqui no inferno antes que eu olhe para você com qualquer coisa
exceto desdém.
— Ótimo, porque você claramente ainda é apenas uma menina — diz, sem olhar para
nada além do meu rosto. O que mais me provoca satisfação, no entanto, é o esforço exasperado
que vejo nele, como se estivesse lhe doendo fisicamente se controlar. — E esse seu perfume
lembra muito uma colônia infantil.
— Seu filho de uma... — paro, sem querer ofender a falecida mãe dele ou a avó. Elas não
merecem. — Quer saber, é melhor você ficar bem longe de mim mesmo. E, se quer uma dica,
aproveite seu tempo livre para chupar um canavial de rola, seu mal-humorado!
Pego minhas roupas e saio marchando com toda dignidade que me resta — o que,
convenhamos, não é muita —, sem ir muito longe. Tommaso agarra meu braço quando tento
passar por ele, sem permitir que eu me afaste.
Íris verdes, escuras e penetrantes, fixam-se em mim com uma hostilidade evidente.
Atordoada e com o coração prestes a saltar pela garganta, percebo a tensão em sua mandíbula e a
expressão irritada que se instala em suas feições. Detalhes que revelam o que eu previa: o juiz
está furioso.
Sem aviso, seus dedos se infiltram no meu cabelo, fazendo a bagunça de fios molhados se
enrolando em seus dedos. O agarre é forte e me faz choramingar pela surpresa, sentindo o pinicar
doloroso no meu couro cabeludo e o fraquejar dos meus joelhos.
— Quem você pensa que é, carajo? — grunhe baixo, fazendo meu corpo oscilar sobre os
meus pés inquietos. Por muito pouco, contenho um gemido. — Enlouqueceu de vez?
— Talvez eu seja o seu castigo.
— Sabe o que aconteceria com qualquer um que ousasse dizer algo minimamente
parecido com o que saiu da sua boca?
Boca essa da qual o juiz não consegue desviar o olhar.
E, por culpa dele, eu busco por ar. Ofegante.
— Não, e também não ligo.
— Menina...
— Você não vai fazer nada comigo. Ou vai? — A pergunta sussurrada, um desafio
velado que consegue deixá-lo ainda mais alterado. E a mim, prestes a desabar.
Jamais experimentei um olhar assim vindo de alguém, como se eu fosse a personificação
de todos os desejos de um homem. Tommaso não me observa de maneira suave ou amável. Não,
está longe disso. Há algo... bestial e possessivo em seu olhar. Obsessivo. Como se desejasse
marcar cada centímetro da minha pele e fazer meus gritos ressoarem por todo o palacete.
Ele se curva ainda mais, e eu me preparo para fechar os olhos. Posso sentir o hálito
quente de sua respiração pesada, o agradável aroma picante e amadeirado, e até mesmo a
vibração de descontrole que emana de cada poro de Tommaso. O conjunto tem o poder de
explorar minhas fraquezas, tornando-me incrivelmente propensa a cometer o que possivelmente
será o maior erro da minha vida: beijá-lo.
Santino nunca me perdoaria.
— Saia da minha casa, Romana.
Então, ele me solta.
Apenas... me solta.
Estática, observo Tommaso se afastar como se eu o tivesse queimado. Os passos pesados
sobre o porcelanato, pronto para castigar o piso ou qualquer um que tenha a infelicidade de
cruzar o seu caminho nas próximas horas.
Definidamente, não serei eu.
Visto as minhas roupas de forma apressada com dificuldade devido à minha pele úmida.
Não me dou ao trabalho de procurar uma toalha mesmo diante do esforço, no entanto. Só quero
sair daqui o mais rápido possível.
HOJE
BAYDEN HAVEN, KANSAS
DE VOLTA AO QUARTO DE ROMANA
MINUTOS ANTES DA CHEGADA DE TOMMASO

Sem surpresa, as batidas desferidas contra a minha porta são impacientes. Tommaso não
consegue evitar ser assim, ainda que esteja em desvantagem e aparentemente se esforçando pela
minha atenção, construindo um cenário bem distinto do nosso passado.
Dessa vez, preciso admitir que talvez eu tenha uma pequena parcela de culpa em seu
aborrecimento. Digamos que deixá-lo esperando por dez minutos do lado de fora enquanto eu
fingia não escutar os seus chamados, decidindo qual batom iria usar, não foi lá muito educado.
Por óbvio, isso nada teve a ver com ficar atraente para o juiz.
Meu divertimento, infelizmente, não dura muito tempo, e eu caminho até a porta para
abri-la. Mais alguns segundos disso e o porteiro viria averiguar o barulho pela reclamação dos
vizinhos. O que não seria um problema se o coitado não tivesse a chance de perder o emprego
simplesmente por cruzar com a ira de Tommaso.
— Você deveria ir para um retiro, sabia? — Aperto a maçaneta com força. — Talvez
assim conseguisse trabalhar sua falta de paciência.
Planejei uma bronca irritadiça muito mais severa e irônica na minha cabeça, mas todos os
pensamentos sobre como irritar Tommaso se desintegram de forma patética diante da presença
dele.
O canto de seus lábios se ergue em prepotência pelo feito em meio a descarga de arrepios
não autorizados tomando o meu corpo. Aposto que alguma ilha pequena espalhada pelo mundo
acabou de sucumbir nesse exato momento por conta desse cretino que, nem em um milhão de
anos, deveria ter o direito de ser tão devastadoramente bonito.
Ele está usando uma calça social preta, feita sob medida certamente, e uma camisa branca
de botões. Sapatos caros, relógio importado e cinto de grife. Um visual sedutor, mas incomum
por vir de alguém que possui todo o guarda-roupa em tons de preto e, no máximo, cinza-escuro.
Eu mereci uma camisa branca?
A última vez que ele usou uma foi a pedido meu.
— Eu não gosto de atrasos — diz devagar, a voz mais rouca do que deveria a essa hora
da noite. — Sabe quanto vale cada segundo do meu tempo?
Reviro os olhos.
— Muito, eu imagino.
— Então, compreende o que causou ao me deixar esperando do lado de fora, sabendo
exatamente a hora em que eu chegaria?
Coloco uma mecha de cabelo atrás da orelha, um gesto intencional que é sondado de
perto por ele. Deixei meus cabelos soltos e a percepção disso parece monopolizar o olhar severo
de Tommaso por um tempo.
— Quer cancelar o jantar? — levanto a sugestão, e preciso conter o sorriso ao ver sua
exasperação voltar à tona. Ele sabe exatamente o que estou tentando fazer. — Eu entenderia, é
um motivo muito justo.
Tommaso move a cabeça.
Posteriormente, respira fundo.
— Não, Romana.
— Tem certeza? — provoco um pouco mais, navegando na linha tênue que está prestes a
se romper. A verdade é que nunca fui muito boa em lidar com limites. — Você deixou bem claro
que cada minuto do seu tempo é muito valioso.
Ele sequer pensa ao responder:
— Tenho certeza — diz, mais calmo. — Afinal, se são tão especiais, eu deveria gastá-los
com algo igualmente precioso, certo?
Seus olhos escuros vagarosamente traçam o contorno do meu corpo. Desde o par de
scarpins pretos que escolhi apenas para ficar mais alta na sua presença, até o vestido exclusivo
que foi presente de Tommaso e motivo de uma de nossas brigas. Azul e inspirado no quadro "A
Noite Estrelada" de Van Gogh. O meu favorito.
— Não há nada mais precioso ou que valha mais a minha atenção do que você, Romana
— completa, por fim. — Aliás, você está linda. Hermosa y más brillante que cualquier estrella
en el universo.[LB14]
Engulo em seco, afetada pelas palavras e pelo espanhol dele, que não se compara ao de
ninguém.
De repente, estou muito mais nervosa do que imaginava estar esta noite. Não estava
confortável com esse jantar desde o início, é claro, mas estar frente a frente com essa versão de
Tommaso, que só existiu para mim durante o nosso fugaz relacionamento, consegue me
desestabilizar como nada no mundo poderia.
— Vou pegar a minha bolsa.
Sem dizer mais uma palavra, nem mesmo aguardar uma resposta, fecho a porta sem
delicadeza. O estrondo da madeira diante da violência do movimento é atroador, mas não se
compara ao som áspero e frustrado que ecoa de Tommaso.
— Romana! — grunhe, zangado.
— Disse que vou pegar minha bolsa.
— E bater a porta na minha cara era necessário?
Isso consegue me arrancar um sorriso.
Farpas, alfinetadas e ressentimentos.
Essa é uma zona segura.
— Não, mas foi divertido.
O desejo de postergar o inevitável aumenta a cada passo que dou no interior do
apartamento, mas não demoro a pegar a minha bolsa e encarar aquilo que preciso. Preferia me
afundar no sofá com meu exemplar de Diário de Uma Paixão e um pote gigante de sorvete?
Preferia. As calorias não me fariam um mal pior do que estar de volta na presença do Diabo. Em
especial, um que não cheira a enxofre, mas tem uma colônia amadeirada e picante que é
injustamente mais gostosa.
Tommaso não tenta se aproximar de mim, como suspeitei que gostaria. Ele não segura
minha mão, não toca a parte baixa das minhas costas para me conduzir ou qualquer gesto do tipo.
Em vez disso, ele simplesmente permanece ao meu lado, chama o elevador quando paramos em
frente à caixa de metal e cuidadosamente coloca uma mão sobre a porta para que eu entre
primeiro. Ele repete o gesto quando o elevador para na recepção, e eu caminho para fora com a
cabeça erguida, ignorando o olhar curioso do porteiro sobre nós.
Ao avistar o elegante Rolls-Royce preto estacionado em frente ao prédio, sou transportada
à memória do antigo carro dele. Brigamos muito dentro daquele Cadillac, mas não foi a única
coisa que fizemos naquele interior importado. Não que eu tenha orgulho, mas essas memórias
quase me deixam zonza.
A pontada de curiosidade indevida me faz desejar perguntar por que ele não comprou
outro do mesmo modelo. Este é igualmente luxuoso, é claro, diria que é até mais imponente, mas
sei o quanto Tommaso aprecia um modelo clássico.
O juiz contorna a frente do automóvel, assim como eu, e abre a porta do passageiro antes
que eu tenha a chance de agarrar o puxador. Aproveitando-se da minha distração, ele ainda
consegue retirar algo lá de dentro.
— Tommaso... — expresso com surpresa, analisando o belo buquê em suas mãos. São as
mesmas frésias cor-de-rosa que eu cultivava no jardim da minha antiga casa em Bayden Haven.
As flores que mamãe amava, e a avó dele também.
Ele me entrega, e eu o seguro no automático. Passo os dedos pela seda colorida e pelo
laço caprichado que mantém o arranjo unido, amando cada mínimo detalhe.
— Comprou flores para mim?
— Eu comprei.
— Por quê?
O movimento dos seus ombros é despretensioso, quase indiferente. O olhar voraz e atento
em seu rosto, contudo, são o bastante para entregar que ele se importa com a minha reação.
Mais do que gostaria de admitir, eu imagino.
— Porque imaginei que te faria feliz, e eu sinto falta do seu sorriso — confessa à queima-
roupa. Sua mão se ergue e quase toca os meus cabelos, recuando no último instante ao se lembrar
da minha regra de sem-toques. — Você está sempre sorrindo, eu sei. Não estou me referindo ao
sorriso que oferece para todo mundo, mas ao que costumava abrir somente para mim.
Pode ser culpa do choque ou da ironia da situação, mas um sorriso de fato ganha os meus
lábios. Se há alguém entre nós dois que deveria sentir falta do sorriso um do outro, essa pessoa
sou eu. O juiz nunca sorria antes de mim e agora parece ter retornado ao seu modus operandi
habitual.
Mandão, bravo... e triste.
— Você gostou, corazón?
Não respondo.
Ele sabe que sim.
Sabe que são as minhas favoritas.
— Desde quando você gosta de flores? — debocho, buscando manter a rivalidade entre
nós vívida e disposta a ofuscar qualquer outro sentimento à espreita.
— Desde quando elas me lembram você.
Arqueio uma sobrancelha.
— Está dizendo que seu palacete agora tem vasos?
— Até onde sei, não.
Tommaso não se preocupa em explicar a resposta evasiva, apenas repete o aceno, e eu
entro no carro, segurando o belo buquê e a minha bolsa pequena no colo. Ele contorna o
automóvel e ocupa o banco do motorista, alterando a marcha e arrancando com o carro.
Dentro de um ambiente restrito, por mais espaçoso que o interior do carro seja, eu me
sinto incapaz de respirar. Todas as vezes que busco por ar, é o cheiro dele que eu encontro. A
fragrância do juiz parece disposta a roubar o fôlego dos meus pulmões assim como seu cérebro
diabólico parece determinado a levar meu coração de volta ao domínio.
— Posso ligar o rádio? — pergunto, contendo um sorriso arteiro por saber a reação que
irei ganhar dele.
Pode ser outro carro, mas Tommaso ainda é o mesmo.
— Pode colocar o cinto de segurança. — As palavras teriam soado como uma sugestão
em qualquer outra boca, mas na dele evidentemente soam como uma ordem. — Ou prefere que
eu o coloque para você?
Ele gira o rosto para conseguir me fitar.
— Isso significaria te tocar e, embora você pareça não perceber, estou me esforçando por
una mierda[LB15] para cumprir seu desejo.
Passo a língua pelos lábios, que repentinamente estão secos, grata por ele ter voltado a
focar na estrada.
Seria muito mais difícil sob o seu escrutínio, então me apresso em segurar o cinto e travá-
lo de forma adequada. Sinto minha testa franzir à medida que a sensação de ter vivido isso em
outro momento me atinge, percorrendo meu corpo e minha consciência.
— Posso ligar o rádio agora? — Tommaso se mantém em silêncio. Então, dou de
ombros. — Acho que isso foi um sim.
Estico a mão, certa de que serei repreendida, mas... nada acontece. Tommaso continua
calmo, oferecendo-me a visão do seu perfil perfeito enquanto nos conduz pela cidade. Troco a
estação, colocando Taylor Swift e... nada. Natasha Bedingfield e... nada. Sem esporro.
Desconfiada, eu mudo mais uma vez, caindo em uma faixa da Britney Spears que eu começo a
cantar alto. A música poderia muito bem ser um traço da personalidade do juiz: tóxico.
Com poucos segundos de cantoria, ele olha para mim, e não controlo a surpresa que se
escancara com o entreabrir dos meus lábios quando ele leva a mão até o rádio e, em vez de
desligar, aumenta o volume.
— Você está bem? — murmuro, preocupada.
Nem uma pancada na cabeça causou mudanças na personalidade intransigível desse
homem, então isso é algo de se admirar.
— Melhor do que em meses.
Pior do que não tê-lo grunhindo impaciente pela minha falta de modos, porém, é ter
Tommaso me observando atentamente, como se apreciasse cada segundo do meu show
desafinado, performando uma Britney muito menos sexy e charmosa.
— Ainda olhando para mim? — digo, sem graça.
— Sempre olhando para você.
— Comece a olhar para frente, ou vamos acabar nos machucando.
Tommaso parece achar graça.
É difícil dizer sem um sorriso.
— Isso não corrobora muito para a sua segurança.
— Ah, não? Está admitindo que é um mau motorista?
Ele desvia os olhos, encarando a estrada.
Parece... desconfortável.
— Não — responde após algum tempo. — Estou admitindo que mesmo com os olhos na
estrada, minha mente sempre está em você.
Sem saber o que responder, recorro à música tocando para fugir da necessidade de dizer
algo. A frustração de Tommaso diante desse artifício é evidente, então eu me contento em
encarar o pedaço de céu que posso admirar através da janela pelo restante do percurso.
Ainda não descobri uma estrela para nomeá-la de Sakura, mas a Espanha foi um bom
primeiro passo para realizar esse sonho e vários outros.
É inacreditável que em meio a tantas inscrições de intercâmbio, eu fui chamada pela
Universidade de Barcelona e consegui resolver todas as minhas pendências para passar o último
ano fora no momento em que mais precisei de espaço.
— Chegamos ao nosso destino.
A voz de Tommaso me desperta e percebo que paramos em frente a um restaurante que
nunca estive antes. Eu me lembraria da fachada ostensiva feita de madeira de cedro e amplos
blocos de vidro, exibindo o porte luxuoso do estabelecimento com os lustres e uma vegetação
sóbria vista mesmo do lado de fora.
— Esse lugar é novo na cidade? — inquiro, olhando para ele.
Tommaso acena, retirando o cinto.
— Muitas coisas mudaram em Bayden Haven no último ano.
Ele sai do carro, e o gesto me desperta para fazer o mesmo, desfazendo-me do cinto e
abrindo a porta do passageiro. Deixo o buquê sobre o banco, pegando apenas a minha bolsa. Ao
saltar para fora e empertigar a coluna, encaro a feição insatisfeita de Tommaso.
— Vim abrir a porta para você.
— Eu sei. Mas eu tenho mão.
— Ah, querida, eu me lembro... — diz com malícia, erguendo o canto dos lábios.
Cavalheiro, ele disse mais cedo. Quase sempre. O quarto era um desses lugares onde o juiz
nunca teve muita classe. — Aliás, seria muito se eu pedisse para segurar suas costas? Há alguns
degraus na entrada e eu gostaria de evitar um acidente.
Arqueio uma sobrancelha, controlando um sorriso.
Que desculpinha horrível!
— Apenas por isso quer me tocar?
— Não faça perguntas das quais não está pronta para as respostas, menina — devolve,
deixando claro suas intenções.
Reviro os olhos pela forma como me chama, mas cedo ao pedido. Não costumo usar
saltos, de qualquer forma, então é bom ter algum apoio. Principalmente quando o “apoio” tem
mais de um metro e noventa e uma mão quase do tamanho da minha cabeça, capaz de envolver
toda a parte baixa das minhas costas com os dedos tão longos que pairam em cima do meu
bumbum.
As coisas que essa mão...
— Cuidado, Romana — sussurra, interrompendo meus pensamentos e me trazendo de
volta ao momento ao chamar minha atenção para o primeiro degrau. Respirando fundo, eu me
recomponho e me concentro no caminho.
Tenho duas missões esta noite:
1- Sem pensamentos depravados.
2- Sem outra crise de energia na minha calcinha.
O ambiente do hall é composto por uma leve música ambiente e parece calmo demais
devido à ausência de conversas baixas e o tilintar de talheres que seriam ouvidos daqui.
Tommaso não parece se impressionar com isso e nem mesmo precisa dizer algo para que
Samantha — pelo que diz a placa no uniforme de hostess dela — nos cumprimente com um
aceno educado e diga que irá nos acompanhar até a nossa mesa.
Assim que a seguimos, eu entendo a razão de tamanha quietude no lugar. Não há sons de
conversas ou talheres porque simplesmente não há ninguém no restaurante além de nós. Há
outras mesas vazias, mas apenas uma está montada. Próxima de uma ampla parede de vidro, que
permite a vista do céu e das estrelas, coberta com um forro azul delicado e um vaso com algumas
poucas flores dentro no centro. Frésias cor-de-rosa, como as do buquê que ele me deu.
— Reservou o espaço para nós? — ecoo bobamente, embora esteja claro que sim.
— Sim. Queria privacidade.
— É apenas um jantar...
Tommaso toca minhas costas com mais firmeza, fazendo com que eu interrompa meus
passos. Não parece nem um pouco preocupado com a atenção da hostess sobre nós quando usa
desse nosso contato para me trazer para mais perto, a apenas um ou dois passos de distância.
— É o meu primeiro passo.
Ergo o queixo para conseguir encontrar os olhos dele. Orbes verdes, intensos e com algo
que não consigo decifrar me fitam de volta com um melindre que não faz o menor sentido. Como
ele pode preparar tudo isso e ser incapaz de pedir desculpas pelo que fez? É tão difícil dizer “eu
sinto muito”?
— De um longo plano? — suponho.
O juiz concorda.
— Algo diabólico para ter você de volta.
— Disso eu não tenho dúvidas — retruco com bom-humor. — Só não fez um pacto com
o Diabo porque, para minha infelicidade, você é encarnação do próprio, não é?
Tommaso ri, curvando os lábios para cima. E eu fico paralisada porque... Bem, é um
gesto raro.
A primeira vez que ele sorriu para mim foi no nosso primeiro beijo, e meu coração bobo
quase explodiu dentro do peito, afundando em meu estômago como uma maldita estrela cadente.
Mal posso colocar em palavras o que a risada desse homem é capaz de fazer comigo.
— Você acabou de rir?
— Parece que sim.
— Isso é... inacreditável.
Ele concorda.
— Fazia tempo desde que você foi embora. — Tommaso limpa a garganta, nos
colocando em movimento. — Vamos, temos muito tempo esta noite para voltar ao passado.
— Quantos dedos você quer? — questiona em tom neutro, inclinando-se para perto e
invadindo o meu espaço pessoal. Rouco e baixo o bastante para que o garçom próximo de nós
não distinga as palavras.
Arfo, puxando uma respiração ofegante.
— O quê? — balbucio em um sussurro.
— Um? Dois?
— Tommaso...
— Ou acha que consegue tomar três, menina?
Com as bochechas ardendo, quentes pelo rubor que certamente as tinge de vermelho
neste momento, busco os olhos dele. Não sei o que me irrita mais, as malditas palavras com
duplo sentido, tão sujas quanto ele é por dentro, ou o fato de me chamar de menina. É a segunda
vez nesta noite, caramba!
— Eu quero três.
O canto dos lábios dele se ergue.
Prazer proibido incendiando em seus olhos.
— Boa garota.
O garçom se aproxima com um sinal de Tommaso, e ele faz o pedido da nossa comida,
perguntando a minha escolha, e da bebida. Quando inquiriu quantos dedos eu queria, depois do
choque inicial, pensei que estava se referindo à tequila ou algo mais forte, como uísque. Boas
alternativas se eu quiser me impedir de cometer alguma catástrofe esta noite. Mas vinho? Vinho
é muito romântico.
— Vinho? — questiono assim que ficamos sozinhos.
— Pensei que você gostaria.
Tento conter minhas mãos inquietas no colo. Para cada canto que olho, há algo que eu
gosto. A minha cor favorita, as minhas flores favoritas, a minha paisagem favorita. Tommaso
está jogando baixo e se esforçando para fazer disso um maldito encontro.
— É só um jantar. Não faça disso mais do que é.
— Qual é o problema?
Rio, incrédula com a arrogância colossal dele, ainda que não eu não possa dizer que o
comportamento prepotente é uma surpresa. Tommaso não somente considera que será fácil me
reconquistar sem admitir e se redimir pelos seus erros do passado, como é um cretino que
acredita que eu fiquei esperando por ele durante todos esses meses. Como se fosse o Deus do
Sol, o centro do meu universo.
— Você é tão egocêntrico e arrogante que nem mesmo cogitou que eu pudesse ter
seguido em frente, não é? — exponho, recebendo seu silêncio amargurado como resposta. —
Passou pela sua cabeça que eu posso ter alguém esperando por mim na Espanha, Tommaso? Que
nesse tempo em que passei lá eu realmente vivi o tipo de amor que sempre sonhei?
O tipo que você admitiu que nunca poderia me proporcionar, eu quase digo também.
Essas palavras ficaram gravadas a ferro na minha mente.
— Você tem mesmo um namorado? — interpela, afastando as costas do assento
acolchoado da cadeira para conseguir, de alguma forma, se aproximar de mim.
Meu descontentamento não está baseado em um relacionamento real. Algumas poucas
aventuras na Espanha — que não passaram de beijos e tentativas frustradas de tirar o espanhol
sentado na minha frente da cabeça — não configuraram nada sério ou digno de ser lembrado. No
entanto, não posso admitir isso agora, depois de fazer todo esse discurso indignado.
— Eu tenho — minto descaradamente.
— Qual é o nome dele?
Pressiono os lábios, tomando um gole da minha taça de água.
O garçom poderia voltar com o vinho e me livrar desse constrangimento, mas agradeço
que esteja demorando. Posso estar entre a cruz e a espada com essa mentira, mas é inegável que
Tommaso está afetado. Parece torturado, como se a cada segundo de espera, eu lhe arrancasse
uma unha ou um fio de cabelo.
Os loiros, não os brancos.
É divertido de ver, eu admito.
— Ele se chama Carlos.
Os olhos de Tommaso se estreitam.
— O sobrenome? — pressiona.
— González — digo o primeiro que passa pela minha cabeça. Acaba sendo o de um dos
meus professores do intercâmbio. — O quê? Vai fazer uma investigação sobre ele agora?
Com o maxilar travado e o corpo tenso, o juiz parece tentar se esforçar para se manter
calmo, perscrutando-me com muita atenção.
— Tenho que admitir que é tentador — replica, sem remorso. — Por acaso, sabe o nome
do meio ou o documento dele de cor?
— Tommaso! — guincho.
Ele dá de ombros.
— Só porque investiguei Nero, não quer dizer que estou falando sério.
— Você o investigou?! — inquiro, surpresa.
— Ou Logan.
— Por Deus, você é maluco!
— Não, estou falando sério, Romana.
Qualquer outra pessoa teria acreditado nele, até porque, o juiz tem uma incrível
capacidade de manipulação. Mas eu o conheço muito bem, a ponto de saber que ele não brinca.
Ele faz mais o tipo que ameaça e vai até o fim para cumprir sua palavra.
— Vamos voltar ao assunto do seu suposto namorado.
— Suposto? — guincho, ofendida.
— É só que a combinação desses nomes não soa muito bem — prossegue, reforçando seu
argumento e tentando me pegar na mentira.
Dou de ombros de forma confiante.
— Ele compensa sendo uma pessoa maravilhosa.
— É claro que sim.
É a vez de ele tomar um gole de água, e a visão do pomo de Adão se movendo tão
violentamente por sua raiva me faz revirar no assento. Vê-lo recolher um pouco do líquido com a
língua a percorrer o lábio é o toque final do castigo.
— Uma vez que ele é um cara tão legal, você realmente deveria contar a ele.
Vagueio a atenção entre seus olhos.
— Contar o quê?
— Que se ele te teve enquanto estava em Barcelona... — mantém a frase como uma
possibilidade, deixando claro que não acredita plenamente em mim —, acabou de perder você
para mim.
Uma risada seca escapa pelos meus lábios.
O pior, contudo, está na minha reação física às palavras que não deveriam, em hipótese
alguma, me afetar. Fico envergonhada pela forma como minha pele está quente com a
intensidade do seu olhar, como minha respiração está descompassada e as minhas coxas,
pressionadas uma contra a outra em necessidade.
Felizmente, tenho alguns segundos para me recompor quando o garçom aparece com
nossos pratos e enche nossas taças com o vinho escolhido.
— Uma vez que tocamos nesse assunto... — Tommaso não abandona o tópico,
apreciando seu arroz negro com cochinillo asado[LB16]. — Por que não me conta como foi?
Corto meu filé, sem de fato levá-lo à boca.
— Como ele se apaixonou por mim?
— Não. Ele seria um idiota se não tivesse se apaixonado — responde com seriedade,
mastigando lentamente em seguida. — Quero saber sobre a história, sobre ele. Qual é o tipo de
espanhol que foi capaz de atrair alguém como Romana Takayama.
Levo o pedaço da carne à boca e ganho algum tempo apreciando a comida que, por sinal,
está divina.
— Um tipo muito diferente de você. — Abro um sorriso forçado. — Viu só? Nem
precisei de muitas palavras.
— Muito diferente de mim? — Tommaso umedece os lábios novamente, provando do
gosto das palavras ácidas ditas em sua própria voz. Em sequência, ergue o canto deles, formando
sua típica expressão cheia de si. — Então, você se apaixonou por um espanhol feio, baixo e
péssimo de cama? Oh, e claro, o Rei dos Medíocres em Pequenópolis. Porque se ele é mesmo o
meu oposto, esse deve ser o tamanho do pau dele: minúsculo.
Ofego, em choque.
— Isso foi grosseiro!
— Mas você não disse que é mentira — retruca rápido demais. — E, sendo sincero, eu
esperava que você fosse mais criteriosa, Romana. Não pensei que aceitaria esse tipo de homem
que acha que fazer uma mulher chegar ao orgasmo é como achar uma criatura mítica e, por causa
disso, não quer se incomodar.
— Qual é o seu problema?! — digo mais alto dessa vez, lançando um olhar para ter
certeza de que não atraí a atenção do garçom. Para a minha sorte, ele está distante e os alarmes
parecem ter soado apenas na minha cabeça. — Está com ciúmes?
Tommaso não foge do questionamento direto.
— Você entende quantas fantasias eu tive com você durante o último ano? — É nítido
que se trata de uma retórica, no entanto, meus países baixos insistem em responder que se for
pelo menos metade do número que nós tivemos, eu deveria me envergonhar por nós dois. — É
claro que estou puto para un carajo!
Largo os talheres, desistindo de sustentar esse teatro.
A conversa está roubando todo o meu apetite.
— Você não tem o direito de estar.
— Não tenho?! — Junto às palavras firmes, ele espalma a mão sobre a mesa, chamando
minha atenção para as unhas curvas e bem-feitas, as veias sutilmente proeminentes no dorso e o
pulso largo. — Ninguém toca no que é meu, Romana.
Tommaso se levanta, dando a volta na mesa e ocupando a cadeira ao meu lado. Como
reflexo, eu empurro a minha para trás com os pés e a inclino um pouco para o lado. Além de não
permitir que eu me levante, ele ainda replica meu gesto.
— O que pensa que está...?!
— Pode ter se esquecido de que é minha, mas eu não esqueci. Não esqueci por nenhum
dos trezentos e setenta e dois dias em que esteve fora. — Antes que eu possa prever, ele se
inclina e segura as pernas da minha cadeira uma em cada mão, arrastando o móvel com o meu
peso até que meus joelhos nus toquem os seus protegidos pela calça social de tecido escuro,
deixando-me entre as pernas entreabertas dele. Tremo com o gesto, tentando ao máximo não
transparecer isso a ele. — E jamais irei esquecer, Romana.
Aperto minhas coxas e exalo.
Isso é loucura!
Não tenho nenhuma objeção quanto a ficar excitada, mas estar nesse estado deplorável
por esse homem em particular é receita para o desastre. Tommaso é o único a me afetar dessa
forma devastadora, e eu odeio isso. Odeio cada ângulo perfeito do seu rosto e do seu corpo
esculpido. Cada músculo perfeito talhado e até mesmo os fios loiros que compõem a bagunça
sexy dos seus cabelos. Odeio todo esse discurso possessivo que erroneamente deixa a minha
calcinha encharcada.
— Termine de comer seu jantar. — Ele se curva para frente, sem me tocar. — Temos
outros compromissos esta noite.
— Eu concordei com outro destino? — devolvo, ligeiramente ofegante, ganhando tempo
para conseguir formular uma resposta coerente. — Acho que não.
— Estou tentando fazer surpresa, tesoro. Pode vir comigo?
— Vai me fazer ficar sem a melhor parte, saindo antes da sobremesa?
Ele move a cabeça. Não em concordância, também não em reprovação. Está mais para
um gesto contemplativo, até mesmo um pouco divertido.
— Pode pedir qualquer doce do cardápio. Todos, se quiser — afirma, e a sensação que
fica é que ele realizaria qualquer desejo meu, ainda que não estivesse no menu. — Desde que vá
comigo depois que terminar.
Jogo os cabelos para trás, exibindo o par de brincos de ouro que estou usando e
destacando a fina corrente ao redor do meu pescoço. O colar veio com o vestido, sendo também
um presente do juiz; os brincos, por outro lado, não. Mas ele foi o responsável por me devolvê-
los quando eu os perdi.
— Só se você pedir por favor — menciono a minha condição com um sorriso nostálgico.
— Lembra de quando você fez isso pela primeira vez? Eu devo ter sido a primeira pessoa a ouvir
essas palavras saindo da sua boca, não é?
— Você não foi somente a primeira, continua sendo única. — Há uma pausa curta, porém
carregada. — E digo isso em muitos aspectos, Romana.
PASSADO
UM ANO ANTES
PRIMEIRO ENCONTRO APÓS O EPISÓDIO DA PISCINA

Adentro o Fivestars a passos lentos. A maioria dos clientes lança olhares perplexos e até
mesmo temerosos na minha direção, tentando ser discretos. A comoção vai além do peso do meu
sobrenome ou do fato de que raramente frequento lugares como este a menos que seja
estritamente necessário. Está ligada à minha presença hostil e ao meu poder, que não conhece
limites em Bayden Haven.
Romana parece a única desatenta, envolvida numa conversa animada com o rapaz da
cozinha, exibindo um sorriso demasiadamente largo. Ela veste um vestido azul-claro com botões
e avental, característico do estabelecimento, que leva a minha mente a vaguear sobre o
desagradável incidente de ontem.
Ter mantido meus olhos focados em seu rosto a maior parte do tempo não me tornou
imune às curvas bem-feitas do seu corpo ou a imagem dos seios pequenos que infiltrou em
minha mente a cada vez que fechei os olhos desde então. A maldita pode ser jovem, agir de
maneira infantil e ter uma boca imprudente demais para o próprio bem, mas não possui um corpo
de menina. Dos mamilos pontudos àquela boceta lisa e errada, ela é uma mulher.
— Oh, senhor juiz! Não esperava vê-lo por aqui. — Larry, proprietário da lanchonete, se
aproxima de mim. O tom subserviente entregando seu receio. — Posso ajudar em alguma coisa?
A japonesa finalmente percebe que algo está acontecendo e vasculha o espaço com seus
olhos repuxados. O sorriso se fechando de pouco em pouco até me encontrar. Assisto à postura
tensa lhe tomar o corpo até a curva do pescoço, que engole em seco, e em seguida o corar de suas
bochechas. Os cabelos longos e grossos presos em um coque por um elástico colorido ressaltam
ainda mais o nariz arrebitado e a boca carnuda naturalmente rosada sem batom.
— Não tenho assuntos com você — digo, sem dosar a severidade no tom. Tampouco sem
desviar os olhos do meu objetivo. — Preciso falar com a Romana.
O homem limpa a garganta.
— Vou chamar a menina para o senhor.
Ouço quando grita o nome dela, fazendo Romana fechar os olhos por um segundo e
respirar fundo antes de se sentir obrigada a caminhar até mim. Estou parado entre as mesas mais
próximas à saída, até então vazias, e não digo nada conforme ela se aproxima.
Eu paro. Eu assisto. Eu estimo seu constrangimento e o sabor do choque ao me ver diante
dela tão cedo. A japonesa me surpreendeu ontem na minha casa, eu admito, então não posso
evitar apreciar o gosto de atormentada nesse momento. Não sou o tipo de homem adepto a
surpresas, a menos que seja eu a apresentá-las.
— O que faz aqui? — questiona, mantendo distância.
— Precisamos conversar.
Romana solta uma risada seca, incrédula. Por alguns segundos, acho que acredita que
quero tratar do incidente de ontem.
— Discutir, você quis dizer. É só o que fazemos.
— Guerras e tempestades são minha especialidade.
— É claro... — arrasta as palavras, sarcástica. — Se houver uma pequena chance de
perturbar a paz de alguém, você nunca hesita. Sempre tão insensível!
— Eu diria implacável — corrijo com mais calma do que ela merece. — Não paro até
que tudo esteja a meu favor.
— Deveria fazer algum daqueles testes online para psicopatia.
Meus olhos deslizam até os lábios dela.
— Essa boca ainda irá te colocar em apuros.
Assisto o cruzar dos seus braços, assumindo uma postura confiante que desliza com
suavidade com o leve tremor que noto lhe tomar o corpo.
— É melhor você ir.
Elevo-me sobre ela como uma grande parede. Romana não é baixinha, mas para
encontrar meu olhar, tem que inclinar a cabeça para cima. O queixo erguido, a coluna
empertigada, e eu aprecio todo esse esforço para me encarar de frente. Principalmente por se
tratar de uma batalha perdida.
— Vou ocupar uma dessas mesas, a mais afastada possível, e você vai me trazer um café
preto sem açúcar — informo a ela em um tom que não abre discussão. — Então, vai mover a sua
bunda até um dos assentos, e nós vamos conversar. Não perdi meu tempo dirigindo até aqui à
toa.
Como a única pessoa nessa cidade, ela discute:
— Engraçado, não lembro de pedir que você viesse.
— Romana — grunho, baixo.
— Você não é o meu chefe!
— Vai obedecer a essa ordem de qualquer forma — replico, estressado com sua
insistência tola de ser tão respondona. — Prefere que eu fale com Larry para você ter a falsa
sensação de que está respondendo a ele?
Romana respira fundo, então concorda. O movimento de derrota é quase imperceptível.
— Você se sentiria mais confortável, sabe? Se tirasse esse pau da bunda. — Ela arqueia
uma sobrancelha antes de me dar as costas. Hija de puta![LB17] — Vou buscar o seu café.
Juro por Deus que se ela não perder essa postura atrevida, nem sua amizade com Santino
irá salvá-la. Vou fazer questão de lhe estapear a carne de sua bunda tão forte que ela vai sentir a
porra das minhas mãos por dias.
Ocupo uma das mesas, como disse, mantendo as mãos sobre a superfície laminada e as
costas retas contra o encosto acolchoado. Um pouco mais impaciente a cada minuto que Romana
demora para retornar. Vejo-a atender um casal em outra mesa primeiro, aquela que capturou sua
atenção quando foi preparar o meu café, antes de finalmente retornar para mim.
Não gosto da imagem dela servindo pessoas.
Ao menos, não alguém além de mim.
— Seu café, senhor juiz.
Diferente de todos, nos momentos em que se refere a mim dessa forma, a menina não está
sendo respeitosa, mas insolente. Romana até mesmo sorri ao colocar na minha frente a xícara
disposta sobre um pires com o líquido fumegante lá dentro.
— O que colocou aqui? — exijo saber.
O sorriso se fecha.
Eles nunca duram tempo demais perto de mim.
— Você pediu café.
— Mas não pedi o adicional de arsênico ou outro veneno, logo, não entendo por que
estava sorrindo. — Sob o revirar de seus olhos escuros, eu levo a xícara à boca. Sorvendo um
gole da bebida, descubro que, de fato, ela colocou algo ali. — Açúcar, Romana?
Sem remorso, a japonesa move os ombros.
— Pensei que pudesse ajudar no seu humor.
— Não consumo açúcar há anos. — Devolvo a xícara ao pires e afasto a louça para
longe. — Eu disse para me trazer um café sem açúcar. Você tem algum problema com instruções
simples?
Romana bufa, escorregando o corpo miúdo para frente no assento para chegar mais perto
de mim. Para a sorte dela, a mesa funciona como uma barreira. Uma proteção... para ela.
— Não se atreva a questionar a minha inteligência, Tommaso.
— Então, obedeça, carajo!
— Da próxima vez, eu faço forte, amargo e cuspo nele.
— Geralmente, este não é o lugar onde um homem prefere a saliva de uma mulher. — As
palavras rudes pairam entre nós, causando surpresa a ela. — Mas, claro, você está acostumada
com garotos.
Ela dá uma piscada, seguida por outra, visivelmente atordoada. Não consigo determinar
se ela nota o olhar que direciona à cozinha; só sei que essa ação me enfurece.
— O que está querendo dizer?
— Quando conversar comigo, espero que tenha seus olhos em mim, Romana.
Sinto a relutância no gesto, mas ela volta a me encarar.
Tendo alcançado meu objetivo, evito responder à sua pergunta e aproveito a oportunidade
para mudar de assunto. Deslizo a mão no bolso do blazer que visto e deposito a joia dourada
sobre a mesa.
— Vim devolver isso.
Romana a segura com delicadeza, girando o brinco em forma de flor entre os dedos finos
com uma expressão sentimental que chama a minha atenção. Parece ser mais do que apenas
alegria por não ter perdido a joia, algo parecido com... alívio, talvez. Isso é curioso, considerando
que parece ter uma coleção destes. Está usando outro par hoje, prateado e adornado no formato
de uma estrela.
— Achei que tivesse perdido para sempre.
— Deixou no meu carro.
Um sorriso sincero ganha seus lábios.
— Obrigada, Tommaso.
— Não achei que era tão importante.
— Era da minha mãe.
Ah, isso explica muita coisa.
Embora a vida de Romana nunca tenha despertado meu interesse, mesmo com ela
estando próxima da minha vista devido ao meu irmão, todos na cidade ficaram cientes quando
Sakura Takayama teve uma morte precoce e repentina, deixando para trás a filha de apenas
quatro anos. Nessa época, eu tinha acabado de completar vinte e dois anos. Era oficialmente
adulto há um ano, com idade para fazer o que bem entendesse, enquanto ela era... apenas uma
criança.
Massageio a têmpora com firmeza, decidido a não prolongar mais essa conversa. Minha
agenda no tribunal está intensa hoje. É dia de julgamento, e esses sempre são os piores,
sobretudo tratando-se de um caso envolvendo a proteção de menores.
— Antonita me fez um pedido na minha última visita a ela no hospital — conto à
Romana, ganhando novamente a sua atenção.
— Como ela está?
Seria um autoengano afirmar que não gosto do fato de Romana ter perguntado sobre a
abuela antes mesmo de considerar questionar sobre o que estou falando.
— Estável. O câncer não.
Romana compreende.
Tanto, que suspira.
— Sinto muito.
— Ela pediu que eu levasse flores na minha próxima visita amanhã — continuo, evitando
deixar a conversa seguir por um caminho que não agradará a nenhum de nós. — Abuela reclama
da atmosfera estéril e fria do hospital. Ela sente falta de alguma coisa... viva, eu acho.
Recebo um gesto de entendimento.
— Quer que eu te dê o contato de uma floricultura na cidade? — Ela sorri, mais
suavemente dessa vez. Não está mais sendo ácida, está sendo gentil. — Não tem algum
empregado ou servo leal que faça isso para o todo poderoso Falcão-Ruiz?
— Ela quer as frésias cor-de-rosa do seu jardim.
A surpresa é evidente em seus olhos, tal como o brilho que nasce em suas íris. Com
razão, a expressão travessa me preocupa.
— Ah, sim...
— Pode fazer isso? — interpelo, pressionando por uma resposta significativa. — Montar
um arranjo para mim? Eu pago o que achar justo.
Romana cruza os braços magros sobre a mesa, deixando as mãos delicadas em exposição.
Acabo sendo atraído pelo tom forte de vermelho em suas unhas. Ela sempre está com um esmalte
colorido nos dedos.
— Não precisa me pagar, Tommaso.
— Isso significa que você vai fazer o arranjo?
— Sim — responde, divertida. — Mas só se você pedir por favor.
Sinto a minha mandíbula enrijecer.
Qual é o prazer sádico que a desgraçada sente em me tirar do prumo?
— Eu não peço por favor, Romana.
— Para ninguém? — murmura, espantada ao me ver mover a cabeça outra vez. — Tipo...
nunca? Nunquinha mesmo?
— Eu não preciso.
Ela volta a dar de ombros.
— Bom, para mim você pede.
— Romana — grunho.
— Pelo menos, se quiser alguma coisa de mim. — A japonesa volta a sorrir. — E apesar
da sua rispidez, você teve uma boa criação, certo? Sua avó ficaria decepcionada com sua falta de
modos.
Engulo, sentindo a saliva amarga em minha própria boca. Existe algum problema muito
sério com essa garota, quem em sã consciência nega dinheiro apenas para ouvir um “por favor”
da boca de alguém? Por Dios!
— Pode, por favor, montar um buquê de frésias para mim? — exprimo as palavras, que
soam exasperadas pelo meu desagrado.
— Tá vendo? — provoca, toda risonha. — Nenhum vaso do seu cérebro explodiu ou seu
coração morto começou a bater só porque você foi educado. Nada de novo no bom e velho
submundo em que você vive.
Exalo, irritado.
— Estamos entendidos, Romana?
— Vou fazer o buquê com muito carinho, adoro a Nina — anuncia, e eu quase praguejo
ao perceber que a pausa dela significa que não acabou. — Mas vou querer ir com você na visita
para entregá-las pessoalmente.
— Fora de cogitação! — decreto de modo severo.
— Então, nada de buquê.
— Está tentando negociar comigo? — É a minha vez de afastar as costas do encosto para
chegar mais perto dela, e eu percebo o que isso causa à garota. — Não te avisaram que fazer
acordos com o Diabo custa caro?
Assisto seus olhos escuros se alargarem levemente e a respiração trêmula lhe escapar
através dos lábios carnudos. A reação instintiva quase me faz perder totalmente o controle com
Romana, segura pela mesa entre nós.
— Sou uma mulher corajosa.
Que diabos há com ela? Mulheres não me arrancam o juízo e me desestabilizam a mente
com tanta facilidade.
— Além disso, ela vai gostar de me ver — retruca em um sussurro.
— Mas eu não vou gostar de te levar.
— Serão apenas alguns minutos de carro.
— Uma eternidade, se passados com você.
A garota encolhe os ombros.
— Como sempre, a decisão final é sua.
Exasperado, ergo-me do assento. Puxo a carteira para deixar uma nota de cem dólares
sobre a mesa, assustando Romana com o movimento brusco que faz até mesmo a xícara tilintar
sobre o pires.
— Irei buscá-la amanhã na hora do almoço e aconselho que não se atrase — aviso
asperamente. — Cada segundo que me fizer perder tempo será descontado de uma maneira que
não será do seu agrado, menina.
Perplexa com as palavras, ou mais provavelmente com a gorjeta, não ouço um pio da
tagarela respondona enquanto me afasto e deixo a lanchonete. Devo admitir em silêncio, ela é
quase, quase agradável.
Sinto um arrepio tomar meu corpo ao encarar o relógio e me deparar com o horário.
Sendo sempre tão pontual, faltam apenas alguns minutos para o juiz aparecer, e eu não sei como
lidar com isso. A lanchonete foi um mero teste, considerando que o lugar estava cheio de
pessoas, mas ficar sozinha com ele? Depois daquele episódio catastrófico da piscina?
Esfrego o rosto, cansada e me recriminando.
Afinal, foi tudo culpa da minha impulsividade.
A questão é que estou há dias diante de uma crise global de energia e preciso resolvê-la,
assim como descobrir como colocar um gerador na minha calcinha porque não existe a mínima
possibilidade de eu conseguir ficar a sós com Tommaso se não parar de vê-lo pelado na minha
frente. Com toda aquela pele bronzeada exposta e um pau que... Balanço a cabeça, me abanando.
Merda, merda, merda!
Isso não é nada bom.
— Preciso transar... — concluo baixinho, arrastando os dedos pelos fios do meu cabelo
solto. — Considerando que faz um bom tempo desde a última vez, isso só pode ser tesão
acumulado. Em condições normais, eu nunca, nunca olharia assim para aquele... idoso de meia
idade!
Vagueio pela cozinha, lavando a louça e jogando as latas de cerveja que foram abertas
ontem no lixo. Para isso, papai sempre tem dinheiro. O pensamento amargo é inevitável, assim
como a pontinha de mágoa a me atingir o peito. Ele está dormindo agora, não porque está
cansado, e sim porque está de ressaca. De novo.
Limpo tudo o máximo que posso, considerando que não tive tempo anteriormente.
Ontem, depois de sair do palacete dos Falcão-Ruiz às pressas e pingando água, não tive escolha,
a não ser furar com meus amigos e vir para casa.
Recebi uma chamada de Santi poucos minutos depois, perguntando onde eu estava e se
algo tinha acontecido, já que esbarrou com o irmão em casa antes do previsto. Respondi que não
estava me sentindo muito bem e que não pude esperá-lo — o que não foi uma mentira. Ele,
então, fez questão de pegar as apostilas que eu tinha esquecido na cozinha e trazê-las para mim
junto de Nora e a pizza que prometeu. Sempre que pode, Santi usa a capa de melhor amigo e age
como meu super-herói.
Ontem foi pior, após a visita de Tommaso ao Fivestars, cumpri expediente até próximo
do anoitecer, mal conseguindo passar em casa para colher as frésias e montar o buquê de Nina
antes de pegar meu turno noturno no Cheer’s madrugada adentro.
Acordei com os olhos ardendo essa manhã, cansada e com sono, arrastando-me escada
abaixo para cumprir a manhã na lanchonete. Larry foi gentil em me deixar vir almoçar em casa
ao notar meu estado. Mesmo que não tivesse comida aqui, nada que não fosse congelado,
consegui tomar um banho e me sentir mais disposta para enfrentar o restante do dia.
— Não achei que estaria em casa a essa hora. — A voz sonolenta atinge meus ouvidos
quando estou secando as mãos. — Mas, então, ouvi toda essa barulheira lá do andar de cima. Por
que decidiu limpar a cozinha tão cedo?
Abaixo a cabeça, chateada.
— Não é cedo, pai. Passou do meio-dia.
— Fiquei acordado até mais tarde.
Acompanho seus movimentos pelo cômodo, sentindo meu coração apertar ao observá-lo
abrir a geladeira. Em vez de retirar uma caixa de leite ou suco, como qualquer pessoa normal
faria pela manhã, ele puxa outra grade de cerveja.
— Pai...
— Você é minha filha, e não o contrário, Romana! — interrompe meus protestos,
pontuando as palavras impacientes de forma grosseira. — Não ouse tentar mandar em mim.
Ele destrói o invólucro da embalagem, separando as cervejas. Sem perder tempo, abre
uma, engolindo um gole tão grande que facilmente poderia tê-la secado em apenas uma tomada.
Está afundado até a cabeça nesse problema e se recusa a admitir.
— Eu não posso fazer isso sozinha! — protesto, odiando como a minha voz soa aguda. O
tom embargado infiltrando-se nas palavras conforme a emoção me aperta a garganta. — Estou
tentando, mas não consigo. Temos contas em atraso há mais de três meses e não dá para quitá-las
somente com o que eu ganho. Fora a hipoteca, pai! O senhor entende que vamos perder a casa?
A ruga em seu cenho é o único sinal de que está me ouvindo. Um vestígio de
preocupação que não parece refletir no restante da expressão dele, sobretudo porque meu pai
segue com os olhos fixos na lata de cerveja em sua mão.
— O banco não toma casas do dia para a noite.
— Toma quando estamos em inadimplência no pagamento há meses — retruco com
frustração. — Recebemos diversas cartas de cobranças e avisos, pai. Agora mesmo elas estão
espalhadas sobre a mesa de centro, o senhor ao menos viu?
A acusação paira entre nós e nunca ganha uma resposta. Não uma verbal, uma vez que o
silêncio também diz muito. Meu pai sempre prefere esse subterfúgio, totalmente complacente aos
problemas que também são sua responsabilidade.
— A última que enviaram alertou que pretendem entrar com uma ação judicial se não
quitarmos a casa — continuo a despejar minha preocupação. — Como o senhor acha que vou
conseguir isso trabalhando na lanchonete? Tenho pegado o máximo de turnos que posso no bar,
mas não é o suficiente.
Calado, Jeffrey Clark não tem sequer coragem de me fitar nesse momento. O que é um
sinal claro de que não pretende mudar o comportamento destrutivo que tem matado a nós dois
um pouco mais a cada dia de formas distintas. Vai continuar nos bares da cidade até que os
donos o expulsem e ele não tenha outra escolha, senão vir para casa.
Nesse momento, fico muito grata por mamãe não ter permitido que eu crescesse como
Romana Clark. Amo o meu pai, vou lutar por ele, mas não suportaria carregar nenhum legado
dele. É quase como se a mamãe soubesse que um dia ele poderia se perder e me desse o presente
de ser sempre uma Takayama.[LB18]
— Eu não costumava ser assim, Romana.
— Sei que a amava, mas já faz dezesseis anos — relembro, lutando arduamente contra as
lágrimas que queimam em meus olhos. Um misto de saudade, compaixão e cansaço. — O senhor
perdeu uma esposa, mas não se esqueça de que eu também perdi alguém. A minha mãe. —
Engulo com dificuldade. — Não foi só o seu coração que foi destroçado com a partida dela.
O som de batidas na porta da frente interrompe a discussão. Embora eu esteja esperando-
o, fica claro quem é pela forma ríspida e autoritária com que o juiz ataca a minha aldrava,
descontando toda sua irresignação no pobre adorno.
Deixo a cozinha, implorando para o meu pai e seu hálito etílico voltarem para o andar de
cima. Solto um suspiro aliviado ao ver que ele cede ao meu pedido; seria horrível se Tommaso o
visse. Certamente não preciso de mais uma dose dos seus insultos contra a minha família, tenho
problemas o suficiente.
Seco meus olhos úmidos, ainda que eu não tenha permitido a queda de nenhuma lágrima
de fato, para me recompor antes de abrir a porta. Encontro Tommaso a uma curta distância de
mim, parado e compenetrado.
Ele poderia muito bem estar envolvendo suas mãos em volta da minha garganta como um
laço apertado, porque é essa a sensação que fica ao vê-lo trajado com outro de seus ternos sob
medida, a de que eu mal posso respirar. O tecido caro abraça o corpo robusto e ressalta toda a
imponência e altura dele, junto às abotoaduras de diamante, o luxuoso relógio suíço e os sapatos
de couro italiano. Sua aparência transmite tensão, rigidez e ferocidade, assim como todos os
outros aspectos desse homem.
— Não me avisou que estaria em casa. — O tenor profundo de sua voz, tal como o
descontentamento do juiz, atinge a minha pele como se fosse um chicote, atraindo meus olhos
que deixam seu peito para buscarem os dele. — Estive na lanchonete à sua procura. Pode
imaginar como não fiquei satisfeito quando me disseram que você não estava lá.
Para a infelicidade dele, satisfazê-lo está em um lugar bem abaixo na minha lista de
prioridades, e é quase como se o juiz pudesse desconfiar dessas palavras não ditas pela forma
como sua mandíbula enrijece.
— Seria idiotice atravessar a cidade apenas para encontrar você e contar sobre a mudança
de planos do meu almoço — respondo, erguendo o queixo por estar insatisfeita com a diferença
de altura entre nós. Tommaso faz com que eu me sinta pequena, vulnerável.
— Tínhamos um acordo.
Suspiro.
— Você me encontrou, não é?
Com os cabelos loiros alinhados para trás de forma despretensiosa, como alguém que
sutilmente o ajeitou com os dedos pela manhã e conseguiu o resultado perfeito, assisto à leve
contração em sua testa e ao apertar do queixo anguloso. Indícios de sua insatisfação que, mesmo
sem palavras, poderia me cortar ao meio.
— Por que estava chorando?
A atenção excruciante que joga sobre mim com essa pergunta faz com que eu sinta sua
presença até mesmo em meus ossos. Talvez seja por isso que eu perca as palavras por segundos
atordoantes, gaguejando como nunca desejei fazer na frente dele.
— E-eu não estava.
Analiso os padrões da gravata de Tommaso. Uma forma de fugir, acho.
— Romana, olhe para mim.
É irrelevante obedecer e descobrir que ele continua concentrado em mim, então mantenho
a minha posição. Até porque, encontrar os olhos do Diabo agora seria como assinar a confissão
de que estou mentindo.
— Eu não estava chorando.
— Não precisa me responder, mas não deveria mentir para mim. Tampouco se esconder,
infierno. Isso faz você parecer uma covarde. — Há uma curta pausa. — E você não é covarde,
Romana.
As palavras fazem um arrepio de orgulho passar por mim, ainda que eu não devesse
apreciar tal sentimento vindo dele. Prestes a erguer a cabeça, Tommaso me surpreende ao tirar o
celular do bolso do paletó e erguê-lo na minha direção.
Não como uma oferta, mas como uma ordem.
— Coloque seu número.
— O quê? Não!
— Não foi um pedido.
— Eu não vou te dar o meu telefone — digo mais devagar, enfrentando a escuridão de
seus olhos escuros e um palavrão em espanhol. — Não somos amigos, nem nada parecido.
— Você já me fez perder dois minutos do meu tempo.
Paro, suspirando.
— Você nunca desiste?
O canto de seus lábios se ergue.
Não é um sorriso ou meramente algo similar à felicidade. Está mais para... satisfação.
Algum tipo estranho de orgulho pedante.
— Não quando eu posso vencer — responde simplesmente.
Pego o aparelho desbloqueado e adiciono o número, salvando meu nome como “Seu
Pesadelo”. Se o juiz quiser, pode muito bem alterar depois. Pelo menos, farei com que ele tenha
algum trabalho e perca mais alguns dos seus preciosos minutos.
Ele franze o cenho ao notar o nome — uma das três reações mais emocionais que já vi
esse homem ter, com exceção de extrema raiva e descontentamento — e aciona o chamador para
verificar se não lhe dei o número errado.
Isso me faz rir.
— É sério? — pergunto, ainda sorrindo.
Suas íris cortantes examinam meu rosto, pausando na minha boca por um segundo antes
que ele force seu corpo para dentro e me faça recuar em função da surpresa.
— Tommaso! — guincho.
Mas é tarde demais, ele já está caminhando pela minha pequena sala de estar, observando
cada metro cúbico do lugar. Não há muito o que ver além dos móveis de segunda mão e a
decoração acolhedora. Agradeço pela maior parte do espaço estar limpa, com exceção de duas
latas de Budweiser na mesa de apoio onde está o abajur e a pilha de papéis sobre a mesa de
centro.
— Quem disse que você podia entrar? — Tento desviar a atenção dele, clamando em
pensamento para que não espie as correspondências.
— Não estou vendo você me mandando ir para o inferno.
— Se você não fosse o próprio Diabo — sibilo, cruzando os braços —, eu já teria te
mandado para o colo do Capeta há muito tempo. Quem sabe sentado em cima de um tridente,
você ficasse mais calminho?!
Em condições normais, eu estaria encrencada por perder as estribeiras e ofendê-lo assim,
sobretudo dado o meu histórico impulsivo e desbocado, que piorou nos últimos dias. Tommaso,
contudo, está ocupado demais inclinando o corpo poderoso em direção aos papéis para retrucar
ou tomar alguma atitude.
Solto um lamurio, e ele lança um olhar interrogativo na minha direção. Isso diz muito,
considerando que o juiz normalmente age como um Deus que não se importa com nada nem
ninguém.
— Onde seu pai está? — exige saber.
— Por que você se importa?
— Eu não me importo. — Ele se endireita, avançando um passo na minha direção pelo
prazer sádico e exclusivo de me tirar da zona de conforto ao ter sua presença imposta. — Mas
quando eu faço uma pergunta, Romana... — continua, autoritário —, espero que você a
responda. Não é a primeira vez que te digo isso.
Continuo calada. Não o ignorando, somente... agarrando-me à única coisa que tenho: o
silêncio. Afinal, não há como preterir um homem como Tommaso Falcão-Ruiz. Estar sob seu
escrutínio brutal é como ajoelhar na corte de um rei aguardando julgamento, e eu não preciso lhe
entregar mais munição para que despreze a mim e à minha família além do que ele descobriu por
conta própria.
Nem mesmo Santi ou Nora sabem sobre isso.
— Muito bem, menina... — O hálito quente de Tommaso deixa meu rosto arrepiado e
corado. Ele se aproxima e sussurra em um tom baixo, quase ameaçador: — Você não responder
não significa que eu não vá descobrir. Não há um segredo que resista ao rei nessa cidade.
Sentindo meus pés fixos ao chão como se tivessem criado raízes no piso de madeira
durante os últimos minutos, eu o assisto se afastar e caminhar em direção à porta, saindo da
minha casa.
— Deprisa[LB19], Romana! Eu não tenho o dia todo. — Escuto, antes que seus passos
fiquem mais abafados. Está indo rumo ao Cadillac preto estacionado na minha porta, tenho
certeza.
Engulo em seco, saindo do torpor. Corro em direção ao andar de cima para pegar a minha
bolsa e em seguida para a cozinha, buscando o lindo buquê de Nina. Comprei seda verde e
celofane para envolver as flores, finalizando o arranjo com um laço delicado no mesmo tom das
lindas frésias ali dentro.
Encontro um homem impaciente ao sair, de braços cruzados e encostado na lateral do
carro. Tommaso colocou óculos-escuros, aumentando minha inquietação por saber que está me
encarando, mas não ter certeza de para onde seus olhos inescrupulosos estão indo.
Contorno a frente do automóvel para me acomodar no banco do passageiro de forma
mecânica. Estou prestes a fazer alguns malabarismos com a porta quando assisto a uma mão
aparecer e agarrar o puxador. Vacilo ao sentir o cheiro amadeirado tão próximo, cometendo o
erro de respirar fundo e buscar os olhos do dono.
Detesto esses óculos idiotas!
— Você está carregando o buquê — explica secamente, acenando com o queixo para eu
entrar. — Não faça disso mais do que é, menina.
Então, ele fecha a porta.
Mal estou respirando no momento em que Tommaso se acomoda no banco e arranca com
o veículo. Permaneço em silêncio pelos próximos vinte minutos, uma vez que tudo o que desejo
fazer dentro do seu precioso carro é errado.
Ligar o rádio? Não.
Abrir o vidro? Não.
Mover o banco? Não.
Colocar os pés para cima? Não.
Dios, niña, ¿no tienes modales?[LB20], ele acrescentou da última vez.
Não, não, não, não!
A única coisa que recebo permissão de fazer, além de ficar calada, é para colocar o cinto.
É irônico como ele se preocupou tanto com isso, parando para pensar. Fazendo parecer que
alguém próximo ao Tommaso Falcão-Ruiz pudesse estar realmente em segurança.
Que piada!
Talvez sejam todos os sorrisos e as risadas. O olhar repuxado e resplandecente de
Romana brilha a cada vez que encontram os de abuela com tamanho carinho que não pode ser
fingimento da garota. Talvez seja a ousadia dela em me desafiar, mesmo assustada, mesmo com
a timidez que consegue esconder de todo mundo, mas jamais de mim. O fato é que eu não sei
bem o que é, mas depois de uma hora sentado observando a interação das duas, assistir à
Romana tão cheia de vida é como ver uma flor desabrochar.
O que, convenhamos, é absolutamente ridículo. Uma perda de um tempo inestimável para
um homem como eu. Porém, não consigo me recordar da última vez que vi abuela sorrir com
tanta intensidade como ao lado da garota. Antonita ainda lança olhares deslumbrados em direção
ao buquê cheio de vida, agora em um vaso ao lado da cama de hospital.
— Tommy. — Abuela me chama.
Capto a diversão diabólica no rosto de Romana por estar presenciando essa interação.
Suspeito que finalmente encontrei um bom motivo para dar sumiço à língua afiada dessa garota.
— ¿Sí, abuela?
— Está na hora da minha história. — A senhora com um lenço estampado em tons de
rosa e vermelho na cabeça exige, fitando a japonesa sorridente ao seu lado em seguida. — Acho
que você vai gostar do Conde de Everhart. Ele faz o tipo complicado que quando se rende pela
garota, coloca o mundo aos pés dela, sabe?
Romana solta um suspiro apaixonado.
Eu reviro os olhos, enervado com a cena.
Sabia que esse encontro era uma péssima decisão e deveria ter escutado os meus
instintos. Se tivesse comprado as flores em uma floricultura qualquer, isso nunca estaria
acontecendo.
— Sou apaixonada por livros, sobretudo os romances.
— Você é das minhas!
Abuela volta a me encarar, cheia de expectativa.
— Hoje não vamos ter leitura. Trouxe uma visita para a senhora e isso deveria bastar —
argumento, recebendo o arquear das sobrancelhas de Romana. A maldita sabe que eu não queria
tê-la trazido, é claro.
— Estou curiosa com a história, Tommaso.
— Peça à Antonita o título e, então, poderá ler.
— Tommy, não seja grosseiro!
Encaro o teto, alongando um pouco o pescoço e respirando fundo. Ao retornar a minha
atenção para cama de hospital, abuela continua com um olhar de súplica que me causa extremo
incômodo. Ela está cercada por um grupo de fios, bolsas de quimioterapia e monitores. A mulher
mais forte que conheci em toda a vida não conseguiria se colocar de pé agora, de tão frágil que
está.
— Certo — digo a contragosto.
Pego o livro disposto sobre uma mesa no canto, folheando até encontrar o último capítulo
lido. Rapidamente acho a minha marcação e início a narrativa em terceira pessoa do ponto em
que estamos agora. Abuela se empertiga como sempre, prestando muita atenção, e percebo um
sorrisinho surpreso vindo de Romana.
Sorriso que é uma tentação enorme para simplesmente fechar o livro e dizer que
precisamos ir embora, diga-se de passagem.
— Esse foi o pior erro que cometi na vida — digo, adotando o barítono profundo do tal
conde indecoroso. — Não deveria ter deixado o desejo que sinto por você sobrepujar toda e
qualquer razão.
— Oh, ele é um idiota! — Ouço o comentário da mais velha.
— Isso é uma tentativa desonrosa de tentar acabar com o casamento? — Volto a dar voz
à jovem Arabella. Que garota tola! — Não pode ser. Fui prometida a você e continua sendo o
único homem a me tocar.
— Eu cumpro com meus deveres, lady Gladstone. E é apenas isso que essa união será:
um dever para com o seu pai. — Leio a réplica do conde.
— O conde não consegue se desfazer da raiva para dar uma chance sincera a eles. —
Abuela intervém pela segunda vez, sem conseguir conter sua opinião sobre a história.
Romana se intromete também.
Claro que sim.
— Ele é um personagem literário, mas continua sendo um homem, no fim das contas, não
é? — zomba, e me sinto particularmente ofendido. — O conde não pode evitar cometer tantos
erros até finalmente perceber como está apaixonado mesmo depois de terem ficado juntos.
— E ele chama a boceta dela de feitiçaria. — Abuela argumenta, completando o
argumento ao som de uma gargalhada.
Dios, piora a cada capítulo lido!
A risada de ambas têm fim com a onda de enjoo que acomete Antonita. Fecho o livro de
imediato, preparado para me erguer e ir ao seu socorro, como sempre faço. Mas Romana age
primeiro, tomando frente para ajudá-la por estar mais perto.
A japonesa avista rapidamente o recipiente próximo da cama e, segurando o lenço ao
redor da cabeça de Antonita com tanto cuidado quanto ela teria se fossem fios de cabelo, afaga as
costas de minha abuela por cada um daqueles terríveis minutos.
— Gracias, princesa.
— Não foi nada. — Romana se endireita, entendendo bem o espanhol encorpado. —
Pense assim, é como estar de volta aos bons tempos depois de uma longa festa com a parte ruim
de estar de ressaca.
Faço uma careta, mas abuela ri.
— Eu bem que gostaria de tomar sangrias[LB21] como antes.
— Olha, eu não posso dar isso à senhora. O juiz me mataria e ele meio que já me odeia.
— Romana dá uma risadinha, gesticulando na minha direção como se eu não estivesse ouvindo.
— Mas posso verificar se há algo bom na máquina. Vi uma vending machine no corredor de
outra ala enquanto subíamos.
— Romana — interfiro, sério.
Girando para me olhar, os cabelos longos lhe caem pelo rosto. Ela logo coloca uma
mecha atrás da orelha, e eu desgosto um pouco mais dela por me distrair. Está usando os brincos
dourados em formato de flor da mãe.
— Não vou comprar nada ruim.
— E tem algo de bom naquelas máquinas?
— Pensei em pegar uma bebida com gengibre para ela. É bom para enjoo e o gás vai tirar
essa sessão ruim da boca. — Romana transfere seu foco para minha abuela. — Eles sempre têm
aqueles ginger ale [LB22]ou chá gelado com sabores variados. A senhora gosta?
Abuela abre um sorriso, tão satisfeito que ninguém acreditaria se contássemos que ela
estava se sentindo mal há poucos segundos. É isso que me mantém quieto, sem intervir, por mais
que eu não concorde.
— Faz uma eternidade desde que alguém me perguntou o que eu quero — responde,
enrijecendo meus músculos com a confissão.
— Pois eu quero saber.
Abuela assente, satisfeita.
— Uma soda de gengibre seria ótimo. Obrigada.
— Eu vou buscar.
A japonesa passa por mim, erguendo o queixo ao me encarar. Desafiando-me em silêncio
a interrompê-la, o que eu não faço. Apenas a assisto pegar a pequena bolsa colorida e colocá-la
sobre o ombro, levando seu perfume de flores para longe de mim ao deixar o quarto.
— Sabe que tudo o que eu faço é pelo seu bem, não sabe? — Não posso evitar interpelar,
assim que estamos a sós.
Abuela suspira.
— Eu sei que você faz o melhor que pode, e te amo por isso. — Ela faz uma pausa. — Se
convirtió en un hombre del que su padre estaría orgulloso.[LB23]
Sinto meu queixo apertar.
— Duvido muito.
Depois que Romana retorna e farta abuela de soda ao som dos meus protestos, voltamos
ao livro. Mais uma hora se passa comigo sendo torturado a cada palavra lida e as duas incapazes
de conter os comentários explícitos que levam a minha irritação a níveis desconhecidos até então.
Romana teve a pachorra de perguntar à Antonita quanto ela achava que media o pau do
conde, porra! Dios, juro que ainda farei a desgraçada pagar pela boca sem-freio que possui!
Logo dou o encontro por encerrado. Anuncio que precisamos ir, pois tenho trabalho a
fazer e perdi uma hora além do habitual. Sinceramente, não sei qual delas fica mais triste.
Romana não diz nada quando saímos ou no momento em que faço um desvio no posto de
enfermagem responsável pelo andar de abuela, grunhindo ordens para que ela seja medicada e
que me chamem ao menor sinal de problema. Tampouco quando deixamos o Mercy Regional e
entramos no carro.
— Estava toda falante e agora não quer conversar? — indago, rechaçando a atitude de
Romana, que permaneceu raros minutos em silêncio.
Estou longe de desejar ter sua voz alegre enchendo os meus ouvidos, mas compreendo o
motivo que a levou a ficar repentinamente quieta. Pena. Terrível e humilhante pena. Nenhum
Falcão-Ruiz precisa desse tipo de sentimento, então se eu precisar conversar com a garota para
arrancar esse olhar comovido de seu rosto, certamente o farei.
— Não é como se conversar com você me levasse ao delírio verbal — responde, e, se em
algum momento na vida eu me senti inclinado a agradecer a alguém, o momento é esse. Romana
não faz perguntas, por mais curiosa que esteja, também não lamenta o estado crítico de abuela.
Aprecio isso. — É mais como se causasse náusea, ansiedade, um desejo incontrolável de
comprar uma passagem só de ida para o Alasca.
— Bom, eu posso providenciar isso.
— O quê?
— Sua deportação para o Alasca — respondo com naturalidade, girando o volante para
entrar na Avenida Flairchild. — Depois de todo estresse que me fez passar hoje e nos últimos
dias, seria um destino misericordioso, na verdade. Cogitei desfechos muito piores para você e
essa sua boca atrevida.
A garota dá de ombros.
— Eu não gosto de frio.
— É claro que não — murmuro com sarcasmo. — Você é toda verão e primavera.
Sempre com flores e bonita.
Romana se sobressalta e o movimento é captado por mim pelo canto do olho. Mantenho a
minha atenção focada na estrada, o que não me impede de ouvir o cinto de segurança se soltando
ou o ruído da japonesa se movendo sobre o banco de couro, parando praticamente sentada de
lado ao se voltar para mim.
— Coloque o cinto.
— Não quero te apavorar, mas você acabou de dizer algo minimamente legal para mim.
Tipo, de propósito! — informa, como se eu não tivesse ciência das minhas próprias palavras.
— Avisei para colocar o cinto, Romana.
— Você não disse com flores bonitas. Não, disse com flores e bonita. — A garota solta
uma risada divertida, alta demais. — Tem alguma arma apontada para sua cabeça e eu não estou
vendo?
Contenho um grunhido, ciente de que mais um minuto se passa sem que Romana me
obedeça e volte a se sentar de uma forma que não ofereça risco à sua integridade. E nem de longe
estou me referindo a um acidente de trânsito e suas repercussões, sou um ótimo motorista.
— Foi esquisito, sabe. Senti arrepios. — Lanço um olhar rápido ao escutar essas palavras
e vejo o rubor tingindo a pele clara de suas bochechas. A garota cora com uma facilidade
aterradora. — Mais como calafrios, é claro. Aquela... coisa ruim. — Romana pigarreia,
desconfortável. — Posso ligar o rádio?
Ela ainda não colocou o cinto.
— Eu disse não da primeira vez que você pediu e em todas as outras que se seguiram —
exponho, exprimindo uma calma no tom de voz que não estou sentindo. — Por que continua
insistindo?
— Ah, o que que tem? — devolve em tom agudo.
— Romana...
— É só um carro, Tommaso! Você tem ciúmes demais dele.
Manobro o volante com agilidade, levando o veículo para próximo do passeio ao som de
uma respiração surpresa de Romana. Paro o Cadillac em paralelo ao meio-fio, desprendendo o
meu cinto.
— O q-que você...?
Avanço sobre a garota, interrompendo seja lá o que iria dizer.
Seu pescoço delicado está endurecido — tenso, sem dúvidas. Ambos os braços estão
inertes ao lado do corpo, deixando o movimento do tronco e dos seios subindo e descendo pela
respiração áspera totalmente expostos a mim. É inevitável não dar uma olhada no corpo miúdo e
em forma, com pernas tonificadas que me fazem suspeitar que a garota costuma correr ou fazer
longas caminhadas pela ausência de um carro.
Meu pau se contorce, e não é apenas por causa do seu corpo nesse vestido florido e
juvenil. É esse olhar em seu rosto. O espírito, a luta. A maldita teimosia. Romana Takayama
desperta o pior de mim porque, nesse momento, eu desejo explorar a batalha para qual seu corpo
me convida e afundar dedos e dentes em sua armadura para rasgá-la de dentro para fora.
— Eu cuido do que é meu, Romana. — Minhas mãos roçam pelo corpo trêmulo
conforme puxo o cinto de segurança próximo da cabeça dela e trago até que a fivela se prenda. O
som ressoa estrondoso na quietude do carro. — E se alguma coisa é minha, ninguém ousa
colocar as mãos nela.
A garota finalmente traz os olhos aos meus. Charmosamente repuxados como sempre,
embora muito mais escuros do que o de costume. Fascinante.
— Ainda estamos falando de carros? — sussurra.
O canto dos meus lábios se ergue.
— Eu avisei para colocar o cinto. Tire-o e terá problemas.
Retorno ao meu lugar, dando partida novamente com o carro. Não me incomodo em
disfarçar os olhares que lanço na direção dela, sequer deixo de apreciar a tensão crescente em sua
postura por causa disso. Romana sabe que é melhor conter seus protestos agora porque, acima de
todo o seu capricho, é muito inteligente.
— Ainda está com os olhos em mim.
— Sempre estou com os olhos em você — digo com sinceridade, incomodado com o
quanto essas palavras são verdadeiras. — Você me obriga a isso, no final das contas. Agindo
dessa forma.
Ela gira a cabeça para a janela, afastando-se o máximo que a situação permite. Não há
estrelas para a garota se deslumbrar, então ela se contenta em mirar a rua arborizada e as casas
com arquiteturas similares.
— Esse não é o caminho para o Fivestars...
— Não, não é.
Sua atenção volta a mim.
— Para onde está me levando?
— Para sua casa.
— Eu preciso trabalhar.
— Está de folga hoje.
Sou capaz de sentir seu choque diante das minhas palavras. Dessa vez, algo muito mais
parecido com preocupação do que, de fato, com sua costumeira obstinação. Em dado momento,
enquanto conversava com Antonita, eu entrei em contato com Larry, informando que precisaria
de Romana pelo restante da tarde e que me agradaria muito se ele concordasse em liberá-la. Ele,
claro, não hesitou em dizer sim.
Tudo seria consideravelmente mais simples se a japonesa também fosse assim. É
evidente como mal consegue manter os olhos abertos dado seu estado de exaustão.
— Quem disse isso? — pergunta, nervosa.
— Eu estou dizendo.
— Tommaso.
— Larry concordou.
Romana ofega.
— É claro que ele disse isso a você. — Observo suas mãos passarem pelos fios escuros
do seu cabelo, longos o bastante para serem agarrados em um punho. — Quem em sã
consciência diria não para Tommaso Falcão-Ruiz?
Você, claro. Penso, mas não alimento a pertinácia dela. Muito menos menciono que é a
única pessoa a me desafiar que continua respirando nesta cidade. Afinal, ninguém mais vai
contra um rei no seu território e sai impune por isso.
— Está preocupada que ele possa tomar alguma atitude? — questiono, tentando entender
tamanha apreensão. Nunca permitiria que Larry a demitisse por estar ocupada comigo. Fecharia
aquele lugar somente para contratá-la de volta se ele ousasse fazer isso.
— Não, mas ele vai descontar do meu salário.
Com a pilha de contas que vi mais cedo, suponho que ela não possa se dar ao luxo de ter
qualquer dedução no pagamento. Está claro que sequer o valor integral tem sido o bastante
naquela casa.
— Posso pagar esse dia a você — proponho, ouvindo seu bufado ofendido. — Uma
recompensa justa por ter feito aquele arranjo digno de uma floricultura e ter ficado com abuela
durante o dia todo.
— Nem morta eu vou aceitar seu dinheiro sujo!
Rolo os olhos, impaciente.
— Eu sou juiz, Romana.
— E nós dois sabemos que sua fortuna não vem somente do tribunal, mas dos seus
negócios extraoficiais — acusa, fazendo aspas ao mencionar a última palavra, como se soubesse
realmente das barbaridades nas quais estou envolvido.
O bacharel em direito e a minha personalidade implacável me garantiram comandar o
judiciário de Bayden Haven. No entanto, meu império foi construído diante da minha capacidade
de prever os movimentos dos meus oponentes, sabendo o melhor momento para intervir. Às
vezes oferecendo dinheiro, às vezes conquistando sua lealdade de formas piores. O fato é que
para vencer, você não pode ser pego de surpresa ou ficar fora da sua zona de conforto. Foi
pensando assim que eu arrastei para baixo qualquer um que tentou ir contra mim e hoje governo
sobre eles.
— Isso é uma suposição.
— Você não me desmentiu — aponta de modo perspicaz. — E, de qualquer forma, eu
não quero ser paga por ter ficado um pouco com sua avó e levado flores. Que pessoa horrível
aceitaria dinheiro por isso?
— O ponto é que você precisa.
Dessa vez, a única coisa que recebo como resposta é o silêncio, como se ela estivesse
ofendida demais até mesmo para retrucar. Ou talvez vulnerável seja a palavra mais correta para
definir o estado de Romana no momento.
— Tudo bem, pode me levar para casa — murmura muito tempo depois, quando estou
praticamente na entrada do bairro dela. — Mas não se sinta no direito de interferir na minha vida.
Eu e meus problemas não somos assuntos seu. Consigo me virar, sempre consegui. Tenho a
lanchonete, tenho o bar e ainda posso arrumar mais alguma coisa se for necessário.
Sinto minha mandíbula enrijecer.
— Como na casa noturna que sua amiga garçonete dança à noite? — contradigo,
zangado. — Você não é uma prostituta, então não aja como uma.
Romana arfa, em choque.
— Não fale assim da Maddy!
— É a verdade.
— Ela é mais honesta do que a maioria dos homens com quem você fecha negócios —
cospe, grunhindo sua insatisfação.
É fascinante como ela se enraivece com muito mais facilidade quando alguém próximo é
ofendido do que quando o insulto é direcionado a ela própria. E olha que eu sequer estou
colocando algum juízo de valor sobre o que a amiga dela faz ou deixa de fazer, pois suponho que
seja um caso de necessidade. Apenas... não quero a japonesa nesse tipo de ambiente.
— De novo com os meus negócios?
— Olha, é muito simples — ecoa, voltando a girar o rosto para a janela. — Você não se
mete nos meus assuntos, juiz, e eu não me meto nos seus.
Não respondo. Suspeito que a garota considere minha taciturnidade como uma
concordância, mas não me preocupo em corrigi-la do fato. É indiscutível que Romana não vai se
envolver nos meus assuntos, mas eu não posso garantir fazer o mesmo por ela.
Em menos de dez minutos, estaciono em frente à casa azul caindo aos pedaços e com o
jardim impecável. Pondero se a mãe dela apreciava jardinagem e se, por isso, a garota se esforça
tanto para manter tudo como era antes do seu falecimento, desde que tem idade para isso. Não
chego a ecoar a reflexão em voz alta, é claro. Esse tipo de interesse pela japonesa tem que ser
minado, não encorajado.
— Acho que tudo para você se resume a ter os melhores médicos, os melhores
tratamentos, o máximo de dinheiro possível... — Ouço-a falar sobre a abuela ao abrir a porta,
privando-me de cometer o erro de dar a volta no carro para fazer isso, fomentado pela chance de
assistir àquela expressão inesperada em seu rosto de novo. — Mas essas coisas podem não
mudar nada. Por mais que você queira, não pode controlar tudo o que acontece.
Aperto o volante, os nós dos meus dedos brancos em função da violência do movimento
que faz até mesmo o couro ranger. Obrigo-me a continuar fixo na rua à minha frente, recusando-
me a lançar sequer um olhar contrariado à garota.
— Mas você pode continuar a fazer isso. Não deixar que Antonita se sinta sozinha, que
tenha sempre algo bonito para olhar e histórias incríveis para viver através das páginas de um
livro — continua, suavizando o tom. — E, no fim, é esse tipo de coisa que faz a diferença.
A japonesa se afasta e mal ouço a batida da porta do Cadillac ao ser fechada. O discurso,
além de não solicitado, foi maduro. Diria até que maduro demais para alguém tão jovem, de
apenas vinte anos.
Mas, como sempre, Romana é imprevisível.
HOJE
BAYDEN HAVEN, KANSAS
DE VOLTA AO ENCONTRO
(QUE NÃO É ENCONTRO PARA ROMANA)

— A gente já chegou?
Deve ser a décima vez que ela pergunta.
Puta madre, dizer que nosso próximo destino seria uma surpresa só serviu para que a
japonesa fizesse questão de questionar a cada cinco minutos para onde eu a estava levando desde
o momento em que saímos do restaurante.
Após o jantar, Romana pediu as sobremesas que desejava. Se o prazer que me atingiu ao
vê-la sorrir a cada mordida dada foi sentido por ela ao comer os doces, ambos deixamos o local
satisfeitos. Agora, no entanto, sinto minha mandíbula tencionar ao escutar sua voz cantarolando
uma faixa que colocou para tocar no rádio e giro o rosto para encará-la de uma forma que eu
espero que seja sútil.
Ela não facilitou nem um pouco a minha vida ao escolher esse vestido e acredito que
tenha consciência do fato. Foi um presente meu e eu ainda me lembro de como me senti sortudo
quando ela o usou pela primeira vez, assim como a gargantilha. Delicada, dourada e com um
ponto de luz no centro. O mais próximo de uma estrela que eu consegui, pois sabia que a garota a
amaria.
Tê-la nesse conjunto de novo é de tirar o fôlego.
Romana não está apenas bonita esta noite.
Está extraordinária.
— Nós chegamos — informo, estacionando o carro e acionando o freio de mão. Ela retira
o cinto, examinando os arredores com o cenho plissado. — O que foi?
Não é possível ver muita coisa pela iluminação inadequada do lado de fora. As luzes do
lugar estão apagadas, então os únicos detalhes visíveis são sombreados pelo farol do carro. Mas
sequer isso Romana tem tempo para avaliar, já que eu logo giro a chave na ignição e desligo o
motor.
— Achei que não estava falando sério quando disse que não queria que tivéssemos
companhia para que pudesse me matar e esconder o meu corpo.
Movo a cabeça, divertido.
A língua afiada dela nunca deixa de me surpreender.
— O que eu quero fazer com o seu corpo não está nem perto de qualquer ato de violência
— afirmo, percebendo tarde demais que não fui completamente sincero nessas palavras. —
Melhor dizendo, nenhum ato de violência que você não aprovaria.
Deixando uma Romana atordoada, eu abro a porta do motorista e não permito que ela
recuse a minha gentileza dessa vez. Contorno a frente do automóvel e abro a porta dela,
erguendo o canto dos lábios em petulância pelo revirar de olhos que me faz ter vontade de curvá-
la sobre o banco e lhe dar algumas palmadas.
— Totalmente desnecessário!
— Seus protestos também, cariño.
Ofereço a mão, e ela a pega com relutância. O ambiente pouco iluminado não oportuniza
muita escolha e felizmente ter algum contato físico comigo ganha da possibilidade de um
tornozelo torcido na cabeça dela.
Sigo o caminho cimentado à nossa frente, conduzindo-a por ele em direção à porta dos
fundos do lugar. Tiro a chave do bolso sob o olhar curioso de Romana que faz tantas perguntas
quanto os lábios dela fariam, mas não chego a responder a nenhuma até que ela ecoe em voz alta:
— Estamos invadindo?
— Não, eu sou o dono.
Romana bufa.
— Você teoricamente é o dono de toda a cidade.
— Então, você admite que foi uma pergunta ingênua.
— Certo... — arrasta a palavra com um suspiro. — O lugar não está aberto oficialmente?
Ninã avistada. [LB24]
— Nunca chegou a ser inaugurado, na verdade — respondo, girando a maçaneta e
fazendo um sinal para que ela entre. Desconfiada, ela me obedece. — Eu comprei o espaço,
organizei a construção e...
— E? — Ela incentiva.
Esperei você voltar para a cidade.
Para mim.
— Você vai ver.
O interior está banhado pelo breu, sendo impossível distinguir qualquer coisa.
Especialmente quando fecho a porta nas minhas costas. Romana chama meu nome, e sinto o
nervosismo no tom de sua voz, como se eu fosse o próprio bicho-papão prestes a agarrá-la no
escuro. E não nego que a ideia é tentadora.
Estico uma das mãos, tateando rapidamente a parede para encontrar a chave de força que
alimenta todo o sistema do lugar. Por esse motivo escolhi entrar pelos fundos. Quero ver cada
nuance da expressão de Romana quando tudo se acender.
Movo a alavanca, ligando o disjuntor. As luzes começam a piscar até se acenderem por
completo, iluminando o espaço. No ponto em que estamos, há apenas lâmpadas incandescentes
normais, mas Romana logo percebe que há um corredor próximo praticamente azul com a
iluminação colorida que está se refletindo nele.
— O que tem lá? — interpela, como eu sabia que faria.
— Por que não vamos descobrir?
Romana não precisa de outro incentivo e, abrindo um sorriso animado que rouba minha
atenção por alguns segundos, começa a caminhar em direção ao corredor. Eu sigo seus passos
impacientes de perto, logo atrás dela.
Assisto com satisfação o momento em que ela estaca, parada no lugar e com a mão em
frente aos lábios, mal contendo o som de surpresa que escapa deles assim que ultrapassa o
corredor e adentra o primeiro grande espaço que compõe o planetário.
Essa instalação contém quatro paredes retratando a tela favorita dela de Van Gogh em
uma réplica quase tão perfeita quanto a obra original. Acima de nós, o teto é composto por um
vidro especial que transmite a luz sem distorção óptica devido ao baixo índice de refração, o que
permite que sejamos capazes de admirar o céu com nitidez.
— Você construiu um planetário na cidade?
— Comecei com o projeto antes de você ir embora — confesso a ela, ganhando a atenção
de seus olhos que se desviam do cômodo pela primeira vez. — Ficou pronto cerca de dois meses
depois que você partiu e nunca foi inaugurado.
Romana ofega.
— Por que manteve fechado?
— Era para ser um presente. Se a dona dele não estava aqui para admirá-lo, qual seria o
sentido em deixar que outras pessoas o fizessem?
A informação a atordoa, a ponto de fazer com que passe os dedos pelos fios longos e
negros do seu cabelo, como se, com o gesto, pudesse ter mais clareza para assimilar a situação.
— Eu não sou a dona deste lugar. — É sim. Deste e de outros lugares. — E não entendo
por que você fez isso, Tommaso.
Passo por ela, caminhando um pouco mais a frente e oferecendo um espaço que, embora
doa em mim dar a ela, eu sei que Romana precisa.
— Queria que você tivesse um pedaço do que mais ama aqui em Bayden Haven —
respondo simplesmente. — Queria te dar uma fração do céu e das estrelas, já que eu sentia que
tinha descoberto meu próprio universo aqui ao ficar com você.
Não recebo uma resposta dela.
Tampouco a segunda chance que estou buscando.
A única coisa que Romana me dá de volta após escutar essas palavras é uma dose
generosa de silêncio, que preenche cada metro cúbico do lugar até pesar a atmosfera de forma
insustentável. Faço o melhor que posso para dissipar a tensão e voltar a andar.
— Vem. Essa não é a sala mais bonita.
Ouço o som dos seus passos a me seguir.
— Quanto isso custou? — pergunta, quando consegue ficar do meu lado. Com pernas tão
pequenas, certamente ela precisa de algum esforço para me acompanhar.
— Nada que tenha afetado a minha conta bancária.
— Sua arrogância não tem limites!
— Minha determinação também não — replico, desconfiado de que essas palavras
provocaram nela um revirar de olhar. — Poderia construir mais cem desses ao seu pedido. Mil,
se quiser um número mais expressivo.
Romana move a cabeça, negando ao passar por mim e adentrar o outro cômodo.
Chegamos ao coração do planetário: a sala de projeção. Há algumas cadeiras espalhadas,
mas como esse lugar não foi destinado a mais de duas pessoas, há um balanço no centro do
ambiente escurecido.
No teto em formato de cúpula hemisférica da sala está localizado o projetor, que reproduz
com precisão a aparência do céu noturno, oferecendo uma visão panorâmica e envolvente do
universo. Ele espelha estrelas, planetas e galáxias completas com outros corpos estelares
permeando seu entorno. Através de cabos de aço praticamente invisíveis, luas estão penduradas,
dando um toque dourado ao lugar.
Fiz questão que elas estivessem ali e trouxessem um toque de amarelo ao espaço, porque,
apesar de Romana adorar azul, para mim, essa é, na minha opinião, a cor que mais combina com
ela.
— Por que você não se senta? — sugiro, indicando o balanço no centro. Ele lembra
aqueles encontrados em parques e usados pelas crianças para brincar, mas é controlado por
comando de voz e está pintado em um tom de azul-marinho que o incorpora bem ao ambiente.
Romana está tão imersa, encantada com cada parte que seus olhos alcançam na sala, que
não discute. Ela caminha fascinada até o balanço, e eu assumo o lugar ao lado dela, acionando a
movimentação dele. Ao meu comando, o balanço começa a se erguer no ar, sendo puxado pelas
cordas para cima.
— Oh, meu Deus! — Ela arfa, soltando um gritinho surpresa, que me arranca uma risada
discreta.
— Posso te segurar, se estiver com medo — ofereço, sem perder essa chance. — Ele vai
erguer mais um pouco até parar no meio da sala e nos deixar mais próximos do teto.
Romana suspira.
— Tá. Acho que tudo bem.
É desse jeito que acabamos flutuando no meio da sala de projeção, comigo segurando
firmemente a cintura dela com o braço direito e com os olhos atentos ao sorriso expressivo no
seu rosto.
A chama entre nós arde mais a cada segundo, tornando a presença de nossos corpos tão
próximos, algo impossível de ser ignorado. Mesmo tocando o tecido do vestido, é como se eu
conseguisse sentir mais dela sem esforço, como se o meu toque pudesse atravessar cada uma das
camadas e chegar à parte mais íntima dela, e eu sei que Romana sente o mesmo.
— Você gostou? — pergunto, rouco demais.
Romana gira o rosto para conseguir me encarar.
Os olhos repuxados dela podem ser escuros como a noite, mas, de alguma forma, com um
brilho inigualável também.
— Você parece determinado a me enlouquecer desde que eu voltei, mas não conseguiu
ter êxito — aponta, e eu quase, quase não resisto a abrir um sorriso, contagiado pela felicidade
dela. — Seria... impossível não gostar disso.
Meneio um aceno satisfeito.
— Mas...? — prevejo, conhecendo-a muito bem.
— Mas isso é demais, Tommaso. O que você está fazendo é demais.
Romana arfa quando eu avanço, inclinando o corpo na direção dela, ao passo que a trago
para mais perto de mim pela cintura. Sem pedir licença, seguro seu rosto com a minha outra mão,
sentindo a pele macia. A intensidade do toque a faz entreabrir a boca carnuda enquanto nossos
narizes se tocam pela proximidade.
— Não é demais. Só quero que você pense sobre esta noite ao se deitar hoje — peço a
ela, dizendo cada palavra muito devagar. Gostaria que ela entendesse o que há por detrás delas.
— Pense sobre a nossa história... Os momentos que vivemos juntos... Saiba que, mesmo
separados e a quilômetros de distância, você e eu sempre estamos deitados sob as mesmas
estrelas.
Solto uma respiração pesada ao sentir o cheiro gostoso de flores, embriagando-me um
pouco mais ao passo que seus dedos delicados agarram o tecido da minha camisa e me mantêm
no lugar.
Poderia ser um gesto instintivo por estarmos a vários pés do chão, mas eu sei que a altura
não é o motivo do toque ou do coração acelerado da menina, parecendo prestes a saltar do peito.
É culpa da antecipação, do desejo e da saudade que nos consome de dentro para fora nesse
momento.
— Você nunca acreditou nisso — acusa, e embora eu seja um cético, isso não é verdade.
Ela me contou sobre a lenda de Tanabata eventualmente ao longo do nosso relacionamento, e eu
desejei que, de alguma forma, se eu não ferrasse com tudo, pudéssemos ser como Altair e Vega.
— Eu deveria te dar um belo tapa na cara por ser tão cretino e dizer isso bem agora.
Resvalo meu nariz no dela, enquanto nossas bocas quase se tocam. Posso sentir a
respiração quente que sai dos seus lábios atingirem os meus, e por alguns segundos, a realidade
das brigas e mágoas entre nós se dissolve em meio a uma neblina de desejo.
— E o que vai acontecer agora? — Eu a desafio.
— Acho que vou cometer outro erro.
Romana puxa mais a minha camisa, e eu praguejo baixo em espanhol, minha voz tão
rouca que faz com que as palavras soem quase incompreensíveis. Quis fazer isso desde que ela
abriu a porta esta noite. Sendo sincero, desde que a vi de volta na cidade.
— Sabe como eu sonho com a sua boca? — praticamente grunho. — Sinto saudade da
textura dela, do seu gosto, do seu beijo... Toda vez que te vejo, meu desejo de te beijar é tão forte
que dói negá-lo, Romana.
Nós nos entreolhamos por uma fração de segundo, ela nervosa e eu completamente
atormentado, antes que a menina feche os olhos.
— Tommaso... — chama, e, infierno, soa como um gemido.
— É melhor não me chamar assim, mi amor. — Solto um suspiro entrecortado enquanto
passo os dedos pelo cabelo macio, afastando os fios teimosos do rosto dela e agarrando uma boa
quantidade deles com o punho. — É melhor me parar logo, ou eu juro que vou beijar você.
Romana geme novamente, refém da antecipação, e sem que mais tempo seja perdido, eu
a beijo. Com força. Estou certo de que há uma parte dela que realmente quer me pedir para parar,
mas definitivamente há uma parte maior que sente necessidade de sentir sua boca macia de volta
ao lugar que ela pertence.
Os lábios carnudos se afastam para que minha língua os invada, fazendo toda a violência
do meu desejo cair sobre ela. Domino sua boca como pretendo fazer com seu corpo, e a garota
acaricia meu peito com ambas as mãos de forma agitada, acompanhando o beijo profundo.
Sugo seus lábios, a trago para mais perto e não ofereço tempo para que recupere o fôlego.
Não é um beijo gentil, nada sobre mim consegue ser, mas sei que Romana gosta disso. Ouço a
confirmação a cada ofego trêmulo, a cada segundo em que ela se derrete nos meus braços.
Minhas mãos tencionam seus fios, provocando uma pressão que a força a segurar nos
meus ombros com determinação e voltar a gemer na minha boca. Se não tivéssemos o risco de
cair daqui de cima, juro por Dios que agarraria a garota pela bunda e a traria para o meu colo.
Faria com que queimasse em ruínas como eu, que sentisse a ereção latejando nas minhas calças
por culpa dela. Faria com que todo o seu corpo se lembrasse de como precisa do meu.
Libero sua boca, agora inchada, apenas para sentir a maciez do seu pescoço e, como o
hijo de la puta que sou, deixar uma marca nela. A forma como Romana reage, trêmula da cabeça
aos pés com o nosso beijo e o meu toque, faz com que um gemido — que mais parece um
rosnado — reverbere do meu tórax.
Indiscutivelmente, eu quero mais dela.
Quero o seu cheiro em mim, o sabor do seu prazer na minha língua e o toque de suas
mãos em cada músculo do meu corpo.
Queria poder ter tudo esta noite.
— Acho que... — Romana busca por fôlego, deslizando uma última vez a mão pelo meu
peito antes de fechar os olhos e se recompor. Quando volta a abri-los, eu sei que o momento se
foi. — Preciso ir para casa.
— Romana, eu...
— Por favor, Tommaso — interrompe meu protesto.
Assinto, frustrado.
Então, aciono o comando para descer o balanço.
O restante do passeio foi um completo desastre. Romana se fechou ainda mais depois que
descemos do balanço e, mesmo com a minha insistência para que explorasse melhor o planetário,
ela insistiu em ir embora.
Não houve conversa enquanto eu dirigia rumo ao apartamento dela. Nem mesmo música
ou cantoria para aniquilar os meus nervos ou a minha paciência. Tudo o que houve nos poucos
mais de vinte minutos de volta foi silêncio.
Cruzo os braços em frente ao peito e suspiro enquanto ela procura as chaves na bolsa. O
porteiro deveria estar no seu posto e abrir a porta, felizmente eu decidi ajudar Romana com as
flores e trazê-la até a porta em segurança. O infeliz será demitido amanhã, assim que eu fizer
uma ligação para o proprietário.
— Encontrei — murmura para mim.
Prestes a enfiar a chave na fechadura da porta central do prédio, Romana desiste e aperta
o molho de chaves contra a mão. Antes que eu possa perguntar o que aconteceu, ela se coloca de
frente para mim.
— Você me perguntou se eu tinha alguém. — Traz o assunto à tona, resgatando a
conversa que tivemos no restaurante. — Mas não me contou se teve algum envolvimento nesse
último ano.
— Porque você não perguntou.
— Então...?
— Então, o quê? — desafio, querendo as palavras completas.
— Saiu com alguém?
— Saí para jantar algumas vezes com a Amaya.
— A Amaya do tribunal.
Concordo com um aceno.
— É claro... — ecoa com ironia — Ela nunca escondeu o interesse por você.
— Verdade.
— É o que dizem, não é? — Romana se mexe de forma desconfortável, abraçando o
próprio corpo como se precisasse do gesto para continuar na minha frente depois dessa resposta.
— Insistir até conseguir, e ela conseguiu.
Permito que alguns segundos de quietude pairem entre nós, estudando atentamente a
forma como o queixo delicado dela está apertado e como a ruga entre suas sobrancelhas parece
mais expressiva a cada segundo.
— Está com ciúmes? — Sou direto.
— Não tenho motivo para estar.
Volto a concordar.
— Não mesmo, porque eu não fiquei com ela.
— Por que, não? — Romana traz os olhos de volta aos meus, e eu tenho vontade de socar
meu próprio rosto ao ver uma verdadeira confusão dentro deles. — Ela é bonita, simpática e
combina com você. Não é muito nova ou muito explosiva. É elegante e charmosa de um jeito
que nunca irei ser.
— Mas ela não é você.
— Tommaso...
— Ela. Não. É. Você. Romana.
Aproximo um passo.
— Ela é uma mulher excepcional, mas não transforma todo um lugar quando entra e faz
com que qualquer outra coisa deixe de ter importância — pontuo, erguendo a mão para tocar o
rosto ovalado dela. Sinto a pele delicada contra a ponta dos dedos e quase grunho de saudade. —
Ela é linda, mas o rosto dela não se transforma como o seu quando abre esse sorriso que é mais
brilhante que uma constelação de estrelas. Ou do que a própria Sirius. — O canto dos meus
lábios se ergue. — Ela não me irrita e nem tem um senso de um humor estranhamente ácido e
perspicaz.
Romana suspira.
— Está tentando me convencer de que passou um ano sendo celibatário?
— Não, isso significaria que eu me abstive de qualquer prazer sexual, o que não é
verdade — admito sem o menor constrangimento. — Eu me masturbei pensando em você. Mais
vezes do que tenho orgulho de admitir.
Ela ri para mim.
Carajo!
— Mas sexo com outra pessoa...
— Olha, é simples. — Corto qualquer pensamento errôneo que possa passar pela sua
cabeça, avançando um passo. — Eu não tinha você e não queria mais ninguém. Fim da história.
Romana perscruta meus olhos, desconfiada.
— Então, se não voltarmos...?
— Para começo de conversa, não voltarmos não é nem uma possibilidade na minha
cabeça — digo com naturalidade. Nunca aceitei perder nos negócios, nunca aceitei perder uma
causa, tampouco irei aceitar perder o amor da minha vida. — Porque aquela chama que temos
desde o começo ainda está aqui. Comprovamos isso com aquele beijo mais cedo.
Romana deixa seus olhos caírem até os meus lábios, e eu faço o mesmo, incapaz de
disfarçar o meu desejo. Os lábios dela são lindos e cada segundo dessa proximidade me
enlouquece, fazendo-me recordar do nosso beijo mais cedo. Do gemido ofegante que sempre
escapou de sua garganta assim que mergulho a boca na dela e da forma como ela treme por estar
sob o domínio do meu corpo. Ter um pouco dela deveria ter aplacado minha saudade, mas
apenas me deixou mais faminto e obcecado por ela.
— Pode me odiar o quanto quiser, Romana... — sussurro, levando o rosto para perto do
dela. — Enquanto não se apaixonar por mim de novo, pequeña estrella, posso muito bem amar
por nós dois.
Estática, Romana ergue os olhos surpresos até os meus, que marejam mais a cada
segundo. A mágoa dentro deles faz com que eu me sinta um idiota. O apelido, eu sei que essa
reação exacerbada é por ele.
— Quer saber do que eu me lembro? Me lembro de quando eu disse que te amava e você
me deixou sozinha logo depois de ter me comido. Me lembro de que usava esse apelido como se
fosse algo especial, mas era apenas um charme barato jogado aos quatro ventos. Me lembro de
que nós dois sempre seremos assim, como nebulosas escuras fadadas ao fracasso, e não será uma
noite bonita que me fará esquecer — retruca, despejando as palavras raivosas contra mim. —
Você não passa de maníaco por controle, obcecado e acostumado demais a ter o que quer. É por
isso que está aqui, por isso que está agindo dessa forma. Mas por mais que você tenha me
enganado por um tempo no passado, eu não me esqueci dos motivos pelos quais odeio você,
Tommaso Falcão-Ruiz.
Romana se afasta e entra no prédio, batendo novamente uma porta na minha cara ao me
deixar plantado do lado de fora, ainda segurando o buquê de flores que ela deveria ter levado
consigo.
Uma nebulosa nada mais é que uma grande nuvem que aparece em regiões pobres em
estrelas e quando uma passa por perto, a considerável força gravítica perturba sua órbita. Sei
disso porque comecei a estudar o universo e as estrelas para entender um pouco mais dela, para
participar dessa paixão que era tão linda de observar.
A grande ironia é que de fato poderíamos parecer com nebulosas porque esse é o efeito
desolador que a japonesa causa em mim.
Ainda que ela não perceba.
Entre nós, o poder sempre está com ela.
PASSADO
UM ANO ANTES
DIAS APÓS A VISITA DE ROMANA A ABUELA NINA

Concentrada em terminar a limpeza das mesas, ouço a porta do Fivestars ser aberta.
Interrompo meu trabalho por um segundo, suspirando ao imaginar que se trata de um cliente.
Faltam apenas dez minutos para a lanchonete fechar, então só Logan e eu estamos aqui porque é
nosso dia de cuidar da limpeza e trancar o lugar.
Em geral, eu sairia daqui correndo para o Cheer’s em dia agitado ou para fazer uma
pequena pausa em casa, tomando banho e comendo alguma coisa antes de pegar meu outro turno
de trabalho. Hoje, porém, Dylan — dono do lugar — ligou avisando que, em função do baixo
movimento, não iria precisar de mim.
Meu corpo agradeceu, mas minha mente protestou, fazendo as contas dos dólares que eu
perderia. Ele é um babaca a maior parte do tempo e eu realmente odeio ter que me expor tanto e
usar aquela minissaia de látex do uniforme das meninas, mas sempre saio com boas gorjetas no
fim da noite.
Considerando que recebi outra carta nada amigável do banco esta manhã, qualquer
mísero dólar é valioso nesse momento. Ainda estou pensando sobre retornar a ligação e tentar
convencê-lo a me deixar trabalhar hoje.
— Oi, japonesa. — Ouço a voz familiar que provoca o curvar dos meus lábios antes
mesmo que eu erga os olhos da flanela em minhas mãos. Não é um cliente, é o meu espanhol
preferido. — Uau, esse sorriso lindo é por minha causa?
Rolo os olhos para a brincadeira.
Ele gosta de provocar a mim e à Nora com esse flerte brega.
— Na verdade, sim e não — respondo, grata pela surpresa. Não esperava vê-lo por aqui a
essa hora. — Estou muito feliz por não ser um cliente e um pouquinho feliz por ser você.
Santino ri ao ocupar uma das banquetas. Aproveito para sair das mesas e ir em direção ao
balcão, rodeando-o pelo lado de dentro. É o único lugar que ainda falta ser limpo, por isso me
apresso em espirrar um pouco de desengordurante sobre o mármore gasto e passar a flanela,
dando fim ao meu trabalho.
— Bom, estar aqui me faz pensar naqueles waffles.
— A cozinha está fechando — alerto, guardando o produto de limpeza e gesticulando em
direção ao ruído de louças. Logan está lavando os pratos. — Mas posso conseguir alguma coisa
se você quiser.
Santi nega, sorrindo.
— Valeu, japonesa. O técnico deu uma dura no time hoje por causa da alimentação da
galera e porque o wide receiver chegou de ressaca no treino.
Curvo os lábios, ecoando um Oh-ou que faz Santi menear um aceno, concordando que a
situação foi feia.
— Ouviram muito de mim no vestiário também — continua e, dessa vez, eu abro um
sorriso orgulhoso. Santi sabe ser firme com esses caras quando saem da linha, por isso é um
excelente QB. O time não seria o mesmo sem ele. — Só que para isso funcionar, terei que dar o
exemplo. Então, sem cerveja, guloseimas e tudo o que é prazeroso para esse cara aqui!
Rio do tom dramático que usa.
Até porque, mulher ele continua pegando a rodo.
— E veio se torturar em uma lanchonete depois de decidir que está oficialmente em uma
dieta saudável? — interpelo com divertimento.
— Vim ver minha amiga.
— Aham...
— Esse sacrifício só faz parte do pacote.
Apesar das palavras, eu lanço um olhar curioso na direção dele, tentando decifrar o que
há de errado. O silêncio pouco comum entre nós se estica enquanto tiro o avental amarrado ao
redor da minha cintura, provando que estou certa.
— Bom, parece que há mais do que isso. O que aconteceu?
Inquieta, eu me inclino no balcão para chegar mais perto dele. Recebo um sorriso de
canto e um olhar que diz parece-que-não-consigo-esconder-nada-de-você, mas Santi acaba
fugindo com outra pergunta:
— Você está de saída, não é?
— Sim, e não vou precisar ir ao Cheer’s hoje. Dylan me dispensou. — Endireito a
coluna, ainda segurando o avental na mão. O plano de implorar para trabalhar só era válido até
sentir que Santi precisa de mim. — Tenho que trocar de roupa, mas depois disso, podemos ir
aonde você quiser.
Ele aquiesce.
— Espero você aqui, então.
Caminho rumo ao banheiro, pegando minha bolsa no caminho, sem deixar de martelar
sobre o que pode estar chateando Santino. Parece ser mais do que aconteceu no treino, talvez
alguma coisa relacionada à faculdade.
Ele nunca teve interesse em levar o curso por mais tempo do que necessário até ser
notado por algum olheiro da NFL. Passei anos escutando suas inquietações acerca disso e
imagino que Tommaso não esteja sendo complacente. Não pela conversa que ouvi no carro
naquela noite em que nos buscou na delegacia.
Nós meros mortais vivemos sob a mira e a irritação do Rei de Bayden Haven, é claro,
mas da mesma forma que Santino está a salvo disso, ele tem o fardo do sobrenome para lidar. O
Falcão-Ruiz mais velho impôs sua vontade sobre ele por todos esses anos, por isso Santino
mantém tudo o que ama bem longe do irmão. Sua vida nos Wildcats, o sonho de ir para o City
Chiefs e, claro, suas duas melhores amigas.
Visto meu vestido lilás, seguido pelo cardigã de botões bem rápido. Dobro o uniforme
com cuidado e coloco dentro da bolsa, fazendo uma nota mental para chegar em casa e lavá-lo
esta noite. Deixo o banheiro, dirigindo um sorriso ao Logan quando nos esbarramos no corredor
estreito.
Ainda não coloquei o meu plano de transar em prática, embora no momento ele seja a
minha principal opção para resolver a crise de tesão nos meus países baixos. Parece uma receita
para o desastre ter uma recaída com o ex que trabalha no mesmo lugar que você, eu sei, mas é
melhor do que me sentir subindo pelas paredes pelo juiz. Definitivamente.
— Escuta, se eu estiver cheirando a bacon, não quero nenhum comentário sobre isso —
aviso ao Santino, assim que me aproximo. Logan vai fechar a loja, então já podemos ir. — É um
cheiro delicioso, mas não é algo que quero vinculado ao meu nome.
— Longe de mim querer provocar a pequena gênia do mal que mora dentro de você —
brinca, colocando um braço sobre os meus ombros. Está com a jaqueta lilás e branca do time, e
Santi fica um gato com ela. — Aliás, como vai a sua bunda?
Faço uma negação.
— Esse é outro assunto proibido.
Sem remorso, ouço sua gargalhada.
Felizmente, ele tinha razão quando disse que não estava tão ruim. Os dentes da piranha,
embora afiados, eram bem curtos. Com os cuidados que eu tive, limpando bem a ferida e usando
uma pomada para cicatrização indicada por Nora, o hematoma foi desaparecendo ao longo da
semana. Agora há apenas uma marca sutil da mordida.
— Para onde vamos? — questiono ao ver o Audi cinza e reluzente estacionado do outro
lado da rua.
— Posso te dar uma carona para casa.
Inclino um pouco a cabeça, erguendo o queixo para encarar o rosto dele. Santi é um astro
do futebol americano, mas poderia muito bem se candidatar a uma vaga no basquete. Os irmãos
Falcão-Ruiz são como dois prédios inatingíveis de tão altos.
— Ou podemos tomar um sorvete?
A sugestão paira entre nós, e ele não demora a concordar.
— Depois de um longo dia de trabalho, acho que o mínimo que eu posso fazer é te pagar
uma casquinha, certo?
Não escondo o meu sorriso.
— Cheguei a mencionar hoje que você é meu super-herói favorito?
— Pode me lembrar do quanto sou incrível sempre que quiser. — Santino guincha
quando dou uma cotovelada brincalhona, apertando mais o braço sobre o meu ombro como
repreensão. — Ei, japonesa, não é assim que se agradece!
— Obrigada, obrigada, obrigada! — repito em tom divertido. — Você é o melhor QB e o
melhor amigo do mundo. Melhor?
— Muito melhor.
A sorveteria não fica muito distante de onde estamos, então eu o convenço a
caminharmos até lá. Achei que isso pudesse ajudá-lo a falar sobre o que está incomodando, mas
todo o percurso de dez minutos é preenchido pelo silêncio.
Isso faz um alerta soar na minha cabeça.
Santi mete medo em todos os caras da universidade — ou melhor, na cidade — e
ninguém ousa ir contra a palavra dele. Com exceção daqueles que são os olhos e os ouvidos de
Tommaso, como é o caso do xerife Montgomery. Estes respondem apenas ao juiz e passam por
cima de qualquer um, até mesmo de Santino, para cumprir as ordens do Diabo. Comigo e com
Nora, porém, ele sempre está brincando, sendo o homem mais carinhoso e protetor que eu
conheço. Estar tão distante agora significa que algo muito ruim aconteceu.
— Certo, precisamos falar disso — advirto, cansada de sustentar o elefante branco
acomodado conosco na mesa. Estamos sentados do lado de fora, estou terminando a minha
casquinha de cookie cough [LB25]e Santi ainda não disse nada. — Por que está com essa
expressão tão alegre desde que me encontrou?
Ele balança a cabeça. Uma negativa pelo meu sarcasmo.
— Tommaso me contou.
Sinto meu coração parar por um segundo, engolindo em seco sem sequer sentir mais o
sabor açucarado do sorvete. Como alguns dias se passaram, acreditei que Tommaso
simplesmente havia esquecido do assunto das correspondências que viu na minha casa.
— Contou o quê? — sondo, deixando o restante da casquinha de lado e limpando meus
dedos no guardanapo.
Santi acabou escolhendo uma banana split sem o split, digamos assim. Pediu apenas duas
frutas cortadas e o acompanhamento de castanhas, sem as bolas de sorvete. De qualquer forma,
ele mal comeu. E frente à minha pergunta, ele para de jogar as castanhas de um lado para o outro
com a colher, desistindo de tentar fingir que está mesmo interessado no lanche.
Recebo atenção exclusiva dos seus olhos que, em momentos como esses, podem ser tão
compenetrados e intimidantes como os do irmão.
— Tommaso me contou que você foi visitar a abuela.
Não contenho o suspiro que escapa dos meus lábios.
Isso é ruim, claro, mas não tanto quanto o outro assunto seria.
— Desculpe, mas estava tudo tão corrido que não tive a chance de dizer nada. — Assim
que as palavras pairam entre nós, eu me arrependo de dizê-las. Soam como uma desculpa vaga,
parando melhor para pensar. — Foi uma bela bola fora, Santi. Desculpe, deveria ter mandado
uma mensagem avisando.
— É só que... fiquei surpreso — aponta, sem esconder que está chateado. — Até onde eu
sei, você não conversa com Tommaso, certo?
— Não se eu tiver outra escolha.
— Então, o que aconteceu?
— Escuta, sou eu, ok? — digo, esticando a mão para segurar a dele do outro lado da
mesa. — Não sou como aquelas meninas que se aproximavam de você no colegial porque eram
umas idiotas curiosas pelo seu irmão, como se ele fosse uma espécie de deus nórdico ou algo
assim. Antonita reclamou que o quarto estava sem vida e que queria flores, então Tommaso foi
obrigado a ir até a lanchonete para pedir algumas frésias. Foi só isso.
Santino exala, aborrecido.
— Temos a porra de uma floricultura na cidade!
— Foi exigência da sua avó...
Não tenho dúvidas de que ele entende, pois conhece a avó muito melhor do que eu e,
quando Antonita quer alguma coisa, costuma conseguir. Não deixo de compreender o seu
incômodo pela situação, contudo. Santi teria a mesma reação se fosse Nora aqui no meu lugar.
Tudo isso porque somos as pessoas que ele mais ama no mundo, depois de Antonita. Não sei
bem onde o irmão se encaixa nisso, sendo sincera.
— Como isso acabou com vocês indo juntos ao hospital? — pergunta, perscrutando o
meu rosto com curiosidade.
— Bom, você sabe como eu gosto da sua avó. Depois de você, ela é o melhor membro da
família, embora isso não seja difícil, considerando a concorrência baixíssima. — A alfinetada
ácida lhe arranca um sorriso, e eu aproveito o gesto para dar de ombros, finalizando este ponto.
— Juro que só queria ver como ela estava.
— E acabo sem ter notícias porque eu nunca vou ao hospital — debate, o tom reduzido a
uma oitava e repleto de culpa. — Sei somente o que a abuela e Tommaso me contam e tenho
certeza de que nem sempre são totalmente sinceros.
Aperto seus dedos longos contra os meus; minha palma sumindo dentro da dele ao ser
envolvida e receber o arrastar carinhoso do seu polegar logo em seguida.
Estou certa de que algumas pessoas desconfiariam que somos um casal passando por um
momento difícil ao notar o tom da conversa e a intimidade que temos um com o outro. Posso
dizer que ter um garoto como melhor amigo pode ser uma benção e uma maldição. Por um lado,
sempre tenho um jeito de desviar as atenções masculinas indesejadas quando é preciso, mas, por
outro, as pessoas sempre esperam que uma amizade se transforme em algo mais. É cansativo e
frustrante, por isso aprendi a deixar isso de lado e não me incomodar com o que os outros
pensam ou deixam de pensar.
Santi é como um irmão, é a família que eu escolhi ter, assim como Nora, e isso nunca vai
mudar, não importa o que aconteça.
— Ninguém culpa você por não ir.
— Acho que às vezes a abuela culpa, sim.
Faço uma negativa rápida.
— Não fala bobagem! — recrimino, e ele ri. — Ela sente sua falta? Com certeza. Mas
Antonita sabe o que aconteceu e, como todo mundo, ela entende.
— É, mas... queria fazer mais por ela do que alguns telefonemas — confessa, distorcendo
sua expressão em uma careta. — As visitas com mi hermano devem ser um tédio, não é? Nunca
vi Tommaso se soltar e fazer uma brincadeira, nem quando eu era criança.
Depois de presenciar uma das visitas, eu sei que não é bem assim. Surpreendentemente,
Tommaso é um pouco mais maleável dentro daquelas paredes frias e solitárias, forçando-se a
realizar uma vontade ou outra da avó, por mais carrancudo e severo que ele seja.
Não corrijo Santi, porém.
Não sei no que isso implicaria.
Até hoje, Tommaso não cortou minha língua — um ato de sorte —, mas sei que está bem
perto de explodir comigo a qualquer momento. Depois daquela reação... primitiva no carro,
espero qualquer coisa desse homem.
— Por isso veio me buscar? — pergunto, dando continuidade à conversa. Não é como se
Santi não me desse carona com frequência, mas hoje claramente houve um motivo. — Por que
estava chateado por eu não ter contato?
Ele desenlaça nossos dedos para conseguir esticar as costas sobre o encosto da cadeira,
como se buscasse por determinação. Não é um assento muito confortável, apenas aquelas
cadeiras de madeira com uma almofada embaixo, e parece ainda mais frágil sob o peso de atleta
dele, uma vez que range em reclamação ao movimento.
— Não exatamente — responde com relutância. — Bom, eu queria falar sobre você ter
ido ao Mercy, sim, mas não é o assunto principal. Não foi a única coisa sobre a qual Tommaso e
eu conversamos.
Oh, merda!
— Ele disse que esteve na sua casa para buscá-la e que... — Há uma pausa incerta. —
Bom, ele viu alguns papéis.
Movo a cabeça, sentindo o ar denso ao meu redor, difícil de ser respirado. Ainda que eu
tivesse cogitado essa possibilidade no começo, ouvir da boca de Santino não deixa de ser um
choque.
— Ele não teve coragem de fazer isso!
— Por que escondeu isso de mim?
— Santi... — balbucio, subitamente enjoada com o doce que acabei de comer. Meus
nervos fazem com que eu sinta calor sob o cardigã, ainda que o tecido seja fino, e quase tonta por
não ter uma boa resposta para dar a dele.
— Poderia ter ajudado.
Nego, sentindo o aperto na minha garganta aumentar. Não importa o quanto eu tente me
acalmar, nada parece funcionar.
— Eu não quero seu dinheiro.
— Não precisa se sentir ofendida, Romana.
Passo as mãos pelo cabelo, desnorteada. Meus pensamentos truncados e confusos, cheios
de voltas e contradições. Tommaso não se importa comigo, então por que raios teve que abrir o
bico sobre os meus problemas? Fez isso só para me atingir? Dar uma lição ao me machucar?
— Ele não tinha o direito de fazer isso — repito, sem saber o que mais posso fazer, além
de sentir uma raiva gigantesca pelo juiz.
— Não, mas que bom que ele fez. — Santi expõe com cuidado às minhas reações. —
Sabia que você ficaria chateada, por isso fiquei martelando o assunto por dias na minha cabeça.
Mas não posso ficar de braços cruzados quanto a isso, Romana. Eu me importo com você.
O jeito que meu estômago está revirando faz parecer que estou com enjoo marítimo. O
que não deixa de ser verdade. Graças àquele maníaco por controle, o navio que eu estava
mantendo arduamente sob o mar bravo que a minha vida se transformou acaba de ser atingido
por uma tempestade. Está naufragando nesse momento, sem esperança de içar as malditas velas
de novo.
— Escuta, estou dando um jeito nisso — prometo a ele, mas, pela forma como me encara
aflito, eu vejo que não acredita em nada do que está ouvindo. — Temos dívidas, sim, e a
hipoteca em atraso, mas eu... — Movo a cabeça, respirando fundo. Céus, como eu odeio
Tommaso Falcão-Ruiz! — Eu estou trabalhando bastante e na próxima vez que for ao Cheer’s,
onde ganho mais gorjetas, pedirei ao Dylan que separe mais turnos para mim.
Santino abertamente desaprova a ideia.
— Romana, você odeia aquele lugar.
— Isso não importa mais.
Com repetidas recusas, meu amigo parece derrotado. Um pouco magoado pela barreira
que ergui, eu diria. Ele não entende que preciso cuidar disso sozinha porque nunca, nunca
mesmo, me sentiria confortável em receber alguma ajuda financeira dele. Ou mesmo de Nora.
Quantas vezes escutei comentários maldosos pela cidade enquanto crescia, dizendo que
estava sendo esperta em fazer amizade com eles, como se o carinho que eu sentia e sinto por
Santi e Nora não passasse de interesse? Não, nem pensar! O dinheiro ou a influência deles jamais
fez diferença para mim.
— Você contou para Nora? — inquiro baixinho.
— Não, mas por essa pergunta, eu vejo que ela também não sabe. Romana... Não precisa
ser tão orgulhosa com a gente. Entende isso? — Santino se aproxima mais da mesa, tentando
chegar mais perto de mim de forma física e também emocional. — Podemos analisar o melhor
caminho e, de repente, Tommaso pode sugerir alguma alternativa para evitar um leilão da sua
casa. Não tive muito de Direito Imobiliário até agora — ele dá de ombros —, odeio pedir a ajuda
de mi hermano, mas faria por você.
Declino a proposta sem sequer pensar.
Recorrer ao juiz seria mil vezes pior.
— Não vou recorrer ao anticristo.
— Romana...
— Não, Santi! — interrompo-o. — Não é uma opção. Tommaso sequer deveria ter se
intrometido nesse assunto para começo de conversa. — Coloco-me de pé, sem pensar direito.
Insensatez nublando a minha mente e ditando cada uma das minhas ações impulsivas. — Eu não
ligo se ele manda na cidade e em todo mundo aqui, ele não manda em mim e precisa entender
isso.
— Romana? Carajo, aonde você vai?
Santi está de pé também, mas eu ergo uma mão, deixando claro meu objetivo. A raiva
que queima dentro de mim é tanta que juro ao todo-poderoso Deus do Homicídio Justificado que
vou enforcar aquele idiota arrogante com a sua própria gravata de grife.
— Vou procurar o Tommaso — declaro, firme o suficiente para que ele respeite a minha
decisão. Por mais protetor que Santi seja, ele conhece os meus limites. — E nem tente vir atrás
de mim ou me impedir!
Afastando-me dele, tenho tempo de escutar apenas um palavrão em espanhol, seguido
pelo chamado do meu nome, o qual não dou ouvidos. Caminho tão depressa que sinto a pontada
de dor no músculo das minhas coxas, meu corpo se esforçando para acompanhar os pulsos de
adrenalina inflamando as minhas veias.
Nesse momento, nada pode me parar.
Nem mesmo a sensação de que nada será igual a partir do momento em que eu invadir
aquele tribunal e fazê-lo queimar.
Encaro a ampla janela veneziana, observando o lado de fora do meu escritório no
segundo andar. Ao contrário do que normalmente costumo fazer, examinando o movimento das
ruas e refletindo sobre algum caso em particular, encontro-me encarando o céu.
É dia e as temperaturas amenas pelo clima nublado impedem a visualização de qualquer
coisa além das nuvens escuras. A questão aqui é que, mesmo se estivesse ensolarado ou se a
noite tivesse caído, eu não conseguiria ver beleza em algo tão... trivial.
Por que a garotase encanta tanto pelas estrelas, afinal?
Exalo, dando fim a esses pensamentos.
Essa é só mais uma prova de como Romana e eu somos de mundos completamente
separados, páginas perdidas de livros diferentes que nunca se cruzaram de verdade.
— Você parece preocupado. — A voz de Amaya me atinge os ouvidos. Quase me
esqueci da presença dela. — Mais do que o habitual, eu digo. Isso é pela audiência de hoje?
Faço uma negação curta.
— Não costumo me arrepender das minhas decisões, Amaya.
Nomeado pelo governador e apoiado pelo comitê de seleção, eu comando o tribunal do
estado do Kansas. Lido diariamente com casos civis e criminais — os quais prefiro. Presido
audiências de pré-julgamento e os julgamentos em si. Imponho sentenças, emitindo decisões
sobre litígios e alterando o curso de diversas vidas todos os dias. Hoje não foi diferente e agora
um estuprador que colecionava um histórico de abuso a doze crianças foi indiciado à pena de
morte.
— Então, o que é? — insiste, provocando um exalar aborrecido em meu peito que ecoa
pelo cômodo.
Não sei se pela audácia da pergunta, uma vez que nunca fomos amigos e tenho notado
como Amaya tem tentado forçar uma aproximação, ou se pela resposta que toma meus
pensamentos, indo até a japonesa atrevida.
A essa altura, Santino deve ter conversado com ela e, espero eu, colocado um pouco de
juízo na cabeça da garota. Cogitar trabalhar em um bordel para manter a casa e sustentar o
bêbado do pai foi o gatilho para minar a minha paciência.
— Nada que te diga respeito. Aliás, não sei o que faz aqui, se terminou de tirar suas
dúvidas. — Amaya é procuradora do Estado, lidando majoritariamente com questões civis. Uma
vez ou outra, porém, acabamos no mesmo caso. — Eu disse que terminamos.
Mantenho meu olhar no lado de fora, mas sinto quando ela se aproxima. Estou ciente de
cada um dos seus movimentos, sobretudo da mão que toca às minhas costas e se arrasta para o
meu ombro direito em um flerte nada discreto.
Uma intimidade que reflete as noites que já passamos juntos, embora eu tenha cuidado
em não repetir a dose com frequência ou fazê-la se sentir especial de alguma forma. Ela sabe que
o que temos é apenas sexo casual e concordou com isso. Fica disponível quando é do meu
interesse e nunca entra em contato, a menos que seja para tratar de negócios. Nunca ficamos
juntos aqui no tribunal, nunca na minha casa. Amaya é boa em seguir essas regras, somente por
isso durou tanto comigo.
— Tommaso... — começa, sendo interrompida.
Giro o corpo em um movimento brusco, estranhando não somente a batida depois de ter
ordenado que não queria ser incomodado, como o abrir da porta sem autorização. A maior
surpresa, contudo, é protagonizada pela imagem que surge em seguida. Não é a minha assistente
que aparece, mas a japonesa insolente que estava invadindo meus pensamentos há pouco.
Percebo o olhar contrafeito de Romana, que logo percebe a presença da outra mulher na
sala. Um fato ao qual eu não me prendo, não diante da imagem ofegante da garota que
certamente percorreu algumas milhas correndo. Está usando um vestido lilás que a deixa ainda
mais jovem do que é, a bolsa e o casaco firmemente apertados contra as mãos.
— É melhor você sair, Amaya — ordeno secamente.
O suspiro de choque não faz com que eu me vire para analisar a reação dela, tampouco a
da minha assistente, nervosa ao surgir atrás de Romana, pedindo desculpas. Dispenso ambas com
um gesto impaciente de mãos, concentrado demais nos longos fios negros dos cabelos da
japonesa que quase chegam aos quadris. Há uma mecha lhe caindo pelo rosto, quase escondendo
um dos olhos repuxados, e posso sentir a porra da minha mão formigar para ocupar o trabalho de
afastá-lo no lugar das dela.
Quando finalmente ficamos sozinhos, Romana bate a porta com violência, largando seus
pertences sobre a primeira poltrona que encontra antes de avançar a passos rápidos para perto de
mim.
A garota está brava.
Não, está furiosa.
— Você não tinha esse direito, Tommaso!
— Acha que pode invadir um tribunal... — rechaço, irritado pelo tom agudo de seus
gritos, — a porra do meu escritório, e se achar no direito de falar dessa forma comigo?
Suas bochechas estão em um tom suave de rosa, e ela continua tocando os cabelos,
tirando e colocando atrás da orelha, fazendo-me imaginar qual reação arrancaria dela e do rubor
em sua pele se eu agarrasse os fios com o punho e obrigasse a garota a ajoelhar.
Desde que me peitou na delegacia, isso é tudo no que tenho pensado. Não importa quais
métodos eu tenha que usar para fazê-la se dobrar. E aqui está ela, desafiando-me novamente,
exibindo sua teimosia detestável, que eu pretendo esmagar em pedacinhos.
— Você não tinha o direito de se aproveitar do fato de ter estado na minha casa para usar
o que descobriu contra mim. Não tinha direito de ter envolvido o Santi! — grunhe no mesmo
tom impertinente. — Por que você se importa com o que eu faço ou não para resolver os meus
problemas?!
O lábio inferior dela treme, e a garota o prende com os dentes para tentar mascarar sua
reação. Inferiormente a toda raiva, no entanto, posso ver a fragilidade de Romana por
testemunhar sua vida saindo dos trilhos.
— Você acha que pode me ignorar no meu próprio território e tomar atitudes que, mais
cedo ou mais tarde, irão se tornar um problema para mim — respondo devagar, sem
arrependimentos. — Mas não pode, menina.
— Para de me chamar assim, não sou criança!
Inclino a cabeça para o lado, observando-a por alguns segundos.
— No momento, está agindo como uma.
— Seu... Seu... — Romana pressiona os lábios, sem colocar em palavras qualquer um dos
xingamentos que certamente estão passando pela sua cabeça. Então, como se quisesse parecer
um pouco mais madura, ela respira fundo e volta a me encarar. — Por que eu seria um problema
para você? Não sou da sua família, não sou alguém com quem você se importa!
Meneio um aceno.
— Você não é — concordo sem adoçar as palavras. — Por maior que seja o vínculo que
criou com Santino, você felizmente não é da família. Não é uma Falcão-Ruiz, nem nunca será.
Quanto mais ofendida está, mais Romana ergue o queixo, sustentando toda essa postura
com um par de sapatilhas que só a fazem parecer mais doce do que já é. Sequer as mãos fechadas
em punhos, como se fosse socar meu peito a qualquer minuto, soam ameaçadoras.
— O sentimento é mútuo, senhor juiz.
— Que bom que concordamos em algo — digo, dando o assunto por encerrado ao virar
as costas para ela. — Agora você vai sair daqui e dizer ao meu irmão que aceita o auxílio dele
para conseguir se firmar sobre as próprias pernas. Vai dizer que sente muito por ter tido essa
reação infantil e explicar que agora percebe que precisa de ajuda.
Há apenas um segundo de silêncio.
— Não, eu não vou.
Volto a encará-la.
— Você acabou de me dizer não?
— Sim, Tommaso — provoca, dizendo meu nome de forma desplante. Sinto minha
mandíbula apertar em resposta, tomado pelo aborrecimento e pela tentação de corrigi-la. —
Preciso tatuar no meu dedo do meio para te mostrar?
É inegável o prazer que encontro em exercer a minha autoridade e descobrir todos os
segredos de alguém. Talvez por esse motivo Romana Takayama seja tão fascinante para mim.
Ela não é um enigma simples de resolver, ao contrário, talvez eu jamais seja capaz de entendê-la
completamente. O ponto é que este desafio, a resistência que ela apresenta... Só intensificam a
minha vontade de tentar incessantemente. Como um maldito obcecado.
— Deveria ter aprendido alguma coisa sobre mim em todos esses anos — continua,
absorta ao perigo que está correndo. — Posso ser jovem, mas não sou uma mulher que se
intimida por ninguém. Nem mesmo por homens como você.
Aproximo-me, invadindo propositalmente o seu espaço pessoal, determinado a ressaltar a
mentira imbuída nesse discurso hipócrita. Aprecio o choque, o receio e o atordoamento que o
gesto causa a ela. Porque ainda que negue, ainda que odeie, Romana se sente intimidada por
mim.
— Está tentando me desafiar?
— Não... — É apenas um sussurro.
Agarro o queixo delicado com impaciência e quase posso sentir como a pulsação dela
dispara nas veias quando eu a mantenho sob o meu domínio, apertando os dedos de forma rude.
A sensação de sua pele macia contra a minha calejada é como queimar de dentro para fora.
Passei a vida acostumado a ter controle, mas, por alguma razão, mesmo em uma posição de
submissão, a garota consegue comandar a porra de todos os meus pensamentos.
— Tente novamente, mas, dessa vez, sugiro que não minta para mim — alerto, reduzindo
o meu tom. Não preciso grunhir para fazê-la tremer. — A menos que deseje encarar as
consequências.
Romana não foge do contato visual, provocando-me da única forma que pode, mantendo
seus olhos repuxados mergulhados nos meus. As piscadas pesadas e as pupilas dilatadas
ilustrando como é mais transparente do que deveria.
— O que esperava que eu fizesse? — A retórica paira entre nós. — Não sei qual é o seu
maldito problema, mas você não governa a minha vida. Não pode me dizer como agir ou o que
fazer e falar, entendeu?
Sinto um gosto amargo me invadir a boca diante das palavras amarescentes. O grande
problema de Romana Takayama é que eu nunca sei bem o que esperar dela. Sou incapaz de
antecipar suas próximas ações, diferentemente de todos os outros ao meu redor. O que torna
impossível traçar um plano para lidar com ela. Sempre que ouso tentar, como quando acreditei
que abordar Santino seria uma estratégia mais eficaz para oferecer ajuda, ela faz o oposto do que
pressupus.
— Respire... — ordeno, presenciando como parece difícil para ela fazer algo tão simples
apenas por estar diante da minha presença.
— Não prefere pedir algo mais fácil? Como andar em uma corda bamba a metros do chão
sem rede, que tal? — zomba, irritada. Talvez pela raiva que está sentindo, talvez pela forma
como estou fitando-a, exibindo todo o meu desejo de castigá-la por esse episódio de descontrole.
— Preciso admitir, nunca sei o que vai sair dessa sua boca — divago, seriamente
aborrecido por apreciar o fato. — Mas ouça bem, esse é o último aviso que te dou dizendo que
você vai aceitar toda a ajuda que Santino oferecer, financeiramente e o que mais for necessário.
Romana acompanha o estreitar dos meus olhos, tentando esconder o arrepio que percorre
seu corpo. Uma batalha que insiste em lutar, mesmo ciente de que irá perder. Não é como se ela
pudesse esconder isso, especialmente de um homem como eu.
— E esse... — umedece os lábios secos, — é meu último aviso para você, Tommaso
Falcão-Ruiz, ir se foder!
Avanço com toda a minha fúria, sem dar tempo para que consiga recuar até que suas
costas batem contra a parede mais próxima. Espalmo uma mão ao lado da cabeça dela,
aproximando nossos rostos de forma perigosa.
Em um reflexo, sua palma pequena choca-se contra o meu peito para me impedir. Paro,
esperando, e acompanho segundo a segundo o ruir de sua determinação. Cada respiração
profunda que enche seus pulmões agora carrega o meu cheiro, a minha presença. Eu me sinto
embriagado de maneira semelhante, como se estivesse roubando todo o ar da sala de forma
egoísta apenas para retorquir o que a desgraçada está fazendo com o meu controle. Romana está
me fazendo esquecer de quem somos, onde estamos e que há um maldito penhasco de dezoito
anos entre nós.
— É melhor abandonar essa postura rebelde.
— Essa sou eu, Tommaso, quer você goste ou não — revida, ainda que sem fôlego. Os
dedos delicados tremendo contra mim ao roçar no tecido caro da minha camisa social por baixo
do colete, parecendo indecisos sobre me empurrar ou me puxar para mais perto. — Não sou mais
a criança que você viu crescer, ou mesmo uma menina como insiste em me chamar. Sou uma
mulher agora.
Uma mulher de muita atitude...
Permito que meus olhos desçam por ela, sobretudo na visão que tenho do topo dos seus
seios cheios, pressionados contra mim de forma indecorosa. Experimento a dor da onda de
desejo que se espalha por todo o meu corpo e transforma meu pau em pedra ao imaginar que seus
mamilos, além de duros e saborosos, devem compartilhar a mesma tonalidade rosada dos lábios
da garota.
— Vejo isso agora — concordo, rouco demais.
Em uma sucessão de erros que nos levam a um destino certo, a japonesa aproxima nossos
rostos ao pressionar minha camisa entre os dedos. Sem encobrir o desejo, sinto meu peito tremer
por um grunhido ao notar como Romana parece faminta.
— Mais alguma coisa, Vossa Majestade?
Devagar, eu nego.
— Acho que essa sua boca atrevida disse o suficiente.
Tommaso é tão alto e seus ombros tão largos que bloqueiam a luz que entra pela janela.
Na penumbra gerada por ele, sua expressão assume uma intensidade voraz. Já experimentei
olhares de desejo antes, mas nada se compara a isso. É como se eu pudesse senti-lo controlar
algo primitivo dentro de si, um perigo que nunca deveria ser liberto. Todos os seus músculos
estão tensionados, e os olhos tão escuros que a tonalidade esverdeada parece uma ilusão criada
pela minha mente entorpecida.
O juiz é como uma supernova.
Mesmo consciente que a energia impetuosa dele pode me queimar e me deixar cega, é
impossível desviar a atenção ou evitar ser consumida pela sua presença e pelo cheiro forte e
amadeirado. Fico refém da tensão ardente entre nós, abrasadora o bastante para fazer meu
coração doer contra as costelas devido à velocidade com que bate, parecendo empenhado em
fugir do meu peito pela garganta.
— Você nunca sabe quando calar a boca — recrimina, levando o polegar para percorrer
meu lábio inferior. — E tem uma tendência perigosa de se arriscar.
Com a outra mão, ele roça os dedos na minha cintura. Fecho os olhos ao estremecer,
mesmo protegida pelo pano do vestido. Não sei explicar como é possível, mas é como se
estivesse tocando a minha pele nua e ela estivesse extrassensível apenas porque esse é o desejo
de Tommaso.
— Se quiser fugir de mim, a hora é essa.
— Não sou covarde. — Empurro as palavras.
Tommaso tem uma expressão tão primitiva que sinto, sim, uma urgência de sair correndo.
Acontece que estou tão frustrada e excitada nesse momento que a única coisa que consigo me
obrigar a fazer é continuar aqui e lutar para me manter firme. Refém da nuvem negra que paira
em torno do juiz, perseguindo-o, puxando suas sobrancelhas para baixo e fazendo o músculo do
seu queixo saltar.
— E ainda diz que não está me desafiando, menina...
— Já disse que não gosto que me chame assim.
Sou distraída pelo polegar dele que desliza dos meus lábios pelo queixo e pescoço,
sentindo minha pele arrepiada. Ele aperta os dedos contra a minha garganta e, ao mesmo tempo,
os meus joelhos vacilam. O gesto traz aprovação à expressão do juiz, elevando o canto de seus
lábios.
Um gesto típico de arrogância.
— O que vai fazer se eu levantar seu vestido, Romana? — exige saber, castigando-me
com o tom rouco e áspero de sua voz ao chamar meu nome. — É claro que não vou te impedir de
me empurrar e sair pela porta, se for isso o que você quer. Mas estou curioso com os sinais que
está dando.
Sinto meu sangue ferver diante da insinuação em seu tom, mais brava comigo mesma do
que com ele neste momento. Afinal, a parte racional do meu cérebro que deveria alertar sobre o
caminho perigoso que estamos trilhando ao jogar esse jogo está sendo silenciada pelo olhar
abrasador de Tommaso, quente a ponto de incendiar todo o meu corpo.
— E o que os meus sinais estão dizendo? — interpelo baixinho. Ao contrário de quando
eu cheguei, meu senso de confiança está murchando.
— Que você gostaria de me obedecer.
Estou presa nas provocações e no senso de poder de Tommaso. Sem forças para empurrar
o juiz como ele merece depois dessa resposta prepotente. Então, decido recuperar o controle da
única forma que posso: tomando a frente da situação.
Minhas mãos tremem quando meus dedos engancham no tecido lilás, mas eu sigo
adiante, erguendo-o pelas pernas até expor o meu baixo ventre. Aprecio a surpresa no rosto de
Tommaso, que não perde nem mesmo um segundo dessa revelação.
— Acho que está entendendo errado, senhor juiz.
Sua atenção provocativa está perscrutando minhas coxas nuas e a calcinha de renda que
estou vestindo, mas não deixo de notar as rugas que se formam em seu cenho ao me ouvir
chamá-lo dessa forma.
— Porque você ergueu o vestido antes que eu pudesse pedir. — Ele presume. O timbre
rouco de sua risada soando mais hostil e excitante do que qualquer outra coisa. — Mas não
ergueu o bastante. Suba mais.
Um arrepio me consome pela autoridade em seu tom, assim como o desafio em seus
olhos que deixa a minha calcinha molhada. Desafiando o controle do juiz, eu deslizo o vestido
mais alguns centímetros, expondo a pele macia da minha barriga. Tommaso pressiona uma mão
contra o meu pulso, sem delicadeza, expressando claramente seu desejo para que eu mantenha o
tecido no lugar.
Não compreendo o que planeja até sentir seus dedos na minha pele. É torturante lutar
contra as sensações devastadoras do meu corpo quando tudo o que eu queria quando mais jovem
e o espiava da casa na árvore no jardim dos Kensington era ser o centro da atenção de Tommaso.
Sempre houve algo nele, mais selvagem e mais interessante do que nos garotos da minha idade.
— Tommaso... — chamo, mas soa como um gemido.
— Essa é uma ótima surpresa.
Ele deixa a mão em minha cintura cair, traçando o cós da calcinha, próximo ao meu
umbigo. Tento controlar a vontade dos meus quadris de se moverem, sentindo a pulsação no meu
clitóris aumentar, mas mal consigo ficar parada. Tommaso parece intrigado e, como se trata de
um modelo de renda comum, imagino que seja pela cor. Homens como ele devem estar
acostumados com lingeries caras, sempre em tons de vermelho e preto.
Seus dedos avançam com uma delicadeza que tira o meu fôlego, explorando a renda do
tecido. Sua pele é firme, tão dura quanto cada parte desse homem parece ser, e à medida que sua
mão percorre minha pele, fica cada vez mais difícil esconder o quão excitada eu estou. Neste
ponto, até os dedos dos meus pés se encurvam dentro das sapatilhas sem que ele faça qualquer
coisa além de contornar o elástico, observando minuciosamente as curvas do meu corpo.
— Amarelo combina com você, Romana.
Encaro os lábios do juiz, incerta de que o ouvi mesmo pronunciar essas palavras. Uma de
minhas mãos, antes parada em seu peito amplo, agarra um pouco do tecido de sua camisa e
colete, buscando por algum apoio.
— Não me importo com o que você pensa.
— O que eu disse sobre essa sua boca? — ameaça, chegando perto o bastante para que eu
sinta seu hálito quente contra o meu. Mais alguns centímetros e nossos lábios se tocariam. —
Essa é sua forma de pedir que eu a encha com outra coisa?
Ofego, mal conseguindo respirar.
— Acha que conseguiria me calar com tão pouco?
Sem aviso, Tommaso me pega por cima da calcinha. A palma áspera aberta contra o meio
das minhas pernas, sentindo a umidade que ultrapassa o tecido e ouvindo o meu gemido agudo
que corta o ar. O movimento me pega tão desprevenida que involuntariamente estremeço quando
seu longo dedo se acomoda entre as minhas dobras.
— É a sua última chance de fugir, Romana. — Sua reprimenda não me faz enrijecer ou
mesmo faz com que eu lute para me libertar, por mais que saiba que é o que deveria fazer.
Um silêncio carregado paira entre nós por alguns segundos, em que eu me recuso a sair e
ainda mais a admitir o que quero. Mas Tommaso entende, pela forma como meus quadris
rebolam levemente contra a palma dele e pelo modo com que eu quase grito quando suas mãos
enormes agarram minha bunda e ele me ergue nos braços.
Aperto as coxas ao redor dos seus quadris, apressando-me em agarrar os ombros fortes de
Tommaso, e gemo ao sentir sua ereção contra mim. O mesmo pau que se pressionou na minha
bunda quando caímos pelados na beira da piscina e que agora está perto demais da minha boceta.
Alguns tecidos a menos, e o juiz poderia entrar em mim.
— O q-que está fazendo? — balbucio as palavras quando ele se move pelo escritório,
indo até a sua cadeira, um tanto quanto afastada da mesa.
Sem surpresa, ela é grande e suntuosa.
Um verdadeiro trono de um rei.
Tommaso se senta comigo em seu colo sem me responder, mas não demora a me mover
em seus braços. Gostaria de acreditar que possui tamanha facilidade pelo meu estado torporoso
de desejo, mas é claro que com o porte desse homem, ele pode fazer comigo o que bem entender.
Acabo deitada em seu colo com meus seios e abdome pressionados contra suas coxas
fortes, e a bunda empinada no ar. Antes que eu perceba, meu vestido é erguido novamente até a
parte inferior das minhas costas. Mas, dessa vez, a calcinha não distrai Tommaso por tanto
tempo, ela é retirada rapidamente pelas minhas pernas e colocada sobre as minhas costas.
— O que pensa que está fazendo?! — grunho o questionamento dessa vez, agarrando o
material de sua calça com os dedos em busca de alguma segurança. De alguma forma, o ar ao
redor parece mais potente agora, disparando arrepios pela minha carne exposta.
— Castigando você, como merece.
Tommaso não demora a voltar os dedos para a minha intimidade, e eu estremeço,
engolindo um chiado que queima pela minha garganta quando sinto seu dedo grosso se mover
para cima e para baixo. Como que para provar o poder que exerce sobre o meu corpo, Tommaso
circula o meu clitóris uma e outra vez e eu não consigo segurar o gemido agora.
— Eu te odeio — murmuro.
— Mas sua boceta me quer. — Ainda acariciando o meu ponto sensível, ele insinua um
dedo na minha entrada. Sem enfiar, apenas o mantendo ali, em uma provocação que arranca a
minha sanidade. — Percebe o quanto está encharcada pelo homem que você diz tanto desprezar?
Engasgo com um gemido.
— Não está fazendo um trabalho melhor do que o meu vibrador.
Tapa.
O som estalado ecoa pelo ar, acompanhado pelo meu suspiro surpreso e pela ardência em
minha bunda diante do golpe. Um suspiro surpreso é empurrado para fora da minha garganta
com a mesma intensidade que meu coração parece querer pular para fora do peito.
Ele acabou de... me bater?
— T-Tommaso...!
— Sempre que você me desafiar, será castigada. — Sua palma vem ao encontro da minha
bunda novamente, e eu salto em seu colo. — Sempre que você mostrar essa postura afrontosa,
será castigada. — Ele dá outro tapa na minha pele aquecida e, sem escolha, agarro suas coxas
com mais força. — E sempre que for contra a minha palavra você também será punida. Cansei
de aturar seus atos de desobediência, menina.
Recebo outro golpe e não consigo evitar os movimentos em meus quadris, agitados e
ambicionando atenção. Tommaso mete dois dedos dentro de mim, cada vez mais profundamente,
e o ritmo obsceno deles contra a minha excitação faz com que eu me contraia ao seu redor.
— Sente como me aperta com seus músculos? — Seus dedos são fortes e seguros, e me
fazem arquear quando ele adiciona mais um e atinge o ponto perfeito dentro de mim. A pressão
no meu interior e a cadência dos movimentos dele me lançam rapidamente à borda. — Você os
aguenta tão bem, tão malditamente bem.
Tommaso volta a estapear a minha bunda ao mesmo tempo em que me fode com os
dedos grossos, e eu não consigo segurar os soluços de prazer que rasgam pela minha garganta.
Tapa. Tapa. Tapa. Ele não para, e eu me sinto escorrer pelas pernas, os músculos do corpo
enrijecidos pela proximidade do orgasmo.
Ouço uma recriminação e logo em seguida algo sendo forçado para dentro dos meus
lábios entreabertos. Demoro a perceber que o juiz me calou com a minha calcinha.
— Caso tenha esquecido, estamos em um tribunal. — A rouquidão de sua voz fala
diretamente com as partes mais profundas de mim. Algo quente e urgente que incendeia em
minha barriga. — Você está ficando escandalosa, e essas paredes são finas. Quer que o prédio
inteiro ouça o que estou fazendo com você aqui dentro?
Tento articular algo, mas é impossível com as mãos de Tommaso de volta à ação e o
tecido abafando meus sons. Cada músculo meu está tão tenso que sinto que posso me quebrar no
colo dele a qualquer momento.
— Eu poderia fazer você gritar, menina... — A promessa paira entre nós, e eu não tenho
dúvidas de que o juiz poderia cumpri-la se quisesse. — Mas não sou o tipo de homem que gosta
de dividir os gemidos de uma mulher. Especialmente os seus.
Um gemido baixo ecoa em seu peito, escuro e animalesco assim que eu vejo estrelas por
detrás das minhas pálpebras fechadas. Nunca ouvi um gemido mais sexy vindo de um homem. E
é ao som dele que vibrações mais intensas tomam meu corpo e minha boceta se contrai em um
orgasmo que me deixa fora de órbita por vários segundos. Minutos, talvez.
— Boa menina... — Escuto o elogio de forma distante, ainda sentindo minha mente
enevoada de prazer e o latejar da minha carne contra seus dedos. A outra palma do juiz está
agarrando minha bunda dolorida e provavelmente marcada com o formato dos seus dedos.
Minhas pernas estão tão fracas que, se Tommaso não tivesse me segurado ao nos colocar
de pé, mantendo um braço firme ao meu redor, eu teria desabado no chão como um montinho
trêmulo. Minhas bochechas ardem quando nossos olhos se encontram e, ainda sentindo os efeitos
do orgasmo mais incrível da minha vida, assisto quando ele tira a calcinha da minha boca.
— Você não precisa mais disso — informa, guardando o tecido rendado no bolso do
paletó.
Engulo a saliva com dificuldade.
Processando o que aconteceu.
Ou melhor, tentando.
— T-Tommaso, não poss...
— O que você não pode é ter esse tipo de comportamento e esperar que eu não vá reagir
— interrompe meu discurso, impondo sua vontade da mesma forma que meu corpo parece
querer fazer ao sentir a ereção dele, maior e mais dura do que antes, pressionar contra mim
quando Tommaso me aperta em seus braços. — Você vai voltar para casa sem nada por baixo do
vestido e vai pensar em mim toda vez que se sentar e se contorcer com a lembrança do peso da
minha mão na sua bunda.
Fico imóvel por alguns segundos, momentaneamente incerta se ele está falando sério.
Mas qual é a surpresa? Tommaso Falcão-Ruiz não é o tipo de homem que brinca. Então, com
toda dignidade que me resta, arrumo meu vestido no lugar e passo os dedos pelos fios do cabelo,
tentando me recompor da melhor forma que posso.
Não consigo evitar o suspiro pesado ao assisti-lo levar os dedos que estavam dentro de
mim aos lábios, porém. Porque o juiz não apenas os experimenta, ele os saboreia. Degusta como
uma promessa do que faria se não fôssemos quem somos e não tivéssemos acabado de cometer
um erro gigantesco.
— Eu te odeio ainda mais depois disso — aviso, dando as costas para ele, disposta a
pegar meu casaco e minha bolsa na poltrona do outro lado da sala e dar o fora daqui.
Tommaso não permite que eu vá muito longe, porém. O juiz me puxa pelos cabelos pelos
quais parece ter alguma fascinação absurda, prendendo minha garganta com uma das mãos assim
que fico frente a frente com ele de novo. Seu domínio que me obriga a encará-lo, embora eu não
receba a atenção de seus olhos de volta. O juiz inclina a cabeça e me arrepia com suas palavras
ameaçadoras no meu ouvido:
— Acabei de pegar uma parte sua para mim — Tremo diante do anúncio. Porque, não há
como negar que esse momento mudou tudo entre nós. — E tenho a sensação de que ter uma
parte de você será melhor do que ter tudo de qualquer outra pessoa. Então, recomendo que saia
agora, menina, antes que decida me apoderar de tudo.
Assim que me libera, saio de seu escritório praticamente correndo. Murmuro desculpas à
pobre mulher que certamente será repreendida por ter sido enganada por mim com tanta
facilidade e lanço um olhar constrangido a um homem parado por ali, que parece muito entretido
com a situação.
A culpa pesa uma tonelada e enjoa meu estômago por saber que se Santino descobrir que
algo assim aconteceu entre mim e seu irmão, nunca irá me perdoar. E tudo isso por quê? Por um
homem que nunca irá se importar com nada além do seu império?
Está claro que Tommaso e eu somos incompatíveis.
Sempre esteve.
No universo, seríamos como Supernovas. Reféns do nosso desejo desenfreado e
destinados a nos consumirmos até não restar nada. E, pior, ainda machucarmos as pessoas ao
nosso redor.

Meus olhos continuam fixos na porta mesmo depois que a japonesa tenha saído às
pressas, apagando sua presença do meu escritório. O que parece impossível de apagar, porém, é
o cheiro da ninfeta, espalhado por cada parte da minha sala. A sensação úmida e quente da sua
excitação nos meus dedos, e o sabor doce como pecado ainda atiçando a minha língua com o
desejo demais.
É inevitável levar minha mão ao bolso, sentindo o peso suave do tecido rendado da
calcinha, molhada de excitação e saliva. O tecido ser amarelo não é uma surpresa, afinal de
contas, Romana sempre usa cores alegres. Mas essa parece ser a sua favorita dado a frequência
com que a usa, e preciso admitir que combina com a garota.
Se as pessoas fossem cores, Romana Takayama seria amarelo. Vibrante como os
girassóis no verão e radiante como o próprio sol. Eu, por outro lado, seria cinza. Como o céu
escuro e trovejante, antes de uma tempestade. O tipo que cobre o brilho das estrelas até que elas
pareçam nunca ter existido.
Sawyer não demora a bater na minha porta e com certa recusa, eu me desvencilho desses
pensamentos tolos e permito que ele entre. O homem, trajando um terno azul de três peças, entra
na minha sala com um enorme sorriso zombeteiro curvando seus lábios.
Não porque tenha escutado o que aconteceu nesta sala há pouco, mas porque certamente
apreciou ver alguém com colhões o bastante me desafiar. Ninguém nunca bateu de frente comigo
com tanto ímpeto, tampouco no tribunal. Sequer ele, que é o mais próximo que tenho de um
amigo.
— Preciso dizer que sua garota... é adorável, Tommaso. — Sawyer abre um sorriso
expressivo, que ressalta as linhas de expressão do seu rosto. — A minha filha adolescente
enrubesce como ela, sabia?
Exalo aborrecido.
Se não estivesse fantasiando nesse instante com a língua da japonesa, cogitaria
seriamente a necessidade de cortá-la. Por hora, porém, as palmas parecem o suficiente. Ela
aguentou bem o peso da minha mão e se desfez no meu colo como uma garota obediente que eu
espero que possa ser mais vezes.
Sawyer não terá a mesma sorte se continuar por este caminho.
— Cale a sua maldita boca!
Ele ri, possuindo um senso de humor que nunca possui. Sawyer Bennett pode ser quatro
anos mais velho do que eu, mas nunca chegou perto de ser tão ranzinza.
Conheci o desgraçado na universidade, no curso de Direito. Na época, meu principal foco
estava em conseguir um diploma enquanto conciliava todo trabalho que conseguia pegar de
maneira informal. A necessidade de pagar o empréstimo estudantil e ajudar abuela com as contas
de casa me obrigou a sustentar esse cenário pelos três anos de curso.
Decidi logo após de formar, aos vinte e cinco anos, que seria um juiz e teria o controle
que sempre foi roubado da minha família. Precisava de experiência atuando na área para
perseguir esse objetivo, então montei um escritório de advocacia com Sawyer por dois anos.
Logo depois, segui meu caminho para a magistratura, e ele para a procuradoria.
— Amaya está rondando a sua sala.
— Ainda? — rechaço, aborrecido. — Desmarquei nossos últimos encontros.
Sawyer se move.
— O que aconteceu? Ela finalmente cometeu o erro de contar que se apaixonou por
você? — Faço uma careta para a pergunta. Ele sabe que não admito esse tipo de complicação,
assim como eu sei que nas poucas vezes que estivemos juntos com Amaya o que foi apenas sexo
para mim se tornou algo muito maior para Sawyer. — Ou que mulheres que não coram não
atraem mais o seu interesse?
Lanço-lhe um olhar raivoso.
Sawyer engole em seco, ciente de que passou dos limites.
— Certo, tenho que cuidar de um caso.
Ele deixa a minha sala, sem que eu precise acrescentar algo.
Novamente sozinho, volto a reprisar o que aconteceu dentro dessas paredes como um
maldito viciado na primeira dose que recebeu. Sem resistir, arranco a renda do bolso e levo ao
rosto, fechando os olhos ao sentir o cheiro da pequeña estrella que, caso eu não tome cuidado,
poderá se tornar uma obsessão. Afinal, como eu posso não manter meus olhos sobre ela depois
de sentir como seu corpo já age como se fosse minha propriedade?
Com o pau tão duro dentro da calça que sequer consigo pensar direito, eu volto a me
concentrar no trabalho. Certo de que o que aconteceu aqui nunca poderá se repetir, porque se eu
for adiante com Romana, não irei apenas foder a garota, mas me tornarei seu dono.
HOJE
BAYDEN HAVEN, KANSAS
TRÊS DIAS APÓS O ENCONTRO NO PLANETÁRIO

Deixo escapar um suspiro pesado, sentindo minha postura endurecer assim que saio do
carro e me dirijo à entrada do palacete. Minha antiga residência, melhor dizendo. Cumprimento
discretamente um dos seguranças posicionado e digito o código que aparece no meu celular no
painel digital para autenticar a minha entrada.
A sensação incômoda que pesa sobre os meus ombros tem muito mais a ver com as
memórias que invadem a minha mente por estar novamente aqui do que, de fato, com esta visita.
Não é raro que eu venha ao palacete; sempre que posso, passo por aqui no caminho de volta do
tribunal antes de ir para a minha casa.
Exalo, irritado e cansado, afastando os fios grossos do meu cabelo para longe do rosto de
forma áspera. Carajo, é estranho chamá-la dessa forma. Agora a casa é realmente minha, mas
não foi sempre assim.
— Santino? — grunho alto, ao atravessar o amplo hall de entrada. Sem uma resposta, eu
sigo em direção às escadas e chamo o nome de mi hermano de novo.
De certa maneira, é até um pouco nostálgico. Era exatamente assim quando ele era um
adolescente aborrecido com tudo e com todos, e teimava em ficar trancado no quarto como um
sinal inútil de sua rebeldia. Naquele tempo, abuela conseguia alguma atenção com as comidas
deliciosas que preparava, embora eu deva admitir que nenhum de nós nunca teve tanta persuasão
quanto Nora e Romana. Santino sempre fez tudo pelas garotas.
— Nem um minuto atrasado... — Ouço o comentário zombeteiro vindo do topo das
escadas e ergo a cabeça para encontrar Santino descendo os degraus com seu uniforme de
quarterback.
Os tons de roxo ressaltam sobre o branco, que já não é tão branco. Esta é uma das roupas
de treino, não a que ele usa em jogos oficiais. Mi hermano acha que nunca assisti a um dos seus
jogos, quando, na verdade, estive presente em alguns e sei o quão talentoso ele é. Influência do
efeito Romana, eu diria.
— Avisei que viria conversar.
— Estou aqui — retruca impaciente.
Lanço um olhar em direção ao número nove estampado em seu peito e o capacete com o
logo dos Wildcats que está segurando em uma das mãos. Não é a carreira que imaginei para ele,
mas nuestra madre estaria orgulhosa de vê-lo perseguir um objetivo com tanto afinco.
— De saída, aparentemente — completo a resposta dele, expondo minha insatisfação.
Esperava que tivéssemos algum tempo para falar sobre o retorno da japonesa a Bayden Haven,
uma vez que fizemos o mesmo antes da partida dela.
Santino move os ombros, banalizando o fato, e completa a descida dos degraus, passando
direto por mim, parado no pé da escada, antes de sair da sala. Sigo-o de perto enquanto ele
caminha em direção à cozinha e, apenas por estar próximo, consigo ouvir suas palavras:
— Temos tempo o bastante, na minha opinião. — Ele pega alguns mantimentos na
geladeira, montando um sanduíche de frango com quatro fatias de pão integral. Santino sempre
foi disciplinado com as dietas impostas para a equipe. — Até porque nossas conversas nunca
duram muito, certo? Vamos ver quanto tempo conseguimos conversar antes de outra discussão,
dessa vez.
Cruzo os braços em frente ao peito, recostando-me na parede próxima. Esta é
provavelmente a posição mais confortável que conseguirei durante essa conversa, uma vez que
duvido que mi hermano me dê tempo suficiente para que eu precise me sentar.
— Depois de uma evolução tão lenta, não imaginei que voltaríamos a isso, Santino —
deixo o comentário escapar. — Apesar de tudo o que aconteceu no passado, tivemos um avanço
positivo graças a Romana.
A japonesa ofereceu um contraste eficaz para minha rigidez e autoridade, assim como foi
habilidosa em suavizar a teimosia de Santino, e foi graças a ela que fui ao primeiro jogo dele
naquela época. Ainda hesitante sobre a carreira que ele poderia ter no âmbito do Direito, mas
totalmente influenciado pelo pedido daquela pequena feiticeira.
Não entendo como ela consegue, mas Romana sempre enxerga o melhor em todos, e
mesmo que eu não tenha muitas qualidades, sei que ela conhece uma versão minha que ninguém
jamais teve acesso.
Nem mi hermano, nem a abuela.
Mi estrella tiene una versión solo para ella..[LB26]
— Uma dica para você... — Santino pontua com amargor, erguendo a cabeça para me
fitar. — Tudo foi jogado no lixo no momento em que você decidiu que seria uma excelente ideia
pegar a minha melhor amiga. Uma garota quase vinte anos mais nova do que você, carajo! —
Ele aponta a faca que está segurando na minha direção. — Ela tem idade para ser sua filha,
cacete!
Afasto meu corpo da parede e me aproximo alguns passos do balcão. Não é a primeira
vez que discutimos isso, é claro. Essa fase de harmonia a que me referi antes só durou até que
Santino eventualmente descobrisse sobre meu envolvimento com Romana.
— Pensei que a essa altura você teria entendido.
— Que você vai atrás do que quer sem se importar com ninguém ao seu redor? —
rechaça, deixando uma risada seca escapar. — Entendí muchísimo bien, hermano!
Respiro fundo, ciente de que Santino ainda não está disposto a ouvir minha versão da
história ao assisti-lo voltar a cortar as bananas que pegou na fruteira para preparar o shake
nutritivo que ele sempre toma antes do treino desde os quatorze anos.
— Romana não é apenas uma diversão ou o caso de algumas noites — digo as palavras
devagar, esperando que ele consiga perceber como estou sendo sincero em cada uma delas.
Não tiro a razão do receio dele, porque sei que ama a menina como se fosse a irmã mais
nova que nunca teve, mas eu não sou um garoto que quer brincar com os sentimentos dela. Soy
un hombre, mierda! Um que está muito certo do compromisso que quer. Ainda que haja dezoito
anos nos separando, Romana é madura demais para a idade dela e isso nunca foi realmente um
problema para nós.
Santino termina seu lanche e apoia ambas as mãos sobre o balcão de mármore. Os olhos
verdes, semelhantes aos meus, mas apenas um tom mais claro, me examinam com interesse.
— Ela não é importante para você, Tommaso — argumenta, como se eu não fosse capaz
de me importar genuinamente por alguém. — É apenas uma infeliz obsessão.
São as primeiras palavras ditas por ele que realmente me enfurecem, fazendo minha
mandíbula cerrar em descontentamento. Santino poderia questionar a minha moral ou me culpar
pelo que ele acredita ter acontecido no passado, mas não tem o direito de contestar a veracidade
dos meus sentimentos por Romana.
— Ela não é somente uma obsessão, é a melhor coisa que já me aconteceu na vida —
corrijo, assumindo uma inflexão ímpia no meu tom de voz. Por Dios, eu perderia todo dinheiro
que tenho e desistiria de qualquer coisa que conquistei ao longo dos anos se significasse escolher
entre isso e o amor da minha pequeña estrella. — Não sei mais o que tentar para que você
compreenda isso.
Sempre tive talento para ler as pessoas, usando essa habilidade para triunfar em diversas
situações e alcançar um grande número de vitórias nos negócios ao longo da minha carreira.
Sobretudo tratando-se de alguém que praticamente criei, como mi hermano. É evidente para mim
que não sou mais o único homem tenso na sala, observando como Santino enrijece os ombros,
mesmo com as ombreiras e os protetores para as costelas e costas sob o uniforme.
— A sinceridade das suas palavras ou dos seus sentimentos não muda o desfecho,
Tommaso. Não muda que, independente do que Romana representou na sua vida, você foi a pior
coisa que aconteceu na vida dela. — Santino move a cabeça em uma negativa resoluta,
inclemente. — Você não apenas quebra no que toca, hermano, você destrói.
Grunho uma imprecação.
— No me jodas, Santino...
— Foi assim com nuestros padres — prossegue, calando os meus protestos
encolerizados. Certamente, eles estariam decepcionados se pudessem ver como nos tornamos
desunidos. — E foi assim com a Romana. Ou você se esqueceu do que esse romance entre vocês
causou a ela?
— Não pode jogar em cima de mim toda a culpa do que aconteceu.
O grunhido irritado de Santino ecoa pela cozinha
— Você quase destruiu a vida dela, carajo!
Embora o que aconteceu com Romana me machuque mais do que se tivesse acontecido
comigo, e eu assuma a minha parcela de culpa na ocasião, não fui eu quem desencadeou a
situação que se deteriorou naquela fatídica noite. Mi hermano foi a causa, e não consegue aceitar
isso.
— Ela não estava indo atrás de mim quando...
— Você é tão egocêntrico, Tommaso! — acusa, interrompendo-me. Exalando um
grunhido que repercute quase tanto quando o baque de suas mãos fechadas em punho sobre o
balcão — É realmente incapaz de perceber como Romana estava muito melhor antes de você ter
decidido voltar seus olhos para ela? Ou como ela estava feliz nesse último ano na Espanha?
Circundo o balcão e inclino meu corpo para frente, soltando palavrões em espanhol ao
ficar cara a cara com mi hermano. Sem nada nos separando, não ficaria surpreso se Santino
tentasse me acertar um soco a qualquer momento. Não seria a primeira vez, embora agora — ao
contrário da nossa última briga física — eu esteja tentado a revidar. Porque a maldita diferença
de dezesseis anos que nos separa não lhe confere o direito de agir dessa forma, como um cabrón.
[LB27]
A mierda de um garoto mimado!
— Sempre poupei você da verdade sobre muitas coisas porque sentia que era minha
responsabilidade como seu irmão mais velho, mas se há alguém aqui incapaz de assumir seus
erros, é você, Santino — retruco, severo. Indeferindo quaisquer réplicas ou comentários. — A
única razão pela qual permiti que Romana deixasse Bayden Haven e passasse um ano a um
oceano de distância foi porque você pediu.
Um acordo entre irmãos que custou a minha felicidade, completo em pensamento.
Santino acreditava ser o melhor para Romana, e eu estava disposto a provar que os meses não
interfeririam nos meus sentimentos. Que eu poderia oferecer o tempo que ela precisava, antes de
lutar por uma segunda chance com o mesmo vigor com que batalho por tudo na vida.
Conhecer o sonho de Romana de deixar a cidade e construir uma carreira como
astrônoma, algo que ela eventualmente me confessou, apenas reforçou os benefícios dessa
decisão. Assim, acionei os meus contatos e, sem o conhecimento da japonesa, garanti que
conseguisse uma vaga na universidade de Barcelona. Precisei fazê-la acreditar que se tratava de
uma bolsa de estudos, já que naquele momento Romana não queria me ver, então certamente não
aceitaria ter o curso, a estadia e uma mesada custeadas por mim.
Foi uma trégua frágil em prol do bem-estar do meu relacionamento com mi hermano e do
futuro promissor que eu queria que mi amor conquistasse. Ao menos um dos objetivos foi bem-
sucedido, já que minha relação com Santino desmoronou assim que Romana retornou à cidade.
— Era o mínimo que você poderia fazer por ela.
Solto uma risada seca, melindrada.
— Sabe como eu lutei contra o desejo de ir atrás dela no aeroporto no dia em que partiu
— exponho com amargura. — Sabe quantas vezes eu quase cedi e peguei um voo para a
Espanha.
Mi hermano se mantém em silêncio.
— Mas eu respeitei o seu pedido, e aqui estou eu, tão apaixonado quanto estava há um
ano. — Faço uma pausa curta, engolindo a saliva acrimoniosa em minha boca. O peso das
palavras me atingindo o peito ao reviver os últimos doze meses. — Você precisa entender que
Romana foi sua amiga antes disso tudo, mas esse rótulo não a define como pessoa. Não deveria
ser um empecilho para que ela tome as próprias decisões, incluindo quem ela pode ou não amar.
Quer você goste disso como amigo, quer não.
É a primeira vez que algo que sai da minha boca parece causar alguma reflexão em
Santino, ainda que ele tente mascarar sua expressão e lutar contra isso.
— Com isso, você assume que ela ama você — pontua ao desviar sua atenção para longe,
sem fixar o olhar em algo específico. Parece apenas... pensativo. — Mas como Romana poderia
se não conhece realmente quem você é ou o que você fez?
Balanço a cabeça em negação, demasiadamente exausto para argumentar algo sobre isso.
Até porque, Romana sabe mais do que Santino imagina. Incluindo o que aconteceu com os
nossos pais no passado. Nunca contei para ninguém, somente para ela.
Abuela era a única pessoa presente na ocasião e a convenci a me deixar assumir a culpa,
fiel à ideia de que seria uma forma menos cruel de magoar Santi do que revelando a verdadeira
versão dos fatos. Vejo hoje que, talvez, eu tenha cometido um erro ao fazer isso.
— Contou para a Romana? — Santino traz outro questionamento ao notar que não irei
responder à pergunta estúpida que fez anteriormente. E não preciso de muito para compreender
que está se referindo ao pedido que me fez no ano passado.
— Que eu não fui atrás dela por sua causa? — coloco a situação às claras, e Santino
meneia um aceno forçado. — Não, e não pretendo. Nunca quis estragar o que vocês dois têm. Sei
como é especial para ambos.
Santino apenas me encara por alguns segundos.
Quieto e apreensivo.
— E sobre as outras coisas? — exige saber.
— O palacete? — Rio, incerto. — Acho que ela pensa que ainda vivo aqui, e não fiz
questão de esclarecer o mal-entendido. Eventualmente, ela vai descobrir, é claro. Mas pretendo
manter as coisas como estão por hora. Romana não está preparada para ouvir as respostas das
perguntas que surgirão em sua mente.
Preciso ir com calma com ela.
E Santino sabe os motivos disso.
— Pretende contar a ela antes de mim? — Aproveito o momento para perguntar.
Verdade seja dita, tal pensamento me perturbou por dias.
— Não serei babaca a esse ponto. — Santino garante, voltando a ficar de frente para o
balcão. Como se não estivéssemos à beira de uma briga a segundos, ele começa a arrumar a
bagunça que fez ao montar seu pré-treino com tranquilidade. — Romana e eu não tivemos a
chance de ter uma conversa no passado, apenas discussões e depois diversas evasivas minhas
enquanto ela estava no intercâmbio. Precisamos disso, mas essa semana foi intensa depois do
lançamento de Nora. Sobretudo com você monopolizando o tempo dela.
Faço uma careta insatisfeita.
— Não tanto tempo assim, aparentemente — discordo, frustrado com as últimas
informações que chegaram aos meus ouvidos. — Soube que ela pediu o emprego na lanchonete
de volta.
Isso pode significar que a garota está planejando acumular alguma quantia em dinheiro
durante sua estadia antes de retornar à Espanha e concluir o curso, ou está considerando
abandonar a faculdade. Ambas as possibilidades estão intimamente ligadas ao pai dela, que, até
onde sei, Romana ainda não visitou.
Santino confirma o boato, apreciando a minha reação irritada.
— Logan continua lá.
— Estou ciente — grunho de volta.
— Não vai fazer nada, vai? — interpela, observando-me pelo canto do olho. —
Investigar o cara e os meus colegas de time deveria ter bastado para você. Até porque ele e
Romana podem ter um passado, mas ela virou essa página há muito tempo.
A minha página continua no mesmo lugar, no entanto, e sigo nutrindo desprezo por
Logan, Nero e qualquer outro bastardo que ousou se aproximar do que é meu.
Claro, ainda tem aquele tal Carlos.
Carlos González, ela disse.
Não acreditei em Romana, tendo seus olhos sádicos e divertidos sobre mim, apreciando
cada segundo da minha tortura, mas admito que pensei em pelo menos mil formas de limpar o
hijo de la puta da porra da Terra.
Conheço um cara em Las Vegas que faria o serviço.
— Não gosto que ele tenha aqueles olhos de cachorro abandonado em cima dela. —
Bufo, sem medir o desprezo nas minhas palavras. — Eu poderia oferecer a Logan uma
oportunidade de estágio em algum restaurante. Um bom e bem, bem distante da cidade. O Japão
seria uma excelente alternativa, se Romana não tivesse o desejo de conhecer suas origens algum
dia.
Santino para, perplexo.
— Espero que não esteja falando sério.
Dou de ombros.
— Enfim, vou marcar algo com Romana e Nora hoje. — Mi hermano continua, alheio
aos meus pensamentos e interpretando o meu silêncio à sua maneira. — Pretendo buscá-la no
final do turno no Fivestars e ir para a casa da árvore.
— Não estão grandes demais para isso?
— Você com certeza está muito velho para os programas legais, o que torna excelente o
fato de não ter sido convidado.
Contenho um revirar de olhos pelo comentário ríspido, mas quase deixo escapar um
sorriso ao considerar que a alfinetada poderia ter partido de Romana. Se as palavras tivessem
vindo da boca dela, mesmo hoje, teriam me irritado. Porém, teriam incendiado o meu sangue
também, pois se há algo que a ninfeta sabe fazer é me tirar do sério.
Seja com ódio, seja com tesão.
Na maior parte das vezes, usando e abusando de ambos.
— Não conte a ela do palacete ainda — peço a Santino, engolindo em seco ao tentar
limpar os pensamentos sujos que povoam a minha mente. A ereção perpétua em minhas calças
desde que reencontrei a japonesa não precisa de incentivos. Sobretudo, não na frente de mi
hermano.
Ele anui, abrindo um sorriso divertido.
Debochado, melhor dizendo.
— Suponho que eu não tenha permissão de contar sobre as cartas que você escreveu para
ela nesse tempo que ela estava na Espanha também.
Cerro a mandíbula, zangado com a menção.
Por óbvio, Romana debocharia de mim. “Por que não uma mensagem?”, ela diria. Ou
talvez um e-mail. Mas eu prefiro colocar meus pensamentos no papel e, desde que ela partiu,
tenho sido sufocado por muitos deles. A saudade, como o vilão principal. E digamos que esse
veneno pode levar um homem a fazer coisas estúpidas. Até mesmo um como eu, que nunca se
curvou diante de nada nem ninguém na vida.
Não antes dela.
— Você não deveria saber disso para começo de conversa.
— Bom... — arrasta a palavra, em zombaria. — Foi você quem deixou uma carta em
cima da sua mesa no escritório.
— Não é como se você tivesse permissão para entrar lá.
Santino suspira e, então, ri.
Por um segundo, quase parece que estamos bem.
— Acho que são nos momentos em que estamos brigando que realmente parecemos
irmãos — comenta, compartilhando do mesmo pensamento que tive. — Bem espanhóis, eu diria.
Podemos culpar o nosso sangue quente por transformarmos qualquer pequeno acontecimento em
uma grande discussão.
Não há como negar que o temperamento espanhol é algo verdadeiramente único. Há fogo
e intensidade em tudo que fazemos. Seja para brigar, seja para amar, seja para foder. Ou, no meu
caso agora, para conquistar uma segunda chance. Nada é feito com menos do que cem por cento
de nós.
— Acha que vai passar a noite toda com as garotas? — indago, introduzindo outro tópico
a conversa. Buscando me certificar de uma informação que necessito.
— Provavelmente. Por quê?
— Apenas pensando nos meus próximos passos.
Afasto-me de Santino, caminhando pela cozinha enquanto ele toma a iniciativa de
guardar os mantimentos de volta ao refrigerador.
— Você não a levou para jantar, há o quê? Uns quatro dias?
— Três dias — eu corrijo. — Tempo demais.
— E o que pretende fazer agora?
— Levá-la a um evento que preciso comparecer no Missouri — repondo, girando o corpo
para analisar a reação confusa que eu já previa que ele tivesse.
Santino afia os olhos.
— Um dos seus inimigos.
— Certamente o que me dá mais dor de cabeça nos negócios. — Deixo uma imprecação
escapar junto ao comentário sarcástico.
Detesto qualquer evento de grande porte em que preciso ser minimamente cordial, e eles
são ainda piores quando o governador está presente.
— E por que quer levar Romana?
— Tenho meus motivos — concluo, sem me explicar.
É a oportunidade que tenho esperado desde a última visita que fiz a George. Encontro
este que acabou comigo socando o desgraçado e voltando para o palacete mais cedo do que o
esperado, encontrando a festa que Santino preparou sem a minha autorização e que culminou no
início do meu declínio pela japonesa.
— Acho melhor você se apressar — alerto, lançando um olhar rápido em direção ao
relógio da cozinha. — Ou irá se atrasar para o treino.
Dou as costas para mi hermano, prestes a sair da cozinha — e do palacete, com nossos
assuntos resolvidos — quando Santino volta a falar, surpreendendo-me não apenas pela deixa
como também pelas palavras.
— Sabe, isso quase soou como um encorajamento.
Reflito, ainda de costas para ele.
— Estou correndo atrás do que me faz feliz. Não posso te impedir de fazer o mesmo,
certo? — Giro o rosto, o bastante para conseguir encará-lo. — Embora eu perceba que você
enxerga apenas o futebol americano e não vê algumas coisas que estão embaixo do seu nariz. —
Volto a andar, saindo da cozinha. — Ou do lado da sua casa.
Um...
Dois...
Três...
— O que você disse? — o grunhido me alcança na sala.
— Nada garoto, vá para o treino!
PASSADO
UM ANO ANTES
DIAS DEPOIS DO CASTIGO NO TRIBUNAL

Nora joga outro biquíni na minha direção.


Seguro a peça no ar, fazendo uma careta para o tecido branco que eu costumava usar
quando tinha quinze anos. Tudo bem que meus peitos não colaboraram em crescer tanto quanto
eu gostaria, mas meu corpo sem dúvidas passou por boas mudanças nos últimos cinco anos.
— O que há de errado com o rosa? — pergunto, apontando na direção da peça ao meu
lado. Está jogada na cama, assim como eu.
— É lindo, mas você sempre o usa.
Minha amiga não está enganada.
Aliás, é o mesmo que usei na festa do lago.
— Você sabe que esse é o conceito de ter alguma coisa favorita? — debocho mesmo
assim, abrindo um sorriso. — E de ter uma boa máquina de lavar.
Ela ri, sem interromper a sua busca por outros modelos no meu guarda-roupa. Não é
como se houvesse muitas opções, então poucos minutos se passam até que Nora deixe um
suspiro dramático escapar e volte a me encarar com as mãos apoiadas na cintura. Além de sua
expressão de determinação, noto outra vez o vestido de tecido fino que ela está usando. Através
dele é possível ver o biquíni de cintura alta e top sem alças, ambos de um tom forte de roxo.
— Escuta, você não tem outra opção. — Nora aponta para o biquíni branco que eu
descartei. — É a sua única peça que cumpre o dress code. Eu até poderia ter trazido algo do meu
closet, mas você não me avisou.
Faço um gesto de mãos, despreocupada.
— Um dress code de uma pool party com um bando de jovens excitados, Nora! —
argumento com um arquear de sobrancelhas. — Acha mesmo que alguém vai ligar se eu for com
uma outra cor?
Minha amiga dá de ombros, ciente de que tenho um ponto no final das contas. Sei, no
entanto, que não desistiu de me convencer pela forma decidida com que caminha pelo meu
pequeno quarto. Ela se senta na ponta da cama, sobre a colcha azul-claro, e me lança um olhar
confiante.
— Pode ser que não, mas... — Abre um sorriso engenhoso. — Além de sermos as
melhores amigas do QB, aposto que você iria chamar a atenção de Logan ou de qualquer jogador
do time com esse biquíni.
Pego uma das almofadas felpudas da cama e pressiono contra o meu rosto, gemendo em
derrota. Acabei contando a Nora sobre o meu plano para resolver a crise de energia que a minha
calcinha está sofrendo nas últimas semanas, por isso a cretina ruiva sabe que foi certeira nessa
alegação.
É claro que mantive o nome Tommaso Falcão-Ruiz fora da história, assim como todos os
detalhes sórdidos dos últimos acontecimentos com o juiz e meus pensamentos sujos envolvendo
a mão firme daquele maníaco por controle.
— Okay, você venceu!
Nora arranca a almofada, praticamente subindo em cima de mim. Ela faz uma verdadeira
bagunça para conseguir se deitar ao meu lado, derrubando a maior parte dos travesseiros ao lado
da cama.
— Você é muito espaçosa! — reclamo com um sorriso, prendendo meu cabelo em um
coque frouxo.
Por que, diabos, eu tinha que pensar nas palmadas que o diabo me deu?
— Costumávamos deitar eu, você e Santi na cama quando éramos pequenos, você se
lembra?
Uma pontada de saudade me atinge ao assentir, recordando essas memórias. É claro que a
cama normalmente era a de Nora, feita sob medida, grande o suficiente para que pudéssemos
dormir sem esbarrarmos muito uns nos outros. Por alguma razão, sempre amou que Santino e eu
dormíssemos com ela.
— Lembro. Sinto falta desses dias.
Nora gira a cabeça e eu faço o mesmo, fitando seus olhos azuis. Eles têm um brilho
intenso normalmente, mas estão entristecidos agora. O motivo me faz engolir em seco por saber
bem que, mesmo tendo conversado sobre os problemas que estou enfrentando, meus amigos não
desistiram do assunto.
Logo depois de sair do tribunal naquele fatídico dia, eu me tranquei no quarto, recusando-
me a atender as ligações de Santi. Parte por ainda estar brava com as sugestões que ele fez e, uma
parte infinitamente maior, por estar envergonhada pelas minhas atitudes naquela tarde. Eu não
podia contar ao meu melhor amigo o que tinha feito e isso me fez enxergar o quanto eu tinha
pisado na bola com ele.
É claro que Santi tomou uma atitude e no dia seguinte foi ao Fivestars junto com Nora,
ambos muito preocupados comigo. Diferente de como as coisas aconteceram com meu amigo,
graças a interferência de Tommaso, tive a chance de expor a situação com as minhas próprias
palavras para Nora.
— Sei que conversamos sobre isso, mas... — Nora suspira, dando um tom muito mais
sério à conversa. — Não gosto da ideia de não poder ajudar alguém que é tão importante para
mim, Romana. Alguém que amo e por quem eu faria qualquer coisa.
As palavras afetuosas me deixam feliz, é claro, mas o que há por trás delas não. Minha
decisão sobre enfrentar isso sozinha não mudou, então simulo um sorriso em meus lábios na
tentativa de convencer Nora que está tudo bem.
— Confie em mim, só preciso de um pouco mais de tempo — prometo a ela. É provável
que esta seja a terceira vez que repito esse discurso, o que não é necessariamente algo ruim, já
que estou tentando convencer a mim mesma também. — Conversei com Dylan sobre pegar
turnos extras e... Bom, com o meu pai.
Essa última parte não é realmente verdade.
Cheguei a ter outra conversa com ele, em que implorei para que tomasse um rumo e me
ajudasse a cuidar da nossa família. Os desdobramentos da discussão, porém, não foram
surpreendentes. Meu pai mais uma vez se mostrou mais preocupado com a próxima lata de
cerveja que iria abrir do que em me ajudar a pensar no que poderíamos fazer para salvar nossa
casa.
No fundo, o que mais me dói é pensar que seguindo por esse caminho e perdendo a
propriedade, perderei a cerejeira no quintal também. O lugar em que mais me sinto próxima da
minha mãe.
— Não diria nada se não fosse sua amiga, mas quando cheguei hoje, seu pai não parecia
melhor. — Nora exala, evidenciando sua preocupação na forma como seu cenho se plissa
próximo às sobrancelhas finas. — Eu sei que você é orgulhosa, é assim desde pequena, mas...
Santi e eu faríamos qualquer coisa para ajudar.
Movo a cabeça, sendo mais incisiva nesse momento.
Ambos me ofereceram muito na última semana, a ponto de Nora sugerir que eu poderia
passar um tempo na casa dela, caso perdesse a minha. Santi não demorou a concordar, mesmo
que soubesse que morar no palacete seria uma versão de inferno da qual prefiro não participar.
Isso sem contar a ajuda em dinheiro para arcar com as dívidas até que eu e meu pai nos
reerguêssemos.
Neguei todas as propostas com o coração pesado em saber que, ainda que eu não fosse
tão orgulhosa, essa não seria uma solução definitiva. O primeiro passo para que conseguíssemos
sair dessa areia movediça de problemas seria fazer meu pai aceitar sua doença e tratar seu vício
em bebida.
— Agora, a única coisa que eu preciso é esquecer um pouco tudo o que está acontecendo
— fujo do assunto, evitando o olhar magoado de Nora pela minha mais recente recusa. — E essa
festa vai ser perfeita para isso.
Levanto da cama com um pulo, ainda sendo analisada com receio e preocupação, mas
pego rapidamente o biquíni branco na cama e saio do quarto em direção ao banheiro, sem dar a
minha amiga outra oportunidade de argumentar.
Depois que saio do banheiro usando o minúsculo biquíni branco e recebendo a aprovação
de Nora, busco por um vestido no meu armário. Escolho um modelo azul, marcado na cintura e
com mangas curtas, adornadas com pequenas margaridas. Minha amiga faz cara feia, mas vou
me livrar dele assim que chegarmos ao palacete dos Falcão-Ruiz de qualquer forma.
Ouvimos a buzina do Audi de Santi quando estou terminando de calçar as minhas
sandálias e ambas saímos correndo do quarto em direção ao andar de baixo. Apesar de não
concordar de forma explícita, fico grata que Nora tenha aceitado a minha deixa e não tenha
tentado voltar a tocar no assunto dos meus problemas financeiros por hora.
— Uau, você está um gato! — elogio, assim que paro na frente dele.
Santi está usando calças escuras e uma camisa no estilo over street da Balenciaga, que
provavelmente custa perto de um salário meu. Ele não demora a envolver a minha cintura com
seus braços enormes e, abraçada a ele, consigo sentir seu perfume amadeirado enquanto deposita
um beijo demorado na minha bochecha.
— Obrigado, japonesa — agradece, pouco antes de me soltar. Brincalhão, Santi faz com
que eu dê uma voltinha, mantendo a mão na minha e erguendo nossas palmas unidas acima de
nossas cabeças. — Você está linda também.
— E graças a mim com um biquíni branco por baixo desse vestido. — Nora acrescenta,
orgulhosa do seu feito ao se aproximar para abraçar Santino também.
Encaro o céu um momento, estranhando algumas nuvens mais escuras espalhadas por ele
enquanto meus amigos interagem entre si. Uma chuva estragaria a ideia de uma pool party, mas
não impediria que a festa rolasse do lado de dentro. A única coisa capaz de fazer isso seria o
Diabo.
Santi assegurou, no entanto, que o juiz está viajando a trabalho nesse momento. Alguma
coisa envolvendo o prefeito da cidade, Robert Taylor, e o governador do Missouri de quem não
me recordo o nome.
— Hum, o que é isso? — ouço Santino perguntar a Nora, deslizando os olhos pelo corpo
dela assim que eles se afastam. Parece que apenas agora ele se deu conta das roupas que ela está
usando.
Nora arqueia a sobrancelha.
— Um vestido.
— Quem disse?
— A Gucci.
Contenho a minha risada, voltando a prestar atenção na conversa deles. A expressão de
indignação de Nora, sobretudo pelo vestido ser uma peça da coleção mais recente da marca, é
quase tão satisfatória quanto a atordoada e enciumada de Santino. Meu amigo não consegue
disfarçar o descontentamento, explícito em sua mandíbula tensa, nos lábios apertados e na
carranca em seu rosto.
Nesses momentos, ele se parece mais com o irmão.
Ou talvez seja algo típico dos espanhóis.
— Romana, não vai falar nada? — exige, sem desviar os olhos de Nora. Claramente
procurando um apoio que eu não posso oferecer. Minha amiga e eu temos um acordo tácito:
garotas sempre apoiam garotas. Nem Santi está acima disso.
— O que quer que eu diga? — jogo a bola para ele com um sorriso atrevido, sem sentir
remorso por receber uma careta insatisfeita dele. — É você quem está mordido de ciúmes, QB!
Santino engasga.
Há algo adorável em sua preocupação e ciúme, mas ele está sendo babaca por falar da
roupa de uma garota e tenho certeza de que acabou de se dar conta disso.
— Ciúmes? — pigarreia, desconfortável. — Aham, até parece!
— Ótimo! — Nora diz em tom agudo, aprumando os ombros. — Então não temos
motivos para ficar aqui discutindo. Vamos logo!
Tomo frente, caminhando em direção ao Audi. Atrás de mim, a conversa continua
rolando entre eles, apesar do que Nora disse. Digamos que Santino não quer abandonar o
assunto.
— Hostia, escuta, se ficar com frio mais tarde, peça a minha jaqueta — diz a ela, mas as
palavras soam como uma ordem. Uma que o QB certamente já deu a todos os seus colegas de
time, tendo em vista que a maioria deles tem medo de se aproximar das protegidas de Santi. Em
especial, de Nora. — Não quero o cheiro de nenhum daqueles idiotas em você.
Nora exala, mais calma.
— Eu prometo, Santi — concorda docemente. — Agora, relaxe, ok? Estamos indo para
uma festa, não para um funeral.
Abro um sorriso, erguendo uma mão em comemoração ao fim da pequena discussão e
ganho reclamações de ambos pela dose excessiva de deboche. O que importa é que, no segundo
seguinte, estamos entrando no carro e rindo como bobos. Um comportamento frequente quando
estamos juntos.
O trajeto rumo a Bluemont Hill não demora mais do que vinte minutos. Santi fura um ou
outro sinal, justificando sua imprudência com o fato de que não quer que nenhum imbecil quebre
alguma louça de abuela ou toque nas bebidas do escritório do Tommaso. Fato é que o som
atordoador da música nos atinge assim que viramos a esquina e entramos na rua Thurston.
A algazarra é ainda pior em frente ao palacete, mas aqui é diferente da casa do lago, que
está nos limites da cidade e em uma região que praticamente faz fronteira com o Estado do
Missouri. Não há sequer um vizinho que ousaria reclamar do barulho ou de qualquer ocorrência
na propriedade dos Falcão-Ruiz. Nem os pais de Nora que, com certeza, usarão tampões de
ouvido esta noite se quiserem ter a chance de dormir, nem o xerife Montgomery. E eu me
sentiria mal pelo incômodo se não estivesse tão animada pelos Wildcats terem vencido o jogo de
hoje.
Festas após as vitórias são uma tradição do time.
E sempre que o rei está fora, o palacete é o lugar de reinado do QB.
Adentramos, guiados pelo burburinho das conversas animadas. Embora algumas pessoas
estejam espalhadas pelo gramado, a maioria se reúne na cozinha e na área externa, onde está
localizada a piscina principal. Estar aqui, porém, me faz recordar da outra piscina que o palacete
possui, aquela coberta, que foi palco de uma cena vergonhosa entre mim e o juiz.
Deus, tenho que apagar isso da minha cabeça!
— E aí, cara! Achei que tinha abandonado a própria festa. — Um dos jogadores puxa
Santi pelo ombro. Ele murmura uma resposta, explicando que saiu para nos buscar e logo é
monopolizado pelo time, vangloriam-se do jogo de hoje e do touchdown que levou a
arquibancada ao delírio nos últimos cinco segundos da partida.
— Acho melhor bebermos alguma coisa. — Nora chama minha atenção e eu assinto,
dando a entender que logo me juntarei a ela.
No momento, preciso apagar a vívida memória de cair pelada em cima de Tommaso do
meu cérebro. Tal como a imagem do pau dele, que, como uma boa amante de arte, sei que
poderia ter sido esculpido pelos mestres renascentistas.
Arfando, tomo como medida desesperada, observar a festa a todo vapor para tentar me
concentrar em outra coisa.
Há um amontoado de copos vermelhos sobre a ilha de mármore da cozinha e um casal se
pegando no balcão sem ligar para a plateia. O espetáculo à parte fica para o lado de fora, porém,
com luzes roxas instaladas na piscina e em alguns pontos suspensos da varanda. Propositalmente
perto da enorme bandeira com o logo dos Wildcats, presa entre as colunas de madeira. No
momento, o efeito que exercem é fraco, mas em cerca de uma hora, quando a noite cair,
produzirão o clima almejado.
Consigo localizar Logan com facilidade, sentado com uma cerveja em mãos e sem fazer
questão alguma de se enturmar. Além dele, os dois jogadores mais gatos do Wildcats, depois de
Santi é claro, chamam a minha atenção. Sullivan St. James, filho de um banqueiro podre de rico
e Tight End do time, e Nero Lavinsky, herdeiro da Lavinsky Corporation e Wide Receiver.
Belíssimas três opções para tirar aquele que não deve ser mencionado da minha cabeça.
Principalmente, porque os dois jogadores galinhas querem tanto compromisso quanto eu. No
fim, ninguém sairia machucado.
— Então, qual deles vai ser? — Nora aparece do meu lado, bebericando sua bebida. Ela
já tirou o vestido que quase foi o motivo do infarto de Santino, e suponho que a situação tenha
piorado agora que ela está exibindo suas curvas.
— Seus peitos estão incríveis nesse decote — elogio, e ela ri satisfeita. — E respondendo
a sua pergunta, ainda não sei. Logan com certeza é a pior opção se eu quiser evitar machucar
alguém.
— Fico feliz que tenha consciência disso.
— E você?
Minha amiga bufa.
— Nenhum se Santi não parar de olhar qualquer um que me encare por mais de cinco
segundos como se fosse arrancar os olhos deles de dentro das pálpebras — reclama,
resmungando. — Estou à o quê? Uns quatro anos atrasada para o meu compromisso de pau? Já
deveria ter perdido a virgindade.
Gargalho.
Sério, não há ninguém como Nora.
— Por que ele sempre age como um irmão superprotetor? — continua com suas
reclamações enquanto eu tento dar fim a minha risada escandalosa.
— Somos garotas de muita sorte e, às vezes, de muito azar por isso — digo por fim,
secando meus olhos úmidos do riso. — Mas fico feliz que ele esteja focado em você.
Nora me mostra a língua como se tivéssemos seis anos de novo, o que me faz sair em
busca de uma bebida antes que eu tenha outra crise de riso ao lado dessa maluca. No caminho,
aproveito para tirar o vestido azul que estou usando, jogando-o em uma cadeira cheia de roupas
ali perto.
Estou entornando um pouco de vodca com refrigerante quando sinto a presença de
alguém. Giro o rosto e encontro Nero com seu típico sorriso de canto. Um que diz com muita
clareza que sou a segunda ou terceira garota que ele vai dar em cima hoje, mas tenho que
admitir, é muito charmoso.
Atletas...
Nora tinha razão.
São todos gostosos.
— Sem nenhuma líder de torcida a tiracolo? Oh, estou surpresa! — provoco com bom
humor, inclinando a cabeça um pouco para o lado. — Isso quer dizer que seu charme está se
esgotando?
Um cara menos confiante teria fechado o sorriso, mas não Nero. Ao ouvir minha
zombaria, ele apenas aumenta a curva em seus lábios com confiança.
— Você pode responder isso.
Nego, rindo.
— O ponto é que estou procurando algo diferente hoje — ele prossegue, cruzando os
braços sobre o peito. E, caramba, é impossível não observar o movimento de perto. Todos os
jogadores do time parecem ter mais de um metro e oitenta e noventa quilos de puro músculo.
— Algo como uma pobre garçonete?
Ele move a cabeça em recriminação.
— Algo como a japonesa mais gata da cidade — corrige de forma encantadora, sem se
preocupar em dosar o flerte que joga para cima de mim. — Então, será que eu tenho alguma
chance esta noite?
Finjo pensar no assunto.
— Talvez, se você ganhar de mim no beer pong.
Nero aceita o desafio de imediato, e coloca a mão nos meus ombros, andando abraçado
comigo por todo caminho até a outra mesa montada do outro lado da piscina. O jeito dele de
dizer aos outros caras que está investindo em mim, suponho.
Com a proximidade, ele aproveita para sussurrar no meu ouvido:
— Se você estava pensando em ser a estrela da festa quando escolheu esse biquíni,
preciso dizer que conquistou seu objetivo.
Abro um sorriso.
E faço uma nota mental para agradecer a Nora.
Próximo da mesa de jogos, eu me afasto dele e ando mais alguns passos até ocupar meu
lugar. Ergo uma sobrancelha em desafio ao ficar frente a frente com Nero, que assume a outra
ponta da mesa, e pego a bolinha, jogando-a na direção dele para que possamos começar. Ele
finge ter dificuldade de pegá-la, como se não fizesse isso todos os dias no time apenas por ter
uma garota de biquíni na sua frente. Bobo ou não, me arranca uma risada.
É, eu estava certa. Isso é tudo o que preciso esta noite.
Sem problemas. Sem Tommaso.
Apenas meus amigos, música e uma boa festa.

Cerca de duas horas depois, o céu está completamente denso e escuro. Não apenas pelo
cair da noite, mas pelo prelúdio de uma tempestade. Tento não pensar muito sobre isso, mas é
inevitável torcer em silêncio para que não chova realmente, ou para que, pelo menos, eu não
esteja sozinha em casa quando acontecer. Nora estava certa ao dizer que meu pai parece pior,
mesmo sem que eu comente que agora, em algumas noites, ele sequer tem se dado ao trabalho de
voltar para casa.
Ganhei duas rodadas de beer pong do Nero, ou ele me deixou vencer, não sei bem. O
ponto é que me diverti muito com ele naqueles primeiros momentos, antes de dar um tempo em
todo aquele flerte e começar a aproveitar a companhia dos meus amigos. Mergulhei um pouco
com Santi, sendo uma dupla imbatível na batalha naval[LB28], montada sobre as costas dele e
derrubando todos os nossos adversários. Depois, fui dançar com a Nora.
Rapidamente, as pessoas abriram espaço, formando uma roda enquanto eu, ela e outras
duas garotas da universidade começamos a dançar música atrás de música sem parar. Os
assobios de alguns garotos ecoavam junto a nossas risadas, sem nos preocuparmos com a atenção
que estávamos atraindo.
Minutos se passaram dessa forma, a ponto de eu começar a sentir uma fina camada de
suor molhar a minha pele e grudar alguns fios de cabelo na minha nuca e na minha testa. Até que
uma mão firme segurou a minha cintura, e eu abri um sorriso vaidoso. Não era necessário me
virar para saber quem era. Depois de todo clima durante a festa, eu estava esperando o momento
em que Nero voltaria para perto de mim.
— Posso dançar com você? — pergunta, charmoso.
Dou de ombros.
— Se conseguir me acompanhar...
Lanço um olhar por sobre o ombro, recebendo a resposta faminta de Nero com suas íris
deslizando atentamente pelo meu corpo. Ele analisa os pequenos triângulos que cobrem os meus
seios e a calcinha, que não faz muito mais para esconder. Ele até mesmo brinca com os laços da
lateral dela com uma mão, testando o quão além ele pode ir comigo através das minhas reações.
Continuo a me mover sobre meus pés descalços e agarro a garrafa de tequila que ele está
segurando na outra mão, reparando que as outras meninas nos deixaram sozinhos. Dado o
histórico do meu pai, era de se esperar que sua filha seguisse o mesmo caminho ou tivesse
aversão a qualquer gota de álcool. Digamos que eu escolhi uma terceira opção. Nunca ousei ficar
bêbada em nenhuma festa e perder o controle, receosa de que as pessoas me comparariam ainda
mais com ele. Mas provo das bebidas que tenho curiosidade e, ao contrário da vodca barata que
bebi antes, esta tequila é ótima.
— É do armário de bebidas do juiz? — desconfio, tomando mais um gole com uma
careta. Boa, como disse antes, mas o limão e o sal realmente fazem falta na composição de
sabores.
Nero confirma.
— Santi liberou para mim.
Regalias do time, penso.
Mayores de Becky G e Bad Bunny explode nos alto-falantes e eu abro um sorriso
instantâneo, porque amo essa música. Devolvo a garrafa a Nero, que se anima ao notar a minha
empolgação, e solto o meu corpo para acompanhar a batida enérgica da música.
Sinto o peito duro de Nero contra as minhas costas e o começo de sua ereção no meu
bumbum ao agitar os quadris. Ele não chega a ser desrespeitoso e se esfregar de forma explícita
em mim, mas próximo como estamos e o meu rebolado imparável, a ação é inevitável e
exatamente o que eu precisava.
— Vai me enlouquecer assim, Romana...
Rio do tom rouco e torturado dele, dando uma olhada despretensiosa ao redor em busca
de Nora. O que encontro, porém, é bem diferente. É algo que, além de matar o sorriso nos meus
lábios, enrijece todo o meu corpo. Interrompo meus movimentos, mas Nero continua a dançar
sem perceber a mudança. Curvado sobre sua estatura para conseguir alcançar e sussurrar alguma
coisa no meu ouvido que, sinceramente, não consigo distinguir o que é.
Se eu ainda não estiver morta...
Por favor, alguém me mate.
Tipo, agora!
Esse é o primeiro pensamento a invadir a minha mente, assim que vejo a figura do Diabo
trajado com um smoking caríssimo a alguns metros de distância, acompanhado do seu amigo do
tribunal. Como se o maldito fosse mesmo alguma entidade maligna e, assim que pensei nele, ele
foi magicamente invocado.
O segundo pensamento é muito mais perigoso, porque é através dele que percebo que
Tommaso poderia estar gritando e expulsando todos no exato instante em que flagrou toda
aquela bagunça, mas... não. A única coisa que o homem que tem toda a cidade aos seus pés
parece capaz de fazer é olhar para mim.
— Tudo bem, princesa? — Nero parece preocupado com a minha mudança de postura, e
desliza a mão de forma íntima pela minha barriga em busca de atenção.
Sinto arrepios percorrem o meu corpo e odeio que eles não tenham nada a ver com o
toque do rapaz atrás de mim, mas com o magnetismo que o juiz exerce sobre mim somente com
o seu olhar severo. De alguma forma, acredito que tenho o mesmo poder sobre ele, já que
Tommaso, sim, acompanha o toque sensual traçado pela minha pele e enrijece a mandíbula com
tanta força que poderia quebrar um dente.
— Tudo bem... — murmuro para Nero, ainda aérea.
Até esse momento, eu nunca tinha entendido a razão pela qual as garotas fazem
joguinhos e usam do seu apelo sexual para conseguirem o que querem. Mas nesse curto instante,
percebendo que, apesar de ter todo mundo sempre a sua mercê, a única coisa que parece importar
para o juiz sou eu, começo a entender.
Não apenas a entender, mas a gostar.
Para um rei, tão acostumado com poder e dinheiro, a única coisa capaz de fazê-lo
desmoronar seria uma mulher. E com toda adrenalina correndo pelas minhas veias, eu desejo ser
essa mulher essa noite, a que irá colocar Tommaso Falcão-Ruiz de joelhos. E o enlouquecerá ao
fazê-lo compreender que seu título e influência não mudam nada entre nós.
Essa noite, ele será como qualquer cara aqui.
E a única coisa que poderá fazer é manter os olhos em mim.
Murmurando com os lábios sem emitir som, eu digo isso a ele:
— Você pode olhar, senhor juiz.
Você pode olhar, senhor juiz.
A hija de puta murmura sem emitir nenhum som, e eu sinto meu sangue ferver nas veias
em resposta a provocação descarada. Os músculos enrijecidos e os punhos fechados, próximo
demais do fim da minha já exígua paciência. Enquanto a ira parece me arruinar de dentro para
fora, Romana volta a mexer o corpo, rebolando de forma indecente ao som de uma melodia
sensual, cantada em espanhol.
Uma que me faz questionar se ela pensa o mesmo. Se gostaria de experimentar um
homem mais velho. Um que saberia exatamente o que fazer com ela, ao contrário dos garotos
com que está acostumada.
— Achei que a essa altura estivesse bradando à procura do seu irmão para dar fim a tudo
isso — Sawyer comenta, analisando a pequena multidão de jovens em trajes de banho.
Lembrando da nossa época na faculdade, talvez.
Encontrar a festa que Santino preparou – outro de seus atos de rebeldia – foi uma
surpresa desagradável após a minha viagem com Robert até o Missouri ter sido mais breve do
que o esperado graças aos comentários impertinentes de George, o governador do Estado do
Missouri. Para não tornar o dia totalmente improdutivo, Sawyer concordou em deixar o evento
comigo e vir ao palacete revisar alguns casos.
O atilho para minha ira, além de toda baderna na minha propriedade, foi encontrar
Romana assim que entrei. Não estava à procura da garota, mas meus olhos a flagram sem
dificuldade, como se fosse a minha missão orbitar ao redor da luz que a japonesa emana sem
esforço.
A pior parte não foi me deparar com ela em um biquíni minúsculo que exibe cada curva
perfeita do seu corpo. Branco, ainda por cima. Depois de molhado, quase transparente, mierda!
Não, foi saber que cada garoto aqui poderia vislumbrar a forma dos seus seios pesados com os
bicos duros pelo contraste de temperatura, assim como a curva acentuada da cintura e dos
quadris largos e bem-formados.
O triângulo minúsculo no meio de suas pernas com tiras envolvendo suas laterais em
laços femininos e apertados parece castigar a pele ali. Nada tan mal quanto eu me imaginei
fazendo ao ver um dos jogadores do time de Santino com as mãos sobre a garota que estava
curvada sobre o meu colo apenas há alguns dias.
Romana não desvia o olhar do meu, assentindo para algo que o garoto diz no seu ouvido
e ri em seguida. A ninfeta se recuperou muito bem do choque da minha presença ao que parece,
porque logo eu a assisto jogar os cabelos para trás. Os fios pretos e longos — que tem povoado
cada uma das minhas fantasias mais sujas nas últimas noites — caem como uma cascata sedosa
em suas costas. Sequer o fato de estarem parcialmente molhados interfere na aparência macia
que possuem.
O rapaz abre um sorriso satisfeito com a ação. Eu cerro os dentes com tanta força que,
por um momento, penso ouvir o ranger deles sob o aperto cerrado da minha mandíbula. Algo
impossível diante da música estourando os alto-falantes.
— Parece que você está prestes a quebrar alguma coisa. — Sawyer intervém, ainda sem
entender o motivo do meu descontentamento.
De cierta forma, yo estaba.
— Alguma coisa, não. Alguém.
Romana não se dá conta do perigo, ou simplesmente não se importa em me levar ao
extremo. Dios, talvez até tenha gostado de pagar pelos atos de desobediência, castigada pelo
peso da minha mão. Fato é que a garota está tentando me provocar e, infierno, está conseguindo!
Assisto quando o garoto segura um punhado dos fios do cabelo que não deveria estar
tocando e a reação que isso causa a Romana. A menina ri novamente, inclinando o pescoço para
facilitar o acesso. A cabeça, porém, continua virada na minha direção enquanto ele derrama um
pouco de bebida sobre a pele dela.
Estou longe demais para notar os arrepios, mas vejo com clareza a forma como ela
estremece diante do contato com o líquido frio. Os olhos repuxados e escuros tornando-se
pesados ao senti-lo buscar os resquícios do álcool com a língua, chupando a pele do pescoço e
mais abaixo, recolhendo toda bebida até o vale entre os seios da menina.
Hija de puta!
Aguardo o instante em que Romana irá deixar de me encarar, mas não acontece. Ela
parece desesperada por beber das minhas reações, tanto quanto eu pareço atormentado por
arrancar o par de mãos deslizando por ela e, quem sabe, cortar a língua do desgraçado que está
despertando a minha ira.
Sawyer, finalmente, encontra o alvo da minha atenção após certo tempo. Depois de
encarar a menina de forma fixa e carrancuda, era inevitável que alguém notasse.
— Tommaso...
— Uma palavra sobre isso, e eu faço aquele tribunal cair em cima da sua cabeça! —
anuncio com rispidez, e ele se cala. — Isso não é assunto seu.
Romana não vai...
Não, nem pensar.
Nem por um carajo!
Fora de mim ao notar que Romana pretende, sim, retribuir o gesto, dessa vez sendo ela a
derramar um pouco de bebida sobre o corpo do rapaz, eu saio em disparada na direção dela. Não
enxergo nada nem ninguém na minha frente e, felizmente, abrem caminho ao notar a minha
presença, evitando que eu precise empurrar alguns corpos a fim de chegar mais rápido no alvo da
minha dor de cabeça.
Não calculo minhas ações.
Não penso no que Santino irá pensar.
Ou como isso vai parecer para as outras pessoas.
Não penso em porra nenhuma além dela.
— Romana! — grunho, sem dosar a severidade com que exijo a sua atenção. — Chega
disso, você vem comigo!
Ela dá uma lambida no peito do rapaz, antes de se focar em mim. Os olhos escuros e
repuxados são quase angelicais, como se a cretina não estivesse exaurindo todo o meu maldito
controle. Esmagando-o em sua palma pequena com dedos delicados e unhas coloridas.
— O que você disse, senhor juiz?
Ouço Nero pigarrear, tentando completar uma frase em meio aos seus balbucios nervosos
e apenas ergo uma mão para que cale a porra da boca. A última coisa que preciso agora é lembrar
da presença dele aqui ou de onde suas mãos estavam segundos antes. Do contrário, acabarei
fodendo minha relação com Santino de vez ao inutilizar um dos jogadores mais valiosos do seu
time.
— Você vem comigo! — repito, aborrecido.
— Não acho que seja necessário.
Afio os olhos.
— Santino sabe que está com o amigo dele?
— Santi não manda em mim. — Romana abre um sorriso, erguendo a cabeça para tentar
me encarar de igual para igual. Uma batalha perdida até mesmo com a menina na ponta de seus
pés descalços. — Aliás, nem você.
— Romana...
— Eu não vou, Tommaso!
Respiro fundo, irritado com sua determinação.
Estou acostumado a ter um plano traçado e alternativas para lidar com cada interferência
e imprevisto que possam acontecer. Mais do que isso, estou acostumado a vencer e a ter a minha
vontade sobreposta a qualquer fato ou pessoa. Foi assim que ergui o meu império e tenho
governado sem interposições. Com Romana, contudo... A japonesa foge totalmente do que eu
prevejo!
Só se você pedir por favor.
A frase, dita por ela na lanchonete, ecoa na minha mente como uma memória distante.
Uma alternativa que detesto, mas que estou disposto a ceder uma tentativa para conseguir tirá-la
logo daqui. Estou quase me desfazendo do paletó para cobrir o corpo da menina nesse biquíni.
— Por favor? — peço, forçando as palavras para fora com dificuldade.
Como se já não estivesse ansioso por dar um soco no garoto, capto o olhar surpreso que
ganha o semblante dele diante da minha fala. Ninguém nunca me viu ser tão educado, mas eu
sou com a japonesa.
— Tommaso... — ela começa.
Certo, eu tentei!
Fui além do que eu iria por qualquer outra pessoa, então não escuto os protestos de
Romana. Apenas puxo a garota para perto de mim com um olhar que faz o amigo de Santino
ficar imóvel no lugar e a pego nos meus braços. A japonesa arfa em surpresa, grunhindo um
palavrão, mas não consegue reagir rápido o bastante. Eu a coloco nos meus ombros com uma
mão, apertando forte a sua cintura, e nos coloco em movimento.
Não me preocupo em ser delicado com ela.
De alguma forma, eu quero castigá-la. Puni-la.
Passo por Sawyer sem dizer nada, e continuo o percurso pela pequena multidão de jovens
perplexos, fofocando sobre a cena. Não faço ideia de onde Santino se meteu, mas agradeço por
não cruzar com mi hermano enquanto sigo em direção ao andar de cima com sua amiga nos
braços.
— Tommaso, me coloca no chão! — exige, gritando.
— Não.
— Estamos em uma escada.
Grunho em descontentamento.
— Não vou te deixar cair.
— Tommaso...
Tapa.
Romana suga uma respiração profunda, sem concluir a frase. Se eu a virasse agora,
poderia ver a marca de mão vermelha que floresceu em sua bunda com a força que apliquei na
palmada. O que, admito, é tentador.
— Não me irrite mais do que já irritou, menina.
— Isso não vai se tornar um hábito!
Dessa vez, eu quase rio.
— Ah, mas vai! Principalmente, com você agindo assim.
Exercendo mais pressão com meu braço ao redor de sua cintura, eu termino de subir os
degraus das escadas e percorro o corredor. Coloco Romana no chão somente após abrir uma das
portas e fechá-la, não dando opção para que a japonesa fuja de mim.
— Você devia parar de me despir com os olhos — ela tem a petulância de dizer,
pousando ambas as mãos na cintura e exibindo um pouco mais os seios fartos com a mierda dos
mamilos túmidos para mim.
Romana está perto o suficiente para que eu possa chegar e tomar seus quadris em minhas
mãos e puxá-la para mim. Próxima o suficiente para que eu possa agarrar as malditas cordas do
seu minúsculo biquíni e, diferente da última vez em que tive acesso a sua boceta, enterrar meu
rosto no céu que a ninfeta mantém escondido lá embaixo. Fazê-la ecoar um grito por cada
segundo que me fez assistir outro homem tocar no que é meu.
— Prefere que eu faça com as mãos? Ou com os dentes? — desafio, rude, sentindo o
dilatar das minhas narinas diante do cheiro inconfundível da excitação dela. Por alguma razão,
nossas brigas são como preliminares. — Estou quase certo de que você escolheria a segunda
opção, afinal, você gostou das minhas mãos em outro lugar, certo? Gostou de ser castigada por
sua desobediência.
Romana ofega, perdendo o compasso da respiração.
— Você não consegue parar de agir como um babaca, não é?
— E você não consegue esconder o quanto me quer.
A risada seca tenta mascarar sua verdadeira reação, mas a experiência de anos não
permite que esconda de mim o entreabrir desejoso dos seus lábios, ou a forma defasada com que
puxa e solta o ar. Tampouco, o calor se acumulando em suas bochechas e colo.
Cada mínimo sinal do tesão da menina que está me deixando duro a ponto de nublar a
minha razão. Posso sentir cada cume e declive de mim mesmo através da calça do meu smoking,
cortada sobre medida, mas apertada demais para conter a grossa ereção pressionando contra o
zíper e me causando dor.
— Sua boca pode negar o quanto quiser, mas seu corpo não mente — continuo, fora de
mim ao inclinar o corpo para mais perto do dela, profundamente tentado a fazê-la sentir o que
sua rebeldia provoca em mim. — É como se eu soubesse como você irá reagir antes mesmo de te
tocar. Como se eu já tivesse feito isso e um milhão de outras coisas com seu corpo. Como se eu
tivesse sentido o gosto do seu beijo, tentación... O sabor da sua pele e do seu prazer. — Ergo a
mão para acariciar os fios longos do seu cabelo, prestes a envolvê-los com força sob o meu
punho e ordená-la para ajoelhar aos meus pés. — Confesse... ¿Está mojada para mí?
No segundo em que o último fio de consciência parece sucumbir e se romper no meu
cérebro, nublando o certo e o errado, o proibido e o desejado, a porta é aberta e eu me afasto de
forma relutante. Estava a caminho de agarrar a bunda da menina e fazê-la me escalar como a
vadia que eu pretendo tratá-la na cama.
Pigarreio diante da confusão de Santino, escolhendo uma saída rápida:
— Vá vestir suas roupas, Romana! — ordeno de forma áspera.
— Eu teria feito isso se você não tivesse me arrastado como um neandertal!
— Conhece o ditado “minha casa, minhas regras”?
Afio os olhos, esperando uma resposta.
Não seria Romana, se ela não retrucasse.
— Você já ouviu falar no “é minha vida e não a sua”?
Santino atrai a atenção para ele ao bater à porta com força. A marca de batom limpa
precariamente em seu pescoço me faz deduzir o motivo de sua demora em procurar a amiga
depois de, certamente, perceber a comoção na festa com a minha chegada inesperada.
— Por que estão aqui? — mi hermano exige saber.
Apenas diante dessas palavras é que Romana desperta do transe de antes e começa a
olhar ao redor. Ela avalia cada móvel escuro disposto pelo ambiente e para os olhos na ampla
cama no centro do cômodo, coberta por lençóis pretos. Quando volta a me olhar, eu sei que
entendeu que este é o meu quarto.
Lugar onde nenhuma mulher esteve até agora.
Sequer Amaya, meu caso mais duradouro.
— Romana não estava se sentindo bem, então eu a tirei de perto da multidão de bêbados
dançando e se esfregando lá embaixo — respondo, contrariado. — Pode me explicar por que não
me avisou que traria seus amigos para o palacete?
Santino passa a mão pelos cabelos loiros, suspirando.
— O time ganhou o jogo hoje, não era nada de mais.
— Nada de mais... — Fico de costas, apoiando as mãos sobre a cômoda. Espero que
Santino considere a ação uma medida para conter minha exasperação pela maldita festa quando,
na realidade, não passa de uma tentativa atormentada de fazer meu pau duro descer. — Suponho
que ter meu acervo de bebidas maculado por um dos seus amigos também não seja nada de mais,
correto? Ou Nero não está com uma das minhas melhores tequilas lá embaixo?
Mi hermano pragueja em espanhol, e eu faço o mesmo, fechando os olhos por uma fração
de segundo. Queria estar fora de mim pela maldita tequila realmente e não por todos os motivos
errados.
— Mantive o restante do pessoal longe do seu escritório, Tommaso. Nero é um dos meus
melhores amigos, você sabe. — Santino grunhe, em claro e bom som, agora que a música parece
ter sido desligada no andar de baixo. Sou capaz de ouvir até mesmo os gritos de Nora,
anunciando que a festa acabou. — Não é nada de mais, é apenas uma tequila cara. Você pode
comprar dezenas se quiser.
— Não é essa a questão! Você sabe que eu não impediria uma comemoração, mas você
insiste em fazer tudo pelas minhas costas. — Giro o corpo para voltar a encarar Santino. — Por
quê, diablos?
A expressão em seu rosto se torna mais rígida, revelando toda mágoa e raiva que ele
sente por mim e pelas ações que eu tive no passado. No começo, Santino era apenas novo demais
para entender, depois assumiu uma verdade para si mesmo que não admitia outra versão dos
fatos. E eu... simplesmente nunca tentei convencê-lo do contrário.
— Porque você nunca será mi padre — responde à queima-roupa. — Por mais que você
tente assumir o lugar dele, isso nunca vai acontecer!
Respiro fundo, sentindo o sangue em minhas veias esfriar a ponto de parecer congelar
cada músculo do meu corpo, tenso como uma corda prestes a arrebentar. Amo mi hermano, mas
nunca quis crescer com o peso dessa responsabilidade. Se uma parte de mim assumiu esse papel
de forma indireta, foi por pura necessidade.
Desviando os olhos pelo quarto, buscando por palavras nesse momento em que nada
parece bom o bastante para ser dito, percebo que estamos sozinhos no quarto.
— Onde ela foi? — questiono, flagrando a porta entreaberta.
Santino a fechou ao entrar, chamando nossa atenção com o baque seco que provocou com
a madeira. Ao que parece, ficamos tão imersos em nossa discussão que não ouvimos o momento
em que Romana saiu.
— O quê?
— Romana, cadê ela?
Ele lança um olhar preocupado ao redor.
— Merda, eu vim procurá-la porque fiquei sabendo que estavam discutindo lá embaixo e
porque começou a chover — aponta aflito, como se fosse uma grande coisa estar caindo uma
tempestade. Estamos no Kansas, afinal de contas. — Planejei levá-la para casa.
— É só água.
— Você não entende — resmunga, dando as costas para mim. — Vou atrás dela, essa
conversa não vai chegar a lugar nenhum de qualquer jeito.
— Não vai, não! — interrompo, elevando a minha voz. — Você vai colocar esse bando
de jovens para fora da minha casa. Agora, carajo!
— Isso pode...
— Eu vou atrás da menina.
Mi hermano exala. É claro que não está contente com a alternativa, mas sabe que se me
deixar lidar com seus amigos as consequências serão muito piores. Sobretudo para aquele infeliz
que estava se esfregando na japonesa. Tenho o respaldo da tequila para justificar a minha ira.
— Tente não ser um idiota.
— Não posso prometer — digo, saindo do quarto.
Percorro o corredor com pressa, comportamento que também se reflete na forma como
salto os degraus da escada, enfurecido com a preocupação queimando no meu peito. Um
sentimento descabido que não deveria existir e só me deixa mais irritado com Romana por
provocá-lo.
Sequer sei qual a mierda do problema da garota com tempestades, então por que sinto
tanta urgência em encontrá-la?
Percorro as ruas do bairro, descontrolado e com os olhos atentos a qualquer mínimo
movimento na vizinhança pacata a essa hora da noite. Depois de perder alguns minutos,
vasculhando o palacete, cheguei à conclusão de que Romana ficou atordoada o suficiente para se
sentir capaz de enfrentar seu medo de tempestades e caminhar sozinha de volta para casa.
Niña inconsecuente!
A chuva apenas aumentou desde que eu saí, dificultando a visibilidade mesmo com o
limpador de para-brisa ligado em uma boa velocidade. O que fez cada segundo em que passei
buscando qualquer rastro de uma garota de cabelos pretos pela rua ser angustiante.
Dios, sequer sei a cor da roupa dela! A última vez que a vi ela estava usando aquele
maldito biquíni. Duvido, no entanto, que Romana tenha trazido um casaco ou um guarda-chuva
para a festa na piscina.
Minutos depois, tenho a certeza de que estou certo ao avistar a forma pequena dela se
movendo pela rua. O corpo curvado para frente, a cabeça abaixada e os braços envolvendo o
tórax. Está tremendo tanto que consigo ver mesmo de dentro do automóvel, e não penso em nada
antes de reagir, jogando o carro para a lateral da via e o estacionando de qualquer jeito antes de
abrir a porta e batê-la com força.
— ROMANA! — vocifero em meio aos trovões.
Não sei se a menina não houve ou se decide me ignorar. Tratando-se da japonesa, eu
esperaria facilmente a segunda opção.
De qualquer forma, caminho na direção dela, sentindo a chuva me encharcar um pouco
mais a cada segundo que fico exposto ao mau tempo. Meus sapatos caros de couro italiano fazem
um barulho estranho a cada vez que dou um passo por estarem cheio de água. Depois dessa
noite, certamente estão perdidos.
— ROMANA, PARE DE ANDAR!
Dessa vez, ela parece escutar. Depois de sobressaltar com a minha presença e o grunhido
que lancei sobre ela, a garota gira sobre os próprios tornozelos e fica frente a frente comigo. Há
uma boa distância nos separando, diria que quatro ou cinco metros, mas meus olhos a percorrem
como se estivesse a exíguos passos de mim.
— Por que veio atrás de mim? — exige saber, ainda abraçando o corpo miúdo como se
água caindo dos céus pudesse causar um dano muito mais severo do que simplesmente deixá-la
molhada.
— Santino me pediu.
Se esse fosse o único motivo, eu não estaria realmente aqui. Pelo menos, não nesse
estado. Não teria sentido toda aquela urgência em encontrá-la ou teria dirigido como um
maníaco, castigando o couro do volante e a marcha do meu Cadillac em pura exasperação por
não conseguir encontrar Romana em canto algum.
É mais do que isso.
E ela sabe.
— O que estamos fazendo, Tommaso?
Suspiro, desconfortável.
— Eu não sei.
Começo a me aproximar, passo a passo para mais perto. Seus olhos vão para o meu torso,
coberto pela camisa branca do smoking, conforme me movo. O tecido está completamente
encharcado a essa altura, deixando cada músculo do meu peito e abdômen exposto para inspeção
perigosa de Romana.
Não consigo me policiar e deixar de fazer o mesmo. Perco a batalha sem lutar, admirado
como o vestido azul se molda as curvas tentadoras do seu corpo, marcando os quadris largos e
ressaltando a cintura estreita. Os mamilos escuros e duros, exibidos em pequenos pontos através
do biquíni e do vestido, colado a ela como uma segunda pele.
Uma vez que noto isso, é impossível pensar em qualquer coisa além dos seus seios
molhados, arrepiados agora como sua carne fria ficaria contra a minha língua quente se eu a
provasse com a boca. Previsivelmente, meu pau começa a inchar. E minha ereção só endurece
mais diante do sorriso repentino de Romana.
— Você não sabe o que fazer comigo, não é? — ela deixa a pergunta pairar entre nós, e
eu não a corrijo porque... Mierda, diferente de tudo na minha vida, eu não sei mesmo. Não sei
como lidar com essa menina-mulher que vira o meu mundo de cabeça para baixo.
Seus olhos descem para os meus quadris, e eu sei que a calça social não está fazendo um
bom trabalho em esconder os pensamentos indecorosos perpassando pela minha mente. Por isso,
atraio sua atenção com a minha voz:
— Existe algo em você... — observo, praticamente bramindo as palavras. Afinal, sentir
qualquer coisa por Romana me aborrece profundamente. — Quando você fica com raiva, me tem
à sua mercê. Mas quando está sorrindo, menina...
Seus cabelos longos estão ainda mais escuros por estarem úmidos, destacando a pele
pálida e o rubor sobressaindo em suas bochechas e lábios. Romana tem um rosto delicado, com
maçãs finas e os olhos expressivos repuxados, o tipo de rosto perfeito ao ponto de preencher
diversas revistas famosas ao redor do mundo.
Nesse momento, porém, embora todas essas características estejam ressaltadas pela chuva
e por esse maldito sorriso perfeito, não consigo desviar meus olhos de sua boca. Os lábios
exuberantes, rosados e de aparência macia são facilmente a coisa mais sexy para qual eu já olhei
e eu preciso desesperadamente senti-los.
Na minha boca.
Na minha pele.
No meu pau.
— O que você sente? — pergunta, e é apenas um sussurro.
— Sinto que destruiria o mundo só para te fazer minha. — Com a minha voz
enrouquecida e a respiração mal controlada, as palavras soam como uma ameaça obscura. E por
mais absurda que ela soe, não é um exagero.
Chego perto o bastante para pairar sobre Romana, obrigando a menina a erguer o queixo
para me encarar com seus olhos mais escuros a cada segundo.
Estamos parados sob um poste de luz que lança um brilho amarelo pálido sobre nossas
cabeças, criando um aspecto quase mágico nas gotas de água que deslizam pela pele do rosto e
colo dela. E, por mais forte que seja a atmosfera entre nós, esse momento deveria terminar agora,
aqui, mesmo com a onda e desejo e satisfação varrendo o meu corpo e transformando o meu pau
em pedra.
Mas eu sei reconhecer uma mulher necessitada, o tesão emanado de cada poro, o desejo
explícito na expressão. Está aqui na forma como ela arfa e em como esfrega as coxas juntas,
deixando um pequeno ruído ecoar de sua garganta, mesmo que eu não esteja fazendo nada além
de tocá-la com os olhos, percorrendo cada mínima parte dela somente com a minha atenção.
— Esse é um caminho perigoso, Romana. Um erro.
— Não vai mudar o que eu sinto por você.
Eu me inclino sobre ela, e Romana assiste o gesto com uma fome palpável. Meus
movimentos são opressivos, ferozes, mas ela permanece no lugar, deixando-me ler em nota de
tremor, em cada respiração e suspiro como ela me quer.
— Tesão? — sugiro, infame.
Passo a mão de seu ombro até o quadril, sentindo a curva do seu seio e, em seguida, a da
cintura. Romana fecha os olhos, demorando a responder e mentindo descaradamente quando o
faz:
— Ódio! É isso que eu sinto por você, Tommaso.
— ¿Realmente me odias? — refuto a veracidade das palavras que a japonesa gosta tanto
de atirar contra mim. — Ou será que você odeia o que eu te faço sentir?
Romana entreabre os lábios e eu não permito que ela responda. Desço minhas mãos até as
suas coxas e a trago para mim, cravando meus dedos na carne cheia de sua bunda ao suspendê-la
no meu colo. Romana sente a minha ereção pressionada contra o meio de suas pernas e geme,
agarrando a minha camisa molhada e me puxando para mais perto.
Coñazo, no me jodas![LB29]
Seu cheiro me intoxicou desde que fui obrigado a buscá-la na delegacia daquela vez,
registrando-se na minha memória, mas agora... Santo cielo, ela cheira como o paraíso! A pele
molhada da piscina, da chuva e da excitação que sente por mim. O aroma delicado que todo
homem anseia e que eu não posso esperar nem mesmo mais um segundo para fazer meu.
— Se quiser me impedir, essa é a hora.
— É melhor me beijar, antes que eu te faça pedir por favor para conseguir isso também.
Romana sobe uma mão para o meu maxilar e arranha as minhas costas com a outra,
concedendo-me acesso ao seu corpo.
Mergulho nela como um homem possuído, finalmente sentindo o sabor e a textura dos
seus lábios macios ao promover o encontro faminto de nossas bocas. Podemos ser incompatíveis
em vários aspectos, mas nossos corpos, nossos lábios, se encaixam com perfeição.
Domino sua boca com o desejo que sinto de fazer o mesmo com seu corpo, sentindo-a me
agarrar e me arranhar os braços e as costas com uma selvageria que eu sempre soube existir
dentro dela.
Nada podría ser mejor!
Beijar Romana Takayama pela primeira vez foi como atravessar as nuvens, sem medo de
cair e tocar as estrelas. Se esse era o fascínio que ela tinha com os astros, agora eu finalmente a
entendi. É bom o bastante para desejar sentir isso a todo momento. Para sempre, talvez.
Não há nada além dela agora. Nenhum sentimento no meu corpo além do que essa
menina provoca. Nenhuma sensação no mundo exceto suas reações ao meu toque, o meu beijo e
o peso da minha mão.
— Ai, caramba! Isso… — geme, afastando-se para respirar.
Romana tem os olhos repuxados arregalados, as pupilas dilatadas, e eu noto além desse
gesto, como seu pulso salta em sua garganta, denunciando as batidas desritmadas do seu coração.
Ela está descontrolada, o peito arfando e o corpo trêmulo. Em carne viva, insaciável. Assim
como eu.
— Eu disse que seria um erro.
Romana engole em seco, tentando lutar contra o que está sentindo. Como se não estivesse
claro que não é o meu corpo que está tendo uma resposta sem precedentes por esse beijo, por ela,
mas mi japonesa está igualmente afetada por mim.
— Foi só um beijo, podemos fingir que não aconteceu.
— Carajo, não finja que consegue fazer isso!
— Por que a dúvida? Por que eu sou mais nova?
— Nunca te senti tão mulher como nos segundos em que estava nos meus braços, então
não, Romana — contradigo o argumento, ainda recuperando o fôlego. A tempestade caindo
sobre nós é um mero detalhe agora, até mesmo os trovões altos ressoando no céu ecoam em
segundo plano depois do beijo. — Não é por isso.
Sou perscrutado por ela com curiosidade.
— Por que, então? — exige saber.
— Se você nunca viu o paraíso, não sabe o que está perdendo — explico, trazendo meus
lábios para perto dos dela novamente. ¿Cómo voy a vivir lejos de ellos a partir de esta noche? —
Mas nós vemos agora. Nós dois.
— Tommaso...
Poderia ser apenas um chamado. Mas soa como um gemido, e nesse tom rendido e doce
dela, acaba comigo.
— Entenda, corazón, você só não foi de ninguém antes porque eu não havia te tomado
para mim. Mas isso muda agora. — Pressiono nossos corpos e sinto sua a boceta esfregar mais
forte contra mim. Sem receio ou vergonha, Romana dá ao corpo dela o que ele deseja, e rebola
os quadris de forma ansiosa. — Eu sou o único homem que você pode chamar, pensar e até
mesmo sonhar. O único que tem permissão de admirar o seu sorriso, escutar seus gemidos e
provar do seu beijo. A partir dessa noite... Você é minha, pequenã estrella.
Mi pequenã estrella.
Es eso lo que la niña es.
Eu a beijo novamente.
Meus dedos cavam em sua bunda para mantê-la aberta para o meu assalto quando eu a
penetro com a língua, comendo a menina como o homem faminto que sou. Sinto Romana se
render ao beijo, afastando os lábios carnudos e melados para me corresponder com o mesmo
ímpeto, agitada em meus braços.
Irracional, afundo os dedos em seu couro cabeludo e puxo os fios, querendo de alguma
forma trazê-la mais perto, mas nada parece ser suficiente para aplacar a minha cobiça por ela. A
cada ofego, cada gemido e cada sinal de rendição do seu corpo, derretendo contra o meu, eu me
sinto mais transtornado.
Tudo ao redor desaparece, exceto ela. Seu cheiro, o sabor do seu beijo, a sensação de suas
coxas apertando ao redor dos meus quadris e da boceta carente moendo no meu pau a cada
rebolada indecente que quase me fez mandar a razão a merda e foder Romana no meio da rua,
sobre a porra do meu Cadillac enquanto a chuva lava nossos corpos da transgressão.
— Ninguém cuidou de você corretamente antes. — Deixo seus fios grossos escaparem
dos meus dedos para apoiar sua cintura fina e avançar mais com minha outra mão. Sinto a curva
da bunda e da coxa, subindo minha palma áspera por dentro do tecido, difícil de ceder por estar
molhado, em direção à calcinha do biquíni dela. Está não está úmida pela chuva, mas pesada pela
excitação dela. E eu não demoro a encontrar o clitóris inchado, quente de necessidade. — Mas
não vou mentir, pequeña estrella, me deixa duro para caralho saber que serei o primeiro homem a
ter você.
Romana geme alto contra a minha boca, estremecendo pelo trovão alto ecoando pelo céu
e pelos meus dedos longos, esfregando seu ponto mais necessitado de atenção. Seu beijo se torna
mais ávido, quase punitivo, como se a menina quisesse me castigar pela forma descontrolada
com que o prazer que eu desperto nela a faz reagir.
— Não se iluda, eu já estive com outros.
— Garotos... — desprezo, enrouquecido, louco com a sensação molhada do seu prazer
nos meus dedos. — E eu posso ser melhor do que qualquer um deles.
Ela volta a sorrir.
Acelerando a minha queda.
A minha ruína.
Mais alguns segundos e Romana irá molhar a minha mão, deixando seu prazer escorrer
até o meu pulso grosso, sem que eu precise penetrá-la. Sei como está ansiosa por mais pela
forma como tenta levar meus dedos para o seu interior através do remexer ansioso dos seus
quadris, mas a primeira coisa que ela irá tomar essa noite será o meu pau, polegada por polegada.
— Por que é mais velho?
— Porque sou espanhol, cariño — respondo com orgulho, soando severo pelo tesão
inflamando as minhas veias. — Depois de foder comigo, nenhum outro será bom o bastante.
Um rubor se espalha por suas bochechas e ela desliza os dedos pelo meu maxilar,
mantendo seu rosto inclinado para o meu. Aproveito a ação para me inclinar apenas o suficiente
para que nossos narizes se toquem, ouvindo o mais próximo possível cada gemido e grito
ofegante que escapa da garganta dela e se perde ao nosso redor nessa noite tempestuosa.
Em algum momento da vida, todos já escutamos uma melodia que soou familiar mesmo
que fosse a primeira vez que estivesse sendo ouvida. É exatamente isso que sinto nesse momento
ao ouvir a sinfonia perfeita que Romana ressoa ao encontrar seu clímax na minha mão. Gozando
com meus dedos esfregando seu clitóris sem delicadeza, como a minha boa garota que aprecia a
dose certa de violência para encontrar o prazer.
— Isso significa que haverá mais esta noite? — interpela, buscando mais um beijo que eu
não hesito em dar a ela.
— Acha que consigo te deixar ir? Não vai escapar dos meus braços até que a sua boceta
se molde ao formato do meu pau — prometo a ela. — Você nunca gozou gostoso como vai gozar
essa noite para mim.
Romana volta a sorrir.
— Então me leva para outro lugar, Tommaso.
Meu nome soando dos seus lábios nesse tom entregue...
Puta madre, é demais!
Não importa que eu a veja desde sempre há anos, não importa como ela se veste ou a
personalidade que decide assumir para mim, respondona e afrontosa ou inesperadamente doce e
madura. A grande verdade é que todas as vezes em que meus olhos caem sobre Romana, a
japonesa acaba comigo de mil outras formas.
Agora não é diferente, é apenas mais intenso. Porque depois dessa noite, nada será como
antes.
Eu não irei apenas tomá-la.
Irei marcar como minha para sempre.
Às vezes, quando queremos algo com tanta força, a mentira ajuda a entorpecer o
incômodo do quão errado um desejo pode ser. Por isso, nesse momento, eu escolhi acreditar que
Tommaso e eu somos pessoas totalmente diferentes.
Ele não é mais o rei da cidade.
Eu não sou a melhor amiga do seu irmão.
Não há mais um abismo de quase vinte anos entre nós.
Não, na verdade, a única coisa entre nós nesse momento são poucos centímetros.
Extinguindo-se pouco a pouco a cada passo ostensivo que Tommaso toma para perto de mim,
após fechar a porta com um baque seco.
Céus, sequer sei onde estamos!
— Para onde você me trouxe? — interpelo, sem fôlego.
O mais inteligente seria avaliar o ambiente, coberto pelas luzes parcas dos abajures e a
iluminação que entra pelas janelas abertas, que não é muito generosa, dado o mau tempo.
Acontece que não consigo ser inabalável diante da figura sensual de Tommaso, parecendo maior
e mais feroz a cada segundo.
É impossível afastar os olhos dele.
Escuros. Tempestuosos. Perigosos.
O juiz não é um homem de poder, ele é o poder.
E, nesse momento, o foco de sua determinação sou eu.
— Uma das minhas propriedades na cidade — responde de forma evasiva, o tom rouco e
hostil em sua voz enviando arrepios pelo meu corpo. — O lugar perfeito para nós essa noite.
O palacete e a minha casa não poderiam ser considerados como opções viáveis, ainda que
eu tenha quase certeza de que, se tivesse tido êxito na minha missão de voltar caminhando,
estaria sozinha, encolhida na cama por culpa dos trovões.
— Então esse é o lugar para onde você costuma levar as suas conquistas? — exponho o
óbvio, tendo o feitiço quebrado por suas últimas palavras e conseguindo examinar o cômodo em
que estamos.
Poderia descrever o espaço como uma sala com poucos móveis, uma vez que há apenas
um grande sofá no centro e uma mesa de centro. A decoração seria simplória com dois abajures
de chão e um tapete de aparência felpuda se não fosse pelos quadros nas paredes. Por um
momento, quis acender mais algumas luzes para conseguir olhar melhor para as telas.
Esta parece ser uma coisa que Tommaso e eu temos em comum.
Ambos somos encantados por arte.
— Não — nega, resoluto. A pequena palavra atravessando todo o ambiente com uma
intensidade tão aterradora quanto a tempestade ainda caindo do lado de fora. — É o lugar onde
eu venho quando preciso ficar sozinho.
Trago minha atenção para ele, surpresa com a resposta, e encontro Tommaso percorrendo
os meus pés descalços com o olhar. Sua inspeção se entende pelas minhas coxas grossas até o
limite onde o tecido encharcado do meu vestido se agarra a elas, como se mesmo com ele e o
biquíni, o juiz fosse totalmente capaz de me imaginar nua, molhada e a sua mercê.
— Então onde costuma levar os seus casos? — Fico interessada em saber.
— Quartos de hotéis servem bem ao propósito.
Arqueio uma sobrancelha.
Comportamento que ele considera atrevido.
— E por que não estamos em um?
Tommaso respira profundamente, as narinas se dilatando pela exasperação que parece
sentir ao ser obrigado a encarar o questionamento direto que fiz.
— Eu disse que não gosto de dividir os gemidos de uma mulher, em especial os seus. —
Ocupando minha mente com essas palavras traiçoeiras, ele é capaz de se aproximar de mim. Sem
perder a chance de estender a mão e envolver um braço ao redor da minha cintura, puxando-me
com força contra seu corpo. — E, aqui, vou poder fazer você gritar o quanto eu quiser.
Sinto os músculos rígidos como pedra do seu torso provocarem meus mamilos túmidos e
sensíveis. O gemido, porém, escapa pelos meus lábios ao ter a ereção pressionada contra o meu
estômago com agressividade. Rude, Tommaso me faz sentir cada centímetro do seu pau através
de nossas roupas molhadas. Peças que não surtem o mínimo efeito em diminuir a temperatura
dos nossos corpos aquecidos de desejo.
— Tire o vestido, Romana — ordena, severo nas palavras e no modo com que impõe seu
domínio sobre mim. — Quero você nua para mim.
O comando é impiedoso e imponente como o homem que o profere. Apesar disso, sou
analisada com curiosidade e incerteza pelo juiz, que não sabe se obedecerei ou não ao seu desejo.
Perceber isso faz um sentimento vaidoso se aflorar no meu âmago por saber que sou a
única a possuir esse poder sobre Tommaso e que, de um jeito ou de outro, sempre consigo
surpreendê-lo.
Tento recuar alguns passos, sem sucesso.
— Se quer que eu tire minhas roupas, vai ter que me dar algum espaço — menciono,
atrevida, levando minhas mãos às costas para puxar o pequeno zíper do vestido. O tecido se
afrouxa nos meus ombros, deslizando para baixo e expondo o topo dos meus seios ao juiz. —
Como vou conseguir tirar o vestido e o biquíni nos seus braços?
A maneira como ele me fita agora me deixa com as pernas bambas, tudo por causa da
ferocidade implacável que acompanha seu olhar, cheio de promessas para essa noite. Sobretudo
quando os lábios de Tommaso se contraem de forma perigosa, diria que até insatisfeita, como se
o mero pensamento de me afastar agora o incomodasse.
— Tommaso...
— Decidi que não sou tão paciente, cariño.
Movendo as mãos da minha cintura para o decote do vestido, mal tenho tempo de
assimilar suas intenções antes que seus dedos se firmem contra o tecido e o juiz rasgue a peça até
a minha cintura com um único movimento brusco. A ação violenta me faz sobressaltar no lugar,
engasgando com uma respiração e arregalando os olhos.
Tommaso rasga o restante até a barra e arranca os trapos do meu corpo em segundos.
Meu biquíni tem o mesmo destino e, antes que eu possa dizer algo, sou erguida em seus braços
fortes. Suas mãos firmes e ásperas, apertando a carne da minha bunda, seriam um bom incentivo
para esquecer o que acabou de acontecer, se o ato de selvageria não tivesse me excitado tanto.
— Eu gostava desse vestido, sabia? — ofego, envolvendo seu pescoço com os braços e
trazendo Tommaso para mais perto. Melada de vontade para sentir mais dele e até onde sou
capaz de levá-lo para que possa explodir.
O juiz profere algo em espanhol.
Bravo, soa como um xingamento.
— Compro uma loja inteira para você amanhã.
Meu cabelo é puxado em um agarre que me faz choramingar em arrepios e prazer. Ainda
arfante, sentindo meus seios subirem e descerem com força, tenho a boca dominada por seu beijo
exigente e suas mordidas, sofrendo o mais delicioso castigo que já provei.
Seus lábios são quentes e meus gemidos são abafados por eles, enquanto as mãos do juiz
deslizam avidamente por toda a minha pele. Tommaso intensifica as carícias, esfregando meu
corpo no seu e me fazendo sentir a forma dura do seu pau, coberto pela calça social, entre os
lábios abertos da minha boceta, até que eu precise agarrar sua camisa com mais força para não
perder o equilíbrio.
Uma sensação de calor surge na minha barriga, irradiando pelos meus músculos à medida
que o tesão aumenta. É como se estivesse à beira de me desintegrar, derreter em pura
intensidade, até restar apenas um coração acelerado e membros se contorcendo de desejo.
— Sabrosa... — geme, enrouquecido no tom e com o sotaque espanhol encorpado. —
Puta madre, como você pode ser ainda melhor do que eu imaginava?
De forma impaciente, Tommaso dobra os joelhos e eu mal ouço o barulho do seu corpo
se chocando contra o chão, até que, grosseiramente, ele me empurra contra o tapete felpudo.
Gemo pela surpresa, mas não tenho escolha a não ser me entregar, ardente e cheia de vontade, no
momento que ele volta para perto de mim.
Ansiosa, passo minha mão por debaixo de sua camisa e sinto os músculos poderosos de
suas costas e de seus braços. Ele acomoda os quadris entre as minhas pernas, e eu tremo ao sentir
sua língua decidida me penetrar a boca com o ímpeto que eu suspeito que ele teria ao me devorar
a boceta, castigando-me com seus lábios experientes.
Ergo os dedos para sentir mais dele, experimentando os bíceps imensos e os ombros
malhados. O pescoço tenso, rígido ao toque e a textura áspera da barba que começa em sua
garganta.
— Você está muito vestido... — reclamo, odiando a maneira como minha voz parece
fraca. Mas há algo diferente agora, algo mais selvagem e desesperado queimando dentro de mim,
e eu quero mais. Disso, dele, dessa sensação que produzimos juntos.
Uma risada escapa de Tommaso.
Seca, safada e totalmente viciante.
— E se eu quiser te foder assim? — propõe, infame, fazendo com que eu sinta sua ereção
raspar contra a minha cintura. — Ainda vestido, ainda de smoking. Tratando você como se fosse
a minha puta particular.
Ele agarra um seio, aperta e toma o mamilo em sua boca antes que eu retruque. O ar
escapa dos meus pulmões e minhas pálpebras se fecham, sem controle sobre o meu próprio
corpo, com meus quadris se arqueando para cima, buscando e desejando um contato mais íntimo.
É provável que eu me sentisse ofendida se a situação fosse outra, mas não posso negar como suas
palavras sujas me afetam.
— Eu não me importo... — respondo, lutando contra meu próprio cérebro enevoado. A
única coisa que consigo pensar é em como preciso que ele cumpra suas malditas promessas
agora e me foda como garoto nenhum conseguiria. — Desde que você termine o que começou.
— O que te faz pensar que eu não vou?
Abro os olhos, encontrando os dele tão próximos que se a iluminação da sala estivesse
mais forte, eu poderia ver meu reflexo em suas pupilas dilatadas, cobrindo quase toda a extensão
de suas profundas íris esverdeadas.
— Você pode ter se cansado somente com as preliminares — respondo, ácida e
totalmente ciente de que estou jogando a paciência de Tommaso e a mim mesma aos leões. Ou
melhor, a fera entre as minhas pernas.
O juiz grunhe, refém do seu temperamento intempestivo.
— Uma menina tão safada e respondona... — contempla aos rosnados, trazendo uma mão
ao meu pescoço. Os dedos longos e pesados apertando as laterais até que eu precise me esforçar
para respirar. — Vai conseguir ser tão espertinha com meu pau enterrado até as bolas dentro de
você? Ou com minha mão segurando esse seu pescoço bonito assim?
Ele me ergue um pouco mais pelo pescoço, até ser capaz de morder a minha boca e eu
estremeço por completo, sentindo o calor de sua língua quando retoma nosso beijo. Com meu
fôlego roubado por ele, eu tenho a boca e o pescoço beijados, e seus lábios e dentes não param,
marcando a minha clavícula e descendo pelo caminho entre os meus seios como se eu fosse dele.
Sua propriedade.
O desejo entre as minhas pernas aumenta, e eu posso sentir o quanto estou encharcada, o
quanto eu me sinto vazia, querendo muito de sua boca em mim, mas também os seus dedos e o
seu pau.
— Na cama, você vai gostar de me obedecer, menina — promete para mim, castigando o
meu mamilo e o circulando com a ponta da língua em seguida, disparando choques pela minha
espinha. — Porque apenas boas garotas são recompensadas.
Choramingo, sem vergonha, quando Tommaso se afasta, liberando meu pescoço. Ele se
ergue, assumindo uma posição arrogante, sentado sobre os próprios calcanhares e com as pernas
separadas. Ainda está no meio das minhas pernas abertas, mas sem me tocar. Provando seu ponto
de que me castigar pela minha língua afiada não será um problema para ele.
Abro os lábios para argumentar, mas perco o rumo da fala assim que ele começa a
desabotoar a parte de cima do seu smoking, arrancando o tecido encharcado do corpo e jogando-
o para longe.
Deixo meus olhos caírem para baixo, para o peito musculoso e com pelos ásperos, de um
tom de loiro mais escuro do que o de seus cabelos. Os braços largos e grossos agora estão
expostos em toda a sua força, tal como a mão firme, responsável por me espancar a bunda no
meio do tribunal até que eu molhasse seus dedos com meu prazer e por segurar a minha garganta
há pouco como se fosse uma maldita coleira.
Velho gostoso!
Tommaso não para na camisa e, ao primeiro vislumbre da boxer preta, um gemido baixo
arranha pela minha garganta. Há pelos curtos próximos ao cós, um caminho perigoso que
termina no interior do tecido esticado com sua ereção grossa.
Cubro o volume que seu pau faz no tecido com minha mão, subindo e descendo pela
extensão, provocando um longo e intenso gemido em Tommaso. Também gemo, mais discreta e
muito excitada, por assistir uma reação tão crua vinda dele em resposta ao meu toque.
Mesmo com o tecido, sou capaz de sentir a largura da parte mais maciça do seu pau com
a ponta dos dedos. Trepidando de desejo ao perceber que da cabeça ao fim, Tommaso é todo
dessa forma, grosso a ponto de me fazer duvidar se serei capaz de envolvê-lo com apenas uma
das mãos ou tomá-lo na boca.
— Romana... — grunhe, rouco demais.
— O quê? Você não gosta?
O juiz umedece os lábios.
Devagar. Perigoso.
— O problema é o extremo oposto disso, querida.
Seu corpo recua para longe do meu toque e Tommaso não perde tempo em retirar a calça
social e a boxer, ficando de pé. Ele assume o controle das carícias que eu fazia no seu pau, sem
esconder como gosta da imagem do meu corpo visto de cima, vagueando seus olhos famintos e
escuros dos meus seios pontudos aos lábios expostos e molhados da minha boceta.
Com maestria, o juiz sobe e desce a própria mão pela extensão longa e grossa do seu pau
algumas vezes. É a visão mais quente que já tive de alguém! Ver seus dedos longos apertando a
extensão grossa e quente do seu pênis da base a cabeça polpuda e avermelhada, escorrendo pré-
gozo, para em seguida raspar nos pelos grossos, que sobem da base alargada em direção ao
abdômen definido.
Uma tensão forte se estabelece em seu maxilar, tornando sua respiração pesada e os olhos
semicerrados quando eu não resisto e deslizo minha mão pela minha barriga, sentindo a pele
suada e arrepiada até encontrar meu clitóris, macio e inchado. Ele grunhe em espanhol e eu me
derreto um pouco mais com a sensualidade disso.
— É assim que você faz quando está sozinha? — exigiu saber, alucinado com o
movimento que meus dedos fazem. Grunhindo alto, como um animal, com a simples ameaça de
uma invasão ao me observar circular a minha entrada com o dedo indicador e médio.
Faço um aceno curto, sentindo-me igualmente afetada por presenciar o juiz se tocar tão
perto de mim. Imagens depravadas ganhando a minha mente ao imaginá-lo fazendo o mesmo,
sentado em seu imponente trono no tribunal e pensando em mim.
— Pensando em mim? — ousou sugerir.
— Quase sempre.
Tommaso não gosta da resposta.
E, claro, isso me faz abrir um sorriso.
— Em quem mais?
— Às vezes, eu não penso em você, apenas no seu pau — respondo suavemente,
estabelecendo a pressão certa com círculos pequenos e fortes no meu ponto necessitado. — Tem
sido assim desde aquele maldito encontro na piscina. Pensa nisso também?
Sendo sincera, não foi aí que meus pensamentos safados envolvendo o juiz começaram,
mas Tommaso não precisa saber disso.
— Todo maldito tempo. — A respiração dele se torna intensa, quase sôfrega, com a
resposta.
Tommaso perde o controle ao voltar para o tapete e me puxar pelos tornozelos para perto,
girando meu corpo pelas pernas e me deixando de barriga para baixo como se não passasse de
uma boneca. Sem fôlego, o sinto espalhar a mão pelo meu couro cabeludo em um aperto severo
que dita o tom de como as coisas serão entre nós e deixa claro que estamos apenas começando.
— Independente de como vamos lidar com a situação quando amanhecer — alerta,
enrouquecido. Sua respiração quente no meu ouvido. — Essa noite será longa, pequeña estrella,
e eu pretendo passar cada segundo dela dentro de você.
O toque decidido se fez presente com suas mãos deslizando pelo interior das minhas
coxas e sobre a minha bunda, aumentando a minha antecipação.
Tommaso agarra a minha cintura, pressionando os dedos na minha pele enquanto me
conduz até que eu me apoie nos joelhos, assumindo a posição que ele deseja. A cada afundar dos
seus dentes nas minhas costas e nuca, eu me esfrego, irrequieta. Precisando pressionar contra o
seu pau para senti-lo forçar entre as minhas coxas.
Sinto minha umidade, perceptível ao toque de seus dedos enquanto ele os move pelo meu
corpo. Para além disso, meu coração bate forte, dominando qualquer outra sensação além do
calor da sua pele, o roçar de sua boca e a ponta dos fios grossos do seu cabelo resvalando nas
minhas costas.
Viro o rosto para trás para encontrar sua expressão e, de imediato, sinto o ardor se
espalhar pela carne da minha bunda ao ser atingida por outra das palmadas rigorosas do juiz.
— Tommaso... — Gemo alto, sensível demais.
— Você é tudo, menos uma boa garota. — Sua mandíbula está apertada, seus olhos estão
escuros, e sua mão pesada na minha pele enquanto continua a acariciar a minha bunda com
possessividade. — Exceto nesses momentos. Entre quatro paredes, você é a minha doce vadia
obediente. Faz o que eu mando, geme quando eu deixo e goza apenas quando eu permito,
entendeu?
Meu corpo inteiro vacila com o Diabo puxando o meu rosto com força para trás e me
beija esfomeado, mordiscando e mantendo o meu lábio entre os dentes.
A firmeza dos músculos de suas pernas e a pressão da ponta do seu membro enquanto ele
se posiciona é deliciosa. Sinto também sua boca em meu ombro ao abandonar a minha, descendo
pelas costas e arranhando as costelas, fazendo meu corpo tremer em todos os lugares que ele
beija, lambe ou morde.
— Perguntei se entendeu, hermosa.
Tommaso esfrega a cabeça do pau na minha entrada molhada, cavando os dedos nos
meus quadris quando eu angulo meu corpo, empinando mais a bunda em um pedido silencioso. E
quando ele sussurra no meu ouvido, dizendo como eu fico incrível nessa posição e o quanto ele
me deseja, eu empurro o ato de submissão que ele está ansioso para ter:
— S-Sim... — murmuro, com esforço.
Entreabro os lábios, lutando para respirar ao sentir a cabeça robusta do seu pau empurrar
para dentro de mim em um movimento vigorosamente lento. Ele é tão grande, tão duro, tão
quente. Rebolo em seus braços, entre choramingos e gemidos, incapaz de ficar parada ao sentir
centímetro por centímetro do seu pau grosso me abrir. Tommaso crava os dentes no meu ombro
e me abre o bumbum com as mãos, facilitando seu acesso e deixando meus joelhos trêmulos a
ponto de cederem até que minha bunda está pressionada contra a sua virilha.
— Ah! — O som parece arrancado da minha garganta.
Assim que se afunda por completo, Tommaso empurra o meu rosto, fazendo com que me
torne um pequeno emaranhado de desejo e insanidade, tentando me agarrar a algo para tentar não
sucumbir tão depressa.
— Pronta, cariño? — sinto o sussurro quente no meu ouvido, concentrada em sua voz
rouca e na sensação do tapete acariciando meus seios.
— Sim, sim, sim...
Agora, a confirmação soa como um coro.
Quase uma prece.
Um canto de rendição e prazer.
Tommaso começa a se mover, estocadas curtas que me empurram cada vez mais para
frente no tapete, levando-me para o ponto em que tudo dentro de mim ameaça se despedaçar. A
cada gemido meu, eu o sinto engrossar, sendo obrigada a cravar minhas unhas curtas no tapete
por não saber lidar com a plenitude de estar totalmente preenchida por ele.
— Abre más las piernas — ele geme o comando, espalmando a minha coxa. — Muy
bien, amor. Apoie-se nos cotovelos e empine mais essa bunda para mim.
Obedeço de imediato, soltando um grito com a profundidade da posição. Eu me sinto tão
bem e preciso tanto disso, que não me importo que o juiz use meu corpo do jeito que quiser para
sentir prazer, mordendo as minhas costas ou batendo na minha bunda, como faz agora.
Ofego no primeiro tapa.
Gemo no segundo.
Praticamente imploro por um terceiro.
— Você acha que vai gritar quando gozar dessa vez? — provoca, decidindo soltar os
meus fios e agarrar novamente a minha garganta, cortando parte do meu oxigênio e
intensificando o prazer queimando de forma líquida em minhas veias. — Quero que grite o nome
do homem que está fazendo isso com você. Do que você diz odiar, mas que derrete sempre que
está nos braços.
Tommaso rebola dentro de mim, ganhando mais espaço — como se isso fosse realmente
possível — fodendo-me de um jeito que eu não imaginava ser possível. Ele ondula a bunda a
cada vez que entra e mim, fazendo meu prazer crescer, deixando-me mais molhada e suada.
Obrigando-me a sentir o osso de sua pélvis batendo suavemente no meu clitóris a cada estocada e
seu grosso pau, friccionando o meu interior mais molhado e quente a cada segundo.
Céus, eu vou gozar tão forte!
— Mi nombre, pasión.
Cada pedacinho minúsculo do meu corpo está sob o domínio desse homem, e ele estava
certo ao afirmar que seria melhor do que todos os outros com quem eu já estive. Mesmo
detestando-o com todas as forças, uma vozinha me sussurra que depois dessa noite, estarei
arruinada para qualquer outro homem que possa existir depois de Tommaso Falcão-Ruiz.
Porque nenhum será tão experiente.
Ou tão gostoso e espanhol.
— O jeito como você treme por mim faz o meu pau ficar louco por você — ele confessa,
a voz tão rouca que está quase inaudível. — Diga o que você quer, Romana.
— Mais — peço, imploro, sem nem perceber. — Mais fundo, mais forte.
— Acho que é a sua vez de pedir por favor.
Lambo os lábios, ouvindo o som obsceno dos nossos corpos se movendo juntos, sentindo
o cheiro de sexo e o suor impregnando no ar e o ardo se espalhando em minha pele a cada
maldito golpe que me leva para mais próximo do êxtase.
— Por favor... — Soluço, choramingando. — Por favor, não pare...
Com uma mão nas minhas costas me mantendo curvada e uma em meus cabelos,
Tommaso estabelece a posição perfeita para que consiga me foder como deseja. Como um
animal.
— Boa menina! — elogia, aumentando a intensidade das estocadas e tornando impossível
que qualquer som a sair pela minha boca não seja um grito encorpado pelo seu nome. — Sua
boceta está me chupando, você está quase lá. Vai gozar bem gostoso nesse pau. — Tommaso
morde meu lóbulo, e eu tremo em seus braços. — Goza. Ven hacia mí, preciosa.
Meus gemidos sôfregos ecoam nos meus tímpanos enquanto eu me rendo. Escorrego para
frente sem controle, meus braços cedendo e deixando minha bochecha apertada contra o chão
enquanto grito o nome dele ao gozar. Não tenho mais controle dos meus músculos trêmulos ou
da forma como meu canal o aperta, contraindo em espasmos gulosos com o clímax correndo em
ondas deliciosas pelo meu corpo.
Sou mantida no lugar pelas suas mãos firmes de Tommaso, que seguram em meus
quadris enquanto ele encontra sua própria libertação. Sem compaixão, como um homem
alucinado, ele continua a estocar a ponto de me fazer escorrer pelas pernas de tanto tesão, sem
parar de se mover até que a última gota do seu gozo esteja transbordando de dentro de mim.
Nós dois nos tornamos uma bagunça de fluidos e tesão com seu pau ainda entrando na
minha boceta, metendo e gozando, estocando de forma deliciosa a prolongar o meu prazer e me
preencher com uma sensação desconhecida de pertencimento.
Eu me sinto pesada e acabada, tão exausta que mal consigo manter os olhos abertos.
Meus membros foram acordando de sua dormência um a um e, talvez por isso, demorei tanto a
abrir os olhos e notar que Tommaso estava deitado ao meu lado. Sua respiração quente e
acelerada contra o meu pescoço, sua pele úmida de suor e quente como a minha.
Consegui abrir um sorriso ao mesmo tempo que ele se apoiou em um cotovelo e olhou
para mim. Com mais delicadeza do que eu poderia imaginar de Tommaso, principalmente depois
do sexo violento que tivemos, ele ergue uma mão e afasta uma mecha suada do meu cabelo para
longe do rosto; o polegar acariciando lentamente a minha pele no processo.
— Ainda olhando para mim? — provoco baixinho, buscando por fôlego, em um tom que
soa quase como um sussurro entre nós.
Recebo um aceno lento.
Quase... contemplativo.
Então ele diz:
— Sempre olhando para você.
Ele murmura algo mais, algo que soa como mi amarillo, mas sinceramente não tenho
certeza das palavras ou do que elas significam. A única coisa que sei é que, como as anãs
brancas[LB30], que esfriam vagarosamente, sendo necessário centenas de bilhões de anos para
que deixe de ser visível, o desejo que sinto por Tommaso não se apagará tão cedo. Não depois do
que vivemos essa noite.
Felizmente, não consigo pensar muito nisso ou nas consequências da nossa tórrida noite
juntos, mal terminando este pensamento antes de adormecer, caindo em um sono profundo e
cheio de estrelas.
Acordo com o aroma feminino de rosas invadindo os meus sentidos, os fios longos e
negros de Romana fazendo cócegas no meu nariz. Uma das minhas mãos está sobre uma barriga
macia e quente, e uma bunda está pressionada bem em cima do meu pau, completamente duro.
Lembro que ela adormeceu primeiro, exausta do nosso sexo, e eu passei os minutos
seguintes observando os traços delicados da pequeña estrella antes de puxar a manta, disposta
sobre o sofá, para nos cobrir no tapete. Depois de um sono curto, fodemos de novo no sofá e,
então, novamente no chão.
Suspiro, excitado com a lembrança, finalmente abrindo os olhos. A sala continua coberta
pela iluminação parca e, pelas janelas, sou capaz de constatar que o céu continua escuro e
tempestuoso lá fora.
Ainda é madrugada.
Próximo do amanhecer, talvez.
Observo a japonesa.
Através da manta fina, posso ver os músculos flexíveis de suas coxas, a inclinação dos
quadris e a curva delgada da cintura. A bunda feminina faz um movimento para trás, roçando em
mim, e minha mão fica mais firme em sua pele, sentindo-a se arrepiar contra a ponta dos meus
dedos.
— Tommaso... — ela sussurra, dormindo.
Estou nu e até mesmo a sensação da manta contra o meu pau inchado é demais. Como
poderia ser diferente? Como eu poderia abaixar minha ereção com a mulher mais sexy do mundo
se contorcendo bem ao meu lado?
O desejo não enfraqueceu porque eu a tive, muito pelo contrário. Cada memória de
Romana se contorcendo e chamando meu nome, fitando-me como se nunca tivesse sentido tanto
prazer antes de mim, faz com que eu deseje repetir segundo por segundo do que vivemos.
A japonesa se acomoda melhor no tapete, girando-se e se aninhando melhor no meu
peito, com sua perna esquerda dobrada sobre o meu pau e sua palma pequena contra o meu
abdome. Em meio aos meus pensamentos perturbadores, ela me toca a pele próxima do umbigo,
os pelos que estão ali e os músculos trincados da minha barriga.
Posso senti-la quente contra mim, ecoando pequenos gemidos sonolentos que provocam
uma espiral de desejo por todo o meu corpo. Carajo, minhas bolas se encolhem de prazer,
endurecendo o meu pau com a loucura de ter a menina se esfregando em mim.
— Não precisa sonhar comigo — digo a ela, traçando uma linha pelo antebraço fino, que,
em resposta, se arrepia. — Estoy bien aquí.
É o pensamento que faltava para que eu seja um pouco mais egoísta essa noite e decida
que preciso tê-la mais uma vez. Mas antes que eu possa despertá-la com beijos, seus olhos
repuxados, escuros e sonolentos, se abrem para mim. Romana pisca e boceja, entreabrindo seus
lábios em um tom doce de rosa pálido.
Pecaminosamente convidativos.
— Como se sente, mi sueño? — interpelo, enrouquecido. Atento à expressão no rosto
dela e ao mínimo sinal de desconforto, porque sei que sou um homem grande e que três rodadas
podem ter sido o limite da menina. — Está muito dolorida?
Com algumas piscadas, seus olhos ficam mais claros, dando um aspecto mais alerta à sua
expressão. Romana apoia a cabeça na mão, deslizando o corpo um pouco mais perto do meu.
Sinto os seios macios, com mamilos pontudos pelo frio de estarem descobertos contra o meu
tronco e minha mandíbula enrijece.
— Com uma dor gostosa quando aperto as coxas — responde com sinceridade, fechando
os olhos por um segundo ao sorrir.
Ela é inacreditável.
Única, melhor dizendo.
Qualquer outra mulher, teria tentado responder algo sensual e ordinário. A japonesa,
porém... Romana simplesmente fala o que lhe vem à cabeça, sem se preocupar com a minha
opinião ou se considero sexy ou não.
E isso, puta madre, é sensual pra caralho!
— Sem querer te causar um ataque cardíaco ou algo assim, mas... — A menina inclina
um pouco a cabeça, os olhos cintilando de um jeito atrevido por algum motivo desconhecido. —
Você está sorrindo para mim.
Paro um segundo.
Mas... eu realmente estou.
E não é qualquer sorriso, é um sorriso largo.
— Você não sorri muito — observa o óbvio, espreguiçando o corpo gostoso. — Parece
que há sempre uma nuvem negra ao seu redor, puxando seus lábios para baixo. — Seus olhos
caem novamente em mim. — Tem um sorriso bonito, senhor juiz.
Faço um som exasperado, que não possui um pingo de irritação genuína. É apenas uma
resposta a provocação descarada de Romana ao me chamar de senhor juiz. Ela o faz em
momentos pontuais, sendo sempre muito insolente.
— Vai me odiar de novo quando sairmos daqui, não vai? — questiono a queima-roupa.
Falei muito sério ao afirmar que, depois daquele beijo, a garota seria minha, mas sei que ela não
irá facilitar em nada a minha vida. Não seria Romana se o fizesse.
Sou perscrutado com curiosidade.
— Queria que fosse diferente?
— Com ódio ou não, você continua sendo minha.
Romana meneia uma negação.
— Eu sou muito minha para pertencer a qualquer outra pessoa, Tommaso — argumenta,
perspicaz. — Mas eu posso ser sua no quarto, em cima de uma cama. — Solta uma risadinha
descarada. — Ou de um tapete.
— Em todas as superfícies que encontrarmos.
Subo a mão do antebraço dela para sentir um pouco mais dos fios longos do cabelo
sedoso dela. Com a outra, seguro seu maxilar com firmeza, não dando outra escolha a ela a não
ser me olhar. Com os polegares afundados em sua bochecha, admiro suas íris em chamas; o meu
reflexo quente em suas pupilas dilatadas.
A tensão entre nós crepita, alimentando um desejo insano dentro de mim. Algo que
nenhuma mulher foi capaz de despertar ao longo dos meus quase quarenta anos de idade. Das
mais experientes as mais safadas na cama, nenhuma virou meu mundo de cabeça para baixo
como essa menina que mal tem vinte anos.
— O que você está buscando na vida? — pergunto, genuinamente interessado em saber a
resposta da garota.
Romana, no entanto, parece pensar que estou usando disso para agir como da última vez,
em que precisou ouvir as barbaridades que saíram da minha boca quando a busquei na delegacia.
Não posso culpar a garota, embora não tenha o mesmo pensamento sobre ela desde que prestei
um pouco mais de atenção e soube que além de trabalhar em dois empregos, ela estuda no seu
tempo livre com as apostilas de Santino.
— Você já tem uma opinião formada sobre isso.
— Não quer dizer que seja a verdade.
Ouço seu suspiro.
— Não é — diz, baixinho. — Ao contrário do que você pensa, eu não me conformei com
essa vida ou pretendo ter um futuro como o do meu pai. — O tom de Romana assume uma
inflexão mais determinada, uma que eu gosto de ouvir soando dela. Soa como se ela fosse uma
rainha. — Eu tenho um sonho para seguir e, cedo ou tarde, sairei de Bayden Haven para sempre.
Não posso dizer que a resposta me pega de surpresa, afinal não consigo pensar em algum
motivo que possa manter a garota aqui além dos amigos. O pai não merece o seu zelo e, mesmo
que negue, Romana sabe disso.
— E quanto ao seu coração?
Ela tenta se esconder de mim, mas eu não permito, apertando suavemente seu queixo para
que mantenha os olhos em mim.
— O que você acha, Tommaso? — devolve a pergunta.
Não preciso nem mesmo pensar sobre isso.
Escovo meus lábios sobre os dela, sentindo a textura macia de sua boca, que se abre para
mim. Molhada e cheia de vontade. Levo meus dedos a se emaranharem com força em sua nuca e
couro cabeludo, não para refrear o beijo, mas para garantir que Romana não irá se afastar ao
sentir o peso da minha necessidade recair sobre ela.
— Acho que você está em busca de alguém capaz de fazer seu coração parar por um
momento, apenas voltar a bater com uma intensidade renovada — respondo, minha voz soando
estranha de tão rouca. Aprofundo nosso beijo, latejando diante do gemido quente e dos seios
intumescidos alfinetando meu tórax. — Um amor épico, transformador, que abarque tudo o que
você já leu e viu sobre o amor ao longo da vida. Quer viver algo digno de telas de cinema e do
seu livro favorito de romance.
— Tommaso... — geme, me arranhando a pele dos ombros. Gesto que me torna incapaz
de resistir a vontade de deslizar uma mão firme em suas costas e lhe agarrar a carne cheia da
bunda.
— E você está certa em buscar por esse "mais", Romana. Você merece mais. — Faço
uma curta pausa, compungido. — Você merece tudo.
Tenho plena consciência de que não sou o homem certo para cumprir esse papel, mas sei
também que sou um egoísta demais para permitir que qualquer outro o faça. E provo isso ao
puxar para outro beijo intempestivo, calando qualquer voz estúpida que ouse dizer o contrário na
minha cabeça.
— Está me chamando de exigente — sussurra, ofegante quando lhe permito um segundo
para respirar.
— Você apenas sabe o que merece e não aceita menos do que isso — corrijo, orgulhoso
desse traço da personalidade da menina. — Se isso te faz exigente, está certa em ser e eu gosto
disso.
Em um impulso, eu nos coloco de pé e lhe agarro a bunda, sustentando Romana nos
braços enquanto ela enrola as pernas na minha cintura com familiaridade. Aperto cada nádega
entre meus dedos pesados, moendo contra a boceta molhada e escorregando a boca para o
pescoço delicado da garota, sugando a pele sensível ali com o ímpeto de deixar marcas.
Seu corpo se aninha ao meu com perfeição, e ela me agarra com ansiedade, precisando de
um contato mais íntimo tanto quanto eu. Não conseguimos sair da sala antes, tamanho o nosso
desejo um pelo outro, mas dessa vez, eu a quero no quarto.
— E o seu coração? — interpela com receio.
— A maioria das pessoas diria que não tenho um.
— Isso não é verdade. — Romana distribuiu beijos pelo meu pescoço, tornando meus
músculos tensos de desejo e antecipação para estar invadi-la outra vez. — Eu adormeci ouvindo
as batidas dele esta noite.
— Ter um coração não significa que ele bata por algo.
Ao menos, até hoje, nunca bateu.
Trago a cabeça de Romana para trás pelos cabelos, ainda caminhando em direção ao
quarto, ao som dos seus ronronados, distraindo-a desse pensamento inoportuno. Arqueada dessa
forma, tenho a visão dos seus seios perfeitos. Claros, com os mamilos cor-de-rosa escuro,
pequenos o suficiente para cobrir com a ponta dos dedos e saborosos o bastante para que eu seja
capaz de atraí-los em minha boca.
— Não usamos camisinha da última vez — digo contra sua pele, desejoso em ver meu
pau se deslocando entre os seus seios. Quero gozar sobre eles, quero senti-los pressionado contra
mim, enquanto estico meu corpo sobre o dela e começo tudo de novo. — Sempre sou muito
cuidadoso, mas não consegui pensar direito com você molhada daquele jeito. Também não
trouxe uma comigo. O plano era que esta noite fosse totalmente diplomática e entediante no
Missouri.
Romana sorri, mais calma do que eu esperava.
Muito mais madura com a situação também.
— Transamos três vezes, Tommaso, e eu não te parei em nenhuma delas, mesmo ciente
do risco — assume suavemente. — Eu tomo pílula, então não temos esse tipo de problemas.
Posso confiar que seus exames estão todos em dia?
O questionamento perspicaz muito me agrada.
— Tenho os últimos no meu celular.
— Claro que tem! — zomba, risonha.
Vagueio minha atenção entre seus olhos.
— Você? — sugiro.
— Totalmente limpa, senhor juiz.
É a única coisa da qual eu preciso.
Ao chegar no quarto, paro próximo da cama e desço Romana dos meus braços.
Assanhada, ela não perde um segundo antes de descer os olhos pelo meu corpo e encarar o meu
pau, duro e escuro, com as veias estiradas.
Sentir a menina derreter, quente e sedenta somente com a visão do que esteve no seu
interior, me enlouquece. Sobretudo, no instante que Romana lambe os lábios, deixando claro os
pensamentos gulosos perpassando sua mente.
Não me preocupo em manter meu gemido silencioso. O grunhido ecoa alto, sombrio, tal
como a minha ordem:
— Fique de joelhos, pasión.
Ela se arrasta para obedecer, ajoelhando-se entre as minhas pernas e olhando para mim
através dos longos cílios escuros que povoaram meus sonhos mais sujos nas últimas semanas.
Ainda de pé, acaricio seu rosto, arrastando o polegar pela pele macia da bochecha antes
de me ocupar em delinear seu lábio inferior, grosso e rosado. Não a fim para as coisas que quero
fazer com essa mujer. Romana está criando uma parte insaciável em mim, um abismo de
necessidade.
— Sua boca... — confesso, perdido. — Quero encher ela de porra. Estou completamente
fissurado.
Excitado com a visão dela, sento sobre o colchão, afastando as pernas e massageando o
meu pau, para cima e para baixo. Romana observa cada um dos movimentos, gemendo baixinho,
e me enlouquecendo no processo.
Romana sorri e se inclina para conseguir me tocar. A visão da sua bunda, empinada para
o alto, conforme seu cabelo longo cobre as minhas coxas, me deixa descontrolado. Suas mãos
passeiam pelas minhas pernas, a ponta das unhas curtas e coloridas sentindo os pelos, os
músculos, a minha forma. Jogo a cabeça para trás quando a ninfeta me arranha, como se
estivesse disposta a me marcar como dela, tal como prometi.
— Querendo me marcar menina?
Ela beija o meu tórax, a barriga, arrastando aqueles lábios perfeitos por cada centímetro
de pele que encontra.
— Você me enlouqueceu aquele dia no tribunal... — dispara com sua voz melodiosa,
soando como gemidos no meu ouvido. — Hoje é a minha vez de fazer o mesmo com você,
Tommaso Falcão-Ruiz.
Descontrolado, eu agarro seus cabelos e puxo seu rosto para trás mostrando a Romana
que o controle ainda é meu. Em resposta, seus olhos pairam sobre a minha ereção,
completamente dura e incontida, sem qualquer tecido para esconder a carne pesada e longa do
meu pau. A glande vazando pré-gozo, precisando de sua língua atrevida.
— Romana — rosno, entre um fôlego e o outro. Minha mão apertando seus fios quando
ela inclina a cabeça. — Me lamba, hermosa.
A ordem pairou entre nós por apenas alguns segundos.
No instante em que ela passou a língua da base para o meu pau em um longo movimento,
meus dedos se apertaram em volta dos seus fios. Arfei ao senti-la fazer isso de novo, refém da
forma como Romana arrastada ao longo da pele sensível do meu pau, traçando círculos em torno
da coroa.
Como minha boa garota, ansiosa por ser recompensada, ela não fez nada além de lamber.
Suas mãos entre as minhas pernas e seus olhos repuxados presos nos meus. Seus lábios raspando
no meu cumprimento e, então, descendo em linha reta até as bolas.
— Quer me colocar todo na boca, cariño? — provoco, ofegando diante do meu tom
carregado. — Chupe agora.
Meu pau encharcado de saliva não chega a entrar sequer a metade, mas ela se esforça
para engolir cada centímetro grosso dele, engasgando-se com o meu peso e gemendo com os
olhos repletos de lágrimas.
Meus quadris e pernas começam a vibrar com a necessidade reprimida de empurrar em
sua boca. Meu pau agora está tão duro que dói. Está ereto, a cabeça inchada e mais escura do que
o resto, manchada de pré-gozo e de saliva conforme Romana luta para me tomar na boca
pequena.
Não resisto por muito tempo, apertando meu domínio sobre a cabeça de Romana e
empurrando para cima com os meus quadris até que eu bata na parte de trás de sua garganta,
estremecendo enquanto eu deslizo para trás e para fora dos seus lábios, dentes e língua, tudo isso
me acariciando, me atiçando.
Ao puxar o meu pau dos seus lábios, eu posso ver cada veia, posso sentir a crista
dolorosamente inchada dele e sei que não levará muito tempo para que eu soltasse a minha carga
na boca da japonesa.
Estou perdido nessa sensação.
Nos seus sons de engasgo.
Nas lágrimas de esforço.
Na saliva, escorrendo e babando todo o meu pau.
Na forma como a hija de puta fode o ar, ondulando o corpo com necessidade, como se
nada fosse mais quente do que me ter fodendo sua boca. Não preciso tocar sua boceta para saber
que está molhada, sei disso apenas pelo cheiro da excitação dela no ar, uma mistura de tesão,
sabão e um toque de lavanda me entregam que a menina está encharcada a ponto de escorrer
pelas coxas cremosas.
— Está sentindo sua boceta pulsar enquanto me enlouquece, menina? — exijo saber,
grunhindo alto e animalesco. — Eu gostaria que você pudesse ver o quão gostosa você está
agora.
Como uma boa menina, Romana ergue os olhos para o meu, estabelecendo contato visual
e tornando tudo isso ainda mais quente. Seus cabelos estão uma bagunça, seu olhar vertendo
desejo, mas são os lábios que me recebem que atraem toda a minha atenção.
— Você gosta disso — afirmo, sem dúvidas sobre isso. — Você gosta de chupar o meu
pau. No es así, mi princesa? — gemo ao senti-la engolir contra mim, e libero os seus fios do meu
domínio. — É porque eu te fiz gozar mais do que qualquer um? Você quer me retribuir?
Romana choraminga, quente de necessidade e de ansiedade pelo meu toque, murmurando
pequenos uhuns abafados que fazem sua língua tremer contra o frênulo sensível do meu pau,
aumentando o meu prazer e me levando a quase despejar em sua boca.
Eu ainda quero terminar dessa forma eventualmente, mas agora... Nesse exato momento,
não consigo pensar em nada além de ter a menina no meu colo, rebolando a bunda em busca de
prazer, como a puta excitada que ela é.
— Você já me recompensou deitada no meu colo, molhada com meus golpes e poucas
horas antes arqueando bem as costas para que eu te comesse — completo meu pensamento,
incapaz de ser delicado ao agarrar o pescoço de Romana com meus dedos e afastá-la no meu pau.
— E, Dios mío, vai me recompensar agora. Cavalgando até derreter nos meus braços.
Durante o curto ofego da menina, eu a puxo para o meu colo, para cima do meu pau, e a
empalo de uma vez em um movimento selvagem. Romana grita, perdida e agitada, os músculos
da garganta lutando com os meus dedos por um pouco de ar enquanto seu corpo trava uma
batalha diferente, processando o prazer das minhas estocadas.
— Tommaso... — diz, quase sem voz.
— Preciso de mais um... Me dê mais um.
Mais um orgasmo.
Mais alguns segundos.
Mais desses momentos.
Transfiro minha mão livre para sua cintura, movendo-a sobre mim. Não para cima e para
baixo, mas para frente e para trás como Romana provou mais cedo que sente mais prazer.
Certificando-me de que seu clitóris esfregue contra o músculo liso acima do meu pau toda vez
que ela se move, completamente trêmula, suada e entregue nos meus braços.
Não há nada além dos seus cabelos sedosos e o cheiro de lavanda ao meu redor, a
sensação da sua bunda firme nas minhas coxas e a boceta molhada e doce no meu pau.
— Dios, você é tão linda! — murmuro, trazendo seu corpo para mais perto ao som dos
seus gritos ofegantes. — Sentindo prazer... la más hermosa que mis ojos han visto.
A cabeça de Romana cai para trás quando ela tem seu orgasmo, e eu aproveito da posição
para me deliciar com seus seios e pescoço exposto, enquanto ela ofega e estremece agarrando as
minhas costas. Nós observamos juntos minha mão grande e calejada por todos os trabalhos que
fiz no passado, pressionar sua carne rosa e suave tremendo em torno do meu pau, prolongando
seu prazer.
Ela desliza as mãos para a parte superior dos seios, passando os polegares ao longo dos
seus mamilos ainda duros, pressionando os seios juntos e os afastando, destacando quão
deliciosos eles são e quase me cegando de luxúria ao mesmo tempo. Meus quadris se sacodem e
meus músculos do estômago saltam, antecipando o meu orgasmo. Dou mais algumas estocadas,
ordenhando até a última pulsação do meu clímax.
Deixo que sinta cada onda e cada vibração comigo dentro dela, enquanto eu a encho com
meu próprio prazer. Nossos fluidos se misturam, escorrendo de dentro dela sem que nenhum de
nós se importe com qualquer coisa além dos últimos espasmos de prazer. E quando Romana
finalmente, finalmente, se acalma, quente e saciada, eu a deito na cama.
Lado a lado novamente, a menina se aconchega nos meus braços sem receio de pedir por
carinho. Dessa vez, praticamente subindo no meu corpo e descansando o tórax sobre o meu. De
forma descontraída, eu estapeio a bunda dela e Romana solta uma risadinha rouca e cansada.
Não sei ao certo quanto tempo se passa até o instante em que nossas respirações se
normalizam e nossas peles, antes molhadas de suor, se arrepiem com a brisa fria atravessando o
cômodo através da janela aberta, mas sei que quase adormecemos de novo.
— Há algo que faria você querer ficar em Bayden Haven? — questiono ao encarar o teto
branco, desenbaraçando seus fios com os dedos em movimentos cuidadosos. Minha voz soa
carregada demais ao pairar no silêncio repentino e talvez por isso Romana demore tanto a
responder.
— Um lugar...? Ou uma pessoa?
Movo o rosto para encará-la.
— Qualquer coisa que te fizesse mais feliz na cidade.
Ela fecha os olhos, pensativa. A pele clara ainda arrepiada e corada pelo sexo, ressaltada
pelo rubor acumulado em suas bochechas e colo. Os cabelos são uma bagunça completa,
embolados em alguns pontos que lhe conferem uma aparência mais cheia. Romana nunca esteve
tão perfeita.
— Bom, eu sempre quis conhecer um planetário — diz, depois de muitos minutos terem
se passado. — Um daqueles enormes com sala de projeção e tudo, sabe? — Ela abre os olhos e
passa a me olhar, sorrindo tranquila ao confidenciar o pedido. — Quem sabe um dia eu possa ver
um, não é? Aqui ou em outro lugar.
Ergo seu queixo e beijo seus lábios devagar, entreabrindo sua boca e sentindo sua língua
se enroscar de forma preguiçosa na minha.
Agora a menina está verdadeiramente exausta, e sei que irá adormecer em poucos
segundos. Mas, por hora, eu quero somente saboreá-la, sentir seu corpo quente contra o meu e
sua respiração calma preenchendo o ar.
— Acho muito possível — digo, apenas.
Posso construir um para ela.
HOJE
BAYDEN HAVEN, KANSAS
HORAS APÓS A CONVERSA DOS IRMÃOS FALCÃO-RUIZ

Há muitos fatos curiosos sobre a cultura espanhola. Em algumas localidades, como na


Andaluzia[LB31] — lugar para onde fiz uma viagem rápida no meu tempo de intercâmbio em
Barcelona —, a morte é comemorada com festas[JR32] e celebrações em vez de ser vista
unicamente como um momento de tristeza.
Sempre considerei essa visão apolínea muito bonita, pensando na minha mãe e no pouco
tempo que tive com ela. Mas sei que os irmãos Falcão-Ruiz não encarariam o falecimento de
Antonita de uma forma tranquila, por mais que ela tenha lutado por anos contra o câncer e
compartilhem da crença a essa cultura.
— Posso fazer uma pergunta? — chamo a atenção dos meus amigos, e Santino logo
percebe pelo meu olhar fixo em seu rosto que estou falando com ele.
— Claro, japonesa.
— Tenho me perguntado isso desde que voltei, mas não sabia como abordar o assunto
com você ou com Tommaso — admito, ainda um pouco receosa. — Mas sabe do meu carinho
pela Antonita. Como ela está?
De todas as reações que cogitei, pintando o pior cenário nos meus pensamentos, a reação
de Santino foge a todas essas possibilidades. Do outro lado do cômodo único e apertado da casa
da árvore, sentado sobre um puff bean bag, meu amigo solta uma risada contagiante.
Mesmo sem entender, acabo sorrindo em conjunto com Nora porque, com essa reação, as
notícias não podem ser ruins, certo?
— Estava se corroendo para perguntar, não é? — minha amiga presume, girando a cabeça
para me olhar. Estamos dividindo um outro puff, maior do que o que Santino está. — Desculpe,
Romana. Devíamos ter te atualizado sobre isso quando estava fora.
Santino concorda:
— Não queria ocupar sua cabeça com nada do que acontecia aqui para que tivesse tempo
para se concentrar em você e no intercâmbio.
Encolho os ombros um pouco.
— Tudo bem, eu precisava mesmo desse respiro longe de tudo — assumo, sem esconder
como os últimos meses me fizeram bem. Ainda que os primeiros tenham sido difíceis e repletos
de saudade. — Fiquei com receio das notícias não serem boas, mas estou feliz em saber que ela
está bem. Por que eu ainda não a vi na cidade?
Santino se ajeita no lugar, tentando encontrar uma posição confortável. Algo impossível
se considerarmos que estamos na casinha da árvore do jardim do Kensington onde
costumávamos brincar quando tínhamos por volta dos treze anos. É matemática básica! Santi
sempre foi um cara grande, e agora com mais de 1,80 de altura e uns 90 quilos, um mísero sofá
de sofá de pelúcia jamais seria confortável.
— Ela ainda estava em tratamento na época que você embarcou para a Espanha e
continuou internada no hospital por cerca de dois meses — Santino explica, limpando a garganta
e me fazendo desconfiar do quão difíceis esses dias devem ter sido. — Lembro como eu estava
assustado de que algo pudesse acontecer com ela no hospital, e que eu não estaria perto.
Abaixo os olhos, encarando minhas mãos sobre o colo, enquanto ele continua a contar
sobre aqueles últimos meses de quimioterapia.
Santino não tem culpa de ser incapaz de ir a hospitais, carregando um fardo emocional de
ter protagonizado uma cena muito violenta quando era apenas um garotinho. Apesar disso,
depois que soube o lado de Tommaso acerca da história da família Falcão-Ruiz, passei a
entender como meu amigo sempre foi protegido pelo irmão e pela avó de encarar verdades muito
duras.
Lembro como passei a admirar Tommaso por carregar esse fardo tão pesado sozinho na
noite em que ele finalmente se abriu para mim, depois de acalmar meu medo de tempestades.
— Mas eu nunca deveria ter duvidado da força de abuela, como ela mesmo diz, ela
participou da Guerra Civil espanhola — diz com um sorriso irônico pela mentira que adora
conta, mas também um pouco emocionado também. — Ela pode enfrentar qualquer coisa.
Nós sorrimos.
— Eu não duvido que ela vá viver mais do que a gente! — comenta Nora, com um
sorriso pairando nos lábios. O cabelo preso em um rabo de cavalo e o macacão vermelho que ela
está vestindo, ressaltando as sardas em seu rosto. — E acho que a fonte de toda aquela vitalidade
está na personalidade caótica daquela senhora. E, claro, o exímio gosto para romances!
Movo a cabeça, rindo da última parte ao imaginar uma matéria sendo veiculada no Times:
Romances eróticos prolongam a expectativa de vida de leitoras safadas.
— É incrível que ela tenha vencido o câncer, Santi.
— O médico disse que pelo estágio da doença de abuela e o tipo de câncer, ela precisa
fazer um acompanhamento regular para monitorar a saúde precocemente qualquer sinal de
recorrência da doença — explica, sem conseguir esconder a preocupação que o assunto ainda
causa. — Esse período de vigilância pós-tratamento pode durar anos.
Nora se inclina para pegar um salgadinho de uma vasilha próxima. Santi esteve na
lanchonete para me buscar e aproveitou o caminho para casa de Nora para comprar uma
montanha de açúcar e gordura saturada para a alegria de suas amigas, já que ele está seguindo a
dieta da nutricionista do time.
— Mas pelo que você me contou, o risco de Antonita ter uma recorrência reduz um
pouco mais a cada mês passado, não é? — Nora intervém, oferecendo uma visão mais positiva
acerca do prognóstico.
Por ter crescido ao lado da casa dos Falcão-Ruiz, ela tem muito carinho por Antonita.
Assim como eu, já que passava a maior parte do meu tempo livre quando pequena na casa dos
Kensington. Então, apesar de ela ser avó biológica apenas dos espanhóis, é como se fosse a avó
que Nora e eu nunca tivemos também.
— Sim, exatamente. — Santi relaxa um pouco os ombros tensos sobre o moletom e abre
um sorriso. — Abuela acabou de completar os primeiros dez meses e por isso não está na cidade.
Foi para Las Vegas com as amigas da quimioterapia.
Surpresa, deixo uma risadinha escapar.
— Não consigo pensar em nada que seja mais a cara dela do que isso.
Santino concorda, pegando o celular no bolso e buscando algo por alguns segundos antes
de virar a tela na nossa direção. O grito de Nora ecoa ao mesmo tempo que eu cubro a boca com
as mãos e tento conter um ataque de risos ao encarar a figura animada de Antonita na foto ao
lado das amigas e de um Gogoboy gostosíssimo, usando um arquinho com dois pintos como
antenas.
— Ela teve a pachorra de mandar isso para gente, acredita? — reclama em tom ofendido,
estremecendo e apertando os olhos como se eles estivessem sangrando. — Para mim e para mi
hermano.
Sem conseguir conter a gargalhada que, de tão intensa, faz minha barriga doer e meus
olhos lacrimejarem, deixo por conta de Nora os primeiros comentários. Para infelicidade de
Santino, por assim dizer.
— Um ícone! Por essas e outras que eu amo essa senhora — diz aos risos, deixando os
salgadinhos completamente de lado. — Quem você já viu nessa idade com uma Coroa de Paus?
— No me jodas, Nora!
Rio mais.
— Eu tenho certeza de que ela amaria essa expressão — completo, dando todo apoio à
mente maquiavélica da nossa amiga. — Aliás, ela foi bem perspicaz. Cada uma das antenas deve
ter o quê? Uns vinte centímetros!
— Disse a safada sortuda que estava acostumada a sentar em uma obra de arte de vinte e
dois! — expõe, para o meu choque, fazendo menção ao pau do Tommaso. Uma referência que
Santino, infelizmente, também pega. — Um Picasso, realmente.
— Nora! — guincho, com os olhos arregalados.
— Falando nisso, ele já fez alguma piadinha de juiz para você na cama? Sempre quis
saber isso. — Ignorando o bufado de Santino ou animada demais para dar alguma importância,
ela prossegue: — Algo como... Me chama de Direito Internacional que eu te mostro o meu
tratado.
Escondo o rosto com as mãos, gemendo.
— Deus, você está mesmo falando isso?
— Quero alvejar, mi cerebro!
— Ou, ou... Quero resolver o seu caso na vara, e não é na de pequenas causas. Não, não!
— Ela cai na risada, sem fôlego e ruborizada. — Ele é mal-humorado demais. Jamais teria essa
criatividade.
— Sério, eu não quero participar dessa reunião de meninas. — Santi encara Nora, que
não conseguiu cessar as gargalhadas. — Regra número 12, hermosa, a gente não conversa sobre
paus. A menos que estejamos falando do meu.
Paro, engasgando com a saliva, ao ouvir essas palavras.
Ele acabou de dizer o que eu acho que ouvi?
— Como assim vocês conversam sobre o seu... — balbucio, apontando para as calças
dele. É claro que eu já vi o que tem ali, como no lago onde estávamos pelados e posso afirmar
que a genética boa ou é da família ou veio do sangue espanhol que ele tem em comum com o
irmão. — Desde quando seu pau virou tópico de debate?
Nora não está em um bom estado para abrir defesa, então é Santino que suspira e toma a
frente da situação.
— Nora e eu temos regras para a nossa amizade.
— E por que nós não fizemos isso? — interpelo com uma pontadinha de ciúmes. É
inevitável às vezes, por mais que eu saiba que é uma bobagem.
— Você estava namorando com Logan na época, então Santi e eu criamos regras para
nossa amizade e definimos um limite. — Nora explica, recuperando o fôlego. — Se não
estivermos em algum relacionamento feliz até os 35 a anos, a gente vai se casar. Por isso
falamos... dessas coisas.
Solto o ar pela boca, movendo a cabeça.
— Vocês claramente não pensaram direito nisso — aponto, sem julgamentos. — Não que
eu tenha algo contra ter meus dois melhores amigos casados. Simplificaria muitas coisas, como
por exemplo onde ficaríamos no jantar do Dia de Ação de Graças. Mas vocês sabem que um
relacionamento saudável tem sexo, certo? — Ergo um dedo, gesticulando entre eles de forma
sugestiva. — Tem algo rolando que eu deveria saber?
Nora cora tanto dessa vez, que fica quase do tom dos fios do seu cabelo.
— A gente só queria uma certeza de que teria amor — Santino responde com
simplicidade, voltando a se remexer no puff e bufando sem encontrar uma boa posição.
Nora completa:
— É, algo bonito como você e o Tommaso possuem.
Tínhamos, corrijo mentalmente.
Não pronuncio nada em voz alta, porém, atenta a expressão de Santino. Uma coisa é ser
envergonhada na frente dele por Nora, o que é bem ruim já que a intimidade exposta era com o
irmão dele, mas de alguma forma parece pior falar sobre os meus sentimentos. Até porque não
posso negar a balançada estúpida que meu coração sofreu depois daquele encontro no planetário.
Quem se apaixonaria duas vezes pela mesma pessoa?
Ainda mais pelo Diabo!
Acontece que, depois de refletir um pouco e conectar as lembranças, eu me recordei
daquele lugar misterioso. Era o lugar de paz de Tommaso, para onde ele ia quando precisava
ficar sozinho e para onde me levou, em detrimento a um hotel, na primeira noite em que
dormimos juntos. O juiz renunciou a chance de ter um lugar de conforto para ele para construir
um cantinho feliz para mim em Bayden Haven.
— Você não gostava dele no passado.
Nora dá de ombros para a minha alfinetada.
— Isso porque ele era um porre antes!
— Bom, — arrasto a palavra, ácida. — Certas coisas nunca mudam.
— Diga o que quiser, mas você meio que mudou o Sr. Nunca Sorrio, sim. Eu chamo
carinhosamente de efeito Romana. — Nora argumenta, batendo palminhas. — Até a relação dele
com o Santi melhorou naquela época.
Antes de cair no completo fiasco de novo.
— Foi isso que o fez subir no seu conceito? — Santino pergunta.
— Eu poderia dizer que, sim, e pautar a resposta no amor épico deles, mas tenho que
admitir que talvez seja por aquele vestido — diz, sem culpa. — Quer dizer, Tommaso meio que
elevou o padrão ao pedir a um estilista de grife para confeccionar uma peça inspirada no seu
quadro favorito, Romana. Que homem faz isso?
Santino parece ofendido.
— Eu faria!
— Mas não fez, QB. Então ponto para o seu irmão.
Lembro de como fiquei brava ao receber a caixa, primeiro porque era um presente
absurdo e o meu orgulho falou mais alto. Segundo porque Tommaso não me ligou no dia
seguinte e, me sentindo uma garota tola, eu passei o dia tentando falar com ele para brigar pelo
presente. O que parecia de fora é que eu estava agindo como uma menina carente e ansiosa em
repetir a dose, e sei que o cretino adorou isso.
— Ele é louco, Nora! Sempre foi.
— É esse o ponto. Ele pode ser um perigo para todos nós, meros mortais, mas para
você... — Nora suspira, com a expressão apaixonada tomando seu rosto. A mesma de quando
está lendo um bom livro de romance ou assistindo uma comédia romântica. — Romana, aquele
homem seria capaz de arrombar a porra da porta do céu e entrar lá só para soletrar seu nome com
as estrelas. Tem ideia de quantas pessoas têm a sorte de viver um amor assim na vida real?
Observo a atenção fixa de Santino sobre mim, como se quisesse decifrar meus
pensamentos e sentimentos com sua análise. Quase como... se estivesse culpado. O que não faz
nenhum sentido, certo? A única coisa pela qual ele pode se sentir arrependido é por não ter feito
algumas regras de amizade comigo também. A primeira certamente seria: Proibido pegar meu
irmão, dezoito anos mais velho, caralho!
— O que todo mundo mais quer nessa vida é ser amado: — Nora continua quando
nenhum de nós diz nada, e eu preciso concordar com a frase dela. — O poder, estar cercado de
pessoas, te dá a falsa sensação de ser amado. A fama te dá uma falsa sensação de ser amado. O
dinheiro te dá uma falsa sensação de ser amado. É o que, no fundo, todo mundo quer.
— Porque amar as pessoas ao nosso redor é fácil. — Santi complementa, olhando para
Nora e engolindo em seco. — A parte difícil está em fazer elas te amarem de volta.
Principalmente do jeito que a gente sonha.
Escorrego para o chão de madeira, puído pelo tempo de construção, tal como o tapete
sobre ele está pelo tempo de uso. Fico entre Santino e Nora, cada um em um puff, e passo um
braço em volta de cada um. É uma posição difícil, mas Santi me ajuda, inclinando-se para mais
perto e permitindo o abraço brega em conjunto.
— Bom, nós nos amamos! — declaro baixo. — Quando os dias forem ruins demais,
ainda teremos uns aos outros. Para cuidar, brigar e perdoar.
Sinto os braços de Nora me apertarem mais e Santino ri do gesto, trazendo nossa ruiva
para mais perto ao agarrar a panturrilha dela.
— Eu preferia quando a gente estava rindo. — Nora reclama do sentimentalismo. —
Assim eu vou acabar chorando e odeio ficar com o rosto inchado!
Somos interrompidos por batidas na porta.
De forma tímida, ela é aberta, revelando Moon, a irmã de sete anos de Nora. Ela é um
amor! Tanto que estamos tecnicamente roubando a casinha que agora é dela por direito, e a
primeira coisa que ela faz é vir correndo nos abraçar.
— Santi! — grita, animada.
A garotinha me adora, mas é completamente apaixonada por Santino. Ele ganha cartões
todos os anos de Melhor tio do Universo. Isso mesmo, não do mundo, do Universo, porque ela
ama ciências e sabe que o espaço é bem grande.
— Hola, luna brillante!
Assisto com um sorriso a interação entre eles, sorrindo para o apelido fofo que ele criou
para menina e foi motivo dos sorrisos dela por uma semana.
— O Max ligou, disse que precisa falar com você. — Moon conta a irmã, ainda
abraçando um Santino de joelhos, revelando o motivo de ter subido as escadas e batido na casa
da árvore.
— Problemas no meu mundinho literário. — Nora faz uma careta engraçada, levantando-
se. — Vocês querem entrar e comer alguma coisa?
— Obrigado, hermosa!
Ela olha para mim.
— Desculpe, amiga. — Suspiro, me colocando de pé também. — Eu adoraria, mas
preciso dormir cedo. Adiei muito visitar a clínica de reabilitação onde o meu pai está internado,
mas irei lá amanhã.
Nora e Santi fazem uma careta.
— Precisa de companhia? — dizem em uníssono e não tenho dúvidas de que se eu
dissesse sim, ambos largariam tudo para me acompanhar.
Porque eles são esse tipo de amigos.
Os melhores.
— Obrigada, gente — agradeço com um sorriso, aprumando os ombros. — Tenho que
fazer isso sozinha.
Eles assentem.
— Me liga se precisar de mim? — Santi se certifica.
— Meu contato de emergência está sempre a postos.
— A uma ligação de distância. — Ele concorda.
— Me conta tudo quando voltar? — É a vez de Nora.
— Prometo, amiga!
Todos descemos da casa da árvore em seguida. Santi se propõe a me levar em casa, como
esperado, enquanto descemos a escada vertical, mas eu nego, sem querer estragar a noite de
Moon.
Já no gramado, enquanto Nora corre para dentro de casa para retornar à ligação do seu
agente, Santino coloca Moon sobre os ombros e brinca com a garota pelo jardim, cedendo ao
pedido dos olhinhos brilhantes de simular um avião.
Mando um beijo para eles antes de caminhar em direção a calçada, verificando as
notificações no meu celular do tempo em que passei imersa com meus amigos, disposta a
respirar um pouco de ar fresco durante a minha caminhada.
Sem surpresa, há uma do juiz.
Não um convite, tampouco um pedido.
Uma ordem, claro.
Estamos falando de Tommaso Falcão-Ruiz.
Tommaso: Busco você hoje às 19h. Vamos a um evento de gala.
Tommaso: Mandei enviar algumas opções de trajes para o seu apartamento. Escolha o
que gostar mais, será a mulher mais bonita do lugar de qualquer forma. Mas o meu favorito é o
amarelo.
Irritada com a prepotência, eu digito uma resposta.
Romana: Por que eu aceitaria ir? A menos que seja amarrada e contra a minha
vontade, é claro.
Para minha surpresa, Tommaso responde de imediato:
Tommaso: Porque preciso mostrar algo, pequeña estrella.
Tommaso: Quanto a estar amarrada, estou aberto a experimentar, se você quiser tentar,
mi cielo. Não que eu precise de cordas ou um cinto para mantê-la como eu quero na cama.
Sabemos que minhas mãos cumprem o papel de forma excelente.
Engulo em seco, incapaz de conter o estremecimento que toma o meu corpo. Merda,
estou de volta a era da crise de energia da calcinha! Certa não apenas de que não terei a chance
de escapar dele esta noite, como de que passarei mais uma noite resistindo ao charme espanhol
desse homem nessa versão faço-tudo-por-você que mexe tanto com a minha cabeça quanto com
a safada da minha vagina.
PASSADO
BAYDEN HAVEN, KANSAS
DOIS DIAS APÓS A PRIMEIRA NOITE JUNTOS

Abro a porta, caminhando a passos pesados pelo piso de madeira ao entrar na sala de
audiências do tribunal de Bayden Haven. Ajusto a minha gravata e as minhas abotoaduras de
platina conforme me movo, totalmente consciente de que todos os presentes se colocaram de pé
em respeito à minha chegada.
Interrompo meus passos ao estar de frente para a minha mesa, ocupando a cadeira no
centro e conferindo superficialmente a pasta disposta sobre a superfície de madeira, que contém
os detalhes do caso que irei julgar nesta manhã.
Pigarreio, seco, para que todos se sentem.
— Bom dia, senhoras e senhores — cumprimento, meu tom roufenho pelo horário
matutino. — Eu me chamo Tommaso Falcão-Ruiz, como todos devem saber, e sou o juiz dessa
vara. Vamos iniciar essa audiência em caráter preliminar.
Diante do início da minha fala ouço o som das teclas sendo pressionadas pelo secretário
judicial sentado à minha esquerda, mantendo um registro preciso desta audiência.
— Senhor Daniel Walker? — solicito a presença do autor dos fatos para que ocupe a
cadeira próxima aos advogados de defesa. — Explique sua relação com a vítima, Michael
Walker, e os acontecimentos na noite do ocorrido.
O acusado começa a descrever seu relacionamento com a vítima, mas sou
momentaneamente distraído do seu depoimento ao sentir a vibração do celular no bolso da minha
calça social. Não preciso desviar minha atenção do advogado introduzindo, que começa a fazer
suas alegações sobre o caso e a interrogar o autor dos fatos, sei que se trata de Romana, pois é a
terceira vez que a menina tenta falar comigo hoje. Não pela noite de ontem ou pelo sexo que,
sempre que eu recordo, torna minhas calças apertadas, mas por um motivo que tenho total
consciência e culpa.
Não é algo que irei resolver nesse momento, contudo.
Ou nas próximas horas, melhor dizendo.
Só irei vê-la mais tarde, já que depois desta audiência, pretendo encontrar o pai de
Romana em um dos bares da cidade. Se a japonesa não pretende aceitar a minha ajuda financeira,
tampouco a de seus amigos que são como irmãos, não me restam alternativas a não ser tentar
intervir e resolver o problema com meus próprios métodos. A começar pelo incentivo para que
seu pai se interne em uma clínica e comece a tratar essa doença de uma vez por todas.
Agora eu sei que Romana sonha com um futuro e farei com que ela consiga alcançá-lo.
Poucas coisas estão fora do meu alcance nessa vida e, certamente, a má influência do mau-
caráter do pai dela não é uma delas.

Enxugo minhas mãos após limpar toda a bagunça da cozinha, jogando as latas de cerveja
jogadas sobre a pia no lixo com aborrecimento. Como se não bastasse sair de um turno de doze
horas no Fivestars e encontrar a casa nesse estado, a encontrei vazia também. Faz alguns dias que
mal vejo meu pai, já que ele só passa em casa de dia, recuperando-se para a próxima noitada.
Suspiro, cansada.
Há mais duas cartas do banco sobre a mesa de centro e meu plano de resolver tudo por
conta própria, pegando turnos extras no Cheer’s e me matando como garçonete para conseguir
algumas gorjetas, não tem funcionado tão bem como eu previa. Vem sendo uma missão tão
fracassada quanto tentar convencer meu pai que ele precisa tomar uma atitude.
Prestes a subir para o andar de cima, tomar um longo banho quente e pegar as apostilas
de Santino para estudar um pouco, sinto a vibração do meu celular. Pensando se tratar do QB ou
de Nora, eu o pego no bolso do meu jeans de imediato, mas sou surpreendida ao encontrar o
contato do juiz.
Nomeei carinhosamente como Satã.
— Voltou para os confins do inferno e se esqueceu de me avisar? — atendo a chamada,
arqueando uma sobrancelha mesmo que ele não passa ver minha expressão zombeteira. — Isso
explicaria você não ter me atendido nas malditas quatro vezes em que liguei mais cedo.
Ouço o som rouco de uma risada do outro lado.
Franzo o cenho.
Surpresa, para dizer o mínimo.
Agora, além de sorrir para mim, o juiz vai rir também? Acho... Acho que nunca o escutei
rir antes. Não sem ser uma risada seca e mal-humorada.
— O que é tão engraçado?
— Você, graciosa.
Olho ao redor, momentaneamente sem graça.
Não que ele vá ouvir isso da minha boca em algum momento, é claro, mas eu adoro ouvir
seu sotaque espanhol. Mesmo quando não entendo as palavras, soa sexy e sempre como um
elogio.
— Melhor tomar cuidado, seu corpo não está acostumado com toda essa dose de
serotonina — provoco um pouco mais, lutando contra um sorriso que ameaça se formar em meus
lábios. Seguir por esse caminho não é somente perigoso, mas idiota. — É muito dose de
hormônio da felicidade para você.
— Gostou do presente que enviei para você? — interpela com algo que quase parece
diversão em seu tom.
Bufo, zangada.
Esse presente foi o motivo das minhas ligações para o Diabo durante todo o dia. Não
levei a sério o que ele disse sobre o vestido, mas hoje acordei ao som de batidas na minha porta.
Uma caixa misteriosa foi endereçada a mim de um ateliê francês e ao abri-la não apenas me
deparei com o vestido mais bonito que já vi na vida, como ele estava acompanhado de uma
gargantilha delicada e um cartão:
Se há algo capaz de ser mais encantador que A noite estrelada, é você nesse vestido.
Espero que goste, pequeña estrella. Van Gogh também é um dos meus artistas favoritos.
— Não é porque você é o chefão... — começo minhas replicações, raivosa por ter tido
que ligar para ele depois da nossa noite juntas, como se estivesse ansiosa por atenção e por
repetir a dose.
Eu posso até estar, mas jamais me dobraria e entraria em contato se não tivesse recebido
a caixa nesta manhã.
— Está falando como uma menina.
— Um milionário, cacete! — disparo, irritada. — Que você pode...
— Bilionário — corrige, plácido.
O que é muito eficiente em me calar.
— O quê?
— Vou te dar um conselho e espero que você o ouça como uma boa garota, está bem? —
continua seu discurso, desconsiderando totalmente meu embasbacamento. Quer dizer, eu sei que
ele é pobre de rico, mas tanto assim?
— Você é bilionário? Tipo... tipo...
— Apenas aceite o vestido, Romana — aconselha em meio aos meus balbucios. — Ou eu
posso me sentir ofendido e fazerem entregar a loja toda na sua casa. Aliás foi o que prometi, mas
imaginei que sua reação seria ainda pior.
Um arfar seco escapa dos meus lábios.
Incrédulo e contrafeito.
— Você não...
— Cuidado com o que vai dizer.
— Pare de me interromper!
— Da última vez que duvidou de mim, eu espanquei a sua bunda.
Aperto os lábios, chocada que ele tenha trazido esse assunto à tona.
— E eu quase espanquei o seu rosto — acrescento, poupando o que restou do meu
orgulho.
Tommaso volta a rir.
Sério, o que há de errado com ele?
— E agora? — questiona, ardiloso.
— E agora o quê?
— Se eu tentasse bater na sua bunda.
Começo a suar, sentindo os pelos da minha nuca se arrepiarem. Se considerar as últimas
vezes em que isso aconteceu, conosco no tapete, no sofá ou na cama, eu sei muito bem a resposta
que tive. Tommaso foi perspicaz em me levar para um lugar sem vizinhos ou, do contrário, eles
também saberiam.
— Ainda me sentiria tentada a bater na sua cara.
— Hum... — arrasta o som, rouco demais. Em resposta, eu me pego respirando fundo.
— E qual das duas ações te deixaria mais molhada?
Suspiro, decidida a abandonar esse tópico antes que eu, de fato, acabe perdendo uma
calcinha ao me deixar levar pelo timbre rouco do juiz.
— Quanto dinheiro exatamente você tem? — pergunto, curiosa com a informação depois
do discurso arrogante de Tommaso.
Ele sequer hesita em dizer:
— O bastante para ser seu homem rico, o único que você precisa.
Movo a cabeça, chegando a sorrir de tão absurdo que isso soa.
Não apenas suas palavras, mas também a sua ação. Como qualquer pessoa, eu adoro ser
presenteada, mas o juiz não me deu chocolates ou mesmo flores. Estou certa de que aquele
vestido custa uma pequena fortuna e, da forma como se moldou perfeitamente ao meu corpo,
poderia desconfiar que foi feito sob medida para mim. Com taxa de urgência por ter atravessado
um oceano em apenas dois dias.
— O vestido é lindo, Tommaso — admito, abrandando o meu tom. Verdade seja dita,
seria impossível ficar verdadeiramente brava com a situação. Estou mais constrangida com o
possível valor da peça. — Mas não posso aceitar.
— Que tal discutir isso cara a cara comigo, pasión?
Franzo o cenho.
— Pretende vir aqui? Por isso?
— Abra a porta, Romana.
Descrença me atinge ao ouvir essas palavras.
— Você não...
— Sabe que não gosto de esperar.
Então, ele desliga.
Saio da cozinha a passos rápidos, atravessando a minha pequena sala e abrindo a porta
sem demora. Ofego ao puxar a maçaneta e me deparar com a figura imponente de Tommaso,
realmente parada do lado de fora.
Ele acabou de vir do tribunal, desconfio, ao deixar meus olhos vaguearem pelo corpo
dele, trajado por um terno preto de três peças, sem o paletó, cortado sob medida para se ajustar à
sua estrutura corpulenta e seus músculos fortes. As mangas arregaçadas da camisa social tornam
meus joelhos fracos por promoverem a visão dos antebraços vigorosos, com veias marcadas, e
das mãos firmes e impiedosas do juiz.
— Não pode me olhar assim, cariño, e esperar que eu não reaja — avisa em tom sério,
avançando um passo.
Tommaso não apenas se aproxima de mim, como imprime sua forma sobre o meu corpo,
fazendo com que eu recue alguns passos trêmulos, presa em seus braços enquanto ele assalta a
minha boca e fecha a porta com o pé, provocando um baque seco que estremece o meu corpo.
Nossas bocas abertas se unem e nossas línguas deslizam uma sobre a outra, consumindo
cada grama da resistência do meu corpo e do meticuloso autocontrole de Tommaso. Tenho
certeza disso pela forma violenta como ele agarra meus cabelos e machuca meus lábios
molhados de saliva e vontade com seu beijo punitivo. Não parece que ficamos dois dias sem nos
vermos, com a fome que sentimos, parece que estamos afastados há semanas.
— Está me tocando... — gemo, aérea.
— Não o suficiente, mas eu posso.
Nós nos beijamos, nos apertamos e nos emaranhamos, desesperados por mais. Há muito
tecido e pouco ar. Seu corpo enrijecido pressiona a maciez das minhas curvas, escondidas pelo
jeans e uma blusa fina, e nada no mundo pode ser melhor do que estar nos braços dele de novo.
Sempre que me toca, Tommaso deixa de ser quem é.
Quase como se assumisse uma versão única.
Uma que é só minha.
— Não deveríamos fazer isso aqui — digo, entre beijos, resgatando os fios de razão que
resistem sob a minha consciência pesada de desejo.
Meu pai não está em casa e não acho que voltará tão cedo, mas ele pode. Além do que,
não é raro que eu receba a visita de Santi e Nora. Como eu iria explicar o Cadillac imponente de
Tommaso na minha porta ou a presença dele aqui?
— Você não está gritando comigo ou me batendo.
Não, minhas mãos estão ocupadas demais em arrancar o colete dele. Provavelmente
estourando alguns botões no processo. Mas quem é que liga? Tommaso não parece se importar,
grunhindo na minha boca e me pegando nos braços. Pela nossa diferença de altura, acho que ele
prefere assim. Elevando meu corpo em um nível que pode facilmente alcançar minha boca e os
meus seios cobertos e ter minha boceta coberta esfregando a ereção grossa em suas calças de
alfaiataria.
— Não estou te incentivando a continuar também.
Tommaso ri, charmoso.
— Isso é, no mínimo, discutível.
O juiz aperta a carne da minha bunda, o toque poderoso ultrapassando a barreira do
tecido e me atingindo a pele. Fico arrepiada diante dos dedos longos, apalpando-me, em uma
inspeção áspera que me deixa lânguida em seus lábios.
— Na minha cama? — proponho, choramingando.
— É um bom começo.
Aponto com o queixo em direção as escadas e ele se move sem que eu precise dar
qualquer instrução, rumo ao andar de cima.
Agarro o pescoço de Tommaso com força durante o caminho, estabilizando-me nos seus
braços e ganhando mais autonomia para rebolar e me esfregar nele. Droga de calça jeans! Sinto
sua pulsação acelerada contra os dedos e subindo com uma das mãos, a textura da barba
grosseira que me arranha a pele conforme nos beijamos.
— Não vamos conseguir esconder isso por muito tempo — comento, tomando um
segundo para respirar. Indico a porta do quarto para ele, e o juiz a abre, segurando-me com um
único braço antes de me jogar na cama e me puxar pelos tornozelos para tirar a calça do meu
corpo. — Moramos em uma cidade pequena e muito pacata. O que faz com que toda novidade
seja um grande assunto.
Tommaso joga o jeans para longe, montado em cima de mim, com suas coxas fortes me
mantendo no lugar, deitada de barriga para cima e sobre o seu domínio. Ele inclina o corpo,
traçando uma trilha de beijos pelo meu pescoço até o ouvido.
— Ninguém ousa ir contra a minha palavra.
Gemo, contorcendo-me embaixo dele.
Sua respiração quente e carregada me faz cócegas, mas a mordida que ele desfere contra
a minha pele e a pressão de suas mãos, segurando os meus pulsos ao lado da minha cabeça, soam
como uma promessa tórrida e violenta do que está por vir.
— Mandar nas pessoas não vai fazer com que Santino não descubra — argumento,
contraindo seu discurso. — Se você é o rei de Bayden Haven, sinto dizer que ele é o herdeiro do
seu império, se ainda não percebeu. Na universidade, o chamam de príncipe de Haven. A
diferença é que as pessoas temem você, dele, elas gostam.
Tommaso não se ofende.
Acho até mesmo que gosta.
— Não importa.
A confiança expressa nessas duas palavras me fez acreditar que ele pensaria em algo para
contornar essa situação até que esse tesão acabasse ou nos afundássemos ainda mais nos
sentimentos que estamos criando um pelo outro. Sentimentos muito mais perigosos do que o
habitual ódio ou descontentamento.
A nossa diferença de idade nunca se fez presente em nossa relação e Tommaso pode
realmente cortar cada língua que ousar falar sobre sua vida pessoal na cidade. O problema é que
não temos como fugir de um ponto em comum: Santino. A pessoa que Tommaso e eu
morreríamos antes de escolher magoar.
— O que eu faço se alguém perguntar sobre nós? — interpelo devagar, soltando meus
pulsos com sua permissão e passando a acariciar o cabelo macio de Tommaso para que ele me
olhe nos olhos.
Sério, ele diz:
— Conte a verdade, ou minta. A decisão é sua.
Seus olhos contam uma história diferente. As palavras ditas por ele são apenas uma
forma de não me pressionar até resolvermos o que faremos com Santi.
No entanto, não posso deixar de provocar.
— E se Nero me perguntar?
Tommaso bufa, colérico.
— Diga àquele idiota que estamos noivos.
Mordo o lábio, risonha.
— Então ele você quer que pense que sou sua?
— Você é minha.
— Mas as pessoas não sabem disso — continuo, divertindo-me com a reação exasperada
dele. Acaricio sua mandíbula rígida, os músculos tensos do pescoço e ombro. — Nada vai
impedir que os garotos continuem a dar em cima de mim.
Tommaso me analisa, percorrendo os traços do meu rosto com seus olhos escuros e
astutos. O verde quase sumindo dentro deles com o rigor de suas pupilas dilatadas.
— Você não gosta de violência.
— E o que isso tem a ver?
— Vou me sentir tentado a arrancar os olhos de qualquer um que ousar olhar para você
com malícia, Romana — promete, movendo suas mãos para me tocar.
Sinto a ponta dos dedos pesados contra as minhas coxas se arrastando em direção a
minha calcinha, e gemo em antecipação. Ela é rendada, azul e pequena como o controle do
Diabo.
— Consegue imaginar do que sou capaz se algum desses imbecis de fato tocar você? —
interpela de forma ríspida, dominado pelo tesão.
— Você fica terrível quando age assim.
— Como um homem que cuida do que é seu?
— Como um lunático, Tommaso!
O canto de seus lábios se ergue.
— São apenas fatos — expõe, rouco. — O chefe do Hospital local responde a mim, tal
como o coveiro do cemitério. E não precisamos nem mesmo falar da polícia, certo? — Tommaso
afia os olhos, prepotente. — Montgomery é uma peça para satisfazer o Governo, mas todos
sabem que em Bayden Haven, eu sou a lei.
Seguro o rosto de Tommaso com ambas as mãos espalmadas contra as laterais dele,
sentindo a pele quente contra a minha.
— Você não vai machucar ninguém.
— Está tentando me dar uma ordem? — quis saber.
Suspiro.
— Não é uma tentativa ou uma ordem — respondo baixo demais, certa de que o melhor
caminho para dobrar um homem como ele é ir devagarinho pelas beiradas. — É somente um
pedido.
Tommaso permanece relutante.
— Difícil de acatar.
— Não tenho olhos para mais ninguém.
A afirmação faz satisfação surgir nos traços de sua expressão e eu assisto cada mínimo
sinal do seu contentamento, na forma como o canto dos seus lábios se erguem e os olhos
experientes e severos se fecham um pouco.
Flertar com Nero na festa foi divertido, mas nem ele ou qualquer outro, seria capaz de me
beijar ou me tocar como Tommaso. Para começo de conversa, ficar com ele, James ou cogitar
reatar algo com Logan foi apenas uma tentativa de minar o que estava crescendo de forma
descontrolada dentro de mim. Uma mistura de tesão e paixão que me deixou atordoada.
— Você é a mulher mais linda de qualquer lugar, isso é um problema.
Não consigo evitar o sorriso. É uma batalha perdida, assim como a tentativa do juiz de
não desviar os olhos para observá-lo.
— E do que isso importa? — devolvo com uma sobrancelha erguida em desafio. — Estar
debaixo ou em cima de você é o único lugar onde eu quero estar.
Um som rouco escapa do peito dele, perpassando pelos músculos contritos da garganta e
vibrando até onde as minhas mãos estão. Sem refrear o desejo ainda queimando entre nós, eu
puxo Tommaso para baixo, beijando seus lábios com paixão.
— Continue falando isso... — sussurra, movendo os lábios sobre os meus. — E talvez,
você convença.
Gemo, sentindo-o rebolar no meio das minhas pernas. Uma de suas mãos agarrando a
minha perna para que eu consiga envolver a sua cintura com ela e oferecer mais espaço para as
investidas de Tommaso.
— Não vou conseguir falar se me fizer gemer ou rir.
— Então aí vai uma boa notícia — anuncia, transferindo os lábios para o meu pescoço e
chupando com força. — Nada me coloca de joelhos como seus gemidos e sorrisos.
Jogo a cabeça para trás quando ele consegue atingir meu clitóris na pressão perfeita, com
seu cinto, apenas moendo contra mim, fazendo minhas costas se arquearem para fora da cama e o
desejo de agarrar a cabeceira surgir em meus pensamentos.
Acabo flagrando a réplica que tenho no quarto da minha tela favorita, que agora também
está retratada no vestido mais bonito do meu guarda-roupa.
— Como sabia que Van Gogh é meu artista favorito? — pergunto, lutando com a minha
respiração descompassada.
Tommaso grunhe, excitado.
— Quer falar disso agora?
Contenho seu mau-humor com outro beijo.
Então, mais um.
— Conta para mim.
— A capa do seu telefone.
Estou certa de que se pudesse encarar minha própria expressão nesse momento, além do
sorriso em meus lábios, também seria capaz de ver um olhar vaidoso no meu rosto. Algo fugaz,
diante do ataque implacável de Tommaso, que logo me tem arfante e inquieta em seus braços.
— Sempre com os olhos em mim, não é, senhor juiz?
Ele me espalma minha coxa, ouvindo meu gemido com satisfação ao enfiar a mão por
dentro da minha calcinha e rosnar um palavrão em espanhol ao me encontrar pronta para ele,
molhada a ponto escorrer pelas coxas.
— Sempre, pequeña estrella. Sempre.
Arqueio mais a coluna, sentindo os movimentos precisos de suas mãos que logo se livram
do restante de nossas roupas. O som erótico do seu cinto se abrindo e sendo arrancado com
movimento rudes pelos passantes me deixam ainda mais desejosa. E o golpe final vem quando
Tommaso muda nossa posição, agarrando-me pela cintura para me colocar de bruços na cama,
erguendo meu quadril no ar como se eu não pesasse nada.
Gemo, ansiosa, rebolando contra ele ao senti-lo pressionar o pau duro e enorme contra o
meu bumbum. Sou repreendida por um tapa estalado que arde em minha bunda e ecoa pelo
quarto silencioso.
Rio, excitada e entregue.
Algo me diz que essa noite será tão incrível quanto a nossa primeira.
HOJE
BAYDEN HAVEN, KANSAS
CENTRO DE REABILITAÇÃO

Esfrego minhas palmas suadas contra o tecido do vestido que estou usando, remexendo-
me sob o assento desconfortável da clínica de reabilitação. Faz apenas dez minutos que estou
aqui, sentada na sala de espera, mas a inquietação percorrendo o meu corpo faz com que cada um
desses minutos se arraste na minha mente como se fossem horas.
Desde que retornei à cidade, sabia que esse encontro seria inevitável. Sobretudo porque
parti sem me despedir dele e não tivemos nenhum contato no último ano, tanto em virtude de ele
não poder receber visitas no começo da reabilitação quanto porquê... Bem, por mais insensível
que isso soe, eu estava exausta de insistir em uma mudança que parecia impossível de acontecer.
Ferida demais pela situação ter chegado em um ponto sem volta também. Não sou capaz de
perdoá-lo por termos perdido a nossa casa.
Tomo uma respiração profunda, tentando controlar o movimento iterativo dos meus pés,
que não param quietos desde que me sentei. A conversa emocionada do casal ao meu lado só faz
com que o ambiente pareça mais sufocante, mesmo com as amplas janelas e a pintura em tom
suave das paredes.
Assim que cheguei, consegui me distrair com os folhetos educativos e os panfletos na
parede, mas agora nada parece funcionar. Sinto uma camada fina de suor se aderir a minha pele,
mesmo sobre o espaço refrigerado.
A movimentação próxima da porta chama a minha atenção e ao verificar o que está
acontecendo, flagro a figura de Jeffrey adentrando a sala. Ele está bem melhor do que eu me
lembrava, e levando em conta que eu sempre o via caindo de bêbado ao chegar em casa, com
olheiras profundas e o típico hálito etílico, suponho que eu não deveria estar surpresa por ele
parecer minimamente decente agora.
— Romana... — diz o meu nome ao se sentar na cadeira disposta na minha frente. De
alguma forma, não é estranho tê-lo me chamando assim em vez de filha. Faz meses que não
pronuncio a palavra pai. — Estava esperando o momento em que você viria me visitar.
Demorou.
— Soube que eu estava de volta à cidade?
Ele solta uma risada curta e seca pelos lábios finos e secos, como se o questionamento
fosse estúpido.
Sem me impedir, deslizo os olhos pelos cabelos escuros, pelo macacão branco e pelo
rosto, coberto por linhas e rugas em sua feição. Apesar dos mais de cinquenta anos, Jeffrey deve
estar em sua melhor fase.
— Não é porque estou internado em uma clínica, que não sei de nada que acontece fora
daqui— responde, colocando os braços cruzados sobre a mesa. — Principalmente quando isso
envolve o isso envolve o Falcão-Ruiz.
Obviamente, ele não está se referindo a Santino.
Encolho os ombros de forma instintiva, ciente de que não há motivos para que eu me
envergonhe. A questão é que... a forma como a situação se desenrolou não foi a melhor.
Na época, estranhei a mudança súbita na atitude do meu pai e seu interesse repentino em
buscar a reabilitação. Não foi o bastante para amansar a amargura dentro de mim, mas acreditei
que pudesse ser realmente um recomeço.
Este pensamento esperançoso e tolo foi por água abaixo assim que encontrei um cheque
no nome dele assinado por Tommaso ao limpar a casa, e comecei a ligar os pontos. Meu mundo
inteiro caiu ao saber que Jeffrey não buscou ajuda por mim ou pela nossa família, sequer por si
mesmo. A única razão para ele se internar foi a ameaça do juiz e um belo incentivo em dinheiro.
— Sabe o que mais me magoou? — exponho, sentindo a tensão sobre os meus ombros
aumentar, tornando toda a minha postura rígida. — Com o dinheiro que recebeu do Tommaso,
poderíamos ter abatido o valor da hipoteca e tentado pagar o restante da dívida. Mas você
simplesmente escondeu o cheque.
Jeffrey grunhe.
— Eu não pensei que ficaria aqui por tanto tempo.
— E no que isso muda você não ter me contato? — retruco, melindrada.
— Você não sabe o que eu planejava fazer com aquele dinheiro.
O tom enervado dele faz com que minha irritação venha à tona. Sem que eu consiga me
policiar, estou apoiando as mãos contra a superfície da mesa e me colocando de pé, fazendo o
som estridente dos pés da cadeira escorregando pelo piso ressoar pelo lugar.
— Sei que não planejava usar para me ajudar com as contas, do contrário teria inventado
uma desculpa de como conseguiu a quantia e me ajudado a pagar as dívidas que tínhamos —
protesto, sentindo o esforço que minha voz faz para deixar minha garganta embargada. —
Perdemos a nossa casa por sua causa.
De todas as reações que pensei que ele pudesse ter às minhas palavras, inclusive explicar
o que diabos pretendia fazer com o dinheiro sujo que recebeu, assisto o atordoamento de Jeffrey.
A surpresa em seus olhos, como se não entendesse.
— Você ainda não sabe? — interpela, e eu permaneço em silêncio. — O banco não
tomou a casa, Romana.
— O que você...
— Tommaso pagou a dívida, depois que você saiu da cidade, e ficou com a propriedade
— revela, interrompendo-me. — Ele não mora mais no palacete, como antes. Ele vive lá agora.
Ofego, voltando a me sentar por sentir meus joelhos vacilarem. Até mesmo as minhas
mãos parecem tremer agora, diante do que acabei de ouvir.
Como eu não sabia disso?, penso passando a mão pelos fios do meu cabelo para afastá-
los do meu rosto. Não cheguei a ir lá, desde que voltei, porque não queria ver outra família
morando na casa, tampouco no jardim.
Tratando-se de Tommaso e seus altos padrões, o luxo do palacete com que estava
acostumado, é lógico para mim que ele tenha reformado totalmente a casa. Penso, no entanto, o
que ele fez com o jardim? Será que cortou as frésias cor-de-rosa que eu cultivava? Será que
matou a Cerejeira nos fundos?
Volto a encarar o homem à minha frente.
— Tem certeza disso? — pergunto.
— Ele próprio me disse.
Sinto uma ruga se formar entre as minhas sobrancelhas.
— Você ainda mantém contato com ele?
— Por que acha que ainda estou aqui? — Com a mandíbula cerrada, ele move a cabeça
de forma impaciente. — Tommaso faz questão de fazer uma visita por mês para verificar se não
estou criando problemas, e disse que só sairei quando concluir o tratamento médico para cirrose
e a psicologia acreditar que estou preparado para sair sem uma alta chance de recaídas.
Isso me pega de surpresa.
Afinal, o juiz não faz o tipo atencioso.
— O que você fez para que Tommaso se preocupasse tanto?
— Não é como se esse sentimento estivesse direcionado a mim, Romana — revida,
trazendo o corpo para frente no assento a fim de se aproximar de mim. Os olhos severos se
enrugando ao meu examinar. — Ele afirmou que não permitiria que eu continuasse a atrasar a
sua vida. Que não correria o risco de que eu saísse antes do fim do tratamento e acabasse tendo
uma recaída no bar.
Pressiono os lábios, afetada com a informação.
Ao descobrir que Tommaso tinha falado com ele e oferecido dinheiro, fiquei cega de
raiva. Porque acima de qualquer boa atitude que ele pudesse ter, o juiz continuava a tentar
controlar a minha vida, mesmo quando eu pedia explicitamente que não fizesse nada. Como
neste caso, em que neguei a ajuda dele e dos meus amigos.
Foi a pior e a última briga que tivemos.
Agora, no entanto... Parece bobo, até um pouco infantil, ter me deixado levar por esse
sentimento, sabendo agora com quem eu realmente deveria ter ficado furiosa. No fim das contas,
o juiz só foi capaz de enxergar antes de mim o homem mesquinho que meu pai realmente era e
que, enquanto estivesse próximo de mim, eu nunca seria capaz de alcançar meus sonhos e ter
uma vida tranquila.
Jeffrey sempre me puxaria para baixo.
— Além de saber que você se importa muito com aquela árvore no quintal — completa
com desdém, sem respeito a uma cultura que nunca teve interesse de conhecer e ainda me privou
de ter acesso.
Tommaso, ao contrário, entende o meu apreço.
Contei a ele a importância daquela árvore certa noite.
Ele sabe que a cerejeira é a única coisa viva que tenho para me lembrar da minha mãe.
Cada uma daquelas flores rosas são um pedacinho de Sakura que floresce a cada nova primavera.
Pigarreio, emocionada.
— Apesar disso, uma internação voluntária não preestabelece que você pode ir embora
quando quiser? — Tento entender.
O sarcasmo se faz presente no modo com que seus lábios se distorcem e sua mandíbula
previamente tensa estala em função do aperto violento.
— E desde quando a porra da lei é cumprida quando a palavra do Tommaso diz o
contrário? — rechaça, minando qualquer argumento meu. Faz todo sentido que o Diabo tenha
exigido que ele se internasse aqui em Bayden Haven, dentro do controle de suas mãos.
Não me passa despercebido que, embora fosse natural para qualquer um nessa situação
desejar sair, meu pai não está apenas frustrado com o fato de estar sendo mantido nessas
instalações. Ele está irritado também.
— Tem algum motivo para você estar tão ansioso para sair? — interpelo, dando voz às
minhas suspeitas.
O curto hesitar dele é uma resposta significativa.
— Conheci uma pessoa.
— Aqui? — suspeito.
— Não, lá fora.
Certo, isso não é bem o que esperava.
Em um ano, muitas coisas podem acontecer, e eu não ficaria abismada em saber que ele
poderia estar se envolvendo com outra paciente aqui, dado o histórico em comum entre eles, que
poderia ter originado algo.
Saber que se envolveu com alguém antes de internar, no entanto, me faz questionar as
tantas noites em que ele passou fora de casa.
Ao que parece, ele nem sempre estava bebendo com os amigos. E se essa tal mulher
compartilha do mesmo vício dele com o álcool, todo tempo que Jeffrey está passando aqui será
jogado no lixo assim que encontrar com ela e tiver o gatilho que precisa para se embebedar de
novo.
— Ela vem te visitar? — Não consigo evitar a pergunta.
— É claro que, sim! Ela está me esperando lá fora — afirma com convicção. — Vamos
morar juntos quando eu sair daqui.
Então, a percepção me atinge.
Todas as informações soltas que tive acesso se juntando em minha mente e me fazendo
compreender a verdadeira razão por trás das ações dele no passado.
— Era para isso que queria o dinheiro... — contato, odiando como minha voz soa
vulnerável. — Era não é? Você estava planejando pegar o dinheiro que conseguiu de juiz para
gastar com ela?
— Romana...
— Pretendia sair da cidade e me deixar sozinha com todas aquelas dívidas?
Jeffrey esfrega o rosto com aspereza, mantendo os dedos sobre a ponte do nariz antes de
voltar sua atenção para mim. O pior de tudo? Ele não parece culpado, ou sequer envergonhado.
Não, o único sentimento claro que eu consigo identificar nele é exaustão. De certa forma, é como
se estivesse ansioso para que eu descobrisse e ele pudesse finalmente se livrar desse fardo.
— Eu nunca soube fazer isso, o sonho de ter filhos era da sua mãe. — Despeja toda a sua
amargura em cima de mim. O desgosto nítido na inflexão rude de sua voz e em seus olhos,
marejados nesse momento. — Sakura sempre foi encantada pela chance de ter uma cópia nossa
correndo pela casa. Alguém com quem ela pudesse compartilhar toda a saudade que sentia da
cultura asiática que abandonou para ficar comigo. Do seu amor pelos astros e pelas estrelas. E eu
só... — Ele dá de ombros, deixando um exalar denso escapar de seus lábios. — Eu só amava sua
mãe demais, Romana. O único erro que cometi foi estar disposto demais a realizar todos os
sonhos dela, até mesmo aqueles que eu nunca compartilhei.
Lágrimas contidas queimam em meus olhos, quase como um reflexo das dele. Mas eu
não as deixo cair, eu luto com todas as forças para contê-las, mesmo que algo dentro de mim
pareça ter acabado de se quebrar em um milhão de pedaços.
Após um ano enviando grande parte da ajuda de custo que recebi da bolsa estudos para
esta clínica para custear o tratamento de Jeffrey, uma vez que deixar Tommaso custeando essa
despesa não era uma opção para o meu orgulho, preciso ouvir dele que a razão pela qual nunca
foi um bom pai é porque jamais desejou que eu tivesse nascido.
— E qual você acha que teria sido o desejo dela depois da tragédia que aconteceu? —
rechaço, ferida com o que acabei de ouvir. — Que eu tivesse perdido a minha mãe para o
acidente e meu pai para o luto?
— Eu fiz o melhor que eu pude, Romana!
Volto a ficar de pé, atordoada demais para conseguir me manter sentada e inalterada
diante da justificativa absurda que Jeffrey quer me fazer engolir.
— Não, você não fez! — grunho, brava. — Você se convenceu que tudo bem afundar
seus sentimentos em garrafas e garrafas de álcool enquanto eu lutava sozinha para manter nossa
família de pé! — grito, sem conseguir me importar com toda a atenção que estamos atraindo na
sala de espera.
Jeffrey expõe a mesma falta de preocupação ao se colocar de pé e rodear a mesa para
ficar de frente comigo. Assisto alguns funcionários se aproximarem com cautela pelo movimento
dele, mas eu ergo uma mão, pedindo para que não interfiram.
— Quanto dessa luta você passou em cima da cama do Falcão-Ruiz? — escarnece em
cólera. — Santino sempre foi apenas seu amigo ou você percebeu que abrir as pernas para ele
não seria tão lucrativo quanto para o Tommaso?
Ajo, antes que eu possa ter algum juízo de valor sobre as minhas ações. Sinto a
queimação na minha palma e assisto o rosto de Jeffrey virar com força para o lado ao ser
atingido pelo meu tapa. A cena dura apenas um segundo, mas a sensação que tenho é que se
desenrola em câmera lenta.
— Você não tem esse direito!
Ele volta a me olhar, e eu sinto o tremor tomar todo o meu corpo. Um misto de
adrenalina, fúria e indignação que parece se alastrar por cada parte de mim, tomando célula por
célula, infiltrando-se em cada uma das minhas terminações nervosas como o pior dos venenos.
— Ele contou que, por todos esses meses que você não teve coragem de colocar os pés
aqui e ver como eu estava, foi para fora do país. Espanha, não é?
Mantenho meu queixo erguido.
— Eu consegui uma bolsa de estudos.
Ele move a mandíbula de um lado para o outro, como se tentasse aplacar a dor. Não tive
consciência de quanta força coloquei no movimento até agora, em que vejo a marca dos meus
dedos surgindo rubra na pele das bochechas de Jeffrey.
— Conseguiu ou ele deu para você?
— Quem você pensa que é? — brado, pegando a minha bolsa e o meu casaco no encosto
da cadeira. — Você não tem direito de questionar as escolhas que eu fiz ou assumir o papel de
pai agora, apenas porque te convém.
Volto a encará-lo, ajustando a alça da minha bolsa no ombro, mal ouvindo seus protestos
diante da minha pulsação zumbido em meus ouvidos. De qualquer forma, não me importa ouvir
o que ele tem a falar. Eu já escutei mais do que precisava.
— Você não buscou ajuda por mim, e o pior é que também não foi motivado por si
mesmo. E agora você me acusa de ter me envolvido com Tommaso por dinheiro? — Gesticulo,
erguendo um dedo em riste para pontuar o absurdo daquilo. — Pior, com Santi, que eu sempre
considerei um irmão!
Acho que ele nem mesmo ouve as minhas palavras.
Somente move a cabeça, preso em sua indiferença.
— Sua mãe estaria decepcionada, Romana.
Paro, momentaneamente chocada em como ele pode ter ido tão baixo apenas para me
atingir. A dor em meu peito aumenta, irradiando por todo o meu tórax e tornando quase
impossível respirar. Estou bem perto de perder o controle e deixar todas as lágrimas que
estivesse segurando escaparem.
Você não é covarde.
Puxo e solto o ar.
Você não é covarde.
A voz de Tommaso surge nos meus pensamentos.
Com orgulho eu empertigo os ombros e me aproximo mais do homem que um dia eu
chamei com tanto carinho de pai. Para que ele saiba, que não importa o que diga ou faça, ele
nunca irá conseguir macular a imagem que tenho da minha mãe. Ou a visão de se ela estivesse
aqui, ela nunca me trataria dessa forma. Ainda que desaprovasse meu relacionamento com juiz
por preocupação, ela nunca escolheria um caminho tão vil quanto esse, onde precisaria me ferir
para provar estar certa.
— Disse o homem que se preocupou mais com uma lata de cerveja do que com a própria
filha. — Praticamente cuspo as palavras, que soam ainda mais estranhas no meu tom roufenho e
embargado. — Estou certa de que isso a decepcionaria muito mais do que saber do meu
envolvimento com Tommaso. Porque ele pode até ter uma moral questionável e ser muito mais
velho do que eu, mas é um homem capaz de tudo pela família. — Pauso, mal conseguindo ver a
figura dele nessa curta distância devido aos meus olhos marejados. — Algo que o senhor nunca
foi nem nunca será.
Não espero por uma resposta de Jeffrey, apenas saio da sala de espera sem olhar para trás.
Passos rápidos me levam até o corredor e, com dificuldade por não estar familiarizada
com o lugar, encontro um banheiro que felizmente está vazio. Somente quando estou de frente
para o espelho, vislumbrando a minha expressão exausta é que me permito colocar toda a
frustração dos últimos minutos para fora e deixo a primeira lágrima cair.
Com ela, uma torrente de novas ganham força, escorrendo pelas minhas bochechas, tão
grossas que chegam ao queixo. Em dado momento, é impossível controlar o tremor nos meus
ombros ou nas minhas mãos. Parece estar caminhando por todo o meu corpo e, quando chega a
minha garganta, provoca soluços intempestivos por todo o banheiro.
Leva muito tempo para que eu consiga me acalmar e tomar uma atitude, lavando e
secando meu rosto com lenços retirados do porta-papel fixado na parede. Mas no segundo em
que eu deixo o banheiro e, posteriormente, a clínica de reabilitação, estou determinada.
Determinada a ir ao tal evento de gala com Tommaso essa noite.
Determinada a descobrir o que ele fez com a minha antiga casa.
E, principalmente, firme no posicionamento de que nunca pisarei nessa clínica de novo,
tampouco me encontrarei com Jeffrey fora dela. Por mais que me doa colocar um ponto final
nessa história, ele pode seguir a vida com essa mulher que encontrou e sair daqui para onde ele
bem entender.
Se Jeffrey Clark perdeu o amor da sua vida há dezessete anos, hoje ele acaba de perder a
sua única filha também.
Bato na porta do apartamento de Romana, incerto se ela vai simplesmente abrir a porta ou
me deixar plantado do lado de fora por minutos, testando a minha exígua paciência, como se
houvesse alguma chance de eu desistir de sair com ela.
Tan, tan terca! [JR33]
É uma boa surpresa que a porta se abra logo e revele a minha japonesa. Linda, com os
cabelos soltos e lisos. Os traços delicados estão ressaltados pela maquiagem leve, que fazem seus
olhos parecerem mais repuxados com uma sombra delicada sobre eles e a boca carnuda, coberta
por um batom vermelho, ainda mais tentadora.
— Ainda de roupão, mi cielo? — interpelo, apreciando um pouco mais a beleza dela.
Embora, é claro, Romana não precise de nenhum desses artifícios para ser a mujer mais bela em
qualquer ambiente.
O que Romana faz quando entra em uma sala... Eu sinceramente nunca vi algo parecido.
Costumo me irritar com toda e qualquer pessoa, mas é diferente quando a japonesa está por
perto. Próximas a ela, as pessoas ficam mais engraçadas, mais felizes, mais gentis umas com as
outras. E minha pequeña estrella sequer se dá conta de que faz isso, apenas... é ela mesma.
— Tem sorte que eu esteja me arrumando, depois das mensagens soberbas que você me
enviou — alerta, aprumando os ombros e adotando a postura rebelde que exaure o meu juízo. —
Aliás, falando nelas, o que você queria me mostrar?
Movo a cabeça, incisivo.
— No tempo certo, Romana.
Ela pensa em discutir, entreabrindo os lábios vermelhos, que me distraem por vários
segundos. Mas, por alguma razão, Romana desiste e dá de ombros, abrindo passagem para que
eu entre no apartamento. Atravesso a soleira, tentando conter um sorriso.
— Como você quiser, senhor juiz — diz ao se afastar, caminhando em direção à onde eu
imagino ser o quarto. Na última vez em que estive aqui, infelizmente, fiquei restrito a sala de
estar.
Tenho vontade de agarrá-la pelos cabelos em virtude de sua audácia, e ainda mais desejo
de tirar seu batom com a minha boca. Tê-la em meus braços no planetário nada fez para refrear a
minha fome e saudade, muito pelo contrário, relembrar o beijo e o toque de Romana somente
elevou a minha obsessão incontrolável pela garota.
Lutando contra os meus impulsos, eu me sento na mesma poltrona da última vez,
erguendo o pulso para verificar o horário. O evento de gala não é na cidade, mas no Missouri,
Estado vizinho que faz fronteira com o Kansas.
Um endosso político que mantenho com George em uma corda-bamba, visto nossa
relação conturbada e o fatídico episódio em que desloquei o nariz do desgraçado há um ano.
O som de passos chama a minha atenção poucos minutos depois, e eu desvio os olhos do
Rolex do meu pulso para vislumbrar a figura de Romana adentrando no cômodo, trajando um
vestido preto de alças finas e comprimento longo. Uma das quatro opções que enviei em caixas
para ela, e que, agora, me faz engolir em seco.
Hermosa, sería poco para describirla.
A japonesa se aproxima de mim com um sorriso ardiloso nos lábios, que deveria ter
soado como um alerta de que planejava testar os meus limites. Ela chega perto o bastante para
que eu sinta o tecido do vestido resvalar contra os meus joelhos cobertos, antes de se virar de
costas e, então, sentar no meu colo.
Puta madre!
— Romana... — grunho, rouco.
Com um girar de cabeça, seus repuxados encontram os meus.
— Fecha.
— O quê? — ecoo, atordoado.
A garota não fez um pedido.
Acabou de me dar una maldita ordem.
— O zíper do meu vestido, Tommaso — esclarece, ajustando sua posição no meu colo e
quase me fazendo fechar os olhos. Ninã inconsecuente! — Está me fazendo ir a esse evento, o
mínimo que pode fazer é fechar o meu vestido, certo?
Com um sorriso curvando o canto dos meus lábios, eu decido fazer a vontade dela. Do
meu jeito, é claro. Agarro os quadris, apreciando o ofego surpreso de Romana enquanto ajeito a
garota no meu colo, antes de acompanhar a curva delgada da cintura com as mãos.
Subo até em cima, até ser capaz de apoiar ambas as palmas contra os ombros delicados
dela, e usar deste toque para afastar os fios escuros de seu longo cabelo para longe, fazendo com
que eles caiam como uma cascata pelo seu ombro esquerdo.
Exalo ruidosamente ao alcançar o zíper, perdido em cada um dos segundos em que movo
os dedos para subi-lo até em cima, e prendo o pequeno botão acima do fecho.
— Não usou o amarelo porque eu disse que era meu favorito? — interpelo, deixando
minha respiração quente lhe arrepiar a pele.
Sinto o estarrecimento de Romana, a rendição ao meu toque, própria do corpo dela, ainda
que a menina tente mascará-la. Mas o momento é fugaz, quebrado por ela ao fugir do meu toque
e se colocar de pé.
— Escolhi o preto porque combinaria com você — responde para a minha surpresa. — É
a única cor do seu guarda-roupas.
Girando os tornozelos para ficar de frente para mim, ela ergue a perna até apoiar o pé
com a sandália de salto na minha coxa, dando uma visão sutil do meio de suas pernas, com uma
calcinha tão pequena que não consegue abraçar os lábios da sua boceta. Mostrando-me onde está
o amarelo.
Como se não bastasse tamanha provocação, o tecido está molhado. Consigo até mesmo
sentir o cheiro dela de onde estou.
Cerro a mandíbula, exasperado.
— Romana...
— Abotoa — exige, interrompendo minhas palavras ao lançar um olhar para os seus pés.
— Não vai querer que eu caia por aí, vai?
Examino a expressão dela, notando uma segunda camada que Romana parece
determinada a esconder e, para isso, está usando essa postura de garota mimada que sabe que me
arranca do sério.
Certamente, um comportamento relacionado a visita dela à clínica de reabilitação pela
manhã. Fui informado assim que Romana chegou ao lugar e conhecendo Jeffrey como passei a
conhecer desde que aceitou o meu suborno sem se importar com o bem-estar da filha, suponho
que tenha sido um completo desastre.
Algo que pretendo abordar logo.
— O que estava fazendo naquele banheiro? — eu desconfio. Ou a garota estava no meio
de algo quando cheguei, ou aproveitou os segundos lá dentro para além de colocar o vestido.
Não sei qual das alternativas me deixa mais duro, mas fato é que a ereção grossa em
minhas calças é difícil de ser ignorada.
— Mais cedo? Tomando banho, secando o cabelo, me maquiando... — Ela morde o lábio,
me encarando com os olhos pesados. Infierno, a mesma expressão que a garota faz sempre que
sabe que está prestes a gemer mais alto. — Cuidando de mim, já que ninguém tem feito isso
ultimamente.
Solto uma respiração carregada frente a provocação descarada. Romana abre um sorriso
vaidoso, curtindo toda a minha frustração.
— Sabia que ele era um idiota....
— Quem? — ecoa confusa.
— O tal Carlos Gonzáles da Espanha.
Romana até tenta pressionar os lábios, mas não consegue conter o sorriso despontando
por eles, tampouco a risadinha sem-vergonha que me confirma que o cretino numa existiu.
Ainda risonha, ela não contém sua inspeção indiscreta pelo meu corpo. Deixa seus olhos
caírem para os meus lábios, minha barba por fazer e o meu pescoço. Com a respiração
descompassada, ela continua, analisando a camisa social preta que estou vestido. O paletó, o
colete e a calça do mesmo tom.
— Gosta do que vê, pasíon? — provoco.
Romana pisca.
Então, pisca de novo.
— Eu só... — A japonesa solta a respiração devagar, vacilando na postura que estava
mantendo. — Sua gravata está torta.
— Ah, é? — Extingo a distância entre nós. — Você poderia me ajudar com ela, então?
Não é bem-visto que um homem como eu ande por aí desalinhado.
Ela umedece os lábios, pensativa.
— Sabe... — arrasta a palavra, erguendo as mãos para tocar a gravata. — É muita
coragem sua confiar o seu pescoço a mim.
— Tenho boas lembranças do que você fazia com ele.
O brilho que suas íris ganham diante das minhas palavras é fascinante, minando a
necessidade de uma resposta verbal para que eu saiba que ela está pensando nos momentos que
tivemos juntos no passado.
Por um longo tempo, nossas mentes brigaram como opostas, mas nossos corpos sempre
tiveram uma linguagem própria. Uma química que desconhece palavras.
— Isso porque eu te esgano apenas nos meus pensamentos.
Com os limites borrados essa noite, eu espalmo a coxa de Romana sem muita delicadeza,
fazendo com que relembre o peso da minha mão. Notar o arfar agudo e a forma como seus olhos
se arregalam é um verdadeiro deleite.
— Tommaso! — reclama, saltando no lugar.
— Isso é desacato, Romana!
— Desacato é o caralh...
Espalmo-a novamente.
Dessa vez, na bunda.
— Tsc, tsc, tsc... — recrimino, rouco, sentindo meus dedos formigando de vontade para
sentir mais da menina. Com algumas palmadas, eu poderia tê-la molhada e choramingando nos
meus braços de novo. — Que boca suja, corázon!
Romana fecha as pálpebras, engolindo em seco. Em seguida, decide que a melhor forma
de bater de frente comigo é apostando no mesmo jogo sujo. Ela desce as mãos da gravata para o
meu peito, abrindo os dedos da palma delicada para sentir mais do meus músculos tensos sobre
os tecidos.
— Por que quer tanto que eu vá a esse evento de gala? — fica curiosa em entender. E,
sinceramente, se ela descer um pouco mais essas mãos atrevidas sou totalmente capaz de
confidenciar a ela tudo o que a garota quiser saber.
— Porque quero que todos saibam que você, mi amor, está indisponível — declaro,
áspero. — Que pertence ao rei dessa cidade e que se qualquer um ousar ao menos olhar para a
rainha por tempo demais, nunca enxergará nada tão belo de novo.
Acaricio o rosto dela com os dedos, delineando com cuidado da maçã rosada até o queixo
erguido com a ponta dos dedos. Romana treme sob o meu toque.
— Um bom líder pensaria no seu povo.
— Acontece que eu faço mais o tipo vilão apaixonado — contradigo, sem remorso. —
Não hesitaria em acabar com Bayden Haven, ou o que está ao meu alcance no mundo, por você.
Jamais o contrário.
Observo de perto o que minhas palavras insensatas causam a ela, mas para além disso,
capto um novo olhar vindo da garota. Como se meu discurso tivesse funcionado como um
gatilho para os seus pensamentos e ela estivesse perdida neles agora.
— Quero te perguntar uma coisa — começa, erguendo a cabeça e encontrando meus
olhos. — E quero que seja sincero ao me responder.
Assinto, de imediato.
— Tudo que você quiser.
Romana entreabre os lábios, sem ecoar nada a princípio, como se estivesse escolhendo as
palavras certas. Um sinal de alerta que alavanca minha preocupação, pois, apesar de não ter dito
nada, eu percebi como seus olhos estão levemente inchados.
— Você... teve algo a ver com o meu intercâmbio?
Respiro fundo, buscando conter meu aborrecimento. Não direcionado a Romana, é claro,
mas ao cábron do pai dela.
— Você mereceu e merece estar lá, Romana — respondo, antes de tudo. — Seguindo
seu sonho de cursar astronomia. Pode ainda não ter descoberto a estrela que tanto almeja, mas eu
sei que a cada dia que passa, está mais perto desse objetivo.
— E quanto a sua influência me ajudou a chegar lá? — exige saber e noto a mágoa por
trás dessas palavras. Esse é um traço da personalidade de Romana que não se perdeu ao longo do
tempo, a japonesa continua sendo a pessoa mais orgulhosa que já conheci.
— Romana...
— Diga a verdade!
Não me limito a segurar somente o queixo dela dessa vez, toco ambas as bochechas com
as mãos, envolvendo o rosto da garota por completo. Romana me encara com relutância, mas não
tenta me afastar.
— Nunca menti para você, e não vou começar agora — adoto uma inflexão ímpia e
muito séria ao dizer. — Então, se quer realmente saber, sim, eu acionei os contatos que eu tinha.
Romana se empenha em abrir espaço entre nós, mas eu não permito. E em resposta,
avanço com meu corpo para ainda mais perto do dela, obrigando a menina a sentir muito mais do
que os botões do meu colete em seus seios cobertos. Uma atitude excelente para fazer com que
fique quieta.
— Você não tinha esse direito! — brada, melindrada.
— De ajudar a minha namorada?
A japonesa não se deixa levar pela frase doce.
Longe disso, fica mais irritada.
— De se intrometer no meu futuro!
Suspiro.
— Você foi muito bem na prova, isso é mérito seu — exponho em tom firme, calando
seus protestos. — Mas não tinha um dos melhores currículos entre os candidatos, Romana. O que
me soou muito injusto, dado a vida que você teve e todo o esforço que foi necessário para que
conseguisse conciliar os dois trabalhos que você tinha na época e sua rotina de estudos. — Faço
uma pausa curta. — Entiende, querida, eu apenas equilibrei a balança como pude.
Ela se mantém emudecida, analisando os detalhes da minha expressão. Dentre todas as
reações que Romana poderia ter, e dado o nosso abrasador histórico de brigas, imagino que eu
deveria estar grato por ela estar pensativa.
Infelizmente, saber que parte desse esgotamento emocional possui relação com o hijo de
puta do pai dela me arranca todo o contentamento.
— Suponho que isso tenha a ver com a sua visita à clínica de reabilitação mais cedo —
pontuo, devagar. — E antes que tente negar, percebi pelos seus olhos que esteva chorando.
Romana faz uma careta.
— É assustador que você sempre saiba de tudo.
— O que Jeffrey disse a você?
Romana dá de ombros, como se o fato não tivesse importância. Mas sua postura triste e
cabisbaixa conta uma história bem diferente. Uma que me faz ter vontade de sair daqui e ir até
Montain Hill, descontar cada palavra absurda que minha pequeña estrella precisou ouvir com o
punho.
— Basicamente, ele acha que sou uma puta — conta, tencionando meus músculos e
fazendo meu sangue ferver nas veias. — Que dei em cima de você por dinheiro, depois de me
dar conta de que nunca conseguiria nada com Santi.
A última parte me faz apertar os dentes, exasperado com tamanha barbaridade. Romana e
Santino possuem uma das amizades mais bonitas que já acompanhei de perto ao longo da vida. A
ponto de que, em muitos momentos, a garota parece muito irmã dele do que eu.
— No me jodas! — xingo, bramindo a imprecação.
— Nunca me interessei pelo seu dinheiro.
Odeio que ela diga isso, porque soa como se precisasse se defender e Romana não
parecida. Ao longo do nosso relacionamento, considerou meu dinheiro muito mais como um
empecilho do que como um atrativo dado seu orgulho desmedido.
— Eu sei que não, Romana.
Ela suspira.
— Mas se você me ajudou com a bolsa, é fácil juntar os pontos e chegar à conclusão que
o suposto auxílio que eu recebi do intercâmbio para me manter na Espanha também foi obra sua,
não é?
Diablos, odeio como a ninã és esperta!
— Não queria enganar você, só queria ajudar.
— Se você me incluísse nesses seus planos absurdos, nós não brigaríamos tanto, sabia?
— retruca, pressionando os lábios em um beicinho teimoso. Uma infantilidade que nunca me
irritou, já que a japonesa é tentadora demais.
Meneio uma negativa.
— Brigaríamos, sim! — discordo, bem-humorado. — E nós dois sabemos que da forma
como você deixou Bayden Haven, jamais aceitaria qualquer ajuda vinda de mim.
Romana exala, assentindo.
— Enviei grande parte do seu dinheiro para cá para ajudar com os custos da clínica —
confessa com uma careta, movendo as mãos para os meus ombros novamente, até conseguir
cruzar as palmas pequenas na minha nuca.
— Acha mesmo que eu permitiria que você usasse o dinheiro para esse propósito,
Romana? — exponho, deixando a garota confusa no primeiro momento. — Ele foi destinado
para ajudar com o seu futuro, uma vez que você não o gastou na Espanha, criei uma conta e o
depositei para você. Tem rendido bons juros esse ano, o suficiente para você financiar suas
pesquisas quando se formar.
Romana balança a cabeça, os olhos marejando mais a cada segundo como se não pudesse
acreditar. Dando o tempo que ela precisa para assimilar a informação, eu movo meus dedos para
acariciar os fios escuros do cabelo dela. Sedosos, longos e cheirosos. Matando parte da saudade
que senti ao longo dos mais de trezentos dias em que ela esteve distante de mim.
— Eu não sei se estou ofendida, grata... — pausa, respirando fundo para controlar o tom
embargado. — Ou simplesmente furiosa com você!
Coloco uma mecha atrás de sua orelha.
— Queria que não estivesse triste.
— Acho que isso é impossível no momento.
Trago Romana para os meus braços.
A garota fica na ponta dos pés para afundar o rosto na curva do meu pescoço, apertando
os dedos contra o tecido do meu paletó. Descanso o queixo sobre o topo da cabeça dela e respiro
fundo, sentindo o aroma floral e adocicado que emana dela.
— Lembra de quando você me buscou na delegacia? — pergunta depois de um tempo, e
eu murmuro uma resposta, sem compreender onde ela pretende chegar. — Eu te disse que valia a
pena lutar pela família, e eu ainda acho que vale. Se eu tivesse uma como a sua, eu lutaria com
toda força que tenho. — Romana faz uma pausa, a voz soando abafada contra a minha pele
quando continua. — Mas você estava certo em dizer que estar sozinho não é a pior coisa do
mundo. A solidão agora... parece muito melhor do que conviver com aquele homem.
Aperto meu domínio em volta dela, deslizando uma mão pelos seus cabelos e costas em
movimentos calmos, fazendo com que sinta meu corpo e meu toque em cada parte do seu.
— Você nunca vai estar sozinha enquanto eu viver, cariño — prometo a ela. — Perto ou
longe, aqui ou a um oceano de distância, eu sempre, sempre vou estar com você.
Ela descansa as panturrilhas, reduzindo consideravelmente sua altura mesmo sob os
saltos. Na altura do meu peito, a japonesa ergue a cabeça para apoiar o queixo contra o meu tórax
e ser capaz de me olhar. Meu mundo inteiro desaba ao encarar seus olhos repuxados, marejados
em dor e agonia, como o pior dos castigos.
— Por que você me deixou ir embora? — interpela de forma vulnerável, e eu quase,
quase conto a verdade a ela.
A revelação de que se eu não sentisse que perderia outra parte do meu coração, eu teria
atravessado muito mais do que um oceano para entregá-lo em uma bandeja de prata a ela paira na
ponta da minha língua. Por pouco não sai pelos meus lábios, assim como a confissão de que o
maior erro que cometi na vida foi afirmar que a japonesa nunca seria uma Falcão-Ruiz. Ela pode
não ser espanhola, mas tem toda a sagacidade do nosso sangue, e ninguém seria mais perfeita
para comandar o reinado dessa cidade ao meu lado.
— Eu ofereci espaço porque era o que você precisava — afirmo, sem precisar mentir
quanto a isso. — Mas eu nunca deixei você ir, Romana. Ainda não percebeu que sou egoísta
demais para deixar você?
Ela suspira em meus braços, afastando o rosto e endireitando a postura. Os olhos
marejados perdendo força e me causando profunda satisfação por ser capaz, apesar de tudo, de
confortar a menina com meu toque e minhas palavras.
— Para alguém tão rabugento, você sabe bem o que dizer quando quer ser carinhoso,
senhor juiz — aponta docemente.
— Eu não sou rabugento, ou mal-humorado.
Romana bufa diante da mentira descarada.
E é adorável de assistir.
— Se um raio de sol chegasse perto de você, ele perderia o brilho e morreria chorando.
Sinto-a enrijecer, ao passo que entreabre os lábios.
— Ai caramba! — exclama.
— O que foi?
— Eu sou como um raio de Sol!
A resposta despretensiosa e absurda causa uma risada rouca ecoa no ar, e demoro alguns
segundos para perceber que é minha. Romana, no entanto, pende a cabeça charmosamente para o
lado e deixa os olhos repuxados caírem para a minha boca assim que a percebe curvada em um
sorriso largo.
— Está rindo... — contempla.
— Eu estou.
— Você sorri muito perto de mim.
Anuo, sem me importar em negar.
É verdade, afinal de contas.
— É engraçado eu não suportar ficar perto de algumas pessoas nem por alguns segundos,
mas querer viver o resto da vida no seu abraço? — murmuro, afundando a cabeça na curva do
seu pescoço e beijando sua clavícula. — No seu cheiro. No seu beijo. Em você.
Romana se arrepia e eu sinto toda a sua entrega com a boca, plantando beijos pela pele
exposta. Ao sentir sua pulsação acelerada, uso a língua e os dentes para tentar marcá-la. Seu
gemido ecoa livre entre nós, mas seus dedos se entremeiam nos fios do meu cabelo, forçando
minha cabeça para trás, antes que eu possa continuar com o meu ataque.
— Melhor a gente ir, ou vamos nos atrasar.
Engulo a saliva com dificuldade.
Contrafeito com a ideia.
— É impossível se atrasar com um jato particular.
Uma de suas sobrancelhas arqueia.
— Você não está brincando, não é? — pergunta, recebendo meu silêncio como resposta.
— Ai, meu Deus, Tommaso! Você fretou mesmo um jato particular somente para nos levar?
Abro um sorriso cínico.
Teoricamente, eu tenho um à minha disposição.
— Soy tu hombre rico, recuerda? — galanteio, limpando a garganta para clarear meu
tom rouco de tesão. — Avise se quiser fazer um passeio de iate ou algo similar a isso. Posso
providenciar.
Aproveitando-me do estado embasbacado de Romana, eu a seguro pela cintura, mantendo
uma das mãos espalmadas contra suas costas, bem acima da bunda que eu quero até o fim da
noite no meu colo de novo, e a conduzo para fora do apartamento.
— Só para você saber, amanhã mesmo seu pai sairá de Montain Hill e também de
Bayden Haven — prometo a ela, enquanto pega uma bolsa pequena em uma mesa ao lado da
porta e tranca a porta do apartamento.
— Tommaso, isso não é necessário.
Faço-a parar no corredor.
— Ninguém fala com mi mujer daquele jeito e continua nesta cidade, Romana — afirmo,
resoluto no tom que não abre discussão. — Jeffrey tem sorte que você não suporta violência, do
contrário eu não estaria apenas o expulsando daqui. Arrancaria a porra da língua do cábron para
que não fosse capaz de te ofender de novo.
Romana suspira, e eu me inclino para beijar a testa dela. Em seguida, conduzo-a pelo
corredor em direção aos elevadores.
— Por hora, não pense sobre isso — aconselho, assim que adentramos na estrutura de
metal. — Nossa noite está apenas começando, e até o fim dela, farei com que você esqueça a
manhã horrível que teve.
Sou recompensado com um sorriso.
— Sabe o que não vou esquecer? Que você tem algo para me mostrar — pontua,
estreitando os olhos repuxados em curiosidade. — Ou das perguntas que quero fazer a você antes
que esta noite termine.
— São muitas?
Enigmática, Romana nega.
— Uma em especial.
Do topo das amplas escadas, eu encaro o amplo salão de festas, impressionada com a
magnitude do evento. Há várias mesas cobertas com uma elegante toalha de mesa cor de
champanhe, com um arranjo exuberante de peônias brancas no centro e cadeiras estofadas.
A iluminação determina um papel crucial na criação de uma atmosfera sofisticada e
glamourosa, com os candelabros de cristal e um opulento lustre localizado no centro do espaço.
— Pronta, mi cielo? — pergunta, parado do meu lado.
Girando o rosto para olhá-lo, sou atingida novamente pela presença de Tommaso,
perigosamente assombrosa a ponto de tomar conta de tudo ao redor. É mais do que o terno
escuro feito sob medida, as abotoaduras de diamante e o relógio importado em seu pulso. É mais
do que o sobrenome e a respeito do poder que não conhece limites.
Tudo sobre ele diz, mesmo que sem palavras: Não sou um homem que deva ser
contrariado. Se alguém ousar tentar, não hesitarei em esmagá-los com a sola dos meus sapatos de
couro italiano.
— Não precisamos demorar. — Tommaso me oferece sua mão, e eu aceito. Sorrio
levemente ao observar minha palma desaparecendo dentro da dele, maior e mais pesada. — Na
verdade, muito me agrada passar a maior parte dessa noite sozinho com você.
A barba por fazer que cobre o rosto lhe dá uma aparência mais velha, dura e intocável.
Mas com esse tom rouco e afetuoso direcionado a mim, sinto como a única pessoa capaz de vê-lo
por detrás dessa armadura.
— Tudo bem — concordo.
Descendo as escadas ao lado de Tommaso, eu me sinto como a rainha que às vezes ele
refere que eu sou. A fenda no meu vestido esvoaça a cada degrau que desço e não um par de
olhos por todo lugar que não esteja sobre nós, assistindo a forma como nos movemos.
Mal atingimos o fim das escadas, antes que um homem se aproxime de nós. Pelo porte
dele, também pelo terno de aparência cara que usa, eu desconfio que seja o anfitrião da noite.
Junto a ele, duas mulheres se aproximam.
— Não tinha certeza de que você viria — ele alfineta Tommaso, abrindo um sorriso
expressivo ao falar comigo. — E você é a bela Romana, é um prazer.
Fico surpresa que saiba quem eu sou, assim como com o gesto antiquado ao pegar a
minha mão livre e beijar o dorso. Lanço um olhar confuso na direção de Tommaso, mas ele está
ocupado demais em fuzilar o homem com os olhos, desenlaçando nossas mãos para segurar a
minha cintura de forma possessiva.
— Sim. Romana Takayama — eu me apresento, afastando a minha mão e direcionando
um sorriso as mulheres atrás dele.
— George Hutchinson. Governador do Estado do Missouri e seu anfitrião esta noite —
expõe com um orgulho pedante. É um homem bonito, de traços clássicos e um corte típico dos
anos sessenta. — Fico muito decepcionado que não tive a oportunidade de conhecê-la antes.
Tommaso limpa a garganta, chamando atenção com o pigarreio severo. Com uma
suavidade que em nada condiz com sua postura letal, ele se inclina e beija o topo dos meus
cabelos.
— Eu diria que é uma pena para você que Romana esteja fora dos limites, mas não seria
sincero — expõe sem cordialidade, me fazendo desconfiar de que há algo além de inimizade
entre eles.
George abre um sorriso tenso.
— Isso significa que já começaram a planejar o casamento? — interpela e eu não consigo
evitar a ruga que se forma entre as minhas sobrancelhas.
Como assim casamento?
Fito Tommaso, que possui a mandíbula tensa e uma expressão dura tomando seu rosto,
claramente insatisfeito com o comentário equivocado do Governador. Nós nunca estivemos
noivos.
— Essa garota não parece se impressionar fácil — ele prossegue, diante do nosso
silêncio, observando sem sutileza a minha mão. — Vejo que não providenciou um anel de
noivado ainda, então vou aproveitar o momento para te dar uma dica, meu amigo. É bom que o
diamante seja enorme, as mulheres gostam dessas coisas. — George ri. — Se não for, outra
coisa tem que ser.
Desconfortável, não consigo refrear o som seco e ofendido que escapa pelos meus lábios.
Primeiro porque apesar de jogar seu charme para cima de mim, George parece mais preocupado
em atingir Tommaso. Segundo porque ele basicamente me chamou de interesseira na minha cara
e escolheu um péssimo dia para fazer isso, depois da manhã infernal que tive hoje.
— É por isso que suas garotas usam tantas joias? — pergunto de forma inocente,
lançando um olhar às duas mulheres, paradas a alguns passos de distância. — Desculpe, que
indelicadeza a minha. — Inclino o corpo na direção do de Tommaso. Apoio minha palma sobre
seu peito rígido e amplo, ainda com os olhos no governador. — É que se fosse esse o parâmetro,
eu acabaria me casando com um solitário minúsculo.
Sinto o tremor da risada do juiz contra os meus dedos e, apesar da rispidez das minhas
palavras, George não parece particularmente ofendido comigo. Ou, talvez, apenas tenha como
prioridade provocar o homem ao meu lado.
— Linda e dona de uma língua muito afiada...
— Tenha cuidado para não acabar sem a sua, George — Tommaso ameça em seu tom
mais letal. — Aproxime-se dela, e eu considerarei isso uma declaração de guerra.
O governador pressiona os lábios.
— Está sendo exagerado, Tommaso.
— Cállate! E fique longe dela, carajo!
Como se dissesse: você já ocupou muito do nosso tempo, Tommaso nos afasta do
governador. Caminhando lado a lado, com sua palma pesada firme em minha cintura, ele nos
direciona para o centro do salão, onde alguns casais estão dançando.
Com habilidade, ele ergue o braço para me fazer girar no lugar, apreciando a risadinha
surpresa que eu ecoo diante do movimento. Em seguida, me leva de volta para os seus braços,
envolvendo a minha cintura enquanto eu seguro seus ombros fortes.
— Você não deveria levantar a mão assim, você é velho — atiço, fazendo referência ao
movimento dele de antes. — Deus pode decidir que é um bom momento para te mudar de plano.
Tommaso estreia os olhos para mim.
— Engraçadinha!
— Você estava apreciando o meu senso de humor há uns... — Finjo pensar, arqueando
uma sobrancelha de forma vaidosa. — Pouco segundos? Aliás, me chamar de esposa troféu é
uma espécie de elogio para você?
O canto dos lábios dele se ergue.
Ele sabe que me referi a forma territorialista com que agiu desde que chegamos. Ao
motivo de ter me trazido aqui esta noite, para começo de conversa.
— Não, mas te chamar de esposa certamente seria.
Pressiono os lábios, sem querer dar o braço a torcer diante de sua resposta. É por isso que
ele é um excelente juiz, no fim das contas, Tommaso é habilidoso com as palavras e as usa muito
bem para sua própria conveniência.
— O que ele quis dizer com aquela história de noivado? — pergunto, expondo minha
confusão sobre o discurso de George.
Tommaso limpa a garganta.
— Él es un imbecil.
— Você ficou muito nervoso... — pressiono, atenta a reação dele. Exasperado, Tommaso
murmura um Dale em espanhol. — E com ciúmes.
— Não gosto de outros homens com os olhos sobre você.
Com ele me conduzindo, nos movimentando levemente para um lado e para o outro em
uma dança lenta e íntima, não preciso me preocupar com nada além da nossa conversa. Meus pés
se movem por instinto, acompanhando os de Tommaso, mesmo que eu nunca tenha sido uma boa
dançarina.
— Achei que fosse partir para cima dele.
— Não seria a primeira vez.
— Que vocês brigam? — esclareço.
— Que eu desloquei o maxilar de George com meu punho por ele falar de você, Romana
— responde sério, e meus olhos se arregalam.
Abro e fecho os lábios em choque.
— Tommaso...
— Lembra da festa que do time de Santino que eu flagrei? — interpela ao notar que meus
balbucios não chegaram a lugar nenhum. Parei até mesmo de dançar, imóvel e totalmente focada
nele. — A mesma que você me provocou, dançando com aquele garoto dos Wildcats.
Aquiesço, movendo a cabeça.
— Digamos que o motivo para que eu tenha retornado mais cedo foram os comentários
inoportunos de George sobre você — revela em tom duro, como se revivesse o fato. — Ele viu
uma foto sua com Santino e, maldición, teve a ousadia de me perguntar se você era a namorada
do meu irmão ou se o caminho estava livre.
A tensão nos músculos de Tommaso é percebida por mim e, tentando aplacar esse
sentimento corrosivo dentro dele, deslizo minhas palmas dos seus ombros para o peito. Sinto as
batidas do seu coração que ele sempre ressaltou não ter contra a ponta dos dedos.
— E aí você simplesmente deu um soco nele? — presumo, sem evitar a expressão
distorcida que toma o meu rosto.
— Não, eu quebrei o nariz e desloquei a mandíbula.
Cubro os lábios por instinto.
— Tommaso!
— Não percebeu que o nariz dele é torto?
A risada é inevitável e, tentando escondê-la, eu pressiono meu rosto no peito de
Tommaso, que rapidamente aperta os braços ao meu redor. O som abafado ecoa de forma íntima
entre nós, cumprindo a promessa que o juiz me fez mais cedo de tornar essa noite muito mais
agradável do que o dia que tive.
— Romana... — chama, e eu ergo a cabeça.
— Não acredito que você fez uma piada — digo em falso tom ofendido. — Pior, uma que
conseguiu me arrancar uma risada.
Tommaso sorri.
— O que você acha de sairmos daqui? — propõe, e eu não ouso apontar a contradição do
fato de que acabamos de chegar. — Posso tentar te arrancar mais alguns sorrisos em um
restaurante.
Faço uma negação.
— Prefiro que me leve para casa.
— Quer voltar ao seu apartamento?
Novamente, eu nego.
— A minha casa — repito, e me sinto enrubescer porque aquele lugar não é mais meu. —
A minha antiga casa, eu quero dizer.
Tommaso verte sua atenção poderosa sobre mim.
Os olhos escuros e esverdeados acompanhando cada traço do meu rosto como se, dessa
forma, conseguisse a resposta que procura.
— Jeffrey te contou? — confirma suas suspeitas.
Assinto.
— Posso ir lá?
Tommaso concorda, embora pareça nervoso.
— Você pode qualquer coisa, Romana.
— Tommaso! — ela chia, deixando um gemido agudo escapar. — Não percebe como
estou molhada?
Direciono um olhar divertido a Romana, avaliando a forma como suas íris estão escuras e
como os olhos repuxados estreitam em insatisfação. Até mesmo a respiração dela está
descompassada, soando carregada e ofegante conforme se move.
— Ah, pasíon...
Ela geme novamente.
— Vou ficar encharcada desse jeito.
Abro um sorriso de canto.
— Bem do jeito que eu gosto.
Romana rola os olhos, risonha.
Impaciente, ela tenta alcançar o guarda-chuva em minha mão. Objetivono qual poderia
ter tido êxito se eu não previsse seus movimentos e erguesse o braço mais alto, tornando
impossível para Romana conseguir arrancar o objeto de mim, mesmo em cima de um par de
saltos.
Poucos passos nos separam da escada retrátil da aeronave, felizmente. Sem alternativa,
Romana se agarra mais a mim, buscando fugir das gotas traiçoeiras de chuva enquanto entramos
no jato. Deixo o guarda-chuva no canto, próximo do cockpit [JR34]e a conduzo em direção à
cabine, protegida por uma porta de separação.
Mesmo que tenha examinado o interior da aeronave na viagem que fizemos mais cedo, os
olhos curiosos de Romana voltam a percorrer o layout de estilo clássico, com móveis de madeira
escura e poltronas de estofamento em couro.
Como da primeira vez, o que mais atrai sua atenção são as obras de artes que
complementam a decoração com iluminação embutida e detalhes em aço inoxidável. A
apreciação de Romana pela arte é encantadora, e eu me sinto fascinado por descobrir mais e mais
da garota a cada segundo em que estou na companhia dela.
— Eu odeio você! — exclama com um sorrisinho no canto dos lábios carnudos, girando o
corpo na minha direção.
Japonesa mentirosa!
Não estamos nem perto de estarmos encharcados, como ela fez parecer. Embora essa
imagem de Romana, com algumas gotas de água caindo pelos ombros expostos e a marca úmida
da minha palma em sua cintura, me faça recordar memórias do nosso passado. Explicitamente, a
noite em que beijei a garota pela primeira vez e me tornei o seu dono.
A passos devagar, eu me aproximo de Romana, que reage, estremecendo antes mesmo
que eu a toque. Quando paro, estamos muito próximos. Ao menor movimento de qualquer um de
nós, nos tocaríamos.
— Seu corpo discorda disso.
Ela move os ombros de forma suave.
— É deselegante rejeitar um homem tão gostoso.
Sem o paletó e o colete, que tirei no carro no caminho para cá, Romana encara o
triângulo de pele bronzeada e os pelos grossos e curtos do meu peito através dos dois botões
abertos da camisa social preta.
— Quando vai admitir que nunca me odiou de verdade? — desafio, pendendo a cabeça
para sentir sua pele macia com os meus lábios. — Tentou esconder o desejo que sentia por mim,
bem como eu tentei fazer. — Beijo o ombro, sinto a pulsação acelerada e sugo a pele do
pescoço. — Mas nunca funcionou, Romana, e você sabe.
Rodeio o corpo de Romana até me posicionar atrás dela, ignorando a voz do piloto que
pede para que nos sentemos e afivelemos nossos cintos para decolagem. Toco os fios escuros do
seu cabelo e os afasto para que caiam pelo ombro, expondo a nuca de Romana, que se arrepia
com a minha presença.
— Nós temos isso, essa química. ¿Siéntate, mi reina? — Com o hálito quente, eu beijo
sua orelha e arrasto os dentes pelo lóbulo. Romana geme, jogando a cabeça para trás e apoiando-
a contra o meu ombro. — É isso que nos faz voltar, apesar do tempo ou de tudo que passamos. É
por isso que nunca poderíamos ficar separados.
— Tommaso... — chama, ofegante.
— Não seremos interrompidos, cariño — sou rápido em dizer, sentindo sua
preocupação. Dei ordens explícitas ao piloto e à comissária de bordo para que isso não
acontecesse antes de embarcarmos.
Subo com as palmas pelas dela, sentindo os antebraços delicados e ascendendo o meu
toque pela lanugem eriçada dos braços até apoiar minhas mãos em seus ombros magros. De tão
grandes, minhas palmas são capazes de envolvê-los por completo.
— Você me fez colocar esse vestido — lembro em tom roufenho; um sorriso pretensioso
ganhando meus lábios. — Suponho que eu tenha todo direito de tirá-lo, não é?
Basta um sussurro para que meus dedos cheguem ao zíper do vestido e eu comece a
deslizá-lo para baixo. Lentamente, eu observo a revelação da curva sensual de suas costas com as
duas covinhas marcadas na parte mais baixa delas.
Romana gira em meus braços, a tempo de enganchar os polegares no tecido amontoado
em seu quadril e fazer com que ele caia aos seus pés. Vislumbro os seios cheios com os mamilos
rosados e intumescidos, a barriga macia e os quadris que suplicam pelo meu agarre mais feroz.
Alucinado com a visão atordoante de mi japonesa somente com uma calcinha amarela e o par de
saltos pretos.
— Vai tirar minhas sandálias também? — ela me desafia, empinando o queixo. ¡Esa
jodida postura caliente!
Faço um movimento lento de cabeça.
— Quero te foder com elas — decreto, minha voz tão rouca que soa estranha, quase
animalesca. — Quero sentir os saltos nas minhas costas e nas minhas coxas enquanto você sente
o meu pau voltar para o lugar onde ele pertence.
O olhar lânguido no rosto de Romana ao me ouvir é o suficiente para que eu aja,
agarrando a japonesa pelo pescoço a ponto de fazê-la precisar ficar na ponta dos saltos para se
manter de pé.
Movo e pressiono a garota contra a parede da aeronave, segundo antes que eu tome a sua
boca em um beijo impetuoso. Seus lábios ficam inchados em pouco tempo com o meu assalto
violento e, ainda sim, ela se rende ao meu toque.
Tan deliciosamente suave!
Sinto sua pulsação acelerada contra os meus dedos longos, apreciando a sensação de suas
mãos ansiosas percorrendo meu corpo. Grunho em sua boca enquanto Romana me lambe,
enlaçando a língua na minha e me provocando com seus lábios melados para que minha boca vá
mais duramente contra a dela.
— Me diz... — pede baixinho, sem ar entre os nossos beijos. — Diz o quanto você sentiu
falta disso... De mim.
O pedido carente me transtorna. Largo seu pescoço para agarrar a menina pelas coxas,
trazendo-a para os meus braços com um único movimento. Obrigo suas pernas a envolverem a
minha cintura estreita e suas mãos a agarrarem meus ombros cobertos em busca de apoio.
Nossos olhos se encontram, perdidos no mesmo desejo abrasador e descomedido, e um
ruído se faz presente quando eu me permito sucumbir a ele, agarrando a lateral fina da calcinha
de Romana e arrancando-a de seus quadris com brutalidade. O tecido rendado e delicado se
rasga, expondo sua doce boceta para mim.
E então, eu bato nela.
Mi mujer solta um gritinho, contorcendo-se nos meus braços, e eu bato de novo entre
suas pernas, só para ouvi-la ecoar esse choramingo necessitado novamente.
— Passei meses me perguntando quanto tempo mais aguentaria passar sem beijar esses
lábios. — Toco o lábio inferior de Romana, cheio e rosado com os meus. Ela entreabre a boca,
tentando desesperadamente lembrar como respirar enquanto eu a mantenho firme nos meus
braços pela cintura. — Extrañé tu tacto, tu piel[JR35]... Seu corpo foi feito para se encaixar no
meu de todas as formas possíveis, mi amor.
Romana rebola, fazendo a fenda molhada e lisa entre suas pernas se esfregar contra o
tecido refinado da minha calça social. Um prazer cálido percorre cada terminação nervosa do
meu corpo apenas por tê-la tão devotada nos meus braços, tornando meus músculos tesos em
antecipação e provocando o latejar do meu pau, vazando pré-gozo pela cabeça a essa altura.
— A ideia de não ver seus olhos quando eu acordar ou não ouvir seu coração do meu
lado enquanto você dorme... Santo cielo, me deixou doente, Romana. — As pontas dos meus
dedos percorrem os traços do rosto dela, descendo pela curva do pescoço. — Não quero passar
nem mais um dia sem você.
Romana entremeia os dedos em meu cabelo e extingue a distância entre nós,
mergulhando novamente a boca na minha. Meus lábios tomam os seus em um beijo faminto, e eu
não resisto em mover as mãos pelo corpo dela, sentindo cada curva perfeita como se fosse a
primeira vez.
Caminho com ela nua em meu colo, com exceção das sandálias, na direção da mesa
próxima das poltronas da aeronave. É uma mesa grande e ela não é uma mulher alta, então
consegue se ajustar confortavelmente com espaço de sobra.
Coloco meu corpo entre as pernas de Romana, segurando firme em seus tornozelos e
trazendo seu corpo para mim, mantendo-a exatamente onde quero. Ela sorri, com os braços
esticados acima da cabeça e os olhos pesados de desejo.
Inclino todo o meu corpo sobre ela, impondo minha robustez e tamanho e corro a ponta
do nariz ao longo de sua mandíbula, amando a forma como ela arqueia a coluna e busca pelo
meu toque. Codiciosa! [JR36]
— Me deixa sentir seu gosto — peço a ela, como um homem perdido. — Por favor,
Romana.
Ela sorri, vaidosa ao me ouvir pedir.
— Pensei que o rei nunca implorava.
— Para a rainha, ele implora — declaro em resposta. — Diga que quer, mi reina, e eu
vou lamber você inteira até que grite o meu nome.
Traço uma trilha entre os seios até o umbigo. Romana torce os dedos finos em meus
cabelos quando minha língua toca a sua pele; os quadris ansiosos avançando para frente, fazendo
a boceta molhada me marcar com seus fluidos.
— Dale, Romana!
Ela arqueja, estremecendo.
— E-Eu quero...
Xingo em espanhol, ansioso e esfomeado.
Desço a língua pelo vão, indo para a barriga, percorrendo a volta delicada do umbigo
antes de voltar para cima. Abocanho um seio, sugando a carne cheia deles, deixando Romana se
contorcendo sobre a superfície de ébano. Repito o ataque, chupando o outro mamilo carente até
sentir a parte mais túmida dele se esfregar contra o céu da minha boca.
Joder, podría hacer esto para siempre!
Desço meus lábios pelas costelas e, então, de volta aos músculos tensos de sua barriga,
com um destino certo dessa vez. Mordo o interior de suas coxas macias, meladas com seu desejo
que escorre pelas pernas, e sinto seu aroma doce de mulher.
— Seu clitóris está duro, córazon... — observo ao entreabrir os lábios da boceta com os
dedos, expondo a carne rosada e sensível. Romana treme, excitada e ansiosa, choramingando por
mim. — Você vai gozar rápido, não vai?
A garota está tão agitada que preciso segurar firme em sua bunda para fazer com que
fique parada. Suas pernas estão vacilando quando eu as seguro e apoio seus joelhos sobre os
meus ombros, inclinando-me para fazer com que a minha respiração faça cócegas em sua pele
sensível.
— Por favor, Tommaso...
Abro um sorriso satisfeito.
Sigo meu caminho para o seu clítoris, certo de que nada no mundo pode possuir um sabor
melhor do que o dessa mulher. Mí mujer! Corro a minha língua, tesa e grande, contra seu clítoris
e Romana grita, afundando os dedos em meus cabelos.
Mergulho nela como um homem possuído, meus dedos agarrando seus quadris para
mantê-la aberta ao meu assalto. Eu a pego com a minha língua, meus lábios e os dentes,
comendo a garota como un hombre obsesionado pelo seu sabor. Os gemidos dela, esse fodido
gosto de céu... Porra, meu pau está tão duro que chega a doer!
Sei que Romana está recebendo prazer com tudo isso, e eu quero que ela goze muitas
vezes, recordando do prazer violento que é foder consigo. Mas neste momento? Onde estou
tateando a sua pele macia, agarrando sua carne molhada e inalando o cheiro excitado de sua
boceta? Isso é para mim.
Seu sabor, seus suspiros, o seu desejo.
É tudo para mim.
— Oh, céus! — clama ao sentir meu dedo longo e grosso invadir seu canal apertado,
empurrando para baixo para encontrar o ponto certo, capaz de levá-la ao limite. — Não pare...
Por favor, Tommaso, não pare...
Como eu poderia? Tudo que eu posso fazer é respirar e provar dela. Perdido quando subo
meu olhar e flagro o momento exato em que Romana se apoia nos cotovelos para assistir o que
estou fazendo com ela. Os olhos repuxados quase se fecham com as pálpebras pesadas de tesão e
os lábios formam um O perfeito, por onde arquejos pesados escapam. Sexy como o inferno!
— Gosta de assistir, não é, cariño? — Faço minha barba áspera raspar em sua pele
sensível e ela aperta mais os mamilos, começando a vibrar, os músculos da boceta contraindo
com tanta força que quase expulsam meus dedos. — Gosta da imagem da minha boca fazendo
isso com você.
Romana começa a moer de volta na minha cara, suas unhas arranhando contra o ébano da
mesa, gemidos e gritos ofegantes rasgando por sua garganta, fazendo com sua voz soe rouca e
desesperada.
— Deus, sim! Gosto de observar você... me dando prazer — admite em um murmúrio,
balbuciando as palavras. — Gosto de ser a única a colocá-lo de joelhos.
Romana agarra seus seios com mais força, rebolando com os quadris em minha boca,
ávida pelo seu orgasmo. Conhecendo seu corpo e sabendo exatamente o último estímulo que
falta, faço pressão ao sugar o clitóris inchado e estocar mais rápido em seu interior, preenchendo
o ar ao nosso redor com o som obsceno e molhado da sua boceta gananciosa, engolindo dois dos
meus dedos com fome.
— Dale, pasíon... — sussurro o comando. — Molhe o meu rosto com seu prazer. Ven a
mí.
Romana estremece da cabeça aos pés, sendo varrida por uma onda tão forte de prazer
enquanto eu a masturbo, que os dedos dos seus pés se curvam e lágrimas se acumulam no canto
dos seus olhos.
O tesão a fez pulsar na minha boca em meio ao orgasmo, gritando pelo meu nome e se
agarrando aos meus cabelos, ombros e costas, arranhando o tecido da minha camisa com as
unhas curtas. Assisto vidrado cada segundo disso, cada vibração tomando suas coxas, cada
impulso involuntário do seu corpo, compartilhando do mesmo êxtase. Porque a sensação que
tenho é que não há nada além dela, nesse momento. Ela, seu cheiro, seu sabor e a pressão gostosa
apertando em volta do meu dedo.
— Tommaso... — chama, uma e outra vez. Meu nome soando como uma prece em seus
lábios, irresistível nesse tom rouco e sem fôlego. — Tommaso...
Mi mujer arfa, choramingando ao me sentir lamber mais uma vez, substituindo meus
dedos pela língua para sentir seus tremores na ponta dela. Percorrê-la por seus lábios íntimos,
pelo clitóris túmido, desacelerando tudo até que Romana consiga respirar de novo.
Ela está mole quando eu escalo seu corpo pequeno e flexível, e a beijo, fazendo com que
ela sinta o sabor picante e inebriante do seu próprio prazer.
— Sentiu falta do seu espanhol? — instigo, arrogante.
E ela, claro, me atiça em igual medida.
— Tanta, que ainda eu não matei toda a saudade que estou sentindo. — Romana umedece
os lábios, fazendo a ponta da língua rosada correr pelo lábio inferior de forma sensual. —
Consegue dar conta de mim, senhor juiz?
Hija de puta!
Um sorriso lento e perigoso se forma nos meus lábios.
— Estava disposto a te dar um descanso — aviso, áspero, agarrando as pernas de
Romana e a girando na mesa. Com um arfar inesperado, pega de surpresa com o movimento, ela
não consegue reagir até que eu puxe seus quadris para mim e faça seus pés quase tocarem o
chão, deixando seu corpo de costas para o meu. — Mudei de ideia, hermosa.
Desabotoo a minha camisa, arrancando o tecido com brusquidão, e solto o cinto,
arrastando o couro através dos passantes da calça social. Bato com a fivela na mesa, fazendo a
japonesa sobressaltar no lugar, e esse é o único aviso que a menina recebe antes que eu abra o
zíper e puxe o meu pau duro e pesado para fora, empalando-a de uma única vez em um
movimento selvagem.
Seu grito agudo ecoa entre nós, e ela se arqueia com a invasão, fazendo com que eu
enterre meu rosto em seus cabelos. Sinto os fios sedosos me fazerem cócegas e o cheiro feminino
de lavanda e tesão me impregnar os sentidos, ébrio com a sensação da sua carne úmida me
apertando depois de um maldito ano repleto de saudade. Nunca estive tão duro assim antes,
tenho certeza disso.
Recuo com os quadris, assistindo meu cumprimento grosso molhado pelo tesão da garota,
apenas para voltar ao seu interior com uma estocada dura. Impeço seu corpo de ser jogado para
frente com o aperto possessivo das minhas mãos em sua cintura, e aumento o ritmo das
penetrações, deslizando fácil pelo canal apertado e grunhindo ao sentir minha glande atingir o
colo do útero.
— Eu quero ir duro, fazer seus olhos se encherem de lágrimas — confesso, bramindo as
palavras com meus lábios roçando em seu ouvido. — Quero ir forte o bastante para que eu mal
consiga me segurar dentro de você.
Girando o pescoço, ela me faz recuar e encontrar seu olhar embriagado de desejo por
cima do ombro. Sensual, feminina... linda demais.
— Faça isso — consente.
— Cuidado, pasíon...
— Por favor. Eu quero rápido, forte... — implora, agitando os quadris em um rebolado
que dizima a mierda do meu juízo. — Me foda e me puna como você costumava fazer, juiz.
Não hesito em pegar o meu cinto e envolver o belo pescoço de Romana com ele, puxando
de forma dura até que suas costas se curvem ao máximo e seus gemidos soem sem fôlego pela
constrição de sua garganta.
— Você gosta quando eu te uso assim? — exijo saber, minha voz assumindo uma
inflexão ímpia e perigosa. — Quando eu te trato como a minha vadia? Como minha propriedade?
Romana assente, engasgando com seus gemidos.
— Sim... — sussurra com dificuldade.
Os seios pontudos saltam com a força das minhas estocadas, os músculos das coxas se
esticam ao máximo para dar conta dessa posição e os lábios nunca pareceram tão tentadores
como agora.
Ella es una vista impresionante.
Seguro firme no cinto, como se fosse uma maldita coleira, eu agarro os quadris de
Romana com a mão livre, movendo o corpo da garota contra o meu. Não apenas para frente e
para trás, estocando fundo dentro dela, mas rebolando no seu interior, reivindicando cada espaço
da boceta quente e apertada a me envolver.
Sua boca se separa e suas bochechas ficam avermelhadas. A prova de que o tratamento
áspero a excita vem com grito longo que arranha sua garganta, soando afônico pela contrição
pesada, e o aperto de sua boceta no meu pau, palpitando incontrolavelmente.
Bato em sua bunda e ela empurra em minha mão, deixando escapar um som plangente
que me diz que quer mais. E eu dou a ela. Bato de novo e de novo, alternando as bochechas de
sua bunda até que toda a sua pele brilha em um tom delicado de rosa, marcada no formado da
minha palma.
— Goze para mim, pequeña estrella. — Posso sentir como fica mais úmida a cada tapa,
sua boceta praticamente chorando por mim em apreço a minha selvageria. E eu a deixo chorar...
— Molhe o meu pau, como uma boa garota.
A cabeça de Romana cai para frente quando ela tem seu segundo orgasmo. Mordo seu
ombro, marcando a pele com os dentes, e prolongo cada onda e cada vibração do seu prazer
arremetendo e inchando dentro dela.
Minhas bolas se apertam dolorosamente, e meu estômago contrai, retesando cada
músculo do meu abdômen. Ela fica ainda mais apertada depois de gozar, e a forma como meu
pau é lubrificado pelo seu prazer, escorrendo abundante do seu interior a ponto de me molhar a
virilha é demais para suportar.
— Você é minha, Romana — rosno, rude e descontrolado. — Minha. Sempre foi minha.
Dios, quero me casar com ela! Chegar até o fim dessa vez, e fazer da japonesa uma
Falcão-Ruiz. Quero algemá-la a mim, prendê-la para que nunca tenha que passar tantos dias
longe novamente. Quero possuí-la, tocá-la, tomá-la uma e outra vez. Para sempre.
— Diga isso. Diga que é minha.
— Sua... — ela sussurra.
Uma única palavra não deveria ser tão quente, não deveria me fazer gozar. Mas, no
momento que ela faz essa promessa em um murmúrio perdido, eu sou um homem possuído,
fodendo-a com força até que meu orgasmo se liberte em jatos quentes dentro dela.
Fico apenas alguns segundos sem me mover, sentindo o calor do meu clímax em seu
interior, olhando para os centímetros de pele ruborizada e castigada pela minha boca e pelos
meus dentes.
Não sei quanto tempo se passa antes que eu retire o cinto do pescoço de Romana a vire de
frente para mim, embalando-a em meus braços e nos levando para as poltronas duplas próximas
de nós. Mas Romana parece imersa no mesmo transe, aconchegada no meu colo com a cabeça
descansando sobre o meu peito.
Esses curtos segundos parecem durar uma eternidade.
E, ainda sim, acabam cedo demais.
— Senhores passageiros, por favor, permaneçam sentados com os cintos afivelados
enquanto nos preparamos para nossa aterrissagem — a voz do piloto se faz presente pelos alto-
falantes equipados. Felizmente, eles não funcionam de maneira oposta, tornando impossível que
ele ou a comissária tenham ouvido o que se passou aqui. — O céu estará limpo e estrelado ao
longo desta noite em Bayden Haven. Esperamos uma chegada tranquila.
Exalo uma respiração carregada, sentindo minha barba ser acarinhada pelos dedos
magros da japonesa.
— Precisamos nos vestir. — É Romana quem reage primeiro, afastando o rosto para
conseguir me olhar com um dos sorrisos mais bonitos que já vi em seus lábios. — Eu sei que é
um esforço muito árduo para um homem da sua idade depois do que fizemos, mas não quer ser
flagrado pelado, quer?
Contrariado, eu nos coloco de pé, estapeando a bunda empinada de Romana assim que
ela se vira. A garota reclama por já estar com a pele toda ardida pelos meus tapas, mas eu apenas
sorrio, sem remorso pelos castigos.
Enquanto se dirige ao banheiro com o vestido em mãos, eu fecho a braguilha da minha
calça e coloco novamente meu cinto no lugar. Rindo, distraído, ao encontrar o trapo de renda no
chão, que um dia foi uma bela calcinha.
Estou com a minha camisa em mãos, prestes a vesti-la quando Romana retorna, já com o
vestido no lugar e os cabelos alinhados, mas sem conseguir aplacar o rubor em suas bochechas
ou a satisfação em seus traços. A expressão deliciosa de uma mulher que foi usada e muito bem
comida.
— Pensei que nunca conseguiria domar meu cabelo depois do... — A frase perde força
quando seus olhos caem para o meu dorso exposto, no rumo do meu peitoral.
Sem o tesão nublando seus pensamentos, Romana percebe o que eu pretendia mostrá-la
eventualmente. Ela caminha até mim, aproximando-se para tocar a minha pele com a ponta dos
dedos.
— Tommaso... — sussurra boquiaberta. Leva um ou dois minutos até que o impacto da
revelação permita que a garota traga os olhos atordoados de volta aos meus. — Tatuou meu
nome no seu peito.
Aquiesço devagar.
— Tatuei. Propositalmente do lado esquerdo.
— Isso... — arfa, cobrindo os lábios com as mãos. — Eu não sei o que dizer. V-Você...
— Move a cabeça, encerrando o tartamudeio que não chega a lugar nenhum.
Seguro seus pulsos delicados com as mãos, afastando-os de seu rosto. Em seguida, cubro
suas palmas pequenas com as minhas e levo a direita até o rumo do órgão em meu peito, que bate
acelerado neste momento.
— As pessoas não acreditam que tenho um coração dentro do peito. E, se quer saber, eu
acho que estão certos sobre isso — confidencio, sem dosar a severidade nas minhas palavras. —
Não há mesmo um coração aqui que bate por bondade, empatia ou um propósito admirável como
o seu. Mas ele bate por algo... — Faço uma curta pausa, sentindo o movimento violento do meu
pomo de Adão. — E esse algo é você , Romana Takayama.
Piscando os cílios longos para afastar a emoção, minha japonesa balança a cabeça,
discordando de mim. Mesmo quando eu não merecia, ela acreditava que meu coração poderia
bater por algo e aparentemente isso não mudou.
— Você ama a Antonita e o Santi.
— Mas eu sou seu. Sempre fui.
Romana inclina a cabeça para trás, enchendo os pulmões de ar com uma respiração
profunda. Os olhos continuam abertos, apesar disso, como se tivesse medo de fechá-los e fazer
uma lágrima cair.
— Você está fazendo tudo isso ser muito difícil.
— Difícil foi ter passado todos esses meses longes de você — argumento, atraindo
novamente a atenção dela. — Foi por isso que eu fiz a tatuagem. Pensei que se marcasse seu
nome na pele, você sempre estaria comigo. De um jeito ou de outro.
Suas íris perscrutam as minhas.
— Mesmo que eu não voltasse para a cidade?
— Se o destino não nos unisse de novo, eu teria feito o trabalho por ele — respondo o
óbvio. Teria colocado o mundo abaixo e incendiado os destroços para tê-la de novo. — Mas não
foi necessário, assim que acabou o primeiro ano de intercâmbio, você retornou à Bayden Haven.
Acho que as estrelas se alinharam para trazer você de volta para mim.
Coloco uma mecha do seu cabelo atrás da orelha, e Romana curva seus lábios em um
sorriso explosivo.
— Quem diria que uma menina te colocaria de joelhos, hum? — Ela não perde a
oportunidade. — O poderoso Tommaso Falcão-Ruiz, juiz do tribunal do Kansas, o rei de Bayden
Haven... — A ninfeta ri. — Caidinho por uma menina de vinte e um anos que não tem nada
além de charme e muita simpatia.
Não deixo sua arrogância sem resposta.
— Quem diria que um velho te cansaria tanto na cama, hum? — rebato, arrogante,
trazendo-a para os meus braços ao ocupar uma das poltronas. Sentada de lado no meu colo, com
a cabeça apoiada no meu peito, ela parece cansada o bastante para me fazer desconfiar que irá
adormecer em breve. — E isso com uma única rodada de sexo.
Romana gargalha, fazendo o som doce de sua risada preencher cada metro cúbico da
aeronave e tornando uma missão impossível não observar os resquícios que essa alegria deixa em
seu rosto na forma de um sorriso.
Infelizmente, ele não dura muito.
— Essa noite foi incrível — sussurra, erguendo a cabeça para me encarar. — Mas você
ainda não pediu desculpas.
— É, eu não pedi.
— E eu ainda não te perdoei.
Afasto o cabelo dela para longe do rosto, taciturno.
— Mas está se apaixonada por mim pela segunda vez.
Romana não responde, não com palavras. Mas a resposta paira entre nós com a forma
como ela abaixa o olhar e esconde o rosto novamente no meu peito, respirando fundo o meu
perfume.
— Você sabe o que é kintsugi? — inquire, a voz soando abafada pela proximidade dos
seus lábios com o tecido da minha camisa.
— No, mi cielo. — Começo a deslizar os dedos pelos fios escuros, acariciando o couro
cabeludo em uma massagem lenta. — Por que você não me conta?
— É uma arte japonesa antiga de reparo de porcelanas preciosas com ouro — explica
para mim, bocejando ao final das palavras. — O resultado é uma peça que possui as rachaduras
destacadas e, que por esse motivo, tem sua beleza ressaltada.
— É um conceito fascinante.
Ela concorda, mal movendo a cabeça.
— Por muito tempo, eu não acreditava nisso — acrescenta, fazendo-me desconfiar onde
pretende chegar com isso. — Pensava que quando algo se quebra, ele se torna mais fraco pelo
dano. A perfeição para sempre desfigurada.
Exalo uma respiração carregada, agora certo de que essa conversa realmente não é apenas
sobre cerâmicas quebradas. Não, é sobre algo muito mais valioso.
— E hoje, no que você acredita?
A resposta demora a vir.
Tanto, que penso que ela adormeceu.
— Que a imperfeição é uma parte da vida e, talvez... — Romana escolhe um pouco os
ombros. — Talvez tudo que se quebre e se repare se torne algo único e ainda mais precioso.
Acho que, às vezes, vale a pena dar uma segunda chance.
Buscando por algo a dizer, impressionado com a doçura e a maturidade do discurso da
garota, ouço seu suspiro suave e a respiração tranquila ressoando dela. Com um inclinar sutil de
cabeça, percebo que Romana dormiu.

Romana chegou a despertar no momento do pouso, apenas para adormecer nos meus
braços novamente, agora no carro. Assisti o olhar contente do motorista pelo retrovisor ao
observar a cena, mas nenhum de nós disse nada.
Sem surpresa, a menina conquistou cada um dos meus funcionários, da governanta aos
seguranças, passando pelo motorista que uso com pouca frequência.
— Es realmente una pena que no lo recuerde — lamento, baixo o bastante para que
ninguém mais ouça.
É nos meus braços que Romana retorna para a sua antiga casa após um longo ano. Ela
está tão exausta, que não acorda quando estou subindo as escadas rumo ao segundo andar ou no
momento em que eu a coloco na cama.
Retiro suas sandálias com delicadeza, beijando o topo dos pés antes de puxar o lençol
para cobrir seu corpo miúdo até que os ombros estejam cobertos, sem coragem de despertar a
menina para retirar o vestido ou tomar um banho. A única coisa que sou capaz de fazer é
admirar a imagem dela, deitada novamente na minha cama, após meses tendo sonhado com isso.
Este pensamento é o bastante para fazer a apreensão me corroer o estômago e fazer com
que eu deixe o quarto. Caminho a passos arrastados pelo corredor, desconsiderando
propositalmente a última porta dele, que sempre está trancada. Escondida de olhares curiosos.
Desço as escadas, atravesso a sala de estar e paro somente quando estou do lado de fora,
sentindo o ar puro da noite e vislumbrando a grande cerejeira que fiz questão de cuidar
pessoalmente. Ela é uma bela visão nessa época do ano, perdendo apenas para o manto estrelado
que cobre o céu.
Me pego tentando enxergar algumas constelações, sorrindo ao pensar no homem que eu
me tornei depois da japonesa. Um que passou a estudar uma coisa ou outra sobre astros e estrelas
apenas para compartilhar da paixão que sempre brilhou os olhos da menina.
Foi buscando entender mais sobre o assunto que li o livro favorito de Romana, o que foi
dado a ela pela sua mãe, A lenda de Tanabata. Ela me contou a história por trás do livro na noite
em que a pior tempestade do ano atingiu Bayden Haven, e foi dessa forma que tive meu primeiro
contato com a história de Altair e Vega. Duas estrelas apaixonadas que viveram um amor
proibido na Via Láctea.
PASSADO
UM ANO ANTES
BAYDEN HAVEN, KANSAS

— ¡Al diablo esto! [JR37]— praguejo ao som de um trovão estrondoso, apertando o


volante a ponto de os nós dos meus dedos ficarem brancos pela força colocada no gesto.
O céu está escuro, repleto de nuvens carregadas. Faz pouco mais de uma hora que uma
chuva intensa atingiu o Meio-Oeste, castigando a cidade com ventos turbulentos e uma chuva
torrencial. Os trovões retumbam no céu de tempos em tempos enquanto os raios cortam o ar,
iluminando o horizonte com flashes brilhantes.
Fui incapaz de dormir tranquilo no palacete por saber que mi pequeña estrella estaria
assustada, sozinha em casa agora que o pai está internado na clínica de reabilitação. Não que se
ele não estivesse, estaria em casa com a filha mesmo com o mau tempo.
Reduzo a velocidade, contrafeito, devido à baixa visibilidade e às poças de água na
estrada que reduzem o contato entre o pneu e o solo, tornando a pista escorregadia e o veículo de
difícil controle.
Ainda não sei o motivo pelo qual esses momentos aterrorizam tanto Romana, mas sinto
minha pulsação bater nos tímpanos por inquietação de chegar logo até ela. Porque, mesmo na
noite em que nos beijamos na chuva, eu senti que seu tremor não era exclusivo do desejo que a
garota sentia no momento.
Avistar a simplória casa azul de Romana, quase caindo aos pedaços, faz um suspiro de
alívio escapar pelos meus lábios. Estaciono o Cadillac na rua de qualquer jeito, sem o costumeiro
cuidado que tenho com o automóvel e saio em disparada, seguindo o caminho de pedras em
direção à porta da frente.
Poucos segundos de corrida e a minha camisa se encharca com a força da chuva, bem
como os meus cabelos. Afasto os fios úmidos para longe do rosto e bato na porta. O som do meu
punho punindo a madeira com o mesmo ímpeto que os trovões continuam a castigar o céu
tempestuoso.
Bato uma, duas, três vezes.
Sem respostas.
Impaciente, eu xingo e checo o telefone, ainda sem uma resposta de Romana a mensagem
que enviei ou um retorno para as mais de quatro chamadas que fiz. Sem alternativas, rodeio a
pequena casa, tentando a porta dos fundos.
Cerro o punho, atingindo a porta com golpes bruscos.
Uma e outra vez.
Chego até mesmo a chamar pelo nome dela.
Diante da ausência de resposta e minha exasperação crescente, decido que não irei mais
esperar. Afasto-me dois passos da porta e jogo meu ombro contra a madeira, sentindo a dor se
alastrar pelos músculos atingidos. Toda a estrutura de madeira balança, mas o trinco ainda não se
abre, então eu repito o momento de novo, desferindo um golpe com mais força dessa vez.
Cambaleio para frente com a intempestividade da porta se abrindo e me preocupo apenas
em pegar a lixeira para escorá-la, antes de me apressar em direção à sala de estar. Ao constatar a
ausência de Romana ali, me apresso a subir as escadas e ir na direção do quarto dela.
Entro no cômodo, praguejando ao notar que está vazio. Ou, pelo menos, foi o que eu
pensei até ouvir um soluço cortar o ar.
Meu coração parece golpear conforme eu me movo em direção ao guarda-roupa e abro a
porta. Encontro Romana encolhida no fundo do armário, os braços magros envolvendo os
joelhos, com ela curvada sobre si mesma, tremendo tanto que chega a ser audível.
Mierda, cariño.
— Romana — chamo, suavizando o tom.
Ela hesita em olhar para mim.
— Feche a porta do armário, Tommaso — pede, a voz instável e fraca.
As palavras ressoam junto a um soluço dolorido que ela é incapaz de conter. Como se
restasse alguma dúvida de que está chorando, seus ombros se movem, estremecendo a cada vez
que ela respira.
Exalo, perturbado com essa imagem dela.
Se alguém fosse a causa, eu mataria.
— Estou oferecendo abraços de graça esta noite. — Chamo a atenção de Romana, que
ergue os olhos cheios de lágrimas até os meus. — Estritamente platônicos para a primeira mulher
bonita que eu encontrar. — Abro um sorriso tenso, ajoelhando-me ao lado dela. — E ela é você,
cariño.
Emudecida, a garota apenas me fita.
Então, abro a outra porta e entro no guarda-roupa como posso, espremendo minha
estrutura opulenta e sentindo o repuxar dos meus músculos e de um nervo na coluna com os
movimentos. Santa Madre! É um ajuste apertado, mas eu consigo ocupar o lugar em frente à
japonesa, cerrando os dentes para reprimir uma imprecação grosseira que ameaça escapar dos
meus lábios.
Sentado na outra ponta do armário, eu estico os braços para Romana. Ela vem de
mansinho para o meu colo, afundando o rosto em meu pescoço e deixando que eu a envolva com
meus braços e a aperte com força contra mim. Uma mensagem clara, sem palavras, de que estou
aqui para protegê-la do que a assusta.
Sejam os trovões ecoando do céu.
Seja qualquer pessoa que ouse tentar machucá-la.
— Desculpe estar molhado.
— Eu não ligo — diz, chorosa.
— Shhh... — murmuro baixo, entremeando meus dedos em seus cabelos desgrenhados
para penteá-los. Apostaria que a garota estava dormindo antes do prelúdio da tempestade. —
Você não está mais sozinha, pequeña estrella.
Romana sobe as mãos pelos meus ombros, passando os dedos finos na minha barba,
acariciando a região como se me acarinhar lhe trouxesse calma.
— Eu odeio essas noites — confessa em um sussurro. — E não me lembro de uma
tempestade ruim assim desde...
Ela se interrompe, sem ir mais longe. Mas não é necessário, com essas poucas palavras eu
tenho a resposta para o questionamento que pairou em minha mente desde que soube o temor da
japonesa por tempestades.
Dios mío, ¿cómo es que no conecté estos puntos?
— Estava chovendo na noite do acidente da sua mãe — alego, não em um
questionamento, mas em uma afirmação.
Romana estremece nos meus braços.
— Uma tempestade horrorosa...
— Quer me contar mais?
Um silêncio carregado se instala entre nós, e eu permito que ele se alastre por segundos,
minutos talvez, oferecendo todo tempo que sinto que Romana precisa para decidir se quer
compartilhar seu passado comigo ou não.
— Era perto do horário do jantar... — começa baixinho, e eu arrasto minhas mãos pelas
costas dela em um gesto de conforto. — Mamãe deveria chegar às sete, mas muito tempo se
passou e Jeffrey ficou preocupado com a chuva forte. — Narra em tom embargado, pigarreando
ao fim das palavras para tentar limpar um pouco a voz. — Ele saiu com o carro que tínhamos na
época para ir atrás dela e eu fiquei tão assustada sozinha em casa com os trovões que entrei no
guarda-roupa.
Exalo, apertando mais as mãos ao redor de Romana.
— O que aconteceu depois? — interpelo.
— Eu peguei no sono — responde, descendo sua carícia para os meus ombros e, então,
para o peito. Ela pressiona a palma no rumo onde meu coração está, sentindo cada batida na
ponta dos dedos. — Acordei com Jeffrey quebrando tudo o que encontrava pela frente. Ainda
estava chovendo no momento em que ele me arrancou do armário e contou sobre a minha mãe.
Movo a cabeça, irresignado.
Algumas pessoas vivem seu pior lado imersas em um vício e precisam de ajuda, o pai de
Romana sempre representou a outra face da moeda para mim. O vício dele não fez com que se
tornasse um homem ruim, ele simplesmente nunca teve um caráter digno ou foi bom em
empenhar o papel de pai.
— Foi o único momento em que a tempestade pareceu parar, porque mesmo sendo muito
jovem, com apenas quatro anos, eu juro que consigo me lembrar desse momento — prossegue,
entre fungados. — De como meus soluços soaram mais altos do que os trovões.
Subo meu toque de volta aos cabelos de Romana, segurando-o pela nuca com suavidade e
movendo a cabeça dela do meu peito até que eu consiga fitar seus olhos lacrimejantes. Dios,
odeio ver a menina chorar!
— Lo siento, mi amor...
Deslizo os polegares por suas bochechas, secando as lágrimas que caíram antes que eu
chegasse e beijando sua boca carnuda, a ponta do nariz e, por fim, demoradamente a testa em
uma tentativa de impedir que novas venham a cair.
— Por tudo o que você fala dela, Sakura certamente foi uma mulher incrível —
acrescendo, mirando novamente os olhos repuxados de Romana. — Não tenho dúvidas que ela
teria orgulho de ver quem você se tornou.
Romana umedece os lábios, incerta.
— Acha mesmo? — sussurra.
— Não poderia ser diferente — asseguro, firme e resoluto. — Você é doce, batalhadora e
tem um caráter admirável. Você não é somente uma mulher incrível, Romana Takayama... —
Abro um sorriso, colocando uma mecha de cabelo escuro atrás de sua orelha. — Eres
extraordinaria, mi cielo.
Pela primeira vez na noite, consigo um sorriso.
Felizmente, a porta aberta do guarda-roupa permite que eu veja em detalhes como ele é
largo e como traz rubor às bochechas da japonesa.
— Minha mãe é a razão pela qual eu sou apaixonada por astronomia e pelas estrelas —
assume, ainda sorridente. — Isso faz com que eu me sinta próxima dela, sabe? Assim como a
cerejeira no quintal.
— É seu lugar favorito?
Ela aquiesce.
— Vai ser o que mais sentirei falta se perdermos a casa — explica entristecida. — Gosto
de me sentar embaixo da cerejeira quando a saudade faz meu peito doer tanto quanto se meu
coração estivesse se partindo em pedaços de novo. Sempre que acontece é para lá que eu corro.
— Romana encolhe um pouco os ombros, tímida. — Com meu livro favorito em mãos, é claro.
Isso desperta a minha curiosidade, afinal tive uma amostra do gosto da menina quando a
levei para visitar Antonita no hospital. Mas para além dos romances, o que será que a japonesa
gosta?
— E que livro seria esse?
— A lenda de Tanabata.
Franzo o cenho por nunca ter ouvido o título antes.
— Quer me contar sobre a história? — proponho, curioso.
Romana pisca, surpresa com meu interesse.
— Você quer mesmo ouvir?
— Ainda sei muito pouco sobre você e a única parte boa nisso é que ainda tenho muito o
que descobrir — exponho, segurando a ponta do queixo delicado quando ela sorri. — Por que
não me ajuda nessa missão esta noite e me conta a história? Parece ser algo que você ama.
A curva em seus lábios se amplia.
A menina é incapaz de esconder sua animação.
— Sim, é sobre estrelas.
Uma risada curta e rouca escapa dos meus lábios.
— Acho que eu não deveria estar surpreso com isso — digo, espirituoso. — Mas o que
você acha de sairmos daqui para isso? Você sempre brinca que sou velho demais e, joder,
minhas costas estão doendo.
Romana gargalha, descarada, e se levanta do meu colo com cuidado para deixar o
armário. Sigo os movimentos dela de perto, esticando meus músculos assim que me coloco de
pé.
A chuva ainda está forte lá fora, provocando estalidos no vidro da janela, mas a japonesa
está consideravelmente mais calma quando eu me seco de forma precária com a toalha que ela
me entrega e nós nos esprememos em sua cama, pequena demais para dar conta de um homem
do meu tamanho.
Por fim, acabo colocando Romana deitada em cima de mim, e ela não demora a enlaçar
as mãos sobre o meu peito e apoiar o queixo sobre ela.
— É uma história que teve sua origem na mitologia chinesa — começa a contar,
empolgada. — A lenda conta que os Deuses Orihime e Hikoboshi se apaixonaram, mas foram
proibidos de se verem pelo pai da bela deusa, que os condenou a viverem em lados opostos do
rio celestial representado pela Via Láctea.
Mantenho toda a minha atenção focada nela.
— Eles não ficam juntos?
— Atendendo ao apelo de sua filha Orihime, o Deus dos Céus permitiu que pudessem se
encontrar apenas uma vez ao ano — resume os fatos, abrindo um sorrisinho. — No sétimo dia do
sétimo mês do ano, quando as duas estrelas Orihime, representada pela estrela Vega, e
Hikoboshi, pela estrela Altair, podem se reencontrar.
Os olhos repuxados de Romana se estreitam ainda mais quando a curva do seu sorriso
aumenta, expressando como a história de Altair e Vega a fascina.
— Então eles se veem apenas uma vez no ano? — questiono, tentando conter a descrença
em meu tom.
Romana assente.
— É esse o ponto — ressalta, encantada. — O amor entre eles é tão forte que não importa
o tempo em que estão separados, longe um do outro. — Ela volta a sorrir. — Eles vivem por esse
único dia, em que podem estar juntos e celebrar o que eles sentem.
— E esse sentimento nunca diminuiu?
Move a cabeça, negando.
— Acho que o tempo é um conceito relativo quando se trata do amor — divaga, deixando
de me olhar para apoiar a cabeça deitada no meu peito. — Imagina ter alguém que te ama tanto
que não se importa em passar um ano, ou mesmo um tempo maior sozinho, apenas porque sabe
que irá te encontrar de novo um dia?
Não articulo uma resposta e Romana parece perdida demais nos próprios pensamentos
para se incomodar com uma. O suspiro que escapa dos seus lábios confirma o que eu já sabia, a
japonesa é uma mulher romântica e sonha com gestos grandiosos e apaixonados como estes, que
envolvem pouquíssimo dinheiro e muito coração.
Fui muito injusto com Romana no começo de tudo. Hoje noto isso, e percebo também
como preciso melhorar dia após dia para merecê-la.
Romana não merece ser apenas a minha pequeña estrella, ela merece que eu me esforce
todos os dias para demonstrar com palavras e gestos que ela é digna da mais linda constelação.
De um céu inteiro.
— Devo ter entediado você... — Volto a ouvir a voz de Romana após vários minutos
terem se passado, a ponto de me levar a desconfiar que havia adormecido.
— Você nunca seria capaz disso.
A risadinha endiabrada dela me diz que concorda.
— Tem razão. Mas, então... — volta a me olhar, inclinando o pescoço —, acho que te
ajudei a me conhecer melhor. Você sabe meu livro favorito, o artista que mais gosto e que eu
amo a cerejeira no meu jardim. — Romana faz uma pausa, soando tímida ao completar: — Acho
que é a sua vez de me contar algo sobre você.
A forma como a garota se abriu me fez questionar se mesmo mi hermano ou sua melhor
amiga sabiam tanto sobre ela. De qualquer forma, foi o bastante para despertar algo dentro de
mim e me fazer desejar compartilhar mais sobre a minha vida com ela. Uma parte igualmente
íntima do meu passado.
— Eu me mudei da Espanha para os Estados Unidos de forma ilegal, cruzando a fronteira
pelo México, com a abuela sendo a única coisa que Santino e eu tínhamos — começo, sentindo o
movimento brusco do meu pomo de Adão ao engolir em seco. — No nosso primeiro ano na
América do Norte, passamos fome, fugindo das autoridades para não sermos deportados.
As sobrancelhas de Romana se curvam para baixo de forma consternada. Cada mínimo
traço de sua expressão denotando seu entristecimento ao ouvir o relato. Santino era apenas um
bebê de um ano na época, então não se lembra da parte mais difícil das nossas vidas.
— Sinto muito que tenham passado por isso.
— Demorou para alguém confiar em um moleque de dezessete anos que mal sabia inglês
e me concedesse um emprego — eu continuo. — Abuela trabalhou duro em serviços de limpeza
enquanto eu me esforcei em uma firma de construção civil para ajudar com as despesas. No meio
disso, lutamos para cuidar de Santino.
Romana acena em compreensão.
— Você o criou como se fosse um pai.
— Não tive escolha — digo, apenas.
Na tentativa de reduzir o fardo das memórias sobre os meus ombros, Romana ergue o
tronco e se senta no meu colo, massageando meus ombros e braços em silêncio. Não é um toque
sensual, embora arrepie e acenda todo o meu corpo, é... carinhoso.
Um afeto que ela não poderia me oferecer em forma de palavras, então buscou outra
forma. A perspicácia da japonesa me deslumbra.
— Sei que a relação entre vocês não é a melhor, mas você cuidou bem de Santino. Do seu
jeito severo, mas cuidou — aponta ela, de forma cuidadosa. — Você não tem nada do que se
culpar, era muito jovem e fez o melhor que podia por ele e pela Antonita. Você sempre cuida da
sua família, Tommaso. E, embaixo de toda essa implicância do Santi, eu sei que ele enxerga isso.
— Tenho dúvidas sobre isso...
— Por quê? — ousa perguntar.
Com a mandíbula tensa, eu encaro o teto acima de nossas cabeças. Minha respiração soa
áspera no silêncio carregado e meus músculos enrijecem diante das memórias que assaltam os
meus pensamentos. A única coisa que me mantém aqui, no presente, é o toque dela, resiliente em
tentar me confortar.
— Ele acredita que eu fui responsável pela morte dos nossos pais — confidencio,
dizendo essas palavras em voz alta pela primeira vez na vida. — E isso... Santino nunca foi
capaz de perdoar.
As mãos de Romana se aquietam, os dedos magros tremendo contra a minha pele ao
tentar processar o que acabou de ouvir.
— E você foi? — É apenas um sussurro.
— Indiretamente, do nosso pai.
Volto meus olhos aos dela, arregalados, a me olhar nesse instante. Romana tem os lábios
levemente entreabertos e as mãos recolhidas no colo, demonstrando sua incerteza sobre como
agir.
— O que aconteceu? — pergunta, finalmente.
Esfrego meu cenho, apertando a ponte do nariz por alguns segundos. Eu realmente
detesto me lembrar disso, e falar nunca foi uma opção antes de hoje. A única pessoa ciente dos
fatos é a abuela, que acompanhou tudo de perto.
Mas eu quero contar a ela, quero expor essa parte desconhecida para Romana. Por isso,
mantendo-a no meu colo, eu me sento com as costas contra a cabeceira de madeira da cama e
continuo.
— Um ano antes do Santino nascer, meu pai perdeu o emprego e começamos a passar por
dificuldades financeiras — exponho, tomando uma respiração profunda. — Precisamos hipotecar
a casa e vender os poucos bens de valor que possuíamos, como o Ford Fiesta e o anel de
casamento dos meus pais.
— Como eles se chamavam?
— Alejandro e Carmen Falcão-Ruiz. — Fico incomodado em como me sinto
desacostumado a proferir o nome deles após tantos anos.
— E quantos anos você tinha na época?
— Quinze anos — eu respondo. — Trabalhava em um escritório de advocacia no centro
da cidade, ajudando em casa com o meio-salário que recebia.
Percebo o olhar conhecedor que Romana lança sobre mim, um olhar de reconhecimento.
Afinal, a japonesa não só passou por um cenário similar como ainda está afundada nele.
— Mas não adiantou, não é?
Nego, desgostoso.
— A situação se deteriorou consideravelmente — afirmo com franqueza. — Chegamos
ao ponto de passar uma semana em um hotel à beira da estrada por não termos mais onde morar.
— Um suspiro áspero escapa dos meus lábios. — Então, um dia, meu pai conseguiu um emprego
na área de contabilidade e começou a trazer dinheiro para casa. Não eram quantias normais, mas
valores absurdos! E eu tinha a sensação de que algo estava errado. — Faço uma breve pausa. —
Levou alguns meses até eu descobrir que ele estava envolvido no narcotráfico.
A Espanha é frequentemente usada como ponto de entrada para drogas ilegais na Europa
devido à sua localização estratégica entre a África e a Europa e suas extensas costas marítimas.
Um fato do qual eu nunca me atentei até ver a minha família submersa nesse mundo desprezível.
— Talvez seja por ter sido o meu primeiro emprego, mas sempre fui fascinado pelo
Direito e pelas leis — confesso a Romana, que ouve atentamente cada palavra. — Não
concordava com as ações do meu pai, sobretudo por compreender o risco envolvido nesse meio.
O golpe final veio após o nascimento de Santino, quando nossa mãe decidiu apoiá-lo e eles
começaram a fabricar drogas no porão da nossa nova casa.
Romana cobre os lábios com as mãos.
— Meu Deus, Tommaso!
— O temor de que as ações dele destroçassem nossa família crescia em mim a cada dia, e
quando Santino teve contato com as drogas, não pude mais ficar em silêncio — grunho,
revoltado com o fato, mesmo que anos tenham se passado. — Meus pais esqueceram de trancar a
porta do porão e mi hermano desceu enquanto eu estava fora, trabalhando.
Romana volta a explanar as mãos sobre o meu peito, a respiração acelerada e os olhos
ansiosos percorrendo a minha expressão sombria. Estou certo de que meu maxilar contraído e
lábios pressionados oferecem um prelúdio perturbador do restante da história.
— Quando voltei, o encontrei trêmulo no chão. Não como uma convulsão, mas... algo
como um tremor, que percorria todo seu pequeno corpo, fazendo-o balançar para frente e para
trás. As pupilas dilatadas, a pele encharcada de suor. Maldición, consegue imaginar? — Minha
voz falha e eu pigarreio, clareando o meu tom. Nunca consegui esquecer essa imagem dele,
pequeño y frágil nos meus braços. — Ele tinha acabado de completar dez meses, estava
explorando a casa com seus passos vacilantes, e então... acabou caído no chão de um porão
imundo, intoxicado pela metanfetamina.
— Isso é tão horrível... — Romana arfa, controlando as lágrimas que surgiram em seus
olhos durante o relato.
Acaricio a coxa exposta dela, subindo e descendo a minha mão dos joelhos até a barra do
short de pijama que está usando.
— Eu chamei a ambulância e liguei para abuela no caminho para o hospital, disse que
nós não voltaríamos para aquela casa. Aquilo... foi a gota d'água para mim! — prossigo com a
história. — O médico disse que mais alguns segundos lá dentro e Santi poderia ter morrido. Na
verdade, foi um milagre que isso não tivesse acontecido, mesmo comigo o socorrendo.
Romana anui, tocada demais com o que acabou de ouvir. Algo compreensível, dado seu
laço com mi hermano.
— Então a Antonita não sabia sobre as drogas?
— Meu pai era um homem muito discreto, e abuela vivia em uma cidade próxima à
nossa — explico como Alejandro conseguiu manter os negócios longe dos olhos de tu madre,
que sempre foi muito preocupada com ele e conosco, tus nietos. — Éramos nós quem a
visitávamos e nunca o contrário.
A culpa transparece na inflexão melindrada da minha voz. Não posso evitar me
responsabilizar por permitir que aquela situação insustentável tivesse se arrastado por tanto
tempo. Eu tinha quinze anos, era praticamente um hombre. Deveria ter simplesmente acordado
em um daqueles dias, feito a minha mala e de Santi e saído com mi hermano para nunca mais
voltar. Deveria ter pensado em um bom plano para nos levar à cidade vizinha e ter pedido a
ajuda da abuela antes.
— O que você fez para proteger Santi? — Romana chama a minha atenção, emergindo-
me de tamanho arrependimento.
— Eu denunciei nossos pais — respondo em tom grave, tentando me recompor. — Eles
foram detidos para enfrentar as acusações criminais relacionadas ao tráfico de drogas e foi dado
início ao processo legal. O advogado em questão não foi capaz de montar uma defesa
convincente ao júri quando o caso evoluiu para julgamento com o agravante do ocorrido com
Santino.
— Você depôs contra eles?
Confirmo com um gesto.
— Mi padre foi condenado a pena de reclusão de dezesseis anos sem possibilidade de
liberdade condicional e a mi mamá enviada para uma clínica psiquiátrica após decretarem sua
inimputabilidade penal.
O cenho de Romana se torna plissado.
— O que é isso? — pergunta, interessada.
Penso por um momento em como posso explicá-la de uma forma mais clara e acessível
do que com a intrincada linguagem jurídica que estou acostumado.
— Significa que, de acordo com a lei, esta pessoa não pode ser considerada responsável
por seus atos criminosos — esclareço com calma. — No caso de Carmen, consideraram que ela
estava em um estado de incapacidade mental devido aos diversos medicamentos controlados que
ela fazia uso.
Romana murmura que entendeu, afastando os fios longos do rosto, aprisionando-os em
um coque frouxo, dado com o próprio cabelo. O que, para mim, deveria ser considerado um
crime.
— Foi aí que a Antonita assumiu a guarda de vocês?
— Ela sequer hesitou — confirmo, com orgulho. — E ainda fez uma visita a Alejandro
na cadeia, que resultou na abuela sendo contida pelo guarda por tentar dar palmadas no filho no
meio da sala de visitas.
Romana solta uma risadinha, e eu acabo deixando um riso anasalado escapar. Se há
alguém que eu considero como mãe, é Antonita. Foi ela quem cuidou de mim e de Santino no
pior momento de nossas vidas. Carmen pode deter o direito do vínculo biológico, mas jamais
teve tanto carinho e amor conosco.
— Foi depois disso que vocês vieram para os Estados Unidos? — Romana continua com
as perguntas, tornando a conversa árdua um pouco mais fácil de lidar com toda sua compreensão
e interesse.
Assinto, suspirando com suas mãos em meu peito que voltam a se mover, acariciando
minha pele no V que a camisa social cria com os primeiros botões entreabertos.
— Pensei que poderíamos viver uma vida normal, mas não fazia ideia da gravidade das
minhas ações ao realizar aquela denúncia — exponho como fui ingênuo na época por não
compreender o risco que corríamos. — O narcotráfico é um mundo sujo e muito poderoso,
Romana. Muitas vezes, acima da lei. Prova disso foi mi padre e algumas peças menores terem
sido derrubadas do tabuleiro, mas não o rei. Que, por sinal, ficou muitíssimo aborrecido que um
fedelho tivesse influenciado de forma negativa em seus negócios.
Sinto o corpo miúdo acima do meu enrijecer.
— Ele foi atrás de vocês?
— Eventualmente — eu confirmo. — O primeiro objetivo dele, no entanto, foi cuidar de
Alejandro na cadeira. Uma semana após sua prisão, antes da transferência para a penitenciária
em que ele cumpriria a pena, recebemos o aviso de que mi padre havia sido espancado até a
morte com os pesos da academia.
Romana baixa a cabeça, engolindo em seco como se não conseguisse imaginar a
brutalidade de uma cena como essa. Os dedos finos brincando com os botões da minha camisa
como uma distração.
— Ninguém viu nada?
— Pensei que as autoridades investigariam o ocorrido e chegariam ao chefe do
narcotráfico, na época, mas isso nunca aconteceu. — Pressiono os lábios em uma linha fina,
contendo minha insatisfação ainda pungente. — Foi a minha descrença no sistema enquanto
jovem que me motivou a não apenas fazer parte dele, como me tornar a maior autoridade e ser
capaz de mudar os cursos dos acontecimentos. Porque existe a lei e existe a justiça, Romana, e
nem sempre as duas são a mesma coisa.
A japonesa volta a encontrar os meus olhos.
— O que aconteceu depois? — quis saber.
— Notando o perigo que corríamos, nós deixamos o país.
— E sua mãe?
Carmen sempre foi um tópico complicado da minha vida, tanto por sua instabilidade
emocional durante a minha infância quanto pelas atitudes que ela tomou após a morte de mi
padre. Deshonesta y mentirosa como nunca pensé que podría ser.
— Conseguiram colocá-la em um programa de proteção, alterando os dados dela no
sistema e transferindo-a para uma clínica próxima do interior da Espanha.
— Enquanto isso, vocês já estavam aqui — diz, e não soa como uma pergunta, mas como
uma sugestão do que aconteceu.
Valido que está certa com um aceno.
— Passamos por cinco anos tranquilos até que minha mãe teve alta da clínica psiquiátrica
— conto a ela. — Foi uma liberação condicionada a acompanhamento médico e participação em
programas de reintegração social, e ela conseguiu se restabelecer.
Juntando os pontos, Romana pressupõe o mais óbvio:
— Ela veio atrás de vocês?
— Não, Santino conseguiu encontrá-la — revelo, ainda surpreso em como ele sempre foi
um garoto muito inteligente. — Ele tinha pouca idade, mas acesso ilimitado a internet. Nunca
escondi o nome dos nossos pais ou tentei apagar a lembrança deles da vida de Santino enquanto
ele crescia. Então, ele sabia quem procurar.
Romana faz uma careta.
— Facebook? — advinha.
— Skype. Ele encontrou o perfil antigo que Carmen ainda tinha acesso e usava o nome
verdadeiro, e eles começaram a se falar. Ela fez a cabeça dele contra mim, já que nunca
conseguiu me perdoar por ter destruído o negócio do porão e ter causado a morte de Alejandro
como consequência direta. — Faço uma pausa, sentindo um sabor acrimonioso me tomar a boca.
— Chegou a dizer que eu não amava mi hermano, só queria mantê-lo longe dela.
Romana bufa.
— Que filha da puta!
Estreito os olhos para ela, achando graça.
— O quê? — reclama, revoltada. — É o que a senhora sua mãe é, uma filha da puta!
Quem faz isso com um filho?
Subo com meu toque pela cintura estreita de Romana, massageando a parte baixa das
costas em uma tentativa de acalmá-la. Embora eu tenha que admitir, aprecio muito a expressão
voraz e irritada no rosto da japonesa nesse momento. O fogo em seus olhos soa como uma defesa
e, até hoje, ninguém além da abuela foi capaz de sentir compaixão por mim.
— Santino era apenas uma criança e acreditou na mãe, já que esta era a única versão dos
fatos que ele tinha. Mesmo com o pouco contato com ela, acho que mi hermano sempre sonhou
que um dia ela voltaria e que ele teria uma mamá como todas as outras crianças — dou voz aos
meus pensamentos. — Quando Carmen propôs que ele ficasse com ela, Santi ficou animado
com a possibilidade.
— Você e Antonita não desconfiaram do que estava acontecendo?
Nego, culpado.
— Abuela e eu estávamos nos matando para conseguir ter o mínimo de condição de
sobrevivência aqui, então deixamos de ver muitos sinais. Até porque Santino passava muito
tempo com a vizinha que era a babá dele — esclareço a situação naquele período. — Notamos
que algo estava errado somente quando Santino fugiu no meio da noite para encontrar Carmen,
que tinha pegado um voo da Espanha para cá.
Romana fica surpresa com o relato.
— Ele foi até o aeroporto?
— Não, Carmen estudou o bairro em que vivíamos e pediu que ele a encontrasse em
frente ao hospital a duas quadras da nossa casa. Ele ia caminhando para escola com abuela, então
sabia andar na região.
Assisto à compreensão que ganha os traços de Romana, tanto nos olhos que se
arregalaram levemente quanto na forma como suas sobrancelhas finas e bem-feitas se erguem.
— É daí que vem o trauma dele com hospitais?
Aquiesço.
— O cartel não tinha abandonado a ideia de vingança e seguiu nossa mãe até o Kansas
quando ela comprou uma passagem aérea, deixando-a sair do aeroporto para não chamar atenção
e a seguindo até o hospital. — Suspiro, afastando meus cabelos quase secos da testa, como se o
gesto pudesse me ajudar a ter mais clareza. — Abuela e eu não chegamos a tempo de presenciar
a cena, mas as testemunhas relataram que ao notar a aproximação, Carmen tentou correr para o
interior do prédio e pedir ajuda. Ela foi seguida de perto e alvejada na sala de espera sem que
nada pudesse ser feito, no entanto.
Romana estremece com violência.
— E quanto ao Santi?
— Ele não foi atingido por algum milagre enquanto corria para dentro também —
respondo, ainda muito grato por esse círculo de violência não ter arrastado mais um membro da
família Falcão-Ruiz para debaixo da terra. — Mi hermano encontrou a rouparia e se escondeu
entre os pijamas cirúrgicos e os aventais do hospital. Levou mais de trinta horas para que
conseguíssemos localizá-lo, já que não tínhamos pistas de onde Santino pudesse estar. Precisei
ver o noticiário para descobrir que a mulher que estava sendo anunciada como vítima de um
ataque brutal no hospital era nossa mãe e conseguir juntar os pontos.
A confusão explícita nos traços de Romana é nítida quando termino.
— Como eu nunca fiquei sabendo disso?
— Você era apenas uma criança e teve contato com Santino e Nora alguns meses depois
disso — respondo de acordo com o que me lembro. — Os psicólogos que eu o fiz ver na época
disseram que ele reprimiu o assunto e que não gostava de falar sobre isso. Talvez por isso nunca
contou para vocês.
— Ou não contou para mim. Talvez Nora saiba.
Dou de ombros, sem saber ao certo.
— De qualquer forma, ele cresceu achando que eu fui o responsável pela morte do nosso
pai. E que a nossa mãe teve o mesmo destino ao vir à cidade porque eu tinha como inimigo o
chefe do cartel espanhol.
— Entendo a razão que levou você a não dizer nada na época. Era muito para uma
criança assimilar, mesmo com a ajuda da terapia — comenta, expondo sua visão dos fatos. —
Mas por que não desmentiu anos depois?
Dou de ombros, resignado.
— Me pareceu uma boa forma feri-lo o mínimo possível — confesso, lutando com as
palavras. — Não valia a pena destruir a imagem que ele tinha do pai quando eu nunca seria bom
o bastante para ocupar esse lugar na vida dele. Tampouco fazer com que ele pudesse se sentir
culpado ao explicar que foi o contato dele com Carmen que trouxe tanto ela quanto os traficantes
até aqui.
Romana não expõe mais nada com palavras, a garota simplesmente se joga nos meus
braços, apertando os braços finos ao redor do meu pescoço e me segurando com força contra ela.
Em paz nesse momento, nos braços de mi mujer, eu a trago para mais perto pelos quadris e
aproveito a sua altura no meu colo para afundar o rosto entre os seios dela, sentindo o perfume
feminino de lavanda me entorpecer os sentidos pouco a pouco e batida por batida do coração
dela.
Lo más bello que he conocido.
— Eu sinto muito, Tommaso — diz em tom sentido, correndo com os dedos pelos meus
cabelos um pouco úmidos e embaraçados. — Ninguém deveria ser obrigado a carregar um fardo
tão grande, sendo tão jovem como você era.
Respiro fundo, levado pelo momento.
— Gracias, cariño.
— Já contou isso para alguém?
Ergo a cabeça e olho para ela.
— Não.
— Se arrepende de ter contado para mim?
— Não — repito, convicto. — Não te imagino me julgando, e sei que manterá o assunto
entre nós.
Romana toca a lateral do meu rosto.
— Não há o que julgar, Tommaso — argumenta, a voz tão calma que soa como um
sussurro íntimo e reconfortante. — Você colocou o Santino e Antonita em primeiro lugar e
sacrificou todo o resto pelo bem-estar e pela segurança deles. — Ela vagueia seus olhos
repuxados pelo meu rosto, contemplando a minha expressão. — Isso é mais admirável do que
qualquer outra coisa.
Sem que eu possa evitar, um sorriso desponta em meus lábios.
Ainda é estranho sorrir tanto na presença de alguém, principalmente para um homem
como eu que não gosta de muitas pessoas. Mas ao lado de Romana é simplesmente impossível
refrear a felicidade que sinto.
— Se eu pudesse — confesso baixo, fazendo as palavras se perderem entre nós —, eu te
daria todas as estrelas do céu.
— Aposto que isso custaria bem caro.
Sorrio, arrogante.
— Eu sou bilionário, esqueceu?
Romana revira os olhos.
— Eu estou bem sendo a sua pequena estrela.
— Certo, mas eu ainda posso fazer algo.
— E no que está pensando? — pergunta curiosa.
— É uma surpresa.
O beicinho que se forma em sua boca carnuda é adorável.
— Achei que não gostasse de surpresas...
— Não gostava... — admito, concordando com ela. Cheguei a dizer isso à menina, certa
vez. — Não até você chegar e ser a maior delas.
É a vez de ela sorrir.
Um sorriso lindo e brilhante.
— Você pode voltar à Espanha?
— Tem vontade de conhecer o meu país? — devolvo com outro questionamento, curioso
com a motivação dela para ter feito a pergunta. — Posso, pasíon. Faz anos que outro chefe
assumiu o Cartel Espanhol. Não sou mais um homem marcado, portanto, não há riscos para mim
ou para qualquer pessoa ligada a mim.
Volto a vislumbrar a empolgação em suas írises escuras.
— Isso é bom...
Passamos os próximos minutos conversando sobre o meu país. Compartilho com Romana
vários dos meus lugares preferidos e sobre o meu desejo de levá-la para conhecer cada um deles
um dia. Ilhas Baleares, Barcelona e, claro, Valência. A cidade é conhecida pela arte e pelas
ciências, com impressionantes complexos arquitetônicos de museus, aquários e planetários.
O lugar certo para arrancar vários sorrisos de mi reina.
PRESENTE
BAYDEN HAVEN, KANSAS
DE VOLTA A ANTIGA CASA DA ROMANA NA CIDADE

Acordo com os raios de sol invadindo o quarto devido às cortinas estarem abertas. É
assim que percebo que amanheceu, e é esticando o braço a procura do peito forte e quente de
Tommaso para que eu possa me aconchegar e dormir mais um porquinho que constato que estou
sozinha na cama.
— Tommaso — chamo, na esperança de que ele esteja no banheiro ou então próximo
dali, mas não recebo uma resposta.
Abro os olhos, piscando algumas vezes para me ajustar à claridade, e sinto os lençóis
frios contra os meus dedos. Percebo que ainda estou com o vestido de festa de ontem, mas sem
os saltos. E, claro, sem a calcinha depois que o juiz a destruiu enquanto voltávamos em seu jato
particular.
Um sorriso se forma em meus lábios com a recordação.
Posso sentir a dor gostosa deixada por ele ao apertar as coxas e, sinceramente, tenho
receio de olhar o estado do meu pescoço. Foi o orgasmo mais intenso que tive na vida e, depois
de um ano sentindo saudades desses momentos, acho que não poderia ser diferente. Estávamos
famintos um pelo outro.
Essa não é a única recordação que me atinge, porém.
Ao me lembrar dos últimos acontecimentos da noite e que estou de volta a minha antiga
casa, qualquer resquício de sonolência deixa o meu corpo. De repente, estou totalmente atenta,
levantando-me da cama e absorvendo os detalhes do espaço.
— Definitivamente, não é o que eu esperaria da casa do juiz — comento em voz alta,
perplexa, uma vez que o palacete era repleto de artigos modernos e muito preto e cinza por toda
parte.
A decoração aqui é... o completo oposto.
Alegre, aconchegante, feminina até.
Exatamente como eu teria decorado a minha casa dos sonhos.
As paredes são de um tom calmo de azul, os móveis possuem um estilo mais vintage e
claro e o piso de madeira tem alguns riscos do tempo, um detalhe sutil que me faz sorrir e que
agrega mais personalidade ao quarto. Não é um cômodo de uma casa de mostruário, é a casa que
passa a mensagem “essa família passa o dia a dia aqui e é muito feliz”.
— É simplesmente incrível — sussurro, encantada.
As cortinas são de um tecido fino, esvoaçante e há várias almofadas coloridas jogadas no
tapete, o que me faz desconfiar que normalmente ficam sobre a cama. Em cima de uma pequena
mesa de ferro, há um enorme jarro de frésias que se destaca no ambiente, mesmo ao lado de uma
poltrona aconchegante.
O destaque, acima de qualquer outra coisa, porém, está acima da cômoda. Há uma réplica
da pintura de Van Gogh, a minha favorita, bem em cima do móvel e eu não reprimo meu desejo
de me aproximar para ver as lindas pinceladas mais de perto.
É nesse gesto instintivo de admirar “A noite estrelada” um pouco mais de perto, em uma
versão muito mais fiel do que a baratinha que eu tinha no meu antigo quarto, que eu acabo
notando alguns papéis sobre a cômoda.
Estão bagunçados, como se alguém os tivesse esquecido ali. Curiosa, eu não resisto em
pegar um dos envelopes amarelos e acabo descobrindo que dentro dele há uma carta escrita à
mão e uma foto.
Sinto minha pulsação disparar, ouvindo meu pulso nos ouvidos e meu coração batendo na
garganta ao encarar a imagem. Sou eu e Tommaso, mas não reconheço o momento. Estamos em
um lugar incrível, decorado com ramos de bambu com papéis coloridos, e o conjunto me faz
desconfiar que estamos em um desfile de rua com vários homens e mulheres de kimono.
Confusa e nervosa, eu passo o envelope e a fotografia para um segundo plano em minha
mão e me concentro na carta, começando a lê-la.

Querida Romana,

¿Cómo está, mi amor?


Aqui vai mais uma carta que você provavelmente nunca vai ler porque eu nunca chegarei
a enviá-la pelo correio. Você está em Barcelona agora, explorando as cafeterias e restaurantes
da Las Ramblas ou talvez com esse belo e arrebitado nariz enfiado em um livro de astronomia
na biblioteca pública.
Gostaria de ter notícias suas. Mas a única coisa que tenho neste momento, depois de
uma longa audiência esta tarde no tribunal, é um copo meio cheio de uísque, um charuto e uma
dose insensata de saudade. Dios mio, é ridículo, eu sei. E, se quer saber, não passou pela minha
cabeça que depois de tudo o que vivemos eu estaria aqui, sentado no meu escritório, sofrendo
por não ter você.
Não deveria ser assim.
Não é justo que seja ou que você acredite que a nossa história teve um desfecho tão ruim.
Odeio que você pense que terminamos depois daquela briga horrorosa e tenha se esquecido que
após ela, eu fui atrás de você. Que meses se passaram e eu construí lindas memórias ao seu
lado.
Você não deveria estar em Barcelona, a um oceano de distância, pequeña estrella. Ao
menos, não sozinha. Em Bayden Haven ou na Espanha, você deveria estar deitada na nossa
cama, lendo seu livro favorito pela nona ou décima vez, enquanto eu ouvia o som doce da sua
voz me contar novamente a “A lenda de Tanabata”.
Conhecer você de verdade e deixar você me conhecer, fora de toda aquela bolha de ser a
melhor amiga de Santino e uma garota muito mais jovem da qual eu deveria ficar longe, foi
como ler o meu melhor livro. Então, depois de você, não havia a menor chance de eu ter vontade
de ler outro.
É uma pena que você tenha se esquecido de vários dos nossos momentos mais bonitos.
Em especial, do dia em que eu pedi a sua mão em casamento. Três letras, uma palavra tão
pequena, e eu nunca me senti mais poderoso do que quando você pulou nos meus braços e ecoou
aquele sim ofegante e embargado, antes de me beijar no meio de toda aquela gente no Tanabata
Matsuri [JR38]na nossa viagem para o Japão.
As pessoas dizem que escolher com quem vamos passar a nossa pequena eternidade
neste mundo é uma das decisões mais difíceis que podemos tomar ao longo da vida, mas foi fácil
escolher você. Foi fácil ter certeza de que eu não precisava conhecer ninguém mais. Eu tinha
encontrado a minha Vega no meio de sete bilhões de outras estrelas ao longo da nossa Via
Láctea.
Lembro de pensar certa vez que se cada pessoa fosse uma cor, você seria amarelo e eu,
cinza-escuro. Naquele segundo em que você estava nos meus braços, chorando de felicidade
pelo começo do nosso “para sempre", porém, eu descobri que sempre que estou com você, eu me
sinto iluminado por essa... luz radiante que você exala e muda qualquer ambiente onde você
está. Nesses breves e raros segundos, eu deixo de ser cinza e me torno amarelo também.
Com você, eu descobri que eu gosto muito de ser amarelo.
Sem você, descobri como sinto falta disso.
Mas eu não me importo em esperar.
Eu ainda vou amar você, mesmo que você não se lembre de parte da nossa história.
Mesmo que todas as estrelas do céu se apaguem e os planetas colidam. Mesmo que um ano
inteiro se passe, ou mais algum tempo além disso. Porque se eu tivesse a sorte de te ver por uma
única vez a cada ano, mi reina, eu ainda me sentiria o homem mais sortudo do mundo.

Mal consigo ler as últimas palavras com os olhos marejados a ponto de transbordar.
Quando o faço, minhas lágrimas marcam a folha de papel pouco antes de ela escapar pelos meus
dedos trêmulos, junto ao envelope e a fotografia.
Meus passos pelo quarto são uma bagunça frenética, confusos, assim como a minha
mente, embaralhada. Sequer consigo chegar à cama antes dos meus joelhos desabarem,
deixando-me caída no tapete sem a menor ideia do que está acontecendo.
Como se sentisse o meu estado caótico, Tommaso desponta na porta, vestido com outro
par de roupas pretas, alinhado como se estivesse prestes a sair. Até pensaria que ele poderia estar
indo ao tribunal, se não fosse a bandeja em suas mãos. Uma variedade de frutas, ovos mexidos,
suco e outras diversidades de alimentos que não consigo me concentrar.
— Romana... — ecoa confuso, largando a bandeja na cama e se ajoelhando na minha
frente com o semblante claramente preocupado.
— Por que eu não me lembro?
O cenho dele se plissa.
— O que você...
— Por que eu não me lembro? — repito em tom agudo, interrompendo-o. Quase um grito
de desespero. — Por que eu estou nessa foto e você escreveu essa carta, mas eu não me recordo
de termos vivido nada disso?
A compreensão da situação atinge Tommaso assim que ele ouve minhas palavras e move
seus olhos para os papéis próximos de mim, vislumbrando a carta e a fotografia que acabaram de
virar o meu mundo de cabeça para baixo.
— Cariño, você precisa se acalmar.
— Como você quer que eu me acalme? — grito com ele, passando as mãos pelo cabelo e
o afastando do rosto, como se o gesto pudesse ajudar em algo. Não ajuda, tampouco acalma as
lágrimas que vertem ininterruptas pelo meu rosto. — O que aconteceu um ano atrás, Tommaso?
Com os ombros tensos e uma expressão sombria no rosto, ele se aproxima mais de mim
e, antes que eu possa pensar em afastá-lo, Tommaso emoldura o meu rosto com as palmas
ásperas de suas mãos, obrigando minha atenção a ser integralmente dele.
— Eu pensei que tivesse batido o carro depois que Santino descobriu sobre nós e perdido
cinco meses da minha vida... — Movo a cabeça, atordoada. — Mas não pode ter sido isso.
Ele exala uma respiração carregada.
— Não foi — confirma, soturno.
Sinto meu lábio tremer pelo choro que tento arduamente conter, certa de ele que poderia
facilmente se transformar em um choro copioso.
— Então o que aconteceu?
Tommaso ergue meu queixo e encara meus olhos. Suas íris esverdeadas e escuras estão
tão entristecidas nesse momento que sinto meu coração afundar dentro do peito, porque esse
olhar angustiado e reverente em seu rosto me lembra palavra por palavra da carta que acabei de
ler e mina qualquer chance de tudo não passar de um mal-entendido.
— Depois do acidente, você virou uma estrela por quatro minutos, Romana — expõe e eu
sinto o tremor em meu corpo aumentar. — Então desceu do céu de volta para mim. Como uma
estrela-cadente, atendendo ao meu maior desejo.
Tommaso abre um sorriso breve, acariciando meu rosto com carinho.
— Eu pedi que seu coração voltasse a bater, e ele voltou.
— Mas depois... — acrescendo, com dúvida. Essa não é a versão dos fatos que eu
conheço. — Eu não passei meses em coma?
— Não, amor. Você viveu cada dia desses cinco meses do meu lado — contradiz. — Mas
você se esqueceu do que vivemos. Os médicos, na época, disseram que seu quadro se chama
amnésia retrógrada.
Arfo, sentindo minha mente rodar.
Meus olhos mal conseguindo se focar no homem a minha frente.
— E você... — as palavras não saem, mas se complementam na minha mente atordoada:
Era isso que ele estava fazendo por todo esse tempo? Não estava buscando uma segunda chance,
estava tentando fazer com que eu me lembrasse? Tentando fazer com que eu me apaixonasse por
ele pela segunda vez?
Tommaso sorri, aproximando-se até a sua testa estar pressionada a minha e o rosto tão
próximo do meu que posso ver as manchas mais claras em sua íris e sentir seu hálito quente e
mentolado contra a minha boca.
— Eu disse que te conquistaria todos os dias das nossas vidas na primeira vez que
declarei que te amava — revela em tom amável, sem se deixar abalar pelo soluço que escapa
pelo meu peito. — E prometi que faria você se apaixonar por mim um milhão de vezes... Até
mais... Sempre que a vida ficasse muito difícil.
— É o que tem feito desde que voltei à cidade.
Ele confirma, beijando a minha testa e se afastando para conseguir me olhar com mais
cuidado, examinando cada mínimo traço da minha expressão. Estou certa de que sou uma
completa bagunça agora, mas a forma como ele me olha... como se eu fosse a única coisa no
mundo digna de devoção, me arrebata completamente.
— Não aceito nenhum universo em que você não é minha, em que não estamos juntos,
Romana. Nosso amor é digno de telas de cinema — afirma em tom convicto, e eu arfo, sem
fôlego. — É digno de todas as estrelas do céu, mi amor. E eu faria você se lembrar dele, de nós,
mesmo que você se esquecesse da nossa história todos os dias.
Meu peito explode em lágrimas, tornando impossível articular uma frase coerente ou
mesmo tomar alguma atitude. A única coisa que sou capaz de fazer é continuar encolhida no
tapete e me deixar ser envolvida pelos braços fortes de Tommaso, ainda muito confusa com tudo
que acabou de acontecer.
Depois do acidente, Santino foi a primeira pessoa a falar comigo. Ele ficou do lado de
fora do hospital com um walkie-talkie e chantageou uma das enfermeiras a me passar um assim
que eu acordei. Um gesto tão adorável que me deixou emocionada.
Ele me explicou calmamente o que tinha acontecido, dizendo que fiquei em como por
cinco meses da minha vida. Não havia motivos para não acreditar nele quando o médico
confirmou a história e Nora e Tommaso nunca se manifestaram para me dizer o contrário.
Agora eu me pergunto por que todos me enganaram dessa forma.
Por que me trataram como uma maldita marionete?
PASSADO
UM ANO ANTES
CINCO MESES DEPOIS
HORAS ANTES DO ACIDENTE

— Se chocolate é um vício — divago, saboreando mais um bombom. — Isso faz do


coelhinho da Páscoa um traficante?
Tommaso, sentado ao meu lado, com uma postura taciturna e até mesmo um pouco
rígida, não consegue evitar a risada. Muito menos, o sorriso leve que curva seus lábios quando
ele olha para mim.
Eu amo o sorriso dele.
É sexy como o inferno e costuma aparecer somente para mim.
— Preciso admitir, Romana. Nunca sei o que vai sair dessa sua boca.
Sinto um arrepio com a confissão porque, pela forma como ele me encara, eu me lembro
bem de algo que entrou nela minutos antes de nos sentarmos no pequeno sofá da minha casa para
comer e assistir "Diário de um Paixão” outra vez. Tommaso não queria, mas bastou um pedido
meu para que mudasse de ideia e ainda buscasse algumas guloseimas para mim.
Discretamente — ou, pelo menos, eu espero que sim — eu me remexo no sofá, ainda sem
compreender como depois de meses vivendo nosso romance proibido, ainda consigo sentir um
desejo tão incontrolável por ele. Sinto que poderia beijá-lo e tocá-lo para sempre e, ainda sim,
essa eternidade seria um tempo curto demais.
— Você odeia essa porcaria! — alfineto, erguendo a metade da trufa de chocolate nos
meus dedos, antes de comê-la.
— Odeio.
— E os meus maus hábitos alimentares.
— Odeio.
— Mas continua a alimentar todas as minhas manias.
Tommaso suspira, movendo o corpo robusto no sofá para ficanr de frente para mim. Uma
visão e tanto com seu peito amplo exposto e os braços fortes ao alcance das minhas mãos,
sobretudo quando seu bíceps se flexiona diante do movimento que faz para afastar uma mecha
do meu cabelo para longe do rosto, aprisionando os fios atrás da minha orelha.
— Parece que eu sou mesmo um homem muito rendido, não é? — aponta e eu assinto,
risonha. Mas o gesto é fugaz, Tommaso logo endurece a expressão, ficando preocupado. — Mas
tudo tem limite, pasíon! Não adianta me encarar com esses olhos arregalados e cintilantes. Morta
você não vai sorrir, então vou cuidar da sua saúde.
Levo uma mão ao peito, simulando estar ofendida.
— Está me chamando de gorda?
Tommaso continua plácido, sem ceder ao meu blefe.
Vejo nos olhos dele que percebe a minha atuação e sabe que estou apenas sendo
implicante. Afinal, estar apaixonada por ele não dizimou o meu desejo de tirar o meu homem do
sério. Agora, quando o juiz está com raiva, ele faz outras coisas além de gritar comigo. O que me
leva a gostar de começar algumas briguinhas entre nós eventualmente.
— Você sabe que não tem um centímetro de você que não me agrade — faz questão de
elogiar, ainda sim. — Mas magreza não é indício de saúde e prova disso é você ofegante com um
lance de escadas.
Meus lábios se entreabrem em choque.
— Ai, essa doeu!
Ele move a cabeça, divertido com a minha reação. Chega até mesmo a trazer seu toque
para o meu rosto, acariciando minha bochecha por um segundo antes de apoiar meu queixo em
dois dedos seus e me fazer fechar a boca.
— Aliás, mi cielo, vamos treinar juntos.
— Não pareceu uma pergunta.
— Porque não foi.
Rolo os olhos.
— Mandão!
— Teimosa.
Pressiono os lábios para não sorrir.
— E o que vamos fazer? — fico curiosa em saber.
— Podemos correr um pouco.
Minha expressão se distorce em uma careta.
— Correr?
— Sim, ou outro esporte que preferir — responde, calmo. — O que é importante é gastar
um pouco de energia juntos.
Arqueio uma sobrancelha, atrevida.
— Toda sua energia de quase meio século?
Tommaso aparenta a idade que tem. Na forma de olhar, tocar e, principalmente, de agir.
A experiência praticamente exala de seus poros, e eu adoro isso.
— Diz isso como se desse conta de um homem como eu, menina.
Menina.
De novo, com isso de menina.
— Não sou eu quem pede por descanso na cama.
— Claro que não. — Ele se inclina e agarra a minha coxa, trazendo meu corpo para o seu
colo como se eu não pesasse nada. Solto um gritinho surpreso e agarro seus ombros, fazendo um
novo sorriso surgir nos lábios de Tommaso. — Você sequer tem fôlego para isso quando
terminamos.
Afundo as mãos em seus cabelos, sentindo os fios grossos e loiros contra os meus dedos
ao puxá-los suavemente.
— Muito engraçado! Seu senso de humor é adorável.
Ele bate no meu bumbum.
— Não foi uma piada.
Tommaso não permite que eu tenha chance de argumentar, agarrando a minha nuca e
tomando meus lábios em um beijo profundo e íntimo. Apenas ficamos assim, nos beijando por
muito tempo. O tipo de beijos profundo e lânguido que sugere que temos todo tempo do mundo.
— Romana... — chama ao interromper o beijo.
Buscando a minha mão, ele beija meu dedo anelar, bem em cima do lugar onde deveria
ter um anel. Não porque Tommaso não fez questão de comprar um, mas porque usá-lo chamaria
atenção e poderia originar perguntas. E o juiz já ameaçou um terço da cidade por minha causa.
Alguns por ciúme, outros para manterem o silêncio.
— Estamos juntos há mais de cinco meses.
— Eu sei.
— Você é minha noiva.
— Tommaso...
Ele exala, contrafeito. Tem mantido essa farsa por mim, mas não poderia estar mais
desconfortável com ela.
— Não quero te pressionar, mas não mais sou um garoto — expõe de forma taciturna. —
Não gosto da ideia de precisar esconder o que sinto por você na frente das outras pessoas.
Tampouco de inventar desculpas para passar um tempo ao seu lado sem que Santino não
desconfie.
Aquiesço, compreendendo a forma como ele se sente. Eu me sinto do mesmo jeito e
detesto criar desculpas para justificar para os meus amigos o tempo que deixei de passar com
eles, preocupada que irão descobrir. Na viagem para o Japão, Tommaso e eu passamos por um
fio no radar do QB.
— Eu sei que parece infantilidade, e sei que sete meses é muito tempo — admito
baixinho, respirando fundo. — Eu só... estou com medo.
Tommaso enrijece.
— De se casar comigo?
Abro um sorriso.
— É claro que não. Os últimos meses, Tommaso... — Suspiro, sentindo a falta de
palavras boas o bastante para descrever os sentimentos em meu peito. — Eu não me recordo de
ter estado tão feliz assim, antes de me acertar com você.
— Então vamos contar para ele — pede, subindo as mãos para emoldurar meu rosto. —
Podemos fazer isso juntos, Romana. Ou, se preferir, eu posso conversar com ele sozinho e
resolver.
Meneio uma negativa.
— É só que... a relação de vocês melhorou tanto. — Acaricio a sua barba, sentindo a
textura áspera contra os meus dedos. — Consegue imaginar como ficarei culpada se essa
revelação jogar todo o progresso de vocês no lixo? — Movo a cabeça novamente. — Eu não
consigo me imaginar no meio disso, sabendo o que eu sei sobre o passado de vocês. Sabendo o
que você passou para protegê-lo.
Tommaso cobre minha mão com a sua, interrompendo meus movimentos que, de certa
forma, estavam me ajudando a concentrar em algo além dessa conversa. O filme, rolando na TV,
há muito tempo esquecido por nós.
— Eu também não quero magoá-lo, Romana — confessa e eu percebo a sinceridade em
suas palavras, tanto quanto a frustração das que vem a seguir: — Mas não sei até quando vou
conseguir esconder que amo você.
Meus lábios se curvam em um sorriso.
Eu amo ouvi-lo dizer, em qualquer idioma que seja.
— Aproveitando que estamos no tópico de assuntos pendentes — digo, puxando o
gancho para outro assunto. — Eu sei que você se conformou em carregar o fardo do que
aconteceu no passado e entendo os motivos que levaram você a fazer isso. Santi era apenas uma
criança e você só queria protegê-lo. — Faço uma pausa curta, sondando a reação de Tommaso,
que permanece soturno. — Mas ele é um adulto agora, pode encarar a verdade. Se eu preciso
encontrar um caminho para contar que me apaixonei pelo irmão dele, você poderia pensar em
tirá-lo do escuro quanto a verdadeira história dos seus pais.
Assisto Tommaso engolir em seco, o pomo de Adão subindo e descendo em um
movimento brusco que entrega sem palavras o seu estado de espírito. Sei que não é um assunto
fácil.
— E se ele me odiar mais por saber o que eu escondi? — questiona e eu tenho vontade de
abraçá-lo por notar os requintes de vulnerabilidade que ninguém além de mim é capaz de ver no
juiz.
Desenlaço sua mão da minha, ficando livre para acariciá-lo. Com calma e carinho, eu
afasto os cabelos de Tommaso, acariciando os fios mais compridos do topo deles.
— Vocês têm Antonita e isso é maravilhoso — aponto com um sorriso. — Ela é a melhor
avó que qualquer um poderia ter. Mas sem um pai e uma mãe, você e Santi são a família um do
outro.
Tommaso anui, pensativo.
— Talvez contar a verdade seja o caminho que você precisava para sair desse lugar de pai
e ser o que ele precisa, um irmão mais velho, com quem ele pode contar e pedir alguns
conselhos. Alguém que ele pode contar independente do que acontecer. — Abro um sorriso. —
Alguém que vai aos jogos dele e não se esconde para não ser visto.
Recebo um olhar admirado.
— Isso foi muito maduro, cariño.
— Acho que fico mais sábia sempre que você me beija.
— Ah, é? — diz, interessado.
— Uhum... — concordo, apoiando os cotovelos deitados em cima dos seus ombros para
aproximar nossos rostos. — Deve ser algum mecanismo estranho que os cientistas ainda não
descobriram.
Tommaso ri, e o som grave reverbera no ar. Ele tem estado mais feliz e todos têm notado
que há algo diferente com o rei, embora ninguém tenha chegado diretamente à causa.
O amigo mais próximo do juiz no tribunal, no entanto, Sawyer Bennett, tem um forte
palpite. De acordo com o que Tommaso me contou outro dia, ele o irritou dizendo que ele
chegava assobiando alegria para as audiências sempre que cruzava com uma estrela de olhos
repuxados pelo caminho.
Precisei interceder para que o juiz não o demitisse.
E, bom, comigo não tem sido diferente. Nora percebeu a minha mudança quase que de
imediato e Santi não demorou a notar também, o que ficou difícil de justificar com a minha
viagem para o Japão, então precisei admitir que estava me envolvendo com alguém. Nora o
apelidou de cara misterioso, provavelmente desconfiando que reatei com Logan e fiquei receosa
em contar.
— Você é única, pequeña estrella.
Pressiono um beijo casto em seus lábios.
— Você acha que eu deveria te chamar de algum jeito carinhoso? — interpelo, de
repente. — Quer dizer, você me chama de pequeña estrella e vários apelidos lindos em espanhol.
Então eu pensei, poderia te chamar de... Tommy?
A expressão se distorce em uma careta.
— Não. Abuela me chama assim.
— Hum... Talvez Tom?
— Isso me faz parecer mais velho.
Rio, sem conseguir evitar.
— Você é quase um quarentão de qualquer jeito! — satirizo, erguendo uma sobrancelha
em desafio. Uma postura que dura pouco, até Tommaso beliscar a minha cintura e me fazer rir.
— Mas ok, Tom está descartado.
— Muy bien.
Inclino a cabeça, pensativa.
— E que tal Tomtom, então?
— Santa mierda, Romana! Estou com cara de Benjamin Button? — reclama, provocando
uma gargalhada que não consigo controlar ao entender a referência ao filme. — Assim parece
que tenho cinco anos.
— É sério, não quero continuar a te chamar de Tommaso como todo mundo —
argumento, fazendo um beicinho que atrai os olhos dele por segundos. — E uso senhor juiz só
quando quero te provocar.
— Então me chama de amor.
Sorrio.
— Melhor ainda, diga que eu sou seu.
— Meu, é? — repito, vaidosa.
— Seu Tommaso. Seu juiz. Seu amor. — Na curta pausa que faz, Tommaso volta a me
segurar firme pela cintura. — Seu dono também.
Reviro os olhos, charmosa.
— Eu nunca concordei com isso.
— É, mas alguns acordos eu faço apenas com seu corpo. — Ele se inclina para beijar
meu pescoço, provocando arrepios em minha pele com seus lábios experientes e sua barba
áspera. — Sua mente esperta me dá muito trabalho.
Arquejo, rebolando de levinho em cima dele.
— Mas foi por causa dela que você caiu por mim.
— Dela e dessa sua língua afiada.
Ele suga a pele, sentindo minha pulsação acelerada. Gemo, sem conseguir evitar,
segurando o juiz pelos cabelos e tentando fazer com que desça a boca um pouco mais. Meus
seios estão túmidos de desejo, os mamilos roçando contra a renda do sutiã, ansiosos pela atenção
de Tommaso.
— Na verdade, acho que sei porque você se apaixonou por mim — alego, inclinando um
pouco a cabeça para trás, concedendo mais acesso a ele. — Você manda em todo mundo, mas
gosta de apanhar de mulher bonita em casa.
Ele ri contra a minha pele.
Em seguida, me morde como castigo.
Choramingo pela pontada de dor, mas sou acalmada pela língua quente que se arrasta
pela região como o melhor dos remédios.
— Se a mujer em questão for você, eu não vejo problema algum — admite com orgulho.
— Embora, claro, eu não seja o único a apreciar alguns tapas.
Tommaso posiciona minha cabeça erguida novamente e pressiona os lábios firmes e
decididos contra os meus, ecoando um barulho rouco, do fundo da garganta, que torna as batidas
do meu coração descompassadas e meus joelhos fracos. Seus lábios quentes estão entreabertos e
macios, mas todo o resto dele está duro como pedra. E quando sinto a sua língua, eu gemo e
busco por mais.
Aperto mais as pernas ao redor dos seus quadris, sentindo o toque áspero subir pelas
minhas coxas e os dedos longos apertarem a carne do meu bumbum, puxando meus quadris para
frente e me pressionando contra a ereção grossa, crescendo em sua calça. Nossas bocas se
movem e deslizam, e, de repente, as mãos dele estão em todo lugar, alternando entre carícias
suaves e brutas. Há tantas sensações pulsando pelo meu corpo que eu me sinto tonta.
— Romana? A porta dos fundos estava aberta... — A voz grave invade o ambiente,
quebrando-se ao meio como um vaso que estilhaça no chão.
Interrompo o beijo, assustada, procurando em choque pelo dono dela, parado há apenas
alguns passos de nós. Eu conheceria essa voz em qualquer lugar, o que eu não reconheço é a
expressão de tristeza no rosto dele, os lábios franzidos em angústia e confusão. Linhas de
preocupação marcam sua testa, os olhos perplexos e feridos fixos em mim.
Santino nunca me olhou assim.
— Santi... — sussurro, atônita.
Levanto-me rapidamente do colo de Tommaso, mal conseguindo me equilibrar sobre as
minhas próprias pernas. Meu corpo inteiro está trêmulo, agitado a ponto de sentir a minha
pulsação bater nos ouvidos e meus olhos se encherem de lágrimas, prevendo a horrível reação do
meu amigo.
Droga, Tommaso e eu nos deixamos levar e fomos descuidados! Santi deveria estar no
jogo dos Wildcats, mas algo parece ter saído fora do planejado porque além de estar aqui, não
está com o traje de quarterback. Ele provavelmente me enviou uma mensagem antes de vir, mas
eu não a vi, perdida demais no irmão dele.
— Então era ele o cara misterioso com quem você estava saindo? — escarnece em tom
ímpio. — La mierda de mi hermano, Romana?
— E-Eu posso explicar.
— Pode mesmo? — rechaça, e sua raiva é quase palpável no ar ao redor. As veias pulsam
em suas têmporas, destacando-se em sua pele tensionada. — Quanto tempo isso está
acontecendo pelas minhas costas?
As íris esverdeadas de Santino faíscam com intensidade, irradiando uma energia
tempestuosa que parecia prestes a explodir a qualquer momento.
— Infierno, por quanto tempo mentiram para mim?
Pelo canto do olho, noto que Tommaso já está de pé, respirando fundo e se recompondo
como pode. A atenção de Santino vagueia na direção do irmão; seus olhos nublados de lágrimas
não derramadas, brilhando com uma tristeza profunda e penetrante que parece perfurar a alma.
Testemunhar essa cena faz com que eu me sinta fraca, doente. A única coisa que quis evitar por
todo esse tempo era exatamente isso, ser o pivô de mais brigas em uma relação tão frágil como a
deles.
— Hermano, você deveria se acalmar — aconselha Tommaso, mantendo a habitual
inflexão ímpia e severa. — Podemos nos sentar e conversar sobre isso. Imagino que você tenha
perguntas e...
— No, ni siquiera comienzas! — brada em espanhol, cada palavra pronunciada com uma
ferocidade cortante, carregada de raiva e amargura. — Você não tem o direito de tentar se
explicar, Tommaso! ¡Qué carajo! Por que sempre tenta destruir as coisas que eu amo? Por que
não poderia ficar longe da única coisa que sabia que era importante para mim?
As lágrimas vertem pelo meu rosto e eu rodeio o sofá para chegar mais perto dele. Tento
segurar seus braços impacientes, gesticulando em meio a sua crise de raiva, mas Santino se
afasta de mim.
— Santi... — chamo, chorosa.
Ele nega, recuando alguns passos.
— Não acredito que escondeu isso de mim!
— Me d-desculpa, eu... — Arfo, lutando com meus balbucios. — Não era para você
descobrir desse jeito.
— Dale, no me jodas! Parece que não era para eu descobrir que você estava dando para o
mi hermano de jeito nenhum, não é?
Tommaso grunhe, perdendo a paciência.
Encaro a postura tensa do juiz, encontrando seus ombros totalmente enrijecidos, os lábios
firmemente pressionados e a mandíbula cerrada com tanta força que parece capaz de quebrar a
qualquer momento.
— Não vou permitir que fale nesse tom ou de forma grosseira com a Romana — decreta,
aproximando-se de Santino. — Se você quiser conversar, podemos fazer isso. Mas se quiser
gritar com alguém, vai gritar comigo!
Com os olhos nublados de lágrimas não derramadas, Santi avança o passo que falta para
deixá-los a um palmo de distância.
— Não quero nem começar a falar de você — grunhe, ecoando uma tristeza profunda e
penetrante que parece lhe perfurar a alma. — Maldito hipócrita! Não faz muito tempo que você
me disse que não estava preocupado com ela ou com o futuro dela. E agora eu descubro que
estão transando? — Santi ri, exasperado. — ¿Cuál carajo es tu maldito problema?
Limpo o rosto úmido, tomando uma respiração profunda e me aproximando de onde eles
estão. Nenhum dos dois me olha, mas sinto que preciso intervir antes que algo pior aconteça
entre eles.
— Santi, não foi assim.
— Não foi? — zomba; sua postura tensa e agressiva ainda focada no irmão. — O que eu
entendi errado? Você não trepou com meu irmão ou você não mentiu para mim?
Os punhos de Santino estão cerrados com tanta força que consigo ver como as juntas
estão brancas de tensão, as unhas cavando fundo nas palmas das mãos. Cada músculo de seu
corpo está rígido e pronto para a ação, seus ombros tensos e elevados em uma postura de
agressão iminente.
— ¡Santino, basta! — brada Tommaso, a voz repercutindo de forma grosseira e intensa
pela sala. — ¡Ya estás yendo! É melhor você ir para casa.
A postura de Tommaso não é menos tensa ou agressiva do que a do irmão, seu corpo
inclinado para a frente em um gesto ameaçador, como se estivesse prestes a se lançar em ação a
qualquer momento. Não há dúvidas de que ambos estão em um estado perigoso de descontrole.
— De ninguna manera — Santi rosna. — Ela não faz ideia do homem desprezível com
quem se envolveu.
— Estar magoado não te dá o direito de agir como un maldito mocoso! [JR39]— A fúria
de Tommaso pulsa como uma tempestade prestes a desabar. — Você não pode controlar com
quem Romana se envolve apenas porque a considera uma irmã, Santino. E não pode continuar a
me ofender como se eu fosse o culpado por tudo de ruim que já te aconteceu.
O punho do Santino corta o ar com velocidade, encontrando o rosto Tommaso com um
impacto surdo. O estalo do golpe reverbera no ar enquanto o juiz cambaleava para trás; a força
do murro deixando uma marca vermelha em sua pele.
Tommaso recupera o equilíbrio com um rosnado de raiva, sua expressão contorcida.
Grito em desespero para que parem, mas felizmente ele não tenta revidar e atingir o irmão.
— Eu não vou brigar — declara, movendo a mandíbula para conter a dor. — Nunca
levantei a mão para você e não vou começar agora.
Respirando pesadamente, sua expressão uma mistura de surpresa e desgosto, Santi encara
o irmão, depois move seus olhos para mim. Chamo pelo nome dele, pedindo para que possamos
conversar, mas ele não está disposto a isso.
Santino deixa a minha casa pela porta dos fundos, a mesma que encontrou destrancada ao
chegar e em segundos, eu escuto o som do motor de seu Audi. O som dos pneus se arrastando
contra o solo de forma agressiva é um sinal de que ele não está pensando direito, sendo um
perigo para si mesmo com a força da raiva e da decepção que está sentindo.

Suspiro, desconfortável, checando o estado perturbado de Romana, prestes a trazer a


japonesa para os meus braços para confortá-la. No primeiro passo que avanço para perto dela,
porém, ela ergue a mão em uma barreira.
Recebo uma negação incisiva.
— Eu... — Romana exala, lutando contra a voz embargada que parece querer muito
esforço para deixar sua garganta nesse momento. — Preciso de um momento.
— Cariño, nós vamos resolver isso.
Ela assente, mas não parece acreditar nas minhas palavras. E quando se afasta, voltando a
se sentar no sofá, puxando as pernas para cima e abraçando o joelho, eu tenho o sinal claro de
que ela precisa de espaço.
Sem querer piorar a situação ou exigir mais dela, eu caminho em direção à cozinha e abro
o refrigerador em busca de um saco de ervilhas congeladas.
Sinto o gosto metálico do sangue na minha boca, e tateio automaticamente o local da dor,
encontrando a pele inchada e sensível que cobre a minha mandíbula, antes de pressionar o
pacote na região. Grunho diante da dor latejante irrompe do lugar. Santa madre, sabia que a
reação de mi hermano seria ruim, mas foi ainda pior do que havia imaginado.
Desperto dos devaneios ao escutar o motor do carro. Não qualquer um, mas do meu
Cadillac, que eu reconheceria mesmo à distância. Largo o saco de ervilhas, que cai com um
baque surdo no chão, e corro de volta para a sala, encontrando o ambiente vazio. Sem Romana, e
sem as minhas chaves que estavam ao lado da minha carteira na mesa de centro depois das
peripécias que fiz com a japonesa.
Saio pela porta da frente a tempo de assistir ao meu Cadillac sumindo pela rua, mais
próximo do que deveria do meio fio, como um indício da imperícia de Romana.
— Joder, mujer! — praguejo, preocupado. Até onde sei, a garota não tem carteira de
motorista. — ¿Por qué es tan intrascendente?
Pego meu telefone, discando o número do meu motorista. Não o uso com frequência, mas
ele é muito bem pago para estar disponível a uma ligação sempre que for necessário. Joseph
atende no segundo toque e escuta meus grunhidos impacientes para que traga meu carro até
Northview.
Tento ligar para Romana enquanto o automóvel não chega, mas ela não atende. Não
tenho certeza sequer se levou o telefone consigo ou não. O que sei é que, nos quinze minutos
seguintes em que a aflição me devasta de dentro para fora, o tempo parece desacelerar, tornando
a espera um martírio.
Fico do lado de fora, andando de um lado para o outro, sem controlar a minha
exasperação. Apenas no momento em que avisto o Bentley preto surgir no fim da via, é que
consigo respirar novamente.
— Senhor, está tudo bem? — Joseph inquere ao sair do carro e me entregar as chaves.
Pego-as de imediato, apertando contra os dedos.
— Yo espero que sí — respondo, adentrando no automóvel. — Viu alguma
movimentação no Palacete quando pegou o carro na garagem?
— Não, senhor.
Cerro os dentes, batendo a porta com força. Lá deve ter sido o primeiro lugar que
Romana pensou em ir para encontrar Santino, mas se mi hermano não está no palacete, só
consigo pensar em outro lugar para onde ele iria.
— Mierda!
Insiro a chave no contato, girando-a para ligar o motor e arranco com o carro com
violência pela via. O modelo Continental me permite alcançar até trezentos quilômetros por hora,
uma vantagem útil frente as quarenta milhas que tenho que percorrer até Milford Lake.
Uso o painel do veículo para continuar a tentar contatar Romana, na esperança de que
tenha desistido de pegar uma rodovia com tão pouca experiência em dirigir, mas não tenho
sucesso. E, na pior casualidade, uma luz se acende no painel, indicando que o tanque está na
reserva.
Voy a matar Joseph!
Estou a cerca de vinte quilômetros da minha casa do lago quando avisto o meu Cadillac
na rodovia. Está rápido demais, transitando de forma perigosa. Notar isso faz meu corpo
enrijecer, meus dedos castigando o couro do volante em um aperto angustiado.
— Detente, amor... — sussurro, preocupado. — Apenas encoste o carro e eu juro que irei
resolver a situação.
Mesmo ecoando os pedidos em pensamento, tinha esperanças de que pudesse ouvir meu
pedido. Mas Romana não para, e eu a assisto perder o controle do veículo.
Meu coração dá um salto no peito enquanto eu presencio, impotente, a cena se desenrolar
diante dos meus olhos. O som ensurdecedor de pneus gritando contra o asfalto ecoava no ar
enquanto o veículo derrapava descontroladamente.
O impacto não demora a vir, mas é violento. O carro gira descontroladamente pela pista,
chocando-se contra a barreira de proteção. Fragmentos de vidro e metal voam pelo ar, fazendo-
me prender a respiração em horror.
A fumaça começa a se erguer da cena do acidente, obscurecendo a visão e acrescentando
um ar de irrealidade à tragédia diante de mim. Porque enquanto estaciono o carro em um
movimento robótico, parte do meu cérebro se recusa a acreditar que era real.
Meus dedos tremem no volante enquanto eu luto para processar o que acabo de
testemunhar, mas não demoro a reagir, saindo do carro. O silêncio pesado que se segue ao
acidente foi ensurdecedor, quebrado apenas pelo som grotesco da minha respiração carregada
enquanto corro em direção às ferragens.
— Romana! — grito em pânico. — Romana! — chamo novamente, desesperado por uma
resposta que nunca vem. — Romana!
Chego ao carro destruído, meus ombros tensos e minhas mãos trêmulas ao avaliar a
situação. Sou envolvido por uma mistura de cheiro de gasolina e metal retorcido, que me
despertam um senso de urgência.
Com cuidado, abro a porta do veículo, que range em protesto contra o impacto do
acidente, revelando a imagem de Romana desacordada no banco do motorista. Há um corte
expressivo em sua testa, que faz filetes de sangue descerem pelo seu rosto, maculando a pele
pálida e encharcando a raiz de seus cabelos.
Lentamente, desfaço o cinto de segurança, afastando o airbag e pegando a garota em
meus braços. Amparo seu corpo com cuidado, ciente de que poderia estar causando algum mal
ao mover seu corpo, mas preocupado em tirá-la do veículo que pode explodir a qualquer
momento.
Caminho vários passos com Romana em meus braços, abrindo uma margem segura antes
de me ajoelhar no asfalto e colocá-la deitada no chão.
Pego o meu telefone, discando para a emergência e colocando o aparelho no chão, ao
lado de Romana enquanto verifico o estado dela, tentando relembrar as medidas de primeiro
socorros que fiz e obriguei Santino a fazer para que estivéssemos aptos a socorrer abuela, caso
necessário.
A chamada é atendida.
— 911, qual a sua emergência?
— Minha noiva está ferida. Preciso de ajuda. — Elevo o tom, soando urgente pelo pânico
de não conseguir arrancar nenhuma reação de Romana. Ela não está respirando. — Estamos na I-
70 W sentindo Missouri. Ela sofreu um acidente de carro e está inconsciente.
— Entendi, senhor. Preciso de alguns detalhes, sabe me informar mais algum ponto da
sua localização?
— Carajo! — praguejo, tentando conter a minha respiração e as lágrimas continuadas
que ardem em meus olhos. Faz anos que não choro, e aqui estou, prestes a desabar.
— Senhor, preciso que se acalme.
— Como você quer que eu me acalme? — retruco de forma grosseira, atordoado demais.
— Ela não... — minha voz vacila, embargada. — ¡Ella no está jodidamente bien!
— Preciso que me diga onde estão para poder ajudar.
Forço minha mente a se lembrar sobre o trajeto percorrido, pensando em algum ponto de
referência que possa facilitar a nossa localização enquanto tento observar algum sinal de
responsividade em Romana. Qualquer um.
— Faz cerca de dez ou quinze minutos que passamos do Manhattan Regional Airport —
consigo formular. — Seguindo pela KS-18 W.
Por todo esse tempo, nenhum carro passou por nós. Nada que eu pudesse recorrer a pedir
ajuda, sobretudo contando que o meu Bentley está na reserva e não irá conseguir percorrer o
suficiente.
— Entendi, agradeço a precisão. — Ouço o som de teclas rápidas ecoando do outro lado.
— Qual é o estado da vítima? Você pode verificar se está respirando?"
— Ela não está respirando. — Movo os dedos pelo pescoço delicado dela, tentando sentir
a pulsação. Foi o orientado no curso, mas sinceramente, é difícil com minha mão instável e o
temor percorrendo minhas veias. — Não consigo sentir o pulso dela também. O que eu posso
fazer para ajudar?
Recebo suas orientações pela linha, executando cada uma das ações ao pressionar as
mãos entrelaçadas entre os seios de Romana e começar a pressionar, jogando a força do meu
tronco sobre o dela ao manter os cotovelos retos. Uma, duas, três vezes e em diante. Fazendo o
coração dela funcionar com o apoio da minha mão.
— Você não pode virar uma estrela, Romana — digo a ela, sem me importar que
estejamos sendo ouvidos. — Não pode me deixar depois de tudo, amor. Seu coração... Tu
corazón tiene que empezar a latir de nuevo. — Mantenho os movimentos, lutando com o
desespero que ameaça me desestabilizar a todo tempo. — No puedo perderte. No puedo!
Quando os primeiros dois minutos se passam, ela orienta que eu tente sentir o pulso dela
novamente, mas eu não sinto nada. Então, volto a fazer as massagens, comprimindo o tórax de
Romana, sem desistir. Eu tentaria fazê-la voltar até que a porra dos meus braços caíssem.
— Não vou desistir de você, cariño. — prometo, sentindo a primeira lágrima deixar meus
olhos. Grossa o bastante para me molhar o rosto e escorrer pelo queixo. — Nunca te voy a
rendir.
— Os dois minutos se passaram. — A voz dela interrompe meus movimentos, mais uma
vez. — Tente verificar de novo se consegue sentir o pulso.
Pressiono dois dedos, o indicador e o médio, na lateral do pescoço de Romana e...
Finalmente, sinto algo. Um som surpreso escapa dos meus lábios, em um misto de exaustão e
alívio, tornando impossível segurar as novas lágrimas.
Romana voltou.
Minha pequeña estrella desceu do céu.
Após quatro fodidos minutos, ela voltou para mim.
— Consigo sentir — empurro as palavras para fora, a emoção castigando meu peito,
tornando quase impossível com os músculos constritos da minha garganta.
— Ela voltou — diz a voz do outro lado da linha. — Agora você só precisa ficar atento à
respiração dela e ao pulso, ok? A ambulância do Geary Community está a caminho.
Faço as contas mentalmente, constatando que este hospital, o mais próximo de Milford
Lake, está localizado em Junction City, há trinta minutos de estrada. Contando onde estamos no
momento, cerca de quase cinquenta minutos.
— Vão demorar demais! — grunho, aflito.
— Senhor, eu sinto muito, estamos fazendo o melhor que podemos — tenta me
tranquilizar, sem o menor sucesso. — É o hospital mais próximo e garanto que a ambulância
acabou de deixar a unidade.
Engulo em seco, pensando nas alternativas que tenho. A ambulância irá demorar demais
e ficar parado aqui não pode ser uma opção, Romana precisa de atendimento o mais rápido
possível. Meu Cadillac está destruído, o Bentley sem gasolina... Joder, não há um carro próximo
para que eu possa pedir ajuda!
— Podem encontrar comigo na estrada, não podem? — interpelo, apreensivo.
— Não é indicado que o senhor a mova.
Acaricio o rosto delicado da minha japonesa com sofrimento, observando a profundidade
do corte em sua testa, que sugere a força da pancada que seu crânio sofreu.
— O coração dela tem riscos de parar novamente enquanto espera aqui? — certifico-me
dos riscos que esperar aqui podem causar a ela.
A mulher suspira.
— Sim, mas não é recomendado que...
— Estou me fodendo para o que é recomendado! — brado, aborrecido. — Mande a droga
da ambulância, vou seguir pela estadual.
Coloco o telefone no bolso, ainda em chamada, e pego Romana nos braços. Estabilizo-a
como posso, segurando firme em suas costas e atrás dos joelhos.
— Nem que eu precise correr estas quarenta milhas — digo a ela, marcando sua pele com
minhas lágrimas ao depositar um beijo em sua testa —, eu vou trazer você de volta, mi amor.
Meu coração martela no peito, meus músculos tensionados com esforço enquanto corro
com Romana em meus braços. O mundo ao meu redor se torna um borrão, há apenas as minhas
pernas se movendo como se tivessem uma mente própria, impulsionadas pelo temor que sinto de
perder a mulher que mais amo no mundo.
Romana é leve, mas seu corpo parece pesar toneladas sob o peso do desespero. Sinto
cada tremor dela, cada suspiro fraco, e isso me enche de uma determinação feroz. Com o olhar
fixo à frente, eu ignoro a dor em meus músculos e o medo que ameaça me dominar.
Meus passos são rápidos, desajeitados e imparáveis. Não sei quanto tempo se passa, mas
sei que minhas pernas estão prestes a ceder e a desabar no chão no momento em que ouço o som
estridente de sirenes se aproximando.
Por alguns segundos, penso que o som é uma ilusão da minha mente, mas nos minutos
seguintes, sou capaz de acompanhar os rastros de luzes avermelhadas da ambulância deixados
pelo solo com a chegada da ambulância.
Então, finalmente, consigo respirar.
PRESENTE
BAYDEN HAVEN
AINDA NO MESMO DIA DA REVELAÇÃO

— Sei que é difícil assimilar tudo isso, pasíon — começo em tom cuidadoso, secando as
bochechas úmida de Romana com meus polegares. — Estive tentando fazer com que você se
lembrasse da nossa história, mas não queria te causar uma epifania.
Cedi a vontade de reviver a lembrança do nosso noivado na noite de anteontem. Por isso,
busquei pelas cartas que guardo no meu escritório, e trouxe essa em específico para o quarto.
Adormeci fitando a fotografia, preso no sorriso largo e nos olhos repuxados de Romana,
marejados em felicidade, diante da alegria daquele momento.
Quando a japonesa me pediu para vir aqui ontem a noite, ainda no evento de gala, eu
concordei, incerto sobre como ela reagiria à casa reformada e totalmente desatento ao fato de que
havia deixado a carta sobre a cômoda.
É claro que queria fazer Romana recuperar a memória, mas, se não pudesse ser por si
mesma, esperava encontrar uma forma bem mais suave do que essa.
— Como eu cheguei ao hospital? — indaga, com os olhos confusos. Possivelmente,
tentando comparar a versão dos fatos em sua cabeça e a realidade que estou descortinando neste
momento.
— Eu consegui tirar você de dentro do carro e prestar os primeiros socorros com a
emergência na linha — relato a ela. — Quando pedi explicação a equipe médica do hospital
sobre o seu quadro, eles disseram que seu coração parou de bater porque havia ar no seu tórax,
fora do espaço em que deveria ocupar no seu pulmão. Esclareceram que é comum que esse
quadro seja causado por trauma intenso, como o que você sofreu com o acidente de carro.
Romana anui, fazendo um movimento mínimo de cabeça. Não parece compreender as
palavras em sua totalidade, no entanto, e eu compreendo como se sente. Quando me elucidaram
as dúvidas que eu tinha sobre o estado de saúde dela, estava tão preocupado e fora de mim, que
assimilei pouquíssimas coisas.
— Você disse que os médicos chamaram a minha condição de quê?
— Amnésia retrógrada — eu respondo.
Romana está tensa e desconfortável, franzido o cenho com as mãos inquietas sobre o
colo, descontando a frustração que sente.
— Sabe me... explicar?
Um sorriso ameaça escapar dos meus lábios diante do questionamento ingênuo.
Vaya[JR40], tudo o que tenho feito é pesquisar sobre isso desde o último ano. Ler artigos e mais
artigos, tentando compreender cada minúcia dessa condição. Infelizmente, muito ainda precisa
ser esclarecido.
— É um tipo de perda de memória que afeta a capacidade de lembrar eventos,
informações ou experiências que ocorreram antes de um certo ponto no tempo — conto o que
sei. — Geralmente, um evento específico. Como no seu caso, em que a última coisa que você se
lembra, foi uma das poucas brigas que tivemos.
Romana faz uma careta, deixando um suspiro carregado escapar. Como um gesto de
conforto, eu subo minhas mãos para os seus cabelos, deslizando meus dedos longos pelo
comprimento ainda mais longo deles, penteando os fios com carinho.
— Eu me lembro de como nós nos envolvemos, lembro de como nos apaixonamos e da
noite em que te contei sobre a minha mãe e você sobre a sua família — cita suas recordações,
abrindo um sorriso pequeno ao falar sobre a noite em que a encontrei encolhida no armário. —
Tivemos alguns bons dias depois disso, até você agir como um babaca depois de ter transado
comigo.
Exalo, contrafeito.
— Dale, Romana! Eu estava com ciúmes.
— Do Logan! Eu não tinha interesse nenhum nele!
A expressão aborrecida em seu rosto, evidenciada nos lábios pressionados e nos olhos
astutos, fixos em mim com impaciência, é simplesmente adorável.
— Mas ele era seu ex-namorado — justifico, escancarando meus receios de forma clara
pela primeira vez. — Pode ser difícil para você acreditar, mas ser tantos anos mais velho que
você me fez ter muitos pensamentos sombrios acerca do futuro do nosso relacionamento. Entre
eles, a possibilidade de você desejar, em algum momento, que seria mais simples estar com um
cara da sua idade.
Romana suspira, buscando uma das minhas mãos em seus cabelos para segurar com a
sua, descansando nossas palmas unidas sobre o seu colo. A dela, tão menor e mais pálida, sendo
dominada pelo toque da minha, maior e mais áspera.
— Deveria ter conversado comigo sobre isso — comenta, novamente me surpreendendo
com sua maturidade. — Mesmo que nós dois saibamos que, se eu estivesse interessada em caras
da minha idade, você teria deportado todos os garotos da cidade.
O canto dos meus lábios se ergue, sem que eu possa sugerir um contraponto para um
argumento tão perspicaz.
— O ponto é que esta é a última memória que tenho de nós — prossegue com a conversa.
— Eu sequer me lembro do acidente. Mas lembro do momento em que acordei no hospital e da
conversa que tive com Santino. Por que ele mentiu para mim?
Romana é incapaz de conter os sinais do seu ressentimento. Seus olhos, normalmente
brilhantes e expressivos, estão opacos, refletindo a decepção profunda por ter sido colocada em
segundo plano em uma decisão onde deveria ter sido a protagonista.
— Você obviamente precisa ter uma conversa com mi hermano, mas quero que saiba que
ele estava magoado com o nosso relacionamento. — Sinto a necessidade de dizer a ela. —
Sobretudo, por termos escondido o fato dele por tanto tempo.
Assisto-a engolir em seco.
— Decisão sua ou minha?
— Sua, cariño.
Romana suspira, movendo sua atenção para as nossas mãos entrelaçadas. Imagino que ela
estaria muito mais brava se seu estado de choque não fosse tão considerável.
— Não estou tentando justificar o que foi feito — apresso-me em dizer, melindrado. —
Você tem todos os motivos para ficar magoada. Não somente com ele, mas com todos nós que
compactuamos com isso. — Faço outra pausa, buscando por palavras. — Mas Santino... só
queria te proteger.
Seus olhos se erguem, de volta aos meus.
— Escondendo uma parte da minha vida de mim? — interpela, sem dosar seu
descontentamento e decepção.
— Santino não me considerava uma pessoa boa para você, Romana. Como não
acompanhou nosso relacionamento, não acreditou na veracidade dos meus sentimentos quando
confessei estar apaixonado — esclareço, tentando oferecer outro lado da história. Embora seja
claro que a única vítima aqui é Romana e Santino precisa arcar com suas ações, não quero ser o
responsável por favorecer uma inimizade entre eles. — Santa madre, tivemos uma briga feia na
época. Pior até do que quando ele descobriu sobre nós. E não foi fácil ouvir da boca dele que
quando eu estava por perto ele perdia todas as pessoas que amava.
Os ombros de Romana caem, sua expressão mais suavizada com essas últimas palavras.
A história da minha família ela não se esqueceu, e sente profunda compaixão pelo que precisei
enfrentar, ainda muito jovem.
— Durante as duas semanas em que você passou internada, quase não conversamos. E
quando o fazíamos, era para brigar. — A lembrança dessa época conturbada enrijece meus
músculos. E Romana percebe, pois move a palma pequena sobre a minha. — Então, quando você
acordou, ele me pediu para conversar com você primeiro.
— Com o walkie-talkie.
Aquiesço.
— Mi hermano percebeu que você não se lembrava do que tinha acontecido ao perguntar
se você queria me ver, e você se recusou.
— A última lembrança que eu tinha era da nossa briga — argumenta com frustração. —
Eu estava chateada com você.
— Eu sei amor — tranquilizo, em tom suave. — Mas Santino viu isso como uma
oportunidade de proteger você de mim. Ele sabia que não poderia esconder o acidente de você,
mesmo que não se lembrasse dele, porque precisava justificar os meses que você não se
lembrava de alguma forma. Uma vez que, eventualmente, você descobriria no momento em que
tivesse alta do hospital.
Ela meneia um aceno, como se as peças estivessem começando a se encaixar em sua
cabeça e ocupar os espaços gerados pelas dúvidas que surgiram em sua mente ao ler a minha
carta e vislumbrar aquela fotografia.
— E a solução que Santino encontrou foi me contar que eu passei os últimos cinco meses
em coma — completa por si mesma.
Saindo do estado de emergência no hospital para o qual foi levada pela ambulância,
Romana foi transferida para o hospital onde a abuela estava. Lugar onde possuo muita
influência, o que foi um facilitador para que a japonesa ouvisse a versão que Santino queria da
boca dos médicos.
Como depois do acidente, durante a internação, os médicos a colocaram em coma
induzido nessas duas semanas para que ela se recuperasse mais rápido. Então, ao acordar,
Romana não tinha referências do tempo passado. Não tinha arranhões ou hematoma, o que
corroborou para que ela acreditasse que passou tanto tempo dormindo após um acidente tão
grave.
— Nora concordou com isso? — pergunta, sentida.
Não consigo refrear a risada curta que escapa dos meus lábios. Nunca tinha notado a fibra
da garota até assisti-la colocar Santino em seu lugar de uma forma como nunca vi ninguém fazer,
nem mesmo eu ou a abuela.
— Não, nunca a vi brigar com Santino até esse dia — conto a Romana, que curva um
pouco os lábios. Quase, quase um sorriso. — Depois dessa primeira conversa entre vocês,
Santino me contou a versão dos fatos que havia dito a você e que esperava que eu pudesse te dar
uma chance de recomeçar.
— Nora ouviu a conversa?
Anuo, confirmando.
— Ela estava em busca de notícias suas, muito preocupada — complemento, recordando
da reação de Honora ao ouvir o que Santino planejava. A garota ficou exasperada, mais vermelha
do que os fios de seus cabelos. — Estava disposta a contar a verdade para você, mesmo contra o
pedido de Santino, e teria feito isso se não fosse pelo intercâmbio e a excelente oportunidade que
você teria de realizar seu sonho. Sair da cidade, conhecer uma nova cultura e entender mais sobre
os astros e estrelas que você tanto ama.
Romana pressiona os lábios trêmulos, os olhos novamente marejados ao me escutar. Não
posso saber com exatidão o que se passa dentro dela, acredito que talvez nem ela mesma entenda
a magnitude e o conflito dos sentimentos disputando seu peito e assolando a sua mente.
— Por que você concordou? — exige saber.
A pergunta simples estremece todo o meu peito, e eu mal consigo engolir a saliva amarga
com os músculos da minha garganta contritos como estão. Tampouco, fazer as palavras saírem,
até porque a princípio não tenho uma resposta digna para dar a ela.
— Poderia ter me contado — continua, me olhando tão frágil e magoada que tenho
vontade de arrancar todos esses sentimentos ruins de dentro dela e deixar apenas a costumeira
felicidade que ela sentia do meu lado. — Poderia ter me pedido para ficar.
— Eu não sabia o que fazer — admito, transtornado, sentindo meus próprios olhos se
tornarem úmidos. — Dios, Romana! Você estava apaixonada por mim em um dia, era minha
noiva, e naquele momento... Sequer recordava do que tínhamos vivido. — Sinto uma lágrima
grossa molhar o meu rosto e ganhar a atenção de Romana. — Quando eu fui te ver no hospital...
— Eu joguei o vaso de flores em você.
— É... — concordo, sorrindo um pouco apesar das lágrimas. — Que aliás, fui quem o
tinha levado para você. Queria que tivesse algo bonito para ver quando abrisse os olhos de novo
e, como não poderia garantir que seria noite e você seria capaz de ver as estrelas, levei um
arranjo por dia.
As sobrancelhas de Romana se curvam ao ouvir e ela usa sua outra mão para cobrir a
minha, deixando minha palma completamente envolvida pelas dela em um gesto terno.
— Você estava muito brava, e não tiro sua razão já que foi onde sua mente havia parado.
Mas a questão é que não conseguimos conversar — deixo claro. — E quando Santino despejou
tudo aquilo em cima de mim, me culpando pelo seu acidente e por quase tirar outra pessoa que
ele amava... eu desabei. — Novas lágrimas caem, molhando o meu rosto sem que eu possa
evitar. Minha voz soa estranha, grave e roufenha demais por estar embargada. — Foi mais do
que a culpa, foi o medo que eu senti por todos os dias em que você esteve internada e eu não
tinha certeza se você acordaria ou não. E quando acordou... — Movo a cabeça, desolado. —
Maldita sea, mi amor! [JR41]Você não se lembrar do que aconteceu entre nós foi a coisa mais
dolorosa que já me aconteceu.
Romana funga, voltando a chorar.
— Por isso me deixou ir?
— Eu cedi ao pedido de Santino porque ele tinha razão em uma coisa: você tinha apenas
vinte anos, ainda não conhecia muito da vida ou do mundo. Precisava de uma chance de explorar
tudo isso e decidir se queria voltar para mim — pontuo, abrindo um sorriso leve porque, apesar
de tudo, essa foi uma coisa boa em meio a tempestade. — Por isso eu investi no seu futuro com o
intercâmbio e auxiliei em tudo o que estava ao meu alcance. Queria que você vivesse essa
experiência, que não pensasse em Bayden Haven, no seu pai ou em qualquer outro problema.
Romana não precisou pensar muito sobre a decisão de ir ou não para Barcelona na época.
Além de ser o sonho dela, a garota estava frágil demais. Com o pai internado em uma clínica e
com o banco tendo tomado a sua casa assim que teve alta do hospital, o único caminho que
parecia plausível para ela era o intercâmbio.
Evidentemente, consegui negociar a situação da propriedade antes que fosse a leilão e
realizei uma reforma em toda residência. Consertando o que estava estragado ou velho demais e
tomando cuidado em manter cada aspecto do lugar que era especial para Romana de alguma
forma, como a cerejeira e as frésias no jardim. Cuidei de ambas com a ajuda de abuela.
As paredes ganharam um tom de azul aconchegante e a decoração um toque de
sofisticação e delicadeza próprios da minha japonesa. Construí uma biblioteca para que
pudéssemos compartilhar e um quarto no final do corredor que, um dia, tinha esperanças de
conseguir mostrar para ela.
— Não queria que eu pensasse em nada que estivesse em Bayden Haven, incluindo você?
— pontua de forma curiosa.
Encaro nossas palmas, abrindo um sorriso de canto.
— Não consegui ser tão nobre — admito, voltando a buscar seus olhos repuxados. — No
fundo, desejei sim que você estivesse sentido ao menos uma fração da saudade que parecia me
matar um pouco mais a cada dia. Em muitos desses dias, eu quase cedi ao desejo de pegar o meu
jato e ir até você.
— No lugar de fazer isso, você escreveu as cartas.
Assinto em confirmação.
— São muitas? — fica curiosa.
— Trezentos e setenta e duas — respondo de cor, e poderia até mesmo citar de cabeça o
trecho de algumas. — Uma para cada dia em que você esteve longe de mim.
Romana arfa.
— Tommaso...
— Eu decidi que te daria esse ano para que você vivesse da forma como preferisse e
colecionasse as experiências que fizessem sentido para você. — Afasto uma mecha do cabelo
escuro, colocando-a atrás de sua orelha para ser capaz de examinar com propriedade o rosto dela.
— E, então, quando você estivesse no calendário de férias e voltasse para a cidade para resolver
os assuntos que tinha deixado pendentes, eu faria com que você se apaixonasse de novo por mim.
Observo com encanto o sorriso que ela abre para mim.
Charmoso e, claro, um pouco atrevido.
— E foi assim que Nora se tornou a sua fã? — suspeita.
— Conversei com ela ocasionalmente, depois que você foi embora — admito, dando de
ombros. — Acabei compartilhando algumas lembranças do nosso relacionamento. Ela é uma boa
ouvinte.
Romana ri.
— Ela é apaixonada pelo amor e pelo romance!
— Honora gostou da nossa história, e disse que se eu precisasse de ajuda para
reconquistar você, ela estaria a postos.
— E quanto ao Santino?
— Ele não teve como interferir — digo simplesmente. — Eu fiz o que ele me pediu para
provar que não tinha interesse algum em te magoar ou fazer de você um interesse passageiro.
Então, desde que você retornou, ele sabe que estou fazendo tudo o que posso para te ter de volta.
Romana anui, processando toda a nossa conversa até agora. Noto isso pela forma como
desvia o olhar para um ponto inespecífico no quarto, mantendo a postura distante por alguns
segundos. Minutos, talvez.
— Há alguma chance de eu lembrar desses cinco meses algum dia? — pergunta, trazendo
sua atenção novamente para mim.
— Infelizmente, não é possível saber — digo com pesar. — Essa condição pode ser
temporária ou permanente, e não há um tempo certo para decretar em qual grupo você está.
A resposta parece chateá-la.
— Então, talvez eu nunca me lembre do que vivemos?
Penso na minha próxima ação, incerto se Romana está preparada para um contato mais
íntimo depois de toda essa conversa e de tantas revelações. Mas o olhar em seu rosto me faz
jogar a preservação aos quatro ventos e mover ambas as minhas mãos para a cintura fina dela,
trazendo-a para o meu colo. A garota não demora a envolver meu pescoço com seus braços finos,
e o gesto não poderia me trazer mais alívio.
— Estava tentando fazer você se apaixonar por mim de novo. Se eu tive algum sucesso
nisso, posso viver tudo de novo com você — prometo em tom afetuoso para tranquilizá-la. — Eu
te levo em cada restaurante e museu que fomos. Eu faço cada viagem de novo com você. Eu
releio todos os livros que lemos juntos e revejo todos os filmes que você me obrigou a assistir.
— Ela solta uma risadinha. — Eu faço um novo pedido para que fique comigo para sempre.
Respirando fundo, ela toca o meu rosto, espalhando os dedos delicados pelo meu maxilar.
Romana acaricia minha barba da mesma forma calma e meiga que costuma fazer desde o início
do nosso relacionamento. Dale, que bien se siente tener sus manos sobre mi!
— Ficou chateado comigo? — indaga, apreensiva.
— Por não se lembrar?
— Sim.
— Não — asseguro, de imediato. — Nunca consigo ficar chateado com você, não de
verdade, e você sabe disso, hermosa.
Suas bochechas, antes molhadas por lágrimas, enrubescem.
— A única coisa que eu pensei quando você partiu é que eu desistiria de todo o poder e
fortuna que eu tenho, da minha pequena eternidade neste mundo, apenas para te tocar de novo —
declaro com sinceridade. — Você é o mais próximo que estive do paraíso, Romana. E mesmo
que eu reconheça que um homem como eu não merece esse tipo de dádiva, estar sozinho no
inferno nunca doeu tanto antes de eu me apaixonar por você.
Ela exala, emocionada.
— Por que não deixa que as pessoas te vejam assim?
— Qual a importância do resto do mundo me ver? A maioria das pessoas só respeita o
que teme, ainda que digam o contrário. — Acaricia o rosto dela, traçando com o polegar o rosto
arredondado e o queixo delicado, parando próximo do seu lábio inferior. — Você sabe quem eu
sou, e é o suficiente para mim. Só você conhece meu lado amarelo.
Pela carta que leu, Romana compreende.
Tanto que volta a sorrir.
— Está muito magoada comigo? — É a minha vez de fazer uma pergunta, temeroso por
sua reação.
Deixar que eu a traga para os meus braços e a conforte pode ser uma ação que ela precisa
agora, mas não significa que não está chateada com o fato de eu ter tomado uma decisão em seu
nome. Romana sempre odiou isso.
— Eu preciso de um tempo para processar tudo — responde de modo franco. — Preciso
conversar com Santino e com Nora, entender o que aconteceu porque no momento... Estou
magoada com todos vocês por terem me excluído de uma decisão que deveria ser minha, mesmo
que estivesse visando o meu bem. — Romana suspira. — Mas é Santi quem mais está partindo
meu coração.
— Ele te ama muito, pequeña estrella.
— Eu sei, por isso vou ouvir o que ele tem a dizer.
Assinto, sentindo que não posso fazer mais do que isso para ajudar. No momento, a
vontade de Romana é tudo o que me importa. E ela terá todo o meu apoio para enfrentar essa
situação da forma como preferir.
— Posso fazer um pedido?
— O que quiser, Romana.
— Eu quero as cartas.
Vagueio a atenção entre seus olhos.
— Todas elas? — certifico, e ela confirma. — Vou pegá-las para você.
Nos próximos minutos, enquanto Romana se recompõe minimamente e toma um banho,
vestindo um suéter meu que lhe serve como um vestido, batendo no meio de suas coxas, eu
desço para o escritório. Pego todas as cartas que escrevi ao longo dos últimos meses e as coloco
em uma caixa para que ela possa levá-las para casa.
Insisto em levar Romana até o seu apartamento, mas ela argumenta que precisa de um
tempo sozinha, então eu me rendo a chamar um táxi. No momento em que ela entra no veículo e
ele se afasta pela rua, sinto meu coração afundar dentro do peito, diante da incerteza do que ela
irá decidir sobre nós.
Avisto o exterior do prédio principal da Universidade do Kansas, o Fraser Hall. Sou
atraída momentaneamente pela estrutura imponente que se destaca entre os edifícios circundantes
já que estive poucas vezes aqui, a maior parte das festas que fui com Nora e Santino aconteceram
em casas ou repúblicas.
Logo desvio o meu olhar e retomo os meus passos em direção ao gramado ao sul, que
fica atrás do campo de futebol e é o lugar onde meus amigos costumam ficar. Meus passos são
rápido, motivados pela onda de adrenalina que percorre todo o meu corpo, tornando meus
batimentos acelerados e a minha respiração mais pesada.
Teria vindo mais cedo se não estivesse apenas com o suéter de Tommaso, por isso me
obriguei a passar em casa e tomar um segundo longo banho quente antes de sair.
Não demoro a avistar a figura de Santino, sentado no gramado com um hambúrguer em
mãos ao lado de Nora. Até onde sei, eles almoçam juntos sempre que é possível, apesar da carga
horária distinta. O que é perfeito para esse momento, uma vez que preciso falar com os dois.
Santino me nota primeiro ao vaguear os olhos pelos arredores e acabar pousando sua
atenção em mim. Mesmo a certa distância, ainda me aproximando, sou capaz de notar a forma
como o cenho dele se franze e os olhos se estreitam, como se quisesse ter mesmo certeza de que
sou eu.
— Romana, tudo bem? — interpela preocupado, colocando-se de pé e se aproximando. É
assim que Nora nota a minha presença e acompanha os movimentos de Santi, vindo até mim. —
Você quase nunca vem aqui.
A magoa se espalha dentro de mim como uma ferida aberta, uma sensação de tristeza e
vazio que parece não ter fim. Sinto-me traída e desolada, como se as fundações do meu mundo
tivessem sido abaladas.
— Você achou mesmo que eu nunca fosse descobrir?
Confusão perpassa sua expressão.
— Do que você está falando?
— Das minhas lembranças, Santino — respondo, lançando um olhar a Nora, que fecha os
olhos com força, praguejando baixinho. — As que você roubou de mim.
— Romana...
— Você não tinha esse direito! — grunho.
Acho que nunca usei esse tom com ele, ao menos não me recordo de termos uma
discussão como esta. A forma como Santino parece perdido, seu rosto exibindo uma expressão
tensa e perturbada, com a testa franzida e as sobrancelhas contraídas em uma linha de
preocupação corrobora para que eu acredite nisso.
— Sinto muito, Romana. — Nora se apressa em dizer. — Eu esperava que você
recuperasse a memória em algum momento, mas sabia que se sentiria traída assim que o fizesse.
E com total razão.
Santino exala, atordoado.
— Romana, eu entendo que você está brava agora, mas eu estava tentando cuidar de você
— afirma, nervoso. O canto dos seus lábios curvados para baixo, em sum sinal de
arrependimento. — Tommaso era uma boa decisão.
Paro, respirando fundo, sem desviar meus olhos dos dele. Eu poderia descontar a raiva e
a mágoa que estou sentindo discutindo com ele, mas gritar nunca levou ninguém a lugar nenhum.
Prova disso é a relação dele com Tommaso, não importa quem tente interferir ou ajudar, eles
estão semrpe dando passos para trás por não sabem conversar.
— Eu amo você, Santino. Somos amigos desde que eu tinha quatro anos e você é o mais
próximo que eu tenho de um irmão — começo, perdendo a batalha de manter o meu tom estável
quando a emoção dentro de mim se torna ávida demais. Sinto minha garganta doer e meu tom se
tornar roufenho, refém das lágrimas que se acumulam nos meus olhos. — Você cuidou de mim,
esteve do meu lado e me ajudou quando, céus, sequer meu pai se importava! Mas ser o meu
melhor amigo não te dá o direito de dizer para mim, quem eu posso amar.
— Romana...
Ergo uma mão, interrompendo as palavras dele.
Ele teve todo tempo de dizer o que quisesse para mim desde que eu voltei, teve tempo de
se arrepender e me contar a verdade. Se não o fez, agora vai escutar o que eu preciso dizer em
silêncio.
— Muito menos de decidir o que eu posso ou não saber do meu passado ou escolher o
meu futuro por mim — prossigo, adotando um tom firme. — Estou brava com Tommaso e com
Nora... — Lanço um olhar para a minha amiga, que se encolhe, sem defesa. — Mas é você quem
mais me magoou Santi, porque eles aceitaram fazer tudo isso por amar você. E você sequer
percebe que são sempre as outras pessoas que abdicam dos seus sentimentos para agradar a você.
Seus ombros caem ligeiramente, como se estivessem carregando um fardo pesado. Eles
parecem menores assim, encolhidos em sua postura, como se Santino estivesse tentando se
proteger deste julgamento.
— O Tommaso...
— É um homem incrível — acrescento, antes que ele possa completar seu pensamento.
— E você só não percebeu isso porque ficou apegado demais a ideia que tem do passado de
vocês. Mas se tivesse prestado atenção, mesmo que um pouquinho, teria visto que mesmo com o
jeito grosseiro dele, ele sempre fez tudo por você.
Seus olhos, normalmente vivos e brilhantes, agora estão nublados por uma sombra de
preocupação, e seu olhar é distante, como se estivesse imerso em seus próprios pensamentos ao
ouvir minhas palavras. As linhas de preocupação marcam sua testa, e seus lábios estão
comprimidos em uma linha fina, sinalizando sua irritação contida.
— O que você sabe que eu não sei? — exige saber, seu olhar exibindo tanto desagrado
quanto seu tom ao questionar.
— O que quer dizer? — Nora também pergunta.
Lanço um olhar contido a ela, negando.
— Talvez se você conversasse com o seu irmão, sem transformar qualquer diálogo em
uma discussão e o ouvisse um pouco, você descobrisse — argumento, optando por não seguir
por esse caminho. Tommaso me contou em forma de um segredo e, por mais que eu tenha
minhas opiniões sobre, é responsabilidade dele abrir o jogo com o irmão. — Aposto que
Antonita adoraria saber da conversa também.
— Veio aqui para me dizer isso?
Apesar de sua expressão aborrecida, há uma vulnerabilidade em seus olhos que não passa
despercebida por mim. Posso notar os músculos tensos em sua mandíbula, indicando a
intensidade de sua frustração. Também a tensão em seus dedos enquanto ele os flexiona
nervosamente, como se pudesse reduzir a vazão dos sentimentos dessa forma.
— Não somente isso — contrario, fungando quando a tensão explode no meu peito e
lágrimas vertem pelas minhas bochechas. Estou tão cansada desse dia! — Olha, Santi, eu amo o
Tommaso. Eu me apaixonei por ele uma vez e mesmo tendo esquecido parte da nossa história, eu
me apaixonei de novo. Lutei muito contra isso com medo de que estar com ele poderia significar
para vocês, mas eu não posso mais fazer isso.
Nora sorri, com os olhos marejados. Em silêncio por saber que, apesar de sua
participação nos fatos, é com Santino que estou machucada. Não tenho dúvidas, porém, de ela
tentará conversar comigo sozinha, antes que eu deixe o campus.
— O que quer dizer, Romana?
— Sinto muito por ter mentido para você, por ter escondido essa relação por tanto tempo
— assumo minha culpa, arfando e fungando, sem conseguir dominar a emoção. — Mas eu
estaria sendo desonesta com você de novo, se não dissesse que seu irmão foi a melhor coisa que
me aconteceu. Eu ainda preciso de tempo, preciso pensar e quero ler as cartas que ele me
escreveu, mas...
— Vai escolher a sua relação com ele ao invés da nossa amizade?
Minha voz falha, e eu engulo em seco, sentindo os músculos contrito da minha garganta
antes de ser capaz de continuar.
— É essa a questão, eu não preciso escolher — sou sincera com ele. — Se eu decidir
reatar nosso relacionamento de onde paramos e você não puder aceitar isso, Santi... Eu sinto
muito, mas você não pode fazer parte da minha vida.
Enxugo minhas lágrimas, mesmo que elas continuem a cair, e dou as costas para eles,
caminhando a passos apressados do gramado para longe dali. Sou incapaz de não ouvir as
palavras de Nora, no entanto, antes que eu me afaste:
— Eu avisei você que isso ia acabar mal — acusa em tom emocionado, mais triste do que
aborrecida. — Você fica aqui, eu vou conversar com ela. E torce para nossa amizade de anos ser
o bastante para que ela não fique magoada com a gente para sempre!
Mantenho meus passos, sentindo o ressentimento borbulhar dentro de mim em uma
chama intensa que consome tudo em seu caminho. Uma mistura tóxica de frustração e
ressentimento.
A sensação de injustiça que me faz querer gritar e chorar ao mesmo tempo, porque odeio
como me sinto impotente diante da situação. Não consigo simplesmente forçar meu cérebro a se
lembrar das memórias que eu gostaria tanto de ter de volta e isso é frustrante. É como se
estivesse lutando contra um inimigo invisível que não posso derrotar.
— Romana? — ela chama quando consegue me alcançar, andando lado a lado comigo
pelo Campus. — Eu sei que você está chateada comigo também e mesmo que seja pouco, eu
quero pedir desculpas. Acreditei mesmo que, apesar de tudo, a oportunidade de ir para Barcelona
e seguir seu sonho fosse o melhor.
Inclino a cabeça para conseguir olhar para ela.
— E agora tem ajudado o Tommaso a me reconquistar.
Para isso, Nora sorri.
Sem culpa.
— Pelo que você disse há alguns minutos, ele conseguiu a segunda chance que buscava.
O que apenas prova que, pelo menos no presente, eu fui quase uma fada madrinha para vocês. O
reencontro? O lançamento do meu livro. Seu endereço? Eu que passei.
Fungo, movendo a cabeça sem acreditar como posso estar sorrindo depois da conversa
que tive com eles a minutos. Ela sempre fala do efeito Romana na vida do Tommaso, mas esse é
o efeito de Nora na vida de todos que a cercam.
— Eu me apaixonei por ele pela segunda vez, Nora — admito para ela, que obviamente
suspira e solta um gritinho animado. Não tenho dúvidas de que vai nos usar de inspiração para
algum livro futuro. — Mesmo com minhas memórias distorcidas e um pedaço da nossa história
apagado.
— Como você não iria? — ela devolve, risonha ao enlaçar o braço dela no meu. — O
homem construiu um planetário na cidade porque queria que você tivesse algo que amasse aqui,
reformou a sua casa e para te salvar no acidente, correu mais de dez milhas com você nos braços.
Interrompo meus passo, girando para ficar de frente para ela, certa de que não um traço
da minha expressão que não entregue como estou perplexa.
— Espera, o quê?
— E ainda comprou presentes — continua, presa em seu raciocínio.
Seguro os ombros dela, fazendo com que foque em mim.
— O que você disse?
— Ops! — ecoa de forma espontânea, pressionando os lábios e arregalando os olhos. —
Contei algo que você ainda não sabia, né? — Nora ofega, em pânico. — Caramba, ele vai me
matar! Ele queria fazer surpresa com os presentes.
Pisco, atordoada, sem saber a qual informação me prender.
— Ele correu comigo nos braços? E que presentes?
— Romana... — hesita.
— Não, Honora, você começou, agora termina! — decreto, arqueando uma sobrancelha
para ela que pressiona os lábios sem poder reclamar da forma como eu a chamei estando em
dívida comigo por ter apoiado os irmãos Falcão-Ruiz. — Que presentes?
Nora deixa um suspiro derrotado escapar.
— Ele comprou todos os presentes que daria a você nesse ano que passou — revela e eu
suspiro, tocada com o gesto. — Seu aniversário, Dia dos Namorados, a data do noivado de
vocês... — Ela sorri, sem conseguir evitar. — Está tudo na sua antiga casa, pelo que ele me
contou.
Movo a cabeça, sorrindo.
— Ele escreveu cartas para mim também — conto a ela, incerta se sabe ou não. Ao que
parece, ela conversou muito com o juiz. — Eu li apenas uma, mas são mais de trezentas, Nora!
Sem que eu espere, ela se aproxima e me abraça. Relaxo retribuindo o gesto, notando
apenas agora como precisava disso. Ao se afastar, ela coloca as mãos sobre os meus ombros e
me olha com genuína felicidade. Isso faz eu perdoá-la um pouco, notar como está alegre e como
vibra por mim, mesmo que nada disso esteja acontecendo com ela.
— Se você precisa de um tempo, eu acho que poderia aproveitá-lo lendo estas cartas —
sugere em um tom gentil, como se tivesse medo de me pressionar. — Tenho certeza de que
Tommaso compartilha muito dos momentos que vocês viveram. Vai ser como ler o melhor livro
de romance do mundo, porque a história entre vocês é real.
Abro um sorrio, concordando. Eu ainda tenho muito a descobrir acerca desses cinco
meses que se passaram, mas de uma coisa eu tenho certeza, ele estava certo quando disse que a
nossa história é digna das telas do cinema.
Ando de um lado para o outro, encarando o ambiente pouco familiar do meu antigo
escritório no palacete, apreensivo com o estado de Romana. Ela saiu da nossa casa tão confusa
que passei as últimas horas irrequieto, esforçando-me para respeitar o desejo dela por espaço.
— Você veio para cá para se acalmar, não abrir um buraco no chão — abuela chama
minha atenção, e eu giro na direção dela. Está sentada na poltrona com um dos seus romances
picantes em mãos. Voltou da viagem com suas amigas ontem. — Precisa dar tempo ao tempo e
deixar que a menina resolva o que fazer. Essa família já tomou decisões demais em nome dela.
Engolindo a saliva amarga, eu preciso concordar.
Percebendo meu estado consternado, abuela suspira e fecha o livro aberto em suas mãos,
colocando-o sobre a mesa ao lado da poltrona antes de se levantar. A imagem dela, sem o lenço
colorido que costumava usar para esconder o couro cabeludo proveniente da quimio é um alívio,
sobretudo porque os cabelos curtos, na altura das orelhas, lhe trazem um ar jovial, tanto quanto o
bronzeado que adquiriu nessa última viagem a Las Vegas.
Chegando a dois passos de mim, ela emoldura meu rosto como se eu ainda fosse o
mesmo garoto com que ela se preocupava. Acho que, no final das contas, mesmo com quase
quarenta anos, ela ainda resguarda o meu bem-estar como se eu fosse.
— O que eu disse a você quando cheguei de viagem?
— Gastei duzentos mil dólares na mesa de pôquer? — sugiro, estreitando os olhos. — Ou
posso ou não ter me casado com um Gogo boy vestido de Elvis em uma capela?
Abuela ri, sem remorso. Tenho certeza de que ainda irei descobrir muitas peripécias dela
durante essa viagem, quer eu goste ou não. A foto com o arco de antenas de pau, eu
definitivamente preferia não ter visto.
— Depois disso, mi hijo.
Pensando um pouco, eu me recordo.
— Que Romana e eu iremos nos casar no fim de tudo isso.
— E vocês irão — volta a afirmar. — Reconocería un amor como el tuyo a la distancia.
Contenho um sorriso.
— Nunca fiquei nervoso assim, abuela — desabafo, sendo franco. — A mínima
possibilidade de ela decidir que seguir em frente de onde paramos é demais... — Exalo, sentindo
o músculo da minha mandíbula pulsar. — Passei um ano esperando que voltar para mim, mas
Romana se recorda mais dos meus erros do que dos meus acertos.
Abuela abre um sorriso tranquilo, a pele ao redor dos olhos se tornando ainda mais
enrugada e as linhas de expressão do seu rosto se aprofundando com o gesto.
— Dale, hijo, você sempre acreditou que as pessoas só poderiam amar as suas melhores
partes e, por isso, sempre negou a si mesmo a chance de receber amor, assumindo fardos e culpas
que não cabiam a você e deixando que eles pesassem sobre os seus ombros — observa, fitando
os meus olhos com uma emoção pesarosa. — Mas então Romana apareceu e foi capaz de te
mostrar, mesmo com toda inexperiência de vida dela, que amar alguém é aceitar seus erros e
defeitos.
Aquiesço, reconhecendo o fato.
— É aceitar o que é bom e o que é ruim também — Antonita continua. — E aquela
menina ama você, Tommy. Por completo, o lado sombrio e o lado iluminado. Então confie en su
abuela quando eu te digo que ela só precisa de tempo para colocar a cabeça e o coração no lugar.
Depois de tudo o que vocês passaram, atropelar as coisas seria injusto com vocês dois.
Deixo uma respiração pesada escapar, sentindo meus ombros distensionarem após ouvir
este sábio conselho. Nos momentos em que não está me constrangendo com seus romances
apimentados com condes desonrados, ela é realmente a chama que mantém a família Falcão-Ruiz
unida.
A melhor abuela que Santi e eu poderíamos ter.
— Gracias por eso.
Ela desfere tapinhas na minha bochecha antes de caminhar de volta na direção da
poltrona em que estava sentada anteriormente.
— Outra coisa boa sobre a Romana é que ela ensinou você a agradecer e a pedir por favor
— zomba, lançando um olhar atrevido para trás. — Embora, claro, esse efeito polido funcione
apenas com a menina.
Dou de ombros, rindo sem conseguir evitar.
Afinal, um rei só implora para a sua rainha.
O som da minha risada é fugaz, no entanto, em virtude da porta do escritório se abrindo,
quebrando o momento ao revelar a figura de mi hermano.
Até onde estou ciente dos horários dele, Santino deveria estar na universidade agora. A
expressão sombria em seu rosto, porém, deixa claro para mim que Romana não tardou em ir
conversar com ele.
Abuela para no meio no cômodo, antes de atingir a poltrona, interpondo-se sobre nós.
— Mi hijo, você está bem? — pergunta de forma afetuosa, aproximando-se dele. Santino
permanece quieto no lugar, imóvel enquanto abuela tateia seu rosto e seus ombros, com seus
olhos fixos em mim. — Romana foi conversar com você?
Santino solta uma risada exasperada, afastando-se de Antonita e avançando para mais
perto de mim. A postura rígida entrega que está mais interessado em descontar suas frustrações
do que em realmente conversar.
— Você disse que tentaria reconquistá-la — começa a dizer, ressentido. — Não que iria
jogá-la contra mim!
— Eu não fiz isso.
Ele meneia uma negativa, consternado.
— Por que contou a verdade a ela desse jeito? — exige saber, grunhindo as palavras com
o cenho plissado e a mandíbula apertada. — Deveria, ao menos, ter conversado comigo antes,
carajo!
Penteio meus cabelos com os dedos, tentando descontar a minha frustração e manter a
calma. Do contrário, esta será apenas mais uma briga entre irmãos que não levará a lugar algum
de fato. Sendo o mais velho, sinto que a decisão de manter um diálogo precisa partir de mim.
— Romana encontrou uma das cartas que escrevi, não foi intencional — conto o que
aconteceu, sem me preocupar em explicar os pormenores da noite que passamos juntos. — Mas
Santino... Isso foi longe demais! Você não percebe, hermano?
Avanço um passo, gesticulando em frustração.
— Desde o começo, era o que deveríamos ter feito! — prossigo, fazendo uma pausa
cautelosa. — E, sinceramente, chega a ser irônico que você me cobrar esse tipo de
pensionamento quando decidiu sozinho no passado o que era mais confortável para você sem se
importar com os meus sentimentos ou com os de Romana.
Observo o desviar constrangido do seu olhar.
— Eu só... queria protegê-la.
— Não, você queria afastá-la de mim.
Ele volta a me olhar, o queixo apertado e os lábios pressionados são a evidência física de
sua irritação.
— Você pode me culpar?
— Tommaso... — A voz de abuela, que se manteve emudecida até esse ponto, apenas
acompanhando a conversa ecoa entre nós, atraindo não somente a minha atenção, como a do
outro neto dela também. — Chega, hijo. Não é só sua relação com Romana que precisa de um
recomeço, a de vocês também precisa. Seja sincero com su hermano.
Santino volta a me encarar, estreitando os olhos que são quase uma cópia dos meus,
refletindo apenas um tom de verde mais claro. A confusão faz mais do que atingir a expressão
dele, faz com que avance para mais perto de mim, impaciente e exigindo respostas.
— O que ela quer dizer? — exige saber. — Romana mencionou algo na nossa conversa
hoje. Quer dizer que todo mundo sabe de alguma coisa que eu não sei?
Respiro fundo, tentando me preparar para este momento.
Uma tarefa fadada ao fracasso desde o início.
— Abuela, você pode...
— Não, eu quero que ela fique. — Santino me interrompe antes que eu possa concluir o
meu pedido. — Quero ter certeza de que você não irá mentir para mim.
Encaro abuela atrás dele, e ela me fita de volta com os olhos marejados em lembrança ao
que aconteceu anos atrás. Apesar de tudo, recebo um sorriso, como um gesto de confiança,
incentivando-me a começar a narrar a verdadeira história da nossa família para mi hermano.
— Você me culpa pela morte dos nossos pais, e eu preciso admitir que tenho culpa no
falecimento de nuestro padre — começo, sentindo o movimento violento que meu pomo de
Adão faz quando engulo em seco. — Mas não da forma com que você pensa, Santino. A única
coisa que eu fiz naquela época, foi tentar te proteger.
Mi hermano bufa, grunhindo uma resposta:
— Me proteger? — escarnece, soltando uma risada seca e áspera. — E como você
pretendia fazer isso? Arranjando inimigos que colocaram toda a nossa família em risco?
Fecho os olhos por um segundo, realmente cansado de levar um fardo que nunca deveria
estar sobre os meus ombros. Abuela está certa, isso se arrastou por tempo demais. Santino não é
mais uma criança.
— Alejandro estava envolvido com o tráfico de drogas — disparo à queima-roupa,
assistindo a perplexidade tomar a face de Santino. — Não apenas comercializando, mas
produzindo a substância dentro de casa. E em decorrência disso, ao voltar do trabalho certo dia,
eu encontrei você no porão imundo, intoxicado com metanfetamina.
Santino parece prestes a dizer algo, mas desiste, como se não fosse capaz de formular
sequer uma frase após o que acabou de ouvir. Em um gesto de desconfiança, ele gira o corpo
para encontrar os olhos de abuela. Ela está comovida nesse momento, os olhos repletos de
lágrimas, e não titubeia em assentir, confirmando que estou falando a verdade.
— Seu irmão me ligou da ambulância a caminho do hospital, Santino — ela acrescenta,
provocando uma nova onda de atordoamento nele, que começa a se mover pelo escritório, sem
rumo. — Não havia possibilidade de vocês continuarem a morar com Alejandro e Carmen, então
vieram ficar comigo.
Santino está trêmulo, as mãos e pés inquietos enquanto é bombardeado por informações.
Fatos que destroem tudo o que ele tomou como verdade sobre o passado da nossa família ao
longo dos anos.
— Eu amava e ainda amo o meu filho, mas não posso endossar a culpa que Alejandro
tem de ter sido negligente com vocês — abuela continua, pigarreando para clarear a voz quando
esta se torna rouca demais. — Tampouco o crime de ter colocado a sua vida em risco. Lo siento,
hijo, mas você tem a minha palavra de que a única coisa que tu hermano fez foi seguir o caminho
que garantiria a segurança de vocês, denunciando todo o esquema e depondo contra o pai de
vocês no tribunal.
Com a respiração carregada e a postura vulnerável, Santino me encara através de seus
olhos cobertos por uma fina cama de dor.
— O assassino dele não era seu inimigo? — pergunta em tom embargado.
Nego, meneando um aceno.
— Nós viramos alvo por pura retaliação — respondo, amargurado. — Pelo esquema de
tráfico ter sido exposto. E, como esperado, quem estava abaixo na pirâmide caiu, como o nosso
pai, e o chefe do narcotráfico não desistiu da chance de buscar vingança, indo atrás da nossa mãe
quando ela veio atrás de você.
O corpo de Santino fica instável, sobrecarregado com a intensidade de suas emoções,
enquanto seus joelhos se curvam lentamente sob o peso de sua dor. Cada movimento é lento e
deliberado, como se estivesse lutando para suportar o fardo que cresce dentro de si.
Antes que eu possa tentar amparar mi hermano, seus joelhos cedem completamente,
tocando o piso frio de madeira. É um gesto de rendição, uma capitulação final à dor que o
consome por dentro com a revelação.
— Dios, no! Isso... I-Isso não faz sentido — murmura para si mesmo, como se dessa
forma pudesse mudar a realidade. Seu rosto está contorcido em angústia, as lágrimas escorrendo
silenciosamente por suas bochechas. — Por que nuestra mamá mentiria para mim?
Eu me aproximo com um passo hesitante, pé ante pé.
— Porque se você está vivo hoje, não foi graças a ela — exponho com pesar em sujar a
imagem de Carmen, ainda que ela não mereça o meu zelo. — Nosso pai não foi o único
responsável por você ir parar em um hospital, drogado, com apenas dez meses de idade. Ela era
tão negligente quanto ele por aceitar o risco a que estávamos submetidos.
Abuela murmura algumas lamentações em espanhol.
— Convivo com a culpa de não ter notado os sinais e intercedido antes — abuela desnuda
sua própria culpa, fitando tanto a mim quanto Santino com pesar.
Murmuro uma resposta tranquilizadora para ela, afinal, tudo o que ela fez desde o
momento em que soube foi nos apoiar. Acima do próprio filho e, em muitas vezes, acima do que
era correto, abuela sempre fez tudo o que podia por nós.
— Lo siento mucho por você ter que ouvir isso, mas é a verdade. — Chego perto se
Santino, parando com meus sapatos muito próximo de onde suas palmas estão esplanadas contra
o piso. — Foi o que aconteceu na Espanha e, desde o minuto em que nos mudamos para os
Estados Unidos, tudo o que eu tenho tentado é garantir que você tenha tudo o que precisa.
Santino não olha para mim, mantém os olhos no chão com a cabeça voltada para baixo.
Os ombros estão curvados, como se estivessem encolhidos em uma tentativa de se proteger do
mundo ao seu redor.
— Por que não me contou antes? — sussurra para mim.
— Eu não queria deturpar a memória que você tinha dos nossos pais — respondo,
suspirando com frustração em seguida. — Dios, eu não sabia o que estava fazendo, Santino. Era
jovem e estava assustado em ter que enfrentar tudo aquilo, exausto de precisar trabalhar, estudar
e me preocupar por temer não ser o suficiente para você. — Engulo a saliva amarga, vacilando
nas palavras ao lutar com a minha emoção. — Nenhum segundo que passei cuidando de você foi
um peso para mim, mas eu não estava certo de que papel poderia assumir na sua vida. Eu não
sentia que poderia ser apenas um irmão porque precisava te educar e colocar limites, mas não
conseguia me imaginar ocupando um lugar paternal na sua vida também.
Santino chora, soluçando.
— Passei anos... — lamenta entre fungados. — A minha vida inteira, culpando você por
ter perdido eles. Por ter sido obrigado a enfrentar aquele inferno quando criança. — Ele
finalmente ergue os olhos avermelhados e úmidos do choro. — E nada daquilo que eu acreditava
era verdade.
Cerro minhas mãos em punhos, lutando contra a vontade abissal que tenho de confortá-
lo, mas incerto com a resposta que terei de Santino.
— Lo siento tanto... — repito, roufenho. — Demorei a ver que tentar exaustivamente
proteger você do mundo e das verdades fez com que você crescesse em uma bolha.
Abuela concorda, intervindo.
— Uma que se provou mais grave do que pensávamos neste último ano — acrescenta,
fazendo Santino lidar com o peso de suas ações e escolhas. — Você sabe o que penso do assunto
e sabe que não concordo com o que foi feito com Romana. Considero que foi egoísmo seu,
desde que me confidenciou o que aconteceu.
Santino meneia uma negação, ainda em prantos.
— Você tem mágoas do seu irmão e transferiu isso para a relação dele com Romana —
continua a pontuar. — Assumindo que estava tentando protegê-la do monstro que apenas você
via quando, na verdade, tudo o que você queria era descontar a frustração e mágoa que sentia
pelo Tommaso. E agora você sabe que tudo isso foi infundado. Sabe que seus pais traçaram o
próprio destino.
A reação dele a essas palavras, desabando em um pranto copioso, me faz agir sem pensar
na resposta defensiva ou até mesmo agressiva que pode partir dele. Eu deixo que meus joelhos
toquem o chão e envolvo meus braços ao redor dele, abraçando mi hermano com força. Santino
não me afasta ou se move, apenas respira fundo.
— Eu amo você com a minha vida, assim como eu amo a Romana — digo baixo para ele,
sendo totalmente sincero sobre os meus sentimentos. — Não me faça escolher de novo. Não me
faça abdicar de um dos dois porquê... Mierda, Santi, eu precisei escolher a vida toda o que era
melhor para as outras pessoas e, pela primeira vez, eu quero escolher o que é melhor para mim.
— Ele ergue a cabeça para me olhar e eu não escondo meu estado deplorável dele. — Não posso
ser feliz se eu não estiver com a Romana. Mas minha felicidade não será completa se eu perder
você.
Santino não me responde com palavras, acho que seria exigir muito diante da fragilidade
da nossa relação, mas ele retribui o meu gesto, passando os braços ao meu redor e me
envolvendo em um abraço apertado.
— Eu sinto muito por ter mantido esse segredo de você.
— Sinto muito por ter te feito abrir mão de Romana — declara, e parece sincero. — Nora
estava conversando comigo no gramado antes dela chegar e me contou as coisas que você fez por
ela. Eu deveria saber, mas fechei os olhos para muita coisa.
Mantenho-me em silêncio, e ele continua:
— Eu não tenho um pai ou uma mãe, só você, a abuela e as meninas e não quero perder
nada disso — confessa, refletindo sobre a situação. — Romana me disse duras verdades hoje e
não sei se ela vai me perdoar, mas se tiver alguma chance de sermos uma família no fim disso
tudo, eu quero tentar.
Isso me surpreende.
— Quieres? — confirmo, surpreso.
Abuela murmura um “Dios, finalmente!” no fundo.
— Eu sempre a considerei uma irmã — expõe, dando de ombros. Deveria ser estranho,
mas continuamos nos abraçando. — Acho que chamá-la de cunhada não será o fim do mundo.
Rio, assentindo.
— Prometo ter a mesma cordialidade com a Nora.
— O quê? — ele engasga.
Rolo os olhos, mas é abuela quem responde.
— Existe um ditado que diz que amor é só uma amizade que pegou fogo, e ele não
poderia ser mais verdadeiro — aconselha, sábia. — Conhecendo Honora do jeito que eu
conheço, aquela li possui um fogo que não se restringe aos cabelos. Você deveria tomar logo
uma atitude ao invés de perder seu tempo com tanta farra e garotas que você não gosta de
verdade.
Santino não diz nada, e abuela e eu não o pressionamos mais sobre esse assunto. Ele
ainda está nos meus braços e parece uma eternidade desde a última vez que eu abracei, acho que
mi hermano ainda era uma criança, por isso prorrogo o contato o máximo possível. Apertando os
braços firmemente em torno dele e torcendo para que estejamos entre o passado e um recomeço.
DUAS SEMANAS APÓS A REVELAÇÃO
LEIA AO SOM DE REWRITE THE STARS – JAMES ARTHUR

Parada em frente a entrada da minha antiga casa, eu tomo uma respiração lenta e
profunda, tentando acalmar meu corpo tenso e agitado.
Tommaso pode sequer estar em casa, penso com inquietação. Quer dizer, está perto do
anoitecer, mas o juiz sempre trabalhou muito. O ponto é, eu vim sem avisar, depois de terminar a
última carta dele. Ainda com o rosto um pouco inchado pela emoção que foi impossível de
conter diante de cada linha que ele escreveu pensando em mim e tem sido assim há duas
semanas.
Escolhi um vestido amarelo e um par de saltos brancos, pois quero estar bonita para ele.
É o mesmo que Tommaso tinha dito ser o seu favorito quando me enviou as peças para que eu
escolhesse, antes do evento de gala.
Não me arrependo de ter escolhido o preto nessa ocasião em particular, mas preciso
admitir que o modelo acinturado, quase um corpete na parte de cima com alças finas, ficou
perfeito em mim. Além de ser uma das minhas cores favoritas, possui um significado simbólico
hoje, porque voltar a essa casa significa que também pretendo voltar a ser o amarelo na vida do
meu juiz.
Respirando fundo outra vez, enchendo meus pulmões de ar e também de coragem, eu
começo a seguir pelo caminho de pedras em direção à porta. Antes que eu dê mais do que três
passos, ela se abre e a imagem altiva de Tommaso me arrebata como se fosse a primeira vez,
atraindo o meu olhar e estremecendo o meu corpo.
É claro que ele estaria perfeito... Lindo em seus trajes pretos, de gravata e colete como, se
mesmo em casa, jamais abandonasse a pose de rei.
— Romana, cariño — diz suavemente. Seus olhos estão inquietos, saltando por cada
parte de mim como se Tommaso quisesse absorver cada detalhe e ter certeza de que sou mesmo
real. — É muito bom ver você.
Seu olhar experiente cai para o meu corpo, ao passo que ele desce os degraus da entrada.
Ele examina o vestido que, pelo sorriso de canto que se abre em seus lábios e a expectativa que
ganha seus olhos, Tommaso recorda ter sido um presente seu.
— Estás hermosa como un sueño.
Meus lábios desenham um sorriso.
Depois de Barcelona, eu entendo cada palavra.
— Obrigada.
Com a adrenalina percorrendo em pulsos pelo meu corpo, eu corro para ele o mais rápido
que posso, sem sequer diminuir o passo antes de me atirar em seus braços. Tommaso grunhe
quando me pega, e então seus braços se fecham em volta de mim e ele enterra o rosto no meu
pescoço ao me tirar do chão.
— Ay, mi amor... — Ele respira profundamente, antes de soltar um gemido de alívio. —
É bom sentir seu cheiro assim tão perto de novo.
Aperto seu corpo com força, sentindo uma emoção tão grande tomar o meu peito, que sou
incapaz de dizer algo nos próximos minutos. A única coisa que consigo fazer é sentir. Sentir os
braços dele ao meu redor, o coração acelerado como o meu e a sensação de que nada poderia ser
mais certo do que isso.
Posso nunca me lembrar desses cinco meses que se apagaram da minha mente, mas não
preciso deles para saber que amar Tommaso é a coisa mais certa que eu já fiz em toda a minha
vida.
— Meu Deus, senti sua falta.
— Não tanto quanto eu senti a sua.
Nós ficamos abraçados por mais algum tempo, apenas respirando e sentindo a presença
do outro, sem nos importarmos em estar no jardim da frente, à vista de todos. Não precisamos
mais nos esconder.
Toda inquietude que eu vinha sentindo ao longo dessas duas últimas semanas separados
se dissolve no calor do corpo dele, pressionado contra o meu. E quando Tommaso me coloca no
chão, ele encosta a testa na minha, segurando meu rosto contra a sua palma e tornando inevitável
que eu cerre as pálpebras e me incline na direção do seu toque.
— Como você está? — interpela, encarando-me de pertinho assim que abro meus olhos.
— Estava preocupado com você.
— Estou bem. Precisei de tempo para ler todas aquelas cartas e colocar a minha mente no
lugar. — Acaricio o peito dele por cima das peças de roupa, sentindo o tecido macio de grife
contra os meus dedos, tal como as batidas desenfreadas do coração de Tommaso. — Quem diria
que você seria tão bom em ser um romântico?
Ele deixa uma risada anasalada escapar.
— Acho que os romances de abuela serviram para algo — expõe, dando de ombros. —
Você é uma garota de sorte, pasíon.
Rio, assentindo.
— Me lembre de agradecer Antonita depois.
Tommaso pisca para mim.
— Você quer entrar?
— Quero — respondo com expectativa. — Você está me devendo um tour por essa casa.
Eu quero conhecer tudo.
Tommaso mantém uma respiração carregada ao assentir, como se estivesse lutando para
obter oxigênio suficiente para acalmar seus nervos agitados. Por isso, eu estico a minha palma e
entrelaço nossos dedos, fazendo a mandíbula dele distensionar e os sinais de apreensão em sua
expressão são enviados para um segundo plano.
— Por que está nervoso? — fico curiosa em saber. — Eu estou aqui, voltei para você.
Acho que está claro a decisão que eu tomei, mesmo sem ter me lembrado.
O movimento violento de sua garganta ao engolir em seco chama a minha atenção, pouco
antes de suas mãos agarrarem o meu rosto e seus longos polegares acariciarem a minha pele com
cuidado. Cada resvalar dizendo sem palavras como ele me acha valiosa.
— Quero te mostrar cada detalhe da casa — admite, abrindo um leve sorriso. — O jardim
com a sua cerejeira e as luzes que eu instalei que fazem parecer um céu estrelado quando está de
noite. A biblioteca que agora não é mais privativa, mas nossa.
Estou certa de que isso faz meus olhos brilharem. Afinal, que leitora não gostaria de
ouvir isso? Sobretudo, vindo do homem que ama?
— Desejo que veja cada presente que eu comprei para você ao longo desse ano com a
esperança de que eu seria um homem de sorte e poderia entregá-los a você pessoalmente. —
Tommaso pega o meu cabelo com delicadeza. A reação dele sugere notar que eu gastei algum
tempo para ondular levemente os fios, e eu sorrio com sua apreciação. — Sobretudo a cópia da
primeira edição do seu livro favorito que eu consegui.
Meus olhos se arregalam, provocando uma risada nele.
— Você o quê? — ecoo bobamente.
— Escute, hermosa, ainda não acabei — pontua, seguindo com seu discurso. — Antes de
qualquer uma dessas coisas, eu preciso que você veja o que eu preparei para você. Sabia que
havia um risco das suas memórias nunca voltarem e, nesse caso, queria ter a chance de contar
como a nossa história foi linda nesses cinco meses.
Atraída pelo enigma dessa última frase, eu abandono temporariamente o assunto dos
presentes, muito interessada em descobrir ao que Tommaso está se referindo.
— O que você fez?
Ele apenas sorri.
— Ya verás.
Ele me conduz para o interior da casa e, no caminho, noto que há um novo canteiro de
rosas amarelas recentemente plantadas, cheio de botões. Fica claro como Tommaso está
cuidando de tudo quando chegamos a sala de estar e consigo reparar nos detalhes da decoração
aconchegante e no vaso de frésias.
Sorrio no instante em que ele arranca uma de dentro do vaso, quebrando o caule para
reduzir seu tamanho e a coloca atrás da minha orelha.
— Você decorou a casa sozinho? — questiono com interesse quando a mão dele se apoia
na base da minha coluna e me incentiva continua andando e a subir as escadas. — Tem um toque
muito feminino nos detalhes.
— Discutimos como seria a casa dos seus sonhos, certa vez — responde, compartilhando
outra informação que eu não recordo. — Então, quando comprei a propriedade, eu me inspirei
em todas as dicas que você havia dado para reformá-la.
Paro, no topo das escadas, olhando para ele.
— Então não tem nada que você goste?
— Tem você.
Sem me deixar rebater a alegação, Tommaso pressiona sua palma contra a minha coluna
novamente e me faz seguir pelo corredor. Passamos das primeiras portas, incluindo a do quarto
em que eu adormeci da última vez em que estive aqui, e ele só para quando chegamos à última
porta.
Ele tira uma chave do bolso, me fazendo arquear a sobrancelha com inúmeros
questionamentos sobre ela e a curiosidade em saber se ele sempre está com ela segura em seu
bolso, mas sou distraída dessas perguntas diante do seu aceno curto em direção à maçaneta. Uma
sugestão clara de que Tommaso quer que eu a abra.
Respirando fundo, eu toco a maçaneta com os dedos, hesitando apenas por um segundo,
antes de abrir a porta e adentrar o misterioso espaço que o juiz estava tão ansioso para me
mostrar.
Os detalhes saltam aos meus olhos e, segundo a segundo que a percepção do significado
deste quarto me atinge, eu me sinto desabar um pouco mais.
É como se meu coração estivesse prestes a explodir de felicidade, uma emoção tão
avassaladora que mal consigo conter as lágrimas que inundam meus olhos. Tampouco conter o
sorriso radiante, ou cada expressão uma manifestação viva da alegria que transborda dentro de
mim.
— Tommaso... — sussurro, incrédula.
— Te dar uma biblioteca repleta de livros... — ele diz, sua voz grave ecoando atrás de
mim —, não me impediu de construir uma repleta de memórias.
Examino com fascínio a parede azul-claro, o recamier disposto no canto e o jarro de
frésias que parece ser trocado com frequência, uma vez que as flores dentro dele estão frescas e
vibrantes. O destaque acima de qualquer coisa, porém, está nas paredes, em todas as quatro que
delimitam o cômodo. Porque em cada uma delas há quadros e mais quadros com pinturas
realistas que retratam Tommaso e eu em diversos momentos.
— Agora, Romana... — ele continua. — Mesmo sem se lembrar da nossa história, você
pode viver esses cinco meses sempre que quiser. Pode saber como fomos felizes e como
nascemos um para o outro.
Meus olhos estão úmidos com lágrimas de felicidade, que escorrem suavemente por
minhas bochechas enquanto me entrego completamente ao momento. Cada lágrima é uma
expressão sincera do meu encantamento, um reflexo da gratidão que sinto por ser capaz de
acompanhar momento por momento do que vivemos em cada quadro disposto na parede.
— Isso é... simplesmente perfeito.
Caminho pelo ambiente, acompanhando a história que se desenrola nos quadros de
formatos variados, transitando entre o tradicional modelo quadrado e outros com um desenho
mais retangular ou oval. Todos, porém, possuem uma delicada moldura dourada, que logo atrai
meus dedos. Um ato instintivo, uma confirmação de que tudo isso é realmente real.
Há Tommaso e eu lendo um livro comigo sentada em seu colo, animada com a história;
nós admirando o céu estrelado com um telescópio; o momento em que conhecemos o festival de
Tanabata e ele me pediu em casamento; até mesmo uma de nós apenas dormindo abraçados.
Cubro meus lábios com as mãos, tocada, ao perceber que também há memórias das quais
eu me recordo entre elas. Como o dia em que discutimos na lanchonete no passado, implicantes
um com o outro, e o momento em que esse falso ódio foi dado por vencido com nosso épico
beijo na chuva.
Há outras do presente, como uma nossa no dia em que me levou para conhecer o
planetário, o que me fez desconfiar que Tommaso alimenta essa biblioteca de memórias de
tempos em tempos, acrescentando detalhe por detalhe da nossa história.
— Por favor, mi cielo — a voz dele se faz presente e logo sinto a presença de Tommaso
ao meu lado. Ele envolve a minha cintura com sua mão firme e se inclina para me beijar os
cabelos enquanto eu ainda não consegui abaixar as mãos, cobrindo meus lábios em tamanha
surpresa. — Diga que as lágrimas são um sinal de que você gostou.
Choro mais ainda, sentindo meus ombros estremecerem.
— Meu Deus, Tommaso.... — minha voz ressoa com emoção. Giro os tornozelos para
ficar frente a frente com ele, movendo minhas mãos para segurar em seus ombros. — É tão
perfeito que eu não consigo explicar o quanto isso significa para mim.
Embora meu rosto esteja uma bagunça, Tommaso sorri ao notar o meu estado sentimental
e limpa pacientemente as minhas lágrimas. Ele passa longos segundos olhando para a minha
boca com um fascínio explícito antes de voltar a encarar os meus olhos. Um contato breve e
intenso, pois logo ele se inclina e toma a minha boca.
Tommaso me beija com tanta reverência que sinto como se fosse a primeira vez que
nossos lábios se tocam. Há tanta energia entre nós que poderíamos detonar uma supernova, e até
esse momento eu não havia descoberto como poderia ser possível morrer e renascer durante um
beijo.
Mas ele me mostra.
Eu sinto seus lábios experientes em todos os lugares do meu corpo ao mesmo tempo,
como se a minha boca fosse a condutora para todas as minhas células. Tommaso agarra meu
rosto com uma de suas mãos e usa seu aperto em minha cintura para pressionar nossos corpos.
Eu gemo, sorrindo no meio do beijo, ao abrir minha boca para tomar mais do seu ataque.
É a primeira vez em toda a minha vida que eu me sinto acordada e sonhando ao mesmo
tempo. E, por longos minutos, esse sonho se arrasta da forma mais bonita e mágica possível
enquanto nós nos perdemos um no outro.
Ao se afastar, Tommaso volta a pressionar a testa contra a minha, mantendo nossos rostos
pertinho um do outro. Não sei qual de nós tem um sorriso mais largo nos lábios, mas sei que
tanto meu coração quanto o dele estão disparados.
— Agora é você quem está olhando para mim.
— Quero memorizar você — sussurro contra os lábios dele, sentindo o hálito quente e
mentolado atingir os meus. — Esse momento... Tudo. Para sempre.
Tommaso me tranquiliza, acarinhando meu rosto.
— Não vai esquecer mais nada sobre nós, mi amor — garante, com uma segurança ímpia
e própria dele que não admite dúvidas. — Mas se acontecer, lembra do que eu disse a você?
Nego, apenas para ouvir as palavras de novo.
— Eu farei você se lembrar de mim e do meu amor, mesmo que você se esqueça dele
todos os dias — reafirma sua promessa, voltando a me emocionar. — Sempre que não puder
sentir amor por mim, Romana, eu vou amar por nós dois. Sempre que quiser correr, eu vou te
puxar para mais perto. E sempre que você pensar em desistir, eu vou te fazer lembrar que eu sou
e sempre vou ser o grande amor da sua vida. Porque não há nada no mundo que eu ame mais do
que eu amo você, pequeña estrella.
Com novas lágrimas molhando meu rosto, eu trago Tommaso para mais perto, selando
essa doce promessa com um beijo. Também faço uma, sem precisar ecoar as palavras para
afirmá-la: eu vou amar esse homem até o meu último suspiro, talvez, até depois disso, quando
ele e eu não formos nada além de poeira estelar. Porque não importa o que aconteça ou o que
tente se interpor entre nós e o nosso amor, ainda orbitaremos um ao redor do outro, como as
estrelas pertencentes que nós somos.
— Também amo você, Tommaso Falcão-Ruiz.
SEMANA SEGUINTE

Giro o volante, fazendo uma curva acentuada à esquerda.


— Você sabe o que está acontecendo? — minha pergunta ecoa dentro do veículo.
Romana gira a cabeça e olha para mim, sentada no banco do passageiro enquanto eu
conduzo meu Rolls-Royce em direção ao Bluemont Hill. O convite de visitar o palacete hoje
veio de Santino, surpreendendo tanto a mim quanto à Romana.
— Nem uma pista.
— Tenho certeza de que estão aprontando algo — comenta, abrindo um sorriso. — Nora
também vai e não parou de me enviar mensagens esta manhã. Queria saber a roupa que eu
escolhi e me fez trocar quando eu mandei uma foto do outro vestido que tinha escolhido.
Aproveitando a estrada reta e sem outros carros, eu lanço um olhar na direção dela,
examinando com prazer a forma como o vestido branco de alças finas e modelagem solta ressalta
a delicadeza e a sensualidade de Romana.
— Acho você deslumbrante com qualquer coisa, mi sueño.
Romana não consegue controlar o sorriso e é com a lembrança dele que volto meus olhos
para a estrada, trafegando as milhas seguintes até avistar o palacete. Estaciono o carro na porta,
sem notar nada de diferente na movimentação ou nos vizinhos.
Abro a porta do carro, rodeando o automóvel pela frente e fazendo o mesmo com a porta
do passageiro. Depois de muito discutir comigo, agora a japonesa espera sentada como uma boa
garota até que eu venha abrir a porta para ela.
Ofereço a minha mão, e a ajudo a sair do carro.
— Sabe o que estou pensando? — divago, conversando com ela.
— Posso confirmar, mas acho que não adquiri a capacidade mágica de ler pensamentos
— pontua de forma atrevida. — Ou que havia uma bola de cristal nos presentes que me deu, mas
pode me comprar uma se quiser. Você é bilionário, não é?
Uma risada gostosa me escapa.
Romana e sua terrível mania de zombar da minha fortuna.
— Melhor conter essa língua afiada, antes que eu decida usá-la de uma outra forma —
alerto enrouquecido, trazendo um rubor adorável as suas bochechas cobertas com pouca
maquiagem. — Vamos acabar entrando no carro e saindo daqui.
Romana umedece os lábios, desafiando-me.
— Tentador...
Nosso momento é interrompido ao som da voz de Santino que, parecendo notar a
movimentação em frente a casa, veio nos recepcionar. Ele sai pela porta da frente, trajando um
suéter claro e calça jeans. Atrás dele, surge uma ruiva muito animada, mal contendo o sorriso em
seu rosto.
Santino se aproxima de Romana, abraçando a japonesa que abre um sorriso carinhoso
para ele. Por mais frágil que esteja a relação deles no momento, não tenho dúvidas de que a
amizade entre eles irá se fortalecer depois de tudo.
Mi hermano finalmente entendeu que não quer perder nenhum de nós e se desculpou
conosco, sobretudo com Romana. Mas desde a conversa que tivemos no escritório, tenho sentido
uma boa evolução na nossa relação. Parece que finalmente conseguimos recomeçar.
Em seguida, ele vem até mim.
— Que bom que vocês conseguiram vir — diz, um pouco sem jeito antes de bater no meu
ombro em cumprimento. — Por que você não está com uma camisa branca? Eu disse que
precisava estar com uma camisa branca.
Dou de ombros.
— Meu guarda-roupa é bem monocromático.
— Se a Romana tivesse te pedido para usar, você teria usado.
— É, eu teria sim.
Santino move a cabeça, bufando.
Ao meu lado, escuto as garotas conversando.
— Como foi o jogo ontem? — dou prosseguimento à conversa.
Santino abre um sorriso orgulhoso, um que entrega antes mesmo que ele me responda a
vitória que os Wildcats tiveram sobre os adversários.
— É claro que nós ganhamos — vangloria-se, animado. — Fiz um passe incrível para o
wide receiver, que estava correndo em direção à end zone. Ele pulou e fez a recepção, superando
a defesa dos Jayhawks e marcando um touchdown.
Bato em seu ombro em um sinal de encorajamento, parabenizando pela jogada e também
pela vitória. Não faz sequer uma semana que Romana me arrastou para um dos treinos e eu pude
acompanhar de perto novamente como mi hermano tem talento. Talvez o futuro certo para ele
seja realmente esse e, se não for, estarei aqui para ajudá-lo a recalcular a rota.
— Bom, chega de conversa. — A voz animada de Honora se faz presente, chamando
tanto a minha atenção quanto a de Santino. — Espero que gostem da surpresa.
— Que surpresa? — Romana e eu ecoamos em uníssono.
Santino e Nora trocam um olhar cheio de segredos e nenhum deles responde aos nossos
questionamentos. Pelo contrário, apenas se colocam atrás de nós e tapam nossos olhos. Xingo em
espanhol, mas minha exasperação não surte efeito. Santino deve ter retirado a venda do bolso,
porque eu não o vi segurando nada antes, mas fato é que é impossível enxergar com essa coisa
no meu rosto.
É totalmente ridículo a humilhação que nos submetem a passar caminhando pelo
gramado sem enxergar absolutamente nada até o interior do palacete. Nora parece conduzir bem
a amiga, já que ouço Romana rindo de tempos em tempos. Santino, ao contrário, quase me fez
cair ao tropeçar em uma pedra.
— Dale, hermano, isso foi proposital? — grunho.
— Há poucas semanas atrás teria sido.
As garotas riem e eu acabo me rendendo também.
Não demora para que cheguemos aonde Santino e Nora pretendiam, e sem surpresa
escuto a voz da abuela comemorando a nossa presença. É claro que se tratando de alguma
peripécia, ela seria a primeira a estar envolvida.
— Podem tirar as vendas, pombinhos! — autoriza Antonita em tom alegre.
Afasto o tecido do meu rosto, piscando algumas vezes para me acostumar com o
ambiente, ainda que o trajeto tenha sido curto. Assim que consigo fazer meus olhos se focarem
novamente, eu me surpreendo ao encontrar a sala de estar completamente renovada.
Mudo meu foco para Romana a tempo de vê-la retirar sua própria venda, bagunçando os
fios sedosos do seu cabelo e entreabrindo os lábios em choque ao notar a decoração. Ela ainda
não se lembra, mas depois da fotografia e das pinturas na nossa biblioteca de memórias, a
japonesa reconhece precisamente o que estão tentando fazer.
Toda a sala está decorada com ramos de bambu com papéis coloridos, criando uma
atmosfera muito similar ao desfile de rua tradicional da cultura oriental.
— Eu sei que errei muito com vocês e, embora eu tenha me desculpado, sabia que não
seria o suficiente para apagar as minhas ações — Santino lamenta, alternando sua atenção entre
mim e Romana. — Então eu fiz a única coisa que consegui pensar para me redimir, além de
apoiar a união de vocês. Recriar um dos momentos que, eu tenho certeza, foi um dos mais
mágicos.
Os olhos de Romana brilham com um misto de surpresa, felicidade e nervosismo,
refletindo o turbilhão de emoções que ela está experimentando neste momento, tendo a chance
de reviver o seu pedido de casamento.
— Com o bônus de não precisarem mais esconder de nós — Nora acrescenta, ampliando
ainda mais o sorriso em seus lábios. — Dessa vez, não estão no festival de Tanabata real no
Japão, mas estão com as pessoas que mais amam e torcem por vocês.
Abuela dá um passo à frente e eu sorrio ao notar somente agora o kimono chamativo que
ela está usando. É claro que ela não perderia essa chance.
— Mis pequeños niños — abuela se refere a nós, se aproximando de onde estamos. Após
dar um beijo no rosto de Romana, ela vem até mim e me oferece uma caixinha de veludo. — É
um anel provisório até você escolher o do casamento, mas irá servir para esse momento.
Agradeço ao pegar a caixa e encarar Romana.
Seus lábios se curvam em um sorriso nervoso, os cantos dos olhos repuxados
ligeiramente ressaltados com a emoção contida. Ela tenta dominar suas lágrimas, que estão à
beira de escorrer, uma mistura de alegria e emoção pronta para transbordar a qualquer momento.
Com o anel de noivado firme em minha mão, eu me ajoelho diante dela, o coração
batendo tão alto que mal consigo ouvir minha própria voz. Sinto uma ansiedade elétrica
percorrer o meu corpo, uma mistura de ansiedade e excitação enquanto me preparo para fazer
novamente a pergunta mais importante das nossas vidas.
— Eu me lembro exatamente do momento que eu descobri que seria você a pessoa com
quem eu desejava passar o resto da minha vida — começo o meu discurso, limpando a garganta
para conter a emoção embutida em cada uma das minhas palavras. — Nossos caminhos podem
ter se separado por um momento, mas cada passo que nós dois demos nos trouxeram de volta, a
onde pertencemos. — Abro um sorriso enternecido. — Romana, uma vez eu te disse que
conhecer e amar você foi como ler o meu livro favorito, e que, depois dele, eu sabia que nenhum
outro me arrebataria da mesma forma. Hoje temos a chance de construir um novo capítulo, e eu
espero que você aceite embarcar nessa aventura comigo e escrever vários e vários outros para
sempre.
O corpo dela está tenso, mas vibrante com energia, como se estivesse esperando apenas
por um sinal para se lançar em ação. El amor de mi vida mal pode esperar para ouvir as pergunta
que tanto deseja, então eu finalmente digo:
— Você aceita se casar comigo, pequeña estrella?
Romana move a cabeça em acenos frenéticos, rindo e chorando enquanto repete um coro
de “sims” que deixam o meu peito próximo de explodir. Eu me coloco de pé e ela pula em meus
braços, envolvendo meu pescoço com seus braços enquanto eu abraço a sua cintura fina. Nossos
lábios se encontram em um beijo calmo, salgado e repleto de felicidade.
As comemorações irrompem atrás de nós, e eu consigo ouvir cada felicitação e elogio ao
nosso amor vindos de abuela, Nora e Santino. Tudo isso em um segundo plano, uma vez que não
consigo desviar os olhos da deslumbrante mulher nos meus braços.
— Eu sabia que a minha mãe tinha me permitido a chance de ser uma Takayama para que
nunca carregar o sobrenome do meu pai, mas também sabia que não seria para sempre —
confessa com a voz embargada e um sorriso tão largo que poderia fazer suas bochechas doerem.
— Eu vou amar ser uma Falcão-Ruiz.
Movo a cabeça, corrigindo-a.
— Uma não, corazón. A minha senhora Falcão- Ruiz — pontuo com orgulho. Esperei
por muito tempo para viver isso com ela novamente. — Mi esposa. Mi mujer.
Feliz, ela aproxima o rosto do meu.
— A sua mulher — concorda.
Sem esperar sequer mais um segundo, eu a beijo, eternizando esse momento em nossas
vidas e memórias, certo de que apenas nosso casamento poderia ser mais especial do que isso.
ANO SEGUINTE
SÉTIMO DIA DO SÉTIMO MÊS DO ANO
DATA DO REENCONTRO DE ALTAIR E VEJA
LEIA AO SOM DE YELLOW - COLDPLAY

Finalmente ha llegado el día!


Minhas mãos tremem ligeiramente, uma manifestação física do tremor interno que me
consome por dentro. Não por nervosismo, mas por ansiedade. Hoje, Romana finalmente tomará
o sobrenome Falcão-Ruiz para si e reclamará o título que já é dela há muito tempo: a de minha
rainha. Meu coração está batendo em uma intensidade quase ensurdecedora, enquanto eu me
forço a ficar parado de pé, à espera da minha pequeña estrella.
Escolhemos a sala de projeção do planetário, agora inaugurado e batizado de Planetário
Sakura Estelar, como o cenário da nossa cerimônia íntima. Poucas pessoas estão presentes hoje,
sentadas nos bancos campesinos de madeira escura. Minha abuela, Nora e sua irmã Moon,
Saywer, os colegas de trabalho de Romana do Fivestar — com exceção de Logan, é claro —, e
Santino, que está com Romana agora, prestes a trazê-la para mim.
A sala de projeção está com a iluminação reduzida, criando uma atmosfera imersiva. A
cúpula acima de nossas cabeças está preenchida com uma representação visual impressionante da
Via Láctea, onde as estrelas dançam e giram suavemente pelo espaço, criando um espetáculo
deslumbrante de luz e cor. Nebulosas brilhantes e nuvens de gás parecem flutuar pelo universo,
enquanto planetas e luas orbitam em torno de todo o espaço, caindo de fios de aço suspensos nas
paredes do lugar.
O altar possui uma elevação transparente de policarbonato, tal como o caminho que segue
por ele, que será por onde Romana virá até mim. Entre os pontos do acrílico, pequenos pontos de
luz brilhante destacam uma iluminação amarela. Cor que também está presente nos arranjos de
peônias que decoram o espaço.
A música que escolhemos, em uma versão acústica e mais calma, preenche cada parte do
espaço, ecoando pelos alto-falantes e sugerindo o início da cerimônia. Ajeito o colarinho do meu
terno mais uma vez, enchendo meus pulmões de um fôlego que está prestes a ser roubado por
Romana.

Olhe para as estrelas


Olhe como elas brilham para você
E para tudo o que você faz
Sim, elas eram todas amarelas

A minha japonesa aparece lentamente, sendo revelada aos poucos diante dos meus olhos
ansiosos. E conforme deslizo minha atenção por ela, deslumbrante em um vestido branco liso,
com o busto ajustado a cintura fina e um decote bardo que abraça seus ombros, tenho cada grama
de oxigênio arrancada à força dos meus pulmões.
Santo Dios, no hay nada más bello en el mundo!
Sempre admirei a forma como Romana muda todo e qualquer ambiente onde ela está,
mas agora, nesse momento, ela não apenas se destaca, apaga qualquer outra coisa ao redor. Não
há nada além dela, linda em um vestido de noiva, caminhando na minha direção com um sorriso
irradiando uma luz que ilumina todo o meu mundo.

Eu vim aqui
Eu escrevi uma canção para você
E para todas as coisas que você faz
E foi chamada de Amarelo

Uma de suas mãos está agarrada ao buquê de frésias cor de rosa, amarrados por um laço
delicado, e ela enlaça o braço no antebraço de Santino ao começar a caminhar.
Outros detalhes de sua aparência começam a se tornar claros para mim. Os brincos de
ouro de sua mãe estão em suas orelhas; os cabelos que tanto amo, meio presos com um acessório
que sustenta o longo véu, deixando apenas uma fina mecha de fios lhe cair pelo rosto. Acima de
qualquer detalhe, porém, estão os olhos marejados e o sorriso largo em seus lábios.

Sua pele
Oh, sim, sua pele e ossos
Transformaram-se em algo bonito
Você sabe que eu te amo tanto?

À medida que ela se aproxima, um sorriso involuntário se forma em meus lábios, e as


lágrimas começam a se acumular em meus olhos, tornando difícil de serem contidas. Abro um
sorriso, movendo a cabeça em repreensão quando as primeiras lágrimas marcam a minha pele.
Olhe para as estrelas
Olhe como elas brilham para você
E para todas as coisas que você faz

A letra decresce, dando lugar a um instrumental suave no exato instante em que ela chega
a apenas um passo de mim, atordoando-me com sua beleza. Santino a entrega para mim, e eu
seguro a palma de Romana, ajudando-a a subir no altar. A agitação e ansiedade dela claras na
forma como sua pequena palma está fria e trêmula em contato com a minha.
Para acalmá-la, eu a levo aos lábios e beijo.
— Hola, mi amor... — digo em tom baixo, os lábios abafados pela pele dela, mas os
olhos atentos a cada movimento. — Pronta para ser minha para sempre?
— Nada me faria tão feliz.
A cerimônia começa e, sinceramente, registro muito pouco dela. Incapaz de fazer
qualquer outra coisa além de admirar os olhos repuxados e o sorriso doce da mulher da minha
vida. Digo que aceito, e volto a sentir lágrimas queimarem em meus olhos quando Romana faz o
mesmo, selando os nosso destinos.
Tudo é um misto confuso de emoções até o momento em que trocamos as alianças. A
dela, um solitário com um diamante no centro e pequenas estrelas ao redor da circunferência do
anel, peça que fiz questão que fosse feita em exclusividade para Romana.
— Vocês prepararam os votos? — o padre pergunta.
— Sim — respondemos em uníssono.
— Quer ir primeiro? — pergunto a ela.
Romana não diminui o sorriso largo em seus lábios, embora agora seus olhos estejam
úmidos pelas lágrimas que caíram durante a cerimônia.
— Eu não acreditava que poderia viver uma história tão bonita quanto as que eu assistia
ou lia nos livros. Mas você sabia que era o que eu sonhava, e mesmo quando não se achava
digno de estar comigo, me ofereceu uma versão sua doce e gentil que nunca tinha dado outro
vislumbre a ninguém. — Novas lágrimas surgem em seus olhos, e escorrem pelas bochechas de
Romana. Mas, santa madre, meu estado não é muito melhor ao ouvir o discurso dela. — Hoje eu
te agradeço por se esforçar para me mostrar sempre a sua melhor versão. Por não ter desistido de
mim e do nosso amor no nosso momento mais sombrio. E, principalmente, por me dar a
segurança de que mesmo que trinta, quarenta ou setenta anos se passassem, nada será diferente
entre nós. Seu sorriso raro ainda será meu favorito, a sua voz a única capaz de me acalmar e seus
olhos a minha visão favorita pelas manhãs. E, com sorte, a última antes que nossa curta
existência termine e possamos ser eternos em outro lugar.
Exalo, fora de órbita.
Cada vez que a observo, minha mente volta aos vários momentos em que passamos
juntos e, sinceramente, parece um milagre, uma sorte inexplicável. Não consigo compreender
como pude ter tanta sorte, mas sei que eu moveria céus e terras para fazer essa mulher feliz.
Limpando a garganta, eu faço os meus votos:
— Você me mostrou um amor benevolente, Romana. Um amor que foi capaz de se
infiltrar em cada rachadura e cicatriz mais profunda que eu possuía e transformar o que eu achei
impossível de ser amado — declaro em tom roufenho, ao passo que um sorriso grato e
enternecido ganha meus lábios. — Você criou algo especial dentro de mim e eu prometo que não
se passará sequer um dia sem que eu faça com que você se sinta a mulher mais especial desse
mundo. — Sinto meus olhos voltarem a marejar, e desconto parte da emoção movendo os dedos
para o pulso dela e acariciando a pele macia ali. — Eu encontraria você em qualquer universo,
em qualquer outro corpo, em qualquer tempo. Em qualquer circunstância, Romana Falcão-Ruiz.
E eu te amaria em cada um desse cenários até que a última estrela queimasse em esquecimento.
Porque mesmo em um céu escuro e sem vida, eu encontraria seu brilho, mi pequeña estrella.
Romana arfa, entre lágrimas.
Sussurrando como me ama.
— Após votos tão belos, não há mais nada a ser dito além de: Pelo poder a mim
investido, eu vos declaro marido e mulher. — O padre anuncia, sorrindo. — Pode beijar a noiva.
Não leva um segundo para que meus lábios tomem os de Romana, no beijo mais salgado
e emocionante que já demos. Agarro sua cintura com as minhas mãos, mantendo-a perto. Sua
boca se abre para mim, e eu suspiro, aprofundando o contato como se precisasse do seu beijo
para continuar respirando.
O contato termina com a carícia suave de Romana na minha barba, antes que eu agarre
sua mão e nós comecemos a caminhar pela pista por onde ela entrou. Somos envolvidos por uma
explosão de alegria e emoção. O som dos aplausos ressoa em meus ouvidos, misturando-se com
os risos e as vozes animadas que enchem o ar. É como se estivéssemos no centro de um grande
festival, celebrando o nosso amor e união.
De certa forma, nós estamos.
— Feliz, amor? — pergunto, girando o rosto para olhá-la.
Romana arfa, sem fôlego e sem palavras.
— Eu poderia ler todos os livros que você me comprou ou ver todos os filmes de
romance que existem e não encontraria nenhuma história mais bonita do que a nossa — é o que
ela responde para mim.
Abro um sorriso largo.
— E sabe a melhor parte? — interpelo, apertando nossos dedos unidos. — A nossa
história está apenas começando.
Assim como Altair esperava um ano inteiro apenas pela chance de ver Vega, eu esperei
por um ano enquanto Romana vivia suas próprias experiências para começar a reconstruir as
memórias mais especiais da nossa história. Provei que nosso amor é capaz de superar tudo. Que
nossos corações são como estrelas além do tempo, dispostas a se encontrar em qualquer
constelação independente do que aconteça.
Sempre. E para todo sempre.
BAYDEN HAVEN
CINCO ANOS DEPOIS

— Vai doer apenas um pouco, todo bien?


Ele está parado atrás de mim, posso sentir o peito amplo e duro contra as minhas costas
enquanto sua voz se infiltra nos meus ouvidos. A presença imponente poderia me distrair, se não
fosse seus longos dedos entre nós.
— Tommaso! — choramingo.
— Vamos devagarzinho, vai funcionar.
Gemo, contraindo os lábios.
— Eu não acho que isso vai dar certo...
— Já entrou, Romana — argumenta, movendo novamente os dedos e me fazendo
estremecer. — Relaxe, que já está saindo.
— Você disse isso há cinco minutos! — argumento impaciente. — E meu cabelo
continua enroscado no seu paletó. Deve ter me arrancado uns cinquenta fios!
Tommaso respira fundo e, então, desiste de tentar tirar meu cabelo com o cuidado que
estava tendo antes.
Ouço um som seco e em seguida o estalar do plástico do botão ao cair contra o chão. Giro
para ficar frente a frente com ele, arqueando uma sobrancelha com um sorriso ao notar que não
tive uma percepção errada. Tommaso realmente maculou uma de suas peças de grife que custam
uma pequena fortuna.
— Destruiu mesmo seu paletó?
Ele exala, dando de ombros.
— Qué puedo hacer? Realmente adoro seu cabelo — responde, segurando a mecha que
estava enroscada no botão e penteado suavemente com os dedos. — Seria um absurdo perder
qualquer fio dele.
Sorrio, boba em como ele pode continuar a agir da mesma forma encantada por mim.
Mesmo após cinco anos de casamento, até mais se contar todo o nosso relacionamento,
Tommaso ainda age como se eu fosse a única coisa na sua vida que é digna de total devoção.
Bom, não exatamente a única.
Como se ouvisse meus pensamentos, passinhos apressados ecoam no corredor. Tap-tap,
Tap-tap, Tap-tap. Abro um sorriso ao identificar o bater suave dos seus pés, possivelmente
calçados com as sapatilhas da mesma cor, antes mesmo que ela surja na porta da biblioteca.
Usando um vestido acinturado cor-de-rosa, pronta para sairmos, Estela traz um elástico
consigo. Geralmente sou eu quem arruma o cabelo dela, mas desde que desci do andar de cima,
ela insistiu que queria que Tommaso o fizesse.
Eu sequer tentei argumentar, escolhendo minhas batalhas. Ela pode ter apenas três anos,
mas puxou o meu temperamento. O que significa que, juntas, fazemos a vida de Tommaso muito
mais divertida.
Ou caótica, dependendo do dia.
— Papá! — chama, erguendo a cabeça. O juiz que já é alto perto de qualquer pessoa,
parece um gigante próximo da nossa menininha. — Está ocupado agora?
— Jamás para ti, pequeña estrella.
Desde que ela nasceu, Tommaso não me chama mais pelo mesmo apelido de antes.
Algumas mudanças precisaram ser feitas e agora o juiz tem uma estrella, eu, e uma pequeña
estrella que é a nossa doce menininha.
— Pode amarrar meu cabelo?
— É claro que eu posso.
Tommaso a pega nos braços, erguendo-a pelas axilas e colocando em cima da mesa que
fica no centro do espaço, geralmente para manter alguns livros abertos quando precisamos
procurar alguma coisa ou estudar.
Agora, enquanto Tommaso cuida dos seus processos, eu tenho minhas pesquisas para
coordenar. E devo dizer que estou indo muito bem. Descobri meu primeiro corpo estelar há um
ano e realizei o meu sonho dando o nome de Sakura a estrela.
— Tem que ser um rabo de cavalo bem bonito! — exige ela, erguendo o queixo e
fechando os olhos para deixá-lo trabalhar.
Assisto com um sorriso a forma como Tommaso junta os longos cabelos escuros dela,
idênticos aos meus, e consegue domar os fios, realizando o penteado como Estela queria. Não é
uma surpresa, desde que ela nasceu ele não poderia ter sido mais presente ou mais afetuoso do
que foi.
— Você está aborrecido, papá? — pergunta, notando a expressão carregada do pai. Algo
costumeiro a Tommaso, mas que sempre rende bons momentos entre ele.— Parece bravo.
— Não estou bravo, pequeña estrella.
— Hum... — desconfia. — Mas precisa de um abraço.
Tommaso ri, bem-humorado.
— Meu amor, eu também acho que seu papai precisa de um abraço.
Estela abre os braços curtinho, envolvendo o corpo do pai, sem conseguir chegar nem
perto de dar a volta completa em seu tronco. Tommaso move a cabeça, como se não pudesse
acreditar na esperteza dela.
Ele retribuiu o carinho e beija o topo dos cabelos da nossa filha.
— Tá mejor? — pergunta após alguns segundos, exercitando o espanhol que tem
aprendido junto ao seu idioma nativo. — Se a resposta for um não é porque ainda não fez efeito.
Rio, sem conseguir evitar.
Tommaso pega a pequena espertinha no colo.
— Não, ainda estou muito chateado — diz, entrando na brincadeira.
Piscando seus olhinhos esverdeados, que são a cópia dos do pai, ela pensa em uma
solução. E o que decide fazer é segurar o rosto de Tommaso com as mãos e puxar na direção dela
para esfregar o narizinho no dele, como um beijo de esquimó.
Alguns segundos depois, Estela abre os olhos e se afasta.
— E agora, papá?
— Muito melhor, mi amor — responde, abrindo um sorriso. — Você sempre cuida de
mim, talvez você seja alguma super heroína.
Estela ri, jogando a cabecinha para trás.
— Os heróis só protegem as pessoas, como você faz comigo sempre que um monstro
entra embaixo da minha cama — explica, gesticulando as mãos como se fosse algo muito óbvio.
— Quem cuida das pessoas são os doutotores.
Não consigo refrear minha risada.
— Doutores, meu amor — corrijo.
Tommaso desvia o olhar para encarar o relógio na única parede que não está repleta de
prateleiras e livros. Percebendo o horário, ele ergue o braço e pega o exemplar que estava alto
demais e me fez requisitar a ajuda dos seus músculos longos e altos.
Eu agarro o livro entre os dedos quando ele me entrega, admirando a capa em tons de
azul e lilás como se fosse a primeira vez.
— Se não sairmos agora, iremos nos atrasar — ele alerta, sorrindo ao notar que estou
olhando a capa. — Ainda está deslumbrada com a nossa história ter se tornado um romance
escrito por Nora.
Ergo um dedo, pontuando:
— Não um romance apenas, um best seller.
Ele assente, ajeitando Estela no colo. Agora, ela está muito interessada em observar a
nossa interação, vagueando seus olhos grandes e curiosos entre nós.
— Como se sente sobre isso? — Fico curiosa em saber.
— Sobre o livro? — interpela e eu confirmo. — Nora é muito talentosa e conseguiu
colocar os sentimentos de uma forma linda no papel. Acho que digno da nossa história e fico
muito feliz que se alguém teve a chance de contá-la, que tenha sido a Nora.
Assinto, aproximando-me dele e enlaçando sua cintura estreita para conseguir apoiar a
minha cabeça em seu peito quando Tommaso envolve o meu corpo. Envolvida pelo seu abraço,
respiro fundo sua fragrância amadeirada e abro um sorriso antes de beliscar as bochechas
rechonchudas da nossa filha.
— Por anos passei a vida acostumado a ter o poder e controle de tudo, mas sabe de uma
coisa, eu nunca me senti tão poderoso ou como um rei realmente antes de construir uma família
com você — declara após alguns segundos, segurando a minha mão e levando até os lábios. —
E a nossa pequeña estrella é apenas o começo da linda constelação que criaremos juntos.
Aproveito seu toque para inclinar a minha cabeça para cima e trazer seu rosto para perto
do beijo, dando um beijo casto nos lábios dele. Estela logo se anima com tanto carinho e segura
tanto a mim quanto ao pai para que possa distribuir beijinhos estalados nas nossas bochechas.
O som de risadas preenche a biblioteca e torna o momento simplório ainda mais especial.
Tanto Tommaso quanto eu viemos de um lar desfeito e isso não nos impediu de encontrar um
amor calmo que rendeu um belo fruto. Estela crescerá com amor, conhecendo tanto a cultura
oriental quanto a espanhola, e será ensinada desde cedo que ela não precisa temer nada no
mundo conosco ao lado dela.
Ao contrário, o mundo é quem precisa temer a filha do rei.
A princesinha de Bayden Haven.
Herdeira de todo o nosso reinado estrelado.

FIM.
Estou escrevendo essas notas com um sorriso gigantesco no rosto, grata por todo esse
processo de construção que não poderia ter sido mais especial.
Um agradecimento as minhas betas (Lelê, Ju, Kami, Mavi, Mika e Tati) que surtaram
desde o começo comigo e não soltaram a minha mão até que estivéssemos com o livro finalizado
no epílogo. Grata a Duda que foi um anjo na minha vida e por todo carinho que ela teve comigo
na leitura crítica. Grata pela Rafa e sua revisão impecável e a Lua e a diagramação de milhões
que ela realizou, o trabalho de vocês fez a história se tornar ainda melhor.
E, claro, por último, mas não menos importante, grato a você leitor que decidiu dar uma
chance ao meu trabalho e chegou até o fim do livro. Como disse nas minhas notas no início do
livro, espero que você tenha suspirado, surtado e se apaixonado por Tommaso e Romana assim
como eu.
Com amor,
Malévola.
Conhecida como Malévola por hidratar o cabelo com as lágrimas de suas leitoras, Jéssica
Ribeiro é uma jovem de 23 anos que reside em Minas Gerais. Cursando medicina, ela divide seu
tempo entre a área da saúde e a carreira de romancista, onde usa e abusa de cenas de duplo
sentido e cria histórias que permeiam a comédia e o drama. Tem uma queda por rock clássico e
mocinhos metidos a príncipes encantados, por isso espera um dia esbarrar com o dono do seu
sapatinho de caos.
Acompanhe nas redes sociais: @jessicaribeiroautora
Conheça outros títulos da autora:
FAMÍLIA FONTAINE
Além da anatomia de um coração
Até a última batida
Um desejo de natal

ENTRE ROSAS E ESPINHOS


Todos os seus pedaços
Todos os nossos desejos

Versão física de “Entre rosas e espinhos” disponível até dia 31 de Março de 2024.
Saiba mais.

[LB1]Bayden Haven é uma fictícia criada por mim, localizada no Kansas (Estado americano que realmente existe). Ela foi
inspirada na cidade pequena real de lá, chamada Manhattan.

[LB2]Bebida refrescante feita com vinho tinto, frutas, açúcar, água e, por vezes, brandy. A sangria é popular em festas e
reuniões sociais na Espanha.

[LB3]Kansas University
[LB4]Gíria usada para categorizar pessoas privilegiadas pelo nepotismo. Aqui junto ao baby por ele ser o irmão mais novo.
[LB5]Tradução: Você não vai usar essa merda sob o meu teto.
[LB6]Tradução: avó.
[LB7]Após a temporada regular, muitas equipes universitárias são convidadas para participar de "bowl games" (jogos de taças).
Depois disso, o College Football Playoff determina o campeão nacional.

[LB8]Trocadilho com namastê e o verbo stay em inglês. Pode ser traduzido como: "Vamos ficar na cama".
[LB9]Assim como temos o "trote" nas faculdades do Brasil, nos EUA eles chamam de iniciação ou de hazing.
[LB10]Tradução: "Deus, que calor".
[LB11]Tradução: É como minha mãe.
[LB12]Tradução: "Vou ordenar que vá tomar no..."
[LB13]Pequenos bolinhos ou rosquinhas, muitas vezes polvilhados com açúcar ou mergulhados em calda. São comuns na
Espanha.

[LB14]Tradução: Linda e mais brilhante do que qualquer estrela no universo.


[LB15]Expressão em espanhol que, em tradução livre para o português, soaria como: "para um caralho".
[LB16]O cochinillo asado é um prato tradicional espanhol. Consiste em leitão temperado com sal e especiarias, assado
lentamente no forno até que a pele fique crocante e dourada

[LB17]Tradução: Filha da puta.


[LB18]Nos Estados Unidos, dependendo do estado em que o registro é feito, é possível escolher qualquer combinação de nome
e sobrenome para a criança. Os pais podem decidir usar apenas o sobrenome da mãe, apenas o sobrenome do pai, ou uma
combinação dos dois.

[LB19]Tradução: Depressa.
[LB20] Tradução: "Deus, menina, não tem modos?"
[LB21]A sangria é uma bebida refrescante associada à Espanha. Ela é feita com vinho (geralmente tinto), frutas picadas e
adoçantes como açúcar ou suco de frutas. Frequentemente inclui ingredientes adicionais como água com gás, licor ou temperos.

[LB22]Refrigerante de gengibre muito comum nos Estados Unidos.


[LB23]Tradução: "Tornou-se um homem que seu pai teria orgulho"
[LB24]Tradução: Garota ou Menina esperta.
[LB25]Sabor de sorvete comum nos EUA. Consiste em uma base de baunilha com pedaço de massa de biscoito.
[LB26]Tradução: Minha estrela tem uma versão só para ela
[LB27]Em outros contextos, pode significar algo como esperto e astuto. Mas a mesma palavra também é usada (como nesse
contexto) com o sentido pejorativo. Em tradução livre, algo como: "filho da mãe" ou "desgraçado".

[LB28]Esse jogo também é chamado de "cavalinho". É comum em praias, piscinas ou qualquer ambiente aquático.
Basicamente, uma pessoa (o "cavaleiro") sobe nas costas de outra (o "cavalo") e tenta derrubar os oponentes de outras duplas.

[LB29]Poderia ser traduzido como: "Porra, não me fode!"


[LB30]As anãs brancas são estrelas extremamente densas, com massas comparáveis às do Sol. Por conta de sua baixa
luminosidade e temperatura superficial relativamente baixa, as anãs brancas irradiam calor lentamente ao longo do tempo,
eventualmente se tornando corpos celestes escuros conhecidos como anãs negras.

[LB31]Comunidade localizada no sul da Espanha, na região na Península Ibérica, que tem como capital a Sevilha.
[JR32]Embora o Día de los Muertos seja celebrado originalmente no México, tendo até um feriado, essa crença de que os
mortos retornam para visitar seus entes queridos é alimentada em algumas regiões da Espanha.
[JR33]Tradução: "Tão, tão teimosa!"
[JR34]A área da cabine onde os pilotos operam a aeronave. Geralmente separada da cabine de passageiros por uma porta
ou cortina.
[JR35]Tradução: Senti saudades do seu toque, da sua pele.
[JR36]Tradução: Gananciosa!
[JR37]Expressão que poderia ser traduzida como "Para o inferno com isso" ou "Foda-se" em tradução livre.
[JR38]O Tanabata Matsuri, também conhecido como Festival das Estrelas, é uma festividade tradicional japonesa que
celebra a lenda de Orihime e Hikoboshi, também conhecidos como Vega e Altair, respectivamente. De acordo com a lenda, essas
duas estrelas eram amantes separados pela Via Láctea e só podiam se encontrar uma vez por ano, no sétimo dia do sétimo mês do
calendário lunar, que é quando o festival é celebrado.
[JR39]Tradução: maldito pirralho/moleque.
[JR40]Expressão similar a "Caramba" em português.
[JR41]Tradução: Caramba, meu amor.

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