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O direito moral de Jessa Hastings de ser identificada como autora desta obra foi assegurado.
título original
Magnolia Parks
copidesque
Stella Carneiro
preparação
Iuri Pavan
revisão
Thais Entriel
design de capa
Emily Pappas, 2021
adaptação de capa
Henrique Diniz
geração de e-book
Pablo Silva | Intrínseca
E-ISBN
978-65-5560-742-0
1ª edição
@intrinseca
editoraintrinseca
@intrinseca
@editoraintrinseca
intrinsecaeditora
Sumário
[Avançar para o início do texto]
Capa
Folha de rosto
Créditos
Mídias sociais
Dedicatória
Epígrafe
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
Capítulo 62
Capítulo 63
Capítulo 64
Capítulo 65
Capítulo 66
Capítulo 67
Capítulo 68
Agradecimentos
Sobre a autora
Para a minha versão de 2018 que sentiu vontade de jogar a
toalha e virar professora de história porque a rejeição criativa
dói demais.
E para aquela sua versão que quase desistiu daquilo que você
nasceu para fazer porque criar tem um custo altíssimo.
Magnolia
— Curti — diz ele, puxando meu vestido e chegando por trás de mim.
Calça jeans preta Amiri Thrasher (com rasgos nos joelhos, óbvio), tênis
Vans pretos e a camiseta branca de mangas pretas da Givenchy.
Me olho no espelho do quarto dele. Inclino a cabeça, estreito os olhos e
finjo que sou a única garota que esteve aqui recentemente. Me certifico de
que o colar com o anel dele está escondido por dentro da roupa, onde
ninguém além de mim, e provavelmente ele mais tarde, verá, e ajeito a gola
arredondada do meu vestido de jacquard acetinado de estampa floral
vermelha, azul e branca.
— Miu Miu — digo, encontrando seu olhar no espelho.
Amo os olhos dele.
Ele assente, descontraído.
— Transei com uma modelo da Miu Miu na semana passada.
Odeio os olhos dele. Faço cara feia por um instante, engulo em seco e me
recomponho antes de sorrir, despreocupada.
— Não ligo.
Nos encaramos, e, por um segundo, não odeio só os olhos dele, mas ele
inteiro — por me conhecer como conhece, por ver a verdade por trás de
tudo o que eu digo, por não fazer isso apenas comigo. Ele dá de ombros,
indiferente.
Ele, no caso, é BJ Ballentine, meu primeiro… tudo, para falar a verdade.
Meu primeiro amor, minha primeira vez, minha primeira dor de cotovelo. O
garoto de cabelo castanho e olhos verdes, o garoto de ouro. O garoto mais
lindo de Londres, dizem — e provavelmente concordo. Quando ele está num
dia bom. Mas por que estou falando dele para você? Você já sabe quem ele é.
— Eu sei que você não liga.
Ele passa a língua pelos dentes, distraído. É o que faz quando está
irritado, e eu noto que está mesmo, mas só por um segundo, porque ele logo
suaviza o olhar, como sempre faz comigo.
— Você estava namorando, Parks…
Ele tenta olhar nos meus olhos, mas não retribuo, porque gosto de fazer
ele achar que precisa se esforçar pela minha atenção.
— Tá — respondo, piscando. — Não ligo.
— Sei — suspira ele, fingindo tédio. — Sempre na defensiva, né? — diz
baixinho.
É o que os garotos falam quando me veem entrar nesse modo.
Ele me encara outra vez, porque sabe que estou mentindo, e nossos
corações entram em um impasse através dos nossos olhos.
Saudade de você, pisco em código Morse.
Ainda te amo, dizem os cantos virados para baixo da boca perfeita dele.
O lábio superior é maior, como se estivesse permanentemente inchado
por causa de uma picada de abelha. Antigamente, ele equilibrava meu
coração inteiro naquela boca.
— Quando foi, afinal? — pergunto e dou meia-volta para olhá-lo de
frente, pegando seu punho para dobrar sem permissão a manga da jaqueta
jeans preta com retalhos de lenço, também da Amiri.
Consigo sentir seu olhar. Ele me observa, espera que eu erga o rosto, e,
quando faço isso, sinto uma dor profunda, como toda vez que nos olhamos.
Um peixe de volta à água. Um alívio imenso.
— O que houve? — pergunta Bê, franzindo as sobrancelhas e me fitando.
Ajeito a jaqueta dele, tentando decidir se fica melhor aberta ou fechada.
Resolvo abotoar. Ele inclina a cabeça, ainda procurando meus olhos, e,
como não retribuo, levanta meu queixo com o polegar e o indicador.
A distância entre nós é mínima, mas, ainda assim, cresce uma floresta
nesse espaço. Pinheiros feitos de erros, tão altos que não dá para enxergar o
outro lado; rios feitos de coisas que não dissemos, tão largos que é
impossível contornar. Não estamos nem perto de onde achamos que
estaríamos, saímos completamente da trilha, e por um momento me sinto
perdida e sozinha, mas estou perdida e sozinha com ele.
— Só me perguntando quando é que foi.
Eu pisco várias vezes. Ajuda a reprimir as lembranças. Desabotoo a
jaqueta.
— Porque você passou a semana passada quase toda comigo — continuo
—, então estou aqui me perguntando quando é que teve tempo para transar
com uma garota extremamente branca que com certeza tem olhos separados
demais.
Ele sorri, achando graça. Como é alto, esse BJ Ballentine. Um metro e
oitenta e oito.
— O que foi? — pergunto, dando de ombros, pagando de inocente. —
Branca que nem fantasma com olhão de alienígena é exatamente o tipinho
do Fabio Zambernardi.
O sorriso de BJ some.
— Você estava namorando, Parks — repete ele, e eu ignoro, porque uma
coisa não tem nada a ver com a outra.
Ajeito mais uma vez a jaqueta, abotoando.
— Mas eu passei a semana quase inteira com você, então só fiquei sem
entender, tipo, literalmente quando…
— Quer que eu te mostre a minha agenda?
— A sua agenda de sexo? — pergunto, incisiva.
Mas será que eu não deveria aceitar logo essa oferta? Provavelmente seria
útil para organizar as noites da semana em que pretendo lavar o cabelo, e
também saber por onde ele anda, o que eu gostaria de saber sempre, mas
não posso de forma alguma admitir. Então só fico encarando BJ.
Ele semicerra os olhos.
— Não tenho uma agenda de sexo.
Eu o observo com ceticismo.
— Agenda de trabalho é que você não tem…
— Eu trabalho, sim. — Ele revira os olhos.
— Ah, é? Tirando a camisa para as suas tietes no Instagram?
Ele coça o pescoço e sorri, tímido.
— Preciso pagar os boletos — diz, dando de ombros. — Nem todo
mundo tem oitocentos milhões guardados, Parks.
— Justo, justo — cedo. — Falando nisso, como anda aquela ilhazinha da
sua família ali perto de Granada?
Ele passa a língua de leve pelo lábio inferior, sorrindo.
— Precisava chamar de ilhazinha…
— É menor do que a minha — replico, e ele ri.
BJ me fita da cabeça aos pés, me percorrendo com os olhos como antes
fazia com as mãos, inspira profundamente e expira de amor por mim. Ele se
olha no espelho às minhas costas, passando as mãos pelo cabelo.
— Como é que vão ficar esses botões?
Eu os desabotoo de novo, e ele me olha, um sorriso no rosto.
— Sempre tentando tirar minha roupa…
Reviro os olhos, mas coro mesmo assim.
— Vai sonhando.
Pego a bolsa Le Chiquito Noeud de couro nobuck azul-celeste na quarta
prateleira da minha estante de bolsas.
— Sonho mesmo — admite ele, e olha para trás de mim. — Precisa que
eu desabotoe alguma coisa aí?
Dou um tapa de leve nele, rindo.
— Não fode.
— Vem — diz ele, enganchando o braço no meu pescoço e me puxando
para a porta. — A gente vai se atrasar.
* * *
BJ
Meu pai vai surtar. A reputação é tudo para um homem, segundo ele. E meu
pai pode falar isso, porque a dele é boa. Não sei qual é a minha reputação
hoje em dia, mas meu pai com certeza não se gabaria dela.
“Outra briga, BJ?”, ele diria.
Eu ficaria em silêncio e reviraria os olhos.
“Quantas brigas você precisa comprar antes de entender que já é tarde
demais? Que perdeu a Magnolia faz muito tempo?” É isso que ele vai me
dizer amanhã de manhã.
Provavelmente por mensagem de voz, porque não vou dormir em casa
hoje.
Não sei como ele sabe que eu perdi a Magnolia, e que não foi ela quem
me perdeu — mas está certo. Ele não sabe que está certo, só supõe estar, o
que me irrita pra caralho, porque a verdade é que ele está mesmo. Mas já me
acostumei. Estou acostumado com ele estar certo, e também com as longas
mensagens de voz recheadas de conselhos que eu não pedi e que não
adiantam nada, mas que ele manda mesmo assim. Acho que o sonho dele
devia ser que eu fosse diferente. Que eu fosse melhor, uma porra qualquer
dessas. Parks diz que não é bem assim, que meus pais me amam muito. E
amam mesmo, mas isso não quer dizer que meu pai não sonhe que eu me
torne um homem melhor.
Porra… até eu queria ser um homem melhor.
A mensagem que ele vai deixar para mim é o que ele sempre fala depois
de toda briga em que eu entro por causa dela. É sempre por ela. A parada é
essa — não só porque eu amo essa mulher e porque ela é quem é, mas
porque ela é da família. São todos da família. O internato faz isso — nos
obriga a formar a nossa própria família —, e, quer eu a ame ou não, ela faz
parte da minha.
E quer saber? De todos os motivos toscos para eu me meter em brigas ao
longo dos anos, o ex brocha da Parks anunciar em público no Dorchester
que ela amava o pau dele parece ser um dos melhores.
Tecnicamente eu nem briguei, mas as revistas de fofoca estão pouco se
lixando para isso. Vão publicar de qualquer jeito que eu briguei.
Parks disse que vai ligar para Richard Dennen de manhã para conter o
que poderia sair na Tatler.
O carro para na frente da casa dela em Holland Park.
“Uma casinha modesta de dez quartos em Holland Park”, ouvi ela
explicar para alguém na semana passada. “Tem uma piscina interna, mas
não externa, o que é uma pena, mas a gente se vira”, declarou, solene, à
vendedora, que não tinha perguntado nada. Atravessamos a porta preta e
pesada contra a qual a beijei um milhão de vezes, e não consigo conter o
efeito que essa casa tem em mim. Eu a amei em cada canto. Eu a despi em
cada cômodo. A casa me derrete todo. Nostalgia elevada à milésima
potência toda vez que entro nesse hall — memórias preciosas de vê-la descer
a escadaria curva de mármore, o coração na boca, ela nas minhas mãos…
Amar alguém como eu amo a Parks fode a nossa cabeça. Fazer merda que
nem eu fiz também.
Ela fecha a porta com cuidado, bem devagar, levando o dedo à boca para
me mandar ficar quieto.
— Por que esse silêncio? — cochicho para ela, mais perto do seu ouvido
do que é necessário, mas exatamente como eu quero.
— Porque, se a gente acordar a Marsaili, ela vai gritar comigo por trazer
você pra casa…
— Ah.
Faço que sim, como se não fosse um soco no estômago o fato do adulto
mais importante na vida de Parks me achar um lixo. Marsaili MacCailin é de
colocar medo em qualquer um. É a babá dela, cuidadora, responsável — ela
sempre foi tudo para Parks. Está presente desde o primeiro dia e, até onde eu
sei, pode tê-la tirado direto do útero da mãe. Aparece em todas as fotos da
família, a mãe que os pais de Parks não foram. Ruiva, de mais ou menos um
metro e meio, bonitinha, mas sempre carrancuda — pelo menos comigo. Ela
um dia foi a minha maior fã, mas agora provavelmente acende uma vela
para limpar o ambiente sempre que eu vou embora.
— E também porque, se minha mãe aparecer, provavelmente vai tentar
montar em você, sei lá.
Parks revira os olhos, e eu sorrio. Principalmente porque é piada, e um
pouco porque não é.
Arrie Parks, essa grande designer de bolsas, não é uma mãe comum.
Superdivertida, superdescontraída, sempre achou fofo quando me via
com a mão por baixo da saia da filha, nunca se irritou quando nos pegava
com contrabando na adolescência (às vezes até vinha se juntar a nós). A
maior qualidade dela, na minha opinião, é ainda ser minha maior fã apesar
das minhas transgressões.
— Cadê seu pai? — pergunto, olhando ao redor.
Gosto da sensação de estar sozinho com ela nessa casa.
Parece que voltamos a ser adolescentes, entrando de fininho depois de ter
saído de fininho.
— Atlanta — diz ela, dando de ombros. — Volta amanhã.
O pai dela… você sabe quem é. Harley Parks? O produtor? Treze
Grammys nos últimos vinte anos, e indicado mais umas trinta e cinco vezes.
Porra, o cara é uma lenda. Meio assustador.
Sabe como é namorar a filha de um cara negro enorme e fortão que é
amigo do 50 Cent? É uma tensão do cacete, cara.
Passei a festa de aniversário de dezessete anos dela suando em bicas de
tanto nervoso porque tenho quase certeza de que o pai dela mandou o
Kendrick Lamar e o Travis Scott ficarem de olho em mim. Parks estava
tentando me apalpar sempre que dava, porque ela fica toda saidinha depois
de tomar umas, e eu tinha que ficar afastando ela, então ela se emputeceu
comigo e eles acharam graça — foi uma confusão só.
Para ser sincero, fico feliz de o pai dela não estar aqui — se Parks e eu
estivéssemos nos pegando, eu transaria com ela na cama dele só de afronta,
mas não estamos, então vou só dormir na cama dela, que nem já faço quase
toda noite.
Ainda é uma certa afronta, imagino.
Quando chegamos ao quarto, eu tiro a camisa e vou direto para o
banheiro. Ela é toda paranoica com os lençóis. Não pode deitar na cama sem
tomar banho.
Sabe como essa regra é uma merda quando a gente tá bêbado? É chato
pra caralho. Já devemos ter discutido um milhão de vezes por causa disso, e
eu perdi absolutamente todas as discussões.
Ela entra no banheiro enquanto estou no chuveiro. Pega a escova de
dentes e dá meia-volta, descalça, me olhando. Só o meu peito, porque, da
cintura para baixo, fico escondido pela muretinha de ladrilho escrota que
todo dia eu queria que não existisse. Sei o que você está pensando: que porra
é essa? É estranho. Sei que somos estranhos.
Mas eu sou apaixonado por ela. E esse é o único jeito de Parks me deixar
ficar com ela, então, foda-se, vai assim mesmo.
— Quer entrar aqui comigo? — pergunto, só de provocação.
— BJ — resmunga ela, mas é inútil.
Ela revira os olhos, fingindo irritação, mas fica corada. Vira, se olha no
espelho, mexe no rosto que não precisa de mexida.
— Posso pelo menos ficar assistindo enquanto você toma banho?
Ela franze a testa.
— De jeito nenhum.
Eu inclino a cabeça.
— Meio hipócrita da sua parte.
Parks fica toda derretida com uma inclinadinha de cabeça. Ela engole em
seco, e eu odeio isso. Odeio o que nós somos. Odeio não poder
simplesmente ir em sua direção, beijá-la e arrastá-la comigo para o banho.
Odeio essa caixinha na qual ela me enfiou, odeio esse muro que ela
construiu para se proteger. Odeio esse esqueleto de relacionamento, mas é o
que sobrou. E é a melhor parte do meu dia.
— Me passa uma toalha — digo, saindo do chuveiro.
Ela cobre os olhos com as mãos, mas está tentando conter um sorriso.
— Nossa senhora.
— Não é? — suspiro, orgulhoso, só para provocá-la.
— BJ! — exclama ela, o rosto corado exatamente como ficava logo antes
da gente... você sabe.
Ela sacode a mão sem olhar, ao mesmo tempo me passando a toalha e
tentando me bater.
— Cuidado com essas mãos, Parks.
Ainda de olhos fechados, ela me empurra para fora do banheiro,
descendo as mãos pelo meu corpo. Nós dois sabemos que é de propósito,
mas ela juraria de pés juntos que foi sem querer. Em outra vida, eu largaria a
toalha, pegaria ela pela cintura, a beijaria até não poder mais e a carregaria
até a cama, mas, nessa vida, ela bate a porta na minha cara.
Visto a calça de moletom que Parks comprou para mim essa semana e
guardou na gaveta que ela diria a você que não é “minha gaveta”, mas é, sim,
minha gaveta, e nós dois sabemos. Sento no lado dela da cama, para ela
fingir irritação ao sair do banho e precisar me tocar de novo para me
empurrar para o meu lado, porque sou viciado nas mãos dela.
Ela sai dez minutos depois, com uma camisola de seda rosa-claro La
Perla. Sei que é de lá porque fui eu que comprei. Não é sexy. Não tem renda
nem nada. Ela acabaria comigo se eu comprasse lingerie sexy para ela. Na
verdade, comprei esse ano, no Valentine’s Day. Valia a pena, porque meu
aniversário cai nesse dia. Falei para Parks que era um presente para nós dois
e que ela devia me fazer aquele favor. Ela jogou o presente na minha cabeça.
Mesmo assim, usou no dia seguinte. Não que ela tenha me contado isso, mas
usou por cima uma blusa fininha e transparente para o brunch, no dia 15 de
fevereiro mais frio de Londres em uma década.
Acontece bem como eu imaginei.
Ela faz cara de irritada… vem andando e me empurra com toda a força,
que é quase nenhuma. Eu rio, ela empurra ainda mais forte, e eu a puxo para
cima de mim. Por alguns segundos, ela fica ali deitada, fingindo me
empurrar para o meu lado, mas, na verdade, estamos só tentando nos
abraçar das maneiras que nos restam, e dura três, quatro, cinco, seis... seis
segundos antes que ela arregale os olhos, lembrando como eu a magoei há
uns anos. Ela rola para sair de cima de mim, fazendo um biquinho que não é
justo quando não posso beijá-la para melhorar.
— Tudo bem? — pergunto, olhando para ela.
Ela me olha de volta, e as engrenagens na minha cabeça giram em busca
de um jeito de fazer ela se sentir melhor, mas não dá. Preciso de uma
máquina do tempo.
Ela me olha, pressionando o dedo na tatuagem no meu polegar. É um
lacinho amarrado. Comprei para ela um colar da Tiffany’s com um pingente
igual no nosso aniversário de um mês de namoro — uma celebração ridícula
que nem existe pra valer, mas acho que existe quando, aos quinze anos, se
conquista a garota dos sonhos. Enfim, ela amou o presente. Perdeu depois
de uns dois anos, e o colar tinha saído de linha. Essa foi a primeira tatuagem
que fiz por ela.
E são todas por ela — exceto por…
— Essa é nova.
Ela aponta para uma tatuagem pequena que eu fiz há uns dois dias no
peito. Uma baleia. Por causa da história de Jonas. Jonah achou engraçado.
Tanto faz… é do tamanho de uma moedinha.
Faço uma careta.
— Perdi uma aposta com o Jo.
Ela me olha meio irritada, soltando um murmúrio de frustração.
— O que foi?
— Nada — diz, empinando o nariz. — Só acho que você não se preocupa
com o seu corpo.
Ela dá de ombros, como se não ligasse, mas sei que liga.
— Você não pensou isso das outras 22.
— É porque são todas por mi…
Ela se segura antes de completar a frase, abrindo um sorriso tenso.
São todas referências mitológicas e profundas ao nosso relacionamento,
símbolos e coisas que ela reconhece e eu reconheço, mas ninguém mais
sabe, e eu adoro ter marcas dela em mim. Ela costumava me marcar de
outros jeitos antes, porém não mais. Ela fecha a boca bem apertado, se
recompõe e pigarreia.
— É porque as outras 22 tem a ver com alguém que se preocupa com o
seu corpo.
Reviro os olhos. Não só para ela, mas para nós, para a merda que estamos
fazendo da vida.
— É por isso que faz três anos que eu fico morrendo de tesão?
— BJ… — diz ela, me olhando, incrédula. — Você literalmente transa
mais do que qualquer pessoa que eu conheço. Se ainda continua com tesão,
então é melhor procurar um médico.
Aí eu começo a rir, e ela começa a rir, mesmo que não tenha graça,
porque ela odeia isso, então eu odeio isso, mas ela namora e eu transo e é
isso que a gente faz, então a gente ri.
A porta do quarto se abre, e a irmã dela aparece no batente.
— Olha eles, o casal mais transtornado de Londres.
Bridget Parks sorri para nós dois, cruzando os braços. Ela é dois anos
mais nova do que Parks, tem olhos castanhos e cabelo cacheado, e é mais
bonita do que acha, mas não se importa. Bridge é a melhor amiga da minha
irmã mais nova.
— Fridget — diz Parks, cumprimentando-a com a cabeça e se
endireitando. — Como foi mais uma noite emocionante de estudos?
— Adoro como você faz a faculdade parecer uma coisa ruim — rebate
Bridget, retribuindo o desdém.
— Eu também fiz faculdade — responde Parks, de nariz empinado.
— Você é bacharel em artes — retruca Bridge, com desprezo. — Todo
mundo sabe que isso é só o nome oficial para “não sabe o que faz da vida”. E
que você pagou uma boa grana pra Imperial College oficializar isso no
papel.
— Pode ser — digo, semicerrando os olhos —, mas ela entrou pra
Imperial College…
A irmã mais nova revira os olhos.
— Até parece que o papai não comprou a vaga dela…
— A faculdade precisava de um prédio novo — argumenta Parks, dando
de ombros, sem se incomodar com a acusação. — É o ciclo da vida.
Bridge a encara.
— Será que é?
Eu bufo, rindo.
— Mas fala, então, Bridget, como é não ter nada pra fazer além de
faculdade, artigos e trabalhos acadêmicos? — pergunta Parks, e se vira para
mim. — Não é deprimente? Você não acha isso deprimente?
Eu suspiro.
— Não me mete nisso.
— E vocês estão nessa… — diz Bridge, apontando para a cama — … de
novo? Preciso dar aquele sermão?
— Você não tem moral para dar esse sermão, Fridget…
— Eu transo — resmunga Bridge.
— Com quem?
— Com pessoas.
— Pessoas? — repete Parks, piscando os olhos de maneira exagerada, em
zombaria. — No plural? Jura? — Ela me olha. — Você acredita numa coisa
dessas?
— E quem é você pra falar de plural? — retruca Bridget. — A única
pessoa com quem você já transou foi ele.
Parks fica corada.
— De penetração, talvez, mas…
— Ah, puta que pariu — reclamo.
É assim que elas são. Desde pequenas.
E não há ninguém no mundo que Parks ame mais do que a irmã, exceto,
talvez, eu.
— Bê — diz Bridge, fazendo um sinal com a cabeça na minha direção. —
Mais uma vez sem camisa. — Ela dá uma piscadela forçada. — Valeu
mesmo.
— Você piscou pra ele? — pergunta Magnolia, sabendo perfeitamente
que sim. — Ou sua lente de contato tá com defeito?
— Ô, Bê — continua Bridget, ignorando a irmã. — Pode fazer um favor
pra todo mundo e fazer essa garota aí ter um orgasmo e deixar de ser
escrota?
— Você não sabe como eu estou tentando, Bridge — digo, sorrindo.
Magnolia me bate com seu braço comprido e magrelo, e sei que dói mais
nela do que em mim. Bridget revira os olhos e vai embora, fechando a porta.
Olho para Parks e ela retribui, e acontece de novo a mesma coisa de todas as
noites. Nós nos encaramos. Meus olhos quase tão arregalados quanto os
dela, nós dois congelados no que fomos um dia enquanto tudo o que já
fizemos nesse quarto flutua e dança ao nosso redor, como fantasmas de
outra era.
Alguma pessoa já te lançou um olhar que carrega tudo o que você fez
para magoá-la? É intenso pra caralho. Mas, quer saber, ela também me
magoou.
Ela bate palmas duas vezes. As luzes se apagam e ela me olha por mais
alguns segundos no escuro. Eu amo vê-la nas sombras. Na verdade, foda-se
— eu amo vê-la em todos os espectros da luz, até no breu.
Ela se enfia debaixo da coberta, deixando apenas a cabeça de fora. Nós
dois ficamos virados para o teto. Sua respiração é silenciosa. Parks tem
alguns tipos de silêncio diferentes. O silêncio pensativo, o silêncio cansado,
o silêncio seguro.
Esse silêncio é pesado, meio irritado. Mas ela vive meio irritada comigo.
Tudo bem, sério. Eu entendo. Eu me odeio pelo que fiz cem por cento do
tempo, não é uma merda dessas “que vai e vem”, é constante. Só me esforço
para abafar.
Ela abafa melhor do que qualquer coisa. Até respirando em silêncio.
É aí que faço a nossa pergunta.
— Como tá o tempo aí, Parks?
Ela me olha, e vejo que tenta reprimir um sorriso.
— Até ameno — diz e se aproxima de mim. — Como tá o tempo aí, Bê?
Eu me viro de lado, de frente para ela.
— Céu limpo.
TRÊS
Magnolia
Eu acordo antes de BJ quase todo dia, desde que a gente era pequeno.
Eu conheço ele faz todo esse tempo. Desde que éramos pequenininhos.
Henry e eu fomos colocados na mesma turma no primeiro ano na
Dwerryhouse Prep e estudamos juntos até mudarmos para a Varley no
sétimo ano.
Não me lembro muito de BJ antes do ensino médio, só que ele estava
sempre por ali.
Uma vez, quando éramos crianças — acho que eu devia ter uns sete anos
—, nossas famílias dividiram um iate enorme em Capri. Quando
ancoramos, os pais foram para um barzinho na orla, e nós, crianças, ficamos
brincando na praia, até que eu caí do quebra-mar. Me machuquei toda por
causa das cracas. Teve muito sangue. É uma das minhas únicas lembranças
realmente vívidas de Bê antes da adolescência — ele mergulhou e me puxou
para a superfície. Era mais loiro na época. “Te peguei”, falou, me puxando
para fora da água, e me carregou até a orla. Tive que levar uns 22 pontos.
BJ foi comigo para o hospital. Não sei o motivo. Séculos depois, ele me
disse que já era apaixonado por mim, mas, na época, eu não dava muita
atenção a ele, porque era só o irmão mais velho do Henry, e eu tinha a maior
queda pelo Christian. Isso provavelmente é uma questão meio sensível para
todos nós hoje em dia.
Enfim, Henry, Paili, Christian e eu éramos da mesma turma, estávamos
sempre nós quatro juntos. Nunca andávamos com os irmãos deles; a
diferença de idade parecia grande demais na época. BJ e eu nos beijamos
uma vez quando eu tinha treze anos. Brincando de verdade ou
consequência. Foi numa festinha na casa dos Hemmes, e o beijo foi bom,
mas, ainda assim, para mim ele era só o irmão mais velho do meu melhor
amigo.
Contudo, quanto mais o tempo passava, mais difícil ficava ignorar Baxter
James Ballentine. Aos quinze anos, ele era um dos caras mais populares da
escola. Não o melhor aluno da turma, mas um jogador de rúgbi renomado
no circuito escolar (tão bom que foi convocado para jogar em dois times
profissionais depois da formatura, até que arrebentou de vez um tendão no
joelho durante um treino). Ele era federado em natação, jogava hóquei e
também era meio-campo de futebol, mas não era apenas por isso que atraía
olhares. BJ era conhecido pelo cabelo castanho-claro desgrenhado que
emanava sex appeal adolescente e pelo sorrisinho torto que faria até as
professoras ficarem tentadas se não corressem o risco de perder o emprego.
Lembra como na escola as coisas mais atraentes do mundo são cabelo
desgrenhado, ombros largos e skate?
Ele tinha os três.
Além do mais, tinha olhos sedutores, como se pudesse despir qualquer
uma só de olhar — e sei que parece meio errado, mas é só porque ele nunca
fez isso com você. Se tivesse feito, você saberia como é a sensação e passaria
a vida desejando que ele te olhasse dessa maneira de novo.
Não tinha como não saber quem BJ Ballentine era em Varley.
Não tinha como não saber quem ele era em Londres.
Foi na primeira semana de volta às aulas, depois das férias de verão — os
Ballentine nos levaram todos às ilhas Canárias para passar algumas
semanas, porque Lily sempre dizia que, depois de três filhos, ela já perde a
conta, e mais seis não fazem diferença. Eu tinha catorze anos, e foi nessas
férias que parei de gostar de Christian e comecei a gostar de BJ. Me
perguntei se ele talvez gostasse de mim também, mas, naquela época, ele já
era BJ Ballentine, e provavelmente não passava de um sonho meu.
Eu estava com Paili perto do meu armário na escola, quando ele veio
andando direto até mim e apoiou a mão no armário, me encurralando, que
nem o bad boy clássico de qualquer filme adolescente. Só que ele não era um
bad boy. Podia até querer acreditar que fosse, mas não era. Ele nunca
esqueceu o aniversário da mãe e levava flores para ela toda vez que voltava
para casa da escola nos fins de semana. O filme preferido dele é Mary
Poppins, e ela foi também sua primeira paixonite. Eu fui a segunda.
Já naquela época, os ombros dele eram tão largos e fortes que a simples
silhueta dele já passava a impressão de um bad boy, mas era tudo pose.
Quando o avô morreu, ele começou a levar a avó para passear toda semana.
E ainda leva.
Além de Henry, ele tem três irmãs, duas delas mais novas, e Bê era
megaprotetor com elas. Nem Allison nem Madeline tiveram namorados na
escola, porque ninguém queria se meter com os garotos Ballentine.
Ele passou a mão pelo cabelo e me olhou, com uma confiança estranha,
nova. Como se tivesse acordado naquele dia e percebido que era o garoto
mais gato do mundo.
— Oi, Parks — disse ele, acenando com a cabeça daquele jeito descolado.
— Oi — respondi, sustentando seu olhar, porque era o que as revistas
femininas ensinavam.
— Quero levar você pra sair — declarou ele.
— Ah.
Foi só isso que falei. Pestanejei algumas vezes.
— Por quê? — perguntei.
Ele riu, todo calmo e despreocupado, e acho que, se a gente pudesse
espiar os bastidores do céu naquele momento, teríamos visto as velhas
moiras darem um nó nos nossos fios, o meu e o de Bê, de um jeito puro,
ensolarado, inexorável, eterno. Falei nó, não laço. Porque não sei se dá para
desatar. Não é fácil, pelo menos.
— Posso? — insistiu ele. — Esse fim de semana?
Franzi os lábios.
— Não.
Paili me olhou como se eu tivesse perdido o juízo, e a expressão dele
murchou. Eu balancei a cabeça.
— É a festa de aniversário de casamento dos meus avós, no Four Seasons.
Tenho que ir. Minha vó disse que vai tirar o meu celular se eu não for…
— Ah, cacete — disse ele, rindo. — Eu também tenho que ir nesse evento.
Com os meus pais.
— Ah — falei, corando.
— Então vamos juntos?
Concordei timidamente com a cabeça, mas achei importante ressaltar:
— Mas vai ser bem chato, tá?
Ele abriu um sorriso, os olhos cintilando e prometendo encrenca.
— Vou fazer ser bem legal.
O que ele fez, por sinal. Ser bem legal. Ele faz isso com tudo.
Fomos à festa, e nossas famílias ficaram nas nuvens de nos ver juntos.
Que sonho, a união de nossas famílias perfeitas. Escrito nas estrelas,
imaginem o casamento, a coisa toda! Era uma pressão estranha para o
primeiro encontro entre dois adolescentes que não são aristocratas sauditas.
Juro que ouvi minha mãe falar de “prometidos” várias vezes, mas nem me
abalei, porque só conseguia pensar no instante em que ele me olhou quando
eu desci a escada de mármore.
Ele engoliu em seco. Desceu o olhar pelo meu corpo que nem faz hoje em
dia — mas hoje é pior, porque ele já me viu pelada.
— Uau — falou e sorriu, tímido, olhando para o chão.
Naquela noite, à mesa na Trinity Square, enquanto meu tio Tim fazia um
discurso embriagado sobre meus avós (“A Linus e Annora, meus amigosss e
sogrosss, uma inspiração para todosss”), achei que BJ estivesse sendo fofo,
mexendo na minha mão, até que notei que ele estava aos poucos enchendo
meu colo de pão. Não consegui parar de rir, e ele me pareceu a melhor
pessoa do mundo. Como se eu tivesse encontrado um segredo só meu.
Lembro que tocaram “I’ll Be Seeing You”, da Billie Holiday, e meu avô se
levantou e convidou minha avó para dançar. Depois de um tempinho, BJ me
ofereceu a mão, e, ao me levantar, deixei cair um milhão de pedacinhos de
pão. Ele começou a rir, pegou minha mão e me puxou para perto — eu amo
quando ele me puxa para perto —, dançando daquele jeito que todo garoto
que nasceu rico sabe dançar, porque crescem indo a bailes e casamentos da
realeza. Naquela noite, ele valsou com meu coração até sair do peito.
Normalmente, quando acordo cedo, digo a BJ que é para meditar sobre as
coisas mais bonitas da vida, mas, na verdade, eu só observo ele. Ele é uma
coisa bonita da vida, eu diria. Coisas que doem ainda podem ser bonitas,
caso você não saiba.
A postura dele dormindo hoje, com a cabeça jogada para trás, o pescoço
esticado e exposto, o maxilar para a frente… afasto da cabeça tudo o que eu
faria com ele se estivéssemos juntos, porque não estamos. Ele pisca até
acordar e me olha por alguns segundos.
— No que você estava pensando?
— Billie.
Ele esfrega o olho, cansado, e abre um sorrisinho.
— Eu adoro ela.
Paira no ar. O verdadeiro assunto de que estamos tratando.
— Eu também.
Bê veste a calça de moletom azul-marinho, listrada, de perna estreita e
detalhe em gorgorão da Thom Browne — uma calça diferente da que ele
usou para dormir, mas não dê muita bola para isso; não é que como se ele
tivesse mil roupas aqui, só uma gaveta. Ou duas. Ou três. Nem são
realmente dele as gavetas, são gavetas minhas que, por conveniência,
permito que ele use para guardar alguns objetos. Calças de moletom,
camisetas, cuecas, essas coisas, além do perfume Ombre Leather do Tom
Ford, que eu com certeza nunca passo no travesseiro nas noites em que ele
não dorme aqui. E acho que vale comentar que também guardo um cacareco
ou outro numa dessas gavetas, então elas mal são dele. Enfim, ele veste uma
camiseta, e eu, um robe, e descemos para tomar café.
Minha família está à mesa na sala de jantar e nos olha.
— BJ — diz meu pai, com um breve aceno de cabeça, enquanto toma seu
açaí.
— BJ — diz minha mãe, sorrindo, como se não fosse o sétimo dia
seguido em que ela toma café da manhã com ele.
— BJ — diz Marsaili, num tom muito diferente. Mars não é muito de
perdoar.
Eu me sento, irritada.
— Vocês não me viram, não?
Minha irmã abre um sorriso sarcástico.
— Muito pelo contrário... estamos vendo até demais de você. Que roupa é
essa? É lingerie?
— Não, Bridget. Isso seria extremamente inadequado.
Bridget aponta para BJ.
— E isso aí é…
— É uma roupa bem bonita, na verdade, Bridge… — diz Bê, e eu me
sinto satisfeita, mas Mars parece irritada.
Meu pai olha para BJ, fingindo ficar bravo com o comentário.
Isso assustava BJ quando éramos mais novos, mas hoje ele é o auge da
arrogância, então apenas sorri. Meu pai gosta dele. Às vezes finge que não
gosta. Imagino que seja porque, como pai, sente que deveria fingir que não
gosta do homem que leva a filha dele para a cama… mas o BJ não me leva
para a cama. Mesmo que, tecnicamente, leve. E meu pai quase não é um pai,
apesar de ser o meu.
— Harley — digo, com um sorriso seco para ele. — Como foi a viagem?
— Magnolia. — Ele suspira. — Já pedi milhões de vezes para você me
chamar de pai.
— E eu já pedi milhões de vezes para você agir que nem um pai, mas aqui
estamos.
Abro um grande sorriso, e BJ me chuta por baixo da mesa, com uma cara
de quem pede que eu não arranje briga.
— Magnolia — diz Marsaili, me lançando um olhar sério.
Meu pai se ajeita na cadeira, irritado.
— Foi boa a viagem.
— Com quem você foi trabalhar?
Meu pai pega meio maracujá.
— Chance.
— Chance quem? — pergunta Bridget, completamente ignorante.
— O carteiro — respondo, revirando os olhos. — O rapper, sua idiota.
— Sem grosseria — rebate Mars, revirando os olhos também.
Marsaili é a única adulta responsável que conheço. É uma mulher
pequena, escocesa, e uma vez ganhou de Jonah na queda de braço. Também
é do tipo fiel escudeira e agressivamente maternal, o que se mostrou útil ao
longo dos anos, visto que, como família, nos faltou uma presença mais ativa,
tanto materna quanto paterna. Os dois receberiam nota baixa se dependesse
de mim, e olha que eu tento.
Minha mãe se mandava para passar um final de semana fora com a
Fergie (a aristocrata, não a dos Black Eyed Peas) e às vezes acabava levando
uma semana pra voltar. Já meu pai provavelmente perdeu vários momentos
importantes da minha vida porque estava com os Black Eyed Peas.
Bushka entra, arrastando os pés, e larga uma tigela de borche bem na
minha frente.
— Licença? — digo, olhando para ela como se ela tivesse enlouquecido.
— Esse robe é de cetim com plumas e custou duas mil libras.
Minha avó, imigrante russa. Já deve ter uns cinquenta mil anos e subsiste
à base de caviar e legumes em conserva. Minha mãe a trouxe para uma visita
após ter se casado com meu pai, e ela se recusou a ir embora, não sei por
quê.
Meu tio Alexey é muito mais atencioso com ela do que minha mãe jamais
foi. Ele e a família têm um quarto para ela na casa de Ostozhenka. A casa é
bonita, parte do Noble Row, com vista para o Kremlin e a Catedral de Cristo
Salvador, mas ela insiste em ficar aqui com a gente. Ela se recusa a ir para
um lar de idosos (ou para a reabilitação), e Marsaili precisa carregar ela para
um bando de atividades para idosos todo dia, porque ela não pode estar em
casa durante o horário comercial, senão fica tentando se meter nas reuniões
do meu pai — ela jura de pés juntos que tem um dedinho naquele hit do
One Direction.
— Faz bem pra você — diz minha avó, apontando para o prato e se
sentando ao meu lado.
— É um nojo e um perigo total.
Ela me olha, irritada.
— É vergonha de ser Rússia?
— Não tenho vergonha de ser russa — digo, com um tapinha na mão
dela. — Eu não sou russa. Você é russa. Eu nasci em Kensington.
Olho para minha mãe em busca de ajuda, mas ela está distraída —
secando BJ. Não a culpo. Aquela boca ridícula dele está ainda mais
chamativa hoje, toda cheia, como se tivesse sido beijada a noite inteira, mas
não foi, ela simplesmente é desse jeito. Eu mordo um morango com força.
Ele me nota e reprime um sorriso.
— Tudo bem aí, Parks?
Eu o ignoro.
— É nosso legado — diz Bushka, empurrando o prato perigosamente
perto de mim.
— Caldo frio de bife e beterraba é nosso legado? — comenta Bridget.
Meu pai segue olhando para o celular, mas faz uma careta.
Bushka assente, convicta.
— E o ingrediente especial — completa, com uma piscadela.
— É vodca — anuncia Marsaili. — Caso alguém ainda tenha dúvidas.
— Ah, legal — diz Bê, então pega o prato e cheira o caldo. — Que nem
um Bloody Mary russo?
Ele toma um pouco e sorri para Bushka, levantando um polegar. Quando
ela desvia o rosto, satisfeita, ele engasga em silêncio.
(— É o bife — sussurra, rouco.)
— Então — diz Marsaili, e pigarreia. — Vocês saíram no jornal hoje.
— Aaah — cantarolo. — Eu saí bonita?
Bridget revira os olhos.
— Porque é isso que importa…
— Muito elegante, meu bem — responde minha mãe, confirmando com
a cabeça. — O decote está fenomenal. Use apenas tomara que caia nesta
semana.
Estalo os dedos em concordância.
— Magra demais. Coma borche — exige Bushka.
— “O casal vaivém Magnolia Parks e BJ Ballentine causou uma cena e
tanto ontem à noite no Dorchester, quando encontrou um dos muitos ex-
amantes de Parks, não identificado…”
— Quantos são muitos? — pergunta meu pai, sem sair do celular.
— Vários — diz Bridget, sem ajudar em nada.
— Tá escrito “não identificado” mesmo? — pergunto, puxando o jornal,
exultante. — Brooks vai morrer com isso.
Mars me ignora e continua a ler:
— “Ballentine, enciumado, parecia pronto para uma briga e tanto, mas a
situação foi interrompida antes de chegar a tal ponto.”
Bê dá de ombros.
— Não é tão grave.
— Uma briga e tanto — comento.
— E tem várias fotos em que vocês dois parecem estar juntos…
— Eles estão mesmo — comenta Bridget.
Eu reviro os olhos, e BJ joga um bagel nela.
— É o trauma! — anuncia Bridget, como se não fosse capaz de se conter.
— É o quê? — pergunta meu pai.
— É uma explicação que ainda não exploramos na nossa busca
interminável pelo motivo de esses dois serem como são — continua ela, e eu
reviro os olhos. — É o vínculo do trauma compartilhado!
— Certo — diz meu pai —, e que trauma esses dois teriam?
Bê e eu nos entreolhamos, por um breve segundo.
Bridget não tem nenhum problema em expor o quanto considera tudo
isso doentio. Ela acha que sabe de tudo, porque está no terceiro ano de
psicologia em Cambridge. Mas errada está ela. Eu só tenho um diploma
inútil e mesmo assim sei que nós dois somos no máximo mal ajustados.
— Sexta é o lançamento do meu perfume novo na Harrods — avisa
minha mãe. — Os dois vão, né?
— Quando você diz “os dois”, quer dizer um — respondo, apontando
para mim, e depois para BJ — e dois? Não o número dois óbvio e sempre
presente aqui?
Bridget me ignora.
— Estou te chamando de número dois, Fridget — insisto. — Que nem
um cocô.
Bridget me olha, entediada.
— Se precisa explicar, Magnolia, então a piada é ruim.
— Vamos, sim — Bê se dirige à minha mãe.
— E vou garantir que os seguranças não deixem ela entrar — digo,
apontando para minha irmã, que joga uma maçã em mim. — Ai, vou ficar
roxa! — exclamo, fazendo biquinho.
— Só porque está desnutrida — retruca ela.
Bushka empurra o prato para mim.
— Borche.
QUATRO
BJ
Magnolia
00:39
Parks
Como tá o tempo aí, Parks?
Tempestade mt mt fiea
Tá bebendo?
im
Cadê você?
Tô bom
Bem
Atende
Atende o celular
Em casa bjjjjjjjjjssss
Magnolia
Magnolia
Você está se perguntando (sei que está, todo mundo se pergunta): por que
não estamos juntos?
Tirando a infidelidade, ele parece perfeito. Parecemos perfeitos, e nada
neste mundo, passado, presente ou futuro, poderia ser grande ou grave o
bastante para justificar não estarmos juntos. Eu entendo, sei como é.
Também já pensei isso.
Teve uns meses, depois de tudo o que aconteceu com Christian, em que
eu e Bê começamos a nos aproximar de como éramos antes. Não foi
intencional nem consciente. Só era mais fácil estar com ele do que não estar,
e talvez isso não seja uma coisa boa, eu já nem sei mais. Não sou mais capaz
de ser objetiva sobre o que se passa entre mim e ele. Quando o assunto é BJ,
a lógica do meu coração é tão confusa quanto os limites que fingimos não
ultrapassar. Eu ainda estava arrasada, ainda estava triste, ainda não confiava
nele como confiei um dia, mas acho que, em certo momento, meu amor por
ele era maior do que minha mágoa e me parecia besteira amar alguém como
eu o amava e jogar tudo fora porque ele tinha transado uma vez com outra
pessoa.
Não estou tentando diminuir esse fato, por sinal. Nem criar desculpas.
Fico enojada até hoje de falar disso. Não é que não importasse. Acho que era
só que o amor que eu sentia por ele importava mais.
Mas Marsaili não engoliu. Nunca tinha visto ela reagir daquela maneira.
Quando BJ voltou a frequentar a minha em casa, ela praticamente se
esgueirava pelos cantos, fazendo cara feia para ele, procurando o momento
certo para fazer comentários sarcásticos, diminuí-lo, fazer um círculo de
contenção em volta dele, arremessá-lo embaixo de um ônibus. Quando ele ia
embora, ela fazia um chá bem docinho para mim na cozinha e me dizia que
o que ele tinha feito não podia ser desfeito, que ele não merecia minha
confiança, que, se tinha aprontado uma vez, aprontaria de novo, e que, se me
amava como dizia, não teria feito uma coisa daquelas. E eu chorava toda vez
e falava que achava que tinha sido um acidente, ao que ela respondia que
ninguém transa por acidente, que não acontece espontaneamente, que é
preciso querer que aconteça. Sempre tive dificuldade para aceitar isso.
Eu achava mais fácil me ater à ideia de que tinha acontecido por acidente,
que ele tinha escorregado e caído na cama com alguém, que não havia sido
de caso pensado, que acontecia como uma queda, um tropeço, em que a
gente cai do nada, sem querer, até bater no chão.
Eu precisava que fosse assim para a gente voltar, mas Marsaili me ajudou
a entender que não é assim que funciona a infidelidade.
A infidelidade acontece porque as pessoas são negligentes, insensíveis e
descuidadas com emoções e corações, e é perigoso se envolver com essa
gente, então, mesmo que você ame essas pessoas, não deveria — não vale a
pena sentir o que ele me fez sentir, e não havia como garantir que o que
aconteceu antes não se repetiria, porque a palavra de um traidor, segundo
ela, não vale nada.
Então BJ e eu não reatamos. Acho que foi o que nos colocou nesse trajeto
estranho. Aqueles meses em que obviamente estávamos nos encaminhando
para ficar juntos, antes de eu dar meia-volta e me mandar dali, começar a
namorar outros caras na tentativa de disfarçar o que eu sentia.
Acho que matou ele um pouco. Talvez até literalmente, uma vez.
Estávamos mais ou menos que nem agora, eu diria. Eu tinha acabado de
engatar um relacionamento — Reid Fairbairn, um australiano, herdeiro de
uma mineradora. Ele tinha acabado de chegar na cidade e era bem gato,
como a maioria dos australianos. Não durou muito — acho que passamos
uns dois meses juntos —, mas eu não precisava que durasse, porque ele já
tinha servido ao propósito. No início, magoou BJ, mas ele só precisou de um
fim de semana prolongado em Amsterdã para voltar ao normal.
Tínhamos passado a noite com meus amigos em uma boate, e Reid
contou uma piada que até que era engraçada, e eu ri pra valer. Foi uma das
raras ocasiões em que me diverti de verdade com a pessoa que supostamente
estava namorando.
Enfim, na noite seguinte, não sei por onde Reid andava, mas fui jantar
com Henry e Christian no Gauthier Soho e Jonah veio nos encontrar no fim
para a saideira.
— De novo isso — reclamou ele, apontando para mim e para Christian,
sentados juntos.
— Ela tá namorando — disse Christian, revirando os olhos, com uma
expressão cansada.
Jonah me lançou um olhar desinteressado.
— É de fachada.
— Não é! — bufei.
Henry fez uma cara que parecia querer dizer que ninguém ali era idiota, e
eu fiz questão de “provar” a sobremesa dele pela quinta vez.
— Cadê o Bê? — perguntou Henry a Jonah.
Jonah balançou a cabeça.
— Não vejo ele desde ontem.
Eles todos me olharam, nervosos.
— Gente! — soltei, revirando os olhos. — Eu sei que ele está comendo
Londres inteira! Não precisam me poupar. Além do mais — acrescentei,
entrando na defensiva —, eu tenho namorado.
— Você tá bem? — perguntou Henry, cauteloso.
— Tão bem quanto eu estaria se soubesse que você anda comendo
Londres inteira — respondi, fingindo indiferença.
— Ah — suspirou ele, contente. — Ando mesmo.
— Então que ótimo — repliquei, sorrindo para ele, mentindo até não
poder mais. — Que ótimo, porque eu estou ótima. Com toda a situação.
Porque é ótimo. Bom para ele. Fico feliz por ele, até.
— Tá — disse Jonah, com um sorriso irônico.
Abri um sorrisão para calar a boca dele, e ele balançou a cabeça,
reprimindo um sorriso enquanto me servia vinho.
O ingrediente mágico do nosso círculo social que nos permite ainda
funcionar depois de tudo que vivemos e fizemos uns com os outros:
negação. (E álcool.)
Até que meu celular começou a tocar.
— Falando no diabo… — disse Christian, indicando o telefone.
— Alô — atendi, tentando não sorrir demais.
— Parks? — disse ele, a voz esquisita.
— Bê?
Segurei o celular com mais força e cobri a outra orelha com a mão.
— Parks? — gritou ele, fungando.
— Bê, cadê você? — perguntei. Senti que o clima tinha mudado entre os
garotos. — Sua voz tá esquisita.
— Acho que… — respondeu ele, respirando rápido. — Meu coração tá
batendo estranho.
Eu ouvi alguém ao fundo. Não sabia com quem ele estava falando. Era
uma garota.
— Me dá o celular — disse a garota, com urgência.
Perguntei de novo:
— Cadê você?
— Me dá! — insistiu ela.
Escutei sons de briga.
— Não! — grunhiu ele, soando diferente, e foi aí que senti o coração
despencar, porque eu sabia.
Eu sabia o que tinha acontecido. Dava pra notar, mesmo que não fizesse
sentido. Mas eu já tinha visto muito daquilo no nosso meio, reconhecia os
sinais. Sabia como aquilo mudava alguém. Eu não tinha ideia de que ele
andava se drogando.
Mais barulho, mais discussão ao telefone. BJ estava falando arrastado, e a
garota parecia em pânico.
— Bê? — perguntei, nervosa.
Os garotos estavam me olhando, todos com a testa franzida.
— BJ? — chamei, mais alto.
— Alô? — disse a garota ao telefone, sem fôlego.
— Onde vocês estão?
— Magnolia, é… — começou ela.
— Eu não ligo pro que você é dele — interrompi, me esforçando para
manter a voz firme.
Eu me levantei, e os garotos fizeram o mesmo.
— Só me fala onde vocês estão.
Jonah arrancou o celular da minha mão.
— Porra, onde vocês estão? — gritou ao telefone, seguindo para a porta
do restaurante antes de ouvir a resposta. — Não deixa ele tomar mais nada,
entendeu? — ordenou, num tom de voz assustador. — Tô indo.
Jonah jogou um punhado de dinheiro para o maître e foi até o carro
estacionado na frente.
Ele abriu a porta do carona do Escalade e me empurrou para dentro,
fechando a porta atrás de mim.
— Porra, o que houve? — perguntei, a voz muito mais frágil do que
gostaria.
Jonah lançou um olhar sombrio para Henry e Christian, sentados no
banco de trás.
— Caralho — disse Christian, balançando a cabeça, nervoso.
Todos pareciam tensos. Eu nunca tinha visto nenhum deles assim, o que
foi a parte mais preocupante.
— Isso já aconteceu antes? — perguntei a Jonah.
Ele continuou a olhar para a frente.
— Uma vez.
— Quando?
Eu me virei para Henry, que me olhou por um tempo, todo nervoso.
Estava na cara que, seja lá quando tivesse acontecido, os quatro tinham
prometido não contar nada para mim.
— Quando? — insisti, incisiva.
Me virei para Christian. Ele comprimiu os lábios, sem querer trair o
amigo.
— Em Amsterdã — respondeu, finalmente.
— Porra, Christian! — reclamou Jonah, olhando para ele com raiva pelo
retrovisor.
Ainda não me recuperei por completo daquele dia. Fez com que eu
deixasse de confiar em céus azuis, porque o céu estava muito azul naquela
manhã, e, enquanto Jonah costurava pelo trânsito de Piccadilly Circus,
lembro que pensei que o céu daquele dia tinha mentido, tinha me dado uma
falsa sensação de segurança. Me fizera acreditar que seria um bom dia, mas
que estava se desenrolando à minha frente como o pior.
Eu sentia que estava a caminho da ruína. Que estava prestes a encontrar o
amor da minha vida morto. Lembro que apertei com tanta força o assento
do carro do Jo que rasguei o couro com as unhas. Lembro que Henry se
esticou do banco de trás e segurou meu braço, me firmando. Lembro que,
num sinal vermelho, Jonah se virou para mim e limpou as lágrimas do meu
rosto, sendo que eu nem tinha percebido que estava chorando.
E lembro, visceralmente, a sensação de que meu peito tinha sido aberto
com uma serra, expondo todos os nervos do coração.
O carro parou bruscamente, e Jonah saltou correndo, subindo depressa a
escada que levava à recepção do Courthouse Hotel, seguido de perto por
nós. Ele bateu no balcão para chamar a atenção da recepcionista.
— Ballentine — disparou. — O número do quarto do Ballentine.
— Senhor… — disse a mulher, agitada. — Não podemos dar o número…
— Ele teve uma overdose — respondeu ele, sem hesitar.
Ela piscou algumas vezes e assentiu, rápido, digitando alguma coisa no
computador.
— 305 — falou, e Jonah imediatamente deu meia-volta, correndo para a
escada, e não para o elevador.
— A gente chama uma ambulância? — perguntei para ninguém em
particular, correndo atrás dele.
Christian, que tem uma desconfiança intrínseca de qualquer tipo de
autoridade, como todo membro da família Hemmes, fez que não com a
cabeça. Olhei para Henry, que fez que sim sutilmente e pegou o celular.
Jonah saiu em debandada pelo corredor e se arremessou na porta 305. Na
segunda pancada, ela cedeu, e Jonah caiu no chão. Passei por ele, ignorando
a menina de lingerie preta de renda pairando sobre Jonah com cara de
preocupada, e corri até a cama, onde Bê estava recostado na cabeceira,
pálido, com a testa e o peito encharcados de suor.
Sentei no colo dele.
— Bê?
— Magnolia? — perguntou ele, arrastado, e se virou para mim, com as
pupilas completamente dilatadas, sem conseguir focar.
Ele abriu um sorriso tênue.
— O que você fez? — sussurrei, acariciando o rosto dele.
— Eu…
Ouvi Henry ao telefone no fundo.
— O que você tomou?
Minha pergunta era urgente, mas acariciei o cabelo dele, como por
compulsão. Ele apenas piscou.
— O que ele tomou? — perguntei para a garota, meus olhos já marejados,
finalmente reconhecendo a presença dela.
Quando olhei para ela, notei que éramos quase que amigas. Lila Blane, de
Cheltenham. Vivia metida em festas.
O olhar que ela me lançou era de culpa, pânico e confusão.
— Eu... eu não sei — respondeu, cobrindo o rosto com as mãos. — Acho
que só cocaína?
— Ele tá ardendo! — gritei, sem alvo específico, sentindo a temperatura
na testa de BJ.
— Mas ele está cheirando desde ontem — disse ela, assustada.
— E bebendo? — perguntou Jonah, levantando uma das dezenas de
garrafas de champanhe espalhadas pelo chão do quarto.
A garota confirmou com a cabeça. Christian me empurrou de cima de Bê
e o puxou para levantá-lo da cama, chamando o irmão. Jonah veio apressado
e ajudou a arrastar Bê até o banheiro, enquanto eu ia atrás, inútil. Eles o
puxaram para dentro do chuveiro e abriram a água morna. BJ abriu os olhos
de repente e se dirigiu para mim e Christian.
— Vocês estão juntos? — rugiu, furioso e incoerente.
— Não — repliquei, incrédula e arrasada.
— Então o que ele tá fazendo aqui?! — gritou BJ.
Olhei para os irmãos Hemmes, magoada e insegura. Jonah balançou a
cabeça.
— É só paranoia. A coca deixa ele agressivo.
Entrei no chuveiro ao lado de Bê, cujas pálpebras estavam pesadas, a
cabeça pendendo para trás.
— Bê! — falei, dando um tapa na cara dele. — BJ!
— Parks — sussurrou ele, com a voz trêmula. — Eu te amo.
Nem percebi que eu estava chorando, mas estava. Concordei com a
cabeça.
— Eu sei. Eu também te amo.
Ele começou a tremer, e eu olhei para Jonah, completamente em pânico.
— É da febre — disse Jonah.
— Ele vai morrer? — perguntei, nervosa, sem conseguir desviar o olhar
dele.
— Não.
Jonah balançou a cabeça rápido e cobriu a boca com a mão, tenso.
— Henry? — chamou.
Henry surgiu às pressas na porta do banheiro, com o celular na orelha.
— E a ambulância? — perguntou Jonah, sem nem olhar para ele.
— Tá chegando.
Bê começou a tremer mais.
— Tira ela daqui — ordenou Jonah, me indicando com a cabeça
enquanto desligava o chuveiro.
Fui tirada do caminho bem a tempo, e logo BJ vomitou e começou a
convulsionar. Christian correu para trazer um travesseiro e colocar debaixo
da cabeça de BJ. Henry tentou como pôde me proteger do que estava
acontecendo, me puxando para um abraço e cobrindo meus olhos.
Foi então que os paramédicos chegaram, gritando para abrirmos espaço e
trazendo a maca. É estranho como o nosso cérebro lida com o trauma.
Naquele momento, tudo se calou. Ficou tudo silencioso e lento. Billie
Holiday tocava na minha cabeça enquanto colocavam o corpo inerte dele na
maca. Lembro de Lila Blane encolhida na cama, chorando, tentando explicar
o que tinha acontecido a um dos paramédicos. Lembro de ver, de longe,
Jonah sair do chuveiro, coberto de vômito e ensopado, com as duas mãos no
cabelo, olhando para BJ, paralisado de tristeza. Lembro de Christian
ajoelhado no chuveiro, engasgando como se também fosse vomitar. Lembro
de me perguntar se aquele era o fim, se aquela seria a última vez que eu o
veria. Ele, com os olhos brilhantes e o cabelo em que eu adorava enfiar as
mãos. O garoto mais lindo em qualquer lugar, o amor da minha vida —
quantos amores se tem em uma vida? Lembro de me perguntar isso.
Quantas pessoas vão me olhar como ele me olha, não só como se eu fosse o
sol, mas como se eu fosse o universo? Lembro de odiá-lo por fazer isso com
a gente. Lembro de odiá-lo por morrer antes de termos a oportunidade de
voltar a ficar bem, porque sempre achei que voltaríamos. Achei que
ficaríamos bem, achei que um dia consertaríamos tudo aquilo — eu o
perdoaria por tudo que ele fez, envelheceríamos juntos e finalmente
compraríamos aquela casa em Tobermory, mas aí ele estava morrendo de
overdose de cocaína porque, na noite anterior, eu tinha ficado feliz com
outro homem para o qual não ligava a mínima. Lembro de ser tomada pelo
ressentimento e então me lembro, feito um soco no estômago, do quanto eu
o amava. Amava mesmo. Amava com todo o meu ser. Se me cortassem, era
ele que eu sangraria. Eu precisava dele, ainda precisava, sempre,
eternamente precisaria dele, nunca deixaria de precisar, mesmo tentando.
Lembro de sentir um medo profundo do que seria minha vida sem ele.
Dali, ele foi levado de ambulância ao hospital. Umas duas horas depois, o
médico veio e nos contou que o quadro dele era estável, mas que ele estava
hipoglicêmico. Christian apoiou a cabeça no ombro do irmão, suspirando de
alívio. Uma lágrima solitária escorreu de um dos olhos de Jonah, e ele secou
antes que mais alguém pudesse ver, mas eu vi. Nós nos entreolhamos, um
olhar carregado, porque, mesmo que o mundo todo fosse sentir a falta de BJ,
eu e Jonah sentiríamos mais. Os irmãos Hemmes ficaram na sala de espera,
aguardando a chegada dos pais de BJ, e Henry me pegou pela mão e me
levou ao quarto onde Bê estava.
— Vem.
Ele tentou sorrir, sem sucesso. Quando chegamos à porta do quarto, eu
parei, olhando para Henry.
— Jonah disse que isso já aconteceu antes, não foi?
Hen balançou a cabeça.
— Não assim.
— Então como?
Cruzei os braços, tentando me sentir no controle de alguma coisa, porque
ficou absurdamente óbvio que eu não tinha controle de absolutamente nada
em relação ao meu amor por BJ.
— Ele passou dos limites só uma vez.
— Quando?
— Uns meses atrás.
— Há quanto tempo ele está usando?
Dirigi meu olhar sombrio a ele. Hen franziu a testa e suspirou.
— Todo mundo usa às vezes.
— Eu não — rebati, e ele me olhou. — Há quanto tempo? — insisti,
coçando o olho para disfarçar as lágrimas.
Hen pigarreou, comprimindo os lábios.
— Desde Amsterdã.
Balancei a cabeça.
— Ele usa com frequência?
Ele inclinou a cabeça, pensativo.
— Recreativo.
— Isso aqui — apontei para o quarto — não foi recreativo.
— Não — admitiu ele, baixinho. — Não foi.
Abrimos a porta, e BJ estava dormindo. Tinha uma cadeira no canto, na
qual Henry desabou, exausto. Bê ainda estava um pouco pálido, os lábios
carnudos e macios entreabertos, o peito subindo e descendo num ritmo que
havia servido de trilha sonora da minha juventude, e nunca fiquei mais feliz
por ouvi-lo. Fui até a cama, cautelosa, como se ele fosse quebrar se eu fizesse
movimentos bruscos, e fiz carinho no cabelo dele.
— A visita é só para familiares — disse uma enfermeira de cabelo escuro,
jovem, bonita, que surgiu à porta.
Olhei para ela, sentindo como se tivesse levado um tapa.
— Eu sei quem ele é — continuou ela. — Você não é da família.
Henry se levantou, franzindo a testa.
— Se você sabe quem ele é, então também sabe quem é ela. Ela é da
família.
A enfermeira olhou para nós dois, assentiu e foi embora. Subi na cama
com BJ e o abracei, como se não houvesse tempo, namorados, nem
overdoses entre nós.
A gente acha que coisas grandes assim mudam imediatamente as pessoas,
mas as mudanças que aconteceram foram invisíveis. Para mim, ele era o
mesmo, assim como era abraçar e segurá-lo. O corpo dele era para mim
uma montanha que eu já tinha escalado e conquistado muitas vezes na vida,
e que, até aquela noite, me parecia vasta. Até que, de repente, me pareceu
pequena demais. Não conseguia parar de olhar os pulsos dele, os acessos nas
veias. Lembro que me aninhei junto ao pescoço dele, inspirei o seu cheiro—
escolhendo ignorar todos os chupões feitos por gente que não era eu. O
nariz dele estava machucado de tanto pó, e senti um aperto no peito, porque
não entendia como era possível eu conhecê-lo da maneira como o conhecia
e não saber que ele estava fazendo aquilo.
Ele acordou depois de umas dez horas. Os pais estavam sentados ao lado
da cama, onde eu ainda estava deitada. Não tinha me mexido sequer uma
vez. Senti ele se mover embaixo de mim, os cílios estremecendo antes de
abrirem. Eu me afastei e o encarei. Atordoado, BJ piscou algumas vezes.
— Parks.
Ele sorriu devagar. Meu coração bateu mais forte ao vê-lo acordado.
Lembro que a voz dele soava que nem a manhã de Natal, meu aniversário, o
Dia dos Namorados, meu lar. Eu o amava.
— Ele vai ficar bem? — perguntei ao médico.
Ele confirmou com a cabeça.
— Vai ficar ótimo…
O alívio veio tão rápido que dei um tapa na cara dele. Todo mundo na
sala soltou um suspiro e ficou sem reação. Os pais dele, Henry, Jonah e o
médico. Bê arregalou os olhos, confuso, ainda um pouco perdido.
— Se você — comecei, a voz trêmula — fizer isso comigo de novo, uma
vez que seja… — Balancei a cabeça. — Eu nunca vou te perdoar.
— Ok.
Ele pestanejou, os olhos marejados.
— Promete.
— Prometo.
Ele mal mexeu a cabeça.
Então saí da cama dele e do quarto.
Ninguém sabe disso, por sinal. Nunca tocamos no assunto, nunca
contamos para ninguém, nem para Paili ou Perry. Só minha irmã sabe, e é
porque eu cheguei do hospital aos prantos e ela não me deixou em paz até
saber o que tinha acontecido — fazia quase dois dias que eu estava sumida.
Eu nem tinha notado. Não tinha reparado que haviam se passado horas,
muito menos dias. Estava prestes a perder o amor da minha vida, e o tempo
estava em suspenso. Allie teria contado para ela, de qualquer forma.
Reid não notou — ou, se notou, não disse nada. Ele sabia, eu acho. Todos
sabiam — o que eles eram para mim. Ou, melhor, quem eles não eram para
mim.
Passei uma semana sem falar com BJ. Ele me encheu de mensagens,
ligações, DMs, tudo. Mas eu não conseguia.
Eu estava destruída. Arrebentada por dentro, sangrando.
Foi isso que a quase morte dele fez comigo.
Então o ignorei enquanto pude.
Era sábado, uma semana e meia depois, e nossos amigos iam ver uma
reprise de It: A Coisa na Leicester Square — não era bem a nossa cara, mas,
como Bê estava secretamente proibido de consumir entorpecentes, as
opções de programa eram limitadas. Quando entrei no saguão, todos os
garotos me olharam, como se eu tivesse uma bomba amarrada no peito.
Lembro que BJ se virou para mim de olhos arregalados, engolindo em seco
enquanto eu me aproximava. Aí aconteceu, e nem foi consciente — peguei o
rosto dele e apertei minha boca contra a dele. Ele estava com gosto de
pipoca. Nunca conseguia esperar o filme começar para comer.
Não foi um beijo sexy, nem cheio de desejo, mas de um amor
desesperado, intenso e indescritível, que tivemos e ainda temos, e do qual
não conseguimos nos desvencilhar. Eu me afastei um pouco, nossos rostos
ainda a meros centímetros. Piscamos um para o outro, sem nos mexer, o
coração em movimento, nossos amigos em choque. Então passei por ele,
peguei o braço de Henry e entrei no cinema.
Não conversamos sobre aquele beijo. Paili e Perry nunca perguntaram. E
ainda bem, porque como eu teria explicado? Eu já tinha relegado aquela
noite ao mesmo canto do peito onde mora nossa outra noite terrível.
Há três lembranças que moram lá, e todas eu evito. E, mesmo assim,
todas ainda me moldam. Todas envolvem BJ.
Ele é uma bomba-relógio para mim, entende? Ele vai me machucar.
Sempre vai me machucar. Nunca vou estar em segurança com ele, mesmo
que sempre me sinta segura ao seu lado.
Por isso, não importa que eu o ame — eu não amo, mas, se amasse, não
importaria, mesmo agora. Porque amá-lo é que nem dar as chaves do meu
coração a um manobrista sem carteira de motorista. Ele vai me fazer cair de
um penhasco.
OITO
BJ
10:09
Lil Ballentine
Ah!
Bobeira minha.
Não se preocupe.
Magnolia
15:17
Christian H
Foi?
Sério??
Haha
Que bom.
Magnolia
09:42
Paili
Tá tudo bem?
Tudo certo.
Eu acho.
!!!!!!!!!!!
Para..
Vai rolar?
Hahaha
13:02
Jonah
Nada.
Haha.
Talvez.
Vamos ver.
BJ
Não sei bem o que aconteceu comigo e com a Parks, mas alguma coisa foi. Já
fiquei com muitas garotas na frente dela ao longo dos anos, e ela nunca
interferiu… Mesmo que eu quisesse, esperasse que ela fizesse.
Somos teimosos pra caralho.
Não lembro muito de ontem à noite. Lembro de ficar de mãos dadas com
ela no carro. Meio bizarro pra gente, pra ser sincero… Às vezes eu pego a
mão dela para atravessar uma multidão, e até seguro um pouco mais do que
devia, mas nosso estilo é mais tocar sem encostar. Botões difíceis de fechar,
abotoaduras de camisa, zíperes que ela não alcança (mesmo que alcance),
fecho de colar — é essa a nossa rotina.
Mas isso foi diferente. Foi direto. Ela me despiu no banheiro. Tirou
minha jaqueta, puxou a camisa por cima da minha cabeça. Ficou nervosa e
colocou a mão no meu peito, me encarando por alguns segundos. Eu devia
ter beijado ela. Não sei por que não beijei. Não queria que ela se afastasse,
não queria que ela ficasse com raiva. Pegamos no sono abraçados. Eu estou
sempre dormindo na cama dela, mas a gente nunca se abraça. E eu beijei ela
na bochecha hoje antes de sair para a minha sessão de fotos, e pareceu algo
importante.
Tudo pareceu importante.
Por isso, quando liguei e chamei ela para sair comigo e com os caras hoje,
fiquei surpreso por ela recusar.
— Ah.
— É que… estou bem cansada.
Era mentira. Porra, a gente dormiu bem pra cacete. Além do mais, ela
mente mal demais, dá sempre pra perceber. Está assustada, sei lá.
— Saquei.
Dei de ombros, mesmo que ela não pudesse me ver.
— A gente se vê mais tarde? — perguntou ela, nervosa.
— É, talvez.
— Ok.
— Uhum — falei, mas o que eu queria mesmo dizer era “Eu te amo, e
você tá acabando comigo”.
Aí desliguei.
Estou saindo hoje com o único propósito de encher a cara. É meu estilo,
todo mundo já sabe. O pessoal já está na Raffles quando chego. Deve estar
estampado na minha cara o que rolou entre mim e Parks, porque Jo me olha
e diz:
— Eita.
— Tá na pista, irmão? — pergunta Henry, me olhando, e eu o ignoro.
Aí chegam as bebidas.
Sabe os momentos-chave da vida que se destacam — tipo, seu primeiro
beijo, a primeira vez que repara que seus pais são seres humanos comuns,
conhecer “The Scientist” do Coldplay, tropeçar e arrebentar feio o joelho,
primeira vez que vai parar no hospital, essas paradas todas? Conhecer Parks
está entre esses momentos para mim.
Ela devia ter uns quatro anos. Foi lá em casa brincar com Henry, e eu
estava jogando bola no quintal. Não sei como ela chegou do lado de fora,
mas chegou e ficou me observando. Era minúscula. Perninhas marrons
compridas, magricela. O cabelo dela era mais claro na época. Cabelo de
criança.
— Você é bom — elogiou, a poucos metros de mim.
— Valeu.
Sorri para ela, feliz de ter alguém prestando atenção em mim. Fiz uns
dribles que achava maneiros para me exibir.
— Eu podia ser melhor se eu quisesse — disse ela.
E, olha, eu tenho irmãs. De jeito nenhum ia falar para aquela garota que
ela não seria melhor do que eu. Mesmo aos seis anos, eu sabia que era
verdade. Ela era melhor do que eu. De todas as formas, em tudo…
— Provavelmente — concordei, pegando a bola e andando até ela. —
Meu nome é BJ.
— O meu é Magnolia Katherine Juliet Parks — falou e fez uma pausa. —
Henry é meu amigo.
— Henry é meu irmão — contei.
Ela me olhou, olhou pra valer.
— Gostei da sua cara.
Parks não se lembra de dizer isso. Mas eu lembro. Definiu a trajetória da
minha vida.
Eu passei o resto do dia nas nuvens. Provavelmente estou atrás desse
mesmo sentimento desde então. E às vezes queria voltar no tempo e dizer
para o meu eu de seis anos para dar no pé — essa garota vai acabar contigo,
você só vai conseguir pensar nela o tempo todo, ela vai assar biscoitos e
moer seu coração para usar de granulado, vocês dois vão se machucar, e
você nunca, nunca mesmo, vai superar. Mas não dá.
E, mesmo se desse, que partes eu mudaria? As partes em que estive com
ela? Jamais.
Mas, porra, essa dancinha nossa… Eu magoo ela, ela me magoa, eu
transo com alguém, ela namora outra pessoa — já é bem ensaiada. É a
minha vez. Imagine se eu não me rebaixasse… Imagine se eu já não tivesse
escolhido qual dessas garotas ao redor da nossa mesa vou levar pra casa.
Imagine se eu simplesmente telefonasse para a Parks, dissesse “eu te amo,
vamos nos resolver”. Queria ser assim. Não sou. Sou o cara na Raffles a uma
mesa lotada de garrafas, cercado por garotas que nunca vi. A maioria delas
não é daqui de Londres, acho. Uma delas está de olho em mim desde que
sentei. Pele clara, cabelo castanho, olhos azuis grandes. À medida que o
tempo passa, ela vai se aproximando mais e mais, e eu vou bebendo mais e
mais, porque é uma dessas noites. Quando ela já está do meu lado, descubro
que é de Surrey. Ela fala mais perto de mim do que é necessário, mas está só
deixando óbvio qual é a sua intenção. Bonitinha, na real. Bem elegante.
Então fico bastante chocado quando Surrey se levanta e praticamente
começa a rebolar no meu colo bem ali na frente de todo mundo.
Não é a primeira vez que isso acontece, não sou nenhum santo. Só não
esperava isso de alguém que parece andar exclusivamente de motorista.
Jo me olha de esguelha. A garota coloca a bunda na minha cara, sarra no
meu colo, beija meu pescoço, me beija, e eu fecho os olhos. Não me importo
de estar numa boate e ter gente me olhando, porque essa gente toda já me
viu — até que alguém me dá um tapa.
Jonah. Jonah dá mais um tapa no meu braço. Abro os olhos e, atrás de
Surrey, vejo um borrão cor-de-rosa: Parks decidiu aparecer, no fim das
contas.
Ela está boquiaberta. Pálida.
— Merda — xingo, empurrando Surrey para longe.
É a deixa para Magnolia se mexer. Ela dá meia-volta e começa a abrir
caminho pela multidão, mas eu a alcanço e a pego pelo braço, puxando-a de
volta.
Balanço a cabeça.
— Parks…
Ela me empurra, com um olhar furioso.
— Não encosta em mim.
— Você falou que não vinha…
— Ah, tá! Lógico! — exclama ela. — Foi mal! Por favor, pode continuar…
— Parks — suspiro, tentando segurá-la.
Ela se aproxima da minha cara, me olha bem nos olhos e bate no meu
peito.
— Você me dá nojo.
DOZE
Magnolia
Era madrugada de sábado, uns três anos atrás. Ele tinha ido a uma festa. Eu
estava doente, acho. Por isso não estávamos juntos. Ele e Jo tinham feito
planos, e ele disse que ia cancelar, mas eu respondi que não me incomodava
que ele fosse. Estava exausta e não queria que ele pegasse minha gripe.
Ele entrou no meu quarto, fechou a porta e começou a andar em círculos.
Estávamos juntos já tinha mais de cinco anos, e eu nunca o tinha visto
daquele jeito. Ele quase parecia chapado, mas não de um jeito divertido.
Maníaco.
— Parks — começou.
Ele estava respirando estranho. Dava para escutar.
— Parks.
Ele não parava de andar em círculos.
— O que houve? — perguntei, franzindo a testa.
Ele balançou a cabeça.
— Eu fiz uma coisa.
— Como assim? — perguntei. Levantei e fui até ele. — Tá tudo bem?
— Não é isso… — disse ele, passando a mão pelo cabelo. — Eu fiz uma
besteira.
— Tá…?
Minha voz soou frágil, mais do que eu imaginava ser capaz, e um buraco
começou a se abrir no meu estômago, que nem um sumidouro se
escancarado bem no meio de mim.
Senti o que viria antes mesmo que ele falasse.
— Eu transei com uma pessoa.
Acho que meu sangue gelou. Não consegui encará-lo. Ele cobriu a boca
com a mão. Parecia que ia vomitar.
— Quê? — perguntei, piscando sem parar.
Ele não disse nada.
— Como assim? — insisti.
Ele me olhou, ainda em silêncio, a expressão suplicando para eu não fazê-
lo repetir.
— Quando? — perguntei, baixinho.
— Agora — respondeu, tentando tocar em mim.
— Agora?!
Eu me desvencilhei das mãos dele e recuei, tropeçando.
— Foi sem querer.
Ele tentou me alcançar de novo, respirando ofegante.
— Como foi sem querer? — gritei, analisando o rosto dele, procurando
algo familiar em que me segurar.
— Só aconteceu…
Eu o empurrei.
— Como?! — berrei.
Cobri a boca com as mãos. Eu não reconhecia os sons que saíam da
minha garganta. Pareciam vindos de outra pessoa.
— Com quem você estava?
— A gente tava lá em casa, teve uma festa, aí eu bebi e…
— Cala a boca.
Balancei a cabeça, com urgência.
— Não era minha intenção…
— Para!
Joguei nele um vaso Lalique cheio de hortênsias que ele tinha comprado
para mim na véspera. Ele se esquivou.
O vaso caiu no chão.
— Parks... deixa eu explicar.
Ele tentou me tocar de novo, os olhos marejados.
Eu recuei bruscamente.
— Não encosta em mim. Você é nojento.
Pela cara que fez, vi o coração dele se despedaçar, e corri para o banheiro,
trancando a porta. Fiquei chorando ali por quatro horas, e ele ficou sentado
do outro lado da porta, também chorando sem parar. Ele chorou tanto que
começou a ter uma espécie de ataque de pânico. Estava respirando
engasgado, como se o ar ficasse empacado na garganta, sem chegar ao peito.
Como se fosse sufocar. Abri a porta e fui apressada para o lado dele, me
sentando no seu colo. Segurei seu rosto e respirei junto com ele, em silêncio.
Inspira, expira, inspira, expira. Fiz o que ele fez comigo todas aquelas vezes
em que tive ataques de pânico, dos quais nem gosto de lembrar. A respiração
dele acabou entrando no ritmo da minha, e ele não desviou o olhar de mim
nem por um segundo. Os olhos estavam ainda mais azuis por conta do
choro.
Que parada mais fodida é consolar a pessoa que acabou de arrebentar a
sua vida. Uma merda, um horror que não dá para descrever.
Mas a verdade é que, quando se ama alguém como a gente se ama, não
importava o que ele fizesse comigo — ele podia ter me atropelado com um
ônibus, e meio que atropelou —, porque instintivamente eu ainda teria feito
tudo que podia para ele não se sentir daquela maneira.
Por muitos anos, a dor dele era a minha dor. Mas aquela dor, a dor pela
qual ele estava chorando, era minha. Ele estava chorando as minhas
lágrimas, sentindo o que tinha feito comigo, arrasado pelas próprias
atitudes. Ele chorou junto ao meu pescoço e se desculpou tanto que as
palavras perderam o sentido, pararam de soar como palavras.
Ele me abraçou apertado, acho que nunca tinha me abraçado tanto. Falou
que tinha sido um erro, que nunca aconteceria de novo, que tinha sido só
daquela vez, e então tentou me beijar. Eu recuei e o encarei, a expressão
muito séria.
— A gente… — comecei e segurei o rosto dele para ele me olhar nos
olhos. — Me escuta... escuta. A gente acabou.
Fui direto para o quarto da Marsaili, e ela trancou a porta. Ela me
abraçou enquanto eu chorava, e eu caí no sono e só acordei 36 horas depois.
O resto você já sabe…
Minha devastação pelo que aconteceu e pelo que ele fez era pouca coisa
se comparada com a saudade que eu sentia e com a minha vontade de estar
com ele, porque ele é o tipo de pessoa com quem se quer estar a qualquer
custo — e acredite: era muito custo. Aprendi a encará-lo de novo, aprendi a
não chorar sempre que tínhamos que nos despedir, aprendi a respirar
enquanto ele flertava com outras pessoas, descobri que ainda conseguíamos
nos comunicar sem precisar de palavras e, no meio de toda aquela dor,
encontrei meu amigo.
Acho que é porque eu sou fraca. Era mais fácil ser amiga dele do que não
ser. Muito da minha vida, talvez até muito de quem eu sou, no fundo, pode
ser atribuído a ele, a nós.
Tudo de maravilhoso, tudo de mágico, tudo de doloroso, tudo de lindo,
de espetacular, de horrível e de transformador que já aconteceu comigo
aconteceu quando eu estava com ele.
E eu o odeio por isso.
TREZE
Magnolia
* * *
23:46
Henry
Tudo bem?
Ótimo!
Haha
Chegou bem em casa?
Haha
Eu.
Só você?
Uhum.
Não.
E se o Bê perguntar…?
Combinado.
CATORZE
BJ
BJ
Eu dirijo até lá. Gosto de dirigir. Não consigo dirigir para muitos lugares
porque ter um carro em Londres é irritante pra cacete. Mas eu tenho uma
Bugatti Chiron Sport 110 ANS, e é bom levar ela pra dar uma volta quando
posso.
Ir até lá parece que demora três vezes mais que o normal, e fico suando
igual a um porco o caminho todo enquanto me questiono se Jo está certo, e
acho que ele está. Parks não é de sair dando pra qualquer um. Ela não é
assim. Eu me pergunto por alguns segundos qual seria a sensação de entrar
no quarto dela e ver outro cara na cama. Odeio pensar nisso.
Chego entrando na casa em Holland Park. Tenho a chave. Não aviso a
ninguém que cheguei. Não estou com a menor paciência para afastar
Bushka, eu só preciso vê-la. Entro no quarto, e ela ainda está na cama,
debaixo das cobertas — sozinha, ainda bem —, encarando o teto. Ela olha
para mim. O cabelo está desarrumado de um jeito bem sexy, a boca corada
como sempre fica de manhã, sem maquiagem. Porra. Aquele rosto. Eu faria
qualquer coisa por esse rosto.
Ela franze a testa quando me vê.
— Como tá o tempo aí, Parks?
Ela me encara, pisca algumas vezes e volta a olhar para o teto. Frio pra
cacete. Merda. Isso não é bom.
Essa é nossa pergunta. Ela nunca deixa de responder.
Vou até a cama e me sento na beirada.
— Oi.
— Ah! — Ela se senta. — Que bom que aquela garota tirou a língua da
sua boca para você vir aqui me dar um bom-dia. Que legal da parte dela.
— Parks…
Ela olha para mim, e dá para ver que tinha chorado. Os olhos dela estão
meio vítreos. Como se fossem joias, ou alguma outra merda na qual eu já caí
um milhão de vezes — e vou cair de novo, porque olha só para ela. Não é
justo que eles consigam fazer isso, é de matar. O que dizer? O que eu posso
dizer?
— Você tá bem? — pergunto, um pouco hesitante.
Ela olha para mim. A resposta mais óbvia é não.
— Sim — responde ela, de nariz empinado, e afasta o olhar. — Tô ótima.
— Não parece.
— Por que não? Porque eu praticamente vi você transando em público
com uma garota sem-sal vestindo uma saia da coleção de outono de 2017 da
Padra, que, talvez você se lembre, parecia que tinha sido inteira baseada no
clipe de “Thrift Shop”, do Macklemore…
Tento não sorrir, porque sei que ela está falando sério.
— Já me acostumei com isso — diz ela, dando de ombros.
Suspiro.
— Você foi pra festa atrás de mim?
Ela me encara. Nos olhos dela, vejo que ela está chorando, gritando e me
batendo. Só que ela não diz nada, não faz nada, nem mesmo estremece
quando diz:
— Eu saí com o Tom England.
— Fiquei sabendo. — Assinto, frio. — E como foi?
— Vamos sair de novo mais tarde.
Porra.
— O que você tá fazendo? — Franzo a testa.
— Vou sair com o Tom England.
— Não, você entendeu a minha pergunta. O que você tá fazendo?
Ela desvia o olhar.
— Por que foi na Raffles ontem à noite? — insisto.
Os olhos dela parecem tristes, e fico preocupado que Henry esteja certo.
— Não importa. — Ela dá de ombros. — Tô com o Tom agora.
— Você não tá com o Tom. — Reviro os olhos. Ela é ridícula. — Vocês
saíram uma vez. Melhor segurar os convites de casamento.
Ela sai da cama praticamente pelada — usando um conjunto de
pijaminha amarelo-bebê minúsculo — e começa a fingir que está fazendo
coisas pelo quarto. Ela não gosta que lancem verdades na cara dela, e eu amo
fazer isso. Eu me sento na cama, e ela vem e me empurra para poder
arrumar. Arrumar de verdade. Sabe quantas vezes Magnolia Parks arrumou
a própria cama desde que saiu do internato? Um total de zero vezes. Ela até
pode empurrar o edredom sozinha de vez em quando — considerando isso
um dia árduo de trabalho ou alguma merda do tipo —, mas aqui está ela,
arrumando essa cama com a precisão de um oftalmologista e a
determinação de um atleta olímpico só para ter um motivo para me tocar
enquanto me empurra para longe.
Fico parado observando, os braços cruzados, fazendo o máximo para não
olhar a bunda dela enquanto ela se inclina usando aquela lingerie de renda
que eu sei que é da La Perla, porque fui eu que comprei. Fico aliviado que
ela esteja usando. Se ela me odiasse de verdade, não estaria. É como eu sei
que ainda não somos uma causa totalmente perdida.
Ela nunca devolveu o meu anel.
Nós estamos com os anéis sinetes das famílias um do outro desde que
éramos pirralhos. Eu dei o meu para ela no dia em que me formei na Varley,
para ela se lembrar de mim, ou alguma coisa do tipo. É engraçado pensar
nisso agora, já que eu estava definitivamente só marcando território. Mas ela
usava em todos os lugares. Nunca tirava. No Natal daquele ano, ela me deu o
anel da família dela.
Eu me lembro de abrir e olhar para ela — a garota poderia ter me dado
um chocolate sabor laranja, e eu teria achado o melhor presente do mundo,
mas o anel dela, o anel que ela devia precisar ter pedido para o pai… Era tão
pesado.
— Tá me pedindo em casamento, Parks? — perguntei na época,
brincando, os olhos semicerrados.
— Ainda não. — Ela sorriu.
— Um dia? — Ergui as sobrancelhas.
— Não são as meninas que pedem. — Ela franziu a testa, ofendida.
— Mas eu poderia?
— Você poderia. — Ela assentiu, resoluta.
— Eu vou — falei, tranquilo.
Ela nunca me devolveu, mesmo depois da traição. Ela tirou do dedo.
Agora usa numa corrente comprida ao redor do pescoço que ninguém
consegue ver, mas eu sei que está lá. Vejo às vezes antes de ela entrar no
banho. Magnolia veste mais um roupão felpudo ridículo.
— Nós estamos, aliás — diz ela, olhando para trás —, juntos.
— Porra nenhuma.
Ela me joga o telefone, e, na tela, há uma notícia de uma página de
fofocas:
ALERTA DE CASALZÃO
Pintou um novo casal na cidade! Foi relatado que o bilionário bonitão
Thomas England foi arrebatado pela encantadora e ridiculamente linda
Magnolia Parks.
Fiquem atentos para mais notícias!
Magnolia
10:34
Marsaili
Tom England.
Pois é!
Maneiro, né?
Muito.
Meio… curioso. Você nunca falou que estava saindo com Tom
England.
E daí?
Nada.
Que baixaria.
BJ
Uma fonte próxima confirmou que o motivo REAL por trás do término
público mais confuso e longo da história é que BJ Ballentine traiu
Magnolia Parks.
Porra. Acho que vou vomitar. Me sinto fora de mim. Não consigo ver
nada direito por um instante.
— Você tá bem? — pergunta um bartender.
Faço que sim. Não estou. Talvez eu desmaie.
— O que rolou? — Jonah aparece de repente, as sobrancelhas franzidas.
— Você tomou alguma coisa?
Balanço a cabeça. Mal consigo fazer isso. Mostro o celular.
— Porra. — Ele pisca, os olhos arregalados. — Dizem com quem?
Faço que não. Outra onda de náusea me atinge feito um caminhão.
Jonah se inclina por cima do bar, pega uma garrafa de tequila e passa
para mim. Tomo alguns goles. Dos grandes. Me sinto estranho, como se
estivesse caminhando embaixo da água em um sonho. O que, de certa
forma, foi exatamente como me senti quando eu a traí, conforme ia
acontecendo… uma caminhada lenta na direção de algo que eu não queria
fazer, mas que precisava fazer, e era como se minha cabeça estivesse acima
da superfície e o resto dentro da água, e eu andasse contra a corrente para
conseguir. Cada toque, cada carícia, cada beijo, cada movimento, a corrente
do universo inteiro me dizendo para não fazer aquilo, e eu fui lá e fiz mesmo
assim, e agora não apenas ela sabe, como todo mundo sabe, e eu não só
perdi a garota que todos nós sabemos que eu amo, mas a perdi por minha
culpa.
Vou para os fundos, para o escritório de Jo. Abro a porta. Uma garota sai
de cima de Christian no sofá. Demora alguns segundos para meus olhos se
ajustarem.
Daisy Haites. Acho que no fim aquele encontro deles deu certo.
Ela é muito gata. Muito perigosa. Não é uma garota com a qual eu me
meteria. O irmão dela é mais perigoso do que os garotos Hemmes.
A boca dela está corada e um pouco borrada.
— Ele tá bem? — pergunta Daisy, olhando para mim, a cabeça inclinada.
Eu me sento. Tomo outro gole. Ela se aproxima, semicerrando os olhos.
Estuda medicina, está no segundo ano. O que meu batimento cardíaco pode
dizer a ela que eu já não sei? Meu coração vive fora do peito, em Holland
Park, e acabou de se envolver com o cara mais cobiçado da Inglaterra.
— Descobriram — diz Jonah para Christian.
— Descobriram o quê? — pergunta o irmão, sério.
Imagino que eu tenha alguns segredos tensos a essa altura. Poderia ser
qualquer um deles.
Jo acena com a cabeça na minha direção, como se eu não pudesse ver.
— A traição.
— Você traiu a Magnolia? — Daisy pisca, os olhos arregalados enquanto
ela mede meus batimentos. — Cento e cinquenta por minuto — informa a
Jonah. — Ele tem ataques de pânico?
Jonah não responde.
— Porra! — Christian suspira, vindo se sentar ao meu lado. — Quem
vazou? —pergunta a Jonah, que balança a cabeça. — Bom, tá. — Christian
olha para mim, e de novo para Jonah. — Quem é que sabe?
— Nós. — Jonah dá de ombros. — Nosso grupo.
— Nenhum de nós faria isso — afirma Christian, listando com os dedos.
— Hen não. Perry também não. Pails definitivamente não.
— Por quê? — pergunta Jonah, talvez rápido demais.
— Porque ela morre de medo de ficar mal com a Magnolia.
— Bridget não teria dito nada — digo.
— A Taura sabe? — pergunta Jonah.
Faço que não.
Daisy está me observando, avaliando as minhas pupilas. Ela se endireita,
as mãos no quadril. Se vira para Christian.
— Provavelmente foi a própria Magnolia.
— Quê? — digo, atônito.
— Provavelmente foi ela mesma — diz ela, como se não tivesse acabado
de mandar um míssil na minha vida inteira. — Você deixou ela puta esses
dias?
— Se ele deixou ela puta esses dias? — Jonah ri, mas logo para. — Foi
mal, não é hora para isso.
Faço uma careta.
— Sim, talvez… mas ela não faria isso.
— Faria, sim… — replica Christian, pensando.
Franzo a testa para ele. Não é minha intenção, mas é a forma como ele
diz aquilo, como se soubesse, como se a conhecesse da maneira como eu
conheço. Toda aquela parada entre eles, e como isso me enfurece, me
domina, e aí recai sobre mim tipo um piano na cabeça: você fez a merda
primeiro.
— Nem fodendo. — Jonah revira os olhos. — Ela não faria isso.
Esfrego o rosto enquanto penso nos olhos dela naquela noite em que me
viu. Tristes, vítreos, o retrato de uma dor profunda demais.
— Será? — Ergo o olhar para Jonah, um pouco aterrorizado.
Jo pega a garrafa de tequila e toma um grande gole.
— Puta merda.
DEZOITO
Magnolia
BJ
Magnolia
* * *
— Eu gosto dos seus amigos — diz ele mais tarde, a caminho de casa. — É
bem especial o que vocês têm.
Eu assinto, me sentindo orgulhosa.
— Até o BJ?
— Até o BJ — confirma ele. — O mais novo dos Hemmes tem algum
crush por você? Ele ficou te olhando bastante…
Passo as mãos no vestido, porque não posso lidar com isso agora.
— Ele só gosta de encarar.
Tom solta uma risadinha e olha para mim.
— Então, como a coisa da trincheira tá sendo pra você?
— Você foi superbem.
— Ah, é?
Ele sorri, e eu dou um beijo na bochecha dele quando chegamos.
— É.
00:14
Parks
Oi
Oi
Melhor agora.
BJ
Espero por ela do lado de fora do seu trabalho, recostado no capô do carro.
Tom está em algum lugar no exterior. Fiz Henry verificar com Parks que
ele não estava mesmo por perto, e não está. Ainda bem. Estou com
saudades. Preciso de um tempo junto com ela.
Parks sai, conversando com alguma garota do escritório, e, durante os
dois segundos antes que ela me veja, eu admiro a visão. Está usando um
vestidinho verde com mangas bufantes e sandálias de salto alto de tiras
combinando, que fazem as pernas parecerem ter quilômetros. A amiga me
avista antes e lhe dá uma cotovelada. Parks ergue a cabeça. Nossos olhares se
encontram, e é possível que o mundo entre nos eixos diante dela piscando.
Não sei.
— Oi. — Inclino o queixo em sua direção.
— Oi. — Ela anda até mim, chegando mais perto do que o necessário. —
O que você tá fazendo aqui?
Como se até quinze dias atrás eu não aparecesse para buscá-la todos os
dias em que ela vinha para o escritório.
— Achei que você poderia estar se sentindo solitária.
Ela me lança um olhar, e aquilo me faz soltar uma risada.
— Quer uma carona? — pergunto.
Ela comprime os lábios.
— Acho que meu motorista já está aqui…
— Manda ele embora — digo, dando de ombros.
Ela pensa por um instante, e eu amo como a sua boca fica quando ela está
pensando. Então Parks assente, e eu abro a porta do meu carro para ela.
É a hora do rush, e eu nunca fiquei tão feliz em ver milhares de carros
engarrafados. Ela é minha por pelo menos uma hora. Parks tira os sapatos.
Não faria isso perto de Tom, tenho certeza. Ela só se desmancha quando está
perto de mim.
— Ainda tá puta comigo? — pergunto, olhando em sua direção.
— Não — responde ela, encarando o horizonte.
Não sei dizer se está sendo sincera. Menos puta e mais triste? É bem pior.
— Precisa de reset? — mando, com um olhar atento.
Ela vira o rosto para me encarar.
— Provavelmente, na real.
— Então vai em frente. — Eu assinto. — Por quantos segundos?
— Quinze.
— Puta que pariu. — Eu rio. — Você nunca precisou de mais do que
doze.
Ela sorri.
— Tá, quinze — concedo.
Ainda estamos parados no trânsito. Aumento o volume da música. “Say
You Will”, de Kygo. Ela vira o corpo inteiro para mim, colocando os pés
debaixo de si.
Eu me viro também.
— Pronta?
Ela assente.
— Vai.
Nós fazemos isso desde a escola. Depois que brigávamos, nos
encarávamos por mais ou menos uns dez segundos — não sei o motivo.
Acho que ela viu alguém na Oprah falando sobre isso. Mas funciona.
Especialmente com ela. Eu não consigo ficar irritado por muito tempo,
mas ela consegue guardar rancor como ninguém. Mas, sério, quando a gente
faz isso, dá pra ver o rancor derretendo nela e sumindo.
Aqui está ela, presa comigo num trânsito infinito, e eu posso olhar para
ela descaradamente por quinze segundos. Fico pensando quase sempre a
mesma coisa todas as vezes. Um… dois… Puta merda, ela é linda. Isso é
sempre a primeira coisa que passa pela minha cabeça quando fazemos isso.
Ela é linda pra caralho. Não consigo acreditar que ela me ama.
As pálpebras dela estremecem. Ela sempre pisca mais quando estamos
fazendo esse exercício.
Três… quatro… Eu não tenho certeza se ainda é verdade. Ela ainda me
ama? Não sei. Costumava achar que sim. Às vezes ainda acho. Mas talvez
não importe, porque não dá para voltar no tempo depois que se estraga tudo
do jeito que eu fiz.
Ela inclina a cabeça para o lado. Ela só faz isso quando quer algo de mim.
Cinco… seis… Eu não sei como pude fazer aquilo com ela. Não sei. Não
sei o que tem de errado comigo ou como foi que aconteceu. Só aconteceu. E,
quando estava acontecendo, parecia pior parar. Mas eu não queria machucá-
la. Não tinha nada a ver com ela.
Ela descansa o cotovelo no meio do painel e apoia o queixo na mão. Seus
olhos não desviam dos meus, e meu coração dá um salto.
Sete… oito… Será que algum dia vamos superar isso? Nós daríamos
certo de novo? Seria diferente. Eu estou diferente. Acho que funcionaria.
Acho que a gente poderia fazer dar certo.
Eu consigo ver o nó se desatando dentro dela, o rosto começando a
relaxar.
Nove… dez… Olho para a boca. Porra. Amo essa boca. É meio louco
pensar que vivi sem esses lábios nos meus pelos últimos três anos. Ela
percebe que estou olhando para a sua boca e começa a esboçar um sorriso.
Onze… doze… Me lembro da primeira vez que eu fiz a Parks sorrir.
Parecia um desafio digno quando eu era criança. Ainda parece.
Embora o sorriso dela ainda não tenha aparecido de verdade, é tarde
demais. Os olhos dela denunciam, como sempre. Basta dar uma olhada
neles para saber qualquer coisa.
Treze… catorze… Ela nunca precisou de quinze segundos antes, isso é
novidade. Meu Deus, eu quero beijar essa garota.
E acho que ela também quer me beijar. Os olhos dela desviam dos meus
para a boca, o que é contra as regras — não deveríamos quebrar o contato
visual, mas não quero falar nada, porque prefiro que ela me beije. Sinto o
aroma do seu perfume. Ela tem o mesmo cheiro desde sempre, já que usa a
mesma fragrância desde os catorze anos. Gypsy Water. Espero que nunca
mude. Ela passa o perfume sempre que sai do chuveiro, e às vezes eu a
abraço, o que a faz se sentir estranha. Tipo, podemos dormir na mesma
cama, ela pode tocar no meu rosto quando acha que estou dormindo, mas,
se eu quiser abraçá-la quando o sol está brilhando e as luzes estão ligadas, aí
vem tudo abaixo. Mas tem dias em que eu faço isso de qualquer forma, e aí o
cheiro dela gruda tanto em mim que consigo senti-lo da mesma forma como
sentia antes de estragar tudo.
Quinze. Eu já era dela no primeiro.
Ela dá um sorrisinho, então vira o rosto para a janela.
— Como tá o tempo aí, Parks? — pergunto, encarando o retrovisor.
Está 21°C, quente, e mal tem uma nuvem no céu.
Ela olha para mim de soslaio.
— Bem agradável agora. Mas ouvi dizer que pode chover mais tarde.
— É mesmo?
Eu franzo a testa, e ela assente, focada na rua.
— Um tempo péssimo pra sair de carro. Talvez você precise ficar lá em
casa.
Eu reprimo um sorriso.
— Segurança em primeiro lugar.
VINTE E DOIS
Magnolia
BJ fica por perto quase o tempo todo em que Tom está nos Estados Unidos.
Nada acontece — mas nada nunca acontece. Nós ficamos em casa, assistindo
a documentários da National Geographic. Às vezes na minha cama. Às vezes
no cinema que temos em casa.
Na verdade, o cinema tem algumas complicações. A maior delas é que eu
sempre preciso inventar um motivo novo para eu e Bê termos que sentar na
cadeira dupla, apesar de existirem diversas outras opções. As desculpas vão
de “acho que tem uma abelha naquela cadeira” a “não, não senta aí,
acabaram de arrumar o estofado”.
Eu não preciso de uma desculpa para ele se sentar ao meu lado. Eu sei
que ele ficaria onde eu mandasse. Essas desculpas são para mim.
A National Geographic é o ápice do romance para nós dois — é uma
tradição do início do nosso relacionamento, desde a primeira noite em que
dormimos juntos. Do jeito que as pessoas dormem juntas de verdade.
Nossa primeira vez foi meticulosamente planejada. O que é engraçado
quando paro para pensar, porque, agora que cresci, sexo espontâneo parece
muito mais empolgante — não que eu tenha tido muitas experiências dessas
nos últimos três anos —, mas, naquela noite, os planos dele tornaram tudo
romântico e sério. E acho que foi.
Depois do fracasso do Maserati e da noite de Ano-Novo desastrosa em
Mykonos (deixa pra lá), tinha que ser tudo perfeito. Foi o que ele disse. Ele
estava irredutível nessa questão — sobre o romance, sobre os momentos
antes, sobre como tudo precisava ser perfeito. Não me importava como
aconteceria, porque eu queria BJ, só isso. Eu nunca quis ninguém antes.
Nunca tinha sentido essa vontade. Mas, quando se tem a vontade, ela vem
com tudo, e como eu não me sentiria desse jeito por BJ Ballentine? Subindo
pelas paredes — era assim que eu me sentia toda vez que BJ entrava num
lugar. Como se alguém tivesse acendido um fósforo na minha barriga e um
calor crescesse debaixo da pele. Eu teria transado antes, se ele quisesse.
Nós éramos umas crianças. Fazendo coisas de adulto, com o coração do
tamanho de um continente e um tesão tão intenso quanto o mar. Hoje em
dia, acho que a gente era jovem demais. Bridget concorda. Ela acha que eu
transferi minha dependência parental para ele e acabou ficando ali. Mas não
é bem minha culpa, né? Não fui eu que me despachei para o internato
quando tinha só onze anos. Não pedi para ter pais ridículos e ausentes, que
preferiam estar num iate com Jay-Z nos finais de semana em vez de comigo
e com minha irmã. O que eu poderia fazer? Não ficar desproporcionalmente
apegada ao garoto mais perfeito do mundo?
Enfim.
Ele reservou a suíte Knightsbridge no Mandarin Oriental.
Houve várias vezes em que nós quase, quase tínhamos transado, mas não
fomos até o fim. Tantas vezes que poderiam ter acontecido de maneira
natural… Mas foi tudo planejado, tudo discutido. Eu e Paili fomos às
compras para a ocasião.
Era a primeira vez tanto para mim quanto para BJ, o que é estranho, né?
Foi algo muito impactante para ele na época, mas agora ele transa com todo
mundo.
Nós combinamos de nos encontrar no hotel às oito da noite. Pulei o
jantar (obrigada, revista Cosmo!) e me lembro de entrar no saguão usando a
roupa íntima mais sexy e incômoda possível debaixo do meu vestidinho
Calvin Klein, carregando minha mala, e ele estava lá sentado num sofá,
lendo O sol é para todos pela milionésima vez.
O cabelo estava penteado para trás, os lábios apertados, o polegar nos
lábios, pensativo. Focado. Então, ele me viu. Um sorriso se abriu no rosto
dele primeiro, depois o vi engolir em seco, nervoso. Ele pegou a minha mão
e me puxou para perto.
— Oi — disse abafado no meu cabelo.
— Oi — respondi, mal encontrando os olhos dele antes de começar a
corar.
Por algum motivo, o meu desconforto o deixou mais à vontade — um
propósito para ser corajoso —, e ele sorriu e me levou até o quarto.
Ele tinha roubado algumas garrafas de Moët da adega dos pais, em casa.
Não era meu sabor favorito de champanhe, mas será para sempre a bebida
mais especial do mundo para mim, porque foi o que bebemos naquela noite.
Ficamos altinhos bem rápido, provavelmente por estarmos nervosos.
Colocamos roupões e ficamos longe um do outro por um bom tempo,
fingindo costume a respeito do que estava acontecendo, coisa que nenhum
de nós tinha admitido desde que tínhamos chegado.
— Trouxe UNO — falei para ele, enquanto vasculhava minha bolsa Marc
Jacobs.
Ele me olhou por alguns segundos, depois sorriu.
— Ah, é? Melhor de três?
Assim que assenti, nossas mãos se tocaram, e aí houve aquela faísca, igual
quando se está ligando um carro. Nossas mãos nos ligaram, e foi como se
algo tomasse conta dele: finalmente o champanhe fez efeito, e ele me puxou
para perto, confiante como sempre, uma das mãos no meu rosto e a outra na
base das minhas costas. Então me guiou de costas em direção à cama, como
se já fosse um expert no assunto, e me deitou.
Eu nunca tinha sentido luxúria. Me lembro da sensação do peso dele em
cima de mim. Foi um sentimento que associei a estar segura durante um
longo tempo. Ele deitado em mim era como o melhor cobertor, até ele se
deitar da mesma forma em outra pessoa e tudo mudar.
Ele conta que eu fiquei falando o tempo todo. Uma tagarelice nervosa
sobre grissinis serem uma comida pouco valorizada e sobre como eu gosto
da cor lilás porque realça meus olhos. Ele ainda me provoca sobre isso.
Porque aparentemente eu não fiquei tagarelando só no começo, mas o
tempo todo, até na hora do orgasmo. Segundo ele, em vez daquelas arfadas
de estrela pornô, rolou um segundo de silêncio — algumas respirações
espaçadas minhas enquanto eu me recompunha, engolindo nervosa, e então,
com as bochechas coradas e o coração mais preenchido do mundo, eu disse:
— Você sabia que é Victoria’s Secret e não Victoria Secrets? Não é plural,
é possessivo. Todo mundo fala errado.
Ele me segurou forte contra ele, rindo baixinho enquanto seu corpo
estremecia dentro de mim.
Eu lembro que em certa altura ele afastou o rosto do meu, suado,
grudento e sem ar, nossos corpos entrelaçados.
— Espera. As abelhas estão morrendo mesmo? — perguntou ele,
parecendo intrigado.
— Sim, tipo, muito, muito rápido. É preocupante — respondi, séria.
Então ele pressionou a testa suada na minha e riu de uma forma que eu
senti percorrer todo o meu corpo.
Passamos a noite emaranhados, pesquisando sobre abelhas no Google e
assistindo a documentários sobre elas, e aquele momento, na cama com ele e
as abelhas, virou um dos meus favoritos. Acho que é esse o momento para o
qual estamos tentando constantemente voltar. Para um lugar antes de
começarmos a nos matar para que nossos corações ficassem vivos.
E é no meio de um desses delírios de momentos que Tom England entra
no meu quarto e encontra meu ex-namorado na minha cama, sem camisa,
usando apenas uma calça de moletom justa e aveludada preta e caramelo da
Gucci e um par de meias da Anonymous ISM.
Tom espera no batente durante alguns segundos, avaliando a situação,
então dá mais alguns passos para dentro. É meio estranho, na verdade.
Como se tudo estivesse suspenso no tempo. E eu não sei o que nada disso
significa. O que aqueles segundos significam, o que vai sair disso. Sinto a
mudança de ares no quarto instantaneamente, tensa, mas não consigo
entender o motivo.
Parece que estamos fazendo algo errado. Talvez BJ ache que sim, mas
sinto que Tom pensa o mesmo. Ainda estou vidrada nele, e, na minha visão
periférica, vejo BJ boquiaberto, como se tivesse sido pego no flagra. Ele está
com uma cara de besta.
Salto da cama na velocidade da luz, e Bê também.
— Tom! — digo.
Eu vou rápido na direção dele. Ele hesita, mas me pega.
BJ se apressa, enfiando as pantufas da Ralph Lauren Dezi Bear na mala, e
pega um moletom da Celiné que nem sequer coloca.
— Até mais, Parks.
Ele se esforça para não sorrir de orelha a orelha. Ao passar por Tom, ele
junta as mãos e faz uma reverência rápida de agradecimento.
— Até mais, cara — diz Bê, a caminho da porta.
Tom só observa. Ele espera alguns segundos, me olhando. O tempo se
arrasta, e a sensação não é muito diferente de ser mandada para a diretoria
na escola. Ele fecha a porta. Respira fundo e me olha de soslaio.
— Você foi pra cama com ele?
— Não. Quer dizer, sim — confesso. — Mas não.
Ele não fica nada feliz com a minha fascinação repentina com a
semântica.
— Você transou com ele? — pergunta, com o maxilar tensionado.
— Não! — Balanço a cabeça rapidamente.
Tom me encara. Parece não acreditar em mim. E por que acreditaria? BJ
estava metade pelado. Eu estou de pijama. O que está prestes a ser meu
próximo argumento:
— Você acha que eu estaria usando isso aqui se estivesse tentando seduzir
alguém?
Gesticulo para o pijama estampado da Gisele, branco com coraçõezinhos.
— Não. — Ele tenta conter um sorriso. — Mas também não acho que
você precisaria se esforçar para seduzir alguém. Poderia estar com uma
cortina de box que ainda assim eu teria vontade de transar com você.
Ele está com ciúmes? Parece. A ponta do nariz de Tom England fica
rosada quando ele está com ciúmes. É bem fofo. Franzo a boca.
— Eu não fiz nada.
Ele semicerra os olhos, depois dá de ombros, como se não se importasse.
— Então, não tem problema se tiver feito, porque essa coisa… sabe, nós
dois…
Eu não gosto de vê-lo aflito. Dá um aperto no meu peito.
— Eu e ele não… — Balanço a cabeça e toco o braço de Tom, tentando
tranquilizá-lo. — Prometo.
Ele assente.
— Então por que ele estava na cama contigo?
Franzo a testa diante da pergunta.
— Ele sempre passa a noite comigo.
— Quê? — Tom pisca algumas vezes.
— Ele passa a noite comigo o tempo todo. — Dou de ombros. — Mas é
só pra dormir!
Tom pisca mais vezes.
— Ele passa a noite contigo o tempo todo, mas vocês… não transam?
— Isso.
— Você passa a noite com o seu ex o tempo todo, mas vocês não
transam? — repete.
— Correto.
— Que parada mais doentia.
Eu me afasto, revoltada.
— Como assim?
Ele ri.
— Isso é… doentio pra cacete.
— Não é, não.
Minhas bochechas estão coradas, mas estou feliz que ele esteja rindo. Não
quero Tom England triste enquanto eu estiver por perto.
Ele me lança um olhar que parece o de alguém que está ao mesmo tempo
confuso e achando graça.
— É esquisito — ele me fala, balançando a cabeça. — Você é esquisita. É
uma coisa esquisita de se…
— Ai, tá bom, tá! — Reviro os olhos. — Como se você fosse uma
maravilha, você tem essa… você é tão… com a sua… — Porra. — Esse seu
cabelo repartido é esquisito.
Ele passa a mão no cabelo, o sorriso confiante. Confiante demais. Sexy
demais. Tom desaba na minha cama, encarando o teto. Eu me deito, fixada
nele. Ele volta a olhar para mim com uma expressão séria.
— Eu não quero ser feito de otário. Não me faz de otário, tá?
— A gente está num namoro de fachada para eu superar meu ex. Nós
somos otários.
As bochechas dele fazem aquela coisa de novo. A coisa enciumada.
— Só garante que ninguém te veja sendo otária do lado dele — pede.
Ele rola na minha direção, dá um beijo na minha bochecha, afaga meu
cabelo e vai embora.
Afaga o meu cabelo!
Como se eu fosse a porra de um labrador!
Eu fico observando enquanto ele sai do quarto. Irritada, mas levemente
excitada.
Vou sugerir isso como novo nome de perfume pra minha mãe.
15:32
BJ
Tá tudo bem?
Aham!
Promete?
BJ
Tchau
Tá tudo bem?
Uhum td ben
Tá mesmo?
Som
Sim
Beleza.
Nads
To bwm
To c/ algem
É o.que emtao?
Tô.
Show.
14:06
Parks
Cacete
Caralho
Foi mal
Percebi…
Foi mal.
Quero.
Vanna
Ripley?
Aham.
Tá.
Show.
Parks?
Que foi?
Foi mal.
Tá
Melhoras
VINTE E QUATRO
Magnolia
Tom não veio me buscar para jantar com a família dele mais tarde. Não teria
como, segundo Tom, vir da casa dele até a minha e chegar lá a tempo. Por
um instante, aquilo me incomodou, mas lembrei que, em primeiro lugar, ele
não é meu namorado de verdade e, segundo, é muito provável que eu esteja
sendo sensível demais simplesmente porque fiquei magoada por BJ ter
transado com uma subcelebridade na semana passada.
Vanna Ripley não é tão bonita quanto eu, mas ela está começando na
carreira de atriz e tem fama de ser boa de cama, de acordo com Christian,
que me contou muito mais do que o necessário ou solicitado.
Enfim, pego uma limusine para o Mandarin Oriental, e é como se eu
estivesse traindo BJ de alguma forma, porque esse é o nosso hotel. Acho que
ele morreria um pouco se soubesse que eu estava lá com Tom, porque eu me
sentiria da mesma maneira se soubesse que BJ tivesse levado alguém lá. Não
foi sugestão minha. Heston Blumenthal é amigo de Charlotte e é seu chef
favorito no mundo, então só torço para que eu não seja fotografada lá e Bê
nem fique sabendo.
Também tento lembrar: BJ traiu você de verdade.
Enquanto você estava gripada em casa, o amor da sua vida praticou
penetração, numa festa, na casa dele, numa banheira sem água, com alguém
que cheirava a perfume de flor de laranjeira, almíscar e… nardos (acho).
Então, é totalmente justo que você vá a um jantar do Heston no hotel onde
você perdeu a virgindade com ele há quase sete anos, já que ele perdeu o
direito ao hotel quando perdeu você.
É esse discurso motivacional que faço a mim mesma conforme me
encaminho até uma mesa que já está repleta de pessoas da família England.
Estou com uma roupa apropriada para a ocasião — camisa cropped com
gola escalopada da Miu Miu, saia evasê da Prada e suéter de caxemira com
gola V da Versace. Fofa, mas conservadora.
Não sei por que estou nervosa. Ou por que me importo em causar uma
boa impressão. E não é como se não os tivesse encontrado antes — claro que
encontrei, diversas vezes desde criança, mas agora não sou mais criança e
Tom England é meu namorado falso com pais reais que, aparentemente,
estou determinada a agradar com meus olhos de diamante e minha
afabilidade.
Eu nem sequer tinha pensado que Clara England poderia estar lá — que
bobagem, é claro que estaria. Só porque o marido morreu não significa que
ela não é mais uma England, eu só meio que esqueci esse fato. Ela tem 26
anos, acho. Imagina ter só 26 e já ser viúva.
Ela e Sam se casaram muito cedo. Logo depois da escola. Meio bizarro
para pessoas da nossa posição social. Houve bastante especulação se ela
estaria grávida, mas não acho que estava. Eles não tiveram filhos.
Tom se levanta quando eu me aproximo da mesa.
Ele está usando uma jaqueta bomber da Gucci, combinada com uma
camiseta apertada da Stedie Eddie e jeans stretch da Nudie, além de um All
Star preto de couro. Ele está bonito, e me pergunto se isso vai passar — essa
sensação que me arrebata quando ele me olha nos olhos, como se eu ainda
fosse uma garotinha. Aconteceu quando eu tinha sete anos e ele, quinze,
quando Tom me entregou aquele guardanapo numa festa no Castelo de
Windsor, e acontece agora da mesma forma, mesmo ele não tendo feito nada
a não ser respirar na minha direção.
Ele se afasta da cadeira, anda até mim e segura o meu rosto entre as
mãos. Então me dá um beijo um pouco mais profundo do que eu desejaria
na frente dos pais dele, porque eu quero que eles gostem de mim e me levem
a sério, ainda que tecnicamente eu não esteja levando o filho deles a sério.
Mas primeiras impressões são tudo! Ele me pega pela mão e me leva até a
mesa.
Recebo um beijo na bochecha dos pais dele e um abraço caloroso de
Clara que sinto não merecer.
— Que bom que você pôde jantar com a gente — diz ela, sorrindo para
mim.
— Ficamos muito contentes que você e Tom estejam juntos, Magnolia —
comenta Charlotte.
— Verdade. — Andrew assente. — É uma maravilha. Faz tempo que não
vemos Tom tão feliz.
— Só que… Posso perguntar…? — interrompe Clara, olhando para Tom
por alguns segundos antes de se virar para mim. — Me desculpa se eu
estiver sendo intrometida — ela olha para Tom brevemente —, mas pensei
que você ainda estivesse namorando BJ Ballentine.
— Ah. — Balanço a cabeça uma vez, deixando escapar um riso
constrangido. — Não. Mas não é uma confusão incomum, ainda somos
bastante próximos.
Tom coloca um dos braços ao meu redor, e, por um instante, parece que é
um escudo, como se ele estivesse me protegendo dos olhares curiosos da
família — e são mesmo curiosos, como a maioria das pessoas é quando se
trata de BJ e eu, já que a nossa história de amor parece uma novela. Mas
então olho para Tom, o maxilar tensionado e as sobrancelhas franzidas,
nada de protetor nem gentil, e me pergunto se eu talvez o esteja protegendo
de algo que não sei.
— Então me conte — retoma Clara, com um sorriso direcionado a Tom,
e não a mim, embora ela esteja se dirigindo a mim. — Como foi que vocês
se conheceram?
Tom lança a ela um olhar.
— A gente se conhece há anos.
Clara assente de leve e muda de estratégia.
— Ah, eu só não sabia que vocês estavam passando tempo juntos.
Andrew assente.
— Nós também não, mas é uma notícia muito bem-vinda mesmo assim.
Com um sorriso grato, conto a ele sobre aquela noite, deixando de fora a
parte de BJ e a dança erótica, além de trocar a balada por um restaurante e
tornar a história um pouco mais adequada para o público geral.
Tom não tirou o braço de mim. E também não me olhou nenhuma vez.
— E você é a editora de entretenimento da Tatler? — pergunta Andrew
ao mesmo tempo que responde à própria pergunta.
— Sou, sim.
— Como é que você conseguiu esse emprego?
— Bom, eu tenho muita experiência em entretenimento, e também… —
Dou a ele um sorriso brincalhão. — Um pouco de nepotismo descarado.
Ele dá uma risada.
— Quer dizer que Albert Read é seu padrinho?
— É só um velho amigo da minha mãe. — Dou outro sorriso para ele,
como se ele estivesse falando besteira. — Meu padrinho é o Elton John.
Aquilo finalmente chama a atenção do meu namorado falso. Finalmente.
— Fala sério. De verdade?
— Thomas! — Sua mãe parece surpresa.
— Elton John? — repete ele, boquiaberto.
— Aham.
— O Elton John? — indaga Clara.
— Não, o outro. — Reviro os olhos, sarcástica. — É claro que é ele.
Tom bufa, rindo.
— Como assim? E por quê?
— Bom, era 1997, e meu pai estava trabalhando com George Martin na
época, que era meio que o protegido dele. Elton estava se preparando pra
regravar “Candle in the Wind”, aí minha mãe ficou grávida de mim. Ele
estava sempre por perto, então só meio que aconteceu.
— Ele é um padrinho muito presente? — pergunta Clara, debruçada na
mesa, em deslumbre.
— Sim, bastante! Ele vai em todas as minhas festas de aniversário. E flerta
descaradamente com os Ballentine…
— Compreensível — comenta Clara. — Qual foi o melhor presente que
você ganhou dele? — quer saber, a mão no queixo.
— Quando eu fiz dezoito anos, ele me deu um château do século XII na
Aquitânia. Se bem que… — repenso —, quando eu fiz 21, ele me deu um
colar de diamantes de dez quilates que eu adoro.
— Ah, eu amaria ver qualquer hora — diz Charlotte, sorrindo para mim.
Antes de nossa comida chegar, peço licença para ir ao banheiro, e Clara
me acompanha. Não entendo o motivo de garotas gostarem de ir ao
banheiro juntas, porque eu prefiro ir sozinha. É muito mais difícil fazer xixi
se tiver alguém escutando.
Quando saio do cubículo, ela está esperando por mim na pia, se
arrumando no espelho. Sem graça, lavo as mãos e seco lentamente.
Não é como se eu fosse retocar a maquiagem e passar mais pó — eu sigo
um regime de skincare muito rígido, quinze passos, e meu rosto é
praticamente livre de poros. Ainda assim, continuo naquele teatrinho.
Coloco um pouco mais de batom, como se meus lábios já não fossem
naturalmente dessa cor.
Clara olha para mim no espelho durante alguns segundos, perdida em
pensamentos.
— Me desculpa se eu passei dos limites antes — diz ela.
— Por causa do BJ?
Ela assente, e eu dou de ombros.
— Tudo bem.
A verdade é que está tudo bem mesmo. Sempre fico feliz de ter uma
desculpa para falar dele.
— Vocês namoraram por quanto tempo?
Não é minha intenção, mas suspiro mesmo assim.
— Começamos quando eu tinha catorze.
Ela dá um sorriso melancólico.
— Agora tenho 22 — completo, antes que ela pergunte.
— É bastante tempo.
— Mas obviamente não estamos mais juntos.
— Entendi. — Ela assente. — Quando vocês terminaram?
— Há três anos.
— O que houve?
Eu aperto os lábios, curiosa.
— Você não lê as notícias?
Ela nega com a cabeça. Isso me faz gostar um pouco mais dela. O clique
abrupto do meu batom ultraintenso Hourglass Confession ecoa pelo
banheiro.
— Ele me traiu.
— Eita, que merda. — Ela suspira. — Sinto muito.
Clara balança a cabeça e desvia o olhar, parecendo estar magoada. Os
olhos dela estão lacrimejando?
— Tá tudo bem? — pergunto, observando com delicadeza.
Ela dá uma risadinha.
— Desculpa ser enxerida. É que vocês dois sempre me lembraram um
pouco de mim e do Sam.
Algo naquilo me amolece.
— Mesmo?
Ela confirma.
— Nós éramos novos que nem vocês quando nos apaixonamos, vivíamos
agarrados. — Está estampado na cara dela o quanto sente saudades, e aí ela
me olha nos olhos, muito séria. — Tem coisas piores do que uma traição,
sabe…
Sustento o olhar.
— Tipo morrer?
— Tipo morrer.
Ela pressiona uma das mãos na têmpora.
— Olha só pra mim, encurralando e dando conselho amoroso que
ninguém pediu pra namorada do irmão do Sam. — Ela balança a cabeça
para si mesma. — Sou muito sem noção.
— Não.
Balanço a cabeça, mas só estou tentando afastar da mente a ideia de BJ
morrer.
Não sei o que eu faria. Não sei o que o mundo seria sem ele.
Meu coração se quebra em mil pedaços por essa garota. Se Sam England
era o BJ dela e agora ele se foi de um jeito que acaba com toda a esperança
de que um dia as coisas iriam voltar a ficar bem e vocês iriam se resolver
quando ele parasse de transar com meio mundo e você conseguisse encarar
a ideia de confiar nele de novo… se tudo isso aconteceu, ela deve ser apenas
uma casca de pessoa, e seu coração deve estar completamente devastado.
Nós voltamos para a mesa, e, assim que me sento, Tom me dá outro beijo.
Mais uma vez, é mais do que necessário.
E é só quando ele se afasta que vejo Clara observando a boca dele na
minha. E, em seus olhos, percebo um ciúme peculiar, que suspeito que nem
ela entenda, porque posso afirmar que eu não entendo. Olho de Tom para
Clara, e há algo ali. Alguma coisa carregada. Talvez, se eu pudesse enxergar
coisas invisíveis, encontrasse uma corrente pesada entre os dois — mas
meus olhos não conseguem enxergar nada.
No entanto, eles conseguem ver os olhos de Tom, que enfim encontram
os meus. E ele parece… bem, ele não parece exatamente um animal
assustado no meio de uma estrada, e mais um cordeirinho perdido na
floresta. Eu não sei o que é, mas não sou idiota, sei que acabei de perceber
algo entre eles. Tento sustentar o olhar dele, dar uma chance para ele me
dissuadir. Não faço ideia de por que meu cérebro parece a mil, mas, para ser
sincera, de repente me sinto estranha. Meio tensa? Talvez exposta.
Então, a comida chega.
Depois que a conta é paga, os pais de Tom vão se levantando, prontos
para ir embora.
— Te levo de volta pra Holland Park? — pergunta ele.
Eu assinto com um sorriso, aliviada por termos um instante a sós.
— Ah — solta Clara. — Será que eu posso pegar uma carona?
— Ah — diz Tom.
Então rola uma pausa estranha. Olho para ele, aguardando o resto da
frase. Ele me encara, e aí percebo: ele está esperando que eu dispense ele de
me levar pra casa. Mas não faço isso.
— Eu posso deixar vocês duas em casa — diz ele. — Holland Park não é
tão longe, aí posso deixar você na Rosie.
Ela sorri de leve, tranquilizada.
Semicerro os olhos.
— Não, na verdade, não precisa. Tem uma limusine me esperando.
Esqueci.
— Tem? — pergunta Tom, ávido demais.
— Não deu pra você me buscar, lembra?
Ele desvia o olhar, culpado.
Me volto para os pais dele.
— Obrigada pelo jantar, estava uma delícia.
Eu me viro para Clara e lanço a ela um olhar discreto.
— Tem coisas piores — digo.
O rosto dela desaba. Tom se inclina para me beijar, mas eu desvio,
virando a bochecha.
— Depois te ligo — ele me diz.
Lanço um olhar por cima do ombro.
— Aham.
Não sei por que isso me deixa triste. Só que me deixou, e eu quase chorei
a caminho de casa.
Vou direto pro quarto, evitando minha família, mas em especial minha
irmã e Marsaili, porque não estou a fim de explicar sentimentos que não sou
capaz de explicar nem para mim mesma. Tomo um banho e pego um
moletom da gaveta de BJ — o da Ralph Lauren com estampa de ursinho.
Fica grande nele, e enorme em mim. Tem o cheiro e a sensação de Bê, e eu
só quero me sentir próxima dele, porque não entendi o que acabou de se
passar e odeio não entender as coisas, mas eu quase sempre consigo
entender BJ.
Então, meu celular toca. É Tom. Eu não atendo. Toca de novo.
23:53
Tom England
Atende.
Não.
Tô aqui fora.
Olho pela janela. Ele está na rua, ao lado do carro, a cabeça virada para
mim. Acena, me chamando para descer.
Eu faço um gesto para ele ir embora, mas ele só acena com mais afinco e
continua me ligando.
Reviro os olhos e vou até o andar de baixo.
Só estou de calcinha, moletom e meias da Gucci — nunca pareci tão
desarrumada na minha vida inteira. Fecho a porta da frente
silenciosamente, porque tenho certeza de que minha irmã está espiando e
desconfio que ela já desconfie que eu e Tom estamos fingindo, mas eu não
quero que ela saiba a verdade por inteiro.
Ele puxa a manga do casaco, os olhos pousando em mim.
— É seu?
Lanço um olhar irritado.
— Não.
Ele dá uma risada.
— Então ele está lá em cima?
— Não. — Franzo a testa, indignada. — Eu não posso usar, por acaso?
Agora é ele quem franze a testa.
— Claro que sim, é só que…
— Não me faz de otária — interrompo. — Foi isso que você falou pra
mim semana passada. Pra não fazer você de otário. Aí você me leva pra
jantar com a sua família e deixa um detalhe muito importante de fora.
— Qual detalhe? — seu tom parece desafiador, mas então ele engole em
seco, nervoso.
— Você também precisa de uma trincheira.
Ele evita meu olhar.
— Ela é a esposa do seu irmão… — digo.
— É complicado…
— Pra dizer o mínimo. Não vou ficar fazendo joguinho com uma viúva
de luto.
Ele tensiona o maxilar e balança a cabeça.
— Você não… A gente não vai.
— Então o que a gente tá fazendo?
Eu o encaro, impaciente.
Ele respira de leve, o peito largo se expandindo um pouco, depois solta o
ar pela boca, como se soprando uma vela invisível. A cara está tão pálida
quanto a de um fantasma.
— Eu tô apaixonado por ela.
— Tom! — dou um grito e tenho certeza de que só aparece o branco nos
meus olhos de tão arregalados. — Ela sabe?
Ele faz uma careta.
— A gente se beijou.
Fico em choque.
— Tom!
Não consigo acreditar. Encaro-o como se ele tivesse acabado de me
contar que faz parte de uma operação de tráfico internacional. Pisco várias
vezes.
— Não foi hoje à noite — explica ele, e devo admitir que isso me deixa
aliviada. Por que estou aliviada? — Foi uma semana antes de a gente… sabe?
Acho que foi do nada. — Ele balança a cabeça. — Preciso sair dessa.
Meu Deus, eu preciso de um martíni. Solto o ar pela boca e o analiso,
olhos semicerrados.
— E foi só um beijo?
Algo muda no rosto dele. É a primeira vez que o vejo parecendo com
medo.
— Eu preciso que seja só isso.
Assinto uma vez, cruzando os braços e me sentando no degrau diante da
porta de casa.
— Como aconteceu?
Ele suspira.
— É complicado.
Eu fecho a cara.
— Então descomplica.
Os olhos dele imploram.
— Não consigo. Você confia em mim?
— Não. — Dou de ombros. — Não exatamente.
Isso é mentira. Sei disso assim que solto aquilo. Tom England é uma
pessoa confiável, e eu de fato confio nele. Bastante, na verdade. Mas, por
algum motivo, sinto vontade de magoá-lo.
E dá certo. Percebo a expressão em seu rosto.
— Beleza. — Ele repete essa palavra algumas vezes, sem sustentar meu
olhar. Pressiono as mãos nos olhos e suspiro. — Você quer parar… — ele faz
uma pausa — … com isso?
Mantenho as mãos no rosto quando respondo.
— Não.
— Não?
Ele parece surpreso. Eu olho para ele.
— Não.
— Por que não?
A resposta verdadeira é porque não gostei da cara que ele tinha feito
alguns minutos antes. Não gosto de ver Tom com medo — deixa os guardas
do meu coração prontos para um ataque.
Em vez disso, digo:
— Porque eu ainda preciso de uma trincheira.
— Beleza. — Ele assente. — Mas a gente tá bem?
Ele olha nos meus olhos ao perguntar isso, com uma preocupação
genuína.
— Acho que sim — digo, desviando o olhar para ser petulante, só porque
gosto de ter homens ao meu dispor.
Ele se senta no degrau ao meu lado.
— Compro um sapato novo pra você amanhã?
Olho para ele de soslaio.
— Compra três.
Tom abre um sorriso.
— Combinado.
— Combinado.
Observo a rua. Ele acompanha meu olhar e fica ali por um minuto.
O clima entre nós é agradável. E eu me sinto segura com ele ali ao meu
lado, o que me parece estranho, porque eu só me senti segura perto de uma
outra pessoa antes. À medida que começo a refletir sobre isso, sobre o que
pode significar, Tom olha para cima. Sob o céu escuro da noite de hoje, o
cabelo loiro penteado para trás parece mais escuro do que é de verdade,
mas, de alguma forma, seus olhos parecem mais claros. Mais azuis, mais
nítidos. Quase como se um peso tivesse sido tirado das costas dele.
Ele olha para mim durante alguns segundos.
— Você ficou com ciúme? — pergunta ele. — Quando descobriu que eu
beijei ela?
Fico constrangida por ele ter percebido isso e grata de estar tão escuro
que não é possível ver que minhas bochechas estão corando.
— Fiquei — digo para as estrelas. — Mas não quer dizer muita coisa. Eu
sou muito possessiva, todo mundo sabe que não gosto de dividir.
Ele dá uma risadinha.
— Bom saber.
VINTE E CINCO
BJ
* * *
Parks me deixa dirigir, e eu adoro pegar a estrada com ela. Eu já a levei por
essa estrada específica um bilhão de vezes, e sempre fica a sensação de que
estamos de volta a exatamente como costumávamos estar.
A família dela tem uma casa em Dartmouth que é importante para a
gente. Às vezes vamos lá. Não sempre. Mas às vezes.
Essa estrada me lembra dela, daquela noite e de tudo o que aconteceu. Eu
suspiro mais alto do que deveria, tentando afastar a memória. Ela me encara,
e eu sei que sabe no que estou pensando. Ela pega meu celular, muda a
música para “I’ll Be Seeing You” e contempla a vista. Ela sabe. Parks já me
conhece, eu já conheço ela, e provavelmente não é nada saudável e até
bastante doentio, porque não é que eu não consiga superar ela, é que,
mesmo se eu descobrisse como fazer isso, acabaria não fazendo.
Porque os olhos dela agora, carregados com o peso das memórias que eu
também tenho, nos ancoram em seja lá o que nós somos, ou fomos, ou
seremos. E eu me pergunto como é o amor para as outras pessoas… se o
amor para todo mundo são conversas telepáticas e um milhão de
lembranças que acabam com você até não sobrar mais nada.
Ela se endireita um pouco conforme passamos por Plymouth. De lá, é um
caminho de mais ou menos uma hora e meia até Toms Holidays, e estou feliz
só de poder passar um pouco de tempo com ela.
Sem mais ninguém, sem olhares curiosos, sem gente ouvindo nossas
conversas, sem namorados — só eu e ela, e mãos roçando e olhares
roubados até nos recalibrarmos de volta ao que costumávamos ser.
— Sou uma garota de ideias — solta Parks.
Eu lanço uma expressão duvidosa.
— É mesmo?
Ela franze a testa, indignada.
— Óbvio.
— Tá, então manda a sua melhor ideia…
Ela se vira para mim, sentada em cima das pernas, e pigarreia. Então, faz
uma pausa dramática.
— Um parque aquático do Titanic.
Faço que não.
— Nem a pau.
— Quê? — Ela franze a testa de novo, revoltada. — Por quê?
Encaro ela de relance e dou de ombros.
— Talvez seja meio insensível?
— Para quem? — Ela pisca. — James Cameron? Relaxa, ele é meu
amigo…
— Nã…
— Tá, beleza — admite ela. — Nós estávamos sentados um do lado do
outro num jantar oficial até ele me pedir para trocar de lugar comigo, mas
não acho que era por minha causa, acho que era só porque ele estava
debaixo de uma saída de ar. Já pensou ser você a pessoa que colocou o James
Cameron sentado debaixo da saída de ar? Alguém foi demitido naquele dia!
Estou me esforçando para não rir. Ela não gosta quando rio dela. É uma
habilidade que levei anos para aperfeiçoar e provavelmente tirou alguns dias
da minha expectativa de vida. Fico em silêncio por alguns instantes antes de
perguntar cuidadosamente:
— Você contou pra ele essa ideia do parque aquático?
— Sim?
Minha boca estremece.
— Ele trocou de lugar por sua causa.
Parks faz uma pausa, pensando.
— Será que ele vai roubar a minha ideia?
— Com certeza não.
Balanço a cabeça. Ela semicerra os olhos até eles se tornarem filetes.
— Será mesmo?
Faço que sim.
— Por quê? — insiste ela.
Deixo escapar uma risada que parece um suspiro e não combina com a
felicidade que eu sinto de estar jogando conversa fora com ela.
— Porque seria tipo alguém fazer um parque espacial com o tema da
Apollo 11. Ou uma companhia de aviação com o nome da Amelia Earheart.
Ela me encara durante vários segundos, e acho que a ficha finalmente
caiu.
— Puta merda! Bê, isso é incrível. Genial! Um parque temático inspirado
em desastres! A gente vai ficar rico!
Agora estou rindo gostoso.
— A gente é rico.
— Mais rico — replica ela.
Nós chegamos à Farnham House.
O lugar parece um pouco com um château francês. Pedras velhas, talvez
arenito? Telhado inclinado, janelas enormes.
— Maneiro — comento.
Olho para ela conforme jogo as chaves para o valet com uma piscadela.
Então, indico um carro com a cabeça. Parece familiar.
— Parece o carro do seu pai.
Ela olha para o GranSport GTS preto de quatro portas.
— HP1977? — Ela olha para mim, confusa. — É o carro dele.
Franzo a testa.
— Sabe o que mais? Alguns meses atrás, ele me pediu indicação de um
hotel que fosse tranquilo para uma viagem de trabalho. Acho que era com o
Post Malone.
— Seu pai tá lá dentro com o Post Malone? — Eu pisco, então aponto
para a porta. — Vamos lá encontrar eles.
Quero fazer uma pausa aqui para dizer o seguinte: Parks e eu tivemos
infâncias muito diferentes.
Minha mãe é a melhor mãe do mundo: tem cinco filhos e não é católica.
Cinco filhos porque ela ama crianças, essa esquisitona. Ela chorou
quando nos mandou para o internato, mas era só uma coisa que todas as
famílias como a nossa fazem. E a relação com meu pai é um pouco mais
complicada, porque ele acha que eu sou uma decepção — que estou
desperdiçando minha vida, e ele provavelmente está certo, sei lá —, mas
nunca pensei que ele não me amasse. Porém, a infância de Parks e de
Bridget teve vários momentos esquisitos em que elas ficaram se sentindo
como se não fossem bem-vindas.
Como se os pais delas tivessem tido filhos porque era o que as outras
pessoas faziam, e não porque queriam. E eu não acho que eles não amam as
filhas. Eles amam, sim. Já vi a mãe da Parks lutar por ela uma vez — uma
única vez, mas foi por uma coisa importante. E o pai… Bom, quando Parks
e eu começamos a dormir juntos, meu pai ficou furioso, foi até a casa dela,
praticamente arrombou a porta. Eu me escondi debaixo da cama dela, e
Marsaili segurou a nossa barra e mentiu (dizendo que eu tinha ido para a
casa do Jonah). O pai de Parks não falou nada para ela, mas me puxou de
lado mais tarde naquela noite. “Eu mataria você se fosse necessário”, ele me
informou.
No geral, porém, eles são distantes. Ela poderia ser traficante de cocaína,
que eles nem saberiam. Os dois viviam zanzando pelo mundo. Faziam várias
escrotices, como esquecer aniversários, viajar no Natal sem as garotas,
desaparecer algumas semanas sem deixar rastros e sem atender ligações —
toda essa coisa que pais de merda fazem. Se você perguntasse a Parks, ela
diria que a única responsável por ela ser um ser humano minimamente
funcional (e, dependendo do dia, podemos todos concordar que há diversas
nuances nessa funcionalidade) é Marsaili.
Então, entramos no saguão e seguimos para o balcão — Parks guia a
conversa, e eu preciso me segurar para não empurrar o cara do check-in,
porque ele está olhando para ela como se eu nem estivesse do lado. Mas
Parks não nota. Ela nunca nota. Eu me aproximo mais dela do que me
aproximaria se estivéssemos em Londres, e ela não se afasta — ela nunca se
afasta quando não tem ninguém vendo.
É por isso que a gente ama as cidadezinhas inglesas. Ninguém dá a
mínima para quem nós somos. Eu posso tocar na cintura dela sem uma foto
nossa sair no The Sun e posso descansar o queixo na cabeça dela enquanto
esse otário de merda atrás do balcão evita meu olhar por ter flertado com a
minha garota.
— Nós temos uma suíte com duas camas de solteiro ou uma com cama
de casal. Qual é a preferência?
Semicerro os olhos para o sujeito.
— Qual você acha que é, parceiro?
A boca dele se comprime, e ele começa a digitar.
Ainda estão arrumando o quarto, e somos informados de que vão
precisar de mais uma hora — tenho certeza de que é algum joguinho que o
cara do check-in está fazendo, tentando atrasar todo o sexo que não vamos
fazer de qualquer jeito.
Vamos para o bar do hotel enquanto esperamos.
Estou atravessando o batente com minhas mãos nos ombros dela, e ela
está rindo quando, de repente, congela.
Sigo o olhar dela para o canto mais distante do bar.
O pai dela e… Marsaili?
Ela franze a testa.
— Que estranho.
E aquilo não parece entrar na cabeça dela, porque não entraria. Parks não
é desse jeito, ela não é do tipo que pensa nas piores emoções humanas. Ela
colocou Marsaili num pedestal a vida toda como a única adulta que nunca a
decepcionou, e fico com a sensação de que preciso tirá-la dali, impedi-la de
ver o que está prestes a ver…
— Vamos embora. — Agarro a mão dela, puxando-a para trás. — Vamos
ver como está o quarto.
— Não. — Ela se desvencilha. — O que eles vieram fazer aqui?
E, assim que a pergunta sai da sua boca, ela recebe a resposta: os dois se
debruçam sobre a mesa e se beijam daquela forma nojenta pra caralho e
sincera que pessoas velhas se beijam.
Ela fica boquiaberta.
— Parks. — Seguro o pulso dela. — Vamos embora.
Ela se vira para mim, os olhos arregalados de surpresa e alguma outra
coisa que não consigo decifrar. Um pouco magoados, mas ainda pior.
Dou um aperto na mão dela.
— Acho melhor irmos embora.
— De jeito nenhum.
Ela balança a cabeça, se vira e vai batendo os pés até lá.
— Mas olha só! — Parks junta as mãos num som estalado. — Olha quem
eu encontrei aqui!
— Cacete — diz o pai, se levantando com relutância.
— Magnolia! — Marsaili fica de pé num pulo, a cor se esvaindo do rosto.
Parks olha de um para o outro durante alguns segundos.
— Minha nossa, hein.
— Querida… — tenta Harley.
Ela ergue a mão para que ele fique em silêncio.
— Minha nossa, sério.
— Magnolia — começa Marsaili, olhando dela para mim, como se eu
pudesse oferecer alguma salvação. — Eu posso explicar…
— Pode mesmo? — pergunta Magnolia, num tom de voz agradável. —
Então, por favor, pode começar.
Harley balança a cabeça e dá um passo à frente.
— Querida, escuta…
Ela vira para o pai.
— Você fazer isso, beleza. Tanto faz. Já tem anos que você pega todas as
mulheres nos clipes de rap.
Ele recua a cabeça, indignado. É um cara grandalhão, de um metro e
noventa, provavelmente. Só uns centímetros menor do que eu, mas ele é
forte. Como um gladiador. Eu já o vi treinar com Dwayne Johnson e não
fazer feio. Parks tem tipo um metro e setenta e cinco, pernas finas, boca
grande e sangue nos olhos, e é incapaz de recuar em uma discussão com esse
homem.
Eu sempre me questionei se teria que brigar com ele um dia. Fico
pensando se esse dia vai ser hoje.
— Como é que é? — ele rosna para ela.
— Você acha que eu não sabia o que você estava fazendo com aquela
mulher em Britannia Row quando eu apareci na sala de som? Eu tinha treze
anos. — Ela balança a cabeça. — Já tô acostumada com uma babaquice
dessas vinda de você, Harley, mas de você? — Ela se vira para Marsaili, e eu
meio que adoro ver que minha Parks se transformou num dragãozinho. —
Você, com o nariz nas alturas, desdenhando da gente, falando dele com toda
aquela prepotência… — ela faz um gesto com o dedo na minha direção —,
sobre as falhas dele, sobre como o comportamento dele era imperdoável, e
tudo isso enquanto você tá dando pro meu pai, que é casado?
O rosto de Marsaili desaba. Comprimo os lábios.
— Magnolia… — Harley se coloca entre as duas. — Já chega.
— Faz quanto tempo? — pergunta Parks, ignorando-o.
O pai dela a encara com irritação, e eu fecho as mãos em punhos.
— Seis anos — diz Marsaili, um pouco rápido demais.
Até eu fico chocado.
— Seis anos — repete Magnolia lentamente.
Algo no clima entre elas muda. Muda de choque e um pouco de
deslealdade para… não sei. Analiso os olhos de Parks. Conheço todas as
suas cores e expressões, e meu melhor chute é… que parece uma espécie de
luto?
Parks parece magoada demais para aquele sentimento ser só raiva.
Mars e Parks se encaram, e há uma troca acontecendo nesses olhares. Os
olhos de Mars estão implorando, os de Park estão arrasados, e elas
sustentam o momento como se estivessem travadas. Eu gostaria de entender
o que estão dizendo, porque sinto que poderia ser algo sobre mim.
Magnolia aponta um dedo fraco para a mulher que a amou a vida inteira,
não diz nada durante alguns segundos tensos e enfim solta:
— Nunca mais fala comigo.
Então, ela agarra minha mão e me leva de volta para o carro.
VINTE E SEIS
BJ
Nós vamos embora. Ficamos apenas em silêncio por um tempo. O peito dela
sobe e desce. Ela está à beira das lágrimas. Vão chegar, agora ou mais tarde, e
não consigo notar tudo, com a minha atenção dividida entre ela e a estrada,
mas ela vai chorar, e eu vou fazer com que se sinta melhor.
— Pra onde você quer que eu te leve, Parks?
Ela olha para mim, aturdida. Dá de ombros.
— A gente não tá muito longe de St Ives, né?
Ela assente e olha pela janela. Vamos para Carbis Bay e paramos em um
hotel e spa. Consigo o melhor quarto possível de última hora e subo com ela.
Quantas vezes desde que terminamos eu já pensei em levar Parks pela mão
até um quarto de hotel? Não sei. Mais de um milhão de vezes, fácil, fácil.
Só que a cara dela é de desolada. Não só a cara, ela inteira. Acho que ela
acabou de ver sua heroína cair em um inferno.
Desde que eu a conheço, Parks sempre colocou Mars nesse pedestal.
Nunca me incomodou quando éramos mais novos, porque ela me amava
como se eu também pertencesse a ela, mas, depois de tudo que aconteceu —
o que é estranho agora, levando em conta o contexto atual —, talvez fosse
algo próximo demais da realidade? Como se um espelho tivesse sido
colocado bem na sua frente.
Seis anos.
O caso deve ter começado quando Parks tinha quinze ou dezesseis anos,
o que é bizarro de se pensar, porque Marsaili era incrível. Nos finais de
semana que passávamos em casa, quando saíamos bêbados das festinhas, ela
nos pegava e levava ao McDonald’s. Ela e minha mãe tinham um acordo —
as duas achavam que nós não sabíamos — de não nos interrogar desde que
voltássemos para casa em segurança. Isso quer dizer que nós sempre
ligávamos para uma delas. Quase sempre, no caso.
Ela costumava me botar pra correr da cama de Parks com uma colher de
pau — e uma batida daquilo dói —, e, agora que somos adultos e penso
nisso, tem um monte de merda da qual eu nem sei como Parks e eu nos
safamos quando éramos novos. Os pais de Magnolia não davam a mínima.
A mãe dela levou ela ao médico para tomar pílula um mês depois de
começarmos a namorar. Não tenho certeza, mas acho que Parks não foi uma
gravidez planejada. Fui desconfiando disso com o tempo. Pescando ao longo
dos anos informações e opiniões ruins que não deveriam ter sido
compartilhadas na nossa frente, mas eram mesmo assim, porque os pais dela
eram afetivamente negligentes.
Eu me pergunto se a mãe de Parks sabe do caso. Eu me pergunto o que
vai acontecer com Bushka.
Coloco Magnolia na cama e puxo uma cadeira para me sentar de frente
para ela.
— Quer alguma coisa, Parks? Faço o que você quiser.
Então, ela estica o braço e toca nas minhas mãos. Ela parece estranha.
Parece em conflito, talvez? E triste.
— Desculpa mesmo — diz ela, e sua voz falha um pouco.
Meu coração pula de uma ponte, e eu não entendo bem o motivo.
— Pelo quê?
— Nada. — Então, ela balança a cabeça. — Bê? — Eu a encaro. — Sabe
aquela vez que você teve uma overdose? Você não fez de propósito, fez?
— Quê? — Eu me afasto. — Não. Por que você pensaria…? Não fiz.
Ela assente, parecendo frágil.
— Foi por minha causa?
Eu suspiro e encaro o teto. Respiro fundo.
— Parks, não tem muita coisa na minha vida que não seja por sua causa.
— Olho para ela por um momento, depois para o teto mais uma vez. — Mas
eu não estava tentando me matar, se é isso que você quer saber.
— Tá.
Ela aquiesce. Então, aperta os olhos, balançando a cabeça, e se levanta.
— Preciso tomar banho.
Ela começa a andar até lá, e aí para, sem olhar para trás.
— Você vem?
Eu fico de pé sem dizer nada e a sigo. Não faço suposições. Isso é hábito
dela há muito tempo. Ela não gosta de ficar sozinha no banheiro. Não gosta
de ficar sozinha com seus pensamentos. A mente dela vai a mil no chuveiro.
Me sento na beirada da banheira, encarando minhas mãos — me esforço
para não ficar olhando de rabo de olho enquanto ela tira a roupa.
Só que dou uma espiadinha, e ela está me observando. Nossos olhares se
encontram, e ela me encara, parecendo até me desejar, então engole em seco
e entra no chuveiro.
Os nós dos meus dedos ficam brancos à medida que apertam os joelhos
para me estabilizar — e reprimir o quanto eu a amo, e todas as coisas que
gostaria de fazer em relação a isso.
Ela liga o chuveiro, e eu espero um minuto.
— Você tá reagindo bem mal a tudo isso — digo.
— E como é que eu deveria reagir?
Eu me levanto e me aproximo mais do chuveiro.
— Não sei.
— Tá.
— Em que você tá evitando pensar enquanto está aí?
— Hã? — murmura ela, mas sei que ela me ouviu.
O banheiro agora está cheio de vapor. O box está embaçado. Eu apoio as
costas nele.
— Qual é o problema, Parks?
Cruzo os braços. Ela está parada debaixo da água, que desce pelo seu
corpo da mesma forma que eu queria que minhas mãos descessem. Ela
suspira.
— Marsaili me falou uma coisa uma vez — diz ela.
— E o que aconteceu?
Ela me encara, os olhos arregalados e marejados.
— Eu escutei.
VINTE E SETE
Magnolia
Tom England
Quê?
Por quê?
Tá tudo bem?
Deu ruim
Ela tá bem?
Angler, né?
BJ
Estou esperando lá fora. Me sinto mal por causa de tudo, seja lá o que for…
Por ela ter tido uma briga e eu não estar presente. Deveria ter estado. Fico
grato por Tom ter estado lá — mais ou menos. Mas até isso me dá uma
sensação estranha. Por que ele estava lá quando eu não estava? Eu a tinha
deixado em casa só fazia algumas horas, e ele já tinha aparecido?
O carro dele para. Não é um Bentley.
Não é um Rolls Royce nem uma Lamborghini, nem um Porsche. É um
Range Rover, e me irrita que ele não fica colocando essas bancas. É um
SVAutobiography cinza, que é um carro de 140 mil libras que parece
idêntico a um carro de 35 mil libras. É uma manobra e tanto comprar um
carro de aparência normal que é quatro vezes o preço de um carro normal.
Parks abre a porta do banco do carona e se joga diretamente nos meus
braços. Eu a seguro contra mim, o rosto enterrado no meu peito, minhas
mãos no seu cabelo, e beijo a cabeça dela. Tom England fica parado ao lado
do carro, franzindo a testa enquanto observa a cena. Fico um pouco mal por
ele — gostaria de poder dizer que ele não está fazendo nada de errado, que
não é culpa dele, que nós somos assim.
Não sei por que ele a trouxe até mim.
Aí eu noto o sangue.
— Caralho, o que aconteceu? — digo, segurando a mão dela.
Ela balança a cabeça.
— Nada. Foi só um arranhão.
— O que aconteceu? — pergunto, mais alto e nítido enquanto olho para
os dois. — Seu pai fez isso?
Inspeciono a mão, e provavelmente ela não precisa de nada a não ser um
curativo, mas não a solto.
— Foi um acidente — me diz ela, triste.
Ela mentiria para mim se fosse para me impedir de fazer alguma besteira,
então ergo as sobrancelhas para Tom, perguntando com o olhar. Ele assente
e anda na nossa direção. Mas, sinceramente? Que cuzão. Por ser tão
tranquilo e maneiro assim e trazer a namorada dele para ver o ex no meio de
uma crise, e aí não agir feito um babaca inseguro quando o rosto da Parks
está enterrado no meu peito como agora.
— O que houve, cara? — pergunto, balançando a cabeça.
— O pai dela apareceu gritando… — Ele me lança um olhar. — Gritando
mesmo…
Franzo a testa.
— Por quê?
Tom dá de ombros, fazendo uma careta.
— Saiu nos jornais.
Eu me afasto e olho para ela nos meus braços.
— Foi você?
Ela não diz nada, mas está com aquele olhar de Bambi. Então foi ela.
Haha. Nenhuma fúria pode ser comparada à de Magnolia Parks quando
contrariada. Eu a cutuco no queixo.
— Minha garota.
Tom troca o peso de pé.
— Você tá bem? — pergunto a ele.
Ele dá de ombros, tranquilo.
— Sim. Só levei um empurrão.
Assinto e volto a encarar Parks.
— O que ele falou pra você?
Tom balança a cabeça.
— Fez umas ameaças.
— Mentira! — Faço uma careta, olhando de Tom para Parks. — Harley
fez isso?
Tom assente.
— Mas que porra é essa? — Me enfureço. — Caralho, ainda bem que a
gente vai embora…
Ela se afasta e ergue o olhar.
— Falando nisso… — Ela me dá um sorriso rápido. — Tom vai com a
gente.
— Ah — comento com um sorriso no final, e juro que consigo ver a boca
dele se curvar. — Show. É… é. Maneiro.
— A gente pode ir com o meu avião… — oferece ele.
Dou de ombros.
— Eu tenho um avião, ela tem um avião. Nós todos temos avião…
— Sim. — Parks me encara. — Só que ele é o único que tem licença para
pilotar.
— Beleza, então.
Assinto de forma casual, amaldiçoando o dia em que decidi não
frequentar a escola de aviação. Eu poderia ser piloto se quisesse.
Tom se vira na direção do carro.
— A gente sai amanhã à tarde — informa ele, esse babaca convencido. —
De Farnborough.
Ele aponta para mim e diz algo que eu odeio mais do que qualquer outra
coisa que alguém já me disse antes:
— Cuida dela.
VINTE E NOVE
Magnolia
BJ
Christian
Qual parte?
Tudo.
Não.
Nossa.
Vai se foder
Magnolia
Estou deitada na piscina, e Tom foi correr. BJ ainda não acordou. Gus está
do meu lado, mas ele está de fone de ouvido e não está prestando atenção
em mim, o que significa que meu novo top de biquíni de algodão em
triângulo da Marysia, que eu combinei com a parte de baixo reversível de
recorte ondulado, está sendo completamente desperdiçado no homem gay
desatento ao meu lado.
Uma sombra recai sobre mim, e abro um dos olhos para ver o que é.
Christian Hemmes está me encarando, de camiseta de boliche de mangas
curtas e logo preta e branca da Palm Angels, desabotoada, combinada com a
sunga ajustável com a logo da Balmain. O rosto está sério como sempre. As
sobrancelhas, unidas numa carranca. O maxilar tenso, mas isso é comum
para ele.
“Por que essa cara de sério o tempo todo?”, perguntei a ele uma vez
quando estávamos juntos, e ele segurou o meu queixo e, por um segundo, o
rosto inteiro dele se iluminou.
“Te amar é um negócio sério.”
Só que essa não era a razão. Mesmo naquela época, eu já sabia. É o
trabalho dele, seja lá qual for. Todas as coisas que esses garotos mantêm em
segredo de mim, sussurrando sobre os Hemmes e achando que eu não sei de
nada. Todos os rumores são verdadeiros, e é por isso que ele é tão sério.
Christian me cutuca delicadamente com o dedão, indicando a
espreguiçadeira ao meu lado.
— Posso sentar?
— Claro. — Faço um gesto tranquilo. — Mas cuidado, já que eu tenho
fama de gozar do nada em público. Ah, espera, não tem problema. Você sabe
como é. Vai se virar.
Ele vira o pescoço para o céu e suspira.
— Para de ser escrota.
Eu olho para ele, as sobrancelhas arqueadas.
— Como é que é?
Ele se vira para mim.
— Foi mal.
Dou a ele um olhar sério, os braços cruzados.
— Foi mesmo.
Ele grunhe, se recostando na espreguiçadeira. Eu o observo durante
alguns instantes, então balanço a cabeça.
— Por que você foi fazer uma coisa dessas?
Ele passa as mãos pelo cabelo conforme tensiona o maxilar.
— Não sei.
Ele sabe, sim, e eu também. Esses pequenos exageros dele não são
novidade. Ele nunca me perdoou de verdade. Pode ter sido ele quem
terminou tudo entre a gente, mas a culpa foi minha, e isso ainda não saiu da
cabeça dele.
— É que eu me divirto, sabe… — Ele dá de ombros. — Te sacaneando.
— Ah, tá. — Eu assinto, olhos arregalados. — Maravilha.
Ele me lança um olhar.
— Você sabe o que eu quero dizer.
Eu o olho de cara feia.
— Não, Christian, não sei, na real. Eu não gosto de sacanear ninguém.
— Sério?
Ele pisca. Inclino a cabeça, e ele me encara, incrédulo.
— Você não gosta de sacanear as pessoas? — As sobrancelhas dele se
erguem, os olhos sérios, e consigo ver antes de abrir a boca que ele está
prestes a dar o bote de novo. — Você namorou cinco caras nos últimos dois
anos e meio, isso sem contar comigo, e você não estava sacaneando eles?
Faço menção de retrucar, mas ele me interrompe.
— Você estava me sacaneando.
— Não estava, não…
— Então estava fazendo o quê? — pergunta ele, se sentando e virando as
pernas para me encarar.
Sinto meus olhos arderem.
— Você sabe o que eu estava fazendo.
— Não. — Ele balança a cabeça. — Eu sei o que eu estava fazendo. — Ele
me fita de um jeito que me dá vontade de chorar. — Agora você… não tenho
a menor ideia.
Eu desvio o olhar, cansada. Não é uma luta que eu possa ganhar.
— Já terminou?
— Não. — Ele balança a cabeça em desafio. — E o Tom?
Reviro os olhos, cruzando os braços.
— O que tem ele?
— Você está com ele ou não?
Deixo escapar uma risada seca, balançando a cabeça. Eu deveria só
mentir. Porém, não sei mais qual é a resposta.
— E isso é da sua conta?
Christian recua a cabeça.
— E isso é da minha conta? — Ele arqueia as sobrancelhas. — Sério?
Meus olhos estão inteiramente semicerrados agora.
— Sim, sério.
Ele parece tenso.
— Você é foda, Parks. Tem noção disso?
— Qual é o seu problema? Eu nem fiz nada.
Ele solta uma risada sem graça e desvia o olhar, fazendo com que eu me
sinta um pouco culpada e exposta, mas acho que isso é culpa dele, e não
minha.
Ele se levanta, balançando a cabeça.
— É engraçado. A única pessoa que você acha que não está sacaneando é
o Bê, mas você está, sim. Você está fodendo com a vida dele, e ele com a sua.
Ele está fodendo no geral. Com todo mundo, o tempo intei…
— Melhor você ir embora, cara — diz Gus, em pé.
— É mesmo? — Christian dá um sorrisinho.
— É. — Gus assente. — Você gosta de pagar de machão e ficar falando
dela, mas é só porque seu irmão não está aqui para te colocar na linha.
Christian dá uma risada seca e desvia o olhar, porque o que Gus disse
tem um fundo de verdade.
— Vaza. — Gus indica com o queixo a direção oposta. — Vai pra outro
lugar e se acalma.
Christian não encontra meu olhar quando ele se afasta. Eu me viro e me
deparo com Gus em pé.
Ele volta a se sentar, me observando durante alguns segundos.
— Tudo bem?
— Tudo, sim. — Dou uma fungada e balanço a cabeça com força, porque
não estou bem, e minha boca vai dizer o contrário. — Ele já está puto
comigo há mais de dois anos. Isso não é novidade.
Ele assente algumas vezes, olhando na direção da piscina.
O cenário aqui é bem dramático, com galhos de oliveiras que se
derramam sobre as praias que vão dar direto no mar Egeu. Mas é um drama
mais suave do que a minha vida amorosa, que também é dramática e
provavelmente está repleta de coisas que eu deveria ter feito de maneira
diferente, rodeada de mares de medos e arrependimentos tão profundos que
rivalizariam com as fossas mais profundas.
— Então — diz Gus —, quantos desses homens aqui estão apaixonados
por você? — Ele analisa. — Pelas minhas contas, são três.
Eu reprimo um sorriso.
— Esse é seu jeito de dizer que não está apaixonado por mim, Gus?
Ele passa a língua pelos dentes, achando graça.
— Eu e o outro cara gay somos imunes, o irmão também é. O irmão
Ballentine, não o irmão da gangue. O irmão da gangue…
— Eu não acho que eles curtem esse termo — interrompo.
Ele dá de ombros.
— Então não deveriam ter virado donos de uma gangue. — Ele faz uma
pausa. — Ele gosta de você, não gosta?
— Não sei.
Dou de ombros, acanhada. Ele me observa.
— Sabe, sim.
Coço o queixo e semicerro os olhos, antes de responder com cautela:
— Já pensei sobre isso.
Gus reflete sobre a resposta.
— Ele sabe?
Comprimo os lábios.
— Ele quem?
— Qualquer um dos que você gosta de volta.
Eu respiro para me acalmar.
— Tom me perguntou… eu dei um perdido. Suspeito que BJ precisa
ignorar isso com todas as forças para o nosso grupo não desmanchar… na
medida do possível.
— E você? Como você se sente a respeito dele?
— Do Christian? — Faço uma pausa. A pergunta pesa no meu peito por
um momento, a verdade borbulhando dentro de mim como uma lata de
refrigerante. — Já amei ele um dia.
Nunca disse isso para mais ninguém além de Christian, na verdade. Não
sei por que estou confessando isso a August Waterhouse. Dou de ombros.
— Eu só nunca amei tanto quanto amei BJ.
— Você já amou alguma coisa tanto quanto amou BJ?
Eu me remexo, incomodada, cuidadosamente evitando os olhos dele e
observando a linda paisagem ao redor. Como o mar está azul hoje!
— Eu sei do Tom, aliás — avisa Gus. — O que vocês estão fazendo…
Eu me viro para ele, franzindo a testa.
— A gente prometeu que não ia contar pra ninguém!
Ele dá uma risada.
— Ele não me contou.
Puta merda.
Acho que Gus vê a expressão no meu rosto. Ele faz um gesto com a mão
para deixarmos isso de lado.
— Por favor. Tom beija a Clarinha, o que eu imagino que você deve saber,
né? — Ele não espera a resposta. — E aí, uma semana depois, do nada, ele
aparece namorando a it girl de Londres, que, por acaso, é uma namoradeira
inveterada que nunca cortou laços com o ex? É pra gente acreditar que é só
coincidência?
Eu franzo a testa.
— Como você sabe sobre a Clara e o Tom?
Ele dá de ombros.
— Peguei os dois no flagra.
Algo nisso me deixa abalada.
Algo em pensar que outra pessoa viu Tom tocar em Clara torna isso mais
real do que quando era uma coisa que aconteceu só uma vez de uma forma
hipotética, do jeito como Tom me contou, e eu nunca contaria a outra
pessoa. Alguém ter visto faz com que a cena tenha se tornado real de um
jeito que detesto e muito. Quero que seja abstrata, 2-D, no papel. Como a
Dora de Picasso. Verdadeira, mas estranha; real, mas não de fato.
Tom tocar em outra pessoa não deveria me causar nada, sei disso. Minha
boca não deveria estar seca, minhas mãos não deveriam estar suadas, e meu
batimento cardíaco deveria estar normal.
Isso é só uma performance. Estamos fazendo isso porque gostamos de
tocar em pessoas em quem não deveríamos, então aqui estamos, é por isso
que entramos nessa situação. Só que o que eu sou, nesse momento, é uma
mulher com ciúme.
Minha respiração parece mais acelerada do que eu gostaria. Espero que
Gus não note.
— O plano é excelente — me diz ele.
Fico contente e aliviada que o enganei.
— Só tem uma falha gritante.
— Ah, é?
— Ele está se apaixonando por você, e você por ele.
Cacete. Estou? Nós estamos? Não sei. Mas eu com certeza não quero que
Gus saiba que estou completamente perdida em relação a tudo isso, então
emito um ruído incoerente de “pfff ”.
Gus me ignora.
— Você está se apaixonando por ele, ele definitivamente está a fim de
você. Ao mesmo tempo, você ainda está apaixonada por BJ, e Tom ainda está
apaixonado pela Clarinha. Pelo andar das coisas, parece que isso vai ser
uma… — Ele bate uma palma. — Merda! Bem, bem ruim mesmo. Um
desastre épico. Nível Titanic.
Eu o olho de cara feia.
— Você se acha muito sabichão.
— Eu sei. — Ele dá de ombros, recolocando os óculos escuros. —
Péssimo, não é?
— E você está errado, aliás — informo.
— Ah, é? — diz ele, nem se dando ao trabalho de me olhar. — Sinto que
não.
— Está, sim.
Ele abre um enorme sorriso, as sobrancelhas erguidas.
— Vamos ver quando você sair do encontro com seu ex e voltar pro
quarto romântico do hotel romântico que você está dividindo com seu
namorado atual, que é supostamente de fachada, mas cada vez menos, pelo
que eu vejo…
Reviro os olhos.
— Um namorado que diz que não liga de você sair com o seu ex e está
correndo agora uma meia maratona “só pra se divertir”.
Eu dou de ombros.
— Ele gosta de correr…
— Tom odeia correr.
Ele não ergue o olhar do livro: Vai doer, de Adam Kay.
Eu suspiro alto.
— Não significa que é por minha causa.
— Ah, pelo amor. — Gus revira os olhos. — Todos esses caras são
malucos por sua causa.
Eu franzo a testa.
— Não acho que isso seja um elogio.
Ele ergue as sobrancelhas e finalmente me olha.
— Nem era pra ser.
TRINTA E DOIS
BJ
Estou agitado pra cacete, o que é bizarro. Passei mais tempo com Parks do
que com literalmente qualquer outra pessoa no planeta. Crescemos juntos.
Ela já me viu pelado; eu já a vi pelada. Ela me viu cair e quebrar os ossos,
chorar, vomitar e sofrer uma overdose. Ela me viu nos meus piores
momentos, e eu já saí com ela um milhão de vezes ao longo da vida — ainda
assim, esse encontro está me fazendo suar em bicas.
Porque acho que é importante. Sei lá, ainda não falamos disso. Mas
parece uma mudança. Que nem os “ventos do leste”, como diria o filme da
minha outra mulher preferida.
Talvez, não sei, talvez esteja rolando algo entre a gente de novo? Foi
estranho planejar isso para ela — porra, estamos na Grécia, viemos no
jatinho particular do namorado piloto dela. Quando éramos novos, eu a
levei à Espanha para nosso primeiro encontro de verdade, no nosso avião
particular. Algumas semanas atrás, a levei para fazer compras na Avenue
Montaigne, só porque eu estava a fim. Ela acha que Evian tem gosto de mijo,
mas “até que dá pro gasto para lavar o rosto, numa emergência”. Elton John
deu uma joia de aniversário para ela ano passado que parece até a porra do
diamante Hope...
Luxo não basta. Luxo, para ela, é rotina.
E o que quer que isso seja, o que quer que esteja prestes a acontecer, é
uma chance única, e eu sei.
Como se o universo tivesse me dado a máquina do tempo pela qual ando
rezando há anos e me oferecesse outra tacada. E a tacada é difícil.
Tenho que ricochetear o desastre que nos tornamos na luz cintilante do
que fomos e encaçapar a bola no que podemos voltar a ser. Com os dois
olhos fechados e uma das mãos para trás.
É minha última chance e precisa dar certo.
Eu a espero no saguão. Ela está atrasada. Sempre. Por isso, pego meu livro
e leio umas duas páginas, até que um par de pernas compridas surge diante
de mim.
Ela tira o livro da minha mão e vira a capa. O pequeno príncipe.
— De novo isso?
Ela está de cabelo solto, a pele parecendo ainda mais escura, os olhos
ainda mais brilhantes. Está usando uma blusa que só vestiria nas férias, por
cima de um biquíni lilás. Faço que sim com a cabeça, tentando não sorrir
que nem um bobo, porque, porra, adoro vê-la de lilás.
— Eu leio todo ano.
— Eu sei — diz ela, revirando os olhos de irritação. — E dessa vez, o que
o livro está dizendo?
— Que fui domado.
— Por quem?
Ela pestaneja, e eu sei que sabe.
Eu a fito, com os olhos mais firmes do que o coração.
— Por você.
Ela cora, e eu rio, satisfeito e achando graça. Eu me levanto.
— Vamos lá — digo.
E aí… paro abruptamente.
— Você está de jeans? — pergunto.
Não acredito. Conheço ela há quase vinte anos e jamais a vi de jeans. Ela
diz que é coisa de “proletário”.
— Short jeans, ainda por cima. E esfarrapado — diz, sorrindo de orgulho.
— Gostou?
Por um segundo, me sinto tímido, corando.
— Gosto de você com qualquer roupa — respondo, e ela parece satisfeita,
o que me deixa satisfeito, e avanço alguns passos antes de me virar para trás.
— Também gosto de você sem roupa nenhuma…
Ela engole em seco e vem atrás de mim, me alcançando depois de correr
um pouquinho.
Gosto de vê-la correr atrás de mim.
Equilibra o terreno por um segundo e meio.
Saímos juntos e entramos no banco de trás do carro que nos aguarda. Ela
se instala no meio do banco, e eu entro logo depois. Está nervosa. Sinto a
energia ansiosa que emana dela.
Parks está olhando para a frente, com a boca tremendo por nada. Ou por
tudo, talvez? Gosto que ela se sinta assim, gosto de conseguir fazer com que
ela se sinta assim.
— Tudo bem? — pergunto, olhando para ela.
Ela me olha, assentindo.
— Está nervosa? — pergunto.
Ela hesita e engole em seco. Confirma com a cabeça de novo, e eu abro
um sorrisinho.
— Eu também — digo.
Isso a deixa feliz. Ela puxa o colarinho da minha camisa preta, estampada
de flores vermelhas e rosa e folhas de palmeira. Comprei recentemente,
pensando nela a arrancando de mim.
— Gucci? — pergunta, mesmo que já saiba, e eu confirmo, tentando me
tranquilizar. — Popelina, estampa dream em preto e verde — diz, esfregando
o material com os dedos. — Seda mista com viscose.
Sei lá. Para mim, ela está falando russo. Não faço a menor ideia de que
merda é essa que está dizendo, mas sei que ela passa o indicador e o polegar
por baixo da minha camisa, e fica ali, com a mão no meu peito.
Engulo em seco, a olhando. Ela não desvia o olhar. A mão também não
vai a lugar nenhum, e eu deveria dar um beijo nela. Sei que deveria dar um
beijo nela. Quantas vezes vou deixar de dar um beijo nela?, você se
pergunta. É uma boa pergunta, e a resposta é difícil de determinar.
Penso em beijar Magnolia Parks mais do que penso em qualquer outra
coisa, literalmente qualquer outra coisa no mundo. É meu pensamento
automático, sempre que tenho um instante de pausa mental.
Beijos que de fato aconteceram, beijos hipotéticos que poderiam ter
acontecido, beijos que deveriam acontecer, beijos que inventei
completamente — todos aparecem na minha mente enquanto espero o café
ficar pronto. Já pensei em beijá-la tantas vezes desde a última vez que
realmente a beijei que, aqui, agora, quando provavelmente poderia beijá-la
mesmo… não consigo.
Porque o momento é importante demais. Não posso me apressar. Não
posso me descontrolar. Não posso pensar com o pau. Hoje preciso maneirar
o meu amor por ela. Deixar queimar a fogo baixo.
Ela pode tocar meu peito, afinal, já faz isso sempre que bebe demais.
Quando dormimos na mesma cama, é comum eu acordar de madrugada e
ela estar abraçadinha em mim, e nunca tocamos no assunto. Nem sei se ela
sabe que faz isso quando dorme e não quero contar, caso ela não saiba,
porque não quero que pare.
Já me treinei para viver dentro dos limites dos nossos toques estranhos —
é disfuncional pra caralho, eu sei, mas, se estar com ela é heroína, o que
temos agora é metadona. Não é o mesmo bagulho, mas segura a barra.
Se eu der um beijo nela agora, estou perdido. Estou perdido de qualquer
jeito.
O carro para, e saímos numa doca, ao fim da qual nos aguarda um
Rivamare. Não é o mesmo barco da outra vez — é mais novo, mais chique
—, mas faz efeito, dá pra ver na cara dela.
Admito que estou fazendo isso por mim também. É que foi o melhor dia
da minha vida.
Não vou transar com ela no barco, prometo. Mas não me incomodaria se
ela se lembrasse daquela vez no barco e tentasse dar pra mim…
Mas, na real, só quero ficar a sós com ela em algum lugar. Qualquer lugar.
Vamos aproveitar o barco. Trouxe mantimentos para o dia. Tem umas praias
por aqui que eu e Henry encontramos. É tudo secundário, o principal somos
eu e ela.
Subo primeiro no barco, seguro a sua mão e a puxo para mim. Nossos
olhares se encontram. O escudo de vidro que ela sempre ergue entre nós está
ausente. Ela não solta minha mão.
Engulo em seco, pigarreio e solto a mão dela. Ela nem se incomoda —
seu olhar se suaviza, e parece que ela achou graça.
Vou até o leme do barco.
— Eu não mordo, não! — grita para mim.
Olho para trás e balanço a cabeça, sorrindo.
— Não, só acaba comigo.
Ela coloca o cabelo atrás das orelhas e vem até mim. Desabotoa o próprio
short, abaixa, chuta para longe. Não para de me olhar nem por um segundo
enquanto faz isso.
Eu umedeço os lábios, olho para ela mais uma vez e acelero o barco pela
água. Paramos perto de uma prainha — acho que é Dhrimiskos, algo do
tipo. Areia branca, água da cor dos olhos dela, tudo vazio por quilômetros.
Ela está beliscando um queijo, porque ela sempre tem o apetite de um
passarinho, a não ser que esteja bêbada, quando tem o apetite de um dragão.
Parks me olha.
— Então é esse o seu programão romântico? Barco, lanche e champanhe?
— diz, dando de ombros. — Meio simples…
Balanço a cabeça.
— Barco, lanche, champanhe e sua coisa preferida no mundo…
Ela levanta as sobrancelhas, esperando a revelação.
— Ah, é?
Aponto para mim mesmo. Ela revira os olhos.
— E não sou? — pergunto, com o queixo erguido.
Ela sustenta meu olhar, virando a taça de champanhe. Estica a taça para
eu encher de novo.
— Sou, sim.
Ela revira os olhos novamente, mas se aproxima mais um pouco.
— Então é mesmo um encontro romântico? — pergunto, inclinando a
cabeça para ela.
— Não é?
Dou de ombros, mais tímido do que gostaria.
— Só não falamos com essas palavras.
— Quer dizer — diz ela, abanando a cabeça, refletindo —, não é um
encontro muito impressionante…
— Ei!
Jogo um figo nela, e ela ri.
Parks está feliz. Dá para notar. Ela come o figo que joguei e seca a boca
com a mão.
— O que Tom achou do nosso encontro possivelmente romântico? —
pergunto, sinceramente curioso.
Ela respira fundo e faz beicinho.
— Ele é bem mais velho do que a gente…
— Do que eu não — interrompo.
— Ele tem 31 anos.
— E eu tenho 25 — lembro. — Não é tanta diferença.
Ela revira os olhos, mas não discute.
— Na verdade, acho que, a essa altura, ele gostaria mais que eu me
entendesse com... a nossa situação.
Não consigo me conter e reviro os olhos, porque quero que ele se foda.
Sério. Sinceramente. Quero que ele se foda por ser um sujeito generoso,
cheio de compreensão, consideração e altruísmo, e quero que ele se foda por
me fazer parecer um babaca no meu próprio encontro com a garota que
talvez nós dois estejamos namorando, mas que eu amo mais.
— Você gostava dele — me lembra ela, gentilmente.
Eu bufo, rindo.
— Ainda gosto dele… esse filho da puta metido — digo e balanço a
cabeça, pensando. — Era muito melhor quando você só namorava gente
tosca.
Ela concorda.
— Tom não é tosco.
E isso dói um pouco, mas é no meu colo que ela joga as pernas, então foi
mal aí, England.
O dia se passa assim. Entrando e saindo da água, bebendo um bom
vinho, comendo um bom queijo. Se eu fechar os olhos, podemos estar
juntos como antes, bem longe, ainda perdidamente apaixonados um pelo
outro. Ela e eu vamos nos aproximando cada vez mais, até as desculpas para
nos tocarmos sumirem e começarmos a nos tocar abertamente. Abraço ela
pela cintura, ajeito o cabelo atrás das orelhas, apoio o queixo na sua cabeça.
De mãos dadas, sentados tão juntos que ela está quase no meu colo. Vamos
voltar a namorar, tenho certeza. Ela me ama, quer ficar comigo, dá pra notar.
Eu a vejo escalar as barreiras que construiu a seu redor, derrubar as
barricadas em busca de um lugar seguro para descansar, e, com a cabeça no
meu colo, ela me olha e me faz a pior pergunta.
— Bê?
— Oi — digo, olhando para ela.
— Por que você fez aquilo?
Eu pisco algumas vezes. Sei o que ela está perguntando. Não sei como
responder.
— Por que eu te traí, é isso? — pergunto, sem motivo.
Dói dizer. Dói ouvir. Eu devia ter previsto isso. Merda… por que
organizei um encontro com tanto tempo para conversar? Era óbvio que ela
falaria disso.
Será que ela vai perguntar com quem foi de novo? Odeio quando ela
pergunta. A relação dela com Taura já foi pro brejo, acho que não faz
diferença — por mais que eu diga que não foi com ela, Magnolia não
acredita, e não faz diferença, porque já passou.
Parks sustenta meu olhar.
— Porque você me amava… eu sei que amava…
Confirmo com a cabeça. Amava mesmo, ela está certa. Nunca deixei de
amar.
— E, quanto mais penso nisso, mais certeza eu tenho de que você não
teria feito isso sem motivo…
— Parks…
Eu balanço a cabeça. Me sinto enjoado.
— Sei que não teria — insiste.
Estou tonto.
— Então qual foi o motivo? — pergunta, com um olhar de desespero.
— Eu estava bêbado.
Ela balança a cabeça, insatisfeita.
— Isso não é motivo.
Dou de ombros, desamparado.
— É, sim.
Ela repete o mesmo gesto de antes, decidida. Se sentou e está me
encarando.
— Não. Você já encheu a cara sem mim em festas e nunca nem olhou
para outra garota. Tem que ter outro motivo.
Dou de ombros, me desculpando.
— Não tem…
Ela balança a cabeça.
— Não, você está mentindo pra mim.
— Não estou.
Estou.
— Está…
— Não estou… — insisto, porque não posso.
Gostaria de contar, mas não posso.
— Bê… — diz ela, procurando meu olhar. — Preciso entender por que
você fez isso, para eu absorver e seguir em frente, para isso não acabar
comigo toda vez, para eu não ficar guardando rancor de você para sempre…
Eu sei que você nunca me magoaria só por magoar, então me conta, por
favor — pede, a voz fraca, e acho que isso vai ser o meu fim. — Por quê?
Passo a língua pelo lábio superior e não consigo mais encontrar o olhar
dela, porque sei o que estou prestes a fazer. Sei que vai magoá-la, derrubá-la
por completo.
Ainda assim, é o que digo:
— Porque eu quis.
Isso a atinge como eu previa.
Como uma flecha no peito, ela em silêncio bem ali, no mesmo instante.
Parece que joguei uma pedra no meio do lago e agora me resta ver as
ondulações se espalharem.
Ela encolhe a barriga e tensiona os ombros em resposta ao golpe. De cara
fechada, abaixa o olhar e se vira para o outro lado. Escudo erguido,
armadura vestida, espada empunhada.
— Quero ir embora — diz, olhando para a água. — Agora.
— Parks…
Tento encostar nela, mas ela se desvencilha com tamanha violência que é
chocante.
— Agora — exige, alto.
E, com isso, acabou-se a minha chance.
A máquina do tempo que o universo me deu pega fogo e desmorona.
A tacada derrapa. O desastre do que nos tornamos passa direto pelo que
fomos, gira ao redor do que poderíamos ser umas duas vezes, antes de
deslizar para o lado e bater com tudo onde não queremos estar.
Fodi com a minha última chance.
E nada disso funcionou.
TRINTA E TRÊS
Magnolia
* * *
BJ
Estou de volta no meu quarto. Não lembro como cheguei. Arrastado pelo
meu irmão, talvez? Ou trazido por Christian? Um dos dois.
Estou no banheiro. O reflexo é estranho. Sou eu, mas não sou.
Sou eu, mas transtornado.
Odeio brigar com ela. Brigamos até bem à beça, melhor do que qualquer
outra pessoa que conheço. Não éramos assim quando estávamos juntos,
quase não acontecia na época.
Marsaili dizia que o amor às vezes azeda que nem leite e vira ódio. Talvez
a gente tenha se esquecido de cuidar do nosso amor.
Meus olhos estão molhados. Minhas mãos tremem. Pressiono o punho
contra a boca com tanta força que corto o lábio nos dentes. Um. Só um. É só
isso que vou me permitir.
Sai engasgado e abafado. Rápido.
Parece preso no peito. Aperto as mãos nos olhos, respiro fundo e
longamente, até me acalmar.
Ajuda um pouco, mas não o suficiente; ainda me sinto estranho.
Enfio a mão no nécessaire e tiro um papelote. Enfileiro uma carreira com
o cartão Centurion, porque o titânio é melhor para o pó. Enrolo uma nota
de cem euros e cheiro.
Belisco o nariz depois, coço duas vezes, fungo. Cheiro mais uma, por
garantia. Jogo um pouco de água na cara, seco o nariz, só por via das
dúvidas. E aí vou encontrar os garotos.
Eles estão sentados ao bar, e eu desabo no assento ao lado. Henry e
Christian tem um relacionamento como o meu com Jonah, e, admito, não
curto muito estar aqui sem ele.
Me sinto meio abandonado, ninguém me apoia que nem o Jo. Ele teria
metido a porrada no England na hora. Ou talvez não. Merda.
Será que eu passei dos limites?
Christian levanta a mão, chamando a atenção da bartender. Ela é bonita.
Pele marrom-clara. Olhos cor de mel que consigo notar daqui. Sobrancelhas
grossas, mas daquele jeito sexy. Ele aponta para mim, fazendo sinal para ela
me trazer uma bebida.
Henry me olha e faz uma careta.
— Tudo bem aí?
Rio bufando.
— Claro, por que não estaria?
A expressão dos dois é hesitante. Eles se entreolham.
— Sei lá — diz Henry e dá de ombros, se fazendo de bobo. — Assim,
você acabou de ter a briga mais feia da sua vida com a sua paixonite desde os
seis anos... mas tá de boa. Tranquilo.
— A gente vive brigando.
Christian pisca.
— Desse jeito?
Bufo de novo.
— Vocês estão fazendo drama…
Henry me lança um olhar sério.
— Bê, ela meteu uma mãozona na sua cara. Assim, foi um espetáculo.
Uma vergonha pra você, mas, porra, um show daqueles pra gente.
Bufo outra vez.
A bartender grega gostosa traz uma rodada de bebidas, e, quando me
entrega o copo, nossas mãos roçam. Olho para ela, que me abre um sorriso
discreto.
Ela vai embora.
Eu observo a bartender andar e suspiro ao ver a bunda dela naquela
sainha preta esvoaçante.
Parks saberia a marca, o modelo, a porra do código de barras — não
pense nela. Na real, não saberia, porque Magnolia só entende de marcas que
a Harrods vende. Nada de Shein nem poliéster no vocabulário dela.
Ainda assim… dava pra dar um bom trato num rabo de saia daqueles…
Viro a bebida num gole só. Roubo a de Henry.
Christian semicerra os olhos, me observando.
— O que foi?
— Nada.
Olho para ele como se não fosse mesmo nada de mais.
Ele me observa por mais alguns segundos, então se aproxima e pega meu
queixo. Dou um tapa na mão dele, mas Christian ganha qualquer briga que
quiser, então me empurra e me segura outra vez, inclinando meu rosto para
que a luz recaia sobre os meus olhos. Ele suspira, a expressão irritada.
Balança a cabeça, ainda com meu queixo na mão.
— Ah, que se foda — diz e empurra minha cara, me soltando. — Pra
mim já deu por hoje, galera…
— Como assim? — pergunta Henry, piscando. — O que houve?
Christian morde o lábio e aponta para mim, esse dedo-duro do caralho.
— Ele tá cheirado.
Henry bufa, rindo. Só uma vez.
— Não tá, não — replica, até que me olha, inseguro. — Tá? — me
pergunta. — Tá, Bê?
Faço um barulho esquisito. É de desdém, mas também me incrimina.
Christian se afasta da mesa, levanta e ergue as mãos, se retirando da
situação.
— É pra fingir que você sair daqui não tem porra nenhuma a ver com a
Magnolia? — grito para ele.
Ele não se vira, nem volta, mas levanta a mão, mostrando o dedo do meio
e se mandando.
Henry me olha.
— Esqueci que, quando você tá cheirado, você não para de falar merda.
— Não falo, não.
Ele aponta Christian com o queixo.
— E isso aí foi o quê, então?
Olho para ele.
— Eu menti, por acaso?
Essa eu ganhei — sei que sim. Henry também sabe. Ele abaixa a cabeça e
respira fundo. Tento não arrastar ele pro meio dos meus problemas com o
Christian. Ele odeia toda essa parada, e entendo, porque também odeio.
Odeio que tenha acontecido, odeio que ele tenha feito isso, odeio ter brigado
com ele num beco por causa dela, e todo mundo saiu perdendo naquela
noite. Odeio isso tudo.
— O que você tá fazendo, Bê? — pergunta Henry, com a voz mais baixa.
Dou de ombros. No momento, não estou nem aí.
— Ela vai acabar com a tua raça — alerta ele.
Tento segurar a devastação que sinto no peito ao responder:
— Já tá acabando.
Henry se levanta. Ele parece furioso. Ou talvez seja triste? Me olha por
alguns instantes, e eu sinto que estou fracassando no papel de irmão mais
velho. Não costumo me sentir o irmão mais velho. Ele é mais responsável.
Não faz tanta merda. Está na faculdade. Nunca parece meu irmão mais
novo, só meu irmão. Mas agora, pelo jeito que está me olhando, sinto que o
decepcionei.
Ele derruba o copo quase cheio na minha frente, derramando pela mesa.
Eu me afasto, irritado, e o olho como se ele tivesse perdido o juízo.
— Mas que porra é…
— Você precisa tomar jeito, Bê — diz meu irmão, e aponta para mim.
Em seguida, se vira para a bartender, ainda apontando para mim, e passa
um dedo pelo pescoço.
— Chega de bebida pra ele — avisa para a garota antes de ir embora.
Fico ali sentado olhando para o nada. Levo uns dois minutos para notar
que a bartender está ali parada, me observando.
Aponto para ela, chamando-a com um dedo. Ela vem devagar. Não tem
ninguém por perto.
Ela para bem na minha frente e me olha por alguns segundos — e, na
real, ela é gostosa pra cacete. Pisca algumas vezes, se abaixa na minha
direção, pega a minha mão, me levanta e me puxa até o banheiro.
Assim que chegamos ao corredor, ela me empurra contra a parede —
quer isso mais do que eu. É difícil de expressar exatamente qual é a dela,
porque parece que ela está mais precisando desesperadamente fazer isso do
que querendo de fato. Talvez ela também tenha feito merda hoje.
A bartender bota a mão na massa bem rápido. Desabotoa minha calça
jeans antes mesmo de chegarmos ao banheiro.
Ela está faminta pelo meu corpo, e sua boca não para em apenas um
lugar. Desabotoa minha camisa. A camisa que comprei para Parks — não
pense na Parks. Ela beija meu peito. O peito no qual Parks passou o dia todo
encostada — porra, ela é meu pior vício.
Passo as mãos por baixo da saia dela, por baixo da calcinha.
Que bunda gostosa.
Ela me envolve com a perna, e me pergunto se chegaremos à cabine a
tempo.
Ela me beija, e meus pensamentos começam a vagar até Parks, como
sempre. A mesma lembrança, o barco, ela no lago, o biquíni lilás — nossa,
como eu amo ela de lilás —, e aí penso: Que se foda.
Não vou pensar nela.
Vou pensar na bartender, que é gostosa pra caralho e está com a mão
dentro da minha calça.
Então abro os olhos, me forço a encarar a mulher que estou prestes a
comer, e aí…
Eu a vejo.
No fim do corredor.
Olhos marejados. Boca trêmula. Coração na mão, e o meu no bolso dela.
Esticando as mãos à frente, parecendo que tem cinco anos e vê um
pesadelo se desenrolar.
Ela encontra meu olhar. E se vira…
Empurro a bartender para longe.
— Não! Não, não, não, não, não…
Parks corre. Corro atrás dela, mas ela é rápida, e eu a perco quando vira
num corredor.
TRINTA E CINCO
Magnolia
BJ
Não sei o que eu esperava da batida na porta do meu quarto no hotel às duas
da manhã — mas com certeza não Magnolia Parks.
Não depois da cara dela quando me viu. Não depois de tudo que falamos
um para o outro. Mas aqui está ela, do outro lado do olho mágico.
Segurando o braço, vestida num suéter que roubou de mim uns quarenta
segundos depois de eu comprar na Gucci. Ela está franzindo a testa, com
uma tristeza no rosto que acho que nunca presenciei.
Abro a porta e, só de olhar para ela, já estou cagando para qualquer outra
coisa. Me pergunto se seremos sempre assim. Será que somos o tipo de
pessoas que sempre vão voltar correndo um para o outro, não importa o que
aconteça? Provavelmente.
Somos figuras esculpidas na proa de um navio velho naufragando.
Saio para o corredor e fecho a porta.
— O que aconteceu? — pergunto e a abraço.
Ela se afasta um pouco e me olha, e não sei o que entrega — se são os
olhos dela, o cheiro dele em Parks.
Ela nem precisa dizer nada. Eu já sei.
Estremeço de leve. E solto um ruído. Ela me ouviu, eu sei, porque me
abraça mais forte.
— Ah — é só o que digo, e faço um aceno com a cabeça, segurando-a
com mais força.
Porra, que dor.
É isso que eu faço com ela há anos? É isso que ela sente? Porque parece
que meu peito está machucado por dentro. Parece que minhas costelas estão
desabando, afundando devagar, e que talvez eu finalmente a esteja perdendo.
Talvez o navio já tenha afundado completamente. Talvez estejamos à
deriva no mar. Talvez a madeira do navio esteja começando a apodrecer e
nenhuma âncora do mundo possa nos salvar.
— Você tá bem? — pergunto, porque não sei o que mais dizer.
Isso só a faz chorar mais. Eu a abraço, passando a mão no cabelo dela, e
finjo não notar que evidentemente acabaram de ser puxados e bagunçados
por outras mãos.
O que estamos fazendo? Além de nos magoar. Não sei mais. Porque eu a
amo, de verdade. Eu a amo de um jeito imbatível, incontestável, invencível,
inabalável e conturbado. Mas sinto o cheiro dele em Parks, e seria capaz
de… Provavelmente vou fazer isso depois.
— Desculpa — diz ela, com a voz abafada pelo meu peito.
Levanto o seu queixo para que ela me olhe.
— Desculpa também.
Ela pisca de leve, e os olhos dela me lembram orvalho nas folhas em
manhãs frias.
— Eu te odeio — diz, engolindo em seco.
— Pois é — digo, concordando. — Eu também meio que me odeio.
Ela se afasta para me olhar, e eu seguro o rosto dela entre as mãos —
olhos claros e carregados, aquela boca corada, e as bochechas que sempre
ficam rosadas quando eu estou por perto. A pele marrom, as mãos que eu
seguro desde os quinze anos, as curvas que se encaixam em mim como se
fôssemos esculpidos a partir da mesma pedra. Como vou superar essa
mulher?
Não vou. Não dá. Não consigo.
Ela segura minha mão junto ao rosto, sem soltar, sem saber o que vai
acontecer com a gente quando ela soltar. Acho que nenhum de nós sabe.
Acho que soubemos um dia, mas não mais.
Ou ao menos achamos que sabíamos. Todos os caminhos levavam a
Tobermory — uma vida tranquila numa cidadezinha costeira ao norte —,
porque uma noite caímos num desejo fulminante e tomamos uma atitude
destemida e beligerante. Teríamos envelhecido lá. Dormiríamos no sofá
abraçados, deixaríamos cortinas abertas, e eu me afogaria na luz matinal do
amor dela todos os dias. E é o que deveríamos ter feito, até que aconteceu
aquele dia. Provavelmente deveríamos ter feito isso de qualquer maneira.
Deveria ter carregado ela para longe, para a vida que nós dois queríamos
ainda assim, mas não foi o que fiz. Se fosse, não estaríamos aqui.
Até que alguém abre a porta do meu quarto, e a bartender aparece,
usando apenas uma camiseta minha e mais nada. Magnolia congela nos
meus braços, e eu fecho os olhos com força, como se, ao apertá-los, pudesse
fazer a garota desaparecer. Porém, ela não desaparece, e eu sei o que está por
vir.
Eu me preparo.
Dessa vez, é um empurrão. Ela me empurra com uma baita força, mas eu
estava pronto e firmei os pés. Parks se movimenta mais do que eu, e acaba
jogando o corpo esguio contra a parede do corredor atrás dela, tropeçando.
Vou em sua direção para segurá-la, mas ela estapeia minhas mãos e me
olha como se fosse um bicho que tivesse levado um pontapé.
— Parks…
Tento segurá-la outra vez.
Ela se desvencilha.
— Não…
— Magnolia… — chamo, mas ela já se foi.
05:23
Parks
Oi
Uma merda.
TRINTA E SETE
Magnolia
Vou ao quarto de Paili e choro na cama dela por umas duas horas. Ela chora
comigo. Ela é uma ótima amiga. Paciente. É dessas pessoas que se
preocupam sempre com as pessoas que amam. Chorou comigo na noite em
que BJ me traiu. Chorou comigo na noite em que comecei a namorar o Reid.
Ela esteve presente em tudo. E não diz muita coisa.
Mas o que teria a dizer?
Eu deveria tê-la procurado depois de Tom, em vez de ir até BJ, mas não
consegui me controlar.
Para ser sincera, nem foi algo consciente, ir atrás de BJ. Eu estava
acordada olhando para o teto, com o coração a mil, e Tom dormindo ao
meu lado, tranquilo. Aproveito para dizer uma coisa pertinente: Tom
England é um espetáculo, de verdade. Eu ter pensado em BJ não tem nada a
ver com Tom. É o resquício de um hábito que tenho há metade da minha
vida e que não sei como romper. Queria ter pensado em Tom. Deveria ter
pensado em Tom. Enquanto ele dormia ao meu lado, me perguntei se
deveria acordá-lo e tentar outra vez, para pensar apenas em Tom, mas, em
vez disso, acabei indo até BJ, e acho que isso diz tudo.
Que estou presa.
Ele é a lua, e eu, a maré. Quando aquela garota saiu do quarto dele, foi
maré baixa. Fui empurrada para trás, para longe.
Ele me encarou, com os olhos arregalados de um jeito que conheço bem.
Do jeito que ficam sempre que nos perdemos, coisa que já aconteceu tanto
que não dá nem para contar nos dedos.
Foram vezes demais.
Tom estava dormindo quando saí de fininho atrás de BJ. Ele tem o sono
pesado, descobri nesta viagem. Vivo derrubando minha garrafa de água, e
ele nunca acorda, mesmo que o barulho lembre um gongo. Ele ainda estava
dormindo quando voltei para a cama algumas horas depois. Continuou a
dormir por horas.
Eu continuei desperta.
* * *
De manhã, tomo uma chuveirada longa e esfrego com força minha pele,
tentando me limpar dos erros que cometi, mas não funciona. Visto as
roupas mais confortáveis que trouxe — o cardigã largo com vários botões da
Vetements, com o shortinho e a blusa curta de caxemira da Loulou Studio.
Peço café da manhã para nós dois e sirvo na varanda para não acordá-lo,
mas, mesmo assim, ele desperta. Ele pisca e abre um sorrisinho cansado… e
sinto um soco no estômago. Uma surpresa. Uma espécie de desejo?
Ele sai da cama e vem até mim. Está só de cueca preta da Tom Ford, e
tenho um desejo breve e inexplicável de lambê-lo, só por um segundo, mas
logo se esvai, porque, ora, que desejo mais sem refinamento.
Estou com as pernas apoiadas na cadeira à minha frente, e Tom as
levanta, se senta na cadeira e as apoia de volta no colo.
É de uma intimidade estranha: minhas pernas esticadas no colo dele,
praticamente nu e com os olhos apertados para me enxergar no sol grego.
Outra emoção se agita no meu estômago, até eu engolir em seco, temendo
que meu rosto entregue algo que nem eu mesma entendo.
Ele me olha por alguns segundos, estoico e escultural.
— Você foi atrás dele depois — deduz, por fim.
Não é uma pergunta nem uma acusação. Apenas uma observação.
Abaixo os olhos, envergonhada.
— Só por um tempinho.
Ele faz que sim com a cabeça e não tenta encontrar meu olhar.
— Por quê?
Faço uma careta. Eu não sabia quando essa questão viria à tona, mas
imaginava que viria um dia, e eu tinha bastante certeza de que ele não ia
gostar, de qualquer forma. Inspiro fundo e expiro pelo nariz.
— Nunca tinha transado com ninguém além dele.
Tom pisca algumas vezes e recua, surpreso.
Hesita, e aí…
— Cacete. Magnolia!
Abro um sorrisinho tenso e abano a mão.
— Não é nada de mais.
Ele segura minhas pernas e puxa a mim e à cadeira para nos
aproximarmos, até eu acabar caída em cima dele que nem um jogo de pega-
varetas. Nem me mexo. Fico feliz de ficar que nem um jogo de pega-varetas
no colo dele. Tom me encara.
— É, sim.
É, sim. Ele está certo. Mas já transamos, então já foi, e eu dou de ombros.
— Pois é. Mas eu precisava que não fosse nada de mais, então…
Tom desce as mãos até meus tornozelos e os aperta de leve.
— Por que você não me contou?
Abraço os joelhos.
— Porque eu sabia que, se você soubesse, não ia querer mais.
Ele me olha com uma expressão nada impressionada, quase de
repreensão, que, por algum motivo, acho muito sexy. Provavelmente é por
alguma questão que tenho com meu pai.
— Foi enganação — diz.
— Não. Foi discrição — corrijo, enunciando bem a última palavra.
Ele revira os olhos, achando certa graça, e aponta o queixo para mim.
— Então você foi atrás dele?
Confirmo e mais uma vez desvio o olhar. Ele sabe que amo BJ. Ele sabe
mais da minha relação com Bê do que a maioria das pessoas, então por que
tenho tanta vergonha de que ele saiba que fui encontrá-lo?
— Sim — confirmo. — E ele estava com outra pessoa.
Talvez seja por isso.
— Caralho — solta Tom, recuando a cabeça, exasperado, e aperta meus
tornozelos com mais força. — Vocês dois são…
— Uma merda — concordo. — Pois é, eu sei.
Ele me olha, tentando dissecar o que eu e BJ somos — uma tarefa
impossível, e posso afirmar aqui mesmo que ele, assim como as inúmeras
pessoas que tentaram antes, fracassará completamente. Porque eu e BJ
somos imensuráveis. São as nuances de todos os jeitos que nos amamos, no
presente e no passado, e de como continuamos a nos amar por acidente, e os
fios em que nos emaranhamos de forma tão elaborada, e os segredos que
compartilhamos, e aquele único coração partido que compartilhamos.
— Por que vocês são assim? — pergunta ele, finalmente, estreitando os
olhos.
Eu adoraria dizer, adoraria explicar para fazer sentido, mas não consigo,
então fico em silêncio e dou de ombros de leve.
— Eu… A gente só se apaixonou cedo demais, eu acho… e não sabemos
mais viver separados.
BJ e eu… acho que somos que nem uma correntinha de ouro toda
embolada. Não é impossível desemaranhar, mas parece ser. De vez em
quando, dá para soltar a corrente, mas não é sempre. Na maioria das vezes, é
preciso abrir o fecho, ou arrebentar o colar, para os nós se soltarem.
— Vocês parecem o Sam e a Clarinha — diz Tom, balançando a cabeça,
com a expressão meio triste. — Merda — acrescenta, praticamente num
sussurro.
— Desculpa — digo e sinto como se estivesse prestes a chorar.
— Não precisa pedir desculpa — responde ele, acariciando
distraidamente meu tornozelo. — Sinto muito… Se eu soubesse desgrudar
vocês, faria isso.
Sinto uma pressão no peito e suspiro em vez de falar alguma coisa. Há
muitas coisas a serem ditas. Mas é tudo contraditório.
Eu amo o BJ, sim. E, não, não sei como parar. Mas, por favor, não me
deixe. Não quero que você me deixe. Eu sentiria medo sem você. Você faz
com que eu não me sinta sozinha. E talvez o Gus esteja certo.
É isso que eu diria, se pudesse, mas tudo fica entalado na garganta.
Ele pega o café das minhas mãos e toma um gole demorado.
— Então — diz Tom, franzindo a testa. — Em que pé nós ficamos?
— Sobre a questão da trincheira? — pergunto, limpando um pouco de
espuma de cappuccino do lábio dele.
Deixo minha mão se demorar. Ele fica corado e pigarreia.
— É…
— Não sei — digo e dou de ombros, as sobrancelhas franzidas. — Em
que pé você quer que a gente fique?
— Bom, eu ainda preciso de uma trincheira — argumenta ele. — Você
também. Ainda estamos esperando nossos sentimentos passarem. Então
melhor esperarmos juntos.
Concordo com a cabeça, sentindo um prazer inesperado. Fico até um
pouco tonta só de pensar que posso continuar a fingir namorar Tom. Ainda
mais alegre por não ter que enfrentar BJ sem minha versão de uma AK-47.
Tom aponta para a cama com a cabeça.
— Mas provavelmente é melhor a gente não repetir isso…
— Ah.
Assinto. Acho que meu rosto não disfarça nada minha decepção.
— É, não, acho que não… — acrescento.
Ele semicerra os olhos, brincando, tentando conter um sorriso. Parece
satisfeito.
Empino o nariz e o olho.
— Mas não seria o fim do mundo se a gente repetisse — comento, porque
algo dói em mim ao pensar que a possibilidade se foi por completo.
O olhar dele se suaviza, e Tom se aproxima.
— Escuta… A gente pode repetir, sempre que você quiser. É só que…
Parece que ontem você não queria. Acho que você pensou que tinha que
fazer isso — confessa ele, e balança a cabeça. — E não precisava.
— Eu sei — garanto, ainda de nariz empinado.
— Você tá com uma cara tão triste — diz Tom, com uma risada meio
confusa e frágil, antes de o rosto mudar um pouco. — Não quero te deixar
triste.
— Não deixou.
— Eu sei! — retruca ele, piscando. — Foi você mesma. Mas você me fez
de cúmplice.
Concordo com a cabeça.
— Desculpa.
Ele semicerra os olhos de novo, mais bem-humorado.
— Esse é um belo exemplo de como você é um pouco difícil.
TRINTA E OITO
BJ
Uma merda. Foi o que ela disse. É o que eu sou. É o que nós somos, acho.
Ainda assim, nada poderia me preparar plenamente para o que senti ao
ver Parks entrar no saguão com o único homem com quem ela transou além
de mim. Porra, e o pior é o seguinte: eles estão diferentes. Dá para ver.
Para ela, sexo é especial. Ela não teria transado se não quisesse, mesmo
que fosse em parte por despeito a mim. Com despeito ela já agiu mil vezes,
um milhão de vezes, e nunca transou com ninguém além de mim, mas o
Tom…
Com o Tom, é diferente. Mesmo que ela ainda não saiba.
— Ah.
Henry sorri para eles, porque ele não sabe.
Magnolia sorri um pouco para ele, e ele me olha, confuso. Perry e Gus se
entreolham, curiosos. Tom cochicha alguma coisa ao pé do ouvido de Parks,
ajeitando o cabelo dela atrás da orelha. Ele agora está com intimidade
demais, tocando nela como se ela fosse dele. Até que ele vai resolver alguma
coisa na recepção. Procuro o olhar dela, mas Parks propositalmente me
evita. Pails corre até ela, a pega pelo braço e se coloca de escudo entre nós
dois.
Tento não parecer tão magoado quanto estou. Porra, estou morrendo por
dentro. Christian olha de mim para Parks, franzindo a testa. Analisando a
situação.
Acho que ele sabe.
Tom volta para Parks, me nota, mal me cumprimenta com a cabeça e a
abraça, tranquilo. Dói. Ele a toca de um jeito distraído, assim como ela,
segurando dois dedos dele com a mão toda. Eles ficam ali parados… tipo…
que nem um casal. Que nem um casal de verdade. Com sentimentos e sexo
de verdade.
A intimidade discreta entre eles faz com que eu me sinta como se alguém
tivesse cavado minha alma com uma concha de sopa, e eu me viro, porque
não aguento mais olhar.
Henry repara e franze a testa.
— Tudo bem aí?
Confirmo rápido com a cabeça, porque é óbvio que é mentira.
— Um segundinho, já volto — digo.
Corro até o banheiro. Cheiro uma carreira. Saio. Tento encontrar o olhar
dela, mas Parks não me dá nenhuma bola. É só isso que ela tem para mim.
Nada. E “nada”, vindo dela, é alguma coisa, porque “nada” entre nós é raro, e
eu me sinto um pouco melhor com isso.
Nosso carro chega, uma limusine. Tom a acompanha, e ela passa o trajeto
quieta. Acho que não diz uma palavra sequer, para ninguém. Nem quando
falam com ela. Tom responde por ela, ou Paili. E ele não solta a mão dela. O
que é isso? Estão grudados com Super Bonder?
Chegamos à pista. Meu peito está apertado, e minha garota está distante.
Enquanto descarregam as malas, vou até ela.
— A gente pode conversar? — pergunto, baixinho.
Ela vira a cabeça para mim, mas não olha nos meus olhos.
— Não.
Ela se afasta e volta para Tom. Minha expressão murcha quando a vejo
com ele outra vez. Ela não fica confortável perto dele, não age como de
costume, não fala nada, não é irônica, nem engraçada, nem animada; ela
não está nenhuma dessas coisas hoje com ele — está magoada. Com ele, ela
se mostra ferida, e isso talvez seja ainda pior. Porque, até onde eu sei, a única
outra pessoa que já a viu tão exposta fui eu.
Eu os observo e sinto que estou vendo minha vida como se fosse um
acidente de carro. Embarcamos no avião de England, e eu me sento no
fundo, no mesmo lugar da ida. Deixo o assento ao meu lado livre, na
esperança de que ela venha se sentar comigo. Não é do feitio dela deixar
pontas soltas assim, não faz bem para a cabeça dela. Por isso, fico ali
sentado, esperando que ela suba no avião, esperando encontrar o seu olhar,
para chamá-la — mas, quando ela embarca, Tom a abraça pela cintura.
Ele aponta com a cabeça para a cabine. Ela concorda e vai atrás dele, e
eles fecham a porta. Mal consigo olhar.
Henry solta um assobio demorado. Paili dá uma cotovelada nele.
Ela estava certa. O tempo tá uma merda.
10:12
Christian
E aí
Mentira
Não
O que rolou?
Nada
Me conta
??
Vi mesmo
Tipo…
Hã?
Sério?
Pra onde?
Pro Tom
Eu estava lá também
Eu sei.
Eu sei.
Eu sei.
Obrigada bjsss
Bjs
TRINTA E NOVE
Magnolia
Tom insiste em me levar para casa depois do voo. Desta vez, pousamos em
Luton. Um pouquinho mais de uma hora de distância, neste horário. Falei
que não era necessário, mas ele insistiu. Desde a conversa no café da manhã,
ele virou uma espécie de cão de guarda por decisão própria. Não me deixou
sozinha um instante e não soltou a minha mão.
Não sei se foi só pelo que aconteceu com o BJ e pela minha tristeza ou se
teve outro motivo — porque, além da a coisa da trincheira, senti um alívio
peculiar ao segurar a mão de Tom.
Quando ele me chamou para voar com ele na cabine, eu sabia que
magoaria o Bê, então foi o que fiz, e estava certa. Vi que ele estava sentado
no fundo do avião, esperando que eu ficasse ao seu lado, mas não sentei lá.
Apesar de parte de mim querer. Porque acho que parte de mim sempre
vai querer. Sei que parece hipócrita que eu esteja com tanta raiva dele por
transar com alguém, sendo que eu também transei. Não sei por que sinto
esse peso no pescoço, como se estivesse me esganando, e por que sinto que
ele me traiu, mas que eu não o traí.
Ou talvez eu sinta que o traí, mas que talvez fosse necessário?
O lugar ao lado de BJ era para mim, era óbvio pela cara dele, mesmo que
eu tenha me recusado a olhar em sua direção. Não precisava, porque dava
para sentir que ele me olhava, à espera, na esperança.
Então entrei na cabine com Tom.
Parte de mim esperava que Bê sentisse o que eu sinto quando o vejo com
outras garotas, esperava que isso o consumisse durante o voo, pelo que
acontecia atrás da porta fechada.
O que aconteceu foram beijos.
— Tenho permissão pra entrar aqui? — perguntei, quando ele fechou a
porta da cabine.
Ele me olhou.
— Eu sou o piloto.
— Da última vez você não me convidou.
— Vi o Ballentine no fundo do avião, o lugar vazio do lado — explicou
ele. — Você parece o tipo de mulher que acharia irresistível um lugar nos
fundos com o amor da sua vida.
— Dá licença — falei, piscando de indignação. — A única coisa
irresistível nesse mundo é a Gucci.
— Então vai lá pros fundos — disse ele, rindo.
— Não — respondi, empinando o nariz. — É mais garantido ficar aqui,
só porque ele está de cinza e eu amo cinza, e ele sabe, então fez de propósito.
Tom olhou para a própria roupa, uma camiseta branca simples da Tom
Ford.
— E branco, que tal?
Percorri o corpo dele com o olhar. Estava dando mole para ele, eu sei,
mas é que é divertido dar em cima de Tom England.
— Dá pro gasto.
Ele sorriu, semicerrando os olhos, sem dizer nada, apesar de, ao mesmo
tempo, dizer tudo.
Eu me sentei na cadeira do copiloto. Flertamos mais. Tom me mostrou o
que fazer, os botões que precisavam ser apertados, explicou a decolagem no
processo, e, quando nos estabilizamos no ar, perguntou se eu queria pilotar.
— Talvez? — perguntei e o olhei, nervosa, até ele dar um tapinha no
próprio colo. — Ah, entendi.
Revirei os olhos, e ele riu, mordendo o lábio.
— Vem cá — pediu.
Fui até ele, cautelosa e bem-humorada. Ele me puxou para o colo e me
posicionou do jeito certo para a pilotagem, me abraçando e segurando
minhas mãos no manche do avião. Depois, apoiou o queixo no meu ombro,
conduzindo o avião pelas minhas mãos. Eu não estava fazendo nada, óbvio,
mas não me mexi, porque gostava de sentir Tom England colado em mim.
Parecia que eu estava à deriva, e ele era o único resto do naufrágio ao
qual podia me agarrar.
A respiração dele no meu pescoço me deixou arrepiada, então me virei,
olhando dos olhos à boca dele, e de volta.
Tom England faz um negócio com a boca inacreditavelmente sexy —
uma espécie de sorriso, mas sem mostrar os dentes, quase com ironia, mas
sem ser atrevido. Ele faz isso quando quer alguma coisa, ou quando diz
alguma coisa espertinha, e, no momento, ele não estava dizendo nada
espertinho, portanto queria alguma coisa: eu.
Ele engoliu em seco.
Em seguida, rocei a boca na dele. Rápido e leve, mais tímida do que
gostaria de ser.
Não sei por que fiz isso. Não é muito do meu feitio, na verdade. Só quis.
Ele sorriu, talvez surpreso, definitivamente satisfeito, e se aproximou
outra vez, com a boca logo acima da minha, tão próximo que eu sentia o
toque antes do toque, e minha respiração foi pro espaço, até que nossas
bocas se tocaram, de início devagar, e depois nada devagar, com muita
pressa, o tempo correndo por nós e em nós.
Ele me virou toda de frente para ele, e começamos a nos beijar pra valer.
Só paramos por causa de uma perda de sustentação, que fez o avião descer
alguns metros e eu quase sair voando, mas ele me segurou, rindo, e pediu
desculpas para as pessoas pelo alto-falante, explicando que a copilota o
estava distraindo um pouco e não prestava muita atenção a coisas de
aviação.
Eu não sabia se ele tinha dito isso por mim, ou por ele, mas, de qualquer
forma, esperei que magoasse BJ.
Porém, depois disso, paramos de nos beijar. Ele ficou no seu assento, e eu,
no meu, mas, vez ou outra, me olhava pelo canto do olho e inflava as narinas
um pouco, tentando não sorrir, até que começava a rir, e eu ria junto. Acho
que ele se tornou um dos meus melhores amigos.
* * *
BJ
Levou mais alguns dias para eu ir à casa dela, e, porra, que dias arrastados
que foram esses. Não me dou bem com dias arrastados, e não me dou bem
sem Parks. Tenho a tendência de preencher com merda o espaço que ela
deixa, como disse Henry ontem à noite, quando levei para casa uma garota
de Madri.
Não que a garota fosse uma merda. Ela era legal, gostosa. Estava noiva, o
que é um pouco merda, mas não é problema meu. Nem pensei mais nisso
depois de dar uns tecos.
Porém, Parks não me mandou mensagem, o que é estranho. Estranho pra
gente. Sempre que as coisas estão estranhas entre nós, um de nós cede,
tentando reequilibrar a situação. Mando um emoji de abelha. Ela me manda
um artigo da Nat Geo. Dessa vez, não fizemos nada disso, e fico tenso de me
permitir pensar no que isso quer dizer.
Paro diante da porta do quarto dela e tento escutar. Bridge está lá dentro
com ela.
— Que vestido merda — declara Bridget.
Ouço uma página virar.
— Vestido merda. Vestido merda.
Outra página.
— Vestido merda.
— Tá com merda na cabeça? — pergunta Magnolia, bufando.
Eu sorrio. Ela pegou essa frase do meu pai.
— É Valentino no seu auge — insiste.
— Ainda é merda. Esse aí também.
— Eu tenho esse — diz Parks, soando irritada.
— Então é ainda mais merda — replica Bridget, e imagino a expressão
dela.
Contenho uma risada enquanto as escuto. Sinto saudade das duas,
mesmo que de maneiras muito diferentes, e sei que a conversa delas pode
continuar para sempre, então avanço um passo. Bato na porta e espero no
batente. Parks me olha da cama. Pisca os olhos. Engole em seco. O rosto
perfeito dela mostra um misto de alívio e nervosismo. Ela sustenta meu
olhar por alguns segundos e cobre com a mão aquele colarzinho de B que
dei pra ela de presente, e que ela está usando. Bom sinal.
— Posso entrar?
A expressão dela murcha.
— Você nunca pediu permissão antes…
Dou de ombros e ponho as mãos nos bolsos.
— Nunca achei que precisasse.
Magnolia e eu nos encaramos, e apenas duas vezes na vida a situação
entre nós foi tão ruim. Primeiro, quando eu a traí. Segundo, na outra vez
que ferrei com tudo, feio — aí entrei pela janela dela às onze da noite num
dia de semana para me desculpar, inventei o plano de Tobermory e nos
beijamos até de manhã.
Porém, agora não tenho cartas na manga, nem posso beijá-la.
Parks faz um gesto esquisito com a mão, me convidando a entrar. É ao
mesmo tempo uma permissão e uma dispensa. Bridget solta um assobio
baixo e demorado e toma um gole de café, nos observando com atenção.
— Ok — diz Magnolia, revirando os olhos. — Dá pra você vazar?
— Quanta grosseria — bufa Bridget.
Ela sai da cama, passa por mim e, pulando na ponta dos pés, beija minha
bochecha.
— Saudade, feioso — diz, me cutucando na barriga, antes de ir embora.
Parks se senta na beirada da cama, abraçando os joelhos. Eu paro na
frente dela e cruzo os braços.
— Oi.
Ela ri um pouquinho e dá de ombros.
— Oi.
— Você não ligou.
Ela me olha com certa irritação.
— Nem você.
— Você tem namorado.
— E você andava bem ocupado…
Estreito um pouco os olhos. Ela me deixa exausto.
— Você fugiu de mim.
— Fugi — admite ela, de nariz empinado.
— E depois transou com ele.
Ela faz que sim, devagar.
— Transei.
Encontro o olhar dela, e sua expressão fica mais triste. Ou será
emocionada? Merda. Espero que seja triste. Quero brigar com ela, sentir a
proximidade do momento, de quando falamos coisas que não deveríamos e
passamos dos limites, que nem na outra noite, quando ela me empurrou e
fiquei ao mesmo tempo arrasado e extasiado, porque ela só pode me odiar
como me odeia porque me ama como me ama.
— Você tá bem? — pergunto.
Uma gargalhada frágil escapa, engasgada.
— Não sei.
Não está.
A cabeça dela está tão agitada que dá pra ver. Parece um livro de Richard
Scarry.
— Tá triste?
Ela torce as mãos.
— Estou muitas coisas.
Quero me aproximar, tocar o rosto dela. Abraçá-la, apertá-la… Uma
semana atrás, eu teria feito isso, mas agora não sei se posso. Ela parece
distante demais para ter conserto. Sei o motivo, e, se pensar nisso demais,
vou vomitar.
— Você gosta dele? — pergunto, em voz baixa. — De verdade?
Ela bufa e puxa o brinco. Fui eu que comprei esses brincos para ela, na
minha última viagem a Nova York. São argolinhas de diamante. Não sei de
que marca. Ela saberia.
— Não sei o que você quer dizer com isso — responde ela, por fim.
Eu a olho.
— Sabe, sim…
Mas ela só continua a me olhar, piscando.
— Merda — digo e aperto os olhos com as mãos fechadas.
Ela se levanta, pega meu punho e procura meu olhar, mas não diz nada.
Só continua me encarando, parecendo meio assustada. Ajeito o seu cabelo
atrás da orelha, porque a mão dela no meu punho me indica que tenho
permissão para isso.
Balanço a cabeça para a mulher dos meus sonhos.
— Que merda é essa que está acontecendo com a gente?
— Sei lá — suspira. — Você sabe?
Isso me irrita, e eu me afasto, franzindo a testa.
— Como você quer que eu saiba? Você guarda tudo pra você.
Ela expira fundo, e me olha de um jeito irritado.
— Isso não é bem verdade, né, Bê? É você que está escondendo
informações que podem mudar essa situação…
Isso me abala, e me pergunto se é verdade. Se eu contasse, será que ela
superaria?
— Teria mesmo mudado alguma coisa?
Ela se empertiga, em uma postura desafiadora.
— Eu acho que sim.
Merda.
Mas não posso. Então insisto.
Passo as mãos no cabelo.
— Já dei a minha resposta.
Parece quase que bati nela, pela expressão em seu rosto. Parks engole em
seco, com os olhos marejados.
— Se a resposta for aquela, a minha é: acabou.
Sinto como se tivesse levado uma tacada no estômago.
A boca de Parks treme, e algumas lágrimas escorrem. Fico ainda pior do
que ela, porque ela não vê o próprio rosto enquanto chora, mas eu vejo.
Caralho, esses olhos de esmeralda. Eu venderia meu fígado no mercado
clandestino para impedir que ela chorasse, venderia tudo que tenho,
arrancaria o coração do peito… mas acho que isso eu já fiz.
Balanço a cabeça, tentando conter a respiração.
— Você não está falando sério.
Ela seca as lágrimas com cuidado e me olha, com orgulho no rosto e
ressentimento no olhar.
— Não estou, não — diz, e pigarreia. — Por isso que eu te odeio.
16:42
Jonah
E aí
Sério?
Merda
Tô tranquilo.
Beleza
Magnolia
Volto para casa de um dia (mais ou menos) longo no escritório (no almoço)
e encontro o carro de Tom parado na calçada. Ele não está no meu quarto,
nem na sala de estar, nem na sala de visitas, nem na outra sala de estar, nem
na biblioteca, então começo a me perguntar se talvez ele tenha apenas
estacionado aqui e ido dar uma volta no parque.
Até que ouço Paili rir na cozinha.
Chegando lá, Tom, Paili e minha irmã me olham.
— E aí, o que tá rolando aqui?
Olho animada para eles, ajeitando a saia do meu vestidinho curto de
veludo verde-escuro da Khaites, no modelo Leona.
— Tom está ensinando a gente a fazer martíni — responde Paili.
— E a pedir — acrescenta Bridget.
— É mesmo?
Sorrio para ele, que abaixa o pote de azeitonas, se aproxima e me dá uma
piscadela discreta antes de me beijar.
— É, sim — diz ele, se afastando.
Como ele está lindo… De suéter de algodão canelado amarelo e calça fina
de linho e algodão com pregas, tudo da Brunello Cucinelli.
— Como foi seu dia? — pergunta.
Ele se volta para minha irmã e minha melhor amiga e analisa o trabalho
das duas.
— Sempre uma ou três azeitonas, Bridge. Nunca duas.
Ela concorda com a cabeça, obediente. Eu o observo e sinto o rosto corar.
Por que ele é tão legal?
— Tive um almoço de trabalho com a Kitty Spencer…
— Almoço de trabalho? — pergunta Bridget, piscando. — O que ela está
fazendo na sua editoria na Tatler?
— É que a gente se reuniu pra almoçar no horário de trabalho, então…
Minha irmã ri.
— Paili — diz Tom, apontando a geladeira —, pode pegar as taças no
congelador?
Ela obedece.
— Tá, agora… — continua ele, olhando os ingredientes: gim, vermute,
azeitonas. — Martíni sujo?
— Imundo! — declara Bridget, animada, sacudindo a cabeça. —
Brincadeira, é que eu sempre quis dizer isso.
— Vem cá — me chama Tom. — É bom você aprender também.
— Todo mundo deveria aprender a fazer um bom martíni — informa
Paili, e percebo que ela está só repetindo algo que Tom disse, o que acho
fofo.
Eu me empoleiro ao lado dele na bancada.
— Gelo até não poder mais na coqueteleira, por favor, Bridge — pede ele,
e minha irmã concorda, enchendo de gelo.
Paili passa a colher para ele, e Tom começa a mexer. Ele se encaixou
muito bem ali, o que me abala de um jeito que não entendo direito. Uma
mistura de suspiro de alívio e estômago revirado de tensão.
— Não vai sacudir? — pergunto, tentando afastar as partes mais confusas
das coisas na minha mente.
Ele nega com a cabeça.
— É para ficar lisinho — diz Bridge, com orgulho, e é visível que ela gosta
dele, o que me faz gostar dele mais ainda.
— Isso aí — concorda Tom, com um aceno de aprovação. — Vamos
mexer até quase dar… — Ele deixa a frase no ar, olhando para Paili.
— Um minuto! — completa ela, sorrindo.
— Perfeito.
Ele serve um martíni para cada um de nós, e Bridge acrescenta os
palitinhos de azeitona.
— Voilà! — cantarola ela, apontando as taças.
Eles comemoram, mas olho para Tom com uma expressão desconfiada.
— Você veio aqui ensinar minha irmã e minha melhor amiga a preparar
martíni?
— Não — diz ele, passando a mão pelo cabelo. — Vim te chamar para
sair.
Tomo um gole, achando graça.
— A gente já namora.
Ele balança a cabeça e me pega pela mão, me puxando da bancada, para
as meninas não ouvirem.
— É coisa de trincheira, na verdade — diz.
— Ah.
— Aniversário da Clarinha.
Concordo com a cabeça.
— Beleza.
— Você está livre na quarta?
Concordo mais uma vez.
— Vou estar.
Por um segundo, ele faz uma cara tensa.
— Acho que ela está namorando.
Penso por um instante.
— Ah.
A expressão dele vai de tensa a frustrada.
— Talvez. Não sei…
Seguro o braço dele e procuro seu olhar.
— Você tá bem?
Ele abre um sorrisinho.
— Pode usar um vestido que faça todo mundo olhar pra você?
— E todo mundo já não olha pra mim? — brinco.
Ele solta uma risada e me dá um beijo na bochecha.
— Obrigado.
19:13
Paili
você entendeu.
Como tá o Bê?
Sei lá.
Bem.
22:26
Christian
Oi
E aí
Uma dúvida…
Diga
Haha
Tá.
Tá ruim assim?
BJ
— Até que enfim você deu as caras! — diz Jonah, me apontando com o
queixo.
Ele não parece muito feliz. Jonah está um pouco chateado comigo, acha
que estou pegando pesado demais. Pode ser um sinal. Até porque o próprio
Jo não é nenhum santo.
Na real, acho que ele anda meio apaixonado pela Taura Sax. O que talvez
seja um pouco merda, porque acho que Henry também está
(relutantemente) a fim da Taura… Provavelmente é por isso que Jo anda
meio puto? Assim, fato que ele tá pegando ela. E Henry sabe e não parece se
incomodar, e Taurinha acho que fica quase intrigada por Henry não ligar…
Não sei direito. É uma zona. As pessoas acham que eu e Parks somos uma
confusão, mas eles estão criando uma bela de uma bagunça também.
Admito que essa semana anda meio foda. Bebi até cair, trepei até dizer
chega. E nem pergunte do pó. Admito, perdi um pouco o controle desde a
última vez que encontrei Parks, mas esse é só o jeito com que lido quando as
coisas desandam entre a gente.
Normalmente, em menos de duas semanas, ela me mandaria uma
mensagem inventando uma emergência, tipo um pneu furado ou medo de
alguém ter invadido a casa para matá-la, e eu apareceria para salvá-la, aí
voltaríamos ao normal.
Mas ela não ligou. Nem mandou mensagem.
— Você e Parks já se resolveram? — pergunta Jo, e eu subo no balcão
para comer cereal da caixa.
— Ainda não — digo enquanto mastigo.
— Já encontrou ela?
— Não.
— Ligou?
Faço cara feia.
— Vai se foder.
— Mandou mensagem?
Jogo um punhado de cereal nele, e, sem hesitar, ele arremessa o controle
remoto e me acerta bem no peito, com uma precisão assustadora.
Essa galera de gangue, vou te contar…
— Porra, cara! — resmunga ele.
Eu o encaro.
— Ela gosta do Tom.
— Pois é, e por que será, irmão? Você tá comendo cereal com a mão às
três da tarde de uma terça, e ele, se bobear, está levando ela de jatinho pra
Barcelona agora …
— Eu tenho jatinho — digo, coçando os olhos cansados e fazendo careta.
— Você também tem. Ela também. Grandes merdas, todo mundo aqui tem
jatinho.
Ele revira os olhos.
— E qual é a dele, chamando ela de Parks? — continuo. — Você não acha
esquisito?
— Ele chamar ela de Parks? — repete Jonah, franzindo a testa, e eu
confirmo. — Você quer saber se eu acho esquisito Tom chamar Magnolia
Parks de Parks?
— Isso — digo, impaciente.
Jonah me olha por um bom tempo, com uma expressão que faz com que
eu me sinta um babaca.
— Não, não acho esquisito Tom chamar Magnolia pelo sobrenome.
— É, mas é assim que eu chamo ela.
— É, mas também é o sobrenome dela…
Abano a mão, porque é ele o idiota que não entendeu nada. Jo continua
me encarando, e não gosto dessa cara. Só ele e Parks fazem com que eu me
sinta exposto.
— Bê, o que você tá fazendo? — pergunta ele, balançando a cabeça. — O
que rolou? Vocês estavam quase voltando, e agora ela tá transando com o
Tom.
— Transou uma vez — digo, porque preciso que seja verdade. — Foi um
evento único. Uma anomalia sexual…
Faço um gesto de desdém. Ele volta a me olhar com desconfiança. Eu
suspiro.
— Ela queria saber o que aconteceu — explico. — No nosso encontro.
— Ah — diz ele, comprimindo os lábios. — Seria bom você contar pra
ela…
Balanço a cabeça.
— Não posso.
— Pode, sim.
Balanço a cabeça outra vez.
— Já é tarde demais.
É tarde demais, e não posso. Repenso aquela noite pela milésima vez.
Sadie Zabala de vestidinho preto, me comendo com os olhos do outro lado
do salão. Comecei a suar frio… fiquei até tonto por um segundo. Todo
mundo sabia que eu namorava a Parks já fazia anos, então que joguinho era
aquele? Desci para o banheiro. Achei que fosse vomitar. Talvez eu estivesse
bêbado? Não estava. Não o suficiente para o que aconteceu depois.
Ela me seguiu para ver se eu estava bem.
Eu não estava.
E que diferença faria se Parks soubesse? Os pesadelos dela agora teriam
as cenas certas? Não tem nada que eu possa dizer que vá melhorar. Não
posso explicar do jeito que ela precisa.
Eu fiz merda e a magoei. Não dá pra voltar atrás.
Preciso que ela me queira mesmo assim. É o único jeito.
— E aí? — diz Jo, dando de ombros. — Vai jogar a toalha?
— Com a Parks? — pergunto, e ele confirma. — Não.
Balanço a cabeça.
Nunca.
— Então vai fazer o quê? Você já levou ela para sair e estragou tudo.
Reviro os olhos, porque não sei mais o que fazer. É a verdade. Ele lambe
os dentes, pensando.
— Acho que você devia só ir lá e beijar a garota — sugere.
Faço um som de desdém.
— Hã? — questiono.
Ele dá de ombros.
— Qual foi a última vez que vocês se beijaram de verdade?
Faço careta, fingindo puxar na memória, como se nosso último beijo não
estivesse gravado em mim, como se eu não o agarrasse como se fosse meu
suéter preferido sempre que meu cérebro tem um minuto de descanso.
Ajo como se aquilo não fosse nada.
— Tem uns dois anos.
Ele pisca.
— Como assim?
Eu recuo, meio constrangido.
— Como assim o quê? — retruco.
— Faz dois anos que vocês não se beijam?
Eu olho para ele.
— Você estava lá… Foi no cinema depois de…
— Essa foi a última vez que vocês se beijaram? — grita ele.
— Foi!
— Pera aí… Quer dizer que esses anos todos, quando vocês estavam
passando a noite juntos, vocês realmente estavam só dormindo?
— Quê? Sim, Jo — digo, balançando a cabeça. — Cara, eu te conto
tudo… você saberia se…
— Não, Bê, é a Parks — replica ele, negando. — Você nunca fala dela
como fala das outras minas, você guarda essas paradas bem pra você.
Ele está certo. Jonah parece confuso.
— Sério que não comeu ela nem uma vez? — insiste.
— Jonah.
— Nossa! — diz, passando as mãos pelo cabelo. — Cara, sério, nossa.
Ele está chocado com aquela revelação. Vejo ele reescrevendo a memória
dos últimos anos, os olhos agitados que nem um relógio enquanto alinha as
coisas, desfaz suas suposições…
— Foi mesmo o último beijo?
Concordo, a boca tensa.
— Por aí.
Teve mais uma outra vez. Eu e Parks não falamos disso.
— Mano… Beija ela.
Eu o encaro e reviro os olhos.
— Fala sério.
Jo se aproxima, meio estupefato, meio achando graça.
— Que foi, tá com medo?
Bufo com desprezo.
— Não.
— Cara, já te vi chegar em top model e beijar na caradura.
Balanço a cabeça.
— É diferente.
Ele olha para mim como se dissesse “exatamente”. Meu Deus, que pé no
saco.
— Ô, Bê, de homem para homem… — diz e me dá um tapa no peito. —
Beija ela, porra.
QUARENTA E TRÊS
Magnolia
BJ
Jonah disse para eu dar um beijo nela. Não sei por que a sugestão me
pareceu tão absurda — não é como se eu não quisesse beijá-la o tempo todo,
como se nosso relacionamento até agora não fosse repleto de uma infinidade
de quase beijos. Talvez seja a permissão?
Alguém me dizendo para fazer isso, validando minha vontade de fazer
isso desde o início.
Passo uns dias ruminando a coisa.
Finjo que estou na dúvida, mas, na verdade, estou apenas juntando
coragem, porque sei que provavelmente vai ser o beijo mais importante da
minha vida.
Sei onde ela passa as sextas-feiras.
Ela gosta de fechar a semana com umas comprinhas na rua New Bond;
lógico que “inhas” é relativo. Pode variar de uma ou duas bolsas a comprar o
estoque inteiro da loja. Depende da semana, e provavelmente de mim — se
eu fui escroto, se estamos felizes…
Entro na Gucci — é a primeira loja que tento, e lá está ela, porque é
previsível. Paro perto do balcão, observando enquanto ela olha as araras.
Faço o possível para controlar a expressão e não parecer um otário
apaixonado demais. É difícil não sorrir, porém, porque ela está usando a
minha jaqueta preta. Da própria Gucci, que comprei tem um tempo. Foi ela
que escolheu. Tem detalhes vermelhos e azuis nos ombros, e eu estava
mesmo me perguntando onde tinha ido parar… Parece que encontrou um
propósito melhor, nos ombros da melhor garota que conheço.
Ela para diante do espelho, testando na frente do corpo uma calça jeans
azul de boca de sino e um cropped de estampa de cerejas. Ela nem está
vestindo essas peças, e eu já quero arrancá-las dela imediatamente, de tão
gata que ficou.
— Você nunca vai usar essa calça — digo, e ela se vira, arregalando os
olhos e corando assim que me vê.
Eu me aproximo, e ela se ajeita freneticamente, o que é uma besteira, já
que ela está uma loucura de gostosa.
— Mas compra o cropped — digo, passando o dedo sob a barra da roupa
e esfregando o tecido.
Não preciso estar tão perto dela, mas quero.
Ela se obriga a recuar. Parece agitada, e eu me esforço para não sorrir. Ela
joga o cabelo por cima do ombro, tentando se controlar.
— Então não gostou da calça? — pergunta, semicerrando os olhos para o
reflexo.
— Não, eu gostei, sim — digo. — Só que você não vai usar.
Ela vira a cabeça para mim.
— Vou, sim.
— Não vai.
— Vou! Você não me conhece — declara, de nariz empinado, e, mesmo
antes de acabar a frase, parece prestes a rir.
Ela não ri. É orgulhosa demais.
— Eu te conheço, Parks — replico e me aproximo mais, com o olhar mais
suave do que dou para qualquer outra pessoa.
Paro atrás dela.
Nossos olhares se cruzam no espelho, e ela engole em seco, nervosa.
Está agitada. O peito sobe e desce rápido.
— Veio dar sua passadinha semanal na Guxi? — pergunto.
Aceno para ela no espelho, e ela vira a cara rápido, franzindo a testa. Já
estou rindo.
— Já pedi várias vezes para você não pronunciar desse jeito… Alessandro
Michele também, por sinal — afirma, séria.
— Desculpa — peço, enfiando as mãos no bolso. — Cadê seu namorado?
Ela segue para uma arara diferente, pega meia dúzia de peças, entrega
para uma vendedora sem dizer nada e espera até não ter vendedores por
perto para falar.
— Ele está viajando, vai passar uns dias fora.
Parks inclina a cabeça ao ver a jaqueta que estou usando. Aperta os olhos.
— Jaqueta de flanela de algodão, quadriculada e larga?
Aponto o queixo para ela.
— De quem?
— Balenciaga — diz, sem me olhar. — E essa calça é da
TAKAHIROMIYASHITATheSoloist.
Rio um pouco e balanço a cabeça.
Ela se vira para mim de novo, semicerrando os olhos.
— Soube que você anda ocupado.
Hesito, surpreso.
— Soube, é?
Ela me observa.
— Muitas garotas…
Franzo a testa.
— Quem te contou isso?
Parks dá de ombros, distraída, e de repente fecha a cortina de veludo
pesada do provador. De tanta força que fez, deve ter machucado o braço. Ela
surge um minuto depois, usando um vestidinho curto azul e dourado. Não é
a melhor roupa que ela já usou, mas ainda assim a pegaria na mesma hora.
Engulo em seco e cruzo os braços.
— E você, anda ocupada?
Ela levanta as sobrancelhas.
— Menos do que você.
Franzo a testa um pouco.
— Mas um pouco ocupada?
Ela arregala um pouco os olhos e fica vermelha.
— Sim.
Eu a olho por alguns segundos, sem piscar, então grito, bem alto:
— Caralho!
Ela leva um susto.
— Foi mal… — digo, olhando para a vendedora, e balanço a cabeça. —
Foi mal — repito, me voltando para Parks, que está de olhos arregalados,
assustada. — Foi mal… mas caralho.
O lábio inferior dela está no limite. Ainda não está tremendo
completamente, mas está começando.
— Desculpa — pede ela, com a voz fraca.
Passo as mãos no cabelo e balanço a cabeça.
— Porra, não… é seu… Quer dizer, eu…
— É — diz ela, franzindo a testa, na defensiva. — Você…
— Você está acabando comigo, Parks — interrompo.
— Estou? — pergunta, a expressão carregada.
— Um pouco — concordo.
— Só um pouco? — retruca, com um leve sorriso. — Então não é tão
grave, né?
Rio de leve.
— Preferiria se você não estivesse acabando nada comigo, na verdade…
Nossos olhares se cruzam. Ela é a corça, e eu, o lobo, e há um caminhão
gigantesco vindo bem na nossa direção, no meio de uma noite escura.
Ela engole em seco.
— Eu também, na verdade — diz e fecha a cortina.
Suspiro profundamente, me recosto e bato duas vezes na parede para
chamar a atenção dela.
— Ei.
— O que foi? — pergunta ela, e, mesmo sem ver seu rosto, sei que está
impaciente.
— Posso entrar?
— Como assim? — diz, nervosa.
— Quero entrar — insisto.
— Por quê? — pergunta, tensa.
Agito a cabeça, tentando pensar em uma boa desculpa.
— Quero ver como você fica nessas roupas — minto.
— É… não! — gagueja.
— Por quê? — pergunto, dando de ombros, mesmo que ela não veja. —
Já vi você sem roupa.
— Achei que você quisesse me ver de roupa.
— Ah. — Rio. — Tá, era mentira.
— Não quer me ver nessas roupas? — questiona, resmungando.
— Quero ver você… sem… essas roupas.
— Bom, não dá — retruca Parks, bufando.
— Nada que eu não tenha visto antes…
— Mas era diferente!
— Por quê? — pergunto, revirando os olhos. — Além do mais, não dá
para ter uma conversa de verdade pela cortina…
— Estamos conversando agora!
Pausa. É a hora da verdade. Tenho que proceder com cautela, mas tenho
que ir.
— Parks, você não quer mesmo que eu entre ou está fingindo que não
quer porque gosta de se fazer de difícil, porque faz você sentir que tem
controle sobre mim e sobre a gente e sei lá que porra que nós somos, mas, na
verdade, ficaria feliz pra caralho se eu entrasse aí e te agarrasse na parede?
Uma pausa. Demorada.
Cacete.
Até que, do outro lado da cortina… vem uma voz baixa e triste.
— A segunda opção.
Entro no provador, e ainda resta um espaço entre nós. Eu a observo, mais
tímido do que gostaria por alguns segundos. Os olhos dela parecem janelas
enormes num dia de chuva; ela nitidamente está assustada. Eu também
estou.
Minha respiração está em frangalhos; vejo meu peito se mexer. E parece
que tem um animal cavando meu estômago.
Ela não para de piscar, mordiscando o lábio, algo que faz quando está
com medo, mas também quando me ama mais do que o normal.
Meu olhar percorre o corpo dela, e ela fica parada, me esperando.
Provavelmente nunca fiquei tão nervoso na vida. Balanço a cabeça.
— Foda-se.
Então eu avanço. Passo a mão no cabelo dela e, com a outra, a puxo e a
levanto do chão até minha cintura, antes de pressioná-la contra a parede. Ela
ri ao me olhar, fitando meus olhos e minha boca.
Abro um sorriso torto e não acredito que estou agarrado nela num
provador da Gucci.
Ela me olha, exasperada.
— Vai logo…
— Tá, tá — digo, revirando os olhos. — Vou quando quiser.
— E agora não quer? — pergunta ela, piscando. — Está falando sério?
Perdeu de vez…
— Parks — interrompo.
— Hã? — faz ela, com a testa franzida.
— Cala a boca — digo, e a coisa fica séria.
Desço a mão para o rosto dela, a puxo para mais perto, e nossas bocas se
tocam.
Então a beijo, começando devagar — devagar, como se bebesse um
uísque dos bons, sentindo na boca, saboreando por alguns segundos antes
de tomar mais um gole. Eu me deleito no gosto do meu antigo amor, do meu
eterno amor. Devagar, devagar, e finalmente mais. Beijo com mais força, e
ela perde o fôlego, e eu lembro como eu amava fazer isso acontecer, então
continuo.
É que nem uma torneira quebrada, com a água gotejando até jorrar com
força total — mas sempre fomos assim. Ela suspira, e estou tirando o vestido
dela. Pega minha camisa e começa a desabotoar, os dedos distraídos.
Eu a coloco no chão, e ela puxa minha camisa para cima, para tirá-la.
Somos bons nisso. Devem ser os anos de prática. E, mesmo que faça anos
que a gente não pratique, não parecemos ter perdido o hábito — só o tempo.
Eu a abraço, a empurro contra a parede, e ela desabotoa minha calça com
dificuldade. Assim que ela puxa o zíper e está prestes a enfiar a mão…
Uma batida na porta.
Abaixo a cabeça, derrotado, em cima de Parks, mas continuo a abraçá-la,
porque ainda não terminei.
— Hum — diz Magnolia, pigarreando. — Pois não?
— Oi, hã — começa a vendedora, com uma tosse nervosa. — Acho que…
hum… o que a senhora está fazendo aí é, acho, possivelmente proibido pelas
regras da empresa.
Estou a um segundo de cair na gargalhada, e Parks repara, cobrindo
minha boca com a mão para me calar.
— Hum, não estou fazendo nada — afirma Magnolia, arrogante.
— Sei que tem um cara aí — devolve a garota, um pouco mais confiante.
— Não — cantarola Parks, nada convincente. — Não tem…
— Eu vi ele entrar — insiste a vendedora.
Eu rio, sem querer.
Parks me olha feio e balança a cabeça.
— Era eu! Tá falando que eu tenho cara de homem?
— Eu consigo escutar ele! — rebate a outra, nervosa.
Eu me abaixo e beijo Parks com vontade, sentindo o corpinho tenso e
nervoso dela relaxar. O controle que tenho sobre ela sempre foi motivo de
amor e medo, tudo ao mesmo tempo. Mas acho que é esse o efeito geral que
ela tem sobre mim.
— Um segundo — murmuro para Parks, vou até a cortina e coloco a
cabeça para fora. — Olá — digo para a vendedora.
Abro para ela o que Parks chama de “sorriso mágico”. Mulheres fazem
coisas bem aleatórias quando eu abro o sorriso mágico. Uma vez, fiz uma
garota desmaiar.
— Oi — diz ela, tímida, corando de imediato.
— Só pra saber, por favor — começo, passando a mão pelo cabelo. —
Qual, exatamente, é a regra da empresa? É que só pode entrar um cliente por
provador? Ou que sexo é proibido no provador? Porque tem bastante
margem entre as duas coisas, se é que você me entende… Nesse caso, posso
passar a mão nela no provador? Podemos nos masturbar no provador? Qual
é o limite aqui?
Nem preciso olhar para Parks para saber que ela está vermelha — não há
dúvida de que sim —, mas a vendedora também está e acaba finalmente
conseguindo forçar um sorriso de desculpas.
— Infelizmente, a regra é que permitimos apenas um cliente por
provador.
— Merda — digo, franzindo a testa. — Que azar — acrescento, antes de
me virar para Parks e apontar com a cabeça. — Vou esperar aqui fora.
Ela toca a boca e assente, parecendo refletir enquanto pisca.
Fico sentado na frente do provador, a esperando, com um sorriso
enorme. Nem sei o que isso quer dizer. Não sei o que nada quer dizer.
Só sei que beijá-la foi que nem tomar um banho depois de um jogo de
rúgbi especialmente brutal.
Minha mãe me levava de carro para casa, e eu estava sempre tão acabado,
tão enlameado, tão dolorido e ferrado que o banho era a melhor coisa do
mundo.
Parecia que eu não tomava banho fazia anos.
Às vezes, Parks entrava no chuveiro comigo. Isso conseguia tornar tudo
ainda melhor.
Ao beijá-la agora, senti a lama escorrer.
Ela surge dez minutos depois, com a pilha de roupas que decidiu levar.
Pego as peças da mão dela e me encaminho para o caixa.
— Não precisa pagar — me diz.
Eu a olho e deixo as roupas no balcão.
— Como está o seu dia, tudo bem? — pergunto à vendedora.
Ela sorri, olhando de mim para Parks.
— Provavelmente pior do que o seu.
— Haha. Bom — digo, levantando uma sobrancelha. — Não se preocupe,
ainda tem tempo. Quem sabe um ex não aparece para dar uns beijos em
você no provador.
A vendedora cora e ri. Pego as sacolas, e Parks sai atrás de mim.
Ela para na rua, me encarando, de olhos arregalados e mordendo o lábio,
do jeito que eu gostaria de morder.
— Uma pena a gente ter sido interrompido.
Concordo com uma risada.
— Pois é.
Deixo as sacolas na limusine dela.
Ela aponta para as compras.
— Obrigada.
Abano a mão no ar, e ela para perto de mim. Nem é de propósito que a
abraço. Só acontece, como se abraçá-la fosse a coisa mais natural do mundo.
— Quer vir pra casa comigo agora? — pergunta ela, com a voz fraca.
— Na verdade, quero, sim — concordo. — Quero. Demais. Mas você
tem…
— Um Tom — responde ela, assentindo.
Abro um sorriso tenso.
— Nem sei o que isso quer dizer.
Ela solta uma gargalhada cansada, mas parece um pouco triste e confusa.
— Nem eu.
Seguro o rosto dela e encosto a sua boca na minha, beijando-a duas
vezes.
— Descobre e depois me conta — peço.
E então vou embora.
21:42
Bê
Oi
Oi
Tudo bem?
Tudo, e você?
Tudo.
Tá ótimo.
E as abelhas?
Ah, excelentes.
Ah, é?
É. Acho que na real elas nunca vão entrar em extinção. Não sei
que papo é esse do Attenborough…
Nunca, é?
QUARENTA E CINCO
Magnolia
Entro a passos lentos, olhando irritada tanto para meu pai quanto para
Marsaili antes de desabar sem elegância na cadeira ao lado da minha irmã,
de forma dramática. Marsaili revira os olhos.
— Que roupa é essa? — pergunta minha irmã, franzindo a testa para meu
vestido de tweed metálico com monograma e cinto V clássico da Louis
Vuitton.
— Como assim? — pergunto, olhando para baixo. — Roupa bonita? Você
deveria experimentar um dia.
Ela me olha com arrogância.
— Foi você quem escolheu a minha.
Solto um palavrão baixinho, porque ela está certa, fui eu mesma. E ela
está absolutamente fantástica, de short de tricô listrado arco-íris da The
Elder Statesman com o suéter azul-marinho de amarrar da Michael Kors
Collection. Porém, vi que ela escolheu os próprios sapatos. Umas alpargatas
tristes, sem grife. Alpargatas! Em Londres! No outono! Nossa Senhora.
— Jantar com as minhas meninas — diz meu pai, e eu me ajeito à mesa
com relutância.
Fui obrigada a participar desse jantar com Bridget, meu pai e a má-drasta
— na nossa casa, lógico. Aparentemente, não estão dispostos a correr o risco
de eu gritar com eles em público, pois são delicadinhos. O jantar obviamente
foi comprado de um serviço de bufê, porque Marsaili não levanta nem mais
um dedo sequer para trabalhar na casa, de tão preguiçosa.
Será que é por isso que ela foi ficando descuidada com meu café da
manhã ao longo dos anos?
A obrigação ocorreu porque meu pai disse que não pagaria meu cartão
de crédito este mês se eu não jantasse com eles. Reforcei que a obrigação era
apenas a minha presença, e ele disse que sim, então, primeiro, ele é um
idiota, e, segundo, claro que passei o acordo pelas mãos dos meus advogados
e agora é um contrato amarradinho.
— Obrigada por ter vindo jantar com a gente, Magnolia — diz meu pai,
sorrindo.
— Hum — digo. — Ontem comprei uma prancha de surfe com
hidrofólio elétrico.
— Tá — responde meu pai.
— Por quê? — pergunta minha irmã ao mesmo tempo, franzindo a testa.
— Custou umas dez mil libras — acrescento, bebendo água.
— Claro que custou — diz ele, com um suspiro.
— Você nem surfa — retruca Marsaili.
— Mas posso decidir surfar.
— Onde? — pergunta Bridget, com desdém. — Vai pegar onda no
Tâmisa?
Eu a ignoro.
— Como vão as coisas com Tom?
— Tudo bem — respondo, empurrando pelo prato as cenouras refogadas
na manteiga com alho e mel. — Ele estava viajando esses últimos cinco dias.
Volta amanhã.
— Aconteceu alguma coisa interessante enquanto ele estava fora? —
pergunta minha irmã, com certa insistência.
Olho para ela com irritação.
— Não.
— Nadica de nada?
Faço uma careta.
— Não.
Tomo um gole de vinho.
— Você não chegou perto de transar com alguém no provador da Gucci?
Engasgo.
— Quem disse isso? — pergunto.
(— Com quem você quase transou no provador da Gucci? — pergunta
Marsaili.)
— Eu almocei com o BJ — responde minha irmã, dando de ombros.
— Quando? — pergunto, surpresa.
(— BJ? — reclama Marsaili. — No provador?
— Acho que estou ficando com enxaqueca — avisa meu pai, com a mão
na cabeça.)
— Costuma ser às quartas — informa minha irmã, pegando um pedaço
de frango.
Recuo, surpresa.
— Costuma ser?
Ela murmura em concordância, de boca cheia.
— Vocês conversam sobre o que nesses almoços? — pergunto, franzindo
a testa.
— Você — diz, apontando para mim. — Eles — acrescenta, apontando
para meu pai e Mars. — Ele… vocês dois. Você e Tom. Jonah e aquela tal de
Taura…
(— Jonah está namorando a Taura Sax? — pergunta Marsaili, de olhos
arregalados, pois sabe que foi com ela que BJ me traiu.)
Olho para Mars de um jeito irritado.
— Para de ser fofoqueira, Marsaili.
Marsaili me olha, farta e exasperada, e meu pai se serve de uma taça cheia
de vinho.
— Por que você não me contou? — pergunta Bridget, um tanto magoada.
Dou de ombros.
— É complicado.
— É o BJ — corrige ela.
Marsaili olha para nós duas, nem um pouco satisfeita.
Já eu? Estou nas nuvens por BJ estragar esse jantar em família sem nem
mesmo precisar estar presente.
— O quanto vocês chegaram perto de transar? — bufa Marsaili.
— Não muito — respondo, revirando os olhos.
(— Mão você sabe onde — cochicha minha irmã, alto o suficiente para a
mesa inteira escutar.)
— Ah, puta merda — exclama meu pai, piscando duas vezes.
Ninguém diz nada, então olho para a traidora residente.
— Marsaili — digo, erguendo dramaticamente as sobrancelhas, e aponto
a cabeça para meu pai —, acho que ele está falando com você.
Ao ouvir isso, Marsaili começa a rir, o que quase me faz rir junto, mas me
controlo antes de me deixar levar.
Marsaili me olha por alguns segundos.
— Me ajuda com uma coisa na cozinha?
— De jeito nenhum — nego, balançando a cabeça.
Bridget me dá um chute por baixo da mesa.
— Ai, tá bom — cedo, revirando os olhos, e vou atrás dela, arrastando os
pés.
Marsaili cruza os braços e me olha.
— Você vai mesmo me julgar pelo caso com seu pai, quando você está
traindo o Tom?
Eu olho para ela, irritada com suas suposições.
— Tom e eu temos um acordo.
— Ah, vocês têm um acordo? — diz ela, nada impressionada. — Muito
moderno da parte de vocês. Vamos lá, me explica que acordo é esse.
— Claro. Em resumo, ele está apaixonado por alguém que ele não pode
ter, e eu estou apaixonada por alguém que falaram para mim que me
magoaria, então não posso ficar com ele, e eu deveria ter ficado, e agora está
tudo uma bagunça do cacete.
— Porque você também transou com Tom.
Uma afirmação, não uma pergunta.
— E quem te contou isso? — pergunto, jogando as mãos para o alto e me
recostando na bancada.
Ela suspira.
— Adivinhei.
— Ah.
— Você nunca transou com mais ninguém.
— Eu sei.
Ela me olha.
— Nem com o Christian.
— Eu sei.
— Não gostei muito quando você namorou ele…
— Eu sei. — Reviro os olhos.
— Ele sendo mafioso, e tal.
— Só um peixe pequeno — replico, dando de ombros.
Mars ri e me olha com ar maternal.
— Você está se cuidando?
Bufo.
— E você, está?
Ela ri outra vez.
— Senti saudades — revela.
— Deve ter sentido mesmo — concordo. — Minha personalidade é
ótima.
Ela revira os olhos de um jeito exagerado.
— Pelo visto, na minha ausência, o seu ego saiu completamente do
controle.
— Não completamente — digo, balançando a cabeça. — A vida me deu
umas sacudidas… Semana passada, quebrei uma unha. Nas últimas duas
semanas, o barista usou o leite errado pro meu café três vezes. Minha irmã
aparentemente tem almoços marcados com meu ex-namorado. Eu estava
com o dente sujo de gergelim quando esbarrei no William na Harrods…
— Que William?
— O príncipe.
Ela ri.
— Ah, entendi… Esse com certeza é o seu pior pesadelo.
— Vi BJ transar com outra pessoa.
— BJ transou com outra pessoa?
Franzo a testa.
— Ele vive transando com outras pessoas.
Ela massageia as têmporas e parece prestes a dizer algo, mas muda de
ideia, remexendo na pulseira.
— O que você quis dizer quando falou que ele quase tinha morrido?
Eu a encaro por alguns segundos, me perguntando como me safar dessa
sem revelar nada, ou se é mesmo o certo a se fazer.
Suspiro.
— Ele teve uma overdose uma vez.
Ela arfa de choque.
— Logo depois que eu e Reid começamos a… namorar.
Se é que podemos considerar aquilo um namoro.
— Magnolia — diz ela, balançando a cabeça —, eu não fazia ideia.
— Ninguém sabe.
Ela assente, solene.
— Ele ainda usa drogas?
Balanço a cabeça com veemência.
— Ele me prometeu que nunca mais usaria.
Ela fica aliviada.
— E agora? — pergunta.
Dou de ombros, sem saber o que dizer.
— Não faço ideia.
00:51
Vanna Ripley
Oi, BJ
Oi
Saudades
Ah, é? A trabalho?
E lazer.
Haha
Vem me ver…
Não posso
Como assim?
Não posso.
Não pode?
Desculpa bjs
QUARENTA E SEIS
Magnolia
BJ
* * *
Nos atrasamos… Ainda mais porque pedi a Simon para pegar o caminho
mais longo, mais tempo para poder beijá-la no carro. Entramos de fininho
pelos fundos da boate, porque Parks quer evitar os urubus na frente. Eu a
abraço e a conduzo até onde Jonah está nos esperando, na área VIP. Sinto
uma onda de euforia por estar assim com ela em público.
Avisto meu amigo e o cumprimento.
— O lugar tá foda, cara. Mandou bem…
Ele me ignora.
— Parks! — exclama Jo. — Tá lindo esse seu batom… na cara do BJ.
Ele mal consegue terminar a frase antes de gargalhar.
Magnolia revira os olhos e vai abraçar todos os nossos amigos, ignorando
Taura de propósito, para quem eu dirijo um sorriso de consolação.
Taura está sentada com um amigo do Jonah, mas tenho quase certeza de
que ela veio com Jo, porque Henry não está. Meio estranho, né? Não quero
perguntar, porque acho que essa parada vai dar merda em dois segundos,
então peço uma rodada de shots pra todo mundo relaxar.
Já chegaram algumas celebridades, e Christian vem mais tarde, com os
Haites. E com o Hen também, talvez?
O clima da boate é bem maneiro. Parece uma mistura da Mansão Playboy
e do Viper Room nos anos 1990.
Sei que boates não são a parada principal do Jonah, mas mesmo assim ele
leva jeito pro negócio.
Parks passa a noite do meu lado, olhando de cara feia pra Taurinha e
segurando minha mão como se, caso soltasse, eu fosse sair andando e me
perder — acho que é assim que ela se sente.
Entendo. É como me sinto com ela também. A gente sai por aí, dá a volta,
se reencontra. Será que o Tom vai mudar isso?
Estou batendo papo com Jo, que tenta me convencer de que não está
caidinho pela Taura e lista todas as mulheres com quem transou nesse mês,
mas eu reviro os olhos para ele e indico Parks com a cabeça, tentando dizer,
sem precisar de palavras, que isso não significa porra nenhuma, porque eu
sou apaixonado por ela desde os sete anos, e ainda assim já fiquei com
centenas de mulheres.
É então que escuto Perry e o vejo apontar para Taura com o queixo e
sussurrar para Parks:
— O que ela tá fazendo aqui?
Uso a visão periférica para acompanhar a conversa.
Parks dá de ombros, meio sem jeito.
— Ele prometeu que não foi com ela…
Paili aperta os lábios.
— Será que não foi caô?
É então que me viro.
— Que porra é essa, Paili?
— Hã? — gagueja ela.
— O que você falou? — pergunto, me aproximando, carrancudo. —
Repete… o que você falou.
Ela engole em seco, nervosa.
— Nada…
Eu balanço a cabeça.
— Eu nunca menti pra ela.
— Ok — concorda ela.
— Vai se foder — digo, apontando para Pails com raiva.
— Bê — diz Parks, tocando meu braço. — Relaxa, ela só…
— Vai mandar ela se foder? — bufa Perry, falando mais alto do que Parks,
o que já me irrita. — Vai se foder você. Até parece que a Sax é toda
inocente…
Balanço a cabeça.
— E que régua moral é essa sua, Lorcs?
— Régua moral é o meu pau…
Taura se remexe, sem graça. Ela e Magnolia se olham de um jeito que
odeio. Eu recuo, surpreso com ele. Quase impressionado. Mas o timing foi
ruim.
— Cala a boca — sussurra Paili para Perry.
— Não. Ele não pode falar assim com você — retruca Perry, sem parar de
me encarar.
— Não posso? — pergunto, piscando e endireitando os ombros. — Vai
encarar, fortão?
— Bê… — diz Magnolia, puxando meu braço. — Para.
Taurinha está vendo a cena, prestando até atenção demais.
Merda. Se Parks olhar para ela agora, vai pro caralho de qualquer jeito,
mas ela não olha. Não consegue. Está focada em mim.
Com as mãos no meu rosto, afastando o cabelo. Tentando me acalmar —
e conseguindo, porque seus olhos me abalam. Se eu olhar bem para eles, a
qualquer momento, é como se fosse jogado num rio. Afundo bem rápido e
preciso me impulsionar para voltar à superfície, engasgo e tudo, à deriva na
água.
— Relaxa — insiste ela, acariciando meu rosto com o polegar. — Não foi
nada.
Balanço a cabeça e encaro Paili, com o maxilar tenso.
— Fui direto até ela depois — digo, e aponto para mim. — Posso ser um
escroto, mas não sou mentiroso, porra…
Jonah está sentado e observa tudo, incomodado e agitado.
— Ei, bora vazar — diz, apontando a porta.
— Não, tô de boa — respondo, balançando a cabeça e voltando a me
sentar. — Tô de boa…
Jonah dá outra olhada, indicando novamente a porta.
— Já deu pra mim — avisa, apontando para mim, Parks, Taura e si
próprio. — Nós quatro vamos para outro canto. Vocês dois — acrescenta,
apontando Paili e Perry — vão à merda.
Perry fica irritado.
— Sério, Jo?
— Sério — replica Jo, com um olhar afiado. — Você é um barraqueiro,
Lorcs…
Perry dá de ombros.
— Fazer barraco e dizer a verdade é tudo a mesma coisa para um
mentiroso.
Olho de Perry para Paili, carrancudo. Parks se despede deles com beijo
na bochecha, e saímos.
Estou de mãos dadas com ela, sem pensar direito, só refletindo sobre o
que aconteceu, puto, quando saímos pela frente e um bilhão de flashes
piscam, e começam os gritos.
— Magnolia! Cadê o Tom?
— Você e BJ voltaram?
— BJ, você e Magnolia estão juntos?
— Você e Tom terminaram?
Umas trinta variantes dessas perguntas nos agridem de uma vez, e
Magnolia congela.
Ela é pega completamente de surpresa, e ainda estamos de mãos dadas, e
estão saindo várias fotos que vão complicar a vida dela. Estou prestes a
esmurrar o fotógrafo ao meu lado, que está me empurrando só para tirar
uma foto de Parks, que, se eu fosse legendar, diria: Pega com a boca na
botija.
É então que Taura se solta de Jonah, pega o rosto de Magnolia e a beija.
Jonah arregala os olhos, chocado, enquanto as luzes piscam ainda mais, e as
vozes gritam mais, só que agora é diferente. Não estão se dirigindo à gente,
mas a elas.
— Magnolia! Quem é essa?
— É sua namorada?
— Tom sabe que você é lésbica?
Parks está paralisada, não se afasta, não recua, apenas deixa o beijo
acontecer e pestaneja para Taura, que finalmente a solta.
— Magnolia agora está comigo — afirma Taura, com arrogância, e as
câmeras a amam. — Ela cansou das merdas dele… — diz, apontando com a
cabeça para mim, e eu rio. — Não vamos mais esconder nosso amor —
anuncia, triunfante, antes de pegar a mão de Magnolia e puxá-la para o
Escalade de Jonah.
Jonah e eu nos entreolhamos, confusos e achando graça, antes de entrar
atrás das garotas no carro.
Dentro do Cadillac blindado e de vidro fumê de Jo, as duas se olham. Faz
um silêncio sepulcral por alguns segundos, até que Magnolia pisca e cai na
gargalhada.
— Você é maluca — diz, balançando a cabeça, para Taura.
Jonah e eu nos olhamos. Eu reprimo um sorriso.
— Isso é um obrigada em magnolês — explica Jonah.
— Foi uma decisão no pânico — admite Taura, dando de ombros.
Parks suspira, encostando a cabeça na janela.
Taura continua de olho nela.
— São agressivos com você, né?
— São invasivos — responde, ainda virada para a janela, antes de olhar
para Taura, se animando um pouco. — Mas isso deve satisfazer eles por uns
dias, pelo menos.
Magnolia abre um sorrisinho antes de desviar o rosto.
Taura me olha e, empolgada, murmura:
— Meu Deus do céu.
Eu rio e jogo um braço ao redor de Parks.
02:02
Perry
Essas garotas…
Pois é.
19:45
Bê & Tom
Tom
Ah, que bom.
Bê
E aí, Tom.
Tom
E aí, Bê.
Bê
Bobagem.
Tom
Leva?
Bê
A não ser que você não queira, England.
Bê
Isso.
Nós três?
Bê
De trisal, se quiserem colocar dessa maneira.
Tom
Não quero.
Hahaha
Bê
Topa, Parks?
Pode ser.
Bê
England?
Tom
Até amanhã bjs
Be
Durma bem, anjinho @Tom
Magnolia
BJ
Parks está zero curtindo tudo isso. Essa parada de namorar nós dois. Era
visível durante todo o percurso. Ela parecia nervosa. Nervosa com o que os
jornais diriam sobre ela, porque nem sempre são gentis.
Ou ela é a queridinha da imprensa, ou ela é uma piranha, e não dá pra
saber qual dos dois os jornalistas vão escolher em cada ocasião.
Num dia bom, ela poderia andar agarrada num de nós e aos beijos com o
outro que todo mundo a chamaria de evoluída, mas, quando estão a fim,
jogam a culpa de tudo nela, acabam com ela, escrevem coisas que a fazem
chorar nos meus braços como se estivesse sofrendo bullying no jardim de
infância.
Eu entrei de braços dados com Bushka, em parte por causa de Parks, em
parte porque a velha está no grau pra se divertir — ela sempre tem um
frasco de qualquer coisa a tiracolo, já deu em cima do David Beckham, já
bebeu mais do que o Jonah duas vezes e fez uma piada sobre nazistas para o
embaixador alemão no baile em que eu a acompanhei ano passado. A
mulher é imprevisível.
Além do mais, percebo que Magnolia está toda derretida ao me ver
acompanhando sua avó, que não é a razão pela qual estou fazendo isso, mas
pode ser considerado a cereja no bolo.
Assim que entramos, Parks se afasta na velocidade da luz. Segundo ela,
porque viu a Kate Middleton.
— Eu realmente apostei todo o meu dinheiro no cavalo errado em fazer
amizade com a Meghan Markle, né? — Ela balança a cabeça. — Agora
preciso ficar puxando o saco da duquesa de Cambridge…
— Eu sou amigo do Will — diz Tom.
Ela olha para ele, revirando os olhos.
— É claro que é.
— Eu sou o amor da sua vida — eu a lembro.
Nossos olhos se cruzam, e ela tenta não sorrir ao ouvir isso.
— Não acredito que eles abandonaram a monarquia. Que morte terrível
para todo mundo. Mas especialmente para mim — murmura Magnolia
baixinho, antes de ir embora. — E para Lilibet, provavelmente.
Olho para Tom, que está observando a garota que eu amo como se ele
também talvez a amasse.
— Caralho — suspiro.
Ele me encara e dá uma risada.
— Pois é.
Eu indico Parks com o queixo.
— Ela não está lidando bem com isso…
Ele olha para ela de novo, tentando ver aquilo que só eu enxergo. Deve
ser uma merda pra ele… querer ver uma coisa, mas não conseguir, porque
acho que não é algo visível aos olhos.
Eu consigo ver como as borboletas esvoaçam as asas na auréola acima da
cabeça dela, a forma como a luz reflete os pensamentos dela, como o
salgueiro estremece…
— É mesmo? — diz Tom, ainda fitando Parks.
Eu faço que sim.
— Ela está nos evitando.
— Assim. — Ele me lança um olhar. — É bem esquisito.
Eu o encaro e rio.
— Você acha?
Tom olha para mim de um jeito estranho. Balanço a cabeça.
— É, imagino que seja esquisito. — Dou de ombros. — Mas parece quase
que normal para mim.
— Isso é bem zoado — replica ele.
A expressão em seu rosto faz parecer que ele tem pena de mim, mas eu
não quero que ele sinta isso, porra. Ela foi minha durante toda a minha vida,
ela é minha, eu que fodi tudo, e agora ela é minha do jeito que ela me
permitir. Eu não preciso da pena dele. Não preciso nem que ele entenda. Eu
só preciso dela.
Eu a observo, a garota dos meus sonhos, o amor da minha vida, alfa e
ômega, início e fim, até que a morte nos separe, e mesmo depois disso vou
continuar esperando, e tudo que eu consigo dizer é:
— É mesmo.
— Ela já fez você sofrer bastante — me diz Tom.
Eu penso naquilo, franzindo um pouco a testa.
— Sei lá. Nunca dá pra saber se a gente está dançando num salão em
chamas ou se a gente está se alternando em arrastar pela montanha o corpo
inconsciente um do outro.
Tom ri e olha para mim como se eu fosse louco.
— As duas opções são bem merda, cara…
— Sim — admito enquanto observo Magnolia. — Um dos cenários
termina com uma vista bem boa, mas…
Tom me fita com mais atenção do que eu gostaria. Ele tem um olhar
intenso. Acho que é pior porque os olhos dele são muito azuis. Em tese,
deveria ser algo bonito, mas, sei lá — são azuis de um jeito meio agressivo.
Ele está apenas me observando, quase franzindo a testa, mas não por
minha causa.
— Vocês dois são coisa de outro mundo. — Ele balança a cabeça. — É
bizarro.
Nós somos, eu sei disso. Tudo que posso fazer é assentir e dar de ombros.
Ele dá uma olhada em Parks.
— Você acha que ela faz isso com todo mundo?
— Faz o quê?
Ele dá de ombros.
— Faz com que todo mundo se sinta… sei lá? Como se fosse o sol.
Eu fico mal por ele. Ele ainda não passou muito tempo com ela. Ele não
tem experiência em observar os outros homens ao redor dela, e Parks nem
sequer sabe que é o foco de todo mundo num ambiente.
Que ela é um raio de sol mesmo quando está sendo um pé no saco.
— Quase chega a dar medo, essa conexão que vocês têm — comenta ele,
voltando a me encarar.
Dou uma fungada.
— Quase, só?
— Quase — reforça ele. — Eu não sei da história toda e me recuso a ser
intimidado por algo que eu nem entendo completamente.
Assinto algumas vezes. É justo.
— Mas a química entre vocês… — acrescenta.
Tom me lança um olhar, e eu me pergunto por que ele ainda está aqui.
Que se fodam as metáforas sobre faíscas e relâmpagos, nós somos tudo
isso e nada disso. Parks e eu. Está escrito na porra das estrelas.
— É intensa — completa Tom e assente.
— Mas não intimida o bastante para te afastar — comento.
— Não. — Ele para. — É aquela coisa da pólvora de Shakespeare. A
química de vocês é o que torna tudo bom, sem dúvida, cara. Não tem como
negar. — Outra pausa. — Mas talvez seja isso que acabe matando vocês.
E eu odeio essa porra, porque não foi uma ameaça. Ele não está sendo
um babaquinha arrogante, ele só está pensando em voz alta. Ele só está ali
filosofando, cheio de ideias e sabedoria, e eu o odeio pra caralho, porque às
vezes tenho medo de que ele esteja certo.
— Ei. — Tom me cutuca com o cotovelo. — A gente só estava te
sacaneando antes…
Comprimo os lábios, assentindo.
— Fiquei na dúvida depois daquela história de levar ela até mim depois
da treta com o Harley…
Tom balança a cabeça.
— Não, eu já gostava dela nessa época. Mas ela não precisava de mim. —
Ele dá de ombros. — Ela precisava de você.
— Puta que pariu! — Franzo a testa. — Você é tão irritante.
Ele gosta dela, e aí mesmo assim a leva até mim, porque eu sou a pessoa
de quem ela precisa?
— Como você é tão tranquilo o tempo todo, porra?
Tom dá uma risada.
— Não sou. — Ele me olha por um segundo, então desvia o olhar. — Eu
vi quando você magoou ela naquela outra festa e pensei que poderia ajudar
ela a equilibrar as coisas com você. Mas agora eu acho que estou um pouco
apaixonado por ela…
Assinto. Eu entendo.
— Ela causa esse efeito nas pessoas.
— Eu sei — diz ele, solene. — Foi mal.
Eu me viro para ele.
— Pelo quê?
— Porque eu gosto de você, cara. — Ele me dá um tapinha nas costas. —
Mas, se eu tiver uma chance aqui, eu vou aproveitar.
Eu o encaro.
— O mesmo vale aqui, parceiro.
Tom assente e me olha de esguelha, um pouco nervoso.
— Ela não sabe.
Deixo meu copo de negroni na mesa.
— Sabe do quê? — pergunto.
— Que eu a amo.
— Ah.
Assinto. Faço o gesto de fechar a boca e finjo colocar a chave no bolso
dele.
Ele me dá outro tapinha nas costas.
— Valeu, cara.
Então me passa minha bebida e ergue a dele.
— Que vença o melhor homem.
Dou uma bufada, balançando a cabeça.
— Não, parceiro. Que se foda o piloto. Vou torcer pro cara que é o pior.
Ele é fodido da cabeça, mas tem um coração de ouro.
Tom ri, e eu também.
Ainda assim, dói, porque nós dois sabemos que é verdade.
17:41
Tom
Não.
Haha. Tá bom.
Vem, pô!
Não, valeu.
Divirta-se bjs
CINQUENTA
Magnolia
09:56
Bê
Não sei.
Você tá puto.
Desculpa.
Pelo quê?
Não sei.
Por tudo?
Eu te ligo amanhã, tá
Tá
Desculpa.
Bj
CINQUENTA E UM
BJ
Fico aturdido depois. Minha cabeça está a mil, estou com um aperto no
peito como se houvesse um buraco lá. Tudo está desmoronando.
Ele ainda gosta dela? O que mais eu não sei? Ela está mentindo para
mim?
Parks nunca mente para mim, não sobre as coisas que importam.
Ela pode dizer que me odeia ou que já não quer mais nada comigo, mas é
o mais próximo que chega de uma mentira. Só que agora fico me
perguntando: por que ele está pensando em Parks enquanto está com Daisy,
se ele e Parks não transaram, porra? Certo?
Então ela está mentindo.
Eu a deixei em casa e fui direto para a minha. Cheirei uma carreira.
Esperei dez minutos. Cheirei outra.
Me ajuda a focar no que é preciso.
Esmiucei as brechas do nosso histórico, e me pergunto se ela as
preencheu com Christian.
Os dias que se seguem são assim: eu não ligo para ela. Não mando
mensagem. Respondo quando ela me manda mensagem, porque, se eu não
responder, ela vai entrar em pânico completo, e eu não consigo lidar com
isso agora — não vou conseguir entender que porra nada disso significa ou
como eu me sinto sobre o assunto se precisar ficar cuidando dela também.
Cancelo todos os meus ensaios da semana. Vou no cafezinho ao lado de
casa, peço comida à noite e, enquanto isso, cheiro algumas carreiras. Antes
eu me sentia mal quando cheirava, como se estivesse estragando as coisas
com Parks, mas agora acho que é ela que estragou tudo, então vamos nessa.
É tudo o que faço durante quatro dias. Leio um pouco. Tento ver algo na
TV, mas não consigo, porque tudo que eu quero assistir eu prometi assistir
com a Magnolia, então eu começo a rever Narcos.
No meio da segunda temporada, Christian aparece na minha porta, o que
me deixa nervoso. Ele desapareceu depois daquela noite. Nenhum de nós o
viu.
— Pra onde você foi?
Ele dá de ombros e fica parado do outro lado do cômodo com as mãos no
bolso.
— Precisava de um tempo.
Eu não digo nada. Não sei o que deveria dizer.
Ele solta a respiração, cansado e impaciente, me observando com cautela.
— Estou apaixonado por ela, Bê.
Tensiono o maxilar. Meu coração dá cambalhotas como se tivesse caído
cinco lances de escada. Ele está apaixonado por ela? Eu dou uma risada
incrédula.
— Que foi? — pergunta ele, nervoso.
Balanço a cabeça.
— Você não é a primeira pessoa a me dizer isso ultimamente.
— Que merda, hein.
Assinto. Ele balança a cabeça, contente com um ponto de conexão, acho.
— Ela é fodida da cabeça — ele me informa.
— Ei — rosno em reflexo, mesmo que não discorde por completo.
Mesmo que seja assim, ninguém pode falar nada dela exceto eu. Me irrita
ainda mais ele achar que pode fazer isso.
— Ela é… Cara, ela precisa que todo mundo ame ela — diz Christian. —
Você, eu, Tom, Jules… é uma merda. E ela…
— Para. — Fecho a cara. — O que você tá fazendo? Isso não tem a ver
com ela. — Mentira. Tem sempre a ver com ela. — Tem a ver com você ser
meu melhor amigo e estar apaixonado por ela…
— Não era minha intenção.
Solto uma outra risada de incredulidade.
— Você namorou ela. Pelas minhas costas.
— Bê… — Ele recosta a cabeça na parede atrás dele. — Foi sem querer. A
gente estava só saindo juntos, somos amigos há anos. Mais tempo até do que
você…
Eu dou um olhar de aviso. Foda-se ele.
— Eu estava com ela do mesmo jeito que já estive um bilhão de vezes
antes. E aí um dia a gente se beijou.
Ele dá de ombros. Como se não fosse nada. Como se não fosse a porra da
maior traição que já existiu na história da humanidade.
— Ah — respondo, assentindo, enfático. — Vocês se beijaram.
— Estava chovendo, era numa cabine telefônica…
Balanço a cabeça.
— Não estava pedindo detalhes, caralho…
— Então o que você está pedindo? — a voz dele fica mais alta.
— Por que logo ela?
Meu tom é idêntico ao dele.
— Porque ela é a Magnolia Parks, porra.
Eu desvio o olhar, balançando a cabeça. Quantas merdas ela vai poder
fazer na vida dela, só por causa disso?
— E ela estava triste. Eu queria fazer ela se sentir melhor. — Ele dá de
ombros, como se não tivesse tido opção. Talvez não tivesse. Eu mesmo não
tenho. — Mas ela estava triste por sua causa. Porque, pra ela, é sempre
você…
— Isso não é mais verdade.
— Claro que é, porra. Como que você não enxerga? Tudo que ela faz é
por sua causa, ou porque tem a ver contigo, ou porque ela quer ferrar
contigo por você ter ferrado com ela antes…
Cubro o rosto com as mãos, me sentindo estranho e exposto. Olho por
entre os dedos para o meu amigo de longa data.
— Por que você não me contou?
— Porque ela é sua. — Ele me encara com raiva. — E, mesmo quando
não é, continua sendo. — Ele abaixa o olhar, e depois volta a erguer. — E eu
não quero ela. Eu só… não sei como superar isso.
Sinto meus olhos se suavizarem aos poucos. Cacete.
— É. — Respiro pelo nariz. — Conheço bem a sensação.
Christian esfrega o maxilar, me observando por alguns segundos tensos.
— Bê, eu preciso falar com ela.
Bato o punho na cama, distraído.
— O que você vai dizer?
Ele me lança um olhar demorado. Não precisa colocar para fora, porque
eu já sei. Ele vai contar tudo a ela. Me sinto enjoado por um segundo. Me
pergunto se ele vai até lá falar que a ama. E questiono por um instante se ele
é mais merecedor dela do que eu. Em alguns aspectos, talvez seja.
De todos os jeitos imagináveis, Tom é mais digno do que nós dois.
Ele dá de ombros, derrotado.
— Eu preciso.
Lanço a ele um olhar cauteloso.
— Eu confio em você.
Ele assente uma vez, então vai embora.
CINQUENTA E DOIS
Magnolia
Magnolia
11:16
Tom
Não.
Você tá bem?
Haha
Na verdade, não.
Fofo.
Saudades.
Saudades também.
Vamos sair pra jantar hoje?
Foi mal.
CINQUENTA E QUATRO
BJ
Ela está sentada ali, empoleirada num dos muros, as pernas acomodadas sob
o corpo. Está vestindo alguma saia quadriculada vermelha com uma blusa
combinando, sei lá — parece a garota dos meus sonhos, seja lá o que está
vestindo. Tudo que ela veste me faz querer tirar a sua roupa. Pode parecer
algo relacionado a sexo, e até pode ser um pouco, mas eu também só quero
vê-la por inteiro. Não quero nada entre nós, nem mesmo roupas. E, porra,
temos tanta coisa entre nós ultimamente.
Eu me sento ao seu lado sem dizer nada. É engraçado, porque eu
honestamente não vim aqui para encontrá-la. Talvez estivesse com
esperança de esbarrar nela? Não sei. Não é um lugar só dela, é meu também.
É aonde nós íamos quando éramos adolescentes, se precisávamos de um
lugar para pensar. A igreja de St. Dunstan.
Não consigo ir até lá sem pensar nela, mas no que mais eu estaria
pensando, de qualquer forma?
Ela me encara, na expectativa. Acho que é minha vez.
É sempre minha vez. Balanço a cabeça.
— Você tem alguma noção do que é estar apaixonado por alguém e ter
que ficar vendo todo mundo apaixonado pela mesma pessoa?
Ela me lança um olhar demorado, sério.
— Tenho alguma noção.
Suspiro.
— Então por que não estamos juntos, Parks?
Ela não diz nada, apenas encara o horizonte enquanto ajeita as pernas,
tirando-as debaixo de si e deixando-as penduradas. Não é justo. Amo as
pernas dela. Me pergunto se ela faz isso de propósito para me distrair. Parece
algo que ela faria hoje em dia.
Se me dissessem que ela era mestra em manipulação ou, sei lá, uma
bruxa, eu provavelmente ficaria aliviado. Aliviado por ter um motivo para
não conseguir superá-la. Algo que fosse além desse amor que não sou capaz
de aguentar.
Da forma como estamos sentados — ombro a ombro —, um dos meus
braços está apoiado no concreto atrás dela, e ela está se inclinando contra
mim sem nem se dar conta.
É assim que nós somos.
É assim que sempre somos.
Eu a encaro, inspirando o cheiro dela. É o mesmo de sempre. Se algum
dia ela me deixar de vez, vou tomar banho com Gypsy Water para conseguir
dormir de noite.
— Christian disse que ia falar com você… — Ela assente. — Ele falou?
Olho para Parks, esperando mais, mas ela não diz nada.
— O que ele falou?
Ela dá de ombros. Eu franzo a testa.
— Como assim…?
Imito o gesto dela.
Ela dá de ombros mais uma vez.
— Não quero falar.
— Você não quer falar? — Pisco algumas vezes, e então tudo explode de
uma vez só. — Mas que merda, Magnolia. O que ele falou?
Então, ela fica com um certo brilho no olhar. Eu reconheço. É o mesmo
olhar com que ficava quando Mars enchia o saco dela por ter me levado para
a casa deles, porque ninguém pode falar nada para ela exceto eu.
Aquelas eram sempre minhas noites favoritas, porque ela agarrava minha
mão e me levava até o quarto, batia a porta com força e me jogava contra ela,
fingindo que estávamos nos pegando só para provocar Mars, mas sempre
significava que ela me tocaria no corpo inteiro, mais do que era o necessário,
e me deixaria ficar segurando-a contra mim sob o pretexto da provocação,
só que a provocação era o pretexto.
Todas as vezes que Mars brigava com ela, o brilho no olhar era sempre
um enorme “foda-se você, olha só o que eu vou fazer”, e agora ela estava do
mesmo jeito, balançando as pernas, chutando minhas inibições cada vez
mais, segundo a segundo.
Ela me avalia.
— Eu conto o que ele disse se você me contar o motivo de você ter feito o
que fez…
Puta que pariu.
Suspiro.
— Eu já disse por que fiz.
— E eu já disse que não acredito — retruca ela, rápida como a velocidade
da luz. — Eu não acredito.
Dou de ombros, tentando parecer indiferente, porque não consigo lidar
com isso agora.
— Isso não é minha culpa.
Ela balança a cabeça, tentando afastar a mágoa que sente por causa da
minha indiferença. Consigo ver quando percorre o seu rosto, acumulando-
se naqueles olhos que parecem lagos, e eu mergulharia neles para sempre se
ela me deixasse. Por que caralhos ela não me deixa fazer isso?
— Tá — diz ela, desafiadora. — Então me conta com quem foi.
Balanço a cabeça.
— Não vou te contar…
— Por quê?
Eu a encaro, os olhos arregalados, implorando.
— Porque vai piorar tudo.
Ela balança a cabeça, como se soubesse.
— Não pode ser pior do que não saber.
— Pode, sim — replico. — É saber qual é o rosto da pessoa. É quase
impossível ignorar. Eu vejo você e Tom na minha cabeça o tempo todo. Eu
costumava pensar em nós dois juntos para dormir, agora eu só vejo você
com ele.
Eu tento afastar aquela imagem da mente. O rosto dela desmorona com o
tom da minha voz, e os joelhos dela se encolhem por causa da minha
expressão. É rápida — como um relâmpago — a empatia que sente antes de
voltar para a postura teimosa e insistir.
— Eu não traí você.
O que, tecnicamente, é verdade — tecnicamente —, mas, porra, pesado
demais insistir nisso hoje.
— Você tá de brincadeira, Parks? Por que estamos falando sobre isso,
porra? De novo. Nós não vamos falar sobre como eu estraguei tudo, estamos
falando sobre você estragar tudo. Com o meu melhor amigo. Que agora está
apaixonado por você.
Ela franze a testa. Não sei o motivo.
Eu estou mesmo puto? Por estar no lugar dela? Porque ele a ama?
— Não é possível que você não soubesse… — Eu a encaro, cauteloso.
Procuro algo no rosto dela, para que seja impossível ela mentir para mim,
porque eu preciso saber. — Você sabia?
Ela me encara durante alguns segundos, e aí o olhar dela se torna mais
pesaroso. Ela assente. Parece culpada.
— Caralho, Parks.
Eu me afasto do muro e começo a andar em círculos.
Ela se levanta rapidamente. Porque, se eu me mexo, ela se mexe.
— Assim, eu tinha a sensação… — ela soa em pânico. — Eu não
perguntei…
— É, não precisava.
Ela estica a mão para me tocar.
— Ele é só meu amigo.
E — talvez pela primeira vez na história — eu me afasto dela, com um
olhar desesperado.
— Sim, mas você não é só amiga dele, é?
— Bê. Isso não é culpa minha! Eu não incentivei isso.
Eu a encaro.
— Eu não incentivei! — reforça, balançando a cabeça.
— Quando você não consegue falar comigo e está com problemas. Pra
quem você liga?
— Tom — responde ela, rapidamente.
— Não. — Balanço a cabeça. — Antes dele. Nos últimos dois anos. Pra
quem você liga?
Os olhos de Magnolia desviam dos meus, e ela afasta o olhar.
Eu aponto para ela.
— Henry é seu melhor amigo desde que vocês tinham quatro anos! É
errado, Parks. — Balanço a cabeça. — É errado você ligar pro Christian
antes de ligar pro Henry.
Eu me sinto vingado e balanço ainda mais a cabeça.
— Você não trata ele da mesma forma que trata o Henry e o Jo…
— Porque ele não é igual a eles. A gente tem uma história.
— Sim, e de quem é a culpa? — cuspo.
Ela me encara, os olhos muito arregalados.
— Sua! — retruca.
— Minha? — contesto, tão alto que outras pessoas estão olhando. Talvez
um celular ou dois estejam gravando. Sei lá. — Fui eu que fiz você transar
com meu melhor amigo?
— Nós nunca transamos!
Agora ela está gritando. Gritando de verdade.
— Nunca? — repito, mais alto.
— Nunca — afirma ela.
Eu a encaro com raiva.
— Então que merda toda foi aquela sobre gozar, hein?
Ela me lança um olhar estupefato.
— Bê, você tem muito mais experiência sexual do que eu. Você deveria
saber a resposta.
Eu passo as mãos pelo cabelo, tentando não rir do que ela acabou de
dizer, porque eu não quero que ela fique por cima. É tão raro conseguir ficar
do lado certo que ainda não estou pronto para me rebaixar.
— E como é que isso é minha culpa?
Ela me olha, a cabeça inclinada, parecendo triste.
— Você tá de sacanagem! — berro. — Eu te obriguei a fazer isso? Porque
você terminou comigo…
— Você transou com outra pessoa!
— Uma vez. Uma vez, Parks! E eu fui até você e disse na hora. Foi um
erro, eu errei. Mas foi só aquela vez.
— E agora, quantas vezes?
Solto um grunhido e a encaro. Estamos presos num ciclo.
— Tô falando sério — diz ela, com o nariz empinado. — Quantas vezes?
Balanço a cabeça.
— Não.
— Me conta.
Ela agarra meu braço para que eu a encare.
Eu me desvencilho dela.
— Não, Parks.
E já deu pra mim. Não consigo mais continuar com isso. Não tenho como
repetir mais vezes que o motivo pelo qual eu fiz aquilo foi porque eu queria.
Está acabando comigo, está acabando com ela, e ela quer respostas minhas
que eu nunca, nunca vou poder compartilhar.
Eu dou um passo para trás.
— Você sabe que, em algum momento no meio disso tudo, você vai
precisar encarar suas próprias merdas, Parks. Tá, eu estraguei tudo primeiro,
mas desde então você tá estragando tudo o tempo inteiro.
Ela se afasta como se eu tivesse acabado bater nela.
— Você namorou meu melhor amigo. Pelo visto, você se pegou com
Julian Haites — acuso. Ela revira os olhos. — Você ficou assustada porque
sua babá disse umas merdas sobre mim que você sabe que eram mentira, aí
começou a se envolver com todos esses caras aleatórios pra se sentir melhor
e eu ficar na merda, mas tudo isso foi você, não eu. — Balanço a cabeça para
ela. — Não te levei a fazer nada. Foi você que começou a namorar o Tom…
— Você estava com uma garota qualquer rebolando no seu colo no meio
da Raffles!
Estou tentando ler a expressão dela, tentando descobrir se ela está prestes
a chorar.
— Você sabe o quanto isso é vergonhoso? — exige.
Eu faço que sim, concedendo aquele ponto.
— Sim, eu estrago tudo, Parks. Eu sei. Eu posso ficar aqui parado e contar
todos os jeitos como eu estraguei tudo, mas não fui só eu. Eu não fiz você
correr até o Christian. Não fiz você correr até o Tom. Não fiz você correr
para nenhum dos outros brinquedinhos de merda que você fica balançando
na minha frente para me deixar com ciúmes…
— Você fez isso, sim, claro que fez. Você com o seu número absurdo de
peguetes, tão alto que passa até o Mick Jagger…
— Tá, Parks, eu entendi. Eu pego geral. É porque eu estou apaixonado
por uma idiota que não quer ficar comigo…
Ela parece brava, balançando a cabeça.
— Não é verdade, você sabe que não é…
— Beleza. — Eu assinto, o maxilar tensionado, os olhos vidrados. —
Talvez essa idiota ache que quer ficar comigo, mas foda-se. Talvez ela até
queira mesmo, mas ela não consegue, nem por tudo que há de mais sagrado,
fazer as pazes com o fato de que uma vez eu fiz uma escolha ruim e acabei
magoando ela, e agora não tenho como voltar atrás…
Ela está piscando diversas vezes, tentando não chorar.
— Mais de uma vez — diz ela, baixinho.
— Tá bom. — Dou de ombros. — Ela também já me magoou mais de
uma vez.
Nossos olhos se encontram, e ela me encara com raiva. Eu estou
encarando o cano de um revólver que está prestes a matar o nosso amor.
— E até você admitir que nós somos essa confusão também por culpa
sua, nada disso entre a gente vai funcionar.
O rosto dela fica vazio, e não sei se ela está me ouvindo. Se está me
ouvindo pra valer.
Então, os olhos dela ficam sérios.
— Então a gente nunca vai funcionar.
CINQUENTA E CINCO
BJ
Decido dar uma festa. Uma festa daquelas. Sem Parks, sem Paili, sem Perry.
Jo tentou me fazer mudar de ideia, aí eu falei para ele não vir então.
Já faz uma semana desde St. Dunstan, e não falei com Parks.
Já vi fotos dela com Tom andando pela cidade. Os dois de mãos dadas, ela
olhando para ele como costumava olhar para mim.
Então acho que ela fez a sua escolha, no fim.
Por isso a festa.
Todas as garotas gostosas que me mandaram mensagem nos últimos
meses, todas as garotas com quem eu transei e ainda tenho o contato, todas
as garotas com quem Parks ficava insegura na escola. Mando mensagem
para todas. Convido literalmente todas elas.
Definitivamente convido Alexis Blau, que está me sondando desde o
nono ano, mas tem estado mais presente nos últimos meses, sempre
tentando marcar de sairmos. Tinha evitado até agora. Parks viu o nome dela
aparecer uma vez enquanto usava meu celular. A reação dela foi dar play em
Diário de uma Paixão e pedir McDonald’s só para ela. Só voltou a falar
comigo na manhã seguinte.
Alexis Blau é um calo.
Não sei o motivo. Eu nunca nem toquei nela.
Mas pretendo fazer isso mais tarde.
Christian passa pela porta, dá uma olhada — provavelmente procurando
Hen, que está conversando com uma garota num canto, tagarelando sobre
algum livro para o qual ela não dá a mínima. Ela está apenas feliz de ter a
atenção dele, e a mão dele na sua coxa.
E ele está apenas feliz de fazer algo que deixe Taura com a cara que ela
está agora.
— Você veio com o Jo… — eu a informo.
— Eu sei.
Ela fica olhando para Henry com aqueles olhos redondos e magoados.
— Você está transando com o Jo.
Ela me lança um olhar.
— Eu sei.
— Porra, odeio garotas.
Balanço a cabeça para ela. Ela semicerra os olhos.
— Na verdade, acho que você está nessa confusão justamente por causa
do contrário.
Faço que não.
— Não estou em confusão nenhuma.
Christian se aproxima.
— Falando em confusão — diz Taura, abrindo um sorriso —, como está a
maior de todas?
Christian lança a ela um olhar irritado. Eu e ele nos encaramos. Então,
lhe passo uma cerveja. Ele se senta do meu lado e não diz nada. Fica
olhando o vazio durante um minuto. Depois, vira para mim.
— Tudo bem contigo?
Dou de ombros.
— Tudo, por que não estaria?
— Você e Jo só dão uma festa dessas quando um de vocês tá na merda.
— Seu irmão tá sempre na merda.
Christian ri. Eu puxo um saquinho. Taura se afasta, parecendo irritada.
Olho para Christian. Ele assente, mas está atento.
— Quantas já foram hoje?
Dou de ombros. Não estou sendo evasivo, realmente não sei. Foram
muitas.
— Quem se importa, caralho. Eu amo uma garota que não quer nada
comigo. Você ama uma garota que não quer nada contigo. Na verdade, você
ama duas, e nenhuma das duas quer…
— Valeu, cara.
— É louco que uma delas seja a mesma para nós dois.
Christian olha para mim.
— A gente tá de boas?
— Tá, cara. — Dou um tapinha nas costas dele. — Se alguém tem que
acabar na merda por causa dela…
Balanço a cabeça e cheiro uma carreira. Passo para ele a nota de vinte
enrolada.
Ele pega, cheira, joga a nota na mesa e se inclina para trás.
— Então essa é a nossa diversão hoje.
— E aquela. — Indico Alexis Blau com o queixo.
As sobrancelhas dele se erguem.
— Alexis Blau?
Faço que sim e pego uma bebida. É demais para o gosto de Christian,
acho, porque ele tira o copo da minha mão.
— Não vamos fazer isso hoje.
Reviro os olhos para ele.
— A gente tem uma overdose na vida e…
Ele fica sério, pega a bebida e vai embora com ela.
Eu me levanto, passo por Alexis Blau e aponto as escadas com a cabeça.
Ela pede licença da conversa que está tendo, segura a minha mão, e não
chegamos nem na metade das escadas, e já estou a apalpando por baixo do
vestido.
Christian provavelmente fez a coisa certa tirando a bebida da minha mão,
porque o mundo está começando a ficar borrado.
É exatamente como eu quero que o mundo fique, já que é um mundo em
que não tenho Parks. Borrado o bastante para que as curvas do corpo que
estou tocando possam ser as de Magnolia. E eu estou me enganando pra
caralho, porque eu reconheceria o corpo dela até vendado. Esse não é o dela.
Ela não se esfrega em mim desse jeito. Parks me faz trabalhar, como ela me
faz me esforçar por tudo — e essa garota está fazendo tudo por mim.
E eu não me importo mais. Eu me inclino para trás contra a cabeceira.
Me comportar exatamente da maneira como Magnolia espera que eu me
comporte me reconforta. Sinto que estou na minha razão, pela primeira vez
em anos, ao estar fazendo isso. Encaro o teto e respiro fundo enquanto
Alexis Blau desce pelo meu corpo.
Acho que estou mais chapado do que pensava, porque demoro cerca de
cinco minutos para perceber que tem outra garota na minha cama. Não sei
de onde ela surgiu.
E aqui estava eu pensando que Alexis Blau tinha mãos mágicas. Essa
outra também é da escola. Sei-Lá-o-Quê Talbot.
Também é da turma de Parks. Ela odiaria isso. Essa é a versão de mim
que ela detesta.
Fecho os olhos. Afasto ela da mente. Aproveito o momento. Estico a mão
para a mesa de cabeceira, monto mais algumas carreiras. Digo a mim
mesmo que não a estou perdendo, que já a perdi.
Agora é hora de me perder.
CINQUENTA E SEIS
Magnolia
É o aniversário do Perry. Eu não quero ir, mas Paili diz que eu preciso.
Segundo ela, Perry vai ficar muito magoado se eu não for, e, se é para
alguém não comparecer, deveria ser o BJ. Mas nós duas sabemos que o BJ
não vai faltar, então acho que vamos nos ver mais tarde.
Não nos falamos desde aquele dia na igreja.
Aquela conversa pareceu ser mais definitiva do que era a minha intenção.
Nós dois nunca vamos funcionar? É lógico que vamos, mesmo se ele for um
cravo e eu, a rosa — eu não me importo de me despedaçar para ficar com
ele.
Eu faria qualquer coisa por ele.
Não consigo me lembrar da última vez que ficamos sem nos falar por
tanto tempo. Já faz mais de quinze dias, e é como se tivesse se passado um
ano, um estado constante de ansiedade. Como se ele tivesse tirado meu
mundo dos eixos, um desbalanceamento inegável no meu universo, e esse
desequilíbrio é estranho, porque se manifesta de jeitos inesperados.
Meu coração está machucado — já há um tempo —, mas encontrou uma
muleta em Tom. Não só uma muleta, mas um tratamento hospitalar inteiro.
Se ele fosse um cirurgião, eu estaria em ótimas mãos. Só que ele não é, e eu
ainda assim estou em boas mãos.
Queria ter as palavras para definir Tom, erguê-lo num pedestal alto o
bastante, com um holofote brilhante o suficiente para mostrar como ele é o
homem perfeito…
E eu não sei mais o que somos, se você está se perguntando. Parei de
tentar definir, e ele não faz perguntas. Definitivamente não somos amigos,
mas, de alguma forma, é provável que ele seja o meu melhor amigo hoje em
dia. Fazemos sexo, e existem sentimentos. Sentimentos claros, como janelas
abertas, passarinhos cantando em galhos, e orvalho pela manhã — mas nós
dois sabemos que ele ama alguém que não pode ter, e eu amo alguém que eu
talvez não devesse.
Somos sinceros. Conto tudo para ele. De que adianta mentir?
Estamos juntos — é isso —, se for preciso nos rotular, e eu não deveria
fazer isso, porque é confuso demais tentar. Tudo que sei é que ele é um porto
seguro. Se BJ é a tempestade que está me afundando, Tom é o lugar onde o
navio do meu coração está sendo consertado.
Tom me levou às compras na Harrods de tarde.
— É para eu ir com você hoje à noite? — pergunta.
Acho que eu tinha mencionado de passagem há alguns dias.
— Ah.
Coloco a cabeça para fora do provador. Estou experimentando um
vestido curto de lã em tricô da Weekend Max Mara, que, na verdade, é
muito mais casual do que o meu estilo costumeiro, mas Tom e eu mal
saímos da cama hoje em dia, e usar tule é muito irritante em cima dos
lençóis.
— Achei que você não fosse querer — admito, surpresa.
Ele se recosta na parede.
— Parece uma tarefa de trincheira…
Eu saio do provador e vou até ele.
— Nosso status ainda é esse?
Ele pensa, afastando do meu rosto uma mecha de cabelo.
— Vou deixar você usar meu corpo por quanto tempo você quiser. — Ele
dá de ombros. — Como trincheira, escudo, trepa-trepa. Não ligo.
Eu franzo a testa.
— Talvez você devesse ligar um pouquinho…
— Eu ligo. — Ele franze o nariz e balança a cabeça. — Eu ligo muito pra
você, e você faz uma coisa com o rosto quando tá magoada, tipo um cervo
preso numa armadilha, aí eu preciso ajudar. — Ele diz isso como se fosse um
fato imutável. — E dá pra ver você tentando largar desse imbecil de merda
com quem você se enrolou por metade da vida. Um dia você vai ficar livre, e,
quando estiver, acho que eu sou o primeiro da fila.
Engancho o meu braço ao redor do seu pescoço e fico na ponta dos pés
para dar um beijo nele.
— Você é.
Vamos de carro até a festa, e Gus pergunta:
— Ele sabe que eu estou indo?
— Não — digo, balançando a cabeça. — Você é o presente de aniversário
dele.
Gus me lança um olhar.
— Sou caro demais pra você, querida.
— Eu sou muito rica. — Franzo a testa. — O Tom é mais rico. A gente
racha, né, Tommy?
Gus dá uma risada, e Tom dá uma fungada, achando graça.
Sinto uma onda de gratidão por Tom estar tão lindo. Ele usa um suéter de
lã penteada e caxemira cinza-claro da Incotex, jeans preto apertado da Dolce
& Gabbana e os coturnos de couro puro da Common Projects. Fica
brincando com a bainha da minha saia.
É a minissaia de lã e angorá plissada cheia de detalhes, muito bonita. BJ
comprou para mim. Ele também me deu o casaco que estou vestindo. O
casaco de lã com pelica sintética. As duas peças são da Gucci.
Estou usando a blusa sem manga decorada e canelada da Versace por
baixo (brilhante — literal e metaforicamente) e as botas de cano alto
Kronobotte 85 de Christian Loubotin. Eu pareço a garota dos sonhos de BJ,
e tudo foi pensado.
Eu sei que ele vai sacar que comprou a maior parte dessas roupas para
mim, e eu espero que imagine Tom as tirando do meu corpo mais tarde.
Chegamos no Dolce Kensington com uns quarenta minutos de atraso, e
eu me preparo para receber uma bronca de Perry quando entramos, mas ele
e Paili vêm diretamente até nós, os dois batendo palmas, sorrindo e quase
que formando uma parede de proteção.
— Meu Deus! — Perry agarra meu rosto. — Você veio! Eu te amo!
Eu me pergunto se Tom, sendo trinta centímetros mais alto que eu, está
vendo alguma coisa, porque os olhos dele pousam em algo, e ele se ajeita
para ficar perto da parede.
— Esse é o seu presente. — Eu empurro Gus nos braços de Perry. — Feliz
aniversário!
E Gus, abençoado, agarra o rosto de Perry e dá um beijo nele.
As bochechas de Perry ficam vermelhas, e eu também jogo uma sacola de
presente da Saint Laurent nos braços dele.
— O bar! — exclama Paili. — Vamos beber…
Lanço um olhar estranho para ela.
— Não tem garçom na mesa?
Ela faz um gesto com a mão.
— Claro que tem, mas o bar é legal. É melhor tomar shots na bancada.
Você não acha?
Ela olha para Tom em busca de ajuda.
Tom assente.
— Está certíssima.
Eles todos começam a me arrastar na direção do bar, para longe do que
eu presumo ser BJ fazendo alguma coisa que não querem que eu veja. Outra
garota rebolando no colo dele? Taura Sax? Não sei.
Tomamos alguns shots com um nome vulgar, e eu mal engoli quando
Perry já está batendo palmas dizendo:
— Mais um! Mais um!
Tom está fazendo o pedido, mas pra mim já deu. Eu saio de perto deles
para ver que porra está acontecendo.
São BJ e Alexis Blau. No sofá.
Eu nunca gostei da Alexis Blau. Eu a ouvi no banheiro da escola uma vez
dizendo que, se eu não tivesse um pai famosinho, BJ estaria com ela, o que é
ridículo, porque eu sou muito mais bonita.
Ela sempre teve crush nele e fica mandando mensagem o tempo todo.
Ele nunca me disse isso — ele não diria, porque sabe que eu ficaria com
ciúmes —, mas nem precisava, porque eu adivinhei a senha do celular dele.
(São nossos anos de nascimento de trás para a frente. Precisei de dois anos
para descobrir.)
Tento ignorar a cena. São coisas que prefiro não ver, como se eu estivesse
apunhalando meu próprio coração. Mas, verdade seja dita, ele nunca deu
muita bola para Alexis. Nem mesmo quando pensava que eu não estava
vendo. Agora ele está dando bastante bola para ela. Carícias prolongadas.
Pegação. As mãos dele estão bem para dentro da saia dela. Não consigo ver
todos os dedos.
Eu volto para os meus amigos, tentando parecer corajosa, e me deparo
com várias caretas.
— Tá tudo bem — digo, rindo. Nenhum deles acredita. Sorrio mais
ainda. — Gente, uma vez eu literalmente vi ele transando com outra pessoa,
se não me engano. A língua de uma garota nojenta na orelha dele.
Dou de ombros.
Paili está com as mãos nas bochechas. Como as mãos dela estão sempre
frias, ela está tentando dar um jeito no rosto corado.
— Eu não ligo — repito para todos.
Olho para Tom em busca de apoio, mas a cara dele é de tensão.
Suspiro, reviro os olhos e pego a mão dele para voltarmos à festa.
— Ei, ei — chama Christian, erguendo as sobrancelhas num
cumprimento bem qualquer coisa.
Henry sorri, se levantando para me abraçar. Também parece nervoso.
Eles acham que eu sou uma bomba-relógio? Ele me segura com mais força e
por mais tempo do que o necessário, e algo nesse gesto me deixa nervosa.
— Tá tudo bem? — pergunta enquanto se afasta, olhando para mim. Ele
não espera uma resposta enquanto aperta a mão de Tom. — Vamos pro bar?
Henry aponta.
— Não. — Franzo a testa, impaciente. — Eu não quero ir pro bar. O que
tá acontecendo?
— Nada.
Ele ri de um jeito que parece forçado.
Eu fico observando BJ durante alguns segundos. Não consigo dizer se ele
já me viu, e não sei o que é pior. A forma como ele está beijando Alexis é
meio desesperada e estranha, mas não é nada sexy. É como se uma pessoa há
dias no deserto encontrasse uma garrafa de água.
Ele parece suado. Corado, ou algo assim. Fico com uma onda de náusea.
Espero que eles decidam logo ir para o banheiro — que vergonha todo
mundo ter que presenciar isso.
— Por que ele tá tão bêbado? — pergunto a Henry, franzindo a testa.
São tipo nove da noite.
— Talvez por você estar aqui com Tom England, caralho — diz Jonah
alto, me olhando com irritação.
Nesse momento, BJ se afasta de Alexis e olha para mim. Seu rosto não
demonstra nenhuma emoção. Ele apenas pisca, o semblante vazio. Quanto
ele já bebeu?
Tom está parado atrás de mim e segura meus braços, me firmando no
lugar.
— Eu acabei de chegar — digo a Jonah, e gesticulo para Bê. — Isso não é
culpa minha.
— Tanto faz, pistoleira. — Jonah abana a mão, irritado.
BJ bufa e dá uma risada bêbada.
— Do que você acabou de me chamar?
Pisco aturdida para o meu amigo de longa data. Jonah fica em pé.
— Você ouviu.
— Ei — diz Christian, se levantando, a testa franzida.
Jonah coloca a palma da mão no peito do irmão.
— Você só pode estar de brincadeira, porra.
— E você tá? — Christian se coloca entre mim e Jo. — Se Bê não estivesse
tão transtornado, ele não deixaria ninguém falar com ela assim.
Com isso, BJ empurra Alexis para longe do colo dele. É um gesto
impensado. Ele a empurra como se ela fosse um cobertor e é a primeira
coisa que faz ao acordar. Ela nem sequer terminou de sair de cima quando
ele fica em pé. Ela meio que cambaleia no sofá, encarando-o, incrédula — e
eu também, honestamente. Nunca o vi tratar ninguém desse jeito. Como se
não fosse uma pessoa, apenas um brinquedo para se distrair.
Ele vem até nós e fica cara a cara comigo, me olhando.
Algo nele parece irreconhecível, mas também familiar. Há um
distanciamento nos seus olhos que eu não reconheço de imediato. A
distância é mínima entre nós.
Ele está com o maxilar tenso, as sobrancelhas rígidas, os olhos sérios.
Tom não me solta, mas BJ nem sequer dá atenção para ele. Ele apenas vê a
mim.
BJ franze o nariz. Dá uma fungada.
Eu o encaro demoradamente, meus olhos nos dele. Então me dou conta.
Congelo.
— Você tá cheirado? — pergunto baixinho.
Ele me encara por um segundo e dá uma risada.
— Não.
Eu me aproximo mais, só que está escuro demais. Não consigo ver.
— Tá? — pergunto, mais alto.
— Não — responde ele, mais rápido.
Meu coração está acelerado.
— BJ…
— Não estou — diz ele, alto demais, e dá de ombros. — Deixa de ser
chata, Parks.
Ele limpa o nariz com as costas da mão, inconsciente.
Olho para as pessoas ao redor dele — os garotos agora estão todos de pé,
pairando ou esperando, e algo naquilo é estranho — e, se eu fosse
especialista em linguagem corporal, teria enxergado antes: os olhos de
Christian evitando os meus, os punhos flexionados de Jonah, Henry com a
mão pressionada contra a boca. Só que eu não sou especialista em
linguagem corporal. Não ligo nenhum desses pontos, mas sinto algo mesmo
assim — sinto em meus ossos que alguma coisa está errada.
Eu espero alguns segundos, encarando o amor da minha vida, que mal
está piscando, mas, quando pisca, são movimentos lentos sobre os olhos
enevoados.
E o que acontece em seguida acontece com tanta rapidez que eu nem faço
isso de forma consciente. Estou parada cara a cara com ele num segundo —
e, no seguinte, estou empurrando-o para trás na direção da luz, agarrando o
cabelo dele e puxando o rosto dele na direção do teto.
— Você tá cheirado, porra? — exijo, fazendo com que eu consiga ver as
pupilas dele no ângulo certo.
— Sai de cima de mim!
Ele arranca minhas mãos com força, afastando meu braço, porque está
completamente drogado. E eu… estou em estado de choque profundo e, de
repente, batendo nele, e ele, cheirado, me empurra para longe. Eu caio para
trás, e Jonah me pega, dando ao melhor amigo um olhar arregalado. Bê me
encara, apavorado, e eu o olho de volta, incrédula. Então Tom chega e vem
com tudo.
Sinto como se a festa inteira estivesse agora nos observando.
Devia ter música tocando, mas juro por Deus que fica um silêncio
sepulcral.
O soco vem com um baque sólido, e BJ não faz nada para impedir. Deu
para ouvir o som de osso contra osso, o da mão contra o da mandíbula.
Tom parte para cima dele, então um segurança agarra o pulso dele, e
outro segurança agarra BJ, e eles empurram os dois na direção da porta — e
Jonah ainda está me segurando, mas eu o afasto. Esse maldito traidor.
— Parks! — me chama Jonah.
— Fica longe de mim — berro, afastando a sua mão conforme corro para
fora atrás de BJ e Tom.
CINQUENTA E SETE
BJ
Eu nem sei o que fazer. Sinto como se tivesse algo entalado na garganta.
Seria capaz de chorar, vomitar, me matar. Fico feliz que ele tenha me batido.
Eu precisava. Eu merecia, e era o que ele deveria mesmo ter feito.
É o que eu teria feito se não estivesse tão fora de mim, mas, como é o
caso, eu estou completamente fora de tudo. Fora de mim, fora do mundo,
pronto para estragar tudo e jogar aos quatro ventos. Pronto para perdê-la
finalmente para alguém que é digno de estar com ela.
Estamos na rua — um lugar ruim para eu e Parks estarmos, já que
sempre tem câmeras em algum lugar, mas eu não me importo.
Eu só quero que ele me bata de novo. Tire, por um instante que seja, a
dor do que eu acabei de fazer. Então, ela cambaleia para fora atrás de nós, Jo
em seguida — acho que está tentando agarrá-la para levá-la embora.
Provavelmente ele está tentando mantê-la longe de mim.
Porque eu empurrei ela. Puta que pariu — eu empurrei ela.
Ela, que eu amo mais do que qualquer outra coisa, a pessoa que eu passei
a vida inteira querendo, e quem eu magoei mais do que qualquer um.
Os garotos surgem às pressas. Gus aparece atrás de Tom. Magnolia ainda
está brigando com Jo, que está praticamente lutando com ela para mantê-la
longe de mim, então Henry intervém.
Jonah e Henry trocam um olhar, que, por mais chapado que eu esteja, sei
que não tem nada a ver com Magnolia. Porém, é mais fácil fingir que é isso.
— Larga ela, porra — diz Henry, tirando Parks do nosso melhor amigo.
Tudo está desmoronando. Ou será que sou eu que estou desmoronando
tudo? Não sei dizer.
Ela meio que desaba nos braços do meu irmão, e fico feliz por isso — está
segura com ele. Vejo Henry abraçá-la como eu gostaria de fazer e fico me
perguntando se algum dia vou poder fazer isso de novo, então levo outro
soco.
A multidão reunida ao nosso redor prende o fôlego.
Passo a língua nos lábios e sinto o gosto de sangue. Olho para England.
Ele balança a cabeça. Eu quero que ele me humilhe, mas não há nada que ele
possa dizer agora que eu já não esteja pensando sobre mim mesmo.
— Eu te odeio — diz Magnolia, segura nos braços do meu irmão.
— Quer saber, Parks? Digo o mesmo — cuspo. — Te odeio.
Ela sai dos braços de Henry e corre até mim, os olhos vidrados.
— Qual é o seu problema? O que você tá fazendo?
Coloco uma das mãos no peito dela e aumento a distância entre nós.
— Fica longe de mim — digo.
Parece ser o que eu quero, mas a verdade é que estou com medo de mim
mesmo.
O queixo dela está tremendo quando ela pergunta, baixinho:
— Por que você começou a usar de novo?
— Porque você está acabando comigo, Parks — grito. — Você está
acabando comigo, porra.
Eu esfrego os olhos. Não sei por que estão molhados.
Ela balança a cabeça, franzindo a testa.
— Você tá mesmo tentando me culpar por isso? — Ela respira fundo,
uma respiração chiada, e me olha como se eu fosse um inseto. — O que você
está fazendo, porra?
— Te perdendo — digo a ela.
Ela estica a mão para mim.
— Não está, não…
Afasto as mãos dela.
— Para com isso.
Ela pisca, confusa.
— Quer dizer, talvez agora você esteja.
— Ótimo! — grito, com um tom categórico que eu odeio.
Ela pisca.
— Ótimo? — pergunta ela.
Se eu tivesse óculos especiais, para ver coisas invisíveis — o que não é
necessário com ela, porque consigo ver coisas invisíveis de qualquer forma
—, eu chamaria isso de golpe fatal.
Não sei por que foi, o que tinha nessas palavras que aplicaram um golpe
tão duro, mas começo a ver as rachaduras aparecendo.
Esfrego o rosto de novo. Minhas mãos saem molhadas.
— Eu… caralho! O que você quer de mim, Parks?
Ela parece confusa.
— Nada!
— Você não quer nada de mim? — Eu afasto a cabeça. — Então por que
eu estou aqui, hein, caralho? O que eu estava fazendo nesses últimos três
anos?
— Não foi isso que eu quis dizer. — Ela balança a cabeça. — Eu não me
importo, Bê. Eu não ligo que você não faça nada da sua vida. Não ligo que
você se embebede no final de semana. Posso até relevar o fato de você ser
um puta safado…
— Eu que sou safado? — interrompo, balançando a cabeça e dando uma
risada cruel. — Você é uma piada, Parks.
Eu a encaro, dando à frase uma pausa longa o bastante para chegar nela
antes de atingi-la com o que vem a seguir.
— Você me ama. Todo mundo sabe que você me ama. — Gesticulo ao
nosso redor. — Eu sei que você me ama. Seu namorado sabe que você me
ama. Até mesmo você sabe que me ama. Só que é com ele que você está
trepando — grito, e soa horrível. — Então quem realmente é o safado aqui?
Tom balança a cabeça, puxando-a para trás de si.
— Já chega — diz ele.
Ótimo, cara, uma parte de mim pensa. Fico grato por ele ser para ela o
que eu não posso ser.
Ela olha para mim, a cabeça surgindo por cima do ombro dele.
— Você me prometeu…
Ela está chorando agora. Chorando de verdade. Ela não chora assim
desde a noite em que eu fui até ela com o cheiro do perfume de outra
pessoa.
— É, e daí? — Dou de ombros como se fosse indiferente. — Te prometi
um monte de coisa.
Ela me encara, assentindo de maneira quase imperceptível.
— Prometeu mesmo.
Os olhos dela piscam, implorando para que eu conserte isso antes que ela
precise dizer o que deveria ter dito esse tempo todo.
Não digo nada, não faço nada. Observo enquanto ela se afasta. Observo
enquanto eu a empurro para longe.
Ela assente com uma finitude que me assusta pra caralho.
— Cansei de ficar esperando você ser quem eu achei que você fosse.
— Cansou? — repito, respirando fundo.
— Sim — a resposta dela é baixa.
Balanço a cabeça.
— Não fala essas merdas quando você não está falando sério…
— Me escuta, tá? — Ela balança a cabeça para mim. — Acabou. A gente
acabou.
Pressiono meus lábios, coloco uma das mãos em cima e esfrego o muco
que eu nem percebi que estava lá.
Assinto.
— Finalmente — digo, fungando.
E ela começa a chorar, os ombros sacudindo como uma boia num mar
tempestuoso. Ela nunca chorou dessa forma na frente de ninguém exceto eu,
e está aqui chorando na Harrington Road para o mundo inteiro ver. Apesar
de estar mais drogado do que já estive em anos, começo a me perguntar
quantas pessoas numa vida alguém tem a chance de amar do jeito que eu a
amo. Não podem ser tantas assim. Quantos amores se tem numa vida?
Alguém me fala que são dois.
Puta que pariu.
Por favor, alguém me fala que são dois.
Jo me puxa para trás, me afastando dela, e acho que os laços que nos
unem se rompem. Sinto como se tivesse escutado o som deles arrebentando.
Não são dois.
Jo me arrasta para longe.
— Vamos, cara, já deu.
E eu me debato contra ele, porque não deu.
Nunca vai ter dado. Não há o bastante quando se trata dela. Nunca é o
bastante, e eu nunca vou ter acabado.
CINQUENTA E OITO
Magnolia
Não sei como chego em casa depois disso. Não me lembro. Eu me lembro de
BJ dizer “finalmente” e de Tom me abraçar e me puxar para longe, e me
lembro do cheiro dele — patchuli, bergamota, lavanda e carvalho. Devia
estar sentindo o cheiro dele enquanto chorava espremida em seu peito.
Tive uma daquelas noites de sono em que a gente deita a cabeça no
travesseiro e apaga na hora. Acho que foi por conta de todo o choro. Não
chorava desse jeito tinha anos. E o sono foi como uma borracha
momentânea, apagando tudo.
Então eu acordo, e já é manhã.
Já é quase de tarde, aliás.
Tom está deitado na cama ao meu lado, me observando. O rosto dele
parece bastante triste e sério.
— Oi — diz.
Ele me dá um sorriso que na verdade é uma carranca.
— Oi.
Ele afasta do meu rosto uma mecha do cabelo.
— Como você tá?
A pergunta parece estranha, e, por um segundo, eu me pergunto o que
aconteceu, o que foi que eu perdi, e por que eu estaria me sentindo mal?
Forço as memórias a voltarem, para além do sono profundo e da volta para
casa, para além do choro. Por que eu estava chorando tanto? Isso tudo não
leva mais do que alguns segundos. Por que eu estava chorando? BJ. A
resposta é sempre BJ.
O que isso diz sobre nós?
Não existe mais “nós”.
Pego a mão de Tom e a viro na minha para inspecionar. Ele deu dois
belos socos. Está com os nós dos dedos arranhados e um pouco inchados.
Eu suspiro.
— Desculpa.
Ele balança a cabeça.
— Vou pegar um pouco de gelo — ofereço.
— Não, eu tô bem…
Eu o ignoro e dou um beijo nele rapidamente antes de descer as escadas.
Estou usando uma camiseta de Tom, que tem o cheiro dele. Levanto o
colarinho até o nariz e inspiro, e me sinto um pouco mais calma.
Entro na cozinha, e minha família inteira olha para mim. Estão todos
reunidos ali — todos mesmo —, parados em pé ao redor do balcão de
mármore.
Até mesmo minha mãe, que nem mora mais aqui.
— Você tá bem? — pergunta minha irmã, vindo na minha direção.
— Como assim?
Franzo a testa.
— Os jornais, as revistas, a internet… tá todo mundo comentando.
Marsaili se aproxima com cautela.
— Disseram que você se envolveu numa briga que teve até agressão…
Fico em silêncio e me afasto da minha irmã para pegar gelo.
— E aí? — Bridget pisca. — É verdade?
Me mantenho calada, encontro um pano de prato e jogo diversos cubos
de gelo nele.
— Ele te machucou? — perguntou meu pai.
Não a olho nu.
— Eu tô bem — informo.
— E o gelo é pra quê? — pergunta Bushka, os olhos semicerrados.
Penso na pergunta.
— BJ não está tão bem.
Os olhos de Marsaili se arregalam.
— BJ está lá em cima?
Balanço a cabeça.
— Tom está lá em cima.
— Você acabou de dizer que BJ está lá em cima…
— Não, eu disse que BJ “não está tão bem”. Porque o Tom bateu nele, é o
Tom que está lá em cima, com a mão machucada. Então, licença… — Olho
para minha mãe, que está usando o vestido longo decotado com recortes
marrom da Cult Gaia. — Escolha curiosa para uma manhã de quase
inverno…
Ela olha para si mesma.
— Não gostou?
Analiso-a de cima a baixo.
— Não, eu amei, na verdade.
— Obrigada, mas espera… — Os ombros da minha mãe despencam
enquanto ela franze a testa para mim. — Você tá bem?
— Sim.
— Os jornais disseram que vocês terminaram…
Assinto.
— Terminamos.
Minha mãe parece confusa.
— Mas você tá bem…
Eu assinto mais uma vez, breve.
— Então pra que eu me dei ao trabalho de vir pra cá tão cedo?
Bridge olha o relógio.
— É meio-dia.
— E você agora não está morando do outro lado do parque? — pergunto.
— Alguns pais talvez considerem positivo ela estar bem… — sussurra
Marsaili.
Minha mãe revira os olhos para todos nós.
— Fico feliz que você esteja bem, querida. Sinceramente. Você e BJ vão se
resolver, como sempre se resolvem.
Abro um sorriso tenso.
— Não dessa vez.
Eu dou meia-volta e subo apressada as escadas até Tom. Bridge corre
atrás de mim.
— Não dessa vez? — repete. — O que isso quer dizer?
— Que acabou tudo.
Continuo subindo as escadas.
— Até parece.
Eu a ignoro.
— Estou falando sério.
— Não está, não! — diz ela.
Eu paro e olho para ela. Ela o ama, sempre amou. Ele sempre esteve por
perto, durante a vida dela inteira. Ela também cresceu junto dele. Ela tira
férias com os Ballentine, vive dormindo na casa de Allie. A traição de BJ foi
tão difícil para Bridget quanto para mim — em certos aspectos, até mais
difícil. Demorou mais tempo para ela perdoá-lo e aceitá-lo de volta. Acho
que aquilo a assustaria, se eu e BJ terminássemos de verdade. Ele é tão
importante para ela. E ela me escolheria, eu sei que sim. Só que prefere não
ter que escolher.
— Ele está se drogando de novo — revelo.
Ela arqueja e encara o tapete por alguns segundos.
— Tem certeza?
Faço que sim.
— Ele me empurrou.
Bridget mantém a cabeça baixa conforme sobe as escadas na minha
direção, e aí me dá um abraço apertado.
— Eu sinto muito…
— Para com isso — digo, sem me mexer.
— Você precisa disso — informa.
— Eu não…
— Estou aumentando seus níveis de dopamina e serotonina.
— Por favor, para agora mesmo.
Ela dá um grunhido e me solta, balançando a cabeça.
— Por que você está agindo como se estivesse tudo bem?
Encontro o olhar dela e sustento durante alguns segundos.
— Eu não tô bem.
Volto para o meu quarto, subo na cama e engatinho na direção de Tom.
Ele me coloca no colo dele e me abraça. Seguro o gelo contra a sua mão, e
ele descansa o queixo no meu ombro.
— Parks…
Eu olho para ele.
— A gente poderia ser de verdade — diz ele. — Isso aqui poderia ser de
verdade.
Penso no assunto.
— O que nós somos agora?
Ele dá uma risada curta e pressiona a boca contra o canto da minha.
— E eu lá sei?
— Mas não é real? — pergunto.
Tom beija meu ombro de uma forma distraída.
— Não sei — responde ele, a boca abafada contra a minha pele. — O que
eu sou pra você?
Eu me inclino contra ele, apertando nossos lábios no outro enquanto
reflito sobre a pergunta.
— A máscara de oxigênio — digo, encarando-o — que se solta do teto
quando o avião está caindo.
Ele me abraça com mais força.
— Tá de bom tamanho pra mim.
10:12
Henry
Ei
Oi
Eu te amo
Também te amo
Para sempre.
Eu sei.
Que saco.
É, eu também.
Você tá bem?
Sei lá.
Prometo.
CINQUENTA E NOVE
BJ
Magnolia
Tom nos leva para o Grand Resort em Bad Ragaz — fica só a uma hora de
Zurique, e nós não publicamos nada sobre eles na Tatler há algum tempo,
então eu nem preciso fingir que estou gripada para dar uma fugida.
Há uma tranquilidade aqui, e sinto como se estivesse mais distante de
Londres do que estou.
Viemos em grupo — Tom e eu, Paili e Perry. Ele insistiu nisso, na
verdade. Disse que não os conhecia tão bem e sente que deveria.
Durante o voo, Perry ficou sentado com ele na cabine, e Paili e eu ficamos
bebendo vinho nos fundos.
— Ele deve estar tentando tirar a sua cabeça da situação — disse ela, e eu
concordei. — Vocês estão transando?
Confirmei mais uma vez. Ela sorriu um pouco.
— Olha só! Transando. Meu Deus, talvez você esteja de fato superando…
Até mesmo em retrospecto, eu não sei dizer se essas palavras me fizeram
sentir alívio ou tristeza. Talvez as duas coisas.
— Como ele é?
— Comparado ao BJ? — perguntei.
Ela se mexeu sem jeito e deu de ombros, mas os dois são as únicas
pessoas com quem estive, então imagino que era disso que ela estava
falando.
— Assim, eu não transo com BJ há anos, desde a… sabe…
Sua expressão ficou melancólica, e a boca dela se franziu, triste por mim.
— Mas, pelo que lembro, é diferente. Eu aprendi a transar com BJ. Nós
sempre falávamos muito e ríamos, e… ele conhece meu corpo melhor do
que ninguém…
Afinal, meu corpo cresceu nos braços dele.
Ela me lançou outro sorriso tristonho.
— E o Tom?
— O Tom? — Sorrio. — Meio que parece um sonho o tempo inteiro. —
Sinto as bochechas corarem. — Não sei. Toda vez que a gente transa, pelo
menos uma vez eu abro os olhos e penso “Nossa! Olha a gente! Fazendo
isso! Como foi que aconteceu?”.
Ela riu.
— Ele faz jus à reputação dele, depois do que nós vimos no barco?
Fico ainda mais corada.
— Faz, sim.
O hotel é lindo, aliás. Lógico. Tudo que envolve Tom é lindo. Desde suas
escolhas até seus olhos, o cabelo, a voz, os ombros, o sorriso e até as mãos.
Eu não sei por que ele me levou até ali, se foi por qualquer outra razão
que não seja me levar para longe para que eu tivesse espaço. Mas, nesse
espaço que ele me proporciona, tudo que consigo pensar é no que minha
vida poderia ser, se eu conseguir fazer o que estou tentando.
Como seria minha vida se eu cortasse BJ dela de vez? Porque a vida que
eu penso que teria com Tom seria uma boa vida… e não tem a ver com
dinheiro. Eu tenho dinheiro. É o jeito tranquilo dele, a forma como ele anda
pelo quarto, a maneira como segura meu joelho quando estou sentada ao
seu lado, seus olhos atentos, o jeito como a minha mão inteira mal consegue
envolver dois dedos dele. E a consideração que ele tem.
E sei que ele não é meu por completo. Sei que ele ama outra pessoa, mas
eu também amo — e talvez esteja tudo bem, porque talvez exista, de fato,
mais de um amor numa vida. Talvez BJ seja o grande amor da minha vida,
não porque ele foi um grande amor, mas porque ele foi marcante. E talvez
Tom seja o amor que me redimirá em vida e, quem sabe, isso seja melhor
ainda…
É divertido viajar com Perry, Pails e Tom. Não temos dramas entre nós.
Paili e Tom se dão muito bem. Perry tende a ficar com ciúmes quando Paili
gosta mais de alguém do que dele, mas o charme de England novamente
prevalece.
Eu amo viajar com Perry, porque ele está sempre disposto a experimentar
coisas esquisitas comigo.
Tom ficou perplexo com a minha sugestão de ir numa massagem tibetana
com tigelas, mas Perry se animou na hora e não precisou de nenhum
suborno para me acompanhar.
— Algum deles falou com você? — me pergunta ele enquanto estamos
esperando na sauna.
Balanço a cabeça.
— Nem o Henry?
Dou de ombros.
— Eu sempre falo com o Henry, mas nunca sobre o irmão dele.
Perry fez uma careta.
— Eles fizeram a maior farra em Amsterdã.
— Não tenho dúvidas.
Mantenho o rosto impassível, e ele me observa durante alguns segundos.
— O que aconteceu antes que você não contou? — pergunta ele.
Eu o encaro.
— Você não estava nem aí quando uma garota estava com a língua no
ouvido dele, mas você se importou de ele estar se drogando. O que
aconteceu?
Eu o encaro por alguns segundos. Penso em mentir, despistá-lo da
verdade de que já deve desconfiar, mas no fim decido ser sincera.
— Ele teve uma overdose.
Não quero mais mentir por ele. Não quero mais saber de mais nada dele,
suponho.
Perry pisca algumas vezes.
— Quando foi isso?
Pressiono os lábios, fingindo que a data não está gravada na minha
mente, fingindo que eu não consigo ver a testa suada, os olhos esbugalhados,
o nariz machucado e os chupões no corpo inteiro ao menos uma vez por
semana, quando ainda tenho pesadelos com a cena.
— Há uns dois anos. Ou um pouco mais.
— Caralho.
— É.
Ele pensa um pouco.
— O beijo — diz ele. — No cinema, em Leicester Square. Paili e eu
sempre ficamos nos perguntando sobre isso.
Eu viro para ele, e meus olhos se suavizam diante da memória. A
sensação no meu peito e a vontade incontrolável de beijá-lo, não importava
o que custasse.
— Aliás, por que a gente estava no cinema? A gente vai em premières, e
não em sessões diurnas. — Perry faz uma careta de desgosto, e eu rio. —
Você vai mesmo cortar laços com ele? — pergunta depois de alguns
segundos.
Provavelmente não, mas estou sendo sincera quando digo:
— Espero que sim.
SESSENTA E UM
BJ
Estou aqui na expectativa de vê-la. É uma das paradas da mãe dela. O baile
de gala de uma associação cheia de letras na sigla. É para angariar fundos
para as crianças. Não sei que crianças são essas e posso ser meio babaca por
isso, mas não estou aqui pelas crianças. Estou aqui pela garota.
Tenho tanta certeza de que ela vai comparecer que, quando chego no
endereço, já estou na terceira carreira cheirada e preparado para vê-la entrar
de mãos dadas com o filho da puta do Tom England, num vestido que faz eu
querer me matar e, ao mesmo tempo, tirar a roupa dela.
Observo a porta fervorosamente.
— Querido — diz minha mãe, batendo no meu braço. — Espera um
pouco, ela vai chegar.
Ela ajeita meu cabelo, e eu despenteio mais uma vez, com um olhar
desolado.
— Mãe…
— Que foi? Está uma bagunça.
— Eu arrumei — replico, franzindo a testa.
— Eu sei — concorda ela. — De um jeito bagunçado. Parece que você
acabou de sair da cama.
Ergo as sobrancelhas para ela.
— Essa é a intenção.
— Uma intenção idiota — murmura ela baixinho, então olha para mim.
— Magnolia vem com aquele tal do Tom England?
— Provavelmente — digo, assentindo. — Estão namorando.
— Ele provavelmente nunca traiu ela — comenta minha mãe, pesarosa.
— Provavelmente não.
Lanço a ela um olhar exasperado e viro a bebida.
— Ah, enroladinhos! — diz ela, cantarolando e saindo às pressas atrás do
garçom.
Fico aliviado por ela ter ido embora, então olho para a porta mais uma
vez, e o pai de Magnolia entra com Marsaili.
Todo mundo os encara por alguns segundos, o ruído da sala diminuindo
de uma vez só — e então é como se todos percebessem juntos o silêncio que
se instaurou, e tudo volta à tona.
Meu coração está na boca enquanto espero. Não me importo que ela vai
estar ali com England, vou ficar apenas feliz em vê-la. Aqueles olhos que vão
me encarar com raiva, e a boca em biquinho. Posso provocar uma briga com
ela para que ela se dirija a mim, talvez.
Sinto saudades da voz dela.
Sinto saudades da forma como ela morde o lábio inferior quando faço
algo de que ela não gosta. Reflito sobre quem mais está aqui na festa que eu
poderia beijar na frente dela e deixá-la irritada.
E então uma Parks aparece.
É Bridget, e não Magnolia. Nossos olhares se cruzam, e sinto meu rosto
desmoronar. Ela me dá um sorriso triste e se aproxima, cautelosa. Está
parecendo um pouco a Cinderela.
— Dois eventos no mesmo ano? — Eu me espanto, beijando a bochecha
dela. — Foi você que escolheu essa roupa?
Ela me lança um olhar.
— Ela acha que eu sou a bonequinha dela.
Assinto algumas vezes.
— Ela está me evitando?
A boca dela se aperta.
— Ela está na Suíça.
— Me evitando.
— E ela tem culpa? — pergunta Bridget, as sobrancelhas erguidas.
Tiro o celular e verifico a data. É 1º de dezembro.
— Quando ela volta?
— Hum — murmura ela, tirando uma taça de champanhe da bandeja de
um garçom passando por perto. — Acho que amanhã.
Não é minha intenção, mas eu suspiro aliviado.
Bridget me observa durante alguns segundos.
— Com quem você veio?
— Com a minha mãe.
Dou um sorriso fofo. Ela assente, tranquila.
— Sua mãe sabe que você está cheirado?
Encaro-a por alguns instantes, irritado.
— Não.
Bridge ergue as sobrancelhas durante alguns segundos, então balança a
cabeça.
— Você está tentando afastar ela de propósito?
— Como assim?
— Isso aqui. — Ela gesticula para o nada. — Tem muita cara de
autossabotagem.
Tensiono o maxilar. Não estou nem um pouco a fim de ouvir Bridget
Parks me dar um diagnóstico que nem pedi.
— Não é — retruco.
Ela me ignora.
— É só que você fez a única coisa pela qual ela nunca vai te perdoar.
Balanço a cabeça, irritado.
— Se ela me ama, não deveria nem existir uma coisa pela qual ela não me
perdoe. — Eu dou de ombros, e estou falando sério. — O amor não deveria
ser o suficiente? “O amor supera tudo”, essas bobagens?
Ela se senta numa mesa que não é a nossa, o queixo apoiado na mão.
Eu me sento ao lado dela. Fico feliz pela sua presença. Faz com que Parks
pareça menos distante.
— Ela já viu você com o quê… — Ela dá de ombros. — Quantas outras
garotas? — Ela não espera uma resposta: — Garotas demais, na verdade. É
perigoso, você deveria fazer exames…
— Eu faço. — Dou a ela um sorriso convencido. — Com frequência.
— Eu não ficaria me gabando por isso, mas tá.
Reviro os olhos.
— Ela sabe da traição. Ela sabe como você é desde que vocês terminaram.
Vocês dois se magoam, é a parada de vocês, eu entendo. É o que vocês fazem
para ficar perto um do outro, mas ainda assim é doentio e idiota, e vocês são
imbecis por agirem dessa forma. Mas não é uma atitude rara para dois
imbecis codependentes…
Eu franzo a testa, apesar de que uma resposta igualmente apropriada
seria rir.
— A única coisa que ela acha realmente imperdoável é você ficar se
matando.
Reviro os olhos.
— Não tô me…
— Me deixa falar — me interrompe Bridget. — Você não estava lá. Você
não viu como ela ficou.
— Ela me bateu. — Lanço um olhar incrédulo para a irmã de Magnolia.
— Na frente dos meus pais e do meu médico. Num leito de hospital.
— Que bom. — Bridget assente, alegre. — Deveria ter batido mesmo.
Você teve uma overdose. Quase morreu. Você fez isso consigo mesmo…
Eu suspiro.
— Não de propósito…
Juro, não foi de propósito. Eu não faria isso com ela.
Bridget me encara, pensativa.
— Foi pior do que quando você traiu ela…
E eu não acredito nisso nem por um instante. Nem por um único
instante. Depois que terminamos, li os artigos que o Daily Mail e o The Sun
publicaram sobre ela. Um monte de merdas do tipo “fontes próximas dizem
que uma Parks de aparência sofrível está a caminho da reabilitação depois
que os pais começaram a se preocupar com a sua perda de peso excessiva”,
além de especulações sobre ela ter diabetes, estar com parasitose… Na
verdade, ela estava apenas triste.
Então Bridge está mentindo.
Não tinha como ser pior do que isso.
— Ela não tomava banho. Ela ficou sentada na cama dela quase uma
semana. Ela não comia. Ela não bebia.
— Ela quase não come, de qualquer forma — replico, dando de ombros,
como se nada disso estivesse me afetando.
— Ela desmaiou. Tivemos que levar ela no hospital, porque ela ficou
desidratada.
Meu coração desaba. Parks nunca me contou isso.
Puta que pariu.
Bridget balança a cabeça para mim.
— Não dá pra você fazer alguém te amar da maneira como ela ama e aí
agir dessa forma impensável igual você age. Não é justo.
Faço uma careta.
— E não dá pra ela me fazer amar como eu amo e viver me afastando
porque eu fiz merda uma vez três anos atrás…
Bridget bufa.
— Vamos combinar que você fez merda mais de uma vez. E ela também
— acrescenta Bridget, quando abro a boca para reclamar. — Não estou
dizendo que ela não tem culpa no cartório. Ela tem, sim. Tem dias em que
ela é mais babaca que você.
Eu sorrio, me sentindo validado.
— Mas o que ela está fazendo nessa história é se preservar — continua
Bridget. — Ela acha que vai morrer junto se você morrer.
Ela parece satisfeita com a conclusão.
— Bridget — digo com um sorrisinho, porque ela está sendo estúpida.
— Óbvio que isso é ridículo — retruca ela, alto, me ignorando. Ela é
confiante demais para alguém de 21 anos, se quer saber. — E não é verdade.
Mas dá pra imaginar: se você morrer mesmo, como seria isso pra ela?
Porque ela já imaginou. Foi tudo o que passou pela cabeça dela desde que
você teve a overdose. — Ela toma um gole da bebida. — Fica passando em
looping na cabeça dela.
— Isso não é verdade — replico, franzindo a testa.
— É, sim. Ela me contou. — Bridget tamborila os dedos na mesa. — E aí
você está aqui fazendo justamente a coisa que causou esse problema.
Abro a boca para dizer alguma coisa.
— Você está tentando magoar ela?
— Não — respondo, olhando-a com irritação.
— Você está tentando ver o quanto seu amor por ela aguenta?
— Não.
Só que aguenta muito mais do que você sabe, pequena Parks.
Ela me lança um olhar demorado e curioso.
— Então que porra é essa que você tá fazendo?
SESSENTA E DOIS
Magnolia
Volto para Londres bem a tempo do dia 3 de dezembro. Não que faça
diferença. Não importa mais. Bom, ainda importa, mas agora estou com
Tom, acho. Pra valer.
Ou pelo menos vou estar.
Foi o que decidi no carro, depois de me despedir dele mais cedo.
— Para onde você vai? — perguntou ele.
— Devon — respondi, dando de ombros. — A trabalho.
Ele pareceu confuso.
— Por que Devon?
Precisei pensar rápido.
— Pesquisa para uma daquelas matérias “aqui pertinho de casa”.
— Ah. — Ele assentiu, e então me deu um beijo. — Eu iria com você, se
não precisasse voar até…
Eu balancei a cabeça.
— Deixa disso. É Devon, nada de mais.
Dei um abraço muito apertado nele.
Ele é a pessoa com quem eu deveria estar. Tenho certeza disso. É o que
está passando pela minha cabeça durante todo o percurso até Devon. Seja
como for, não importa mais, porque, quando eu disse a BJ que estava tudo
acabado, ele respondeu “finalmente”, como se estivesse esperando isso de
mim. Há quanto tempo ele está esperando que eu enfim rompa relações?
Eu provavelmente deveria ter feito isso há anos, mas sempre vou ficar
preocupada sobre nunca mais amar outra pessoa da forma como eu o amo.
Destinados: era isso que eu achava que nós éramos um para o outro. Que,
não importava o que acontecesse, o quanto nos afastássemos ou
machucássemos, sempre encontraríamos o caminho de volta um para o
outro.
Agora que estou com 23 anos, agora que estamos nessa situação e tudo
que fizemos desde que nos perdemos um do outro foi nos perdermos de
formas diferentes de novo e de novo, voltar a ficar juntos parece um sonho
de criança. Uma história de contos de fada à qual eu me apegava e que
amenizava as dores de ter que deixá-lo no passado.
Deixá-lo no passado jamais seria uma coisa que aconteceria
passivamente, e eu sabia disso desde o princípio. Deixá-lo sempre envolveria
certo grau de dor, seria um ato de violência, como arrancar meu coração do
peito, deixando-o num banco em algum lugar, e torcer pelo melhor até
conseguir chegar a um hospital para me darem pontos, mas não acho que dê
para sobreviver muito tempo com o coração fora do peito.
Chego na casa da minha família em Dartmouth.
É uma mansão grande e antiga de 29 hectares. Tem uma piscina interna,
uma externa, um lago e um caminho até a praia, além de alguns cavalos e
ovelhas.
Eu amava esse lugar antigamente. Agora não tanto.
Procuro rápido pelo caseiro, o sr. Gibbs. Ele trabalha para a minha
família há anos — durante a minha vida inteira, na verdade. É um bom
homem. Fica na dele.
Ele é viúvo, se não me engano.
Várias vezes me pergunto se ele se sente solitário por aqui.
Ele e os dois são-bernardos que moram com ele no terreno.
Eu ajeito o cardigã de pelo de camelo canelado com botões que estou
usando e abraço a mim mesma, porque ninguém está fazendo isso. Ando de
volta até o jardim, seguindo o caminho mental até o lago, onde fica a árvore.
Sempre amei esse salgueiro, mesmo antes de tudo. Há algo de poético
nele, antes mesmo que poemas fossem escritos. Os galhos avançam por cima
da água e as folhas se movem perto do lago, os galhos se dobrando como se
estivessem se quebrando, mas nada disso deixa a árvore menos linda.
E agora… ainda amo esse salgueiro. Mesmo antes de ver BJ Ballentine
embaixo dele.
Eu o encaro por alguns segundos.
Ele está vestindo um casaco de moletom de caxemira preto da
colaboração da Fear of God com a Ermenegildo Zegna, calça xadrez da
Paccbet e Vans pretos antigos.
O cabelo dele está uma bagunça, os olhos pesados. BJ fica um tanto
boquiaberto enquanto me encara de volta.
Eu pisco, querendo dizer que estou com saudades, e os cantos da boca
dele voltados para baixo dizem o mesmo. É como se alguém tivesse me
aninhado na minha cama antes de eu dormir, uma certeza de que vou me
lembrar de cada minúsculo detalhe dele para sempre. Eu nunca vou
desaprender o formato da boca dele.
— Você veio — digo, baixinho.
— Claro que vim. — Ele parece um pouco irritado. — Eu prometi.
— Você já quebrou promessas antes.
Ele me encara.
— Mas não essa.
Eu ando até ele e paro ao seu lado, mais longe do que quero estar.
Há uma distância considerável entre nós — e quando não há, hoje em
dia? Minutos se passam sem que nenhum dos dois diga qualquer coisa com
palavras.
Naquele altar da árvore, faço milhares de rezas e promessas em silêncio,
imploro a quem quer que esteja escutando que as estrelas se alinhem e
deixem que ele seja quem eu penso que ele é. Rezo para que, se ele não
puder ser isso, eu possa estar livre dele e isso não me mate. Só que vale a
pena morrer por ele, e acho que isso pode ser parte do problema.
Ele está me observando como alguém que me conhece há tempo demais,
absorvendo coisas do meu rosto que ele não tem permissão para saber.
— Você tá bem? — pergunta.
Faço que sim, ainda que seja mentira.
— E você?
Ele dá de ombros.
— Esse dia sempre me deixa meio mal.
Eu assinto.
— Sim.
Ele encara a árvore, sorrindo um pouco.
— Eu penso naquela noite o tempo todo.
Sinto as bochechas corarem.
— É mesmo?
Ele pressiona o dedo indicador contra o nariz, achando graça.
— Aham. Você não?
A resposta mais honesta é que eu tento não pensar.
— Quem foi que interrompeu, mesmo? — pergunto, semicerrando os
olhos para ele.
— Thatcher — responde BJ, rindo. — Hendry.
Ele percorre o cabelo com os dedos.
— Sim. — Eu sorrio para ele. — Você ficou muito puto.
— É que… — diz ele, disfarçando o sorriso com as costas da mão. —
Você estava praticamente pelada.
Franzo a testa e sinto as bochechas arderem.
— Você também estava.
— Pode ser, mas eu não ligo se alguém estiver vendo a minha bunda…
Nossos olhos se cruzam. Eu engulo em seco, então balanço a cabeça para
tentar manter a compostura.
— Você nunca conseguia deixar aquela porta trancada.
— Parks, é uma tranca de mentira, porra. — Ele dá uma risada, e um
milhão de memórias passam pelo seu rosto. — Mas eu nunca vou ficar mal
por aquela porta não trancar…
Se houvesse um incêndio na minha mente e eu pudesse salvar apenas três
coisas, uma delas seria aquela noite — a colcha de penas que levamos até o
tronco sujo da árvore e os olhos impacientes e as mãos inquietas do BJ de
dezessete anos.
— Você lembra depois, quando uma família de patinhos apareceu de trás
do arbusto? — pergunto, e ele começa a rir.
— Você ficou muito chateada. Como se os patos entendessem o que a
gente estava fazendo.
— Entendiam, sim! — Balanço a cabeça. — Aposto que os patinhos estão
na terapia há anos depois de verem o que você fez comigo.
Ele me lança um olhar brincalhão.
— Eu não me lembro de você ter reclamado tanto na época…
Eu o encaro, erguendo o queixo.
— Eu não estou reclamando agora.
A boca dele estremece, e Bê desvia o olhar. Ele apoia a cabeça nas mãos,
balançando com força.
— Parks, como eu vou conseguir superar você com toda essa merda que
existe entre a gente?
Comprimo os lábios.
— Você está falando do trauma compartilhado, é isso? — pergunto.
Ele dá uma risadinha, irritado com a minha irmã mesmo tão distante
dela.
— Eu fico feliz por ele, na verdade — comento.
Ele me encara, com afeição.
— Foi a melhor coisa da minha vida, ter sido traumatizado por você.
Nós nos encaramos de um jeito que diz muito mais do que nossas bocas
poderiam.
O clima entre a gente começa a ficar mais carregado, como numa ilha
tropical antes de uma tempestade. Pesado e elétrico. Tangível.
E talvez essa árvore seja um buraco de minhoca no espaço-tempo, ou
talvez aquela sensação de que não posso confiar nele finalmente vá embora,
ou talvez eu só o ame de uma forma que não tem como ser desfeita.
Os olhos dele percorrem o meu rosto, parando na minha boca, e então
está acontecendo antes que eu me dê conta. Nós nos beijamos, como ondas
se chocando em um penhasco.
Eu não sei se eu sou a água e ele é o penhasco, mas as mãos dele passam
por todo lugar, por todo o meu corpo sob o vestido midi de algodão branco
da Bottega Veneta, e então estou andando para trás. Tiro o moletom dele,
passo as mãos pelo que costumava ser o meu terreno, e então sou
pressionada contra a árvore. A boca dele está no meu pescoço, a respiração
entrecortada que parece se enroscar na minha pele, e eu estou com as pernas
entrelaçadas na sua cintura. Nossos olhos se encontram. Sempre são mais
verdes do que lembro — quase da cor das folhas da árvore embaixo da qual
estamos prestes a fazer tudo de novo.
Ele me encara, piscando, o rosto sério de repente.
— Eu te amo — diz, a voz rouca e baixa.
Engulo em seco, nervosa.
— Também te amo — sussurro.
E então ele me penetra. Sinto uma arfada minúscula presa na garganta e
encosto minha testa na dele. Seguro o rosto dele nas mãos, beijando aquela
maldita boca que eu amo, passando as mãos pelo cabelo dele até tudo
emaranhar.
E o mundo desaparece até ficar preto. Somos apenas nós dois no
universo. As estrelas explodiram, o sol apagou. É apressado, e eu o amo, e é
urgente. Eu o amo, e é como se alguém colocasse um fogo debaixo de nós,
ou talvez nos nossos ossos, e precisamos apagar, mas talvez nenhum de nós
queira fazer isso. E eu o amo.
Vou queimar todas as minhas defesas, não me importo.
A boca dele na minha pele é como a neve caindo na água. E é
imperdoável da minha parte, na verdade, ter arrastado outros corações para
essa confusão. Só que eu fiz isso, e sinto muito, e minha mente está
delirando enquanto ele me segura contra ele, e talvez eu esteja cansada, ou
talvez seja por estar ali, novamente nos braços dele, mas meus olhos se
enchem de lágrimas. O mundo inteiro estremece no mesmo ritmo dos
nossos corpos, todas as flores desse mundo e outros que possam existir
florescem de uma vez, e as folhas dessa árvore que amamos sussurram que
eu estou finalmente em casa.
SESSENTA E TRÊS
BJ
* * *
Ela acorda no dia seguinte, e, provavelmente pela primeira vez na vida, estou
desperto antes dela. Isso nunca acontece.
Ela sempre acorda primeiro, mas acho que realmente a cansei ontem,
porque ela dorme até depois do meio-dia, e eu não mexo um músculo até os
olhos dela se abrirem.
Ela me fita durante alguns segundos, piscando, dando uma olhada no
quarto e então de volta para mim.
— Não é um sonho — diz ela, sorrindo.
Eu a beijo.
— Não é um sonho.
Ela se aconchega mais perto, encostando a testa na minha.
— Parks?
— Oi?
— É isso, não é?
E eu me odeio um pouco, porque sai mais nervoso do que eu gostaria.
— Tipo, agora é isso. Sem mais enrolação. Tá?
Ela assente.
— Vou parar com todas as outras garotas e as outras merdas. E você,
chega de Tom.
— Chega de Tom — repete ela, assentindo.
Ela quase parece um pouco triste ao falar isso. Não vou pensar demais no
assunto, porque sei que eles ficaram próximos.
— E você vai deixar no passado o que eu fiz? — pergunto, examinando o
rosto atentamente. Ela faz que sim de novo. — De uma vez por todas? — Ela
confirma. — Não pode trazer esse assunto de volta nas brigas que vamos ter
nos próximos anos. — Ela revira os olhos. — Mesmo se você nunca
conseguir as respostas que você quer de mim? — Eu aguardo a reação nos
olhos dela. — Porque as respostas que você quer não existem.
Ela reflete sobre aquilo.
— Tá — diz, assentindo uma vez.
Eu assinto de volta.
— Tá.
SESSENTA E QUATRO
Magnolia
BJ
Entro na casa dos meus pais em Belgravia sem avisar ninguém. É depois do
jantar, mas sempre tem algo para comer aqui. Minha mãe vive fazendo
comida demais e está em negação que Henry e eu não moramos mais aqui.
Mas às vezes nós aparecemos. Nós dois temos nossa própria casa agora, mas
de vez em quando é bom voltar para o lar.
Entro na cozinha, e minha mãe ergue os olhos da pia, o rosto se
iluminando.
— Meu amor, você está aqui! — Ela tira uma das luvas de borracha. —
Querido! — Ela chama meu pai: — BJ está aqui!
Há um murmúrio vago em resposta do meu pai, e minha mãe me abraça.
— Está com fome?
Faço que sim.
— Morrendo.
Eu me empoleiro no balcão de mármore que está coberto de coisas de
limpeza — porque, sabe-se lá o motivo, já que sempre tivemos uma
faxineira, minha mãe corre pela casa fazendo uma pré-faxina antes que ela
chegue. É meio redundante, meu pai odeia, mas ele ama minha mãe, e ela
nunca vai demitir Nel. Prefere pagar um salário anual para ela ficar sentada
comendo biscoito e lhe fazendo companhia três dias por semana.
Ela faz um prato para mim com comida demais. Dois tipos de carne
(frango e bife), quatro tipos de carboidrato e um pouco de brócolis, todos
cobertos com o mesmo molho. É comida demais, e, mesmo assim, devorei
tudo em menos de cinco minutos.
Ela fica parada ali, o queixo na mão, me observando.
— Qual é a ocasião especial para você vir aqui hoje?
Dou uma risada.
— Não dá pra um cara só ir visitar a mãe sem motivo nenhum?
— Um cara, sim, mas os meus caras não fazem isso. — Ela me lança um
olhar. — Henry está lá em cima. — Ela faz um aceno de cabeça na direção
do quarto. — O que está acontecendo entre ele e o Jo?
Olho em sua direção.
— Como você sabe que é algo com ele e o Jonah?
Ela semicerra os olhos.
— Porque não acontece nada entre ele e o Christian, e, se fosse entre
vocês dois, eu saberia o que houve.
Ela é observadora demais, de uma forma irritante.
Semicerro os olhos.
— Eles estão a fim da mesma garota.
— Ah — diz ela. — Ela é das boas?
Assinto.
— É, ela é maneira.
Ela me serve um pouco de vinho. Serve uma taça ainda maior para ela.
— E você, meu querido? — Ela inclina a cabeça. — Veio até aqui contar o
quê?
Tomo um gole e fico em silêncio só para irritá-la um pouco.
Ela franze a testa.
— É notícia boa ou ruim?
Tomo mais um gole, dando um sorriso.
— BJ! — ralha ela.
E me levanto, levo meu prato de volta até a pia e o enxaguo. Ela vai atrás
de mim e arranca o prato das minhas mãos, lavando-o de novo ela mesma
antes de colocar no lava-louça. Depois se vira para mim, as mãos nos
quadris.
— Baxter James Ballentine…
Abro os braços e me debruço sobre a ilha de mármore no meio da
cozinha. Olho para ela e sorrio.
— Que foi? — Ela franze a testa.
— Parks e eu transamos.
Um gritinho escapa quando minha mãe coloca as mãos sobre a boca. Eu
contaria que transei com qualquer outra pessoa para a minha mãe? Não.
Nunca. Nem em um milhão de anos, mas a reação foi merecida, e eu queria
falar, então contei.
Ela corre até mim, sacudindo os meus ombros.
— Meu Deus do céu! — Ela me dá outra chacoalhada. — Hamish! Meu
Deus…
Meu pai entra às pressas.
— O que aconteceu?
— BJ e Magnolia voltaram — ela praticamente se esgoela.
Arregalo os olhos para meu pai, ainda me divertindo, e o rosto dele se
abre num sorriso.
— Verdade?
Assinto.
Ele semicerra os olhos para mim, desconfiado.
— Ela sabe que vocês dois voltaram?
— Eles transaram! — berra minha mãe.
Tanto meu pai quanto eu a encaramos, constrangidos.
Então, o rosto dela se transforma numa carranca.
— Imagino que seja pela primeira vez na vida. Porque, até agora, você era
virgem.
Balanço a cabeça.
— Não.
— E ela foi a única garota com quem você já se envolveu.
— Não é — informa meu pai.
Ela faz uma careta para ele, então olha para mim.
— E a única com quem vai ficar…
Eu abro um sorriso. Estamos torcendo por isso, Lil.
— Vocês usaram camisinha, né? — pergunta ela.
— Mãe — solto, revirando os olhos.
Henry entra na cozinha.
— Mãe, eles transam desde que…
Jogo um pano de prato na cara dele. Ele ri.
— Desde que Magnolia tinha 23, e BJ, 24 anos — minha mãe informa a
Henry com a maior convicção do mundo.
— Lil. — Meu pai balança a cabeça. — Você pegou os dois no flagra no
chalé.
— De jeito nenhum. — Ela balança a cabeça com veemência.
Com certeza pegou. Tive vontade de me enfiar num buraco. Foi a coisa
mais constrangedora que já me aconteceu. Parks tinha dezessete anos, eu
tinha dezenove. Minha mãe ficou… horrorizada… aparentemente a ponto
de negar por completo que isso aconteceu.
— Ei — diz Henry, fazendo um gesto com o queixo. — E como foi a
parada do trabalho?
Dou um sorriso irônico.
— Foi boa.
Meu irmão ri.
— Aposto que foi…
Meu pai se aproxima mais, olhando para mim por alguns segundos, e me
abraça.
— Fico feliz por você.
Ouço um barulho de champanhe estourando. Minha mãe está segurando
uma garrafa e sorrindo no canto da cozinha.
Olho do meu pai para meu irmão.
— Nossa, que vergonha.
— Não é vergonha nenhuma! — cantarola ela.
— Foi mal — diz meu pai. — Espera, esse é o meu Dom Pérignon de
2002…?
Minha mãe dá de ombros.
— Achei uma boa ocasião.
Meu pai pensa a respeito.
— Será que é?
Henry começa a rir.
Relutante, meu pai pega algumas taças, e Henry vem até onde estou,
dando um tapinha carinhoso no meu rosto.
— É pra valer? — pergunta ele.
Eu assinto.
— Cara — diz Henry, me abraçando. — Caralho, foi uma novela…
— Henry. — Nossa mãe balança a cabeça. — Essa boca suja não vai fazer
você conquistar a garota de quem você está a fim…
Henry me lança um olhar exasperado e me dá um soco brincalhão no
estômago.
Eu estremeço, com um pouco de dor, mas mais rindo.
— Ela me encurralou — me explico, dando de ombros.
Henry aponta para mim.
— Ele e Parks transaram no avião da empresa do papai voltando de
Monte Carlo quando ele ainda estava na escola.
Mamãe fica boquiaberta. Faço uma careta.
— Foi superplanejado — continua meu irmão traíra. — Eles planejaram
por dias.
— Henry! — grito.
Olho para meu pai, nervoso. Como se eu pudesse ficar com problemas
por causa de algo que fiz quase uma década atrás.
Meu pai começa a rir.
— Duas vezes, tá?
Henry dá de ombros, bebendo a taça de champanhe e saindo da cozinha.
SESSENTA E SEIS
Magnolia
Desço as escadas na manhã seguinte e sigo com toda a leveza até a cozinha.
Minha irmã está inclinada sobre o balcão comendo uma tigela de cereal, e
Marsaili está apoiada nele bebendo chá, com uma saia preta e branca de
seda da Ecru que fica acima dos joelhos e parece superinapropriada, porque
não quero ver os joelhos de alguém de 45 anos.
— Bom dia — Bridget cumprimenta com um sorriso.
Ela está vestida da cabeça aos pés de Gucci. O conjunto de moletom azul-
claro. Preciso manter a calma. Não posso fazer movimentos bruscos. Não
quero assustar essa coisinha arisca que finalmente está se vestindo bem o
suficiente e fazer com que ela acabe fugindo das roupas boas… Pisco
algumas vezes, provavelmente dando a impressão de que meu cérebro deu
tilt, e me acalmo para que minha reação seja quase neutra.
— Ficou bonita — digo, e ela olha para o que está vestindo, não dando a
mínima para o elogio.
— Pra onde você foi essa semana? Você sumiu.
Dou de ombros.
— Seu celular estava desligado — insiste minha irmã, semicerrando os
olhos.
— Ah, sim. — Suspiro. — Acabei dormindo num lugar inesperado.
— Ah. — Ela assente, entendendo. — Você estava com BJ.
Eu franzo a testa.
— Pra onde você foi? — pergunta Bridget, enfiando bolinhas de cereal de
chocolate na boca.
— Dartmouth — informo, empinando o nariz.
Ela se afasta, confusa.
— Dartmouth?
— Foi até a casa? — pergunta Marsaili. — Por quê?
Abro a boca para dizer algo e percebo que, na verdade, não sei bem o que
falar.
Gesticulo com a mão como se não fosse nada de mais.
— Longa história.
As duas assentem de um jeito semelhante e parecem dramaticamente
desinteressadas no que tenho a dizer, o que me irrita. Elas voltam a
conversar sobre algo que passou no programa do Graham Norton ontem à
noite. Ele é um amigo próximo, adoro ele de morrer, mas estou usando a
saia de lã combinando com as botas de couro até o joelho da Fendi, que
ficam lindas, e meus olhos estão brilhando intensamente pelas ótimas noites
de sono, já que estou dormindo com o meu namorado, que é a notícia
espetacular que elas nem sequer sabem, e ainda assim não consigo uma
brecha no assunto.
Pigarreio para chamar a atenção. Elas duas me olham, nada animadas.
— Nenhuma das duas quer me perguntar nada? — tento, dando um
sorriso deslumbrante.
— Não — diz Marsaili, indiferente. — Na verdade, não.
— Nadinha?
Franzo a testa. Ela balança a cabeça. Franzo a testa ainda mais.
— Nadinha mesmo? — Bridget me lança um olhar estranho. — Nada
mesmo sobre… o tempo… que eu passei fora? — pergunto, erguendo o
pescoço e arranhando-o de uma forma dramática, expondo um…
— Isso aí é um chupão?! — Minha irmã se lança sobre mim, derrubando
a tigela de cereal e agarrando meu pescoço para inspecionar. — É ou não é?
— berra ela de novo, olhando para o meu rosto.
Faço que sim, muito de leve.
Os olhos dela se arregalam.
— Do BJ?
Confirmo.
Então ela dá um gritinho e se vira de olhos arregalados para Marsaili.
— É um chupão! Do BJ!
Marsaili revira os olhos um pouco, nada feliz, mas também não está
brava.
— E o que aconteceu com o Tom? — pergunta Marsaili, tomando um
gole de chá de maneira controlada.
Suspiro um pouco.
— Terminei com ele ontem.
Bridget franze um pouco a testa.
— E como ele ficou?
— Bem. — Pressiono os lábios. — Ele foi bem educado com tudo isso, na
verdade…
Mars assente.
— Ele é uma boa pessoa.
Bridge lança a ela um olhar tenso, então agarra minha mão.
— BJ também é.
Marsaili assente, diplomática.
— Eu não disse que não era.
— Está feliz por mim? — pergunto a Marsaili, sorrindo.
— Que você ganhou um chupão de presente do seu ex? — Ela me dá um
sorrisinho irônico, revirando os olhos. — Tô nas nuvens.
Bridget faz uma careta para ela e me leva até a sala de jantar, onde nós
duas sentamos à mesa.
— Então, como aconteceu? — Ela se inclina na minha direção. —
Quando aconteceu? Foi onde? Quantas vezes?
— Hum. Como… — Penso na pergunta. Odeio mentir para ela. — Foi
sorte? — Não é verdade, mas o que mais eu poderia dizer? — Mesma hora,
mesmo lugar?
Ela assente, aceitando aquela resposta meio mais ou menos.
— E quando? — Eu coloco a mão na orelha, distraída. — Anteontem.
Onde…? — Pressiono as mãos na boca, minhas bochechas corando. —
Debaixo do salgueiro, ao lado do lago.
Os olhos dela se arregalam.
— O sr. Gibbs poderia ter visto! — diz ela, horrorizada.
E eu não consigo evitar uma risada. Dou levemente de ombros. Além do
quê, o sr. Gibbs já viu coisa muito pior. Respiro fundo, aí solto o ar.
— E quantas vezes… — Dou um sorrisinho e ergo os ombros, sem
resposta.
Ela dá um tapa no meu braço.
— Piranha!
Reviro os olhos.
Então ela parece pensar um pouco.
— E as respostas que ele não quer dar?
— Já tem uns três anos…
— Sim, mas — insiste ela, suspirando —, foi uma coisa grande. Ele não
deixou você fechar esse ciclo.
E ela está certa. Ele não deixou. Parece que nunca vai deixar. E eu penso
que uma parte de mim talvez sempre fique se perguntando o motivo, mas
será que essa questão vai me impedir de ficar com ele?
Eu não sei mais qual é a resposta que estou buscando. E talvez ele esteja
certo?
O que exatamente mudaria agora se eu soubesse com quem ele me traiu?
Acabou. Aconteceu uma vez, e foi só uma vez.
E talvez eu seja idiota demais e estupidamente apaixonada demais para
pensar de um jeito lógico, mas, de repente, parece idiotice minha jogar fora
o que BJ e eu compartilhamos só porque uma vez ele transou com uma
garota qualquer numa festa quando estava bêbado.
Dou de ombros para minha irmã.
— Que ciclo melhor ele poderia me dar do que me amar do jeito que ele
ama?
— Magnolia — exclama Bridget, endireitando a postura, surpresa. —
Que maduro da sua parte.
Lanço a ela um sorriso convencido.
— Sabe, vai ter dias em que você vai precisar escolher o perdão — me
informa ela. — E o perdão nem sempre é um sentimento.
— Eu sei — digo, mesmo que não soubesse.
Puta merda.
Bom, é isso.
— E é oficial? — pergunta Bridget, e eu assinto, confiante. — Então
quando o mundo vai descobrir?
— Mais tarde, sem dúvida. — Dou um sorriso. — Vamos para o
Mandarin hoje à noite.
— Fofo.
— E vamos encontrar todo mundo no Rosebery antes para bebermos. —
Ofereço outro sorriso para ela. — Ninguém além do Henry está sabendo.
— Posso ir junto?
Pisco, surpresa.
— Você quer sair comigo e com meus amigos? — pergunto, e ela assente.
— Por vontade própria?
Ela confirma.
Fico boquiaberta, depois abro um sorriso enorme.
— Mas é lógico! — Franzo a testa de repente. — Você está morrendo?
— Hum. — Ela fecha a cara. — Por enquanto não.
Eu me levanto e vou até a porta.
— Tá, eu vou me arrumar…
— Você acha que ele vai pedir você em casamento mais tarde? —
pergunta minha irmã, empolgada.
Deixo escapar uma risada.
— Acho que não.
— Mas, quando ele pedir — diz Bridget, pensando em voz alta —, vocês
vão casar no Mandarin Oriental, não vão?
Eu lanço a ela um olhar, como se não tivesse pensado sobre isso um
milhão de vezes antes.
— Talvez?
— Quem vai ser sua madrinha de honra? Eu ou a Paili?
— Nós acabamos de voltar a namorar.
— É — diz ela. — Mas ele é o seu destino.
SESSENTA E SETE
BJ
* * *
Magnolia
Apesar de você ter verdadeiramente passado e muito do prazo que lhe foi
dado para ler meu livro, ainda assim vou agradecer a você primeiro.
Você não apenas acreditou em mim e me apoiou, mas também
pavimentou o caminho para mim. Pagou o caminho para se abrir. Você me
deu tempo e espaço para existir, muito antes de podermos arcar com os
custos. Ninguém acreditou em mim como você acreditou, e todas as minhas
coisas favoritas sobre ser uma pessoa posso dizer que têm a ver com ser sua.
Eu te amo, Benjamin William Hastings.
Emmy. Você estava escrita nas estrelas esse tempo todo. Precisou de uma
década para trabalharmos juntas, mas conseguimos, e, de qualquer maneira,
fico grata pela década. E eu sempre, sempre serei grata por você, minha lua
azul. É a capa dos meus sonhos. Acreditei na sua arte desde o instante em
que a vi e vou continuar acreditando nela, porque, na verdade, tem um quê
de divino. Muito obrigada por ser tão focada nos negócios.1
David Hedlund, sem o qual este livro jamais teria acontecido. Você me
ajudou mais do que eu consigo pôr em palavras. Você explicou as coisas, me
ajudou a encontrar o caminho de volta quando pensei que tinha perdido
tudo, continuou ao meu lado quando cortei seu personagem favorito
(descanse em paz, AVS) e leu versões demais desse livro para contar nos
dedos. Obrigada.
Uma rodada rápida de agradecimentos completamente necessários: a
Jesus, por todas as coisas boas. A Luke e Jayboy, por finalmente me darem
uma oportunidade de estar numa diretoria, mesmo se for de mentira e
apenas no nosso grupo de mensagens. Vocês entenderam o livro, fizeram
dele algo real e são duas das minhas pessoas favoritas, além de completos
gênios. A mamãe e Lis — por todas as vezes que me ajudaram com as
crianças de forma tão altruísta para que eu visitasse esse mundo que criei. A
Bronte e Rach, por serem os únicos que acreditam na vida pós-jatinhos. A
minha avó, por tudo. A meu avô, por todo o resto. Viv e Bill, por me darem
espaço e silêncio na minha casa favorita do mundo. A Maddi, por ser a
pessoa mais entusiasmada e empolgada do planeta. A AJ, por ser o leitor
mais rápido do Oeste. Jarryd e Mystique, muito dessa história se estruturou
na escrivaninha onde vocês permitiam que eu trabalhasse para escapar da
minha linda2 bebê quando éramos vizinhos. Amber, não poderíamos ter
feito essa temporada ridícula sem você. A Tori, por responder minhas
inúmeras perguntas. A minha editora, por enxergar através da nuvem de
vírgulas e perseverar em meio ao meu trauma gramatical. Estava muito
desanimada quando nos encontramos, obrigada por toda a sua gentileza e a
sua paciência comigo. Eu agora vou entrar para a reabilitação de vírgulas. A
Laura, minha diagramadora, e a minhas duas revisoras finais, Nikki e
Felicity. A Sarah,3 Karalee4 e Aodhan.5
Jackson Van Merlin: você me fez acreditar em mim mesma de uma forma
que eu nunca imaginei. Não sei onde você está hoje em dia, com essa
tendência estranha de desaparecer da face da terra. Com sorte, você está
vivo. E bem. Espero mesmo que esteja bem.
Alana Fragar, você me deu o livro6 que me fez querer ser escritora.
Joel Houston, você me disse que eu era uma boa escritora quando eu
tinha dezoito anos, e, porque você era um bom escritor, eu acreditei em
você.
Para meu professor de inglês do ensino médio, que ficou super-irritado
comigo por interpretar aquela pergunta discursiva sobre a Segunda Guerra
Mundial como um exercício de escrita criativa. Desculpa.7
À minha amada Helen, pela melhor livraria do mundo8 — você
alimentou minha mente por anos e anos, e, mesmo que agora estejamos
longe, penso em você sempre, e apenas com carinho.
E a Juniper Ruth Magnolia Hastings, provavelmente mais do que a todos.
Você foi a bebê de seis meses mais difícil do mundo e me testou mais do que
eu achei que poderia ser testada, e foi nesse teste que eu comecei a escrever
uma versão do que se tornaria este livro um dia. Então muito obrigada. E,
por favor, não faça isso de novo. Bellamy…9 você não fez muita coisa, vou
agradecer a você no próximo livro.
1 É sério. Isso foi muito útil mesmo, então obrigada.
2 (e às vezes impossível e maluca)
3 Porque ela nunca vai deixar passar se eu não mencioná-la.
4 Porque não posso mencionar minhas outras duas melhores amigas sem mencionar você.
5 Porque, se eu não mencionar você, nunca mais vou ter um segundo de paz.
6 Extremamente alto & incrivelmente perto, de Jonathan Safran Foer, então muito obrigada a
Jonathan também.
7 Porém, você foi bem grosseiro comigo.
8 Que, aliás, é a livraria Blues Point, que não tem Instagram ou Twitter, porque Helen nunca
faria isso, mas é mesmo um lugar incrível que você deveria visitar.
9 Desculpa. Eu ainda te amo.
Sobre a autora
© Anabel Litchfield