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Saint (Priest #3) - Sierra Simone

Família Wings

Tradução e Revisão: Clau


Leitura Final: Seraph
Formatação: Aurora

02/2022

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Aviso
A tradução foi efetuada pelo grupo Wings Traduções (WT), de
modo a proporcionar ao leitor o acesso à obra, incentivando à
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disponibilizando-os ao leitor, sem qualquer forma de obter lucro,
seja ele direto ou indireto.
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adquirir as obras, dando a conhecer os autores que, de outro
modo, não poderiam, a não ser no idioma original,
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Saint (Priest #3) - Sierra Simone


A Série

Priest Series

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


SINOPSE

Eu não posso ter Elijah Iverson.

Não posso tê-lo por que ele é o melhor amigo do meu


irmão mais velho. Não posso tê-lo por que parti o coração
dele há cinco anos; porque agora ele está noivo de outra
pessoa - alguém amável e confiável que merece seus olhos cor
de uísque, sua boca macia, seu intelecto feroz.
Não posso ter Elias porque escolhi Deus no lugar dele.
Os irmãos Bell, no entanto... bem, não temos
exatamente o melhor histórico com votos. Mas estou
determinado a fazer esta coisa de monge me comprometendo
a uma vida de clausura e passando o resto de meus anos em
castidade e oração. Mas agora Elijah está aqui. Ele está aqui
e vai comigo na minha viagem pelos mosteiros europeus, e
entre as confissões sussurradas e os beijos roubados e os
momentos curvados sobre um antigo altar, meus votos estão
parecendo mais fracos a cada dia.
E votos ou não, sei em meu coração que seria preciso
mais do que um bom e santo monge para resistir a Elijah
Iverson agora mesmo. Seria preciso ser um santo.

E todos sabemos que não sou nenhum santo.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


AVISO DE CONTEÚDO

O personagem principal deste livro tem uma história de


depressão e sua experiência anterior com ideação suicida
antes de seu diagnóstico é descrita no Capítulo Quarenta e
Sete. Este capítulo pode ser pulado e seu significado inferido
do resto da história.

Este livro também contém breves menções ao abuso


sexual de uma criança por um padre católico e à morte de
uma irmã por suicídio. O abuso e a morte acontecem antes
dos acontecimentos da história.

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Coloque-me como um selo sobre o seu coração;
como um selo sobre o seu braço;

Pois o amor é tão forte quanto a morte,


o desejo é tão feroz quanto o Seol.

Suas flechas são flechas de fogo,


chamas do divino.

Nem as águas profundas podem extinguir o amor,


nem os rios conseguem levá-lo na correnteza.

Cântico dos Cânticos, 8: 6-7

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PRÓLOGO

O ar está oprimido com sálvia e lavanda e um monge nu


está cantando na minha frente.
Ele está sentado de forma que posso ver seus lábios se
movendo contra o ar quente do verão enquanto canta. De
maneira que posso ver a marca de mordida que deixei em seu
quadril há menos de uma hora.
Nu, mordido, bem fodido.
Rezando.
E está rezando com todo o seu corpo, seus pulmões,
suas costelas e costas se expandindo e contraindo, seu rosto
se elevando para um céu tão claro e azul que parece o céu em
um sonho.
Ele acha que estou fazendo anotações para o artigo que
deveria estar escrevendo, mas não, não estou. Em vez disso,
estou notando o suor escorrendo entre suas omoplatas e
descendo pelo vale musculoso de sua coluna até as covinhas
na região lombar.
Estou notando a rica melodia de sua voz enquanto ele
canta salmos em cantochão1, os tons baixos e comoventes
enquanto os canta sob o farfalhar das árvores desta
montanha provençal.

1 Cantochão é a denominação aplicada à prática monofônica de canto utilizada, desde

os primórdios da Idade Média, pelos monges, pelos cantores nos rituais sagrados,
originalmente desacompanhada.

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Estou notando a barba em seu maxilar bem feito, o
roçar de seus longos cílios sobre seu rosto cor de sol, o
movimento de sua garganta enquanto ele canta canções com
milhares de anos. Os pelos nas coxas enquanto se senta de
pernas cruzadas com o breviário no colo. O trilhar cuidadoso
da ponta do dedo sobre os versos da página.
Cinco anos atrás, esse mesmo homem nunca rezava,
nem mesmo se aquietava por mais do que alguns
minutos. Aiden Bell era só diversão, energia total -
brincalhão, pervertido, frenético, cinético. Ele era estimulante
e exaustivo. Estimulava e vibrava através de mim como uma
droga, tornando cada momento embaçado e nítido ao mesmo
tempo, e o crash 2sempre valia a pena.
Quase sempre, pelo menos.
Eu o amava.
Ainda o amo.
Ele me olha depois de terminar um salmo e sorri. —
Vem cá, — ele diz, e eu vou, levando meu caderno comigo
como se fosse o meu breviário. E então, quando me junto a
ele no cobertor estendido sobre a grama macia e seca, ele me
arrasta facilmente para seu colo. Em sua vida passada como
um milionário caótico, ele tinha o corpo de um playboy -
músculos esguios, uma barriga definida, linhas de dar água
na boca de seu quadril até seu pau. Mas depois de cinco anos
de trabalho no mosteiro, ele está musculoso e forte, de
ombros amplos e coxas grandes e, embora eu seja alto e cinco

2 Crash é a primeira fase de abstinência de drogas, afetando o estado de humor do

usuário - disforia e/ou depressão, associado à ansiedade - e instala-se logo após a


interrupção do uso e pode se prolongar por cerca de quatro dias.

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anos mais velho, ele me puxa como se eu fosse uma boneca,
aninhando minha bunda contra sua virilha.
Ele se remexe e se enrijece contra mim, mas não faz
nada a respeito. Em vez disso, envolve seus braços ao meu
redor e recomeça a cantar seus salmos baixinho em meu
ouvido. Seu peito sobe e desce atrás de mim, a música
vibrando através de seu corpo e do meu.
Fecho meus olhos e escuto. Fecho meus olhos e sinto.
Não há manual de instruções para se apaixonar pelo
irmão mais novo do seu melhor amigo. E não há manual para
se apaixonar novamente quando ele é um monge.
Existe apenas o doloroso conhecimento de que você é
uma espécie de oração momentânea, proferida com
reverência, falada suavemente para o ar e, em seguida,
concluída com um selah3 gentil e amoroso.

3 Selah, palavra de origem hebraica que conceitua uma instrução sobre a leitura do

texto; nos Salmos, especificamente, sinaliza uma pausa para medir e refletir sobre o
que foi dito ou cantado.

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PARTE 1

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KANSAS

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1

No eremitério4, sonho com ele novamente.


Este sonho é lento e quase doloroso em sua
delicadeza. Estamos em um avião de mãos dadas e ele está
me repreendendo por fazer um seguro adicional para um
carro que alugamos em nosso destino. Respondo
mordiscando as pontas de seus dedos até que suas
repreensões se transformem em arrepios. Mal podemos
esperar para nos tocar até chegarmos ao nosso hotel mais
tarde naquele dia, mas a cabine está cheia e os assentos da
primeira classe não são convenientes para alívio sob o
cobertor do avião...
E se... ele murmura para mim.
E parece que o avião nunca vai pousar, e talvez não
devesse, porque pelo menos se estou aqui, ele está aqui
comigo, e se estamos juntos, isso significa que nunca parti...
E então eu acordo.
Estou suando, meu coração está disparado e os lençóis
estão escorregadios de sêmen derramado. E Deus, é como
perdê-lo de novo quando sonho com ele assim. Tudo de novo,
porra.
Sento-me e esfrego meu cabelo, infeliz comigo mesmo.
Quatro anos e seis meses. Quatro anos e seis meses
escolhendo esta vida, encontrando um propósito além de

4 Eremitério – onde vivem os eremitas.

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ganhar dinheiro e correr atrás da próxima dose de
dopamina. De viver perto do deus que certa noite me
encontrou no chão da minha casa, o deus que me encontrou
quando a corda que me prendia à vida era tão fina quanto
uma teia.
Também foram quatro anos e seis meses me livrando de
um amor que juro ainda sinto no fundo do meu ser.
Já se passaram quatro anos e seis meses tentando
esquecer Elijah Iverson.

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2

O silêncio, se você ainda não sabe, é uma mentira.


Por exemplo, estou atualmente em um eremitério na
floresta, no último dia de um retiro de silêncio de duas
semanas. Meus irmãos monásticos estão a três quilômetros
de distância e não há nada nem ninguém perto de
mim. Deveria ser a definição de silêncio. Deveria ser um
vácuo de som, uma bolha de quietude pura e imperturbável.
E ainda assim.
Minha respiração está entrando e saindo do meu
corpo. Um vento carregado de tempestade está soprando
impacientemente nas árvores. Além disso, logo após o limite
da minha visão, corre um riacho, saturado com a chuva
recente. E a três quilômetros de distância, ouço o leve toque
dos sinos da igreja.
Não, não há silêncio aqui. Não no verdadeiro sentido da
palavra. E, no entanto, é de alguma forma o oposto absoluto
de barulho.
Eu vim de um mundo barulhento. De telefones tocando,
laptops zumbindo, dedos tocando nas telas do iPad. De
carros e aviões e copos de cerveja brindando. De vozes -
discutindo, negociando, bajulando. De mim mesmo - alto,
tonto e selvagem.
Mas há apenas um telefone comum aqui, compartilhado
por todos nós, e apenas alguns computadores e telefones
celulares, usados especificamente para os negócios da
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abadia. Há cerveja, mas ela é bebida com prazer, não com
desespero, e não há negociação, nem negociata, nem pressa.
O silêncio aqui é o canto dos pássaros, o canto dos
riachos e o vento nas árvores. É cantar, rezar, entoar, o toque
dos sinos e o som do órgão. O barulho dos tratores indo até
os campos de cevada, o zumbido e o movimento das
impressoras. O tilintar das contas do rosário e o sussurro das
páginas da Bíblia e os ecos da música de lugares invisíveis.
É o som da vida do irmão Patrick, não de Aiden Bell.
Solto meu machado e limpo minha testa com o
antebraço, ouvindo os sinos dobrando em aviso para as
laudes5. Normalmente, eu faria o que tenho feito todos os
dias nas últimas duas semanas e rezaria meu rito sozinho e,
em seguida, retomaria a limpeza das árvores caídas ao redor
do eremitério e as transformaria em madeira utilizável para
ser levada ao galpão do irmão Andrew. Mas ainda estou
abalado com meu sonho e me sinto perdido.
Tenho medo de que, se ficar sozinho, meus
pensamentos voltem para ele.
Levanto meus olhos para as colinas.
Tenho apenas tempo para me lavar e correr os três
quilômetros até a igreja antes que as laudes comecem, e
chego ao santuário bem a tempo de me curvar em direção ao
altar e deslizar no coro antes que a primeira oração seja
cantada. O cheiro de incenso está pesado no ar, mas ainda
sinto o cheiro de madeira fresca e sujeira úmida em mim,

5 As Laudes são uma das horas litúrgicas da Liturgia das Horas, celebrada de manhã.

O nome completo é Laudes matutinas, que significa louvores da manhã.

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embora eu tenha parado na minha cela para tirar minhas
roupas e vestir um novo hábito.
Espero passar despercebido, mas sei que é
impossível. Enquanto os bancos para visitantes leigos ficam
de frente para o altar, os bancos do coro no presbitério ficam
de frente um para o outro. Então, quando olho para cima, a
primeira coisa que vejo não é o altar ou o crucifixo atrás dele,
mas meu antigo mestre no noviciado Padre Harry olhando
para mim. Encarando-me porque sou inesperado ou estou
atrasado, não tenho certeza. Pode ser simplesmente que ele
nunca tenha gostado de mim. Nem quando eu era postulante,
nem agora, quando estou a menos de um ano de fazer meus
votos solenes.
Mas quando olho através do corredor para meu mentor,
irmão Connor, e para o abade Jerome, os dois parecem estar
tentando não sorrir. E então vejo o irmão Titus e o irmão
Thomas me dando dois sorrisos, e relaxo um pouco. Não me
atraso para as laudes desde que era novato e trabalhei muito
para limpar todos os vestígios de Aiden Bell. Aiden Bell que
estava sempre atrasado, sempre correndo, sempre apagando
seus próprios incêndios.
O irmão Patrick não faz nada disso.
O irmão Patrick chega na hora para tudo. O irmão
Patrick raramente fala e ainda mais raramente ri. Ele é
responsável, trabalhador e sério. Supervisiona a
contabilidade do mosteiro, ajuda onde quer que seja
necessário e nunca é um fardo para ninguém.

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O irmão Patrick não se atrasa para as laudes e
certamente não goza em seus lençóis sonhando com seu ex-
namorado.
Meus dedos apertam brevemente o meu breviário
enquanto me lembro de mordiscar os dedos de Elijah no
sonho. Meu corpo também fica tenso, pressão vindo da gaiola
de castidade que prendi às pressas ao meu redor antes de vir
para cá.
Como vou sobreviver por mais um ano de saudades
dele? Por mais quarenta?
Mas o Monte Sergius fornece a resposta, como
sempre. Meus irmãos avançam para o primeiro salmo e o
canto força minha respiração a continuar entrando e
saindo. Força meus olhos pela página, força minha boca a se
mover, meus pulmões a se expandir e a se contrair. A música
enche o ar da mesma forma que o sol da manhã, consolando
em sua atemporalidade. O sol sempre esteve aqui e, ao que
parece, a música também. É o Ofício Divino que me
fundamenta: a oração com nossa respiração, músculos e
ossos.
Depois de mais alguns salmos, cânticos e orações a
Santa Catarina de Siena - hoje é o dia dela - as laudes
terminam e fecho o breviário me sentindo melhor, me
sentindo menos inquieto e tenso. Menos tentação dentro de
mim.
Mas ainda estou um pouco inquieto. Vim aqui para
deixar minha vida passada para trás, vim aqui para viver

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inteiramente para Deus, mas Elijah continua florescendo em
mim e não consigo pará-lo.
Não posso parar os brotos tenros e delgados,
procurando raízes dele, e sou seu jardim, seu solo, seu lugar,
e seria maravilhoso se eu não devesse ser o jardim do meu
Deus.

Como já estou aqui na abadia, tomo café da manhã


com os outros. Cumprimos o Grande Silêncio até depois de
nossa refeição matinal, assim o refeitório se enche apenas
com o tilintar lento de xícaras de café e o farfalhar de hábitos
no chão. Sem falar nada.
Aprendi a gostar cada vez menos do som da minha voz
ao longo dos anos - e costumava ser o idiota que arrastava
amigos e clientes para bares de karaokê no final de uma
longa noite sem um pingo de arrependimento. Eu costumava
encher reuniões inteiras com besteiras, piadas, fofocas,
propostas, apresentações de venda, desculpas,
promessas. Costumava falar tanto que Sean às vezes
desligava na minha cara, tanto que minha mãe começou a
usar fones de ouvido quando me levava para o treino de
basquete, porque eu não parava de falar por que Kansas City
merecia um time profissional.
Uma das coisas que ansiava quando vim para cá era
aprender a ficar em silencio, para poder ouvir a mesma voz
que me trouxe aqui. Eu queria ser purificado e refinado como

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o metal, toda a minha escória queimada e queria queimá-la
de todas as maneiras possíveis. Oração, rotina, trabalho,
isolamento, qualquer coisa - qualquer coisa, apenas queimar
o antigo Aiden.
Eu termino o café antes de todo mundo e cuido dos
meus pratos o mais rápido que posso. Tão repentinamente
quanto decidi que precisava da companhia de meus irmãos,
decido que não posso suportar nada além de solidão agora.
Aqueles tentáculos de Elijah ainda estão enroscados em
meus tornozelos e em minha garganta, e não sei se preciso
rezar ou cortar lenha, mas o que quer que precise fazer, não é
aqui, não é com outras pessoas ao redor. É entre mim e
Deus.
Mas quando saio do refeitório, vejo o irmão Connor
esperando por mim, com as mãos cruzadas e os lábios
franzidos em um sorriso gentil. — Irmão Patrick, — diz ele de
forma acolhedora. — Quer caminhar comigo?

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3

Mesmo que tudo que eu queira fazer seja balançar um


machado até que não consiga mais me mover, aceito o
convite e sigo ao lado dele quando ele começa a andar.
O irmão Connor poderia me pedir para limpar a merda
de vaca das paredes do celeiro e eu concordaria, porque
confio nele por completo. Ele é um homem branco, baixo e
esguio, com um bigode branco e olhos azuis vivos, já com
seus sessenta anos, mas com a energia e a força de um
homem com metade dessa idade. Antes de vir para o Monte
Sergius nos anos 80, ele era dono de uma escola de caratê e,
na maioria dos dias, pode ser visto sob um grande carvalho
perto do cemitério, praticando suas velhas formas sob os
galhos sombreados.
— Sei que você fez voto de silêncio hoje, então não há
necessidade de responder às minhas divagações, — disse-me
o irmão Connor.
É uma cortesia, porque na abadia não existe prisão para
“você quebrou seu voto de silêncio” ou coisa parecida. Na
verdade, não há votos de silêncio nos mosteiros católicos,
pelo menos não no sentido permanente. Há períodos de
silêncio ao longo do dia, e irmãos e visitantes costumam fazer
votos de silêncio temporários para induzir maior introspecção
e contemplação - como tenho feito nas últimas duas semanas
- mas não há rendição total de palavras.

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Os únicos silêncios impostos - principalmente por meio
de desaprovação e repreensão moderada (por infrações
graves) - são o Grande Silêncio entre as Completas6 e o café
da manhã, o silêncio nas refeições e nas capelas onde
monges e visitantes vão rezar. Mesmo assim, agradeço a
cortesia do irmão Connor. É significativo para eu honrar
meus votos a mim mesmo - mesmo que sejam importantes só
para mim.
Especialmente se são importantes só para mim.
Como, por exemplo, o voto de ter Deus e só Deus como o
único objeto de minha adoração.
— O abade quer vê-lo, — diz o irmão Connor, enquanto
saímos do refeitório sob uma passarela coberta em direção ao
prédio que abriga nossos vários escritórios e o centro de
acolhimento. Os visitantes já começam a perambular pelo
claustro, sentados no gramado verde ou nos muitos bancos
de madeira. — E espero que não se importe, mas pedi o
privilégio de estar junto enquanto ele fala com você. Acho que
você ficará muito animado com o que ele tem a dizer e queria
ver meu irmão Lenhador sorrir pela primeira vez.
Ele diz a última parte com uma voz provocante. Todos
os irmãos aqui são designados para trabalhar de acordo com
seus pontos fortes e, com minha formação em finanças, tenho
trabalhado principalmente com QuickBooks e Excel. Mas
meus outros pontos fortes são literalmente fortes, então o
abade me designou como o trabalhador braçal oficial do
Monte Sergius. Eu carrego os baldes com lúpulo na
6 As Completas - também Oração da Noite - é o rito final da Igreja na Liturgia das

Horas, concluindo o dia.

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cervejaria, arrasto resmas de papel na gráfica e, quando
estou no eremitério, o que é menos frequente do que gostaria,
tenho a tarefa de cortar as árvores caídas e levá-las ao irmão
Andrew, que é nosso carpinteiro. E os anos de trabalho
deixaram sua marca. Embora eu sempre tenha sido alto e de
ombros amplos, nunca houve qualquer dúvida de que meus
músculos vinham de uma academia, mas agora...
Bem, agora sou um lenhador. E como não faço a barba
há uma semana, provavelmente também pareço com um.
— E se você não se importa que eu diga isso, — diz o
irmão Connor enquanto esfrego a barba no meu queixo, —
parece que hoje você precisa de um sorriso.
Agradeço meu escudo de silêncio agora, porque me
preocupo se começar a falar, minha antiga versão assumirá o
controle e nunca pararei. Estou preocupado em prender meu
amigo neste lugar e fazê-lo me ouvir descrever o arco preciso
das sobrancelhas de Elijah e os tons baixos e roucos de sua
voz.
Portanto, em vez de falar, aceno lentamente com a
cabeça.
Sim.
Talvez eu precise de um sorriso. Deus sabe que não vejo
mais o de Elijah.
Mas me sinto melhor enquanto andamos pelos espaços
da abadia. As janelas estão abertas em todos os prédios pelos
quais passamos, deixando entrar o ar úmido da primavera e
uma brisa forte com a intenção de agitar cada papel no
prédio. Tem cheiro de café, grama e algo exclusivo do Monte

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Sergius. Como incenso, papel velho e goma de roupas de
marca.
Cheira a vida, a viver. A estar vivo.
E como acontece todos os dias quando me lembro
porque estou aqui, a gratidão chega. Estou grato por estar
aqui; sou grato a Deus e a este lugar e até à minha versão
que me trouxe aqui.
Estou grato e contente. E contentamento é o suficiente,
apesar do ocasional sonho molhado.
— As lembranças não devem ser tormentos, irmão
Patrick, — diz o irmão Connor com uma voz muito casual, o
que significa que ele adivinhou o que estou pensando. — São
presentes.
Presentes uma ova, eu quero dizer. Mas não digo. O
irmão Connor sabe o que abandonei quando vim para cá. Ele
sabe quem abandonei. Todo mundo sabe, porque não queria
que fosse segredo que eu era bissexual. Não é mais um
segredo, assim como as falecidas esposas dos irmãos viúvos,
não é mais um segredo, assim como namoradas e namorados
adolescentes lembrados com carinho. Não voltei ao rebanho
católico porque sentia vergonha de quem gostava de levar
para a cama ou de quem deixei entrar em meu coração.
Vim para cá por Deus. Vim para cá para ficar vivo.
De qualquer forma, olhando para trás, não posso deixar
de pensar que Deus me trouxe ao Monte Sergius por uma
razão, porque o abade me entendeu completamente quando
expliquei minha posição a ele, e então me apresentou ao
irmão Connor, que acabou me falando sobre o homem que

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abandonou para vir para cá quase quarenta anos atrás, e que
ouviu com a compreensão de alguém de coração partido como
eu quando lhe contei sobre Elijah.
Só o padre Harry foi o que eu esperava: olhares frios,
leituras de Levítico pontuais na hora das refeições etc. Eu
poderia ter me resguardado melhor contra isso se ele também
não tivesse sido meu mestre no noviciado, mas depois do
quinto encontro quando ele sugeriu que minha alma estava
em perigo mortal se eu não me arrependesse de minha
luxúria por homens, fui até o abade e pedi ajuda. Foi então
que meu desenvolvimento espiritual foi entregue ao irmão
Connor. Era um arranjo incomum, mas os mosteiros têm
seus próprios pequenos mundos, um tanto distantes da
política ultramontana que sufoca as paróquias e dioceses, de
modo que o abade Jerônimo podia fazer o que quisesse. E
então, quando o ano acabou, o posto de mestre de noviciado
foi entregue ao padre Matteo e o padre Harry ficou
encarregado de encomendar rolos gigantes de papel higiênico
e sacos de café de tamanho industrial e outros suprimentos
semelhantes.
O irmão Connor parece sentir minha discordância
interior com suas palavras de sabedoria, e seus olhos brilham
quando ele me dá um tapinha no ombro. — Presentes, irmão
Patrick, — repete. — Por causa do que podem nos ensinar.
Minhas lembranças não estão me ensinando nada além
de como esconder lençóis manchados como um adolescente,
mas não digo isso, é claro, porque não digo nada. Voto
temporário de silêncio e tudo mais.

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O abade Jerome já está sentado atrás de sua mesa
quando chegamos ao seu escritório, a brisa onipresente
soprando pela sala e um audiolivro tocando de algum lugar
desconhecido. É em francês e o irmão Connor pergunta: —
Proust de novo? — Enquanto nos sentamos nas cadeiras de
madeira robustas colocadas em frente à escrivaninha. O
irmão Andrew as fez anos atrás, e agradeço por elas agora,
porque os braços estão afastados o suficiente para que eu
possa me sentar com as coxas separadas, o que me deixa
mais confortável com a gaiola. Engraçado ter esquecido como
me mover e me sentar com ela quando era uma companhia
quase constante para mim nos meus primeiros dias no
mosteiro. Mas nos últimos dois anos, tenho precisado cada
vez menos.
Bem, até ontem à noite, é claro.
— Vou para Camus agora, — diz o abade, erguendo os
olhos dos papéis em sua mesa para nós. — Vivre, c'est faire
vivre l'absurde7, e assim por diante. Olá, irmão Patrick.
O abade se parece demais com Frei Tuck do desenho
animado Robin Hood, só que sem tonsura8. E ele não é um
texugo, obviamente. Ele é baixo e arredondado, com pele
clara, sobrancelhas espessas e cabelos grisalhos. Seu nariz é
tão enorme quanto seu queixo não é, e suas broncas são tão
comuns quanto seus sorrisos. Ele passa a maior parte de seu
tempo livre escrevendo sobre uma pessoa muito, muito morta
chamada Gregório de Nissa.

7 Viver é dar vida ao absurdo.


8 Corte arredondado dos cabelos no topo da cabeça, usado por clérigos.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Vendemos seus livros na loja de presentes. Eles têm
muitas notas de rodapé.
Eu cumprimento com a cabeça e o abade empurra algo
pela mesa - espalhando canetas e algo que parece suspeito
como Tic Tacs espalhado para o lado.
— Estou ciente de que você está fazendo voto de silêncio
hoje, — diz o abade enquanto me aproximo para pegar o
maço de papéis que ele está oferecendo. — Portanto, não
espero que responda imediatamente ao que está prestes a
ver. Mas queria que tivesse a chance de pensar sobre isso
enquanto estiver sozinho no eremitério esta noite. Isso, eu
acredito, exigirá muito discernimento.
Presas em um clipe de papel na parte superior do maço
estão três fotos. Nelas, penhascos rochosos se projetam
contra um mar escuro e de aparência fria; uma igreja
medieval simples fica entre colinas austeras com uma série
de lápides desgastadas ao redor; uma pequena estrutura de
pedra - chalé parece um termo generoso, talvez cabana seja
melhor - empoleira-se na beira do penhasco, sem portas,
janelas e telhado. O céu está escuro e coberto de nuvens, e a
névoa do mar paira no ar. A grama ao redor da casa parece
quase achatada com o vento.
Parece o fim do mundo. O fim absoluto do mundo, e
alguém construiu um mosteiro lá.
Minha alma dá um grito agudo e silencioso ao vê-lo.
— Mosteiro de St. Columba, — o abade diz
suavemente. Quando olho para cima, ele está me observando

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


atentamente. — Um mosteiro trapista na costa oeste da
Irlanda.
Trapista.
O Monte Sergius é uma abadia beneditina, o que
significa que seguimos a regra de São Benedito, que foi a
primeira pessoa a traçar um plano real de como grupos de
pessoas poderiam viver, trabalhar e rezar no mesmo lugar
sem cair no caos espiritual ou fedor irremediável. Mas
quinhentos anos depois que São Benedito escreveu seu
plano, um grupo de monges decidiu que ninguém estava
seguindo o plano com austeridade suficiente e se mudaram
para um pântano e passaram o resto de suas vidas unidos
em uma espécie de austeridade. Até que finalmente
transformaram o pântano em terras cultiváveis e todos se
lembraram de que era bom comer, descansar e usar sapatos
de vez em quando e, algumas centenas de anos depois, os
cistercienses9 não eram muito mais austeros do que os
beneditinos com quem tinham rompido. Então, outro grupo
de monges se separou deles e foi para a austeridade
hardcore. Quase nenhum alimento, trabalho constante,
silêncio, penitência, isolamento - tudo. Por um tempo, eles
até viveram sem um teto sobre suas cabeças. Literalmente.
Eles são chamados de trapistas. E, além dos cartuxos10
- que são como os Bobs Calados11 antissociais da vida
monástica cristã - os trapistas são os mais dedicados a uma

9 ordem religiosa monástica católica beneditina reformada


10 A Ordem dos Cartuxos, também chamada de Ordem de São Bruno, é uma ordem
religiosa católica semi-eremítica de clausura monástica e de orientação puramente
contemplativa surgida no século XI.
11 Referência ao filme O Império (do Besteirol) Contra-Ataca.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


vida de oração e contemplação de todas as ordens
monásticas.
Eu olho de volta para a paisagem desolada nas fotos.
— Você verá algumas informações sobre St. Columba
abaixo das fotos, e abaixo das folhas de St. Columba, há mais
mosteiros. Todos trapistas.
Folheio os papéis silenciosa e rapidamente. Mesmo que
eu costumasse ser definido com um empresário festeiro, era
mesmo muito bom no meu trabalho, e parte desse trabalho
era ser capaz de ler e metabolizar informações com precisão
enquanto as pessoas me olhavam do outro lado da mesa. E
então vejo que, de fato, todos os mosteiros são trapistas. Dois
são aqui na América - o famoso Mepkin e o ainda mais
famoso Getsemâni - e o restante está espalhado entre a
França, a Bélgica e a Itália. Todos têm fotos também, e
vislumbro arcos de pedra encharcados de sol, jardins alegres
e uma floresta de contos de fadas antes de empilhar todos os
papéis como estavam.
Do topo da pilha, os penhascos solitários de St.
Columba me encaram, acenando para mim. Posso
praticamente sentir o cheiro do mar e ouvir as rajadas de
vento. Posso imaginar meus músculos doendo e minha alma
cantando. Purificado de tudo menos o amor pelo meu eterno
noivo, porque num lugar como esse, não sobraria
nada. Haveria apenas mar, céu e Deus.
A brisa está bagunçando as sobrancelhas do abade
enquanto ele me estuda.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Sei que você tem desejado mais, irmão Patrick. Mais
silêncio, mais solidão, mais trabalho. Mais oração. E já refleti
algum tempo sobre os papéis que você tem em mãos, porque
já vi essa paixão nos jovens antes. Eles anseiam mais,
desejam ser queimados até os ossos com devoção e, na
maioria das vezes, isso leva a um consumo
irrecuperável. Eles não queimam, se extinguem. E ou vão
embora ou ficam apáticos e sem amarras, e batalham para
encontrar a paz em uma comunidade novamente.
Olho para as minhas mãos, ásperas e calejadas pela
silvicultura amadora. Ser queimado até os ossos com
devoção é tudo que sonho agora, minha única visão para o
futuro.
Quero ser santo e completo. Quero que meu coração e
corpo sejam de Deus por inteiro, tudo queimado em seu altar.
Volto a olhar para a foto de St. Columba.
— Por outro lado, — continua o abade, — há outros
homens que vejo passar por aqui, com seu ímpeto e sua
busca implacável. Eles continuam a fazer grandes coisas e a
levar uma vida que só posso chamar de santa. Mas devem
encontrar um lugar que lhes seja adequado. Este é o
problema da vida monástica, entende - você deve ser capaz de
encontrar uma vida inteira em um único lugar. Deve ser
capaz de encontrar os cantos mais profundos de sua própria
alma em um rincão do mundo escolhido, e às vezes me
pergunto se o leste do Kansas é o rincão escolhido para
você. Às vezes me pergunto se os beneditinos são a ordem
certa para você. E então, nesse ponto...

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Ao meu lado, o irmão Connor ajusta as mãos no
colo. Em qualquer outra pessoa, o gesto não significaria
nada. Mas, vindo do irmão Connor, significa que ele está
agitado de tanta empolgação.
O abade sorri para o irmão Connor e depois para
mim. — E então tenho permissão e os fundos para enviá-lo a
três dessas casas monásticas para ver se uma delas pode ser
uma boa opção.
O irmão Connor se intromete. — Oficialmente, esta seria
uma viagem de pesquisa em nome de nossa cervejaria, então
você faria um tour pelas cervejarias em cada mosteiro e se
envolveria em alguma espionagem corporativa moderada
enquanto estivesse lá.
— Espionagem corporativa ética, — diz o abade. — Você
sabe, espionagem corporativa cristã. Ser santo sobre isso e
outras coisas.
— Mas a pesquisa é apenas a justificativa para enviá-lo,
não o verdadeiro motivo, — diz o irmão Connor. — Você é a
verdadeira razão. Seu futuro é o verdadeiro motivo. E nossa
esperança é que você encontre as respostas que procura
nesta viagem.
Mesmo se eu não estivesse em silêncio hoje, ainda não
saberia o que dizer. Esse tipo de viagem é extremamente rara
para meros irmãos como eu, especialmente viagens para fora
da ordem e fora do país. Quero passar uma viagem bebendo
cerveja e em busca de um solo sagrado? Sim, claro, mas
também sinto uma profunda incerteza. Uma indignidade e
uma dúvida cortante.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Eu não mereço este presente.
— Estou muito animado por você, — diz o irmão
Connor, tocando minha mão onde ela está na papelada de St.
Columba. — Mas também sei o que estamos discutindo. Se
você fizer esta viagem e, no final das contas, decidir se juntar
a uma nova ordem...
O vacilo com o entendimento é instintivo. Se eu entrar
em uma nova ordem, nunca mais verei o irmão Connor
depois de partir. Ou o abade Jerome ou os irmãos Thomas,
Titus e Andrew. Nunca mais verei minha floresta ou meu
incômodo riacho.
Vamos escrever e-mails um para o outro, tenho certeza,
mas não vamos mais cantar juntos, rezar juntos ou caminhar
juntos sob as árvores. Esses homens se tornaram minha
família e eu teria que abandoná-los. E para quê? Por alguma
necessidade amorfa que mal consigo expressar nem para
mim mesmo?
— Bem, a vida de St. Columba é difícil, — começa o
abade, encostando-se na cadeira. — Mas o prior deles está
procurando - bem, ele usou a palavra robusto - e não há
ninguém mais robusto do que meu irmão Lenhador. Ah, sim,
irmão Thomas, o que foi?
Eu me viro para ver o irmão Thomas e o irmão Titus
aglomerados na porta, seus ombros arfando como se tivessem
corrido para dentro do prédio.
— O irmão Patrick tem uma visita, — diz o irmão
Titus. — No claustro sul. Esperando.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Vejo que o Senhor está usando seu instrumento
favorito para ensinar hoje - interrupções, — disse o abade
secamente. — Muito bem, então. Suponho que informaram a
visita que o irmão Patrick ficará em silêncio hoje?
— Informamos, — diz o irmão Thomas. — Ele disse que
está tudo bem.
Ele.
Eu me levanto, meu interesse desperto. Só existem
quatro eles que podem me visitar no momento - meus três
irmãos e meu pai. Imagino se Sean trouxe um bebê de sua
crescente ninhada de filhos para eu segurar enquanto me
atualiza sobre as fofocas da família. Meu coração humano
comum se aquece com o pensamento.
— Irmão Patrick, — diz o abade antes de eu partir, —
você tem tempo para decidir sobre a viagem e quais mosteiros
gostaria de visitar. Três semanas antes, teríamos que finalizar
os arranjos. E eu e o irmão Connor estaremos aqui a
qualquer hora que quiser conversar sobre isso.
Dou a ambos os homens um aceno de gratidão,
esperando que possam ver meu humilde agradecimento em
meu corpo, já que não posso expressá-lo em palavras. E
segurando firmemente as informações sobre os mosteiros
trapistas, sigo o irmão Titus e o irmão Thomas para fora do
prédio e através do labirinto de passarelas cobertas que leva
ao claustro sul, onde meu visitante aguarda.
Os jovens monges pairam na entrada do jardim
enclausurado, curiosos, e não posso culpá-los. Não acontece
muita coisa que valha a pena comentar, e às vezes os

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


visitantes acabam sendo pessoas bastante interessantes -
católicos proeminentes ou artistas ou visitantes de outros
países. Mas ficarão desapontados quando perceberem que é
apenas um idiota chamado Sean.
Só que eu finalmente vejo quem está esperando por mim
do outro lado da fonte, e é não Sean. Não é nenhum dos
meus irmãos e não é meu pai.
É o homem mais lindo que já vi, com o braço pendurado
nas costas do banco e as longas pernas espalhadas por toda
parte, como um rei entediado em seu trono. Sua sobrancelha
está levemente levantada, como se eu fosse o enigma aqui,
como se eu fosse a anomalia em um mundo perfeitamente
ordenado.
Eu me esqueço de como respirar.
Eu me esqueço de como pensar.
— Oi, Aiden, — diz Elijah.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


4

A fonte no meio do claustro transborda alegremente sob


as nuvens que se aproximam, embora não seja tão adorável
quanto o som do meu riacho perto do eremitério.
Não tão adorável quanto o som do meu nome na voz
baixa e gutural de Elijah.
Consigo respirar fundo, e de novo, e depois de novo. É
difícil com ele na minha frente, com os+ olhos escuros me
observando, mas de alguma forma meu corpo se lembra. Ele
se lembra como inspirar e expirar, e pensar que houve um
tempo em que eu poderia tirar uma soneca nu perto desse
homem, quando poderia apoiar meus pés em seu colo e
encher o saco para ganhar uma massagem nos pés, quando
poderia jogar cereal nele através da mesa porque ele não
estava prestando atenção em mim...
O pensamento de que houve um momento em que eu
não fiquei paralisado e em estado de choque só por estar
olhando para ele é impossível.
Ele não se levanta, mas lentamente se endireita, seu
braço saindo do encosto do banco e as mãos entrelaçadas em
seu colo. As nuvens rapidamente sombreiam a pele morena
quente de seu rosto e mãos, escurecendo brevemente seus
olhos antes que o sol retorne, mais radiante do que antes.
Muita coisa nele está diferente de quando o vi pela
última vez. Seu rosto está mais magro, destacando as maçãs
do rosto altas, e agora há uma barba por fazer de dar água na
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
boca em sua mandíbula, uma mandíbula que costumava ser
cuidadosamente barbeada. E isso sem falar no que está
vestindo: uma camiseta Henley creme, bermuda azul claro e
tênis de cano baixo. Anos atrás, ele não teria saído para
comprar preservativos sem usar pelo menos duas peças de
roupa que só podem ser lavadas a seco, e agora ele está aqui
parecendo que acabou de voltar de férias. Férias boas. Para a
Disney ou para a região do vinho ou algo assim.
No entanto, algumas coisas não mudaram. O queixo
com uma fenda sutil, a sobrancelha perfeitamente arqueada
enquanto me observa, os olhos cor de uísque brilhando sob
cílios grossos. Uma boca tão perfeitamente esculpida na
geometria dos seus cumes superiores e na curva do lábio
inferior que é digna de adoração.
A frieza estudada de sua expressão.
A graça deliberada de seu autodomínio.
Pode ser apenas isso - a seriedade bonita e fria dele -
que envia sangue para o meu pau, mas também há o resto
dele para enfrentar. Como a visão estranhamente erótica de
seus tornozelos acima de seus tênis. A imobilidade das mãos
elegantes em seu colo.
Eu, é claro, ainda sei a verdade sobre essas mãos, sobre
o homem a quem pertencem. Sei que por baixo de todo esse
equilíbrio e frieza há um calor escaldante e trêmulo.
Estou sendo punido por meu sonho? Estou passando
por algum tipo de teste?
Como ele pode estar aqui? Agora? Quando já se
passaram quase cinco anos desde que o deixei parado em

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


uma calçada de cascalho com uma gravata amassada em
uma das mãos e a chave da minha casa na outra?
— Aiden, — Elijah repete, e então franze um pouco a
testa. — Não, desculpe. Irmão Patrick agora. Certo?
Eu faço algum gesto estúpido que é mais ou menos um
aceno, tentando indicar que está tudo bem, que atendo por
ambos. Meu nome religioso é como um manto espiritual - eu
o vesti para o resto da minha vida, mas o coloquei por cima
de tudo o mais. Ainda sou Aiden Bell por baixo disso. Mesmo
quando não quero ser.
Eu me forço a dar um passo à frente, para chegar ao
banco e me sentar no final, como com qualquer outro
visitante. Embora nenhum outro visitante faria minha carne
se esticar contra o metal que nesse instante prende meu
sexo.
É engraçado pensar que essa gaiola começou como algo
divertido e sexy - castidade como fetiche, castidade
como diversão - e nos últimos quatro anos, eu a usei para
suprimir os próprios impulsos que nos inspiraram a comprá-
la. Embora às vezes, nas profundezas da noite, questiono se
naqueles primeiros dias usei a gaiola porque ela me lembrava
dele. Porque parecia que ele estava tocando meu corpo,
mesmo que fosse por meio de um brinquedo.
Elijah olha para mim. — Disseram que você não pode
falar hoje.
Concordo com a cabeça e ele endireita os ombros, as
mãos ainda aninhadas em seu colo.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Ok, — diz ele. — Bem, acho que ainda consigo ter
essa conversa. Vai ser mais curta do que eu imaginava.
Já se passaram anos e, no entanto, o sofrimento que se
segue à palavra conversa é um castigo igual a qualquer
penitência. Uma conversa que mereço, pela forma como as
coisas acabaram.
Um flash de memória: eu, quase cinco anos atrás,
sentado contra a parede da minha sala de estar e olhando
para a noite escura do campo além da janela. Naquela noite
não havia estrelas e nem lua. Apenas uma escuridão como
uma coisa palpável - como óleo, derramando pela janela,
passando por meus pés descalços e sob minha bunda vestida
de pijama.
Escorrendo pela minha garganta.
Na manhã seguinte, entrei na minha caminhonete e
dirigi até aqui pela primeira vez.
Percebo que Elijah ainda não falou, ainda não começou
sua conversa, que sem dúvida será exatamente o acerto de
contas que temo - e que mereço. Terminei com ele depois de
um ano de felicidade estonteante, não me sentando e
conversando como uma pessoa racional, mas me juntando a
um mosteiro.
Olho para ele e o encontro me observando, mas desta
vez sem sobrancelha arqueada. Ele está me olhando com os
lábios entreabertos, como um homem atordoado, e então
engole em seco, que faz seu pomo de adão subir e descer.
— Você mudou, — diz ele. E então seus olhos descem do
meu rosto para o lugar onde meus ombros testam até mesmo

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


as generosas costuras do meu hábito beneditino preto. —
Muito, — acrescenta, com uma voz ilegível.
Tento encolher os ombros, olhando para o meu colo. Eu
fui vaidoso em minha vida anterior e essa vaidade às vezes
ainda abre caminho para a superfície. Como agora, quando
estou me lembrando de como eu costumava ser ágil como
Peter Pan, esperto, bem cuidado e esbelto, que não parava o
dia inteiro, e às vezes de madrugada também.
E hoje sou o irmão Lenhador. Que tem que ter suas
vestes feitas sob medida e que cozinhou sua pele clara sob o
sol por tanto tempo que tem rugas finas saindo dos olhos e
sardas respingando no rosto. E que agora tem o pau em uma
gaiola de castidade porque não consegue parar de sonhar
com seu ex-namorado.
Não que alguém saiba essa última parte.
Então, é claro que Elijah está surpreso com a minha
aparência, é claro que está chocado. Eu costumava ser
fantástico e agora pareço viver com ursos. Malvados.
Mantenho meus olhos em minhas mãos que seguram os
papéis que o abade acabou de me dar. Não quero ver o rosto
de Elijah enquanto ele processa minha aparência, o que é
uma vaidade boba, eu sei, sei mesmo, mas não consigo
evitar. Uma parte fraca de mim quer que ele me ache bonito,
porque ele ainda é tão lindo, ainda tão incrivelmente lindo.
— Presumo que Sean tenha contado sobre a casa da
fazenda, — diz ele depois de um momento.
Eu aceno, minha cabeça baixa, meu corpo ondulando
com a consciência enquanto ele se mexe, levando um joelho

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


para cima do banco para que possa se virar para
mim. Permito-me dar uma olhada em suas pernas - bermuda
bem esticada sobre coxas fortes, panturrilhas levemente
polvilhadas com pelos, tornozelos bem formados fazendo
pouco de sua nudez - antes de voltar meu olhar para o meu
colo.
Lembro-me de como era arrastar meus lábios por suas
canelas e pela parte de trás de suas panturrilhas. Lembro-me
de beijar as protuberâncias firmes de seus tornozelos ao
descer para chupar os dedos de seus pés. Lembro-me das
coxas pressionadas contra as minhas enquanto ele sentia seu
prazer dentro de mim.
E agora estamos sentados em um banco, o mais
distante possível, enquanto o vento levanta a barra do meu
hábito de monge e agita as pontas dos papéis que poderiam
me levar por todo o mundo.
— Não pude ficar com ela, — explica Elijah. — Não fui
feito para vacas e cercas.
Eu aceno novamente. Ele a vendeu pouco antes de eu
fazer meus votos simples, mais ou menos um ano depois de
eu ter partido. Sean veio me contar e, naquela tarde, fui até o
riacho e cortei lenha até que minhas mãos estivessem
lascadas e em carne viva e mal conseguisse respirar. E então,
finalmente exausto, caí de joelhos e chorei até a hora das
Vésperas12.
Fazia sentido, é claro - eu sabia quando deixei para ele
que provavelmente iria vendê-la. Reformar a casa da fazenda

12As Vésperas são as orações ao entardecer, da Liturgia das Horas da Igreja Católica.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


era meu sonho, não dele, e seu trabalho era na cidade,
planejando eventos para corporações e organizações sem fins
lucrativos em um dos maiores locais de eventos de Kansas
City. Praticamente ir e voltar para Lawrence seria uma tarefa
árdua, mesmo que ele quisesse ficar com casa da fazenda.
Mas a venda pareceu tão definitiva. Seu próprio tipo de
voto.
— Foi a primeira vez que entendi a necessidade de
abandonar o passado de forma tão completa que nunca mais
precisaria pensar sobre isso, — diz ele. — Eu teria pagado
a alguém para comprar aquela coisa, só para não ter que
olhar mais para aquela maldita chave no meu chaveiro.
Claro, eu também conheço esse sentimento. Mas, no
meu caso, tive que deixar o passado para que pudesse ter
sequer um futuro - qualquer futuro.
— Agora sou escritor, — Elijah diz de uma só vez
enquanto as nuvens voltam a cobrir o sol. As sombras caem
por toda parte no claustro. — Sean contou?
Nego com a cabeça. Ele não contou. E talvez eu não
tivesse acreditado se tivesse contado, porque Elijah nunca foi
do tipo que “trabalha na solidão com uma grande xícara de
chá”. Ele era mais o tipo “friamente charmoso caminhando
através de um evento de galeria de arte com uma taça de
vinho”. E de todas as coisas que estraguei entre nós, talvez
esta seja a melhor prova do meu profundo descuido com as
pessoas mais próximas: nunca tive a menor ideia de que ele
queria ser escritor. Nenhuma ideia.
— Sou redator da Mode.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Sei que a surpresa aparece no meu rosto, porque ele faz
um barulho de desprezo.
— Não é tão glamoroso quanto parece, — diz ele, embora
trabalhar para a revista masculina mais vendida do país
pareça bastante glamoroso para mim. — Há muitas
entrevistas com celebridades menores. Muito de “esses dez
cintos farão qualquer homem ter estilo”. Esse tipo de coisa.
Ainda estou muito impressionado. Viro minha cabeça
para que ele possa ver isso, meu prazer e meu orgulho por
ele. Há uma espécie de satisfação dilacerante em saber que
ele está prosperando agora, sem mim. Que eu estava certo em
deixá-lo, em me retirar de sua vida.
Todo mundo está muito melhor comigo aqui no Monte
Sergius.
— Aiden, — Elijah diz. — Na verdade, não vim aqui para
falar da casa ou da Mode.
Eu olho para minhas próprias mãos de novo. Lá vem,
penso comigo. Aí vem a escoriação que mereço, a prestação
de contas que ele está autorizado a exigir de mim. Esta é a
sua própria liturgia - a liturgia do encerramento após o
sofrimento, uma reconciliação não de Deus com os homens,
mas de homem com homem - e rezarei esta liturgia com
ele. Vou inclinar minha cabeça e acená-la.
Eu não seria capaz de fazer isso quatro anos atrás. Acho
que isso mostra que esse lance de monge está funcionando.
Mas, em vez de cair na longa ladainha das maneiras
pelas quais eu estraguei tudo, Elijah diz, em uma voz que é
mais uma vez fria e inescrutável:

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Vou me casar. Em breve.
Eu respiro - ou pelo menos tento. Minhas costelas se
movem, mas nada mais parece funcionar como deveria. Nem
minha garganta ou meus pulmões, nem meu diafragma e
nem meu coração, que está vacilando em uma batida
anormal. Um nó estúpido fecha minha garganta, e dói, dói,
como se todo o sofrimento que me inunda estivesse se
prendendo em um ponto, o lugar onde voz e respiração se
encontram.
Casar.
Elijah Iverson, o amor da minha vida, a adoração da
minha alma comprometida com Deus, casando-se com outra
pessoa.
Um machado na cabeça teria doído menos.
— Ele se chama Jamie, — Elijah continua com a mesma
voz. — Nós nos conhecemos há alguns anos em uma
exposição em uma galeria. Ele me pediu em casamento no
ano passado e eu aceitei.
Eu assinto.
Eu assinto, assinto e assinto, pois o que mais posso
fazer? Não posso falar. Não consigo falar.
Mesmo se pudesse forçar as palavras além da minha
garganta, fiz voto de silêncio hoje. Prometi todas as minhas
palavras a Deus e me esforcei muito para aprender a cumprir
as promessas para quebrar uma agora.
Mesmo assim, sinto as palavras vindo, se acumulando
na minha língua, aglomerando-se contra meus
lábios. Pressiono minha boca. Eu me viro de costas. Fecho

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


meus olhos com força e luto, luto, luto. Não vou falar nada,
não vou dizer nada. Devo a Deus e a Elijah pelo menos isso -
meu silêncio e minha aceitação.
— Achei que não precisava... — Elijah faz uma pausa,
como se procurasse as palavras certas. — Bem, quanto mais
eu pensava, mais parecia algo que Sean já teria contado. E
eu, ah, porra, Aiden, você pode olhar para mim?
Pela primeira vez, a calma composta de sua voz vacila e
suas palavras são instáveis e rudes.
Eu olho para ele. Ele é tão lindo, e mesmo agora, mesmo
com tudo, meu pau tenta inchar ao ver os músculos
contraídos e tensos sob sua camiseta fina, nos contornos
tentadores de suas coxas. Na protuberância em sua bermuda
que eu teria que estar morto para não perceber.
Ele me encara com olhos âmbar escuros, boca fechada,
queixo mal barbeado tenso com alguma emoção que não
consigo definir. — Você partiu, — ele diz em uma voz grossa e
irritada.
É inevitável - é até o que eu esperava quando me sentei
neste banco pela primeira vez - mas ainda estremeço com as
palavras. Com a acusação enterrada dentro delas.
— Você me deixou. Por isso, — diz ele. — O que eu
deveria fazer, Aiden? Ficar congelado no tempo, como uma
mosca no âmbar por você? Recusar-me a seguir em frente ou
voltar a viver?
Balanço a cabeça. Não, não, claro que não. Eu o deixei
para me tornar um monge, o deixei para me casar com meu
deus, para dar meu coração ao meu deus, para dar

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


meu corpo ao meu deus, e então não posso ter ciúmes desse
Jamie agora, não quando escolhi primeiro outro amante. O
fato de o amante ser Jesus Cristo parece irrelevante para a
situação.
O efeito é o mesmo.
Ele recua, como se toda a batalha de repente o tivesse
abandonado. — Achei que precisava contar pessoalmente,
porque, do contrário, não poderia ter certeza, — ele diz em
voz baixa. — Eu precisava ver se você ficaria aqui para
sempre. Precisava aceitar o fato de que nunca vou saber o
porquê.
Relembro-me daquela noite - aquela janela
completamente seca de estrelas e luar. A viscosidade das
madeiras recém-seladas e o brilho do meu celular no escuro.
Por quê?
Por que deixar uma vida como um milionário? Por que
deixar um namorado perfeito?
Por que deixar a família e uma casa de fazenda bonita e
abandonada e sexo - Deus, por que desistir do sexo?
Porque se não tivesse feito isso, aquela escuridão
escorrendo pela janela da minha casa teria me
levado. Eu queria que aquilo tivesse me levado. Estava pronto
para ser levado.
E, de alguma forma, consegui rastejar até aqui,
ofegando como um homem se afogando que acabara de nadar
até a costa. Consegui salvar minha própria vida - ou consegui
deixar Deus salvar minha vida.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


De qualquer forma, esse era o custo por
sobreviver. Minha antiga vida.
Ele.
Elijah esfrega as mãos na cabeça, as pontas dos dedos
afundando nos cachos por um momento. Está mais longo
agora; ele costumava usar o cabelo curto, com pontas
imaculadas e onduladas. Outra mudança que não estive lá
para ver.
Eu não estava sentado no sofá com ele enquanto
esfregava o rosto e pensava em deixar a barba crescer. Não o
estava cutucando com minha escova de dente para afastá-lo
enquanto ele olhava para o espelho, posando de um lado para
o outro imaginando um cabelo mais comprido. Não estava na
cama com ele à noite, minhas pernas emaranhadas nas dele,
enquanto ele reclamava de seu trabalho ou se sentia
entediado com seu trabalho, não estava lá quando ele
escreveu seu primeiro artigo ou quando enviou um portfólio
para a Mode.
Não estava lá porque estava aqui. Rezando e cortando
lenha.
Não estava lá, e esse tal de Jamie estava.
Elijah se levanta, de costas para mim por um momento,
antes de se virar. De repente o sol abre uma brecha nas
nuvens e repele a escuridão anterior no claustro, iluminando
Elijah em uma névoa dourada.
Se eu fizesse um vitral exibindo uma imagem da
criatividade e capacidade de beleza de Deus, seria desse
jeito. Seria Elijah com a barba por fazer e de bermuda, seriam

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


seus olhos nesse tom castanho dourado escuro, seria sua
boca, essa mandíbula, essa garganta. Seria um santo de tênis
de cano baixo com um halo de luz do sol do Kansas em volta
da cabeça.
Ele mordisca o lábio inferior por apenas um instante
antes de soltá-lo e então se endireita, me olhando com uma
expressão que desafia a interpretação. Apenas seus olhos
parecem fora do controle habitual, brilhando com um calor
que pode ser fúria ou tristeza, não sei dizer.
— Eu te amei por muito tempo depois que você partiu,
— diz ele. — Acho que deveria saber disso.
Ele não precisa dizer a próxima parte, porque já sei; já
sei que ele não me ama mais.
E com um pequeno aceno de cabeça, ele se vira e sai do
claustro, as primeiras gotas de chuva molhando sua camiseta
e sua cabeça baixa, como se estivesse rezando.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


5

DO CADERNO DE ELIJAH IVERSON

Ombros.
Esse foi meu primeiro pensamento assim que o vi.
O tipo de ombros que podiam apagar o sol, ombros que
testavam as costuras de seu hábito de monge (que é uma
vestimenta feita propositalmente para ser solta e sem forma,
então isso é... alguma coisa).
Quatro anos de mudanças, e foram seus ombros que
notei primeiro. Mas também houve outras mudanças. Uma
espessa barba em sua mandíbula marcante, calosidades em
suas mãos grandes. E mesmo que aqueles olhos verdes ainda
fizessem meu coração acelerar, eles não brilhavam mais com
malícia e alegria infantil, mas com algo... Não sei, solene
parece a palavra errada. Secreto, talvez.
E o silêncio dele, quieto como eu nunca tinha visto Aiden
Bell. Ele ouviu cada palavra que falei como se eu estivesse
proferindo uma profecia, e quando olhou para mim e não
para suas mãos, seu olhar estava
intensamente presente. Como se ele inteiro estivesse ali
comigo, tão ali, como se sua vida tivesse existido apenas para
me olhar por trinta minutos em um claustro.
Aquela parte... que é como o antigo Aiden, mas também
não é, não com a quietude o acompanhando.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Por que não consigo parar de pensar em como ele estava
quieto?
Por que não consigo parar de pensar em seus ombros?
Eu fiz o que fui fazer lá. Contei-lhe sobre Jamie, sobre o
casamento, instiguei com sucesso o encerramento.
Nada parece finalizado
Por que não consigo parar de pensar sobre

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


6

Não sei como volto para o eremitério. Sei que volto


porque estou aqui no fino tapete de segunda mão que cobre a
maior parte do piso de concreto rachado. E sei que deve ter
chovido todos os três quilômetros de volta, porque os papéis
que o abade me deu estão molhados e moles em minhas
mãos.
Sei que ainda estou vivo porque sinto meu coração
batendo forte dentro das minhas costelas. Porque estou
chorando e as lágrimas escorrem quentes pelo meu rosto
gelado e molhado de chuva.
Estou ajoelhado enquanto a chuva ruge ao redor do
casebre de pedra calcária, enquanto tamborila feito louca no
telhado e chicoteia contra as janelas. Não vejo nada do
mundo em que estou, nada além de fibras de tapete gastas e
a foto agora ondulada de St. Columba e seu mar escuro e
implacável.
Não vejo nada além de Elijah em minha mente.
Ele vai se casar. Ele vai se casar e não é comigo.
Eu te amei por muito tempo depois que você partiu.
E eu ainda o amo.
Eu ainda o amo.
O barulho sai de mim como um trovão - um rolo lento,
cada vez mais alto até que está sobre mim e estou gemendo,
estou chorando enquanto cambaleio para ficar de pé e

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


através da porta para a clareira, chorando de volta para o
trovão e para o deus que o enviou.
Caio de joelhos de novo, tremendo com a necessidade
de... nem sei. De correr, talvez. Correr por entre as árvores
até chegar ao topo da enorme colina de calcário acima da
abadia e então ficar lá até que um raio queime minha carne
estúpida e miserável. Correr até o oceano e depois nadar até
o santuário de St. Columba.
Correr para a rodovia e pegar uma carona para Kansas
City e cair aos pés de Elijah e implorar por perdão.
Curvo-me para frente, a garganta doendo, os lados do
meu corpo arfando. A chuva continua caindo sem se importar
com minha raiva ou dor, o trovão retumba e continua, como
sinos de igreja soando na pradaria, convocando cada pessoa
que pode ouvir para este antigo ritual do céu encontrando a
terra.
Fico olhando para minhas mãos na lama, para a grama
rasgada entre elas.
— Eu o amo tanto, — sussurro, a chuva escorrendo da
minha cabeça e descendo para os meus lábios, onde as gotas
caem junto com minhas palavras na lama e na grama
abaixo. — E dói e quero que pare. Por favor, Senhor. Se você
me ama, faça isso parar.
Não há resposta de Deus, nenhum presságio doce ou
pungente que eu possa tomar como um sinal. Nenhum raio
de sol, nenhum canto de pássaros. Nada além de lama,
trovões e um céu cinzento. Tão cinzento que pode ser que
haja alertas mais tarde e quase desejo que eles

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


aconteçam. Quase desejo que uma tempestade me leve para
longe.
Levanto meus olhos para as colinas.
Fecho meus olhos e espero.

Os alertas nunca chegam e, por fim, a tempestade


diminui, deixando meu riacho cheio e o solo
encharcado. Também me sinto encharcado enquanto limpo
minha bagunça e reúno minhas roupas, lençóis e toalhas
para poder voltar para a abadia propriamente dita. Tão
encharcado que mal me importo que meu retiro tenha
acabado, que estarei de volta ao dormitório com os outros
irmãos. Voltar a fazer planilhas e trabalhos ocasionais na
gráfica ou na cervejaria, ouvindo os outros rirem, rezarem e
conversarem.
Que diferença faz onde estou? Eremitério ou dormitório,
todos os lugares são vazios dele.
Tudo bem, tento me lembrar. Você está bem.
Estou bem. Eu vim para o mosteiro para ficar bem e
agora estou, e Elijah será feliz e vou ficar bem.
Talvez, se repetir para mim mesmo várias vezes, comece
a acreditar. Como uma oração.
Essa noite está quente e úmida, tão pegajosa que quase
dá vontade de ir para uma piscina, embora ainda não seja
oficialmente verão. Sento-me de pernas cruzadas sob o
carvalho que espalha sua sombra sobre os túmulos de

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


monges mortos há muito tempo e olho para os papéis
enrugados e agora secos em meu colo. A vários metros de
distância, o irmão Connor faz seus katas13 com uma graça
fluida que invejo. Mesmo antes da minha fase monge-e-
lenhador, nunca fui um homem gracioso. Praticava esportes
com o entusiasmo de um filhote de cachorro, batendo em
outros jogadores e tropeçando nos próprios pés e, mais tarde,
espalhei copos plásticos de cerveja e tigelas de queijo nacho
por toda a república de estudantes.
O único lugar em que tinha alguma suavidade real era
na cama, mas muito disso era instinto, era desejo sem
intenção ou habilidade. Se eu quisesse beijar, beijava, se
quisesse agarrar, agarrava. E de alguma forma sempre
funcionou. E com Elijah...
Um calor tenso aperta minha barriga e coxas, e o
desconforto da gaiola que voltei a usar hoje me afasta das
lembranças dele. Ao lembrar daquela primeira vez, sua
respiração irregular em meu ouvido enquanto os convidados
da arrecadação de fundos riam e bebiam champanhe do
outro lado da porta da varanda.
Isso cresceu, cresceu, cresceu, por anos e anos. O
melhor amigo do meu irmão mais velho. Que clichê. E mesmo
assim, nada disso parecia banal ou surrado quando ele roçou
seus lábios nos meus. Quando segurou minha mão e levou
meus dedos à boca.
E se...

13 Kata é uma sequência de movimentos do caratê.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Mexo-me automaticamente, tentando aliviar um pouco
da pressão no meu pau, embora seja um contraponto bem-
vindo à pressão no meu peito e na minha garganta. Hoje
posso falar, agora que cumpri meus votos, mas descobri que
não quero, pois o que posso dizer? O que posso dizer além de
que o homem que amo vai se casar e que preciso aceitar isso?
Fecho meus olhos e inclino minha cabeça para trás
contra o tronco grosso do carvalho. Mesmo nos dias depois de
vir para cá, acabando de deixar Elijah, fresco daquela noite
escura na casa da fazenda quando não havia nada, nada,
nada rastejando pela minha pele até que meu celular brilhou
no escuro - mesmo naquele dia, eu não estava tão
machucado e inquieto quanto estou agora.
O que é estúpido. Muito estúpido. Farei meus votos
solenes no próximo ano; nunca houve nenhum plano de
deixar de ser monge. De jeito nenhum eu e Elijah
terminaríamos juntos, porque escolhi partir e algumas
escolhas não podem ser desfeitas e, oh Deus, e se eu quiser
que essa escolha seja desfeita?
Não pode ser desfeita. Essa escolha é a única razão pela
qual você está vivo agora.
A única razão pela qual você vai ficar bem.
Não, eu não quero desfazer minha escolha. Tenho
certeza disso. Vim para cá depois da noite mais sombria da
minha vida. Vim de alguma forma transformar um milionário
egoísta e com tesão em um homem bom, e essa dúvida - essa
necessidade egoísta de amor e sexo - é a prova de que ainda
há muito trabalho a ser feito. Eu sou um homem desfeito.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Estou incompleto. Estou tão longe de onde quero estar, que é
o mais perto de Deus que uma pessoa pode chegar.
Estou muito longe de ser um santo.
E essa inquietação - talvez seja a prova de que preciso
de algo mais difícil, mais duro, mais cruel. Rigor e ascetismo
que não posso conseguir aqui dos gentis beneditinos.
Uma sombra passa por mim e abro os olhos para ver as
calças desbotadas do quimono na frente do meu
rosto. Inclino minha cabeça para vê-lo estendendo a mão.
— Pensando em seu visitante? — Ele pergunta. Sua voz
é tão suave, tão serena, que a pergunta não parece
invasiva. É mais como se ele estivesse comentando sobre isso
da mesma forma que comentaria sobre uma nuvem bonita ou
uma raposa correndo ao longo da plantação de cevada.
Aceito sua mão, ainda surpreso como alguém tão
pequeno pode mover alguém do meu tamanho enquanto me
puxa para eu ficar de pé. — Sim, — admito, minha voz áspera
e rouca de minhas lamentações lamacentas de ontem. — Eu
estava.
— Este visitante... era o seu Elijah?
Assinto, olhando para os túmulos. Quando cheguei
aqui, imaginei onde seria o meu túmulo, aninhado entre
esses homens santos que viveram e morreram aqui
aprendendo a ser humildes, simples e próximos de Deus. Mas
agora não sei onde um dia estará meu túmulo.
Penso nos papéis em minhas mãos, no escritório do
abade a apenas uma curta caminhada de distância.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Eu bufo e olho de volta para meu amigo. — Ele... ele vai
se casar.
— Oh, irmão Patrick. Eu lamento.
Eu queria poder dar de ombros ou sorrir. Queria poder
transformar isso em uma piada, rir disso, tornar uma história
hilária para contar com uma cerveja e alguns dos pretzels
caseiros do Padre Matthew. Antes - nos tempos de Aiden - eu
era tão bom em forjar o que as pessoas queriam ouvir. Era
tão bom em fazer um momento parecer tão leve e doce quanto
algodão doce, em varrer qualquer coisa remotamente
desconfortável para debaixo do tapete até que desaparecesse.
Eu costumava achar que era muito bom nisso porque
tinha que aprender a fazer as pessoas me amarem de novo
depois que fodia tudo, e isso acabou sendo útil em todos os
tipos de situações sociais, não apenas naquelas em que eu
precisava encantar meu caminho para o perdão.
Mas não acho mais que isso seja verdade. Ou, pelo
menos, não é toda a verdade.
Acho que o verdadeiro motivo pelo qual sabia como
desviar as pessoas da minha dor ou dos meus erros é o
mesmo motivo pelo qual estava no chão da minha casa na
noite anterior a vir para cá. Olhando pela janela enquanto
minha mente entoava veneno para si mesma, como uma
ladainha corrupta, mas suspeitamente reconfortante.
Sei que estou muito longe daquela noite. Agora entendo
coisas que não entendia antes.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Uma dessas coisas é que a confissão não é sentar em
frente a um padre e cumprir um anexo C moral14. Destina-se
a pequenos momentos de honestidade compartilhados com
aqueles que estão próximos de nós, e não é apenas para
pecados, mas para confusões, mágoas, e esperanças também.
Eu confesso agora, para o irmão Connor. — Ainda estou
apaixonado por ele.
Ele balança a cabeça, como se isso não o
surpreendesse. — Você o amava intensamente quando
chegou aqui.
— Eu não quero amá-lo.
O irmão Connor me olha. — Espero - sinceramente - que
você não acredite que é um pecado amá-lo. Você não
costumava pensar assim.
— Não era um pecado para mim amá-lo naquela época,
mas não posso deixar de sentir que agora é. Vim para cá para
entregar meu coração a Deus e somente a Deus, então que
tipo de pessoa eu sou se ainda existe outro objeto de minha
adoração? Se não importa o quanto eu reze e trabalhe, o
desejo por alguém que não seja o meu senhor ainda me
atormenta? Eu me sentiria da mesma forma se ainda
estivesse apaixonado por uma mulher depois de quatro anos
aqui.
— Acho, — diz o irmão Connor, — que essa é uma
maneira muito humana de ver as coisas. Se o amor de Deus
não tem limites, tornar-se mais semelhante a Cristo significa
cultivar um amor que é como o de Cristo - sem limites ou

14 Anexo C (Schedule C) – um dos formulários de imposto de renda nos EUA.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


fronteiras. E um amor sem limites, por definição, envolveria
facilmente muitos amores, não é?
As sombras se estendem por trás das lápides agora,
como longos dedos alcançando o Leste em direção às
árvores. Logo serão as Completas, nossas orações finais antes
que anoiteça sobre a abadia.
— Esta vida deveria ser uma oferta, — digo finalmente,
gesticulando em direção aos túmulos com a mão que segura
os detalhes dos mosteiros trapistas. — Uma oferta sagrada
e integral, e ainda sinto que estou oferecendo só uma parte,
que estou retendo parte do meu sacrifício. Talvez a vinda de
Elijah tenha sido um presente, porque agora entendo -
entendo como estou longe de ser total e completamente de
Deus.
— Você ainda parece um banqueiro, — disse o irmão
Connor, um pouco triste, quando os primeiros sinos
começam a dobrar para as Completas. — Como se a vida
fosse fechar contas e realocar fundos.
— Eu não era um ban... não importa. O que importa é
que ainda estou agarrado à minha vida passada, quando
preciso que ela seja queimada, jogada fora. Eu preciso
de mais.
O irmão Connor olha para os papéis em minha mão
enquanto os sinos tocam outra vez. — Então, você se
decidiu. Sobre a viagem.
— Sim, — digo, e uma nova energia me preenche, algo
parecido com o que me trouxe ao Monte Sergius. É algo
próximo da esperança. — Eu irei.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


O irmão Connor toca meu braço, gentilmente, com
ternura. — Estou feliz por você, irmão Patrick. Minha única
preocupação é que agora você não vai mais buscar, mas fugir
de algo. Ou de alguém.
Balanço minha cabeça. — É isso que preciso fazer. Sei
disso. Sei como sabia que deveria vir para cá quase cinco
anos atrás.
— Então, estou feliz por você, — diz ele suavemente. —
E tem certeza?
— Tenho certeza. Até sei quais são os três mosteiros que
quero visitar.
Começamos a caminhar para a igreja, os sinos
insistentes agora e reconfortantes em seus badalos.
— Então, acho que devemos contar ao abade, — diz o
irmão Connor. — E lhe arranjar um novo passaporte.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


7

O tempo na abadia se derrama em bacias, assim como a


fonte no claustro sul, com a água de cada piscina quase
imóvel antes que a gravidade a empurre suave e
inevitavelmente para a frente.
Acordamos para Vigílias e nos vestimos com nossos
hábitos, que variam nos detalhes, mas todos têm uma longa
túnica preta, um cinto e um pedaço de tecido preto chamado
escapulário que desce tanto na frente quanto nas costas do
corpo, mas permanece aberto nas laterais. Em seguida,
vamos para a oração, saindo de nossas celas na escuridão da
madrugada.
Depois de rezarmos em vigília, é hora da lectio divina - a
leitura sagrada.
Quando eu trabalhava com finanças, ler era crucial -
verificar, folhear, avaliar, tudo o mais rápido possível porque
tempo era dinheiro e qualquer tempo gasto absorvendo
informações era tempo não gasto para transformar essas
informações no próximo monte de dinheiro. E então, quando
vim para cá, presumi que ler a Bíblia seria a mesma
coisa. Você lê os capítulos o mais rápido possível para que
possa passar para o próximo capítulo.
Mas não é assim que a lectio funciona - também não é
assim que funciona ser um monge. A produtividade nunca é
a questão, o resultado nunca é a questão. O fazer é a
questão.
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
E a mesma coisa acontece com a lectio. Você não está
lendo para passar por um capítulo ou cumprir uma tarefa,
não está procurando uma epifania. Está ali para ficar e
saborear. Ser capturado por uma única palavra ou imagem e
depois deixá-la flutuar por seus pensamentos como a fumaça
de uma vela, deixando-a evocar todas as lembranças,
sentimentos e pensamentos que quiser.
De certa forma, isso me lembra sexo. Há algo
maravilhoso em fazer amor lento e lânguido, em traçar o
corpo de alguém com dedos e lábios vagarosos. O tipo de sexo
que remete a revelações que podem parecer ínfimas para
qualquer outra pessoa - talvez a existência de uma pequena
cicatriz, ou alguns fios de cabelo crespos na parte superior de
um pé, mas que mudam vidas com sua descoberta. Em sua
intimidade, sua afeição, sua vulnerabilidade e em sua
capacidade de assombrar, evocar, provocar, recompensar...
Sim, para mim, a lectio divina é muito parecida com
sexo.
Depois que a lectio-sexo é louvada, nossas orações são
ditas à luz do sol que agora está acordando, e o café da
manhã, que conclui o Grande Silêncio do dia. Depois do café,
há algumas horas de trabalho, que para mim, é
principalmente sobre ser o contador da abadia, respondendo
por nossa gráfica, cervejaria e taproom15, bem como qualquer
renda trazida pelas pessoas que ficam em nosso centro de
retiro. Não estou exatamente gerenciando carteiras de sete e
15 Taprooms – a sala das torneiras - comum em algumas cervejarias. É um cômodo

onde estão instaladas as torneiras para o apreciador de cervejas artesanais degustar a


bebida no mesmo lugar onde é fabricada. No universo cervejeiro, esse termo não é
traduzido.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


oito dígitos, mas a alocação e a expansão cuidadosas
significam que o mosteiro tem uma reserva saudável para
qualquer crise potencial e pode facilmente atender às suas
necessidades no próximo ano - as instituições de caridade
que apoiamos em nosso condado e em Kansas City,
financiando nosso plano de saúde, pagando os serviços
públicos habituais e despesas comerciais, pagando nosso
equipamento e suprimentos agrícolas.
Quando não estou no escritório ao lado do abade,
tentando desligar-me do audiolivro francês do dia e avaliando
reparos em equipamentos agrícolas e possíveis pedidos de
subsídios, ajudo onde quer que ombros grandes e costas sem
lesões possam ser úteis. Normalmente no celeiro ou na
cervejaria - ou cortando árvores mortas -, mas muitas vezes
sou necessário na taproom também, empurrando barris e
fixando e abrindo suas torneiras.
Agradeço por isso, pelo trabalho que cansa meu corpo a
ponto de às vezes conseguir dormir sem sonhar. Agradeço
pela honestidade do suor e pela dor. Passei os primeiros onze
anos de minha vida adulta ganhando dinheiro da maneira
mais astuta e indireta, convencendo pessoas, empresas e
fundos a me deixarem brincar com o
dinheiro que ganharam. Então, sim, é bom trabalhar com
meu corpo e minhas mãos. É bom usar todos os dons que
tenho para matemática e dinheiro para tornar o futuro da
abadia mais seguro e cuidar de seus dependentes.
É bom fazer coisas boas.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Depois do trabalho, há missa na igreja da abadia,
almoço e oração comunitária. Voltamos ao trabalho à tarde -
alguns mudando de hábitos dependendo de nossas várias
funções - e depois voltamos à igreja para as Vésperas, nossas
orações ao entardecer. Depois, temos a lectio de novo, o
jantar e nosso tempo livre, que geralmente é quando o irmão
Connor treina seus katas sob o carvalho e muitos de nós
tomamos um ou dois copos de cerveja gelada. Assim
lubrificados, estamos de volta à igreja para as Completas e
depois vamos para a cama.
Oração e trabalho.
Ora et labora.
Duas semanas depois que Elijah me disse que ia se
casar, estou sentado no jardim da cerveja do lado de fora da
taproom, observando o sol se pondo no horizonte. Os irmãos
Titus e Thomas estão jogando esponjas molhadas um no
outro em vez de limpar as mesas, e um irmão visitante de
uma abadia na Itália está bravamente tentando conversar
com nosso carpinteiro, irmão Andrew, que não é exatamente
conhecido por ser conversador e que grunhe em sua cerveja
toda vez que o italiano lhe faz uma pergunta.
Impressiona-me como esta noite cheia de cerveja é
diferente das noites que passei antes de vir para cá -
especialmente antes de começar a namorar
Elijah. Trabalhando até que fosse definitivamente hora da
diversão, pulando o jantar para que eu pudesse ficar bêbado
ou ir a um clube de strip ou ambos. E se por algum motivo
eu ia jantar, meu celular ficava na minha mão o tempo

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


todo. Na verdade, mesmo que eu saísse para beber depois ou
para dançar, meu celular ainda estava visível. Tenho vívidas
lembranças de strippers ronronando no meu colo enquanto
eu acariciava seus quadris com uma das mãos e respondia e-
mails com a outra.
Não é assim aqui na abadia.
(Quero dizer com os celulares. Mas também com as
strippers.)
Um pequeno grupo de irmãos tem celulares, se suas
funções na abadia exigirem, como nosso diretor de marketing
e os irmãos que trabalham com aqueles que fazem retiros,
mas a maioria de nós não tem celular e nos revezamos
usando os computadores da biblioteca para enviar e-
mail. Portanto, não há telas na mesa agora, nenhum
smartwatch zumbindo com mensagens ou alarmes. Não há
ninguém se preocupando com o trabalho a ser feito, porque
todos nós vamos lavar os copos juntos antes de irmos para a
oração, e ninguém está pensando em voltar para responder a
um último e-mail, porque quando a hora do trabalho acaba,
acaba de verdade.
Agora só há cerveja e depois oração, e acho que os
primeiros monges a descobrir que essa era a maneira de
administrar um mosteiro eram gênios.
Também acho que Deus deve nos amar muito para nos
dar o pôr- do- sol e a cerveja do Kansas.
Pela primeira vez desde a visita de Elijah, sei que estou
bem. Agora mesmo e nesta vida e em qualquer lugar que eu
encontrar para aprofundar meu relacionamento com Deus.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Houve um tempo na minha vida em que minhas duas
palavras favoritas eram e se, e enquanto bebo minha cerveja
gelada e vejo o sol se pondo atrás da colina, faço-me uma
pergunta para a qual já sei a resposta.
E se esta for uma vida boa?
E se esta for uma vida muito boa?

Naquela noite, depois de meio mês de uso quase


constante, tiro o dispositivo de castidade para sempre. Eu o
tiro todos os dias, é claro, para me lavar e limpá-lo, mas não
fiquei muito tempo sem ele desde a visita de Elijah, que é
como costumava ser logo que vim para cá.
Antes de ser monge, eu fodia quase todos os dias, às
vezes mais de uma vez - e isso sem contar todas as punhetas
- e por isso estava com medo de ficar de pau duro em meu
hábito.
Como tenho certeza de que você sabe, há um limite para
o que uma túnica de frente plana pode esconder.
Mas não sou mais um neófito nesse lance de celibato,
como era naquela época - e não posso negar que uma das
razões pelas quais estou usando a gaiola não tem nada a ver
com castidade e tudo a ver com me sentir perto de Elijah.
Sentir-me perto da época em que a negação era um jogo
em vez de um mandato.
Mas é um mandato que estou satisfeito em obedecer -
embora me irrite um pouco saber que, pela doutrina oficial da

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Igreja, os católicos queer16 só são considerados totalmente
católicos se forem celibatários. Estou participando dessa
doutrina, mesmo que seja apenas incidentalmente, e não
tenho certeza do que fazer a respeito. Escolhi o celibato
porque faz parte da consagração de todo o meu ser ao deus
que me trouxe de volta à vida, mas a ideia de que esta é a
única maneira que uma pessoa queer pode encontrar Deus
nesta vida, e depois desta vida também, para mim parece
mais sobre a política pós-Reforma do que inspiração divina.
Mas não sou um teólogo como meu irmão Tyler - que era
padre antes de abandonar a batina por sua agora esposa,
Poppy - e não sou um ativista espiritual como minha
cunhada Zenny, que era quase uma freira. Não sei como
conciliar minhas escolhas com uma doutrina que sei que está
fundamentalmente fraturada, porque no fim do dia ainda
escolho o celibato e ainda escolho ser monge.
Eu ainda escolho esta vida.
De qualquer forma, posso, de novo, parar de usar a
gaiola. Voltei a ficar bem depois da visita de Elijah e já estou
com quase trinta e sete anos. Acho que já passei da fase de
ereções públicas. Mesmo que não estivesse quando tinha
trinta e dois anos e corria atrás de Elijah em todos os
cômodos vazios que podia encontrar.

16 O termo queer originalmente designa, em linguagem coloquial, o homossexual (o


homem esquisito) em sentido pejorativo, em português a “bicha”, o “veado”. No
entanto, a partir do desenvolvimento dos movimentos de afirmação da comunidade
LGBTQ (sendo o Q para queer) dos anos 60 e 70, queer passou a designar o sujeito
dotado de uma consciência política, com uma sexualidade mais fluida e não
identificado com a heterossexualidade dominante. Esse termo é adotado em outras
línguas, não é traduzido, não existindo, portando, um termo equivalente na língua
portuguesa.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Uma onda desanimadora se move através de mim
quando me lembro que outra pessoa está correndo atrás de
Elijah agora. Outra pessoa pressiona o rosto em seu pescoço
e inala o cheiro de sálvia e água salgada de sua pele. Passei
os últimos quatro anos sofrendo de necessidade física por ele
e ele encontrou outra pessoa para beijar e assistir a Irmãos à
obra juntos.
Jamie. Jamie, que provavelmente dá aula de orquestra
para a oitava série e é voluntário em um jardim comunitário,
e nunca foi golpeado pelos punhos de um segurança em um
clube de strip, nem mesmo uma vez.
Fico olhando para a gaiola de metal no canto do meu
pequeno box no banheiro e, em seguida, tomo minha
decisão. Se Elijah pode seguir em frente, eu também posso.
Deus, dê-me força. Faça todo o meu desejo ser por você e
por mais ninguém.
Esvazia-me. Esvazia-me. Esvazia-me.
Não há ejaculação nos lençóis na manhã seguinte.
Ou na outra manhã seguinte.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


8

DO CADERNO DE ELIJAH IVERSON

Não consigo parar de pensar em sorvete.


Houve uma noite com ele em alguma galeria pop-up17
pretensiosa para a qual o arrastei, onde apesar de ser um
peixe milionário fora da água, conseguiu fazer todos os meus
amigos da arte caírem de amor por ele. Acho que era algo no
sorriso dele, que era um pouco grande demais e marcado por
covinhas colocadas em suas bochechas por um deus
certamente apaixonado. Ou talvez fossem aqueles olhos - um
verde-garrafa vivo, perpetuamente aceso com alegria ou
intensidade, ou ambos.
Ou talvez fosse porque Aiden Bell sempre poderia fazê-lo
se sentir como se fosse seu novo melhor amigo. Como se
tivesse esperado por você a noite toda, e agora que estava ali
com ele, a festa poderia começar.
Com todos os crimes que posso colocar a seus pés -
imprudência, esquecimento, uma espécie de menino perdido
em sua recusa em terminar de crescer - não devo esquecer
disso. Aiden Bell faria você rir, faria você feliz. Aiden Bell faria
seu sangue correr, sua pele zumbir e seu coração disparar.

17 Exposições Pop Up é um formato que recria novos ciclos periódicos de exposições de

artes visuais, com curta duração, possibilitando a inclusão de novos artistas ao


circuito da arte.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Aiden Bell o faria sentir como se sua vida estivesse
esperando para pegá-la com as duas mãos.
Depois que saímos da galeria, meus amigos ainda
chorando de rir com uma história que ele contou sobre o
roubo de um colchão de salto com vara, um incêndio com
gordura e uma briga de extintores de incêndio, ele se virou
para mim e disse: — Tenho uma surpresa.
Na época, já estávamos namorando há sete meses e
havia algumas coisas às quais tive que me acostumar
enquanto namorava um milionário (Eu sei, eu sei,
coitadinho.)
Mas às vezes Aiden dizia: — Vamos comer um pain au
chocolat, — e eu achava que iriamos a uma padaria e, em vez
disso, íamos para o aeroporto e voávamos para Paris para o
melhor pain au chocolat do mundo. Ou às vezes ele me dizia
que tinha comprado uma coisinha para o meu apartamento,
e era uma pintura que custava o meu salário de um ano
inteiro, uma pintura que mencionei ter gostado em uma
galeria em Nova York ou Montreal.
Então, quando ele disse que tinha uma surpresa
naquela noite, preparei-me para alguma extravagância,
alguma demonstração casualmente absurda de riqueza. Mas
em vez de me levar para o aeroporto ou me dar a chave de um
carro novo ou algo assim, entrelaçou os dedos nos meus e
caminhamos o próximo quarteirão até um carrinho de sorvete
parado na calçada.
Esperei sob uma árvore enfeitada com luzes azul-
esbranquiçadas enquanto ele comprava nossos sorvetes e

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


voltou para mim parecendo tão orgulhoso como se tivesse me
levado a um lugar cinco estrelas, segurando seu sorvete de
casquinha em uma das mãos e uma tigela para mim na
outra, porque ele sabia que eu não me sentia bem com a
experiência do cone.
Comemos nosso sorvete na calçada, as luzes da cidade
brilhando ao nosso redor, a música vindo de um bar próximo,
o tráfego passando rapidamente.
Os olhos de Aiden tremulavam enquanto ele lambia sua
casquinha de sorvete de chiclete, gemidos vindos de seu peito
como se estivesse comendo algo preparado por um renomado
confeiteiro e não um sorvete congelado em um freezer de um
carrinho duvidoso.
Mas assim era Aiden Bell.
— Elijah, — disse Aiden depois de um momento. Sua
voz estava séria. — Fique parado um momento.
Fiquei parado, de repente preocupado se tinha algum
inseto na minha camisa ou algo assim, mas Aiden se inclinou
e lambeu suavemente uma gota perdida de sorvete do meu
lábio inferior.
Estremeci com o toque de sua língua - fria de seu
próprio sorvete - e o calor de sua respiração em minha
boca. Ele lambeu de novo, desta vez sua língua traçando ao
longo da junção dos meus lábios, até que a deixei entrar.
Ele tinha gosto de chiclete e céu. Tinha gosto de
decisões impulsivas e luxúria e histórias engraçadas e o resto
da minha vida.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


E quando se afastou e me deu aquele sorriso enorme, de
repente não pude imaginar outra vida além daquela. A vida
antes dele, quando era apenas o irmãozinho bonito, mas fora
dos limites, de Sean. Uma vida depois, quando eu não teria
beijos de chiclete com a cidade iluminada ao nosso redor.
Provei outra vez o meu sorvete e, em seguida, fingi fazer
manha, basicamente para fazê-lo sorrir. — Nunca colocam
bastante granulado no meu.
— Eu sei, — disse ele com um sorriso e tirou algo do
bolso. Era um potinho com granulado de uma mercearia que
ele trouxe apenas para mim. Acontece que ele estava
carregando aqueles granulados por semanas, apenas para
caso saíssemos para tomar sorvete e não me dessem o
suficiente.
O problema de se apaixonar é que, quando você percebe
o que aconteceu, já é tarde demais. Seu namorado já tem
granulado para você no bolso de seu terno Tom Ford. Você já
teve um beijo sabor chiclete em uma noite quente da cidade.
Você já o deixou engolir seu coração.
Mas assim é Aiden Bell. Ou era.
E agora ele passa seus dias sem beijar, sem nem mesmo
sorvete para aliviar a carga de roupas feias e madrugadas e
orações a um deus que não existe. Por quê? Como?
Ele sente falta de sua antiga vida? Ele sente falta de ser
ele mesmo?
Ele sente falta

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


9

Na última sexta-feira de maio, pego o caminho pela


floresta não até o eremitério, mas até a encosta da colina que
dá nome ao Monte Sergius, onde há um labirinto feito de
rochas calcárias meio afundadas na terra. No meio do
labirinto há alguns bancos, e nesses bancos estão espalhados
vários monges. Outros se sentam no solo sombreado ou
deitam-se de costas com os olhos fechados, roubando alguns
momentos do sono. Um está andando de um lado para o
outro, com a cabeça baixa e a testa franzida, e outro está
cantarolando o que tenho quase certeza de que é uma música
de Harry Styles.
É a última sexta-feira do mês, então é hora da Lectio
Lexapro18.
— Ah, irmão Patrick, — diz o irmão Matthew. — Todos
estão aqui?
Examino os irmãos reunidos quando chego ao
centro. Irmãos Matthew, Stephen, Denis, Francis, Michael,
Leander, John, Crispin e Titus. O irmão Thomas também está
aqui, não porque faça parte de nossa pequena liturgia
informal, mas porque ele e Titus estão sempre juntos e
odeiam fazer qualquer coisa separados.
— Acho que está faltando o irmão Peter, — digo. — Mas
ainda faltam alguns minutos para as nove.

18 Lexapro é uma medicação recomendada no tratamento e prevenção da recaída ou

recorrência da depressão, transtorno do pânico, agorafobia, e outras doenças mentais.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Quando eu era adolescente, não imaginava que um dia
formaria um grupo de apoio para pessoas com doenças
mentais. Mesmo depois que minha irmã morreu por suicídio
quando eu estava no colégio, não se falava em minha casa
sobre doença mental. Nosso foco estava no choque de nossa
perda e na dor de saber, ao mesmo tempo, que ela havia sido
abusada sexualmente pelo padre de nossa paróquia. E então
esse foco se transformou em uma raiva contra a Igreja que
consumiu a mim e a meus irmãos.
Sinto essa raiva até hoje. Ela dificulta a alegria que
encontrei aqui, e a paz, sabendo que meu relacionamento
com Deus e meu contentamento recém-descoberto estão
indelevelmente ligados com a dor de milhares e milhares.
Mas também sinto senso de retidão na abadia, como se
devesse estar aqui com minha raiva, como se devesse ser
conduzido por ela.
Muitas vezes é estressante e agonizante, e não
recomendo dissonância cognitiva como sua próxima rotina de
cuidados com a pele. Mas é onde me sinto chamado para
estar.
Acho que a Lectio Lexapro é um dos frutos da minha
raiva. Depois que vim para cá e comecei a me consultar com
a Dra. Rosie e a tratar da depressão que me trouxe à abadia,
comecei a falar sobre o que aconteceu com
Lizzy, realmente falar sobre isso pela primeira vez. E mesmo
que o que me trouxe à abadia tenha sido algo diferente do
que as lembranças da morte dela, comecei a me perguntar se

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


minha família teria ficado melhor se tivéssemos sido capazes
de expressar nossa dor em palavras.
E quando penso no que poderia ter acontecido se a
própria Lizzy pudesse ter tido isso...
Portanto, depois de saber em primeira mão que muitos
na Igreja ainda não admitem que a terapia e a medicação são
necessárias junto com a oração, sim, fiquei com raiva. E fiz
algo a respeito - algo pequeno, talvez, e de alcance
limitado. Mas alguma coisa. Meu pequeno grupo, um espaço
que eu gostaria que alguém tivesse feito por mim há muito
tempo.
Os pássaros cantam em algum lugar nas árvores
enquanto esperamos por nosso último irmão, e ouço o vento
sem fim soprando no alto da colina, meus pensamentos se
afastando de Lizzy e vindo para o que está acontecendo
agora, para o que vai acontecer quando eu partir para minha
viagem.
O que pode acontecer depois.
Se eu mudar de ordem, meu familiar hábito negro
também mudará. Se mudar de ordem, poderia nunca mais
ver essa floresta, ouvir esses pássaros ou ouvir esses irmãos
fofocar e provocar.
Valeria mesmo a pena? Abandonar essas coisas e
pessoas tangíveis e boas pela mera promessa de mais?
Ainda não sei, não tenho certeza. É por isso que tenho
que ir e ver, porque se conseguir sentir lá o que senti
simplesmente olhando aquelas fotos...
Então sim. Valeria a pena.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


O irmão Peter chega às nove horas, e formamos um
círculo, falando um pouco sobre como foi nosso mês. Anos
atrás, isso seria algo que eu teria monopolizado, tentando
fazer as pessoas rirem, divagando, falando demais. Eu teria
deixado o grupo em uma alta socialização vertiginosa, o que
impactaria menos de trinta minutos depois, enquanto eu
revivesse cada comentário ou piada em detalhes vívidos e
miseráveis. Enquanto me lembrava de como fui tolo ou
leviano ou inapropriado ou egoísta ou carente, e depois ficaria
assombrado pela vergonha por vários dias.
E não importa quantas vezes esse ciclo de falar
demais/vergonha de falar demais se repetisse, eu nunca
poderia me livrar disso, nunca poderia me livrar de
mergulhar direto no meio de uma conversa e fazer papel de
asno novamente.
Agora é mais fácil. São Benedito diz que os monges
devem se esforçar pelo silêncio - que os monges devem amar
o silêncio - e aprender a ouvir é uma das primeiras coisas que
um postulante aprende aqui. Você ouve salmos, orações,
missas. Ouve o tilintar dos sinos ou o ronco dos motores dos
tratores ou o tilintar do metal no vidro enquanto lava a louça.
Aprendi a ouvir. Ou ouvir melhor, pelo menos.
E de qualquer forma, o objetivo da Lectio Lexapro é ser
totalmente honesto sobre o lado difícil de nossos dias. As
ansiedades, as depressões, os dedos úmidos e pegajosos que
puxam nossos hábitos e agarram nossos pensamentos. O
objetivo aqui é compartilhar, então me sinto menos egoísta

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


quando falo, porque estamos todos aqui para ajudar uns aos
outros.
O irmão Matthew, nosso entusiasta em confeitaria, está
trocando os remédios e está com dificuldades. Crispin acabou
de adicionar Wellbutrin em alternância com sua medicação e
ele está tendo dificuldade em lidar com o aumento da libido.
Quando finalmente chega a minha vez, minto por
omissão e digo que foi um mês tranquilo. É apenas uma
mentira parcial, porque meu cérebro tem estado quieto no
que diz respeito à depressão e ansiedade (obrigado, Lexapro,
Wellbutrin e terapia). Só que minha alma e meu coração
estão inquietos, mas não me sinto pronto para falar com
meus irmãos sobre isso. Não me sinto pronto para falar sobre
isso de maneira nenhuma.
Infelizmente, esqueço que o irmão Titus e o irmão
Thomas testemunharam parte do motivo de minha
inquietação. — E quanto ao seu visitante há algumas
semanas? — Irmão Titus questiona, inclinando-se para frente
para que seu cabelo loiro caia sobre sua testa um pouco
bronzeada de uma forma muito atraente. Não fazemos
tonsuras aqui, mas se fizéssemos, o irmão Titus seria o
primeiro a precisar. Sua vaidade em relação ao cabelo é
palpável.
O irmão Thomas, por outro lado, mantém seu cabelo
curto como um soldado - provavelmente porque era do
exército antes de vir para cá. — Quem era ele? — Pergunta.
— Advogado de família? — Titus continua
— Médico?

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Você deve dinheiro a ele?
— Ele é um bibliotecário cobrando um livro que você
nunca devolveu?
— Era um livro de mistério?
— Um livro de receitas?
— Um daqueles livros de autoajuda financeira com uma
mulher loira na capa?
— Senhores, — o irmão Matthew intervém gentilmente,
cruzando as mãos sobre a barriga. — Por favor.
— Não, está tudo bem, — digo, meu rosto quente. — Ele
era meu namorado - ex-namorado. — Como posso esquecer
a parte de ex- depois de tantos anos?
— Oooh, — diz o irmão Thomas, inclinando-se para a
frente sob um raio de sol. Seu rosto, normalmente um
bronzeado profundo, começa a ficar rosado sob o sol do início
do verão. — Por que ele veio aqui?
— Acho que para colocar um ponto final, — digo
desconfortavelmente. Não me sinto incomodado em falar
sobre um ex-namorado do grupo Lectio Lexapro - eles
conhecem muitos dos detalhes íntimos da minha vida e
sabem que sou homossexual - mas não me sinto à vontade
falando especificamente sobre Elijah, porque é muito perto de
falar sobre como ainda me sinto sobre Elijah. Como ainda
sinto os tentáculos e vinhas dele sussurrando em volta dos
meus tornozelos e serpenteando pelas minhas coxas.
Melhorou desde a visita dele, mas acho que não será
reparado por inteiro até que eu vá embora. Até que eu
encontre o mosteiro que pode tirar de mim tudo o que não é

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


viver para Deus, esmagando-me como uvas para se
transformar em vinho.
— Isso tem alguma coisa a ver com o motivo de você ir
para a Europa? — Irmão Crispin pergunta com curiosidade.
— Não, — digo rapidamente. — Isso foi proposto antes
de ele vir.
Só concordei depois de sua visita, mas não digo isso em
voz alta.
— Você quer mesmo ser uma trapista? — Irmão Denis
pergunta. Ele é o mais velho do nosso grupo, um homem
branco de barba curta e sotaque saído de um documentário
da BBC. — Eles são muito diligentes, não são?
O irmão Francis zomba. — Acho que você quer
dizer severos.
— É melhor estocar Wellbutrin antes de se tornar um
trapista, assim você pode sorrir através da severidade, — o
irmão Crispin aconselha, meio provocando.
Eu sorrio para ele. — Talvez a severidade seja o objetivo.
— É seguro? — Irmão Matthew pergunta depois de um
momento, em voz baixa. — Será seguro para você?
Penso nisso por um momento. Embora controlar a
depressão não seja - na minha experiência - uma receita que
permanece a mesma ao longo do tempo, algumas coisas
tornam exponencialmente mais fácil. Terapia. Os remédios.
Boa comunidade. Amizade. Meditação. Embora eu saiba que
haveria muita meditação em qualquer mosteiro, eu não posso
ter certeza dos outros ingredientes. Muita coisa depende

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


tanto dos abades e priores. — Não sei, — finalmente
respondo. — Eu teria que ficar alerta,
— Mas você não está desanimado com o sofrimento
potencial? — Irmão Titus pergunta.
Balancei minha cabeça. — Eles mal usam cilícios ou se
flagelam. São apenas mais silenciosos do que nós, um pouco
mais rígidos. Só isso.
Contudo, outra vez, não estou dizendo a eles toda a
verdade.
Sou o oposto de desanimado pelo sofrimento potencial -
anseio por isso, anseio até o ponto do desejo masoquista. O
sofrimento pode ser bom; o sofrimento pode ser essencial.
O Apóstolo Paulo diz que o sofrimento produz
resistência, e a resistência produz caráter, e o caráter produz
esperança, que é o negativo fotográfico de Jesus do discurso
de Yoda na cena do Conselho Jedi em A Ameaça Fantasma.
E se eu puder colocar meus pés no caminho certo, se
puder seguir essa vela tremulante até o final, então estarei
melhor do que vazio quando minha vida terminar. Estarei
cheio de esperança.
— De qualquer forma, — digo, — é só uma visita. Nada
está decidido ainda.
Mais ou menos.

Antes de me tornar um monge, eu passava as manhãs


de sábado me masturbando e comendo Toaster Strudels, e

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


agora passo minhas manhãs de sábado cantando salmos e
limpando os escritórios da abadia. É engraçado onde a vida
pode nos levar às vezes.
Sinto saudades dos Toaster Strudels.
Estou quase terminando com os escritórios individuais e
passando para a área do escritório central quando ouço.
Um distinto boingBOINGboingBOING.
Desligo o aspirador, verifico se estou ouvindo
mesmo boingboing e caminho até a porta do escritório, onde
vejo os irmãos Titus e Thomas naquelas grandes bolas de
borracha saltitantes - do tipo com alças - quicando
exuberantemente pelo corredor.
— Deem passagem para a marcha da bola saltitante! —
O irmão Titus grita enquanto passa por mim, a borracha
batendo contra o piso de tijolos encerados do corredor cada
vez que pousa.
— Pare a marcha! — O irmão Thomas diz, executando
uma volta quase perfeita de 180 graus em um único salto,
pulando de volta para a porta onde estou. Ele para aos meus
pés, olhando para mim.
— Você deveria tentar, — declara, e o irmão Titus se
move para se juntar a ele, parecendo pensativo enquanto
pula.
— Sim, ele deveria, — o irmão Titus concorda, descendo
de sua bola e gesticulando em direção a ela como se estivesse
me convidando para dirigir um carro esporte italiano. — A
estrada acena.
— Ele está se referindo ao corredor, — diz Thomas.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Hesito por um momento. Não porque não terminei meu
trabalho ou mesmo porque seja algo bobo, mas porque é
exatamente o tipo de coisa que Aiden Bell teria instigado
naquela época.
Aiden Bell, o eterno menino crescido.
Aiden Bell, o idiota.
— Não, acho que eu não deveria...
— Você está recusando meu valente corcel? — O irmão
Titus diz, pressionando a mão contra o coração. — Meu
corajoso, nobre e valente corcel?
Olho para os dois, muito mais jovens do que eu e tão
cheios de alegria não filtrada, e minha determinação
vacila. Por um momento, só por um momento, quero ser
impulsivo outra vez. Impulsivo e imprudente e Aiden.
Com um pequeno sorriso e com os aplausos do irmão
Titus e do irmão Thomas ecoando no corredor ao meu redor,
monto a bola de borracha. Minha estrutura de lenhador testa
a borracha - o brinquedo se comprimindo em protesto
enquanto coloco meu hábito em volta das minhas pernas -,
mas aguenta. E quando dou um salto para testar, ele se sai
bem, me lançando alguns metros para frente.
— Isso, isso. Agora de novo, — Titus diz, como se fosse
um treinador. — Mais forte agora.
— Já ouvi isso antes, — digo, antes que possa me
conter, e ambos, Titus e Thomas, piscam para mim.
— Você acabou de fazer uma piada? — Thomas diz,
soltando sua alça para pressionar as mãos no rosto. — O
irmão Patrick fez uma piada. O irmão Patrick pode se divertir!

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Se eles soubessem. Se soubessem que Elijah uma vez
me encontrou nadando na fonte interna de um hotel com
uma gravata na cabeça. Ou que eu e Ryan uma vez
engatamos um colchão futon atrás de uma caminhonete
depois de uma nevasca e o puxamos como um trenó pelo
bairro comercial Plaza. Ou que uma vez enchi o Audi de Sean
com tantas bolas de pingue-pongue que, quando ele abriu a
porta, cinco milhões de bolas de plástico caíram no chão e
rolaram por todo o estacionamento da igreja.
Zenny o fez pegar cada uma também. Ha.
Mas escuto o que Titus disse, apoiando meus pés no
chão e me lançando alguns bons metros no ar, incapaz de
parar o sorriso que divide meu rosto quando olho para trás e
vejo Titus me dando um sinal de positivo. Eu salto de novo,
meus sapatos desgastados encontrando fácil acesso no chão,
a borracha batendo forte no tijolo, meu hábito esvoaçando em
todos os lugares.
Logo o irmão Thomas se junta a mim, e disparamos pelo
corredor, batendo nos ombros um do outro para desequilibrar
enquanto o irmão Titus adverte-nos para não amassar as
nossas bolas, e é a maior diversão que tive em muito tempo
que é quase vertiginoso. Como uma dose de uísque Fireball -
sem sentido e um sinal de uma insanidade mais profunda -
mas não ligo.
— Onde arranjou isso? — Pergunto a Thomas enquanto
nos alinhamos para outra corrida.
— A mãe de Titus mandou para nós. Mandou a gente
compartilhar com os outros. Que, de jeito nenhum.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Você está compartilhando comigo? No três?
— Só compartilhamos porque você parecia tão triste
empurrando aquele aspirador... Vai!
— Trapaceiro! — Eu grito enquanto ele decola sem aviso,
as pontas de seu cinto quicando no ar enquanto ele avança.
O irmão Titus tenta me instruir da porta do escritório,
embora eu esteja claramente perdendo. — Se se inclinar para
frente quando pular, você vai mais longe.
— A menos que queira ir mais alto, — Thomas
acrescenta por cima do ombro.
— Por que ele está em uma corrida, idiota?
— Ahh, de novo o velho debate altura x distância, — diz
uma voz do outro lado do corredor.
Olho para cima e pego um vislumbre de uma
sobrancelha levantada e olhos cor de uísque. Atrapalho-me
no meu próximo salto e, em seguida, depois de uma série de
saltos desequilibrados e muito embaraçosos, caio
involuntariamente no chão aos pés de Elijah Iverson.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


10

DA MODE MAGAZINE

Originalmente, propus este artigo como algo


sobre cerveja e anticapitalismo, e pensei que seria
fácil escrever. Afinal, quem não quer passar uma semana
bebendo cerveja e fingindo que o Wi-Fi está fraco demais para
receber e-mails? Adicione uma pitada de resistência
monástica às concepções de produtividade e lucro
e pronto. Eu também teria um artigo e cerveja como parte do
acordo.
Eu mal sabia que essa semana me colocaria bem no
fundo do coração da cerveja monástica e me levaria para
recantos escondidos da Europa onde orações e testes de pH
andam de mãos dadas. Eu mal sabia que também seria
mudado por isso, por meu contato com esse mundo antigo de
fé e devoção, e por viver com meu guia durante a viagem, um
monge de ombros largos que também é meu ex-namorado.
Isso mesmo. Eu tenho um ex-namorado monge. Esse é
meu único talento.
— “A CALMA ETERNA DOS MONGES : CERVEJA E ORAÇÃO EM

ALGUMAS DAS ABADIAS MAIS SOLITÁRIAS DO MUNDO ” — POR

ELIJAH IVERSON

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


11

— Oh, que bom! — O abade exclama, saindo de trás de


Elijah e sorrindo para mim. — Estávamos procurando por
você.
Oh, Deus. Por que estavam procurando por mim?
Por que Elijah está aqui de novo? Por que Elijah tinha
que me encontrar agora, no momento mais estúpido
possível? Não podia ter sido enquanto eu estava passando o
aspirador? Rezando? Lendo um livro? Fazendo algo mais
sério e importante? Tinha que ser agora?
Por que por que por que por que por que...
Tento desmontar da minha bola saltitante, o que é mais
difícil do que parece de túnica e sapatos pesados. Por fim,
desistindo da dignidade, levanto-me com a bola entre as
pernas e liberto minhas vestes, até que finalmente estou de
pé como uma pessoa normal na frente de meu abade e meu
ex-namorado. O constrangimento é como ser besuntado com
asfalto quente de dentro para fora - tudo em mim está
pegajoso e queimando com isso.
E não sei o que é mais embaraçoso, estar pulando em
um brinquedo gigante como uma criança, ou meu ex-
namorado, que nunca foi nada além de perfeitamente
equilibrado desde o momento em que nasceu, ter
testemunhado isso.
— Hum, — finalmente digo a eles. — Oi.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Porque você não devolve ao irmão Titus sua bola de
borracha, — diz o abade, seus olhos se enrugando nos
cantos, — e venha ao meu escritório por um momento.
Não consigo nem suportar olhar para o rosto de Elijah
enquanto eu pego a bola pela alça e a entrego ao irmão Titus
tão solenemente quanto alguém entregando uma pasta com
códigos nucleares dentro. E então abaixo minha cabeça e sigo
o abade Jerome e Elijah para a área de escritório recém-
aspirada e, em seguida, para o próprio escritório do
abade. Vejo os irmãos Thomas e Titus olhando para nós com
as cabeças inclinadas como cachorrinhos curiosos antes que
o abade feche a porta do escritório e vá até sua cadeira.
— Sente-se, sente-se, — ele implora. Pelo canto do olho,
vejo Elijah sentar-se com uma graça fácil que é tão relaxado
quanto atencioso. Ele está casual de novo, muito casual,
embora sem esforço para ser elegante, como sempre - calça
verde-oliva e uma camiseta verde-oliva, o look finalizado por
mocassins e uma tatuagem em seu antebraço esquerdo.
Ele não a tinha quando estávamos juntos.
A curiosidade me atormenta, mas não consigo olhar
mais de perto. Ainda estou morto de vergonha por ele me ver
sendo tão parecido com o homem que eu costumava
ser. Estou morto de vergonha por ter agido como o homem
que costumava ser.
Irresponsável, bobo e indecoroso.
O que Elijah já viu em mim?
Também me sento - com toda a graça de um homem que
entoa antigos hinos do templo como trabalho e corta lenha

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


como hobby - e olho para minhas mãos. Mal consigo separar
a vergonha do medo de porque estou aqui. O abade parece
estar de bom humor, mas nada de positivo pode resultar
desta pequena convocação. Meu chefe e o homem a quem
causei sofrimento? É assim que os pesadelos começam.
— Então, posso esperar muitos desfiles de bolas
saltitantes enquanto estiver aqui? — Elijah pergunta, e tenho
uma reação tão visceral à música baixa de sua voz que estou
repentina e terrivelmente ciente de que não estou com o
instrumento de castidade agora.
E então estou repentina e terrivelmente ciente do que ele
acabou de dizer.
— Enquanto você estiver aqui? — Pergunto, mantendo
minha cabeça baixa, mas virando-a ligeiramente para olhar
para ele. Não completamente - acho que não posso encará-lo
por completo. Mas o suficiente para que possa vê-lo cruzar as
pernas na altura dos tornozelos. O suficiente para que eu
vislumbre olhos âmbar e uma única sobrancelha levantada.
Afasto o olhar de novo, meu corpo inteiro em tumulto.
— Isso mesmo, — diz o abade amavelmente. —
Sr. Iverson ficou tão encantado com sua visita, há um mês,
que vai fazer um retiro conosco por uma semana. Ele vai
escrever um artigo sobre essa experiência para a Mode.
Elijah. Aqui.
Por uma semana.
Quero me achatar na forma de uma criatura marinha
extinta e me enterrar no fundo do mar. Quero ficar colado na
parede de um ancoradouro e não comer nada além de pedras

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


trituradas até morrer. Quero me enfiar em um barril de
cerveja e me afogar ali – pois, como vou sobreviver a isso? Mal
consegui sobreviver trinta minutos ao vê-lo no claustro, como
vou sobreviver a ele nas orações, na missa, nas
refeições? Como, literalmente, porra, vou viver até a próxima
semana?
Calma, tento ser racional. Você só terá que vê-lo durante
as orações e refeições - coisas comunitárias. Não vai precisar
falar com ele. Não vai ter que ouvir sobre o quanto o novo noivo
dele é fantástico e confiável.
O meu lado que já é um bicho do mar meio-cambriano
não se importa. Mal estava me controlando antes de Elijah
chegar, e não consigo ver como não serei desprezível com sua
presença agora. Preciso limpar meu coração e minha mente
de tudo, menos de Deus, e como vou fazer isso quando Elijah
Iverson está aqui com suas sobrancelhas arqueadas e essa
postura fria que praticamente implora para ser inflamada e
essa boca e essa barba por fazer...
— ...e sim, não é como normalmente fazemos, mas achei
que faria mais sentido, já que seus deveres rotineiros o levam
por todo o terreno da abadia ao longo de um dia, e como seu
irmão é cunhado do Sr. Iverson e tudo...
O abade continuou falando enquanto estive
transformando em um inseto marinho kafkiano, e demora um
pouco para entender o que ele acabou de dizer.
— O quê? — Pergunto com voz rouca. Não ouvi o começo
do que ele disse, então devo ter ouvido errado, devo ter

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


ouvido muito errado o que acho que ele está me pedindo para
fazer. Porque não tem como ele me pedir para fazer isso.
O abade sorri para mim. — Você será o anfitrião do sr.
Iverson enquanto ele estiver aqui. Eu sabia que isso
agradaria a ambos, já que são praticamente uma família.
Certo. Porque meu irmão Sean é casado com a irmã de
Elijah, Zenny, e eles estão atualmente fazendo bebês fofos e
com covinhas a uma taxa que faria o próprio papa derramar
uma lágrima de aprovação.
Mas embora isso nos torne uma família em um sentido
sociológico, eu e Elijah não somos uma família em
nenhum sentido normal, a menos que família esteja sendo
definida em termos extremamente pervertidos nos dias de
hoje. Isso vai ser menos como andar por aí com um cunhado
e mais como andar com... bem, com um homem que quero
empurrar contra a parede do claustro e beijar. De preferência
enquanto enfio a mão dentro da calça dele.
— Eu sei que o normal seria o padre anfitrião atender ao
sr. Iverson, — o abade continua, ainda radiante. Para mim,
para Elijah, para mim novamente. Radiante demais. — Mas
isso vai ser muito mais acolhedor. E como você já o conhece,
sei que poderá fornecer ao sr. Iverson as respostas a
quaisquer perguntas que ele tenha enquanto faz pesquisas
para seu artigo. Principalmente com relação à cervejaria e à
taproom, já que você cuida do lado financeiro e ajuda na
produção.
Oh.
A taproom e a cervejaria. Certo.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Agora, toda a alegria radiante está começando a fazer
sentido. Esse é o entusiasmo de um homem que sabe que
está a apenas alguns parágrafos bem escritos da publicidade
gratuita em escala nacional. Esse é o entusiasmo de alguém
que pode vender muitas caixas de cerveja artesanal feita por
monges simplesmente emprestando seu lenhador contador
por uma semana.
É inteligente - o empresário que eu costumava ser
aprecia isso, - mas não tornará esta semana mais fácil para
mim, e com certeza o abade sabe disso. Com certeza o irmão
Connor contou a ele que meu visitante surpresa no mês
passado era na verdade meu ex. Com certeza o irmão Connor
contou que ainda estou apaixonado por ele. Por outro lado,
talvez não... Por mais fofoqueiros que os monges possam ser
sobre os acontecimentos da abadia, às vezes também somos
muito bons em respeitar confidências, e podia ver o irmão
Connor fazendo exatamente isso. O que normalmente seria
ótimo! Maravilhoso!
Eu amo os amigos bons e leais que tenho!
Mas isso significa que tenho que soltar a
verdade agora ou esperar até não estar com Elijah, e então
encontrar o abade e defender minha causa.
E estou tão, tão longe do sagrado, porque meu orgulho
recua em ambas as possibilidades. Ele se recusa
terminantemente a dizer qualquer coisa agora, na frente de
Elijah, e se eu disser algo mais tarde, se conseguir designar
outra pessoa para o papel de anfitrião de Elijah, então Elijah
pode descobrir a verdade.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Pode descobrir que de alguma forma ainda me afeta, e
então pode descobrir o motivo, e acho que não posso viver
com ele sabendo disso. Não depois que parti para me tornar
um monge – magoando o seu coração no processo. Não
depois que ele se apaixonou por outra pessoa.
Não, se ele descobrir que ainda estou apaixonado por
ele, terei de encontrar um barril de cerveja bem grande para
me afogar.
— Sim, padre Abbot, — digo, balançando a cabeça para
o meu colo. — O que o senhor precisar.
— Excelente! — Diz o abade, provavelmente radiante de
novo, não sei, não estou olhando para ele. Estou olhando
para os pés de Elijah enquanto ele os descruza, estou
observando os contornos lisos e marrons de seus tornozelos e
os pelos quase imperceptíveis na parte superior de seus pés
sem meias antes de desaparecerem sob seus
mocassins. Estou observando Elijah esfregar levemente as
solas dos sapatos no carpete industrial e, em seguida, de
novo cruzar os tornozelos.
É o único sinal de inquietação ou infelicidade que ele
nunca conseguiu esconder, esse cruzar e descruzar de
pernas. Mesmo aulas de danças de baile de debutantes e vida
fingindo estar interessado em palestras magistrais não foram
capazes de livrá-lo disso.
Fico feliz.
É um pequeno vislumbre dele, o verdadeiro ele, por trás
do estilo e da diversão distante. É um lembrete de que ele

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


também deve estar sentindo algo agora, e talvez isso me torne
um monstro egoísta, mas estou aliviado por não ser o único.
O abade se levanta, e nós também. — Agora, — diz ele,
sorrindo mais e gesticulando na direção da porta como
qualquer anfitrião alegre prestes a ter publicidade gratuita
para sua pequena cervejaria. — Vamos levá-lo para a
hospedaria. O irmão Patrick irá informá-lo sobre a
programação e tudo mais, e depois, quando você estiver
pronto, poderá levá-lo para conhecer o lugar. E se precisar de
alguma coisa, o irmão Patrick o ajudará. Não é verdade,
irmão Patrick?
O capítulo cinquenta e três da Regra de São Benedito diz
que todos os hóspedes devem ser recebidos como o próprio
Cristo seria. Com a ressalva de que até mesmo Cristo teria
que suportar toalhas de banho ásperas e ovos mexidos
mornos. Mas entendo o cerne da regra, a ideia por trás
dela. Quem vem aqui deve ser saudado calorosamente, com
confiança e gentileza.
Mesmo que você tenha transado com ele em várias
banheiras de hidromassagem e ainda queira colocar a língua
no seu umbigo às vezes.
— Isso mesmo, — respondo.
Fora do limite da minha visão, vejo Elijah olhar para
baixo. Como se não quisesse que ninguém visse o que está
em seu rosto agora. Eu conheço o sentimento.
O Abade Jerome nos guia para fora de seu escritório e
depois pelo o corredor, onde faz uma pequena reverência. —
Obrigado pela visita, Sr. Iverson. Estou ansioso para falar

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


mais com você no jantar - e possivelmente no jardim da
cerveja.
Entusiasmo. Entusiasmo.
Elijah parece não saber se deve fazer ou não reverência,
então aceno lentamente com a cabeça em direção ao abade, o
que ele imita. E então saímos para a passagem coberta, que
nos levará ao prédio da sala de aula e, em seguida, para a
hospedaria por meio de outra passagem coberta.
— A hospedaria é por aqui, — digo enquanto
caminhamos. Ainda não consigo olhar para ele, mas agora
tenho uma desculpa. Estou mostrando o caminho. Não
poderia olhar para ele quando tenho tantas saídas de
emergência e bancos para apontar. — O acesso ao refeitório é
feito pela passarela do outro lado do claustro, e mais além
está o gramado onde começa a maioria das trilhas a pé. Os
claustros, caminhos e refeitório são espaços comuns, assim
como as salas comunitárias da casa. A única comida de
verdade é no refeitório na hora das refeições, mas sempre tem
café e algumas frutas e coisas assim. O prédio a que estamos
nos aproximando está cheio de salas de aula para
conferências e grandes retiros, e há algumas máquinas de
venda automática espalhadas entre os andares também, se
você precisar de um lanche sem frutas.
No primeiro claustro há poucas pessoas, alguns monges
da jardinagem misturados com alguns visitantes com crachás
de identificação colados no peito. Mais adiante, o prédio da
sala de aula está cheio de homens circulando com copos de
papel de café enquanto conversam entre si.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


A média de idade ali parece ser entre 59 e 112 anos.
— Quem são eles? — Elijah pergunta quando entramos
na passarela coberta do outro lado.
— Acho que neste fim de semana é uma conferência dos
Cavaleiros de Columbus.
Percebo que estou andando rápido, meus passos tão
longos que fazem meu hábito balançar em volta dos meus
tornozelos. Quero instalar Elijah na hospedaria, e depois
preciso... nem sei ainda. Pressionar meu rosto contra uma
árvore e gritar.
Elijah, embora um ou dois centímetros mais baixo do
que eu, me acompanha com facilidade quando chegamos à
porta da hospedaria e até alcança a maçaneta da porta antes
de mim, abrindo-a. Vejo um lampejo de sua tatuagem - uma
montagem abstrata de mapas, edifícios e árvores com duas
pequenas palavras embaixo - e a flexão sutil dos músculos de
seu antebraço embaixo dela enquanto ele puxa a alça. E
então a porta está aberta, assim como o buraco no meu
peito. É difícil ter pensamentos puros quando os músculos do
antebraço fazem isso.
Mas escolhi esta vida.
Escolhi, escolhi, escolhi
— Irmão Patrick, — diz Elijah. Estamos dentro da
hospedaria agora, no espaçoso saguão com vigas de madeira,
e a diretora de serviços aos hóspedes, Claudia, não está à
vista. Somos apenas nós e não tenho nenhum motivo para
nos manter em movimento, nenhum motivo para não parar.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Eu paro. Tristeza e algo mais - algo pior – me agita. Não
consigo olhar para ele, simplesmente não consigo, porque ele
vai saber. Não consigo olhar para qualquer lugar, só para a
frente.
— Irmão Patrick, — ele repete, desta vez em voz
baixa. — Aiden.
Se ao menos Claudia viesse. Se ao menos Claudia viesse
e pegasse uma chave e algumas toalhas ásperas e assim eu
pudesse fugir...
— Olhe para mim.
Sua voz ainda está tranquila, mas também rouca e
baixa. Ouvi-lo queima um pouco, como beber um uísque
turvo ou fumar um cigarro de cravo. — Olhe para mim, — ele
repete, e não aguento mais, não posso. A necessidade por ele
agora é mais forte do que qualquer instinto de sobrevivência
que já tive.
Eu olho.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


12

— É tão horrível assim me ter aqui? — Ele pergunta.


Não sei se consigo falar para responder a essa pergunta.
Não apenas porque sim - sim, é horrível pra caralho -
mas porque toda a força para falar deixou meu corpo na
primeira visão completa dele. Para a roupa elegante e
monocromática agarrada às curvas de seus braços e aos
músculos de suas coxas. Para seus lindos olhos e sua boca
emoldurada por uma barba por fazer.
De repente, quero contar tudo a ele. Quero dizer, esse é
o motivo pelo qual parti, e que isso tem um significado, que
vale todos os dias e semanas de sofrimento que causei a nós
dois. Que explique sua própria demora, porque o motivo pelo
qual parti é o mesmo pelo qual não poderia lhe dizer por que
parti. Eu fiquei confuso por muito tempo para enfrentar a
ideia de explicar as coisas. E então, mesmo depois de me
recuperar, comecei a sentir que não merecia lhe contar. Eu
não merecia... sei lá. Perdão. Uma refutação das piores coisas
que ele deve ter pensado de mim. Eu merecia sua raiva, seu
nojo. Até mesmo seu ódio.
Talvez merecesse isso acima de tudo.
Mas eu não deveria estar pensando sobre o que mereço,
e sim sobre o que ele merece. Fui muito egoísta e descuidado
com ele desde o momento em que o levei para uma varanda
mal iluminada em um evento para arrecadação de fundos e
coloquei minha boca na dele. E talvez tenha sido descuidado
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
mesmo antes disso - anos antes - quando estava no colégio e
na faculdade e correndo atrás como um cachorrinho,
provocando-o sempre que o via com Sean, desesperado para
que ele me visse como algo diferente do irmão de Sean, por
razões que não entendia na época.
Fui egoísta com ele por tanto tempo que parecia que o
único jeito de acabar com isso era partindo.
Então, o que ele merece de mim agora? Tudo, claro,
tudo e mais alguma coisa, mas posso começar com isso.
— Não é horrível tê-lo aqui, — digo a ele. (É uma
mentira, mas é o tipo de mentira que acho que Deus vai
perdoar.)
O canto de sua boca se aprofunda, como se ele soubesse
que estou mentindo. Mas não me questiona. Obrigado,
porra. — Então você vai me ajudar esta semana? — Ele
pergunta. — Não quero deixa-lo desconfortável.
— É meu trabalho servir — respondo, baixando a
cabeça. E então procuro desesperadamente por algo para
dizer que não esteja relacionado à maneira como ele me faz
sentir. — Fiquei surpreso que a Mode ache a vida monástica
tão interessante para escrever uma matéria, — eu digo. —
Não se segue muito a moda aqui.
Elijah levanta um ombro e tento ignorar a maneira como
o tecido da camiseta o envolve. — Eles têm sua cota de
artigos mais abrangentes e estão mesmo entusiasmados com
essa abordagem. Monges que fazem cerveja e se recusam a
responder e-mails. Você sabe, vivendo o sonho. Oh, olá, —
Elijah diz para a mulher que se aproxima de nós.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


É Claudia, com o rosto bronzeado manchado de
vermelho as roupas respingadas de água. E estou muito,
muito aliviado, mesmo quando ela faz cara feia para nós dois,
porque não sei por quanto tempo mais poderei ouvir Elijah
falar com essa voz rouca sem precisar encontrar meu
aparelho de castidade.
— Você está me trazendo outro hóspede agora? —
Claudia reclama. — Agora mesmo? Logo hoje?
— Sim? — Respondo hesitante, e ela balança a cabeça
com tanta força que seus ombros se movem também.
— Não, irmão Patrick, você não vai trazer ninguém. Um
cano d'água se rompeu no andar de cima e agora metade dos
meus quartos estão inundados, e já tive que realocar onze
Cavaleiros de Columbus para os dormitório. Então, seu
hóspede terá que ficar nos dormitórios também.
AHHHHH, meu cérebro diz.
— Eu... entendo, — é o que acabo dizendo, em uma voz
que é de alguma forma suplicante e rouca, tudo ao mesmo
tempo.
Ela estreita os olhos para mim e, em seguida,
claramente decide que não tem tempo para qualquer que seja
o meu problema. Aponta para o balcão de check-in atrás
dela. — Toalhas e sabonetes ficam ali atrás. Duas toalhas,
um sabonete em barra. — Ela olha para Elijah. — Se
consertarmos essa bagunça, você pode ficar na hospedaria,
mas, caso contrário, ficará com os monges durante a sua
estadia. Eu prometo que eles não mordem.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Na verdade, o irmão Patrick costumava me morder
com frequência, — diz Elijah com um pequeno sorriso, e
Claudia ri porque acha que ele está brincando.
Ele não está brincando.
— Você é engraçado. O irmão Patrick precisa de um
amigo engraçado. Certo, toalhas, sabonete etc. Tenham uma
boa noite, senhores.
E então Claudia está subindo as escadas, e somos
deixados sozinhos para ir até o dormitório. Juntos.

— Então é aqui que ficam os quartos dos monges? —


Elijah pergunta enquanto aceno e bato em uma porta. Recebo
uma resposta abafada de volta, e com um pequeno suspiro
interno, sigo para a próxima porta, mas esse quarto também
está ocupado.
Os dormitórios estão oficialmente lotados até o teto com
os seculares Cavaleiros de Columbus e normalmente eu não
me importaria, só que parece cada vez mais que o único
quarto vazio que resta será aquele ao lado do meu.
Por favor Deus. Por favor, não faça isso comigo, não me
teste assim.
Vou falhar e nós dois sabemos disso.
— É assim que vocês chamam? — Ele pergunta depois
que tento outra porta. — Quartos? Ou dormitórios?
— Nós chamamos de celas, mas quarto também
funciona, — respondo. — Vamos tentar o andar de cima.
— E cada cela tem seu próprio banheiro?

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Sim, — digo enquanto subimos, tentando lembrar se
há alguma cela vazia no meu andar além do quarto ao lado
do meu.
— Isso é comum, banheiros privativos? Em mosteiros?
— Geralmente não, — respondo, tentando abrir uma
porta ao lado da escada com uma batida suave. Escuto
um oi? seco e vacilante e peço desculpas ao ocupante. — Mas
houve um paroquiano da região na década de 1990 que era
dono de uma empresa de encanamento e doou banheiros e
chuveiros para o mosteiro - e se ofereceu para fazer o
encanamento de todos também. Portanto, os banheiros foram
uma espécie de doação. Não são muito encantadores, mas é
bom ter um pouco de privacidade. Antes disso, havia
banheiros comuns em cada andar.
Há um último quarto que posso tentar antes que haja
apenas o próximo à esquerda do meu, e faço tantas orações
silenciosas quanto posso nos vinte segundos antes de
alcançá-lo.
Eu bato.
A porta se abre, revelando um Cavaleiro de Columbus
com um copo de café de papel ainda firmemente na mão. —
Sim? — Ele pergunta. A decepção me atinge, seguida pelo
medo... e algo muito pior.
Excitação.
— Só estou procurando um quarto para outro hóspede,
— digo com uma pequena reverência. — Desculpe pela
interrupção.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Sem problemas! — É a resposta alegre, e então levo
Elijah até a porta ao lado da minha, que fica no final do
corredor. Bato e não há resposta, então abro a porta para
revelar a pequena suíte ali dentro.
Elijah passa por mim – tão perto que suas pernas tocam
meu hábito - e percebo o leve toque de sálvia e água
salgada. Como se ele tivesse acabado de sair da piscina de
água salgada no quintal da minha família, como se tivesse
acabado de se secar depois de um longo dia de verão
relaxando ao sol com Sean.
E lembro-me de todos aqueles dias em que ia até lá fora
e os importunava enquanto nadavam ou cochilavam, todas as
vezes que decidia que tinha que nadar também só porque eles
estavam lá fora, e a vontade de estar onde quer que eles
estivessem era algo que eu não tinha interesse em lutar
contra. Sean e Elijah eram apenas cinco anos mais velhos do
que eu, mas o que não é nada para os adultos é um abismo
enorme quando se é criança, e ainda mais quando você é
adolescente. A distância entre meus quatorze anos e os
dezenove deles parecia intransponível, imensa – e, de certa
forma, também sedutora, porque constantemente implorava
para ser superada. Eu precisava mais do que qualquer outra
coisa provar a Elijah que eu era tão maduro, mundano e
interessante quanto ele e Sean, e achava que dar piruetas na
beira da piscina ou mudar desagradavelmente de estação em
nosso surrado rádio externo era a melhor maneira de fazer
isso.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Só percebi quando estava na faculdade que a fascinação
que eu tinha por Elijah era mais complicada do que o normal
quero que o melhor amigo do meu irmão mais velho me ache
legal. Que todas as vezes que medi a latitude precisa da
cintura baixa da bermuda dele, todas as vezes que levei latas
geladas de Coca para poder ver a garganta de Elijah se
movimentar enquanto ele bebia... todas as vezes que o
provoquei por uma luta e brincadeiras violentas, assim tinha
uma desculpa para tocar seus braços e peito escorregadios de
água...
Todas essas vezes mostravam o que eu era alheio
demais para entender, até que fiquei com outro garoto em um
trote universitário e gostei muito.
Será que isso era óbvio para Elijah naquela época? Ou
ele achava que eu estava me comportando como o típico
irmãozinho, seguindo-os porque é isso que irmãos mais novos
fazem.
O que quer que tenha sobrado do meu orgulho tem um
pequeno conforto nisso.
Finalmente consigo falar, embora ainda haja visões de
Elijah usando bermuda deslizando pela minha mente. — Sua
chave está no gancho perto da porta, — digo a ele. — Vou
deixa-lo se acomodar e tudo mais. Precisa de ajuda para
buscar suas coisas no carro?
Ele balança a cabeça, caminhando até a janela e
olhando para o claustro abaixo e a colina íngreme além. — É
lindo, — ele murmura para o vidro.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Você é lindo, ele costumava me dizer, nessa mesma voz
baixa e apreciativa. Normalmente, antes de me curvar sobre a
superfície plana mais próxima. Você é o homem mais lindo
que já vi.
Eu me vislumbro no pequeno espelho sobre a mesa e
suspiro com a barba e o hábito costurado. Não mais tão
lindo.
— Então vou deixar suas toalhas na cama e volto em
cerca de trinta minutos para busca-lo...
Elijah sai da janela antes que eu possa terminar, com as
mãos estendidas para pegar as toalhas e o sabonete que
estou segurando na dobra do meu cotovelo. Coloco as toalhas
em suas palmas voltadas para cima, uma transferência que
deveria ser tão sem toque quanto um depósito em um cofre
bancário, mas então o sabonete embrulhado em papel
ameaça deslizar para fora e ele se move para pegá-lo...
prendendo-o entre sua mão e a minha.
Pela primeira vez em anos, nossas mãos estão
pressionadas uma contra a outra. E mesmo com um
sabonete caseiro entre nós, mesmo com a palma da mão dele
em cima da minha mão e minha própria mão pressionada
contra a toalha felpuda, ainda sinto seu toque como se
sentisse uma língua de fogo lambendo minha pele.
Não consigo encontrar seus olhos - mal conseguia fazer
isso antes, mas certamente não agora, não enquanto estamos
nos tocando - e parece que a única coisa que existe no meu
mundo é a palma da sua mão. É tão geometricamente
precisa, com as linhas fortes dos seus dedos, com as unhas

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


curtas e quadradas. Os metacarpos como os martelos de um
piano, mantidos em silêncio absoluto. Preparado para se
mover em um segundo.
Sua mão é como tudo nele. Perfeita. E logo haverá uma
fina faixa de metal decorando um desses dedos e esse tal de
Jamie vai olhar para ela e saber que é por ele.
Deslizo minha mão debaixo da dele e ele pigarreia como
uma pessoa educada faz para encobrir um momento estranho
e, claro, minha sede por sua mão era óbvia, claro que era.
Ele merece que você seja bom para ele, eu me
lembro. Isso é o mínimo que você deve a ele.
Dou dois grandes passos para trás, ainda sem conseguir
encontrar seus olhos. — Vou deixa-lo pegar suas coisas e se
instalar. Volto em breve.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


13

DA MODE MAGAZINE

Eu costumava ser um católico bastante devoto,


mas essas coisas podem ser medidas. Meus pais
eram católicos de primeira linha. Eu era um oficial dos
Cavaleiros Júnior de Peter Claver. Eu flertava com a fantasia
de me tornar padre depois de aprender o lema dos jesuítas:
ite, inflamar omnia.
Vá, coloque o mundo em chamas.
Mas então o abuso sexual cometido por meu pároco -
que resultou em uma tragédia indescritível para a família de
meu melhor amigo - rasgou nosso mundo ao meio. A
profunda amizade entre minha família e a família de meu
melhor amigo se rompeu, junto com minha fé.
E eu já estava ficando velho para perceber que não
havia lugar para mim na Igreja de qualquer maneira. Sabia
que era gay; também sabia que a igreja não me queria se eu
não estivesse disposto a abraçar o celibato ou uma mentira
descarada.
Então a deixei.
Esse devia ser o fim da história... mas de alguma forma
a Igreja continua se envolvendo em minha vida. Minha irmã,
uma das melhores e mais inteligentes pessoas que conheço,
foi postulante da irmandade religiosa antes de começar a sair

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


com o homem que agora é seu marido. E então, um ano
depois, o amor da minha vida me deixou pela clausura.
E às vezes, quando me pergunto sobre o que devo
escrever, quando me pergunto onde devo usar a voz, ouço
Inácio de Loyola falando comigo.
Vá, coloque o mundo em chamas.
— “A CALMA ETERNA DOS MONGES : CERVEJA E ORAÇÃO EM

ALGUMAS DAS ABADIAS MAIS SOLITÁRIAS DO MUNDO ” — POR

ELIJAH IVERSON

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


14

Notas de piano pairam pela igreja, flutuando até as


abóbadas do teto e ecoando nos vitrais e calcário do
santuário. O cheiro de incenso permeia o espaço; décadas e
décadas de fumaça subindo até Deus. Suportes de velas
votivas tremulam e dançam através de correntes de ar
invisíveis, e bem acima do altar, uma janela óculo feita de
vidro transparente revela um círculo de céu azul vivo.
A luz do sol entra pelas janelas do clerestório e banha de
luz e sombra a imagem em tamanho real atrás do altar.
Caminhamos lentamente pelo centro da nave, passando
pelos recessos sombrios dos transeptos e depois entrando no
coro, onde os monges rezam e cantam. Somos os únicos aqui
- exceto o irmão ensaiando ao piano - mas parece mais
sagrado por seu vazio, ainda mais sagrado de alguma
forma. Não há como negar que este lugar sempre foi a cripta
viva do deus que escolheu morrer.
Paramos quando chegamos aos degraus rasos que
conduzem ao altar.
— Isso é... — Elijah parece procurar as palavras certas
enquanto olha para a escultura pendurada ali atrás. —
...muito comovente.
Sigo seu olhar até o nosso crucifixo, que, apesar das
coisas bonitas ao seu redor, eclipsa todo o resto no
santuário. Nenhuma quantidade de candelabros, flores
frescas ou linho enfeitado com dourado pode competir com o
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
corpo de nosso deus sofredor, porque este crucifixo nada
esconde, nada ameniza. Pode-se ver a tensão nos braços e no
abdômen de Jesus; os músculos de suas coxas flexionados
com o esforço de tudo isso. Sua cabeça não está inclinada em
rendição ou morte, mas virada para o lado em agonia, a luta
manifestada nos tensos nervos de seu pescoço e no aperto de
sua mandíbula. Seus olhos - entrecerrados - olham para fora
com algum apelo sem palavras. Seus lábios carnudos estão
separados como se em um suspiro.
Eu poderia olhá-lo pela eternidade.
É um instinto enterrado há muito tempo que me faz
voltar para Elijah, ávido por sua reação, para ver se ele vê o
que vejo, algo tão comovente e tão assustador que requer
devoção, requer uma vida inteira de amor aos seus pés, mas
Elijah não está olhando para o crucifixo.
Ele está olhando para mim.
E por um momento atordoante, sem fôlego e irreal, acho
que é assim que seria sentir o Jesus na cruz olhando para
mim. Há o mesmo olhar entrecerrado, os mesmos lábios
entreabertos.
O mesmo desejo de ofertar a carne molhada de meu
coração para ser marcada profundamente pelo amor desta
pessoa.
Mas, ao contrário do homem na cruz, não há apelo nos
olhos de Elijah, nenhuma súplica. Não consigo decifrar o que
está ali em seu lugar, mas não é nada tão vulnerável assim,
nada tão nu. O olhar que ele está me dando é cauteloso e
atado com algo amargo, duvidoso e duro.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Um músculo pulsa uma vez em sua mandíbula e então
ele se vira.
— Onde vou ficar para as orações? — Ele pergunta,
distante e frio mais uma vez. — Ali?
— Sim, — respondo baixinho e mostro a ele onde os
leigos se sentam na nave. Longe do crucifixo. Perto o
suficiente para que seu olhar queime o meu rosto enquanto
canto.

Antes de irmos para a igreja, levei Elijah para a


cervejaria, embora não tivesse tempo suficiente para ver a
taproom e ainda voltar para o jantar, e então o levei até o
início da trilha, caso ele quisesse passar algum tempo
caminhando esta semana. Ele tinha um pequeno caderno de
couro e uma caneta Sharpie de ponta fina, e fazia anotações o
tempo todo, seus olhos passando de uma coisa para outra
com uma avaliação perspicaz e eficiente.
Era uma visão bastante familiar; ele fazia anotações
para um artigo em vez de andar por um local antes de um
evento, mas era a mesma coisa, na verdade. O tipo de
observação que não perdia nada, catalogava tudo. O tipo de
olhar investigativo que passei tantos anos da minha
adolescência esperando que me escrutinasse, e depois
seguido com aquele elixir específico de aprovação de melhor-
amigo-do-irmão-mais-velho.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Depois que terminamos de rezar as Completas, ele ainda
está com seu caderno nas mãos. Seus longos dedos presos
entre as páginas, sua caneta saindo como um cigarro de um
maço. Eu o pego olhando para o crucifixo com uma expressão
inescrutável enquanto saio atrás de meus irmãos pela porta
perto do altar.
Depois de nos curvarmos diante do altar e sairmos do
santuário, contorno a frente da igreja e volto para os bancos,
passando pelos tagarelantes Cavaleiros de Columbus para
chegar a Elijah, que ainda está estudando Cristo na cruz
enquanto anciões se mexem e falam ao seu redor. Ele está
olhando para o crucifixo como se Jesus lhe devesse dinheiro.
Elijah bate seu caderno lentamente contra sua coxa, o
resto de seu corpo completamente imóvel, exceto pelo
levantamento sutil de seus ombros enquanto ele respira. Sua
camiseta - feita de algo mais sedoso do que uma camisa
comum - se agarra ao corpo de uma forma quase gananciosa,
como se não pudesse parar de tocar os músculos deltoides e
trapézios. Como se estivesse tão extasiada com o sulco
tentador de sua coluna quanto eu. E a forma como a bainha
se agarra na cintura, mostrando uma bunda que uma vez
passei uma noite inteira mordendo...
A explosão de calor na minha barriga é acompanhada
pela constrição imediata entre as minhas pernas, e agradeço
por ter colocado a gaiola esta tarde. O aperto do metal não
parece mais doloroso, apenas seguro. Apenas a garantia
reconfortante de que não estou prestes a caminhar até meu

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


ex em um santuário com uma ereção sob minhas vestes de
monge.
Aproximo-me de seu banco e ele se vira para mim. Uma
única sobrancelha se levanta em consulta, mas ele não fala, e
sinto-me de repente com dezessete anos de novo, surgindo no
porão enquanto Sean e Elijah estavam conversando ali e
Elijah me dando exatamente o mesmo olhar. Um olhar que
diz, o que foi?
Um olhar que diz, fale logo o que você quer e então vou
decidir se tenho energia para responder a isso ou não.
Sinto um rubor chegando. Já foi bem difícil rezar as
Completas esta noite sabendo que Elijah estava ali, que ele
poderia estar me observando com aquele olhar imparcial
enquanto eu mantinha meus olhos fixos no meu breviário. Só
de saber que ele estava na igreja comigo já foi o suficiente
para me fazer errar os salmos que eu já tinha cantado
centenas de vezes antes, foi o suficiente para fazer minha
pulsação acelerar em minhas veias em intervalos
aleatórios. Foi o suficiente para me deixar muito consciente
enquanto eu fazia as menores e mais mundanas ações. Ele
estava olhando enquanto eu virava a página do meu
breviário? Estava olhando enquanto eu me sentava para
ler? Enquanto inclinava meu corpo em direção ao altar?
Era estúpido dar importância à minha aparência
quando estava vestindo uma túnica de poliéster que ia até o
chão, e era ainda mais estúpido quando eu era um monge
que escolheu uma vida em que não era relevante se alguém

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


me achava atraente, mas penso que ser estúpido nunca
parou Aiden Bell antes.
Limpo minha garganta e tento não parecer afetado por
sua presença. — Vim me certificar de que você tem tudo o
que precisa para a noite antes de voltar para o dormitório.
Elijah olha para o relógio e depois para a janela óculo,
onde o céu ainda está pintado com as cores brilhantes do
entardecer. — Já vai se deitar?
— As Vigílias são bem cedo pela manhã, — eu explico,
entendendo sua confusão. Antes de vir para cá, eu era uma
coruja noturna incurável - embora ainda me levantasse de
madrugada para malhar e me deslocar para o
trabalho. Trabalhar com três ou quatro horas de sono havia
se tornado o meu normal. Parecia tão normal na época,
tão necessário. Eu tinha que me exercitar, tinha que trabalhar
dez horas por dia, tinha que beber, festejar e foder, não havia
outra escolha, e ninguém ao meu redor vivia de forma
diferente, talvez o meu irmão mais velho, Tyler. Mas ele era
um ex-padre que voltou para a faculdade para estudar
teologia depois de ter deixado a batina, como um verdadeiro
esquisitão. Eu não tinha interesse em ser como ele na época.
Mas agora definitivamente o superei no departamento
de esquisitos sagrados, e isso inclui ir para a cama com o sol,
como um dos bebês de Sean e Zenny.
— Devo ir às Vigílias? — Elijah pergunta, olhando para o
céu com algo parecido com cautela. Como se já estivesse
antecipando quando o amanhecer vai chegar.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Os hóspedes são convidados a comparecer a quantas
orações quiserem, — digo. — E pode variar de um dia para o
outro. As únicas obrigações são os horários das refeições e o
respeito ao Grande Silêncio.
— Hmm. — Ele bate o caderno contra a coxa outra
vez. — Acho que pelo menos devo ir para o meu quarto e
começar a digitar as anotações. Vou com você.
Nós estivemos juntos pela instituição quase metade do
dia e meu coração ainda titubeia com a ideia de voltar com
ele, de estar com ele, apenas nós dois. É pior do que ter
dezessete anos e não ter ideia de que minha idolatria por
Elijah era realmente uma paixão, porque agora sei o que
é. Agora sei quem ele é. Agora essa paixão teve anos para se
tornar mais profunda, para criar raízes em volta dos meus
ossos e através das minhas costelas, para complicar uma
devoção robusta que supera quase todo o resto, e é
comparada apenas à minha devoção ao filho sofredor do
deserto. Substituiu minha medula e minha fáscia e agora
Elijah está aqui, e estamos andando juntos para a luz fraca,
ombro a ombro.
Eu me lembro de respirar. Ele merece minha gentileza,
minha ajuda. Não o meu tormento. Nem o desejo que mal é
sufocado pelo metal que está preso em meu sexo.
Não dizemos nada enquanto caminhamos, o que é bom
para mim, porque, de qualquer maneira, não sei o que
poderia dizer, a não ser que eu ainda te amo, não me odeie,
por favor, vá para casa.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


O silêncio é imenso, quebrado apenas pelo som da fonte
no claustro e o bater das portas dos carros se fechando no
estacionamento - visitantes partindo após um dia nas trilhas
ou na taproom.
Quando chegamos ao nosso andar, certifico-me de que
Elijah está com a chave e, em seguida, vou até a minha porta,
aliviado pela distância entre nós, mas também odiando isso.
— Estarei bem aqui se você precisar de alguma coisa, —
digo, conseguindo parecer normal.
Uma sobrancelha se levanta. — Sua cela é ao lado da
minha?
Não sei dizer se isso é uma notícia indesejável ou não. —
Sou um vizinho quieto, se está preocupado com o barulho.
— Não... eu. Não. Não estou preocupado. Está tudo
bem.
É a primeira hesitação que sinto nele hoje, e isso me
deixa um pouco infeliz. O motivo, não sei, já que eu mesmo
hesitei o dia todo hoje.
— Tudo bem, então, — eu digo enquanto ele destranca a
porta, e isso é tão estranho. Por que nunca disseram que é
muito estranho conversar com alguém com quem você
costumava trepar? — Boa noite, Elijah.
Elijah acena a cabeça e, em seguida, abre a porta e
entra.
Abro minha porta - não tranco minha cela porque não
há nada aqui além de cobertores velhos e livros de segunda
mão - e cambaleio para dentro como se tivesse acabado de
correr uma maratona. E não uma maratona espiritual como o

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


apóstolo Paulo fala, mas uma maratona terrível e sem
sentido, onde a única recompensa é um isotônico gelado e
uma camiseta grátis.
Só que não ganho nem uma camiseta. Minha
recompensa por sobreviver ao dia com meu ex-namorado é
acordar e fazer tudo de novo.
Tomo um rápido banho, limpo minha gaiola, coloco-a de
volta e visto a calça de pijama de flanela desbotada que às
vezes uso para dormir (Não, não usamos nossas vestes para
dormir). Depois de escovar os dentes e fazer minhas orações,
estico-me na cama e fico olhando para o teto.
A parede entre a minha cela e a de Elijah é tão fina que
ouço o leve toc-toc-toc-toc das teclas de seu laptop. Ouço
quando ele empurra a cadeira para trás no chão de
madeira. Ouço quando ele solta um suspiro gigante e, em
seguida, desliza sua cadeira para trás novamente. Toc-toc-toc.
É tão maravilhoso ouvir isso que nem fecho os
olhos. Quero valorizar cada segundo, quero lembrar tudo
sobre ele digitando, suspirando e pensando do outro lado da
parede.
Quero me lembrar de como era tê-lo por perto.
Mas de alguma forma, o sono chega, puxando-me para
baixo enquanto os suspiros abafados e as batidas nas teclas
vêm do outro lado da parede, e não acordo até um pouco
antes do amanhecer e é hora das Vigílias.
E mais uma vez, acordo sabendo que sonhei com
Elijah. As lembranças do sonho se apegam e grudam em mim
tanto quanto meus lençóis.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Saint (Priest #3) - Sierra Simone
15

É domingo, então a missa, o almoço e a oração diurna


são no início do dia e, além de algumas tarefas obrigatórias
na lavoura e na cervejaria, não há trabalho à tarde. Podemos
rezar, ler, caminhar, meditar, visitar - ou levar nosso ex-
namorado aos campos de cevada para lhe mostrar onde a
cevada para a cerveja é cultivada. Conto a ele sobre um
subsídio da Universidade do Kansas para cultivar uma
variedade de cevada mais favorável à cerveja, enquanto o
vento quente balança meu hábito em volta das minhas
pernas e ele faz anotações em seu caderno, e então descemos
para o celeiro, onde o apresento ao padre Nathaniel e ao
irmão Amos, nossos principais lavradores.
E então para a gráfica e a sala de envasamento. E
depois a taproom, que está fechada ao público hoje, e assim
temos todo o espaço ecoando para nós mesmos. Eu lhe sirvo
uma pequena amostra de nossas diferentes cervejas - uma
Dubbel, uma Tripel, uma Farmhouse Ale e uma Abbey
Blonde.
Pela primeira vez hoje, Elijah parece realmente
interessado. Ele se senta no bar atrás do qual estou parado e,
com o sol da tarde batendo forte na taproom, ele começa a
provar nossas diferentes cervejas, segurando cada copo
contra a luz antes de beber.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Eu me sirvo de uma Farmhouse e levanto-a. — Sláinte19.
— Sláinte, — ele repete, e tocamos os copos antes de
beber. Seu pomo de adão sobe e desce enquanto ele engole, e
rapidamente volto minha atenção para minha própria cerveja,
engolindo alguns goles desesperados antes de colocar o copo
no balcão.
Ele coloca o dele também - vazio, já que era uma dose
muito pequena - mas não pega o próximo copo ainda. Em vez
disso, gira o copo na madeira polida do bar, seus olhos na
espuma ali dentro.
— É isso? — Ele pergunta. — É só isso mesmo?
A princípio, achei que ele estava falando da cerveja.
— A ideia é focar em alguns produtos essenciais...
Eu paro, porque agora há algo em seu rosto que me diz
que não se trata da cerveja.
Ele olha para mim, e suas sobrancelhas estão
arqueadas, unidas como se estivesse tentando resolver um
problema. — É só isso que tem aqui? Uma igreja para rezar,
celas para dormir e lugares para trabalhar? Isso é o limite da
sua vida?
— Ora et labora, — digo, não tenho certeza se eu deveria
me sentir na defensiva ou pedir desculpas ou ser paciente ou
o quê. — A questão é que minha vida seja limitada,
Elijah. Caso contrário, não estaria aqui.
Ele abre a boca como se fosse dizer algo, e com o sol em
suas costas, seus olhos normalmente âmbar estão escuros e
ilegíveis.

19 "Saúde" em gaélico irlandês e escocês.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Mas então, em vez de falar, ele aperta os lábios e pega
outra amostra de cerveja.
Bebemos o resto da nossa cerveja em silêncio.

Segunda-feira não é muito melhor. Não resta muito


para ver, então levo Elijah ao redor do terreno mais uma vez
para que ele possa entrevistar os diferentes irmãos sobre
suas tarefas e ofícios, bem como suas razões para escolher
uma vida tão estranha.
Elijah sabe entrevistar muito bem, educado e charmoso
como sempre com todos com quem fala, mas dá para ver que
ele está inquieto. Ou entediado. Ou frustrado. Enquanto ouve
as pessoas falarem, descruzou e recruzou os
tornozelos. Enquanto caminhamos, ele continua olhando ao
redor do mosteiro estreitando seus olhos com algo parecido
com descrença. Quando está na igreja para rezar, ele se
levanta e se senta com a congregação, mas não canta, e acho
que também não reza. Em vez disso, ele encara o crucifixo
como se quisesse fazer algumas perguntas a Deus,
oficialmente, é claro.
E à noite, ouço tantos suspiros e cadeiras se arrastando
do seu lado da parede que só consigo dormir bem depois de
escurecer. Não há mais o reconfortante toc-toc-toc vindo de
sua cela.
Só toc-SUSPIRO-toc-MOVIMENTO-RÁPIDO-toc-
SUSPIRO-ALTO

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


E então algo que parece muito como a tecla delete sendo
pressionada repetidamente.
Quando o encontro no café da manhã na terça-feira, ele
está visivelmente cansado. Não sei se mais alguém notou,
porque por fora ele ainda está todo sorrisos simpáticos e
sobrancelhas erguidas. Mas há uma certa agitação na
maneira como ele descasca a laranja. Uma fragilidade em sua
boca quando olha para a sala de jantar, onde todos nós nos
sentamos em silêncio com nossas bandejas, comendo nossas
torradas, frutas e ovos mexidos.
Depois que o café termina - e com ele o silêncio da
manhã - pergunto a Elijah onde ele gostaria de ir.
Ele esfrega o cabelo e solta uma risada suave. — Há
alguma coisa aqui que ainda não vi?
Acho que ele está falando sério, mas ainda assim
respondo caso ele esteja mesmo perguntando. — Você já viu o
eremitério?
— O eremitério? Acho que não.
— São três quilômetros descendo a trilha para o leste, —
digo. — Perto do riacho. Eu posso leva-lo até lá, se quiser.
Ele me encara. Estou melhor em olhar para ele nos
últimos três dias - parcialmente porque deixei minha barba
crescer e acho que isso esconde o pior do meu rubor - mas
quando ele me encara assim, como se eu fosse a próxima
coisa sobre a qual vai escrever cinco mil palavras, não
aguento. Desvio o olhar para o claustro, onde irmãos já estão
podando as roseiras e arrancando ervas daninhas.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Quero ver um lugar que signifique algo para você, —
Elijah diz de repente. — Quero ver o lugar onde você gosta de
passar o tempo todo.
— Bem, então, — eu digo. — Devemos ir até o
eremitério.

É cedo o suficiente para que a caminhada seja


quente, mas não opressivamente, e o vento diminuiu o
suficiente para que meu hábito se comporte enquanto
avançamos pela floresta. Mostro a Elijah o caminho que se
ramifica em direção ao labirinto na encosta do Monte Sergius
e depois mostro as pontes sobre o riacho que construí desde
que cheguei aqui. E finalmente chegamos ao eremitério, um
casebre feito de calcário e janelas reformadas com o riacho
borbulhando nas proximidades. Ninguém está hospedado
aqui no momento, então mostro a Elijah o interior, que tem
eletricidade e água encanada, mas é bastante rústico.
Ele está no meio da pequena sala, girando
lentamente. — Então você vem para cá, — ele diz com
cuidado, — para se retirar da abadia. Que já é um retiro do
resto do mundo.
— Sim.
— Para você, não fica parecendo que é tipo tirar férias
das férias?
Ouso olhá-lo, já que ele foi até uma janela e está
olhando para o riacho. — Os monges originais viviam

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


sozinhos, — digo. — A vida monástica, em sua forma original,
era a solidão total. Privação total. Os pais do deserto
encontraram Deus nessa vida.
Elijah se vira para me encarar. Ele está usando uma
camisa de manga curta e os dois primeiros botões estão
abertos. Posso ver o entalhe de sua clavícula assim.
Porra.
— E é isso que você quer? — Elijah pergunta. — Viver
no deserto e escrever provérbios?
— Sim. Bem, não no deserto literalmente, — eu explico
observando seu rosto, — mas um deserto em todos os outros
sentidos. Quero ficar sozinho com Deus.
— E o quanto você precisa ficar sozinho? — Elijah
indaga, virando-se totalmente na minha direção. — Deus é a
aurora radiante e o pastor que encontra todas as ovelhas
perdidas – e você está me dizendo que não pode ficar sozinho
com ele em sua cela? Ou em uma fazenda, digamos? Ele só
pode encontra-lo no meio do nada enquanto você está
brincando de Thoreau?
Dói ouvir os votos particulares do meu coração serem
ditos assim. Como se fossem ridículos.
— Não se trata do que Deus é capaz, — digo baixinho, —
mas do que sou incapaz.
— E quanto ao resto do mundo?
— Não sei o que você quer dizer.
Ele me encara, a frustração estampada em seu rosto. —
Então, você pode deixar o mundo e todos nele, porque não se
sente capaz de rezar se não lhe for dado liberdade total para

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


viver sua vida inteiramente para si mesmo. Desculpe,
para Deus, — acrescenta, ao me ver abrir a boca. — Aqui está
uma pergunta para você, irmão Patrick? Quem pode fazer
isso? Quem pode optar por não viver no mundo? Quem
desiste e foge de tudo enquanto as pessoas ainda
sofrem? Quem pode deixar o mundo entregue ao seu destino
enquanto se esconde e reza?
A vergonha sobe pelo meu pescoço. Vergonha, pensei
que não sentia mais. Vergonha a qual pensei ter expiado. A
vergonha de ser egoísta, irrefletido. A vergonha de ser Aiden
Bell.
— Eu achei... só acho que é melhor se eu não estiver no
mundo, — tento explicar. — Não estou comprando uma ilha
privada para encher com espelhos de cocaína e modelos de
biquini. Não estou tirando nada de ninguém... não estou no
mundo tornando-o um lugar pior.
— Por que essa é a única opção? — Elijah retruca. —
Por que você estar lá significa que vai piorar as coisas?
— Porque foi o que eu fiz! — Respondo, mais alto do que
esperava.
Ele olha para mim, seus lábios entreabertos como se eu
o tivesse surpreendido em silêncio.
— Porque foi o que eu fiz, — repito, mais baixo desta
vez. — Vim para cá para aprender a ser bom. Como me
esvaziar de tudo, menos da fé e da adoração. E quando vim,
dei todo o meu dinheiro - parte como uma doação ao Monte
Sergius, mas a maior parte foi para organizações sem fins
lucrativos em todo o país. Então, vir para cá tornou o mundo

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


um lugar melhor, porque esses lugares todos têm milhões de
dólares que não teriam de outra forma.
— Você poderia ter feito coisas melhores se tivesse
ficado, — diz Elijah. — Você poderia ter feito bem mais. Em
vez de estar aqui, onde nada do que você faz importa fora dos
muros da abadia.
— Eu deveria ter ficado no mundo secular para ganhar
mais dinheiro para doar? — Pergunto, sem me preocupar em
esconder minha incredulidade. — É só para isso que eu
valho? Para ganhar dinheiro?
— Sabe que não foi isso que quis dizer, — responde
Elijah. — Sabe que não é disso que se trata.
— Eu sei? — Revido e imediatamente me arrependo. A
vergonha e a raiva estão me enchendo como vinho que
transborda de uma taça e me sinto ressentido com tudo
isso. Manchado. Mas nunca, mesmo em minhas fantasias
mais masoquistas, imaginei isso. Que Elijah considerasse
meu caminho para a sobrevivência e a expiação tão egoísta,
tão fútil. Tão superficial quanto retiros de ioga performativa
de um influenciador ou algo assim.
Nunca imaginei que eu seria considerado menos ético
por causa do tipo de busca que não pede nada a ninguém,
exceto uma cadeira vazia no Dia de Ação de Graças.
— Escolher sair do mundo não ajuda ninguém além de
você mesmo, — diz Elijah, e há uma rispidez autêntica em
sua voz agora. Uma rispidez tão ácida que é capaz de
queimar. — Para que serve toda esta santidade se não chega
a mais ninguém? Qual é o sentido de se tornar bom se essa

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


bondade começa e termina com você? Se as únicas pessoas
tocadas por sua bondade são aquelas que têm tempo ou
disponibilidade para fazer isso dentro dos muros de sua
abadia?
Meu temperamento aumenta. — Eu não estou
machucando ninguém ficando aqui, — digo bruscamente.
— Não, você não está, — vem a resposta fria. — Não
mais.
Não acredito como as palavras dele cortam. Mesmo que
as esperasse há anos. Mesmo sabendo que mereço ouvi-las.
Nós nos encaramos através da sala, nossas respirações
aceleradas e fortes, e não consigo falar agora. É como se
todas as respostas possíveis que eu poderia ter estivessem
enroscadas na minha garganta e presas à carne ali, como
arame farpado.
É Elijah quem fala primeiro de qualquer maneira. —
Isso, — diz, apontando para o casebre que abrigou tantos dos
meus melhores e piores momentos, — é uma perda de
privilégio. Um desperdício de vida. Você abriu um buraco no
coração de todos que o amavam por absolutamente nada, e
espero que tenha valido a pena. Espero que Deus tenha
valido a pena.
E então ele abre a porta do eremitério e sai.
Eu não o sigo.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


16

Elijah não está nas orações das Vésperas ou no


jantar. Acho que deve estar na cela, mas não tenho certeza,
porque, quando entro na minha, há silêncio do outro lado da
parede. Vou até minha janela e fico olhando para a colina por
um momento, depois para os claustros absorvendo a luz do
entardecer, e volto para a colina, que está iluminada com o
alaranjado quando o sol começa a se pôr.
Os sinos das Completas logo tocarão.
Pressiono minha mão no vidro, como se pudesse tocar a
colina. Levanto meus olhos para as colinas. Cinco anos atrás,
eu teria brigado com Elijah com unhas e dentes. Estaria
batendo na porta dele agora, exigindo lutar ou foder, a ordem
não era importante.
Cinco anos atrás, eu teria dito você está errado e teria
admitido a derrota só depois de uma discussão cheia de
adrenalina ou uma maldita sessão de maratona.
Mas agora, não sei se ele está errado.
Também não sei se ele está totalmente certo, e acho que
se existe um dom que recebi ao ser monge, é que agora sei
como lidar com esse sentimento, essa ambiguidade. Na
minha antiga vida, as decisões tinham que vir rápido, em
minutos ou segundos. Opiniões ainda mais rápido. Isso me
servia, ativava meu pensamento naturalmente impulsivo e,
na verdade, parecia que não havia outra maneira de
viver. Todo mundo ao meu redor tomava mil decisões por dia,
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
movendo-se rápido, pensando rápido, vivendo rápido. Ir
devagar e dar um tempo - para ouvir ou remoer ou ser
qualquer coisa diferente de absolutamente produtivo no
sentido de produzir escolha após escolha - era pior do que ser
inútil. Era ser fraco.
E agora nessa fraqueza, encontrei força.
Decido não incomodar Elijah. Não tenho mais direito a
isso, não tenho direito de bater em sua porta quando ele
deixou claro que está chateado comigo. E, para ser honesto,
ainda estou sentindo uma centena de coisas diferentes com
suas palavras, e todos esses sentimentos estão apunhalando
meu peito como cacos de vidro, e não confio em mim com
esses cacos por dentro.
Um desperdício de vida, disse ele.
Espero que Deus tenha valido a pena.

Os sinos para as Completas tocam e saio da minha


cela, esperando que as canções e orações familiares limpem o
vidro do meu peito e sangrem a raiva do meu sangue.
Elijah também não está nas Completas e me sinto tão
cheio de todos os meus próprios sentimentos, nem um pouco
vazio como gostaria de estar, e minhas mãos tremem um
pouco enquanto viro as páginas do meu breviário.
Não escondas de mim a tua face, nós cantamos. E mais
tarde: Ouve-me depressa, ó Senhor; o meu espírito desfalece.
Faze-me saber o caminho que devo seguir, porque a ti
elevo a minha alma.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


O sol está descendo pelo céu quando saio da igreja com
meus irmãos, e o calor do dia finalmente começou a
diminuir. Todos estão de bom humor e vários irmãos decidem
tomar um copo antes do sono na área de piquenique, e vários
outros vão dar uma caminhada até o celeiro para ver o novo
galpão construído pelo irmão Amos. Estão falando em
comprar galinhas e cabras para adicionar às nossas três
vacas leiteiras, e posso ouvir o irmão Titus e o irmão Thomas
já argumentando porque precisaríamos de um cão na abadia
(ou quatro) se tivermos mais animais de fazenda.
Eu não acompanho nenhum deles. Em vez disso, vou
para o claustro sul, que está completamente vazio, e encontro
meu banco favorito. Sento-me e espero.
A fonte goteja suavemente e uma brisa passa pelas
passarelas cobertas balançando as flores. O céu muda
lentamente acima, de um azul brilhante para um azul pálido
com listras alaranjadas, rosa e lavanda. Vejo a primeira
estrela agora, piscando no céu.
Em meu primeiro ano aqui, quando eu não era nada
além de um cesto de roupas sujas de sentimentos, o irmão
Connor me contou sobre um livro que ele leu por um monge
Getsemâni, que escreveu sobre como a abadia acabou se
tornando não apenas o recipiente para seus pensamentos,
mas a forma deles também.
— Um dia você vai acordar e perceber que seus
pensamentos têm a mesma forma de seu carvalho favorito, —
explicou o irmão Connor. — Ou das margens sinuosas do

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


riacho. Eles vão ecoar ao toque do sino. Vão vibrar com o
vento da pradaria.
— E isso aconteceu com você? — Perguntei, um pouco
duvidoso.
— Você quer dizer, meus pensamentos são parte dos
meus lugares e meus lugares são parte dos meus
pensamentos? Eles formam um ao outro, lembram um do
outro - reconhecem um ao outro? Sim, por mais estranho que
possa parecer, mas é isso que vem de viver em um lugar em
vez de apenas estar nele.
Parecia a cura para uma doença que eu acabava de
perceber que tinha. — Quanto tempo? — Perguntei a ele. —
Quanto tempo isso leva?
Ele sorriu para mim, os olhos enrugando. — Não é como
uma impressora 3D, Aiden. É orgânico, e o processo de
existência em um lugar é tão importante quanto o fim. —
Vendo a expressão em meu rosto, ele teve um pouco de
pena. — Pode ser que isso aconteça mais cedo do que
pensa. Talvez você só precise encontrar seu primeiro lugar
para viver, em vez de estar.
E eu encontrei - por acidente, uma noite, quando me
sentei no claustro, porque ir para a cama parecia impossível,
mas caminhar também parecia impossível e ler também
parecia impossível e tudo aqui parecia tão impossível. Eu
queria ir embora. Eu queria voltar para Kansas City - não
para minha casa, porque minha casa tinha sido vendida -
mas talvez para a de Sean e dizer que cometi um erro.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Eu queria encontrar Elijah e pedir desculpas, desculpe,
eu estraguei tudo e estou de volta e me perdoe.
E naquele momento de inferioridade, aquela perdição à
beira das lágrimas, uma pequena luz piscou no crepúsculo
da fonte. Eu olhei para cima a tempo de ver outra, e depois
outra.
Vagalumes.
Tantos que parecia quase impossível, como uma cena
em um filme. Como algo saído de um sonho.
E comecei a entender o que o irmão Connor quis dizer
sobre um lugar tornando-se meus pensamentos, e comecei a
ver como isso poderia ser tão sagrado quanto qualquer
cantochão ou sacramento. Porque parecia que Deus estava
usando aquele claustro, aquela noite quente de verão, para
passar os dedos em meu rosto. Como se o próprio Deus
estivesse me dando um e se.
E se eu mostrasse algo lindo, e se eu mostrasse um
vislumbre do meu amor por você?
E a cada verão desde então, no pico da temporada de
vagalumes, tento me dar algumas noites aqui neste
lugar. Algumas noites de Deus no claustro, dando um show
sob as estrelas só para mim.
Conforme o céu escurece ainda mais, fecho meus olhos
por um momento e rezo. Já ouvi algumas vezes que é
mesquinho ir a Deus com demandas e pedidos, como se Deus
fosse algum tipo de gerente cósmico de atendimento ao
cliente, mas depois de cinco anos cantando salmos dia após
dia, posso dizer com autoridade que clamar a Deus é uma

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


tradição muito antiga. Repreender, bajular e lamentar
também.
E agora, nem sei o que quero de Deus. Conforto? Uma
mensagem? Que os vagalumes soletrem está tudo bem, você
não cometeu um erro vindo aqui com seus corpinhos
brilhantes? Para que Elijah vá embora e Julho chegar mais
cedo, assim posso encontrar um lugar mais sombrio para me
refugiar?
Meu próprio deserto, finalmente?
Mas não mantenho meus olhos fechados por muito
tempo. Oração ainda sem forma, abro os olhos para ter a
certeza de ver o primeiro vagalume acenar, e é quando ouço
os passos. Lentos, hesitantes. Eles param na entrada do
claustro logo atrás de mim e depois continuam.
Não preciso olhar para ver que é Elijah, mas olho
mesmo assim. Finalmente tomo coragem para olhar para
ele... agora, quando está furioso comigo. Vai saber.
— Posso me sentar? — Ele pergunta em voz baixa. As
palavras são duras e suaves como pedregulhos. Não sei se ele
está aqui para continuar nossa briga ou para dizer que está
indo embora, mas não faz diferença porque quero que ele se
sente. Quero que ele fique. Mesmo que seja apenas para me
dizer de novo coisas que vão me machucar.
— Sim, — digo, e então não consigo segurar, eu sorrio.
Ele parece assustado com esse sorriso, sua sobrancelha
levantando e seus olhos intensos na minha boca enquanto se
senta.
— Sobre o que está pensando? — Ele pergunta.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Nada, — digo, abaixando minha cabeça e sorrindo
ainda mais.
— Mentir é pecado, — Elijah responde. — Ou pelo
menos foi isso que me disseram.
Deve ser o show de vagalumes iminente me deixando
tonto, porque decido dizer isso. — Estava pensando em como
é estranho que eu costumava lamber o suor da sua nuca e
agora você tem que me perguntar se não tem problema em
dividir um banco comigo.
Está tão escuro que, quando olho de volta para ele, seus
olhos não são nada além de reluzentes e iluminados. Não
tenho ideia do que ele está pensando, mas uma vez - apenas
uma vez - vejo um músculo pulsar em sua mandíbula.
— Por que está sentado aqui? — Ele enfim pergunta,
sabiamente não abordando o que eu disse. — Não é hora de
dormir?
— Estou esperando por algo, mas você pode esperar
comigo, se quiser.
Seus sapatos se movem nas lajes sob o banco. Ele está
inquieto. Ou inseguro. — Tudo bem, — ele diz depois de um
minuto, e então nos sentamos.
Não está silencioso - o silêncio nunca é silencioso, afinal
- mas está mais tranquilo. Os Cavaleiros de Columbus se
foram, os outros irmãos estão na cama ou longe do
claustro. Até o lento choro da fonte está mais calmo, quase
adormecido.
E ao meu lado, posso ouvir o sussurro constante da
respiração de Elijah, o arrastar de seus sapatos nas pedras

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


enquanto ele tenta abafar o que quer que esteja sentindo
agora.
Será que o silêncio é difícil para ele? Costumava ser
quase impossível para mim.
O primeiro vagalume vem sem aviso, um lampejo suave
de algum lugar no meio das lavandas. Leva alguns minutos
para o próximo aparecer, e mais alguns para o próximo, mas
então as luzes ficam cada vez mais rápidas, até que somos
cercados por elas. Até que o próprio ar esteja coberto de
vislumbres suaves, até que pareça que o mundo está coberto
de estrelas.
É uma coisa tão simples - vagalumes no claustro. E, no
entanto, sempre me sinto honrado com isso. Com a magia
que Deus derrama sobre nós tão casualmente, por esses
doces momentos que são dados de graça.
Por quase uma hora, o ar está incandescente, brilhando
entre as flores e acima da água borbulhante da fonte. Por
quase uma hora ficamos sentados ali, sem nos tocar, sem
falar, mal nos movendo.
Mesmo assim minha pele se arrepia com a proximidade
dele. Meu coração acelera. Uma ereção frustrada empurra
inutilmente minha gaiola.
Estou tão ciente dele quanto estaria se estivesse
rastejando sobre ele na cama.
Lentamente, as luzes se apagam, os vagalumes
desaparecendo de volta na noite. Não sei o que espero quando
olho para o meu ex-namorado, mas ainda me sinto capturado
por isso. Capturado pelo brilho de seus olhos e sua boca

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


entreaberta. O temor gentil e vulnerável que permanece em
sua expressão quando ele se vira para encontrar o meu
olhar. Meu coração salta de novo e quase o toco, porque ele é
adorável e porque confiou em mim o suficiente para esperar e
porque também viu o que eu vi. A magia linda e divertida de
tudo isso.
Seus olhos não deixam os meus, e então algo muda em
seu rosto. É quase como... saudade. Ou talvez ele esteja
espelhando a minha expressão, que sei que deve trair
tudo. Que anseio, sonho, amo - que sou um jardim dele até
hoje.
— Aiden, — diz ele baixinho, e adoro ouvir meu nome
secular na voz dele, porque era o nome que pertencia a ele,
aos seus lábios e pensamentos e até mesmo aos seus dedos
quando estava me repreendendo ou flertando comigo por
mensagem de texto ou e-mail.
Não me dou conta de que me inclinei na direção dele até
que minha gaiola pressiona minha coxa. Eu paro, porque ele
também se inclinou para frente, e nós estamos a apenas
alguns centímetros de distância.
E se...?
Seus longos cílios tremulam sobre suas bochechas
enquanto ele pisca rápido, respirando lentamente. — Você...
— Ele murmura, e então fecha os olhos, e está se inclinando,
e eu estou me inclinando, e posso sentir sua respiração em
meus lábios...
Uma risada baixa quebra o silêncio do claustro, seguida
por outra, e então um barulhento shhhh!

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Eu e Elijah recuamos como fantoches puxados pelas
cordas, nossos olhos arregalados enquanto olhamos um para
o outro. Olho rapidamente para as passarelas cobertas para
ter certeza de que ninguém viu, e então expiro aliviado
quando vejo que ainda estamos sozinhos. A risada vem do
claustro logo adiante – acho que irmãos voltando da cerveja
antes de dormir- e eles ainda não nos alcançaram.
Meus ombros caem e passo uma mão trêmula no
rosto. Eu não estava prestes a beijar Elijah, com certeza não,
porque fiz votos de nunca mais beijar alguém, e se
quase beijei, então o que isso quer dizer?
O que isso quer dizer sobre os meus votos?
Sobre mim?
Não, não podíamos estar prestes a nos beijar. Estou
imaginando coisas tipo um colapso emocional e carente de
sexo, porque fiz um voto e Elijah está noivo e estava chateado
comigo hoje de qualquer maneira e nós estávamos apenas
nos inclinando para conversar.
Mas quando abaixo minha mão e olho para Elijah, a
expressão em seu rosto não me dá qualquer segurança.
Ele parece chocado pra caralho.
— Eu... — Não sei o que dizer e, de qualquer maneira,
minha voz sai estrangulada. — Acho que devo ir para a cama
agora. Vigílias e tudo.
— Certo, — Elijah diz engolindo em seco. — Vigílias.
— Boa noite, — sussurro, e então me levanto, e saio.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Mas não é alívio que sinto quando entro no prédio dos
dormitórios e encontro o caminho para a minha cela, é algo
muito, muito mais perigoso.
É desejo.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


17

DO CADERNO DE ELIJAH IVERSON


E se
E se ele
E se eu ainda

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


18

Acordo exausto e péssimo, úmido de suor e outros


fluidos. Faço uma oração silenciosa de agradecimento por
jogarmos todos os nossos lençóis no mesmo cesto toda
semana e então ninguém sabe de quem são as roupas de
cama. Por enquanto, os esfrego o melhor que posso e depois
me limpo para as Vigílias. Apesar de tudo o que saiu de mim
durante a noite, meu corpo está doendo por sexo de uma
maneira que não doía há anos, e me sinto quase febril com
isso. Todos os meus pensamentos são sobre coisas quentes,
escorregadias e duras, e estou tão cansado, e
está chovendo pra caralho, então quando corro para a igreja
ao toque do sino, fico todo molhado também.
Deve haver um salmo para tudo, mas não há salmo para
isso, não há provérbio. Talvez Jeremias, mas não estamos
lendo Jeremias agora, estamos em Josué, e não há nada nele
sobre estar com tesão e molhado. Até o rio é seco em Josué.
Na verdade, além de não haver salmos sobre isso, os
salmos que estamos lendo quase parecem zombar de mim
hoje. Guardarei os meus caminhos para não pecar com a
minha língua. E depois: gememos interiormente e aguardamos
a redenção de nossos corpos.
Os versículos têm o objetivo de me exortar à retidão, que
como monge inevitavelmente inclui a castidade. Mas agora só
consigo pensar nos pecados que quero cometer com minha
língua.
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
Eles são muitos.
Penso nisso durante as Vigílias e espero parecer apenas
cansado e não como um monge que quase beijou alguém na
noite passada, e então, após a lectio matinal, volto para as
laudes e vejo Elijah. Nossos olhos se encontram - uma vez,
rapidamente - e sinto isso como um raio. Mal consigo
respirar.
Mantenho meus olhos em meu breviário pelo resto da
oração, mal conseguindo murmurar e cantar junto com a
rapidez com que meus pensamentos estão correndo. Anda
sou o anfitrião dele, certo? Dificilmente conseguirei escapar
desse dever sem contar ao abade o que aconteceu, e não
vou... fazer isso.
Não porque estou sendo desonesto, é claro, mas porque,
para começar, não foi grande coisa. Mesmo
que estivéssemos prestes a nos beijar, foi só memória
muscular mais do que tudo, um hábito que nunca tinha sido
devidamente eliminado, só escapou. Nada a confessar.
Talvez Elijah não queira mais que eu seja seu anfitrião
de qualquer maneira. Ele estava zangado comigo, e daí houve
a coisa toda do beijo memória muscular, que mesmo que não
tivesse sido um beijo de verdade, provavelmente ainda ficou
mal por causa de todo o lance de estar noivo.
Portanto, tudo se resolverá. Ele não vai querer me ver e
eu vou lamber minhas feridas de tesão em paz até conseguir
me lançar à piedade do mosteiro mais severo que me terá. E
então, com um oceano entre nós, não haverá escolha a não

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


ser eliminá-lo do meu coração e finalmente me esvaziar de
tudo, menos de Deus.
Mas quando Elijah vem até mim depois do café da
manhã, ele não me informa rapidamente que vai ficar bem
sozinho, muito obrigado. Em vez disso, chuta um pé atrás do
outro e pergunta baixinho: — Podemos dar uma volta?
Olho para fora, onde a chuva ainda está caindo em
quantidades de construir uma arca.
— Hum, nas passarelas, — Elijah esclarece. — Apenas
por um momento.
— Claro, — digo, embora suspeite mais uma vez que
posso ser dispensado como seu anfitrião na abadia. O que
seria bom. A dor aguda em meu peito é irrelevante para o
quanto isso seria bom.
Conduzo Elijah pelo prédio de escritórios até a
extremidade norte do campus, onde a maior parte do
movimento da passarela leva à gráfica e, portanto, é bastante
reservado. Paramos na extremidade do claustro norte e Elijah
se vira para encarar o gramado verde lá dentro, suas mãos
grandes agarrando a pedra molhada do corrimão da
passarela. Ele olha para baixo, como se estivesse reunindo
força para algo, e me preparo para o impacto.
Mas o que ele diz é tão inesperado, que quase cambaleio
para trás de qualquer maneira.
— Me desculpe, — diz ele, levantando a cabeça para me
olhar. Uma sobrancelha levemente levantada, mas há um nó
acima da ponte de seu nariz também, como se eu fosse algum
tipo de quebra-cabeça que ele não consegue decifrar agora.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Está se desculpando? — Pergunto, e me ocorre que
eu que deveria estar me desculpando - eu o deixei anos atrás,
afinal, e fui igualmente culpado pelo momento de memória
muscular na noite passada e...
— Pelo que disse ontem à tarde no eremitério, —
esclarece. — Tenho alguns sentimentos complicados sobre
como esse tipo de vida se relaciona com nossas
responsabilidades no mundo, mas percebo agora que não os
separei dos meus sentimentos complicados em relação a
você. O que eu disse - do jeito que disse - eu queria que
machucasse. E me desculpe por isso. Você não merece. Não
de mim.
Eu solto uma risada curta - quase inaudível com o
tamborilar da chuva. — Acho que mereço muito mais do que
isso, Elijah. Especialmente de você.
Ele balança a cabeça. — Não quero que seja assim entre
nós.
Devo dizer que não existe entre nós e não existirá. Ele
tem mais alguns dias de pesquisa e depois irá embora e em
algum momento acabarei indo também, vestindo uma túnica
trapista branca em vez da minha beneditina preta, e
trabalhando ainda mais duro para ser um bom homem.
Em vez disso, pergunto em voz baixa: — Como você quer
que seja entre nós, Elijah?
Seus lábios se abrem, apenas um pouco, e seus olhos
escurecem. Por um momento, restam apenas a chuva e esse
olhar intenso. Existem apenas as lembranças de como
costumava ser.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Quente. Urgente. Sujo pra caralho.
E se...
De repente, ele se afasta da grade e dá alguns passos na
direção oposta. Porém, quando se vira, seu rosto está
composto.
— Jamie está vindo para a abadia hoje.
Devo ter ouvido errado. — Desculpe, o quê?
— Meu noivo, — diz Elijah, e agora há uma expressão
teimosa em sua boca. — Ele é um aficionado das pequenas
cervejarias e quando lhe contei sobre a cerveja daqui, ficou
muito animado, então o convidei para vir esta tarde e passar
um tempo na taproom. Ele sabe quem você é para mim, então
não é um segredo nem nada.
— Ah, — digo fracamente. Como passamos dele me
olhando daquele jeito para Jamie vindo aqui hoje? — Bem,
posso estar menos presente o quanto você quiser enquanto
ele estiver aqui.
— Não é preciso, — diz Elijah. — Estou perfeitamente
confortável com você por perto.
Certo. Porque não sou qualquer ex, sou um ex
monge. Eu deveria ser o ex mais seguro que já existiu. E com
certeza não estou engolindo pensamentos amargos agora com
a perspectiva de conhecer Jamie. Com certeza ainda não
estou formigando de ciúme.
— Avise-me quando ele chegar e terei o maior prazer em
fazer um tour pela cervejaria e sala de envasamento antes de
irmos para a taproom. — Consigo parecer quase normal
quando digo isso.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Agora é só administrar essa normalidade por horas e
horas enquanto Jamie e Elijah se dão as mãos e sorriem um
para o outro na minha frente.
Jó do Antigo Testamento foi menos testado.
Elijah me dá um aceno de cabeça. — Acho que vou
escrever até ele chegar, — diz ele. — Mas te vejo esta tarde.
Ele começa a se afastar e dou um passo à frente.
— Espere, — digo, e tenho que repetir, porque a chuva
abafa minhas palavras. — Espere.
Elijah para e se vira, a sobrancelha perfeitamente
arqueada.
— Estou feliz por você ter dito as coisas que disse, —
digo a ele. — No eremitério. Eu vou pensar nelas. De verdade.
Ele me estuda por mais um momento e então me dá um
aceno lento.
— Tudo bem, — diz ele baixinho. E demora muito tempo
depois que ele desaparece no prédio comercial para que eu
consiga me obrigar a segui-lo. Desde que eu não me mova,
não tenho que começar a viver o resto do meu dia.
O resto do meu dia que agora inclui Jamie.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


19

Elijah não disse nada sobre nosso quase beijo na


passarela, e não consigo decidir o que isso significa. Será que
não valia a pena falar sobre isso? Que ele se sente da mesma
maneira que eu e foi só hábito e memória muscular e nada
mais?
Deve ser.
Ignoro a decepção que retorce meu estômago com o
pensamento. De qualquer maneira, não faz diferença. Que
diferença faria se Elijah tivesse ficado afetado pelo nosso
quase beijo tanto quanto eu? Absolutamente
nenhuma. Nenhuma diferença. E tenho as túnicas de
poliéster para provar isso.
Já que estou sozinho pelo resto do dia, verifico os e-
mails e algumas questões financeiras e ajudo na
gráfica. Estou carregando uma caixa de convites de
ordenação para a mesa que usamos para postagem quando
vejo Elijah na porta. Suas mãos estão ao lado do corpo, e
parece que acabou de parar repentinamente. Ele me olha
como se nunca tivesse me visto antes.
Demoro um minuto para perceber o porquê - e então eu
coro. Como arrastar coisas pela gráfica costuma ser um
trabalho suado, troquei meu hábito por jeans e uma camiseta
velha. A camiseta é uma das poucas coisas que o abade me
permitiu ficar quando vim para cá, já que todos nós
precisamos de pelo menos uma ou duas mudas de roupas de
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
trabalho, mas meu corpo mudou tanto nos últimos quatro
anos que mal serve mais. Eu poderia muito bem estar sem
camiseta.
— Eu. Oi. — Elijah pisca e olha para o meu rosto. —
Jamie está quase chegando. Queria te avisar.
Solto a caixa e esfrego a nuca, percebendo que também
estou suado. Excelente. Como se Elijah realmente precisasse
de mais lembretes de que o rapaz urbano esbelto e super
bem-cuidado que ele costumava amar agora é um neandertal
piedoso.
— Obrigado, — digo. — Vou me limpar bem rápido e te
encontro perto do estacionamento, pode ser?
Elijah assente rapidamente e sai sem dizer outra
palavra. Com um suspiro, termino de imprimir a postagem
dos convites, coloco a caixa na prateleira de correspondência
de saída e vou para a minha cela. Para me preparar para
conhecer Jamie.
Eba!

O sol surgiu com força depois que a chuva parou, e


assim o estacionamento está uma fornalha de umidade típica
do Kansas enquanto eu e Elijah observamos Jamie se
aproximando em seu Jeep Rubicon. Há um suporte para
bicicletas montado sobre o pneu sobressalente na parte de
trás. Um suporte para duas bicicletas.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Elijah nunca falou a palavra bicicleta quando estávamos
namorando, e agora está noivo de um homem com um
suporte que pode acomodar duas bicicletas.
Jamie sai do jipe com um salto fácil e, em seguida,
caminha em nossa direção com um sorriso no rosto. Ele é
branco, com pele bronzeada e cabelos desgrenhados em todos
os tons de loiro imagináveis. Tem um sorriso amigável, óculos
e suas orelhas são um pouquinho de abano. Músculos
prontos para revistas incham sob sua camisa polo e bermuda
justas. Ele parece possuir um caiaque. Parece que ajuda
velhinhas a atravessar a rua.
Estou tentando muito não odiá-lo.
Ele cumprimenta Elijah com um beijo na bochecha e
Elijah lhe dá um sorriso lento e caloroso enquanto se
distancia. — Ei, — ele murmura para Jamie em voz baixa. —
Estava com saudades.
As células morrem, meu sangue afina. Seria mais fácil
sugar minha própria medula óssea com um canudo verde da
Starbucks do que ouvir essas três palavras ditas naquela voz
para outra pessoa.
Jamie sorri de volta para Elijah, com toda a bondade
dos escoteiros, e aperta a mão de seu noivo. Então se vira
para mim. — Você deve ser o irmão Patrick, — diz,
radiante. — É maravilhoso conhecê-lo. Obrigado por me
deixar vir.
Seria indelicado explicar que a hospitalidade tem sido o
estilo beneditino por um milênio e meio e que mal tenho
escolha em deixar os visitantes virem, então forço um

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


sorriso. — Estou feliz em tê-lo aqui. Seja bem-vindo ao Monte
Sergius.
Estendo a mão para cumprimentá-lo que tem tudo a ver
com acolher a Jamie e não para fazê-lo soltar a mão de
Elijah. E não fico nem um pouco irritado quando o aperto de
mão é firme e forte. Ou quando ele volta a segurar a mão de
seu noivo.
— Está tudo bem? — Jamie pergunta a Elijah em voz
baixa, olhando para suas mãos dadas. — Enquanto estamos
aqui?
Minha antipatia desaparece diante de uma realidade
que compartilhei com ele antes da vida monástica - que a
segurança depende do espaço, de quem está naquele espaço,
e mesmo que eu esteja usando as vestes do homem-deus que
escolheu as pessoas marginalizadas para compartilhar seu
coração, sei que seus espaços e crentes têm sido os menos
seguros de todos.
— Vocês estarão só comigo até chegarmos à taproom, —
asseguro-lhe. — E os irmãos que encontrarão lá são meus
amigos e eu... — Estou sem prática em como formular essas
coisas. — ...eu confio neles, — concluo.
Jamie acena com a cabeça, seus ombros musculosos
caindo um pouco em torno de suas orelhas.
— Podemos começar? — Pergunto, e então quando
Jamie e Elijah olham um para o outro - aquela comunicação
visual que os casais têm - deslizo meu olhar para a colina e
expiro uma oração silenciosa por força.
Vai ser uma longa noite.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Jamie é tão amigável quanto seu sorriso e seus óculos o
fazem parecer, e pelo menos duas vezes mais
saudável. Acontece que ele não dirige uma orquestra da
oitava série - ele é um bibliotecário que se concentra no
evangelismo sênior. Leciona na escola dominical em uma
igreja episcopal e janta com sua mãe e seu pai todas as
semanas. Seus hobbies são andar de bicicleta, cozinhar e
acampar, e o último livro que leu foi The Thursday Murder
Club, que ele terá o prazer de me enviar a qualquer hora!
Enquanto percorremos a visitação pela cervejaria e a
sala de envasamento, fico olhando para Elijah, sentindo como
se tivesse perdido algo crucial em todos os anos que estive
com ele. Nunca o vi acampando ou se preocupando em
cozinhar. Ele gostava de ficção experimental estranha, não de
mistérios aconchegantes; e no que diz respeito à vida
saudável, bem...
A vida saudável também era novidade.
Será que Elijah joga alguma coisa do tipo “e se” com
Jamie? Jamie, que é bom e sério e que bebe de sua garrafa de
água reutilizável durante o passeio como um adulto
responsável e provavelmente nunca se esquece de usar
protetor solar, mesmo no inverno? Será que alguma vez
Jamie prendeu Elijah contra um balcão de cozinha e deu
uma série de mordidas em torno de sua clavícula? Elijah

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


alguma vez lhe mandou sms durante o dia com instruções
para mais tarde naquela noite?
Não sei o que é pior: Elijah compartilhando esse tipo de
jogo com Jamie - ou eles fazendo sexo doce e baunilha com
muito contato visual e carinho e oito horas de sono depois.
Porque se estão fazendo sexo doce e baunilha, talvez
seja isso que Elijah realmente quis o tempo todo. Talvez eu
fosse uma semente selvagem para semear, ou pior - talvez eu
o corrompesse.
É um pensamento deprimente, e tento conseguir
conforto com o farfalhar do meu hábito em volta dos meus
pés enquanto os conduzo para a taproom. Pelo menos estou
aqui agora, onde não posso corromper ninguém, onde não
posso distrair as pessoas de encontrar noivos ao ar livre que
sabem a diferença entre bicarbonato de sódio e fermento em
pó.
Isso tem que valer para alguma coisa, certo?

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


20

— Certo, certo, — O irmão Titus disse a Jamie. — Agora


você tem que experimentar o Arcanjo.
— Qual é? — Jamie pergunta, olhando para a régua de
degustação na frente dele. Há outra vazia na ponta da mesa,
e vários copos vazios amontoados ao redor dele. Nós oito
nesta mesa estamos “acolhendo” Jamie nos últimos noventa
minutos e temos copos vazios para mostrar isso. Alguns dos
copos são meus por causa do jogo de bebida improvisado que
inventei, que se chama beba sempre que ver seu ex-namorado
com o noivo deixa-lo triste.
— O Arcanjo é a nossa Tripel, — responde o irmão
Amos.
— Chamamos assim porque pode até dar cabo do diabo,
— o irmão Thomas interrompe.
Jamie consulta o papel que está preso sob a régua de
madeira que apoia seus copos de degustação e, em seguida,
encontra a Tripel e a segura contra o sol poente. Já passou
da hora do jantar e da oração e, com a permissão do abade,
mantivemos o jardim da cerveja aberto para nosso convidado
após as Completas. As luzes penduradas acima do jardim
estão acesas agora, e não vai demorar muito até que sejam
apenas elas e as estrelas brilhando em nossos copos no
escuro.
A mesa aplaude quando Jamie bebe e depois nos dá um
sorriso com o rosto rosado. — É muito boa, — declara, e a
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
mesa volta a aplaudir. Eu também aplaudo - tentando ser
bom, tentando estar feliz por Elijah ter encontrado um
homem legal que faz pão e ajuda os idosos a encontrar novos
mistérios do tricô para ler.
Acho que nunca cozinhei para Elijah. Por que fazer pão
quando você pode persuadir seu amante a uma viagem
espontânea a Paris para comer doces à beira do Sena? Por
que se curvar sobre um fogão quente quando você pode se
curvar para o seu namorado gostoso em vez disso?
Jamie não sabe que vendem pão na padaria???
— Quer saber, — diz Jamie, virando seu sorriso bêbado
para Elijah, que lhe dá um sorriso de boca fechada, — isso é
muito diferente do que eu achava que seria.
— Como você achava que seria? — Irmão Crispin
pergunta.
— Não sei, — admite Jamie. — Acho que mais monjal.
— Somos muito monjais, — diz o irmão Titus. — Você
precisa conhecer mais monges, só isso.
— Agora ele nos conhece, — o irmão Thomas o
repreende e depois volta a olhar para Jamie. — Pode
perguntar qualquer coisa. Como seus novos melhores amigos
monges, vamos familiarizá-los com todas as coisas
monásticas.
Jamie ri, mas Elijah bate em seu ombro, o canto da
boca se inclina para cima. — Isso vai me ajudar na minha
pesquisa, sabe, — diz ele.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Oh, sim, — o irmão Titus concorda. — Você deveria
ajudá-lo com a pesquisa. Vamos, pergunte-nos qualquer
coisa! Se sentimos falta de comida chinesa e pizza...
— Se sentimos falta de Netflix...
— E jogos do Chiefs...
— Se usamos cuecas debaixo das túnicas...
— Porque o irmão Patrick não nos mostra a tatuagem
dele...
Eu me engasgo com a cerveja que estou bebendo,
tossindo enquanto balanço minha cabeça violentamente. —
Não. Shh. Pare.
Elijah levanta uma sobrancelha para mim do outro lado
da mesa, seus olhos brilhando com malícia. — Você não
mostrou a esses senhores a obra-prima que é a sua
tatuagem?
— É isso o que quero dizer! — Irmão Titus irrompe. — O
mistério é muito grande para aguentar!
— É algo que aconteceu na minha vida do qual não
sinto orgulho, — tento explicar, e então Jamie - o gentil
Jamie de rosto rosado - diz três palavras que eu esperava
literalmente que nunca mais ouviria.
— Ohhh, — ele diz, seus olhos redondos. — Isso é sobre
Aiden Flamin' Hot?
Eu deixo cair meu rosto em minhas mãos, curvando
meus ombros em profunda miséria corporal.
— Me desculpe, — Jamie sussurra, e ele parece mesmo
arrependido, o doce idiota. — Sean te chamou assim uma vez
em um jantar de família...

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Eu gemo. Fodido Sean. Claro que seria ele.
— Certo, bem, agora eu preciso saber, — o irmão
Crispin pergunta da ponta da mesa. — O que é Aiden Flamin'
Hot?
— A melhor pergunta seria quem? — Elijah
responde. Olho para ele por cima de minhas mãos. Ele sorri
maldosamente de volta.
— Aiden Flamin' Hot não é ninguém, — digo, um pouco
desesperado. — Ele está morto. Ele morreu na Rockhurst
High School.
— Não, ele não morreu, — Elijah corrige. — Porque
acredito que você fez a tatuagem no seu primeiro ano
de faculdade.
— Ah, então estamos de volta à tatuagem! — O irmão
Thomas grita.
— Olha, — eu digo, tentando uma última vez evitar
isso. — Não é realmente uma história apropriada para
a abadia...
Isso foi absolutamente a coisa errada a se dizer. Todos
se animam em uníssono, como suricatos na savana, só que,
em vez de farejar um fotógrafo da Nat Geo, farejam uma
história interessante, que todos os monges adoram.
— Histórias não apropriadas para a abadia são as
nossas favoritas, não são, irmão Titus? — Irmão Thomas diz.
— É verdade, irmão Thomas, — concorda o irmão Titus.
— Não, — eu digo. — Não são - o abade me mataria.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


O irmão Amos ri. — O abade quer saber sobre sua
tatuagem misteriosa tanto quanto o resto de nós. Vamos lá,
você sabe que vai acabar nos contando.
— Ele está certo, — Elijah me diz. — Você também pode
ter dignidade na derrota.
É um erro olhar e ver o sorriso curvando os cantos de
sua boca. As coisas que fiz para ver esse sorriso...
Sinto o antigo eu surgir um pouco. O eu impulsivo. O
cara divertido que fazia todo mundo rir com suas desventuras
imprudentes e ridículas.
— Bem, eu... tudo bem. Tudo bem. Vou mostrar a
tatuagem. Mas primeiro quero que todos saibam que não
estou orgulhoso de nada disso, da tatuagem ou de ser Aiden
Flamin' Hot.
— Mas quem é Aiden Flamin' Hot? — Irmão Titus
pergunta. — Precisamos conhecer essa pessoa para entender
a história. Precisamos de contexto.
Contexto. Oh, Deus.
Eu pego meu copo e tomo alguns goles rápidos para me
fortalecer.
— No colégio, — começo, já me arrependendo de tudo
sobre essa noite inteira e talvez da minha vida inteira, —
gostava de três coisas. Meninas, esportes e Cheetos sabor
Flamin' Hot.
O irmão Titus se inclina para frente, apoiando o queixo
nas mãos e me olhando com olhos gigantes. — Vá em frente,
— ele insiste.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— E os esportes deixavam mais fácil conhecer garotas,
especialmente de Sion.
— O que é Sion? — Jamie pergunta.
— Sion é uma das escolas irmãs de Rockhurst, meu
doce episcopal, — Elijah responde, seus olhos fixos em
mim. — Uma escola companheira só para meninas da escola
só para meninos.
Jamie acena com a cabeça e aperta a mão de Elijah
afetuosamente. Uma parte minha quer tornar esta história a
mais boba e podre possível, só para contrariar toda a sua
bondade saudável e equilibrada. A outra parte quer pular nos
arbustos à beira do jardim da cerveja e ficar lá até que vire
um esqueleto e ninguém espere que eu conte minhas
histórias mais embaraçosas na frente do noivo do meu ex.
Mas é muito tarde. Já dei muito a eles. A mesa está
praticamente salivando de interesse agora.
— De qualquer forma, — prossigo, — Depois de cada
jogo de futebol, eu comia um pacote de Cheetos Flamin'
Hot. Era coisa minha. Meu lugar feliz. Mas havia uma festa
depois do jogo e havia uma garota lá, Chelsie Lynch. Eu
poderia dizer que as coisas iriam acabar bem no começo
daquela noite, só que...
— Seus Cheetos, — o irmão Titus percebe.
— Exatamente, — respondo. Com seriedade. — Eu
ainda não tinha comido meu Cheetos Flamin' Hot. Era
tradição. Uma superstição até. E se não os comesse depois
desse jogo e nunca mais ganhasse? Além disso, eu estava
com fome.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


O irmão Denis interrompe, seu sotaque inglês tornando
suas palavras secas ainda mais secas. — E não tinha balas
de hortelã por lá? Antes do beijo?
Elijah começa a rir. Silenciosa, mas
incontrolavelmente. — Oh, isso... — ele perde o ar. — ...isso é
muito pior do que beijar.
Volto a olhar para ele.
— O que pode ser pior do que beijar alguém depois de
comer Cheetos Flamin' Hot? — Irmão Thomas
pergunta. Muito inocentemente, na minha opinião.
Olho para ele também. — Só quero lembrar a todos que
se eu tivesse a maturidade hoje, não teria feito tanta merda.
— Principalmente quando estava chapado, — brinca
Elijah.
— Eu não estava... — Eu bufo. — Não tinha nada de
droga ou álcool envolvido nisso. Só os hormônios e um amor
genuíno pela crocância picante do Cheetos Flamin' Hot.
— E daí, o que aconteceu? — Irmão Denis
pergunta. Todo mundo está inclinado para a frente agora,
totalmente extasiado, até mesmo Jamie. Doce Jamie de
óculos, que provavelmente nunca comeu um Cheetos na
vida. Devia comer só barrinhas de granola no colégio, aquelas
quebradiças, e gostava mesmo do sabor que tinham e nunca
ficava com os farelos presos na virilha e nunca se esquecia de
jogar fora as embalagens quando estava perto de uma lata de
lixo ao invés de enfiá-las dentro a mochila de seu melhor
amigo.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


E agora ele é um bibliotecário-professor de escola
dominical que faz do mundo um lugar melhor, e eu sou um
ex-milionário que usa poliéster e chora quando corta
madeira.
— Chelsie subiu no meu colo enquanto eu estava
terminando meu tradicional saco picante da vitória, — eu
continuo, minha voz sombria agora. — Ela parecia não se
importar com beijos sabor Flamin' Hot. E eu meio que esqueci
tudo sobre os Cheetos naquele momento, porque estava com
Chelsie Lynch no meu colo, e o beijo foi excelente, e então
ela... — Eu coro, tão ciente de Jamie e de sua vida saudável
que eu poderia morrer. — Empurrou minha mão para baixo
da saia dela. — E então, como as pessoas na mesa de
piquenique não estão reagindo - além de Elijah, que está
tremendo de rir silenciosamente de novo -, acrescento: —
Minha mão suja de Cheetos.
Silêncio horrorizado reina no jardim da cerveja.
Até explodir em gargalhadas. O irmão Thomas desabou
de lado no irmão Titus, os cílios molhados de chorar de rir. —
E aí você... você...?
— Sim, — eu confirmo, exausto. — Eu a conheci no
sentido bíblico com minha mão de Cheetos Flamin' Hot.
Todo mundo está gritando agora, até mesmo Jamie, que
está rindo, mas também parece preocupado com Chelsie
Lynch.
(Ela está bem, aliás. Depois que tentei tocá-la com os
dedos de Flamin, ela me deu um tapa na cara e correu para o
banheiro com sua melhor amiga, e voltou vinte minutos

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


depois claramente furiosa, mas pelo menos não mais com
desconforto relacionado a Cheetos. Ela está casada com um
dentista. Eles têm noventa e sete bebês
católicos. Frequentam a igreja de Sean e Zenny, onde o
melhor amigo de Tyler, Jordan Brady, é o padre.)
— Então ela contou a todos que eu era um babaca e foi
assim que ganhei o apelido de Aiden Flamin' Hot. E acho que
me deixei levar um pouco por isso.
— Um pouco? — Elijah pergunta. — Você personalizou a
placa do seu carro com FLMNHOT.
— Só enquanto eu estava na faculdade!
— E encomendou camisetas com o rosto estampado do
Chester Cheetah e deu a todos os seus amigos.
— Todo mundo gosta de uma camiseta grátis!
— E depois teve a tatuagem, — Elijah aponta, e eu
suspiro, derrotado.
Porque sim. Depois, teve a tatuagem.
A mesa ainda está rindo quando me levanto e afasto
meu escapulário para o lado para abrir o zíper do meu
hábito, que vai do pescoço à barriga. Espaço suficiente para
eu soltar um braço e - já que estou só de cueca debaixo do
hábito - mostrar à mesa meu ombro nu. Mostrar à mesa
minha vergonha.
— É medonha! — O irmão Thomas diz com alegria ao se
levantar para ver melhor.
— Maldição, — diz o irmão Titus.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Irmão Patrick, — o irmão Denis diz
cuidadosamente. — É a pomba do Espírito Santo no seu
ombro?
— E ela está carregando um Cheetos Flamin' Hot no
bico? — Irmão Amos pergunta. Todos os demais se juntam ao
irmão Thomas para ver melhor - todos, menos Elijah, que já a
tinha visto. Mas pouco antes de Jamie se inclinar mais perto
e bloqueá-lo da minha visão, noto que os olhos de Elijah não
estão na minha tatuagem, mas nas partes expostas do meu
corpo. Meu peito levemente peludo. Meus ombros e braços
cortadores de madeira.
Não consigo decifrar sua expressão a tempo antes que
ele seja bloqueado de vista. Curiosidade?
Indiferença?
E então percebo o que ele está olhando.
A chave no meu pescoço. A chave que ele deve
reconhecer como pertencente à minha gaiola. Limpo minha
garganta e tento enfiá-la sob a gola do escapulário. Talvez ele
não a reconheça. Talvez tenha esquecido que costumávamos
brincar com a castidade.
— É mesmo espetacular, — diz o irmão Crispin com
ironia. — Não consigo entender por que você não a exibe com
mais frequência.
— Alguém poderia transformá-la em um vitral da janela,
— o irmão Denis sugere. — A iconografia é muito
impressionante.
Por ser masoquista, olho para Jamie, já preparado para
sua superioridade e diversão. Mas não encontro nada – nem

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


superioridade, nem diversão. Em vez disso, ele está me
olhando com algo parecido com compreensão... e
pena. Provavelmente, todas as coisas que ele ouviu sobre
mim aos poucos estão começando a fazer sentido. Aqui está
Aiden Bell, o imbecil, um imbecil tão famoso que só um
mosteiro poderia consertá-lo.
Sinto-me de novo estúpido, parado ali com o ar quente
de verão beijando meu ombro, expondo a todos a tatuagem
da qual me arrependo, a história idiota de Aiden Flamin' Hot
ainda fazendo todos explodirem em risadas. Meus irmãos
estão me olhando como se nunca tivessem me visto antes - o
que não deixa de ser verdade, já que tenho me esforçado
muito para mudar quem eu sou desde que cheguei aqui - e
Elijah me olha com aquele olhar inescrutável, e Jamie me
olha com tristeza, seus olhos suaves atrás dos óculos e sua
mão livre brincando com seu Apple Watch, que
provavelmente já registrou dez mil passos hoje.
Volto a vestir meu hábito e fecho o zíper, alisando meu
escapulário na frente antes de me sentar no banco e colocar
minha cabeça em minhas mãos. Não posso acreditar que
acabei de contar a história do Flamin' Hot para Jamie, entre
todas as pessoas.
Fecho meus olhos contra as palmas das mãos e rezo
para que alguém me traga outra cerveja. De preferência
Arcanjo.
— Então, — Jamie diz enquanto todos se acomodam em
seus bancos, — eu tenho uma pergunta, na verdade. Como
alguém se torna um monge?

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Reconheço imediatamente que ele está tentando ser
educado e prestativo e mudar a conversa para algo menos
embaraçoso para mim. Mal sabe ele.
— Bem, se você é o irmão Patrick, — diz o irmão Amos,
sorrindo por trás da barba, — é só entrar pela loja de
presentes.
Todos os irmãos riem; esta é a eterna favorita. É o “Free
Bird”20 das histórias do Monte Sergius. Normalmente não me
importo que seja a favorita porque é engraçada, mas agora
com Jamie e Elijah aqui - Elijah, que ainda sabe tão pouco
sobre porque e como cheguei à abadia - parece uma agonia
esperando para acontecer.
Elijah se endireita. — Desculpe, você disse entrar pela
loja de presentes?
— Ah, sim, — diz o irmão Crispin. — Certa manhã, logo
após a abertura da loja de presentes, o irmão Patrick entrou
cambaleando.
— De pijama, — acrescenta o irmão Amos.
— Foi direto ao balcão onde guardamos nossa caixa
registradora e me disse...
— “Quero me tornar um monge, por favor”, — irmão
Amos termina por ele.
Os irmãos Thomas e Titus já estão tendo um colapso.
— Acho que vou buscar mais cerveja para todos, — digo,
me levantando. Não preciso ficar olhando os rostos de Jamie
e Elijah enquanto eles ouvem outra história de Aiden Bell, o
homem ridículo.
20 Referência à canção Free Bird, da banda Lynyrd Skynyrd, uma das mais executadas

nas rádios americanas.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Ah, que é isso, irmão Patrick, — diz o irmão
Crispin. — Fique e conte você mesmo!
Eu aceno com a mão. — Vocês contam isso melhor do
que eu, de qualquer maneira, — digo com um sorriso. — Já
volto.
Eu o ouço recomeçar a contar a história enquanto entro
na taproom e começo a preparar uma rodada de Raphael -
nossa Farmhouse Saison - e coloco os copos tulipa em uma
bandeja. E então, quando termino, coloco minhas mãos
contra o balcão por um momento e fecho os olhos. Eu sabia
naquele dia que estava sendo muito Aiden. Sabia que
aparecer de pijama e pedir a um funcionário de uma loja de
presentes onde eu poderia me inscrever na Escola de Monges
não era menos impulsivo ou ultrajante do que qualquer outra
coisa que tinha feito na minha vida frívola.
Mas foi diferente de uma maneira importante. Porque
depois de anos e anos fugindo dos pensamentos rastejantes e
sussurros em minha cabeça, eu não estava correndo atrás de
sexo ou álcool ou dinheiro para abafar os sussurros. Estava
buscando um lugar seguro para enfrentá-los de uma vez por
todas - mesmo que não entendesse o que estava fazendo na
época.
E se eu precisava de mais alguma prova de que Deus
existe, estava bem ali no que aconteceu naquela manhã
úmida e desesperadora. Porque quando um confuso irmão
Crispin foi buscar o padre Harry, o irmão Connor apareceu
por acaso. E em vez de parecer surpreso porque um adulto de
pijama estava tentando se tornar um monge no caixa da loja

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


de presentes, ele acenou com a cabeça para si mesmo, como
se estivesse me esperando.
— Quer um pouco de café? — Ele perguntou
gentilmente, e depois de deixar um bilhete para o irmão
Crispin, me levou ao claustro sul e me serviu café da
manhã. Conversamos - ele fazendo perguntas delicadas e
compassivas, eu tão trêmulo quanto alguém que acabara de
escapar de um prédio em chamas - e depois me levou direto
ao abade. Na época, nem tinha ideia de como isso era
incomum, de quantas etapas eu estava pulando. Eu não
tinha ideia de nada. A última vez que fui a uma missa que
não fosse casamento ou batizado, foi no funeral da minha
irmã, e isso tinha sido tão sombrio e estranho e horrível que
nunca tive energia para voltar para algo que não era um
evento feliz.
Portanto, quando o abade me cumprimentou de forma
acolhedora e me levou para dar um passeio pelo terreno,
presumi que fosse assim. Presumi que ele me entregaria
algumas vestes e um rosário e depois me dar um tapinha na
bunda, como os treinadores de basquete fazem com os
jogadores antes de entrarem em campo. Presumi que estava
dentro e tudo que me restava fazer era lhe dar as chaves da
minha caminhonete e descobrir se eu precisava aprender
latim ou algo assim.
Mas quando chegamos ao cemitério, e ao velho carvalho
que eu viria a conhecer como a árvore do irmão Connor, o
abade parou e, em vez de me dar um aperto de mão de você
está contratado, virou-se e olhou para a colina, que tinha o

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


cume acima da abadia em uma extensão de rocha e grama
alta e seca.
— Eu amo essa colina, — disse ele. — Adoro observar as
sombras das nuvens se movendo sobre sua face. Adoro como
quebra o vento no inverno, como se tentasse me
abraçar. Adoro acordar com ela todas as manhãs, como uma
velha amiga.
Foi a colina que me trouxe até ali, na verdade, que ele já
sabia pelo que contei em nossa caminhada. Mas vendo-a
assim, alta, amigável e forte – uma fortaleza nada além de
vento e grama - eu podia sentir as palavras que me trouxeram
aqui. Podia senti-las se movendo sobre meu corpo como as
sombras das nuvens que o abade acabara de descrever.
Levanto meus olhos para as colinas.
— Mas descobri que, embora essa colina fosse um
convite aos irmãos que se mudaram para cá no final do
século XIX - um convite para abrigo no inverno e sombra no
verão - os irmãos ainda tinham que construir a abadia
sozinhos, entende? Ainda tinham que construir as bases de
sua nova vida. Esse lugar poderia ajudar, mas não poderia se
tornar outra coisa senão o que era. Não poderia fazer o
trabalho por eles. — Ele fez uma pausa então. — Você
entende o que estou dizendo?
Mais ou menos. O suficiente para sentir a esperança
escorregando debaixo de mim como um tapete. O suficiente
para que o perigo da mancha de óleo voltasse a se acumular
aos meus pés. — Eu não posso ficar aqui, — falei, sem graça.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Ele voltou seus olhos para mim então. — Você pode, —
ele disse suavemente. — Mas não esta noite. Ainda não. Você
se sente mesmo sendo chamado para esta vida, Aiden?
Eu assenti. Era estranho, até absurdo, mas aquele
chamado era a única razão pela qual eu estava vivo e
respirando para essa conversa. Foi a única coisa que senti
em anos mais forte do que o veneno que nadou em minha
mente e agarrou meus pensamentos.
— Então podemos começar hoje. Parte da vida em uma
abadia é obediência. Obediência a Deus e obediência ao seu
superior, que seria eu. — O abade tirou a mão do bolso do
hábito. Segurava um cartão de visita. — Sua primeira tarefa é
sair daqui e ir direto para este consultório, por favor. Depois
de ir lá e fazer o que ela pedir, pode voltar. Isso pode ser
amanhã, pode demorar uma semana a partir de agora, mas
de qualquer forma, a porta estará completamente aberta
quando você voltar. E então começaremos.
Peguei o cartão. Rosie Campolo, Psicóloga.
— Uma psicóloga? — Perguntei.
O abade tocou meu ombro. — A abadia ajudará a
abrigá-lo, Aiden, mas você deve construir as fundações
sozinho. Deve estar pronto para começar.
Sei agora que Deus estava comigo naquele dia. Ele me
enviou o irmão Connor e não o padre Harry. Ele fez com que
eu recebesse o cartão da Dra. Rosie, então falei com a Dra.
Rosie naquele dia. E quando voltei cinco dias depois, após
um período de internação de três dias e com uma lista de
coisas que precisaria fazer para encerrar minha vida secular,

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


o abade me recebeu com um sorriso caloroso e braços
abertos.
Devo minha vida, no sentido mais literal, a ele, à Dra.
Rosie e a esta abadia.
Devo minha vida a Deus.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


21

Levo a bandeja para fora na hora certa. Posso ver que a


história acabou porque Jamie está fazendo outra pergunta
educada, que é como pessoas normais, não-Aiden, se tornam
monges, e o irmão Denis está respondendo.
Deposito os copos na mesa para todos e me sento no
banco enquanto o irmão Amos declara, com grande e amarga
afeição: — Mas estamos felizes por você ter vindo à loja de
presentes naquele dia, irmão Patrick. Quem mais carregaria
todas as nossas coisas pesadas?
— E quem mais teria iniciado a Lectio Lexapro? — Irmão
Titus pergunta, e os outros irmãos concordam, levantando
seus copos para mim.
— Lectio Lexapro? — Jamie pergunta. — O que é isso?
Olho para a minha cerveja, deixando outra pessoa
assumir a liderança e explicar. É estranho falar sobre meu
pequeno grupo de amigos para alguém que faz coisas
importantes de verdade. Tudo o que fiz foi encontrar os
outros irmãos que viviam com uma química cerebral
complicada e sugerir que nos reuníssemos de vez em quando.
— O irmão Patrick começou como uma espécie de grupo
de estudo da Bíblia, — explica o irmão Denis. — Lectio divina
é a contemplação individual das escrituras, mas alguns
monges também praticam a lectio comunitária. E assim a
Lectio Lexapro começou como uma forma de estudar as
escrituras juntos e em uma conversa com nossas
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
experiências de distúrbios mentais, mas acabou se tornando
mais do que isso. É a nossa hora de falar sobre todos os tipos
de coisas.
— A vida monástica com um distúrbio mental é
diferente, — diz o irmão Titus. — E muitos monges mais
velhos são muito resistentes à ideia de que Deus pode usar
coisas como terapia e remédios para a cabeça, tanto quanto
pode usar a oração e a contemplação para ajudar.
— E então todos na Lectio Lexapro tiveram algum
distúrbio mental? — Elijah pergunta, e sinto seus olhos
deslizarem para mim.
Mantenho meu olhar na minha cerveja, com medo de
olhar para ele. Com medo de que ele veja... não sei o
quê. Com medo de que ele me veja, talvez. Com medo de que
veja a verdade daquela noite e o motivo pelo qual parti.
— Todos, — o irmão Amos confirma. — Quer dizer,
recebemos qualquer pessoa que queira se juntar. Mas esse é
o nosso foco. O irmão Patrick disse, quando nos reuniu pela
primeira vez, que a Bíblia nos diz para levantar os olhos para
as colinas, mas que devemos levantar os olhos uns para os
outros primeiro. E essa tem sido nossa visão norteadora
desde então.
— Acho isso maravilhoso, — diz Jamie.
Claro que acha.
— Certo, é a minha vez de fazer perguntas, — diz o
irmão Thomas a Jamie. — Tome um gole e depois me diga a
coisa mais nojenta que já aconteceu com você como
bibliotecário.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


A mesa ri, e o assunto muda para Jamie, que é gracioso
e gentilmente engraçado enquanto conta algumas boas
histórias da biblioteca pública para nós. A mesa está inteira
envolvida, sorrindo e rindo e bebendo com ele, todos os olhos
no doce confeiteiro com as orelhas de abano e nariz de botão.
Todos os olhos, menos os de seu noivo.
Olho para cima para encontrar Elijah me observando
com olhos entrecerrados, seus dedos traçando círculos
agitados em seu copo tulipa. Está me olhando como se nunca
tivesse me visto antes, como se eu fosse um completo
estranho para ele.
Quase posso ver a pergunta nos olhos dele, brilhando
sob as luzes do jardim da cerveja.
O que você não me contou?
O sol desaparece completamente; os vagalumes
saem. Ao longe, novos relâmpagos cintilam no horizonte,
anunciando a próxima tempestade de verão que cairá sobre
nosso trecho de pradaria. Terminamos essa rodada de
cervejas e o irmão Crispin sugere um último gole de nossa
cerveja escura para encerrar a noite, e eu, com gratidão,
aproveito a oportunidade para buscar para todos - e depois
limpar a mesa e começar a lavar os copos. Talvez, se
demorar, Jamie já terá ido embora quando eu terminar...
Mas não. Quando volto para pegar a última rodada de
copos, todos ainda estão presentes. Meu coração se eleva por
um momento quando vejo que não estão mais sentados, mas
imediatamente afunda quando percebo que mal começaram a

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


se despedir, o que significa que Jamie ficará aqui por mais 45
minutos.
De qualquer forma, sei que a coisa certa a fazer é me
despedir e desejar uma boa viagem a ele, então respiro fundo
e me aproximo do grupo, fazendo a coisa mais próxima de um
sorriso que consigo.
— Irmão Patrick, — diz Jamie de forma cordial, — muito
obrigado por me receber. Elijah sabe que amo cerveja e eu
tinha que ver o que o cativou tanto para trazê-lo a um
mosteiro por uma semana inteira.
Ele está apertando minha mão ao dizer isso, e não há
nada em seu cumprimento ou em sua voz que indique algo
mais profundo em suas palavras. Ele parece o tipo que está
acima do ciúme, que é ótimo em comunicação, que é cheio de
confiança e fidelidade recíproca. Mas quando solta minha
mão e recua um passo, há algo na maneira como seu olhar
volta para Elijah e depois para mim...
E então, quando as despedidas inevitavelmente evoluem
para mais conversa, pego Jamie me encarando de novo. A
princípio acho que devo estar imaginando - que minha
percepção aguçada dele como o homem que tem o coração de
Elijah está me deixando alerta para coisas sociais muito
normais - mas nos próximos quinze minutos, torna-se tão
óbvio que até Elijah parece notar, seu olhar passando rápido
entre mim e Jamie, as sobrancelhas unidas.
Quando decido me apressar e murmurar minha
despedida de forma educada e me afastar, meus olhos
encontram os de Jamie. E embora seus olhos cinzentos não

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


sejam rudes ou ciumentos, há algo de escrutinador neles,
como se estivesse me examinando de forma
embaraçosa. Como se estivesse tentando ver algo invisível por
baixo das minhas roupas, pele e ossos.
Não é divertido sentir esse olhar fixo em mim. Faz-me
sentir muito consciente de que sou um vilão desalinhado em
túnicas de poliéster com uma tatuagem lamentável no meu
ombro e um apelido ainda mais lamentável. Isso me deixa
bem ciente de que fui o idiota que fez Elijah sofrer e que
Jamie é o bom cidadão que está consertando isso.
Escapei resmungando algo sobre copos e, em seguida,
pego todos da mesa de piquenique, deixando os outros
terminar sua lenta despedida a Jamie enquanto os lavo.
E é enquanto estou lavando, minhas mangas dobradas
até os cotovelos e meus antebraços molhados de espuma de
sabão, que lembro que já vi aquele olhar antes, o olhar que
Jamie estava me dando lá fora.
É o mesmo olhar que Elijah deu a Jesus na cruz depois
de sua primeira Completas aqui. Jamie olhou para mim como
se precisasse ter certeza de que eu ficaria exatamente onde
tinha sido colocado.

Não vou para o dormitório depois de lavar a louça. Sei


que vou pagar por isso amanhã - e pelo último copo de
cerveja também - mas a ideia de ir para a cama agora me

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


deixa visceralmente infeliz. Depois de ver Jamie e Elijah de
mãos dadas, roçando os ombros e acariciando um ao outro
enquanto se sentavam no banco de piquenique em frente a
mim...
Não. O último lugar que quero estar é no meu colchão
estreito e duro, sozinho, sozinho, sozinho. Sei que o
isolamento é a ideia, a solidão é o objetivo, e sei que a
verdadeira solidão - essa profunda falta de afeto, toque e
amor na alma - deve ser amenizada por Deus e os outros
monges. Por amizade e por devoção.
Mas às vezes, estou tão solitário que poderia gritar. E
esta noite vi como Elijah não está tão solitário.
Limpo o balcão da taproom, enxáguo todas as torneiras
e pingadeiras e, em seguida, certifico-me de que as torneiras
e pingadeiras estejam tampadas. Esfrego atrás do balcão e
levo o lixo para fora. Apago as luzes, tranco a porta e decido
pegar o caminho mais longo de volta aos dormitórios, o
caminho que contorna a base da colina. Os vagalumes
sumiram e apenas algumas luzes estão acesas - duas no
estacionamento e uma na porta do dormitório. O resto do
mundo são estrelas e sombras e relâmpagos inquietos longe
ao oeste.
É porque o estacionamento está iluminado que os
vejo. Elijah e Jamie, sozinhos no terreno agora deserto, se
despedindo em particular. Jamie está apoiado em seu jipe,
com as mãos nos ombros de Elijah como se eles fossem
alunos do ensino médio fazendo sua primeira dança lenta, e
definitivamente há espaço para o Espírito Santo entre

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


eles. Mas então Elijah se inclina para frente, seu corpo
arqueando cuidadosamente em direção ao de seu noivo, e
eles se beijam. Devagar e docemente. Como
namorados. Elijah segura o rosto de Jamie, e é quando
abaixo minha cabeça e começo a andar o mais rápido que
posso para o dormitório para não ter que ver mais
nada. Assim, não serei tentado a assistir mais.
Não é para mim.
Elijah não é para mim.
Minha cama é tão dura e estreita quanto eu sabia que
seria, e embora o dormitório tecnicamente tenha ar-
condicionado, nós o desligamos à noite para economizar
energia. Quer dizer que, mesmo com a janela aberta, está
quente e úmido, e estou com calor e suado, embora não
tenha vestido o pijama esta noite e não esteja usando nada
além da minha gaiola.
Estou deitado no escuro, olhando para o teto, quando
ouço a chave de Elijah e a porta abrindo e fechando
silenciosamente. Só se passaram trinta minutos, talvez, mas
minha imaginação ainda corre solta com o que ele e Jamie
estavam fazendo. Trinta minutos é tempo suficiente para
muitas coisas, se você acreditar em si mesmo. E embora o
estacionamento de uma abadia beneditina não seja o local
mais provável para um encontro, não teria sido um obstáculo
para mim e Elijah naquela época. Teríamos rastejado para
dentro do jipe como adolescentes e feito dar certo.
A água corre no quarto de Elijah e então os movimentos,
o zíper de uma mala, o barulho de sua cama. Sem digitar esta

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


noite, suponho, o que me deixa um pouco triste. Dormir ao
som dele digitando se tornou uma das minhas novas coisas
favoritas.
Depois de alguns minutos, porém, o lado dele da parede
fica em silêncio, e, de novo, sou apenas eu. Só eu neste
quarto quente demais, totalmente sozinho, ouvindo pela
janela aberta o estrondo distante de um trovão a quilômetros
e quilômetros de distância. O sono se recusa a vir, e não me
rebaixo por isso, tentando truques e jogos. Só espero que o
sono chegue, como o idiota teimoso que sou, então estou
acordado quando ouço.
Algo que não é trovão, não é o farfalhar das árvores lá
fora. Algo quase rítmico. Sem pressa e uniforme.
Tão fraco que só tenho certeza do que pode ser quando
escuto um gemido baixo, quase imperceptível, tão baixo que
quase parece que imaginei.
Mas sei que não imaginei.
Sento-me devagar - para não fazer barulho - e escuto de
novo. O esfregar de pele contra pele, respirações curtas e
fortes que vêm com isso.
Elijah está se masturbando. Do outro lado da parede,
ele está se masturbando e posso ouvi-lo.
Meu órgão está inchado há algum tempo, mas acabou
de chegar ao ponto em que a gaiola me belisca, e por instinto
me esfrego enquanto me levanto, acalmando a carne
necessitada com a ponta do meu polegar enquanto ando em
silêncio até a janela. A janela dele não está aberta, o que,
embora decepcionante para mim no curto prazo, deve ser

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


uma coisa boa no longo prazo, porque assim qualquer outro
monge insone não pode ouvir o que estou ouvindo agora.
Do jeito que está, minha cela é a única que faz fronteira
com a dele, então sou o único que pode ouvi-lo. Sou o único
que pode ouvir Elijah Iverson gozar.
Eu passo meus dedos ao longo da base da minha gaiola
enquanto ouço, imaginando por que Elijah precisa se
masturbar. Jamie o deixou todo excitado e depois o deixou na
mão? Eles concordaram em serem adultos e não transarem
no estacionamento de um mosteiro católico? Ou transaram
no banco traseiro do jipe e foi tão bom que Elijah não
consegue sequer dormir sem gozar de novo?
Outro gemido suave, e pressiono minha testa contra
nossa parede compartilhada, acariciando-me sem vergonha
agora. Meu pau estica contra as barras da gaiola e minhas
bolas estão tentando desesperadamente se encolher para
perto do meu corpo, e eu tinha esquecido como é bom me
tocar. Mesmo com a gaiola deixando tudo apertado e um
pouco dolorido, ainda é tão bom. Acariciar, apalpar e apertar.
Não faço isso há quase cinco anos. Já fiquei tentado -
muito tentado - muitas vezes, mas nunca sucumbi. Até hoje à
noite. Até ouvir o movimento silencioso da mão de Elijah no
pau dele. Até ouvir seus ruídos sufocados de prazer.
Quero pegar a chave da gaiola, que fica pendurada na
cabeceira da minha cama quando não está no pescoço. Quero
destrancar e envolver minha mão inteira em volta do meu
pau. Quero um orgasmo como eu costumava ter - completo e
livre.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Mas não me movo para pegar a chave. Se ficar parado,
haverá tempo para a dúvida se insinuar, para
minha consciência surgir aos poucos.
Os monges não devem se masturbar. Ponto final.
E mesmo que só eu soubesse... Eu ainda
saberia. Saberia que fui fraco, que cedi a uma gratificação
que não ajuda mais ninguém, que nem mesmo me ajuda. O
objetivo do celibato é sublimar totalmente a energia sexual,
transformar a nós mesmos, e se alimentarmos nossos desejos
nos masturbando toda vez que tivermos vontade, essa
transformação será incompleta. Não quero uma
transformação incompleta. Vim para cá para ser mudado
completa e inteiramente.
Mas..., mas tenho sido tão bom. Tenho sido tão bom há
tanto tempo, e com certeza ninguém conseguiria resistir a
isso, ninguém conseguiria resistir ao som de Elijah fodendo
sua própria mão e grunhindo baixinho e...
Faz tanto tempo não gozo acordado que quase me
surpreendo. Minha barriga fica tensa; minhas coxas travam,
e então um grunhido escapa de mim quando o orgasmo
atinge o pico e se quebra, arruinado por uma faixa de metal
em minha carne. Meu pau tenta se mover contra a gaiola e
não consegue, e a ejaculação vaza em jorros lentos e
gotejantes, e não é nem de perto tão bom quanto um orgasmo
livre, porque ainda continuo desesperadamente excitado.
Quase me sinto pior do que antes. Com mais tesão. Com
mais dor.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Fico ali com meu pau pingando, meus músculos
tremendo, meu peito apertado. Do outro lado da parede, ouço
uma inspiração aguda, que reconhecerei até o dia da minha
morte. Elijah também acabou de gozar.
Em sua mão? Na barriga?
Fecho meus olhos e imagino por um minuto. Um minuto
antes da vergonha e da culpa rastejarem, um minuto antes
de ter que me limpar, rezar e fazer planos para confessar.
Um minuto em que posso fingir que a única coisa que
nos separa é o ar úmido da noite e que temos o resto da noite
para o pecado.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


22

DO CADERNO DE ELIJAH IVERSON

O silêncio incessante e a introspecção ininterrupta estão


tendo um efeito indesejado em mim. Estou ficando muito
consciente dos meus atos. Estou começando a perceber que
não estou aqui apenas pela cerveja e pelo anticapitalismo.
Fico lembrando daquela chave no pescoço dele. Sobre o
que pode estar ao redor de seu pau.
Não consigo parar. Não consigo parar.
Não quero parar
Aqui está uma coisa que acho que ninguém sabe além
de mim: tenho estado muito ciente da existência de Aiden
Bell desde que ele tinha dezoito anos. Acho que veio devagar
com o tempo, pequenos momentos em que percebi que ele
estava ficando alto, que precisava se barbear, que sua voz
estava engrossando, mas essas coisas eram fragmentos de
observações, nadando em um mar de lembranças do que ele
era, o indelével irmão mais novo de Sean. Houve momentos -
breves - em que o peguei olhando para mim, quando vinha
atrás de nós, momentos que talvez o melhor amigo de
qualquer outro irmão mais velho teria atribuído a uma paixão
adolescente.
Mas não havia como manter Aiden Bell longe das
garotas – nem mesmo quando ele tinha idade suficiente para
mostrar suas covinhas - e então achei que devia estar
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
imaginando coisas. Senti-me aliviado na hora, agradecido por
não haver nenhuma consequência estranha por, com
gentileza, ter dado um fora naquele recém-não-mais-um-
bebê.
Cinco anos. Cinco anos entre nós, e eu já estava na
faculdade àquela altura, compensando o tempo católico
perdido trepando o máximo que podia.
Mas aqui está a questão sobre cinco anos: os números
permanecem os mesmos, mas a equação muda. E quando fui
à casa dos Bells uma noite e vi Aiden perto da piscina,
percebi que a equação tinha mudado de alguma forma, sem
que eu soubesse. Porque no ano desde que o tinha visto,
desde que me formei na faculdade e ele estava prestes a
começar, ele mudou tanto que cinco anos pareciam quase
nada.
Lembro que não conseguia parar de olhar para ele pela
porta de vidro do pátio enquanto Sean pensava sobre que
camisa vestir e continuava jogando mais gel em seu
cabelo. Eu não conseguia parar de observar o corpo de Aiden,
seu rosto, o movimento constante, pulando, mergulhando,
nadando. Levantando-se para fora da água com os ombros
recém-expandidos e as costas musculosas e esguias.
Ele estava nadando de samba-canção em vez de sunga,
e ela se agarrara em todos os lugares - na curva de sua
bunda, na protuberância de suas coxas, em seu pau - e o cós
estava puxado para baixo me deixando ver onde a linha
escura de pelos trilhavam sobre sua barriga até encontrar os
pelos acima de seu pau.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


A água escorria sobre os novos músculos de seus braços
e pingava em seu queixo bem formado. Escorria pela
extensão da garganta, grudava o cabelo escuro na testa e no
pescoço. Juntava-se no umbigo plano antes de derramar.
E a maneira como ele se movia. Todo o corpo, toda a
força, totalmente empenhado para o que quer que ele
fizesse. Mergulhar, virar, não para se exibir, porque não havia
ninguém para se exibir, pois ele não sabia que eu estava
olhando. Fazia por si mesmo. Pela pura alegria e emoção.
Deixei a casa dos Bells naquela noite com um
segredo. Um segredo com nome. Aiden.
Aiden em meus pensamentos, Aiden rastejando em
minhas fantasias e devaneios e ses. Uma atração pelo irmão
mais novo hétero do melhor amigo. Era quase como uma
piada, como uma cena de um pornô. Era uma má ideia, de
qualquer lado que eu olhava.
Ele ainda é uma má ideia.
Ele ainda é uma má ideia.
Ele é uma má ideia e um monge e me fez sofrer e estou
prestes a me casar, então por que estou aqui sentado em um
mosteiro, minha mente percorrendo milhares de e ses?
E se a chave em seu pescoço for para o que acho que
é? E se ele estivesse prestes a me beijar naquela noite no
claustro? E se ele não estivesse?
Porque eu vi, não vi? Aqueles vagalumes no claustro? O
jeito como ele olhou para eles?
Achei que era impossível conciliar aquele calouro esguio
e rebelde - aquele milionário imprudente, aquele homem

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


adorável e irritante que carregava granulados no bolso só
para mim - com este homem gigante e quieto que observa
com reverência e paciência vagalumes dançar.
Achei que era impossível, e agora estou me lembrando
daquele jovem universitário Aiden se jogando na piscina de
pura maldade, com nenhum outro propósito a não ser viver o
momento, e eles estão mesmo tão distantes um do
outro? Aquele calouro descuidado e este monge com os mais
tênues vestígios de fios brancos nas têmporas?
Ou talvez não seja o quanto esses dois Aidens estejam
próximos ou distantes. Talvez seja outra coisa.
Talvez sejam os vagalumes.
E se forem os vagalumes.
E se eu fosse e o encontrasse agora

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


23

Como eu espero, a vergonha está ali para me


cumprimentar no minuto em que acordo. Mas o que não
espero é todo o resto que vem junto com a vergonha. Como
fumaça se enrolando em um fogo, como o calor se enrolando
em uma chama, há também solidão e teimosia e um desejo
que superaria o de um rei vendo uma mulher tomar banho
em um telhado.
E há outra coisa, algo que não consigo definir. Está ali,
translúcido e intocável enquanto faço as Vigílias e pratico a
lectio e depois rezo as laudes também. Está ali enquanto
observo discretamente Elijah tomar seu café do outro lado do
refeitório. Como Elijah me disse, depois de comermos, ele
planeja passar o dia escrevendo e, portanto, estou livre para
cumprir minhas obrigações habituais.
É como se eu estivesse olhando para tudo através de um
vitral, deformado, em uma redoma e sombreado em tons
vivos e de pedras preciosas.
O vento da tempestade está aumentando e o irmão
Andrew me pede para buscar o último lote de madeira que
cortei, para que ele possa empilhá-lo para secar antes que
fique encharcado. Agradeço a chance de ir para a floresta, de
ficar sozinho com o riacho e meus pensamentos, mas não
afasta a sensação de que algo está estranho, algo
mudou. Deve ser porque me masturbei ontem à noite, pela
primeira vez em anos, mas não pode ser só isso. Não é a
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
âncora familiar da culpa que sinto, nem mesmo a pontada de
um amor não correspondido, mas algo totalmente à
parte. Como se eu tivesse acordado na vida de outra pessoa -
mas não, porque ainda me sinto como eu também.
Não sei. Não sei, e acho que não posso viver com
isso. Tenho que esquecer Elijah. Tenho que deixar minha
abadia e encontrar um lugar novo.
Vou me sentir melhor então, sei que vou.
A garoa é intermitente e fácil de controlar, mas vejo as
nuvens escuras da tempestade rolando. O irmão Andrew me
disse para não me preocupar em voltar para nossas orações
da tarde se a tempestade piorasse, e quase espero que
piore. Quase espero ficar preso aqui hoje, assim não terei que
ficar perto de mais ninguém enquanto estou pensando em
coisas como vitrais.
Especialmente em Elijah.
Empilho a madeira no pequeno trailer de quatro rodas e
prendo uma lona sobre ela na hora certa - assim que termino
de amarrar a lona, os céus se abrem e jorra chuva do nível
Noé. Verifico para ter certeza de que a lona está bem
amarrada para que o vento não consiga arrancá-la e, em
seguida, corro de volta para o eremitério, abaixando a cabeça
para manter a chuva longe dos meus olhos.
Mas não estou sozinho quando chego lá. Levanto minha
cabeça para ver Elijah parado na porta, suas mãos apoiadas
no batente e seu rosto molhado de chuva.
Eu paro e fico olhando a alguns metros de distância,
tirando a água dos meus olhos enquanto ele me encara.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Por um momento, nenhum de nós se move.
E então ele dá um passo para dentro do eremitério. Eu o
sigo, nós dois pingando em todos os lugares, eu em minha
camiseta de trabalho e jeans, ele em uma camiseta justa e
shorts jeans com a barra dobrada.
É escuro no eremitério - mesmo quando está
ensolarado, a luz mal consegue entrar, e agora está bem
longe de ensolarado. Eu paro alguns passos dentro, meus
olhos se ajustando às sombras enquanto observo Elijah
andar, seu polegar esfregando contra os dedos agitados.
Ele é a única coisa em meu mundo que parece real
agora, a única coisa que posso ver de verdade. Estou
hipnotizado por ele.
— Vim para cá por você, — ele diz. Sua voz está
estranha.
— Aqui no eremitério? — Pergunto. — Ou na abadia?
— Ambos.
Eu me aproximo e então paro. Não sei o que estou
fazendo nem o que quero. Eu o vi beijando seu noivo no
estacionamento na noite passada. O ouvi se masturbar
pensando no mesmo noivo. Este é um homem que ama outra
pessoa e que não me ama mais.
Seu rosto ainda está molhado quando me olha com as
sobrancelhas franzidas e levantadas em sua testa. — Acho
que só queria entender, — diz ele, e parece que está
implorando, como admitindo. — Você pode me culpar por
isso? Alguém pode?

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Você queria entender por que parti, — eu digo sobre o
tamborilar da chuva.
— Achei que se visse pelo que você me trocou, se ficasse
aqui e encontrasse o que quer que seja que desde o início o
atraiu, então seria capaz de deixá-lo em paz na minha
cabeça. Seria capaz de te esquecer.
Meu coração pula e titubeia, parecendo muito grande e
muito pequeno para o meu peito, tudo ao mesmo tempo. —
Me deixar em paz na sua cabeça? — Sussurro. É pedir muito
– é pedir muito que ele esteja se referindo a algo bom, algo
afetuoso, quando diz coisas assim. Afinal de contas, sou
Aiden Flamin' Hot, nem vale a pena pensar em mim, nem vale
a pena lembrar-se de mim, a não ser por todas as vezes em
que tornei a vida de todo mundo mais difícil.
Ele me olha como se eu estivesse sendo
intencionalmente obtuso. — Não faça isso.
— Não estou fazendo nada.
— Você está. Pare com isso.
A chuva continua, o barulho implacável no telhado, e
então um trovão ressoa pela sala.
— Pelo menos encontrou o que estava procurando? —
Pergunto. Não sei se ele vai entender por que escolhi fugir
para uma abadia, se não sabe por que eu estava fugindo, mas
estou curioso para ouvir o que ele pensa.
— Não, — ele diz. E então fecha os olhos. — E sim.
— Como assim?

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Ele abre os olhos. O verão no Kansas nunca é frio,
mas parece frio em comparação com a frustração latente em
seu olhar âmbar agora.
— No começo não entendi. Nada. É tudo o que você
odiava, Aiden, tudo mesmo. Acordar cedo, fazer a mesma
coisa todos os dias, sem viajar, sem diversão, sem
sexo. Rezar. — Ele começa a andar de novo. — Fiquei
pensando em por que essa escolha foi melhor do que eu? Por
quê? Eu era um namorado tão ruim? Nossa briga naquela
noite foi tão ruim que você desistiu de viver uma vida de
verdade?
Minha camiseta molhada pela chuva está grudando no
corpo e a puxo enquanto digo: — Esta é uma vida de verdade,
Elijah. E a briga que tivemos antes de eu vir... — quase digo
não teve nada a ver com a minha vinda para cá, mas Elijah
continua como se eu não tivesse falado nada.
— E eu estava chateado. E sofrendo. E chateado de
novo, porque vou me casar este ano, e não deveria dar a
mínima para o porquê meu ex-namorado se tornou um
monge. E eu... — Seu polegar está esfregando contra os
dedos outra vez. — Depois que discutimos aqui no eremitério,
ia procurar você e dizer que estava deixando a abadia logo
cedo, que não havia nada aqui para eu entender. Que você se
privou de tudo por nada. Mas encontrei você sentado no
claustro, e então...
Ele me lança um olhar agoniado.
— Os vagalumes, — digo. — Foi a noite com os
vagalumes.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Achei que você tivesse escolhido a Igreja em vez de
mim, mas não foi isso, não é? — Ele pergunta com uma voz
irregular. — Você escolheu Deus em vez de mim, e de alguma
forma isso é pior do que qualquer outra coisa que pensei,
porque não posso competir com Deus, Aiden. — Ele dá uma
risada curta que parece como se tivesse sido arrancada
dele. — Não posso competir com vagalumes no claustro.
Eu deveria dizer um milhão de coisas agora. Deveria
dizer que pouco importa - que escolhi Deus apesar de Elijah,
não por despeito. Deveria dizer que Elijah não precisa
competir com nada ou ninguém nunca mais, porque fiz votos
e ele está noivo, e isso é entre mais pessoas do que apenas
nós dois agora.
Devo dizer a ele que lamento por toda a dor que causei e
perguntar e como posso me certificar em não causar mais
isso.
Mas não quero. Não digo nenhuma dessas coisas porque
as gotas de chuva se acumularam na pequena depressão
acima de seu lábio superior, formando um pequeno lago em
seu sulco labial, e de repente nada mais interessa,
absolutamente nada.
Dou um passo para mais perto dele, meus olhos em sua
boca.
— Aiden, — diz ele com voz rouca.
Pego um vislumbre de olhos castanhos dourados, suas
mãos agitadas, e então ele está contra mim e estou contra
ele, nossas roupas molhadas pressionadas entre nós e sua
boca quente na minha. Eu tinha esquecido o que era um

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


beijo, como era, o que significava ter alguém provando minha
fome e lambendo a urgência de meus lábios. O choque quase
me faz cair de joelhos.
Seus lábios são quentes, firmes, mal cedendo ao beijo
forte que estou lhe dando enquanto me beija de volta com a
mesma força e ferocidade. Mas sou eu quem exige a entrada,
abro meus lábios contra os dele e acaricio a junção de sua
boca com minha língua até ele me deixar entrar.
E então - oh. E então.
A língua dele é quente, forte, escorregadia e, quando a
sinto, todo o controle me abandona. Estou faminto por essa
língua contra a minha, faminto por ela no meu pescoço e no
meu umbigo e nos lugares secretos do meu corpo, e sinto o
medo repentino e desesperado de que nunca estarei perto
dele o suficiente para satisfazer essa necessidade, de que não
existe beijo tão intenso assim para me consertar e vou acabar
me partindo, me queimando de fome até morrer.
Estou levando-o para trás, empurrando-o para trás, e ele
está contra a parede, enfiando suas mãos na minha camiseta
molhada enquanto minhas mãos encontram seu rosto e o
seguram imóvel para o meu beijo.
— Porra, — ele respira contra a minha boca. Seus olhos
não estão fechados e nem os meus, como se não pudéssemos
parar de nos olhar, como se tivéssemos que espremer até o
último segundo de prazer deste momento roubado e
imprudente antes de recuperamos os sentidos.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Suas mãos estão tão inquietas sobre mim, como se
estivesse me sentindo pela primeira vez. Como se estivesse
me sentindo pela última vez.
— Sim, — digo asperamente, empurrando minha boca
contra a dele outra vez enquanto meu quadril pressiona
contra ele. — Porra. — Por muito tempo, crescendo, ele foi o
mais velho, o maior, e mesmo quando estávamos juntos, ele
parecia assim para mim. Mas embora ele ainda seja o mesmo
homem musculoso de antes, eu não sou. E, enquanto o
pressiono contra uma parede, fica mais claro do que nunca o
quanto estou maior agora. Tão grande que minhas coxas
podem prender as dele, que meus ombros podem envolve-lo
enquanto apoio meus antebraços contra a parede e o beijo
sem fôlego.
Minha gaiola aperta minha ereção, mas dói tanto, e está
tão sensível que sei que poderia gozar apenas me esfregando
contra ele dentro da minha calça jeans, e isso antes mesmo
de suas mãos descerem para explorar meu quadril, meu
abdômen, minha bunda.
— Ninguém beija como você, — Elijah murmura, seus
olhos fechando enquanto mordo sua mandíbula e seu
pescoço. Sinto seu pau em seu shorts - duro por mim, talvez
até vazando na ponta por mim - e isso me deixa
feroz. Brutal. Chupo e lambo sua garganta, e então ele
pressiona uma mão na minha virilha.
— Aiden, — ele sussurra enquanto beijo seu
pescoço. Sua barba pinica meus lábios. Quando levanto
minha cabeça, vejo que suas pupilas dilataram quase até a

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


borda de sua íris. Sua boca está aberta, mas sua mandíbula
está tensa. — Então você está na castidade.
— Sim, — eu digo, estremecendo enquanto seus longos
dedos se enrolam em volta da minha protuberância
enjaulada. — Preciso estar.
— Por quê? — Ele pergunta sem fôlego.
— Eu penso muito em você.
Não podemos parar de olhar um para o outro,
paralisados, mas não tão paralisados - bocas inchadas e
peitos arfando e quadris pressionados - mas não estamos nos
beijando e meus braços ainda estão apoiados contra a parede
de cada lado de sua cabeça. Sua mão ainda se enrosca
possessivamente sobre meu pau.
— Você pensa muito em mim, — ele repete. — Você tem
pensado em mim.
De alguma forma, isso parece mais perigoso do que
beijar - é um pecado mais grave do que se esfregar um contra
o outro. Não mais uma mera violação do celibato, mas uma
ameaça bruxuleante à minha devoção a Deus. O que deveria
ser a oferta única e completa do meu coração.
Parece que estou admitindo que meu coração não era
meu para oferecer a Deus.
Depois de um longo momento, eu falo.
— Sim. Não só depois que você voltou. Desde que vim
para cá.
Suas sobrancelhas se erguem e se franzem, e ele parece
indefeso, tão indefeso enquanto inclina a cabeça para trás
contra a parede e volta a me oferecer sua garganta. E parece

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


indefeso enquanto geme depois que começo a chupar a pele
quente ali. Parecendo desamparado, se mexendo e se
contorcendo e ofegando, sua mão ainda apertando sobre
minha gaiola, ele sussurra: — Sua chave, onde está sua
chave?
— Na minha cela, — murmuro, sem me importar, por
que meus lábios estão em Elijah e suas mãos estão em mim e
o que mais pode ser importante?
— Mas...
— Shh, — eu resmungo, empurrando-o com mais força
contra a parede e arrastando minha boca sobre a dele. —
Quieto.
— Porra, você está tão mandão agora. E tão
grande. Porra...
Um toque rompe o ar - vibrante, metálico, fabricado - e
depois de ouvir apenas trovões e chuva e nossas próprias
palavras roucas, é chocante como o inferno. Eu meio que
cambaleio ao me afastar dele, minha pele formigando e minha
respiração rápida, e ele se atrapalha com o celular no bolso
de trás. Quando finalmente vê a tela, vejo a compreensão do
que acabamos de fazer atingi-lo.
E então me atinge também.
— É Jamie, — ele diz com uma voz horrível de se
ouvir. — Merda. Merda.
Ele me olha e o que posso dizer? Que me sinto
exatamente da mesma maneira?

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Elijah, — eu começo, mas ele balança a cabeça,
levantando a mão que segura o celular que ainda toca para
me impedir de falar.
— Não, — ele diz. — Por favor. Não. — E pela segunda
vez nesta semana, ele sai pela porta do eremitério.
E pela segunda vez esta semana, eu não o sigo.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


24

Ao contrário de Elijah, não preciso viver com o medo de


que minha infidelidade seja descoberta ou arrumar um jeito
de contar à pessoa que traí. Porque Deus já sabe.
Espero passar o pior da tempestade e, em seguida, levo
o trailer de volta no crepúsculo úmido, enxugando a garoa do
meu rosto e tentando ignorar o zumbido de pânico e vergonha
em todo meu corpo e mente.
Mas quase maior do que o pânico - do que a culpa, do
que a luxúria ainda enrolada - é um pensamento que não
para de se enroscar em meus tornozelos e apertar os órgãos
em meu peito.
Elijah me beijou de volta.
Elijah me deixou prendê-lo contra a parede e ficar com
ele até que ambos estivéssemos com os joelhos fracos.
Posso ouvir os sinos das Vésperas dobrando enquanto
descarrego a lenha no depósito do irmão Andrew, empilhando
do jeito que ele me ensinou para que possa secar
adequadamente, e então vou tomar banho e colocar o hábito,
notando que a porta da cela de Elijah está fechada quando
abro a minha.
Ele está ali dentro? Em oração?
Andando de um lado para o outro enquanto fala com
Jamie ao celular?
Minha pele está mais quente do que a água do chuveiro,
como se estivesse fervendo viva de dentro para fora, e tudo
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
em mim grita por alguma coisa - libertação ou punição, não
sei. Estraguei tudo, sei que estraguei, mas tudo em que
consigo pensar agora é na maneira como a garganta de Elijah
se arqueou tão lindamente para mim. Da chuva escorregando
acima de seu lábio superior.
De como foi beijá-lo de novo depois de todos esses anos,
e tê-lo me beijando de volta.
Me perdoe, consigo sussurrar para Deus na minha
cabeça. Me perdoe.
Quando estou vestido e no refeitório para o jantar, sinto
um novo tipo de culpa, uma nova camada de infelicidade
sobre “quebrar meus votos” que venho sentindo desde que
Elijah deixou o eremitério. Porque se há uma coisa que viver
em uma abadia me ensinou, é que somos responsáveis um
pelo outro - somos responsáveis por amar um ao outro e
cuidar um do outro. Não da maneira que faria meu terapeuta
fazer aquela cara franzida, mas no sentido de que somos
chamados a ofertar amor, ajuda e acolhimento.

Não foi o que fiz hoje, quando baixei os olhos para a


boca de Elijah e avancei nele. Não foi o que fiz quando o
beijei, empurrei-o contra a parede, mordi seu pescoço. Eu
levei alguém que amo a ser infiel a alguém que ele ama e me
sinto uma merda sobre isso.
Ajudei Elijah a trair – eu o fiz trair. Trair um professor
de escola dominical que gosta de cozinhar. Quem faz isso?
Um homem ruim, é isso.
Egoísta. Eu ainda sou muito egoísta.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Elijah não está no jantar e nem nas Completas, e sei
que tenho que me desculpar com ele, tenho que confessar o
que fiz, e... e...
E sei que não é só o arrependimento que me leva à porta
da cela dele depois das orações. Sei por que, embora meu
estômago pareça pesado e vazio ao mesmo tempo, meu
coração está acelerado no meu peito, esquecendo como bater
corretamente sempre que me lembro da boca de Elijah na
minha. Sempre que me lembro de suas palavras baixas e
despedaçadas. Não posso competir com vagalumes no claustro.
Não posso.
Tempo presente.
Como se ainda quisesse tentar.
Digo a mim mesmo durante todo o caminho para o
dormitório que não vou fazer nada a respeito do meu coração
acelerado, que não vou olhar para sua boca ou procurar em
seus olhos dourados por respostas a perguntas que não
posso fazer. Vou me desculpar, com sinceridade, e prometer
ficar longe. Sim, é isso que vou fazer - vou ficar longe dele
pelo resto de sua visita aqui, e assim ele pode prometer a
Jamie de boa-fé que nada mais vai acontecer, e...
A porta de Elijah está aberta.
Totalmente aberta e, quando paro na porta, fica claro
que ele não está ali dentro. A porta do banheiro está aberta e
o banheiro está vazio; o pequeno guarda-roupa está vazio de
tudo, menos dos cabides e de uma tábua de passar. As
toalhas e cobertores foram dobrados cuidadosamente na
beira da cama.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Em nenhum lugar há malas, roupas, carregadores de
celular ou laptop, um ex-namorado. A cela está vazia.
Elijah se foi.

— Ele tinha alguns assuntos para resolver em casa e


teve que partir mais cedo, — foi o que me disse o abade.
— Saiu correndo como se fosse tirar o pai da forca, — foi
o que disse o irmão Andrew.
Ele saiu sem se despedir, e acho que mereço isso,
mereço saber como é, mas estou totalmente perdido no dia
seguinte, e no outro também. Passo de oração a oração, de
refeição a refeição e de trabalho a trabalho, meus
pensamentos em todos os lugares e em nenhum lugar ao
mesmo tempo.
Não consegui me desculpar com Elijah.
Não consegui vê-lo uma última vez.
Confesso ao meu confessor, padre Nathaniel, que escuta
com simpatia e depois me diz o que já sei - tenho que contar
ao abade.
E é assim que acabo ao lado do abade Jerome enquanto
percorremos o caminho ao longo da encosta da colina que ele
tanto ama.
— Bem, — ele diz depois que, hesitante e sem jeito,
explico o que fiz com meu ex-namorado no eremitério. —
Aprecio que você tenha vindo até mim tão cedo depois do

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


fato, e que não tentou guardar dentro de seu coração. Dá
para ver que isso está te afetando.
Olho para onde ele está caminhando, suas mãos
enfiadas sob o escapulário e seu rosto sereno. Sua cruz em
seu peito reluz ao sol. — Afetado é um eufemismo. O que
estou sentindo é... muito maior.
— Sim, acho que sim. Mas espero que não seja por
medo. Espero que saiba que está seguro aqui.
Olho de volta para a colina. O sol está me cegando hoje,
e tenho que apertar os olhos para ver o pequeno caminho que
serpenteia subindo a encosta da colina. — Não estou
chateado por ter beijado um homem, padre Abbot. Estou
chateado por ter beijado alguém quando fiz votos de
não beijar. E que o levei a pecar contra outra pessoa...
Egoísta. Como sempre fui.
E porra, e se for assim que sempre serei?
— Os votos não são feitos para serem um fardo, irmão
Patrick, — diz o abade gentilmente. — Eles devem esclarecer
nossas vidas e porque estamos aqui. Talvez o que esteja
causando esses sentimentos maiores não seja a culpa por ter
testado os limites de seu voto de conversatio morum, mas sim
um convite de Deus para questionar o que você realmente
quer antes de fazer seus votos solenes. Perguntar a si mesmo
se se sente mesmo chamado para a sua vida aqui.
Conversatio morum. Fidelidade à vida
monástica. Significa pobreza, oração e, principalmente,
castidade. Junto com um voto de estabilidade e obediência,
ele compõe os votos simples que fiz há quase três anos.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Eu não preciso de um convite, — digo, o pânico
crescendo na minha garganta.
Eu tenho que ser um monge - não posso não ser um
monge. Foi o que salvou minha vida. E se eu parar...
Não deixo meus pensamentos vagarem mais longe do
que isso. Não consigo pensar no que poderia ter acontecido
comigo e com minha estabilidade, além de uma tentativa de
bem-estar, se eu não fosse um monge.
— Eu sei o que quero, — acrescento o mais rápido que
posso. — Sei para o que fui chamado. Eu devo ser um
monge. Só baguncei tudo e não vai acontecer de novo, vou
garantir isso.
O abade para de andar e eu também. A expressão em
seu rosto é gentil, mas seus olhos castanhos calorosos veem
muita coisa que não quero que veja, e mal posso suportar
olhar para ele.
— Irmão Patrick, — diz ele, pressionando a mão no meu
ombro. — Não há vergonha em examinar seu coração. Na
verdade, é por isso que estamos aqui. É por isso que nossos
pais procuraram o deserto. Estamos aqui para aprender
como sermos fiéis a Deus, mesmo que a fidelidade não pareça
como pensamos. Afinal, lembre-se de seu irmão Tyler. Ele
não descobriu que seu chamado era fora do sacerdócio?
Ele descobriu, mas o pensamento não me tranquiliza em
nada. Na verdade, fico ainda mais em pânico, porque
Tyler prova que existem apenas esses dois caminhos, e que
são mutuamente exclusivos. Você pode ter uma vida
consagrada a Deus ou uma vida no mundo. E embora os

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


leigos possam ser santos à sua própria maneira, não são
enclausurados, não são dedicados, e é disso que
preciso. Preciso viver todos os dias não só ao lado de Deus,
mas dentro dele também.
— Meu coração está determinado, Padre Abade. Sei
como ser fiel e como Deus quer que eu seja fiel. Só preciso
fazer melhor, só isso.
Eu preciso fazer melhor, preciso partir...
Sim. É isso. Quando eu partir, será mais fácil ser um
bom monge e um bom homem. Vou encontrar um lugar mais
frio e mais rigoroso do que o Monte Sergius, com seus rostos
amigáveis e riacho alegre, e isso vai queimar todo o meu
egoísmo.
O abade me olha por um momento, e posso vê-lo
chegando a alguma conclusão enquanto acena para si mesmo
e volta a andar. — Acho que é hora de começarmos a nos
preparar para sua viagem, não é?
— Ainda vai me deixar ir? — Pergunto, minha voz
falhando de alívio. — Achei que talvez o senhor fosse...
Pela minha visão periférica, posso ver suas sobrancelhas
espessas inclinadas para baixo em uma cara séria. — Que eu
fosse puni-lo por um beijo tirando algo importante para
você? Não. Você é um homem que busca a Deus, não um
adolescente que pegou o carro da família sem permissão. Mas
você irá com uma condição.
— Qual? — Pergunto, pronto para qualquer
coisa. Penitências, jejum, cem rosários por dia, qualquer
coisa. Eu farei isso.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Ele acena para o sol. — Que você aceite o convite de
Deus. Use o seu tempo para questionar o que você realmente
quer.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


25

Três semanas depois

— Está levando bastantes meias? — Irmão Connor


pergunta. — Pode ser que você precise de mais.
— Tenho certeza de que terão um jeito para eu lavar
roupa, — digo, juntando-me a ele para olhar para minha
mala emprestada. Atualmente é a mala mais enfadonha que a
humanidade conhece - meias pretas, cuecas boxer pretas,
hábitos pretos e escapulários. Meu breviário, o exemplar
da Summa Theologiae que o Tyler me deu no Natal do ano
passado. Artigos de higiene. Remédios para a
cabeça. Passaporte.
Tudo está pronto para eu ir amanhã. E estou pronto há
tanto tempo que iria para o aeroporto agora, se me
deixassem.
O abade disse que eu poderia ir, desde que usasse a
viagem para avaliar o que queria da vida monástica, e disse-
lhe que faria isso..., mas já sei que não preciso. E estou
ansioso para provar a ele que esta é a vida que devo viver,
que fui chamado para ser um monge, com celibato e tudo.
Uma batida na porta aberta anuncia o abade, que se
junta a mim e ao irmão Connor na cela agora lotada depois
que o recebo. Ele se aproxima de nós em volta da minha
cama, onde estamos olhando para minha mala.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Não acha que precisa de mais meias? — O abade
pergunta, e o irmão Connor balança a cabeça.
— Ele não quer ouvir.
Eu bufo, mas não me preocupo em responder porque o
irmão Connor e o abade estão trocando um olhar que
conheço bem. É um olhar pré-Conversa. O medo, pequeno,
mas cortante, penetra em meu estômago.
— Vejo você amanhã de manhã, irmão Patrick, — diz o
irmão Connor e me dá um sorriso afetuoso. É um sorriso
de boa sorte, e o pavor afunda ainda mais em meus lugares
vitais.
Viro-me para o abade, que está sentado na cama
estreita ao lado da minha mala, com as mãos cruzadas sobre
a barriga.
— Tenho algumas novidades, — ele diz, e sei, só sei, que
ele está prestes a me dizer que a viagem foi cancelada. Que os
mosteiros da Europa mudaram de ideia sobre minha visita,
que não me querem mais. Que não vou ficar nas falésias de
St. Columba, afinal, e que o lugar sagrado que tenho
procurado permanecerá para sempre fora do meu alcance.
Sento-me lentamente na cadeira ao lado da minha
mesa, preparando-me para receber esta notícia com
humildade e graça. Ou pelo menos a ausência de um grito
estrondoso e estridente.
Posso sobreviver a qualquer coisa, menos a isso, quero
dizer ao abade. Eu sobrevivi à morte de minha irmã por
suicídio, à morte de minha mãe por câncer - até sobrevivi

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


àquela escuridão escorrendo e pegajosa que queria tanto me
engolir inteiro.
Sobrevivi deixando Elijah e sobrevivi queimando minha
vida inteira como uma oferta a Deus.
Mas não posso sobreviver a isso sendo tirado de mim,
simplesmente não posso. Vou definhar como um rio no
deserto. Vou voar no vento como a poeira na seca.
— Sr. Iverson pediu para acompanhá-lo na viagem, —
diz o abade, e estou feliz por já estar sentado, porque não sei
se seria capaz de ficar de pé. Tanto pelo alívio da viagem não
ter sido cancelada quanto pelo choque absoluto e sem filtro.
— Elijah? — Pergunto, incapaz de modular o quanto
pareço atordoado. — Na minha viagem?
— Sim, — responde o abade, olhando-me por baixo de
suas sobrancelhas formidáveis. — Mais pesquisas para seu
artigo. Ele pediu na semana passada e eu o informei que
precisaria da permissão dos abades dos mosteiros anfitriões
antes de discutirmos a possibilidade. Mas, nesta tarde, ouvi
todos os abades, e todos consentiram alegremente em
hospedá-lo também.
Ele pediu na semana passada.
Então, depois do beijo - depois que Jamie ligou e depois
que deixou a abadia mais cedo – ele quer ir comigo para a
Europa.
Ele quer ir comigo para a Europa.
E oh, a emoção eletrifica a minha pele com isso. Não só
com a perspectiva de vê-lo, mas com a perspectiva de ele me
procurar, mesmo que seja apenas para pesquisar.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Mas a emoção é seguida imediatamente pelo pânico. Por
uma espécie de culpa preventiva.
Quero dizer ao abade que é impossível. Que não posso
fazer isso, porque a lembrança das gotas de chuva
acumuladas no lábio superior dele ainda me persegue.
Olho para o meu colo. — Deus não deve me testar além
do que posso suportar, — digo. — E nem o senhor.
— Está além do que você pode suportar, irmão Patrick?
— O abade pergunta com calma.
Murmuro um — Não sei.
— Porque, — diz o abade, — a escolha é sua. Se me
disser que não quer isso, que não pode suportar, direi ao Sr.
Iverson que ele não pode ir.
Ainda olhando para baixo, penso no eremitério. Lembro
do trovão, na barba por fazer contra meus lábios, nas mãos
deslizando sobre minha pele como se nunca houvesse o
bastante de mim para tocar.
E então penso em incenso e salmos e Cristo me olhando
com as pálpebras pesadas da cruz. Penso em vagalumes no
claustro.
Não, uma voz teimosa dentro de mim insiste. Você levou
esse tempo todo aprendendo a fazer uma promessa e vai
cumpri-la, caramba.
Sei que viver esta vida é o que devo fazer. Só preciso
assegurar que o abade também saiba.
E quem sabe... quem sabe esta seja uma
oportunidade. Uma oportunidade envolta em tentação, mas
uma oportunidade. Quem sabe se eu fizer esta viagem com

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Elijah e não acontecer mais, digamos, incidentes, então posso
provar ao abade que aceitei o convite de Deus para explorar o
que quero - e farei isso com o desejo do meu coração terreno
em mãos.
Serei capaz de provar que estou pronto para os votos
solenes e que estou pronto para uma vida inteira deles.
— Eu posso fazer isso, — ouço-me dizer antes mesmo de
terminar de formar o plano em minha mente. Olho para o
abade. — Ele é bem-vindo. Por causa de seu artigo e de tudo.
O abade Jerome me estuda. Não de uma forma rude,
mas de uma forma penetrante que ainda é um pouco
desconfortável. — Acho que você se lembra de que fiquei
muito animado com este artigo, — diz ele após um minuto. —
Mas nenhum artigo é mais importante para mim do que
você. Preocupo-me muito com você, irmão Patrick. Quero que
isso seja sua escolha.
— Obrigado, — eu digo. Minha mente agora está
decidida. Talvez este seja o Impulsivo Aiden levantando a
cabeça mais uma vez, mas sei que esta é a maneira de provar
a todos, inclusive a mim, que fui feito para ser um monge. —
Quero que ele vá. E vai ser bom para mim.
E assim será. Mesmo que isso signifique que preciso
enfiar minha gaiola na minha mala para ter mais certeza de
que tudo ficará bem.
A recompensa será ainda mais doce por seu nascimento
difícil.
Eu saberei com absoluta certeza de que estou fazendo o
que é certo.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Saint (Priest #3) - Sierra Simone
PARTE 2

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


BÉLGICA

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


26

DA MODE MAGAZINE

A essa altura, tenho uma escolha e, como muitas


pessoas antes de mim que não conseguem parar de
pensar em ombros largos e vagalumes, escolho a total
imprudência emocional. E se, pergunto ao meu editor, eu for
com meu ex-namorado monge para a Europa e escrever sobre
as cervejas de lá?
Tudo bem, meu editor diz. Só não me coloque em
problemas com o papa.

— “A CALMA ETERNA DOS MONGES : CERVEJA E ORAÇÃO EM

ALGUMAS DAS ABADIAS MAIS SOLITÁRIAS DO MUNDO ” — POR

ELIJAH IVERSON

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


27

Não estou fazendo a coisa certa.


Achei que estava, mas agora estou sentado em um carro
que segue pelas colinas arborizadas das Ardenas, na Bélgica,
em nosso caminho do aeroporto e como posso estar fazendo a
coisa certa? Cada vez que me mexo no banco de trás do
minúsculo carro, meu joelho esbarra no de Elijah. Cada vez
que falamos - conversa curta e educada - o ar parece estar
prestes a explodir com uma descarga elétrica.
E só estamos juntos há uma hora, já que viemos em
voos separados e nos encontramos fora da alfândega para
esperar o carro da Abadia de Semois. Fazia menos de três
semanas desde que o vi pela última vez, mas a visão dele
encostado em um pilar e digitando em seu celular ainda
ameaçava me esmagar.
Ninguém beija como você.
Mas ele não pareceu afetado ao me ver, balançando a
cabeça friamente em saudação e depois me fazendo as
perguntas habituais de viagem, como se fôssemos colegas ou
conhecidos - como foi seu voo, conseguiu dormir, como estava
a comida, a minha era surpreendentemente boa - Etc., etc.,
até que o pálido irmão de óculos de Semois chegou em um
Renault surrado para nos pegar.
E desde então, quase não nos falamos, embora haja
um milhão de coisas que estou morrendo de vontade de
perguntar. Começando por se ele contou a Jamie sobre nosso
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
beijo e se Elijah está com raiva de mim por beijá-lo, e porque
quis vir nessa viagem comigo. Quero perguntar se ele pensou
em mim nas últimas semanas, se teve medo de me ver, se
queria me ver.
Se se trata mesmo de um artigo ou de algo totalmente
diferente.
O irmão Xavier é amigável, mas como muitos trapistas,
não é muito dado a conversas, o que torna a ausência de
conversa entre mim e Elijah ainda mais palpável. Estou
prestes a explodir com todas as coisas não ditas entre nós
quando enfim entramos em uma viela estreita e arborizada e
vejo Semois pela primeira vez.
Aninhada em uma faixa de terra situada em uma curva
do La Semois - um rio calmo e raso - a Abadia de Semois é
uma mescla de ruínas medievais e construções modernas,
feitas da mesma pedra cor amarelo manteiga. Colinas
cobertas de árvores se erguem ao redor de cada lado do rio, e
o próprio terreno está repleto de carvalhos grossos, faias altas
e sempre-vivas com ramos esmeralda escuro. É como estar
dentro da ilustração de uma floresta tirada de um livro
infantil de contos de fadas.
Somos conduzidos não aos dormitórios, mas à
hospedaria, que o irmão Xavier explica ser o costume, mesmo
para monges visitantes. Ele nos diz que é usado
principalmente por caminhantes e ciclistas que percorrem as
Ardenas, e às vezes pessoas que vem para verdadeiros retiros.
Há apenas um outro hóspede aqui agora - um ciclista alemão
magro que acena para nós de sua porta - e recebemos uma

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


cópia da programação diária do mosteiro e somos informados
que nosso anfitrião estará de volta para nos acompanhar ao
jantar.
E então somos deixados sozinhos para desfazer as
malas e descansar.
Elijah se alonga estremecendo como um gato acordando
de uma soneca enquanto olha ao redor da aconchegante sala
comunitária. As paredes são de pedra e os pisos são de tijolos
antigos e os móveis de madeira e couro surrados. Mas meus
olhos estão nele e na bainha de sua camiseta, que revela um
pedacinho de seu abdômen tensionado enquanto ele se
estica.
— Sei que estou ficando velho quando me sinto muito
cansado mesmo depois de um voo em que dormi o tempo
todo, — diz ele, mais para a sala do que para mim.
— Eu também, — digo.
Ele olha na minha direção. — Um pouco diferente dos
voos transatlânticos que costumávamos fazer, hein?
Solto uma risada curta. Passávamos a maior parte de
nossos longos voos tentando descobrir como poderíamos
trepar no avião sem levantar suspeitas dos comissários de
bordo ou de qualquer homofóbico próximo. Mas aqueles voos
eram sempre para algum lugar divertido e com muita bebida,
para sexo divertido e com muita bebida. Não para um
mosteiro cheio de monges silenciosos e vigilantes.
No entanto, há muita bebida aqui.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Vejo você no jantar, — Elijah diz, e então sai rolando
sua mala pelo corredor. Tento não notar a maneira como sua
bermuda elegante se agarra às curvas firmes de sua bunda.
Fecho meus olhos e respiro fundo.
Quero ser um monge para o resto da minha vida.
E ele está noivo.
Se eu estragar tudo de novo, nós dois vamos sofrer e
assim fica evidente minha tarefa além de explorar meu
potencial futuro mosteiro.
Eu não posso estragar tudo.

O jantar é uma sopa de queijo, pão farto e uma cerveja


marrom que os monges preparam apenas para eles, que é
quase mais forte do que o próprio pão. O jantar é silencioso, o
que é diferente de casa, onde geralmente alguém lê as
escrituras em voz alta ou um livro sobre as escrituras
enquanto comemos.
Tudo é diferente de antes de eu me tornar um monge e
sobreviver principalmente de vodca e barras de proteína e às
vezes ir a festas onde pratos de sushi eram colocados em
modelos nuas em vez de mesas.
Depois de em silêncio levar nossos pratos para a cozinha
e ajudar na lavagem, todos em silêncio vão para a cama. Não
é surpresa o porquê as Vigílias - as primeiras orações do dia -

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


acontecerem às três e meia da manhã aqui. E eu achava que
as seis da manhã no Monte Sergius eram incivilizadas.
E assim, embora o sol de julho ainda seja visível acima
das colinas arborizadas, eu e Elijah caminhamos de volta
para a hospedaria para dormir.
— Você vai nas Vigílias? — Pergunto-lhe. Fomos
convidados pelo irmão Xavier para comparecer a todas as
orações, mesmo as que normalmente não são abertas ao
público.
Ele olha para mim, o sol da tarde refletindo as linhas
âmbar em seus olhos. — Acho que sim, — diz ele. — Por
causa do artigo.
Chegamos à hospedaria, que está vazia sem o ciclista
alemão, e paro na sala antes de ir para o meu quarto,
passando a mão nervosamente ao longo da borda do meu
escapulário. — Queria te perguntar uma coisa... — digo, e
todo o seu corpo fica imóvel, menos os olhos, que se movem
com cuidado para os meus.
O momento inteiro parece estar cambaleando na ponta
de uma lâmina. Se eu perguntar o que realmente quero - se
soltar as coisas que quero mesmo soltar - então algo vai
acontecer. Não sei o que vai acontecer, mas parece que tudo o
que acontecer será horrível. Ele vai ficar zangado,
desconfiado ou cheio de pena. Vai se virar e manter distância,
ou fará qualquer versão de desapontar um homem
gentilmente que acontece quando o homem sendo
desapontado é um monge.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Eu engulo. — Então, você precisava mesmo de mais
para o seu artigo do que o que conseguiu no Monte Sergius?
Existem tantas perguntas dentro dessa pergunta, mas
elas estão enterradas bem lá no fundo. O gambito de um
covarde. Eu sei isso. Acho que ele também sabe, embora não
pareça relaxar.
— Eu precisava, — ele diz, seu corpo ainda
perfeitamente imóvel. — Espero encontrar o que procuro nas
próximas três semanas.
— E o que procura? — Pergunto, ainda um covarde total
de merda. Espero que ele me ofereça alguma coisa -
qualquer coisa além dessa indiferença que ele colocou entre
nós. Mesmo que seja raiva ou algo pior, quero saber. Eu quero
saber.
— Respostas, — ele diz calmamente. — Sempre
respostas.
E eu vou ser corajoso, vou perguntar se essas respostas
são apenas sobre a vida monástica ou se são sobre mim, mas
então seu celular vibra e ele suspira enquanto o pega para
olhar. O que quer que ele veja só aumenta sua indiferença -
seu rosto fica mais inexpressivo, seus olhos mais
fechados. Mas sua mão está tremendo um pouco enquanto
ele tenta colocá-lo de volta no bolso de sua bermuda, e cai no
chão - felizmente em um tapete velho e ápero em vez dos
tijolos encerados.
Eu me agacho para pegá-lo ao mesmo tempo que ele, e
nossas mãos tocam uma na outra, do mindinho ao
mindinho. É quente e maravilhoso, mas também parece que

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


acabei de mergulhar minha mão em um tonel de ouro
fundido. Afasto minha mão ao mesmo tempo em que o ouço
inspirar profundamente.
Nossos olhos se encontram, e então abaixo meu olhar
para ver a pulsação latejando em seu pescoço. Está
acelerado. Como se seu coração estivesse batendo tão forte
quanto o meu agora.
— Me desculpe, — eu digo, e minha voz sai toda
estranha e rouca. Minha mão ainda está pairando no ar, e a
abaixo ao meu lado, mas ainda estou agachado e ela atinge o
chão quando faço isso. Eu me sinto um total idiota.
— Não se desculpe, — ele diz, e então coloca o celular no
bolso e se levanta, e eu também.
Nossos olhos se encontram de novo, e é quase como se
houvesse uma pequena rachadura em sua fachada, uma
fenda na parede de gelo revelando um fogo tempestuoso ali
dentro, e então ele se vira para olhar pelo corredor em direção
às portas dos quartos.
— Devo ir me deitar se vou para as Vigílias pela manhã,
— diz ele.
— Sim, — eu sussurro.
Quando chegamos às nossas portas, Elijah hesita, sua
mão pairando sobre a maçaneta, pronto para girá-la. Posso
ver os tendões e ossos nas costas de sua mão assim, tensos e
prontos, e posso ver a curva de seus longos dedos.
Dedos que se enrolaram dentro do meu corpo.
— Irmão Patrick, — diz ele. — Aiden...
— Sim? — Eu pergunto.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Sobre as respostas. É porque toda vez que vou
embora, tenho mais perguntas.
E então ele acrescenta: — E porque toda vez que te
deixo, a única coisa em que consigo pensar é em voltar.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


28

É difícil dormir essa noite. Embora as paredes sejam


muito mais grossas aqui do que no Monte Sergius, elas
podem muito bem ser feitas de fumaça de vela depois que
Elijah disse o que disse. Estou muito ciente dele do outro
lado da parede, e pelo menos duas vezes me sento na cama,
determinado a bater em sua porta. Para me desculpar pelo
eremitério e também prometer que nunca mais vai acontecer,
e para perguntar se ele se importa em falar mais sobre como
sente minha falta quando estamos separados?
Mas não faço nada. Em vez disso, deito-me e consigo me
persuadir a um sono profundo, que termina quando ouço o
badalar do sino da igreja para as Vigílias. Eu me lavo,
substituo o dispositivo de castidade de plástico que usei
ontem para a viagem de avião pelo meu de metal e, em
seguida, caminho para a igreja. Elijah chega alguns minutos
depois de mim, e ficamos ombro a ombro nos bancos.
As orações são em francês – sobre o que honestamente
não tinha pensado muito quando estava pensando em
escolher um novo mosteiro - e fico surpreso ao olhar para
Elijah e vê-lo murmurando junto com as orações no breviário
dos visitantes em francês que nos foi entregue na entrada do
santuário.
Ele percebe meu olhar e levanta uma sobrancelha.
Eu inclino minha cabeça em seu breviário e depois em
sua boca. Você fala francês? é a pergunta não dita.
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
O canto de sua boca sobe. Oui, ele murmura
silenciosamente e depois retorna às orações.
Um dia típico em Semois significa que quase não há
tempo para eu e Elijah conversarmos. Bem rápido descubro
que a vida trapista não é uma piada, e no primeiro dia inteiro
em que estamos aqui, parece que eu e Elijah somos calouros
no ensino médio, esforçando-se para chegar às aulas a
tempo, mas acabando perdidos no corredor de ciências.
Depois das Vigílias, há desjejum e hora da lectio ou
outra leitura espiritual, e depois laudes e mais lectio, e então
missa. Uma coisa engraçada que os trapistas fazem é deixar
as horas médias - os curtos momentos de oração da tércia,
sexta e nona21, - no meio do dia, o que significa que quando
você estiver realmente decidido a fazer qualquer coisa -
trabalhar ou almoçar ou mesmo lectio - é hora de se levantar
para rezar outra vez.
Durante o horário de trabalho, o irmão Xavier nos
mostra a enorme cervejaria que fabrica e exporta seis tipos de
cerveja, e nos apresenta ao mestre cervejeiro, o padre
Stefan. E depois vem o jantar, as Vésperas e as Completas, e
de repente o dia acaba, tendo passado com a menor pressa
que já experimentei.
A intensa programação é contrabalançada pela agonia
de estar tão perto de Elijah - roçando em seu ombro no
laboratório de fermento ou vendo seu antebraço flexionar
enquanto ele toma notas - e não ser capaz de falar com
21 São as orações menores da Liturgia das Horas na igreja católica. Também

conhecidas como Horas Menores, é a oração do meio do dia dividida em três


momentos: a hora tércia, a hora sexta e a hora nona ou noa.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


ele. Em Semois, falar é apenas para informações essenciais e
em áreas especiais designadas para falar, como a lanchonete
quando está aberta e o jardim principal no meio do terreno da
abadia. É diferente do silêncio em casa, diferente da quietude
natural que preenche o ar lá. É um pouco como voltar para a
escola. Tipo, se falar, alguém vai aparecer e te fazer se calar.
E assim, além de questões essenciais sobre lúpulo e
fermento e fermentação secundária, existe apenas silêncio
entre mim e Elijah. Significa que as palavras da noite anterior
ecoam ainda mais alto em minha mente.
O dia seguinte é praticamente a mesma coisa, assim
como o próximo. Nosso ciclista alemão na hospedaria é
substituído por um grupo de mulheres mais velhas que se
aglomeram na sala e sussurram em valão.
Eu e Elijah nunca estamos sozinhos.
No quinto dia, lavo roupa, e meus hábitos negros
emaranhados são muito, muito diferentes das cestas de
mantos trapistas brancos dobrados ordenadamente - como se
eu fosse o monge roqueiro em um lugar cheio de um povo
angelical imaculado. E nenhuma de suas túnicas brancas
está respingada de cerveja ou sopa de queijo ou qualquer
coisa.
Como???
Também lavo meus lençóis, já que a represa (uma
metáfora bem literal neste caso) estourou ontem à noite, e
acordei com ejaculação ressecada por toda parte.
Quando saio da lavanderia naquela tarde, encontro o
irmão Xavier esperando por mim na entrada da hospedaria.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Devo me desculpar, — ele me diz com uma pequena
reverência. — Seu amigo me perguntou se poderia dar uma
volta pela floresta, e então percebi que estava monopolizando
seu tempo aqui! Sei que você veio para aprender sobre as
cervejas e conhecer Semois, mas isso quer dizer ver o terreno
fora de Semois também. Pois se vier para ficar, será um dos
lugares que poderá visitar no seu tempo livre, não é?
Eu assinto, embora tenha percebido que o tempo livre
aqui é, bem.
Limitado.
O irmão Xavier sorri. — Então amanhã, seu último dia
aqui. Você deve explorar a floresta logo além do rio e as
ruínas medievais também. Se passar na cozinha, podemos
lhe dar um pouco de comida e cerveja para levar.
Dou uma resposta educada e reprimo a oposição que
sinto com essa ideia. Vim aqui para decidir se o estilo de vida
trapista era certo para mim e ganhar um dia livre, de alguma
forma, parece trapaça. Mas depois que conto a Elijah no
caminho de volta das Completas, e ele me dá o mesmo sorriso
lento que costumava dar a Sean antes de um salto duplo de
costas na piscina, de repente me dou conta de que estarei
sozinho com Elijah por todo o dia amanhã. Sem orações, sem
passeios, sem degustação de cervejas claras ou escuras (por
mais deliciosas que sejam).
Só nós.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Concordamos em pular Vigílias e laudes, então, quando
abro os olhos, são quase sete da manhã – o mais tarde que
acordei em quase cinco anos. Eu me estico na cama,
bocejando e, em seguida, ajusto minha gaiola. Felizmente
meus lençóis não estão úmidos ou pegajosos esta manhã,
mas tenho uma implacável meia ereção que não diminui
mesmo depois que tomo um banho frio no banheiro
compartilhado.
Por favor, eu digo a Deus. Faça parar.
Mas Deus não faz nada a respeito da minha
intumescência ou das batidas rápidas do meu coração
enquanto me visto e me preparo para o dia a sós com
Elijah. Eu sei, depois de anos em um mosteiro, que Deus não
dá respostas rápidas; que não dá as fáceis. Terei que escolher
o celibato e a devoção apesar de ser difícil. Caso contrário,
não seria uma escolha, seria apenas o caminho do menor
esforço.
Mas quer saber, o caminho de menor esforço não tem
uma imagem tão positiva assim. Porque não é divertido.
E, porra, Deus não poderia ter impedido Elijah de usar
aquela blusa e aquele shorts curto de caminhada? Tipo,
talvez, lançar um pequeno raio para incendiar a mala
dele? Talvez uma pequena inundação em seu quarto? Isso
teria sido tão difícil assim?
Mas não, em vez disso, sou presenteado com coxas das
quais um patinador artístico teria ciúmes e uma clavícula
que grita LAMBA-ME.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Mantenho meus olhos cuidadosamente em seu rosto - o
que não é melhor. As maçãs do rosto salientes e o maxilar
bem definido estão agora polvilhados com a barba por fazer, e
ele está levantando a mesma sobrancelha que costumava dar
ao Aiden de dezessete anos, uma sensação de atração sexual.
— Você vai mesmo andar de hábito? — Elijah pergunta,
carregando uma bolsa de couro em seu ombro. Seus óculos
escuros estão pendurados na gola de sua blusa, e puxam o
tecido para baixo apenas o suficiente para expor um triângulo
escaleno de peito marrom, e eu quero morrer.
— Eu trouxe só duas peças de roupas comuns, e é uma
calça cáqui e uma camisa, porque o abade me fez trazer, —
respondo. Mas levanto meu hábito e lhe mostro as botas. —
No entanto, estas vão servir para as caminhadas.
Ele balança a cabeça, mas depois sorri. — Aiden Bell
não tem a roupa certa para a ocasião. Quem diria.
— O hábito é a roupa certa para toda ocasião, — eu
explico enquanto saímos da hospedaria e caminhamos até a
cozinha. — É robusto, fácil de levar e arejado quando fica
quente.
— Sei, — responde Elijah. — Acredito muito que o
hábito de mangas compridas feito todo de tecido preto é
superconfortável em julho.
Na cozinha, o irmão de plantão silenciosamente nos
enche de maçãs, queijo e pão, além de uma caixa térmica
cheia de sua cerveja clara teor 5,0%. Depois que enfia duas
garrafas de água reutilizáveis e nos mostra a parte mais rasa

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


do rio para atravessar, saímos, perambulando por baixo das
árvores ao som dos sinos da hora tércia.
Não falamos muito no início. Atravessar o rio é fácil pois
é raso e há muitas pedras secas pelo sol na superfície, mas
requer concentração, especialmente com a carga que
carregamos que nos deixa pesados, e assim o caminho até a
colina é uma prova de fé e vontade. É íngreme e cruel
e, quando chegamos ao topo da colina, uma hora depois,
estou ofegante. Largo a caixa térmica e tropeço em um grande
carvalho sombreado e caio de joelhos, ofegando como o cavalo
de Hidalgo.
(Ou Hidalgo é o cavalo? Nunca vi esse filme.)
Só para irritar, Elijah não está sem fôlego. Ele me
observa com uma diversão mal disfarçada e, em seguida,
caminha para depositar sua bolsa ao lado da caixa térmica ao
meu lado. Seus óculos de sol me refletem em duplicata -
monges gêmeos de joelhos com os ombros arfantes e as
bochechas vermelhas sobre o pescoço.
— Tanto músculo para ter força e nenhuma resistência,
pelo que vejo, — observa Elijah, cutucando-me com sua bota.
— Isso não é o que as strippers costumavam dizer, — eu
ofego, e Elijah ri tão alto e tão radiante - tão feliz - que sinto
sua risada correndo pelo meu corpo como
água. Como água divertida, como uma piscina ondulante ou
ondas turquesa do oceano. Sua risada é como um destino de
férias, e então me lembro que costumava ouvi-la com
frequência. Que, embora eu fosse um vacilão e um idiota,
sempre podia fazê-lo sorrir. Eu sempre podia fazê-lo rir.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Sento-me no chão e limpo minha testa com a
manga. Nunca vou admitir a ele, mas uma túnica longa preta
não é a melhor roupa para caminhadas no verão. Sinto que
estou sendo grelhado vivo.
— Você precisa de uma cerveja, — diz Elijah, com pena
de mim. Ele vem se sentar ao meu lado na sombra e, em
seguida, vasculha a caixa térmica em busca de duas garrafas
e o abridor, e então me entrega uma garrafa aberta. A caixa
térmica funcionou bem e a cerveja ainda está bem gelada.
Nós dois bebemos em silêncio por um momento,
deixando a brisa e a cerveja clara e cítrica nos refrescar, e
então Elijah diz: — Que se foda, vamos comer também, — e
desempacotamos nosso almoço mais cedo.
Um pouco além de nós está a trilha e, além dela, a
encosta íngreme da colina, que desce até o rio e depois para a
Abadia de Semois. Na nossa linha de visão, longe da margem,
porém, o rio não está à vista, assim como o terreno da
abadia. Existem os destroços das altas muralhas das ruínas
medievais dentadas e os telhados escuros das construções
modernas. E depois colinas sobre colinas sobre colinas.
— Esta é comida de hobbit, — diz Elijah, olhando para a
nossa mesa de pão, queijo, maçãs e cerveja.
— Só faltam cogumelos.
— Eu não diria que estou sentindo falta deles, — Elijah
murmura, pegando uma fatia de maçã e a enfiando entre os
dentes antes de procurar em sua bolsa o caderno e uma
caneta Sharpie de ponta fina. Ele abre e rabisca algo
enquanto preparo um minúsculo sanduíche de queijo e maçã.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Quer saber, — eu digo depois de um gole de
cerveja. — Você tem entrevistado todos os monges que
encontra, mas sinto que as únicas perguntas que me fez
foram puramente funcionais, sobre como as coisas
funcionam na abadia e coisas desse tipo.
Ele olha para mim, uma sobrancelha erguida sobre seus
óculos de sol. — Que perguntas devo fazer a você?
De repente estou desconfortável, inseguro. — Sei
lá. Tipo o que quero ao ser um monge. O que quero desta
vida.
É tão perto do que temos evitado - porque fui para o
Monte Sergius, porque o deixei. Como me sinto sobre o que
aconteceu entre nós no eremitério. E me sinto corajoso e
covarde ao mesmo tempo porque é perto o suficiente para
conduzi-lo a essas respostas, mas muito longe fazendo que
ele tenha que preencher as lacunas.
— Esqueça, — eu digo rapidamente, e então dou uma
risada para completar. — Eu não teria respostas muito
inteligentes para essas coisas de qualquer maneira. Não é o
tipo de resposta que um leitor da Mode estaria interessado,
de qualquer maneira.
— Você acha que um leitor da Mode não estaria
interessado em um milionário queer que se tornou monge
católico? — Elijah pergunta, a sobrancelha ainda mais alta
agora.
— Bem, eu...
Elijah balança a cabeça e se encosta no largo tronco da
árvore, levando sua cerveja e seu caderno com ele. — Quero

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


entrevistá-lo apropriadamente, mas... — Ele suspira. — Acho
que é difícil separar as perguntas que quero fazer como seu
ex-namorado das perguntas que quero fazer como escritor.
Antes que eu descubra como reagir a isso, ele se
endireita um pouco. — Tudo bem, na verdade, eu tenho uma
pergunta.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


29

— Qual é a maior diferença entre o seu trabalho de


antes e o seu trabalho de agora? — Ele pergunta enquanto
bate com a caneta no papel. — Entre administrar carteiras de
investimento e ser monge?
— Parece uma pergunta sem sentido, — digo, deslizando
meus olhos para ele.
Seus lábios se contraem. — Por quê?
— Porque tudo é diferente e essa diferença é
ridiculamente aparente. Quer dizer, você poderia entrar em
uma abadia e começar a citar coisas aleatórias, e cada uma
delas seria diferente. Hábitos, incenso, velas, estátuas,
galhetas de vidro. Deus.
— Em oposição a quê? — Ele inquire. — Um escritório
com janelas com vista para a rua e decantadores de uísque
por perto?
Imagino meu antigo escritório. Tive tanto orgulho dele
uma vez, aquele escritório que me fez sentir como se tivesse
merecido. Só que nos últimos dois anos o orgulho começou a
desaparecer, a sensação de merecimento tinha mudado para
algum outro sentimento. Consciência talvez, se consciência
pudesse ser chamada de sentimento.
— É mais do que isso, — eu digo. — Mais do que janelas
e uísques diferentes. Conversamos sobre isso quando
namorávamos, mas comecei a realmente ver quantas poucas

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


mulheres trabalhavam lá. Quantos homens brancos. Era um
clube de meninos e funcionava como um.
Elijah acena com a cabeça. Muito do processo que eu
estava vendo e mencionando tinha acontecido com ele.
— Mas você acabou ficando, — diz Elijah, erguendo os
olhos do caderno. — Isso não provocou sua saída.
— Talvez devesse, — eu digo. — Sei lá. Escolhi ficar
nesta igreja também, e é tão fodido quanto. Mais ainda.
Elijah levanta a caneta da página, seus pensamentos
parecendo se voltar para dentro. — Minha família acredita
que a gente tem que estar envolvido com alguma coisa para
torná-la melhor.
— Você acredita nisso?
— Não sei. — Ele olha para baixo. — Não sei
mais. Todas as respostas pareciam tão claras para mim
quando eu era mais jovem – abandonar, partir, acabar com
tudo. Havia uma resposta certa e uma errada para todas as
coisas. Mas algo como ficar ou partir... acho que parece mais
complicado para mim agora que estou mais velho. De
qualquer forma, se vale de alguma coisa, eu não estava te
julgando por ficar na empresa. Especialmente porque você
tentou torná-la melhor enquanto estava lá.
— Acho que sim, — digo. Eu e alguns outros
pressionamos para que um consultor de Programa de
Diversidade, Equidade e Inclusão fosse contratado e para que
os processos de recrutamento e contratação mudassem. Acho
que foi o medo de más relações públicas e de um possível
litígio que fez com que o pessoal do último andar

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


concordasse, mais do que uma conversão genuína à causa,
mas resultou em algumas pequenas mudanças
concretas. Mas não o suficiente.
— Isso deixou evidente como todo o resto era
insignificante. Os telefonemas às três da manhã para Tóquio
ou Londres. As flutuações do mercado, os recursos
financeiros, os pontos de equilíbrio. Os ternos e canetas e
aviões e tudo, tudo isso. Era tão sem sentido.
Eu olho para as colinas que foram erguidas da terra há
mais de trezentos milhões de anos. Mesmo com as novas
construções do mosteiro aninhadas entre elas, há algo tão
antigo neste lugar, tão velho e ainda assim tão cheio de
energia e vivo.
— Foi como se uma cortina de teatro tivesse sido
puxada, — eu continuo, olhando para a garrafa aninhada
frouxamente em minhas mãos. — E pude finalmente ver o
que todos os adereços, cenários e fantasias eram: uma
grande farsa. E então comecei a me sentir uma farsa
também, como se estivesse usando uma fantasia e
aparecendo para dizer falas já escritas, fingindo que sabia o
que significava felicidade e sucesso reais. Como se eu fosse
uma criança usando o terno do meu pai e achando que isso
me tornava importante. Era tão oco e tão vazio, e...
Faço uma pausa. Isso está chegando perto do verdadeiro
motivo pelo qual fui para o Monte Sergius. Muito perto
daquela noite na casa da fazenda, quando não havia nada
além do brilho de um celular no escuro me dando luz
suficiente para sobreviver até o amanhecer.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Eu mudo o rumo, olhando por cima da minha cerveja
para gesticular para o mosteiro abaixo de nós.
— A maior diferença entre o meu antigo emprego e
este? Tudo ali embaixo tem um significado. Tudo tem uma
razão para estar ali e uma história de estar ali. Mesmo as
menores coisas - o menor quadrado de pano, o menor frasco,
a louça para o padre lavar as mãos - significam alguma
coisa. Tudo significa alguma coisa. Sim, tudo aponta para
Deus, mas também aponta para nós mesmos. Isso cria o
sagrado para nós.
Elijah escreve algo enquanto eu termino minha
cerveja. — Então, pode-se afirmar que o que você quer com
este trabalho é diferente do que queria com o antigo?
Eu bufo contra minha garrafa de cerveja. — Você não se
esqueceu da Timber Wolf, não é?
Ele ri baixo e rico. — Oh, meu Deus, eu esqueci.
Em Kansas City, temos uma icônica montanha-russa de
madeira chamada Timber Wolf. Não é icônica porque é uma
boa montanha-russa - ela vai tirar as bolas do seu saco - mas
é uma daquelas coisas que você ama por causa da sensação
desagradável duradoura. Foi também a primeira montanha-
russa em que andei. Minha irmã mais velha, Lizzy, me levou
no meu aniversário de nove anos, e a foto daquele passeio
acabou sendo a única que eu tinha depois que ela morreu,
que era só de nós dois. Ainda a tenho em um pequeno álbum
em minha cela no Monte Sergius.
De qualquer forma, em algum momento depois da
faculdade, decidi que o único objetivo da minha vida seria

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


espalhar minhas cinzas - não perto da Timber Wolf -
mas através da Timber Wolf, por alguém que andasse
nela. Claro, o parque temático provavelmente tem alguma
regra chata sobre restos humanos na propriedade, então era
óbvio que eu precisaria ganhar muito dinheiro para suborná-
los para permitir isso. Portanto, estava juntando milhões e
milhões de dólares na forma de doação, de modo que, quando
eu morresse, eles teriam que recusar uma soma enorme em
dinheiro se não quisessem permitir que minhas cinzas
fizessem o último passeio na montanha-russa instável.
Claro, todo aquele dinheiro da Timber Wolf foi doado
para causas muito melhores quando fui para o Monte
Sergius.
— Não acredito que nunca se preocupou se a
montanha-russa ainda estaria lá quando você morresse, —
Elijah ri, balançando a cabeça enquanto escreve em seu
caderno. — Como se todo esse plano dependesse de
uma montanha-russa de madeira ainda estar lá daqui
sessenta anos ou mais.
Estou feliz que ele não pode ver meu rosto. Pego outra
garrafa de cerveja e abro, assim não tenho que responder.
Assim, não preciso dizer a ele que o Aiden de antes
nunca planejou viver tanto.
— E você? — Pergunto, colocando minha garrafa na
terra macia sob a árvore e me virando para olhar para ele.
Suas sobrancelhas franzem sobre os óculos de sol. — O
que tem eu?

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Você também trocou de emprego, não trocou? Qual é
a maior diferença que viu?
— Se eu estivesse escrevendo um artigo sobre meu
próprio trabalho, não estaria em uma floresta belga agora, —
diz Elijah. Não consigo ver o olhar dele atrás das lentes, mas
sei que está ali mesmo assim.
— Sei. Eu li Mode e GQ e Esquire, e todas aquelas
matérias de destaque são sempre tão metalinguagem com o
escritor quebrando a quarta parede22 ou o que quer que
seja. Na verdade, pode ser seu dever jornalístico permitir que
seus próprios insights se infiltrem no texto.
Ele chupa os dentes por um momento, mas é um ato
pensativo, não de julgamento, e então ele suspira. — Tudo
bem, — ele diz. — Você tem razão sobre a questão da quarta
parede.
— Eu sei que tenho.
Ele vira a cabeça para me dar uma olhada por trás dos
óculos de sol. — Não force, Bell.
Decido perguntar o que desejo perguntar desde que ele
chegou pela primeira vez ao Monte Sergius. — Por que você
deixou de planejar eventos? Você era tão bom nisso.
— De certa forma, é um paralelo com a sua história. Dê-
me outra cerveja, por favor, — ele diz, colocando seu caderno
no chão e esticando as pernas. Seu short sobe um pouco nas
coxas, expondo logo acima do joelho, onde começam os

22 A “quarta parede” é uma divisória imaginária situada na frente do palco que separa

os atores da plateia, que observa tudo o que está acontecendo em cena de forma
passiva. A quebra da “quarta parede”, portanto, também muito utilizada no teatro, é a
interação da plateia na ação dramática.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


quadríceps. Músculos firmes que imploram por beijos e
lambidas.
— Obrigado, — ele diz enquanto lhe entrego uma garrafa
aberta, e então toma um gole. — Então você partiu, — ele
começa, e meu estômago revira, e ele continua antes que eu
possa dizer qualquer coisa. — E foi o primeiro rompimento
que tive que não parecia romântico. Antes de você, todo
término de relacionamento - ou toda vez que pensei que meu
coração estava partido, mesmo que não houvesse um
relacionamento propriamente dito - vinha com esse período de
luto romântico. Parecia romântico estar sofrendo, curar
minhas feridas, decidir se eu ficaria remoendo essa dor ou
fazendo sexo de vingança ou viver melhor minha vida ou o
que quer que fosse mais catártico na época. Mas depois que
você partiu... não havia nada de romântico nisso. Nada
mesmo.
A dor - envelhecida e fumegante como um uísque -
atinge sua voz. Mas, de novo, ele continua antes que eu
possa falar.
— Tudo parecia cinzento. Como se um filtro ruim tivesse
sido aplicado a tudo em minha vida, e comecei a encarar meu
trabalho não pelo quanto eu era bom ou por quanto recebia,
mas pelo que era, que era planejar eventos para a maioria
das pessoas ricas brancas, e para o mesmo grupo
indefinidamente. Eventos de arrecadação de fundos, bailes,
recepções, merda pré-espetáculo, merda pós-espetáculo - os
mesmos rostos, os mesmos sorrisos de autocongratulação e
conversa fiada. E então, no meio de tudo isso, minha chefe

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


teve uma conversa comigo sobre minha presença nas redes
sociais. — Elijah faz aspas com os dedos, garrafa e tudo, na
palavra conversa.
— Ela disse que minha rede social era muito política,
muito controversa, especialmente para um ano
eleitoral. Estava preocupada que isso estivesse parecendo
como “divergência”. E estava refletindo mal no trabalho.
— Isso é horrível pra caralho, — eu digo. — Divergência?
— Sim. Quando estou compartilhando minha opinião
sobre eventos atuais, isso não me faz informado ou
consciente. Informado é para brancos, divergente é para mim.
— Ele exala longamente depois de esfregar a testa com a mão
que segura a cerveja. — E você sabe que não foram os
“eventos atuais” que a irritaram - ela não se ofendeu com
meus tweets sobre o Brexit ou os Panama Papers. Não. Aos
seus olhos, era divergente falar sobre coisas como
brutalidade policial, como supremacia branca, como
nativismo e direitos de voto e basicamente qualquer coisa que
sugerisse da forma mais ínfima que o racismo existia em
qualquer lugar, em qualquer forma. De alguma maneira, para
ela, o verdadeiro racismo era falar sobre racismo. Mesmo que
fosse no Twitter - meu Twitter pessoal, de maneira alguma
associado ao maldito Twitter do trabalho.
— E quer saber o que é mais fodido nisso, é que eu não
discordei de nada quando estávamos na reunião? Tipo,
quando eu estava lá, quando ela estava me mostrando sua
expressão preocupada, toda é puramente sobre a reputação
da empresa, eu só balancei a cabeça e concordei porque

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


estava tão chocado e ela era minha chefe e poderia me
despedir naquele momento - e só queria que acabasse para
que pudesse escapar. Mas então, uma vez feito isso e eu
estava voltando para casa, pude finalmente processar o que
tinha acontecido em sua totalidade – o dito e o subentendido,
por assim dizer. Pedi demissão no dia seguinte.
— Então foi por isso que saiu, — eu digo. — Lamento
que você teve que fazer essa escolha. Mas estou muito feliz
que a fez e saiu de lá.
— Eu também. E acho que houve um lado positivo -
minha demissão foi a gota d'água para o chefe dela, e ela foi
demitida pouco depois de eu sair. Eles até me perguntaram
se eu gostaria de me candidatar ao cargo dela, mas falei que
não. Estava pronto para seguir em frente, sabe? Não só pelo
que aconteceu, mas por ter estado lá no geral.
O vento aumenta por um momento, balançando meu
hábito e o caderno de Elijah, e ele estica a mão, casualmente,
para enfiar a ponta do meu hábito esvoaçante debaixo da
minha panturrilha. Seus dedos tocam na minha pele, e sinto
isso subindo pela minha perna até o meu estômago.
— Enquanto eu tentava entender as coisas, — diz ele,
encostando-se indiferentemente como se não tivesse acabado
de tocar a minha perna. — Comecei a escrever mais do que
nunca. Não apenas para mídias sociais e sites de plataforma
aberta, mas também para mim. Diário e ensaios e todas
essas coisas que são postas de lado quando você está muito
ocupado.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— E foi nisso que você se formou, não é? — Eu digo,
minha mão indo para onde minha panturrilha ainda está
formigando. — Escrita criativa?
— Sim, — diz ele, com o suspiro autodepreciativo de
quem se formou em artes liberais. — Depois que me formei,
eu estava saindo com todos aqueles escritores e eles estavam
com todos aqueles artistas, e depois me tornei um groupie de
galeria e meio que caí no setor de eventos. — Ele balança a
cabeça. — Na época, era só um serviço. Era para ser só uma
forma de pagar as contas até que minha escrita encontrasse
seu lugar. Mas quando te conheci, a escrita havia se reduzido
a esse pequeno fantasma de um sonho, mal existindo para
me assustar quando eu estava entediado.
— Não me lembro de você ter falado muito sobre isso, —
comento, embora acrescente, — mas deixei passar uma série
de coisas.
— Eu não falei sobre isso, — diz ele. — Nunca pensava
nisso. Era como o sonho de uma criança de ser bailarina ou
astronauta. Parecia estar muito longe.
— Mas não parecia muito longe depois que você se
demitiu.
Ele balança a cabeça outra vez, desta vez com um
sorriso. — Não. De certa forma, tenho que te agradecer por
isso. Depois que você partiu, tinha tanta coisa que queria
escrever, tanta coisa que precisava escrever, que de repente
era só o que importava. Comecei a organizar um portfólio de
exemplos de escrita e enviei para vários lugares. A Mode foi
minha primeira escolha, e eles me contrataram como

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


freelancer no início, até que abriu uma vaga na equipe. E foi
assim que cheguei aqui.
— Claro que eles te contrataram, — eu digo. — Você é a
pessoa mais inteligente que conheço.
Ele olha para mim, seus óculos de sol espelhados
escondendo seus olhos. Sua garganta se movimenta em um
pequeno gole. — Nem sempre, — diz ele.
Abaixo meus olhos para a minha cerveja, sem ter
certeza do que ele quer dizer, mas provavelmente não é bom.
Ele limpa a garganta, continuando. — Na Mode, eles me
enviam para cobrir coisas que realmente me interessam. Sim,
eu tenho que escrever as listas e banalidades às vezes, mas
também consegui cobrir protestos e legislações que precisam
de atenção. E adoram que eu seja ativo nas redes sociais - e
vários de seus escritores também, o que significa que não
estou sozinho. Eu consigo usar minha voz com
frequência. Intencionalmente.
— É a sua vocação, — eu digo. — Só que é no mundo
em vez de ser em um claustro medieval.
— É uma vocação, não é? — Ele morde o lábio por um
minuto, seu olhar em direção para os telhados do mosteiro no
vale abaixo. — E é. É mesmo. Essa diferença entre meus
empregos é a mesma que você encontrou - passei de um
trabalho sem sentido para um trabalho que tem significado,
pelo menos na maior parte do tempo. E amo e quero
continuar fazendo isso. Mas...
Ele leva a cerveja aos lábios, mas não bebe, deixando a
garrafa afundar de volta em seu colo. — Mas às vezes me

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


sinto cansado. De sempre precisar ter uma resposta para o
que quer que esteja acontecendo, de sempre ter que pensar
sobre isso e pensar rápido e então enquadrar esses
pensamentos em algo incisivo e profundo em poucas
horas. Às vezes, quero pensar devagar. Às vezes, quero que o
espaço esteja errado sobre alguma coisa. Às vezes, só quero
silêncio e a ausência de... não sei. Produção, acho. Quero ter
pensamentos errantes e conversas e palavras que não levam
a lugar nenhum, que nem sempre acabam em algo a dizer. E
às vezes acordo e olho para o meu celular e fico quase
chateado por ele não ter travado durante a noite. Entro em
meu escritório, vejo meu computador e sinto raiva por ele não
ter tido algum problema elétrico e pegado fogo. Já se
passaram quase quatro anos e estou exausto. Quero
continuar escrevendo o que escrevo porque é importante,
importante pra caralho, mas também não sei como posso
continuar assim sem precisar comprar um daqueles tanques
de privação sensorial para meu escritório. Merda, — ele diz de
repente, esvaziando a cerveja e então colocando a garrafa na
caixa, junto com sua primeira garrafa de cerveja. — Não
queria jogar tudo isso em você. Estou aqui para te entrevistar
e aos monges sobre a cerveja. Não falar de mim.
— Estou feliz que você falou, — digo, também colocando
minhas garrafas na caixa e, em seguida, organizando as
sobras do piquenique.
Com tudo embalado, nós dois nos levantamos e, com
um acordo silencioso, começamos a descer a colina, de volta

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ao mosteiro onde deixaremos os restos do nosso almoço e
depois caminharemos através das ruínas.
— Ainda acho que o monaquismo é uma forma de vida
privilegiada, — diz ele depois de um minuto, suas palavras
quase perdidas no vento. — Mas acho que agora posso
admitir que estou com ciúmes disso.
Abro a boca para dizer algo sobre como ser monge não é
uma marca comercial - não de verdade. O período medieval
foi cheio de pessoas que cruzaram as fronteiras do sagrado e
do secular, que operaram fora das designações oficiais da
Igreja sobre o que definia alguém monástico ou não.
Mas à medida que as palavras se formam na minha
língua, algo mais se forma no meu peito. Um nó apertado que
tem algo a ver com essa mesma ideia, que está ligado a ela de
alguma forma, e de repente sinto que se eu falar sobre isso, o
nó vai ficar mais apertado e estrangular algo vital dentro de
mim.
Em vez disso, fecho a boca e, apenas com a brisa,
nossos passos e o barulho quase silencioso de um açor em
uma árvore no vale abaixo, caminhamos até a abadia.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


30

— Aha! — Elijah grita sobre o mapa desenhado à


mão. — É este caminho!
Algumas horas depois, nos livramos dos restos de nosso
piquenique e vagamos pelas ruínas que se entrelaçam com a
moderna Abadia de Semois. As ruínas que encontramos na
verdade não foram a primeira Abadia de Semois, mas a
segunda.
Elijah segue em frente e eu o sigo, vagando entre as
árvores. — Então, você acredita na história da primeira
abadia? — Elijah pergunta, enfim abaixando a mão que
segura o mapa para olhar ao nosso redor.
— Você quer dizer se acredito que houve um pássaro
falante enviado por Deus para ajudar uma condessa italiana
perdida a encontrar uma caverna para se esconder, para que
não tivesse que se casar? E depois prometeu construir um
mosteiro aqui em agradecimento?
— Não é seu trabalho agora acreditar em milagres?
— Eu acredito em milagres, — digo, pensando naquela
noite na minha casa da fazenda e na mensagem que iluminou
meu celular. — Mas também acredito em boas relações
públicas medievais.
— Essa história tem todos os bons elementos milagrosos
medievais, — Elijah responde. — Animal falante, virgem
aristocrática...

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— ...uma fonte mágica, — acrescento. Na história que o
irmão Xavier nos contou, Deus ficou tão satisfeito com a
promessa da condessa de construir um mosteiro que
manifestou sua satisfação divino produzindo uma nascente
com muita água boa e límpida. A água é tão boa, na verdade,
que a abadia moderna ainda a usa em seu processo de
fabricação de cerveja.
— Não posso esquecer a fonte mágica, — Elijah diz
distraidamente enquanto para e se curva sobre o mapa mais
uma vez.
— Sabia que existe um subgênero inteiro de
hagiografia23 que é dedicado a fontes mágicas e cabeças
decepadas?
Isso chama sua atenção. — O quê?
— Cabeças de santos decepadas, — esclareço.
Ele me encara por trás dos óculos de sol. — Isso é para
deixar menos estranho? Tipo, só seria estranho se fossem
cabeças decepadas de pagãos que fazem água potável
mágica?
Eu encolho os ombros.
Elijah tira os óculos escuros e olha ao redor da floresta
escura e fria que nos cerca. Os raios de sol ocasionais
cintilam no âmbar e cobre em seus olhos. — Estamos
perdidos.
— Não podemos estar perdidos. Disseram que ficava a
menos de um quilômetro de distância. Deixe-me ver esse
mapa.

23 Biografia ou estudo sobre biografia de santos.

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Suspirando profundamente, Elijah mostra o mapa para
eu olhar, mas não o solta. Nossos ombros se encostam
enquanto traço meus dedos sobre os marcos e caminhos
tortuosos desenhados à mão pelo irmão Xavier.
Como as estruturas das ruínas não foram avaliadas, a
abadia desencoraja a maioria dos visitantes e turistas de
perambular ao redor delas, mas o irmão Xavier nos convidou
a explorá-las, desde que tomássemos cuidado com as paredes
instáveis e o antigo poço. Também significa que o caminho
não é muito trilhado e é fácil se perder.
— Acho que precisamos voltar para a pedra e virar à
esquerda lá.
— É a Planície Inundada de novo, — resmunga Elijah. —
Você se lembra disso?
— Aquela instalação de arte perto do rio? — Pergunto
enquanto voltamos a andar.
— Nós ficamos perdidos. Fomos picados por
mosquitos. Vimos um veado morto. E quando chegamos ao
local da instalação, todo o vinho tinha acabado.
— Mas eu me diverti, — digo, conforme me lembro
daquela noite.
Elijah zomba. — Sim, porque te chupei no carro depois.
— Como eu disse. Bons tempos!
A pedra está aparecendo agora e fazemos uma curva ao
redor dela. Uma tênue faixa de trilha se revela por entre as
árvores e avançamos em sua direção. A distância, acho que
vislumbro uma pedra cinza entre todas as folhas verdes
ondulantes.

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— Eu te arrastei para vários eventos de arte aleatórios,
não foi? — Ele medita.
— Arrastou, — eu respondo. — O que foi aquele em que
parecia um curta-metragem de pessoas enfiando alfinetes em
um pêssego ou algo assim?
— Foi Removendo o Caroço #7! — Elijah diz, rindo. —
Foi uma investigação dos efeitos desestabilizadores das novas
mídias!
— Foi nojento, — eu digo desamparadamente. — Aquele
pêssego ficou todo massacrado no final.
— Sim, mas para quantos eventos corporativos chatos
eu te arrastei? — Elijah pergunta. — Isso mesmo, nenhum.
— Não, você apenas os planejou como seu trabalho
diário e me fez ouvir como as impressoras erraram a
impressão dos cartões ou algo assim.
Ele está rindo tão alto agora que está esfregando o rosto,
e eu queria vê-lo rir para sempre. Queria que pudéssemos
ficar assim - lembrando das coisas engraçadas, dos bons
momentos. Como se nosso ano juntos fosse só sexo e arte
local horrível, férias e jogos sujos que consumiam todas as
nossas horas com suspiros e suor, e não houvesse nada de
difícil em nos amarmos, nada doloroso.
— Nós nos divertimos naqueles eventos de trabalho, —
diz ele. E então, como se pudesse ler meus pensamentos, diz,
casualmente: — Lembra daquele jogo que costumávamos
fazer neles?
E se...

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— Bem. A gente jogava em todos os lugares, — eu digo,
e minha voz é baixa, um pouco mais rouca do que deveria.
— Sim, — ele diz, e sua voz é baixa também, quase um
sussurro. Como se não quiséssemos ser ouvidos, embora
estivéssemos a quase um quilômetro de distância da abadia e
essa abadia estivesse a milhares de quilômetros de distância
do resto do mundo.
Estamos total e completamente sozinhos e mesmo assim
sussurrando.
— Você fica lembrando deles? — Eu pergunto, e não
deveria, não deveria perguntar isso. É perigoso para mim, é
perigoso para ele.
Não deveríamos estar falando sobre isso.
Por um momento, acho que Elijah não vai
responder. Seu rosto está virado e, quando entramos na
clareira cheia de arcos meio quebrados e pequenos claustros
agora sufocados com samambaias e musgo, ele não diz nada.
Isso é bom. É uma coisa boa. Uma coisa inteligente.
Saudável, até.
E eu nem deveria ter dito as palavras em voz alta,
porque você fica lembrando deles é a mesma coisa que
dizer eu me lembro deles o tempo todo, e ele não precisa saber
disso, não é justo deixa-lo saber disso quando ele está noivo e
ainda sou casado com Cristo.
Mas estamos no meio da clareira e as árvores estão se
movendo, e há um leve tilintar do poço musgoso por perto, e
ele diz, baixinho: — Eu sempre me lembro deles.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Eu me viro para encará-lo de frente, e ele está mais
perto do que eu pensava. Tão perto que posso ver a pequena
fenda em seu queixo sob a barba por fazer. Tão perto que
posso ver as linhas mais claras de âmbar e dourado escuro
em seus olhos, para ver como suas pupilas se dilataram na
sombra da floresta antiga.
Ele é, simplesmente, lindo.
— Eu também, — é a minha resposta ainda mais baixa.
Ele morde seu lábio inferior por um momento. — O que
você... — Ele limpa a garganta. — Se estivéssemos aqui. Ou
se ainda estivéssemos...
— Ainda...?
— Se ainda estivéssemos juntos, — diz ele rapidamente,
— e estivéssemos aqui nestas ruínas, que tipo de jogo você
acha que iriamos jogar?
Meu eixo enjaulado faz um movimento poderoso
enquanto minha pulsação dispara em minhas veias. É como
se ele apenas colocasse os dedos na minha boca. Como se
tivesse acabado de cair de joelhos.
Uma única pergunta dele e estou desfeito.
Eu engulo, minha mente já perdida com cada coisa
imunda que sempre sonhei em fazer com ele, com cada
fantasia que tive desde que fiz meus votos.
— Eu... eu posso pensar em algo que poderíamos jogar,
— eu digo. Minha voz sai rouca e apressada, porque se eu
não disser tudo de uma vez, agora, quando ele está me
olhando assim, então vou me lembrar de todos os motivos

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


pelos quais não devo dizer isso, todos os motivos pelos quais
devo parar com isso.
Mas uma coisa é parar quando você acha que está
sozinho em querer isso, quando você acha que é o único com
desejo queimando suas coxas e queimando o interior de sua
pele. Outra coisa totalmente diferente é parar quando o
homem à sua frente está afundando os dentes no lábio e lhe
dando aquela sobrancelha. A sobrancelha que diz... bem,
então?
— Eu fingiria ser um monge, — digo.
Sua voz está rouca quando ele pergunta: — É?
— É, — eu respiro. — E teria se passado anos e anos
desde que fui capaz de foder. Eu estaria desesperado.
— Quão? — Ele pergunta. Seu peito está pesado, mas
seus braços e mãos estão imóveis, como se não pudesse
suportar fazer qualquer movimento que pudesse quebrar o
feitiço.
Mas estou além dos feitiços agora. Estou falando
profecias e parábolas, sussurrando algo em que pensei tantas
vezes. — Tão desesperado que não aguento mais. Não depois
de te ver. Você é tão lindo, e acho que poderia perguntar...
— Perguntar o quê? — Elijah pede.
— Se posso te beijar. Se você me deixaria lembrar como
era ser beijado. Se me deixaria tocá-lo e abraçá-lo e, em
seguida, fazê-lo gozar.
Os olhos de uísque de Elijah estão quase todo preto
agora, um anel âmbar ao redor de um círculo ônix. — E se

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você me perguntasse, e eu dissesse sim, o que aconteceria
então?
— Então eu começaria do final, — eu digo, tremendo
todo. — Eu começaria de joelhos, precisando sentir seu
gosto. E, depois que você me usasse, pediria para ser
beijado. Beijado até que os sinos tocassem para a oração.
Elijah dá um pequeno passo à frente e então se
detém. Ele parece estar tremulo também, como se segurar-se
ainda exigisse toda a força de vontade que ele tem. Estamos
ambos presos na mesma teia, amarrados juntos na mesma
seda.
E se...
Eu me ajoelho. Lentamente, e com toda a prática que
tenho feito em um mosteiro por quase cinco anos. Não deixo
meus olhos abandonarem os dele - nem quando meus joelhos
tocam o chão, nem quando ele dá aquele passo final para
frente. Porque a qualquer momento ele vai se afastar, recuar,
trazer à tona Jamie e meus votos e todas as outras razões
pelas quais não podemos fazer este jogo. O porquê nunca
mais podemos jogar juntos.
Mas ele não faz nenhuma dessas coisas. Em vez disso,
estende a mão – muito, muito devagar - e embala meu rosto,
seus dedos empurrando meu cabelo e sua mão pressionada
contra meu queixo.
Acho que ele pode falar; seus lábios se abrem como se
fosse falar. E nunca senti tanto pavor e tanta excitação ao
mesmo tempo, presos juntos no mesmo momento...

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Seus lábios se pressionam, deixando o que quer que ele
estava prestes a dizer não dito, e a decepção me atinge.
Até eu ver sua outra mão descer para a braguilha de seu
shorts.
Com os olhos ainda no meu rosto, ele abre o zíper e o
botão da braguilha. No limite da minha visão, eu o vejo
enganchar no cós de sua cueca boxer, o vejo se controlar. Ele
me encara e, com o polegar esfregando suavemente minha
têmpora, pressiona a cabeça de seu sexo contra meus lábios.
Ele já está duro, e quando abro minha boca e o lambo
com minha língua, sinto o gosto salgado do pré-sêmen. Ele
está duro há um tempo.
A compreensão é elétrica e maravilhosa, e quero sal e
eletricidade para sempre, quero que dure anos e anos, para
que da próxima vez que dois americanos tropecem pela
floresta, encontrem não apenas ruínas medievais, mas
também nós, ainda jogando nosso jogo.
Ele guia minha cabeça para que minha boca fique
pressionada na raiz quente e grossa dele, e eu o beijo e lambo
ali também, beijo e lambo o que posso ao redor de seu pau - o
saco embaixo, puxado com força e o plano firme de sua
barriga acima - e então ele me deixa descer ainda mais, para
beijar os músculos rígidos acima de suas coxas, as mesmas
coxas que cobicei antes, enquanto comíamos.
Quando me endireito, ele parece um pouco selvagem,
como se eu o tivesse provocado de propósito, e suas
sobrancelhas estão tão unidas que há uma linha profunda
entre elas.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Abro minha boca, língua de fora, como se estivesse
pronto para receber a comunhão, e ele geme, envolvendo-se
com a mão e se empurrando em minha boca com um
movimento lento, mas implacável. Quando se afasta, porém,
vejo que suas sobrancelhas ainda estão unidas, que sua
expressão é tão angustiada quanto selvagem.
Cruzando pela minha luxúria como água fria está a
lembrança dele e Jamie de mãos dadas no jardim da
cerveja. Ele e Jamie se beijando no jipe de Jamie.
Pressiono minhas mãos contra a frente de suas
coxas. — Você pode? — Pergunto-lhe. Essas são as primeiras
palavras que falamos em voz alta desde que lhe disse o jogo
que queria jogar, e mesmo em um tom abafado, elas parecem
muito, muito altas.
Ele exala, lentamente, as sobrancelhas um pouco
desconcertadas. — Eu posso, — diz.
Alívio e curiosidade e - esperança? - estremecem dentro
de mim, mas irei separar todos esses sentimentos mais tarde,
e mergulho minha cabeça em direção à parte dele que se
projeta orgulhosamente de seu corpo. Mas antes que possa
prová-lo de novo, ele segura meu queixo com os dedos. —
Você pode? — Pergunta.
Não tenho escolha a não ser olhar para ele e talvez este
seja o momento que vai encerrar o jogo, porque não posso
mentir. Não posso responder eu posso porque nós dois
sabemos que isso não é um jogo, que minhas vestes não são
vestes de mentira e eu não sou um monge de mentira.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Então, respondo da única maneira que posso. — Eu vou
fazer, —digo a ele, como um anjo caído de um poema de
Milton, e de novo abro minha boca para ele.
Desta vez, ele não me impede. Com a mandíbula tensa,
ele levanta a blusa para ver melhor quando começo a chupá-
lo a sério, levando-o o mais fundo que posso, amando a
sensação dele contra minha língua, amando aquela pele
macia de veludo esticada sobre o que parece aço
sólido. Amando a cabeça redonda que incha sempre que traço
minha língua em torno de sua borda dilatada, amando os
pequenos solavancos e empurrões dele enquanto o lambo,
lambo e chupo com força. Senti-lo reagir é a coisa mais sexy
do mundo, e deixa meu pau duro em sua gaiola, fazem
minhas coxas ficarem tensas e meu coração disparar tanto
que fico tonto.
Eu me esqueci disso, esqueci todos os pequenos
detalhes que transformam isso em sexo, e não o ato mecânico
que minha memória tinha achatado. É muito mais do que um
pau na boca - é o calor do pau dele contra meus lábios e a
forma como sua barriga fica tensa e seus olhos se fecham. É
o suspiro suave de sua respiração e a maneira como sua mão
torce meu cabelo, em turnos amorosos e gratos e exigentes e
cruéis. É esse fluxo indefinível de prazer, esse calor ao fazer
coisas quentes para outra pessoa, essa sensação inebriante
de poder e amor, saber que você está fazendo outra pessoa se
sentir tão bem que ela não consegue suportar.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Talvez seja uma graça que eu tenha esquecido, porque
se me lembrasse, teria ficado atormentado além do que
qualquer penitência poderia fazer comigo.
Sua respiração se transforma em gemidos, e deixo
minhas mãos vagarem por todo ele - segurando e deslizando
e gentilmente tocando - e então abro minha garganta e o levo
de volta, inteiro para dentro. Engolindo-o até minha garganta
doer e meus lábios estarem totalmente contra ele que posso
sentir o cheiro persistente de sabonete em sua pele.
— Porra, — Elijah geme, a mão no meu cabelo inquieta e
agarrando e soltando e então agarrando novamente. — Porra.
Tudo ao nosso redor é diferente, desde minhas vestes
até as ruínas e a inclinação quente do sol do verão belga, mas
sua voz assim, seu gosto na minha língua...
Familiar como qualquer coisa. Familiar como respirar.
Eu vou gozar em minhas vestes, gaiola e tudo. E do
nada, basicamente do nada, além do som dele atingindo o
clímax e da sensação de sua mão em meu cabelo, e como eu
poderia guardar meu corpo para Deus quando isso parece tão
necessário, tão inevitável?
Tão certo?
Meu abdômen se contrai e eu resmungo ao redor de seu
pau quando começo a liberar o gotejamento insatisfatório de
um orgasmo enjaulado. E então há o primeiro choque de seu
clímax, seguido por minha necessidade reflexiva de engolir
quando ele começa a bombear na minha garganta. E a
maneira como meus lábios e língua se movem ao redor dele, é
como uma oração, é como um canto.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Um salmo secreto e silencioso só para nós.
Ele sussurra meu nome secular, e adoro isso, adoro
ouvi-lo dizer isso. E talvez, de qualquer maneira, eu tenha
sido mais Aiden do que o irmão Patrick hoje. Fiz piadas
desagradáveis, praguejei muito e fiz um jogo safado com
Elijah na primeira chance que tive. Talvez eu estivesse me
enganando todos esses anos quando pensei que tinha
mudado, quando pensei que havia aprendido a cumprir uma
promessa.
Talvez tentar ser um homem santo tenha sido uma
experiência condenada o tempo todo.
Mas quando ele repete meu nome, há muita felicidade
correndo por mim, muita excitação e alívio para a culpa
encontrar espaço. Porque qualquer coisa vale isso. Qualquer
coisa.
Ele mantém minha cabeça imóvel enquanto termina em
minha boca, um toque possessivo que faz meu pau tentar
endurecer de novo em suas restrições, e depois ele se dá um
longo minuto, estremecendo um pouco enquanto o lambo
suavemente para limpá-lo.
Ele me encara, lábios entreabertos, olhos atordoados, e
então a frente do meu hábito é agarrada por dois punhos, e
sou puxado até sua boca. Sou puxado contra ele para um
beijo esmagador, o tipo de beijo que quase dói, mas tem que
doer, tem que doer, porque qualquer coisa menos feroz seria
desonesta e uma mentira.
Sua língua fode a minha boca como se ela fosse feita
para ele foder como quiser, e eu amo isso, gemo com a

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


sensação dele sentindo seu próprio sabor enquanto me
aprecia também, e então estou beijando de volta, minha mão
encontrando sua nuca e minha outra mão encontrando sua
bunda, até que estejamos pressionados com tanta força que
meu manto flutua em torno de suas pernas.
— Você está usando sua gaiola de novo, — ele geme no
beijo, uma mão deslizando entre nós para se enrolar ao meu
redor.
— Sim, — consigo dizer, inalando enquanto ele me
segura. Tudo ainda está pegajoso e quente, e tudo que quero
é empurrá-lo sobre o musgo e ficar com ele até que ambos
morramos de velhice.
— Por favor, diga que tem a chave, — ele diz. — Por
favor, por favor...
— Está na hospedaria, — digo, deixando cair meus
lábios em seu queixo.
— Aiden, — ele geme. — Você deveria estar com ela o
tempo todo. — Ele se afasta um pouco e ergue uma
sobrancelha que acho que imagina ser severa, embora seus
lábios estejam inchados e seus olhos ainda entrecerrados.
— Você vai me dar um sermão sobre a prática segura da
castidade agora? — Eu dou risada enquanto pressiono meu
rosto em seu pescoço.
— Sim! Como seu antigo portador da chave...
— Durante aquele mês, e mesmo assim mal usei porque
você estava com muito tesão...
— Tenho o dever de lembrá-lo de estar seguro! E se nós
caíssemos da colina e tivessem que levá-lo de helicóptero

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


para um hospital belga e então chamar os bombeiros para ver
essa coisa no seu pau?
Estou rindo muito para continuar beijando seu pescoço
e me afasto para sorrir para ele. — Bombeiros? Isso parece
quente.
— Oh, meu Deus, não.
— Você sabe que sim.
— Alguém tem que ser responsável por você, Aiden, —
Elijah diz, exasperado. — Alguém tem que saber que você
nunca é.
E assim, sinto o gel frio da realidade deslizando sobre
minha pele.
Sim.
Sim, sou irresponsável, não sou? Chupando meu ex-
namorado com meu hábito e escapulário, bem no meio de um
espaço aberto onde qualquer um poderia ver.
— Devíamos ir para não perder o jantar, — digo,
recuando e arrumando minhas vestes. Há algumas manchas
em meus joelhos, mas também há bastante sujeira em todos
os outros lugares para dizer que foi tudo devido à caminhada.
— Aiden, — Elijah diz com suavidade. — Não quis
dizer...
— Não, não, você está certo. — Forço um sorriso. — Os
últimos trinta minutos devem ter servido para provar o
quanto você está certo. Você está pronto?
Ele me olha como se quisesse dizer não, como se
quisesse dizer outra coisa. Mas depois de um minuto, ele
apenas balança a cabeça, sua mandíbula tensa.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Sim, — ele diz. — Sim. Vamos voltar.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


31

Eu e Elijah não nos falamos até a hora de dormir e,


mesmo assim, é apenas para trocar palavras educadas de boa
noite enquanto nos encontramos no corredor e nos revezamos
no chuveiro. Parece que ele quer dizer mais, mas então uma
explosão de valão fervoroso vem da sala comunitária e somos
lembrados de que não estamos sozinhos.
Eu aceno para ele e vou para o meu quarto.
Rezo de joelhos por alguns minutos, minhas orações
noturnas habituais, meu cérebro contornando o que fiz
naquele dia na clareira. A extravagante ruptura com o
celibato. E quando tento pensar em algo para dizer a Deus,
algum pedido de desculpas que possa realmente falar, minha
língua fica parada. Me sinto desolado com o que fiz, mas sei
que faria de novo. E de novo. Quantas vezes tiver a chance.
E não sei qual é a oração certa para isso.
Minha mente continua vagando para longe da oração de
qualquer maneira. Vai para Elijah. Para Jamie. A curiosidade
queima em mim, e eu quero tanto saber se eles terminaram,
mas tanto a curiosidade quanto a empolgação que sinto com
essa ideia me fazem sentir mau e mesquinho, e eu só deveria
desejar felicidade para Elijah, e não deveria me importar de
qualquer maneira!
Com nojo de mim, me levanto. Já que fiz piada da ideia
da castidade, decido dormir sem minha gaiola esta
noite. Apago a luz e rastejo para a cama. Amanhã iremos de
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
carro bem cedo para Luxemburgo e depois uma jornada épica
de trem para Carcassona, onde seremos recebidos por um
monge na próxima parada de nossa viagem, Abadia Notre
Dame des Fontaines. Ou Nossa Senhora das Fontes para os
que tem um francês ruim, como eu.
Minhas malas já estão prontas, mas já sinto falta de
Semois. Ou melhor, sinto falta do que aconteceu aqui entre
mim e Elijah, porque com certeza a partir de hoje, vamos nos
comportar. Sabemos que fodemos tudo - bem, eu mais do que
ele - e é claro que não vou fazer isso de novo. Mesmo que
minha culpa esteja entrelaçada com tanto desejo que nem
parece culpa, mas algo totalmente diferente.
Como uma rede de ouro pesada pendurada sobre meus
ombros; um vinho tão escuro e cortante que nem mesmo
uma hóstia de comunhão pode diminuir o gosto.
Meu pau recém-liberado não está acostumado a tantas
sensações, e tenho dificuldade em encontrar uma posição na
cama que não o estimule, que não leve minha mente para as
lembranças de pressionar meu corpo contra o de outra
pessoa. Lembranças de foder, rápido e lento e todos os
caminhos intermediários.
Não estou nem perto de dormir quando ouço minha
maçaneta, mas pode ser que eu esteja sonhando. Pode ser
que tenha me privado tanto, rompido algo essencial entre a
realidade e meu cérebro excitado, e agora estou tendo um
sonho acordado no qual Elijah está abrindo minha porta à
meia-noite. No qual ele está entrando no meu quarto e
fechando a porta silenciosamente atrás de si.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


No qual ele está vindo para a minha cama descalço,
vestindo apenas calça de linho largas que caem em seu
quadril.
Ele não fala, mas quando corre uma mão aberta e
possessiva sobre meu bíceps e ombro, sei que ele é real. Isso
é real. E eu quero - eu quero. Depois de anos de negação,
poliéster e tanta falta de toque humano que eu poderia
chorar, eu quero. Egoística e carnalmente. Não para o bem de
uma comunidade ou para o bem da minha alma imortal ou
para a reconectar meu cérebro.
Eu só... quero.
Eu me sento e agarro seus braços, e ele me deixa fazer
isso. Ele me deixa puxá-lo para baixo e virá-lo de costas, me
deixa montá-lo e lamber sua boca até ele abrir seus lábios e
me dar sua língua.
Não dizemos nada - não estamos sozinhos na
hospedaria, afinal, e mesmo os sussurros carregam seu
próprio risco. Não consigo imaginar uma daquelas doces
velhinhas me denunciando, mas preciso forçar minha
imaginação para acomodar não só o perigo para minha
vocação, mas também para mim mesmo - ou, mais
importante, para Elijah.
Mas estamos quietos, tão quietos, embora não me sinta
absolutamente silencioso por dentro. Eu me sinto estridente
com o quanto que quero isso, com o quanto preciso disso,
como se meu desejo fosse um sino tocando uma e outra vez,
badaladas agudas misturadas com vibrações baixas de latejar
os ossos.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Beijo Elijah com cada dia de negação e cada hora de
castidade que vivi desde que o deixei. E então empurro minha
própria calça de pijama, agarro sua mão e a guio direto para
minha ereção, que está pesada e inchada entre nós.
Seus dedos fortes se enrolam ao meu redor, e é a
primeira vez que sinto isso depois de tanto tempo. O
movimento de uma mão na minha pele sem restrições, o
aperto e a carícia feitos apenas por prazer, apenas por prazer
sexual, e isso - eu tinha esquecido isso também. É bom pra
caralho.
Sua mão é grande e forte, e ele faz movimentos curtos,
mas lentos, de modo que sinto cada centímetro de sua mão
sobre mim. Encosto minha testa na dele e sou capaz de olhar
para baixo em meu peito e barriga para vê-lo me
masturbando. E então sua mão desaparece para traçar meus
testículos, para fazer carícias gentis e provocadoras até que
um rosnado ressoa por mim e me abaixo para colocar sua
mão de volta onde ela pertence.
Desta vez, envolvo meus próprios dedos ao redor dos
dele, e juntos acariciamos e afagamos até que - em um
período embaraçosamente curto - meu quadril está se
movendo para frente e meus músculos estão tremendo tanto
que devo estar sacudindo a cama. O prazer queima através
de mim como um fogo através de gravetos e se derrama do
meu órgão, uma faixa espessa branca em todos os músculos
da barriga dele, seguido por outra e outra.
A sensação é alucinante, incrível, terrível, deliciosa.
Insuperável. Mal posso suportar, mal consigo continuar

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


respirando. É demais para um corpo lidar, e caio sobre
Elijah, deixando-o aguentar meu peso enquanto respiro o
cheiro persistente de sálvia e sabão em sua pele.
Suas mãos vêm em volta do meu quadril e deslizam para
a minha bunda, espalhando-me e separando-me para que o
ar beije minha pele íntima. Se isso fosse há cinco anos, se
estivéssemos em qualquer outro lugar, eu estaria fazendo o
mesmo com ele, enfiando a mão nessa calça de linho cara e
encontrando os lugares dele que eram só para mim.
Eu o faria me dizer que jogo ele queria jogar - o monge
necessitado cujo controle finalmente foi rompido e ele tem
que aceitar o que seu visitante está oferecendo? Ou quem
sabe o jogo em que o monge é obrigado por séculos de
tradição a oferecer a seu visitante todo tipo de hospitalidade?
Ou talvez pudéssemos jogar de compensá-lo por tê-lo
deixado tantos anos atrás. Compensá-lo com o que ele quiser.
Mas não estamos em nenhum outro lugar. Estamos aqui
em uma hospedaria trapista com um grupo de velhas
fofoqueiras, estamos a poucos passos de um prédio cheio de
monges que quase certamente contariam ao meu abade que
eu tinha um homem em meu quarto se descobrissem.
Eu me permito uma última inspiração contra o pescoço
dele, e então me liberto, dando-lhe um beijo suave antes de
me levantar e caminhar até o pequeno gancho onde pendurei
minhas toalhas. Quando volto para ele, toalha na mão, seus
olhos brilham para mim, ilegíveis como sempre. Mas seus
movimentos quando ele pega a toalha para limpar a barriga

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


não são rápidos ou agitados. Ele parece mais atencioso do
que qualquer outra coisa.
Limpo minha própria pele e o observo enquanto ele se
levanta e amarra o cordão de sua calça. Sua ereção se
estende até o quadril, mas quando estico a mão para alcançá-
la, ele balança a cabeça.
— Boa noite, Aiden, — murmura, e então sai do meu
quarto com passos suaves e o clique quase imperceptível da
maçaneta.
Fico olhando para a porta por um minuto, sem saber
como me sentir sobre o que acabou de acontecer. A química
em meu sangue me diz que estou saciado e feliz, mas meu
peito ainda está cheio de todas as coisas que estava antes:
arrependimento e não arrependimento, um desejo de ser de
Deus e a dor de ainda ser de Elijah.
Este não é um enigma para o escuro, mas, em minha
experiência, isso nunca impediu enigmas dolorosos
antes. Sob o sol, sob o céu azul, ansiedades e misérias podem
parecer tão pequenas. Nada mais do que poças na estrada,
suas bordas já secando, suas superfícies refletindo nada além
do céu aberto acima. Mas na noite turva... é quando mais
gostam de visitar. Quando eles podem se espalhar contra o
seu teto enquanto você tenta dormir, quando podem se
inclinar sobre você com os dentes rangendo e dedos longos e
mesquinhos.
E quando o sono finalmente se fecha ao meu redor,
tenho a inquietante ideia de que mordi uma maçã que hoje

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


não posso me livrar. Que voltar ao irmão Patrick de ontem
pode ser impossível para mim.
Não, penso ferozmente. Aprendi a viver sem isso uma
vez.
Posso aprender de novo.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


PARTE 3

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


FRANÇA

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


32

DO CADERNO DE ELIJAH IVERSON

Não sei o que estou fazendo agora. O que estou fazendo?


Eu deveria usar esta viagem de trem para pôr em dia os
e-mails e organizar minhas anotações.
Mas não estou trabalhando tanto quanto estou olhando
para a tela do meu laptop, e não estou olhando para a tela
tanto quanto estou olhando Aiden pelo canto do olho. Ele
está dormindo com os braços cruzados sobre a mesa entre
nós, a cabeça apoiada nos braços e os cílios longos e escuros
contra as bochechas. Se não fosse pelas vestes de monge e os
fios brancos soltos brilhando em seu cabelo, ele poderia ser
um estudante universitário tirando um cochilo entre as
aulas. Ele poderia ser nada além do irmão mais novo de Sean
novamente, membros longos esparramados e pendurados em
todos os lugares enquanto dorme no sofá do porão.
Ao longo dos últimos dois meses, essencialmente mudei
minha vida inteira, e é por causa deste grande monge de
olhos verdes na minha frente, e nem sei se entendo
inteiramente o porquê. Ele me deixou, da pior maneira
possível, sem um adeus, sem uma explicação, com apenas
um rápido telefonema naquela noite para me dizer que estava
cuidando de algumas coisas antes de entrar para um
mosteiro e que estava me deixando a casa da fazenda para
ficar com ela ou vender.
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
Ele me deixou exatamente quando eu o amava mais,
exatamente quando eu estava prestes a declarar meu amor
da maneira mais romântica que podia imaginar.
Não sou romântico por natureza; este sempre foi Aiden.
Extravagância espontânea e depois ostentação infantil
quando eu lhe agradecia por isso.
Depois, eu queria retribuir o favor. Queria lhe provar e
talvez a mim que não era um silo de reserva e
reprovação. Queria ser vulnerável, corajoso e poético para ele
também. Não é metade da adrenalina de estar
apaixonado? Estar vulnerável?
De qualquer forma, por mais que tenhamos trepado,
viajado e passado todos os minutos juntos, não dissemos um
ao outro eu te amo, e eu sabia que era minha culpa. Porque
eu podia ver eu te amo em seus olhos sempre que ele olhava
para mim, podia ouvir deslizando entre suas palavras
enquanto ele falava.
Ele teria me dito isso na primeira noite se eu tivesse
deixado.
Mas eu precisava ter certeza. Eu sou assim: tenho que
saber, tenho que saber com certeza.
(Ou eu costumava ser desse jeito, pelo menos. Porque
agora não sei o que estou fazendo, não tenho nenhuma
certeza, e terminei com um homem bom e voei meio mundo
para o que é essencialmente a incerteza total na forma de um
monge.)
A questão é que eu enfim estava pronto para dizer essas
três palavras. Mesmo que houvesse momentos em que Aiden

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


brilhava demais ou apagava completamente, como um celular
com a bateria descarregada. Momentos em que ele me
assombrava, momentos em que não aparecia em um evento
ou jantar onde era meu acompanhante e então eu chegava
em casa e o encontrava deitado no escuro, como se ele tivesse
decidido apenas passar um tempo sozinho em vez de fazer o
que disse que faria.
E então havia os momentos muito brilhantes, os
momentos em que ele falava muito alto, muito descuidado,
muito bêbado.
Nada disso acontecia com tanta frequência, mas
aconteciam o suficiente para fazer amar Aiden ser como estar
em uma daquelas montanhas-russas que ele tanto
amava. Eu ficava vibrando, tonto, enjoado de amá-lo. Eu
sobreviveria a uma volta, com a cabeça girando, sem fôlego e
com náuseas também, mas depois queria fazer tudo de novo.
E eu estava pronto para isso, para tudo o que dizer eu te
amo significaria, então planejei um jantar especial que eu
mesmo preparei. Eu me vesti, comprei flores. Eu diria
aquelas palavras mágicas e ele me daria um daqueles olhares
de Aiden, com seus olhos queimando e seu rosto corando, e
então passaria a noite com ele insaciável e brincalhão
debaixo de mim. E teríamos o resto de nossas vidas juntos, e
eu saberia que tudo começou naquela noite, com meu eu te
amo.
Só que ele não apareceu. Estava horas atrasado para o
jantar em sua própria casa de merda, e quando finalmente

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


entrou pela porta, não tinha nenhum motivo sério para sua
ausência. Ele só tinha esquecido.
Talvez tivesse doído menos se eu não tivesse tentado ser
tão aberto, ser o tipo de namorado que fazia mais do que
levá-lo a eventos de arte locais e tentar fazê-lo ler algo além
de livros de Star Wars. Talvez tivesse doído menos se eu não
tivesse decidido que essas palavras precisavam ser um
evento, se tivesse murmurado no escuro enquanto ele me
batia uma punheta, como uma pessoa normal.
Mas não importa. Doeu. E a briga foi grande, o tipo de
briga que pode terminar um relacionamento, embora não
tivesse me ocorrido terminar nada na hora. Por que teria? Eu
o amava. Na minha cabeça não havia nenhuma dúvida de
que iria para a cama chateado e acordaria ainda chateado,
mas talvez menos, e então resolveríamos isso.
E então acordei em uma casa de fazenda vazia. Sem
caminhonete, sem namorado, sem explicação.
E quando consegui uma explicação, era a última coisa
no mundo inteiro que eu esperava ouvir.
Um monge.
Quem poderia esperar isso? E de Aiden Bell, de todas as
malditas pessoas? O garoto propaganda de dinheiro e
sexo? Talvez haja uma parte minha que ainda não consegue
acreditar, embora eu tenha visto o Aiden transformado com
meus próprios olhos. Mas como isso pode ser verdade?
E por que estou aqui?

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


E o que estou fazendo com ele? Este homem prometido,
este homem celibatário, que não consigo parar de tentar - ou
talvez seja ele me tentando.
Eu não sei.
Eu não sei.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


33

Em algum lugar depois de Sens, nosso vagão esvazia


quase completamente, de modo que ficamos apenas eu e
Elijah sentados de frente um para o outro com uma mesa
entre nós, e uma jovem dormindo profundamente no final do
vagão.
Tivemos uma manhã bastante fácil, embora fosse
cedo. Os irmãos já estavam acordados para as Vigílias
quando era hora de partirmos e, por isso, deram a todos nós
calorosos e amigáveis apertos de mão quando entramos no
Renault com o irmão Xavier no volante. Ele até falou um
pouco - muito pouco - enquanto dirigíamos, perguntando se
havíamos gostado de nossa estadia e da cerveja.
Eu tinha brincado que iríamos canalizar a água de
nascente deles para o Kansas, e ele riu, e então nos contou
um pouco sobre a abadia francesa que iríamos visitar e a
cerveja de mel que fabricavam lá. Pelo visto, foi classificada
como uma das melhores cervejas do mundo, mas eles se
recusavam a fazer mais do que o necessário para pagar por
suas necessidades. E assim, com uma oferta muito restrita, a
demanda por sua cerveja era, em poucas palavras, uma coisa
de louco.
Os monges só a vendiam nos portões da abadia, nunca
em lojas de bebidas ou bares próximos, e os compradores
ficavam limitados a uma caixa de cada vez. Os pedidos só

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


eram abertos uma vez a cada seis semanas, e tinham que ser
feitos por telefone, como nos velhos tempos ou algo assim.
Por telefone!
Houve casos de entusiastas da cerveja que suportaram
retiros espirituais inteiros só para beber a cerveja. Duas vezes
nos últimos cinco anos, roubaram não o equipamento, mas a
própria bebida, da instalação de envasamento externa. Era a
cerveja mais rara do mundo e estava na lista de coisas para
fazer antes de morrer de milhares.
O irmão Xavier confessou que tinha ciúmes porque
nunca teve oportunidade de beber a cerveja Nossa Senhora
das Fontes. Prometemos contrabandear uma garrafa para ele,
se conseguíssemos, e ele nos agradeceu profusamente,
apertando nossas mãos enquanto nos decantávamos para
fora do Renault e pegávamos nossas coisas.
Foi uma despedida agradável para o que tinha sido uma
estadia agradável, mas quando embarcamos no trem e
encontramos lugares para nossas malas, Elijah disse,
perceptivelmente: — Semois não é para você, não é? — E
respondi com um relutante aceno de cabeça.
Semois tinha sido adorável: a cerveja era boa e a fé era
mais do que evidente em todos os irmãos ali. Mas não havia
como negar que era o sedan cinza de preço médio das
abadias. Uma abadia decente e bem projetada demais para
dizer não, mas não o tipo de coisa que excita o coração. E eu
poderia muito bem ficar no Monte Sergius com as pessoas
que já amava e minha grande colina e meu riacho, se não me
apaixonar por nenhum outro lugar.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


De qualquer forma, nós fomos de Luxemburgo a Paris -
eu cochilando o caminho todo - e então trocamos de trem e
rumamos para o sul.
E agora era dia claro, e eu podia ver áreas rurais e
colinas distantes e neblinas escuras de pequenas florestas a
distância. Elijah escreve em seu laptop a maior parte do
tempo enquanto fico grudado na janela como uma criança,
até que pergunto: — Está trabalhando em seu artigo?
Ele termina de digitar algo enquanto balança a
cabeça. — E-mails agora. Eu tinha sugerido um artigo sobre
como o trabalho dos acadêmicos partidários da TERF24 está
ajudando a alimentar uma onda de legislação antitrans, e
meu editor aprovou, mas também me designou um artigo
sobre uma nova linha da Dior e outro sobre se o martini está
morto ou não, então estou tentando planejar o que preciso
fazer, para que tudo seja escrito a tempo. E também
descobrir se devo beber um martini antes de decidir se está
morto em uma publicação nacional.
— O martini é um clássico, — digo.
— Vermute é nojento, — ele rebate sem olhar para mim,
e ele tem razão.
Eu volto a olhar pela janela e ele continua digitando.

Uma hora depois, ele fecha abruptamente o laptop e


olha para mim.
24 TERF - Transgender Exclusionary Radical Feminist – em português, algo como

Feminista Radical Trans-Exclusivista.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Por que a Igreja? — Ele pergunta sem avisar. Dá para
ver pela intensidade em sua voz que isso o tem incomodado
por um tempo... talvez até pelos últimos anos. — Você quer
mudar toda a sua vida, ficar longe de tudo, encontrar a si
mesmo, seja o que for, isso eu até consigo entender. Mas por
que esse caminho? Você nunca fez a porra de uma
genuflexão na igreja ou na missa ou qualquer coisa, e então
bam! - monge. Nem mesmo tentou ser vegano primeiro.
Não respondo imediatamente, esfregando a barba em
meu queixo enquanto procuro por uma resposta que não se
desvie muito da verdade completa daquela noite - embora
esteja começando a questionar se lhe contar é
inevitável. Espero que não. Não quero jogar tudo isso aos pés
dele e dar a impressão de que estava tentando fugir de sua
raiva justificada pelo jeito que parti.
E também, mesmo depois de anos de terapia, não sei se
consigo enquadrar os acontecimentos daquela noite em
palavras. Esse é o problema mais cruel da depressão: ela está
no limite da fala, no limite do que as palavras podem moldar
e descrever.
— Recebi um versículo da Bíblia, — digo, abaixando
minha mão e olhando para ele. — Naquela noite. De um
número desconhecido. Ainda não sei quem me enviou, na
verdade. Só que veio quando eu mais precisava ler.
Quando a escuridão estava comendo as estrelas
enquanto eu olhava pela minha janela. Quando ela escorria
ao redor dos meus pés e entre os meus dedos. E então houve
um brilho de luz azulada.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Levanto meus olhos para as colinas.
— Você recebeu um versículo da Bíblia, — Elijah
repete. — De um número misterioso. E isso te fez decidir
virar monge.
— Foi uma noite difícil, — eu digo com honestidade.
Ele tamborila com a ponta dos dedos no topo de seu
laptop, a boca normalmente inescrutável se curvando em
uma leve carranca. — Eu me lembro, — ele diz, sua voz
curta.
— Lembra? — Pergunto, e então uma lembrança se
filtra, ele de terno, flores no lixo.
— Ah, — eu digo baixinho. — A briga.
Ela tinha sido engolida pelo resto da noite em minha
mente, já que tinha sido apenas a porta rachada que deixou
entrar os demônios que me perseguiam há anos. Tinha sido
horrível, sim, mas o resto da noite foi muito pior.
Elijah move sua mandíbula para o lado. — Sim, Aiden. A
briga.
— Se vale alguma coisa, — eu digo, — eu lamento
muito. Eu ainda lamento, muito mesmo.
— Tenho certeza de que sim, — ele diz.
Ele queria me surpreender naquela noite. Jantar, flores,
uma declaração de amor. Mas no típico estilo Aiden, cheguei
tarde e meio bêbado de um jantar comemorando um novo
acordo no trabalho.
Não era raro para mim - chegava atrasado para um
monte de coisas ou perdia muito delas. Eu chegava uma
bagunça ou me transformava em uma bagunça quando

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


chegava. Às vezes era por motivos fáceis de entender, como
uma reunião demorada, como dormir demais depois de um
voo internacional. E às vezes eram por motivos menos fáceis
de entender - motivos que eu nem conseguiria articular se
tentasse.
Às vezes eu queria mesmo me lembrar de alguma coisa,
mas era absorvido por outra - trabalho, lazer, qualquer coisa
- e não percebia que haviam se passado horas e horas. Às
vezes era porque eu chegava em casa depois de um longo dia
de trabalho e sabia que precisava me trocar para encontrar
Elijah em algum evento ou festa, mas eu afundava na minha
cama e me encontrava literalmente incapaz de me mover. E
não era que eu tinha esquecido que o evento era importante
para o meu namorado, e nem que não quisesse ir, porque
muitas vezes eu ia. Era mais como se minha luz piloto se
apagasse de repente e não sobrasse nada para me animar,
nenhum calor, energia ou vida. Como ser afundado em
concreto líquido, afundado em uma substância onde até
mesmo o menor movimento exigia um esforço sobre-humano.
Mas como explicar isso para um namorado desapontado
e não fazer parecer como “escolhi olhar para uma parede em
vez de ir ao que você explicitamente me disse que era
importante para você”
Não se explica. Não dá para explicar.
Sei disso porque tentei.
Estendo a mão agora e toco o pulso de Elijah... a
primeira vez que nos tocamos desde a noite passada. Arrasto

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


meus dedos para segurar seu antebraço, esperando que ele
encontre meu olhar.
Quando ele olha, o que quer que veja ali faz seus
ombros caírem um pouquinho. E então, lentamente - tão
lentamente que acho que ele vai mudar de ideia a qualquer
momento - vira o braço de forma que a palma da mão fique
para cima e seus dedos segurem meu antebraço
também. Não é como dar as mãos. Parece mais como se
estivéssemos nos abraçando aqui, neste lugar, neste
momento.
Ele solta um longo suspiro e diz depois de um minuto,
baixinho: — Achei que tivesse sido por isso que você partiu.
— A briga?
Ele assente e o horror passa por mim. Eu balanço a
cabeça. — Não, — digo, com empatia. — Elijah, parti porque
eu estava fodido e partir parecia a única maneira de me
corrigir e parar de machucar todo mundo. Se eu soubesse
que você pensaria...
Mas como eu poderia saber? Parti sem dizer uma
palavra e voltei apenas para deixar a chave da casa da
fazenda nas mãos dele. E mesmo assim, ainda estava muito
perdido no fogo da minha própria mente para falar com ele,
para lhe dar uma explicação adequada. O único objetivo que
eu tinha era desaparecer do mundo o mais rápido possível.
— Não, — repito, prendendo meu olhar no dele. —
Elijah, não parti por causa da briga.
Há uma ruga entre suas sobrancelhas de novo e
aborrecimento curvando os cantos de sua boca, como se ele

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


não acreditasse em mim, e percebo que terei que contar a
verdade em algum momento. Talvez nem mesmo em algum
momento - talvez logo.
Talvez agora.
Mas antes que eu possa pensar em como começar, o que
dizer, o trem para e a mulher adormecida nos fundos acorda
para descer. Com relutância solto Elijah e ele me solta,
quando ela se levanta e a plataforma do trem meio lotada
aparece.
Enquanto meus dedos deslizam para baixo em sua
tatuagem, percebo que estou na direção certa para ver a
montagem corretamente. O mapa que agora reconheço como
o mapa de ruas do nosso bairro. A árvore que vejo agora é a
árvore de seu quintal com pequenos degraus que levam a
uma pequena casa na árvore em seus galhos. E as palavras
escritas em uma pequena fonte datilografada sob a
montagem. Estão em latim, e agora tenho bastante
conhecimento da língua morta para saber o que significam.
Quid si.
Meu coração salta, uma vez, dentro do meu peito.
Significa: e se.
Olho para ele e ele olha para mim, e não sei o que ele
está pensando. De jeito nenhum.
E se.
Ele colocou isso no corpo... por quê? Como lembrança?
Como um lembrete? Abro minha boca para perguntar, mas
então outras pessoas começam a embarcar no trem e ele tira
o braço da mesa e pigarreia.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


E quero perguntar de qualquer maneira - ou quero
contar a verdade daquela noite - ou pelo menos quero tocá-lo
de novo, mas o trem voltou a ficar lotado, e o que eu poderia
ter feito sem muita hesitação em Paris é um tipo de cálculo
diferente agora, tão profundo em um campo desconhecido
Só quando olho pela janela enquanto o trem começa a
se mover é que me lembro do outro limite para tocá-lo em
público.
Estou com minhas vestes de monge completas hoje,
escapulário, cinto e tudo.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


34

Nossa Senhora das Fontes se revela como um broche


enfiado nas dobras de um lenço. Colinas íngremes se erguem
por toda parte, rochas e árvores por toda parte, e então
somos mergulhados em um denso trecho de lavanda. Campos
e mais campos dela na planície no fundo do vale, seu cheiro
enchendo o interior do carro imediatamente.
E aninhada entre todo esse verde e roxo está a própria
abadia, um pequeno aglomerado de construções feitas da
mesma pedra cor de mel de que as colinas são feitas. Entre
as encostas repletas de árvores que a cercam, o mar de
lavanda e o céu azul radiante, os arredores da abadia são um
cartão-postal vivo, e a própria abadia - com mais de
novecentos anos - é igualmente venerável e adorável.
Enquanto o carro anda entre os ciprestes altos que
alinham o caminho para o terreno, sinto o clima pesado do
trem começar a melhorar. Quando olho para Elijah, ele já
está me olhando por trás de seus óculos de sol, sua boca
curvada em um quase sorriso.
E entre o quase sorriso de Elijah e o cheiro forte de
lavanda e ervas selvagens aglomerando-se ao longo da
estrada, já estou apaixonado por este lugar.
O que é estranho, porque foi em St. Columba que meu
coração acelerou, foi St. Columba que correspondeu a tudo o
que eu sabia que precisava, não esse feliz retiro provençal.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Você ainda não foi a St. Columba, eu me asseguro. Você
vai adorar quando chegar lá.
Nosso motorista é o irmão Luc, um jovem monge de pele
dourada clara e barba bem aparada, e ele é muito mais
conversador do que o irmão Xavier em Semois, contando-nos
sobre a história da região e da abadia enquanto paramos no
estacionamento de pedregulhos. Ele nos ajuda a descarregar
nossas malas e depois nos leva até a pequena hospedaria -
um prédio baixo de pedra com pequenas janelas redondas e
portas de madeira estreitas.
— Só temos mais um hóspede no momento, — diz ele, —
porque logo vamos começar a colher a lavanda e a abadia fica
bem diferente durante a colheita, pois estamos muito
ocupados. Não é bom para hóspedes. Mas vocês não são
visitantes regulares - e nosso outro convidado é um padre -
então o abade Bernard acha que vocês não vão se importar
que estejamos tão ocupados. — O sotaque francês do irmão
Luc transforma cada palavra em uma melodia suave - muito
diferente do francês mais forte e rápido de Luxemburgo ou
Paris. Parece de alguma forma combinar com a paisagem,
como se até as palavras aqui fossem ensolaradas e felizes e
prontas para sorrir.
— Não vamos nos importar de jeito nenhum, — digo
enquanto ele abre uma porta destrancada na outra
extremidade da hospedaria, e nós caminhamos pelo corredor
fresco e sombreado. — E estou feliz em ajudar com qualquer
coisa que precisarem na colheita.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Podemos aceitar sua oferta, porque sempre há muito
a ser feito, — diz o irmão Luc. E então, acrescenta: — Como
você se sente sobre abelhas?
— Abelhas? — Elijah repete com cautela.
— Abelhas, — irmão Luc confirma feliz enquanto
caminhamos. — Elas polinizam a lavanda e depois colhemos
o mel delas e vendemos. Usamos na cerveja também. Ah,
voici!25 O quarto está pronto para você, e o que fica no
corredor também está pronto.
Entro na cela que ele indica e não posso deixar de
sorrir. É mobiliada tão esparsamente quanto se poderia
imaginar uma cela trapista, com uma cama estreita de
madeira, uma pequena escrivaninha e um crucifixo na
parede, mas de alguma forma, ainda é como o resto de Nossa
Senhora das Fontes. Radiante com a luz do sol entrando,
tudo limpo, fresco e agradável além da imaginação.
Elijah leva sua mala para o quarto e retorna enquanto o
irmão Luc nos entrega um pequeno mapa desenhado à mão
da abadia e mostra o refeitório, a cervejaria, o apiário e os
outros prédios anexos.
— O restante dos irmãos está em reunião agora, —
explica o irmão Luc, — então não poderemos recebê-los
adequadamente antes do jantar. E devo avisá-los que,
durante a colheita, fazemos as horas médias sozinhos -
parando para rezar onde quer que estejamos e depois
voltando ao trabalho. Então, receio que estejam visitando em

25 Aqui está!

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


um momento em que nosso ritmo diário é menos... — Ele
parece procurar a palavra certa em inglês. — Tradicional.
— Somos homens muito modernos, — Elijah diz
suavemente. — Há algo que gostaria que fizéssemos antes do
jantar? Ou depois?
— Vocês estão livres, — diz o irmão Luc. — Assim como
todos os hóspedes aqui. Imagino que o irmão Patrick gostaria
de rezar as horas principais conosco, mas elas não são
obrigatórias para os hóspedes. Na verdade, o abade Bernard
me pediu para lhe dizer que deseja que você se sinta um ...
oh, qual é a palavra? Observador? Muito novo - antes de um
postulante. E aqui, não se espera que nossos observadores
sejam tão rígidos com sua participação. São convidados a
passar seus dias discernindo se foram feitos para este
lugar. Ou melhor, se este lugar é destinado a eles.
O irmão Luc olha para o relógio e nos dá outro grande
sorriso. — Há muita cerveja no refeitório, se quiserem se
refrescar. O terreno é de vocês e nos encontramos em
algumas horas para o jantar.
O irmão Luc sai com um aperto de mão e um movimento
de seu escapulário preto sobre suas vestes trapistas brancas,
e então ficamos apenas eu e Elijah.
— Quer explorar? — Ele pergunta ao mesmo tempo que
eu digo: — Quer tomar uma cerveja?

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Fazemos as duas coisas e, com garrafas de cerveja
geladas e sem rótulo nas mãos, vagamos pelos campos de
lavanda. Abelhas zumbem por toda parte, grandes e difusas,
e uma leve brisa balança as hastes roxas das flores enquanto
descemos uma das fileiras infalivelmente retas. À distância,
vejo monges perambulando ao redor de uma construção de
pedra que parece mais antiga do que o país de onde venho, e,
no alto das colinas, vejo o telhado de uma capela medieval
construída sobre uma das nascentes de onde deriva o nome
de Nossa Senhora das Fontes, de acordo com o irmão Luc.
Elijah segue meu olhar até a colina, parando ao meu
lado. Seus dedos em volta do gargalo de sua cerveja roçam os
meus, e mesmo aqui no sol de julho, mesmo tão perto do Mar
Mediterrâneo, eu estremeço.
— Algum santo foi decapitado lá em cima por causa
dessas fontes? — Elijah pergunta, acenando em direção à
colina. — Ou algum peixe cantante levou um eremita sedento
até a água ou algo assim?
— Não seja ridículo, — digo. — A Virgem Maria apareceu
naquela colina para chorar por uma criança doente. As fontes
surgiram quando suas lágrimas caíram ao solo e a criança foi
curada por suas águas depois.
— Não consigo imaginar por que não pensei nisso, — diz
Elijah, tomando um gole.
— Vamos lá para cima, — sugiro de repente. — Não
parece uma subida tão ruim e ainda temos muito tempo
antes do jantar.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Tudo bem, — concorda Elijah, e é assim que estamos
no topo da colina vinte minutos depois, ofegantes e suados e
também cheirando a todo o tomilho e alecrim que esmagamos
ao subir a colina.
Mas é inegável que vale a pena. Guardada por uma
mistura de pinheiros-mansos, carvalho branco e algumas
faias selvagens, a capela tem vista para a os campos roxos do
vale e revela as colinas escarpadas e repletas de árvores que
preenchem a paisagem até o mar.
E então, quando entramos na própria capela, somos
recebidos com um choque de ar frio, fresco. Um poço foi
construído ao redor da nascente sagrada e agora borbulha
docemente no canto da capela, deixando o local temperado e
úmido, mesmo no forte calor do verão.
Há um altar feito de pedra que parece não ser usado há
pelo menos cem anos, mas os bancos de madeira são sólidos
e intocados pela podridão, e colocados no parapeito de uma
janela, há - o que mais? - uma pequena caixa para doações.
— Você acha que rezam missa aqui? — Elijah pergunta.
Observo enquanto ele passa um dedo comprido ao longo
da beira do altar. — Não, — digo distraidamente. — Deixou
de ser consagrado há algum tempo. A abadia diz que hoje em
dia é só um lugar de contemplação para os visitantes.
Elijah se vira e olha para mim, seu lábio inferior preso
entre os dentes enquanto seus olhos percorrem meu peito e
ombros e depois voltam para o meu rosto. — Você acha que
temos o lugar só para nós? — ele pergunta suavemente.
Eu engulo. — Sim.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Eu me movo primeiro, mas ele também é rápido, e de
repente estamos presos um no outro, minhas mãos em sua
camiseta, as dele no meu escapulário e depois no meu hábito,
e nossas bocas juntas, procurando e quente. E é por isso que
não pude rezar direito ontem à noite, é por isso que a
excitação esteve vibrando debaixo de minha pele o dia todo.
Porque de alguma forma eu sabia que isso iria
acontecer.
Sabia que não estávamos prontos para parar.
Elijah suspira algo parecido com alívio quando lambo
sua boca, como se ele estivesse esperando pelo meu beijo a
vida toda, e então está me puxando e estamos cambaleando
de lado até ele se sentar em um banco e me puxar para
sentar nele.
— Eu sou muito grande, — murmuro entre beijos, mas
suas mãos já estão empurrando meu hábito sobre minhas
coxas.
— Eu gosto disso, — ele respira contra mim. — Gosto de
você grande. — Suas mãos estão na pele nua das minhas
coxas agora, deslizando até a minha cueca boxer. As pontas
dos dedos deslizam entre o tecido apertado e minha pele, e
então ele gentilmente a esfrega de volta para baixo, enviando
arrepios em toda parte sob meu hábito.
— Você está usando sua gaiola de novo, — diz ele,
enquanto a ponta dos dedos finalmente roça o anel de metal
ao redor da base do meu sexo.
Eu gemo com o toque. Meu pau está
tentando muito inchar, engrossar, e o eixo exposto acima do

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resto da gaiola é insuportavelmente sensível. E então ele
começa a tocar meus testículos, provocando toques e carícias
e puxões, até que interrompo nosso beijo e estou respirando
com dificuldade em seu pescoço.
— O jogo que fizemos nas ruínas, — diz ele, suas mãos
experientes se movendo com tanta habilidade debaixo do meu
hábito. — Fico lembrando isso. Sobre aquele pobre monge
que está tão desesperado para foder que vai implorar a um
estranho para deixá-lo chupar seu pau.
— Sim?
— Eu fico pensando sobre o que mais ele faria. Quanto
ele deve sentir... dor... — Os dedos de Elijah se afastam -
deliberadamente, sondando - e então sinto o toque leve de
seus dedos sobre o meu cu. Sensações formigam ao longo da
pele delicada muito depois de seu toque sumir, inserindo-se
cada vez mais fundo em mim, mais fundo em minha barriga.
Ele enrola e engancha ao redor da base da minha coluna, e
tenho que apoiar minhas mãos na parte de trás do banco
para evitar esmagá-lo enquanto estremeço através dele.
Porque sinto, eu sinto dor. Apesar da minha liberação
ontem à noite, e dos alívios débeis e pela metade durante a
castidade, estou infeliz. Como se todos os anos de celibato
finalmente estivessem me alcançando, de uma vez, me
inchando e me enchendo. Meu eixo está procurando uma
saída de sua jaula; minhas bolas estão pesadas, latejando
com algo que está entre o prazer e a dor.
Necessidade.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Encontro sua boca de novo e ofego contra seu beijo
enquanto ele acaricia minha entrada. Nada mais do que
carícias, nada mais do que provocações. E apesar da certeza
em seu toque, há uma espécie de hesitação ali
também. Quase como se fosse a nossa primeira vez. Como se
estivéssemos nos beijando de verdade, querendo muito mais,
mas apenas nos beijando e nos tocando, porque não sabemos
o quanto a outra pessoa vai nos deixar ir.
— Você pode curar isso? — Sussurro, meus lábios
vagando sobre os dele enquanto falo. — A dor?
Sua outra mão encontra meu quadril e se enrola ao
redor dele, segurando-me no lugar para seus dedos entrarem
em mim. — Sim, — ele murmura.
— Quero que você me cure disso, — digo a ele,
pressionando minha testa na dele. — Quero que você me foda
até que eu ficar vazio, até ficar completamente seco.
Essa tinha sido a ideia por trás das minhas gaiolas,
antigamente. Nós as compramos como brinquedos, pensando
que ele me deixaria trancado por dias e dias, até que eu
explodisse para gozar, e então ele iria foder o esperma que me
foi negado. Acontece que nós dois éramos impacientes demais
para esperar muito tempo pela gratificação adiada e, por isso,
nunca terminamos realmente esse jogo. Minhas duas gaiolas
estavam em uma gaveta até o dia em que estava fazendo
minha mala para o Monte Sergius, quando as agarrei por
capricho, de alguma forma intuindo que abstinência de sexo
iria exigir alguma ajuda extra. Ajuda nível cadeado.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Porra, sim, — Elijah geme, e estamos nos beijando
com tanta força agora, ele me arrastando até seu colo, onde
posso sentir sua ereção inchada debaixo de mim. Nossas
línguas fodem do jeito que nossos corpos querem, urgente e
forte, e então desisto de tentar manter meu peso longe dele.
Eu me sento em suas coxas e deixo minhas mãos
vagarem sobre os músculos de seus braços e ombros e sobre
os contornos esculpidos de sua garganta e peito. Faço o que
passei um ano fazendo - o que passei todos os meus vinte
anos desejando ter a coragem de fazer - e traço seu rosto
perfeito com meus dedos, acompanhando a elevação das
maçãs do seu rosto e a curva de seu nariz. Encontrando
essas sobrancelhas que revelam cada pensamento dele, o
maxilar que tantas vezes se tensiona ao meu redor, os cantos
da boca que sempre estive tão desesperado para fazer sorrir.
E suas mãos estão em cima de mim também, ávidas,
um pouco desesperadas, e não sei se são os anos entre nós,
ou as vestes de monge puxadas para cima em volta das
minhas coxas, ou o fato de que este momento é muito, muito
roubado e não temos ideia de quando vamos conseguir outro,
mas estamos nos tocando como se tivéssemos que desenhar
um ao outro de memória mais tarde.
Como se a lembrança fosse tudo o que teríamos.
— Eu amo sentar no seu colo, — confesso depois de um
longo momento de nada além de beijos. Sua mão encontra o
caminho de volta para a meu anel mais uma vez, e ele ainda
está me provocando ali, ainda me fazendo cócegas ali.

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— É mesmo? — Ele murmura, beijando e mordendo
meu queixo barbado.
— Queria ter feito isso anos atrás, — eu sussurro. —
Todas aquelas vezes que você estava lá com Sean. Queria ter
rastejado direto para o seu colo e feito você me beijar.
Há uma nova tensão em seu corpo quando falo, mas
quando me afasto para ver o ardor em seus olhos, sei que é
uma boa tensão. Uma tensão faminta.
— Eu também queria que você tivesse me beijado, — ele
diz, movendo ambas as mãos para meu quadril e me
segurando contra seu colo. Parece que nenhum de nós ignora
que esta é uma posição para foder, que estamos tão perto
disso, tão perto depois de tanto tempo. Seus lábios estão
separados enquanto ele olha para onde minhas coxas estão
montadas nele, para onde suas mãos me seguram debaixo do
meu hábito. — Eu me lembro de ir buscar Sean para sair no
meu vigésimo terceiro aniversário - você se lembra? Você
tinha dezoito anos então, e devia ter se passado quase um
ano desde que tinha te visto, talvez mais. E você estava na
piscina, só de cueca samba-canção, porque não se deu ao
trabalho de vestir o calção. — Ele solta um suspiro
trêmulo. — Foi a primeira vez que percebi que você não era
mais uma criança, e eu te queria. De repente, te queria tanto
que nada mais importava, nem minha amizade com Sean,
nem o cisma entre nossas famílias após a morte de Lizzy. Eu
queria ir até a piscina e te empurrar para baixo em uma
espreguiçadeira e beijá-lo até que você concordasse com
qualquer coisa que eu quisesse.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Fico olhando para ele, atordoado. — Eu não fazia
ideia. Você me notou tão cedo? Eu achei... achei que foi só no
baile, anos depois...
Ele já está balançando a cabeça, sua boca em uma
curva triste. — Eu te vi naquele dia, e nada foi igual para
mim. Nada.
— Então por que não disse nada?
Ele solta um longo suspiro, suas mãos relaxando um
pouco em meu quadril, mas seus polegares agora esfregando
círculos possessivos ali. — Porque por mais excitado que eu
estivesse, todas aquelas coisas ainda eram
importantes. Minha amizade com Sean era importante. A
merda entre nossas famílias era importante. Que você tivesse
dezoito anos era importante e, na época, vinte e três parecia
uma idade assustadora para querer um calouro na
faculdade. E, — ele diz com uma sobrancelha levantada, —
em minha defesa, você estava trepando com todas as garotas
da sua idade em um raio de cinco paróquias. Achei que você
fosse hétero.
Eu solto uma risada. — Eu também. — Mesmo depois
da faculdade, quando percebi que queria foder com todo
mundo, ainda era muito fácil comparar cada homem que
conheci com Elijah. Ninguém mais era tão inteligente quanto
ele, tão sofisticado quanto ele. Ninguém era tão atencioso ou
secamente engraçado - ou tão claro sobre quem ele era e
sobre o que acreditava.
Ninguém mais era ele, ponto final.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Às vezes me sinto culpado por não ter feito as coisas
antes. Que não fiz as coisas da maneira certa, — digo.
— Existe uma maneira certa? — Ele pergunta. Nós não
estamos mais nos beijando ou mesmo nos apalpando, mas
ele ainda está com as mãos no meu quadril e eu ainda tenho
as minhas em seus ombros. Parece a versão excitante de
dança lenta. É incrível.
— Não sei, — eu digo. — Acho que sinto que deveria ter
sido Aiden Bell, bissexual mais rápido. Demorei até os meus
trinta anos para contar ao meu pai e aos meus irmãos, e
mesmo assim parecia que estava tropeçando nisso.
Jamais esquecerei a expressão no rosto de Sean naquela
noite, depois que ele encontrou Elijah na minha casa da
fazenda. Ele ficou atordoado - e magoado. Magoado por não
saber, magoado por eu não ter lhe contado. Eu tive que
explicar de que não era sobre ele e seus sentimentos - era
sobre mim e Elijah também, de certa forma. Era quando eu
estivesse pronto. Eu. Ninguém mais.
Mas então, mamãe morreu.
Ela morreu sem saber sobre a pessoa mais importante
da minha vida, ela morreu sem saber sobre uma parte muito,
muito importante de mim, e depois disso...
Não sei. Acho que pronto parecia diferente então. Contei
para o resto dos meus irmãos e para meu pai, e comecei a
levar Elijah para eventos de trabalho e coisas assim. Família
tinha sido fácil, trabalho um pouco mais difícil.
Mas Elijah valeu a pena.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Eu penso por um momento, e então acrescento: — Eu
deveria ter sido mais corajoso também. Corajoso como você
era.
Elijah baixa os olhos. Não nas minhas coxas, mas no
meu cinto, onde um pequeno rosário de madeira está
pendurado. — Não acho que fui corajoso, — diz ele após um
minuto. — Sabe? Ou rápido. Eu sabia que era gay desde o
ensino médio, mas esperei até a faculdade para confessar aos
meus pais. Fiquei pensando que uma hora encontraria as
palavras certas, o momento perfeito para dizê-las. Como se
um dia eu acordasse e houvesse um anjo do Senhor em meu
quarto me dizendo que hoje é o dia e para não ter medo,
porque o Espírito Santo me ensinaria as palavras certas a
dizer. — Ele faz um pequeno ruído então, uma pequena
risada. Não amarga ou cínica. É quase afetuosa, como se ele
desejasse poder voltar vinte anos atrás e dar um abraço
naquela versão de si mesmo. — No final, não tive
escolha. Você conhece meus pais - uma juíza e um médico-
chefe do nosso maior hospital? Eles estão por toda a nossa
cidade. Ouviriam sobre eu estar namorando alguém no
minuto em que isso acontecesse, e eu sabia que seria muito
pior se descobrissem dessa forma, em vez de por mim.
Ele tira a mão de debaixo do meu hábito e pega o
pequeno crucifixo do rosário entre os dedos.
— Aprendi então que há muito espaço entre o melhor
cenário e o pior cenário. Que eles poderiam ouvir o que eu
estava dizendo, e que poderiam dizer tantas coisas certas de
volta, e ainda assim poderia haver tantas outras coisas não

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


ditas também. E por isso às vezes desejo ter esperado
mais. Não para o anjo aparecer no meu quarto, mas talvez
mais alguns meses, quando eu tivesse mais certeza de como
minha vida adulta seria, depois que passasse mais tempo
com amigos gays e ouvisse mais de suas histórias. Talvez se
eu tivesse esperado esses poucos meses, teria sido mais fácil
para mim.
Ele gentilmente coloca o crucifixo de volta contra o
tecido do meu hábito, erguendo os olhos para encontrar o
meu olhar. — Não existe uma maneira certa, Aiden. Mesmo
fugir para se tornar um monge não é a maneira errada.
— Talvez eu só desejasse não ter perdido todo esse
tempo, — digo suavemente. — Que tivéssemos tido mais
tempo juntos.
Ele não responde, mas enfia o lábio entre os dentes e
seus olhos estão cheios de coisas que não consigo decifrar.
E me sinto tão cheio agora, tão cheio de todos os
sentimentos, e não deveria estar aqui no colo do meu ex-
namorado com suas mãos em cima de mim e minha boca
irritada com sua barba por fazer, mas também não posso
estar em qualquer outro lugar, e é um problema para depois,
é uma confissão para depois, todo o resto pode
esperar. Porque agora ele é meu pilar de chama no deserto,
minha luz, minha urgência.
O relógio de Elijah toca, ele olha para baixo e fecha os
olhos.
— Precisamos ir se não quisermos nos atrasar para o
jantar, — diz ele, com relutância em sua voz e, de fato, há

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


relutância mesmo em suas mãos, pois preciso me esforçar
contra ele para que ele me solte.
Não posso garantir a ele que nos beijaremos de novo ou
dizer que estou morrendo de vontade de fazer nosso jogo de
monge. Falar dos pecados contra o celibato em voz alta
parece pior do que cometê-los, de alguma forma.
Então, em vez disso, endireito minhas vestes e encontro
nossas garrafas de cerveja e, quando termino, ele está
esperando por mim na porta da capela, emoldurada com as
cores da noite invasora. Mais uma vez, ele parece um santo
de vitral, e talvez seja uma blasfêmia que a visão de sua
beleza tire uma oração de minha alma. Uma oração de puro
amor, pura gratidão a Deus pela existência de Elijah. Que ele
está aqui e é lindo e perfeito, e Deus o fez assim.
Como uma macieira entre as árvores da floresta é o meu
amado entre os jovens.
A sua boca é muitíssimo suave; sim, ele é totalmente
desejável.
Este é meu amado, este é meu amigo.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


35

O jantar é uma refeição simples, mas deliciosa, de pão,


óleo e ervas, e uma sopa cremosa de frutos do mar chamada
bourride, tudo isso combinado com a cerveja leve de mel que
preparam aqui na abadia. (É tão deliciosa quanto o irmão
Xavier fez parecer - fresca e floral e a quantidade perfeita de
doçura.) E embora a refeição seja silenciosa em teoria, é um
silêncio leve que se instala facilmente sobre a sala.
Em Semois, havia uma densidade na quietude que a
fazia parecer atenta, quase como algo consciente, mas aqui o
silêncio chega tão suavemente quanto uma brisa, levantado
por sorrisos e pelos inevitáveis ruídos de comida feliz que
todos fazemos enquanto comemos. Ruídos que se
transformam em ahhh e aplausos animados quando dois dos
irmãos emergem da cozinha com frigideiras de ferro fundido
de algo chamado flaugnarde - que é um creme feito de massa
doce e frutas frescas do pequeno bosque de árvores frutíferas
da abadia.
Eu acabo comendo o que Elijah deixou no prato e que
não aguentou comer, para sua diversão.
E depois, como outra brisa suave, o silêncio vai embora
e a conversa envolve o recinto. Ajudamos a tirar a refeição
das longas mesas de cavalete de madeira, e então o abade
Bernard nos convida a entrar no claustro para mais cerveja e
apresentações adequadas.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


O claustro está rodeado por passarelas cobertas, todas
em pedra e originais da abadia original do século XII. Entre
cada arco há uma saliência baixa, mas larga, perfeita para
sentar, e os monges rapidamente encontram lugares que
parecem ser os seus favoritos, sentados de pernas cruzadas
ou com os joelhos puxados para cima, conversando enquanto
esperam o irmão Luc voltar com a cerveja. Uma fonte escorre
no meio, como se quisesse conversar também.
Existem apenas trinta monges aqui, o que é um pouco
surpreendente, dado o quanto produzem. A própria lavanda
responde por vários produtos diferentes - sabonetes e óleos
essenciais e eaux de toilette - e depois há o mel, que é
vendido e transformado em doces e nogado. E, claro, existe a
cervejaria que cria a cerveja mais rara do mundo, a cerveja
que as pessoas estão dispostas, literalmente, a roubar de
monges reais.
— Como você administra com tão poucas pessoas? —
Pergunto ao abade enquanto aceito a garrafa de cerveja que o
irmão Luc está me entregando. — Sem deixar que o trabalho
controle tudo?
O abade Bernard pensa por um momento. Ele é um
homem baixo, bem barbeado, com pele de um marrom
profundo e rugas tênues de sorriso ao redor dos olhos. Noto
que ele está sempre sorrindo, especialmente quando está
olhando para sua pequena família de monges - a maioria dos
quais tem cerca da minha idade ou um pouco mais, o que é,
de um jeito chocante, muito jovem para uma abadia.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Acho que é um desafio, — diz o abade com um forte
sotaque francês. — Somos obrigados a ser autossuficientes e
ainda assim nosso verdadeiro propósito é conhecer a Cristo
por meio da contemplação e da oração. O próprio São
Benedito diz na Regra que não deseja nada muito severo ou
muito rigoroso para uma vida monástica, mas para ganhar o
sustento de nossa abadia, devemos trabalhar duro. Mas como
fazer isso sem perder de vista por que estamos aqui? — Ele
balança a cabeça, como se essa fosse uma questão que ele
sempre questionava.
Eu me lembro do que o irmão Luc disse a mim e a Elijah
antes, sobre as horas médias. — Mas você também é flexível -
parando para rezar onde estiver nos campos de lavanda, por
exemplo. Certamente esse é uma boa concessão entre
as partes ora e labora de nosso credo?
— Espero que sim, — ele responde, e ainda está
sorrindo, mas há uma certa distância pensativa em seu olhar
enquanto examina o claustro cheio de monges. — Mas decidir
quais adaptações mantêm nossas orações no centro de
nossas vidas e quais estão nos levando a nos tornarmos algo
que não somos requer discernimento. O discernimento que
me preocupa é ofuscado por preocupações mundanas.
— As adaptações são boas, não são? — Elijah pergunta,
encostando o ombro em uma grande coluna de pedra ao
longo da beira do claustro. — Se os mosteiros não se
adaptassem, ainda estariam vendendo lã e fabricando cerveja
em barris de madeira. E se a Igreja não se adaptasse, as

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


mulheres ainda estariam cobrindo os cabelos na igreja
enquanto ouviam uma missa em latim.
O abade concorda com a cabeça, mas seus olhos estão
nos monges relaxando e bebendo cerveja. — Em quase todos
os outros ambientes, uma palavra como concessão é uma
palavra muito boa, de fato. E, na verdade, há muita coisa que
eu gostaria que Roma estivesse disposta a mudar sobre si
mesma hoje - meu inglês não é tão bom que eu possa falar
das diferenças sutis entre palavras como concessão e
adaptação sem mudar para o francês - mas posso dizer que
vejo mudanças destinadas a abrir os braços da Igreja de
forma muito diferente das mudanças que abrem o nosso
tempo com Deus para preocupações como dinheiro e
esquemas de melhoria de capital.
— Parafraseando - o que isso nos beneficiará consertar
a torre do sino ou investir em um novo tanque de
fermentação, se o custo real é a nossa comunhão com
Deus? Porque é muito mais fácil deixar essa comunhão ser
mordiscada, pouco a pouco. Uma oração aqui, um período de
lectio divina ali, tudo para avançar um pouco mais no nosso
trabalho, tudo para terminar uma última tarefa. Mas as
tarefas devem dar tempo para nossas almas. Não o
contrário. Mesmo quando suas tarefas estão fortemente
ligadas à sua alma. — O sorriso do abade Bernard se
aprofunda um pouco quando ele se vira para olhar para
Elijah. — Você é jornalista, n'est-ce pas? Acho que deve
entender isso também.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Elijah concorda com a cabeça e, embora seu
comportamento seja totalmente sofisticado, posso ver que o
abade o fez pensar em algo. Talvez algo sobre mim, porque
seus olhos deslizam para o meu rosto enquanto ele
responde. — Estou começando a entender.
— Agora, — diz o abade, endireitando-se e batendo
palmas uma vez, como o anfitrião de uma festa que percebeu
que negligenciou algo. — O abade Jerome me contou que
você está aqui para escrever um artigo. Você pode ver como
somos ruins em ficar em silêncio como bons trapistas - você
deve entrevistar meus irmãos e assim suas palavras inúteis
ainda servirão para algo de bom nesta vida!
Elijah, que estava carregando seu caderno de couro com
ele, esvazia o resto de sua cerveja e acena com a cabeça. —
Sim, sim, com certeza. Obrigado.
Estendo minha mão para sua garrafa vazia - um hábito
que sobrou do ano de ser seu acompanhante em todos os
eventos artísticos e chiques na cidade - e o abade parece
notar, seus olhos mergulhando para onde nossos dedos
tocam enquanto Elijah me entrega o garrafa e então começa a
procurar monges para conversar.
Uma onda de pânico desafiador frita meu sistema
nervoso até meu cérebro e depois volta para meus nervos
novamente, e tenho que me lembrar que não fiz nada muito
revelador. Acabamos de passar uma garrafa entre nós,
apenas tocamos os dedos acidentalmente, nada mais. E tinha
olhado o meu queixo e o meu pescoço em busca de mordidas

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


de amor depois da capela, e tenho certeza de que ninguém
mais esteve lá conosco...
Mas o abade apenas aprofunda o sorriso e acena com a
cabeça para o cesto. — Você pode colocá-la ali se
quiser. Vamos enviá-la para higienização e, em depois,
reutilizá-la.
Faço o que ele pede, e ele está aguardando onde o deixei
quando eu volto. Não há nada em seu rosto que me faça
pensar que está catalogando a maneira como eu e Elijah
tínhamos nos tocado, e reprimo a vontade de dizer algo sobre
isso. Algo como ele é da família ou nós nos conhecemos desde
que nasci ou eu estava preocupado de verdade que ele não
fosse reciclar aquela garrafa. Mesmo que a última coisa fosse
cem por cento mentira - Elijah sempre recicla, mesmo as
coisas realmente irritantes de reciclar, como plástico bolha
que vem nas caixas de correio e cartuchos de impressora - e
as outras duas opções parecem ruim demais para sequer
pensar em dizer, mesmo que sejam tecnicamente
verdadeiras. Parece muito perto de rejeitar Elijah, e mesmo
que não estejamos juntos e nunca possamos voltar a estar
juntos, não consigo me forçar a fazer isso.
— O irmão Luc me disse que você se ofereceu para
ajudar na colheita amanhã, — diz o abade, e relaxo o ínfimo
possível. Talvez ele não achasse nada muito familiar ou
habitual sobre a transferência da garrafa. Talvez eu esteja
pensando demais nisso.
— Sim, — respondo, tentando muito não olhar para
Elijah agora, embora eu possa ouvi-lo falando um francês

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


perfeito com um monge sentado na beira da fonte. Pelo
menos, presumo que seja um francês perfeito - tirando essa
viagem, minha experiência com o francês se limitou
principalmente a Lumière de A Bela e a Fera e o cara
estranho das sequências de Matrix.
— Isso é muito bom, — diz o abade. — Eu sei que você
está aqui para ter uma ideia de nossa vida na abadia e como
é viver aqui, e acho que a colheita é nossa vida em um
microcosmo. Trabalho árduo, mas também luta pela
intimidade com Deus.
— É isso que quero, — respondo, embora, quando falo
as palavras, minha mente não evoque imagens de velas
tremeluzentes e vitrais. Em vez disso, penso na mão de Elijah
sob meu hábito. Penso em beijá-lo nas ruínas de Semois,
beijá-lo com tanta força que senti dor. Eu expiro
rapidamente, tentando limpar minha mente. — É o que quero
mais do que qualquer outra coisa.
— Abade Jerome disse isso. Que você estava procurando
uma vida mais austera do que a que teve no Monte
Sergius. Devo alertá-lo de que, embora mantenhamos nossas
orações e silêncios, há muita alegria de Deus aqui para o
verdadeiro ascetismo. Para o tipo de austeridade absoluta
que tantas pessoas procuram.
Eu tinha imaginado isso, não tinha, quando folheei as
informações sobre as abadias que estava visitando? Que
apenas St. Columba poderia me despertar inteiramente, que
tinha que ser aquele lugar desolado e rochoso onde perdi o
que restava de mim?

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Mas, e se eu estiver errado? E se eu for mais adequado
para alfazema, oliveiras e sol?
Lembro da capela e das mãos de Elijah nos lugares
proibidos do meu corpo.
E se eu não for adequado para isso?

Elijah não vem ao meu quarto naquela noite e não vou


ao dele, embora seja tudo em que posso pensar, tudo que
posso imaginar e sonhar. O irmão Luc nos conta que o outro
hóspede - um padre americano - tem ido e vindo a semana
toda, às vezes dormindo ao ar livre sob as estrelas, como o
irmão Connor gosta de fazer.
— Um místico, — confidenciou o irmão Luc ao nos
mostrar os banheiros comunitários e onde ficavam nossas
toalhas. — Você conhece o tipo. Vendo anjos, ouvindo
Deus. Il est dans la lune26. Acho que vai voltar para a abadia
assim que tiver fome, embora eu não me surpreendesse se ele
vivesse de gafanhotos e mel silvestre como Saint-Jean-
Baptiste.
Mas, apesar de meu sono agitado, a manhã chega
rápido e com ela vêm as Vigílias e o café da manhã. Elijah
está ali para ambos, parecendo tão composto como sempre, e
não como se tivéssemos passado ontem à tarde nos beijando
e falando sobre ele me fodendo. Nem um pouco parecido com
um de nossos jogos e se pairando no ar como uma
tempestade de verão.

26 Ele está na lua.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Teremos tempo para conversar mais tarde, digo a mim
mesmo. Embora eu saiba que a razão pela qual já estou
apertando minhas coxas em antecipação não é porque estou
pensando em conversar. É porque quero mais. Quero beijos,
toques e sexo.
Sexo.
Quero isso. Quero isso ao mesmo tempo em que rezo
louvores, ao mesmo tempo em que encontro meu breviário e
deixo o irmão Luc e um robusto monge gaulês chamado Dom
Francis me levarem aos campos de lavanda. Quero enquanto
estão explicando o processo de colheita para mim - um
método manual, já que a ponte para o vale é estreita demais
para equipamentos de colheita.
E com certeza quero enquanto estou olhando os campos
e observando os monges começarem a descarregar pacotes de
redes verdes de um caminhão. — Você viu Elijah? —
Pergunto ao irmão Luc. — Não tive a chance de perguntar no
café da manhã se ele iria sair com a gente.
Dom Francis, que entende inglês, mas não o fala, diz
algo em francês ao irmão Luc, que balança a cabeça
enquanto escuta.
— Ele disse que seu amigo foi a Cavaillon com o irmão
Jean para buscar algumas panelas de cobre que mandamos
recuperar.
— Oh, — é a minha resposta, que sai mais triste do que
eu pretendia. Mas a decepção que me percorre é elementar
em sua força. Não é como se eu planejasse ficar com ele nos
campos de lavanda ou algo assim, mas depois de uma

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


semana juntos o tempo todo, estar sem ele já é doloroso,
como se tivéssemos que ser descosturados para nos separar,
e isso é um sentimento ruim, muito ruim, porque é assim que
eu deveria me sentir sobre Deus. É assim que me sinto sobre
Deus.
Mas se estou costurado a Deus, então não posso estar
costurado a mais ninguém. Essa é a regra, essa tem sido a
base do monaquismo ocidental por quase dois mil anos.
Entregue sua vida a Deus e a mais ninguém. Entregue
sua vida a Deus e não fique contando os minutos até que
possa fugir com o jornalista gostoso novamente.
E tenho de me perguntar, enquanto ajudo o irmão Luc e
Dom Francis a rolar a rede pelas longas fileiras de terra nua
entre as plantas de lavanda, se há uma maneira de fazer as
duas coisas, se alguém já encontrou uma maneira de fazer as
duas coisas. Viver sua vida em oração e silêncio e também
com o coração batendo no peito de outra pessoa ao mesmo
tempo.
— Vous allez avoir chaud, — Dom Francis me diz, e
consigo juntar na minha cabeça o suficiente do francês do
ensino médio para perceber que ele está me dizendo que vou
ficar com calor com minhas vestes beneditinas pretas
enquanto trabalho ao sol.
Na verdade, agora que estou vendo, sou o único de
hábito. Todo mundo está usando o mesmo tipo de roupa que
usamos no Monte Sergius para um trabalho como este -
camisetas velhas e jeans.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Você pode tirar o hábito, — disse o irmão Luc. — A
abadia não fica aberta ao público durante a colheita.
Eu faço uma careta. — Só estou de cueca por baixo
disso.
Ambos os monges me encaram, tipo e?
— Não estou usando calça ou camisa por baixo do
hábito, — eu explico.
Dom Francis parece não entender nada, mas parece que
o irmão Luc entende. — Esqueço que você é americano, — diz
ele. — Você vai ficar bem só com suas roupas íntimas.
— Ou talvez eu fique bem com as vestes, — murmuro,
pensando em como minha cueca boxer é curta. Pelo menos a
gaiola é bem discreta para não me preocupar que seja óbvia,
mas quer saber o que não é tão discreta? Uma grande
tatuagem de uma pomba com um Cheetos Flamin' Hot na
boca.
Dom Francis balança a cabeça com um sorriso e me
entrega outro feixe de rede enquanto murmura algo em
francês.
— Ele diz que você vai cozinhar como um pato em sua
própria gordura se continuar sendo teimoso. Até Bernardo de
Clairvaux admitiria a derrota para o calor de julho.
Pego a rede e começo a desenrolar, tomando o cuidado
de enfiar as pontas sob os tufos de lavanda para que possa
pegar todas as flores colhidas. — Vou pensar nisso.
— L'humilité est une vertu, — murmura Dom Francis,
— surtout l'humilité pour le soleil.27

27 A humildade é uma virtude, acima de tudo humildade pelo sol.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Seis horas depois, as vestes há muito se foram,
dobradas em uma pilha ao lado do pequeno caminhão
elétrico que os monges usam para transportar a lavanda para
a destilaria. Não estou usando nada além de cueca, todo
suado e repleto de pétalas de lavanda, e estou mais feliz do
que consigo me lembrar há muito tempo. Sim, minhas costas
e ombros doem de cortar as flores de lavanda com o aparador
portátil movido a gás e, sim, está tão quente aqui que fico
suando com o protetor solar que Dom Francis me passou
desde o início (junto com uma série de piadas intraduzíveis
sobre a minha tatuagem). Mas as brisas mergulham no vale
com frequência suficiente para nos refrescar, e o cheiro de
lavanda recém-cortada está por toda parte, e ao meu redor,
os irmãos em suas próprias fileiras de lavanda cantam, falam
e riem.
Três vezes os sinos tocaram e três vezes todos paramos
onde devíamos rezar as horas médias. Murmuramos salmos e
cantamos hinos e, embora estivéssemos todos separados,
estávamos juntos também. Havia algo nisso, fazer as horas
médias dessa maneira, que parecia mais natural do que em
Semois, onde você mal podia começar algo antes da hora de
marchar de volta para a igreja. Aqui as tarefas são feitas para
dar lugar à alma, como desejava o Abade Bernard, aqui a
alma está em primeiro lugar. Mas aqui em Nossa Senhora
das Fontes, a alma pode vir primeiro em qualquer lugar. Aqui

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


a alma pode cantar em um vale de lavanda tão alto quanto
em uma sala feita para cantar, e me pergunto: posso
encontrar Deus de maneira diferente aqui do que em
qualquer outro lugar? É este sentimento entre mim e Deus
agora, enquanto estou cantando os salmos na lavanda, um
sentimento que só posso ter aqui? Se eu fizesse exatamente a
mesma coisa no Monte Sergius ou Semois, sentiria o mesmo?
Será a mesma coisa em St. Columba, a abadia que
quero?
Mas enquanto corto mais flores e ajudo os outros
monges a carregar braçadas delas para o caminhão, pela
primeira vez acho que pode ser que eu estivesse errado, talvez
St. Columba não seja para mim. Talvez eu tenha sido feito
para um lugar como este, onde as tarefas abrem espaço para
a alma e as capelas se enchem de beijos...
Pode parar. Isso dificilmente é uma peculiaridade de
Nossa Senhora das Fontes. Dificilmente seria o meu futuro se
eu ficasse aqui. E, de qualquer maneira, não posso me
permitir pensar assim. Não posso deixar-me pensar em tudo
isso. Porque pensar nisso significa que terei que mencionar
todas as maneiras como minha castidade está desmoronando
em minhas mãos, e se minha castidade está desmoronando,
então minha obediência também está, assim como minha
honestidade. Assim como minha devoção a Deus.
E assim, portanto, meu futuro é fazer votos solenes e
viver asceticamente para sempre em um penhasco de mar
frio.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Jogo uma braçada de lavanda na caçamba do caminhão
e, em seguida, viro para ver Elijah parado ali, óculos escuros,
parecendo que acabou de sair de uma foto de uma revista
parisiense com sua camiseta listrada em preto e branco,
jeans escuro e tênis de cano baixo branco. A alça de sua
bolsa de couro está pendurada diagonalmente em seu peito,
destacando os músculos tonificados por baixo.
Ele está parado ali, olhando-me por trás dos óculos
escuros, e não consigo ver nada de sua expressão, apenas
que sua boca está pressionada e que uma única sobrancelha
se levanta acima da armação de seus óculos. Como se
estivesse olhando para algo ridículo, e eu estou ridículo, por
isso lhe dou um sorriso gigante.
— Então, na escala Aiden Bell, em que posição estou? —
Pergunto.
— Você quer dizer, se estar quase pelado e coberto de
pétalas de flores se compara a pular em uma fonte com uma
gravata na cabeça?
Cara, nadar na fonte parece uma boa ideia agora. —
Sim.
Ele balança a cabeça, o canto da boca pressionando,
como se não conseguisse decidir se sorri ou se tem pena de
mim. — Não tenho certeza. Você, hum. Você vai colocar o seu
hábito de novo?
Meu sorriso diminui um pouco. E então muito. Porque,
em todas as vezes que estivemos juntos na semana passada,
ou estávamos no escuro, ou eu estava completamente
vestido, e esta é a primeira vez que ele me vê em quase cinco

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


anos, a primeira vez que vê meu corpo desde que mudou. Há
pelos escuros cobrindo meu peito agora, e meu abdômen -
um abdômen que não é mais plano e ondulado com
músculos, mas agora é sólido e inegavelmente convexo.
Talvez não me sentisse constrangido se não estivesse tão
diferente do meu corpo antigo. Meu corpo de vodca e shake
de proteína. E agora, pelo jeito como Elijah está me olhando,
pelo jeito como sua pergunta paira no ar - como se estivesse
tentando salvar-me de me envergonhar – sinto-me como um
homem das cavernas. Grande, desajeitado e peludo, e tão
longe do homem que costumava ser, e estou pegando meu
hábito antes mesmo de digerir totalmente esse sentimento. E
não deveria me importar de qualquer maneira, porque
isso não faz diferença. A dignidade e amplitude não são
importantes, não podem ser medidas em milhas ou
quilômetros, mas em votos da alma e compromissos do
coração. Não em distâncias e decisões, mas em vagalumes no
claustro.
Mas mesmo que isso não seja importante, meu rosto
arde um pouco enquanto visto meu hábito pela cabeça e
fecho o zíper até a garganta.
— Bien, — diz o irmão Luc para mim, ao se aproximar
com outro monge cujo nome não me lembro. — Você está
pronto para voltar.
— Voltar para quê? — Elijah pergunta.
— Cochilos, é claro! — Irmão Luc diz com uma
risada. — Melhor parte do dia.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Vou precisar tomar um banho antes de fazer
qualquer coisa, — digo enquanto os dois monges sobem no
pequeno caminhão. — Estou nojento e coberto de pétalas.
— Se não quer tirar um cochilo, — diz o irmão Luc, —
deveria ver a gruta atrás da capela. Muitos peregrinos vão
visitá-la - dizem que o santuário é onde a Virgem chorou pela
primeira vez suas lágrimas pela criança doente.
— C'était d'abord un sanctuaire païen, mais on le dit
pas aux visiteurs, — diz o outro monge e Elijah ri.
— Antes era um santuário pagão, mas não contamos
isso aos visitantes, — Elijah traduz para mim.
— E talvez você encontre nosso padre americano
desaparecido enquanto estiver lá em cima, hein? — Irmão
Luc diz antes de ligar o caminhão. — Diga a ele para descer e
comer algo diferente de gafanhotos.
Com um aceno, eles vão embora e olho para Elijah. —
Gruta depois do banho? — Pergunto.
— Pensei que você nunca pediria.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


36

A gruta é antiga, bonita, mas também muito


assustadora. É a entrada para uma pequena caverna,
inundada com água de uma fonte interna e guardada por
estátuas de pedra desgastadas da Virgem e alguns outros
santos, que nos encaram com olhos cegos quando nos
aproximamos.
Não sei tanto sobre pagãos e história quanto meu irmão
Tyler, mas mesmo com base no meu limitado conhecimento,
o lugar tem uma vibração super pagã para mim. A água
rodopiando aos pés da Virgem. As árvores retorcidas
interrompidas por penhascos de calcário e aglomerados de
flores pastel-dos-tintureiros amarelos.
Elijah tira os óculos escuros e os enfia na gola da
camisa, agachando-se para mergulhar as pontas dos dedos
na água. Sua calça jeans ajusta-se ao redor de suas coxas e
bunda enquanto ele se agacha, e me lembro nitidamente de
como foi pressioná-lo contra a parede do eremitério, e quero
isso. Quero isso de novo. Eu e ele, nos tocando, e então ele
levanta a cabeça para olhar para mim, e sei que ele vê o
desejo em todo o meu rosto.
Seus lábios se abrem e ele se levanta devagar, e talvez
não se importe tanto com meu novo corpo, porque dá um
passo em minha direção com olhos escuros e famintos.
E então seu celular toca.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Meu primeiro pensamento é fala sério? Tem sinal aqui
na Colina da Água Pagã?
Meu segundo pensamento é quem estaria ligando
agora?
— É o Sean? — Pergunto. — Ou Zenny? Eles estão com
os bebês? Atenda e faça com que eles nos mostrem os bebês
no FaceTime...
Elijah balança a cabeça lentamente enquanto segura o
celular na mão como se fosse uma granada viva. — Não é
Sean nem Zenny, — diz. — É Jamie.
— Oh, — eu digo. E então isso me atinge ainda mais
forte. — Oh.
Com os olhos na tela, Elijah solta um suspiro longo e
trêmulo. E então ele silencia a chamada.
— Elijah, — digo, sem saber o que dizer a ele, mas
sabendo que preciso dizer algo. Além de me dizer que estava
tudo bem chupá-lo nas ruínas de Semois, ele não falou uma
palavra sobre ele e Jamie, ou sobre o noivado, e de repente
imagino por que, por que não tocou no assunto, e talvez seja
porque presumi errado, e ele e Jamie ainda estão juntos...
Elijah olha para mim, e tudo o que vê o faz suspirar de
novo. — Terminamos nosso noivado, — diz ele após um
minuto. — Se é isso que está se perguntando.
Eu só pisco para ele. É o que eu esperava, e me odiei por
ter esperanças, por todos os tipos de razões, e mesmo no
meio do meu alívio e da culpa obscura gerada por esse alívio,
também sinto dúvida, porque um noivado rompido não
significa necessariamente um relacionamento rompido ou um

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


amor rompido. Ele ainda pode estar com Jamie, mesmo que
não se casem. Ele ainda pode amá-lo.
E não tenho o direito de me importar, mas, droga, eu me
importo.
Elijah entrelaça os dedos atrás do pescoço e se afasta da
gruta, e depois volta em direção a ela, com a bolsa de couro
batendo na coxa enquanto ele se vira.
— Eu terminei o noivado, — Elijah esclarece. — Fui para
casa do Monte Sergius e lhe contei o que aconteceu, e ele
queria - ele estava pronto para...
Ele para de andar e deixa as mãos caírem ao lado do
corpo.
— Ele estava pronto para me perdoar, — diz
estupidamente. — Ele acha que foi só um lapso
compreensível. Um erro inocente. Como se houvesse algo
compreensível em trair seu noivo. Como se houvesse algo de
inocente na forma como nos beijamos naquele dia.
O pedido de desculpas que preciso dizer - o que eu
deveria ter dito naquele dia e todos os dias desde então -
aglomera-se contra meus lábios e saem. — Elijah, eu
lamento, — digo. O vento ameaça levar minhas palavras
antes que elas possam alcançá-lo, e dou um passo à frente,
chegando perto o suficiente para tocá-lo. — Me desculpe pelo
que aconteceu naquele dia. Pelo que aconteceu entre você e
Jamie.
— Eu sei, — ele diz.
E finalmente falo em voz alta o medo que sinto desde
que ele me disse eu posso em Semois. — Mas você não pode

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


me escolher, — sussurro. — Você não pode me
escolher. Porque não posso te escolher.
Seus olhos brilham à luz do sol - sombras líquidas
rodeadas de ouro escuro e preto.
— Eu sei, — ele repete.
Mas então suas mãos estão no meu hábito e
escapulário, puxando-me para perto, puxando-me para sua
boca, que está quente e raivosa contra a minha, e estamos
nos beijando, apalpando um ao outro, e Elijah diz de novo: —
Eu sei, — em uma urgência sem fôlego contra meus lábios, e
então digo as palavras mágicas. As que ele tem tatuado no
braço em latim.
— E se...?
Ele se afasta, a boca molhada e as pupilas dilatadas. —
Sim, — ele diz, nem mesmo esperando eu terminar a frase. —
Sim.
Ele pega meu pulso e me leva para algum lugar - para a
capela, percebo quando voltamos para a floresta - e nós dois
estamos correndo agora, praticamente correndo, até
entrarmos pela porta de madeira da capela vazia e estamos
em cima um do outro outra vez, com as mãos dele puxando
impacientemente o meu hábito enquanto estou tentando
abrir o botão de seu jeans.
— Você está desesperado por isso, — Elijah sussurra,
puxando-me cada vez mais para as sombras frias da
capela. — Você fará qualquer coisa por isso.
Sim, sim, este é o jogo, este é o e se. Sou um monge que
está sofrendo, morrendo, implorando. Ele é o estranho muito

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


perverso que tira vantagem disso. É o único jogo que quero
jogar pelo resto da minha vida, este em que enfio as mãos na
frente da calça dele e ele joga a bolsa de couro no chão para
me empurrar contra o altar de pedra.
— Eu farei qualquer coisa, — imploro, esfregando meu
rosto contra sua mandíbula, seu pescoço. Ele cheira a sálvia,
sabonete e Elijah, e sua barba por fazer roça meus lábios e
rosto. Ele cheira como espero que Deus cheire. Limpo,
botânico e real.
Encontro o comprimento rígido dele atrás do zíper, e ele
dá um gemido rouco que faz os dedos do meu pé se curvarem
em meus sapatos.
— Qualquer coisa, — murmuro contra seu pescoço,
minha respiração praticamente arrancada de mim pela
luxúria, porque ele está tão grande e quente em minha mão,
tão vivo, tão necessário. — Eu farei qualquer coisa.
— Oh, eu sei que vai, — ele responde. Um pouco frio
como um estranho faria, mas também como talvez um ex-
namorado faria, porque é claro que este jogo não é um jogo, é
a verdade nua e crua. Passei anos me reprimindo por zelo de
um convertido, por uma necessidade de expiar, e agora aqui
estou, meu pau se esticando em sua gaiola e meu corpo
inteiro tremendo com essa doce e doentia miséria que é a
luxúria insatisfeita. Fico absolutamente derrotado com isso, e
não me importo, não me importo se estou implorando, se
estou abandonando, que não sou nada mais do que carne
ansiando por carne, um coração mortal ansiando por outro

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


muito coração mortal, e que estou entregando algo mais vital
do que meu corpo agora.

Os votos que fiz, as promessas que fiz, a vida que jurei


ter... isso se foi agora, levados pelo vento seco e pagão que
sussurra do lado de fora da capela. Estão voando com o vento
desde Semois, desde aquele dia no eremitério.
Talvez desde o dia em que vi Elijah sentado no claustro,
esperando para me dizer que ia se casar.
Elijah pega meu queixo com a mão e me dá um beijo
intenso e penetrante, do tipo em que sua língua fode
impiedosamente contra a minha, e então implacavelmente me
gira e me empurra de frente para o altar.
— Curve-se, — ele murmura, levantando meu hábito até
meu quadril e, em seguida, abaixando minha cueca,
passando a curva da minha bunda. Ele passa a palma da
mão apreciativa em uma nádega e, em seguida, desce a cueca
pelas minhas pernas e tira um pé para que possa separá-
los. — Essa merda, — diz ele, parecendo chateado quando
seus dedos encontram minha gaiola e a carne tumescente
dentro dela. Mas ele pressiona seu órgão nu na minha bunda
enquanto diz isso, então sei que ele está pelo menos tão
excitado quanto com raiva, talvez até mais.
— Eu posso gozar, — ofego, fechando meus olhos contra
a sensação de sua ereção se movendo contra mim,
estremecendo com a necessidade de balançar de volta para
ele. — Você pode me fazer gozar.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— É disso que precisa, irmão Patrick? — ele
murmura. — Alguém para ordenhar este pau até que não
tenha que ficar duro durante suas orações?
— Sim, — digo miseravelmente, minha cabeça
pendurada entre meus ombros, minha respiração
entrecortada. Meu pau está pingando agora, o pré-sêmen
claro que teria gosto de sal se qualquer um de nós pudesse
prová-lo, como o sal da terra.
— Você tem que ter cuidado, — ele diz, sua voz baixa no
meu ouvido. — Talvez você precise de novo. E de novo. Talvez
precise todos os dias. Talvez não seja capaz de aguentar uma
única noite sem ter toda essa luxúria fodida de você.
— É tarde demais para ter cuidado, — murmuro entre
as inalações, e digo isso para que seja entendido de todas as
maneiras. É tarde demais, é tarde demais, é tarde demais. Só
há isso, só agora, só seus dedos percorrendo o meu centro
para encontrar o lugar onde abro. Eles são rudes, insistentes,
assim como um estranho descuidado - ou um ex-namorado
zangado - seriam.
— Você tem toda a razão sobre isso, — diz ele, sua voz é
tão rude quanto seu toque. — Fique parado.
Faço como ele diz, muito trêmulo e quente para me
preocupar em estar inclinado sobre um altar medieval com
meu hábito acima da cintura. Inflamado demais para me
preocupar como devo parecer ridículo ainda usando botas,
meus pés separados e minhas mãos apoiadas na pedra à
minha frente. Nada importa, nada mesmo, é tarde demais, é

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


tarde demais, graças a Deus, porra, é tarde demais para que
qualquer outra coisa importe.
Ele retorna com um aperto firme e possessivo na minha
bunda e, em seguida, com as pontas dos dedos
escorregadias. Escorregadias e frias.
Lubrificante.
Eu olho para ele por cima do ombro. Ele tem um pacote
de preservativo preso entre seus dentes e seus olhos ficam
pesados quando ele olha para mim.
— Como você...?
— Por que acha que fui até a cidade? — Ele murmura ao
redor do preservativo, seus dedos encontrando o meu centro
novamente. — Não foi para ajudar com as panelas de cobre.
Saber que ele planejou isto - que caminhou até a gruta
com sua bolsa, preparado para me foder – faz com que seja
ainda mais maravilhosamente insuportável. — Então, o dia
inteiro...
— Sim, — diz ele, rasgando o pacote de preservativo com
os dentes e, em seguida, rolando sobre seu pênis, que se
projeta entre o zíper de sua calça jeans. — O dia inteiro.
A ponta de um dedo pressiona, e estremeço tanto que
sinto como se fosse tremer até virar uma pilha de átomos ao
pé deste altar, e então ouço o clique de uma frasco e tudo fica
mais escorregadio, mais frio. Meu corpo tenciona ao redor
dele, mas também o acolhe, acolhe a bela invasão que uma
vez foi familiar e agora parece nova.
Pressiono meu rosto contra a pedra fria, respirando com
força enquanto ele empurra um segundo dedo para dentro. E

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


então ambos os dedos se movem, tocando contra algo
profundo, algo vital, e eu gemo para o altar.
A voz de Elijah é baixa e triunfante quando ele fala. —
Eu sabia o que você precisava. Dava para ver assim que te
vi. Felizmente para você, eu não recusaria um monge. É o
mínimo que posso fazer por um homem de Deus, você não
acha?
Eu assinto contra o altar, fazendo um barulho de
vergonha enquanto ele empurra seu pau e pressiona a cabeça
escorregadia e coberta de látex contra mim. É enorme, vasto,
maior que a graça e maior que o pecado, e quando começa a
me violar, esqueço como pensar. Esqueço de como respirar. A
única coisa de que me lembro é ele, é a forte necessidade dele
me penetrando lentamente. Empalando-me. Prendendo-me.
Pregando-me a uma cruz que construí há cinco anos por
causa da solidão, do desespero e da esperança.
Sinto-me aberto e, por um único momento, há mais dor
do que prazer, mas também é prazer, esta dor. Uma
flagelação, um cilício ao redor do braço, um cordão abaixo do
joelho, ajoelhar por horas em um chão de pedra com apenas
a hóstia como companhia - é a mesma coisa. Isto é morrer
para si mesmo, é santificação, é salvação e batismo, e é ele
quem está me dando isto.
— Por favor, — digo, prendendo a respiração. — Eu
preciso de...
— Eu sei do que precisa, — ele diz, e então com um
lento movimento, ele empurra de novo, tudo, até que seu
quadril esteja alinhado com as curvas da minha

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


bunda. Ficamos parados assim por um momento, e então ele
coloca uma mão entre minhas omoplatas e me pressiona para
baixo. — Fique parado e o ajudarei. Você verá como posso
ajudar.
Fecho meus olhos. — Por favor, — sussurro. — Deixe-
me senti-lo.
Ele deixa, com movimentos mais lentos e outro fio de
lubrificante, movendo suas mãos para minha bunda para me
abrir. — Olhe para você, — diz ele em uma voz áspera. —
Olhe como você me recebe bem.
Aceno contra a pedra, eletricidade passando por mim,
subindo pela minha coluna e voltando a descer. Cada vez que
ele se move, seu eixo se esfrega contra minha próstata e logo
estou naquele lugar onde meus arrepios se tornam tremores e
os tremores se tornam tremores incontroláveis por todo o
meu corpo. Minha barriga estremece. Minhas coxas tremem.
— Sim, — Elijah murmura, suas mãos ainda me
segurando. — É isso aí. Não se sente melhor? Você não está
feliz por ter me pedido para ajudar?
Estou além de falar agora, balançando de volta nele, e
então ele desliza uma mão sob minha garganta e me levanta
de modo que fico quase de pé. Ele encontra meu queixo e vira
minha cabeça para um beijo, e é breve e inclinado e é mais
um encontro de lábios e troca de fôlego do que um beijo de
verdade, mas é o suficiente porque é ele, é Elijah, e estamos
jogando um de nossos jogos, e mesmo que isso nunca mais
aconteça, está acontecendo agora e terei essa lembrança para
sempre. Seu peito contra minhas costas e sua mão na minha

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


garganta e o prazer abrindo caminho pelas minhas coxas até
a virilha até que ameaça me ver ao meio.
— Elijah, — eu gemo. — Elijah.
E então ele me toma. Como êxtase, como ser perfurado
por lanças angelicais de amor, como ser atravessado por
espadas de luz. Eu entendo tanto neste momento, acho que
posso entender tudo, cada mistério da criação, até mesmo
porque Deus criou o amor por ele e o sexo tão próximos, e
logo que a primeira onda se desfaz pela minha barriga, abro
meus olhos e vejo as colinas brancas e verdes do outro lado
do vale através da porta aberta da capela. Sinto o cheiro de
lavanda e vejo o vento brincando com as folhas e sinto os
dedos tênues do sol se estendendo em direção ao altar. E são
nessas colinas que fixo meu olhar enquanto a liberação me
leva, leva meu corpo e o oferece a Elijah, a Deus, a mim
mesmo. Quando a diferença entre nós três se reduz a nada, e
estamos todos unidos neste momento, um espírito, uma
carne, juntos, juntos, juntos. O mal exorcizado pelo sal do
nosso suor, alegria ungida com sêmen.
Juntos e encarnados e aqui. Vivos.
Levanto meus olhos para as colinas.
Eu sou um vaso vazio depois deste orgasmo, um cálice
contendo nada além da memória do vinho, e Elijah me deixa
cair sobre o altar enquanto se abaixa para me acariciar. Ele
descobre onde estou escorregadio com sêmen pingando.
— Sim, — ele sibila, seus movimentos
mudando. Ficando mais fortes, me usando, acasalando. —
Eu sabia. Sabia que você precisava disso. E vai continuar

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


precisando, não vai? Pode ser nosso segredo, sabe, o que
precisa que eu faça com você. Ninguém mais precisa saber o
quanto você sofre sob esse seu pequeno hábito piedoso.
— Eu vou, — consigo dizer entre suas estocadas
violentas. — Eu vou precisar. Por favor, não pare. Por favor,
não pare...
Atrás de mim, ele enrijece e ouço um arfar agudo. E
então ele apoia as mãos na beira do altar e começa a encher a
camisinha em espasmos curtos e completos que posso sentir
dentro de mim.
Demora muito tempo, como se até mesmo seu corpo não
quisesse que isso acabasse, e quando ele finalmente,
finalmente para, não parece querer sair.
Eu também não quero que ele saia.
Mas a biologia dita isso, e ele desliza para fora do meu
corpo depois de um momento, o mais lentamente possível. —
Fique aqui, — ele ordena, e então ouço os sons dele mexendo
na bolsa de couro. Quando retorna, ele me vira e então me
incentiva a sentar no altar com meu hábito ainda na cintura.

Por alguma razão, isto é o que me faz hesitar, mesmo


sabendo que este altar não é mais consagrado, e ainda que
eu tenha acabado de apoiar minhas mãos nele para que meu
ex-namorado pudesse me levar ao Dia do Julgamento. Mas
colocar minha bunda em um altar parece de alguma forma
errado.
No entanto, assim que vejo o que está pendurado nos
longos dedos de Elijah, minhas objeções desaparecem.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


É a chave da minha gaiola.
— Você pegou no meu quarto, — eu sussurro.
Elijah me lança um olhar que é inteiro calor, irritação e
luxúria juntos. — Não pensei em nada além deste maldito
jogo durante todo o dia, o tempo todo em que estive em
Cavaillon arranjando desculpas para fugir e encontrar les
presérvatifs. E então volto para a abadia e te encontro
praticamente pelado e sorrindo para mim como costumava
fazer, como se estivesse me desafiando, e Jesus, como senti
falta de ser desafiado. E eu sabia que se você ficasse com
essa gaiola por mais um minuto, eu perderia a cabeça, então
peguei sua chave enquanto você estava tomando banho.
Eu abro minhas pernas enquanto ele pega o pequeno
cadeado da minha gaiola entre seus dedos e coloca a chave
dentro. — Achei que quando você me viu esta tarde... — Eu
paro. Parece estúpido demais para dizer em voz alta.
— Você achou o quê? — Elijah pergunta, os olhos na
minha gaiola enquanto gira a chave e a fechadura se abre. —
Diga.
— Achei que você tivesse me achado repugnante, —
confesso. — Já que meu corpo está tão diferente.
Ele se endireita, sua expressão incrédula. — Você o
quê?
— Você sabe, — eu digo, sentindo meu rosto queimar
junto com meu peito. — Porque estou diferente agora. Mais
peludo. Minha barriga...

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Ele agarra minha mão e a arrasta até seu pau, que já
está sem o preservativo, mas não guardado. Já está ficando
duro de novo.
— O corpo do papai monge trabalha para mim. Muito. E
quero... — Ele se inclina para frente para pressionar seus
lábios em meu queixo, no meu ouvido. — Quero tanto você
que às vezes não consigo nem te olhar, porque se olho, não
consigo pensar direito até conseguir escapar para algum
lugar e gozar.
Ele se afasta e libera minha carne dolorida do
dispositivo de castidade, e então com uma mordida de dor e
uma onda de prazer primitivo, meu pau se enche entre
minhas coxas, alongando-se entre nós.
— Eu quero mais e se, — eu digo.
Ele olha para o meu sexo e depois de volta para o meu
rosto. Uma sobrancelha levantada, mas não sei se ela
concorda ou discorda até que ele fale.
— Eu também, — ele enfim diz.
— Eu não... eu não posso te dar...
— Eu sei, Aiden.
Ele se ajoelha, seus olhos nos meus, e então ele abre
aqueles lábios perfeitos e baixa a cabeça. A boca dele me
envolve, quente, sedosa e macia também, e só é preciso uma
chupada.
Uma chupada e eu gozo de novo, completamente desta
vez, minhas mãos encontrando seu rosto para segurá-lo bem
perto enquanto as contrações fortes e deliciosas tremem
através de minhas coxas e pau e jorram uma liberação total

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


em sua língua, um alívio total que me deixa atordoado depois
que pulsa em um final longo e drenante. Seus olhos ainda
estão me encarando por cima, seus lábios esticados ao redor
da minha carne, e é perfeito, é tão perfeito.
Uma hora eu terei que confessar, terei que dar uma
pausa e encontrar meu caminho de volta para o celibato, mas
não era essa a ideia do Abade Jerome, que eu deveria usar
esta viagem para me questionar o que queria, o
que Deus quer? Que este era um convite para avaliar se estou
destinado aos votos solenes e ao resto da minha vida em um
mosteiro? E sei que estou, sei que devo ser um monge e
passar o resto da minha vida sozinho com Deus... mas
certamente não deve fazer mal algum levar o convite até o
fim? Só nesta viagem? Só nas próximas semanas? O que são
algumas semanas em uma vida inteira de devoção, quando
você pensa nisso? O que são algumas horas roubadas,
quando o resto do dia é oração e trabalho?
O que são alguns “e ses” quando o resto da minha vida
já está definida?

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


37

Enquanto lentamente limpamos e juntamos nossas


coisas - nós dois arrastando os pés, relutantes em deixar
nossa pequena capela do sexo - eu confronto a outra barreira
entre nós.
Jamie. O término do noivado.
— Você não precisa falar sobre isso se não quiser, —
digo com cuidado, pegando parte da embalagem do
preservativo do chão e enfiando-a na bolsa de couro, — Mas
não passa um dia sem que eu lamente pelo que aconteceu no
eremitério, o que te fiz fazer...
— Você não me obrigou a fazer nada, — ele intervém. —
Você me sentiu contra o seu corpo naquele dia. Eu queria
tudo aquilo e muito mais. E não aja como se não tivesse
muito a perder.
— Mas se... se eu não tivesse te beijado, então você e
Jamie ainda poderiam estar...
— Não, Aiden, — diz ele. — Nós não estaríamos.
Olhamos um para o outro do outro lado do altar. Do
canto da capela, o poço borbulha, imperturbável pelas
pequenas dores e angústias dos homens.
Elijah suspira e passa uma mão lenta sobre seu
rosto. — Nós não estaríamos, — ele repete, finalmente. — Não
estaríamos mais juntos, porque eu me preocupava muito com
ele para fingir uma vida onde não estivesse ainda apaixonado
por você.
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
Ainda apaixonado por você.
As palavras rolam sobre mim como uma onda, elas me
esmagam como águas profundas. Não consigo respirar e meu
peito está desabando, e eu o amo também, eu o amei todos
esses anos, e ele ainda está apaixonado por mim...
— Elijah, — sussurro, dando um passo à frente, e ele
levanta a mão, me impedindo.
— Não, — ele diz, as sobrancelhas levantadas, e ele
parece com dor agora, como se estivesse sofrendo muito. —
Por favor, não. Eu já sei. Já sei tudo o que você vai dizer,
então não precisa dizer nada. Você é um monge. Vai
continuar monge. O que quer que façamos aqui vai acabar
quando voltarmos para casa.
Respiro fundo para falar, mas então paro. Porque não
era isso que eu ia dizer... mas também não está errado. Ele
não está errado sobre a parte do monge.
E sobre a última parte.
— Eu também te amo, — é o que digo. Era o que eu
planejava dizer de qualquer maneira, mas não há como não
notar o que não foi dito agora. Não há como não notar que é
um eu te amo, mas...
Com certeza, ele não nota, porque sua boca se curva em
um sorriso triste. — Ama?
— Você deve saber que sim, — eu digo. — Não sou um
ator tão bom. Você deve ter visto assim que me viu
novamente. Deve ter percebido que nunca deixei de te amar.
Ele balança a cabeça. — Você partiu, Aiden. Por que
acharia que você ainda me ama?

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


O conhecimento de que terei que lhe contar sobre
aquela noite - sobre tudo aquilo, até mesmo as partes que
parecem impossíveis de expressar em palavras - bate suas
asas dentro de mim como um pássaro inquieto. Mas ele me
salva quando volta a falar, e tenho direito a uma trégua.
Por enquanto.
— Achei que tinha parado de te amar, — ele diz sem
rodeios. — Usei toda a minha energia para tentar. E achei,
desde que comecei a amar outra pessoa, que tinha
conseguido, que tinha enterrado aquele meu lado que amava
milionários desesperados e descuidados. E então te vi
entrando naquele claustro e percebi que todo o trabalho que
fiz para não te amar foi em vão. E talvez sempre tivesse sido
por nada de qualquer maneira, mas especialmente porque
você estava diferente. Você mudou, e eu estava tão vulnerável
a essa nova versão de você quanto fui com a antiga. — Ele
passa a mão pelo rosto outra vez. — Talvez mais, para ser
honesto.
— Eu não precisava vê-lo de novo para saber que ainda
o amava, — digo suavemente. — Elijah, esse tempo todo... —
Eu não termino. Não consigo terminar. Parece muito óbvio e
muito importante para colocar em algumas pequenas
palavras.
Ele encontra meu olhar, e seus olhos são suaves e
abertos.
— Então talvez isso devesse acontecer, — diz ele. —
Talvez estivéssemos sempre destinados a acabar aqui,
juntos. Talvez Deus quisesse isso para nós.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Mas Deus também quer que você seja feliz e tenha o
que precisa, — eu digo, dando andando até o altar para
colocar minha mão ao lado da dele. Meu polegar roça seu
dedo mínimo, e é tão quente em comparação com a pedra fria
do altar que suspiro. — Sinto como se tivesse roubado algo de
você.
Ele balança a cabeça com minhas palavras. — Isso é o
que estou tentando te dizer. Você não roubou nada. Depois
do nosso beijo no eremitério, eu...
Ele esfrega seu mindinho lentamente ao longo do meu
polegar, seus olhos em nossas mãos enquanto faz isso. —
Construí uma vida para mim onde tudo tem uma razão e um
sentido, onde cada minuto é preenchido com ações, e todas
essas ações sempre têm um motivo. Não há viagens
repentinas para ver uma manada de bisões que você viu na
internet. Não há piqueniques às duas da manhã sob as
estrelas. Não há dias de folga aleatórios para que possamos
passar o dia assistindo a filmes de super-heróis em ordem
cronológica. E eu pensei - pensei, tudo bem. Todas essas
coisas são caprichosas e bobas e era isso que eu amava
nelas, e como você era um monge, toda esses caprichos
tornaram-se austeros no seu coração e, portanto, o que eu
amava em você também teria desaparecido. Mas eu estava
errado. — Ele olha para mim. — Você é tão inebriante quieto
como quando está rindo. E é tão lindo quando está sério
como quando está brincalhão. E é totalmente mais potente
assim, mais poderoso, mais estimulante, e talvez seja porque
tolice e contemplação sejam a mesma coisa. Talvez seja

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


porque não interessa o que você esteja fazendo, está sempre
me lembrando que estou aqui e vivo e que viver é mais do que
trabalhar. Que às vezes podemos dormir até tarde, brincar ou
rezar e não temos que provar nada a ninguém.
Eu me aproximo do altar, não suportando mais a
distância entre nós. — Você me fez querer ser melhor porque
é tão inteligente e controlado, e quando estou com você,
quero comer a vida com grandes mordidas, quero alimentar a
vida em você até que esteja cheio. Nunca existiu ninguém
como você, e tudo o que sempre quis foi lhe dar tudo.
E saber que eu não poderia - perceber visceralmente que
o decepcionaria uma e outra vez - foi muito do que me
arruinou naquela noite.
Elijah me deixa segurar seu queixo em minhas mãos, e
seus olhos se fecham, seus cílios grossos descansando contra
suas bochechas.
— Prefiro tê-lo por três semanas na Europa do que
passar o resto da minha vida desejando ter te beijado uma
última vez, — ele sussurra.
Sim, sim.
— Eu te amo, — eu lhe digo, a emoção de poder dizer as
palavras quase o suficiente para amenizar a dor que nos
espera após o término de nossa viagem.
Ele abre os olhos e beija minha mão. — E eu te amo, —
ele diz com uma voz rouca, mas vejo a ruga entre suas
sobrancelhas quando ele diz isso, sinto a tensão em seu
maxilar.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Engraçado como eu te amo poderia ser o suficiente para
qualquer outro casal no mundo. O início de um feliz para
sempre.
Mas, para nós, é como vinagre em vez de vinho - fere e
azeda e só nos deixa mais sedentos por algo que nunca,
jamais, poderemos ter.

Eu me preocupo que tudo possa estar estampado em


nossos rostos enquanto nos sentamos no jantar. O eu te
amo, o sexo. Principalmente o sexo. Com certeza deve
haver algo diferente em mim, no meu rosto, na minha voz.
Com certeza a maneira como eu e Elijah nos movemos um
ao redor do outro – tomando cuidado para não nos
olharmos muito, falar demais - deve ser reveladora.
Eu me sinto diferente, e não está ajudando em nada o
meu sexo livre sob meu hábito, e mesmo enfiado na minha
cueca, a quantidade de estímulo que vem meramente da
pressão e fricção constantes do tecido é muito mais do que
tive nesta viagem. E então eu ando e sinto a dor de onde
Elijah me penetrou, e meu corpo ameaça despertar
novamente.
Eu me sinto como quando começamos a foder, e era
tudo o que eu queria fazer. Implorava a ele para tirar dias de
folga do trabalho, eu o mantinha acordado todas as horas da
noite, como se pudesse compensar todo o tempo que perdi de
transar com ele se tentasse com afinco.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Eu me sinto assim agora. E quando o pego me
observando no refeitório com um olhar ardente, mas
desprotegido, acho que ele deve se sentir da mesma
maneira. Um plano se forma em minha mente.
Quando entramos na hospedaria depois das Completas -
o misterioso padre ainda não voltou de qualquer lugar onde
esteja, - fecho a porta atrás de nós e me viro para Elijah no
corredor de pedra.
— E se... — digo e seus olhos imediatamente ficam
pesados.
— Sim.
— Você estivesse passando a noite, — eu sussurro. —
Com Sean.
Seus olhos ficam ainda mais entrecerrados. Este não é
um jogo novo; é um dos nossos favoritos. O jogo do melhor
amigo do irmão mais velho.
— E ele está dormindo e você dormindo no quarto de
hóspedes, mas eu não consigo dormir. E entro no seu quarto
sem bater.
— Ele engole. — Sim, — ele diz, sua voz parece seca. —
Gosto muito desse jogo.
E cerca de uma hora depois, estamos cada um em suas
próprias celas, limpos e aparentemente tentando dormir, eu
esperando até não aguentar mais, e então finalmente me
levanto da cama e abro a porta de madeira para o corredor.
De certa forma, apesar da pedra medieval e das celas
vazias, parece que estou me esgueirando pela minha casa de
infância enquanto todo mundo está dormindo. Só estou de

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


cueca e, se for pego, terei que fingir que estava indo ao
banheiro ou algo assim. E embora duvide muito que ser pego
seja um problema, já que não parece provável que algum dos
monges aqui estaria andando pela pousada durante as
preciosas horas de sono entre as Completas e as Vigílias, é
uma possibilidade que ainda espero enquanto ando pelo
corredor até a cela de Elijah, na ponta dos pés para fazer o
maior silêncio possível.
Eu poderia muito bem estar rastejando pelos quartos de
Sean e Tyler para chegar ao quarto de hóspedes. Posso muito
bem estar amaldiçoando minha própria respiração por estar
muito alta quando encontro a maçaneta de sua porta e a giro
devagar.
Está destrancada.
A luz fraca do corredor se derrama em seu quarto
enquanto silenciosamente abro a porta e entro. Elijah está
deitado de costas na cama, uma perna musculosa levantada
e um braço jogado sobre o rosto. Ele está só de cueca boxer, e
está bem quente, então o lençol foi chutado até onde se
franze em sua cintura, revelando a extensão marcada de seu
abdômen e peito.
Ele respira rápido demais para estar dormindo, ou
mesmo perto de dormir, mas ainda ajo como se ele estivesse e
fecho a porta atrás de mim e entro no quarto. E então me
arrasto para o lado de sua cama, minha própria respiração
suspensa, como se eu fosse mesmo um adolescente entrando
no quarto de uma paixão mais velha. Como se não tivesse
mesmo conseguido dormir sabendo que ele está tão perto.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


À luz da lua entrando pela janela alta, eu vejo seu peito
se contrair e se expandir, vejo as leves subidas e descidas de
sua barriga. Deixo meus olhos pousarem em seu umbigo e na
linha estreita de pelos que desce para o lençol.
Já jogamos este jogo de tantas maneiras diferentes -
maneiras mais sutis, maneiras mais lentas - mas se tivermos
apenas as próximas duas semanas, não quero sutil nem
lento. Quero tudo, tão pervertido como jamais fizemos. Quero
que as lembranças valham os pecados.
Eu me ajoelho silenciosamente e, com cuidado, muito
cuidado, levanto o lençol que descansa sobre sua metade
inferior. Só um pouco. Só o suficiente para ver a ponta
inconfundível dele nas sombras.
Eu respiro fundo quando vejo, meu próprio corpo já
inchado em resposta, meu coração batendo mais
rápido. Deus, quantas vezes meus pensamentos se voltaram
para o corpo dele quando eu tinha aquela idade, o quanto
queria vê-lo. Suas coxas, seu abdômen. Seu pau. Meus
pensamentos e fantasias nunca realmente passaram da
visão - se eu o tivesse visto, não sei o que teria feito. Nem
sabia o suficiente para saber quais possibilidades existiam.
Mas imagino o que teria acontecido naquela vez que ele
veio quando eu era um calouro na faculdade, o que teria
acontecido se eu tivesse entrado em seu quarto depois que ele
e Sean voltaram dos bares e tivesse finalmente satisfeito
minha curiosidade?

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Levanto o lençol ainda mais, querendo ver mais dele, e é
quando o noto me olhando por baixo do braço, os olhos
brilhando no meio da escuridão.
— O que você está fazendo, Aiden? — Ele murmura.
Rapidamente solto o lençol, procurando uma desculpa
falsa. — Eu, uh. Eu não conseguia dormir.
Elijah se alonga, do jeito que faz sua barriga e coxas se
flexionarem e estremecer, e então enfia o braço atrás da
cabeça para que possa me olhar melhor.
— É difícil dormir quando está tão quente, — diz ele. —
Não é?
— Sim, — sussurro. — É.
Sua outra mão sobe pela barriga e desce
novamente. Movimentos lentos e ociosos. Eu observo o curso
de sua mão enquanto ele me observa.
— Quer saber, — ele diz depois de um momento. — Tem
algo que me ajuda quando estou com dificuldade para
dormir. Você consegue imaginar o que é? — Sua mão se
desvia agora, roçando a beira do lençol.
Meu pau está ameaçando aparecer no cós da minha
cueca agora, esticando-se para o meu quadril e enviando
correntes quentes de tesão pelo centro do meu corpo. — Acho
que sim, — murmuro. — Eu faço muito isso.
Elijah ri, seus dedos abaixando o lençol, pouco a pouco
de uma forma agonizante. — Eu fiz muito isso na faculdade
também. Isso deixou a vida no dormitório um pouco
constrangedora.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Eu poderia muito bem ter dezoito anos de novo
enquanto o vejo afastar o lençol para baixo com o polegar e,
em seguida, pressionar a palma da mão em sua ereção sobre
a cueca. Não me sinto como se tivesse mais de trinta anos,
como um homem que fez coisas muito mais pervertidas do
que ver sua paixão se tocar. Sinto-me jovem de novo, à beira
de algo muito emocionante para entender ou definir.
— Você poderia me mostrar também, sabe, — diz ele,
muito casualmente. — Como você faz. Eu gostaria de ver.
Respiro fundo e, em seguida, empurro o cós da minha
cueca para baixo, ficando de joelhos para que ele possa ver
melhor.
— Oh, Aiden, — diz ele. — Isso é realmente bom. Isso é
muito, muito bom.
Meu órgão salta com suas palavras, e ele lambe o lábio
inferior enquanto enrolo minha mão e faço alguns
movimentos desajeitados de luxúria. Lentamente - muito
lentamente para o meu gosto - ele puxa o cós da cueca para
baixo e revela o comprimento grosso e ligeiramente curvo
dele. Uma veia grossa serpenteia pela parte inferior; a coroa
está tão inchada que a pele ali está esticada e brilhante. Já
uma pequena pérola de sémen clara na ponta.
Minha boca seca enquanto o vejo envolver seus longos
dedos ao redor de seu comprimento e, em seguida, mover a
mão para cima e depois para baixo. O vaivém lento de sua
mão sobre si mesmo é emoldurado por sua barriga e peito
nus, disparado pela maneira como seus olhos ficam

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


entrecerrados enquanto observa minha mão se mover em
mim.
— Você já fez isso com outra pessoa antes? — Ele
pergunta. Jogamos este jogo de todos os jeitos, em que eu
respondia não ou sim ou sim, mas nunca desse jeito, sim, mas
nunca com outro cara. Hoje à noite, respondo com sua
resposta favorita, aquela que geralmente leva o jogo para a
direção mais suja possível.
— Não, — eu digo. — Você é o primeiro.
Luxúria brilha em seus olhos, percebo, pela maneira
como ele para de se acariciar, que está muito perto do limite e
quer fazer isso durar. Ele começa a passar a mão ao longo de
seu abdômen novamente.
— Já na faculdade e você nunca se masturbou com
ninguém antes? — Ele diz suavemente. — Não sei se estou
educando ou te pervertendo.
— Sou bastante pervertido, — protesto, minha mão
ainda se movendo. — Só não tive a chance de praticar muito
ainda.
Ele levanta uma sobrancelha sexy. — E o quanto você é
pervertido? Preciso me preocupar com o irmãozinho de Sean
se metendo em problemas?
Respondo exatamente como um Aiden de dezoito anos
teria respondido. — Depende do problema.
— Acho que devo me preocupar com você me
pervertendo, — ele suspira, se esticando de novo, seu pau
balançando contra sua barriga. — Afinal, foi você quem
entrou escondido aqui enquanto eu estava dormindo.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Sei que não deveria, — eu sussurro. — Mas eu queria
te ver. Penso em te ver o tempo todo.
Ele me olha, ainda com o braço apoiado atrás da
cabeça. — Quer me tocar?
Minha mão para sobre o meu eixo. — Você vai me
deixar?
— Sim. O que Sean não sabe não vai machucá-lo.
Ele estende a mão e pega a minha e a guia para onde
está latejando e quente. É minha mão esquerda, então não
preciso fingir que estou fazendo errado por causa do jogo.
— Desculpe, — murmuro. — Nunca fiz isso antes.
— Está tudo bem, — diz ele. — Você vai pegar o jeito. —
Mas seu tom gentil e espontâneo é traído pela flexão de suas
coxas, pelo arrastar lento de seus pés contra os lençóis
enquanto o acaricio. Seus mamilos estão agrupados em
pontos tensos, e há mais porra clara na ponta de seu pau do
que nunca. — Ah, Aiden, — ele ofega enquanto aperto minha
mão e faço movimentos mais rápidos. — Isso é tão bom. Bom
pra caralho.
O orgasmo que serpenteia através da minha virilha está
se aproximando cada vez mais, e sinto meu ritmo ficar
estremecido e imprevisível.
— Acho que vou, — murmuro.
— Você poderia fazer isso comigo, — diz ele. — Você
gostaria de fazer isso comigo?
Olho para ele. — Essa é uma pergunta real?
Ele sorri, parecendo perverso como o inferno. — Suba
aqui e descubra.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


A cama estreita não é feita para duas pessoas e
definitivamente não é feita para um monge lenhador gigante
montar em alguém, mas consigo de alguma forma, meus
joelhos de cada lado do quadril dele e uma mão apoiada na
parede enquanto agarro meu pau e volto a mover minha
mão. Elijah me observa com interesse genuíno, suas mãos
esfregando os pelos de minhas coxas e voltando para baixo
enquanto me masturbo na frente dele.
— Talvez eu tenha que dormir mais vezes aqui, — ele
murmura, os olhos na minha ereção. — Porra, Aiden. É
isso. Me mostre como você goza, eu quero ver. Me mostre, me
mostre...
Minhas bolas se apertam, minha barriga se aperta e,
com um gemido, o clímax explode para fora de mim com jatos
grossos de liberação por toda a ereção e barriga dele.
Ele fica tenso enquanto assiste, sua mandíbula também
tensa e sua boca aberta, seus olhos correndo por toda parte
como se não quisesse perder um segundo disso, nem do meu
rosto, nem do meu corpo, nem da liberação em si
lambuzando-o todo. E só quando eu termino ele grunhe e
encontra minha mão, colocando-a de volta em seu eixo, que
agora está escorregadio com minha porra.
— Termine o que você começou, — diz ele, e eu termino,
aperto minha mão no seu pau e acaricio, e seu quadril tenta
em vão foder com o meu toque, mas meu corpo o segura, e
ele está inteiro tenso, úmido, e com uma inspiração abrupta e
seus olhos fixos nos meus ao luar, ele jorra em toda a minha
mão, em todos os meus dedos e em todos os lugares até que

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


estejamos cobertos um pelo outro, até que tudo esteja
tremendo, um alívio escorregadio.
Ele estende a mão e eu abaixo minha cabeça,
permitindo que ele enrole os dedos em volta do meu pescoço e
me puxe para baixo para um beijo longo e perscrutador. Seus
lábios são tão quentes e tão firmes, e eu odeio que eles não
sejam meus para beijar sempre, odeio que estejamos em
tempo emprestado.
Odeio que o tempo tenha que ser emprestado, mas
precisa, eu sei que precisa.
Não posso viver sem orações, dias ordenados e claustros
tranquilos. Eu sei por que tentei uma vez.
Acabei no chão da minha casa de fazenda.
— Só um minuto, — eu sussurro em seu beijo e, em
seguida, saio da cama. Uma corrida rápida no banheiro e
estou de volta com algumas toalhas úmidas para nos
limpar. E então, depois que terminamos, eu me sento na
beira da cama e seguro sua mão no meu colo.
— Queria poder deitar aqui com você, — digo,
esfregando meus dedos ao longo da palma de sua mão
Ele faz um pequeno ronronar e depois se ajusta para
que seu braço fique todo no meu colo, para que eu possa
passar a ponta dos dedos também sobre ele. Ele sempre
gostou de ser acariciado depois do sexo.
— Acho que cabe, — diz ele, parecendo sonolento.
— Acho que não. Você teria que se deitar em cima de
mim.
— Não estou reclamando.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Eu continuo acariciando seu braço, sem saber qual é o
protocolo para um monge agendar um encontro. — Amanhã à
tarde, depois de terminar de ajudar na colheita da lavanda...
— Sim, — ele diz. — Sim.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


38

— Então, explique o celibato para mim, — diz Elijah.


Estamos caminhando para encontrar a fonte final que
inspirou o lugar e o nome da abadia, e mesmo que meus
músculos doam por mais um longo dia ajudando com a
lavanda, e mesmo que meu estômago esteja roncando e meu
pau solto esteja implorando atenção, não me lembro de estar
tão feliz há... bem, há muito tempo. Tenho estado contente no
Monte Sergius, tenho estado em paz, e tenho sentido uma
alegria que chega até os ossos, mas apenas a simples
felicidade do trabalho árduo e um dia ensolarado e um cara
gostoso?
Já faz tanto tempo que parece novidade para mim. Um
novo sentimento que acaba de ser inventado nestas colinas
pedregosas sob o sol quente do Mediterrâneo.
— Bem, — digo enquanto passamos pela estreita fenda
de rocha que deveria levar à fonte, — quando um homem e
Deus se amam muito...
— Ha, — Elijah diz secamente. — Ha, há.
— Não há muito o que explicar, — digo a ele. — É
exatamente o que parece. Quando você se torna um padre ou
monástico, você se entrega a Deus. Tudo de você, incluindo
seu corpo e desejos corporais.
— Mas por quê? — Elijah pergunta, parando para olhar
para mim. — Por que você tem que desistir do sexo para
devotar sua vida a Deus?
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
— A Igreja diz que...
— Posso pesquisar no Google o que a Igreja diz, —
responde Elijah com impaciência. — Quero saber por
que você concordou em fazer isso. Porque fez até virmos
aqui. Que valor você encontrou nisso.
Isso me detém. Não porque não tenha pensado nisso,
mas porque nunca tive que falar sobre isso com alguém não-
monástico antes. A única pessoa com quem eu poderia falar
sobre isso é meu irmão mais velho Tyler, mas como ele mora
na Costa Leste, geralmente só conversamos por telefone, e
falar sobre celibato enquanto estou no telefone da abadia na
sala comunitária é literalmente a última coisa que quero
fazer.
E de qualquer maneira, Tyler Bell não é exatamente um
modelo para o celibato bem executado.
Demoro um minuto pensando nas palavras de Elijah. —
Acho, — eu digo, — quando é feito da maneira certa, é um
jeito de estar presente para outras pessoas de uma forma
realmente plena. Já ouvi algumas pessoas falarem que
sublimam a energia sexual em energia emocional e social, e
outras que isso incentiva relacionamentos, garantindo que o
sexo nunca seja um fator. Mas para mim, era mais uma
questão de foco. Passei toda a minha vida adulta perseguindo
sexo, amando sexo, fazendo-o sempre que podia e, então,
pela primeira vez, estava colocando toda a minha energia em
partes da vida que não eram sobre sexo. Era menos sobre o
que meu corpo estava fazendo do que onde minha mente
estava. Não na negação do meu corpo, mas plenamente nele,

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


participando plenamente com ele para transformar todo o
meu ser no amor a Deus e suas criações.
Dou um sorriso triste para Elijah enquanto voltamos a
andar. — Claro, essa é a teoria. Na realidade, muito da minha
mente - meu coração - ainda estava com você. Parecia que
você estava dentro de mim o tempo todo... não apenas meu
desejo por você, mas meu amor por você também. E embora
às vezes eu sentisse que tinha administrado bem o celibato
sexual, nunca senti que tinha conseguido o verdadeiro
celibato. O celibato emocional
Ele não fala por um momento, e então emergimos das
rochas em uma ravina profunda feita de rocha branca e
pontilhada com piscinas azul turquesa. Encontramos a
beirada inclinada de uma dessas piscinas e colocamos nossas
coisas no chão forrado de folhas de pinheiro secas ali - a
bolsa de couro de Elijah, um cobertor e uma caixa térmica
com cerveja que o irmão Luc nos deu quando soube que
estávamos indo para a fonte mais profunda da abadia.
E só quando estamos acomodados no cobertor e Elijah
entrega uma cerveja a cada um de nós é que ele diz: — Eu
não gostei disso.
— Não gostou do quê?
— Saber que era a razão pela qual você lutou contra o
celibato.
Eu sorrio.
— E acho que entendo o que você está dizendo, mas
assim - tudo bem. Por que o foco em Deus tem que excluir o
sexo? Se somos chamados a amar a Deus com todo o nosso

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


corpo, então por que não podemos amar a Deus sexualmente
também?
Eu sorrio ainda mais. — Isso é muito bizarro.
Ele me lança um olhar impaciente. — Estou falando
sério, Aiden. E não podemos deixar de lado que na realidade
a Igreja Católica está mais preocupada com o celibato de
algumas pessoas que de outras. Pessoas queer só são
teologicamente justificadas se forem celibatárias. A Igreja
canoniza literalmente as mulheres por serem virgens, e só por
isso. Uma coisa é uma pessoa alossexual28 escolher o
celibato, mas parece que você está recolocando razões que
são mais sobre escolha pessoal do que controle
organizacional.
— Talvez, — eu digo. — Mas isso torna uma escolha
menos válida?
— Depende de como a escolha é informada. E eu sinto
que você está se esquivando da pergunta.
— Talvez um pouco. — Jogo um punhado de folhas de
pinheiro na piscina mais perto. — Mas só porque a resposta é
muito confusa e porque é o tipo de resposta que muda dia a
dia, às vezes até hora a hora. Sim, a Igreja é obcecada pelo
controle sexual e, sim, é dirigida principalmente a pessoas
queer e mulheres. Acho que existem alguns católicos queer e
mulheres católicas que se sentem como seus pais sobre
permanecer na Igreja após a morte de Lizzy - que é melhor
ficar e ter sua voz ouvida, e se você tem que seguir as regras
para ter sua voz ouvida, então que seja.
28 Alossexual — São pessoas que sentem e experimentam qualquer tipo de atração

sexual - considerado a norma.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Parece que você não concorda com isso.
— Bem, às vezes eu concordo. Mas o celibato é diferente
dependendo da vida que você leva, não é? Porque para o
sacerdócio ou para uma vida religiosa como irmão ou irmã, o
celibato é exigido de todos. Uma vida com votos é o único
lugar na Igreja onde todos são convidados a desistir da
mesma coisa - ao contrário dos leigos, onde apenas fiéis
queer são convidados a ser celibatários e onde o policiamento
sexual é normalmente dirigido apenas às mulheres. Parecia
que, como monge, não me pediam para dar nada mais do que
meus irmãos e irmãs heterossexuais davam.
— Mas ainda não é a mesma coisa, — Elijah
argumenta. — O que parece funcionalmente o mesmo pode
ser totalmente diferente por causa do contexto, e o contexto
do celibato queer no catolicismo será sempre a respeito de
controle.
— Eu concordo até certo ponto, — respondo. — Mas só
até certo ponto, porque a Igreja tem que ser maior que Roma,
tem que ser maior que seus dogmas e doutrinas. A Igreja é
minha. Deus é meu. E se todos nós começássemos a
acreditar nisso? E se todos nós começássemos a agir
assim? Como se a Igreja fosse nossa? Não dos padres, não
dos bispos, mas nossa.
— Isso parece incrível, mas também parece como uma
maneira de se manipular para ficar em um sistema
arruinado.
— Elijah, — digo, colocando minha cerveja na mesa e
olhando para ele.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Sim?
— Você não está errado. Mas se vamos discutir sobre o
que a Igreja Católica faz para controlar seus fiéis versus o que
é a escolha desses fiéis, estaremos aqui discutindo até
ficarmos de pentelhos grisalhos, e tenho coisas que quero
fazer com você antes que meus pentelhos fiquem brancos.
Ele balança a cabeça, mas ri. — Coisas tipo o quê?
Eu me viro para encará-lo. — E se jogássemos um jogo
de monge de novo?
A risada se transforma em outra coisa ao redor de sua
boca. Algo como desejo.
— Oh, sim?
— Sim, — eu digo. — Mas diferente desta vez.
Seus olhos estão derretidos agora. Ele lambe os lábios
de novo.
— Diferente.
— Eu acabei de te encontrar aqui, — eu digo. — Estou
checando se você está bem instalado na abadia.
— E digo a você que estou, — ele diz calmamente. —
Pergunto se é normal um monge checar cada hóspede assim.
— É um pouco normal, — eu digo. — Normalmente, eu
te deixaria aproveitar sua tarde em paz, mas queria ter
certeza de que não estava sozinho.
— Não estou sozinho agora, — diz Elijah, com a voz
baixa e rouca. — Acho que deve ser solitário para você, no
entanto. Aqui. Só na companhia de Deus.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Coloco minha mão sobre o cobertor, ao lado da dele,
nossos dedos quase se tocando de uma forma que poderia ser
acidental.
— Tenho estado sozinho, — admito, uma daquelas
coisas que vale tanto dentro como fora do jogo. — Embora
digam que Deus vem até nós na forma de estranhos.
— Ele vem? — Elijah responde. Sua mão se move no
cobertor o mínimo possível, e agora nossos dedos estão se
tocando. — Que estranho. Eu estava pensando que Deus
deve estar usando seus fiéis para falar comigo enquanto eu
estou aqui. Que talvez Deus viesse até mim na forma de um
monge.
— Talvez pudéssemos ser Deus um para o outro, — digo
enquanto me inclino para frente. — Só um pouco.
Seus lábios quando encontram os meus são quentes e
levemente doces da cerveja de mel, e ele fica parado enquanto
saqueio sua boca, como se já tivessem passado anos desde
que nos beijamos em vez de horas. Como se eu fosse mesmo
um monge solitário em busca de Deus no corpo de um
estranho.
Ele me deixa empurrá-lo para o cobertor, me deixa
prendê-lo no lugar com minhas mãos em seus pulsos
enquanto procuro em sua garganta, queixo e rosto lugares
para beijar. Enquanto procuro por novos vãos com cheiro de
sálvia e recantos úmidos de suor.
Lembro que o nosso ano juntos foi assim, enquanto
lambo um ponto em sua garganta e ele fica tenso embaixo de
mim. Ele me permitindo rastejar sobre ele e conhecer seu

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


corpo. Ele me ensinando, ele me deixando aprender. Talvez
seja estranho que um amante também possa ser um
professor - especialmente porque eu tinha 31 anos na época e
estava bastante certo de que não tinha mais nada a aprender
- mas também tinha sido estimulante. Sexy.
Suas pernas se abrem enquanto chupo seu pescoço e
me insiro facilmente entre elas, prendendo seu quadril no
cobertor com o meu. Minha ereção livre engrossa quando me
pressiono contra ele, quando encontro a ereção dele e me
esfrego nela enquanto nos beijamos.
— Sim, — eu ofego. — É isso, assim. Deus, faz tanto
tempo.
— Quanto tempo?
— Anos e anos, — digo, pressionando meu rosto em seu
pescoço e respirando-o. Nem parece que estou fingindo pelo
jogo; pode muito bem ser a verdade. — Parece que foi minha
vida inteira.
Percebo que estou segurando-o contra o cobertor com a
maior parte do meu peso, e me mexo para me reajustar para
não prendê-lo como uma espécie de vilão sexual.
— Espere, — ele diz, respirando rápido. — Espere. Você
pode... você não precisa se mover.
Olho para ele, estudando seu rosto. Quando estávamos
juntos, era fácil deixá-lo assumir o comando, porque ele era
mais velho, e experiente, e geralmente eu era mais
descontraído e cheio de tesão para concordar com qualquer
coisa que significasse trepar.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


O que não quer dizer que nossos jogos não abrangiam
todos os tipos de fantasias e transferências de poder, mas só
que, de muitas maneiras, eu só o seguia, procurando sua
liderança física e emocionalmente. Estava com tanto medo de
foder as coisas com ele, de foder com as coisas
completamente, que nunca me perguntei se ele queria
entregar o poder com mais frequência - ou mais
enfaticamente
Penso nisso por um segundo e pergunto: — Você gosta
de como estamos agora?
— Você se refere se gosto quando você é o Papai Monge
Malvado? — ele pergunta, e parece divertido e excitado ao
mesmo tempo, o que não é pouca coisa. — Sim, Aiden.
Bem. Sem queixas aqui. — Estale os dedos se for
demais, — digo a ele, inclinando-me para beijar seu
pescoço. Ele concorda com a cabeça enquanto dou uma longa
e persistente chupada em sua clavícula.
— Eu estalo, — ele diz, e já estou perdido em nosso jogo,
já deixando meus beijos ficarem menos gratos e mais
egoístas. Pressiono meu quadril com mais força contra ele
enquanto retomo sua boca, e ele reage quase imediatamente,
arqueando-se contra mim, ofegante.
— Você é tão lindo. É como se fosse lindo assim só para
mim, só para mim. — Digo a ele, esticando a mão entre nós
para encontrar o botão de sua bermuda, o zíper por baixo.
Quero vê-lo, senti-lo, quero tudo dele disponível para mim, e
resmungo de satisfação quando encontro o calor espesso dele
dentro de sua bermuda. — Sem cueca, — eu comento em voz

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


baixa, as pontas dos meus dedos explorando a pele esticada e
sedosa de sua ereção. — É quase como se você tivesse vindo
aqui esperando por isso.
— Talvez eu tenha. Talvez tenha te visto me olhando
durante as orações, — Elijah diz, seu quadril esforçando-se
contra o meu toque. — Talvez eu tenha esperado...
Fico de joelhos e ergo meu hábito o suficiente para me
expor no ar, usando minha mão esquerda para me acariciar
enquanto pego a bolsa e a puxo para mais
perto. Preservativos e um pequeno frasco de lubrificante
estão bem no topo.
— Parece que você fez mais do que esperar, — digo,
rasgando um preservativo com uma mão.
— Deus ajuda quem se ajuda, — murmura Elijah, com a
garganta se movendo.
— Ou talvez ele esteja me ajudando agora. Sabe quanto
tempo se passou desde que tive uma foda de verdade? —
Pergunto, minha voz mais como um rosnado do que fala. — E
agora você está aqui, todo esticado para mim com seu pau
para fora e sua boca tão linda. É o suficiente para arruinar
um homem.
Elijah balança lentamente a cabeça no cobertor. —
Talvez eu queira te ver arruinado.
Rasgo o pacote de preservativo. Antigamente, eu podia
fazer isso no escuro apenas com uma mão enquanto dirigia
meu velho Lexus pelo tráfego do estádio pós-jogo, mas estou
sem prática. Demoro um minuto para ver para que lado está
enrolado e, em seguida, para prendê-lo corretamente e

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


pronto. Mas Elijah não parece se importar; seu olhar está
entreaberto e sensual enquanto me observa, e seu quadril se
move inquietamente entre os meus joelhos enquanto ajeito o
látex na minha ereção para fodê-lo.
Logo estou revestido, o látex transparente fazendo meu
pau brilhar ao sol, e nem me importo se devo parecer ridículo
no meu hábito e escapulário com meu pau para fora, nem me
importo se o hábito de um monge seja a coisa mais distante
de sexy, porque estou me rendendo, já estou rendido. Se já
não estivesse apaixonado por esse homem, se já não tivesse
quebrado meus votos, estaria pegando o lubrificante na bolsa
de qualquer maneira. Eu estaria rosnando para ele se virar
para mim.
Com um ruído que parece impotência, Elijah vira-se de
bruços enquanto ainda estou montado nele, e apoia a cabeça
em seus braços, seu rosto abaixado no cobertor.
De bruços, a regata estilosa dele subiu até as omoplatas
e sua bermuda já estava puxada para baixo até as coxas. Por
um momento, simplesmente saboreio a visão. O trecho sépia
escuro de suas costas - em camadas com músculos esguios e
oblíquos com a forte extensão de sua coluna - e as curvas
firmes de sua bunda, feitas em curvas Fibonacci perfeitas.
Passo as minhas mãos sobre essas curvas agora,
sentindo a forma como os arrepios se erguem sob o meu
toque, mesmo com o sol provençal brilhando acima. Separo
as nádegas musculosas de sua bunda e olho para o lugar
macio e aveludado que estou prestes a foder.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Isso é tão bom, — eu digo, tocando a beira pregueada
de sua entrada e pressionando. — Isso é tão bom, e não
posso esperar mais. Você vai me dar, não vai? Vai se dar para
mim, porque estava esperando que eu fizesse isso, não é
mesmo? Você esperava que o monge grande e calado o
prendesse e o fizesse sentir o quanto ele precisava disso.
— Sim, — ele murmura no cobertor, seu quadril
levantando contra o meu toque. — Deus, sim.
Pego o frasco de lubrificante e o abro, despejando uma
quantidade generosa em meus dedos e besuntando seu cu. —
Você tem me deixado louco o tempo todo que está aqui, — eu
digo, empurrando um dedo para dentro. Ele geme. — Essa
boca bonita. Essa bunda perfeita. Você acha que não
percebo? Que sou super-humano? Feito de pedra? Que não vi
você olhando para mim, que não vi você olhando para as
minhas mãos como se as quisesse em cima de você? Que não
vi você olhando para o meu hábito como se quisesse saber o
que tem por baixo?
Ele é extremamente quente e uma combinação
alucinante de apertado e macio por dentro. Verifico
continuamente suas mãos, mantenho minha audição alerta
para estalos de seus dedos, mas a maior parte da minha
atenção está no que estou fazendo com ele agora. Para onde
estou derramando mais lubrificante e deslizando um segundo
dedo e pressionando até encontrar o ponto inchado de
luxúria dentro dele e começar a acariciar.
Ele fica inquieto enquanto o acaricio, seu quadril se
movendo contra o cobertor como um adolescente fodendo sua

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


própria cama porque está com muito tesão, e ruídos
começam a sair de sua boca. Ruídos suplicantes, ruídos
urgentes, mais doces do que qualquer salmo ou cântico.
— Sim, — digo, minha ereção doendo dentro do látex
enquanto o vejo foder de volta contra meus dedos lisos. — Foi
como pensei. Você precisa disso tanto quanto eu. Talvez Deus
tenha mesmo te enviado para mim. Talvez eu esteja cuidando
de você agora. Ajudando um pobre estranho em necessidade.
Ele geme algo no cobertor, algo quase inteligível. No
entanto, contém meu nome religioso e é seguido por outro
movimento descarado de seu quadril, então acho que ele
ainda está curtindo o jogo do papai monge. Ótimo. Eu
também.
Afasto minhas mãos ao som de protestos gemidos e aliso
minha ereção com mais lubrificante antes de colocá-la contra
a abertura que acabei de dedilhar. Empurro uma nádega de
lado e uso minha outra mão para provocar seu anel com a
cabeça do meu pau.
Arrepios pontilham sua pele, e posso senti-lo tremendo
debaixo de mim enquanto o violo, passando por sua barreira
mais estreita e apertada e para o céu quente além.
— Queria tanto que você pudesse se ver agora, — digo a
ele. — Como está lindo enquanto me acolhe.
Eu recebo um resmungo incoerente em resposta, mas
não há estalar de dedos e o murmúrio parece como um
gemido de um jeito bom, então empurro mais, tremendo à
medida que mais e mais de mim é apertado e acariciado por
sua entrada quente e sedosa. Já se passaram anos desde que

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


senti o aperto do corpo de um amante ao meu redor, e ainda
assim é tão instintivo me mover, pegar, empurrar e foder.
E então estou inteiro dentro, tão fundo que sinto meu
quadril pressionando em suas costas. Eu acaricio sua coluna
com um dedo e, em seguida, inclino-me para apoiar meu
antebraço em suas costas, envolvendo-me inteiramente sobre
ele.
— Deus, você é tão gostoso, — eu sussurro em seu
ouvido, dando um impulso experimental e, em seguida,
murmurando o quanto ele é gostoso. Mais quente que uma
fornalha, mais quente que o fogo do inferno. O tipo de calor
com que você sonha sozinho na cama à noite. O tipo de calor
pelo qual você pagaria qualquer preço para o céu.
— Você é tão... grande, — ele murmura.
Eu me afasto e empurro de volta enquanto acaricio seu
quadril. — Talvez seja porque você é muito apertado. Jesus
Cristo. É como foder um punho. — Eu soco meu quadril para
frente com um gemido e, em seguida, seguro seu pulso e
empurro sua mão por baixo de seu quadril até seu pau.
— Não esperava... que você fosse ligar para isso... — Ele
diz, parecendo bêbado, enquanto seu braço começa a se
mover. — Grande monge mau como você.
— Você achou que eu só te usaria e pronto? — Falo
com uma voz áspera quando começo a penetrar com mais
força, um pouco mais rude. — Você achou que talvez eu só
quisesse um buraquinho quente para a tarde? Talvez eu
goste de vê-lo gozar debaixo de mim. Talvez eu te queira fraco
de tanto gozar para poder fodê-lo de novo e de novo enquanto

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


deita tonto no cobertor. Talvez eu queira que você reze todos
os dias, pensando em como goza quando estou em cima de
você.
Ele murmura um palavrão no cobertor, rolando a cabeça
ao longo do antebraço enquanto o seguro e fodo. Entro nele
sem piedade, minha exalação é dura, meus músculos duros e
tensos, meu hábito em todos os lugares, de alguma forma
tornando tudo ainda mais obsceno. O monge que surtou, que
se rendeu ao primeiro homem que se ofereceu. O monge, que
depois de anos de negação, simplesmente teve que aceitar.
— Aiden, — Elijah diz sufocado, seu braço se movendo
mais rápido. — Aiden, eu vou... — Ele vira o rosto para mim
enquanto fica tenso e, em seguida, com uma inspiração
repentina, estremece com tanta força que tenho que montá-lo
para conseguir ficar dentro.
E mais do que o calor acetinado em torno do meu sexo,
mais do que sua linda bunda se movendo contra mim
enquanto ele cavalga seu clímax contra o cobertor, é seu
rosto que me derruba. A vibração de seus cílios e a incisão de
seu queixo e a parte desamparada e indefesa de seus lábios
contra o ataque de seu prazer.
Isso me faz querer fodê-lo dezessete vezes por dia só
para ver essa expressão em seu rosto o mais rápido possível.
O orgasmo me agarra com força, me quebrando em dois
enquanto o acaricio, perseguindo implacavelmente cada
pulsação, cada gota, gravando cada pedaço na memória. O
estiramento de seu corpo ao redor do meu comprimento
inchado, o calor, o beijo escorregadio e macio dele. O suor

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


salpicando suas costas enquanto ele cai cambaleante para
frente, o suor que escorre do meu próprio rosto agora. O
ruído das minhas coxas movendo-se contra o tecido caro de
sua bermuda, o tecido de meu hábito e escapulário em todos
os lugares, a ondulação das nascentes próximas.

A beleza do sol ao longo de seu rosto e as sombras


escondidas ao longo da concha perfeita de sua orelha e o som
dolorosamente puro de sua voz enquanto ele murmura meu
nome. Meu nome verdadeiro.
Eu gozo e gozo, amando e odiando, porque cada onda
que enche a camisinha está muito mais perto do fim do
momento. Este momento perfeito que parece mais sagrado do
que a oração e mais profundo do que a contemplação.
E então, finalmente, esvazio nele.
Eu me libero, limpando nós dois rápido o suficiente para
que ele ainda esteja mole e tonto quando eu terminar, e então
deito-me e o puxo em meus braços e o beijo até que nós dois
estejamos duros de novo e pegando a bolsa de couro.
— Talvez eu não seja a melhor pessoa para te explicar o
celibato, — eu digo enquanto ele rola uma camisinha de volta
sobre meu pau, e ainda está rindo mesmo depois de subir no
meu colo e se afundar em mim.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


39

DO CADERNO DE ELIJAH IVERSON

Honestidade, não importa o quão tarde chegue, é


sempre melhor.
Estou pensando nisso desde que acabei de desligar o
telefone com Jamie, e as consequências da minha
honestidade parecem muito, muito difíceis de suportar agora,
mesmo que a ligação fosse sobre assuntos mundanos, como
providenciar para tirar minhas coisas de sua pequena casa
em Westside.
Eu amei Jamie. Ainda o amo, talvez. Mas não poderia
me casar com ele e não deveria ter dito sim quando ele me
pediu em casamento. Mesmo assim, acho que sabia, mas não
admitiria para mim mesmo, porque admitir também
significaria admitir o porquê.
Admitir que quase cinco anos não desfizeram meus
sentimentos por um homem que me deixou sem se despedir.
Eu continuo me perguntando o que quero. O que quero
com isso, sabendo que vai acabar e vai doer mais do que da
primeira vez que acabou - mas de alguma forma a pergunta
deixou de ter importância aqui. O ar cheira a lavanda e
alecrim, e há um suprimento ilimitado da cerveja mais rara
do mundo, e enquanto escrevo isso sob a sombra de um
velho carvalho, posso ver um Aiden sem camisa se mover

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


pelas fileiras de lavanda enquanto colhe as flores de lavanda
com os outros monges.
Acho que posso observá-lo para sempre, simplesmente
vê-lo ser um monge. O trabalho, a oração, o canto, o silêncio.
Talvez eu não entenda, talvez nunca vá entender, mas
quando o vejo, parece que não preciso. Parece que
simplesmente basta estar com. Por um curto período.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


40

Descobri na Provença com aroma de lavanda a razão


pela qual a Igreja se esforça tanto para manter os monges
longe do sexo, e não é porque o sexo polui a oração e não é
também porque o sexo é o oposto da oração.
É porque sexo e oração se encaixam tão bem que
separá-los parece o verdadeiro pecado. Como pão e vinho,
como ouro e incenso, eles são feitos um para o outro,
liturgias de corpo e alma.
Todas as manhãs acordo, me visto e vou para as
Vigílias. Lá eu canto e recito ao despertar. Às vezes Elijah
está lá, algumas manhãs não está, pois ficou acordado na
noite anterior para escrever. E então eu volto para o meu
quarto e faço a lectio, saboreando Cântico dos Cânticos e
deixando as palavras ficarem em minha mente como vinho. E
depois as laudes, e depois os campos de lavanda, onde suo e
dou risadas com os outros irmãos, onde paro para rezar as
horas médias, sentindo as palavras de Deus na minha língua
enquanto seus ventos sussurram ao meu redor.
E então, sob o pretexto de exploração turística, eu e
Elijah desaparecemos nas colinas e adoramos um ao outro
até sermos deliciosamente destruídos como cidades pagãs em
face da ira de Deus. E então há um tour pela cervejaria e
mais oração e escrituras até a noite chegar, e com isso, um
sono profundo e tranquilo que eu nunca tinha conhecido
antes.
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
Não há obstáculo em meus pensamentos enquanto eles
vagam da lembrança da boca de Elijah para a palavra do
Senhor. Não há véu entre a lembrança dele surgindo em mim
e a onda de gratidão que sinto quando Dom Francis coloca a
hóstia em minha língua. Sinto-me plena, profunda e
completamente vivo. Humano. Encarnado inteiramente.
Com ele e Deus juntos.
E mesmo assim.
E mesmo assim.
Eu tenho que esconder minha alegria. Tenho que fingir
que meus sorrisos e serenidade vêm da dedicação fervorosa à
oração e nada mais. Precisamos ser cautelosos, ter cuidado
ao entrarmos nas montanhas e nos esgueirarmos para o
quarto um do outro.
E o mesmo sol que nasce sobre mim para me encontrar
mais repleto e vivo do que nunca também assinala o passar
do tempo a cada amanhecer. Em breve sairemos daqui para
St. Columba, e depois de uma semana lá, voltaremos para
casa.
Em breve esta viagem terminará.
Logo isso vai acabar.

Ainda temos um dia aqui em Nossa Senhora quando o


celular de Elijah toca em sua bolsa de couro.
Ele está dormindo profundamente em um cobertor perto
da gruta sombreada, tirando um cochilo dos bem fodidos, e

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


vou silenciar o celular para que não o acorde quando vejo que
é meu irmão Sean ligando.
Eu não lido com um iPhone há quase cinco anos, mas
consigo atender e então percebo que é uma ligação do
FaceTime de um computador, o que é incrível porque então
eu posso ver...
— Um bebê! — Exclamo, desejando poder me espremer
através da tela e comer as bochechas gigantes do bebê e fazer
cócegas em sua grande barriga. O bebê pisca para mim com
longos cílios de bebê e, em seguida, enfia um punho
rechonchudo na boca e começa a roê-lo diligentemente.
O homem segurando o bebê no colo estreita os olhos
para mim. — Você não é Elijah, — diz meu irmão.
— E daí? Este é meu sobrinho, — eu digo enquanto faço
uma cara engraçada para o bebê. O bebê me olha impassível,
ainda mastigando o punho.
— Ele também é sobrinho de Elijah, — diz Sean,
impaciente. — Posso falar com o meu melhor amigo e o
melhor tio dos meus filhos, por favor?
— Eu sou o melhor tio e, de qualquer forma, Elijah está
dormindo, — eu digo, fazendo outra careta para o
bebê. Joseph Anthony Bell - ou Josie para abreviar - faz uma
pausa mastigando por um momento... e então decide que
ainda não mereço um sorriso.
— Ele está dormindo? — Sean pergunta. — Achei que
ele ia ficar observando você rezar o dia todo por causa de
artigo ou algo assim. E você não pode ser o melhor tio,
porque caso não tenha notado, você é um monge.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Veremos o que Josie dirá quando tiver idade
suficiente para apreciar minha deliciosa cerveja monástica. E
por que você não quer falar comigo? Seu próprio irmãozinho?
Sean dá um suspiro gigante. — Acho que posso falar
com você. Isso é bom. Mas, para constar, Ryan é o
irmãozinho.
Isso é verdade. Ryan é o bebê. Ele acabou de se formar -
por pouco - depois de uma carreira universitária que faz
minha vida pré-monge parecer absolutamente santa em
comparação.
— Como está Ryan? — Eu pergunto.
— Ruim e nojento, — diz Sean com o ar cansado de
Irmão Mais Velho. — Fui buscá-lo para almoçar na semana
passada e ele está vivendo como você vivia antes de entrar
para um mosteiro.
Eu penso na época. — Ganhando milhões de dólares e
planejando um funeral épico do Timber Wolf?
— Não. Como se Gatorade batizado fizesse parte do
grupo alimentar. Sem ofensa.
— Tranquilo. Talvez ele devesse entrar para um mosteiro
também.
Sean bufa. — Que história é essa de que todos os meus
irmãos têm que se filiar à Igreja? Por acaso sou um
proprietário de terras medieval? Sou um comerciante italiano
no século XIX? Minha família precisa se filiar à Igreja porque
não posso dar-lhes a vida e o rei não está lutando nenhuma
guerra?

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Não somos só nós. Sua esposa estava prestes a se
filiar à Igreja também, — indico. A irmã mais nova de Elijah
estava prestes a fazer seus votos como membro de uma
ordem religiosa quando Sean apareceu.
Ou foi ela quem apareceu para Sean. Ainda não tenho
certeza de como aconteceu.
— Sim, bem. — Sean dá um beijo nos cachos macios e
escuros de Josie. — Agradeço todos os dias por ela ter
mudado de ideia.
Ele está em seu escritório em casa e atrás dele está uma
parede de fotos: ele e Zenny e seus quatro bebês em uma
mistura de fotos espontâneas e aquelas fotos que sempre são
tiradas ao ar livre por algum motivo.
Antigamente, meu irmão mais velho pecava por nossa
cidade com força total e fazia isso com uma sofisticação tão
descolada que tudo que sempre quis era ser como ele,
arrogante e charmoso e agarrando todas as coisas boas da
vida enquanto a pegada era boa. E agora ele está sentado
aqui balançando um bebê no colo durante o que costumava
ser as horas sacrossantas de um dia de trabalho lucrativo,
rodeado de imagens do amor de sua vida e da gigantesca
família que construíram.
— Você mudou de ideia sobre as coisas também, sabe,
— eu digo suavemente, que é quando sua segunda mais
velha, Mary Amanirenas, aparece e joga uma tigela de
plástico vazia sobre a mesa de Sean com um olhar
significativo. Ela tem apenas três anos, mas, como a rainha

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


de quem recebeu o nome, muitas vezes parece pronta para
decapitar alguém, simbolicamente.
— O peixe dourado morreu, papai, — Amani diz a Sean
em um tom imperioso.
— Só um segundo, meu anjo, — Sean diz, ajustando o
bebê em seu colo para abrir uma gaveta da mesa.
— Você tem peixes dourados em sua mesa? — Eu
pergunto.
Ele me lança um olhar crítico. — Você já tentou cuidar
de quatro crianças ao mesmo tempo enquanto atende uma
ligação de trabalho, Aiden? Eu te desafio a não ter peixes
dourados em sua mesa nessas horas. — Ele habilmente
mantém Josie equilibrado em um joelho enquanto reabastece
o aquário com uma mão, e então se inclina para dar um beijo
em Amani.
Amani aceita o beijo com grande dignidade de criança,
pega a tigela e olha para mim. — Oi, tio Irmão, — diz ela,
porque em algum momento ouviu alguém me chamando de
irmão Patrick e agora sou tio Irmão para sempre.
— Oi, Amani. Cadê Caro e Martina? — Essas são suas
irmãs mais velha e mais nova, respectivamente.
— Tirando cochilos, — ela responde.
— Por que você não está tirando um cochilo?
Ela me lança um olhar que me lembra Elijah - uma
sobrancelha de bebê erguendo-se em sua testa. — Não gosto
de cochilos, — ela diz, como se isso fosse óbvio, e tira seu
peixe dourado do enquadramento.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Josie também não deveria estar tirando um cochilo?
— Pergunto enquanto ouço os sons fracos de Vila
Sésamo tocando em um tablet em algum lugar.
— Primeiro, você já tentou fazer quatro pessoas
cochilarem ao mesmo tempo?
— Acontece todos os dias no mosteiro, — digo a ele, mas
ele me ignora.
— Segundo, ele está em fase de dentição. Se não está
mamando ou no colo, ele fica puto. Não é verdade? — Ele
pergunta ao bebê, beijando seus cachos de novo. — Você não
fica chateado quando não estamos segurando você?
Josie para de mastigar seu punho coberto de baba para
dar a seu pai um grande sorriso babado.
— Aww, como é que eu não consigo fazê-lo sorrir?
— Já falamos sobre isso. Você não é o melhor tio. Mas,
— ele acrescenta com uma exalação dramática, — acho que
eu deveria perguntar como está sua viagem de qualquer
maneira.
Olho ao redor da clareira para a gruta antiga e as
grandes árvores e o homem nu esparramado em um cobertor
com a cabeça apoiada nos braços e um joelho dobrado.
— Está indo muito bem, — digo com honestidade.
— E você está mesmo pensando em se mudar para a
Europa? — Sean pergunta em dúvida. — Para se tornar um
monge da Europa ou algo assim?
— Sim, estou pensando em trocar de ordem e estou
procurando alguns mosteiros dessa ordem aqui na Europa

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Ele me encara por um momento e eu o encaro de
volta. Os irmãos Bell vêm em duas variedades - cabelos loiros
e olhos azuis, ou cabelos escuros e olhos verdes. Sean é o
primeiro e eu o último. Mas todos nós saímos da mesma
fábrica Bell e às vezes olhar para Sean é como olhar para um
espelho mais velho e louro de mim mesmo, especialmente
quando ambos se encaram com a pergunta: você está falando
sério agora?
— Quer saber, como um proprietário de terras medieval
que espera preservar a herança de Josie, eu te apoio como
um monge. Mas tem que ser um monge tão longe? Quase não
te vejo quando é um monge no Kansas. E agora está
pensando se juntar a uma abadia em Liechtenstein ou algo
assim?
— Ha. Estou interessado no da Irlanda, se é isso que
está perguntando.
— Irlanda, — diz Sean, saltando um pouco Josie. —
Nossa família é da Irlanda. Não sei se você sabia disso.
— De alguma forma, percebi isso depois de duas
décadas vendo você e papai se embebedarem no festival
irlandês de nossa cidade enquanto ouviam bandas cover de
gaita de foles muito altas.
— Oh, como se fossem melhores que o IrishFest. Como
se fossem melhores que os Red Hot Chilli Pipers. Que, por
sinal, são escoceses, então não sei o que você está tentando
dizer.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Além disso, você pode vir me visitar, sabia? —
Digo. — Pare de engravidar sua esposa por meio minuto e
venha para as minhas falésias na Irlanda.
— Elijah me mandou fotos daquele lugar, — diz Sean,
olhando para algo em sua mesa. Percebo que são alguns
monitores de vídeo para bebês. Satisfeito com o que vê, que
provavelmente são duas crianças dormindo, ele olha para
mim. — Parecia muito deprimente.
— Não é deprimente! — Eu protesto. — É extremamente
poético.
— Poético é sinônimo de deprimente, e você sabe
disso. Até os poetas sabem disso. E onde você está
agora? São oliveiras atrás de você? Você não está perto do
mar que as pessoas pagam uma fortuna para passar as
férias? O que tem de errado neste lugar para você preferir
ficar na abadia deprimente?
Eu olho de novo ao redor da clareira, minha boca se
curvando em um sorriso afetuoso enquanto vejo Elijah dormir
sob o sol. Com ele de bruços e sua perna levantada daquele
jeito, há uma fenda entre suas pernas que convida à
exploração, mas também há algo tão doce em seu rosto. Não
há restrição, nem dúvida, nem coisas confusas. Só o rosto de
um homem que odeia cócegas e que secretamente adora
filmes de super-heróis, embora finja que só goste de
documentários tristes e que sempre, sempre correrá atrás de
um cachorro perdido e o levará para um abrigo.
Ele se encaixa aqui, sob o sol forte e com o vento que
cheira a ervas esmagadas, e então penso na abadia no vale

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


abaixo. Na lavanda e nos monges conversando no claustro e
na cerveja doce e como é rezar com os beijos de Elijah ainda
ardendo em meus lábios.
— Nada, — eu digo baixinho. — Não há nada de errado
com este lugar.
Sean me olha como se quisesse perguntar mais alguma
coisa, mas decide não perguntar. — Você parece bem, — diz
ele, com óbvia relutância. — Você parece mais feliz do que da
última vez que te vi.
Ele me visitou no Monte Sergius logo após o nascimento
de Josie. — Isso foi em fevereiro. Ninguém parece feliz em
fevereiro, — eu digo.
— Não. — Ele balança a cabeça. — É algo
diferente. Você está mais parecido com sua antiga versão,
talvez.
Isso faz um alarme tocar em mim. Não quero ser como o
antigo eu. Mas também acho que ele está certo - sou mais o
antigo Aiden Bell do que nunca. Estou brincando, xingando
muito, passando o tempo que deveria usar para discernir
meu futuro transando com meu ex-namorado, e talvez isso
queira dizer que...
Não.
Estou apenas aceitando o convite de Deus, só
isso. Estou usando essa viagem para descobrir o que quero,
que é claro, ficar com Deus em uma de suas abadias,
prometer meu futuro a ele. Claro.
— De qualquer forma, — Sean diz, — Tyler ficará feliz
em saber que você está bem. Ele tem perguntado de você.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Ele está bem?
— Ele está bem, — diz Sean, parecendo entediado. —
Blá, blá, ele e Poppy estão tão apaixonados, blá, blá, blá ele
quer ter certeza de que você está feliz com a vocação que
escolheu e se preocupa com você o tempo todo sempre que
conversamos. O de sempre. Me mostre mais deste lindo lugar
francês em que você está. Quero levar Zenny a algum lugar
especial, mas vamos levar os bebês também, é claro. Ela não
consegue ficar sem eles por muito tempo.
Ele abraça Josie com mais força ao dizer isso, porém, e
suspeito que não é só Zenny que se sentiria infeliz sem as
crianças.
— Certo, — digo, aliviado por não ter que responder à
parte sobre Tyler se preocupando comigo. Mesmo que ele seja
a escolha mais natural para conversar sobre o que está
acontecendo comigo e Elijah, suspeito que vai me fazer
perguntas difíceis e esperar respostas difíceis, e não quero
isso. Ninguém quer ter o próprio irmão como pastor.
Prefiro muito mais falar com o irmão que só vai me
mostrar bebês gordinhos e me dar as novidades sarcásticas
sobre o resto da família.
— Certo, — repito, me levantando e olhando para a tela
do iPhone. — Eu posso inverter isso, certo? Quero mostrar
essa gruta...
Consigo encontrar o botão que inverte a tela, com
cuidado ao mover o celular para que Sean não veja seu
melhor amigo pelado e cochilando atrás de mim, só que

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


demora muito e aperto o botão de novo, e então vira de volta
para mim enquanto eu o ergo no ar.
Tarde demais, percebo que não estou mostrando a gruta
a Sean, mas uma visão perfeitamente enquadrada da bunda
do melhor tio.
Merda, merda, merda...
Viro a tela de novo, mas é tarde demais. A boca de Sean
está aberta em um gigante O.
— Aquilo é uma bunda! — Ele sussurra. Acho que ele
não quer que Amani ouça. — Aiden! Por que tem uma bunda
atrás de você?
— Eu... — Eu odeio mentir, mas também tenho que
mentir, não é?
Mas Sean me conhece muito bem e, antes que eu possa
dizer qualquer coisa, ele advinha a verdade.
— Aiden Bell! — Ele sussurra com raiva. — Espero que
você não esteja fodendo com meu melhor amigo na sua
viagem “talvez eu queira ser um monge irlandês”!
— Espere, — sussurro de volta, chateado. — Você não
deveria estar do meu lado? Não deveria estar dando uma de
irmão mais velho com seu melhor amigo, em vez disso?
— Bem, talvez eu fizesse isso se meu irmão mais novo já
não tivesse magoado o meu melhor amigo!
Eu olho para ele.
Ele me encara de volta.
— Não vou magoá-lo, — sussurro furiosamente. — Nós
dois sabemos que isso é apenas um... um interlúdio.
— Você é um monge! Não pode ter interlúdios!

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— Bem, você é um idiota! Não tem permissão para ter
opiniões!
Ele cobre os ouvidos de Josie. — Há bebês aqui! Não me
chame de idiota na frente dos meus filhos, seu idiota!
Nós nos encaramos de novo.
Enfim, Sean joga sua carta na manga. — Vou contar a
Tyler, — ele diz. Um pouco presunçosamente.
Eu me sinto empalidecer. — Não, não. Sean.
Agora que nossa mãe morreu, esta é a última cartada. A
fofoca final.
Ele balança a cabeça com tristeza. — Vou contar a
ele. Vou contar a ele que você não caiu em tentação, você se
jogou nela. E daí ele vai ligar e vai gritar com você e assim
quem sabe você deixe meu pobre amigo em paz em sua busca
por “interlúdios”.
— Eu não... — Minha voz fica mais alta, e me forço a
sussurrar de novo para não acordar Elijah. — Eu não estou
colhendo interlúdios em algum tipo de colheita de interlúdios,
está bem? Tenho estado bem - tenho vivido exatamente da
maneira que devo. E Elijah acabou se juntando a mim nesta
viagem e havia ruínas medievais e tudo só aconteceu.
— E magicamente vai parar de acontecer quando você
voltar para casa e ficar longe das ruínas medievais? É isso
que estou ouvindo? — Sean pergunta.
— Sim, obviamente. Ele não vai ficar no Monte Sergius,
e, de qualquer maneira, eu devo me mudar para a Europa,
então isso vai ter que parar.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Sean me olha com desconfiança. — Eu juro, se você
foder com o coração dele de novo, vou te colocar em um
ancoradouro para que nunca mais possa estar perto dele.
— Estou surpreso que você saiba o que é um
ancoradouro.
— Estou surpreso que você pense que está totalmente
certo, espiritualmente ou algo assim, que a distância é a
única razão pela qual você vai ser capaz de parar. Você sabe
que não dou a mínima para o pecado, mas me importo com
Elijah, e acho... — outro suspiro gigante — ...que me importo
com você também.
— Obrigado, eu acho.
— E quando você se juntou à vida monástica, achei que
era um acaso, achei mesmo. Achei que fosse só uma versão
ampliada da época em que você prometeu me ajudar a mudar
um sofá e, em vez disso, foi para Belize.
— Bem, Jessica me enviou um convite para um festival
e estava acontecendo naquela semana...
— Mas, — Sean continua como se eu não tivesse falado,
— não foi um acaso. Você ficou. Você ficou mesmo quando
era difícil, e te obrigaram a usar uma túnica barata e acordar
antes do amanhecer. Você trabalhou duro e rezou muito e,
pela primeira vez em toda a sua vida, se calou e deixou
outras pessoas falarem. Pela primeira vez, te vi se dedicar a
algo, vi se perder em algo que não era dinheiro ou sexo ou
diversão. Vi você fazer uma promessa a Deus e cumpri-la.
Sua expressão agora é algo muito, muito pior do que
raiva ou presunção.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


É gentil.
— Esta vida significa algo para você, — diz ele. — E se
estou aprendendo alguma coisa indo à igreja, é que temos
que cumprir nossas promessas, mesmo quando é
difícil. Especialmente quando é difícil.
Eu não respondo por um momento. Não sei se consigo
através da bola de vergonha na minha garganta. Porque não
tenho cumprido muitas promessas ultimamente.
Digo fracamente: — Você está aprendendo
na igreja? Quem é você e o que fez com Sean Bell?
— Sim, bem, — diz Sean. — Padre Jordan tem uma
tarefa difícil. Mas ele ainda tenta, o que é muito gentil da
parte dele, na minha opinião.
Só encontrei Padre Jordan uma ou duas vezes de
passagem - ele presidiu a cerimônia de casamento de Sean e
Zenny e realizou todos os batizados dos bebês - mas sua
igreja é uma das mais jovens e prósperas da cidade, e se
alguém pode regenerar um pecador como Sean, talvez seja
ele.
— Aiden, — diz Sean, seus olhos azuis ainda
incomodamente gentis. — Tudo que quero é que tenha o
que você quer. Sabe disso, certo?
— Sim, — digo em um tom sério. — Eu sei.
Ouço o som de outra ligação chegando, e então Sean faz
uma careta. — É Ryan. Deve ter acordado cercado de líderes
de torcida e cachimbos de maçã de novo. Tenho que ver se ele
está bem.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Sim. Você tem mesmo, — eu digo. — E aviso ao
melhor tio que você ligou.
— Faça isso. Diga também que jurei te enterrar em um
buraco se você foder com ele.
— Está bem, está bem. — Eu aceno para Josie -
que finalmente sorri para mim em seu punho - e então
terminamos a ligação, meu estômago todo pesado e agitado.
Coloco o celular de volta na bolsa e me sento ao lado de
Elijah, que agora está roncando lindamente, o que eu nem
sabia que era possível antes, e penso no que Sean
disse. Estou feliz, por mais bobo que pareça, por ele ser tão
protetor com Elijah, porque eu também sou, e a última coisa
que quero é machucá-lo de novo. E estou feliz por Sean
desejar que eu consiga o que quero.
Mas o que realmente quero está ficando cada vez mais
nebuloso atualmente. Eu quero tudo - beijos e orações,
sexo e contemplação - quero Elijah e Deus. Quero o direito de
ter fome e de desejar, mas também quero ser um monge, para
encontrar aqueles momentos vivos e cheios de alegria que só
podem surgir através do fogo da superação, dia após dia após
dia. De negação e esforço e rejeição de tudo o mais, isso não é
uma vida santa.
Por que não posso ter os dois? Tudo?
Por que tenho que escolher?

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


41

— Ahh, é tão bom termos uma pequena celebração no


claustro por sua última noite conosco, — diz o irmão Luc, —
porque nosso místico pródigo voltou!
Eu me viro para encarar o monge francês depois de
secar meu prato e colocá-lo na pilha do armário. — Mesmo?
— Fiquei muito curioso sobre o padre desaparecido ao longo
da semana, me perguntando se ele é mesmo algum tipo de
João Batista, vivendo como um eremita e parecendo Robin
Williams em Jumanji depois de ficar preso na selva por vinte
anos.
— Sim, agora. Quanto de cerveja devemos levar? —
Então o monge sorri para mim. — Pergunta capciosa, como
vocês americanos dizem. Vamos levar tudo!
Quinze minutos depois, estamos empurrando o velho
carrinho de madeira para o claustro e distribuindo
garrafas. O humor está ótimo com a colheita indo bem e
sendo um dia de descanso amanhã. Estou rindo enquanto os
monges tentam repetir o truque de Elijah de abrir uma
garrafa de cerveja com outra garrafa de cerveja e falhar de
forma impressionante, cerveja borbulhando por toda parte, e
é quando eu ouço. Uma voz como uma melodia, uma voz feita
para cantar palavras antigas, muito antigas.
— Posso pegar uma?

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Eu me viro para ver o padre americano desaparecido
parado na minha frente, e ele não é nem João Batista, nem
Robin Williams.
Ele é alguém que conheço. Alguém com quem falei.
Padre da paróquia de Sean e Zenny, Padre Jordan.
Eu pisco para ele.
— Olá, irmão Patrick, — diz ele. O sol da tarde ilumina
sua pele pálida com uma luz dourada e o cabelo com um
dourado escuro e brilha nas profundezas de seus olhos muito
escuros. Longe de parecer que está comendo gafanhotos e
mel, ele está com uma camisa preta bem passada e um
colarinho clerical totalmente branco. Seu queixo quadrado
está bem barbeado e seus sapatos pretos brilham nas pedras
medievais. Parece que acabou de sair de um desfile onde
todos os modelos são padres.
— Todo mundo achava que você estava fazendo cosplay
de Antônio, o Grande ou algo assim nas colinas, — eu digo.
— Não exatamente, — diz Padre Jordan. — Eu estava
em Avignon em uma reunião com um grupo de líderes do
MSI.
— MSI? — Elijah pergunta, aproximando-se de nós e
entregando ao padre a cerveja que eu estava surpreso demais
para servir. — E é bom te ver, padre.
Eu olho para Elijah. — Você o conhece?
Elijah levanta uma sobrancelha. — Eu também vou a
todos os batizados, Aiden. Agora, o que é MSI?
— Movimento Sacramental Independente, — diz Padre
Jordan. — Igrejas que romperam com Roma ou

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Constantinopla - ou mesmo com a Cantuária - e buscam
preservar a liturgia tradicional enquanto seguem sua
consciência na teologia.
— Me desculpe, — eu digo. — Por acaso estamos
ignorando o fato de que você está aqui ao mesmo tempo que
nós? Aqui? Nesta minúscula abadia neste minúsculo vale tão
entediante que nem mesmo os romanos se deram ao trabalho
de colonizar?
— Eu não acho que o vale é entediante, — Elijah diz,
com uma voz que parece como se estivesse se desculpando
por mim.
— Tipo, quais são as chances? — Pergunto ao Padre
Jordan. — Encontrar um americano aqui já é maluquice, mas
ser um americano da nossa cidade! E ainda ser você!
— É uma coincidência notável, — concorda o padre
suavemente.
Eu sinto que ninguém está reagindo a isso o quanto
deveria. — Acabei de falar de você com Sean! E agora você
está aqui! Estava aqui esse tempo todo!
— Tem um abridor de garrafas? — Padre Jordan
pergunta a Elijah.
— Não, mas eu sei um truque, — Elijah começa, mas
Padre Jordan já está levando a garrafa à boca esculpida e
abrindo a cerveja com os dentes. E então ele vira a tampa
com a língua e a deixa cair habilmente na palma da mão que
espera.
— Acho que isso é ruim para o esmalte de seus dentes,
— diz Elijah depois de um minuto.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Mas por que você está aqui? — Pergunto enquanto
Padre Jordan toma um gole de cerveja e então olha ao redor
do claustro de monges alegres e iluminados de sol. — Se o
MSI foi em Avignon, ou algo assim?
— Já faz algum tempo que acompanho os escritos do
abade Bernard sobre o futuro do monaquismo e, quando
decidi tirar um ano sabático, pensei em ficar aqui. A reunião
do MSI foi uma feliz coincidência.
— Isso parece acontecer muito com você, — digo
desconfiado. — Coincidências, quero dizer.
— Mm, — é sua resposta evasiva.
— Tem sido um bom ano sabático? — Elijah pergunta
educadamente, redirecionando a conversa. — A abadia aqui é
adorável.
— É, — concorda Padre Jordan. — E tem sido um ano
sabático muito bom. Vim para cá para buscar algumas
respostas e, então, é claro, tudo que encontrei foram mais
perguntas. O que acho encorajador.
Eu sinto minha testa franzir. — Você acha?
Parece que deveria ser o contrário. Fui para o Monte
Sergius porque sentia que estava sufocado com perguntas e
tudo o que queria era respostas. Tudo o que eu queria era
uma resposta simples que atravessasse minha vida como um
vento gelado e levasse toda a indecisão para longe.
Padre Jordan me dá um pequeno sorriso. Em um rosto
tão assustadoramente belo, a expressão minúscula é
impressionante.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Acho que ideias rígidas e inequívocas é a mãe de
muitos pecados, — explica ele. — Esquecemos que Cristo era
heterodoxo e radical. Ele não estava seguro, em suas ideias,
em suas paixões ou em sua presença, e exigia tudo de seus
seguidores, inclusive a certeza de que conheciam todas as
formas de certo e errado em seu mundo. E então, quando
estou procurando o meu caminho a seguir, ingenuamente
caçando certezas, descobri que Deus me empurra de volta
para onde Deus me quer. Que é no meio de perguntas que
parecem irrespondíveis. Eu acredito que é ali - no fogo e na
fricção de coisas que me disseram que não devem ficar
juntas, de coisas que me ensinaram que não podem ser feitas
- que as verdadeiras respostas estão.
— O que você estava procurando quando veio para cá?
— Eu pergunto.
— Se não se importa em compartilhar, — acrescenta
educadamente meu jornalista, que entende de etiqueta social.
— Não me importo de compartilhar, — responde o padre
Jordan, e penso que ele passa essa impressão. Que tudo o
que é preciso fazer é pedir e ele abrirá o peito para mostrar
seu coração batendo, seus pulmões vermelho-rubi. Como se
para ele não houvesse diferença significativa entre
compartilhar o que achou de seus ovos no café da manhã e a
pergunta mais íntima e confusa que fez ao deus dele.
— Antigamente, — diz o padre Jordan, — havia tantas
maneiras de ser santo quanto havia pessoas, e o espaço entre
o secular e o monástico, entre os leigos e o clero, era
preenchido com todos os tipos de cantos e recantos

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


estranhos. Você podia ter visões, sonhos, podia ser um
monge entre as quatro paredes de sua própria casa ou podia
vagar pelo país descalço e mendigando. Mas nós perdemos
muito disso ao longo dos séculos. O caminho para Deus se
tornou binário: você encontra Deus como um monástico ou
como um clero, ou você encontra Deus como um leigo. Há
muito pouco entre um e outro. A oblação está próxima, mas
ainda é só um fio quando há uma tapeçaria inteira. — Ele
franze a testa um pouco para as pedras em que está
pisando. — Esta rígida dicotomia de sagrado e profano, com
votos e sem votos... nos esteriliza. Nem todo mundo se
encaixa nessas caixas para começar, quase ninguém se
encaixa inteiramente nelas, e então há aqueles de nós que
experimentam Deus de maneira tão diferente do que é
sancionado e prescrito que até mesmo a mera ideia de caixas
é... — Ele parece estar procurando a palavra certa aqui. —
Limitante.
E há algo na maneira como diz a última parte que me
faz pensar que ele não está mais falando de forma
abstrata. Que está falando sobre si mesmo.
— Então, essa tapeçaria que você quer trazer de volta, —
pergunta Elijah. — Isso tem alguma relação com a reunião do
Movimento Sacramental Independente? Você está pensando
em deixar a Igreja Romana?
Padre Jordan olha para nós dois, seus olhos escuros
como poços em sua própria alma, e é uma alma que é bela e
desconfortável de se ver. Passei os últimos anos tentando

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


viver como um santo. Mas acho que agora estou parado na
frente de um.
— É uma das muitas perguntas postas aos meus pés, —
diz o padre por fim.
Há uma pressão estranha no meu peito agora. Uma
pressão que não deveria estar ali.
Quando há uma tapeçaria inteira.
Isso significa que o Padre Jordan deseja encontrar novas
maneiras de se viver uma vida santa? Maneiras que não são
inteiramente monásticas nem inteiramente não monásticas?
Isso é possível?
— Elijah! — Um dos monges da abadia chama de perto
da fonte. — Venez ici et ouvrez notre bière!29 — Com um olhar
de desculpas para mim e para o Padre Jordan, Elijah entra
no claustro com muito estardalhaço de monges e aceita o
desafio de mostrar de novo a eles o truque de abrir a cerveja.
— Você deveria lhes mostrar o que faz com os dentes, —
digo ao padre Jordan, e mais uma vez, sua boca sugere um
sorriso.
— Isso me torna muito popular em festas de casamento,
— diz ele. Seu olhar pousa em Elijah com os outros, e então
ele olha para mim. — Você é abençoado por ter um amigo tão
bom como seu companheiro de viagem, — diz ele.
Eu encontro seus olhos, mas não consigo ler os
pensamentos que estão escondidos ali. — Sim, — digo com
cuidado. — Sou muito abençoado.

29 Vem cá e abre a nossa cerveja!

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Eu pensaria, — diz Padre Jordan, sua voz tão
inescrutável quanto seu olhar, — que tal bênção deveria ser
profundamente recebida. Mesmo quando é desconfortável.
Estou tão nervoso que nem faço piada
sobre profundamente recebida. — Acho que você está certo, —
digo, sem saber como me desviar dessa conversa, mas
sabendo que preciso. — Ele é um bom amigo.
Odeio as palavras assim que as digo. Obviamente, não
posso deixar o Padre Jordan saber o que está acontecendo,
mas esconder isso também me parece estranho. Evasivo e
errado. Esconder nossa - não posso nem chamar de
relacionamento porque é tão temporário - ligação porque sou
um monge parece muito perto de escondê-la por outras
razões. E eu tive um longo percurso sendo abertamente queer
para ignorar facilmente a sensação de me esconder agora. O
desconforto no meu peito não importa se é por causa do
hábito ou por outra coisa. Esconder é como me esconder,
ponto final.
Mas, estranhamente, o Padre Jordan parece perceber
isso.
Ele apenas diz: — Eu sei o que Elijah é para você.
Não respondo e ele não me faz responder. Apenas acena
com a cabeça em direção ao homem que amo, que está em
uma multidão de pessoas compreensivelmente encantadas
por ele, e diz, baixinho: — E não há nada a ganhar
guardando segredos.
— Fácil para você dizer, — murmuro em minha cerveja.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Uma expressão distante passa por seu rosto. — Talvez
não seja tão fácil quanto você pensa. — Mas antes que eu
possa responder, ele se vira para o carrinho e coloca sua
garrafa meio vazia no cesto reservado para garrafas
usadas. — Mas não estou falando de segredos que você
esconde de seu abade ou mesmo de sua família, embora
esses também sejam importantes. Estou falando dos segredos
que esconde daquele que você ama. Elijah.
— Dele? Mas não escondo segredos dele.
Padre Jordan não dá mais detalhes; em vez disso, olha
para o relógio. — Preciso ligar para meu bispo antes das
Completas, — diz ele. — Eu devo ir. Mas espero vê-lo de volta
em Kansas City. Acho que poderíamos ter muito o que
conversar.
— Espere, — eu digo. — Padre, por favor. Que
segredos? Por que você diria isso? Nós podemos...
Mas ele já está andando pela passarela coberta até a
hospedaria, já fora do alcance da voz, seu passo gracioso e
determinado, como o de um homem que acaba de completar
o que lhe foi pedido.
Merda.
O que ele quis dizer com segredos? E como ele sabe
sobre mim e Elijah? Eu repito suas palavras, tentando
descobrir o que ele poderia saber que o faria dizer essas
coisas. Tentando julgar se Tyler estava brincando comigo
anos atrás, quando me disse que achava que seu amigo do
seminário poderia falar com anjos.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Estou falando dos segredos que esconde daquele que
você ama. Elijah.
Só naquela noite, enquanto tento dormir e vejo a
escuridão se acumular no parapeito da janela, é que me
ocorre. Devagar e gradualmente.
De alguma forma, o Padre Jordan sabia - ou adivinhou -
a única coisa que ainda não contei a Elijah.
A história completa da noite em que decidi me tornar
um monge.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


42

O que é adorável em ficar em um mosteiro trapista é


que, independentemente se você sai muito cedo, os monges
acordam para se despedir, e a segunda coisa adorável sobre
os trapistas é que o Grande Silêncio da manhã é sagrado
demais, então não há despedidas demoradas. Apenas apertos
de mão carinhosos e abraços e várias garrafas de cerveja para
a estrada, e assim o irmão Luc nos leva para a estação de
trem em Cavaillon, onde começaremos nossa viagem
fragmentada para Londres, e depois para Dublin, onde
iremos dirigir um carro alugado até a costa oeste e St.
Columba.
O amanhecer é alegre e cheiroso, mas estou preocupado
demais com as palavras do Padre Jordan para desfrutar
meus últimos vislumbres das colinas e do vale atapetado com
lavanda recém-colhida. Só quando saímos do vale é que
percebo o que fiz e me viro no banco de trás para olhar, mas
é tarde demais. O lugar onde eu e Elijah passamos as tardes
em uma névoa doce e luxuriosa já ficou para trás. O lugar
onde a oração e o sexo perfumavam o ar em igual medida,
onde amar a Deus e Elijah não parecia uma traição a
nenhum dos dois, está ficando cada vez mais longe, e agora é
a última parada. Irlanda.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Em algum lugar perto de Lyon, derramo um café
gigante em todo o meu escapulário e hábito, e porque
comprei um grande e doce milkshake de café em vez de um
café adulto, não há dúvida de que logo serei um monge todo
melado, e não de uma forma pervertida. Encontro minha
mala e troco de roupa no banheiro pequeno e oscilante do
trem, meus ombros batendo ruidosamente nas paredes, e
então saio com as únicas roupas de rua que trouxe.
Elijah levanta as sobrancelhas. — Calça caqui e camisa
social? Para mim? Aguente aí, meu coração.
— Muito engraçado, — eu digo. — Essa roupa estava
por cima da mala e o banheiro era pequeno demais para eu
abrir tudo e encontrar um novo hábito. — Encaixo meu corpo
entre a mesa e o assento e me sento em frente a ele.
Ele olha pela janela, as sobrancelhas ainda cravadas na
testa, e imagino que ele está tentando ver um dos vilarejos
que estão escondidos nas colinas aqui, mas então percebo
que está olhando para nosso reflexo na janela. O reflexo de
onde estamos sentados juntos, eu sem o hábito de monge, e
poderíamos ser dois homens quaisquer. Nós poderíamos ser
qualquer um.
— E se... — Eu digo, olhando para ele no reflexo, e um
sorriso lento e animado aparece em seu rosto.
— Sim, — ele diz. — E se.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


É final da tarde quando chegamos a Londres, mas o
finais de tarde londrinos são mais longos no verão, então
ainda há luz beijando o topo dos edifícios quando eu e Elijah
caminhamos de mãos dadas para o Tate Modern. Mostramos
os ingressos que compramos mais cedo durante nossa viagem
de trem e, em seguida, estamos dentro da barriga da besta
ameaçadora da arte moderna. Há um grupo de jovens perto
da entrada, todos vestidos dolorosamente com roupas e
acessórios de curadoria30 que carregam a mensagem este sou
eu. Dois deles - ambos jovens - estão se agarrando contra a
parede enquanto o grupo delibera sobre seu próximo passo.
Isso me faz sentir nostálgico daqueles dias, quando tudo
o que interessava era o próximo lugar para onde você iria, a
próxima bebida que tomaria, a próxima boca que
beijaria. Mas também me lembra que estou aqui, agora, com
o homem que amo em uma grande cidade estrangeira, não
estou usando vestes de monge e estamos em um
encontro. Inacreditável e impossivelmente em um encontro.
Enrolo meus dedos nos de Elijah e aperto.
— Então, — ele diz enquanto entramos no grande salão
central do museu. — O que você gostaria de ver enquanto
estamos aqui? Dali? Rothko? Warhol?
— Não me importo, — eu digo honestamente, olhando
para ele. — Só quero estar com você.
Na luz estranha e sombria do Turbine Hall, Elijah olha
para mim, seus olhos escuros e brilhantes com o reflexo das
luzes estreitas e artificiais do espaço. Há algo quase doloroso

30 Conceito relacionado à sustentabilidade.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


no ângulo de suas sobrancelhas, no vinco que se esculpiu
entre elas, e instintivamente estendo a mão para esfregar
esse vinco com meu polegar.
— Não fique tão triste, — sussurro, meu coração
retorcendo. — Vou fingir muito que gosto de Rothko,
prometo.
Ele me deixa esfregar o espaço entre suas sobrancelhas
bem ali no meio do museu. É muito parecido com o que
costumava ser antes de me tornar um monge, quando a
cidade era nossa, quando íamos a todas as exposições e
inaugurações e leituras porque Elijah queria e porque ele era
lindo demais para eu recusar, embora não quisesse ir. Não
entendo qualquer arte que não seja uma tigela de frutas.
— Não estou triste, — Elijah diz, olhando-me por baixo
da minha mão. — Como posso ficar triste quando você está
dizendo essas merdas?
Ciente de que a linha entre suas sobrancelhas foi
apagada, abaixo minha mão e encontro a dele de novo. Eu a
levo à boca e beijo seus dedos. Suavemente.
À luz do corredor, cada ascensão e côncavo de seu rosto
perfeito são desenhados em luz e sombra. Luz na ponta de
seu nariz e no ângulo de seu queixo, luz ao longo de suas
bochechas e tocando as pontas agudas e cantos de sua
boca. Sombras na fenda tênue e coberta da barba por fazer
em seu queixo e sob os cílios.
Ele estremece quando beijo seus dedos e diz, depois que
eu termino: — Acho que este pode ser meu jogo e se favorito.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Eu sorrio para ele, mas talvez seja a minha vez de
parecer triste agora, porque se esse jogo e se for um dos mais
simples que já jogamos, é o que mais se aproxima de não ser
um jogo.
E se estivéssemos juntos?
Amantes, namorados, parceiros, cônjuges - não
especificamos, e fico feliz, porque enquanto Elijah lida com a
compra dos cartões para o metrô e eu seguro seu café gelado
e sua bolsa de couro, parece muito como uma relação
conjugal. E o jeito que ele fica todo cheio de si depois que
olho e praticamente rosno para o guia perto da porta que
estava descaradamente flertando com ele? Parece coisa de
namoro recente.
Quase como se pudéssemos ter um gostinho de todo o
nosso passado e o nosso futuro aqui nesta noite. O novo e o
antigo ao mesmo tempo, a emoção da caça e a profunda
paixão por um coração que senti bater contra o meu por
meses e meses.
Somos casados enquanto seguro suas coisas enquanto
ele tira fotos com seu celular; somos novos amantes
enquanto procuro as respostas certas para as pinturas e
esculturas, para que ele pense que sou sofisticado e
inteligente; e quando passamos por uma sala de exposição
vazia com uma conveniente meia-parede e o empurro para
um canto e enfio minha língua em sua boca, então somos
apenas Aiden e Elijah.
Eu o beijo o resto da noite, na verdade. No terraço do
Tate, em outro terraço de um bar que Elijah encontra perto

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


do Globe, contra a grade da Millennium Bridge enquanto o
Tâmisa passa silenciosamente abaixo de nós. A cada chance
que tenho, pressiono minha boca na dele e sinto o gosto do
seu interior, e ele me deixa fazer isso, deslizando as mãos no
tecido barato da minha camisa e me abraçando enquanto
mordisco suavemente sua boca, enquanto beijo seu superior
lábio e depois o inferior, e então lentamente procuro cada
segredo entre eles.
Estamos nos beijando na ponte, quando penso,
vertiginosamente, que isso é o que poderíamos ter tido. Se eu
não tivesse partido, se eu tivesse encontrado alguma outra
maneira de matar meus demônios. Se eu tivesse
ficado. Nessa linha do tempo alternativa, podemos estar nos
beijando nesta mesma ponte, ouvindo essa mesma cidade
girar indiferente ao nosso redor. Poderíamos ainda estar aqui
como namorados ou mesmo casados, e eu seria de Elijah
para beijar e usar até como porta-café gelado sempre que ele
quisesse. A qualquer momento. O tempo todo. Sempre.
Meus pés estão plantados do lado de fora dos de Elijah,
minhas mãos apoiadas na grade de cada lado dele, e quando
me afasto um pouco para recuperar o fôlego e verificar se
estamos seguros, estou perto o suficiente para senti-lo
ofegante também. Para ver as pupilas de seus olhos uísque
escuro dilatadas de luxúria, para ver como ele olha meu rosto
como se quisesse guardar cada cílio na memória.
Ele está tão lindo assim, com o rio largo atrás dele e o
luar brilhando em seus traços esculpidos, e com todas as
coisas inteligentes que ele disse no Tate ainda persistindo em

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


minha mente e com todas as coisas engraçadas que ele disse
no bar também persistindo. Ele é o tipo de homem a quem
você dá todo o seu coração, o tipo de homem por quem você
anseia, o tipo de homem com quem você compra uma casa e
adota um cachorro e o tipo de homem com quem você se
casa.
E eu o deixei.
E de repente, não quero que as palavras do Padre
Jordan sejam mais verdadeiras, não quero que haja segredos
entre nós. Quero explicar a ele por que parti, sobre o que
realmente aconteceu naquela noite para que ele possa
entender que nunca, nunca foi sobre ele, que foi tudo minha
culpa, e que não vi outra maneira de permanecer vivo e parar
de machucá-lo ao mesmo tempo.
Quero que ele saiba, mesmo que me despreze depois,
porque não quero que haja nada sobre mim que ele não
saiba. Quero que ele me conheça tão bem quanto Deus me
conhece, que conheça meus altos e baixos, que me encontre
nos confins do mar.
Quero ser inteiramente dele, mesmo que seja apenas por
uma noite no Tâmisa.
Inclino-me para beijá-lo outra vez, buscando coragem
em seus lábios, buscando força de sua boca.
— Você está me beijando como se já estivesse dizendo
adeus, — ele murmura, e levanto minha cabeça um pouco
para olhar para ele.
Eu preciso contar a ele. Quero contar a ele, lhe dar este
último holocausto sob a lua.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Elijah, — digo, sem saber como começar, mas ele
deve ouvir o tom diferente na minha voz, deve ver algo no
meu rosto, porque balança a cabeça de forma decidida e
pressiona um dedo comprido na minha boca.
— Não, — diz ele, e acho que ele pretende dizer isso com
firmeza, mas há um vacilo em sua voz, como se ele não
conseguisse pronunciar a palavra rápido o suficiente. —
Não. Não essa noite.
— Você nem sabe o que eu ia ...
— Por favor, — ele implora, e sua outra mão agarra
minha camisa com ainda mais força. Isso parte um pouco
meu coração. — Seja o que for, pode esperar. Pode esperar
até que estejamos com frio e melancólicos amanhã, pode até
mesmo esperar até chegarmos em casa. Mas esta noite eu só
quero o nosso e se. Hoje à noite só quero... só quero...
Sua voz falha novamente, e não tenho estômago para
forçá-lo a terminar. — Ei, está tudo bem, — digo, inclinando-
me para salpicar seu rosto com beijos suaves e tranquilos. —
Tudo bem. Não vou dizer nada. Esta noite será apenas e
se. Prometo, eu prometo. — E eu continuo cobrindo suas
bochechas, boca e queixo com beijos. Beijo o canto de seus
olhos e as fendas superficiais de suas têmporas. Beijo até que
seu quadril está inquieto e buscando o meu e a única coisa
que podemos fazer é correr de volta para o nosso hotel, onde
fico de joelhos e começo a chupá-lo no minuto em que
entramos em seu quarto de hotel.
A única coisa que podemos fazer é nos beijar e tirar
nossas roupas e foder mais de uma vez, foder de novo e de

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


novo, na cama e no chuveiro e contra a grande janela que dá
para a rua lá embaixo. A única coisa que podemos fazer é nos
abraçar enquanto adormecemos juntos pela primeira vez em
quase cinco anos, e quando sinto o cair lento e úmido das
lágrimas de Elijah em meu peito nu, a única coisa que posso
fazer é abraçá-lo ainda mais forte. Porque eu o amo e jogaria
o e se para sempre se pudesse, mas não posso, não
posso. Construí minha vida ao redor de ser um monge -
organizei minha cabeça ao redor de ser um monge. Não posso
renunciar ao que me salvou.
Mesmo pelo mais doce e se que já conheci.
Certo?

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


43

DO CADERNO DE ELIJAH IVERSON

O frade franciscano Richard Rohr diz que há dois


tipos de tempo, pelo menos de acordo com os gregos
antigos. Existe o cronos – ou o tempo cronológico, tempo
ordenado — e depois há o kairós.
Kairós é subjetivo, qualitativo. Tempo Profundo é
como Rohr o chama. Uma plenitude, diz ele. Os momentos
em que os pontos de nossas vidas se conectam.
Tenho vivido em Tempo Profundo nas últimas duas
semanas, em mosteiros medievais onde monges cantam
orações com milhares de anos e onde Aiden me olha como
se eu fosse um hino humano. Por alguns dias, estive
suspenso com ele, e talvez até com Deus, dentro dessa
plenitude, todos os meus pontos se conectando, pairando,
cintilando
Minha caixa de entrada não importava, os prazos não
importavam. Mesmo as incansáveis notificações em meu
celular desapareceram quando a porcaria do wi-fi do mosteiro
caía e voltava. O ping das mensagens diretas, e-mails, alertas
de notícias e mais alertas de notícias - os batimentos
cardíacos do meu dia – simplesmente parou. E quando o wi-fi
funcionava e meu celular voltava à vida agitada, aquele

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


insistente retângulo de vidro parecia tão espalhafatoso e
barato quanto um caça-níquel na minha mão.
Então, o que importa nessa plenitude?
Seus dedos entrelaçados nos meus.
O vento em nossos rostos, o eco de vozes contra a pedra.
Cerveja de mel na minha língua e quietude, quietude,
quietude por dentro.
Meus olhos doem hoje, e gostaria de poder dizer que é
por causa do ar seco do avião enquanto voamos para Dublin,
mas em vez disso é porque passei a noite chorando no peito
do meu ex-namorado monge. Trocamos kairós pelo cronos
muito real e muito frenético de Londres, e foi estonteante,
estonteante, estar no mundo real com Aiden Bell. Mas.
Mas.
Só quero estar com você, disse ele no Tate Modern, mas
estávamos em tempo real de novo, em tempo
cronológico. Tempo medido em horas e minutos - tempo que
passou tão rápido que antes que eu percebesse, tinha
acabado.

Fora da Tate, havia dois jovens se beijando contra a


parede, e eu me lembro de ter pensado: para onde foi nosso
tempo? Não o tempo desta viagem, mas o nosso tempo - talvez
até o tempo antes de nós. Não me sinto diferente daqueles
jovens lá dentro, não acordo pensando em agir como se você
estivesse na casa dos quarenta agora, mas eu sou diferente,
não sou? Cada beijo, cada braço em volta da cintura, cada

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


roçar de nossos dedos mínimos, eu verificava ao nosso
redor. Mesmo em Londres, mesmo no Tate, eu verificava.
É um hábito, hábito necessário. Olhe, disfarce,
vire. Verifique, verifique, seguro.
Isso é geracional? Ou é a idade?
Experiência?
Aqueles dois homens farão a mesma coisa daqui vinte
anos?
Espero que não. Espero que tenham o kairós de um
beijo em uma noite de verão sem tempo real, sem a realidade
amarga e cortante arranhando sua pele com as garras.

Não é que eu desejasse ser jovem de novo; não é a


inocência que anseio, e não são os meses e anos que eles têm
pela frente.
Não, são esses momentos de plenitude que quero,
sempre esses momentos.
E esses momentos com Aiden estão escapando mais
rápido do que posso segurá-los. Porque, como ele apontou em
Semois, sua vocação está lá, naquele mundo de kairós e de
Deus, e minha vocação está aqui.
Seria fácil dizer que sou apenas um visitante em sua
vida, mas, na verdade, esse homem paciente, petulante e
vulnerável é apenas um visitante na minha.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


PARTE 4

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


IRLANDA

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


44

A primeira coisa que Elijah faz quando saímos do


terminal no aeroporto de Dublin é dar um grande suspiro.
A próxima coisa é pegar os óculos de sol que tirou da
bolsa de couro e colocá-los de volta dentro da bolsa. E então
ele caça um cardigã que enfiou ali durante o voo. Eu olho
para o céu cinzento e, em seguida, para todo o concreto liso e
cinza. Um vento sopra frio e úmido em frente ao terminal. É
difícil pensar em um lugar mais diferente do que o vale
ensolarado e cheirando a ervas onde passamos a semana
passada.
— Vamos? — Elijah suspira e saímos para a garoa
cinzenta e começamos a ir em direção à locadora de veículos.
Trinta minutos depois, estamos na estrada. Viajar às
custas de um mosteiro significa que os fundos são
extremamente limitados, e pegamos o carro mais barato que
eles têm, que é um minúsculo.
Eu tenho que dirigir, porque Elijah não sabe dirigir um
manual, o que significa que estou sentado com os joelhos ao
redor do volante, meu hábito puxado até minhas coxas
porque a bainha fica presa na minha bota quando piso na
embreagem, tentando descobrir como mudar a marcha com a
mão esquerda enquanto um Elijah muito estressado tenta
mostrar o caminho.
Fica mais fácil à medida que saímos do aglomerado de
Dublin e entramos na M4 e depois na M6, que nos levará
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
através do meio da ilha para a costa oeste, onde as poéticas
falésias do mar nos aguardam. O céu não fica menos
cinzento, mas logo há lindos campos ao longo da rodovia,
pontilhados de pequenos bosques e depois vacas e um ou
outro trator. Se não fosse pela grama verde vibrante e pelos
muros baixos de pedra, poderíamos estar no Kansas.
— Então, — diz Elijah, em algum lugar depois de
Athlone. Nós dois relaxamos um pouco agora que acostumei
minha mão esquerda a mudar de marcha e estamos em uma
rodovia pela qual não posso dirigir pelo lado errado porque há
um trilho que a divide. Ele pega seu caderno e o coloca no
painel enquanto procura sua caneta e seu iPad. — Tenho
uma lista de perguntas para o artigo. Posso fazer enquanto
dirigimos?
— Manda ver, — digo a ele.
A maioria das perguntas é superficial - qual é a
diferença entre um cinto de couro ou um de tecido; onde
ficam os monges velhos ou enfermos demais para morar na
abadia; como os abades são nomeados e existe algum tipo de
processo de RH da Igreja para um abade ruim?
Algumas delas são um pouco mais complicadas, como
descubro quando estamos sentados em um estacionamento
com lanches do Supermac equilibrados em nosso colo e ele
me pergunta sobre o sacerdócio.
— Por que alguns monges são padres e outros não? —
Ele pergunta, comendo uma batata frita. Há um grão de sal
persistente em seu lábio inferior e quero pular no carro e

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


lambê-lo. — É uma escolha? É decidido pelo abade? Algum
tipo de comitê de padres?
— É uma escolha pessoal, — eu digo, relutantemente
tirando meus olhos de sua boca. — Quando você se junta a
uma ordem monástica, primeiro você é um monge, e qualquer
outro chamado é secundário. Havia uma espécie de sistema
de classes sobre isso - os monges que passariam a ser
sacerdotes eram chamados de monges do coro, e eram mais
instruídos, seus dias giravam em torno da liturgia e da
contemplação etc. E depois havia os monges chamados
irmãos, que muitas vezes eram menos educados e cujos dias
giravam em torno das necessidades materiais da abadia. As
tarefas e serviços manuais e outras coisas. Acho que isso está
mudando, pelo menos no Monte Sergius, porque não há uma
divisão do trabalho da abadia segundo as linhas coro-monge-
irmão, e definitivamente não há nenhuma conversa estranha
e classista sobre como a aptidão natural dos irmãos para
limpar banheiros libera as almas instruídas e mais sensíveis
para a contemplação. — Eu penso por um minuto,
mastigando uma batata frita. — Certo, bem, já ouvi algumas
conversas assim, suponho, mas principalmente dos mais
velhos. E das pessoas aleatórias que querem ser cartuxos.
Elijah olha para mim. — E você não teve esse chamado?
— Pergunta. — Você queria ser um irmão?
Meu corpo inteiro se arrepia com o quanto não quero ser
padre. — Eu sei que é surpreendente, visto que Tyler foi para
o sacerdócio, mas nunca foi algo que quis. Padres religiosos -
isto é, os padres em uma ordem monástica - não têm a

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


mesma amplitude de cuidado pastoral que os padres
seculares ou diocesanos, mas ainda devem cuidar de suas
comunidades monásticas. Ainda precisam pastorear um
rebanho, mesmo que seja um rebanho monástico bem
comportado com muitos pastores já. Ainda precisam ouvir
confissões e realizar sacramentos.
— E você não queria fazer isso? — Elijah me dá um
sorriso triste. — Achei que toda criança católica crescia
querendo transformar vinho em sangue.
— Acho que desde criança eu sabia que não era para
mim. Não era bom o suficiente para isso. — Solto uma
risada. — E com certeza não sou bom o suficiente para isso
agora.
A voz de Elijah é curiosa. — E foi por isso que escolheu
não ser ordenado? Por que acha que não é bom o suficiente
para transformar vinho em sangue?
Olho pelo para-brisa, tentando encontrar uma maneira
de colocar o que sinto sobre isso em palavras. — Não em um
sistema de classes monástico internalizado - porque eu não
tinha ideia de essa hierarquia existia até que fui para o Monte
Sergius – mas sim, acho que sim. E não necessariamente
com a realização dos sacramentos, mas com o
pastorado. Quer dizer, quem sou eu para ouvir os pecados de
alguém? Quem sou eu para dar penitência ou conselho
ou... ou... pérolas de sabedoria?
Elijah faz uma pausa com uma batata frita a meio
caminho da boca. — Pérolas de sabedoria?

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Você sabe, — eu digo, gesticulando vagamente. —
Quando alguém velho e sábio solta uma frase de efeito
perfeita que no final resolve tudo? Pérolas de sabedoria?
— Ah.
— De qualquer forma, não estou qualificado para
isso! Eu era uma catástrofe até me tornar monge, e ainda mal
sei qual é o caminho, moralmente falando.
— Você não era uma catástrofe, — diz
ele. Suavemente. Eu olho para ele e ele me encara de volta. E
embora estejamos no estacionamento de um posto de
gasolina com embalagens de fast food por toda parte,
poderíamos estar em um jantar à luz de velas com o jeito
como ele está me olhando agora.
— Eu amei a pessoa que você era, — ele continua. — E
acho que posso te amar ainda mais agora, o que achava que
impossível, mas aqui estamos.
— Elijah, — eu começo, mas ele balança a cabeça para
mim e continua falando.
— Caso você precise ouvir de novo, você não era uma
catástrofe. Você era humano. Impulsivo e instável, talvez,
mas pode ser que isso o torne mais qualificado para dar essas
pérolas de sabedoria do que alguém que foi sensato e se
comportou bem durante a vida inteira. E embora eu ache que
você deva fazer o que quiser da sua vida - seja irmão ou
padre ou qualquer outra coisa - quero que saiba que a ideia
de merecer algo que você quer só vai ser uma qualificação
incompleta. É muito mais provável que você se lembre dos
motivos pelos quais não deveria ter algo que deseja do que

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


dos motivos que deveria ter, e é muito mais provável que se
deixe levar pela vergonha do que pela alegria. Quem sabe
possamos conversar sobre o que é bom e saudável para você
e para as pessoas ao seu redor, mas merecimento? Isso
parece um disparate católico para mim, e eu deveria saber.
Eu toco seu joelho. — Elijah? — Digo.
— Sim?
— Isso foi uma pérola de sabedoria.
Ele joga uma batata frita em mim.

A Irlanda não parece grande, mas demora muito mais


tempo para chegar a lugares dentro dela do que você imagina,
o que eu descubro quando chegamos a Galway e viramos
para o norte para seguir a costa ao longo de uma série de
estradas cada vez mais estreitas.
Logo o mar está à vista, a extensão escura levando ao
horizonte cinzento, e por toda parte há penhascos esmeralda
e rochedos negros e pequenas enseadas escondidas cobertas
com areia cor de aveia. A chuva retorna como uma névoa,
que cobre o mundo e até mesmo o mar próximo, e depois há
apenas a estrada - estreita como uma serpentina de papel
crepom de festa - e as paredes de pedra que costuram a ilha
em uma colcha de verde, marrom e cinza.
A chuva aumenta, deixando tudo manchado pelo para-
brisa, e eu desacelero para um rastejar, preocupado em nos
jogar de um penhasco.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Então esta é a pátria-mãe dos Bell, — diz Elijah,
verificando as instruções em seu celular pela enésima vez
para ter certeza de que este é mesmo o caminho para a
abadia e não para o meio do oceano. Eu freio o carro quando
uma ovelha entra na estrada, caga uma merda gigante e
então vai até um campo aberto.
— Encantador, — diz Elijah.
— Deve ser o brasão da família Bell, — respondo. —
Uma ovelha cagando na chuva.
Isso me faz rir enquanto passo por cima do esterco e
seguimos, subindo colinas e descendo em vales verdes
forrados com paredes de pedra e pontilhados com mais
ovelhas. Às vezes, a distância, vislumbramos sombras no
mar. Pequenas ilhas.
A certa altura, olho para ele e parece que alguém enfiou
um diapasão dentro de um átrio do meu coração e o
atingiu. Eu queria, desesperadamente, ter meu próprio
celular, para poder tirar uma foto e guardar essa imagem dele
para sempre.
Suas longas pernas estão dobradas como as minhas
para caber no minúsculo carro, mas embora pareça que
alguém tentou enganar o Hulk para dirigir um kart, ele
parece estar em um videoclipe independente. Pés descalços,
calças justas, bolsa de couro. Um joelho agora erguido
enquanto olha pela janela, a ponta da caneta entre os dentes
enquanto observa a terra se revelar, pedaço por pedaço
rochoso e verde.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Ele olha para mim, e esse diapasão volta a atacar,
vibrando tudo em meu peito e ossos e dedilhando as fibras de
meus músculos e fáscia como uma harpa eólica deixada do
lado de fora ao vento. Com o mundo reduzido a cinza e verde
ao nosso redor, o bronze escuro de seus olhos me chama a
entrar.
No lampejo antes de eu voltar a olhar para a estrada,
vejo sua mão flexionar em seu joelho, e penso em como foi a
sensação de segurar sua mão ontem à noite no Tate, sobre
sua boca contra a minha na ponte, sobre a mancha quente
de lágrimas em meu peito enquanto ele chorava.
Penso no fato de que chegaremos a St. Columba hoje,
que é uma segunda-feira, e partiremos na manhã de sábado
para Dublin, onde teremos voos separados de volta para casa.
Penso em tudo que não contei a ele.
Penso no quanto o amo e no quanto amo ser um monge
e não é justo que eu não possa ser um jardim do meu deus e
de Elijah ao mesmo tempo...
Eu olho para trás para a estrada enquanto abro minha
boca para dizer algo, qualquer coisa, mas assim que começo
a dizer seu nome, seu celular irrompe no barulho da chuva
com sua voz agitada.
— Em quinhentos metros, vire à esquerda na
bifurcação, — e ao mesmo tempo que o celular diz, nós a
vemos. Uma extensão de colinas severas com um conjunto de
construções medievais de pedra empoleirado orgulhosamente
em sua base. O mar agita-se lá embaixo e, mesmo com a
chuva, posso distinguir a espuma e a agitação da água.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


À medida que descemos a via estreita para a abadia, um
sino toca abaixo. Um chamado para a oração que sinto tão
intensamente em minha alma quanto senti o diapasão em
meu coração.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


45

Não é a abadia como algo saído de um livro de história


infantil, toda rocha cinzenta úmida resistindo a séculos de
vento e sal. Não é o cemitério provavelmente assombrado
cheio de caminhos sinuosos e pedras tortas.
Não é nem mesmo o mar, que rola contra a orla
quebrada do mundo com uma fúria incessante, ou o vento,
que nunca para de verdade, mas apenas se reduz a
arranhões e sussurros.
Não é nada disso que me faz apaixonar por St. Columba
- ou melhor, nada disso sozinho. Em vez disso, é a certeza
inegável de que este é um lugar onde os corações são
testados. Este é um lugar onde tudo, exceto Deus, é
despojado.
Dizem que os monges irlandeses são diferentes,
especiais - que foi nessas fronteiras verdes que o cristianismo
sobreviveu à maldade do início da Idade Média. Que foram os
monges irlandeses que salvaram a história, a cultura, a arte e
a fé para esta parte do mundo.
Tenho certeza de que a história verdadeira tem mais
nuances do que isso, mas agora, eu acredito. Acredito em
cada palavra disso. Olhando para esse lugar, mostrado ao
redor por um monge em pele e osso, com um rosto pálido e
marcado pelo vento e uma barba da cor do fogo, ouvindo os
sinos contra o canto do vento...

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Sim, eu acredito. Se você encontrasse Deus em um
lugar como este, nunca o perderia de novo.

Embora a chuva nunca pare, o dia é mais do que longo


para o padre Finbarr (a quem chamo em particular de padre
Firebeard31) mostrar a mim e a Elijah as partes relevantes da
abadia.
St. Columba tem um layout muito tradicional que
provavelmente não mudou muito desde os dias de Brian
Boru32. Um quadrado, sendo de um lado a igreja que se
estende de oeste a leste, do outro lado os dormitórios e o
antigo scriptorium33 e ainda outro o refeitório e a antiga
maltaria. A reta final é a biblioteca, os salões de chá e a loja
de presentes, os dois últimos dos quais estão abertos apenas
algumas horas por dia e estão fechados quando os vemos
agora. Situado ao sul, está uma construção baixa de pedra
que abriga a pequena mas popular cervejaria, uma casa que
funciona como eremitério, o estacionamento e as trilhas para
os visitantes subirem até os penhascos ou descerem para a
praia protegida abaixo.
O padre Finbarr fala muito pouco, mesmo em
comparação com os outros trapistas com quem
estivemos. Seu tom é educado, caloroso até, mas dá apenas

31 Barba de fogo, em referência à barba vermelha do monge.


32 Brian Boru, rei irlandês denominado como o Grande Rei da Irlanda. Reinou de 978
a1014.
33 Espaço onde os livros manuscritos eram produzidos na Europa durante a Idade

Média.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


as explicações mais superficiais enquanto andamos de um
lugar para outro, abaixando a cabeça enquanto caminhamos
através da garoa, sem se incomodar com a forma como seus
óculos embaçam quando voltamos para dentro de casa.
A única refeição que os irmãos compartilham é o
almoço, ele nos explica, e todas as outras refeições são feitas
a sós, quando o irmão quiser. É mantido um silêncio mais
rígido do que em Nossa Senhora ou mesmo em Semois, e
normalmente a única conversa que não pertence diretamente
ao trabalho ou à oração acontece nas reuniões capitulares
semanais, quando discutem assuntos da abadia. Eles podem
falar com os visitantes quando necessário, mas o padre
Finbarr diz que a maioria dos visitantes parece abraçar a
atmosfera de silêncio quando vem e não exige muita
conversa.
Amanhã, nos será mostrado a cervejaria e nos será
permitido falar com o mestre cervejeiro, que é um leigo com
um nome tão irlandês que faço uma nota mental para mais
tarde pedir ajuda ao Padre Finbarr para pronunciá-lo. E ao
contrário dos Semois ou de Nossa Senhora, não há garantias
de que as orações sejam opcionais quando nos é entregue os
horários de orações. Nosso anfitrião não diz que elas são
obrigatórias, nem tenho a impressão de que ele nos
repreenderia se estivéssemos ausentes. Mas há algo no jeito
como seus olhos azuis claros piscam para os meus quando
me pergunta se é verdade que estou pensando em me tornar
um trapista que acho que ele notaria minha ausência se eu
não aparecesse.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Ele parece presumir que estou aqui porque quero estar
aqui. Que estou aqui procurando exatamente o que St.
Columba tem a oferecer - aquela experiência elementar de
pertencer a Deus do jeito único do monge trapista - e que
enquanto estiver aqui, beberei muito disso.
Ele tem razão.
É isso que procuro, é por isso que estou aqui e beberei o
máximo que puder. É que também há outra coisa da qual
quero beber muito. Outra pessoa. Porque só tenho cinco dias
restantes com ele antes de retornarmos ao mundo real e às
nossas vidas reais, e sinto esses cinco dias como uma
princesa da Disney presa na ampulheta gigante de um
vilão. Como se a passagem do tempo fosse uma coisa física,
lentamente me enterrando vivo.
Essa sensação não fica mais fácil quando pegamos
nossas malas onde as deixamos na entrada de visitantes
perto da loja de presentes e somos conduzidos às nossas
acomodações. A abadia é muito pequena para ter uma
hospedaria adequada, por isso estamos hospedados nos
dormitórios com os monges.
Nossos quartos estão separados por várias celas que
suspeito que sejam ativamente habitadas por irmãos, e
embora o piso possa esconder o som de passos suaves
durante a noite, as portas são feitas de madeira tão velha e
rangente que suspeito que sejam anteriores à invenção do
telefone.
Os olhos de Elijah encontram os meus por um breve
instante antes de levar sua mala para o quarto, e sei que ele

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


está pensando a mesma coisa que eu. Não poderemos nos
encontrar à noite sem que o padre Firebeard e seus
companheiros monges saibam.
Sinto-me como um adolescente enquanto depositamos
nossas coisas e depois seguimos o Padre Finbarr até o
refeitório para servirmos um jantar rápido antes das
Completas, porque me encontro tentando localizar as pausas
no horário e locais de nossa excursão onde acho que eu e
Elijah poderíamos passar alguns minutos sozinhos, mas é
muito mais difícil aqui do que nas outras duas
abadias. Quem sabe eu possa argumentar ao padre Finbarr
que gostaria de explorar um pouco o terreno, talvez haja um
dia agradável para isso, ou talvez possamos permanecer em
lugares separados após as Completas e esperar até que todos
tenham ido para a cama ...
Não, é pior do que ser um adolescente, penso enquanto
eu e Elijah nos servimos de pão macio, ensopado quente e
uma cerveja escura St. Columba. Isso parece traição,
infidelidade. Não a emoção da busca adolescente, mas o
impulso imprudente do infiel.
Mas qual é a minha alternativa? Não encontrar tempo
com Elijah esta semana? Durante nossa última semana
juntos?
Impossível.
Vou dar um jeito e, enquanto nos sentamos para comer
e a chuva bate no vidro fino das janelas, digo a mim mesmo
explicitamente o que sei desde Semois, talvez até desde o
eremitério.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Prefiro a dor do arrependimento do que a angústia do
desejo. Desejando para o resto da minha vida ter usado cada
hora desses últimos dias com Elijah.
O refeitório foi claramente construído durante a época
em que cada segundo filho se filiava à Igreja, porque a sala e
suas longas mesas de cavalete acomodavam facilmente uma
centena de pessoas. Como St. Columba tem apenas vinte
monges agora, as cadeiras são bem espaçadas – tão longe que
impossibilita a conversa, mesmo que nos sintamos corajosos
para quebrar o tabu da conversa. Comemos em silêncio, e
então é hora das Completas, que é linda e assustadora e
também em inglês, que parece um presente depois de duas
semanas me confundido nas orações em francês.
E então é hora de dormir, onde não haverá chance de
escapar, e quando adormeço, rezo por mim, murmurando em
minha mente as palavras que me trouxeram aqui para a terra
natal dos Bells, para o mar e o vento e as ovelhas.
Levanto meus olhos para as colinas...

O dia seguinte não é melhor. As orações chegam


cedo, e a lectio divina é estritamente observada ou na cela
ou na biblioteca, e a disposição quadrada da abadia torna
difícil disfarçar para onde se está indo. Além disso, com
todo o silêncio, não tem como puxar Elijah para o lado e
exigir que ele conspire comigo um assalto sexual.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Depois de um café da manhã com ovos e fatias grossas
de torradas, eu e Elijah somos conduzidos pelo Padre
Firebeard ao mestre cervejeiro, um homem agradável de
bochechas vermelhas chamado Oisín, e entre as viagens
ininterruptas de volta à igreja para cantar as horas médias,
fazemos um tour completo pela cervejaria e podemos provar a
excelente cerveja.
— Aqui só fazemos duas cervejas, — explica Oisín ao
abrir uma garrafa bem ali ao lado de uma das grandes
chaleiras de cobre. — Uma cerveja clara e uma escura, as
mesmas que foram produzidas durante séculos.
Eu e Elijah aceitamos um pequeno copo de degustação
da clara, e tomo um gole da cerveja enquanto Oisín explica a
posição única em que St. Columba está. A cerveja é
extremamente popular entre os habitantes da região e, de
fato, a maioria das vendas da abadia é para os pubs e bares
próximos, mas está crescendo em popularidade entre os
entusiastas da cerveja e há muito interesse internacional.
— Mas é difícil expandir, — explica Oisín enquanto abre
uma garrafa de cerveja escura para nós. É a mesma cerveja
que bebemos ontem à noite no jantar, mas nenhum de nós
recusou um copo até agora, porque é muito boa. Com notas
de frutas secas e chocolate, tem gosto de Natal. — A rotina
diária trapista não é favorável para aumentar a produção,
entende, e os monges aqui estão envelhecendo mais rápido do
que os mais jovens estão se inscrevendo. Não sei se St.
Columba ainda existirá em trinta anos, e nem o abade. O que

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


dificulta o investimento em equipamentos para fabricar mais
cerveja.
— Mas com certeza ainda valeria a pena a curto prazo?
— Pergunto. Meu cérebro financeiro está girando enquanto
olho para a pequena fila de chaleiras e canos. — Há aqui o
espaço físico para dobrar a produção, e se a demanda é como
você diz, então imagino que há o suficiente para justificar a
contratação de mais dois ou três leigos como cervejeiros. Eles
não seriam limitados pelo cronograma de orações, mas os
monges ainda poderiam supervisionar e manter a cerveja
como um produto certificado Trapista.
Oisín aponta seu copo para mim. — Você está
expressando meus próprios pensamentos, irmão Patrick, e
ideias que já disse ao abade muitas vezes. Mas acho que ele
se preocupa em mergulhar demais no futuro quando o
presente já parece incerto. Mas acho que se houvesse um
jovem monge como você aqui para ajudar, a levar a abadia
para o futuro, então talvez ele mudasse de ideia.

Eu e Elijah vamos mais uma vez para a cama sem ter


nos beijado ou mesmo falado em particular, e quando acordo
na quarta-feira com o pau inchado e o peito doendo, sei que
não vou aguentar mais um dia. Não me importo se transamos
ou não - bem, eu me importo um pouco - mas só preciso ficar
sozinho com ele. Segurar sua mão e beijá-lo.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Depois do café da manhã, sigo o padre Finbarr até a
biblioteca, onde ele trabalha como bibliotecário da abadia, na
maior parte do tempo despachando livros emprestados por
meio de empréstimos entre bibliotecas e recebendo
empréstimos que estão voltando para a biblioteca.
— Se você não tem planos para mim esta manhã,
gostaria de saber se posso explorar um pouco? Talvez dar
uma volta no cemitério ou conhecer as trilhas ao longo dos
penhascos?
Padre Finbarr pisca atrás de seus óculos, como se não
lhe tivesse ocorrido que eu gostaria de conhecer o exterior,
mas então sorri o primeiro sorriso que já vi nele. — Oh sim,
você deveria fazer isso. A glória de Deus está presente em
toda a sua criação, mas acredito que especialmente aqui em
St. Columba. Na verdade, nosso postulante mais recente se
inscreveu justamente por causa dessa localização. Mas a
tércia...
Estou preparado para isso. Seguro meu breviário. —
Vou rezar por conta própria, é claro, se a circunstância
surgir.
— Maravilhoso! — Ele diz, como se nunca tivesse ouvido
falar de tal engenhosidade, e então com outro sorriso, volta
para sua pilha de livros devolvidos. — No encontramos no
almoço, então?
Tentando esconder minha empolgação, concordo e
prometo voltar para o almoço, e vou encontrar Elijah.
Roubei apenas algumas horas para nós, mas são as
nossas horas e pretendo fazer um bom uso delas.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Saint (Priest #3) - Sierra Simone
46

— E o escapulário? — Elijah pergunta. Ele está sentado


contra o tronco de uma das poucas árvores da abadia, e a
única árvore que se parece com uma árvore de verdade e não
com um arbusto retorcido pelo vento mais velho que
Deus. Está ensolarado hoje - ou meio ensolarado - e bastante
quente para tirar os sapatos e sentir a grama macia do
cemitério em nossos pés.
O teixo em que estamos sentados está escondido atrás
de uma encosta íngreme dentro do cemitério – tão íngreme
que há escadas cobertas de líquen embutidas na terra para
andar por ela. Aqui, o cemitério é um pouco desnivelado e
termina em um muro baixo de pedra. O muro é quebrado por
pilares de portão que não têm mais portão.
Como as melhores vistas são dos penhascos, apostei
que teríamos um pouco de privacidade dos visitantes, e foi
uma boa aposta. Não vimos outra alma desde que descemos
aqui e, como estamos encostados no outro lado da árvore e
também contra a encosta, não podemos ser vistos a menos
que alguém literalmente desça os degraus de pedra e circule
o tronco em que estamos sentados.
Estamos em nosso pequeno mundo, e já ataquei Elijah
uma vez, nem mesmo esperando que ele se sentasse antes de
cair de joelhos e abrir suas calças para levá-lo em minha
boca. E agora ele está sentado com os olhos entrecerrados e
uma boca sorridente, as calças ainda desabotoadas e os pés
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
descalços e seus longos dedos enrolados frouxamente ao
redor de seu caderno.
— Você quer mesmo me perguntar sobre os detalhes do
meu hábito agora? — Digo enquanto acaricio o nó macio de
seu tornozelo abaixo da bainha de suas calças.
Ele dá uma risada curta, baixa e rica. — Eu não deveria
pelo menos fingir que estou trabalhando enquanto estamos
aqui?
Eu me inclino para beijar seu tornozelo. — Como
desejar, — murmuro contra sua pele. — O que quer saber?
— Eles são como os marrons que recebemos quando
crianças?
— Mais ou menos, — digo, arrastando meus dedos
debaixo da barra de sua calça e acariciando sua
panturrilha. — O escapulário monástico veio primeiro -
começou como uma espécie de avental de trabalho para
irmãos e irmãs e depois se tornou parte do hábito. Com o
tempo, os oblatos e as ordens terceiras34 começaram a usar
versões menores do escapulário para sinalizar sua devoção às
ordens às quais foram prometidos, e então esses escapulários
se transformaram nos escapulários devocionais que os leigos
usam hoje.
Ele estremece quando passo suavemente minhas unhas
em sua perna e encontro seu progresso com minha boca. —
Não tinha alguma coisa sobre usá-los? Os escapulários
devocionais? — ele pergunta. — Tipo, se você morresse
usando um, não iria para o inferno?

34 Ambos são associações da igreja católica.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Usar um dos escapulários devocionais é um ato de fé,
— digo, ajoelhando-me e medindo o homem à minha
frente. Uma ereção insatisfeita forma uma tenda obscena na
frente do meu escapulário agora. — O ato em si é adoração, é
devoção, e é esse ato contínuo de adoração que santifica o
portador do escapulário. Mas essa é uma promessa específica
do escapulário marrom, e não necessariamente o caso do
avental monástico. O meu é mais um lembrete de minha
obediência, tanto à minha ordem quanto a Deus. — Eu sorrio
para Elijah. — Mas gosto de roubar um pouco da teologia
devocional do escapulário para mim. Gosto de imaginar que é
uma maneira de sentir minha devoção na minha frente e
atrás de mim. — Eu pego a mão dele, a que está segurando a
caneta, e pressiono contra meu peito. — Senti-la em cada
lado do meu coração.
O oceano é mais quieto aqui, mais tranquilo, então
consigo ouvir a sua respiração presa enquanto meu coração
bate contra sua mão. E então ele está me alcançando, e de
alguma forma acabamos emaranhados no chão, ele por cima
e levantando meu hábito, e eu por baixo, tentando beijá-lo e
envolver minhas pernas em sua cintura.
Ele encontra a necessidade rígida e dolorida debaixo do
meu escapulário, e com o gosto de seus lábios nos meus e o
barulho das ondas ao longe, mostramos um ao outro nosso
próprio tipo de devoção até os sinos dobrarem colina abaixo.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Eu me endireito e rezo a terça hora com meu breviário
enquanto Elijah afirma que escreve em seu caderno, mas em
vez disso apenas me encara com o braço apoiado atrás da
cabeça e a boca curvada em um sorriso afetuoso.
Deveria ser uma distração, e talvez seja, mas também é
maravilhoso, como rezar próximo a vitrais coloridos ou em
uma espiral de fumaça de incenso. Deixa as orações mais
intensas, doces e ainda mais antigas de alguma forma, como
se estivesse rezando algo além das palavras dos salmos, como
se estivesse rezando o que significa ser humano em primeiro
lugar.
E quando termino, o momento é tão perfeito, como algo
saído de um sonho, com grama macia e luz suave do sol e os
olhos de Elijah, que sei que preciso contar a ele sobre aquela
noite. Acho que não serei capaz de suportar a perfeição dessa
lembrança de outra forma, sabendo que havia essa verdade
não dita entre nós.
Coloco meu breviário na grama e viro de modo que estou
de frente para a mesma direção que Elijah - em direção ao
portal sem portão e o riacho além dele. Do outro lado do
riacho há uma colina coberta de grama verde, tojo amarelo e
pedras cinzentas, e não poderia ser mais diferente da minha
colina do Monte Sergius, mas ainda assim ela me chama.
Talvez eu encontre Deus em cada colina que vir pelo
resto da minha vida.
— Aquela noite, — digo depois de um momento,
pensando por onde posso começar. — Aquela noite foi mais
do que fiz parecer. Com a briga e a mensagem e tudo mais.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Olho para Elijah e uma nova tensão se apodera dele. Ele
fica sentado, com as pernas dobradas e as costas apoiadas
em uma raiz grossa de um teixo.
Aceito isso como um sinal para continuar, para contar a
história inteira, e é o que faço.
Respiro fundo e começo do início.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


47

A COISA

A primeira vez que a encontrei, não estava em um


cemitério ou em um funeral. Não estava assistindo a um filme
ou a um vídeo estúpido da Internet, nem ouvindo meus
colegas de classe fazerem piadas horríveis.
Eu nem estava sozinho.
Estava na minha cozinha, vasculhando a geladeira pela
milionésima vez naquele dia, procurando algo para comer, e
quando descobri alguns restos de lasanha da noite anterior,
peguei a vasilha inteira para mim. Nem me dei ao trabalho de
tirar as sobras. Só peguei um garfo e fiquei no balcão olhando
pela janela para o quintal, comendo lasanha gelada tão
distraído quanto um cão roendo um osso.
Foi quando ouvi vozes na sala de estar.
Já havia passado um ano após a morte de Lizzy, e
tínhamos ido ao cemitério mais cedo naquele dia com meu tio
Colin e minha tia Trish e colocado flores no túmulo de Lizzy,
e os adultos e Tyler choraram. Sean tinha franzido o cenho
para a cruz na lápide como se pudesse mandar um dedo do
meio direto para Jesus se se esforçasse bastante, e Ryan
também estava triste, mas só tinha nove ou dez anos na
época, então cinco minutos de tristeza ao lado do túmulo era
tudo o que ele podia tolerar antes de começar a ficar inquieto.
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
Eu queria fazer cara feia e ser frio como Sean, mas tio
Colin tinha me dado vários goles de Southern Comfort de sua
garrafa antes de irmos, e na maior parte do tempo eu me
sentia flutuando e distante de tudo ao meu redor, como se eu
fosse um membro do público arrastado para um palco
enquanto os verdadeiros atores representavam a peça ao meu
redor. Parecia uma coisa boa na época.
De qualquer forma, o efeito do SoCo havia passado
quando eu estava comendo a lasanha, então eu estava sóbrio
quando ouvi tia Trish dizer da sala de estar: — Claro, está tão
comum as pessoas pensarem dessa forma em que acham que
o mundo ficará melhor sem elas.
Lembro-me de congelar o garfo com lasanha a meio
caminho da boca, as palavras gravadas em minha mente,
arranhando profundamente.
Antes daquele momento, eu achava que todos os
suicídios eram como os de Lizzy, e achava que o de Lizzy
devia ser tão simples quanto parecia para mim, um
adolescente que na maior parte do tempo brigava com ela por
causa do controle remoto e os restantes Toaster Strudels no
freezer e que não sabia nada de sua vida interior de qualquer
forma. Lizzy estava triste e, portanto, ela se matou, e isso era
tudo.
E assim, quando o conselheiro do colégio me sentou em
seu escritório apertado e perguntou se eu me sentia triste, se
sabia que poderia conversar com outras pessoas sobre estar
triste, e me deu um folheto sobre os sinais de alerta de
suicídio adolescente que era com certeza feito para pais e não

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


para adolescentes, eu não tinha muito a dizer. Sim, fiquei
triste por Lizzy estar morta, mas fiquei com mais raiva do
padre e do que ele fez a ela. Não, eu não tinha nenhum dos
sinais de alerta. Sim, eu sabia que poderia conversar com
meus pais e com o conselheiro se a tristeza alguma vez me
acontecesse.
Mas no dia em que ouvi a voz da tia Trish na sala de
estar, entendi algo que não tinha entendido antes, e foi que a
palavra triste era uma palavra que as pessoas às vezes
usavam para outra coisa. Uma coisa que senti meus próprios
pensamentos roçarem no escuro, que não era uma escuridão
como os adultos temiam que os adolescentes
encontrassem..., mas uma escuridão como a escuridão além
do horizonte de eventos de um buraco negro. Uma escuridão
que era uma não-luz, um vazio, mas um vazio faminto, um
vazio com uma voz.
Melhor.
Baixei os olhos para a lasanha que estava comendo
direto da vasilha e pensei na piada de merda sobre minha
própria mãe que fiz na noite anterior para fazer um grupo de
amigos rir. Pensei nos boatos que espalhei sobre um colega
de equipe de atletismo, pensei nas duas últimas redações de
Literatura Americana que na verdade eu não tinha feito, mas
paguei a um garoto na sala de estudos para escrever para
mim. Pensei em todas as horas de serviço que falsifiquei em
meu registro de horas de serviço comunitário do colégio,
todas as mentiras que contei, todas as brigas que comecei e
depois terminei.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Pensei naquela sensação que às vezes tinha, de estar
cheio de vermes, de estar cheio de coisas rastejantes e
sujas. Pensei em outra sensação que às vezes tinha, a não
sensação, que só ia embora quando eu bebia, brigava ou
brincava.
Melhor.
Eu abaixei o garfo quando uma coisa se levantou e se
esticou em minha mente. Ela andou por um minuto e depois
se sentou.
Era como a fumaça de um fogo a óleo - suja, venenosa e
densa; usava meu rosto; falava com a minha voz.
— Olá, — dizia. — Estava esperando por você.

No começo, saber de sua existência parecia um segredo,


o tipo de segredo que o tornava mais sábio e interessante do
que as pessoas ao seu redor. Terminei o ensino médio e
comecei a faculdade dessa maneira, pensando que entendia
melhor as músicas do rádio e poemas na aula do que
qualquer um daqueles outros garotos despreocupados,
pensando que só eu estava marcado, como um Caim
romântico, por vagar com isso estampado na testa para as
pessoas que sabiam ver.
Com o decorrer da faculdade, no entanto, começou a
parecer menos como um segredo e mais como uma... como
uma testemunha. Uma testemunha das piores coisas que eu
fazia, dos piores pensamentos que eu tinha, e então começou
a sussurrar suas fiscalizações de volta para mim. Essa coisa

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


me lembrava em horários estranhos, durante longas viagens
de carro ou longas aulas universitárias, de tudo de ruim que
eu tinha feito. A coisa fazia pequenos cortes em mim e depois
lambia tudo o que escorresse.
E na época em que me formei na faculdade, a coisa já
não parecia mais profunda ou romântica. Ao invés disso,
parecia que era minha única verdadeira amiga
Meus outros amigos achavam que gostavam de mim,
mas gostavam de uma mentira - um cara inteligente e
sorridente, sempre em busca da próxima festa, da próxima
bebida, da próxima carreira de cocaína. Eles eram amigáveis,
lisonjeiros; não tinham ideia de quem eu realmente era,
porque não me conheciam como ela me conhecia, e nunca
seriam honestos comigo como ela era honesta comigo. Ela
sempre me dizia a verdade; dizia como eu era vazio, inútil,
como desperdiçava ar, tempo e comida. E sempre que eu
tentava fugir dela e da não-sensação que trazia - com as
drogas, com o álcool, com o sexo - ela estaria sempre
esperando por mim no final, implacável e inevitável.
Havia morte, impostos e a coisa, sempre a coisa.
E era tão paciente, muito paciente. Às vezes, ela sumia
por meses a fio, uma mera memória de si mesma, e eu
pensava: a coisa se foi. Disse-lhe para ir e ela se foi, como um
demônio em uma manada de porcos, e eu estava livre para
sempre agora.
Mas ela sempre voltava, e quando voltava, eu percebia
que nunca havia partido, pois tinha continuado a
testemunhar tudo o que fiz em sua ausência, e recomeçaria

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


sua sinistra ladainha. As pessoas que magoei ou irritei, as
conversas que arruinei ou dominei injustamente, os grandes
e pequenos danos que semeei sendo Aiden Bell, o eterno
merda.
Melhor... isso me lembraria, sedutoramente.
Quando minha mãe morreu, um ano antes daquela
noite, a coisa me falou todo tipo de coisas, todo tipo de coisas
horríveis e irrepetíveis. Mas o que ela me dizia com mais
frequência era que ninguém sentiria minha falta como as
pessoas sentiam falta de minha mãe. Meus irmãos estavam
devastados, meu pai estava devastado, todo o seu grande
círculo de amigos e colegas de trabalho estavam devastados
pela morte de Carolyn Bell, mas se eu morresse...?
E eu sentia falta da mamãe. Sentia falta de Lizzy
também, tanto quanto meu jovem coração era capaz, mas
sentia falta de minha mãe como um adulto, com o coração de
um adulto, e mesmo tendo sempre resistido aos sussurros da
coisa sozinho, quando ela morreu, de repente me senti
perdido e solitário de uma maneira que nunca tinha sentido
antes. Como se uma parte secreta de mim sempre tivesse
pensado que se a coisa ficasse muito ruidosa, se estivesse em
muito perigo de fazer o que ela queria que eu fizesse, eu
poderia ir até minha mãe e ela faria tudo melhorar. Ela não
me deixaria sozinho, ela faria a coisa ir embora. Talvez todos
nós pensemos isso, no fundo, sobre nossas mães, que elas
farão os monstros debaixo de nossa cama irem embora. Mas
Carolyn Bell levou essa sensação de segurança com ela

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


quando morreu, e agora, eu estava realmente sozinho nas
garras da coisa.
Elijah era a luz, é claro. A doçura, o sexo, o
conforto. Um presente que eu não merecia. Acho que sem ele
Aquela Noite teria chegado mais cedo, embora a coisa tenha
acabado o transformando em uma arma também.
Este bom homem, o que você está fazendo com ele?
Envergonhando-o em eventos, em jantares com os pais dele?
Você sabe que eles só te toleram porque gostam de Sean, não
é? Sabe que ele vai terminar com você, não é? Por que ele
ficaria? Por que deveria ficar?
Qualquer coisa boa ou certa que fazia nunca era
suficiente para pesar contra a balança decadente de meu
egoísmo, e quanto mais poder a coisa tinha para me
paralisar, mais egoísta eu me sentiria, como se a paralisia
fosse minha culpa. Aquelas vezes em que não conseguia fazer
meu corpo se mover para sair de casa... ela me perguntava
em tom de profunda preocupação se eu sabia o quanto estava
decepcionando meu namorado? O quanto eu estava piorando
a vida dele com cada decepção?
Melhor...
Por quinze anos, fui o animal de estimação dela, seu
companheiro infeliz. Talvez tenha sido surpreendente que eu
tenha durado tanto tempo - por isso só posso dar crédito à
minha família e a Elijah. Mas depois de anos e anos disso, eu
estava cansado. Comecei a concordar com a coisa, com o que
quer que ela dissesse. Por que eu não concordaria, quando
ela falava com minha voz e usava meu rosto?

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


E então Naquela Noite - quando cheguei em casa e
encontrei o jantar no lixo e Elijah sentado na sala de estar – a
coisa nem precisou falar. Enquanto eu e Elijah brigávamos,
percebi o quanto meu descuido o machucou - como desta vez
o machucou mais do que as outras - e quando ele se afastou
quando estávamos nos trocando para dormir e
murmurou, falaremos sobre isso pela manhã, eu já sabia o
que diria.
Eu não merecia falar sobre a briga pela manhã. Eu não
merecia perdão, porque eu só precisaria disso de novo, de
novo e de novo, e quem tem a energia para perdoar alguém
tantas vezes? Quem pode dar a alguém tantos recomeços? E
mesmo que alguém pudesse, por que diabos deveria fazê-lo?
Não segui Elijah para a cama. Eu deveria, talvez. Porque
quem sabe se eu tivesse subido na cama, Elijah teria
suspirado e rolado e deixado seu pé tocar o meu sob os
cobertores. Quem sabe ele tivesse me deixado pressionar meu
rosto em seu braço. Quem sabe tivéssemos trepado e o
sentimento que a coisa sempre trazia tivesse desaparecido
por um tempo.
Mas nada disso aconteceu. Desci as escadas, primeiro
sentando-me no sofá e olhando para a parede, e depois de
alguma forma acabei no chão, olhando pela janela da casa
para a noite sem lua além.
Ela se juntou a mim ali, no chão, e me deu os parabéns
por eu estar consciente do que fiz, pela minha inabalável
honestidade.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Vamos fazer a ladainha juntos? — Perguntou.
— Sim, — falei, e a deixei começar, uma lista
interminável de razões pelas quais eu deveria ouvir suas
gentis sugestões. Ela só se preocupava com as pessoas que
eu amava, assim como eu. Só queria tornar o mundo um
lugar melhor - eu também não queria isso?
Após quinze anos, eu estava familiarizado com seus
maiores sucessos, seus horrores favoritos para dragar de
minhas lembranças e me atormentar, suas tentações e seus
julgamentos e sua malícia suave e ingrata. Talvez não
devesse ter havido nada de diferente Naquela Noite para
torná-la a noite, mas talvez no final, essa tenha sido
exatamente a razão pela qual ela se tornou a noite.
Porque vivi tantos anos com a coisa em minha mente e,
quando olhei pela janela, pude ver todos os anos que ainda
faltavam viver, e de repente era muito cansativo para
contemplar.
A coisa nunca pararia, nunca acabaria. Essa sempre
seria minha vida, e pelo que eu estava lutando? O direito de
continuar decepcionando as pessoas? A capacidade de se
aproveitar de sua energia e paciência até que eu os sangrasse
até secar?
No filme de Brendan Fraser de 1998, A Múmia - que é o
filme de ação número um de todos os tempos baseado na
múmia - há uma cidade sagrada chamada Hamunaptra, e
nessa cidade há um templo, e nesse templo é onde a equipe
desorganizada enfim derrota a múmia, que nesse estágio é
muito bonitão e careca. (A parte bonitão não é importante

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


para a história, mas achei que você deveria saber). De
qualquer forma, depois que a múmia é fatalmente ferida, ela
cambaleia de volta para o que parece ser uma banheira de
pedra cheia das almas dos mortos. A água é escorregadia,
preta e ondulante, e enquanto a múmia afunda em suas
profundezas, a escuridão sobe por suas pernas e tronco e
depois até o rosto, e me lembro de observar isso quando
criança e pensar que a escuridão poderia fazer isso, ela
poderia se agarrar à sua pele e rastejar pelo seu corpo. Ela
poderia alcançar e procurar e murchar qualquer coisa que
tocasse. Nunca ficaria onde deveria. Não quando sabia seu
nome e estava esperando por você.
E então, observei enquanto a escuridão se derramava
pela minha janela e escorria em direção aos meus pés
estendidos, entendendo como aquela múmia gostosa deve ter
se sentido, sabendo que a morte estava chegando, a morte
estava aqui. Talvez a múmia estivesse com medo, mas
estranhamente, eu não estava. Não senti absolutamente
nada.
— Eu vou te ajudar, — ela disse gentilmente. — Apenas
me escute e te ajudarei.
— Tudo bem, — eu respondi. Eu escutaria. A coisa
ajudaria. Eu escreveria um bilhete para Elijah explicando que
não foi culpa dele, e então me certificaria de que tudo
estivesse desligado no andar de cima, porque ele odiava
quando eu deixava as luzes acesas e desperdiçava
eletricidade, mesmo quando era só a luz do banheiro para

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


que eu não desse uma topada no dedo do meu pé no meio da
noite.
Chegou a hora.
Tive a certeza disso como nunca havia sentido nada
antes. Chegou a hora. Eu fingi por tanto tempo e quanto
menos o fingimento tinha funcionado, mais eu fingia, e agora
era a hora.
Mas algo aconteceu então, quando fiz menção de me
levantar. Algo que demorei um minuto para entender. Meu
celular, no chão ao meu lado, iluminou-se com uma
notificação de texto.
Às três e meia da manhã.
No escuro, parecia um brilho abrasador, um projetor,
um sol azulado nascendo bem ali nas sombras. E quando o
peguei por puro hábito e o abri, ele brilhou tão forte quanto o
interior da Arca da Aliança.
Era de um número que eu não tinha em meus contatos
ou mesmo reconhecia - um número com o qual nunca tinha
trocado mensagens antes. Havia apenas um texto, uma linha,
sem contexto algum.
Levanto meus olhos para as colinas.
Por que isso parecia familiar? E quem estaria me
enviando mensagem às três da manhã com algo tão
enigmático quanto isso? Desde que estava saindo com Elijah,
parei com a turma da festa hardcore... e mesmo se um
daqueles idiotas fosse me mandar uma mensagem tão tarde,
seria definitivamente um vídeo tropeçando em casa bêbado e
cantando no meio da rua. Não um... isso era

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


um versículo? Parecia familiar como um versículo. Como um
poema que lemos na escola, ou...
Abri o navegador do meu celular e digitei as palavras,
que imediatamente retornaram com o Salmo 121,

Levanto meus olhos para as colinas


de onde virá meu socorro?

Meu socorro vem do Senhor,


Quem fez os céus e a terra...

Ele não permitirá que você tropece;


o seu protetor se manterá alerta...

O Senhor protegerá a sua saída e a sua chegada,


desde agora e para sempre.

As palavras me sangraram - não, elas me queimaram.


Como fogo. Como a luz.
Levanto meus olhos para as colinas...
Voltei para a mensagem de texto e respondi quem é?
Mas não houve resposta - na verdade, não há resposta
há cinco anos. Até hoje, eu ainda não sei quem me mandou
uma mensagem com o primeiro versículo de um salmo às três
e meia da manhã.
Até hoje, ainda não sei quem salvou minha vida.
Levanto meus olhos para as colinas...

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Essas palavras enviaram algo através de mim que não
era escuridão, que não era não-sensação. Eu me senti...
consolado. Como se a necessidade que eu tinha de que minha
mãe afugentasse os monstros debaixo da cama ainda
pudesse ser atendida, como se alguém ainda pudesse fazer
isso por mim, e esse alguém fosse esse deus que nunca
cochilava ou dormia, esse deus que cuidará minha saída e
minha chegada. Este senhor que cuidaria de mim, mesmo se
eu não merecesse ser cuidado. Ele poderia cuidar da minha
vida, cuidaria da minha vida, e logo não bastava ver os
versículos na tela, eu precisava vê-los no papel. Fui até as
estantes de livros perto da lareira, onde ficavam
principalmente videogames e a edição anual do Livro
Guinness dos Recordes Mundiais e encontrei a pequena bíblia
de couro que meus avós me deram na minha crisma.
E ali estava escrito claro como o dia: esse deus nunca
dormiria, ele me ajudaria. Se eu erguesse meus olhos para as
colinas, mesmo nas horas mais escuras da noite, ele estaria
lá.
Talvez...
Talvez a coisa, com sua voz sedosa e rouca, estivesse
errada. Talvez ela estivesse errada há muito tempo.
E isso foi o suficiente para me afastar do que estava
prestes a fazer. Sem certeza e sem lógica e nem mesmo um
sentimento feliz para contrabalançar o peso de sua sedução -
mas a revelação repentina de que meus pensamentos, meu
vazio, os sussurros dela, de alguma forma, não eram a
história toda.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Havia algo mais. Para mim. Para a vida.
Mais tarde, enquanto sobrevivia naqueles primeiros dias
de noviciado, ouvia o final daquela leitura de Coríntios que as
pessoas adoram para casamento e ouvia o que havia
acontecido comigo naquela noite.
Pois em parte conhecemos... quando, porém, vier o que é
perfeito, o que é imperfeito desaparecerá.
Então, conhecerei plenamente, da mesma forma como sou
plenamente conhecido.
Achei que tinha entendido tudo perfeitamente. Que eu
era tudo o que a coisa sussurrou para mim, e que não havia
outra verdade que importasse. Mas eu estava errado; havia
tanta coisa importante, tanta coisa que eu não tinha visto ou
conhecido, e naquela noite eu mal consegui entender a
vastidão disso, só pude sentir que havia uma infinidade de
algo que não era nada, e que se eu quisesse, poderia ser meu
infinito também. Esse infinito era compartilhado entre todos
nós, era uma teia entre todos nós, e havia muitas portas e
muitos portões, e eu havia encontrado apenas um deles.
Tudo bem. Este era meu portão; ele tinha me chamado;
e por isso era o portão que eu queria por essa razão.
Encontrei meu laptop e sentei-me à mesa da cozinha e
pesquisei no Google "Igreja Católica perto de mim" pensando
que seria um bom ponto de partida, e depois soltei um huh
quando o Google voltou com muitos resultados para analisar
corretamente. Achei que o mais próximo seria aquele em que
eu deveria clicar, mas depois o vi.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Uma igreja de pedra calcária situada em frente a uma
colina alta, o sol nascendo sobre o topo da colina.
Abadia do Monte Sergius, o resultado dizia ao lado. Era
apenas uma hora de carro dali.
Cliquei no link, que abriu uma foto de monges em seus
hábitos negros, cabeças inclinadas em oração. Mas lá
estavam eles sorrindo ao redor de copos de
cerveja... caminhando em pares ou trios sob a sombra da
colina com as mãos atrás das costas... sentado no claustro
enquanto a colina espreitava os telhados das construções ao
seu redor.
Eles pareciam tão serenos, tão firmes, com o tipo de
firmeza que falava de esperança, amor e segurança. Pareciam
conhecer esse deus que não dormia e cuidava deles, e eu
queria conhecer esse deus também - mais do que tudo, eu
queria conhecê-lo.
Eu precisava conhecê-lo.
E talvez - talvez essa fosse a resposta para tudo, porque
eu ainda poderia resolver muitos problemas. A maneira como
magoei Elijah e continuava magoando, a maneira como
ganhei dinheiro e depois o usei para uma merda absurda e
sem sentido, a maneira como eu era em geral um babaca rico
e egoísta que não dava nada a ninguém e guardava tudo para
si.
Os homens naquelas fotos desistiram de tudo. E
pareciam tão felizes por terem feito isso.
Poderia ser eu.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Fechei o laptop e fui procurar meus sapatos. E então
subi para ver Elijah dormindo na cama.
Ele ainda não tinha se mudado formalmente, mas
depois de um ano juntos, suas coisas se acumularam na casa
da fazenda, e então sua mesa de cabeceira estava cheia de
palavras cruzadas semiacabadas e o livro de Cortázar com
orelhas que ele estava lendo e outro livro que parecia ainda
mais difícil de ler por cima e uma máscara para os olhos e
um frasco de creme para as mãos sem perfume. E eu sabia,
de alguma forma, que esta seria a última vez que veria sua
doce desordem nerd. A última vez que veria seu rosto assim,
relaxado durante o sono, seus cílios longos nas bochechas e
seus lábios levemente separados e suas sobrancelhas sem
franzir, sem se levantar.
Dei um último beijo em seus lábios adormecidos e ele
não se mexeu. O que parecia um sinal.
— Adeus, — sussurrei para ele, e então deixei a casa da
fazenda quando o sol aparecia no horizonte, finalmente
vencendo a noite e iluminando um mundo que eu esperava
que ainda me tivesse.
Um mundo de asfalto escuro e pastagens verdes e
campos bem ordenados e, por fim, a distância, as ondas de
Flint Hills cobertas de grama, onde meu futuro começaria.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


48

Quando eu termino, Elijah está com a cabeça entre as


mãos. Toco seu ombro, e ele olha para cima, seu rosto
assombrado. — Por que não me contou? — Ele sussurra.
Procuro as palavras certas para explicar algo que é
fundamentalmente inexplicável. — Eu não era capaz de
verbalizar na época, em algum tipo de ordem lógica. Não
contei por que não conseguiria contar.
Elijah examina meu rosto. — Mas agora você conseguiu
me contar.
— Foi preciso muita terapia para chegar até aqui, — eu
explico. — E remédios. Isso também.
— E, — ele pergunta com cuidado, — ser um monge?
— Sim, — eu digo, olhando para baixo através das
lápides para o riacho e depois para as colinas. Estamos
sentados em um lugar onde séculos de homens santos foram
enterrados, um testamento de pedras tortas e cruzes celtas
redondas, um testamento para vidas inteiras vividas em um
pedaço de terra. — O trabalho no dia e o trabalho na minha
cabeça se espelhavam em meus primeiros anos como monge -
novas rotinas, novos tipos de higiene do sono, passar tempo
fora de casa, contemplação – acho que isso criou uma espécie
de ciclo de feedback positivo. Eles se alimentavam uns aos
outros. E a fé...
Eu paro, sem saber como explicar isso sem deixar claro
que Deus trabalha tanto por meio de remédios e terapia
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
quanto por meio de orações e hinos. — Foi o despertar do
meu espírito, — digo enfim. — E sem meu espírito, acho que
minha vida não seria o que é agora. Totalmente
aqui. Totalmente presente.
— Mas então por que trocar de ordem? — Elijah
pergunta. — Por que veio aqui procurando algo mais se o
Monte Sergius já fez tanto por você?
— É porque esta vida fez muito por mim, — digo,
virando-me para encará-lo. — Devo muito a Deus e aos meus
irmãos, nos últimos cinco anos, mas não consigo terminar a
única tarefa que me é pedida, que é fazer do meu coração um
coração para Deus e para a minha comunidade e apenas
para essas duas coisas.
Eu encontro sua mão e a pressiono no meu escapulário,
no meu peito, assim como fiz antes. — A verdade é que eu
visto dois destes, Elijah, um para Deus e outro que ninguém
mais pode ver. Para você.
Nós nos encaramos por um momento, meu coração
batendo contra sua mão, seus ombros se movendo com
respirações pesadas. Não sei o que dizer a seguir - nem
mesmo sei o que gostaria que ele dissesse em resposta -, só
que quero que ele saiba como isso é verdadeiro. O quanto é
inconveniente, maravilhoso e poderosamente verdadeiro.
Um discreto alarme dispara em seu relógio antes que
qualquer um de nós possa dizer qualquer coisa, e com um
palavrão baixo, ele olha para baixo e o silencia.
— Precisamos voltar para o almoço, — diz ele.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Tudo bem, — eu digo, e com relutância solto sua mão
do meu peito.
Calçamos nossos sapatos, arrumamos nossas roupas e
nos certificamos de que não haja grama ou manchas de
sujeira óbvias. E então, antes de subirmos as escadas para o
cemitério superior e o caminho de volta para a abadia, agarro
seu suéter fino e o puxo para minha boca.
Ele tem um leve sabor de café, mas principalmente dele
mesmo, e o interior de sua boca é sedoso e quente, e seus
lábios estão apenas um pouco frios com a brisa. E este beijo é
perfeito e ele é perfeito, e eu rezaria doze rosários por dia,
esfregaria cada chão do santuário, cortaria toda árvore morta
que já existia para mantê-lo bem aqui contra mim.
Mas os sinos da sexta começam a soar e não tenho
escolha.
Interrompemos o beijo, ambos olhando um para o outro
com coisas que não temos tempo para dizer, e então corremos
de volta para a abadia.
— Amanhã, — digo enquanto caminhamos pelo
cemitério e em direção à igreja, onde cantaremos a sexta e
depois iremos para o refeitório para o almoço, — Acho que
conseguimos dar outra escapada. Pela manhã.
— Tudo bem, — diz ele, e embora dê um decisivo aceno
de cabeça, seus passos vacilam um pouco, como se ele
quisesse mover os pés e não conseguisse. Mas não há tempo
para perguntar o que é isso, porque estamos chegando na
igreja agora.
Amanhã.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Teremos o amanhã.

O resto do dia é lindo, por dentro e por fora. Um alegre


sol surge entre as nuvens, emergindo e depois recuando,
fazendo lindas sombras de verão deslizar pelos aposentos da
abadia.
Ajudo o padre Finbarr na biblioteca durante parte da
tarde e depois passo algum tempo com um monge chamado
padre Louis que trabalha na cervejaria. St. Columba tem
tonéis mais antigos do que o Monte Sergius ou Semois, e o
grão usado deve ser removido empurrando-o para fora do
duto de passagem ao lado com a mão. O padre Louis olha
meus ombros largos com alegria indisfarçável enquanto me
entrega a pá, e quando todos são retirados, estou suado como
o inferno e cheirando a uma cervejaria. Tomo banho e troco o
hábito após as orações, e então passo algum tempo na lectio
divina, ainda dedicando-me ao Cântico dos Cânticos.
Coloque-me como um selo sobre o seu coração...
pois o amor é tão forte quanto a morte...
Fico olhando para o mundo iluminado de verão pela
janela da minha cela. Ela é voltada para as colinas e penso
nas dez mil coisas específicas que tiveram que acontecer em
uma ordem muito certa para que eu estivesse aqui, agora,
como um monge viajando com o homem que ele ainda ama.
Penso no Abade Jerome e em sua ideia do convite de
Deus. Penso em tudo o que ganhei nesta vida como monge e

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


em tudo o que perderia se continuasse nela. Pergunto a
Deus, é isso que você quer para mim? Uma vida aqui?
Eu gostaria que ele falasse, que as colinas se abrissem e
revelassem um fogo divino, mas há apenas silêncio e sol
irlandês, e chega a hora das Vésperas e minhas perguntas
ainda estão sem resposta.
Como é possível, pergunto-me entre orações e um jantar
silencioso, mas saboroso, que depois desta semana nunca
mais vou beijar Elijah? Nunca mais sentirei seus lábios
contra os meus ou o jeito como ele recupera o fôlego quando
encontro sua mão com a minha e entrelaço meus dedos nos
dele?
Que nunca mais vou andar com ele por um museu ou
segurar seu café enquanto ele procura algo, que nunca mais
vou conseguir vê-lo rabiscar em seu caderno ou ouvi-lo
digitar em seu teclado enquanto suspira como um calouro em
uma aula chata da faculdade?
Que todas as noites, meu corpo vai doer não apenas por
sexo com ele, mas por aqueles toques que são mais
mundanos e, no entanto, de alguma forma, mais íntimos do
que sexo? O jeito como ele rola e ronrona enquanto acaricio
suas costas ou o jeito como ele me deixa usá-lo como um
travesseiro ou o jeito como eu costumava acordar para
descobrir que ele se virou para dormir de conchinha quando
nós estávamos dormindo?
Eu estava tão certo, depois de Provença, que o limite
finito do nosso interlúdio permaneceria finito. Que doeria,
talvez até insuportavelmente, mas que não haveria dúvida

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


dentro de mim, nenhuma indecisão em minha alma, quando
chegasse a hora de pegarmos nossos aviões separados de
volta para Kansas City. Claro que eu continuaria como monge
e continuaria na vida que permitiu me reconstruir. Claro que
Elijah voltaria à sua própria vida e seguiria em frente. Nem
sequer pensei o contrário.
Pensei?
Só que é tudo em que posso pensar esta noite. Está me
desconcentrando enquanto cantamos as Completas juntos na
antiga igreja. Elijah está sentado nos bancos da igreja e não
consigo deixar de observá-lo enquanto ele canta, se saindo
muito bem durante o cantochão, seus dedos longos
segurando o breviário amassado e as sobrancelhas franzidas
em concentração.
O que aconteceria, de repente me pergunto, se eu fosse
embora? Se eu voltasse para casa, fosse ao escritório do
abade Jerome e dissesse: Me desculpe, mas acho que estou
destinado a ficar com ele?
Lamento que tenha investido tanto dinheiro e esforço em
uma viagem para me ajudar a encontrar meu futuro e no final
das contas desde o começo meu futuro não era ser um monge?
Seria difícil, eu sei disso. Seria embaraçoso, mesmo
quando já passei tantos anos tentando nunca mais me
envergonhar. Pareceria impulsivo - seria impulsivo.
Mas não posso ignorar o que minha intuição me diz. Não
posso ignorar a verdade de que se cinco anos arrancando e
queimando ervas daninhas do jardim do meu coração não

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


conseguiram erradicar Elijah, então nada mais o faria. Irei
para o meu túmulo amando-o. E sei que ele também me ama.
Então, por que estou nos renegando?
Eu posso desistir dessa vida, certo? O cantochão, a
natureza, a lectio-sexo. O vínculo que só vem através da
negação compartilhada, da labuta compartilhada, manhãs
turvas compartilhadas com bocejos de quebrar o queixo
quando o abade não está olhando.
Eu poderia desistir por ele, não poderia? Porque a
recompensa é... bem, é ele.
E ainda posso permanecer devotado a Deus como um
leigo - as pessoas fazem isso, não fazem? Eu poderia fazer
isso. Tyler fez.
Estamos tão longe ao norte que o sol já está iluminando
o céu noturno quando acordo para as Vigílias. E como o céu
lá fora, me sinto mais leve, mais claro. Iluminado.
Vou sair da Igreja.
Eu escolho Elijah.
Talvez tenha sido por finalmente contar minha história
ontem, ou talvez tenha sido o lento acúmulo das últimas
duas semanas e meia, mas me de repente me sinto livre da
necessidade de atribuir meu futuro a esse único
caminho. Talvez precisasse da Igreja para desemaranhar
minha vida e minha mente - talvez eu precisasse desses
últimos cinco anos para me tornar o tipo de homem saudável
e maduro o suficiente para um relacionamento de longo
prazo. O tipo de homem digno do amor de Elijah. Eu não sei.
Mas não posso ficar.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Não quando o preço é perdê-lo.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


49

Reivindicamos outra manhã para nós mesmos sob o


pretexto de percorrer os caminhos do penhasco.
É só quando passamos por várias ondulações do
caminho que vejo a pequena ruína em ruínas das fotos de St.
Columba. Parece uma velha cabana de pesca, com paredes de
pedra e faltando o telhado. Digo para Elijah que vou dar uma
olhada e ele se junta a mim, passando pela porta intacta para
ficar ao meu lado lá dentro.
— E pensar que isto custaria um milhão de libras em
Londres, — diz ele, olhando para a lareira com mato
crescendo ali dentro. Mas não há lixo emaranhado no mato, o
que, como ex-adolescente (e adulto) causador de problemas,
me faz pensar que a pequena cabana é muito remota para
que as pessoas possam usar como local de festa ou de
encontro. A grama que cresceu no que costumava ser um
chão de terra é macia e grossa e está acima dos meus
tornozelos, o que me faz pensar que não é pisada ou roçada
com muita frequência.
Perfeito.
Enquanto Elijah está dando a este lugar uma
sobrancelha Elijah, eu tiro sua bolsa de seu ombro e a coloco
em um canto.
— O que você está...? — Ele se vira para olhar para mim
e eu pego seu rosto em minhas mãos. Quero estar olhando

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


para ele quando contar. Quero ver a felicidade e o alívio
dançando em seus olhos enquanto o faço.
Sua expressão muda quando ele vê a minha, um brilho
de interesse em seus olhos enquanto lambe o lábio
inferior. — Isso é um e se? — Ele pergunta com uma voz
rouca.
— Claro, — eu digo, roçando minha boca sobre a dele e
então lentamente o encosto contra a parede. Sem um teto, há
bastante luz para eu ver suas pupilas dilatando enquanto o
prendo contra a pedra com meu quadril, prendendo-o com
força para que ele possa sentir minha necessidade, mesmo
através do tecido das minhas vestes.
— Merda, — ele sussurra, suas pálpebras tremulando
enquanto eu o uso para me esfregar, empurrando uma das
minhas mãos por sua camisa passando uma unha de leve
sobre seu mamilo. — Que jogo desta vez?
Excitação surge através de mim, um raio de alegria
misturada com adrenalina. Eu encontro suas mãos com as
minhas e as coloco entre nós.
— E se, — digo, olhando em seus olhos, — e se... eu
desistir de tudo? — Respiro fundo. — E se eu desistir por
você?
Os lábios de Elijah se abrem. Ele pisca duas vezes. —
Deixar de ser monge?
Não consigo segurar o sorriso que floresce no meu
rosto. — Sim.
— Isto é um jogo? — Ele pergunta, franzindo a testa, e
estou sorrindo ainda mais, balançando a cabeça.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Sem jogo, — digo ansioso. — Nós voltamos para casa
e então contarei ao Abade Jerome e depois... depois posso ser
seu, Elijah. Sem mais hábitos, sem se esgueirar entre as
orações. Serei totalmente seu.
Ele me encara, seus olhos penetrantes e questionadores
enquanto examinam meu rosto.
— Você está falando sério, — diz ele lentamente. — Está
mesmo falando sério.
— Ontem percebi que não posso viver mais um dia sem
você, — eu digo, apertando suas mãos. — Eu tentei. Todo
esse tempo, eu tentei, e isso me fez muito bem, porque aquela
versão de Aiden não estava pronta para ser um parceiro
completo para ninguém. Mas quero tentar de novo. E acima
de tudo, só quero te amar. Sem inibição, sem culpa. Sem um
coração dividido.
— E Deus? — Ele pergunta. — Você ainda não terá um
coração dividido por ele?
Inclino-me para beijar o rosto de Elijah. — Há muitos
leigos devotados. Eu serei um deles. Irei à igreja do Padre
Jordan ou algo assim.
— Você disse que encontrar Deus era como ter seu
espírito despertado, — disse Elijah. — E te vi nas últimas
semanas, Aiden. As orações, o trabalho, as
manhãs. Você ama isso.
— Eu te amo, — eu digo, acariciando seu rosto e então
me afastando para sorrir para ele. — Você não vê? Podemos
ficar juntos agora...

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Sinto meu sorriso desaparecer enquanto um pequeno
gremlin de dúvida rasteja em volta do meu estômago. — A
menos que você não queira? A menos que não me ame do
jeito que sou agora?
Elijah toca meu rosto, seu toque impossivelmente gentil,
suas sobrancelhas erguidas e franzidas ao mesmo tempo. —
Eu te amo do jeito que você é agora. E também te amo do
jeito que você era antes. Eu te amo. Aiden, eu... — ele solta
um longo suspiro e, em seguida, uma risada que parece mais
dolorida do que feliz. — Aiden, eu te amo de todos os jeitos.
Meu coração acelera, meu estômago salta. Todo tipo de
hormônio da felicidade está correndo por mim e quero ter
suas palavras tatuadas em meu peito.
Eu te amo de todos os jeitos
— Eu também te amo de todos os jeitos, — eu
suspiro. — Passar essas últimas semanas com você nos
lugares que pensei que queria acima de qualquer coisa me
mostrou o que quero de verdade. Sou tão abençoado por você
ter vindo comigo, porque se não tivesse... — É minha vez de
dar uma risada curta agora, embora não seja de dor como a
dele. Por que seria? Estou na frente de minha Nova
Jerusalém, ao alcance de meu amado. — Se você não
tivesse... se eu tivesse vindo para cá sozinho e tudo o que
tivesse para guiar minhas decisões fosse o mar, o cemitério e
a cerveja, então, no final, poderia ter decidido viver aqui.
Posso sentir a respiração longa que ele dá depois que
digo isso. Presumo que seja porque ele está aliviado, porque
está impressionado com o quanto sou romântico. Mas quero

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


ter certeza, porque por mais animado que eu esteja, por
mais certo que esteja, aprendi nos últimos cinco anos que
ouvir é a mais importante tarefa que uma pessoa pode fazer.
— Está... está tudo bem para você? — Pergunto, levando
sua mão à minha boca e beijando seus dedos.
— Eu te amo de todos os jeitos, — ele repete, e de
repente é meu rosto em suas mãos, eu que sou virado e
pressionado contra a parede. Ele está me beijando tão
intensamente, tão plenamente, que sinto na minha barriga e
na minha virilha. Ele pode muito bem estar lambendo meu
umbigo. Pode muito bem estar passando sua língua ao longo
do meu pau. Pode muito bem ter dois dedos dentro de mim,
acariciando lugares que nunca viram a luz.
Meu quadril rola sem pensar contra o dele e ele não
parece estar com disposição para nos negar nada, não hoje,
porque em vez de apenas levantar meu hábito como fazemos
sempre, ele se afasta e com reverência, tira meu escapulário
pela minha cabeça. Ele o dobra e o coloca na grama, e então
vai para o meu cinto de couro, desamarrando-o devagar e
tirando-o. Ele o enrola em uma volta em torno de sua mão
larga antes de colocá-lo em um círculo perfeito em cima do
escapulário.
Finalmente vem meu hábito, que ele o abre da garganta
ao esterno, seus olhos acompanhando enquanto faz isso. O
pedaço de peito peludo que está exposto o deixa respirando
com mais dificuldade, mais rápido, mas ele não se
apressa. Não se apressa em puxar meu hábito pela cabeça ou
dobrá-lo. Não se apressa se ajoelhando para desamarrar

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


minhas botas e tirar minhas meias. Não se apressa em
empurrar minha cueca para baixo em meu quadril até
minhas coxas e, em seguida, tirá-la completamente.
Logo, estou totalmente nu, totalmente exposto. Embora
o dia esteja nublado, está quente o suficiente para não ser
desagradável, e as paredes da cabana abandonada protegem
do vento. Não que isso importe, talvez. Já estou inteiro
arrepiado, meus mamilos já estão tensos sob seu olhar.
Ele passa uma mão trêmula pelo meu quadril e sobe
pelo músculo sólido da minha barriga até o meu peito, e ali
ele pressiona a palma da mão sobre o músculo escondido
atrás das minhas costelas. O músculo que bate tão selvagem
por ele.
— Viu? — Eu sussurro. — Ainda estou usando aquele
segundo escapulário. Ainda estou usando você aonde quer
que eu vá.
Ele estremece respira fundo e, em seguida, me coloca de
joelhos na frente dele, abrindo o zíper de sua calça. Segura a
parte de trás da minha cabeça com uma mão e libera seu pau
com a outra, guiando seu órgão inchado em minha boca. — É
tão bom, — ele murmura enquanto eu selo meus lábios ao
redor dele. — Como pode ser tão bom ainda? Tão bom quanto
a primeira vez que você me chupou?
Eu faço um barulho de mm quando me lembro. Nossa
primeira noite – o baile. Olhares roubados pelo saguão do
lugar, pela floresta de milionários bebericando e doadores
socializando-se. Fiquei chocado de como ele ficava sexy de
smoking, uma taça de champanhe pendurada em seus dedos

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


enquanto ele percorria o espaço, certificando-se de que tudo
estava indo de acordo com o plano. E de repente, anos de
luxúria e adoração a distância se cristalizaram em uma
lâmina.
E aquela lâmina cortou tudo.
Você está incrível esta noite. O que vai fazer depois
daqui?
Aiden, você está flertando comigo?
Ele tinha alguns minutos; um lugar onde poderíamos
“conversar”, e eu ainda não sei como nós dois sabíamos que
não iríamos para o auditório vazio da ópera para conversar,
mas sim, nós sabíamos. No minuto em que a porta se fechou
atrás de nós, estávamos nos beijando, beijando, e então ele
levou seus dedos à minha boca e os empurrou para
dentro. Seus olhos escureceram enquanto ele me observava
chupá-los.
Eu não deveria estar fazendo isso com o irmão mais novo
do meu melhor amigo...
É só brincadeira, assegurei a ele.
Gosta de um jogo?
Estendi a mão para o botão do paletó do smoking dele,
abrindo-o. Bem, eu gosto de jogos. Você gosta?
Eu gosto. Tenho uma ideia para um agora, na verdade,
ele disse, sua mão deslizando pela camisa do smoking que
cobria meu peito. E se eu for o melhor amigo do seu irmão
mais velho, e uma noite nos encontrarmos em um baile de
gala, e então eu e você decidirmos fazer um ao outro se sentir
bem?

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Eu senti o quanto ele já estava se sentindo bem. E
mesmo que eu nunca tivesse feito aquilo antes, estava com
tanto tesão que fui corajoso porque a sorte favorece os
ousados e tudo mais, e caí de joelhos na frente dele.
Gostei desse e se, sussurrei, pouco antes de alcançar o
botão da calça de seu smoking.
E ele está certo - mesmo agora, anos depois, com tantos
jogos jogados entre nós - ainda é tão bom. Provando-o,
sentindo os contornos rígidos dele com minha língua
enquanto eu chupo, ainda parece novo - mas melhor do que
novo, porque é como voltar para casa também.
Elijah tira sua camiseta, expondo uma vasta área de
músculos esguios, e então me segura em seu pau enquanto
puxa sua calça jeans e cueca boxer para baixo. É só quando
ele tira os sapatos que me solta, e então, assim que seus
sapatos estão fora, ele se abaixa para lamber dentro da
minha boca, para enfiar as mãos pelo meu cabelo e passar os
dedos pela minha barba curta.
Com o mesmo tipo de reverência implacável que tem
desde que começou a me despir, Elijah me empurra de costas
na grama fria, pegando sua bolsa de couro e colocando-a
perto enquanto se ajoelha entre minhas coxas.
Meu pau dói além de qualquer coisa, quente contra o ar
e escorrendo pré-sêmen por toda a minha barriga nua, e ele
faz uma carícia carinhosa enquanto se esfrega para cima e
para baixo em meu corpo com aquele olhar ardente. — Quero
me lembrar de você assim para sempre, — ele murmura, já
com a mão livre dentro da bolsa, procurando o que precisa.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Eu rio dele - embora a risada se transforme em um
gemido quando ele me acaricia de novo. — Você poderá me
ver assim para sempre, — eu digo, meu quadril se levantando
para perseguir seu toque. E então surge uma pequena maré
de insegurança. — Se você quiser. O para sempre, quero
dizer.
Ele me olha como se eu fosse o pior aluno da classe. —
Não há nada que eu queira mais, — ele diz, e talvez haja um
pouco de peso em sua voz quando diz isso, mas talvez não
haja, e além disso ele está fazendo aquela coisa de rasgar um
pacote de preservativos com os dentes, e estou
distraído. Estou distraído enquanto ele lambuza minha
entrada com lubrificante e lentamente me abre para ele,
estou distraído enquanto ele pressiona sua ereção grossa nos
músculos que acabou de dedilhar para dar uma flexibilidade
acolhedora, estou distraído quando ele me invade e rouba a
respiração do meu corpo.
Deveria ser um de nossos jogos adoráveis e imundos
agora. Ao ar livre, onde alguém poderia nos
encontrar. Lembranças de nossa primeira noite girando em
nossas mentes.
Mas não é um jogo, e há algo tão docemente íntimo em
toda a nossa pele nua deslizando juntas, sobre os pelos em
suas coxas esfregando contra os meus. Sobre o jeito como
seus olhos ardem por todo o meu corpo, como se ele
realmente estivesse tentando gravar na memória como estou
agora.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


E não é a emoção de talvez ser pego que invade a minha
mente enquanto Elijah me penetra profundamente. São os
trovões do oceano e o sussurro brincalhão do vento nos
cantos de nosso refúgio, são as nuvens prateadas e a grama
macia e os cantos longínquos das aves marinhas. A maneira
como toda a criação de Deus parece pressionada neste
momento, como uma flor entre as páginas de um livro.
— Aiden, — Elijah murmura enquanto eu me arqueio
entre nós, envolvendo minhas pernas ao redor de seu
quadril. Ele se inclina para me beijar, sua língua em um
ritmo lento e explorador, assim como seu quadril, e então
sinto o aperto se espalhando por mim, não apenas na minha
barriga e virilha, mas no meu peito e dedos dos pés e lábios
também enquanto ofego seu nome.
— Aiden, — ele murmura de novo, como se meu nome
fosse mais do que meu nome, como se meu nome fosse
seu selah, destinado a pontuar suas orações. Eu me contorço
embaixo dele, enquanto minhas pernas se apertam ao redor
dele, e seus beijos se tornam suaves, calmantes. — Eu sei, —
ele diz. — Eu sei. Estou aqui.
E acontece como uma chama queima um pavio -
brilhante e rápido e elevando-se em uma língua de fogo
encorpada que quer nada mais do que consumir. Meu pau
está preso entre nossas barrigas e se masturba no compasso
dos impulsos rasgando meu corpo por dentro, e eu grito
contra os lábios de Elijah quando meu sêmen jorra quente
entre nós, cobrindo nossos torsos e criando um deslizamento
escorregadia e com pressão que impulsiona meu orgasmo

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


sem parar, meu corpo inteiro um ser de fogo alegre e chamas
dançantes.
Elijah me segue - uma respiração rápida como se de
repente ele tivesse caído de uma grande altura, e então sinto
suas fortes pulsações dentro do meu corpo, sua testa caindo
para encostar na minha enquanto ele usa o aperto do meu
corpo para desfrutar o final do seu orgasmo.
E então, gradualmente, nós dois paramos, braços e
pernas entrelaçados, sua respiração pesada e trêmula em
meus lábios.
Lá fora, o oceano continua agitado e retumbando sem
parar, as nuvens continuam a engrossar, os pássaros
continuam a cantar.
Elijah move a cabeça para olhar para o relógio.
— Ainda temos tempo, — diz ele, levantando-se para
cuidar das necessidades habituais e, em seguida, envolvendo-
se de volta sobre o meu corpo. — E se esgotarmos cada
minuto antes de voltamos?
— E se eu dissesse não, Sherlock?
Ele ri, beijando meu nariz enquanto desliza as mãos sob
meus ombros e, em seguida, deixa seus lábios cair na minha
garganta e, em seguida, no meu peito, beijando o lugar acima
do meu coração onde sua mão estava antes. E tudo o que
posso fazer é sorrir para o céu irlandês enquanto sua mão
substitui seus lábios e seus lábios vagam mais e mais para
baixo até reacender a chama.
Coloque-me como um selo sobre o seu coração, diz o
Cântico dos Cânticos. Pois o amor é forte como a morte.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Suas flechas são flechas de fogo, chamas do divino.
E eu queimo com essas chamas por cada minuto que
nos é permitido.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


50

Posso ser perdoado, acho, pela minha alegria. Até pela


minha empolgação, embora eu saiba que faço um bom
trabalho controlando-a quando voltarmos para St.
Columba. Não pretendo entrar e anunciar que não serei mais
um monge antes de partir com Elijah por cima do ombro
como uma princesa sequestrada. Não, devo ao Abade Jerome
não causar um escândalo já que ele está pagando essa
viagem. E devo essa conversa a ele dentro de uma estrutura
de respeito e decoro - ou tanto decoro quanto posso reunir,
dadas as circunstâncias.
Mas ainda parece impossível não segurar a mão de
Elijah, não olhar para ele com ternura, não o seguir em todos
os lugares pelo resto do dia, mesmo quando ele vai para sua
cela para trabalhar. E durante as orações, só quero puxá-lo
para o meu colo e beijar seu pescoço enquanto ele canta,
quero estar dentro dele enquanto oramos.
Eu não faço nada disso, é claro, e consigo lhe dar um
aceno de boa noite muito casual após as Completas, embora
ele esteja conversando com o padre Finbarr e acho que
poderia me envolver na conversa deles e, portanto, conseguir
passar alguns momentos a mais com Elijah antes que a
incômoda hora da noite venha para nos separar.
Mas não, eu me comporto, lembrando-me que as Vigílias
virão mais cedo do que penso, e poderei passar outra manhã
com meu amado, meu Elijah. É engraçado - quando eu
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
estava inteiramente comprometido em ser um monge, até
mesmo ver Elijah por trinta minutos em um claustro era
insuportável. E quando pensei que esse interlúdio terminaria
no sábado, consegui me manter sob controle. Mas agora que
sei que temos o para sempre? Que o para sempre é nosso
assim que eu voltar ao Monte Sergius para avisar meu monge
com duas semanas de antecedência?
Agora, cada momento longe um do outro parece uma
tortura.
Mas consigo dormir, tendo sonhos mais do que doces,
acordando com o brilho da manhã que vem tão cedo nesta
latitude. Rapidamente me lavo e me preparo para o dia,
sorrindo de volta para a porta fechada de Elijah. Mal espero
chegar a hora depois do café.
Exceto que Elijah não está no café.
Procuro no refeitório enquanto mastigo com pressa
alguns ovos e torradas, tentando não entrar em pânico. Não
há realmente um horário definido para o café da manhã aqui,
então é possível que ele esteja dormindo ou trabalhando, e às
vezes as pessoas esquecem coisas, até mesmo coisas tão
importantes como o café da manhã. Inferno, eu nem mesmo
vi o padre Finbarr ainda.
Mas, por mais que tenha me empenhado para aumentar
minha paciência nestes últimos anos, mal duraria quinze
minutos antes de lavar meus pratos e voltar para o
dormitório para encontrar Elijah. Vou acordá-lo se for
preciso, vou arrancá-lo do trabalho, mas preciso dele, mesmo
que seja apenas para uma curta caminhada até o cemitério,

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


mesmo que seja apenas para ouvi-lo refletir se os transeptos
da igreja foram reconstruídos ou se alguém já fez um podcast
de história aqui.
Mas quando chego à sua porta, ela já está aberta.
Aberta para o quarto vazio.
Há uma sensação muito ruim dentro de mim - não como
se meu coração ou meu estômago se apertasse, mas como se
meu corpo inteiro afundasse. Como se meu corpo inteiro
estivesse afundando no chão, direto para pedra fria e ainda
mais abaixo.
De novo não, penso entorpecido, olhando para o quarto
vazio e lembrando daquele no Monte Sergius. Do dia
exatamente como este em que Elijah me deixou sem se
despedir.
De novo não.
Um irmão que só conheci de passagem se junta a mim
na porta. — Me disseram que seu amigo foi com o padre
Finbarr para Galway hoje, — diz o monge alegremente. Ele
passa por mim para entrar no quarto, onde começa a limpar
a cama com dedicação. — Espero que o padre Finbarr pare
no caminho para mostrar-lhe alguns pontos turísticos. Não
adianta vir para este fim de mundo se não vai aproveitar ao
máximo!
Tudo parece adorável e sábio no sotaque irlandês desse
monge, mas não registro quase nada. Estou muito
entorpecido.
— Com licença, — murmuro. — Acabei de me lembrar
de uma coisa.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Não ouço o que ele responde, mas não faz diferença, já
estou caminhando o mais rápido que posso para o meu
quarto, fechando a porta e encostando-me nela enquanto luto
para respirar, enquanto luto para não chorar.
Elijah poderia ter ido a Galway por qualquer coisa. Pode
estar planejando voltar. E daí que seu quarto está sendo
despojado, limpo, presumivelmente preparado para o próximo
hóspede? Isso não significa que não vai voltar para cá...
Mas acho que sei a verdade antes mesmo de abrir os
olhos ardendo para ver a carta em meu travesseiro. Antes de
abrir e desdobrar e ler as palavras escritas ali.
Foi arrancada das páginas de um pequeno caderno e
escrito com caneta Sharpie. A letra é clara, precisa, não
parece nada como se tivesse sido escrita às pressas. O que
significa que provavelmente foi escrita ontem à noite.
Aiden, começa.
Eu debati se deveria ou não sair sem me despedir. Até
rezei por isso. É irônico que passei tantos anos sofrendo pela
maneira como você partiu sem uma explicação adequada e,
no entanto, aqui estou eu, deixando-o pela segunda vez sem
lhe dar uma. Se eu não tivesse entendido depois que você me
contou sua história, acho que entenderia ainda melhor agora
que eu mesmo me deparo com a mesma escolha.
Exceto que vou lhe dar uma explicação - ou pelo menos
a melhor que posso, dadas as circunstâncias.
Minha explicação é também uma confissão: toda vez que
fui até você, desde o momento em que lhe contei do meu
noivado até o momento em que embarquei num avião para

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Luxemburgo, eu tinha dúvidas. Não as dúvidas saudáveis,
emocionalmente amplas, mas sim cínicas, duras, limitantes e
mordazes. De certa forma, foi a dúvida que me fez voltar,
quase tanto quanto o desejo de estar perto de você. É uma
coisa feia de se admitir, mas é isso. Tenho pressionado meus
dedos em suas feridas uma e outra vez, porque acreditar
parecia impossível. Como poderia o Aiden que conheci e amei
ser este mesmo homem que canta salmos e escuta
atentamente cada palavra que todos falam ao seu redor?
Como poderia este ex-milionário que raramente usava duas
vezes o mesmo terno ficar quase nu em um campo de lavanda
e sorrir para mim com os músculos doloridos e pétalas
coladas à sua pele suada como se nunca tivesse sido mais
feliz?
Como pode ser o mesmo você? O você que eu conhecia?
E como isso poderia ser o trabalho da mesma Igreja
sobre a qual tenho sentimentos tão complicados? A Igreja em
sua forma mais esotérica, mais privilegiada e mais exclusiva?
Mas até Tomé acabou acreditando, e agora eu também.
Levou semanas lutando contra isso, semanas voltando,
partindo e voltando de novo. Levou-me a rios e montanhas
estranhos e, finalmente, à extremidade do mundo com você,
onde não há nada além de vento, sal e sepulturas tão antigas
que têm mais sepulturas em cima delas. Foi preciso mais do
que observar - acho que se eu tivesse apenas observado,
nunca teria entendido. Foi preciso rezar as orações com você,
passar os dias entre o trabalho do mundo e o trabalho do
espírito, afastando minha vida dos bipes, pop-ups, prazos a

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


cumprir e opiniões impopulares. Enclausuramento. Isso é o
que foi preciso. Eu me enclausurei com você.
E entendi.
Eu entendo.
Eu entendo por que você veio, por que ficou e por que
viu um futuro para si mesmo. E é por esse motivo que não
posso tirar isso de você.
Nunca vou me arrepender de passar esses dias com você
- na verdade, acho que não sou capaz de fazer isso. Uma hora
com você é como a plenitude de anos em qualquer outro
lugar, e talvez valesse a pena viver uma vida inteira só para
ter essas horas sozinho. É por isso que não posso manchá-las
dessa maneira – tendo-as como a razão de você deixar uma
vida que lhe deu a si mesmo e lhe deu seu deus.
Eu te amo demais para fazer isso, e me amo demais
para fazer isso, porque o que falei no eremitério ainda é
verdade, Aiden. Não posso competir com vagalumes no
claustro.
Por favor, não me faça tentar.
Queria contar tudo isso pessoalmente, mas escolhi não
por dois motivos. O primeiro é que, se estou partindo para
que você ainda possa fazer parte dessa viagem - dessa
peregrinação - por si mesmo, não faz sentido começar uma
discussão que sei que vai durar dias e aniquilará seu tempo
aqui.
O segundo motivo é que não queria que você sentisse
que precisava me provar que realmente deseja deixar a Igreja
fazendo algo irreversível e precipitado. Você não precisa me

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


provar isso Aiden, eu sei que você abandonaria tudo. Sei que
você pularia de um penhasco ou nadaria na água da gruta se
eu pedisse, então não preciso de provas. Tudo o que preciso,
tudo que sempre vou precisar, é que você continue vivendo
esta vida que significa muito para você. Continuar como se
eu nunca tivesse batido na porta do seu claustro, exigindo
enfiar meus dedos em cada ferida sua. Preciso saber que você
está cheio de toda a alegria e tranquilidade que conquistou ao
longo dos anos; que está vivendo como um santo. Talvez isso
signifique que há esperança de que o restante de nós também
nos tornemos santos, à nossa maneira.
Adeus, irmão Patrick.
Eu te amo desse jeito que você é. Eu te amo do jeito que
você era.
Eu te amo de todos os jeitos.

— E LIJAH

De alguma forma, encontrei meu caminho até o


penhasco, a carta dele agarrada em minha mão e meu
breviário deixado na minha cela. A carta dele é agora meu
breviário, minhas pequenas horas. E entre a leitura das
palavras uma e outra vez, lembro com infelicidade a maneira
como ele se esquivou de minhas perguntas ontem com tanta
destreza que nem percebi.
Está tudo bem para você?

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Eu te amo de todos os jeitos.
Elijah estava errado sobre uma coisa. Afinal, não sou
um bom ouvinte.
O vento está forte hoje e nuvens pesadas trazem consigo
respingos de chuvisco, mas não dou importância. Sento-me
curvado na grama, olhando para o ponto onde o céu cinzento
encontra o mar cinzento, a carta de Elijah balançando em
minha mão, minha mente tão exposta e tempestuosa quanto
a paisagem ao meu redor. Engraçado como eu queria uma
abadia que me esvaziasse, uma geografia que arrancasse
tudo o que não fosse o meu amor por Deus, e aqui
estou. Completamente vazio. Oco - um cálice sem vinho. Uma
custódia sem hospedeiro.
Até minhas lágrimas parecem vazias, expulsas de meus
olhos pela biologia e pouco mais, porque o que estou sentindo
está muito além do alcance das lágrimas, muito além do que
meu corpo pode conter para mim.
Só Deus pode segurá-lo.
Levanto meus olhos para as colinas.
Mas não há colinas na minha frente agora. Desta
direção, só consigo ver o mar.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


51

Meus últimos dois dias em St. Columba são preenchidos


pela chuva e pelo silêncio que parece que afundou na minha
medula óssea e fez morada lá.
Não consigo falar, mesmo quando o silêncio não é
necessário, e não tenho vontade de falar. Não existe nenhuma
palavra que eu possa produzir, nenhum som que possa
proferir, que dê uma forma adequada ao que sinto por
dentro. O que é elementar, o que é tectônico. Tenho a
sensação de que, se falar, vou gritar e, se gritar, nunca vou
parar.
Tenho praticado a escuta e o silêncio por tanto tempo -
tempo suficiente para que se torne fácil, natural e
agradável. Mas é a primeira vez que isso é necessário.
Mas consigo rezar. Não me sinto apaziguado ou
elucidado por isso ou algo parecido, mas ainda assim eu
rezo. A liturgia - os salmos, os hinos, a Eucaristia da manhã
antes do café da manhã - é o recipiente que pode conter
qualquer coisa, o verdadeiro Santo Graal. Nela posso
derramar fúria, desespero e uma solidão tão penetrante que
corta os ossos sem nenhum esforço, e a liturgia segura
tudo. Ele segura tudo sem esforço.
Não me pede para contextualizar, extrapolar ou analisar.
Não me pede para localizar precisamente meus sentimentos e
localizar com precisamente meus limites e quais limites
outras pessoas podem ter comigo.
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
Tudo o que a liturgia pede é que eu me levante, me
sente e me ajoelhe. Que eu cante as palavras já
impressas. Tudo o que a liturgia pede, essencialmente, é que
eu apareça e respire.
E agora, isso é tudo o que posso fazer.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


PARTE 5

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


KANSAS DE NOVO

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


52

Há benefícios em viajar com vestes de monge, e um


deles é que ninguém se incomoda com meu silêncio enquanto
devolvo o carro alugado e faço o check-in para meu
voo. Ainda tenho um pouco do meu orçamento de viagens e
vou até a livraria do aeroporto, onde faço um alarde
desnecessário com as duas edições da Mode que estão na
banca. Vou para o bar do aeroporto, onde não vejo um, mas
dois padres, e então o barman me serve uma cerveja
Smithwick's por conta da casa com um sorriso e um aceno de
cabeça.
Eu retribuo com um sorriso e depois, felizmente, o bom
homem me deixa para stalkear em paz o trabalho do meu ex-
namorado.
Ambas as edições têm artigos de Elijah - um sobre um
ex-astro de boyband que foi escalado para um filme de Natal
estilo Hallmark, outro sobre um cientista do MIT expondo
preconceitos em algoritmos de computador - ambos são tão
perspicazes e tão secamente engraçados que posso ouvir sua
voz por trás das palavras. É o tipo de dor que eu poderia
continuar sentindo pelo resto da minha vida.
O resto das revistas mostra-me um mundo que já foi
familiar e agora é totalmente estranho - o Egito de onde vim,
como diz o Velho Testamento. Roupas, sapatos e relógios
caros. Retrospectivas de música e resenhas de filmes. Um
mundo de estilo e sofisticação, e se eu já havia me sentido
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
não muito inteligente ou muito superficial no mundo de
Elijah antes de me tornar um monge, com certeza me sinto
assim agora. Eu uso túnicas em vez de gola rolê e a mais
nova canção na abadia é “Aqui estou, Senhor”, e nem sei o
que é a renascença das joias masculinas, muito menos se é
ou não é uma boa combinação para a maioria dos eventos
casuais ou não.
Uma dúvida lenta se insinua com a dor muda, e cresce
como ervas daninhas ao redor dos meus pés enquanto
embarco no avião, a edição da Mode no meu colo em vez da
minha Bíblia ou Summa Theologiae.
Pode ser... pode ser que nunca tenha sido para
acontecer, eu e ele. Pode ser que ele soubesse disso. Pode ser
que ele soubesse que eu nunca me encaixaria em sua vida
porque mal me encaixava nela antes. Não como Jamie deve
ter se encaixado. Merda.
Sobre o oceano, reli sua carta outra vez. Eu a reli tantas
vezes que já decorei. E por mais que finja que isto é sobre eu
não ser sofisticado ou não me encaixar na vida dele, não
posso ignorar o que ele tão claramente me disse. Um apelo
que não pode ser ignorado independentemente das
estratégias ou contingências em que penso.
Não posso competir com vagalumes no claustro.
Por favor, não me faça tentar.
E aí está. Se eu o encontrar assim que meu avião
pousar, se eu esperar uma semana, se esperar um ano - será
sempre o mesmo problema, não será? Ele sempre sentirá que
meu ex-namorado está ali também, e quando um ex-

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


namorado é Deus, isso é um problema. Nunca houve amante
mais cativante do que o carpinteiro da Galileia.
Elijah sempre se preocupará em medir o que abandonei,
porque terei deixado por ele, e ele vai se preocupar comigo me
arrependendo da escolha que fiz, e talvez até se preocupe se
vou voltar. Ele temerá que o laço da história entre nós seja
muito forte, muito pré-ordenado mesmo, e que eu busque
mais uma vez o silêncio do claustro.
Este é o cerne do problema: se eu abandonar a vida
monástica, então estou lhe pedindo que confie que não o farei
competir com o infinito literal, que confie que estou deixando
essa vida porque quero.
Mas... se não fosse por ele, eu não abandonaria essa
vida.
E essa é a verdade inegável.

— Você não precisa me contar se não quiser, — diz o


irmão Connor, fazendo uma reverência no início de um kata
antes de iniciar sua saudação. A sombra do carvalho do
cemitério se espalha sobre nós dois, mas o final da tarde está
quente e estou inquieto e suado sob minhas vestes. — Mas já
se passou uma semana e você não falou com ninguém. Fui
formalmente solicitado a dar-lhe um cutucão informal sobre
isso. Sem pressão.
Faço um barulho de entendimento, observando-o
abaixar sem esforço em suas posições, seus passos seguros,

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


seus movimentos impecáveis. Ele me disse uma vez que
começou o caratê ainda jovem, com vinte e poucos anos, o
que significa que tem feito esses mesmos movimentos por
mais de quarenta anos, e é incrível de se ver. Calmante. Não
há movimento desperdiçado, nem luta. Mesmo passos em
falso ou erros são imediatamente incorporados ao fluxo,
engolidos de volta ao movimento. Sei disso porque ele me
falou - eu nunca seria capaz de detectar um erro em seus
katas, mesmo se soubesse como deveriam ser, porque
suspeito que os erros são tão graciosos quanto a precisão.
— Quando fui para a Europa, — ouço-me dizer, —
queria um lugar onde meu passado pudesse ser queimado. E
sinto que fui eu quem se queimou em vez disso.
O irmão Connor não para de se mover, mas inclina a
cabeça na minha direção enquanto ataca para mostrar que
está ouvindo.
— Tive tanta certeza, — prossigo, descobrindo que é
bom falar sobre isso, como se estivesse arejando a ferida. —
Eu tinha tanta certeza de que provaria que o abade estava
errado, que Deus não estava me pedindo para reconsiderar
minha vocação de monge. Sabia exatamente o que queria, e
era esta vida, mas mais disso. Mais dura, mais rígida, mais
silenciosa. Porque mais dessas coisas seria igual a mais de
Deus, certo? Quanto mais eu me esvaziava, mais dele eu
podia guardar.
Olho para o meu colo. Estou sentado de pernas
cruzadas e meu escapulário se enrugou em um monte de

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


tecido. Lembro da maneira cuidadosa com que Elijah o
dobrou no chalé irlandês depois de me despir.
— Mas não foi assim, — digo finalmente.
Ainda não confessei os detalhes da viagem a ninguém -
não porque estou tentando esconder meus pecados, mas
porque sinto muita falta deles para falar em voz alta. Mas
acho que o abade e o irmão Connor já adivinharam.
— O que aconteceu foi que eu amava a Deus e amava
Elijah ao mesmo tempo, e me sentia mais pleno de cada um
quanto mais os amava. Na França, eu... — Fecho meus olhos
e penso em como é a sensação de passar da oração para o
sexo e vice-versa. De adoração em adoração. — Eu tinha os
dois. Deus e ele. E me senti melhor do que qualquer coisa.
Abro os olhos para ver que o irmão Connor está me
observando com gentileza enquanto começa outro kata.
— Eu teria abandonado tudo por ele, — digo
lentamente, as palavras saindo mais suaves do que eu
pretendia. — Eu me ofereci para ir com ele. Ele recusou.
— Mas não porque ele não te ame, — diz o irmão
Connor.
— Pior. Porque ele me ama. E porque sabe que eu amo
esta vida.
— E você ama?
Olho atentamente para o monge mais velho e ele me dá
um sorriso antes de se abaixar com uma série de golpes de
mão. — Não estou duvidando de você, irmão Patrick, nem de
sua devoção a Deus. Mas é possível que você ame esta vida

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


porque é a mais próxima que encontrou daquela que
realmente precisa?
— Eu não... — Balanço minha cabeça. — Não procuro
um caminho único. Estou procurando o certo.
O irmão Connor termina e caminha até mim, abaixando-
se com graça no chão e começando a se alongar. Ele não está
nem sem fôlego. — É difícil ver agora, porque já virou
rotineiro, mas isto? — O irmão Connor aponta para o terreno
da abadia, que a esta hora está apinhado de monges com
túnicas, estudantes de agricultura e visitantes. — Isso já foi
quase desconhecido. Estranho. As raízes de nossa história
são extremistas, procuradas por pessoas que buscam
continuamente o caminho certo, o melhor. Por que mais os
cistercienses sentiram a necessidade de reforma, e em
seguida os trapistas? Por que existem ordens ativas, ordens
contemplativas, ruínas de mosteiros descascando pedaços de
gesso úmido enquanto fundações para novos estão
jorrando? E se for assim dentro de nossa esfera, você pode
imaginar quantas maneiras deve haver fora dela?
— Muitos portões, — murmuro. Foi o que eu disse a
Elijah quando estava lhe contando a história daquela
noite. Que existem muitos portões, mas foi esse que escolhi.
— Muitos portões, — repete o irmão Connor. Ele faz um
punho com a mão direita e depois o traz contra a palma
esquerda. Um dos gestos de abertura de suas saudações. Ele
olha para suas mãos. — Muitas vezes penso que se eu tivesse
mantido minha escola, se minha vida fosse a vida de artes
marciais, provavelmente seria a mesma alma que sou

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


hoje. Prática é prática, sejam salmos ou posturas. Existem
muitos portões, como você diz. Muitos caminhos para o poço.
Terminado o alongamento, ele se levanta e encontra o
hábito para vestir sobre a camiseta e a velha calça de
quimono que está usando.
— Você se arrepende? — Pergunto depois de um
minuto. — Ter deixado a escola? Ter deixado a pessoa que
você amava?
O irmão Connor me lança um olhar gentil. — Se eu não
sentisse falta da minha antiga vida, a escolha de vir aqui
dificilmente teria qualquer significado, não é? Mas o
arrependimento é apenas parte da equação - uma equação
tão longa e tão complicada que nunca deixará de ser escrita
enquanto você estiver vivo. É infrutífero reduzir tudo a uma
categoria de arrependimento ou não arrependimento - às
vezes, as melhores e mais criativas decisões que tomamos
guardam para sempre sementes de arrependimento. Às vezes,
a nossa felicidade mais profunda começa com
arrependimento, crescendo sobre ela como uma pérola cresce
sobre a areia.
Eu penso sobre isso por um minuto, preso entre dois
arrependimentos, por assim dizer.
— Estou preocupado que, se eu for até ele, ele ainda não
me aceitará, — digo. — E se eu ficar, meu espírito sempre
terá fome dele de qualquer maneira.
O irmão Connor se abaixa para tocar meu ombro. —
Muitos caminhos para chegar ao poço, irmão Patrick, — ele
repete. — E aqui você só citou dois.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


É tão parecido com o que Padre Jordan me disse na
França - tão perto de sua busca por algo além do binário
votos e sem votos - que os pelos de meus braços se
arrepiam. É como se eu estivesse ouvindo um versículo
bíblico que nunca tinha ouvido antes, algo tão indelevelmente
verdadeiro que não há como negar.
Mas quando tento conectar essa verdade a qualquer
outra coisa - ao meu coração partido, ao meu futuro, a ficar
ou partir - nada acontece. É como se houvesse uma parede
entre eu e saber o que fazer a seguir.
— Vamos, — diz o irmão Connor, oferecendo-me a mão
enquanto os sinos tocam para as vésperas. — O poço vai
esperar.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


53

Três semanas depois, fiz minhas confissões. Mas o


abade ainda não pediu para se encontrar comigo, o que seria
típico de um monge que se comportou mal como eu.
Acho que não temo o encontro como temeria antes da
minha viagem. Em parte, porque o abade parece ser tão
amável e afetuoso comigo como sempre e fala comigo com
frequência quando retomo minhas funções no escritório. (Ele
é especialmente afetuoso depois que faço um relatório sobre
minha espionagem cervejeira e digo a ele como a operação do
Monte Sergius é robusta em comparação com as abadias que
visitei.)
Mas também não temo porque tudo parece
inconsequente em comparação com a moagem e a mudança
dentro da minha alma. Sinto-me triturado entre duas pedras
de moinho, que estão me transformando em uma pasta
úmida e polpuda. Em átomos. Em nada.
Não posso competir com vagalumes no claustro. Por favor,
não me faça tentar.
Mas por que não posso ter os dois, os vagalumes e o
jornalista fofo? Por que competir é o único verbo possível?
E por que ele não ligou? Ou escreveu? Ou visitou?
Por que devo ser reduzido a nada sozinho?
— Irmão Paaaaatrick, — chama o irmão Titus da porta
do meu escritório naquela manhã. — Você tem um visitante!
— Ele faz uma voz conspiratória. — E ele é bonito.
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
Elijah.
Não tenho a presença de espírito de lhe dar um olhar
reprovador. Todo o meu ser salta para uma vida titubeante de
excitação - alegria - luxúria. Mas então o pavor também vem
se esgueirando em minhas veias.
Enquanto me levanto e sigo o irmão Titus até o claustro,
meus pensamentos se aglomeram em minha mente mais
rápido do que em dias, alimentados pelo pânico e pelo desejo.
Certo, fique quieto, fique calmo, eu me repreendo
enquanto caminho. Seja um ouvinte melhor do que da última
vez. Mas convença-o de que o ama, de que deseja um futuro
juntos, de que você pode fazer isso...
Paro tão rápido na entrada do claustro que a bainha do
meu hábito balança em torno dos meus pés.
Não é Elijah.
Não é Elijah sentado no banco, com o braço nas costas e
a sobrancelha arqueada.
É Jamie. De todas as malditas pessoas. Com as costas
perfeitamente retas e as mãos ao redor de algum tipo de coisa
parecida com um Tupperware.
Não sei o que me força para a frente até o banco e me
faz sentar. Pode ser hospitalidade beneditina ou curiosidade
mórbida ou uma mistura de ambos, mas de alguma forma me
encontro sentado ao lado do ex-noivo de Elijah.
— Muffin? — Jamie oferece, segurando uma vasilha que
tenho certeza de que é feito de fibras de bambu ou algo
igualmente responsável. A vasilha está cheia de muffins de
aparência deliciosa. — Eu os fiz esta manhã.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Acho que seria indelicado dizer não, embora comer um
muffin que Jamie fez seja como comer a manifestação de
todas as maneiras pelas quais ele é uma pessoa melhor do
que eu. Eu pego o muffin e o seguro entre as pontas dos
dedos no meu colo.
— Jamie, é muito bom tê-lo aqui, — eu digo.
E eu acho... acho que não é totalmente uma
mentira. Ele é muito simpático e me trouxe muffins, embora
eu meio que tenha roubado seu noivo. — Mas estou
imaginando por que você quer me ver, depois de tudo o que
aconteceu.
— Fiquei na dúvida em vir, — admite Jamie,
empurrando seus óculos pela ponte de seu nariz. Eles têm
aquele tipo de armações do estilo “vagamente deselegante, o
que os torna ainda mais descolados”, e claro que ficam
ótimos nele. — Mas a única barreira real para vir era meu
orgulho, e isso parecia um motivo muito fraco no final do dia.
— O orgulho pode não ser o melhor motivo para fazer ou
não as coisas, mas dificilmente é fraco, — digo.
— Mesmo assim, eu sabia que me arrependeria de não
vir vê-lo e é melhor agir de uma maneira agora que não cause
arrependimento mais tarde
Isso é muito emocionalmente saudável e sábio, e é óbvio
que não é o jeito que já vivi. — Vou acreditar na sua palavra.
Ele ri, como se eu estivesse brincando. Forço um sorriso
de volta, mas enquanto Jamie recoloca cuidadosamente a
tampa de sua vasilha de muffins e se abaixa para colocá-la ao
lado de seus pés, penso no que o irmão Connor disse

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


algumas semanas atrás. Às vezes, a nossa felicidade mais
profunda começa com arrependimento.
Tenho estado em um padrão de espera nas últimas
semanas - não fazendo planos de partir para uma nova
abadia ou para uma vida secular. Apenas ficando aqui com
minha colina e meu riacho e deixando minha solidão se
expandir para preencher os corredores da igreja toda vez que
oramos. E embora Jamie tenha tomado uma decisão ativa - e
sem dúvida corajosa - ao me visitar aqui, talvez eu esteja
agindo mais como ele ultimamente do que imagino. Talvez eu
esteja tentando evitar o arrependimento mais do que
tentando alcançar o futuro certo.
Jamie se endireita e, quando o faz, tem algo na
mão. Uma revista grossa e brilhante. Mode.
— Eu não sabia se você tinha isso aqui, — diz ele, — ou
se alguém já enviou para você. Mas acho que deve ler essa
edição.
Ele me entrega a revista. A história de capa é um perfil
sobre um ator mais velho, mas do lado do rosto grisalho, mas
bonito do ator, eu vejo.
A CALMA ETERNA DOS MONGES : CERVEJA E ORAÇÃO EM

ALGUMAS DAS ABADIAS MAIS SOLITÁRIAS DO MUNDO

Já estou folheando as páginas para encontrar o artigo


de Elijah quando Jamie fala. — Pensei depois de ler quando
saiu esta semana... bem, dadas as circunstâncias de como
terminamos nosso noivado...
Eu paro de folhear e olho para o bibliotecário amigável.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Ele me olha com um olhar curioso, mas um pouco
cauteloso também. — Fiquei surpreso ao saber que vocês não
estão juntos, só isso.
Levo meus olhos para a revista, sentindo uma pontada
forte na parte de trás das minhas pálpebras. Não por falta de
tentativa, Jamie, quero dizer.
— O artigo... bem, acho que vai entender quando ler. —
Ele limpa a garganta. — Eu queria... isto é... ah, isso é
estranho de se dizer. Mas eu queria saber que não foi por
minha causa. Que você não estava se contendo com ele por
minha causa.
Não há treinamento de monge que possa interromper o
barulho incrédulo que faço. — Eu fui a causa do término de
seu noivado e você está aqui para checar meus
sentimentos? Jamie, eu celebro santos todos os dias, mas
você já considerou que talvez seja bom demais para uma
pessoa?
Ele ri. — Acho que não. — Mas então seu olhar fica
sério. — Espero que você não se culpe pelo que aconteceu
entre mim e Elijah.
— Eu não deveria?
Jamie balança a cabeça, seus olhos encarando a fonte
na nossa frente. — Para ser honesto, acho que sempre soube
que Elijah não se casaria comigo no final. Fui eu quem o
pressionou para morarmos juntos, para ficarmos noivos, para
marcarmos uma data. E apesar do que você possa pensar, ele
nunca te escondeu nem o que você aprontou quando partiu.
Eu recuo, mas Jamie ainda está olhando para a fonte.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Eu sabia que ele ainda estava apaixonado por você,
mas achei que era a maneira como sempre romantizamos
nosso passado, sabe? Que não era por você que ele ainda
estava apaixonado, mas por aquela versão de si mesmo e
daquela época da vida dele. Mas então, quando vim visitá-lo,
vi a maneira como ele olhou para você... — Jamie suspira. —
Eu soube que era mais do que a nostalgia. Portanto, não
fiquei surpreso quando ele voltou e me disse que vocês dois
haviam se beijado. Ainda doeu como o inferno, mas não fiquei
surpreso.
— Jamie, eu lamento, — digo, — e sei que não é o
suficiente, mas ainda lamento.
Ele olha para mim. — Obrigado por suas desculpas, —
ele diz uniformemente. — Não muda o fato de ter sido uma
coisa horrível de se passar.
— Eu sei.
Ele solta um suspiro. — O que quero dizer é que não
importa o quanto o amei - e não importa o quanto ele me
amou de volta, porque eu sei o que ele amava - seu coração
sempre esteve em outro lugar. Dentro do peito de outra
pessoa. Mesmo depois de todo esse tempo.
Engulo em seco enquanto olho para as minhas mãos e o
muffin perfeito aninhado entre elas. Sofro pela avaliação clara
de Jamie da verdade, e da dor que ela deve ter trazido
sabendo disso. Dói-me saber que durante todos os anos em
que lamentei meu coração traidor, Elijah tinha travado uma
batalha contra a mesma coisa.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Ambos tínhamos encontrado novas devoções e novos
amores, mas não tínhamos sido capazes de renunciar ao
antigo.
— Então você entende agora, — Jamie diz depois de um
minuto. — Pensei que quando ele terminasse as coisas, vocês
ficariam juntos. Mas então descubro por alguns amigos em
comum que isso não é verdade, e então ligo e fico sabendo
que você ainda está aqui, e penso comigo mesmo: qual é o
sentido de nós três sermos infelizes?
Isso é uma coisa triste. — Eu também não quero que
você seja infeliz, — digo a ele. — Mesmo que seja
agressivamente agradável e bonito e isso me faça sentir como
um gárgula.
Ele ri de novo. — Se você fosse mesmo um gárgula, teria
feito os últimos dois anos da minha vida muito mais fáceis.
— A menos que eu fosse um gárgula sexy. Tipo da série
Os Gárgulas.
Ele aperta os olhos para mim. — Isso não era um
desenho animado?
— Os desenhos animados não são sexys? —
Pergunto. — O Robin Hood mais gostoso é um desenho
animado, — acrescento.
— Ele também é uma raposa, — Jamie diz
desconfiado. — Sem contar que parece estranho sexualizar
um desenho animado.
— Você é muito puro, — digo a ele.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Acho que você é o verdadeiro puro, sendo um monge
e tudo, — ele diz, alcançando a vasilha de muffin em seus
pés.
Com toda a certeza, não sou o verdadeiro puro.
E de repente estou muito triste.
— Eu falei sério, — eu digo sem jeito. — Não quero que
esta seja uma situação em que o único resultado seja
infelicidade para você, não importa o quê.
Jamie me dá outro sorriso, mas junto com um olhar
franco. — O homem com quem eu queria me casar não
queria se casar comigo porque amava outra pessoa. Doeu, e
não posso mentir sobre isso. Mas vou ficar bem.
Olho para ele enquanto ele se levanta.
— Vai mesmo? — Pergunto, precisando saber. Quando
disse a Elijah que deixaria uma vida monástica por ele, não
estava pensando em Jamie. Mas agora estou pensando
nele. Não posso desfazer nada do que aconteceu, mas posso
estar ciente dele e do que ele perdeu e do que sentiu e ter
certeza de que ele está bem.
— Eu vou ficar bem, — ele reafirma. — Dói agora, mas
doeria muito mais daqui a três anos, quando isso nos
separaria de qualquer maneira. E para ser honesto? — Ele
acrescenta, entregando a vasilha de muffins para mim, que
pego. — Sou muito mais emocionalmente saudável do que
vocês dois. Vou ficar bem muito tempo antes de vocês.
Bem. Isso é justo.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Espero que você leia o artigo, irmão Patrick. E os
muffins são para todos os irmãos. Além disso, a vasilha não
pode ir para a máquina de lavar louça.
Claro que não.
Levanto-me para me despedir, fazendo uma pequena
reverência quando ele sai do claustro, e então me sento de
volta e coloco meu muffin e o recipiente de lado, pegando a
edição da Mode.
O artigo inteiro é bom o suficiente para me machucar
enquanto o leio. As imagens vívidas das florestas belgas. Os
campos de lavanda da Provença e os penhascos altos e
escuros de St. Columba. Posso praticamente sentir o gosto da
cerveja conforme ele a descreve, e todos os momentos
pessoais do artigo são além de agridoce de ler. Os momentos
que eu estive lá para presenciar também porque estava ao
lado dele.
É o último parágrafo do artigo que releio uma e outra
vez, ali no claustro com a fonte borbulhando e o sol quente de
agosto pairando sobre mim.

Houve um momento em St. Columba. O padre


Finbarr gentilmente me deixou trabalhar na biblioteca
enquanto meu ex ia conversar com o mestre
cervejeiro. Estava chovendo e eu ainda podia sentir o gosto do
vinho da comunhão na minha língua, e estava cercado por
livros que foram coletados ao longo de séculos e séculos com
a fé de que alguém no futuro estaria ali para lê-los, mesmo lá
nos confins do mundo. Através do véu da chuva lá fora, eu
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
mal conseguia distinguir os penhascos do mar. Era
impossível, naquele lugar solitário, não pensar na fé que esta
vida exige. Monges rezam, cantam, dormem, trabalham,
preparam cerveja, constroem bibliotecas e cavam sepulturas,
tudo por um amor que eles nunca verão consumado nesta
vida, por uma pessoa amada que não podem ver ou tocar, a
não ser por metáfora. É impossível não ser afetado por isso,
não ser humilhado pela paciência e pela confiança que isso
exige, e assim é com a ideia de paciência que os deixo
agora. A paciência é o que faz uma boa cerveja e um bom
amor, e é o que acredito que agora me deu o maior presente
que jamais receberei. (E não, não é o caso da cerveja de mel
de Nossa Senhora das Fontes.)

O maior presente que ele receberá.


Levo os muffins para o refeitório e depois peço ao abade
permissão para passar os próximos dois dias no eremitério,
que ele concede.
Passo os dias rezando, cortando lenha e pensando.
E, desta vez, tenho paciência para deixar as respostas
virem até mim, e não o contrário.

— Aqui é Tyler Bell, — atende a voz do outro lado da


linha.
— Não quero mais ser monge, — digo. Olho ao redor -
estou em meu escritório e é um sábado, então ninguém mais

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


estaria aqui, mas mesmo assim. Esta é uma conversa
particular. Só eu e meu irmão que também reprovou na
escola de celibato.
— Bem, vejo que estamos indo direto ao ponto, — diz
Tyler, e então ouço o som de uma porta e o abrupto cessar de
uma brisa, cheia de insetos ao ar livre. Ele deve estar na
cabana que pede emprestado à família de Poppy quando está
escrevendo. (Certo, bem, é menos cabana do que um refúgio
florestal muito caro, mas é assim que os Danforth vivem).
— Posso começar do início? — Pergunto. — Tipo o
começo-começo?
— Tipo a hora em que você me ligou antes de ir para o
mosteiro?
No dia em que voltei para o Monte Sergius - não mais
em crise e com minha vida realmente preparada para deixá-la
- liguei para Tyler do estacionamento da abadia.
Estou fazendo a coisa certa? Perguntei a ele. Eu não
tinha contado sobre Aquela Noite. Não tinha contado nada a
ele, a não ser que visitei a abadia uma vez e sabia que queria
ser um monge.
Bem, ele respondeu lentamente. Não conheço todos os
seus motivos, Aiden. Os motivos pelos quais você pode ser
qualquer coisa. Mas os motivos pelos quais você fica? Eles
precisam ser tudo.
Pensando bem, talvez eu não tivesse ouvido bem o
suficiente. Parece algo recorrente para mim.
— Antes disso, —digo com gravidade. — Muito, muito
antes disso.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Certo, então, — diz Tyler, e então eu começo.
Conto a ele sobre encontrar a coisa depois que Lizzy
morreu, sobre conviver com ela por todos esses anos. Conto
sobre Aquela Noite da forma mais gentil que posso, porque
sei que é difícil ouvir, e conto sobre a mensagem e como ela
me levou à abadia. E então conto sobre a viagem, sobre
Elijah, sobre como eu tinha certeza de que precisava de uma
vida mais ascética e como acabei tendo um interlúdio em vez
disso.
Depois que termino, ouço Tyler respirar fundo. Por um
momento, ele não diz nada, mas então diz baixinho: — Eu
não fazia ideia. Você sempre pareceu o mais feliz de todos
nós. O mais pronto para se divertir. Eu nunca teria
imaginado...
Não, a maioria das pessoas não imagina, né? Que às
vezes as pessoas que riem mais alto e buscam a vida com
mais força são as que estão mais perto das trevas.
— Estou bem agora, — eu o tranquilizo. — Terei o
cérebro que tenho durante toda a minha vida, mas também
tenho tantas ferramentas que não tinha antes, e a Dra. Rosie,
Deus a abençoe.
— Elijah sabe que você está bem? — Tyler pergunta.
Lembro da conversa sobre a Lectio Lexapro, de nossa
conversa no cemitério irlandês. — Tenho certeza que sim.
— Mesmo sem a vida monástica? Porque se eu fosse ele
e você me contasse sobre como Monte Sergius foi essencial
para você se reconstruir, não sei se estaria disposto a arriscar
que deixasse tudo.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Olho pela janela do meu escritório. Vejo uma horta e,
além dela, minha colina.
Foi preciso muita terapia para chegar até aqui. E
remédios. Isso também.
E... ser um monge?
Sim.
— Você acha que é por isso que ele não queria que eu
desistisse?
— Acho que é parte da razão. Junto com o que ele disse
explicitamente - ninguém pode competir com Deus,
Aiden. Você sabe que isso não é justo.
— Estou tão cansado, — digo, olhando para a colina, —
de tudo se definir em oposição. Deus ou Elijah. Monge ou não
monge.
— Você fala igual a Jordan, — Tyler diz, parecendo
levemente divertido. — É só disso que ele fala hoje em dia. A
rigidez de uma vida santa, quando deveria ser tudo menos
rígida. Jordan acha que se esquecermos de que nossa
tradição é uma coisa viva - se ela calcificar - morrerá
lentamente. Talvez já tenha morrido.
— Sinto que estou morrendo, — digo, e é apenas meio
exagero, porque a sensação de esmagar, pressionar e
esmagar com certeza parece uma espécie de morte. — E
continuo preso neste ciclo - se eu for embora, Elijah não vai
me aceitar. Se eu ficar, não posso ficar com Elijah.
— Quando eu estava pensando em deixar o sacerdócio,
— diz Tyler, — Jordan me perguntou se eu ainda queria

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


abandonar tudo, mesmo que não fosse ficar com Poppy. Eu
precisava saber se queria ir por ela ou por mim.
Posso ver onde ele quer chegar e suspiro com
impaciente compreensão. — Esse é o problema, Tyler. Dizer
que não vou embora por ele é hipócrita a ponto de ser uma
mentira total. Se não fosse por ele, eu ficaria. Eu não
desistiria da minha comunhão com Deus.
— Você é quem estava reclamando contra o pensamento
de oposição, — diz Tyler. — Você não acha que é possível ter
comunhão com Deus fora de um mosteiro?
— Ugh, — eu gemo, caindo na minha cadeira. — No
papel, sim. Mas a liturgia é comunitária. Se eu sair, deixo
isso para trás.
Mas, mesmo enquanto digo as palavras, volto a escutar
o irmão Connor.
Muitos caminhos para chegar ao poço, e aqui você só
citou dois.
Não sou uma pessoa criativa. Não sou um
visionário. Nunca me ocorreu tentar forjar um novo caminho
a seguir, construir algo onde antes não havia nada. Mas,
quando olho para cima, para minha colina, tenho que me
perguntar se é para isso que estou sendo chamado. Se sou
como os padres do deserto, estou sendo chamado a plantar
meu coração em um solo desconhecido e confiar que a
colheita virá.
Ter paciência, como Elijah disse em seu artigo.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— É uma sorte que vocês não foram pegos, — Tyler está
dizendo enquanto estou pensando em tudo isso. — Por mais
que estivessem se escondendo, não teria sido surpreendente.
Sei que ele não está dizendo isso com julgamento, já que
sua relação com Poppy tornou-se catastroficamente pública
naquela época. — Não, — eu digo, — não teria sido de modo
algum surpreendente. Mas faz sentido para mim, com uma
espécie de lógica de Deus. Se tivéssemos sido pegos, as
circunstância teriam me forçado - teria sido fácil não escolher
o que fazer a seguir.
Acho que Deus quer que eu mesmo tome essa decisão. E
acho que é a única maneira de Elijah saber com certeza que
isso é o que eu quero de verdade.
E então vejo o abade andando sozinho pelo caminho ao
longo da base da colina, as mãos enfiadas sob o escapulário e
o rosto sereno.
— Tyler, — eu digo, — obrigado por falar comigo, mas
acho que preciso ir.
— Já? — Tyler pergunta. — Mas...
— Você foi ótimo. Um confessor nota dez, — digo a
ele. — Te amo e mande um oi para Poppy por mim e um
tchau também! — Eu digo enquanto me levanto, e então ouço
um rápido então acho que tchau - quando desligo o telefone e
corro para fora do escritório.
Quando chego ao abade, estou sem fôlego e já suando
um pouco sob o sol quente. A brisa eriça as sobrancelhas do
abade enquanto ele olha para mim. — Bem, irmão Patrick? —
Ele pergunta agradavelmente.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Será que podemos conversar? — Consigo dizer entre
as respirações. — Quero dizer, se o senhor tiver tempo.
— Sempre tenho tempo para meu irmão Lenhador, —
diz ele em tom afetuoso. — E estava esperando essa
conversa. Venha, vamos encontrar um pouco de sombra?
E juntos caminhamos em direção ao bosque.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


54

Dois meses depois

Acordo para ver as paredes do meu quarto da


adolescência, que minha mãe transformou em um quarto de
artesanato depois que fui para a faculdade e que meu pai só
recentemente começou a recolher as coisas, embora ela tenha
morrido há seis anos. As paredes estão nuas e a cama é uma
de solteiro um pouco curta, mas optei por dormir aqui em vez
do quarto de hóspedes porque tem uma janela que dá para
uma pequena colina no final da nossa rua. Gosto de olhar
quando estou aqui rezando ou fazendo a lectio.
Também não tenho para onde ir.
Como encanador, papai também acorda cedo e, quando
eu termino de rezar a Vigília, ele já está ativo. Quando ele
entra na cozinha, já fiz café para nós dois e nós nos sentamos
à mesa em silêncio, assistindo ao amanhecer no quintal, um
quintal exuberante com vermelhos e amarelos outonais.
— Sabe, — ele diz depois de um minuto, — você é bem-
vindo para ficar aqui. Tipo, ficar mesmo. Escolher um quarto
melhor e tudo isso.
— Eu sei, — digo. Acho que ele fica um pouco solitário
aqui às vezes, embora esteja aos poucos saindo com as
recepcionistas de sua empresa de encanamento.
— Sean é um bom chefe? — Ele pergunta. — Vou chutar
a bunda dele por você se não for.
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
Quando deixei o Monte Sergius, Sean me ofereceu um
emprego de meio período gerenciando o braço de microcrédito
de sua organização sem fins lucrativos. Aceitei porque é bem
flexível, assim me permite rezar todas as horas, ir à missa na
igreja do Padre Jordan todos os dias e me dá seguro saúde
enquanto penso no que fazer a seguir.
Enquanto encontro meu novo caminho para o poço.
Também significa que peguei meu antigo número de
celular de volta de Ryan. Naquela época, Sean Mandão havia
contratado um plano familiar para nós, Bells, na área, e
quando parti para o Monte Sergius, Ryan herdou o meu. Mas
Sean Mandão está atualmente irritado com os altos gastos do
Baby Bell, então está cortando as despesas. O que significa
que herdei o número de volta.
Comprei um novo aparelho celular para mim, mas como
o número é o mesmo que Ryan tinha na faculdade, continuo
recebendo mensagens perguntando se sei onde encontrar
maconha.
Também recebo muitos memes que não entendo, por ter
passado muitos anos cortando lenha.
Depois de um pequeno café da manhã, pego o ônibus
para o centro da cidade, para o escritório sem fins lucrativos
de Sean, onde trabalho um pouco até que ele chegue lá com
sua equipe de polo de bebês, e então brinco com os bebês no
chão enquanto ele trabalha em sua mesa. Nesse momento,
Josie está rastejando sobre minhas pernas enquanto Amani
está pulando na minha barriga repetidamente enquanto Caro
e Martina riem e riem.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Hoje é o dia? — Sean pergunta, usando o intervalo
para digitar rapidamente alguns e-mails com as duas mãos,
para variar.
— Sexta-feira... OOF... — Caro acabou de pular na
minha barriga também, de joelhos primeiro.
— Repete para mim o que tem de tão especial na sexta-
feira. — Sean pede, ainda digitando e aparentemente sem
saber que seus filhos estão tentando estourar meus órgãos
internos como balões moles.
— Sexta-feira é a sua festa, seu idiota. E é no mesmo
lugar onde eu e Elijah pela primeira vez...
— LA, LA, LA, — diz Sean, os olhos na tela do
computador. — Não posso ouvir meu irmão mais novo falar
sobre transar com meu melhor amigo em um baile de gala
agora!
— Nós não transamos, — eu digo a ele, movendo-me de
joelhos para caminhar até a mesa e sussurrar, — eu o chupei
no salão de ópera. Então, depois do baile, nós transamos.
A cabeça de Sean cai para trás enquanto ele aperta os
olhos. — Eu não precisava saber disso, não precisava saber
disso, não precisava saber disso.
Espero que ele termine sua pequena birra, e então digo,
com uma casualidade forçada. — Falando nisso, como ele
está?
— Como ele está, meu melhor amigo cujo coração você
partiu anos atrás e depois partiu de novo na Europa por
algum motivo? Esse melhor amigo? É sobre ele que você está
perguntando?

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Expliquei para Sean tantas vezes que foi Elijah quem
partiu meu coração na Europa, mas nunca faz diferença. Ele
é firmemente do Time Melhor Amigo, e acho que assim será
até o Dia do Julgamento. E então, mesmo no Dia do
Julgamento, ele repreenderá Jesus para que concorde com
ele que sou algum tipo de sedutor de melhor amigo.
— Ele está infeliz, obrigado por perguntar, — diz Sean,
voltando ao seu e-mail. — Ele também faz todo o tipo de “ei,
não que me importe com a pessoa por quem estou
desesperadamente apaixonado, mas como ele está”. É menos
sutil do que você pensa.
Sinto uma onda de excitação por Elijah estar
perguntando sobre mim. — Você acha que ele está sofrendo
porque não falei com ele ainda? Desde que saí do mosteiro?
Sean aparentemente decide desistir do e-mail e se vira
para mim com um suspiro. — Sim, está bem? Sim. Acho que
ele quer tanto te ver que arrancaria o próprio rim para fazer
isso, e não pareceria um preço muito alto. Mas acho que
também está infeliz por você ter abandonado tudo, porque se
sente culpado e acha que é culpa dele e que ele roubou seu
Jesus de pelúcia ou algo assim.
— Sean, sei que você está perto de bebês o dia todo,
mas, por favor, não diga Jesus de pelúcia de novo.
Meu irmão continua, implacável. — Mas também acho
que ele ficará muito animado em vê-lo na sexta-feira.
Deus, espero que sim. Assim que deixei o Monte
Sergius, quase dois meses atrás, tudo que eu queria fazer era

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


ir até ele. Dirigir direto para o apartamento dele, bater na
porta e beijá-lo até o mundo acabar.
Mas estou fazendo as coisas de forma um pouco
diferente neste novo caminho para o poço. Estou fazendo as
coisas com paciência - paciência que aprendi na abadia,
paciência que aprofundei com ele e com Deus.
O velho Aiden Bell nunca conseguiria fazer isso.
O que me lembra que preciso seguir meu caminho se
quiser chegar à igreja do Padre Jordan antes que ele se
prepare para a missa.
Beijo todos os bebês, jogo Martina pela última vez no ar
e pego meu celular.
— Eu gostaria que me deixasse comprar alguns ternos
para você, — Sean suspira enquanto me observa. Nem ele
nem o pai têm nada que corresponda às minhas medidas de
ombro, por isso tenho me arranjado com as melhores calças
do pai e camisas de uma loja de departamentos.
— Não sei por quanto tempo vou fazer isso, — eu o
lembro. Este trabalho é apenas um trampolim até que eu
encontre minha nova vocação aqui no mundo. — E já te
deixei alugar um smoking para mim na sexta-feira, lembra?
— Ugh, tudo bem. Vá. Pegue o almoço no caminho de
volta, sim? Zenny trouxe algo para mim chamado tigela de
superalimento, então preciso que me traga um sanduíche
com queijo. Ou bacon.
— Vou ver o que posso fazer, — digo, e então saio,
fechando a porta atrás de mim para evitar que os bebês

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


escapem para uma aventura em um prédio de escritórios. E
então começo minha caminhada até a igreja de Jordan.
É um lindo dia de outono, do tipo que costumava me
fazer pensar em cidra forte, fumaça de lenha e futebol, mas
agora me faz lembrar do ar fresco no jardim da cerveja, da
aparência das árvores vivas da janela do eremitério. De
vasculhar a taproom e compartilhar uma garrafa com os
outros monges enquanto as folhas queimavam em um monte
enfumaçado.
Tempo comum é como a Igreja o chama. O tempo entre
as épocas liturgicamente pesadas da Quaresma e do Advento.
Mas não há nada de comum nisso. É perfeito.
A caminhada de cinco quarteirões até a igreja ainda é
desorientadora para mim, embora eu tenha feito isso quase
todos os dias da semana durante o último mês. O alvoroço
dos carros passando, as pessoas entrando e saindo dos
prédios, o lixo, as placas, as inalações e exalações inquietas
de um centro no horário comercial.
Para onde vão todos, me pergunto, e com tanta
pressa? Ninguém para quando o vento sopra folhas vermelho-
rubi rua abaixo, como se fossem confetes de
outono. Ninguém parece respirar.
Ninguém está em silêncio.
Tenho que me lembrar com frequência do que o irmão
Connor disse, sobre arrependimento. Porque muitas vezes me
arrependo.
Tenho tanta saudade do Monte Sergius que dói.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Chego à igreja de Jordan, uma construção alta feita de
pedra e vitrais, com mais de um século, e entro em uma das
portas de madeira.
Acho que vou ter que procurá-lo, mas quando entro, ele
está parado na frente do sacrário, olhando para o crucifixo
com as mãos entrelaçadas nas costas. O crucifixo é uma
cópia do que temos no Monte Sergius, então eu poderia ficar
olhando para ele facilmente por horas também. Eu me junto
a ele.
— Eu conheço a mulher que os fazem, — diz Padre
Jordan quando me aproximo dele.
— Os crucifixos?
Ele concorda. — Ela é escultora aqui na área. Muito
sensível, muito reclusa. Mas com um dom feroz, você não
concorda?
Eu concordo, e então digo: — Você não parece surpreso
em me ver.
Ele olha para mim, as sombras do santuário fazendo
seus olhos parecerem ainda mais escuros. — Eu não estou
surpreso, Aiden. Estava esperando por você.
— Você estava?
Ele acena com a cabeça e depois se vira, apontando
para um banco na primeira fila. Nós dois nos sentamos e eu
digo, meio atrapalhado: — Queria falar com você sobre uma
coisa, mas me obriguei a esperar um pouco antes de fazer
isso, o que é uma coisa nova para mim. Estou tentando ser
paciente com as coisas agora, em vez de me atirar de cabeça.
— Eu entendo. E fico feliz em ouvir.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Eu respiro. — Tenho lutado este ano com os
opostos. Com exclusões. Sei que isso me fará parecer
mesquinho, mas não entendo por que amar alguém tem de
me excluir de uma vida litúrgica. Fiz uma petição para ser
um oblato no Monte Sergius, mas isso essencialmente
significa que irei lá ocasionalmente e imitar a vida monástica
da melhor maneira que puder aqui. É um bom começo e sou
grato por ainda estar conectado à minha antiga casa, mas
quero mais.
Padre Jordan acena com a cabeça, como é claro que
quero. Claro que é natural querer mais.
Isso me faz sentir menos mesquinho. E resmungão.
Encorajado, digo: — Lembro-me que na Provença você
disse que estava tentando redescobrir a tapeçaria que
existia. Que queria abrir mais espaço entre os que fizeram
votos e os que não fizeram votos, mais caminhos para chegar
a Deus. Eu não sou... entenda. Não sou como você, Tyler ou
Zenny. Nunca me senti o tipo de pessoa que pode fazer coisas
novas. Tudo em que fui bom como católico é fazer as coisas
que alguém estabeleceu há vários séculos. Mas acho... Acho
que devo fazer isso. No mínimo, sinto-me impulsionado a
fazer. Porque não entendo o que está perdido na minha
devoção se também estou fazendo sexo. Sexo torna minha
oração melhor, não pior. E entendo que sempre haverá valor
no celibato para alguns, mas não para mim. Não vejo por que
isso deveria me excluir de todo o resto. — Olho para ele. —
Eu quero ajuda-lo a descobrir isso.
— Tudo bem, — ele simplesmente diz.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


— Eu posso ajudar?
— Sim.
— Será bem-vindo a pessoas queer?
— Sim.
— Isso vai causar problemas para a Igreja?
— Quase com certeza, — é a resposta, mas o padre não
parece ansioso ao dizer isso, apenas pensativo. — Mas acho
que você descobrirá que muitos santos causaram problemas
à Igreja. Santos que a mesma Igreja agora venera.
— Eu não sou santo, no entanto, — eu digo.
Ele me olha. — Você não é?
Mas antes que eu possa rir dele ou pensar em uma
resposta que não seja zombeteira ou sarcástica, seus olhos se
voltam para a janela, aferindo a luz. Eu também tenho essa
sensação interna de tempo, resultado de anos e anos de
oração em certas horas do dia. Está quase na hora da missa.
Ele se levanta e pega o celular do bolso. — Quer trocar
nossos números antes de eu começar a me preparar para a
missa?
— Oh, sim, — digo, levantando-me também e pegando
meu celular. — Qual é seu número? Mando uma mensagem.
Ele dita seu número e eu registro, digito um oi, aqui é o
Aiden, e clico em enviar.
— Pronto, — digo, procurando o lugar na tela de
mensagem para inserir um nome para o número do Padre
Jordan. — Agora você tem o meu...
Mas minha voz falha quando percebo que a mensagem
que acabei de enviar não é a única mensagem em nossa

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


história. Há um texto acima, enviado anos atrás. Cinco anos
atrás, na verdade.
Enviado às 03h28
— Padre Jordan, — eu digo lentamente, levantando os
olhos do meu celular para encontrar Padre Jordan já
caminhando pelo corredor em direção à sacristia. — Eu já
recebi uma mensagem desse número antes. Anos atrás.
Padre Jordan para e olha para mim. — Que
coincidência, — ele diz suavemente.
E então ele retoma sua caminhada até a sacristia, me
deixando ali sozinho no sacrário com meu celular na mão, a
tela ainda aberta na mensagem de texto que salvou minha
vida.
Levanto meus olhos para as colinas.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


55

Sean descaradamente se aproveita de todos os seus


amigos, conhecidos e ex-colegas de trabalho para virem ao
seu evento beneficente sem fins lucrativos, e quando chego
uma hora ou mais depois de ter começado, o espaço está
cheio de pessoas ricas demais para seu próprio bem.
A cortina de vidro de quatro andares do Kauffman
Center dá para um céu escuro e uma cidade bem iluminada
embaixo dele. Da minha posição vantajosa pelo vidro, posso
ver a forma como a cidade se agita em uma colina, coroada
com a torre pálida do Memorial da Liberdade. Parece um
contraforte para o céu.
Por favor, Deus, digo silenciosamente na direção da
colina. Por favor. Esteja comigo esta noite.
Oração dita, discretamente uso meu reflexo no vidro
para ter certeza de que estou bem - o smoking serve bem,
mas me sinto um bobo usando-o, fiz a barba e a visão do
meu queixo nu é estranha - e é então que o vejo através do
reflexo.
Parado no meio do espaço com uma taça de champanhe
mal tocada, ouvindo os convidados conversando com sua
irmã.
Eu me viro para vê-lo melhor e minha respiração
falha. Vendo em um vidro na escuridão, de fato - a realidade
comparada ao reflexo é impressionante. Mesmo com a
mandíbula tensa e o brilho apático em seus olhos, ele é
Saint (Priest #3) - Sierra Simone
lindo. Seu smoking aproveita ao máximo suas pernas longas
e quadril estreito, e o paletó acentua o comprimento magro de
seu torso e a firmeza de seu peito. Ele é todo geométrico esta
noite, com as costuras nítidas do paletó fazendo uma
inclinação precisa da parte inferior do pescoço até as pontas
dos ombros, com as curvas acentuadas de seu lábio superior
e a junção de sua boca em uma linha reta. Mesmo a
peculiaridade casual de sua sobrancelha enquanto ele escuta
poderia ter sido desenhada com uma escala e um compasso.
Parecendo ter se cansado de qualquer conversa fútil que
está ouvindo, ele leva o champanhe à boca. E é quando me
vê.
Ele fica paralisado assim, a taça colocada em seu lábio
inferior, seus olhos escuros arregalados quando se fixam nos
meus.
Envio uma última oração a Deus e então atravesso a
multidão em sua direção, caminhando tão graciosamente
quanto posso quando estou do tamanho de um armário. Eu o
alcanço e então, porque ele ainda parece paralisado, levanto
minha mão e gentilmente pego a taça de seus dedos.
Ele me deixa, engolindo um pouco enquanto nossos
dedos se tocam. Engolindo mais quando pressiono a mesma
parte da taça que estava contra sua boca contra a minha e
tomo um longo gole.
— Oi, Elijah, — eu digo, inclinando-me para que as
pessoas ao nosso redor não possam ouvir. Zenny me dá uma
piscadinha rápida e, em seguida, inicia uma nova tangente
conversacional sobre seu centro de parto que tem a atenção

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


de todos. — Você está incrível esta noite. O que vai fazer
depois?
Eu vejo o balançar de seu pomo de adão e o piscar de
seus olhos enquanto ele examina meu rosto. E então ele diz,
baixinho, quase hesitante: — Aiden, você está flertando
comigo?
Eu faço a mesma coisa que fiz naquela noite em que nos
encontramos há seis anos. Eu sorrio para ele.
E para cima e para baixo aquele pomo-de-adão se move
de novo, bem sobre a gravata-borboleta perfeitamente
amarrada na base de sua garganta. — Eu tenho alguns
minutos, — ele diz. — Sei de um lugar onde poderíamos
conversar.
— Eu adoro conversar, — eu digo, e assim como
naquela noite, nós seguimos nosso caminho através do
saguão e subimos uma das passarelas para as entradas da
varanda. A porta nem mesmo fechou atrás de nós antes de eu
tê-lo contra a parede, minha boca inclinada quente e urgente
sobre a dele.
Ele faz um barulho baixo em nosso beijo - um barulho
que geralmente vem com marcas de mordidas e lençóis
emaranhados - e envolve as mãos em volta das lapelas do
meu smoking para me puxar com mais força contra ele.
Como se eu precisasse de incentivo. Já coloquei meus
sapatos em volta dos dele, meu quadril no dele, minhas mãos
plantadas em cada lado de sua cabeça. Eu lambo seu lábio
superior até que ele abra a boca para mim, e então saqueio
dentro, procurando-o com o calor de semanas, meses e

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


anos. E ele me beija de volta com o mesmo calor, seu desejo
palpável através das camadas de nossas roupas, e tudo que
quero fazer é chupá-lo agora, que se danem todas as coisas
não ditas entre nós, toda a dor entre nós que se dane. Eu só
o quero ofegante, duro e sussurrando palavrões. Eu só quero
que nossa separação, nosso distanciamento, seja dissolvido,
obliterado com o tipo de conexão que não pode ser ignorada.
Paciência, eu me lembro. Se os últimos cinco anos me
deram algo além de Deus, me deram isso, e eu preciso usá-la.
E de qualquer forma, nunca foi aqui que eu e Elias tivemos
dificuldades. Tudo sempre fazia perfeito sentido quando
estávamos duros e estremecendo de prazer.
Eram as outras partes que precisavam ser resolvidas.
Amadurecendo, talvez, como o vinho.
Interrompo nosso beijo devagar, tão devagar que eu
mesmo duvido que farei isso, mas de alguma forma consigo
tirar minha boca da dele. É fisicamente doloroso, e o meu
corpo inteiro anseia por ele de novo, lembrando-me com cada
batida do meu coração o quanto ele está perto, como está
lindo no auditório escuro, como é gostoso sentir sua barba
por fazer contra os meus lábios e dentes quando lhe beijo e
mordo seu maxilar.
Ele leva a mão trêmula ao meu rosto. — Você deixou a
abadia, — ele sussurra.
— Sim.
— Por minha causa?
Posso ver a esperança e o pavor em seus olhos e
entendo, entendo os dois sentimentos.

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— O que você escreveu em seu artigo, — digo, em vez de
responder. — No final, sobre como a paciência lhe deu o
maior presente que você já recebeu...
Ele morde o canto da boca. — Referia-me à nossa
viagem, Aiden. Referia-me ao nosso tempo juntos, quando
pensava que nunca mais teríamos tempo juntos. Nunca
achei... não escrevi isso pensando que você abandonaria
tudo... não queria que você saísse por mim...
Posso sentir o pânico se espalhando por ele, e me inclino
para beijar seu rosto, na suave, quente ascensão acima da
linha de sua barba. — Shh, — eu acalmo, — shh. Não é isso
que quero dizer. Estou lhe dizendo que li suas palavras e elas
me fizeram ver que eu também poderia ter um grande
presente, se conseguisse praticar a paciência.
Ele para um pouco, mas suas sobrancelhas grossas
estão unidas e há uma linha profunda entre elas, que
também beijo.
— Aiden, eu... — Ele para de falar, seus olhos fixos nos
meus e vidrados de emoção. — Eu me sinto tão preso. Falei
sério sobre competir com Deus, mas também não posso
recusar. Se você está aqui, eu não posso... Não sou tão nobre
assim para afastá-lo de novo. E quando soube que você havia
deixado a abadia... não pode imaginar como foi difícil não
correr até você imediatamente. Implorar que me perdoe e me
beije de novo, e todos os dias até daqui cem anos.
Gosto de ouvir isso, e digo isso a ele, murmurando baixo
contra seu ouvido antes de morder suavemente seu
lóbulo. Eu me afasto e traço a linha de sua boca com meu

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


polegar. — Houve um motivo pelo qual não fui procurá-lo
imediatamente e foi para que eu pudesse vir aqui e dizer-lhe
o seguinte: ainda estou saudável e bem, depois de quase oito
semanas fora da abadia, e estou sob rígida supervisão da
Dra. Rosie para garantir que continue assim. Estou ajudando
o Padre Jordan a explorar um caminho para que a vida
monástica e a liturgia estejam disponíveis para todos e,
portanto, também tenho uma vocação aqui. E o mais
importante, você não precisa competir com Deus. Lamento
por tê-lo deixado pensar que era esse o caso, e lamento por
não ter conseguido articular a verdade antes. Mas você nunca
poderia competir com Deus, porque vocês dois se
engrandecem em meu coração. Eu conheço Deus e sinto
Deus de forma mais nítida e profunda por sua causa.
Encontro sua mão e a pressiono sobre meu coração,
sobre o escapulário invisível que sempre usarei para ele. O
brilho vítreo em seus olhos começa a se desfazer agora, e as
lágrimas escorrem pelo seu rosto perfeito.
— Você me aproxima de Deus, Elijah, — digo
baixinho. — Simplesmente por existir.
Ele abaixa a cabeça, seus dedos apertando um pouco
contra o meu paletó, como se desejasse pressionar minha
pele e músculos para tocar o órgão que agora bate com tanto
fervor por ele.
— É tudo o que eu queria ouvir, — ele confessa, ainda
sem olhar para mim. — Como sei que é real? Como posso
saber se vai durar?

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— Paciência, — eu digo. — Foi você quem escreveu
sobre isso.
Ele finalmente olha para cima, as lágrimas ainda
rastreando seu rosto e escorrendo pelo queixo. — É muito
bom para ser verdade. Como uma fonte de água saindo de
uma cabeça decepada. Como algo lindo pode sair da bagunça
que fizemos?
Eu beijo uma de suas lágrimas e então pressiono meus
dedos sob seu queixo e levanto seu rosto para o meu. Esfrego
meu polegar contra a fenda sutil ali, enquanto dou a ele meu
melhor sorriso Aiden Bell - aquele que costumava me dar
tudo que eu queria, tudo no mundo inteiro.
— Eu tenho uma ideia, — digo maliciosamente,
saboreando a respiração presa de Elijah com meu sorriso de
cair a cueca. — E se jogássemos um jogo?
— Um jogo, — ele sussurra, a primeira sugestão de um
sorriso voltando à sua boca.
— Um jogo, — eu confirmo. — E se... e se sairmos daqui
juntos esta noite?
— Eu gosto disso, — ele diz, seu tom cauteloso, mas seu
sorriso crescendo.
— E depois, e se decidirmos tentar de novo, nós
dois? Sabendo que pode levar algum tempo, que podemos
ficar com medo, que partes disso serão difíceis, mas sabendo
que passamos por mais dificuldades?
— Gosto muito desse jogo, — diz ele suavemente.
— E, — eu digo, mantendo meus dedos sob seu queixo
para mantê-lo quieto para o beijo mais doce e lento que sou

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


capaz, — e se nós nos amássemos até ficarmos velhos e
grisalhos?
Ele pressiona sua mão com mais força contra meu
peito. Contra meu coração.
— Ok, Aiden Bell, ex-monge, — ele diz. — Eu tenho
um e se para você também.
— Qual?
Ele me dá um sorriso que me deixa muito feliz por ter
desistido de usar minha gaiola. Sua mão começa a vagar para
baixo, até meu zíper, enquanto ele pergunta: — E se
começarmos agora?

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EPÍLOGO

DA MODE MAGAZINE

Nós nos casamos em um dia chuvoso de outubro - o tipo


de dia chuvoso que dá vontade de ficar na biblioteca de uma
faculdade ou acomodado em uma cadeira grande com uma
cidra de maçã quente e um livro grosso. Claro, isso me
lembrou principalmente da abadia irlandesa, onde percebi
que não estava apenas apaixonado por meu ex,
mas incondicional e sacrificialmente apaixonado por ele. E
então parecia que um pedaço daquela viagem fatídica estava
conosco quando fizemos nossos votos e juramos nos amar
para sempre, com paciência acima de tudo.
Seu irmão - um ex-padre (sim, pode-se dizer que
algumas coisas são comuns nesta família) - oficiou a
cerimônia, que realizamos no mesmo lugar em que nos
reunimos pela primeira e pela última vez. Meu marido o
escolheu porque queria ver as colinas ao longe enquanto fazia
seus votos para mim. Aceitei porque não posso negar nada a
ele e porque ganhei um desconto muito bom no valor do
aluguel.
Minha irmã e o irmão dele estavam lá com seus bebês,
que agora são cinco. Meus pais também estavam lá, e meu
pai chorou tanto que minha mãe teve que roubar um lenço de
papel para ele durante a cerimônia.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Todos os amigos e colegas mais próximos estavam lá, e
talvez o mais surpreendente fosse todo o grupo de monges
que dirigiu do Monte Sergius para ver seu irmão Lenhador
fazer os votos finais, afinal. Pensando em todos os
casamentos desta cidade, posso dizer com segurança que o
meu teve o maior número de monges beneditinos. Todos eles
choraram mais do que meu pai.
Quando se casa com um ex-monge, você aprende a
esperar certas coisas: que ele reze a qualquer hora do dia e o
que a maioria das pessoas chamaria de noite, que ele
desejaria estar ao ar livre, mesmo quando está sufocante ou
extremamente frio, que nenhuma quantidade de privação ou
frustração o faz recuar (exceto quando se trata de mim -
então a menor porção de privação o faz gemer como um
cachorrinho até eu estar de volta em seus braços).
Você aprende que a devoção dele por você será de tirar o
fôlego e feroz. Você aprende que o sagrado que manteve a
distância desde que se tornou um adulto tem esperado
pacientemente por você todo esse tempo, e que ele usou o
homem que você ama para falar com sua voz mansa e calma
mais uma vez.
Claro, casar é a parte fácil, permanecer casado é
geralmente onde a maioria de nós se encontra em apuros,
mas depois de uma história de amor que incluiu breviários e
votos e uma viagem de degustação de cerveja pela Europa e
Deus verdadeiro e literal, acho que podemos ser perdoados
por ter esperança. E de qualquer forma, eu já o amo como se
fosse para sempre.

Saint (Priest #3) - Sierra Simone


Já o amo como a eternidade no espelho retrovisor.
Eu o amo de todos os jeitos.
- V OTOS APÓS VOTOS : M EU CASAMENTO COM UM EX - MONGE

- POR E LIJAH I VERSON

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