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Copyright © 2019 Priscilla Ferreira

Copyright © 2019 Editora Angel

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer
forma, meios eletrônico ou mecânico sem a permissão por escrito do Autor e/ou Editor.
(Lei 9.610 de 19/02/1998.)

2ª Edição

Produção Editorial: Editora Angel

Capa e projeto Gráfico: Débora Santos


Diagramação digital: Débora Santos

Revisão: Carla Santos

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação
da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

TEXTO REVISADO SEGUNDO O NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA.

Editora Angel
Campinas/ SP
SUMÁRIO:
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
Capítulo 62
Capítulo 63
Capítulo 64
Epílogo
Leia a continuação
Agradecimentos
Sobre a autora
Editora Angel
Dedico esse livro a cada pessoa que já perdeu alguém que amava.
“Eu procuro um amor, que ainda não encontrei
Diferente de todos que amei,
nos seus olhos quero descobrir uma razão
para viver e as feridas dessa vida eu quero
esquecer...”
Segredos – Frejat
Liz
Escutei um barulho infernal que parecia querer explodir meus tímpanos, abri
os olhos e reconheci o som, era o despertador do meu celular. Virei a cabeça para o
lado, estiquei o braço e desliguei o alarme. Essa tinha sido outra noite que revirei na
cama me perguntando como sair disso, na verdade, eu sabia que não tinha
escapatória. Estava trancada numa situação sem rota de fuga. Como podia mudar o
passado? Como tirar da mente o que não dava para apagar? Era impossível.
Demorei para me levantar, porque sabia que tinha que reunir forças para
enfrentar um novo dia. Meu corpo todo doía, resultado de outra noite mal dormida
virando de um lado para o outro na cama.
Respirei fundo e acendi as luzes, entrei em piloto automático. Se tinha uma
coisa que minha mãe sempre esteve certa, era sobre como vestir-se bem te torna
aceitável em qualquer ambiente, mesmo que por dentro você só queira vestir um
pijama e seus chinelos de dedo. Lidar com pessoas ricas te faz aprender como se
adequar a esse meio e nada como estar bem-vestida para isso não ser tão traumático.
Escolhi uma saia lápis preta decente, uma camisa social de botão vermelha
em um tecido elegante e meus sapatos de saltos médios pretos do dia a dia. Olhei-
me no espelho, meu rosto estava abatido, cansado e sem vigor. Puxei a nécessaire de
maquiagem da gaveta da cômoda e comecei a fazer a "Operação Cara Nova";
comecei a chamar assim porque, depois da aplicação de uma boa maquiagem, sinto
como se vestisse uma máscara e pudesse me esconder por trás dela. É assim que
tenho feito nos últimos anos. Guardo como estou me sentindo em uma gaveta que
criei na minha cabeça, passo a chave e me preparo para começar o dia. Depois de
base, corretivo, rímel, um pouco de blush, batom e, pronto, senti-me outra pessoa.
Uma nova Liz sem sentimentos.
Apanhei minha bolsa na poltrona no canto do quarto, chequei se tudo que
precisava estava dentro dela, peguei minhas chaves sobre a mesa de café e saí.
Andei até o elevador, apertei o botão e esperei. Comecei a fazer uma lista
mental de tudo que precisava fazer e todas as coisas que necessitava evitar pensar.

1. Chegar ao trabalho
2. Fingir interagir com meus colegas
3. Lembrar-me de sair para almoçar (isso se meu chefe deixar!)
4. Ter força de vontade em querer voltar ao trabalho após o almoço
5. Fazer supermercado (Urgente! Na geladeira só tem água e ketchup)
6. Abastecer o carro
7. Tentar não bater em um poste
8. Chegar em casa
9. Tentar cozinhar
10. Dormir (Urgentíssimo!)
Ouvi o sinal de que o elevador chegou ao meu andar, entrei e apertei o botão
da garagem. Estava sozinha dentro dele para o meu alívio, sentia-me sufocada em
elevadores lotados, a mistura de odores e olhos atentos me deixavam desesperada,
mas meu alívio durou pouco, o elevador parou no 18º andar e entrou um rapaz. Não,
ele não era bem um rapaz, estava mais para um homem, acho que deve estar entre os
seus 25 ou 26 anos, talvez 1,90m de altura, o corpo construído como o de um deus
grego com ombros largos e estruturados, quadris estreitos sustentados por pernas
longas e tonificadas. Descaradamente usava uma camiseta surrada de uma banda de
rock dos anos oitenta bem justa, deixando os braços tão apertados nas mangas que
não deixavam nem espaço para minha imaginação criativa. Todo seu braço direito
era coberto de tatuagens interessantes indo do bíceps a junta dos dedos. Eram tantos
desenhos, que não tive tempo de decifrar cada um, porque meus olhos percorreram
despudoradamente dos seus braços até suas mãos grandes e masculinas.
Uau! São mãos enormes.
Qual o sentido de alguém admirar as mãos de um estranho? Mudei o foco da
minha investigação e desci meus olhos para a parte de baixo do seu corpo. O
homem estava vestindo um jeans preto tão surrado quanto a camisa. Mas, meu Deus,
quem se importa com roupa quando se tem um corpo desses? A calça se agarrava
nos quadris displicente, como se estivesse acostumada a vestir homens gostosos o
tempo inteiro. O que eu estava fazendo, devorando um desconhecido que
provavelmente era meu vizinho?
Que vergonha, Liz!
Essa minha análise de raio X só durou cerca de quatro ou cinco segundos,
tempo suficiente para ele entrar no elevador e levar o dedo até o botão do G1 que já
estava selecionado devido a ser exatamente o mesmo que o meu.
Santa coincidência!
O moreno até então desconhecido, me cumprimentou com um discreto bom
dia e uma leve voz de sono. Desviei meus olhos do painel do elevador para
responder e foi aí que reparei bem em seu rosto, um par de olhos cor de uísque me
encarava, atraindo os meus como ímãs. O desconhecido me olhava tão atentamente
que parecia decifrar cada pequeno segredo oculto que eu carregava. Ele
simplesmente não me olhava como fazemos quando vemos algo interessante, ele me
percebeu. O moreno bonito parecia ver muito mais do que minha maquiagem bem-
feita e minhas roupas caras. Ele via sobre minha pele, e eu não sabia como me sentia
sobre isso.
Por puro instinto continuei a observar seus detalhes: seus cabelos escuros e
bagunçados caíam em sua testa como se seu pente fosse seus próprios dedos, o rosto
quadrado e bem desenhado carregava uma barba rala, sobrancelhas grossas e
expressivas, nariz bem feito, a boca parecia ter sido feita para ser beijada...
Já estou viajando de novo.
Pisquei algumas vezes para orientar meus pensamentos, e respondi o bom
dia discretamente. Ele sorriu para mim, e meu coração perdeu uma batida, eu sei é
um termo clichê, mas não me lembro de nada mais apropriado para comparar a
maneira que ele me fez sentir. Uma fila de dentes brancos me cumprimentou,
retribuí o sorriso e olhei para os meus pés encabulada. Um alerta vermelho piscou
na minha cabeça com letras maiúsculas gigantes dizendo: PERIGO!
Não, não podia estar fantasiando com um desconhecido. O elevador
começou a fazer seu caminho lentamente. Não sei se era impressão minha, mas o ar
começou a esquentar, toda a minha pele se arrepiou e senti o calor começar a colar
minha franja na testa. Levantei meu olhar e encontrei os mesmos olhos cor de
uísque me encarando.
Santo Deus!
Ele descaradamente me deu um sorrisinho cínico de canto de boca que me
deixou zonza. Apertei com força a alça da minha bolsa e desviei o olhar, implorando
a Deus para o elevador se apressar.
— Você mora aqui? — o desconhecido perguntou sorrindo sedutor.
— Sim, no vigésimo andar. — Assim que fechei a boca me recriminei
mentalmente.
Meu Deus, nem conheço o homem e já estou dando informações pessoais.
— Bom saber que tenho vizinhas bonitas. — O moreno flertou
descaradamente como se estivesse me falando qualquer banalidade corriqueira,
como um comentário sobre o tempo. Eu gelei, olhei novamente para os meus pés,
porque não tive coragem de olhar no rosto dele e me deparar com aquelas tochas de
fogo me calculando.
Santo Deus, Liz, até parece que você é uma adolescente! Aja como a mulher
de 25 anos segura e independente que você é.
Respirei fundo e levantei o olhar na defensiva.
A quem eu quero enganar?
— Obrigada, gentileza sua — agradeci com a voz mais fraca do que eu
queria demonstrar, mas não pude ser melhor que isso.
— Não é gentileza nenhuma, mas é muita sorte minha. — Ele continuou
ainda com aquele sorrisinho que dá vontade de cobrir a boca dele com um beijo para
fazê-lo parar imediatamente de me deixar tão perturbada.
Até parece que um cara desses ia flertar comigo, o homem parece um deus
do sexo, quente como o inferno. Ele só pode estar brincando. Talvez esteja
acostumado com mulheres bobas como eu olhando para ele assim o tempo todo. O
moreno bonito deve ser integrante de alguma banda de rock da moda e não estou
lembrando. Corrigi a postura e desviei minha atenção para os números do painel do
elevador que foi acendendo de acordo com os andares.
16º...
15º...
14º...
Suspirei tentando me acalmar e me preocupei em pensar no longo dia que
terei pela frente.
13º...
12º...
Santo Cristo!
Isso é um elevador ou uma geringonça? Fiz outra nota mental de reclamar
com o síndico, porque não era justo pagar um aluguel tão caro para passar por isso.
11º...
— Você está nervosa? — perguntou o moreno misterioso.
— O quê? — indaguei sem entender.
Esse cara é louco? Ou eu devo estar sonhando, que um homem como esse
iria puxar papo comigo.
— Você está nervosa... Só me resta saber o porquê — disse ele, com os
olhos cerrados me fitando cuidadosamente.
Olhei-o incrédula, sério mesmo que esse cara está falando comigo?
Conhecemo-nos há o quê? Três minutos?
— Não! Não estou nervosa, mas mesmo que eu estivesse, nem te conheço.
Por que eu te devo satisfação de como estou me sentindo? — rebati sua intromissão
mais grossa do que planejei, mas eu precisava levantar minha armadura, nenhum
cara fez minha pele eriçar dessa maneira antes e isso só pode ter me feito baixar a
guarda.
Ele riu da minha resposta malcriada, uma gargalhada completa, masculina e
cheia de personalidade.
— Desculpe, eu fui inconveniente. É que você está fazendo os sinais de
quem está nervosa.
— Sinais? Que sinais? — perguntei na defensiva.
— São alguns maneirismos que as pessoas fazem inconscientemente quando
estão nervosos ou inquietos sobre alguma coisa ou situação.
— E quais foram os sinais que dei para essa sua conclusão?
— Eu poderia listá-los. Você não para de colocar o cabelo atrás da orelha e
encarar os próprios pés repetindo os gestos nessa ordem. E quando me olha está
com esse olhar assustado que parece que vai me devorar se eu me aproximar um
centímetro.
Ele lê os gestos de estranhos em elevadores, e sabe sobre essa coisa de
sinais inconscientes? O que é ele é? Algum tipo de psicólogo? O estranho parece ser
bom observador, sempre tenho essas reações quando estou sem graça. Me pego
curiosa querendo muito descobrir mais sobre ele.
9º...
— Me desculpe, eu fui rude, é que mal nos conhecemos — disse sem graça.
— Então deixe eu me apresentar, me chamo Gustavo. Sou novo no prédio,
na verdade, acabei de me mudar, pelo visto para dois andares abaixo do seu — ele
explicou me estendendo a mão.
Olhei um segundo reticente para sua mão grande e masculina e
instintivamente estendi a minha. Quando ele apertou minha mão, senti o calor
morno de sua pele contra a minha e algo estranho aconteceu, se eu acreditasse nessa
coisa de destino, poderia jurar que foi uma sensação de reconhecimento. Os dedos
ásperos, na minha pele suave me deram arrepios que seguiram até a minha nuca.
Abri a boca para falar meu nome e nada saiu. Fiquei como um peixinho fora d'água
abrindo e fechando a boca sem qualquer reação.
O que deu em mim?
— Hã... Me chamo Liz Albuquerque, é... já moro a-aqui há alguns anos.
5º...
— Prazer, Liz, lindo nome. Tem a ver com a flor? — perguntou.
— Sim, minha mãe recebeu do meu pai uma flor-de-lis quando se
conheceram, então, ela colocou esse nome em mim para lembrar-se desse dia.
Alguma bobagem assim... — Soltei suas mãos e deslizei minha palma pela saia para
tentar parar o formigamento.
— Eu não acho bobagem, acho um lindo nome, lhe caiu bem, você tem
mesmo cheiro de flor.
Pisquei sem acreditar no que ouvi. Não, isso é gozação e ele está de
brincadeira. Um silêncio sem graça invadiu o elevador, até finalmente chegar à
garagem, me deixando ainda mais ansiosa de sair de perto desse homem
enlouquecedor.
4º...
3º...
Deus, que demora!
2º...
Não consigo respirar...
1º...
Anda logo, elevador, desgraçado!
G1...
Ufa!
As portas se abriram, Gustavo se afastou estendendo a mão em um gesto
cortês me deixando sair primeiro do cubículo de aço, e depois saiu logo atrás de
mim. Caminhei com as pernas bambas. Nossa, Liz, agora você desaprendeu a
andar? Bastou um cara bonito te elogiar para suas pernas virarem geleia? Assim
que consegui chegar até o meu carro, catei a chave na bolsa, abri a porta e me
sentei. Quando fui fechá-la, uma mão segurou a porta aberta. Oh, meu Deus... Meu
coração acelerou. O que ele pensa que está fazendo? Sem cerimônia, meu novo
vizinho se debruçou sobre o carro invadindo meu espaço pessoal de uma maneira
muito ruim. Olhei dentro daqueles olhos cor de uísque que, de tão lindos, estavam
me deixando bêbada a cada minuto e esperei o que ele tinha a dizer.
— Preciso de você — disse ele, passando a mão nos cabelos bagunçados
fazendo a camiseta se estender sobre o abdômen, a ação acabou por me mostrar um
filete de pele bronzeada.
— O quê?
— Não conheço nada na cidade, você pode me falar onde eu consigo um
mecânico de confiança? É que meu carro está ruim, e a minha moto de passeio só
chega nos próximos dias. Então, preciso de ajuda.
Fico sem saber o que responder no primeiro momento. Não que eu não
conheça um bom mecânico, é que a vulnerabilidade dele me tocou. Pode um homem
assim tão cheio de si precisar dos outros?
— Eu posso te passar o endereço do meu mecânico, ele é um velhinho
ranzinza, mas é de confiança e nunca me enganou. Você sabe como é, mulher e
mecânicos nem sempre são uma boa combinação.
— Ah, você não é uma mulher que alguém poderia enganar.
Limpei a garganta sem graça, Gustavo continuou:
— Vim dirigindo de Minas Gerais até aqui e o freio ruim, acho que as
pastilhas estão desgastadas.
— Você está saindo nele? Mesmo sem freios? É muito perigoso, você já viu
como é o trânsito de São Paulo? — perguntei aflita calculando os riscos.
— Vai ser preciso, tenho que resolver umas coisas no Centro e não estou a
fim de ficar preso dentro de um táxi no trânsito de São Paulo. A Rose ainda não
chegou dos Estados Unidos, e mesmo que ela estivesse aqui, ainda estaria sem ter
como me locomover, ela odeia concreto, Rose só gosta de ar livre.
— Bem, se você quiser posso te dar uma carona, também estou indo para o
Centro, não é grande coisa.
Depois que ele sorriu para a minha oferta, percebi a burrada que cometi, não
acredito que ofereci carona para um estranho, mesmo que seja lindo de morrer,
ainda não me sinto segura para isso. E quem é essa tal de Rose que ele citou? A
curiosidade me atingiu como um gancho de direita. Seria a namorada dele?
— Perfeito! — disse ele satisfeito com o convite.
— Não, eu quis dizer... — Enquanto tentava corrigir o que eu disse, Gustavo
deu a volta no carro e entrou no banco do passageiro sem qualquer cerimônia. É
engraçado vê-lo um tanto espremido no pequeno compartimento já que suas pernas
parecem ter quilômetros de comprimento.
— Vou ficar te devendo essa, Liz — agradeceu me olhando nos olhos.
Pisquei percebendo que era tarde demais para me arrepender, só podia rezar
para ele não ser um estuprador ou algum psicopata, e rapidamente dei partida. Meu
carro era um sedan caindo aos pedaços, mas tinha apego emocional, comprei-o
numa loja de usados quando terminei a faculdade. Olhei ao redor do carro para ver
se não tinha nada que pudesse me comprometer, porque meu carro era uma bagunça,
fazia quase tudo que podia dentro dele para economizar tempo. Trocava de roupa
para ir à academia, fazia minhas refeições rápidas nos engarrafamentos e o usava
como depósito. Roupas, sapatos, embalagens de chocolate e latas de energéticos já
viraram acessórios. Enquanto nos colocamos no tráfico pesado desse horário, meu
passageiro se remexeu no banco, mas fingi não olhar. Gustavo colocou a mão por
baixo da perna e puxou a única coisa no mundo que ele nunca, jamais, deveria
encontrar: uma calcinha.
Oh, meu Deus!
Gustavo levantou a maldita peça na altura do rosto e a examinou como se
nunca tivesse visto coisa igual na vida. A tanguinha minúscula de renda preta que
tirei ontem para colocar a roupa da academia, balançou como um relógio usado para
hipnose, porque seus olhos nem piscaram encarando o objeto. Imediatamente dei
uma tapa na mão dele e a calcinha caiu em seu colo, eu puxei e a escondi dentro do
porta-luvas com um safanão.
Santo Cristo!
Será que alguém no mundo pode ser mais azarada? Eu não estou me vendo,
mas posso sentir minhas bochechas queimando de vergonha.
— Eu gosto da cor e do tamanho — disse Gustavo com um sorrisinho
presunçoso.
Fingi que não escutei seu comentário embaraçoso, estiquei o braço e liguei o
rádio para tentar não pensar que ele está aqui tão próximo de mim e ainda por cima
sabe o que estava vestindo ontem como roupa de baixo. Santo Deus, ajude-me a
passar os próximos 30 minutos com esse homem dentro deste carro, implorei
mentalmente.
— Então, vizinha, em que você trabalha? — Gustavo perguntou puxando
assunto como se nada tivesse acontecido há um minuto.
— Eu sou advogada, me formei há dois anos — expliquei tentando me
concentrar no trânsito.
— Você tem mesmo cara de advogada. — Ele sorriu.
— Posso saber, por quê? — perguntei irritada com o seu comentário
engraçadinho.
— Calma, é que você sempre está na defensiva, deve ser uma boa advogada
criminal.
— Não, nunca trabalharia nessa área, sou advogada da vara da família. Eu
trabalho em casos de adoção, abusos, e coisas desse gênero.
— Uau! — Gustavo me encarou surpreso.
— E o que você faz?
Antes de responder, ele deslizou as mãos sobre as coxas, dei uma rápida
olhada no movimento e percebi o que as letras tatuadas nos seus dedos queriam
dizer. O homem tatuou na própria pele a palavra free, o que traduzido do inglês
significa livre, tomei isso como um sinal.
— Eu sou piloto de motocross. — Olhei para ele intrigada, eu deveria
imaginar que o homem lindo sentado ao meu lado era tão selvagem e corajoso para
viver de um esporte desses como ganha pão, mas juro que pensei que fosse um rock
star de alguma banda, ou quem sabe modelo de alguma grife masculina ou algo
desse tipo, mas nunca um piloto de motocross. Não conhecia o esporte, no entanto,
tinha uma ideia do que eles faziam com suas motos e toda aquela roupa colorida.
— Nossa! — Não consegui esconder minha surpresa.
— Acabei de voltar de um campeonato mundial nos Estados Unidos, fiquei
entre os cinco primeiros colocados.
— Então, você é bom — confirmei.
— Sim, acho que sim — falou Gustavo sem soar pretensioso, e gostei do
pouco caso que ele fez disso.
— Mas por que você se mudou pra São Paulo? Em Minas não seria melhor
para treinar? Acho que aqui não tem muitos locais para isso, é quase tudo cimento,
estamos numa verdadeira selva de pedra. A não ser que você vá a cidades vizinhas
longe de todo esse caos — palpitei e percebi que estava sendo invasiva.
— Precisei vir para tratar de alguns problemas, mas também quis vir por
vontade própria, mudar um pouco, sair da mesmice. Não consigo ficar muito tempo
em um mesmo lugar, o mundo me chama. Já morei em alguns estados e em alguns
países, estou acostumado com as mudanças de rotina.
— Então, a tatuagem na sua mão tem um significado verdadeiro para você?
— perguntei.
— Mais do que isso, ser livre é um estado de espírito, é o que me move a
continuar seguindo em frente.
Respirei fundo, olhando para Gustavo perplexa e invejando essa liberdade
que ele estava falando. Como eu queria ser assim, não ter medo em recomeçar e
enfrentar o desconhecido. Ele me lembrava alguém...
— E sua família é daqui? Quer dizer, sua esposa lida bem com essas viagens
e todas essas mudanças de estado? — perguntei sobre a esposa mesmo já
desconfiando dele não ser casado devido ao fato de eu não ter visto uma aliança em
sua mão esquerda, apesar de hoje em dia as pessoas não se importarem tanto com
essa tradição.
— Não tenho mulher, e é por esse motivo mesmo que não quero uma. Minha
mãe e meus irmãos estão em Minas. Minha mãe tem um restaurante em Belo
Horizonte, todos trabalham no negócio da família, menos eu, claro.
— Mineiro, então — falei em voz alta o que deveria não ter saído da minha
boca e apenas ter permanecido nos meus pensamentos, eu deveria ter notado o leve
sotaque.
— Come quieto! — acrescentou com uma risadinha debochada.
Encarei-o rapidamente com as bochechas vermelhas, tentando não enxergar
o duplo sentido nas suas palavras. Fiquei me perguntando o que mais eu podia
descobrir sobre a vida desse homem. Questionei-me como ainda não tinha visto
nada sobre ele na tevê; se era realmente verdade que ele era um bom piloto já devia
ter saído alguma notícia sobre ele. Não era fã de esportes radicais, mas vez ou outra
dava uma olhada no caderno de esportes do meu jornal. Nunca fui uma pessoa
curiosa, no entanto, eu gostaria de descobrir tudo sobre esse homem tão intrigante.
Uma dúvida surgiu em minha mente. Se ele não era casado devia ter uma namorada,
ou uma ficante oficial. Um homem como Gustavo não estaria solteiro em hipótese
alguma, deve ser a tal de Rose que ele falou, será que vão morar juntos?
A curiosidade era mais forte que meu autocontrole em parecer indiferente a
tanta beleza, e antes que eu percebesse, perguntei:
— E Rose quem é? Sua namorada? Ou apenas uma delas?
Gustavo gargalhou de uma maneira incontrolável. Não fazia ideia de por que
ele ria de tudo que eu falava, mas ouvi-lo rir era refrescante. Ele tinha várias facetas,
podia sufocar uma mulher com aqueles olhos intensos e corpo enorme, e também
podia sorrir como um garoto bobo, esse detalhe sobre ele era lindo.
— Me desculpe, não estou rindo de você — explicou ele secando os olhos
lacrimejados de tanto rir.
— O que foi tão engraçado?
— Bem, eu poderia considerar a Rose uma esposa, já que ela me acompanha
em todos os cantos que vou. Passo mais tempo com ela, quer dizer, em cima dela,
do que já passei em cima ou próximo de qualquer coisa na vida. — O sorriso maroto
não saiu de seu rosto.
Uma onda de raiva e decepção ferveu em minhas veias, ele ainda tinha
coragem de confessar que tratava uma mulher assim enquanto paquerava outras,
sem falar que ele gargalhou quando perguntei se a moça era sua namorada. Safado!
— Ei, não é o que você está pensando. — O idiota ainda lê a mente das
pessoas?
— Ah, não? — Levantei uma sobrancelha em interrogação.
— Não, Rose é como chamo a motocicleta que uso nas competições. Por
isso falei que ela não gosta de concreto, é uma máquina calibrada para competições,
não saio com ela a passeio. Uma moto de corrida é tão importante como um joelho
saudável para um jogador de futebol.
Minhas bochechas queimaram como se eu tivesse passado lava no lugar da
maquiagem.
— Oh! — É só o que consegui falar em constrangimento. E, ao mesmo
tempo, senti alívio, ia ser muito decepcionante um homem lindo como esse ser um
cafajeste.
Enquanto o sinal fechou mudei de assunto:
— Ah, eu já ia esquecendo, preciso te dar o telefone do Sr. Jorge, o
mecânico. — Alcancei o meu celular na bolsa que estava no painel e comecei a
procurar o número da oficina. Após ditar os números para ele agendar no celular, o
silêncio predominou até nós chegarmos ao Centro, onde ele pediu para descer perto
do Hospital Santa Cecília. Fiquei interessada e não resisti em perguntar:
— Indo visitar alguém doente? Espero que não seja nada grave. — Gustavo
me encarou com olhos surpresos e profundos, como se o assunto o machucasse de
alguma maneira. No mesmo momento me arrependi de ter me intrometido.
— Não, nada com que deva se preocupar. — Ele sorriu gentilmente e
verificou o celular como se consultasse a hora.
Estacionei na calçada do hospital. Ele desceu, se debruçou na janela e me
deu aquele sorriso completo. Nossa, esse sorriso ainda vai ser minha perdição!
Imaginei o que ele faria se eu me esticasse e beijasse sua boca. Só um selinho, será
que ele se importaria?
Lá vamos nós de novo... Acorda, Liz, ele não é para o seu bico!
— Obrigado pela carona e pela ajuda com o mecânico, foi muito gentil da
sua parte, Liz. — Quando ele falou meu nome, eu me arrepiei inteira, meu nome se
tornou único na voz dele, como uma pequena melodia. Recitada tão perfeitamente
que eu não me cansaria de ouvir. Parece clichê, mas ao ouvi-lo pronunciar meu
nome me senti um pouco mais íntima e presente.
— Oh, não precisa agradecer, não foi nada de mais. — Fiquei embevecida
naqueles olhos, totalmente paralisada e perdida nos pingos dourados da sua íris.
Esforcei-me para desviar o olhar e verifiquei o relógio.
— Preciso ir, não posso me atrasar para o trabalho — falei parecendo uma
tola, mas daria um braço para não mexer uma única célula do meu corpo de lugar.
Ele riu.
— Claro, não quero te atrapalhar. Nos vemos por aí, Liz. — Gustavo
alcançou meu rosto com as mãos, pressionou os lábios macios contra minha pele por
cerca de alguns segundos, sorri e saí andando em direção ao hospital.
Fiquei ali digerindo tudo que aconteceu desde a hora que acordei, e
admirando aquela bunda perfeita no jeans, enquanto toquei a região que queimou
pelo seu contato.
Nossa e ainda não tomei nem um café preto.
Dei partida no carro e fui para o escritório.
Assim que abri a porta ouvi a voz do meu chefe gritando com outro pobre
coitado. Essa não, mas já? Luana, a recepcionista, me olhou com aquele olhar que
diz "a coisa está feia", sorri em agradecimento ao apoio. O Dr. Estefan Salgueira era
um senhor de meia-idade carrancudo que estava sempre suado e vestindo um terno
pequeno demais para o seu tamanho. Fui contratada através de um rigoroso processo
de seleção que durou cerca de um mês de cansativas entrevistas. Através das minhas
excelentes notas, eu fui classificada para o cargo.
Para falar a verdade, eu apenas tolerava meu trabalho, lidar com casais ricos
que queriam adotar crianças para mostrar aos amigos do clube o quanto eram
generosos não era o que eu sonhava em fazer na faculdade. Meu sonho mais
profundo e antigo era trabalhar em abrigos facilitando a burocracia que era adotar
uma criança, sempre quis poder ajudá-las, lhes ofertar uma família amorosa, cheia
de segurança e conforto. Ainda não consegui, mas me virava no que podia. O que
tinha por enquanto era esse trabalho e era o que pagava minhas contas no final do
mês.
Fui até minha mesa, guardei minhas coisas e entrei na sala do meu chefe
para receber as ordens do dia. Caminhei até a mesa de carvalho antiga que ele estava
sentado no centro da sala, rodeado de livros de Direito e ética na estante que tomava
toda a parede as suas costas. Ri só de pensar que ele com certeza não leu nenhum
desses livros, já que ética era uma palavra que não constava no seu vocabulário.
— Bom dia, Sr. Estefan. Desculpe o atraso, o trânsito estava horrível.
Meu chefe, que estava de cabeça baixa lendo o jornal, me olhou como se eu
não fosse grande coisa.
— Sempre cheia de desculpas por sua incompetência. Traga-me um café e
depois busque os processos dos casos de hoje e vá para o abrigo. Um dos nossos
casais vai visitar as crianças, e eu quero você lá indicando-lhes as coisas.
— Claro. Só um minuto, senhor. — Inspirei profundamente e me arrastei
para fora da sala.
Meu dia ia ser longo.
“Eu tento não pensar
Na dor que eu sinto por dentro
Você sabia que costumava ser meu herói?
Todos os dias que você passou comigo
Agora parecem tão distantes
E parece que você não se importa mais...”
Perfect – Simple Plan
Gustavo
Entrei no hospital respirando fundo. Como posso me concentrar depois de
ficar trinta minutos do lado de uma mulher daquelas? Não consigo pensar em outra
palavra que não seja perfeita para descrever minha nova vizinha. Liz Albuquerque
era diferente de todas as mulheres com quem me envolvi. Seu jeito engraçado,
perspicaz e inteligente me intrigou. Sua personalidade somada a sua beleza, me
deixaram zonzo, precisei lutar todos o tempo que estive ao seu lado contra a atração
feroz que senti.
Nunca imaginei que uma advogada usando tons sóbrios e comprimentos
discretos pudesse ser tão sensual. Levei todo meu alto controle para não soltar
aquele coque bem arrumado em seus cabelos e beijá-la dentro daquele elevador.
Como se não bastasse ter um corpo de uma deusa, ainda era dona de um rosto
irretocável. Seus olhos eram de um tom de azul tão claro que algumas vezes tive a
impressão de serem transparentes.
O seu jeito acanhado me deixou um tanto nervoso, mesmo demonstrando
timidez, ela arrebitava aquele nariz bonito quando se sentia desafiada, eu adorei o
tom desafiador que ela forçava nas palavras. A maioria das mulheres que eu saía
não faziam questão de demonstrar interesse, mas Liz sempre corava quando eu
olhava demoradamente para ela, e a cara que ela fez quando eu encontrei a calcinha
no carro foi memorável, nunca vi uma mulher tão sem graça na minha vida. E que
calcinha! Liz com certeza me deu motivos para sonhar com ela à noite.
Quando ela saiu do elevador e caminhou na minha frente balançando os
quadris, eu não podia simplesmente ir embora, eu precisava de mais. Eu passaria
uma vida inteira olhando para aquela mulher.
Preciso mais dessa loira!
Eu não sou santo e também não sou de enlouquecer por qualquer uma, meu
gosto por mulheres sempre foi exigente. Perdi a virgindade aos 15 anos no banheiro
da escola com uma garota do segundo ano, e desde então, as mulheres sempre
passaram pela minha cama.
Talvez o mistério em torno dos seus olhos azuis é que tenha me fisgado
dessa forma. Cada vez que ela olhava em minha direção, meu coração saltava em
disparada.
Acordei desorientado devido ao jet lag da viagem e todo quebrado por
dirigir de Minas Gerais até aqui, pulei da cama e entrei na primeira roupa que
encontrei na mala que, por sinal, ainda não tive tempo de desarrumar. Agora, pela
manhã, vou poder visitar meu pai depois de todos esses anos em que ele sumiu da
cidade deixando minha mãe, eu e meus três irmãos mais velhos sozinhos.
Uma enfermeira me ligou no mês passado dizendo que ele estava no hospital
entre a vida e a morte dependendo de um transplante de rim. E eu, como nunca
consegui entender por que ele nos abandonou para vir pra São Paulo, agora estou
aqui, pronto para obter respostas. Depois do telefonema, voltei de Los Angeles
faminto por explicações, e vou consegui-las antes dele morrer.
Localizei a recepção e fui até lá. Uma senhora de cabelos grisalhos estava
atrás do balcão atendendo ao telefone, aguardei ela terminar a ligação.
— Bom dia! Vim visitar o Sr. Luiz Augusto Salles, pelo que me foi
informado ele está aguardando um doador de órgão.
A senhora ajeitou os óculos de grau no nariz, digitou alguma coisa no
computador e me deu um sorrisinho sem graça.
— O senhor quem é? — ela me perguntou levantando a sobrancelha.
— Sou Gustavo Salles, filho dele.
Essa última frase me deixou um gosto amargo na boca, fazia anos que não
falava isso em voz alta.
A mulher confirmou com um aceno de cabeça, pediu para olhar minha
identidade e me indicou a enfermaria em que ele estava. Quarto 101, lá estarão as
respostas das minhas dúvidas. Dúvidas que carreguei comigo por longos anos e que
agora vou poder desvendá-las.
Caminhei entre os corredores do hospital e minhas mãos começaram a
tremer. O que eu estou fazendo aqui? Por que insistir nessa história? Eu já deveria
ter esquecido isso como meus irmãos fizeram. Até minha mãe, que foi deixada com
os quatro filhos pequenos para cuidar, sempre me disse que já perdoou esse homem.
Como ela pôde ser capaz de esquecer e perdoar? Nunca conseguirei
compreender. Mas eu não esqueço assim tão rápido, sempre desejei me encontrar
com ele para lhe jogar na cara tudo que tenho engasgado no peito, todas as vezes
que esperei que ele voltasse para casa e dissesse que nunca iria embora de novo, eu
só tinha sete anos, meu pai era o meu herói e simplesmente foi embora e nunca me
procurou, nem uma ligação no Natal ele nunca fez.
Hoje era o dia de encerrar essa história. Olhei para a numeração da porta do
quarto 101, coloquei a mão na maçaneta e entrei.
“Uma teia de aranha está emaranhada comigo
E eu perdi minha cabeça
O pensamento de todas as coisas
estúpidas que eu disse...”
Trouble – Coldplay
Liz
Cheguei ao abrigo e fiquei esperando o casal que faria a visita hoje. Como
estavam atrasados, eu fiz uma visita rápida à sala de Cristina Serra, uma das
assistentes sociais, que também é minha melhor amiga. Minha amizade com Cris
surgiu das diversas visitas que fazia ao abrigo acompanhando casais interessados em
adotar ou quando vinha para visitar as crianças. Nossa primeira troca de palavras foi
no banheiro do orfanato quando a encontrei chorando porque quebrou o pó
compacto. Não resisti e ensinei a ela um truque que aprendi na internet para juntar
novamente o pó rachado.
Bati na porta, e um minuto depois, a bela morena de sorriso fácil abriu-a e
saiu para me cumprimentar.
— Amiga! Meu Deus, há quanto tempo? — ela gritou me abraçando tão
apertado que comecei a tossir, Cris continuou falando como se nada tivesse
acontecido: — Pensei que tinha me esquecido, sua egoísta! Posso saber por que
você não atende minhas ligações há duas semanas? Por acaso resolveu ceder ao meu
conselho e conheceu um gatinho? E está muito ocupada na cama dele?
— Não! Claro que não. Eu só estava ocupada, você sabe — respondi
rapidamente querendo evitar que Cris criasse mais histórias.
— Você está sendo uma grande egoísta, dona Liz, eu ligo porque me
preocupo com você sozinha nesta cidade. E porque também quero conversar com a
minha amiga. Tenho tanta coisa para te contar, mas você sempre inventa uma
desculpa para não me atender.
— Eu sinto muito, é que essas semanas estão sendo muito difíceis para mim,
eu não seria uma boa companhia para ninguém, eu sei que não mereço sua
amizade... — falei com os olhos cheios de lágrimas porque sei que andei sendo uma
cadela com a minha melhor e única amiga.
— Eu sei que você me ama, agora não precisa chorar, Liz. — Cris sorriu e
me abraçou de novo. Na verdade, eu estava mesmo precisando desse abraço.
Cristina era a única pessoa que eu tinha nessa cidade, não podia perdê-la.
— Bem, para quitar o débito que você tem comigo, que tal uma saidinha
amanhã?
— Você sabe que dia é amanhã, não serei uma boa companhia.
— Por isso mesmo, vamos pensar assim, será uma noite nossa só de meninas
com um belo vestido e alguns bons drinks, poderemos por o papo em dia e esquecer
um pouquinho o drama que vivemos. O que acha?
— Você sabe que há anos não vou a uma balada, não sei se é uma boa ideia,
Cris, não seria melhor pegarmos um cineminha? — tentei convencê-la, com minha
melhor voz de amiga boazinha.
— Claro que não, somos jovens demais para perder tempo com um filme
bobo em pleno sábado à noite. Vamos lá, sua chata. Você me deve.
Respirei fundo, olhei para aqueles olhos negros pidões que estavam me
encarando com cara de cachorro que caiu da mudança e pensei: “Amanhã será um
dia terrível se eu ficar em casa lamentando mais um dia, e é uma boa data para
encher a cara com uma amiga”.
— Tudo bem, eu topo — concordei finalmente.
Cris pulou gritando feito uma louca, o que me fez rir.
— Eu sabia que você não iria me decepcionar, eu te amo e você sabe, agora
espera aí, você está diferente.
Eu comecei a rir e neguei com a cabeça.
— Está sim, conheço esse sorriso, você conheceu alguém? É isso?
Uma coisa tinha que concordar, a Cris era maluquinha, mas me conhecia
como ninguém, mas eu não conheci ninguém ao certo, só dei carona a um vizinho,
só isso. Ela não precisava saber que ele me deixou suspirando.
— Não conheci ninguém, agora me deixa voltar lá para a recepção que estou
esperando mais um casal para a visita.
Cristina me deu aquele olhar avaliativo, que só ela sabia fazer, e perguntou:
— Aquele cretino ainda está te infernizando no escritório? Te fazendo de
babá dos ricaços?
— Você sabe, ele não muda. Deixe-me ir, antes que o casal chegue e ligue
para ele me procurando. O babaca só está esperando uma chance para me colocar na
rua.
— Uau! A senhorita certinha está xingando? — Cris falou rindo.
— Não enche, Cris, vou nessa. — Dei um abraço nela e saí em direção à
recepção.
— Amanhã te ligo para combinarmos, agora atende esse celular! — ela
gritou. Não resisti e ri pelas loucuras da minha amiga.
Cheguei à recepção e já encontrei o casal conversando com a recepcionista,
me apresentei e os encaminhei ao pátio onde as crianças estavam brincando. O
orfanato era um prédio antigo no estilo colonial com uma grande fachada azul e
muitas janelas; na frente foram construídos um lindo jardim com balanços,
escorregadores e banquinhos de madeira. Ideal para as crianças sentarem com os
pretendentes a pais para conversar. Era um lugar agradável, mas mesmo assim muito
impessoal, o que me deixava triste. Todas as crianças mereciam ser felizes em
lugares seguros e cheios de amor. "Amor", será que ainda acredito nessa palavra?
Afastei os pensamentos e indiquei ao casal Sherman as crianças que estavam
dentro das características que eles queriam. Como sempre, crianças entre zero a seis
anos, brancas e sem problemas físicos ou psicológicos. Isso me partia o coração,
ainda mais por ver as outras crianças maiores que não possuíam essas características
brilharem os olhinhos na esperança de serem as escolhidas. O pátio estava cheio de
meninas e meninos correndo e brincando no sol da bela manhã de outono.
A Sra. Sherman era uma linda mulher de meia-idade, um pouco engessada
com tanta maquiagem (talvez eu também seja assim), ela vestia um belo tubinho
azul-marinho e sapatos de salto agulha que, provavelmente, era desconfortável para
andar na grama pela forma que ela olhava para as crianças. Já seu marido era um
belo homem por volta dos trinta e poucos anos, cabelos levemente grisalhos
cortados perfeitamente em um corte sério e sofisticado, vestindo um elegante terno
risca de giz sem gravata, o que me levou a pensar que ele ainda ia voltar ao trabalho.
Seu olhar era mais acolhedor para as crianças, ele as examinava com um olhar de
amor e compaixão.
O Sr. Sherman caminhou até um garotinho magricelo de uns cinco anos de
idade que estava sentado sozinho no balanço tentando se balançar, mas as pernas
curtinhas o impediam, ele se aproximou e perguntou se podia ajudá-lo. O menininho
confirmou com a cabeça e os dois começaram a brincar. Um empurrava o balanço e
o outro sorria fechando os olhinhos sentindo o frio na barriga causado pela
gravidade da descida. Me peguei sorrindo com a cena tão simples e tão tocante, me
voltei para a senhora Sherman, que olhava incrédula para os dois.
— Ele está muito enganado se pensa que vamos ficar com aquele negrinho
— resmungou irritada.
Encarei o rosto amargo da mulher.
— A senhora deveria estar procurando amor ao invés de cor da pele, Sra.
Sherman, se acha que isso desclassifica uma criança está no lugar errado, talvez um
pet shop fosse mais indicado, aí sim a senhora poderia escolher um animal da raça
que lhe agrada e com certificação de pedigree, e não aqui procurando uma criança
que será seu filho. Apesar de que tenho certeza de que nem um animal a senhora
deva ser capaz de criar com tanta amargura.
Terminei de falar tremendo de raiva daquela mulher pedante que me
encarava com olhos fulminantes que tenho certeza de que se pudessem, me
matariam ali mesmo.
— Quem você pensa que é, mocinha, para falar assim comigo? Vou
comunicar ao seu chefe o tipo de gente que ele contrata no seu escritório. Olhe para
você, uma pobre coitada me dizendo o que devo fazer — rebateu de dentes
trincados.
Assim que ela fechou a boca percebi a presença do Ricardo ao nosso lado
com o menino no colo olhando para a esposa, como se não acreditasse na asneira
que ela estava falando.
— Olívia, cale-se! — disse ele severamente. — Você deveria se envergonhar
por comportar-se dessa maneira, não vou admitir seu preconceito nem mais um
segundo. Peça imediatamente desculpa à senhorita Liz.
— Jamais faria isso, ela me destratou de uma maneira terrível, e você está
muito enganado se pensa que irei concordar em adotar esse menino que está em seus
braços. — Ela ainda ousou demonstrar desprezo quando disse a palavra menino.
Vadia!
Ele respirou fundo com o rosto tão vermelho, que imaginei que ele estivesse
morto de vergonha pelo comportamento prepotente da mulher.
O Sr. Sherman se virou para mim.
— Liz, eu peço desculpas pela minha mulher, você poderia levá-lo para
tomar água enquanto eu converso com minha esposa?
Concordei com a cabeça e estendi os braços para pegar o garotinho.
Enquanto caminhamos até a entrada do orfanato me virei e vi o casal discutindo
calorosamente. Como pode um homem, que aparenta ser tão decente, ter se casado
com uma mulher horrível daquelas?
Mas não é para menos, tinha exemplos de que, quando queria, uma mulher
podia destruir a vida de um homem quando se propunha a isso. Ajudei o garotinho a
tomar água no bebedouro, quando ele terminou abaixei-me e perguntei qual era o
nome dele. Ele me olhou com olhos assustados e disse:
— Meu nome é Muel. — Sua voz era aguda como de qualquer criança. Sorri
da forma errada que ele falou seu próprio nome e me apresentei:
— Samuel, eu me chamo Liz, e achei você um garoto muito lindo. —
Ele riu e baixou a cabeça, uma supervisora passou por nós e me perguntou se ele
deu algum trabalho e eu respondi que viemos só tomar uma água e já estávamos
voltando para o pátio.
Saí de mãos dadas com ele para o jardim, continuando a fazer perguntas
sobre suas brincadeiras preferidas. No momento em que estávamos nos
aproximando dos degraus da frente do prédio vi Sherman caminhando sozinho até
nós. Ele abriu um sorriso quando viu Samuel.
— Me desculpe, Liz, minha esposa precisou ir embora, ela não está em um
bom dia. — Acenei com a cabeça. — Agora me passa esse garotinho aqui que
vamos brincar mais um pouco antes que o horário de visitas acabe.
Os dois saíram para o parquinho e começaram a brincar. Provavelmente
Ricardo Sherman mandou a esposa ir embora devido à sua atitude, Olívia mais
atrapalharia do que ajudaria junto às assistentes sociais, mesmo que eu esteja
trabalhando para eles, preciso lembrar-me de contar a Cristina a atitude daquela
mulher, eu não seria tola em achar que ela cuidaria bem de uma criança. Mas como
um casal que discorda de algo tão sério pode estar dando entrada num processo de
adoção?
O horário de visitas acabou por volta das onze da manhã, uma das
orientadoras encaminhou as crianças para dentro do prédio, Sherman se despediu do
Samuel com um beijo no rosto, um abraço apertado e a promessa de voltar na
próxima semana para brincarem no balanço. Meu coração apertou quando vi a
satisfação da criança com a promessa.
Após todos entrarem, eu toquei no assunto da adoção:
— Sr. Sherman, vejo que o senhor ficou encantado com o garoto.
— Sim, o olhar triste que ele me deu assim que cheguei aqui me tocou, devo
confessar que acho que já encontrei meu filho.
Sorri com a confissão emocionada dele e toquei no assunto que gostaria de
evitar:
— Mas o senhor sabe que, para o processo de adoção dar certo, é preciso
que o casal esteja de acordo com a escolha da criança, para assim evitarmos futuras
devoluções. E, pelo que vi, sua mulher não ficou muito feliz com a aproximação de
vocês. Sinto lhe dizer que, se as assistentes sociais notarem a atitude da sua esposa,
podem não lhe dar a guarda do Samuel.
Sherman me olhou com os olhos cheios de decepção.
— Eu sei, e é por isso que terei uma conversa séria com ela assim que
chegar em casa hoje. Sempre sonhei em ter um filho e, como a Olívia nunca quis
engravidar, achei que poderíamos adotar uma criança, mas, pelo visto, ela não
concordou totalmente com a ideia. Eu não vou abrir mão de ter uma família, mesmo
que Olivia se negue a me dar isso.
Fiquei em choque com o que disse, ele aparentava ser um bom homem e,
com certeza, sua esposa não o merecia.
— Sinto muito, imagino como deve ser difícil para o senhor. Mas tente fazer
isso da melhor forma possível. Faça o impossível para que nunca mais esse tipo de
situação aconteça na frente de uma das crianças do abrigo, elas não merecem mais
esse tipo de desprezo. Qualquer dia que precisar, é só contatar o escritório que lhe
acompanho para mais uma visita. Vai dar tudo certo e o senhor será um ótimo pai.
Ele me olhou acanhado como se não esperasse o elogio, caminhamos em
silêncio até o estacionamento e ao chegar ao meu carro nos despedimos e ele
caminhou até a Mercedes dele.
A viagem de volta foi tranquila, as músicas do rádio levaram minha mente
para um futuro distante onde me imaginei cuidando dos meus próprios filhos. Será
que eu seria uma boa mãe? Será que eu os magoaria como fui magoada? Será que
um dia encontrarei alguém que seja um bom pai?
Parei num restaurante perto do trabalho, comprei uma salada de frango com
ricota para viagem e voltei para o escritório. Com certeza, meu chefe estaria com
uma pilha de processos para eu revisar.
Quando entrei na sala, o Sr. Estefan não estava, mas Luana, a recepcionista,
me informou que ele não voltaria mais hoje, pois estaria viajando com a família para
o interior neste fim de semana e que só voltaria na segunda. Sorri aliviada, mas ela
logo me avisou que uma lista de tarefas me esperava em cima da minha mesa.
Respirei fundo, aliviada, e fui para a minha sala engolir rapidamente a salada
para tentar terminar tudo que tinha para fazer ainda hoje. O que, pela lista que ele
passou, incluía revisar dois processos de duzentas páginas, fazer um relatório da
visita do casal Sherman, tirar cópias de todos os processos da semana que vem e
anotar todos os recados dele. Enfim, não sei que hora sairei daqui.
Lá pelas sete da noite percebi o escritório vazio, todos haviam ido embora
para os seus compromissos de fim de semana e eu ainda aqui. Finalmente terminei
tudo que eu tinha para fazer, me alonguei sentindo as costas doerem e decidi que já
era suficiente por hoje. Organizei minha mesa, apaguei as luzes e fui até o
supermercado.
O Walmart, próximo de casa, estava lotado, casais e famílias fazendo
compras do mês, solteiros comprando vinhos e queijos, o que me fez pensar que
alguns teriam encontros românticos hoje. O que me deixou ainda mais frustrada,
porque há anos não vou a um encontro. Nunca fui muito de namorar. Nos meus
vinte e poucos anos só tive um único namorado e foi na escola quando eu ainda
tinha uma vida normal, era um carinha popular do colégio que não entendia o que
era um pedido para parar com as mãos bobas.
Foi só mais uma decepção para minha coleção, ele me traiu, assim que a
bomba explodiu na minha vida, com a minha melhor amiga. Mais um que me virou
as costas quando mais precisei. Apesar de que não foi uma grande perda, ele beijava
mal e ainda era um idiota prepotente.
Nunca chegamos a nada além de amassos, naquele tempo eu ainda não me
sentia preparada para dar esse passo, e hoje em dia agradeço por ter resistido e não
ter dormido com ele. Se minha vida não fosse tão confusa e eu tivesse tempo de ser
uma pessoa normal, eu já teria procurado alguém para resolver meu problema da
virgindade.
Peguei um carrinho e comecei a encher com as porcarias que gostava de
comer: congelados, chocolates, sorvete e refrigerantes. Não que eu não soubesse
cozinhar, até sabia, mas não tenho vontade de ir para o fogão desde meus quinze
anos, quando tudo aconteceu. Quem me ensinou a cozinhar desde garota foi meu
pai, ele cozinhava todas as refeições da casa, minha mãe nunca teve tempo e
interesse para isso. Mas para variar o cardápio de congelados com gordura saturada
e muito sódio, escolhi uma massa fresca, alguns legumes e verduras.
Na seção das carnes e frutos do mar comprei alguns camarões, um belo filé
de salmão e frango. Indo para o caixa peguei algumas garrafas de vinho, trabalhei a
semana inteira e merecia um jantar decente. Talvez assim, eu conseguisse uma boa
noite de sono.
Fui para a fila do caixa, que estava longa; enquanto isso pensei no que ia
fazer assim que chegasse em casa: um bom banho, cozinhar uma massa com
camarões e cogumelos, algumas taças de vinho e uma playlist de músicas
relaxantes. Sim, isso será perfeito.
Assim que cheguei à garagem do prédio, procurei o carrinho de carga que
sempre ficava aqui para ajudar os moradores com as compras, mas ele não estava
em lugar nenhum. Provavelmente algum vizinho chegou primeiro do que eu.
Pensei em como ia subir tantas sacolas de compras de uma só vez, não
queria descer várias vezes para buscá-las. Isso demandaria muito tempo e estragaria
todos os meus planos em ter um fim de noite relaxante. Desci do carro suando,
coloquei a minha bolsa no ombro, abri o porta-malas e peguei as sacolas dividindo-
as em ambas as mãos e fui em direção ao elevador.
Antes dele chegar já estava com os dedos machucados do peso das compras.
Que droga! Ainda faltavam vinte andares antes de chegar ao meu. Entrei no
elevador vazio agradecendo aos céus por isso, ele parou na portaria; assim que as
portas se abriram, imagine quem estava em pé com os olhos em cima de mim?
Sim, Gustavo.
Ele ainda estava com a mesma roupa de mais cedo, os cabelos pretos ainda
mais bagunçados, porém dessa vez o habitual olhar divertido e galanteador foi
substituído por uma tristeza profunda.
Gustavo entrou sorrindo quando me viu.
— Pelo visto sou um homem duplamente sortudo, te encontro no começo do
dia e no final. Isso é um bom sinal.
Retribuí o elogio com um sorriso sem graça. Gustavo olhou para as minhas
mãos cheias de sacolas e me pediu para ajudar.
— Não precisa, eu posso fazer isso — neguei sem jeito, tentando ignorar a
forma estranha que ele me fazia sentir.
Gustavo insistiu:
— Eu não seria um cavalheiro se te deixasse carregar esse peso todo
sozinha. Dê-me aqui essas sacolas.
Ele as tomou das minhas mãos sem me dar nenhuma chance de recusar.
Mentalmente fiquei aliviada, meus dedos já estavam queimando. Gustavo ficou ao
meu lado no elevador, ele cheirava tão bem, uma mistura de notas amadeiradas e
suor que me deixou ofegante com a proximidade. Como é possível passar o dia
inteiro na rua e continuar cheirando tão bem?
— Liz? — Ele me flagrou descaradamente olhando para o seu pescoço
moreno e masculino.
Enrubesci, e desviei o olhar para o seu rosto.
— Sim?
— Você teve um bom dia no trabalho? — Gustavo me encarou esperando a
resposta.
— O de sempre, e você conseguiu resolver o problema no seu carro?
— Ah, sim. Você tem um bom mecânico, ele veio até aqui fazer o reparo na
minha pick-up, só consigo me virar em consertar motos, carros não são meu forte.
Ficamos em silêncio assistindo os botões do painel se apagando conforme
avançávamos os andares, até que ele falou:
— Obrigado, você salvou o meu dia mais uma vez.
Olhei para ele sem entender o que quis dizer com isso.
— Como assim? Mais uma vez?
— Tive o pior dia da minha vida sem dúvida, e você apareceu cheia de
sacolas salvando o meu dia de novo, primeiro foi a carona e o número da oficina e
agora você está aqui.
Gustavo demonstrou tanta fragilidade em suas palavras que me perguntei o
que será que aconteceu para que ele tivesse um dia tão ruim, com certeza foi algo
horrível pela forma que seu olhar estava abatido e os olhos vermelhos como se
tivesse chorado.
— Não fiz nada de mais, você é que está sendo gentil em me ajudar — tentei
aliviar o assunto.
No 14º andar entrou um jovem casal no elevador que fingiu não nos ver e
começaram um beijo que estava mais para preliminar; o garoto apertou a bunda da
menina como se estivesse apenas colocando o cabelo dela atrás da orelha.
Gustavo me pegou encarando a cena de olhos arregalados. Ele piscou para
mim e sorriu o sorriso desavergonhado de antes. Meu Deus, o que esse homem faz
comigo? Baixei a cabeça e comecei a olhar para os meus pés, morta de vergonha
pela situação. Percebi que passamos o andar dele, quando chegou ao meu, pedi as
sacolas e ele negou com a cabeça fazendo questão de me acompanhar até a porta do
meu apartamento.
O que ele acha que está fazendo?
— Gustavo, muito obrigada pela ajuda com as sacolas — agradeci tentando
alcançá-las.
— Vou te ajudar a guardá-las, se você não se importar. Na verdade, não
quero me despedir ainda, acho que se sair agora sem a sua companhia vou fazer
alguma besteira, ou encher a cara até cair bêbado em algum lugar.
De repente me passou uma ideia pela cabeça, nós poderíamos ser amigos,
afinal tantas mulheres tem amigos por aí. Não seria nada de mais ter alguém com
quem conversar, alguma amizade com os vizinhos não faria mal algum, certo? Com
certeza, ele não tem ninguém na cidade assim como eu; para falar a verdade, tenho a
Cristina, mas não tenho nenhum amigo homem. Então, tomei a atitude mais idiota
que eu poderia tomar.
— Bom, eu estava pensando em cozinhar alguma coisa e tomar um vinho.
Quer me acompanhar? Talvez você queira conversar — sugeri já sabendo que ele
não ia querer jantar comigo, aliás, ele nunca iria achar graça em uma mulher como
eu para passar o tempo. Com certeza deve ter outros compromissos mais
interessantes.
— Claro, por que não? Fico muito grato pelo convite, e devo confessar que
estou morrendo de fome — Gustavo respondeu sem pestanejar aceitando o convite e
continuou: — Agora, se você quiser abrir a porta seria uma boa ideia, as sacolas
realmente estão um pouco pesadas — concluiu franzindo a testa.
Peguei-me olhando feito uma idiota para ele com as chaves na mão.
— Ah, claro... desculpe-me.
Abri a porta e entramos.
“As luzes se apagam e eu não posso ser salvo
Ondas, que eu já tentei nadar contra
Vocês me colocaram de joelhos
Oh, eu imploro, eu imploro e suplico, cantando...”
Clocks – Coldplay
Gustavo
Quando abri a porta do quarto que meu pai estava internado, a minha
primeira reação foi ficar em choque com o que vi. O homem deitado na cama estava
totalmente diferente da imagem que recordava dele. Nas minhas lembranças ele era
grande, mais ou menos do meu tamanho, talvez até mais alto, com o corpo forte e
bem construído e cabelos escuros iguais aos meus.
Na verdade, eu me parecia muito com o homem que ele foi anos atrás. Só
um único detalhe, eu puxei aos olhos castanhos da minha mãe. Meu pai tinha os
olhos azuis-escuros, tão intensos que pareciam um oceano. Lembrei-me de que,
quando eu era pequeno e estava aprontando, só bastava um olhar recriminatório do
meu pai para eu saber que estava encrencado, ele nunca nos batia ou gritava com a
gente, era só preciso olhar com aqueles olhos duros e sabíamos que depois teríamos
que nos explicar sobre o nosso comportamento. Isso bastava.
Éramos quatro crianças traquinas e saudáveis que corriam pela casa toda,
mas que sempre sabíamos ser educados quando necessário. Afastei o pensamento da
minha infância para não me trazer mais dor e aproximei-me da cama. A cada passo
que dava, meu coração acelerava mais contra minha caixa torácica, olhei-o mais de
perto.
Eu poderia até pensar que a recepcionista me indicou o quarto errado, que
este homem não era o meu pai, no entanto, assim que olhei para aqueles olhos azuis
em forma de oceano, tive certeza, esse era o meu pai. O homem que nos abandonou.
O herói que, de uma hora para outra, se transformou em vilão. O homem que um dia
amei como se ele fosse alguém imbatível, incapaz de nos fazer mal. Como fui
ingênuo.
Ele estava conectado a duas intravenosas, um tubo de respiração no nariz, e
uma máquina que eu não reconhecia, apitava a todo instante. A sua pele esverdeada
e seca cobria seu corpo cadavérico, cheio de ossos salientes como uma luva de
pelica de má qualidade. Fitei seu rosto abatido coberto de uma barba cinzenta e
profundas olheiras embaixo dos olhos. Com certeza, ele tinha a aparência de alguém
muito doente; quando me falaram que ele estava entre a vida e a morte, não estavam
brincando.
Limpei a garganta criando coragem e pensando em como ia começar a
questioná-lo sobre o passado. Respirei fundo e fiz a pergunta mais difícil da minha
vida.
— Lembra-se de mim? — perguntei lançando um olhar cético em sua
direção enquanto ele me encarou como se não pudesse crer que eu era real.
Meu pai afastou o tubo do rosto e olhou nos meus olhos.
— Sim, filho, nunca me esqueci de você... nenhum dia sequer. — Sua voz
estava rouca e fraca. Ouvi-la novamente depois de tantos anos me deixou
completamente consternado.
— O quê? — indaguei irritado. Esse cara só pode estar de brincadeira com a
minha cara.
— Filho, nunca me esqueceria de vocês, estou tão feliz que você está aqui.
Esperei tanto para te ver.
Dei um sorriso amarelo, tentando entender qual a sua intenção.
— Você ficou louco ou o quê? Você nos abandona por todos esses anos e
agora vem dizer que nunca se esqueceu de mim e dos meus irmãos? Eu não sou
idiota. Pode cortar a conversa fiada agora mesmo.
— Eu sei que você não é idiota, filho, e fico feliz por isso.
— Dá para parar de me chamar de filho? Você nunca esteve lá para mim.
Você não é nada para mim, além de um estranho.
— Eu sei, Guto, e sinto muito por isso — ele disse com a voz falha.
— Não me chame assim, nunca mais, você não tem mais esse direito. O que
você quer? Por que mandou me ligarem? Para começar, como conseguiu me achar?
— perguntei para ele com as mãos tremendo de tanta raiva. Como ele ousava me
chamar da mesma forma de quando eu era criança? Como se ainda tivesse
intimidade para isso.
— Filho, eu não quero nada seu. Te vi na tevê e pensei que seria bom me
despedir. — Uma lágrima escorreu dos olhos do meu pai.
Anos atrás eu me comoveria com aquilo, mas não hoje. Chantagem
emocional não vai me convencer de que está arrependido.
— Por que eu? Por que você procurou a mim? E não a meus irmãos? Ou a
minha mãe?
— Porque eu sempre soube que eles me perdoariam e você não.
— Você não tem ideia, não é? Você não sabe de nada... eu odeio você.
Sempre odiei, desde o dia que você foi embora nos deixando para trás. Ódio é a
única coisa que sinto em relação ao que você representa. O que você quer? Dinheiro
para te manter aqui nesse hospital? Sinto muito, mas procurou a pessoa errada, eu
até tenho a grana, mas prefiro gastá-la com quem se importa comigo, e não com
quem me abandonou quando eu só era um moleque e só reaparece quando está
fodido em cima de uma cama.
Senti as lágrimas lavarem o meu rosto, mas não consegui me controlar, sabia
que ele era meu pai, que estava em cima de uma cama correndo o risco de não sair
vivo dela, mas eu precisava falar. Meu peito estava doendo, como se uma mão
apertasse meu coração me sufocando. Não podia controlar minha raiva, são muitos
anos de mágoas e ressentimentos para agir cordialmente.
Precisava desabafar e dizer que não esqueci tudo que ele me fez. Ele era meu
pai, era dever dele prezar pela minha felicidade. Cuidar de mim, dos meus irmãos e
da minha mãe. E não fugir como um garoto imaturo atrás de aventura sem se
preocupar com quem ele estava deixando para trás com essa decisão. Senti-me
abandonado por todos esses motivos e nunca nem soube o porquê, me culpei por
não ser um bom filho, mas depois que cresci percebi que a culpa não era minha, e
sim dele que decidiu partir.
— Eu não acredito nisso, filho, você me ama, sempre me amou, se não,
nunca teria se dado ao trabalho de vir até aqui. Eu não preciso do seu dinheiro,
longe disso. Trabalhei todos esses anos para deixar vocês em uma situação
confortável. Por isso estou aqui, gastei toda a minha vida trabalhando para repor a
falta que vocês me faziam. — Meu pai tentou se levantar, mas foi impedido pelos
fios ao qual está conectado. Ele começou a tossir, mas isso não me afetou.
— Nunca precisamos do seu dinheiro, nem depois de morto isso aconteceria.
Minha mãe trabalhou duro para nos criar, e hoje eu e meus irmãos temos nossas
vidas planejadas, não precisamos de nada que venha de você. Acredite nas minhas
palavras quando digo que odeio você. — cuspi sem qualquer remorso, porque era a
verdade.
A máquina começou a apitar um pouco mais alto me deixando zonzo, senti-
me enjoado. Mas meus olhos continuaram travados nos seus, senti meu corpo tremer
pela força das minhas palavras. Sequei as lágrimas antes de uma enfermeira entrar
no quarto e começar a verificar meu pai na cama.
Ela pediu para eu esperar lá fora enquanto o examinava, porém eu já disse
tudo que tinha para dizer.
Assunto encerrado. Saí cambaleando para o corredor, simplesmente não
enxerguei nada ao meu redor, eu estava com tanta raiva, tanta amargura e
ressentimento que, se eu pudesse, bateria em alguma coisa. Vi uma lixeira, corri até
ela e vomitei tudo o que tinha no meu estômago. Isso foi demais para mim, vê-lo
naquele estado me dizendo aquelas palavras foi mais difícil do que imaginei que
seria. Comecei a me perguntar se ele morreu, será que ele está bem? Por que a
enfermeira pediu para eu sair? Será que ele vai morrer sem acreditar que eu não o
amo? Que ele não é o meu pai? Será que ele vai morrer porque vim até aqui? Eu sou
um maldito idiota! Mas essa é a verdade, não é? Eu o odeio. Quer dizer, isso é o que
eu deveria sentir, não é? Mas por que me sinto tão ansioso para saber se ele ainda
está vivo?
Esse assunto nunca estará encerrado, porra!
Sentei em um dos bancos da recepção do hospital, baixei a cabeça entre os
joelhos e tentei me acalmar respirando profundamente. Depois de alguns minutos, a
enfermeira que estava com meu pai me chamou. Eu fui até ela prevendo suas
palavras. O pânico em imaginar que ele poderia não ter resistido a minha visita me
deixou ainda mais angustiado.
Apesar de tudo, eu sou sangue dele. Não posso ficar feliz com a morte do
meu próprio pai; pelo contrário, sinceramente espero que ele fique bem, entretanto,
apenas fique longe de mim.
A enfermeira me lançou um sorriso bobo. O mesmo sorriso que as mulheres
me davam quando estavam interessadas. Azar o dela, porque não estava com cabeça
para isso.
— Agora ele está bem, só ficou nervoso. O Sr. Augusto está com a saúde
muito fraca para ter emoções muito fortes, então nada de assuntos delicados. Você é
o filho piloto de quem ele tanto fala?
— Hum... não sei. Não posso lhe responder quantos filhos ele abandonou
por aí — resmunguei baixinho ainda interpretando suas palavras.
— Garanto que não muitos. Seu pai fala muito de vocês, todas as pessoas do
hospital amam seu pai. Ele é meu paciente preferido, sempre tão sábio e amoroso.
Mas não o deixe saber que eu lhe disse isso, às vezes ele fica um pouco metido.
— Não sei porque está me dizendo isso. Só quero saber se ele ainda está
vivo.
— Ah, me desculpe, não quero lhe alongar. Bem, nós ligamos para você,
para que possa fazer o teste de compatibilidade para o transplante. O médico daqui a
pouco vai falar com você. — A enfermeira sorriu e saiu me deixando pensando no
que ela acabou de dizer. Teste de compatibilidade? Que merda é essa? Nem fodendo
irei doar meu rim para esse cara.
Um médico baixinho e careca se aproximou de mim e perguntou:
— Você é o filho do Sr. Luiz Augusto Salles, não é?
— É o que me dizem — confirmei irritado descontando minha frustração de
toda situação nele. Sei que eu era um idiota, mas estava muito puto para raciocinar
direito e, nesse momento, eu não queria ser o filho miserável de um homem
acamado.
— Me chamo Dr. Antônio Pontes e estou acompanhando o caso do seu pai.
Poderíamos ir até minha sala para conversarmos?
— Eu não sei em que posso ajudar, doutor.
— Vamos até minha sala, fica logo ali, lá conversaremos mais à vontade,
assim posso te explicar o porquê da nossa ligação — ele insistiu.
Mesmo sem vontade, eu o segui até seu consultório. O Dr. Antônio sentou-se
atrás de sua mesa e me fez um sinal para sentar na cadeira à sua frente. Comecei a
me sentir enjoado novamente, Santo Deus!
— Gustavo, descobrimos seu contato com uma revista de esportes que fez
uma matéria sobre você no mês passado, seu pai nos contou que você é piloto de
motocross. O Sr. Augusto tem muito orgulho de você. Ele coleciona todas as
revistas e jornais em que você aparece.
— Eu estava em Los Angeles para uma competição quando vocês me
ligaram.
— Eu vi que você ficou entre os cinco primeiros colocados, parabéns! Seu
pai ficou exultante de felicidade.
— Acho que orgulho não é o sentimento que ele nutre por mim, talvez culpa
possa se encaixar melhor. Eu realmente não sei em que posso ajudá-lo, como já lhe
falei anteriormente, nós não temos nenhuma relação afetuosa, o senhor me entende?
— Imaginei, mas quero que saiba que seu pai infelizmente está com os dias
contados se ele não fizer um transplante o mais rápido possível. Estamos correndo
contra o tempo e eu não sou um homem de desistir de meus pacientes. Estava
contando que você pudesse fazer um teste de compatibilidade para doar o rim ao seu
pai. Gustavo... — O senhor baixinho e calvo à minha frente me encarou com a testa
franzida, girando a caneta entre os dedos num gesto de impaciência. Ele respirou
fundo e continuou: — Não sei sobre o relacionamento de vocês, mas espero que
você entenda que a vida dele depende disso. — O médico concluiu fazendo questão
de frisar a palavra vida, como se isso fosse me fazer entender a necessidade de ele
ter me chamado até aqui.
— Eu não sei o porquê você espera isso de mim, doutor. Sei que o senhor
está fazendo seu trabalho, e admiro isso, mas é como lhe falei, não tenho nada a ver
com esse homem.
— Esse homem é o seu pai. Esse é o porquê eu espero que você faça o teste,
como também indique outros parentes para que também possam fazê-lo.
Fitei o médico ainda sem acreditar no que eu ouvi. Eu não podia fazer isso.
Não depois de tudo que ele nos fez passar.
— Dr. Antônio, eu respeito sua opinião, mas acho que não posso fazer isso.
— Fui curto e grosso, para deixá-lo ciente de que eu estava fora dessa
responsabilidade que ele queria jogar nas minhas costas.
— Pelo menos pense, Gustavo, pense que você pode deixar seu pai morrer,
caso não concorde em fazer o teste. É só um teste. Não tem nada certo ainda, e eu
não estou lhe pedindo o coração, é só uma parte do seu rim, isso caso sejam
compatíveis. — Ele sorriu fracamente para mim.
— E a fila de doação? Deve haver outra maneira, eu não vou fazer isso.
Como deve saber, sou atleta e não posso passar nem perto de um procedimento
como esse.
— Meu caro, reflita. Não acho que você viveria uma vida plena sabendo que
não fez o bastante para salvá-lo. A fila para transplantes no Brasil chega a durar dois
anos de espera para acharmos um doador compatível, e a fila tem cerca de trezentas
pessoas para esse tipo de órgão e não temos tempo para isso. Então, se você ou
alguém da sua família puder ser o doador será maravilhoso, além de que poderíamos
tirar a chance de salvar a vida de outra pessoa usando um órgão doado pelo sistema
tendo um parente compatível e legível para doar. Agora se você me der licença
tenho que atender outro paciente.
Saí da sala atordoado com toda essa informação, fui direto em direção à
saída do hospital. Preciso sair daqui. Preciso de ar. Preciso respirar. Andei pelas
ruas sem saber em que direção seguir, só queria andar e esquecer que essas últimas
duas horas aconteceram.
Avistei um café e entrei, pedi a garçonete um expresso. Sentei-me em uma
mesa próxima a rua e fiquei observando o vai e vem de pessoas. Será que a vida
delas tem tantos dramas como a minha? Arrependi-me de ter atendido aquela
ligação do hospital. Nada disso estaria acontecendo se eu não fosse curioso e tivesse
atendido a chamada do número desconhecido. O que eu estou fazendo aqui? É a
pergunta que não quer calar na minha cabeça. Agora tinha a responsabilidade da
vida de uma pessoa nas minhas costas. Começo a relembrar as palavras do meu pai.
Sim, filho, nunca me esqueci de você nem um dia sequer.
Ele só podia estar brincando comigo, como ele tem coragem de dizer isso na
minha cara, depois de tudo? Faz vinte anos que ele foi embora, porra!
Filho, nunca me esqueceria de vocês, estou tão feliz que você está aqui.
Ah! Ele só pode estar feliz, já que está contando que eu lhe dê um rim. Foi
por isso que ele me procurou, para eu ajudá-lo. Procurou a mim porque sabia que eu
era um fraco e seria mais fácil me enganar. Ele precisa saber que eu não sou um
idiota e não tenho mais sete anos.
A garçonete chegou com o café, me entregou e saiu rebolando querendo
chamar minha atenção. Estava tão confuso, que nem reparei no rosto dela.
Eu não acredito nisso, filho, você me ama, sempre me amou.
Não, eu não o amo, quem o amava era o garotinho de sete anos que pensava
que o pai era o super-herói incrível, que lhe protegeria das dores do mundo e sempre
estaria ali, perto. Daria qualquer coisa para não ter vivido esse dia, mas logo me
arrependo do que desejei porque hoje eu conheci a mulher mais linda que já vi na
vida. Liz, a garota com nome e cheiro de flor.
Imediatamente lembrei-me do mecânico e liguei para combinar o conserto
do carro, por sorte, o Sr. Jorge tinha a tarde livre e ficou de me encontrar no prédio
para fazer o reparo do carro.
Graças a Deus! Hoje mesmo terei meu carro funcionando, apesar de que não
me oporia a ganhar uma carona de Liz todos os dias.
“ Pegue minha mão, entrelace seus dedos entre os meus.
E nós sairemos deste lugar escuro pela última vez...”
Open your eyes – Snow Patrol
Liz
Gustavo entrou olhando ao redor do meu apartamento, reparando nas cores
frias das paredes em contraste com os quadros coloridos pendurados na sala. Meu
apartamento era pequeno, mas foi o que pude pagar nesta área da cidade. Eu mesma
o decorei, pintei as paredes de branco para destacar os quadros de flores coloridas
que meu pai pintou para mim. Quando ele me deu para enfeitar meu quarto, disse
que as cores lembravam minha alma colorida. Se meu pai soubesse que agora minha
alma deve ser cinza, fria e mórbida com certeza ele ficaria decepcionado.
Na sala, um sofá de três lugares azul-turquesa está de frente para o home
com uma tevê e meu tocador de vinil antigo, que consegui em um antiquário quando
me mudei para cá, a sala tinha uma bancada americana que fazia a divisão do
cômodo com a minha minicozinha. Tenho tudo que uma pessoa pode precisar para
fazer uma comida decente. O lugar era simples, mas tinha meu jeito em tudo.
Pedi a Gustavo para colocar as sacolas em cima do balcão da cozinha para
que eu pudesse guardar as compras.
— Seu apartamento é muito legal, adorei os quadros, parecem com você —
disse sorrindo encantadoramente em minha direção.
— O que você disse? — perguntei intrigada.
— Eu disse que os quadros me lembram de você. Quem é o artista?
— Meu pai os pintou — confessei um pouco sem jeito.
— Uau, ele é bom. Deixa eu te ajudar com essas coisas — Gustavo falou se
aproximando de mim na cozinha.
De repente, me peguei olhando dele para os quadros impressionistas, como
se estivesse assistindo a um jogo de tênis. Como ele foi capaz de ligar esses quadros
a mim? São apenas flores coloridas pinceladas em diversas formas, será que ele
também acha minha alma colorida como meu pai costumava dizer? Impossível, eu
só o tratei defensivamente até aqui.
O moreno bonito continuou tirando minhas compras das sacolas e colocando
em cima do balcão da cozinha, como se estivesse acostumado a essa tarefa.
— Ah! Pode deixar que eu faço isso, pode sentar que eu lhe sirvo uma taça
de vinho e conversamos sobre o seu dia, é para isso que estamos aqui — disse
pegando duas taças do armário.
— Não custa nada ajudar, você pode me servir a taça de vinho e eu continuo
te ajudando a guardar essas coisas.
Coloquei as taças na bancada e comecei a abrir as gavetas.
— Tudo bem, me deixa só achar o abridor. — Peguei o abridor de vinho na
gaveta, ele tomou-o da minha mão; quando nossos dedos se tocaram senti aquele
mesmo arrepio incomum que senti de manhã. Afastei minha mão rapidamente e
Gustavo abriu a garrafa de vinho sem esforço, como se fizesse isso todos os dias.
Serviu nossas taças e me ofereceu uma. Estendeu a taça dele em minha direção,
encostei a minha na dele para fazer o brinde.
— A vizinhança! — disse sorrindo.
Sorri de volta e tocamos as taças, o tilintar do cristal me arrepiou, tomamos
um gole e voltei a olhar em direção das compras tentando parar a sensação que eu
sentia desde que pus meus olhos sobre esse homem.
Guardei tudo de que não vou precisar para o jantar.
— O que vamos cozinhar? — ele me perguntou levando a taça à boca, eu
fiquei ali olhando para aquela cena tão mundana, mas que me fez pensar naquela
boca encostando em outros lugares que não fosse a taça. Queria muito aqueles
lábios no meu pescoço, beijando e mordendo a pele delicada. Deixando com a barba
trilhas de arranhões delicados.
Ah, meu Deus, Liz pare com isso!
— Ah, eu estava pensando em fazer uma massa com camarões e cogumelos,
mas se você não gostar ou for alérgico posso fazer outra coisa, trouxe um salmão
bem bonito. O que você acha?
Quando terminei de falar, ele estava sorrindo aquele sorrisinho cínico que
me deixava louca. Não sei o que era mais sexy, esse sorriso ou as mãos dele
circulando a borda da taça me fazendo ter pensamentos muito ruins com esses
dedos.
— Hum... adorei a ideia. Posso te ajudar, também sei cozinhar algumas
coisas.
— Ah... não precisa, posso cuidar disso. Por que não me fala sobre seu dia
enquanto arrumo tudo?
— Tudo bem, mas a louça é toda minha, faço questão. — Gustavo piscou
para mim e eu corei. Ele estaria flertando?
Peguei as panelas que ia precisar e coloquei a água no fogo para a massa.
Enquanto a água fervia, piquei os cogumelos, a cebola e o alho. Senti que ele me
olhava atentamente a cada movimento que fazia, o que me deixou bastante nervosa
e desconfortável.
— Então? — perguntei querendo tirar o foco de mim, pedindo para ele
começar a falar.
— Liz, você já teve que tomar uma decisão que iria mudar tudo a respeito
das suas convicções e do que é justo para você?
— Hum... não lido muito bem com grandes decisões. Sou uma pessoa alheia
a riscos. Mas as poucas que já tomei, foram assertivas — respondi sinceramente
olhando para ele.
— E se dessa decisão dependesse a vida de outra pessoa? — ele me
perguntou com os olhos brilhando; se a luz me ajudasse, poderia jurar que vi
lágrimas neles, o castanho âmbar queimava em ondas pela minha pele como um
eletrodo, dissolvendo qualquer possibilidade de uma resposta racional.
— O que você quer dizer com isso, Gustavo?
— Eu estou tão confuso, eu não sei o que pensar, Liz. Minha cabeça está
uma enorme confusão, e meus pensamentos não me levam a lugar nenhum.
— Você só precisa ser maior e mais forte que os seus medos, sei que parece
clichê, mas às vezes optar pela loucura é a melhor decisão a ser tomada. Nem
sempre a resposta está na razão. Se você quiser me contar, talvez eu possa te ajudar,
Gustavo, sei que a gente se conhece há menos de 24 horas, mas você pode confiar
em mim, afinal não conheço ninguém nessa cidade, então não poderia fazer fofoca,
pode ficar tranquilo. Eu só conheço a Cris, mas ela é muito minha amiga e não sou
muito de fofocar de toda maneira então...
Quando terminei minha divagação, ele pegou o meu braço fazendo-me virar
de frente para ele. Nós estávamos tão próximos que, se eu me afastasse uns
centímetros, estaríamos nos beijando. Gustavo olhou dentro dos meus olhos tão
intensamente que me derreti por dentro. Seus dedos apertaram suavemente um
pouco acima do meu cotovelo e um calor subiu pelas minhas costas causando
espasmos por todo o meu corpo. Como eu queria que ele me beijasse agora.
— Hum... Desculpe-me... eu é, eu... eu estava apenas divagando — gaguejei
como uma completa idiota. Mas não seria possível ser segura com as palavras,
quando tinha um homem como esse tão próximo, ainda mais com sua mão forte e
tatuada me segurando tão firme e deixando tudo formigando.
— Confio em você, Liz, desde o momento que pus meus olhos sobre você.
— Eu também confio em você, aliás, te convidei para o meu apartamento e
você bem que poderia ser um assassino em série e...
— Liz... — Gustavo me cortou falando meu nome de uma maneira tão forte
que me deixou sem ar nos pulmões. Nesse momento, eu já estava com a respiração
acelerada, meu coração parecia que estava tocando uma peça de Mozart de tão
intenso que batia.
— Oi — balbuciei.
— Você pode me dar um abraço? — Gustavo me pediu, e foi nesse momento
que eu achei que podia me apaixonar por esse homem, não hoje nem agora, mas
talvez futuramente, eu tinha certeza de que ele sentia que, se ele me beijasse, eu iria
retribuir, mas ao invés de um beijo, que qualquer outro homem no lugar dele
pediria, ele me pediu um abraço.
Como pode? Será que ele é gay? Ou apenas não faço seu tipo?
Comecei a pensar em várias possibilidades. Ele poderia simplesmente me
achava feia demais para isso e fora dos limites, ou talvez só me considerasse uma
vizinha qualquer. Mas, quando eu balancei a cabeça confirmando, Gustavo se
aproximou ainda mais de mim, passando um braço pela minha cintura me puxando
ao encontro do seu corpo, e o outro pelo meu pescoço. Eu o abracei também,
envolvendo minhas mãos pelos seus ombros e costas, meus dedos sentiram sem
qualquer dificuldade a massa de músculos tonificados do seu corpo, fechei os olhos
e me senti tão bem.
O calor do seu corpo contra o meu, a rigidez dos seus músculos contra a
maciez da minha pele era como um sonho. Senti-me segura e acolhida, como nunca
me senti antes, acho que eu estava precisando desse abraço tanto quanto ele. Mesmo
que eu não soubesse disso.
Tenho certeza que ele estava sentindo o trovejar das batidas do meu coração,
porque estávamos com nossos peitos encostados um no outro, barriga com barriga e
nossas respirações em sintonia. Inspirei fundo, e me deleitei do cheiro delicioso do
seu corpo, era uma mistura única de algum perfume amadeirado e cheiro de
Gustavo. Masculino e inebriante, tão único, tão especial.
Sua mãe esquerda se aninhou na minha nuca, enquanto a outra mão fez
círculos contra as minhas costas. Eu não queria sair do seu domínio nunca mais,
necessitava aproveitar esse aconchego. Faziam anos que ninguém me tocava tão
intimamente, e isso me fez perceber o quanto estava carente. Ficamos desse jeito
por não sei quanto tempo, mas assim que nos afastamos, eu tive certeza de que um
abraço foi pouco demais.
— Liz, esse foi o melhor abraço que eu já recebi em muito tempo —
Gustavo disse com um sorriso de canto a canto do rosto.
— Eu também gostei, um abraço é sempre bom, é comprovado
cientificamente. — Virei-me rapidamente para que ele não visse o quanto eu estava
constrangida e afetada com a situação. Percebi que a água já estava fervendo,
coloquei o talharim para cozer e comecei a lavar os camarões, que já estavam
descascados e limpos. Gustavo se aproximou e repôs o vinho nas nossas taças.
— Você mora sozinha, Liz? Você me parece tão misteriosa, fale-me um
pouco de você, estou curioso para saber onde seu namorado está em uma sexta-feira
à noite que não aqui ao seu lado, vendo-a cozinhar.
— Minha mãe mora em Curitiba, e como não tive irmãos, sou apenas eu —
respondo admirada da possibilidade de ele achar que eu tenho um namorado.
— E seu namorado onde está?
— Não tenho — respondi enquanto flambava os camarões com os
cogumelos.
— Isso é impossível.
— Por quê? — Fitei-o curiosa.
— Você é linda, interessante, bem-sucedida, cozinha incrivelmente. Nem
provei, mas posso prever porque o cheiro está divino. Então por que não teria um
namorado caidinho por você?
— Eu não sei. Nunca me importei com isso, não sei se tenho espaço para um
relacionamento deste tipo na minha vida — respondi secamente, o que era pura
mentira, sempre me perguntei o que havia de errado comigo.
Gustavo respeitou meu espaço e começou a me fazer perguntas sobre a
cidade, enquanto terminei de servir nossos pratos e organizei o balcão para que
pudéssemos nos sentar para comer, nunca deixando de me olhar com aquele sorriso
de canto de boca que eu “detestava”.
— Hmmm... está parecendo divino e o cheiro está fazendo meu estômago
roncar. — ele falou ao sentar-se de frente ao prato, mas antes puxou a cadeira para
mim. Tão cavalheiro... Gustavo agia como um príncipe à moda antiga, educado e
cuidadoso.
Ele deu uma garfada generosa na massa e levou-a à boca, dando um gemido
de prazer, fiquei boquiaberta, apenas observando e pensando como um homem pode
ser tão gostoso sem fazer esforço algum, apenas sendo ele mesmo. Gustavo
começou a comer punhados da massa, mastigando e gemendo repetidamente
alternando com um gole do vinho. Ele levantou os olhos e me pegou admirando-o.
— Você não vai comer? — ele perguntou quando terminou de mastigar.
Só aí que me lembrei de que tinha que começar a comer também, estava tão
mais divertido admirá-lo, engoli em seco e me preparei para começar a refeição,
assim que coloquei a primeira garfada na boca percebi que a massa realmente estava
muito boa, do jeito que meu pai fazia para mim: al dente temperado perfeitamente
com camarões suculentos e no ponto certo de cozimento.
— Você deveria ser chefe de cozinha, Liz — disse de boca cheia.
— Imagina, eu não cozinho tanto assim, só alguns pratos para sobreviver.
— O camarão está explodindo na boca de tão bom. E olhe que entendo de
comida boa, minha mãe é chefe no restaurante da minha família.
— Nossa, que incrível! — falei admirada.
Continuamos a comer e eu o peguei olhando para mim vez ou outra durante
a refeição com olhos compridos. Quando já estava satisfeita, levantei o olhar e vi
que o prato dele estava limpo. Além de lindo ele era bom de garfo. Sempre gostei de
pessoas assim, sem frescuras com a quantidade de calorias das refeições, sempre fui
do time de pessoas que comem pelo prazer.
— Liz, vou precisar me superar para cozinhar para você. Com quem
aprendeu? Você parecia tão à vontade com o que estava fazendo.
— Essa receita aprendi com o meu pai, ele me ensinou a cozinhar quando eu
tinha uns treze anos, era uma diversão para nós dois passar horas na cozinha
experimentando novas receitas.
— Ele deve ser um cara e tanto, um grande artista, um bom cozinheiro e,
pelo visto, um grande pai.
— Ele era incrível.
— Era? — Gustavo parou a taça a caminho da boca para olhar para mim
esperando a resposta.
— Ele morreu.
— Me desculpe, Liz, eu não quis ser indelicado — ele se desculpou,
Gustavo estendeu o braço sobre a mesa e alcançou a minha mão. Sua mão enorme
cobriu a minha e eu olhei admirada com a sensação de formigamento que esse gesto
causou na minha pele.
— Não precisa, não tem importância — comecei a me levantar para tirar os
nossos pratos, mas Gustavo me interceptou, ele levantou e me encostou contra a
cadeira para eu voltar a sentar.
— Eu falei que a louça é minha. Sente-se aí, posso fazer um café? Só precisa
me dizer onde encontro o pó.
— Está ali no armário na porta à sua direita.
Levantei-me e fui até o home e coloquei meu vinil da Ella Fitzgerald para
tocar, eu precisava relaxar e não tinha nada melhor do que um bom e velho disco. A
voz suave e sensual da cantora começou a encher o espaço cantando They can't take
that away from me. Sorri com a letra da canção.
— Ótimo gosto musical — Gustavo falou sorrindo enquanto colocou o café
na cafeteira.
— Amo essa canção, era a preferida do meu pai também, esse vinil era dele,
costumávamos ouvir música enquanto cozinhávamos. Desculpe, estou me sentindo
nostálgica nesses últimos dias com relação a ele, é bobagem minha — disse com a
voz embargada de melancolia.
— Não acho bobagem relembrar uma pessoa querida que se foi, isso é muito
bonito na verdade. — Gustavo piscou e voltou sua atenção à cozinha, começando a
lavar os pratos enquanto o café estava sendo feito.
Olhei para suas costas largas na camisa e para os músculos dos seus braços
sendo estendidos no processo repetitivo de ensaboar e enxaguar. O que significa
esses desenhos tão bem feitos em sua pele? Queria tanto contornar os traços com
meus dedos e sentir a textura da sua pele.
Meu Deus, como ele é lindo!
Assim que o café ficou pronto, levantei e servi duas canecas e lhe entreguei
uma, ele secou as mãos num pano de prato que tinha no ombro, pegou a dele e se
virou para mim.
— Você toma seu café com açúcar ou adoçante, Gustavo?
— Puro. — Ele definitivamente tinha personalidade.
Sentamo-nos no sofá, um de frente para o outro, apreciando a bebida quente
e deliciosa. A essa altura da noite, eu sabia que a garrafa de vinho que tomamos no
jantar tinha feito seu efeito, porque comecei a me sentir mais leve e mais corajosa de
acordo com o álcool sendo absorvido no meu sangue.
— Você sempre janta com suas vizinhas? — perguntei de supetão deixando
até eu mesma surpresa.
— Só as bonitas. — Ele sorriu me encarando com uma sobrancelha erguida.
— Só janta? — atirei de volta.
— Nem sempre.
O que ele quer dizer com isso? Eu não sou boa o suficiente para ele querer
mais do que apenas jantar comigo?
— Ah, o que acontece além da janta é antes ou depois do prato principal? —
perguntei sendo ousada como nunca fui.
O moreno na minha frente cravou os olhos em mim por cima da sua caneca
de café. Nunca fui olhada com tanta cobiça.
— O que você quer saber exatamente?
— Gustavo, você é gay? — questionei muito interessada na resposta. Meu
Deus, eu não perguntei isso, perguntei? O arrependimento me atingiu
imediatamente.
— O quê? — ele perguntou tossindo o café.
— Ah, me desculpe, não quis lhe deixar constrangido. Não sou
preconceituosa — tentei me desculpar.
— Não sou gay! De onde você tirou isso? — Ele me olhou atônito.
— Eu só pensei... — tentei explicar enquanto ele tirou a xícara de café da
minha mão, colocou-a no centro à nossa frente e me puxou para si. Mais uma vez,
eu estava com a respiração ofegante, implorando mentalmente que ele me beijasse
antes que a coragem de corresponder ao beijo passasse. Gustavo me olhou como se
fosse me devorar viva, dos seus olhos pareciam sair faíscas de fogo.
— Não, Liz, eu não sou gay. E se eu fosse fazer com você o que eu tenho
fantasiado desde que te vi naquele elevador, iríamos acordar os vizinhos do prédio
inteiro de tanto que eu ia fazer você gritar a porra do meu nome — ele disse
impaciente.
Imediatamente corei e fechei os olhos, suando e me perguntando se a minha
pergunta acordou o monstro dentro dele. Como ele falava uma coisa dessas assim,
soando tão sexy?
— Eu não quis lhe deixar constrangido — esforcei-me para me desculpar.
— Você está se perguntando isso por que não lhe beijei ainda, é isso?
Gustavo estava tão próximo do meu rosto que senti o hálito quente dele
esquentando as minhas bochechas.
— Não, eu só...
Gustavo pressionou os dedos nos meus lábios.
— Shhh... Eu só vou lhe beijar quando eu tiver certeza de que você será
minha, Liz. E isso vai ser em breve, não gosto de esperar pelo que eu quero.
Também não quero assustá-la, quero ser o cavalheiro que você merece.
Estremeci inteira com sua declaração, ainda cética pelo que ouvi. Em que
século ele acha que estamos? Que história é essa de ser dele? E ele me quer? Desde
quando?
— O jantar estava delicioso, obrigado. Agora acho que preciso ir tentar
organizar a bagunça que está meu apartamento.
— Ah, claro, obrigada por ter me ajudado com as sacolas e a louça. —
Levantei-me do sofá, caminhando até a porta. Ele me seguiu, abri a porta lentamente
já me sentindo triste por ele ter que ir, Gustavo me olhou com aqueles olhos cor de
mogno. Aproximou-se de mim e recuei para trás, ele me deixou acuada entre a porta
e a parede.
Gustavo colocou as mãos dos dois lados da minha cabeça e aproximou o
rosto do meu, acho que eu nunca estive tão perto de outra pessoa na vida, a
adrenalina percorreu minhas veias e essa proximidade foi tão desafiadora que me
senti um pouco mais viva. Ele encostou o nariz logo abaixo da minha orelha e
inspirou profundamente, como se quisesse ter certeza de que não se esqueceria do
meu perfume.
Virei geleia, mal podia sentir minhas pernas, só o formigamento entre elas.
Ele arrastou o nariz até minha bochecha e a beijou. Um beijo demorado, apenas
pressionou seus lábios macios contra minha pele, mas me deixou tonta.
— Tenha uma boa noite, Liz. — Gustavo sussurrou e saiu em direção ao
elevador. Fiquei parada completamente embasbacada admirando suas costas largas
até ele sumir de vista.
Desliguei a música, arrastei-me para o meu quarto, tirei toda a roupa e tomei
um banho gelado para apagar todos os pensamentos sujos que criei na minha cabeça
a partir desse beijo. Joguei-me na cama ainda com o roupão do banho e apaguei.
“Vim para te encontrar, dizer que sinto muito
Você não sabe quão adorável você é...”
(The Scientist – Coldplay)
Gustavo
Entrei no elevador tão excitado que tive certeza de que minhas bolas
estavam azuis. Precisei sair antes de cometer uma loucura, não queria assustá-la,
mas minha vontade era de arrancar aquela saia e devorá-la em cima do balcão onde
jantamos. E que janta!
Liz estava tão linda e sensual controlando as panelas, tão satisfeita com a
tarefa de cozinhar para mim. Como uma mulher incrível daquelas está sozinha?
Cozinha como ninguém, tem um corpo incrível, os olhos do azul mais límpido que
já pousaram sobre mim. E ainda era cheia de mistério e inocência. Como eu tive
vontade de puxá-la para o meu colo e chupar aquela boca até ela ver estrelas.
Aqueles lábios carnudos sugando a massa do garfo me fez imaginá-la usando-os
para outra coisa muito suja. Não sabia que observar uma mulher comendo fosse algo
tão sensual.
Nossa, Gustavo! Controle-se, homem!
Liz com certeza salvou o meu dia, depois de tudo que passei naquele
hospital, e a quantidade de feridas que foram arrancadas do cascão, eu estava
péssimo e ela conseguiu acalmar meu coração. Aquele abraço colocou mertiolate
em minhas feridas, que estavam sangrando e isso mexeu comigo. O cheiro que
exalava do seu corpo reconfortou a minha alma, Liz tinha o cheiro de um jardim
florido em um dia de sol na primavera, fresco e limpo, doce e viciante.
Como eu queria aquela mulher, queria sentir aquele cheiro para sempre,
olhar para aqueles olhos o máximo de tempo que eu pudesse. Sorri ao lembrar a cara
de embaraço dela ao ver o casal se beijando dentro do elevador, Liz tinha um pudor
de uma mulher inocente que não experimentou muito da vida. O que será que ela
conhece em um relacionamento entre um homem e uma mulher? Será que ela é
virgem? Afastei esse pensamento da cabeça, com certeza, ela não era. Liz já devia
ter uns vinte anos, idade suficiente para uma mulher ter tido alguns parceiros na
vida.
Entrei no meu apartamento, tirei a camisa, entrei no quarto, joguei o celular
na cama e fui para o banheiro, precisava de um banho frio urgente e de uma mulher
gostosa para me fazer parar de ficar obcecado pela minha vizinha, e porra, não fazia
nem um dia que conheci a garota. Saí do banheiro e me sequei com uma camisa que
encontrei na cama porque não tive coragem de achar a caixa com toalhas nessa
bagunça.
Deitei e apaguei.

— Guto, venha, seus irmãos já estão no carro — meu pai chamou das
escadas.
Calcei rapidamente meus tênis e corri. Hoje meu pai ia nos levar para
pescar. Eu e meus irmãos esperamos por isso a semana inteira, esse seria meu
primeiro dia de pesca com meu pai. Meus irmãos já foram, mas eu não. Estava tão
ansioso.
— Já estou indo, papai! — gritei descendo as escadas.
Minha mãe que já estava na porta da nossa casa, me beijou na cabeça, se
aproximou do meu pai e deu um beijo nele de despedida.
Entrei no carro onde meus irmãos já estavam brigando uns com os outros,
era sempre assim, Carolina, sempre cheia de manha, vivia reclamando com meus
irmãos mais velhos pelo lugar perto da janela do carro, ela nunca brigou comigo,
Carol sempre fez questão de dizer que eu era o bebezinho dela. Quando nasci, ela
tinha seis anos e sempre gostou de ajudar mamãe a cuidar de mim.
Meu pai se despediu da mamãe com um beijo demorado e entrou no carro.
— Crianças, se comportem! — minha mãe pediu.
Todos nós ,gritamos:
— Tá certo, mamãe.
Mamãe continuou acenando para nós enquanto nos afastamos. Pegamos o
caminho para o rio onde meu pai tinha um barco de pesca, o dia estava fresco e
com o céu cheio de nuvens claras, as nuvens me faziam lembrar algodão-doce. O
doce preferido de Thiago, meu irmão mais velho. Papai colocou seu CD favorito do
Raul Seixas para tocar e começou a cantar baixinho, eu e meus irmãos já sabíamos
as letras das músicas de tanto ouvi-lo cantar em casa com a minha mãe. Thiago,
começou a cantar com meu pai a letra da música, começamos a rir e, de repente,
todos no carro estavam cantando, inclusive eu.

"Eu prefiro ser, essa metamorfose ambulante


Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Sobre o que é o amor
Sobre o que eu nem sei quem sou"

O coro de vozes desafinadas e risadas entre uma música e outra continuou


até chegarmos ao lago, com certeza aquele foi o melhor dia da minha vida. Meu pai
nos amava, e estava ali para nós.

Acordei assustado com meu celular tocando, o alcancei na cama ao meu lado
e atendi mal-humorado:
— Fala.
— É assim que você atende sua mãe, seu desnaturado?
— Mãe, me desculpe. Não sabia que era você. Estava dormindo, que horas
são? — Esfreguei os olhos.
— Já é hora de acordar, Luiz Gustavo, posso saber por que você não me
ligou para me dizer que chegou bem?
— Mãe, eu estive ocupado — justifiquei sabendo que fui um idiota em não
ter me preocupado em ligar, ouvir a voz da minha coroa era tão bom.
— Como sempre, Gustavo, você sempre esquece que tem uma família que se
preocupa com você, meu filho. Não custa nada ligar para sabermos como você está.
— Mãe, não quero brigar com a senhora agora, acabei de acordar.
— Filho, eu me preocupo, eu sou sua mãe e tenho direito de brigar com
você sempre que eu precisar. Mas não foi por isso que liguei, o Guilherme já enviou
sua Harley pela transportadora, eles ficaram de entregá-la hoje à tarde.
— Que bom, quase fico a pé ontem. Meu carro estava ruim e minha Harley
estava aí. Sorte que consegui uma carona com uma vizinha. Obrigado, mãe, por me
avisar, me desculpe por não ter ligado ainda. Estou perdoado, dona Carmen?
— Dessa vez vou deixar para lá, rapazinho. — Sorri pela reprimenda.
— A senhora não muda, mãe.
— Essa é minha função. Filho, como está a mudança? Já conheceu os
vizinhos então? Está gostando da cidade nova? Você sabe que pode voltar para
casa a qualquer momento, não é?
— Sei, mãe, está tudo bem. A cidade é ótima e os vizinhos também. — Sorri
ao lembrar-me de Liz, mas perdi a graça ao perceber que, em breve, terei que seguir
em frente sem ela. — Mas não vou ficar aqui por muito tempo — conclui.
— Fico tão preocupada com você nessa cidade desconhecida, mas já
deveria estar acostumada. Você nunca parou em casa. Posso dizer a sua irmã que
você virá para o batizado da Cléo? É daqui a três meses, filho.
— Ainda falta todo esse tempo, mãe, diga a Carol que irei.
— Graças a Deus, Guto, sua irmã não iria lhe perdoar se você não viesse,
estamos com saudade de você, Gustavo, agora me deixa ir, o restaurante já vai
abrir para o almoço. Te amo, filho.
— Um beijo, mãe, também estou com saudades. Assim que puder volto para
fazer uma visita. Dá um beijo no pessoal, te amo! — Minha mãe se despediu e
desligou.
Suspirei frustrado, não era justo com minha família toda distância que criei
deles. Não era certo descontar todo rancor que tinha do meu pai nas pessoas que
mais se importavam comigo nesse mundo, mas não me conformava que eles
pudessem ter esquecido algo que nunca vou poder deixar para lá.
Olhei para a hora: 10h48. Droga! Precisava organizar essa bagunça,
consegui esse apartamento com um amigo do meu técnico, que era corretor de
imóveis, graças a Deus ele já era mobiliado, a decoração bem sofisticada e jovem,
tons escuros de azul-marinho e marrom e detalhes cromados davam um charme no
lugar. Apesar de ser espaçoso e bem decorado, ainda precisava desempacotar um
monte de caixas com minhas coisas e ir ao supermercado comprar alguma comida.
Levantei, espreguicei-me e fui para o banheiro, um banho sempre era bem-vindo
para despertar, porque o dia ia ser longo.
Já no final da tarde consegui organizar a grande maioria das coisas, só me
restava algumas caixas de livros que irei desempacotar amanhã. O porteiro me
avisou que estavam entregando minha Harley Davidson. Desci um momento para
conferir e receber os papéis da entrega. Ainda tinha que ligar para a transportadora
americana para saber quando "minha bebê" ia estar aqui, estava ansioso para subir
na Rose e dar uns bons saltos. Não havia nada melhor do que o sentimento de
liberdade que era estar em cima da minha moto, o vento batendo no rosto, a lama
molhada agarrando em minhas roupas, o frio na barriga quando ia realizar as
manobras. Isso era felicidade!
Precisava voltar aos treinos o quanto antes, no próximo mês tinha outro
torneio para disputar. Essa era a minha vida!
“Eu estive ignorando este nó na garganta
Eu não devia estar chorando, lágrimas são para os fracos...”
What Now? – Rihanna
Liz
Acordei cedo, por algum milagre senti-me descansada. Isso era inédito em
um mês. Fazia tempo que não me sentia tão bem. Algo me dizia que foi o vinho, não
era acostumada a beber tanto assim, além de toda confusão que foi meu dia ontem.
Não parava de me perguntar se a noite de ontem foi real. Mas ainda podia
ver os olhos dele na minha mente. Sorri lembrando-me do nosso jantar e de como
ele deixou uma sensação diferente no meu peito, nunca me senti tão vulnerável
assim com nenhum outro homem. Mas rapidamente o encantamento pelo meu
vizinho gato se desfez e deu lugar a tristeza do dia de hoje.
10 de maio. Há dez anos minha vida mudou completamente e deixei de
acreditar em tudo que significa a palavra família. Nunca poderei esquecer meu
passado e as feridas que ainda estão sangrando por conta dele.
Levantei-me, fui ao banheiro escovar os dentes e depois à cozinha passar um
café. Diferente de anos anteriores, eu estaria chorando na cama lamentando tudo que
passou. Mas hoje não, não podia mais viver me lamentando, sentindo pena de mim e
de tudo que já aconteceu. Estou triste, é claro, mas não queria mais chorar, queria
ser forte, precisava ser forte. Precisava passar por esse dia da melhor forma possível.
Tomei meu café, e resolvi ler um livro. Uma ótima forma de fugir da minha
realidade. Como dizia Fernando Pessoa: "A literatura é a maneira mais agradável
de ignorar a vida", ele sabia das coisas.
Na hora do almoço, fiz um sanduíche rápido e voltei a ler. O livro era tão
bom que só percebi a hora quando meu celular começou a tocar e sabia quem era.
Corri para atender antes que Cris ficasse chateada.
— Oi, Cris.
— Oi, já está arrumada?
— Não está muito cedo? Não sei nem para onde vamos.
— Abriu um barzinho novo com música ao vivo aí perto, não se preocupe,
daqui a quinze minutos estou aí para te ajudar a se vestir.
— Ok, mas olha, Cris, não fique chateada se eu não quiser demorar muito.
— Liz, nem vem, você me prometeu, agora vá para o chuveiro e trate de se
depilar, não vou andar com um gorila do meu lado — provocou. Não resisti e
comecei rir, essa garota era louca, essa era a única explicação plausível.
— Cris, eu me depilo — rebati ressentida.
— Só estou brincando, em um minuto estou aí — falou divertida.
Ela desligou e continuei rindo, vi que eram 19h15. Corri para o banho,
esfoliei a pele, lavei o cabelo, depilei as pernas (para garantir não parecer um gorila
como Cris falou) e fui me trocar; quando estava vestindo a calcinha, a campainha
toca.
Cris entrou com um vestido curtíssimo de paetês prata, uma sandália na
mesma cor com saltos assassinos. Os cabelos negros e cacheados caindo nos ombros
como cascatas de seda. Ela estava linda como sempre.
Abraçou-me seguindo para o meu quarto tagarelando em como estávamos
atrasadas, não sei como ela respirava.
— Por que não abriu a porta com a chave que te dei? — perguntei.
— Acabei esquecendo na outra bolsa, só lembrei dentro do táxi. Mas deixa
para lá. Amiga, hoje é dia de brilhar... temos que te deixar ainda mais linda. — Ela
deu uma tapa na minha bunda e correu em direção ao guarda-roupa procurando
alguma coisa que eu não sei se terei coragem de vestir. Com um sorriso travesso, ela
pegou um vestido preto que comprei na internet e nunca tive coragem de usar e me
entregou. Ele tinha um jogo de mostra e esconde com transparências, as costas em
um decote tão profundo que nunca seria possível vesti-lo com sutiã.
— É esse. — Cris bateu palminhas de realização.
— Nunca vou vestir isso, é curto demais, estou pensando em dá-lo a você —
tentei fazê-la mudar de ideia.
Fui até o guarda-roupa e peguei um vestido de comprimento midi, lilás
rodado e mostrei a ela.
— Liz, você não é nenhuma senhora de cinquenta anos, e não está indo
trabalhar. É sábado à noite, quer parar de ser chata uma vez na vida? O vestido preto
está perfeito, e você precisa mostrar essas pernas lindas que tem.
— Tudo bem, você é um saco sabia, Cris? Agora se eu parecer uma vaca
gorda com esse vestido e todo mundo rir de mim, a culpa vai ser sua. — Fiz drama.
— Queria saber quem colocou isso na sua cabeça, garota, você é linda e seu
corpo é perfeito, juro que se eu não gostasse tanto de homem ia te dar uma chance.
Gargalhei e comecei a vestir o vestido que ela escolheu. Calcei um par de
scarpins vermelhos, e me olhei no espelho.
Ok, Cris tinha razão, o vestido era lindo e não me deixou tão gorda assim;
era curto, mas não ia ficar muito tempo em pé mesmo. Caprichei na maquiagem, fiz
um olho de gatinho com um esfumaçado com sombra preta e passei um batom
vermelho sangue que me deixou poderosa.
Quando me virei para Cris, ela sorriu de satisfação.
— Fofinha, você está linda! — elogiou, puxando-me em direção á porta.
1
— Calma, me deixa pegar uma bolsa. — Peguei uma clutch vermelha,
coloquei dinheiro, meu celular e saí.
Na portaria do prédio pedi para o porteiro pedir um táxi para nós, porque se
queria beber não serei a motorista da rodada. O porteiro nos olhou como se nunca
tivesse visto mulher na vida, totalmente embasbacado.
***
O táxi nos deixou em frente ao barzinho. Era um galpão antigo recém-
reformado numa rua movimentada do Centro de São Paulo. Com mesas na calçada
cheias de jovens bebendo, fumando e jogando conversa fora. Dentro do bar, as
mesas estavam lotadas, uma banda de rock cantava um belo cover do Coldplay, uma
banda britânica que eu adorava. Cris me puxou pela mão até a lateral do palco, onde
ainda restava uma mesa vaga. Sentamos e um garçom jovem, loiro e bonito veio nos
atender.
— Boa noite, garotas! Sejam bem-vindas, o que vão querer hoje?
Cris abriu aquele sorriso de quem estava aprontando algo.
— Oi, lindo, bem que você poderia nos trazer uma rodada de margaritas bem
caprichadas, não é?
O garçom sorriu olhando para ela como se quisesse levá-la para o depósito e
arrancar o vestido dela ali mesmo.
— Claro, já volto, garotas. — Ele saiu e eu a encarei.
— Cris, você estava dando em cima do rapaz? — perguntei.
— Não, só estava sendo simpática — respondeu com os olhos risonhos.
— Você disse que essa era a noite das meninas. E por falar nisso, cadê o Sr.
Modelo Internacional? — questionei querendo saber que milagre foi esse do
namorado dela não ter ligado milhares de vezes querendo saber onde ela estava.
— Não quero falar dele, nós demos um tempo.
— Sério? Acho que estou feliz por você — confessei tentando soar mais
sincera possível, porque realmente, sempre me perguntei como minha amiga era
capaz de viver um relacionamento daquele, cheio de falta de confiança e abusos.
— Eu sei que você não suportava o Daniel, mas eu o amava, Liz. Nossa
última briga foi horrível e eu não poderia aceitá-lo de volta.
— O que ele fez? — indaguei.
Os olhos de Cristina se encheram de lágrimas, ela piscou para mim e
começou a olhar sobre meu ombro para as pessoas no bar.
— Cris, você pode me contar qualquer coisa. Ele te machucou de alguma
maneira?
— Você não atendeu minhas ligações, Liz, eu precisei da minha amiga.
Nessa última semana, as coisas foram bem difíceis para mim.
— Sinto muito. Eu sou uma cretina, mas agora estou aqui. Conta-me, por
favor. Também não estava bem e achei que não seria boa companhia.
— Eu o peguei com uma modelo da agência que ele trabalhava. Fiquei
louca, eu amava aquele idiota. Ele ainda teve coragem de dizer que a culpa era
minha, porque eu trabalhava demais. Você imagina? Ser traída e ainda ouvir que a
culpa é sua? Fiquei arrasada, Liz. Dois dias depois, ele foi me procurar no meio da
noite, começou a bater na minha porta feito um louco. Tive medo dele amiga, medo
dele querer me machucar.
— Meu Deus, Cris! Por que você não chamou a polícia? Ele já havia te
machucado antes? Você deveria ter me ligado, eu iria até lá.
— Eu não podia ligar para a polícia, ia ser muito escândalo com os vizinhos,
e não queria lhe meter nessa confusão. Ele nunca me machucou antes, então abri a
porta para ele entrar e parar de gritar na minha porta e foi aí que percebi... —
Quando ela ia continuar a falar, o garçom voltou com nossos drinques, ele os deixou
na mesa e saiu sorrindo. Dessa vez, Cris não lhe jogou nenhum sorriso.
— Ele estava drogado de novo. Vinha percebendo que estava estranho,
mentindo, cheio de segredos, sempre precisando de dinheiro. Não sei como fui tão
burra.
— Oh, minha amiga, não acredito que você passou por tudo isso sozinha, eu
sinto tanto. Mas o que ele fez com você? Achei que ele estava limpo. — Apertei sua
mão.
— Ele estava fora de si, queria que o aceitasse de volta. Que transasse com
ele, eu estava enojada de toda a situação.
Percebi que algumas lágrimas escorreram pelos olhos da minha melhor
amiga, eu estava tão cheia dos meus próprios problemas que esqueci que não era a
única no mundo que precisava lidar com seus monstros diários.
— O que você fez, Cris?
— Eu tive que dormir com ele, eu estava com muito medo.
Meu Deus...
— Sinto muito. — Apertei ainda mais as mãos dela em cima da mesa. Que
raiva daquele idiota, como ele pode ter feito isso com a uma mulher que o amava
tanto? Ele precisa ser denunciado. Ele é um monstro.
— Liz, o pior é que gostei de transar com ele, mesmo drogado e violento, ele
estava ali comigo, de alguma maneira eu precisava dele. Precisava parar de me
sentir sozinha. De manhã, não conseguia me olhar no espelho, ele acordou e
começou a me pedir desculpas por ter vindo até minha casa àquela hora da noite e
eu não consegui dizer nada, todas as desculpas que já tinha ouvido antes ele repetia
para mim, aquilo foi a gota d'água. Apenas me levantei fui até a porta e a abri. Ele
entendeu o recado e saiu.
— Você o amava, não se sinta culpada por isso, ele te machucou
fisicamente?
— Só algumas manchas roxas pelos braços. Mas já passou. — Ela forçou
um sorriso, tomando um gole da bebida.
— Tem certeza? Você ainda quer denunciá-lo? Eu vou com você. Esse idiota
precisa pagar por isso, Cris! — perguntei preocupada.
— Não, Liz, a culpa em ter aberto a porta foi minha, eu sabia o que ele faria.
E Daniel não me procurou mais, então acho que já está em outra. Não vim aqui para
falar do passado e sim para me divertir.
— Nunca se culpe pelos erros dos outros, Cris.
— Podemos mudar de assunto? Já estou bem agora.
Concordei com a cabeça me esforçando a acreditar, levantamos nossas taças
e brindamos a nós por sermos capazes de passar por tanta coisa e por ter uma à
outra. Sabia que essa conversa ainda não terminou, mas agora não era o momento.
— Acho que precisamos de algo mais forte. Garçom, nos traga uma rodada
de tequila. — Ela pediu após algumas muitas margaritas depois.
A banda foi substituída por um DJ superanimado. O bar estava quente e
ainda mais lotado com o correr das horas. Depois que tomamos as tequilas, eu criei
coragem para dançar, eu merecia. Merecia ser feliz.
Fomos para o meio do bar onde já estava cheio de pessoas balançando os
corpos no ritmo da música. Fechei os olhos e me deixei levar, antes de tudo
acontecer sempre gostei de dançar. Sentia-me livre com meu corpo, sentia falta
dessa sensação, como também falta da garota que eu era antes daquele dia.
Mexi os quadris no ritmo da música enquanto Cris estava dançando com um
rapaz, sorri lembrando dela me dizendo que era a noite das meninas. Levantei os
braços e me soltei no ritmo da batida. Era disso que precisava. Com certeza estava
bêbada depois de alguns shots da bebida mexicana, as luzes do bar começaram a me
deixar zonza. Senti-me sufocada pela massa de corpos suados dançando juntos,
avisei a Cris que ia até o banheiro.
Saí me espremendo nas pessoas até o banheiro. Depois que me aliviei de
todo líquido ingerido, fui até a pia lavar as mãos e percebi o quanto estava suada.
Passei as mãos úmidas no pescoço para aliviar o calor e fui procurar a Cris. No meio
do caminho até a mesa onde estávamos sentadas senti meu celular vibrando na
bolsa, desbloqueei a tela e li uma mensagem de número desconhecido. Franzi o
cenho, porque nunca recebia ligações no meu telefone pessoal. Pouquíssimas
pessoas tinham meu contato, no primeiro momento pensei em ignorar, mas a
curiosidade falou mais alto.
Desbloqueei a tela e li:
DEVERIA SER PROIBIDO SER TÃO LINDA ASSIM.

Comecei a pensar quem poderia mandar uma mensagem desse nível de


intimidade para mim, nenhuma pessoa veio à minha mente. Isso só podia ser algum
tipo de pegadinha, ou virei a piada do escritório, e estavam tentando brincar comigo.
Voltei para a mesa e nem sinal de Cris, ela continuava na pista de dança
acompanhada do rapaz. Li novamente a mensagem e meu peito se encheu de
excitação, talvez eu poderia responder. Que mal teria se eu tentasse descobrir quem
era o engraçadinho, não é?
Respondi na defensiva, quem quer que fosse esse idiota que estava me
perturbando não ia sair fácil dessa:

QUEM ESTÁ ME DANDO UMA CANTADA TÃO BARATA?


Enviei e aguardei a resposta.

SEU NOVO VIZINHO.


Gustavo! Não pude acreditar, só podia ser aquele engraçadinho. Mas como
ele tinha meu telefone? Não me lembrava de ter lhe dado meu número.
QUEM TE DEU MEU NÚMERO?

Questionei, sentindo aquela inquietação estranha que ele me causava.


EU SOU UM HOMEM PERSEVERANTE QUANDO QUERO.

Só pode ter sido o porteiro, deixei com ele meu telefone caso precisasse me
falar alguma coisa relacionado ao prédio. Ele não tinha o direito de distribuir meu
número por aí.
VOCÊ É LOUCO!
E VOCÊ É UMA DELÍCIA NESSE VESTIDO.
O quê? Como ele sabe o que estou vestindo? Minhas bochechas coraram
imediatamente e os pelos da minha nuca arrepiaram. Olhei ao redor tentando ver se
ele estava aqui me observando ficar mexida como uma colegial, não vi ninguém.
Como ele conseguiu me achar? Quem ele pensa que é? Algum perseguidor? Ele
acha que está sendo engraçado fazendo esse tipo de jogos? Desliguei o celular e
chamei Cristina para ir embora, ela insistiu que queria ficar mais um pouco com o
rapaz que estava dançando, mesmo sem achar uma boa ideia concordei em voltar
sozinha. Assim que nos despedimos eu saí.
“Olhe para as estrelas
Olhe como elas brilham para você
E para tudo o que você faz...”
(Yello – Coldplay)
Gustavo
Estava descendo as escadas da portaria do prédio na intenção de ir ao
supermercado, quando a vi subindo em um táxi com uma amiga. Jesus, o que era
aquele vestido? Liz estava totalmente diferente da versão profissional e recatada que
conheci ontem, agora ela estava vestida para abalar mundos e destruir famílias com
aquela roupa. Porque, com certeza, homens e mulheres comprometidos ou não,
gostariam de despi-la.
As costas de Liz estavam nuas até a cintura, a pele branca feito leite reluzia
contra a luz amarelada do poste da rua, a bunda estava coberta por apenas uma
mísera tira de renda, deixando as pernas torneadas e firmes completamente
expostas, pareciam infinitas por conta dos sapatos de salto vermelhos que ela
calçava, sexy como o inferno.
Vi ela subir desajeitadamente no táxi me dando um belo vislumbre de sua
bunda empinada e meu pau fez sinal dentro das calças, assim que o táxi se afastou,
corri novamente para dentro do prédio. Bati a mão no balcão da portaria e acabei
assustando o porteiro que estava distraído assistindo um jogo de futebol.
— Oi, amigo — cumprimentei tentando ser agradável.
— Pois não, senhor? — perguntou intrigado.
— Eu preciso de um grande favor seu, muito grande mesmo.
— Em que posso ajudá-lo, senhor? — o porteiro me perguntou curioso.
— Sabe aquela moça que acabou de sair em um táxi?
— Ah sei, é a senhorita Liz. — respondeu risonho e isso me irritou.
— Sim essa mesmo, na noite passada acabei esquecendo minha carteira no
apartamento dela. Será que você poderia me conseguir o número do telefone dela?
O porteiro hesitou e respondeu acanhado:
— Não sei, Sr. Gustavo, a senhorita Liz é uma moça de respeito, nunca
soube de nenhum homem que esteve no apartamento dela.
Santo Cristo! Será que ele não poderia cooperar?
— Ah, não é nada disso que o senhor está pensando, eu só a ajudei ontem
com as sacolas e tomamos um café juntos. E eu estou precisando muito da minha
carteira.
— Se é assim, só um momento, me deixe procurar. — Ele deu de ombros.
O homem vasculhou em um livro que imaginei ser o registro dos moradores,
anotou um número num papel e me entregou. Guardei o papel no bolso da calça e
agradeci a boa vontade dele. Decidi que mesmo enlouquecido por aquela loira, iria
manter meus planos de ir ao supermercado. Não tinha ideia de onde achá-la, o que
mais podia fazer?
Todo o caminho parecia que o papel no meu bolso estava queimando, resisti
até onde pude para não ligar para ela, mas queria vê-la. Queria saber onde ela estava
e com quem ela saiu. O pensamento de outros homens com as mãos na minha Liz
era aterrorizante.
Espera aí, Gustavo, ela não é sua namorada, vai com calma, isso é só uma
atração.
Frustração sexual, é isso que é, preciso urgente de uma mulher para resolver
essa coisa estranha que estou sentindo por aquela loira. Mas alguma coisa me dizia
que nenhuma mulher iria conseguir me tirar Liz da cabeça. Aqueles olhos, aquela
boca e aquele corpo precisam ser meus.
Cheguei ao supermercado com as mãos tremendo, fui colocando no carrinho
tudo que precisava, fazendo de tudo para chegar em casa mais rápido possível para
poder fazer alguma coisa a respeito dessa inquietação que ela me fazia sentir.
Precisava ligar para ela ou ia enlouquecer. No entanto, não queria atrapalhar sua
noite, ainda mais se ela estivesse em um encontro. Talvez encher a cara fosse uma
boa opção para esquecer que Liz podia estar sendo beijada e tocada por outro,
quando eu é que queria fazer tudo isso. Fui para o corredor das bebidas, peguei uma
garrafa de uísque e fui para o caixa.
Quando cheguei ao meu apartamento, guardei as compras e procurei um
copo para despejar uma dose de uísque, precisava me controlar. Precisava resolver
tantas coisas comigo mesmo, o problema do meu pai martelava na minha cabeça.
Esse deveria ser meu objetivo nesta cidade, resolver o meu passado deveria ser uma
prioridade para mim e ir embora na mesma velocidade que vim. Mas a imagem de
Liz naquele vestido não parava de me atormentar.
Ela é especial demais. O tipo de mulher perfeita para um homem manter,
construir um futuro, ter filhos, e não ser apenas mais uma na minha cama. Todos os
outros casos de uma noite ou no máximo duas foram medíocres, apenas uma
sucessão de rostos sem nome. Nenhuma delas me deixou estranho como estou me
sentindo desde que conheci Liz. Isso tinha que significar alguma coisa.
Não posso ligar para ela agora. Como explicaria como consegui seu
telefone? Ela vai me achar um stalker lunático.
Porra!
Onde Liz está? Daria tudo para ter essa resposta, talvez eu devesse ter
apenas seguido aquele táxi e ter estragado qualquer chance que ela tivesse de estar
com outro homem. Quem sabe eu não estaria mais aliviado?
Liguei o som e Coldplay começou a cantar melancolicamente.
Aqueles cabelos loiros brilhantes, os olhos expressivos, o perfume de flores,
a boca rosada e cada polegada de pele macia. Eram tantas características que me
encantavam que não conseguia decidir de qual delas gostava mais.
Porra! Ela está no meu sistema. Preciso vê-la e que se dane seu maldito
encontro.
Peguei meu celular, procurei o papel no meu bolso e disquei o número, não
tive coragem de apertar o botão para chamar. Toda minha coragem desapareceu,
talvez fosse melhor uma mensagem. Pensei em mil maneiras de escrever algo que
fosse engraçado e não parecesse perseguidor demais. Nunca fui tão inseguro na
vida, era mais fácil fazer um salto a metros do chão em cima da Rose do que tomar
uma decisão do que fazer para fazê-la minha.

Arrisquei-me e enviei uma mensagem enigmática sem assinatura. Meu


número era desconhecido, corria o risco de ela ignorar. Mas eu era um atleta, estava
acostumado a correr riscos. E se fosse para ganhar aquela mulher eu faria qualquer
coisa. Agora tudo que eu precisava era que Liz respondesse. Poucos minutos se
passaram antes de meu celular vibrar com sua resposta arisca, Liz tinha mordido a
isca.
Brinquei mais um pouco gostando de provocá-la. Liz não respondeu minha
última mensagem, esperei impaciente alguma resposta de sua parte, contudo, deduzi
que ela tinha se cansado de brincar. Tomei mais algumas doses de uísque refletindo
quanto o meu plano foi idiota. Agora Liz provavelmente me odiava. Eu era um
covarde, talvez eu devesse apenas ter lhe colocado no colo ontem e ter lhe beijado
da maneira que ela merecia.
Depois de um tempo levantei-me para desligar o som e cair na cama, quando
escutei a campainha tocar freneticamente.
Quem será? Não tenho nenhum conhecido na cidade.
Abri a porta e encontrei um par de olhos azuis furiosos me encarando.
“Não consigo não encostar, eu quero isso tudo, não, nada mais que isso
Não consigo não encostar, eu quero você todo...”
(Hands to myself – Selena Gomes)
Liz
Saí do bar e peguei um táxi para voltar para casa. Agarrei minha bolsa no
colo enquanto olhava distraidamente pela janela, todos os meus pensamentos fixos
em como ia pedir para aquele maluco parar de brincar comigo. Gustavo não era
apenas descarado, também era lindo de morrer e tinha um sorriso que podia deixar
qualquer mulher com as pernas bambas, inclusive eu.
Mas seus atributos físicos não podiam me distrair do que ele estava fazendo
comigo. Quem ele achava que era? Além de forte, másculo, que cheira a sexo e ao
próprio pecado.
Oh, meu Deus, Liz, você está bêbada! E confusa, confessar isso chega a ser
um eufemismo.
Ele não pode sair por aí me elogiando e não querer nada comigo. Por que
ele não me beijou ontem, quando eu queria? Ele viu como reagi a sua proximidade.
Precisava ser cego para não notar que eu estava deslumbrada com aquele corpo e
completamente perdida naqueles olhos.
Ele inventou aquela conversa que só iria me beijar quando eu fosse dele,
pois estava sendo cavalheiro. Mas eu não queria cavalheirismo, queria me sentir
desejada. O que ele quer que eu pense? Gustavo que me aguarde. Tenho certeza de
que conseguiu meu telefone com o porteiro e se ele acha que eu vou deixar por isso
mesmo está muito enganado. Não sei se ele subornou o pobre do homem, mas ele
não poderia ter feito isso.
O táxi parou na frente do prédio, subi os degraus correndo com cuidado
redobrado para não cair no chão, porque minhas pernas estão meio descompensadas
devido ao excesso de álcool. Cheguei à recepção e fui até o porteiro.
— Oi, seu Juca, preciso da sua ajuda! — Atirei para ele que me olhava de
olhos arregalados.
— Dona Liz, a senhora é a segunda pessoa que me diz isso hoje, em que
posso ajudar?
— Preciso que me diga o número do apartamento do novo morador, aquele
moreno gostoso. Não! — Balanço a cabeça para clarear meus pensamentos. —
Quero dizer o Gustavo Salles.
— Dona Liz, ele esteve aqui hoje pedindo seu telefone — Juca me falou
querendo rir.
— Eu sei, por isso mesmo preciso encontrá-lo. É urgente!
— Ele está morando no apartamento 182 no 18º andar.
— Muito obrigada — agradeci.
Dei um beijo em sua bochecha e saí correndo em direção ao elevador. Só
Deus sabe como estou conseguindo correr em cima desses saltos.
Gustavo tinha que estar em casa e sozinho, para que meus planos de tirar
satisfação dessem certo. Entrei no elevador meio enjoada, com certeza amanhã as
tequilas cobrariam seu preço. Apertei o andar dele e passei as mãos no cabelo
tentando ajeitá-los da melhor forma possível e aguardei enquanto a geringonça fez o
seu caminho. Tentei me acalmar. Inspirei e expirei diversas vezes para não parecer
uma louca foragida do hospício. O elevador chegou ao andar desejado e lentamente
abriu as portas.
Era agora ou nunca.
“Eu não consigo tirar estas memórias
Da minha mente
E algum tipo de loucura
Começou a evoluir
E eu tentei tanto deixar você ir
Mas algum tipo de loucura
Está me envolvendo por completo...”
(Madness – Muse)
Gustavo
Abri a porta, e lá estava ela. Meu Deus, como pode alguém ser tão linda
dessa forma? Liz me encarou irritada, sustentei seu olhar por alguns segundos até
ela tomar a iniciativa.
— Gustavo... — murmurou meu nome e nesse momento uma onda de calor
e excitação atravessaram minha espinha, eu queria essa mulher e ela ia ser minha,
hoje.
— Liz — respondi olhando diretamente para aquela boca gostosa pintada de
vermelho, ela estava pedindo para ser devorada. Sem qualquer raciocínio segui
meus instintos mais primitivos e a puxei pelo braço para que entrasse no meu
apartamento, agora, agradecia a Deus por ter arrumado a bagunça.
Minha vizinha entrou sem qualquer reclamação, fechei a porta e encostei-a
contra ela. Liz me olhou com olhos cheios de desejo e nesse momento eu soube que
ela também me queria. Por qual outro motivo ela estaria batendo na minha porta? Se
não fosse porque também está sentindo a mesma inquietação e necessidade que eu?
Aproximei-me do seu corpo sentindo sua respiração ficar cada vez mais
acelerada, aguardei ela me pedir para parar, porque não conseguiria me controlar
caso ela continuasse me atiçando.
— Vo-você... — gaguejou.
— Eu? — perguntei me aproximando ainda mais do corpo dela encostado
contra a porta. Nossas respirações estavam no mesmo ritmo descompassado em
euforia, meu coração martelava no meu peito violentamente, agradeci a Deus nesse
momento por não ser cardíaco porque possivelmente meu coração entraria em
colapso agora.
Passei a mão pela sua cintura e com o outro braço trouxe-a para mais perto
do meu rosto, e fiz o que estava desejando desde que a vi pela primeira vez: beijei
seus lábios. Deus, eu não podia chamar isso de beijo. Liz estava sugando minha
alma para fora do meu peito, mas por algum motivo isso fazia eu me sentir completo
como nunca estive antes. Nossos lábios se conectaram em um encaixe perfeito, o
sabor da sua boca era como tocar o céu. Eu simplesmente não conseguia explicar o
que estávamos fazendo. Devorei a boca dela como se me deliciasse de uma iguaria
rara, o gosto doce do batom misturado com um leve gosto de tequila me deixou
zonzo, eu precisava de mais. Queria mais. Precisava descobrir seus mistérios e qual
o feitiço que ela lançou sobre mim para me deixar tão louco.
Suguei seus lábios macios entre os dentes, depois tentei alcançar sua língua
buscando ir mais fundo, Liz cedeu, soltei a sua cintura e segurei seu rosto com as
duas mãos, pressionando todo o meu corpo contra ela que permaneceu escorada na
porta. Liz gemeu na minha boca de satisfação, e isso me deixou fora de controle.
Mesmo inocente, Liz era receptiva e apetitosa com relação ao meu toque. E
pelas reações dela com nosso beijo percebi que teve poucas experiências como essa
na vida. O que me deixou ainda mais excitado, afastei nossas bocas ofegantes e
comecei a traçar um caminho de beijos e leves mordidas pelo seu pescoço e lóbulo,
Liz gemeu baixinho e puxou meus cabelos para me trazer de volta ao nosso beijo,
voltei a beijá-la dessa vez mais devagar, demorando e aproveitando cada sensação
que ela me causava.
Essa mulher vai me matar, não tenho qualquer dúvida disso.
Comecei a descer uma das mãos pelos seus braços, e com a outra tracei
caminhos pelas suas costas nuas exposta pela falta de tecido do vestido, minha
vontade foi de arrancá-la desse pequeno pedaço de pano que me infernizou a noite
toda. Senti seus braços ficando arrepiados a cada toque das minhas mãos. Passei a
ponta dos dedos pelas suas coxas macias, ela jogou a cabeça para trás e soltou um
gemido rouco, comecei a levantar seu vestido calmamente com uma das mãos sem
nunca interromper a pressão sobre seu corpo e nosso beijo, precisava alcançar o
paraíso.
Peguei por baixo do seu joelho e coloquei sua perna direita enganchada no
meu quadril, para que eu pudesse explorá-la melhor. Levei meus dedos ao interior
das suas coxas, a loira deliciosa à minha frente estava com uma tanguinha de renda
preta minúscula, eu afastei o tecido e a toquei lá, onde sempre sonhei. Liz estava
molhada e fogosa, pronta para me receber. Ao sentir meu toque, ela afastou a boca
da minha e me olhou com olhos assustados.
Encarei-a confuso sem entender qual foi o problema. Será que estou indo
rápido demais?
— Gustavo, eu... eu... — Liz gaguejou e parou de falar me deixando ainda
mais curioso.
— Liz, o que foi? Estou indo muito rápido? — perguntei e tentei me
explicar, para fazer com que ela compreendesse meu desespero em possui-la. —
Desculpe, não quero assustá-la, mas você está me deixando louco, completamente
fora do meu juízo.
Beijei seu rosto carinhosamente, não podia mais soltá-la. Isso agora não
dependia mais de mim.
— Não, de jeito nenhum, eu quero você — Liz falou cada palavra devagar, a
voz doce e inocente soou tão sensual. Fiquei orgulhoso de mim mesmo em ouvi-la
confessar que também me queria. Suas mãos delicadas envolveram meu rosto,
queria aquelas mãos por todo meu corpo.
Era tarde demais, ela pediu por isso.
Virei-a de costas para mim, afastei os cabelos soltos do coque que ela usava
e comecei a beijar seu pescoço e costas, vi muita pele exposta. Não queria que
nenhum outro homem a visse nesse maldito vestido de novo, nunca, jamais. Peguei
a tira do vestido que cobria sua bunda e rasguei em um simples puxão.
— Meu vestido... — ela gemeu baixinho como se não tivesse forças para
protestar.
Olhei para ela de costas vestindo agora apenas uma calcinha fio dental preta
e os sapatos vermelhos. Um monte de renda negra descansava aos seus pés devido
ao vestido descartado. Nunca vi nada mais lindo.
— Eu poderia ter um quadro na minha sala com essa imagem, nunca vi nada
mais maravilhoso e sensual. Liz, você sabe o quanto é linda, não sabe?
Sua bunda era um pecado, minhas mãos coçavam para dar-lhe uma palmada
e ver minhas marcas contra sua pele perfeita. Era demais para que eu pudesse
resistir. Virei-a de frente para mim, e a imagem que vi em seguida era ainda mais
alucinante que a anterior, seus seios pularam no ar livres, seus mamilos rosados me
encaravam pedindo para serem beijados, comecei a admirá-la lentamente da cabeça
aos pés, sem pressa. Precisava guardar essa imagem para sempre. Sua pele clara em
destaque com a lingerie preta era o próprio sinônimo da palavra luxúria, comecei a
beijá-la novamente.
Liz puxou meus cabelos em seus dedos, depois começou a tirar minha
camiseta desesperadamente. Se eu morresse agora, eu seria a porra do defunto mais
feliz do mundo. Ajudei-a me livrando da camiseta pela cabeça e joguei-a no sofá.
— Você é tão linda, Liz.
Tomada de desejo, seus olhos brilharam encarando meu peito nu com pura
luxúria, Liz arrastou lentamente as mãos pelo meu abdômen, e ondas de calor se
espalharam pela minha espinha indo em direção ao meu pau, que implorava por
libertação dentro da minha calça. Seu toque era tímido, mas ainda assim sensual,
nunca me senti tão ligado em uma mulher na vida, precisava seriamente me
controlar para não acabar a brincadeira antes do previsto, porque Liz fez minha
experiência desaparecer, a loira desgraçada me transformou em um maldito
adolescente.
— Você me quer, Liz? Porque estou desesperado por você. — perguntei
ensandecido de desejo, afastei-me e abri o meu jeans, Liz mordeu o lábio ao assistir
me livrar da peça.
Ela gostou do meu corpo, mal sabia que eu me despiria facilmente para ela
uma vida inteira, bastava apenas me pedir por isso. Mantive a cueca boxer, porque
ainda queria brincar um pouco mais, os olhos fogosos de Liz travaram nessa região
do meu corpo específico e ficando boquiaberta, olhei para baixo e percebi o motivo:
ostentava uma ereção gigante.
Sorri maliciosamente, aproximei-me dela como um leão fazia com a sua
presa, lentamente deslizei minhas mãos por sua pele macia, amando a sensação de
maciez contra minha pele. Beijei Liz novamente para mostrá-la o que ela tinha feito
comigo, minha boca não queria parar de prová-la. No momento em que minhas
mãos foram descobrindo mais do seu corpo, senti-a contrair o corpo e parar de
retribuir os meus toques. Afastei-me para poder olhar em seus olhos, nunca me
perdoaria se de alguma forma ultrapassasse os limites.
— Ei, linda, tudo bem? — perguntei preocupado.
— Gustavo, eu preciso ir ao banheiro — ela me respondeu com o rosto
pálido, Liz parecia que ia vomitar nos meus pés a qualquer momento.
— Segunda porta à direita. — Indiquei. — Está tudo bem? — perguntei, mas
não obtive uma resposta, porque Liz saiu correndo.
Ela não teve tempo nem de fechar a porta, caiu de joelhos no vaso sanitário e
começou a vomitar. Mas que porra! Como eu não percebi que ela estava bêbada?
Eu estava tão cego de tesão que nem reparei em algo tão importante, eu estava quase
transando com ela. Não era dessa forma que queria que as coisas entre nós
começassem.
Liz segurou nas bordas do vaso sanitário como se disso dependesse a sua
vida. A visão dela ali de joelhos me fez querer matar quem lhe deixou beber tanto.
Aproximei-me dela, peguei uma toalha limpa no armário embaixo da pia e
cobri suas costas. Ela levantou o rosto limpando a boca com as costas da mão. Liz
me olhou com os olhos cheios de vergonha. Perguntei-me se foi por isso que ela
resolveu aparecer? Por que estava bêbada?
— Quanto você bebeu, Liz? — questionei um pouco irritado, percebendo
que provavelmente ela só veio aqui porque estava bêbada.
— Muito, me desculpe por isso... — respondeu quase como um sussurro
rouco.
— Você só veio até aqui porque estava bêbada? É isso? E onde está a porra
do seu encontro que não garantiu que você chegasse em casa em segurança? —
Olhei para ela incrédulo e muito puto com quem quer que fosse esse cara com quem
ela saiu.
— Eu não estava em um encontro, eu só vim aqui porque queria respostas.
— Liz se levantou do chão ficando zonza com o movimento, eu a segurei pela
cintura evitando que ela caísse.
— Respostas sobre o quê, Liz? — Não queria deixá-la livre dos meus
questionamentos.
— Suas mensagens, você está jogando comigo? É isso? É isso que você faz
com as mulheres? Diverte-se com elas? E ainda se acha no direito de parecer
irritado! — Liz gritou me assustando.
— Não! Do que você está falando?
— É sempre assim, Gustavo, todo mundo brinca comigo e você é só mais
um deles. — Ela jogou as palavras na minha cara empurrando meu peito para que eu
me afastasse do seu corpo, Liz se enrolou na toalha apertando firme o material
contra si para se proteger de mim.
— Do que você está falando?
— Todo mundo me abandona, Gustavo, esse é o problema — respondeu
entre soluços, as lágrimas molhando todo o seu rosto, formando um caminho de
lágrimas negras de maquiagem.
Odiava ver uma mulher chorando, no entanto, ver Liz chorando era como
levar um gancho de direita. Aproximei-me dela e a abracei na mais pura intenção de
confortá-la, não tinha ideia do que ela falava, mas queria que confiasse em mim. Liz
tentou me empurrar, mas um segundo depois cedeu ao meu abraço, seus braços me
apertaram com força e isso tocou meu coração.
O que essa garota está fazendo comigo? É o que não parava de me
perguntar, nunca senti necessidade de cuidar de ninguém, mas eu sentia esse
sentimento por Liz rasgando o meu peito, essa mulher delicada chorando no meu
colo, parecia tão sozinha e machucada.
— Sempre me abandonam, as pessoas que mais me importo. É isso que elas
fazem — choraminga baixinho.
— Eu estou aqui, Liz, não vou a lugar algum. Shhh, estou aqui... vai ficar
tudo bem. — Beijei seus cabelos macios e fiz círculos nas suas costas para acalmá-
la.
— Ele não podia ter me deixado, agora não tenho mais ninguém... ninguém.
De quem ela está falando? Um homem feriu seu coração, disso não tenho
dúvidas. Mas quem é o filho da puta?
— Agora você tem a mim, eu estou aqui — falei sentindo meu peito se
encher de ciúmes.
Fechei a tampa do vaso sanitário, sentei-a, peguei minha escova de dentes,
coloquei um pouco de pasta e entreguei a ela, sem protestar Liz escovou os dentes.
Terminei de me despir e me abaixei para ajudá-la a tirar a calcinha.
O gesto foi totalmente inocente, eu só queria levá-la para o chuveiro e ajudá-
la a se sentir melhor. Precisamos nos lavar, tentar deixar a água levar toda a
confusão que foi esta noite. Segurei sua mão e ela me acompanhou, liguei a ducha,
peguei o sabonete e comecei a lavá-la. Liz fechou os olhos quando sentiu meus
dedos ensaboando sua pele. Seu corpo era do tipo mignon, seios pequenos e cheios
na medida perfeita das minhas mãos, os quadris bem desenhados, pernas torneadas,
uma bunda redonda que parecia pedir uma boa palmada. Recriminei-me por estar
fazendo essa análise em uma situação como essa, contudo era difícil evitar, ela era
perfeita. Qualquer homem no meu lugar pensaria o mesmo. Passei as mãos por seus
cabelos afastando-os dos seus olhos. Liz me olhava a todo momento.
Era um momento íntimo, único e só nosso. Nunca tive esse tipo de
intimidade com mulher alguma, mas precisava desse contato com Liz. Ela também
sentiu necessidade de retribuir o contato, Liz estendeu os braços e começou a lavar
meu corpo. Ela começou tímida, passando os dedos gentilmente pelo meu peito,
depois foi sentindo confiança suficiente para ir explorando outros lugares do meu
corpo, não era nada sexual, mas íntimo e profundo. Era como se ela precisasse sentir
que eu estava ali, que aquilo não era um sonho, que era tudo real.
Terminado o banho, enrolei uma toalha na cintura, peguei outra e a cobri,
peguei-a nos braços e a levei para a minha cama, percebi que ela estava tremendo de
frio. Fui até minha gaveta, puxei uma camiseta e uma cueca para vesti-la, eu não
queria que ela sentisse frio, a madrugada de São Paulo era bem fria nessa época do
ano. Sequei-a com a toalha e ajudei-a a se vestir. Assim que estava aquecida seus
olhos se fecharam, a dorminhoca se aconchegou nos meus travesseiros já
cochilando, puxei o edredom e a cobri carinhosamente para aquecê-la ainda mais.
Olhei para ela esparramada nos meus lençóis, um anjo estava dormindo na minha
cama.
Sorrindo como um idiota, me sequei rapidamente, vesti uma cueca e fui até a
caixinha de remédios na cozinha, peguei um Engov e um copo de água e levei para
ela. Amanhã a ressaca não vai ser tanta se ela tomar o remédio.
Sentei-me na beira da cama para chamá-la, mas continuei admirando sua
beleza imaculada, foi aí que um estalo disparou no meu cérebro, eu a queria ali
sempre deixando seu perfume nas minhas coisas. Eu queria não terminar esse
momento nunca. Queria cuidar dela e protegê-la de quem quer que a tivesse
machucado tão profundamente. Fiquei olhando para ela como um voyeur
profissional, reparando cada pequeno detalhe e movimento de suas pestanas.
Precisei acordá-la.
— Liz — chamei alisando sua bochecha com os dedos delicadamente para
não a assustar.
— Hummm... — resmungou abrindo lentamente as tochas azuis que eram
seus olhos.
— Você precisa tomar isso. — Liz olhou para a minha mão com os
comprimidos e sentou-se recostada na cabeceira da cama.
— O que é isso? — bocejou.
— Remédio para quem bebeu muito. Vai fazer você se sentir melhor. —
Coloquei o comprimido em sua boca e levantei o copo com água até os seus lábios.
Ela bebeu tudo e deitou novamente.
— Preciso ir para casa — murmurou baixinho.
— Você não vai a lugar nenhum assim. — Ela suspirou.
Olhei para o relógio no criado-mudo, já passava das duas da manhã. Depois
que toda a adrenalina de ver Liz na minha porta foi baixando, percebi que estava
muito cansado, também tomei quase meia garrafa de uísque.
Deitei ao lado dela na cama e puxei-a para que ela se aninhasse no meu
peito. Liz não recusou nosso contato, ela se agarrou a minha cintura rapidamente. A
sensação de tê-la ali perto de mim foi indescritível, o calor do seu corpo me
confortou. Fiz cafuné em seus cabelos macios até sentir que ela estava dormindo
profundamente.
Lembrei-me das suas palavras. Do que será que ela estava falando? Quem
foi o idiota que a abandonou? Quem teria coragem de fazer isso com alguém como a
Liz, que despertava em qualquer um o instinto de proteção e encantamento? Fechei
os olhos e tentei apenas curtir esse momento. Nós dois juntos, respirando o mesmo
ar e descansando nossos corpos juntos no calor um do outro.
“Talvez eu saiba que em algum lugar
No fundo da minha alma que o amor nunca dura...
E até agora eu tinha jurado a mim mesma que eu estava satisfeita com a
solidão
Porque nada disso algum dia valeu o risco...”
(The only exception – Paramore)
Liz
Abri os olhos e encarei o teto, me movi para o lado e tomei um susto. Olhei
para as paredes cinzas, e a estante com livros que não eram meus. Meu coração
começou a bater acelerado. Será que toda aquela cena com Gustavo e o vômito não
foi um sonho?
Fitei as cortinas entreabertas revelando nuvens pesadas através da janela.
Gotas de chuva escorriam pelo vidro, era mais um dia chuvoso em São Paulo. Eu
deveria estar com frio, mas senti um calor vindo de um corpo grande e sólido
aconchegado nas minhas costas.
Oh, meu Deus! Não pode ser.
Como uma bomba, as lembranças de ontem começaram a explodir na minha
cabeça. Tinha sido real.
Assim que ele abriu a porta lindo e despretensioso como só ele conseguia
ser, vestindo jeans rasgados nos joelhos, camiseta preta e os pés descalços, minha
vontade foi de pular em cima dele e beijá-lo até ficar sem fôlego. Tentei falar algo,
mas tudo que tinha planejado em minha mente sumiu. Não conseguia raciocinar, só
enxergava aquele homem enorme na minha frente. Esforcei-me para afastar todo o
desejo que estava sentindo e falei seu nome como se estivesse implorando que ele
estivesse pensando a mesma coisa que eu.
— Gustavo... — choraminguei em uma mistura de irritação e súplica.
— Liz — ele sussurrou meu nome calorosamente, compartilhando do
mesmo desejo que eu. Quando me puxou para dentro do apartamento, senti meu
corpo amolecer a partir do toque da mão dele no meu braço. Tentei falar, mas já não
sabia ao certo sobre o quê, só queria ser firme nessa hora e não me sentir tão afetada
pela presença dele. Eu estava bêbada, mas ainda não estava louca, eu deveria ser
forte e resistir ao seu charme. Não, eu não queria resistir, eu queria ceder.
Eu o queria naquele momento.
No momento em que Gustavo chocou nossas bocas num beijo avassalador,
eu saí de órbita, eu voava como um pássaro numa tarde de verão, bem próximo do
sol, tão perto que seu calor me aqueceu e me transportou para lugares
desconhecidos. Todos esses sentimentos eram estranhos para mim, nunca vivi nada
como aquilo. Porém, eu queria mais.
Gustavo me beijou como se estivesse necessitado disso, e eu me entreguei a
ele. Seu toque no meu corpo ia deixando caminhos de calor, conforme sua mão ia
avançando, comecei a tremer, meu coração estava acelerado e tinha certeza de que
ele estava sentindo. Meu peito era uma mistura de medo e luxúria, eu queria, mas
deveria ter forças para dizer que nunca fiz isso. O que ele acharia de mim? Uma
mulher frígida de vinte e tantos anos? Talvez. Preferi me calar, eu não queria
estragar o momento nem a forma que estava me sentindo. Quando ele tocou entre
minhas pernas, eu não aguentei mais. Apesar de nunca ter ficado tão vulnerável na
frente de ninguém, me senti linda e verdadeiramente poderosa. Gustavo me olhava
com veneração, foram os minutos mais intensos que já vivi. Até começar a sentir
meu estômago embrulhar. Não podia ser, eu queria vomitar, tentei afastar o
pensamento da minha cabeça, mas foi em vão. Um gosto amargo atingiu minha
garganta e eu precisava correr para não derramar todos os drinks que bebi em cima
dele.
Fui patética. Que vergonha, ele assistiu todo o meu vexame. Sentia minhas
bochechas queimarem de vergonha só de relembrar. Meu Deus, o que eu estava
pensando quando vim até aqui?
Essa foi a pior humilhação da minha vida, ainda tive coragem de derramar
um monte de coisas sobre meu passado para um completo estranho. E como se a
noite não fosse ruim o suficiente, Gustavo ainda me deu banho como se eu fosse
uma criança. Ele foi gentil, não posso negar, mas fiquei nua na frente de um homem
que conheci há poucos dias. E, ainda por cima, toquei seu corpo como se não fosse
nada de mais. É verdade que ele apenas cuidou de mim, como eu não fui cuidada há
muitos anos, mas mesmo assim era muito constrangedor pensar sobre isso quando o
álcool não estava mais dominando minhas ações.
Gustavo parecia um Deus em seu triunfo, confesso que quando ele se despiu,
eu me assustei por tamanha beleza. Seu corpo era fantástico, a barriga cheia de
gominhos irresistíveis, peito e ombros largos, as tatuagens exóticas espalhadas por
todo seu braço. Seu corpo lisinho sem pelos, as coxas longas e torneadas. Aquela
era visão para se passar dias apenas admirando.
Acordei das minhas lembranças da noite passada e comecei a me mexer para
tentar levantar sem que ele percebesse, precisava ir embora e fingir que nada disso
aconteceu. Mas meu vizinho apertou na minha cintura me mantendo para ele.
Deus, como é gostosa essa sensação. Não, não é não! O que ele pensa que
está fazendo?
— Bom dia! — sussurrou com a voz de sono próximo ao meu ouvido, seu
hálito quente causando arrepios na minha pele.
A vergonha e o nervosismo me atingiram. O que eu faço? Nunca dormi na
mesma cama que um homem, e Gustavo não era qualquer homem, era "O" homem.
— Ah... bom dia. Eu preciso ir. — Tentei me levantar.
Rapidamente ele me deitou de costas na cama, ficando por cima de mim.
Com as mãos de cada lado da minha cabeça, deixou-me presa embaixo de todo seu
tamanho.
— Para onde você pensa que vai? Hoje é domingo.
— Eu preciso ir para casa — repeti.
— Não, nada disso, você não sai daqui enquanto não conversarmos.
— Gustavo, eu não sei o que você acha que está acontecendo aqui, mas com
certeza deve estar enganado, por favor, me deixe ir. — Tentei, mais uma vez,
empurrá-lo de cima de mim.
— Liz, você me deve várias explicações. Começando a me dizer para onde
você foi com aquele pedaço de pano que você chamava de vestido? E quem foi o
idiota que deixou você sozinha o resto da noite.
— Gustavo, você está me esmagando, e sobre o quê te devo explicações? —
perguntei incrédula. Ele estava com ciúmes de mim?
— Onde você foi? Quem foi o idiota que te deixou beber tanto? E ainda nem
se certificou de que você estava segura?
— Eu saí com a minha amiga. E não sou nenhuma criança, Gustavo. Deixe-
me ir embora. — Toquei seus bíceps tentando afastá-lo, mas ele nem se mexeu.
— Não, precisamos conversar. Essa sua amiga foi uma irresponsável.
Imagina se você não tivesse vindo para a minha casa, o que qualquer outro homem
faria com você naquela situação?
— Eu já sou uma mulher adulta, Gustavo, sei muito bem me cuidar sozinha,
e quem estava agindo como criança era você, me mandando aquelas malditas
mensagens cheias de duplo sentido.
— Você não agiu como uma adulta ficando bêbada daquela forma, mas
parecia uma adolescente vomitando as tripas no meu banheiro.
Essa doeu, ele precisava me lembrar disso?
Gustavo notou meu constrangimento e se retratou.
— Me desculpe, estou sendo rude. Quando vi você entrando naquele táxi,
fiquei louco. Então, peguei seu telefone com o porteiro e mandei aquelas
mensagens. Quando te vi na minha porta achei que queria o mesmo que eu.
Estávamos nos dando bem até que você saiu correndo para o meu banheiro.
— Você me viu? — perguntei curiosa.
— Sim, foi coincidência. Eu estava descendo para ir ao supermercado
quando vi você entrando no táxi. Desculpe-me, eu não sou um psicopata.
— Eu sei, também sinto muito. Não estava pensando direito em bater na sua
porta àquela hora da noite, eu estava bêbada e não estava raciocinando com a razão.
Eu preciso ir.
— Ah, então foi por isso? Por que estava bêbada? — O rosto de Gustavo
ficou tomado de mágoa, e mesmo assim ele continuava lindo com seus cabelos
amassados caindo na testa e seus olhos dourados feridos me olhando como se não
acreditasse no que disse.
— É só isso, então? Estava inconsciente? — insistiu sem se mexer um
centímetro de cima de mim, a proximidade me desestruturou, porque podia sentir
cada polegada de músculo duro contra meu corpo.
Senti raiva da sua pergunta, na verdade eu queria vir questioná-lo por não ter
me beijado anteontem no jantar na minha casa, a bebida só foi um encorajador.
— Sim. — Grande mentirosa.
— Não parecia quando eu estava te beijando, você parecia estar muito
consciente.
— Eu estava, só que...
— Só que o quê? Liz, fala — Gustavo me questionou.
Abri a boca para falar, mas não soube o que dizer. Eu queria beijá-lo, ser
corajosa o suficiente para dizer que eu o queria, que não suportei a ideia de que ele
não me queria, que eu estava magoada com o dia de ontem, que eu bebi para tentar
esquecer minha vida e tudo que aconteceu há dez anos. Os olhos de fogo
continuavam travados nos meus esperando respostas. Queria tanto ser despudorada
e desabafar tudo que estava engasgado na minha garganta.
Senti uma lágrima descer na minha bochecha, ele se esticou e a beijou. Seu
gesto foi tão doce e desconcertante que mal formulei os pensamentos quando o
puxei em minha direção, eu precisava prová-lo de novo. Não precisei de esforço
para isso, nossos rostos estavam separados por apenas alguns centímetros. Beijei-o
lentamente, sentindo o sabor de sua boca. Agora sem o álcool em minhas veias, eu
precisava saber se era aquilo tudo mesmo que eu me lembrava ou se eram só
fantasias da minha cabeça.
Os beijos deixaram de ser lentos e vagarosos, dando lugar à urgência e
fugacidade. Gustavo imediatamente alcançou minhas mãos e as prendeu em cima da
minha cabeça me privando de tocá-lo, gemi em protesto, ele sorriu contra meus
lábios e seus beijos desceram pelo meu pescoço, indo em direção aos meus seios
sobre a camiseta dele que eu estava vestindo.
— Eu quero que você me toque e quero te tocar também — implorei.
— Tudo que você quiser, linda... — Gustavo afastou-se, eu o empurrei para
que eu pudesse tirar a minha camiseta. Ao contrário do que imaginei, não tive
qualquer vergonha do meu corpo, Gustavo estava parado de joelhos na cama me
admirando com olhos escuros. Sua língua deslizou pelos seus lábios daquela forma
que fazemos quando vamos comer algo apetitoso, ele sorriu cinicamente para mim
quando percebeu o que estava pensando.
— Você é a coisa mais linda que já vi — ele sussurrou.
— Gustavo, eu quero você.
— Também quero você. Quero como nunca quis mulher nenhuma. Você tem
me enlouquecido, loira.
— Preciso de você — gemi.
— Desde que te vi, rezei para ouvir você confessando isso.
Ele beijou minha boca e tocou meus seios sensíveis, gemi de alívio por
poder voltar a sentir suas mãos sobre mim. Ele se afastou e abocanhou um dos meus
seios e continuou apertando o bico sensível do outro com dedos calejados, a mistura
de prazer e dor era gratificante.
Gustavo começou um doloroso, mas muito prazeroso caminho de beijos e
mordidas dos meus seios até o meu ventre, arrepiando toda minha pele. Sua língua
me causava formigamentos por todo o corpo, que logo se transformaram em deleite.
Seus dedos alcançaram a cueca boxer que eu vestia e começaram a descê-la devagar.
Eu arqueei as costas, tão necessitada, meu cerne formigava com avidez. Estava
molhada de desejo. Gustavo puxou a cueca pelos meus pés e a jogou longe. Fiquei
nua e completamente aberta para ele.
Por incrível que pareça me senti linda!
— Gustavo, eu preciso de você, agora — gemi baixinho olhando dentro dos
olhos dele.
— Eu só quero te admirar mais um pouco, você é tão suculenta, Liz. Você é
perfeita e merece ser adorada. Cada pedacinho seu merece ser apreciado e
degustado com lentidão. — Ele me encarou, o que me deixou ainda mais excitada.
Gustavo abaixou e, quando percebi, ele estava entre as minhas pernas me
sugando, justamente onde meu corpo estava tão faminto pelo seu toque, era a coisa
mais incrível do mundo. Sua língua quente e úmida tocava magistralmente os cantos
certos deixando-me em puro êxtase, cada movimento era calculado e preciso, ele
sem dúvidas sabia o que fazer para enlouquecer uma mulher na cama, e eu estava
adorando ser a prova viva de que ele sabia satisfazer uma amante.
Instintivamente puxei seus cabelos macios fixando-o com mais força. Deixei
escapar palavras aleatórias, nunca poderia imaginar que uma língua poderia ser tão
extraordinária.
Gustavo demorou, e comecei a sentir-me mais perto da borda, como se meu
corpo levitasse e se transportasse para longe. Sua língua começou a me invadir, ele
delicadamente colocou, um a um, os dedos na minha vulva. Quase não consegui
respirar, ele estava me preparando para recebê-lo, isso eu já sabia, mas como
poderia imaginar que uma preparação pudesse ser tão enlouquecedora?
Simplesmente não resisti quando seus dedos reforçaram a fricção no meu clitóris,
me descontrolei e gozei numa onda de prazer alucinante. Senti-o sorrir quando me
ouviu gemendo feito uma louca e chamando seu nome, implorando por mais.
— Você é deliciosa — ele disse limpando meus fluidos na pele entre minhas
coxas.
Puxei-o e comecei a beijá-lo, sentir o gosto da minha excitação em sua boca
foi só mais um estimulante natural para tudo que estava experimentando. Gustavo se
afastou ligeiramente e tirou a cueca e se posicionou entre minhas pernas, sua ereção
saltou magnifica em seu abdômen. Comecei a arranhar suas costas tentando trazê-lo
para mais perto, nossa proximidade nunca era suficiente. Ele resmungou algo que
não consegui entender, mas o som me lembrou da palavra gostosa. Me sentia
gostosa, ele me fazia sentir assim.
— Gustavo, eu não sei se... — falei tentando não parecer uma pateta
inexperiente, mas seu comprimento e largura me assustaram, talvez eu não estivesse
pronta para acomodá-lo de uma só vez.
— Está assustada? — perguntou no meu ouvido, dando mordidinhas no meu
pescoço. — Prometo ir com calma, relaxe. Quero que você aproveite cada segundo.
Isso é sobre lhe dar prazer, não obter o meu.
Gustavo era um gentleman, tão gentil e doce, meu coração deu um pulo
derretido por ele. Voltei a beijá-lo desesperadamente, ele pincelou a ponta do pênis
na minha entrada escorregadia e finalmente pressionou. No primeiro momento senti
uma pontada de dor agonizante, sua intromissão pareceu me rasgar em duas.
Gustavo, notou meu pavor. Gentilmente permaneceu imóvel, aguardando meu corpo
se acostumar ao seu tamanho. Sem nunca deixar de olhar dentro dos meus olhos.
Uma lágrima escapou dos meus olhos sem que eu pudesse controlar.
— Liz, por que você está chorando? Eu te machuquei de alguma maneira?
— perguntou-me preocupado.
— Não, você é perfeito — falei tentando beijá-lo para mudar sua atenção de
minhas lágrimas.
— Liz, é o que estou pensando? Você... Liz, você é virgem? — Nos seus
olhos consegui ver uma mistura de sentimentos.
— Gustavo, eu não queria te assustar... não é grande coisa.
— O destino acabou de bater o martelo.
— O que isso... — Fui interrompida quando ele começou a me beijar como
um louco, se eu pensei que antes ele tinha me feito isso com vontade, eu ainda não
estava preparada para isso. Suas mãos fortes arrastavam pela minha pele deixando
rastros de calor, o peito dele estava acelerado contra mim em ansiedade. Supus no
primeiro momento, que se ele soubesse que eu ainda era virgem poderia ficar
chateado, mas não, ele ficou ainda mais amoroso e apaixonado.
Mexeu-se novamente me penetrando, dessa vez sem pressa, ele investiu
contra mim cuidadosamente, quando estava totalmente enterrado no meu corpo,
parou de se mexer para que eu pudesse me acostumar com seu tamanho. A dor logo
foi esquecida pela deliciosa sensação do seu toque e da sua língua fazendo coisas
libidinosas com meus seios. Quando não aguentei mais, empurrei meus quadris para
fazê-lo se mexer, Gustavo me deu um olhar ardente.
— Você é minha, Liz. Você me ouviu? Você é tão perfeita e deliciosa. Não
há nada no mundo que me faça abrir mão de você — murmurou ensandecido
enquanto beijava minha boca com pura posse.
Meu corpo o acolheu como se ele pertencesse a mim e fôssemos feitos como
moldes do corpo um do outro. Daí em diante foi como uma dança, nos revezamos
entre gemidos, beijos, mordidas, carícias e arranhões. Comecei a me aproximar do
clímax novamente, eu não senti mais dor, apenas um prazer que nunca fui capaz de
imaginar que existia.
— Meu Deus, Liz! Você está me enlouquecendo.
— Gustavo, por favor... — gritei dormente de prazer, mas havia muito mais
naquele momento do que apenas desejo. Meu coração estava explodindo de emoção,
pela forma com que ele tornou minha primeira vez tão especial. Gustavo ministrou o
meu corpo sem egoísmo, desesperado por me fazer sentir bem.
Bem nem começava a descrever o que os últimos minutos significam para
mim.
— Quero morrer enterrado em você, Liz.
Suas palavras sujas foram o suficiente para me fazer alcançar o clímax, me
agarrei às suas costas tentando me segurar em algo, porque não tinha certeza se
minha alma ainda estava no meu corpo.
Gustavo encostou a testa na minha e chegou a sua própria libertação olhando
dentro dos meus olhos, ele murmurou meu nome baixinho antes de me beijar
profundamente. Assim que deixou meus lábios, levei meu tempo gravando seu rosto
bonito na minha memória. Nunca esqueceria a intensidade dos seus olhos me
observando, guardaria esse momento para sempre no meu coração, no mesmo lugar
em que guardo as lembranças do meu pai.
Gustavo começou a beijar todo o meu rosto, arrancando uma risada de mim.
Seu gesto era tão amável, que meu coração pulou derretido por esse motoqueiro. Ele
não deu o fato por encerrado, continuou me abraçando apertado buscando e
gostando desse contato pós-sexo, tanto quanto eu. Percebi que voltei a chorar.
Gustavo caiu ofegante de costas no colchão e me puxou para deitar em seu peito,
éramos uma bagunça de suor, lágrimas e respirações aceleradas.
Apesar do tempo ruim lá fora, para mim foi o dia em que tudo mudou: o dia
que me tornei verdadeiramente uma mulher.
— Espero que essas lágrimas sejam de felicidade. Não posso imaginar que
você possa ter se arrependido.
— Sim, são de felicidade. — Sorri pela preocupação em sua voz. Gustavo
levantou meu queixo para que eu olhasse dentro de seus olhos.
— Obrigado, Liz — agradeceu. Os homens costumam fazer isso quando
dormem com uma mulher?
— Não precisa gradecer — disse sem graça.
— Sabe o que eu mais adoro em você? — ele me perguntou e continuou sem
esperar uma resposta. — Essa sua inocência, Liz. Senti-me privilegiado por você ter
permitido que eu fosse o primeiro, mas sabe o que isso significa?
— Não — respondi.
— Eu quero você para mim, Liz, não irei abrir mão de você.
Fechei os olhos e senti um prazer momentâneo em pertencer a alguém,
mesmo que eu soubesse que suas palavras eram vazias. Gustavo me disse quando
nos conhecemos que era uma alma livre, que não se prendia a ninguém. Como ele
pretendia fazer isso funcionar? Além do mais, não posso me envolver em um
relacionamento. Esse tipo de contato só é bom nos primeiros momentos, depois vou
estar dependente de outra pessoa que vai sair da minha vida da mesma maneira que
os outros fizeram.
“Você está sempre na minha cabeça, isso eu acho
É pra te dizer que te escolhi, de todo o resto...
(Always in my head – Coldplay)
Gustavo
Observei Liz dormindo no meu peito, ela parecia um anjo de tão linda.
Refleti sobre o que aconteceu nessas últimas 48 horas. Alguns dias atrás isso tudo
iria significar apenas mais uma transa sem compromisso para mim, mas, de repente,
algo mudou. Ninguém nunca tinha confiado em mim como ela fez quando me
escolheu para deflorar seu corpo imaculado. Eu queria ser tudo que ela precisava, o
único a continuar possuindo-a, mas ao mesmo tempo eu sabia que criar vínculos
com ela só me traria dor de cabeça. Eu vivia para o motocross, nunca dividi minha
vida com nada além do esporte. Era um homem do mundo. Como eu iria administrar
um relacionamento com alguém como Liz? Que precisava ser cuidada e mimada
como uma princesa?
Eu não seria suficiente para ela, Liz logo me trocaria por alguém mais
disponível e normal, com a porra de um diploma que trabalhava de segunda a sexta
em um escritório com ar-condicionado e usava a merda de um terno. Ela nunca iria
aceitar ser de um motoqueiro tatuado. Não era um homem de negócios, mas tinha
grana, poderia mantê-la segura, mas nunca conseguiria estar dentro das expectativas
de uma mulher como ela. Liz era uma advogada, com que cara ela iria me
apresentar a seus colegas de trabalho? Será que ela teria vergonha de mim? No
entanto, se ela me aceitasse, e concordasse que nasceu para ser minha, eu poderia
ser um homem romântico, porque apaixonado com certeza eu já estava.
Passei os dedos suavemente pelos seus cabelos, o quarto cheirava a sexo e a
Liz. Era reconfortante tê-la aqui em meus braços tão manhosa, a chuva nesse
domingo preguiçoso era mais uma coisa que eu gostaria de repetir no futuro com
ela. Fechei lentamente os olhos e adormeci.
***
Acordei com leves beijos no meu peito, Liz estava nua, de bunda para cima
sobre minhas pernas estendidas, seguindo um caminho muito perigoso de beijos e
leves mordidas na minha barriga e abdômen.
— Essa é uma forma muito perigosa de acordar um homem — balbuciei
sonolento.
— Você não gosta? — ela perguntou ansiosa.
— Ao contrário, estou adorando o meu bom dia. — Ela sorriu de um jeito
levado e continuou, não resisti em ir guiando-a com as mãos em seus cabelos. Não
me controlei, a sua boca quente e faminta sugava a minha intimidade com gosto e
era demais para minha mente. Peguei-a pela cintura e a puxei para cima de mim. Eu
queria montada no meu pau, como uma boa amazona. Porra!
Liz veio sem reclamar, com a boca inchada passando a língua pelos lábios
molhados. Ajudei-a a subir em mim e nós fomos juntos ao encontro do clímax, seus
seios balançaram ao ar, não resisti e os abocanhei. Essa era a verdadeira felicidade,
era como se nossos corpos fossem perfeitos juntos, criados para serem um do outro.
Um tempo depois caímos no mais profundo prazer atados um ao outro como
um elo, ficamos alguns minutos ofegantes, recuperando o oxigênio, apenas
apreciando o barulho da chuva do lado de fora.
— Precisamos de um banho — disse a ela admirado com sua desenvoltura
na cama. Ela era tudo que eu precisava. Essa loira bagunçará todo meu mundo e eu
estava ansiando por isso. Mesmo sabendo que sairia ferido no final, Liz era uma
tentação que não podia ser ignorada.
— Hummm... Estou morrendo de fome — Liz deixou escapar uma
risadinha.
— Vamos para o banho primeiro e eu faço o café da manhã. Apesar de que
já deve ser hora do almoço. — Beijei sua boca e levantei.
— Parece uma boa ideia. — Ela sorriu.
Tomamos banho em um silêncio agradável, apenas dividindo a intimidade
que estávamos construindo um com o outro. Minha vontade era de possuí-la
novamente embaixo do chuveiro, ver os pingos de água escorrendo em sua pele me
deu vontade de chupar cada um deles, mas não queria abusar, essa foi sua primeira
vez, devia estar dolorida e não era minha intenção traumatizá-la.
Vesti uma calça de moletom sem me preocupar com cueca, peguei uma
camiseta limpa e uma bermuda minha para ela. Enquanto Liz se vestia, beijei sua
bochecha e fui para a cozinha.
Comecei a procurar algo para alimentá-la, achei peito de peru, queijo e pão
na geladeira, as compras ontem vieram em boa hora, não podia deixar minha garota
com fome. Coloquei os ingredientes sobre o balcão e comecei a fazer um enorme
sanduíche para ela. Queria vê-la comer, Liz vomitou tudo que tinha no estômago
ontem e devia estar faminta. Passei um café fresquinho, se acaso ela for dessas
pessoas que só funcionam se tiverem cafeína correndo nas veias, assim como eu.
Cortei algumas frutas que ela podia querer, iogurte, biscoitos e geleia também, mas
se por acaso ela não fosse fã de café, peguei algumas laranjas para preparar um
suco. Percebi que Liz estava demorando no quarto, terminei de arrumar a mesa e fui
checá-la. Voltei para o quarto para ver se estava tudo bem, ou para acordá-la caso
ela tivesse dormido novamente, mas encontrei-a sentada olhando com olhos
assustados para uma pequena mancha de sangue no edredom.
— Tudo bem, Liz? — perguntei.
Liz levantou os olhos receosos.
— Me desculpe por isso, não lembrei que fazia tanta sujeira — ela disse
tentando se desculpar, enquanto puxou o lençol do colchão.
— Você não entende, não é? Isso foi tão importante para você quanto para
mim, Liz. Não tem do que se envergonhar, é algo natural na primeira vez, e eu seria
um idiota se não entendesse isso.
— Importante para você, como?
— Eu quero você, Liz, você acordou algo bom em mim e não vou abrir mão
do que estou sentindo. Eu não sei o que isso significa, nem como vamos fazer isso
funcionar, eu só não quero parar.
— O que você está dizendo? Nos conhecemos há pouco mais de dois dias,
Gustavo. Você é um espírito livre, não se apega a ninguém, lembra? Você tatuou
isso na sua pele, para se lembrar a cada minuto do dia qual é o seu estado do
espírito, o que te faz seguir em frente. Você mesmo me disse isso no dia que nos
conhecemos. Eu também não quero, nem tenho espaço para alguém na minha vida.
Muito menos alguém como você. — Liz usou minhas próprias palavras do dia que
nos conhecemos contra mim, além de deixar claro que eu estava certo. Não era bom
o suficiente para ela.
— Liz, ser livre não significa ser sozinho. Eu posso muito bem me sentir
livre nos braços de alguém que não me priva da minha vida, alguém que me dá
vontade de viver mais, de ir mais além. E você faz isso comigo.
— Isso não tem a mínima chance de dar certo!
— Não sou bom para você? É isso? Então, é assim? Isso é um fim? Depois
de tudo, você chegou à conclusão de que não sou bom para você? Estou disposto a
permanecer nessa cidade se você quiser, mas você não me dá a porra de uma chance
de provar que posso fazer dar certo! — disse irritado.
— Fim? Nós nunca nem começamos, você apenas me ajudou com um
problema que eu tinha para resolver, e se não fosse com você seria com qualquer
outro. E você não é realmente alguém que eu planejaria começar uma relação. Não
lido bem com mudanças nem com essa liberdade que você está acostumado — Liz
disse com lágrimas molhando suas bochechas. Mas por que, porra, ela está
chorando, se é ela que está me dando o fora?
Como Liz podia dizer na minha cara que não cabia uma pessoa na sua vida,
depois de uma conexão tão intensa quanto a nossa? E esse papo de que perderia a
virgindade com qualquer um? Mas eu não sou qualquer homem. Me chamo Gustavo
Salles, posso ser motoqueiro e ser cheio de tatuagens, mas eu seria muito melhor e a
faria mais feliz do que qualquer outro engravatado que ela pode encontrar.
Agarrei-a pelos ombros e a aproximei de mim, beijei seus lábios
vorazmente, um beijo profundo e faminto, precisava deixá-la saber que ela agora me
pertencia, ir embora não seria tão fácil como ela estava pensando. Ela retribuiu
meus beijos até que se afastou para respirar e falou:
— Gustavo, eu preciso ir... — Liz me empurrou e dei um passo para trás.
— Liz, fica, por favor... — implorei como nunca fiz por mulher nenhuma.
— Eu não posso... — Suas palavras tiveram o mesmo efeito em mim que um
elefante em uma loja de cristais. Liz destruiu cada pedacinho de esperança que
comecei a criar em viver ao lado de alguém que poderia amar. Ela saiu como um
tufão do meu apartamento, me deixando plantado no meio do quarto até ouvir a
porta da frente bater.
Deus, o que está acontecendo comigo?
Eu tinha tantas coisas com que me preocupar, a vida do meu pai; contar o
motivo da minha vinda para São Paulo a minha família, o motocross. Mas tudo que
conseguia pensar era no vazio que Liz deixou quando bateu aquela porta. Precisava
sair dessa cidade, vir para São Paulo tinha sido um grande erro.
O resto do dia passou como uma nuvem cinzenta, minha irmã ligou, mas eu
não atendi. Também recebi outra ligação do hospital me chamando para ir até lá
para conversar com o médico do meu pai. Havia tanta coisa na minha cabeça, que
tudo que eu mais queria agora era minha moto.
“Tudo começou por um capricho teu
Eu não ligava, era apenas sexo
Mas o sexo é uma atitude
Como a arte em geral
E talvez eu tenha entendido e estou aqui...”
Imbranato – Tiziano Ferro
Liz
Saí do apartamento do Gustavo soluçando pelo choro, não arrisquei subir até
meu apartamento pelo elevador, queria evitar que algum vizinho me visse nas
roupas dele, subi de dois em dois degraus pela escada de emergência. Cheguei
ofegante no meu andar, peguei as minhas chaves na bolsa que resgatei no sofá dele e
abri a porta, fechei-a como se estivesse fugindo de algum monstro lá fora. Lembrei-
me do rosto dele me pedindo para ficar. Senti-me cruel, mas eu não podia, todos que
eu amava me abandonavam. Não podia me dar o direito de amá-lo, ele me deixaria
também, assim como meu pai, e assim como cada pessoa do meu passado.
Procurei meu celular na bolsa, precisava falar com alguém, pensei
imediatamente em ligar para Cris, fiquei um pouco preocupada por tê-la deixado
com aquele estranho. Se algo aconteceu, a culpa mais uma vez seria minha.
Desbloqueei a tela e vi quatro mensagens dela me perguntando se cheguei bem.
— Liz, finalmente acordou? — Cris atendeu animada.
— Cris — falei chorando.
— O que houve? — perguntou preocupada.
— Você poderia vir até aqui?
— Claro, em vinte minutos chego aí.
Desliguei e corri para a cama. Todos os músculos do meu corpo doíam, até
os que nem imaginava que tinha, tudo devido a tanto esforço nessas últimas horas.
Minhas lágrimas rolavam livres molhando o travesseiro quando a campainha tocou.
Desvencilhei-me dos lençóis e fui abrir a porta. Cris entrou como um rojão.
— O que houve? Quem foi o desgraçado que te machucou?
— Vem, vamos sentar. — Caminhei até meu sofá, enquanto Cris encarou
minhas roupas como se tivesse visto um fantasma.
— De quem são essas roupas, Liz? — questionou sem meio-termo, uma das
muitas qualidades da minha amiga era que ela ia direto ao ponto.
— São do Gustavo.
— Quem é Gustavo?
— Eu o conheci na sexta-feira, ele é novo no prédio e acabei lhe oferecendo
uma carona e de lá para cá acabamos esbarrando um no outro. Ontem ele me
mandou umas mensagens enquanto estávamos na boate, eu estava confusa e fui ao
apartamento dele para tirar satisfações. Eu sou uma vadia, não sou? — perguntei
soluçando.
— Por que você seria uma vadia? Liz, você não está me contando tudo. Por
que você está chorando? Ele fez alguma coisa com você?
— Eu dormi com ele — confessei limpando as lágrimas.
— Você o quê? Liz, você está me dizendo que perdeu sua virgindade com
um desconhecido? — Minha amiga me perguntou alarmada.
— Sim. E foi incrível, você não entende, Cris. Ele é lindo, misterioso, tão
gostoso e me fez sentir a mulher mais completa do mundo. Ele foi perfeito e
cuidadoso comigo, minha primeira vez não poderia ter sido melhor.
— E qual é o problema, então? Está na sua cara que você está a fim do cara.
Amiga, eu não estou entendendo, se ele é tudo isso que você está falando, qual o
motivo do choro?
— Ele tem todos os elementos para fazer uma mulher se apaixonar.
— Liz, isso é ótimo... Você nunca se interessou por ninguém.
— Eu não posso, Cris.
— Liz, eu já te falei milhões de vezes que você não pode viver sua vida de
acordo com o passado. O que ficou para trás já foi, minha amiga, você é uma
mulher linda, independente, qual o problema em se apaixonar? Ele é solteiro, certo?
— Bem acho que sim, mas você não está entendendo.
— Me explique.
— Ele disse que me queria.
— Isso é que é um cara de atitude, na primeira transa já bateu a real. E por
que você não aceitou, já que está se apaixonando por ele?
— Cristina, todos que eu amo me deixam. Eu não aguentaria perder mais
ninguém. Não tenho estrutura para isso.
— Pode mudar essa ladainha, Liz Maria Albuquerque. Você sabe quantas
mulheres em São Paulo estão procurando um homem gostoso como esse? Ainda
mais solteiro? Milhares, inclusive eu estou na fila. Quer parar de chorar e correr
atrás do seu homem? E se lá na frente as coisas não derem certo, você não será a
primeira nem a última a se magoar com um homem, mas ainda amarei você e estarei
aqui do seu lado para o que der e vier.
— Ele é meu homem. Eu para piorar eu saí de lá batendo a porta. Se você
visse como ele ficou arrasado. Fui muito cruel.
— Liz, esse é mais um motivo para você voltar lá, conversar com ele e se
desculpar, esse é só o seu primeiro relacionamento, não precisa casar com o cara.
Curta o momento, ok? Você terá orgasmos garantidos e ainda vai desestressar.
— Você sabe que para mim não será só um caso. Não consigo ser assim,
Cris. Sei que não serei a única a me machucar por um homem, mas as outras
pessoas não perderam todos que amavam como eu, em mim a dor é mais intensa,
muitos acham que, quando sentimos a dor de perder alguém na pele, ficamos
anestesiados para as perdas futuras, mas é o contrário, eu fiquei muito mais sensível.
— Eu sei, mas custa uma vez na vida não pensar tanto nas coisas? Qual foi a
última vez que você fez o que lhe deu na telha? — Cris fingiu contar nos dedos e
continuou: — Nunca, minha amiga, então se dê uma chance de viver e tente apenas
esquecer o seu passado, relembrá-lo não vai mudar o que aconteceu.
A Cris podia ser espevitada, mas ela tinha razão. Eu nunca me arrisquei, só
fiz o que esperaram de mim. Nunca foi minha vontade em primeiro lugar, e sim
sempre o que pensarão de mim. Meu passado sempre estava antes de qualquer coisa,
talvez esse fosse o momento de esquecê-lo, ou pelo menos fingir que esqueci.
— Obrigada, Cris. Não sei o que faria sem você. — Abracei-a.
— Você só faria bobagens.
Rimos juntas, quando me afastei lembrei-me do rapaz que ela estava
dançando na boate.
— Agora me diz, você saiu da boate com aquele cara?
— Não, ele tinha mau hálito e dançava pessimamente.
— Jura? Ele era um gato, mas que bom que você não fez nenhuma besteira.
— Só não fiz por isso, se ele fosse gostoso como esse tal de Gustavo, eu
ainda estaria na cama dele. — Continuamos rindo como loucas. Cris sempre sabia
como me fazer sorrir.
O resto da tarde passou rapidamente, Cris nos esquentou uma pizza e
comemos assistindo a alguns episódios de Sense8, nossa série favorita.
No começo da noite nos despedimos, e fiquei sozinha, em pé, no meio da
minha pequena sala olhando os quadros que meu pai me deu. Talvez Cris estivesse
certa, eu precisava parar de olhar para trás.
“Derramei uma lágrima, pois estou sentindo sua falta
Continuo bem para sorrir
Garota, eu penso em você todo dia agora
Houve um tempo em que eu não tinha certeza
Mas você acalmou minha mente
Não há dúvida de que você está no meu coração agora...”
Patiente – Guns N’ Roses
Gustavo
Depois que belisquei o café da manhã que ficou esquecido em minha
cozinha, passei o resto do domingo chuvoso lendo um livro. A leitura foi tão
agradável que em alguns momentos esvaziei minha mente. Quando terminei, passei
um café e liguei o som, escolhi uma seleção de clássicos do Guns N' Roses para
tocar. Precisava silenciar minha mente e parar de relembrar as imagens de Liz nua.
O que aquela mulher fez comigo? Ela só podia ter me enfeitiçado. Estava ficando
louco. Tomei meu café enquanto organizei as coisas para fazer amanhã. Deitei no
sofá e adormeci.
***
Acordei com a campainha tocando, olhei para o relógio da sala, passava das
duas da madrugada. Levantei e fui cambaleando para a porta, assim que abri, meu
corpo travou. Liz estava parada na minha porta, vestindo apenas um robe preto de
seda e chinelos, com os cabelos despenteados de quem acabou de sair da cama.
Pelo visto, ela adorava visitar as pessoas no meio da noite, mesmo magoado
e muito puto ainda fiquei excitado em vê-la. Seus olhos me encararam como duas
tochas de fogo.
— Liz. — falei surpreso por ela estar ali depois de ter saído daqui batendo a
porta. — Imaginei que nunca voltaria a minha casa.
— Posso entrar? — perguntou receosa.
— Claro. — Fiz um gesto para que ela entrasse.
Liz foi até o meio da sala e virou-se para mim, ela estava chorando, digo isso
pelo nariz vermelho e a forma com que ela abraçou o próprio corpo.
— A gente pode conversar? — perguntou como se estivesse com medo da
minha resposta.
— Liz, claro que podemos conversar, sente-se. — Indiquei o sofá para que
pudéssemos sentar.
— Desculpe-me pelo horário, você estava dormindo?
— Não precisa se desculpar, acabei cochilando no sofá, foi bom você me
acordar, senão eu iria dormir aqui a noite toda.
— Eu deitei, mas não consegui dormir. Eu precisava vir...
— O que quer me dizer, Liz?
— Preciso te contar uma coisa, algo que justifica o que te falei ontem e
porque saí correndo daqui hoje de manhã.
— Eu sou todo ouvidos, Liz, você pode confiar em mim... já te falei sobre
isso.
Ela me observou por um tempo, depois olhou para as mãos e começou a
falar receosa:
— Nasci em Florianópolis, meus pais eram advogados e tinham um
escritório renomado na cidade. Meu pai era fascinado pela minha mãe desde que se
conheceram, ele era um homem de alma livre como você, mas abriu mão do sonho
de ser um grande pintor por ela, para poder lhe dar uma vida segura. Você sabe que
é muito difícil viver da arte no Brasil, mesmo com muito talento. Minha mãe sempre
foi contra tudo que meu pai fazia, fora o trabalho no escritório ela achava que a
pintura e a cozinha eram perda de tempo, mas meu pai não se importava, ele a
amava como nunca vi ninguém amar uma mulher. Quando nasci, uma parte desse
fascínio foi dividida comigo, meu pai era meu herói. Sempre sorrindo, me
elogiando, mimando e me ensinando tudo que sei, eu era sua garotinha. Já minha
relação com minha mãe sempre foi difícil, ela cobrava de mim mais do que eu podia
realizar.
As lágrimas começaram a escorrer pelas suas bochechas, que já estavam
vermelhas. Aproximei-me de seu rosto e lentamente passei os dedos nele para secá-
las. Liz não se importou com meu toque e continuou:
— Certo dia larguei cedo da escola e resolvi ir almoçar com meus pais no
escritório. Quando cheguei lá, flagrei minha mãe transando com meu padrinho de
batismo, que também era sócio do meu pai. Eles estavam tão concentrados que não
me viram, eu saí de lá atordoada, sentindo-me tão traída. Como minha mãe poderia
estar fazendo isso com um homem maravilhoso como meu pai? Eu não conseguia
compreender. Fui para casa arrasada e, como era costume, encontrei meu pai no seu
ateliê. Ele estava trabalhando em uma pintura, a pintura era o rosto da minha mãe,
da traidora. Não consegui esconder meu choro, papai me questionou o que tinha
acontecido e acabei contando, Gustavo, eu não poderia mentir para ele.
— Meu Deus, Liz! Quantos anos você tinha?
— Eu tinha acabado de completar quinze anos.
Puxei-a para o meu colo e a abracei apertado contra mim, nesse momento eu
não queria soltá-la dos meus braços nunca mais, queria poder dividir com ela sua
dor.
— Você era só uma garotinha, Liz. Não devia ter sabido de nada disso. —
Tentei acalmá-la beijando seus cabelos e alisando seus ombros sobre a seda fria.
— Me deixa falar, eu preciso te contar todo o resto. Meu pai me ouviu contar
tudo que vi e me confessou que já sabia dos encontros furtivos da minha mãe com
meu padrinho. Gustavo, a dor que vi nos olhos dele me dilacerou. Meu pai amava
tanto a minha mãe que concordava com aquilo. Aquela situação era podre, me
embrulhava o estômago de tão suja. Eu nunca iria ser conivente com aquilo. Fiquei
com tanta raiva que gritei com ele o acusando-o de ser covarde. Como ele poderia se
sujeitar a algo tão baixo como aquilo? Eu saí correndo para o meu quarto e chorei
até dormir. Sempre imaginei que meus pais se amavam, minha mãe tinha o jeito frio
dela, mas pensei que ela o amasse. Que tipo de amor é esse? Que fere e magoa as
pessoas?
Meu peito apertou com cada palavra de Liz, que tipo de pais ela tinha?
— Acalme-se, querida. — Tentei confortá-la, mas Liz ainda não estava
pronta para parar de falar. Ela tinha muito dentro de si.
— Eu acordei poucas horas depois com o grito de horror da minha mãe. Meu
pai... — Engoli em seco, me preparando para o que ela iria falar. — Ele se suicidou.
Eu vi seu corpo caído morto no chão do ateliê, e foi tudo culpa minha.
Fiquei em choque com o que ela acabou de me revelar, a coisa toda parecia
um filme de terror. O passado de Liz era tão triste, que o meu parecia um conto de
fadas.
— Meu Deus, minha flor! Eu não imaginei.
— Eu me sinto tão culpada, Gustavo, foi culpa minha por ter gritado com
ele, por ter lhe acusado de ser covarde. Eu não poderia culpá-lo, ele a amava. Meu
pai me abandonou, você entende agora? Ele não aguentou saber que eu sabia de
tudo, e preferiu me deixar.
— Liz, eu sinto muito, mas você precisa entender que o que aconteceu não é
culpa sua — tentei mostrar o quanto fiquei tocado com isso tudo, mas sei que era
em vão, só quem perdia alguém que amava muito sabia como era se sentir
abandonado, ainda mais quando se sentia culpado dessa maneira.
— Quando contei para minha mãe o que tinha acontecido, ela disse que a
culpa era minha.
— Sua mãe é que deveria se sentir culpada, minha querida, você era só uma
garota.
— Depois disso ela não falou mais comigo, me mandou estudar em colégio
interno em Blumenau na semana seguinte, passei três anos naquele lugar. Daí
quando eu terminei a escola já estava perto de completar dezoito anos, prestei
vestibular pra Universidade Federal de Santa Catarina, depois consegui uma
transferência para a USP, saí de lá o mais rápido que pude, meu pai tinha me
deixado algum dinheiro no seu testamento, coisa que só pude mexer quando fiquei
maior de idade, mas foi esse dinheiro que me ajudou a vir pra São Paulo e alugar um
local pra viver, trabalhei em lanchonetes, em lojas do shopping, fiz tudo que podia
pra nunca mais precisar da ajuda dela.
— Sinto muito que você tenha passado por isso, mas e as pessoas
envolvidas? O que aconteceu? O que seus padrinhos fizeram?
— Quando a bomba estourou na cidade assim que tudo aconteceu, todos me
viraram as costas, inclusive meus padrinhos, como também os outros amigos da
família, minhas amigas e até um namoradinho que eu tinha se afastaram. Ninguém
queria qualquer relação com a filha do casamento cheio de traições e suicídio. Nossa
família fazia parte da alta sociedade, e um escândalo como esse era demais para os
amigos ricos dos meus pais aceitarem.
— Meu Deus, Liz! Você foi muito forte por ter passado por tudo isso
sozinha. Sua mãe nunca te procurou novamente? Nem nenhum dos seus parentes?
— Meu pai era filho único e seus pais morreram há muito tempo, eu nem
cheguei a conhecê-los, a família da minha mãe sempre foi apenas ela e minha tia
Lúcia, que mora há muitos anos nos Estados Unidos. Minha mãe chegou a me
visitar quando fiz dezoito anos. Só para que eu assinasse um contrato de venda da
nossa antiga casa. Ela comprou um apartamento em uma cidade vizinha para
esquecer o vexame e desde então não a vi mais.
Sete longos anos.
— Liz, eu sei que qualquer coisa eu te fale agora será incapaz de diminuir
toda dor e toda mágoa que você deve estar sentindo, mas posso imaginar. Eu já me
senti assim, mas eu tenho certeza de que, diferente do meu caso, seu pai a amava
muito. Eu não posso apagar o que você viveu, mas posso tentar fazer você esquecer.
Seu pai cometeu um erro, mas ele te amava e a culpa de sua ação não foi sua. Você é
uma luz na vida de qualquer pessoa, minha flor.
Abracei-a ainda mais apertado, nos beijamos delicadamente, aquela
confissão era tudo que eu precisava para saber que meu coração já tinha uma dona,
ela era tão quebrada quanto eu e juntos talvez nós pudéssemos tentar nos consertar,
um ajudando o outro a curar o que a vida dilacerou.
Deveria estar evitando mais surpresas para a minha vida, mas eu seria
incapaz de negar o que estava acontecendo. A admiração por Liz só aumentou e
minha necessidade em protegê-la também. Não que ela fosse frágil, alguém que
passou por tudo isso, podia ser tudo, menos frágil. Como era possível uma menina
passar por tanta dor sozinha? Não sei se eu conseguiria. Perguntei-me como alguém
podia abandoná-la?
Eu a peguei no colo.
— Venha. — Levei-a até meu quarto e coloquei-a em pé de frente para a
cama.
— O que você está fazendo? — Liz perguntou acanhada.
— Vista isso. — Não me dei o trabalho de responder, entreguei a ela uma
calça de moletom e um casaco.
Liz me fitou intrigada formando uma ruguinha entre as sobrancelhas.
— Para quê?
— Vista, vamos dar uma volta.
Como Liz não se mexeu, peguei a calça de suas mãos e me ajoelhei em sua
frente colocando-a pelas suas pernas, como se fosse uma criança. Liz riu baixinho e
se equilibrou me segurando pelos ombros. Subi a calça até sua cintura e dei um laço
apertado para segurar no corpo magrinho dela. Ela desfez o laço do robe e vestiu o
casaco sobre a camisola de seda. Levantei, fui até o closet, peguei uma jaqueta de
couro grossa e coloquei pelos seus braços em silêncio.
— Sua roupa está enorme em mim. Aonde nós vamos, Gustavo? —
perguntou.
— Surpresa, venha. — Peguei minha jaqueta velha de couro no sofá e vesti,
achei minha carteira, as chaves e alcancei sua mão, caminhei com ela ao meu lado
em direção à garagem. Quando Liz viu eu me aproximar da minha Harley Davidson
Forty-Eight, ela puxou minha mão parando atrás de mim.
— O que houve? — indaguei.
— Se você está pensando em me levar a algum canto nessa coisa, eu não
vou.
— Liz... que besteira. Venha, você vai adorar.
— Gustavo, eu não acho seguro...
— Meu Deus, Liz, deixe de ser sempre tão controlada. Eu nunca te exporia a
nada que possa ser perigoso. Quando foi que você andou em uma moto?
— Nunca.
— Então, como pode saber se é bom ou não? Além do mais, você está
esquecendo que quem vai estar na direção é um piloto profissional. Prometo te
trazer inteira, sã e salva. E vou adorar ser o primeiro cara que vai te levar na garupa,
não estrague isso para mim. — Pisquei para ela.
— Se você fala assim... — Todo seu rosto estava tomado de apreensão, Liz
era tão jovem, mas a vida lhe tornou tão dura e muitas vezes responsável demais
para a sua idade. Beijei sua bochecha e nos aproximei da moto, coloquei um
capacete em sua cabeça e prendi o fecho no seu queixo. Antes de soltá-la, dei um
beijo em seus lábios e fechei o zíper da jaqueta para protegê-la do frio. Coloquei
meu próprio capacete, montei na moto e me virei para ajudá-la a subir.
— Coloque o pé no apoio e passe a perna sobre o banco, sente-se bem
apoiada e me abrace na cintura para se sentir mais firme sobre a moto. E relaxe,
certo? Você pode fazer isso?
Liz me olhou prestando atenção em cada informação e fez como eu disse,
como uma profissional ela abraçou minha cintura e encostou a cabeça nas minhas
costas.
— Está tudo bem? — perguntei.
— Sim, podemos ir — confirmou.
Ronronei o motor da moto, e senti-a tremer atrás de mim. Sorri e acelerei
deixando a garagem para trás e caindo na rua deserta da madrugada. A chuva estava
leve, os pingos caíam contra nossas roupas nos encharcando lentamente, mantive
uma velocidade confortável para não assustá-la na sua primeira vez, mas suficiente
para sentir a sensação de liberdade que só a moto podia nos dar. Devido à hora, as
ruas estavam quase desertas, o vento frio molhava meu rosto e a adrenalina
começou a correr nas minhas veias. Soltei uma mão e agarrei a coxa de Liz, ela
respondeu me abraçando mais apertado e deslizando as mãos por dentro da minha
jaqueta, todos os meus músculos ficaram tensos só de sentir seu toque macio. Pilotei
sem direção por um longo tempo, quando chegamos a uma autoestrada, Liz tomou
confiança, soltou as mãos e as abriu como asas. Pelo espelho retrovisor, vi-a
sorrindo e inclinando o rosto para o céu para poder tomar as gotas de chuva que caía
contra nós.
— Gustavo... Eu me sinto livreeee... — gritou alegremente enquanto deixou
os braços soltos no ar imitando um pássaro voando.
— Eu falei que você ia gostar!
— É incrível! — Liz gritou novamente.
Segurei mais firme sua coxa para não a deixar cair, e diminuí a velocidade
da moto. Depois de um tempo, retomei o caminho de volta para casa, mas Liz
protestou.
— Nãaao... Eu quero continuar voando! — gritou contra o vento frio de São
Paulo.
Não parei de sorrir, já carreguei muitas mulheres na minha garupa, mas
nenhuma delas ficou tão encantada com algo tão simples. Pelo reflexo das lâmpadas
dos postes, Liz parecia realmente um anjo brilhando. Seus cabelos loiros,
encharcados pela chuva voavam livres por fora do capacete e seus braços
envelopados na minha jaqueta continuavam soltos contra o vento. Meu peito se
encheu de orgulho por fazê-la sorrir dessa maneira. A chuva começou a engrossar,
parei a moto embaixo de uma árvore e me virei para olhá-la.
— Você está bem? — Tirei seu capacete para conferir.
Liz sorriu e passou os braços pelo meu pescoço, ela começou a me beijar
ferozmente sem me dar qualquer chance de recusa. Mas quem disse que eu iria?
Retribuí seus beijos esfomeados, mas afastei-me para falar.
— Querida, não é seguro ficarmos aqui. Venha, coloque o capacete que
iremos para casa. — Eu não me perdoaria se acontecesse algo a Liz.
— Gustavo, obrigada! Nunca me senti tão viva. Sentir a chuva caindo no
meu rosto foi incrível. Não quero mais andar de carro, estou até pensando em ter
uma moto dessas para mim, você me ensinaria a pilotar? — perguntou esbaforida e
cheia de animação.
— Por enquanto, estou satisfeito em ter você na minha garupa. — Beijei a
pontinha do seu nariz, pus de volta seu capacete e voltamos para casa.
Quando estacionei na minha vaga na garagem, Liz estava tão agarradinha em
mim que meu peito doeu em ter que nos afastar.
— Chegamos.
Liz desencostou a cabeça das minhas costas e desceu da moto sonolenta,
desci em seguida devolvendo os capacetes ao seu apoio na parede. Nossas roupas
estavam completamente encharcadas, então me apressei em pegá-la no colo e levá-
la para a cama, afinal, ainda estava bem aceso dos beijos escaldantes que ela me
deu.
— Gustavo, eu sei andar, sabia? — retrucou.
— Minhas pernas são maiores que as suas, e por isso posso chegar mais
rápido ao nosso apartamento lhe carregando. Sendo assim, estarei dentro de você em
cerca de três minutos. Coisa que se você for andando isso só aconteceria no dobro
de tempo. E não queremos atrasos, certo? — perguntei levando-a para o elevador.
Abri a porta de casa no tato, enquanto Liz estava escarranchada na minha
cintura, nossas bocas se chocando em uma fusão de línguas e desejo. Despi suas
roupas e me afundei no seu corpo. Naquele fim de madrugada chuvosa e fria,
fizemos amor delicadamente, como se assim, pudéssemos transferir a dor um do
outro para si. Não foi sexo o que fizemos, foi literalmente amor, ela confiou algo tão
doloroso e íntimo sobre seu passado a mim, isso significou muito para o meu
coração. E eu apresentei a ela o que sinto quando estou sobre uma moto, livre... num
lugar onde ninguém pode me machucar porque meu sangue está cheio de adrenalina
e meu coração está cheio de euforia. E se isso é o que a minha garota precisa, eu
posso dar isso a ela para fazê-la parar a dor. Então, amei seu corpo com a minha
alma, deixando lentamente ela entrar no meu coração. Lugar que eu sabia que ela já
pertencia.
Liz ainda estava um pouco dolorida, mas isso não a impediu de choramingar
meu nome quando o prazer lhe atingiu.
No momento em que já estávamos nos acalmando para dormir, eu sussurrei
baixinho em seu ouvido:
— Nunca mais saia da minha vida daquele jeito. Você precisa entender que
estou aqui e não vou a lugar nenhum.
Ela resmungou aninhada no meu peito, não sei ao certo se entendeu, mas
gostaria que soubesse e acreditasse em mim.
“Amor, pode me ouvir?
Quando eu estou chorando por você?
Eu estou assustada, tão assustada
Mas quando você está perto de mim
Eu sinto que estou de pé com um exército
De homens armados...”
Adore You – Miley Cyrus
Liz
Acordei com um beijo suave nos lábios, meu olfato logo foi desperto por um
cheirinho delicioso de café. Meu estômago roncou, gemi manhosa e abri os olhos,
Gustavo me encarava sorrindo lindamente, seus olhos brilhantes pareciam duas
esferas cor de uísque.
— Bom dia, dorminhoca! — cumprimenta-me mostrando uma bandeja de
café da manhã sortida de pãezinhos, bolo, morangos e duas xícaras de café
fumegantes.
— Bom dia, isso tudo é para mim? — Apontei para a bandeja caprichada.
— Sim, eu estava lhe devendo um café da manhã na cama, já que ontem
você não me deixou fazer isso. — Gustavo me ajudou a sentar-me com as costas
contra a cabeceira da cama, colocou a bandeja no meu colo e sentou ao meu lado.
— Que horas são? Eu tenho que ir trabalhar — perguntei preocupada com a
hora, hoje meu chefe devia estar de volta da viagem e não podia me atrasar.
— Ainda está bem cedo, você tem tempo. Eu quis que se alimentasse antes
de ir para o trabalho. — Gustavo me beijou docemente e me entregou uma xícara de
café.
— Hum... está um cheirinho delicioso, onde você conseguiu tudo isso? —
questionei curiosa.
— Acordei uma hora atrás, dei um pulo na padaria ali na outra rua. Queria te
fazer uma surpresa — confessou acanhado e fiquei ainda mais boba com seu
cuidado, ele foi muito doce em acordar cedo e ir buscar o desjejum para mim.
— Eu adorei — tranquilizei-o e beijei sua boca em agradecimento.
Comemos em silêncio olhando um para o outro, desfrutando a companhia de
poder acordar com alguém. Isso para mim era inédito, dormir na cama de um
homem e ter companhia para a primeira refeição do dia era um milagre, sempre
tomei meu café sozinha.
— Obrigada pelo café, estava mesmo morrendo de fome, mas agora preciso
ir em casa trocar de roupa para ir trabalhar. — Movi-me para levantar, mas ele me
parou.
— Não precisa — Gustavo me tranquilizou.
— Como assim, não precisa? — perguntei sorrindo.
— Como eu queria que você dormisse mais um pouco antes de ir trabalhar,
usei as suas chaves que estavam no sofá, fui até o seu apartamento e trouxe suas
coisas.
— O quê?
— Está tudo ali. — Ele apontou para uma cadeira no canto do quarto com
minhas coisas em cima: calça, blusa, sutiã, calcinha, sapatos, estojo de maquiagem e
a minha bolsa.
Olhei para ele sem saber ao certo se gostei da surpresa. Ele entrou no meu
apartamento sem me avisar, esse tipo de intimidade me assustou um pouco, mas ao
mesmo tempo me reconfortou. Meu apartamento era meu santuário, tudo era do meu
jeitinho, com a minha cara. E saber que alguém estava invadindo meu mundo era
tudo que eu não queria, mas de alguma forma eu queria que Gustavo fizesse isso,
que entrasse e não se poupasse em bagunçar as coisas. Sei que algumas pessoas
poderiam achar que sou louca por estar me apaixonando por um homem em menos
de uma semana, mas estou. Perdidamente.
De uma coisa eu sei, o amor não conhece a palavra tempo. Ele não avisa
quando chega, nem quando vai. O amor não joga com regras. Ele tem vontade
própria e habita tudo que lhe der na telha. Encontrando pessoas aleatórias,
transformando suas vidas e lhes enviando para percorrer abismos tortuosos e
infinitos, pois quando se ama, sempre se está no limite, na beira do precipício, na
ponta da prancha, é um salto cego no crepúsculo com a esperança de cair sobre uma
cama de estrelas.
Afastei a bandeja, desci da cama e fui em sua direção, abraçando-o mais
forte do que me achava fisicamente capaz.
— Obrigada... — sussurrei lhe beijando os lábios macios.
Gustavo me abraçou e retribuiu o beijo um pouco surpreso pela minha
reação, olhei em seus olhos e não consegui parar de sorrir. Como esse homem é
lindo, meu Deus! Gustavo veio sem avisar e está mudando tudo de lugar. Arrastando
os móveis, batendo a poeira, abrindo baús antigos e revirando todos os meus
sentimentos.
— Não precisa me agradecer, mas é bom ir se ajeitar antes que eu te jogue
nessa cama e não te deixe sair dela nunca mais.
Gustavo começou a beijar meu pescoço e desceu seus beijos úmidos e
deliciosos pelo meu peito descoberto pelo lençol. Corri nua para o banheiro rindo da
cara de tarado que ele me lançou. Sempre me perguntei por que as pessoas viviam
sorrindo quando estavam apaixonadas, mas agora eu entendia.
Saí do banho, troquei de roupa, passei apenas rímel e um pouco de
hidratante labial, hoje não queria me esconder atrás de maquiagem nenhuma. Pela
primeira vez na vida queria ser apenas a Liz, sentia-me bonita assim, mais simples
que das outras vezes, sei lá, agora eu me sentia viva.
— Vou te levar para o trabalho, estou indo resolver algumas coisas no centro
da cidade — ele falou enquanto vestia uma camiseta cinza.
— Mas precisarei do meu carro para voltar, pegar um ônibus no horário que
largo é um inferno ao qual não quero passar. — Abracei seu corpo morno e
pressionei o rosto em suas costas, apenas inventando desculpas para sentir o cheiro
da roupa limpa de Gustavo.
— Eu vou te buscar, assim poderemos jantar juntos em algum lugar legal.
Que tal?
— Se é assim, tudo bem. Mas podemos ir de moto? Eu amei andar na sua
moto, ela é tão linda.
— O trânsito esse horário é bem ruim, não quero arriscar que você se
machuque.
— Tudo bem, mas me promete que iremos repetir? — pedi fazendo
biquinho.
— Sim, podemos ir no fim de semana para o litoral. É bom ser visto com
uma loira linda como você na garupa da minha Harley.
Dei um beijo nele de felicidade e peguei minha bolsa caminhando para
saída, quando passei na sua frente fui surpreendida por uma palmada na bunda.
Deus! Como ele pode ser doce em um momento e tão bruto em outro? Mas bruto de
uma maneira que me deixou toda derretida.
Nosso caminho para o meu trabalho foi tranquilo, Gustavo dirigiu sua pick-
up Toyota Tacoma preta com uma mão forte no volante e a outra massageando
minha coxa, o que deixou minha libido acesa fantasiando fazer amor com ele no
banco de trás do carro. Distraí-me deslizando meus dedos pelos desenhos no seu
braço, enquanto ele me contou sobre eles. Gustavo desenhou quase todas e um
amigo as tatuou em seu braço, ele começou a fazê-las desde que tinha dezoito anos.
Era talentoso com os desenhos, suas tatuagens eram lindas, rebuscadas e com
significados interessantes. Percebi que o braço direito era a única parte do seu corpo
que tinha tatuagens, todo o resto era livre delas. Deu-me até vontade de fazer algo
na minha pele também.
Ensinei-o como chegar ao meu trabalho, quando estacionamos em frente ao
prédio, Gustavo me beijou na boca, um beijo longo e apaixonado, segurando minhas
bochechas com as mãos como se não quisesse me deixar ir.
— Preciso ir, já estou atrasada — falei entre os beijos.
— A culpa é sua por ficar me olhando como se fosse me comer enquanto eu
dirigia e deslizando esses dedos na minha pele — o moreno gostoso falou entre um
beijo e outro me fazendo rir.
— Você que me tentou o caminho inteiro — defendi-me.
— Ainda estou arrependido por não ter escolhido uma saia para você ao
invés dessa calça, mas, como eu não queria o que é meu sendo admirado por aí, fui
pelo seguro — confessou ele baixinho beijando meu pescoço e o decote da blusa,
comecei a fechar os botões que já estavam sendo abertos da blusa que, como ele
falou, escolheu para mim.
— Bobo. — Bati no seu braço e desci do carro sorrindo. Eu nunca sorri tanto
na minha vida, como estou desde que o conheci.
Entrei no prédio iniciando uma segunda-feira diferente, porque não estava
mais sozinha e a sensação é indescritível. Neste horário o escritório estava tranquilo,
as pessoas ainda tomavam seus cafés, enquanto esperavam os computadores
inicializarem. Assim que sentei em minha mesa, meu celular vibrou me avisando de
uma nova mensagem.
Tenha um bom dia de trabalho, MINHA advogata.
G.
Como uma boba digitei rapidamente uma resposta.

Igualmente meu motoqueiro fantasma, que me deixou pegando fogo.


Sua Liz.
Comecei a trabalhar com um sorriso estampado no rosto.
“Quando você ama alguém
Seus pés não sentem o chão
Parece que todas as estrelas brilhantes
Se reúnem em torno do seu rosto...”
Love Someone – Jason Mraz
Gustavo
Quando recebi sua resposta sorri com a sua assinatura. Sim, ela é minha e
essa constatação me deixou feliz pra caramba, mas minha vida infelizmente não era
só a alegria de ter conhecido Liz. Precisava saber o que aquele médico ainda queria
comigo, por isso fui direto para o hospital onde meu pai estava internado.
***
— Gustavo, já tomou sua decisão? — o médico perguntou assim que sentei
em sua sala.
— Dr. Antônio, eu não posso ajudar, você não entendeu o que falei aquele
dia? Vocês têm que achar outra alternativa.
— Gustavo, não é uma questão de poder ajudar ou não, a vida dele depende
disso, ele é seu pai.
Passei as mãos no rosto impaciente, sem conseguir decidir o que devo fazer.
Será que é a hora de contar para minha família que achei nosso pai? E que ele está
precisando de nós? Como será que eles reagiriam? Mas isso iria fazer com que eles
se magoassem novamente com a volta dele, principalmente minha mãe. Não quero
que ela crie expectativas com um homem que só vai magoá-la.
— Quanto tempo nós temos? — perguntei ao médico para começar a bolar
uma estratégia, não podia viver com a responsabilidade da vida de alguém nas
minhas costas.
— No máximo daqui a uns três meses, talvez quatro. Ele acabou de contrair
uma bactéria, precisamos tratá-la primeiro, para que quando ele receber o órgão seu
corpo esteja forte para se recuperar.
— Ele está bem, não é?
— Sim, não se preocupe. Estamos tratando com antibióticos e fazemos testes
sanguíneos todos os dias. Seu pai tem reagido bem à medicação. Também estamos
fazendo hemodiálise três vezes por semana para substituir a função dos rins. Ele já
fazia esse tratamento há algum tempo, mas agora reforçamos o cuidado — o doutor
Antônio explicou.
— O que isso significa?
— Hemodiálise é um procedimento onde uma máquina limpa e filtra o
sangue, ela faz parte do trabalho que o rim doente não pode fazer. O procedimento
libera o corpo dos resíduos prejudiciais à saúde, como o excesso de sal e de
líquidos. Também controla a pressão arterial e ajuda o corpo a manter o equilíbrio
de substâncias como sódio, potássio, ureia e creatinina.
— Entendi, eu vou fazer o teste apenas para desencargo de consciência —
falei assustado comigo mesmo por ter aceitado apenas cogitar a possibilidade.
— Gustavo, eu tenho idade para ser seu pai, e esses dois olhos aqui já viram
de tudo nessa vida. Mas nada melhor para um homem do que uma consciência
tranquila para dormir à noite. Você está agindo certo. — O médico tentou me
tranquilizar, e não sei por qual motivo, mas ele tinha razão.
— Vou falar com meus irmãos, e ver se eles também podem fazer o teste. Eu
só quero evitar mais mágoa para todos, a maneira que ele saiu das nossas vidas foi
bem complicada. — Essa foi uma boa estratégia, talvez Thiago ou Guilherme
estivessem mais dispostos do que eu a salvar a vida daquele homem.
— Eu posso entender.
— Farei o possível — tranquilizei-o.
— Maravilha, a chance de ter um doador compatível na família é muito
maior. Volte amanhã para fazermos todos os exames e testes clínicos, se caso você
for compatível, conversaremos sobre os detalhes da cirurgia. Agora vá vê-lo.
— Não, acho que não, no outro dia ele não reagiu bem à minha presença.
— Bobagem, vamos lá.
O doutor Antônio me indicou o caminho e fomos ver o meu pai. Quando
entramos na sala, uma enfermeira estava trocando seu soro. Meu pai estava sentado
na cama vestindo uma bata do hospital. Ele continuava magro e abatido, mas
parecia mais corado.
— Bom dia, senhor Augusto — o médico o cumprimentou.
— Bom dia. Que surpresa boa, filho! — meu pai falou sorrindo para mim,
que permaneci calado ao lado do médico. Como ele pode fingir que é um bom pai e
que nada aconteceu entre nós? Senti nojo do seu descaramento. Ignorei sua
felicidade fingida e me mantive calado.
— Temos boas notícias, senhor Augusto, Gustavo vai fazer o teste e pedir
para seus outros filhos também fazerem. Logo, logo o senhor poderá ir para casa.
A enfermeira terminou seu procedimento e sorriu para nós quando saiu da
sala.
— Assim que tivermos quaisquer notícias, vamos lhe explicar o
procedimento do transplante, senhor Augusto. Agora, se está tudo bem por aqui, me
deem licença que vou visitar outros pacientes. Volto mais tarde. — O médico piscou
para mim e saiu da sala deixando meu pai me encarando com os olhos cheios de
lágrimas.
— Filho, bom ver que você voltou. — Meu pai sorriu.
— Você não tem o direito de me chamar de assim — disse como se uma
lâmina tivesse cravada na minha garganta, mas me esforcei em ser educado. — O
senhor está se sentindo melhor?
— Sim, agora que você está aqui, tive medo que você não voltasse. —
Depois tossiu, cobrindo a boca com a mão magra cheia de marcas de perfurações de
agulhas. O bíceps tinha veias saltadas e salientes sobre a pele. Não normais, mais
veias atrofiadas onde imaginei que fosse feita a hemodiálise.
— Só estou fazendo o que minha consciência manda. Não significa que
esqueci o passado, muito menos o que você fez — alertei-o irritado.
— Sinto muito, Guto, eu tive minhas razões para ter ido embora.
— Ah, teve? E quais são? Posso saber?
— Infelizmente você não entenderia.
— Eu tenho minhas razões para não esquecer o que nos fez passar. Agora,
corta esse papo... não estou fazendo isso para lhe salvar, e sim porque não viveria
sabendo que tenho a vida de alguém em minhas mãos, mesmo que seja a vida de
alguém como você — cuspi as palavras sentindo o amargor na boca.
— Errei no passado, filho, sinto muito. Nunca conseguirei lhe explicar o
porquê fui embora. Não queria voltar dessa maneira para sua vida, nem queria lhe
ferir tanto mexendo no passado.
— Quando o passado bate à sua porta, você só precisa decidir se vai abri-la.
Eu tomei minha decisão. Farei isso, mas não por você — terminei de falar e saí do
quarto.
O destino mudava seus planos pelo simples prazer de desenterrar seu
passado e acordar os velhos fantasmas que te assombravam. E ele fez um bom
trabalho, reabriu a ferida que me fez sangrar por longos anos. Meus olhos
queimavam das lágrimas não derramadas, enquanto eu voltava para meu carro.
Protegido pelo cubículo de ferro, deixei toda a mágoa me levar e chorei por
todas as dúvidas e incertezas em que me encontrava. Estava cogitando doar meu rim
para um cara que nunca amou ninguém, e eu teria que parar toda minha carreira para
isso. Bati diversas vezes contra o volante, em seguida saí dirigindo pelas ruas de São
Paulo, encostei o carro em um parque, peguei meus fones e desci do carro batendo a
porta, precisava descontar minha raiva em alguém. Tentei pensar em outras coisas
mais importantes para tirar minha cabeça daquele quarto de hospital. Resolvi ligar
para a transportadora para saber quando Rose estará em casa, precisava fazer alguns
reparos e voltar a treinar para a próxima competição, focar minha cabeça no que era
mais importante para mim: minha carreira e agora em Liz.
Só de lembrar-me dela meu peito se enchia de otimismo e esperança,
precisava tê-la ao meu lado, não sei se conseguiria me afastar dela agora. Liz era
como o fogo que aquecia tudo que se aproximava, e eu que pensei que meu coração
gelado nunca bateria por alguém. Ela aqueceu a minha alma e me faz querer mais da
vida, enxergar um futuro ao lado de alguém.
Sentei em um banquinho, conectei o meu fone de ouvido no celular e
selecionei minha playlist do Pearl Jam, fiquei ali olhando as crianças correndo, as
pessoas se exercitando, cachorros brincando ao sol com seus donos. Fechei os olhos
e comecei a aproveitar o calor agradável da manhã. Depois de um bom tempo
colocando meus pensamentos no lugar, senti meu celular vibrando no bolso.
Oi, só queria saber o que anda fazendo, ainda pelo centro?
Sua Liz.
Era uma mensagem da minha garota, meu coração acelerou e meu pau
despertou dentro da calça.
Ainda no centro, vim dar um tempo no Ibirapuera.
Seu Motoqueiro
Aguardei uma mensagem de resposta. Liz enviou uma selfie comendo um
sanduíche e fazendo careta com a seguinte legenda: “Comendo rapidinho para meu
chefe não comer meu fígado, ele está em um dia ruim...”.
Sorri para a tela do celular, pelo seu bom humor. Liz estava tão mais leve e
desarmada do que o primeiro momento que nos conhecemos.
Se tivesse me avisado, tinha passado aí para almoçarmos juntos. Me
apresenta esse cara para eu quebrar a cara dele.
Já com saudades.
G.

Aguardo ansioso a resposta como um adolescente.


Quebrar caras não será necessário, você poderá vir me buscar?
“Lógico, mesmo que você não quisesse!”, penso e envio uma mensagem
mais simples.
Sim, qual o horário você me quer aí?
Às 17h, agora deixa eu ir.
Bj.
Liz
“Você diz que sou louco
Porque acha que não sei o que você fez
Mas quando você me chama de "amor"
Eu sei que não sou o único...”
I’m Not The Only One – Sam Smith
Liz
Passei a manhã atolada de trabalho, meu chefe exigiu uma montanha de
relatórios, confesso que estava um tanto distraída pensando em todos os
acontecimentos das últimas horas, minha mente só conseguia pensar em um belo
motoqueiro de olhos castanhos. Não fazia ideia do que estamos começando. Seria
um namoro? Uma amizade colorida? Não tinha coragem de perguntar, eu precisava
entrar nessa sem expectativas, assim como Cris me indicou.
Quando saí para almoçar, minha ansiedade em vê-lo foi mais forte que meus
planos em ir devagar, enviei algumas mensagens enquanto engolia um sanduíche.
Terminei de lê-las com o peito acelerado e um sorriso de felicidade no rosto. Eu não
podia acreditar que isso tudo fosse verdade, às vezes eu imaginava estar sonhando.
Que Gustavo não passava de uma fantasia da minha cabeça, no entanto, antes de
voltar ao trabalho vi que ele era real. Fiz uma pesquisa rápida no Google com seu
nome e a tela do computador foi bombardeada com notícias sobre ele em blogs,
sites de esportes e fofocas. Li alguns artigos que me deixaram completamente
surpresa. Ele era muito mais famoso do que aparentou. Gustavo já ganhou vários
circuitos e competições, estava entre os cinco melhores do mundo. Ele era incrível.
Vi alguns vídeos de suas manobras, e antes que eu ponderasse se devia ou
não vê-lo correndo meu dedo clicou no play e, em seguida, meu coração parou. No
primeiro vídeo, Gustavo pilotava uma moto em alta velocidade, de repente, ele
subiu em uma rampa e fez uma pirueta saltando totalmente numa posição de 360º
graus. Engoli o bolo da minha garganta e comecei a tremer só de pensar como esse
esporte era perigoso e cheio de adrenalina. Fechei os vídeos, preferi não ver o que
mais ele podia fazer em cima daquela moto, já fiquei nervosa suficiente apenas com
esse.
Voltei ainda tremendo ao trabalho, para me acalmar liguei para o Ricardo
Sherman para agendar uma nova visita. Ele me atendeu e deixei-o tranquilo quanto
ao meu esforço em conseguir a ajuda da Cristina no caso. Dentro do possível, eu
sabia que minha amiga nos ajudaria a ter a guarda do Samuel. Liguei em seguida
para a Cris, para agendar a próxima visita. Depois que a escutei tagarelar pelos
cotovelos, marcamos a visita para o dia seguinte.
Quando deu cinco horas me apressei para ir embora, meu coração dava
saltos de ansiedade. No elevador acabei encontrando um amigo que trabalhava no
escritório vizinho ao meu. Matheus era engenheiro e muito bonito com seus cabelos
loiros cortados baixinho, se seu rosto já não fosse tentador o suficiente, ele ainda era
construído com ombros largos e braços quase da grossura das minhas coxas. Sua
figura era impressionante, mas nada comparada à beleza perturbadora de Gustavo.
Nos cumprimentamos com um beijo no rosto e engatamos uma conversa, Matheus
era muito divertido, sempre me divertia com as histórias que ele me contava do seu
trabalho.
Mesmo distraída pelo comentário que Matheus fez sobre meu chefe, bastou
que eu pisasse no saguão para minha atenção ser atraída para um moreno olhando a
rua pelas janelas de vidro do prédio. Gustavo estava de costas para mim com as
mãos no bolso da calça. Tão bonito, que senti minhas bochechas esquentarem
apenas por vê-lo de longe. Cruzei nossa distância observando algumas mulheres
olharem para ele, enquanto passam apressadas, senti certo ciúme por outras pessoas
além de mim estarem vendo toda aquela beleza. Todavia, não podia recriminá-las,
Gustavo era uma bela visão, ainda mais quando estava em um par de calças jeans
ostentando uma bunda que era um verdadeiro pecado.
Ele sente minha presença e se vira em minha direção, encarei aqueles olhos
cor de mogno por um segundo até ele andar até mim em passos largos. Matheus
sorriu sem entender o que estava acontecendo entre mim e o estranho à nossa frente,
o espanto não era para menos, nunca trouxe ninguém para o meu local de trabalho.
Gustavo se aproximou como um leão pronto para dar o bote, ele encarou
Matheus com um olhar feroz, as íris castanhas queimando meu amigo.
— Oi, espero não ter lhe feito esperar muito — tentei quebrar o clima.
— Eu esperaria o tempo que fosse preciso, querida. Não vai me apresentar o
seu amigo? — Gustavo perguntou com um sorriso divertido no rosto, mas seu olhar
voltou na direção de Matheus, e a forma que ele lhe olhava, podia ser tudo, menos
divertida. Senti minhas mãos suar.
— Ah, me desculpe... é… esse é o Matheus. Ele trabalha em um escritório
vizinho ao meu — gaguejei atrapalhada.
Matheus, que assistia a toda a cena intrigado, estendeu-lhe a mão em um
gesto cordial. Gustavo esperou um momento antes de apertar sua mão de volta, pela
testa franzida percebi que não gostou nem um pouco do meu colega.
— E você quem é? — Matheus perguntou.
Quando abri a boca para responder que ele era um amigo, Gustavo me
interrompeu.
— Sou o namorado dela — Gustavo frisou a palavra namorado com uma
arrogância palpável na voz.
Fitei-o, surpresa, com os olhos arregalados. Ele não se abalou. Como se nada
tivesse acontecido, ele me puxou pela cintura e me deu um beijo. Tentei afastá-lo,
mas seu domínio sobre meu rosto e corpo foram mais fortes que minha vontade em
resistir. Nunca beijei na frente das pessoas, mas Gustavo despertou meu lado mais
obscuro, sem me reconhecer percebi que gostei do beijo, ainda mais porque que ele
fez isso na frente de todos, me marcando, mostrando as pessoas a quem eu
pertencia, como um macho alfa territorial. Era excitante a forma com que ele
empregava desejo nisso.
Matheus limpou a garganta nos atrapalhando, afastei-me envergonhada:
— Te vejo amanhã, Liz. Bom conhecer você, cara — meu amigo disse
constrangido.
Acenei com a cabeça e Mateus saiu a passos apressados em direção à rua.
Olhei para o Gustavo com a testa franzida em desaprovação.
— O que foi isso?
— O quê? — Gustavo se fez de desentendido. Soube disso porque ele me
olhou com um sorrisinho de canto de boca muito cínico.
— Esse beijo e toda essa cena na frente do Matheus. O que deu em você? —
questionei muito puta da vida. Quem ele pensa que é para tratar meu amigo
daquela forma?
— Eu estava apenas dando um beijo na minha namorada. Não pode me
culpar por estar com saudade. — Gustavo se justificou e não sei por qual motivo,
minha vontade foi de pular no pescoço dele, mas não para matá-lo e sim para enchê-
lo de beijos. Eu estou ficando louca, não estou?
— Namorada? Desde quando, Gustavo? — perguntei desconfiada.
— Desde sempre.
— E por que eu desconfio que essa história surgiu depois que você viu meu
amigo?
— Bem, isso já era uma realidade para mim, mesmo antes de ver como esse
cara estava olhando para você, e também ouvi você rindo para ele quando saiu do
elevador.
— Gustavo, você está com ciúmes? — indaguei sorrindo.
— Sim, estou com ciúmes da minha namorada.
— Que bonitinho — brinquei.
Dessa vez, eu o puxei para beijá-lo sem me importar com as pessoas
passando ao nosso redor.
Quando já estávamos em seu carro, perguntei:
— Então, estamos indo para a minha casa ou para a sua?
— Nenhuma das opções por enquanto. Vou te levar para jantar, vamos comer
uma massa e tomar um bom vinho. Encontrei um restaurante italiano aqui perto, o
que acha? Minha namorada é quem manda.
Ri ao ouvi-lo me chamar de namorada, como se essa palavra fosse a coisa
mais importante da vida dele.
— Você está me convidando para sair? — gracejei.
— Estou. — Ele deu de ombros.
— Você acabou de dizer que estamos namorando antes mesmo do nosso
primeiro encontro? Não estamos alterando a ordem natural das coisas?
— Quem se importa? Você é linda demais para eu perder tempo com
padrões.
— Hum, deixe-me ver... Sua namorada acha um bom plano. — Gustavo
beijou minha boca deliciosamente antes de dar partida no carro e irmos em direção
ao restaurante.
Nosso jantar não poderia ter sido melhor, Gustavo nos levou em um
restaurante bem aconchegante que eu nunca tinha ouvido falar, mesmo morando
aqui há alguns anos. Rusticidade era o principal elemento, mesas forradas com
toalhas xadrezes, azaleias em vasos e castiçais com pequenas velas em cada centro
de mesa. O lugar tinha uma iluminação baixa, como uma antiga taberna, os móveis
antigos em madeira bem trabalhada estavam espalhados em lugares estratégicos, me
apaixonei por uma cristaleira antiga em madeira de lei.
Parecia ser um negócio familiar, me imaginei sendo dona de um lugar como
esse. Eu não reclamaria em passar meus dias aqui, recebendo os clientes, sentindo
os aromas e me deliciando com as iguarias italianas. O cheiro da cozinha era divino,
uma mistura de azeite, alho e manjericão enchiam o ambiente, fazendo minha
barriga roncar em ansiedade.
Optamos de entrada por uma bruschetta tipicamente italiana, e para o prato
principal, um tortellini de bolonha, acompanhado de um bom vinho tinto. Nossa
refeição estava de comer rezando, já não bastava a quantidade de comida e vinho
que eu já tinha ingerido, Gustavo ainda pediu de sobremesa um tiramisù. Quando o
doce chegou, ele arrastou sua cadeira para o meu lado, dispensou a minha colher e
foi me dando na boca porções da sobremesa entre um beijinho e outro. Durante
nosso tempo no restaurante observei algumas pessoas olhando para ele e
cochichando como se o reconhecesse, Gustavo ignorou os olhares, mas fez questão
de me tocar, de olhar nos meus olhos e me ouvir atentamente contar sobre meu dia.
Estava atenta a sua conversa quando vi uma mulher e um garotinho se aproximar de
nós.
— Boa noite, desculpe-me incomodá-los — falou a mulher segurando o
menininho pela mão. — Meu filho queria muito vir falar com você e poder tirar uma
foto de recordação. O Junior é seu fã, ele adora assistir as competições de motocross
que você participa.
Gustavo sorriu e respondeu que não tinha problema algum, ajoelhou-se na
frente do garoto e começou a conversar com o menino, que olhou para ele
encantado. A mãe do garoto me pediu para tirar uma foto de seu celular, levantei-me
e tirei algumas fotos deles juntos, em uma delas Gustavo pôs o pequeno fã no colo e
beijou a bochecha do menino que estava gargalhando. Antes de se despedir do
menino, Gustavo tirou um chaveiro em forma de capacete de metal do bolso e
entregou a ele como lembrança. O garotinho agradeceu e a mãe levou-o de volta à
mesa em que eles estavam sentados. Fiquei boba com sua generosidade, eu passaria
uma vida admirando sua gentileza com as pessoas. Seu jeito doce e divertido fez de
um momento simples algo único na memória do seu pequeno fã.
— Nunca pensei que algum dia sairia para jantar com um famoso —
gracejei.
— Não sou famoso, minha flor.
— Claro que é. Eu li algumas matérias sobre você hoje, desculpe-me, não
resisti em bisbilhotar — falei enquanto terminei de lamber a colher que ele me
ofereceu com sobremesa.
— Não vejo problema nenhum que minha namorada tenha curiosidades
sobre mim.
— Na verdade, fiquei bem impressionada, todas as matérias elogiavam seu
talento e principalmente... — fiz uma pausa para olhar em seus olhos — a sua
beleza.
— A imprensa sempre é boa para os que estão em cima, mas basta um erro e
aí surge uma montanha de críticas. Até agora estou me saindo bem, então eles
gostam de mim, mas me apego apenas a gestos como o de agora, nunca quis fama
com o meu trabalho. Eu sou um atleta, não um artista. — Gustavo deu de ombros,
como se já estivesse acostumado ao assédio.
— Então, você está no topo? — perguntei com segundas intenções,
arrastando minha perna propositalmente na dele.
— Hum-hum, mas também gosto quando você está por cima.
Gargalhei baixinho, ele era um galanteador nato e sabia como envolver uma
mulher em sua teia.
— Vamos embora, estou morrendo de saudades de estar enterrado em você
— Gustavo sussurrou dando beijos e leves mordidas no meu pescoço, deixando
rastros de desejo por todo meu corpo.
— Garçom! — chamei levantando a mão apressada. — A conta, por favor,
rápido!
— Com pressa, Liz Albuquerque? — Gustavo me perguntou sorrindo contra
meu pescoço.
Safado!
— Você nem imagina o quanto — confessei.
Meu namorado fez questão de pagar a conta com o argumento de que foi
nosso primeiro encontro e que era sempre o homem quem pagava, deixei passar
com a condição de que o próximo jantar era por minha conta. Caminhamos de mãos
dadas até o carro, ele abriu a porta para mim e nos levou para a casa. A porta do
meu apartamento foi escancarada para uma confusão de mãos, beijos, sapatos e
meias caindo por todo lado. Gustavo fechou a porta com o pé enquanto caímos no
sofá como dois desesperados, foi uma tortura todo o caminho do restaurante até
aqui. Minha necessidade por ele atingiu estágios alarmantes, ter suas mãos e
domínio sobre mim havia se tornado um vício no qual eu não podia resistir.
Eu precisava dele, e vice-versa.
“As pessoas se apaixonam de maneiras misteriosas
Talvez apenas com o toque de uma mão
Eu me apaixono por você a cada dia
Eu só quero te dizer que eu estou apaixonado...”
Thinking Out Loud – Ed Sheeran
Deitei na cama de Liz, que era bem menor que a minha, e por conta do meu
tamanho, acabei ficando um pouco desconfortável, mas com ela do meu lado valia
qualquer esforço que eu tivesse que enfrentar. Liz vestia uma camisola de seda preta
e se aninhou no meu peito. Ela começou a brincar, passando as unhas pintadas de
vermelho sangue no meu peito e braço contornando minhas tatuagens. Amava saber
que ela adorava me tocar, tanto quanto gostava de estar com minhas mãos sobre ela.
— Liz?
— Hum... — Ela suspirou.
— Você gosta das minhas tatuagens?
— Eu amo esses desenhos, são tão lindos.
— Pensei que talvez minhas tatuagens fossem um problema para você.
— Nada em você é um problema para mim — disse Liz, levantando a
cabeça para me olhar.
Sorri com sua resposta.
— Este apartamento é alugado? — sondei.
— Sim, por quê? — Liz voltou a delinear minhas tatuagens com seus dedos.
— Você poderia ir para o meu — sugeri. Sabia que ela não ia aceitar,
contudo não custava nada tentar.
— Como assim ir para o seu?
— Ir morar comigo, não faz sentido termos dois apartamentos no mesmo
prédio e pagar dois aluguéis. Então, quando você se muda?
— Você é louco?! — Liz perguntou assustada. Ela se levantou do meu peito
para me encarar com seus olhos azuis.
— O que foi? Só estou sendo prático.
— Gustavo, não estamos namorando nem há uma semana, faz só algumas
horas. — Liz disse incrédula.
— E daí? Quem se importa, Liz? Eu quero dormir com você todas as noites
e te acordar antes de você ir trabalhar. Em breve vou precisar viajar para as
competições e vamos ficar meses sem nos ver. Não tenho tempo a perder, minha flor
— chamei-a pelo apelido que coloquei nela para tentar acalmá-la, e um pequeno
sorriso despontou em seus lábios.
— Eu não sei, Gustavo, não quero me precipitar. Não me sinto preparada
para dar um passo tão grande.
— E eu não quero te forçar a nada, só achei que seria uma boa ideia.
Desculpe-me se fui precipitado.
— Não precisa se desculpar por isso. — Liz me beijou, mas não me dei por
vencido. Queria aproveitar cada segundo que puder ter dela.
— Tudo bem, mas que tal mantermos seu apartamento e toda noite
dormirmos juntos, com orgasmos garantidos? — ofereci e ela sorriu.
— Múltiplos?
— Você sabe barganhar as coisas.
Nosso primeiro fim de semana como namorados chegou rápido, fiquei todo
misterioso sobre aonde iríamos ao nosso passeio de moto, mesmo sob as
provocações de Liz para me fazer revelar, resisti até o fim. Fiz Liz me prometer
levar apenas uma pequena mochila, para não arriscar abortar a viagem de moto por
excesso de bagagem. Só sugeri colocar alguns maiôs, ela gargalhou na minha cara e
disse que nem ferrando ia perder de pegar uma marquinha num microbiquíni.
Provocadora!
Quando Liz viu o caminho que estávamos seguindo, sorriu por estar certa na
sugestão de estarmos indo à praia. Escolhi a praia de Castelhanos, em Ilhabela.
Precisamos atravessar uma estrada de 22 quilômetros com trechos de terra, que
cortava o Parque Estadual da Ilha, mas a recompensa da viagem cansativa veio
quando avistamos a longa faixa de quase dois quilômetros de extensão de areia
banhada por um mar azul tão intenso quanto seus olhos. Reservei a melhor suíte em
um hotel luxuoso, não que eu quisesse impressioná-la com luxo, mas queria oferecer
a ela o melhor. A janela do nosso quarto tinha uma vista espetacular para o mar, e as
duas noites que passamos lá, fizemos amor ouvindo o barulho das ondas batendo na
areia, o quarto iluminado pela lua e maresia salgando nossas peles.
Na manhã do nosso primeiro dia, aluguei uma prancha na lojinha do hotel e
ensinei Liz a surfar. Ela não levou muito jeito, mas se esforçou, aproveitei o
momento juntos para tocá-la em todos os lugares enquanto ensinava os primeiros
passos para pegar uma onda. Depois de me dar uns beijos roubados, Liz voltou para
a praia e ficou admirando meu desempenho de longe. Ela fotografou as manobras e
bateu palmas animadas cada vez que eu pegava uma boa onda, Liz não parava de
me surpreender. O resto do fim de semana foi uma sucessão de magia, nunca pensei
que uma pequena viagem ao lado de alguém tão especial pudesse me fazer tão bem.
Ver Liz sorrindo e experimentando coisas novas me enchia de orgulho por poder
proporcionar isso a ela.
Aproveitamos a comida do hotel, saímos a pé pela praia para explorar,
compramos artesanato local, namoramos na piscina, morri de ciúmes vendo-a
tomando sol no seu biquíni pecaminoso, grudei nela como um guarda-costas; se eu
pudesse vendava todos os homens para ter o privilégio de tê-la só para mim.
Namoramos a noite na praia apenas com as estrelas e a lua como testemunhas.
Ela me fez feliz, tão feliz, que não me reconheci.

Dois meses e dezoito dias se passaram, sim eu estava contando! Dormimos


entre meu apartamento e o da Liz, esses tinham sido os melhores dias da minha
vida. Poder participar da vida da Liz tem sido um bálsamo para a minha alma. Era
louco por cada sorriso, cada olhar, cada carinho que ela fazia em mim, cada
malcriação que fazia arrebitando aquele nariz bonito, tudo e cada pequeno detalhe
nela me encantava. Saber que ao acordar a terei ao meu lado era a coisa mais
preciosa que tinha, e não queria perder isso nunca.
Providenciei uma nova cama para o seu apartamento para eu não me sentir
tão desconfortável quando ficássemos lá. Ela reclamou, mas acabou concordando
que minhas pernas eram longas demais para a antiga. Liz e eu estávamos
aprendendo juntos a viver como um casal, criamos uma rotina divertida que
envolvia muito sexo matinal, cafés da manhã na cama e dias de domingo
preguiçosos. Gastávamos todo tempo disponível nos conhecendo, e cada dia eu
tinha mais certeza que meu coração tinha feito a escolha certa. Nenhum de nós dois
tinha confessado amor ao outro, mas seus gestos gritavam isso. Liz me amava na
mesma proporção que meu peito estava cheio de amor por ela.
Minha moto de competição chegou uma semana depois que me mudei, voltei
a treinar todos os dias. Meu técnico e melhor amigo, Eduardo, já estava vindo para
São Paulo duas vezes por semana para as orientações técnicas, precisava estar
preparado para o campeonato mundial no Rio de Janeiro logo mais. As orientações
eram importantes para que eu não me machucasse. Também cuidava do meu
condicionamento físico, fazendo crossfit e funcional na academia que Liz
frequentava. Ainda não tinha tido coragem de contar a minha família o motivo pelo
qual me mudei para São Paulo. Todos os dias me convencia de que era o dia certo
para contar, mas quando eles ligavam as palavras simplesmente não saíam, não
sabia o que dizer. Resolvi que falaria pessoalmente quando os visitasse para o
batizado da Cléo. Assim, soltaria a bomba no colo de todos de uma única vez, sem
que eu precisasse repetir todo esse drama.
Eu já estava travando muitas batalhas na minha cabeça, as lembranças do
passado estavam cada vez mais vivas na minha memória. Por isso tentava me
convencer a cada segundo que tinha me envolvido nessa história pela minha
consciência, e não porque ainda o amava.
***
Acordei com o despertador tocando, avisando que era hora de levantarmos,
Liz dormia profundamente no meu peito. Estiquei o braço livre e desliguei, para não
incomodá-la. Inspirei profundamente o cheiro dos seus cabelos, ela resmungou
baixinho, manhosa como uma boa dorminhoca que era. Beijei sua boca deliciosa,
ela sorriu ainda de olhos fechados.
— Hum... esse é um bom jeito de acordar uma mulher — falou risonha.
— Bom dia, deliciosa, está na hora de levantar. — Beijei-a ainda mais
intensamente, para começar nossa sessão de amassos antes do trabalho.
— Gustavo, assim não vou querer sair da cama nunca — resmungou.
— Quer tomar café da manhã antes ou depois de fazermos amor? —
perguntei.
— Pode ser antes e depois do café da manhã? — Liz começou a traçar
caminhos de beijos pelo meu peito, e já sabia o que ela queria. Meu tesão natural de
toda manhã era multiplicado por mil, e eu devorei-a viva. Ela precisava saber que eu
era incapaz de negar um pedido a ela.
Deixei Liz no trabalho como tem sido nosso hábito todos os dias, não a
queria dirigindo aquele carro velho a cidade toda. Já tentei convencê-la de mandá-lo
para a oficina para uma boa reforma, mas ela não queria que eu gastasse meu
dinheiro com ela, ledo engano, eu daria cada centavo do que tenho se ela pedisse.
Hoje Liz estava um pouco calada durante o caminho, sondei o que estava
acontecendo e ela me deu uma desculpa sobre estar cansada. Posso compreender; às
vezes, acho que estou sendo muito intenso com ela, exigindo de seu corpo e sua
mente tudo que ela puder me dar. Quase não a deixo dormir, pode me julgar, assumo
a culpa.
— Até mais tarde, motoqueiro. — Liz despediu-se de mim com um beijo
rápido e caminhou para o prédio do seu escritório. Boquiaberto, observei sua bunda
gostosa balançando na sua saia de secretária elegante. Nem parecia que fizemos
amor há menos de uma hora, já estava de pau duro de novo.
Enquanto dirigia até o hospital, lembrei-me de que, ao contrário do que
pensei anteriormente, Liz não se envergonhou ou quis me esconder dos seus colegas
de trabalho. Todos os dias esbarrávamos em algum conhecido dela, ela me
apresentava orgulhosa como seu namorado. Como se eu fosse um prêmio que todos
deviam admirar, eu gostava da forma vaidosa com que Liz me olhava. E de ver a
cara de surpresa das suas amigas que mal respiravam, quando ela contava
convencida de que eu era seu namorado. Talvez ela não quisesse um homem de
terno e gravata, talvez estivesse sendo feliz com um motoqueiro suado e riscado
como eu.
“Embora ventos de mudança tragam entusiasmo e liberdade
Você ainda não viu nada como eu poderia te fazer feliz,
tornar os seus sonhos realidade...
Vou ao fim da Terra por você para fazer você sentir o meu amor...”
Make You Feel My Love – Adele
Liz
Quando disse a Cris que minha menstruação estava atrasada, ela surtou,
passou quase duas horas no telefone me xingando. E minha amiga tinha motivo para
estar preocupada, Gustavo e eu nunca nos preocupamos com o controle de
natalidade. O assunto simplesmente nunca surgiu, e eu estava tão fascinada com o
arrebatamento que ele causou na minha vida que simplesmente não pensei sobre
isso. Ainda não senti nenhuma anormalidade com meu corpo, além do atraso da
minha menstruação. Na verdade, não tive tempo de pensar racionalmente, meus dias
e horas livres do trabalho foram completamente preenchidos por um moreno bonito,
de sorriso fácil que estava sempre me provocando. Fui inconsequente pela primeira
vez na minha vida, um erro de principiante como esse não estaria acontecendo
comigo se eu simplesmente não tivesse parado de racionalizar sobre as coisas, no
entanto perdia qualquer funcionalidade prática quando Gustavo pousava aqueles
olhos em mim.
O pavor começou a se infiltrar nas minhas veias lentamente cada vez que me
perguntava, por que não me lembrei de algo tão sério. Resolvi não comentar nada
com Gustavo, não queria assustá-lo nem deixá-lo preocupado em vão, ele andava
muito ocupado com os treinos e a competição no Rio de Janeiro. O que já me
deixava com o coração na boca, não gostava nem de imaginar ele se machucando
em cima daquela moto. Pedi a manhã livre do trabalho para ir ao hospital fazer um
teste de gravidez. Assim que Gustavo me deixou na porta do trabalho, fingi entrar
no prédio. Quando ele se afastou, voltei para a rua e chamei um táxi. Não gostava de
mentir para ele, sentia como se estivesse o traindo, mas seria melhor se eu lhe
fizesse uma surpresa com a novidade, estava tão apreensiva sobre sua reação que
preferi receber o que tiver de obter dele em casa. Nunca me imaginei grávida, não
sabia o que fazer com uma criança, mas só de saber que era um pedacinho meu e do
Gustavo comecei vagamente a amar a ideia. Ontem passei a noite rolando na cama,
imaginando como ele reagiria ao saber que iríamos ter um bebê. Meu Deus! Um
filho era demais para a minha mente.
Quando cheguei ao hospital, informei-me onde fazer o exame sanguíneo.
Aproveitei e marquei uma consulta com a ginecologista, porque se desse negativo,
precisava começar a tomar um contraceptivo para não ter outro susto como esse. A
recepcionista me indicou a sala de espera e pediu para eu aguardar ser chamada.
Entrei em uma saleta com algumas cadeiras de plástico. Nunca gostei de hospitais,
ficava enjoada só de sentir o clima de perdas e despedidas misturado com o cheiro
forte de desinfetante. Vi uma cadeira vaga e sentei-me, já que meus joelhos não
paravam de tremer. Comecei a girar o anel no meu dedo e a colocar a mecha
imaginária de cabelo atrás da minha orelha como fazia quando estava nervosa e
ansiosa. Uma enfermeira surgiu e chamou uma das mulheres que também
aguardava. Verifiquei a hora no celular: pouco mais de oito horas. Passaram-se uns
trinta minutos para a enfermeira ressurgir e chamar meu nome.
— Liz Maria Albuquerque — chamou olhando para as pessoas sentadas
aguardando.
— Sou eu. — Levantei-me, a enfermeira pediu que eu a acompanhasse até
uma sala de exames.
A funcionária me indicou uma cadeira reclinável acolchoada com um
suporte para o braço para retirar o sangue, sentei-me e aguardei a picada. A moça
muito habilidosa foi bem rápida, pediu para eu aguardar lá fora por uma hora para
ter o resultado ainda hoje. Saí da sala e sentei-me novamente em umas das cadeiras
de plástico. Balancei minhas pernas de tanta inquietação, um frio se alojou no meu
estômago. Precisava sair daqui, continuar vendo as outras mulheres com o mesmo
olhar apreensivo que o meu só piorava minha ansiedade, era muito difícil saber que
em uma hora minha vida podia mudar completamente, levantei de supetão e fui
procurar um café para passar o tempo.
Caminhei entre os corredores movimentados do hospital e achei uma
máquina de café. Peguei o café quentinho, feliz por poder ingerir algo tão
reconfortante em um momento como esse. Virei-me para voltar à sala de espera
quando vi dois olhos castanhos muito conhecidos me fitando como se visse uma
aparição.
Gustavo.
Tomei um susto tão grande em vê-lo, que deixei a bebida cair no chão
fazendo uma enorme sujeira, minha distração fez o café respingar por todo lado.
Gustavo correu até mim aflito.
— Meu Deus, Liz, você se queimou? O que você está fazendo aqui? Você
está doente? — questionou.
— O quê? — Pisquei desorientada.
— O que está fazendo aqui? Sentiu-se mal no trabalho?
— Sim, quer dizer, não. Eu é... — Faltaram-me palavras para explicar.
— Você está me deixando preocupado, querida. O que aconteceu? — Meu
namorado colocou as mãos nos meus ombros me conferindo, puxou-me para mais
perto dele e me afastou do café derramado no chão.
— Gustavo, é... eu não sei como te dizer. — Uma bola se formou na minha
garganta, olhar em seus olhos preocupados me deixou ainda mais nervosa.
— Vem, vamos sentar ali, você está pálida. — Gustavo passou o braço pelos
meus ombros me guiando até um dos bancos no corredor. O vai e vem das pessoas
continuava, todas alheias à guerra interior que eu travava.
— Eu estou bem — tranquilizei-o.
— Liz, você não me parece bem. O que você está sentindo? — Seus dedos
vieram até meu rosto e começaram a alisar minha bochecha afetuosamente.
— Nada, eu só estou surpresa que você está aqui — desconversei.
— O que você veio fazer aqui? — indagou.
— Eu vim me consultar, e... — Eu não podia mais mentir, minhas mãos
tremiam. Gustavo não merecia minhas mentiras, e ninguém mais do que eu, odiava
ser enganada, eu não podia fazer isso com ele. — Gustavo... — murmurei.
— Liz, o que está acontecendo? Você está me deixando nervoso. — Vi sua
feição se transformar em desespero. Não podia mais prorrogar a verdade, nem
continuar mentindo para a única pessoa que não merecia isso de mim.
— Eu vim fazer um teste de gravidez — desembuchei de uma vez,
esperando a sua reação. Mesmo em uma situação desesperadora como essa não
resisti em admirar como ele parecia bem-vestido com a jaqueta de couro que eu
amava, camiseta e jeans gastos. Ele parecia tão selvagem com todo o cabelo
castanho bagunçado sobre a testa, seus olhos sempre amorosos agora estavam
arregalados, como se não tivesse entendido o que acabei de dizer.
— Você o quê?
— Estou atrasada e, como não nos prevenimos como deveríamos, eu estou
na dúvida, mas pode ser alarme falso. Não queria falar nada para não te assustar —
expliquei.
— Liz, você pode estar esperando um filho meu?
— E de quem mais seria Gustavo? — perguntei afetada com lágrimas nos
olhos, de tensão e medo.
— Me desculpe, eu não quis dizer isso, eu só... estou surpreso. — Gustavo
se ajoelhou à minha frente. — Liz, eu preciso dizer uma coisa... E não vejo melhor
momento para isso. — Fez uma pausa dramática. — Eu te amo.
Pela primeira vez em todos esses meses, ele escolheu justo o momento que
me sentia mais vulnerável para finalmente confessar que me amava. E não haveria
melhor momento para isso. Precisava saber que sou amada, e eu amava-o tanto por
isso, Gustavo sempre falava a coisa certa no momento certo.
— O que você disse? — perguntei a fim de confirmar, caso não tenha
entendido errado.
— Eu amo você, Liz, independentemente do resultado. E se o exame
realmente der positivo, eu serei o homem mais feliz do mundo. — Ele segurou
minhas bochechas com as mãos em concha fazendo-me olhar dentro dos seus olhos.
— Meu Deus, Gustavo! — murmurei contra sua boca. — Eu também te
amo. Levanta desse chão.
Puxei-o pelos ombros para ficarmos em pé. Gustavo me abraçou
desesperado, nós nos beijamos apaixonadamente enquanto lágrimas mornas de
felicidade escorriam pelas minhas bochechas.
— Eu te amo e isso é tudo que precisamos — ele me tranquilizou.
Depois que nos acalmamos conferi a hora.
— Vem, o resultado do exame já deve estar pronto. — Guiei-o pela mão até
a sala de entrega de exames.
Nos aproximamos da recepção e perguntei a atendente:
— Com licença, o resultado de Liz Maria Albuquerque já está pronto?
A moça verificou no computador, imprimiu uma folha, colocou em um
envelope de papel e me entregou. Minhas mãos não paravam de tremer, olhei para o
Gustavo, que me encarava com os olhos brilhando de ansiedade.
— Você quer abrir? — perguntei a ele acovardada em ler as palavras que
decidiriam meu destino.
— Você não se importa?
— Não. Estou sem coragem, nem consigo fazer com que minhas mãos
parem de tremer.
— Tudo bem. — Gustavo pegou o envelope das minhas mãos e abriu
lentamente. Ele leu por alguns segundos e depois sorriu lindamente. Não sei se de
alívio por ter dado negativo ou de felicidade por ter dado positivo.
— E então? — sondei desesperada por uma resposta. Nesse momento queria
ter sua técnica em leitura corporal para saber o que ele estava sentindo.
— Nós vamos ter um bebê! — gritou Gustavo exultante de felicidade.
Ele me levantou e me girou no meio da recepção, todas as pessoas que
passavam olhavam para nós como se fôssemos loucos. Eu ri de alegria.
— Gustavo, me coloca no chão. Estou ficando enjoada — pedi com lágrimas
nos olhos.
Ele me pôs no chão ainda sorrindo para mim, e salpicou beijos pelo meu
rosto ainda mais apaixonado do que antes. Mesmo com a pinta de bad boy ele me
parecia uma criança na manhã de Natal ao saber que vai ser pai.
Estava feliz, mas também apavorada e confusa, não sabia o que pensar.
Nunca me imaginei mãe de uma criança, sendo responsável pela vida de outra
pessoa, às vezes nem sabia cuidar de mim mesma. Sempre evitei me tornar uma
mulher como minha mãe, será que serei como ela?
Deus, o que eu fiz? A realidade me bateu como um soco, ser mãe não era um
conto de fadas.
— Liz? — Gustavo me chamou tirando dos meus pensamentos obscuros.
— Eu não posso fazer isso, Gustavo — falei chorando, só que agora de
medo.
— Ei, venha cá. — Ele me abraçou e beijou meus cabelos carinhosamente.
— Claro que podemos fazer isso, você não está sozinha, Liz, eu sou pai dessa
criança também. Nós vamos lidar com isso juntos, ok?
— E se eu for como ela, Gustavo? E se eu for como minha mãe? — disse
com minha voz carregada de medo.
— Liz, nunca mais diga isso! Está me ouvindo? Você será uma mãe incrível
para essa criança, você é uma pessoa maravilhosa, minha flor. Pare de se achar
inferior, você é uma pessoa incrível e vai ser uma mãe incrível.
— Eu não sei se consigo, nunca sequer peguei em um bebê. — Fui tomada
por uma emoção amedrontadora.
— Nosso filho terá muito orgulho de você. Cuidar de um filho parece ser
algo instintivo, você vai se sair bem.
— Gustavo, me prometa que vai estar comigo? Prometa que vai me ajudar?
Sozinha não sei se consigo.
— Eu estou aqui, minha flor, e não vou a lugar algum. — Gustavo me
abraçou ainda mais apertado, seu abraço acalentou pouco a pouco meus medos.
Comecei lentamente a aceitar a ideia. Estava tão aliviada pela forma que ele
aceitou a notícia. Gustavo me amava e senti que suas palavras não foram apenas da
boca para fora, ou uma reação de momento. Nós nos amávamos e isso precisava ser
suficiente. Não é?
— Tenho uma consulta com uma ginecologista obstetra agora, para mostrar
o exame, você me acompanha? — perguntei.
— Claro, quero acompanhar tudo sobre nosso filho, Liz. Será você e eu
sempre. Vamos.
Ele passou o braço pelos meus ombros enquanto me levava pelos corredores
até a área de ginecologia. Gustavo me sentou em uma cadeira com todo cuidado, ele
sempre foi protetor, mas desde que leu aquele resultado, estava me tratando como
uma boneca de porcelana. Seria divertido se eu não estivesse tão enlouquecida por
descobrir que serei mãe.
Gustavo me beijou rapidamente e foi até a recepcionista perguntar quando
serei atendida. A moça sorriu deixando claro que gostou da bela visão à sua frente, o
que me irritou profundamente, a vadia descarada respondeu que ainda havia duas
pessoas para serem atendidas antes de mim, demorando muito para dar uma simples
informação. Meu namorado não notou o flerte descarado, agradeceu e veio sentar do
meu lado.
Na sala havia outras grávidas com barrigas imensas, o que me deixou muito
apreensiva. Como elas conseguem andar com barrigas do tamanho de uma
melancia e os pés tão inchados? Meu Deus, como elas fazem sexo assim? Eu nem
posso imaginar. Tenho certeza de que Gustavo não vai me querer quando eu tiver
uma barriga desse tamanho. Comecei a pensar todas as transformações ao qual meu
corpo vai passar, todos os quilos extras, todas as dores e desconfortos, estrias e
enjoos matinais. Acho que não estou preparada.
— Tudo bem? — Gustavo perguntou olhando para as grávidas que eu estava
encarando.
— Ainda não sei se está tudo bem, estou assustada. Olha para elas, como
conseguem? Você está vendo o tamanho da circunferência abdominal? Isso parece
uma coisa quase sobrenatural — cochichei em seu ouvido.
— Elas estão grávidas, e todas as mulheres grávidas são lindas. Você vai
ficar ainda mais bonita, pode ter certeza. — Gustavo sorriu.
— Como? Com uma barriga enorme e trinta quilos a mais? — resmunguei.
— Minha flor, eu sempre vou te achar linda, mesmo pesando uma tonelada.
— Está falando isso, porque não é você que vai passar por todas essas
coisas. Quero ver você me achar gostosa depois disso. — Apontei para as mulheres
discretamente.
— Liz, não tem maneira no mundo que me faça não sentir tesão por você, e
mesmo quando você estiver como elas eu vou te achar ainda mais foda, porque você
vai estar carregando o meu filho. E sobre o peso extra, eu sei uma forma de queimar
cada grama de gordura, então não se preocupe.
Meus olhos lacrimejaram novamente, e ele apertou minha mão me passando
confiança.
— Eu te amo — sussurrei perto do seu ouvido, essa era a terceira ou quarta
vez hoje que disse isso, mas agora sentia uma necessidade enorme de deixá-lo ciente
do meu amor.
— E eu sou o homem mais feliz do mundo por isso — respondeu Gustavo
beijando meu pescoço.
Uma enfermeira surgiu na porta chamando meu nome, nos levantamos e
seguimos para a sala que ela indicou. O consultório da médica era bem agradável,
paredes pintadas de um azul-claro com lindos quadros de mulheres grávidas. Atrás
da mesa estava uma senhora de meia-idade com cabelos cacheados, ela sorriu para
nós e nos indicou as cadeiras à sua frente.
— Bom dia, eu sou a Dra. Paula Gusmão. Então, o que posso fazer por
vocês? — perguntou olhando de mim para Gustavo com curiosidade.
— Bom dia, como a senhora deve saber me chamo Liz e esse é o Gustavo,
meu namorado. Na verdade, vim mostrar o resultado de um exame de Beta HCG
que fiz ainda agora — falei me virando para Gustavo para pegar o exame de suas
mãos.
— E pelo rosto de vocês vejo que deu positivo — concluiu a médica
divertida. Provavelmente acostumada a lidar com casais de primeira viagem o
tempo todo.
— Sim — Gustavo respondeu com um sorriso orgulhoso.
— Deixe-me ver. — Ela pegou o papel da minha mão e sorriu. — Sim, você
está grávida, Liz. Você esteve sentindo algum sintoma incomum na sua rotina para
levá-la a fazer o exame?
— Não, apenas o atraso do meu ciclo menstrual.
— É provável que você sinta enjoos matinais, quedas de pressão, sonolência
e muita fome nesses primeiros meses. Na verdade, é o seu corpo se acostumando
com a presença do feto. Liz, vamos fazer um exame transvaginal para vermos de
quanto tempo você está, precisamos checar se está tudo bem com o bebê e com
você.
A palavra bebê vindo da boca da médica tornou a coisa ainda mais real,
Gustavo apertou fortemente minha mão, que estava tremendo.
— Ok, vamos fazer.
— Vá até o banheiro, troque sua roupa por uma bata e deite-se naquela
cama, para que eu possa examiná-la.
Fiz conforme ela pediu, e aguardei. A doutora Paula se aproximou, diminuiu
a luz da sala, apertou alguns botões em um computador. Gustavo permaneceu em pé
do meu lado da cama, segurando minha mão, apreensivo. A médica me cobriu da
cintura para baixo com um lençol, me pediu para apoiar os pés em dois apoios um
pouco mais altos que a cama, me deixando totalmente aberta, a situação toda era
constrangedora, senti meu rosto esquentar. Ela tranquilamente colocou gel em um
equipamento coberto com um preservativo muito semelhante a um pênis, engraçado
pensar que a primeira vez que terei contato com uma camisinha será em um
momento como esse. Ela percebeu nossa cara de assustados e explicou que aquilo
era um transdutor de ultrassom, que servia para ver o bebê, já que ainda estava
muito no começo da gravidez e que nesse caso não seria possível fazer um
ultrassom abdominal. A presença da camisinha foi justificada como uma forma de
evitar contaminação.
— Mas não vai machucá-la, doutora? — Gustavo indagou.
— Não, esse equipamento é muito seguro.
— Poderemos ver o sexo do bebê? — perguntei tentando cortar o meu
constrangimento para algo mais importante do que o equipamento que estava
prestes a entrar na minha vagina.
— Ainda é cedo, talvez no seu terceiro mês possamos descobrir — disse a
médica.
Ela penetrou o equipamento estranho dentro de mim, de repente, o monitor
mostrou uma sementinha cinza na tela, a médica encostou outro equipamento
parecido com um estetoscópio no meu abdômen e, de repente, meu mundo se
transformou. Um batimento forte e constante interrompeu o silêncio do quarto.
Gustavo apertou minha mão e não tirou os olhos marejados do monitor.
— O bebê de vocês está com sete ou oito semanas, ele ainda é apenas uma
sementinha, mas seu crescimento está dentro do esperado e o coraçãozinho está
batendo forte como vocês podem ouvir. Isso é um bom sinal, mas é preciso que
volte para acompanharmos uma vez por mês.
Eu não consegui responder, minha voz sumiu junto com todas as dúvidas e
incertezas que eu tive antes de entrar nessa sala. Meu medo se transformou em
alegria e certeza de que farei o que for preciso para cuidar dessa criança. Talvez eu
erre algumas vezes como toda marinheira de primeira viagem, mas será sempre
tentando acertar. Porque descobri que posso ser capaz de amar meu bebezinho, que
ainda nem conhecia, mas que já era dono de cada pedacinho do meu coração. Era o
meu pequeno milagre, e eu só queria agradecer por isso.
— Bem, é suficiente. Pode se vestir, Liz. — A doutora imprimiu uma foto
do monitor e entregou para Gustavo, que ainda estava olhando atônito para a
imagem minúscula cinza na tela.
Desci da cama e fui me trocar; quando voltei, ela estava receitando alguns
medicamentos.
— Liz, esses são remédios para possíveis enjoos que você possa ter, e no
caso de alguma eventual dor de cabeça. Você precisa continuar mantendo sua vida
normalmente, mas são necessários alguns cuidados, como dormir bem, se alimentar
de três em três horas, sempre optando por alimentos saudáveis, beber muita água,
não ingerir bebidas alcoólicas e não fazer uso de substâncias tóxicas como cigarro e
drogas. E o mais importante, é voltar para o pré-natal todos os meses ou sempre que
perceber algo estranho. Passarei alguns exames de rotina para saber se está tudo
bem com você. Marcarei nossa próxima consulta para esta mesma data no próximo
mês, traga o resultado dos exames. Antes, preciso saber se você tem alguma doença
crônica ou hereditária na família, para que eu possa colocar no seu prontuário.
Respondi as suas perguntas meio zonza com tudo.
— Quaisquer dúvidas, Liz e Gustavo, não deixem de me consultar, estou
todos os dias aqui no hospital, este é meu telefone pessoal para urgências — a
doutora Paula disse solícita entregando a Gustavo um cartão de visitas.
— Obrigado, doutora — agradeceu Gustavo.
Nos despedimos e deixamos a sala, Gustavo com a mão no final da minha
coluna me guiando. Caminhei até o carro dele com as pernas bambas, juro que se
ele não estivesse ao meu lado, não teria nem conseguido andar de tanto nervoso. Ele
abriu a porta do passageiro para mim e eu subi com cuidado, Gustavo rodeou o
carro e sentou-se ao volante.
— Liz, olha para mim. Você está bem? — Gustavo me perguntou enquanto
eu olhava para a minha barriga ainda imperceptível.
— Sim, só está caindo a ficha que vou ser mãe. — Sorri tentando
tranquilizá-lo.
— Eu nunca ouvi um som mais lindo na vida do que o coração do nosso
filho batendo, Liz.
— Eu também não. — Sorriu. — Você falou filho, mas pode ser uma menina
— brinquei.
— Sim, pode, e vou amá-lo da mesma forma, sendo menina ou menino —
falou com um sorriso bobo no momento em que dá deu partida no carro.
— Você ainda precisa voltar ao trabalho? ––—perguntou Gustavo com um
olhar pidão.
— Sim –– respondi franzindo a testa para ele.
— Ligue e diga que está se sentindo mal, você nunca falta. Precisamos do
dia de folga.
— E o que vamos fazer?
— Vou te levar para me ver treinar, depois vou alimentá-la. Quer dizer,
alimentá-los.
Bobo!
“Me dê tudo de você
Eu darei tudo de mim para você
Você é o meu fim e o meu começo
Mesmo quando eu perder estarei ganhando
Porque eu te dou tudo de mim
E você me dá tudo de você...”
All of Me – John Legend
Gustavo
Quando fui ao hospital saber o resultado dos exames de compatibilidade
para o transplante não imaginei que encontraria Liz lá, quando a vi de costas na
máquina de café, deixei de sentir minhas pernas. Eu tinha certeza de que ela tinha
me seguido até o hospital para me desmascarar. Ainda não me sentia confortável
para contar para ela sobre o meu pai ou sobre a cirurgia, na verdade, eu não estava
pronto para contar sobre nada relacionado ao meu passado, porque falar a verdade
me levaria de volta a todos os sentimentos ruins que tento a todo custo esquecer. Liz
não me perdoaria se descobrisse que estou omitindo algo tão sério. Meu tempo
estava diminuindo, em breve eu teria que voltar ao passado e abrir o jogo sobre
tudo, já que a cirurgia de transplante era uma possibilidade.
Precisava convencer meu técnico que não havia escolha, além de dar uma
pausa na carreira. Sem falar na minha família, que ficará louca quando descobrir o
verdadeiro motivo da minha mudança para São Paulo. Sei que meus irmãos são
mais maleáveis do que eu e não se oporão a fazer os testes de compatibilidade, mas
tenho medo de como irão enfrentar o retorno do homem que os abandonou. Contar a
verdade poderia me livrar da responsabilidade da cirurgia, mas quero poupá-los de
sentir a mesma dor que estou sentindo.
No momento em que Liz me viu e me encarou com aqueles olhos
assustados, soube que não se tratava de mim, e sim de algo errado com ela.
Descobrir a possibilidade de ser pai me fez momentaneamente entrar em pânico. Ao
mesmo tempo que uma alegria voraz percorreu minhas veias transformando tudo
que havia em mim em felicidade.
Liz estava assustada, eu podia ver seus olhos cheios de dúvidas, mas eu não
a deixarei desistir do nosso bebê. Ele também me pertencia, eu nunca lhe perdoaria
por querer tirá-lo, isto estava fora de questão.
Quando eu li a palavra POSITIVO, eu fiquei louco.
Serei pai. Pai de um bebê meu e da Liz, uma mistura minha e dela. A
felicidade transbordou do meu peito e correu para os meus lábios, eu queria gritar,
contar a todos que eu teria um filho, mas ninguém entenderia a explosão de
sentimentos dentro de mim. Quando vi a imagem acinzentada do meu bebê na tela,
meu coração se encheu de emoção, mas as lágrimas queimaram meus olhos
implorando para serem derramadas, eu me controlei porque não queria deixar Liz
nervosa nem preocupada com meu choro, o próximo som que meus ouvidos
escutaram foi como se fosse a própria batida do meu coração, era o meu filho
anunciando ao mundo que estava aqui, ele era real. Nosso.
Não tive tempo de ir ver os resultados dos exames de compatibilidade para a
cirurgia do meu pai, também não tinha cabeça para isso, eu só pensava que agora
teria um bebê para cuidar e amar.
Liz fez como pedi, ligou para o escritório e deixou um recado com a
recepcionista que estava se sentindo mal e só voltaria para o trabalho no dia
seguinte. Eu detestava incentivá-la a mentir, mas era por uma boa causa.
Precisávamos do dia todo para nós, eu, ela e nossa sementinha.
A minha moto Yamaha Wr 250 F já estava na caçamba da pick-up, dirigi até
a fazenda a uma hora da cidade. A velha fazenda pertencia a alguns amigos do meu
técnico, o lugar era ideal para os meus treinos, o terreno tinha uma grande área com
terra lamacenta laranja, algumas precipitações no solo. A fazenda era muito bonita,
apesar de lamacenta. Com suas árvores espalhadas por todo lado e a velha casa. Os
donos só usavam o lugar nas férias de julho, no resto do ano o lugar ficava vazio.
Estacionei o carro e desci para abrir a porta pra Liz.
— É aqui que você treina? — Ela olhou ao redor curiosa.
— Sim, o que acha? — perguntei apreensivo, qualquer opinião de Liz era
importante para mim.
— Lamacento, mas muito bonito. Olha quantas árvores antigas, eu ia amar
trabalhar em um lugar assim cheio de ar fresco — respondeu olhando para os velhos
carvalhos.
— Eu preciso dessa lama, o barro molhado faz menos poeira, é melhor para
as voltas. Devo isso ao clima inconstante de São Paulo. Venha, eu lhe ajudo com os
sapatos. — Peguei-a no colo e a coloquei em cima de uma área com capim.
Alcancei no carro uma bolsa com um lençol grosso que usava para cobrir a moto e
forrei no chão.
— Sente aqui, não quero que você se canse.
— Gustavo, você ouviu a médica dizer que não estou doente.
— Pode me deixar cuidar de você? — Comecei a rir da cara zangada que ela
me lançou.
— Pode, meu amor, mas sem exageros.
Aproximei-me e beijei seus lábios carnudos. Foi um beijo apaixonado, cheio
de cumplicidade de quem acabou de descobrir juntos que a vida nunca mais seria a
mesma.
— Não me tenta, mulher, preciso tirar a moto e vestir a proteção —
resmunguei tirando minha jaqueta e colocando em seus ombros, me afastei e subi na
caçamba da caminhonete. Peguei o capacete e a viseira, coloquei-os e soltei as
travas de segurança da moto, subi nela e desci do carro em um pequeno salto até o
chão barrento. Percebi que Liz me observava com olhos arregalados de medo da
pequena manobra que acabei de fazer.
— Ei, não precisa se preocupar. — Tentei acalmá-la ao ver seu olhar
apreensivo.
— Claro que eu me preocupo, Gustavo, você desceu da caçamba do carro
em cima de uma moto.
— Amor, eu faço isso há anos. Se você não estivesse carregando meu bebê
na barriga ia te ensinar a pilotá-la.
— Não sei se teria coragem...
— Eu lhe dou coragem para se arriscar, minha flor.
Desci da moto, terminei de colocar minha roupa e equipamentos de
proteção, enquanto acertava as luvas dei mais um beijo em Liz e fui correr. Corria
desde os meus doze anos, o motocross foi minha única paixão até conhecer a dona
dos olhos azuis profundos mais bonitos que já vi.
Comecei a aquecer fazendo corridas velozes indo até o final do terreno e
depois voltando, iniciando algumas manobras simples. Em alguns saltos, o piloto de
motocross precisa de muita técnica, esforço sobre-humano e alguma sorte. Já caí
diversas vezes, nada sério, mas já quebrei mais ossos do que uma pessoa normal.
Por isso a importância de estar atento a cada sinal que a moto e o terreno me dão.
Com o passar do tempo, passei a conhecer cada pequena reação da motocicleta, eu
conhecia a minha como a palma da minha mão. A Rose estava comigo há um
tempo, ela tem me ajudado a obter bons resultados, no motocross a força do motor e
a regulagem da suspensão fazem toda a diferença. Minha moto vale uma pequena
fortuna no mercado, mas eu daria o melhor a minha menina. Melhores peças,
equipamentos, cuidados e um mecânico experiente para deixá-la perfeita. Nós três
somos a equipe perfeita, eu a Rose e o Dudu, meu melhor amigo e técnico.
Dudu e eu temos nos dedicado a esse esporte há anos. Essa é nossa vida,
meu amigo também corria profissionalmente, mas graças a uma tragédia que
esmagou os ossos do seu braço como pó, ele teve que abandonar a sua maior paixão.
Após se recuperar da fratura que lhe privou do esporte, o convenci a me ajudar nos
treinos e nos reparos da moto, ele era excelente no que fazia e com isso só
fortalecemos nossa amizade. Permanecer em meio a esse mundo lhe tirou da
depressão que quase levou a sua vida; quando Dudu descobriu que não podia mais
correr, começou a usar drogas e bebidas como válvula de escape para sua tristeza, o
que só o destruiu ainda mais. Meu amigo passou meses com mulheres as quais ele
nem lembrava o nome e tão chapado que por vezes nem me reconhecia.
Eu não poderia julgá-lo, afinal também reagiria mal se estivesse em seu
lugar, porque eu sei que não sabemos fazer outra coisa na vida, além de sentir a
adrenalina correndo nas veias. Eu insisti muito para que ele aceitasse que a vida não
tinha acabado, que ele ainda podia viver respirando poeira e lama, mesmo que não
fosse sobre a moto, mas como meu técnico. Dudu era incrível em cima de uma
moto, talvez tão bom quanto eu. E possuía tanto conhecimento que não poderia ser
desperdiçado nas drogas. Mesmo com os movimentos um pouco mais lentos no
braço machucado, ainda assim quando estávamos com tempo livre, ele ainda pegava
sua moto e íamos fazer umas trilhas no meio do mato em alguma cidade pequena.
Ele não era o único que extraía o meu melhor, por trás dos meus bons resultados
havia uma série de profissionais que me fizeram alcançar isso: fisioterapeuta,
nutricionista, preparador físico. Doei meu tempo e minha vida para esse esporte
todos esses anos, exigi do meu corpo algumas vezes mais do que ele podia suportar,
com os treinos excessivos, alimentação regrada e preparação física. Todos os anos
de sacrifício e esforço têm valido a pena até aqui, eu fazia o que amava, e nada
poderia pagar isso.
Fiz a moto rugir para chamar a atenção de Liz, sorri por vê-la em pé aflita de
braços cruzados me olhando. Ela se preocupava tanto sobre tudo, ainda farei Liz se
permitir viver sem a pressão de tantas regras. Corri até o fim da fazenda novamente
e voltei dessa vez com ainda mais velocidade para poder subir em uma barreira de
terra e fazer um salto, quando eu a Rose voamos alto acima da barreira, soltei as
pernas da moto e me segurei apenas com as mãos no guidão. Aquele frio delicioso e
instigante invadiu meu estômago, comecei a sentir todo o poder que a moto me
dava. A adrenalina corria como fogo pelas minhas veias, o rugir da moto aumentou
ainda mais o prazer de correr, era movido a isso. Não saberia mais viver sem essa
sensação percorrendo meu corpo, uma das minhas tatuagens no braço era a fórmula
química da adrenalina para me fazer lembrar de que esse era o meu combustível
para viver.
Desci a rampa de barro derrapando com a moto em uma poça de lama,
espalhando terra e cascalhos por todos os lados. Freei a moto, reduzi a velocidade e
voltei para onde deixei Liz, ela parecia chateada. Quando parei, tirei a viseira e o
capacete ainda ofegante pelo esforço. Ela se aproximou de mim e começou a me
bater de punhos fechados afundando os sapatos no barro laranja. Segurei seus
braços e a puxei para mim lhe abraçando, ela esperneou tentando se soltar do meu
aperto.
— Me solta, seu desgraçado! — gritou descontrolada.
— Amor, o que foi? — perguntei sem entender, e sem resistir em rir da
reação do meu siri na lata.
Liz continuou socando forte meu peito. Oh, mulher brava!
— Você quer me matar? Como você faz uma coisa dessas, Gustavo? E se
você caísse e quebrasse o pescoço? — Liz perguntou chorando.
Soltei suas mãos para poder descer da moto e ela voltou a me bater. Queria
rir, mas sabia que ela só ia se irritar ainda mais. Abracei seu corpo, sem me importar
em estar com roupas encharcadas de lama, grama e suor.
— Calma, aquilo foi só uma manobra.
— Você podia morrer, Gustavo! — ela berrou batendo no meu peito,
parecendo uma fera. Não podia imaginar que ficaria tão furiosa.
— Ei, quer parar de me bater? Eu não vou morrer, esse é meu trabalho,
minha flor. É só mais um dia no escritório. — Sorri, ela ficava ainda mais linda
chateada, seus olhos azuis me fulminaram por trás dos seus cílios.
— Dia no escritório? Você quer me deixar com um filho na barriga sem o
pai, é isso? Seu desgraçado! É assim que você treina todos os dias? Meu Deus, eu
não posso acreditar que você se arrisca dessa forma!
— Liz, calma. Eu não vou a lugar algum. — Toquei seu rosto para fazê-la
me entender. — Pensei que você tinha visto o que eu faço.
Liz soluçou no meu peito me abraçando, depois começou a me beijar
desesperadamente, distribuindo beijos por todo o meu rosto e pescoço. Apertando
minhas costas e braços com as mãos frias.
— Gustavo, eu não quero te perder. — minha menina, agora mansinha e
chorosa, murmurou contra minha boca.
— Eu estou aqui, amor. Treino para isso desde criança, nunca me machuquei
mais do que alguns ossos quebrados ou alguns arranhões. Pensei que você sabia
sobre meu treino, você não disse que leu algumas coisas sobre mim na internet?
— Ler é muito diferente de ver ao vivo e a cores o quanto você se arrisca,
pensei que os saltos fossem feitos apenas em competições. Quando você pulou
daquele jeito, eu pensei que você tinha caído.
— Aquilo que fiz foi uma manobra simples, meu treino é repeti-las a
perfeição. — Tirei as luvas para poder tocá-la melhor.
— Eu não quero que você faça aquilo de novo.
Sei que minha garota estava com medo de me perder, assim como perdeu
seu pai. Deslizei minhas mãos pelos seus braços para acalmá-la. Liz me abraçou se
esfregando em todo meu corpo. Percebi que nosso contato estava me fazendo sujar
toda sua roupa com barro e suor da minha.
— Amor, eu estou sujando toda a sua roupa. E você estragou seus sapatos —
falei me afastando.
— Não me importo com as roupas, nem com os sapatos.
— É bom saber que você não tem aversão a sujeira, você vai me ver muitas
vezes assim.
— Eu não me importo com nada disso, Gustavo, eu só me importo com
você. — Seus olhos brilharam cheios de emoção em confessar essas palavras, Liz
mordeu o lábio inferior e me olhou com segundas intenções.
— Conheço esse olhar... — Apertei seu queixo fazendo-a sorrir.
— Faz amor comigo. Me deixa te mostrar o quanto me importo, o quanto
amo você... — ela pediu fitando dentro dos meus olhos, quase me cegando com
aquele olhar azul intenso.
Nós ainda não tínhamos falado de sentimentos antes de hoje, mas ouvi-la
abrir o coração assim para mim foi a segunda melhor surpresa do dia. Ouvi-la pedir
por isso me enlouqueceu.
“Não me deixe agora
Não diga adeus
Não dê as costas
Me deixe decepcionada...”
Ride – Lana Del Rey
Liz
Pensei que meu coração ia sair pela boca quando vi Gustavo saltando
daquela moto e suas pernas voando livre no céu, imaginei que ele estivesse caindo.
Meu corpo gelou, fiquei em estado de choque. O lugar que estávamos era a cerca de
uma hora de distância do hospital mais próximo. Como eu faria aqui sozinha para
socorrê-lo, caso algo realmente ruim tivesse acontecido? Enquanto eu calculava
sobre o que fazer, o vi gritando alegremente depois do salto, ele rapidamente
aterrissou no barro molhado e continuou suas voltas, como se nada tivesse
acontecido, e ele quase não tivesse me matado do coração.
Eu não podia permitir que ele continuasse fazendo isso consigo mesmo,
brincando com a morte e com meu psicológico dessa forma. Quando Gustavo se
aproximou lindo como nunca o vi antes, com os cabelos bagunçados e com a testa
suada, vestindo aquela roupa cheia de proteção e cheirando a suor e lama, eu fiquei
louca. Queria batê-lo para fazê-lo parar de me assustar assim, ao mesmo tempo
queria fazer amor com ele ali mesmo na lama, como dois animais. Eu não estava me
importando, a fazenda estava deserta, só havia nós dois ali. Eu queria de alguma
maneira fazer com ele entendesse como me senti, e como a vida dele agora é
importante para mim.
— Faz amor comigo. Me deixa te mostrar o quanto me importo, o quanto
amo você...
Gustavo jogou o capacete no lençol que ele tinha estendido no chão para eu
sentar, me pegou pela cintura e sentou-me no banco da moto, levantou minha saia
até o alto das minhas coxas, deslizando as mãos ásperas do contato excessivo com
os punhos da moto, seu toque rude e firme me deixou débil. Arfei o ar dos pulmões
quando ele puxou minha calcinha sem cerimônia pelas minhas pernas.
Arranquei sua blusa de proteção colorida pela cabeça junto com o protetor
do tórax que fazia parte do equipamento, minhas mãos estavam impacientes para
poder tocá-lo. Gustavo baixou sua calça até os quadris deixando saltar livre sua
ereção, começou a abrir os botões da minha blusa, ele estava tão excitado e
apressado em atender ao meu pedido que rasgou a alça do meu sutiã na tentativa
inválida de abri-lo. Meus seios ficaram livres no ar, Gustavo fez um barulho com a
garganta quando os viu inchados e disponíveis à sua frente. Ele chupou-os com tanta
força que gritei em uma mistura de dor e prazer. Percebi que estava mais sensível
nessa região, talvez fossem os hormônios da gravidez, estava tudo tão mais intenso
agora, a cada toque e cada som que ele fazia me deixava alucinada. Puxei seus
cabelos suados e passei as pernas pela sua cintura forçando sua ereção contra minha
vulva. Meu motoqueiro mordiscou meu pescoço e meus seios.
Chupei o suor salgado do seu pescoço, ombros e peito, lambi o sabor
delicioso dele onde alcancei. Arranhei suas costas como se eu o fizesse sentir que
ele me pertencia, que não lhe dei a opção de se machucar e me deixar. Nunca. Fora
de cogitação. Queria que ele entendesse que era meu, e eu dele.
— Gustavo, você é meu, não permito que você se machuque — murmurei
entre os beijos aflitos.
— Não vou, minha flor — respondeu ofegante.
— Eu quero você — gemi. — Agora.
Meu motoqueiro me penetrou forte, possessivo.
— Deliciosa! Deus, Liz, como você é maravilhosa. Adoro quando você se
transforma nessa gata selvagem. Eu amo tudo em você, tudo.
— Meu amor, eu sou toda sua.
— Sim, Liz, você é minha. — Gustavo rugiu me penetrando cada vez mais
forte e exigente, comecei a me sentir a beira do clímax.
O suor escorria pelo meu pescoço, meus dedos molhados escorregavam pelo
dele escorrendo nas costas. Era quente e animal, se alguém me perguntasse se eu
teria coragem de transar em plena luz do dia, em cima de uma moto com um
motoqueiro suado e sexy, eu, com certeza, diria que não, mas aqui estou, vivendo
isso e amando cada segundo. E o bom nisso tudo é que poderei repetir, porque esse
motoqueiro suado e sexy era o pai do meu bebê e meu namorado. Um gemido rouco
irrompeu no meu peito quando senti Gustavo tocar um ponto dentro de mim que me
levou a outro patamar de prazer.
— Você fica ainda mais gostosa quando geme chamando meu nome.
Eu mal respirei, com todo o prazer que se alojou em meu corpo, bastou esse
simples impulso para me fazer explodir em deleite, cravei as minhas unhas em suas
costas para não cair, porque parei de sentir meu corpo. Foram os onze segundos
mais longos da minha vida. Gustavo beijou minha boca abafando meus gritos.
Talvez até a fazenda vizinha esteja nos ouvindo. Ele saiu de mim, me fazendo gemer
frustrada. Tirou-me de cima da moto, me pegou no colo e me levou até o tronco do
velho carvalho em baixo na sombra. Virou-me de costas para ele, levantou minha
saia e me penetrou por trás. Gritei surpresa quando fui preenchida e completamente
tomada por Gustavo, ele puxou meus cabelos entre os dedos e bateu na minha
bunda. Eu nunca o vi tão viril, másculo e genioso no sexo. Ele novamente tirou o
pênis de dentro de mim, me deixando de bunda arrebitada para o vento.
— Me diz o que você quer, Liz — pediu com a voz rouca no meu ouvido, a
mesma voz que ele sempre ficava quando estava excitado.
— Gustavo, por favor! — supliquei, muito alucinada para fazer jogo duro
agora.
— Como? Me diz como você quer? Eu gosto de cuidar da minha mulher.
— Forte! — exigi.
— Eu adoro quando você está implorando por mim. Eu poderia gozar apenas
por ouvi-la implorar.
Gustavo de repente me penetrou novamente, com mais força e começamos a
gemer juntos, gozamos chamando o nome um do outro entre murmúrios
incoerentes, completamente embebidos de prazer. Ficamos sem fala até nossas
respirações pouco a pouco voltarem ao normal.
— Amor, machuquei você? — Gustavo me perguntou me virando de frente
pra ele e me verificando, como fez no hospital. Voltou ao modo zeloso de antes. Dei
risada pela observação.
— Não, ao contrário. Estou muito bem.
— Me desculpe se fui muito rude, você me deixa louco, loira. — Gustavo
me deu um selinho nos lábios e continuou: — Agora me deixa te vestir, não quero
que alguém apareça e te veja assim.
Ele ajeitou rapidamente as calças, pegou sua camiseta dentro da cabine do
carro e limpou cuidadosamente entre minhas pernas, baixou minha saia e entregou
minha camisa amassada.
— Gustavo, você me deve mais um sutiã — disse sorrindo levantando a
lingerie rasgada.
— Minha dívida aumenta a cada dia. Pobre de mim — debochou, dando
aquele sorrisinho safado.
— Não tem graça, esse foi o terceiro essa semana e ainda estamos na terça.
— Minha flor, você é irresistível, a culpa é toda sua, mas me desculpe, sou
um animal quando sexo e você estão na mesma pauta.
— Eu não deveria dizer isso, mas adoro quando age como um, não diria que
você é um animal, mas um bruto, um bruto dominante. Quando é dominador, me
excita. — Pisquei e dei meu sorrisinho mais sexy.
Gustavo me beijou impetuosamente e sorriu para mim.
— Não se mexa — disse ele beijando minha testa e indo em direção à cabine
da picape, ele procurou alguma coisa no porta-luvas e voltou com algo nas mãos.
Foi até o velho carvalho, abriu um canivete e começou a talhar uma letra no tronco
da árvore.
— O que você está fazendo? — perguntei curiosa.
— Este dia não pode ser esquecido, estou escrevendo a inicial dos nossos
nomes, nosso amor vai resistir a vários anos, assim como esse velho carvalho. Só
que com uma única diferença: nosso amor será capaz de vencer o tempo e a
eternidade, fomos feitos um para o outro, Liz.
— Oh, eu não sei nem, o que... — Tentei falar algo comparável ao que
acabei de ouvir, mas não consegui, apenas deixei outras lágrimas molharem meu
rosto. Aproximei-me dele e lhe abracei apertado, enlaçando minhas mãos em torno
de sua cintura. Gustavo beijou o topo da minha cabeça e tirou os cabelos do meu
rosto para poder me beijar.
— Amo você, Gustavo, estou amando tanto você que estou apavorada,
nunca me senti assim, ninguém nunca fez eu me sentir dessa forma.
— Se te deixa mais calma, eu também estou apavorado, nunca quis me
envolver e necessitar tanto de alguém como preciso de você, estou assustado pra
caralho, Liz, mas minha vontade de viver isso ao seu lado se sobrepõe a qualquer
medo, e se você estiver disposta a ser corajosa comigo, eu serei o homem mais feliz
do mundo.
— Ser corajosa é tudo que mais quero.
— Amo tanto você.
Gustavo me beijou lentamente como se nunca tivesse feito isso antes,
degustamos o prazer e a emoção que o momento nos proporcionou, nos abraçamos
mais alguns minutos, até que Gustavo se afastou dizendo:
— Preciso terminar meu trabalho na árvore.
Sorri contra seu peito e me afastei para deixá-lo tatuar na árvore centenária
nossas letras, quando ele me deu as costas para se dedicar a missão. Não consegui
sentar sobre a manta e deixá-lo, eu apenas abracei suas costas e descansei minha
cabeça contra ela, prendi minhas mãos no seu peito e fiquei ali quietinha, apenas me
deliciando no seu cheiro e no poder que o corpo de Gustavo tinha sobre mim. Ele
terminou sua obra um tempo depois e finalmente pude ver o que ele fez para tornar
nosso amor e esse dia eternos.
Gustavo esculpiu no tronco a letra G do seu nome ligado a letra L do meu,
em uma bonita letra cursiva, e abaixo das letras ele talhou o símbolo da flor-de-lis e
a data de hoje.
— Amor, é lindo... — Deslizei os dedos pelo trabalho na madeira.
— Você merece apenas o que é belo e perfeito, minha flor.
Pulei em seus braços atacando sua boca desesperada para agradecê-lo por
tudo, por me proporcionar momentos como esse e por me deixar constantemente
com as emoções e lágrimas de alegria prontas para transbordar. Perto de Gustavo eu
não tinha mais o controle habitual sobre minhas atitudes e reações antes de conhecê-
lo, estar ao seu lado era esquecer qualquer noção sobre regras, Gustavo me fez sentir
viva.
Viva.
Depois de fazermos amor novamente sobre a grama úmida e a sombra dos
galhos da árvore recém-tatuada, decidimos que estava na hora de voltar para casa.
Gustavo me ajudou a subir no carro enquanto colocou a moto novamente na
caçamba, fazendo outra manobra arriscada que me deixou mais uma vez com o
coração na boca, coisa que ele tem se tornado especialista. Ele juntou suas coisas,
jogou tudo dentro do carro e nos levou para casa já que o almoço foi abortado pelo
estado imundo das nossas roupas. No caminho de volta, permaneci olhando para ele
encantada, seu rosto satisfeito fitando a estrada, seus dedos tamborilando o volante
no ritmo da música do Jason Marz que tocava. Seu corpo perfeito sem camisa, seu
cheiro masculino almiscarado circulando dentro do carro. Ele parece feliz, e eu
estava tão feliz por tê-lo conhecido, por poder lhe amar e saber que tinha culpa por
sua felicidade. Não queria deixar de me sentir assim nunca. Toquei seu antebraço
estendido segurando o volante e tentei quebrar o silêncio.
— Amor, eu falei sério hoje, fiquei com muito medo quando lhe vi treinar.
Se é que arriscar o pescoço daquele jeito pode se chamar de treino, aquilo está mais
para uma corrida para a morte. Eu não estou confortável com isso.
Gustavo tirou os olhos da estrada e os cravou em mim, analisando cada
pequena expressão do meu rosto.
— Querida, faço isso há anos e sou treinado para saber reagir a situações
críticas em cima da moto. Uso todos os equipamentos de proteção, e só arrisco
quando sei que é seguro, posso cair e me machucar, mas nunca será nada grave.
Treino muito para evitar acidentes.
— Você pode é ficar paraplégico se cair de uma altura tão grande, ou quem
sabe algo muito pior.
— Essa é minha vida, meu amor, é importante para mim que você me apoie
sobre isso, e, principalmente, que entenda que não sei fazer outra coisa. — Gustavo
beijou minha mão e a segurou em sua perna.
— Eu não quero afastá-lo da coisa que você mais gosta na vida — tratei de
corrigi-lo.
— Eu sei, só quero que me apoie e confie em mim. Tudo bem? Não quero
que se preocupe.
— Confio em você, mais do que imagina.
— Não precisa se preocupar comigo, não faz bem para o bebê, não quero vê-
la ansiosa e tensa por minha causa, nem por ninguém. Quero apenas que seja feliz
— ele disse sem nunca desviar a atenção da estrada.
— Eu sei, mas não consigo não me preocupar. Eu te amo muito para arriscar
te perder. — Apertei sua coxa e deslizei os dedos nos músculos firmes contra o
tecido. Gustavo me puxou para perto pegando na minha nuca e me beijou
rapidamente para voltar a se atentar a direção.
O restante do caminho foi silencioso, exceto pela música que vinha dos alto-
falantes do carro. Quando chegamos à garagem do prédio, ele estacionou e abriu a
porta para mim, Gustavo pegou sua camisa de treino suja e me entregou.
— Vista isso — atirou.
— Por quê? — perguntei sem entender.
— Porque não quero nossos vizinhos olhando para os seus peitos. —
Comecei a rir.
— Mas eu estou vestindo uma blusa, você que deveria se vestir.
Apontei para o seu peito nu delicioso demais parar ser decente.
— Você está sem sutiã, sua camisa é transparente e de botão.
— Ela não é transparente, ela é de linho, linho que você amassou e
amarrotou todo.
— Anda logo, vista isso, ou eu vou carregá-la no colo.
— Você não seria louco, Gustavo. — Peguei a camisa de sua mão e vesti,
irritada porque sabia que ele faria o que disse, mas achando graça de seu ciúme
bobo.
Depois de ter que aguentar nossas vizinhas babando sobre o dorso nu do
meu namorado suado e selvagem todos os malditos andares do prédio, finalmente
chegamos em casa, para me ajudar a desfazer meu ciúme, Gustavo nos fez uma
lasanha bolonhesa deliciosa para almoçar, passamos o resto do dia na cama
assistindo a uma comédia e tomando sorvete enquanto ele me convencia de que as
mulheres não estavam olhando para ele como se ele fosse a próxima refeição, e que
meu ciúme era infundado.
Acabei dormindo no finzinho da tarde, quando acordei, ouvi Gustavo
conversando com alguém ao telefone. Sem querer bisbilhotar fui ao banheiro dar
uma olhada na minha aparência, arrumei o cabelo, lavei o rosto e voltei para a sala
para encontrá-lo, ficar longe dele não era uma opção. Quando Gustavo me viu, fez
um gesto com a mão me pedindo um momento, se afastou e foi para a varanda do
apartamento.
Estranho.
Com quem ele estava falando que eu não podia ouvir? Para não pirar, e
começar a criar caraminholas na minha cabeça, peguei meu celular e mandei uma
mensagem para Cris, marcando com ela um pequeno jantar aqui em casa amanhã,
para que eu possa lhe dar a notícia da gravidez pessoalmente. Ela respondeu rápido
dizendo que virá sem falta.
Gustavo voltou da varanda com uma expressão preocupada.
— Que foi, meu amor, alguma notícia ruim? — perguntei apreensiva.
— Não, era a minha irmã. O batizado da minha sobrinha é nesse fim de
semana, eu acabei esquecendo.
— E por que isso te deixou com essa cara chateada? Você não deveria ficar
feliz em vê-los? — questionei curiosa.
— Não estou preocupado. Só não me agrada voltar para Minas agora. Não
quando você está no começo da gestação, você deveria estar descansando, mas é
inadiável.
— Eu não sou de porcelana, Gustavo.
— Ah, não é mesmo, não gosto de coisas frias — disse ele petulante.
Gustavo se aproximou e me puxou para sentar em seu colo no sofá.
— Estou falando sério, você está preocupado em como contar sobre o bebê?
É por isso que está assim?
— Não, Liz, claro que não, de onde você tirou isso? — Gustavo questionou-
me me olhando com a testa franzida.
— Só imaginei, você é jovem e bem-sucedido no que faz, talvez sua família
não aceite muito bem essa coisa toda. Eles podem achar que isso vai te desviar do
seu foco.
— Ei, não é nada disso, tá legal? — Gustavo cobriu minhas bochechas com
as duas mãos para me fazer olhar para ele.
— Eu não vou sozinho, você vai comigo.
— Não, eu não posso. — Balancei a cabeça negando a ideia.
— Por que não? Você é a minha garota e está grávida do meu filho, eu não
vou te deixar aqui sozinha um fim de semana inteiro.
— Gustavo eu sempre vivi sozinha, não vou morrer se passar um fim de
semana sozinha. Eu e o bebê ficaremos bem.
— Pare de ser tão teimosa, eu quero que você conheça minha família. Quero
que você seja parte dela, também quero que eles se encantem por você como estou
encantado.
— Eu não sei se é uma boa idei... — Ele me interrompeu, puxando-me para
um beijo exigente, sua língua exigindo ir mais fundo na minha boca e levar tudo de
mim, inclusive minha razão.
— Você não pode me convencer com beijos — disse sorrindo contra sua
boca, tentando em vão parecer forte.
— Claro que posso. — Convencido. — O que quer para jantar?
— Mudar de assunto não também não vai me fazer mudar de ideia. — Fiz
birra e cruzei os braços.
— Liz, esse assunto está encerrado. O que quer para jantar?
— Gustavo, você está sendo ridículo. — Como ele pode ser tão idiota,
achando que vai me ter por vencida apenas encerrando o assunto?
— Já que você está com dificuldade em me dizer o que quer para o jantar,
vou fazer uma salada.
— Graças ao meu livre-arbítrio em escolher o que eu quero, vou jantar
pizza! — provoquei.
— Pizza não se inclui no que seria a alimentação saudável que a médica
recomendou.
— Eu sei, mas mesmo assim vou comer uma enorme fatia de pizza quatro
queijos — zombei.
— Você precisa comer melhor agora, nada de congelados e besteira.
— Sim, ok. Ainda escolho a pizza.
Gustavo suspirou irritado e jogou a cabeça para trás no encosto do sofá.
— Liz, você parece minha sobrinha fazendo birra.
— Não estou fazendo birra, só quero poder escolher o que comer.
— Se isso ainda é sobre ir conhecer minha família, tudo bem. Não vou te
forçar. Mas ficaria muito feliz se você aceitasse vir comigo, é importante para mim.
Venha comigo, Liz, por favor.
Vê-lo pedir, ao invés de apenas me comunicar, soou muito melhor aos
ouvidos, e tê-lo assim vulnerável me pedindo para acompanhá-lo foi excitante.
— Hummm... Tudo bem, eu vou com você. — Fiz charme passando as mãos
pelo seu pescoço, beijei seus lábios adorando a sensação da barba por fazer no meu
rosto. — Acho que posso trocar a pizza por uma salada com um filé de peixe, tudo
bem para você?
— Você é irritante às vezes, sabia? — Concordei com a cabeça, sorrindo.
Jantamos escutando uma seleção de músicas do Coldplay. Gustavo me
distraiu contando sobre suas aventuras em outros países e como foi morar sozinho
em tantas cidades desconhecidas. Em algum momento do jantar perguntei por que
ele fazia tanta questão de cozinhar para mim, mesmo sabendo que também sei me
virar na cozinha. Ele sorriu misterioso e me encarou por um momento, como se
procurasse a resposta certa para a minha pergunta. Depois disse simplesmente que
nunca teve alguém para cuidar e estava feliz fazendo isso. Suas palavras apertaram
meu coração como garras, eu não poderia amá-lo mais, poderia?
Acho que sim.
Eu levantei, sentei em seu colo, deslizei minhas mãos em seu rosto,
começando pela testa, sobrancelhas, ponta do nariz, lábios e bochechas. Depois o
beijei, Gustavo me pegou no colo e me levou até o sofá, fizemos amor ternamente,
rimos e continuamos jogando conversa fora até a hora de dormir.
“Por favor, não veja
Apenas um garoto preso em sonhos e fantasias
Por favor, me veja
Procurando por alguém que não consigo ver...”
Lost Stars – Adam Levine
Gustavo
Minha irmã ligou para me lembrar do batizado, serei padrinho da minha
sobrinha Cléo. A madrinha será a irmã do meu cunhado, a Mariana. Carolina insiste
que tenhamos alguma coisa juntos, ela acha que se isso acontecer eu vou voltar para
Belo Horizonte. A cabeça-dura da minha irmã não se conforma com meu desejo em
conhecer o mundo, ela sempre me chamou de egoísta por não querer me envolver
com os negócios do restaurante. Minha alma é inquieta demais para que eu me
conforme com um trabalho comum.
Mariana era uma menina linda, mas nunca foi o que procurei, ela nunca
gostou do que fazia, sua atenção sempre esteve em quanto dinheiro eu tinha do que
em quantas competições venci. Isso não me preocupava antes, muito menos agora
que só tinha olhos para minha Liz. E nem toda chantagem emocional da Carolina
me faria mudar de ideia quanto a isso. O que me aflige é que eu precisava contar
para eles sobre o meu pai, mas tinha de encontrar uma maneira de falar para todos,
inclusive para Liz. Não aguentava mais esconder isso dela.
Tivemos um jantar delicioso, aliás, como era tudo ao lado dela. Depois
fomos direto para a cama, não antes de eu comprar pela internet nossas passagens de
avião para a sexta-feira no final da tarde.
— Gustavo, você tinha algum apelido? — Liz me perguntou quando já
estávamos deitamos aninhados entre os edredons.
— Sim, mas ninguém me chama mais assim, não me traz lembranças boas.
— Qual é, posso saber?
— Me chamavam de Guto, mas não quero que me chame assim. Motoqueiro
gostoso está bom para mim — brinquei.
Ela riu contra meu peito e me olhou. Cada vez que ela fazia isso, seus olhos
azuis profundos causavam sensações desconhecidas no meu coração. Tinha vontade
de abraçá-la e não soltá-la nunca mais.
— Eu também prefiro te chamar assim, motoqueiro gostoso — gracejou Liz
cheia de segundas intenções.
Beijei seus lábios, não podia mais cogitar ficar longe dela e nem do meu
filho, queria os dois aqui comigo, e não entre um apartamento e outro, como temos
feito. Admirava a preservação de Liz em querer manter seu espaço, mas agora a
história mudou completamente de sentido. Vamos ter um bebê, queria dar a eles
tudo que tinha e todo conforto do mundo, uma montanha de planos inundaram meus
pensamentos, então toquei no assunto, depois de beijar sua boca doce.
— Amor, temos que nos organizar sobre o bebê.
— Como assim? — Liz perguntou com uma ruguinha se formando entre
suas sobrancelhas.
— Liz, nosso filho ou filha vai precisar de um quarto e de um enxoval.
Quero que vocês tenham tudo que eu puder dar. Nós precisamos morar juntos, não
quero você sozinha no seu apartamento em momento algum, não posso arriscar que
algo aconteça com você ou com o bebê.
— Como o quê? Meu apartamento é menor que o seu, mas ainda assim é
muito confortável. — Liz torceu o nariz.
— Não estou dizendo o contrário, mas não quero que fique sozinha, você
pode escorregar no banheiro, pode sentir alguma coisa durante a noite, e só de
pensar já me deixa nervoso com a possibilidade de não estar lá para ajudá-la.
— Nada de ruim vai me acontecer. Você está um pouco psicótico sobre isso.
Ainda é muito cedo para pensar nisso, essa coisa toda de morar junto é demais para
mim.
— Não, Liz, quero você aqui comigo. Esse apartamento é muito mais
confortável que a quitinete que você mora. Aqui teremos mais espaço para as coisas
do bebê, até que eu encontre uma casa suficientemente boa para a nossa família.
Vou viajar alguns dias para as competições e quero saber que você está bem. Não
quero você trabalhando feito uma louca naquele escritório, se alimentando mal, sem
tempo para nada. Já basta quando você fica até tarde no escritório, ou traz trabalho
para casa, apesar de achar você muito sexy lendo os processos com seus óculos de
leitura, não quero nada disso sobrecarregando você.
— Gustavo... — ela tentou argumentar, mas continuei:
— Eu quero cuidar de vocês, me deixa fazer isso. Vem morar comigo, seja
minha mulher.
— O que você exatamente está me pedindo? — Liz sentou na cama e olhou
para mim, deixando o cabelo cair pelos ombros.
— Casa comigo? — pedi do fundo do meu coração rezando a Deus para que
ela aceitasse.
Ela me encarou com os olhos cheios de lágrimas, a boca aberta formando um
“O” em surpresa.
— Gustavo, eu... eu... — Liz gaguejou, abrindo e fechando a boca como um
peixinho fora d'água.
— Liz, você é tudo que eu preciso. Depois que te conheci eu sou uma nova
pessoa, com esperança em um futuro ao lado de alguém. Você tem ideia do que fez
para a minha vida? Eu amo você, e me apaixono mais a cada vez que acordo e olho
nos seus olhos e vejo o céu, Liz, eu vejo o paraíso ao seu lado. Cada vez que me
vejo no azul profundo dos seus olhos agradeço a Deus por tê-la encontrado.
Uma lágrima escorreu na minha bochecha e ela me beijou, um beijo terno e
tão cheio de amor que eu já soube sua resposta, não precisava de palavras para saber
que ela me amava, e queria ser minha. Minha mulher, oficialmente como deve ser.
— Isso é um sim? — perguntei enquanto beijei suas lágrimas salgadas.
— Sim! Sim, sim, sim, eu aceito. Com uma condição...
— O quê? — indaguei assustado com a possibilidade de ela não querer
morar comigo ou criar alguma outra regra que me afaste dela.
— Que você me prometa continuar me amando mesmo quando eu estiver
gorda e feia.
— Meu Deus, eu sempre vou ser louco por você!
Fiz cócegas em sua barriga fazendo-a cair de costas na cama. Nós rimos e
continuamos a nos beijar apaixonadamente. Cobri seu corpo com o meu e fizemos
amor demoradamente para selar o pedido.
Ela será minha, e eu serei dela oficialmente.
Para sempre.
“Nunca deixe que lhe digam
Que não vale a pena
Acreditar no sonho que se tem
Ou que seus planos
Nunca vão dar certo
Ou que você nunca
Vai ser alguém...”
Mais uma vez – Legião Urbana
Liz
O dia seguinte começou como todos os outros, Gustavo me acordando com
beijos e café da manhã na cama, só que, dessa vez, acordei enjoada, não consegui
comer muita coisa do que ele preparou. Engoli apenas um copo de suco de laranja,
mas acabei colocando ele para fora logo em seguida. Gustavo foi correndo até a
farmácia comprar o remédio que a médica receitou para os enjoos, xingando-se por
ter esquecido de fazer isso ontem.
Mesmo muito enjoada me arrumei para ir ao trabalho, sob os protestos de
Gustavo, ele achava que eu deveria permanecer em casa até me sentir um pouco
melhor. Não poderia faltar novamente, precisava desse trabalho, ainda mais agora
que tinha uma sementinha na minha barriga dependendo de mim. Mas eu deveria tê-
lo escutado, assim que cheguei ao escritório só tive tempo de guardar a bolsa e corri
para o banheiro, comecei a suar frio e coloquei as tripas para fora. Respirei algumas
vezes e lavei o rosto para tentar aliviar a ânsia de vômito, mas nada fazia o mal-estar
ir embora. Fui até a sala do meu chefe. Ele viu meu rosto pálido e abatido,
resmungou que eu só voltasse quando melhorasse do meu mal-estar, não podia
assustar os clientes dele com essa cara.
Preciso dizer que ele é um completo idiota?
Voltei para a minha mesa para pegar minhas coisas, na saída liguei para o
Gustavo vir me buscar. Ele apareceu em vinte minutos, mais pálido do que eu em
preocupação, insistiu que deveríamos ir ao hospital, ou ligar para a médica, mas
tudo que queria era deitar na cama e não sair dela até esse maldito enjoo passar.
Cheguei em casa e passei o resto do dia no banheiro, vomitando o quê eu não sabia,
já que não consegui comer nada.
— Liz, não é melhor desmarcar o jantar com sua amiga? Se você quiser, eu
posso ligar para ela para avisar.
— Não, ela me mataria. Estou um pouco melhor.
— Mas você passou o dia revezando entre a cama e o banheiro, não seria
melhor irmos ao hospital? Estou muito preocupado, Liz — meu agora noivo
perguntou ansioso.
— Não, amor, são só os enjoos da gravidez e já melhorou, só que a
medicação que tomei me deixou sonolenta.
— Tem certeza? Estou aflito, não gosto de te ver assim. Me mata não poder
te ajudar.
— Já estou bem melhor, vem cá. — Bati na cama para ele sentar ao meu
lado. — Preciso contar para a minha amiga sobre o bebê e o casamento, ela é a coisa
mais próxima de família que eu tenho. Não se preocupe, estou bem.
Gustavo suspirou profundamente ao ouvir minhas palavras e concordou:
— Ok, vou preparar o jantar. — Ele me beijou e me entregou um copo de
água.
— Obrigada, querido.
— Ela gosta de salmão? — Gustavo perguntou da porta do quarto.
— Cris come qualquer coisa. Obrigada por preparar o jantar, eu queria poder
te ajudar.
— Apenas descanse. — Gustavo saiu do quarto e foi para a cozinha, não
sem antes me beijar. Voltei a cochilar adorando ser cuidada.
O cheiro de comida sendo feita me despertou horas depois. Corri para o
banheiro e voltei a vomitar. Depois que o enjoo aliviou, aproveitei e tomei um
banho demorado, deixei a água quente relaxar meus músculos, precisava lidar bem
com esse estágio da gravidez. Não queria que o Gustavo ficasse preocupado
comigo, nem que continuasse me dando aquele olhar nervoso. Troquei-me para
esperar minha amiga, fiz uma leve maquiagem, coloquei um pouco de blush para
não parecer tão pálida e fui conferir o jantar que meu homem estava preparando
para nós. Meu homem! Ri baixinho com meus botões.
Por volta das oito horas, Cris chegou me entregando um vinho e um grande
sorriso no rosto. Nos cumprimentamos com um abraço e ela falou:
— Finalmente vou conhecer o homem que abalou suas estruturas. — Rimos
juntas até que me afastei para apresentá-la ao homem responsável por esse milagre.
Virei-me em direção da cozinha, onde Gustavo estava terminando de
arrumar a mesa, ele sorriu para nós e caminhou em nossa direção. Essa noite ele
estava ainda mais bonito, vestido uma calça jeans escura e uma camisa de botão
azul. Casual e sexy como o diabo, as mangas da camisa arregaçadas até os
cotovelos, deixando à mostra em um dos braços a infinidade de desenhos coloridos
das tatuagens.
Gustavo veio até nós com aquele sorriso encantador que me deu quando nos
conhecemos.
— Olá! Seja bem-vinda, é um prazer finalmente conhecê-la, Cristina. —
Meu lindo moreno estendeu a mão para cumprimentar minha amiga.
Quando olhei para a Cris, ela olhava para o Gustavo de olhos arregalados e a
boca escancarada. Sei muito bem o que ela está pensando: Onde conseguiu um gato
desses?
— O prazer com certeza é todo meu — Cris disse envolvendo-o em um
abraço pra lá de apertado, Gustavo me olhou pedindo ajuda, mas retribuí o carinho
abraçando-a de volta.
Se Cris não fosse tão minha amiga, com certeza eu teria ficado com ciúmes
em ver uma mulher tão perto do meu namorado, quer dizer, do meu noivo. Eles se
afastaram depois que soltei uma gargalhada.
— O quê? Não é todo dia que conheço um homem desses — ela se explicou
sorrindo.
Nós rimos da sua sinceridade, Gustavo se aproximou de mim, me beijou nos
lábios rapidamente.
— Deixe-me guardar essa garrafa, meu amor. Você aceita uma taça de vinho,
Cristina? Ou quer outra bebida? — Gustavo perguntou pegando a garrafa das
minhas mãos e seguindo para a cozinha.
— Pode me chamar de Cris, e sim, vou aceitar uma taça.
Guiei Cris até o sofá, ela olhou o apartamento de Gustavo encantada com a
decoração sofisticada gritando dinheiro, tão diferente do meu. Nem parecia que
estávamos no mesmo prédio.
— Então, Liz, por que você não quis me contar por telefone o que está
acontecendo? — ela me perguntou pegando a taça que Gustavo colocou à sua frente.
— Preferi falar com você pessoalmente, também estava ansiosa para que
vocês se conhecessem, todas as vezes que marcamos de nos ver dava alguma coisa
errada — tagarelei nervosa, e Cris percebeu meu mau jeito.
— Ok, finalmente conheci o Gustavo. Agora dá para falar o que está
acontecendo? Estou ficando nervosa. — Ela olhou entre mim e Gustavo,
estranhando a maneira carinhosa com que Gustavo me entregou uma taça com suco
de laranja.
— Cris... — comecei a falar no momento em que Gustavo sentou ao meu
lado e colocou a mão na minha barriga.
— Pera aí, é o que eu estou pensando? É sobre aquilo que conversamos no
telefone? — Cris perguntou levantando uma sobrancelha para a mão de Gustavo no
meu ventre. Ela é esperta e já percebeu que o exame que me obrigou a fazer deu
positivo.
— Cristina, eu e Liz nos amamos, vamos nos casar e ter um filho, por isso
ela queria lhe contar pessoalmente, já que as novidades são muitas — Gustavo
desembuchou não dando tempo de eu me explicar para a minha amiga sobre não ter
lhe contado antes.
— O quê? — Cris arfou de olhos arregalados. — Liz, não achei que a coisa
entre vocês era tão séria.
— Na verdade, fomos pegos de surpresa com o bebê, mas tenho certeza de
que quero esse filho. Gustavo achou melhor passarmos por isso juntos, me pediu em
casamento ontem e eu aceitei, porque eu o amo. E se você realmente gosta de mim,
vai apoiar minha decisão — disse com os olhos cheios de lágrimas, eu precisava do
apoio da minha amiga.
— Liz, você sabe que estarei do seu lado sempre, só que você sempre foi a
senhorita certinha, nunca imaginei que iria engravidar e resolver casar assim tão
rápido com um cara que você nunca viu na vida.
— Eu não sou um estranho, muito menos um idiota. Nós não escolhemos
fazer tudo isso assim tão rápido, Cristina. As coisas aconteceram de uma forma
muito intensa entre nós, mas você pode ter certeza de que amo muito a sua amiga e
que nunca iria magoá-la. Então, você só precisa conviver com isso, eu me chamo
Gustavo Salles e não sou qualquer um. E, Liz, você não precisa se justificar sobre
nada — Gustavo nos interrompeu um pouco irritado.
— Não quis ser rude com você, Gustavo — Cris se desculpou.
— Claro que eu conto com a sua bênção, Cris, você é a figura mais próxima
que eu tenho de família, você é como uma irmã para mim.
— Meu Deus, Liz, você é minha irmã, só quero te ver feliz, não me entenda
mal. Estou apenas surpresa. — Cris me abraçou e choramos juntas, não sei por que,
mas desde que descobri que estou grávida estou tão emotiva, chorar era um estado
de espírito normal para mim.
— Eu abençoo vocês, claro. Porém, tenho uma condição...
— Que condição? — Gustavo perguntou me puxando para ele
protetoramente, como se estivesse me disputando com minha melhor amiga.
— Se você machucar a minha amiga, eu vou arrancar suas bolas e dar para
os meus cachorros comerem.
— Cris! — recriminei e caí na risada, porque nem cachorro ela tinha.
— Eu topo! — Gustavo aceitou sorrindo e apertou sua mão como se
fechasse um grande negócio.
Fomos para a mesa de jantar que estava arrumada impecavelmente, meu
peito encheu de alegria e gratidão pela forma que ele estava cuidando de mim e me
ajudando com a rotina de cuidados da casa dele e da minha. Gustavo era tão
surpreendente, quem diria que ele saberia cozinhar e cuidar de uma casa?
Nosso jantar foi muito agradável, Gustavo fez filés de salmão com molho de
maracujá e purê de batatas acompanhado de um vinho branco, para mim, mais suco
de laranja. Uma das coisas que aprendi sobre ele era seu paladar refinado para
vinhos brancos, ele adorava a bebida, a segunda preferida depois da Budweiser
gelada após um dia de treino. Demos muitas risadas das histórias que Cris contou
das crianças do orfanato, Gustavo ficou interessado em ir fazer uma visita e
participar de um projeto de apoio a casa. O medo que senti de que meu noivo e
minha melhor amiga não se dessem bem passou rapidamente, ela ficou bastante
interessada na carreira dele e até afirmou que já tinha acompanhado algumas
matérias sobre ele na tevê. De sobremesa, servi sorvete de avelã, que era o favorito
meu e da Cris, enquanto os dois conversavam sobre o último campeonato que
Gustavo concorreu. No final da noite, Cris já estava fazendo planos para me ajudar
nos preparativos do quarto do bebê e do casamento, o que vai ser complicado de
fazer, já que eu trabalhava o dia inteiro.
— Amiga, Gustavo parece ser um homem decente, estou feliz por você, de
verdade. Desculpe-me se no começo não aceitei bem as novidades, eu só estava
tentando cuidar de você — Cris falou me abraçando enquanto se despedia.
— Eu sei, ele é tão incrível, que tenho medo de que nada disso seja verdade.
Pareço estar vivendo um sonho. É surreal — confessei.
— Você merece ser feliz, pare de pensar assim, Liz, como se não merecesse
a felicidade. Agora vem cá e me deixe sentir minha sobrinha — Cris alisou minha
barriga ainda plana, conversando com meu filho ou filha fazendo a vozinha de
criança que todo mundo fazia quando via um bebê, o que me fez rir.
— Pode ser um menino — pontuei.
— Vai ser uma menina, linda igual à tia. — Gargalhamos da sua modéstia e
ela foi embora.
Quando fechei a porta, vi Gustavo sentado no sofá com as pernas dobradas
em baixo dele, olhando para mim com uma taça de vinho na mão, lindo e parecendo
satisfeito consigo mesmo. Cada vez que eu olhava para ele, enxergava um novo
detalhe, e aí eu me apaixonava de novo num ciclo sem fim. Às vezes, achava que
meu coração não podia comportar tanto amor.
— Sua amiga é uma figura, mas foi bom ver que ela te protege. Me deixou
mais tranquilo saber que você não estava sozinha nessa cidade.
— Nós somos amigas desde que comecei a frequentar o abrigo, há dois anos.
Cris sabe do meu passado e sempre me ajudou com meus traumas, ela está presente
para mim e estou sempre presente para ela. Isso quando não estou sendo egoísta só
pensando em mim.
— Você não é egoísta, longe disso — Gustavo me abraçou.
— Se você diz, acredito.
— Liz... — Gustavo me fitou com olhos tão dourados e intensos que
pareciam duas tochas de fogo. Trocamos olhares intensos carregados de
significados, observei cada vez que sua mandíbula apertou, e que a íris dos seus
olhos refletiu a luz. Sua intensidade arrepiou os pelos da minha nuca, ficamos
envolvidos nesse magnetismo silencioso até ele voltar a falar: — Eu não me canso
de amar você — murmurou com a voz rouca. Enquanto sorria para mim, ondas de
arrepio e calor percorreram pela minha pele.
— Eu também não me canso de amar você, nunca vou me cansar. Obrigada
por ser tão protetor e cuidadoso comigo.
Subi no seu colo colocando os joelhos de cada lado dos seus quadris
estreitos, beijei seus lábios ternamente, começamos em um beijo lento e carinhoso,
mas depois comecei a beijá-lo com mais necessidade e paixão enquanto deslizei
minhas mãos por baixo da sua camisa, tocando sua pele e aliviando o desejo. Queria
senti-lo, prová-lo, ver que era tudo verdade, que ele era meu e que as coisas
começaram a funcionar para mim. Que finalmente o meu “para sempre” chegou.
“Pensei que tinha tudo...
Eu estava perdido, e agora eu encontrei
Uma vida que é minha...
O caminho que eu quero seguir
As pessoas que estavam sempre lá para mim...”
The New Me – Chris Jamison
Gustavo
Depois que eu e Cristina entramos em um acordo em prol da felicidade de
Liz, respirei aliviado. Não queria entrar em guerra com sua melhor amiga. Mas, no
fim das contas, ela se mostrou uma boa amiga, protetora e leal, gostei de saber que
ela não entregaria a amiga de mão beijada para qualquer um. Mesmo que seu
questionamento sobre mim tivesse me irritado.
Passei o jantar inteiro vendo Liz conversar com Cristina, ela ficava tão linda,
toda radiante e feliz. Meu coração sorriu quando ela começou a contar sobre seu
amor pelas crianças do abrigo, a necessidade que eu sentia em fazê-la feliz se
multiplicou dentro de mim de uma maneira totalmente impossível de ser somado
através da matemática. Eu a amava como nunca imaginei amar alguém e quando
pensava que esse sentimento que me sufocava não podia aumentar, olhava para
dentro do azul profundo dos seus olhos e isso crescia sem qualquer controle. Saber
que ela carregava nosso bebê me deixava ainda mais orgulhoso por ter sido o único
cara a colocá-lo lá, porra!
O resto da semana passou bem, Liz estava conseguindo pouco a pouco
controlar os enjoos com a ajuda da medicação. Minha loira também voltou a se
alimentar melhor e estava cada dia mais disposta e cheia de hormônios enfurecidos,
tenho me esforçado para satisfazê-la. Não que eu esteja reclamando.
Voltei a treinar intensamente, me preparando para um campeonato no Rio de
Janeiro. Essa seria minha última competição antes de saber se irei ou não fazer o
transplante. Ainda estou sem saber o resultado dos exames de compatibilidade,
deixei para descobrir na próxima semana, quando todos souberem sobre a saúde do
meu pai. Estava com esperanças de que um dos meus irmãos pudesse fazê-la no
meu lugar.
Essa história com meu pai agora me preocupava, na derradeira visita que fiz
ao hospital o médico me disse que ele contraiu uma pneumonia e que ainda levaria
algum tempo até que ele estivesse forte o suficiente para o transplante. Era o tempo
que eu tinha para decidir o que fazer. Eu precisava voltar para casa e enfrentar o
gosto amargo do passado.
***
No dia da nossa viagem para Belo Horizonte, eu fui buscar Liz no trabalho
para irmos para o aeroporto. Entrei no saguão do prédio e aguardei ansioso para vê-
la. Liz estava uma pilha de nervos para conhecer minha família, ela não tinha a
mínima ideia de que era impossível para qualquer pessoa não cair de amores por ela.
A vi saindo do elevador segurando a bolsa no ombro, assim que ela encontrou meu
olhar abriu um imenso sorriso e correu para me abraçar.
— Oi, motoqueiro — cumprimentou me beijando.
— Como vocês estão? — perguntei envolvendo sua cintura com minhas
mãos.
— Vamos bem. Só com saudade do papai.
— Também estava com saudade, mas por favor não corra novamente com
esses saltos. Não quero que você escorregue e caia.
— Estou acostumada a andar de salto alto. Pare de me tratar como um
bibelô.
— Só estou sendo cuidadoso. — Beijei seus cabelos e peguei sua mão nos
encaminhando para a saída. No momento em que alcançamos a calçada, escutei uma
voz masculina chamando Liz. Nos viramos para ver Matheus correndo em nossa
direção, ele parou à nossa frente e nem se deu ao trabalho de me cumprimentar, foi
logo cravando os olhos em Liz.
— Liz, ainda bem que te encontrei —– disse Matheus ofegante.
— O que houve, Matheus? — Liz perguntou curiosa.
— Você deixou cair sua carteira no nosso almoço. — Assim que ele falou
essa frase todo meu sangue ferveu, um ódio descomunal desse filho da puta inundou
minhas veias. Eu olhei para a mão dele estendendo a carteira de Liz como se
pudesse quebrá-la ali mesmo. Bem que eu poderia quebrar a cara dele por se atrever
a olhar para ela.
— Vocês almoçaram juntos? — questionei olhando de minha noiva para ele.
Alcancei a carteira na mão de Matheus e entreguei a Liz. Por que, de repente, me
tornei o homem mais inseguro do mundo?
— Sim, muito obrigada, Matheus. — Minha mulher pegou a carteira e a
colocou na bolsa.
— Eu queria ter te entregado mais cedo, só que precisei sair para verificar
uma obra e só voltei agora — explicou Matheus.
— Obrigado por ter vindo devolver a carteira da minha mulher. — Encostei
ainda mais meu corpo contra Liz. Fiz questão de enfatizar que ela tem dono, e um
dono muito bravo.
— Não foi nada de mais, agora me deixem ir, deixei o carro no pisca alerta.
Até nosso próximo almoço, Liz. — Matheus saiu em direção à fileira de carros
estacionados em frente ao prédio.
Preferi guardar toda a raiva que estava sentindo, já que não posso correr
atrás daquele desgraçado e estourar a merda fora dele. Liz me olhou desconfiada e
se manteve calada todo o percurso até o carro, abri a porta do veículo para ela e
segui até o aeroporto. Vou deixar o carro no estacionamento pelo tempo que
estivermos em Belo Horizonte.
Liguei o rádio, mas minha cabeça não parava de pensar no olhar de cobiça
de Matheus sobre Liz. Quem ele pensa que é para dar em cima dela na minha cara?
Eu ainda vou quebrar a cara daquele imbecil, disso eu tenho certeza.
— Gustavo? — Liz chamou minha atenção.
— O que foi, Liz? — Estava sem qualquer condição de ser gentil agora.
— Você vai ficar com essa cara até o final da viagem?
— Que cara? — perguntei desviando o olhar do tráfego e olhando para ela.
— Posso saber por que você está me tratando assim? Uma hora atrás
estávamos bem e agora você está chateado desse jeito.
— Já que quer respostas, por que não começa me contando como foi seu
almoço com o Senhor Salvador de Carteiras? — cuspi as palavras, mais irônico do
que deveria, e me arrependi de dizê-las assim que as pronunciei.
— Gustavo, você está com ciúmes por que Matheus me fez a gentileza de
devolver minha carteira?
— Não, Liz, estou puto porque você sempre diz que não tem tempo de
almoçar comigo, mas sai para almoçar com aquele idiota prepotente que quer te
comer.
— Eu não saí para almoçar com ele.
— Ah, não? E como ele achou sua carteira? Eu entendi muito bem ele
dizendo nosso almoço, como um filho da puta provocador.
— Gustavo, quer fazer o favor de me escutar, eu saí para almoçar no
restaurante na esquina do escritório e acabei encontrando Matheus lá, o restaurante
estava lotado, ele me viu e perguntou se eu não queria sentar com ele à mesa.
— E você aceitou, claro? Você não percebe, Liz, que esse cara está
apaixonado por você? Ele só está esperando uma brecha.
— Gustavo, já chega! — ela gritou tirando o cinto de segurança. — Pare o
carro! Eu vou descer — Liz pediu com o rosto vermelho de raiva.
— O que você pensa que está fazendo? — perguntei com ainda mais ódio da
forma que ela defendeu aquele cara.
— Eu quero descer, pare a droga do carro, Gustavo!
— Eu não vou parar no meio da rodovia, Liz. E muito menos deixar você
descer.
— Encosta, ou eu vou pular! — ela ameaçou.
Olhei para o relógio no meu pulso, faltava uma hora e meia para o nosso
voo. Dei seta no carro para mudar para a pista à direita. Encostei no acostamento da
estrada. Tirei o cinto de segurança e olhei para Liz. Ela estava tentando abrir a porta
do carro, que estava travada.
— Destrava essa droga! — ela gritou irritada.
— Por que você está defendendo ele? — questionei.
— O quê? Não estou defendendo ninguém. — Liz se virou para mim.
— Anda, me diz por quê?
— Você é louco, Gustavo?
— Sou louco por você. Isso que eu sou! — gritei passando as mãos no rosto.
— Eu estou tentando ser o homem que você precisa, mas é um pouco difícil quando
você vive cercada por aquele cara. — Esmurrei o volante.
— Gustavo, você está me assustando — ela falou com a voz entrecortada,
Liz tentou tocar meu rosto, mas eu me afastei.
— Liz, eu sou homem, sei quando um homem está interessado por uma
mulher, e ele com certeza está a fim de você, mas isso não te incomoda, não é?
Apesar de eu já ter te avisado que não gosto desse cara, você não me escuta.
— Gustavo, você não confia em mim? Eu já te falei que mesmo antes de te
conhecer eu nunca quis nada com o Matheus, e ele nunca me fez nenhuma proposta.
Foi apenas uma coincidência encontrá-lo, eu não estou defendendo-o, estou apenas
sendo justa. Ele sabe que estou comprometida com você.
— Você contou a ele que está grávida?
— Não acho que preciso contar isso a ele.
— Por que não? Estar esperando um filho meu é algo que te traz vergonha?
— Você distorce as minhas palavras. Ainda não contei a ninguém do
escritório, o meu chefe está cada dia mais aborrecido comigo, estou esperando o
momento certo para contar a todos. Sem que para isso eu seja demitida, além de que
não quero meu nome nas rodinhas de fofoca do escritório. Então, qual o sentido de
eu contar para o Matheus? Amo você e não quero mais ninguém. E nem poderia,
esqueceu que em breve estarei com cem quilos e você ainda terá que me dar
orgasmos múltiplos? Amo você, mesmo quando está agindo como um grande
imbecil! — Bufei uma risada.
Olhei para ela e não resisti em derramar uma lágrima de vergonha por ser tão
desconfiado e idiota. Minha flor me amava e nunca me deu motivos para desconfiar
de nada entre ela e aquele cara. Mas ainda sentia que ela também vai me abandonar
mais cedo ou mais tarde. E essa sensação era como um murro na boca do estômago.
Ter alguém e correr o risco de perdê-la era como uma queda livre.
— Me perdoe, eu estou sendo um idiota. É que só de imaginar que outro
cara pode levá-la embora eu fico louco. Me desculpe, pra mim é muito difícil
acreditar que você também não vai embora.
— O que você quer dizer com isso? — Liz passou as mãos no meu rosto.
— Nada, só não quero te perder. Nunca. — Se lhe contasse todos os meus
medos... Ela me puxou e beijou-me, suguei seus lábios e me entreguei ao beijo,
odiava brigar com ela, correr qualquer risco de perdê-la. Meus lábios encontraram
seu pescoço e fui deixando rastros molhados até seus seios, afastei seu blazer e a
alça da sua blusa de seda desbravando sua pele. Ela gemeu com o contato da minha
língua em seus seios, que já estavam pesados de excitação.
Minhas mãos começaram a se aventurar entre suas pernas, Liz me segurou
pela jaqueta de couro que vestia e gemeu beijando contra a minha boca. Mantive um
ritmo constante deixando-a cada vez mais excitada e perto da queda livre.
— Gustavo... — murmurou contra minha boca.
— Liz, você me deixa louco.
— Gustavo, os outros carros.
— Ninguém está nos vendo. Eles estão alheios ao que estamos fazendo.
Shhh... — Fiquei cego, não me importava que estivéssemos parados no acostamento
e que diversos carros passavam do nosso lado, só queria senti-la e fazê-la sentir-se
bem. Liz rapidamente choramingou contra minha boca como uma gatinha manhosa.
Depois que sua respiração voltou à frequência normal, ela me bateu no ombro.
— Gustavo! — recriminou perplexa sobre o que acabamos de fazer.
— O quê? Você é deliciosa, não resisti.
Liz sorriu balançando a cabeça e se recompôs, pus novamente o cinto de
segurança dela e pegamos novamente a estrada. Quando chegamos ao aeroporto,
senti as mãos de Liz tremendo contra as minhas.
— Ei, meu amor, não precisa ficar tão nervosa.
— Nervosa não é bem a palavra. Estou apavorada.
— Eu vou estar lá com você, esqueceu? — Liz assentiu. — Então, confie no
homem que você tem.
Ela sorriu. Beijei seus lábios ternamente e fomos até o balcão de
atendimento para fazer check-in.
“Por que você caminha no escuro
Esperando que o amor encontre uma luz?
Você já perdeu
Algo que desejou que se tornasse real?...”
Like A Rose – Maria Gadu
Liz
A viagem foi bem tranquila, pousamos no horário estipulado pela empresa
de viagens no aeroporto Confins, em Belo Horizonte. Gustavo levou nossas malas
até um táxi e fomos direto para a casa da mãe dele. Minhas mãos e pernas tremiam
de ansiedade, essa expectativa em ser aceita junto com meu filho está acabando
comigo. Nunca fui conhecer a mãe de nenhum namorado, ainda mais noivo e pai do
meu bebê.
No táxi, alisei minha barriga para tentar pensar em outra coisa. Estou
pegando esse costume, é como se sentir meu bebê ali perto de mim me deixasse
mais confiante e corajosa para enfrentar o mundo por ele. Gustavo permaneceu
segurando minha mão todo o caminho. Após um longo trajeto do aeroporto até o
Centro de Belo Horizonte, o carro entrou em uma rua arborizada na área nobre da
cidade, com casas bem construídas e enfileiradas num agradável jogo de cores. O
táxi parou em frente a uma bela construção de dois andares, no térreo havia mesas e
cadeiras na varanda com muita gente comendo e jogando conversa fora. Sem dúvida
um restaurante. Na porta havia um letreiro luminoso onde se lia: “Nos teus olhos”.
Gustavo acertou o valor da viagem com o taxista, me ajudou a descer do carro,
pegou nossas malas e me guiou para entrarmos, minhas pernas mal se equilibravam
nos saltos.
Passamos pelas pessoas na varanda, Gustavo cumprimentou alguns
conhecidos e entramos no restaurante. Era um lugar lindo, uma sala ampla e toda
iluminada por luminárias de vários formatos dando ao ambiente um toque íntimo e
aconchegante. As mesas todas forradas com toalhas de linho branco, enfeitadas com
belos jarros de tulipas. Nas paredes creme estavam pendurados quadros de
paisagens gélidas e cenas românticas de casais enamorados, os garçons vestidos
impecavelmente com calça social preta, camisa branca, colete e gravata borboleta
preta. Era uma mistura bem-sucedida de aconchego e sofisticação. Em uma lateral
havia um pianista sentado elegantemente ao piano tocando uma sonata que, com
certeza, era Beethoven. Quase todas as mesas estavam ocupadas.
Gustavo me flagrou olhando encantada.
— Gostou?
— É um lindo restaurante, Gustavo. — Quando terminei de falar escutei um
grito vindo de uma direção que parecia ser a cozinha.
— Meu Deus, Gustavo, por que não me avisou que vinha agora? Eu teria ido
lhe esperar no aeroporto com seus irmãos. — Uma jovem senhora magra e
sorridente surgiu usando uma doma de chefe de cozinha completo, ela tinha os
mesmos olhos marrons vibrantes de Gustavo, cabelos loiros e presos em um coque
por baixo do chapéu de chefe.
— Mãe, não queria atrapalhar, eu sabia que o restaurante estaria aberto nesse
horário.
— Filho, que saudades! Meu caçula está a cada dia mais lindo — ela falou o
abraçando apertado.
Fiquei deslumbrada observando toda a demonstração de amor dela pelo
filho, a mulher salpicou o rosto do meu noivo risonho de beijos, enquanto continuei
segurando minha bolsa no ombro firmemente para controlar a minhas mãos
trêmulas. Gustavo se afastou e me apresentou:
— Mãe, quero lhe apresentar a Liz.
Fiquei um pouco desconfortável por Gustavo se dirigir a mim como apenas
uma amiga. A mãe dele me olhou dos pés à cabeça, me abriu um sorriso e me
abraçou apertado. Fui pega de surpresa com a atitude, não esperava que ela me
recebesse assim tão bem, talvez ainda não desconfie que estamos envolvidos de
alguma forma.
— Seja bem-vinda, Liz. Amiga do meu filho é minha amiga também.
— O prazer é todo meu, seu restaurante é muito lindo, parabéns.
— Liz, essa é minha mãe, Carmen. — Gustavo fez as honras.
— Prazer, dona Carmen.
— Liz... — ela repetiu meu nome com prazer. — Você tem um nome lindo,
gosto da maneira como ele é pronunciado, é como se seu nome não tivesse fim,
infinito. Gosto de como isso parece. — Seus olhos castanhos me fitavam
empolgados.
— Obrigada, é um prazer conhecê-la.
— O prazer é todo meu em recebê-la na minha casa. — Ela não parava de
sorrir docemente.
— Mãe, temos novidades, mas antes preciso alimentar essa mocinha aqui —
Gustavo falou apontando para mim.
— Claro, venham e sentem-se, vou avisar a seus irmãos que estão aqui e vou
trazer o jantar. Lucas! — ela chamou um garçom que passava. — Por favor,
querido, leve essas malas lá para cima e peça para o Guilherme colocar no quarto do
Gustavo.
— Ok, dona Carmen. Como vai, Gustavo?
— Ei, cara, coisa boa te ver. Tudo bem com você? — Gustavo abraçou o
garoto.
— Tudo em paz, bom te ver de volta — o rapaz falou pegando as malas e
saindo.
— Venha, vamos sentar — Gustavo me guiou até a mesa vaga mais próxima.
Dona Carmen foi pegar nossa bebida entusiasmada com nossa presença.
— Foi tão ruim assim? — Gustavo perguntou quando ficamos sozinhos na
mesa.
— Não, ela é muito simpática. E aquela coisa sobre o meu nome foi muito
gentil.
— Falei que não precisava ficar nervosa. Minha mãe é a pessoa mais doce
que você vai conhecer, ela nunca faria nada para magoá-la.
Não ficamos mais do que alguns minutos a sós, um homem de terno muito
parecido com Gustavo se aproximou de nós com um sorriso deslumbrante. A
semelhança era impressionante, ele era uma versão alguns anos mais velho do
homem que eu amo.
— Aí vem meu irmão mais velho, Thiago — Gustavo me avisou.
Quando o irmão de Gustavo se aproximou, percebi que ele não tinha os
mesmos olhos castanhos do irmão e da mãe. Os dele são verdes e brilhantes como
esmeraldas. Era um homem muito charmoso, com toda sua elegância, mas mesmo
por baixo do terno que vestia, ele ainda parecia másculo e misterioso.
Gustavo abraçou o irmão, enquanto trocaram comentários engraçados sobre
a saudade que estavam um do outro. Thiago me notou e abriu um sorriso generoso
em minha direção.
— Quem é a preciosidade?
— Essa é a Liz, minha garota. Então, fora dos limites! — atirou Gustavo.
— Você sempre teve um olho bom para escolher suas companhias, mas
dessa vez você se superou. Prazer, Liz, sou Thiago, o irmão mais velho desse cara
aqui. Não menti quanto ao elogio, você se encaixaria perfeitamente em um quadro
de Monet, linda e delicada como um anjo — o irmão gato e, pelo visto, culto, se
apresentou me estendendo a mão em cumprimento. Seu elogio foi doce, meu pai
amava Monet.
— Prazer, Thiago. Você é muito gentil. — Sorri, aceitando o aperto de mão.
— Pare de babar em cima da minha mulher. Porra! — Gustavo reclamou
dando uma cotovelada no irmão.
— Você é paranoico, só fui educado — Thiago se explicou sorrindo.
Minha atenção foi capturada pela bela mulher entrando no restaurante a
passos firmes. Vi cabeças virando para olhá-la, inclusive os homens à minha frente.
Ela era linda e parecia refinada sob os saltos agulha. A morena se aproximou e
rapidamente deduzi que fosse a irmã mais velha de Gustavo, pela forma que ele
sorriu para ela.
— Graças a Deus você veio, Gustavo. Eu não te perdoaria se não viesse para
o batizado da sua afilhada — ela falou aliviada.
— Quanto drama, Carolina! Isso tudo é saudade de mim? Vem aqui, sua
chata, me dê um abraço. — Gustavo se levantou e a abraçou apertado.
Olhava para eles sem piscar, nunca presenciei esse tipo de carinho e
interação entre irmãos que se amavam.
— Mari já estava pirando, achando que o padrinho da Cléo não vinha. — A
mulher, que agora sei que é a irmã de Gustavo, disse desprendendo-se dos braços do
irmão. Ela finalmente me viu, surpresa com minha presença.
Gustavo se adiantou:
— Carol, deixa eu te apresentar a Liz.
— Oi, prazer. — Levantei-me para cumprimentá-la, mas Carolina me olhou
como se eu tivesse uma doença contagiosa e qualquer mínimo contato pudesse
transformá-la em um zumbi. Minha mãe estendida em sua direção foi
completamente rejeitada.
— Gustavo, você não avisou que traria outra pessoa — ela disse ofendida,
notei que minha presença não era tão bem-vinda quanto supus. Ela poderia evitar o
show, eu já esperava alguma animosidade.
— Qual o problema? Posso saber? — Gustavo perguntou irritado pela forma
como ela me tratou. — Porque eu trazer uma companhia é da sua conta? Não vejo
em que isso lhe afeta para você estar tão chateada. Liz lhe cumprimentou, Carolina.
Seja educada.
Carolina corou por ser repreendida pelo irmão. Ela voltou a me olhar.
— É um prazer, Liz. — murmurou, ainda com a voz cheia de raiva.
Ok, ela me odiou.
— Prazer, Carolina — disse baixinho e voltei a me sentar deslizando a mão
rejeitada sobre o tecido do vestido.
— Liz te estendeu a mão, Carolina. — Thiago apontou, também parecendo
chateado com a petulância da irmã.
— Ah, foi? Me perdoe, eu não vi. — ela se fez de fingida.
Gustavo olhou para a irmã furioso, nunca o vi tão chateado. Seu pomo de
adão subia e descia cada vez que ele a escutava falar.
— Você está sendo fingida, Carol — disse Gustavo.
— Não tem problema, querido. — Peguei em sua mão para acalmá-lo. Não
queria ser motivo da briga entre irmãos, justo quando esse era um momento que eles
deveriam estar festejando.
— Está vendo? Não tem problema — Carolina falou dissimuladamente.
Thiago cortou o clima estranho nos pedindo licença e dizendo que precisava
ver algumas coisas no escritório e nos encontrará novamente após o jantar. Ele
definitivamente era um homem muito bonito, Cris surtaria se o visse. Carolina
aproveitou o momento e disse que não podia demorar porque deixou a filha
dormindo, mas irá nos ver amanhã e trará sua filha Cléo para o café da manhã.
Despediu-se e saiu sem cerimônia.
Olhei para o Gustavo um pouco constrangida, senti que a irmã dele não
gostou de mim, me incomodou que ele não tenha deixado claro que estamos juntos,
ele só fez isso para o seu irmão, e numa tentativa de marcar território como um
legítimo macho alfa que ele fez questão de mostrar que era. Mesmo me defendendo
do mau humor de Carolina, ele não deixou às claras o que nós éramos.
Um garçom trouxe nossas bebidas e, após alguns minutos, a mãe dele voltou
com uma bandeja cheia de comida. Jantamos enquanto ela falava sobre as novidades
do restaurante. Quando estávamos na sobremesa, outro homem muito bonito entrou
no restaurante com um capacete de moto na mão, pelo visto Gustavo não era o único
que gostava de sentir o vento no rosto por aqui. Ele era mais alto e mais musculoso
que Gustavo, mas ainda assim parecia com ele, as maçãs do rosto eram as mesmas,
as sobrancelhas marcadas também. Ele tinha o cabelo cortado baixinho, outra
característica era a cara de menino mau que Gustavo também carregava. Parecia que
a água de Minas Gerais tinha algum segredo, desde que cheguei estou me sentindo
dentro do filme Magic Mike, só que sem os tanquinhos descobertos e a dança.
— Reunião de família e não me convidaram? — o homem falou apertando a
mão de Gustavo.
— Você está tomando bomba, Guilherme? Você está parecendo o Hulk. —
Gustavo socou seu braço, ele riu e fez uma pose para mostrar o muque.
— Quem é a gata? — Ele apontou para mim esbanjando o mesmo sorriso
desavergonhado de Gustavo. Eles compartilhavam do mesmo cinismo, com certeza
que ele deve ser um sucesso entre as mulheres.
— Quer parar de olhar para ela assim? Essa é a Liz.
— Oi, é bom conhecê-lo, Gui... — Antes que eu termine de falar ele
completou:
— Guilherme, o irmão gostoso.
— Prazer — disse sem conseguir parar de rir.
— Cara, você deveria vir acompanhado de mulheres assim mais vezes.
— Respeite a garota, Guilherme. — Dona Carmen repreendeu.
— Fora dos limites para você, homem verde — Gustavo fez uma graça com
a comparação dele com o Hulk.
— Eu nunca posso competir com você, irmãozinho.
Guilherme puxou uma cadeira e sentou-se à nossa mesa, a conversa voltou a
rolar solta, regada a muito vinho, cervejas e risadas. Eu fiquei, olhando para o
Gustavo rindo das besteiras dos irmãos, tão leve e despreocupado. Em momento
algum, ele trouxe à tona o assunto do bebê, ou qualquer pista que justificasse o que
eu fazia lá, isso partiu meu coração.
Um par de horas depois fitei o relógio sonolenta, passava da uma hora da
madrugada. Bocejei e Gustavo percebeu meu cansaço.
— Bem a conversa está boa, mas estamos cansados. Liz trabalhou o dia
inteiro antes de pegarmos o voo. Preciso colocá-la na cama.
Corei com o comentário de Gustavo.
— Claro, me deixem só dar as coordenadas de fechamento para o pessoal da
cozinha que acompanho vocês para acomodá-los. — Dona Carmen saiu em direção
à copa e retornou rapidamente nos chamando.
— Vamos, Liz. — Gustavo pegou minha mão.
Despedimo-nos de Thiago e Guilherme nos acompanhou até a escada ao
lado do restaurante que dava acesso à casa. Como era de imaginar, a casa era linda,
com a decoração um pouco mais enxuta do que o restaurante, mas ainda assim,
muito elegante. Paredes claras com quadros com pinturas abstratas, na sala um sofá
cinza chumbo, um centro com revistas e um belo jarro de rosas frescas. Quem tem
rosas frescas em casa?
Gustavo foi me mostrando a casa enquanto entramos, olhei ao redor
encantada. Caminhamos até um corredor cheios de portas, não contei quantas eram,
Dona Carmen abriu uma porta que imaginei ser o quarto de Gustavo porque estava
decorado com paredes azuis e quadros de motos, nele havia uma estante cheia de
miniaturas de motocicletas, troféus em uma prateleira.
— Gustavo, seu quarto está arrumado. Liz, você pode ficar no quarto de
hóspedes. — Dona Carmen indicou.
— Não, mãe, não será necessário, ela vai dormir comigo. — Olhei para o
Gustavo envergonhada por sua ideia. Qual é o problema dele? Não abriu o jogo
sobre o que estou fazendo aqui, e agora quer que eu fique no seu quarto?
— Gustavo, eu posso ficar no quarto de hóspedes.
— Não, não pode — interveio ele. — Você fica comigo.
Encarei-o sentindo minhas bochechas corando. Dona Carmen sorriu de canto
de boca e perguntou ao filho:
— Por acaso você não está me contando alguma coisa, filho? — Ela
estendeu uma sobrancelha em nossa direção.
— Falarei tudo amanhã — Gustavo respondeu beijando-a na testa
carinhosamente.
— Tudo bem, então. Boa noite, crianças.
— Boa noite... — murmurei sem graça. Se pudesse nesse momento
enterraria minha cabeça em um buraco e só sairia de lá quando minhas bochechas
parassem de arder. Dona Carmen beijou novamente o filho e saiu do quarto, eu fico
estacada no lugar, morta de cansada, mas muito desconfortável com toda a situação.
Senti-me uma adolescente sendo flagrada pelos pais no quarto do namorado.
— Ei, o que foi? — ele perguntou se aproximando de mim.
— Nada, só estou cansada, ali é o banheiro? — indaguei inclinando a cabeça
para uma porta.
— Sim, vamos, também quero tomar um banho. Estou morto.
— Não! Quero ficar um pouco sozinha — disse um pouco ressentida com
tudo que aconteceu desde que chegamos.
Gustavo olhou-me surpreso com minha recusa, peguei meu nécessaire e fui
para o banheiro, ele não insistiu em me seguir. No fundo fiquei chateada por ele não
ter falado do bebê com ninguém, isso não era algo que só podia adiar em contar a
família. Sentia-me como se estivesse no lugar errado, ainda mais depois da forma
que a irmã dele me tratou. Tomei um banho, vesti uma camisola e fui para a cama
estreita. Gustavo estava sem camisa, sentado na cama me observando pensativo.
— Está tudo bem? — perguntou sucinto.
— Sim — menti me sentindo mal por isso, mas não queria entrar em uma
discussão agora, ainda mais aqui, na casa da sua mãe.
— Tudo bem. Vou tomar banho e depois vou te fazer uma massagem, você
parece exausta.
Sorri para ele, concordando com a cabeça.
— Hum, isso soa bem para mim.
Gustavo se levantou, me deu um selinho e foi tomar banho com a porta do
banheiro aberta como costumava fazer, ele não tinha qualquer vergonha ou receio
sobre seu corpo, muito pelo contrário, ele adorava exibi-lo. Deitei na sua cama e
liguei o celular, mandei uma mensagem rápida avisando a Cris que chegamos bem,
e caí nos travesseiros macios me deliciando no cheiro confortável de roupa limpa
dos lençóis. Meus olhos estavam tão pesados que nem aguentei esperar Gustavo sair
do banho para receber a massagem, dormi profundamente.
“Oh, simplicidade, para onde você foi?
Eu estou ficando velho e preciso de algo em que confiar
Então me diga quando você vai me deixar entrar
Eu estou ficando cansado e
preciso de algum lugar para começar...”
Somewhere Only We Know – Keane
Gustavo
Saí do chuveiro e vi Liz dormindo como um anjo, me sequei e deitei ao lado
dela, mesmo muito tentado não ousaria mexer com ela e atrapalhar seu sono. Ela
precisava descansar, ainda mais agora que carregava meu filho. Cheirei seu pescoço
e fechei os olhos curtindo o perfume doce da sua pele. Ela não esperou a massagem
que eu prometi, na verdade, a massagem era só uma desculpa de pôr minhas mãos
sobre ela, resisti muito para não a atacar no restaurante. Não quis deixá-la
desconfortável na frente dos meus familiares, não sei como ela reagiria a isso, em
alguns momentos durante o jantar senti Liz tão distante, nos observando com olhos
tristes e vagos. Daria qualquer coisa para afastar essa tristeza dela, pensando em
formas de fazê-la feliz, mas o sono e o cansaço me vencem.
Acordei assustado um tempo depois com a cama vazia, procurei Liz no
quarto e ela não estava. Vesti a calça que eu estava ontem e fui procurá-la.
Encontrei-a na sacada da varanda, sentada em uma namoradeira entre as flores do
jardim vertical da minha mãe. Por cima da camisola ela vestia minha jaqueta de
couro, que cobria até o meio de suas coxas. Seu cabelo estava preso em um coque
despenteado e frouxo deixando fios de cabelos flutuando pelo vento, os primeiros
raios de sol da manhã refletiam em sua pele clarinha.
Seu corpo parecia ser feito de luz. Ela era como um anjo, Thiago estava
certo quando a comparou a uma pintura de Monet, essa cena era puro
impressionismo, delicada e linda como uma obra de arte. A beleza da natureza
refletida em forma de cores e luz do sol unida à beleza humana perfeitamente
representada por Liz, ali sentada distraída em seus próprios pensamentos. Ela sentiu
minha presença e virou-se para mim.
— Você me assustou — disse com um sorriso fraco.
— Me desculpe, não foi minha intenção. Acordei e não te vi, resolvi vir
procurá-la.
— Acordei há pouco tempo e não quis te acordar, então sentei um pouco
aqui para admirar o nascer do sol. Estou encantada com as flores desse jardim, é tão
colorido e bem cuidado.
— Ainda é cedo, volte para a cama.
— Estou sem sono — falou admirando as flores da minha mãe. — A vista
daqui de cima é muito bonita, eu passaria horas apenas admirando-a.
— Sim, mas volte para a cama, você não dormiu muita coisa. — Aproximei-
me, lhe beijei os lábios e a peguei no colo.
Liz protestou, mas não me importei, era muito cedo e ela deveria estar
descansando. Sabia muito bem o que ela estava fazendo. Liz estava se enchendo de
preocupações desnecessárias. Levando-a de volta para a cama, no quarto deitei-a
novamente na cama e me aconcheguei ao lado dela.
— No que estava pensando lá fora? Está preocupada, não é? — questionei
curioso para desvendar seus pensamentos.
— Acho que sim! — exclamou.
— Com o que exatamente?
— Tudo.
— Imagino — Suspirei.
— É que é muita coisa para digerir de uma só vez, primeiro surge você,
depois o bebê, depois casamento, depois sua família.
— Que agora também é sua — pontuei.
— É isso que me assusta.
— Por quê? Pensei que você quisesse ter uma família, minha flor.
— Eu não sei, só não quero mais pensar nisso.
Beijei seus lábios e Liz me abraçou apertado. Queria tirar todo o medo dela,
que Liz confiasse em mim, que ela tivesse ideia do que ela e nosso filho
representavam para mim.
— Só me abraça bem apertado e diz que nunca vai me deixar — sussurrou
contra a pele do meu pescoço.
— Eu estou aqui, Liz, não vou a lugar algum.
Acordei assustado ainda com o corpo de Liz emaranhado ao meu, estiquei o
braço e verifiquei que eram 09h45 no relógio. Droga! A tropa já deve estar toda
reunida lá embaixo.
Tomei banho, troquei de roupa e acordei Liz.
— Minha flor, acorda!
— Hum... Só mais um pouquinho.
— Estão nos esperando para o café da manhã.
A minha garota dorminhoca rapidamente sentou na cama e correu para o
banheiro. Esperei pacientemente ela se aprontar e fomos juntos para a cozinha de
mãos dadas. Assim que chegamos à copa vi minha sobrinha tropeçando nos
pezinhos. Todos já estavam ao redor da mesa da minha mãe, Carol sentada ao lado
do marido Murilo, meus irmãos Thiago e Guilherme, até a Mari estava aqui. Só
podia ser ideia da Carolina tê-la convidado para um evento tão íntimo.
— Bom dia! — cumprimentei e todos olharam para nós.
— Bom dia! — responderam em uníssono.
— Bom dia! — Liz cumprimentou com um sorriso nervoso.
Tadinha, ela parecia que ia fazer uma entrevista de trabalho ou algo assim.
Peguei a sua mão para dar-lhe apoio e sentei do lado de Thiago, não sem antes puxar
a cadeira ao meu lado para Liz sentar-se. A mesa estava sortida de todos os tipos de
bolos, biscoitos, bolachas e pães, em uma travessa havia queijos e presuntos, frutas
da época, iogurtes, garrafas de café e sucos de diversos tipos. Servi suco de laranja
para a Liz e café para mim. Todos já estavam se servindo, fiz um sanduíche e
entreguei para a minha garota. Ela me olhou envergonhada por tanta gente estar nos
observando atentos.
— Gustavo, você viu a Mari? — Carol perguntou.
O que porra ela está querendo com isso?
— Sim, por quê? — perguntei levantando uma sobrancelha interrogativa em
direção da minha irmã.
— Não seja mal-educado, você mal falou com ela — chiou Carolina.
— Oi, Mari. Como vai? — resmunguei enquanto provava meu café.
— Oi, Gus — Mari respondeu e piscou o olho em minha direção. Liz ficou
tensa ao meu lado, senti-a balançar a perna embaixo da mesa em nervosismo.
Minha mãe que observava todo o joguinho de intriga de Carolina mudou de
assunto:
— Filho, você me disse que tinha novidades ontem, estou curiosa.
— Não seria a minha mãe se não estivesse, são muitas novidades, na
verdade — avisei.
Guilherme, que estava comendo uma banana, levantou uma sobrancelha e
falou:
— Cara, qual é? Desembucha logo.
— Qual o segredo? — Thiago questionou.
— Não vou me prolongar então, eu trouxe a Liz e vocês já devem ter suas
suposições, nunca trouxe outra mulher para a nossa casa. Bem, a verdade é que nós
nos amamos, estamos noivos e vamos ter um bebê.
Todo o barulho que o ambiente estava com conversas e tilintar de copos e
talheres silenciou imediatamente. Minha mãe estava com os olhos cheios de
lágrimas, meus irmãos boquiabertos, minha irmã mais velha mal conseguiu disfarçar
a cara de ódio. Mari e meu cunhado estavam de olhos arregalados sem acreditar.
— Gustavo, não é hora de brincadeiras! — gritou Carolina de onde estava.
Liz estava de cabeça baixa olhando para as nossas mãos unidas em seu colo,
eu apertei-as ainda mais forte.
— Não estou brincando, minha irmã.
— Filho, estou tão feliz por vocês. Meu Deus, Gustavo, você quer me
matar? — disse minha mãe se levantando e veio nos abraçar.
— Quando vocês descobriram? — minha mãe perguntou emocionada
alisando a barriga da minha noiva.
— Na semana passada, estou com cerca de dois meses — respondeu Liz
sorrindo.
— Que notícia maravilhosa! Liz, sinta-se bem-vinda à nossa família.
Estamos muito felizes que vocês construam uma família! — mamãe exclamou cheia
de amor.
— Parabéns, meu irmão. — Thiago me cumprimentou com um abraço.
Guilherme também se levantou para abraçar Liz e parabenizá-la pelo bebê.
Liz foi abraçada e beijada por todos, exceto por Carolina e Mariana. Minha
mãe continuou chorando com a novidade. Ela será uma avó maravilhosa, assim
como era para a minha sobrinha. Suas mãos não saíam da barriga de Liz, que ainda
estava imperceptível, mas minha mãe disse que os bebês escutavam tudo, por isso
devíamos conversar com eles sempre. Liz sorriu para o gesto amoroso dela, acho
que agora minha noiva estava mais confortável com a situação. Queria que ela se
acostumasse a ter uma família e pessoas que se importavam e a amavam.
Só faltava revelar o mais difícil entre as novidades: meu pai. Aproximei-me
das costas de Liz e abracei-a enrolando os braços pela sua cintura, dando-lhe um
beijo na bochecha. Encostei minha boca contra sua orelha e falei baixinho:
— Te amo.
Ela sorriu e continuou a escutar o falatório da minha mãe de como foram
suas quatro gestações, o café da manhã se transformou em uma grande festa, eu
sabia que minha mãe ficaria feliz por nós, ela sempre quis que eu achasse a mulher
perfeita para formar uma família.
E eu já encontrei.
“Hoje eu tive medo
De acordar de um sonho lindo
Garantir reter guardar essa esperança
Ando em paraísos descaminhos precipícios
Ao seu lado vejo que ainda sou uma criança...”
Sensível demais – Jorge Vercillo
Liz
Entrei na cozinha para o café da manhã de mãos dadas com meu Gustavo.
Vim caminhando atrás do corpo dele como se ele pudesse me proteger de toda
vergonha e constrangimento que estava sentindo. Todos os olhos se voltaram para
nós. A primeira coisa na qual reparei foi a jovem sentada ao lado de Carolina. A
bela morena estava usando um vestido vermelho muito decotado para a ocasião,
mas com certeza ela tinha um belo par de peitos. Seus olhos me perfuraram como
duas espadas, a boca cor de vinho formando um biquinho de desaprovação ao me
ver. A moça desconhecida estava vestida como se fosse a uma boate na Augusta,
acho que nem Cris seria tão ousada. Quando Carolina questionou Gustavo por não
ter falado com ela entendi que a moça escandalosa era a tal Mariana, o mesmo nome
que Carolina usou ontem para se referir à madrinha da sua filha.
Mau sinal!
Quando a tal da Mari falou com Gustavo com a voz de uma gata ronronando
e piscando o olho para ele, todo meu sangue ferveu nas veias. Minha vontade era
arrancar todo o seu cabelo postiço nas unhas e mostrá-la que Gustavo tinha dona.
Ela e Carolina não esconderam a decepção em me ver. Depois que nos sentamos e
Gustavo contou sobre nós, um silêncio se abateu na cozinha, engoli em seco e
esperei os gritos de ódio de todos, mas aconteceu o contrário do que eu esperava.
No começo todos demonstraram estarem surpresos, depois foi uma sessão de
abraços e desejos de felicidade sem fim, os irmãos de Gustavo me abraçaram várias
vezes deixando claro o quanto estavam felizes com a notícia e me perguntaram
como fui capaz de fisgar o solteirão convicto da família.
Dona Carmen estava irradiante com a notícia, achei afetuosa sua reação. Foi
bom saber que meu filho será tão amado quanto sinto que Gustavo é amado por
todos nessa casa. Senti-me acolhida, apesar de que Carolina em momento algum
demonstrou qualquer felicidade por saber que terá um sobrinho, continuou o tempo
inteiro alimentando sua filha na cadeirinha de alimentação como se estivesse alheia
ao burburinho.
Gustavo me levou de volta para ao quarto quando o café terminou, na
verdade eu estava mesmo querendo ficar um pouco sozinha com ele. Não estou
acostumada a estar rodeada por tanta gente. Sua mãe e seus irmãos foram para o
restaurante cuidar dos preparativos do almoço. Carolina foi embora para casa
juntamente com a sua filha, o marido e a cunhada.
— Nossa, Gustavo, não imaginei que reagiriam assim! — falei enquanto
sentei na cama.
— Eu já sabia que seria essa festa. Agora vem cá, quero minha noiva para
mim só um pouco, já estava ficando com ciúmes de toda aquela gente querendo
você pra eles. — Gustavo se ajoelhou e ficou na minha frente.
— Não seja bobo — brinquei enquanto o abracei. Afastei as pernas para
trazê-lo mais para perto.
Gustavo levantou meu suéter e alisou minha barriga.
— Já vou ter que dividir você com essa coisinha aqui — ele disse beijando
minha barriga.
— Amor, você está falando do nosso filho ou filha. Não chame nosso bebê
de coisinha. É um apelido estranho.
— Só estou brincando. Oi, bebê, quem está falando é o papai, vamos
combinar uma coisa com o papai, prometa que você vai compartilhar a mamãe
comigo, não é? — meu motoqueiro perguntou levantando a cabeça e me beijando
nos lábios. Sorri e o beijei de volta.
— Eu estou achando que minha barriga está um pouco maior, ou será só
impressão pelo tanto que a alisaram hoje?
— Vamos ver, levante. — Gustavo me puxou para que eu ficasse em pé,
levou-me até o espelho e tirou meu suéter pela cabeça, e se posicionou atrás de
mim. Virei-me de lado apenas vestindo a legging e meu sutiã, Gustavo desfez o
fecho do sutiã com um sorriso no rosto.
— Quero saber se minha barriga cresceu, não meus seios, Gustavo. — Dei
um tapa em seu braço.
Ele sorriu e gracejou:
— Mas eu quero ver cada detalhe do corpo da minha mulher.
Meus quadris estavam ficando mais arredondados, meus seios mais
inchados, e minha barriga mais estufada, mas era um aumento sutil para uma barriga
de dois meses de gestação.
— Sim, há uma leve diferença aí — ele falou apoiando a cabeça em meus
ombros.
— Também percebi, ou é o bebê, ou toda comida que venho ingerindo desde
que cheguei aqui — falei admirada pelas mudanças.
Meu bebê está crescendo.
— Mas sabe o que mais estou reparando? — Gustavo pontuou beijando meu
pescoço e apertando meus seios, cheio de segundas intenções.
— O quê? — Levantei uma sobrancelha provocando-o.
— Seus seios, estão ainda mais suculentos. — Ele me virou em sua direção e
começou a lambê-los e chupá-los revezando entre um e outro, matando-me de
prazer.
— Gustavo — murmurei seu nome deliciada com seu toque. Não tínhamos
tido contado sexual desde que chegamos aqui, o que fazia menos de vinte e quatro
horas, mas isso era muita coisa para nós.
— Quero você, Liz, faz tempo demais desde a última vez.
— Você está exagerando... — murmurei sem querer concordar com ele,
ofeguei exasperada pela ereção pressionada na minha barriga.
— Você não me quis ontem, estava diferente, assustada. Estava com medo
que eu desistisse?
— Estava com medo sobre tudo.
— Eu estou aqui, minha flor, não vou a lugar algum. — Ele beijou minha
boca, me jogando na cama.
Gustavo seguiu pelo meu corpo em um caminho de chupões e beijos até o
meu núcleo. Arqueei as costas, ele tirou minha calça e afastou minha calcinha e
soprou naquela região sensível acordando todos as terminações nervosas.
— Meu Deus, Liz, senti tanta falta de você. — Gustavo puxou minha
calcinha pelas pernas e me chupou como se essa fosse a única função ao qual ele
veio ao mundo.
— Ahhh... Gustavo... — ofeguei lasciva.
— Não vejo a hora de você ser minha mulher.
— Eu já sou sua — sussurrei choramingando de tantas sensações que estou
sentindo.
Gustavo levantou-se beijando toda a extensão da minha barriga até meus
seios novamente, lambeu os mamilos e apertou-os entre os dedos.
— Gustavo, por favor... — implorei num grito estrangulado.
— Eu sei meu amor, eu também preciso disso — confessou ficando de
joelhos enquanto jogou a camiseta no chão e abriu a calça me penetrando em
seguida.
— Oh, meu Deus! — Puxei seu rosto para beijá-lo, senti meu gosto em sua
boca, o que me deixou ainda mais alucinada. Ele começou a me penetrar lentamente
e depois foi aumentando o ritmo. Desci as mãos pelas suas costas e alcancei sua
bunda deliciosa e firme, apertei e não resisti em querer enterrar as unhas naquela
massa de músculos. Meu corpo todo estava tomado de prazer, cheguei ao êxtase
mordendo seu lábio inferior com tanta força que tive certeza de que o machuquei,
não queria ser delicada e Gustavo não pareceu se importar, ele me acompanhou e
explodiu mordendo meu pescoço, como se precisasse se segurar em algo para não
cair. Meu motoqueiro saiu de cima de mim e me abraçou para ficarmos de
conchinha na sua cama de solteiro.
Enquanto me recuperei da viagem até o céu, me permiti observar seu quarto
na luz do dia. Tinha tanto dele aqui, cada pequeno detalhe me falava sobre ele: os
livros, banners de bandas de rock, as miniaturas de motos, os troféus e medalhas das
competições em que ele participou, os capacetes antigos. As fotos dele e dos irmãos
juntos...
Era incrível saber que ele cresceu aqui, viveu suas dúvidas e questões de
adolescente. Tenho certeza de que ele foi muito feliz ao lado de uma família tão
linda e barulhenta. Devia ser divertido ter irmãos com quem brincar e brigar pelo
controle da tevê, ou quem ia usar o banheiro primeiro. Imaginei Gustavo como um
garoto popular na escola, rodeado de meninas encantadas nos seus olhos castanhos e
seu sorriso gentil. Agradeci a Deus por nenhuma delas ter ocupado seu coração e
por ele, mesmo com tantas opções, ter esperado por mim.
Acordei um pouco depois da hora do almoço, ele não estava mais na cama.
Tomei um banho caprichado, e percebi no espelho que ele me deixou uma marca no
pescoço.
Safado!
Vesti um jeans skinning e uma blusa de manga longa verde, fiz uma leve
maquiagem, aproveitei para tentar disfarçar a marca na pele do meu pescoço. Como
eu era branca feito uma lesma era impossível tentar cobri-la totalmente, então
tentarei disfarçar com a ajuda do cabelo. Calcei minhas sandálias de tiras pretas e
desci para procurá-lo.
Faço uma nota mental de matar o Gustavo!
“Porque eles dizem que lar é onde
seu coração está gravado na pedra
É onde você vai quando está sozinho...”
Home – Gabriele Aplin
Gustavo
Observei Liz dormir sossegada em meus braços, respirando suavemente. Os
lábios rosados se abrindo enquanto ela ressonava. Passei meus dedos por seus
cabelos fazendo um leve cafuné. Era tão bom olhar para ela, comecei a pensar como
ela iria reagir quando eu lhe contasse sobre meu pai. Será que ela vai entender, e
aceitar minha decisão em fazer a cirurgia, caso os exames forem compatíveis?
Minha cabeça estava cheia de dúvidas e inseguranças, contudo, eu não faria nada
para estragar o que estamos construindo. A vida do meu filho estava em jogo, eu
não podia decepcioná-lo. Liz confiava em mim também, eu devia isso a ela.
Deixei-a dormindo e desci para o restaurante, lá encontrei todos os meus
irmãos sentados em uma mesa conversando com minha mãe. Acho que esse era o
momento ideal para contar. Minha mãe sorriu e me mostrou uma cadeira vaga para
me sentar.
— Cadê minha nora? — perguntou-me sorrindo.
— Está descansando, ela anda um pouco sonolenta depois da gravidez.
— Isso é normal, filho, não se preocupe. E é bom que ela descanse para o
bebê crescer bastante e saudável.
— Ei, cara, o que foi isso no seu lábio? Será que uma vampirinha de olhos
azuis te mordeu? — Thiago perguntou com um sorrisinho de canto de boca. Meu
lábio inferior ficou um pouco inchado. Sorri do que ele falou, aquela loira abalou
meu mundo e não deixou nada como era antes.
— Cara, a loira te amarrou de jeito, hein? Pelo visto, ela sabe ser má com
você — Guilherme disse enquanto gargalhou.
— Meninos, querem parar de ser intrometidos? Deixem o irmão de vocês em
paz! — minha mãe interveio a meu favor e agradeci.
— Esse é o tipo de mulher que você vai se casar? — Carol perguntou com
uma voz de desprezo olhando para meu lábio, como se Liz tivesse me desonrado por
isso.
— E que tipo de mulher você acha que serve para mim, Carolina? A
irmãzinha do seu marido, aquela piranha fútil e interesseira? Eu amo a Liz, e não
vou admitir que você fale assim dela, entendeu?
— E por acaso essa daí também não está de olho no seu dinheiro? — ela
argumentou.
— Cale-se, Carolina! Já chega — minha mãe interferiu.
— Você está sendo ridícula, minha irmã. Liz é advogada em um dos
melhores escritórios de São Paulo e não precisa do meu dinheiro. Ao contrário de
você, Carolina, ela tem uma profissão e ama o que faz. Ela não passa o dia inteiro
gastando dinheiro com roupas de grife, aceitando ser sustentada pelo marido, porque
fazer o que escolheu como profissão pode acabar com suas unhas. Ela é muito
diferente de você. Agora dá para parar de implicar com a minha mulher? Porque se
isso ficar entre nós, eu escolho a minha mulher e o meu filho! — vociferei furioso.
O que porra ela pensava que estava fazendo tratando a Liz como uma
interesseira barata? Quando tudo que ela fazia era gastar a grana do marido em
roupas idiotas, já que o diploma que tinha em gastronomia estava criando poeira
desde que se formou. A desculpa para não trabalhar no restaurante ajudando minha
mãe era a Cléo, mas minha sobrinha já estava uma mocinha, e ela continuava
evitando usar os conhecimentos que aderiu na academia para ajudar minha mãe.
— Mamãe, olha como ele está falando comigo! — exclamou Carolina. —
Ei, rapazinho, eu ajudei a mamãe a te criar para você preferir uma mulherzinha a
mim que sou sua irmã?
— Carol, cale a boca! Você está parecendo uma criança mimada com inveja!
— Guilherme gritou do outro lado da mesa.
— Francamente, Carolina, você deveria estar feliz pelo nosso irmão —
Thiago me defendeu olhando nossa irmã decepcionado.
— Carolina, eu não vou mais falar uma única palavra sobre esse assunto.
Respeite seu irmão e a noiva dele. Você nunca foi exemplo para julgar ninguém.
Guarde suas opiniões para você mesma — minha mãe falou e Carol encheu os olhos
de lágrimas, com o rosto tomado de mágoa.
— Bem, eu não vim até aqui para discutir sobre quem eu amo, essa é uma
decisão que já está tomada e não terá volta. Tenho algo mais importante para contar
a vocês.
Todos me olharam e esperaram eu falar, desconfiados.
— O que mais pode ser? — Guilherme perguntou sorrindo ironicamente.
— Quando eu estava nos Estados Unidos, recebi uma ligação de um hospital
de São Paulo pedindo para eu ir até lá. Eles me contaram que nosso pai está
internado lá há alguns meses.
— O quê? Você foi vê-lo? Como ele está? — Carolina interrogou.
Minha mãe levou a mão ao coração e começou a chorar silenciosamente.
Seus olhos castanhos estavam como duas piscinas de conhaque, brilhantes e vivos.
Meus irmãos me encararam como se eu tivesse dito que vi um ET ao invés de dizer
que encontrei nosso pai.
— Eu voltei dos Estados Unidos e providenciei minha mudança para lá, eu
precisava descobrir o que estava acontecendo e o porquê dele me procurar agora,
depois de ter nos abandonado todos esses anos. Fui até o hospital e descobri que ele
tem uma doença renal crônica, ele está magro e abatido, totalmente diferente de
quem era antes. Seu quadro de saúde é delicado, papai está entre a vida e a morte
dependendo de um transplante de rim para poder ter alguma chance de sobreviver.
— Meu Deus, e por que ele não nos procurou antes? — Thiago perguntou.
— Ele disse que me procurou porque eu nunca lhe perdoei por ter ido
embora e vocês sim. Não entendi porque logo eu fui o escolhido para ir até ele.
— Meu filho, nós já conversamos tantas vezes — minha mãe falou secando
as lágrimas dos olhos com um guardanapo.
— Mãe, eu é que não consigo entender como vocês podem perdoá-lo assim
tão fácil, ele nos abandonou. Vocês entendem o peso dessa palavra? — Olhei para
ela. — Deixou-lhe sozinha com quatro filhos nas costas para sustentar e uma porção
de dívidas.
— Gustavo, mesmo assim ele ainda é nosso pai — Guilherme disse
passando as mãos no cabelo baixo.
— E daí? Ele foi um babaca. — Vê-los defendendo-o era demais para que eu
pudesse aguentar.
— Gustavo! — minha mãe repreendeu, mas ignorei e continuei:
— O pior de tudo é que ele depende de um transplante para sobreviver à
doença. O médico dele insistiu para que eu fizesse o teste de compatibilidade. Eu
não aguentei tanta pressão sobre meus ombros, acabei fazendo o exame, só não sei
como farei a cirurgia, caso eu seja compatível, ainda mais agora com Liz grávida e
com tantas competições importantes vindo aí. O médico pediu para que vocês
também façam o teste, o nível de compatibilidade entre pessoas da mesma família é
muito maior, e esperar na fila pelo transplante no Brasil é muito mais complicado.
— Claro que faremos, ele é nosso pai — Thiago falou e Guilherme
concordou.
— Eu não sei como posso fazer isso, tenho a Cléo para cuidar — Carol se
desculpou.
— Só façam se sentirem vontade, não se sintam forçados — expliquei.
— É como você está se sentindo, filho? Forçado? — lamentou minha mãe.
— Sim, é como estou me sentindo, mãe. Como posso estar feliz em me
submeter a um procedimento cirúrgico como esse, quando estou no meu melhor
desempenho físico e na minha melhor fase nas competições? Perderei patrocínios
devido ao tempo que precisarei ficar afastado por conta da recuperação. Dudu está
puto com essa história e eu mais ainda. Porque todos estão esquecendo que irei me
sacrificar dessa maneira para salvar a vida do homem que mais odeio no mundo.
— Você não o odeia, filho, não diga isso. E o que a Liz acha disso? Ela
concorda com o transplante? — mamãe questionou enquanto continuou secando as
lágrimas.
— Ela ainda não sabe de nada sobre esse assunto, no começo não quis
envolvê-la nessa história e agora não sei mais como contar. Todo dia procuro
ocasiões para contar, mas sempre acontece algo que me faz desistir.
— Você tem que contar, vocês estão tentando construir uma vida juntos.
— Eu sei, só não sei como fazer isso, vocês não entendem? Ela está grávida,
precisando de toda atenção e cuidado. Tenho planos, e essa cirurgia vai atrapalhar
tudo.
— Você está se esquecendo de uma coisa muito importante — minha irmã
falou.
— O quê? — perguntei curioso.
— Essa doença do nosso pai pode ser hereditária, e se você futuramente
desenvolvê-la e precisar dos dois rins? Ou um de nós precisar? E se seu filho
precisar dele? Pode acontecer, nós não sabemos do futuro.
— Ela tem razão... essa é uma grande decisão — Gui concordou.
— É um risco que alguém terá que correr — Thiago disse.
— Eu não ficarei com a consciência tranquila sabendo que poderia ter
salvado a vida de uma pessoa. Mesmo que essa pessoa seja o homem que me
abandonou quando era uma criança. Estou lutando com todas as minhas forças para
fazer o que é certo, não por ele, mas por mim. Vou parar toda a minha vida para
fazer isso, pela minha própria paz de espírito. Mesmo que a minha atitude cobre seu
preço mais tarde, viver é correr riscos — confessei.
— Meu filho, você precisa esquecer isso. Seu pai teve um motivo para ir
embora — disse mamãe.
— Que motivo um homem teria para abandonar os filhos? Eu não entendo,
mãe. Segunda-feira irei ao hospital saber o resultado do teste, já adiei o quanto
pude. O médico dele está me cobrando uma visita.
— Você fará mesmo a cirurgia? — Thiago indagou.
— Não sei, estou tão confuso... São tantas coisas para pensar. Um casamento
para organizar, a Liz grávida precisando de mim, meu técnico me cobrando para
reforçar os treinos, os patrocinadores exigindo resultados. Eu não estou conseguindo
pensar em nada claramente.
— Tenha calma, Gustavo. Na próxima semana faremos o teste. Caso alguém
seja compatível planejamos o que fazer.
— Mãe! — Todos que estavam na mesa gritaram em uníssono.
— O pai de vocês foi o grande amor da minha vida, construímos uma vida
juntos e ele me deu as coisas mais importantes do mundo, que são vocês, eu devo
isso a ele. Nós ainda somos uma família, o erro dele não justifica os nossos, e
família é isso, um ajudar ao outro. Está decidido, eu também vou fazer o teste.
Olhei para a minha mãe perplexo. Como ela podia agir tão naturalmente
depois de terminar de nos criar sozinha com um restaurante nas costas cheio de
dívidas e problemas? Quando meu pai foi embora, o restaurante já existia e estava
em um mau momento, precisando de uma reforma e com muitas dívidas acumuladas
com os fornecedores, minha mãe lutou duro trabalhando de domingo a domingo
para nos reerguer e poder terminar de nos criar. E agora, quando as coisas estavam
indo bem no negócio, ela perdoava tudo que passou? Lembrava-me de muitas vezes
ver minha mãe trabalhando doente porque não tínhamos dinheiro para contratar
outro funcionário. E onde meu pai estava? Ele deveria estar aqui ajudando-a a tomar
conta das coisas e de nós.
— Se você não está seguro para contar a Liz ainda, é melhor mudar de
assunto, aí vem ela — Thiago disse olhando por cima do meu ombro.
Quando virei o rosto para olhar para ela, meu coração deu um salto no peito
batendo acelerado. Cada vez que a olhava meu corpo reagia como o de um
adolescente apaixonado. Ela estava linda sorrindo para nós, usando uma calça jeans
colada e uma camisa de botão revelando um leve decote, tão sexy e tão ela mesma,
seduzindo sem revelar demais, apenas o necessário.
Ela caminhou rebolando o quadril em cima de saltos altíssimos, não sabia se
ela poderia usá-los estando grávida, mas estava sexy pra caramba. Os homens da
mesa cordialmente se levantaram olhando-a como uns bobos a sua beleza, assim que
se aproximou, dei-lhe um beijo breve na boca dela e puxei a cadeira para ela se
sentar ao meu lado, depois que cumprimentou a todos.
— Boa tarde, pessoal, acho que dormi demais — desculpou-se Liz
gentilmente.
— Não se preocupe com isso, querida, foi bom porque me deu tempo de
preparar um almoço delicioso para nós. Fiz frango ao molho pardo, tutu de feijão,
quiabo refogado e torresmo. Um típico almoço mineiro. Vou pedir para o garçom
servir.
Enquanto minha mãe falava com o garçom, sorri para Liz, ainda não sabia se
ela vai concordar com a cirurgia. Não queria decepcioná-la, ela era sempre tão
preocupada comigo e com minha saúde. Percebi que magoar Liz me feria antes
mesmo de acontecer, então vi que o momento de contar a verdade a ela se
aproximava.
Depois do almoço farto, pedi licença a todos e levei Liz para conhecer a
cidade no carro da minha mãe. Fizemos um passeio agradável pelo centro de BH,
depois levei Liz para conhecer Pampulha, vê-la encantada com a beleza do projeto
arquitetônico desenhado por Oscar Niemeyer me deixou tão satisfeito, se ela
soubesse a vontade que tinha de mostrar o mundo a ela.
Mostrar o mundo a ela, essa é uma ótima ideia...
Paramos para tomar sorvete de pistache porque Liz sentiu desejo, me achei
um super-herói por poder atendê-la. Queria participar de tudo, estar perto dela em
todos esses momentos deliciosos da gravidez. Transbordava de alegria poder fazer
todos os seus gostos. No nosso passeio ela acabou se encantando com uma lojinha
de artesanato que encontramos, minha loira comprou lembrancinhas para levar para
Cris e outras meninas do escritório. Quando saíamos, eu a vi olhando para um
boneco de pano na vitrine, era um palhacinho todo colorido com uma roupinha de
cetim com aplicações em lantejoulas coloridas. Um belo trabalho de artesanato.
Ela olhou para ele e passou a mão na barriga, comecei a imaginar que ela
estava pensando em quando nosso bebê estivesse brincando com bonecos como
aquele. Enquanto ela conversava com uma artesã sobre algumas peças de cerâmica,
voltei para a loja sem que ela percebesse e pedi para que a vendedora embalasse o
palhacinho para presente. Paguei e voltei para perto dela.
— Vamos, meu amor — falei pegando em sua mão.
— Sim. — Ela me acompanhou até o carro.
— Está cansada?
— Sim, meus pés estão doendo, saltos errados para as ruas de Belo
Horizonte.
— Você está linda neles, mas é bom para o bebê usá-los? — perguntei.
— Não sei, a médica não me falou nada sobre evitá-los, na próxima consulta
lembro-me de perguntar. Eu sou muito pequena sem meus saltos, bato no seu peito
sem eles e mal posso lhe roubar um beijo sem precisar subir em alguma coisa.
— Seu tamanho é ideal para mim, eu posso abraçá-la e colocar meu queixo
sobre sua cabeça. Na verdade, adoro como você se encaixa perfeitamente nos meus
braços. Você é perfeita, com ou sem saltos, só quero que você esteja bem, nem que
para isso eu precise me ajoelhar para beijá-la.
— Gustavo! — Liz caiu na gargalhada pelo que eu disse e bateu no meu
braço, roubei-lhe um beijo e voltamos à casa da minha mãe.
— O que você comprou? — ela perguntou olhando para a sacola que
coloquei no banco de trás.
— Uma surpresa, só vou lhe dar quando chegarmos em casa.
— Gustavo... O que é? — Liz perguntou choramingando.
— Não adianta fazer beicinho para mim. — Começamos a rir, porque ela
sabia que eu estava certo.
— Ei, eu deveria estar com muita raiva de você.
— Por quê?
— Você sabe, engraçadinho.
— Não vai me dizer? — Juntei as sobrancelhas.
— Não, você já sabe por quê.
Voltei a olhar para a estrada, me perguntando por que ela podia estar
chateada comigo, não devia ser nada relacionado a meu pai porque ela estava
sorrindo, e olhando para mim como se estivesse contando as horas para me jogar na
cama e montar sobre mim.
Já passava do entardecer quando estacionamos na garagem da minha mãe.
Ajudei Liz a descer do carro e subimos para tomar um banho, antes de irmos jantar.
Entrei no quarto carregando as sacolas com os presentes, Liz veio logo atrás de mim
jogando a bolsa na cadeira ao lado da cama. Ela se sentou no colchão e tirou as
sandálias.
— Gustavo?
— Oi, minha flor. — Tirei a camisa e joguei-a na cama.
— Por que eu tenho a impressão de que sua irmã tem algum problema
comigo?
— Não se preocupe, Carolina é muito ciumenta e colocou na cabeça que
preciso me envolver com alguém da cidade para voltar para casa.
— Esse alguém de Belo Horizonte é a Mariana? — Liz me perguntou
levantando a sobrancelha.
— Sim, ela acha.
— E o que você acha? — minha noiva questionou franzindo a testa.
— Eu não acho, tenho plena certeza de que já encontrei o meu alguém.
— Ah, já?
— Sim, e ela é uma mulher muito ciumenta. — Comecei a abrir os botões da
sua camisa, Liz sorriu sensualmente e passou as mãos pelas minhas costas causando
arrepios por toda minha pele. — E ela é linda, sexy e tem os olhos azuis mais lindos
do mundo. E cada vez que ela me olha meu coração toca um samba de felicidade.
— Um samba? Achei que você fosse roqueiro? — brincou minha noiva.
— Tem razão, meu coração toca um rock dos bons.
Liz sorriu e nos beijamos, começando mais uma dança de mãos e línguas e
sexo suado.
— Só tem uma coisa... — Liz se afastou do meu domínio.
— O quê? — perguntei ofegante.
— Não chame mais a Mariana de Mari. É muito íntimo.
— Sim, senhora.
“Quando você fala consigo mesmo
E não há ninguém em casa
Você pode enganar a si mesmo
Você veio a este mundo sozinho (sozinho)...”
Estranged – Guns N' Roses
Liz
Descemos para o jantar um pouco depois das oito, Gustavo quis sentar em
uma mesa na calçada do restaurante. A noite estava linda, com um céu estrelado e
um vento fresco de começo de primavera. Eu vestia um vestido godê azul, sem
mangas com a cintura alta e comprimento acima do joelho. Devido à caminhada em
cima de sandálias tão altas durante o dia, optei por uma rasteirinha com pedras
coloridas. Coloquei apenas rímel e um batom vermelho. Gustavo estava divino em
uma calça caqui justa e uma camisa de botão branca com as mangas arregaçadas até
os cotovelos. Sexy e lindo daquela maneira selvagem que só ele conseguia ser.
— O restaurante é tão lindo, sempre tão movimentado e cheio de pessoas
bonitas — comentei enquanto me sentei na cadeira que ele puxou para mim, como
um perfeito cavalheiro.
— Esse restaurante é a vida da minha mãe, ela era adolescente quando
sonhou em ser chefe de um restaurante próprio. A sua vida se resumiu a ele.
Quebrou a cabeça, cuidou e agora está colhendo os louros de tanto esforço.
— É uma história linda, sem dúvidas. Acho tão bonito quando as pessoas
vivem com um propósito assim. Igual você no motocross, tão esforçado e tão bom
no que faz, invejo isso. — Fiz uma pausa e continuei: — O nome do restaurante
também é muito original. Nos teus Olhos é um nome diferente de tudo que já vi.
— Foi minha mãe que escolheu, ela nunca nos contou por que decidiu por
ele. Achamos diferente no começo, mas depois acabamos acostumando.
— Deve ter um significado importante para ela. — Perdi-me um pouco
distraída em meus pensamentos sobre a sensação de conquista em ver um sonho se
tornar realidade.
Gustavo apertou minha coxa e olhou profundamente dentro dos meus olhos
antes de perguntar:
— E você meu amor, qual seu sonho? — Nunca ninguém se interessou tanto
assim para saber sobre meus planos, ninguém nunca demonstrou tanto prazer em
querer me ouvir...
— Quando eu era criança, eu admirava meu pai, porque mesmo trabalhando
no escritório ele tirava um tempo do seu dia para ajudar famílias carentes da nossa
cidade. Ele aceitava processos e nunca cobrava por eles, eu me lembro de que meu
pai às vezes chegava em casa com um presente inusitado, como um porco ou uma
galinha. Minha mãe morria de raiva dessas coisas e das pessoas simples circulando
em seu sofisticado escritório. — Sorri da lembrança sem conseguir evitar encher
meus olhos de lágrimas.
— Seu pai devia ser um grande homem, você tem muito dele, Liz.
— Eu tento ser gentil como ele era. A maior lição que aprendi com ele foi,
que quando fazemos algo para as pessoas necessitadas, também recebemos algo em
troca, e é isso que eu sonho em fazer, poder ajudar algum abrigo ou instituição a
acelerar os processos de adoção das crianças. Ajudá-las a encontrar um lar amoroso
e cheio de segurança de um futuro melhor, com pais confiáveis e dedicados.
Continuo naquele escritório aguentando as chateações do meu chefe, porque, de
uma maneira ou de outra, é uma forma de estar em contato com isso, mas ainda não
é da maneira que eu quero. Você entende?
— Claro, e fico muito orgulhoso de você por isso. Não tem nada que
descubra sobre você que não me deixe mais apaixonado. — Gustavo apertou minha
mão sobre a mesa e permaneceu olhando dentro dos meus olhos. Eram nesses
pequenos gestos que tinha a certeza de que ele lia minha alma, e reconhecia-a como
a sua outra metade.
— Obrigada, mas não é nada comparado ao que você faz em cima daquela
moto. Você é talentoso de tantas formas, gentil, dedicado e justo. Vi a forma como
tratou sua sobrinha mais cedo, como tratou aquele garotinho no restaurante, eu
nunca tive mais orgulho de você. Você age como um príncipe à moda antiga e eu
amo isso em você.
Gustavo riu e me deu um beijo estalado, quando se afastou sussurrou entre
meus lábios:
— Não mereço você. — Afastei-me sem entender, Gustavo fugiu do meu
olhar confuso e chamou o garçom. Lucas veio sorridente anotar nossos pedidos.
— Oi, Lucas, como vai, cara? Você pode nos trazer o cardápio e um vinho
branco para mim e para minha noiva um suco. Qual sabor você prefere, meu amor?
— Gustavo me perguntou.
— Pode ser de laranja mesmo, obrigada.
O rapaz trocou umas palavras com Gustavo e se afastou. Observei meu
noivo de onde estou procurando qualquer sinal sobre o que ele quis dizer. Percebi
que seu lábio estava menos inchado do que mais cedo, quase imperceptível onde
mordi. Voltei a pensar sobre o que ele acabou de dizer sobre não me merecer e antes
que eu perceba estou perguntando:
— Gustavo, o que você quis dizer com essa coisa de não me merecer?
— Nada, foi só uma observação. E tenho razão em fazê-la, você é melhor do
que poderia sonhar em pedir a Deus. Se lhe deixa mais calma, estamos em nível de
igualdade, também te acho uma princesa, de uma beleza e personalidade tão
incríveis e irretocáveis que chega a ser viciante. E isso é perturbador. Minha
vontade, Liz, era de colocá-la em uma redoma de vidro e nunca deixar ninguém a
tocar além de mim. Te conservar como uma joia preciosa, que é o que você é.
— Você me fala cada coisa... — murmurei sentindo minhas bochechas
pegando fogo e sentindo minha libido acordar por suas palavras. Gustavo deslizou a
mão pela barra do meu vestido deixando minha pele toda arrepiada e sensível pelo
seu toque. Engoli em seco e mudei de assunto para que pudéssemos terminar o
jantar, antes de nos atacarmos como dois animais no cio.
— Todos os seus irmãos trabalham aqui?
— Sim, em termos. — Gustavo sorriu sabendo o que eu estava fazendo,
depois continuou: — Thiago administra as finanças, ele é um administrador nato,
mas não sei se isso é o que realmente ele gostaria de fazer. Meu irmão mais velho é
um cara das artes, ele adora pinturas e toca violino como ninguém. Acho que ele
está nessa função de homem de negócios porque minha mãe precisava dessa figura
no restaurante, ele tem feito um bom trabalho. Guilherme é formado em
publicidade, mas se especializou em fotografia. Quando não está trabalhando no seu
estúdio de fotografia, ajuda minha mãe com a publicidade do restaurante, é por isso
que esse lugar vive tão cheio de jovens. Ele está com a ideia de construir uma filial
em outro bairro, mas minha mãe não quer abrir mão do negócio familiar. Já Carol se
formou em gastronomia e era para ser responsável pelas sobremesas, mas ela não
quis mais trabalhar todos os dias depois que casou e teve a Cléo, a desculpa é que
nunca tem tempo. Então, eu sou o único que não tem um diploma e uma profissão
regular como os outros. — Ele terminou juntando as sobrancelhas um pouco
decepcionado consigo mesmo.
— Isso não diminui quem você é... — Peguei em sua mão. — Você é muito
talentoso com o motocross, e já ganhou incontáveis títulos, mesmo com tão pouca
idade. Em um país onde o esporte não é valorizado, isso é sensacional. Tenho muito
orgulho de você. Muito.
Gustavo olhou para mim de olhos cerrados, sei o que ele faria se não
estivéssemos em um lugar cheio de pessoas, ele já me olhou assim antes. E só por
saber o que estava pensando, os pelos do meu corpo ficaram eriçados, junto às
pernas para aliviar a tensão na região, e para que consigamos jantar antes de
voltarmos para o quarto.
— E o seu pai? — perguntei de supetão.
Assim que vi a expressão de Gustavo mudar completamente com a minha
perguntou, sei que mexi em algo delicado. Sempre tive curiosidade sobre essa parte
da sua vida, ele nunca me deu brechas para perguntar sobre o assunto, mas não
resisti.
— O que você quer saber? — perguntou em um tom de voz seco, tensionou
a mandíbula puxando a mão da minha.
— Por que você nunca fala sobre ele? Fiquei curiosa.
— Não tem o que falar.
— Por quê? Todo mundo tem um pai, Gustavo. — Percebi a barreira que ele
estava construindo em volta dele, não me deixando entrar. Deduzi que já tivéssemos
passado sobre essa coisa de segredo um com o outro.
— Ele morreu — disse me encarando com os olhos brilhando, mas não era
mais de tensão sexual e desejo, seus olhos parecem cheios de lágrimas não
derramadas de frustração e tristeza. Senti meu coração doer. Como fui insensível, eu
deveria ter imaginado que o pai dele havia falecido, ele nunca tocava nesse assunto,
com certeza ele era um pai muito amoroso e a ferida ainda estava aberta, devido a
reação dele, a ferida não está aberta, ela ainda estava sangrando.
— Oh, meu amor, eu não imaginava. Desculpe-me, eu fui uma insensível. —
Levantei do meu lugar e rodeei a mesa para lhe dar um abraço apertado, beijei-o na
boca enquanto deslizava minhas mãos em movimentos circulares nas suas costas.
Gustavo se afastou como se eu estivesse sufocando-o e me pediu licença para ir ao
banheiro. Vi-o sumir adentrando o restaurante, sem entender o que acabou de
acontecer.
Que burra!
“Não quero fechar os meus olhos
Eu não quero adormecer
Porque eu perderia você, amor
E eu não quero perder nada...”
I Don't Want To Miss A Thing – Aerosmith
Gustavo
Liz estava parecendo uma fada naquele vestido rodado azul que deixava seus
olhos ainda mais límpidos e cristalinos, como duas piscinas de águas naturais de
uma praia no Caribe, meu coração instantaneamente tocou um rock de tão intenso
que bateu ao vê-la. Como ela conseguia ser tão linda com tão pouco esforço, quando
ela sentava-se à mesa no restaurante e cruzava as pernas olhando ao redor via o
motivo dela ter ficado chateada comigo mais cedo. A pele clarinha do seu pescoço
estava marcada com uma pequena mancha roxa, nada de mais, poderia passar
despercebido se não fosse o fato dela ter colocado o cabelo atrás da orelha e com
isso ter deixado o pescoço à mostra. Meu lado masculino e dominador se orgulhou,
por ter sido eu a estar aqui, por ter feito aquilo. E por saber que quem reparasse ia
saber que ela tinha dono.
E sou eu, porra!
Estou sendo um idiota machista e prepotente, mas não resisti em estar
orgulhoso. Começamos a conversar sobre seus sonhos e, mais uma vez, meu peito
explodiu de orgulho da minha flor. Ela era tão encantadoramente disposta em ajudar
as pessoas que me fez apaixonar-me ainda mais por ela, se é que isso era possível. O
que sentia pela Liz parecia tão imenso e sem fim que me dava a sensação de não
caber no peito. Quando ela me elogiava e falava sobre o quanto se orgulhava de
mim, percebia o quanto eu era um filho da puta sortudo por ter tido a chance de
cruzar seu caminho naquele elevador. Porém, vi o quanto eu era um desgraçado
egoísta em estar escondendo dela a única razão para ter ido parar em São Paulo.
Mas enganá-la só me faria correr o risco desnecessário de perdê-la. E não ter Liz e
meu filho ao meu lado não podia ser uma opção. Eu já não reconhecia o homem que
eu era antes de conhecê-la e isso era bom, eu me sentia melhor agora.
Quando sua boca bonita se abriu para perguntar sobre meu pai, todo o
sangue do meu corpo foi filtrado das minhas veias. Minhas mãos começaram a
tremer involuntariamente. Será que ela já está desconfiada? Tentei cortar o assunto,
mas ela insistiu. Eu lhe devia uma explicação, uma resposta.
Minha cabeça começou a martelar em como contar para ela, como lhe dizer
o que estava acontecendo. Ela estava no comecinho da gravidez, e não podia ficar
preocupada comigo com relação à cirurgia e ainda não tinha nada certo. Na verdade,
essas desculpas que inventei para não contar a Liz sobre meu passado eram
irrelevantes, no fundo eu sabia que ainda não contei porque tinha vergonha que as
pessoas soubessem que meu pai me deixou.
Vergonha que descubram que meu pai não quis me ver crescer, que preferiu
viver longe a ser meu pai, a me amar. E nada me envergonhava mais do que ter sido
rejeitado por alguém que eu tanto amava. Quando eu era criança e meus colegas da
escola me perguntavam onde estava meu pai nas festas do Dia dos Pais que eu não
conseguia deixar de ir, minha mente infantil não sabia lidar com aquilo. Então criei
a história de que meu pai era da Marinha e estava num submarino no meio do mar.
A minha mentira convenceu alguns colegas, mas depois eu já não tinha mais
desculpas para dar. Aí eu pedia a minha mãe para me deixar em casa nesses dias.
Assim eu evitava inventar novas mentiras e ser engolido por elas.
Assim como naquela época, abri a boca e falei o que seria mais cômodo para
todos. Assim que escutei minha própria voz dizendo que meu pai morreu, eu me
arrependi. Senti como se estivesse desejando isso a ele, e eu não era o tipo de pessoa
que desejava a morte do próprio pai, eu não o perdoei, mas não desejava que
morresse. Caso contrário não estaria cogitando sacrificar meu próprio rim por ele.
Liz me olhou cheia de compaixão e me beijou ternamente, senti nojo de mim
mesmo por estar fazendo isso com ela. Como fui capaz de mentir para a mulher que
eu amo?
De uma maneira ou de outra, eu a traí. Eu sou igual a meu pai...
Pedi licença e corri para o banheiro do restaurante. No caminho, minha mãe,
que estava conversando com um casal em uma mesa, me viu e franziu a testa. Abri a
porta do banheiro como um vendaval, o lugar, graças a Deus, estava vazio, me
afastei da porta e me olhei no espelho. Estava com muita vergonha de ser eu
mesmo. O suor escorria pela minha testa, minha respiração estava exasperada, e eu
não sabia o que fazer para corrigir isso. Molhei o rosto, respirei fundo e tentei me
acalmar. A porta se abriu abruptamente e vi Thiago olhando para mim.
— Ei, mano, você está bem? Mamãe falou que você entrou aqui correndo,
como se estivesse passando mal.
— Estou bem, Thiago, só acabei de fazer uma grande burrada — lamentei.
— Que tipo de burrada? Você está branco feito papel. Tem certeza de que
está bem? — Meu irmão mais velho colocou a mão nos meus ombros.
Thiago sempre foi assim, depois que meu pai foi embora ele vestiu a camisa
de protetor da família. Uma vez, um garoto da minha escola me bateu quando eu
tinha uns oito anos, cheguei em casa chorando e contando o que tinha acontecido.
Depois disso, meu irmão me levava todos os dias à escola antes de ir para sua
própria aula, ele ainda me ensinou como me defender. Ensinando-me alguns golpes
de karatê, o que em outro momento veio a calhar. Nunca vou me esquecer disso.
Thiago continuava assim: preocupado e protetor.
— Infelizmente, meu irmão, você não pode me ajudar com isso. Preciso
resolver sozinho — disse lhe puxando para um abraço.
— Tem certeza? — perguntou me fitando atentamente.
— Tenho certeza de que tenho o melhor irmão mais velho do mundo.
— Ei, moleque, sempre estarei aqui, ok?
Thiago me abraçou.
— Eu sei, agora vamos dar o fora daqui.
“Quero que você faça me sentir como se eu fosse
a única garota do mundo
Como se eu fosse a única que você amará
Como se eu fosse a única que conhece o seu coração…”
Only Girl – Rihanna
Liz
Fiquei na mesa esperando Gustavo voltar, me culpando por ter tocado no
assunto sobre o seu pai. Era visível que o assunto lhe afetava. Não era comum ele
sair correndo depois de uma conversa como essa. Tentei me distrair observando as
pessoas ao redor, jovens jogavam conversa fora enquanto jantavam, alguns casais se
olhavam apaixonados.
Me perguntei se olhava para Gustavo da mesma forma, com certeza sim,
nunca imaginei que poderia estar em um lugar como esse ao lado do homem que
amo ou que me tornaria uma boba apaixonada. Mas Gustavo não era um homem
comum, ele era... intenso e profundo, como um céu estrelado carregado de estrelas.
Já li em algum canto que o amor perfeito é um amor tranquilo, mas quem precisa de
calmaria? O amor perfeito é o que te faz sair do prumo, assanha seus cabelos e
amassa suas roupas... O amor perfeito vem como um vendaval tirando tudo do lugar.
Às vezes, ele passa rapidamente, em outras vem para ficar e sem pedir licença,
como um mal súbito que não tem hora para ir nem para chegar. Gustavo surgiu
assim na minha vida, explosivo.
Respirei fundo, alisando minha barriga preocupada com a sua demora.
Quando estava me decidindo se devo ir ou não procurá-lo, Carolina se sentou na
cadeira vazia em que Gustavo estava.
Ela me lançou um sorriso diabólico, instantaneamente um arrepio percorreu
minha espinha.
— Você acha mesmo que esse golpe ultrapassado vai segurar meu irmão? —
perguntou furiosa.
— Que golpe? Do que você está falando?
— Esse bebê, você acha que eu acredito que é do meu irmão?
— Carolina... — Tentei falar, mas fui interrompida por suas palavras
amargas.
— Você não me engana, garota, você nunca vai conseguir casar com meu
irmão. Sabe por quê? Ele nunca será de apenas uma mulher, ele vai fazer com você
o que ele já fez com muitas outras, inclusive com a Mari. É da natureza dele.
— Carolina, eu não sou qualquer uma e não admito que me compare a
ninguém, muito menos a alguém como a sua cunhada, Gustavo não ficou com ela
porque, provavelmente, não a amava suficientemente para isso, você também não
tem direito algum de me acusar de aplicar um golpe no seu irmão. Você não deve
saber, mas calúnia, difamação e injúria é crime no Brasil. E eu bem que poderia lhe
processar por me acusar de uma coisa vil como essa. Mas não sou amargurada e
rancorosa como você. Se me dá licença vou procurar meu noivo — terminei de falar
e me levantei da mesa deixando-a plantada de boca aberta olhando para mim. Se
não estivesse tão nervosa, eu até riria da cena. Sempre caía bem usar termos
jurídicos para assustar uma pessoa. Eu podia até ser boba, mas não burra e aprendi
muito bem a me defender.
Graças a Deus já voltaremos para São Paulo amanhã após o batizado, não sei
se conseguiria passar mais um dia sequer ao lado daquela mulher e da sua maldade.
Claro que suas palavras me machucaram e continuavam martelando em minha
mente, mas ela não precisava saber disso. Não vou dar poder ao inimigo.
Entrei no restaurante tremendo, logo vi Gustavo e Thiago vindo do banheiro
masculino, ele parecia estar mais calmo, mas assim que me viu franziu a testa
preocupado.
— Aconteceu alguma coisa? Você parece nervosa — perguntou.
— Não, está tudo bem, só vim checar você — respondi o abraçando
querendo tanto que as coisas horríveis que Carolina falou não fosse verdade.
Gustavo me abraçou e voltamos para a nossa mesa na varanda, Carolina já não
estava mais lá. O que era bom porque eu definitivamente iria explodir e partir para
cima dela.
Durante o jantar percebi que Gustavo estava um pouco mais calado do que o
normal, e evitava me olhar nos olhos, também não limpou seu prato, o que era raro,
ele sempre comia bem e ainda roubava uma ou outra colherada do meu.
— Você está bem, meu amor? — perguntei apertando sua mão sobre a mesa.
— Vamos sair daqui? Quero te levar a um lugar. Você vai gostar, prometo —
disse e acreditei.
Nós nos despedimos de todos no restaurante e Gustavo subiu para pegar
algumas coisas que ele disse que iríamos precisar e saímos de carro pela estrada. Ele
passou boa parte do caminho calado, olhando para o tráfego como se estivesse
tentando resolver algum dilema em sua mente. Essa sensação de distanciamento
estava me afligindo.
Os carros passavam rápidos pela rodovia, a noite fresca e o céu iluminado
pela lua estavam perfeitos. Um verdadeiro véu de estrelas estava suspenso sobre
nossas cabeças.
“Eu não quero esperar por isso
Tem que ficar mais fácil e mais fácil de alguma forma...”
Not Today – Imagine Dragons
Gustavo
Dirigindo em silêncio, apenas observando-a olhar pela janela a noite
iluminada.
Estava levando-a ao lago, onde meu pai costumava nos levar quando eu era
pequeno, nunca esqueci esse lugar. Era a alguns quilômetros da cidade. O lago
ficava em uma reserva florestal no meio de uma clareira, era um dos lugares mais
lindos que já vi na vida. Apesar do acesso não ser tão difícil, o silêncio e a paz que
sentia cada vez que estava naquele lugar era único, o barulho dos grilos no mato, o
dourado das folhas secas no chão, os caules antigos das árvores, e a luz da lua
refletida no lago. A cena era tão perfeita que poderia se tornar uma pintura.
Quando chegamos, ajudei Liz a descer do carro, ela permaneceu calada,
apanhei a sacola que trouxe, peguei sua mão e a levei até a beira da água.
Caminhamos por um capim baixo formando uma trilha até a borda do lago. Paramos
na margem, puxei uma manta grossa, forrei no capim e nos sentamos. Senti que Liz
estava com frio pela forma que passava as mãos nos braços para se esquentar, tirei
minha jaqueta e cobri seus ombros.
— Não quero que fique com frio.
— Gustavo, esse lugar é lindo... — Liz falou admirada olhando para o lago.
— Sabia que você ia gostar, sempre que estou em Belo Horizonte venho
aqui. Olho para o lago e um pouco das minhas frustrações vão embora.
— É fácil assim? — Liz perguntou olhando para a lua que estava alta no céu.
— Para mim é. — Olhei para ela buscando qualquer característica que
pudesse me dizer como ela estava se sentindo.
— Algo mudou — Ela disse me fitando com a íris dos olhos tão claras que
pareciam transparentes. A claridade da noite estrelada me deixou ver claramente seu
rosto preocupado e apreensivo.
— O que você está falando, Liz? — perguntei ansioso para saber sobre o que
ela estava se referindo.
— Você que precisa me dizer. Estou sentindo uma barreira se levantar sobre
nós e não sei o que fazer para fazê-la parar.
— Liz, eu... — Ela colocou os dedos nos meus lábios.
— É esse lugar? Esse lugar parece estar te afastando de mim, Gustavo.
— Não tem nada a ver com isso.
— Então, o que é? É muita coisa de uma só vez, não é?
Meu Deus do que porra ela está falando?
— Liz, você precisa ser um pouco mais clara de onde você quer chegar com
essa conversa.
— Não se sinta obrigado, Gustavo. Não quero que esteja do meu lado
porque está se sentindo forçado devido a toda essa situação. — Liz bradou me
dando as costas.
— Liz? Por que você está pensando isso? — questionei pegando-a pelos
ombros e a girando para mim.
— Você transou com a Mari? — Ela me questionou falando num tom mais
alto.
— Quê?
— Responda — insistiu.
— Liz... — Tentei explicar.
— Responda! — gritou.
— É isso que você quer?
— Sim!
— Transei.
Uma lágrima solitária escorreu pelo seu rosto, ela se desvencilhou das
minhas mãos e se levantou. Também levantei e tentei abraçá-la, Liz me empurrou
me fazendo cambalear para trás. Mas que porra!
— Então é isso? — Lágrimas embaçaram seus olhos bonitos.
— Liz, isso aconteceu há muito tempo, eu ainda morava aqui.
— Quanto tempo falta?
— Que tempo, Liz? Pelo amor de Deus, o que deu em você? — vociferei
muito puto para fazê-la parar de falar em códigos, porque não estava entendendo
porra nenhuma.
— Sua irmã me falou, Gustavo! Ela me contou dos seus casos passageiros e
de como você costuma abandonar as mulheres, inclusive a Mari. Então agora eu
preciso saber quanto tempo eu tenho? Quanto tempo ainda nos resta?
— O que Carolina lhe disse?
— Não me interessa a sua irmã. Quero que você me responda.
— Meu amor, acalme-se. Vai fazer mal para o nosso filho. — pedi com as
mãos trêmulas.
Liz se afastou de mim sem me deixar tocá-la.
— Por que você não me olhou nos olhos o jantar inteiro, Gustavo? Você está
arrependido? Não seria mais fácil me dizer que se precipitou? Que já não tem
certeza? Eu não estou lhe aplicando um golpe da barriga como sua irmã me acusou.
Foi você que quis tudo isso, você é tão responsável quanto eu. Não planejei esse
bebê, não planejei conhecer você, sua família, nem nada disso! — Liz gritou
descontrolada.
— Você quer me escutar? — gritei interrompendo-a de continuar falando.
Ela arregalou os olhos surpresa pela minha explosão.
— Eu não sei do que você está falando sobre golpe nenhum, eu não sei o que
deu na minha irmã para te contar sobre o meu passado. Eu não sou um santo, Liz,
nunca fui. Já dormi com mais mulheres do que eu gostaria, mas nunca lhes prometi
nenhum compromisso e elas sabiam onde estavam se metendo, e Mari só foi mais
uma delas. Eu só fiquei com ela uma vez, e nunca mais. Depois fui embora da
cidade. De onde você tirou a ideia que eu estou arrependido? Posso saber? Eu te
propus tudo isso e quero o nosso filho, quero me casar com você, construir uma
família ao seu lado se você ainda me aceitar. Mas não me acuse de não amar você!
— Parei de falar ofegante, coloquei as duas mãos em suas bochechas e a puxei para
mim, encostando seus lábios molhados de lágrimas nos meus.
— Você continua a chamando de Mari...
— Liz, eu sempre a chamei assim. É difícil perder o costume, eu sou louco
por você... O que posso fazer para que você acredite? — Essa foi uma perguntou
retórica porque antes que ela sequer me respondesse já estava tomando sua boca
com tanto fogo e precisão que, ao fechar os olhos, o mundo cheio de problemas ao
nosso redor sumiu, no meu novo mundo só existia Liz e eu.
Algum tempo depois, Liz se afastou ofegante, e passou as mãos pelos meus
braços.
— Eu te amo, Liz — confessei beijando todo o seu rosto, queria tanto que
ela sentisse o que havia em mim. Todo amor que nutri por ela durante esse tempo
que estávamos juntos, já fazia parte de quem eu era.
— Desculpa, motoqueiro. Sinto muito, eu estou tão confusa — choramingou
no meu peito.
— Tudo bem... estamos bem — murmurei contra seu ouvido para acalmá-la
em seguida abracei-a apertado. Afundei meu rosto em seus cabelos e deixei seu
cheiro me acalmar pouco a pouco.
Deitei de costas na manta com um dos braços embaixo da cabeça, Liz deitou
do meu lado colocando a cabeça em meu peito e me abraçando firme. Ficamos em
silêncio olhando para as inúmeras estrelas no céu sorrindo para nós, como se não
fosse necessário dizer mais nada para sabermos que ficaríamos bem se
continuássemos tentando. Essa tinha sido nossa primeira crise. Casais brigavam o
tempo todo, não podia ser diferente com a gente.
Depois do que pareceu uma eternidade, Liz quebrou o silêncio:
— Tenho tanto medo de te perder.
— Eu estou aqui, minha flor, não vou a lugar algum.
“Por quanto tempo vou te amar?
Enquanto as estrelas estiverem em cima de você
E por muito mais tempo, se eu puder…”
How Long Will I Love You? – Ellie Goulding
Liz
Apesar da forma que começamos nossa noite, aproveitamos o lugar em um
tranquilo e reconfortante abraço, admirando o céu azul-marinho estrelado, carregado
de inúmeras esferas brilhantes, só havia outra coisa que mais sentia prazer em
admirar: o belo moreno deitado ao meu lado. Gustavo estava hipnotizado pela
beleza acima de nós. Seus olhos castanhos pareciam guardar um segredo, como se
ele e o céu estivessem tendo um diálogo silencioso. As emoções que transpareciam
em seu rosto eram tantas que fiquei me sentindo um pouco culpada.
— Gustavo? — Apertei sua mão. Ele desviou os olhos das estrelas e lançou-
os sobre mim.
— Oi, minha flor.
— Nunca vi um céu tão lindo assim. Nunca vi tantas estrelas como essas. —
Mudei o foco e vi seu semblante mudar, de pesaroso a saudosista.
— É lindo, não é?
— Sim, ao mesmo tempo aterrorizante.
— Aterrorizante? — Gustavo franziu a testa curioso.
— Sim, começo a imaginar quem as pôs lá. E como elas se sustentam por
tanto tempo antes de cair. Eu sei que a física explica, mas não acho que nada que o
homem fale pode explicar tamanha beleza e mistério. O que será que há lá em cima,
além das estrelas?
— Sabe, minha flor, alguém que um dia foi muito importante para mim,
certa vez me contou uma história que nunca consegui esquecer, mesmo sendo muito
pequeno. Uma noite, eu estava com medo do escuro que estava fazendo aqui no lago
quando viemos acampar pela primeira vez. E ele me falou que eu não tivesse medo,
porque as estrelas no céu são como uma colcha. Uma gigante colcha que Deus fez
para que os homens saibam que não estão sós, e que Ele está cuidando de nós como
um pai amoroso, que cobre seus filhos toda noite antes de dormir, com uma colcha
repleta de estrelas.
— Que história mais linda, meu amor. — Abracei-o apertado para disfarçar
uma lágrima que escorreu na minha bochecha, tinha certeza de que essa pessoa que
lhe contou essa história tinha sido seu pai.
— Não tão linda quanto você... — Gustavo me beijou delicadamente, como
se estivesse com medo de me quebrar. Dentre todas as suas facetas, eu gostava desse
jeito carinhoso com que ele me tratava, como se eu fosse tão frágil que a qualquer
momento fosse me desfazer. Isso não me fazia sentir-me inferior, ao contrário, ele
me deixava mimada de um jeito bom.
Depois do beijo, entrelaçamos nossos dedos em um aperto firme e
continuamos em silêncio nos reconectando um ao outro, após um tempo, senti que
meu corpo necessitava de mais, eu precisava do seu toque, eu precisava sentir seu
corpo morno sobre o meu, fazendo-me sentir mais do que com palavras que era real,
que ele me amava.
— Motoqueiro?
— Hum...
— Você está pensando a mesma coisa que eu? — perguntei para não parecer
a louca por sexo.
— Sim, estava implorando que me perguntasse isso.
Gustavo rapidamente subiu sobre meu corpo, posando sobre meu rosto antes
de me beijar, nossos corpos encontraram o encaixe perfeito ali no chão sobre a luz
da lua e o brilho das estrelas, fizemos amor lentamente em estado de êxtase,
encontrando na nossa própria loucura a razão sobre as coisas. Aquela cena parecia
um sonho, ou um capítulo de um romance antigo.
Meus lábios e mãos tornaram-se insuficientes para tocá-lo e beijá-lo como
eu gostaria, eu nunca poderia acreditar que algo tão forte e avassalador fosse apenas
um passatempo para ele, não poderia ser. Gustavo não apenas transava comigo, ele
verdadeiramente me amava, eu podia sentir seu amor em cada pequeno gesto e
cuidado, na intensidade do seu toque e na devoção de cada beijo. Ele me amava,
possivelmente não o quanto meu peito transbordava por ele, mas ele me amava. E
isso bastava para o meu coração entender que íamos ficar bem.
O prazer nos atingiu como uma onda, o vento frio da noite arrepiava os pelos
do meu corpo, mas o calor que exalava do grande corpo do meu homem me
protegia, Gustavo encaixou o rosto na curva do meu pescoço e continuou a dizer o
quanto me amava, o quanto eu era perfeita. O quanto éramos incríveis juntos, e ele
tinha razão.
Seu corpo nu sobre mim parecia sobrenatural, a luz da lua sobre sua pele
bronzeada brilhava em pequenos pontos de luminosidade. Ele era um ser de outra
natureza, não era possível alguém real e humano ser tão perfeito e me deixar tão
ensandecida como ele fazia.
— Gustavo, eu não encontro palavras que possam agradecer sobre o que
você tem feito por mim.
— O que quer dizer? — Ele me olhou intrigado.
— Você me faz sentir viva, obrigada por isso.
— Meu Deus, Liz, pare de fazer eu me sentir um idiota de coração mole.
Isso não cai bem para um motoqueiro tatuado.
Gargalhei, e cobri sua boca de beijos. Gustavo decidiu que estava esfriando
muito e o sereno não era bom para mim nem para o bebê, então, recolhemos as
coisas e voltamos para o carro.
— Posso dirigir? — perguntei assim que chegamos ao automóvel.
— Sério? — Ele levantou uma sobrancelha questionadora.
— Claro, por que não? Já estou perdendo a prática. Você me carrega para
todo lado.
Ele deu uma gargalha sonora com o que eu disse, comecei a me perguntar se
soei como uma idiota.
— Por que você está rindo? Você nunca me deixa dirigir em São Paulo. Ou
será que você tem medo de me deixar ficar no controle? — sugeri maliciosamente.
— Não tenho nenhum problema com você no controle, meu amor, não te
deixar dirigir é só uma desculpa para ficar mais tempo do seu lado, te levando de
um lado para o outro, como você disse.
— Que fofo! Sempre soube que por trás dessa cara de motoqueiro malvado
existe um romântico inveterado. — Dei-lhe um selinho rápido e roubei as chaves
das suas mãos antes que ele inventasse outra desculpa para dirigir.
Quando chegamos, o restaurante já estava fechando, Gustavo e eu subimos
direto para a casa da mãe dele para evitar nos encontrar com Carolina. Na viagem de
volta, contei a ele o que aconteceu, Gustavo ficou possesso e quis até desistir do
batizado, mas o convenci a não fazer isso, afinal Cléo não tinha nada a ver com
mãe. Apesar de que imagino que Carolina só o convidara para ser padrinho da filha
para fazer com que Gustavo estivesse do lado da Mariana na igreja. Mas não queria
julgá-la, então não comentei isso com Gustavo.
Encontramos Guilherme deitado no sofá assistindo um filme quando
entramos.
— Boa noite, casal! — meu cunhado falou animadamente sentando-se e
oferecendo o lugar vago para sentarmos com ele.
— Boa noite, nós já vamos deitar, estamos cansados — Gustavo falou se
abaixando. Sem qualquer pudor, ele passou a mão por trás das minhas pernas e me
colocou no ombro, dei um gritinho de surpresa, o cara de pau ainda se preocupou
em cobrir minha bunda segurando o vestido no lugar, para evitar que Guilherme
visse meu traseiro.
— Gustavo, me põe no chão — Dei um gritinho de protesto.
— Boa noite, Guilherme — disse enquanto ele me carregava em passos
largos para o quarto.
— Boa noite, pombinhos. Liz, não canse muito meu irmãozinho, o batizado
é amanhã bem cedo — Guilherme falou com aquele sorrisinho de canto de boca já
tão conhecido por mim. Ai... ai... Esses homens Salles, viu? Todos uns lindos
provocadores.
— Cale a boca, Gui! — Gustavo gritou do corredor, eu caí na risada e ele
deu um tapa na minha bunda para revidar.
Gustavo me jogou na cama como uma boneca de pano e começou a se
despir.
— Assim tão rápido? — perguntei levantando uma sobrancelha em ironia.
— Quieta, mocinha! — ele falou sério olhando para mim.
— Sério? — perguntei provocando-o e já sentindo um formigamento no meu
núcleo.
— Agora, Liz Maria! — Fechei a boca enquanto Gustavo permaneceu em pé
no final da cama me olhando com algo parecido com luxúria nos olhos castanhos.
Resolvi provocá-lo um pouco mais, ajoelhei no colchão macio, fiquei um
pouco envergonhada no começo, abri o zíper e joguei o vestido longe. Tirei
lentamente as sandálias, ficando apenas de calcinha e sutiã.
— Tire o resto, Liz. — A voz rouca de Gustavo me causou um calafrio.
Alcancei o fecho do sutiã abrindo-o, deslizei as alças pelos meus braços, sem
nunca deixar de olhá-lo.
— Eu disse tudo, Liz — ele sussurrou.
De onde saiu esse homem dominador? Engoli em seco e fiz o que ele pediu.
Fiquei em pé ao lado da cama e tirei a calcinha ficando completamente nua na sua
frente, aguardando ansiosa o próximo passo.
— Deite na cama.
Olhei para ele surpresa, pisquei algumas vezes para me orientar, caminhei
até a cama e me sentei. Onde foi parar o homem romântico e carinhoso de algumas
horas atrás?
— Deite-se! — exclamou, com uma voz grave e sensual.
Comecei a tremer em antecipação, deitei-me e aguardei seu próximo
comando.
Ele foi até a cômoda que estava com nossas roupas, pegou uma echarpe de
seda minha e veio andando até mim como um deus. Pele bronzeada, ombros largos,
braços definidos, pernas longas e tonificadas. A sombra de barba no queixo, os
cabelos desgrenhados sobre a testa, os olhos luminosos e as tatuagens tomando todo
o braço e a mão direita lhe davam um ar sexy e sujo, lindo de uma forma
desconcertante. Gustavo não era como os outros homens, que se esforçavam em
expor os seus melhores atrativos, ele apenas era o que era. Ingenuamente capaz de
fazer uma mulher perder algumas noites de sono.
— Levante os braços até a cabeceira da cama.
Obedeci, passando a língua nos lábios ressecados. Ele amarrou minhas mãos
nos ferros da cabeceira da cama, hábil como um marinheiro, apertadas
suficientemente para que eu não me soltasse. Fiquei ofegante pela aproximação do
corpo dele ao meu. Gustavo deitou-se sobre mim, pairando o rosto na minha frente,
seus olhos estavam escuros como eu jamais vi. Ele beijou minha boca, mordiscando
meu lábio inferior e se afastou. Choraminguei reclamando.
Ele começou a beijar meu pescoço, desceu até meus seios, mordendo e
sugando meus mamilos que já estavam excitados e duros.
— Motoqueiro, eu quero te tocar — balbuciei tentando beijá-lo.
— Não, esse será seu castigo por ser tão impertinente — falou soprando nos
meus mamilos, uma onda de calor e necessidade percorreu minhas veias. Mordi o
lábio para não gritar e acordar toda a família dele, mas estava ficando cada vez mais
difícil.
Gustavo traçou um caminho de beijos na minha barriga até meu sexo e
começou a me beijar lá com beijos suaves.
— Gustavo, por favor... — Forcei as mãos tentando em vão me soltar.
— Quietinha, você é minha, Liz, para eu fazer o que quiser esta noite. — O
moreno dominador que estava em cima de mim em uma massa de músculos e
testosterona, falou me penetrando lentamente, aumentando minha libido a níveis
estratosféricos.
— Ahhh... — gritei surpresa.
— Minha flor... — gemeu aumentando a velocidade das estocadas em
movimentos ritmados de quadris.
— Gustavo — murmurei seu nome como se fosse uma prece de tão
enlouquecida, estava muito perto de alcançar o ápice, Gustavo percebeu e, de
repente, parou de se movimentar e saiu de mim. Meu Deus, esse homem conhece
cada célula do meu corpo!
— Você não pode duvidar do meu amor, Liz. — Gustavo me desamarrou,
abaixei os braços doloridos e os pulsos vermelhos do meu esforço para tentar me
soltar.
— Por favor...
— Fique de quatro para mim. Como uma boa potranca! — ordenou
autoritário. Vi o suor escorrendo pela sua barriga lisinha, eu também estava suada, o
quarto parecia pegar fogo.
— Não acredito que me chamou assim! Esse é um substantivo ridículo e
ultrajante.
— Ultrajante é como você vai ficar se não me fizer o que estou mandando.
Eu me virei e fiquei sobre os joelhos e com as mãos espalmadas na cama fui
surpreendida com um tapa no meu bumbum.
— Sua bunda é linda, Liz. Assim como todo o resto de você. Tudo em você
é perfeito, você é perfeita para mim. — Gustavo me deu um tapa do outro lado da
bunda.
— Ahhh... — gritei sentindo o ardor se espalhar naquela região, esquecendo
completamente que sua mãe estava no quarto ao lado, e que essa hora seus irmãos
deviam ter motivos para rir.
— Silêncio! — ele ordenou, passando os dedos pela minha vagina,
espalhando os fluídos no meu entorno voltando a me penetrar, nessa posição ele
parecia ser ainda maior, eu senti meu corpo abraçá-lo apertado. Gustavo voltou a
movimentar-se devagar me deixando frustrada, eu gemi e implorei por mais. Ele
parecia estar fazendo de propósito para me castigar.
— Não vou duvidar — respondi exasperada, porque, de repente, ele
aumentou os movimentos me deixando bem próxima do prazer.
Gustavo era um amante sensacional, cheio de facetas. Em alguns momentos
era o homem mais doce e delicado que já conheci; em outros era viril e bruto, me
fazendo massa de modelagem em suas mãos, tinha a boca suja nos momentos
certos, mas também falava as coisas mais doces. Gustavo, sem dúvida, era um
amante surpreendente e eu tinha muita sorte por tê-lo encontrado.
— Você é deliciosa! E toda minha. Tão perfeita! — Gustavo disse ofegante,
enquanto caímos em êxtase.
O significado da palavra êxtase fez todo sentido agora, pois foi como me
transportar para fora de mim, por algum tipo de exaltação mística e sentimentos
muito intensos de alegria, prazer, admiração e temor de perdê-lo. Gustavo deitou de
lado e me abraçou apertado, um pouco depois ele pegou meus pulsos e beijou-os
docemente.
— Te machuquei, minha flor?
— Não, motoqueiro. — Gustavo me beijou lentamente e fez cafuné em meus
cabelos. Estava tão cansada que deitei e deixei a felicidade que sentia me levar para
longe em meus sonhos.
“Quando estou sem você
Fico tão inseguro
Você é a única coisa, única coisa
Que me faz viver...”
Sugar – Maroon 5
Gustavo
Acordei assustado com o despertador do celular tocando, às sete da manhã.
Liz estava abraçada ao meu corpo usando apenas uma camiseta, que a obriguei a
vestir durante a madrugada porque estava fazendo muito frio. Alcancei o aparelho e
desliguei o alarme.
— Amor — chamei morrendo de dó de acordá-la, mas precisávamos nos
arrumar para o batizado da Cléo.
— Hummm... Só mais um pouquinho — Liz gemeu cheia de preguiça.
— Só temos uma hora para estar na igreja. — Afastei os cabelos
desgrenhados do seu rosto e beijei sua bochecha, deslizando o nariz na sua pele
sensível.
— Batizados poderiam ser à tarde — ela resmungou sonolenta.
— Vem, amor, já está na hora. Estou te esperando no banho.
Levantei-me e fui para o banheiro, quando liguei o chuveiro Liz entrou e
começou a escovar os dentes na pia. Quando terminou tirou a minha camiseta e se
juntou a mim no boxe.
— Você vai comentar que eu te contei sobre o que sua irmã fez? —
perguntou passando as mãos no meu peito.
Controla-se, Gustavo!
— Ela precisa ouvir umas coisas — confirmei. Se Carolina pensa que vai
ficar por isso mesmo, engana-se!
— Eu não quero você brigando com sua irmã por minha causa. É melhor
deixar isso para lá.
— Não vou brigar, só vou falar o que ela precisava ouvir há muito tempo.
Não leve para o lado pessoal, Carol sempre foi muito ciumenta sobre mim.
— Gustavo, será que é mesmo necessário? Nós estamos indo embora hoje.
— Sim, mas iremos voltar. E Carolina precisa aprender a respeitar minha
mulher.
Ela sorriu com o que eu disse.
— Sua mulher, é?
— Hum-hum, minha, minha, minha e minha. — Encostei-a na parede e a
beijei, sua boca esperta estava com um gosto de menta delicioso. Comecei a ficar
excitado, mas lembrei-me de que não tínhamos tempo. Dei-lhe um selinho rápido na
boca e saí do boxe.
— Não fique me tentando — disse a ela apontando para minha ereção.
Liz gargalhou apontando para os seios excitados.
— Tarada! — Saí do banheiro para me vestir.
Quando entramos na sala, todos já estavam nos esperando, minha mãe muito
elegante, usando um vestido branco de linho. Meus irmãos impecáveis em seus
ternos claros. Liz escolheu um vestido verde-esmeralda de corte reto, o que deixava
à mostra sua barriguinha de grávida de dois meses, que começava lentamente a
aparecer, ela estava linda.
Assim como meus irmãos, eu usava um terno claro sem gravata, não era um
dos meus figurinos preferidos, eu me sentia mais confortável nos meus velhos jeans
e camiseta, mas o momento exigia esse esforço.
— Até que enfim vocês estão prontos! — mamãe disse vindo nos abraçar.
— Estamos tão atrasados assim? — perguntei conferindo o relógio.
— Não, é que sua irmã está surtando, ela já está na igreja.
— Então vamos, ninguém quer a Carolina surtando — Gui falou sorrindo.
— Thiago vai levá-los e eu irei no meu carro com Guilherme.
— Tudo bem. — Dirigi-me à porta trazendo Liz comigo.
A igreja escolhida para o batismo era a mesma igreja que minha mãe batizou
todos os filhos, o padre Benedito, que estava à frente da paróquia, era amigo da
família há muitos anos. A igrejinha era toda decorada em estilo barroco, com muito
ouro e rococó. O altar estava decorado com vasos cheios de flores brancas e as
imagens de santos comuns em altares. Quando entramos na capela, os bancos da
igreja já estavam cheios de convidados.
Minha irmã estava sentada com a Cléo no colo na primeira fileira de bancos.
Minha sobrinha parecia um anjinho com um vestido branco cheio de babados e
rendas, uma fita azul-turquesa dando um laço na cintura. Quando ela me viu se
remexe no colo da minha irmã chamando meu nome.
— Titio Tavo! — Cléo tentou falar meu nome, me dando os braços.
Minha irmã olhou para trás e percebi seus olhos desconfiados,
provavelmente ela deduziu que Liz me contou o que ela aprontou ontem. Caminhei
até ela, cumprimentei o padre e algumas pessoas conhecidas que estavam sentados
nos bancos ao redor da paróquia.
— Gustavo, que demora! — minha irmã disse olhando de mim para Liz, que
estava ao meu lado. Peguei Cléo dos seus braços.
— Oi, princesa do tio. — Beijei a testa de Cléo e olhei para a minha irmã. —
Oi, Carolina, estamos dentro do horário combinado, pode parar com o drama. Mas
antes quero aproveitar que estamos na casa de Deus e lhe pedir para arrancar todo
esse rancor e amargura que tem dentro do seu coração, não desconte em Liz suas
frustrações. Ela me contou o que você fez ontem, não adianta você sonhar para mim
um futuro que nunca se tornará realidade por um simples detalhe: eu não amo a
Mariana, nunca quis nada mais do que uma noite com ela e deixei isso bem claro.
Então Carolina, por todo amor que tenho por você, respeite a mulher que eu amo e
está esperando um filho meu e nunca mais lhe dirija palavras tão duras e
humilhantes, porque senão quem te processará sou eu. E não estou brincando
quando digo isso. Estamos entendidos?
Percebi que minha irmã estava de cabeça baixa olhando para as mãos, ela
não suportava ser chamada atenção na frente dos outros. Tinha certeza de que ela
estava arrependida, Carol sempre foi assim, achava que estava ajudando e só
atrapalhava. Olhei para a Liz, que me fitava com olhos orgulhosos e cheios de
admiração. Minha mãe se aproximou com um olhar desconfiado, pegou a Cléo do
meu colo, minha irmã pediu licença e saiu em direção ao marido. Aproveitei o
tempo antes da cerimônia começar e chamei Liz, que conversava com minha mãe.
— Mãe, posso roubar minha noiva? — perguntei.
— Sim, meu filho, claro. — Ela piscou o olho para nós.
Liz veio até mim sorrindo e passou as mãos pelos meus braços no terno.
— O que você achou da igreja?
— É muito linda, tão íntima e preservada, estou encantada.
— O que acha de casarmos aqui? — perguntei ansioso.
— Aqui? — Liz indagou olhando a igreja ao redor.
— Será muito mais fácil se casarmos aqui, já temos a igreja e o padre, meus
pais casaram aqui e todos nós fomos batizados aqui também, temos o restaurante
para a festa, minha mãe ficará muito feliz em organizar tudo, e será mais prático
trazer Cris para cá do que a minha família toda ir à São Paulo. — terminei de
explicar minha lógica e ela se virou para mim.
— Gustavo? Casar na igreja? — ela perguntou baixinho.
— O quê? Você não gostou? Podemos ver outra coisa em São Paulo.
— Eu amei. Na verdade, eu nunca me imaginei casando numa igreja como
essa, mas só de pensar que você estará no altar me esperando é claro que eu quero,
quero tudo com você. — Liz respondeu, me abraçando.
Aproximei-me e beijei sua boca com tanta felicidade no peito que minha
vontade foi de gritar parar todas as pessoas que ela aceitou ser minha de papel
passado, não via a hora de vê-la com um barrigão carregando meu filho e vestida de
noiva. Por um momento esqueci onde estávamos e continuei beijando-a
apaixonadamente até ouvir uma pessoa limpando a garganta atrás de nós. Quando
soltei Liz e me virei, vi o padre Benedito rindo para nós.
— Vamos marcar o casamento quando? — o senhorzinho simpático
perguntou olhando admirado para Liz. Mesmo após tantos anos de batina percebi
que ele ainda sabia admirar uma mulher bonita quando via uma.
— Era exatamente isso que eu iria falar com o senhor, padre, nós vamos nos
casar em breve e queremos que seja aqui. Qual o dia mais próximo disponível?
— Gustavo! — Liz exclamou envergonhada.
— O quê, minha flor?
— Precisamos organizar algumas coisas, precisamos de tempo.
— Não quero esperar nem mais um segundo.
O padre Benedito continuou olhando de mim para ela e falou:
— Vejo que ele tem motivos para querer se apressar, a noiva nunca deve
recusar a boa vontade do noivo em marcar a data, geralmente eles sempre correm
deste dia. Mas não tem motivos para se preocupar, só terei data livre daqui a uns três
ou quatro meses.
— Então pode confirmar — falei animado.
— Tudo bem, meu filho, vou verificar os registros e possíveis datas
disponíveis. Agora posso saber o nome da noiva? — o padre Benedito perguntou
interessado.
— Me chamo Liz, padre. É um prazer conhecê-lo. — Liz lhe estendeu a
mão.
Ele retribuiu o aperto e falou sorridente:
— Parabéns, Gustavo, sua noiva é uma moça linda. Liz, você também tem
sorte, Gustavo sempre foi um bom garoto. Fico feliz por vocês terem se encontrado
e resolvido formar uma família.
— Obrigada, padre. — Não era de estranhar que o velho padre tenha ficado
encantado, Liz tinha esse magnetismo.
— De nada, agora me deixe ver se a madrinha chegou para começarmos a
celebração. — Ele se afastou, deixando-nos a sós.
— Meu Deus... como organizaremos um casamento em tão pouco tempo? —
Minha noiva indagou.
— Se o padre estiver certo e só tiver data daqui a três ou quatro meses será
bem próximo do meu aniversário em novembro, ganhar você de papel passado será
o melhor presente que eu poderia ganhar na vida.
— Você me deixa sem graça, Gustavo — Liz disse e vi suas bochechas
corarem.
— E você ainda vai vir acompanhada de um brinde.
— Brinde, do que está falando?
— Do nosso bebê — respondi passando a mão na barriguinha da minha
noiva.
— Gustavo!
A cerimônia começou vinte minutos depois de Mariana chegar com meu
cunhado, que precisou ir buscá-la para não nos fazer esperar mais. Ficar ao lado dela
e da minha irmã no altar foi um momento constrangedor. Liz permaneceu sentada
no primeiro banco ao lado da minha mãe todo o momento.
O batismo, porém, era um momento muito bonito, onde os padrinhos se
comprometiam a serem segundos pais para a criança, ensinando-a o caminho do
bem e a viver na presença de Cristo. Eu fiquei realmente emocionado com as belas
palavras do padre. Quando o batizado terminou, nós voltamos para o Nos teus
Olhos, onde já estava preparado um belo almoço, minha mãe também providenciou
um bolo confeitado e vários docinhos e petiscos para comemorar o batizado. A festa
estava muito bonita como tudo que minha mãe organizava.
“Amar pode curar
Amar pode remendar sua alma
E é a única coisa que eu sei
que levamos com a gente quando morremos...”
Photograph – Ed Sheeran
Liz
Todas as dúvidas que ainda restavam sobre o meu futuro ao lado de Gustavo
foram destruídas só de ver a forma como ele me defendeu da sua irmã. Gustavo foi
tão firme com ela, meu coração encheu-se de admiração. Ele parecia um leão
defendendo o que é seu. Eu me apaixonei ainda mais quando ele me pediu para
casarmos na igreja em que foi batizado quando criança. Quando me pediu em
casamento, pensei que estava se referindo a uma simples cerimônia no civil. E não a
um casamento tradicional com vestido de noiva e festa. Cada vez que Gustavo agia
dessa maneira eu começava a acreditar que realmente era possível ser feliz, viver o
amor amando e sendo amada, e como era indescritível essa sensação...
Assisti a cerimônia um pouco incomodada por Mariana estar ao seu lado no
altar, mas aquietei meu coração porque sabia que ele me amava e nunca trocaria a
mim e ao seu filho por essa garota.
Quando chegamos ao restaurante vi o quanto uma festa podia ser bonita
aqui, o salão estava com as mesas unidas na horizontal com jarros de rosas brancas
no centro, uma mesa com um lindo bolo decorado em branco e azul ocupava uma
área do salão. Na outra lateral haviam outras mesas com todos os tipos de petiscos e
docinhos. No piano, um rapaz tocava lindas melodias, a festa estava perfeita. Sentei-
me ao lado do meu noivo aproveitando o clima de animação e alegria das pessoas,
Cléo era o centro da festa, todos lhe beijavam no rosto e a cumprimentavam, ela
parecia entender tudo que acontecia ao seu redor, até sorria de volta para os
convidados. A mãe dela estava sentada conversando ao pé do ouvido com o marido
Murilo parecendo muito chateada. Enquanto Mariana estava com uma taça de vinho
na mão conversando com Guilherme, que lhe olhava como se fosse comê-la ali
mesmo, talvez fosse impressão minha, mas acho que ela já dormiu com mais de um
dos garotos Salles.
Gustavo me pediu licença e foi falar com Thiago que se preparava para
acompanhar o pianista com o violino. Nem pude desfrutar em ver o belo irmão mais
velho do meu noivo tocando o instrumento. Pois um garçom passou com uma
bandeja de algo cheirando a casquinha de siri, quando o cheiro de maresia e ervas
chegaram ao meu nariz, senti de repente o gosto da bile na garganta, levantei
rapidamente e fui ao banheiro a passos apressados.
Entrei em uma cabine e vomitei tudo que comi, há alguns dias não me sentia
tão mal pela manhã. Comecei a suar frio, minhas mãos começaram a tremer, a vista
rapidamente escureceu, me agarrei à borda do vaso e fechei os olhos tentando aliviar
o terrível mal-estar. Inspirei e expirei lentamente tentando melhorar o enjoo. Fiquei
naquela posição por não sei quanto tempo. Quando me senti um pouco melhor
levantei ainda com as pernas tremendo, senti meus joelhos arranhados do piso do
banheiro. Mas me esforcei em ir até a pia e passei água no rosto, para aliviar o calor.
Quando me virei para alcançar o porta-papel senti uma presença atrás de mim. Pelo
reflexo do espelho vi Carolina me encarando.
Santo Deus, será que ela não pode me dar um tempo?
— Carolina, agora não é um bom momento — alertei-a limpando a
maquiagem borrada dos meus olhos.
— Esse é o único momento que temos — insistiu.
— Estou passando mal, me dá licença, por favor — pedi tentando ir em
direção à porta, ela se apressou e plantou o corpo à minha frente.
— Liz, na verdade eu só queria te pedir desculpas. — Eu a encarei surpresa.
— O quê? — perguntei desconfiada.
— É isso mesmo, sinto muito. Na verdade, eu só queria proteger meu irmão
caçula, meu sonho sempre foi que ele viesse morar aqui conosco novamente. Eu
sinto falta dele. Pensei que, se ele ficasse com a Mari, isso iria acontecer. Eu só não
queria mais ficar longe do meu irmão, e acabei atrapalhando tudo. Sinto muito por
ter sido uma cretina com você. Conversei com meu marido e ele me mostrou o
quanto estava errada, se eu continuasse insistindo no erro eu só iria perder ainda
mais meu irmão. — Uma lágrima desceu dos seus olhos, Carolina alcançou minhas
mãos entre as suas, usei meu tato apurado de advogada para sondar se ela estava
mentindo, mas vi sinceridade em suas palavras.
— Tudo bem, Carolina, está tudo bem. — Dei o braço a torcer.
Ela sorriu secando as lágrimas.
— Você me perdoa mesmo? — perguntou.
— Se isso lhe deixa mais tranquila, Carolina, quero que saiba que eu amo o
seu irmão. Eu só quero sua felicidade. Nunca tive intenção de mudá-lo ou de levá-lo
daqui. Eu só quero poder viver em paz o que estamos construindo. Gustavo é a luz
dos meus dias, eu nunca faria nada para magoá-lo. Nunca.
— Eu só quero vê-lo feliz, mesmo que não seja aqui em Belo Horizonte —
Carol falou me abraçando. Eu fico feliz por podermos ter essa conversa, não iria me
sentir bem em ter um clima ruim com a irmã do meu futuro marido. Afinal, seremos
uma família.
Família. Essa palavra era tão desconhecida para mim.
Comecei a me sentir mal novamente, meu estômago embrulhou e, antes que
eu vomitasse o resto do meu café da manhã nela, corri de volta para a cabine do
banheiro.
— Liz, o que houve? — Carolina perguntou batendo na porta.
— Só estou enjoada...
— Ah, meu Deus, vou avisar a Gustavo. O médico te passou algo para o
enjoo?
— Sim, está na minha mala.
— Vou pedir para alguém buscar. Só um segundo que já volto com ajuda.
Carolina saiu rapidamente enquanto eu continuei de joelhos vomitando, a
ânsia continuou e tudo que pude fazer foi me agarrar à borda do vaso e segurar meus
cabelos para livrá-los da sujeira. Alguns minutos depois ouvi a voz de Gustavo e
dona Carmen me chamando, a porta do banheiro começou a tremer pela forma que
Gustavo batia para me fazer abri-la.
— Meu amor, o que houve? Abra essa porta — Gustavo pediu desesperado
esmurrando a madeira.
— Minha querida, abra a porta para eu poder lhe ajudar — Minha futura
sogra falou com a voz nervosa de preocupação.
Empenhei-me em levantar e abri a porta. Gustavo me agarrou apressado me
segurando em seus braços me beijando em todo meu rosto e me afastando para
conferir se estava tudo bem.
— O que houve?
— Nada de mais, só estou enjoada, senti um cheiro no salão que me
embrulhou o estômago. E corri para vomitar.
— Meu Deus, você está pálida! — exclamou me levando para fora do
banheiro.
— Ela está fraca, ainda não almoçou. Leve-a para cima, dê-lhe o remédio
que a médica passou que vou providenciar um chazinho para fazê-la se sentir
melhor — disse dona Carmen correndo para a cozinha.
— Venha, vou levá-la no colo.
— Amor, eu ainda posso andar — falei com vontade de rir.
Mesmo que tenha ficado com muita vergonha, Gustavo atravessou o
restaurante comigo no colo recusando-se a me pôr no chão.
No quarto, ele me ajudou a tomar uma chuveirada para tirar o suor que
estava colando meu vestido no corpo e para limpar as bactérias do banheiro da
minha pele. Vesti uma camiseta de Gustavo e deitei-me. Precisava melhorar, nosso
voo era no final da tarde e ainda tinha um dia cheio de trabalho amanhã.
— Minha flor, o remédio, tome. — Meu futuro marido me mostrou os
comprimidos e o copo de água. Levantei a cabeça e engoli com dificuldade, pois
minha garganta estava dolorida do esforço. Gustavo deitou-se do meu lado me
fazendo cafuné, se ele soubesse o quanto eu amava quando ele ficava preocupado
comigo, há dez anos não sabia o que era ter esse cuidado e toda essa atenção de
alguém. Então, aproveitava.
Escutei uma batida na porta, Gustavo pediu para entrar. Entraram no cômodo
Carolina e dona Carmen segurando uma bandeja. Elas se aproximaram e Carol
perguntou preocupada se eu estava me sentindo melhor. Estranhando sua repentina
gentileza respondi que estava melhorando. Dona Carmen apoiou a bandeja no
criado-mudo e me ofereceu uma xícara de chá.
— Beba, querida, é um chá de gengibre e mel, muito bom para acalmar o
estômago. Sempre que Carol sentia-se enjoada na gravidez da Cléo, ela tomava esse
chá e se sentia bem melhor.
— É verdade, tomei tanto desse chá que hoje em dia não aguento comer
mais nada que tenha gengibre — ela afirmou divertida com uma careta.
— Obrigada — agradeci sentando-me e pegando a xícara.
— Também trouxe alguns limões bem verdes para você cheirar sempre que
se sentir enjoada. Quando você se sentir melhorzinha trago uma sopa leve para você
se alimentar. Você precisa comer por dois agora.
Gustavo observou toda a cena, apreensivo.
— Mãe, fazia dias que minha mulher não enjoava. Como ela pode estar se
sentindo assim? Não seria melhor levá-la ao médico? Podemos ir ao hospital, eu
ficarei mais tranquilo. — Meu motoqueiro superprotetor perguntou alisando minhas
costas. Sorri por ele ter dito que sou sua mulher.
— Toda mulher passa por isso. É só uma fase, Gustavo — disse Carolina,
rindo dele.
— Meu filho, esses enjoos são normais nos primeiros meses; em alguns
casos, as mulheres sentem enjoo a gravidez inteira.
— O quê? Nove meses assim? Eu não vou sobreviver! — reclamei
assustada.
— Liz, nunca mais fale isso! — Gustavo falou exasperado com a minha
brincadeira.
— São apenas em alguns casos, você logo se sentirá bem. Agora tente
descansar. — Ela sorriu, veio até mim e beijou meu rosto.
Tomei o chá em goles pequenos com medo de colocar tudo para fora. Apesar
de todo mal-estar, senti-me feliz por ter pessoas ao meu lado, preocupadas e
cuidando tão bem de mim. De repente, dois homens lindos em seus ternos entraram
no quarto, tornando o lugar pequeno devido a seus tamanhos.
— Ela está bem? — Thiago perguntou preocupado.
— E o bebê? — Guilherme perguntou.
— Estão bem, são apenas enjoos normais da gravidez. Vocês se lembram de
como Carolina ficou na gravidez da Cléo — Dona Carmen explicou.
— Obrigada! — agradeci emocionada. — Obrigada pela atenção, vocês
estão sendo ótimos comigo. Estou me sentindo em casa. Obrigada! — Terminei de
falar com lágrimas nos olhos.
— Agora você é da família, Liz, acostume-se, aqui nós cuidamos uns dos
outros. Agora, minha querida, descanse. Vamos todos, deixem-na descansar — dona
Carmen comandou beijando meus cabelos e empurrando todos para fora do quarto
de volta para a festa no restaurante.
Coloquei a xícara de volta na bandeja, peguei o limão e deitei. Gustavo tirou
o blazer, deitou-se do meu lado e me abraçou.
— Liz, não faça mais isso — ele pediu juntando as sobrancelhas tensas.
— O quê, querido?
— Quando eu voltei para a mesa e não lhe vi comecei a lhe procurar.
Quando já estava subindo para checar se você tinha vindo deitar, Carol me chamou
avisando que você estava no banheiro passando mal. Todo o sangue do meu corpo
foi drenado, nunca fiquei mais desesperado na vida.
— Foi apenas um enjoo, não era para tanto. — Beijei seu peito tentando
acalmá-lo.
— Cheguei a pensar que tinha acontecido algo com você ou com o nosso
bebê.
— Nós estamos bem, amor. Isso já era esperado no início da gravidez, você
ouviu a médica. — Agora estou me acostumando a sempre me referir a mim mesmo
como nós. Antes era apenas eu, agora uso sempre o pronome nós cada vez que surge
a oportunidade. Eu e meu bebê, nós.
Gustavo sentou-se e colocou as mãos na minha barriga, ele começou a falar
com o nosso bebê como se ele pudesse ouvir e entender:
— Oi, baby, papai ficou tão preocupado que tivesse acontecido algo com
vocês. Prometa para o papai que não vai mais deixar a mamãe tão mal, ela precisa
ficar forte para você ser uma criança esperta e saudável, ok? Papai já te ama tanto,
filho. — Ele deslizou as mãos no meu ventre, realizado.
— Amor... — murmurei sorrindo e limpando as lágrimas involuntárias que
caíam do meu rosto. — Eu te amo, Gustavo... eu e o bebê temos tanta sorte por você
ter nos escolhido. Tenho tanto medo de perder você.
— Estou aqui, minha flor, não vou a lugar nenhum.
“Mas talvez você não entenda
Essa coisa de fazer o mundo acreditar
Que meu amor não será passageiro
Te amarei de janeiro a janeiro
Até o mundo acabar...”
De Janeiro a Janeiro – Nando Reis
Gustavo
Quando vi Liz caída naquele banheiro, uma sensação de perda terrível me
atingiu como uma flechada no peito, eu não suportaria perdê-la muito menos o
nosso bebê que ainda nem sabíamos o sexo, mas que já amava como se fosse uma
parte de mim. Até ela explicar que tinha sido apenas um enjoo, eu não parei de
tremer. Se eu pudesse a colocaria em uma caixa longe de toda dor e sofrimento. Liz
já passou tanta coisa na vida. Ela não merecia mais nenhum dia de infelicidade. E eu
me comprometi em fazê-la feliz todos os dias. Enquanto ela cochilava tranquila, me
levantei devagar para não incomodá-la e fui ajeitar nossas coisas nas malas.
Precisava voltar para São Paulo, o resultado dos exames estavam me esperando há
alguns dias. Eu não podia fugir mais disso, mesmo que eu quisesse. Parecia que os
problemas giravam em torno de mim, não havia saída a não ser enfrentá-los.
Minha mãe retornou um tempo depois segurando uma bandeja com uma
canja e um prato de massa para que pudéssemos almoçar. Esqueci literalmente de
comer de preocupação. Depois que terminei tudo, sentei na minha antiga poltrona e
dei uma checada nos meus e-mails e mandei algumas mensagens para Dudu
marcando nosso papo amanhã. Precisava acertar com o médico um plano para que a
cirurgia não atrapalhasse meu casamento.
Um período depois, Liz se mexeu preguiçosa na cama, já era fim da tarde.
Nosso voo estava marcado para as sete da noite, por isso não tinha muita certeza se
conseguiremos sair de Minas Gerais ainda hoje.
— Hummm... que fome... — ela gemeu se espreguiçando.
— Oi, minha flor, minha mãe fez uma canja para você. Como estava
demorando a acordar, ela levou de volta porque já estava fria, mas ainda agora ela
trouxe novamente a sopa quentinha. — Aproximei-me e lhe entreguei o prato, lhe
ajudando a sentar. Ela tomou as colheradas de sopa como se não comesse há dias.
Sorri pelo seu desespero, Liz comeu a canja sem modos.
— Está tudo bem? — perguntei espantado pelo seu apetite descontrolado.
Liz comia bem, principalmente besteiras, coisa que eu estava tentando excluir do
seu cardápio. Mas nunca a vi tão desesperada por comida.
— Hum-hum... — ela resmungou de boca cheia, rasgando um pedaço de pão
e, em seguida, enfiando-o na boca.
Depois da refeição, Liz se sentiu melhor e resolveu que tinha condições de
encarar um voo de volta para Sampa. Apesar da insistência da minha mãe para
ficarmos mais uns dias, minha família nos deixou no aeroporto, inclusive Carolina,
que de uma hora para outra estava tratando Liz como deveria. A viagem de volta
correu bem tranquila, Liz cochilou durante todo o tempo com a cabeça encostada no
meu ombro, enquanto eu segurei sua mão e senti o aroma dos seus cabelos. Acho
que até decorei seu aroma de tanto inalá-lo durante o caminho.
Quando aterrissamos, peguei meu carro no estacionamento do aeroporto e
fomos para casa, entrei na nossa garagem já no fim da noite. Subi nossas malas para
o meu apartamento, que era onde tínhamos ficado na maior parte do tempo. O dia
foi bastante cansativo, tiramos as roupas e caímos na cama, precisava estar disposto
para enfrentar as novidades do dia de amanhã no hospital. Minha mãe e meus
irmãos, exceto Carol, viriam na quarta-feira para também fazer os testes. O que eu
podia fazer era apenas torcer para as coisas começarem a se encaixar.
“Eu olho tão profundamente em seus olhos
Eu toco você mais e mais toda hora
Quando você sai eu estou te implorando para não ir...”
Crazy in love – Beyoncé
Liz
Acordei com um cheirinho de café despertando minhas células olfativas e
também meu estômago enjoado, corri para o banheiro e comecei a vomitar. Deus,
será que isso nunca vai parar? Será que não vou mais conseguir tomar meu café
sagrado de todo dia? Comecei a pensar enquanto os enjoos foram aliviando.
Levantei, baixei a tampa do vaso e dei descarga. Ouvi passos correndo até o quarto.
— Minha flor! — Gustavo gritou vindo até a porta do banheiro.
— Bom dia — tentei soar positiva pela situação.
— Meu Deus, até quando você vai continuar assim? Venha, volte para a
cama, vou te trazer um café.
— Não! Vomitei porque senti o cheiro vindo da cozinha. — Gustavo olhou
para mim com as sobrancelhas cerradas.
— Você enjoou do café?
— Sim, pelo menos o cheiro. — Fui até a pia e escovei os dentes para tirar o
gosto de bile da boca. Vi Gustavo olhando para os meus olhos através do espelho do
banheiro.
— Mas você adora café. — Ele estava inconformado.
— Eu sei. — Cuspi a pasta de dente na pia.
Depois de um começo de dia enjoado, Gustavo me levou ao trabalho um
pouco chateado por eu não ter conseguido comer nada do que ele preparou, além de
dar alguns goles no suco de laranja. Cheguei ao escritório suando e voltando a me
sentir enjoada. Mas eu precisava comunicar ao meu chefe sobre a minha gravidez,
não tinha como esconder isso por muito tempo, sendo assim fui até a sala dele.
— Senhor, preciso lhe comunicar algo muito importante.
O insuportável me olhou por cima de suas lentes grossas dos óculos e
franziu a testa.
— O que é dessa vez? — perguntou.
— Sr. Estefan, eu estou grávida — cuspi as palavras de uma vez antes que
eu perdesse a coragem diante da sua carranca.
— O quê? — perguntou consternado.
— Estou grávida.
— Você é louca, menina?
— Pelo que li no contrato de admissão, não havia nenhuma cláusula dizendo
que eu não poderia engravidar. — Joguei na cara dele.
— Não havia, mas achei que você usaria a lógica.
Pisquei várias vezes olhando-o incrédula. Como ele tem a ousadia de falar
assim comigo?
— Não sei aonde o senhor quer chegar, Sr. Estefan.
— Eu não creio que aqui haverá espaços para suas contínuas faltas, licenças
médicas e tudo que acarreta uma gravidez. Além disso, não vejo um anel em seu
dedo, então deduzo que essa criança é filho bastardo de algum homem casado. Só
espero que não seja de nenhum dos nossos clientes.
— O que o senhor está dizendo? — perguntei com todo o meu corpo
tremendo, minhas mãos em punho apertando tão forte que senti minhas unhas
machucando minha pele.
— Pela lei infelizmente não posso lhe demitir, a não ser que você use seu
bom senso e peça demissão por livre e espontânea vontade, assim será bom para
ambos os lados. Eu não tenho tempo nem paciência para aguentar uma funcionária
que não tem ambição e não preza pela sua carreira, um filho bastardo no começo de
uma carreira no Direito é um erro gravíssimo e irremediável.
Quando ele me cuspiu essa proposta absurda, as lágrimas explodiram dos
meus olhos de tanta raiva. Não acreditei que depois do tanto que já fiz por esse
escritório ele estava me dispensando só porque engravidei, ainda mais me acusando
de maneira tão vil de estar tendo um caso com um dos seus clientes, os mesmos
clientes que sempre tratei tão profissionalmente.
Deus, isso não poderia estar acontecendo!
Usei todo meu autocontrole para não pular em seu e fazê-lo retirar o que
disse. Levantei a cabeça e arrebitei o nariz, limpei as lágrimas que caíram. Já que ele
não era profissional, irei agir como uma. Aproximei-me de sua mesa usando todo
meu autocontrole e bom senso, olhei bem dentro dos olhos dele e disse friamente:
— Ao contrário do que o senhor sugeriu, meu filho não é um bastardo. Ele
tem um pai que, se apenas imaginar que o senhor sugeriu algo deste tipo, não
pensará duas vezes em vir até aqui e quebrar sua cara feia. Na verdade, eu deveria
lhe agradecer por isso, quem não estava mais suportando essa sua falta de brio e
elegância sou eu. Com certeza, seu escritório não tem lugar para mim, porque eu e
meu filho somos bons demais para estarmos no mesmo ambiente que alguém
imundo como você, seu grande cretino! — gritei em alto e bom som garantindo que
todos no escritório pudessem ouvir, virei-me e fui embora batendo a porta.
Saí daquela sala de alma lavada por todas as humilhações que aquele idiota
me fez passar esses anos em que trabalhei aqui, fui até a minha mesa, quer dizer, ex-
mesa, peguei minhas coisas, coloquei tudo em uma caixa e saí do escritório, senti
uma movimentação de cochichos e cabeças olhando para mim sem entender minha
reação. Mas não quis demorar nem um segundo a mais naquele lugar. Nem me
despedi dos meus colegas, eu só queria sumir dali o quanto antes. Apanhei meu
celular na bolsa e liguei para o Gustavo com as mãos ainda tremendo, o celular dele
só dava desligado. Droga! Assim que cheguei à portaria tentei ligar mais algumas
vezes e nada, estava desligado ou fora da área de cobertura. Sentei-me em um banco
e enviei uma mensagem para ele, começando a suar frio. Meu estômago começou a
dar sinal de vida.
“Agora não, por favor!”, implorei mentalmente.
O vai e vem de pessoas com pastas e ternos não paravam no hall de entrada
do edifício, precisava sair daqui. Saí do prédio atordoada com o calor e o barulho do
trânsito, fui até a calçada. Como tinha algum dinheiro podia pegar um táxi até em
casa. A avenida neste horário estava movimentada como sempre, táxis passavam
com seus passageiros, carros voavam apressados soando buzinas desafinadas.
Tentei dar com a mão para os táxis na rua, mas foi em vão. Meu estômago
embrulhou, minhas pernas começaram a tremer em cima dos saltos. De quem foi a
ideia de usá-los mesmo? O suor escorria pelas minhas costas me deixando pegajosa,
tentei mais alguns minutos fazer sinal, para que um táxi vazio parasse. Mas mesmo
que me esforçasse puxando respirações profundas, o enjoo não passava. Segurei-me
em um carro estacionado, apoiei a caixa pesada nele, abaixei a cabeça e vomitei.
Santo Cristo!
Quando já estava limpando a boca senti uma mão pesada no meu ombro,
virei-me assustada pensando ser o dono do carro que acabei de vomitar no pneu ou,
para meu azar, o idiota do Estefan, porém não era nenhum deles e sim Matheus.
“Amor, parece ser um longo caminho
Oh, querida, não me deixe...
Por favor, não me deixe agora…”
Long Way Down – Tom Odell
Gustavo
Assim que deixei Liz no trabalho fui para o hospital, disposto a saber o
resultado da compatibilidade para o transplante. Lá, fui direto à sala do doutor
Antônio, que já me esperava.
— Olá, Gustavo — Ele me cumprimentou sem demonstrar grande surpresa
em me ver de volta. No fundo ele devia saber que eu não viraria as costas para o
meu pai, sabendo que sua vida dependia de mim.
— Como vai, doutor Antônio?
— Estou bem. Obrigado por perguntar — Ele limpou a garganta e
continuou. — Então, preparado para saber o resultado?
— Na verdade, não, mas é o que tenho que fazer. Antes, queria lhe dizer que
meus irmãos virão na quarta-feira fazer o teste. Estou contando que um deles possa
fazer o transplante no meu lugar. Tenho muitas competições importantes nos
próximos meses, assinei contratos com patrocinadores que não posso simplesmente
ignorar. Além disso, minha noiva acaba de descobrir que está grávida e, como ela
não tem ninguém na cidade, preciso cuidar dela e das providências para organizar o
nosso casamento, que será daqui a alguns meses. Fazer um transplante de rim agora
vai bagunçar toda a minha vida, pessoal e profissional.
— Realmente sua vida parece bem cheia no momento.
— Sim, mais do que nunca.
— Eu entendo, neste caso seria melhor mesmo se outra pessoa pudesse fazer
a doação. Quero que você entenda que a cirurgia é algo delicado por se tratar da
retirada de um órgão grande, então leva algum tempo de recuperação no pós-
cirúrgico e uma série de cuidados, como visitas semanais ao hospital no primeiro
mês, por exemplo.
— E ele como está?
— Quem, seu pai? — O médico perguntou apenas para me irritar, ele sabia
que era dele mesmo que eu perguntava.
— O senhor sabe que sim — respondi e ele sorriu como se gostasse de me
ver confessar que me importava.
— Ele passou bem o fim de semana, precisamos mantê-lo estável até
encontramos alguém compatível. A bactéria que ele havia adquirido foi combatida e
estamos controlando suas taxas para que ele esteja bastante forte para o
procedimento cirúrgico.
Suspirei e pedi para ele falar logo esse resultado, já não aguentava mais de
ansiedade. Dr. Antônio abriu os envelopes com os exames e os examinou com a
testa franzida.
— Então, doutor? — perguntei estralando os dedos da mão, apreensivo.
— As notícias são boas, seus exames estão perfeitos, Gustavo.
— O que isso quer dizer? Significa que eu sou compatível?
— Sim. — O doutor Antônio sorriu para mim.
Escutei essa pequena palavra de apenas três letras e minha cabeça começou a
girar, eu nunca acreditei que isso realmente seria possível. Mas agora que a ficha
caiu, eu não sabia o que fazer.
— Gustavo, você está bem? — o médico perguntou.
— Sim, só estou surpreso.
— Não se preocupe, vamos aguardar até seus outros irmãos virem fazer o
exame. Enquanto isso, não se preocupe antes do tempo. Tudo bem? Vamos achar
uma solução.
Despedi-me do médico e saí do hospital. Dirigi com a vista embaçada. Fiz
vários círculos com o carro no quarteirão do meu prédio. Não sabia o que fazer, Liz
precisava de cuidados, nosso casamento estava próximo. Como eu conto isso para
ela? Eu disse que meu pai morreu. Como, porra, saio desse emaranhado de
mentiras no qual entrei? O que eu faço agora? Deixo meu pai morrer e evito
decepcionar a mulher que amo? Ou corro o risco de perdê-la e salvo a vida do meu
pai?
Porra! Esmurrei o volante e peguei meu celular no porta-luvas, liguei e vi
que havia uma mensagem de Liz.
Estou indo para casa, te liguei e seu celular está desligado.

Droga!
Será que ela passou mal novamente? Deixei o celular desligado para ela não
me ligar enquanto eu estivesse no hospital e eu ter que inventar outra mentira. Fui
para casa.
“Todas as coisas que quero dizer
Não estão saindo direito
Estou tropeçando nas palavras, você deixou minha mente girando
Eu não sei aonde ir a partir daqui...”
You and me – Lifehouse
Liz
— Liz? Está tudo bem? — Matheus perguntou me ajudando a ficar em pé.
— Sim, é só um enjoo.
Ele olhou para a caixa que eu segurava.
— Liz, você está suando. Estranho, o dia hoje está tão frio. Você tem certeza
de que está bem, quer que eu te leve até seu carro? Você parece pálida.
— Não estou com meu carro, Gustavo me trouxe, estou tentando pegar um
táxi. Mas todos estão ocupados. — Soltei um suspiro frustrada.
— Essa caixa é o que eu estou pensando que é? — Matheus me lançou um
olhar especulativo.
— Ah... sim, acabei de pedir demissão do trabalho.
— Sinto muito, tem algo que posso fazer para te ajudar? Um táxi neste
horário será um milagre. Se quiser posso te dar uma carona.
— Você faria isso? Faz um tempo que tento chamar um táxi e todos me
ignoram.
— Claro, Liz, estou indo vistoriar uma obra, não seria nada de mais ajudá-la.
— Obrigada.
Matheus me ajudou com a caixa contendo meus pertences até entrarmos no
seu carro, peguei um limão na minha bolsa e comecei a cheirar, ele me olhou de
canto de olho estranhando, mas o ignorei, o cheiro cítrico da fruta foi aliviando o
enjoo.
— Liz, vou sentir falta de te ver todos os dias — Matheus falou sorrindo.
— Ah, nos vemos por aí em breve, não precisa se preocupar, São Paulo não
é tão grande assim.
— Olhe que sou bom em encontrar pessoas — ele falou divertido.
Sorri pela graça, e continuei olhando os carros passando ao nosso lado para
afastar a lembrança do enjoo. Meu estômago continuou dando voltas, rezei baixinho
para chegar logo em casa. Cada vez que parávamos em um sinal sentia que ia
morrer.
— Você parece chateada — Matheus sondou, curioso.
— E estou, mas vai passar.
— Quer falar sobre isso? — sondou.
— Não, agora não. Senão vou voltar a chorar e isso é tudo que não quero.
— Foi tão horrível assim o que aconteceu lá?
— O que me fez tomar essa atitude foi horrível, mas mesmo assim estou
ponderando se fiz a coisa certa.
— Não sei o que houve no escritório, Liz, mas sei que o que quer que tenha
sido não merece as suas lágrimas.
— Obrigada, Matheus. — Sequei uma lágrima e me esforcei para ser forte.
Vinte minutos depois, Matheus estacionou na frente do meu edifício. Antes
de destravar as portas para que eu pudesse descer, Matheus abriu o porta-luvas
pegou um cartão de visita e estendeu para mim.
— Esse é o número do meu telefone. Caso precise de alguma coisa não
hesite em me ligar, ok? Gosto muito de você, Liz, espero que seja feliz.
Fiquei envergonhada em recusar, peguei o cartão e coloquei-o na bolsa, não
tinha nada de mais em ter o telefone de um amigo. Agradeci sua gentileza em me
trazer e subi, depois de prometer sempre ligar para dar notícias.
Fui direto para o apartamento de Gustavo, sua casa se tornou tão familiar
para mim que, às vezes, preferia ir para lá, a subir mais dois andares até o meu
apartamento. Sua casa me mantinha perto dele, mesmo que fosse apenas uma
sensação. Entrei com a cópia das chaves que ele me deu no dia seguinte de ser
informada que estávamos namorando. Só de lembrar desse dia tenho vontade de rir.
Tirei os sapatos e olhei em volta do apartamento, ele não estava aqui. Fui até
a cozinha, tomei um remédio para enjoo, coloquei uma roupa mais confortável e
deitei na sua cama. Quando estava quase cochilando, o telefone residencial tocou
me assustando. Ninguém nunca ligava neste número, senti um calafrio atingir minha
espinha, isso era um mau sinal, comecei a pensar em quem ligaria para esse número.
Corri até o aparelho e atendi.
— Alô? — perguntei apreensiva.
— Olá, bom dia. Aqui é do Hospital Santa Cecília, eu poderia falar com o
Sr. Luiz Gustavo, por favor. — Uma voz feminina falou do outro lado da linha.
Hospital? Meu coração acelerou. O que será que houve?
— Aqui é a noiva dele, ele não está em casa. Aconteceu alguma coisa?
— A senhora pode lhe passar um recado?
— Claro.
— Avise a ele para não esquecer de vir pegar o resultado de seus exames.
— Exames? — perguntei sentindo todo meu corpo tremer.
— Sim, obrigada — A moça falou e desligou.
Fiquei tentando compreender o que ela quis dizer com exames. Recordei-me
de que, quando dei uma carona a ele no dia que nos conhecemos, deixei-o em frente
ao hospital Santa Cecília, provavelmente não era nada de mais. Talvez fossem
exames de rotina que ele precisou fazer para as competições esse mês. Ou será algo
sério que ele não tenha me contado? Minha cabeça começou a fazer mil suposições.
Mas não podia tirar uma conclusão precipitada, Gustavo nunca me esconderia algo
sério sobre sua saúde, até porque nunca percebi nada que me levasse a suspeitar que
ele estava doente. Enchi um copo d'água na cozinha e sentei-me no sofá. Fiquei sem
saber no que pensar, minha cabeça estava atordoada de problemas. E agora mais
essa pulga atrás da minha orelha. O que o hospital queria com ele?
Deus! O que mais precisa acontecer para piorar o meu dia? Perdi meu
trabalho, eu não o amava, mas era o que pagava minhas contas e o que me mantinha
próxima das crianças no orfanato. Como vou pagar as dívidas do mês? Vou precisar
entregar o meu apartamento. Onde irei morar? Não sei o que farei com as despesas
do casamento e do bebê. Tinha algum dinheiro na poupança devido a todos os anos
em que fui controlada, mas esse dinheiro não dava nem para manter meu
apartamento por três meses de aluguel. Meu chefe sempre pagou mal, nunca sobrou
muito para guardar.
Minha cabeça ia explodir!
Quando estava travando uma batalha entre como conseguir um novo
emprego e pagar as contas, a porta se abriu para um Gustavo desesperado, seus
olhos estão vermelhos e seu cabelo estava mais despenteado do que o normal.
— O que houve? — ele perguntou correndo em minha direção e me
abraçando apertado.
— Ei, estou bem — disse tentando acalmá-lo.
— Você estava chorando? — Gustavo me examinou.
— É uma longa história...
— Conte-me, tenho tempo para ouvi-la. — Gustavo se sentou ao meu lado
no sofá.
— Contei ao meu chefe sobre o bebê e ele disse coisas horríveis, e insinuou
que o bebê poderia ser de um dos clientes, você acredita? Ele deixou claro que não
havia espaço na empresa para mim, porque eu estava esperando um filho, aí eu
surtei. Como ele pode dizer algo assim, quando trabalhei feito uma louca naquele
escritório? Ele só precisava me liberar uma vez ou outra no mês para que eu fosse às
consultas do pré-natal, e o desgraçado simplesmente fez eu me sentir uma vadia,
quem pode fazer isso com alguém que acabou de descobrir que está gerando uma
vida? Ele disse que eu era burra por interromper minha carreira, me acusou de ter
um filho bastardo de algum homem casado, porque ele não viu uma aliança no meu
dedo. — Comecei a chorar novamente, como a manteiga derretida que me tornei
nesses últimos meses. Só de me lembrar da cara de nojo do senhor Estefan, meu
estômago embrulhou e eu tive mais vontade de chorar.
— Liz, como esse idiota teve coragem de te falar algo assim? Eu vou
quebrar a cara desse palhaço! Ele nunca poderia ter dito algo tão horrível sobre você
e, principalmente, sobre o nosso filho. Eu vou voltar lá agora e destruir a cara dele,
ele tem que respeitar a minha mulher. Vou mostrá-lo que ele mexeu com quem não
devia! — Gustavo gritou com as veias do pescoço saltadas, as narinas dilatadas e os
olhos escuros, tomado de ódio.
— Não!!! — Segurei seus ombros. — Não vá, eu disse tudo que estava
entalado na minha garganta, ele ouviu poucas e boas antes que eu saísse.
— Liz, ele foi longe demais.
— Depois que gritei com ele, juntei minhas coisas e vim embora, mas eu não
devia ter feito isso, eu me precipitei.
— O quê? Eu não ia deixar você trabalhar com aquele imbecil, Liz. Que tipo
de homem eu seria? Você agiu certo em vir embora.
— Meu amor, você não está entendendo. Agora não tenho como pagar
minhas contas, terei que devolver o apartamento, e tem as despesas com o bebê e
com o casamento. Esse foi o pior momento para isso acontecer — disse secando as
lágrimas com as costas das mãos.
— Porra, Liz, eu sou um homem! Nós vamos nos casar e você está com meu
filho na barriga. Você acha mesmo que eu ia aceitar seu dinheiro? Meu dinheiro
agora é nosso, eu ganho uma pequena fortuna dos meus patrocínios mensalmente,
dará suficientemente para vivermos. Economizei bastante grana ao longo dos anos,
isso não será um problema para nós. E mesmo se fosse, eu sou um homem, eu iria
trabalhar para sustentar você e nosso filho e dar a vida que vocês merecem.
— Eu não quero depender de você. Nunca dependi de ninguém, sempre fui
independente... Sempre andei com minhas próprias pernas... me orgulho disso —
disse muito triste por estar nesta situação, mas muito admirada da sua generosidade
e caráter em não me desamparar.
— Ei, pare de chorar. Pra que andar com suas próprias pernas se posso te
carregar no colo? Venha cá, esse idiota perdeu a melhor funcionária que ele tinha e
terá na vida. — Sentei em seu colo encaixando meu rosto em seu pescoço.
— Sempre fui sozinha, é estranho poder contar com alguém. É horrível a
sensação de não ter mais um salário no fim do mês.
— Você nunca mais estará só, Liz. Agora somos eu, você e nosso filho.
Acho que, enquanto você estiver grávida, vai ser difícil conseguir outro emprego,
mas quando o bebê nascer tenho certeza de que conseguirá uma oportunidade ainda
melhor. Pense pelo lado positivo, poderemos organizar a chegada do bebê e os
preparativos do casamento com calma. Também poderá me acompanhar nas
competições desse mês, teremos mais tempo juntos, teremos mais tempo para
sermos felizes.
— Você sempre vê o lado positivo nas coisas. Amo você.
— Também amo você, Liz, você e nosso filho são minha prioridade agora.
Espere, tenho duas coisas para lhe dar. — Gustavo se levantou e caminhou até o
quarto, ele voltou segurando a sacola que o vi comprando em Minas Gerais.
— Tome, abra. — Ele me estendeu o pacote. Peguei, abri a embalagem e
meus olhos se encheram de lágrimas quando vi o palhacinho de tecido que vi na
lojinha de artesanato, lá em Belo Horizonte.
— Que lindo! — Abracei o boneco e sorri para ele agradecida. Ele comprou
o primeiro brinquedo do nosso filho ou filha.
— Eu vi que você gostou dele na loja, esse é o primeiro presente do nosso
bebê. Eu queria ser o primeiro.
— Eu amei, meu amor, é lindo. Tudo que você tem feito por mim é perfeito.
— Mas tenho outra coisa para você, o que o idiota do seu chefe falou sobre
não ter uma aliança no seu dedo era só uma questão de tempo. Eu estava procurando
a melhor ocasião, mas não vejo melhor momento para isso do que agora, pensei em
propor-lhe em uma situação mais romântica, mas não sou muito de seguir
protocolos, você deve ter percebido pela forma que entrei na sua vida, de repente e
tomando conta de tudo. — Gustavo fez uma pausa, respirou profundamente e
segurou meu rosto com ambas as mãos, me fazendo olhá-lo dentro dos olhos e
depois continuou: — Quero que saiba que estou inteiro nisso, eu quero você, Liz.
Quero nossa família, quero acordar todos os dias ao seu lado, quero que você tenha
meu nome, quero ser tudo que você precisa e com quem você pode contar. Quero
ver nosso bebê crescer, e que você esteja comigo em todos os momentos. Vocês
foram as melhores coisas que aconteceram na minha vida. Você, Liz, foi uma
exceção no meio de tanta gente sem sentido que a vida me fez conhecer, você me
fez acreditar que é impossível ser feliz sozinho, que amar pode ser a coisa mais
gratificante quando se é amado de volta. Seu amor me transformou em um homem
melhor. E por isso eu quero saber se você quer ser minha, mesmo sabendo que eu
não tenho um diploma para pendurar na parede, que sou um bruto tatuado que ganha
a vida arriscando o pescoço em cima de uma moto, mas que é cheio de esperança e
te ama como um louco. E é com muita esperança que te pergunto: Você aceita casar
comigo?
Oh, meu Deus! Eu preciso responder?
Pulei em seus braços e o abracei tão apertado quanto pude. Eu o amava
tanto, sentia como se cada fibra do meu corpo dependesse dele para continuar em
funcionamento, eu não poderia mais negar, ou criar desculpas, logo eu, Liz Maria
Albuquerque, a mulher que se vestia de indiferença e fingia todo esse tempo não ter
sentimentos, se apaixonou perdidamente e não pode mais viver sem isso, sem
Gustavo, sem o meu motoqueiro.
— Eu te amo, tanto, tanto — confessei contornando seu rosto perfeito com
meus dedos, prendendo meus olhos nos seus.
Gustavo me lançou seu melhor sorriso, aquele sorriso que fez com que me
apaixonasse por ele, aquele sorriso sexy que destruiu qualquer barreira que criei a
minha volta, e é como se na vida nada mais importasse, se eu apenas tiver esse
sorriso lindo todos os dias sei que ficarei bem. As lágrimas que antes eram de
tristeza e frustração por ter perdido o emprego, agora são de felicidade por Deus ter
colocado na minha vida um homem tão perfeito. Meu Gustavo.
— Isso é tudo que eu preciso — disse deixando as lágrimas lavarem meu
rosto.
Gustavo me abraçou tão forte que senti as batidas do seu coração contra o
meu peito, ele se afastou e tirou uma caixinha azul de veludo do bolso, abriu a
tampa e me mostrou um anel de ouro branco com uma pedra oval de um azul tão
claro e límpido que nem pude acreditar que fosse real, fiquei de boca aberta e com
as mãos tremendo sem saber o que fazer.
Ele tirou a pequena esfera brilhante da caixinha, alcançou minha mão direita
e deslizou-o no meu dedo. Cobri a boca com a mão livre, sem poder conter minha
emoção.
— Eu pensei em lhe comprar um diamante, mas quando vi esse anel com
essa turmalina paraíba azul da cor dos seus olhos, eu não resisti. Ele tinha que ser
seu. Quando você acorda e abre os olhos para mim é como se eu visse em seu rosto
duas pedras como essa, tão claras e profundas que tenho vontade de mergulhar neles
e nadar em direção a sua alma.
— Meu Deus... — choraminguei.
— Você gostou? — ele perguntou beijando minha mão onde colocou o anel.
— Meu amor, eu estou sem palavras. É perfeito, você é perfeito... eu te amo
tanto. — Beijei-lhe os lábios delicadamente como se a qualquer movimento eu
pudesse quebrar aquele encanto que estávamos vivendo.
Gustavo me pegou no colo até o quarto, caímos na cama e fizemos amor, o
mais puro e sublime amor. Lento, sem pressa, apenas dando e recebendo prazer,
para selar nossa felicidade e nossa promessa de pertencermos um ao outro pelo resto
da vida e de toda a eternidade. Porque o que sentia por Gustavo com certeza não
será suficiente ser vivido em uma única vida, mas em milhares de vidas depois
desta.
Depois de um banho delicioso de banheira deitamos no sofá abraçados,
Gustavo conectou o celular no sistema de som e ficamos escutando nossas músicas
preferidas do Coldplay, apenas sentindo o calorzinho um do outro, neste dia frio de
São Paulo.
— Minha flor? — Gustavo falou depois de algum tempo.
— Hum? — gemi sonolenta.
— Como veio para casa? Você pegou um táxi?
— Não, na verdade passei mal quando saí do escritório e o Matheus me
ajudou me oferecendo uma carona.
— Quem? — ele exclamou desfazendo o semblante sereno para dar lugar ao
desespero, como se eu tivesse dito que peguei uma carona com um chefão da máfia
russa.
— Matheus me deu uma carona, seu telefone só dava desligado e eu estava
passando mal. O que foi, meu amor? Foi apenas uma carona, eu não conseguia um
táxi.
— Nada, eu só não gosto daquele idiota! — Gustavo apertou ainda mais seu
domínio sobre mim.
— É, mas o idiota me socorreu quando você não estava lá. Matheus me
ajudou, você deveria ser grato por isso.
— Liz, me desculpe. Eu estou sendo um ogro possessivo — Gustavo falou
me beijando na bochecha.
— Por que você não confia em mim? Será que sempre vamos voltar a bater
na mesma tecla?
— Me desculpe. Nunca estive em um relacionamento sério com ninguém,
você precisa ter paciência comigo. Eu não sei se estou fazendo certo, eu só quero ser
bom para você e acabo me atrapalhando. Tenho tanto medo de perdê-la que termino
enfiando os pés pelas mãos e me atrapalho todo. Me desculpe... — Gustavo suspirou
pesarosamente e passou as mãos pelos cabelos, livrando-os da testa.
— Claro que você está fazendo tudo certo, só precisa ser um pouquinho
menos ciumento. Tudo bem? Eu também estou aprendendo.
— Vou tentar. — Ele beijou minha têmpora.
— Ah Gustavo, já ia esquecendo. Ligaram para cá ainda agora — lembrei.
— Quem era? Ninguém liga nesse telefone. — Gustavo franziu a testa
curioso.
— Era do hospital Santa Cecília, pediram para você ir buscar seus exames.
Está tudo bem com você? — perguntei apreensiva, vi o semblante de Gustavo
rapidamente mudar.
— Claro — exclamou.
— Exames de rotina? — sondei desejando que ele me falasse mais sobre o
assunto.
— Sim, me esqueci de ir buscá-los. Agora vem cá, não quero falar disso,
quero beijar minha futura esposa — respondeu me puxando para um beijo
devastador.
Minutos depois, não lembrava nem do meu próprio nome.
***
Os próximos dias foram tranquilos, as manhãs sempre enjoadas e as tardes
de muita fome, sem falar nas mudanças de humor repentinas, mudava do estado de
choro a sorrisos em questão de segundos. Gustavo estava sendo um príncipe em
lidar comigo e meu turbilhão de hormônios. Nunca imaginei que estar grávida fosse
tão louco.
Todas as tardes Gustavo ia para o sítio treinar, o que me deixava com um frio
na barriga durante todo tempo que ele estava fora. Ficar desempregada e sozinha em
casa me dava muito tempo livre para me preocupar, o bom é que ele sempre
chegava suado e com as botas cheias de lama, o que me deixava muito excitada. Às
vezes, eu o acompanhava nos treinos, levava uma manta grossa, travesseiros,
lanches e bebidas, deitava sob a sombra do velho carvalho e lia um livro enquanto
ele fazia suas voltas. Dudu sempre estava por perto, então nunca mais pudemos
repetir a nossa cena sobre a moto, mas me contentava em apenas vê-lo correndo e
voando alto no céu. Nunca pensei que lama e suor me deixasse tão louca.
No próximo fim de semana, ele tinha uma competição no Rio e por isso
estava tão focado nos treinamentos, e eu estava animada para poder conhecer a
cidade e aproveitar as praias ao lado do Gustavo. Ele estava pirando só porque
comprei um biquíni novo para a ocasião e desfilei com ele pela sala para saber sua
opinião.
Cris me ligava todos os dias, ontem almoçamos juntas e ela me contou que o
ex-namorado viciado em drogas não lhe procurou mais desde aquele fatídico dia, o
que me deixou muito mais tranquila porque aquele cara não era de confiança. Ela
também me disse que estava acompanhando o casal Sherman no processo de
adoção, sei que ela fará o possível para ajudar o Ricardo, ele merecia conseguir a
guarda do Samuel.
Gustavo tem sido muito parceiro e amoroso, nossas vidas pouco a pouco
foram se encaixando, terminamos a mudança das coisas do meu antigo apartamento
ontem, trouxe tudo que dava, o restante dos móveis e utensílios doei ao abrigo. Os
quadros que meu pai me deu Gustavo fez questão de colocá-los na sala e um deles
no quarto, ele disse que queria acordar e poder ver as flores que o fazia lembrar-se
de mim.
Fofo, não é?
Dona Carmen ligava todos os dias para saber como eu queria os detalhes do
casamento, pelo bom gosto dela, tinha certeza de que seria uma festa linda, ela e
Carol ficaram de vir na próxima semana me ajudar a escolher um vestido
juntamente com Cris. Também nos falamos no Skype para conversar sobre os
preparativos, minha sogra e minha cunhada estavam ensandecidas com todos os
detalhes. Carolina parecia querer se redimir pela forma que me tratou no primeiro
momento, decidi que sempre era melhor tê-la como amiga, do que como inimiga.
Carolina era irmã do homem que eu amava, eu precisava me dar bem com ela.
Jurei que não ia me tornar uma noiva enlouquecida, mas as borboletas
voando no meu estômago constantemente não me deixavam esquecer que em
questão de dias veria meu motoqueiro em pé no altar, lindo como um príncipe
encantado, esperando por mim, quer dizer, esperando por nós.
“Só agora eu sei o quanto
A minha vida e o meu amor
precisam permanecer
No seu coração e na sua mente
Eu estarei com você por todo o tempo...”
Wherever you will go – The Calling
Gustavo
Quando entrei em casa aquele dia e vi Liz me olhando com o rosto inchado
de tanto chorar, eu sabia que algo estava errado. Saber que ela perdeu o emprego por
estar grávida do meu filho me deixou puto. Como aquele idiota foi capaz de fazer
uma coisa dessas? Liz sempre foi uma excelente funcionária, sempre trabalhava
além do seu horário para agradar aquele imbecil e ainda trazia trabalho para casa.
Faltou-me pouco para ir naquele escritório e lhe encher de pancada, pensando bem
agi certo em ouvir Liz e não ir enfrentá-lo.
O cara era advogado e não seria bom para a minha imagem sair por aí
batendo nas pessoas, com certeza a notícia repercutiria na imprensa e eu perderia
meus patrocínios, o que seria uma merda. Só ia ser mais confusão, e eu estava
querendo me livrar de problemas, já estava cheio deles. Mas estava disposto a
qualquer coisa para proteger minha mulher. E faria se ela não tivesse me pedido
para ficar.
Vê-la ali tão triste e sentindo-se derrotada, só me deu mais coragem de pedi-
la em casamento. Comprei o anel assim que soube da gravidez, só planejava fazer o
pedido em outras circunstâncias. Quis esperar o momento certo, eu tinha planejado
levá-la para jantar em um lugar bacana e finalmente fazer o pedido oficial,
entretanto, não poderia ter sido um momento melhor, o olhar de admiração que ela
me deu quando mostrei meu primeiro presente para o bebê me deixou com o peito
explodindo de alegria, e as lágrimas de felicidade depois que a pedi em casamento e
lhe dei o anel me fez o homem mais feliz do mundo. Liz não precisava de jantares
caros, champanhes finos e nada dessa merda de gente grã-fina, ela só precisava de
amor e cuidado, e isso eu tenho dado a ela. Liz é o que faz meu mundo girar, disso
não tenho dúvidas.
Quando ela falou da ligação do hospital, não tive outra opção a não ser
confirmar que eram exames de rotina. Não queria estragar o momento. Essa omissão
estava virando uma bola de neve, prestes a me soterrar. Esse seria o momento
perfeito para contar a ela sobre tudo, mas eu não queria estragar o pedido e nem a
deixar mais triste. Então, tratei de mudar de assunto e procurar outro dia e outra
maneira de contar tudo para ela.
Meus irmãos e minha mãe vieram a São Paulo para fazer o teste de
compatibilidade, vieram e voltaram no mesmo dia. Não contei a Liz, preferi omitir
novamente. Outra grande furada da minha parte, mas eu ainda não estava pronto
para contar que vinha mentindo para ela desde o começo. Que homem eu sou?
Mentindo para mulher que eu amo, porque tive medo de contar a ela que meu pai
me abandonou e que eu estava ponderando se ia salvar ou não a sua vida. Talvez,
quando descobrisse toda essa história, ela deixe de me amar e de me ver com os
mesmos olhos.
Afinal, eu deixei o orgulho esmagar minha compaixão pela vida do meu
próprio pai, mesmo eu tendo aceitado fazer a cirurgia, eu neguei-me a isso no
começo e estou prolongando o máximo que posso agora, porque simplesmente não
posso deixar de lado meu passado e meus fantasmas de criança. Como isso pode ser
visto com bons olhos por alguém com o coração como o da Liz?
Quando contei ao meu técnico que possivelmente farei uma cirurgia, Dudu
detestou a ideia, mas ele sabia que a decisão era exclusivamente minha, meu amigo
sabia o momento certo de me deixar assumir as rédeas da minha carreira. Ele não
concordou, mas me apoiou e era isso que esperava dele. Enquanto esperava o
resultado dos exames dos meus irmãos, seguia minha vida vivendo um dia de cada
vez.
Remexi-me na cama e abri os olhos, Liz estava abraçada ao meu corpo, sua
cabeça descansando sobre o meu peito, os braços ao redor da minha cintura me
apertando firmemente, o edredom cobrindo apenas uma parte de sua bunda nua sem
calcinha. Fiz cafuné em seus cabelos macios e deslizei minhas mãos em suas costas.
— Hummm... — ela gemeu manhosa como fazia toda manhã.
— Bom dia, dorminhoca.
Ela fez uma careta preguiçosa e abriu os olhos, me lançando dentro do azul
mais profundo que já vi. E cada vez que ela me olhava assim, me deixava
desconcertado e louco de amor.
— Será que o bebê terá seus olhos? — perguntei lhe fazendo cafuné.
— Por quê? — perguntou levantando a sobrancelha clarinha.
— Porque eu amo os seus olhos. Esse tom azul profundo que eles têm é tão
especial, Liz, queria muito que nosso filho herdasse a cor deles.
— E eu amo a cor âmbar dos seus, mas posso concordar com isso se ele for
moreno como você.
— Tudo bem, pode ser moreno, mas tem que ter seus olhos. Será uma boa
mistura, não?
Rimos juntos.
— Vamos para o Rio amanhã à tarde, aproveitamos a noite e no sábado será
a competição. Vou ter que dar algumas entrevistas após a corrida, mas assim que
terminar voltamos juntos para o hotel. Dudu também estará lá conosco, vou me
livrar dele e dos repórteres e podemos curtir nosso domingo na praia, só nos dois. —
Lhe joguei de costas na cama e comecei a beijá-la lentamente, contudo, Liz não se
deixou vencer pelo meu charme assim tão rápido.
— Gustavo, só me prometa que vai se cuidar durante a corrida.
— Liz, eu agora sou um pai de família — brinquei, continuando a lhe tentar
com meus carinhos.
— Então prometa que sempre vai voltar para mim.
— Claro, minha flor. Estou aqui e não vou a lugar nenhum.
Depois de fazermos amor e de um bom café da manhã, fui ao hospital ver o
resultado dos testes dos meus irmãos, e de lá para o meu último treino antes da
competição.
“Por que todas as estrelas estão desaparecendo
Apenas tente não se preocupar, você as verá algum dia
Pegue o que você precisa
E siga seu caminho
E faça seu coração parar de chorar…”
Stop Crying Your Heart Out – Oasis
Liz
Enquanto Gustavo estava no treino, aproveitei para arrumar uma mala
pequena com as coisas que levaria para o Rio de Janeiro, coloquei short, vestidos e
alguns biquínis com a pura intenção de provocar meu motoqueiro. Terminei de
arrumar tudo e decidi fazer um chá, já que estava evitando cafeína. Quando
atravessei o corredor em direção à cozinha, o telefone residencial tocou me
assustando mais uma vez. Torci o nariz desconfiada e fui atender, um mau
pressentimento me tomou assim olhei para o aparelho. Peguei-o em minha mão e
encostei-o ao ouvido.
— Alô?
— Olá, é do Hospital Santa Cecília. Eu poderia falar com o Sr. Gustavo
Salles?
— Oi, aqui é a noiva dele, é sobre os exames? Eu o avisei para ir buscá-los,
achei que ele já tivesse ido.
— Não, dessa vez é outro assunto.
Que outro assunto? Meu sexto sentido me dizia para tentar descobrir.
— Gustavo está no banho. Pode me dizer que assim que ele terminar dou o
recado.
— Ah, tudo bem. O doutor Antônio pediu para avisá-lo que compareça o
mais rápido possível ao hospital na próxima segunda-feira.
— Segunda, certo. Como é mesmo o nome do médico que ele deve
procurar? — perguntei sentindo meu coração pulando no peito. O que está
acontecendo?
— Dr. Antônio Pontes, médico do setor de cirurgias nefrológicas e
transplantes.
As últimas palavras que a telefonista disse congelou todas as partículas do
meu corpo no lugar, esqueci como me mover e respirar.
Não pode ser.
Gustavo está se consultando com um cirurgião e não me falou nada? Mas
para quê? Ele parece tão bem, então por que, meu Deus? O que isso significa? Foi
por isso que ele estava no hospital naquele dia que descobri sobre o bebê. Isso quer
dizer que ele está doente?
Mesmo desnorteada peguei minha bolsa, eu precisava fazer alguma coisa,
uma luz se acendeu na minha mente.
Eu sabia para onde ir.
***
Estacionei na frente do hospital em uma freada brusca, algumas pessoas que
passavam olharam em minha direção assustadas, mas não tive tempo para isso.
Entrei correndo na recepção, parei no meio do hall de entrada, girei ao redor
procurando alguém que pudesse me ajudar. Localizei uma enfermeira, corri até ela e
mesmo sem fôlego perguntei onde encontrava a sala do Dr. Antônio Pontes. A
enfermeira me disse e saí correndo gritando um agradecimento pela ajuda. Quando
entrei na sala indicada encontrei vários pacientes sentados esperando para serem
atendidos. Parei ofegante e, assim que olhei para a porta ao qual todos estavam
olhando ansiosos para serem chamados, vi as costas largas vestindo a jaqueta de
couro que eu tanto amava.
Gustavo.
Ele estava entrando na sala do médico, ele não podia me ver, mas antes que
ele abrisse completamente a porta eu gritei:
— Gustavo! — Minha voz saiu aguda. Ele girou na direção da minha voz e
me olhou de olhos arregalados, como se não acreditasse que eu estava ali de
verdade.
— Liz! — Gustavo pronunciou meu nome completamente transtornado.
— Você está mentindo para mim? Você está doente? — perguntei com olhos
ardendo de lágrimas não derramadas.
— Minha flor, eu posso explicar! — Gustavo disse andando em minha
direção, mas eu não podia ouvir nada naquele momento. Caminhei para trás
esbarrando em um senhor que ia entrando na sala. Comecei a sufocar.
Como Gustavo pode ter mentido para mim todo esse tempo sobre sua
saúde? Logo para mim? Como eu fui burra, como fui tola por acreditar que eu podia
confiar em outra pessoa.
Corri pelo hospital ouvindo os gritos desesperados de Gustavo me
chamando, entrei no carro e saí para o tráfego cantando pneus. Não podia ouvi-lo,
não queria desculpas para suas mentiras. Não podia acreditar que ele mentiu, que
estava me enganando sobre seu estado de saúde.
Minhas mãos tremiam contra o volante do meu carro, meu coração batia
acelerado e minhas bochechas estavam queimando, enquanto o suor escorria pelas
minhas costas.
Dirigi até em casa enquanto chorava balbuciando palavras desconexas, subi
o elevador ignorando a cara dos vizinhos. Quando entrei no apartamento dele
comecei a me perguntar o que iria fazer?
Sentei-me no sofá e esperei, era tudo que podia fazer. Eu deveria ter lhe dado
a chance de se explicar com calma. Meu Deus, como fui idiota de ter fugido dele
sem ter lhe dado uma chance de falar! Eu deveria ter entrado com ele no consultório
e ouvido o que quer que aquele médico tinha a lhe dizer. Como posso dizer amá-lo
se na primeira adversidade lhe deixei sozinho?
“Eu sei que algum dia você terá uma vida bonita,
eu sei que você será uma estrela
No céu de um outro alguém, mas por quê?
Não pode ser, não pode ser no meu?
Nós, deveríamos ficar juntos!
Black – Pearl Jam
Gustavo
Corri atrás de Liz por todo hospital, vi-a entrando no carro e saindo para o
tráfego dirigindo feito uma louca, os pneus cantavam enquanto ela se infiltrava no
tráfego. Pulei na minha pick-up e fui atrás dela, mas era tarde demais, não consegui
mais enxergar que direção ela tomou.
Meu Deus, estávamos bem! O que merda está acontecendo agora? Como,
porra, ela descobriu onde eu estava? Tudo que eu não queria estava acontecendo. E
não sei o que fazer. Liguei em seu telefone e só chamou, onde ela terá ido? E por
que ela não me atende? Liguei para Cristina em seguida, a amiga de Liz me atendeu
e disse que não falou com ela desde ontem.
Droga!
Ela só pode estar em casa, corri para o apartamento rezando a Deus que eu
estivesse certo quanto ao meu palpite.
Assim que abri a porta, vi-a sentada no sofá com as pernas cruzadas embaixo
de si e as mãos sobre a barriga. Quando Liz me viu entrando pela porta se levantou
rapidamente e veio em minha direção com seu rosto bonito coberto de lágrimas.
— Gustavo! — ela grita pulando em cima de mim. Eu não me movi, nem
retribuí o abraço também, porque estava paralisado de medo para poder reagir.
Fechei a porta e fiquei parado olhando para a parede oposta da sala, eu não
tinha coragem de olhar dentro dos seus olhos, porque não sabia como ia me livrar de
tantas mentiras. Ver Liz chorando assim partia meu coração. Eu não sabia por onde
começar, eu só queria fazê-la parar de me olhar com esses olhos cheios de
arrependimento e tristeza, como se fosse ela que tivesse me feito mal, quando na
verdade o único mentiroso era eu.
— Liz, precisamos conversar. — Engoli o bolo na minha garganta, pronto
para enfrentar as consequências das minhas mentiras.
— Você está doente? É isso? Você está me deixando? — Liz me encheu de
perguntas, engoli em seco novamente, afastei-me dela e sentei no sofá, procurando
uma forma de disfarçar minhas pernas que não paravam de tremer.
Liz me olhou consternada e confusa quando me afastei, mas ela não desistiu,
caminhou lentamente e sentou-se do meu lado. Decidi que não era hora de criar
novas desculpas, e sim de falar a verdade para a única pessoa no mundo que não
merecia derramar mais nenhuma lágrima.
— Não, Liz, eu não estou doente. — Minha voz saiu fraca, porque minha
garganta parecia cheia de espinhos afiados.
Liz me abraçou sufocando um soluço na curva do pescoço e começou a me
beijar desesperada, consegui sentir seu corpo tremendo.
— Meu Deus, Gustavo, eu pensei que...
Antes dela continuar a pedir desculpas por uma coisa que não tinha culpa, eu
a interrompi:
— Liz, eu menti para você.
— O quê? Sobre o quê? — Liz me olhou sem entender o que eu disse,
levantou a sobrancelha me fitando confusa.
— Sobre meu pai. — Fiz uma pausa para respirar. — Ele não morreu.
— Como assim não morreu? Mas você me disse que...
— Eu menti. Meu pai está vivo.
Por um segundo, Liz pareceu em choque, em seguida se levantou
transtornada, afastou-se de mim me olhando com lágrimas grossas caindo em seu
rosto bonito.
— O que você está falando? — perguntou baixinho.
Levantei-me e caminhei até ela, que se afastou a cada passo que eu dava.
Tudo que eu mais temia tinha acontecido. Liz descobriu minha mentira da pior
forma possível.
— Liz, quer me escutar? Eu tenho uma explicação pra tudo isso.
— Então é melhor você começar a falar! — ela gritou secando as lágrimas
com as costas da mão.
— Quando eu tinha sete anos, meu pai nos abandonou para vir morar em
São Paulo. Desde essa época ninguém teve notícias dele, até que no começo do ano
me ligaram do hospital pedindo que eu viesse lhe visitar porque ele está morrendo.
— Você mentiu para mim? Você disse que seu pai estava morto... — Liz
falou entre soluços.
— Eu não sabia como te contar. Quando eu estava em Los Angeles recebi
uma ligação me informando que ele estava entre a vida e a morte, dependendo de
um transplante de rim. Eu me mudei para cá no intuito de buscar respostas sobre o
meu passado, eu precisava descobrir o porquê ele me abandonou. Mas o médico
acabou me pedindo para fazer o transplante, entende agora? — esbravejei para que
ela me escutasse. — Liz, eu alimentei uma mágoa enorme no meu coração por ele
ter nos deixado, como eu posso agora perdoá-lo como se nada tivesse acontecido?
— Você me enganou esse tempo todo? Desde o início? Você me escondeu
algo sério como isso? Logo de mim, Gustavo? Eu contei toda a minha vida a você.
Eu te revelei coisas que não disse nem a minha melhor amiga, eu confiei a você os
meus maiores medos e você não teve sequer a decência de retribuir a confiança. —
Ela jogou na minha cara enquanto caminhava em círculos pela sala.
— Liz, pelo amor de Deus! Eu ia te contar, eu só não queria te envolver
nessa lama. — Tentei tocá-la, mas ela me empurrou como se estivesse sentindo nojo
de mim.
— Lama? A vida do seu pai é uma lama? Como você pode falar uma coisa
dessa do seu próprio pai? — Os gritos de Liz eram misturados a soluços roucos.
— Liz! Ele me abandonou todos esses anos e agora aparece precisando do
meu rim? Como eu posso passar uma borracha no passado? Como posso tirar do
meu peito essa sensação de rejeição que esmaga meu coração cada vez que penso
sobre o assunto? — perguntei com a voz um pouco mais baixa, porque não tinha
mais forças para negar nada, só queria fazê-la entender o que eu sentia.
— Sabe o que eu daria para poder abraçar meu pai de novo, Gustavo? — ela
me perguntou colocando a mão sobre o coração. — Tudo, eu daria tudo, Gustavo.
Você não sabe a sorte que tem em ainda ter um pai.
— Minha flor, me escute — implorei em vão.
— Não me chama assim, você mentiu esse tempo todo. — Liz secou as
lágrimas, e pronunciou cada palavra como se estivesse com ódio de mim. Só via
desprezo em sua postura.
— Eu não menti, eu só omiti. Porque não queria lhe envolver nisso, e logo
depois você descobriu a gravidez e eu não queria que você se preocupasse em vão.
Você estava enjoada, depois acabou perdendo o emprego. Eu não queria jogar meus
problemas sobre você. E os exames para o transplante poderiam dar negativo, tá
legal? Talvez um dos meus irmãos pudesse salvá-lo.
— Eu não pedi que me protegesse de nada. Eu só queria que você fosse
verdadeiro comigo.
— Sinto muito, Liz, por não ser quem você gostaria que eu fosse.
— Você já recebeu os resultados? Você é compatível?
— Sim, eu sou o doador perfeito.
Proferir essas simples palavras rasgou meu peito, porque sabia que ela não
vai me perdoar sabendo que eu já poderia ter doado e salvado a vida do meu pai e
estou enrolando, porque sou um covarde de merda.
— Como você ainda pode ter dúvidas sobre salvar a vida de outra pessoa?
Como, Gustavo? — Eu estava certo.
— Eu não sei, Liz — falei derrotado.
— E o que você está esperando? Seu pai morrer de verdade? É isso? —
Cada palavra de Liz em minha direção era acompanhada de decepção.
— Estou esperando sair o resultado dos meus irmãos e da minha mãe —
falei inaudível.
— Todos sabiam, então? Todos mentiram para mim, eu sou a última a saber
sobre algo tão grandioso? Meu Deus, Gustavo, eu te contei a minha vida inteira e
não fazia nem uma semana que eu te conhecia. E você mentiu para mim todo esse
tempo com a simples desculpa de me proteger?
— Eu já te expliquei, Liz, eu quis contar no começo, mas depois foi virando
uma bola de neve e nunca surgia a oportunidade certa, eu só queria evitar que você
sofresse, só isso.
— Não vejo sentido em mentir se você sabia que mais cedo ou mais tarde eu
descobriria tudo. Você estava no hospital no dia que descobri sobre o bebê, e você
mentiu dizendo que me viu entrar. Como pude ser tão burra? Quantas mentiras
foram, Gustavo? Dezenas, centenas, milhares? — Ver Liz neste estado dilacerava
minha alma, porque sabia que ela estava sofrendo e eu era o único culpado dessa
confusão toda.
— Liz, se acalme, por favor — pedi tentando fazê-la ficar mais calma por
conta do bebê.
— Me acalmar? Como posso fazer isso, se o homem que eu amo mente para
mim com a cara mais lavada do mundo, me engana e me deixa de fora da sua vida
como se eu fosse uma estranha? Eu queria poder te ajudar, Gustavo, eu poderia estar
te ajudando todo esse tempo.
— Minha flor, eu ia te contar em Belo Horizonte, mas Carolina te falou
aquelas coisas e já era coisa demais para você digerir. Você estava distante e tensa,
eu não podia te ver ficar ainda mais preocupada.
— Gustavo, eu não sei como construiremos uma vida juntos, quando os
alicerces do nosso relacionamento estão podres por mentiras.
— Liz, o que você está dizendo?
— Sinto muito, mas não posso fingir que nada disso está acontecendo. Eu
não lido bem com mentiras e traições. Você deveria saber — ela falou severamente
se distanciando ainda mais de mim, toda a expressão do seu corpo gritava “Não me
toque!”. Sentia-me aqui em pé, no meio da sala do nosso apartamento, como um
garoto sendo repreendido pela mãe, que sabia que fez uma besteira muito grande e
não tinha como consertar, porque que pedir desculpas não seria suficiente.
— Não faz isso, Liz, eu amo você! — gritei lhe agarrando pelos ombros
tentando lhe fazer acordar e ver que nada mudou entre nós. Porque, nesse momento,
o puro desespero percorria em minhas veias, controlando minhas ações, eu
precisava fazer alguma coisa.
— Como você pode planejar um casamento, viajar para competir, olhar nos
meus olhos, e dormir à noite sabendo que seu pai pode morrer? — Liz perguntou
contando nos dedos cada questionamento. Ela continuou apunhalando meu coração
com suas palavras. — Sabendo que o homem que ajudou a colocá-lo no mundo está
em um hospital dependendo de você?
— Estou desesperado! Como você acha que estou me sentindo, porra? Estou
guerreando dia e noite com a minha consciência! — vociferei a assustando,
fazendo-a dar um passo para trás, eu conhecia o olhar que Liz estava dando para
mim, era o mesmo olhar que o meu pai me deu antes de ir embora. Eu não vou
resistir dessa vez.
— Eu não podia simplesmente ir naquele hospital e fingir que eu não sentia
o que eu sinto por ele, meu pai nos abandonou e foi embora atrás de aventura,
deixando minha mãe sozinha com quatro crianças pequenas. Cresci e aprendi a
odiá-lo. Agora ele surge do nada, bagunçando tudo, como eu poderia escolher ele a
você? Como eu poderia escolher fazer a cirurgia e não estar aqui para cuidar de você
e do nosso filho? Como eu poderia escolher ele ao invés da segunda coisa que mais
amo na vida que é correr? Me fala? Porque eu tenho questionado isso a cada
segundo do meu dia. — As lágrimas escorreram livres pelo meu rosto. Queria que
ela visse que também estou destruído, que também estou perdido no meio dessa
história.
— Sinto muito, Gustavo, mas estou muito machucada. Eu me deixei
envolver por você, passando por cima de todas as barreiras que construí para me
proteger das pessoas, me esforcei nisso por todos esses anos. Mas bastou você sorrir
que coloquei tudo a perder, pelo simples fato de achar que você nunca seria capaz
de mentir para mim, o que você fez mais de uma vez.
— Me perdoe, Liz, eu só achei que estava fazendo o que era certo lhe
protegendo, protegendo a nós dois do meu passado.
— Mentir nunca é a melhor opção, magoar as pessoas com a desculpa de
protegê-las também não — ela falou alcançando a sua bolsa que estava em cima do
sofá.
Eu não podia deixá-la sair sem implorar que me escutasse e me desse mais
uma chance para fazê-la entender que fui um idiota, estava disposto a tudo para que
me escute. Dei um passo apressado em sua direção e puxei a alça da sua bolsa, que
caiu de seu ombro espalhando suas coisas pelo tapete da sala.
— Gustavo! — Ela suspirou irritada.
— Me desculpe, Liz. Eu não queria... — pedi atrapalhado me abaixando
para juntar suas coisas, quando fui catando sua carteira e chaves, vi um cartão de
visitas, peguei-o e passei a vista sobre o papel, meus olhos travaram no que estava
escrito: Matheus Braga – Engenheiro Civil.
Uma descarga de possessividade e ciúmes invadiu minhas veias, esmaguei o
cartão na minha mão, desejando tanto que fosse a garganta daquele desgraçado.
— Você está indo ficar com ele? — questionei mostrando o cartão destruído
a ela.
— Do que está falando? — Liz perguntou tomando o papel, agora amassado,
das minhas mãos.
— Ele é melhor do que eu, Liz? Era sobre isso o tempo todo?
— Eu não permito que você fale comigo dessa maneira! — ela gritou
exasperada.
— Então, por que você quer me deixar? Você vai procurá-lo? Vai ligar para
aquele engenheirozinho de merda pedindo ajuda porque não tem para onde ir?
— Você sabe muito bem porque não tenho mais um lugar para ir. Você está
sendo um idiota! — Liz tocou a barriga de forma protetora.
— Vocês têm se visto, é isso? Cansou de mim? Não sirvo mais para você,
Liz? Por que sou um motoqueiro fodido que não tem a porra de uma faculdade?
Você sempre mereceu um cara melhor do que eu, mas é pelo motoqueiro fodido
aqui — bati no peito. — que você chama quando está na cama! — berrei tentando
fazê-la perceber que era a mim que ela amava e não aquele imbecil com diploma.
Liz me encarou por um momento, em seguida respirou profundamente,
secou as lágrimas e caminhou até mim, quando ela estava à minha frente levantou a
mão até o meu rosto. Apesar do seu tamanho, Liz tinha uma mão pesada, sua
bofetada atingiu minha bochecha em um estalo, deixando ondas de ardor por todo
meu rosto.
— Chega, Gustavo... — ela murmurou baixinho, pegou sua bolsa do chão e
saiu da minha vida batendo a porta pela segunda vez, mas agora achava que era para
sempre.
“O manhã virá e eu farei o que é certo
Apenas me dê até lá
Para que eu desista dessa luta…”
I Can't Make You Love Me – Adele
Liz
Saí do prédio chorando, com meu coração sangrando, uma dor aguda me
rasgando por dentro. Eu não sentia meu corpo, era como se eu estivesse anestesiada
e a única coisa que me fazia sentir viva era a dor que latejava no meu peito. Entrei
no carro e saí em direção ao trânsito infernal de São Paulo, fechei os olhos
rapidamente e vi o rosto de Gustavo quando saí de lá. Como isso tudo foi acontecer?
Será que é castigo pelo que eu fiz com meu pai?
Deus, o que eu farei da minha vida agora? Estou com um bebê na barriga
que depende de mim, não tenho muito dinheiro, não tenho família, não tenho
emprego, não tenho para onde ir e acho que não tenho mais um coração, porque
meu peito dói como se tivessem o arrancado de mim. O que eu vou fazer agora sem
olhar naqueles olhos que me deixavam bêbada de amor? O que eu vou fazer com
tanto amor?
Gustavo não parava de ligar no meu celular, não podia atendê-lo, desliguei o
aparelho e joguei-o no banco do passageiro. Continuei dirigindo sem destino, eu não
sabia para onde estava indo, só queria me afastar de Gustavo e fazer com que essa
dor parasse. Entrei em um bairro residencial, casas bonitas e bem conservadas se
estendiam por toda rua, vi crianças brincando de bola na pracinha, abafei um soluço
e continuei chorando.
Desde que Gustavo entrou na minha vida, destruiu toda a ordem que eu
mantinha sobre tudo. Meus sentimentos, minha vida, meu futuro e meu destino
estavam bagunçados como uma agulha no palheiro, agora não sabia mais como
seguir sem ele.
Vi uma capela em uma rua, respirei profundamente algumas vezes e resolvi
parar, não podia continuar dirigindo nervosa desse jeito, podia ser perigoso. E
brincar com o perigo não era algo do meu feitio, o que parecia ter mudado desde
que conheci Gustavo, estava sempre na borda da loucura com todos os meus
sentimentos à flor da pele.
Desci do carro, desamassei minha saia, peguei minha bolsa e entrei. Sentei
em um banquinho no fundo da igreja vazia, havia apenas velas queimando no altar,
que estava enfeitado com flores brancas em jarros de porcelana, o cenário era
bucólico. Inspirei fundo, sequei as lágrimas que teimavam em cair dos meus olhos e,
pela primeira vez na vida, eu rezei. Nunca pedi nada a Deus porque sempre me
achei indigna de pedir qualquer coisa a Ele, mas dessa vez eu só tinha a Ele para
recorrer.
"Deus, não sei como fazer isso, também sei que nunca estive aqui e nunca
nos demos muito bem, o Senhor tem todos os motivos para não me ouvir, mas eu
não quero pedir por mim. E sim, pelo meu filho. Ajude-me a cuidar do meu bebê, eu
estou sozinha agora, não tenho mais ninguém. Nunca conseguirei abrir mão dele.
Ajude-me a achar uma alternativa, eu só tenho o meu filho e ele só tem a mim. Meu
bebê é tudo que me resta. Por favor, Deus."
Terminei minha prece silenciosa, sequei as últimas lágrimas e fiquei ali
paralisada, apenas olhando as velas queimarem lentamente enquanto organizava na
minha mente meus problemas e as maneiras de sair deles. Um tempo depois me
senti mais calma, agir racionalmente sempre foi meu álibi. Eu já passei por tanta
coisa sozinha e sempre saí de pé de todas elas, com certeza conseguirei sair dessa
também. Então ergui minha cabeça e comecei a agir como uma adulta novamente.
Voltei para o carro, peguei meu celular e liguei para a Cris, que atendeu no primeiro
toque.
— Liz, graças a Deus! Onde você está? — Cris berrou do outro lado da
linha.
— Posso ir até a sua casa? — perguntei.
— Claro, Liz. Gustavo já me ligou mil vezes preocupado com você, onde
você está?
— Você me faz um favor, Cris?
— Claro.
— Não diz para ele que estou indo até aí.
— Eu não acho certo deixá-lo desesperado daquele jeito, Liz, ele ligou
chorando como uma criança. Eu nunca imaginei vê-lo assim, você sabe o que é ver
um homem como aquele chorar? — Cris disse com a voz pesarosa.
— Por favor — pedi com um suspiro. — Não fala nada para ele, eu preciso
de tempo — concluí.
— Tudo bem — ela concordou e eu desliguei, precisava voltar a ser a Liz
fria e calculista que sobreviveu até aqui.
Parei do outro lado da rua do prédio da minha amiga, olhei em direção ao
edifício e criei coragem para fazer o que precisava nesse momento: ser forte. Talvez
eu não fosse tão forte assim, talvez eu tivesse desaprendido a fingir que nada me
afetava.
Porque mesmo quando meu coração parecia ter vida própria, ele estava
chorando, pedindo para voltar para casa, para os braços de Gustavo. Como faço
minha mente pensar igual ao meu coração? Eu tinha que fazer o que era certo para
o meu filho agora, me afastar de tudo que pudesse machucá-lo. Mesmo que isso me
levasse para longe do homem que eu amava.
Toquei a campainha, Cris abriu a porta para mim rapidamente. Assim que
me viu na soleira da porta, pegou minhas mãos e me puxou para dentro do seu
pequeno apartamento. Minha amiga me abraçou apertado antes que eu conseguisse
proferir qualquer palavra.
— Onde esteve, minha amiga? — Cris perguntou enquanto me apertava
forte, no típico abraço de urso. Eu não resisti e abracei-a de volta bem apertado.
Chorei tudo que tinha para chorar.
Entre soluços balbuciei:
— Acabou...
— Oh, Liz...
— O que eu faço agora? Está doendo tanto...
— Vem, vamos sentar, você precisa me contar do começo. Não posso
acreditar que isso está acontecendo.
Sentamos no sofá e depois de Cris me fazer tomar um copo de água para me
acalmar, contei tudo que aconteceu desde a hora que acordei, enquanto ela me
olhava consternada.
— Meu Deus, amiga, que história! — Nunca vi Cris de olhos tão arregalados
como ela ficou ao me ouvir contar tudo.
— Eu não posso perdoá-lo.
— Liz, eu sempre estarei do seu lado, mas você não pode deixar de entendê-
lo. Ele foi abandonado pelo pai quando era um menino, Gustavo não criou uma
relação afetuosa com ele. Ninguém pode cobrar dele nada mais do que
ressentimento. Mesmo assim ele concordou em fazer os testes de compatibilidade,
ele não é uma pessoa ruim. Provavelmente só estava esperando o resultado dos
irmãos para poder ficar tranquilo e cuidar de você e do bebê.
— Agora a culpa é minha? — perguntei muito chateada por ela ainda
defendê-lo, eu que fui enganada.
— Não, Liz. Se ponha no lugar dele, Gustavo só queria poder estar bem para
acompanhar a gravidez, você não pode culpá-lo por isso.
— E sobre mentir que o próprio pai estava morto?
— Eu não sei, Liz. Gustavo pode ter errado em mentir sobre o pai e depois
lhe acusar de ter algum envolvimento com o Matheus, mas ele te ama. Só de olhar
para vocês dois juntos, qualquer pessoa pode enxergar que existe amor entre vocês.
É palpável o que sentem um pelo outro. Eu vi como ele olhava para você, Liz, eu só
conseguia enxergar amor, talvez até algo mais parecido com devoção. Ele te olhava
como eu olho para uma bolsa da Chanel.
— Cris! — recriminei sua brincadeira.
— Me desculpe, mas é verdade.
— Mas amor não é suficiente quando não existe confiança Cris, e isso ele
me provou duas vezes que não tem em mim. Primeiro escondeu o pai, depois me
acusou de estar tendo um caso com o Matheus.
— Amiga, ele só estava com raiva. Tenho certeza de que foi só coisa da boca
para fora.
— Ele não tinha o direito de me acusar de uma coisa dessas. E quer parar de
defendê-lo?
— Só estou sendo justa, Liz. Vocês precisam conversar.
— Eu preciso da sua ajuda, eu sei que é pedir demais, mas será que eu podia
ficar aqui? É só enquanto consigo um trabalho e vejo um cantinho para mim e o
bebê, você nem vai perceber que eu estou aqui. Prometo.
— Liz, está ficando louca? Claro que eu vou te deixar ficar pelo tempo que
precisar. Agora vem cá. — Ela me abraçou e depois que nos afastamos, Cris alisou
minha barriguinha e sorriu.
— Vai ficar tudo bem, Liz. — Cris me tranquilizou com os olhos negros
cheios de amor.
— Eu sei — disse mesmo não tendo tanta confiança nisso. Mas não iria me
abater.
— Agora que tal tomar um banho enquanto peço uma comidinha para gente?
Tenho certeza de que você ainda não alimentou minha sobrinha.
— Pode ser sobrinho — corrigi-a.
— Sim, pode ser. — Ela fez uma careta.
“Quando as lágrimas começam a rolar pelo seu rosto
Quando você perde algo que não pode substituir
Quando você ama alguém, mas é desperdiçado
Pode ser pior?...”
Fix You – Coldplay
Gustavo
Assistir Liz dando as costas para o meu amor e indo embora me deixou
enlouquecido. Como pude perder minha mulher assim? Como fui estúpido ao ponto
de que não ser capaz de contar a verdade para ela? Eu não conseguia parar de me
culpar. Como tive coragem de acusá-la de ter um caso com aquele cara quando ela
sempre esteve aqui do meu lado, apenas me dando o amor que nunca recebi de
ninguém? Meu corpo estava em estado de choque, mal sentia minhas pernas,
ajoelhei-me no tapete da sala e chorei.
O que eu faria sem olhar para aqueles olhos azuis? Sem seu cheiro de flor?
Sem tê-la todas as noites na nossa cama? O que seria de mim sem meu filho?
Corri para o telefone e comecei a ligar, ela precisava me atender. Ela
precisava saber que eu não conseguia mais viver sem que ela estivesse ao meu lado,
que eu era um estúpido apaixonado que não conseguia mais respirar se ela não
estivesse nos meus braços. Ficar longe de Liz não era e nunca seria uma opção.
Deixei trinta e oito mensagens na caixa postal. Trinta e oito, porra! Mandei
dezenas de mensagens e nada. Liguei para a Cris desesperado, ela me atendeu
entusiasmada, mas não tive tempo para comprimentos, comecei a perguntar se ela
sabia de Liz, estava parecendo um adolescente patético chorando como um tolo.
Mas não me importava, queria minha mulher de volta.
— Eu preciso dela, Cris, me ajuda a trazê-la de volta — implorei. — Por
favor!
— Gustavo, o que aconteceu?
— Ela me abandonou, Cris, me ajuda, pelo amor de Deus, você é amiga
dela, tem que fazê-la me ouvir. Eu fui um imbecil, mas eu sou louco por ela. Eu a
amo, Cris.
— Você está bêbado? — A amiga da minha mulher perguntou assustada.
— Não, claro que não! Cris, me ajuda, porra! — estava gritando, mas não
me importo.
— Calma aí, Gustavo, não estou entendendo nada, mas vou ligar para ela e
tentar entender essa confusão, tudo bem? Agora, acalme-se homem, assim que eu
tiver qualquer notícia dela te mando uma mensagem.
— Obrigado, Cris — agradeci e desliguei.
Caí de costas no tapete e deixei o desespero me atingir, afastei os cabelos do
rosto e cobri o rosto com as mãos, deixando os soluços romperem no meu peito.
Chorei me sentindo como anos atrás, quando meu pai foi embora de casa e nunca
mais voltou, levando junto com ele minha confiança nas pessoas e minha paz de
espírito.
Aos sete anos, eu já estava deitado e quase dormindo quando ouvi o ranger
da porta do meu quarto, forcei meus olhos a abrir para ver meu papai em pé ao
lado da minha cama. Quase não tínhamos nos falado durante todo o dia, ele e a
mamãe brigaram mais uma vez no café da manhã, houve gritos e escutei minha
mamãe chorando baixinho no seu quarto em seguida, logo ouvi o motor do carro do
papai descendo a rua. Ele voltou no início da noite fedendo a uísque, fiquei com
saudades dele, eu e meu pai passávamos os dias juntos.
Eu sempre o ajudava a repor os guardanapos do restaurante quando não
estava na escola, ele dizia que ninguém podia fazer isso melhor do eu. Meu pai
sempre me elogiava, dizendo o quanto me amava e o quanto eu era um bom garoto,
eu amava meu pai também, porque ele brincava comigo e meus irmãos na maior
parte do tempo, todos os garotos na minha escola queriam ter um pai igual ao meu.
Mas não gostava de dividi-lo, meu pai era a única coisa no mundo que não gostava
de emprestar, mesmo que fosse a um amigo. Já tinha que dividi-lo com meus irmãos,
por isso sempre aproveitei o máximo nosso tempo juntos, ele e eu.
Sorri para ele em pé ao lado da minha cama, meu pai se abaixou, deslizou
as mãos pelos meus cabelos bagunçados e retribuiu o meu sorriso.
— Papai, o senhor veio me contar historinhas? — perguntei.
Seus olhos azuis brilharam como estrelas cadentes contra a fraca luz do
meu quarto, ele lentamente desfez o sorriso.
— Vim me despedir, filho... — Sua voz já não era a mesma, sempre forte e
serena. A voz do meu pai estava trêmula, assim como seus dedos que não paravam
de afagar meus cabelos.
— O senhor vai viajar, papai? — ponderei.
— Filho, papai vai precisar ir embora por um tempo — meu pai explicou.
— Quanto tempo, papai? — Antes que eu percebesse, minha voz estava
ficando como a do meu pai, fraca e quase inaudível.
Meus olhos começaram a pinicar e as lágrimas começaram a se formar nos
meus olhos, prontas para serem derramadas. Mas meu pai não me respondeu, ele
abaixou-se e beijou minha cabeça demoradamente, sussurrando o quanto me
amava. Eu não entendia. Para onde ele ia? Nós somos sua família, somos tudo que
ele tem.
— Pai... O que o senhor está falando? Por que o senhor tem que ir? —
murmurei envolvendo meus braços em seu pescoço.
— Guto, prometa que vai continuar sendo esse menino bonzinho que você é.
Prometa ao papai. Saiba que eu sempre terei muito orgulho de você, sempre...
Papai te ama, filho... muito, papai te ama muito.
Meu pai me deu um último abraço, seguido de um beijo, soltou meus braços
do seu pescoço e saiu do meu quarto para nunca mais voltar, ignorando meu choro
desesperado, eu gritava e implorava que ele ficasse, que ele me levasse junto, que o
seu lugar era ali comigo, com meus irmãos e com a mamãe.
Mas ele não voltou, eu saltei da cama e fui procurá-lo pela casa. Eu não
poderia deixar que ele fizesse isso, corri o máximo que pude com minhas pernas
curtas de menino, mas quando desci as escadas o barulho do motor do seu carro ia
sumindo pouco a pouco pela rua abaixo, era tarde demais para fazê-lo mudar de
ideia. Abri a porta pesada de madeira, corri até a calçada e só pude ver os faróis
traseiros do carro desaparecendo lentamente no breu da noite.
— Papai! — Usei toda a força do meu peito para chamá-lo de volta, mas ele
não me ouviu. Eu não cheguei rápido o suficiente para convencê-lo a ficar.
Minha mãe apareceu logo em seguida e me pegou no colo. Assim como eu,
ela chorava. O rosto da minha mamãe, sempre bonito e amoroso, estava tomado de
dor, ela me pegou no colo e me levou de volta para dentro de casa. Meus irmãos
também estavam chorando na sala, a mamãe pediu a todos nós para irmos deitar
na cama que ela dividia com papai. Choramos unidos e apertados até cairmos em
um sono profundo. Naquele fim de madrugada, eu sonhei que meu pai me levava ao
lago.
Relembrei aquela noite como um maldito flashblack, a dor era a mesma. Ela
ainda sufocava da mesma maneira, olhei para o teto por um longo tempo, depois
deixei meus olhos vagarem pelo apartamento. A presença de Liz estava por toda
parte. Seus quadros na parede, seus discos no home, seus livros na mesa de café.
Seu cheiro de flor impregnando por todos os lados. Eu não podia ficar aqui
remoendo a falta que ela me fazia e todas as palavras que ela me disse, levantei-me,
peguei as chaves do carro e saí.
Dei voltas pela cidade tentando encontrá-la em praças e parques, olhei as
calçadas e não a vi em lugar algum. Onde ela terá ido?
Já exausto encontrei um pub sujo no Centro, entrei dando uma olhada no
lugar, o cenário era deplorável. Não muito diferente de como eu me sentia, sentei no
balcão madeira velha cheio de manchas e pedi uma dose de uísque. Algumas
pessoas circulavam pelo lugar, algumas mulheres me olharam de longe com cobiça,
mas eu as ignorei, assim como ignorei que todos os homens estavam me olhando
desconfiados.
Depois que engoli a oitava dose, levantei a mão para pedir o resto da garrafa
ao barman mal-encarado, quando senti meu celular vibrando no bolso da calça.
Atendi desesperado achando que era a Liz.
— Liz, meu amor! — disse angustiado.
— Filho? O que houve? — minha mãe perguntou do outro lado da linha.
Droga!
— Ela foi embora, mãe. — Chorei ao telefone, não adiantava mentir para
mais ninguém, muito menos para a mulher que me pôs no mundo.
— Quem, meu filho? A Liz?
— Sim, mãe, ela descobriu tudo e me deixou. — Senti meu corpo pesado, e
meus movimentos mais lentos, esfreguei os olhos e passei as mãos pelo cabelo
bagunçado.
— Gustavo, onde você está?
— Mãe, ela descobriu tudo e me deixou. Eu menti, mãe, eu disse que o papai
tinha morrido.
— Meu Deus, filho, você está bêbado? Você está de carro? Você não pode
dirigir nessas condições. Que confusão foi essa que você se meteu?
— Mãe, a senhora não está entendendo. Ela foi embora com meu filho, mãe.
A mulher da minha vida me abandonou e levou junto meu bebê, eu sou igual ao
meu pai, mãe, eu abandonei meu filho e ele vai crescer me odiando. Da mesma
forma que odeio meu pai! — A raiva me invadiu, desliguei o telefone, deixei
algumas notas no balcão e saí do bar cambaleando.
Peguei o carro e segui a rodovia, eu sabia que estava sendo um
inconsequente, eu não poderia ter bebido tanto e estar dirigindo nessas condições.
Estava fodido, e Liz levou com ela quando me deixou o pouco de sanidade que
ainda me restava. Meu celular continuou tocando, eram ligações dos meus irmãos e
da minha mãe. Eles deviam estar sem entender nada, mas eu não podia falar agora,
eu só precisava achá-la. Meu celular avisou que chegou mais um torpedo, resolvi
ler, porque Cris me prometeu que me avisaria se tivesse notícias da Liz. Eu estava
certo, era uma mensagem dela avisando que Liz estava em sua casa.
“Diga alguma coisa, eu estou desistindo de você
Sinto muito por não ter conseguido te alcançar
Eu te seguiria para qualquer lugar
Diga alguma coisa, eu estou desistindo de você...”
Say Something – A Great Big World & Christina Aguilera
Liz
Cris estava sendo uma grande amiga, me emprestou uma roupa limpa e
pediu japonês para jantar, porque eu estava morrendo de fome. Ainda me deixou
deitar com ela na cama e agora estávamos aqui, assistindo uma comédia antiga na
tevê. Sei que ela estava preocupada comigo, mas estava do meu lado e isso me fez
perceber que não estou tão sozinha quanto pensei que estaria. Quando Cris começou
a me contar sobre uma possível separação entre o casal Sherman, ouvimos a
campainha tocar. O som estridente e desesperado fez um frio atingir minha espinha.
Duas opções passaram pela minha cabeça, ou era o ex-namorado da Cris em uma de
suas crises, ou o Gustavo.
Cris me olhou claramente assustada, ela fez um gesto para eu permanecer
onde estava e foi até a porta. O caminho que ela percorreu foi pequeno, devido ao
seu apartamento ser apenas um vão e não ter divisórias de espaços. Assim que ela
abriu uma fresta da porta vi parte do corpo de Gustavo em pé na soleira. Cris se
afastou um pouco mais me dando total visão dele na penumbra. Ele parecia
destruído, seus olhos estavam inchados e vermelhos, seus cabelos mais
desgrenhados do que o comum, entretanto, ele continuava lindo. Meu corpo foi
tomado por uma onda de calor, fiquei estática. Por que não posso resistir a esse
homem, meu Deus?
— Gustavo, o que você está fazendo aqui? — Cris perguntou tentando
fechar a porta, ele colocou o corpo para dentro a impedindo. Quando seus olhos
cruzaram com os meus, ele passou por Cris e veio até mim.
— Eu vim te buscar — ele disse tentando me abraçar. Eu me afastei de suas
mãos. Sua respiração cheirava a uísque, suas roupas fediam a mofo, como se ele
tivesse permanecido muito tempo em um lugar fechado.
— O que você está fazendo aqui, Gustavo? — perguntei.
— Liz, eu vou te levar para casa. Venha embora comigo, você não pode me
deixar, minha flor — Gustavo tentou me tocar enquanto disse as palavras em meio
ao choro.
— Gustavo, por favor! — implorei, meu coração estava tão machucado
vendo-o ali tão frágil e vulnerável.
— Volta para mim, Liz, eu estou implorando — Gustavo pediu ajoelhando-
se aos meus pés e abraçando minha cintura apertado, enquanto beijava minha
barriga entre lágrimas.
Meu Deus!
— Gustavo, pelo amor de Deus, levante-se. Você está bêbado. — Eu não
aguentava vê-lo sofrendo, não suportava ver o homem que eu amava de joelhos
implorando por mim, uma parte do meu coração queria ir embora com ele, mas
sabia que não seria bom para nós construirmos uma vida cheia de mentiras e
desconfiança. Ainda mais quando tínhamos um bebê no meio de tudo isso.
Eu me ajoelhei e o puxei para mim passando uma mão pela sua nuca e a
outra pelas suas costas, Gustavo me abraçou e começou a chorar com o rosto
emaranhado no meu cabelo.
— Não faz assim, Gustavo, levanta. Vem? — Chorei junto com ele. Não de
pena, mas por compartilhar a dor que ele estava sentindo, deixá-lo doeu mais em
mim do que nele. Porque abri mão da única chance que eu tinha de ser feliz.
— Por favor, levantem do chão — Cris pediu tocada pela situação. Minha
amiga parecia perdida nos observando.
— Vem, Gustavo... — Senti seu corpo amolecer no meu abraço, o peso do
seu corpo estava dobrado, eu não conseguiria nunca levantá-lo sozinha.
— Vem, Liz, eu te ajudo — Cris pediu o pegando por baixo de um dos
braços enquanto eu peguei do outro lado, ele forçou as pernas para ficar em pé, não
sei como por um milagre conseguimos colocá-lo no sofá.
— Liz, por favor, me perdoa. Quero você, quero nosso filho. Eu fui um
idiota, agora sei disso... sei que não posso te enganar. Ninguém pode fazer isso...
ninguém, não vou deixar mais ninguém te enganar, porque eu te amo... eu te amo
tanto — Gustavo sussurrou beijando meus lábios e rosto em prantos.
Não consegui retribuir o beijo no primeiro momento, porém o sabor único
dos seus lábios acordou memórias que ainda estavam muito vivas em mim. Queria
tanto passar uma borracha em tudo isso e começar de novo, mas a vida não tinha
volta. Precisávamos lidar com nossas ações, mesmo que para isso tivéssemos que
abrir mão do que mais amávamos. Tratei de afastar as lembranças, e liguei apenas o
lado racional do meu cérebro.
— Gustavo, como você veio até aqui? Meu Deus, quanto você bebeu?
— Eu saí para te procurar, eu não podia ficar dentro daquela casa sem você,
meu amor, e sem o nosso filho. Vamos embora, Liz, eu vou te levar para casa.
— Liz, seu celular está tocando, na tela diz que é dona Carmen — Cris falou
me entregando o aparelho.
— É a mãe dele. O que eu faço? — perguntei a minha amiga.
— Atenda — respondeu ela enfaticamente.
Respirei profundamente, desenrosquei os dedos de Gustavo dos meus
cabelos e atendi ao celular.
— Alô?
— Liz, graças a Deus que você atendeu, Gustavo...
— Ele está aqui — eu a cortei.
— Ah, estou tão aliviada. Liz, minha querida, eu não sei o que está
acontecendo, não consegui entender muita coisa, mas onde vocês estão? — ela
perguntou.
— Na casa da minha amiga.
— Liz, meu filho me disse que estava de carro e com certeza ele bebeu mais
do que deveria, posso te pedir um favor de mãe para mãe? — pediu dona Carmen.
— Dona Carmen... — Estava esperando que ela pedisse para eu perdoá-lo.
— Liz — ela me interrompeu. — leve-o para casa em segurança. Não tem
mais ninguém nesta cidade que eu possa pedir esse favor. Só tenho você.
— Vou tentar falar com o Dudu. Ele virá buscá-lo — sugeri.
— Não, eu já liguei para o Eduardo, mas ele não atendeu.
— Eu não posso, dona Carmen, me desculpe... — disse baixinho.
Eu não queria que Gustavo confundisse minha ajuda com uma possível
reconciliação, não queria dar-lhe falsas esperanças. Olhei para Gustavo que estava
com os cotovelos apoiados nos joelhos e com as mãos cobrindo o rosto chorando
entre soluços. Nunca o vi tão suscetível e fragilizado, senti-me um pouco culpada,
mas logo afastei a culpa. Ele que me enganou por todo esse tempo.
— Liz, eu não vou descansar meu coração. Por favor, ajude meu filho. — A
mãe dele implorou ao telefone.
— Dona Carmen, eu amo o Gustavo, as coisas ficaram difíceis entre nós,
mas eu nunca deixaria nada de mal acontecer a ele. Eu vou dar um jeito de fazê-lo
chegar em casa em segurança. Eu prometo.
— Obrigada, querida. — ela agradeceu chorosa e eu desliguei.
Cris estava em pé ao lado do sofá com os olhos brilhando e cheios de
lágrimas.
— Liz, eu posso fazer isso — minha amiga ofereceu-se a levá-lo para casa.
— Não, eu já atrapalhei demais sua noite, Cris. Você tem trabalho amanhã
cedo e precisa dormir. Poderia chamar um táxi para levá-lo, mas nesse estado ele
não teria condições de subir até seu apartamento sozinho — ponderei.
— E o que você pretende fazer? Ele não cabe no meu sofá — Cris brincou,
enquanto olhamos para ele.
— Eu vou levá-lo para casa. É o melhor que posso fazer — afirmei,
enquanto forcei um sorriso para ela.
Peguei minha bolsa e pedi para Gustavo se levantar, ele resmungou e
cambaleou entre os pés. Era um verdadeiro milagre ele ter chegado inteiro até aqui
bêbado desse jeito. Olha como as coisas estão mudando, eu era a garota que não
acreditava em milagres e agora eu não parava de falar deles.
Cris me ajudou a levá-lo até o seu carro do outro lado da rua.
— Gustavo, onde estão suas chaves? — perguntei apalpando seus bolsos da
calça. Senti seus quadris pelos meus dedos, engoli em seco pelo contato. Depois de
alguma procura achei as chaves no bolso da jaqueta que ele vestia. Destravei as
portas do carro, Gustavo sentou no banco do passageiro com nossa ajuda e eu
afivelei seu cinto de segurança. Despedi-me de Cris com um abraço e entrei no
carro. Dirigi em silêncio todo o caminho até o meu antigo prédio, Gustavo
permaneceu calado cochilando no banco, vez ou outra murmurando algumas coisas
incompreensíveis. Quando estacionei na garagem, peguei minha bolsa e dei a volta
no carro para ajudá-lo a descer da pick-up.
— Gustavo, chegamos. Vem, desça do carro — avisei destravando o seu
cinto de segurança, ele abriu os olhos e olhou para mim. Nessa mera aproximação
fiquei um momento perdida na força daqueles olhos cor de uísque que sempre me
deixavam inebriada.
— Você veio? — Gustavo sussurrou passando a mão áspera e cheia de calos,
devido ao incessante contato com o guidão da moto, no meu rosto delicadamente, da
mesma forma que tocamos nas flores, lentamente para sentir a textura.
— Sim, venha, vamos para dentro — confirmei para não criar ainda mais
caso.
Ele desceu do carro com passadas pesadas, passei seu braço pelo meu ombro
e fui sustentando seu corpo pesado até o elevador, que para minha sorte estava vazio
por conta do horário.
Graças a Deus!
Abri a porta do apartamento e Gustavo foi tropeçando até o sofá, sentou-se e
tentou tirar a bota inutilmente. Suas mãos sem coordenação motora alguma não
conseguiam desfazer o cadarço. Suspirei, sempre amei observá-lo, vê-lo movendo-
se enquanto fazia as coisas, mas hoje essa cena era algo que eu não gostaria de ter
visto. Gustavo bêbado não era atraente, muito pelo contrário, era aterrorizante,
porque me machucava vê-lo triste e vulnerável.
Joguei minha bolsa no sofá, me abaixei e ajudei-o. Ele deitou-se no encosto
do estofado de olhos fechados. Terminei de tirar seus sapatos e meias, desafivelei
seu cinto, abri sua calça jeans e puxei-a pelas pernas. Deixei-o apenas de cueca. Já
fiz isso tantas vezes, mas nunca imaginei despi-lo nessa situação.
Ele resmungou ébrio, sentei-me ao seu lado e tirei sua jaqueta, em seguida a
camisa.
— Liz, você voltou?
— Vamos tomar um banho, você está fedendo — disse guiando-o até o
chuveiro.
Liguei a ducha e verifiquei se a água estava quente, Gustavo observava meus
movimentos com os olhos pesados. Puxei sua cueca rapidamente e caminhei com
ele para o boxe. Uma vez ele cuidou de mim quando exagerei na bebida, não
custava nada ajudá-lo também. Quem liga se minha vontade é beijá-lo até esquecer
tudo isso?
— Venha, entre — pedi.
Gustavo entrou no boxe se apoiando na parede do banheiro para conseguir
manter-se em pé, quando me virei para pegar uma toalha ele me puxou pela cintura
para baixo do chuveiro me molhando inteira. Eu estava com uma camiseta e uma
calça de moletom da Cris, toda minha roupa ficou colada no meu corpo, enquanto
suas mãos deslizaram pelo meu abdômen e seios.
— Gustavo, o que você está fazendo?
— Você não me quer mais? — ele perguntou tentando me beijar.
— Gustavo, por favor... — choraminguei.
— Você me ama, Liz. Não é? Eu sinto — ele questionou me abraçando
apertado. Já não adiantava mais tentar me soltar, já estava toda molhada debaixo do
forte jato do chuveiro.
— Gustavo, vá para a cama. — Fugi da resposta com o coração dolorido de
não poder gritar que o amava, que o amava mais que tudo nessa vida, mesmo ele
sendo um mentiroso.
— Liz... — Gustavo cerrou os olhos para mim esperando uma resposta.
— Eu vou ficar gripada, a água está gelada. Deixa-me pegar uma toalha —
inventei uma desculpa para sair dali o mais rápido que pude, juro que não aguentaria
nem mais um segundo olhar para ele daquele jeito.
— Não quero que você fique doente. Só quero você... minha flor, só você.
— Suas palavras soaram pesadas, cada sílaba sendo pronunciada mais tempo do que
necessário.
Mesmo bêbado ele era adorável, me olhando tão miserável, tão quebrado.
Quase não lembrava o homem que ele era e vê-lo assim sabendo que a culpa era
minha me matava lentamente. Ajudei-o a sair do banheiro e deitar na cama. Como
todas as minhas coisas ainda estavam em seu apartamento, vesti um dos meus
pijamas. Enquanto secava os cabelos com a ajuda de uma toalha, sentei na cama ao
seu lado até lhe ver dormir tranquilamente. Admirei seu rosto bonito, eu amava cada
pequeno detalhe do seu rosto, desde suas sobrancelhas aos cílios cheios e negros, a
sombra da barba despontando, seu queixo quadrado, seus lábios macios e cheios,
não tinham nada sobre ele que eu não amasse. Vou sentir tanta falta das pequenas
coisas, como poder roubar-lhe um beijo quando ele estiver distraído, ou de sentir o
roçar macio da sua barba por fazer na minha pele. Essa constatação me fez derramar
uma lágrima que sequei imediatamente. Precisava ser forte e isso eu sabia ser.
Olhei para o relógio: 1h34 da madrugada. Fui até o sofá e me aconcheguei,
não conseguiria deitar na mesma cama que ele, mas meu corpo todo doía, talvez
devido ao fato de sustentar seu peso da garagem até aqui. Mas não podia dormir,
precisava estar acordada, caso ele precisasse de mim. Fechei os olhos só por um
minuto. Apenas um minuto para me recompor.
Apenas um minuto.
“Eu sei, tudo pode acontecer
Eu sei, nosso amor não vai morrer
Vou pedir aos céus
Você aqui comigo
Vou jogar no mar
Flores pra te encontrar...”
Eu sei – Papas da Língua
Gustavo
Acordei assustado sem saber onde estava, respirei aliviado quando percebi
que era meu quarto. Não tinha qualquer ideia de como cheguei até aqui. Que porra
aconteceu? Lembrei-me de estar indo procurar Liz na casa de Cristina e depois
minha mente estava em branco. Alcancei meu celular no criado-mudo ao lado da
cama e conferi a hora: 7h02.
Merda!
Levantei o pescoço dolorido e minha cabeça estava rodando, não me
lembrava de ter batido a cabeça na parede. O mais estranho era que estava nu. Como
será que cheguei em casa? Como tive condições de tirar a roupa se nem lembro
como cheguei?
Recordei-me apenas de estar no bar e mais alguns flashes incoerentes que
minha mente não conseguia juntar para formar qualquer lembrança, minha cabeça
estava doendo demais para lembrar-me de algo mais concreto. Olhei ao redor do
quarto para tentar identificar qualquer anormalidade. Minhas roupas sujas de ontem
estavam dobradas em cima da cadeira, minhas botas descansando ao lado da porta.
Eu não as coloquei ali, isso tinha certeza.
Será que eu trouxe alguma mulher para casa? Como eu poderia fazer isso?
Isso justificaria eu estar nu? Comecei a me xingar mentalmente só por supor uma
idiotice dessa, aí sim eu estaria assinando um atestado de imbecil, ainda mais na
primeira noite que passei sem Liz. Fui até a sala me preparando para o que podia
encontrar e vi o impossível.
Liz estava deitada no sofá em posição fetal, tão linda como um anjo era
capaz de ser. Será que isso tudo foi só um sonho ruim? Será que ela nunca foi
embora?
Fiquei parado no meio da sala observando-a ressonar enquanto sua mão
repousava sobre o estômago, agora um pouco maior do que me lembrava. Mesmo
inconsciente ela estava segurando nosso bebê e protegendo-o. Meu coração apertou,
eu precisava descobrir o que aconteceu ontem à noite. Não tinha a menor ideia de
como ela voltou para casa, mas se ela estava aqui era porque me perdoou, não é?
Mas se fosse esse o caso, se Liz realmente tivesse voltado para mim, o que
justifica ela estar deitada no sofá frio, ao invés de estar aconchegada nos meus
braços? Isso estava errado, ela não voltou, mas irei descobrir uma maneira de trazê-
la de volta para a minha vida. Agora decidido a recuperá-la, voltei para o nosso
quarto, coloquei uma bermuda e escovei os dentes, mesmo assim o gosto amargo do
uísque vagabundo não saiu da minha boca.
O dia estava esfriando, as nuvens pela janela estavam tão pesadas e cinzas
quanto os meus pensamentos. Que ironia!
Entrei novamente na sala e Liz continuava lá, dormindo serena. Fui para a
cozinha e preparei um café, minha cabeça doía como nunca doeu antes na vida,
precisava colocar cafeína nas veias para essa porra parar. Sentei-me com uma
caneca fumegante em uma cadeira de frente a ela, suas pernas estavam nuas e sua
bunda coberta com um pequeno short de dormir. Liz se remexeu e encolheu-se no
sofá como se estivesse com frio. Que filho da mãe eu sou! Dormi no calor da cama e
minha mulher aqui, nesse sofá desconfortável e frio.
“Você é um idiota, Gustavo!”, xinguei-me mentalmente.
Voltei quase correndo para o quarto e peguei um cobertor limpo no armário
para aquecê-la. Peguei também um travesseiro para deixá-la um pouco mais
confortável. Se não estivesse morrendo de medo de acordá-la iria transferi-la para a
cama. A nossa cama, lugar de onde ela nunca deveria ter saído. Quando ergui a
coberta para agasalhá-la, duas esferas azuis cristalinas me encararam. Liz abriu os
olhos piscando os cílios para mim.
Fiquei parado pairando sobre seu rosto encostado ao braço do sofá,
ponderando se devia apenas me abaixar e beijá-la como sempre fiz quando via-a
acordar todos os dias. Esse seria um costume difícil de me acostumar a não ter. Vê-
la dormir era uma cena linda demais para que eu simplesmente ignorasse.
Engoli em seco e limpei a garganta:
— Ah, me desculpe, eu só estava lhe cobrindo, você parecia estar com frio
— expliquei tentando não a assustar.
Liz levantou e sentou-se sobre as pernas bocejando.
— Que horas são? — ela perguntou passando as mãos pelos cabelos
assanhados.
— Ainda é bem cedo. Desculpe-me, eu não queria acordá-la.
— Na verdade, eu não queria ter dormido tanto, mas estava exausta.
— Você poderia ter dormido na nossa cama — disse tentando não forçar a
barra o máximo que podia.
— Eu não tinha a intenção de dormir, queria estar acordada caso você
precisasse de mim.
— Se eu precisasse de você, o que quer dizer? O que aconteceu ontem? Eu
não consigo lembrar como cheguei em casa... minha mente está em branco —
confessei envergonhado.
— Você foi até à casa da Cris completamente bêbado, eu não quis te deixar
voltar dirigindo daquele jeito. Você foi um irresponsável, Gustavo, você poderia ter
se machucado, ou pior, ter machucado um inocente.
— Me desculpe, eu nunca fiz isso, não sei o que deu em mim, nem como
pude ser tão irresponsável. Mas... Liz?
— O quê?
— Por que acordei sem minhas roupas? — Olhei para ela intrigado, será que
transamos e eu não lembro? Porra! Seria mais uma idiotice para a minha lista.
— Eu te ajudei a tomar um banho, você estava fedendo. Nada aconteceu...
— Liz respondeu constrangida e continuou: — Em seguida deitei aqui para
descansar e acabei dormindo.
— Liz, foi só isso mesmo que eu fiz? Porque eu não me lembro de nada,
então, se falei ou fiz alguma coisa que te magoou me desculpe — disse sentindo que
ela estava me escondendo algo.
— Sim, foi só isso, você não me deve nada, apenas retribuí um favor que
você me fez há algum tempo. Agora eu preciso ir. — Ela se levantou.
— Liz, por favor... você não acha que precisamos conversar como dois
adultos?
Ela alcançou a bolsa no braço do sofá, enquanto me olhou por um momento,
eu sei que ela está hesitando. A vontade que eu tinha era de agarrá-la e jogá-la na
cama. Eu sabia que estava sendo difícil para ela também, seus olhos não brilhavam
mais como antes. Seus lábios não sorriam como ela sempre fazia quando eu estava
por perto.
— O que você quer falar? — indagou acanhada.
— Liz, senta um pouco e me escuta, por favor... — implorei aos céus que ela
me desse a chance de me redimir.
Ela ponderou minha proposta por um minuto e voltou a sentar no sofá.
Então, comecei com meu plano de tê-la de volta.
— Liz, sinto muito que tudo isso esteja acontecendo. Eu sei que tenho
tendência a destruir tudo que toco, mas não quero acabar o que nós temos. Você é
muito importante para mim.
— Gustavo, se isso é que você vai falar eu não...
Eu a interrompi:
— Me escuta! Eu fui um idiota com você, por ter ocultado o que estava
acontecendo e por ter te acusado de estar me traindo. Mas o assunto do meu pai era
muito difícil de falar, eu nunca encontrava palavras, quando nos conhecemos eu
estava tão confuso sobre tudo... Todos os meus fantasmas foram acordados quando
recebi a ligação do hospital pedindo que eu viesse vê-lo... eu também sei que o que
fiz foi horrível e que não mereço sua confiança. Liz, eu já te implorei para me
perdoar e já disse que não concordo em terminarmos, mas se a sua escolha for essa
eu preciso aprender a aceitar. Porém, não é justo você sair daqui grávida, sem
trabalho e sem ter um lugar para onde ir. Você perdeu seu trabalho porque está
grávida do meu bebê. Então, eu não seria um homem se te deixasse sozinha agora.
Eu só preciso que você aceite minha ajuda.
— O que você quer dizer com isso? — perguntou com os olhos
lacrimejando.
— Que eu não vou abrir mão de acompanhar o desenvolvimento do bebê, e
também não vou abrir mão de lhe ajudar. É o meu dever e direito, Liz.
— Eu vou conseguir um trabalho, não preciso de ajuda — rebateu nervosa,
soube disso porque ela começou a colocar a mecha imaginária de cabelo atrás da
orelha.
— Grávida?
— Não quero o seu dinheiro — recusou cética.
— Liz, seja realista. Você acha que vão contratar uma funcionária que daqui
a alguns meses precisará tirar licença-maternidade? E eu já falei diversas vezes que
tudo o que tenho é seu. Eu não vou deixar você ao léu, ainda mais grávida! —
exclamei um tom mais alto, pois precisava tentar convencê-la.
— Eu vou tentar arrumar alguma coisa — Liz estava com o orgulho ferido,
sabia o quanto era difícil para ela dar o braço a torcer e aceitar ajuda de alguém, ela
sempre viveu por si só, ser independente estava no seu sangue.
— Liz, por favor, aceite. Não vou impor você a minha presença, vou ficar
em um hotel e você fica aqui, na nossa casa. Será mais confortável do que morar na
Cris. O apartamento dela é muito pequeno e sua amiga precisa de privacidade. E
além disso, vamos arrumar o quarto vago com as coisas do neném, eu vou te
acompanhar nas consultas e te ajudar no que for preciso.
— Por que você está fazendo isso?
— Porque amo você — respondi automaticamente, e me arrependi logo em
seguida. Não queria forçar a barra, muito menos afastá-la derramando meus
sentimentos.
— Você acha que eu não te amo? — Os olhos de Liz brilharam repletos de
lágrimas. Vi que ela se esforçava para não desabar.
— Ama? — perguntei esperançoso.
— Você acha que está sendo fácil para mim? Você apareceu na minha vida e
me fez sentir tudo que há muito tempo meu coração achava que não existia mais.
Caí de amores por você, para em seguida descobrir que você mentiu o tempo todo.
Agora estou sem casa, sem trabalho, grávida e sem o homem que eu amo, Gustavo.
— Eu estou aqui, Liz. — Tentei abraçá-la, mas ela me afastou.
— Não, não é tão simples assim. Eu deveria saber que amor entre homem e
mulher só traz sofrimento. Isso tudo estava fadado a terminar mal.
— Liz, não complique as coisas mais do que já estão complicadas. Ligue
para a Cris e diga que vai ficar aqui, pelo menos até o bebê nascer e você conseguir
um novo emprego.
— Não sei se esse arranjo vai funcionar.
— Liz, por favor, custa me ouvir ao menos uma vez?
— Se eu ficar, você promete não forçar nada? — Liz levantou-se e foi até a
janela da sala, ficando de costas para mim enquanto aguardava minha resposta,
sabia que ela fez isso porque não teria coragem de me pedir algo assim olhando nos
meus olhos, porque eu reconheceria se ela ainda me quisesse como homem e não
apenas como o pai do seu bebê.
— Liz, eu só quero cuidar de vocês, tudo bem? Deixe-me fazer isso, pelo
amor de Deus... Estou desesperado por tê-la a colocado nessa situação. Me deixe
fazer o que é certo — implorei.
Ela desviou o olhar da janela e balançou a cabeça confirmando.
— Será por pouco tempo, apenas enquanto consigo um novo emprego e me
estabeleço novamente.
— Tudo bem, agora posso te fazer um café? — perguntei querendo cortar
essa estática enlouquecedora que estava entre a gente.
“É, mas eu tenho grandes esperanças
Elas me levam de volta para
quando nós começamos...
E o mundo continua dando voltas...”
High Hopes – Kodaline
Liz
Gustavo me preparou o café da manhã em silêncio, esse simples gesto me
lembrou das nossas manhãs apaixonadas, eu amava a nossa rotina como casal, nós
funcionávamos bem um com o outro. Funcionávamos, no passado. Certo?
Gustavo preparou uma omelete, enquanto eu comia ele pediu licença e foi
até o quarto arrumar sua mala. Meu peito estava sangrando, tínhamos tantos planos
para essa viagem. A fome sumiu, revirei a comida de um lado para o outro no prato,
tentando entender porque as coisas deram tão errado.
Antes de partir ele parou ao meu lado na cozinha, hesitante soltou sua mala e
uma bolsa de mão ao seu lado, e deu um passo em minha direção. Recusei-me a
encará-lo, se eu o fizesse não o deixaria sair desse apartamento.
— Estou indo — ele balbuciou.
Assenti com a cabeça e tomei um gole do meu leite frio tentando esconder
minha emoção.
— Você não vai olhar para mim? — ele insistiu.
— Gustavo, por favor... — implorei. Não era justo que ele fizesse isso
comigo.
— Liz, você não vai se despedir de mim?
Inspirei profundamente, tentando encontrar forças dentro de mim para lidar
com essa pergunta.
— Boa viagem e boa sorte na competição.
— Dane-se a competição! — ele exclamou. — Eu estou indo embora, Liz.
Eu sabia disso, por isso doía tanto. Levantei da cadeira e o abracei, Gustavo
gemeu quando sentiu meus braços o envolvendo. Meu abraço falava por mim. Ele
me aconchegou no calor do seu corpo, e num sussurro eu falei a única coisa que eu
podia falar:
— Cuide-se.
— Se precisar de mim, por favor, ligue. Não me importa o que seja, apenas
ligue.
— Tudo bem — menti.
Ele beijou meus cabelos e saiu para embarcar para o Rio de Janeiro, onde
aconteceria a competição. Mesmo que eu precisasse, não ligaria, não queria
confundi-lo ou distraí-lo do seu trabalho. Além disso, nem mesmo todo amor e
admiração que sentia por ele, não me faria esquecer todas as mentiras.
Depois que me recuperei da sua partida, liguei para a Cris para avisá-la que
iria ficar no apartamento de Gustavo, porque tínhamos feito um acordo. E assim que
possível, passaria lá para buscar meu carro. Coisa que ela não deixou, fez questão de
trazê-lo para mim, junto com sorvete e comida do meu restaurante preferido.
Cris fez questão de enfatizar o quanto Gustavo estava sendo correto em
querer me ajudar, eu concordava com ela. Minha amiga também reforçou seu apoio
e admiração por ele ter reconhecido o erro, só pessoas maduras são capazes de
gestos como esse, segundo ela. Mas isso eu já sabia, Gustavo continuava sendo
incrível, igual ao homem por quem eu me apaixonei, não o Gustavo que mentia e
enganava, mas o verdadeiro, que encantava e protegia.
Ficar neste apartamento vão tornar as coisas mais fáceis, mas muito mais
complicadas para o meu coração. Cada canto dessa casa me trazia uma lembrança
de nós dois juntos, rindo e fazendo amor em cada cômodo, suas coisas estavam
espalhadas em todos os lugares: discos, livros, revistas, roupas, até seu cheiro
pairava no ar. Seria pedir demais que sua casa não parecesse com ele.
Depois de um longo tempo observando a casa e o silêncio incomum sem sua
presença, tomei um longo banho e desfiz a mala que eu tinha preparado para ir com
ele ao Rio de Janeiro. Quando já estava tudo arrumado, deitei na cama sentindo-me
muito mal para fazer qualquer outra coisa... Sua cama, que até um dia atrás era
nossa. Os lençóis cheiravam ao perfume dele, puxei-os até meu rosto e inspirei
fundo.
Eu iria enlouquecer!
O fim de semana passou lentamente como eu já esperava, Cris veio almoçar
comigo no domingo, conversamos sobre tudo, menos minha situação com Gustavo,
eu precisava de um tempo para respirar, ela me contou que na semana seguinte iria
reencontrar o Ricardo Sherman, ele estava entrando em um processo de divórcio
para adotar o Samuel. Fiquei tão tocada por ele abrir mão de seu casamento, para
poder ter um filho de coração, que derramei algumas lágrimas de admiração. Achei
Cris diferente ao falar do Ricardo, mas talvez fosse apenas coisa da minha cabeça.
Ela parecia tão admirada pelo caráter dele, talvez admirada não fosse a palavra
certa, ela parecia encantada. Perdidamente encantada por ele. Também, o homem
era lindo, bem-sucedido e, pelo que parecia, tinha um coração gigante.
Domingo à noite choveu bastante em São Paulo, passei as horas revezando
entre a cama e o sofá. Acabei ligando a tevê e vi uma reportagem sobre o
campeonato de motocross que Gustavo foi participar. Ele ficou em primeiro lugar,
Gustavo deu várias entrevistas para programas esportivos. Mesmo sem querer
assumir acessei todos os portais de esportes para ler notícias e comentários sobre
como ele. Não nego que fiquei muito orgulhosa de vê-lo tão bem no que ele gostava
de fazer. Ele me acusou de querer alguém com um diploma, mas mal sabia ele que o
que ele fazia valia muito mais do que qualquer pedaço de papel habilitando alguém
em uma profissão. Ninguém podia negar que era preciso mais do que talento para
voar em cima de uma moto em 360º graus e aterrissar sem um arranhão sequer no
chão. Ele comentou o feito nas entrevistas, espirituoso, sempre pronto com respostas
inteligentes e perspicazes. Meu peito encheu-se de orgulho. Eu queria estar ao seu
lado para poder dizer o quanto ele era incrível. Porém, as coisas não são como
desejamos e precisava lidar com isso como uma adulta.
A semana seguinte foi apenas uma repetição de ações, era como se eu não
estivesse dentro do meu próprio corpo. Alimentava-me, mas não sentia sabor.
Deitava, mas não dormia. Lia, mas não entendia uma palavra do que estava escrito
nas páginas. Sorria, mas chorava por dentro. Só sentia um vazio tão profundo que
parecia que não ia ter forças para encarar o dia seguinte, e essa sensação era a
mesma a cada dia.
Em uma das manhãs solitárias meu telefone tocou, senti um frio na barriga
com a possibilidade de ser Gustavo. Mas era a mãe dele, olhei para o telefone por
um tempo, tentando tomar coragem para ouvir o que ela tinha a dizer. Quando
restavam poucos segundos para a ligação cair, apertei o botão verde.
— Liz, querida. Como vai?
— Estou bem e vocês? — menti, eu odiava jogar conversa fora, mas
precisava ser gentil.
— Estamos todos bem. Mas não foi para falar da gente que liguei. Quero
saber como você está. Não concordei com a atitude do meu filho, e não quero
defendê-lo, porque no seu lugar também estaria muito chateada. Mas, Liz, quando
Gustavo nos contou sobre o retorno do pai vi a aflição dele por estar escondendo a
verdade de você. Ele achou que ocultando a verdade estaria te protegendo.
— Dona Carmen, não quero falar sobre isso.
— Eu sei, Liz. Só que não consigo não tentar interferir, vocês formam um
casal tão lindo, estão prestes a formar uma família, não é justo que um mal-
entendido afaste vocês.
— Agradeço a preocupação. Tenho pensado muito sobre o que aconteceu e
tentando lidar com tudo isso.
— Liz, meu caçula é um bom homem. Não estaria lhe dizendo isso se
achasse que ele não ama você. Gustavo sofreu muito com a ausência do pai, e essa
magoa ainda interfere em sua vida. Pense nisso, por favor...
***
As palavras da mãe de Gustavo ficaram girando na minha mente nos dias
seguintes, eu podia compreender a dor que ele estava sentindo. No entanto, isso
ainda não era motivo suficiente para ele mentir para mim.
Passamos a nos falar todos os dias por mensagens, basicamente para ele
saber como eu estava me sentindo. Daí em diante ele começou a vir me ver duas
vezes por semana, sempre carregado de sacolas de comidas, alimentos muito
nutritivos durante a gravidez, segundo os livros que ele leu sobre maternidade.
Mesmo eu falando que era um exagero, e que a geladeira ainda estava cheia de
comida, ele continuava vindo e o número de sacolas só aumentando. Em meio à
montanha de comida, ele também tinha a gentileza em trazer produtos de higiene
que eu usava, como meu xampu preferido e meu sabonete corporal.
Gustavo nunca tocou em qualquer assunto que pudesse me constranger, ele
apenas falava sobre assuntos seguros. Sobre o bebê ou sobre o tempo bipolar de São
Paulo. Estava dando o espaço que eu precisava, mas ainda assim eu tinha medo de
que ele soubesse o que fazer sem mim em sua vida, pois eu estava completamente
perdida sem ele.
Na terceira semana sem Gustavo, eu coloquei na minha cabeça que precisava
reagir. Na segunda-feira mandei meu currículo para vários escritórios e recebi
algumas ligações, mas assim que eles ficaram sabendo que eu estava grávida
disseram que a vaga já tinha sido preenchida. Durante as tardes comecei a caminhar
no parque perto de casa, às vezes, caminhava até não conseguir mais pensar; em
outros dias, eu apenas sentava em um banco e olhava o tempo passar acompanhando
o movimento das folhas das árvores.
No sábado Cris me acompanhou no passeio, ela insistiu que eu precisava
conversar com um psicólogo, mas não concordei. Insisti que estava bem e ela
acabou deixando o assunto para lá. O que eu precisava tinha nome e sobrenome e
não era um psicólogo, e sim um motoqueiro moreno, dono do par de olhos
castanhos mais lindos e vivos que já vi.
Mas ela me trouxe uma boa notícia, Ricardo Sherman retirou o caso de
adoção do escritório onde eu trabalhava, e queria que eu assumisse o processo, o
trabalho veio em boa hora. Eu precisava desse dinheiro mais do que nunca, e
também seria de uma ajuda enorme ocupar minha cabeça com algo útil.
No domingo de manhã acordei com a campainha tocando, abri a porta e me
deparei com Gustavo parado no vão da porta, ainda mais lindo do que eu lembrava.
Seu queixo carregava uma barba rala de dias sem fazer, ele estava mais magro por
baixo do jeans, camiseta branca e jaqueta de couro. Seu estilo me lembrou do James
Dean, só que ele conseguia ser ainda mais bonito à sua própria maneira.
Gustavo contraiu a mandíbula enquanto me olhava, como se estivesse
fazendo uma conferência de todas as partes do meu corpo. Minhas roupas esses dias
tinham sido um revezamento entre moletom e baby-dolls de algodão, não tinha para
onde ir, então não precisava trocar de roupa. Meu cabelo estava cada dia maior e
mais despenteado, não pintei mais as unhas nem usei maquiagem, isso era tudo
perda de tempo. Então você deve imaginar o estado em que me encontrava.
— Bom dia, Liz! — ele me cumprimentou, em seguida me fitou com olhos
predadores.
— O-oi... — gaguejei percebendo que estava de boca aberta admirando-o.
— Posso entrar? — Gustavo fez um gesto com a cabeça em direção ao
apartamento.
— Gustavo... — falei sem graça, ele precisava entender que era meu tendão
de Aquiles, não conseguiria ficar no mesmo ambiente com ele e manter minha
decisão de que somos melhores separados.
Era sufocante demais a vontade que tinha de beijá-lo.
— Só queria te ver. — Seu olhar pesaroso me desestruturou.
Respirei fundo e fiz um gesto para que ele entrasse.
— Você já comeu? — indagou.
— Não.
— Trouxe croissant quentinho e mais algumas coisas gostosas da padaria.
Posso nos fazer um café? — Ele levantou uma sacola de papel cheirando muito
bem. Meu estômago traidor roncou alto. Nem lembrava a última vez que comi algo
saudável. E sempre gostei tanto do café caprichado que ele fazia para mim.
Ela estava jogando sujo!
— Tudo bem — disse sem conseguir evitar sorrir, ele não perdia essa mania
de querer me alimentar o tempo todo.
— Suco de laranja para você?
— Para mim está bom — respondi constrangida, fazia dias que não nos
víamos, sua presença parecia me sufocar, sentia-me como se tivesse desaprendido a
respirar cada vez que ele estava aqui.
Meu Deus, ele continuava tão lindo!
Depois de alguns minutos constrangedores de silêncio, Gustavo preparou
uma mesa com ovos, pães, biscoitos, sucos e frutas. Um verdadeiro banquete que
não via há muito tempo. Sentei na cadeira do outro lado da mesa e comi um
pãozinho com suco. Estava com saudade desse cuidado, com mais saudades do que
queria confessar.
Percebi que ele olhava para as minhas mãos, principalmente para a mão que
ainda usava o anel de noivado. Escondi a mão embaixo da mesa, Gustavo percebeu
minha reação e fitou meu rosto.
— Você ainda está usando o anel — afirmou.
— Esqueci de tirar — menti.
— Certo. — Seu olhar vagou pelo meu corpo e ele continuou: — Você está
mais magra, mesmo eu trazendo suas comidas preferidas. — O olhar dele sobre
mim era intimidante, ele parecia notar cada pequeno detalhe, como se estivesse
fazendo uma minuciosa vistoria dos estragos que causou.
— Vou tomar isso como um elogio — respondi.
— Você está linda com barriguinha... ainda mais do que antes, porque agora
você está carregando o meu filho — seu comentário me desconcertou.
— O bebê está crescendo, é isso que está acontecendo — tentei soar o mais
indiferente possível ao seu floreio.
— Seu cabelo também cresceu.
Passei as mãos nos fios desgarrados.
— Não tenho para onde ir, penteá-los é uma perda de tempo.
— Eu gosto deles assim, soltos e livres caindo por todos os lados, cobrindo
seus ombros e costas. Na verdade, não tem nada sobre você que eu não goste ou que
meus olhos não aprovem.
Engoli em seco. Ele sorriu sem graça da minha reação.
— Veio até aqui para me deixar sem graça?
— Me desculpe, não queria lhe deixar constrangida.
— Eu não quis ser grossa, me desculpe, é que me deixa aflita saber que
alguém está prestando tanta atenção em mim.
— É que é impossível tirar os olhos de você, mesmo que eu tente. —
Gustavo fixou o olhar em mim, o calor se espalhou pelas minhas bochechas, nem
precisava me ver em um espelho para ter certeza de que fiquei da cor de um tomate
maduro. Uma onda de excitação percorreu pelas minhas veias, minha libido já
estava em alerta.
Meu rosto corou mais uma vez quando me lembrei de que estava usando
apenas de camiseta sem qualquer sutiã. Os olhos de Gustavo se afastaram do meu e
vi-os descendo até minha boca, lentamente até meu pescoço, colo e seios. Ele
encarou aquela região do meu corpo com um olhar selvagem, minha respiração
ficou imediatamente ofegante, a conexão sexual entre nós ainda estava lá. Ainda era
a mesma.
Mas aí eu me lembrei de que não era apenas disso que se fazia uma relação.
Levantei-me e fui para a cozinha acalmar meus hormônios de grávida cheia de tesão
acumulado. Enchi um copo de água gelada e tomei de uma só vez, como se
conseguisse esfriar meus pensamentos com isso.
— Liz, a consulta com a obstetra é na próxima semana, posso acompanhá-
la?
— Claro. Nunca iria me impor a isso, Gustavo.
Ele assentiu, e olhou para a comida em seu prato intocada. Vir me trazer café
da manhã era uma desculpa, Gustavo estava planejando alguma coisa.
— Obrigada, pelo café — agradeci.
— Na verdade vim te buscar para irmos ao shopping, você já fez uma lista
do que é necessário comprar para o bebê?
— Por quê?
— Precisamos comprar as coisas do neném.
— Gustavo, está cedo para pensar nisso. Além disso, eu não sei se é uma boa
ideia irmos juntos.
— Por que não? Eu quero participar de tudo, não irei abrir mão disso.
Olhei para ele ali tão solícito e bem-intencionado que uma angústia esmagou
meu coração. Meus olhos começaram a arder, eu sabia que se continuasse olhando
para ele iria começar a chorar feito uma idiota.
— Ok, vou tomar um banho. Já volto.
“Olhos fechados, pra te encontrar
Não estou ao seu lado, mas posso sonhar
Aonde quer que eu vá
Levo você no olhar
Aonde quer que eu vá...”
Aonde quer que eu vá – Paralamas do Sucesso
Gustavo
Eu iria explodir.
Como pode uma única pessoa mexer tanto com a minha cabeça? Eu estava
enlouquecendo sem ver Liz por tanto tempo, preferia lidar com seu tratamento frio e
apático do que não ter nada dela. Estava tentando respeitar seu espaço e vir checá-la
o mínimo possível. Estava agindo como um adulto e dando o tempo que ela
precisava para colocar as coisas no lugar, mas estava morrendo de medo de dar
tempo demais e ela entender que pode viver sem mim. E eu morreria se ela fizesse.
Todo santo dia eu ficava feito um idiota pensando no que eu podia fazer para que ela
me perdoasse. E não conseguia pensar em nada, eu deveria saber antes de esconder
as coisas dela, Liz odiava mentiras. Por que achei que ela lidaria bem com as
minhas?
Minha mãe sempre ligava para saber como estava passando por isso e como
estava me preparando para a cirurgia. Já que o resultado dos exames dela e dos
meus irmãos saiu e, para surpresa de todos, dos quatro eu era o único compatível
para doação. Então, terei que fazer o transplante que foi marcado para o próximo
mês. Estava surtando, minha mãe queria que eu voltasse para casa para poder cuidar
de mim, porém eu nunca seria capaz de deixar Liz aqui sozinha nessa cidade. Parei
com os treinos e agora gastava meu tempo antes da cirurgia pesquisando como era
ser pai, como fazia para saber quando um bebê estava com fome, e como não
enlouquecer antes dos trinta.
Quando ela abriu a porta do apartamento, todo meu sangue aqueceu, parecia
que meu corpo, que antes estava em estado de morte, recebeu um sopro de vida nos
pulmões. Fiquei embasbacado, vendo seus olhos cristalinos me olhando, a boca
suculenta aberta em surpresa me desejando, as sardas enfeitando o rosto corado,
seus seios apertados contra a malha fina da camiseta parecendo tão bons para serem
tocados. Suas pernas incrivelmente nuas no pequeno short de dormir. Seus cabelos
loiros claríssimos despenteados e sensuais caindo nos ombros. Precisei me esforçar
para voltar a respirar e não parecer um pateta. O nosso apartamento continuava o
mesmo, tudo no mesmo lugar desde o dia que saí daqui.
Precisava aproximar-me lentamente e ir quebrando o muro de proteção que
ela construiu novamente, com paciência precisava quebrar tijolinho por tijolinho
para alcançar novamente seu coração, não podia mais suportar tê-la tão distante, tão
reticente.
Enquanto Liz estava no banho, uma onda de excitação me fez querer entrar
no chuveiro com ela, e deslizar minhas mãos por cada pedaço de pele que pudesse
alcançar. Na verdade, daria tudo para tocar sua barriga que estava cada dia maior e
mais redonda. Deslizar minhas mãos por sua pele macia e nunca mais soltá-la.
Rapidamente mudei de ideia, não queria assustá-la, isso só faria Liz se afastar ainda
mais.
Cris tem me mantido informado sobre tudo que diz respeito a ela, o que tem
me deixado ainda mais aflito. Quando ela me contou que Liz andava triste e
desanimada, fiquei dias sem conseguir dormir, morrendo de vontade de vir até aqui
bater na sua porta e implorar seu perdão. Com relação à Liz, não tenho qualquer
dignidade de sofrer calado.
Para passar o tempo, enquanto esperava por ela, lavei a louça e limpei a
mesa em que tomamos café.
Uns vinte minutos depois Liz apareceu na sala com um vestido verde de
crepe com pequenas estampas, a cintura bem marcada e a saia godê lhe deixaram
com a circunferência abdominal avantajada ainda mais evidente, por cima da peça
fina ela vestiu um blazer branco que eu amava quando ela o usava para trabalhar,
toda profissional e sexy.
— Podemos ir agora? — perguntou sem graça por me pegar lhe secando.
— Você está linda, Liz — elogiei tirando-lhe um sorrisinho de canto de
boca, ela passou na minha frente e deixou um rastro agradável do seu perfume
floral. Essa mulher queria me enlouquecer.
Fomos no meu carro, durante todo o caminho até o shopping ficamos em
silêncio. Passei os olhos pelas suas coxas e um desejo de tocá-las me consumiu por
dentro. Para desviar meus pensamentos de como gostaria de comer Liz viva contra o
painel do carro, liguei o rádio, e a música Honest, do Kodaline, tocou pelos
altofalantes. Liz me fitou, comparando o quanto a letra da música se encaixava
perfeitamente nessa situação. Respirei fundo tentando aceitar o que estava
acontecendo entre nós.
Ajudei Liz a descer da pick-up e um instinto natural me fez colocar a mão no
final de sua coluna para guiá-la. O toque naquela região, mesmo que por cima da
roupa, fez todo o meu corpo arrepiar de desejo, travei a mandíbula e pensei em
filhotes de cachorros para tentar baixar a minha ereção.
Porra! Nunca fiquei tanto tempo sem tocar em uma mulher na vida.
Olhamos as vitrines das lojas distraídos por um tempo, até avistarmos uma
grande loja com artigos para bebês, peguei a mão de Liz e entramos. Era uma
infinidade de roupinhas, fraldas e brinquedos. Fiquei completamente perdido. Uma
vendedora sorridente de meia-idade se aproximou de nós na intenção de ajudar.
— Olá, bom dia, em que posso ajudá-los? — perguntou solícita.
Eu olhei para a Liz, e ela me encarou como se buscasse ajuda sobre o que
responder.
— Bem, nós estamos querendo comprar um enxoval para o bebê —
expliquei.
— Vocês já sabem o sexo? — perguntou a vendedora.
— Ainda não, só na próxima visita a obstetra — Liz respondeu.
— Ok, temos algumas opções de decoração para o quarto em tons neutros
que serve tanto para menino como menina, mas claro que depois vocês podem
colocar alguma cor em pequenos detalhes após descobrir o sexo do bebê.
— Ah... — Liz suspirou sem jeito.
— Vocês têm uma lista? — a mulher perguntou e vi o rosto aflito de Liz por
não ter pensado nisso.
— Não sabia o que seria preciso — Liz respondeu constrangida, incomodada
por não saber desses detalhes.
— Pais de primeira viagem? — a vendedora indagou abrindo um sorriso
ainda maior.
— Sim. Eu quero que nos mostre tudo que iremos precisar — adiantei-me.
— Quero levar tudo que meu filho tem direito e mais um pouco.
— Claro, nossa loja fornece uma lista para ajudar pais como vocês. Vamos
ver primeiro os móveis do quarto. Vocês têm preferência de cores?
A vendedora, que depois se apresentou como Adriana, era mãe de cinco
filhos quase todos criados e tinha muita experiência com crianças. Ela nos mostrou
gentilmente vários modelos de quarto com berço, guarda-roupa, cadeira de apoio
para amamentação e cômoda.
Nós gostamos de um conjunto branco com móveis no estilo provençal,
simples e muito elegante. O enxoval do berço, Liz escolheu um todo branco com
detalhes em dourado, que a vendedora informou que depois poderíamos adicionar
elementos na decoração para deixar mais com a cara do bebê.
Depois começamos a escolher cortinas, lençóis, colchas, mantas, roupinhas,
sapatinhos, e uma infinidade de coisas que eu nem sabia para que existiam.
Enquanto a vendedora dava dicas sobre como usar cada coisa e para que serviam,
observei Liz encantada em aprender cada detalhe de como cuidar do nosso filho.
Meu coração sorriu por ela estar feliz em esperar nosso fruto. Quando saímos da
loja, Liz permaneceu com um sorriso bobo no rosto. Desde o nosso rompimento, eu
ainda não tinha a visto sorrindo dessa maneira.
— Gustavo, eu quero te pagar por tudo aquilo. Estou tentando vender meu
carro e tenho trabalhado em um caso — ela me disse.
— Como é? — perguntei sorrindo. — Liz, eu não vou aceitar nenhum
dinheiro pelo enxoval do nosso filho. E não concordo que você venda seu carro para
me pagar. Eu quero dar a vocês tudo que estiver ao meu alcance. Mas fico feliz que
esteja se mantendo ocupada trabalhando.
— Eu quero poder te ajudar com as contas do apartamento.
— Liz, me deixa fazer pelo menos isso por nós. Não é tanto dinheiro assim e
não é nada que vá me fazer falta.
— Tudo bem — bufou irritada.
— Está com fome? — perguntei torcendo para ela aceitar almoçar comigo,
queria prolongar cada segundo que podia ter ao seu lado.
— Sim, muita. — Liz sorriu.
— Então, vou alimentá-la.
Levei-a em um restaurante no shopping mesmo, pedimos uma massa para
almoçar. Liz comeu toda a refeição, e eu mal dei duas colheradas, meu interesse era
ficar apenas a admirando, linda e esfomeada atacando a comida e fazendo uma cara
de prazer indescritível.
— Você não vai comer? — ela perguntou apontando para o meu prato
intacto com o garfo.
— Estou com pouca fome. — “Prefiro ficar admirando você”, pensei.
— Ultimamente eu não tenho sentido muita fome. Mas hoje o bebê parece
estar feliz com o almoço. Desculpe-me — ela falou de boca cheia.
— Quando sentir vontade de comer alguma coisa me avise que levo para
você. Você precisa se alimentar melhor, pelo bebê e por mim também, gosto de ver
você comer bem — confessei e vi suas bochechas corarem. Liz parou de mastigar e
limpou a boca com o guardanapo constrangida. — Me desculpe, eu não quis ser
inconveniente — tentei corrigir a mancada.
— Não precisa se desculpar. Podemos ir agora? Estou cansada, não sabia
que dava tanto trabalho escolher roupinhas de bebê.
Deixei Liz no apartamento, depois de ter lhe ajudado a subir as sacolas. O
resto das coisas a loja entregará amanhã. Quando ela abriu a porta para eu ir embora
vi-a hesitar em me deixar ir.
— Gustavo... — Liz sussurrou.
— Liz? — Rezei para ela me pedir para ficar, daria meu outro rim para
dormir em seus braços pelo menos por mais uma noite.
— Obrigada por tudo. — Seus olhos cristalinos não me diziam o que sua
boca sussurrou. Forcei-me a dar-lhe uma resposta amigável para não cometer a
loucura de enfiar os pés pelas mãos e imprensá-la contra essa porta e mostrar o
quanto estou desejando provar sua boca.
— Estou aqui, Liz, para o que precisar. — O azul profundo de seus olhos
ficaram enevoados de lágrimas não derramadas, como se as minhas palavras
ferissem algo nela. Saí de lá um pouco mais confiante, ela ainda se importava. Todo
seu corpo demonstrava isso.
Cheguei ao quarto no apart-hotel em que estava morando e caí na cama, as
imagens de Liz alisando a barriguinha saliente e conversando com a vendedora não
paravam de girar na minha cabeça. Como eu queria livrá-la daquele vestido, beijar
aqueles lábios carnudos, sentir seu cheiro de flor acalmando minha alma.
“Como cortar pela raiz se já deu flor?
Como inventar um adeus se já é amor?
Como cortar pela raiz se já deu flor?
Como inventar um adeus se já é amor?...”
Morada – Sandy
Liz
Depois do nosso domingo comprando o enxoval do bebê, meu coração
estava ainda mais machucado. Todo meu corpo queria convidá-lo para ficar e
permanecer para sempre ao meu lado. Mas eu não podia, eu não podia esquecer que
ele me enganou, quando escondeu de mim todo aquele tempo uma coisa tão
importante sobre seu passado, e a forma horrível que ele me acusou de tê-lo traído
com o Matheus ainda martelava na minha cabeça dia e noite. O perdão era algo que
eu ainda não aprendi a exercitar... nem sei se algum dia irei, depois de tudo que já
passei quando meu pai se foi. Não, ele não se foi, ele escolheu ir.
Pensando bem era muita hipocrisia a minha, não podia perdoar o homem que
amava, mas queria que ele perdoasse o homem que lhe abandonou quando ele era
apenas uma criança. Pelo simples fato de que eu daria minha vida para ter a chance
que ele estava tendo agora, de poder ir e salvar a vida do meu pai. Como eu queria
poder ter tido essa chance... talvez hoje eu não fosse tão resguardada sobre tudo,
talvez eu não me sentisse estranha e deslocada a maioria do tempo. Talvez, apenas
só talvez, eu não tivesse tantos traumas sobre ser abandonada. Era egoísmo meu
comparar nossos passados, marcados miseravelmente pelo abandono da figura que
mais amávamos no mundo. Cada um dos nossos pais teve seus motivos para partir,
mas ainda assim, eu e Gustavo não fomos suficientes para mantê-los.
E eu que pensei que éramos pessoas completamente distintas, quando, na
verdade, éramos iguais no tamanho da dor que carregávamos. Ser deixado para trás
era uma ferida que nunca cicatrizava, esse fato irá nos acompanhar como uma
cicatriz no rosto e cada vez que nos olharmos no espelho, iremos lembrar que não
fomos bons o suficiente para que nossos pais quisessem ficar nas nossas vidas.
O dia do aniversário de Gustavo chegou como um raio. Certamente hoje já
estaríamos casados, ou quem sabe o grande dia fosse hoje? Imaginei-me entrando
naquela linda capelinha de Belo Horizonte enquanto Gustavo me esperava no altar
com um sorriso bobo. Eu estaria radiante.
Ri com a lembrança da conversa inusitada entre Gustavo e o padre no
batismo da Cléo, recordei-me da forma que ele resolveu sem qualquer delonga
nosso casamento. Eu amava a sua forma descomplicada de resolver a vida, ele
sempre sabia como resolver as coisas com praticidade, diretas e retas. Sentia falta do
seu jeito intempestivo, eu nunca sabia o que esperar dele, na verdade sentia falta de
tudo. Afastei a saudade dos meus pensamentos e voltei a fantasiar em como seria
meu grande dia.
Olhei o céu chuvoso pela janela e pensei no quanto eu estaria ansiosa agora,
preparando um aniversário, ou quem sabe estaríamos de volta na praia aproveitando
seu dia especial entre as ondas azuis do mar, ou quem sabe nos amando sob as
estrelas.
Perdemos tantas coisas... precisava parar de me lamentar.
Subitamente senti-me ousada e corajosa a ponto de querer ir vê-lo, eu
precisava desejar-lhe parabéns. Mesmo que não pudéssemos ser um casal, ainda
seríamos pais dessa criança que estava em meu ventre, precisávamos manter uma
convivência saudável, eu apreciaria desfrutar da sua amizade. Gustavo sempre me
fez rir, sentia falta disso.
Então, por que não ir desejar-lhe parabéns? Seria muito deselegante da
minha parte fingir que não sabia que dia era hoje. E também, talvez o amor
transforme erros incorrigíveis em apenas erros.
Corri para o quarto, vesti um vestido soltinho, um dos poucos que ainda
cabiam em mim. Peguei um cardigã e saí para encontrá-lo. Gustavo me passou o
endereço do apart-hotel em que ele estava hospedado, ele preferiu ficar em um lugar
perto de mim para o caso de eu precisar dele para alguma urgência, mesmo eu tendo
deixado claro que não precisava, ele insistiu em ficar no mesmo bairro. Para falar a
verdade, eu me sentia um pouco mais segura sabendo que ele estava a apenas
algumas quadras de mim.
Cheguei lá rapidamente, porém antes de ir passei em uma padaria e comprei
um bolo de aniversário para ele, afinal, não era aniversário se não tinha um bolo. Na
recepção do hotel pedi a recepcionista para não ser anunciada porque queria fazer
uma surpresa, subi o elevador e bati na porta ansiosa. Alguns segundos depois, a
porta foi aberta e encontrei um par de olhos castanhos e arregalados me encarando
como se não acreditasse no que via.
Gustavo vestia apenas uma calça de moletom amarrada tão baixa no cós que
deixava aquele V delicioso mostrando todo o caminho para o paraíso. Já não bastava
ser lindo, ainda tinha que estar sempre parecendo ter acabado de sair de uma capa de
revista da Vogue.
Mas não me deixei ser afetada por seu abdômen.
— Feliz aniversário! — exclamei levantando o bolo de chocolate coberto
com morangos na frente do seu rosto.
— Liz? Uau, que surpresa boa! — ele falou surpreso.
— Atrapalho? — perguntei constrangida.
— Não, vem entra — Gustavo disse sorrindo. Antes de pegar o bolo das
minhas mãos, ele me deu um beijo no rosto e eu o acompanhei para dentro do
quarto.
— Me desculpe por ter vindo sem avisar, mas não poderia deixar de vir. O
bolo é todo seu.
— Muito obrigado, esse é um gesto muito gentil. Nem sei qual foi a última
vez que soprei velinhas. Sempre passo meu aniversário longe de casa.
— Não foi nada, é uma pena que não siga a tradição. Todo aniversário
precisa de um bolo para que você possa fazer o pedido de aniversário. Meu pai dizia
que esse é o melhor momento para pedir algo inalcançável.
— Ah, é? — Gustavo pareceu interessado na história, então continuei a
tagarelar para disfarçar meu nervosismo.
— Uma vez eu queria muito um par de patins rosa que todas as minhas
coleguinhas da escola tinham. Mas meu pai não queria comprar porque eu tinha
ganhado uma bicicleta no Natal e quase nunca a usava. Ele tinha medo que eu
ignorasse os patins como fiz com a bicicleta, meu pai odiava desperdiçar dinheiro.
Mas continuei insistindo.
— Já posso imaginar uma menininha loira e linda fazendo birra — Gustavo
brincou.
— Me deixe continuar, você precisa ouvir isso. Eu estava quase desistindo
dos patins quando papai me contou que eu poderia fazer um pedido especial quando
soprasse as velinhas do meu aniversário. Ele disse que tudo que eu pedisse naquele
momento seria realizado. Esperei três longos meses até minha festinha de dez anos,
quando soprei as velas pedi com toda minha fé meu par de patins rosa. No dia
seguinte, quando acordei, encontrei o meu tão sonhado par de patins que cheirava a
chiclete ao lado da cama. — Sorri da lembrança. Gustavo pareceu encantado me
ouvindo tagarelar, então continuei: — Antes, quando morava sozinha e não
conhecia ninguém na cidade, eu mesma comprava meu próprio bolo de aniversário
soprava as velinhas, fazia meu pedido e depois comia sozinha assistindo seriados na
tevê. Eu sei que era decadente, mas era um ritual para mim... — terminei de falar e
olhei ao redor do quarto para evitar encarar meu interlocutor atento.
— Não é decadente.
— Ah, era sim, era bem solitário também. E por saber quanto é ruim passar
esse dia sozinha resolvi vir te fazer companhia.
Gustavo me fitou com olhos afetuosos, nos encaramos até ele dizer meu
nome, fazendo um arrepio espalhar-se pela minha pele.
— Liz... — Sua voz suavizou. — Posso saber o que você pedia a cada ano?
— Não posso contar. Quebra a magia. — Sorri.
— Gosto de descobrir os detalhes sobre sua vida — Gustavo galanteou.
Sei que ele estava tentando ser charmoso, mas deveria avisá-lo que para isso
não precisava se esforçar. Fingi que não ouvi o que ele disse, olhei o lugar. Era
agradável, entretanto pouco pessoal. O quarto era simples e muito bagunçado, bem
diferente de como ele mantinha seu apartamento. Vi uma imensidão de
equipamentos de treino espalhados por todos os lados, no centro havia uma cama
branca com lençóis azul royal, um frigobar, uma mesa com computador e uma TV
de plasma na parede em frente à cama.
— Esse bolo está com a cara muito boa, mas não esperava que você
lembrasse — falou colocando-o no balcão.
— Gustavo... — Ele se virou para mim com um olhar angustiado. — Eu
nunca esqueceria.
— Fico muito feliz em te ver hoje, Liz. Poder ver você é o segundo melhor
presente que eu poderia ganhar — Gustavo falou se aproximando.
Segundo? Não resisti e perguntei:
— E qual seria o primeiro?
— Casar com você — ele respondeu rapidamente sem se afetar.
Engoli em seco e mudei de assunto fingindo que essa informação não me
desestruturou como um castelo de cartas que desaba quando é retirada uma das
peças que sustentam sua estrutura.
— O que você vai fazer hoje? Não te atrapalhei, não é?
— Claro que não, acho que ia tomar umas cervejas, pedir pizza e assistir
alguns filmes. Seria só mais um dia, mas agora você está aqui, então, acho que
preciso comemorar.
— Poderíamos assistir a um filme, posso te fazer companhia — Tentei ser
mais agradável possível.
— Mas eu escolho o filme, afinal é o meu aniversário — Gustavo ponderou.
— Tudo bem, mas tenho uma condição.
— O quê?
— Você escolhe o filme se eu e o bebê pudermos escolher as comidas.
Gustavo gargalhou alto como há muito tempo não ouvia quando me ouviu
falar "eu e o bebê".
— Trato feito — concordou e sentou-se na cama com as costas encostadas
na cabeceira acolchoada. Ele flexionou o braço e pegou o controle, o movimento me
fez reparar em cada músculo do bíceps e costas.
Santo Deus, isso será uma tortura!
— O exorcista? Não, Gustavo, eu pensei em algo como uma comédia —
perguntei sentando ao lado dele, enquanto ele olhava as opções de filmes de terror.
— Sim, você sabe que adoro filmes de terror, minha flor. — Ele selecionou o
filme e sorriu para mim.
— E você sabe que eu tenho medo. Mas não vou reclamar porque é o seu
dia.
— Eu te protejo. — Baixei os olhos sem graça pelo comentário, mas sei que
foi apenas algo automático. Esse seria o tipo de brincadeira que teríamos se ainda
estivéssemos juntos como um casal.
Ele apagou as luzes em um interruptor ao lado da cama, deixando acesa
apenas a luz da soleira da porta, o quarto ficou com uma iluminação confortável.
Assistimos em silêncio boa parte do filme, um do lado do outro na cama sem nos
tocar.
Estávamos tão tensos com essa proximidade que mal podia ouvi-lo respirar.
Meus olhos não desfocavam da televisão, mas se me perguntarem o que está
acontecendo eu não saberei responder. Porque minha mente está obcecada pelo
moreno ao meu lado sem camisa.
Em dado momento levei um susto por uma cena horripilante do filme e me
agarrei nele por puro instinto de buscar proteção. Minhas mãos pousaram frias sobre
o seu tórax quente, meus dedos formigaram de desejo com o simples toque. Eu tinha
esquecido o quanto seu corpo estava sempre quente. Gustavo capturou meu olhar
com tanta fome que toda minha carne implorou por mais. Suas mãos me seguraram
pelas costas, me prendendo firme contra seu peito nu. Fiquei com a boca
entreaberta, ofegante e incapaz de ter qualquer reação.
Ele ainda me queria, e saber disso, sentir como o afetava mesmo com o
estômago parecendo uma bola de futebol me encheu de calor. As mãos de Gustavo
deslizaram pela minha coluna lentamente me enlouquecendo e explodindo toda a
ânsia que guardei durante o tempo que estávamos separados.
Passei a mão por seus cabelos e lhe beijei na boca, Gustavo puxou meus
cabelos trazendo nossas bocas mais próximas, com fome e sofreguidão. Minha
perna enlaçou seu quadril e antes que eu sequer percebesse já estava montada sobre
ele, o tecido leve do vestido levantado até a cintura, me deixando friccionar
livremente contra o que meu corpo ansiava, me esfreguei feito uma louca, muito
ensandecida de tesão para ter vergonha.
— Meu Deus, minha flor, que saudades... — Gustavo balbuciou entre os
beijos.
— Gustavo... — choraminguei baixinho, apenas amando a forma que ele me
fazia sentir.
— Eu estava ficando louco, Liz. — Gustavo disse enquanto raspava os
dentes pela pele sensível do meu pescoço.
— Gustavo, por favor... eu preciso tanto... — implorei tomada de luxúria,
com as ondas de calor aquecendo o meu núcleo, a cada movimento que fazia com o
corpo, uma partícula de desejo era acesa, a qualquer momento eu cairia em queda
livre e não precisava de asas para voar de tanto prazer que só Gustavo era capaz de
me fazer sentir.
“Hoje eu preciso ouvir qualquer palavra tua
Qualquer frase exagerada que me faça sentir alegria
Em estar vivo...”
Só Hoje – Jota Quest
Gustavo
Esse, sem dúvida, foi meu melhor aniversário, acordei puto da vida e
sozinho. Já estava disposto a passar o dia na cama, me embebedar na esperança de
esquecer a droga que minha vida se tornou desde que decidi mentir para a única
pessoa no mundo que eu não poderia ferir. Correr na Rose seria um risco já que em
São Paulo estava caindo um temporal.
Quando estava procurando no frigobar algo para beber ouvi a campainha
tocar. Fui abrir a porta já imaginando como ia dispensar o Dudu para aproveitar meu
dia de fossa, mas ao contrário do que pensei, vi um anjo loiro sorrindo para mim,
meu coração parou de bater por um segundo, como se eu morresse e voltasse à vida
em uma questão de segundos.
Liz me trazer um bolo foi tão doce, ouvi-la tagarelar sobre sua infância com
seu pai encheu meu coração de amor, mas logo depois ouvir sobre os anos que ela
passou o aniversário sozinha me partiu ao meio, me doeu como um soco. Como
pode alguém não desejar passar cada segundo em sua companhia? Porque era
assim que me sentia. Queria poder estar ao seu lado sempre.
Quase perdi meu controle e lhe arranquei um beijo na boca nesse momento,
mas respirei fundo e me conformei em lhe beijar a bochecha e convidá-la para
entrar. Travei outra batalha para não lhe jogar na cama, respeitei seu limite de
espaço e me mantive afastado, eu mal olhei em direção ao filme, meus olhos não
queriam se afastar dela. Observei cada pequena reação, cada respiração pesada e
cada vez que ela tocava o ventre com nosso filho. Quando Liz se assustou com o
filme e me agarrou, ponderei se devia aproveitar a deixa e abocanhar sua boca
esperta, mas antes que eu me decidisse, ela tomou a iniciativa e simplesmente
encostou os lábios nos meus; eu perdi a cabeça.
Meu Deus, que saudade...
Quando ela montou em mim, tive certeza de que ela estava sentindo minha
falta tanto quanto eu estava sentindo a dela, a prova que precisava era sua calcinha
molhada sobre meu pau dentro da calça, ela estava excitada.
Por mim, porra!
Puxei lentamente seus seios para fora do vestido que estava usando e
comecei a sugá-los, senti um gosto adocicado, aproveitei imaginando o quanto meu
filho ia ser um bebê de sorte. Ela arqueou as costas quando suguei com força sua
aréola e pressionei a língua áspera contra seu mamilo.
— Eu não posso... — Liz choramingou no meu pescoço.
— Minha flor, você quer, qual o problema? — perguntei não lhe dando
qualquer chance de resposta, cobri sua boca com a minha em um beijo esfomeado.
— Não posso — ela repetiu agarrando meus ombros me fazendo parar.
— Eu estou com tanto tesão, faz muito tempo, Liz, que estive dentro de
você...
— Eu também estou com saudade, meus hormônios estão enlouquecidos, eu
quero você todos os dias... Tanto — Liz falou movendo-se em cima do meu membro
pressionado contra ela.
Rapidamente, eu me ergui e deitei-lhe de costas no colchão, cobrindo seu
corpo com o meu.
— Deixa, por favor... Estou cheio de desejo e você também, pense que
estamos apenas nos divertindo, e dando prazer um ao outro. Não raciocine tanto as
coisas. Viva, Liz!
— Eu perco qualquer razão quando suas mãos estão sobre mim... não é justo
— Liz falou me oferecendo os seios inchados.
— Me deixa te dar prazer. Se permita uma vez na vida apenas aproveitar...
— implorei lhe sugando os seios com força fazendo-a gritar; quando soltei, soprei
sobre a pele sensível deixando-a ainda mais necessitada.
— Ah, o que você faz comigo? Isso é errado, não é saudável — sussurrou.
— Eu sei como você gosta, Liz. Saudável é ser feliz, deixa-me te melar com
aquele chocolate e te lamber inteira, deixa? — provoquei.
— Você não teria coragem — acusou-me em tom desafiador, mas ela deveria
saber com quem estava brincando. Me chamo Gustavo Salles, porra! É claro que eu
tenho coragem.
Levantei-me num pulo e caminhei até o bolo, parti uma fatia, servi em um
prato e trouxe para a cama. Quando voltei, vi-a deitada com as pernas abertas, com
uma tanguinha vermelha de renda e o vestido enrolado em uma tira sobre o
abdômen. Era a imagem do paraíso.
— Gustavo, você não faria isso — Liz gracejou.
— O primeiro pedaço é seu. — Peguei um pedaço com os dedos e lhe dei na
boca, ela abriu os lábios e ao fechá-los sugou lentamente meu dedo, me provocando.
Apoiei o prato na cama, tirei seu vestido e calcinha, comecei a espalhar
pedaços de bolo pelos seus seios e sugá-los, me deliciando com o sabor sofisticado
do chocolate meio amargo e a pele saborosa de Liz. Cada beijo que dava em sua
pele, eu era respondido com um gemido, a boca de Liz formava um "O" de lasciva.
Quando comecei a espalhar beijos e mordidas deste o seu tornozelo até as
coxas, baixei até seu núcleo molhado, ela puxou meus cabelos forçando meu rosto
ali.
— Seu cheiro e seu gosto é melhor que qualquer outro doce, sou viciado em
você. Eu me masturbo todas as noites para conseguir dormir, você tem noção do que
faz comigo minha flor? — perguntei comendo a ganache com um pedaço de
morango sobre seu clitóris.
— Oh, meu Deus, Gustavo! — ela arfou em delírio.
— Deliciosa! — gritei, provocando-a naquela região até vê-la agonizando
em prazer, com nossos corpos pegajosos pelo doce entre os farelos de bolo
espalhados pela cama, mas nada disso importou. Quando já estava me levantando
para penetrá-la, Liz se levantou de repente.
— Minha vez — ela disse com a sobrancelha levantada e um sorriso sapeca.
— O que você quer? – perguntei.
— Provar você... — Quem sou eu para negar um pedido desses?
Deitei de costas na cama obedecendo aos desejos dela, Liz puxou minha
calça e ficou toda lambuzada sobre os joelhos me admirando nu. Os olhos azuis dela
brilhavam como os de uma criança em frente a uma loja de doces.
— Gosta da vista? — perguntei presunçoso, deslizando a mão pelo meu
estômago e me tocando lentamente.
— Vai ficar mais bonita com uma boa camada de chocolate e morango. —
Ela mordeu um pedaço do bolo e voltou a beijar minha boca, quando senti o sabor
rico do cacau gemi deliciado.
Ela seguiu seu caminho de beijos, lambidas e chupões por todo o meu corpo,
quando já estava chegando perto da minha barriga eu ofeguei em antecipação, Liz
mordeu o lábio e enfiou o dedo na cobertura no prato, passou sobre toda a extensão
do meu pênis e colocou-o na boca, todo meu corpo se arrepiou.
Liz começou uma sequência de carícias com seus dedos aveludados e
carícias molhadas com sua língua. Quando já estava chegando perto, tentei puxá-la
para mim, mas ela não parava de me chupar.
— Liz... — implorei com a voz falha.
— Está tão gostoso... — ela disse afastando a boca de mim e me acariciando.
Quando terminou de falar colocou-o novamente na boca e eu não aguentei, explodi
em um orgasmo louco.
Caí sem fôlego no colchão, Liz levantou-se e eu a puxei para mim,
abraçando-a enquanto voltei a respirar.
— Gustavo, nós não deveríamos ter feito isso.
— Liz, o que foi? Por que não? Isso é só o começo, estou com tanta saudade
de você que nunca será suficiente.
— Não devíamos, foi um erro. — Ela cobriu o rosto com as mãos.
— Liz, eu pensei que você tivesse gostado — comentei consternado, afastei
suas mãos para ver seu rosto.
— Eu gostei, esse é o problema...
— Não tem problema algum. — Abracei-a.
— Não, Gustavo, não podemos confundir as coisas. Eu preciso ir.
— Porra, Liz! É meu aniversário, fica. Por favor...
— Gustavo, eu não deveria ter vindo. — Liz se sentou cobrindo os seios
com as mãos, deixando-me ainda mais irritado de vê-la me privando de ver seu
corpo.
— Por favor, Liz, fica, juro que não encosto em você. Tomamos banho e
terminamos o filme, depois pedimos comida para almoçarmos, quando terminarmos
te levo em casa.
— Jura? — ela perguntou levantando a sobrancelha.
— Vá para o banho — pedi me levantando e vestindo a calça.
Liz se banhou de porta fechada enquanto limpei a bagunça da cama.
Tomei banho sozinho e muito chateado, vesti-me e fui para o quarto
decepcionado por Liz ter mudado de ideia, cheguei a acreditar que ela iria me
perdoar e as coisas entre nós voltariam ao que era antes... Porra, ela me queria tanto
quanto eu ansiava por ela. Então qual a dúvida? Estava escrito nos seus olhos que
ela ainda me amava.
Desisti de ficar irritado, preferia tê-la aqui, mesmo que não fosse para fazer
amor nem para aceitar ser minha novamente.
— Que tal se eu ligar para aquele restaurante italiano que você gosta? —
sugeri secando o cabelo.
Liz penteava os cabelos, constrangida. Mas quando me ouviu falar sobre seu
restaurante preferido que descobrimos juntos, ela abriu um sorriso.
— Talvez poderíamos ir até lá — sugeriu.
— Está um vendaval lá fora e o trânsito deve estar um inferno. É melhor
pedirmos. — Preferia ter Liz só para mim do quer ter que dividir seu olhar e sua
atenção com outras pessoas.
— Ah, tudo bem. Só não peça sobremesa, tem todo esse bolo para ser
devorado.
Sorri satisfeito com a resposta, passei por ela e dei-lhe um beijo na testa,
liguei para o restaurante e pedi o nosso almoço.
Voltei para a cama e reiniciei o filme de onde paramos. Liz dessa vez se
manteve afastada o tempo todo, mesmo que isso fodesse minha esperança. Ainda
assim aproveitei sua companhia, ela assistiu atenta e gargalhou com uma cena
caricata e meu coração sorriu com o som.
Que saudade de ouvi-la rir!
A comida chegou um tempo depois, nos servi e comemos ali mesmo na
cama, os gemidos de Liz, que antes eram motivados por prazer carnal, agora eram
motivados por outro tipo de prazer: a comida.
Esbaldei-me em vê-la tão relaxada, com as bochechas coradas comendo a
lasanha com vontade. Depois de limparmos os nossos pratos, peguei o bolo agora
faltando uma fatia e coloquei na nossa frente. Liz pegou a bolsa e tirou de dentro
dela uma vela de aniversário, colocou sobre o bolo já partido e acendeu com uma
caixa de fósforos que trouxera e começou a cantar parabéns com a voz desafinada.
Meus olhos encheram-se de lágrimas, nenhuma mulher com quem passei
meu aniversário me deu um bolo de presente e cantou, desafinada, para mim.
Controlei o impulso de abraçá-la e agradecer-lhe da forma correta.
— Parabéns pra você, nesta data querida, muitas felicidades, muitos anos de
vidaaaaaa. É big, é big, é big, é big, é big, é hora, é hora, é hora, é hora, é hora, ra-
tim-bum Gustavo, Gustavo... — Liz canta sorrindo, linda como uma estrela no céu.
Soprei a vela fazendo um pedido, afinal tudo podia se tornar realidade
segundo o pai de Liz, e se ela ganhou seus patins, eu também podia ganhar o que
desejo. E esperava que fosse rápido.
Faz ela voltar para mim, faz ela voltar para mim, faz ela voltar para mim,
faz ela voltar para mim, pedi silenciosamente em meu coração.
— O primeiro pedaço, eu já dei a você. — Cortei um novo pedaço do bolo.
— Mas darei o segundo para o nosso filho, então você terá que comê-lo para
garantir que ele receba — terminei de falar oferecendo o prato.
Liz me olhou com os olhos marejados, ela piscou várias vezes e vi uma
lágrima rolando pela sua pálpebra em direção à bochecha corada.
— Eu te amo, Gustavo, e desejo do fundo do coração que você seja muito...
mas muito feliz, mesmo que não seja ao meu lado — ela murmurou quase inaudível.
— Liz... — Me aproximei dela mergulhando no azul daqueles olhos.
— É verdade, eu vim até aqui porque queria poder estar perto de você no seu
aniversário, nem que seja um pouquinho. Sinto tanto sua falta... — ela confessou
com os olhos cheios de lágrimas.
— Meu amor... — Peguei sua mão, beijando suavemente sua palma.
— A gente não pode mais construir uma família juntos, mas eu quero que
saiba que nunca irei esquecer o que vivemos...
— Liz, não podemos construir uma família, porque já somos uma. Eu, você
e nosso filho. Vocês são minha família!
— Não, Gustavo, eu não quero começar uma vida em cima de mentiras e
desconfianças. Vai ser melhor assim, vai ser melhor para nós dois.
Fiquei sem acreditar no que ela estava dizendo. Como ela pode achar que
não temos futuro? Ela está esperando um filho meu, disse que me amava, mas não
pode ficar comigo? Essa conclusão não era plausível para mim, engoli o nó na
garganta.
— Respeito a sua opinião, mas não entendo. Eu não sou sua mãe, Liz. —
Tentei engolir toda raiva que sentia dessa situação e da minha maldita omissão.
— Isso não tem nada a ver com a minha mãe — Liz protestou fechando os
olhos como se estivesse sentindo dor.
Inspirei e expirei tentando manter a calma, mesmo que eu estivesse
explodindo de frustração por dentro mudei de assunto.
— Liz, eu não quero estragar nosso dia. O que me diz se a gente começar o
seu ritual de aniversário e comer todo esse bolo? — Tentei cortar o clima pesado.
— Eu também não quero estragar nosso dia — Liz concordou em dar o
assunto por encerrado e começou a devorar a fatia de bolo que eu tinha dado a ela e
ao nosso filho. Cortei uma fatia enorme para mim e comecei a comer. Quando
coloquei o segundo pedaço na boca, meu celular começou a tocar, levantei-me e
peguei o telefone em cima do balcão.
— Alô — atendi.
— Parabéns, cara! E aí, vamos sair para comemorar? — Meu técnico e
melhor amigo tagarelou animadamente do outro lado da linha.
— Valeu, amigo, mas não. Já tenho planos — cortei-o logo tentando
dispensar o convite por saber que os convites de Dudu incluíam bebida e mulheres.
Se fosse há alguns meses claro que eu iria aceitar, mas não agora. Amava demais a
Liz para pensar em qualquer outra garota. Ela me enfeitiçou com esses malditos
olhos.
— Ei, não aceito recusa. Não vou te deixar na fossa no seu dia, cara. Você é
um campeão, não um perdedor.
— Obrigado. Mas não vai dar, estou ocupado — recusei.
— Ok. — Dudu simplesmente desligou o telefone na minha cara. Ele sabia o
quanto odiava esse tipo de merda. Fiz uma nota mental para lhe dar um esculacho
quando o vir. Sentei-me novamente junto de Liz, ela me olhou como se estivesse
intrigada com o telefonema.
— Fique à vontade para dizer se você quiser sair — ela me disse levantando-
se e indo lavar as mãos.
— Não, nada interessante. Era apenas o Dudu. — Terminei de engolir o
bolo.
Ela voltou sorrindo, tirando um pacote da bolsa.
— Tudo bem, nós temos um presente. Mas estou com vergonha de te
entregar, você vai me achar sentimental e boba.
— Nós? — perguntei.
— Sim, eu e o bebê. Nós — ela repetiu como se fosse óbvio.
— Presente? Cadê? Eu vou adorar tenho certeza, e você não é boba —
corrigi-a ficando em pé na frente dela tentando alcançar o pacote.
— Calma... — Liz se afastou empurrando o meu braço e protegendo o
embrulho atrás do corpo.
— Estou curioso, você não pode me culpar. — Peguei em sua cintura
aproximando seu corpo junto ao meu, inspirei o aroma do seu cabelo e senti sua
respiração acelerar devido à proximidade. Deslizei minhas mãos por suas costas
macias.
— Gustavo, não faz assim... Não é justo — ela gemeu.
Afastei seus cabelos dos ombros e comecei a beijar suavemente sua nuca
arrepiada, podia até perdê-la, mas nunca sem lutar.
— Hum... Uso as armas que tenho — gemi deslizando minha mão em sua
bunda e apertando a carne firme e arredondada.
— Oh... — Liz balbuciou me deixando arrepiado.
Encontrei seus lábios e pressionei minha boca na dela. No começo, ela
resistiu às minhas investidas, mas depois desistiu e se entregou a um beijo
avassalador. O tipo de beijo que só existia com Liz, com a mulher que eu amava,
com a mulher que destruía cada partícula de juízo e sanidade que eu ainda tinha.
Quando puxava Liz de volta para a cama a campainha do quarto tocou.
“Puta que pariu!”, xinguei em pensamento, porque seja lá quem for chegou em
péssima hora.
— Gustavo, atenda a porta — Liz falou interrompendo o beijo.
— Não, deve ser a camareira. — Tentei voltar a beijá-la.
— Gustavo, atenda! — ela me interrompeu empurrando meu peito.
Respirei fundo e passei as mãos no cabelo, ajeitei meu pau na calça para
disfarçar minha ereção e fui atender o empata-foda que estava me atrapalhando.
Assim que abri a porta, Dudu entrou com uma garrafa de tequila e duas
mulheres vestidas em roupas provocantes.
— Ei, cara, achou que ia te deixar na merda? Trouxe bebida e garotas —
meu amigo falou caminhando pelo quarto todo espaçoso.
Quando me virei, vi Liz ao lado da cama de braços cruzados com um olhar
incrédulo assistindo a cena.
— Dudu, valeu. Mas estou acompanhado, você precisa ir embora — falei
tentando forçá-lo a sair.
Meu amigo franziu a testa, desconfiado pela minha recusa e virou-se em
direção a cama. Quando viu Liz, ele imediatamente começou a fazer um raio-X pelo
corpo dela, e soltou um assobio de aprovação.
Desgraçado!
— Cara, a loira continua uma delícia desde a última vez que a vi — ele tirou
sarro sorrindo com as pupilas dilatadas e a testa coberta de suor. O filho da puta
devia estar chapado para ter a coragem de cantar minha mulher na minha frente.
Cerrei o punho, pronto para partir sua cara. Mas fui interrompido quando vi Liz
caminhar até sua bolsa colocando-a no ombro e caminhando até mim.
— Não está mais acompanhado, Gustavo, aproveite sua festinha. Com
licença — falou irritada arrebitando aquele nariz enxerido e saindo pela porta.
Porra!
— Idiota! — Atirei para Dudu.
Corri atrás dela tentando fazê-la entender que aquilo não era nada do que ela
estava pensando. Até pensar sobre isso me fazia parecer culpado.
— Liz, por que você vai embora? — Puxei-a pelo cotovelo fazendo-a parar
no corredor.
— Não seja idiota, não vou atrapalhar sua festinha. Pareceu-me bem
divertida.
— Não tem festinha nenhuma — argumentei enquanto ela apertava o botão
do elevador.
— O que você está fazendo aqui? Suas amigas estão lhe esperando! — ela
gritou irritada com as bochechas vermelhas.
— Liz, eu nem sei quem são elas!
— Uau, que grande babaca você é! Come as mulheres e nem se dá o trabalho
de lembrar os nomes, será que você ainda sabe o meu?
— Minha flor. — Peguei em seus ombros tentando fazê-la parar e me ouvir,
mas Liz estava muito brava para me obedecer.
— Me solta! — ela gritou e começou a me bater com a bolsa.
— Quer parar de gritar? O que porra você acha que viu lá dentro? —
perguntei nervoso.
— Vi o suficiente para entender que você é um idiota. Volte para a sua festa,
Gustavo, não é elegante deixar seus convidados esperando.
— Não! Você não pode me deixar de novo... E eu não convidei ninguém! —
Agora foi minha vez de ficar irado.
— Posso sim, e já te disse adeus.
— Seu coração é igual ao meu, Liz, você nunca me deixará ir
completamente da sua vida. Você depende de mim como agora eu dependo de
você...
Os olhos de Liz piscaram ao ouvir minhas palavras, ela arrebitou o nariz e
preferiu fingir que não me ouviu.
Deus, por que ela quer negar o óbvio?
— Me deixa ir embora, ou eu vou gritar até aparecer um segurança.
— Você não faria isso.
— Tente.
As portas do elevador se abriram no timing perfeito, Liz me lançou um
último olhar decepcionado, secou as lágrimas e entrou sem olhar para trás. Observei
as portas se fecharem sem acreditar que isso realmente estava acontecendo. Que
ironia, conheci-a em um elevador e agora ela estava me deixando enquanto entrava
em um.
Essa foi a primeira vez que ela me deixou chegar tão perto desde a nossa
briga, em alguns momentos cheguei a acreditar que essa era nossa reconciliação.
Mas aí as coisas mudaram facilmente. Liz, que há alguns minutos estava me
deixando tomá-la de volta, agora achava que eu estava me divertindo com mulheres
que não conhecia. Mulheres essas que estavam no meu quarto, lugar de onde ela
nunca deveria ter saído.
“Não venha me dizer que está arrependido
Porque você não está
Querido, eu sei que você só está se desculpando
Porque foi flagrado...”
Take a bow – Rihanna
Liz
Saí de lá enxergando vermelho de raiva, o ciúme inundou minhas veias tão
intensamente que seria capaz de bater em alguém, entrei no meu carro com as mãos
tremendo e sem respirar direito. Como ele pode dizer que me quer, e estar transando
por aí com aquelas mulheres lindas?
Como ele pôde escolher a mim rodeado de mulheres siliconadas, morenas,
com bundas enormes e com roupas sensuais? A resposta era simples, ele não podia.
Porque elas eram tudo o que eu não era, já que estava cada dia mais inchada e com a
barriga maior, os cabelos desidratados e gorda como uma vaca. Porque estava
grávida do seu bebê e tudo que eu fazia era chorar a sua falta.
Dirigi sem rumo pela cidade enquanto xinguei Gustavo com palavrões que
nem sabia que existiam. Meu telefone tocou sem parar, mas ignorei, porque
imaginei quem era. E não estava a fim de ouvir mais desculpas e mentiras
esfarrapadas. Dessa vez eu vi, tinha duas mulheres lá para participar da festinha
deles. Era uma garota para cada.
Respirei fundo tentando controlar minha respiração e aumentei o som do
carro, fazendo com que os vidros tremessem com a potência do volume. Eu queria
abafar qualquer ruído externo. Queria ter o poder de abafar toda raiva e insegurança
que estava sentindo. Esse era um daqueles momentos em que eu com certeza
compraria um vinho e iria pra casa encher a cara. Mas não podia mais fazer isso por
conta do bebê, droga!
Parei em um posto de gasolina, entrei na loja de conveniência e procurei nas
prateleiras algo para me acalmar que não fosse álcool.
Como ele pode ter encontros? Será que ele não teve a dignidade de deixar
sua cama esfriar antes de jogar outra mulher sobre ela? Eu sou uma idiota mesmo,
já ia dormir com ele e esquecer todo o mais. E o que eu fiz com todo aquele
chocolate? Eu me martirizava por ser tão fraca.
Parei no freezer de sorvetes, olhei concentrada para todas as opções, peguei
um pote de sorvete napolitano e pensei no quanto já comi hoje. Mas aí me lembrei
dos sabores de creme equilibrado e suave, o sabor rico do chocolate e o azedinho
adocicado do morango. Era tudo que eu precisava, quem não tinha cão caçava com
gato. Iria me afundar em açúcar, já que não podia fazer isso em vinho.
Comprei o pote de sorvete, algumas barras de chocolate e voltei para o carro.
Quando cheguei em casa, liguei a tevê tentando não pensar em Gustavo nu com
aquelas mulheres maravilhosas. Ai, que ódio!
Peguei uma colher, destampei o sorvete e me aconcheguei no sofá comendo
diretamente do pote, cada colherada naquela delícia gelada, sentia quase um prazer
sexual de tão bom.
— Quem aquele idiota pensa que é? — perguntei para a tevê em voz alta. —
O desgraçado me deixa apaixonada, me engravida, mente e agora já está se
divertindo com as amiguinhas como se nada tivesse acontecido? — gritei para as
imagens da televisão com lágrimas caindo dos meus olhos.
Como eu me tornei uma pessoa tão medíocre para chorar por homem? Eu
era patética!
Nada disso fazia sentido, nem o doce gelado que comia, joguei o pote de
lado e olhei ao redor. O que eu estou fazendo? Parecia que eu parava de raciocinar
sempre que Gustavo estava envolvido.
Guardei o sorvete na geladeira, fui para o quarto e caí na cama, me cobrindo
com os lençóis. Fechei os olhos e explodi em lágrimas, botei toda a frustração que
eu sentia para fora, fazia tempo que não chorava assim em voz alta sem ter vergonha
das lágrimas derramadas, esperneei, esmurrei o travesseiro e chorei, chorei muito.
Estava cansada de esconder o que sentia, de tentar achar canos de escape, eu queria
gritar bem alto toda minha raiva, toda mágoa que estava me sufocando e quase me
matando aos poucos.
“Eu recordarei
o amor que nossas almas
Juraram criar
Agora eu observo a chuva que cai
E tudo o que minha mente consegue enxergar
Agora é a sua (face)...”
Cemetery Gates – Pantera
Gustavo
Voltei para o meu apartamento puto da vida. Dudu estava sentado em uma
poltrona com uma garota no colo.
— Ei, preciso falar com você — disse irritado.
— Qual era a da Liz? — meu amigo perguntou.
— Não gostei do jeito que olhou para a minha mulher. Você está chapado.
Desde quando você está fazendo essa merda? — falei com muita vontade de dar um
soco na sua cara só por ter cantado Liz na minha frente.
— Sei o que estou fazendo, só quero me divertir. Sobre a Liz, putz, cara... eu
não sabia que vocês se acertaram, achei que você precisasse de uma animada.
— Espero que saiba mesmo o que está fazendo, já que da última vez você
quase fodeu sua vida.
— Relaxa, você anda muito estressado, brother.
— Dudu, depois a gente conversa, agora cai fora com essas garotas, que eu
vou atrás da minha! — vociferei pegando as chaves do carro e um casaco.
— Ei, man, também não precisa me expulsar, foi mau cara.
— Tudo bem, Dudu, agora tira essas garotas daqui. — Quando terminei de
falar, uma delas veio até mim sorrindo como o gato de Alice.
— Oi, Gustavo, lembra de mim? — perguntou alisando o decote da blusa.
Eu olhei para ela e não consegui ter qualquer ideia.
— Não, e fico feliz por isso. — Afastei-me dela e vesti uma camiseta. —
Agora se me derem licença, vocês precisam sair — pedi indo em direção à porta.
Meu amigo pegou a sua garota, colocou o uísque embaixo do braço e saiu,
fui em seguida guiando-os para fora.
— Você é um idiota, Gustavo! — A garota sem nome berrou para mim indo
em direção à saída. Pensei que ela podia ter se poupado, eu já sabia que sou um
idiota por ter perdido a minha mulher.
Dudu riu da menina, ele era um cara boa-pinta, alto com os dois braços
cobertos de tatuagens, algumas delas foi até eu que desenhei, ele também tinha um
bom rosto e os cabelos compridos que batiam no ombro, sempre viviam assanhados,
o que lhe deixava com uma cara mais malvada do que ele precisava, mas chamava a
atenção das garotas.
Enquanto eles esperavam o elevador, não perdi tempo e fui de escada até a
garagem, optei pela moto, subi na Harley e fui em direção ao nosso apartamento,
voando como um louco entre os carros no trânsito infernal de São Paulo. Um pouco
antes de chegar ao centro senti-a desnivelada e com uma vibração que só podia ser o
pneu traseiro estourado.
Porra!
Encostei o mais rápido que pude para verificar, o pneu traseiro da moto
realmente estourou. Chutei a roda com o máximo de força que pude. Droga! Só para
atrapalhar minha vida. O destino só podia estar de brincadeira comigo.
Quase uma hora e meia depois, entre empurrar a moto até uma borracharia,
trocar o pneu e o congestionamento da Paulista, enfim toquei a campainha de Liz.
Meus dedos nervosos apertaram incessantemente o botão. Mas ela não atendeu,
insisti até começar a ficar preocupado.
Peguei minhas chaves e abri a porta, eu poderia ter feito isso logo, mas não
queria invadir sua privacidade, queria que ela se sentisse à vontade no meu
apartamento.
Quando entrei, o lugar estava vazio. Onde ela terá ido? Peguei o celular e
liguei para ela, só chamava. Resolvi ligar para a Cris, talvez Liz tivesse ido
encontrar a amiga, afinal hoje era sábado, provavelmente Cris estaria em casa.
— Alô? — Cris atendeu no terceiro toque.
— Oi, Cristina. A Liz está com você?
— Não, aconteceu alguma coisa? — perguntou preocupada.
— Houve um mal-entendido e agora não sei onde achá-la. Ela não está aqui
no apartamento.
— Porra, Gustavo, quando é que você vai parar de fazer a Liz sair
chorando por aí? Você é idiota ou o quê?
— Cris, eu sei que sou um idiota, mas um idiota que ama sua amiga, então
me avisa se você souber dela, ok?
— Não deveria, mas aviso, seu idiota! Se acontecer alguma coisa com ela
mato você — Cris me ameaçou.
Não consegui imaginar para onde ela poderia ter ido, sentei no sofá e insisti
em ligar. Depois de várias tentativas em vão, resolvi tentar ligar para a portaria, o
porteiro podia ter visto algo.
“Casos de amor
Cacos de vidro na areia
Cacos de vida no chão
Parte de mim
Acha que o tempo passou
Outra diz que não...”
Cacos de amor – Luiza Possi e Zizi Possi
Liz
Levantei-me da cama para lavar o rosto e vi meu celular tocar sem parar.
Voltei para a cama e peguei o aparelho, um número desconhecido piscava na tela.
Não costumava atender números que não reconhecia, mas uma onda de curiosidade
me tomou. Resolvi atender, mesmo um pouco cismada.
— Alô?
— Oi Liz, que bom que atendeu. — Reconheci imediatamente a voz.
— Matheus? — perguntei retoricamente.
— Oi, Liz. Desculpe-me te ligar assim, consegui seu número com a Flávia lá
do escritório que você trabalhava, estou precisando de ajuda e não pensei em
alguém melhor que você para me orientar.
— Minha ajuda? O que seria? — perguntei curiosa.
— Sim, na verdade minha irmã está com um problema com o ex-namorado e
queria um conselho de uma amiga confiável.
— Em que posso ajudar? É algo sério? — Meu faro de advogada ficou
atiçado.
— Podemos nos ver? Assim poderei te explicar melhor. Podemos tomar um
café ou beber alguma coisa, se não for problema para você.
— Nos ver? Eu não sei, estou um pouco enrolada aqui — menti.
— Liz, é uma urgência. Preciso falar com você pessoalmente. Em quinze
minutos estarei aí, tudo bem?
— Tudo bem, estarei lá embaixo em dez minutos. — Ir encontrar Matheus
era muito melhor do que ficar aqui chorando feito uma pateta por um homem que
não me amava como deveria.
— Até daqui a pouco. — Ele desligou.
Deveria ter recusado o convite devido a todo estresse emocional que havia
sido meu dia. Mas que mal tinha sair para tomar um café com um amigo num
sábado à tarde, já que Gustavo estava fazendo mais do que tomar um café com
aquelas garotas?
Arrumei o vestido, calcei novamente os sapatos, refiz a maquiagem, apanhei
minha bolsa, o casaco e desci para a portaria. Quando as portas do elevador abriram
no térreo, Matheus já estava esperando por mim na recepção com as mãos nos
bolsos da calça. Ele continuava forte e viril, o rosto bonito sempre carregando um
sorriso gentil.
— Ah, aí está ela... — falou olhando para mim, seus olhos desceram pelo
meu corpo, assim que notou minha barriguinha de grávida franziu a testa surpreso.
— Oi, Matheus — cumprimentei dando de ombros pela cara de surpresa que
ele fez.
— Liz, você está linda, mas por que não me contou que estava esperando um
bebê?
— Ah, não tive oportunidade, da última vez que nos vimos eu estava
passando mal demais para contar sobre qualquer coisa.
— Eu deveria ter imaginado, mas está tudo bem. Vem, o carro está logo ali.
— Descemos as escadas do prédio e o ar seco da cidade invadiu minhas narinas,
uma mistura de calor e umidade tão característicos de São Paulo.
Entrei na Range Rover de Matheus e seguimos para um café charmoso em
Moema, sentamos em uma mesa perto da vidraça da porta. Uma garçonete se
aproximou de nós e com um sorriso nos ofereceu o cardápio.
— Um cappuccino, por favor — pedi.
— Um café expresso e alguns cupcakes — Matheus disse.
Quando a moça se afastou para fazer nossos pedidos eu fiquei um pouco sem
graça, tentei ir logo ao assunto que me trouxe aqui.
— Então, em que posso ajudar?
— Bom, Liz, não posso negar que estou surpreso em você estar esperando
um bebê. Pelo tamanho da sua barriga acredito que esteja com pouco tempo de
gestação.
— Estou no primeiro trimestre.
— E como vai seu relacionamento com Gustavo?
— Não temos mais um relacionamento. Foi para isso que me chamou? —
perguntei começando a ficar chateada com a direção que a conversa estava tomando.
— Não, claro que não, só fiquei curioso. Me desculpe.
— Tudo bem.
— Te chamei aqui porque minha irmã está enfrentando um problema com o
ex-namorado.
— Que tipo de problema?
— Gabriela engravidou do idiota aos dezessete anos, ele a abandonou assim
que descobriu sobre a gravidez, eu crio o menino com a ajuda da minha mãe para
que ela possa continuar estudando.
— Nossa, Matheus, não sabia! Que bom que sua irmã tem você para ajudá-la
com o bebê.
— Gabriela é uma menina muito esforçada apesar de tudo, mesmo com o
bebê ela continua querendo conquistar um futuro para ela e o meu sobrinho. Ela
conseguiu uma bolsa de estudos em Harvard nos Estados Unidos, mas só irá aceitar
a oportunidade se o Nicholas for junto, minha irmã não quer se afastar do filho.
— O que é totalmente compreensível. Nenhuma mãe que se preze aceitaria
se afastar do filho por livre e espontânea vontade. Mas com quem ela vai deixá-lo
para estudar? Acredito que um curso em Harvard seja bem puxado, já que essa é
considerada uma das melhores universidades do mundo.
— Aí é que está, minha mãe decidiu ir junto e ajudá-la com o Nicholas. Mas
o pai não quer permitir que ela leve o garoto. — Quando Matheus terminou de falar,
a garçonete chegou carregando uma bandeja com nossos pedidos.
— Com licença, aqui está, trouxe os sabores que os casais mais gostam:
cupcake amor eterno, que é chocolate ao leite com morango; e dois amores, que é de
chocolate meio amargo com chocolate branco. Vocês vão gostar.
— Ah, obrigado — Matheus disse sorrindo pela garçonete ter deduzido que
éramos um casal.
Eu tratei logo de corrigi-la.
— Obrigada, mas não somos um casal. Somos apenas amigos.
A moça me olhou envergonhada pela gafe.
— Não que eu não quisesse que fôssemos mais que amigos... — Matheus
gracejou sem cerimônia, me deixando atônita pela revelação.
— Ah, me desculpe, não quis ser inconveniente — a pobre garota se
desculpou e saiu sem graça com sua bandeja de volta para trás do balcão.
— Que história é essa, Matheus? — perguntei irritada.
— Só estava brincando. Mas não menti.
— Quer parar, de onde você tirou isso?
— Tem razão, me desculpe — falou chupando o dedo sujo de chocolate.
— Bom, voltando ao que interessa, realmente sua irmã não pode sair do país
com a criança sem uma autorização assinada e reconhecida firma em cartório pelo
pai. É mais fácil vocês tentarem entrar em um acordo amigável, combinando épocas
do ano em que ele poderá ficar com o filho, como férias ou datas comemorativas
como Natais, ou Páscoas.
— Liz, ele não fica com o Nicholas. Ele mal viu o garoto desde que ele
nasceu. Ele só está implicando para atrasar a vida da Gaby.
— Para que ele possa barrar a viagem, ele precisa apresentar os pontos
negativos da ida deles aos Estados Unidos em juízo. E, pelo que você está me
falando, não há nenhum; se caso isso não funcionar, vocês podem alegar ao juiz o
comportamento negligente do pai durante a gravidez e após o seu sobrinho nascer.
Vocês vão precisar de testemunhas de que ele não contribui com a criação do
Nicholas nem de forma afetiva nem financeiramente. Nenhum juiz ficará do lado
dele — terminei de falar e tomei minha bebida quentinha, a sensação cremosa
aquecendo o corpo fazia um carinho na alma. Eu estava mesmo precisando.
— Liz, preciso da sua ajuda. Não sei por onde começar, juro a você que já
tentei ir lá falar com pai do Nicholas, mas o cara é um idiota.
— Se você quiser posso fazer o trâmite de autorização para a viagem do
menor, mas antes peça a sua irmã para me encontrar na segunda-feira trazendo todas
as informações para não deixar nada de fora do caso, aí primeiramente marcaremos
uma reunião com o pai da criança para tentarmos conversar e deixá-lo a par da
situação. Podemos informá-lo que um processo de pensão alimentícia será muito
trabalhoso para ele. E que esse afastamento é temporário.
— Você acha que ele pode ficar com medo?
— Sim, podemos calcular o valor que ele deveria ter dado todos esses meses
a criança, isso vai assustá-lo e fazê-lo recuar. E se não for o caso, vamos ao tribunal.
Tenho certeza de que nenhum juiz dará a guarda para um cara que até então é um
desconhecido para o garoto, muito menos impedirá a mãe de realizar algo tão
grandioso como estudar em Harvard.
— Que bom ouvir isso, Liz, sempre soube que você era uma ótima
profissional.
— Obrigada, mas esse é um caso bem simples de resolver na verdade.
Quantos anos o Nicholas tem? — Fiquei muito curiosa.
— Dois anos, ele é uma criança incrível, não pode ficar longe da mãe por
puro egoísmo do pai. A bolsa de estudos é excelente e será muito bacana para o
currículo da Gaby. Sentirei falta deles, afinal crio o Nicky como se fosse meu filho,
mas é para um bem maior. E viajarei sempre que puder para vê-los.
— Imagino, sua irmã tem muita sorte por ter vocês. Que curso ela está
fazendo?
— Medicina.
— É uma bela profissão, agora quanto tempo ela vai precisar ficar lá? É
muito importante informar o período no processo.
— Um ano, eu já consegui alugar um apartamento para eles ficarem, o prazo
está se encerrando, ela precisa ir daqui a dois meses.
— Então precisamos correr. Mas fique tranquilo, esse rapaz não tem que
exigir nada porque ele não faz parte do dia a dia do menor, qualquer juiz vai
autorizar a viagem, já que o pai não tem responsabilidade e condição de criar o
menino. Além de eles terem uma data certa para o retorno.
— Gosto de ver você falando assim — Matheus disse olhando dentro dos
meus olhos, limpei a garganta constrangida e tomei um último gole da minha
bebida.
— Nada de mais. É apenas costume.
— Liz, naquele dia que lhe dei carona, você já estava grávida?
— Sim, eu tinha acabado de descobrir.
— Eu acompanhei a gravidez da minha irmã, esse é um momento único para
uma mulher. Mas é ainda mais prazeroso para o homem que pode desfrutar desse
privilégio. Ver seu filho crescendo poupo a pouco deve ser sensacional. Depois do
Nicholas decidi que quero ter muitos filhos.
— Você será um bom pai — disse achando seu desejo muito fofo.
— Ainda tem chances de você voltar para o pai do bebê?
— Não quero falar sobre isso — falei olhando o celular na bolsa.
— Liz, se você precisar de mim para qualquer coisa é só falar. Qualquer
coisa, ouviu?
— Obrigada, Matheus.
Continuamos conversando banalidades e sobre as fofocas do escritório.
Nossa relação sempre foi leve e, após o constrangimento inicial, ele entendeu que
não havia espaço para mais do que já lidava no momento. Então, ele voltou a ser o
Matheus divertido e gente boa de antes.
Já no início da noite lembrei que precisava voltar para casa.
— Acho que preciso ir embora — avisei.
— Claro, me deixe só pagar a conta.
— Eu posso pagar a minha parte — falei pegando a bolsa.
— Não, faço questão.
Quando chegamos à frente do meu prédio, uma chuva torrencial estava
encharcando a cidade. Matheus perguntou se podia me ajudar com um guarda-chuva
que ele tinha no banco de trás do carro, aceitei imediatamente, não queria correr o
risco de ficar resfriada por conta do bebê.
— Tome minha jaqueta. Cubra-se com ela e eu ajudo com o guarda-chuva.
— Ele me entregou a jaqueta sendo gentil.
— Não precisa — recusei sem graça.
— Claro que precisa, é chuva de vento, o guarda-chuva não vai adiantar
muita coisa. A jaqueta vai te proteger.
— Tudo bem. — Desafivelei o cinto de segurança e vesti sua jaqueta estilo
militar, que ficou enorme em mim, mas foi bom para cobrir minha roupa. Um leve
aroma cítrico encheu meus pulmões.
Matheus saiu na chuva forte rodeando o carro para abrir a porta para mim,
quando a porta do meu lado foi aberta pingos de chuva gelada molharam meu rosto,
ele abriu o guarda-chuva rapidamente e me ajudou a descer do automóvel. Ele tinha
razão, não adiantou muita coisa, o vento entortou as arestas do guarda-chuva
molhando nossas roupas. Corremos para o prédio desviando das poças de chuva,
assim que entramos no hall vi o porteiro de olhos arregalados para nós.
— Matheus, você se molhou todo para me ajudar. Você não quer subir para
se secar? — perguntei passando os dedos pelos cabelos molhados escorrendo pelas
minhas costas.
— Eu adoraria — disse fechando o guarda-chuva e esfregando os cabelos
para tirar o excesso de água.
— Dona Liz! — O porteiro me chamou.
— Oi, já desço para falar com o senhor, seu Juca, preciso me secar — falei
indo para o elevador.
Quando abri a porta do apartamento, vi Gustavo em pé no meio da sala de
braços cruzados olhando para mim como se fosse me engolir viva. Seus olhos
castanhos carregados de fúria, sua mandíbula travada e as mãos em punhos
fechados.
— Gustavo? — perguntei surpresa, ele nunca entrou aqui sem eu estar em
casa.
— Estraguei seu encontro? — ele cuspiu a pergunta fulminando um Matheus
molhado atrás de mim. Rapidamente meu amigo ficou ao meu lado e segurou meu
braço em um gesto protetor.
— Tudo bem, Liz? — Matheus me perguntou sem desviar os olhos de
Gustavo.
— Sim, tudo bem. O que você está fazendo aqui, Gustavo?
— Esse ainda é meu apartamento — ele respondeu encarando Matheus.
— Ah, sim, não me esqueci disso. Vem, Matheus, vou pegar uma toalha para
você se secar no quarto — debochei.
Matheus se movimentou para me acompanhar, mas Gustavo deu um passo à
sua frente barrando o caminho.
— Ele pode esperar a toalha aqui — Gustavo alertou com ódio exalando dos
poros.
— Sim, eu posso esperar aqui, Liz, se você quiser — meu amigo falou
cordialmente, no fundo sabia que ele estava se segurando para se manter educado.
Fui até o quarto sem mais delongas, peguei duas toalhas felpudas e voltei
para a sala entregando-as a ele. Matheus se secou enquanto tirei sua jaqueta e
devolvi para ele. Gustavo assistiu a tudo ali de braços cruzados com os olhos
fulminantes e as narinas dilatadas de raiva.
— Bom, acho que me sequei o suficiente. Vou indo nessa, você vai ficar
bem, Liz? — Matheus perguntou me entregando as toalhas.
— Sim. Obrigada, Matheus, você foi um verdadeiro cavalheiro em me
ajudar — falei para provocar Gustavo.
— Até segunda então, obrigado por aceitar sair comigo — Matheus disse
piscando o olho para mim.
O que ele pensa que está fazendo? Tentando provocar o Gustavo? Só quem
pode provocá-lo sou eu.
Homens!
— Até segunda — despedi-me sem graça. Antes de sair, meu amigo se
aproximou, beijou minha bochecha e foi embora. Quando fechei a porta, Gustavo
estava tirando a jaqueta e jogando-a no sofá.
— Onde você estava? — perguntou friamente.
— Não sei se isso é da sua conta — respondi estarrecida, passando por ele
dando-lhe as costas e indo em direção ao quarto.
— Liz, você está dando as costas para mim? — A voz de Gustavo estava fria
como aço.
— Foi o que você viu.
— Que merda é essa? Bastou sair da minha cama e já vai correndo para esse
idiota? Sabe o quanto me segurei para não foder a cara dele de pancada? —
vociferou.
— Não grite comigo! — berrei de volta.
— Como não? Esse cara estava te comendo com os olhos. E por que você
estava vestindo a jaqueta dele? Posso saber?
— Já chega, Gustavo! Estou cansada das suas insinuações, eu não sou uma
vadia igual às mulheres que você está acostumado a sair. O que você queria que eu
fizesse? Participasse da sua festinha particular? É isso? Eu não lhe devo satisfações,
você já seguiu em frente e eu também estou seguindo — disse apenas para irritá-lo,
eu merecia vê-lo com ciúmes depois do que presenciei hoje.
— Seguindo em frente? O que você quer dizer com isso? Você está ficando
com aquele imbecil? Grávida do meu filho? — Ele deu um passo em minha direção.
— Ainda não, mas é o que eu deveria fazer, Gustavo.
— Você tem certeza? — O motoqueiro sedutor estava de volta, Gustavo
perguntou tirando a camisa, lentamente expondo o torso definido. O amor da minha
vida em um excesso de ciúmes começou a se despir na minha frente ali no meio da
sala, sem perder contato visual comigo.
— O que você está fazendo? — gritei muito irritada, com muita vontade de
bater nele por ser tão irresistível e me desconcentrar.
— Quando cheguei aqui e não lhe encontrei, fiquei feito um louco lhe
procurando, aí o porteiro me disse que você saiu com um cara.
— Ele não tinha o direito de lhe contar nada.
— Não tinha? Eu não sou nada pra você?
— Não lhe devo satisfações da minha vida.
— Ah, não? Minha vontade, Liz, era sair de canto em canto dessa cidade lhe
procurando, e quando lhe achasse colocá-la no ombro e te trazer embora para casa.
Mas aí resolvi esperar, eu queria ver se você teria coragem de convidá-lo a subir.
Martelei na minha cabeça a tarde toda se você seria ousada a esse ponto. Quando
menos espero, vejo você e aquele cara entrando por essa porta.
— Gustavo... — falei ofegante enquanto ele se aproximou ficando atrás de
mim, pressionando o rosto na minha nuca, seu hálito quente criando círculos de
sensações na minha pele úmida da chuva.
— A pergunta de um milhão de dólares é... — Ele fez uma pausa dramática
e continuou: — Você ia dormir com ele?
— Você é um idiota! — choraminguei, suas mãos circularam minha cintura
e me puxaram contra seu corpo forte.
— Responde? Você ia ser uma garota má, Liz? Você ia dar o que é meu para
ele?
— Gustavo para... — Ofeguei com a ereção encostada contra minha bunda.
— Você ia dormir com ele, Liz? Para me punir?
— Eu não sou uma vadia.
— Eu sei que não, mas será que ele ia te fazer se sentir como eu faço? — Ele
colocou a mão por baixo do meu vestido molhado e subiu sensualmente pela minha
pele, seus dedos alcançaram meus seios, Gustavo apertou o bico excitado e eu gemi
de prazer.
— Você é minha, Liz. O que eu preciso fazer para você entender isso? — Ele
me virou e abriu meu vestido puxando-o pela minha cabeça, me deixando só de
sutiã e calcinha.
— Tire! — ordenou como se fosse meu dono.
— Não.
— Liz, eu estou mandando.
— Você não manda em mim.
— Agora... — Sua voz saiu rouca e sensual, causando um arrepio na minha
espinha.
Meu corpo tremeu de excitação com a ordem que ele me deu, precisava
parar de deixá-lo me controlar. Ele não podia querer me cobrar nada, eu sempre lhe
respeitei, ele é que continuava curtindo a vida.
— Sim, Senhor — zombei e deslizei as alças do sutiã lentamente, depois
abri o fecho nas costas e deixei a peça cair. Alisei os meus seios pesados olhando
para ele.
Passei a mão na barriga, enfiei os dedos na tira da calcinha e abaixei a
lingerie de renda. Gustavo me olhou de boca aberta. Fui até a cama dando as costas
para ele e uma bela visão da minha bunda, ouvi seus passos atrás de mim. Deitei no
meio da cama, abri as pernas levantando os joelhos apoiando os pés na cama,
ficando totalmente aberta para Gustavo que estava em pé no meio do quarto de
olhos cerrados.
Levei a mão direita até a boca, chupei lentamente dois dedos e alisei a minha
vagina molhada. Senti-me verdadeiramente uma deusa do sexo em ver sua
expressão de puro desejo estampada em seu rosto. Lubrifiquei minha boceta e
depois enfiei um dedo no canal, não senti vergonha pelo que estava fazendo, apenas
raiva e desejo carnal.
— Oh... — ofeguei encarando-o desavergonhada como nunca imaginei ser.
— Liz, você está me provocando? — perguntou baixinho com a voz grave.
— Eu vou te mostrar que não preciso de você nem de ninguém se quiser
sentir prazer.
Ele abriu o zíper da calça sem tirar os olhos de mim.
— Ah é? Tudo bem — falou acariciando seu pênis com a mão num gesto
muito sensual, uma gota da sua semente brilhou na cabeça do seu pau e minha boca
encheu d’água.
— Oh, meu Deus... — Comecei a me aproximar da borda, aumentei a
velocidade dos meus dedos e gritei jogando a cabeça para trás de prazer, quando
consegui respirar novamente, senti Gustavo sentando na cama fazendo o colchão
afundar.
— Liz, me deixa fazer amor com você — ele implorou sussurrante.
Sorri satisfeita por vê-lo implorando, fechei as pernas e me levantei como se
nada tivesse acontecido. Rebolei provocativamente até o banheiro e fechei a porta.
Tomei um banho quente e demorado, quando saí, Gustavo estava deitado na cama
com uma sobrancelha negra arqueada olhando para mim.
— Está na hora de você ir embora — atirei.
— O quê? — ele perguntou confuso.
— Vá embora, estou cansada, preciso dormir.
— Liz, olha, eu sei que você deve ter entendido que eu estava tendo algo
com aquelas garotas, mas não é o caso. Dudu deduziu que eu estaria deprimido e
achou que seria uma boa ideia. Mas assim que você saiu, eu os mandei embora.
— Não é da minha conta.
— Então por que você saiu de lá correndo, já que está pouco se lixando?
— Não sei, eu sou uma idiota, nós não temos nada, então não sei por que me
incomodar com quem você fica ou deixa de ficar.
— Mas eu me importo.
— Gustavo, hoje é seu aniversário. Eu só queria te fazer companhia, tudo
que aconteceu foi um grande erro, então esqueça. Não quero que você pense que o
que rolou é motivo para voltarmos, eu só estava com tesão, coisa de mulher grávida.
— Tesão? Era só isso?
— Sim, deve ter sido os hormônios, mas, como você viu, eu posso me dar
prazer sozinha. Você me ensinou muito bem sobre meu próprio corpo.
— Eu não acredito em você.
— Não posso te obrigar a acreditar, mas foi o que aconteceu.
— Tudo bem.
Ele levantou da cama, vestiu a roupa e saiu batendo a porta feito um furacão,
igual estava meu coração devastado pelo vendaval chamado Gustavo.
Os dias seguintes foram apenas mais do mesmo. Acordar, comer, atender
ligações, sorrir para as pessoas, mas por dentro, meu coração estava sangrando.
“Durmo em cima do telefone,
São duas da manhã e eu estou sozinho esperando
Me diga, por onde você tem andado?”
Your love is a Lie – Simple Plan
Gustavo
Quando o porteiro me disse que Liz saiu com um cara, me descontrolei
como nunca fiz antes. Minha cabeça entrou em parafuso.
Andei de um lado para o outro no apartamento, resolvi que o melhor a fazer
era esperá-la, a cidade era enorme, ela não foi com o carro dela, o que significava
que estava em um espaço pequeno bem próxima de um homem que eu não sabia
quem era.
Será que ela teria coragem de convidá-lo para subir? Será que ela tem
saído com ele outras vezes? Quem é o filho da puta? Será aquele engenheiro de
merda, que trabalha no prédio em que ela trabalhava?
Sentei e esperei. Já no começo da noite escutei o trinco, Liz entrou sorrindo,
toda molhada vestindo um casaco que não era o meu, com o babaca do Matheus
também molhado logo atrás dela.
Eu sabia que era ele! Bingo!
Meu sangue se encheu de adrenalina, meu estômago apertou e uma sensação
horrível invadiu minhas veias, minha vontade foi de enchê-lo de porrada, mas não
podia agir como um ogro raivoso, isso só iria deixar Liz mais puta comigo.
Mas como não tinha sangue de barata, marquei meu território e não tirei os
olhos daquele imbecil. Quando Liz foi pegar uma toalha o canalha teve a cara de
pau de olhar para a bunda dela, na minha frente, fulminei o infeliz.
Depois que exigi saber o que ela estava fazendo com aquele cara, um
sentimento de posse me dominou. Queria marcá-la, dizer que ela era minha para o
mundo todo. Quando me aproximei e percebi que Liz estava com o cheiro dele, meu
corpo tremeu de raiva.
Parecia um pervertido fazendo perguntas ridículas a ela, nunca fui um cara
possessivo, mas Liz mexia com algo dentro de mim, ela me fazia colocar para fora o
melhor e o pior que podia ser como homem, Liz estava sempre me levando ao
limite.
Tirei a roupa para tentar fazê-la perceber que eu era melhor que ele. Quando
pedi para ela tirar a roupa, sua recusa me excitou, sua boca esperta tinha sempre
uma resposta para tudo, seu nariz empinado bancando a durona. Quando ela deu as
costas nuas para mim, indo em direção ao quarto, pensei que aquilo fosse um
convite e não uma provocação, Liz já não era mais uma garota inocente na cama, ela
agora conhecia seu corpo, seus pontos sensíveis e como alcançar o prazer, fiquei
feito um bobo excitado, um verdadeiro voyeur apenas admirando e sentindo prazer
em vê-la tão vulnerável. Quando Liz gozou em sua glória de mulher satisfeita, me
aproximei.
Precisava fazer amor com ela, estava ficando louco. Mas quando ela me
deixou sozinho na cama soube que ela ia me mandar embora, era quase um costume
agora entre nós.
Liz saiu do banheiro indiferente a minha presença, ainda tentei discutir, só
que ela jogou na minha cara que foi só tesão, que foram os hormônios da gravidez.
Como ela pode falar uma coisa dessas na minha cara, quando sei que o que
rola entre nós é muito mais que sexo?
Saí de lá com tanta raiva, tão confuso, quando a vi de manhã na minha porta
achei que teria o melhor aniversário da minha vida e agora, via que estava sendo o
pior. Voltarei para aquele quarto de hotel idiota enquanto a mulher que eu amava
não me queria porque eu era um idiota e a culpa era toda minha.
Precisava fazer algo para mudar isso, e logo.
“Eu não sei, não tenho certeza, não tenho muita certeza de como é se sentir
Ao lidar com isso todo o dia
E eu sinto sua falta, amor...”
Miss You Love – Silverchair
Liz
Hoje era o dia da primeira consulta do pré-natal, Gustavo ficou de vir me
buscar para irmos juntos, desde o aniversário dele nos falamos apenas por telefone.
Me esforcei para esquecer qualquer resquício de memória sobre aquele fatídico dia.
Focava meu tempo em pensar em como ser uma mãe para o meu filho e cuidar da
minha saúde para que ele fosse um bebezinho saudável, já estava com o resultado
dos exames de rotina que a médica tinha pedido na primeira consulta.
Arrumei-me toda, mesmo não querendo parecer muito produzida para ele,
mas queria que ele me visse bem e me achasse bonita. Quando a campainha tocou,
as borboletas começaram a alçar voo no meu estômago, caminhei até o espelho, dei
uma conferida na maquiagem e fui abrir a porta.
Quando abri vi-o em pé com um buquê de lírios.
— Bom dia, para você — Gustavo disse me ofertando aquele sorriso
escancarado que eu tanto amava.
— Oi, bom dia, obrigada, são lindas — agradeci e peguei o buquê.
— Elas não são tão lindas quanto você, mas hoje é um dia especial. Vamos
finalmente conhecer nosso bebê — gracejou.
— Obrigada, você é muito gentil. Deixe-me colocá-las em um jarro. — Fui
até a cozinha e abri o armário para pegar um vaso.
— Como ficou o quarto do bebê, você já arrumou? — perguntou
interessado.
— Ainda não desempacotei as coisas, não quero enchê-las de poeira agora.
— Hum, me chame quando for fazer isso, vou montar o berço e quero ver
como tudo vai ficar. Quando descobrirmos o sexo, precisamos voltar na loja para
comprar os detalhes.
— Sim, farei isso. Podemos ir para o hospital agora. — Coloquei o jarro
cheio de flores no centro da sala.
***
Chegamos ao hospital e as lembranças me invadiram como uma enxurrada
de memórias. O dia que descobri que estava grávida, as imagens de Gustavo
entrando na sala do médico, o olhar que ele me deu. Senti um arrepio pela espinha.
Assim que entramos na sala da médica, ela verificou meus exames, fez
algumas perguntas e finalmente me mandou deitar na cama de ultrassom para
verificarmos como o bebê estava. Dessa vez, ela apenas me pediu para levantar o
vestido e passou o aparelho de ultrassom pela minha barriga ainda discreta. Quando
o monitor mostrou uma imagem acinzentada um pouco maior do que da outra vez
que vi, senti Gustavo apertar minha mão, lágrimas escorreram por minha bochecha
involuntariamente quando comecei a ouvir seu coraçãozinho batendo forte.
— Vocês querem saber o sexo? — a doutora Paula perguntou escancarando
um sorriso.
— Sim, claro! — Gustavo confirmou.
— Bem, vamos ver. O bebê está com as perninhas fechadas, deixe-me mexer
com ele — ela disse passando o aparelho em uma região específica da minha
barriga. Minhas mãos começaram a tremer eu não sei o porquê, mas me vi
desesperada para saber se meu bebê era menino ou menina. Como se essa resposta
fosse resolver todos os problemas da minha vida.
— Então, doutora? — Gustavo perguntou apertando minha mão tão forte
que minha palma estava formigando.
— Bom, papais, vocês têm preferência?
— Não — respondi rapidamente.
— Que bom, porque não vão precisar escolher entre um e outro.
— Por quê? O que a senhora quer dizer com isso? — Gustavo perguntou
nervoso.
— Porque são gêmeos. Um menino e uma menina escondidinha aqui,
olhem... — Quando ela pressionou o aparelho na lateral da minha barriga, o monitor
mostrou outro pontinho cinza, e logo o som de dois corações batendo rapidamente
encheu a sala. A médica nos mostrou os dois fetos.
— Oh, meu Deus! — exclamei atordoada com a notícia.
Eu estou sonhando.
— Gêmeos? — Gustavo perguntou enlouquecido, seus olhos estavam como
piscinas transbordando em lágrimas não derramadas.
— Sim, um menino e uma menina, parabéns! Eles estão se desenvolvendo
bem e estão bem encaixados, as batidas dos corações também estão fortes e
constantes. Vocês estão muito bem... Como seus exames estão bons, agora, Liz,
você precisa cuidar um pouco melhor da alimentação, e não abrir mão de se
alimentar de três em três horas, os bebês precisam de muitas vitaminas para crescer
e você precisa se manter saudável e no peso ideal, eu vi que você perdeu peso desde
a última visita, isso não é bom.
— Eu vou me atentar a isso, doutora — Gustavo falou, secando as lágrimas,
que ele não pode segurar.
— Tudo bem — concordei, ainda atordoada.
— Pode se levantar, Liz — a doutora Paula pediu limpando com papel
toalha o gel que ela espalhou no meu ventre.
Saí do hospital ainda sem acreditar, ela imprimiu a foto dos bebês e me
entregou. Eu não parava de olhar para elas, como se não acreditasse que aquilo
realmente era verdade. Quando Gustavo estacionou em frente ao prédio, ficamos
estáticos em nossos lugares olhando para a rua. Alguns minutos depois, ele
perguntou se podia subir, concordei porque ele parecia que também estava surtando.
— Meu Deus, Liz, vamos ter dois bebês!
— Eu sei — afirmei sentando no sofá ao lado dele.
— Precisamos de um apartamento maior, de outro berço e outro enxoval.
Meu Deus, um menino e uma menina, Liz! Em breve teremos não um, mas dois
filhos.
— Não precisamos mudar de apartamento.
— Tudo bem, mas depois eles vão querer quartos separados. Lembro como
brigava com meus irmãos pelo melhor quarto da casa.
— Gustavo, ainda vai demorar muito para isso.
— Estou em choque, minhas mãos não param de tremer — ele confessou.
— E mal posso respirar — acrescentei.
Ficamos olhando um para o outro, refletindo sobre a nova notícia. Nós
seríamos pais de duas crianças, eu e ele. Duas pessoas quebradas que estavam
nadando em círculos e tentando alcançar a superfície. Mesmo assim, não imaginava
alguém melhor para ser o pai dos meus filhos do que Gustavo.
De repente, uma curiosidade me atingiu.
— Gustavo, qual foi o resultado dos exames dos seus irmãos?
— Negativo. — Ele suspirou. — Eu sou o único compatível. Farei a cirurgia
no começo do mês. — Deu de ombros.
— Mas já? — perguntei aflita.
— Sim, não podemos mais esperar, meu pai está sem tempo. Perdemos
muito tempo tentando encerrar todas as outras possibilidades.
— Mas é assim tão rápido? — soei mais incomodada do que deveria.
— Sim, quanto antes melhor. O médico quer aproveitar que ele está estável,
sem nenhuma infecção ou bactéria — Gustavo respondeu baixando a cabeça.
— Gustavo, onde você vai ficar após a cirurgia? Creio que você deva
precisar de algum cuidado.
— Ficarei no apart-hotel.
— Sozinho?
— Minha mãe está vendo se consegue vir, ela está treinando uma pessoa
para assumir a cozinha do restaurante. Mas caso ela não consiga irei contratar uma
enfermeira.
— Eu posso cuidar de você. — As palavras saíram da minha boca antes
mesmo de eu refletir sobre o que elas significavam. Nem podia imaginar uma
enfermeira cuidando dele dia e noite.
— Você está falando sério? — ele perguntou surpreso.
— Sim, você vem para cá e eu te ajudo com o que precisar. Nada mais justo,
o apartamento é seu. Quero retribuir o favor que está fazendo por me deixar aqui.
— Tudo bem então, um dia antes da cirurgia trago minhas coisas.
— Isso era outra coisa que eu ia te falar, você deve estar pagando uma
fortuna no hotel, então não seria mais fácil você vir logo para cá?
Gustavo prendeu um sorriso e apenas disse:
— Vou pegar minhas coisas no hotel.
— Ótimo — concordei um pouco aliviada por saber que em algumas horas
ficarei perto dele de novo. Seriamos pais em breve, nada mais justo que agíssemos
como dois adultos bem resolvidos.
— Obrigado, Liz, eu é que deveria estar cuidando de você e não o contrário.
— Não seja bobo — Sorri para ele.
***
Por volta das seis da tarde, Gustavo tocou a campainha do apartamento
mesmo tendo as chaves, ele trouxe uma mochila e uma mala pequena de rodinhas,
na mão direita ele levantou uma sacola de um restaurante italiano que tinha minha
comida preferida.
— Trouxe comida — avisou levantando a sacola, no mesmo instante um
aroma de manjericão e molho de tomate invadiu minhas narinas e meu estômago
roncou.
— Hum... Como você adivinhou que eu estava faminta? — perguntei
pegando a sacola sem cerimônia.
— Imaginei que ter dois bebês na barriga deve te deixar com fome o tempo
todo, eu trouxe nhoque e de sobremesa o tiramisù que você adorou da outra vez.
Gustavo deixou as malas em um canto da sala e me ajudou a devorar toda a
massa bolonhesa e o doce delicioso que ele trouxe.
Enquanto eu lavava os nossos pratos, ele se encarregou de desfazer a
bagagem. Quando estava terminando, ele me chamou na sala.
— Liz, eu pensei em comprar uma cama e colocá-la no quarto que será dos
bebês. Vou ficar muito tempo na cama quando voltar do hospital.
— Não! — exclamei.
Gustavo me olhou como se não entendesse minha reação.
— Não precisa, Gustavo, essa casa é sua. Você dorme na sua cama.
— Nossa cama, Liz — ele me corrigiu.
— Tanto faz. Tudo bem? — perguntei.
— Se não for te incomodar, por mim tudo bem.
— Não vai. Nós já dormimos juntos tantas vezes, não terá nada que eu já
não tenha visto. Sua cama é enorme e vai caber nós dois perfeitamente, você nem
vai perceber que estou lá. — Sorri para ele, que sorriu de volta.
Comecei a gostar dessa nova relação que estávamos criando.
— Tudo bem, então — Gustavo assentiu com um sorrisinho torto. Como eu
amava esse sorriso.
Passamos a noite planejando as coisas que ainda precisávamos comprar para
a chegada dos nossos filhos, quando chegou a hora de dormir, Gustavo tomou banho
com a porta do banheiro aberta, todo o meu corpo queria ir até lá. Eu sabia que ele
devia estar fazendo isso de propósito, desgraçado!
Percebi o quanto sua presença preenchia todos os vazios deste lugar, percebi
o quanto senti falta dele, do som das suas risadas, de vê-lo comer, mexer-se,
caminhar, pronunciar as palavras com seu sotaque mineiro.
Como eu o amo, chega a doer.
Um comichão no meu núcleo começou a se espalhar, imaginei seu corpo
delicioso todo molhado e suculento, a água caindo sobre seu corpo firme e lavando
seus músculos. Deitei na cama e esperei ele vir deitar, alguns longos minutos depois
ele saiu do chuveiro apenas de cueca boxer, o que me deixou ainda mais nervosa, na
sua barriga ainda restava alguns pingos de água. Mordi o lábio e tentei não olhar.
Gustavo secou o cabelo com a toalha estendendo os músculos dos braços e
abdômen, ele me deu as costas para ir até a cozinha, meus olhos travaram em seu
bumbum gostoso e depois foram subindo lentamente pelas suas costas, e perdi o ar.
Na sua omoplata esquerda vi uma tatuagem em cores vivas, o desenho de
uma flor-de-lis estava conectado com uma imagem do meu rosto. O desenho era
extremamente realista, meus olhos estavam abertos e misteriosos, meus cabelos cor
de areia voando despenteados.
A figura na sua pele ficou linda, mas eu entrei em choque. Quando ele fez
isso? Ele fez meu rosto nas suas costas? Ele é louco!
E essa loucura estava me engolindo completamente, porque eu percebi que
no fundo eu gostei de estar ali, marcada em sua pele para nunca mais sair. Pois era
assim que gostaria de estar impregnada em seu coração.
Gustavo já tinha o braço direito e mão cobertos de tatuagens incríveis, mas
ele escolher justo meu rosto para um novo desenho foi demais, isso definitivamente
mexeu comigo.
— Gustavo! — chamei, ele parou na porta do quarto ainda de costas para
mim. Virou-se e me encontrou em pé olhando para ele.
— O que você fez? — indaguei.
Gustavo franziu a testa como se não entendesse, aí sorriu como se acabasse
de lembrar.
— Você gostou? — perguntou acanhado.
— Meu Deus, Gustavo, por que você fez uma coisa dessas? — indaguei me
segurando para não chegar mais perto e beijá-lo.
— Porque eu sou fascinado pelos seus olhos, Liz, e não suportaria não poder
tê-los para mim novamente.
Aproximei-me dele ficando tão próxima que seu peito ainda úmido estava
colado nos meus seios.
— Você é louco... — sussurrei.
— Sou louco por você, Liz, por cada parte de você. Olho em seus olhos e
encontro sua alma, azul e tão profunda como um oceano... um oceano que eu quero
me afogar — Gustavo falou e todo o autocontrole que estava na minha mente
desapareceu.
Peguei seu rosto e choquei nossas bocas com tanta fome e sede que senti um
leve gosto de sangue, mas ignorei, eu devorei seus lábios, puxei seus cabelos
arranhando minhas unhas em sua nuca, precisava senti-lo novamente, eu não
conseguia tirar da cabeça que ele ia fazer uma cirurgia tão invasiva e perigosa, eu
não podia perdê-lo, mesmo que ele não voltasse a ser meu, eu queria saber que o
homem que eu amava estava bem.
Gustavo gemeu em minha boca, me pegou pela bunda me enganchando em
sua cintura. Ele me levou até a cama e deitou em cima de mim, com sua ereção
evidente pressionada contra minha coxa, exigi sua boca como se eu fosse sua dona e
ele me servisse apenas para o meu bel-prazer. Suas mãos apertaram minhas coxas e
eu arqueei as costas de tanta excitação.
“Eu estava assustado,
Cansado e despreparado
Mas eu esperei por isso
Se você for, se você for
Então deixe-me aqui sozinho
Então eu esperarei por você, sim...”
In My Place – Coldplay
Gustavo
De uns meses para cá resolvi arriscar a voltar a desenhar, e o rosto de Liz foi
o melhor incentivo, eu queria fazer uma surpresa para ela. Quando lhe pedi em
casamento terminei o rascunho dessa tatuagem, mas como nós brigamos, acabou
não acontecendo. Mesmo assim achei que valeria a pena ter aquele rosto no meu
corpo, já que ele já estava marcado para sempre na minha mente e no meu coração.
O tatuador foi indicação do meu treinador, o cara era conhecido por fazer
tatuagens super-realistas, eu queria que ele fizesse o rosto de Liz perfeitamente
como o real, principalmente aqueles olhos pelos quais sou fascinado.
Quando vi a expressão de preocupação em seu rosto quando contei da
cirurgia, percebi que ela ainda me amava, não era só preocupação ali e sim amor e
cuidado. Liz pedir para que eu voltasse para o apartamento me fez renovar as
esperanças em tê-la de volta. Era disso que eu precisava, estar perto da mãe dos
meus filhos.
Esqueci-me da tatuagem e fui caminhando para a cozinha quando Liz me
chamou. No primeiro momento me xinguei por dar essa mancada, não sabia se ela
estava pronta para saber o que fiz. Já sabia o que ela queria, tinha certeza de que
ficaria puta comigo e me acusaria de não ter o direito de fazer algo deste tipo sem
consultá-la.
Virei-me para ela ansioso esperando sua reação, porém Liz me fitou com
olhos cheios de posse e desejo, quando ela me beijou eu juro que achei que estivesse
sonhando, Liz me pegou como se precisasse me sentir para saber que aquilo
realmente estava acontecendo, eu a levei para a cama e deitei sobre ela como um
louco. Eu precisava do seu amor novamente para conseguir fazer o que tinha de
fazer para salvar a vida do meu pai.
Sua boca continuava deliciosa, sua pele permanecia cheirando a flores, seus
seios agora maiores e mais inchados por conta da gravidez estavam ainda mais
doces e provocativos.
Meu Deus, como senti falta dessa mulher! Sem Liz eu me virava na hora do
banho pensando nela, mas nunca seria a mesma coisa que tê-la ali embaixo de mim,
gemendo e me arranhando como uma gatinha manhosa no cio.
Tirei sua camisola de renda preta que certamente ela colocou para me
provocar e percebi que ela estava sem calcinha. Afastei-me apenas para poder
admirar seu corpo maravilhoso, seus olhos misteriosos e azuis como o céu de verão
me olhando, sua boca entreaberta de prazer, os mamilos dos seus seios excitados e
rosados pedindo atenção, sua barriguinha cada dia maior, suas pernas abertas me
mostrando o paraíso, sorri pela felicidade que sentia em saber que, mesmo que ela
não admitisse ela era minha, sempre seria.
Tirei a cueca e a penetrei lentamente, senti que estava voando em um céu de
prazer e paz. Sentir-me dentro de Liz era como voltar para casa depois de uma longa
viagem, era como estar de volta ao lar.
Ela gemeu de prazer, eu beijei sua boca como se estivesse me deliciando de
um vinho antigo e caro, onde você tomava cada gole devagar, sentindo cada nota,
cada aroma e acidez. Apreciei esse momento como se fosse o último da minha vida,
ela exigia sempre mais, para eu ir mais fundo, mais forte, mais selvagem, mais cru.
Perdi-me e levei-a junto entre carícias e sensações. Chegamos ao clímax juntos
olhando nos olhos um do outro, eu tive certeza de que vi uma lágrima escorrer pela
sua face, e isso me deixou ainda mais alucinado. Seu choro me cortou como a
navalha mais afiada. Queria recompensá-la por cada lágrima derramada, queria
apenas fazê-la feliz.
Fazer amor com Liz sempre era uma surpresa, cada vez achava que foi
melhor que a última, porque ela sempre se superava. Abracei-a junto a mim, meu
peito se encheu de medo de perdê-la novamente, inspirei profundamente o cheiro
doce de seus cabelos.
— Gustavo...
— Oi, minha flor — respondi sentindo o meu coração doer, ansioso pelo que
ela diria a seguir, porque sabia que sua cabecinha estava cheia de pensamentos.
— Me faz acreditar que nada daquilo aconteceu, faz abafar as vozes que
estão na minha cabeça, gritando que estamos fazendo a coisa errada, me abraça e diz
que nunca vai mentir para mim de novo.
— Liz, eu prometo o que você quiser. Me arrependi de te esconder o meu
passado a cada segundo dos meus dias, eu nunca quis te machucar, nunca. Eu te
amo... — sussurrei apertando-a firme contra mim e beijando sua fronte.
— Apaga as luzes e volta para a cama — ela pediu baixinho manhosa.
Levantei-me cobrindo-a com os lençóis, apaguei as luzes do apartamento e
voltei para a nossa cama. Pensar sobre isso era tão bom. Quando a envolvi em meus
braços, Liz deitou com a cabeça sobre o meu peito como costumava fazer antes,
lentamente senti suas lágrimas molharem minha pele.
— Liz, meu amor... O que houve? — perguntei lhe beijando os cabelos.
— Às vezes tenho tanto medo de estar cometendo os mesmos erros dos
meus pais. Nós vamos ter dois filhos, e mal sabemos cuidar de nós mesmos. Estou
com tanto medo, estou tão desesperada em fazer tudo certo para eles. Mas não vou
conseguir sem você...
Rapidamente Liz subiu sobre o meu corpo me beijando veementemente, eu
retribuí seu toque. Se fosse isso que ela queria de mim, eu ficarei feliz em poder lhe
dar. Começamos a fazer amor de novo, ela não disse mais nenhuma palavra sobre o
assunto anterior, nem como vai ser daqui para frente, apenas cavalgou sobre mim de
olhos fechados, era uma pena a luz do quarto estar apagada, não consegui admirar a
cena, mas ela era surpreendente. Seu corpo escultural subia e descia enquanto seus
cabelos balançavam espalhados sobre os ombros, com suas mãos espalmadas no
meu peito me segurando no lugar.
Quando estávamos satisfeitos, Liz caiu sobre mim exausta, caímos no sono
já no começo da madrugada. Estava completamente no escuro sem saber ao certo o
que isso significou para nós, ela estava tão sensível e intensa essa noite. Talvez fosse
a gravidez, talvez fosse por termos descoberto que vamos ter gêmeos, talvez fosse
porque ela ainda não me perdoou totalmente. Talvez fosse por tantos motivos que
nunca poderei descobrir nem compreender, mas me restava apenas torcer que ela
entendesse o quanto minha vida estava ligada à dela desde o dia que ela enxergou
minha alma através dos seus olhos azuis.
Beijei cada lágrima de Liz que teimou em cair essa noite, eu lhe amei e
escalei seu corpo com todo amor e devoção que havia dentro mim, mas senti que
ainda não foi suficiente. Estar aqui com ela depois da cirurgia poderia melhorar as
coisas entre nós, mas nunca iria trazer de volta a confiança que ela tinha em mim.
Fiz uma prece a Deus para que eu estivesse enganado e que essa noite tivesse sido
uma reconciliação. Fiz uma prece que ela fosse minha, e fizesse meu coração parar
de doer...
“O mundo estava em chamas e
ninguém poderia me salvar, a não ser você
É estranho o que o desejo faz as pessoas tolas fazerem
Eu nunca sonhei que conheceria alguém como você
E eu nunca sonhei que perderia alguém como você...”
Wicked Game – Chris Isaak
Liz
Acordei com as pernas e braços entrelaçados no corpo quente e rígido de
Gustavo. Sua respiração constante e tranquila aqueceu minha alma como um
cobertor. Que saudades eu senti de acordar protegida por seus braços.
Fechei os olhos e relembrei tudo que aconteceu na noite passada. Eu nunca
deveria ter começado isso. Fui uma idiota, deixei-o acreditar que eu estava disposta
a perdoá-lo.
Isso eu até já fiz no meu coração, mas não podia construir uma família
sabendo que os alicerces estavam podres, corroídos de mentiras. Precisava deixá-lo
livre para amar de novo e ser feliz. Não podia acorrentá-lo a uma vida triste e
enraizada por mentiras como foi o casamento dos meus pais. Eu não podia viver o
papel que minha mãe exerceu por tantos anos. Gustavo nunca me deixou entrar
totalmente em sua vida, ele me evitou com muros altos de proteção no que mais era
importante em sua vida. Nunca foi totalmente sincero comigo, ele mentiu diversas
vezes para ocultar algo tão importante, achando que eu não seria capaz de conviver
com aquilo. O que ele achava que eu era? Uma garotinha indefesa?
Ele hesitou em salvar o seu pai por mágoas passadas, por orgulho bobo. Eu
não poderia me esquecer disso. Mas também não poderia esquecer que ele era
humano e cheio de falhas, igual a mim. E que, apesar disso tudo, ainda era o senhor
dos meus pensamentos, o pai dos meus bebês, era preocupado e presente, carinhoso
e gentil, leal e honrado, protetor e amoroso e também o homem da minha vida.
Deus! Estava tão confusa, meus pensamentos se chocavam contra meus
sentimentos e eu definitivamente não sabia o que fazer, então me esforcei a esquecer
meu coração e ouvir minha razão que gritava que me manter distante seria melhor
pra todos.
Mas eu não queria isso...
Sentia uma lágrima quente escorrer pelo meu rosto, aproveitei os últimos
minutos me aquecendo em seu corpo. Não consegui segurar um soluço do meu
peito, Gustavo se mexeu e me abraçou ainda mais forte.
Senti sua ereção pressionada contra mim. Ele sempre acordava animado,
nossas manhãs sempre foram muito agitadas, mesmo quando mal tínhamos dormido
a noite toda fazendo amor, o sexo entre nós era como um transmissor de sensações,
sempre queríamos estar mais próximos possível um do outro, nós tínhamos vocação
em querer dar prazer um ao outro.
— Bom dia, minha flor! — ele ronronou contra meu ouvido, causando
arrepios por todo meu corpo, que logo tratei de ignorar.
— Bom dia — disse secamente, secando qualquer vestígio de lágrimas do
meu rosto.
— Pensei que eu tinha voltado a ser seu motoqueiro gostoso de novo —
gracejou.
— Não vai mais acontecer, Gustavo — expliquei de forma ríspida, virei-me
ficando cara a cara com ele.
— O quê? O que você quer dizer? Não vai mais me chamar de motoqueiro
gostoso? — ele perguntou sem entender.
— Não, não vai mais acontecer o que aconteceu ontem à noite. Desculpe-
me, foi um grande erro, não quero confundir sua cabeça.
Gustavo levantou-se em um único movimento, ficando em pé em frente à
cama completamente nu, as mãos em punhos fechadas ao lado do corpo. Lançou-me
um olhar tão incrédulo e triste que me dilacerou muito mais do que qualquer arma
que ele pudesse dirigir a mim. Passou as mãos nervosamente pelos cabelos e
suspirou antes de voltar a falar:
— No fundo, eu já sabia, Liz. Estava apenas esperando você voltar atrás e
achar que o que sentimos é pouco demais para lhe convencer de que é para a vida
toda. — Gustavo esfregou os olhos marejados e continuou: — O pior de perder
alguém é saber que isso está próximo de acontecer. Vi você dormir e comecei a me
perguntar se o que aconteceu foi apenas uma recaída ou era para valer.
— Gustavo — tentei interrompê-lo.
— Sabe o que mais me irrita? Vou lhe dizer. Nada, absolutamente nada nos
impede de ficarmos juntos. Não há uma ex-namorada maluca, não há famílias
brigadas, não há distância nos separando, não há doenças terminais que vão nos
matar daqui a pouco. Nada, Liz, não existe nada entre nós... Além de você ser a
única a querer ir embora — Gustavo disse calmamente.
Como é difícil fazer isso. Deus, me ajude a ser forte!
— Gustavo, me desculpe, tá legal? Não quis lhe magoar. Podemos agir como
dois adultos e superar isso? — pedi chocada com minha própria idiotice.
— Sinto muito, Liz. Se não sou o suficiente para você, infelizmente não
posso lhe forçar a me amar de novo, se é que isso algum dia foi real para você —
Gustavo disse me dando as costas e indo em direção ao banheiro.
— Você tem razão, você não pode forçar alguém a sentir o que ela não sente
— falei enquanto uma lágrima solitária caiu dos meus olhos.
Gustavo parou e virou-se para mim, ele parecia em choque ao me ouvir. Ele
me encarou com seus olhos decepcionados e cheios de mágoa. As tochas cor de
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âmbar estão escuras como duas painitas , sua mandíbula travada e as narinas
dilatadas respirando com dificuldade, mas ele não disse nada. Apenas confirmou
lentamente com a cabeça e continuou a caminhar para o banheiro, dessa vez ele
fechou a porta em um baque.
Quando ele saiu do toalete, já estava vestida preparando um café, segurando-
me para não desabar em lágrimas, na verdade eu estava esperando uma nova cena,
um bate-boca ou no mínimo que ele dissesse o quanto sou uma vadia sem coração,
mas Gustavo apenas abriu a porta e saiu sem me dirigir nenhuma palavra.
Ele só voltou no final do dia, todo sujo de lama e no mais absoluto silêncio,
assim tem sido nossa rotina, só falávamos o essencial, ele me acompanhava ao
supermercado, comíamos as refeições juntos revezando quem cozinhava a cada dia,
mas ele quase não falava comigo. Mesmo morando aqui, minha única companhia
era a sua quietude.
No dia das consultas com a médica, ele sempre estava presente, fazia
perguntas e se preocupava, mas só. Mesmo dormindo na mesma cama, não nos
tocamos, nem por acidente. Nossa cama parecia ter uma divisão invisível de algum
material muito resistente que evitava que qualquer um de nós se mexesse mais do
que o necessário.
Essa distância entre nós doía na minha alma e em cada partícula do meu
corpo, que implorava pelo seu.
Logo chegou a véspera da tão esperada cirurgia, Gustavo arrumou sossegado
uma mochila com as coisas que ia precisar no período de internação.
Tomei uma chuveirada, coloquei um vestido simples, bebi um iogurte e
esperei para acompanhá-lo até o hospital.
— Estou pronta para ir — avisei-lhe no vão da porta do quarto.
Silêncio.
Gustavo não se opôs que eu lhe acompanhasse, mas permaneceu calado todo
o caminho, como se não me enxergasse.
— O trânsito hoje está pior do que os outros dias — comentei.
Silêncio.
— Estou tão ansiosa para que tudo ocorra bem.
Silêncio.
Ignorando a forma como ele estava me tratando cantei baixinho a música no
rádio. Isso sempre fazia com que ele risse da minha desafinação, mas hoje ele
apenas baixou o volume.
— Está com dor de cabeça? — perguntei.
Silêncio.
Droga, isso está ficando chato!
— Tudo bem, você deve estar nervoso. Eu também estaria, mas se caso
estiver com dor de cabeça posso desligar o som, não tem problema. — Levei o dedo
ao botão do rádio e desliguei.
Gustavo me fulminou com os olhos e ligou o som novamente.
— Ok! A música fica. — Sorri para ele, que me fitou como se apenas minha
existência o irritasse.
Baixei o ar-condicionado, mas ele não me disse uma única palavra sequer.
Gustavo me ignorou até o nosso destino, quando desceu do carro apenas me passou
as chaves para que eu pudesse levá-lo de volta. Caminhei em passos apressados para
poder acompanhar o ritmo de suas passadas até a ala do pré-cirúrgico, a enfermeira
lhe passou as informações do que ele precisava fazer e pediu para aguardar o
médico.
Meu estômago apertou só de imaginá-lo desacordado em uma mesa de
cirurgia. Seu celular começou a tocar, peguei na mochila e lhe entreguei. Gustavo
pegou da minha mão com cuidado para não me tocar, apesar de ter pedido para ele
se afastar, sua rejeição estava me machucando profundamente. Nunca sequer
imaginei que ter sua rejeição fosse tão terrível.
— Alô? — ele esbravejou ao telefone. Um segundo depois, ele ficou um
pouco mais sereno. — Oi, mãe, não precisava, eu te avisei. Eu vou ficar na Liz ou
em um hotel, Dudu pode me ajudar. Mãe e a Cléo? Vocês estão exagerando. —
Gustavo passou as mãos pelos cabelos, irritado. — Tudo bem, a senhora que sabe.
Estou esperando o médico, mas a cirurgia só será amanhã. Até mais, mãe — ele se
despediu chateado.
Desligou o telefone e me encarou.
— Minha família está a caminho, então não precisa ficar aqui perdendo seu
tempo. Pode ir embora, daqui a pouco eles estarão aqui. — Gustavo desdenhou da
minha presença enquanto tirou a camiseta colocando a bata do hospital.
— Gustavo, eu não quero ir embora.
— Não faz nenhuma diferença para você, então, por favor, saia.
— Gustavo, você está me mandando embora?
— Sim, da mesma forma que você me mandou embora da sua vida.
— Eu não fiz isso — defendi-me.
— Você deve me achar a porra de um palhaço! Estou farto de forçar você
sentir por mim algo que deixou bem claro que não sente, nem nunca sentiu. Então,
Liz, saia! — Gustavo vociferou me assustando.
— Eu não vou sair daqui. Não vou deixá-lo sozinho — disse engolindo o
choro.
— Eu não te quero aqui — ele disse olhando dentro dos meus olhos.
— Sinto muito... — desculpei-me por tudo isso.
— Eu não. — Gustavo menosprezou minhas palavras com sarcasmo. Ele
estava sendo maldoso de propósito.
— Não seja cruel.
— Não force a barra — ele bufou.
Observei-o e vi que realmente estava falando a verdade, eu não tinha mais
lugar aqui, tampouco na sua vida. Peguei minha bolsa, passei as mãos sobre a minha
barriga e saí, atendendo ao seu pedido.
Cheguei ao corredor do hospital e fiquei parada sem saber o que fazer, as
pessoas passavam apressadas esbarrando em mim, e eu não sabia para onde ir.
Caminhei até a sala de espera e sentei-me em uma das cadeiras reformulando cada
frase de Gustavo que acabei de ouvir. Dudu apareceu e sentou ao meu lado.
— Como ele está? — perguntou.
— Acho que bem.
— Ele te expulsou do quarto? — O amigo e técnico de Gustavo perguntou,
levantei o rosto e olhei para ele. Os cabelos longos desarrumados sobre a jaqueta de
couro, nos pés as botas pesadas, ele era tão bonito quanto Gustavo. Mas seus olhos
eram enevoados com alguma coisa diferente, talvez remorso.
— Sim, ele fez isso.
— Sinto muito, ele é um imbecil na maioria do tempo. Mas se te reconfortar,
saiba que isso é só fachada, Gus é louco por você. Eu na verdade nunca o vi tão
fascinado por alguém como ele é por você. O cara virou a porra de um marica.
— Vá lá e faça companhia a ele. Por favor, eu não posso culpá-lo por me
tratar assim, eu até mereço sua raiva.
— Ficarei lá com ele. — Dudu se levantou e antes de se afastar virou em
minha direção e disse constrangido: — Me desculpe pela forma que falei com você
no outro dia, Liz, eu estava fora de mim. Gustavo não teve nada com aquilo, eu que
convidei as mulheres.
— Tudo bem, obrigada.
Algum tempo depois, toda a família Salles apareceu afobada no hall do
hospital. Dona Carmen, elegante como sempre, caminhou até mim quando me viu,
seus irmãos também vieram, inclusive Carolina que carregava Cléo nos braços.
— Liz, querida — Dona Carmen cumprimentou me abraçando.
— Oi, Dona Carmen — respondi sem graça.
— Nossa, como sua barriga está enorme! Descobriram o sexo? — perguntou
animada. Nós ainda não tínhamos contado sobre os bebês, estávamos querendo
fazer uma surpresa para só revelar no chá de fraldas que Cris estava organizando.
— Sim, é... — Não soube o que dizer com todos ali olhando para mim
aguardando uma resposta. — Acho que Gustavo vai gostar de lhe contar.
— O que você está fazendo aqui fora? — Thiago perguntou beijando minha
bochecha. Seu porte elegante preenchia o lugar com seu tamanho e sutileza.
— Gustavo queria ficar um pouco sozinho — inventei uma desculpa.
— Sério? — Guilherme perguntou levantando uma sobrancelha visivelmente
intrigado. Corei de vergonha, eles deviam estar percebendo que estava mentindo,
mas eu não teria coragem de contar que Gustavo me expulsou do quarto.
— Hum-hum... — Grande mentirosa, Liz.
— Como vai, Liz? Nós não suportaríamos ficar lá sem poder ver meu irmão
antes da cirurgia, ainda tem nosso pai. — Carolina falou enquanto me abraçava.
— Estou bem, Carol. E, claro, eu entendo que queiram vê-los. Vocês já têm
onde ficar? — perguntei.
— Sim, estamos hospedados em um hotel aqui próximo — Thiago explicou
solícito.
— Tudo bem, o apartamento do Gustavo é pequeno, porém se vocês
quiserem ficar lá podem ficar à vontade.
— Não, minha querida, somos muitos e espaçosos ficaremos bem no hotel.
Agora onde posso ver meu garoto? — Dona Carmen perguntou.
Indiquei o quarto onde ele estava internado e todos entraram para vê-lo.
Thiago e dona Carmen acompanharam a visita do médico e se informaram sobre os
riscos e detalhes da cirurgia. Pelo que o Thiago me contou, o transplante seria feito
às oito da manhã. Carolina e Guilherme revezaram entre os quartos do pai e do
irmão. Não deixei de reparar que eles voltavam chorando do quarto do pai. Não era
para menos.
Dudu, que se mostrara um grande amigo para Gustavo, foi embora no fim da
tarde com a promessa de voltar no dia seguinte.
Chegou a noite e percebi quanto tempo fiquei aqui sentada nesta cadeira de
plástico, apenas acompanhando a porta do quarto de Gustavo abrir e fechar. As
paredes creme da sala de espera, o ranger das portas se abrindo e fechando, o solado
dos sapatos de um lado para o outro no piso de linóleo, o zumbido chato do ar-
condicionado, o zum-zum-zum das pessoas falando, nada disso me fez parar de
lembrar dos seus olhos me mandando ir embora. Eu magoei-o profundamente e
agora não sabia como desfazer isso. Passei a mão sobre minha barriga e senti o
estômago roncar.
— Liz? — Dona Carmen sentou-se do meu lado me acordando de meus
pensamentos.
— Oi, ele está bem? — perguntei.
— Sim, querida, ele está preocupado com você sentada aqui o dia todo.
— Ele sabe que estou aqui?
— Claro que nós dissemos a ele que você estava aqui na recepção o dia
inteiro.
— Ah... não deveriam, não quero preocupá-lo, eu só não vi a hora passar.
— Ele me contou sobre os bebês, querida, que bênção! Nunca imaginei que
iria ser avó de gêmeos — dona Carmen disse colocando as mãos na minha barriga.
— Ficamos muito surpresos também.
— Sim, e pelos bebês, Gustavo pediu para lhe mandar ir para casa, comer e
descansar. Você não pode passar o dia com um sanduíche da lanchonete do hospital.
— Tudo bem, eu já estava indo, não tenho servido para muita coisa aqui fora
mesmo. — Dei de ombros.
— Liz, eu sinto muito que as coisas entre vocês não tenham dado certo. Mas
eu tenho certeza de que meu filho te ama e sei que você também o ama muito, senão
não teria perdido seu dia presa num lugar como esse. — A mãe de Gustavo apertou
minhas mãos e sorriu tristemente para mim.
— Acho que ele não mais... O que importa isso agora, não é? Eu vou indo.
— Dei-lhe um abraço apertado e fui em direção ao estacionamento, não sem antes
prestar atenção nos olhos tristes de dona Carmen.
***
Cheguei em casa e atirei a bolsa no sofá, tirei os sapatos e deitei na cama.
Fiquei ali quietinha deixando as lágrimas lavarem toda dor que estava me triturando
em pedaços pequenos. A grande ideia de afastá-lo foi minha, agora estava sofrendo
por isso. Nem eu mesmo me entendia, minha razão e meu coração se digladiavam
todo dia sobre o que fazer.
Abracei os travesseiros com nossos cheiros misturados, seu suor ainda
estava nos nossos lençóis. Como eu pude ser tão burra? Desmoronei porque o
homem que eu amava me odiava e deixou claro que não tinha mais espaço para mim
em sua vida. Depois de ter chorado todo o líquido que meu corpo foi capaz de
produzir em forma de lágrimas, fui até a cozinha procurar algo para comer, não
podia deixar meus filhos com fome. Eles precisavam crescer.
Fiz um sanduíche com frango desfiado, tomates e queijo e comi com um
copo de leite. Arrastei-me de volta para o quarto, tomei um banho e caí na cama,
estava tão cansada, mas não conseguia dormir. Minha cabeça era um emaranhado de
pensamentos e sensações, só tentei fazer o meu melhor para nós dois, porém não
estava funcionando. Queria apenas voltar para o começo, sentia-me presa; quanto
mais tentava consertar as coisas, mais as deixava erradas, mais confusas eu as
tornava.
Às cinco da manhã, levantei, tomei um banho frio e troquei de roupa,
precisava vê-lo. Precisava estar lá com ele, mesmo que ele não me quisesse,
Gustavo teria que aceitar que nunca vai poder se livrar de mim. Não podemos mais
ser um casal e construir uma família juntos, mas isso não me tirava o direito de
querer estar ao seu lado e me preocupar com ele.
Comi uma maçã enquanto fui para o hospital, assim que estacionei na
garagem, verifiquei o relógio e vi o quanto estava cedo, passei alguns minutos
dentro do seu carro aproveitando seu cheiro ali na cabine da pick-up, no banco de
trás havia uma camisa que ele usava para treinar, estava suja de lama e suor, inspirei
seu cheiro delicioso.
Quando me senti forte o suficiente para enfrentar esse dia, fui até o quarto
dele, abri a porta devagar e vi dona Carmen sentada ao lado de sua cama
cochilando.
Assim que ela ouviu o barulho da porta, ela me olhou e sorriu.
— Bom dia — cumprimentei baixinho.
— Oi, minha querida.
— Se a senhora quiser ir tomar um café, eu posso ficar com ele.
— Claro, mas vou aproveitar a chance para fazer algo que eu espero fazer há
muitos anos — ela disse levantando-se devagar para não acordá-lo.
— Tudo bem — assenti curiosa, mas não querendo ser invasiva.
Ela saiu do quarto e fiquei ali ao lado da cama, Gustavo estava deitado
tranquilamente, sua mão esquerda estava ligada a uma intravenosa depositando soro
na sua veia. Aproximei-me cuidadosamente, seu rosto estava rígido e suas
sobrancelhas tensas, mas seus olhos continuavam fechados. Levantei a mão e passei
a ponta dos meus dedos delicadamente pela sua mandíbula. Os meus dedos
transmitiam uma onda de calor da sua pele até meu coração. Sua barba rala estava
nascendo no seu queixo bonito, seu nariz imponente, seus lábios macios e quentes.
Ele era perfeito.
Ele era o homem da minha vida, eu não podia mais negar isso. Senti uma
necessidade insuportável de lhe beijar, umedeci meus lábios e aproximei-me da sua
boca, pressionei-a contra a minha, era como estar no céu.
Quando percebi, as minhas mãos já estavam segurando sua cabeça,
deslizando suavemente por seus cabelos bagunçados exigindo que ele retribuísse
meu beijo, que ele me quisesse de volta. Gustavo travou a mandíbula, abriu os olhos
e me empurrou com a mão direita, eu me afastei dele e vi-o limpando a boca com as
costas da mão com nojo.
— O que você pensa que está fazendo? — perguntou rosnando com ódio de
mim.
— Desculpe, Gustavo, eu fiz sem pensar. — Levantei as mãos para tocar
seus ombros, mas ele me impediu.
— Você só pensa em você, como a grande egoísta que é.
— Gustavo, não precisa me tratar assim.
— Você que pediu por isso, tudo sempre gira em torno do que você quer,
Liz. Você só acredita nas coisas da sua própria cabeça, eu cansei.
— Gustavo, por favor... — pedi chorando.
— Por favor você, Liz. Estou cansado de tentar desvendar sua cabeça, nem
você sabe o que você quer. Uma hora está gemendo meu nome, em outra está
dizendo que está arrependida. Você é uma maldita xarada que eu não tenho a
mínima paciência em tentar desvendar.
— Me perdoe, eu não quis lhe confundir... — pedi tentando tocá-lo
novamente.
— Saia do meu quarto, Liz...
— Gustavo, eu estou preocupada com você... Meu amor, me deixe ficar.
Posso consertar as coisas, me desculpe, eu te magoei e sinto muito por isso. Não foi
porque eu quis, eu estava confusa.
— Tarde demais, não me interessa mais o que te preocupa, só me interessa
meus filhos, esse será o único contato que vou ser obrigado a ter com você. Agora
sai! — Gustavo gritou essa última palavra de apenas três letras, mas causou uma
destruição imensa no pouco de esperança que me restava em tê-lo de volta.
Levei um minuto inteiro para processar o que ele disse, engoli o choro e
virei-me saindo pela porta tão devastada quanto entrei.
Era real, eu perdi o homem que eu amava.
Para sempre.
“Quando você fechar seus olhos,
saiba que eu estarei pensando em você (...)
Hoje à noite eu não estarei sozinho, mas você sabe que não
Significa que eu não estou sozinho, eu não tenho nada a provar
Pois é você que eu morreria para defender...”
Bed of Roses – Bon Jovi
Gustavo
Ontem, quando pedi pra Liz sair do quarto, lutei contra todo o amor que
sentia por ela e me armei de orgulho. Não poderia ficar em paz quando ela estava
aqui, tão perto e tão longe ao mesmo tempo. Doía saber que ela não me queria da
maneira que eu queria estar na vida dela. Mas mandá-la embora doeu mais em mim
do que poderia doer nela.
Como se expulsa alguém da sua vida que parece estar enraizado até ossos?
Dominando-lhe o coração, mente e alma?
Simplesmente não pode, mas eu deveria. Então evitá-la era o que eu podia
fazer de melhor.
Passei o resto do dia sondando sobre onde ela estava aos meus irmãos,
minha mãe me prometeu fazê-la comer alguma coisa. Não fiquei feliz de saber que
ela passou o dia todo apenas com um sanduíche. Ela estava comendo bem por conta
dos gêmeos, devia estar sentindo fome. E só de imaginar isso me sentia um filho da
puta egoísta.
Thiago, Carol e Guilherme revezaram entre meu quarto e o do meu pai a
tarde toda, mas minha mãe não saiu de perto de mim. Acho que ela ainda não estava
preparada para encará-lo. Eu a entendia, porque eu também não estaria.
Ao anoitecer fiz minha mãe prometer fazê-la ir para casa, Liz não podia ficar
a noite toda aqui sentada em uma cadeira de plástico desconfortável. Ela podia
sobrecarregar a coluna e passar mal. E eu não queria isso.
Depois que minha mãe retornou ao quarto me informando Liz foi embora,
fiquei mais tranquilo. Ela merecia descansar em uma cama confortável e nada
melhor do que a nossa cama para isso.
Adormeci pensando em como eu e Liz chegamos a essa situação, tínhamos
tudo para dar certo, mas a vida tinha outros planos para nós bem diferentes do que
eu esperava. Lembro-me de estar sonhando com nossa última noite de amor, quando
senti seus lábios sobre os meus, pensei que o sonho estava ficando muito real. Abri
os olhos e, para o meu descontrole, aquele toque macio não era um sonho, Liz
estava me beijando.
Uma onda de raiva e desejo reprimido me atingiram. Ela não podia me
enlouquecer dessa maneira, uma hora estava me beijando, em outras dizendo que
não damos certo e que tudo não passou de um erro. Tratei de clarear as coisas entre
nós, ela precisava estar na mesma página que eu.
Observei suas costas saindo do meu quarto, seu rosto estava coberto de
lágrimas. Essa não era a imagem que eu queria ver hoje. Estar aqui nessa cama
prestes a ser operado, expulsando a mulher que eu amava da minha vida.
Merda! O que mais pode acontecer para piorar meu dia?
Uma enfermeira entrou na sala e começa a ejetar alguns medicamentos no
meu soro, ela sorriu me dando uma piscadinha. Virei o rosto sem interesse, ela
escolheu uma péssima hora para me paquerar.
— Onde está minha mãe? — perguntei a ela.
— Está no quarto do seu pai, precisa de alguma coisa?
— Não sei como ela consegue... — resmunguei falando sozinho.
— O que você disse? — a moça perguntou recolhendo seus materiais.
— Nada.
Algum tempo depois, minha mãe entrou na sala com olhos vermelhos, ela
andou chorando e tive certeza do porquê.
— Filho, cadê a Liz? — minha mãe perguntou parecendo triste.
— Mandei-a embora. — respondi de forma grosseira.
— Meu Deus, Gustavo, o que você está fazendo? Essa garota ama você,
filho, e vejo nos seus olhos que você também a ama.
— Mãe, eu só me importo com meus filhos de agora em diante, não quero
nenhuma relação com aquela mulher depois que eles nascerem.
— Não fale besteira, ela sempre será a mãe dos seus filhos, você vai precisar
conviver com isso e tratá-la com respeito, eu não lhe criei para isso.
— Eu sei. Agora me diga o que a senhora estava fazendo no quarto do meu
querido pai? — perguntei sarcástico.
— Sabe, filho, esse rancor e toda essa mágoa que você guarda contra seu pai
te fez esquecer o homem maravilhoso que ele sempre foi para nós antes de ir
embora. Eu nunca terei ódio do homem que me deu uma família e me ensinou o que
é amar de verdade, ele me deu vocês... E eu nunca poderei agradecê-lo
suficientemente por isso. Augusto errou, mas eu já o perdoei porque, no fundo,
também contribuí para o que aconteceu. Seu pai ter ido embora daquela forma
também foi culpa minha. Passei tempo demais fingindo não ver o rancor que você
guardava da única pessoa no mundo que não merecia. Eu nunca quis lhe contar o
motivo do seu pai ter ido embora, afinal você era só um garotinho, achei que
estivesse lhe protegendo, filho, mas eu tive culpa por ele ter nos deixado, Gustavo.
— O quê? — perguntei sem entender.
Do que ela está falando?
— Gustavo, eu também cometi erros que venho tentando lidar e corrigir há
muito tempo... eu amava seu pai e seu pai me amava. Nós éramos felizes juntos, e
quando não estávamos felizes, estávamos tentando ser. Os anos se passaram
enquanto criávamos vocês, com o tempo veio a rotina do casamento e os problemas
do restaurante. Por orgulho e um grande mal-entendido dei a entender que estava
apaixonada por outro homem. Eu era tão boba, Gustavo, tão cheia de orgulho... —
Minha mãe limpou as lágrimas, segurou minha mão livre e continuou: — Eu bolei
um plano para chamar a atenção do Augusto. Eu mesma me mandava flores, fazia
questão de esquecer bilhetes de amor que eu escrevia pela casa, para que ele
encontrasse... Começou como uma brincadeira idiota que funcionou, mas não como
deveria. Eu só queria que ele voltasse a me olhar como antes, que me desejasse e
que sentisse ciúmes de mim. E ele sentiu, Augusto colocou na cabeça que eu tinha
um amante, o que na verdade nunca existiu. Eu só queria fazê-lo perceber que eu
estava ali, que ainda era bonita e interessante. Deu certo, mas o ciúme excessivo se
tornou possessivo.
— Mãe, o que a senhora fez? — As mãos dela tremiam contra a minha.
— Seu pai começou a beber mais do que deveria e isso desencadeou as
brigas incessantes. Augusto era cabeça-dura, quando eu quis consertar as coisas e
contar a verdade ele não aceitou, achou que eu estivesse mentindo. Eu fui longe
demais, não poderia culpá-lo. Podia?
— Mãe, eu não posso acreditar... — murmurei.
— Uma noite ele saiu para beber com os amigos, voltou para casa depois do
jantar quando vocês já estavam dormindo. Seu pai entrou no quarto e me viu
passando um batom em frente ao espelho. Ele ficou enlouquecido, começou a me
acusar de estar me arrumando para outro homem, eu nunca tinha visto-o daquela
maneira, acusou-me de coisas horríveis. Foi demais para mim, revidei e comecei a
atacá-lo com socos e empurrões... — Minha mãe respirou entre os soluços para
continuar em seguida: — Começamos uma briga feia, ele tentando se defender e eu
tentando machucá-lo da mesma forma que ele estava me machucando com suas
palavras e por chegar fedendo a uísque vagabundo todas as noites. Mentir para ele
não foi o meu pior erro. O que fiz a seguir é que mudou tudo e exterminou qualquer
chance que tínhamos de ainda ter uma família.
— O que você fez, mãe? — Minha voz saiu como um grito rouco.
— Eu estava tão ensandecida que acabei alcançando um perfume na cômoda
e joguei em sua direção. O vidro atingiu sua testa e causou um corte profundo na
sua têmpora, a roupa do seu pai logo ficou coberta de sangue. Assim que vi o que
fiz me arrependi, mas não tive tempo para isso, Augusto entrou em estado de
choque, em questão de segundos ele estava me empurrando contra a cômoda. Eu caí
devido a sua força e bati com a cabeça na quina do móvel de madeira.
Interrompi-a:
— Mãe... O que a senhora está...
— Me deixe terminar... eu fiquei desacordada por alguns minutos, eu não sei
ao certo quanto tempo. Acordei do desmaio e encontrei seu pai... — Minha mãe não
conseguiu pronunciar as palavras a seguir, ela fez uma pausa para abafar um soluço.
— Mãe, eu preciso saber.
— Seu pai estava no banheiro com uma lâmina de barbear pressionada
contra o pulso, pronto para tirar a própria vida. Porque ele achou que havia me
matado...
— Mãe! — exclamei em total estado de choque.
— Gritei e implorei que ele não fizesse aquilo, nunca vou esquecer o
desespero que vi nos olhos do seu pai naquela noite. Mas ele apenas levantou do
chão do banheiro, arrumou a mala e preferiu ir embora... deixando você e seus
irmãos e me poupando do homem que ele se tornou, ele quis evitar que vocês
sofressem pelos nossos problemas. Seu pai sempre foi um homem digno, ele não
queria que vocês fossem criados dentro de um casamento fracassado. Eu forcei-o a
tomar péssimas decisões e o álcool e a raiva fizeram com que ele se tornasse um
agressor. Seu pai se arrependeu do que fez, eu vi em seus olhos assim que ele viu
que eu estava viva.
— Meu Deus...
— Ele me amava tanto que preferiu ser odiado a vê-los me odiando. O meu
orgulho não me deixou ir atrás dele, quis mostrar-lhe que eu poderia viver sozinha e
mesmo após tudo isso... Depois de todos esses anos, quando fecho os olhos para
dormir, lembro dele e de como fui burra por perder o homem da minha vida por um
simples capricho. Mesmo longe, Augusto depositava todo dinheiro que ganhava em
uma conta poupança para vocês. Ele nunca nos deixou faltar nada — ela terminou
de falar aos prantos. O corpo esguio da minha mãe balançava enquanto chorava
copiosamente lembrando da tragédia que marcou a sua vida e a minha para sempre.
Não tive qualquer reação em abraçá-la, queria tanto acreditar que isso não
passava de um sonho, ou de algum efeito alucinógeno dos remédios. Todos esses
anos minha mãe não me contou a verdade. Eu acreditei que ele tinha ido embora
porque não nos amava. Cultivei ódio e rancor por alguém que não merecia.
— Mãe, como você pôde não ter me contado nada disso? Me deixou no
escuro por todos esses anos. Como pôde? — perguntei com a garganta seca.
— É a mim, filho, é a mim que você deve odiar. Você entende agora? — ela
murmurou entre as lágrimas.
— Mãe, a senhora não podia fazer uma coisa dessas... meus irmãos sabiam?
— Eu sei... Gustavo, eu nunca disse isso a ninguém, mas seus irmãos, como
eram mais velhos, lembram-se de nossas brigas e nunca odiaram seu pai por ter ido
embora. Você não precisa me odiar, eu já paguei por isso vivendo uma vida de
solidão longe do homem que eu amo. Então não cometa o mesmo erro que eu e seu
pai cometemos.
— Com licença. — Olhamos em direção à voz do doutor Antônio nos
interrompendo. — Tudo bem aqui? — Ele olhou de mim para minha mãe com a
sobrancelha arqueada questionando a cena.
— Não está nada bem — sussurrei ainda incrédulo.
— Bom, espero que o que quer que tenha causado esse choro já tenha sido
resolvido. Está na hora, Gustavo, precisamos prepará-lo para a cirurgia — meu
médico avisou.
Foi neste exato momento que tive um estalo, percebi que não podia deixar o
orgulho me dominar e fazer da minha vida o mesmo que minha mãe fez com a dela ,
amava a Liz com todas as forças que havia em mim e nunca poderei viver longe
dela, por mais que eu tentasse. Não seria qualquer orgulho besta que faria isso.
Minha mãe deixou o orgulho dominá-la e perdeu uma vida inteira ao lado do meu
pai, do homem que a amava.
— Mãe, a Liz ainda está lá fora? Eu preciso falar com ela — disse antes do
doutor Antônio querer me levar para a sala de cirurgia.
— Deixe-me olhar — ela disse indo em direção à porta rapidamente,
enquanto se recompôs secando as lágrimas.
O doutor Antônio me olhou, curioso.
— Sua mãe é uma bela mulher. — O médico sorriu.
— Obrigado — agradeci, mesmo sem ter gostado do seu comentário.
— A bela moça grávida chorando fora do quarto é sua namorada? — ele
perguntou.
— Sim. — Senti um aperto no peito ao confessar isso, porque sabia que a
culpa era toda minha por cada lágrima derramada da minha flor.
— Você tem sorte, meu amigo. Trate de se acalmar, não quero que sua
pressão arterial aumente — o médico disse verificando meu soro e a intravenosa.
Olhei para o homem baixinho e senti afeto e gratidão por ele. Pelo seu jeito
insistente em querer salvar seus pacientes, em ter me feito fazer o exame de
compatibilidade. E por agora, me lembrar de que eu era um homem de sorte. Tinha
uma família que me amava, ainda tinha a chance de pedir perdão ao meu pai, tinha
uma mulher que amava mais que a minha própria vida e dois filhos que logo
chegariam ao mundo para iluminar tudo que havia em mim.
Liz entrou no quarto segurando a bolsa no ombro e a outra mão apoiada
sobre a barriga.
— Você me chamou? — ela perguntou apreensiva.
— Sim, venha cá... — chamei me sentindo um pouco sonolento.
Ela caminhou até o lado da cama e olhou para mim me iluminando com
aqueles olhos cristalinos. Peguei sua mãe fria e apertei firme deslizando meu
polegar em sua pele.
— Minha flor, me perdoe, amo vocês. Eu sou um idiota e não paro de agir
como um. Sinto muito, eu estava tão cego de raiva. Você me magoou em não me
querer em sua vida. Decidi que iria fazer o que você queria, mas não posso mais
continuar mentindo, eu não sei viver sem você... não me culpe por isso, você não me
deu escolha... — disse sentindo minha fala lenta, mas não poderia esperar mais
nenhum segundo para fazê-la ver que eu era louco por ela.
Liz se aproximou do meu rosto e falou baixinho:
— Nós também te amamos, meu amor. Eu e nossos filhos, motoqueiro, te
amamos muito. Graças a Deus, pensei que você não me queria mais. — Liz beijou
minha testa. Senti suas lágrimas molhando meu rosto, peguei a minha mão livre e
passei sobre sua barriga de quatro meses de gestação, seu abdômen se contraiu em
uma onda. Liz me olhou de olhos arregalados.
— Gustavo, os bebês mexeram — ela disse colocando as mãos sobre a
minha e deixando as lágrimas caírem de seus olhos em gotas.
— Nossos filhos... obrigado por isso. — Sorri sentindo-me cada vez mais
mole.
— Sim, meu amor, nossos filhos — minha flor disse me beijando entre
lágrimas, fechei os olhos sorrindo e uma nuvem negra me abraçou.
“Lá do alto, eu ouvi
Os anjos cantarem essas palavras para mim
E às vezes, em seus olhos
Eu vejo a beleza no mundo ...”
Liz
Uma coisa era certa, eu amava aquele homem e nunca conseguiria viver
longe dele. Ele era como o oxigênio que me mantinha viva, sem ter Gustavo eu não
conseguiria sequer respirar sozinha. Com o coração explodindo de felicidade, vi-o
apagar lentamente com o efeito das medicações, quebrando nossa bolha de
felicidade.
O médico que assistia a toda cena dramática atrás de nós se aproximou.
— Não se preocupe, nós demos a ele um tranquilizante para levá-lo à sala de
cirurgia e fazer toda a preparação para realizar o procedimento, Gustavo estava
muito nervoso, não seria indicado que ele tivesse mais emoções.
— Essa já é a anestesia?
— Não, a anestesia geral quem aplica é um profissional específico. Acalme-
se também, terá muito tempo para relaxar, a operação poderá durar de quatro a seis
horas.
— Isso tudo? — perguntei secando o rosto.
— Seu namorado é um homem forte. Fique tranquila, dará tudo certo — o
médico me disse.
Alguns enfermeiros levaram Gustavo para a sala de cirurgia e eu, dona
Carmen e seus irmãos sentamos apreensivos na recepção para aguardar. Dudu
retornou e nos fez companhia durante todo o dia, seus olhos estavam cansados, ele
passou as mãos no cabelo ansioso e fez um coque com os fios no alto da cabeça.
— Liz, querida, vai dar tudo certo — dona Carmen disse apertando minhas
mãos.
Thiago estava segurando Cléo dormindo em seu colo, Carol estava deitada
no ombro de Guilherme, que por mais durão que ele aparentasse ser, estava com os
olhos fundos e vermelhos.
— Eu sei. — Apertei suas mãos também, tentando ser confiante.
Cinco intermináveis horas se passaram. Quando já estava enlouquecendo
desesperada por notícias, o cirurgião apareceu com o semblante cansado, nada
parecido com o senhor gentil de mais cedo. Caminhei até ele.
— Como foi? Ele está bem? Cadê ele? Já posso vê-lo? — perguntei aflita
por qualquer notícia, o médico nos olhou com as sobrancelhas cerradas e com duas
bolsas sob os olhos de cansaço.
— Em partes, a boa notícia é que o transplante foi um sucesso, mas no final
do procedimento o doador teve uma hemorragia interna.
Todo meu sangue foi drenado das minhas veias, senti minhas pernas virarem
gelatina, um frio atingiu minha espinha e lágrimas escorreram dos meus olhos, parei
de ouvir o barulho ao meu redor, a imagem das pessoas de repente pareceu borrada.
Pisquei os olhos para tentar enxergar melhor e uma escuridão me abraçou
lentamente.
***
Quando abri os olhos e luzes fosforescentes atingiram minha íris, tentei
levantar a cabeça, mas estava tonta, na minha mão havia uma intravenosa em um
soro, eu vestia uma bata do hospital, instintivamente passei a mão na minha barriga.
Meus bebês!
A porta se abriu e uma enfermeira entrou com uma prancheta na mão, ela
sorriu para mim.
— Oi, como está se sentindo? — a moça perguntou.
— O que aconteceu? Meus bebês? Eles estão bem? — indaguei em
desespero só de pensar que podia ter acontecido algo a eles.
— Eles estão bem, a médica virá conversar com você.
— Oh, graças a Deus! E como está meu noivo? Eu quero saber dele. Você
deve ter ouvido falar, ele se chama Gustavo Salles e é piloto de motocross. Me fala!
— exigi preocupada.
— Calma, você precisa relaxar — a enfermeira disse indo em direção à
porta.
— Me acalmar para quê? Enfermeira! Cadê o meu motoqueiro?
Meu Deus, por que ela não quer me dizer? A moça me olhou entristecida e
saiu da sala me deixando sozinha com minhas dúvidas.
Recordei das palavras do médico “ O doador teve uma hemorragia”.
O homem da minha vida teve uma hemorragia. Deus, faça com que nada
tenha acontecido a ele, temos tanto a fazer, preciso tanto dele ao meu lado! Gustavo
não pode ter me deixado, não pode.
Doutora Paula apareceu assustada no quarto.
— Onde ele está? — berrei em sua direção me levantando da cama.
— O que aconteceu? Por que está tão nervosa? — a médica perguntou.
— Alguém me fala alguma coisa, por favor... — gritei.
Carolina entrou no quarto correndo.
— Como ele está, Carol? Diga que não foi nada de mais — implorei entre
soluços.
— Ei, Liz, calma, querida. Seu noivo agora está bem, os médicos
conseguiram reverter a hemorragia, ele teve uma reação a um dos medicamentos
utilizados na cirurgia, mas já foi medicado e está fora de risco. Ele está dormindo e
se recuperando muito bem. Dentro de uma semana, ele estará em casa com você. —
Minha médica me tranquilizou sorrindo de todo drama que acabei de fazer.
— Oh, meu Deus! — Chorei aliviada.
— Liz, está tudo bem. Meu irmão é forte. — Carol me abraçou. Agarrei-me
a ela muito feliz por ver um rosto conhecido.
— Eu tive tanto medo, Carol... não aguentaria perdê-lo.
A doutora Paula nos observava.
— Ei, mocinha, trate de se acalmar! Sei que o que está acontecendo com seu
noivo é muito estressante, mas você precisa se preocupar com os bebês. Toda essa
emoção não tem lhe feito bem. Você desmaiou porque não tem se alimentado
direito, os gêmeos precisam ganhar peso, Liz. Te colocamos no soro e te demos um
tranquilizante para você descansar e se hidratar. Mas agora você precisa comer, só te
darei alta depois que você estiver bem alimentada e me prometer parar de passar
com fome.
Sorri agradecendo a Deus por estar tudo bem com as pessoas mais
importantes da minha vida: meus filhos e o meu motoqueiro.
Depois de devorar um prato de sopa de legumes e torradas, a doutora Paula
me deixou sair da cama. Infelizmente não pudemos ver Gustavo, devido ao risco de
infecções, não era permitido visitas na UTI onde ele passaria a noite.
Mas voltei para a recepção para ficar com sua família, que nesse momento
sentia que também era a minha. Sentei ao lado de dona Carmen, segurei sua mão e
juntas agradecemos a Deus por ter dado Gustavo novamente para nós, nunca mais
irei sair de perto dele.
Nunca mais.
“Não vou desistir de nós
Mesmo que os céus fiquem furiosos
Estou te dando todo meu amor
Ainda estou melhorando...”
I Won't Give Up – Jason Mraz
Gustavo
Acordei na manhã do quinto dia no hospital com o quarto cheio de pessoas
que me amavam, minha Liz estava segurando minha mão ao meu lado, minha mãe
estava do outro lado da cama alisando meus cabelos, meus irmãos e minha afilhada
estavam em pé me observando. Dudu e até a Cris estavam aqui.
O quarto estava cheio de flores e balões por todos os cantos.
Esse era o primeiro dia que foi autorizado receber visitas, logo no pós-
cirúrgico não pude ver muita gente, no segundo dia liberaram a entrada da Liz e da
minha mãe em visitas rápidas e após elas estarem vestidas com toucas e aquelas
roupas esterilizadas de centro cirúrgico.
— Oi, meu motoqueiro gostoso — Liz sussurrou beijando castamente a
minha boca.
— Oi, minha flor — cumprimentei ainda um pouco desorientado sem saber
quanto tempo eu dormi desde que vim para o apartamento.
— Oi, filho — minha mãe disse apertando minha mão.
— Ei, cara — Thiago falou apertando meu pé.
— Oi, mano — respondi.
— Porra, Gustavo, só você para nos fazer estar aqui em pé há duas horas te
esperando acordar! — Guilherme brincou sorrindo.
— Gui! — minha mãe o repreendeu.
Eu não resisti em rir, o movimento me causou dor no local da cirurgia. Mas
não me importei, gostei de saber que estavam todos bem, até minha afilhada estava
sorrindo.
— Meu irmão, ela não parou de pedir para vê-lo, tive que trazê-la.
— Oi, linda do tio — brinquei com minha afilhada, Carolina se aproximou
com Cléo no colo, a menininha me beijou no rosto.
— O médico acabou de passar aqui e disse que seus últimos exames foram
excelentes, você está se recuperando muito bem, meu amor — Liz me informou,
sorrindo, e beijando meus cabelos.
— Como você está se sentindo? — minha mãe perguntou.
— Só um pouco dolorido e sonolento.
— Vai passar, meu amor... — Liz disse fazendo cafuné em mim
carinhosamente.
— E meu pai? — perguntei preocupado.
— Nosso pai está reagindo muito bem à cirurgia, o médico falou que tem
chance dele se recuperar totalmente, ele precisa de um pouco mais de atenção até
seu corpo se adaptar com o novo órgão, mas o doutor Antônio falou que os exames
estão ótimos — Thiago explicou.
— Que bom. Ele já acordou? Eu quero vê-lo.
— Meu amor, você vai falar com seu pai? — Liz perguntou animada.
— Sim, eu não vou perder nenhum segundo a mais da minha vida. — Sorri
para ela, vi Liz levar a mão até a barriga e abrir um sorriso.
— O que foi? — perguntei curioso.
— Os bebês estão se mexendo de novo, parece que eles só mexem quando
estou perto de você. Eles gostam de ouvir sua voz — contou emocionada.
— Eles estão felizes, filho. Fale com eles — minha mãe explicou.
— Oi, filhos, vocês estão bem? Papai está louco para pegar vocês no colo.
— Liz sorriu. — O que foi? — perguntei.
— Coloque a mão aqui — ela pediu e eu estiquei o braço até o seu ventre
que estava se contraindo em ondas. Meu coração se encheu de alegria.
— Meu Deus, vocês estão fazendo a festa, hein? — perguntei orgulhoso dos
meus bebês.
— Nós te amamos, motoqueiro — Liz sussurrou antes de me beijar.
Minha família e meus amigos pouco a pouco saíram para almoçar e
descansar da pressão que foi os últimos dias. Liz permaneceu do meu lado, ela me
contou que a cirurgia demorou muitas horas, quando questionei porque dormi tanto,
ela acabou me confessando que tive uma moderada hemorragia por ter tido reação a
um medicamento. Eu poderia nunca mais ter visto esses olhos azuis tão profundos e
límpidos novamente. Quando perguntei o que ela ficou fazendo durante o tempo que
dormi, ela me enrolou e, pelo que a conhecia, sabia que estava escondendo algo.
— O que você não está me contando? — indaguei.
— Nada, meu amor. — Liz começou a colocar uma mecha imaginária de
cabelo atrás da orelha. Ela estava ficando nervosa.
— É melhor falar, querida.
Liz suspirou se rendendo.
— Tudo bem, você é irritante, sabia? — perguntou arrebitando aquele nariz.
— Fale logo.
— Acabei desmaiando, fiquei nervosa quando soube da hemorragia e, como
não tinha me alimentado o dia todo, apaguei.
— O quê? E ninguém mandou você comer? Vou matar os meus irmãos! —
berrei tentando me levantar e senti uma pontada de dor no lugar da cirurgia.
— Não precisa gritar. — Liz suspirou e continua: — Você passou muito
tempo na cirurgia, não saímos da recepção esperando notícias suas. Aí acabei não
me lembrando de comer e quando o médico disse que você tinha tido uma
hemorragia, meu corpo não aguentou.
— Liz, como você faz uma coisa dessas? Você não pode ficar sem se
alimentar, quantas vezes já te falei isso? Você tem duas crianças aí dentro, precisa
comer. Droga, Liz!
— Vai continuar brigando comigo? Logo agora que estamos bem? — ela
perguntou fazendo biquinho daquele jeito que eu não resistia.
— Prometa que vai se cuidar. Se não for por mim, que seja pelos nossos
filhos, Liz.
— Prometo! Prometo o que você quiser.
— Ah, Liz, se eu não estivesse nessa cama eu ia lhe mostrar como não é uma
boa ideia me contrariar.
— Gustavo, não provoca, estamos no hospital — ela disse baixinho
envergonhada.
Puxei-a mais para perto da cama e beijei-lhe a boca, seus lábios macios me
acalmaram, só de imaginar que ela poderia ter se machucado ou machucado os
bebês desesperei-me.
Liz apoiou-se na lateral da cama e ficamos perto um do outro da maneira que
dava para ficar, contando com a minha situação.
— Que saudade do seu cheiro, minha flor.
— Estava com saudades de tudo relacionado a você. Te amo tanto, Gustavo.
— Minha flor, amo vocês mais do que é considerado saudável.
— Você tem que parar de me falar essas coisas. Se não quiser que eu te
sequestre desse hospital e te amarre na minha cama. — Sorri.
— Seria uma boa ideia. Mas antes quero te pedir uma coisa.
— O que é? Posso fazer o que você quiser. Quer comer alguma coisa
especial? Ou quer que eu traga um filme? Posso trazer alguns livros e revistas pra
você passar o tempo. Vi uma banca que tem...
— Leve-me para ver meu pai — interrompi-a.
— O quê?
— Quero vê-lo.
— Mas, amor, está tarde e ele pode estar dormindo, e eu não sei se vão
deixar você ir até ele, pode ser perigoso. Você ou ele pode contrair uma infecção.
— Peça a enfermeira, Liz, por favor — implorei a ela, vendo seus olhos
repletos de amor e compreensão com meu pedido.
— Claro, meu amor. Estou tão orgulhosa de você — ela assentiu me dando
um beijo apaixonado e saindo para chamar a enfermeira.
Liz demorou cerca de uns dez minutos, depois voltou com uma cadeira de
rodas e um sorriso travesso.
— Você vai sentado aqui, não quero as mulheres vendo sua bunda nesta
bata. — Sorri do seu ciúme.
— Onde você conseguiu isso? — perguntei ainda sorrindo.
— Subornei uma enfermeira.
— Como?
— Com o telefone do Guilherme. — Nós rimos enquanto ela me ajudou a
levantar da cama, a minha cirurgia foi do lado esquerdo, senti uma queimação na
região, porém nada que eu não pudesse suportar. Sentei na cadeira cuidadosamente,
Liz me guiou pelos corredores silenciosos do hospital até o quarto do meu pai.
Ela abriu a porta e me empurrou para dentro do quarto, quando nós
entramos, olhei para a cama e vi-o deitado dormindo. Liz aproximou minha cadeira
e eu fiquei admirando o homem que eu tanto amei quando criança e por um mal-
entendido eu o perdi da minha vida. Liz baixou a cama para podermos ficar na
mesma linha de visão, com o movimento ele abriu aqueles olhos azuis intensos
como o mar mais revolto.
— Pai — chamei me segurando para não desabar apenas em pronunciar
aquela palavra de apenas três letras, mas que sempre foi sinônimo de dor para mim.
— Filho... — meu pai disse com a voz fraca e rouca.
— Meu pai, me perdoe, papai — disse apertando sua mão, esse simples
contato fez meu coração aquecer.
Ele limpou a garganta.
— Oi, Guto — me chamou pelo apelido de quando eu era criança.
— Pai, eu não te odeio. Eu nunca te odiei. Perdoe-me, eu estava tomado pela
mágoa. Eu estava cego de tanto rancor. Me perdoe... eu fui um imbecil... É que sua
falta me machucou demais — implorei o perdão do meu pai encostando minha
cabeça em seu peito e chorando como um menino. O menino de sete anos que se
sentiu rejeitado pelo homem que mais amava quando ele foi embora para nunca
mais voltar.
— Eu sei, filho, eu sinto muito por você ter sofrido por algo que não teve
culpa. Eu e sua mãe fomos os únicos culpados — ele disse alisando meus cabelos.
— Eu sei, ela me contou tudo. Foram vinte anos sem poder sentir o seu
cheiro, meu pai. Senti tanta falta do seu colo, de ouvir a sua voz. De ter você na
minha vida... Ninguém nunca supriu a falta que o senhor me fez, ninguém —
engasguei-me entre os soluços.
O cheiro do meu pai, o calor da sua pele na minha, ouvir sua voz me
chamando de meu filho me fez lavar toda mágoa e todo rancor que eu carregava no
peito.
— Guto, eu passei todos esses anos sonhando com esse abraço.
— Eu também, me perdoe por tudo que eu lhe disse. Foi tudo da boca para
fora, eu me sentia rejeitado, não lhe odeio. Nunca te odiei, nunca, pai. O senhor
acredita em mim? — perguntei encarando-o.
— Claro, filho, eu te amo e sei que você também me ama. Perdoe-me por ter
ido embora, eu machuquei sua mãe e não podia me perdoar por aquilo. Fui longe
demais, magoei a mulher que eu amava, não vi outra solução naquele momento. Ir
embora me pareceu a melhor saída.
Um soluço rompeu no meu peito, abracei meu pai da melhor forma que
encontrei pela situação que nós estávamos. Chorei em seu ombro todas as lágrimas
que me apertavam a garganta todos esses anos. Meu pai chorou afagando meus
cabelos da mesma forma que fazia quando eu tinha sete anos.
Quando levantei a cabeça vi Liz chorando no canto da sala sentada em uma
cadeira assistindo a nós dois.
— Pai, essa é a Liz, a mulher da minha vida e a mãe dos meus filhos —
apresentei-a orgulhoso chamando-a com um gesto.
— Filhos? — ele perguntou sorrindo e olhando para a Liz encantado.
— Sim, estou esperando um casalzinho de gêmeos — ela respondeu se
aproximando e dando um beijo na cabeça do meu pai.
— Filho, você é um sortudo, sua garota é linda — meu pai falou alisando
meus cabelos.
— Pai, quero você de volta na minha vida, quero que você participe da vida
das crianças. Não quero perder nem mais um segundo da sua companhia.
— Meu Deus, Guto, que alegria! Tudo que sempre quis foi poder ter a
chance de voltar atrás. Claro que estarei na sua vida daqui em diante, nunca mais me
afastarei de você nem dos seus irmãos. Parece que estou sonhando, conheci a Cléo e
agora fico sabendo que terei mais dois netos.
— Sim, pai, eu quero recuperar todo tempo que passei longe do senhor.
— Liz, eu fico feliz que meu filho tenha alguém ao seu lado, você é muito
sortuda, esse moleque aqui é incrível. Meu garotinho se tornou um grande homem,
ele doou o próprio rim para o homem que o abandonou quando criança, eu não o
culparia se ele se recusasse, mas Guto me surpreendeu e aceitou salvar a minha
vida, mesmo sem saber de toda verdade. — Meu pai me beijou na testa e chorou
junto comigo.
— Eu sei disso, Gustavo é um homem maravilhoso, por isso eu o amo tanto.
Não vou deixá-lo escapar — Liz disse piscando para mim.
Conversamos por mais algum tempo até uma enfermeira aparecer e pedir
para voltarmos para o nosso quarto. Liz passou a noite comigo, deitada em uma
poltrona reclinável, apesar de eu insistir para ela deitar comigo na cama estreita do
hospital, Liz ficou alegando que não queria me deixar desconfortável.
Liz me amava, agora eu tinha certeza.
Quatro dias depois, eu estava em casa. Toda minha família, Cris, e meu
técnico estavam no meu apartamento para me receber, minha mãe preparou um belo
almoço e Carol fez a minha sobremesa preferida: quindim. Foi um dia maravilhoso
ao lado das pessoas que eu amava, passei a refeição observando Liz sorrir, enquanto
conversava com as pessoas e brincava com a Cléo.
Vê-la sorrindo era tão delicioso.
As pessoas começaram a ir embora já no finzinho da tarde, meus irmãos
voltaram para Minas Gerais, só minha mãe ficou para cuidar do meu pai enquanto
ele ainda estava no hospital, porque, pelo que parecia, eles estavam se entendendo
novamente. Pela primeira vez na vida sentia que as coisas estavam dando certo e eu
me sentia imensamente feliz.
— Amor, está sem sono? — Liz perguntou quando estávamos deitados na
nossa cama.
— Só estou pensando — respondi alisando seus cabelos.
— Hum, posso saber em quê? — perguntou beijando minha boca e
pressionando o corpo sobre o meu. Uma dor aguda apertou na minha cirurgia que
estava coberta com um curativo.
— Humm... Droga... — gemi e pressionei a mão no local fazendo careta
com a dor.
— Ah, meu Deus, te machuquei? Meu amor, o que foi? — Liz perguntou
assustada.
— Só a cirurgia que está doendo um pouco. Não foi nada de mais.
— Jura?
— Já passou, querida.
— Gustavo, você não imagina o que eu senti quando me falaram que você
tinha tido uma hemorragia. Só de imaginar não ter mais você, eu enlouqueci. Doía
tanto, tanto....
— Eu nunca iria embora sem conhecer meus filhos. Seria preciso mais que
uma hemorragia para me privar disso.
— Ah, seria só pelos nossos filhos que você ficaria?
— Não, sua boba. Pela mãe deles também.
— Já ia esquecendo, ainda não dei seu presente de aniversário. — Liz
passou as mãos no meu rosto, sorri com seu carinho.
— Não precisa, meu amor.
— Claro que precisa, só um minuto. — Liz levantou-se deixando à mostra
aquela bunda que eu tanto amava.
Ela estava com uma camisola verde de alças, que por conta da barriga estava
mais curta que o normal, o que era bom para eu poder apreciar a vista.
Ela voltou sorrindo com uma caixa pequena e um envelope.
— Abra apenas a caixinha, o envelope é para o dia do nosso casamento. Isso
se você ainda quiser casar comigo — disse sentando ao meu lado e me entregando a
caixa.
— Não seja boba, casar comigo é uma sentença para você. — Liz riu da
piada.
Dentro da caixa revestida em couro havia um relógio de pulso lindo, com a
pulseira de couro marrom trabalhado e a base em platina. Dentro da caixa também
tinha um cordão em prata com um pingente quadrado.
— Abra — ela pediu sorrindo me mostrando como abrir o pingente, quando
apertei o encaixe e a placa de prata se abriu em duas partes, dentro havia uma foto
de Liz no dia do batizado da Cléo e o outro lado estava sem foto.
— Motoqueiro, eu sei que, quando você se recuperar, vai voltar a treinar e
terá que viajar. Como eu não vou poder te acompanhar em algumas viagens por
conta dos bebês, o colar é para você lembrar-se de mim e voltar para casa o mais
rápido possível. O outro lado do pingente deixei sem foto para colocarmos a foto
dos bebês quando eles nascerem. Assim a gente vai poder estar com você sempre. O
relógio é para você nunca se atrasar para voltar para casa. Para sua família.
Como não amar essa mulher?
— Eu amei, minha flor... — Puxei-a para um beijo emocionado. — Esse,
sem dúvida, foi o melhor presente da minha vida. Não se preocupe, porque sempre
voltarei para você, sempre — completei.
— Não quero te perder, nunca.
— Eu estou aqui, meu amor, não vou a lugar nenhum. — Beijei-lhe
apaixonadamente, desfrutando da delícia de amar e ser amado por alguém que
verdadeiramente se importava.
Dormimos abraçados, ela sobre meu peito do lado contrário da cirurgia e eu
com a mão sobre sua barriga sentindo nossos filhos.
Aninhados, como toda família devia ser.
“Você é a única exceção
Bem, você é a única exceção
E eu estou a caminho de acreditar
Oh, e eu estou a caminho de acreditar...”
The only exception – Paramore
Liz
Estava radiante, apesar da minha barriga estar cada dia maior e mais pesada,
cada etapa da gravidez era um presente maravilhoso para nós. Tenho amado e me
deliciado com a dor e o prazer de carregar meus filhotes. Mês passado finalmente
conseguimos decidir os nomes dos gêmeos, eu escolhi o nome do menino e Gustavo
o da menina.
Nosso menino se chamará Luiz Arthur, eu quis manter o primeiro nome do
Gustavo porque descobri que todos os homens da família Salles têm como primeiro
nome o Luiz, que também era o primeiro nome do Sr. Augusto, pai deles. E eu quis
manter a tradição, o que deixou o Sr. Augusto e a dona Carmen emocionados com a
homenagem.
O nome da menina será Laís, que significava leão. Nos ultrassons ela era
sempre a mais agitada, Gustavo insistiu porque era parecido com o meu nome,
apenas acrescentando uma vogal. Também vamos acrescentar o meu Maria. Não
ousamos na escolha dos nomes, mas a escolha não poderia ser diferente. Então, em
breve Luiz Arthur Albuquerque Salles e Laís Maria Albuquerque Salles estarão
correndo pela casa.
Meu motoqueiro tem sido um perfeito cavalheiro, ele resolveu que seríamos
mais felizes morando em Belo Horizonte junto de sua família para nos ajudarem
com os bebês, já que éramos pais de primeira viagem, o que gerou muito protesto da
Cris, que era madrinha da Laís juntamente com o Thiago. Acabei concordando,
Belo Horizonte era linda e eu já me sentia parte integrante da família Salles, adorava
o restaurante, a vizinhança, o clima, e o céu estrelado mais lindo que já vi na vida.
Meu futuro marido se recuperou muito bem da cirurgia, assim como Sr.
Augusto, graças a Deus. Fiquei um pouco apreensiva por conta da tal hemorragia
que Gustavo teve, mas o médico nos deixou tranquilos quando fizemos uma bateria
de exames para investigar o que aconteceu e, graças aos céus, sua saúde estava mais
do que bem.
A casa que estávamos morando era fantástica, ficava na mesma rua do
restaurante. Como era de dois andares, tinha bastante espaço para as crianças
brincarem. Foi um milagre conseguirmos um lugar tão incrível em tão pouco tempo,
quando Gustavo me trouxe para conhecer o lugar, assim que desci do carro, fiquei
sem fôlego pela beleza da construção, a fachada em tons de terracota e cores pastéis
deixam a construção com ar moderno e acolhedor, a parte superior continha uma
bela varanda, que seguia por toda extensão do segundo piso com sacada em vidro
temperado, o que provavelmente proporcionaria belas noites admirando as estrelas
do céu de Belo Horizonte.
A lateral da casa tinha uma boa garagem para comportar tranquilamente dois
ou três carros. Como a rua era bastante arborizada, algumas árvores ficavam na
lateral da casa fazendo sombra por toda a sua lateral indo em direção à piscina.
Mesmo achando a casa linda, não pude deixar de considerá-la grande demais
para um casal e duas crianças, nem pude imaginar a fortuna que devia custar. Mas
Gustavo estava tão empolgado em poder criar nossos filhos na mesma rua que ele
cresceu brincando de bola com os irmãos, que não pude deixar de concordar.
Terminei de me convencer totalmente quando ele me levou até o quarto,
onde seria nossa suíte no segundo andar, Gustavo me persuadiu que aquele era o
melhor lugar para posicionarmos nossa cama.
Como a casa pertencia a um velho casal amigo da família, o processo de
compra foi bem rápido, a casa era recém-reformada, então só precisamos cuidar da
mobília e da decoração. Cada pequeno detalhe da casa escolhemos juntos. Gustavo
se revelou um homem de muito bom gosto escolhendo cores neutras e sofisticadas,
mas tudo com muita personalidade e vida. Tudo com nossa cara. Ele disse que não
queria morar em uma casa triste e eu concordei.
“Impossível ser triste com ele ao meu lado”, pensei comigo mesma.
Terminamos de arrumar o quarto dos bebês, ficou um charme. Arrumei com
tanto amor e carinho que chorei de felicidade quando vi tudo pronto para esperá-los.
Trouxemos tudo que tínhamos comprado em São Paulo.
Um verdadeiro quarto de um príncipe e uma princesa, claro que não pude
esquecer-me de colocar o palhacinho que Gustavo comprou na minha primeira visita
a Belo Horizonte, em uma prateleira do quarto. Voltamos na loja de artesanato mês
passado e compramos a palhacinha para fazer um casal e não deixar as crianças com
ciúmes.
Gustavo fez questão de casarmos na igreja, como as mudanças foram muitas
e foi a maior correria nos preparativos da casa nova, do enxoval dos bebês e todo o
resto, então, só conseguimos marcar o casamento para hoje, quando estou com oito
meses e meio de gestação: doze de fevereiro.
Mesmo com as costas doendo, os pés inchados e os seios pesados, meu
noivo disse que estou mais linda do que nunca.
Terminei de me arrumar com a ajuda da Cris, que era minha madrinha de
casamento, juntamente com a Carolina, que apesar de todos os atritos que tivemos
antes, tem se mostrado uma boa amiga.
— Você está parecendo um anjo — Cris disse me virando para o espelho.
— Você é a noiva mais linda que eu já vi na vida... — Carol disse
emocionada, quando me olhei no espelho me senti a mulher mais linda e feliz do
mundo.
O vestido que escolhi era um modelo de renda francesa, de manga longa,
com a saia caindo aos meus pés em seda fluida, as costas em um decote V profundo
e o arremate uma faixa de cetim dando um laço delicado nas costas.
Meus cabelos estavam amarrados com cachos soltos e desarrumados,
enfeitados apenas com flores brancas. A maquiagem que escolhi era bem leve,
apenas ressaltando meus olhos azuis que meu futuro marido tanto gostava. Na boca
um batom rosado deu o toque final.
Uma batida na porta do quarto me tirou do devaneio, virei-me e vi minha
sogra entrar em um lindo vestido champanhe discreto e elegante.
— Oh, meu Deus, como você está linda! — dona Carmen se aproximou e
me beijou no rosto.
— Obrigada, não fale assim que estou me segurando pra não borrar a
maquiagem. O cabeleireiro e o maquiador acabaram de sair e eles me cansaram
tanto que não quero que voltem — disse, sorrindo, abraçando-lhe um pouco
atrapalhada devido ao volume da barriga de gêmeos.
— Estou tão feliz que esse dia está acontecendo, minha querida. Fico feliz
que vocês não deixaram o orgulho atrapalhar o futuro lindo que ambos têm juntos.
Devo confessar, Liz, que fiquei muito feliz com a sua chegada à nossa família, ainda
mais me presenteando com dois netinhos. Quero que saiba que eu tenho muito
prazer em abençoar vocês, mas não foi para isso que vim até aqui... — Ela secou
uma lágrima dos olhos.
Funguei emocionada pelo seu carinho.
— Não era isso? Aconteceu alguma coisa? — perguntei curiosa.
— Meu filho pediu para te entregar isso. — Ela me estendeu um envelope
marfim. Peguei de suas mãos e apertei o papel fino sobre o peito.
— Mas antes, você precisa de algo emprestado e algo azul para dar sorte.
Ela me mostrou uma corrente de ouro fininha com o pingente azul em forma
de gota muito delicado.
— Que coisa linda! — Peguei a correntinha de sua mão.
— Eu casei com esse colar e Carol também, ele foi da minha mãe e gostaria
que você mantivesse a tradição. É algo emprestado e algo azul, espero que te dê
muita sorte, minha querida. — Dona Carmen me ajudou a fechar o colar no meu
pescoço, nossos olhos se encontraram no espelho, Cris e Carol nos olhavam
emocionadas escutando nossa conversa.
— Eu fico tão feliz por ter conhecido vocês, a senhora tem sido a mãe que
não tive. Obrigada, dona Carmen. Obrigada, meninas. Eu amo vocês — confessei
sem conseguir conter as lágrimas. Recebi um abraço coletivo dessas mulheres que
estavam se mostrando tão incríveis e tão importantes na minha vida.
— Agora, meninas, vamos saindo que a noiva precisa ler o que está naquele
envelope — dona Carmen cantarolou puxando as meninas para fora do quarto sob
muito protesto.
Fiquei parada alguns segundos olhando para o papel, respirei fundo e passei
as mãos na barriga, senti meus bebês chutarem um pouquinho, sorri comigo mesma
e abri o envelope.
“Minha flor,
Depois de ler tudo o que você me escreveu, nada do que eu tentar dizer será
capaz de lhe superar, ainda estou em choque, mas mesmo com as minhas simples
palavras, saiba que vocês são a luz dos meus dias, você me mostrou o que é sentir-
se completo, pertencente a algo e a alguém.
Você cultivou flores no meu coração, que antes era habitado por espinhos
agudos que me feriam a cada dia, você me mostrou que o perdão é o melhor
remédio para qualquer dor. Eu termino de escrever essas poucas palavras para ir te
esperar no altar. E lá declarar para o mundo inteiro que você é minha e eu sou seu,
agora e para sempre.
Porque cada vez que olho nos seus olhos encontro sua alma azul e tão
profunda quanto um oceano, que eu quero mergulhar e me perder.
Como dizia Guilherme Arantes: “Quando eu mergulhei fundo nesse olhar,
fui dono do mar azul de todo azul do mar”.
Estou aqui, e não vou a lugar algum porque te amo.
Eternamente,
Seu motoqueiro gostoso.”
Terminei de ler com as mãos tremendo de emoção, meu coração batia tão
forte que parecia se chocar contra minhas costelas, sorri de felicidade mesmo com o
rosto banhado em lágrimas. Como eu era sortuda por amar alguém tão especial e
único como Gustavo, agora eu sabia que nunca conseguiria viver longe dele. Nunca!
“Pegue minha mão, meu coração e alma
E eu só terei olhos pra você
E você sabe, tudo muda mas
Vamos virar estranhos se nós dois continuarmos desse jeito
Você pode ficar dentro dessas paredes e sangrar
Ou só ficar comigo...”
One – Ed Sheeran
Gustavo
Fui me arrumar na casa da minha mãe onde a reunião dos homens estava
acontecendo, minhas pernas não pararam de tremer desde a hora que acordei.
Thiago e Guilherme não me pouparam, riam de mim a cada vez que me viam
suando e andando de um lado para o outro pela casa enquanto esperava a hora de ir
à igreja.
Meu pai era o único que estava tentando me acalmar, após a cirurgia não
havia sentido dele continuar morando sozinho em São Paulo, seu lugar era aqui
conosco. Olhando para ele, elegante em seu terno cinza grafite, quase não
reconhecia o homem debilitado que vi no hospital há alguns meses, ele estava mais
forte e corado, seus olhos brilhavam cada vez que olhava em nossa direção.
Ele e minha mãe pareciam estar se entendendo, apesar deles dormirem em
quartos separados, mas suspeitava que isso não duraria muito tempo. Meu pai até já
tinha ajudado um pouco no restaurante e minha mãe cozinhava cada dia melhor,
seus olhos brilhavam de felicidade e ela estava sempre cantando como fazia quando
éramos pequenos.
— Pai, eu vou ali no meu antigo quarto. Quando terminar podemos seguir
para a capela — informei indo ler a carta que Liz me entregou um tempo atrás, junto
com meus presentes de aniversário, me pedindo para abrir apenas no dia do nosso
casamento. Me remoí de curiosidade todos esses meses, mas fiz o que ela pediu, não
queria estragar a surpresa.
— Claro, só não demore que esse costume é da noiva — meu pai concordou,
rindo.
Abracei meu velho daquela maneira que os homens se cumprimentavam e
fui até meu quarto, sentei na cama e abri o envelope branco sem conseguir controlar
o tremor das mãos.
“Meu amor,
Espero que esteja lendo essa carta a caminho do altar, no dia que ligaremos
nossas vidas diante dos homens e de Deus, apesar de nossas almas já estarem
ligadas desde o primeiro instante que nos olhamos.
Quando eu te conheci, eu era uma pessoa completamente diferente da
mulher que eu sou hoje, a verdadeira Liz naquele tempo estava escondida para dar
lugar a Liz responsável e sozinha no mundo que só tinha a si mesma para contar.
Eu cresci desacreditada no amor, desacreditada no sentido da palavra
família, eu era completamente incrédula de que o amor existisse na vida real e nos
tornasse pessoas melhores uns para os outros. Todos os exemplos de amor que
conheci eram errados e efêmeros, tornando-me alguém que eu não gostaria de ser.
Eu também não acreditava em milagres, para mim milagres eram apenas ilusões
que as pessoas inventavam para justificar coincidências agradáveis da vida, mas
quando nossas mãos se tocaram pela primeira vez dentro daquele elevador, juro
que senti como se nossas almas tivessem se reconhecido naquele instante. Aquilo foi
real, eu mergulhei nos seus olhos castanhos e reconheci a parte que faltava em mim.
Hoje percebo que você foi criado pra mim, e eu nasci pra amar você e juntos
curarmos um ao outro.
Confesso que no começo resisti ao que estava sentindo porque eu sempre
preferi manter uma distância confortável das pessoas, mas você pouco a pouco foi
derrubando camada por camada que me escondia do mundo, você me fez renascer
para quem eu era antes. Uma mulher cheia de amor e esperança no futuro.
Agradeço a Deus a cada segundo por ter encontrado você, que é um homem
intenso, leal, honesto, carinhoso, preocupado, bondoso, honrado e tantas outras
qualidades que me fazem a cada minuto te amar um pouco mais. Depois de tantos
anos me sentindo estranha e fora do lugar, você foi a única exceção que me fez
acreditar que é possível.
É possível contar os segundos para encontrar alguém, é possível sentir
borboletas voando no estômago cada vez que você olha para mim, é possível sentir
o sangue esquentar a cada toque seu, é possível me sentir flutuar com um simples
beijo, é possível me sentir única cada vez que você sorri pra mim.
E por isso quero te dizer que eu não conseguirei viver nenhum segundo da
minha vida longe de você, longe do seu amor. Eu e os nossos filhos sempre
estaremos aqui, orgulhosos torcendo e aplaudindo o homem fantástico que você é. E
quando eu estiver velhinha, passando suas camisas de botão, e nossos filhos, netos
e bisnetos vierem nos visitar eu sempre irei contar a eles sobre esse dia, sobre o dia
que me tornei oficialmente a Sra. Liz Salles, a mulher mais feliz do mundo.
E cada vez que você voltar para casa, saiba que estarei contando os
segundos para te receber de braços abertos, porque em você encontrei o meu lugar,
o meu lar.
Te amo, meu motoqueiro tatuado. Hoje e infinitamente,
Sua flor de Liz”
As lágrimas caíram descontroladamente dos meus olhos, meu peito apertou
de tanto que eu amava essa mulher, suas palavras ficariam gravadas para sempre no
meu coração, nunca me esquecerei desse dia. Resolvi surpreendê-la e lhe escrever
algumas poucas palavras antes de irmos para a igreja, assim que terminei, pedi para
o Guilherme pedir para a nossa mãe entregar a ela o envelope e segui juntamente
com meu pai e meus irmãos para a capela.
Minha mãe, como sempre, fez um bom negócio com a decoração da igreja,
um corredor iluminado com velas dentro de jarros de vidros dava um ar moderno e
os arranjos de flores-de-lis e flores do campo deixavam o ambiente perfumado e
romântico. Os bancos já estavam cheios de conhecidos e familiares quando
chegamos.
Mês passado percebi que Liz não estava completamente feliz, uma parte de
seu passado precisava ser deixada para trás, resolvi pedir ajuda a um amigo policial
para tentar localizar a mãe dela. A busca foi difícil e, quando a encontrei, travei
outra luta para fazê-la concordar em vir ver sua filha em um momento tão especial
que era o casamento.
Caminhei até o altar ao lado da minha mãe, nossa família e padrinhos já
tinham feito suas entradas. Padre Benedito estava a postos com um sorriso.
Quando a cerimonialista nos avisou que Liz já chegou à igreja, minhas mãos
começaram a suar, minhas pernas estavam como gelatina, logo eu, que estava
acostumado com doses imensas de adrenalina nos meus saltos e nas corridas de
motocross nunca me senti tão ansioso.
As portas da igreja se abriram, os convidados ficaram em pé ansiosos para
ver a noiva adentrar a igreja, músicos começaram a tocar a melodia da música The
Only Exception, da banda americana Paramore, em uma versão acústica de violino e
piano.
Todos os pelos do meu corpo se arrepiaram quando vi aquele anjo loiro
vestido de branco ao lado do meu pai aparecer na porta da capela, Liz caminhava
devagar com os olhos azuis brilhantes de lágrimas, ela vestia um lindo vestido
branco rendado, sua barriga de oito meses exuberante entre os tecidos finos, seus
cabelos enfeitados de flores como se ela fosse apenas mais uma flor na primavera,
uma de suas mãos segurava um buquê de flores do campo. Ela parecia um
verdadeiro anjo descido do céu apenas para alegrar meus dias. Todas as pessoas na
igreja estavam emocionadas, meus olhos arderam no esforço de não chorar vendo
aquela cena: a mulher da minha vida, de braços dados com o meu pai, vindo aceitar
ser minha por toda a vida.
Meu pai me abraçou e me entregou a mão de Liz quando terminaram seu
percurso no tapete vermelho, quando ela olhou nos meus olhos, lágrimas escorreram
pela minha face, não eram lágrimas de tristeza ou de arrependimento, e sim lágrimas
de gratidão por ser merecedor de tanto amor.
Padre Benedito começou o sermão.
— Queridos, é com grande prazer e alegria que estamos celebrando hoje a
união desses dois jovens: Liz Maria Albuquerque e Luiz Gustavo Salles. Na
Sagrada palavra, Deus nos mostra que tinha tanto amor que não cabia nele. Por isso
criou o mundo, para dividi-lo. Para a criação do mundo, Deus tinha um plano, fazer
o homem à imagem dele e a família é a imagem de Deus. O ato de hoje é a fusão de
duas carnes tornando-se uma só, no dia a dia devemos ser uma só carne. Casamento
é renúncia, queridos, é adaptação para ser igual ao outro. É deixar de fazer o que
gosta para fazer pelo outro. É respeitar o outro. No caminho surgirão medos e
dificuldades, mas onde há amor tudo é possível. Por esse motivo devo perguntou-
lhes: Liz, você aceita Gustavo como seu esposo, para honrá-lo e respeitá-lo na saúde
e na doença até que a morte os separe?
— Sim — Liz respondeu olhando para mim, o alívio percorreu meu corpo.
A mulher da minha vida aceitou ser minha, e eu era muito sortudo.
— Gustavo, você aceita Liz como sua esposa, para amá-la, respeitá-la e
protegê-la, na saúde e na doença, até que a morte os separe? — o padre me
perguntou.
— Sim — respondi sem hesitar e vi as lágrimas de Liz deslizarem pelo seu
rosto.
— Podem trocar as alianças — o padre ordenou.
Uma música tocou e minha sobrinha Cléo entrou na igreja carregando uma
cestinha com as alianças. Peguei a aliança e fiz meus votos:
— Liz, prometo ser um homem digno, que mereça estar ao seu lado a cada
dia de nossas vidas, prometo lhe amar mais e mais, prometo ser o melhor pai para
nossos filhos, envelhecer ao seu lado e demonstrar esse amor a todo instante em que
eu respirar. Amo você e sempre estarei aqui. — Com a voz embargada de emoção,
beijei-lhe a testa e deslizei a aliança em seu dedo anelar.
Liz sorriu para o gesto e pegou a minha aliança.
— Meu amor, eu prometo ser a mulher que você merece ter ao seu lado, para
cuidar e amar você cada minuto da minha vida. Eu prometo ser a mãe dos seus
filhos, educando-os com muito amor para se tornarem pessoas de bem, prometo
envelhecer ao seu lado e nunca esquecer que foi você que escolhi para amar, agora e
para sempre. Sempre serei sua — ela falou escorregando a aliança de ouro na minha
mão direita. Liz beijou minha mão, suas lágrimas molharam a minha pele, eu
estendi o braço e as sequei.
— Bom, agora o noivo pode beijar a noiva, eu os declaro marido e mulher
para os homens e para Deus — o Padre Benedito concluiu e eu passei as mãos no
rosto de Liz e a puxei para beijar-lhe os lábios, o beijo foi carinhoso no começo,
mas Liz puxou meus cabelos aprofundando o beijo, isso fez as pessoas gritarem
agitadas, e eu retribuí o ataque, não podia dizer não a uma mulher grávida de
gêmeos.
Saímos da igreja debaixo de uma chuva de arroz.
Quando chegamos ao restaurante estávamos eufóricos, minha mãe contratou
uma banda para animar a festa, todas as mesas estavam decoradas com as mesmas
flores da igreja e castiçais com velas acesas, jarros de vidros e espelhos espalhados
pela decoração davam um toque de sofisticação ao salão, o fim de tarde estava
fresco para o bem de todos, as pessoas começaram a se reunir na pista de dança, as
risadas e música enfeitavam o lugar.
Vi Liz distraída conversando com alguns convidados, sorrindo como uma
criança na manhã de Natal. Aproximei-me e beijei sua nuca.
— Amor, que susto! — ela exclamou sorrindo virando-se para mim.
— Minha esposa poderia me conceder essa dança? — perguntei passando
uma mão por seu pescoço e a outra na sua barriga.
— Hum, não sabia que você dançava, motoqueiro. — Ela levantou uma
sobrancelha em deboche.
— Você me faz fazer coisas que nem eu posso acreditar — falei jocoso.
— Ah, já que é assim eu gostaria muito de dançar com meu marido.
Trouxe Liz para o centro da pista de dança, a banda começou a tocar a
música Yellow, do Coldplay, no timing perfeito, eu passei uma mão pela sua cintura
e com a outra a puxei para um beijo, fechei os olhos e guiei nossos quadris no ritmo
lento da música, não encaixamos perfeitamente nossos corpos devido ao fato de sua
barriga impedir uma maior aproximação, mas me alegrei só de pensar que nossos
filhos estavam presentes no nosso grande dia, Liz me beijou me segurando pelos
ombros, quando afastei nossas bocas ela sorriu.
— Não via a hora de poder dizer o quanto você está linda. Parecendo um
anjo, o meu anjo — elogiei rouco em seu ouvido, sem resistir beijar a pele suave e
perfumada do seu pescoço.
— Amor, pensei que você ia dizer que eu estava sexy — Liz gracejou.
— Você também está sexy, não vou aguentar até o fim da festa para te levar
para casa. Só vamos demorar mais uns vinte minutos. — Fui o mais sincero
possível.
— Meu motoqueiro não aguenta esperar, é? Você também está parecendo um
príncipe de tão lindo. — Liz beijou meu pescoço bem perto do colarinho do terno
que vestia, fazendo toda minha pele arrepiar de desejo.
Meu Deus, essa mulher me enfeitiçou desde que entrei naquele maldito
elevador!
— Não, seu motoqueiro quer tirar esse vestido lentamente e beijar todo o seu
corpo, adorando-a como você merece — sussurrei e vi sua respiração ficar ofegante.
— Gustavo, não faz assim, senão vou te arrastar para o depósito e arrancar
peça por peça deste terno como estou fantasiando.
Gargalhei e comecei a traduzir a letra da música que sempre me fez pensar
em Liz no seu ouvido:
— Olhe para as estrelas, olhe como elas brilham para você e para tudo o que
você faz. Você sabe que eu te amo tanto? Eu atravessei o oceano, eu superei
barreiras por você, eu tracei uma linha... por você eu daria todo o meu sangue, é
verdade, olhe como elas brilham para você, olhe como elas brilham para você...
Todas as estrelas do céu brilham só por você, minha flor. — Beijei seu pescoço e me
afastei para olhar em seus olhos.
— Gustavo, eu amo você.
— Eu sei.
— Sabe?
— Sim, eu sinto — confessei antes de cobrir seus lábios com os meus.
“Você faz meu coração parecer que é verão
Quando a chuva está caindo
Você faz o meu mundo inteiro parecer
certo quando ele está errado
É por isso que eu sei que você é a única
É assim que eu sei que você é a única...”
The one – Kodaline
Liz
Mais cedo quando fui saindo pelo corredor da igreja vi uma figura sentada
no último banco, todo meu sangue gelou nas veias, pisquei os olhos na expectativa
de ser apenas coisa da minha cabeça, mas não era, eu conhecia aquela pessoa que
estava sentada ali nos olhando. No caminho para o restaurante confrontei Gustavo
no carro, eu sabia que ele tinha algo a ver com a presença daquela pessoa no nosso
dia.
— Amor, eu vi uma pessoa na igreja, foi você que a convidou?
Meu agora marido me lançou aquele olhar desconcertado que eu conhecia
tão bem e antes que ele abrisse a boca já sabia a resposta.
— Liz me escute, eu sinto que você ainda tem essa mágoa e não quero que
carregue isso com você na nossa nova vida.
— Você não tinha o direito, Gustavo! — exclamei secando lágrimas de
frustração.
Oh, homem imprevisível!
— Meu amor, foi você mesmo que me ensinou a perdoar. Então escute o que
ela tem a dizer, apenas isso. Por mim? — Gustavo segurou minha mão e olhou
dentro dos meus olhos esperando uma resposta.
— Eu não sei se posso.
— Claro que pode, faça isso por mim e por nossos filhos que irão nascer.
Calei e imediatamente mudei de assunto para não estragar meu dia, quando
chegamos ao restaurante fomos cumprimentar os convidados e familiares, eu já
estava cansada pelo peso da barriga, meus pés inchados doíam dentro dos sapatos.
Resolvi ir até à toalete retocar a maquiagem. Quando fui caminhando até lá,
ouvi uma voz me chamando. Todos os pelos do meu corpo se arrepiaram.
— Filha.
Virei-me já sentindo minhas bochechas queimando.
— Regina — balbuciei.
— Podemos conversar por um minuto — a mulher pediu se aproximando.
Olhei para os lados e comecei a pensar se as pessoas presentes sabiam o que
ela é para mim, e tudo que me fez passar.
— O que você quer? O que você está fazendo aqui? — questionei-a na
defensiva.
— Vim ver o casamento da minha única filha. — Ela forçou um sorriso
amarelo.
— Não seja condescendente.
— Por favor, filha, podemos falar? — Ouvi-la me chamando assim me
revirou o estômago.
— Não é um bom momento — avisei.
— Preciso falar com você, não viria até aqui se não fosse importante.
Suspirei profundamente, e assenti. Pedi que ela me seguisse até o escritório
do restaurante. Minha mãe me acompanhou com passos apressados atrás de mim.
Entramos e indiquei-lhe a poltrona.
— Sente-se.
— Obrigada — ela agradeceu e sentou-se colocando a bolsa de mão brilhosa
sobre o colo. Minha mãe continuava tão bonita e elegante quanto me lembrava,
éramos tão parecidas fisicamente, que as pessoas poderiam facilmente nos confundir
com duas irmãs. Mas a arrogância de antes já não marcava seu semblante. Havia
algo mais em seus olhos, dor e talvez um pouco de arrependimento.
— O que você quer falar? Eu estou no meio da minha festa de casamento.
— Claro, não vou me alongar. Liz, eu quero te pedir perdão, eu sei que você
tem todos os motivos do mundo para me odiar, eu sei. Mas eu quero apenas te
explicar tudo que aconteceu, talvez assim você me entenda.
— Eu não sei se entendo uma mãe escorraçar a própria filha da sua vida. —
Meu Deus, mal casei e já vou matar meu marido por trazer essa mulher até aqui!
— Filha, eu amava seu padrinho muitos anos antes de conhecer seu pai. Ele
não me amava, tanto que se casou com sua madrinha pouco tempo depois de termos
rompido por ele me trair com minha colega de quarto. Quando conheci seu pai, eu
gostei de me sentir única para alguém, namoramos e eu engravidei, logo em seguida
casamos e você nasceu. Com o passar dos anos percebi que admiração não era
suficiente para manter um casamento, então não resisti e acabei cedendo à paixão
antiga que ainda tinha pelo seu padrinho.
Franzi a testa para a explicação torpe que ela me dava para tudo que me fez.
— Não estou dizendo que foi certo trair seu pai, mas quando se ama, se
esquece o que é certo ou errado. Eu errei, fui cega. Eu não enxergava, filha. Eu não
podia enxergar o homem que eu tinha em casa me esperando toda noite.
Aquela mulher de meia-idade que me olhava com olhos lacrimejantes me
teve em seu ventre por nove meses. E agora estava aqui tentando justificar o
injustificável para o que significava o amor de uma mãe.
— Filha, quando eu encontrei seu pai morto naquele dia eu descobri que não
queria perdê-lo. Eu o amava, Liz, eu só não sabia naquele momento, mas agora eu
sei, sabe por quê? Eu não paro de lembrar-me dele a cada instante, pode apostar que
cada gotícula de sangue do meu corpo está arrependido por não ter enxergado isso
antes. Eu não consegui olhar para você depois daquilo tudo, porque você me
lembrava dele e ainda me lembra, filha. Sua risada, seus olhos, seus gestos. Tudo em
você tem um pouco do seu pai. Por isso precisei te afastar e acabei com o resto de
vida e dignidade que eu ainda tinha. Por isso, Liz, eu sei que não tenho o direito,
mas gostaria muito de saber se você me perdoa, filha...
— Regina — chamei minha mãe pelo nome.
— Me chame de mãe, Liz, eu não sou uma estranha! — ela pediu
exasperada.
— Ouvi o que aconteceu, Regina. Na minha vida não há mais espaço para
mágoas nem rancor. O que passou, passou. Mas não posso passar uma borracha em
tantos anos de abandono. Se você quiser participar da vida dos meus filhos fique à
vontade, as portas da minha casa estarão sempre abertas para você. Eu te perdoo, só
não te entendo. E não sei se um dia entenderei...
— Filha... — minha mãe balbuciou secando as lágrimas. — Eu daria tudo
para participar da sua vida e da vida dos meus netos, mas tem outra coisa...
— O que é? — sondei curiosa.
— Carlos te deixou isto — quando minha mãe pronunciou o nome do meu
pai, meu peito apertou. Ela me entregou um envelope, passou as mãos na minha
barriga com gestos reticentes e saiu do escritório.
Vi-a sumir pela porta, uma lufada de risos e música entrou no ambiente e, de
repente, foi interrompida pela porta que se fechou novamente, deixando-me sozinha.
Olhei para o papel em minhas mãos, sentei-me, respirei fundo e abri o envelope.
“Minha menina,
Quando você chegou, meus dias se tornaram mais lindos e cheios de cor.
Ainda me lembro de quando você nasceu em um dia ensolarado de primavera. A
tarde estava fresca e quente, por isso sempre que você sorri pra mim eu sinto os
raios de sol aquecendo minha alma. Seus cabelos dourados são tão brilhantes
quanto o sol do meio-dia, seus olhos mais azuis que uma manhã quente de verão.
Você sempre foi meu jardim florido, Liz.
Filha, papai não pode mais continuar tentando se encaixar neste mundo
onde não há espaço para os espíritos livres, sempre vai me faltar algo que nem
você, tão perfeita como é, vai conseguir preencher. Por isso te peço, perdoe o papai.
Eu desejo, filha, que você cresça, seja uma mulher decente e justa. Que viva
sua vida seguindo a voz do seu coração, ame e seja amada intensamente, sorria e
receba sorrisos singelos, abrace verdadeiramente e seja abraçada, seja gentil e
receba gentilezas. Papai espera, Liz, que você tenha muitos filhos e que dê a eles
todo amor que você me deu. Tenho certeza de que eles serão as crianças mais
sortudas do mundo. Cada quadro que pintei, deixei um pouco da minha alma.
Então, filha, sempre estarei de longe cuidando de você.
De todo o meu coração,
Papai.”
Terminei de ler com o papel amarrotado de lágrimas, quanta saudade eu
sentia do meu pai. A porta do escritório se abriu e vi Gustavo entrar, ele sentou-se
do meu lado em silêncio e apenas me abraçou, isso era tudo que eu precisava no
momento: seus braços acolhedores e o seu silêncio confortável.
— Está tudo bem? — perguntou preocupado depois de um tempo. Ele puxou
do bolso do terno um lenço e me entregou.
Peguei o lenço, limpei as lágrimas e assoei o nariz.
— Agora sim, eu tenho vocês... Vamos aproveitar nossa festa. — Dobrei o
papel delicadamente e guardei carinhosamente no peito ao lado do meu coração.
A festa rolou até a madrugada, foi tudo lindo, parecia que eu estava em um
conto de fadas rodeada de pessoas que eu amava, com o homem da minha vida
colado em mim o tempo todo.
Um bolo de seis andares delicioso e toda a infinidade de comida, bem-
casados, docinhos, champanhe e vinho entreteram as pessoas até tarde. Nem nos
meus melhores sonhos imaginei que seria tão perfeito.
Quando meus pés começaram a doer mais do que o normal, meu marido
percebeu minha cara de desconforto, me ajudou a me despedir das pessoas e fomos
para casa.
***
Assim que abri a porta do nosso quarto, fiquei paralisada.
Pétalas de rosas cobriam toda a nossa cama, velas aromáticas estavam
espalhadas sobre todos os móveis do quarto. Um balde com champanhe, suco de
uva e duas taças esperavam por nós em uma mesa posicionada no canto do quarto.
Uma travessa de prata com uma taça de morangos e chocolate, além de pequenos
petiscos finos e frios. As luzes baixas deixavam o lugar parecido com uma cena de
um lindo romance.
— Amor... — sussurrei me virando para ele com a boca aberta em choque.
— Como não vamos poder viajar agora para a praia como eu lhe prometi,
pensei em termos uma noite especial, afinal essa é nossa noite de núpcias.
— Está tudo perfeito — girei ao redor do quarto encantada.
— Vem cá, me deixa tirar esse vestido. — Gustavo posicionou-se atrás de
mim, começou a depositar beijos suaves por toda minha nuca, alisando a pele nua
das minhas costas e causando arrepios de desejo por todo o meu corpo. Levantei os
braços trazendo sua cabeça para mais perto de mim e deitando um pouco mais as
costas contra seu peito firme. Virei-me e não resisti em beijar-lhe a boca em um
beijo feroz, do jeito que almejei o dia todo e não tivemos chance. Não queria
horrorizar as crianças que estavam na festa, nem o padre Benedito com a luxúria
que ele despertava em mim.
Meu marido gemeu, engolindo minha boca em resposta e me tocando com
mãos firmes onde podia alcançar. Ele afastou nossas bocas mesmo sob meus
protestos.
— Vire-se, quero tirar esse vestido, vamos tomar um banho de banheira, irei
lhe fazer uma massagem e depois me enterrar em você o resto da noite. — Sua
promessa soou tão bem.
— Hummm... parece uma boa ideia — concordei.
Virei de costas, meu marido desabotoou devagar cada botão de pérola do
fecho do vestido e me ajudou a deslizá-lo pelos meus braços.
Optei por não usar sutiã devido ao decote das costas ser muito cavado e o
vestido ter uma taça de sustentação, por isso quando saí dos tecidos estava vestida
apenas com uma calcinha de renda branca, cinta-liga na mesma cor, meias três
quartos e meus sapatos. Gustavo se afastou com um sorriso satisfeito para me
admirar, seu olhar era de adoração. E mesmo com quilos extras, uma barriga de oito
meses de gêmeos, eu me senti a mulher mais sexy do mundo.
Gustavo começou a beijar meu ombro, o toque suave da sua boca em contato
com minha pele me fez ofegar.
— Amor... — gemi baixinho em antecipação. Ele me sentou delicadamente
na cama, tirou meus sapatos, começou a puxar devagar as minhas meias de seda
beijando minhas coxas enquanto baixava-as.
— Eu sou louco por seu cheiro. Poderiam engarrafar, mas sou um filho da
puta egoísta e prefiro ter só para mim o cheiro da minha mulher — Gustavo disse
inalando a pele entre as minhas coxas. Ele terminou seu trabalho, puxou minha
pequena calcinha, me colocou sobre meus pés e me levou para o banho.
Nosso banheiro estava lotado de rosas e velas iguais às do quarto. A
banheira estava cheia de espuma perfumada. Meu marido me deixou despi-lo,
beijando cada pedaço de pele que descobri sem pressa e entrou na banheira me
chamando para sentar na sua frente, com as costas contra seu peitoral. A água estava
morna e deliciosa, o óleo essencial começou a exalar no ambiente notas de canela e
sândalo.
— Venha, quero te lavar. — Gustavo sentou-se com as pernas abertas e eu
me encaixei na sua frente. Ele começou a tirar as flores do meu cabelo e os frisos
que os mantinham presos, cada vez que ele tocava minha pele, ondas de inúmeras
sensações me atingiam.
Começou a me ensaboar, começando pelos meus ombros, braços e seios.
Quando sua mão alcançou minhas coxas, eu já estava ofegante. Sua ereção estava
como pedra contra a minha bunda. Sabia que ele estava lutando bravamente tanto
quanto eu para prolongar o momento, mas estar com Gustavo era uma missão
impossível de resistir.
— Levanta um pouco, minha flor — ele me pediu mordendo o lóbulo da
minha orelha. Levantei o bumbum enquanto Gustavo esticou as pernas me deixando
pronta para sentar sobre ele. Quando deslizei em cima do seu comprimento, gritei
explodindo em uma avalanche de sensações. Nessa posição era como se estivesse
empalada por ele.
— Ahhhhh.... — ofeguei jogando as costas para trás.
Gustavo continuou beliscando meus seios intensificando o prazer, ele
chamou meu nome como um lobo uivando para a lua. Não demorou muito para
transbordarmos em prazer sublime, puro e carnal.
Algumas horas depois de massagens, beijos, carícias e gemidos de prazer,
estávamos na nossa cama (como Gustavo faz questão de se referir) deitados de
conchinha. Meu marido alisava minha barriga carinhosamente como costumava
fazer todas as noites.
— Minha flor, não consigo dormir — Gustavo disse no meu ouvido
baixinho.
— Hum... — gemi morrendo de sono e cansaço pelo longo dia que tivemos,
e pela quantidade de sexo que fizemos ainda agora.
— Estou muito eufórico, parece que estou sonhando. — Ele inspirou meus
cabelos.
— Eu também. Mas estou tão cansada — digo me aconchegando mais
contra ele.
— Nossa vida está apenas começando e já passamos por tanta coisa. —
Gustavo beijou meu ombro.
Sem estar esperando, uma dor muito forte rasgou minhas costas. De onde
veio isso? Oh, meu Deus! A dor que parecia estar me matando era muito parecida
com as dores das contrações que a médica me alertou.
— Ai... — resmunguei segurando minha barriga.
— Minha flor, o que foi? — meu marido perguntou preocupado.
— Hum, acho que estou sentindo contrações.
— O que você quer dizer com isso? Você está tendo os bebês? Amor, ainda
falta um mês — Gustavo berrou desesperado se levantando da cama em um supetão.
— Não grita, você está me deixando ainda mais nervosa. Ai! — gritei com
uma nova contração que parecia quebrar os ossos dos meus quadris.
— Meu amor, o que eu faço? — Gustavo me ajudou a sentar na cama e me
contorci com outra onda de dor. Olhei para ele, que estava com os cabelos
amassados pelas minhas mãos de mais cedo, sua mandíbula travada como fazia
sempre que estava nervoso. Ele andava nu pelo quarto de olhos arregalados.
A cena seria deliciosa de assistir se eu não estivesse sentindo tanta dor.
Então, tratei de orientá-lo.
— Primeiro, se vista; segundo, pegue uma roupa confortável para eu vestir;
terceiro, ligue para a sua mãe; quarto, pegue minha bolsa e a mala dos bebês e
vamos para o hospital. Rápido! — gritei com outra contração.
Entre o intervalo de uma contração e outra vesti um vestido soltinho e
corremos para a maternidade, minhas contrações estavam muito próximas uma da
outra, o que significava que eu estava em trabalho de parto avançado. Quando nos
mudamos para Belo Horizonte, precisava de outra obstetra para acompanhar minha
gestação e por indicação da doutora Paula, de São Paulo, conheci a Dra. Lúcia
Brandão, que me acompanhou por todo o tempo que estou na cidade, mandei uma
mensagem para avisá-la que estava a caminho do hospital. Quando chegamos minha
médica já estava me esperando sorridente, fui encaminhada para uma sala de pré-
parto para que a equipe de obstetrícia me examinasse.
— Liz, querida, como está se sentindo? — a obstetra perguntou.
— Ai, meu Deus, parece que vou morrer! Ainda estou com oito meses,
doutora. — Chorei.
— Você precisa ser forte agora, se você deseja dar à luz aos seus bebês
naturalmente. Mas antes vamos examiná-la.
— Doutora, não tem algum remédio que ela possa tomar, minha mulher está
sofrendo muito. — Gustavo tentou me ajudar apertando minha mão.
— Infelizmente, só podemos apenas tentar aliviar com massagens,
movimentos relaxantes e coisas do tipo.
— Aaaaai! Oh, meu Deus, eu não vou aguentar! — vociferei num grito
rouco.
— Liz, vamos fazer um ultrassom para verificar como os bebês estão, tudo
bem?
— Sim, doutora.
Quando a doutora Lúcia começou o exame, imediatamente identificou que
um dos bebês estava em posição pélvica, por esse motivo seria necessário fazer uma
cesariana. Gustavo se desesperou por saber que eu precisarei ser operada, mas tentei
pensar positivo, precisava passar por isso para conhecer meus filhos. E não iria
desistir de tê-los agora, nunca vou desistir dos meus bebês.
— Liz, querida, vamos levá-la à sala de parto. Seu marido pode acompanhar
o nascimento dos bebês, se ele quiser. Não se preocupe, seus filhos estão bem, é
comum em gestações de gêmeos um deles estar na posição errada — ela me
tranquilizou.
— Eu não sei se consigo ver, minha flor — Gustavo disse beijando minha
cabeça.
— Amor, eu quero você comigo, não quero ir sozinha. Estou com medo.
Largue de ser frouxo e venha conhecer seus filhos — uma nova onda de agonia me
atingiu e falei engasgada com as lágrimas.
— Tudo bem, estou aqui e não vou a lugar nenhum.
Gustavo beijou minha testa e segurou minha mão. Com ele do meu lado, eu
seria capaz de tudo. Alguns minutos depois estava no centro cirúrgico, Gustavo ao
meu lado segurando minha mão vestido em um uniforme azul, senti apenas as mãos
da médica no meu ventre, mas não sentia mais dor depois que tomei a anestesia.
Senti as mãos calejadas de Gustavo suando contra as minhas, beijei sua mão
já sentindo lágrimas nos olhos por saber que em minutos iria conhecer os rostinhos
dos meus filhos. Poucos minutos depois escutamos um choro estridente, forte e
agudo. Tinha certeza de que foi Laís que nascera, ela sempre foi a mais agitada na
barriga, meus bebês eram bivitelinos e estavam em placentas diferentes. Olhei para
cima e vi Gustavo com o rosto vermelho, chorando como uma criança. A médica o
chamou para se aproximar e assistir.
— Pai, quer cortar o cordão umbilical? — a doutora Lúcia perguntou a ele.
— Posso? — Gustavo soltou minha mão.
— Claro, venha eu vou lhe mostrar. — Ele foi até ela receoso, fiquei ali
parada sem poder ver o que estava acontecendo na sala.
— Oh, meu Deus, que princesa linda do papai! Posso pegá-la? — Escutei ele
dizer, meu coração pulou dentro do peito com tanta emoção que não contive as
lágrimas de alegria.
— Deixe-me primeiro apresentá-la para a mamãe. — A Dra. Lúcia trouxe
minha filha até mim, deitando-a sobre meu peito. Vi aquela bonequinha toda
enroladinha mostrando apenas os cabelos escuros e cheios entre os lençóis do
hospital. Quando minhas mãos tocaram seu rosto, ela olhou dentro dos meus olhos e
vi os meus olhos nela, azuis. Laís olhou para mim como se me reconhecesse e eu
não resisti.
— Oi, princesa, mamãe está tão feliz em lhe conhecer. — Chorei beijando-
lhe o rostinho. Gustavo nos beijou emocionado, eu só conseguia chorar, nunca senti
nada mais forte e inacreditável.
Minha obstetra chamou novamente Gustavo para acompanhar o parto do
Arthur, alguns segundos depois senti um movimento no meu estômago e depois
outro grito ocupou a sala. Um grito forte, mas mais contido que o da Laís, tinha
certeza de que as personalidades já se formavam desde a barriga. Arthur com
certeza seria um menininho mais calmo e tranquilo, já a irmãzinha seria uma
pimentinha.
Sorri com meu pensamento, continuei sorrindo como uma boba e beijando
minha princesa impaciente no meu peito. Depois de alguns minutos, Gustavo trouxe
meu menino nos braços sorrindo como um idiota de felicidade.
— Meu Deus, Liz, ele é lindo! Nosso filho tem seus cabelos e meus olhos —
Gustavo falou colocando-o com a ajuda da enfermeira sobre meu outro peito.
Quando senti os dois pacotinhos ali em cima de mim, eu fechei os olhos e agradeci a
Deus.
— Obrigada, Senhor — sussurrei baixinho agradecendo a Deus com toda
força do meu ser.
— Eles são perfeitos, obrigado! — Gustavo agradeceu me beijando e nós
ficamos ali chorando e gratos a Deus por um milagre tão grande nas nossas vidas.
Sabia que o caminho para nos tornarmos pais seria árduo e difícil, mas com certeza
seria muito gratificante.
“Pra você guardei o amor
Que sempre quis mostrar
O amor que vive em mim vem visitar
Sorrir, vem colorir solar
Vem esquentar
E permitir...”
Pra você guardei o amor – Nando Reis
Gustavo
Não conseguia parar de sorrir, depois que vi meus filhos nascerem tudo
mudou, o mundo mudou. Tudo estava mais intenso, as cores mais vivas, as luzes
mais claras, os sons mais altos, os perfumes mais intensos e minha respiração cada
vez mais acelerada. Meu coração deixou de bater no meu peito, ele se dividiu em
três: Liz, Arthur e Laís.
Quando saí da sala de parto, a recepção estava cheia de gente, toda minha
família e amigos estavam aqui ansiosos, sorrindo e alguns chorando. Mesmo após
uma festança que foi a do nosso casamento, todos fizeram questão de vir conhecer
meus filhos.
Filhos.
Que palavra gostosa de falar, não parava de repetir: meus filhos.
— Gustavo, como eles estão? — minha mãe perguntou secando as lágrimas.
Meu pai estava ao seu lado, abraçando-a.
— Mãe, eles são lindos. Laís tem meus cabelos e os olhos da Liz, já o Arthur
tem meus olhos e é loirinho como a mãe. É uma perfeita misturinha — contei com o
peito explodindo de orgulho.
Uma sessão de beijos, abraços e parabéns começaram entre todos, quando a
enfermeira avisou que eles já estavam no quarto e podiam receber visitas, corremos
para lá.
Liz estava deitada na cama, no entanto seu rosto abatido pelo esforço não
diminuía sua beleza. Ela segurava um bebê em cada braço enquanto a enfermeira
tentava ajudá-la a amamentá-los. Senti um pouco de ciúmes por ver seus seios nus
na frente dos meus irmãos, meu pai e meu técnico, afinal eles estavam vendo algo
que antes era exclusivo para os meus olhos.
Liz cobriu os seis assim que viu as pessoas entrando no quarto. Eu me
aproximei e beijei-a no rosto.
— Liz, querida, não iremos demorar, você deve estar cansada, mas só
queríamos lhe dar um beijo e ver o rostinho desses anjinhos — minha mãe falou
beijando-lhe a cabeça e fazendo carinho no cabelo do Arthur. Laís estava agitada,
não parava de chorar.
— Claro, dona Carmen — Liz falou com a voz cansada.
A visita deles foi bem curta, a enfermeira quis deixar Liz descansar e fazer
silêncio no quarto para os bebês conseguirem mamar. O resto da madrugada foi bem
agitada. Quando um bebê dormia, o outro acordava chorando querendo sua
mamada. Fiquei entregando-os a Liz um pouco desajeitado ainda ao pegá-los para
ela dar-lhes de comer.
Rapidamente Liz pegou o jeito, parecia ter nascido para isso. Meu menino
era o mais calmo, dormiu bastante dando um descanso para a mãe. Laís era uma
esfomeada, chorou a noite toda e mamou até não aguentar mais. Os seios de Liz
estavam inchados e cheios de leite, ela fez questão de querer alimentá-los no peito,
rejeitando qualquer mamadeira que lhe foi sugerida como complemento. Isso me
deixou orgulhoso, sei que esse gesto vai cobrar muito esforço dela, estamos falando
de alimentar várias vezes ao dia dois bebês.
No começo da manhã, Liz dormiu um pouco e eu fiquei apenas babando nos
meus tesouros no bercinho do hospital, vestidos em suas roupinhas que eu e a mãe
escolhemos com tanto carinho.
Sentindo o cheirinho de cada um, contando os dedinhos deles e sorrindo
feito um bobo, não preguei o olho de tanta emoção. Ainda estou em estado de graça.
Liz acordou quando uma enfermeira entrou no quarto trazendo uma
medicação, ela olhou para nós sorrindo, sorri de volta.
— Bom dia, minha flor — eu disse.
— O melhor dia — ela falou tentando se levantar, mas fazendo careta devido
à cirurgia. Eu me aproximei para ajudá-la.
— Como está se sentindo? — quis saber preocupado.
— Bem, só dolorida. Eles devem estar com fome, meus seios estão doendo e
vazando de tão cheios.
— Seus seios estão muito apetitosos, isso sim — brinquei.
— Bobo... — sussurrou beijando a minha boca.
Três dias depois levei minha família para a casa, meus filhos não precisaram
ficar na UTI neonatal por terem nascido antes dos nove meses, como eles estavam
com o peso acima de dois quilos, após alguns exames, verificaram que eles estavam
prontos para terem alta. Minha mãe arrumou tudo para recebê-los.
Devagarzinho, Liz voltou à silhueta de antes, menos seus seios, que a cada
dia estavam mais bonitos para a minha agonia. Meus filhos com certeza eram uma
bênção, cada um com sua personalidade. Enquanto eles ainda eram bem pequenos,
fiz questão de estar em casa, deixei os torneios para o próximo semestre.
Nada neste momento era mais importante que eles. Agora queria apenas
curti-los e ajudar Liz a cuidar deles, minha mãe e minha irmã vinham todo dia nos
ajudar na hora do banho e na hora das refeições devido ao fato de Liz estar de
resguardo, devagarzinho estamos criando nossa própria rotina como uma verdadeira
família, mas a hora que mais gostava do dia era quando deitávamos na cama e
ficávamos babando nossos filhotes.
Sem dúvidas, eu estava realizado.
— Amor. — Liz falou baixinho na hora de tentarmos dormir.
— Oi, minha flor — disse lhe abraçando.
— Estou com saudades. — Ela acariciou meu peito.
— Hum, nem me fale — confessei de pau duro, esses dias sem sexo estavam
sendo uma batalha árdua.
Nossa rotina era de fazermos amor pelo menos duas vezes ao dia, o que já
achava pouco, agora então, estava um verdadeiro suplício.
— Você também? — minha mulher perguntou manhosa.
— Claro, amor, não está sentindo? — perguntei pressionando meu corpo
sobre o dela.
— Estava com medo de você não me achar mais atraente.
— Isso é impossível, você é a mulher mais linda que já conheci. Eu nunca
deixarei de sentir tesão por você, difícil será me controlar durante um mês sem sexo.
— Jura? — perguntou levantando uma sobrancelha.
— Liz, é claro. Você é a minha flor, mãe dos meus filhos, a dona desta casa,
dona da minha vida. Esqueceu?
— Sim, preciso que você me diga todos os dias. — Liz beijou meu peito
causando arrepios de prazer.
— Liz... — gemi seu nome para fazê-la parar, porque não ia aguentar.
— Eu estou de resguardo, você não. — Ela continuou beijando minha
barriga, e meus músculos retesaram.
— Minha flor, o que você está fazendo? — perguntei tentando impedi-la.
— Dando prazer ao meu marido — disse baixando minha cueca e
abocanhando meu pênis. Engoli em seco e fiquei sentindo minha mulher me dar
prazer, mesmo sabendo que não teria nada em troca.
Quando Liz terminou, eu estou ofegante e sem fala, realmente criei um
monstro. Minha esposa me devorou, deixando-me completamente desnorteado.
No momento que estávamos pregando os olhos, ouvimos o choro do Arthur
no quarto das crianças, pulei e corri para pegá-lo.
E assim tem sido nossos dias, passamos o tempo em função dos nossos
filhos, curtindo cada segundo ao lado deles.
Perdidamente apaixonados.
Liz
Um ano depois...
— Amor, corre, vem ver! — gritei pulando feito uma louca no meio da sala
cheia de brinquedos espalhados. Gustavo entrou com a roupa do treino toda suja de
lama e suor.
— O que foi, minha flor? — perguntou e imediatamente se calou com a
cena.
Laís e Arthur estavam de mãozinhas dadas dando os primeiros passinhos
inseguros começando a andar, há alguns meses eles já estavam engatinhando pela
casa, o que nos fez ficar ainda mais atentos, mas agora eu estava radiante de
felicidade em poder ver essa cena. Meu marido superprotetor ficou em pé com o
capacete da moto na mão, de boca aberta sem respirar, como se a qualquer
movimento as crianças pudessem cair.
— Quando eles começaram a fazer isso? — perguntou atônito, com o rosto
pálido.
— Agora. Oh, meu Deus! — respondi lhe abraçando, peguei o celular no
sofá e comecei a filmá-los.
— Liz, eles podem se machucar, não é seguro. Precisamos emborrachar todo
o piso.
— Quer parar, eles não vão se machucar, amor. Todo bebê precisa começar a
andar. E não vamos emborrachar nada, nossa casa está linda do jeito que está.
— Eu sei, é que eu fico com o coração na boca só de imaginar se algo
acontecer a eles.
— Ei, não seja superprotetor. Eles estão crescendo, motoqueiro.
— Eu não consigo acreditar — Gustavo disse me dando um selinho na boca
e indo em direção as crianças.
Arthur começou a choramingar querendo o colo do pai, Laís se segurou no
sofá querendo andar. Gustavo beijou nosso menino e passou a mão nos cabelos
castanhos dourados da nossa menina.
— Papa — Arthur falou chamando Gustavo.
Fiquei feito uma boba admirando os homens da minha vida.
— Amor, eles já estão arrumados e você está todo suado, vá tomar banho,
daqui a pouco as pessoas chegam para a festa.
— Me deixa só falar com meus bebês, que já vou me aprontar.
Hoje as crianças completavam um aninho, organizamos uma festinha com
nossa família e amigos, até minha mãe ficou de vir. Não somos unha e carne, porém,
desenvolvemos uma relação saudável pelas crianças e em memória do amor que
meu pai sentia por ela.
Decoramos nosso jardim com o tema piquenique, um bolo colorido, e várias
comidinhas que minha sogra preparou. As crianças vestiam jardineirinhas jeans,
camisetas e All Star. Laís estava com um lacinho rosa nos cabelos, meus filhos
estavam uma graça.
Eu estava usando um vestido amarelo verão acima do joelho, fiz cachos
despenteados no cabelo e pouca maquiagem. Trajava-me assim ultimamente, roupas
mais frescas e leves e quase nada de maquiagem, não precisava mais me esconder
do mundo, agora eu queria mostrar o quanto estava feliz.
Como as crianças ainda eram pequenas, eu não quis ajuda para criá-los, meu
marido não me deixou continuar trabalhando nos poucos casos que eu estava
tratando no final da gravidez. Apesar de que ele tinha razão, eu estava muito
cansada e sem nenhum tempo, com casamento, casa nova, mudança e tantas outras
coisas para tratar. O caso do sobrinho do Matheus foi resolvido rapidamente, só
bastou eu citar ao pai da criança o quanto ele precisaria pagar de pensão alimentícia
e ele assinou a autorização para que o Nicholas pudesse ir para os Estados Unidos
com a mãe.
Eu precisei abandonar o caso do Ricardo Sherman sobre a adoção do
Samuel, devido ao fato de não morar mais em São Paulo.
Cris estava em uma eterna ponte aérea, ela fez amizade com os irmãos Salles
e como ela e o Thiago eram padrinhos da Laís, ela estava sempre por aqui mimando
meus gêmeos. Guilherme, que juntamente com Carolina, era o padrinho do Luiz
Arthur, não passava um dia sem vir aqui em casa brincar com as crianças e trazer
presentes para os sobrinhos, mesmo que eu reclamasse não adiantava de nada para
aquele homem.
Dona Carmen e o Sr. Luiz Augusto estavam juntos novamente, o reencontro
foi gradual, devagarzinho eles começaram a esquecer do passado e darem uma nova
chance para o amor e para a vida juntos. Meus sogros eram como segundos pais
para mim, sempre presentes e carinhosos com as crianças e comigo.
Aprendi uma nova maneira de amar as pessoas. Quem gostava dos meus
filhos, sempre tinha mais chance de se tornar meu amigo.
Gustavo, tem sido um exemplo de pai e marido, sem dúvida uma exceção.
Atencioso, amoroso, paciente com as crianças e superprotetor conosco. Ele me
ajudava com as crianças desde que nasceram, estava sempre presente quando não
estava viajando nas competições de motocross, e quando isso acontecia, ele não
parava de me ligar para saber como eu e as crianças estávamos. Meu amor por ele se
renovava a cada dia, ainda tínhamos inseguranças e medos, mas juntos tentávamos,
a cada oportunidade, fazer nosso melhor.
Nunca dormimos chateado um com o outro, aprendemos a pedir perdão sem
demoras, e a sempre sorrir. Afinal, éramos muito sortudos de termos um ao outro
para amar.
Eu nunca imaginei que amar alguém fosse tão delicioso.
Um tempo depois, a campainha tocou e uma multidão de pessoas cheias de
presentes entraram na nossa casa, meus filhos passaram de braço em braço sendo
beijados e acarinhados pela nossa família e amigos. Meu marido, agora já tomado
banho e cheiroso, não saiu do meu lado, ficou comigo admirando a movimentação.
Crianças corriam de um lado para o outro no jardim, pessoas sorriam e
jogavam conversa fora, meus amigos confraternizavam entre si, meus filhos
brincavam sem parar com os animadores que chamamos para a festinha. Eu me
afastei de Gustavo, que estava conversando com um casal de conhecidos, caminhei
até a varanda, onde vi o sol de fim de tarde refletindo os fios dourados dos cabelos
loiros do meu menino, seus olhos cor de mogno eram idênticos aos do pai, o
castanho dos cabelos de Laís destacava-se em seu rosto claro de olhos azul
profundo. Nossos filhos são perfeitos.
— Eles são lindos. — Virei-me e vi minha mãe.
— Não vi a senhora na festa. Chegou agora? — perguntei um pouco tensa.
— Tempo suficiente para vê-la admirando suas crias, você se tornou uma
mulher e mãe maravilhosa, Liz.
— Obrigada, mãe. — A palavra saiu da minha boca e eu engoli em seco. Foi
automático, mas desde que ela me mandou para o colégio interno não a chamava
assim. Ela sorriu para mim, se aproximou de um jarro cheio de flores-de-lis. Minha
mãe inspirou o aroma da flor, sorriu melancolicamente e se afastou.
Olhei para suas costas até sua silhueta sumir entre as pessoas, virei-me
novamente para as crianças. Senti um beijo no meu ombro e sorri porque conhecia a
presença do meu marido.
— Posso saber o que minha mulher está fazendo aqui sem mim? — Gustavo
passou as mãos pela minha cintura me puxando em sua direção.
— Oi, amor. Estou só admirando nossos filhos brincar.
— Eles estão se divertindo, não é?
— Sim, eles estão crescendo tão rápido.
Meu Gustavo suspirou.
— Um dia desses, eles estavam chorando sem parar, agora estão brincando
no seu primeiro aniversário e dando os primeiros passos para a vida.
— Uma vida linda, não é? — perguntei.
— Sim, uma vida linda.
— Amor?
— Oi, minha flor.
— Obrigada por ter me dado uma família. Lembro que, quando descobri a
gravidez, pensei que não fosse capaz de dar a eles o amor que mereciam, mas você
me fez acreditar que eu sou capaz de amar cada vez mais.
— Minha flor, você transpira amor e contamina qualquer um que chegar
perto, é como o pólen nas flores.
— Pólen? E você é meu zangão? — gracejei cheia de más intenções.
— Não, eu sou o seu motoqueiro gostoso, esqueceu?
— Jamais, eu te amo — disse beijando-lhe os lábios deliciosos.
— Eu também te amo.
— Ei, pombinhos, minha mãe está chamando para cantarmos os parabéns.
Dá para se pegarem mais tarde? Aqui está cheio de crianças, porra! — Guilherme
interrompeu nosso momento romântico, me fazendo cair na gargalhada.
— Cale a boca, Gui! — Gustavo gritou.
Pegamos nossos filhos e fomos para a mesa do bolo, que já estava rodeada
de crianças ansiosas. Cantamos parabéns em uníssono, eu segurei Laís e Gustavo
segurou o Arthur no colo, posamos para as fotos sorridentes e orgulhosos dos nossos
filhos.
A festa foi perfeita, assim como eles mereciam.
Deixei as crianças dormindo no quarto já no final da noite, peguei a babá
eletrônica e fui procurar meu marido. Encontrei-o sentado em uma namoradeira na
nossa varanda, vestindo apenas a calça que estava usando mais cedo na festa.
Gustavo segurava uma taça de vinho branco entre os dedos, com seu olhar
focado em um ponto no céu estrelado de Belo Horizonte.
Aproximei-me silenciosamente e sentei em seu colo.
— Olhando as estrelas? — perguntei beijando-lhe a boca.
— Hum, estava aqui esperando você e admirando-as.
— Percebi que você estava focado nelas, nem percebeu minha aproximação.
— Boba, eu tinha esquecido que Minas têm o céu mais estrelado que já vi,
porque passo todo meu tempo olhando para você. — Ele beija meu pescoço nu
causando calafrios. — As crianças demoraram a dormir?
— Estavam muito agitados, o dia deles foi cheio. — Encaixei meus dedos
em seus cabelos escuros, despenteados e macios. Comecei a massageá-los.
— Não via a hora de ficar sozinho com você. Passei a semana contando as
horas para nossas férias na praia. — Gustavo começou a beijar o meu decote, entre a
curva dos meus seios e o tecido do vestido.
— Hum... eu também. As crianças vão amar conhecer o mar, e eu vou amar
aproveitar o sol. Já está tudo pronto para a nossa viagem, é só cairmos na estrada
amanhã bem cedo.
Encaixei-me sentando totalmente sobre o colo do meu motoqueiro gostoso,
ficando cara a cara com ele. A luz da varanda estava apagada, um escuro agradável
predominava o ambiente.
— Estou ansiosa para ver a cor do mar — sussurrei.
— Eu vejo o mar todo dia quando olho dentro dos seus olhos, ainda consigo
enxergar a sua alma azul e tão profunda quanto um oceano.
— Você não pode me falar essas coisas e não querer que eu lhe ataque...
Gustavo, eu amo quando você me fala coisas fofas.
— E eu amo apenas saber que você é minha.
Começamos a nos beijar como dois viciados em abstinência um pelo outro,
arranhei as costas fortes do meu marido, ele gemeu na minha boca necessitado de
mais. Tirou meu vestido pela cabeça, deixando-me apenas de calcinha.
Comecei a me movimentar sobre a sua ereção pressionada contra o meu
núcleo, suas mãos me tocaram em todos os lugares, sua boca só abandonou a minha
para beijar meu pescoço, ombros e seios. Gemi baixinho para não acordar as
crianças.
Gustavo levantou-se e eu passei as pernas na sua cintura. Caminhou me
segurando como se eu não pesasse mais que uma das crianças até nosso quarto.
— Não quero os vizinhos admirando o espetáculo. — Ele me colocou no
meio da cama.
— Ciúmes?
— Muito. — Ele rasgou minha calcinha em questão de segundos, tirou a
pouca roupa que vestia e me penetrou.
Meu corpo todo implorava por esse contato, eu ofeguei em ondas de prazer.
Nossos beijos ficaram frenéticos como os nossos movimentos, minhas mãos não
eram suficientes para apertar toda a pele que tinha vontade, minhas unhas
afundaram na sua bunda firme, Gustavo beijou meus seios, revezando entre
lambidas e mordidas, me deixando ainda mais próxima de chegar ao máximo.
— Minha flor — Gustavo balbuciou entre um beijo e outro.
— Meu motoqueiro — gemi.
— Olhe pra mim, veja o quanto eu amo você.
Eu forcei os olhos para mantê-los abertos em meio a tanto prazer, as palavras
de Gustavo atingiram meu âmago, caí em um profundo e dilacerante orgasmo, de
olhos abertos, mostrando-lhe o que ele fazia comigo, chamei seu nome como se ele
pudesse me acompanhar nessa subida até o céu.
Gustavo intensificou os movimentos e chamou meu nome como um louco
quando chegou ao prazer beijando minha boca com fome e precisão. Ficamos
abraçados, respirando afobados pelo esforço e ainda sentindo os espasmos do corpo
um do outro, entrelacei meus dedos nos seus e fechei os olhos.
Como um filme eu visualizei tudo que já vivemos até aqui, tantos mal-
entendidos, tantas lágrimas derramadas, tanto amor, tanta entrega. Sorri porque
fomos mais fortes que os traumas passados, erros dos outros, mágoas profundas e
inúteis. Aprendemos a pular barreiras e construir escadas para subir nos obstáculos
que estivessem em nosso caminho. Construímos uma família, segura e cheia de
amor. Aprendemos a encontrar um lar no abraço um do outro e isso era o que
qualquer pessoa podia ter de mais precioso.
— Amor... — chamei baixinho alisando meus dedos sobre seu peito.
— Oi, minha flor.
— Diz pra mim que nunca vamos nos perder pelo caminho, me diz que você
sempre estará aqui.
— Estou aqui, minha flor, e não vou a lugar nenhum.

Continua...
Leia a continuação da história de amor de Liz e Gustavo no livro
Azul Tormenta, confira a sinopse:
Será que só o amor é capaz de manter um casamento?
No livro Azul Profundo nos apaixonamos pela história de dor e perdas da Liz
e do Gustavo, Em Azul Tormenta, você vai poder descobrir que nem sempre o “final
feliz” é o fim de uma história de amor.
Duas pessoas marcadas tentando viver um casamento em meio a conflitos,
fama, paixões arrebatadoras e intrigas.
Neste livro, a Tormenta é só um meio para a eternidade.
Liz
“Eu não acreditava em amor até conhecê-lo. Ao seu lado descobri a tão
sonhada felicidade. Mas viver a dois é um tiro no escuro.”
Gustavo
“Liz, meus filhos e minha carreira eram a luz dos meus olhos. Eu nunca
imaginei perdê-los. Também não podia prever o que o destino tinha reservado para
nós.
Eu só queria que a vida não tivesse sido tão cruel.”
Agradecimentos
Desde que eu era apenas uma menina, nunca me conformei com a forma
crua e real que as outras pessoas enxergavam a vida. Sempre preferi acreditar que
estávamos vivendo um sonho onde tudo era possível e todos nós estávamos
protegidos da dor. Ainda criança, percebi que eu estava errada e a realidade que
estamos fadados a viver não é nenhum conto de fadas. Não fui preparada para
enxergar a verdade sobre as coisas. Então, quando cresci, tentei enfrentar o que a
vida tinha para me dar, errei e acertei incontáveis vezes, e incontáveis vezes preferi
não viver nessa realidade tão dura. Não que eu não fosse feliz, a vida me presenteou
com pessoas incríveis que, mesmo que eu viva mil anos, nunca poderei agradecer
suficientemente, mas eu estava vazia.
Eu trabalhava, estudava, fazia alguns amigos, perdia outros, via as pessoas
que eu amava seguirem suas vidas, mudava os planos, retomava planos antigos.
Mas continuava me sentindo vazia, até que um dia eu resolvi me permitir
sonhar novamente da mesma forma que eu fazia quando criança. Então comecei a
escrever este livro sem qualquer pretensão, comecei com uma lauda que trouxe
outra, e mais outra, e logo se formaram capítulos que formaram esse livro. Essa foi a
maneira que encontrei apenas para voltar a ser quem eu era antes. Quando eu
acreditava em finais felizes, perdão, reencontros, destinos traçados e todas essas
coisas que parecem baboseira para alguns, mas que para mim é o que me move. São
esses pequenos milagres da vida que me fazem ter vontade de continuar vivendo.
Então, apresentei a vocês aqui, Liz e Gustavo, um amor que criei com o puro
intuito de fugir da realidade e dialogar com algo tão doloroso como o rancor e a
mágoa.
Podemos nos sentir abandonados por diversos motivos, mesmo sem ir
embora, alguém pode nos abandonar. Seja na falta de um gesto, em um silêncio, e
em tantas circunstâncias que passaria dias aqui listando.
A pergunta que me fiz ao terminar esse livro é a mesma que faço a você,
caro leitor: Quem sai ganhando? Quem vai embora com o coração vazio e com a
culpa de ter partido, ou quem fica com o coração sangrando por ter sido deixado?
Não cheguei a uma conclusão, mas em minha opinião, tanto quem vai
quanto quem fica tem motivos que os levaram a isso, ir embora é uma espada afiada
de dois gumes, que fere os dois lados.
E o que seria de nós se não tivéssemos o dom de perdoar? Passar uma
borracha no passado e sermos altruístas para dar o braço a torcer que quem mais te
machuca é quem mais te ama. E só descobrimos isso quando afastamos a mágoa dos
nossos olhos.
Antes de me despedir de você, quero te contar quem me ajudou até aqui com
cada parte do processo que foi escrever esse livro.
Primeiramente agradeço a minha família por todo amor e cuidado que vocês
têm comigo. Mainha, a senhora é uma rainha, sua coroa não é feita de ouro, mas é
feita de todo amor que lhe cerca. P.S.: Obrigada por me dar um irmão tão gentil!
Agradeço também ao meu marido pela paciência e carinho.
Quero deixar meu muito obrigado, a todas as minhas leitoras por toda
atenção e dedicação em me ajudar a desenvolver essa história: Elen Almeida
(Menina, obrigada por me dizer umas verdades de vez em quando. Você foi
fundamental em cada etapa, amo você), Camila Rodrigues, Kelly Becker, Nayara
Encarnação e tantas outras que nem conheço pessoalmente, mas que tem um
lugarzinho no meu peito.
Também agradeço infinitamente a todos que fazem parte do Jampa Literária,
em especial a Kalina Nascimento, Anelise Diniz e a cada amigo próximo ou distante
que me deu força, fez um elogio ou compartilhou sobre meu trabalho, saibam que
são vocês que me mantém sonhando.
Doem órgãos, salve vidas.
Um beijo no coração,
Priscilla Ferreira
Sobre a autora
Priscilla Ferreira nasceu em 1990, é jornalista formada pela Faculdade
Maurício de Nassau, considera as palavras suas melhores amigas, por esse motivo
escolheu escrever como profissão. Indo contra a regra, odeia câmeras e falar em
público não é o seu forte, prefere sentar-se em frente a um computador e contar
histórias reais ou de ficção. É uma romântica incorrigível que acredita ter nascido na
década errada. Não resiste a histórias de amor avassaladoras, filmes de época, café,
papear com as amigas, cafuné e tempestades. Para ela, os dias de chuva são seus
melhores, mesmo morando em João Pessoa, cidade conhecido pelo sol nascer
primeiro.
Editora Angel
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Notas
[←1]
Bolsa de mão
[←2]
Painita é considerada uma das pedras preciosas mais raras do mundo, e tem como característica a cor
marrom escuro.
Table of Contents
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
Capítulo 62
Capítulo 63
Capítulo 64
Epílogo
Leia a continuação
Agradecimentos
Sobre a autora
Editora Angel

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