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Copyright © 2021 — Laís dos Passos

Capa: Audrey Moura


Diagramação: Laís dos Passos
Revisão: Bárbara Pinheiro

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos


descritos são produtos da imaginação do(a) autor(a). Quaisquer
semelhanças com nomes, datas e acontecimentos reais são mera
coincidência.

É proibido o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte destas


obras, através de quaisquer meios - tangível ou intangível - sem o
consentimento escrito do(a) autor(a) ou da editora.

Todos os direitos reservados.

Criado no Brasil.
SUMÁRIO

O despertar
A descoberta
A realidade
As lembranças
A revelação
O desespero
A convalescença
A preparação
O recomeço
Nota final
Agradecimentos
A autora
Seja bem-vindo à Dias de Céu Azul, uma história rápida, mas cheia
de mistério, teorias e romance.

Antes de mais nada, é importante que tu saiba de algumas coisinhas.


A primeira delas é que o livro é um relançamento. Antes, com o nome de
Goodbye Blue Sky. Achei que, por a história se passar no Brasil, com
elementos tipicamente tupiniquins, não fazia muito sentido o título em
inglês.

Se ele é um relançamento, vamos a outro detalhe importante: ele foi


escrito no começo de 2019, ou seja, há referências e piadas em torno do que
aconteceu naquele ano e nos três anos anteriores. Eu teria que mudar
muitas coisas para que a história fizesse sentido, então, preferi manter a
história original.

Então, é isso. Aperta o cinto e boa viagem!


O que é mais assustador? A ideia de extraterrestres em mundos estranhos,
ou a ideia de que, em todo esse imenso universo, nós estamos sozinhos?

(Carl Sagan)
Luana tinha tudo.

Uma vida perfeita, com um casamento perfeito e um emprego


perfeito.

Mas tudo ruiu quando ela acordou em um lugar desconhecido, sem


qualquer lembrança sobre o que aconteceu nos últimos três anos.

Com a ajuda de Gerson, um desconhecido solícito e muito bonito, ela


buscará respostas para suas perguntas e aprenderá que até mesmo as
tempestades têm sua beleza.
Uma brisa suave acaricia meu rosto e sinto um conforto que há muito
tempo não sentia.

De olhos fechados, permaneço deitada, sentindo o afago carinhoso


daquela lufada de ar, que me enche de paz. Tenho vontade de ficar aqui
para sempre e é o que faço. Não para sempre, mas por tanto tempo, que
chego a cochilar.

A claridade invade os meus olhos, mesmo fechados, e me


incomodam. Acho que ela é a responsável pelo meu despertar repentino.
Abro os olhos, sobressaltada, e me vejo em meio a um emaranhado de
capim alto e seco. Na verdade, ele é tão alto que me cobre por completo e
tudo o que consigo enxergar é o céu azul e sem nuvens.

Ao olhar para o meu corpo, percebo que estou completamente nua e


não faço a menor ideia de como vim parar neste lugar. Minha respiração
que, até então, estava normal, assume um ritmo acelerado. Minhas mãos
começam a tremer e suar e minha boca se torna mais árida que o Atacama,
de uma hora para outra. Onde está o Rui?

Levanto com certa dificuldade, pois minhas pernas não estão muito
firmes e meu corpo inteiro está pinicando. Por cima da grama, posso
observar que existe uma casinha de madeira bem próxima daqui. Não vejo
ninguém nos arredores e sigo até lá, tentando conciliar minha caminhada
desajeitada com as paradas para coçar minhas pernas e braços, que ainda
estão irritados pelo contato com a vegetação seca.

O casebre decadente é o meu alvo e caminho apressada até lá. Em


outra situação, eu estaria morrendo de vergonha de bater à porta de um
desconhecido, completamente nua, mas o pavor me faz agir desta forma.

Não obtenho nenhuma resposta e insisto por mais algum tempo, mas
ninguém atende a maldita porta. Afasto-me alguns metros da casa e
observo as várias antenas sobre o telhado encardido. Se alguém mora nesta
casa, deve ser algum lunático. Resolvo que é melhor procurar ajuda em
outro lugar, quando a porta se abre de supetão e, neste instante, passo a ter
certeza de que era melhor ter ido embora.

— O que você quer? — o maior homem que eu já vi na vida me


pergunta, de forma nada amistosa, enquanto aponta uma espingarda na
minha direção.

Se antes eu estava apavorada, agora sou desespero puro. Tento, em


vão, cobrir meu corpo com as mãos e, enfim, rendo-me ao choro pelo medo
e frustração. Tudo o que eu quero é entender o que está acontecendo, mas a
cada minuto me vejo mais longe de respostas.

O homem parece desconfortável. Não sei se pela minha angústia ou


pelo meu constrangimento. Talvez pelos dois. Ele vira as costas e volta
depois de alguns segundos, com uma manta nas mãos e me entrega. Pelo
menos, não estou mais na mira de sua arma. Cubro-me com a manta, que
está cheirando a amaciante e ele me convida para entrar.

A sala é um pouco mais bonita do que a fachada da casa, mas está


longe de ser algo requintado. Uma colcha de retalhos que deve ser mais
velha do que nós dois juntos pousa sobre um sofá igualmente antigo. Não
há televisão, nem receptor na estante, mas uma vitrola empoeirada e vários
discos de vinil se fazem presente. Alguns quadros de paisagens amareladas
chamam a minha atenção, especialmente porque estão tortos e ansiando
para que eu os arrume. E, por último, mas não menos importante, um tapete
de couro cru enfeita o chão de tábuas foscas e arranhadas.

— O que aconteceu? — pergunta ele, sentando-se no sofá.

Antes que eu possa responder, um cachorro enorme vem correndo em


minha direção e pula em mim. Minhas pernas ainda não estão firmes e caio
de costas no chão. Como se isso não fosse o suficiente, sou coberta por
lambidas.

— Sai daí, Princesa! — o homem grita e tira aquele monte de pelos e


baba de cima de mim. Depois de colocá-la para fora, ele volta. —
Desculpa. Apesar do tamanho, ela ainda é um bebê e acha que todos estão
dispostos a brincar com ela. Agora, conta como você veio parar na minha
porta sem nenhuma roupa.

— Eu não faço a menor ideia — digo, tentando limpar a sujeira que


aquele monstrengo deixou em cima de mim. — Eu acordei no meio
daquele monte de mato, mas não sei como fui parar ali.
Ele volta a se sentar e acena para que eu faça a mesma coisa. Fica me
encarando por mais tempo do que considero confortável, como se
procurasse algum sinal de que estou mentindo. Noto que ele tem uma
cicatriz sobre o lábio, que vai até o nariz.

— Nós já não nos conhecemos? — Ele muda de assunto, arqueando


uma sobrancelha. — Seu rosto me parece familiar.

— Não. Eu me lembraria de você.

Qualquer pessoa que cruzasse uma única vez com esse homem não
esqueceria jamais. Ele é enorme! Deve medir quase dois metros. E deve
malhar também, porque eu duvido muito que esses braços sejam resultado
de trabalho duro e essas coisas. Apesar de morar no meio do nada, ele não
tem a menor aparência do homem recluso, que odeia sociedade e todos
esses estereótipos que vemos em filmes. Ele não é nada bruto, com exceção
da forma como atendeu a porta, há alguns instantes.

— Você sabe o seu nome?

— É claro. E desculpe pela grosseria. Meu nome é Luana. —


Estendo-lhe a mão, tomando cuidado para que a manta, que está sobre os
meus ombros, não se abra e revele demais.

— Gerson. — Ele aperta a minha mão com bastante força. — Mas eu


ainda não entendi. Você acordou no meio do mato? E antes disso?

Respiro fundo, tentando colocar meus pensamentos em ordem.

— Minha última lembrança foi de ter viajado com o meu marido até
aqui para o Vibefest. Eu preciso ligar para ele. Você tem um telefone?

Gerson não responde. Apenas me encara, com perplexidade. Não sei


o que ele está pensando, mas estou com medo.

— O que foi?

— Você disse que sua última lembrança foi de ter ido ao Vibefest? —
insistiu, boquiaberto.

— Sim.

Os acontecimentos dos últimos minutos me fizeram esquecer —


mesmo que por pouco tempo — o terrível sentimento que me assolou, mas
agora sinto o pavor voltar com força. Alguma coisa está muito errada.

— Qual é o problema, Gerson?


— É que a última edição desse festival aconteceu há três anos.
Não pode ser.

Isso só pode ser uma brincadeira de muito mau gosto.

Sem me conter — nem ligar para a manta que esconde minha nudez
— avanço para cima de Gerson e começo a apalpar seus bolsos atrás de um
celular, que possa me provar que ele está zombando de mim. Fico feliz ao
descobrir que ele esconde seu aparelho no bolso da frente, caso contrário,
teria que apertar sua bunda. Puxo o equipamento e aperto o botão, para
acender a tela. Além da foto dele abraçado à cadela, vejo a data.

Dezoito de janeiro de dois mil e dezenove.

Minha primeira reação é pensar que aquilo é um truque. É fácil


alterar as configurações de data de um celular. Devolvo para ele e peço, em
tom autoritário:

— Desbloqueia, agora!

Acho que consigo colocar toda a raiva e frustração nas minhas


palavras, porque ele faz o que eu peço, sem pestanejar. Em poucos
segundos, a interface está brilhando à minha frente. Abro o navegador e
pesquiso a data de hoje.

Dezoito de janeiro de dois mil e dezenove.

Faço mais quatro buscas, e todas me dão o mesmo resultado. Na


quinta tentativa, meus dedos tremem tanto, que não consigo digitar. Noto
que o ar daquela sala se tornou escasso e meus pulmões clamam por mais
oxigênio. Um iceberg se forma na minha barriga e, antes que eu tenha um
surto, levanto do sofá e sigo em direção à porta.

Saio andando, sem rumo, sem enxergar um palmo à minha frente e


sem saber o que fazer. Isso não faz o menor sentido. Ontem eu estava
viajando com o meu marido, para comemorarmos nosso aniversário de
casamento. Hoje, acordo no meio do nada e descubro que mais de dois anos
se passaram. Como isso é possível?

— … bem? — Ouço a sua voz ecoando atrás de mim, mas não


consigo distinguir o que ele está dizendo. Tudo parece distorcido e distante.
Tudo parece estranho.

— O que está acontecendo? — pergunto, com a voz embargada, e só


então noto que estou chorando.

Eu sei que o Gerson não tem as respostas para as minhas perguntas,


mas não consigo evitar. Eu preciso entender o que está acontecendo.

Viro-me na sua direção e o vejo, trazendo um copo d’água para mim.


Dou um longo gole, porém, a minha garganta parece trancada.

— O que está acontecendo, Gerson? — insisto.

— Eu não sei. — Apesar de não ter nada a ver com o assunto, ele
parece preocupado e interessado em me ajudar. Acho que ele pensa que eu
estou louca.

Respiro de maneira ofegante, tentando levar qualquer quantidade de


oxigênio aos meus pulmões, que parecem ter se esquecido de como
executar os movimentos respiratórios, quando um pensamento abominável
me ocorre.

O Rui pensa que eu estou morta.

— Eu preciso ligar para o meu marido — explico, enquanto


entrego-lhe o celular que estava na minha mão durante todo o meu
momento de pânico, para que ele o desbloqueie.

Ele faz o que eu peço e disco apressada o número que eu sei de cor e
salteado. Para meu total desespero, a voz feminina e impassível me diz que
o número não existe. Tento mais algumas vezes, sem sucesso, e decido
ligar para a casa da minha mãe. Após cinco toques, ouço, finalmente, uma
voz familiar.

— Alô.

— Mãe? É a senhora? — Minha voz sai distorcida pelo choro.

— Liara? O que aconteceu, minha filha? — pergunta, cheia de


preocupação.

— Não é a Liara, mãe. Sou eu. A Luana.


Quando resolvi ligar para ela, não tive tempo para pensar em sua
reação, mas mesmo sem considerar isso, imaginava que ela fosse ficar
aliviada ou feliz, mas não cogitei a possibilidade de ter o telefone desligado
na minha cara.

Atônita e revoltada, volto a ligar.

— Alô. — Desta vez, ela está muito menos receptiva do que antes.

— Não desliga, mãe! — Apresso-me, antes que isso torne a


acontecer. — Sou eu, de verdade. Eu juro! Eu não sei o que aconteceu, mas
eu estou… — O choro toma conta de mim e não consigo mais continuar
qualquer tentativa de explicação. Minha boca solta apenas murmúrios e
resmungos.

Ouço sua respiração do outro lado da linha, mas ela não diz nada.
Sinto-me grata por ela, pelo menos, não desligar.

— É você, Luana? — Enfim, ela parece estar botando um pouco de


fé em mim e, pela primeira vez desde que despertei, sinto um pouco de
alívio. — É você, mesmo?

— Sou eu. Eu…

Antes que eu tenha oportunidade de explicar o que aconteceu comigo


— ou uma mera suposição, já que eu não tenho essa resposta —, uma
discussão acalorada do outro lado da linha, com direito a uma quase luta
corporal audível, interrompe-me e, outra voz continua a falar comigo.

— Eu não sei que tipo de brincadeira é essa, mas se você insistir em


ligar, vou chamar a polícia, entendeu? — diz a voz do meu pai.

— Não desliga, pai. Pelo amor de Deus! — imploro, aos prantos.

Sinto que ele hesita por um instante, como se aquela certeza de


alguns segundos atrás tivesse evaporado.

— Luana? É você? — Ouço minha mãe dizendo um eu avisei e não


consigo conter um sorriso. — Se você é a Luana mesmo, vai saber dizer se
a Liara prefere café com ou sem açúcar.

É muito a cara do meu pai fazer esse tipo de pergunta sem nexo
algum. Meu sorriso ganha amplitude, quando tenho a resposta na ponta da
língua.

— A Liara não toma café. Só Nescau.


— Minha Nossa Senhora! Onde você se meteu por todo esse tempo,
minha filha? Nós pensamos que… — Sua voz embarga e eu entendo
perfeitamente aonde ele iria chegar se o choro não tivesse cortado sua frase.
Eles pensavam que eu estava morta.

— Eu estou viva, pai. Viva e precisando da ajuda de vocês.

Conto-lhe brevemente sobre como fui parar na casa do Gerson e de


que não me lembro do que aconteceu nesse meio tempo, ocultando a parte
sobre eu ter batido, completamente nua, na porta de um estranho. Meu pai é
um pouco ciumento.

— Agora me passe o endereço de onde você está, que nós vamos te


buscar aí, imediatamente!

— Não precisa, pai — devolvo, tentando não o incomodar. — Eu


peço para o Rui. A propósito, o senhor tem o novo telefone dele? Eu tentei
ligar, mas o número não existe mais.

Ele responde com um suspiro longo, que faz um arrepio percorrer a


minha espinha. Esse tipo de suspiro nunca quer dizer coisa boa.

— O que foi? Aconteceu alguma coisa com ele? — pergunto,


sentindo a angústia dar as caras novamente.

— Na verdade, aconteceu.

Sinto que ele tenta medir as palavras, com medo da minha reação, e
isso só aumenta meu desespero. Será que ele não me conhece o suficiente
para saber que esse tipo de atitude só me deixa pior? Ou pior… Será que
ele esqueceu?

— Bem… O Rui… Ele se casou novamente.


Não sei como a ligação foi finalizada.

Sei que, em um momento eu estava falando com o meu pai, e, em


outro, o Gerson assumiu o telefone. Fico paralisada, sentindo o torpor
tomar cada célula do meu corpo e as lágrimas voltarem a inundar meus
olhos.

Como assim? O Rui era apaixonado por mim! E eu era apaixonada


por ele. Era não, sou. Eu sou louca e completamente apaixonada pelo meu
marido, como deve ser.

Tudo o que eu quero é descobrir que isso é um pesadelo.

— Você precisa se acalmar, Luana — Gerson diz, vindo ao meu


encontro.

Encaro-o, pronta para disparar a minha metralhadora de desaforos


carregadíssima em sua direção.

— Eu acabo de descobrir que quase três anos se passaram, sem que


eu sequer fizesse ideia disso, meus pais achavam que eu estava morta e
meu marido casou com outra… — começo, entredentes, com os olhos
quase soltando raios laser. — E você quer que eu me acalme? — disparo,
em um grito estridente e agudo. — Eu não vou me acalmar. Eu nunca mais
vou saber o que é calma!

Em vez de se abalar com o meu ataque, ele revira os olhos, o que faz
o meu nível de ódio — que já está criticamente alto — alcançar um
patamar que eu desconhecia, até então. Agora eu entendo como alguém é
capaz de cometer homicídio, porque, neste instante, estou prestes a acabar
com a vida desse infeliz com as minhas mãos.

— Calminha aí, moça. — Ele ergue as mãos, em um sinal de


rendição. — Eu não quero morrer. Já pensou? Uma foto do meu corpo
sendo atacado por uma mulher nua rolando nos grupos de Whatsapp? Ou
pior! Uma manchete de cunho duvidoso no programa do Datena sobre a
minha morte. Deus me livre! Minha imagem vai ficar manchada para
sempre.

Ele ri de canto, provavelmente achando sua piada engraçadíssima,


enquanto eu encho os pulmões, tentando controlar os meus batimentos.
Inspiro e expiro algumas vezes, até minhas faculdades mentais voltarem ao
normal — ou algo próximo disso.

— Está mais calma? Ótimo. Olha só… Tenta enxergar as coisas pelo
ângulo dele. Se ele sumisse por quase três anos e a família dele pensasse
que ele morreu, você não iria seguir em frente?

Analisando por esse ponto de vista, até que a coisa faz sentido.
Respiro mais algumas vezes e assinto, bem mais controlada do que antes.
Ele se aproxima e pousa sua mão no meu ombro, em uma atitude
confortadora.

— Você precisa se acalmar e voltar para a sua cidade, para então


conversar com ele e tentar resolver este impasse. Mas antes, vamos entrar e
comer alguma coisa.

Concordo e o sigo para dentro da casa. Minha mente me alerta que


ele pode ser um maníaco, mas tento me convencer de que não há perigo.
Poxa! Eu apareci pelada e vulnerável na porta dele. Se ele perdeu essa
oportunidade, não deve ter tendências criminosas muito exacerbadas.

Observo uma mala entreaberta na sala, o que deixa claro que ele não
é um morador fixo. O estado calamitoso do cômodo também deixa claro
que o local ficou inabitado por muito tempo.

— Eu herdei esta casa faz algum tempo, mas só vim para cá


anteontem — explica, como se tivesse lido meus pensamentos. — Você
teve sorte. Se tivesse aparecido aqui há alguns dias, teria dado com a cara
na porta.

Crispo os lábios, indignada com a sua definição de sorte, mas me


mantenho calada.

— Seus pais disseram que vão levar dois dias para vir até aqui.

Assinto e me esforço para comer alguma coisa, mas meu estômago


parece ter encolhido a ponto de uma única mordida no meu pão já me
deixar completamente estufada. Ele tenta me distrair, perguntando sobre a
minha vida — nada sobre o Rui — e quando percebo, já escureceu.
Gerson me deixa na mesa, sozinha com meus pensamentos por
alguns minutos e volta, depois de alguns instantes, trazendo uma muda de
roupa e uma toalha.

Não controlo o ímpeto de desdobrar as roupas e estico aquela


camiseta enorme na minha frente, questionando-me quantas Luana
caberiam ali dentro.

— Olha… Não é grande coisa, mas é melhor que essa manta de sofá
— explica-se, coçando a nuca, sem graça.

— Não é nada disso — apresso-me em explicar. — Eu nem tenho


como agradecer tudo o que você está fazendo por mim neste momento. É
sério, Gerson… — Aquela costumeira ardência nos olhos e o nó na
garganta indicam a iminência do choro, mas desta vez, ao contrário das
anteriores, este pranto não transmite desespero, mas gratidão. — Eu nem
sei como te agradecer.

— Nem precisa. Minha mãe me ensinou a fazer o correto. Agora, vai


tomar seu banho logo, que ela não me ensinou a lidar com mulher chorando
na minha cozinha, ok?

Concordo com um sorriso e sigo até o banheiro. Apesar de velho e


decadente, sinto-me grata por, pelo menos, estar limpo. O chuveiro é
simples e seu jato é bem ralo, mas a água morna ajuda na função de me
confortar, ainda que não seja muito. Enquanto me ensaboo, noto que
emagreci bastante nesse tempo e algumas manchas esverdeadas estampam
a minha barriga e peitos e aquela maldita pergunta volta a me cutucar com
força.

O que aconteceu comigo durante esse tempo?

Antes que eu tenha outro surto, como o de algumas horas atrás,


resolvo focar minha atenção em outro problema: o Rui. Será que ele vai
acreditar em mim? Será que eu acreditaria nele, se os nossos papéis
estivessem invertidos? Não tenho certeza da resposta e essa incerteza
embrulha o meu estômago.

A visão de um futuro sem o meu marido invade a minha mente e as


lágrimas se misturam à água do chuveiro. Merda! Quem eu devo culpar
pelo fim do meu casamento?

— Está tudo bem, Luana?

Ouço a voz do Gerson, acompanhada de batidas fortes na porta.


Devo ter perdido a noção do tempo aqui. Já não basta ter abusado de toda a
boa vontade do rapaz, ainda vou fazer o coitado vender um rim para
conseguir pagar a conta de energia.

— Está — respondo, desligando o chuveiro. — Desculpa, eu…

— Ei! Pode terminar seu banho, com calma. Eu só estava


preocupado.

Concordo com um aceno de cabeça, mesmo sabendo que ele não vai
me ver, e volto a ligar o chuveiro, desta vez, tomando cuidado para focar no
que eu tenho que fazer aqui: tomar o meu banho. Não tem shampoo, nem
condicionador dentro do box, então sou obrigada a lavar meu cabelo só
com o sabonete. Não preciso me preocupar em pedir uma lâmina para
raspar meus pelos, pelo menos, pois a depilação a laser que fiz antes do
incidente me poupou de mais esse constrangimento.

Assim que desligo o chuveiro e me seco com a toalha, esfrego a mão


sobre o espelho embaçado e fico me encarando através do reflexo. É
impressão minha ou o meu cabelo está mais escuro?

Devidamente vestida agora — e com devidamente, refiro-me às


roupas dez números maior do que eu — sigo até a sala, que está vazia.
Procuro-o na cozinha, mas também não o encontro e, pela primeira vez,
dou-me conta de que não quero ficar sozinha. Não depois de descobrir que
minha vida virou de pernas para o ar de um dia para o outro e que eu não
faço a menor ideia do porquê.

— Aqui fora! — grita, acordando-me dos meus devaneios.

Abro a porta e o encontro sentado no degrau da varanda, olhando


para o céu estrelado e comendo um pacote de Ruffles. Sento-me ao seu lado
e encaro a imensidão luminosa à minha frente. Não demora para a sua
cachorra vir até onde estamos e se deitar no chão, logo abaixo de nós. Ele
faz carinho em suas costas com o pé.

— Quer um pouco? — oferece-me, estendendo o pacote em minha


direção. Ao notar que eu não estou a fim, puxa o saco para si. — Então,
você gosta de música eletrônica?

— Mais ou menos. O Rui é quem gosta, na verdade. Estávamos indo


para o festival por causa dele, já que ele tinha ido comigo ao Villamix.

— Pensei que você fosse surtar quando te contasse que o Avicii


morreu no ano passado.

— Morreu? Morreu de quê? — devolvo, estupefata.


— Acham que foi suicídio. — Deu de ombros. — Você gosta de um
modão, é?

— Adoro.

A conversa morre de uma hora para a outra e para evitar que isso
aconteça, mudo de assunto.

— O que eu perdi nesse meio tempo, Gerson? — começo, tentando


fazer os cálculos na minha cabeça. Foram quase três anos de história que eu
deixei de vivenciar.

Ele amassa o pacote de batata e me olha com expressão


compadecida, então suspira.

— Você perdeu as Olimpíadas no Rio. A seleção ganhou a primeira


medalha olímpica no futebol, nos pênaltis. — Concordo com um aceno,
tentando demonstrar um pouco de interesse. Eu odeio futebol, mas faço
esse esforço pela sua atitude. — Você perdeu a Copa da Rússia também,
mas não foi dessa vez que levamos o hexa. Mas também! Enquanto o
Neymar não tiver espírito de equipe, vai ser foda levar alguma coisa para
casa.

Futebol de novo? Quando eu perguntei o que eu tinha perdido, não


foi bem isso que eu quis dizer!

— E as eleições! Caralho, Luana! Se você lembrar o que aconteceu


com você nesses anos, me avisa, porque nas próximas eleições eu juro que
vou para lá também! — Ele esfrega as mãos no rosto. — Essas foram, de
longe, as eleições mais chatas de todos os tempos. Foi um tal de fake news,
briga, baixaria…

— Como se as outras eleições tivessem sido muito civilizadas. —


Dou de ombros.

— Nenhuma superou essa. — Seu semblante sério, até mesmo


consternado, deixa claro que não está brincando, nem exagerando. Deve ter
sido horrível. — Meu pai parou de falar com o meu tio depois de um briga
entre Ele não e Ele sim, acredita?

— Não sei quem é Ele, mas se te consola, meu pai parou de falar
com o meu tio depois de uma briga por causa de um guarda-roupa velho.
Eles não se falam até hoje e isso faz quase vinte anos… — conto, revirando
os olhos. — Nada pode ser pior do que isso.

Ele abre um sorriso encantador, que acaba me contagiando também.


— Você tem certeza de que a gente não se conhece? — insiste,
franzindo o cenho. — Seu rosto parece familiar demais para mim.

— Eu me lembraria, se já tivesse te visto antes.

Ficamos ali, sentados, encarando o nada, por mais algum tempo. Eu


tenho várias perguntas, mas sinto vergonha de fazê-las, porque, por incrível
que pareça, todas elas têm a ver com a vida pessoal do Gerson.

— Eu vou me deitar — diz, depois de um longo bocejo. — Deixei


teu quarto arrumado. É a porta ao lado do banheiro, ok?

Concordo com um aceno e ele entra na cozinha acompanhado da


Princesa. Passo mais alguns minutos ali, até que a temperatura começa a
cair e o frio se torna incômodo demais. Entro e, como estou sem o menor
sono, sento no sofá da sala. Não tem nenhuma televisão ali, para eu tentar
me atualizar, mas vejo um notebook dando sopa.

Ligo-o, fazendo uma prece silenciosa para que não seja protegido por
senha. Não contenho um sorriso ao dar de cara com a selfie do Gerson todo
agasalhado sobre esquis, dando tom à área de trabalho. Sem perder tempo,
abro o navegador, mas, antes que eu digite retrospectiva 2016, para
começar a colocar meus conhecimentos em dia, minha curiosidade fala
mais alto e, antes que eu pudesse voltar atrás, já estou com a tela inicial do
Facebook aberta na minha frente.

Para a minha sorte, ninguém colocou uma foto de uma fita preta no
meu perfil, nem um textão sobre a minha partida e essas coisas. Sempre
achei isso meio mórbido e estranho. Procuro pelo Rui, mas não o encontro.

Então uma ideia vem à minha cabeça. Será que nesse meio tempo as
pessoas deixaram de usar o Facebook? Será que alguma outra rede social
tomou o seu lugar? Nada que o pai Google não possa responder. Em poucos
segundos, descubro que o Instagram é a segunda rede social mais utilizada
e ressuscito a minha conta só para poder descobrir mais informações sobre
o Rui.

Desta vez, minha pesquisa surte efeito. Vejo várias fotos do meu
marido ao lado de uma morena linda, algumas do casamento deles. Eles
parecem felizes nas fotos. Ele parece feliz, como se não sentisse a minha
falta. Como se eu não significasse mais nada na sua vida. Como se eu fosse
ninguém.

Minha visão começa a ficar borrada e minha garganta se fecha com a


iminência do choro.
Eu não devia ter feito isso. Isso é praticamente automutilação!

Tento voltar a minha atenção para a tal retrospectiva, mas nada me


prende e a imagem daqueles dois, sorrindo na foto, surge na minha mente
com mais frequência do que eu gostaria. Será que ele a ama mais do que
me amava? Será que, se eu aparecer novamente, ele vai preferir ficar com
ela?

Respiro fundo e tento afastar esses pensamentos, antes que eu surte.


Abro o navegador e resolvo pesquisar o meu nome. Várias notícias, de
jornais locais a páginas nacionalmente famosas, noticiaram o meu sumiço.
Sem testemunhas, sem vestígios, sem droga nenhuma! Em duas semanas
deram por encerradas as buscas, mas não tive morte presumida, pelo que
dizem as notícias.

A busca sugere um vídeo de um jornal da Record, sobre o meu


desaparecimento. A repórter entrevista o Rui, seis meses após o meu
sumiço. O coitado está em situação desesperadora e implora, em rede
nacional, para que eu volte, caso estivesse assistindo àquilo.

As lágrimas jorram com força, enquanto tento mensurar o desespero


que ele sentiu por todo esse tempo. Não só ele, mas toda a minha família.
Deve ter sido uma tormenta conviver com essa dúvida por tanto tempo.
Deixo o choro assumir o controle e assisto à reportagem mais umas três ou
quatro vezes, porque, de certo modo, saber que ele ficou tão mal,
acalenta-me. É como se eu não tivesse sido esquecida.

Respiro fundo e volto para as pesquisas. Em todos os sites que entro,


não tenho nenhuma informação razoável e meus olhos começam a pesar de
sono. Resolvo arriscar uma última página antes de desligar o notebook e o
que encontro me deixa pasmada.

Um site de cunho totalmente duvidoso – daqueles de fundo preto,


letras verde neon e várias imagens da famosa autópsia de um ET feita pela
NASA — explica o meu sumiço através de uma teoria sem pé nem cabeça
sobre abdução alienígena. O artigo é muito bem escrito, apesar dos
argumentos pobres e sem sentido. Resumidamente, ele diz “se você não
pode provar que não aconteceu desse jeito, é porque foi desse jeito” e é
assinado por um tal doutor Afonso Menezes. E para tornar tudo ainda mais
bizarro, centenas de comentários de uma comunidade fiel, não só
concordam, mas adicionam mais informações sobre o ocorrido.

Pelo menos, a busca serviu para alguma coisa. Rendeu boas risadas.
Com esse desfecho maravilhoso, dou a noite por encerrada. Fecho a tela,
subo até o quarto que foi preparado para mim e não demoro nada a pegar
no sono.
O meu sono, que deveria ser leve tranquilo, é interrompido com
gritos e mãos grandes segurando meus ombros e me chacoalhando com
força. Abro os olhos assustada e vejo o Gerson à minha frente, a poucos
centímetros de mim e com a expressão muito assustada.

— O que está acontecendo? — grito, empurrando-o para longe de


mim.

— Eu que pergunto! Por que você estava gritando? — Cruza os


braços e se senta na beirada da cama, enquanto puxo a coberta para me
cobrir até o pescoço.

Suas roupas largas estavam me incomodando e resolvi tirá-las antes


de dormir, sem saber que seria acordada por um brutamontes me
sacolejando!

Ele nota que eu estou despida por baixo das cobertas e seu
constrangimento é evidente.

— Eu estava gritando? — indago, erguendo uma sobrancelha.

— Sim — assente. — Gritando bem alto. A Princesa levou um susto.

Será que foi um sonho? Não consigo lembrar com o que estava
sonhando, mesmo que tente buscar na minha mente com toda a força.

— Tem certeza de que está tudo bem? — insiste.

— Tenho.

— O café da manhã está pronto. Estou te esperando na cozinha.

Ele deixa o quarto e eu aproveito para me vestir. Assim que abro a


porta, o cheiro de café fresco invade as minhas narinas e um sentimento de
aconchego se apossa de mim. Sigo o aroma até a cozinha e o vejo lavando a
louça, enquanto assovia uma música que eu não conheço. A melodia é leve
e fico curiosa.

— Que música é essa?

Ele leva um susto, vira na minha direção e fica sem graça. Apesar do
tamanho, o Gerson não é o que se pode chamar de um cara gato. Pelo
menos, não à primeira vista. Mas não posso deixar de notar que ele fica
uma gracinha quando fica com vergonha e tem um sorriso lindo. E tem a
cicatriz, que é bem sexy.

— É Vitor Kley! — ele diz, como se fosse óbvio. — Ah, eu esqueci


que você não conhece. Essa foi a música mais tocada do ano passado.

Ele tira o celular do bolso e coloca a tal música no Youtube, então


serve um pouco do café recém passado em uma caneca com as palavras
Para o melhor irmão do mundo em letras coloridas e me entrega. Sento-me
e, antes de experimentar, fecho os olhos e aspiro o perfume delicioso,
deixando que o vapor acaricie meu rosto. Ainda de olhos fechados, dou um
gole e deixo a familiaridade daquele sabor me tranquilizar.

Quando abro os olhos, noto que ele está sentado de frente para mim,
encarando-me. Sinto meu rosto corar e tento disfarçar. Ele deve pensar que
eu sou uma doida.

— Eu usei seu notebook ontem, tudo bem? — aviso.

— Sem problemas — ele diz, apoiando os cotovelos sobre a mesa e


me lançando um olhar divertido. — Encontrou alguma coisa útil?

— Não. — Balanço a cabeça. As lembranças das fotos do Rui


acompanhado daquela mulher surgem na minha mente. — Mas como eu
me odeio, procurei as redes sociais do Rui e conheci a nova mulher dele. —
Bufo, chateada. — Foi destruidor ver o meu nego com outra.

Eu não sei o que eu disse de errado, mas ele explode em uma


gargalhada cinematográfica. Fico perplexa, o observando, enquanto ele ri
sem parar, com as mãos sobre as barrigas e lágrimas surgem em seus olhos.

— Desculpa, Luana. Desculpa de verdade — pede, enquanto tenta


controlar o riso. — Mas isso é demais para mim.

— O que é demais?

Ele não me responde. Apenas pega o celular de cima da mesa e tira a


música do tal Vitor Kley que tocava, então digita alguma coisa e coloca
outra música. Esta é sertaneja e, pela voz, reconheço que se trata do
Gusttavo Lima. Não entendo nada, até que no refrão ele pede que a pessoa
não o chame de meu nego, nem de bebê, porque um apelido carinhoso é
difícil de esquecer. Quando entendo o motivo de sua gargalhada, não
resisto e rio também.

— Quando a piada vem pronta, é impossível resistir. — Ele seca


algumas lágrimas e respira, tentando assumir uma postura séria. — E, além
de se torturar vendo fotos do seu marido com outra, o que mais você
encontrou?

— Meu sumiço foi noticiado no país inteiro, sabia? Isso é tão


perturbador.

— Foi? Eu não me lembro disso. Na época, eu ainda estava na


faculdade.

— Caramba, Gerson! Quantos anos você tem?

— Vinte e cinco. — Não consigo evitar a surpresa. — Eu sei, eu sei.


Eu pareço mais velho, né? Todo mundo diz isso. Acho que é por causa do
meu tamanho. — Ele dá um daqueles seus sorrisos iluminados. — E você,
Luana? Quantos anos você tem?

— Trinta e três — respondo de imediato, mas daí para paro pensar


que não estamos mais em dois mil e dezesseis. — Bom… trinta e cinco, na
verdade. Eu vou demorar para me acostumar com isso.

Ele me observa com atenção e, posso estar completamente doida,


mas acho que consigo detectar uma pontinha de lascívia em seu olhar.

— Você está ótima. — Sorri, voltando ao seu estado normal de


simpatia, sem qualquer maldade.

Devolvo o sorriso pelo elogio e me levanto, antes que o clima entre


nós se torne esquisito. Sigo até a pia e lavo a minha caneca. Ouço-o
deixando a cozinha e conversando com a Princesa. Acho graça da sua voz
melosa ao tratar da cadela e, mais uma vez, estou sorrindo, quando um
flash de memória se atravessa na minha mente.

— Você vai começar de novo, Lu? — indaga o Rui, levando as mãos


à cabeça. — Eu já disse que não tem nada a ver.

— Nada a ver? Pensa que eu não vi o jeito que aquela piranha te


olhou? — devolvo, erguendo a voz.
— E eu? Foda-se o jeito que a recepcionista me olhou. Você não
pode proibir ninguém de olhar para mim, porra! — Ele dá um soco na
cama, externando toda a sua raiva.

Eu sei que passei do limite novamente, mas é mais forte do que eu.
Cada vez que alguma vagabunda o olho daquele jeito… Eu fico fora de
mim! E a culpa é toda dele, por ter destruído a confiança que eu sentia
nele.

Antes que eu tenha tempo de pedir desculpas, ele deixa o quarto da


pousada e bate a porta, com força.

Merda! Eu estraguei tudo, de novo!

Não aguento ficar naquele quarto, suportando a minha total falta de


autocontrole e resolvo ir atrás dele. Ainda faltam alguns dias para o
festival e, como pegamos um trânsito infernal para chegar aqui e já está
bem tarde, o parque está vazio.

Caminho apressada, procurando-o pelos caminhos de cascalho, sem


sucesso. Depois de alguns minutos, deparo-me com uma estrada de chão
completamente deserta e começo a ficar com medo. Eu não devia ter vindo
até aqui. Não sozinha!

Dou meia volta e começo a caminhar, o mais rápido possível, na


direção da pousada, quando uma luz muito forte chama a minha atenção.
O clarão ilumina o terreno, como se fosse dia claro, como um raio,
naquelas tempestades bem fortes. O medo dá lugar à curiosidade e,
quando me dou conta, já estou caminhando em direção à luz.

— Você está bem?

Estou sentada na cadeira, enquanto ele dá tapinhas no meu rosto,


tentando me acordar do transe em que estou. Lembro-me de estar na pia
lavando a louça e, de repente, acordar aqui. O que está acontecendo
comigo?

A memória da minha briga com o Rui — particularmente da minha


crise de ciúme — acende uma preocupação em mim, que estava apagada,
até então. Meu casamento estava por um fio. Eu estava prestes a acabar
com tudo, porque não suportava a ideia de ver qualquer mulher olhando
para o meu marido.

Eu era doente! Talvez ainda seja, não tenho certeza. Mas hoje, com
cabeça fresca e observando de fora, consigo concluir que aquelas atitudes
só o afastavam mais de mim. Como eu era burra. E escrota também.
— Você está bem? — insiste.

Assinto, mesmo que não seja verdade. Estou longe de estar bem.

— Eu lembrei de algumas coisas — explico.

Ele balança a cabeça e me traz um copo d´água. Espero-o se sentar


na cadeira em frente a mim, então lhe conto o que acabei de lembrar, desde
a briga até o clarão misterioso.

— Caralho, Luana. Eu já sei de onde eu te conheço! — exclama,


estarrecido.

Ele me puxa pela mão e me leva até o tapete da sala. Sem dizer uma
palavra sequer, afasta-o e noto que existe uma espécie de alçapão ali, que
ele retira sem grandes problemas. Há uma escada íngreme que leva até o
porão da casa. Ele desce alguns degraus e, antes de sumir debaixo do chão,
me olha, bem sério.

— Eu vou te mostrar uma coisa, mas não quero que você pense que
eu sou doido, tudo bem?

— Tudo bem.

Desço logo atrás dele, tomando cuidado com cada passo que dou,
pois, o lugar está completamente escuro. Ele aperta um interruptor e, após
meus olhos se acostumarem com a claridade repentina, depois de minhas
pupilas se dilatarem para tentar absorver a luz escassa do lugar, dou de cara
com a coisa mais perturbadora que já vi na minha vida.

— Que porra é essa, Gerson? — pergunto, consternada. — Você é


doido?
— Eu disse que não era para pensar que eu sou doido! — devolve,
indignado com a minha colocação.

Mas o que ele espera, afinal?

O porão mais parece o esconderijo de um psicopata, com paredes


cobertas por mapas, recortes de jornais e fotos minhas.

— Você é um maníaco! — grito, correndo em direção à escada.

Sinto suas mãos agarrarem a minha cintura antes que eu tenha chance
de escapar. Ele me ergue do chão com certa facilidade e esperneio o ar, em
uma tentativa frustrada e ridícula de me livrar dele.

— Calma, Luana! — exclama. — Não é nada disso que você está


pensando.

— Me solta! — berro com toda a minha força. — Socorro!

— Quer fazer o favor de me escutar, caralho! — brada,


colocando-me no chão. — Você apareceu pelada na minha porta e eu não
fiz nada com você, por que acha que eu vou fazer agora? Eu sei que isso
parece estranho, mas você tem que me ouvir!

Fico estática, sem saber como agir. Se por um lado, quero fugir para
o mais longe possível, por outro, sinto-me atraída por ele, exatamente como
aconteceu com aquela luz misteriosa e, por mais que eu saiba que esta
decisão não vai ser boa, não consigo agir diferente.

— Melhor assim. — Ele esfrega as mãos na cabeça e bufa. — Eu já


te disse que esta casa não é minha. Eu a herdei do meu tio e vim para cá há
alguns dias. Minha intenção era depenar ela e colocar à venda, mas quando
vi o que tinha aqui, achei melhor adiar os planos até entender o que isso
significava.
— E você descobriu?

Ele não responde, mas segue até um dos painéis coberto por recortes
de jornais. Ao me aproximar, percebo que todos noticiaram o meu sumiço.

— Meu tio era ufólogo e passou a vida tentando provar que suas
teorias estavam certas. Passou os últimos anos obcecado no que ele
chamava de caso Luana Trajano. Ele se mudou para cá, pois era
razoavelmente perto do local do seu sumiço e também isolado, onde ele
poderia instalar seus apetrechos, sem ninguém o questionar sobre isso —
explica, apontando para o painel.

A lembrança daquele site que acessei durante a madrugada voltam à


minha mente. Esse é o maior disparate que eu já ouvi na vida.

— Qual o nome do seu tio? — arrisco, já imaginando qual será a


resposta.

— Afonso Menezes.

Merda!

Com tanto lugar no mundo, vim parar logo na casa do sobrinho do


Giorgio Tsoukalos made in China? Isso aqui é um episódio de Alienígenas
do Passado ou Arquivo-X e ninguém me contou?

— Eu encontrei um artigo que ele escreveu sobre o meu


desaparecimento — explico, ao notar sua expressão confusa.

— Eu disse que ele era obcecado. — Dá de ombros. — Olha só.


Aqui ele diz que esta região possui níveis elevados de magnetismo e a
variação da eletricidade estática é quase palpável. — Gerson aponta para
um mapa, com um X no local onde, teoricamente, eu sumi.

Franzo o cenho, tentando organizar essas informações que, a


princípio, soam muito absurdas.

Ele continua falando sobre teorias conspiratórias, mas não consigo


prestar atenção em nada do que ele diz. Minha mente está ocupada demais,
me alertando que tudo isso não faz o menor sentido, mas meu coração tenta
achar qualquer explicação — por pior que seja — para o meu sumiço.

— Você realmente acredita nessas coisas? — pergunto,


interrompendo sua explicação.
Gerson respira fundo e coça a cabeça. Talvez esteja buscando uma
resposta para a minha pergunta.

— Honestamente? Eu não faço ideia, Luana. — Balança a cabeça. —


Para ser sincero, nunca acreditei nas maluquices do meu tio… até te
conhecer, pelo menos. Se o que você me contou é verdade, e, pelo seu
desespero naquele dia, eu acredito que seja, então essas teorias não
parecem tão absurdas assim e abdução passa a ser uma ideia até que
plausível.

Começo a andar de um lado para o outro, como se isso fosse capaz


de organizar o emaranhado de pensamentos desconexos na minha cabeça.
Mil perguntas pipocam na minha mente. O que realmente aconteceu?
Como eu não consigo me lembrar de nada? Essas teorias fazem algum
sentido?

Mas, de todas elas, a mais importante fica piscando como uma luz de
natal.

Por que eu?

Sete bilhões de pessoas no mundo e os supostos extraterrestres


resolveram me abduzir e destruir a minha vida? Isso não faz o menor
sentido.

— Isso não pode ser verdade — murmuro, consternada. — Isso não


faz nenhum sentido.

— Eu sei que não faz. — Pousa a sua mão enorme no meu ombro,
como se isso fosse capaz de me consolar. — Mas no momento é a única
pista que nós temos. Você viu o que todos os sites diziam.

Ele tem razão. Todas as páginas que noticiaram o meu sumiço eram
unânimes em dizer que não havia qualquer vestígio, nem pista. A polícia
encerrou as buscas sem nenhuma conclusão sobre o meu caso.

— Talvez você devesse seguir os conselhos do ET Bilu e buscar


conhecimento. — Seu sorriso debochado demonstra que isso é uma piada,
apesar de eu não ter entendido nada. — Ah, esse meme é de 2017, você não
estava aqui. Desculpa.

Ignoro sua tentativa frustrada de fazer graça e tento focar no que


realmente importa.

— Eu quero ir até o local. Você me leva até lá? — peço.


— Claro. Já podemos aproveitar e comprar algumas roupas para você
— sugere, com um sorriso de canto. — Não é por nada, mas minhas roupas
não lhe caíram bem.

A viagem até o parque leva em torno de vinte minutos. Conforme


avançamos pela estrada, as lembranças vão ficando mais vívidas e
assustadoras. Vejo o local exato onde aquela luz apareceu para mim e peço
para o Gerson parar o carro.

— Foi aqui. Foi bem aqui! — grito, abrindo a porta e correndo até a
estrada de chão.

Sinto minhas mãos começarem a tremer, enquanto o ar vai se


tornando mais escasso. Em pouco tempo, estou fazendo muita força para
tentar levar oxigênio até meus pulmões. Eu não consigo me lembrar do que
aconteceu, mas é como se meu corpo estivesse me alertando que este não é
um lugar seguro.

— Você lembrou de alguma coisa? — Ele corre na minha direção,


preocupado.

Balanço a cabeça, ainda procurando qualquer sinal, qualquer vestígio


do que pode ter acontecido comigo, ainda que isso tenha acontecido há
quase três anos. Saio andando, olhando para o chão e buscando alguma
prova que comprove que isso tudo não passa de uma brincadeira muito sem
graça.

Começo a correr, tentando me livrar do desespero que, aos poucos,


está me dominando.

— Calma, Luana. — Gerson me alcança e me puxa para um abraço,


que eu não tardo em retribuir. Apoio minha cabeça em seu peito e perco de
lavada a luta que estava travando contra o choro, encharcando a sua
camiseta. — Vai ficar tudo bem.

Eu sei que ele está tentando ser gentil, mas nada vai ficar bem.
Minha vida foi destruída. Eu perdi o meu marido, o meu emprego, meus
amigos… Minha vida já era!

Como eu vou explicar para as pessoas que eu sumi por quase três
anos e não me lembro do que aconteceu? Ou pior! Quem vai acreditar
nesse absurdo de abdução? Se eu mesma não acredito direito nisso, como
posso pedir para as pessoas comprarem a minha história?
— Não tem mais nada para a gente ver aqui. Vamos embora.

Não me oponho, nem resisto à sua tentativa de me levar para o carro.


Tento manter minha atenção nas músicas novas que tocam no rádio. Não
demora muito para pararmos no estacionamento subterrâneo de um
shopping. Minha gratidão por esse homem só aumenta, quando ele
pergunta qual o tamanho da minha roupa e vai até lá, evitando que eu passe
pelo vexame de caminhar em um local público com esses trajes ridículos.

Dentro de poucos minutos, ele volta com algumas sacolas com roupa
íntima, uma legging, duas regatas e uma havaianas. Tudo bem que o sutiã
tem alças normais, enquanto a regata é nadador, mas pedir que um homem
se atente para esse tipo de detalhe é pedir demais.

— Espero que sirva.

— Eu nem sei como te agradecer, Gerson.

Ele dá de ombros e solta um muxoxo,

Saio do carro e caminho até o banheiro do subsolo para poder me


trocar. As roupas não ficam perfeitas, mas mil vezes melhor do que antes.
Volto para o carro e, assim que fecho a porta, ele me olha de cima a baixo.

— Muito melhor. — Sorri de canto, dando partida no carro. —


Agora, vamos almoçar, eu estou morrendo de fome.
O passeio pela manhã e o almoço me ajudaram a espairecer e
esquecer, mesmo que por pouco tempo, de todos os meus problemas. Foi
bom passar algumas horas me sentindo como uma pessoa normal, mas
agora, durante a volta, aquele maldito aperto no peito e aquela sensação de
que o mundo está prestes a se abrir sob meus pés me deixam desnorteada.

Todo o caminho de volta foi feito no mais completo silêncio e, assim


que paramos em frente à casa, o Gerson sabe respeitar o meu momento e
vai fazer sei lá eu o que, enquanto eu me sento na varanda e fico ali,
observando o grande nada à minha frente.

O medo do meu futuro é uma realidade. Eu não sei o que vou fazer,
nem como vou convencer as outras pessoas do que me aconteceu, quando
eu mesma não consigo acreditar nessa história. Eu sei que é a explicação
mais aceitável, mas a “explicação mais aceitável” ainda é bastante ilógica,
despropositada e maluca.

Mentir é uma possibilidade. Dizer que eu não me lembro de nada e


tentar seguir a minha vida normalmente me parece muito tentador, até
porque, no final das contas, isso não é totalmente mentira, certo?

O que pode ser pior? Fingir para a minha irmã e meus pais que eu
não faço ideia do que aconteceu, ou contar a eles sobre as teorias que eu
descobri com o Gerson, e ouvir todo tipo de chacota e zombaria deles?
Todas as alternativas me parecem uma merda!

E o meu emprego? Eu podia dizer com todas as letras, sem correr o


risco de parecer arrogante, que eu era uma publicitária fodona. Todos os
anos de estudo e todas as noites mal dormidas, tentando bolar alguma ideia
para uma campanha, levaram-me a um patamar invejável. Hoje eu não
tenho nada. Não tenho um marido, não tenho emprego, não tenho meus
documentos, não tenho vida. Hoje eu sou um grande nada!
Isso, para não mencionar meu casamento, que já estava à beira do
fracasso. Não sei quanto tempo o Rui ainda aguentaria meu ciúme doentio
e, quem sabe, no fundo, meu sumiço não foi um favor para ele?

Não! Nem as minhas crises de ciúme justificam o que aconteceu


comigo. Um divórcio não poderia ser pior do que ter a sua vida tirada de
você, sem mais nem menos, sem uma explicação.

Se eu pudesse realizar um único desejo neste momento, sem a menor


sombra de dúvidas, eu desejaria acordar na minha cama e descobrir que
tudo isso não passou de um pesadelo, daqueles bem reais e assustadores,
mas que, quando acaba, a gente suspira aliviada e volta a dormir no instante
seguinte.

Sete bilhões de pessoas no mundo e eu fui a escolhida para ter meus


sonhos destruídos.

Bela droga, né?

Princesa se aproxima de mim, ainda meio receosa. Nunca fui muito


fã de cachorros — prefiro gatos —, mas ela parece sentir que eu não estou
bem e, mesmo que eu não tenha sido muito gentil com ela nesse meio
tempo, começa a se esfregar em mim.

— É, Princesa… — resmungo, distraída, enquanto acaricio sua


cabeça. — Neste momento eu estou morrendo de inveja de você e da
simplicidade da sua vida.

Deixo meu corpo cair sobre a varanda de tábuas e fico encarando os


caibros gastos que seguram as telhas encardidas.

E se eu simplesmente sumisse?

Eu poderia pedir para o Gerson dizer aos meus pais que tudo não
passou de um mal-entendido e comprar documentos falsos em algum lugar.
Não seria tão difícil assim começar a minha vida do zero, depois que eu
perdi tudo o que tinha.

Abro os olhos quando sinto o focinho gelado da Princesa sobre o


meu rosto e, mesmo que eu esteja me sentindo um grande saco de merda,
deixo escapar uma risada e me levanto.

— Que bom que estão se entendendo — diz o Gerson, saindo da


cozinha, vestindo uma bermuda e tênis de corrida.

Somente a bermuda e o tênis.


Sem camisa.

Acho que os poucos segundos — talvez nem tão poucos assim —


que eu perdi, observando cada detalhe do seu peito exposto e muito bem
trabalhado na academia, não passaram despercebidos por ele, que deu uma
risadinha bem da sem vergonha.

— Gosta do que vê, Luana? — indaga, em tom de desafio.

Seria mentira se eu dissesse que não, mas me contento em apenas


balançar a cabeça e desconversar.

— Vai sair?

— É hora da minha corridinha diária — explica, ajustando o


cronômetro do relógio de pulso. — Ontem eu não pude ir, porque você
apareceu. Você vai ficar bem?

— A Princesa me faz companhia. — Sorrio.

Depois de assentir, sai correndo pela estrada de chão, deixando o


caminho livre para que eu possa ficar admirando suas costas definidas e a
sua bunda redonda e deliciosa. Se ontem eu achei uma tremenda sorte seu
celular estar escondido no bolso da frente, neste instante, queria poder ter
uma boa desculpa para apertar aquele traseiro.

Luana! Você é uma mulher casada!

Repreendo-me mentalmente, mas tento me convencer que a culpa


disso não é minha, mas da minha situação de puro desespero. Além do
mais, ele bem que podia facilitar as coisas para mim, não me lançando
aqueles olhares, nem aqueles sorrisinhos, nem sendo um tremendo gostoso
com uma cicatriz deliciosa sobre a boca…

Para com isso, Luana!

Travo uma batalha dura entre o meu lado desesperado e o meu lado
tarado e, apesar dos vários chutes e socos, para a minha total falta de sorte,
o juiz declara empate técnico entre os dois.

Decido que é hora de ocupar a minha mente, antes que ela me sabote
mais uma vez e sigo para a cozinha. Já está anoitecendo e penso que seria
uma ótima ideia cozinhar alguma coisa para nós.

Vasculho os armários atrás de qualquer coisa cozinhável, mas tudo o


que encontro são salgadinhos e petiscos para cachorro. Abro a geladeira e
também a encontro praticamente vazia, com exceção de uma garrafa de
vinho barato e vejo ali a oportunidade perfeita para esvaziar a minha mente
de todos os problemas que estão me atormentando desde ontem.

Pego um copo de requeijão ou molho de tomate — não consigo


identificar —, já que não há taças nesta casa e sigo até a varanda. Como
não tenho um saca-rolhas, retiro a minha blusa a uso para amortecer as
batidas que dou contra a parede e agradeço mentalmente à Liara por ter me
ensinado esta técnica quando éramos adolescentes. Dentro de poucos
minutos e muito esforço, estou sentada na escada da varanda, degustando
este vinho horroroso.

Quando o Gerson volta, já estou na metade da garrafa e muito mais


alegre e solta do que quando ele saiu, sem me dar conta do quanto essa
combinação é extremamente perigosa.

— Como você abriu essa garrafa sem um saca-rolhas? — indaga,


erguendo uma sobrancelha.

Antes de responder, perco-me momentaneamente nas gotas de suor


que escorrem pelo seu peito, de forma lenta e muito sensual. Espero que ele
não esteja percebendo que seu peito nu e definido está mexendo com a
minha pouca sanidade.

— Eu tenho os meus meios. — Dou uma piscadinha e mordo o meu


lábio inferior, enquanto sirvo um pouco mais de vinho no copo.

O que você está fazendo, Luana? Desse jeito, o Gerson vai pensar
que você é uma depravada! A pequena Luana, usando uma bata branca até
os pés e uma auréola na cabeça, insiste, de cima do meu ombro, que eu
devo me comportar.

Seu marido está lá se divertindo com outra e está na hora de você se


divertir também. E esse Gerson serve muito bem ao nosso propósito…
Retruca a outra Luana. Aquela com chifrinhos na cabeça, um tridente nas
mãos e muita maldade e devassidão na mente.

E neste instante, dou-me conta que a luta, que até então estava
empatada, começa a demonstrar que um lado está ganhando. E para o meu
azar — ou sorte, ainda não sei — é o meu lado libidinoso. Dou um peteleco
na minha versão anjinho e passo o total controle da situação à diabinha.

Ao notar a minha postura aberta — praticamente arregaçada, na


verdade —, ele se aproxima de mim, curvando seu corpo para frente e
espalmando suas mãos grandes no degrau da escada em que estou sentada,
uma de cada lado dos meus quadris e seu rosto fica a poucos centímetros do
meu.

— Você está me provocando, Luana? — pergunta, em um tom baixo,


mas muito sexy.

Aproximo-me ainda mais dele e, como permanece impassível, mordo


levemente seu lábio inferior e, quando o solto, digo:

— Isso responde à sua pergunta?


Eu não sou desse jeito.

Eu sempre fui envergonhada e nunca, jamais, em hipótese alguma


teria coragem de me atirar em cima de um homem que eu mal conheço.
Ainda por cima, um rapaz dez anos mais jovem do que eu. Talvez o teor
alcoólico no meu sangue justifique isso, ou a carência, quem sabe.

Além disso, eu sempre fui aquela pessoa chata, que tem nojo de tudo.
Ficar suada? Deus me livre! Transar, sem antes tomar um belo banho? De
jeito nenhum! Chegar perto de alguém completamente pingando em suor?
Nem sob tortura.

E aqui estou eu, provando para mim mesma que, não só a cor do meu
cabelo mudou nesse tempo. Ainda que eu saiba que o vinho teve uma
parcela de culpa nesse meu comportamento mundano e nojentinho, eu
posso apostar meu rim — se ele não foi retirado durante esse tempo que
fiquei no limbo — que isso só está acontecendo porque eu já mandei a
minha razão para a China há algumas horas.

E, pela forma que ele segura a minha nuca e me puxa para um beijo,
tenho certeza de que ele também fez o mesmo. Deixo sua língua invadir a
minha boca, formando uma mistura de sabores deliciosa. O vinho, a saliva
e o suor produzem uma combinação inusitada, mas perfeita.

Conforme nosso beijo vai se tornando mais intenso, sinto meu corpo
sendo deitado sobre a varanda. Seu tronco enorme faz uma pressão
deliciosa sobre o meu. Gerson faz questão de pressionar sua ereção em
mim, aumentando a minha temperatura a níveis incontroláveis. É como se
meu coração bombeasse água fervente e, apesar da tentativa de fazê-la
percorrer todo o meu sistema circulatório, o único caminho que minhas
artérias conhecem acabasse bem no meio das minhas pernas. Acho que
nunca senti tanto tesão assim em toda a minha vida!
Aperto com força a sua bunda, enquanto ele deixa uma trilha de
beijos molhados pelo meu pescoço, o que me faz soltar um gemido longo.
Mas é quando ele morde a minha pele sensível, que eu solto um grito alto
demais. Digo isso, porque neste instante, a Princesa acha que estamos
brigando e pula em cima de nós, latindo em puro desespero.

Porra, Princesa! Eu pensei que fôssemos amigas.

Neste instante cinquenta por cento de mim acha graça da situação,


enquanto os outros cinquenta, quer matar essa cachorra. O Gerson cai na
gargalhada e, mesmo que a frustração seja inevitável, acabo me
contagiando e rindo também. Já que o clima foi espatifado em mil
pedacinhos, levanto dali e caminho em direção à porta, mas sinto mãos
fortes me segurando, antes que eu alcance meu destino.

— Aonde você pensa que vai?

Seu sussurro rouco, somado à maneira como ele me encoxa e sua


mão ávida, que entra por baixo da minha blusa buscando meu seio, é mais
do que suficiente para despertar a minha excitação com um gongo bem
barulhento.

— Qualquer lugar longe dessa cachorra empata foda — respondo,


sentindo minhas pernas amolecerem com o contato.

Ainda bem que não existe nenhum vizinho por aqui, caso contrário
ele me veria só de lingerie, pois minha regata e legging foram descartadas
no chão, ali na varanda mesmo. Antes de cruzar a porta, ele se afasta de
mim e me fita de cima a baixo.

— Eu devia ter caprichado mais na hora de comprar essa lingerie —


diz, levando a mão ao queixo. — A loja tinha opções que iriam te valorizar
muito mais.

Deixo um sorriso sacana tomar meus lábios, desabotoo o sutiã sem


demora e o jogo na cara dele. Depois, faço o mesmo com a calcinha, que
ele segura e aspira, como se estivesse sentindo o mais fino perfume. A
forma como ele umedece os lábios, após jogar a peça no chão, é quase um
atentado ao pudor. Se antes meu coração estava bombeando água fervente,
agora é como se lava corresse em minhas veias.

— Sabia que eu sou tarado por mulheres mais velhas? — pergunta,


com a voz carregada de luxúria.

— Está dizendo que sou velha, Gerson? — provoco, finalmente


adentrando a sala.
— Não. — Sinto novamente seu corpo de encontro às minhas costas.
Sua mão segura com força o meu cabelo, fazendo-me arfar e inclinar
levemente minha cabeça para trás. Sua barba por fazer roçando na pele
sensível do meu pescoço. — Estou dizendo que você é deliciosa.

O Rui que me desculpe, mas agora é oficial. Definitivamente, eu


nunca senti tanto tesão na minha vida!

Ainda que minha vontade fosse ficar ali, sentindo sua boca na minha
orelha e pescoço, não posso negar que estou adorando esse joguinho de
provocações. Solto-me do seu abraço e caminho lentamente até o sofá,
rebolando a minha bunda muito mais do que o habitual. Por fim, sento-me
e espero a sua jogada.

— Você gosta do meu nome? — indaga, sorrindo de forma lasciva e


se aproximando de mim. Então se ajoelha no chão e afasta meus joelhos,
sem nenhuma delicadeza. — Porque eu vou fazer você gritá-lo, enquanto
goza na minha boca.

Se, apenas a maneira como essa frase foi dita, quase me fez ter um
orgasmo, imagine só quando essa língua entrar em ação. Deus, eu estou
perdida!

Ele começa beijando o interior das minhas coxas, próximo ao joelho,


e vai subindo com uma lentidão torturante. Tento manter o contato visual,
mas a cada centímetro que sua língua vai percorrendo, essa tarefa se torna
mais difícil, até que ele alcança minha virilha. Caralho! Como eu sou fraca.
Ele nem chegou onde deveria e eu já me rendi.

Uma descarga violenta percorre o meu corpo inteiro quando ele


chega ao seu destino e deixo escapar um grito. Tento, com todas as minhas
forças, manter a postura provocadora de alguns segundos atrás, mas eu já
estou totalmente entregue, como uma virgem, recebendo um oral pela
primeira vez.

— Quando eu disse que você é deliciosa, não estava exagerando.

Ele segura meus tornozelos e coloca meus pés sobre o sofá,


deixando-me ainda mais exposta, para que possa me explorar mais
profundamente.

Sem pressa, ele volta a me torturar, enquanto chupa e lambe o meu


clitóris. A destreza da sua língua é digna de todas as condecorações e
prêmios imagináveis, pois em pouquíssimos minutos, já estou a ponto de
gozar. Mas é quando ele enfia dois dedos de uma vez em mim, que a
mágica acontece. Dizer que eu vi estrelas não definiria a amplitude do
orgasmo maravilhoso que eu tive. Eu vi constelações, sistemas solares,
galáxias inteiras.

Estou em êxtase, sem ter a menor certeza se gozei chamando o seu


nome, como ele queria, porque, naquele momento, vivi uma experiência
extracorpórea e inesquecível.

— Eu não transo há quase três anos — explico, quando meus


sentidos voltam a me pertencer.

— Esse é um problema que eu pretendo resolver imediatamente —


sibila e depois chupa os dedos que estavam dentro de mim.

Enquanto eu fico jogada sobre o sofá, tentando recuperar minhas


forças, Gerson se despe e pega uma camisinha de dentro da sua carteira,
que está na estante da sala. E é neste momento que eu paro para pensar na
besteira que eu fiz. O que se pode esperar do maior homem que você já viu
na vida? É claro, Luana. Que ele tenha o maior pau que você já viu na vida!
Se antes, quando eu tinha uma vida sexual ativa, já não tenho certeza se
daria conta do recado, imagine só agora. É como tentar colocar o Pará
dentro do Paraná. Física e dolorosamente impossível.

Estou perdida em pensamentos pessimistas, encarando aquele


membro enorme, quando o Gerson me desperta dos meus devaneios com
uma risada.

— Eu… Não sei se… Desculpa — gaguejo, tentando explicar que


minha razão e meu tesão estão duelando ferozmente e que, desta vez, a
razão está tendo uma pequena vantagem.

— Não esquenta. Eu já estou acostumado com isso. — Sorri.

Ele se senta no sofá, ao lado de onde ainda estou, e veste a


camisinha, sem pressa. Então, segura a minha mão e me puxa para sentar
em seu colo, de frente para ele. Apoia suas mãos nas minhas costas e me
inclina levemente para trás. Sua boca busca a minha e me beija com
lascívia, descendo pelo meu queixo, pescoço, clavícula, até alcançar um
dos meus seios.

Sinto mordiscadas no meu mamilo e, é neste instante que a minha


razão se dá por vencida, protestando pelo jogo sujo do seu oponente.
Depois de algum tempo, provando desse martírio delicioso, empurro-o
contra o sofá e começo a introduzi-lo na minha entrada. A posição me
permite controlar esse encaixe e faço uso de todo esse domínio para ganhar
confiança, mesmo que eu possa ver na sua cara, que ele está sofrendo com
a minha lentidão.

Não vou mentir, dizendo que foi a experiência mais fácil da minha
vida, mas também não foi tão doloroso quanto eu imaginava. Dentro de
poucos minutos, meu corpo já está acostumado com todo o seu volume e,
conforme vou ganhando confiança, vou me arriscando mais nos
movimentos.

Somos uma confusão de suor, gemidos e desejo neste momento.


Qualquer outra definição seria falha e indevida.

Quando o prelúdio do orgasmo se aproxima, intensifico os


movimentos. Ele segura a minha bunda com força e sussurra:

— Se você continuar, eu vou acabar gozando.

Acelero ainda mais, com um sorriso debochado estampado em meu


rosto, que logo se desfaz, quando sinto as primeiras ondas do gozo me
inundarem com uma intensidade descomunal. Se a dimensão dos espasmos
e do prazer que eu sinto pudesse ser medida, eu tenho certeza de que meu
nome estaria na próxima edição do Guiness Book, porque eu duvido que
alguém, neste planeta, já tenha se sentido desse jeito.

Um urro gutural e a força desmedida que projeta em seu aperto na


minha bunda, anunciam que ele também acabou de alcançar o seu objetivo
de forma tão prazerosa quanto eu.

Deixo minha cabeça pousar sobre o seu ombro, tentando recuperar


meu fôlego. Suas mãos afagam minhas costas, enquanto ele também tenta
normalizar sua respiração. Não sei ao certo por quanto tempo ficamos nesta
posição, porque já não tenho mais nenhuma noção de tempo, espaço,
número… Não tenho noção de mais nada.

— Depois dessa, vou ficar uma semana sem poder andar — reclamo,
fazendo graça.

Ele solta uma risada deliciosa e responde:

— Se eu fizer com você o que eu pretendo, juro que você vai ficar
um mês inteiro.
Mesmo depois de tudo o que aconteceu entre Gerson e eu, ainda é
estranho despertar com ele a poucos centímetros do meu rosto, me
sacolejando e perguntando o que diabos está acontecendo, exatamente
como ontem.

— Você estava gritando — explica, quando lhe lanço um olhar


questionador.

Novamente forço a minha mente, tentando me lembrar se os gritos


são culpa de algum pesadelo, mas minha mente anda me traindo com
bastante frequência nesses últimos dias.

— Foi um pesadelo? — insiste.

— Não sei. Não consigo me lembrar.

Essa falta de memória é frustrante. Eu sei que o Gerson acredita em


mim, ainda que não tenha nenhuma obrigação comigo. Ele comprou a
minha história desde quando colocou os olhos em mim e, apesar de tudo,
isso é confortador. Mas eu sei que, quando voltar para a vida real, nem
todos terão essa postura e isso me apavora.

Sinto um calor sufocante e tiro a coberta de cima de mim, expondo


meu corpo e, consequentemente, aquelas manchas esquisitas na minha
barriga. Na primeira vez que ele as viu, estava preocupado demais em me
foder para dar a devida atenção a elas.

— Você não tinha isso antes, né? — indaga, deslizando as mãos por
cima delas.

Nego, com um movimento de cabeça, e ele pega o celular de cima do


criado-mudo.

— Você também notou que seu cabelo está mais escuro?


— Como você sabe? — Sento-me, apoiando minhas costas na
cabeceira. Lembro-me imediatamente daquele monte de fotos minhas no
seu porão e credito sua descoberta a este fato.

Ele me entrega o celular, aberto no navegador, com uma matéria


sobre um tal Onílson Pátero, que, assim como eu, também teve manchas
esverdeadas pelo corpo e o cabelo escurecido, após um relato de uma
possível abdução. Mas o sortudo só perdeu algumas horas da sua vida.

— Descobri esse caso, enquanto pesquisava.

— Desculpa, mas isso ainda é muito surreal para mim. —


Devolvo-lhe o celular. — Eu sei que a cada evidência, eu me convenço
mais de que esta é a única explicação plausível para o meu sumiço, mesmo
que plausível seja a palavra menos adequada para a situação.

Suspiro, tentando colocar os pensamentos desenfreados em ordem.

— Eu posso te pedir um favor? — peço, sem jeito. Ele assente. — Eu


decidi que não vou contar sobre isso para ninguém, nem para a minha
família. A única coisa que me conforta neste momento é saber que, pelo
menos, você acredita em tudo o que eu digo, embora isso pareça absurdo
demais. E eu não quero passar pelo choque de ver as pessoas que eu mais
amo desconfiando de mim. Será que eu posso contar com o seu silêncio
sobre isso?

Ele concorda e me dá um abraço confortador, depois me dá um beijo


no topo da cabeça.

— Se você tem medo que sua família não acredite na sua história, o
que você acha que eu vou ouvir quando contar que uma gostosa pelada
bateu na minha porta e me proporcionou um dos melhores sexos da minha
vida, sem fazer nenhum cu doce? Vou ser chamado de mentiroso pelo resto
da vida.

— Realmente. Sua história é quase tão incoerente quanto a minha. —


Rio. — Sabe, Gerson, eu vou ter que enfrentar uma barra, quando voltar
para a minha cidade. Vou ter que lidar com os questionamentos das
pessoas, vou ter que arranjar um novo emprego… E tem o Rui. Eu nem
quero imaginar como vai ser nosso acerto de contas, se é que ele vai
acontecer. Neste instante, vou precisar da minha família ao meu lado, mais
do que nunca.

Sinto sua cabeça fazendo um movimento afirmativo e um bem-estar


repentino me toma. Embora, tudo seja muito louco e sorte não seja a
palavra mais adequada para me definir depois de tudo, creio que tenha sido
um privilégio dos grandes ter encontrado esse homem nesse momento tão
difícil.

— Seu segredo vai morrer comigo.

Afasto-me ligeiramente, para poder olhar em seus olhos. Uma ideia


tentadora surge na minha mente.

— Já que já estamos acordados, o que você acha de aproveitarmos


esse tempo livre fazendo algo útil. — Mordo o lábio, tentando deixar claro
as minhas verdadeiras intenções.

Seu sorriso sereno dá lugar a outro, bem mais sacana e cheio de


maldade. Como eu adoro isso!

— Acho que você é muito boa tendo ideias.

Da varanda, nós dois assistimos a um lindo pôr do sol. Mais do que o


fim do dia, aquilo significa o fim da minha história curta, mas cheia de
significado neste local. Meus pais ligaram para o celular do Gerson, logo
após o almoço, informando que chegarão aqui entre o final da tarde e o
começo da noite.

Se, por um lado estou ansiosa pela chegada deles, por outro, vou
morrer de saudade desses poucos dias que passei aqui e da maneira como
uma pessoa totalmente desconhecida foi o pilar necessário para que eu não
surtasse — não completamente, pelo menos.

Posso estar interpretando as coisas erroneamente, mas julgo que o


silêncio do Gerson signifique essa confusão de sentimentos. Ele gosta de
mim, assim como eu gosto dele. Nenhuma outra razão explica a conexão
que tivemos nesse tempo e, por mais que isso soe precipitado, é uma
daquelas verdades incontestáveis.

Durante uma das poucas conversas que tivemos hoje, descobri que
ele é professor de Educação Física em uma escola estadual e que está no
período de férias. Fora isso, ficarei sem saber grandes coisas sobre a sua
vida. Se ele tem irmãos, quais seus gostos musicais, suas aspirações… É
engraçado saber tão pouco sobre uma pessoa que eu já considero demais.

Princesa também parece sentir que algo está para acontecer. Desde
que sentamos aqui, ela não sai de perto de mim. Talvez o motivo seja a
quantidade de petiscos que eu já lhe dei, associado aos montes de carinhos
em seu pescoço que fiz.

O carro entra pela estrada de chão, levantando poeira e tirando nossa


atenção do espetáculo que a natureza nos propiciou. Não é o mesmo que eu
me lembrava, mas sei que são eles. Levanto dali e sigo a passos lentos até a
entrada da propriedade.

A certeza de que tudo vai ficar bem, aos poucos, me invade,


conforme o carro vai se aproximando lentamente. A simples lembrança da
preocupação demasiada da minha mãe, meu pai e suas perguntas sem
sentido e a Liara e sua boca sem filtro, são capazes de confortar o meu
coração de uma maneira quase inexplicável. Saber que eles não vão me
deixar esmorecer e que estarão ao meu lado em todas as minhas lutas a
partir de hoje — que incluem o Rui e toda a repercussão da minha volta,
por exemplo —, faz a despedida deste lugar e de tudo o que eu vivi aqui
parecer menos amarga.

A porta de trás é aberta com o carro em movimento e vejo a minha


irmã correr em minha direção.

— Eu não acredito que eu estou te vendo, Luana! — Seu sorriso,


contrastando com as lágrimas. Ela finalmente me abraça e sinto meus olhos
marejarem também. Como eu senti falta deste abraço. — A mãe tinha
esperanças de te encontrar, mas eu admito que pensava que você estava
morta.

Não demoro até sentir os braços dos meus pais ao nosso redor. Uma
confusão de falas, choros, sorrisos…

— Você está bem? Está tão magrinha — constata a minha mãe, com
sua costumeira preocupação de mãe.

— O que aconteceu com você, minha filha? — meu pai pergunta e


leva um tapa da minha mãe no braço. — Eu sei que eu prometi que iria
com calma, mas eu preciso saber o que aconteceu com ela!

Seco algumas lágrimas com as costas da mão e suspiro, pensando em


como vou responder a essa pergunta.

— Eu não me lembro — digo, preparada para a infinidade de


questionamentos sobre isso. Mas, ao contrário do que eu imaginava, só
ouço o silêncio como resposta. — Minha última lembrança é de ter
discutido muito feio com o Rui. Ele ficou muito bravo e deixou o quarto.
Saí atrás dele e, depois, só lembro de acordar aqui perto.
Liara fecha a cara e bufa, exalando ódio de seus poros.

— Eu sabia que era culpa daquele bosta! — conclui. — Aquele


papinho nunca me convenceu.

— Não foi culpa dele. Eu tive mais uma crise de ciúme e ele ficou
puto, com toda a razão.

Penso que devo um pedido de desculpas a ele. Minha família deve


ter colocado toda a culpa do meu sumiço nele, pela reação da Liara.

Olho para os lados, enquanto ouço minha família falar barbaridades


sobre o Rui e a nova esposa dele e vejo o Gerson, observando-nos da
varanda. Eu preciso apresentar a minha família ao cara que salvou a minha
vida.

— Vamos deixar de besteira. Eu tenho que apresentar a vocês o


homem que não me deixou surtar.

Pego na mão da Liara e a puxo na direção da casa. Nossos pais vêm


logo atrás, correndo para nos alcançar. Assim que nos vê, indo na sua
direção, dá um daqueles sorrisos capazes de iluminar um estádio inteiro.

— Eu quero que vocês conheçam o Gerson — anuncio, assim que


chegamos à varanda. — Gerson, essa é a minha família.

Ele fica todo sem jeito, apertando a mão de cada um deles,


especialmente, quando eles começam a agradecê-lo e venerá-lo como se ele
fosse um deus. Talvez, para eles, o cara que ajudou a me devolver para a
minha família, mereça tantas mais reverências e respeito quanto uma
divindade.

Ele os convida para entrar e tomar um café — que é tudo o que ele
pode oferecer. Liara aproveita esta oportunidade para ir até o banheiro
comigo e me alvejar com suas perguntas. Todas de cunho sexual, é claro,
porque ela é desse tipo.

Por mais que eu tente disfarçar, ela percebe que existe muito mais do
que eu estou contando nesta história. Ela é minha irmã mais velha e me
conhece há mais tempo do que eu mesma.

— Eu vou deixar passar, por ora, mas não pense que está livre do
meu interrogatório, porque esse homem tem cara de fodedor e o jeito como
ele te olhou, deixou bem claro que rolou alguma coisa entre vocês. — Seu
tom acusatório me causa um pouco de medo, mas admito que senti falta até
disso.
— Eu juro que quando chegar em casa, passo um relatório completo,
porque isso precisa de tempo, tudo bem?

Ela concorda, parecendo ter se convencido com meu argumento e


voltamos para a cozinha. O cheiro do café e as risadas preenchem o
ambiente e é nítido que meus pais já estão bem à vontade, ao contrário do
Gerson, que parece deslocado e sem jeito. Fico encostada na porta,
observando-os e, quando seus olhos encontram os meus, ele parece ficar
mais tranquilo.

— A conversa está boa, mas precisamos ir — declara a minha mãe,


levando sua xícara até a pia.

Todos concordam, mas essa frase desperta sentimentos ambivalentes


em mim. Quero ir com a minha família e quero ficar com o Gerson. Pode
isso? Repito mentalmente que, minha vontade de ficar com o Gerson não
passa de carência. Eu estava em um momento ruim e ele foi atencioso. Só
isso. Então coloco um sorriso no rosto e sigo com eles até a varanda.

Todos eles se despedem do Gerson e seguem para o carro e eu fico


ali, tentando pensar em algo para dizer. Ele também parece desconfortável
com a despedida.

— É a primeira vez que eu conheço a família de uma mulher que não


é minha namorada — assume, coçando a cabeça. — Isso é bem estranho.

— Nem me fala. Minha família sabe ser bem espaçosa quando quer.
— Reviro os olhos.

Um silêncio constrangedor se instala entre nós e me apresso na


minha despedida.

— Eu nunca vou ter como te agradecer por tudo o que você fez por
mim. — Suspiro e olho para o carro, onde vejo todos eles colados ao vidro
da janela, assistindo de camarote ao nosso momento.

— Eu faria tudo novamente. — Dá de ombros. — Ter atendido esta


porta foi uma das melhores decisões que eu já tomei.

Sorrio, sem graça, e o abraço. Tento transmitir naquele gesto toda a


minha gratidão e afeto. Quero que ele saiba que eu vou me lembrar desses
dias para o resto da minha vida, que, graças a ele, eu estou prestes a voltar
para a minha cidade, com a minha família, para retomar a minha vida.
Quero que ele saiba que já é uma das pessoas mais importantes da minha
vida.
— Você vai mesmo guardar segredo sobre o que a gente descobriu?
— sussurra no meu ouvido, retribuindo meu abraço.

— Sim. Até estou pensando qual vai ser o assunto da nossa viagem,
já que este está fora de cogitação — respondo, afastando-me dele.

Ele assente e me dá um sorriso de canto, daqueles maldosos e que


tiram a minha sanidade. Então segura a minha cintura e me dá um beijo de
cinema bem na frente da minha família. O problema é que, mesmo que eu
não quisesse fazer isso, na frente da minha plateia, não consigo não
retribuir. É muito mais forte do que eu.

— Agora vocês vão ter assunto até lá — diz, cheio de deboche,


quando se afasta de mim.

Não controlo a risada, ainda que minha vontade seja de matá-lo.

— Isso é para você. — Ele me entrega um papel, com seu número de


celular anotado nele. — É meio brega, mas como você não tem um celular
para salvar o meu número, foi a maneira que eu pensei para não perdermos
o contato.

Seguro o papel com força e lhe dou um último abraço, antes de virar
as costas e correr para o carro. Bato a porta com força e desconverso,
quando a Liara tenta tornar nosso beijo o assunto principal da viagem.

Viro o meu corpo para trás e o vejo na varanda, enquanto o carro se


distancia aos poucos dali. Aperto ainda mais o papel, como uma medida de
proteção, para evitar que eu o perca.

Sete bilhões de pessoas no mundo e eu fui a escolhida para ter meus sonhos
destruídos. Isso é uma merda e ninguém vai me fazer acreditar no contrário.
Mas não posso negar que essa experiência serviu para me fazer acreditar
que eu sou muito mais forte do que imaginava e que os desafios que eu vou
enfrentar vão me fortalecer, ainda mais.
Retomar uma vida que ficou parada por anos é uma tarefa difícil pra
caramba. Ainda mais, depois de sentir que você está completamente
diferente — eu não me refiro apenas a cor do meu cabelo, que permaneceu
alguns tons mais escuros. Ter que lidar com o bando de enxeridos, que
praticamente me encurralavam para ter as informações mais quentinhas
sobre o assunto do momento, era uma tarefa que sugava toda a minha
energia e bom humor. A Liara chegou a enxotar algumas visitas indesejadas
algumas vezes, para o desespero da nossa mãe.

E tiveram os exames, é claro. Meus pais afirmavam com toda a


certeza que a minha falta de memória se deu por uma pancada na cabeça e
me obrigaram a fazer uma bateria de exames, tão detalhados e difíceis, que
cheguei a acreditar que ele pegaria até as doenças que um dia eu viria a ter.
Para a minha surpresa — e dos meus pais também —, minha saúde estava
impecável e até aquelas manchas medonhas na minha barriga sumiram em
alguns dias.

E o Rui. Esse foi um problema bem complicado de ser resolvido,


porque ele não acreditou na minha falta de memória. Na verdade, ele me
acusou de tê-lo abandonado e coisas horrorosas que nem aquela Luana,
ciumenta patológica, faria. Mas eu não fiquei com raiva dele. Pelo
contrário. O seu estado desolador naquele vídeo serviu para que eu
entendesse que ele também sofreu bastante com essa história. O divórcio
correu sem grandes problemas, o que me causou certo alívio, até porque,
ele precisava disso para oficializar sua situação com a nova esposa.

Quanto ao emprego, distribuí currículos pela cidade como se fossem


panfletos de financiadoras de crédito, mas não obtive nenhuma resposta
animadora ainda. Por enquanto, estou me virando com a minha parte do
divórcio.

Mas a lista de problemas resolvidos acabou aí. Os gritos durante a


noite passaram a fazer parte da minha rotina, assim como a memória sobre
o que aconteceu durante o meu sumiço, que não voltou e, como se isso já
não fosse o suficiente, mais um problema entrou para a minha lista, que
parecia não ter fim. Um medo paralisante, irracional e completamente sem
sentido passou a me assolar diariamente: a de que acontecesse com as
pessoas que eu amo o mesmo que aconteceu comigo.

O tempo foi passando e esse pavor só aumentava, especialmente


quando se tratava do Gerson, que estava longe demais dos meus olhos e dos
meus cuidados. E se ele sumisse?

Ele foi bastante paciente em suas tentativas de me convencer de que


esse medo não faz muito sentido, mas existe uma coisa sobre os medos
irracionais, que as pessoas parecem não entender: eles são irracionais! Não
precisa ter cabimento para me deixar apavorada. E o fato de não poder
compartilhá-lo com outras pessoas — além dele — só agravava a situação.

Todos os dias ele me mandava links de matérias diversas sobre o


assunto. Alguns de sites parcialmente confiáveis, outros, nem tanto — os
famigerados sites de fundo preto —, todos com informações ridículas e sem
sentido, mas que, pelo menos, faziam-me sentir um pouco menos excluída,
já que eu não tinha ninguém, além dele, para dividir esse abacaxi. E eu
posso afirmar, com convicção, que todas as palavras de incentivo, todas as
nossas conversas intermináveis e todas as vezes em que liguei para ele
durante as madrugadas, só para ter certeza de que ele ainda estava lá e que
me consolou, em vez de me mandar para a puta que pariu, foram
responsáveis por me manter firme e só reforçavam a minha certeza de que
bater naquela porta foi uma das melhores coisas que já aconteceu na minha
vida.

Dois meses se passaram, mas a vontade de revê-lo crescia


vertiginosamente e eu sabia que não se tratava apenas de zelo ou
preocupação, como eu dizia a mim mesma o tempo todo. Tentei me
convencer, por várias vezes, que o que tinha acontecido entre nós foi só
algo passageiro e que ele só não tinha dado um basta, porque sentia pena de
mim, mas meu coração é teimoso demais e, a cada vez que eu via seu nome
brilhando na tela do meu celular, um frio se instalava na minha barriga,
meu coração errava uma batida e um sorriso bobo tomava conta do meu
rosto. Era mais forte do que eu.

Quando a saudade se tornou insuportável, resolvi seguir os bilhões de


conselhos da Liara e juntei toda a minha coragem — que nem era tanta
assim — e peguei o primeiro voo. Eu sabia que se fosse dirigindo, acabaria
desistindo antes de chegar ao meu destino.

E cá estou eu.
Ouço a música baixinha que toca no rádio do táxi, mas não consigo
me concentrar nela, nem em nada do que o motorista diz. Minha cabeça só
tem espaço para pensar em todas as formas de quebrar a cara com essa
minha atitude precipitada. E se ele não estiver em casa? E se tiver arranjado
outra e ficou com medo de me contar? E se ele simplesmente não sente por
mim o mesmo que eu sinto por ele? Eu não devia ter ouvido os conselhos
da descabeçada da minha irmã!

Tarde demais. O táxi para em frente à casa onde ele mora — que eu
só tenho o endereço, porque lhe mandei um presente no seu aniversário, há
quinze dias. Encaro a tela do celular, só para me certificar de que esse é o
número da casa.

Já é quase meia-noite. E se ele estiver dormindo? Droga! Ele vai me


achar uma desesperada. Eu devia ter ficado em casa, mantido a nossa
amizade a distância, afinal, ter uma parte dele seria melhor do que não ter
nada.

Bato palmas em frente ao portão e aguardo ansiosamente pela sua


resposta. Princesa vem me recepcionar aos latidos e não demoro a ver a
porta ser destrancada e um Gerson descalço e sem camisa apertando os
olhos, tentando reconhecer quem é a doida que bate à sua porta tão tarde da
noite.

— Luana? — indaga, receoso. O simples som da sua voz já é capaz


de me fazer sentir como uma adolescente boba.

— Sou eu — digo, com a voz mais baixa do que eu gostaria.

Ele se aproxima do portão e briga com a Princesa, por ter me


recebido de forma nada discreta, enquanto aproveito a distração para
escanear cuidadosamente seu corpo. Caramba, ele é ainda maior do que eu
me lembrava. E mais gostoso também.

— O que você está fazendo aqui? Aconteceu alguma coisa?

Nego com a cabeça e ele fica me olhando, talvez procurando algo de


errado. Depois de um tempo, parece acordar do seu transe momentâneo e
me convida para entrar.

Quando a porta se fecha atrás de nós, meu corpo inteiro anseia por
poder tocar no dele, mas me contenho. Eu vim até aqui com uma missão e
tenho que focar nela.

— Está claro que aconteceu alguma coisa. Você não viria de longe e
bateria na minha porta a esta hora, se não fosse algo importante. — Ele
aponta para o pequeno sofá, para que eu sente ali. — Você está me
preocupando.

— Não aconteceu nada, Gerson — explico. — Quer dizer, aconteceu,


mas não é nada que você deva se preocupar.

Ele suspira e esfrega as mãos na cabeça.

— Você sabe que a preocupação só aumenta quando a gente ouve


esse tipo de coisa, né?

Não consigo olhar para o seu rosto e fico encarando os meus pés.

Por que eu tenho que ser tão medrosa?

Sinto suas mãos levantando o meu rosto e sou forçada a lhe encarar.

— Eu estava com saudade — solto, antes que eu perca a coragem de


falar.

— Eu também, Luana. Eu…

— Não — interrompo-o. — Esse é o problema. De duas semanas


para cá, ficar longe de você tem sido insuportável. Eu levanto pensando em
você, passo o dia pensando em você, durmo pensando em você. Meu dia
não começa, até você me dar bom dia e, a cada ligação sua, eu sinto meu
coração na minha garganta. — Bufo, frustrada. — Eu não podia falar isso
por telefone, porque precisava olhar nos seus olhos, nem que fosse para
ouvir você dizendo que eu estou confundindo as coisas, porque eu acabei
de perceber que prefiro não te ter, do que ter pela metade.

Respiro fundo quando termino meu pequeno discurso e o fito,


esperando pela sua resposta. Ele não diz nada e minha apreensão só
aumenta.

— Você fica uma gracinha quando está envergonhada, sabia? —


Sorri de canto, puxando-me para perto dele. Aninho meu rosto em seu peito
e o deixo me envolver em seus braços fortes. — Você é demais, Luana!

— Sou?

Sinto sua cabeça se movimentando em concordância.

— Ô, se é. É inteligente, corajosa, linda e me deu um chá de boceta


que me deixou viciado em você.
Solto uma risada longa e me afasto dele, para poder olhar o seu
sorriso. Como eu senti falta desse sorriso…

— Eu queria muito que você tivesse ficado comigo, mas sabia que
não tinha o direito de te pedir isso. Você tinha que retomar a sua vida e eu
também tinha meus compromissos.

Sorrio, feliz e aliviada, ao notar que não estou fazendo papel de boba.

— Eu estou abstinente, Lu. — Suas mãos grandes seguram a minha


cintura e me puxam para o seu colo. Mordo o lábio com o contato tão
íntimo. — Você sabe qual é a única maneira de resolver o meu problema,
não sabe?

Rebolo lentamente e me deleito com o seu gemido rouco. Ah, como


eu senti falta disso.

— Você também é viciante, Gerson — sussurro.

Finalmente o beijo, matando a saudade do seu gosto que me


incomodou pelos últimos dois meses.

Eu não tenho certeza do que vai acontecer com a gente, nem com o
nosso relacionamento. Desde que eu acordei naquele dia, sem me lembrar
do que aconteceu nos últimos anos, todas as minhas certezas inabaláveis se
desfizeram e, mesmo que isso pareça assustador — e realmente foi, no
começo —, neste momento, eu percebo que uma vida de certezas é muito
chata.

— Eu sei que eu sou — responde, ostentando aquele sorriso safado


que eu tanto adoro. — Por qual outra razão você atravessaria o país só para
vir aqui, dar pra mim?
FIM
Prometo que esse recado é ainda mais rápido que o primeiro.

Só queria te relembrar sobre a importância da tua avaliação. É através


dela que outras pessoas podem se interessar para conhecer essa história,
então, por favor, avalia!

Não só o meu, mas todos os livros que tu lê, em especial, os de


autores independentes. Cada avaliação vale ouro para o autor <3
Em primeiro lugar, obrigada por chegar até aqui.

Dias de Céu Azul é um projeto que tenho um carinho super especial


e que surgiu após assistir um episódio de Alienígenas do Passado, onde
uma pessoa sumia por algum tempo (um ano, se não me engano) e
ressurgia em um lugar completamente diferente do que foi visto pela última
vez.

Já é a terceira vez que esse livro tem a oportunidade de chegar ao


leitor. A primeira vez, lá no comecinho de 2019 fiz tudo na raça. Fiz capa,
diagramação, os banners pra divulgar, enfim... Fui na cara e na coragem e
não tive um retorno tão expressivo.

Já na segunda vez, imaginei que trocando a capa, a diagramação e os


banners, conseguiria um desempenho melhor, mas não foi o que aconteceu.
O livro ainda não deslanchou.

Agora, pela terceira vez, eu desencanei.

Não estou atrás de números expressivos para ele, nem espero ficar
rica com seu lançamento, tanto, que estou lançando o livro gratuitamente,
somente com o intuito de que minhas palavras cheguem ao maior número
de pessoas!

Meu muito obrigada dessa vez é único e exclusivo para ti, que
chegou até aqui, que me deu essa oportunidade, que se interessou pelas
minhas palavras, pela minha forma de contar histórias.

Muito obrigada, de coração.


Apaixonada por música, futebol, viagens e literatura (não
necessariamente nesta ordem), Laís vive em Balneário Piçarras (melhor
cidade do Brasil), com seu marido e seus cinco filhos de quatro patas.
Começou a escrever na adolescência, fazendo fanfic de Linkin Park,
mas só mostrou seu trabalho para o mundo em 2017, no Wattpad.
Vencedora do Prêmio Wattys no mesmo ano, com A Segunda Geração, não
parou mais e já tem mais de 10 livros publicados.
Tem o maior orgulho em dar vida aos personagens birrentos e
teimosos que a atormentam vinte e quatro horas por dia e não tem a menor
intenção de parar.

Conheça suas outras obras (clique e conheça):

Amazon:
Procura-se um Otário (comédia romântica);
Procura-se um Boy Lixo (comédia romântica);
Pai de Primeira (comédia romântica);
Em Pé de Guerra (comédia romântica);
Operação Vingança (comédia romântica);

Wattpad:
Incompletos (distopia);
A Corte (distopia);
Por Amor às Causas Perdidas (distopia);
A Segunda Geração (ficção científica).

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