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Direitos autorais do texto original copyright © 2023, BRENDA

RIPARDO, O SAFADO DO APÊ AO LADO

Capa: Magnifique ♛ Design

Diagramação: Brenda Ripardo

Ilustrações: Midjourney

Preparação de texto/Editor: Graci Rocha

Leitura Sensível: Saulo Moreira

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e

acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora.


Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desse livro

pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes —

tangíveis ou intangíveis — sem autorização por escrito da autora.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº

9.610/98, punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Este livro segue a norma-padrão do novo acordo ortográfico

da língua portuguesa, mas há muitas abreviações como o "tá", "tô",


“pra” e "pro", de forma que o texto fique o mais natural e verossímil

possível.
Charlie Brown Jr. – Céu Azul

Zeca Baleiro – Proibida Pra mim

Janis Joplin – Cry Baby

Ritchie – Menino Veneno

Onze:20 – Meu Lugar

Rosana – O Amor e o Poder

Detonautas – Outro Lugar

Detonautas – Você me faz tão bem

Detonautas – Olhos Certos

Cássia Eller – O Segundo Sol

Cássia Eller – Malandragem


Pitty – Equalize

Pra Sonhar – Marcelo Jeneci

Beyoncé – Naughty Girl

Coldplay – Yellow

Bruno Mars – Just The Way You Are

Rick Martin – Vente Pa’ Ca


"Sorrio ao ler a mensagem que o vizinho colocou no verso do
papel para mim.

Fofo e inusitado.

O homem trepador que balança as paredes de madrugada

tem um coração sensível?"

Ele foi traído.

Ela foi abandonada uma semana antes do casamento.

Heitor acaba de chegar na cidade e está se adaptando com a


nova vida ao mesmo tempo em que tenta curar o coração partido.

Nosso mocinho lindo, carismático e dono de um corpo

escultural e de dar água na boca só não esperava ter uma vizinha


chata e controladora.
Ariel vive o pior pesadelo de uma noiva: ser largada perto do

grande dia e ter a vida virada de cabeça para baixo.

Mas não se engane, essa mocinha maluca vai tentar superar

o ex de um jeito dramático e nada convencional.

Ariel e Heitor não têm nada em comum além dos seus


corações partidos.

Entre farpas e chutes na porta, esses vizinhos barulhentos

vão descobrir o verdadeiro amor.


Como falei no Instagram e no meu grupo de leitoras do
WhatsApp, resolvi lançar “O Safado do Apê ao Lado” porque
primeiro, eu tenho o livro pronto há anos. Segundo, por causa das

minhas constantes crises de enxaqueca e ansiedade, eu não


consegui finalizar o livro 6 da Família Carbone, que era para ter
lançado na primeira quinzena de março.

Agradeço todo o apoio que recebo de vocês, Marias Mafiosas

da Brendolândia e a preocupação que têm comigo. Estou cuidando


da minha saúde e me recuperando. Esse livro é um mimo para

todas as minhas leitoras que nunca largam a minha mão.

Amo vocês.
Pra você que acabou um relacionamento agora e está com o
coração partido.

Pra você também, que está procurando um novo amor. Uma dica:
Preste atenção, ele pode ser o seu vizinho.

E por último, pra você, leitora, que ama romances leves e divertidos.
Mentiras que todos os homens contam: você é a primeira
mulher com quem faço isso. Eu nunca vou fazê-la sofrer. Eu ligo
amanhã. Eu te amo, mas estou confuso.

E o famoso: o problema não é você, sou eu.

Você não precisa ser uma expert para saber aonde essas

frases vão te levar. Mas é lógico que eu não esperava ouvir uma

delas dias antes do meu casamento.

— O problema não é você, sou eu — Felipe fala,

simplesmente, forçando algumas lágrimas que não ousam cair.

Encaro os olhos grandes de cor caramelo e fantasio o nosso

casamento.
A igreja está perfeita, meu vestido sexy e elegante, e as

daminhas de honra são de querer apertar as bochechas. Minhas


madrinhas estão lindas e felizes por mim. No meu sonho, eu

também estou feliz.

Tudo no lugar certo. Como tem que ser. Como eu planejei.

Infelizmente, minha fantasia não vai muito longe, o padre não

dá vida a nossa união. Em vez disso, minha cabeça vai além, ou


atrás. Ela me leva para lembranças doces de um passado com

Felipe, quando achávamos que ficaríamos juntos para todo o

sempre, amém.

Pensei isso de verdade.

Acreditei que ele era o cara certo, apesar de odiar quando ele
não fecha o tubo do creme dental ou erra o vazo sanitário na hora

de mijar. As meias espalhadas também me dão arrepios, mas a

gente aprende a conviver com as manias, por mais insuportáveis

que elas sejam.

E eu vivo atenta aos sinais que os homens dão quando não

estão a fim, segundo o canal do Youtuber que eu acompanho

diariamente sobre relacionamentos e Felipe não pareceu dar

nenhum deles.
Ou ele escondia muito bem.

Ou pior... eu não soube perceber os malditos sinais.

— Você ainda está aí, Ariel? — ele pergunta, focalizando os

meus olhos. — Fala comigo — insiste, mas sua voz soa distante.

Foco na música que toca na sorveteria em que estamos.

Sim, ele terminou comigo na porcaria de uma sorveteria.

Não podia ter me levado para jantar antes de me dar um pé

na bunda? Ou me dado flores? Uma joia? Um cachorro?

Bom, pelo menos, eu posso comprar um pote de sorvete e

afogar minha dor de cotovelo em gordura trans e contribuir para o


desenvolvimento das minhas celulites.

“Hot N Cold” da Katy Perry toca, animando o lugar e me

fazendo notar que ela foi feita para Felipe.

Ele realmente muda de ideia como uma garota muda de

roupas, ele tem TPM como uma vadia, sempre pensa e fala em
códigos.

Por último, me imagino perseguindo meu ex noivo com outras

noivas chorosas, com maquiagem borrada, dançando e segurando

tacos de beisebol.
Como minha vida não é um conto de fadas e eu não estou

vivendo um clipe musical da Katy Perry, não vou ter meu final feliz
com Felipe. Ele não vai me esperar na igreja e nem vai dizer “eu

aceito” para mim.

— Ariel? — Felipe me chama, estalando os dedos perto do

meu ouvido.

Odeio sempre que ele faz isso.

— O que foi?

— Você tá bem?

Deixo escapar uma risada sarcástica e não me dou o trabalho

de responder.

O cara acabou de romper comigo. Um relacionamento de


anos. Anos jogados no lixo. Eu quero explodir. Quero chorar. Quero

bater, encher as bochechas rosadas dele de porrada.

Quero que ele volte atrás também.

— Vamos conversar como adultos civilizados — murmura,

tentando tocar minha mão por cima da mesa, mas recuo o toque
com um trancão. — Fala comigo.

— Tirando o fato de você ter terminado comigo uma semana


antes do nosso casamento, eu acho que tô bem — minto.
Eu sempre fui uma garota forte e não é agora que vou

começar a desmoronar. Por mais que seja exatamente isso que eu


queira fazer. Sempre gostei de ter uma vida planejada e

infelizmente, isso acabou de falhar.

Bola pra frente.

Amor não mata.

Fome mata.

É o que o meu pai diz.

Felipe passa as mãos nos cabelos, aflito, o que é ridículo. Ele


não tem o direito de estar aflito. Eu sou a noiva. Fui eu quem levou o

fora. Fui eu quem foi abandonada.

— Você me ama? — ele quer saber. — Às vezes, eu acho


que nós apenas... nos acostumamos um com o outro. Isso não é

amor. Não quero isso pra minha vida. Quero me sentir vivo e com
você é sempre a mesma coisa. É como um parque de diversões
quebrado.

Meus olhos ardem com as palavras dele e não lembro a

última vez que me senti tão humilhada. Ainda assim, elevo o queixo
e endireito os ombros com um sorriso falso ao falar:

— Ok.
Me sinto razoavelmente orgulhosa.

Se estivesse me vendo, tenho certeza, que minha terapeuta

ficaria orgulhosa de mim.

A Ariel de meses atrás voaria em cima de Felipe por ter


arruinado um dos meus planos.

Ou não.

Eu sempre contive a minha fúria para agradá-lo, porque ele


gosta de mulheres delicadas demais e que não digam palavrões.

Bonequinhas perfeitas e com o porcentual de gordura abaixo de


20%.

— Eu sinto muito, Ariel.

— Ok — devolvo, rápido.

— Você não consegue sentir que as coisas entre nós não são
mais as mesmas? — quer saber.

— Sim. Agora sim.

Fico de pé, pegando a minha bolsa para ir embora, mas ele


balança a cabeça em negativa.

— Não. Você não vai embora e me deixar falando sozinho

aqui. Coloca essa bunda na cadeira. Agora — Felipe ordena,


fazendo-me arquear as sobrancelhas.

Hum... macho alfa.

Respiro fundo e torno a sentar, cruzando os dedos em cima

da mesa.

— O que você quer? — questiono, séria. — Que eu chore e


implore pra você não me deixar? Sabemos que não vou fazer isso.

Ele cerra o maxilar.

— Sim, eu sei.

Assinto, suspirando.

— Então? Por que merda ainda quer continuar olhando pro


seu parque de diversões quebrado? — retruco, deixando o homem

sem jeito.

— Sinto muito.

— No seu lugar, eu sentiria mesmo — grunho entre os dentes

e volto a ficar de pé. Dessa vez, ele não me impede.

— Eu quero que seja feliz.

— Sério?

— Claro que sim.


— Eu... desejo de todo o meu coração... — Pego uma de

suas mãos entre as minhas e aperto com carinho, abrindo o meu


coração para as próximas palavras. — Que você coma o pão que o

Diabo amassou.

— Muriel — diz meu nome com a verdadeira pronúncia em

vez do apelido, roubando-me um sorriso cínico. — Odeio esse seu

jeito arrogante.

— Você pode fazer uma lista das coisas que odeia em mim e

me mandar por e-mail. Goodbye[1]... Felipe.

Giro nos calcanhares e saio do estabelecimento, fazendo um


esforço grande para manter as lágrimas dentro dos olhos. Começo a

xingar Felipe na minha língua materna e rogando pragas do tipo

“espero que seu pau nunca mais se levante”.

Acabo dando de cara num homem de quase dois metros de

altura, que envolve meus ombros com as duas mãos firmes.

— Ei, você tá bem? — a voz grossa e profunda vem com um

calor que faz meu coração apertar.

As lágrimas escapam dos meus olhos de repente e incapaz


de erguer o rosto para encará-lo, desvencilho-me dos braços dele e

saio correndo na direção do meu carro estacionado.


Chorando como um bebê.

Uma noiva abandonada uma semana antes do casamento.


— Que cara é essa? — Rebeca, minha irmã, pergunta assim
que me vê entrando na sorveteria preferida do meu sobrinho de seis
anos, que tem as bochechas sujas de gosma rosa.

— Acabei de esbarrar numa mulher chorando — falo ao

sentar de frente para ela, lembrando da ruiva gostosa de minutos


atrás. — E sinto muito pelo cara, mas acho que o pau dele nunca

mais vai levantar.

Miguel olha para mim, tentando entender o que as minhas

palavras significam, mas o sorvete artificial de morango é mais


interessante.

— Bem-vindo de volta ao Brasil. Sentiu falta, não foi? — ela

ironiza e eu deixo de fora a parte que a ruivinha nervosa estava


xingando em inglês.

Depois de meses morando fora desse país caótico e também

acolhedor, é bom e estranho estar de volta nessa confusão quente.

— O cara te entregou a chave do apartamento? Quando vai


mudar pra lá? — Rebeca quer saber.

Dou de ombros.

— Não vê a hora que eu saia da sua casa, não é?

— Não é isso, eu amo ter você na minha casa. É que eu


ainda... ainda não acredito que vendeu sua parte dos negócios —

resmunga pela milésima vez, torcendo os lábios. Em toda

oportunidade que tem, ela reclama sobre as minhas decisões que


envolvem meu passado recente. — Aqueles traidores... não é certo

eles terem ficado com o negócio todo.

Respiro fundo, passando os dedos entre os meus cabelos e

penteando para trás, e depois afasto um pouco o tecido da camisa e


tento me refrescar ao abanar. Essa cidade está mais quente do que

eu me lembrava quando vim pra cá pela primeira vez visitar Rebeca.

Aquecimento global é uma merda.

— Eu vendi minha parte por um preço justo e vim pra cá.

Ponto final — digo com um gosto amargo na boca, remoendo


internamente a merda da minha vida.

— Mesmo assim. Não é justo. Aqui, você vai ter que começar

do zero, Heitor. E lá, você era até garoto propaganda da franquia de

academia.

Rio, seco.

— Não vão mais usar minha foto.

— Tô falando sério. Eles mereciam sofrer por tudo — Rebeca

fala, suspirando e Miguel olha para a mãe, analisando as

expressões dela. — Mas é claro que ódio não leva a lugar nenhum

— ela se retrata com um sorriso amplo, me fazendo bufar.

Foi difícil deixar minha vida em Belo Horizonte e resolver

morar em Fortaleza. Ainda assim, eu acho que o pior de tudo foi ter

pegado meu melhor amigo chupando a boceta da minha esposa no

escritório.

Éramos inseparáveis. Os três.

Conheci Ayla e Ricardo no ensino médio, fomos pra

faculdade federal juntos e desde então, erámos melhores amigos.

Todas as primeiras vezes de coisas erradas nas nossas vidas... nós

três fizemos juntos.

Era uma relação incrível.


Com o tempo aconteceu de Ayla e eu nos apaixonarmos e

eventualmente, começamos a namorar. Nunca percebi Ricardo


incomodado com esse fato. Ele era o maior incentivador do nosso

amor.

Droga. Ele foi o padrinho do meu casamento.

A porra do meu melhor amigo.

Trabalhamos juntos e crescemos juntos. E depois? Não

serviu de nada, porque eu fui traído pelo meu melhor amigo e


esposa. Tudo acontecia debaixo do meu próprio nariz e eu fui
imbecil demais para não perceber que aquele filho da puta comia a

minha mulher.

No fim, eu tive que vender minha parte da franquia de


academia de sucesso em Minas Gerais, porque seria impossível

conviver com os meus traidores ou perdoar Ayla, que jurava estar


arrependida.

As palavras dela não significam nada para mim.

Depois de ser traído, eu passei meses viajando e comendo


uma boceta diferente a cada dia. Não é algo que minhas mães ou

irmã se orgulhem, mas foi uma forma de manter a cabeça no lugar e


o pau ocupado.
Pensar em Ayla ainda me deixa puto e me faz sentir um

otário, mas não me tortura mais como antes.

Os primeiros meses foram os piores e eu achei que ia pirar.


Não conseguia parar de pensar na mulher que partiu meu coração.

— Farei outro negócio de sucesso — digo, suavizando o


rosto chateado da minha irmã mais velha.

— Eu sei que sim.

Ela se remexe na cadeira e prende os cabelos longos e

pretos num coque alto, abrindo um sorriso largo de quem me diz


que está aprontando algo.

— Lá no prédio que você olhou, aceitam animais?

— Por quê? — retruco, cético.

— Você precisa de companhia quando se mudar — informa,


voltando a atenção para Miguel e limpando a boca do menino. —
Acho que vai te fazer bem.

— Na verdade, eu quero ficar sozinho e pensar na minha

vida. Isso vai me fazer bem.

Rebeca estica a mão e pousa no meu ombro, apertando com


força ao negar com a cabeça.
— Meu irmão, você precisa é de uma coisa fofa e redonda
pra animar a sua vida — é o que diz e eu bufo em resposta.
Duda e Gio me acompanham até a Catedral Metropolitana de
Fortaleza.

Não tenho a menor noção de como cancelar um casamento,


mas como o padre é filho de amigos dos meus pais, pensei em dizer

um “Oi, tudo bem? Não vai mais ter casamento. Tchau.”

Tem alguns fiéis de joelhos dobrados, agradecendo ou

fazendo promessa nos banquinhos de madeira.

Duda faz o sinal da cruz ao entrar. Ela é uma garota muito

doce e sempre foi bem religiosa. Ao contrário de Gio, que entra


como se estivesse em um desfile de moda.

E eu vou no meio, ensaiando a minha conversa com o Padre


Gabriel.
Como chegamos uma hora antes da missa, o encontramos

conversando com um coroinha. Ele dispensa o garoto assim que


nos vê nos aproximando do altar e vem em nossa direção também.

Ironia ou não, mas o padre é lindo e gostoso pra caramba. E


eu posso jurar que ele é um guru da musculação. Não há como ter

braços tão musculosos sem levantar peso diariamente.

— Deveria ser pecado ele ser padre — Gio sussurra,


enquanto ele ainda caminha até nós e parece vir em câmera lenta.

Padre Gabriel tem um 1.80 m de altura e a pele é de um sutil


e natural bronze. O rosto é bem lisinho que nem bumbum de

neném. Os olhos cor de mel nos encaram de um jeito verdadeiro e

que se importa.

Tudo que uma mulher precisa e quer.

Um homem lindo, sarado e que se importe.

Ao parar um passo diante de nós, ele abre um sorriso capaz


de derreter qualquer coração de gelo.

— Oi, padre — Gio se apressa em falar e toca a sua mão. —

Eu preciso me confessar — emenda, fazendo-o concordar com a

cabeça.
— Que sorte, então. Hoje na missa terá a confissão
comunitária, Giovanna — diz num tom sério, fazendo minha amiga

murchar.

— Oi, padre — Duda diz com o jeitinho tímido e meigo de

sempre.

— Olá, Maria Eduarda. Como anda, menina?

— Bem, obrigada — responde com um sorriso de orelha a

orelha.

Não importa o quão tímida você seja, se ganhar um

pouquinho de atenção desse padre gostoso, já é o suficiente pra

fazer qualquer uma sorrir feito boba.

— Muriel — ele me cumprimenta ao sorrir e eu retribuo a

simpatia. — Ansiosa para o grande dia?

Levo ar até os pulmões, engolindo em seco.

— Padre, infelizmente, os motivos que me trazem aqui são


tristes.

— Não diga isso, querida. O que aconteceu? — questiona, e

de repente ele parece ter uns cinquenta anos em vez de trinta e

três.
O padre nos conduz para um lado mais afastado da catedral,

perto das janelas de vitrais e olha nos meus olhos. É estranho,


porque eu sinto como se estivesse pelada na frente dele.

Nada seria mais impróprio do que isso no momento.

— Não vai mais ter casamento — solto a bomba de uma vez,


deixando o homem completamente surpreso.

— Como assim? Filha, que tipo de brincadeira é essa?

Suspiro.

— Não é brincadeira, padre. Felipe terminou comigo.

Padre Gabriel passa uma das mãos nos meus cabelos ruivos,
me consolando de maneira protetora e doce.

— Sinto muito, querida — murmura e eu não tenho vontade

de dizer nada. — Sei que é difícil, mas não deixe de acreditar no


amor. Deus tem um propósito para você.

— E qual é, padre? Qual é esse propósito? — é Gio quem


pergunta. — Porque eu só vejo minha amiga sofrendo por causa de

um babaca.

O padre Gabriel estreita os olhos, repreendendo-a mesmo


em silêncio.
— Deus tem um propósito para todos nós, filha. Não cabe a

mim dizer qual é.

Giovanna está prestes a abrir a boca novamente e


questionar, quando Duda também resolve repreendê-la com um

olhar e a nossa amiga fica quieta, bufando.

— Não tem problema. O mundo dá voltas e ele vai pagar por

isso — me ouço falando, rezando para Deus fazer Felipe se


arrepender por ter me deixado.

— Não diga isso, querida. Não é assim que resolvemos as

coisas.

— Mas ele vai, padre. Vai comer o pão que o Diabo amassou

— retruco e então, me dou conta das palavras. — Perdão, perdão.


Tô na casa do senhor. Perdão, padre. Não foi minha intenção —

acrescento, mesmo sabendo que quero que Felipe queime no


inferno.

— Não guarde rancor no seu coração, Muriel, porque isso só


vai fazer mal a você. Sei que deve estar doendo muito agora, mas

acredite, filha, as coisas vão melhorar.

Não tenho certeza do que ele diz, ainda assim, eu assinto


concordando ao dizer:
— Obrigada, padre Gabriel.

Ele abre um sorriso gentil.

— Vão ficar para a missa, meninas?

— Eu adoraria, mas temos que resolver algumas coisas —

respondo por nós três e elas apenas confirmam com “uhum”.

— Muriel, não coloque os problemas na frente de Deus.

Arranje um tempo para Ele e converse. Abra seu coração para que
Ele o cure.

Respiro fundo, cansada dessa conversa.

Deus tem mais coisas importantes para fazer do que curar


meu coração. Crianças passando fome no mundo? Terrorismo?

Aquecimento global? Exatamente. Por que Ele vai parar tudo isso
para curar meu coração?

Anuo como um soldadinho.

— Amém. Obrigada, padre, farei isso assim que possível.

Ele balança a cabeça de um lado para o outro, mas nos


abençoa e nós três vamos embora.

Para quem teve o coração partido e o casamento

desmarcado, até que eu estou bem.


Meu celular toca três vezes e eu recuso todas as chamadas
no meu smartphone.

É minha mãe.

Provavelmente, acha que minha mensagem de texto sobre o

cancelamento do casamento é uma pegadinha.

Quem me dera se fosse.

Para meu desgosto, é apenas minha a vida amorosa


desmoronando.

— Ariel, você já chorou alguma vez desde que Felipe


terminou com você? — Maria Eduarda me olha ao perguntar. No

seu rosto bonito e delicado com pouca maquiagem há um ponto de

interrogação.

Odeio quando ela fica analítica demais.


Observo-a assim que o sinal fica vermelho na avenida beira-

mar e aperto o volante com força, deixando os nós dos meus dedos
brancos.

Felipe terminou comigo ontem e depois de sair daquela droga


de sorveteria, eu chorei igual uma idiota. Chorei tanto que acordei

com a cara inchada e dor de cabeça. Mas continuar chorando... vai

adiantar de alguma coisa?

Não.

Nenhuma.

Por este motivo, não continuarei chorando. Muito menos, na

frente das minhas melhores amigas. Sempre fui o elo forte de nós

três. A garota que segura a barra e mantém todos no controle.

— Ele terminou comigo ontem — digo, como se a resposta

fosse simples. — É recente.

— Justamente — as duas falam a mesma coisa e eu reviro

os olhos, bufando.

— I'm good![2] — retruco com convicção.

— Você está aguentando, isso sim — Giovanna comenta,

tocando meu ombro de leve.


— E isso é ruim? Aguentar as pontas? Não. Isso é bom —

falo a meu favor, começando a ficar irritada e me odiando por isso.

Elas não têm culpa se o Felipe é um babaca que terminou comigo


uma semana antes da merda do nosso casamento que eu passei

um ano e meio planejando.

— Não, não é. Só que você precisa colocar pra fora,


entende? Você mal desabafou com a gente e somos suas melhores

amigas. — Duda emenda ao abrir um sorriso meigo.

— Desabafei sim — resmungo.

— Não de verdade — Gio retruca e eu olho para trás,

fuzilando-a e a única coisa que ela faz é erguer uma sobrancelha


bem-feita para mim.

— Já vi você terminar vários relacionamentos, mas nunca te


vi chorar, Gio. Por que eu tenho? — questiono com os olhos

marejados, a um triz de começar a chorar. — Por que eu preciso

sofrer? Por que eu? — continuo a articular, quase gritando.

— Vai se sentir melhor depois de colocar pra fora — Duda

sussurra, estudando minhas expressões.

Com as costas das mãos, limpo as lágrimas idiotas que

resolveram escapar dos meus olhos e respiro fundo.


— Eu tô ótima — grunho, como uma fera pronta para atacar a

próxima pessoa que perguntar como eu estou.

O sinal fica verde e eu piso no acelerador, cantando pneu.

— E como vai dizer pra todo mundo o que aconteceu?

Precisamos cancelar a festa... — Duda fala com aquele jeitinho

cuidadoso, que eu amo e às vezes, odeio também.

— Quem disse que vamos cancelar a festa? Vai ter festa, só

não o casamento — respondo curta e grossa.

— Como é que é? — Gio pigarreia.

Pelo retrovisor, vejo Gio ficar de boca aberta.

— Felipe pagou por essa festa e eu vou aproveitar tudo que

eu tenho direito. Vou beber, vou beijar na boca e vou dançar. Eu

vou... — Aperto o volante com força, segurando a vontade de


chorar.

— Você vai superar — Gio fala e eu assinto.

— E vamos te ajudar — Duda acrescenta, me roubando um

sorriso. — Pode contar com a gente pra qualquer coisa.

— Precisamos comprar vestidos novos, então. Vestidos

novos e caros — murmuro entre uma fungada e outra. — Ainda tô

com o cartão de crédito de Felipe. O compartilhado.


Duda faz um estalo com a língua, negando com a cabeça ao

censurar:

— Não. Não vamos fazer isso.

— Vamos sim! — Gio exclama. — É o que aquele babaca

merece por ter acabado com a nossa amiga linda e gostosa uma
semana antes do casamento.

— Então... vamos as compras. A única regra é não ter limites.

Gio solta uma risadinha animada, Duda demora, mas cede ao

nosso plano de gastar dinheiro do meu ex-noivo.

Felipe é um consultor financeiro renomado e respeitado aqui

no Nordeste. Ganha bem e tem uma vida melhor ainda. É dono de

um apartamento de frente para a beira-mar, assim como eu, apesar

do seu ser três vezes maior e muito luxuoso.

Não somos vizinhos e nunca fiquei tão grata por isso. Não

suportaria olhar para cara dele todos os dias que saísse do meu
casulo.

Conheci Felipe quando tinha dezoito anos. Ele já era homem,

formado e lutando para ser reconhecido. Nos vimos pela primeira


vez na praia, ele estava correndo e eu também. Trocamos um olhar,
mas desviamos em seguida. Passaram a ter mais “encontros” na

praia e logo uma troca de olhar foi para um leve sorriso.

Gio, Duda e eu fomos a um barzinho com música ao vivo e lá

estava ele, rodeado de amigos. Nossos olhos se encontraram

mesmo com pouca luz e minhas amigas me deram sorrisinhos


animados. Elas sabiam do meu caso com o estranho gostoso que

corria na praia no começo da manhã.

Ele veio falar comigo, conversamos, ele questionou minha

nacionalidade por causa do meu português ainda meio enrolado e

quando soube da minha idade, foi como um banho de água fria.

Acho que uma garota de dezoito anos que acabou de entrar

na faculdade era a última coisa que ele queria. Felipe deu uma

desculpa e foi embora.

Mas aconteceram mais encontros na praia, em bares, em

shoppings e restaurantes. Nossos olhares foram ficando mais

intensos e a energia entre nós também. E ele não aguentou e pediu


meu telefone.

Passamos a conversar muito e ele adorou saber coisas sobre


mim, de como minha mãe americana e meu pai brasileiro eram

como um casal, da minha vida na Califórnia, de como aprendi a falar


português desde pequena e sobre como me senti deslocada ao
chegar aqui com dezesseis anos e como Gio e Duda foram as

melhores coisas que me aconteceram aqui.

Depois de algum tempo, ele tomou coragem e me chamou

para ir à praia à noite. E eu fui. Felipe parecia um galã de cinema e

era meio desconcertante olhar para ele sem querer beijá-lo.

Quem tomou a iniciativa do primeiro beijo foi ele.

Foi incrível.

Bom, para uma garota de dezoito anos sem muita

experiência foi incrível.

Ele foi fofo, eu era virgem e mesmo com as coisas

esquentando entre nós, ele não me pressionou. Deixamos as coisas

rolarem, acontecerem devagarzinho e até que finalmente eu


descobri que perder a virgindade não é tão bonito como nos livros

ou nos filmes.

Mas nada disso importava, porque Felipe se apaixonou por


mim e começamos a namorar. Noivamos depois de três anos juntos,
passei um ano e meio da minha vida planejando esse casamento e

ele acabou comigo ontem.


Claro que tivemos inúmeras idas e vindas, mas não imaginei
que ficaríamos definitivamente nas idas.

IDIOTA!

Eu vou estourar o limite do seu cartão de crédito!


Não é segredo que Felipe ganha oito vezes mais do que eu.
Só que isso nunca me intimidou. Eu recebo o suficiente para me
manter bem, sem precisar do dinheiro dos meus pais. Não que eles

me negassem algum tostão, mas sempre gostei de independência.

Ser independente financeiramente nunca foi um empecilho


para Felipe me encher de mimos e me fazer usar o cartão de crédito

compartilhado. A diferença é que antes eu não fazia uso dele.

O que mudou nos últimos dias.

Tudo mudou nos últimos dias.

As portas do elevador se abrem e eu vejo um movimento no

apartamento ao lado, que estava vazio há meses. Dou uma breve


espiada pelo canto do olho e noto as caixas lacradas na porta da

frente.

Hum... temos um novo vizinho. Ou vizinha.

Entro no meu apartamento com vista para a beira-mar e é


incrível como nem a bela imagem do oceano consegue aumentar o

meu ânimo. Dias atrás, minha vida estava toda planejada.

Casamento, lua de mel, casa nova, vida nova.

Agora? Não tenho nada.

Levo minhas compras até o quarto, coloco tudo em cima do

colchão e abro as cortinas da janela, deixando o sol de fim da tarde

entrar e pensando no que fazer daqui pra frente.

Sento na beirada da cama, olhando as sacolas e algo

absurdo passa pela minha cabeça. Levanto rápido, caminho até o

closet, pego o vestido de noiva dentro da capa e o coloco em cima

do colchão.

Pego o celular dentro da bolsa, ignorando as notificações de

chamadas não atendidas da mamãe e faço algumas fotos.

Sorrio.

Felipe pagou caro por esse vestido. Se eu fosse legal, eu


devolveria para a estilista e talvez, ela fizesse algo de útil com a
peça. Mas honestamente? Sem chance de reembolso para meu ex-
noivo.

Coloco o vestido na OLX por um preço acessível.

Bem acessível.

O nome da minha mãe começa a saltitar na tela junto da sua


foto sorridente. Ela é linda, doce e uma das mulheres mais

compreensíveis que eu conheço. Sempre esteve comigo e nunca

me deixou na mão.

Por mais humilhante e doloroso que seja, eu preciso tomar

coragem para atender a ligação ou ela vai brotar na minha porta e

eu terei que encará-la pessoalmente.

— Hey, mom — murmuro, tentando parecer bem. Ou


[3]

razoavelmente bem. Talvez, menos deprimida.

— Sabe há quanto tempo estou tentando falar com você,

garota? — resmunga e eu suspiro, prensando os lábios. — Faltou

pouco, muito pouco pra eu não pegar o carro e dirigir até a cidade.

Afundo no colchão, de barriga para cima.

— Você não dirige — lembro-a.


Mamãe não gosta de dirigir, tem traumas. Quando eu tinha

sete anos, papai, ela e eu estávamos no carro, indo para o parque


de diversões no píer de Santa Mônica. Sofremos um acidente, papai

ficou com uma cicatriz na cabeça e eu quebrei os dois braços.

Ela nunca mais conseguiu sentar no banco do motorista

depois disso e foram anos de terapia para entrar num carro de novo.
E geralmente, ela só o faz ao meu lado ou do papai.

— Exatamente, não dirijo e estava prestes a fazer isso.

Sozinha — fala, a voz soando meio aflita.

— Quando papai volta de viagem?

— Hoje — murmura. — Muriel, não mude de assunto.

— Mãe, tá tudo bem — digo uma mentira e até que parece

convincente. Eu quase acredito nas minhas palavras.

— Muriel, que história é essa de que não vai mais ter


casamento?

— Felipe me deixou. Aparentemente, eu sou um parque de


diversões quebrado — sussurro, os olhos ardendo de raiva.

— O quê?

— Acabou.
Ela fica em silêncio, o que me parte o coração, porque eu sei

que está escolhendo as palavras certas para me consolar. No


entanto, sinto que nada do que diga vai diminuir a raiva, a dor e a

humilhação que estou sentindo agora.

— Como você está?

— Bem — minto de novo. — Ótima, na verdade. Não podia

estar melhor. Sabe? Acho que foi um livramento — articulo com um


nó na garganta.

— I'm so sorry, honey[4].

— Mãe, eu tô bem — falo com a voz embargada de choro.

— Quer vir pra cá? Passar uns dias aqui vai ser bom. O que

me diz? Longe da cidade. Longe de tudo.

— Não posso. Tem a festa.

— Hãm? Festa?

— Cancelei meu horário na igreja, mas ainda vai ter festa. Tá

tudo pago e eu não vou desperdiçar o open bar nem o DJ.

— What the fuck?[5]

Pisco rápido e sento no colchão, tentando manter as lágrimas

dentro dos olhos. Não quero mais derramá-las por Felipe. Aquele
cretino não merece. Não merece o meu sofrimento.

— Vai ter festa, mãe, mas não de casamento. Vamos

comemorar o meu pé na bunda, o que a senhora acha? — pergunto,


rindo.

— Você enlouqueceu.

— Um pouco, eu acho.

— Preciso dirigir até aí agora — devolve, rápido.

— Não, mãe. Claro que não precisa. Não agora. Quando o


papai chegar, a senhora vem, como o nosso combinado. Prometo

que depois ligo. Te amo — digo e nem espero por resposta, encerro
a ligação.

Arrasto os pés até a sala e sento de pernas cruzadas no sofá,


admirando o oceano da minha varanda.

Quando me mudei pra cá, cidade natal do papai, na minha

cabeça adolescente, foi a pior coisa que poderia ter me acontecido.


Afinal, deixei toda minha vida em Los Angeles. E francamente, eu
amava tudo lá.

Mas então, eu conheci Maria Eduarda e Giovanna no ensino

médio e elas fizeram tudo ficar bem. Depois, veio Felipe, que me fez
amar essa cidade mais ainda. E que agora, também, está me
fazendo odiar.

A única coisa que quero é sumir daqui.

Dói tanto aqui dentro do meu peito, mas a raiva é ainda maior
e ela engole a dor. E, por enquanto, eu acho que é isso que está me

fazendo seguir em frente.

De repente, o celular notifica uma mensagem no chat da


OLX.

Gente interessada no meu vestido de noiva!

Existem mais pessoas querendo se casar do que eu imaginei.

Tento não ficar amargurada com isso.

Elas não têm culpa de o Felipe ter me largado.

Acabo vendendo para uma quinta pessoa interessada,

porque é a mulher mais louca com quem converso. É uma que


precisa URGENTEMENTE de um vestido para seu casamento

TEMÁTICO.

Ela se casará como a noiva cadáver.

FECHADO.

Vestido vendido com sucesso.


Passo o número da conta bancária da Maria Eduarda. Ela

trabalha em uma Clínica Veterinária que está com um projeto para


ajudar animais de rua. Mil e duzentos reais são transferidos para a

conta da minha melhor amiga. O vestido vale quinze vezes mais.

Não é exagero, ele vale mesmo, mas não importa mais.

Envio uma mensagem para a Duda falando sobre a venda do

vestido e a doação do dinheiro para a Clínica Veterinária. Ela fica


chocada e igualmente agradecida pela minha ajuda.

Fico de pé, me sentindo estranhamente bem e faço o


caminho de volta para o quarto. Preciso embalar o vestido para o

correio e fazer uma noiva maluca feliz.

No momento, é a única coisa que importa.


Odeio mudanças.

Odeio caixas lacradas.

Odeio essa bagunça.

Me sinto sufocado.

No meu ano sabático, que não foi exatamente um ano, mas

alguns meses, eu não precisei me preocupar com isso. Fiquei em


hotéis em cada cidade que passei e estava bom assim para mim.

Não precisei lidar com essa droga toda que envolve mudança
de verdade.

Olhando para tudo que eu preciso arrumar, tenho vontade de


gastar todo o meu dinheiro viajando e quando acabar, viver como

mochileiro por aí. O que não vai acontecer, porque sou inteligente e
no momento, só estou irritado, porque a merda disso tudo é culpa

da Ayla e do Ricardo.

— Parece que temos muito trabalho — Rebeca fala ao entrar

no apartamento de porta aberta.

Arregalo os olhos ao ver a caixa de transporte que ela tem

nas mãos e a pequena máquina mortífera dentro. Balanço a cabeça

de um lado para o outro, negando com firmeza.

— Não. Nem pensar. Você enlouqueceu de vez? Pode voltar

com essa bomba de fazer merda.

Rebeca faz um estalo com a língua, reprovando minha ação.

— Vai ser bom pra você, maninho — fala com um sorriso


largo. — Precisa de um companheiro e esse garotão aqui vai ser

perfeito. Além do mais, é tão fofo.

— Não. Claro que não.

Ignorando os meus protestos para voltar com o cachorro,

Rebecca coloca a caixa de transporte no chão e abre, deixando a

bola de pelo caramelo sair. Sem timidez, ele sai correndo igual louco

até mim, depois vai cheirando todas as caixas lacradas, explorando

novos territórios.

— Ele vai destruir tudo.


— Esse bichinho é inofensivo — Rebeca argumenta,
pegando a bola de pelos redonda nas mãos e cheirando. — É um

presente de boas-vindas.

— Não é o que parece.

— Não seja rabugento — ela repreende, rindo para a bola

peluda que começa a lamber seu rosto. — Lulus da Pomerânia são


companheiros e inteligentes. Logo vai tá até abrindo a porta pra

você.

— Rá. Rá. Muito engraçado.

De repente, um casal de idosos para na frente do meu

apartamento aberto. Os dois tem cabelos brancos e rostos


enrugados. A mulher está usando um vestido confortável e leve,

enquanto o homem, uma espécie de fantasia de salva-vidas com

boné com a estampa da cruz vermelha.

— Você é o novo vizinho — a senhora fala, sorrindo. — Meu

nome é Maria e esse é o Dionísio, meu marido.

Sorrio e assinto.

— Ele é o Heitor e eu sou a Rebeca — minha irmã nos

apresenta. — E essa coisinha fofa ainda não tem nome — emenda

com uma voz melosa e ridícula ao gesticular com o cachorro.


Dionísio olha para mim com atenção, dos pés à cabeça,

depois, semicerra os olhos e espreme os lábios finos ao dar um


passo para dentro do apartamento. Maria tenta impedi-lo, mas não

consegue.

— Veja, Maria. É Pedro, o nosso neto — fala com a voz

falhada, sorrindo com alegria e tocando meu ombro com carinho.

Maria entra no apartamento também.

— Desculpe, ele nunca lembra. Nosso neto morreu há anos


— ela murmura, melancólica. — Vamos, Dionísio, tá na hora do
trabalho. Vamos deixar os jovens em paz.

— Trabalho? — me ouço perguntando, porque é quase

impossível que um senhor como ele trabalhe. Ainda mais como


salva-vidas. Espero mesmo que seja apenas uma fantasia.

— Ele pensa que é salva-vidas. Depois da reforma, fizeram


novos postos de guarda-vidas e acabaram deixando o que fica aqui

perto sem uso. A gente vai de manhã cedo e no final da tarde todos
os dias e ele fica olhando o mar — ela explica, fazendo Rebeca

sorrir ao dizer:

— Isso é fofo.

— É o que mantém a mente dele em paz — Maria comenta.


— Pedro, vamos — Dionísio fala, pegando a minha mão com

uma inocência que é estranhamente tocante. — Podemos trabalhar


juntos.

Maria solta uma risadinha.

— Pedro tá ocupado, querido. Na próxima vez, quem sabe.

Dionísio fica visivelmente triste, mas concorda com a esposa.


Relutante e sem tirar os olhos de mim, ele a deixa guiar para fora do

apartamento, rumando na direção dos elevadores.

— Esse foi o casal mais triste e romântico que eu conheci em


toda a minha vida — Rebeca comenta, atraindo meu olhar até ela.

Esse era o tipo de relacionamento que eu pensava em ter


com Ayla. Envelhecer juntos, ter filhos, netos, um cuidando do outro

até o fim de nossas vidas.

É estranho perceber que nós dois nunca seremos como


Maria e Dionísio, porque agora eu vejo, que nós nunca nos amamos
assim.
~ Dia Seguinte ~

O pequeno destruidor que Rebeca me deu ontem tem manias


irreversíveis. Além de ter mijado na maioria das caixas lacradas,

aparentemente, ele gosta de passear pela manhã.

Então, fui obrigado a sair do conforto da minha cama às oito

da manhã e dar uma volta com ele pelo calçadão.

No fim, acaba sendo algo bom. O tanto de mulher gostosa


que me para na rua para fazer carinho no meu cachorro (que a cada

cinco minutos, eu dou um nome diferente), é capaz de manter minha


cama aquecida pelo próximo mês inteiro.

Estamos voltando para o prédio quando vejo o casal de


ontem atravessar a rua. Dionísio me vê e fica meio agitado, me

chamando de Pedro, enquanto, Maria tenta acalmá-lo.


A história deles não tem nada a ver comigo, ainda assim, por
alguma razão, me vejo na obrigação de ir até eles. Segurando a
coleira do cachorro, atravesso a rua na faixa de pedestre no sinal

vermelho e volto para o calçadão.

— Não precisava ter vindo — Maria fala com um sorriso


constrangido, um sotaque meio cantado que é bem acolhedor.

— Tudo bem, não tem problema. Indo trabalhar? — pergunto

e em resposta, Dionísio retira o boné com estampa da cruz


vermelha e coloca na minha cabeça, rindo.

Sem saber o motivo, me vejo sorrindo.

— Vamos, Pedro — ele diz, soltando-se da mão de Maria e

andando devagar para o posto de guarda-vidas construído de

madeira há alguns metros de nós.

Troco um olhar com Maria e assinto antes de começarmos a

caminhar na mesma direção de Dionísio, que sobe as escadas de

madeira com uma alegria inocente. Acho que ele realmente pensa
que eu sou o seu neto e por alguma razão, isso me deixa com um

aperto no peito.

— Obrigada — Maria murmura.


— Vem, Pedro. Suba — Dionísio pede e eu concordo com um

aceno de cabeça, entregando a coleira do cachorro para Maria.

— Já escolheu um nome pra ele?

— Ainda não, mas estou aceitando sugestões — informo,

roubando uma risadinha dela.


Eu ainda estou tentando lidar com o fato de não ter que
planejar os últimos detalhes do meu casamento. Sempre tive tudo
anotado em uma planilha para que nada saísse fora do lugar.

Mas tudo está fora do lugar.

Estou de férias do trabalho, porque eu estava me casando

com o homem dos meus sonhos, então, acreditei que férias e lua de
mel combinavam, mas agora não sei o que fazer com os meus dias

livres.

Nove horas da manhã e as meninas e eu estamos na praia,

sentadas em cima das nossas saídas de banho, passando protetor

solar e paquerando o homem ao lado do seu Dionísio.


Todo mundo que mora por aqui, nessa parte da beira-mar,

conhece o seu Dionísio e a sua esposa. Os dois têm o mesmo ritual


há anos, de manhã cedo e no final da tarde, sempre no posto de

guarda-vidas abandonado.

Mesmo que de mentirinha, seu Dionísio é o nosso salva-vidas

e ele ama quando dizemos isso.

E ao que parece, está treinando um subordinado.

— Nossa, não vejo um desses há muito tempo. Talvez, eu

finja um afogamento e quem sabe, eu ganhe uma respiração boca a


boca. Misericórdia, olha essa bunda — Giovanna fala, me roubando

uma risada.

— Você é impossível, Gio — Duda fala, com o jeito certinho


de sempre.

— E você é santinha demais. Tudo bem, vai, eu deixo você

se afogar pra ganhar um beijo dele — Gio retruca e Duda revira os

olhos, aumentando a minha risada.

O novo salva-vidas está ao lado do seu Dionísio,

conversando, enquanto, Maria, a esposa, está na casinha de

madeira, segurando um cachorro no colo.

Desde quando eles têm um cachorro?


Volto a olhar para o salva-vidas.

Ele tem quase dois metros de altura, mas não é nada

desengonçado. É dono de um tanquinho forte e duro como rocha, e

braços musculosos, mas não exagerados. Ele usa uma bermuda de

sufistas e chinelos.

E para completar, ele está usando o boné desgastado com o


símbolo da cruz vermelha do seu Dionísio.

O vento sopra forte e o seu cabelo esvoaça e tenho a

sensação de estar o assistindo em câmera lenta. O homem tira o

boné e balança a cabeça, remexendo as madeixas castanhas e

depois, encaixa o boné na cabeça de novo, rindo para algo que seu

Dionísio fala.

— Oh, my God. [6]


— murmuro, boquiaberta, suspirando por

causa da parede de músculos na praia.

É loucura, mas consigo ver algumas gotículas de suor descer

pelo tanquinho perfeito dele. Ou será apenas a minha imaginação

fértil me fazendo delirar por causa de um homem gostoso?

— Tira o olho, Ariel. Eu vi primeiro — Gio resmunga, me

cutucando com o cotovelo e nós três rimos.


— Olhar não arranca pedaço e mesmo assim, eu tenho

privilégios, porque tô na fossa por causa do Felipe — lembro-a,


fazendo assentir com o nariz enrugado e os lábios grossos torcidos.

Para a nossa infelicidade, ele vai embora com seu Dionísio e


a esposa.

Deitamos em cima da saída de banho e colocamos o braço

em cima dos olhos, protegendo contra o sol.

— Eu ainda não acredito que você vendeu o seu vestido, mas


confesso que foi uma tacada de mestre — Gio comenta.

— Obrigada pelo dinheiro. Ajudou muitos animaizinhos lá na


clínica — Duda emenda.

— Tá vendo? Eu fiz uma noiva feliz e ajudei animaizinhos. E

isso é o que importa — digo, tentando me convencer das palavras.

— Já pensou no que vai fazer com as coisas do Felipe?


Vocês não moravam juntos, mas tem bastante coisa dele no seu
apartamento — Duda quer saber.

— Ai, meu Deus! O que você vai fazer com a Ducati dele que

tá na sua garagem? — Gio questiona, sentando de novo.

— Acabei de ter uma ideia — digo com um sorriso largo. —


Que tal um bazar com as coisas dele? E a Ducati? Hum, agora, ela
é minha.

— Uau, essa é minha garota — Gio fala com animação

palpável. — Tô dentro.

— Eu é que não vou ficar de fora — Duda murmura, nos


fazendo rir.

— Ele já sabe do rombo que causamos no cartão de crédito


dele com os vestidos que compramos? — Gio pergunta, as

sobrancelhas bem-feitas erguidas.

— Ainda não me ligou surtando — é o que digo.

— Ele vai pirar — Duda informa o óbvio e nós rimos. — Mas

ele merece.

— Definitivamente — concordo.

Depois de quase uma hora, levantamos, recolhemos nossas


coisas e vamos embora.

Com nossas saídas de banho amarradas na cintura, bolsas


de palha penduradas nos braços e óculos escuros, atravessamos a

rua em direção ao prédio em que moro. Assim que chegamos na


calçada, quase tenho um ataque fulminante.

Droga.
Sou nova demais para morrer do coração.

Vejo o carro do Felipe passando no meu lado esquerdo.

Porém, entretanto, todavia, o desgraçado não está sozinho. Há uma


mulher no banco do carona e ela tem o sorriso mais ridículo e

triunfante do universo estampado no rosto.

E é dessa maneira que eu descubro que fui trocada.

E com certeza, tenho um par de chifres em cima da cabeça.

Felipe terminou comigo porque estava com outra mulher.

Infelizmente, não uma simples mulher. Mas sim, minha arqui-

inimiga.

Respiro fundo, controlando a vontade de gritar no meio da

rua.

— Ariel... calma, amiga — Duda murmura, segurando minha


mão. — Vamos entrar e conversar.

— Ele... Felipe...ela... eu vou matar... os dois.

— Vamos entrar e lá dentro resolvemos. — é Giovanna quem


me puxa pelo braço antes que eu entre em colapso no meio da rua.
— Não acredito que ele fez isso! — extravaso com um grito.
— Eu vou matar aquele filho da mãe desgraçado — berro de novo.

As meninas me olham, mas não dizem nada. Deixam que eu


reclame e amaldiçoe os dois primeiro.

Depois do meu pequeno surto, respiro fundo e me sento no


sofá, decidida a fazer algo em relação ao Felipe. Só não sei ainda o

quê.

Vitória Queiroz tem a minha idade, vinte e três anos.


Estudamos na mesma sala no último ano do ensino médio. Ela não

foi com a minha cara, porque me juntei com as “perdedoras” da

escola: Duda e Gio.

Teve um concurso idiota de Rei e Rainha na escola. Não era

como o famoso Baile que tem nas escolas americanas, mas era

uma competição idiota com jurados e essas babaquices. Eu


participei, claro. Meus pais diziam que eu tinha que me enturmar, só
que meu propósito nunca foi ganhar, era apenas por diversão.

Duda, Gio e eu ríamos muito nos ensaios e não levamos nada a


sério.

Mas, acabei ganhando e ela me odiou por isso.

Vitória decidiu que queria se vingar de mim e fez minha vida

parecer um episódio de “Carrie, a estranha”. Na aula de educação

física, na piscina da escola, ela derrubou um balde de tinta na minha


cabeça quando eu estava subindo as escadinhas.

Foi horrível.

Fiquei com tinta no couro cabeludo por duas semanas.

Passamos a nos considerar inimigas de carteirinha. Mas para


ser sincera, eu nunca me vinguei. Mamãe dizia que não se resolvia

violência com violência. Só que também, não tenho sangue de

barata, aprontei com ela, roubei seu namoradinho e ela passou a


beijar todos os garotos de quem fui a fim.

E eu digo todos. Todos, mesmo. Fora ou dentro da escola.

Lógico que ela nunca tentou nada com Felipe. Minha nossa,

eles nem eram amigos nas redes sociais.

Eu fui para a faculdade e ela se tornou modelo comercial.

Nos esbarrávamos de vez em quando pelos barzinhos ou salões de


beleza, soltávamos alfinetadas, mas não passava disso.

Ela nunca mexeu com o Felipe.

Pelo menos era o que eu pensava.

A verdade é bem outra.

— Não podemos tirar conclusões precipitadas — Duda fala,

sempre tentando tirar o melhor da situação.

— Então, Felipe simplesmente cedeu uma carona pra Vitória

pela manhã? — pergunto, irônica.

— Tudo bem, não tá mais aqui quem falou — retruca,

levantando as mãos em rendição.

— Os dois vão me pagar.

— Tá legal — Duda fala, nos surpreendendo. — O que sua

terapeuta fala sobre a raiva?

— Que eu tenho que direcioná-la. Fazer algo e não a deixar

me consumir — murmuro, levando para o lado errado, pensando em

formas de fazer Felipe e Vitória pagarem.

— Ela roubou o seu noivo e isso não se faz, vamos dar o

troco — Giovanna concorda e eu me sinto uma adolescente, mas


que se dane, aquela vaca roubou o meu noivo. — Beleza, eu tenho

um plano.

Para minha sorte, Giovanna trabalha na mesma agência de

modelos que Vitória, mais conhecida como Vivi e entre nós três
como “Vaca Vivi”.

Depois de algumas ligações, faço mais uma planilha

maravilhosa com os horários de saída da Vaca Vivi. Tenho o seu


cronograma da semana. A Vaca Vivi nem sonha, mas temos

“alguém” em comum. E não é o Felipe.

É a Carmem, a diarista.

É claro que antes de pedir informações, eu fiz um pequeno

interrogatório, querendo saber se ela sabia do casinho entre Vitória


e Felipe. Ela jurou que não. Eu acreditei, porque Carmem nunca

mentiu para mim.

— Caramba, vamos mesmo fazer isso — Gio fala, numa

mistura de aflição e euforia.

Encaro a planilha e cerro os olhos.

— Às quatorze horas, ela tem um trabalho marcado —

informo, pensativa.
Não é sempre que os trabalhos de Giovanna e das meninas

da agência acontecem aqui na cidade. No geral, as meninas

trabalham mais viajando, indo para São Paulo, Florianópolis, Rio de

Janeiro em um bate e volta. Mas mesmo que a demanda seja


menor, existem alguns trabalhos por aqui.

E posso dizer que apesar do azar, hoje é meu dia de sorte.

— O que vamos fazer? — Duda indaga.

— Lembra quando ela disse que minha bunda era grande


demais e eu precisava emagrecer se eu quisesse ficar bonita? —

devolvo, fazendo as meninas concordarem em sincronia.

As atitudes de Vitória comigo foram um problema, porque

muitas vezes me fizeram querer se diferente e odiar o meu corpo,

chorar em casa e não querer comer para me sentir mais bonita.

— Vou dar o troco — é o que digo ao fechar o notebook,

assustando as meninas.
Às doze horas, nós nos encontramos no local em que Vitória
irá fazer um trabalho. Por sorte, por muita sorte mesmo, Leila, a
produtora de moda é nossa amiga e quando se casou, meu

presente de casamento para ela foi decorar o seu apartamento.

Casamento...

Tudo relacionado a essa palavrinha anda me dando arrepios.

— Ai, meninas, isso é loucura. Quantos anos vocês têm? Não

são mais crianças. Além do mais, quem vai me sustentar depois que

eu perder meu emprego?

— Vai perder nada— Gio retruca, cutucando Leila com o

ombro e rindo como uma garotinha.


— Não acredito que concordei com isso. Tô ferrada. Bem

ferrada mesmo — Leila resmunga.

— Ela roubou meu noivo, eu preciso me vingar, Leila. Por

favor, me ajuda — peço, quase implorando.

Ela respira fundo ao questionar:

— Tem certeza que ela tá com Felipe?

— Mais ou menos — retruco, dando de ombros. — Por favor?

— murmuro, piscando devagar.

Ela pisca com força e concorda com um balançar de cabeça.

— Tá bom, tá bom. Aquela cretina falou que meu vestido de


casamento era feio, de qualquer forma — Leila lembra, fazendo cara

feia.

Sorrio para ela.

— Isso aí, garota. Isso é por todas nós — digo, levantando a


mão para que ela bata no ar.

Revirando os olhos, ela toca minha mão.

— Aqui são as roupas que ela vai usar. Número trinta e seis

todas — informa, apontando para arara cheia de calças jeans de


cintura alta e blusas de seda. — E essa é a arara de número trinta e
quarto. Vocês têm uma hora. Nada mais que isso.

Nós três nos apressamos em trocar as etiquetas das calças

jeans. No final, as calças com etiquetas trinta e seis ficam com as de

trinta e quatro. Trocamos as blusas por dois números menores

também.

Giovanna coloca uma dose de laxante generosa no chá que

está na geladeira aguardando a Vaca Vivi.

— Isso é por todas as vezes que me chamou de perdedora e

puxou o meu cabelo na escola — Gio fala, comemorando. — Nossa,

isso é terapêutico.

Antes que possamos comemorar a nossa felicidade com uma

dancinha ou algo parecido, Leila checa o celular e avisa que ela

chegou. Nos escondemos em uma das cabines de provador e

ficamos em silêncio.

A Vaca Vivi chega logo reclamando do trânsito e do calor.

— Leila, traz um pouco de chá, por favor. Coloca gelo. Coloca

gelo mesmo, porque você nunca entende quando digo que quero

algo gelado — reclama.


— Minha assistente chega daqui a pouco — é o que Leila fala

e nós seguramos a nossa risada.

Alguém coloca música, mas ainda dá para escutar o que a

Vitória fala. É meio entediante, na verdade. A maquiagem dura


cerca de uma hora e mesmo depois da assistente ter levado o chá

até ela, a Vaca Vivi demora um século para tomar o primeiro gole.

Enfim, o maquiador diz que ela está pronta. Ouvimos os


passos de Leila e depois um “Essa combinação é a primeira”.

— Vá no próximo — Leila ordena rápido e eu prendo a


respiração ao ver os pés com unhas vermelhas em frente ao

provador. — Esse tá interditado.

— Essa foi por pouco — Duda cochicha e nós rimos baixinho.

— Tem algo errado, Leila —a Vaca Vivi reclama, meio


melosa.

— Como assim, Vitória?

— Tá muito apertado. Mal consigo respirar e ainda nem


fechei o zíper. Tem certeza de que é o meu número?

— Claro que sim. O que você andou comendo, menina? —

Leila alfineta e nós seguramos o riso.


— O de sempre. Tenho uma alimentação regrada — ela

devolve com a voz séria. — Meu corpo é um templo, não como


porcaria — emenda e eu reviro os olhos, enojada.

— Vem aqui fora. Quero ver como ficou.

Ouvimos a cortina abrir e todo mundo fica em silêncio.

— Definitivamente, o de sempre te deu uns quilinhos a mais


— é o maquiador quem comenta.

— Júnior, não fala isso — ela retruca, irritadiça.

— Você provavelmente deve ter aumentado um número. É a


única explicação.

— Não, Leila. Eu juro — fala e eu começo a me sentir

culpada, o que passa depois das próximas palavras. — Não sou


desleixada como você que não pode ver um pedaço de bolo e age

como se o mundo fosse acabar.

— Vaca — nós três murmuramos.

— O número é o mesmo e você não cabe na calça. Quem

está sendo desleixada agora? — Leila rebate, arisca.

— O que vamos fazer?

— Tô pensando — Leila diz, curta e grossa.


De repente, um barulho de gases preenche o cômodo e fica
quase impossível não cair na gargalhada.

— Ai, droga. Acho que tô com dor de barriga.

— Era só o que faltava, Vivi. Cagar no trabalho — Júnior


repreende em um tom brincalhão.

— Faz o favor de calar a boca, idiota — a Vaca Vivi devolve.

— Tira a roupa e vai ao banheiro. Você vai ter que ser


substituída. Dor de barriga e não entrar no tamanho encomendado...

não tem como fazer esse trabalho com você — Leila informa.

— O quê? Mas Leila, eu sou a garota mais linda da agência.


A única que tem classe e elegância. As outras são um bando de
pobretonas que não têm onde cair mortas. Vai mesmo me trocar?

— Se você não cabe nas roupas, eu não posso fazer nada.

Vou pedir pro cliente escolher outra. Na verdade, a segunda opção


era a Giovanna. Vou chamá-la.

— Não acredito que vou perder meu trabalho para aquela


porca imunda — a Vaca rosna.

— Ei, menina, olha essa boca. Gio é um doce — o maquiador

repreende.

— Tanto faz, tô indo embora.


— Tira a roupa e vai ao banheiro, Vitória. Você tá com cara
de dor de barriga — é a última coisa que Leila fala.

Ouvimos Vitória resmungar, em seguida um barulho de


cortina se fechando e um bater de porta. Cinco minutos depois, Leila

vem até nós.

— Vocês têm que ir embora agora.

— Sim, senhora — concordamos num uníssono.

— E Gio, fica com o telefone ligado, ok? Só vou falar com o

cliente e mando mensagem. — Pisca. — Agora, vão embora. Já.

Nós não trocamos uma única palavra até chegarmos no meu

carro do outro lado da rua, mas no momento em que entramos no

veículo, nós rimos até a barriga doer.

— Eu tô rindo, mas meu coração diz que é errado — Duda

admite, chorando de tanto rir. — Que pecado.

Piso no acelerador e ainda rindo, vamos para minha casa,

decidindo qual será o nosso próximo passo.

Mil e uma ideias passam pela minha cabeça. Eu vi “Noivas

em Guerra” e sei exatamente como sabotar uma mulher. Mas decido

redecorar o meu apartamento às custas do dinheiro do Felipe.


Duda e eu passamos o resto do dia comprando e gastando o

dinheiro do meu ex-noivo. Gio queria nos acompanhar, mas como


sabotamos Vitória, ela teve que substituir para não deixar Leila na

mão.

No final do dia, eu comprei mais do que devia e o cartão de

Felipe estava estourado, mas não antes de eu ter aprontado mais

uma.

Passei no sexy shop e comprei trinta pintos de silicone e

mandei para a agência de modelo em nome da Vaca Vivi. Duda

ficou horrorizada, mas riu muito. Amanhã de manhã irá chegar


pintos de todos os tamanhos para as meninas, e até mesmo,

meninos em nome da Vitória Queiroz.

Felipe vai demorar um pouco para notar o que fiz. Afinal, eu


nunca ousei fazer nada parecido. Nunca me aproveitei do seu

dinheiro e ele confiava de olhos fechados em mim. No entanto, se

não o tivesse feito, eu sei que o cretino teria gastado tudo com
Vitória.

E isso é algo que eu não posso permitir.


Depois de vestir um biquíni, amarrar meus cabelos em um
coque, pegar óculos escuros e minha bolsa de palha, eu saio de
casa e me deparo com o meu novo vizinho.

Não completamente, mas metade dele.

Dá para perceber que o homem é bem alto e praticamente

um poste de luz. Está de costas para mim e com metade do corpo

encostado na porta. Há uma mulher baixa e engraçadinha


pendurada nele e cheia de sorrisos.

Vejo mãos bobas em plena luz do dia e fico horrorizada com


a pouca vergonha. Ela começa a gemer e pedir para ele parar e eu

entro em estado de choque. Será que não percebem que eu estou

vendo tudo?
Meu novo vizinho é um cafajeste.

Pigarreio.

Os dois me ignoram.

Pigarreio de novo.

Sou ignorada mais uma vez.

— Aqui só moram pessoas de respeito, vocês deviam entrar

ou ir pra um motel e não ficar com essa pouca vergonha aqui fora —

falo em alto e bom tom. A mulher baixinha fica desconcertada e ele


continua me ignorando. Dá um beijo desentupidor de pia nela e

depois, fecha a porta.

Ela abre um sorriso amarelo para mim e ruma na direção dos

elevadores.

E como tenho tempo de sobra, caminho para a porta do meu

vizinho safado para arrumar confusão, porque honestamente, brigar


com um desconhecido cafajeste é tudo que eu preciso na minha

vida.

Toco a campainha e fico fora do campo de visão do olho

mágico propositalmente.

— Vai embora — ele ordena de forma rude e não faz questão


de abrir a porta para conversar comigo. — Ficou olhando porque
quis — acrescenta, presunçoso.

Limpo a garganta.

— As pessoas que moram nesse prédio são todas de

respeito, então, por gentileza, faça o favor de manter suas mãos

aonde as pessoas possam ver — falo rápido e depois cruzo os

braços na altura dos seios.

— Acabou? — é o que ele pergunta.

— Você é sempre tão rude?

— Você é sempre tão intrometida? — devolve, cínico.

— Já vi que é um idiota graduado — grunho e de repente,


uma pequena fresta da porta se abre, apenas para uma bola de pelo

caramelo, ainda preso pela coleira, passar e começar a latir para

mim. — Vai me ameaçar com o seu Lulu da Pomerânia?

— Sim. Não se engane, ele é feroz.

Bufando, giro nos calcanhares e vou embora.

Saio do prédio resmungando e amaldiçoando o meu vizinho.

Que grosso. O cara não teve nem coragem de abrir a porta

pra mim. Ainda tentou me ameaçar com um cachorro fofo? Que

ridículo.
Estendo a minha cadeira de praia reclinável e tiro a saída de

banho, revelando um biquíni meia taça com calcinha cavada. Sento


na cadeira, pego o celular de dentro da bolsa e coloco os fones de

ouvido para ouvir música.

Alguns minutos depois, quando me viro para bronzear as

costas, eu vejo o salva-vidas vindo na direção do calçadão com o


seu Dionísio e a dona Maria. Nos meus ouvidos toca “Hey Mama”

do David Guetta com a Nick Minaj e por algum motivo, a música


combina com ele.

O homem é gostoso como o verão.

Ele parece andar em câmera lenta e é sensual pra caralho. É


um tesão. O vento esvoaça os cabelos que caem até o queixo, mas

ele não ousa ajeitá-los, o que deixa tudo bem mais sexy.

Assim que os três param em frente a casinha de madeira, ele


começa a se alongar. Devagar, abaixo os meus óculos escuros para
vê-los sem filtro nenhum. Se pecado tivesse um rosto,

definitivamente, seria esse homem.

Respiro fundo e decido tentar algo ousado.

Fecho a minha cadeira de praia e coloco a tanga amarrada


na cintura, pego a bolsa e solto os cabelos, deixando o vento fazer o
resto do trabalho. Começo a caminhar na direção dos três, como se

estivesse desfilando, mesmo sem ter a menor noção do que estou


fazendo.

Como a minha vida é uma palhaçada sem tamanho. Um

pastor alemão se solta do seu dono e corre na minha direção, me


derrubando no chão como uma fruta madura, de cara na areia
branca.

E para piorar a situação, o cachorro começa a latir para mim,

chamando a atenção de todo mundo.

— Bruce! — o dono do cachorro fala em um tom de ordem e


o pastor alemão se afasta. — Você tá bem, moça? — pergunta,
aflito.

Ergo o rosto para frente e vejo o salva-vidas de frente para

mim. Embora esteja de óculos escuro, os lábios estão prensados,


como se estivesse preocupado também. Isso faz meu rosto

esquentar de vergonha.

— Tô ótima — respondo rápido com um resmungo, ficando

de pé e saindo rápido da praia.


— Bom trabalho, garoto — digo ao peludo com um sorriso
largo, depois que ele espanta a vizinha chata e ranzinza. — Acho
que você será o meu novo melhor amigo.

Como se entendesse o significado das palavras que saem da

minha boca, ele fica de pé, pulando todo alegre com a língua pra
fora.

Rio, me rendendo e fazendo carinho nele.

— Precisamos de um nome pra você. Prometo pensar em

algo.

Não estava nos meus planos ter inimizade pela vizinhança,

mas francamente, a única coisa que fiz foi apertar a bunda da Mel e
enfiar minha língua naquela boca gostosa. Não acho que mereço

ser condenado por isso.

E o que aquela mulher é?

Síndica do prédio?

Ou estraga prazeres alheio?

— Ei! Cara! — grito com o peludo por levantar a perna e mijar

em uma das caixas lacradas. — Não mija aí...

O apartamento está quase com cara de lar e a maioria das


coisas foi desempacotada. Ontem, Rebeca trouxe os amigos para

me ajudar a organizar tudo e foi assim que conheci Mel e ela

acabou ficando depois que todo mundo foi embora.

Ainda é estranho morar sozinho de novo.

Recomeçar.

Quando descobri a traição e me divorciei, eu viajei por aí, só


que não me sentia sozinho. Sempre fui muito comunicativo e

conheci gente nova. Mulheres novas e que me fizeram companhia.

Depois, eu vim pra cá e passei um pouco mais de um mês na

casa da minha irmã. Foi bom, ela cuidou de mim como sempre fez.

No entanto, estava na hora de recomeçar do zero e ter meu próprio


lugar.
Minha casa.

Meus pensamentos são interrompidos pelo cachorro mijando

no lugar errado de novo.

— Cara, eu vou doar você — resmungo e ele vem todo

alegre na minha direção, abanando o rabinho peludo.

No horário combinado, eu saio do apartamento para

acompanhar meus vizinhos até a praia.

Ontem, conversei bastante com a Maria e ela acabou me

contando que eles perderam o neto e o filho num acidente de carro.


Os três estavam no carro, mas o Dionísio ficou em coma por alguns

dias e só soube da morte do filho e do neto depois.

Quando ele lembra que perdeu os dois, fica desolado, mas

Maria falou que isso vem acontecendo pouco. Ele vem esquecendo

de coisas importantes e preenchendo a cabeça com outras.


Talvez seja errado deixar seu Dionísio pensar que sou o seu

neto falecido, ainda assim, não vou reprimi-lo por isso.

Atravessamos a rua para o calçadão e caminhamos até o

posto guarda-vidas.

Não muito longe, há uma espreguiçadeira com uma mulher


deitada nela. O biquini é fio dental, o que ressalta bem a bunda

grande. A pele é bem clarinha e os cabelos ruivos naturais estão


presos em um coque.

— Essa bela garota é noiva — Maria cochicha e eu não


posso impedir de me sentir meio decepcionado.

— Ah, sim, claro. Não estava nem olhando — falo a meu

favor, fazendo a mulher enrugar o rosto num sorriso.

Dionísio sobe as escadinhas de madeira, enquanto eu


começo a alongar meu corpo e acabo notando a ruivinha de bunda
grande olhando para mim. Posso estar enganado, mas não acho

que ela seja comprometida.

Ou talvez seja uma sem-vergonha como a Ayla.

Eu amo as mulheres, mas apenas as solteiras.

Resolvo dar ouvidos ao que Maria disse e ignoro a ruivinha


comprometida. Estou prestes a subir na guarda-vidas quando ouço
latidos de cachorros e ao olhar para o lado, vejo a garota com a cara

enterrada na areia e um pastor alemão latindo pra ela.

— Vá ajudá-la — Maria ordena e eu sei que não faz por mal,


é apenas preocupação com a garota.

Aperto a mandíbula e obrigo os meus pés a caminhar na


direção da garota estabanada. O dono do cachorro faz o mesmo e

rápido, tenta contornar a situação. Lentamente, a ruivinha levanta o


rosto e embora esteja de óculos escuros também, eu sei que ela

olha para mim.

Como um furacão, ela levanta e vai embora, resmungando


alguma coisa que passa despercebido aos meus ouvidos.

— Ela sempre foi grossa — uma voz feminina diz um pouco


atrás de mim e ao olhar, observo duas garotas bronzeadas com

expressão de azedas estampadas no rosto.

— Talvez seja por isso que o Felipe deu um pé na bunda dela


— a outra emenda, rindo, como se fosse engraçado ser enxotado
por alguém que a gente ama.

As duas me percebem.

— Oi — elas falam ao mesmo tempo com sorrisos

provocantes.
Reviro os olhos e me afasto delas, sem esconder a minha
expressão dura.

Tenho uma surpresa ao voltar para o meu apartamento.

Na porta, há uma folha de ofício com um desenho malfeito de


cachorro com a seguinte frase “CUIDADO! Cachorro bravo.”

grudado com um pedaço de fita adesiva colorida.

Rio da ousadia da minha vizinha.

Eu sei que foi ela.

Sou novo aqui e ela é a única pessoa que aparentemente,

não vai com a minha cara.

Arranco a folha e dou alguns passos até a porta ao lado e


aperto a campainha. É claro que ela não abre.

— Vai embora — grunhe.

— Cachorro bravo? — questiono.


— Você quem começou ao ameaçar a minha vida com
aquela bola de pelo — resmunga e dá um chute na porta, tentando
me intimidar. — Droga.

— O que foi?

— Machuquei meu pé — ela admite e eu começo a rir. — Vai

embora antes que eu declare guerra contra você.

Respiro fundo, chegando a conclusão de que todo mundo


nessa cidade é doido ou tem um parafuso a menos.

— Honestamente, vizinha, eu não quero confusão com

ninguém.

— Muito bem, vizinho. Basta seguir as regras.

— Regras? — questiono.

— Sim. Regras de boa convivência. Ninguém quer sair logo

cedo e ver seu vizinho protagonizando uma cena de filme pornô.

Suspiro, sentindo os ombros ficando rígidos.

— Vizinha, você tem amigos?

— Por quê?

— Fico me perguntando se alguém já disse o quanto você é


chata pra cacete — retruco e ouço outro barulho contra a porta.
Essa mulher está fingindo que a porta sou eu. Acabo me sentindo

culpado, não estou sendo a melhor versão de mim também. —


Vamos recomeçar. Faz pouco tempo que cheguei na cidade e estou

me adaptando.

Ela ri.

— Vi bem a sua mão se adaptando na bunda daquela mulher

— rebate, me deixando irritado. — Não sou obrigada a sair da


minha casa e ver uma indecência daquelas — acrescenta e eu

tenho a leve impressão que é apenas para me provocar.

— Muito simples de resolver o seu problema. Da próxima vez

que sair de casa, feche os olhos — é a última coisa que digo ao

colocar a folha na sua porta e entrar no meu apartamento.

Sou recebido por uma bola de pelo serelepe.

— Talvez, eu deva te chamar de cachorro bravo — digo ao


peludo, que late freneticamente na direção da porta.

Envolvo a mão na maçaneta e abro de uma vez. Não vejo

ninguém, mas escuto a porta ao lado bater com força e a maldita


folha de papel ofício colocada na madeira com adesivo colorido.

CUIDADO! Cachorro bravo.


Confesso que tive medo de ninguém aparecer na minha
festa-de-não-casamento. Ainda mais depois da minha pequena
discussão com o safado do meu vizinho me chamando de chata.

Entrei numa pilha e achei que a noite seria um fracasso. Mas

me enganei completamente. Veio todo mundo e mais um pouco. Ok,


não todo mundo. Faltou a Felipe's Family, que por sinal, nem se

importou com o nosso rompimento.

E o Felipe, é claro.

Mesmo assim, está tudo perfeito.

O salão é enorme, com uma pista de dança que cabe

praticamente todo mundo ao mesmo tempo. A decoração mudou um


pouco, agora, é meio dark com jogo de luzes. O DJ toca músicas

que todo mundo conhece e as pessoas parecem animadas.

E o melhor, ninguém, exceto meus pais, perguntou sobre

meu rompimento.

Meus pais chegaram hoje pela manhã e me encheram de

perguntas, queriam entender o que tinha acontecido e eu expliquei

tudo. Ou quase tudo (deixei de fora o meu par de chifres). Eles não
entendiam como um relacionamento de quase cinco anos acabou

assim... tão de repente.

Mas infelizmente, não existe nada que eu possa fazer pra

mudar o rumo das coisas. De qualquer forma, só quero aproveitar

minha festa ao lado das minhas melhores amigas e família.

No decorrer da noite, eu bebo muito e danço até o chão com

as meninas. Acabo beijando na boca. Sim, eu beijo um cara para

tentar superar o fracasso que é a minha vida amorosa.

O nome dele é Jonas. Nos conhecemos na faculdade. Ele


sempre gostou de mim, mas nunca dei bola, o que mudou depois de

alguns drinques, porque fiquei meio bêbeda e corajosa.

Ficamos a noite inteira dançando e trocando beijos, porém, é

apenas isso. Não avanço para o nível seguinte e eu duvido que ele
queira também.

Minha festa dura até depois das cinco da manhã e para ser

honesta, não lembro como eu vim parar no elevador.

— Acho que vou vomitar — murmuro, sentindo o estômago

revirar.

— Você bebeu demais — Duda fala, segurando meus

cabelos ao mesmo tempo em que curvo meu corpo. — Vai ter a pior

ressaca da sua vida.

— Quem me trouxe aqui?

— Eu — fala, suspirando.

— Cadê a Gio?

— Acabamos de deixá-la em casa. Você não lembra? —

questiona e eu nego com a cabeça, o que faz tudo ficar pior. — Não

faz isso.

— Nunca mais me deixa beber desse jeito.

Ela solta uma risada.

— Como se fosse possível controlar você.

As portas do elevador se abrem e nós passamos em frente

ao apartamento do meu vizinho e a nossa pequena discussão de


dias atrás acaba invadindo à minha cabeça. Recuso alguns passos

e aperto a campainha dele.

— Que merda você tá fazendo, Ariel? — Duda murmura. —

São seis horas da manhã.

— Preciso conversar com ele.

Duda faz um estalo com a língua e nega com a cabeça.

— Não agora. Depois.

O cachorro começa a latir do outro lado da porta, ainda


assim, Duda tenta me agarrar para me tirar de frente da porta do
vizinho e não consegue, porque meus pés parecem ter criado raízes

no chão.

O vizinho abre a porta.

— Uau — murmuro, observando-o. A minha visão está


embaçada, mas dá para perceber que ele é lindo. E alto. E forte. E
bronzeado. — Você é um gato.

— Desculpa, não fica bravo. Ela tá meio bêbada e um

pouquinho fora de controle — Duda comenta, segurando meu braço.

— Ei, cachorro bravo. Eu não sou chata, foi um monte de


gente na minha festa e eu até beijei um cara. E daí se meu noivo me
largou uma semana antes do meu casamento? Pra que a gente

precisa de um noivo? Exatamente... pra nada.

Duda envolve as duas mãos no meu braço e me puxa, me


arrastando para o meu apartamento, enquanto ela procura a chave

da porta dentro da minha bolsa, o vizinho continua do lado de fora,


olhando para nós.

— Se eu fosse chata, você acha que alguém teria ido na


minha festa? Não, não. Mas foi muita gente. Você devia ter ido,

vizinho. Podia até ter levado aquela baixinha engraçadinha que você
fica apertando a bund...

De repente, Duda me puxa para dentro do apartamento.

— Ai — resmungo.

— Mocinha, é melhor ir pra debaixo do chuveiro agora —


Duda ordena e é a última coisa que eu me lembro.
Minha vizinha é completamente maluca.

Linda.

Gostosa.

E furiosa também.

Ao vê-la na minha porta, às seis e meia da manhã, usando

um vestido provocante, com um decote que valoriza muito os seios


redondos e as curvas dos quadris avantajados, eu lembro da

primeira vez que a vi.

Na saída da sorveteria, chorando e desejando que o pau de

alguém nunca mais subisse. E que coincidência do caralho, é a

mesma garota que caiu de cara na areia dias atrás e que era noiva,
mas depois foi largada por algum babaca.
Quem diria que essa mesma garota, é a minha vizinha chata,

que fica colocando cartazes na minha porta e me chamando de


cachorro bravo, chutando a porta como se fosse eu e machucando o

próprio pé?

O mundo é minúsculo.

— Desculpa, não fica bravo. Ela tá meio bêbada e um

pouquinho fora de controle — a garota ao lado da minha vizinha


fala.

Meio bêbada?

Um pouquinho fora de controle?

Discordo. Ela está completamente bêbada e fora de controle.

Observo-a falar, reparando no movimento dos seus lábios

cheios e rosados. São sexys e convidativos pra caralho. As

bochechas vermelhas e as pupilas dilatadas são uma combinação

envolvente e que me deixaria de pau duro se eu não tivesse


acordado no susto por causa da campainha tocando e os latidos do

Rambo, meu cachorro.

Quase sorrio com a chuva de informação dela sobre não ser

chata por causa da sua festa lotada de gente.


Com um sorriso envergonhado, a amiga troca um olhar
comigo e puxa a vizinha para a porta ao lado e eu continuo olhando

as duas e ouvindo as palavras enroladas da bêbada até que ela é

puxada para dentro do apartamento e a confusão de cabelos ruivos

some do meu campo de visão.

Rambo late para mim.

— Eu sei, cara. Ela é totalmente pirada.

Pelos dias seguintes, a vizinha chata se torna incomunicável

e reclusa. Há sempre um pouco de movimentação na porta do seu

apartamento. Entrega de comida e as amigas são as únicas visitas


que ela recebe.

Incrivelmente, tudo está em paz. Ninguém reclamando de

estar me vendo apalpando a bunda de alguém logo cedo de manhã,

o que vem acontecendo bastante, porque Rambo é um ótimo

cupido.
Sempre que saímos para passear, eu volto com o telefone de

uma mulher no bolso.

E claro, Rebeca tem ótimos amigos e um deles, é até dono

de uma boate sinistra que é perfeito para aumentar a lista de amigas


íntimas.

Mesmo com a vida caminhando, eu ainda continuo com o

mesmo problema desde que descobri a traição de Ayla e Rodrigo.

Insônia.

Não é como se eu passasse a noite pensando neles e


sofrendo. Pra ser sincero, eu saí dessa fase há um tempo. Apenas,
não consigo dormir e fico revirando na cama de um lado para o

outo.

Manter o corpo exausto é o que ajuda a apagar na maioria


das vezes.

Mas, hoje, decidi fazer diferente.

Sem sexo desenfreado com desconhecidas ou corridas


intensas para cair no sono.

Segundo uma das minhas mães, a que acredita em energia e

signos e todas essas besteiras sem sentido, talvez, eu precise


organizar a energia do meu quarto para que ela possa fluir

livremente.

Eu devo estar maluco.

01h30 da madrugada e eu trocando os móveis do quarto de


lugar.

Arrependido de ter escutado a conversa de deixar fluir a


energia, empurro a cama com força contra a parede e o estampido

ecoa pelo quarto.

Merda!

Rambo, que está em cima do colchão, trabalhando como

meu fiscal de obras, levanta a cabeça e as orelhas e fica me


observando.

— Não late — ordeno.

Ele grunhe.

De repente, ouvimos dois estrondos fortes e enfurecidos


contra a parede.

Vizinha?

Devolvendo a batida ou está tentando se comunicar comigo


em código morse?
Arrasto a cama e bato contra a parede de novo, algumas
vezes e espero. Rambo fica me encarando, inclinando a cabeça
peluda de um lado para o outro, me julgando em silêncio.

Outra batida contra a parede. Dessa vez, mais violenta. Tão

violenta, que acho que ela é capaz de abrir um buraco e entrar no


meu quarto.

Rambo late para mim.

— Eu entendi — resmungo.

De forma silenciosa, continuo com a mudança dos móveis do


quarto e no final, estou tão estressado, que ao afundar no colchão,

eu fecho os olhos e durmo ao lado do meu cachorro.

Algo molhado toca a minha bochecha e ao abrir os olhos, me

dou conta de Rambo lambendo meu rosto. Faço carinho na bola de


pelo e olho a hora no relógio digital ao lado da cama.

São sete horas.

Rolo para fora do colchão e abro as cortinas. Observo o dia


ensolarado e o calçadão movimentado e depois, olho para Rambo.

— Adoro essa cidade, porque todo dia é um ótimo dia pra

passear — digo e ele late, animado.


Juntos, nós dois rumamos para o banheiro, enquanto lavo o
rosto e escovo os dentes, ele me espera pacientemente. E olhando
essa bola de pelo caramelo, sei que Rebeca fez a coisa certa ao me

dá-lo.

Vamos para a cozinha e a primeira coisa que faço é encher o


seu pote de ração, em seguida, ligo a cafeteira para fazer café.

Depois de comer, Rambo usa pela primeira vez o banheiro


inteligente que comprei para ele há dias.

— É isso aí! Bom garoto! — comemoro, enchendo o cachorro

com petisco de carne, que ele ama.

Troco rápido de roupa, coloco tênis de corrida e pego a


coleira guia, empolgando Rambo para a sua caminhada matinal.

Assim que envolvo os dedos na maçaneta e giro, abrindo a porta,

vejo a folha de papel ofício colada com fita adesiva colorida na


madeira.

“Para de trepar! Eu quero dormir!” com um cachorro bravo

desenhado.

Não devia, mas eu começo a rir.

Tranco meu apartamento e caminho até a porta da minha

vizinha. Toco a campainha e na frente do olho mágico, coloco a


folha de papel de ofício para que ela saiba que sou eu, quando

olhar.

— Ah, é você, o vizinho safado — ela fala com a voz de

sono, mas não abre a porta. — São sete da manhã, o que você
quer?

— Não que isso seja da sua conta, mas eu não estava

trepando ontem — me ouço dizendo e depois, fico me perguntando


o motivo de estar me explicando para ela.

— Uhum, vou fingir que acredito — ela resmunga e eu coloco


o papel na sua porta com um movimento brusco. — Ei! Não tá

colocando isso na minha porta, não é?

— Sim. Por quê?

Ela fica em silêncio.

— Tá tudo bem? — pergunto e a ouço suspirar. — Não ando

esbarrando com você nos últimos dias.

— Tenho medo de sair na rua e as pessoas verem... — é o


que articula e o assunto fica por aí.

— Verem o quê?

— O par de chifres que o idiota do meu ex colocou na minha

cabeça.
Respiro fundo, sentindo um incomodo no peito. Eu mais do

que ninguém sei como traição é uma merda e consegue foder com a

nossa cabeça e destruir o que há de bom dentro da gente.

— Sinto muito.

— Tá bom. Olha, por favor, vai embora, não quero que sinta
pena de mim — rosna, como um cachorrinho bravo e ferido, como

eu agia há meses.

— Tem uma caneta?

— Tenho — responde e fica quieta por um longo segundo. —

Por que você quer uma caneta?

— Me dá logo — retruco.

Há uma pausa silenciosa e então, barulho de chaves e


Rambo começa a latir para a porta, agitado. A vizinha abre apenas

uma parte da porta, colocando o braço para fora e me entregando a

caneta e se trancando logo em seguida.

Sorrio.

No verso da folha, eu escrevo.

“Fique bem, vizinha chata. Se precisar conversar, chute a

porta ao lado.”
Fique bem, vizinha chata. Se precisar conversar, chute a
porta ao lado.

Sorrio ao ler a mensagem que o vizinho colocou no verso do


papel para mim. Fofo e inusitado. O homem trepador que balança

as paredes de madrugada tem um coração sensível?

Incrível.

Entro em casa com a folha e a caneta nas mãos, caminhando

até a minha mesinha perto da varanda e me acomodo em uma das


cadeiras acolchoadas, depois, pego mais uma folha de papel ofício.

Desenho um cachorro com olhos de coração e escrevo:


CUIDADO! Cão inofensivo.
Levanto rápido, agarro minha fita adesiva colorida e arrasto

os pés para fora do apartamento e caminho até a porta do vizinho


safado. Colo a folha na sua porta e sorrio sozinha.

Volto para meu casulo e ao trancar a porta, me sinto triste


novamente e é inevitável, eu começo a chorar ao olhar as caixas

empacotadas. Comprei várias coisas no cartão de crédito do Felipe

e está tudo lacrado.

Os últimos dias foram os piores.

Depois da minha festa-de-não-casamento, realmente caiu a


ficha de que tudo acabou. Um ano e meia da minha vida planejando

o casamento perfeito e tudo foi por água abaixo, como se não fosse

nada.

O pior de tudo é que eu não sei como seguir em frente, como

me recuperar e voltar a planejar minha vida.

Tomo um leve sobressalto ao ouvir batidas firmes na porta.

Devagar, caminho até ela e espio no olho mágico, pensando ser o


meu vizinho e meu coração erra algumas batidas ao ver Felipe do

outro lado da porta.

Assim que abro a porta, ele avança rápido para dentro do

apartamento, olhando todas as coisas lacradas.


— O que significa isso? — questiona ao se virar para mim.

Felipe é um babaca, só que está lindo usando blusa branca e

calças jeans de lavagem escura. Ele fez a barba, mas o cabelo está

desgrenhado.

— O quê? — rebato.

— Não me faça de palhaço — range entre os dentes ao dar

um passo na minha direção. — Foi com essas merdas que gastou o

meu dinheiro?

— Durante ou depois de mim? — pergunto e ele franze as

sobrancelhas, sem entender. — Você ficou com a Vitória quando

ainda estava comigo ou depois de me deixar?

Ele respira fundo e eleva a mão para passar entre os

cabelos, desviando o olhar, todo sem jeito para lidar comigo.

— Muriel, não vim aqui pra falar disso.

— Me fala, Felipe — exijo.

— Nosso relacionamento era uma merda — murmura,

partindo meu coração mais ainda.

— Eu sei. Sou um parque de diversões quebrado.


— Aconteceu. Nunca quis trair você, eu juro. Eu te amava pra

caralho, mas não aguentava mais ficar ao seu lado.

Assinto, prensando os lábios, em silêncio.

— Eu sinto muito, Muriel.

— Leave me alone [7]


— rosno e dou passos até a porta,
abrindo-a para ele. — Vá embora. Agora! — emendo com um grito.

— De verdade, eu sinto muito — murmura. — Espero que um

dia você possa me perdoar por isso e...

— Eu quero mais é que você vá se foder com sua vidinha de


merda — eu interrompo, avançando em cima dele para chutar suas
canelas, mas o cretino me impede. — Vai embora da minha casa! —

berro de novo.

Ele me segura pelos braços.

— Calma — pede.

Ao ouvi-lo, eu paraliso com um monte de mecha de cabelo na

frente dos meus olhos. Sofro para liberar o meu campo de visão e
prendo os nossos olhos. Ele assente e devagar, afasta as mãos de

mim.
E eu aproveito o momento para chutar suas canelas,

fazendo-o resmungar de dor.

— Vai embora.

— Tá bem, eu vou — fala, ainda se queixando de dor. Felipe


sempre foi um bunda mole. — E minhas coisas? Posso pegar
antes?

Faço um estalo com a língua e balanço a cabeça de um lado

para o outro, negando.

— Doei todas para o bazar da igreja — informo, séria,


enquanto ele arregala os olhos, surpreso.

— Como é que é? Por que fez isso?

— Por que me traiu? — devolvo, arisca.

— E minha moto? — quer saber.

— É minha agora e se você aparecer de novo aqui, eu vou

pedir o pitbull do vizinho emprestado pra morder o seu saco.

— Você nem sabe andar de moto — é o que o idiota diz,


fazendo-me perceber que ele não sabe nada sobre mim, porque eu

sei pilotar uma moto melhor do que ele.


— Go away![8] — grito. — You son of a bitch [9]— acrescento,
ainda me esgoelando e acordando toda a vizinhança.

Felipe sai sem dizer mais nenhuma palavra e eu fecho a

porta com força, depois a chuto com todo o ódio que há dentro do
meu coração. Começo a chorar de dor e de coração partido.
São um pouco mais de vinte e três horas quando ouço a
campainha. Meus dedos mal contornam a maçaneta na hora que eu
a escuto falar:

— Não abre. Passei o dia chorando, tô horrível. — As

palavras vêm junto de uma fungada. — A gente pode conversar


assim?

Rambo olha para mim, inclinando a cabeça fofa de um lado


para o outro, como se estivesse tentando entender a situação.

— Ok.

— Tem alguém aí?

— Só o meu cachorro — digo e ele late, como se entendesse


e eu tenho uma ideia brega do caralho, mas que se dane. A garota
disse que passou o dia inteiro chorando. — Um segundo.

Afasto-me da porta e levo meus pés até o vaso de flores que

a Rebeca me deu há alguns dias. Ela fala que é bom ter flores ou

plantas em casa, além de cachorro. Pego a rosa vermelha mais


bonita e entrego para Rambo, que agarra prontamente.

Volto para a porta.

— Vou abrir só um pouco. Meu cachorro quer falar com você

— digo e abro a porta, deixando Rambo passar com o rabo

abanando.

Esse cachorro é incrível. Nós nem ensaiamos e ele sabe

exatamente o que fazer.

— So cute — ela murmura, ainda fungando e rindo para


[10]

Rambo. — Nem parece aquele cachorro feroz que tentou me atacar

— emenda e eu sorrio. — Obrigada pela rosa, isso comprova que

você é um safado.

Encosto na porta, rindo.

— Aconteceu algo?

— Como a gente supera alguém? — faz uma pergunta difícil.

— Vi meu ex hoje e tô me sentindo um lixo desde que falei com ele.


— Ele é um otário.

Ela ri.

— Você nem conhece ele.

— Não preciso pra saber que ele é um otário — comento e

então, ouço um barulho de leve na porta. — O que foi isso?

— Um soquinho, estou concordando.

Começo a rir.

— De onde você é? Fala de um jeitinho diferente do resto das

pessoas daqui — fala, depois faz uma voz melosa para Rambo e

eu fico com inveja do meu cachorro estar ganhando toda a atenção


da nossa vizinha.

— Belo Horizonte.

— Uau. Meio longe daqui. Por que veio pra cá? — quer saber

e eu engulo em seco, sem vontade de responder essa pergunta. —

Já sei. Por causa das belas mulheres bonitas e bronzeadas?

Abro um sorriso cínico.

— Exatamente.

— Viu? Seu pai é um safado de nível maior — murmura, mas

não é comigo que está falando.


— E você? Já percebi que tem uma mania relevante de

misturar português com inglês.

— Eu nasci em Los Angeles — admite e eu fico meio

surpreso, mas de alguma forma, parece fazer sentido. — Vim pra cá


com dezesseis anos. Pai brasileiro e mãe americana.

Concordo com um aceno de cabeça, mesmo que ela não

possa ver.

— Qual é o seu nome? — me ouço perguntando.

— Não vamos estragar as coisas, vizinho. Gosto do nosso


tipo de comunicação — informa e eu rio.

— Sim, é muito inovadora.

Ela deixa escapar uma risada gostosa e contagiante.

— Obrigada por conversar comigo.

— Chute a porta sempre que quiser.

— Farei isso — murmura.

Abro um pouco a porta e Rambo entra, todo feliz por ter

conquistado a nossa vizinha. Encaro o pequeno trapaceiro fofo pular


com dificuldade para subir em cima do sofá e deitar para descansar.

— Ela se apaixonou por você, não é?


Ele late em resposta.

— Trapaceiro — resmungo e abro a porta do apartamento de

novo para olhar o corredor vazio e percebo a folha de ofício grudado


com fita adesiva na madeira.

“Obrigada, vizinho”
Troco minha terapeuta por conversas de portas fechadas com
o meu vizinho safado e a comida gordurosa.

Além do entregador de comida, o vizinho e seu Lulu da


Pomerânia são os únicos que quero ver e conversar, o que é pra lá

de estranho, considerando o fato de eu só conversar com o safado


do apê ao lado de porta fechada.

Mas, sei lá, tem o seu charme.

Nossas conversas durante a noite meio que viraram rotina.

Ou ele vem até a minha porta e eu deixo o seu cachorrinho entrar


ou eu vou até lá. E isso me faz bem e eu não me sinto tão triste

quando tenho a companhia dos dois.


Em uma das nossas conversas, ele me aconselhou a

extravasar a minha raiva de alguma forma. Um esporte ou algo


parecido. Porém, eu me conheço, não levo jeito para essas coisas,

então, interpretei o conselho do meu jeito.

Procuro meu capacete no guarda-roupa e depois vou até a

garagem do prédio. Ao parar de frente para a vaga de moto, tiro a

capa que cobre a Ducati 1199 Panigale S de Felipe. Ela é toda preta
com alguns detalhes vermelhos e dourados.

— Hi baby! Prometo cuidar bem de você.

Enfio o capacete preto com detalhes na cor pink em cima da

minha cabeça e monto em cima da moto.

A Ducati é demais, linda, estilosa, confortável e faz eu me


sentir a mulher mais poderosa do mundo. Não entendo como Felipe

conseguiu deixá-la tanto tempo parada na garagem.

Acompanhada da minha mais nova melhor amiga, eu vou até

o apartamento da Vaca Vivi. Planejei tudo na noite passada e com a


ajuda de Carmem, a minha informante, eu sei exatamente que horas

ela vai sair de casa.

E bingo!
Avisto minha arqui-inimiga e a sigo até o estacionamento do
salão de beleza que ela frequenta. Paro a Ducati um pouco mais

afastado e observo Vitória em todo o seu glamour entrar no

estabelecimento.

Retiro o capacete, enfio a mão dentro do bolso da blusa de

moletom e agarro com força a latinha de tinta em spray. Desço da

moto e giro meus calcanhares e ando rápido até o estacionamento


de céu aberto.

Faço arte.

FUCKING BITCH![11]

É o que escrevo no capô do carro da Vaca Vivi.

Com um sorriso travesso, corro e subo rápido na moto,

coloco o capacete e piloto até o estacionamento do meu prédio.

Subo correndo, o coração acelerado e a respiração trêmula.

Antes de entrar no meu apartamento, eu bato na porta do

vizinho várias vezes e apressadamente, torcendo para que ele

esteja em casa.

Alguns minutos depois, ele abre a porta, olhando para mim

com o cenho franzido e confuso por causa do capacete na minha

cabeça.
— Obrigada pelo conselho. Extravasei minha raiva — é o que

eu digo e volto a correr para o meu apartamento, me trancando


dentro.

Ouço uma batida na porta.

— Você fez o quê? — o vizinho pergunta.

— Extravasei. Pichei o carro da minha arqui-inimiga —


assumo e ao falar as palavras em voz alta, eu sei que fiz merda. —

Oh, damn.[12]

— Vizinha...

— Eu sei, eu sei. Fiz merda — murmuro e engulo o nó no


meio da garganta. — Pode me deixar sozinha, por favor? — peço.

Retiro o capacete e arrasto os pés até o sofá, tropeçando em

uma caixa no meio do caminho, o que faz as lágrimas irromperem


dos meus olhos e eu me sinto ridícula e patética.

Eu extravasei, mas por que não estou me sentindo melhor?


~ Dia Seguinte ~

No horário de sempre, a campainha toca e eu abro sem


verificar no olho mágico, pensando ser o meu jantar. Então, fico
completamente petrificada ao ver Felipe na soleira com um

semblante furioso.

— Ariel.

Tento fechar a porta e ele impede com a mão, entrando na


minha casa sem ser convidado. Sou obrigada a dar um passo para
trás e cruzar os braços na altura dos seios, tentando me proteger de

alguma forma.

— Por que fez isso? — ele quer saber.

Engulo em seco e elevo o queixo, e resolvo fingir


desentendimento.

— Fiz o quê?
— Por que pichou o carro da Vitória?

— Eu não fiz nada — retruco a meu favor.

Ele arqueia uma sobrancelha, cético e avança em cima de

mim, segurando meu braço com força.

— A câmera de segurança filmou a porra do seu rosto. Sabe


o quanto tive que conversar com ela pra não registrar um boletim de
ocorrência contra você? — ruge, emputecido e apertando meu

braço.

Desvencilho-me dele.

— Por que não deixou ela me denunciar?

— Que merda! — Felipe esbraveja. — Qual é a merda do seu

problema? Tô começando achar que você precisa de ajuda de


verdade. Sei lá, talvez ser internada num hospício.

Meus olhos ardem, mas não ouso chorar.

— E eu acho que você deve ir à merda.

Felipe respira fundo e afrouxa o nó da gravata, cerrando a


mandíbula e bufando como uma fera prestes a comer o cordeirinho.

— Sabe por que eu terminei com você?

A pergunta me deixa desconcertada, ainda assim, eu retruco:


— Por que eu sou um parque de diversões quebrado?

— Porque você é louca. Mimada. Chata. Controladora.

Insuportável. Infantil — diz quase gritando e as palavras são como


facas afiadas no meu coração, e doem tanto, que prendo a

respiração.

— Shut up! [13]


— berro, incapaz de manter as lágrimas dentro
dos meus olhos. — Shut up!

— É a verdade sobre você. A verdade é que eu não sei se


um dia alguém vai conseguir aturar você como eu consegui fazer

por quase cinco anos.

Felipe continua me magoando.

— Para com isso — peço com um sussurro.

— Você sempre me atrapalhou com a sua necessidade

extrema de atenção. Isso é irritante pra caralho.

Avanço em cima dele e dou um soco no seu peito.

— Necessidade extrema de atenção?

— Eu estou sendo sincero — fala, simplesmente.

Limpo as lágrimas dos meus olhos com as costas das mãos e

assinto com firmeza.


— Quer sinceridade, Felipe? — pergunto ao dar um passo na

direção dele. — É isso o que você quer? A porra da sinceridade? —


insisto.

Ele tenta me segurar, o que piora tudo.

— Então segura essa. Eu fingia gozar com você quase todas

as nossas transas para não te deixar pra baixo. É, isso mesmo.

Você usava essa sua língua como se fosse uma hélice de


helicóptero e... God, você quase nunca achava a porra do meu

clitóris. Era uma missão impossível pra você.

Felipe fica de boca fechada, me encarando como se eu fosse

uma bomba e ele quisesse me desarmar.

— Get out! — grito com todo o meu pulmão, fazendo o


[14]

homem cambalear para trás.

Sem dizer nenhuma palavra, Felipe dá as costas e vai

embora. Acho que acabei de ferir o ego dele. Mas que se dane, ele
destruiu o meu também.
Estou sentado no sofá com o notebook em cima das pernas e
os pés apoiados na mesinha de centro de vidro, olhando as fotos do
lugar que a corretora de imóveis me mandou mais cedo quando

escuto os gritos vindo do apartamento da vizinha.

Rambo, que está deitado ao meu lado, senta num movimento


rápido, levantando as orelhas e grunhindo, se preparando para latir.

Coloco o notebook em cima da mesinha e me ponho de pé,


caminho até a porta e abro ao mesmo tempo em que a ouço gritar

“Get out!” e um homem de terno e gravata sair do apartamento às


pressas.

Esse deve ser o ex babaca.

Pondero se devo ou não ir até ao apartamento ao lado.


Quando vi Ricardo com Ayla, minha primeira reação foi

quebrar a cara do meu ex-melhor amigo e depois, ficar


incomunicável. Não quis conversar ou ver ninguém por uns dias,

porque precisei disso para reorganizar os meus pensamentos.

Mas por alguma razão, parece errado não ir até a vizinha ver

como ela está.

Rambo late para mim, como se lesse meus pensamentos.

— Eu sei — murmuro.

Com os pés descalços, me arrasto até o apartamento ao lado


e toco a campainha com uma sensação estranha no peito.

— Se você não for o safado do apê ao lado, por favor, vá


embora — sem abrir a porta, ela diz com a voz fanhosa de choro e

eu meio que sorrio por causa do seu humor impertinente.

— Hum... acho que esse sou eu.

Ela dá uma risadinha que não dura três segundos e logo

começa a chorar.

— O que você ouviu?

— Só quero saber se você tá bem — falo num tom de voz

baixo e ela funga, permanecendo em silêncio por alguns minutos.


— Acho que ele tem razão. Deve ter algum problema comigo
— murmura, fazendo meu maxilar cerrar. — Eu sou mesmo

controladora, mimada, infantil, chata e todas as coisas que ele

disse.

— Aquele cara é um imbecil, vizinha — rosno, irritado e

Rambo late concordando. — Abre a porta, vamos conversar.

Eu sei que fui eu quem começou com esse negócio de

comunicação com a porta fechada, mas droga, eu quero vê-la. Não

é possível que esteja acreditando nas palavras daquele idiota.

— Não. Eu tô com catarro no nariz — assume e eu sorrio.

Essa vizinha chata é meio que adorável também. — E eu acho que

engordei um pouco.

— Isso é o de menos.

— Promete que não vai olhar? — pergunta e eu fico em

silêncio. — Só abro a porta se não olhar pra mim.

Reviro os olhos e bufo.

— Ok — concordo a contragosto.

Escuto o barulho da fechadura e então, a porta se abre.

Apesar de ter concordado em não a olhar, é quase impossível.


Os olhos azuis estão dilatados e vermelhos, os cílios longos

úmidos. Ela tem a ponta do nariz rosada, como se estivesse com


um resfriado e as bochechas coradas também.

Está usando um conjunto de pijama de cetim na cor verde


escuro, que realça bem os cabelos ruivos naturais.

— Você tá olhando — resmunga, levando o lenço que tem

nas mãos até o nariz e assoando.

— Ah, desculpe.

Desvio os olhos dela e encaro Rambo, que contempla a


nossa vizinha.

— Ele veio aqui por causa do que eu fiz com o carro da


Vitória — fala, chorando e fungando ao mesmo tempo. — Eu sei

que não devia ter feito aquilo, mas ele me traiu e me largou uma
semana antes do nosso casamento que eu passei quase dois anos
planejando. Eu sinto que minha vida acabou — emenda, chorando.

Arrisco olhá-la de novo e ela resmunga.

— Sua vida não acabou, ainda é nova demais. Talvez, nova

demais pra se casar — falo com a atenção fixa no meu cachorro e


me sinto ridículo.

— Você acha que eu sou nova demais?


— Claro.

— Nem sabe quantos anos eu tenho — rebate, fazendo-me

rir de leve. Ela é impossível. Teimosa pra caralho.

— Mesmo que tivesse cinquenta anos, eu diria que é nova.

— Tenho vinte e três — fala, assoando o nariz com força e eu

preciso controlar a minha vontade de olhá-la.

— Vai ser difícil agora, mas vai melhorar com o tempo —


comento, suspirando e ela começa a chorar de novo, soluçando.

— E se ele tiver razão? E se ninguém conseguir me aturar?


— questiona, deixando a minha garganta áspera.

Por que alguns homens têm de ser tão idiotas?

— Ele mentiu.

— Talvez... eu fique velha e sozinha — murmura, soluçando.


— Fazendo minhas planilhas e comendo sorvete.

— Quer que eu dê uma surra nele? — me ouço perguntando

e Rambo late, roubando uma risada da nossa vizinha.

Surpreendo-me ao sentir uma das mãos dela no meu braço


esquerdo, apalpando o meu bíceps. Meus lábios repuxam num
sorriso convencido.
— Você daria um jeito nele, tem muito músculo aqui. Talvez,
eu deva pedir pra você arrebentar a cara dele.

— Talvez sim.

Devagar, direciono minha atenção para a vizinha ruiva,


mesmo chorando e com o nariz escorrendo, é linda. Nossos olhos

se encontram e ela respira fundo, espremendo os lábios com força.

— Nada do que ele disse é verdade, ok?

Ela assente em silêncio.

Sem entender bem o porquê de fazê-lo, eu abro os braços e

ela vem para perto de mim, se encaixando de maneira perfeita em


mim e chorando contra o meu peito. Beijo o topo da sua cabeça,
sentindo a maciez dos seus cabelos e o cheiro doce de frutas.

Sem saber o motivo, meu coração acelera por causa da

minha vizinha chata.


Um rosto bonito e braços fortes é tudo o que eu preciso.

É a sensação que eu tenho quando o vizinho safado me


acolhe num abraço apertado. O cheiro dele é incrível e refrescante,
e embora ele seja duro como uma rocha, é aconchegante estar nos

braços dele.

Assim que nos afastamos, ergo os cílios e me perco um

pouco no verde dos seus olhos apertados. Gosto de como o cabelo


dele cai até a altura do queixo e a barba crescente.

Meu coração acelera e eu acabo recuando um passo.

Ops.

Isso é um problema.
Estou chorando por causa do meu ex e meu coração

acelerando por causa do meu vizinho bonito? Isso parece ser errado
e rápido demais. Preciso fechar essa porta antes que seja tarde.

— Obrigada — começo a articular. — É bom ter um amigo. É


tudo que eu preciso no momento. De um amigo — acrescento e ele

concorda com um sorriso pequeno. E eu posso jurar que um

lampejo de decepção passa pelos olhos verdes.

— Claro. Se precisar...

— Vou chutar sua porta — digo, sorrindo sem jeito.

Abaixo-me um pouco e faço carinho na cabeça do Lulu da

Pomerânia, depois entro no meu apartamento, me trancando e

sentindo o coração na goela.

Levo a mão até o meu peito e bato com força.

— Pare. Não tem o direito de acelerar por causa do vizinho

safado.
~ Dias depois ~

Passo os próximos dias trancafiada no meu lar doce lar.

Tomo a decisão de manter uma certa distância do vizinho e

de todas as pessoas que querem me ver bem. Por quê? Porque eu


quero ficar sozinha. Preciso de um tempo para sofrer sozinha.

A única visita que eu recebo é do cara da pizza e ele não se

importa comigo, quer apenas o meu dinheiro.

Para ser honesta, eu não lembro de ter chorado e comido

tanto como ando fazendo ultimamente. Descontar as frustações em


pizza, cerveja e refrigerante não é algo inteligente, eu sei, mas é de

longe a coisa mais gostosa da minha vida.

Acabo acrescentando barras de chocolate à minha dieta

altamente calórica ao ver que Felipe é ousado o suficiente para

assumir Vitória publicamente no Facebook.


Ao ler os comentários dos amigos na foto que postou há

poucos minutos, contentes com a “nova fase” da vida dele, fico me


perguntando se eu era tóxica na nossa relação. Tudo bem, eu

sempre gostei de controle, mas ser organizada nunca fez mal a


ninguém.

Olho ao redor.

Organizada?

Organização é algo que vem faltando na minha vida.

Respiro fundo, decidida. Levanto do sofá e caminho até uma


das caixas lacradas e desembrulho, revelando o som de última
geração que comprei com o cartão de crédito do Felipe.

Coloco o Home Theater Pioneer em cima do móvel planejado

que comporta a tevê e sorrio. Ele combina com a minha sala.


Conecto na tevê e ligo, procurando o ícone do Youtube.

Escolho uma música animada e aumento até o último


volume. Eu sei que vai incomodar os vizinhos e com certeza, vou

pagar multa, mas eu preciso disso por um momento.

“Walking On Sunshine” da Katrina And The Waves ecoa por


todo o meu apartamento. Fecho os olhos e começo a cantar, aos
poucos, deixo o ritmo da música me contagiar e pulo, balançando a

cabeça e dançando que nem uma louca.

Chorando também.

— Now I'm walking on sunshine, whoa… I'm walking on


sunshine, whoa… I'm walking on sunshine, whoa… And don't it feel

good?[15]

Chorando, cantando e dançando, eu giro meu corpo e ao


abrir os olhos, me deparo com as minhas melhores amigas na porta

e o vizinho safado. Os três me encarando boquiabertos.

Engulo em seco, pego o controle remoto e baixo


completamente o volume da música. Forço um sorriso ao olhá-los.

— Ah, oi — murmuro, já que ninguém fala nada. — O que


estão fazendo aqui?

Giovanna olha para Duda e o vizinho, e então resolve falar:

— Como você não atende as nossas ligações, resolvemos


dar uma passadinha aqui.

Duda concorda com um aceno de cabeça e emenda:

— Tentamos a campainha, mas a música estava muito alta.

Acho que você não ouviu, então, usamos a chave reserva. — Ela
gesticula com a chave.

Encolho os ombros, sorrindo sem jeito.

— É, eu não ouvi.

Troco um olhar intenso com o vizinho e ele resolve se

pronunciar.

— A música estava muito alta e...

— Me desculpe — falo rápido, escondendo meu rosto com as

duas mãos. — Acho que causei um desiquilíbrio na paz mundial—


dramatizo.

Os três riem.

— Só um pouquinho — Gio fala, piscando para mim.

O vizinho cruza o olhar comigo de novo e abre um meio


sorriso antes de me cumprimentar com um aceno de cabeça e ir

embora. Fico com um vazio estranho dentro do peito, mas tento não
me prender muito a isso.

As meninas entram no apartamento e fecham a porta logo em


seguida. Analisam-me dos pés à cabeça por uma fração de

segundos, mas não dizem nenhuma palavra.

— O que foi? — resmungo, enrugando o nariz.


— Qual foi a última vez que você lavou o cabelo? — Gio
pergunta e eu dou de ombros em resposta.

Dou um grito de surpresa no momento em que Duda levanta


o meu braço para conferir o odor das minhas axilas.

— Ariel, qual foi a última vez que você tomou banho? —

Duda questiona, o rosto fechado numa expressão séria.

— Foi pra isso que vieram? Pra falar que eu estou suja e
fedorenta? — rosno.

— Estamos preocupadas — Gio fala ao se aproximar de mim,

só que não me abraça. — Mas precisa de um banho daqueles se


quiser um abraço.

Reviro os olhos e começo a rir.

— Odeio vocês — cochicho.

— E nós te amamos — Duda murmura, sorrindo.

As meninas passam a tarde comigo, tentando subir o meu

astral e até me fazem tomar banho e hidratar o meu cabelo. Por


algumas horas, me sinto normal de novo e consigo acreditar que

vou ficar bem de verdade.

Acho que estou mais perto do que ontem.


Depois que elas vão embora, eu prometo ficar bem e voltar a

viver minha vida, mas a única coisa que faço é pedir uma pizza
grande e me jogar no sofá para esperar, enquanto vejo uma série na

Netflix.

Alguém bate na porta.

Sorrio animada ao ver o cara da pizza pelo olho mágico da

porta.

Pego a minha carteira em cima da mesinha de centro e

arrasto os pés até a porta novamente. É o mesmo garoto de


sempre. Sorrindo, ele diz o valor e ao conferir na carteira, percebo

que falta trinta reais.

— Tá faltando. Posso passar o resto no cartão de crédito?

Ele enruga o nariz ao torcer os lábios.

— A senhora disse que era em dinheiro, eu não trouxe a

maquininha.

Solto um suspiro pesado. Não posso ficar sem a pizza. Em


hipótese alguma.

— E agora? — pergunto, torcendo para que ele me arranje


uma solução, o que não acontece, é claro.
— Sem o dinheiro completo, não posso deixar a pizza,

senhora.

— Senhorita — corrijo-o.

— O quê?

— Nada — retruco. — Tá me entregando pizzas há tempos.

Não pode deixar aqui e depois vir buscar o resto do dinheiro? Não

vou aplicar o golpe da pizza.

— Não posso. Regras do estabelecimento.

Aperto o maxilar, começando a ficar irritada.

— Vai ter que voltar e buscar a maquininha, então — informo,

elevando o queixo.

— Se eu fizer isso, vou demorar duas horas pra voltar. Tenho

outras entregas que não posso atrasar — devolve com atrevimento.

— Merda — rosno.

— Tem certeza de que não tem o que tá faltando?

— Espera aí.

Não costumo ter muito dinheiro em casa e o que eu tinha,

gastei tudo em pizza, porque ultimamente, eu andei comprando


muitas. Por isso, decido apelar para o meu vizinho safado.
Se precisar, chute a porta...

Isso é uma necessidade.

Saio do apartamento, fechando a porta com força e caminho


até o vizinho. O entregador vem no encalço, praticamente,

cheirando o meu cangote. Aperto a campainha e espero, torcendo

para que ele esteja em casa num sábado à noite.

De repente, a porta se abre e eu o vejo, usando apenas calça

moletom escura e o peito definido do lado de fora. Os cabelos

caindo até o queixo embaraçados de um jeito bem quente e


sensual.

Ele arregala os olhos ao me ver.

— Oi. Você tá bem?

Forço o caroço na garganta a descer.

— Pode me emprestar trinta reais? — peço, descendo com

os olhos para o abdômen dele, contando os gominhos mentalmente.

Engraçado como o seu corpo bronzeado me parece familiar.

— O quê? — balbucia, confuso.

— Eu pedi pizza e tá faltando trinta reais. Vai me emprestar?

— murmuro, subindo com os olhos até os lábios do vizinho.


Engulo em seco de novo.

— Ei, gatinho. Quem tá aí? — uma voz feminina pergunta,

murchando o meu coração. E então, atrás dele, surge uma mulher,


envolvendo as mãos com unhas grandes e vermelhas no seu

abdômen. — Ah, oi — ela fala para mim.

Ela é bem mais velha que o vizinho e mais baixa que eu. É

bonita e ainda assim, não combina em nada com ele.

Não sei bem o motivo, mas fico com ciúmes e sou incapaz de
contê-lo. Não acredito que o meu vizinho safado/legal que

conversou comigo de porta fechada, que me entregou uma rosa

através do seu cachorro, que me consolou, que foi tão gentil...

Eu não posso acreditar que ele está com uma mulher sábado

à noite.

— Não sabia que sua mãe estava na cidade — é o que eu

digo, deixando o corpo da mulher rígido. Aos poucos, ela se afasta

dele.

— Vizinha — ele murmura, repreendendo.

— O que foi? — quero saber. — Por favor, os trinta reais? —


peço, estendendo as mãos.
Ele gira nos calcanhares e entra. Não posso impedir meus

olhos de analisar a sua bunda, que é uma delícia. Acabo ficando


com mais ciúmes ao perceber que a mulher na porta vai aproveitar o

vizinho safado.

— Eu não sou mãe dele — ela informa.

— Ah, sério? Achei que fosse — retruco, irônica.

Ele volta com o dinheiro e eu pego da sua mão com força

desnecessária.

— Muito obrigada.

Volto para o meu apartamento e junto as notas com o resto

do dinheiro e troco pela pizza. O entregador sorri em agradecimento


e depois, vai embora. Surpreendo-me ao ver a possível foda do

vizinho indo embora também.

Ele olha para mim.

Quase me sinto culpada.

— Sinto muito — murmuro, porque parece ser a coisa certa a

dizer no momento. — Não queria estragar sua noite com ela — digo

uma meia verdade.

— Tudo bem, não ia dar certo mesmo. Ela tem uns fetiches

constrangedores — comenta, me deixando curiosa.


— Como o quê?

— Uma fixação estranha por axilas — fala, a voz soando

sisuda. E eu tento permanecer séria por um tempo, mas caio na


gargalhada e ele também. — Eu disse, constrangedor.

— Então... eu te salvei.

— Basicamente.

Sorrio para ele.

— Boa noite, vizinha. Tá me devendo trinta reais — murmura

e antes que possa entrar no seu apartamento, eu o chamo.

— Vizinho?

— Hum?

Abro meio sorriso de lado.

— Quer pizza?

Ele me olha nos olhos por um longo segundo e abre um

sorriso largo, que faz meu coração errar algumas batidas.

— Só vou vestir uma blusa.

Mordendo o lábio inferior, eu assinto, embora esteja muito


tentada a pedir para que venha apenas de calça moletom para o

meu apartamento.
Levar Camila, a corretora de imóveis, pra cama é uma
péssima ideia, eu sei. Para ser franco, eu nem estou no clima, mas
preciso confessar que a mulher é uma caçadora e tem atitude.

No começo, pensei que ela estivesse apenas muito motivada

a me vender o imóvel, já que insistiu em me ver num fim de tarde de


um sábado, mas depois das investidas dela em mim, eu entendi

tudo.

Eu gosto de sexo e amo mulheres lindas e decididas, é

encantador. Camila tem tudo isso. Ainda assim, não consigo parar
de pensar na maldita vizinha e aquele papo de amizade.

E eu sei que ela tem razão. Acabou de sair de um

relacionamento, não precisa de um cara na sua cola querendo levá-


la para cama.

Camila tira minha blusa, embaraçando os meus cabelos e

tomo um leve sobressalto quando ela beija a minha axila. Controlo

minha vontade de rir, mas à medida que ela continua com o gesto,
eu sei que é sério.

— O que é isso?

— Gosto de axilas de homens... o cheiro... me excita — fala e

se antes eu não estava a fim, agora que meu pau não sobe de jeito

nenhum.

Abro a boca para inventar uma desculpa que possa fazer

Camila ir embora sem ferir a sua autoestima e a minha campainha

toca. De início, ela me pede para ignorar, mas sei que se não
atender agora, não conseguirei me livrar dela.

Levanto do sofá e caminho até a porta, sendo surpreendido

pela vizinha e um entregador de delivery.

Nem consigo impedir que a vizinha não veja Camila, porque a

mulher vem logo com as mãos no meu peito e deixando a ruivinha

visivelmente desconfortável e arisca, como uma gata selvagem.

Depois de emprestar o dinheiro que a vizinha pede para

pagar a pizza, eu decido dispensar a corretora.


— Não vai rolar. Foi mal, Camila — digo, fazendo o seu rosto
entristecer. Ela entra no meu apartamento por um segundo, pega a

sua bolsa e vai embora sem olhar para trás.

Estou quase aceitando o rumo monótono da minha noite de

sábado quando a vizinha me convida para comer pizza.

— Então, ela gosta de sovacos? — a vizinha pergunta

quando entro no apartamento e me deparo com algumas caixas

lacradas. — Como descobriu?

Rambo também entra, cheirando tudo.

— Prefiro não contar.

Ela ri.

— Já imagino.

— Mudança? — questiono, gesticulando com os dedos para


as caixas e toda a bagunça.
A vizinha dá de ombros.

— Vingança — murmura e eu fico sem entender. — Estourei

o cartão de crédito do meu ex — é o que fala e eu não preciso de

mais explicações para entender o resto da história.

Ela faz um gesto para que eu sente na banqueta da ilha que


divide espaço com a sala ampla e de decoração clean, e ruma na

direção da geladeira, depois solta:

— Cerveja ou refrigerante?

— Cerveja.

A vizinha me entrega a latinha de cerveja e nós brindamos

antes do primeiro gole.

— Eu ainda não sei o seu nome — me ouço falando.

É estranho e nova essa relação, só que droga, qual é o nome


dela? Claro que eu poderia ter perguntado para Maria, mas no
fundo, quero que ela me diga.

— Gosto quando me chama de vizinha.

Rio.

— Ok.
Ela retira o casaco de tecido fino, revelando uma blusa em

seda de alças e noto os três corações tatuados no ombro direito.

— Gostei — murmuro, apontando para as tatuagens


coloridas.

— É uma tatuagem da amizade. — A vizinha leva o indicador


até o ombro e toca os corações. — São as cores preferidas das

minhas amigas e a minha. A azul é a minha cor preferida. Roxo é a


cor da Duda. E verde é a da Gio. Essa tatuagem é a coisa mais

rebelde que eu fiz na vida.

Franzo o cenho, lembrando do dia que ela apareceu de


capacete na minha porta e disse que extravasou a raiva.

— Tem certeza?

Ela bebe um gole generoso de cerveja.

— Tudo bem, pichar o carro daquela vaca entrou pra lista de


coisas rebeldes — comenta e nós rimos. — Já fez algo rebelde,
vizinho?

Me remexo no banco, pensando. Os últimos meses não

foram os mais calmos da minha vida, no entanto, comer várias


bocetas não é algo rebelde e inovador. A coisa mais ousada foi vir

morar aqui e ter aceitado o cachorro de presente da minha irmã.


— Me mudar pra cá e aceitar o Rambo? — falo, como se
estivesse testando a resposta.

— Rambo é o nome do cachorro? — rebate, inclinando-se


um pouco para ver a bola de pelos na sala.

— Sim.

Ela sorri.

— Por que veio morar aqui?

— Hum... é uma longa história, vizinha. Triste, dramática e


envolve socos na cara e essas coisas — comento, fazendo careta.

— Qual é? Você viu mais de mim nos últimos dias do que


qualquer outra pessoa.

Respiro fundo e levo a cerveja até a boca, tomando um gole

antes de voltar a articular:

— Sou divorciado — informo e os olhos dela se arregalam


em surpresa.

— Divorciado? Parece novo pra ter sido casado e já ser


divorciado — fala, transformando os lábios em um beicinho sexy.

— Tenho trinta e quatro.


— E os sites de entretenimento dizem que o auge da atração
dos homens é aos cinquenta — retruca, e eu deixo escapar uma
risada.

— Você sempre tem uma piada pronta?

Ela sorri, dando de ombros.

— Desculpa. Pode continuar. — A vizinha estreita os olhos,

me analisando com atenção. — Me diga o motivo de um homem


como você ser divorciado.

Respiro fundo.

— Peguei meu sócio com a boca entre as pernas da minha

esposa. Meu sócio era meu melhor amigo. Depois disso, tirei uns

meses pra mim, viajei por aí e decidi vir pra cá, onde minha irmã
mora.

Os lábios cheios abrem e ela endireita a postura.

— Sinto muito, vizinho.

— Tudo bem — murmuro.

— Serve de consolo se eu falar que meu ex assumiu a outra

publicamente? É estranho. Eu sinto que nossa relação nem esfriou

direito, sabe? Talvez, eu esteja enganada e só não queira ver que


nunca ia dar certo.
— Sinto muito, vizinha — repito as palavras dela de antes e

acabo roubando um sorriso doce da ruivinha.

Ela levanta a latinha de cerveja para um brinde.

— Vamos brindar às nossas tragédias amorosas? — sugere.

— Parece uma coisa boa — devolvo, rindo e ao olhá-la nos

olhos, noto as bochechas salientes corando.

Meu celular começa a tocar, interrompendo a conexão. Retiro

de dentro do bolso da calça moletom e encaro a telinha colorida,


depois olho para a vizinha ao falar:

— Tenho que atender.

— Vai em frente — murmura.

Afasto-me um pouco e levo o aparelho até o ouvido.

— Oi, mãe — falo.

— Oi, como está meu bebê? — ela pergunta, suspirando e eu


reviro os olhos, mas sorrio. — Curando o coração?

— Eu tô bem.

— Não sei se confio em você.

— É sério.
— Sinto saudade de você, querido. Não podia pirar o

cabeção e vir visitar suas mães de novo?

Começo a rir.

— Quem sabe. Te amo, mãe.

— Também te amo, querido.

Depois de alguns minutos ouvindo mais algumas

lamentações por eu morar longe, encerro a ligação e volto para a


ilha da cozinha. A vizinha está com os cotovelos no granito,

segurando o rosto com a mão e piscando devagar para mim.

— Você é o bebê da mamãe, que bonitinho.

Suspiro, sorrindo.

— Tente ser o bebê de duas mães.

Ela une as sobrancelhas em confusão.

— Duas mães?

— Sim, duas — digo, simplesmente. — Quando elas foram


morar juntas, decidiram usar sêmen de um doador e fazer

inseminação artificial. Minha irmã também nasceu da mesma forma

— explico e fico meio perplexo por estar falando isso para uma
estranha. No geral, não conto sobre a minha vida para pessoas que

eu mal conheço.

Os olhos azuis da vizinha brilham de animação.

— Que incrível. E você conhece o doador? — pergunta,

envolvida no assunto.

— Não. Duas mães tá bom pra mim.

Ela abre um sorriso largo.

— Onde elas moram?

— Faz dois anos que estão na Espanha, mas sempre vêm ao

Brasil. Uma ou duas vezes ao ano.

— Elas ficariam decepcionadas com você andando com a

cheiradora de sovacos — ela retruca, arrancando uma risada de


mim.

— Fico feliz que esteja de bom humor, vizinha.

— Você tem esse efeito sobre mim — sussurra, conectando

os olhos redondos com os meus por um minuto tão intenso, que as

maçãs do seu rosto coram e meu coração afunda contra o peito.

Ela molha os lábios com a língua e eu preciso de

autocontrole para não avançar em cima dela e devorar a boca da


ruiva.

Droga.

Que merda tá acontecendo comigo?

Ela endireita os ombros, sorrindo sem jeito.

— Eu acho melhor você... — A frase morre no meio da

garganta. — Me desculpa, é que eu... sei lá.

Solto uma lufada de ar e concordo.

— Tudo bem — digo ao apoiar a cerveja em cima da ilha de


granito e ficar de pé. Chamo Rambo com um assobio ao rumar para

sala e ele vem correndo ao meu encontro. — Fica bem.

— Boa noite, vizinho. Obrigada pela companhia e desculpa


pela cheiradora de sovacos — fala e eu rio.

— Sem problemas. — Abaixo-me um pouco para pegar


Rambo e acabo reparando no porta-retratos em cima da mesinha de

centro. — É você?

Observo a foto.

A vizinha está sorrindo e com os olhos fixos numa mulher

mais velha. Ela usa um vestido preto de alcinha colado ao corpo que
é uma combinação sexy para o batom vermelho sangue nos lábios

cheios.

— Sim, sou eu. Engordei nos últimos dias. Gimme a break.[16]

Sorrio.

— Continua linda, vizinha.

As bochechas dela coram de novo.

— Ah, obrigada.

Ela me acompanha até a porta e me surpreende ao ficar na


ponta dos pés e encostar os lábios na minha bochecha.

— Boa noite, vizinho.

— Boa noite, vizinha.


7kg.

7kg é o que eu engordei.

Não é novidade que minha alimentação nas últimas semanas

anda totalmente alterada, mas os quilos a mais me deixam chocada.

Sento na beirada da cama e observo a barriga. Dois


pneuzinhos gorduchinhos. Respiro fundo, chateada. Volto a ficar de
pé e fico de costas, mirando a bunda no espelho. Três vezes maior

do que de costume.

Preciso dar um jeito nisso.

Mesmo chateada com o meu ganho de peso, procuro por um

par de biquíni dentro do guarda-roupa. Depois de vestir, me sinto


apertada e sufocada demais, mas decido ser forte e seguir em

frente. Coloco um vestidinho floral e calço havaianas.

De óculos escuros, eu saio do meu apartamento e antes de

chegar em frente ao elevador, tenho uma brilhante ideia. Volto para


a minha porta e abro-a, procuro por folha de papel ofício, caneta e

um pedaço de fita adesiva colorida.

Escrevo meu recado para o vizinho e saio de novo. Ao passar


em frente à sua porta, colo a folha e sorrio com a mensagem.

“Pizza engorda.

Cuidado com as cheiradoras de sovacos”

Arrasto os pés até o elevador e o chamo, ele vem rápido e vai


direto para o térreo. Na recepção, falo com o porteiro, o senhor

João.

— Bom dia, seu João. — Abro um sorriso largo. — Tudo

bem?

Ele bate no balcão da recepção com os nós dos dedos e

retribui o meu sorriso.

— Bom dia, menina. Eu tô melhor agora depois de ver você

— diz e eu reviro os olhos, mas acabo rindo.


— Por um acaso o senhor tá precisando de móveis novos? —
pergunto. Preciso me livrar das caixas lacradas no meu

apartamento. Olhá-las me faz pensar no cretino do Felipe e eu estou

de saco cheio daquele bunda mole. E doá-las para o seu João

parece a coisa certa a se fazer.

— Como assim? — devolve, confuso.

— Fiz compras demais e tenho coisas lá em cima. Micro-

ondas, airfryer, máquina de lavar... se o senhor quiser, é tudo seu.

Ele arregala os olhos, pasmo.

— Menina, não brinca comigo.

— Tô falando sério, seu João.

— Isso é... — ele murmura e respira fundo, os olhos

marejados. — Não sei como agradecer.

Sorrio.

— Depois o senhor me fala como vai fazer pra levar tudo, tá


bem?

Ele concorda com um aceno.

— Obrigado, menina.
Com a sensação de pesar um quilo a menos, eu empurro a

porta de vidro do prédio e dou de cara com a Dona Maria e o seu


Dionísio, o doce casal de idosos que mora aqui há anos.

E para minha surpresa, o vizinho logo atrás, segurando o seu


Lulu da Pomerânia caramelo e usando o boné com a estampa da

cruz vermelha.

Ah, merda!

Ele é o salva-vidas gostoso?

— Pequena sereia — seu Dionísio fala com um sorriso doce


meigo emoldurando o rosto velho. Quando começou a piorar, ele
começou a me chamar de “pequena sereia” por causa do meu

apelido Ariel. — Você conhece o meu neto? O Pedro? — pergunta,


apontando para o vizinho.

Encrespo a testa, sem entender.

— Não.

Maria sorri.

— É uma longa história — é apenas o que fala e olha para o


vizinho safado. — Obrigada.

— Não por isso — ele responde, a voz mais grossa do que


nunca.
O casal de idosos entra e nós ficamos do lado de fora do

prédio. Ele olha para mim com uma intensidade que é quase
cortante e para me esquivar dela, estendo a mão para passar na

cabecinha do cachorro felpudo.

— Então... seu nome é Pedro?

— Ele me confundiu com o neto falecido. Achei meio

insensível da minha parte falar que não sou o Pedro.

Uau. Isso é fofo e tocante.

Sem conseguir me conter, elevo os cílios e encontro o seu


olhar, que está fixo em mim. O verde das suas írises é tão lindo e
cativante, me dá vontade de me perder neles e esquecer do resto

do mundo.

— Isso é muito gentil.

Ele abre meio sorriso.

— Quer companhia?

Parte de mim, uma parte bem pequena, sente que deve

recusar, mas a outra parte, a que gosta demais da presença desse


vizinho safado e estranhamente gentil e acolhedor, quer dizer sim.

— Sim.
Nós atravessamos a avenida movimentada e caminhamos na
direção do calçadão até chegar na praia. O vizinho faz um gesto
com a cabeça no rumo da casinha vermelha e velha que o seu

Dionísio e a dona Maria usam todos os dias para contemplar o mar.

— Sobe — fala e eu nego com a cabeça. — Não vai cair,


sobe — ordena, revirando os olhos.

— Eu tô de vestido, não vou deixar você olhar a minha


bunda.

Ele bufa e sem dificuldade, com o cachorro em uma das

mãos, sobe as escadinhas de madeira e me espera. Engulo em


seco e faço o mesmo, o coração batendo forte na garganta.

Nem entendo o motivo de estar tão nervosa.

A escada tem apenas cinco degraus e a madeira range


quando começo a subir, quase como se fosse um aviso dos meus

quilos a mais. Dentro da casinha há duas cadeiras de praia, o


vizinho se acomoda em uma com o Lulu no colo e sem falar nada,
eu sento na outra.

— É a primeira vez que subo aqui — assumo. — Você vem

sempre com eles aqui? — pergunto, me referindo a Maria e


Dionísio.
— Eu tento.

— Além de safado, é um fofo do caramba.

Os lábios dele se esticam num sorriso maroto, que faz as

borboletas no meu estômago entrarem numa competição de dança


ritmada.

— Vizinha, pra falar a verdade, você não conhece o meu lado

safado — retruca e eu engulo em seco.

Meu rosto queima.

— Ah, sim, claro, porque você é um trepador de primeira


linha — devolvo, na defensiva. — E o que vai fazer hoje à noite?

Não diga, eu já sei. Trepar — emendo, incapaz de esconder meu

sarcasmo.

Ele vira o rosto para me olhar com atenção.

— Não quer que eu saia pra trepar, vizinha?

Tento desviar, mas não consigo. Malditos olhos verdes.

Maldito vizinho. Esse homem faz uma garota pensar em coisas


obscenas.

— Whatever[17] — retruco com um muxoxo.


Por alguma razão inexplicável, eu não quero que ele saia e

encontre outras mulheres como a mulher que gosta de sovacos.


Apesar do seu fetiche doido, ela é linda e confiante.

Perfeita.

Perfeita para homens como o meu vizinho.

Que droga está acontecendo comigo?

E se eu precisar chutar a porta hoje? Ele vai estar ocupado

demais para mim, por causa de uma gostosa que tem fetiches
estranhos. A vida é injusta pra cacete e isso é uma merda.

— Talvez, você deva ligar pra garota de ontem — eu me ouço

falar, o coração tão apertado que fica difícil respirar. — Apesar dos
fetiches, ela parecia ser gente boa.

Ele me olha de modo intenso.

— É, talvez, eu deva ligar mesmo.

Meu coração dói ao ouvi-lo concordar comigo, só que a única


coisa que faço é fingir um sorriso animado e largo.
Uma hora depois, volto para casa com metade das pernas
bronzeadas.

Não consigo parar de imaginar a cheiradora de sovacos em


cima do vizinho e isso me deixa irritada de um jeito estressante.

— Só relaxa — falo para mim mesma. — Ele e você são

apenas vizinhos — emendo e balanço a cabeça de maneira positiva.

Ainda irritada, tomo uma ducha rápida e troco de roupa antes

de ir para sala. Cada terminação nervosa do meu corpo quer que eu


desconte a frustração em comida gordurosa, mas resisto e fico com

comida saudável.

Comendo um sanduiche natural, pego o notebook e me


acomodo no sofá. Checo a caixa de e-mail, uma tentativa de não

pensar no vizinho trepando com mulheres. Vou verificando e-mail

por e-mail até chegar em um pedindo orçamento.


Heitor Dantas acabou de comprar um espaço num bairro aqui

perto da beira-mar e precisa de um designer de interiores para


transformá-lo em uma academia aconchegante. Ele é bem sincero

no e-mail e espera uma resposta rápida de “sim” ou “não”.

Não tem foto no perfil, mas já fechei trabalho por menos.

Respondo o e-mail sugerindo uma reunião, que ele responde cinco

minutos depois.

Heitor concordou com o encontro.


Ao passar pela porta automática, o ar-condicionado toca a
minha pele e eu me sinto meio que aliviado. Eu amo morar de frente
para o mar, mas ainda estou me adaptando com o calor do

nordeste.

O lugar é pequeno e segue um conceito minimalista que é


bem agradável aos olhos de quem vê. Nas paredes, há coisas sobre

cartelas de cores que não faço ideia do que significam.

Como a recepção está vazia, envio uma mensagem para

Ariel ao sentar no sofá confortável para esperar. Ela me avisou que


deu férias a secretária e...

— Você?! — a voz familiar alcança os meus ouvidos e eu

levanto o rosto para encarar a vizinha. Os lábios cheios se


transformam num sorriso de lado. Desço com os olhos para admirar

o corpo com curvas salientes no vestido vermelho que harmoniza


com os cabelos ruivos. — Você é o Heitor Dantas?

— Você é Ariel Clark — concluo.

— Sim. — Revira os olhos ao acrescentar. — Tavares

também, mas usar o nome da minha mãe sempre me trouxe mais

clientes — admite, rindo.

Fico em pé para nivelar os nossos rostos, o que não

acontece, porque ela é uns vinte centímetros mais baixa do que eu.

— Então, seu nome é Ariel? Como a pequena sereia? —

questiono, segurando os seus olhos azuis, que parecem ansiosos.

— Você parece com ela, na verdade.

As bochechas dela coram.

Gosto quando a faço corar.

— Na verdade, é por causa da filha de um casal de amigos

do meu pai. Quando viemos para cá, ela era uma garotinha de

quatro anos e não conseguia entender que meu nome é Muriel —

fala, devagar e eu observo os lábios cheios movimentando. — Ela

começou a me chamar de Ariel e acabou pegando.


— Muriel... — murmuro, quase como se estivesse testando a
palavra.

— Heitor — fala num tom de voz baixo e respira fundo, sem

desviar a atenção de mim. — Vamos começar?

— Sim, claro.

Ela me guia até o escritório e ao entrar, a primeira coisa que

vejo são vários porta-retratos no pequeno cesto de lixo de inox. De

relance, meus olhos captam Ariel sorrindo ao lado de um homem.

— Eu não vim aqui depois do término — assume, enrugando

o nariz e torcendo os lábios. — Joguei tudo fora quando cheguei,

talvez assim, eu consiga aliviar o peso dos chifres que ele colocou
na minha cabeça.

Observo Ariel.

Ela é linda.

Gosto das curvas do corpo dela e de como o quadril


avantajado fica lindo no vestido que ela usa. O caimento dos

cabelos ruivos até a altura da cintura. Os olhos redondos e azuis.

Os lábios grossos que me lembram o formato de um coração.

O ex é um idiota.
— Vizinha, você é linda pra cacete. Não fique sofrendo por

ele por muito tempo — falo e ela ergue os cílios para mim, depois,
abre um sorriso meigo.

— Droga. Você é adorável. Deve ser toda a sua safadeza —


resmunga, estreitando os olhos. — Ou essa testa grande.

Arqueio uma sobrancelha.

— Testa grande?

— Ninguém nunca te disse que tem uma testa grande? —

retruca e cruza os braços na altura dos seios, evidenciando o


decote. É sexy e convidativo pra cacete. — Não se preocupe, é um
charme — emenda e deixo escapar uma risada seca.

— Você é um porre.

— E você é testudo — retruca, fazendo-me rir. De repente,

ela estende a mão para um aperto. — Vamos fechar negócio?

— Assim? Tão fácil? — retruco.

— Pra você ter noção da sua sorte. Eu sou uma das

melhores designers da minha cidade e minha agenda tá sempre


cheia, mas vou abrir uma exceção pra você — diz e eu assinto,

apertando a sua mão. — Não veio aqui por indicação de ninguém,


não é?
Rio.

— Não. Achei seu nome no Google e mandei e-mail. Pedi

vários orçamentos, você me respondeu primeiro.

Ela revira os olhos.

— Ainda assim, eu sou a melhor.

Sorrio de lado.

— Não duvido.

Ariel ergue os ombros e eleva o queixo.

— Será um prazer fechar negócio com você, vizinho safado.


Prometo tornar sua vida mais divertida — fala e me dá uma

piscadinha sexy.

— Aposto que vai.

É a reunião mais difícil da minha vida. Impossível me

concentrar nas palavras de Ariel quando o corpo dela mexe de um


jeito tão hipnotizante e os lábios sempre esticam num sorriso
debochado com alguma coisa que digo.

— Já conhece a cidade? — ela pergunta assim que


encerramos a reunião. — Ou passou os dias enfurnado no

apartamento com mulheres?

Giro os olhos.

— Existe algo melhor do que sexo? — retruco, fazendo-a

engolir em seco. Ariel se afasta de mim e vai para detrás da mesa e


pega um capacete cor de rosa. — Tá de moto?

— Sim.

Uma imagem da vizinha em cima de uma moto preenche a


minha cabeça e caralho, é surreal de tão sexy. Fodido. Eu tô

completamente fodido se meus pensamentos continuarem indo por


esse caminho.

— Sexy.

Os lábios dela curvam.

— Quer dar uma volta e conhecer as belezas de Fortaleza?


— pergunta, como se a coisa mais bela desta cidade não estivesse

na minha frente agora, me encarando. — Eu vou ser sua guia


turística. Conheço aqui como a palma da minha mão.
Assinto.

— Vamos. Por que não?

— Espera um minuto — pede e sai da sala, me deixando

sozinho no escritório.

Fico de pé e caminho até a mesa de Ariel e observo os


únicos porta-retratos que ela deixou. São três. Ao lado das melhores

amigas, dos pais e de um cachorro enorme e uma sozinha.

Envolvo os dedos na moldura sofisticada e olho a foto de

perto. Rio para a imagem. Ariel está piscando enquanto morde o

lábio inferior e faz chifres com as mãos, representando o símbolo


Rock’n’ Roll.

Linda e atrevida.

Coloco o porta-retratos no lugar e dois segundos depois, ela

entra na sala de novo, segurando um capacete.

— Onde arrumou esse capacete?

— Na concessionária vizinha — assume, dando de ombros.


— Pronto pra ter o melhor dia da sua vida? — pergunta de maneira

exagerada, roubando-me uma risada.


Sempre gostei de me manter no controle das coisas, mas

caralho, é hipnotizante ver Ariel sentar em cima da Ducati,


arredando parte do vestido até metade das coxas macias e

convidativas.

Coloco o capacete e me acomodo atrás dela, envolvo as


mãos na cintura fina com força e a ouço soltar um gemido manhoso.

É bom pra cacete sentir o calor da ruivinha contra mim e quase me

deixa de pau duro.

— Pronto? — balbucia com a voz falhada, o que me faz meio

que sorrir convencido.

— Sim.

Ela acelera e nós saímos pelas ruas de Fortaleza.

Para ser honesto, apenas agora, em cima de uma moto,

percebendo o ambiente à minha volta de um jeito diferente, ao lado


de uma mulher que eu mal conheço, que me sinto bem-vindo de

verdade nesta cidade praiana e agitada.

Ariel estaciona numa praça arborizada. Ela retira o capacete


ao descer da moto e eu faço o mesmo. Com naturalidade, a vizinha

estende a mão e entrelaça na minha, me puxando para dentro da

praça.

— Esse é o Passeio Público, a praça mais antiga da cidade

— comenta, me arrastando mais para dentro. — Tem vista para o


mar e árvores centenárias — diz, sorrindo e embora eu concorde

com um aceno firme de cabeça, a única coisa que consigo prestar

atenção é de como ela fica linda ao redor das árvores verdes.

De repente, ela solta a minha mão e toma o capacete de

mim, me deixando confuso. Depois, pega o celular de dentro da

bolsa tiracolo, apontando a câmera para mim e fazendo cliques.

— Sorria, vamos fazer fotos pras suas mães — diz, eu nunca

fui uma pessoa de sorrir muito para fotos, mas é impossível não

curvar os lábios para ela.

Depois de caminharmos pela praça inteira e Ariel

praticamente me dar uma aula de história sobre a praça e até


prometer me trazer aqui no final de semana, porque segundo ela,

tem música ao vivo e fica bem animado, nós vamos embora.

Cinco minutos depois, ela estaciona no entorno da nossa

próxima parada. Segundo ela, Centro Cultural Dragão do Mar.

— Aqui é o lugar pra quem gosta de cultura. Tem teatro,

museu, biblioteca, cinema e o planetário, que eu particularmente

amo.

O centro cultural tem uma arquitetura única e embora seja

final de tarde, está bem movimentado e com clima aconchegante e


familiar. Há algumas exposições, filmes em cartazes e até

apresentação de dança.

Nós subimos alguns degraus para uma espécie de ponte


vermelha que atravessa o local e dá na direção de uma cafeteria e

mais para frente, a abóbada de vidro do planetário.

— Quer ver estrelas? — ela pergunta com uma animação

que é quase palpável. Impossível não fazer o que ela quer.

Vamos pegar ingressos na bilheteria e depois, enfrentamos


uma pequena fila para entrar no planetário.

Há várias poltronas espalhadas no ambiente circular e nós


nos sentamos na primeira fileira de baixo para cima, e segundo a
minha guia turística, nós pegamos os melhores assentos.

Tem fotografias de constelações envolvendo o lugar e no

centro da sala, equipamentos com tecnologia avançada. Assim que


as luzes se apagam, a sensação é de estarmos sendo engolidos

pela cúpula.

Observo Ariel voltar os olhos brilhantes para cima com um

sorriso largo e encantador.

— É lindo, não é?

— Muito — sussurro, sem desviar a atenção dela, porque

mesmo sob pouca luz, a vizinha é a coisa mais linda desta cidade.
Quando ela direciona a atenção para mim, encaminho a minha para

o céu estrelado do planetário.

É incrível e acolhedor, como a minha vizinha maluca.

Volto a olhar Ariel e curvo os lábios ao vê-la sorrir para as

estrelas projetadas no teto.

E eu sei.

Tô ferrado.
O sol já está perto de se pôr quando chegamos na ponte dos

Ingleses. Ela é toda feita de madeira e range um pouco à medida

que caminhamos para o fundo. Há alguns quiosques no decorrer do


píer, um homem com violão tocando música ao vivo e jovens por

todos os lados curtindo a vista.

Da varanda do meu apartamento, eu consigo ver o lugar, mas

é a primeira vez que coloco os pés aqui.

No fim da ponte, há uma grande estrutura de madeira que a


maioria dos casais usa como banco. Ariel senta e faz um gesto com

a cabeça para o seu lado vazio. Aqui no fundo, o barulho do mar é

ainda mais intenso e venta bastante, só que é estranhamente


calmo.

— Pra fechar com chave de ouro, vamos ver o pôr do sol do

lado esquerdo e ao mesmo tempo, a lua surgir no lado direito — fala


e me dá um empurrãozinho com o ombro.
— Você é uma ótima guia turística — digo, roubando um
sorriso tímido dela.

— Eu amo essa cidade. Meu pai nasceu aqui — comenta,


mexendo na barra do vestido. — Aos dezesseis anos, eu odiava

tudo, mas adolescentes odeiam até a própria sombra. Agora, é

minha casa.

Através do vento, “Céu azul” do Charlie Brown chega até os

nossos ouvidos num volume baixo e o corpo de Ariel balança de um

lado para o outro no ritmo dos acordes do violão.

E contemplá-la é mais fascinante do que qualquer outra

coisa.

— O que foi? — pergunta baixinho ao perceber meus olhos

em cima dela.

— Você é linda — digo, simplesmente, fazendo-a engolir em

seco. — Mais linda do que o pôr do sol.

Seus olhos queimam nos meus.

— Já disse isso pra quantas mulheres desde que chegou


aqui?

— Nenhuma — sou sincero.

Ariel arfa.
— Não pode me dizer essas coisas, eu... — A sua voz falha e
ela tenta desviar a atenção de mim, mas não consegue. — Eu estou
quebrada, Heitor.

— Eu sei — admito, elevando a minha mão e encaixando no

pescoço dela, incapaz de resistir aos meus desejos. — E vou pro


inferno por causa disso.

Nossos olhos se conectam e eu espero um sinal dela para

que eu me afaste, mas nada vem.

Então, levo a outra mão para o seu rosto, acariciando a


bochecha saliente, enquanto sinto a pulsação do seu pescoço

contra minha palma. Meu polegar roça na curvatura, imaginando o


quanto ela deve ser linda nua.

Num movimento certeiro, eu a puxo para mim, colando as

nossas bocas. Um gemido manhoso escapa dela e eu engulo com


força. O beijo é firme e úmido, intenso pra caralho e minha língua
contorna a dela num ritmo viciante.

Eu devoro cada pedaço de Ariel, aproveitando o seu sabor


doce e macio. E quando ela empurra a língua contra mim, meu pau
reage de imediato, ficando duro pra caralho.
Puxo-a contra mim, aprofundando ainda mais o beijo e me
perdendo nela até que a ruiva interrompe o beijo e se afasta de mim
num solavanco.

Os olhos dilatados seguram os meus por um longo segundo


antes de Ariel falar:

— Preciso ir embora.
— O vizinho te beijou? — é Gio quem pergunta,
entusiasmada.

Respiro fundo, revirando os olhos ao me levantar do sofá.

— Foi só isso que você ouviu? — resmungo, enrugando o


rosto. — Eu engordei sete quilos. Sete quilos que foi direto pra

minha bunda.

Duda ri, mas ao ver meu olhar sério, ela desmancha o

sorriso.

— Você continua linda — Duda comenta e dá de ombros.

— Vamos voltar pro assunto do vizinho gostoso que você

andou beijando — Gio retruca ao cruzar os braços na altura dos


seios e erguer uma sobrancelha. — Quero detalhes.
— Não tem detalhes, eu fugi — admito, lembrando de como

fiquei apavorada depois de ter beijado Heitor.

Foi tão bom.

Pareceu tão certo.

E rápido.

Meu Deus, eu pirei e saí correndo.

Faz dias que estou ignorando o meu vizinho.

— Muito maduro, Ariel — Gio me repreende.

Deito no sofá e coloco as pernas em cima de Duda.

De repente, sou esmagada por Giovanna, que se apoia em

cima de mim para uma foto. Eu fico vesga, enquanto Duda mostra a

língua e Gio manda um beijo de olhos fechados.

Ela sai de cima de mim e eu respiro de novo.

— Ele tem Instagram? — Giovanna quer saber e antes que

eu possa responder com um “sei lá”, ela exclama com a visão fixa

na telinha colorida do celular: — Meu Deus!

— O que foi? — Duda e eu perguntamos ao mesmo tempo.

— Nada — murmura e evita olhar para mim. — Mas se

mantenha longe das redes sociais pelas próximas horas. Talvez,


dias? Semanas? Meses?

Sento no sofá de uma vez, estreitando os olhos para

Giovanna e estendo a mão para que me entregue o smartphone. Ela

nega com um balançar de cabeça e recua alguns passos.

— Então, desembucha.

— Acho melhor não, Ariel.

Giro os olhos, suspirando.

— Come on![18]

Giovanna troca um olhar com Duda e só então, foca a

atenção em mim, erguendo as mãos no ar ao dizer:

— Tá bem, mas promete não pirar?

Franzo o cenho.

— Okay... — murmuro, desconfiada.

Ela se acomoda ao meu lado e com cuidado, vira a telinha


colorida para mim. Duda estica o pescoço para ver o que é.

— Son of a bitch[19] — grunho entre os dentes à medida que a

raiva vai tomando conta de mim. — Son of a bitch — repito, dessa

vez, com um grito.


Além de Felipe ter assumido de vez Vitória nas redes sociais

e até mudar o status do Facebook, ele postou uma foto com ela em
Fernando de Noronha, o lugar escolhido para a nossa lua de mel.

— Eles estão em Fernando de Noronha — comento,


surpreendentemente, mantendo o nível da voz. — Eu que eu escolhi

esse lugar pra nossa lua de mel.

Duda faz carinho nas minhas costas.

— Eu sei, amiga — murmura.

— Ele nem queria ir pra lá — continuo articulando.

— Felipe é um escroto — Gio fala com convicção.

Engulo o nó que se forma na minha garganta.

— Ele levou Vitória pra nossa lua de mel — sussurro,

magoada. Não por ainda querer Felipe de volta, mas pela falta de
consideração. Eu planejei toda a nossa lua de mel e ele
simplesmente levou a amante lá?

Cretino!

Levanto de supetão. A minha cabeça está girando e o

coração quer sair do peito. O meu sangue ferve e eu estou com


tanta vontade de bater no Felipe. Sem pensar muito, concentro toda
a força no meu pé e chuto o sofá.
Resultado: machuco o pé e fico pulando que nem um Saci

Pererê, gemendo de dor.

Sento de novo, derrotada.

— Tá doendo? — Duda pergunta, examinando o meu pé.

— Eu odeio o Felipe — admito, mordendo o lábio inferior. —

Ele tem o dom de me colocar lá embaixo.

— Ele não merece você.

— A Duda tem razão. Você é muita areia pro carrinho de mão


dele — Gio faz uma piada, o que me faz rir. — Precisamos te
animar. Que tal uma farrinha hoje?

— Que tal Balada? Eu sei que vocês adoram — Duda sugere

e eu a olho de soslaio. Ela não gosta muito de balada e nem é muito


de beber, mas está tentando me animar. Ela é perfeita.

Sorrio.

— Obrigada.

Meu coração ainda está em pedaços, mas será mais fácil


consertá-lo se eu sempre tiver minhas amigas comigo.
Quando saímos do meu apartamento às 23h, olho para a
porta de Heitor. Meu coração erra algumas batidas e eu respiro

fundo. É estranho como sinto falta dele. Nós mal nos conhecemos e
ainda assim, não foi um empecilho para esse vizinho safado pegar

um pedaço do meu coração fraco e vendido.

— Podemos chamá-lo — Duda fala, agarrando o meu braço e

me encarando com expectativa.

Sacudo a cabeça de um lado para o outro em negativa.

— Não. Essa vai ser a nossa noite. Apenas, as meninas —


murmuro e Gio abre um sorriso animado.

Meia hora mais tarde, entramos em uma das casas noturnas


mais badaladas de Fortaleza. Somos engolidas por uma fina

camada de fumaça fria que faz os pelinhos da minha nuca


arrepiarem e a luz vermelha que ilumina o ambiente, “Vente Pa’ Ca”
do Rick Martin alcança os meus ouvidos e as batidas da música
sincronizam com o meu coração.

Caminhamos até o bar e começamos com três tequilas.

— No três — falo mais alto que a música, arrancando sorriso


das meninas, que concordam. Passo o dedo ao redor da borda do

copo, lambo o sal que meu dedo consegue pegar, bebo o líquido
transparente de uma vez e em seguida, chupo o limão.

Assim que começa a tocar uma música da Anitta que Gio

adora, ela nos puxa para a pista de dança.

Não sou exatamente a melhor dançarina do planeta Terra,


mas aprendi bem a rebolar a bunda com a Giovanna que ama

dançar. E preciso confessar, os quilinhos a mais nesse vestido,

valorizam bastante a minha comissão de trás.

Rebola e empina o bumbum... apenas dois movimentos que

fazem os homens ao redor babarem por nós.

Sorrindo, eu continuo dançando e eu até esqueceria do

mundo se não fosse pelo homem de quase dois metros de altura

parando atrás de mim. Sem jeito, endireito a postura e elevo o


queixo para encontrar os olhos do meu vizinho

safado/testudo/gostoso.
Ele abre meio sorriso maroto.

— Oi, vizinha.

Finjo um riso e depois, quase me engasgo. E só então, noto


que ele está acompanhado de dois homens, um moreno e um loiro.

— Noite de caça? — pergunto, gesticulando com o queixo

para os seus amigos.

— E você? Caçando também? — devolve, arisco.

Antes que eu dê uma resposta atravessada, as meninas se

aproximam e fazem as devidas apresentações. Enzo é o moreno e

cheio de tatuagens. Bernardo é o loiro com sorriso sarcástico.

Não demora muito para as minhas amigas estarem

enturmadas com os amigos de Heitor e eu vejo a nossa noite indo

por água abaixo.

Invento uma desculpa para ir ao banheiro, mas Heitor não

deixa, ele me puxa, chocando os nossos corpos. Engulo em seco e

evito olhá-lo nos olhos. Odeio como ele me faz sentir vulnerável.

Odeio odiar vê-lo aqui, rodeado de mulheres bonitas.

— Por que tá brava?


— Por que veio aqui? — questiono e tento me afastar dele,

só que não consigo. — Disse que eu sou mais linda que o pôr do sol

e veio caçar mulher pra levar pra cama?

— Não vim caçar mulher, apenas tentando me enturmar com

os amigos da minha irmã. Satisfeita?

Arqueio uma sobrancelha.

— Talvez.

— Não dance mais assim em público. — Heitor envolve uma

mão na minha nuca e aperta com um pouco de força e respira

fundo, fazendo meu rosto ruborizar. — Você tem uma bela bunda e
me deixa louco, e eu odeio que os outros homens fiquem te

olhando.

Forço o caroço na garganta a descer.

— Mas precisamos mostrar as belas coisas — digo, e ele fica

sério por um segundo, depois, começa a rir.

Começa a tocar uma versão remixada de “Call Out My Name”

do The Weeknd e Heitor vai me puxando devagarinho contra o seu


corpo.

— Dança comigo, ruivinha.


As mãos firmes e grossas dele deslizam pela minha cintura,

me guiando de um lado para o outro, no ritmo sensual da música e


me deixando sem fôlego. Zonza. Excitada. Completamente

molhada.

Nós dançamos com os corpos bem coladinhos e eu aproveito

para tocar os braços torneados de Heitor.

Ele é tão duro e sexy.

Fecho os olhos e deixo ele me guiar com a batida da música,

enquanto passa as mãos na minha cintura, me encaixando nele.


Heitor enfia o nariz no meu pescoço e eu solto um suspiro longo,

pesado.

O homem me aperta ainda mais contra o próprio corpo e eu


sinto a ereção roçar em mim.

Ele está excitado também.

— Heitor... — murmuro.

A única coisa que ele faz é enfiar a língua dentro da minha


boca com sagacidade, me envolvendo num beijo intenso e quente,

molhado. Levo as mãos até os seus cabelos e puxo com força,

mordiscando o lábio inferior de Heitor.


Eu estou quebrada e talvez, seja um erro, mas é tão bom

sentir a boca dele na minha. É tão certo e único. Parece que nada

mais importa do que isso. Nada mais importa do que nós.

Aos beijos e com mãos insinuantes, nós dançamos mais uma

música e eu sei que se continuar assim, vou parar direto na cama

do vizinho. Mas estou começando a pensar que a cama dele pode


ser muito boa e macia.

Ele leva uma das mãos até meus cabelos e afasta um pouco,

deixando meu pescoço amostra.

— Adoro o seu pescoço. É delicado e sexy — murmura, a

voz soando mais profunda do que nunca.

Sorrio.

— Heitor? — uma voz feminina chama e ao olharmos para o


lado, vejo Marcela, a melhor amiga de Vitória. — E Ariel? —

emenda e me analisa de baixo para cima com desdém. — Que

mundinho minúsculo.

Marcela é linda e odiosa. É ridículo como ela está sempre

impecável e parece ter saído direto de um comercial de tevê. Odeio

como os cabelos cacheados dela são fofos e brilhosos.


Olho de Heitor para Marcela e não gosto nenhum pouco da

comunicação silenciosa que há entre eles.

— Vocês se conhecem? — quero saber.

Os lábios pintados de vermelho de Marcela esticam num


sorriso triunfante e ela se aproxima de Heitor, fazendo-me recuar um

passo. As mãos com unhas longas pousam sobre o peito do meu

vizinho, que agarra o pulso fino e se afasta dela de imediato, mas eu


entendo no mesmo segundo.

— Nos conhecemos muito bem — Marcela fala ao direcionar

os olhos para mim. — E vocês?

— Marcela é uma amiga — Heitor esclarece.

— Amigos — Marcela diz, num tom meio debochado, incapaz

de esconder o sorrisinho irritante da face.

Abro um sorriso murcho e giro nos calcanhares para ir


embora. Infelizmente, sou interceptada por Heitor antes de ser

capaz de completar o meu plano. Os dedos envolvem o meu pulso e

me puxam contra ele.

— Ariel...

— Você dormiu com ela? — pergunto.

Ele enruga o nariz.


— Faz tempo. Foi assim que eu cheguei aqui.

Assinto.

— Ela é melhor amiga da Vitória — admito com um nó na

garganta e me sinto tão ridícula, que dói fisicamente. — Marcela é

linda. Talvez, mais linda que o pôr do sol. Talvez, até mesmo que o
amanhecer. Quem sabe, o universo?

— Para com isso.

Ergo os cílios para Heitor.

— Parar com o quê?

— Você é linda, Ariel — resmunga, meio bravo e eu inspiro

fundo e mordo o lábio inferior. — Aquele idiota nunca disse o quanto

você é linda?

A visão arde e é difícil manter as lágrimas dentro dos olhos.

Felipe nunca foi de me elogiar ou notar as coisas diferentes


em mim. Ele sempre foi um companheiro distante e achei que era o
seu jeito de ser. Hoje, eu sei, que é porque ele nunca se importou

comigo de verdade.

Nunca me valorizou.

Porque eu o amava e era capaz de qualquer coisa por ele.


Cega de amor.

— Não.

Heitor fica confuso.

— O quê?

— Ele... não dizia essas coisas que você fala — murmuro e

desvencilho-me do toque dele. — Eu... eu... eu vou embora.

Heitor volta a me segurar. É forte, intenso, possessivo, e


também, protetor.

— Vou te levar em casa.

De lábios colados, eu anuo e ele contorna meu corpo para


um abraço que meio que me faz chorar. Odeio parecer uma
manteiga derretida e odeio que me sinta tão frágil perto dele.

E eu odeio gostar de ficar perto dele.

Odeio gostar dos braços dele em volta de mim.


Cada célula do meu corpo quer levar Ariel para o meu
apartamento e colocá-la em cima da cama para marcar a pele macia
com as minhas mãos, a minha boca e o meu pau. No entanto, como

posso fazer isso depois do que ela disse na boate?

Antes de um pau, Ariel precisa de um amigo.

E bom, estou tentando fazer um ótimo trabalho em relação a

isso. Eu a trouxe para casa, resisti à tentação de levá-la para o meu


apartamento e acabei de fazer chá de camomila. Ainda trouxe

Rambo para fazer companhia e me obrigar a manter as calças no


lugar.

Ariel volta para sala depois de alguns minutos, usando uma

camisola de seda que cai até metade das coxas, tem alças finas e é
bem sexy. Os mamilos brigando contra o tecido e me deixando com

sede pra caralho.

Ela é linda demais.

— Fiz chá — articulo e ela me presenteia com um sorriso


doce. — Vai te fazer sentir melhor.

Segurando a xícara de porcelana, caminho até o sofá e ela


faz o mesmo. Entrego o chá a ela, roçando os nossos dedos de

maneira proposital.

— Obrigada — murmura, bebericando o chá. — Achei que ia


tentar me levar pra cama — admite e eu meio que sorrio.

— Vizinha...

Ela encolhe os ombros.

— Você precisa de um ombro amigo mais do que qualquer

outra coisa — digo e tento me convencer das palavras, o que fica


difícil, a camisola dela sobe um pouco, revelando mais ainda da

coxa macia.

— Eu planejei a nossa lua de mel — ela começa a falar e eu

suspiro, mas assinto. Não gosto de falar do ex imbecil, mas eu sei

que ela precisa desabafar para poder superar, então, eu escuto. —

E ele levou a Vitória pra lá. Isso mexeu comigo, não porque eles
foram juntos, sei lá, mas porque era a minha viagem. Acho que teria
incomodado menos se eles tivessem ido pro quinto dos infernos.

Tento ficar sério e sou incapaz de conter a risada. Ela

começa a rir também. Depois, pousa a xícara em cima da mesinha

de centro e gira o corpo todo para mim, balançando os seios

redondos e convidativos.

— Não quero mais falar do Felipe. Ele morreu pra mim —

fala, de repente, e eu fico aliviado pra caralho de ouvir isso. —

Vamos falar de você.

— De mim?

— Sim — murmura, estreitando os olhos redondos. — É


assim que você conquista as mulheres? Fazendo chá de camomila

e deixando elas desabafarem?

Rio.

— Só quero te fazer sentir melhor.

Os olhos dela brilham, em contrapartida, as bochechas

ruborizam.

— Tem algo que vai me deixar muito feliz.

Endireito a postura no sofá para observá-la.


— Ah, é? O quê?

— Ver seu tanquinho — retruca e eu deixo escapar uma

risada. — Tudo bem, vou fechar os olhos e te tocar, daí não vou me

sentir tão envergonhada por isso.

— Quero te tocar também.

Ela recua para o braço do sofá e nega com um balançar de


cabeça.

— De jeito nenhum. Eu engordei sete quilos, não estou na

minha melhor forma — protesta ao transformar os lábios num bico


fofo.

— Você é gostosa pra caralho, Ariel.

Ela arfa.

— Obrigada, mas isso é sobre eu me sentir bem, e não você.

Droga.

Ela tem razão.

— Feche os olhos — ordeno, e então, agarro seus pulsos

finos com força e ouço um gemido escapar de entre os seus lábios.


Trago-a para mais perto de mim e pouso as mãos de Ariel por
debaixo da minha blusa, observando-a. — Faça o que quiser.
— Não pode sair falando essas coisas — ela murmura e

Rambo late para nós, fazendo-a rir de olhos fechados, depois,


caminha apartamento adentro. — Acho que ele ficou bravo.

Os dedos de Ariel começam a acariciar o meu abdômen e eu

respiro fundo, pesado, sentindo o meu pau latejar por causa do


toque dela. É a primeira vez que sinto que posso gozar sem ter
fricção no meu pau.

— Você é tão macio... e duro — diz, descendo com as mãos

para a barra da calça jeans, em seguida, subindo de novo.

Observo Ariel e é difícil controlar as mãos, porque elas


querem se encher das coxas e bunda dela.

— Tem certeza de que eu não posso te tocar?

Ela ri.

— Não. Isso é sobre mim.

— Se eu te tocar, ainda será sobre você — murmuro e ela

nega com a cabeça, mas continua com as mãos no meu abdômen.

— Quanto tempo consegue resistir? — questiona e eu fico


em silêncio. Ariel abre apenas um olho, transformando o rosto

bonito numa careta antes. — Sou um fracasso quando o assunto é


sedução, não é?
Encaixo as duas mãos na cintura fina e ela arqueja. Sem
dizer nenhuma palavra, coloco-a no meu colo, uma perna de cada
lado da cintura, encaixada de forma perfeita em cima da minha

excitação latejante.

Ariel geme em surpresa.

— Você tá duro.

— Sim — digo, a voz soa como um rugido.

Deslizo a mão pela lateral do seu corpo e pouso na coxa

macia, tocando devagar e com força. Ariel quase pula no meu colo,
gemendo ao mesmo tempo em que arqueia o quadril contra mim.

— Ainda é sobre mim? — pergunta num tom de voz


comedido e aproxima o rosto do meu, seu hálito quente contra o

meu rosto me deixa ainda mais louco.

— Sempre.

Incapaz de evitar, puxo Ariel contra mim num solavanco,


pressionando os nossos corpos e esmagando os seus lábios com os
meus. Engulo cada gemido de rendição que ela deixa escapar,

enquanto deslizo minhas mãos pelas curvas quentes e convidativas,


que parecem ter sido feitas para mim.
— Deixa eu sentir o quanto você tá molhada, Ariel —
sussurro, mordiscando o lábio inferior com força.

Com a respiração trêmula, ela assente.

Devagar, subo ainda mais a camisola de Ariel, expondo mais


pele para mim. Com as pontas dos dedos, toco a lateral do tecido

da calcinha e ela geme ao fechar os olhos e espremer os lábios.

Corro com a mão mais para baixo e resvalo na virilha, e

então, movo os dedos, afastando parte da calcinha e passando

pelas dobras de Ariel.

Ela olha nos meus olhos, a respiração ofegante e as

bochechas coradas.

Linda. Sexy. Entregue.

Lentamente e sem tirar os olhos dela, eu começo a fodê-la

com dois dedos, num ritmo preciso de vaivém, lambuzando a minha


mão com o mel do seu prazer.

— Você tá encharcando os meus dedos, Ariel — falo e ela


geme, fechando os olhos ao jogar a cabeça para trás.

— Heitor... — choraminga.
— Fico me perguntando se a sua boceta é tão doce quanto a

sua boca — rosno e ela abre os olhos para me encarar. Retiro os


dedos de dentro dela e levo até os meus lábios, lambendo a sua

excitação. É bom pra caralho e faz meu pau doer contra a calça. —

Doce como mel.

Ela se inclina sobre mim e encosta os lábios sobre os meus

para me beijar, enquanto volto com os dedos na sua boceta melada,

fodendo devagar mesmo com uma vontade incontrolável de fodê-la


com força.

— Isso é tão bom — geme contra a minha boca.

— Então, goza pra mim.

Ariel suspira.

Aumento o ritmo das minhas investidas, entrando e saindo

com vontade. Fecho os olhos por uma fração de segundo e imagino


o meu pau fazendo o trabalho dos meus dedos.

O quadril dela arqueia, movendo contra os meus dedos. Com

o polegar, faço fricção no clitóris e as pernas em volta de mim


começam a ficar trêmulas. Ariel enfia as unhas no meu ombro,

gemendo o meu nome.

— Heitor... eu...
— Goza, linda — sussurro, mordiscando o seu queixo. — Me

deixa te ver gozar — emendo e então, ela se entrega ao prazer,

estremecendo inteira na minha mão ao afundar o rosto no meu


pescoço.

Ariel solta um gemido manhoso quando retiro os dedos de

dentro dela. Levo-os até a boca novamente e os chupo, saboreando


o seu gosto doce e viciante. As bochechas salientes coram e eu

sorrio, satisfeito.

— Isso é sexy — sussurra.

— Você é sexy — devolvo. — Pra caralho.

Coloco um pouco do cabelo ruivo para trás e exponho a pele

do pescoço. Enfio meu nariz na curvatura e dou algumas mordidas

de leve. Ela envolve os braços no meu pescoço e rebola um pouco


contra o meu pau, me arrancando um som gutural.

— Você pode ficar aqui até eu dormir? — pede, roçando os

dedos na barba do meu queixo.

Busco os olhos azuis de Ariel com a sensação estranha

formigando no meu peito de que se ela me pedisse pra ficar, eu


nunca iria embora.
Acordo com um braço musculoso e com veias aparentes e
sexys em volta de mim, me segurando com força e algo duro
cutucando minha bunda.

Engulo com força.

Eu pedi que ele ficasse até que eu dormisse, mas em algum

momento durante à noite de ontem, eu o fiz deitar na minha cama e

me abraçar e ele acabou passando a noite comigo.

Tento me mexer sem acordá-lo, mas Rambo começa a latir

da sala.

Heitor abre os olhos e eu sinto meu rosto queimar.

— Você tá duro — falo a primeira coisa que me vem à


cabeça.
— Sim, porque dormir de conchinha é uma droga. Meu braço

tá dormente e sua bunda roçando no meu pau a noite toda é uma


tentação do caralho. Dá um desconto, ruivinha.

Rambo late de novo.

— Não é tão ruim assim — retruco, na defensiva.

Ele abre um sorriso lascivo.

— Tem razão — murmura, encaixando as mãos no meu

quadril e me colocando em cima dele. Começo a rir. — Sentir a sua

bunda roçando em mim não é ruim.

Reviro os olhos.

Rambo late de novo.

— Acho que ele tá com fome.

— Acho que sim.

Comigo em cima dele, Heitor senta no colchão e enfia o rosto

no meu pescoço, mordiscando a curvatura para depois me colocar

de escanteio e descer da cama. Respiro fundo e faço o mesmo.

Assim que chegamos na sala, vemos Rambo latir para a

porta. É incrível como um ser tão pequeno possa ter tanta energia.
— Já vamos pra casa, garoto — Heitor diz e se despede de
mim com um beijo meigo nos lábios antes de recolher o celular e os

tênis.

Assim que abre a porta, o cachorro sai correndo desesperado

e eu ouço vozes no corredor. Heitor dá um passo para fora e eu

apenas coloco a cabeça, me deparando com uma mulher e uma

criança pequena em frente ao apartamento vizinho.

Rambo conhece o menino, que não parece ter mais de seis

anos.

— Meu Deus, você é pai? — é a primeira coisa que eu

pergunto, meio pasma, pensando em todas as conversas que eu

tive com Heitor. Ele era casado, mas veio pra cá recentemente.

Quais as chances desse menino ser filho dele?

— O quê? — ele retruca com as sobrancelhas unidas. —

Não, é o meu sobrinho.

A mulher olha de mim para Heitor, depois sorri.

— Oi, maninho.

Meu rosto ferve de vergonha.

— Rebeca essa é Ariel. Ariel, essa é Rebeca, minha irmã. —

Ele nos apresenta e eu sou obrigada a sair do meu casulo para


cumprimentá-la.

— Pode ficar com Miguel hoje? A professora tá doente e ele

não teve aula. Preciso resolver algumas coisas — Rebeca fala,

oscilando a atenção de mim para o irmão.

— Claro.

Olho para o garotinho, reparando nele de verdade. Está


usando um uniforme escolar que o deixa muito fofo, tem uma

mochila de super-herói nas costas. Os cabelos são castanhos e


lembram um pouco os do Heitor.

— Obrigada.

Os dois se aproximam e trocam um abraço, o que eu acho


fofo. Ela embaraça o cabelo dele e vai se despedir do filho. Com um

tchauzinho, Rebeca se despede de mim e gira nos calcanhares,


mas antes de ir no rumo do elevador, a mulher muda de ideia.

— Essa é a vizinha chata?

Heitor pigarreia.

— Rebeca — ele repreende, e eu rio.

— Sim, sou eu — digo com meio sorriso. — E ele é o vizinho


safado — emendo e me arrependo um segundo depois por causa
do menino. — Desculpa.
Rindo, Rebeca vai embora.

Passo a manhã com Heitor, Miguel e Rambo, trabalhando no


projeto da academia e ensinando truques para o Lulu.

Tudo bem, passamos mais tempo ensinando truques para o


cachorro do que focando de fato no trabalho, mas é divertido.

Rambo e Miguel são fofos do tipo que dá vontade de guardar dentro


de um potinho.

E Heitor é incrível com os dois, o que me faz perceber que


ele será um bom pai. Além de ter sido criado por duas mães

incríveis, tem um coração tão gentil e doce. Talvez, um safado de


marca maior, mas um homem espetacular.

— Tio Heitor — Miguel chama. — Quero almoçar pizza —

fala e eu suspiro, porque está nos meus planos perder sete quilos,
mas eu amo pizza.
Heitor estreita os olhos para mim.

— Eu engordei sete quilos. Toda vez que eu sento, vejo

vários pneuzinhos na minha barriga — informo e os olhos dele vão


direto para a minha barriga. — Ei! Nem ouse olhar.

Ele ri, descontraído.

— Tô falando sério. Preciso começar uma série de exercícios


se quiser continuar entrando nas minhas roupas.

— Quer ajuda? Sou personal trainer — fala, simplesmente, e

eu me engasgo com a minha própria saliva. — O que foi?

— Você é o quê?

— Personal trainer. Depois que me formei em administração

e abri meu negócio com aquelas pessoas... — Heitor faz uma pausa
e enruga o nariz de leve. — Eu fiz educação física, porque sempre

gostei de tudo que envolve exercícios.

Olho para Heitor dos pés à cabeça.

Alto, musculoso e naturalmente bronzeado. O sorriso que

pode facilmente destruir calcinhas. Lindo. Delicioso. O combo


perfeito para ser um guru da musculação e fazer as mulheres

babarem na academia.

— Sinceramente, faz sentido — murmuro.


— Amanhã começamos — informa, como um general e eu
pisco devagar, incrédula.

— Mas já? Preciso de um tempo pra pensar.

— Amanhã começamos, ruivinha. Vou ser o seu treinador


pessoal e prometo fazê-la suar bastante — diz ao aproximar o rosto

de mim, o hálito quente roçando nos meus lábios.

— Falando assim, eu não posso recusar — retruco e Miguel


faz barulho de ânsia de vômito. Ao olharmos para ele, o garotinho

está nos encarando.

— Eca! Nojento.

Começo a rir.

— Quando fizer dezoito anos, não vai achar nojento — Heitor

resmunga, pegando o menino nos braços e depois perguntando

qual sabor de pizza ele quer.

Eu encaro os dois e meu coração acelera ao mesmo tempo

que transborda de um sentimento que nem eu mesmo entendo.


— Você precisa ter um pouco mais de empatia com o meu
pobre corpo — resmungo, transformando meu rosto numa careta
para Heitor. — Preciso me adaptar primeiro.

Ele respira fundo.

— Descer de escadas vai ajudar. É o aquecimento.

— São onze andares — protesto e pisco devagar, bem perto


de implorar para descermos de elevador.

Fiz tudo como combinamos. Acordei bem cedinho e venci a


preguiça para caminhar. Porém, contudo, todavia, entretanto, não

estou preparada para descer onze andares de escada.

Tenho vários motivos plausíveis para isso.


Primeiro, vou ficar suando igual uma idiota e nem estou

gostosa o suficiente para isso ser sexy. Ao contrário dele, que está
uma delícia com uma camiseta que gruda no abdômen e marca os

gominhos.

Segundo, vou morrer antes mesmo de começar a caminhar.

— Posso te compensar depois — informa e eu arqueio as

sobrancelhas, de repente, interessada na proposta.

— O que tem a me oferecer?

— O que você quer? — devolve.

Você.

A resposta preenche a minha cabeça tão rápido, que o

coração acelera. Arregalo os olhos e coloco um sorriso no rosto.

— Vou pensar em algo, vamos — falo rápido. — Estou pronta

pra perder um quilo hoje. — Abro a porta de emergência e desço um


degrau.

— Sabe que não é assim que funciona, não é?

— O quê?

— Não vai perder um quilo por dia.

Reviro os olhos.
— Estraga prazeres.

Descemos as escadas em passos rápidos e o tempo inteiro

ele me auxilia na respiração. Já no calçadão, Heitor para e se

alonga, e eu aproveito para apreciar a vista.

God!

Ele é um pecado.

— Vamos, se alongue — ordena e eu obedeço, imitando os

movimentos que ele faz e sorrio quando ele vem para trás de mim e

me ajuda, tocando meu corpo que parece gostar de ter suas mãos

me tocando.

Depois do alongamento, nós caminhamos devagar e dá até

para admirar a vista. O sol ainda está nascendo, mas a cidade está

a todo vapor. Aos poucos, vamos aumentando o ritmo e meu

coração já quer sair pela goela.

Depois de uma hora, eu estou suando mais que uma cerveja

no churrasco de domingo.

Paramos em frente a uma barraquinha de água de coco e ele

compra água para mim.

— Sua recompensa — diz com um sorriso largo.


— Nada de uma cervejinha? — pergunto apenas para

provocá-lo. — Cairia bem. Deve ser duas horas da tarde em algum


lugar do mundo.

Ele me lança um olhar sério.

— Sem cervejas.

Assinto ao pegar o coco gelado e enquanto tomo a água


docinha, observo Heitor passar as mãos nos cabelos molhados de

transpiração. Tudo nele é duro. A bunda é durinha, as coxas, as


panturrilhas, os braços e o peitoral.

Perfeito.

Ele se aproxima de mim e se inclina um pouco, apenas para


envolver os lábios atrevidos no canudo e tomar um gole da água de

coco com os olhos verdes fixos em mim.

Sorrio.

Ele estende a mão e leva até o meu rabo de cavalo. Sem

falar uma única palavra, Heitor puxa o elástico e solta as minhas


madeixas ruivas, deixando-as cair naturalmente.

— O que foi isso?

— Gosto de você com cabelos soltos — sussurra, colocando


parte das mechas para o lado, expondo o meu pescoço.
— Acho que você tem uma fixação por pescoços — zombo.

— Tenho uma fixação pelo seu pescoço — rebate, e eu

engulo em seco. — Não vejo a hora de marcá-lo — acrescenta e


arfo.

Pra falar a verdade, eu não vejo a hora que ele faça isso.
— A vizinha, hein? — Rebeca insinua com um sorrisinho ao
colocar o último prato na lava-louça. — Ela pode ser chata, mas é
linda.

Desde que me mudei pra cá, janto com minha irmã e

sobrinho pelo menos uma vez na semana. Não quero que minha
vida e trabalho me afastem da família outra vez. Quero manter o

que é importante por perto.

Não me orgulho, mas deixei minha irmã e mães em segundo

plano por causa de Ayla e no final, ela não valeu a pena. Não era a
mulher certa e me fez de idiota por anos.

— Anda, começa a falar agora, sabe que sou curiosa — ela

insiste, cutucando minha costela com o cotovelo.


Consegui me esquivar dela por alguns dias e evitar o

assunto. Não que eu não queira falar de Ariel, mas sim, porque
ainda é recente, e embora não tenhamos dito em voz alta, estamos

indo com calma.

— Não aconteceu nada — digo. Não é uma verdade, só que

também não é uma mentira.

Rebeca une as sobrancelhas expressivas para mim e fica na


ponta dos pés para tentar nivelar os nossos rostos. Ela é mais velha

e ainda assim, sempre foi bem pequena e fofa.

— Quer que eu acredite que você dormiu na casa da vizinha

e não aconteceu nada? — retruca e não me deixa responder. —

Não minta pra mim, irmãozinho.

— Ela acabou de sair de um relacionamento — decido

admitir. — Ariel estava noiva de um babaca — grunho.

— Dois corações partidos, então? É uma bela combinação.

Bufo.

— Meu coração não tá partido — resmungo, me afastando

dela, torcendo mentalmente para que cale a boca e o assunto morra

aqui mesmo.
— Sério? — Rebeca me intercepta ao segurar meu braço
com as duas mãos e me impede de sair completamente da cozinha.

— Depois do divórcio, o único compromisso sério que você teve foi

o de comer bocetas diferentes.

Sinto um gosto corrosivo na garganta.

— E qual é o problema?

— Além de doenças sexualmente transmissíveis? — ela

retruca, enfadonha. — Eu não sei, filhos inesperados?

Deixo escapar uma risada seca e ela belisca o meu braço ao

fazer um estalo com a língua, me repreendendo.

— Uso proteção.

Ela arregala os olhos de forma dramática.

— Ah, sério? Nossa, eu tô tão aliviada, até mesmo porque

acidentes não acontecem e camisinhas não furam, não é mesmo?

— resmunga e direciona a atenção para a sala que é acoplada com


a cozinha e observa Miguel brincando com um quebra-cabeça.

Rebeca é cinco anos mais velha que eu e tinha trinta e dois

quando engravidou de Miguel. Não estava nos seus planos ser mãe,

ainda por cima, solteira. Mesmo dona de si, independente


financeiramente, ela sentiu bastante quando o idiota não quis fazer

parte da vida dela e do menino.

Mas ela superou e seguiu em frente. Deu a volta por cima e

hoje é uma das melhores mães que eu conheço.

— Miguel foi a melhor coisa que me aconteceu, mas eu acho


que seria bom se o pai dele fosse o cara certo. Se ele tivesse um

pai.

Nego com a cabeça.

— A gente não precisou de um pai, tivemos nossas mães e


foi suficiente — comento e é automático, os lábios da minha irmã se
repuxam num sorriso meigo.

— Você tem razão, elas foram mesmo. Será que sou

suficiente pra ele?

Envolvo o braço na minha irmã, puxando-a para um abraço


de lado. Deposito um beijo na sua têmpora ao sussurrar:

— É sim.

Antes que ela possa falar algo, meu celular começa a tocar
dentro do bolso da minha calça. Ao pegá-lo, sinto um nó na

garganta ao reconhecer o número de Ayla na tela colorida.


Apaguei seu número assim que assinei os papéis do divórcio,

mas existem coisas que ficam cravadas na nossa cabeça.

— É Ayla — digo e Rebeca fica em alerta, endurecendo os


ombros.

— Por que ela tá te ligando? Vai atender?

Sinto a garganta arranhar.

Na nossa última conversa, antes de eu ir embora de vez da


vida dela, eu disse para nunca mais me procurar. Ela chorou muito e

implorou por uma segunda chance, só que fui incapaz de perdoar


Ayla por ter me traído.

Por ter me traído com o meu melhor amigo.

Parece que isso torna tudo mil vezes pior.

— Não sei — falo e a ligação cai. Um segundo depois, volta a


tocar de novo e sem saber o motivo, eu resolvo a atender: — O que
você quer?

— Oi, você é o Heitor? — a voz feminina do outro lado da

linha não é da Ayla. Há barulho de ambulância ao fundo e pessoas


falando ao mesmo tempo.

— Sim.
— Você está no contato de emergência dela — informa e eu
sinto o meu coração afundar contra o peito. — Ela sofreu um

acidente no Anel Rodoviário de BH[20] e está indo para o hospital.


Você precisa vir.
Não é fácil ver Heitor de malas prontas para voltar para a
cidade natal porque a ex-esposa sofreu um acidente grave de carro.
Dói um pouco e me deixa com uma sensação ruim no estômago.

Eu sei que ele não quer ir, porque ir é como cutucar feridas

que ainda nem cicatrizaram completamente. No entanto, Ayla não


tem família lá ou em lugar nenhum.

E o Ricardo?

Bom, o ex-melhor amigo e amante está na UTI, lutando para

sobreviver. É triste ver Heitor deixando tudo para ir para Minas


Gerais amparar os amigos traidores quando estavam juntos na hora

do acidente, mas esse vizinho safado tem um coração bom.

Bom demais.
Ele me entrega uma mochila com os pertences do Rambo,

quase sorrio, porque é fofo. Vou ficar de babá do cachorro e acho


que essa bola de pelo caramelo é o que não vai me fazer pirar.

— Obrigado.

— Promete voltar? — é o que eu falo com o coração batendo

tão rápido, que sinto que ele pode sair do peito a qualquer

momento.

Ele abre um sorriso triste.

— Eu vou voltar.

Assinto com os lábios colados.

— Tá bem.

Heitor estende uma das mãos e envolve na minha nuca,

afagando meus cabelos. Sinto a espinha arrepiar no momento em

que ele junta o seu rosto ao meu. Os olhos verdes presos nos meus
antes de descerem até os meus lábios, e então, me envolver num

beijo lento e profundo, necessitado.

Nossas línguas se enroscam e ele me puxa contra si,

deslizando a mão livre pela minha cintura.

Estou a um triz de ser egoísta e pedir para Heitor ficar, mas


engulo a vontade e sorrio ao me afastar dele.
— Faça uma boa viagem.

O polegar dele acaricia a minha bochecha com carinho e

então, ele recua um pouco para girar nos calcanhares e ir embora.

Rambo que está perto dos meus pés grunhe antes de latir olhando

para o dono.

Abaixo-me um pouco e agarro a bola felpuda, que parece


inconsolável pela partida de Heitor.

— É, garoto. Por enquanto, somos só nós dois agora.

Entro no apartamento com Rambo e o solto, como de

costume, ele corre o apartamento inteiro e para a minha surpresa,

levanta a perninha e faz xixi nos pés do meu sofá.

Estreito os olhos para ele, que inclina a cabeça de um lado

para o outro, me observando.

— Protestando? — pergunto e ele late em resposta. — Eu

também não queria que ele fosse — emendo e ele late de novo,

como se entendesse todas as palavras que saem da minha boca.

Coloco a mochilinha do Rambo em cima do sofá e sento no

braço, suspirando. Com dificuldade, ele pula e vem para mim,

encostando as patinhas na minha perna e me arranhando.

Faz cócegas e quando eu rio, ele late bravo.


Levo a mão até a cabeça peluda e faço carinho.

— Eu sei, prometo não deixar ninguém roubar Heitor da

gente, tá bem? — murmuro e ele solta um gemido de choro. —

Vamos ficar bem aqui, eu e você. Serão só alguns dias.

Ele late, discordando.

— Vamos passear de manhã e brincar na praia. Depois que


eu trabalhar, é claro. E correr também, porque eu preciso

emagrecer. Você com quilos a mais é fofo. Eu? Fico cheia de pneus
e honestamente, não quero eles.

Rambo coloca a língua para fora e lambe a minha mão


freneticamente, um pouco mais feliz.

— Você é meio interesseiro, sabia? — retruco, mas cedo e

deito no sofá, colocando o cachorro em cima da minha barriga e


apalpando a barriguinha dele. — Não mije mais nos móveis.

Outro latido atrevido.

— Posso marcar uma castração pra você.

Rambo grunhe e eu começo a rir.

Vou sentir falta do vizinho safado, mas preciso confessar que


o seu cachorro maluco será uma ótima companhia.
Ao entrar no quarto de hospital e ver Ayla tão debilitada numa
cama, meu coração afunda contra o peito. Eu sei que ela fez
merdas que foderam com a minha cabeça, mas nunca desejei o seu

mal.

Ela olha para mim, o rosto todo machucado e inchado por


causa do acidente, ainda assim, sorri.

Ayla não tem família. A mãe morreu quando ela estava no


último ano do ensino médio. Eu sempre cuidei dela, sempre estive

presente, dando suporte e sendo tudo aquilo que ela precisava.

Porém, isso não foi suficiente para o nosso amor.

— Você veio — murmura com a voz fraca. — Achei que não


fosse vir.
— Sinto muito.

Mesmo sem ter certeza, me aproximo dela, parando a um

passo de distância do leito.

— Você viu o Ricardo? — ela pergunta com a voz de choro.

Assinto em silêncio.

Assim que cheguei, eu fui vê-lo e encontrei o seu pai na sala

de espera da UTI. Conversamos um pouco e ele está desolado por

causa do filho. Ricardo está em coma, ainda não respondeu aos

tratamentos, mas os médicos disseram que vão fazer de tudo para


salvá-lo.

— Eu não vou mais andar — fala, chorando e espremendo os


lábios cheios. — O médico disse que o dano na minha coluna é

irreversível.

Fico sem saber o que falar. Disto, eu não sabia. Não

perguntei sobre o estado de Ayla, porque as enfermeiras falaram


que ela estava acordada e se recuperando, achei que estivesse

tudo certo com ela.

— Ayla... — murmuro.

— Sinto muito, Heitor. Por tudo.

— Eu também — falo com um nó na garganta.


— Foi uma idiotice, eu não devia ter feito aquilo — balbucia e
eu fico quieto. Não sei se está falando sobre ter me traído ou outra

coisa. — Mas, achamos que não ia fazer mal, sabe?

Ergo uma sobrancelha.

— O que não ia fazer mal?

— Você não sabe como o acidente aconteceu? — rebate, e

eu finjo que sei exatamente do que ela está falando.

— Ah, isso, claro que eu sei.

Ayla respira fundo, ainda chorando.

— Se eu pudesse voltar no tempo, eu não teria feito isso.


Não teria feito sexo oral no Ricardo enquanto ele dirigia.

Solto uma baforada de ar e rio seco.

— Infelizmente, não tem como voltar no tempo, Ayla.

Ela direciona os olhos negros para mim e morde o lábio


inferior, franzindo a testa numa expressão entristecida.

— Eu quase morri.

— Eu sei.

— Isso me fez perceber algo.


Passo as mãos nos cabelos, penteando e começo a refletir

sobre o quão idiota eu devo ser para ter vindo até aqui. Ayla e
Ricardo sofreram um acidente porque ela estava chupando o pau

dele.

O que isso tem a ver comigo?

Nada.

— A gente não devia ter se divorciado, nosso casamento era

bom, éramos felizes.

— Sim, mas você estragou tudo. Você e o Ricardo —


devolvo, ácido. — Me traíram por anos e não há como apagar isso.

O choro dela aumenta.

Sempre me doeu muito ver Ayla chorar, só que agora,


mesmo triste por vê-la tão debilitada e sofrendo, não consigo me

comover a ponto de esquecer todas as merdas que aconteceram


entre nós.

— Podemos recomeçar.

Uno as sobrancelhas em descrença ao rebater:

— O que você quer?


— Quase morrer... me fez ver que foi um erro ter deixado

você ir. Eu devia ter insistido mais, não devia ter te dado o divórcio.
A gente nasceu um pro outro Heitor e temos que ficar juntos.

Sorrio, cético.

— Acho que você enlouqueceu.

Ela sacode a cabeça de um lado para o outro, negando.

— Você não lembra dos nossos votos? Prometeu me amar


na saúde e na doença. Tem que me perdoar e voltar pra mim, eu

preciso de você mais do que nunca agora. É um momento muito


difícil e só vou superá-lo se estiver ao meu lado.

Solto uma lufada de ar e entendo tudo.

Não é que ela esteja realmente arrependida de tudo que fez


de errado comigo. Ayla só não quer ficar sozinha na sua atual

condição e acha que pode me cobrar alguma coisa.

— Você prometeu... na igreja... perante a Deus. Me deve

isso, Heitor. E eu preciso de você agora. Preciso que fique comigo.


Preciso que coloque uma pedra no passado e volte pra mim.

— Não devo nada a você, Ayla.

Ela fecha os olhos, chorando.


— Heitor, por favor. Não pode me deixar, eu sou a Ayla. A
sua Ayla, o amor da sua vida, lembra? — choraminga, só que não
consegue me tocar de forma alguma. — Por favor.

— Você foi a minha Ayla, não é mais. É apenas... minha ex-

esposa — é o que eu digo, fazendo-a apertar as cobertas da cama


com força até os nós dos dedos ficarem brancos.

— Não! — grita.

— Eu tenho alguém, Ayla. Honestamente, ela me faz feliz e


eu não quero perdê-la — sou sincero e ela fica irredutível, negando

com a cabeça. — Sinto muito por tudo que aconteceu com você,
mas não vamos voltar.

— Você é bom, Heitor. Sempre foi. Por favor, não pode me


deixar sozinha. Eu não tenho ninguém.

Suspiro, exausto.

— Você tem o Ricardo.

— E se ele nunca acordar? — rebate, berrando. — O que eu


vou fazer? Não quero ficar sozinha. Não posso. Eu preciso de você.

Preciso que cuide de mim como disse que faria quando casou
comigo. Tem que fazer isso.

Olho dentro dos olhos de Ayla e abro um sorriso triste.


— Os votos não valem mais nada, Ayla. Você quebrou eles,
lembra? Você me traiu e acabou com o nosso casamento. Não
existe nada que possa consertar as coisas entre nós.

— Heitor...

— Você vai ficar bem.

Ayla agarra minha mão entre as suas, desesperada.

— Quem é ela? — quer saber. — Não acredito que consiga

amar alguém mais do que me amou. Isso é impossível. Eu era tudo

pra você — emenda aos prantos.

— Tem razão... — murmuro e de repente, os olhos dela

brilham. — Você era tudo pra mim. Agora, não é mais. Agora, não

significa nada pra mim.

— Se ainda restou um pouco do nosso amor no seu coração,

você vai ficar comigo, Heitor — sussurra, fungando. — Sabe que

aqui é o seu lugar, não é? Aqui é a sua casa de verdade... onde eu


estou.

Solto-me das mãos dela.

— Não existe nada aqui pra mim, Ayla.

Recuo alguns passos e giro nos calcanhares para sair do


quarto e a ouço gritando desesperada, me chamando. Algumas
enfermeiras correm para o quarto de Ayla, mas não existe nada que

vá me fazer mudar de ideia.

Minas Gerais não é mais a minha casa.


— Honestamente? Não quero ir — digo às meninas depois de

me convidarem para o Festival de Férias que acontece na praia de

Iracema todo ano.

Sempre gostei de ir. Shows na praia são os meus preferidos.

E o melhor de tudo é que fica tão perto de onde eu moro, que basta

descer onze andares, andar por uns cinco minutos e eu chego no

local.

Só que não estou no clima para shows.

Faz dois dias que Heitor foi para Minas e não estamos nos
falando tanto quanto eu gostaria. E eu sei que não deve ser fácil ver

a mulher que ele amou tão debilitada e sofrendo, e que isso deve
deixá-lo confuso, porque me deixa também.
Mesmo que Ayla tenha o traído e o feito sofrer, eu sinto como
se estivesse sobrando nessa história.

Odeio essa sensação.

Odeio porque eu quero Heitor e não quero sobrar na história.

— Todo mundo vai — Duda retruca e eu a olho de soslaio. O


todo mundo dela é Enzo, o amigo de Heitor. Os dois estão bem

amiguinhos ultimamente, são como unha e carne. — Não pode ficar


em casa.

— Quem vai cuidar do Rambo? — questiono e como se


soubesse que estou falando dele, o cachorro vem correndo, todo

serelepe e dá um pulo no sofá, latindo igual louco e eu me deito com


ele em cima de mim.

Nós rimos.

— Viu? Ele odeia ficar sozinho — murmuro, fazendo carinho

nas orelhas dele.

Rambo tem sido uma ótima companhia e estou pensando se


devo entregá-lo ao seu dono ou não quando chegar a hora. Gosto de

ter um cachorro. Gosto de ter o cachorro do vizinho.

— Duas horinhas sozinho não vai fazer mal, né Rambo? —

Gio pergunta ao erguer as sobrancelhas para o cachorro, que late


em resposta.

— Acho que ele discorda — devolvo, sorrindo.

— Já compramos os ingressos. Você vai com a gente sim —

Gio insiste e eu reviro os olhos, enrugando o nariz ao fazer careta.

— Isso é uma ordem, tá legal?

Solto um longo suspiro, abraçando Rambo. Ele é tão macio e

fofo. Inevitável não pensar em Heitor. Aquele gostoso testudo

quando é que vai voltar? Resolveu mudar de profissão e virar

enfermeiro particular?

— Tá bom, vai ser divertido — falo, tentando me convencer

das palavras. — Vai ser bom sair de casa e me distrair. Quase caí

em tentação e pedi uma pizza tamanho família ontem — admito.

— O que te fez mudar de ideia? — Duda quer saber.

Com as mãos em volta de Rambo, eu o levanto um pouco no

ar e minha amiga sorri.

— Ele estava me julgando com esses olhinhos meigos.

— Não vamos regredir — Gio fala e eu reviro os olhos,

fazendo-a estalar a língua contra o céu da boca. — Pizza todo dia


faz mal à saúde.
— Eu não comia pizza todo o dia — retruco uma mentira a
meu favor. Duda me fita de um jeito que diz “você comia sim”.

— Screw you, guys.[21]

— Olha essa boca suja, vou lavar com detergente — Duda se

inclina sobre mim, com cuidado para não esmagar Rambo e faz

cócegas na minha barriga, me arrancando risadas.

— I love you, bitches.[22]

— Olha como a nossa Ariel é romântica — Gio zomba e nós

três rimos. — Nós também te amamos.

— Muito — Duda emenda.

Sento no sofá e coloco Rambo no meu colo. Duda arrasta a


bunda para mais perto e encosta a bochecha na minha ao envolver

os braços em torno de mim e me apertar com força.

— Vem aqui, Gio. Quero o nosso triângulo abraçoso — Duda


murmura o termo que inventamos no ensino médio para um abraço a

três e eu rio, porque “abraçoso” é uma palavra horrível, mas tem um

significado e tanto.

Sorrindo, Gio senta ao meu lado, nos envolvendo com os


braços também e fico com a sensação de que tudo vai ficar bem.
Um palco enorme foi montado e boa parte da praia foi

fechada com muro. Há seguranças do lado de fora e vários salva-

vidas espalhados pela orla. Luzes piscam e giram para todos os

lados.

Giovanna dá nossos ingressos ao homem na entrada e

depois de conferir, ele os junta e arranca o canhoto dos três de uma

só vez. O lugar está cheio e barulhento, não há a menor chance de ir


para perto do palco.

Caminhamos até a barraquinha de bebidas perto de nós e

compramos cervejas. Duda começa a cantarolar com a banda em

cima do palco, balançando o corpo de um lado para o outro no ritmo


da música.

Rostinho doce e jeitinho meigo, mas não se engane, ela ama

um bom e velho rock.


— Os meninos vão atrasar um pouco, mas estão vindo — Gio

informa depois de conferir o celular.

Meu corpo inteiro gela e o coração acelera igual uma

batedeira. Ter os garotos aqui vai me fazer lembrar ainda mais do


Heitor e que a merda de milhares de quilômetros nos separa.

Tomo um gole da minha bebida e varro os pensamentos para

o fundo do meu cérebro. Heitor disse que voltaria. Talvez, demore


um pouco, mas ele prometeu que vai voltar.

— Você tá bem? — Duda pergunta ao enroscar o braço no

meu.

Assinto em resposta e sorrio.

Em cima do palco, a banda toca “Malandragem” da Cássia

Eller. Para tirar o foco de mim, começo a cantar, pegando a mão da

Duda e girando num ritmo dançante, roubando uma risada dela.

Gio se junta a nós.

Quando as batidas de uma versão mais atual, mas sem

perder a essência de “Cry Baby” da Janis Joplin preenche todo o


lugar, sinto um formigamento esquisito no peito, que quase me deixa

angustiada.

“Querido, chore querido, chore querido.


Querido, bem-vindo de volta para casa.

Eu sei que ela te disse.

Querido, eu sei que ela disse que te amava muito mais do que

eu amei.

Mas tudo que eu sei é que ela o deixou e você jura

simplesmente não saber porque.

Mas você sabe, querido, que sempre vou, eu sempre estarei

por perto, se você por acaso me quiser”

Olho para as meninas e finjo um sorriso depois de fazer uma

careta engraçada, tentando me esconder de alguma forma.

Solto um suspiro longo ao ver os garotos se aproximarem.

Apenas, Enzo e Bernardo. Eles nos cumprimentam e eu fico com a

sensação de estar sobrando no meio deles.

É em vão, eu sei, ainda assim, não consigo evitar. Com uma

esperança que não sei de onde vem, meus olhos rodeiam o lugar,

eles procuram Heitor no meio das pessoas e a cada rosto que não é

o dele, meu coração murcha um pouco.

Quando me conformo com o fato de que Heitor não está aqui,

eu o vejo. Ele está há alguns passos de distância, parado, lindo,


perfeito, me observando com um semblante sério, que se ilumina no

momento em que nossos olhos se conectam.

Abro um sorriso.

Ele vem até a mim e meu coração acelera. Não diz nenhuma

palavra, a única coisa que faz é contornar o meu corpo com os

braços fortes e rígidos, me prendendo num carinho protetor.

Aperto-o de volta.

— Você voltou.

— Eu disse que voltaria — fala ao se afastar, segurando meu

rosto entre as mãos, os polegares afagando minhas bochechas. —

Vim direto do aeroporto pra cá.

— Tá tudo bem com a Ayla? — pergunto, porque sinto que é

a coisa certa a se fazer.

Eu sei que ela partiu o coração do Heitor, só que nem nos

piores dias dele, esse vizinho safado e estranhamente gentil,

desejaria algum tipo de mal a uma mulher que ele amou.

— Não quero falar dela.

Concordo com um aceno de cabeça.

— Você tá bem?
Depois de me ouvir, ele abre um sorriso maroto.

— Melhor agora que eu voltei e vi você — ele diz e em engulo

em seco, meio tocada com as palavras. É cedo demais para ter esse

tipo de sentimento, contundo, como controlar o meu coração? —

Ariel...

— Hum?

Uma versão acústica e romântica de “Você me faz tão bem”

do Detonautas alcança os nossos ouvidos e uma das mãos do meu

rosto deslizam para a minha cintura, me arredando para mais perto.

— Como conseguiu ficar ainda mais linda?

Sorrio, piscando devagar.

Ele desce com os olhos até os meus lábios e eles ficam

secos, ávidos por um contato, e então, Heitor traz o rosto para mais
perto e gruda os lábios nos meus com vontade. A sensação da sua

boca macia e quente contra a minha me faz arquejar de tesão.

Ele me aperta com força e me faz perceber que adoro sua


pegada forte.

Nossas línguas se chocam e o sabor de Heitor toma conta de

mim, me consome dos pés à cabeça.

Completamente.
A mão no meu pescoço aperta e ele geme baixinho, a

vibração do som rouco e sexy passa pela minha garganta e se

acomoda direto entre as minhas pernas.

Sinto a ereção contra a minha barriga e é isso que o faz parar

de me devorar. Heitor respira fundo e me prende num abraço forte e

necessitado, como se precisasse me sentir o mais perto possível.

— Passei horas no aeroporto, preciso ir em casa tomar banho

e trocar de roupa.

Assinto contra o seu peito musculoso e quente.

— Você volta?

— Sim — murmura.

Enfio a mão na minha bolsa tiracolo e tiro a chave do meu

apartamento para entregar a ele.

— Se quiser ver o Rambo. Ele tá morrendo de saudade de

você.

Heitor abre meio sorriso antes de encostar os lábios nos meus

num selinho forte e girar nos calcanhares para ir. Mal tenho tempo

de admirar as belas costas largas e as meninas se aproximam,


agarrando meus braços.
— Vocês são tão fofinhos juntos — Duda comenta e eu reviro

os olhos ao enrugar o nariz numa careta.

— Um casal lindo — Gio coloca pilha também e meu coração

tolo acelera no ritmo da batida da música que está tocando.

Passamos a próxima meia hora tomando cerveja, cantando e

dançando. Toda vez que tocou uma música romântica, eu cogitei ir

para casa e ficar com Heitor lá. Sim, o álcool me deixou meio que

desesperada pelo meu vizinho sarado e safado.

Decido trocar a cerveja por água e ao me aproximar da

barraquinha de bebidas, vejo Vitória e Marcela. Meu sangue ferve e

meu lado vingativo quer fazer alguma merda, mas mordo a língua e

me controlo.

Compro a água e dou as costas para as duas. Infelizmente,

não tem como evitá-las e ficar longe de confusão se as duas não

fizerem o mesmo.

— Olha só... Muriel — Vitória fala com a voz esganiçada.

Penso em ignorar e continuar com o meu caminho, mas as próximas

palavras me quebram. — Você engordou? Tá bem mal, rosto

inchado e bochechuda. Coitadinha, deve ser difícil ser trocada, não

é? Entrou no fundo do poço e não conseguiu sair ainda.


Aperto a garrafinha nas minhas mãos com força e quase a

explodo.

Com um falso sorriso, eu viro para encará-la. Abro a boca

para falar, mas Marcela é mais rápida e diz:

— Não faz diferença. Ariel nunca foi bonita mesmo. Gorda ou

magra, vai ser o mesmo trapo feio de sempre.

Prenso os lábios.

— Vocês não cansam de serem ridículas?

Vitória e Marcela riem.

— Obrigada pela viagem — Vitória fala ao se aproximar de

mim, bebericando a sua caipirinha de frutas vermelhas. — Fernando

de Noronha é lindo.

— Espero que esteja fazendo bom proveito das minhas

sobras — resmungo e ela infla as narinas. — Pensando bem, talvez

não, Felipe nunca foi grande coisa — emendo com um sorrisinho de

deboche.

— Acha que tá por cima? — pergunta, envolvendo uma das

mãos no meu braço e apertando com força. — Felipe só estava com

você por pena. Você perdeu a virgindade com ele e se apaixonou


como uma idiota, declarando o seu amor tolo. Ele ficou com pena de

terminar com você.

Meu rosto ferve de raiva.

— Vai se ferrar, vaca.

— Lembra quando ele se atrasava pros encontros de vocês?

É porque ele estava comigo. — Abre um sorriso cínico. — Sabe

quantas vezes ele te comeu pensando em mim? Muitas. Se não

fosse assim, não conseguia gozar com essa bunda branquela e

gorda.

Furiosa e com os olhos ardendo, levanto a mão e acerto uma

bofetada forte no rosto de Vitória, fazendo-a cambalear para trás.

— Você acha bonito ser amante de alguém? Não se engane,

não vai demorar pra você estar no meu lugar — rosno.

— Existem várias diferenças entre nós duas. Eu sou linda,


perfeita e Felipe me ama — fala, jogando a caipirinha de frutas
vermelhas em mim.

Num trancão, jogo a garrafinha de água no chão, me


segurando para não explodir de verdade.

Gio e Duda chegam e estão prontas para avançar em cima de

Vitória e Marcela e começar uma confusão daquelas, mas impeço.


Não vale a pena discutir com mulheres que têm merda na cabeça.

— Eu odeio aquela vaca — Gio resmunga.

— O que ela queria? — Duda quer saber.

— Me humilhar — murmuro e balanço a cabeça de um lado

para o outro. — Vou embora, cansei dessa noite.

— Nós vamos com você — Duda avisa e eu nego com a

cabeça, impedindo que a sua noite acabe porque a minha acabou.


— Não. Nós três viemos juntas e vamos embora juntas.

— Fiquem e aproveitem. Eu vou ficar bem.

As duas se entreolham, receosas de me deixarem ir, mas

acabam cedendo e eu vou.

Já do lado de fora da área fechada da praia, tiro as minhas


sandálias e caminho perto da praia para sentir a água quentinha

tocar meus pés.

— Ariel? — Uma voz masculina alcança meus ouvidos e


arrepia minha espinha de maneira tenebrosa. — Nossa... uau. Você

tá ótima — Felipe fala, me olhando dos pés à cabeça.

Fico me perguntando se ele e Vitória combinaram de me


atormentar hoje.
— Não segundo a sua namorada — retruco, amarga.

— Quem? Vitória?

Fecho os olhos e respiro fundo.

— O que você quer?

— O que aconteceu com você? — questiona, apontando para


a parte de cima da minha roupa, toda suja de um líquido vermelho.

— Nada — grunho.

— Já tá indo embora?

— Sim — minha resposta soa curta e grossa, o que o faz


enfiar as mãos na bermuda jeans e mover os ombros.

— Você sumiu.

Depois da nossa última conversa que ele me chamou de

louca, mimada, chata, controladora, insuportável e infantil, eu


simplesmente bloqueei Felipe de todas as minhas redes sociais.

O seu número também.

Tudo para evitar qualquer tipo de contato com ele.

— Aproveitou bem Fernando de Noronha? — questiono,


desestabilizando o homem por completo. — Espero que sim.

— Eu posso explicar.
Rio, seca.

— Pode explicar? Não quero ouvir nada de você — grunho e

estou prestes a girar nos calcanhares para ir embora, só que o


babaca me impede. — Me solta.

— Vamos conversar. Você parece estabilizada agora pra

gente ter uma conversa de adultos.

Solto outra risada.

— You're kidding me?[23]

Ele tem a audácia de sacudir a cabeça de um lado para o

outro e negar.

— Se você puder me escutar, vou explicar tudo — é o que diz,


me arrastando para fora da praia. — Estacionei o meu carro aqui

perto, vamos.

— You’re crazy?[24] — pergunto e ele não me responde. — Let

go of me now![25] — berro, tentando me desvencilhar das mãos dele.

Cravo meus pés na areia e infelizmente, é em vão. — Me solta,


imbecil! — grito de novo.

— Ela disse pra você soltar — a voz firme e grossa de Heitor

ultrapassa meus ouvidos ao mesmo tempo em que as mãos


protetoras dele me soltam de Felipe. — Você é surdo ou o quê?
Felipe endireita os ombros e contrai o maxilar.

— E você... quem seria? — pergunta, encarando Heitor com


um ar superior, que segura firme o olhar do meu ex.

— Alguém que vai quebrar a sua cara se não for embora

agora — Heitor ameaça com a mandíbula cerrada e está a um triz de


partir para cima de Felipe, o que eu não deixo acontecer.

Não vale a pena sujar as mãos com ele.

Felipe olha para mim e ergue uma sobrancelha, quase como

se estivesse esperando que eu fosse defendê-lo. Prefiro tentar secar


o mar com uma peneira do que abrir a boca para defender esse

idiota.

— Ok, vou embora. Vitória está me esperando de qualquer


forma.

— Okay, bye bye — murmuro com sarcasmo e só respiro

fundo quando o vejo dar as costas para nós. — Obrigada.

— Você tá bem? — Heitor pergunta ao segurar meu braço e


inspecionar. — Ele te machucou?

— Não, eu tô bem.

— O que aconteceu com a sua blusa?


Solto um suspiro melancólico ao lembrar do que aconteceu

com Vitória.

— Vitória. — Dou de ombros. — Ela me provocou, eu bati


nela e isso aconteceu — dou um resumo.

— Eu saí por meia hora.

Abro um sorriso melancólico.

— Eu extrapolei, mas ela disse coisas que... deixa pra lá. Não

adianta ficar remoendo e eu sinto que tô seguindo em frente. Não


quero ficar mal outra vez.

Ele rompe o espaço pequeno entre nós e leva uma das mãos

até o meu pescoço, roçando os dedos na nuca.

— Sou um ótimo ouvinte.

— O melhor — corrijo-o.

— Quer conversar?

Encaro Heitor de modo profundo.

— Quer conversar sobre a sua viagem? — devolvo.

— Ainda não — admite.

— Só quero ir pra casa.


— Não importa o que ela tenha dito, você é incrível... e linda
— sussurra e me envolve em seus braços de uma forma tão
aconchegante, cheio de sentimentos que ainda não estamos

preparados para falar em voz alta.


— Limpa e cheirosa... como uma garota deve ser — zombo
ao sair do banheiro e girar nas pontas dos pés, depois, encaro
Heitor, que está perto da janela de vidro do meu quarto.

Ele abre um sorriso torto.

Através do vento, “Equalize” da Pitty atravessa as janelas e

preenche o cômodo com sutileza. A voz feminina doce e ao mesmo

tempo forte, servindo como música de fundo para nós.

“Adoro essa sua cara de sono e o timbre da sua voz, que fica

me dizendo coisas tão malucas. E que quase me mata de rir quando


tenta me convencer que eu só fiquei aqui, porque nós dois somos

iguais.
Até parece que você já tinha o meu manual de instruções,

porque você decifra os meus sonhos. Porque você sabe o que eu


gosto. E porque quando você me abraça o mundo gira devagar.”

Devagar, caminho até Heitor, que segura minha mão e me


gira antes de me embalar num abraço apertado. Deito a cabeça

contra o seu peito forte e sinto os batimentos acelerados que

sincronizam com o meu coração.

— Por um momento, não tive certeza se você... se você

realmente voltaria pra cá — confesso com um nó entalado no meio

da garganta. — Eu sei que ela magoou você, só que as pessoas


merecem segundas chances. E tragédias... elas costumam abrir os

olhos das pessoas.

Afasto-me um pouco para encarar Heitor, que engole em

seco e permanece em silêncio.

— Não abriu os seus?

— Sim — responde e meu coração bombeia tão alto dentro


dos ouvidos, que fico me perguntando se ele é capaz de ouvir.

— E o que ainda está fazendo aqui? Por que voltou?

Ele não diz nada, apenas ficamos olhando nos olhos um do

outro. Eu comecei isso, eu fiz as perguntas importantes, ainda


assim, tenho medo das respostas, porque elas podem partir o meu
coração.

E para ser honesta, não sei se sou capaz de colar os

pedacinhos outra vez.

Tento me afastar de Heitor e ele me intercepta, agarrando

meu braço e chocando os nossos corpos com força ao me puxar


contra si. De repente, eu sinto como se estivesse prestes a entrar

em erupção.

Ainda em silêncio, ele esmaga a minha boca com a sua, me

beija com tanta força que sinto meus lábios doerem ao mesmo

tempo em que queimam de um jeito excitante.

Saboreio a sua língua atrevida mergulhando em mim e me

fazendo sua.

As mãos de Heitor descem pelas laterais do meu corpo e

encontram a minha bunda, que ele aperta com vontade e me rouba

um gemido de rendição. Num movimento hábil, me ergue e eu

entrelaço as pernas na sua cintura, sentindo o calor e a rigidez da


sua ereção me imprensando.

Ele me deita sobre a cama, sem desgrudar os nossos corpos.


— Quer saber por que eu voltei? — ele pergunta e encosta

os lábios nos meus, mordendo de leve e em resposta, meu quadril


arqueia contra ele. — Voltei porque não parei de pensar em você

enquanto estava lá.

Minha respiração fica ofegante.

— Eu quero você, Ariel — admite com um sussurro, impondo

a ereção contra a minha virilha. — Porra. Quero pra cacete.

Envolvo meus dedos nos cabelos macios de Heitor,


segurando os olhos verdes com atenção.

— Se não me parar agora... eu vou te foder, Ariel.

Minhas bochechas queimam.

— Não vou te parar.

Depois de me ouvir, ele cobre a pele do meu pescoço com


beijos e mordidas, em resposta, meu corpo trepida em antecipação.
Dá para sentir a minha excitação escorrer entre as minhas pernas,

enquanto o clitóris lateja, implorando por atenção.

Heitor se afasta um pouco, apenas para subir a minha


camisola e passar pela minha cabeça, expondo os meus seios de

mamilos enrijecidos. Ele se inclina, capturando um e chupando com


tanta vontade, que me deixa sem fôlego.
— Caralho, Ariel — grunhe ao passar para o outro mamilo,

mordiscando de leve e logo em seguida, passando a língua em volta


do bico duro. — Você é tão deliciosa.

— Ai, meu Deus, isso é tão... — choramingo.

Heitor faz um estalo com a língua contra o céu da boca, me


reprovando. Afiado, olha para mim. Um sorriso lascivo se forma nos

lábios do homem.

— Quero que gema o meu nome — fala, autoritário e meu


coração acelera e eu engulo em seco. — Vai chamar por mim

enquanto eu te foder.

Heitor passa a língua no meu abdômen, escorregando de

mansinho. Quando chega abaixo do meu umbigo, ele insere os


dedos nas laterais da calcinha e passa pelas minhas pernas, me

deixando completamente exposta.

— Você é tão linda — rosna, como uma fera prestes a


devorar a presa. — Agora, abre as pernas pra mim — ordena.

Focalizo os olhos verdes e obedeço. Heitor envolve as mãos


nas minhas coxas e me arrasta mais para beirada da cama, e então,

se coloca bem no meu meio. Sufoco um gemido ao vê-lo enterrar o


rosto entre as minhas pernas e rodear o meu clitóris com a língua.
— Que bocetinha molhada — murmura.

Ele me lambe inteira, envolve os lábios nas minhas dobras e

provoca o meu ponto sensível e latejante com força e rapidez,


deixando as minhas pernas estremecidas e muito perto de um

orgasmo.

— Heitor... — gemo e insiro as mãos nos seus cabelos para


puxar.

— Goza na minha boca, linda — rosna e volta a me tocar,


dessa vez, enfiando dois dedos dentro de mim numa dança ritmada

de vaivém. — Deixa eu sentir o seu gosto.

Jogo a cabeça para trás em êxtase, choramingo de tesão à


medida que ele continua me provocando com a língua e os dedos,
atingindo os pontos certos e que estremecem ainda mais as minhas

pernas.

Incapaz de me segurar, eu me entrego ao prazer e derreto na


boca de Heitor, puxando os cabelos macios com força, enquanto
gemo alto o seu nome.

Ele salpica beijos entre as minhas pernas antes de levantar e

tirar o cinto da calça jeans, olhando para mim.

Respiro fundo, estremecida.


Heitor já me deu um orgasmo antes, só que agora foi mil
vezes melhor, porque tê-lo entre as minhas pernas é incrível e sexy.

Ele sai de dentro dos sapatos, depois, desce a calça e passa


a camisa sobre a cabeça, ficando apenas de boxer. A ereção parece

brigar contra o tecido da cueca. Me ergo um pouco para vê-lo ficar


totalmente nu.

No momento em que libera o seu pau, molho os lábios.

Grande e grosso.

Com uma pegada firme e convidativa, Heitor agarra o

membro e faz fricção, o que me deixa com a garganta seca. A

glande brilha por causa do pré-gozo e ele apara uma gota com o
polegar, e então, se aproxima de mim e coloca o dedo entre os

meus lábios, me fazendo sentir o seu gosto.

O homem fica inebriado ao me observar chupar o seu dedo.

Gosto de vê-lo assim.

Afasto-me um pouco, apenas para pegar um pacotinho de

preservativo na cômoda ao lado da cama.

Sem que ele tenha pedido, abro o envelope, mas antes de

colocar no pau duro e ereto, eu me inclino um pouco e cubro a sua


excitação quente com os meus lábios, sugando com força e

engolindo até onde consigo.

Heitor deixa escapar um som gutural.

— Caralho, Ariel.

Ele me faz recuar e vem para cima de mim, cobrindo o meu

corpo. Com as coxas musculosas, ele me faz abrir as pernas.


Segurando o membro com uma das mãos, Heitor roça a ponta na

minha entrada e eu arqueio meu quadril, fazendo-o entrar inteiro e

de uma única vez.

Meu corpo arrepia inteiro.

Heitor rosna.

— Porra, Ariel. Essa boceta é gostosa demais — fala, e ele

tenta fazer movimentos lentos e profundos, aproveitando o


momento, mas assim que ergo o quadril contra ele, o homem

grunhe. — Calma. Quero te foder com calma — diz ao cerrar o

maxilar e apertar a minha cintura com uma das mãos.

— Me fode com força — peço, querendo que ele se entregue

completamente a mim. — Me mostra como você gosta.

Os olhos de Heitor ficam em um tom de verde mais escuro.


E então, ele vem com tudo, estocadas fortes, intensas e

precisas ao mesmo tempo em que as mãos alisam o meu corpo e

me apertam, cravando os dedos na minha pele, me marcando.

Deslizo minhas unhas pelas costas largas de Heitor e

arranho, puxando-o contra mim.

De repente, ele nos coloca sentados na cama, encaixada em

seu colo, um de frente para o outro e envolve as mãos na minha

bunda, me ajudando a quicar no seu pau num ritmo acelerado.

Aperto-o com a minha boceta e o seu corpo reage com

grunhidos selvagens e primitivos.

Heitor sobe uma das mãos e pousa nos meus cabelos da

nuca, puxando enquanto impulsiona o quadril contra mim. Nossos

lábios grudam e ele enfia a língua dentro da minha boca, quase me


fazendo engasgar com a intensidade do beijo.

Me agarro toda a ele à medida que sinto as minhas entranhas

se contorcerem com a aproximação de mais um orgasmo.

— Heitor... — gemo.

— Goza pra mim, linda — a voz dele soa baixa e profunda

contra a minha boca, é inebriante.


Ele prende as mãos na minha cintura e mantém o ritmo duro

e forte, estocando de maneira veloz e precisa. Sinto o corpo prestes


a explodir de prazer e ele parece perceber, já que esgueira uma

mão entre nós e toca com o polegar o meu ponto inchado.

— Eu... eu...

— Eu sei, meu bem — murmura e eu deixo o orgasmo

acontecer, percorrendo o meu corpo em ondas espirais e arrepiando


cada pelinho da minha pele.

Heitor fecha os olhos e emite um som rouco e sexy, que faz


meus sentidos ficarem ainda mais intensos. O homem é lindo e os

sons que solta ao chegar lá são incríveis demais.

Com a respiração pesada, Heitor entra e sai dentro de mim


algumas vezes antes de desabar na cama, grudando nossos corpos

suados. Ele dá um jeito na camisinha e depois, encaixa o rosto na

curvatura do meu pescoço e morde.

Não é uma mordida leve e carinhosa, é como se ele

estivesse prestes a me devorar.

E eu gosto.

— O que está fazendo?


— Marcando você, estava louco pra fazer isso — sussurra,

levando os lábios para o outro lado do pescoço. Sufoco um gemido.

— Minha — diz e crava os dentes na pele, me arrepiando. — Minha

— repete, descendo um pouco com a boca e mordendo de novo. —


E minha.

Sorrio.

Ele continua com as mordidas no pescoço por algum tempo,

até subir para o meu queixo e procurar os meus lábios para um beijo

que começa leve e aos poucos, ganha intensidade.

Para ser honesta, eu amo essa combinação de Heitor, bruto e

carinhoso.

— Eu preciso foder você de novo — sussurra e eu inclino o

meu quadril contra ele, sentindo a mesma necessidade.

No fundo, tenho medo de estar amando bem mais do que

apenas a combinação bruta e carinhosa de Heitor.

Eu tenho medo de já estar amando o meu vizinho.


~Dias depois ~

Ignoro as ligações de Ayla pela milésima vez.

Egoísta? Talvez.

No entanto, eu sei que ela não pararia a sua vida por mim se

eu estivesse no seu lugar. Ayla não tem o direito de me cobrar os


votos de casamento que fizemos na igreja, porque ela já os quebrou
e agora, eles não servem para nada.

Além do mais, eu não a amo mais.

É tão errado assim eu pensar primeiro em mim? Sempre a fiz

prioridade na minha vida e ela simplesmente não se importou

quando passou anos dando para o meu melhor amigo.


E mesmo assim, mesmo depois de ela ter partido o meu

coração, eu nunca desejei que algo de ruim acontecesse a Ayla.


Nem ao Ricardo. E droga, sinto muito por toda merda que

aconteceu, mas ela não pode me cobrar amor e cuidado.

Não agora.

Não depois de tudo que ela fez comigo.

— É ela? — Ariel pergunta ao contornar os braços na minha

cintura e me abraçar por trás.

Estamos no meu apartamento, fazendo jantar para as


meninas que vão chegar em uma hora mais ou menos.

— Sim.

— Como tem tanta certeza? Você bloqueou o número dela.

— É o DDD de Minas.

Ariel suspira e passa entre os meus braços, me impedindo de


voltar a picar os legumes. A ruivinha fica de frente para mim e se

coloca nas pontas dos pés para beijar os meus lábios de leve.

Encosto o queixo no topo da sua cabeça macia. É tão bom

estar com ela. Nem lembro a última vez que uma mulher me fez tão

bem como Ariel.


— Quer cancelar o jantar? — ela quer saber.

— Não, claro que não — murmuro e roço o nariz na parte

macia detrás da sua orelha pequena. — Eu tô bem.

Ariel é esperta, já me conhece o suficiente para perceber o

quanto a situação com Ayla me incomoda pra caralho. Eu sei que

não devo nada a minha ex-esposa, ainda assim, não consigo livrar o
sentimento de culpa do peito.

Segundas chances são uma droga.

— Tenho uma coisa pra falar que pode te distrair ou... — A

voz dela falha e a observo passar a língua entre os lábios. — Ou te

assustar de vez.

Encrespo a testa.

— O que aconteceu?

Ela conecta os olhos azuis aos meus.

— Minha mãe faz aniversário no próximo final de semana —


começa a articular, mexendo freneticamente na barra da minha

camisa. — Vamos fazer uma festinha, nada demais, sabe?

Apoio as mãos na ilha da cozinha e me inclino um pouco,

nivelando os nossos rostos.


— Hum...

— Quer ir comigo?

— Conhecer seus pais? — retruco e as bochechas

proeminentes coram de um jeito fofo. Com a mão limpa, prendo o


queixo de Ariel com as pontas dos dedos e a beijo. — Sim, eu vou.

Os lábios dela repuxam num sorriso largo.

— Eles moram em Paracuru, o paraíso secreto do Ceará —


diz, piscando para mim de um jeito exagerado e adorável. — Eu

amo aquele lugar, é perfeito. E ainda não é muito conhecido, então,


nada de muitos turistas.

— Vai ser minha guia turística de novo?

— Sim. — Ela aproxima o rosto do meu e morde o lábio


inferior com força, levando uma onda quente para o meu pau. — As

meninas vão também. Claro que tive que chamar Enzo e Bernardo.

Enrugo o nariz.

— Parece que sou um cupido — zombo e ela revira os olhos.

— Meus amigos namorando as suas amigas.

Ariel pousa as mãos delicadas no meu peito.

— Não acha estranho? — quer saber.


— Não.

Sorrindo, ela envolve os braços no meu pescoço e me dá um

selinho molhado.

— Duda sugeriu de irmos no carro do pai dela e fazer tipo


uma viagem em família, o que me diz?

— Ele tem um carro família?

Ariel concorda com a cabeça.

— Duda é irmã de quadrigêmeos — fala, me deixando


perplexo e de queixo caído. — Eu sei, assustador. São todos
meninos.

— Misericórdia.

Ela ri.

— Os meninos são uns docinhos. Super quietos e


obedientes.

Arqueio as sobrancelhas em surpresa.

— Sério?

— Claro que não. Os quatro parecem irmãos do Diabo da

Tasmânia, mas eu amo cada um daqueles pestinhas.

Nós rimos.
— Sabe de uma coisa? — ela questiona, semicerrando os
olhos. — Acho que você daria um ótimo pai.

As palavras fazem meu coração trepidar dentro do peito. É


estranho e bom ouvir Ariel falar isso. Ayla nunca quis ter filhos e

quando estava casado com ela, eu me convenci de que também


não queria mais.

Que ser pai não era algo para mim.

Por anos, acreditei nisso, mas lá no fundo, sempre me


pareceu errado e vazio concordar com Ayla sobre isso, porque era

algo que ela queria, não eu.

Depois que Rebeca me contou sobre a gravidez, me senti


estranhamente triste. Não era inveja. Talvez fosse um pouco.
Porque toda vez que pensava na minha irmã grávida, eu lembrava

que era algo que eu nunca teria.

Um filho.

— Por que acha isso?

— Você é ótimo com Miguel. — Ela morde o lábio inferior e

depois enruga o nariz ao fazer uma careta engraçada. — Com o


Rambo também.

Sorrio.
Ariel não tem noção, mas eu sei que ela também será uma
ótima mãe. Com certeza, a mais maluca do universo, no entanto, a
melhor.
~ Dias Depois ~

— Cadê o resto da sua bagagem? — pergunto quando Heitor


aparece no meu apartamento sem mala.

— Tudo que eu preciso está aqui, ruivinha. — Ele bate na


alça da mochila que está no ombro, depois, sorri para mim.

Eu não deveria me surpreender, mas quando encontramos os


garotos fora do prédio com mochilas também, eu fico me

perguntando se eles estão levando a sério o final de semana.

Três mochilas grandes são o que os meninos chamam de

bagagem prática?

Ao contrário deles, eu estou com uma mala pequena e uma


bolsa grande. Quase não cabe no porta-malas, porque as meninas
também têm bagagens como as minhas.

Depois de arrumarmos tudo no bagageiro, entramos no carro

e nos acomodamos nos bancos. Duda vai dirigir, então,

naturalmente, Enzo ocupa o assento do carona. Os dois formam um


casal super bonitinho e diferente.

Duda toda meiga e Enzo cheio de tatuagens e com uma cara

de marrento. Quem diria que minha amiga teria o coração fisgado


por um bad boy?

Inusitado.

Heitor se acomoda ao meu lado no banco traseiro e contorna

os meus ombros para beijar a minha bochecha, me roubando um

sorriso.

Eu sei que é um grande passo levá-lo até a casa dos meus

pais e talvez seja um erro enorme e irreversível, mas não importa.

Aquela Ariel controladora e super preocupada não existe mais.

Duda pisa no acelerador e partimos para o nosso final de

semana na casa dos meus pais.

Tenho a sensação de que serão dias incríveis.


Depois de quase duas horas de viagem, Duda estaciona o

carro em frente a garagem fechada da casa dos meus pais.

A casa fica de frente para o oceano e as ondas do mar

quebrando é algo mágico de se ouvir. O lugar é bem pé na areia,

apenas alguns passos e posso dar um mergulho na água quentinha


e salgada.

Heitor fica encantado com tudo.

— A vista aqui é incrível — sussurra, admirando o oceano

azul.

Papai tem orgulho da sua casa ser uma das mais bonitas

aqui. Isso porque com toda paciência do mundo, ele foi reformando

aos poucos e transformando o ambiente do jeito que ele e a mamãe

queriam.
Para ser franca, eu me formei em design de interiores por

causa dele, que é arquiteto.

À medida que vamos entrando na casa, os garotos ficam

impressionados. Todo mundo que vem aqui pela primeira vez fica
assim. É quase uma mansão numa cidadezinha pequena do interior

do Ceará.

Os móveis são modernos, o chão de porcelanato, os sofás


são revestidos com tecido náutico e sintético. As paredes são

brancas, decoradas com objetos artesanais feitos com delicadas


conchas do mar.

A varanda é a minha parte preferida da casa. É enorme, com


espreguiçadeiras, redes, piscina, vista para o mar e a escadinha que

dá na direção de uma parte mais tranquila da praia.

E lá está meu velho, na minha parte favorita da casa, deitado


numa rede.

— Hey, daddy. [26]

Assim que escuta minha voz, ele levanta da rede e vem até

mim, me prendendo num abraço de urso que tira meus pés do chão.
Papai enche minha bochecha de beijos exagerados e eu rio.
— Oi, meu bebê — fala e eu enrugo o nariz, olhando para

Heitor de soslaio. Depois de me amassar, papai vai cumprimentar as


meninas com abraços apertados e então, olha os olhos.

Respiro fundo e começo a fazer as apresentações.

— Pai, esse é Heitor — digo, o coração latejante. — E esse é


Bernardo e Enzo — emendo.

— Amigos ou namorados? — meu velho pergunta sem fazer

cerimônia e as meninas começam a rir.

— Dad! — repreendo.

Os meninos riem.

— Calma, foguinho— retruca ao me puxar para perto. —

Sabe que seu velho é curioso.

— Foguinho? — Heitor repete.

Reviro os olhos.

— Quando ela fica brava só falta pegar fogo — papai fala, me

fazendo passar vergonha.

De repente, o dogue alemão de oitenta e nove


centímetros vem correndo de dentro da casa para a varanda. Vai
primeiro em direção ao meu pai para receber carinho, em seguida,
fica em pé para me abraçar.

— Ei, Scooby. Como vai?

O cachorro gigante dos meus pais é um vendido e


apaixonado pelas meninas, então, rápido, passa de mim para elas,

enquanto os garotos ficam boquiabertos com o tamanho do Scooby.

Se Rambo estivesse aqui, os dois dariam uma ótima dupla,

mas aquele pequeno travesso não gosta de viagens muito longas de


carro e teve que ficar com Rebeca e Miguel. É uma pena, Scooby

com certeza ia amá-lo.

— Darling[27] — mamãe fala ao surgir na porta da varanda


que dá acesso à cozinha e caminha até mim.

— Mami.

Apresento os garotos à mamãe e ela ama ver todos os meus

amigos na sua imensa casa para o final de semana inteiro. Quando


percebe todos enturmados com o meu pai, ela me puxa para um
canto da varanda, quase entrando na cozinha.

— Quem é o bonitão alto?

— Mãe — murmuro num tom de repreensão.


— Você disse que traria amigos, mas não imaginei que
chegaria com um novo namorado — articula empolgada.

Meu rosto queima.

Heitor e eu não rotulamos a nossa relação e pensar nele


como namorado me faz sentir a droga de uma adolescente.

— Não minta pra mim. Eu percebi o jeito que vocês se olham.

— Mamãe abre um sorriso franco. — Minha menina está


apaixonada.

A informação cai como uma pedra no meu estômago e me

deixa meio que sem ar.

Lá no meu subconsciente, eu sabia disso, porém, ouvir em

voz alta me deixa meio que apavorada.

— Mãe...

— Não se preocupe, querida. Ele também está apaixonado


— informa e de modo automático, encaminho minha atenção para

Heitor que conversa com o meu pai, mas tem os olhos fixos em

mim.
São quase dezessete horas quando saio de casa para a praia

usando apenas biquíni. Paro próximo ao mar, onde as ondas ainda


não conseguem tocar meus pés descalços.

— Adoro o seu rabo em fio dental rosa, foguinho.

Assim que escuto a voz de Heitor, viro para encará-lo e vejo o

safado admirando a minha bunda.

— É apetitoso pra caralho.

Começo a rir.

— Sempre tão safado.

Ele vem para atrás de mim e cola os nossos corpos, as mãos


firmes pousam na minha cintura com uma possessividade que eu

gosto.

— Você é linda — murmura, cheirando o meu pescoço e eu


abro um sorriso tímido. Heitor é incrível, porque ele não me deixa
esquecer o quanto eu sou bonita e talvez, seja uma dependência

louca e doentia, mas eu gosto.

— Como fugiu do meu pai?

Depois do almoço, meu pai grudou nos meninos e não os

soltou mais. Meu velho é um homem que gosta de contar histórias e


se encontra alguém que gosta de ouvir, combinação perfeita.

— Ele é maluquinho como você.

Mordo os lábios para esconder um sorriso.

— Não sou maluquinha — digo a meu favor.

De repente, num solavanco, ele me vira para encarar os

meus olhos.

— Que bom que veio morar no Brasil — murmura e as

palavras de mais cedo da mamãe ecoam dentro da minha cabeça.

Heitor está apaixonado por mim? — Que bom que eu vim pra cá e
comprei um apartamento ao lado do seu.

Fico na ponta dos pés e envolvo os braços na altura do seu

pescoço.

— Meu safado do apê ao lado.

— Seu.
Uma palavra tão pequena.

Uma confirmação tão grande.

Não há dúvidas, estou completamente apaixonada por ele.


Mamãe nos dá uma missão impossível.

Katy, a filha da irmã da minha mãe, chega amanhã e a


aniversariante me pediu que eu tente manter a paz.

Minha prima e eu nunca nos demos bem. Por algum motivo


que eu desconheço, ela sempre me odiou e eu passei a odiá-la

também, porque ela era mais alta e sempre puxava o meu cabelo

quando criança.

— Pensei que ela não viesse esse ano — resmungo ao

escorar no sofá e fazer bico. — Mãe, porque convidou ela?

Mamãe arregala os olhos e espreme os lábios, me dando

uma resposta silenciosa e óbvia. Ela ama família e depois que


viemos para o Brasil, não vê a irmã e a sobrinha tanto quanto

gostaria.

— Apenas... tente se dar bem com ela, ok? — mamãe pede

ao se acomodar ao meu lado no sofá.

— Como se fosse possível. Ela vai fazer piada com o fato de

eu ter sido largada uma semana antes do casamento — retruco,

irritada.

Mamãe nega com a cabeça.

— Katy não fará isso, ela é uma boa menina — devolve e eu


suspiro. Decido não insistir, porque na frente de mamãe, Katy é uma

santa, quase a Madre Teresa de Calcutá.

— Me desculpe, mas com todo respeito, Dona Amber, ela

não é uma boa menina não — Gio fala e minha mãe a olha.

— Tentaremos manter a paz, não é mesmo, meninas?

Estamos acompanhadas e nem teremos tempo pra ficar ouvindo as


provocações da Katy — Duda fala, tirando o melhor da situação.

Respiro fundo e assinto com convicção.

— Ok. Farei o meu melhor, eu prometo — concordo e mamãe

abre um sorriso largo e feliz.


— Já que decidimos manter a paz mundial — Gio articula ao
sentar no braço do sofá e lançar um olhar animado para nós. — O

que quer fazer hoje à noite?

— O que tem em mente? — retruco.

— Que tal um luau na praia? — é Duda quem pergunta ao

segurar meu braço, implorando com os olhos para que eu concorde.

Ela sempre sugere isso e toda vez recusamos. Não tem

graça fazer um luau só com nos três, no entanto, agora temos

companhia.

— Por favorzinho? — Duda insiste e eu rio.

— Okay, vamos.

Ela joga os braços no meu pescoço e me beija o rosto várias

vezes, nos fazendo rir.


Papai e Bernardo já estão na praia, porque foram mais cedo

para fazer a fogueira. Enzo e Heitor levam bebidas e os lanchinhos


que mamãe preparou. Duda leva o violão do meu pai, mamãe, Gio e

eu, algumas cobertas.

Ao chegarmos lá, distribuo as cobertas e nos acomodamos

ao redor da fogueira quentinha. Estamos todos em casal e é tão fofo


a forma como meus pais se encaixam comigo e os meus amigos.

Papai pega o violão de Duda e dedilha algumas notas

aleatórias até decidir o que tocar. Encosto a cabeça sobre o ombro


de Heitor e ele passa os braços em volta de mim, me puxando para
mais perto.

Ele nos anima ao som de “Menina Veneno” do Ritchie, a

música dele e da mamãe.

— Seu Francisco, o senhor pode tocar amor e o poder?


— Gio pede, nos fazendo rir.

Papai faz uma careta e diz:

— Eu toco e vocês cantam.

— Fechado — Gio retruca, animada.

Eu não tenho o menor talento para música, mas isso não


quer dizer que fico quieta. Gio me puxa, enquanto Duda faz a minha
mãe levantar também. Nós quatro começamos a dançar de pés

descalços na areia, alguns passos desajeitados de balé e dança do


ventre ao mesmo tempo em que cantamos meio desafinadas.

“Como uma deusa, você me mantém. E as coisas que você

me diz, me levam além. Aqui nesse lugar, não há rainha ou rei. Há


uma mulher e um homem trocando sonhos fora da lei.”

Enzo também sabe tocar violão e quando mais novo, teve


uma banda de garagem. Então, papai passa o violão para ele e vai

ficar agarradinho com a mamãe. Mesmo depois de tantos anos, os


dois ainda são perdidamente apaixonados.

Enzo começa a cantarolar com sua voz rouca e forte “Meu


Lugar” da banda Onze:20.

Dessa vez, Heitor levanta e me convida para dançar. Ele

coloca as mãos na minha cintura e me conduz de um lado para o


outro, olhando dentro dos meus olhos e sorrindo como um

garotinho.

É incrível dançar com ele ao lado da fogueira, música

acústica, com o mar e a lua como plateia. Romântico e singelo,


coisas que nunca tive antes.
— Você é romântico — murmuro e a única coisa que ele faz é
me girar e depois, me puxar de volta.

Enzo emenda “Proibida pra mim” do Zeca Baleiro e junto de


Duda, canta as estrofes. Bernardo e Gio também se levantam e

começam a dançar de mansinho do outro lado da fogueira.

— Seu pai perguntou o que nós somos.

Meu rosto ruboriza com as palavras de Heitor.

Não posso culpar meu pai, ele é o meu protetor e se

preocupa comigo, e não importa quantos anos eu tenha, sempre


serei a sua menininha.

— E o que você disse?

Nós ainda não demos um nome para o que acontece entre


nós e se isso for estragar tudo, eu não darei.

Heitor pousa uma mão na minha cintura e afaga meus

cabelos da nuca. Os olhos verdes seguram os meus de modo


intenso.

— Que você é minha — sussurra e meu coração bombeia


alto dentro dos ouvidos. — Que é minha namorada.

Sorrio ao morder o lábio inferior.


— Eu me sinto a porra de uma adolescente, sabia? —
resmunga, colando os nossos corpos e movendo de um lado para o
outro. — Mas quando olho pra você, eu sei que vale a pena.

— É?

— Sim. Você vale a pena, Ariel — fala, a voz soando mais

profunda do que nunca, e então, ele puxa o meu rosto para mais
perto e me beija com paixão, arrepiando o meu corpo inteiro.

Mamãe tem razão, estamos apaixonados.

E no momento, isso é tudo que importa.


Quando entro na cozinha, encontro a mamãe preparando o
café da manhã.

Sua aparência está mil vezes melhor que a minha, usando


regata e shortinho confortável, cabelos soltos e sedosos, enquanto

eu não consigo esconder a cara de quem não dormiu nada a noite


toda, porque estava ocupada demais cavalgando em cima do

homem gostoso de quase dois metros de altura que deixei dormindo

na minha cama.

— Happy birthday to you, happy birthday to you… — começo


a cantarolar.

Ela se vira para mim com um sorriso largo. Abraço-a forte e

beijo várias vezes o seu rosto, e só depois de colar nossas


bochechas uma na outra por alguns segundos, eu a solto.

— Deixa eu ver. — Giro mamãe, fazendo-a rir. — Nem

parece uma cinquentona. Você tem corpinho de trinta.

— Boba — replica. — Mas não me chame de cinquentona de


novo. — Ergue uma das sobrancelhas e eu reviro os olhos.

— Okay, mom.

— Você até que tá feliz demais pra alguém que vai

ver Katy hoje — mamãe comenta e me analisa com os olhos

semicerrados.

— Dormir com um homem gostoso daquele... — Suspiro. —

Impossível acordar de mau humor.

Ela ri.

— Se tem uma coisa que eu sei que você fez ontem à noite...

foi não dormir — devolve, piscando.

— Mãe — repreendo, mas sou incapaz de esconder o riso.

— Gosto de te ver feliz, filha — sussurra e me puxa para

outro abraço reconfortador. — Espero que fique com esse sorriso

até minha irmã chegar.

Bufo.
— Eu vou tentar. I promise.[28]

Quando fecho a boca, ouço o barulho de carro e segundos

depois, a porta se abrindo. E meu inferno particular vai começar em

três, dois, um...

— Where is my little sister?[29] — A tia Natascha entra,

chamando a mamãe e provavelmente, acordando todo mundo da

casa. Ela gosta de falar alto.

— Aqui — minha mãe grita da cozinha.

Os passos apressados da tia Natacha quicam contra o chão


de porcelanato e ao entrar na cozinha, noto que os cabelos ruivos

deixaram o liso lambido e assumiram o ondulado natural e bonito.

Elas se abraçam felizes, rindo e dando pulinhos de alegria ao

mesmo tempo em que choram.

Tio Stephen entra no cômodo junto do papai, que foi buscá-


los no aeroporto hoje cedo.

Meu tio está com uma pancinha de cerveja, mas o rosto

ainda é o de galã de cinema. Como minha mãe e tia ainda se

abraçam como se ninguém mais estivesse ali, ele vem até mim.
— Como está a minha sobrinha preferida? — pergunta no

seu português enrolado e engraçado.

— Sou sua única sobrinha, tio — retruco, mas o abraço forte.

— Cadê minha menina? Deixa eu olhar pra você — tia


Natasha fala para mim ao soltar a mamãe. Ela rompe a nossa
distância e eu me preparo para o que está por vir. As mãos da tia se

elevam e ela agarra as maçãs do meu rosto. — Adoro fazer isso —


confessa, apertando ainda mais as minhas pobres bochechas,

fazendo meus olhos lacrimejarem.

— Oi, tia. É bom te ver também — murmuro.

— Você está tão linda... pra quem foi abandonada no altar —

comenta e o músculo da minha mandíbula se contrai.

— Não fui abandonada no altar — devolvo, rápido. Ela


estreita os olhos e fica esperando que eu explique. — Fui
abandonada, mas não no altar — emendo e me sinto ridícula.

— Ah, é, isso.

— Cadê a Katy? — mamãe pergunta, cortando o assunto

sobre o meu rompimento com o Felipe.

Falando no Diabo...
Minha prima entra na cozinha, usando óculos escuros e

quando tira, balança os cabelos longos e sedosos, refletindo o sol


que entra através da porta de vidro da cozinha.

Katy sempre foi a mais bonita. Nunca teve problemas com o

peso, com acnes ou precisou usar aparelho dentário. Acho que é


por isso que ela não gostava muito de mim, porque segundo minha
prima, eu era um fracasso.

O patinho feio.

Ela cumprimenta todo mundo e deixa para falar comigo por

último.

— Oi, prima. — Aproxima-se de mim e beija os dois lados do

meu rosto. Para minha surpresa, o português que sai de entre os


seus lábios, soa muito melhor do que da última vez que nos vimos.

— Como vai?

— Andou estudando — zombo.

— Um pouco. Não precisei me esforçar muito, além de linda,

sou inteligente — retruca, esnobe. — Eu sei, eu sei, injusto eu ter


pegado toda a beleza e inteligência da nossa família.

Reviro os olhos e decido voltar para o meu quarto.


— Com pressa, prima? — Katy quer saber. — Não vamos
sentar e conversar sobre as novidades? Tenho certeza de que você
tem muitas, porque eu tenho e não vejo a hora de compartilhar.

— Não, prima. — Finjo um sorriso. — Além do mais, você é

da família, não precisa que eu fique aqui, elogiando o quanto é


bonita ou inteligente.

Ninguém diz nada, apenas se entreolham e depois, nos


observam.

Giro nos calcanhares e faço o caminho de volta até o quarto.

Abro a porta no mesmo segundo em que Heitor sai do banheiro,


com o tanquinho de fora, uma toalha amarrada na cintura e
cheirando a sabonete cítrico.

Lindo.

Gostoso.

Perfeito.

E eu sei que Katy vai achar a mesma coisa.

— Promete que você só vai sair deste quarto completamente


vestido? — é a primeira coisa que falo.

Ele ri.
— Como é que é?

Heitor se aproxima de mim, emanando o cheiro delicioso até

o meu nariz e causando uma onda de formigamento no meio entre


as minhas pernas.

— Não saia assim. Nunca. Never Ever. [30]

— O que aconteceu? — quer saber.

— O Diabo chegou, Heitor. O Diabo chegou. E ele tem belas


pernas, barriga definida e seios siliconados.
O café da manhã acontece cheio de provocações e olhares

generosos direcionados aos garotos. Principalmente, em cima de


Heitor, porque Katy adora me provocar e me ver perder o controle.

Ela gosta de me ver enlouquecer.

Mas, hoje, eu me manterei firme e não cederei.

Não cedo nem mesmo quando estamos na varanda, os


garotos deitados nas espreguiçadeiras, e eu de pé, na beirada da
piscina, molhando um dos pés e rindo de algo que Bernado disse, e

Katy aparece usando um biquíni minúsculo.

Ela caminha graciosa, exibindo seu corpo com dezenove por


cento de gordura e...

Splash!

Katy esbarra em mim de propósito e me derruba dentro da

piscina.
— Ops. Desculpa, prima — fala com um sorrisinho cínico.

Katy é um ano mais nova do que eu, mas às vezes, eu acho

que ela ainda é aquela garota de dez anos que amava implicar

comigo por causa do meu aparelho e as minhas espinhas no rosto.

— Tudo bem, Katy.

Nado até a beirada da piscina e Heitor estende a mão para


mim, me ajudando a sair.

— Blusa branca e piscina... ótima combinação — ele fala ao

fixar os olhos predadores nos meus seios. — Apetitoso.

— Você é um safado de carteirinha.

Ele me dá um sorriso de lado.

De repente, Scooby vem correndo de dentro de casa e

esbarra em Katy, que está na outra beirada da piscina, olhando para

mim e Heitor e a derruba também, molhando todo o cabelo ruivo


impecável.

Parece que o feitiço virou contra a feiticeira.

Todo mundo ri.

— Vem aqui, Scooby — chamo e ele corre até mim, ficando

de pé e me abraçando. — Bom garoto. — Beijo o topo da sua


cabeça e ele sai de perto de mim. — Desculpa, prima, ele é meio
estabanado — digo ao olhar para Katy dentro da piscina.

— Tinha esquecido que você é vingativa — Heitor comenta.

— O quê? Não sou — minto.

Ele arqueia uma sobrancelha.

— Não? — rebate e me segura pelos braços. — Tem

certeza? — insiste, me arrastando para a beirada da piscina de

novo, e então, caímos na água juntos.

Rindo, ele segura meus pulsos e me puxa para mais perto

antes de me dar um beijo molhado.

Entrando na onda, os garotos carregam as minhas amigas

para dentro da piscina e Katy é esquecida.


Desde o último aniversário em que eu joguei Katy na piscina
no meio da festa e depois que ela saiu de lá, me empurrou também
e nós brigamos na frente de todo mundo e declaramos o nosso ódio,

meus pais decidiram não fazer mais os aniversários em casa.

Agora, as festas acontecem no salão de festa que o papai é


dono, no centro de Paracuru. O lugar é enorme, tem dois andares

com pista de dança em cima e no andar de baixo.

Falta uma hora para a festa de aniversário da mamãe e eu

ainda estou esperando a Gio terminar a maquiagem da Duda para


começar a fazer o esfumado no meu olho.

De nós três, é ela quem tem os dons milagrosos quando se

trata de maquiagem e eu amo ser produzida por ela.


Enquanto eu espero a minha vez, abro as portas do guarda-

roupa para pegar o meu vestido.

MY GOD...

— Fuck! Fuck! Fuck! — grito, assustando as meninas.

— O que aconteceu? — Gio pergunta ao parar de maquiar

Duda e olhar para mim.

— Meu vestido... ele... sumiu — informo.

— Como assim ele sumiu? — Duda se levanta da cadeira e


vem checar o guarda-roupa. Perplexa, sento na beirada do colchão,

refazendo os meus passos desde que cheguei aqui.

Eu desfiz as malas e coloquei a porcaria do vestido no

guarda-roupa, tenho certeza disso.

— Não tem nada aqui — Duda diz o óbvio.

— Você acha que... — Gio nem consegue terminar de falar.

— Eu vou matar Katy — murmuro entre os dentes, a raiva

amargando a garganta. Não é a primeira vez que ela tenta arruinar

algo relacionado a mim. Não a convidei para o meu casamento,

porque eu tinha certeza que ela viria de branco, apenas para me

irritar.
Levanto rápido e saio do quarto, batendo a porta com força e
rumo para onde Katy está hospedada. Para meu desgosto, a garota

não está. Abro o guarda-roupa e fuço as suas coisas, malas e não

encontro meu vestido.

Desço as escadas correndo.

— Mom — chamo.

— Oi, querida.

Mamãe está na sala, arrumada e de pés descalços, com o

celular nas mãos.

— Cadê a Katy?

— O que aconteceu?

— Ela roubou o meu vestido — digo e faço esforço para

tentar manter a calma. — E agora, não tenho o que vestir. E

certamente, não vou para a sua festa de calças jeans. Então, por

favor, pode me dizer onde minha prima está para que eu possa
matá-la?

Mamãe respira fundo e prensa os lábios.

— Ela acabou de ir.

Derrotada, sento no sofá.


— O quê?

— Ela foi com os seus tios — comenta e vem para o meu

lado, segurando minhas mãos entre as suas. — Tem certeza de que

ela fez isso?

— Sim, eu tenho. Não seria a primeira vez. Você lembra do


nosso primeiro natal aqui? Ela roubou minha roupa e ainda me fez

passar por egoísta.

Mamãe solta um suspiro longo e eu odeio estar dando


trabalho no seu dia especial.

— Vamos ver se encontro alguma coisa pra você no meu


closet — fala ao ficar de pé e me levantar junto. — Vai ser a mulher

mais linda da noite mesmo se for de calça jeans.

Rio.

— Não posso. Você tem que ser a mulher mais linda da noite.

Ela beija meu rosto com ternura ao me guiar na direção das

escadas.
Mamãe tem relíquias guardadas no closet.

Escolho um vestido de seda que ela usou nos anos noventa.


Decote quadrado, alcinhas finas, justo no busto até os quadris e que
cai até a metade das canelas com uma fenda na coxa direita,

delineando o meu corpo perfeitamente.

— Uau — Heitor balbucia ao me ver pronta.

— Gostou? É da minha mãe.

Ele abre um sorriso torto.

— Linda. Não vejo a hora de tirar. — Ele vem para perto de

mim, encaixando as mãos na minha cintura e alguém tosse atrás de


nós.

É Gio.

— Vamos ou vocês vão transar antes de sairmos? —


resmunga e nós rimos do atrevimento dela. — Preciso avisar que
vai ter que acontecer tudo em dois minutos — emenda com
sarcasmo.

Saímos do quarto e encontramos a mamãe na sala. Todos já


saíram e só faltava nós levarmos a aniversariante, que gosta de

chegar um pouco atrasada para ser o centro das atenções.

Em dez minutos, nós chegamos no salão e rapidinho, Heitor


para o carro dentro do estacionamento à céu aberto.

Assim que entramos no salão, uma luz de holofote é


direcionada para a mamãe e em segundos, meu pai aparece

descendo as escadas do segundo andar com um microfone na mão.

Atrás dele, Enzo desce também, segurando um violão e


tocando “Just The Way You Are” do Bruno Mars. Papai começa a
cantar ao caminhar na direção da esposa, fazendo todo mundo

sorrir.

Sinto mãos na minha cintura e ao olhar para trás, noto Heitor


sorrindo para mim e fico me perguntando até onde as nossas vidas
vão andar juntas.

Aplaudimos quando meu pai termina a performance.

— Amber, meu amor, feliz aniversário. Eu te amo muito. Você

é a garota dos meus sonhos.


Mamãe rompe os três passos de distância que a separa do
marido e o beija na boca. Um beijão de cinema e que me faz
enrugar o nariz e todo mundo no salão gritar animado. Depois da

cena, eles se afastam e ele pede o DJ para voltar com as músicas.

Antes que minha mãe vá se perder entre os seus convidados


para receber os abraços, eu a puxo para mim.

— Feliz aniversário, mãe. Eu te amo tanto — murmuro com

os olhos ardendo. Aniversários sempre me deixam mais frágil.

Ela sorri.

— Eu também te amo tanto, querida.

Solto-a para que possa ir receber as felicitações. Hoje, ela é

um pouquinho de todo mundo, então deixo que aproveite a noite


com os amigos e família.

Vejo Katy se aproximando de mim, usando o meu vestido.

Ficou lindo nela e parece ter sido feito especialmente para o seu
corpo perfeito. E é claro que nunca admitirei isso.

— Obrigada pelo vestido, Ariel.

Katy sorri e pisca para mim.

— Não por isso, prima. Fico feliz que gostou — retruco,


deixando-a sem jeito. — Com licença?
Entrelaço minha mão na de Heitor e o puxo para junto dos

meus amigos que ocuparam uma mesa.

— Vamos dançar? — pergunto as meninas e Gio vem para

perto de mim, rebolando o quadril animada.

Duda nega com a cabeça.

— Venha aqui, garota. — Gio puxa Duda, que ri.

Caminhamos até a pista de dança e teria sido uma entrada

triunfal, se não fosse pela minha prima. Ela se mete na frente e


começa a dançar, jogando charme para todos os lados.

— Ariel, como é que tá o seu coração? — Gio pergunta, me

deixando confusa.

— Saudável, eu acho — murmuro, desconfiada.

Ela assente, estreitando os olhos.

— Lembra do que faríamos no seu casamento? — quer saber

e a Duda começa a rir e negar com a cabeça.

— Não vamos fazer isso. — Inclina o rosto para mim. — Diz a

ela que não faremos isso, Ariel.

— Ensaiamos pra isso. Seria uma performance incrível e

sexy — Gio argumenta e eu fico ponderando se é ou não uma boa


ideia.

Na festa de casamento, eu faria uma surpresa para Felipe e

dançaria com as minhas madrinhas para o cretino. Eu sei que é


ridículo, mas eu queria que fosse inesquecível e sensual.

Gio se afasta de nós e caminha até o andar de cima para


falar com o DJ.

— Não vamos fazer isso — Duda contesta.

— Você faria no meu casamento — contra-argumento.

— Talvez... não.

Arqueio uma sobrancelha, cética.

— Ia me deixar na mão?

Ela enruga o nariz e faz uma careta engraçada.

— Você sabe que não — balbucia.

Gio volta para perto de nós e me coloca no meio.

Continuamos observando Katy dançar e sensualizar, roubando


olhares de todos os convidados até a nossa música começar a

tocar.

Assim que “Naughty Girl” da Beyoncé preenche o salão de


festa, nós entramos em ação, caminhando em sincronia. Um pé na
frente, outro atrás, jogada de cabelo pra lá e pra cá, joelhos

levemente inclinados, movimentos sensuais nos quadris,


balançando o corpo no ritmo da música.

Tantas horas de ensaios não foram em vão, o nosso corpo


sabe o que fazer e todos os passos são feitos exatamente ao

mesmo tempo.

Katy nos olha insatisfeita por termos roubado o seu brilho e


resolve não atacar novamente.

Ela pode até estar deslumbrante com o seu corpo impecável


dentro do meu vestido, mas eu tenho amigas e nós três juntas

somos capazes de derrotar minha prima sem precisar jogar baixo.

— Eu adoro quando você mexe o seu rabo desse jeito —


Heitor sussurra ao meu ouvido no momento em que coloca as mãos

no meu quadril.

Giro o meu corpo e fico de frente para ele, levando as minhas

mãos até o seu pescoço. Por causa dos saltos, não preciso ficar na

ponta dos pés para nivelar os nossos rostos.

— Gostou do que viu? — provoco.

— Mais do que isso. Não vejo a hora de ver esse rabo nu na


minha cama — retruca, esticando os lábios num sorriso safado.
Heitor me puxa contra o próprio corpo e uma de suas mãos

vai parar no meu pescoço, envolvendo meus cabelos. A boca

encosta na minha para um beijo profundo e molhado e antes que

possamos esquentar mais as coisas, o celular dele começa a tocar.

Ele se afasta um pouco e enfia a mão dentro do bolso para

verificar. E não é que eu esteja bisbilhotando e sendo ciumenta


demais, mas meu coração murcha ao ver o DDD 31 saltitando na

telinha colorida.

É Ayla.

Finjo um sorriso e me afasto dele para ir curtir a festa de

aniversário da minha mãe junto das minhas amigas.

Às 1:30h como combinado, vou à cozinha do salão buscar o

bolo da mamãe.
Uma das auxiliares me ajuda a colocar o bolo em cima do

carrinho retrô. Ele tem três andares, é marrom com fita de cetim
vermelho, com coroa no topo e uma velinha. E pesado pra caramba.

Um dos garçons abre as portas vai e vem para que eu possa

passar e mal dou um passo para fora da cozinha, dou de cara com
Katy.

— É o bolo da minha mãe, não sabote — resmungo e ela


revira os olhos, bufando.

— Não ficou brava por eu ter pegado o seu vestido? Achei

que ia fazer uma cena.

Sorrio, cínica.

— Era isso que você queria, não é? Me enlouquecer.

— Sim — responde, simplesmente. — Aliás, onde encontrou

o seu novo namorado? É uma joia rara. Não olhou pra mim
nenhuma vez.

— Você não é o centro das atenções, Katy.

— Discordo — retruca, e eu suspiro, mas decido ignorá-la. —

Boa escolha. Ele é melhor do que o babaca do Felipe — acrescenta

e eu meio que sorrio.


Acendo a velinha com o isqueiro que uma das meninas da
cozinha colocou no carrinho e depois, ando devagar de volta para a

festa no salão. Duda vem correndo até mim com o microfone na

mão.

— Happy Birthday to you, happy Birthday to you… — canto

com a minha voz desafinada e rumo na direção da mamãe, que sorri


feliz.

Pelo canto do olho, vejo Heitor num lugar mais afastado,

falando com alguém ao telefone e a julgar pelas expressões, eu sei


que tem a ver com Ayla, a ex-mulher.

Meu coração afunda tanto dentro do peito, que é difícil


respirar, mas me esforço para terminar de cantarolar a canção para

minha mãe.
Nunca pensei que Ayla fosse tão insistente. Mas, eu sei que
suas atitudes são reflexos do seu medo de ficar completamente
sozinha. Ricardo não pode cuidar dela no momento e eu sou o mais

perto de família que ela tem.

Ou era.

Ao ver outro número com o DDD de Minas Gerais saltar na

tela do smartphone, hesito. Ayla me ligou de vários números


diferentes, parece motivada a falar comigo. Contando com essa, é a

décima vez que me liga.

Resolvo a atender e dar um basta nisso. Não devo nada a ela

e com certeza, Ayla não tem o direito de me cobrar nada.


— Pare de me ligar — resmungo entre os dentes e a ouço

chorando do outro lado da linha. Soluçando. — Acha que chorar vai


adiantar de alguma coisa?

Ela funga.

— Por que não me atendeu?

— Porque não tenho obrigação nenhuma com você —


retruco, fazendo-a chorar mais ainda do outro lado da linha.

— Heitor, por favor. Eu preciso de você.

Respiro fundo e levo as mãos até as têmporas para

massagear.

— Infelizmente, não posso fazer nada em relação a isso. Vai

ter que aprender a viver sem mim.

Ela continua chorando, mas não me comove.

— Heitor... o Ricardo... ele... ele não resistiu. Você precisa vir


pra cá, por favor — pede e meu peito arde.

— Ele morreu?

— Sim, faz algumas horas.

Sinto um gosto amargo na garganta e a única coisa que faço

é encerrar a ligação. Digito o número do pai de Ricardo, porque não


consigo acreditar em Ayla. Ela mentiu tanto para mim, não me
surpreenderia vê-la mentindo sobre algo tão sério.

No entanto, dessa vez, ela falou a verdade.

Ricardo não resistiu e faleceu.

— Sinto muito — digo ao pai dele.

— Eu sei o que ele fez com você, Heitor e eu sinto muito por

isso. Ele morreu e vocês nunca se acertaram.

Contraio o músculo do maxilar.

— Preciso desligar — digo e encerro a ligação, desligando o

aparelho para não receber mais nenhuma notícia.

Eu odiava Ricardo pelo que ele fez, mas nunca desejei que o

seu fim fosse esse, que tivesse a vida interrompida tão cedo. Não

éramos mais amigos, só que nunca fomos inimigos de verdade.

— Aconteceu alguma coisa?

Ao ouvir a voz de Ariel, viro os olhos e a vejo parada ao meu

lado. Tao linda e compreensiva.

— Ricardo morreu — informo e ela solta um suspiro longo e

triste. — Não resistiu.


Sem dizer nada, ela se aproxima de mim e envolve os braços

macios em volta dos meus ombros, me prendendo contra o próprio


corpo e eu sinto que sou incapaz de soltar essa garota maluca que

entrou na minha vida.

Aperto-a contra mim e sinto a garganta áspera.

— Vamos pra casa — é o que fala, o tom de voz amável e

prestativo.

Ariel me leva de volta para a casa dos pais e eu vou o

caminho inteiro pensando em Ricardo e na nossa amizade. O


quanto da nossa relação foi verdadeira? Ele nunca mostrou

arrependimento por ter fodido a minha esposa. E por que me sinto


tão mal? Não devia me incomodar tanto.

Eu não devia me importar com nada a respeito dele.

Ele me traiu por anos.


Por anos!

Por que me sinto tão mal por ele?

Quando entramos na casa, Ariel tira os saltos e os leva em

uma das mãos, a outra entrelaça na minha e me conduz até a


escadaria, rumando para o quarto.

— Quer conversar?

— Não tenho nada pra falar — respondo, ríspido, mas ela


não se ofende. — Ele morreu. Acabou.

Ariel deixa os saltos caírem no chão e se aproxima de mim,


parando a poucos centímetros de distância.

— Dói, não é? — murmura, elevando a mão para tocar o meu

rosto com carinho. — Vocês não eram mais amigos agora, mas
ainda o amava.

Sinto os olhos arderem.

— Não — grunho, os músculos do rosto contraídos.

— Tudo bem doer, Heitor — fala tão baixo, que fico na dúvida
se ouvi certo. — Você tem um coração muito puro pra ficar

guardando rancor — emenda, em seguida, fica na ponta dos pés


para me abraçar.
Forço o caroço no meio da garganta a descer.

— Crescemos juntos — admito.

— Sinto muito pela sua perda — cochicha ao se afastar de

mim e segurar meus olhos aos seus com intensidade, o que faz o
incomodo no peito ficar ainda pior. — Você vai ficar bem, Heitor.

Não estou acostumado a desmoronar ou chorar. Por causa


das minhas mães, eu aprendi a ser forte para saber lidar com o

preconceito que recebia por ser filho de um casal homoafetivo.

Ainda assim, deixo que Ariel me console.

Depois de trocarmos de roupas, afundamos no colchão e eu


deito a cabeça sobre o peito dela, enquanto a sinto envolver meus
cabelos com os dedos. A respiração dela é tranquila e os

batimentos num ritmo quase hipnotizante.

Ficamos assim por alguns minutos até que sinto uma


necessidade absurda de tê-la. Elevo o rosto e ela encontra meus
olhos. Sem dizer nada, esmago seus lábios antes de enfiar a língua

na sua boca, quase fazendo-a engasgar.

Minhas mãos deslizam pelo corpo de Ariel e ela arfa,


arqueando o quadril contra mim e fazendo meu pau latejar.
Devagar, desço com a boca, passando a língua na linha do
maxilar, na curvatura do pescoço e ela geme em resposta,
aprovando o toque. Com um gesto rápido, subo a camisola e passo

pelo pescoço de Ariel, deixando-a apenas de calcinha.

— Abra as pernas — ordeno e ela obedece.

Eu mal a toquei e já existe uma pequena mancha se


formando na calcinha clara, revelando o quanto está molhada.

— Você já está molhadinha, Ariel.

Ela suspira, olhando para mim.

Enfio os dedos nas laterais da calcinha e tiro, expondo a

boceta molhada, em seguida, abro mais as pernas dela e enterro

meu rosto entre as coxas macias. Passo a língua nas virilhas, em


seguida, chupo as dobras de Ariel antes de dar atenção ao clitóris,

me sentindo faminto por ela.

Ariel geme alto meu nome, inclinando o quadril contra o meu


rosto.

O sabor dela é tudo que faz o meu corpo relaxar no momento


e esquecer todas as merdas da última hora, então, me concentro na

minha ruivinha, dando prazer a ela, saboreando o seu gosto doce e

viciante.
Insiro dois dedos dentro da sua abertura quente e úmida,

fazendo movimentos de vaivém, e a sinto agarrar meus cabelos com


força, choramingando manhosa com a respiração falhada.

— Heitor...

— Goza na minha língua, amor — murmuro contra o seu

clitóris inchado ao mesmo tempo em que meus dedos continuam

brincando com a fenda encharcada, quente e deliciosa. — Goza pra


mim, Ariel.

Sinto os músculos da sua boceta apertarem os meus dedos e


as pernas em volta de mim tremerem. Ela joga a cabeça para trás e

os ombros ficam rígidos por alguns segundos durante o tempo em

que estremece inteira.

— Heitor… eu...

Subo a mão livre até os seios com bicos enrijecidos e aperto


com vontade, sem afastar minha língua ou dedos dela.

E então, ela chega ao clímax, gritando o meu nome e

deixando o meu pau ainda mais duro e dolorido por causa dos seus
gemidos.

Deixo o corpo mole de Ariel em cima da cama e fico de pé,


passo a blusa por cima da cabeça e tiro a calça moletom junto da
cueca boxer. Com uma pegada firme, envolvo meu membro duro e

massageio, sem tirar os olhos dela.

Ariel lambe o lábio inferior e se arrasta para a beirada da


cama, se preparando para mim. Me aproximo devagar e as mãos

pequenas contornam a carne pulsante, enviando uma onda

eletrizante para as minhas bolas.

Ela coloca a língua para fora e me encara antes de

abocanhá-lo com tesão, chupando com vontade e massageando as


bolas, me arrancando gemidos roucos e incontroláveis.

Estou a um triz de explodir na boca de Ariel.

Seguro o cabelo ruivo e puxo um pouco, em resposta, ela

engole ainda mais o meu cacete e eu contraio os músculos da

panturrilha. Ariel volta com os lábios até a extremidade e lambe de


leve a glande, sem tirar os olhos de mim.

— Você é tão gostosa.

Ela continua me sugando com intensidade e eu engulo com

força, me controlando para não gozar.

— Pare ou eu vou gozar na sua boca.

Ela se afasta de mim por um momento, apenas para dizer:

— Goza.
Ariel volta a sugar com veemência, me provocando com a

língua e brincando com as minhas bolas, me deixando agitado.


Encarando a delícia de mulher na minha frente, com o meu pau

inteiro dentro da boca, eu começo a me empurrar mais até gozar

fundo na sua garganta.

É a melhor sensação do mundo.

Ela suga meu pau até sair a última gota de porra e eu fico
sem fôlego por causa dessa ruivinha.

— Fica de quatro pra mim — dou uma ordem. — Vou foder


você agora, Ariel. Vou foder você com o meu pau e eu quero gozar

dentro da sua bocetinha. Quero sentir a minha porra te

preenchendo.

As bochechas dela ruborizam.

Ela gira o corpo e fica de quatro, me dando uma visão


perfeita do seu rabo redondo e convidativo pra cacete.

— Empina mais — grunho e ela o faz.

Aproximo-me dela e enterro o rosto na bocetinha doce,

passando a língua na fenda molhada e no clitóris sensível. Ariel

geme, toda manhosa, arqueando ainda mais o quadril contra a


minha cara.
Endireito a postura e cubro o seu corpo com o meu, seguro o

meu pau com uma das mãos e roço na entrada melada antes de

meter com tudo. Fecho os olhos por uma fração de segundo ao

sentir a boceta quente de Ariel me apertando.

Ela geme.

Apoio as mãos na cintura fina e começo num ritmo profundo

e duro de estar dentro e fora da boceta dela, sentindo a ruivinha

estremecer debaixo de mim.

Esgueiro uma mão entre nós e procuro o clitóris quente,

quando começo com os movimentos circulares, ela aperta meu pau

com a boceta, gemendo toda entregue a mim. Aumento o ritmo


ainda mais, fodendo Ariel como se fosse a última vez que fosse

fazê-lo.

— Heitor... — choraminga. — Eu vou... caramba, eu... — A


frase dela morre, mas o corpo inteiro estremece de prazer.

Seguro-a com força e continuo com os movimentos até


encontrar a minha própria satisfação, despejando tudo na boceta de

Ariel e me sentindo estranhamente livre pela primeira vez em muito

tempo.
Depois de gozar, solto Ariel e ela desaba na cama, toda mole

e ofegante, suada e linda.

Afundo no colchão e a puxo para mim, encaixando-a nos

meus braços e beijando o topo da sua cabeça ruiva.

No meu ano sabático de pegação, depois de foder, eu não

compartilhava carinho com as mulheres. Mesmo quando elas

dormiam no meu apartamento, elas nunca viram o meu quarto.

Não o que eu durmo.

A única mulher a entrar lá e deitar na minha cama foi Ariel.

A única mulher a entrar no meu coração depois de ele ter

sido quebrado, foi Ariel.

É como se ela tivesse aberto uma nova porta para mim

quando entrou na minha vida. Essa vizinha maluca e barulhenta foi

o meu começo no fim.

— Heitor... — ela fala, baixinho e de repente, vem para cima

de mim, roçando a boceta no meu pau e o acordando de novo.

— O quê?

Ariel olha dentro dos meus olhos.

— Faz amor comigo.


Insiro os dedos entre os cabelos da nuca e a puxo para um
beijo lento e apaixonado, colocando Ariel em meu colo, envolvendo-

a de maneira perfeita em mim. Ela apoia as mãos em cima do meu

peito e seus olhos queimam os meus.

Depois do que aconteceu com o meu casamento, eu nunca

fiz amor. E acreditei que nunca mais iria querer fazer, mas olhando
Ariel agora, eu sei que ela me mudou completamente.

E que eu a amo.
Quando voltamos para capital, aconselho Heitor a ir para
Belo Horizonte. Só Deus sabe o quanto é difícil dizer para ele fazer
isso, porque cada partícula do meu ser, quer que ele fique comigo, o

mais longe possível de Minas Gerais, mas não posso ser tão
egoísta assim.

Os dois cresceram juntos e é um momento delicado.

Não é que ache que Heitor deva chegar lá e esquecer tudo o


que aconteceu entre eles, os problemas e as traições, mas eu sei

que se ele não for, vai ser pior e é uma ferida que vai carregar pelo
resto da vida.

Heitor precisa ir para dar um ponto final em tudo, mesmo que

Ricardo nunca tenha pedido o seu perdão. No fundo, não o pedir,


fala mais sobre o ex-melhor amigo do que qualquer outra pessoa.

Vê-lo de malas prontas para voltar para a cidade natal outra

vez é estranho e me deixa com um aperto no peito, só que agora,

eu sinto que não importa o que aconteça, ele vai voltar para mim.

Rebeca também vai com Heitor e isso me deixa um pouco

aliviada. Embora parte de mim queira ir, não é algo sobre mim e

nem acho que eu vá ajudar de alguma forma. Mas, eu confio em


Rebeca, ela vai cuidar do irmão.

Miguel e Rambo ficarão comigo durante o tempo em que os


irmãos Dantas estiverem viajando. Nunca precisei ser babá de uma

criança, mas o sobrinho de Heitor é um ótimo garotinho e Rambo é

meu xodozinho.

Vamos ficar bem.

Todos nós.

— Tio Heitor tá triste — Miguel fala com uma voz doce depois
que a mãe e o tio saem do meu apartamento.

Olho para o garotinho fofo e de bochechas grandes ao meu

lado. Depois que nos despedimos de Rebeca e Heitor, ele envolveu

os dedos gorduchos nos meus e apertou com força.

Agacho-me um pouco para nivelar os nossos rostos.


— Ele vai ficar bem.

Ele assente e sem dizer nada, contorna o meu pescoço com

os bracinhos num abraço e Rambo fica ao nosso lado, tristonho.

~ Dias Depois ~

Descobri que sou uma ótima babá.

Consegui fazer Miguel dormir nove horas da noite todos os

dias em que ficou comigo e comer coisas nutritivas para uma

criança em fase de crescimento. Levei o garoto na escola sem

chegar atrasada e ainda trabalhei na academia do Heitor, tudo isso,


enquanto cuidava de Rambo e dos seus passeios matinais.

Foi uma boa experiência e Miguel é uma ótima companhia,

uma criança obediente e carinhosa, ainda assim, ao ver Heitor e

Rebeca voltarem para Fortaleza, enche meu coração de alívio.


Os dois parecem cansados, Heitor, muito mais, só que

também, um pouco melhor do que quando saiu daqui para ir ao


velório do ex-melhor amigo.

— Obrigada por ter cuidado dele — Rebeca diz ao me


abraçar.

— Ele é maravilhoso — retruco e olho para Miguel e Rambo

matando a saudade de Heitor. — Foi uma ótima companhia. Nos


divertimos muito.

Rebeca sorri.

— Pensa em ter algum?

Pisco rápido por causa da pergunta e fico sem reação. Eu


não pensava em ter filhos, porque Felipe não queria. Ele dizia que

não precisávamos de filhos e que engravidar só estragaria o meu


corpo.

Nunca me permiti fantasiar uma gravidez, porque para Felipe


nunca foi uma opção. E talvez, eu tenha sido burra, mas acreditei

que ele falava aquilo pensando no meu bem.

A verdade é que só se importava com ele mesmo.

— Nunca pensei sobre isso — admito.


Ela assente com um sorriso singelo e o assunto fica por aí, o

que me deixa grata. Rebeca vai até Heitor e fala algo que escapa
aos meus ouvidos, passa a mão na cabecinha peluda de Rambo e

chama Miguel para os dois irem embora.

Antes de atravessar a porta, o menino envolve os braços nas


minhas pernas, me arrebatando um sorriso.

— Tchau, tia Ariel.

Meu coração acelera ao ouvi-lo.

Passo as mãos entre seus cabelos, bagunçando tudo e o


fazendo rir.

— Fica bem e se comporte — digo e ele concorda com um


sorriso sapeca, e então, some do meu campo de visão.

Sinto as mãos de Heitor contornarem a minha cintura e o

rosto dele se encaixar na curvatura do meu pescoço, respirando


fundo.

— Seu cheiro... senti tanta falta disso — murmura, a voz


grossa e profunda faz cócegas na minha pele.

— Você tá bem?

Ele solta uma respiração pesada.


— Acho que sim. — Num movimento rápido, ele me gira e
prende os nossos olhos. — Você estava certa, eu precisava ir. Eu...
eu... tentei... eu... — A frase dele fica presa na garganta.

Levo as mãos até o seu rosto e faço carinho.

Eu sei o que Heitor tentou fazer, tentou perdoar Ricardo

mesmo que ele nunca tenha pedido.

— Eu sei.

— Sou um otário — resmunga e ri, seco.

— Não, mas tem um bom coração.

Ele me prende num abraço apertado e eu fecho os olhos,


ouvindo o seu coração bater e noto que o ritmo é igual ao meu.

Gosto tanto dessa sensação. Gosto tanto de ficar em seus braços.

Pra ser sincera, é bem mais do que isso.

Eu amo o coração gentil de Heitor, porque foi a primeira coisa


nesse homem safado que me fisgou.
~ Dois meses depois ~

Eu tentei me convencer de que o meu problema era por


causa da inauguração da academia de Heitor. Afinal, trabalhamos
nisso por semanas e eu sempre fico uma pilha de nervos e isso

bagunça todo o meu ciclo.

No entanto, faz duas semanas que a academia está a todo

vapor, com uma cartela enorme de clientes e fazendo o maior


sucesso na nossa cidade.

Tudo bem, não vou ser hipócrita, os clientes são 80% o


público feminino por causa do personal trainer e sim, estou me

mordendo de ciúmes, mas trabalhando em formas de conseguir

igualar as coisas nos negócios de Heitor.


Por isso, não há uma resposta plausível para o atraso da

minha menstruação.

Ok.

É claro que há.

Só que não pode ser isso.

Com esse pensamento, eu respiro fundo e tomo coragem

para usar o teste de gravidez que comprei na farmácia. Meu

coração bate tão alto dentro dos ouvidos, que me sinto surda.

Depois de fazer todo o processo, coloco o teste em cima da

pia e espero os minutos necessários. Nem tenho coragem de ficar

olhando, porque eu sei que é coisa da minha cabeça.

Não estou grávida.

Não pode ser.

Eu tomo anticoncepcional religiosamente, tenho tudo anotado


nas minhas planilhas, todo dia, no mesmo horário. É como se fosse

parte do meu ser fazer isso. Não há possibilidade de ser isso.

Não mesmo.

Encho as bochechas de ar e solto ao me aproximar da pia e

encarar o teste.
— Oh my God...

Positivo.

Engulo com força e nervosa, começo a andar de um lado

para o outro no banheiro, sem saber o que fazer. Heitor e eu nunca

conversamos sobre filhos e agora tem um a caminho?

Logo agora?

Logo agora que as mães dele estão vindo para o Brasil?

Oh my God.

Com a cabeça um turbilhão, eu saio do banheiro, pego a

bolsa e a chave do carro. Preciso de um exame de sangue, testes


de farmácia não são confiáveis e podem errar. Talvez, meu atraso

menstrual seja por outra coisa.

Desço de elevador até o térreo e antes que possa ir para o

meu carro que deixei estacionado em frente ao prédio, o seu João

me chama.

— Ariel, estava interfonando pra você.

Estou com pressa e não quero ficar de bate papo, mas não

quero ser grossa com ele.

— Aconteceu algo?
— Tem alguém procurando você.

— Eu?

— Sim.

Ele assente e gesticula com a mão para o outro lado da


recepção, onde ficam os sofás e a mesinha de centro. Uma pedra

cai no meu estômago ao ver a mulher na cadeira de rodas.

Eu não preciso de uma bola de cristal para saber que é Ayla,


eu sei o que o acidente de carro fez com ela.

Com a garganta áspera e o coração acelerado, eu endireito


os ombros e me aproximo dos sofás da recepção. Ayla é uma

mulher linda e não gosto de perceber como ela combina com Heitor.

Quando paro na sua frente, ela eleva o rosto, me examinando


dos pés à cabeça antes de me atingir com os olhos escuros e

ferozes. Uma sobrancelha se ergue de leve, desdenhosa.

— Você é a Ariel?

— E você é a Ayla — retruco.

— Sim. Heitor falou muito de mim? — pergunta ao abrir um

sorriso melancólico que faz meu estômago revirar.

Respiro fundo e molho os lábios.


— O que você quer comigo?

— Conversar, não é óbvio? — retruca, afiada.

Nego com a cabeça.

— Não acho que temos algo pra conversar.

— Sim, nós temos — fala, me encarando com os lábios


prensados. — Vai negar o desejo de uma mulher na minha

situação? — emenda e eu odeio como ela tenta usar a sua vida


como pretexto.

Forço-me a sentar no sofá e Ayla se aproxima com a cadeira


de rodas. Passa as mãos nos cabelos encaracolados e inclina o

queixo para mim, como se tentasse demonstrar que é superior.

— O lugar do Heitor não é aqui, você sabe disso, não é?

Fecho os olhos por uma fração de segundo e bufo.

Ayla tem sido uma pedra no meu sapato. Não importa

quantos números Heitor bloqueie, ela colocou na cabeça que o quer


de volta e eu sei que isso é apenas porque Ricardo se foi.

Ela não quer ficar sozinha.

— Você não sabe onde é o lugar de Heitor.


— Ele não tem nada aqui. Nada que valha a pena — diz,
como se Rebeca e Miguel não fossem motivos suficientes para fazê-
lo ficar. — Ele pertence a mim.

— Deixou de pertencer quando você o traiu.

Ela cerra o músculo da mandíbula.

— Meus erros não têm nada a ver com você — rebate entre
os dentes. — Minha história e do Heitor ainda não acabou. Ele jurou

me amar na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença. Ele jurou


perante a Deus.

Assinto.

— Sim, Ayla, mas você quebrou os votos. Você partiu o


coração dele e só está aqui, porque não quer ficar sozinha. Só que

a verdade é que ele não te deve nada. Sinto muito por tudo que
aconteceu com você e sei que perder Ricardo deve estar doendo,

mas a sua história com Heitor acabou há muito tempo.

Os olhos dela brilham por conta das lágrimas.

— Não fale besteira, idiota. Ele é meu, sempre foi. O

problema é você. Se você sair da vida dele, eu sei que Heitor vai
voltar pra mim e me ajudar a seguir em frente. Eu preciso dele.
— Eu sinto muito, não posso fazer isso — murmuro e
instintivamente, levo uma das mãos até a minha barriga e aperto. —
Não posso.

Ayla observa o meu gesto e começa a rir.

— Então, é isso?

Uno as sobrancelhas, confusa.

— Isso o quê?

— Você tá grávida?

— Não — respondo rápido demais para ser verdade. Porém,

se eu estiver, não quero que a primeira pessoa que saiba seja Ayla.

— Não estou.

Ayla continua rindo de um jeito estranho e doentio.

— Ele não sabe... — conclui e faz um estalo com a língua. —


Pobre garotinha — acrescenta e faz um bico.

— Vá embora, Ayla.

— Heitor não quer filhos — fala assim que faço menção de

levantar para me afastar. Meu coração trepida forte dentro do peito,

é quase sufocante. — Nunca quis. Já conversaram sobre isso?

Olho-a nos olhos, incapaz de responder.


— Pelo visto, eu acho que não. — Abre um sorriso de orelha

a orelha. — Heitor não quer ser pai e eu abri mão disso por ele.
Você abriria mão dessa criança por causa dele? Ele vai fazer você

escolher e eu aposto que não é forte o suficiente para uma decisão

dessas.

Minha visão fica turva e é difícil pra caramba manter as

lágrimas dentro dos olhos.

— Não acho que estejamos falando do mesmo Heitor.

Ela revira os olhos.

— Ah, querida. Você conhece Heitor há quanto tempo?

Meses? Eu o conheço a minha vida toda. E acredite quando eu

digo, aquele cara, ele nunca quis ser pai e essa gravidez é o que vai
acabar com a relação de vocês.

— Vá embora — peço com um murmuro.

— Sim, eu vou. Talvez, só precise esperar pelo fim de vocês

— são as suas últimas palavras antes de ir embora e me deixar na

recepção, chorando.
Limpo as lágrimas com as costas das mãos, pensando no
que fazer. Acho que nem quando fui abandonada uma semana

antes do casamento, eu me senti tão sem rumo como agora.

— Ariel?

Ao ouvir a voz de Felipe me chamando, choro mais ainda.

Dessa vez, de ódio. Ele tem sido um incômodo também, parece que
não aceita o fato de eu ter superado o nosso término.

No fundo, acho que esse idiota só quer uma mulher que fique
sofrendo por ele para massagear o seu ego.

— O que você quer? — pergunto ao me virar para ele,

mostrando hostilidade.

Felipe se aproxima de mim e toca meus ombros, eu tento me

desvencilhar dele e não consigo.


— Por que está chorando? — quer saber. De repente, o seu

rosto se contrai. — O que aquele babaca fez com você?

— Me solta. O babaca aqui é você.

— Vamos subir e conversar, precisa se acalmar — é o que

diz, me conduzindo na direção do elevador e assentindo para o seu

João, como se tudo estivesse bem.

Afasto-me dele com um trancão.

— O que você quer conversar, Felipe?

Ele respira fundo e tenta me tocar de novo, mas impeço.

Felipe passa as mãos entre os cabelos e fecha os olhos

brevemente.

— Eu quero você de volta.

— What the hell?[31] — grito, enfurecida e também, ainda


chorando de raiva. Esse babaca só pode ser louco.

— Ariel, eu estava errado. Não devia ter terminado com você.

Sinto sua falta. Vamos tentar de novo. Podemos nos casar amanhã
se você quiser.

Felipe se aproxima de novo, me segurando pelos braços e


tenta me beijar, como se fosse fácil partir meu coração, me chamar
de louca, mimada, chata, controladora, insuportável e infantil, e

depois, simplesmente colocar uma pedra em cima, como se meus

sentimentos não valessem merda nenhuma.

Esquivo-me do seu beijo e o empurro para longe de mim.

— Você é louco.

— Não, claro que não. Você não está pensando direito. Vai

ser bom pra nós voltarmos — fala e eu rio entre as minhas lágrimas

ácidas.

Felipe e Ayla dariam uma ótima dupla de idiotas babacas que

acham que o mundo gira em torno deles.

— Não acho que ter você na minha vida de novo vai ser bom,

Felipe.

Ele cerra os dentes.

— Eu faço parte do seu plano, Muriel — fala com as narinas


infladas. — Não passou quase dois anos planejando a merda do

casamento? Eu vacilei, ok, mas é mais fácil perdoar do que ficar

com esse joguinho de que não me quer de volta.

Choro mais ainda, não por causa dele, mas porque estou

cansada dessa conversa e abalada demais pelas coisas que Ayla


disse e com o teste de gravidez positivo que deixei em cima da

minha pia do banheiro.

— Não quero você de volta.

Enfio a mão dentro da minha bolsa e tateio até encontrar a


chave da Ducati. Desde que comecei a sair com Heitor, eu não usei

mais a moto. Ela voltou a ficar debaixo da capa, isolada e esquecida

no estacionamento do prédio.

Entrego na mão de Felipe.

— Não preciso mais da Ducati. Tô devolvendo.

Felipe balança a cabeça de um lado para o outro, negando.

— Não, ela é sua — rebate ao tentar me devolver, mas não

pego de volta. — Ariel, o que você quer que eu faça? Que eu

comece a implorar pra você voltar pra mim?

Solto uma baforada de ar e fecho os olhos, prestes a explodir

quando o cretino segura meu rosto com as duas mãos e me rouba

um beijo. Tento empurrá-lo, mas Felipe é mais forte do que eu e não


consigo afastá-lo de mim.

Tenho vontade de vomitar ao senti-lo me provocando com a

língua e acabo usando o meu último recurso, elevo o joelho e acerto


as bolas dele.
E antes que possa me afastar completamente, vejo Heitor
avançar em cima dele, a mão fechada em punho, acertando o rosto

de Felipe com violência até vê-lo cair no chão.

Os dois se atracam e apesar do meu ex tentar se defender,

Heitor é ágil e não erra um golpe.

Aproximo-me dos dois e puxo Heitor, que tem a respiração

ofegante e as narinas expandidas por causa da raiva.

— Vá embora antes que eu acabe com você, cara —


ameaça, fazendo Felipe cuspir sangue e olhar para mim.

Abro a boca para mandá-lo à merda e fecho um segundo


depois, pois percebo quem está por perto, observando tudo.

Ayla.

Meu coração se parte em mil pedacinhos outra vez ao

lembrar da nossa conversa de minutos atrás.

— Felipe? — chamo, Heitor e ele me olham. — Vai embora

da minha vida, eu não quero você. A melhor coisa que você


fez pra mim foi ter me deixado. Então, por favor, some da minha
vida de uma vez por todas.

Ele aperta a mandíbula e franze os olhos, sem dizer


nenhuma palavra, vai embora do prédio.
Giro nos calcanhares para sair também, porque preciso saber
se estou grávida ou não.

— Ariel? — Heitor fala, pegando meu braço e me impedindo


de seguir em frente. Nossos olhos se conectam. — Você andou

chorando?

Olho para Ayla, que nos observa e me desvencilho de Heitor.

— Acho que você precisa conversar com a sua ex.


Ver Felipe beijando Ariel a força me deixa enfurecido e não
consigo controlar os meus instintos. Eu descarrego toda a minha
raiva sem remorso e eu teria continuado a esmagar seu rosto se

Ariel não tivesse me impedido.

Ela muda um pouco depois que os seus olhos encontram


Ayla na recepção e eu sei que fica magoada, porque o rosto

entristece. Envolvo a mão no seu braço, impedindo que saia de

perto de mim e ao olhá-la nos olhos, noto que estava chorando.

Mesmo assim, ela se solta de mim e vai embora.

— Vamos conversar — Ayla fala, atraindo minha atenção.

Quando cheguei no prédio, eu a vi do lado de fora e ela


implorou para que eu a ouvisse, disse que não voltaria para Minas
se eu não conversasse com ela. Claro que não concordei, mas a

mulher é obstinada e me seguiu prédio adentro.

E tudo aconteceu.

Não respondo Ayla, apenas observo as portas de vidro do


prédio.

— Ela estava traindo você — diz, quase como se quisesse


me colocar contra Ariel. Pra falar a verdade, é exatamente isso que

ela quer. — Essa garota não merece você. Vamos conversar e nos

entender, tenho novidades sobre mim e...

Rio, seco.

— Não vamos conversar, Ayla.

Ela prensa os lábios.

— O quê?

— Não vai me fazer mudar de ideia e voltar pra você.

Ela começa a chorar, não sei se é fingimento ou as lágrimas

são verdadeiras, mesmo assim, não me comove.

— Eu preciso de você, não vou conseguir viver assim.

Ninguém vai me aceitar nessas condições. Heitor, por favor —

choraminga.
— Você vai encontrar alguém, Ayla e quando acontecer, não
pisa na bola de novo, tá legal? — é a última coisa que falo ao sair

de perto dela.

Saio do prédio correndo, o coração bate tão forte que dói

dentro do peito.

Encontro-a dentro do seu carro no estacionamento que há


em frente ao prédio. Atravesso a rua e vou até ela, bato na janela do

carro, assustando-a. Ariel limpa as lágrimas com as costas das

mãos e abaixa o vidro.

— Para onde tá indo?

— Não quero dizer — Ariel murmura.

— Desça, vamos conversar.

Fungando, ela faz o que peço.

— Eu devia ter dito isso, mas eu não estava te traindo com o

Felipe — articula e limpa a boca com as mãos. Os lábios estão tão


vermelhos, que tenho a impressão de que faz alguns minutos que

está fazendo isso. — Eu jamais trairia você — emenda e ergue os

olhos azuis carregados de lágrimas para mim.

— Eu sei.

Ela funga e assente.


— Você vai voltar pra Ayla?

— O quê? Não — falo rápido e envolvo os braços em Ariel,

puxando-a para mim. — Por isso estava chorando? Você falou com

ela? — quero saber.

Ariel funga e engole em seco.

— Falei com ela — murmura.

— Ariel, olha pra mim — peço e ela não o faz, então, tomo
seu rosto entre as duas mãos e seguro seus olhos aos meus. — Eu

amo você, ruivinha. Nada do que Ayla diga vai mudar o que eu sinto
por você.

Ariel espreme os lábios mais ainda e chora.

— Você me ama?

— Mais do que eu amei outra mulher algum dia.

— Não sei se vai continuar me amando depois que souber...

— Ela não termina a frase e desvia a tenção de mim. — Nós nunca


conversamos sobre isso.

Faço-a me olhar de novo.

— O que aconteceu?
— Eu... acho... eu acho que tô grávida — sussurra entre as

lágrimas e a novidade faz meu coração acelerar. Fico sem palavras


por quase um minuto, apenas encarando Ariel e ela chora mais

ainda. — Viu? Não me ama mais, não é?

Sorrio.

Com os polegares, aparo as lágrimas que insistem em cair

dos olhos grandes e azuis, em seguida, puxo Ariel contra mim,


envolvendo-a num abraço apertado.

— Eu ainda te amo.

Ela funga.

— Achei que não quisesse ser pai.

Afasto-a um pouco e ela me encara, ainda chorando.

— Quem te disse isso?

— Ayla — admite com um sussurro.

— Eu quero ser pai — assumo com o coração tão acelerado,

que me sinto estranho e zonzo. — Você quer ser mãe?

Ela abre um sorriso pequeno entre as lágrimas e me olha


com doçura ao dizer:

— Sim, eu quero.
Ariel fica na ponta dos pés e aproxima nossos rostos para um
beijo carinhoso e com gosto de lágrimas.

— Eu te amo, Heitor. Pra mim, você é como a primavera, a


estação mais linda do ano — murmura.

— Casa comigo?

Ela une as sobrancelhas em confusão.

— O quê? — balbucia. — Tá me pedindo em casamento por


causa da gravidez? Preciso te falar que eu só fiz um teste de

gravidez e há chances de estar enganada. Por isso, eu disse que


achava que estava grávida e não...

Calo Ariel com um selinho.

— Cala a boca — resmungo e ela faz biquinho. Enfio uma


das mãos dentro do bolso da calça e retiro a caixinha preta com o

anel de diamante que comprei há duas semanas.

Abro-a e mostro a ela.

— Heitor... isso é sério?

— Tô guardando isso há algumas semanas — admito e ela

começa a chorar de novo. — Você quer casar comigo, ruivinha?


Chorando, ela assente e beija meus lábios outra vez, rindo
entre as lágrimas que banham o rosto bonito e delicado. Agarro o
anel e passo pelo dedo fino, selando o nosso compromisso.

Ela abre um sorriso largo e joga os braços em volta do meu

pescoço.

Quando eu fui traído, achei que fosse o meu fim, fiquei


desolado. Mas, a verdade, é que todo fim é um novo começo. E

essa vizinha maluquinha e chata me trouxe exatamente isso.

Uma nova perspectiva de vida.

Um novo começo.

Um amor.

Uma família.

Ariel levanta a cabeça e roça os lábios nos meus, tocando o

meu rosto com as pontas dos dedos antes de me beijar.


~ Alguns meses depois ~

Se há um ano me perguntassem se eu me imaginava


casando com uma barriga de quase cinco meses, eu diria que é
algo impossível. Mas, hoje eu sei, que o impossível pode acontecer

e que vizinhos safados e barulhentos podem ser o amor da sua


vida.

Enquanto eu caminho de pés descalços por cima da


passarela de flores que fizeram para mim, entrelaçada no braço do

meu pai, focalizo os olhos verdes de Heitor em cima do altar, me


esperando.

Decidimos nos casar em Jericoacoara, com uma cerimônia

na praia e antes do fim da tarde. Foi tudo decorado com flores


brancas e todos os convidados estão vestidos de um jeito leve e

confortável.

Eu não sabia que queria me casar na praia até Heitor propor.

Agora, eu sei que é perfeito e mágico. As ondas do mar quebrando


ao fundo, o cheirinho de água salgada, o pé na areia e nossos

amigos e familiares felizes pela nossa união.

Tudo perfeito.

Meu pai me entrega ao Heitor, fazendo-o abrir o sorriso mais

lindo do mundo para mim. E eu não tenho dúvidas que vou dizer sim
para o homem certo. Para o amor da minha vida.

Padre Gabriel dá início a cerimônia e parece tão contente por

estar me casando. Suas palavras emocionam todos e fazem as


nossas mães chorarem de emoção.

— Heitor, você aceita Muriel como sua legítima esposa.

Promete ser fiel, amá-la e respeitá-la na alegria e na tristeza, na

saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, por todos os dias da


sua vida até que a morte os separe? — Padre Gabriel pergunta,

olhando para nós.

— Sim — Heitor responde e coloca a aliança na minha mão

ao mesmo tempo em que sinto a bebê dentro da minha barriga


chutar.

Na minha vez de dizer sim para Heitor, eu falo com lágrimas

nos olhos, porque eu estou dizendo sim para o homem que eu amo,

estou dizendo sim para uma vida nova que vamos compartilhar os

momentos bons e ruins, amor e tristeza.

Estou dizendo sim para nos tornarmos um só.

— Pode beijar a noiva.

Heitor envolve uma das mãos entre os meus cabelos da nuca

e encosta os lábios nos meus num beijo apaixonado, lento e

intenso. Nosso primeiro beijo de marido e mulher.

— Eu te amo, ruivinha — sussurra ao encostar a testa na

minha e depois beijá-la com carinho.

— Eu te amo também.

Rambo, que entrou com as alianças e ficou incrivelmente

quietinho perto dos meus pais, começa a latir desesperado. Assim


que é solto, ele vem correndo para nós, todo serelepe e o Heitor o

pega no colo, fazendo todo mundo rir.

E assim, o Padre Gabriel dá a benção final.

A dança dos noivos é ao som de “Pra Sonhar” do Marcelo

Jeneci e talvez, sejam os hormônios da gravidez, mas sou incapaz


de manter as lágrimas guardadas dentro dos olhos.

Heitor e eu já estávamos juntos há algum tempo, ainda

assim, olhar para ele agora, é uma sensação nova. Agora, ele é

meu marido, meu companheiro, minha família, o pai da minha bebê.

— Prometo parar de chorar daqui a pouco — balbucio,


fungando e ele ri todo bobo e lindo.

— Acho que não vai acontecer agora — é o que diz ao

pararmos de dançar.

Meu pai traz uma cadeira e coloca no meio da tenda que foi
montada para a pista de dança. Heitor me pede para sentar, mesmo
confusa e desconfiada, eu o faço. Ele dá um beijo no topo da minha

cabeça antes de se afastar e sumir do meu campo de visão por


alguns breves minutos.

Acordes de uma versão acústica de “Yellow” do Coldplay


alcança os meus ouvidos.

De repente, papai surge com um violão na mão, dedilhando

as cordas com um sorriso no rosto. Duda e Enzo, Gio e Bernardo


também aparecem em casal, e então, começam a dançar de um

jeito romântico e sincronizado, lindos.


Levo as mãos até a boca e sorrio, as lágrimas fazendo meus

olhos arderem mais uma vez.

Seu Antônio também aparece na tenda, segurando um


pandeiro e mexendo de um lado para o outro, sorrindo como um

garotinho. Dona Maria o acompanha, olhando para o marido de um


jeito apaixonado.

A voz rouca de Heitor vem primeiro do que ele e faz meu


coração latejar e a neném dentro da minha barriga chutar. Quando o

meu marido aparece, eu começo a chorar em silêncio.

Ele canta para mim.

"Olhe para as estrelas, veja como brilham por você.

E todas as coisas que você faz, todas eram amarelas.

Eu vim de longe, escrevi uma música para você.

E todas as coisas que você faz e se chamava amarela.

Então, aproveitei minha oportunidade, que coisa eu fui fazer.

Estava tudo amarelo.

A sua pele...

A sua pele e os seus ossos se transformaram numa coisa


linda.
Você sabe?

Você sabe que amo muito você.

Você sabe que amo muito você.”

Heitor caminha até mim e estende a mão, quando eu pego,

ele entrelaça os nossos dedos e me faz levantar, me gira


devagarinho antes de me puxar para mais perto.

Olhando dentro dos meus olhos, ele continua cantando.

— Eu nadei, eu fui além para você, que coisa eu fui fazer,


porque você era toda amarela. Eu estabeleci um limite, eu

estabeleci um limite por você, que coisa eu fui fazer e tudo ficou
amarelo. A sua pele... a sua pele e os seus ossos se transformaram
numa coisa linda. Você sabe? Por você, eu sangraria até secar. Por

você, eu sangraria até secar.

Após a última estrofe, Heitor me toma em seus braços e me


beija com carinho, de mansinho, como se quisesse aproveitar cada
segundo e a neném na minha barriga chuta de novo, me fazendo rir.

Pego a mão dele e pouso na minha barriga, aumentando o

sorriso do meu marido.

— Ela ama você — sussurro entre as lágrimas que tenho


certeza que me acompanharão a festa inteira.
— E eu amo vocês. Muito — fala, roçando os lábios na minha
testa antes de me envolver em um abraço apertado.

— Obrigada por me deixar chutar a sua porta.

Ele ri, descontraído.

— Obrigado por chutá-la.


Adoro passeios pela manhã e apesar do meu corpo pequeno
e robusto, me orgulho da minha energia de sobra. Tudo graças aos
meus antepassados, que eram caçadores e gostavam de arrastar os

trenós dos seus mestres ciganos na época em que éramos grandes.

Sim, já fomos grandes.

Mas não tão grande quanto o grandalhão vindo na nossa

direção. É o Bruce, o esportista do pedaço e se acha o líder porque


ainda tem as bolas no lugar. Quando ele passa por nós, avanço,

mostrando que ser pequeno não é sinônimo de fraqueza.

Bruce me cheira e lambe a minha cara, depois sorri para

mim.
Olho para o meu pai, chateado. Ninguém me respeita depois

que ele mandou tirar as minhas bolas. Arrancou de mim toda a


minha masculinidade. Ainda não entendo o motivo por ele ter feito

isso comigo.

Só me resta continuar marcando o território por onde eu

passo. A cada cinco passos, levanto a perna e tento fazer xixi mais

alto, o que é difícil. Às vezes, ser pequeno, é uma droga.

De repente, o papai me pega no colo para andar mais rápido

e só me coloca no chão quando estamos na areia branquinha.

Fecho os olhos e sorrio, aproveitando o vento no focinho. Adoro


aqui, apesar de não entender como conseguiram colocar tanta água

no mesmo lugar.

Água que se move.

A primeira vez que estive aqui, eu tentei descobrir como isso

é possível e usei a língua universal dos animais para me comunicar,

mas a única resposta que eu tive foi uma rasteira violenta da água,
que me resultou no papai me levando para tomar banho num lugar

esquisito que depilou o meu bumbum, me deixando com coceira no

traseiro.
Por isso, hoje eu sei, que preciso me manter longe dessa
água. Ela não é confiável. Mas como seria? Tanta água num só

lugar... era de se esperar.

Andamos pela areia e eu vou tentando descobrir tesouros

escondidos. Esse lugar é mágico. A última vez encontrei uma

bolinha velha e suja, mas o papai não me deixou ficar com ela.

Pera aí... eu conheço esse cheiro.

Olho para cima e observo a gigante à minha frente. Ela sorri

primeiro para o meu pai, depois para mim. Com uma voz fina e

manhosa que eu particularmente amo, a gigante começa a falar

comigo, mas eu sei que não posso ceder.

Não sei exatamente quando aconteceu, mas ela já esteve

com o papai e não gostei dos barulhos que ela fez ao lado dele.

Barulhos esses, que a mamãe faz igual ou pior, mas a mamãe faz

carinho na minha barriga e me dá comida.

E sou esperto também, já percebi que mamãe odeia quando

outras gigantes chegam perto do papai. Não posso deixar que isso
aconteça.

Avanço em cima dela e defendo o território, mostrando mais

uma vez que eu posso ser pequeno e não ter bolas, mas eu sou
corajoso e um dia, serei líder daqui como o Bruce é.

Por alguma razão que não entendo, papai me pega no colo

de novo e interrompe o nosso passeio, nos levando para casa. Não

parece muito feliz comigo, o que me deixa triste demais.

Não gosto quando ele fica bravo.

Olho para ele e pisco devagar, sentindo os olhos arderem e


ele não demora a ceder e fazer carinho nas minhas orelhas. É tão

gostoso e relaxante, me dá vontade de tirar um cochilo.

Assim que entramos no meu lugar seguro, eu vejo a mamãe


deitada no sofá e fico agitado. Sinto que faz uma eternidade que
não há vejo. Papai me coloca no chão e eu corro para ela, que

conversa comigo sorrindo.

Desde que comeu o humano, a sua barriga vem crescendo


de maneira drástica e eu tenho a impressão de que vai explodir a
qualquer momento.

Com dificuldade, subo em cima do sofá e roço o focinho na

barriga grande, tentando checar se o humano dentro está bem.


Consigo ouvir seu coração batendo, mas ele está dormindo, como

sempre.
Mamãe faz carinho na minha cabeça e eu começo a morder o

seu pelo macio, que é idêntico ao meu. Ela sorri, gostando do meu
carinho e eu coloco a língua para fora, sorrindo também.

Papai se senta ao meu lado e o seu braço é tão grande que

alcança o pelo laranja da mamãe, ele faz carinho e em seguida, toca


meu corpinho robusto também. É tão gostoso e reconfortante.

Ajeito-me entre eles, me preparando para um pequeno


cochilo até que de repente, algo entra pela janela. Um monstro

voador. Ele é todo colorido, tem pequenas antenas e asas grandes.

Me preparo para pular do sofá.

Preciso defender os meus pais.


SOCORRO, O CEO VAI SER PAPAI

~ JOAQUIM DUPONT

— Você sabe quantas bactérias podem ser transmitidas

através do sexo oral? — Milena pergunta, encarando-me com os


olhos vidrados, daquele jeito que não dá abertura para nenhuma

piada idiota.

— Não, mas eu tenho certeza de que você vai me falar.

Odeio que minha mãe tenha me criado com princípios. Se eu


fosse um por cento babaca, eu abriria a porta do carro e jogaria

essa mulher aqui mesmo, na Avenida Beira Mar Norte[32] e seguiria o

meu caminho sem remorso nenhum.


Passei três horas da minha noite ouvindo Milena reclamar de

bactérias e germes que vivem ao nosso redor. Ela até retirou de


dentro da bolsa um vidro em spray com álcool 70% e lenços

brancos para limpar os nossos talhares.

Você não imagina o tanto de germes que existem em talheres

de restaurantes, foi o que ela disse para explicar os gestos.

E, claro, me impediu de pedir frutos do mar, por causa da

Doença de Haff. [33]

Também não posso esquecer que antes de se acomodar no

meu carro, ela pegou o maldito vidro em spray com álcool e borrifou
no banco de couro, ainda se ofereceu para limpar o meu volante.

— Pois é, as pessoas acham que o preservativo é


dispensável na hora do sexo oral. Existem vírus e bactérias no

esperma e o líquido...

— Você nunca fez sexo oral? — pergunto de repente ao

parar no semáforo vermelho, interrompendo as explicações de


Milena. Ela fica meio desconcertada com o questionamento. — São

muitos riscos... — emendo, fazendo-a assentir compreensiva.

— Bom, eu evito sexo oral. Na verdade, fora de cogitação.

Fazer ou receber. E bem, o sexo convencional depois de trinta


encontros.

Pigarreio, uma tentativa frustrante de esconder a minha

surpresa.

— Trinta encontros? — repito ao pisar no acelerador,

incrédulo. — Eu vou matar Beatrice — acrescento com um sussurro,

que Milena não escuta.

— Sim, trinta. Se o cara aguentar trinta encontros, é porque

ele é a pessoa certa para me relacionar sexualmente.

Balanço a cabeça, concordando.

— Algum candidato já ultrapassou a marca dos trinta


encontros? — quero saber.

— É uma pergunta pessoal demais. No geral, eu respondo

sobre ex-amantes no sétimo encontro.

Eu vou matar Beatrice.

Eu vou.

— Compreendo.

Enquanto Milena retoma o assunto sobre as bactérias

presentes no esperma, eu finjo escutar cada palavra e até ouso


concordar uma vez ou outra, rezando em silêncio para chegarmos

logo na sua casa.

Não aguento mais o assunto sobre bactérias e germes e tudo

que eles podem fazer para arruinar a minha vida inteira. Como
Milena pode ser tão paranoica assim? Essa mulher precisa de

ajuda.

Precisa de terapia urgente.

Por que a senhora me criou assim, mãe? Por quê? Ao

contrário de Miguel[34] e Henrique,[35] eu não consigo ser rabugento a


ponto de mandar Milena calar a boca de uma vez por todas.

Uma parte de mim quer jogá-la para fora do meu carro e


deixá-la rolar pelo asfalto infestado de bactérias. E a outra parte,

está apanhando da minha mãe por ter pensado algo tão perverso
assim.

Qual é o meu problema?

Gentileza, eu acho.

Ela mora perto do Beiramar Shopping e ao parar o carro em


frente ao prédio de dez andares, escuto o coro celestial de aleluia

ecoar dentro da minha cabeça na voz debochada de Beatrice.


— Eu te daria um abraço agora, mas você tocou no celular e

depois coçou a barba — começa a falar, explicando. — Aparelhos


eletrônicos são uma bomba de germes.

Pisco devagar e balanço a cabeça de maneira positiva.

— Uma bomba de germes... eu entendo.

— Foi um prazer sair com você, Joaquim. Espero te ver em


breve.

— Sério? — devolvo rápido e de maneira tão cética, que faz

Milena arregalar os olhos grandes em espanto. — Quer dizer, tá


certo. A gente vai se falando.

Ela abre um sorriso pequeno e meigo e empurra a porta do


carro para descer. E é lógico que quando o faz, procura o melhor

amigo dentro da bolsa para uma boa borrifada de álcool nas mãos.

Se Milena não fosse tão paranoica, controladora e


germofóbica, eu acho que nós...

Não.

Nem assim nós dois nos daríamos bem.

Enfio a mão no bolso da calça jeans e pego a minha bomba


de germes para digitar uma mensagem de texto para Beatrice.
Joaquim: Você sabe quantas bactérias podem ser
transmitidas através do sexo oral?

Beatrice: Ah, meu Deus! Ela falou sobre isso?

Joaquim: Me lembre de nunca mais confiar em você.

Beatrice: Não seja dramático. Você é legal demais pra isso.

Joaquim: Me deve um jantar de três horas.

Beatrice: Claro, mas não fica bravo comigo, você é meu

melhor amigo homem. Não esqueça disso.

Sinto um incomodo na garganta ao ler a última mensagem.

Eu devo mesmo ser um otário.

Como é que eu conquistei o lugar de melhor amigo da

Beatrice? Não lembro de ter feito esforço para tal coisa.

Ela é o tipo de mulher que é ideal para mim. Divertida.


Espontânea. Desinibida. Decidida. Tem a boca grande, no sentido
figurado e literal da coisa.

E nunca vai estar na minha cama, porque eu sou o imbecil do

melhor amigo.

Bufando, travo o aparelho celular e jogo em cima do banco


do carona, fazendo uma nota mental de quando conhecer uma
mulher interessante não me tornar melhor amigo dela.
Oi, tudo bem?

Eu fico muito feliz de te ver por aqui mais uma vez.

Espero que tenha se divertido com esse casal de vizinhos


barulhentos e malucos, e claro, o Rambo, o cachorro mais travesso

e mijão do universo.

Eu escrevi esse livro em 2016 e ele passou 7 anos guardado

na gaveta, esperando o momento certo. Eu estou muito feliz de


finalmente ter colocado a história de Heitor e Ariel no mundo.

Obrigada pelo apoio e carinho.


Se você ainda não leu outras histórias minhas, dá uma
passadinha na minha página da Amazon ou no Insta.
E se quiser acompanhar mais sobre os meus lançamentos e
tudo que rola nos bastidores da minha escrita, venha interagir
comigo em:
INSTAGRAM: @brenda.ripardo
A gente se encontra em breve.
Beijão e se cuide!
COMÉDIA ROMÂNTICA
SOCORRO, O CEO SUMIU
SOCORRO, O CEO VAI SER PAPAI
UMA VIRGEM PARA O ASTRO DE HOLLYWOOD
A RENDIÇÃO DO HERDEIRO BILIONÁRIO

SÉRIE FAMÍLIA CARBONE:


O HOMEM DA MÁFIA
NAS GARRAS DA MÁFIA
O SENHOR DA MÁFIA
EM NOME DA MÁFIA
A PROMETIDA DA MÁFIA
IMPÉRIO SALVATORE:
ENTREGUE AO MAFIOSO
RESGATADA PELO MAFIOSO

IRMÃOS BYRNE:
A FILHA PERDIDA DO MAFIOSO

[1]
“Tchau” em inglês.
[2]
“Eu estou bem” em inglês.
[3]
“Ei, mãe” em inglês.
[4]
“Eu sinto muito, querida” em inglês.
[5]
“Que porra?” em inglês.
[6]
“Ai, meu Deus” em inglês.
[7]
“Me deixa em paz” em inglês.
[8]
“Vá embora” em inglês.
[9]
“Seu filho da puta” em inglês.
[10]
“Tão fofo” em inglês.
[11]
“Porra de vadia!”
[12]
“Ah, droga” em inglês.
[13]
“Cala a boca!” em inglês.
[14]
“Vai embora” em inglês.
[15]
Trecho da música “Walking On Sunshine” (Agora eu estou radiante. Eu estou radiante,
eu estou radiante. E isso não é maravilhoso?)
[16]
“Dá um tempo” em inglês.
[17]
“Tanto faz” em inglês.
[18]
“Anda logo!” em inglês.
[19]
“Filho da puta” em inglês.
[20]
Anel Rodoviário é uma via expressa de Belo Horizonte.
[21]
“Vão se ferrar” em inglês.
[22]
“Eu amo vocês, vadias” em inglês.
[23]
“Você tá brincando comigo?” em inglês.
[24]
“Você é louco?” em inglês.
[25]
“Me solte agora” em inglês.
[26]
“Ei, papai” em inglês.
[27]
“Querida” em inglês.
[28]
“Eu prometo” em inglês.
[29]
“Onde está a minha irmãzinha?” em inglês.
[30]
“Jamais” em inglês.
[31]
“Que Diabos?” em Inglês.
[32]
É a principal via de trânsito ao longo da orla, é a avenida mais famosa e umas das mais
bonitas de Florianópolis, ponto de lazer e diversão para moradores e turistas.
[33]
Doença de Haff, também conhecida como “doença da urina preta”, é causada por uma
toxina que pode ser encontrada em determinados peixes como o tambaqui, o badejo e a
arabaiana ou crustáceos (lagosta, lagostim, camarão).
[34]
Protagonista de Socorro, o CEO é Virgem, primeiro livro da série Irmãos Dupont.
[35]
Protagonista de Socorro, o CEO Sumiu, segundo livro da série Irmãos Dupont.

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