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Início
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Epílogo
Agradecimentos
Sobre a autora
Sobre a Five
Aviso:
Este livro contém cenas explícitas de violência doméstica e
violência em geral, essas cenas são sensíveis e podem ser
gatilhos para alguns leitores.
Leia com cautela.
Dedicatória
Para todas as garotas boazinhas com um lado sombrio.
Há manhãs em que acordo sem saber ou me importar com
qual dia da semana é. Às vezes, passo longos períodos sem sequer
verificar a data. Prefiro assim.
As chances de eu ter esperança de uma vida melhor é bem
menor quando todo o vazio que sinto se mistura ao meu cotidiano.
Acima de mim, meu marido me manipula com movimentos
repetidos que o meu próprio corpo reconhece e responde, mesmo
que apenas por hábito. Sua cabeça se inclina de forma deliberada
para o lado, assim ele não precisa me olhar nos olhos. Como ele me
disse inúmeras vezes: foder não precisa ser pessoal para ser eficaz.
De alguma maneira, ele ensinou o meu corpo a acreditar nele.
Tocou-o e o afinou tão bem quanto um músico faz a um instrumento.
Ele me posiciona e move ao seu gosto, e o deixo até que eu não
seja nada além de uma coisa que ele programa para o próprio
prazer… sua rainha pornô, seu robô sexual de carne e osso. É de
se admirar que algo tão maltratado ainda possa responder à causa
de seu estado de abandono.
O arranhão suave de sua cabeça com cabelo raspado
esfregando no meu rosto me deixa em carne viva. É uma irritação
da qual não me atrevo a me afastar. O cheiro de sexo, almíscar e
lubrificante enche meu nariz, então deixo de respirar por ele e passo
a soltar gemidos pela boca. Ele gosta quando faço barulho, mesmo
sendo apenas para o benefício dele em vez uma reação real a
qualquer coisa que esteja fazendo entre as minhas pernas.
Dedos machucam a pele dos meus pulsos com tanta
facilidade quanto podem esmagar a carne delicada de um pêssego.
Dedos que antes eram motivo de prazer, mas agora não causam
nada além de devastação. Os movimentos de Vic aceleram com o
meu grito estrangulado até suas estocadas alcançarem um ritmo
implacável. Levanto meus quadris ao mesmo tempo que os dele,
tentando ao menos atiçar a faísca necessária para queimar o nada
que minha existência se tornou. Qualquer coisa para esquecer.
Cada impulso de seu pau mistura o prazer e a dor até eu não
saber mais como diferenciar um do outro. Até essas sensações se
misturarem na escuridão insondável que eu vim a conhecer e amar.
Eu a persigo, ansiando por ela me envolver em seu conforto
sombrio.
Os grunhidos dele me atraem para a outra direção, de volta à
realidade. O prazer desaparece com cada uma de suas respirações
agudas no meu ouvido, o breve instante de prazer proporcionado
pelo torpor é interrompido por um lembrete irritante. Uma coceira
que não conseguirei aliviar. Quero rosnar e arranhá-lo, mas torço os
punhos no lençol da cama e fecho os olhos até as lágrimas vazarem
dos cantos, descerem pelas bochechas e por fim molharem a minha
fronha. Ao nosso lado, na mesa de cabeceira, o despertador toca e,
em minha mente, começo uma contagem regressiva dos longos
minutos até que ele termine e eu possa estender a mão e desligá-lo.
Com os braços como uma gaiola implacável ao meu redor,
ele se enrijece acima de mim e grunhe. A promessa do
esquecimento desaparece, levando consigo a feliz sensação do
nada. O som do alarme perfura a prometida névoa de alívio e a
realidade abre seu caminho de volta. O suor que une nossos torsos
me lembra de como me sinto suja, mas sei que é melhor eu não me
mexer, melhor esperar até ele sair de cima de mim.
Quando ele fizer isso, vou rolar para o meu lado da cama,
fazer ruídos agradecidos quando ele perguntar se estava bom para
mim, depois vou tomar banho e me preparar para mais um dia.
Repito a lista de tarefas em minha mente até que ele alavanca seu
peso com uma mão antes de jogar o corpo para o lado com outro
grunhido. Suspiro de alívio e me cubro com um lençol. Há muito
tempo perdi a capacidade de sentir vergonha no que diz respeito a
ele, mas há uma parte de mim, lá no fundo, que sempre precisa
correr e se esconder.
Ele cai de costas com um gemido satisfeito e dá tapinhas no
estômago com uma mão grossa.
— Você precisa de um banho, — ele diz. — Está com uma
aparência de merda.
Outra de suas alfinetadas não tão sutis. Engulo a minha
réplica furiosa e apenas respondo que tomarei um. Sua atenção se
volta para cheiro de café sendo passado no andar de baixo.
Enquanto ele se balança para fora de seu lado da cama, minha
respiração e frequência cardíaca retornam ao normal, e já estou
contando os segundos até poder seguir com o meu dia, mesmo
tendo que começar tudo de novo amanhã de manhã.
Ele caminha para a cadeira da escrivaninha, pega o roupão e
o joga ao redor dos ombros. Sem mais uma palavra ou um olhar
para trás, ou mesmo uma demonstração de preocupação pelo fato
de eu não ter gozado, ele sai do quarto e desaparece pelo corredor.
Depois de alguns segundos, ouço os sons de armários abrindo,
seguidos pelo clique de sua xícara de café no balcão, depois o som
de líquido sendo derramado.
Enfio o desconforto no fundo da minha mente, como faço
com o resto, e vou tomar um banho. A água quente não lava muito
além do suor agarrado à minha pele. Nunca entendi as pessoas que
pensam que chuveiros podem torná-las limpas. Sinto-me tão suja ao
sair deles quanto ao entrar. Há algumas coisas que a água e o
sabão simplesmente não são capazes de lavar.
Eu me visto com um uniforme cinza e simples de enfermeira,
passo secador nos meus cabelos longos e escuros até ficarem lisos
e depois os prendo de volta em um coque firme na nuca. Apenas
aplico corretivo nas manchas arroxeadas sob meus olhos e passo
rímel sobre meus cílios, mais por hábito do que qualquer
preocupação real com minha aparência física. Menos é mais. A
última coisa que preciso é chamar a atenção para mim. Seja a de
Vic, ou de qualquer outra pessoa. Já fiquei habilidosa em passar
despercebida.
Com uma respiração firme, viro as costas para o espelho e
me junto a ele na cozinha. Vic se senta à mesa com o jornal
espalhado à sua frente, a xícara de café ao lado do cotovelo com o
vapor ondulando do topo. É uma manhã típica. Quase pitoresca. O
maldito sonho americano. Só faltam as tradicionais duas crianças e
o Golden Retriever.
Encho uma garrafa térmica com café e pego uma banana
para encher meu estômago.
— Tenha um bom dia de trabalho, — digo em direção a sua
cabeça baixa, enquanto passo por ele até a porta.
Vic me para com uma mão no braço e inclina a bochecha
para mim. Dou o requerido beijo.
— Vejo você no jantar, — ele diz, a ameaça velada do que
vai acontecer se eu me atrasar pesa entre nós.
O jantar deve ser servido de forma pontual às seis da tarde a
partir de um menu aprovado. Nem me importo mais com falta de
autonomia. Além disso, há muito tempo perdi a capacidade de
desfrutar da comida que como, e esse é apenas um dos aspectos
da minha vida que ele controla.
Dispensando-me, ele volta para o jornal e eu atravesso a
porta lateral que leva à nossa garagem coberta. Vivemos na
Península Superior de Michigan e agora em fevereiro o frio é tanto a
ponto de se infiltrar pelo meu casaco com dedos gelados e
penetrantes. Na pressa para me afastar de casa e do meu marido,
esqueci de pegar minhas luvas. Voltar é impensável, então
destranco o carro com os dedos dormentes e resolvo lidar com isso.
Dirigir até o trabalho é um processo árduo. As estradas estão
escorregadias da neve da noite anterior, ainda é muito cedo para os
removedores, mas não tenho tempo para esperá-los limpar a neve
do caminho. Esmago a camada de gelo por baixo dos flocos que
caem enquanto chego ao portão para mostrar minha identificação.
O guarda de serviço, Ernie, enfia a cabeça para fora da
janela antiga, as bochechas vermelhas. Apesar de suas
sobrancelhas brancas espessas, não deixo de notar a olhada que
ele me dá.
Sem dizer uma palavra, entrego o meu crachá. Qualquer
bom dia amigável que planejei murcha quando os olhos de Ernie
permanecem no V do meu uniforme, exposto pelo meu casaco
aberto. Quando ele enfim se afasta, espero enquanto escaneia a
identificação no computador. Quero ralhar com ele e dizer para
manter os olhos para si, mas permaneço calada. Ernie vai passar o
resto do dia aqui no frio, digo a mim mesma. Seu sofrimento é um
conforto. Nem sempre fui assim tão fria, mas, enquanto espero, a
irritação que reprimi por não alcançar o agradável estado de torpor
essa manhã volta com muito mais força. Só que desta vez ela é
dirigida a Ernie. Minha complacência quanto ao seu olhar descarado
sobre mim, só me faz lembrar no que Vic me transformou, e quero
descontar minha raiva em Ernie agarrando o pescoço dele e
batendo seu rosto na moldura da janela.
O surto de fúria me choca e dou um pulo quando Ernie se
inclina para frente com o meu crachá.
— Opa, calma, — diz, como se eu fosse um cavalo
assustado que ele pode acalmar. — Deve estar nervosa por causa
do grande dia.
Certifico-me de pegar minha identificação entre dois dedos
para não precisar tocá-lo de novo. Minha concentração é tanta que
leva alguns longos segundos de silêncio para perceber que ele está
esperando pela minha resposta.
— Como assim? — pergunto, sabendo haver olhos sobre
mim, mesmo agora, que repassam tudo ao meu marido que, sendo
o diretor de Blackthorne, não é alguém com quem queiram ter
problemas. Apesar dos meus sentimentos, devo interpretar o papel
de esposa obediente e ter uma conversa agradável, pois qualquer
funcionário que eu encontrar tem o potencial de relatar minhas
ações para Vic.
Ernie faz uma careta.
— Recém-chegados, — responde devagar. — Não soube?
Dizem que um deles é daqueles que dá trabalho.
Fecho os olhos por um segundo e puxo a memória da
conversa que tive na noite anterior com o meu marido e me lembro
dele mencionando para ser mais cuidadosa hoje. Pelo visto, um dos
novos presos é de alto risco. Deve ser, para justificar tal aviso.
— Talvez seja o próprio presidente, — digo, lembrando-me
de lhe dar uma resposta.
Ernie bufa.
— Tenho certeza de que ele pensa que é. Tenha cuidado.
Seria muito ruim se um desses criminosos estragasse esse seu
lindo rosto.
O riso borbulha no meu peito e quase se liberta. Por um
momento, a risada ameaça me dominar, mas a sufoco de volta e
aceno para um Ernie perplexo enquanto dirijo meu carro para o
estacionamento.
A corrida rápida do meu carro até a entrada leva uma
eternidade. Nesse ínterim, perco toda a sensação abaixo dos meus
joelhos e as pontas dos meus dedos e nariz formigam com um calor
entorpecente. Quando entro no escritório úmido, sonho acordada
com praias arenosas, bebidas de coco e multidões grandes o
suficiente para me perder.
No entanto, não importa quanto penso sobre isso. Uma
pequena parte da minha mente sabe que esses muros da prisão são
a minha realidade. Atravesso a entrada principal dos funcionários,
tiro os sapatos confortáveis e os entrego, assim como a sacola com
meu almoço, ao guarda que monitora o detector de metais. Ele
acena um “bom dia” com a cabeça, mas não me envolve em
conversas inúteis. Os olhos dele mal registram a minha presença.
Ao calçar os meus sapatos de volta, vou até a sala de
controle e retiro as minhas chaves para a ala médica. O guarda de
plantão faz uma pausa antes de entregá-las.
Aprendi que é melhor esperar até que joguinhos de poder
como este se desenrolem sozinhos, então encaro o homem de
meia-idade até ele falar.
— Você tem um paciente esta manhã.
— Uhm? — digo sem inflexão, embora isso desperte minha
curiosidade, afinal, cheguei no trabalho não faz dez minutos e já tem
alguém esperando por tratamento. — Quem é?
O guarda recua e sei que devia apenas ter continuado. Não é
como se eu não fosse descobrir quem é o paciente em poucos
minutos. Olho para as portas, insinuando que gostaria que me
deixasse passar e ele cede sem responder à minha pergunta. Pela
primeira vez, o corredor interno está silencioso como um túmulo. A
quietude é tão incomum que continuo olhando para trás, esperando
alguém saltar de uma das portas.
A caminhada para a ala médica é longa e estou tão nervosa
que sequer olho para cima enquanto destranco a porta. Meus olhos
estão nos meus pés enquanto coloco meu almoço na geladeira do
pequeno escritório reservado para as enfermeiras de plantão. Eu me
viro para pegar as fichas dos pacientes que passaram a noite na ala
e quase ofego quando percebo que não sou a única pessoa na sala.
Abro a boca para gritar ou questionar sua presença, mas
algo me impede. Sem dizer uma palavra, o homem sentado na
mesa de exame na minha frente consegue fazer o que meu marido
levou dois anos para aprender: como me calar com apenas um
olhar.
O cabelo na parte de trás do meu pescoço fica de pé
enquanto meu corpo reconhece a presença de um predador. A
camada de músculo debaixo da minha pele se contrai, preparando-
se para fugir, mesmo quando dou um passo para mais perto do
detento à minha frente. Os outros guardas e enfermeiras estão na
enfermaria, que fica perto, mas, ao mesmo tempo, a uma eternidade
de distância. Não há nada que impeça este homem de me
machucar. Basta um olhar em sua direção para saber que é bem
capaz de fazer isso, caso sirva aos seus objetivos. Músculos
definidos, que são grandes demais para o uniforme padrão da
prisão, esticam-se contra os limites da parte de cima de sua roupa.
Aglomerados de tinta serpenteiam em torno de seu antebraço direito
e do bíceps esquerdo.
Engulo em seco por instinto enquanto meus olhos disparam
para os seus. Ele não me provoca, mas seu sorriso fala mais alto do
que palavras.
Sou enfermeira no Instituto Correcional Blackthorne há cinco
anos, então lidar com detentos, do dócil ao mortal, não é novidade.
Nenhum dos truques que aprendi em meu ofício funcionam para
acalmar meu pânico quando o homem direciona toda a força de sua
atenção para mim.
— Disseram para você esperar aqui para o seu exame de
admissão? — pergunto, e fico grata quando minha voz não trai meu
nervosismo repentino.
Ele levanta um ombro, o material de seu macacão manchado
de sangue farfalhando na sala de exames silenciosa.
Mesmo que os sinos de advertência estejam soando na
minha cabeça, dou passos cuidadosos para a frente até chegar ao
final da mesa de exame onde ele está empoleirado. A maioria dos
homens que vêm aqui para cuidados sabe muito bem que não se
deve mexer com os funcionários, mas há sempre a chance de hoje
ser o dia de um deles mudar de ideia. Então, quando pego a
prancheta pendurada em um clipe na extremidade da maca com as
informações do recém-chegado, faço isso com um olho nele. Algo
me diz que seria uma má ideia virar as costas para ele.
Depois de alguns passos cuidadosos para trás, para permitir
um pouco do tão necessário espaço, arrisco uma olhada no
prontuário dele. Não há nenhum nome nas anotações, apenas o
número do detento, isso transforma minhas entranhas em gelo e
acaba com qualquer dúvida que eu possa ter tido sobre quão
perigoso ele é.
Deve ser o sangue.
Muitos detentos entram em brigas ente eles ou com os
guardas durante o transporte, mas alguém deve ter o tratado em
algum momento. Há um curativo no nariz e um esparadrapo na
maçã do rosto. O sangue na boca deve ser de um dente que foi
arrancado, talvez? Ou um corte no lábio. De qualquer forma, não há
nada demandando minha atenção imediata, mas isso só me lembra
de ser mais cautelosa.
— Diz aqui que você não fez o questionário de histórico
médico com os guardas antes que o trouxessem aqui.
Ele assente.
— Certo, vamos começar com isso. — Vou para a minha
mesa e me acomodo no meu espaço. — Você está vendo um
médico para qualquer doença em tratamento ou problema de
saúde?
Ele nega com a cabeça e eu anoto. Além dos arranhões e
hematomas, não preciso avaliá-lo para saber que está em perfeita
saúde. A vitalidade transpira de seu corpo, tentando-me a chegar
mais perto. Anos de lições nas mãos de Vic me forçam a manter
distância, mas não posso deixar de me perguntar como seria ter a
atenção desse homem em mim em um ambiente diferente.
Olho de volta para o questionário para redirecionar meus
pensamentos. Enquanto as engrenagens do meu cérebro param,
bato a caneta no lado da prancheta, tentando em vão reunir o pouco
do profissionalismo que ainda me resta.
— Está tomando qualquer medicação com ou sem receita?
Ele dá outro aceno negativo de cabeça, e me dou conta de
que podemos passar por toda essa entrevista sem que ele nunca
diga uma palavra.
É isso mesmo o que acontece.
Ele responde a cada pergunta balançando a cabeça de um
lado para o outro ou de cima para baixo. Descubro que nunca fez
uma cirurgia de grande porte, não tem alergias e não possui
histórico familiar de doenças graves, isso tudo sem nunca saber seu
nome ou o som de sua voz.
Quando chego ao fim do histórico médico, paro de me
preocupar que ele vá tentar fazer qualquer coisa. Se quisesse me
machucar, já o teria feito. Já fiz essas triagens de admissão milhares
de vezes, então assim que entro no ritmo, fica mais fácil esquecer a
minha primeira impressão dele, além da minha curiosidade, e seguir
os procedimentos.
— Vamos colocá-lo na balança agora para registrar o seu
peso atual.
Ele grunhe, o que tomo como um sim, e aceno para a
balança ao lado da porta da sala. Apesar de seu volume, ele se
move com a graça de um felino enquanto atravessa o lugar. A
balança tilinta enquanto ele sobe, e eu me ocupo em ajustar os
pesos e fazer anotações no prontuário.
Quando volto a erguer o olhar, preciso me controlar para não
arfar, pois ele está olhando para mim com uma intensidade
surpreendente. A curiosidade flagrante torna seu olhar afiado e faz o
meu estômago revirar com um nervosismo e excitação que eu não
sentia há anos. É uma reação que, se eu cedesse a ela, poderia me
levar a dez tipos diferentes de problemas federais.
— Uhm, vamos medir a sua altura agora.
Indico a fita métrica fixada na parede ao nosso lado e ele se
arrasta até ela de forma obediente, o tempo todo me olhando com
uma expressão confusa, como se eu fosse um problema que está
determinado a resolver. Ele se submete ao meu manejo enquanto
registro sua altura. Um metro e oitenta e dois de puro macho feral se
ergue sobre os meus meros um metro e sessenta e sete.
Sem pensar, ergo as mangas compridas do meu uniforme
enquanto anoto suas medidas e verifico o relógio enquanto conto,
com desespero, os minutos até a minha primeira pausa. Acabei de
chegar e já estou impaciente pelas 10h30, só para ter meus quinze
minutos de solidão.
Um arrepio percorre minha espinha e, como a presa que sou,
congelo antes de me forçar a olhar para a porta. Espero ver Vic ali,
observando-me. Essa é a única explicação possível para a forma
como todo o meu corpo congela e a necessidade urgente de fugir
que assume o controle. Verifico a sala, certa de ele estar à espera
de que eu faça algo errado. Como respirar sem a sua permissão. No
entanto, em vez dos olhos do meu marido em mim, é a atenção do
detento que está causando o meu pânico. Meu olhar segue o seu e
quando me movo para esconder meus pulsos, os músculos dele
ficam rígidos.
Contusões escuras e roxas cercam a minha pele, devido ao
aperto cruel que Vic deu neles esta manhã na cama. O suor brota
no meu lábio superior e meus ouvidos zumbem. Congelada em
estase, não consigo pensar em uma resposta ou desculpa
apropriada, não que eu precise dar uma a ele, de todas as pessoas.
Depois de um momento de pausa carregada de suspense, no qual
meus olhos se voltam para os seus semicerrados, viro as costas
para ele e vou para a enfermaria para chamar os guardas de volta
para levar o detento. Como sempre, parecemos estar com falta de
pessoal, não é incomum se dividirem entre os dois ambientes da
ala, e agora, estou amaldiçoando isso com todas as forças.
Mas não chego tão longe.
Eu devia ter imaginado. Cada instinto desde que entrei na
sala vem me dizendo para me manter alerta, porque no momento
em que eu tirasse os olhos dele, ele atacaria.
E, merda, é isso o que acontece.
Na longa duração de um piscar de olhos, o detento está tão
perto das minhas costas que seu calor me rodeia. Ele me encurrala
entre seu corpo e a parede, sua frente em minhas costas. Uma
pontada de medo profundo me engole e não consigo controlar o
grunhido que explode da minha garganta.
Ele não comete o erro de me tocar, contudo, a ameaça está
lá. Que é exatamente o que ele quer que eu saiba. Ele pode ser o
preso da situação, mas é o único com o poder agora.
Ele fala pela primeira vez, e o meu corpo vira gelo. Pelo
menos, espero ser gelo. A única outra explicação é uma que nem
me atrevo a considerar.
— Alguém te machucou, ratinha? — sua voz é tão vazia e
severa quanto seu olhar. Um abismo de segredos e mentiras. Ele se
mexe, mas ainda não me toca enquanto se inclina para frente e
inspira.
Ele está cheirando o meu cabelo?
— É por isso que você parece querer rastejar de volta para
um buraco?
Dizer qualquer coisa é impossível. Mas isso não parece
importar para ele, porque continua falando.
— O que uma garota como você faz neste lugar? Hein?
Ele não espera que eu responda, então não o faço. Também
acho que não conseguiria se tentasse.
Ele cutuca meu ombro, tocando-me pela primeira vez para
indicar que quer que eu me vire. Então o faço, certificando-me de
manter um olhar cauteloso sobre ele. A respiração escapa aos
poucos por meus lábios, as rajadas saindo em staccato. Minhas
mãos cerram em punhos ao meu lado.
As mãos dele se levantam e eu me encolho. Minha reação é
tão sutil que eu não esperaria que ele percebesse, mas seus olhos
disparam para os meus em uma compreensão abrupta. Há um
puxão no bolso do meu uniforme na altura do peito, mas não me
atrevo a desviar o olhar dele.
Tudo que posso fazer é esperar.
Minhas vistas embaçam enquanto ele levanta minha
identificação até sua linha de visão. Estremeço com o gelo
acumulado em meu estômago enquanto ele estuda minha imagem e
nome.
— Tessa Emerson, enfermeira, — murmura, olhando no
fundo dos meus olhos. — É um prazer conhecê-la oficialmente.
Suspeito que a gente vai se ver muito.
Talvez seja por causa da manhã que passei debaixo do meu
marido. Ou do brilho muito autoconfiante nos olhos deste criminoso.
Talvez seja insanidade. Seja o que for, algo cresce dentro de mim.
Minha pele aperta e quase espero que rache e se parta, mas ela
não se rompe. Em vez disso, meus braços disparam para frente e
eu empurro o peito dele com as palmas das mãos. Elas entram em
contato com a parede de músculos firmes, enfatizando quão
impotente sou. O detento não move sua forma montanhosa, mas
cede e me dá alguns centímetros de espaço para respirar, os quais
preciso de modo desesperado. O ar entre nós é denso de tensão e
eu me vejo inalando-o com goles gananciosos, mas não é
suficiente.
No entanto, minha explosão de raiva parece agradá-lo, pois
as rugas no canto dos seus olhos se contraem e ele mostra os
dentes em um sorriso selvagem.
Encontro a minha voz, minha irritação aumentando com a
diversão dele. Mas sou eu quem está no controle aqui.
— Afaste-se, — ordeno, forçando o máximo de firmeza em
minha voz.
Ele levanta as mãos em uma demonstração de complacência
que não parece condizer com sua figura, enquanto os guardas
escolhem o segundo seguinte para aparecer. Os olhos deles se
movem entre o preso e eu até que, por fim, focam em mim.
— Está tudo bem por aqui? — um deles pergunta.
Eu poderia relatar a má conduta do detento, porém, mesmo
quando o pensamento me ocorre, sei que não o farei. O pior é que
ele parece ler minha mente quanto a isso, e seu sorriso se alarga.
Explicar o que aconteceu a um guarda só vai significar que os
sussurros vão chegar até o meu marido e eu vou pagar o preço.
Pela primeira vez, ressinto-me dessa vida que Vic me obrigou a
viver. O guarda que fez a pergunta suga os dentes de maneira
impaciente. O som rasteja sobre a minha pele sensível como um
inseto indesejado, e eu estremeço.
— Sim, — respondo alguns segundos depois, incapaz de
suportar a pausa desconfortável. — Está tudo bem.
Horas depois, por fim, tenho alguns minutos para mim. Sem
pensar direito, pesquiso o nome de Gracin no diretório de pacientes.
O prontuário que recebi para seus registros médicos lista apenas o
número de detento para fins de segurança, e isso com certeza não é
o caso do registro oficial dele.
Sua foto deveria ser repulsiva. Quero dizer, quem fica bem
com os macacões azuis sem-graça que obrigam os prisioneiros
usarem? Ele fica, é claro. Seu cabelo está mais comprido na foto,
então devem ter raspado depois que ele chegou à prisão. Gracin
encara a câmera com o queixo inclinado de forma insolente e um
olhar duro e cruel, o qual conheço de maneira tão íntima. A
iluminação forte torna as sombras sob suas lindas maçãs do rosto
ainda mais pronunciadas, deixando seu rosto cheio de ângulos e
bordas duras. Tal como o homem, penso eu.
Respiro de forma profunda e restauradora, enquanto tento
me convencer do que estou prestes a fazer, mas é inútil. Em vez
disso, afasto os olhos da foto dele e começo a ler as anotações em
seu arquivo. Ao fazer isso, meu coração começa a bater forte no
peito e mordisco uma unha enquanto minha outra mão bate no
relatório.
Gracin Kingsley.
Gracin Kingsley.
Só de repetir o nome dele agora faz o meu sangue disparar.
As minhas partes mais primais e animalescas, que
desfrutaram de nosso momento indecente, reagem com uma
crueldade incomum e imploram para saber mais.
Depois de uma rápida olhada para a porta do escritório,
debruço-me sobre o teclado e continuo a ler. De acordo com a data
de nascimento no formulário, Gracin tem 35 anos, nascido e criado
em Macon, Geórgia, como ele me contou quando nos conhecemos.
Viveu uma vida não tão encantada de abuso e pobreza antes de
seus pais morrerem e ele ser mantido sob custódia do estado.
Passo para o histórico médico e meu estômago despenca. Ele não
estava mentindo sobre sofrer abuso nas mãos do pai. Anexo em seu
arquivo está uma extensa lista de relatórios de vários funcionários e
profissionais de saúde contendo dezenas de lesões, incluindo, mas
não limitado a concussões, queimaduras e ossos quebrados. Meu
coração se parte quando o imagino como um garotinho nas mãos de
um homem como Vic. A lista de crimes em sua ficha criminal é
aterrorizante e… impressionante. Seus registros não explicam o
motivo de ele estar na prisão, mas deve ser algo terrível para Gracin
ter acabado em Blackthorne.
Na verdade, nem sei se quero saber.
Dentro dos limites dos portões da prisão, nosso
relacionamento, por falta de uma palavra melhor, está em uma
pequena bolha. Sei que estou segura até certo ponto, afinal ele não
pode sair. Além do nosso breve contato durante seu dia de trabalho,
não preciso vê-lo se não quiser, e sei que se eu precisasse de
ajuda, ela estaria a apenas um chamado de distância. Mesmo
assim, aprender mais sobre o seu passado torna tudo muito real,
concreto e definitivo.
Fecho o registro e saio do computador para o meu turno,
deletando a minha presença ao longo do caminho o melhor que sei.
É um risco bisbilhotar o arquivo restrito, mas eu tinha que descobrir
mais. Agora, receio saber demais e não o suficiente.
Já vi o que ele pode fazer, mas isso não significa que pode
cuidar de tudo sozinho. Ainda mais depois do que aconteceu ontem
à noite. O filho da mãe devia ter pensado melhor.
Parte do sangue a ser derramado é meu pelo que roubaram
de mim, então me enfurece o fato de ele ter saído sem mim,
sabendo como me sinto sobre o assunto. Não que se importe.
Jogo os lençóis para o lado e me visto de maneira rápida e
silenciosa. A arma que Gracin me deu para o nosso passeio no bar
ainda está na gaveta da mesa de cabeceira, onde a deixei. Eu a
pego e guardo no cós do meu jeans. As sensações remanescentes
da nossa noite juntos latejam e doem, mas eu as ignoro enquanto
espreito pela porta do quarto. Agora que sei o caminho para a sala
de controle, pretendo me esgueirar por ela e agarrar um dos
conjuntos de chaves que vi pendurados na parede. Nem sonhando
ele vai fazer isso sem mim. Vou encontrá-lo, mesmo se for
necessário eu amarrar todos os funcionários dessa casa.
Sortuda como sou, Marie aparece antes de eu descer as
escadas.
— Aonde você pensa que vai? — ela questiona.
Por um momento, penso em mentir para ela, mas juro que a
mulher pode ler mentes.
— Vou encontrar Gracin, — respondo com naturalidade. —
Não me importo se você tem noventa anos, se tentar me impedir,
vou arrastar seu traseiro no chão.
Ela bufa e cruza os braços.
— É o seu funeral, — retruca.
Quando tenho uma confiança razoável de que ela não me
seguirá, aumento minha velocidade enquanto tento refazer meus
passos até a sala de controle que Gracin me mostrou. Se eu
conseguir chegar a um dos veículos e sair da casa, vou descobrir
uma maneira de localizá-lo. Deve haver algum tipo de GPS, se não
estiver conectado ao seu celular, então, com certeza, há um no
próprio carro. Não que eu tenha alguma ideia de como fazer algo
assim, mas não sou inútil. Consigo me virar.
Quando chego à sala de segurança, os mesmos dois guarda-
costas do dia anterior, olham para mim ao mesmo tempo.
— Onde ele está mantendo Desmond? — questiono sem
rodeios. — E não brinque comigo agora.
Os dois trocam um olhar.
— O sr. Kingsley nos instruiu…
— Não dou a mínima para o que o sr. Kingsley disse. Ou
vocês me dizem aonde ele foi, ou eu mesma vou encontrar uma
maneira de chegar até ele. — Tiro a arma da minha cintura e aponto
para o cara à esquerda. — Agora, ou um de vocês começa a falar,
ou eu começo a atirar nas coisas.
Dez minutos depois, levo a caminhonete para fora da vaga
de estacionamento. Eu deveria sentir algum remorso por ameaçá-
los, mas não sinto. Digito o endereço que os guardas forneceram e
considero as palavras de Gracin da noite anterior. Não sou
impotente. Posso cuidar de mim mesma. Matei um homem, feri
outros e fugi da polícia. Tenho certeza de que, segundo o governo
dos Estados Unidos, sou uma criminosa e fugitiva. Não muito
melhor do que considerei Gracin ser quando nos conhecemos.
Então me pergunto se alguma vez fui a mocinha nesta história.
Talvez eu não seja. Talvez seja a maldita vilã.
Sal, ao que parece, não está se escondendo muito longe. Ele
mantém uma casa na fronteira Califórnia-México para quando
precisa negociar com seus contatos mexicanos e o cartel para
embarques de drogas. De acordo com Gracin, os dois não faziam
negócios há muito tempo, então por isso ele demorou tanto para
localizá-lo. Não me importo, desde que o faça pagar pelo que tirou
de mim.
A casa, a cerca de quarenta e cinco minutos de distância, é
uma monstruosidade contemporânea. O tipo de lugar que grita
riqueza e privilégio. Bem, seria, se o gramado da frente não
parecesse um massacre de gangues. Há cadáveres por todo o lado.
A guarita que bloqueia a entrada está saindo fumaça, e o portão da
frente foi destruído.
Pode me chamar de louca, mas a visão faz o meu coração
disparar, e as minhas partes femininas se iluminarem como um céu
tomado por fogos de artifício. Ser a pessoa do outro lado da raiva
homicida de Gracin pode ser assustador, mas ser a razão pela qual
ele está buscando vingança faz as minhas partezinhas pervertidas
derreterem um pouco. Sigo pelo caminho da entrada com o veículo,
tomando cuidado para não atropelar nenhum dos corpos antes de
parar ao lado do SUV de Gracin.
Com minha arma nas mãos, agacho-me e examino a frente
da casa em busca de movimento. Não encontrando nenhum, deslizo
ao longo dos carros em direção à porta da frente. Não ouço nada lá
dentro e, por um momento, acho que cheguei aqui tarde demais,
então os gritos começam.
Ouço a voz de Gracin e uma que soa como a de Sal. Fúria
queima em minha barriga e dissolve qualquer medo que eu possa
ter tido. A porta da frente está escancarada e eu olho através dela,
permitindo que meus olhos se ajustem ao interior escuro.
Uma arma na minha têmpora me impede de dar um único
passo para dentro.
— Que diabos está fazendo aqui? — Gracin diz, enquanto
seu corpo se posiciona atrás de mim.
— Que porra você acha? — sibilo de volta, muito ciente de
sua arma pressionada no meu rim. — Você pode baixar a arma,
sabe.
— Não te disse para ficar em casa?
— Desde quando te escuto? — respondo com raiva. — Você
sabia que eu não queria ser deixada para trás outra vez!
Gracin abaixa a arma e me força a virar uma esquina até
uma alcova fora do corredor principal.
— Pensei que depois de ontem à noite você entenderia por
que não posso tê-la aqui.
— Não dou a mínima para o que você quer, Gracin. Achou
mesmo que o sexo mudaria isso?
Há um barulho de briga no fim do corredor, e nós dois
viramos ao mesmo tempo.
— Falaremos sobre isso mais tarde, — ele diz contra o meu
cabelo. — Está com sua arma? — Eu a ergo e lanço um olhar
mordaz para a coisa, o que o faz rir. Acho que não o disfarcei bem,
afinal. — Boa garota.
Apesar da minha irritação, sorrio de volta para ele.
— Fique atrás de mim, — diz ele, — e pelo amor de Deus,
não faça nada estúpido. Não trabalhei esse tempo todo para mantê-
la segura apenas para que você se matasse.
Estamos virando a esquina e voltando para o corredor vazio
quando a voz de Sal chama.
— É melhor acabar com isso logo, King. Não é do seu feitio
ficar de enrolação.
Gracin paralisa na minha frente antes de retomar nossa
caminhada pelo corredor. Quando ele não responde, Sal continua:
— Tudo bem, faça do seu jeito. Eu ia negociar com você,
mas como não quer ser razoável, precisaremos resolver as coisas
de outra maneira.
Duvido muito que os planos de Sal tenham algo a ver com
negociações. Se teve coragem de torturar uma mulher só para
chegar a Gracin, e assim poder retaliar a morte do filho, não haveria
nada que o impedisse de nos matar no momento em que nos visse.
A nossa única chance é chegarmos a ele primeiro. Então ninguém
estará atrás de Gracin e eu posso enfim deixar tudo isso para trás.
Superar Vic e o que me fizeram. Não sei se isso significa seguir em
frente com Gracin ou sem ele, mas acho que é algo que nós dois
teremos que descobrir quando nossas vidas não estiverem mais em
risco.
Viramos uma esquina que leva a uma sala de estar aberta.
Sal espera lá com dois outros homens, os mesmos dois sem nome
que estavam lá naquela noite com Danny. O próprio diabo também
está lá e, com base na expressão cruel em seu rosto, fico surpresa
de ele não rosnar no momento em que põe os olhos em nós.
Meu dedo se contrai na lateral do gatilho, mas me obrigo a
ficar calma quando encontro o olhar assassino de Danny.
— Sal, — Gracin diz enquanto se aproxima. Seu passo
casual e solto desmente a intensidade do seu foco em Sal.
— King. Sinto muito por precisarmos nos encontrar
novamente sob tais circunstâncias.
— Não sente não, — Gracin rebate.
Sal encolhe os ombros e sorri, sem o menor arrependimento,
depois volta sua atenção para mim.
— E essa moça adorável. Voltamos a nos encontrar. Preciso
te dizer, King. Essa aí é especial. Não é todos os dias que alguém
passa pelas mãos de Danny e vive para contar a história.
— O que quer, Sal? — Gracin pergunta, seu tom deixa
evidente que não está com paciência para os joguinhos dele.
— Quero você morto — Sal diz sem rodeios. Ele se vira e
encontra os meus olhos. — E estou disposto a oferecer à sua
namoradinha fofa a liberdade de começar de novo se ela fizer a
ação por mim.
Não deixo a minha expressão me trair em nada.
— Essa é uma boa oferta, — começo, — mas não cobre o
que quero de você.
Sal ergue uma sobrancelha e os lábios se contraem.
— E o que seria?
Danny congela e eu me viro para ele com um sorriso cruel no
rosto.
— Ele, — digo com um aceno de cabeça na direção dele. —
Morto.
Sal considera por um momento, mas Danny, que não perde
tempo, ganha vida com um rugido. Gracin salta na minha frente e a
próxima coisa que percebo é o som de um tiro ecoando na sala.
Assisto Gracin sacudir com a força da bala e depois cair no
chão, sem se mover.
Tudo para.
A minha respiração.
O meu batimento cardíaco.
O meu mundo… tudo.
Por favor, não esteja morto. Por favor, não esteja morto. Só
aguente por mais alguns minutos.
— Seu filho da puta! — vocifero entredentes, enquanto
minha arma se aproxima de Danny. A única célula cerebral entre
suas orelhas deve avisá-lo para ter medo, porque seu rosto
empalidece por completo.
— Você é bem esquentadinha, não é, cara mia? — Sal
murmura.
Não consigo dizer do meu ponto de vista se o sangue vindo
do corpo de Gracin é de um tiro fatal ou apenas um ferimento leve,
mas não me atrevo a tirar os olhos de Danny por medo de acabar
sendo a próxima.
— O que você quer?
Sal atravessa a sala enquanto Danny e os amigos mantêm
as armas apontadas para mim.
— O que eu quero? — ele diz, enquanto pega um
decantador de uísque e se serve de uma dose considerável. — Já
tenho o que quero. King, o rei, está morto, ou estará em breve. Ele
morreu sabendo que sua mulher estava nas minhas mãos, o seu
destino a ser determinado por mim. Morreu sabendo como me senti
quando ele matou o meu filho. As crianças são tudo para mim, para
a minha família. Os patrões de King sabiam disso. Ele deveria estar
fora dos limites. — O cuspe voa de sua boca. — King deveria saber
disso.
— Se ele não sabia na época, ele sabe agora, seu cretino! —
grito.
— Poupe-me do drama, — Sal diz com o aceno de uma mão.
Danny dá um passo à frente.
— Cuido dela para o senhor, chefe.
— Não se atreva, — digo a ele, o cuspe voando. Mas a
expressão agitada de Danny é um pouco ansiosa demais. Um
nervosismo muito à flor da pele.
— Espera. Ele não te contou, não foi?
Sal toma outro gole e coloca o copo no bar.
— Contar, o quê?
— Ela é louca, chefe, — Danny interrompe. — Delirante. Ela
teria que ser para ser a puta do King. Quem pode dormir com um
psicopata assim sem ser medicada?
Sal ergue a mão para o parar. Ele diz para mim:
— Contar, o quê?
Ergo o queixo.
— Eu estava grávida de oito semanas do bebê de King
quando os seus rapazes me apanharam. — Olho para Danny com
todo o ódio que consigo reunir. — Não estava mais grávida quando
eles acabaram comigo.
Minhas palavras caem como pedras no fundo de um lago, as
ondulações expandem e afetam tudo em seu rastro. A cabeça de
Danny cai e ele se vira para Sal com as mãos levantadas em
defesa.
— Eu não sabia, — diz em um tom derrotado.
A raiva de Sal paira sobre seu rosto, tornando-o um
vermelho-vivo.
— Seu idiota de merda, — diz. — Se você não fosse da
família, eu mesmo colocaria uma bala na sua cabeça. Nós não
matamos crianças.
— Deixe-me poupá-lo do trabalho, — Gracin grunhe do chão,
fazendo todos os olhos da sala se moverem para ele assim que um
segundo tiro troveja pelo ar ao nosso redor.
Um círculo vermelho brota sobre o olho esquerdo de Danny,
suas pernas se dobram sob seu peso morto e ele cai no chão,
aterrissando com um baque. Os próximos dois tiros derrubam os
bandidos de ambos os lados de Danny antes mesmo de eu
processar o primeiro.
Sal grita de fúria, e como eu tinha feito todos aqueles meses
atrás, reajo por instinto para proteger o único homem do qual não
consigo viver sem. A arma dispara com a menor pressão no gatilho,
Sal voa para trás e cai contra o sofá.
Depois de alguns segundos de silêncio atordoado, enquanto
ambos processamos o que acabou de acontecer, Gracin olha para
mim.
— Fui ferido de novo.
Surpreendo a nós dois ao disparar até ele e dar um soco em
sua mandíbula.
— Que merda estava pensando, seu psicótico, idiota
suicida? Achou que seria heroico ao saltar na frente de uma bala?
Pensou que eu ficaria grata por vê-lo morrer bem na frente dos
meus olhos?
Ele cai de volta no chão e cobre o rosto com o braço ileso.
— Se vai gritar, pode fazer isso um pouco mais baixo? A
minha cabeça está latejando pra caralho. Acho que caí de cara no
piso.
— É melhor ficar feliz por estar ferido. Se não estivesse, eu
arrancaria suas bolas com as minhas próprias mãos.
— Acho que fui uma má influência para você, — diz, sorrindo
mesmo estando branco como um fantasma sob seu bronzeado. —
Você está muito mais violenta agora do que quando nos
conhecemos.
— Eu me pergunto o porquê.
Antes de fazermos qualquer outra coisa, inspeciono a ferida
no ombro dele. Por sorte não é grave, então arranco uma tira da
minha camisa e a enrolo em volta do seu braço, deleitando-me com
seus grunhidos de dor enquanto amarro a tira.
— Você não deveria ter feito isso, — digo ao terminar, e
minha explosão de medo e raiva também esfria. — Pensei que você
ia morrer.
— Houve um tempo em que você teria ficado feliz com isso.
Deixo o comentário passar porque o entorpecimento da
adrenalina que me impulsionou o dia todo se transforma em choque.
Cheguei muito perto de perdê-lo.
Ele inclina o meu queixo para cima.
— Ei. Você não me perdeu. Estou aqui. Não vou a lugar
nenhum.
Ignorando os corpos no chão ao nosso redor, agacho-me
para ajudar a colocá-lo em uma posição sentada. Quando ele reúne
forças, ajudo a sustentar o seu peso para levantá-lo e depois
caminhar até a porta.
Em vez de descer pela toca do coelho que seria ter uma
conversa séria, troco de assunto.
— O que vamos fazer quanto a essa bagunça? Haverá mais
chefes de máfia e capangas atrás de nós pela manhã?
Gracin solta um suspiro enquanto voltamos para os veículos.
Não preciso o segurar para ele andar. O ferimento é no braço, não
nas pernas, mas, pelo visto, não consigo me afastar dele. Preciso
segurá-lo para conter os meus tremores.
— Eles provavelmente nunca vão parar. Não é como se eu
fizesse amigos no meu ramo de trabalho.
— Bom saber. Vamos levar o meu carro ou o seu? —
pergunto quando os alcançarmos.
Ele olha para mim com uma expressão que é uma mistura de
exasperação e confusão.
— Isso é tudo que você tem a dizer?
— Vamos lidar com isso amanhã, — digo, indiferente. —
Agora, qual carro?
Ele balança a cabeça.
— Não me importo. Vou pedir a alguns dos meus homens
para pegarem o outro quando voltarem para a limpeza.
— Você tem homens que… deixa para lá, — digo, acenando
com os braços. — Não quero saber.
A casa parece diferente quando estacionamos. Não que isso
me surpreenda. Nunca dirigi para a casa de Gracin por vontade
própria, e quando ele me trouxe aqui, era no meio da noite e eu
estava inconsciente.
Ofereci-me para dirigir porque ele está ferido, mas Gracin
não quis saber. O sangue ainda escorre da atadura, e suspiro
quando ele sai do carro com um grunhido.
Ele não se opõe quando eu o levo ao banheiro no primeiro
andar, que é onde imaginei ter suprimentos médicos estocados por
esse exato motivo.
— Sente-se, — ordeno, e ele se acomoda na tampa fechada
do vaso sanitário.
— Já está se tornando um hábito, — diz, encarando-me,
seus olhos cobertos de um pouco de dor e um toque de humor. Ele
disse algo semelhante quando precisei enfaixar suas feridas
enquanto estava em Blackthorne.
A ternura floresce dentro de mim como uma flor solitária que
se enraíza na superfície rachada do concreto negligenciado. Para
enfaixá-lo, abaixo o rosto para o ajudar a tirar a camisa, tendo o
cuidado de manobrá-la ao redor do ombro. A ferida não parece tão
ruim. Ele deveria se considerar sortudo pelo tiro não ter causado
mais danos.
Após reunir o material, passo as mãos pelo cabelo dele,
apenas porque preciso tocá-lo para me assegurar de que está bem,
e ele se inclina na minha palma.
— Alguém precisa cuidar de você, — digo finalmente.
— Está se oferecendo?
Não respondo porque não sei. Fico quieta enquanto termino
de aplicar o novo curativo e o silêncio se torna tão avassalador que
tenho medo de quebrá-lo.
Ele deve ver isso no meu rosto porque abre a boca para falar
e depois fecha quando pensa melhor. Sua mandíbula fica tensa e
pulsa com a indecisão e ele se sacode.
— Me procure quando descobrir, — ele diz, depois faz uma
pausa para beijar minha testa, o gesto mais afetuoso que já
expressou, e isso quase me parte em dois.
Suponho ser um progresso ele não me trancar direto no meu
quarto, então quase solto uma risada. Por um momento, preciso
lutar contra um sorriso. Como é possível que a ideia de ficar em
uma gaiola com Gracin seja atraente? Talvez porque dentro dessas
paredes, encontrei a liberdade, mesmo sendo nas mãos do meu
captor.
Limpo a bagunça e arrumo o material médico enquanto
minha mente trabalha com as minhas opções.
Gracin não é um homem bom. Ele seria o primeiro a me dizer
isso. Ele é implacável, sedento de sangue e não segue a lei. Não
vive pelas regras de mais ninguém além das suas e não se
desculpa por isso.
Consigo imaginar a minha vida sem ele. É uma muito bonita.
Eu teria uma nova identidade, uma sem um mandado de prisão, e
acabaria por me estabelecer com um homem, teria uma casa, um
cão e um par de filhos. Era a vida que eu queria quando conheci
Vic. A vida que pensei que teríamos juntos.
Agora… não consigo imaginar uma vida sem Gracin nela. Os
pontos negativos são bem ruins, mas os positivos, a excitação que
ele desperta cada vez que o vejo? Não tem comparação.
Eu me viro e o vejo parado lá, e quase corro direto para ele.
— Pensei que me daria espaço, — digo, atordoada.
Suas mãos cerram ao lado do corpo, o peito está manchado
de sangue e os hematomas do rosto já estão escurecendo.
— Mudei de ideia.
Meus dentes mordem a carne macia da minha bochecha.
— Mudou?
Ele dá um passo à frente.
— Sim.
— E o que decidiu?
Gracin se aproxima o suficiente para poder levantar meu
queixo com um dedo. Sua expressão é séria e, embora mal consiga
ficar com um olho aberto, seu olhar é solene.
— Decidi que estava certo quando te tranquei aqui para que
não pudesse fugir e se meter em problemas. — Uma irritação me
percorre, mas ele coloca um dedo sobre os meus lábios. — Eu a
queria aqui para me certificar de que estava segura. Vê-la no
armazém daquele jeito… nunca esquecerei aquilo. Percebi quando
você entrou na sala e Danny apontou uma arma em sua direção,
que não queria passar mais um dia sem você. Deixá-la sair daqui,
seria fazer exatamente isso, então vou acorrentar o seu rabo à
cama se for preciso para mantê-la na minha vida.
— E se eu dissesse que ainda quero ir embora, você não me
deixaria ir?
— Não, — diz, seu tom de uma finalidade cruel. — Não
deixaria você ir.
Ele faz uma pausa para tomar os meus lábios. Provo o gosto
metálico do sangue de seu lábio partido, mas por baixo… há o sabor
inebriante dele e eu suspiro, dando um passo à frente para
pressioná-lo mais contra mim.
— Eu não a deixaria ir, — diz contra os meus lábios, — mas
passaria todos os dias convencendo você a ficar.
— Como acha que conseguiria isso? — Minha respiração
está mais ofegante agora e meu coração, que continua vibrando
com a adrenalina da nossa fuga, pulsa com o dobro da velocidade.
— Que tal eu te mostrar?
Estremeço contra ele enquanto me puxa pelo corredor.
Gracin pressiona beijos na minha mandíbula e orelha, depois
pragueja baixinho e me coloca contra a parede na escada. Minhas
mãos vão até sua cintura para agarrar as alças do cinto e puxá-lo
contra mim.
— Está tentando me distrair? — ele pergunta, enquanto sua
língua passa na depressão da base do meu pescoço.
— Talvez. Está funcionando?
Ele empurra a ereção contra mim e eu respiro fundo.
— Você me diz, — ele responde.
Solto um gemido e o puxo pelo corredor.
— Acho que preciso de um pouco mais de convencimento,
— digo com um sorriso travesso. — Isto é, se não estiver muito
machucado.
Alcançamos sua porta e ele me pressiona por trás, a rigidez
de seu pau cutucando a fenda da minha bunda.
— Nunca. Eu estaria morrendo e ainda assim de pau duro
por você.
Ele abre a porta e nós entramos o suficiente para fechá-la.
Luto para me virar, mas ele mantém minhas costas pressionadas
em sua frente e coloca minhas mãos acima da minha cabeça.
— Fique com elas para cima, — rosna, e estou tão tensa que
não tenho força de vontade para discutir.
Atrás de mim, ouço o som dele tirando as roupas: o tilintar da
fivela do cinto se desfazendo, a batida dela contra o chão, o clique
do zíper, o sussurro das calças caindo no chão. Quando sinto o
calor dele nas minhas costas outra vez, estou tremendo.
Começo a abaixar as mãos e ele me dá uma mordidinha no
ombro em retaliação.
— Pensei que tinha dito para mantê-las para cima.
— Por favor, — sussurro. — Quero tocar você.
— Vai tocar. Paciência, ratinha. — Ele beija o local da
mordida e o acalma com a língua.
Faço como pede, mas só porque ele continua me tocando
sem parar. Minha cabeça cai para trás e eu gemo para o teto
enquanto suas mãos seguram meus seios, amassando o material
fino da camisa.
— Tire ela, — imploro, e ele faz, deslizando a camisa sobre a
minha cabeça e jogando-a longe. — Tire tudo.
Desta vez, ele me provoca em vez de obedecer, e isso me
faz trocar os pesos dos pés e jogar meu cabelo para trás. As palmas
de suas mãos cobrem os meus seios sobre o meu sutiã e depois ele
desenha círculos ao longo do algodão. Há enchimento suficiente
para não poder senti-lo, mas sei que o seu toque está a apenas uma
camada de distância, e isso me deixa louca.
Quando estou me contorcendo de modo automático contra
ele, Gracin puxa para baixo o bojo do sutiã e me desnuda para o
seu toque. Dedos habilidosos prestam reverência aos meus
mamilos, arrancando gemidos profundos de mim. Ele os torce,
apenas o suficiente para me causar dois focos de dor e prazer,
então solta o fecho e as mãos viajam até o cós do meu jeans.
Minha respiração prende em meu peito enquanto os dedos
dele dançam ao longo da borda.
— Por favor, — sussurro e, desta vez, ele me dá o que
quero, desabotoando as calças e mergulhando a mão por baixo.
Ele usa uma mão para virar minha cabeça e beijar meus
lábios e a outra para encontrar a umidade com a menor pincelada
de seus dedos.
— Tão pronta, — provoca. — Acho que você gosta da ideia
de ficar aqui comigo. A minha ratinha se transformou num gato?
Murmuro palavras ininteligíveis contra seus lábios e o sinto
sorrir. Meu coração estremece no meu peito, e sei que não serei
capaz de sobreviver a ele. Não há recuperação para o que ele faz
comigo. Não há como me afastar. Mesmo se essa fosse uma opção,
acho que não conseguiria.
Sua língua invade, saqueia, conquista e o encontro golpe por
golpe, arrancando um gemido do fundo de sua garganta. A mão na
minha garganta aperta e é inevitável não lembrar da primeira vez
que ele me colocou contra uma parede. A memória ganha vida e me
faz esfregar nele, os quadris procurando um alívio para furacão de
emoções fustigando-me por dentro.
Gracin só pressiona mais perto, então fico presa entre o
corpo dele e a porta. Estremeço com a necessidade de libertação, a
ânsia de tocá-lo e expressar todas as coisas que não posso com
palavras.
— Shh, apenas deixa comigo, — ele diz, enquanto os dedos
começam a se mover contra mim.
Sou apenas capaz de receber o que ele dá. Gracin mantém a
doce tortura até a porta vibrar com o resultado da tensão que cresce
dentro de mim. Bem quando penso que vai me levar a um clímax,
ele se afasta e permite que meus braços caiam ao meu lado.
Eu me viro e ele abraça, depois me guia até a cama. Com
muita ganância, eu o tomo em meus braços e aceito o seu peso em
cima de mim. Minhas pernas envolvem sua cintura e o puxam para
perto.
— Calma, — ele diz, com um tom brincalhão. — Não tão
rápido, sua diabinha.
— Não consigo mais esperar, — digo e me esfrego contra
ele. — Agora.
Ele puxa meu jeans com o pouco espaço que o permito ter,
então volta para cima do meu corpo.
— Vou levar o meu tempo, — avisa.
E ele o faz.
Parece uma espécie de autopenitencia por tudo o que ele fez
de errado comigo. As manipulações quando ele estava na prisão,
por ter me trancado, por ser responsável pela minha dor. Ele me
adora com os toques mais suaves, as carícias mais
enlouquecedoras até que eu esteja perto das lágrimas com a força
da minha necessidade. Ele nunca se desculpou pelo que fez e
percebo que isso é tão desnecessário quanto eu o agradecer por
me salvar.
Lágrimas vazam dos cantos dos meus olhos e ele as lambe
enquanto me penetra. Minha respiração fica presa na garganta
quando seu piercing atinge todos os pontos sensíveis dentro de mim
e os acaricia.
Seus impulsos são lentos, medidos, e quando abro os olhos,
encontro-o me observando.
— Fique comigo, — pede, logo antes de sua boca encontrar
a minha num beijo suave. — Me diga que ficará comigo. Não posso
perder você.
Ergo as mãos para o cabelo dele e olho no fundo de seus
olhos.
— Você não se livraria de mim nem se tentasse.
Minhas palavras fazem algo com ele e seus impulsos
aceleram. Seu controle se quebra ao meu redor e percebo que,
talvez, ele precise de mim para acalmar suas partes despedaçadas
tanto quanto necessito dele para me mostrar que há alguém
precisando de mim em troca.
Quando gozo, cercada por seus braços e ancorada por seu
peso, sei que de forma nenhuma abriria mão de mais um minuto
sequer sem ele ao meu lado. Se ele é um vício, acolho com prazer o
êxtase de usá-lo. Dê-me outra dose, e outra, e mais uma, até que
me mate ou me dê um gostinho do paraíso.
Perco-me no seu beijo, no seu toque, no seu amor tóxico.
— A promotoria chama Tessa Emerson para depor.
Em outra vida, enquanto eu caminhava para o banco dos
réus, o medo teria me segurado em suas garras, assim como meu
ex-marido tinha no tempo em que estávamos casados. Não sou
estranha ao seu abraço sombrio, mas agora enfrento meus medos
em vez de correr.
O oficial de justiça me leva ao estande e eu me acomodo de
frente para uma sala cheia de pessoas que já se sentaram durante
horas de depoimento de testemunhas. Havia alguns guardas que
testemunharam que Vic era um homem e marido íntegro, mas esses
testemunhos foram cancelados assim que chegou a vez de Annie.
Pelo visto, eu não tinha escondido nada dela e Annie contou sobre
cada hematoma e costela quebrada com a qual eu tinha aparecido
para trabalhar. Mas isso não foi tudo… Ela mostrou uma foto após a
outra de mim na minha mesa, eu me inclinando sobre os pacientes,
e eu abraçando minhas costelas… em cada uma delas, o júri podia
ver as marcas roxas sobre a minha pele em vários pontos.
— Jura solenemente que dirá a verdade, toda a verdade e
nada mais que a verdade, que Deus a ajude? — pergunta o oficial
de justiça com uma voz entediada.
— Juro, — respondo.
Gracin não está na sala, é claro, afinal, é procurado pelo
assassinato de Tino Salvatore e por sua fuga da prisão, mas ele
está por perto, observando, esperando. Tiro força desse
conhecimento enquanto a acusação me questiona sobre o meu
casamento com Vic. Respondo às suas perguntas da forma mais
honesta possível. Quando atirei nele, agi em legítima defesa, e eles
não têm provas para dizer o contrário.
— Quer dizer que você permaneceu numa relação abusiva
durante anos? Alguma vez tentou ir embora?
— Sim, em várias ocasiões.
— E o que aconteceu?
— Ele me espancou.
O advogado dá um sorrisinho malicioso e o público murmura.
— Você não pensou em ir à polícia denunciar o
comportamento dele?
— Fiz isso, uma vez.
— Uma vez? E o que aconteceu?
Volto minha atenção para o honorável juiz Edward Milton,
que se remexe em seu assento, e levanto as sobrancelhas em um
questionamento silencioso se ele quer mesmo que eu responda a
esta pergunta em um tribunal aberto. Ele chama por recesso, mas
não importa. Uma vez que Gracin e eu decidimos ser do meu
interesse limpar meu nome, eu sabia que era apenas uma questão
de tempo até eu precisar ficar em frente ao homem que me disse
que as mulheres deveriam obedecer aos seus maridos. A palidez
cinzenta clareando a sua queixada tripla me diz que ele também não
se esqueceu de mim.
Enquanto o tribunal se esvazia, o oficial de justiça me dá o
sinal para descer da tribuna. O promotor zomba de mim e eu dou
uma piscadela em troca. Ele não tem culpa por ter um emprego
ingrato, além disso, tenho coisas mais importantes para me
preocupar.
Espero no corredor até que esvazie por completo. Quase
todos os funcionários aproveitaram a calmaria para sair para
almoçar, então ninguém percebe quando caminho com cautela ao
redor da corda de veludo dividindo os setores público e privado do
tribunal. Ninguém me impede no meu caminho até os aposentos
privados do juiz. É uma cidade pequena, e embora todo mundo se
conheça, também são educados demais para me dizer que eu não
deveria estar lá.
Chego à porta do juiz Milton e entro sem bater. Ele não
parece muito surpreso ao me ver, considerando que seu foco está
todo na arma que Gracin tem contra sua têmpora. Fecho a porta
atrás de mim e me sento numa cadeira de couro confortável e
desgastada, situada em frente à mesa dele.
O juiz Milton abre a boca para falar, mas ela se fecha quando
Gracin o cutuca com a arma.
— Esta não é a parte de falar. É a de escutar.
— Vejo que se lembra de mim, — digo. — Bom, então deve
saber o motivo de eu estar aqui. Vou ser rápida porque não vale a
pena desperdiçar o meu tempo. Serei inocentada de todas as
suspeitas sobre a morte do meu marido e você garantirá que isso
aconteça. Se não o fizer… bem, acho que não precisamos ser
grosseiros. Você entende, não é?
Uma gota de suor escorre pela testa dele e cai em sua mesa
imaculada. Quando ele não responde, inclino-me para a frente.
— Esta é a parte de falar.
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