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Copyright 2022 ©Carlie Ferrer

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violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°
9.610/98, punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Sumário
Título
Copyright
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Epílogo
Dedicatória
Agradecimentos
Suas mãos fortes agarram minha carne e apertam, nossos
corpos se movem juntos, meu corpo conhecendo cada pedaço de
seu corpo firme e definido. Abro os olhos e vejo seus lábios, a boca
entreaberta, o queixo quadrado e a barba por fazer. E a máscara
prateada que cobre seu rosto. Tento ver melhor seus olhos apesar
da pouca luz do quarto, e...
— Ellah! Ellah! Acorde!
Duas mãos se plantam em meus braços e me sacodem, por
fim, os dedos magros parecem perfurar minhas costelas e sou
obrigada a abrir os olhos.
— Erin! Pare com isso! — ralho contendo a gargalhada.
— Cócegas nunca falham! — observa satisfeita.
Esfrego os olhos e me sento na cama, minha irmã mais nova
usa tranças adoráveis e me estende um papel.
— Você está atrasada, o papai já vai levar as cartas para o
Papai Noel e você não fez o seu pedido. Apresse-se.
— Foi por isso que você me acordou?
Minha irmã de sete anos parece decepcionada por meu
desapontamento, então preciso fingir que um pedido ao Papai Noel
é muito importante.
— Obrigada, Erin Belmont, você salvou o meu natal, me dê
esse papel.
Seu sorriso aparece e ela me estende uma folha enfeitada e
um lápis.
— Vejamos, o que posso pedir.
O emprego com o novo sócio do papai, claro. Dizem que ele é
introspectivo, grosseiro e não gosta de fazer favores, talvez eu
precise de um milagre natalino. Começo a escrever isso, tenho
certeza que sim, mas o que está escrito quando observo o papel é
outra coisa.

Reencontrar o homem do clube noturno.

— Não! Como isso aconteceu?


— Que homem e que clube? Você foi nadar à noite? — Erin
pergunta com seus olhos castanhos crescidos no meu papel.
— Fui! Claro! Escrevi errado, você tem outro papel?
Ela revira os olhos e tira do bolso um monte deles.
— Eu sabia que você faria isso, você pensa demais, Ellah!
Agora escreva logo que quer um namorado e me dê seu pedido
antes que o papai saia.
— Ok!
Pedir um namorado não seria má ideia, parece que também
precisarei de um milagre quanto a isso. Não precisamente um
relacionamento em si, já tive alguns e todos terminaram porque eu
não tenho paciência para relacionamentos. E todos eles me
disseram que minha impaciência se deve ao fato de eu não ter
sentimentos. Então é isso, nunca me apaixonei. Às vezes sinto-me
ansiosa em tomar um pote de sorvete enquanto choro de dor por
alguém que tem o poder de me ferir, porque eu sinto algo por ele,
mas nunca senti nada além de tesão por ninguém.
Eu poderia pedir qualquer uma dessas três coisas, mas qual
delas? Até parece que esse pedido será entregue ao Papai Noel,
entidade, que vai me atender.
— Quer saber? Vou fazer três pedidos.
— Você não pode fazer três pedidos! É contra as regras! —
Erin ralha irritada.
— Contra as regras de quem?
— Do Papai Noel, acha que ele é seu funcionário?
— Ele só trabalha uma vez por ano, vai superar isso. Pronto,
esses são meus pedidos, coloca no envelope e entrega logo para o
papai.
Ela lê o que escrevi e revira os olhos.

Querido Papai Noel


Aí vai meus pedidos
1 – Reencontrar o homem do clube noturno
2 – Conseguir a vaga com o sócio do papai
3 – Me apaixonar

Contrariada, Erin deixa meu quarto e leva minha cartinha para


o Papai Noel.
— Faça o seu melhor, velhinho — desafio voltando a dormir.

— O quanto a tatuagem dele era estranha? — Nina pergunta


ao telefone, enquanto confiro meu visual impecável antes de ir
conhecer o velhote chato e antiquado, vulgo sócio do meu pai.
— Do tipo muito estranha, era brega. Um coração torto,
provavelmente desenhado por um tatuador de cinco anos, sobre o
peito esquerdo.
— Ew! Um coração sobre o coração? Quando você disse que
era brega, não estava brincando!
— Nina, e aquele segurança que nos deixou entrar? Você o
conhece, certo? Ele não saberia dizer quem era o homem com a
máscara prateada no quarto número cinco?
— Se eu perguntar algo assim para ele, nunca mais me
deixará entrar lá.
— Azar o seu! Pergunte!
— De jeito nenhum! É isso o que eu ganho por levar você para
um pouco de diversão! Nunca se apaixonou na vida e resolve fazer
isso por um desconhecido mascarado de um clube noturno só
porque ele fode bem.
Fecho meus olhos e me lembro de suas mãos grandes
segurando minha carne, do corpo esculpido, do membro rijo e
avantajado...
— Ellah? Está me ouvindo? Eu disse que o encontrar é
impossível, meu bem. O Maskerade é um clube de sexo secreto,
nenhuma identidade é revelada, as máscaras não podem ser tiradas
lá dentro fora do quarto secreto, e você não o convidou a ir até lá.
— Eu sei, você repetiu essas regras umas vinte vezes, eu
poderia recitá-las. Não o chamei porque ele poderia rejeitar, afinal
ele claramente é um frequentador assíduo daquele lugar, tem
bastante experiência e eu fui só uma menina em suas mãos.
E sequer provei aqueles lábios, que eram tudo o que eu podia
ver do seu rosto, porque é contra as regras nos quartos privados
beijo na boca, pela garantia do segredo da identidade de seus
clientes. Apenas indo ao quarto secreto, e o clube só possui dois
desses, é que as máscaras podem ser retiradas, caso os clientes
queiram se revelar. Então eles têm que deixar o clube depois disso.
— O que você vai fazer? — Nina, a responsável pela minha
paixonite impossível pergunta.
— Agora? Impressionar o velhote sócio do papai. Depois das
festas de fim ano? Voltar ao Maskerade até reencontrá-lo. Vou ficar
experiente o bastante para chamá-lo ao quarto privado.
— Assim que eu gosto. Vá impressionar seu velho, vou ficar
procurando tanquinhos com tatuagens escrotas por aqui. Vamos
torcer que eu tenha alguma sorte.
Encerro a ligação e confiro meu visual mais uma vez. Cachos
perfeitamente alinhados em um rabo de cavalo perfeito. Um vestido
leve, não curto nem comprido, não decotado, mas ressaltando
minhas curvas. Quase nada de maquiagem. Só preciso sorrir e ser a
filha que meu pai espera que eu seja para o velhote me achar
adorável.
— Você consegue, Ellah Belmont. Seja adorável uma vez na
vida! Você consegue.

Caminho elegante e devagar sobre minha sandália de dedos,


até pensei em complementar meu look com um sapatinho de salto
baixo, mas não quero que o velhote saiba que me vesti para
impressioná-lo. Então estou de sandália de dedos, um vestido leve,
uma garota comum na casa do pai antes das festas de fim de ano.
Ouço o som de conversas da área da piscina e me encaminho para
lá. Erin nada na piscina e acena para mim enquanto desço as
escadas. Avisto papai à mesa, ele sorri, um gesto rápido de cabeça
confirmando que me vesti adequadamente. Há um homem ao seu
lado, mas é Renato, o contador, então onde está o velhote?
— Aqui está seu presente de natal antecipado, pequena Erin
— uma voz grave diz atrás de mim assim que termino de descer os
degraus.
As coisas acontecem tão rápido, ao mesmo tempo, como que
em câmera lenta. Erin emite um gritinho estridente de felicidade e
corre para deixar a piscina em direção ao seu presente. Viro-me
para trás curiosa e há um homem abaixado tirando algo de uma
caixa. É um cachorro. Um filhote. Ele o coloca no chão e se levanta.
E então tudo desanda. O homem diante de mim é muito bonito, tem
os cabelos um pouco compridos, bagunçados de uma maneira
charmosa, a barba por fazer contém alguns fios grisalhos, e o
corpo... O corpo é forte e definido e bem ali sobre seu peito
esquerdo, a tatuagem brega de coração.
Quem mais no mundo faria uma tatuagem estranha como essa
exatamente nesse lugar?
Meu coração acelera de repente quando ele olha diretamente
para mim, viro-me para correr covardemente, mas tropeço em algo
e caio na piscina com as pernas para cima. Maldita hora em que
decidi colocar um vestido rodado. Papai, o contador e o homem do
clube noturno acabaram de ver minha calcinha e algumas coisas
mais.
Fico de pé na piscina após cuspir a água que entrou por todos
os buracos possíveis do meu rosto. Vejo Erin dobrando a barriga de
rir enquanto segura nos braços um filhote de pug. Foi nessa coisa
pequena que tropecei. Papai e Renato vêm correndo até a borda da
piscina, mas é ele, o bom fodedor do clube noturno, que se
aproxima das escadas e me estende a mão.
Meu cérebro entra em parafuso quando vejo sua mão
estendida. “O que ele está fazendo aqui?” “Como ele me
encontrou?” “Ele sabe quem eu sou?” Claro que não sabe quem eu
sou! Estávamos de máscaras! Eu usava uma máscara negra de
cisne, floreada por penas, todo meu rosto estava coberto, exceto a
boca, que é para onde ele olha fixamente. Disfarço, desvio meu
rosto para papai com um sorriso e digo:
— Estou bem, o cachorrinho se embolou nos meus pés.
— Sinto muito por isso, acho que o libertei da caixa no
momento errado — ele diz e sua voz grave parece atingir lá dentro
dos meus ouvidos, me levando de volta a como ele falava
sacanagens no meu ouvido sussurrando na outra noite. — Venha,
irei ajudá-la.
— Eu consigo sozinha, valeu — respondo desviando de sua
mão, deixando a piscina. — Papai, vou me trocar e espero que seu
sócio compreenda meu pequeno incidente e não se chateie por eu
não tomar café da manhã com vocês. Assim que estiver seca e
vestida, eu volto para conhecê-lo.
Papai tem um sorriso no rosto, mas é Erin, portadora de más
notícias quem diz:
— Mas você já o conheceu, esse é o tio Rocco, o sócio do
papai. E ele me deu uma cachorrinha de presente.
Devagar, giro meu corpo em direção a ele e não acredito que o
homem que me fodeu em um clube noturno seja o sócio careta do
meu pai. Não faz sentido, não há a menor chance, isso não pode
ser real. Ele estende a mão de novo em minha direção, um sorriso
de lado, os olhos passeando por meu corpo e diz:
— Agora imagino que vá tocar a minha mão. É um prazer
conhecê-la, Ellah. Seu pai me falou muito sobre você.
Forço num sorriso que não deve ter funcionado, já que
claramente ele quer rir e toco sua mão.
— O prazer é meu Sr. Villani. Espero que ele tenha dito
apenas coisas boas.
— Ah, sim, com certeza. Mas nada como uma primeira
impressão, não é mesmo?
Como se a humilhação em que me encontro já não fosse
suficiente, Erin escolhe este momento para abrir a boca e dizer
quase aos gritos, como se tivesse tido uma ideia excelente:
— Já sei! Vou chamar essa coisinha linda de Tombo!
A encaro chocada e ela faz um gesto negativo com a cabeça.
— Tombo não, afinal ela é uma menina, será Queda.
— Erin, este não é um nome adequado a um presente que...
— É um nome bastante pertinente, pequenina. Queda, sempre
que a chamarem perto de uma visita, terão que explicar este
momento — o bom fodedor aprova, provocando-me.
Ele está mesmo se divertindo com isso?
— Erin, venha, me ajude a escolher uma roupa, vamos.
— Você vai usar o que eu escolher?
— Claro que sim, querida, vamos.
— Posso levar a Queda?
— Pode levar essa coisinha linda e fofa que você não vai
chamar de queda — insisto, pegando sua mão e a arrastando com a
coisa pequena a tiracolo até meu quarto.
Passo a próxima hora tentando fazer Erin mudar de ideia,
oferecendo até mesmo minha maleta de maquiagem a ela caso
mude o nome da cachorra, mas depois de sessenta minutos de
tortura e barganha, o máximo que consigo da minha irmã, cujo
sangue é o mesmo teimoso que o meu, é uma promessa de que vai
pensar. E ainda sou obrigada a descer para o almoço trajando a
roupa que ela escolheu: um vestido da minha adolescência, puído e
desbotado pelo tanto que o usei. Ele é vermelho, estampado de
bolas bancas, e quando digo bolas, quero dizer que não são
bolinhas. Erin acha que me pareço a uma árvore de natal enfeitada.

Desço até a área gourmet atrás da casa do meu pai, todos já


estão à mesa agora, e, graças aos céus, o sócio do papai não está.
Talvez tenha ido embora. Sorrio mais tranquila e quando me
aproximo da mesa, uma rajada de vento me envolve. Há algo que
esqueci de mencionar sobre este velho vestido vermelho de bolas,
ele possui a cintura bem marcada e é bastante rodado. Quando digo
bastante, digo muito mesmo. Assim que o vento sopra minhas
pernas, a saia do vestido se agita para cima, revelando-as.
Imediatamente a seguro na frente, para não dar mais uma visão da
minha calcinha ao meu pai e o contador, mas precisaria de quatro
mãos para cobrir minha retaguarda.
É quando escuto um assovio baixo e uma mão grande e
quente pousa logo acima da minha bunda. Fico paralisada onde
estou, incapaz de encará-lo.
— Acho que você não aprendeu a lição sobre vestidos no dia
de hoje, Ellah. Não que eu ache ruim, você com certeza tem uma
bela coleção de calcinhas — ele diz baixinho aproximando-se.
Papai está entretido em uma conversa com Renato e Sheila,
nossa governanta e me viro para o safado embutido furiosa.
— O que você acha que...
De repente, sua mão quente deixa o telhado da minha bunda,
e ele segura meu rosto com as duas mãos, puxando minha cabeça
em direção a sua. Mais estranho é o que ele faz a seguir: o safado
embutido cheira meu cabelo.
— O que vocês estão fazendo? — Erin pergunta e ele me solta
repentinamente.
Parece confuso e atordoado.
— Nada demais, pequenina, só estava sentindo o cheiro do
shampoo da sua irmã. Acho que o conheço. Acho que já o senti
antes.
Minhas pernas paralisam e desvio meu rosto do seu. Ele está
me olhando de forma estranha, observadora demais, como se
buscasse algo. Não é possível que ele tenha me reconhecido pelo
cheiro do meu cabelo, certo? Não, não pode ser!
Então minha mente é tomada por lembranças dos nossos
corpos entrelaçados enquanto eu montava nele e meu cabelo se
soltou do coque que havia feito, caindo como uma cascata de
cachos negros ao redor do seu rosto. Ficamos assim por um bom
tempo. Ficamos assim por tempo o suficiente para ele gravar o
cheiro do meu shampoo? Merda!
Viro-me e vou direto até a mesa, me sento entre Sheila e
Renato, embora deteste me sentar ao lado dele e sua mão boba, e
o safado continua me observando atentamente quando se senta de
frente para mim. E, como sempre, se não estivesse ruim o bastante,
papai abre um sorriso e me comunica como se tivesse me feito um
enorme favor:
— Ellah, convidei o Rocco para passar o fim de ano conosco
na casa da serra. Assim, ele poderá conhecê-la melhor. E ele
aceitou, não é maravilhoso?
Olho imediatamente para ele, que sorri, o queixo apoiado nas
mãos cruzadas sobre a mesa. Parece genuinamente contente ao
dizer:
— Estou ansioso em conhecê-la melhor, Ellah. Você parece
bem interessante.
— Muito obrigada, Papai Noel! — ralho baixinho.
Sim, fui eu que pedi para reencontrar o homem do clube e
conseguir a vaga com o sócio do meu pai na mesma carta, indo
contra as regras do Papai Noel de um pedido apenas, mas ele não
precisava ter transformado dois pedidos em um só. Não mesmo.
— Aqui está — a pequenina diz, estendendo-me um envelope
vermelho. — Tem certeza que consegue entregar a tempo para os
duendes? Eu prometi a Ellah que a carta dela seria entregue a
tempo, mas o papai não esperou.
Seus olhos suplicam que eu garanta que a carta de natal de
sua irmã será entregue a tempo ao Papai Noel. Sorrio. Sinto falta de
mentir para uma criança no final do ano.
— Eu prometo, pequena Erin, que o pedido da sua irmã estará
nas mãos do Papai Noel hoje mesmo.
Ela sorri, aliviada, depois revira os olhos.
— Ela fez três pedidos, não acho que o Papai Noel vá atendê-
la. Espero que ele escolha um deles para dar a ela, de preferência o
do namorado, ela está precisando de um.
— É mesmo? Sua irmã não tem namorado?
— Não. Papai diz que é porque ela é desagradável e
estabanada. — De repente arregala os olhos e parece arrependida.
— Mas não diga a ele que eu disse isso, ela está se esforçando
para você gostar dela e ela conseguir a vaga.
— Pode deixar, não vou dizer nada.
— Mas você gosta dela, certo? Esqueça o que eu disse sobre
ela ser desagradável. Ela é muito legal.
Sorrio de sua tentativa de me enganar e finjo cair nela.
— Tendo uma irmã adorável como você, tenho certeza que
sim. Eu gosto dela, não se preocupe, pequenina. Ainda que ela seja
uma abusada que faz três pedidos ao Papai Noel.
Ela se afasta finalmente, liberando-me para o almoço, mas
estou curioso demais para seguir em frente, então confirmo que
ninguém está olhando e abro o envelope. Ele está fechado apenas
com uma fita adesiva colorida, que não adere quase nada ao papel.
Pego o papel dentro e vejo uma letra caprichada e os três pedidos
de Ellah Belmont.

Querido papai Noel


Aí vai meus pedidos
1 – Reencontrar o homem do clube noturno
2 – Conseguir a vaga com o sócio do papai
3 – Me apaixonar

Clube noturno... a filha desagradável do meu sócio acaba de


ficar mais interessante. Então ela frequenta esse tipo de lugar.
Coloco a carta no bolso e vou em direção a área gourmet, onde
Enrico e Renato me aguardam, ao longe avisto alguém de pé,
cachos negros incontroláveis voando ao vento e, logo mais abaixo,
uma bunda durinha enfeitada por uma calcinha fio duplo vermelha.
Paro alguns segundos para admirar a vista diante de mim. Sim,
Ellah é gostosa, não que eu tenha algum direito de reparar nisso.
Mas uma vez que planeja ser agradável comigo para me enganar,
não será pecado brincar um pouco com ela. Aproximo-me por trás e
assovio pouco antes de plantar a mão logo acima da sua bunda,
perto o bastante para meu dedo mindinho descansar logo acima do
morro redondo, segurando a saia que levantava com o vento.
— Acho que você não aprendeu a lição sobre vestidos no dia
de hoje, Ellah. Não que eu ache ruim, você com certeza tem uma
bela coleção de calcinhas — observo.
Consigo ouvir sua respiração irritada e vejo a forma como ela
cerra as mãos em punhos. Sim, ela se irrita fácil. Vira-se em minha
direção quando o vento agita seus cabelos e seu movimento faz
com que eles sejam lançados em meu rosto. E então sinto. O cheiro
de seu cabelo. A textura.
— O que você acha que... — sua bronca morre quando seguro
seu rosto com as duas mãos e a aproximo para sentir melhor esse
cheiro.
Sim, não estou maluco! É o mesmo cheiro. Não só o cheiro do
cabelo é igual, como a textura, peso, os cachos. Consigo senti-los
cobrindo meu rosto enquanto ela cavalgava gostoso no meu pau.
— O que vocês estão fazendo? — a voz da pequenina afasta
os pensamentos pervertidos que estavam me tomando e solto sua
irmã, observando-a detalhadamente.
A altura não é a mesma, mas ela usa sandálias de dedo agora,
a garota da outra noite usava uma sandália de salto, a diferença de
tamanho pode estar aí.
— Nada demais, pequenina, só estava sentindo o cheiro do
shampoo da sua irmã. Acho que o conheço. Acho que já o senti
antes.
Observo seu rosto em busca de sua reação, mas ela apenas
se vira e vai para a mesa. Ela disse na carta ao Papai Noel que quer
reencontrar o homem do clube noturno, então frequenta esse tipo de
lugar. Será possível que ela tenha sido a mulher da outra noite?
Depois de tudo o que me aconteceu, finalmente decidi tentar
seguir em frente. Riccardo Razo, meu amigo de faculdade, é o dono
do Maskerade, um clube de sexo secreto. Nunca antes havia tido
curiosidade sobre seu negócio até aquela noite em que finalmente
fui conhecê-lo. Estava bebendo no bar enquanto mulheres seminuas
circulavam à minha volta, quando a vi. A linda mulher de pele
morena em um vestido negro. Possuía lábios carnudos em um
vermelho tentador e um corpo com tantas curvas que foi impossível
não me imaginar derrapando nelas. Ela estava acompanhada de
outra mulher e foram em direção ao corredor dos quartos abertos.
Ficou um tempo assistindo os casais que gostam de se exibir então
decidi tentar a sorte. Tirei a gravata que estava usando, já que o
tema do clube é sempre um baile de máscaras, passei por ela e a
deixei em sua mão, como um convite, segui direto pelo corredor e
adentrei o corredor dos quartos privados.
As quatro primeiras portas estavam fechadas, o que significava
que estavam ocupados, mas a quinta estava aberta. Entrei no
pequeno quarto, sentei-me sobre a cama e esperei. Pouco depois
ela entrou no quarto com a gravata nas mãos e fechou a porta atrás
de si. Assim, sem planejar, por um tesão inesperado, tive uma noite
louca de sexo com uma desconhecida. Uma noite maravilhosa, para
ser sincero.
Se ela for mesmo a mulher daquela noite, tem uma tatuagem
em um local peculiar, que eu não conseguiria confirmar na filha do
meu sócio a menos que a visse nua e pudesse tocá-la. Se ela for
mesmo a mulher daquela noite, definitivamente darei a vaga que
Enrico tanto quer que eu dê a ela. Uma mulher que não teme seus
desejos e se aventura em seu prazer é sempre uma mulher a ser
admirada.

Chego cedo à casa de Enrico na manhã seguinte, há três


carros aqui para nos levar a famosa casa da serra da família
Belmont. Sheila, a governanta da família coordena os funcionários
para que guardem as malas e confirmo que irei em meu próprio
carro. Sim, estou seguindo em frente, eu prometi fazer isso e
apenas por isso aceitei esse convite. Se fosse por minha escolha
preferiria passar mais um natal e ano novo sozinho na minha casa
enchendo a cara. Mas está na hora de parar de fugir da minha
promessa. Vitória não deve estar nada feliz comigo agora.
Entro na casa para ajudar as filhas de Enrico com suas malas,
quando sem querer, o escuto conversando com Ellah, embora não
os esteja vendo do corredor onde me encontro, sei que é ela pelo
teor da conversa.
— Você precisa se esforçar mais, não causou uma boa
impressão caindo daquele jeito nos primeiros segundos.
— Mas a culpa foi dele! Quem dá um cachorro de presente
para uma criança que nem conhece?
— Alguém que sabe dar presentes — Enrico responde. —
Escute, Ellah, o que estou fazendo por você, nunca fiz por ninguém.
Seu tio insistiu quando Pietro se formou que eu desse a ele um
cargo importante na empresa e sabe que o fiz começar de baixo,
como qualquer funcionário com o currículo que ele possuía. Nunca
cedi a nenhum parente ou amigo, nunca permiti na minha empresa
que o parentesco beneficiasse alguém. Agora, estamos falando de
Rocco Villani, um gênio editorial. Tive a chance de ser seu sócio
nesse novo negócio e estou passando por cima do que defendi a
vida inteira pedindo um favor a ele que nunca fiz por ninguém.
Espero que entenda o quanto estou sacrificando por você!
Há alguns segundos de silêncio e a voz da garota é mais baixa
e dócil ao responder:
— Pai, então por que não desistimos? Isso o incomoda e não
causei uma boa impressão, vamos deixar isso para lá.
— Claro, maravilhoso! E você começa como assistente em
outra editora qualquer, pode ser? É o que quer? Porque é o que
merece com sua qualificação, mas sei que é capaz de muito mais
do que isso.
— Não acho que ele vá ceder e me dar a vaga.
— Então convença-o. O sucesso é feito das oportunidades que
você aproveita. Ele estará conosco pela próxima semana, tudo o
que tem que fazer é mostrar a ele que pode se arriscar com você,
que é competente e capaz.
— Eu conseguiria fazer isso se estivéssemos em uma viagem
de trabalho, mas nas festas de final de ano? Como vou falar de
negócios com ele em pleno natal?
— Não fale, apenas mostre a ele que é alguém confiável, gentil
e solícita.
Uma risada debochada escapa dela, o que me surpreende.
— Tudo bem o confiável, mas gentil? Solícita? Você quer que
eu engane o homem em pleno natal.
— Eu quero que você se comporte como deve perante seu
provável chefe, acha que é possível? Você não tem que casar-se
com ele, tampouco começar uma amizade, mas tem que ter uma
boa relação com seu futuro patrão.
— Prometo tentar.
— Nada disso, não tentamos nada. Você vai ter uma boa
relação com ele e pronto. Não espere que apenas os outros lutem
pelo seu futuro, filha. Você é quem deve fazer isso. Apenas seja
menos você e mais como você acha que eu gostaria que fosse. Na
dúvida, pense em como sua mãe agiria, está bem?
Afasto-me voltando pelo corredor, sentindo que essa viagem
de repente ficou mais interessante. Então ela vai tentar ser legal
comigo para que eu dê a vaga de editora chefe a ela, quando há
muitos outros candidatos mais adequados ao cargo, apenas porque
ela é a filha do sócio. Vai me adular e ser gentil comigo para isso,
então posso realmente testá-la. Vamos ver se Ellah Belmont
consegue mesmo ter um bom relacionamento com seu futuro chefe,
ou se é desagradável, como a irmã disse. Para completar, posso
usar esta viagem para descobrir se ela é a mulher daquela noite no
clube, não que eu queira tê-la de novo, ou algo assim, agora sei
quem ela é, jamais tocaria na filha do meu sócio, ainda mais tão
jovem. Apenas para saber se foi com ela que fodi.
Ellah usa um tênis, short e uma camiseta cujo decote me
desconcerta por alguns segundos. Por sorte não sou o único,
Renato Mendes, o contador de Enrico também não consegue tirar
os olhos dela. Erin entra no carro onde o pai irá e Ellah se prepara
para fazer o mesmo, mas digo:
— Quer ir no carro comigo, Ellah? Assim pode me contar suas
expectativas começando em uma editora já em um cargo
importante.
Ela me lança um olhar desconfiado e não parece nada
disposta, mas Enrico praticamente salta de seu carro, guiando a
filha em direção ao meu.
— É uma excelente ideia! Claro que ela quer!
É impressão minha ou ela está revirando os olhos para mim? E
ainda fez beicinho irritado? Seguro o riso e abro a porta do carro
para que entre. Assim que ela se acomoda a fecho, e me
surpreendo com Renato abrindo a porta de trás, carregando sua
mochila.
— Vou com vocês também, assim usamos apenas dois carros.
Não há motivos para recusar seu pedido, isso apenas me
impedirá de perguntar o que quero perguntar diretamente, ainda
assim, posso tirar proveito dessa pequena viagem e de uma Ellah
ansiosa em me agradar.

Estamos já na BR quando olho para o lado, diretamente para o


seu decote tentando encontrar qualquer sinal de uma tatuagem. Há
uma grande fila de carros indo em direção a serra por conta dos
feriados, o que me permite olhar para ela por tempo o suficiente. O
suficiente inclusive para ela perceber para onde estou olhando, já
que em determinado momento, meus olhos se desviam do V entre
seus seios para um dedo do meio com uma unha comprida em
minha direção.
Sorrio. Ela tem um jeito estranho de adular seu futuro chefe.
— Então, Ellah, por que acha que pode começar sua carreira
já no cargo de editora chefe, sem passar antes pelos cargos
menores? — pergunto.
— Porque não me sairia bem tendo que obedecer a ordens.
Minha cabeça gira em sua direção tão rápido, que acabo
fazendo o mesmo com o volante, voltando com o carro para minha
pista a tempo de evitar um pequeno acidente. O motorista ao lado,
em quem quase bati buzina e diz algo que sequer escuto.
— Você fez estágio?
— Sim, claro.
— Imagino que não tenha sido como chefe.
— Não foi.
— Teve problemas com seus imediatos?
— Eu não chamaria de problemas — responde vagamente.
— Ela se saiu bem, quiseram contratá-la definitivamente
quando acabou, mas ela disse que só aceitava se fosse como chefe
do homem que foi seu chefe durante o estágio. Obviamente eles
não aceitaram e ela deixou a empresa — Renato responde,
delatando-a.
A observo e ela apenas dá de ombros. Não se defende, não
mostra seu ponto, não há qualquer explicação. Não parece alguém
disposta a me adular por um cargo que almeja, mas como não a
conheço não posso ter certeza.
Quando finalmente o carro anda, notamos o carro de Enrico
parar em um posto, o sigo e vemos Erin descer e encarar meu
carro, esperando alguma coisa.
— Vou acompanhar Erin ao banheiro — Ellah explica.
— Eu vou ficar aqui mesmo, no carro, embora queira muito
uma bebida gelada — comento e ela me observa por algum tempo
antes de deixar o carro.
— Não vai mesmo comprar sua bebida? Provavelmente não
vamos parar até chegarmos à serra — Renato observa.
— Não, Ellah a trará para mim.
Ele fica em silêncio, depois cai na gargalhada.
— Ellah? Não conte com isso, vá comprar sua bebida.
Viro-me no assento observando-o.
— Você a conhece há muito tempo?
— Desde que tinha quinze anos, quando comecei a trabalhar
com Enrico.
— Gosta dela desde então?
Ele disfarça, pigarreia, ajeita a gravata borboleta que não faço
ideia porque está usando em uma viagem de fim de ano e nega.
— Não, isso começou há uns dois anos, quando ela se formou
na faculdade.
— E você percebeu que ela se tornou uma mulher bonita ou
que ela seria uma esposa perfeita? Você sabe, ela é filha do seu
chefe, afinal.
Ele não parece ofendido por minha pergunta.
— As duas coisas. Ela é simplesmente perfeita para mim.
— Por que a chamam de desagradável? Ela não me parece
ser ruim.
— Ah, isso é porque ela não se esforça para agradar ninguém
além de sua irmã e pai. E não se esforça mesmo, nem um pouco. —
Ele parece pensar e completa: — Tampouco para ser simpática. Ela
não é do tipo a quem você possa pedir ajuda, em todo caso. E é
direta demais, diz o que as pessoas não gostam de ouvir, por isso a
chamam de desagradável. Bobagem, na minha opinião, apenas tem
um gênio difícil. Ela só precisa ser domada.
Seus olhos brilham quando ela retorna com uma garrafa de
água nas mãos. Sorrio satisfeito, então ela vai mesmo tentar me
agradar. Ela se senta ao meu lado, coloca o cinto, o carro de Enrico
arranca e ela me observa. Espero que me dê a garrafa, mas ela a
abre e bebe a água.
— Não trouxe isso para mim? — pergunto incrédulo.
— Não, por que eu traria algo para você? Por acaso é uma
criança? Vá até lá e compre sua própria bebida.
Vejo Renato rindo pelo retrovisor e arranco com o carro.
Definitivamente, Ellah Belmont não está tentando me agradar. Será
que ela não quer de verdade a vaga?
Desde que deixamos a loja de conveniência, o homem ao meu
lado não diz uma palavra. Também não está mais furtivamente
tentando ver meus seios através do decote da camiseta. O sol está
forte lá fora, o trânsito, apesar de estar fluindo continua intenso e é
do lado dele que o sol está batendo. Ele pode estar mesmo com
sede. A contragosto, abro a garrafa e a estendo entre nós dois.
— Eu coloquei a boca aqui, se você não se importar com a
minha baba, pode ficar com o resto — ofereço.
Ele me olha finalmente, tem um sorriso no rosto, abre a boca
para responder, mas parece ponderar, olha pelo retrovisor e não diz
nada, aceitando a água. O que quer que fosse responder, desistiu
por causa de Renato. Ele bebe a água toda de uma vez e me
estende a garrafa vazia.
— Obrigado, eu acho — diz.
— Não se acostume.
— Me fale mais sobre você, Ellah, por exemplo, o que faz para
se divertir?
— Bem, eu gosto de patinar, sair com minha amiga, ir ao
cinema, essas coisas.
— Não, me refiro a noite. Como você se diverte à noite?
— Acho que não entendi bem sua pergunta — retruco,
temendo estar entendendo sim o que quer saber.
— Quais lugares você frequenta para se divertir à noite?
Pubs? Bares? Clubes noturnos, talvez?
O observo em choque e Renato sai em minha defesa.
— Ellah em clubes noturnos? Que disparate! Ela é uma garota
de família, jamais frequentaria tais lugares!
O carro parou de novo por conta do trânsito de forma que
Rocco pode olhar fixamente para mim agora, é o que está fazendo e
preciso que ele pare.
— Desculpe, pensei que fosse o que os jovens fazem hoje em
dia — defende-se.
— Não os jovens de respeito — completo. — Mas eu desculpo,
me esqueço que você é tão mais velho. É compreensível sua
confusão.
Ele ri baixinho, deve ter na casa dos quarenta anos, pouco
mais. O corpo forte e definido o faria parecer mais jovem não fosse
essa barba com fios grisalhos que o tornam sexy, porém mais velho.
Nem por isso menos tentador, infelizmente. Os olhos escuros se
fixam em mim, descem lentamente do meu rosto para meu decote.
— E você possui alguma tatuagem?
Merda! Ele olhar para os meus seios e perguntar isso não
pode ser coincidência. Esse babaca não pode ter me reconhecido
mesmo pelo cheiro do cabelo, que nível de obsessão é esse?
— Não — respondo olhando-o nos olhos.
— Você faz perguntas estranhas — Renato observa.
— Não sei mais conversar com jovens, eu acho. Bem, dizem
que alguns deles são capazes de mentir olhando nos seus olhos,
então, se eu achar alguma tatuagem escondida na Srta. Ellah
Belmont, saberei que ela é um desses.
Abro a boca em choque e ele está sorrindo amplamente, não
acreditou na minha resposta e ainda está me desafiando.
— Ah, se alguém é capaz de mentir olhando na sua própria
alma, esse alguém com certeza é a Ellah. É fria o bastante para isso
— Renato acusa.
— Quem foi que te perguntou? Fica na sua! — Encaro então o
homem sexy e curioso que ainda sorri para mim. — E você, chega
dessa entrevista, concentre-se no volante, já que no momento é o
motorista, a fila andou.
Ele olha para a frente e arranca com o carro e começo a
pensar o que fazer para evitar Rocco Villani pelos próximos dez
dias. Não posso ficar com a vaga na editora, isso ficou claro no
segundo em que vi a tatuagem estranha em seu peito e soube quem
era. Mas se ele está disposto a passar as festas de fim de ano
conosco e não com sua família, provavelmente está disposto a me
dar essa vaga. Preciso convencê-lo de que sou uma péssima
escolha e fazê-lo nunca mais querer me ver de novo.
Ainda bem que sou mestre nisso.

Finalmente chegamos a São Roque de Minas, um verdadeiro


paraíso no interior de Minas Gerais, normalmente a pouco mais de
quatro horas da capital. Foi aqui onde meu pai cresceu, é um lugar
lindo, pois é cercado por serras e cachoeiras. A casa da família é
uma construção colonial antiga cuja vista de sua fachada é
complementada pelas serras atrás de si, e todo o verde à sua volta.
É deslumbrante! Até mesmo Rocco Villani olha surpreso e admirado
por algum tempo a fachada da casa e a beleza do lugar em si.
Meu pai está entretido com os funcionários que nos
aguardavam e me aproveito que não está prestando atenção. Rocco
tira minha mala do carro e digo:
— Ah, que gentileza a sua carregar minha mala — ele me
observa apenas, não há o que dizer quando Sheila e Laura, a
cozinheira, estão por perto. — Que bom que está aqui e é tão forte e
gentil!
Ele tem um sorriso e assente, pegando minha mala.
Rapidamente dou a ele mais duas malas, e não digo nada, deixo
que ele carregue. Ele me segue pela escadaria de entrada
carregando todo o peso sozinho e tento nem reparar como seus
braços são mesmo fortes e seus músculos parecem ressaltar com a
força que está fazendo. Ele deposita as malas na sala de entrada e
dou tapas leves em seu ombro.
— Ah, pode levá-las ao meu quarto, por favor. Fica no terceiro
andar.
— No terceiro andar? — repete incrédulo.
Assinto, como se não fosse nada demais e começo a subir as
escadas, ele me segue carregando tudo. Em suas costas há uma
mochila bem cheia que imagino ser sua bagagem.
Paramos na porta do meu quarto, ele está vermelho, posso
jurar que está até mesmo suado, a respiração acelerada e sequer
consegue manter-se de pé. Não faço ideia de quantos livros Erin
enfiou em sua mala, mas ele a carregou também.
— Agradeço sua gentileza, Sr. Villani. Na verdade, apenas
esta mala é minha, as outras são da Erin, que dorme no quarto ao
lado e da Sheila. Bem, havia me esquecido, mas ela fica lá embaixo.
Pode descer com ela de novo se quiser.
Ele se prosta de pé em um segundo e dá um passo em minha
direção. Está claramente irritado.
— Está dizendo que essas três malas não são suas?
— Claro que não! Por que eu traria todo o meu guarda-roupa
se tenho roupas aqui?
— Não pensou em me dizer isso antes de me fazer carregá-
las? — sua mandíbula está travada, as mãos cerradas em punhos.
— Até pensei. Mas você estava lá, então achei que poderia
carregar as malas de todas as mulheres da casa.
Se ele me der qualquer vaga depois dessa, pode ser
santificado.
— Sua...
Vejo papai subir a escadaria e mais do que depressa seguro a
mão de Rocco, um sorriso de gratidão no rosto e digo mais alto,
cortando seu xingamento:
— Muito obrigada pela gentileza, Sr. Villani, o senhor é
realmente forte! Não precisava ter o trabalho de subir com a mala da
Sheila também, ela costuma ficar no primeiro andar, mas foi muito
gentil da sua parte!
Ele me olha confuso, mas entende quando papai diz:
— Vejo que estão se conhecendo melhor. Minha filha é uma
mulher grata, Rocco, verá que o que fizer por ela sempre será
reconhecido. Gratidão foi um dos valores que mais prezamos em
passar a ela.
— Tenho certeza que sim — ele responde com um sorriso que
me assusta. — Pena que seja tão mal-humorada. Não sei se seria
interessante uma editora chefe que não sabe sorrir ou ser gentil.
— O que está fazendo? — pergunto baixinho aproximando-me
dele.
— Mal-humorada? Ellah geralmente é bem-humorada — papai
defende.
— Jura? Não quis conversar comigo no carro, respondeu o
que eu perguntava com mentiras e se recusou a me fazer um
simples favor quando pedi.
Não posso desmenti-lo, mesmo porque, não está mentindo.
Encaro papai que parece ainda mais vermelho do que Rocco após
subir três lances de escada com três malas pesadas.
— Foi só o cansaço da viagem — digo defendendo-me. — Me
perdoa se dei a impressão de ser mal-humorada, Sr. Villani.
— Ela está disposta a compensá-lo pelo mal entendido. —
Papai insiste
— Estou? Então estou — concordo.
Rocco sorri, um sorriso vitorioso que detesto imediatamente.
— Bom, neste casso, estava pensando em conhecer a vila
pela qual passamos um pouco antes das serras, me parece bonita e
pitoresca. Como nunca estive por aqui, seria bom ter uma guia.
— Ela vai com você, não vai, filha?
— Claro! Eu acompanho você.
— Por que não descansa um pouco da viagem? O trânsito
estava cheio e demorou o dobro do tempo que levaria, descanse um
pouco e depois é só bater na porta dela, que ela o acompanhará —
papai sugere e sorrio, confirmando.
Então Rocco faz a última coisa que pensei que faria. Olha para
a porta ao final do corredor, do quarto ao lado do meu.
— Este quarto está vago, Enrico? Eu poderia ficar nele? É que
estou realmente cansado para carregar minha mochila pesada para
outro quarto.
— Sim, claro. Todos os quartos da casa foram preparados para
nossa chegada, este é o andar da família, mas você é como da
família, pode ficar aí.
— Obrigado — ele diz a papai e pisca para mim.
Droga! E assim minha pequena travessura se volta contra
mim.
Papai se afasta para ver Erin e vou entrar em meu quarto,
quando ele diz baixinho:
— Adoro desmascarar mentirosos. Adoro mesmo. Se eu fosse
você manteria sua porta trancada.
Então se afasta e entra no quarto ao lado.
Esse natal vai ser mais difícil do que eu havia imaginado.
Quando escuto as batidas na porta cruzo os braços e espero
para ver se ele terá mesmo a audácia de tentar abri-la. Mas ele não
o faz. Provavelmente só estava blefando para me assustar. Pego
minha Shoulder Bag e abro a porta. Rocco usa uma camisa polo
vinho que parece justa demais ao peito forte e aos braços
montanhosos. Este homem possui mais serras que São Roque de
Minas. Ele me observa preguiçosamente e aprova o short jeans
curto que uso com coturnos.
— Vai ficar parado aí avaliando meu visual ou podemos ir? —
pergunto.
— Não estou avaliando seu visual, só comparando o tamanho
e as curvas com o de uma mulher que conheci outra noite.
Sinto-me tensa imediatamente e o empurro, passando por ele.
— Não me compare com suas mulheres! Vamos logo antes
que eu mude de ideia!
— Como se você tivesse essa opção — provoca, mas finjo não
ter ouvido.

Vamos caminhando, já que o centro da cidade, onde ficam os


bares, restaurantes, praças e toda agitação, não fica tão longe.
Além do mais, não quero ficar presa em um carro sozinha com ele.
Caminhamos pelas ruas tranquilas, cumprimentamos as pessoas
que cruzam nosso caminho. Há essa magia em cidades de interior,
as pessoas se cumprimentam, elas se enxergam, não importa onde
esteja aqui, se vir alguém, deve sorrir e cumprimentar. Realmente
adoro isso!
— O local mais famoso daqui é o Parque Nacional Serra da
Canastra, e é realmente deslumbrante! É onde está a nascente do
Rio São Francisco e há várias cachoeiras maravilhosas. Você
precisa ir lá.
— É arriscado irmos nessa época do ano?
— Não se não estiver chovendo.
— Isso significa que vai me levar até lá? — provoca, parado
em frente a um bar que tem algum movimento.
A música alta que vem lá de dentro me faz ter que responder
mais alto.
— Claro, se o senhor quiser! Não é como se eu tivesse opção.
— E se eu te desse opção?
— Não o levaria a lugar nenhum — respondo prontamente,
mas isso faz seu sorriso aumentar de tamanho.
Ele cruza os braços avaliando-me e o movimento faz seus
braços, já montanhas firmes destacadas pela camisa justa,
parecerem ainda maiores.
— Então que bom que você não tem opção. Podemos ir
amanhã de manhã?
— Claro, mestre — retruco com ironia e agora seu riso é
audível.
Ele entra no bar e só me resta segui-lo.
O bar é um dos principais points da cidade e já estive aqui
outras vezes, principalmente quando Nina vem conosco em algum
feriado. Ele possui a fachada simples, pintada de preto, mas são as
portas de madeira, o deck enfeitado com postes de luz de madeira e
os tijolinhos logo abaixo do nome do bar que dão um charme à sua
aparência. Rocco observa um pouco lá dentro, mas como eu,
prefere sentar-se no deck, onde o vento fresco da noite de
dezembro parece aliviar a tensão que sinto pela maneira como seus
olhos me escrutinam o tempo todo em busca da minha verdade.
— O que mesmo você disse que faz para se divertir? — insiste
quando as bebidas são servidas.
— Um monte de coisas, não vou ficar repetindo feito um
papagaio.
— Então um clube noturno não está entre os lugares onde
você se diverte.
— Quando diz clube noturno está se referindo a boates?
Porque se for... — Faço-me de inocente.
— Estou me referindo a clubes de sexo. Lugares onde você
respira prazer a cada passo. Não frequenta esses lugares?
Por que as palavras sexo e prazer saindo da boca dele fazem
os pelos do meu braço se arrepiarem?
De repente as luzes de natal da decoração do bar são ligadas
logo acima das nossas cabeças e agradeço internamente que isso
tenha me dado uma desculpa para fugir de sua pergunta.
Observamos admirados toda a cidade se acendendo, São
Roque de Minas capricha na decoração natalina, Erin e eu
adoramos passear pelas ruas à noite avaliando as decorações e
escolhendo nossas preferidas. Fazíamos isso com a mamãe antes
dela morrer.
— Você não respondeu minha pergunta — ele insiste e quando
olho em sua direção, seus olhos negros estão cravados em mim.
— Não, não frequento clubes de sexo.
Ele se debruça sobre a pequena mesa, ficando tão próximo ao
meu rosto, que posso jurar sentir seu hálito de menta e álcool.
— Tem certeza?
— Acho que eu saberia se meu corpo estivesse por aí
frequentando casas de prazer. Com toda certeza eu saberia.
— Mas admitiria?
— O quê?
Quero rir e odeio isso! Preciso convencê-lo que não sou a
mulher com quem ele transou loucamente em uma noite misteriosa
em um clube secreto de prazer, pois se ele souber quem sou, se ele
abrir a boca sobre isso ao meu pai, temo que ele não sobreviveria
para absorver a ideia da filha frequentando esse tipo de lugar.
De repente uma cadeira é arrastada perto de nós e Renato
praticamente enfia o rosto na curta distância entre o rosto de Rocco
e o meu.
— Vocês saíram para beber e nem me chamaram.
— Não sabíamos que queria vir — Rocco explica endireitando
seu corpo.
— E eu nem queria estar aqui, então não me cobre nada —
respondo.
Renato e Rocco começam uma conversa sobre a cidade, as
casas, a vista, o ar mais limpo, o céu mais estrelado, ainda que
muitas luzes natalinas pisquem logo abaixo. O tempo vai passando
e não sei quantos copos já bebi, mas começo a vagar meus olhos
na camisa vinho, nos botões abertos revelando um peitoral firme.
Pior é quando fecho os olhos, porque consigo ver meus seios
deslizando por esse peitoral enquanto sou preenchida por ele.
Levanto-me de repente afastando os pensamentos e os dois
olham para mim confusos.
— Vou ao banheiro — digo afastando-me.
Entro no bar, observo os homens presentes, não poderia
apenas ignorá-los, mas nenhum parece tão interessante quanto o
Sr. Devasso e irritante lá fora. Vou ao banheiro e jogo uma água no
rosto, porque parece que estou quente. Deve ser a bebida. Embora
não seja fraca para bebidas em geral, não gosto muito de beber.
Meus prazeres são outros.
Quando me aproximo de novo da mesa, disposta a avisar que
fiz minha parte e estou de partida, uma mão enlaça minha cintura e
um bafo de cachaça fala na minha cara:
— Está sozinha esta noite, delícia?
Tento me desvencilhar do grandalhão cheio de dedos para ao
menos ver seu rosto, mas ele não me dá essa oportunidade. Ouço o
barulho da cadeira sendo arrastada e vejo Rocco aproximando-se
de nós.
— Ela não está sozinha, está comigo. Solte-a.
O grandalhão olha para ele, para mim e ri.
— Você é o quê? O tio protetor dela? Seu pai? Prometo cuidar
bem da sua menina.
Rocco tem um sorriso tranquilo e cruza os braços.
— Se não tirar a mão da minha mulher agora, não posso
garantir que sairá do corpo dela ilesa.
O grandalhão ri, desafiando Rocco e aperta ainda mais os
dedos em minha pele, mas dura segundos antes de Rocco acertá-lo
em cheio no rosto. Ele me solta e Rocco pega sua mão, virando-a
para trás em uma posição que o faz gritar.
— Vamos ver o que posso fazer com sua mão para que se
lembre que não tem o direito de tocar uma mulher sem o
consentimento dela.
— Porra! Me solta!
Rocco gira ainda mais o pulso dele e o grandalhão cai de
joelhos, gritando mais alto. A música parou, as pessoas estão à
nossa volta assistindo o espetáculo e estou estarrecida vendo esse
homem com tanta calma e classe me defendendo.
“Se não tirar a mão da minha mulher agora...” Minha mulher.
Acho que estou excitada também. Definitivamente estou com
problemas.
— Porra, cara, cadê seu espírito natalino? — o grandalhão
implora.
— Está certo, estamos na época da compaixão e amor, não é?
Vou ser legal com você, mas lembre-se dessa lição.
— Eu vou lembrar! — ele confirma aflito.
Penso que Rocco apenas irá soltá-lo e ele até começa a fazê-
lo, mas parece mudar de ideia, pega o mindinho e o gira rápido, o
homem grita, Rocco o solta e pega minha mão. Grita por sobre o
ombro:
— Vou tirá-la daqui para o caso de os amigos dele
aparecerem, por favor pague a conta, Renato.
Saímos sem esperar resposta, andando apressados e sequer
consigo processar tudo o que aconteceu. Ele me guia por qualquer
direção e acabo puxando seu braço e guiando-o até uma praça,
enfeitada com luzes de natal e vazia agora.
— Por que saímos correndo? Você não está errado!
— Porque em cidades pequenas como esta, é possível que em
minutos um grupo de amigos ou parentes do babaca aparecesse
para vingá-lo.
— Ah! Bem, obrigada por isso.
— Eu não tinha certeza se você queria ser defendida, não me
pareceu estar gostando do toque dele, mas desde que a conheci,
não me pareceu gostar de realmente nada. É difícil saber.
Se ele soubesse do que eu gostei.
— A minha cara de prazer e de raiva são iguais.
— Deus me livre! — provoca e sorri.
Por que o sorriso dele é tão bonito, cercado por essa barba
bem feita com fios grisalhos? Acabo sorrindo de volta.
0 clima entre nós parece mais tranquilo, leve de alguma
maneira. Talvez possamos apenas conversar e voltar para a casa
sem maiores problemas. Mas quando ele abre a boca, solta:
— Clube Maskerade, dia 16 deste mês. A gravata, a música,
era você naquele clube, no quarto 5, naquela noite, não era?
Seus olhos estão fixos em mim e sou pega tão de surpresa
que meu cérebro parece travar. Ele dá um passo em minha direção,
suas mãos passeiam por meus braços levemente, me causando
arrepios e mal consigo respirar pela maneira como está me olhando
agora.
— Me diz se foi você a mulher com quem transei naquela
noite. Foi você que me deixou duro em segundos e trepou tão
gostoso no meu pau que quase me fez tirá-la daquele lugar e pegá-
la para mim? Era você, Ellah, naquela noite fodendo comigo
enquanto o mundo lá fora não existia?
Sua voz é baixa, assim como suas palavras. Ele não joga
limpo. Minhas pernas parecem bambas e se eu já estava excitada
antes, agora estou quase perdendo o controle e pulando sobre ele.
Preciso de todo um autocontrole que nem sei de onde tiro para dar
um passo atrás e negar.
— Não fale esse tipo de coisa comigo, não te dei tal liberdade.
Não sei com quem você transa nos clubes noturnos que frequenta,
mas com certeza não foi comigo.
Ele baixa as mãos e olha em meus olhos.
— Olha pra mim e diz que não era você.
— Não era eu. Nunca transamos e você é maluco.
Ele assente.
— Me desculpe então. Pela insistência e, principalmente, pelas
palavras sujas. Não vai se repetir.
— Espero mesmo que não.
Ele se vira e leva as mãos à cabeça e pergunto como quem
não quer nada.
— Por que você quer tanto encontrar uma mulher com quem
transou em um clube noturno? Não transa com muitas mulheres em
lugares assim? Por que quer encontrar essa?
— Não é nada demais. Bem, ela foi diferente, mas não posso
explicar isso para você, porque prometi não falar mais esse tipo de
coisa — responde e começa a andar.
Corro atrás dele imediatamente.
— Mas agora fiquei curiosa.
— Sinto muito, não vou quebrar minha palavra e voltar a falar
coisas baixas com você.
— Só me explica porque ela foi diferente.
— Para isso teria que usar palavras sujas.
Ele sequer olha em minha direção, segue direto, olhando para
a frente, a voz desapontada, envergonhada talvez. O tom firme, não
vai me dizer. E eu preciso saber. Vou andando atrás dele pensando
em uma maneira de fazê-lo falar.
Insisto por todo caminho até chegarmos ao quarteirão da casa
do meu pai. Subindo a ladeira avistaremos a casa, e não terei mais
a oportunidade de perguntar a ele, visto que seu interesse por mim
acabou completamente agora que aceitou que não sou a mulher do
quarto 5 do clube noturno.
Sem saída, seguro sua mão. Ele estranha minha atitude, mas
para, olhando finalmente em meus olhos.
— Desculpe insistir. Odeio ficar curiosa. Não vou dormir e você
está no quarto ao lado, com certeza não o deixarei dormir. Serei
desagradável e não quero ser mais desagradável do que tenho sido
com você.
— O que você quer? — pergunta, parece estar achando graça.
— Por que essa mulher especificamente foi diferente? Você
não pode começar uma história dessas e não terminar. É crueldade.
Faço um beicinho e ele sorri, os olhos fixos nos meus lábios,
mas cede. Esse beicinho sempre funciona.
— Porque a foda foi... o que fizemos foi... droga! Não há como
dizer isso sem palavras baixas, carregadas de erotismo e termos
inapropriados, então vou dizer apenas que foi muito bom. Fizemos
muita coisa, mas há uma que não fizemos. Quero encontrá-la para
fazer essa coisa específica, depois disso ela pode sumir.
Ele se vira e volta a andar, mas isso não é uma resposta.
— Você está brincando? O que não fizeram?
— Que diferença faz se nem sabe o que fizemos?
Merda! Merda!
Entramos em casa e o sigo como um cachorrinho escada
acima. Detesto estar tão desesperada por essa resposta a ponto de
correr o risco, mas não há nada que eu possa fazer para aplacar
minha curiosidade. Ele está prestes a entrar em seu quarto, quando
me enfio em sua frente, impedindo-o de abrir a porta, me recostando
nela.
— Que coisa não fizeram? Não me conte coisas pela metade,
não faça isso comigo.
Ele tem um largo sorriso agora, está sendo malvado de
propósito, mas tudo bem, talvez eu mereça, uma vez que estou
mentindo descaradamente para ele desde que fomos formalmente
apresentados.
Ele olha para trás, para o corredor, checando se há alguém
que possa nos ouvir. Ele vai me dizer. Um sorriso já brota em meu
rosto e espero impaciente quando ele planta a palma da mão na
porta, ao lado do meu rosto e aproxima o corpo do meu. Fala
baixinho, devagar, tão perto que minha respiração se mistura com a
sua.
— Minha boca esteve em cada pedaço do corpo delicioso dela,
menos em seus lábios. Não nos beijamos e parece que faltou isso
para encerrarmos o nosso ato, entende? Então quero achar essa
mulher para beijá-la, para devorar sua boca e sugar sua língua e
então encerrarmos esse ato do jeito como devíamos ter encerrado.
Não sou capaz de respirar. Olho para seus lábios e quero que
ele faça isso. Ele está certo, não nos beijamos. Tudo o que eu vi de
seu rosto, o que sonhei dele nos dias que se seguiram ao que
fizemos foi sua boca, e como eu quis senti-la na minha! Ainda
quero, percebo. Me preparo para receber o beijo que vai incendiar
minha alma quando ele abre a porta atrás de mim e caio para trás,
me desequilibrando.
Ele me segura sem muita vontade, apenas evitando a queda e
diz sem olhar para mim:
— Pergunta respondida, vá dormir.
— O quê? — estou atordoada, meio tonta e com a respiração
errática olhando para ele.
Ele ri então, uma risada baixa, gostosa, preguiçosa.
— Quer terminar aquela noite, Ellah? Vamos fechar essa porta,
eu beijo sua boca e acabamos com isso. Não procuro mais você,
seguimos nossas vidas e esqueço daquela noite, quer terminar isso
do jeito certo?
Meus olhos piscam incontrolavelmente, como uma boneca
com defeito.
— Não pense que me engana, não acredito nem por um
segundo que não era você.
De repente começo a rir, a gargalhar. Deixo seu quarto rindo,
devo estar parecendo louca, mas é assim que me sinto. Entro em
meu quarto, bato a porta e quando vou passar a chave, não o faço.
— O que você está guardando para mim, querido Papai Noel
preguiçoso?
Esta manhã, Ellah me acompanhou até o Parque Nacional da
Serra da Canastra, e, como prometeu, é mesmo um local
maravilhoso. Além de vermos a nascente do Rio São Francisco e
vários animais silvestres, onde a vista alcança é belo de parar as
palavras. Inclusive, preciso admitir, minha guia turística mal-
humorada. Ellah também é admirada por onde passa, embora não
parece dar-se conta disso. Estamos agora na Cachoeira dos
Rolinhos que, apesar do nome engraçado, é mais um lugar
esplêndido. A água desce em cascatas sobre as pedras, não possui
uma queda longa ou brusca, como as que passamos antes, mas
uma queda suave, como ondas banhando os paredões rochosos por
onde ela desce, desaguando em um poço comprido.
Estou nadando na água gelada com outros banhistas e meus
olhos se desviam para cima, para Ellah me observando atenta.
Estive ansioso em vê-la de biquíni e flagrar pelo menos um traço da
tatuagem sob o seio direito, mas ela disse que não estava disposta
a entrar na água gelada da cachoeira, principalmente nesta época
do ano, quando estão mais frias, de forma que não tirou a roupa o
suficiente para sanar minha curiosidade em momento algum.
Será que estou alucinando e ela não é mesmo a mulher do
quarto 5 no clube noturno? Sem chance! É ela, tenho certeza! A
maneira como ficou curiosa e mexida quando falei disso ontem à
noite foi prova suficiente. Só preciso tirar sua máscara, derrubar sua
mentira, encerrar isso e seguir em frente. Porque é o que pretendo
fazer, não vou mesmo ter algum relacionamento sexual com a filha
do meu sócio vinte anos mais nova. Me pego rindo ao constatar que
estou sentindo falta de sua companhia mal-humorada e das
respostas ácidas. De forma que deixo a água gelada e os olhares
femininos interessantes e volto ao mirante para apenas admirar a
vista ao lado dela.
— Gostou? — ela pergunta um tempo depois.
— Bastante. Acredito que este se tornou um dos meus lugares
favoritos no mundo.
Seus olhos descem para meu peito, para a tatuagem de
coração em meu peito.
— Essa tatuagem estranha tem uma história?
— Nenhuma que eu queira compartilhar com minha guia
desagradável.
Ela revira os olhos e vira-se voltando por onde viemos.
— Que seja! O sol já vai se pôr, você me prendeu por toda a
tarde, está bom para você ou preciso passar a noite à sua
disposição também?
— É uma possiblidade?
Espero uma resposta ácida ou uma negativa, mas ela ri. Uma
risada leve e gostosa, me olha de lado, provocante e não responde
nada. E algo em mim se agita com sua primeira bandeira branca
desde que começamos isso. Por algum motivo, sinto-me feliz por
essa pequena conquista.

A casa da família Belmont possui uma piscina grande o


bastante à disposição, mas os membros dela não parecem com a
disposição de usá-la, de forma que me pego agora encarando-a ao
cair da noite, pensando em uma maneira de ver Ellah em roupas
íntimas em busca de sua tatuagem. Se ela for a mulher da outra
noite, e tenho quase certeza que é ela, sabe quem eu sou. Minha
tatuagem é diferente e visível, estou em desvantagem aqui. Talvez
eu pudesse me esgueirar em seu quarto enquanto ela toma banho e
observá-la sem que ela perceba... de jeito nenhum! Não tenho mais
quinze anos, o que está havendo comigo? Preciso convencê-la a
me mostrar seus seios, ou vê-los de algum modo que ela esteja
ciente de que os estou vendo.
Não percebo minha pequena companhia até a voz de Erin soar
ao meu lado, dando-me um susto.
— Este natal não será tão feliz quanto os outros. É uma pena
que você tenha vindo justo nesse.
A observo curioso, vejo os cabelos negros em tranças
mescladas de rosa. Ela possui a mesma pele morena e os olhos
redondos e vivos da irmã.
— Por que acha que não será um natal feliz?
— Papai Noel não virá este ano.
— Não? Por que ele cometeria tamanha maldade? Tenho
certeza que você foi uma boa menina.
— Bem, ainda que eu me comporte mal de vez em quando, ele
deveria vir, quer dizer, se ele realiza os desejos da Ellah, ele realiza
os desejos de todos.
Me pego rindo baixinho e ela continua.
— Eu queria vê-lo. Sei que ele não é descuidado, faz isso a
vida toda e não vai permitir que uma criança o veja. Mas ele
aparece nas casas das minhas amigas da escola.
— Ele aparece? Você não disse que ele não seria tão
descuidado?
— Sim, sei que não. Então acredito que o que elas viram tenha
sido um de seus ajudantes. Você sabe, deve estar velho demais
para ficar descendo por telhados e chaminés. Mas ele nunca enviou
um ajudante à minha casa e eu fico de olho esperando vê-lo. Acho
que sou esquecida por ele.
— Ah, pequenina, o que é isso? Está duvidando da magia do
natal?
Seus olhinhos se enchem como ameixas em minha direção e
um sorriso doce surge em seu rosto.
— Você está certo! Tudo pode acontecer no natal, afinal é a
data mais especial e mágica do ano! Venha, Queda, vou te dar
papá.
Ela pega a pug nos braços e corre para dentro de casa e
percebo como estou encrencado. Talvez precise da ajuda de Ellah
para salvar o natal de sua irmã.
Volto para dentro de casa e logo na cozinha encontro Laura, a
jovem cozinheira. Ela deve ter na casa dos trinta, tem cabelos curtos
em um ruivo vibrante e é muito bonita. Sorri ao me ver e olho em
volta, Ellah está aqui, cozinhado algo, o que me deixa confuso.
— Você está cozinhando? O que está cozinhando?
— Nada que seja da sua conta — é sua resposta.
Laura sorri e responde por ela, aproximando-se mais do que o
necessário de mim para isso. Diz praticamente em meu ouvido:
— São rabanadas. Ela faz para a Erin desde o ano passado,
desde que a Sra. Vitória se foi. A menina não gostou das minhas,
mas gosta das da irmã.
Observo Ellah que revira os olhos pela cozinheira faladeira e, a
bem da verdade, o cheiro tomando o ambiente está maravilhoso.
— Não estou mais em horário de trabalho — Laura diz de
repente e a observo confuso. — Se quiser dar uma volta pela
cidade, moro aqui desde que nasci, posso levá-lo a lugares que nem
imaginaria conhecer.
Sou pego de surpresa pelo convite. Não é que me desagrade,
é que ao invés de respondê-la, meus olhos se desviam na direção
da garota cozinhando tão perto de nós, que sequer olha de volta.
Está pouco se lixando se saio com sua cozinheira ou não, claro.
Abro a boca para declinar o convite, quando Ellah o faz:
— O Rocco está cansado, Laura. Passou o dia nadando e
fazendo trilhas. Ele já é mais velho, não tem tanta disposição quanto
os garotos com quem você sai. — Sinto-me ofendido por sua
resposta e ela parece perceber, pois diz antes que eu a retruque: —
Ela é ninfomaníaca.
Penso que está brincando e quando olho para Laura, ela tem a
boca e olhos abertos, em choque.
— Você está inventando isso? — pergunto.
— Isso o quê? Sua idade? Ou seu cansaço? — brinca como
se não houvesse dito nada demais.
— Eu já vou indo, até amanhã Srta. Ellah, Sr. Villani — Laura
diz sem graça e desaparece.
— Que porra foi essa? Ela é mesmo ninfomaníaca?
— Quem sabe? Você queria descobrir? Achei que queria negar
seu convite, mas não sabia como, então devolvi o favor que me fez
ontem à noite no pub. Não devia? Porque ainda dá tempo de
alcançá-la.
Ela se vira para trás, tentando pegar uma garrafa de vinho da
prateleira mais alta da pequena adega acima da cristaleira. Fica na
ponta dos pés e não chega nem perto de alcançar. Aproximo-me por
trás dela, encosto meu corpo ao seu, pressionando-a contra a
cristaleira e estico o braço alcançando a garrafa.
— Você não estava me devendo favor algum, apenas ficou
com ciúmes. Como ficou o dia todo das mulheres me olhando.
— Não sentiria ciúmes de você nem se fôssemos casados. Já
está velho.
Pego a garrafa e entrego em suas mãos, abrindo espaço
suficiente para que ela gire seu corpo em direção ao meu, ainda
assim, estamos bem próximos.
— Estranho, eu havia entendido que você deveria ser gentil
comigo. Que deveria me mostrar que é gentil, confiável e solícita
para conseguir a vaga. Não foi isso o que prometeu ao seu pai?
Ela arregala os olhos escuros e adoro tê-la desarmado.
— Como sabe disso?
— Eu posso ter ouvido o acordo desonesto de vocês.
Ouvimos passos e o latido de Queda, rapidamente ela pega
minha mão e me guia por uma porta lateral. A fecha e estamos em
uma despensa. Não é espaçosa o suficiente para nós dois. A
iluminação vem de uma janela bem grande na parede ao fundo, de
forma que consigo vê-la. Continuamos bem próximos por conta da
falta de espaço e ela diz baixinho ao ouvirmos latidos na cozinha.
— Não deixe o papai saber que você ouviu isso, ele ficaria
muito envergonhado. Não é do feitio dele pedir favores assim, ele...
— Eu sei, também ouvi essa parte. Não pretendo envergonhar
seu pai de maneira alguma.
Ela parece soltar o ar que estava prendendo. Estamos tão
próximos que sinto o movimento de seu corpo quando o faz.
— Não espere um pedido de desculpas — é tudo o que diz.
— Não esperava uma vez que não está sendo gentil, solícita,
sequer educada comigo. O que houve no meio do caminho?
Desistiu da vaga?
— Talvez.
— É mesmo? Posso saber por quê?
— Meu chefe seria um velho insistente, chato e depravado.
Precisa de mais motivos?
— Não costumo falar de assuntos pessoais e sequer olhar
duas vezes para minhas funcionárias, aquelas que não comi em um
clube de sexo, quero dizer.
— Não foi comigo que você transou. Por que não supera isso?
— Porque seu cheiro ficou em mim por mais de vinte e quatro
horas.
— Então porque uso o mesmo shampoo de alguém que você
fodeu serei sempre perseguida?
— Sempre é um exagero. Eu nem pretendia procurá-la, calhou
de você literalmente cair diante de mim então fiquei curioso. Uma
vez que eu provar que é você essa mulher, irei esquecê-la.
Ela dá uma risadinha debochada.
— Suas palavras não condizem com seu desespero em
encontrá-la. Parece mais que está apaixonado.
— Eu não me apaixono, como você bem lembrou a cada par
de horas no dia de hoje, já estou velho para essas coisas.
— Mas ela marcou você.
Demoro um pouco a responder, quase posso sentir sua
tensão. Por fim, dou de ombros, não vejo tão bem seu rosto, mas
espero que esteja confusa agora.
— Na verdade não. Você está certa, acho que estou
exagerando nisso. Não preciso encontrá-la. Deixa pra lá, não é
importante.
— O quê? Você passou os últimos dias me atormentando por
causa dela e agora diz que não é importante?
— Estava entediado, pareceu uma diversão descobrir se você
era ela, mas já se tornou cansativo.
— Entediado? Está dizendo que a mulher que deixou seu
cheiro em você por mais de um dia, a quem você almeja beijar, não
passa de um passatempo?
Observo seu rosto, não o vejo completamente, mas vejo o
brilho irritado de seus olhos.
— Por que está tão irritada se você nem é ela?
Ela gagueja, mas se recompõe em segundos e responde.
— Por sororidade.
Rio baixinho.
— Você é uma péssima mentirosa.
Em um movimento a tenho em meus braços e mordisco seu
pescoço, ela se deixa cair sobre meu corpo, rendendo-se
completamente a mim.
— Agora eu beijo você e isso acaba. Você não foi qualquer
uma, Ellah, foi deliciosa, extraordinária. Eu a senti ainda por dias
depois daquela noite, ainda que jamais pretendesse procurá-la ou
vê-la de novo.
— Eu não sou essa mulher — insiste com a voz carregada de
desejo.
— Eu poderia desmenti-la se a fodesse aqui e agora.
— Então faça o teste — desafia
Ela é a filha do meu sócio. Claro que não irei fodê-la na
despensa de sua cozinha. Lógico que não. De maneira alguma.
Suas mãos passeiam por meu peito e abdome e no segundo
seguinte, as minhas se plantam em sua bunda e minha boca suga a
pele de seu pescoço subindo até a sua boca. No segundo em que
nossos lábios se tocam, a porta da despensa é aberta e nos
afastamos em um pulo. Ela batendo na prateleira atrás de si e eu
derrubando um pote de algum grão que cai se espalhando pelo piso.
— O que vocês estão fazendo? — uma Erin desconfiada
pergunta olhando de mim para a irmã.
— Procurando açúcar para as rabanadas — Ellah responde
prontamente.
Ela continua nos observando e sorri.
— Você já está fazendo rabanadas? Quantas poderei comer?
Não posso sair daqui. Uso uma calça de moletom que não vai
esconder minha ereção. Encaro Ellah afoito e aponto para baixo
quando tenho certeza que Erin não está olhando, tentando ficar o
mais afastado da luz da cozinha possível. Ellah olha na direção que
aponto e sorri. A maldita sorri. Lambe os lábios e deixa a despensa
tirando a irmã da cozinha.
E essa maldita ereção não me deixa dormir a noite toda. Ela
está no quarto ao lado. Sendo ou não a mulher da outra noite, está
disposta a foder comigo e é uma tortura saber que a meia parede
dessa ereção, está o que pode saciá-la.
É vinte e quatro de dezembro e tenho pouco tempo. Preciso
salvar o natal da pequena Erin, embora ache quase impossível
conseguir isso tão em cima da hora. Acabei me esquecendo de
pedir a ajuda de sua irmã na noite anterior, então vou atrás dela
agora. Ela está na sala de jantar tomando o café da manhã com
Renato. Escuto a voz dele chamando por ela e o som da cadeira
sendo arrastada quando se junta a ele. Entro na cozinha e pego
uma xícara de café. A sala de jantar é anexada a cozinha, não dá
para vê-la daqui, mas fica logo na lateral, sem uma parede inteira
separando os cômodos, de forma que é possível ouvir claramente o
que está sendo dito lá.
— Não entendo porque é tão fria e antipática com Rocco,
Ellah. Não sabe o sacrifício que seu pai está fazendo para que
consiga a vaga na editora — Renato ralha.
— Acredite, Renato, eu sei. Apenas por isso prometi a ele que
tentaria.
— Mas não parece estar tentando. Sequer parece suportá-lo.
— Talvez eu não queira essa vaga — ela diz surpreendendo-
me.
— Enrico jamais aceitaria isso.
— Eu também sei disso. Minhas vontades e as dele nunca são
as mesmas, mas são sempre as vontades dele que faço.
— Bom, neste caso, tenho uma proposta para te fazer. Case-
se comigo.
Quase engasgo com o café quente e sou descoberto por eles.
Quase mesmo. Deixo a xícara sobre a pia e aproximo-me a passos
leves observando-os. Ellah tem o cenho franzido e Renato está de
costas para mim.
— Você bebeu? — ela diz enfim.
— Estou falando sério, Ellah. Você se casa comigo e não
precisará trabalhar. Seu pai é antiquado vai aceitar que você ficará
em casa por conta dos filhos.
Ela revira os olhos e emite um grunhido em reprovação.
— Não será de verdade. Não se você não quiser. Nós nos
casamos, você se torna independente e depois que nos separarmos
seu pai não vai mais manter você em suas rédeas. Não será mais
sua menina, será uma mulher divorciada. Uma adulta aos olhos
dele.
Espero que ela ria na cara dele, que negue imediatamente,
mas ela não o faz. Está apenas olhando para ele sem reação.
Não será de verdade? Ela está mesmo caindo nessa? Eles se
casam e as ações dela na empresa do pai também serão dele.
Ainda que seja falso, ele entra pra família, ela não está mesmo
percebendo esse golpe? Não consigo mais ficar parado. Entro de
uma vez na sala de jantar e me aproximo dela.
— Bom dia pra vocês, Ellah, temos um problema sobre o natal
de Erin e não tenho que resolvê-lo sozinho.
— Que problema? — pergunta, mas percebo que está
atordoada.
— Venha comigo! — A pego pela mão e a arrasto escada
acima até seu quarto.
Entramos e só então a solto.
— Você não está pensando em aceitar esse absurdo, não é?
— pergunto tão logo fecho a porta atrás de mim.
Ela me observa confusa, depois, cruza os braços na defensiva.
— Por quê? Quer me fazer uma proposta melhor?
— O quê?
Ela sorri e maldição! Seu sorriso é lindo! Descruza os braços e
me observa de um jeito preguiçoso, como que apreciando cada
detalhe onde seus olhos alcançam.
— Isso é um golpe — explico. — Ele quer entrar para a família,
quer suas ações. Achei que deveria saber.
Ela revira os olhos então, o que acho graça.
— Acha que não percebi isso? Além do mais, não preciso de
um homem para ser independente. Só fiquei chocada porque ele
teve a audácia de tentar me passar a perna! O Renato! Aquele
bobão que frequenta minha casa todos os finais de semana e
feriados! Ele achou mesmo que eu...
Dou dois passos largos em sua direção, a puxo pela cintura e
a beijo. É um erro, tenho ciência disso, mas acho que estávamos
com esse beijo entalado desde o primeiro dia. Seus lábios cheios se
moldam aos meus, sua língua envolve a minha. Ela não é do tipo
que espera ser dominada. Sua língua invade minha boca de volta,
seus braços estão ao redor do meu pescoço e nossos corpos se
tocam como se pudessem tornar-se um só. É gostoso, é arrebatador
sentir meu peito acelerar e meu corpo todo reagir a um simples beijo
depois de todos esses anos.
Interrompo o beijo e acaricio seu rosto, a pele macia sob meus
dedos. Seus olhos lânguidos pelo desejo, provavelmente nada
diferentes dos meus.
— Se você fosse dez anos mais velha, eu teria uma proposta
muito melhor para te fazer. Ela envolveria nós dois nus, muitos
beijos como esse, noites em claro e minha boca em cada centímetro
desse seu corpo tentador.
A observo, agora que a euforia do seu corpo tão perto está
passando, consigo me concentrar mais no que importa. A parte do
erro que estou cometendo.
— Mas infelizmente você não é. É uma menina. Irresistível e
única, ainda assim, nova demais para alguém como eu.
— Não espero um pedido de casamento, Rocco, quero seu
prazer — retruca.
— Qual das duas opções seria pior caso eu te oferecesse?
Prendê-la a alguém tão mais velho ou usá-la sem nenhuma
promessa?
Ela dá um passo para trás, quebrando nosso contato.
— Você está certo, mas não sou eu que sou jovem demais, é
você que é velho demais se pensa assim. E não é de idade, mas
velho de alma, de desejos, de sonhos, de vontades...
— Isso foi um erro, Ellah.
Seu olhar agora é ferido e detesto isso.
— Você ainda estar no meu quarto é um erro — diz e some
para dentro do banheiro.
É minha deixa para ir embora, entendo.

Enquanto dirijo até a vila próxima em busca da fantasia para


salvar o natal da pequena Erin, não consigo deixar de sentir sua
irmã mais velha em meus lábios. Nem de deixar de ouvir suas
palavras repetidamente em minha mente, acusando-me de algo que
percebo com assombro, é completamente verdade. Sou velho de
sonhos e desejos. Me aposentei deles há tempo demais.
Estou jogada sobre a cama há longos trinta minutos o que,
para alguém tão agitada quanto eu, é muita coisa. Ainda sinto seus
lábios nos meus, suas mãos grandes com posse sobre minha pele e
não ajuda saber em detalhes tudo o que ele sabe fazer na cama.
Encontro-me em um estado febril que, ao invés de passar com a
mágoa por seu fora, só fez aumentar com minha irritação.
Jovem demais! Quando me comeu no clube não se preocupou
com minha idade! Acima dos dezoito servia. Como ele pode ser tão
antiquado? Ele frequenta clubes de sexo!
Jovem demais! Tenho vinte e três anos! O que ele considera
jovem demais? Um homem de trinta que mora com os pais ou uma
mulher de vinte que tem sua independência? Não que eu tenha tido
coragem de sair de casa, meu pai teria um troço, mas apenas para
ilustrar que ser jovem demais é questão de interpretação.
— Ridículo!
E por que caralho eu quero chorar? Por que sua rejeição dói?
Eu queria mesmo afastá-lo de mim, devia era estar feliz!
De repente a porta do meu quarto é aberta e uma Erin afoita
com olhos molhados vem até mim.
— Ellah, me ajude! A Queda passou pela cerca para a casa
dos Bento! Tentei passar também para buscá-la, mas é pequena
demais!
— Acalme-se, pegue um petisco que ela goste e a atraia de
volta.
— Não! Você não está entendendo! Ela foi lá para trás e
sumiu!
— Merda, Erin!
Levanto-me e descemos as escadas pulando degraus e
correndo como se a vida da pug fofa da minha irmã dependesse
disso. Neste caso, acho que depende. O muro que separa nossa
propriedade da propriedade dos Bento é alto, além do pequeno
buraco por onde a pug passou, não há qualquer espaço para
passarmos para resgatá-la. Os Bento não vieram para casa este fim
de ano, nem mesmo Elias, o caseiro, está aqui. Sei porque Laura
me contou que ele está na capital por conta do tratamento da
esposa. Ninguém virá abrir os grandes portões de ferro da frente da
casa para nos ajudar.
De quatro na grama, observando por um buraco que cabe
apenas minha mão, não avisto a pug em lugar nenhum. A
propriedade dos Bento tem um adendo em comparação a nossa, um
rio passa aos fundos dela. Se a pug cair nele... não quero nem
pensar.
— Ellah! Pule o muro! Pega minha Queda! Por favor!
— A culpa é sua por colocar esse nome nela! Troque o nome
dela e pulo o muro — tento.
A resposta da minha irmã é um choro mais alto, estridente.
— Tudo bem! Vou entrar e pegar a Queda antes que ela caia
no rio, já que a dona dela a deu esse nome que é quase uma sina.
— Cair no rio? Ela pode cair no rio?
Acho que minha irmã não havia considerado essa
possibilidade e agora está mais desesperada do que antes. O muro
é cercado por Unha de Gato, uma planta trepadeira que claramente
não está sendo aparada. Tento escalá-la, mas os galhos me
arranham, está alta o bastante para minha mão sumir entre as
folhas verdes quando tento alcançar o muro.
— Vejamos, quando era adolescente e vinha aqui com a Nina,
havia três buracos no muro que usávamos para escalar e fugir para
nadar no rio quando os Bento não estavam. Onde ficavam?
Vou apalpando entre as plantas, mas tenho uma vaga noção
de onde pulei esse muro inúmeras vezes, não demoro a encontrá-
los. Tenho dificuldade por conta da Unha de Gato, mas acabo
usando-a para me segurar e, pouco depois, estou pendurada no
muro. Minhas mãos se apoiam por cima dele e levantar meu corpo
para pular para o outro lado é a parte mais difícil, quase impossível,
o que me lembra que preciso voltar a praticar boxe urgente.
Consigo pular ganhando alguns arranhões, meu pé tem um
choque quando caio do outro lado, mas vou correndo assim mesmo
chamando a contragosto o nome absurdo da pequena e fofa pug.
— Queda, vem aqui pra titia! Queda, querida, venha, amor,
sabe que temos uma história! Quedaaaaaa!
Ouço o latido da pug e a coisa pequena vem trotando em
pulinhos fofos, abanando o rabinho em minha direção para o meu
alívio. A pego nos braços e grito assim que me aproximo do muro:
— Está tudo bem, Erin! Ela está bem. Vá para o buraco por
onde ela passou, irei passá-la de volta pra você. Segure-a firme.
— Tudo bem — minha irmã chorona responde.
Acaricio a pug, (sempre irei chamá-la por esse nome) para que
não se assuste e a passo pelo buraco. Erin a pega e começa a me
agradecer. E agora vem a parte mais difícil: pular de volta. Primeiro,
caminho a longa propriedade até a entrada para ter certeza que o
portão está trancado e não há como abri-lo para sair deste lugar
como uma pessoa normal. Vejo a câmera de segurança ligada e
aceno, balbuciando para que os Bento vejam quando vierem ao
interior:
— Saudade de vocês, apareçam! Ah, e da próxima vez deixem
uma chave sob o capacho. Obrigada.
Espero que eles entendam já que a câmera de segurança
deles não reproduz som. Sim, eu pulava bastante mesmo o muro
deles, mas eles sempre me adoraram.
Encontro de novo os buracos e subo por eles, tenho ainda
mais dificuldade na hora de passar o muro e o impossível acontece:
meu coturno fica preso na maldita Unha de Gato no momento em
que passo a primeira perna para o lado da minha casa.
— Está de brincadeira! — reclamo.
— O que houve? — Erin pergunta.
— Meu pé está preso, vá chamar papai, ou Renato. Peça a
eles que tragam uma escada.
— Se eles estivessem aqui acha que eu teria pedido a sua
ajuda?
— Garota! Para de ser abusada ou jogo esse cachorro de volta
nesse quintal! Então vá chamar o Sr. Idoso que te deu essa coisa,
você devia ter pedido ajuda a ele, para começar.
— Foi o primeiro a quem procurei, também não está.
— Sabe, Erin, você não está me ajudando em nada!
Apoio as duas mãos no muro e tento puxar o pé preso. É
ridículo que esteja preso do lado da minha cassa, não do lado dos
Bento. Passo assim mesmo e tento alcançar com o pé livre o
segundo buraco do muro, mas não dá certo e acabo pendurada de
cabeça para baixo, as costas batem nas Unhas de Gato e praguejo
tanto, que terei que colocar no mínimo cem reais no pote de
palavrão da Erin.
— Erin!
— Estou indo buscar ajuda! — grita e sai correndo.
Enquanto isso fico aqui, no sol, a blusa cobrindo meu rosto, de
cabeça para baixo, perigando cair de cabeça a qualquer momento.
Não há qualquer lugar onde eu possa apoiar os braços para evitar
essa queda e rezo que não passe minha véspera de natal no
hospital da cidade.
É quando escuto passos e alguém corre em minha direção.
Tiro a blusa do rosto e é Rocco. Claro, quem mais seria? Não vou
pedir a ajuda dele. Não vou mesmo. Prefiro cair de cabeça no chão.
— O que temos aqui? — pergunta divertido.
— Vaza, idoso! Está tudo sob controle!
— Acho que em menos de um minuto você vai cair de cabeça.
A grama aqui não está tão alta para amortecer a queda, não sei,
mas acho que não está tudo sob controle.
— Onde está seu espírito natalino? — reclamo vendo-o de
cabeça para baixo de forma que meus olhos estão na direção do
volume em sua calça.
Preciso segurar o riso ao constatar isso. Ele se aproxima para
me ajudar, até segura meus ombros, mas parece mudar de ideia. De
repente, sinto-o tocando meu sutiã.
— O que está fazendo? — pergunto alarmada.
— Desmascarando uma mentirosa.
— Você disse que eu cairia de cabeça em menos de um
minuto, não é hora para isso!
— Não haverá hora melhor do que essa. Se continuar se
mexendo assim, vai cair em dez segundos.
Fico totalmente parada enquanto sinto seus dedos, dedos que
conheço muito bem, se adentrando debaixo do meu sutiã e não há
absolutamente nada que eu possa fazer para impedir que ele veja o
cordão com três pequenos corações que tenho tatuado sob o seio
direito. Ele solta uma risada alta quando constata que esteve certo o
tempo todo.
— Muito prazer, Srta. do quarto 5, pequena mentirosa.
— Me tira logo dessa merda!
Minha pressa nem se deve mais ao fato de que o sangue já
desceu pra minha cabeça e sinto que ela irá explodir, ou que posso
cair com ela a qualquer momento e realmente ela irá explodir. Ela se
deve ao calor de seus dedos atrevidamente passeando pela
tatuagem logo abaixo do meu seio e do quanto isso está arrepiando
meu corpo.
Isso não é hora de ficar excitada. É triste ser safada!
— O que vocês estão fazendo? — a voz estridente de Erin nos
pega de surpresa e Rocco dá um pulo tirando a mão do meu seio de
uma vez.
Meu pé se solta de onde esteve preso e ele me segura antes
que minha cabeça exploda. Mas acho que de todo jeito ela irá
explodir, porque ele sabe quem eu sou e vai contar tudo para o meu
pai.

Após eu estar devidamente vestida e na vertical de forma


correta, ele se certifica que estou bem e faz piada:
— Então você queria se socializar com as trepadeiras?
Reviro os olhos e minha irmã defende:
— Queda passou por um buraco no muro para o lado de lá. Se
Ellah não pulasse para resgatá-la, ela podia cair no rio.
— Ah, sinto muito, achei que fosse apenas uma traquinagem
sua — diz desculpando-se.
— Ao contrário do que pensa, não sou criança. E, por causa
disso, não irei agradecê-lo.
Tento sair de fininho, mas ele segura meu braço, andando
atrás de mim, falando baixinho no meu ouvido para que Erin não
escute:
— Então a filha de respeito da família Belmont frequenta
clubes de sexo. O que será que vou fazer com essa informação?
— O que você quer? — pergunto entendendo o tom de
chantagem.
— Eu deixaria passar se fosse a filha de outro amigo, mas não
quando a filha é uma mentirosa.
— O que você quer? Escolha e me dê uma lição, Sr. Idoso que
me fodeu no clube em que fui.
Ele apenas ri, nada afetado por minha ameaça.
— Vamos ver qual será seu presente de natal este ano, Ellah,
você foi uma menina travessa — diz e se afasta sumindo para
dentro da casa com uma sacola da loja de fantasias.

Fico na cozinha com Erin enquanto ela janta e come muitos


rabanetes. Ela costuma comer mais cedo, pois não fica acordada
até meia-noite. Embora ela esteja falando sobre algo que acontece
na casa de suas amigas, minha cabeça está no homem que pode
contar ao meu pai que sua filha amada e mimada é uma safada.
Estou realmente em pânico por isso. Por fim, escuto o que Erin está
dizendo.
— Você me ouviu? Os ajudantes dele são vistos pelas outras
crianças, mas ele nunca mandou alguém até minha casa para que
eu visse.
— Ele quem?
— O Papai Noel!
Ela está falando do fato de não ter alguém vestido de Papai
Noel para que ela veja e acredite na magia do natal e me sinto uma
irmã relapsa. Por que não obriguei Renato a fantasiar-se? É quando
um barulho chama minha atenção e uma mão coberta por uma luva
branca, cujo corpo não aparece, me chama com o dedo indicador.
Por mais bizarro que isso possa parecer, acho que sei do que se
trata.
Aproximo-me de um Rocco deliciosamente vestido de Papai
Noel. Não há uma barriga redonda e sim uma camisa apertada o
bastante para admirar a barriga tanquinho que esse senhor possui.
As calças vermelhas do bom velhinho estão bem recheadas com
suas coxas grossas e nem vou comentar o volume no meio. O
verdadeiro saco do Papai Noel definitivamente está aqui.
— O Papai Noel é uma santidade ou algo assim? — pergunto
devaneando.
— O quê?
— É pecado desejar o Papai Noel?
Sua resposta é um sorriso e preciso me controlar para parar de
flertar com ele, afinal ele me deu um fora e está me chantageando.
— Espere dez minutos e finja ajudar Erin a se deitar. Ela deve
me ver deixando seu presente sob a árvore, mas não a deixe chegar
perto ou descobrirá que sou eu. A guie imediatamente escada
acima. Invente algo para que ela suba sem se aproximar.
— Não se preocupe, eu sei inventar histórias.
— E qual inventará ao seu pai se eu contar a ele os lugares
que você frequenta?
Lá se foi toda a graça desse homem vestido de Papai Noel.
Meu natal está mesmo fadado a não ser feliz. Isso é que dá ser
travessa!
— Aquela que começa com o fato de que foi você quem me
fodeu quando estive lá.
— Isso até pode deixá-lo abalado, afinal, somos sócios. Mas
eu fodi uma desconhecida que usava uma máscara. Era uma
mulher qualquer que eu não conhecia. Já você... fodeu um cara em
um clube de sexo.
— Filho de uma puta!
— Tenho certeza que ofender o Papai Noel na véspera do
natal é crime. Faça sua parte, docinho, depois eu farei a minha.
Apenas por Erin atendo ao seu pedido, caso contrário, pegaria
esse saco vermelho que está em sua mão e o sufocaria com ele.
Papai aparece com Renato a tiracolo e levo um susto, meu coração
acelera e já quero começar a chorar e implorar clemência, mas
Rocco deposita a mão em meu ombro impedindo-me de fazer
qualquer coisa e diz:
— Esperem lá fora, ela não pode vê-los.
Então papai e Renato dão a volta e respiro aliviada.
Vou até a cozinha e ajudo Erin a guardar a louça na pia. Ela já
esfrega os olhinhos desanimados e a guio devagar em direção as
escadas que ficam na sala de estar onde há a árvore de natal.
Vamos caminhando devagar quando ela para de repente e emite um
grito surpreso.
— Ellah, você pode ver isso?
— Posso ver o quê?
Ela aponta desesperada em direção a árvore. A mantenho a
uma distância segura para que não reconheça Rocco.
— O Papai Noel. Seu ajudante. Ele está aqui. Está deixando
meu presente. Você não pode vê-lo?
Olho na direção que ela aponta e o que vejo é a bunda durinha
e grande demais para um homem do chantagista Rocco enquanto
ele está abaixado deixando algo sob a árvore.
— Eu não o vejo, acho que adultos não podem vê-lo, meu
amor. Mas ele não pode saber que você o viu ou será repreendido.
Vamos, vamos subir devagar para que ele não seja punido.
Ela sobe na ponta dos pés e faço o mesmo, os três lances de
escada. E enquanto a ajudo a vestir seu pijama natalino e penteio
seus cabelos, mantém um sorriso enorme no rosto. O maior sorriso
que já vi em seu rosto desde que a mamãe morreu, eu acho. Maior
até do que quando ganhou a pug.
— Papai Noel lembrou-se de mim. Esse é um dos dias mais
felizes da minha vida inteira!
— Quer que eu fique com você?
— Não precisa, vou dormir logo para acordar cedo e ver qual é
o meu presente. Que pena que você cresceu, Ellah, ser criança é
mágico!
— Disso eu tenho certeza. Boa noite, meu bem, tenha bons
sonhos.
A deixo ali e sinto vontade de registrar sua felicidade para
mostrar a papai.
Detesto ter que agradecer ao homem que preciso odiar pela
felicidade nos olhos e lábios da minha irmã. Mas ele não está à
mesa conosco. A meia-noite chega, brindamos, comemos e ele não
aparece. Sinto-me irritada que tenha preferido a solidão do que
nossa companhia.
— Seu sócio não vem cear conosco? — pergunto a papai.
— Não tenho certeza que virá, mas tenho certeza que está se
esforçando para vir. O que ele fez pela sua irmã... nem tenho
palavras.
Reviro os olhos.
— Qualquer um de vocês dois podia ter feito isso.
— Mas não fizemos. Ele é muito bom com crianças, sabia o
presente perfeito para ajudar com a solidão dela em casa e salvou
seu natal com algo simples que jamais pensaríamos. Foi um
excelente pai.
— Não é tão bom assim se preferiu passar o natal conosco do
que com a família dele — alfineto.
— Ele não tem mais família — meu pai responde com uma voz
triste.
— Como assim?
— A mulher tinha câncer. Um tumor. Descobriu ao engravidar e
se levasse a gestação adiante não sobreviveria, mas ela quis ter a
criança porque suas chances de sobreviver eram pequenas. Teve a
Vitória saudável inicialmente, mas aos seis anos ela também
desenvolveu câncer. Leucemia, se não me engano. Lutou por dois
anos e faleceu, três anos atrás. Desde então Rocco se manteve
afastado, recluso em sua casa sem ver ou falar com ninguém. Faz
pouco tempo que voltou à vida, que voltou a sair, comprou a editora
que estava fechando as portas e aceitou minha ajuda. Acho que
este é o primeiro natal depois da perda da filha que ele sai de casa.
Levo a mão ao peito ao sentir meu coração doer. Meus olhos
estão cheios. Sua filha tinha o nome da minha mãe.
— Ele viveu por aquela criança, fazia de tudo por ela. Até
mesmo um desenho feito por ela ele tem tatuado no corpo.
O coração estranho, torto, que parece ter sido feito por um
tatuador de cinco anos. Realmente foi desenhado por uma criança e
agora parece fazer todo sentido. De repente parece a tatuagem
mais linda do mundo.
Pego um prato e sirvo um pouco de cada coisa.
— Vou levar algo para ele. Se estiver no quarto, talvez não
queira sair. Pode não estar pronto para socializar em datas tão
familiares, assim pelo menos não sentirá fome.
Papai e Sheila concordam e vejo Renato observando-me como
se eu tivesse três cabeças.
— Nunca a vi fazer nada por ninguém além da sua família —
comenta.
— Você não passou tempo o suficiente perto de mim então.
Boa noite para vocês, feliz natal — digo afastando-me, mas acho
que depois disso, ninguém terá um natal exatamente feliz.

Bato na porta e não há resposta, então a abro devagar, dando


tempo para que me mande sair. Ele está sentado sobre a cama
olhando pela janela. Ainda está vestido de Papai Noel embora não
use mais a barba, porém agora está descalço e tem a camisa
aberta, revelando o peito desnudo.
— Olá, você está bem? — pergunto.
Ele observa o prato na minha mão e franze o cenho.
— Você não colocou um laxante ou algo assim nessa comida,
não é? Por Deus, Ellah, é natal!
— Claro que não, deixa de ser ridículo!
— Então por que me trouxe isso?
— Porque você não desceu para cear conosco e achei que
poderia estar com fome.
Ele me observa confuso. Por que as pessoas sempre me
olham assim quando sou gentil?
— Está me adulando para que eu não conte nada ao seu pai?
— Se eu quisesse adulá-lo para isso viria até seu quarto nua,
não carregando um prato de comida.
Ele ri, uma risada baixa, leve. Não se move para pegar o prato
da minha mão, apenas me observa. Observa meus olhos. Desvio
meu rosto, mas acho que percebeu que estive chorando.
— Então seu pai andou contando a você coisas sobre mim.
— Por que veio para cá se não queria passar o natal
acompanhado?
— Porque prometi que viveria. Toda a magia acontece no
natal, não é o que dizem? Você pode se ferrar o ano todo, neste dia,
algo mágico vai salvar você de toda merda.
— Veio esperando por isso?
— Sim.
— Não está com fome? — pergunto, insistindo no prato que
trouxe. Tiro a tampa que coloquei para cobri-lo tentando que o
cheiro e a aparência da comida o façam animar-se.
Ele se levanta finalmente. Pega o prato da minha mão,
depositando-o sobre a cômoda e diz:
— Obrigado por isso, Ellah, de verdade.
— Não foi nada. Quer que eu te faça companhia ou prefere
comer sozinho?
— Estou faminto, mas minha fome não pode ser saciada
sozinho.
Não entendo sua resposta e ele caminha até a porta,
trancando-a.
— Não vou contar nada a seu pai.
— Em troca de quê?
— De nada. Não é da minha conta, apenas gosto de irritá-la.
Sinto-me surpresa.
— Mas gostaria de pedir um presente de natal ainda que você
me odeie agora. Quero repetir o que fizemos naquela noite, no
quarto 5. Desta vez, vendo seu rosto e beijando seus lábios. Faça
amor comigo, Ellah, me dê esse presente de natal.
Ele se aproxima devagar. Será que querer sentar no Papai
Noel é pecado?
— Aqui?
— Por que não?
Porque meu pai está em casa... porque é a casa dele... a
quem quero enganar? Ele se aproxima, mas passa direto por mim,
sentando-se. Me viro em sua direção e o observo atentamente. A
roupa vermelha, o gorro na cabeça, a camisa aberta e o peito firme
à vista. A calça justa em suas coxas e o volume.
— Você foi uma boa menina, Ellah? — pergunta lento, rouco,
provocante. — Nego com a cabeça e ele sorri. — Apenas meninas
travessas podem se sentar aqui — diz batendo em suas pernas.
— Que bom que sou travessa então — digo.
— Tire a roupa e venha, sente-se no meu colo e faça seu
pedido ao Papai Noel.
Começo a tirar a camisa que uso. Em seguida, tiro a saia,
deixando-a cair por minhas pernas. Seus olhos acompanham cada
movimento meu com admiração. Paro as mãos no fecho do sutiã e o
observo.
— Sim, minha menina, tire-o. Quero seus seios livres.
O tiro e também a calcinha. Ele passa a língua pelos lábios e
algo parece pulsar dentro de mim. Caminho devagar, mantendo a
sandália de salto e paro diante dele. Ele segura minha mão, com a
mão livre, passeia a ponta dos dedos por minha pele.
— Tão linda! Naquela noite tudo o que eu queria era ir a um
lugar mais reservado com você para vê-la exatamente assim.
— Eu também — confesso.
Ele levanta o quadril da cama, baixando a calça e vejo sua
ereção. Consigo senti-lo dentro de mim. Nunca esqueci como é tê-lo
me preenchendo. Eu realmente memorizei cada segundo daquela
noite e minha memória afetiva dela talvez seja a mais detalhada que
tenho da vida toda.
Seus dedos passeiam por minhas pernas e tocam meu centro.
Ele me deixa molhada em instantes, tocando-me com maestria, não
com pressa demais, nem tão forte, mas em um ritmo em que sinto
que posso me perder a qualquer momento, de pé aqui, diante dele
enquanto ordenha o próprio membro e me leva junto. Quando o
prazer é tanto que começo a perder o equilíbrio, ele para. Olha em
meus olhos e pede baixinho:
— Sente-se no seu Papai Noel, menina travessa.
E eu me sento. Passando as pernas em volta das suas, me
deixo sentar em seu membro rijo e grosso, sentindo-o me preencher
aos poucos, até o fundo, por completo. Um gemido alto me escapa
quando me acomodo em seu colo. Seus braços me cercam e ele me
move, encostando meus seios ao seu peito, movendo o membro
dentro de mim. É tão bom que abocanho seu ombro para conter os
gemidos.
— O que quer de presente, minha menina travessa? —
pergunta em meu ouvido, a língua torturando-o deliciosamente.
— Um orgasmo. Não! Dois. Três, se você quiser.
— Como na outra noite.
Olho em seus olhos e compreendo de uma maneira completa
o que vejo em sua expressão. O desejo, a urgência, a saudade.
— Me beija — ele pede e atendo, colando nossos lábios e
enquanto nossas línguas se envolvem, apoio meus pés na sandália
de salto e cavalgo sobre ele, sentindo-o me preencher e deixar, me
completar e abandonar.
A cada vez que subo e desço por seu membro, o quero mais.
Mais forte, mais dentro, mais vezes. Meus seios deslizam por seu
peito firme, suas mãos se agarram em minha bunda ajudando meus
movimentos. Nossas bocas se encontram em gemidos e beijos
quentes. Quando estou prestes a me perder ele me beija, abafando
os gemidos, a lamúria. Seus braços me cercam prendendo-me a ele
e tenho uma sensação de pertencimento avassaladora enquanto
gozo em seu membro plantado todo dentro de mim.
Não me lembro bem dos meus natais quando era criança. Mas
tenho certeza que sentar no colo do Papai Noel nunca foi tão bom!
Abro os olhos sentindo o sol sobre meu rosto e seguro a tempo
sua mão, quando está prestes a deixar a cama.
— Onde está indo, fugitiva? — pergunto sonolento.
— Não posso acordar na cama com você, Sr. Villani. Vou
correr até meu quarto e fingir ter acordado lá.
Sorrio observando sua pele morena sob o sol, os lábios cheios,
os cabelos cacheados desgrenhados depois de tudo o que fizemos
nesta cama a noite toda. É manhã de natal, a primeira em que não
estou sozinho na minha bolha de conforto depois de tudo, então
foda-se! Não quero pensar nas consequências do que fizemos.
Ela se veste enquanto a admiro.
— Cada pedaço de você é incrivelmente belo — confesso e
ela sorri sem graça, o que me surpreende.
Acho que ainda não a havia visto sem graça. Com certeza não
ficou assim enquanto me chupava poucas horas atrás. Ela deixa o
quarto na ponta dos pés e começo a dar-me conta que o que pedi
foi uma noite. Um presente, nada mais. Porque não tem que ser
nada mais do que isso, certo? Se contarmos com a noite no clube,
já foram duas. Neste caso, qual o problema de serem três ou
quatro? Se já serei punido por um erro, melhor me esbaldar dele
enquanto posso.
Tomo o café da manhã depressa e espero por ela, mas ela não
desce para tomar café da manhã conosco. Apenas Renato e eu
estamos acordados, ainda é cedo e é manhã de natal. Há um sol
forte lá fora, diferente do clima mais fresco de antes, quando passei
o dia em cachoeiras. Hoje sim seria um bom dia para nadar.
— Hoje é um bom dia para nadar — minhas palavras ecoam
na voz dela, quando aproxima-se usando uma saída de banho
branca cobrindo o corpo e pega apenas um pão de queijo da mesa,
beberica um café rapidamente e afasta-se.
Termino o café o mais rápido que posso, tentando não parecer
suspeito e vou para a piscina atrás dela, mas ela não está aqui. Está
parada recostada ao muro onde esteve pendurada de cabeça para
baixo ontem. Sorrio ao me aproximar.
— O que está fazendo?
— Pensando em quem irá me salvar caso dê errado.
— O quê?
Ela aponta para cima.
— Do outro lado do muro é a propriedade dos Bento. A família
não vem para cá há um tempo, então está descuidada. Ao fundo da
propriedade deles, corre um rio.
Observo seu corpo delicioso coberto por uma saída de banho.
— Vai pular o muro e nadar no rio? — Ela assente. —
Sozinha?
— Só se você não quiser vir comigo. Você disse uma noite, me
pediu um presente. Talvez não queira pular o muro como um
moleque e ir nadar em um rio comigo. Pelados — finaliza e enfia as
mãos e os pés entre as trepadeiras, conseguindo subir no muro.
Ela o escala e para lá em cima.
— O que foi? Não quer fazer isso ou está velho demais para
pular um muro?
— Sua atrevida! Vou fazê-la engolir suas palavras ofensivas
junto com minha porra.
— Então venha.
Tateio o muro entre as trepadeiras e encontro buracos. Ela
pula para o outro lado ele escalo o muro sem dificuldade,
agradecendo por ser praticante assíduo de CrossFit. A sigo até a
parte de trás da propriedade que está coberta por mato e parece ser
bem grande. O rio ao fundo pode ser visto logo ao longe. Ele corre
sumindo de vista, mas uma parte dele se aglomera em um poço,
cujas pedras no fundo podem ser vistas sem dificuldade. A água é
transparente. O barulho da água correndo, pássaros cantando, as
serras atrás da propriedade e todo o verde à sua volta tornam este,
um cenário memorável. Ainda assim meus olhos se focam ansiosos
na mulher ao meu lado, esperando vê-la de biquíni. Algo que me
negou por todo o dia das cachoeiras.
Ela tira a saída branca revelando sua pele morena aos poucos.
Vejo as panturrilhas, as coxas e a bunda cheia e durinha sem nada
entre as bandas. Ellah está nua. Joga a peça para o lado e
mergulha no rio. Começo a tirar minha roupa enquanto a vejo nadar.
Pulo nu no rio também, apesar do sol forte, a água é gelada. Um
choque atinge meu corpo, passando em seguida, quando a alcanço
e ela se encaixa em meus braços.
— Podemos ser pegos aqui? — pergunto sentindo seu corpo
nu tocando em cada centímetro do meu corpo.
— Com certeza! Está com medo?
— Estou excitado.
— Isso é justamente o que eu queria ouvir.
A beijo, calando-a e nos perdemos sob a água quando ela
passa as pernas ao redor do meu corpo e a penetro. Nossas bocas
não se desgrudam, as línguas não se deixam e nossos corpos se
conectam em êxtase. É tão bom estar dento dela assim! Livre, puro,
sem nada entre nós, sabendo que estamos seguros. Claro, essa
segurança não existe do lado de fora dessa água, pois, podemos
ser pegos. Mas esse risco só me faz penetrá-la mais forte e mais
rápido para que se perca comigo e possamos recomeçar.
Estamos boiando nus na água, quando pergunto a ela:
— Sua cozinheira é mesmo ninfomaníaca?
Ela solta uma risada gostosa. Gosto da risada dela, de alguma
forma me faz querer rir também.
— Você está interessado nela, Sr. Villani?
— Meus olhos nunca estiveram em outra mulher além de você
desde a noite 16 deste mês.
Gostaria de vê-la agora, mas sinto que está sorrindo.
— Não, esse é nosso código. Papai costuma vir aqui com
funcionários de sua empresa, amigos empresários e seus filhos.
Laura e eu temos um gosto parecido para homens, então
combinamos um código absurdo caso uma estivesse prestes a
invadir a gaveta da outra. Se eu quero alguém que tem interesse em
mim de volta, digo que ela é ninfomaníaca para essa pessoa se ela
der em cima dele. Ela faz o mesmo quando a situação é inversa.
Funciona, você ficou bastante chocado.
Minha risada acaba afundando meu corpo na água, e posso
finalmente observar seu corpo nu boiando sob o sol.
— Então estava apenas me marcando como seu?
Seu corpo relaxado fica totalmente retesado, e afunda na água
também. Olha em meus olhos e sua expressão é diferente, me
observa entre confusa e divertida. Depois de um tempo, diz:
— Merda. Sim, o marquei como meu.
— E como você sabia que eu tinha interesse em você de
volta?
— Não sabia. O que eu sabia era que você não ia ficar com
ela. E antes que pense que agi por ciúmes, nós transamos naquele
clube noturno, portanto, você já estava na minha gaveta quando
pisou aqui.
— Justo. Já que me contou algo a seu respeito, devo contar
algo também. — Ela me observa ansiosa. — Quando aquele babaca
a pediu em casamento, eu fiquei louco. Tive medo que aceitasse e
juro que se você considerasse essa ideia, a sequestraria e levaria
para longe até fazê-la repensar.
Ela espera que eu continue, mas não posso dizer a conclusão
disso.
— E antes que eu pense que estava com ciúmes, você sentiu-
se assim porque... — insiste, esperando que eu conclua com uma
explicação lógica, como ela.
— Porque eu estava mesmo com ciúmes — admito.
Ela sorri, mas um sorriso contido, seus olhos se desviam dos
meus e parece uma menina feliz com um presente.
— Você é linda! — digo de repente. — Não só por sua
aparência, esses cabelos cheios tão bonitos ou seu corpo delicioso.
Sua personalidade é linda. É diferente e única. Você é
surpreendente, nunca sei o que esperar e gosto disso. Gosto de
provocá-la e descobrir como você reage às emoções que posso
fazê-la sentir. Gosto de me surpreender por sua ousadia e cinismo.
Você me faz querer estar ao seu lado.
Ela fica tão quietinha e séria, apenas olhando-me de volta, e
penso que disse algo que a chateou. Mas então ela vem em minha
direção, um sorriso vai surgindo em seu rosto até aproximar-se e me
beijar de leve nos lábios.
— Ninguém nunca disse gostar de mim assim. Juro. Nem
mesmo minha mãe. As pessoas gostam de mim apesar da minha
personalidade, não por causa dela.
— A incomoda que eu goste?
— Me assusta e me agrada. Mais me agrada, na verdade.
Porque sei que se alguém pode gostar de mim assim, o problema
das pessoas que não gostam está nelas. Só se vive uma vez, não
quero perder meu tempo me esforçando para agradar quem não faz
nada para ser agradado, sorrindo para quem não me faz bem ou
fingindo ser gentil e amigável quando meu humor está péssimo. Não
quero viver fingindo ser nada. Gosto de ser exatamente como estou
me sentindo, mas as pessoas não veem isso com bons olhos. Sou
sempre mal-humorada, desagradável, preguiçosa e antipática.
— Você é mesmo tudo isso que disse — confirmo e ela ri,
então a beijo. — A diferença é que não esconde ser assim. Por mais
descarada que seja, você é alguém em quem se pode confiar de
olhos fechados.
Ficamos mais algum tempo no rio conversando sobre a vida,
manias, defeitos, vontades. Ela ressalta o quanto estou me
perdendo dessa parte e sei que está certa. E é só uma menina,
infelizmente sua personalidade única e incompreendida ainda vai
mudar. A vida se encarregará disso. Ainda assim é bom estar com
ela, falar com ela, transar com ela. Até mesmo rir com ela. Espero
que o homem que cruzar seu caminho quando estiver mais velha e
for o alvo de seus sentimentos sinceros, perceba o presente que
terá nas mãos.

Erin está no chão da sala, cercada por caixas, todas abertas,


os olhinhos brilhando enquanto pega tudo o que ganhou e explica
para mim e Ellah o que são e como ela gostou.
— O que você pediu ao Papai Noel este ano, Erin? — Ellah
pergunta.
— Não foi para você arrumar um namorado de novo — ela
responde com uma careta.
— Mesmo porque não funcionou no ano passado. O que
pediu?
Ela deixa a boneca que tinha na mão de lado e sorri sonhadora
para a irmã.
— Para ele me fazer modelo.
— Modelo?
— Sim, como a Gisele Bündchen. Não vejo modelos negras
como nós com frequência. As influencers que acompanho não
possuem minha cor, não que eu me importe, mas seria legal alguém
como eu para acompanhar. Então eu quero ser essa pessoa. Quero
ser uma modelo mundialmente famosa, linda e glamorosa como a
Gisele Bündchen, tendo a minha cor. E todas as meninas do mundo
inteiro vão achar a cor da nossa pele maravilhosa.
— Sempre soube que você iria além, minha irmã. Com sua
beleza e determinação, tenho certeza que vai conseguir — Ellah
incentiva.
— Na verdade, se quiser começar, há um livro infantojuvenil
que será publicado pela editora em breve, sobre uma pequena
guerreira que percorre os quatro cantos do mundo em busca das
relíquias de seus ancestrais para libertar sua tribo de uma maldição.
Essa pequena guerreira é negra como você, linda como você, forte
como você e determinada. Ainda não encontramos uma modelo
para a capa do livro então se você tiver interesse...
Não consigo concluir a frase porque ela se levanta com a boca
aberta.
— Eu tenho. Com certeza eu tenho.
— Ótimo! Quando voltarmos vou combinar tudo com seu pai
para que faça as fotos.
— Jura? Vou mesmo ser modelo?
— Sim, se é o que quer fazer, claro que vai.
Ela me abraça contente.
— O Papai Noel nunca foi tão rápido! Não realizou meu pedido
ano passado, porém este ano realizou os dois de uma vez.
Ellah a observa confusa e a pequena emenda:
— Por ser meu primeiro contratante, não vou contar ao papai
que vocês dois estão namorando.
— O quê? — Ellah e eu perguntamos ao mesmo tempo.
Ela olha de um para outro com um sorrisinho travesso e
estranhamente nenhum de nós desmente essa ideia. Espero Ellah
explicar que não estamos em um relacionamento ou algo do tipo,
mas ela parece deixar para lá. Fica mais um pouco brincando com a
irmã, depois sobe para se trocar.

Passo a tarde pensando no que Erin disse e na reação, ou


falta de reação de Ellah. Sei que não pensa que estamos em um
relacionamento, ela é livre, quer viver seu prazer, não cobra ou
oferece nada além disso. Mas o incômodo que tenho sentido desde
a afirmação de Erin continua aqui, de forma que acabo entrando em
seu quarto sem bater na porta.
Ela está deitada sobre a cama com um livro em mãos. O deixa
de lado quando me vê e seu sorriso é grande e lindo.
— Você entrou mesmo sem bater.
— E você não trancou a porta.
— Não podemos transar agora, é de tarde.
— Não vim aqui para isso — respondo com um sorriso quando
ela parece desapontada.
— Então o quê?
Ela se senta na cama e me sento ao seu lado, olhando para a
porta de seu banheiro.
— O que Erin disse mais cedo...
— Não se preocupe, ela não vai dizer isso ao papai.
— Mas você não a desmentiu.
— Se eu tentasse só a faria continuar falando disso, tentaria
argumentar o que viu ou ouviu para provar que está certa e estamos
mentindo. A melhor maneira de pará-la era ignorá-la. Depois vamos
embora, não nos veremos mais e eventualmente ela entenderá que
não somos um casal.
Consigo compreender o que está dizendo e faz todo sentido.
Ellah conhece a irmã muito melhor do que eu, sabe como agir com
ela.
— Então não considerou nem por um segundo que
pudéssemos ser um casal?
— Não quando você disse que só tinha propostas a me fazer
se eu fosse dez anos mais velha. Eu entendi que o que estamos
fazendo é um erro para você. Que está fazendo assim mesmo
porque não conseguiu evitar, mas vai se punir por isso. Então não
espero nada além do seu corpo nu no meu, esta noite e nas
próximas que virão. Não vou esperar nada além disso.
— Você está certa. Em tudo o que disse. Mas não pense que
quando a toco me sinto errado, porque não sinto. Estar com você é
como estar no paraíso, por isso não pude resistir. Por isso estou
disposto a encarar qualquer punição.
Ficamos em silêncio um tempo, depois ela se move na cama,
vira-se sentando-se de frente para mim. Diz com a voz mais baixa:
— Eu fico decepcionada por não poder esperar nada mais de
você.
Viro-me em sua direção também, nossas pernas se tocando.
— Fica? Você queria esperar mais de mim?
— Não! Mas queria poder esperar.
Sorrio, ela sorri de volta. O pior dessa conversa estranha é que
entendo o que quer dizer. Ela queria ser uma opção para mim ainda
que não fosse, mas saber que poderia ser. Eu queria que ela fosse
uma opção, embora isso a tornaria imediatamente a única.
— Você é jovem demais.
— Você que é velho demais.
— Não tenho mais tempo para me apaixonar e planejar um
futuro a dois, Ellah. Também não tenho mais paciência para isso.
— E eu planejo futuro a dois há muito tempo. Mesmo que ele
nunca se concretize.
— Planeja?
— Por que está surpreso? Acha que quero passar o resto da
vida frequentando clubes de sexo?
— O que você planeja?
— Um marido bem-humorado... você sabe, se ele for como
eu...
Uma risada me escapa e ela continua.
— E filhos. Quero pelo menos dois, e que nasçam próximos
um do outro. Meus pais tiveram a Erin quando eu já era velha
demais para aproveitá-la. Ainda assim nosso elo é tão forte e bonito!
Se tivéssemos idades parecidas seríamos as melhores amigas uma
da outra. Quero que meus filhos tenham um ao outro enquanto
crescem, assim não crescerão sozinhos como eu. Talvez duas
meninas, eu gostaria.
— Serão duas pequenas megeras? — provoco.
— Só se elas tiverem sorte.
— Sou obrigado a concordar. Não achei que pensasse nesse
tipo de coisa. Para quando planeja isso?
— Para o próximo natal se eu estiver entediada... — Sorrio. —
Para quando o pai bem-humorado delas aparecer. E eu estiver
consolidada na minha área. Não começando como sua editora
chefe, mas como a assistente de algum outro babaca.
— Está me chamando de babaca?
— Você é um homem que desistiu de viver, então sim, babaca.
— Agora você já sabe a história da tatuagem, pode entender
porque desisti de fazer planos.
— Na verdade não sei, sei por alto sobre o que houve com sua
família. Sinto muito por suas perdas, sequer consigo imaginar o que
tem passado. Quer me contar a história toda? Por que deixou sua
filha tatuá-lo?
Nunca pensei que sentiria vontade de contar a história apenas
para compartilhá-la, sem ser obrigado a isso. Mas está acontecendo
agora. Talvez por não querer sair de perto dela agora. Talvez porque
estou curioso em como ela vai reagir a ela.
— Minha filha tinha leucemia, estava em estágio avançado e o
tratamento era cansativo e doloroso e ela não aguentava mais.
Então um dia pedi que ela fizesse um desenho. Disse que eu
guardaria para sempre esse desenho e ela desenhou esse coração.
— Toco a tatuagem sobre a camisa que uso. — A linha é torta
porque havia um acesso em sua mão dificultando seus movimentos.
Então fui lá e tatuei sobre o coração seu desenho. Depois mostrei a
ela e expliquei que ela sempre estaria comigo, na minha pele, sobre
o meu coração, não importa onde estivesse. Ela entendeu a
permissão para partir.
Consigo vê-la claramente naquele momento em que viu a
tatuagem.
— Ela ficou maravilhada, riu alto como não fazia há muito
tempo. Mostrou aos coleguinhas da oncologia que eu havia tatuado
seu desenho. Eles disseram que ela era uma artista. Foi uma de
suas melhores noites desde que tudo havia piorado. E poucos dias
depois ela partiu. Eu deixei que fosse.
— Porque a amava demais para vê-la sofrer — ela diz e
assinto.
Meus olhos estão cheios e meu peito se aperta. Aquele aperto
que esteve nele nos últimos três anos. O que me faz perceber que
ele não estava aqui nos últimos dias. Não estava desde a viagem
para cá. Observo a menina ao meu lado que chora baixinho,
emocionada.
— É um risco que você vai correr se quiser ter filhos — digo
sentindo-me péssimo por isso.
— Vou correr muitos outros riscos também, eu sei. Mas não
vou deixar de sonhar pelos riscos.
— Você deixa quando não é mais só um risco.
— Então se voltasse no tempo, não a teria? Escolheria não ser
pai?
A primeira imagem que vem à minha cabeça com sua pergunta
é da minha filha sofrendo na oncologia infantil de um hospital. Mas
só as primeiras. Todas as outras são de seus sorrisos, os primeiros
passos, primeiras palavras. Suas apresentações de balé, as
histórias mirabolantes que criava e contava para mim antes de
dormir. Os abraços quando estava com sono, com medo, com frio
ou doente. Os abraços mais fortes quando ganhava uma medalha
na escola ou fazia um novo amigo.
— Eu escolheria tê-la, sem dúvidas. Ela foi a melhor coisa da
minha vida.
— Acho que sua resposta é tudo o que precisa para entender
que não pode deixar de sonhar. Espero que um dia se dê conta
disso.
Não respondo, mas ela não espera por isso, ao invés, vai até a
porta e a tranca, então vem até mim e me abraça. Seus dedos
acariciam meus cabelos enquanto ela me conforta da dor das
lembranças. Não dizemos nada por um bom tempo, o sol vai
embora, a noite cai, o quarto vai sendo banhado na penumbra e
continuo aqui, em seus braços.
E então me sinto bem. Me sinto leve, com saudades da minha
Vitória, mas feliz por tê-la tido. Afasto-me de Ellah e aperto seus
dedos com carinho.
— A que horas você vai para o meu quarto?
— Quem disse que vou para o seu quarto esta noite?
— Se você não for eu virei para o seu.
— Não, Erin dorme aqui do lado, eu vou para o seu.
— Vou esperá-la ansiosamente.
E espero.
Os últimos dias passaram como um borrão. Tão rápidos e
quentes, que lamento ser trinta de dezembro e termos só mais dois
dias aqui. Em dois dias iremos embora e, provavelmente, só verei o
homem entrando furtivamente em meu quarto em plena tarde, nas
poucas ocasiões comemorativas da editora em que meu pai é sócio.
E seremos como dois estranhos então.
— O que está fazendo? — pergunto vendo-o sem camisa,
aproximando-se com malícia nos olhos.
— Vim convidá-la a ir beber comigo mais tarde, no pub.
— Precisava vir sem camisa?
— Algum problema? A estou distraindo?
Um suspiro exasperado sai da minha boca e desisto da fingir
repreendê-lo
— Você me distrai mesmo quando está vestido.
Seu sorriso está ali e adoro vê-lo tão leve.
— Se você dissesse não, eu faria outra proposta. Por isso
estou sem camisa.
Observo vagarosamente seu abdome desnudo, prestando
atenção aos poucos pelos entre as montanhas de seu corpo. Minha
paisagem preferida deixou de ser as serras atrás da casa e se
tornou as montanhas do abdome de um homem. O quanto será que
estou ferrada?
— Só temos mais dois dias — ele diz e me surpreendo que
esteja lamentando antecipadamente a nossa despedida, como eu.
— Ellah, tem que contar ao seu pai a proposta que Renato te fez.
Ele vai julgar o risco que havia nela, mas precisa dizer a ele.
— Eu sei, papai confia muito nele, assim que voltarmos à
capital eu vou contar.
— Você disse a ele que não quer a vaga de editora chefe na
minha editora. Eu pretendo dá-la a você, mas só se você quiser.
— Pretende? — pergunto quase aos gritos.
Se ele me der essa vaga nos veremos todos os dias. Porém,
ele será meu chefe, apenas. Por que ainda insisto nesses lampejos
de esperança de que teremos algo além do que estamos vivendo
aqui?
— Pense bem se você a quer ou não. Pese suas
possibilidades. Você disse que quer começar do começo, mas ainda
seria um começo se você não fez isso antes. Apenas seria um
grande começo.
Dou um passo em sua direção e passeio a unha por seu peito
firme.
— Você vai me comer na sua sala escondido se eu aceitar?
Ele ri alto. Parece pensar no assunto e responde:
— Agora que você colocou deste modo, há um risco. Bem
grande.
— Significa que logo no início da minha carreira serei demitida
por transar com o chefe?
— Não quando o chefe estará mais do que satisfeito por
transar com você.
— Eu vou pensar sobre isso. Não sobre transar com o chefe e
acabar minha carreira recém-iniciada, mas sobre um grande
começo.
Ele parece sem graça por eu estar falando sério e arqueio as
sobrancelhas, confusa.
— Ellah, claro que não farei nada que você não queira,
principalmente no ambiente de trabalho. Tampouco farei algo que
possa prejudicar sua carreira. Mas se você vai ficar o dia todo perto
de mim, todos dos dias, precisa não ser você se quiser manter uma
distância segura.
Dou um passo atrás observando-o.
— Como assim?
— Se agir assim, descarada e atrevida, direta e provocante o
tempo todo, vou comer você. Esteja ciente.
Ele está mesmo falando sério. Não há um sorriso brincalhão
quando diz isso, e sim apreensão por como irei reagir.
— Então está mesmo me oferecendo um emprego com
benefícios?
— Se você considera assim, acho que me sinto aliviado.
— Quantas mulheres na sua editora têm benefícios com o
chefe?
— Não seja atrevida.
— Então não seja vago.
Ele sorri. O maldito está sorrindo.
— Você é mesmo ciumenta, só para constar. Nenhuma. Não
me envolvo com ninguém, eu sequer tenho amigos. Para ser
honesto, costumo trabalhar de casa, vou começar a frequentar
presencialmente a editora a partir de janeiro. Então não conheço
quase ninguém que trabalha lá. Mas se conhecesse, posso garantir
que nenhuma outra mulher teria esse tipo de benefícios comigo. Só
você me faz agir por impulso e desejo desse jeito, só você me faz
agir como adolescente e ouvir apenas meu pênis ao invés da razão.
E, pensando bem, agora que colocou assim temos que considerar
que eu sou o mais velho, portanto, o responsável aqui. Não deveria
ter feito essa proposta.
Detesto quando ele começa a pensar demais.
— A está retirando? Porque se estiver não quero trabalhar na
sua editora.
— Só vai aceitar uma vaga que a beneficiará se meu pênis vier
no pacote?
— Obviamente. Editoras existem muitas, um chefe gostoso
como você, nenhuma delas terá.
Funciona, a tensão deixa suas feições e ele está rindo, respira
fundo.
— Por que eu sei que está errado e mesmo assim continuo
fazendo?
— Isso não significa que esteja agindo como um adolescente,
apenas como alguém que não nega seus desejos, que se importa
com seu prazer. Não é errado ou imaturo como você pensa.
— Quando você fala assim eu quase me sinto adulto de novo.
— Rocco...
— Faça isso de novo — me interrompe de repente.
— Isso o quê?
— Chame o meu nome. Você só me chama de chefe, safado,
pervertido, querido ou Sr. Villani. Me chama assim de novo e vamos
ver o quanto posso ser adulto e responsável perto de você.
O observo com um sorriso, ele sorri de volta, me desafiando.
— Eu quero todos os seus benefícios, Rocco.
Espero que ele deixe o quarto, já que estamos no meio da
tarde e ele não devia estar aqui, para provar que ainda é
responsável. Mas o que ele faz é vir em minha direção e me beijar.
E me beijar com desejo, posse, luxúria. Ele me prende em seus
braços e sinto sua ereção despontando através da bermuda que
usa. Nossas línguas se encontram e gemo em sua boca, o que o faz
pressionar meu corpo contra a parede atrás de mim.
De repente escuto passos no corredor e ele se afasta de
supetão, porém está excitado, sua ereção será visível para qualquer
um que entrar aqui. Abro a porta do closet e o enfio nele segundos
antes de Erin abrir a porta.
— Ellah, o papai mandou você descer... — ela para de falar e
me observa confusa.
— Tudo bem, já estou indo.
— O que há com você?
— Como assim?
— Está agitada e descabelada.
— Meu cabelo é rebelde.
— Não é, não! Você está bem?
Vou ficar melhor assim que você der o fora daqui.
— Estou bem, querida, vou me trocar e descer.
— Tudo bem, vou esperá-la.
— Mas espere lá embaixo — decreto guiando-a porta afora
pelos ombros.
— Posso escolher sua roupa?
— De maneira alguma.
— Chata! — reclama e vai pelo corredor.
Volto para dentro do quarto, tranco a porta e abro a do closet.
Rocco tem uma expressão fechada e braços cruzados quando
me encara.
— Olhe só para mim, quarenta e quatro anos nas costas,
escondido em um closet como um adolescente.
— Mas o que é a vida sem emoção? Não importa a idade —
defendo nosso desejo incontrolável.
— Ellah...
— Sinto muito por isso, jovenzinho. Agora, se não der um
passo fora desse closet em dois segundos, vou me ajoelhar e
chupá-lo aí dentro mesmo.
Ele está surpreso, depois, respira fundo e cede.
— Venha aqui, me chupe aqui dentro e vou guardar outra
lembrança de ter me escondido aqui.
— Como queira, Sr. Villani.
Ele ri e cumpro o que prometi, enchendo a boca com seu
membro e tirando dele todas as preocupações acerca da nossa
idade, do nosso desejo e do quanto estamos dispostos a nos
arriscar por ele.
Mas quem muito se arrisca...

É a noite de ano novo. Observo o look que usarei esta noite


sobre a cama, Erin exclama admirada ao ver o vestido de alças,
decote profundo, acinturado e de saia longa, com uma abertura na
perna esquerda. Ele é todo coberto por outro vestido de renda que
brilha levemente por seus strass prateados.
— Você vai ficar maravilhosa nesse vestido! — ela diz
admirada.
— Você acha? Obrigada, minha querida.
— O tio Rocco vai se apaixonar ainda mais quando a vir.
— Erin, sobre isso, não estamos apaixonados. Por favor, meu
bem, não repita algo como isso, está bem?
Ela parece confusa.
— É claro que estão! Ele sorri quando te vê sem motivo
nenhum só que porque te viu, estamos falando de você, quem fica
feliz por te ver?
— Sai do meu quarto, pirralha.
Ela segura a pug que se esbaldava no meu tapete e sai do
quarto rindo.
Meu telefone toca em seguida e atendo Nina, sentindo falta de
sua voz.
— E aí? Alguma novidade sobre o gostoso da tatuagem
escrota?
— Não fale assim da tatuagem dele! Há um motivo nobre e
lindo para tê-la feito.
— Então você o encontrou?
Dou-me conta que não tenho dividido nada do que tem
acontecido na minha vida com minha melhor amiga. Desde os meus
doze anos, quando nos conhecemos, nunca houve algum garoto por
quem tenha me interessado que ela não tenha ficado sabendo.
— Ai, Nina, estou ferrada!
— Por quê? Conte tudo.
— Eu o encontrei, ele está aqui, ele é o sócio do meu pai.
— O seu futuro chefe? — ela grita.
— Sim e... ele me reconheceu, quer dizer, nos reconhecemos.
Foi complicado no início, mas acho que estou apaixonada por ele.
Ela desliga a ligação na minha cara. Pouco depois, liga de
vídeo.
— Miga, comece do começo, não me atropele desse jeito. Eu
sumo por uma semana e você está apaixonada pelo seu futuro
chefe?
— Que também é o homem com quem fodi no clube noturno, e
também é o sócio do meu pai e também é o convidado dele para as
festas de fim de ano.
— Ellah Belmont quando foi que você ficou tão interessante?
Vamos, me conta tudinho. Você não sai desse quarto enquanto eu
não souber de tudo.
Ajeito os travesseiros do outro lado da cama, me ajeito
recostada neles e conto à minha melhor amiga como me apaixonei
em nove dias.

A noite caiu e me encontro em frente ao espelho de corpo


inteiro avaliando o vestido desta noite. Um frio na barriga enquanto
giro observando minha imagem.
Será que ele vai gostar?
Merda! Nunca antes me vesti para agradar alguém além de
mim mesma. O mais alarmante em estar fazendo isso agora, é a
ansiedade de sua aprovação. Então é assim estar apaixonada. Será
que esse frio na barriga será constante? Em coisa tão banais como
que roupa usar? Confiro a maquiagem, coloco uma presilha de
strass prendendo uma parte dos cabelos cacheados compridos, um
colar prateado e um brinco argolado com strass prateado,
combinando com o colar e as pedras de strass do vestido. Só
preciso me calçar e estarei pronta. Já são quase dez da noite, eu
deveria ter descido mais cedo para acompanhar Erin enquanto
comia, mas fiquei ocupada demais me arrumando para agradar um
homem.
— O que você está fazendo, Ellah? — pergunto a mim mesma.
Pego a sandália prateada de salto alto e a colo no chão à
minha frente, subindo nela. A porta do meu quarto é aberta e Rocco
entra. Ele está lindo! Usa uma camisa de linho branca, cujos
primeiros três botões estão abertos, revelando o peitoral firme. Os
cabelos, mais compridos desde que nos conhecemos, são fios
negros com toques grisalhos charmosos. A barba, hoje bem
aparada, quase não exibe os fios grisalhos. Usa uma calça caqui
azul escura e, o que me faz abrir um sorrio, coturnos azul marinho,
combinando com a calça.
— Só porque hoje não estou usando coturnos. Mas ficaram
ótimos em você — comento.
Ele não diz nada, está olhando para mim minuciosamente.
Aproxima-se devagar, a passos lentos, as mãos nos bolsos da
calça, preguiçosamente. Dá a volta por meu corpo e para à minha
frente. De repente, ajoelha-se diante de mim e fecha minhas
sandálias. Seus dedos brincam em minhas pernas, tocando de leve
a pele, e meu coração parece saltar.
Quando se levanta, me olha mais uma vez de cima a baixo e
diz, a voz baixa, crua:
— Você está maravilhosa! Muito linda mesmo.
— Obrigada.
— É difícil não sonhar olhando para você assim — confessa.
— Por que você tenta? — pergunto quando o que queria dizer
é “por que não me pede em namoro e para de fugir?” ou “por que
não se permite ter sentimentos por mim?” Mas apenas o afastaria se
perguntasse qualquer uma dessas coisas.
— Porque é ainda mais difícil quando os sonhos chegam ao
fim.
— Todo fim é difícil. É só não deixar chegar ao fim.
Ele apenas sorri, aquele sorriso triste de quando vai se
esconder nas lembranças. Não precisa dizer em voz alta o que sei
que está pensando: nem sempre o fim está em nossas mãos. Ele é
prova disso.
Dou um passo em direção ao espelho para avaliar a sandália
no pé, quando ele segura minha mão e me puxa de encontro ao seu
corpo. Seu braço contorna minha cintura e ele respira meu cheiro
afundando o rosto no meu pescoço. O arrepio percorre meu corpo e
sua boca passeia pela pele provocando.
— Está linda demais mesmo — diz baixinho.
Então me beija, lento no começo, com cuidado para não nos
bagunçarmos. Mas esse cuidado cessa em segundos. Sua mão se
enfia na abertura do vestido e aperta minha bunda. Um gemido me
escapa e ele grunhe em minha boca. Me aperta ainda mais contra
seu corpo e estamos quase sem ar.
— Você vai estragar minha maquiagem — aviso em sua boca.
— É só um beijo — diz antes de sua outra mão se aventurar
por baixo da saia do vestido e ele me suspender do chão.
Passo as pernas em volta do seu corpo, cruzando os pés e ele
volta a me beijar, me encostando à parede. Seu corpo pressionado
ao meu, suas mãos segurando com força minha bunda, sua língua
me fazendo gemer em sua boca. Sinto-me viva, acesa, em chamas,
alagada, fora de mim e sem a menor vontade de descer para cear
com outras pessoas. Só quero ficar aqui com ele.
É quando o risco que temos provocado por todos esses dias
cobra seu preço. A porta do meu quarto é aberta, e embora ele não
costume fazer isso, desta vez ele fez. Papai está aqui.
— O que está acontecendo aqui?
Rocco me solta rapidamente, meus pés mal se firmam no chão
e encaro um senhor com poucos cabelos brancos e pele morena, de
feições severas e olhos assustados. Olhos fixos no homem ao meu
lado.
— Pai, eu... — começo a dizer, mas Rocco fala mais alto.
— Eu não sei como me desculpar por isso, Enrico. Não há
desculpas. Eu sinto muito, foi um erro estúpido.
Olho para ele imediatamente, não acreditando no que acabou
de dizer.
— Vocês dois estavam... — meu pai começa, mas não
consegue concluir a frase. — O que é isso? O que há entre vocês?
— Nada — Rocco diz. — Nada sério. Foi só um homem velho
agindo como um adolescente cheio de hormônios. Eu usei sua filha
para me distrair, não sei dizer o quanto sinto. A culpa não foi dela, é
uma menina, eu não devia ter feito isso.
Mal consigo ouvir o que meu pai diz a ele depois disso, sei que
está dando um sermão, algo sobre o ter recebido em sua casa como
parte da família, sobre a confiança que depositou nele, mas minha
mente ainda está em suas palavras frias, envergonhadas. Ele é um
homem, não um adolescente. Não diria qualquer coisa sem pensar
por ter sido pego, ele enfrentaria como eu estava disposta a fazer.
Tudo o que está dizendo com calma, olhando nos olhos do meu pai,
é a verdade de como se sente. Estava se distraindo comigo esse
tempo todo. Não era nada sério, nada importante. Um homem velho
agindo como um adolescente. Escuto apenas a última coisa que
Rocco diz:
— Eu nunca mais me aproximarei da sua filha, Enrico. Você
tem a minha palavra.
Simples assim, ele me descarta. Então deixa o cômodo sem
sequer olhar para trás. O vejo passar pela porta e olho para meu
pai, meus olhos já turvos, tentando muito não chorar diante dele.
— Você me decepcionou muito, Ellah, me decepcionou. Erin
está acordada, ela é quem viria chamar você, imagine se ela
encontra essa cena? Você sequer me ouviu chamar. Nem teve o
cuidado de trancar a porta, quando se tornou tão descuidada? Tão
desrespeitosa!
— Sinto muito por desapontá-lo — consigo dizer, embora
minha voz soe embargada.
— Vá embora. Vamos ter uma ceia de ano novo em paz sem
nenhum de vocês dois aqui.
Assinto e ele deixa o quarto.
E assim que ele fecha a porta atrás de si, desabo. Então assim
é se apaixonar. É uma merda. Por que mesmo eu quis passar por
isso? É um sentimento, como é possível doer? Como posso estar
sentindo essa dor no corpo? Na pele? Como posso estar fraca para
levantar da cama? É só um sentimento. Tão rápido quanto surgiu,
deve ir embora. Só vai doer hoje, amanhã apenas sentirei raiva do
homem por quem estou apaixonada. Um belo presente de natal,
esse.
Os dias perderam de novo a graça, mas de uma maneira
diferente. É diferente quando pareciam estar melhores, mais alegres
e de repente não estão mais. São como eram antes desse final de
ano, antes dessa viagem e de tudo o que houve nela, mas não
exatamente iguais. Porque aqui em meu peito agora, há algo que há
anos não existia: esperança. Porque deito a cabeça no travesseiro
agora e sonho. Com ela. Sonho até mesmo acordado. Porque voltei
a desejar algo com tudo de mim, e esse desejo está vivo, o que me
faz pensar que não é impossível, o que não me permite apenas
superá-lo.
Sinto-me miserável. Nem tive coragem de olhar em seus olhos.
Sequer me despedi da mulher em quem passei aqueles dias. Da
mulher de quem fui mais íntimo nesses últimos anos, de todas as
formas possíveis, e rompi tudo sem olhar em sua direção.
Sinto-me culpado. Ela deve me odiar agora. Ela merecia mais
do que isso. Nunca respondeu nenhuma das flores com pedidos de
desculpa que mandei a ela, mas sei que ela merecia um pedido de
desculpas decente.
O elevador abre as portas e respiro fundo. Pensei que quando
este momento chegasse, de voltar a viver como Vitória pediu, minha
dificuldade seria conviver de novo com uma rotina normal, sair,
trabalhar, voltar para cassa, uma vida normal quando não a tinha
mais. Mas voltei a viver em São Roque de Minas e não foi nem um
pouco difícil me esgueirar para o quarto ao lado, pular o muro, nadar
no rio, dividir histórias. Estar aqui na editora agora é apenas o
segundo passo. Ellah tornou o primeiro passo fácil e prazeroso.
Uma mulher sorri quando me aproximo. Levanta-se e me
estende a mão.
— Olá, Sr. Villani, sou Anália, sua secretária.
Trabalhamos juntos há algumas semanas, conversando
apenas por e-mail.
— Me chame de Rocco, por favor, Anália.
— Tudo bem.
Ela me mostra minha sala, explica como organizou tudo para
que eu me sinta mais confortável e me passa a agenda do dia. Terei
uma reunião de apresentação em pouco tempo. É eficiente e direta.
— Obrigado, Anália. Você pode trazer os originais em que
estivemos trabalhando nas últimas semanas, por favor?
— Claro! — concorda, mas continua aqui, parada, me
observando.
— Algum problema?
— Eu procurei fotos do senhor na internet e não achei
nenhuma. O senhor aparenta bem mais jovem e é muito bonito.
“Quantas mulheres na sua editora têm benefícios com o
chefe?”
A pergunta dela volta à minha mente e sinto sua falta.
Reviraria os olhos se estivesse aqui, diria algo absurdo para marcar-
me como dela, talvez. Com certeza afastaria a sorridente Anália de
olhar-me como está olhando e fazer esse tipo de comentário.
— Acho melhor você me chamar de Sr. Villani, Anália, já que
confundiu chamar-me pelo primeiro nome como permissão para ter
intimidade. Não temos.
Ela abre a boca sem graça, mas assente e deixa a sala, indo
buscar os originais. O mesmo acontece mais uma vez, alguns dias
depois, com a editora chefe interina. Passamos horas demais juntos
e, em uma noite, ficamos até mais tarde. Ela sugere que
terminemos o trabalho em uma cafeteria na esquina e aceito. Estou
mesmo exausto precisando de cafeína.
Sentamo-nos frente a frente e fazemos o pedido, mas antes
que cheguem sinto a ponta de seu scarpin em minha perna. Ela
sorri amarelo e se desculpa. Volto o olhar para o iPad em minha
mão, onde analiso as anotações do revisor e os cafés são servidos.
Quando vou pegar minha xícara, ela faz o mesmo, tocando meus
dedos. A observo e ela sorri:
— Desculpe, estava prestando atenção ao laptop.
Deixo o iPad sobre a mesa, sentindo-me cansado e ela faz o
mesmo.
— O que você quer, Lúcia? Por que tem encontrado motivos
para me tocar nos últimos dias?
Ela engasga com o café e me observa assustada. Por fim,
pergunta:
— Rocco, você não me acha atraente?
— Não.
Ela abre a boca em choque.
— Não se sinta ofendida. Não tem a ver com você,
provavelmente é atraente, mas não para mim. O problema está em
mim, no entanto.
— Você está muito apaixonado, não é? Tão apaixonado por
alguém que sequer olha à sua volta. Essa mulher tem muita sorte.
— Não estou apaixonado, não tenho mais idade para essas
coisas — retruco.
Chega o dia da sessão de fotos de Erin e faço Anália adiar
todos os compromissos da manhã afim de acompanhar a sessão.
Em parte, porque sinto saudades da pequenina, mas o principal
motivo é que Ellah virá com ela. É claro que virá, Ellah participa
ativamente da vida de Erin, como sua mãe faria. E estou contando
os segundos para vê-la. Ando de um lado a outro ansioso, meu
peito parece apertado, o corpo agitado. Até a respiração fica
alterada constantemente. Finalmente ela chega, mas quem está
com ela é Sheila, a governanta.
Sorrio desapontado para a pequenina ao constatar que Ellah
não vem. A sessão dura pouco mais de três horas, em que garanto
que Erin não se canse e se divirta, mas ela leva jeito. As fotos
parecem estar ficando ótimas e ela está feliz. Quando termina vou
até ela que me abraça sorridente.
— Obrigada, tio Rocco.
De repente, se afasta, observando-me como se tivesse feito
algo errado, então faz um beicinho e cruza os braços como se
estivesse irritada.
— E Queda? Como está?
— Crescendo. E virando uma bolota, está difícil carregá-la no
colo.
— E seu pai?
— Trabalhando.
— Por que parece irritada comigo?
— Porque estou. Não posso gostar de você, é difícil, porque
você é legal e me deu a Queda, mas você fez a minha irmã chorar.
Não posso gostar de quem faz a Ellah chorar.
— Eu fiz sua irmã chorar?
— Muito. E ela também não mora mais com a gente e não a
vejo todos os dias.
Não mora mais com o pai, o quanto está abalada a relação
deles? E provavelmente não tem recebido minhas flores. Será que
ela sabe que tentei, ainda que covardemente, me desculpar?
— Você não gosta mais da minha irmã? Parecia gostar tanto
dela!
— Gosto, eu gosto muito da sua irmã! Não quero que ela
chore.
Ela respira, como se se sentisse aliviada e volta a sorrir. Seu
sorriso se parece com o de Ellah e isso faz meu coração acelerar de
repente.
— Ufa! Então posso gostar de você de novo. Ela está
trabalhando em uma editora. Papai ficou furioso, por isso ela saiu de
casa.
— Está trabalhando em outro lugar? Como ela se atreve?
— Você não sabe? Ela é atrevida. Mamãe sempre a chamava
assim.
Sheila a chama, percebo que vira o rosto para mim, fez isso
todas as vezes que tentei falar com ela, tomou as dores de Ellah,
claro. Erin me abraça antes de ir e diz:
— Se você gosta dela, vá dizer a ela. O que está esperando?
— Eu vou, pequenina.

Volto à editora, à minha sala, e peço ao RH que envie o e-mail


de contratação para Ellah. Mas então dou-me conta que isso é
ridículo. Eu devo oferecer esta vaga a ela, então cancelo a ordem e
escrevo eu mesmo um e-mail. Lembro-me de nossa conversa, onde
ela disse que só aceitaria a vaga se viesse com benefícios e algo lá
dentro de mim tem esperanças que, se ela aceitar, é porque
também estará me aceitando de volta.
Não há uma resposta dela, até pensei que ela responderia,
talvez pudéssemos nos encontrar e esclarecer as coisas antes de
seu começo na editora, talvez quisesse deixar claro que não tocarei
nela e que vamos separar o pessoal do profissional e isso
significaria que terei que lutar por ela. Isso não me impediria. Mas
ela não respondeu.
Volto para casa ansioso em dormir e acordar para saber se
estará lá amanhã às onze, como solicitado no e-mail. Algo em meu
peito diz que sim, ela estará lá, poderei vê-la de novo, estar com ela,
ouvir sua voz. Um sorriso teima em ficar em meus lábios por essa
possibilidade. Será que ela vai entender que esse e-mail foi o meu
pedido de desculpas?
Pego o porta-retrato com a foto de Vitória na cabeceira da
cama e digo, olhando para a pequena que se parece tanto comigo.
— Você pediu para eu viver, eu demorei a tentar fazer isso e
não posso dizer que já estou fazendo. Mas estou tentando, filha. Dei
dois passos, isso é alguma coisa, certo? O que você quis dizer com
“viva”? Para eu sair de casa? Ter uma rotina? Trabalhar, comer me
divertir? Porque posso fazer tudo isso sem, de fato, sentir-me vivo.
Mas sabe uma coisa engraçada, Vic? Sinto-me vivo com uma
pessoa. Mesmo quando estamos apenas deitados conversando.
Será que era esse tipo de “viva” que você queria?
Devolvo a foto à cabeceira e tento dormir, ansioso pela manhã.
A manhã chega, mas na hora marcada, não posso estar no
RH, como gostaria. Surge uma emergência e estou em uma reunião
com um autor, seu agente, Lúcia e a tradutora que começou a
trabalhar na obra e está questionando demais a cultura local da
cidade citada pelo autor. Isso acabou por irritá-lo e estamos
tentando acalmar os ânimos, ouvindo os dois lados. São onze horas
e dois minutos agora, Ellah deve estar no RH, penso em inventar
algo para deixar esta sala só para conferir se está lá mesmo, mas
me controlo.
É quando a porta da sala de reuniões é aberta e ela entra. É
linda, está ainda mais linda do que eu me lembrava. Levanto-me
assim que a vejo, mas ela faz um gesto para que fique onde estou.
Estende um papel em minha direção.
— Sério isso? Um e-mail formal como meu chefe? E você
achou que eu ficaria feliz e aceitaria a vaga eternamente grata ao
homem que não teve a coragem de olhar nos meus olhos antes de ir
embora?
— Ellah, podemos conversar em outro lugar — digo indo em
sua direção, mas ela não permite que eu me aproxime.
Atrás dela está Anália, em pânico por não ter conseguido
impedi-la, balbuciando desculpas.
— Não! Não vamos mais conversar, em lugar nenhum! O que
tenho para dizer posso dizer na frente de todos, não sou covarde
como você! O que você tem a dizer não me interessa! Você me deu
a vaga depois de tudo, e achei que deveria vir aqui e dizer
pessoalmente que não aceito. Não quero sua vaga, obrigada. Não
quero trabalhar ao lado de um covarde.
— Ellah...
— Fique onde está! Foi tão fácil para você dizer que não foi
nada, só uma diversão, um erro estúpido, coisa de moleque. E virar
as costas sem olhar nos meus olhos ou se despedir.
— Não foi fácil…
— Pareceu. Bem fácil.
— Isso foi uma tentativa de te pedir desculpas — digo
apontando para o e-mail impresso em sua mão.
— Péssima tentativa, mas vou poupá-lo de tentar de novo, não
vai adiantar. Nem tente. Você jurou ao meu pai que não voltaria a
me ver, mas quebrou sua palavra, é mesmo um covarde.
— Sim, eu sou.
Seus olhos estão cheios e odeio isso.
— Sinto muito por ser um covarde, por ir embora sem me
despedir e sem amparar você e por não saber te pedir desculpas.
Ela assente.
— Vamos encerrar tudo isso aqui, você estava certo quando
disse que é mais difícil quando chega ao fim. Ao contrário de você,
estou dizendo adeus olhando nos seus olhos. Ao contrário de você,
não precisei mentir para o meu pai nem para mim mesma sobre o
que aconteceu. É uma pena que eu tenha me apaixonado por um
covarde. Adeus, Rocco, não tente mais me pedir desculpas, me
deixe em paz.
Ela me entrega o e-mail impresso, se vira e deixa a sala. E
permaneço aqui parado, vendo-a sumir pelo corredor depois de ter
essa conversa na frente de todos. E isso pouco me importa, me
importa o que ela disse. Está apaixonada por mim. Ao contrário de
mim não mentiu para si mesma negando isso. E eu tenho mentido
sobre isso esse tempo todo. Menti para seu pai, consequentemente,
para ela. Menti para mim mesmo, porque estou perdidamente
apaixonado por ela.
Peço licença as pessoas na sala, que me olham entre
chocadas e divertidas e vou direto à Metalúrgica Belmont. Não
tenho hora marcada, mas Enrico Belmont me recebe, como achei
que faria. A constatação do que sinto por ela me toma mais a cada
minuto que passa, me sinto amedrontado, mas também me sinto
vivo.
Sou guiado até a sala onde já estive outras vezes enquanto
negociamos nossa sociedade. Sento-me na mesma cadeira onde já
me sentei, espero não encontrar o mesmo olhar encorajador nos
olhos do meu sócio desta vez, e não encontro. Agora ele não é meu
sócio, é o pai da mulher que amo.
— Aconteceu algo, Villani? — chama-me pelo sobrenome.
— Eu vim aqui pedir desculpas.
— Pelo que desta vez?
— Porque vou faltar com a minha palavra. Desculpe, mas não
posso ficar longe da sua filha.
E começamos uma longa e verdadeira conversa sobre tudo o
que irei enfrentar agora que vou lutar por ela de todas as maneiras
possíveis.
A Casa do Romance Editorial não é bem o lugar onde eu me
imaginava trabalhando, pois só publica romances. É o que mais
amo ler, de forma que é muito fácil me distrair no trabalho. Aqui, sou
a assistente do Bruno Soares, o editor chefe. Ele me pede cerca de
dez cafés por dia e garante que serei assim em poucos anos.
Começar por baixo deixou meu pai furioso, ou isso, ou ainda a
decepção por me flagrar dando uns amassos no sócio mais velho
dele. Bem, nossa relação nunca mais foi a mesma, mas assumo
que a maior parte da culpa é minha. Nossa relação ótima era uma
farsa. Eu não finjo ser ou sentir nada para agradar ninguém, exceto
ele. E fingir ser e sentir foi o que mais fiz por ele desde que minha
mãe se foi. Acho que chegou um ponto em que nos perdemos
porque não deixei mais que ele me conhecesse.
Estou morando temporariamente na casa de Nina, sair da casa
do meu pai era algo que eu já queria fazer, mas ele nunca permitia.
Desta vez ele permitiu. Estou procurando um lugar para morar,
enquanto isso, Nina tem me aturado com meus potes de sorvete,
músicas melosas e suspiros em sua casa.
Pois é, o que sinto não passou no dia seguinte. A raiva que
esperava sentir veio, mas não fez o amor sumir, pelo contrário,
parece que quanto mais o odeio, mais sinto sua falta. Vê-lo de novo
foi uma péssima ideia. Pensei que talvez não estivesse conseguindo
superá-lo porque não dissemos de verdade adeus, não houve um
fim. Em um minuto estávamos nos beijando, prestes a tirar nossas
roupas e no minuto seguinte eu não era nada além de um erro
estúpido para ele. Não houve um encerramento. Esta manhã fui lá e
encerrei tudo. Falei o que sentia, disse adeus, disse o quanto ele é
covarde. Sim, ele tinha que saber disso. Então por que ainda estou
apaixonada por ele?
Deixo o expediente ao final do dia, Bruno ao meu lado. Meu
chefe está na casa dos trinta, troca de namorada como troca de
roupa e nem é atraente, tampouco gentil com suas namoradas. É
um típico babaca. Nina diz que ele é apenas normal como qualquer
outro homem. Isso meio que me desespera, não quero me
apaixonar por um homem normal. Quero alguém excepcional, que
ame intensamente, que foda do mesmo jeito, que se arrisque, que
cuide. Eu quero os mocinhos dos livros que ando lendo.
Definitivamente trabalhar nessa editora não está me fazendo bem.
— Quer ir ao Starbucks comigo, Ellah? — Bruno tenta,
passando os braços por meus ombros.
Abro a boca para negar, como todos os dias desde que
comecei a trabalhar aqui, quando meus olhos são atraídos para o
outro lado da rua. Para o homem de camisa social e calça caqui
vermelhas e coturno preto recostado no trenzinho da alegria. Levo
as mãos à boca completamente chocada. A editora em que trabalho
fica próxima a Praça da Liberdade, que em época natalina, possui
um passeio turístico por Belo Horizonte em um ônibus semelhante a
um trem, chamado Trenzinho da Alegria. Não sei como Rocco
conseguiu isso, ainda mais no final de janeiro, mas o trenzinho está
aceso com suas luzes de led coloridas enquanto ele espera por mim
parecendo o próprio Papai Noel.
Todas as pessoas agora olham para a cena confusas, já que o
natal já passou.
— Não posso, Bruno, acho que terei que dar um passeio.
Atravesso a rua e me aproximo tentando muito segurar o riso,
mas a cena diante de mim é ridícula.
— Por que você está aqui? — pergunto.
— Por causa disso — diz estendendo um papel.
O pego da sua mão e me surpreendo ao constatar o que é:

Querido papai Noel


Aí vai meus pedidos
1 – Reencontrar o homem do clube noturno
2 – Conseguir a vaga com o sócio do papai
3 – Me apaixonar

— Como isso foi parar com você?


— Você demorou a escrever os pedidos e seu pai não
esperou. Erin não queria que soubesse então eu prometi que
entregaria sua carta aos duendes do Papai Noel a tempo por ela. Só
não imaginei que seria eu a realizar seus três pedidos.
Observo os pedidos e constato que ele está certo. Todos os
meus pedidos se resumiam a ele.
— Papai Noel preguiçoso — ralho com a entidade.
— Mas eu não cumpri esses pedidos do jeito certo, errei feio
no desfecho, por isso estou aqui. Quer dar um passeio comigo?
— Não quero, não.
O observo e entendo o quanto está fazendo por isso.
— Você não tem opção — diz segurando minha mão, guiando-
me para o trenzinho.
Seu toque me faz querer chorar, me toma de uma emoção que
nunca havia sentido. Como voltar para um lugar reconfortante, ou
estar finalmente em paz. Sentamo-nos lado a lado e ele não parece
disposto a soltar minha mão, então o faço, antes que seu toque me
tome por completo e eu não seja mais capaz de odiá-lo.
— Eu fui ver o seu pai hoje — ele diz. — Me desculpei por
quebrar minha palavra, eu disse a ele que não posso ficar longe de
você.
— Você apareceu aqui assim, com essa coisa colorida vestido
quase de Papai Noel para realizar esses desejos do jeito certo? —
Ele assente. — Não precisa. O natal já passou, não dá mais tempo.
— As datas passam, os sentimentos não. Estou aqui porque
você estava certa, eu estive covardemente mentindo para todos à
minha volta, inclusive para mim mesmo. Eu menti para as mulheres
da empresa que deram em cima de mim.
— Você o quê? Que palhaçada é essa? Está aqui para dizer
que é disputado? O que pretende com isso?
Sinto-me tão irritada, que meu corpo parece aquecer, enquanto
ele tem um sorriso tranquilo.
— Eu nunca reparei nelas, perguntaram se estou apaixonado
por alguém. Se estou tão apaixonado a ponto de nem enxergar
outra pessoa e eu disse não, eu não me apaixono. Eu menti. Estou
perdidamente apaixonado por você. E descobri hoje quando você
gritou isso na minha cara na sala de reuniões, na frente dos
funcionários da editora. Foi um baque.
Sorrio. Ele sorri de volta. Não posso esconder como meu
coração erra batidas e meu corpo parece mole porque ele disse
essas palavras.
— Me perdoe por fazê-la chorar. Nunca mais quero fazer isso.
— Eu o desculpo... — olho bem em seu rosto tão bonito, como
eu senti sua falta! Mas ele está certo, me fez chorar. Muito. Me fez
perder noites de sono e toda a alegria por dias a fio. Não é uma
palavra que vai consertar isso. — Sr. Villani. Fique com sua
consciência tranquila, e me deixe em paz.
Levanto-me e puxo o cordão de parada. Passo por ele para
descer onde quer que esteja. Meu telefone começa a vibrar no bolso
e antes que eu o atenda, Rocco diz mais alto:
— Estive com seu pai hoje, contei a ele sobre a proposta do
Renato, já que você não o fez.
Olho para a tela do celular e é meu pai.
— Você o quê? Por que fez isso?
— Porque gosto de você e costumo cuidar daquilo que amo.
Pisco os olhos aturdida, o trenzinho para e desço, por sorte
encontro um táxi e o pego em direção a casa do meu pai.
Finalmente vamos ter uma conversa.

Papai me espera em seu escritório, usa o robe xadrez


enquanto fuma um charuto, sentado atrás de sua mesa de madeira
rústica, não sorri ao me ver, mas também não tem a expressão
carrancuda de antes. Aponta a cadeira em frente a ele para que eu
me sente, e diz:
— Por que não contou sobre a proposta do Renato?
— Eu ia contar após o ano novo para que não ficasse um clima
pesado na serra.
— Que ironia não é mesmo?
— Acabei esquecendo depois. Não tenho certeza se havia
maldade em sua proposta ou apenas tentou me ajudar.
— De qualquer forma, o homem que frequenta nossa casa
desde que você era uma menina jamais poderia ter feito uma
proposta dessas a você. Foi uma traição a mim, além do mais,
Rocco está certo, seria um golpe. Se vocês se casassem, ele
entraria para a família, quando eu não estivesse mais aqui, poderia
facilmente roubar você.
De tudo o que ele disse apenas uma frase fica em minha
cabeça.
— Rocco está certo? Quando ele voltou a ser chamado pelo
primeiro nome?
— Você está apaixonada por ele, logo, esse relacionamento
será inevitável. Melhor evitar a fadiga de tentar odiá-lo aceitando-o
de uma vez. Além do que, você me dá muito trabalho e ele está
disposto a assumi-lo.
— Como é? Por acaso eu sou uma empresa?
Meu pai sorri, parece cansado, mas contente. Acho que não o
vejo assim há anos, muitos anos. Desde antes da morte da minha
mãe. Desde antes de ela adoecer.
— Você foi flagrada pelo seu pai em uma situação
constrangedora, mas estava ali partida ao meio porque ele a
rejeitou. Quando olhei para você naquela noite tudo o que vi foi uma
mulher apaixonada sofrendo por ser abandonada. Você nunca
esconde o que sente, isso ficou nítido. Por isso a mandei embora,
esperava que se encontrassem na saída, ele lhe ofereceria uma
carona e teriam tempo suficiente para se resolverem até chegarem
à capital. — Arregalo os olhos chocada com seu plano. — Mas você
demorou demais a sair.
— Ei, eu estava aos prantos.
— Por que não chorou deixando a casa?
— Pai, que conversa é essa? Não ficou furioso por eu estar
com seu sócio vinte anos mais velho do que eu?
— Não. Filha, Rocco é um homem decente. Enquanto casado,
se dedicava e amava a mulher, fez o mesmo pela filha e depois se
fechou para o mundo. Eu o entendo, sabe? Sei como é se sentir
perdido. Me senti assim quando sua mãe morreu, mas eu tinha você
e a Erin, dois motivos para continuar. Ele tinha a filha, mas quando
ela também se foi, não tinha mais um motivo pra continuar. Nenhum.
Então veio você. E por você ele aceitou passar as festas de fim de
ano acompanhado quando há muito não fazia. Por você, ele se
aventurou em um relacionamento. Ainda que acreditasse não ser
nada sério. Não seria fácil para ele admitir que se apaixonou de
novo e se arriscar outra vez conhecendo a dor da perda. Qualquer
um sentiria medo.
Não esperava que nossa conversa fosse por esse caminho,
que meu pai entendesse e defendesse Rocco. Menos ainda que me
fizesse também o entender.
— Não, pai, não me faça ter compaixão dele.
— Ele está apaixonado por você, Ellah. Isso não ficou claro?
Veio aqui hoje me dizer que a ama, que vai fazer o possível para
ficar com você. Ele tem seus medos em relação ao que já viveu e
em relação a diferença de idade de vocês, ainda assim está
disposto a tentar. Como homem eu diria que o que ele sente é bem
mais forte do que sequer se deu conta.
Que fofo seu jeito antiquado de vim pedir a permissão do meu
pai para se envolver comigo! De contar seus medos em relação a
nós dois a ele. Não deve ter sido fácil se abrir assim, ele se fechou
por tempo demais. E só descobriu que está apaixonado por mim
esta manhã, em tão pouco tempo fez tudo isso.
— Você está mesmo trabalhando como secretária de Bruno
Soares? — assinto e sua expressão descontente aparece.
Ahá! Eu sabia que ela apareceria em algum momento.
— Pai, eu não queria começar como editora chefe, não queria
aquela vaga. Eu quero começar do começo, quero chegar a editora
chefe porque mereci estar ali, não porque meu pai é o sócio do
dono. Não é certo e eu carregaria para sempre a sombra do seu
nome nos meus passos, sem saber o quanto do que alcancei foi
mérito meu.
— Então por que aceitou fazer isso?
— Porque o senhor disse que estava se sacrificando por mim e
já havia pedido o favor ao Rocco. O que mais eu poderia dizer?
— Ah, minha filha, quando você cresceu tanto? Você assumiu
o lugar da sua mãe, cuida da Erin como se fosse ela, também cuida
de mim melhor do que eu cuido de você. Tudo bem, comece do
começo, não precisamos ter pressa. Eu queria deixá-la em uma
posição boa e confortável caso algo acontecesse comigo. Mas você
estará nesta posição não importa onde trabalhe porque você é
madura e responsável.
— Obrigada, pai.
— Renato será demitido. Confesso que fui pego totalmente de
surpresa quando Rocco me contou. Eu já havia percebido alguns
olhares dele em sua direção, mas pensei se tratar de uma paixonite
boba. Jamais pensei que ele seria tão calculista e ousado.
— Se o senhor prefere assim eu confio no seu julgamento.
— Acredite, eu o conheço o suficiente para saber que não foi
uma oferta de ajuda, e sim uma tentativa de golpe. Ainda bem que
Rocco a defendeu.
Reviro os olhos, não preciso de um homem me defendendo.
Eu ia me lembrar de contar isso em algum momento, tenho certeza.
— Vá ver a Erin, está abatida desde que se mudou.
Assinto, levantando-me para deixar o escritório, mas antes vou
até ele e o abraço. Que bom que nos reencontramos! Que bom
mesmo! Parece que estou bem mais leve agora.
Quando me viro para sair ele diz:
— Quanto ao Rocco, estamos falando de um homem mais
velho, não um moleque como os caras com você se envolve. Um
homem que já perdeu o bastante e que a ama, então se você decidir
dar uma chance, esteja ciente que ele espera algo realmente sério,
Ellah.
— Eu sei, pai, por que todos vocês acham que não faço planos
para o futuro?
Ele sorri e dá de ombros.
— E por caso você faz?
— Você se surpreenderia — retruco deixando o escritório.

A semana passou voando e em cada dia dela recebi algo


diferente de Rocco na editora. Primeiro, o buquê de rosas brancas e
vermelhas com um cartão de desculpas. Depois, a caixa de vinho
Merlot e duas taças sugestivas. O terceiro presente foi um vestido
maravilhoso, ousado e único que não podia ser mais a minha cara.
Hoje, esperei ansiosa seu presente o dia todo, mas ele não veio.
Porém, quando deixo a editora, está me esperando do outro lado da
rua, recostado em seu carro desta vez, não na Carreta Furacão.
— Não está vestido de Papai Noel hoje?
— Não, mas posso me vestir se for sua fantasia outra vez.
— O que quer aqui, Rocco?
Merda, o chamei pelo primeiro nome.
— Te dar uma carona para casa — responde com um sorriso
enorme por meu vacilo.
Aceito a carona, estou cansada. Não só do trabalho, mas de
tentar fugir do que sinto. Infelizmente Nina mora perto, ele me faz
poucas perguntas no caminho.
— Pretende continuar morando com sua amiga?
— Não, estou procurando um lugar para morar.
— Seu pai lidou bem com isso?
— Bem seria uma afirmação muito forte, digamos que ele está
lidando com isso o que é mais do que eu esperava.
— Então sua relação com ele está melhor?
— Nunca esteve tão boa, para ser sincera.
— Fico feliz.
Ele estaciona o carro em frente ao prédio onde moro agora e
me despeço, mas ele desce também.
— Vai me fazer esperar até o próximo natal? — pergunta.
— Você desistirá bem antes disso.
— Achei que me conhecesse melhor.
— Boa noite, Rocco. Obrigada pela carona.
Entro no prédio e subo no primeiro elevador. Entro em casa,
tiro os sapatos que estão me matando. Nina está assando uma
pizza no micro-ondas como temos feito desde que vim morar aqui.
Todo dia prometemos começar a comer direito, mas nunca
cumprimos. A campainha toca e volto para trás para abrir a porta,
Rocco está aqui. Ele entra no apartamento sem ser convidado,
observando tudo à sua volta.
— Ei, o que está fazendo aqui?
Ele vai em direção a Nina e a cumprimenta. Minha amiga fica
de boca aberta olhando para ele.
— Vim ver como e onde você mora, se está dormindo bem,
comendo direitinho. Pelo cheiro acredito que não.
— O quê? Agora vai agir como meu pai?
— Jamais levando em conta o quanto quero te comer.
Olho para Nina que tem a boca aberta e assente para mim
aprovando-o.
— Rocco, o que está fazendo aqui de verdade?
— Eu costumo cuidar do que gosto, Ellah, me preocupo com
você. E também porque não me deu a chance de entregar o
presente de hoje.
Ele se aproxima e me entrega um envelope amarelo. Dentro
dele há uma única chave e um papel com um endereço.
— O que é isso?
— Eu não me apaixono — ele diz olhando para mim. — Não
me apaixonava mesmo quando era jovem. Só me apaixonei uma
vez e sabe o que aconteceu? Eu me casei com essa mulher e foi
para sempre. E eu estou apaixonado por você.
Preciso respirar algumas vezes até meu coração voltar as
batidas normais.
— Está me pedido em casamento?
Ele parece pensar.
— Praticamente. Estou dizendo que a amo e te pedindo uma
chance, já que você me ama de volta. Eu sou mais velho do que
você, mas é mais do que isso, como você mesma disse, sou muito
mais cansado do que você. Cansado de sonhar, de amar, de ceder
aos meus desejos e de fazer planos. Por você eu fiz tudo isso
desesperadamente nesses últimos dias. Eu quero uma família com
você, quero ser o pai daquelas pequenas megeras que terão seu
temperamento horrível, e descontar todo o cansaço que me darão
na mãe delas à noite.
Parece que não sinto mais o chão sob meus pés, tenho
certeza que não estou de pé agora.
— O que estou pedindo, Ellah, é que dê uma chance para o
que sentimos. Quero viver tudo com você e quero viver agora,
intensamente e da melhor maneira que pudermos porque o nosso
tempo é finito. Se podemos fazer tudo o que queremos não há
porque não fazer, então estou pedindo que venha morar comigo,
como minha mulher.
— O quê?
Minha boca está aberta em choque, observo o envelope em
minhas mãos e compreendo, é a chave de sua casa e o seu
endereço.
— Você pode pensar com calma, também pode recusar, o que
vou entender. Mas caso você recuse, esteja ciente que irei insistir e
insistir e fazer o impossível até que mude de ideia. Fui covarde em
não dizer isso quando devia ter dito na primeira vez, mas não
cometerei esse erro de novo.
Ele se vira então para Nina, também de boca aberta e olhos
cheios nos observando atenta.
— Eu amo a sua amiga.
— Eu tenho certeza que sim — minha amiga concorda.
— Pense com calma, vou esperar por você todos os dias —
diz. Aproxima-se mais de mim e beija minha testa carinhosamente.
Então se vira para deixar o apartamento. Que merda estou
fazendo? O que eu estou fazendo? Meu cérebro entra em uma
guerra de pensamentos e possibilidades e motivos pelos quais eu
não devia fazer isso, mas foda-se! Nosso tempo é limitado, se
podemos fazer, por que não fazer? Corro até ele na porta, seguro
sua mão e digo:
— Me ajude com a mala.
— Você está indo comigo? — a surpresa e esperança em seus
olhos é justamente o que sempre quis enxergar neles.
O sorriso no meu rosto é involuntário e incontrolável.
— Claro! Já que você é tão forte e está aqui para carregar o
peso.
Ele me prende em seus braços e sua boca toma a minha em
segundos. Como eu senti falta disso! De tudo isso! Seu cheiro, seus
braços, seu calor, sua boca sobre a minha. Meu corpo o reconhece
instantaneamente, corresponde e implora por ele. É difícil nos
afastarmos e só o fazemos quando o micro-ondas apita, a pizza
está pronta, mas quem sente fome uma hora dessas? Junto minhas
coisas agradecendo a Nina a hospitalidade e vamos para sua casa.
Estou curiosa em conhecer o lugar onde ele se escondeu
quando perdeu tudo, em conhecer onde irei viver agora, se Deus
quiser, para sempre. Mas a saudade fala mais alto e começamos
nossos primeiros minutos nesta casa sem roupa nos braços um do
outro.
ALGUNS ANOS DEPOIS...

Sento-me sobre a grama verdinha, o céu escuro anuncia uma


possível chuva, observo algumas crianças correndo em volta e me
concentro no retrato do pequeno anjo que se parece tanto comigo.
— Olá, Vitória, como tem passado, minha filha? Não tenho
vindo muito aqui nos últimos anos e sinto por isso, mas acho que
quando deixou aquela cartinha de natal na cabeceira do seu leito
pedindo para eu viver, era justamente isso o que estava pedindo ao
Papai Noel. Eu consegui, minha filha, eu tenho vivido. Tenho vivido
tudo aquilo que achei que nunca mais viveria. Eu me apaixonei de
novo, planejei uma vida a dois de novo, dividi minha casa, meus
dias, meus sonhos e até meu amor outra vez. Você estava certa,
minha menina, eu tinha que viver e fico feliz por ter realizado seu
último pedido de natal. Papai sente sua falta. Todos os dias. Espero
que esteja bem, meu anjo. Eu amo você.
Levanto-me, deixo os girassóis, as flores preferidas dela sobre
seu túmulo, e volto para a casa.
Às vezes a gente cai fundo, o fim vem abruptamente, o fim
daquilo que amamos, que vivemos, do que nos mantém bem. É
difícil sair de um buraco após o fim. Mas enquanto o coração bate
não é o fim definitivo. Enquanto ele bater, haverá a chance de um
recomeço. Tudo o que precisamos fazer é dar o primeiro passo.

Observo as luzes natalinas tomando a cidade. O carro está na


garagem, as luzes acesas, as portas abertas. Com certeza as malas
pesadas estão lá dentro para eu carregar e me pego rindo disso.
Agnes é a primeira a me ver, a caçula estava escondida dentro do
carro, mas salta dele para correr até mim e a carrego nos ombros de
volta para dentro de casa, onde uma Naomi em pânico procura por
ela.
— Onde você se meteu, sua pestinha? — Naomi ralha com a
irmã mais nova.
— No carro — ela diz com uma risadinha, como se fosse uma
excelente ideia.
— Naomi, quando for brincar de pique-esconde com sua irmã,
lembre-se de trancar todas as portas.
Minha filha de seis anos assente, concordando.
— Agnes é muito criativa.
— E bastante perigosa.
Naomi é três anos mais velha do que a irmã, esperou por ela
ansiosamente e cuida dela desde que a pequena Agnes nasceu. As
duas são inseparáveis e possuem personalidades diferentes. Agnes
é agitada e barulhenta, Naomi é inteligente e sensível. Ambas são
mal-humoradas, diretas e impertinentes como a mãe. Eu as amo.
Tornam meus dias cheios e alegres, cansativos e surpreendentes,
enquanto a mãe delas torna minhas noites quentes, aconchegantes
e completas.
Encontro Ellah fechando sua mala enorme no quarto e ela já
tem aquele sorriso travesso.
— Que bom que você é um senhorzinho bem forte.
— Vou te mostrar o senhorzinho, sua atrevida!
— As crianças estão acordadas. Além do mais estamos indo
para a casa do meu pai, mantenha seu pau quietinho pelos
próximos dez dias.
— Vai sonhando, já combinei tudo com Sheila, nós ficaremos
no quarto dela, no primeiro andar, é o único lá de baixo. As crianças
ficarão lá em cima, no terceiro o mais longe possível de nós.
— Mas e se Agnes tiver um pesadelo?
— Naomi cuidará dela. E Erin estará no quarto ao lado de olho.
— Mas...
— Amor, nada de mas... ainda precisamos tentar um menino e
se demorarmos, não terei mais vitalidade para cuidar dele, quer
cuidar de uma criança com seu gênio sozinha?
— Deus me livre! E você, marido, está bem longe de perder a
vitalidade, não me venha com desculpas.
Sorrio e a abraço por trás, sentindo o cheiro de seu cabelo.
— Eu te amo — digo a ela.
— Eu também te amo — ela diz.

Chegamos à casa da serra e Naomi se pendura em Erin,


enquanto Queda vem toda assanhada cumprimentar Ellah. A
pequenina não é mais pequenina, é adolescente agora, é modelo e
uma influencer com mais de um milhão de seguidores. Minha
cunhada está cada dia mais linda! Naomi provavelmente é sua
maior fã. Enrico tem todos os cabelos e a barba bem brancos agora
e brinco com ele que está encolhendo mais a cada ano. A editora
está crescendo cada vez mais, e tornou-se recentemente a segunda
maior editora do país.
Depois que as crianças dormem, quando estamos jantando,
Enrico dá de uma vez o presente de natal que preparou para Ellah.
Eu o tenho ajudado nele há algum tempo.
— Filha, você tem crescido na sua carreira consideravelmente
rápido e me sinto muito orgulhoso da mulher que é, muito mesmo.
Já vai ser promovida a editora chefe! Além de ser uma mãe incrível!
Então eu decidi este ano, te dar como presente de natal as minhas
ações da Editora Asas. A partir de agora, você será a sócia do
Rocco na editora.
Ellah está boquiaberta e emocionada com o presente do pai.
Ela me observa surpresa e brinco:
— Vamos morar e trabalhar juntos? Não sei se posso
sobreviver a isso.
— E nos dois lugares eu vou mandar em você — ela retruca
arrancando risadas.
— Vai sonhando!
É verdade o que dizem, coisas mágicas acontecem no natal.
Dedico este conto a Ellah Castro, que como a nossa Ellah, tem
uma personalidade única e encantadora, ao contrário dela, no
entanto, super bem-humorada e divertida. Obrigada por tantos anos
de carinho e apoio, por ter sido minha garota propaganda na bienal
e por sonhar esse sonho comigo. Que seus natais sejam sempre
repletos de magia.
A Deus, primeiramente, por mais um desafio vencido. Só Ele
acompanha cada segundo da luta, mas Ele é quem me faz vencê-la.
Agradeço a minha família, especialmente Aninha, Dani e
Sheila.
A Maria Rosa e seu pequeno Rafael, desejo a vocês um natal
maravilhoso!
A Julia, Iandra, Gisele, Nayara e Andrea por todo carinho e
apoio diariamente.
Ao meu quarteto preferido: Pri, Lethy, Bete e Dri.
As minhas meninas do Wattpad pelo carinho sempre!
A Cleidi Alcântara por nunca se esquecer de mim, pela
amizade e amor. E ao Mô, saudade de vocês.
As minhas meninas do grupo do zap, amo todas vocês.
Especialmente essas faladeiras: Drika, Adriana Brasil, Thaty, Jenn,
Roberta, Paty, Taty, Erica, Alinne, Andreia, Emilene, Erika, Camila,
Xanda, Kehry, Jheniffer, Nete, Andrea, Hanna, Gil, Aline, Aysham,
Thais, Franciara, Pretinha, Flávia, Emanuela, Luh, Duda, Baby,
Raisa, Danny, Grazy, Chanlene e Larih.
A essas pessoas que me fazem continuar e acreditar sempre.
Vocês são a minha magia do natal o ano todo: Cristiane Navarro,
Josy Roque, Larissa Ligoski, Sergio Henrique, Shirley Nonato, Ellen
Souza, Amanda Pessoa, Milla Cardoso, Deise Cristiane, Babi
Restani, Iza Rodrigues, Morgana Priesnitz, Clecia Maria, Gervandia
Bomfim, Jessica Coriolano, Mayra Provin, May Lopacinski, Maristela
Estrela, Ingryd Oliveira, Di Fernandes, Gisele Aquino, Luzyana de
Paula, Marleide Maiara, Carla Mocker, Celle Moratelli, Gildeane
Melo, Nath Gomes, Rosana Fulber, Deisy Paulo, Thamara Cassia,
Siddy Martins, Jaqueline Batista, Daisy Budin, Bia Tomaz, Carla
Carvalho, Amanda Moretam, Michele Cerqueira, Estefane Barbosa,
Lidiane Nunes, Nazira Nascimento, Eliana Silva, Layane Rocha,
Rosangela Nielsen, Taiane Gouveia, Cielly Moraes, Simenya
Elayne, Katriane Moreira, Cláudia Costa, Jessika Barbosa, Tathiane
Nascimento, Erica Gomes, Katia Maria, Lilian Curi, Jessica Cavalini
e Aline Souza.
E a esse perfis essenciais que nos ajudam e inspiram:
@livros.romances.e.mais.livros, @dea_calves, @lethy.literando,
@priscillasantosbooks, @jheni_literaria, @lendocom_josyaneroque,
@umcapituloevoudormir, @nayara_spl17, @driliteraria,
@leiturasdalari_, @falaliteraria, @somais1leitora, @liesurtei,
@livroscomromance, @escritoporduda, @leiturasdaline,
@annabiacc, @alivreiracatharina, @safada.leitora e
@euleitoraassidua.

A você que leu este conto, desejo um natal repleto de magia e


amor, e um novo ano de esperanças renovadas e conquistas
alcançadas. Muito obrigada por chegar até aqui!

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