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"A gentileza é de graça. O amor também."
Cinderela (Adaptação 2015)
—1—
Acordei em cima de algo firme e macio, fazendo com que eu me
remexesse e me aninhasse ainda mais ali, de olhos fechados,
sentindo os raios cálidos do sol matinal banhar meu corpo. Sorvi o
cheiro bom que emanava debaixo de meu nariz e me perguntei que
diabos de cheiro tão bom era aquele. Abri meus olhos limpando a
baba que escorria do canto dos lábios e mirei a pele alva que
tomava forma com as perfeitas ondulações. Meu rosto esquentou
quando percebi que aquilo se tratava de um abdômen. Um grande e
bem definido abdômen.
Oh, não! O que foi que eu fiz? – Me levantei abruptamente, mirando
o homem de cútis finas e com um enorme tufo de barba cobrindo
quase toda a extensão de seu rosto. Ele tinha cabelos longos e
dourados, que resultava em uma aparência similar a de um bárbaro,
só faltava um machado. E este mesmo bárbaro estava dormindo
com o corpo esparramado no mesmo colchão o qual eu também
estava sentada, nua e totalmente desnorteada.
— Quem é você? – Murmurei choramingando comigo mesma,
descendo o olhar por aquele corpo grandalhão e engolindo em seco
quando minha visão parou em sua proeminência no finalzinho da
barriga, coberta por um fino lençol. Parece grande e grosso.
Um grunhido fez com que meu coração desse um pulo, e, no
mesmo instante, repuxei o lençol em meus pés, cobrindo minhas
intimidades.
— Bom dia! – A voz grossa e rouca soou como um tenebroso trovão
como de uma impetuosa noite de tempestade.
Tão logo fechei meus olhos e me comprimi por um breve instante,
criando coragem para olhá-lo e respondê-lo.
— Bom dia! – Soou como um piado, quando o olhei por cima do
ombro e disse.
Puta merda! Que olhos são esses? O verde pingado nas órbitas se
assemelhava a de um felino caiu bem com seu rosto quadrado
másculo. Ele umedeceu os lábios de carmim, endireitando seu olhar
para mim, estudando meu corpo, que a uma hora dessas, deveria
estar todo encolhido debaixo dos lençóis.
— Seja rápida! – Ele disse se levantando em um rompante,
deixando o lençol cair enquanto procurava por algo em cima da
cabeceira da cama. Desviei o olhar de sua obscenidade, enquanto
fisgava o lábio inferior com a imagem daquele negócio enorme entre
as pernas daquele homem. Não que eu nunca tivesse visto um
negócio daqueles, mas, também, eu só transei uma vez na vida, que
foi na semana passada. Eu ainda me sentia muito envergonhada
com aqueles tipos de coisas. Ainda mais quando eu acordava com
um desconhecido completamente nu, que tinha o dobro do meu
tamanho e parecia ter uns anos a mais que eu. Parecia ter saído da
adolescência há muitos anos.
— Seja rápida pra quê? – Perguntei baixinho olhando para minhas
mãos.
Ele pareceu me fitar ao meu lado, enquanto suspirava:
— Para se vestir, ou pretende passar o dia aqui, nesse motel? – Ele
perguntou impaciente olhando para os lados e recaindo sua atenção
sobre mim em seguida.
— Motel? – Sibilei.
Ele pareceu suspirar pesadamente ao meu lado, então disse:
— Garota, qual o seu o problema? Eu não tenho tempo pra perder.
Cate suas roupas e vamos! – Ele falou mais grosso que da última
vez, murmurando baixinho: — nem mesmo me lembro se valeu à
pena, ou não – pestanejou.
Céus, o que diabos eu estava fazendo ali com aquele homem
grosso? – Pensei me martirizando.
— Vamos? – ele perguntou mais uma vez com aquele tom áspero
de grosseria.
— Espere! Não vê que eu ainda não me vesti. Se teve tempo para
tirar minhas roupas e fazer coisas em cima de mim... – engolfei,
imaginando aquele grandalhão em cima de mim, no entanto,
continuei afiada: — você também tem tempo para esperar que eu
me vista.
Ele me encarou como se eu tivesse desacatado a rainha da
Inglaterra.
Olhei em volta, e avistei meu vestido preto tubinho na beira da
cama. Espichei-me até lá, sem deixar o lençol cair, e o tomei de lá.
Antes que eu descesse o lençol, olhei para o homem em minha
frente e disse:
— Vire-se!
Ele ergueu a sobrancelha em espanto e resmungou virando-se igual
a um pingüim:
— Espero que eu não tenha tirado sua virgindade.
Respondi irritada, em alto e bom tom:
— Não, não tirou.
Passei o vestido por minha cabeça e o ajustei em meu corpo. Senti
a umidade entre minhas pernas, sentindo falta de outra peça.
Ampliei minha varredura por todo o quarto e encontrei minha
calcinha no chão, na frente do idiota.
Antes que fosse até lá, ele se abaixou e pegou o pedaço de pano
branco nas mãos:
— Está procurando por isto?
Eu bufei e fui até lá, arrancando minha intimidade das mãos daquele
cretino bonitão.
Passei minha calcinha entre minhas pernas, a erguendo. Avistei ao
lado da cama o Scarpin que Rafaela, minha melhor amiga, havia me
doado, calçando-o, cambaleando de um lado para o outro.
— Vamos! – disse lembrando-me que não havia levado uma bolsa
para a festa.
Ele me olhou de esguelha, com uma indiferença estampada no
rosto, e caminhou para fora daquele quarto de motel. Aliás, acho
que aquele motel não era qualquer motel. Isso! Somente acho. Pois
nunca estive em um. No entanto, aquele lugar era deslumbrante,
parecia um tipo de hotel de luxo. Paredes em mármore, decoração
em creme, detalhes em dourado.
Saí acompanhada do bonitão rude em seu Austin-R8. Aquilo sim eu
poderia afirmar: o carro desse cara é um verdadeiro luxo! Havia
visto poucos em Florianópolis.
Taciturnos, ouvia apenas um intimista barulho do ar condicionado
recender no compacto espaço entre nós, o que era iminente. Afinal,
éramos totais desconhecidos. Eu tentava me lembrar do que
acontecera na festa na noite passada, mas quanto mais eu forçava
minha mente, mais minha memória se embaralhava. Eu apenas me
lembrava de Tomás beijando Lívia, a caixa do café o qual
trabalhava.
Quando percebi, o monumento estacionou no acostamento apenas
três quarteirões depois do motel.
— Tchau – ele disse ao meu lado, sem me encarar.
— Não vai me deixar em casa? – perguntei incrédula.
— Não costumo deixar os casos de uma noite em casa. – Ele falou
me deixando perplexa.
— Como assim? Acabamos de acordar juntos...
— Querida, só saia do meu carro – ele virou me encarando com
aqueles olhos verde-claros.
— Que seja! – abri a porta e me coloquei para fora, e antes que
batesse a porta com tudo, abaixei e falei mentindo para não ficar por
baixo: — Adeus bonitão, que bonitão só tem de bonitão mesmo,
porque é uma vergonha na cama. Vou pedir aos céus para nunca
mais transar com um frouxo igual a você, mas acho difícil, já que
você foi muito ruim. – Ele me encarava com o punho apertando o
volante, enquanto eu ralhava. — Até nunca mais. – Bati com toda
minha força a porta daquele cretino e subi na calçada pegando
umas boas lufadas de ar.
Escutei a arrancada do cretino ao meu lado e pincelei um sorriso
satisfeito nos lábios.
— Uau, eu até parecia uma vadia – comentei baixinho comigo
mesmo enquanto ria. Percebi um casal de idosos sentados na frente
de um café piscando freneticamente enquanto me fitavam.
Quase em tom de cochicho, a senhora comentou para o parceiro:
— Zé, temos que cuidar que a Dudinha não fique desse jeito.
— Não, querida. Nossa neta nunca ficaria igual a essa... Moça...
Oh, céus – saí dali morta de vergonha, me lamuriando, desejando
ter uma sacola de papel para poder enfiar na cabeça.
Caminhei até a parada de ônibus mais próxima e fiquei pensando no
quão eu era idiota e burra, enquanto aquelas pessoas que ficavam
me analisando de cima a baixo. Eu deveria estar horrível com o
vestido amassado e com o cabelo inchado, mas eu não me
importava, chega uma hora que a gente não se importa mais.
Como fui me embebedar e transar com um cara qualquer? Aposto
que minha mãe não estaria orgulhosa de mim agora. Eu prometi
para mim mesma que seria motivo de orgulho para ela, no entanto,
as conjunturas da vida nunca corroboram com nossos planos e,
muitas vezes, as coisas dão errado. Inclusive, minha vida toda.
—2—
— Entra rápido – sussurrei para Rafa que entrava em passos
furtivos na sala, tomando cuidado para não acordar Marlene, minha
madrasta, que estava assistindo TV no quarto. Isto porque eu
estava terminantemente proibida de levar meus amigos para casa,
principalmente Rafaela.
Morávamos papai, Marlene, minha meia irmã de sete anos, a filha
de Marlene de outro casamento e eu. Dois anos depois da morte de
minha mãe, meu pai casou-se novamente. Eu tinha 15 anos quando
ele se uniu a Marlene. Na época, não pestanejei, temendo abalar a
felicidade do meu paizinho. No entanto, o que eu mais queria, é
voltar no tempo e empatar aquele casamento, ou pelo menos, só
tentar.
Porém, quem diria que a mulher tão boa e terna que namorava meu
pai se tornaria a madrasta má digna de um conto de fadas?
Não que eu me ache a cinderela, já que não disponho de tanta
ingenuidade e bondade. Eu tenho defeitos. Ô, se tenho! Mas a
condição a qual eu vivia, por vezes, eu acabava me identificando
com o meu conto de fadas favorito.
Bati a porta de madeira do meu quarto, tão logo, pegando a sacola
da morena de cabelos cor de rosa choque.
— Trouxe o chocolate? – perguntei averiguando e abrindo as
sacolas em minhas mãos.
— Da melhor qualidade — ela disse sentando na beira do colchão,
jogando as costas contra a espuma atrás, soltando um gemidinho
sôfrego.
Era o dia dos namorados, Rafa e eu tivemos a sorte de nossa folga
cair nesse dia. No entanto, seria sorte se nós tivemos namorados.
Mas pensamos: que se dane! Iríamos curtir do nosso modo o dia
dos namorados uma com a outra, fazendo o que mais gostávamos
de fazer: assistir um filmão da porra na netflix na TV que eu havia
comprado no mês passado com o meu salário.
Peguei a panela elétrica de fazer fondue no guarda-roupa, enquanto
Rafa dizia:
— Marlene sabe que trouxe isso aí pra cá? – Rafa perguntou
curiosa.
— Nem imagina – disse rindo, arrancando uma risada marota da
minha amiga que adorava quebrar as regras.
Liguei o aparelho na tomada e o coloquei em cima do criado mudo
ao lado da minha cama de solteiro. Na TV, a série que iríamos
assistir já estava pronta. Fiz o que faltava, deitei-me ao lado de
Rafaela, fazendo com que ela passasse sua coxa direita por cima
de minha cintura.
— Será se devemos nos beijar, já que é o dia dos namorados? – ela
falou em tom de troça mirando minha boca.
— Sai, louca! Só curto homens – a empurrei para o lado caindo na
gargalhada.
— Falando em homens... – minha amiga não deixou a oportunidade
passar, no entanto, eu sabia que de uma forma ou de outra,
acabaríamos falando sobre o que rolou naquela noite. – Para onde
foi depois da festa de ontem? Bárbara disse que saiu com um
bonitão que estava na área Vip. Disse que o cara é até famosinho.
Ela afundou o cotovelo no colchão, apoiando seu queixo nas mãos,
esperando que eu respondesse. Repuxei o lábio inferior com os
dentes, um pouco sem jeito de falar o que aconteceu.
— Er... – hesitei.
— Er o que Natália? Tá me assustando, garota...
— Eu acordei com um cara nu, que nunca vi em toda minha vida,
em um motel – soltei atropelando tudo, deixando minha amiga
embasbacada.
Ela fechou a boca, enchendo-a de ar e depois explodiu uma
gargalhada esganiçada. Pulei para cima dela, tampando a boca da
garota.
— Shiii, Marlene vai ouvir – ela tirou minhas mãos de sua boca e riu
baixinho.
— Gritoooooos. – Ela exclamava baixinho enquanto tentava
recuperar o ar. – Mas, e aí? Ele é bonitão mesmo como Bárbara
falou?
— Não sei. Ele foi tão babaca que mal pude reparar se ele era
bonito ou não – menti orgulhosa. Na verdade, ele era um puto de
um gostoso. Digno de uma capa de livro erótico.
— Ah, então, vamos reparar agora – ela disse sacando o celular do
bolso e digitando algo que não pude ver. – Lembro que Bárbara
mencionou um tal de Rick Mal alguma coisa. Bingo! – ela disse com
um sorriso sapeca reluzindo no rosto: — Rick Maldonato. Puta
merda! Misericórdia! – ela disse levando a mão para o peito num
gesto de surpresa. – O que é isso, meu pai? Tem certeza que você
deu para esse homem? – ela falou girando a tela para me mostrar a
foto, enquanto eu pestanejava.
— Que forma mais feia de dizer que transei com alguém – enquanto
a censurava, engoli em seco em rever o rosto do homem que
acordou ao meu lado. Ele estava de terno cinza e gravata azul-
escura, estampando as primeiras imagens de resultados do Google.
Ela reivindicou o celular para si e caiu de costas no colchão, então a
acompanhei quase instintivamente, deitando ao seu lado.
— Vamos ver o que ele faz da vida... – ela disse rolando a barra
para baixo e puxando a ficha do cidadão. – Humm... Ele é um
empresário. De qual ramo? Puta merda! Ele é dono daquela marca
internacional de carros luxos, a Strack;
Comecei a ler sua ficha no Wikipédia, e Rafa fez o mesmo.
“Rick Madolnato (Florianópolis, 09 de fevereiro de 1987) é um
empresário do ramo automobilístico. Filho de dois grandes nomes
do mercado nacional Renato Maldonato e Márcia Maldonato. Rick
Maldonato construiu seu próprio império e é um dos principais
nomes da indústria mundial, permanecendo no ranking dos 30
homens mais ricos do mundo por mais de cinco anos (...)”
— Cho-ca-da, Naty! — Rafaela soletrava ao meu lado.
Ela rolou a barra para baixo, e eu reclamei:
— Ei, eu estava lendo – resmunguei, ganhando a atenção de seus
olhos castanhos.
— Não foi a senhorita que fez pouco caso desse homão ainda
agora? – ela ironizou, sorrindo por fim. – Espere! Preciso saber da
vida pessoal desse pecado capital – ela continuou rolando a barra
até encontrar em tacha alta: VIDA PESSOAL.
Joguei meu corpo para o lado, fingindo desinteresse.
— Eu tô no chão! – ela soltou surpresa, e não me contive e
perguntei na hora:
— O que foi? — Ok! Eu sou um ser humano, é quase inativo ser
curioso. – Ele é casado?
— Não! Viúvo. A mulher dele morreu de câncer.
— Tadinha – sibilei.
— Tadinha de mim, se eu tivesse a chance de ter vivido na pele
dessa mulher um dia sequer, já tinha zerado a vida. – Reprovei a
asneira que ela havia dito meneando a cabeça de um lado para o
outro, enquanto ela me mostrava a foto da ex mulher do tal Rick.
Na foto, a mulher loira exuberante estava ao lado de Rick. Ela
parecia muito com a princesa Diana. Parecia que estavam em uma
festa de campo, já que a irmã gêmea da princesa Diana usava um
vestidinho azul-calcinha, e Rick parecia confortável em sua blusa
pólo e bermuda cáqui creme.
— Olha esse tamanho! – Rafaela Cristina abriu a imagem, dando
zoom na proeminência na bermuda do homem notoriamente feliz.
Ela se virou me encarando com aqueles olhões e soltou: — E aí, é
grande mesmo?
Juro que quase me engasguei com saliva.
— Rafaela! – a adverti.
— Ô, fale logo Natália! Tô curiosa, é desse tamanho? – ela ergueu
as mãos no ar para demonstrar, então fui rápida.
— Não me lembro. – Eu poderia não me lembrar, mas poderia
constatar isso com as assaduras que havia ganhado. Fora mais
intenso que minha primeira vez na semana passada, com certeza.
— Como assim, não se lembra?
— Eu estava bêbada.
— O quê? Ele abusou de você...
— Não. Não. Acho que não. Quando ele acordou, estava tão
confuso quanto eu.
— Não acredito, amiga! Por que eu não deveria ter te deixado
sozinha... Mas... Mas por que você bebeu tanto?
Desviei o olhar, e ela logo pegou no ar.
— Thomás, né?
Balancei a cabeça em positiva.
— Ele estava lá com ela.
— Amiga, escute! Esqueça aquele canalha. Ele não te merece – ela
falava do meu quase namorado, com quem eu perdi a virgindade
semana passada e, dias após, começou a sair com a nossa colega
de trabalho, Kelly. – Você é linda, inteligente e meiga, chega a ser
até um ultraje ver aquele pedaço de lixo ao seu lado. E agora que
você pegou o homem mais sensual do planeta, não tem nada que
sofrer por aquele cretino.
— Mas amiga...
— Mas amiga nada. Uma piroca de ouro conheceu tua pepeca e
tudo que me diz é: Mas amiga... Ah, Natália me poupe – ela cruzou
os braços em revolta, arrancando-me uma gargalhada baixinha.
Cessando a crise de risos bobos, eu disse:
— Vamos logo apertar o play nessa série, senão vamos ficar a tarde
todinha conversando – espichei meu corpo para cima, tomando o
controle jazido da superfície lisa do criado mudo.
— Mas Natália... – rolei os olhos nas órbitas e indaguei suspirando.
Assim nunca assistiríamos sequer o primeiro episódio.
— O que foi?
— Eu estava pensando agora nestes últimos segundos: vocês
usaram camisinha?
Sua pergunta foi o estopim para o meu surto de paranóia.
— Não sei... Quero dizer... Não lembro – titubeei coçando o topo da
cabeça. – Ah, meu deus...
— Não se preocupe, Naty! Pessoas ricas como ele não falham em
se proteger, afinal, não vão querer um herdeiro qualquer por aí, né?
Com certeza, o bonitão se preveniu.
— Mas e se ele não se preveniu? – perguntei em desespero. – Ele
parecia ter acordado confuso, como se tivesse esquecido.
— Aí você tirou a sorte grande, minha amiga – ela disse em tom de
troça.
— E se ele tiver uma doença? – choraminguei na possibilidade de
contrair os vírus do HIV aos meus jovens 19 anos.
— Pare de ser tão negativa, garota! Eu heim, vira essa boca pra lá.
— Mas tem essa possibilidade...
— Natália ele se protegeu, está bem? – ela disse se virando
pousando as mãos em meus ombros e me sacudindo. – Agora,
vamos derreter esse chocolate e assistir nossa série, antes que
você surte. — Ela se levantou pegando o chocolate, rasgando o
invólucro, fazendo todo o procedimento ao lado enquanto eu forçava
a memória, com a mão na boca, arrancando uma lasca de unha
com os dentes.
Quando percebi, Rafaela havia se colocado ao meu lado com a
tigela de chocolate derretido e os morangos nos palitinhos.
Antes de apertar o play, senti sua mão roçar em meu ombro e dizer:
— Esquece essa estória, Naty. Vou dar o play. Só relaxa e goza,
bebê.
Por mais que Rafa tentasse me divertir naquela noite, eu não parei
de pensar um sequer segundo naquilo. No entanto, no fim da noite,
eu obriguei-me a esquecer. Pois na minha cabeça, ficar grávida
naquele momento da minha vida, era quase uma tragédia.
—3—
Dois meses depois...
— Tem certeza, amiga? – perguntei fitando os olhos preocupados
de Rafaela.
Nós havíamos fugido do expediente, aproveitando a pouca
movimentação no café para fazer o teste de gravidez no banheiro.
— Sim, amiga. Quero dizer, esses testes podem falhar, mas...
— Mas?
Ela suspirou e disse:
— Mas é quase uma raridade isso acontecer.
— Eu tô morta – disse cobrindo o rosto com as duas mãos. Rafaela
me envolveu com seus braços quentes, me alentando.
— Não se preocupa, amiga.
— Como eu não vou me preocupar? – Perguntei enterrando meu
rosto no ombro de Rafa, molhando seu uniforme com minhas
lágrimas. – Eu tô fodida, Rafa. Papai vai me matar. E de sobra,
Marlene fará a cabeça dele para me colocar na rua. Eu tô muito
fodida, Rafa! – Eu disse desabando um choro violento. – Eu quero
minha mãe, Rafa – murmurei entre soluços.
Rafa me repeliu cuidadosamente e bramiu:
— Ei, você tem a mim, ok? Eu não vou te deixar sozinha nessa,
amiga. – Ela tornou a me abraçar em seus braços aconchegantes,
enquanto a angústia me corria por dentro.
***
Rafaela havia me acompanhado aquela noite até minha casa, com
receio que eu pudesse desmaiar no caminho. No ônibus,
conversamos sobre o que eu iria fazer nos próximos dias. Acabei
resolvendo que esconderia a gravidez até onde desse. Assim,
sobraria tempo para eu juntar um bom dinheiro, caso eu fosse
expulsa ao contar a minha família sobre.
Abri a porta de casa e vi que meu pai havia chegado de viagem,
pois suas botas estavam alinhadas na entrada da sala. Aliás, apesar
de morarmos no sul, papai conhecia todo o Brasil de cima a baixo,
pois ele era caminhoneiro. Um ofício difícil, no entanto, era o que
sustentava nossa casa. Papai não estudou muito, e Marlene muito
menos. Papai contava que mamãe era fascinante, porque lia Platão
e Homero nos finais de semanas, quando tinha folga do cargo de
professora da prefeitura de Florianópolis. Ah, ele me contava isso
maravilhado! Claro, ele que contava isso longe dos ouvidos de
Marlene, que até mesmo tinha ciúmes do amor que meu pai tinha
por mim.
— Vem! – falei sorrateiramente para que Rafa entrasse sem fazer
barulho.
Fomos até a cozinha, onde serviria um copo d’água para a garota
sedenta de líquido, que iria para sua casa logo mais.
Abri a geladeira e pescando a jarra de lá, despejando no copo de
Rafa.
— Huummm, que cheiro bom é esse? – Rafa enrugou o nariz antes
de colar os lábios no copo.
— Manga – eu disse vislumbrando a bacia com as viçosas mangas
na segunda prateleira da geladeira.
De repente, me garganta comprimiu-se, então bati a porta da
geladeira, enchendo a boca de ar. Meu suco gástrico subiu
grosseiramente até minha goela, fazendo com que eu procurasse
desesperadamente um lugar para descarregar aquilo. Fui até a pia e
jorrei todo o meu almoço no ralo.
Puta merda! Que lambança!
Rafa pendeu meus cabelos no topo da cabeça, enquanto eu
trabalhava em liberar toda a gosma aquosa e nojenta.
Terminando, Rafa espichou-se para o lado para capturar um pano
de prato sem que deixasse escapulir meus fios, e me entregou o
tecido nas mãos. Limpei os resquícios de vômito dos cantos dos
lábios, e ela me fitou com o cenho enrugado:
— Ô, Naty! Tomara que essa fase passe logo, senão ficará difícil
esconder sua gravidez de Marlene se vomitar toda hora. – Rafa
comentou, fazendo-me concordar. Eu não poderia sentir nenhum um
cheiro esquisito que já me sentia enjoada.
— Grá-grá, o quê? — me virei e dei de cara com Marlene na soleira
da porta da dispensa, com os olhos azuis estupefatos.
Silenciei tão surpresa quanto ela.
— Responda Natália! Você está grávida?
Merda! A casa caiu.

***
Estávamos todos reunidos na sala: minha madrasta; meu pai;
Jéssica, a filha de Marlene; Rafaela e eu. Clarinha já estava lá em
cima dormindo, quando Marlene chamou meu pai, quase me
obrigando a falar para ele sobre minha condição.
— Menina, eu já disse que isso é uma reunião familiar... – Marlene
dizia para Rafa sentada ao meu lado no sofá de frente para o meu
pai.
— E eu já disse que eu não saio daqui nem arrastada – Rafa disse
turrona erguendo a sobrancelha para a megera que cuspia fogo
pelas ventas com a petulância de Rafa.
— CUIDEM! Eu quero assisti o jornal. O que tanto vocês têm para
me contar? – meu pai resmungou ajeitando seu corpo robusto de
caminhoneiro no sofá.
— Natália vai contar agora– Marlene falou me olhando incisiva.
Vi o rosto cansado de meu pai, marcado por alguns vincos de
estresse e me senti horrível em ter que contar aquilo para ele. Ele
trabalhava tanto para sustentar aquela casa. Era de dar dó ter que
contar aquilo para ele.
Marlene me olhou mais uma vez com aquele olhar ameaçador de:
se não contar, eu conto.
Inspirei fundo, repuxando o lábio inferior com os dentes, criando
coragem para dizer:
— Pai... – minha voz soou trêmula.
— Sim – ele me fitou com aquele olhar complacente que só ele
dispunha.
Precisei pegar outra lufada de ar para soltar aquilo, apertando os
olhos disse:
— Eu estou grávida – fui rápida como um raio.
Abri os olhos morosamente, e meu coração partiu ao ver o rosto de
meu pai mergulhado na amargura de uma decepção.
— Natália, minha filha! – ele disse antes que seus olhos se
enchessem de lágrimas. – Como é que você faz isso?
Nunca, nunquinha na vida, eu havia presenciado meu pai chorar. Foi
numa noite de julho que o vi transbordar tristeza, por minha causa.
Meu coração nunca havia sangrado mais que isso.
***
— Seu namorado sabe? – meu pai perguntou, então balancei a
cabeça freneticamente.
— Ele não é meu namorado. – Confessei percebendo que quanto
eu mais falava, mais ele esmorecia.
— Mas o pai sabe? – Marlene perguntou parecendo tomar as
rédeas da situação.
— Ele... Eu não o conheço muito bem... Foi só uma noite... –
Jéssica abafou um gritinho e comentou:
— Que vadia!
— Cala a boca, naja filha! – Rafa rosnou para a garota loira ao lado.
— Do que me chamou? – Jessica bramiu para Rafa que já estava
espumando.
— Cala a boca, Jéssica – Marlene repreendeu a própria filha e falou
se levantando e concluindo: — Falarei com Rosa – falou se
referindo a mulher que morava na última casa da rua. – Ela faz esse
tipo de serviço. Tiraremos isto aí amanhã mesmo.
— O quê? – Rafaela quase engasgou.
Com os olhos lacrimejando, soprei para o homem que me encarava
no sofá à minha frente:
— Pai... – aquilo soou como uma súplica. No entanto, ele desviou o
olhar para o lado, negando-me qualquer apoio.
— Vocês estão loucos? ISSO É UMA VIDA. – Rafaela vociferou
indignada.
Eu continuava chorando igual um bebê sem raciocinar direito.
Parecia que todos os meus hormônios estavam borbulhando,
enquanto eu me sentia completamente desnorteada naquela sala.
— Baixa o tom de voz, ratazana. Ou te jogo pra fora daqui agora. –
Marlene disse entre dentes para Rafa.
— Para, amiga! Vá embora! Está tudo bem – pedi entre fungadas,
me sentindo a pessoa mais impotente do mundo.
— Eu vou! Mas eu vou com você – ela falou tomando meu braço
enquanto eu a indagava:
— O quê? O que está fazendo, Rafaela? – perguntei enquanto ela
me arrastava pela sala.
— Te tirando daqui – ela disse antes de passar pelo o batente da
porta de entrada, quando escutei a advertência de Marlene
reverberar em minhas costas:
— Se sair, não volta mais. – Ela disse sem dó, quando Rafa bateu
porta de madeira imbuía com toda com sua força.
— Rafa...
— Você acha mesmo que seu pai não te deixará voltar? – Rafa
lançou-me a reflexão.
Pensei e neguei fisgando o lábio inferior.
— Então, amiga! Vem comigo! Só hoje, eu tenho um plano! – minha
amiga disse com um brilho nos olhos, e algo me dizia que eu
deveria segui-la. – Vamos salvar a vida dessa criança, custe o que
custar.
***
— O que tanto olha aí? – perguntei espiando a tela do celular de
Rafa, ao meu lado.
Estávamos no banco traseiro de um táxi, cruzando a cidade, com o
destino marcado para um hotel que só ouvia falar nas colunas
sociais de revistas.
— Estou vendo se tudo está em seus conformes.
— O quê? Rafaela Cristina, o que está aprontando? – perguntei
impaciente.
Ela me encarou com o peito cheio, então soltou o ar, rendida:
— Ok! Ok! Ok! – Ela ergueu os braços no ar, com um biquinho nos
lábios cheios. – Vou contar. Mas prometa que vai ouvir até o final –
ela condicionou.
— Fala logo!
Um silêncio veio, mas tão logo ela começou:
— Naty, eu andei esses dias investigando os passos do pai do teu
filho.
— É o quê? ... O que você fez? – titubeei boquiaberta.
— Calma, Naty. Eu já desconfiava que você estivesse grávida,
quero dizer, eu tinha quase certeza. Ninguém tem enjoos
frequentemente quando se tem a possibilidade de ter transado sem
camisinha algum tempo atrás... Então, Naty, tomei a atitude e resolvi
investigar a vida dele, e o que ele anda fazendo, já que não é tão
difícil, pois a vida do individuo está quase toda esmiuçada no
Google.
— E?
— E estamos indo o ver, para você contar toda sua situação pra ele
– ela disse tão simples que quase gritei.
— Como assim? Você não falou com esse homem, né?
— Não. Não. Escuta: ele vai a um coquetel hoje no Pestana Hotel.
Tudo o que temos que fazer é conseguir entrar lá e pedir para falar
com ele. Certo?
Eu a olhei, um pouco receosa, então ela suspirou:
— Amiga, essa é a chance. Pensei que teríamos mais tempo, mas
você sabe o que pode acontecer, né? Não se envenene com o
torpor da tua família. Eu nunca fui mãe, mas imagino que todas as
mães querem proteger seus filhos. Não deixe que nada aflija teu
amor por essa criaturinha. Se ficar chorando agora, sem fazer nada,
uma vida toda de arrependimentos estará a tua espera. – No final,
Rafa deu voz ao meu coração. Dando-me forças para lutar.
— Mas no que esse homem pode ajudar?
— Em tudo! Ele é rico. Se ele assumir o filho, vocês com certeza
terão um lugar para morar. Assim, poderá decidir por si mesma. –
Ela disse aquecendo minhas mãos e me animando.
Lancei meu corpo contra o dela, envolvendo-a com os meus braços,
dizendo:
— Obrigada, Rafaela Cristina! – agradeci profundamente, afundada
em seu ombro de linho.
—4—
Quando Rafa explicou seu plano no carro, parecia tudo muito fácil.
Entretanto, a realidade não era bem assim. Enquanto estudávamos
os enormes seguranças conferindo as credenciais no hall de
entrada do prédio, em frente ao acesso das salas de evento, não vi
a mínima possibilidade de entrarmos ali sem que fossemos notadas.
— Bingo! Olhe ali – ela chamou minha atenção para o homem que
empurrava um carrinho enorme que ia em direção a porta dos
seguranças. – Vem! – eu a segui e quando vi, já estávamos
caminhando ao lado do carrinho, em paralelo. A estrutura metálica
era tão grande e estava tão abarrotada de caixas, que mal o senhor
que o empurrava conseguia enxergar à frente, dobrando-se às
vezes para o lado esquerdo, enquanto seguíamos pelo o direito.
Com o coração palpitante, passamos pela a entrada sem sermos
notadas pelos os armários de preto. Uma grande façanha.
Desviamos do percurso do carro móvel cargueiro e ficamos a solta
em um jardim de grama tão verde e viçosa, que tranquilizava os
olhos.
Alguns garçons passavam entre nós, equilibrando as taças de
champanhes nas bandejas brilhantes. Avistamos um salão no meio
do jardim, todo emparedado por vidros temperados. Ali, do jardim,
poderíamos olhar perfeitamente tudo o que ocorria lá dentro: As
mesas cobertas por toalhas finas e bordadas, de um gosto
altamente refinado. Coisa de granfino mesmo, sabe? As orquídeas
Pink que estavam presentes em todos os cantos, abrilhantando o
ambiente; o palco decorado, combinando com o resto do salão; E as
pessoas tão elegantes que me envergonhei de minhas vestes. Na
verdade, não precisava de muito para me envergonhar, já que eu
estava acabada em meus All Stars, jeans e blusão de tricô
vermelho, com uma árvore de natal enorme sob toda a extensão do
meu tronco. Eu estava exatamente da mesma forma que volto para
casa todos os dias depois de uma tarde de trabalho, num mês de
natal. Meu cabelo estava amarrado em um coque tão mal feito, que
Rafa o desfez na hora, alinhando os fios de minha franja em seguida
e sussurrando:
— Não pode chegar nele assim — ela disse sacando um batom
laranja da bolsa, dando leves batinhas em minha boca pálida –
Prontinho! Deixe-me ver? – ela analisou meu rosto, fazendo-me
piscar: — Está ótima! – ela disse estalando a língua no céu da boca.
— Só você mesmo para me fazer rir nesses momentos – disse
soltando uma risadinha baixa.
— O que foi? Está nervosa?
— Morrendo de nervoso – confessei.
— Eu também – ela disse esfregando as mãos na calça em um frio
lancinante. – Vamos procurá-lo?
Inspirei fundo e meneei a cabeça para frente em positiva.
— Vamos!
Fomos em direção ao alpendre de vidro, abandonando a grama e
fincando os pés no reluzente chão de mármore. Quando
adentramos àquele lugar, uma nuvem gostosa de ar quente nos
atingiu, assim como o som das risadas discretas intercaladas, do
tilintado dos copos de cristais e do som da música cantada por um
senhor de cabelos grisalhos em cima de um palco ilhado no meio do
salão, acompanhado por alguns músicos, talvez sete.
Tudo era muito refinado, a começar pelos vestidos das madames e
os ternos bem recortados dos cavalheiros. Sem contar com os
assessórios brilhantes que eles carregavam nos pulsos e nos
pescoços, que cegavam qualquer pobretona como eu.
Não que eu nunca tivesse visto algo parecido na TV, mas
pessoalmente aquilo era de deixar o queixo caído.
— Carambolas! Que lugar é esse?! – Rafa exclamou.
— Não sei, mas tenho certeza que não estamos adequadamente
vestidas para esse evento. – Disse quando recebi uma olhada
esnobe de cima a baixo de uma senhora de vestido cor de berinjela.
— Não precisa nem falar, amiga – ela disse sem parar de assaltar
com os olhos todo o salão. – Achei!
Pisquei duas vezes e tentei encontrar o que ela fitava.
— Ali, bem em frente ao palco. – Ela deu as coordenadas para
minha atenção, que pairou no cara de cabelos dourados e olhos
claros, que estava sentado à mesa junto com outros senhores mais
velhos. Não sei por que, mas meu estômago fez um rebuliço dentro
de mim ao ver aquele homem.
— Ok, agora, me escute!
Senti as mãos de Rafa envolverem meus ombros, virando meu
corpo facilmente em direção ao seu. Ela fitou profundamente meus
olhos, inclinando levemente a cabeça para frente, como se
requeresse minha total atenção e falou:
— Agora você vai lá pedir para falar com ele a sós e, quando
ficarem sozinhos, fale tudo, ouviu? – Ela dizia sem respirar. –
Quando digo tudo, é absolutamente tudo. Sobre o bebê, sobre sua
família que não quer aceitar... – Enquanto Rafa falava, tive a
impressão que o sangue do meu rosto se esvaía aos poucos, ao
passo que minhas mãos suavam frio e tentava engolir o bolo
entalado no meio da garganta. – Natália! – Ela se afastou um pouco
e pousou as mãos na cintura. — Não me vai dizer que está
desistindo?
Não seria uma péssima ideia, já que meus nervos estavam
suplicando para eu sair dali, no entanto, eu já estava decidida.
Inspirei fundo e disse soltando o ar:
— Não. Claro que não. – Minutos atrás no táxi, tinha prometido a
mim mesma que iria arranjar forças até de onde não tinha para
proteger aquele ser, que nem mesmo imaginava como seria suas
feições, mas estranhamente um instinto latente pulsava em mim,
gritando para que eu o protegesse como se fosse a única coisa que
importasse no mundo.
Rafa soltou o ar e relaxou os ombros:
— Que bom amiga, fico feliz em ouvir isso – ela dizia suspirosa. –
Não há problema, Naty. Pelo que vejo, é só chegar lá e chamar o
Rick para um papo. – Ela dizia enquanto parecia calcular o caminho
até lá.
Eu tornei olhar a mesa do tal Rick, e a sensação de mal estar me
acometeu novamente, entretanto, sorvi uma boa lufada de ar e ouvi
minha amiga sussurrar ao meu lado antes que eu desse os
primeiros passos pelo o corredor de mesas: “Vai lá, garota!”
Quando vi, já estavam cortando o salão, entre as mesas e os
garçons que circulavam de um lado para o outro a todo momento
com bandejas de balde de gelo e champanhe.
Com as pernas trepidantes, andava tentando firmar os pés com
força no chão, enquanto os perfumes das pessoas ali pareciam
bombardear meu olfato que estava mais apurado que o normal
ultimamente. Tremendo e sentindo todo o tipo de cheiro que
passava por mim, eu me sentia como... Sabe aquele personagem
do livro “O Perfume”, o Jean? Era exatamente assim que me sentia.
Entre àquelas pessoas finas, eu definitivamente era uma estranha
trajando aquelas vestes esdrúxulas em comparação as de toda
aquela gente.
Meu nervosismo só piorou quando eu me aproximei da mesa de
Rick, que estava sentado em uma postura de ferro enquanto ouvia
atentamente um senhor calvo que falava do outro lado da mesa.
— Inspira e expira Natália! Inspira e expira! – Eu murmurava
copiosamente quando estava quase alcançando aquela mesa, ao
som de New York, New York de Frank Sinatra.
Há poucos passos de meu alvo, meu coração batia violentamente
contra minha caixa torácica, e em minhas mãos parecia ter uma
nascente de suor, quando um corpo grandalhão se pôs em minha
frente.
Puta merda!
Meu coração foi na goela e voltou.
Mirei o rosto do careca de preto, que me fitava com sulcos na testa.
Confuso, ele analisava minhas veste e disse:
— Desculpe-me, senhorita. Mas a área é restrita – ele disse
educadamente, fazendo-me morder o lado de dentro da bochecha.
— Oh! Desculpa, não sabia... – disse envergonhada. O jeito como
aquele segurança me olhava me fazia sentir uma total insegura
dentro de mim. Sentia o preconceito velado contra minhas roupas. –
Eu só queria falar com aquele moço ali – disse apontando
discretamente para Rick, que naquele exato momento levava a taça
de cristal para os lábios enquanto os demais senhores cantavam
New York, New York tão alto quanto o homem em cima do palco,
que arriscava uns passinhos de dança.
O homem em minha frente fitou o meu dedo, e por cima do ombro,
olhou para a mesa.
— Rick Maldonato – engoli em seco ao pronunciar.
Como se meu dedo atraísse a atenção de Rick, o olhar perdido do
homem de terno breu fixou-se em cheio em minha direção.
— Você quer falar com o Seu Rick? – o cara perguntou surpreso.
— Sim, — disse encarando Rick que me fitava com uma expressão
confusa no rosto. Parecia estar se perguntando de onde me
conhecia.
— Desculpe-me, mas o que uma garota como você quer com o Seu
Rick?
No mesmo instante, vi o tal Rick se levantar da cadeira, e caminhar
em nossa direção, resvalando as mãos para o bolso da calça social
cor chumbo. Tinha até me esquecido da estatura anormal daquele
ser.
— Algum problema? – Rick perguntou atrás do careca, que pegou
um leve susto com a voz grossa que ecoou um pouco alta, devido a
música. Rick era mais alto que o careca, pelo menos, 10
centímetros.
— Oh, senhor. – O segurança o cumprimentou, curvando o pescoço.
– Nenhum problema. – Ele me olhou de soslaio e disse: — Apenas
essa moça que pediu para falar com o senhor. O senhor a conhece?
– ele questionou.
O homem de madeixas douradas, barba de urso e maças viris me
fitava pensativo, pousando a mão no queixo, me analisando. Ele
prolongou aquilo até dizer:
— Não, não. Acho que não, ou, pelo menos, não me recordo. – Ele
disse cinicamente, e tive certeza que ele estava mentindo.
— Eu sou a garota do motel – fui direta, percebendo o olhar
surpreso do segurança. Rick me fitou suspiroso, como se não
esperasse que fosse dizer aquilo.
— Senhor, quer que eu reserve um quarto para que possam
conversar a sós. – O homem de preto cochichou ao seu lado.
— Não, Victor. Apenas dispense a moça – ele falou como se eu não
tivesse ouvindo, girando os calcanhares.
— Ei, eu tenho um assunto a tratar com você – eu disse dando um
passo a frente, fazendo com que o Pitt Bull ao meu lado ameaçasse
me impedir de prosseguir.
Calmamente, Rick virou-se novamente para mim e proferiu em tom
de seda:
— Assunto? – ele riu. – Eu não tenho nenhum assunto a tratar com
garotas de motel, a não ser, o de pagar a conta no final.
O cretino disse me dando as costas novamente. Juro que se não
tivesse tão fraca, arrancaria meu tênis do pé e tacaria na cabeça
daquele filho da puta. Ele praticamente me chamou de garota de
programa.
— EI!
Fora um simples “Ei”, no entanto, fora um “Ei” quase gritado no
silêncio de um final de música. Senti as atenções se voltarem para
mim. Merda, odeio ser o centro das atenções. Pestanejei comigo
mesma, já sentindo meu estômago embrulhar novamente.
— Senhorita, venha comigo! – O segurança se aproximou mais
ainda e envolveu meu braço com sua mão. Não sei se o perfume
dele era forte ou era eu que estava muito sensível, porém o bolo
entalado no fundo da minha garganta ameaçou pular para fora. —
Por favor, senhorita, colabore! – ele falou enquanto eu me encolhia
em meu canto, tentando afugentar aquela ânsia de vômito. Mas o
cara ao meu lado parecia disposto a me atingir com sua voz
educadamente irritante enquanto seu perfume só piorava meu
estado. – Senhorita... – meu suco gástrico foi na goela e voltou
agressivamente. – Senhorita, você está bem? – Inspirei fundo, mas
não adiantou conter o iminente. O jato de gosma pálida atingiu em
cheio o piso de mármore, e não sei bem, mas um coro surpreso se
fez ao meu redor.
Quando o meu almoço parou de voar pela minha garganta, o
homem ao meu lado, falou novamente:
— Senhorita...
Tornei a vomitar novamente, só que dessa vez, mais
vergonhosamente: tossindo e cambaleando de um lado para o
outro.
Quando aquilo cessou, limpei os resquícios do vômito dos cantos da
boca e levantei a cabeça, encarando aquela gente. Para que fui
fazer isso? Eu deveria ter apenas saído correndo dali.
Todos estavam me encarando, alguns surpresos, outros enojados.
Poderia ouvir algumas risadas ecoarem pelo o salão, e no ímpeto,
tudo começou a girar. Meu olhar pairou no homem em minha frente,
e o Rick estava lá, com o cenho franzido e com uma bendita
confusão montada na cara.
Não demorou muito para sentir a pressão em meu pulso despencar,
para em seguida eu desfalecer.
—5—
— Senhor, não acha melhor chamarmos a ambulância? – escutei ao
acordar, sentindo algo muito forte invadir minhas narinas.
— Se ela não acordar nos próximos 10 minutos, eu mesmo ligo.
Abri os olhos e dei de cara com o olhar esverdeado de Rick sobre
mim. Eu estava deitada em um colchão extremamente macio e Rick
estava sentado ao meu lado segurando um pano com algo que
cheirava a álcool nas mãos.
— Ela acordou! – corri com o olhar pelo quarto e vi que se tratava
do segurança que bem me recordava.
Oh, eu desmaiei! – pensei ainda muito aturdida.
Novamente, varri com o olhar o quarto em minha frente e, pelos os
ornamentos barrocos refinados, deduzi que se tratava de um quarto
do hotel em que estávamos antes de eu apagar.
— Victor, saia, por favor. Preciso de um tempo com a senhorita. –
Rick falou sem tirar os olhos sobre mim.
— Sim, senhor.
Enquanto escutava os passos do homem de preto se distanciarem,
o olhar intimidador de Rick não desviava do meu, fazendo-me
encolher contra o colchão.
Escutei o som do bater da porta, e não demorou muito para o
homem em cima de mim abrisse a boca:
— Então senhorita barra suja, o que tanto quer falar comigo? – ele
falou incisivo, enquanto afundava sua mão ao lado de minha cabeça
e se inclinava para ficar cara a cara comigo. Tão próximo que
confesso que fique vertiginosa com sua aproximação.
Rick era aquilo que as mulheres chamam de homão da porra. Seus
lábios eram vermelho latente e suas cútis eram tão delicadas quanto
suas órbitas esverdeadas, enquanto seus braços eram espessos e
seu ombro era largo de forma sensual, e seu cheiro... Ah, seu
cheiro... Ah, não!
O vômito subiu novamente, fazendo-me com que eu levantasse em
um rompante e batesse minha testa contra a de Rick.
— Au! – Ele resmungou me olhando com a mão na fronte, enquanto
eu estava com a mão esquerda tampando a boca. – O que foi?
Quer vomitar de novo? – ele gaguejou, então assenti. – Ah, não!
Ele pulou para fora da cama, parecendo procurar por algo para
colocar meu vômito. Quando o vômito subiu impiedoso, Rick veio
uma cesta de lixo e aparou o meu jato de gosma branca.
Segurei o cilindro em minhas mãos e vomitei ali tudo que ainda
restava em meu organismo. Levantei a cabeça, tirando alguns fios
de cabelo que grudou no canto de minha boca e devolvi o balde
para Rick.
— Obrigada!
— Não vai mais precisar?
Meneei a cabeça em negativa.
Ele pegou o lixeiro de minhas mãos e levou para o banheiro ao
nosso lado, fechando a porta logo em seguida. Mesmo fazendo isso,
o mau cheiro de vômito ainda impregnava o espaço.
— Desculpe-me a indelicadeza, mas você só tem 2 minutos. Tenho
pessoas me esperando lá embaixo...
— Eu estou grávida.
Falei sem rodeios e ele pareceu não entender muito bem o que se
passava.
— Nossa! – ele falou embrenhando os dedos nos fios negros. –
Estou ainda mais curioso para saber o que uma grávida quer
comigo.
— Eu estou grávida de você.
Juro que pude ver seu olhar trincando naquele momento. Ele abriu a
boca e fechou pelos menos 3 vezes enquanto tentava absorver
minhas palavras.
— O que você disse?
— Isso mesmo o que você ouviu. Eu estou grávida de você.
Ele riu, e falou:
— E você quer que eu acredite nisso?
— Não quero que acredite em mim, só quero que ponha a mão na
consciência e me diga o que aconteceu naquela noite entre nós.
Ele me fitou impaciente, enquanto eu esperava por sua resposta.
Ele fechou os olhos, enrijecendo os maxilares e soltou:
— Eu não me lembro – ele respondeu como eu esperava.
— Eu também não. – Eu disse tentando explicar melhor: — Olha, eu
nunca transei sem camisinha – eu até mesmo era virgem uma
semana antes daquela noite, no entanto, lembro-me muito bem de
me proteger em minha primeira vez —, e pelo o jeito com que
acordamos, é bem provável que tivéssemos transado naquela noite
sem...
— Garota, você acha que é a primeira? – ele falou aleatoriamente,
então indaguei confusa:
— Primeira o quê?
— Que vem com esse papinho para cima de mim?
— Papinho? Não acredito que está pensando que estou mentindo.
— Escute bem menina: eu não te conheço. Como acha que vou crer
em uma estranha que diz estar grávida de mim? Você acha que sou
trouxa, é isso?
— Mas eu realmente estou grávida de você.
— Então prove!
— Como vou provar?
— Na justiça, quando o seu bebê nascer. Veja bem: se estiver
mesmo falando a verdade, o seu filho terá todo o meu apoio
financeiro. Se não, sugiro que peça a Deus que nunca mais cruze
meu caminho, pois o que eu mais odeio nesse mundo são pessoas
mentirosas – ele disse em um tom algoz. – Se me der licença, os
dois minutos já passaram.
Ele girou os calcanhares e como se eu tivesse uma única chance,
disse sobressalta:
— Eu não tenho tempo – ele parou. – Minha madrasta e meu pai
estão ameaçando tirar meu bebê amanhã mesmo. – Droga, as
lágrimas já assaltavam meus olhos, porém prossegui com a voz
embargada mesmo: – Eu não tenho para onde ir, não ganho muito e
não tenho um emprego fixo. Trabalho em uma cafeteria no centro,
mas o contrato é temporário... – Ele me olhou por cima do ombro,
então me levei ao chão. De joelhos, fitando o chão, roguei: — Por
favor, não deixe que meu filho morra.
Pelo meu filho, eu me humilharia. – Foi isso o que pensei.
Eu senti seus sapatos virarem lentamente em minha direção, e, por
um breve momento, ele ficou taciturno me mirando de cima. Porém,
tão logo falou:
— Sinto muito menina, eu apenas não posso acreditar em tudo o
que me dizem.
Suas palavras me partiram por inteira.
Logo o homem caminhou para fora do quarto, me deixando sozinha
naquele chão aos prantos.
Minha vida nunca fora um mar de rosas, no entanto, há momentos
tão espinhosos que me pergunto o que eu fiz para merecer aquilo.

***

— Naty — caminhando para fora do saguão, Rafaela me esperava


com os olhos mais esbugalhados que o normal. – Amiga... – ela
percebeu o desalento em minha feição e me puxou para um abraço
forte – Ah, amiga. Ele te esnobou, não foi? – passei os braços na
cintura dela e escondi meu rosto em seu ombro, assentindo. – Ah,
amiga! – As lágrimas desceram junto com os soluços.
— Ele... Não... Acreditou... Em... Mim... – falei entre soluços;
— Calma, querida! — ela falou afagando minhas costas enquanto
inundava sua jaqueta jeans com minhas lágrimas. – Encontraremos
outro jeito.
Eu chorei no ombro de Rafaela por cerca de 5 cinco minutos, até
que minhas lágrimas secaram e me desvinculei morosamente de
seu abraço.

***
Fomos caminhando até a parada de ônibus mais próxima, já que
não tínhamos muita grana para solicitar um uber de volta.
— Senta, amiga! – Rafaela disse quando chegamos à parada
coberta.
— Não amiga, estou bem – falei garantindo.
— Quando você desmaiou lá no salão, eu quase tive um ataque
cardíaco. Só não fui até lá, pois pensei que aquela talvez fosse uma
ótima oportunidade para vocês ficarem a sós. Só não imaginava que
o bonitão fosse uma pessoa tão estúpida. Sério amiga, quando esse
bebê nascer, você vai esfregar o teste de paternidade na cara desse
imbecil.
Se esse bebê nascer – pensei eu. Provavelmente, se eu estivesse
em outra vibe, até entraria na onda da conversa de Rafaela e
amaldiçoaria o tal Rick. No entanto, eu estava tão triste, que não
tinha ânimo para xingar ninguém.
No exato momento, um carro vermelho escarlate parou no
acostamento em frente à parada de ônibus e Rafaela desviou a
atenção para o vidro que descia em uma cadência automática.
— Boa noite – a voz que saiu de dentro do carro era de uma mulher
loira, de olhos claros e extremante elegante, que aparentava ter uns
40 anos. Ela vestia vermelho, assim como a cor de seu carro, que
contrastava muito bem com sua pele muito alva.
— Boa noite, — Rafaela e eu respondemos.
— Eram vocês que estavam no cockailt ainda cedo?
Rafaela respondeu escabreada:
— Sim, nós estávamos lá.
— Estão indo para onde? Querem carona?
Rafa e eu nos entreolhamos.
— Não tem nada demais garotas, o que uma velhinha de 60 anos
como eu faria de mal para umas moças cheias de juventude como
vocês?
— A senhora tem 60 anos? – perguntei boquiaberta.
Ela assentiu e disse:
— Se me deixarem dar carona para vocês, prometo que revelo
meus segredos de beleza.
Olhei novamente para Rafaela, e ela pareceu ler meus
pensamentos:
— Acho que não tem nada demais.
Rimos e entramos no Porsche vermelho. Rafaela no banco de trás,
eu no banco da frente. A mulher ao meu lado me lançou um enorme
sorriso e deu partida em seguida.
***
Depois de passarmos um bom tempo falando sobre diversos
assuntos, Márcia, nome por qual respondia a mulher que dirigia,
dizia:
— (...) Mas o verdadeiro segredo da juventude é estar sorrindo o
tempo todo, mesmo que as adversidades te aborreçam – Márcia
disse reflexiva para Rafa. Depois de um período ininterrupto de pura
conversa, o silêncio passeou por ali. E, de repente, Márcia proferiu:
— Falando nisso, você me parece tristonha – ela disse fugindo o
olhar da avenida para mim.
— Nem sempre estamos felizes, não é mesmo? – disse reflexiva,
assim como ela.
— Ela está grávida – Rafa soltou, então me virei para encará-la, e
ela balbuciou: — Foi mal amiga, apenas saiu.
Como bem conhecia minha amiga, ela realmente não fez por mal.
— Tudo bem. – Balbuciei de volta.
— É mesmo? Quantos meses? Já providenciaram o enxoval.
— Não, praticamente acabamos de descobrir.
— O pai estava lá?
— Que pai? – Rafa perguntou um pouco lerda.
— O pai do bebê. Se praticamente acabaram de descobrir isso,
talvez estivessem procurando por alguém.
— Caramba, você é esperta, heim – Rafa disse surpresa. – Posso
contar amiga? – ela perguntou em cima do meu ombro.
— Faça como quiser — falei mirando a avenida à frente.
— O cretino que engravidou a Naty tava lá sim. Sabe, o Rick
Maldonato? Um empresário do ramo automobilístico, conhece?
— Não. – Márcia disse pensativa.
— Pois é, foi esse o cretino que engravidou a Naty e não quer
assumir o filho.
— Espere, não estou entendendo. Vocês namoravam? – ela
perguntou diretamente para mim, mas a linguaruda da minha amiga
respondeu:
— Não. Foi um caso de uma noite. Mas não pense que minha amiga
é uma vadia por isso. Naty é uma das pessoas mais puras que
conheço, não sei por que isto aconteceu justamente com ela. –
Rafaela falava sentida, como se eu não tivesse ali. – Ela não
merece isso. Aquele cretino ainda vai pagar muito caro por pensar
que a Naty é uma interesseira. Ele vai comer o pão que o Diabo
amassou.
Enquanto Rafaela desabafava nervosamente para a senhora ao
meu lado, a mulher desviou o olhar de novo do trânsito e disse para
mim com um tom de voz terno:
— Sinto muito, querida.
— Tudo bem.
Não sei explicar, mas aquela senhora emanava uma energia muito
boa, e pode até parecer loucura, eu até mesmo me lembrei de
minha mãezinha quando ela sorriu para mim.
Talvez ela fosse uma boa mãe como a minha foi. Deveria ser por
isso. E naquele momento, invejei seus filhos, se é que ela tinha.
—6—

Márcia estacionou bem em frente a minha casa, na Rua Castro


Alves.
Estava tarde, já passava da meia noite. Márcia deixara Rafaela em
sua casa, há alguns minutos atrás, e eu me preparava para me
despedi e agradecer.
— Muito obrigada! – Disse para a senhora carismática ao meu lado.
— Por nada, querida. – Não sei por que, mas tinha impressão de ver
uma enorme complacência em seu olhar. – Tchau.
— Tchau – sorri e me virei para abrir a porta do carona. Olhei para o
portão ao meu lado e suspirei, tinha um grande problema me
esperando:
— Algum problema, querida? – Márcia perguntou atrás.
Pensei um pouco e meneei a cabeça em negativa.
— Nenhum, obrigada! – agradeci novamente e me pus para fora do
carro mais caro que entrei em toda minha vida.
Quando caminhei até o portão, pedi aos céus para que todos
estivessem dormindo. Eu estava exausta, provavelmente não
agüentaria outra discussão.
Pesquei do bolso o molho de chaves e abri a porta de madeira;
E quando adentrei a sala, meus ombros pesaram. Papai e Marlene
estavam assistindo TV no sofá menor, enquanto Jéssica havia
adormecido no sofá maior.
— Ela chegou! – Marlene deu um tapinha no braço de pai, enquanto
se levantava alterando a voz.
— Onde tu estavas garota?
— Me deixe em paz. – Falei tentando atravessar a sala e ir direto
para o meu quarto nos fundos.
— NATÁLIA! – A voz de meu pai soou como um trovão, fazendo-me
estancar, congelando meus dedos. Fitei-o com dificuldade, e ele
começou: — Escute bem, menina malcriada! Você sabe o quanto eu
trabalho para sustentar essa casa? Será se não pensou em mim
quando fez isso? – Meu pai parecia outra pessoa. Com certeza
Marlene teria enchido a cabeça dele a noite toda. – Está achando
que vou passar a mão na sua cabeça? Caia na real, Natália.
Amanhã mesmo você tirará isso.
— Mas pai... – minha voz saiu como sopro.
— Ou faz isso, ou RUA! – ele esbravejou açoitando meu coração.
Jéssica acordou com o grito de papai e perguntou o que estava
acontecendo, quando as batidas na porta de madeira ressoaram por
toda a casa.
— Ah, quem é uma hora dessas? – Marlene disse emburrada
caminhando para a porta, olhando pela fresta e abrindo-a, em
seguida.
Quando vi quem estava à frente de Marlene, fiquei tão confusa
quanto minha madrasta. Márcia estava parada na soleira da porta
encarando Marlene.
— Boa noite, você deve ser a madrasta da Naty, não?
Marlene fechou a cara e assentiu desconfiada.
— Sim. E quem é você?
Ela aprumou a bolsa preta reluzente no antebraço, falando com
firmeza:
— Eu a mãe do homem que engravidou sua enteada.
Meu queixou foi no núcleo da terra quando ela falou aquilo.
— Não vai me convidar para entrar? – Tive a impressão que
Marlene espiou o carro estacionado em frente a nossa casa, e
estranhamente assentiu gentilmente.
— Claro!
Márcia sorriu gentilmente e passou por Marlene que bateu a porta
atrás.
Márcia parecia fotografar cada canto daquela sala com o olhar. Ela
era tão elegante que parecia uma alienígena em nosso humilde
recinto. Quando finalmente seu olhar pairou em meu pai, ela o olhou
de cima a baixo, analisando a camiseta surrada, que ficava apertada
em sua enorme barriga, e o short do flamengo.
— Suponho que o senhor seja o pai da Naty.
— Sim. Sim. – Confirmou meu pai. – A senhora acabou de dizer que
é mãe do sem-vergonha que engravidou minha filha?
— Senhor...?
— Clóvis.
— Senhor Clóvis, com todo o respeito, mas se o senhor chamar
meu filho novamente de sem-vergonha terei que mandá-lo para puta
que pariu! – Arregalei os olhos em espanto. Nunca imaginaria que
um palavrão daquele saísse da boca de uma mulher tão fina.
Papai engoliu em seco com as palavras da senhora em sua frente e
desculpou-se.
— Desculpe-me!
— Posso? – Márcia acenou para o sofá, e meu pai assentiu
prontamente.
Ela se sentou ali, no sofá menor, cruzando as pernas, me fitando por
cima dos ombros:
— Naty por que não se senta ao meu lado, querida?
Fiz o que a senhora pediu e logo ela disse para Marlene e papai no
canto da sala:
— Por que não se sentam também? – Ela falou acenando com a
cabeça para o sofá maior onde Jéssica observava tudo no cantinho.
Marlene e pai fizeram o que Márcia sugeriu, e quando todos nós
estávamos sentados, ela proferiu suspirosa unindo as mãos de
unhas pintadas estilo francesinha:
— Parece que temos um problema aqui.
— Sim, um enorme problema. – Marlene comentou, mas Márcia não
deu a mínima para ela. Não desviou um segundo sequer o olhar do
meu pai.
— Senhor Clóvis, quero que sinta inteiramente despreocupado no
que diz respeito ao meu filho, ele assumirá toda a situação.
O que ela estava falando? Ela sabia que o filho tinha dito para mim
hoje mais cedo? Claro que sabia. Rafaela contou tudo para ela no
carro.
— Assumir a situação, como? Ele vai casar com minha filha?
— Veja bem senhor, não posso obrigar ninguém a se casar. Mas a
ajuda financeira, esta posso garantir com plena certeza que essa
não faltará a sua filha e ao bebê.
— E ela continuará solteira? O que vão pensar de minha filha?
— Não estou entendendo o que o senhor quer dizer. Você quer que
eu obrigue meu filho a se casar com a Naty?
— Não estou dizendo nada. Só não me interessa sua proposta. Já
resolvemos o destino disso antes de a senhora chegar. Já que sua
proposta não muda em nada essa situação, por favor, apenas retire-
se de minha casa! – Ele disse se levantando.
— Espere! O que vocês resolveram? — pela primeira vez Márcia
estava nervosa. – Não me digam... Não... Não pode ser possível... –
ela titubeou.
— Senhora, apenas retire-se de minha casa como o meu marido
disse.
— Vocês vão matar uma criança? – ela perguntou com repulsa na
voz.
— Senhora, não fale comigo assim em minha própria casa. Saia
agora daqui! – Papai pediu a beira de se exaltar.
Márcia se virou, pegando minhas mãos, me olhando nos olhos e
perguntando:
— Naty querida, você também quer isso?
Meus nervos estavam em polvorosa, enquanto apertava os lábios
fitando meu pai e meneando a cabeça em negativa.
— SAIA DAQUI, SENHORA! – Papai vociferou feito um bruto.
Ela se virou novamente para papai e não se intimidou com a fera.
— Naty vai comigo.
— O quê? – Marlene indagou boquiaberta.
— Isso mesmo, a menina vai comigo.
— Quem decide onde minha filha vai ou deixa de ir sou eu.
— Naty quantos anos você tem? – Márcia perguntou sem desviar os
olhos de meu pai.
— 19.
— Ótimo. Ela é maior de idade e não há impedimento. Você quer ir
comigo, Naty?
— Sim. – Assenti. Pelo o meu filho, eu estava disposta a tudo.
— Minha filha só sai daqui por cima do meu cadáver.
— Do seu cadáver eu não sei, mas se tentar impedir que ela saia
daqui, com certeza será depois de algemado. Você e sua esposa. O
que vocês estavam a fazer é crime, ouviu bem? Então sugiro que o
senhor sente a bunda no sofá e deixe Naty sair daqui
tranquilamente.
Papai calou-se com as palavras de dona Márcia e em desalento,
disse:
— Natália... – aquilo era uma súplica para que eu ficasse. Meus
olhos encheram de lágrimas e disse com a voz embargada:
— Perdoe-me, papai. Eu só não quero perder meu filho. – Limpei as
lágrimas com as costas das mãos e Márcia falou:
— Ande, querida! Vá buscar suas coisas.
Girei os calcanhares e caminhei para o quartinho no fundo daquela
casa, para arrumar minhas malas. Meu coração estava em
frangalhos, no entanto, estava confiante de que estava fazendo a
coisa certa.
—7—
Abri a porta o porsche vermelho e fitei pela última vez minha casa.
Avistei papai na janela, com uma cara de partir o coração. Apesar
de tudo, eu amava muito o meu pai. No entanto, não poderia ficar
mais ali.
A vida me convocou para algo que eu não fazia ideia. Sim, eu sei
que sou muito nova para saber o que é ser mãe, porém, eu já tinha
idade suficiente para saber o que era certo ou errado. Mesmo
cometendo alguns erros, nós devemos sempre ter a intenção de
mirar o alvo certo.
Márcia deu a volta no carro e logo estava no banco do motorista.
— Pronta? – assenti, então ela deu partida, arrancando numa rua
taciturna de uma madruga cheia de ecos.
— Desde quando sabia? – minha voz saiu fraca, batendo no teto e
quicando sonoramente no assoalho.
Márcia franziu o cenho enquanto dirigia e logo me respondeu:
— Eu estava lá quando falou com meu filho.
Ela falou deixando-me um pouco chocada.
— Você estava lá? Como?... – Titubeei. – Eu não vi ninguém além
de nós dois...
— Eu vi quando você desmaiou no salão. Meu filho a levou para o
quarto e eu fui atrás. Eu espiei tudo de longe, inclusive, quando
Victor deixou a porta aberta, pude ver quando você se ajoelhou
naquele quarto. – Ela pausou ao virar a esquina e prosseguiu: — Eu
realmente fiquei estarrecida com aquela cena, então, assim que
Rick saiu do quarto, corri para me esconder e fiquei a observando
por um bom tempo. Eu até a vi saindo do hotel a pé com sua amiga
Rafaela. Foi quando peguei meu carro e fui atrás de você na rua.
Quando vocês aceitaram minha carona, e Rafaela contou toda a
história, percebi o quão urgente era a situação. Quando você saiu
do carro e entrou em sua casa, confesso que fiquei no limbo se
interferia ou não. No entanto, eu tenho 60 anos, Naty, e me conheço
muito bem. Eu nunca conseguiria parar de pensar em você: uma
menina de 19 anos que está grávida de meu filho. – Ela fugiu o olhar
da avenida e me fitou: — Como poderia? – Ela tornou a olhar o
trânsito monótono de uma madrugada, e eu me encolhi com o frio
que fazia lá dentro. – Que noite insana, não?
Eu quem o diga? Pensei comigo mesma. Na verdade, tudo aquilo
que estava se passando parecia uma verdadeira loucura para mim.
Em menos de uma hora, minha vida havia virado de cabeça para
baixo. Confesso que eu estava assustada com tudo isso.
— Para onde estamos indo? – Perguntei.
Um barulho se fez em sua garganta e falou:
— Ainda não sei... Isso parece irresponsável da minha parte, mas
não se preocupe querida. Pensarei em algo.
Ela disse por fim, deixando o resto de nossa viagem silenciosa.

***
Quando Dona Márcia estacionou em frente ao hotel que estávamos
anteriormente, fora incontrolável, meu coração começou a palpitar
forte quando me lembrei da conversa que tive com Rick mais cedo.
Dois choferes saíram do saguão, alcançando o carro em que
estavam e abriram, no mesmo instante, a porta do carona e do
motorista. Saí, assim como Dona Márcia que deu a volta no carro,
se juntando a mim.
— Jeff, Rick ainda se encontra? – Dona Márcia perguntou ao Chofer
que abrira minha porta.
— Não, senhora. Seu Rick já voltou para São Paulo. – Meu coração
tornou a bater aliviado.
Dona Márcia pareceu pensar por um breve instante e disse:
— Ok, Jeff! Apenas requeira um helicóptero. Desejo alçar vôo o
quanto antes.
— Sim, senhora.
Márcia cumprimentou os senhores em nossa frente, e flutuou em
seus Scarpins Victor Hugo pelo o saguão praticamente deserto.
— Você já andou de avião?
— Não, senhora.
— Está bem. Providenciarei um recipiente para viagem.
Corei relembrando-me do vexame que passei algumas horas atrás.
Provavelmente eu iria precisar de um recipiente. Ô, se ia...

***

Depois da enésima vez vomitando no balde de gelo, não tinha mais


força nem para erguer a cabeça de volta.
— Tudo bem? – A voz de dona Márcia soou robotizada nos enormes
fones que abafavam minhas orelhas.
Assenti com um menear de cabeça, olhando pela janela do
helicóptero a cidade a qual morei durante toda a minha vida. Era
linda dali, porém não estava curtindo aquele momento. Não sei
quantos pés estávamos pra cima, no entanto, aquilo era muito alto.
Alto suficiente para o meu estômago abrigar uma montanha russa
cheia de inclinações e loops.
Santa mãe dos enjôos intermináveis, parecia que eu iria colocar
meus órgãos para fora.
— Aguente firme, querida! São apenas algumas horas.
Dona Márcia disse afagando minhas costas enquanto eu mirava
novamente o meio do balde.
Aquela viagem provavelmente durou pouco, no entanto, quando
aquela aeronave preta aterrissou, senti que aqueles foram as horas
mais angustiantes da minha vida.
Dona Márcia destravou o meu cinto, e percebi meu estado
deplorável: suada em todos os lugares, respirando pesadamente,
olhando para cima como uma lesa segurando um balde de vômito e
provavelmente com o cabelo parecendo um ninho de passarinho.
— Chegamos!
— Graças a Deus – murmurei agradecida.
Ela puxou minha mão esquerda, me conduzindo para fora da cabine
revestida por uma napa creme. Firmei meu pé no apoio do
helicóptero e finquei bem meus pés no chão, sem deixar o baldinho
de vomito cair. Tínhamos aterrissado em uma cobertura de um
prédio, em que o chão estava pintado de verde neon em algumas
partes.
— Obrigada Seu Roberto, foi um ótimo vôo – disse Dona Márcia ao
meu lado para o senhor de cabelos brancos, o piloto que conduzira
aquela mariposa gigante que me fizera colocar os bofes para fora.
— Por nada, senhora. Já sabe: precisou? É só chamar – o piloto
disse com um sorriso gentil nos lábios. Dona Márcia assentiu se
despedindo, olhando para mim em seguida.
Ela resvalou o olhar para minhas mãos que segurava o cilindro com
uma nojenta gosma dentro. Seu Roberto pareceu ler a mente de
Dona Márcia e falou alcançando o baldinho.
— Deixe que eu cuido disso – ele arrancou o recipiente de minhas
mãos e dona Márcia disse:
— Muito gentil da sua parte, Seu Roberto. – Dona Márcia abriu um
sorriso para o senhor que ficou orgulhoso com o simples elogio da
senhora ao meu lado, no entanto, disfarçou a careta assim que fitou
o conteúdo do balde. – Pronto? – Ela me perguntou, então assenti.
Dona Márcia assentiu novamente para o piloto e fiz o mesmo,
adicionando um “obrigada!” envergonhado. Dona Márcia começou a
andar para a extremidade contrária a qual nós estávamos,
arrastando minha mala de rodinhas, então a segui esfregando os
braços, devido ao frio. Segundo as diversas vezes que Dona Márcia
citou durante a viagem, nós estávamos em São Paulo. Nem
precisaria muito para deduzir aquilo, já que dali de cima daquele
prédio era possível de enxergar o horizonte composto pelas
enormes construções verticais intermináveis. Era assustadoramente
grandioso para mim. Já que nasci e vivi minha vida inteirinha em
Floripa. Era uma cidade grande, mas não era como São Paulo.
Imaginei o quão grande deveria ser New York.
Depois de alguns passos, quase congelando naquele terraço
daquele prédio, entramos pela porta de vidro num espaço bem
iluminado e quentinho, que abrigava duas portas de elevador e
algumas cadeiras de vime alternadas por vasos artesanais, de muito
bom gosto por sinal.
As portas do elevador direito se abriram, então segui a senhora que
adentrava o espaço cheio de espelhos. E, cruzes! Quando parei ao
lado da senhora refinada diante de tantos reflexos, me encolhi
dentro do moletom vermelho que ganhei no natal passado em um
amigo invisível na escola. Estava meio surradinho, mas aquela
belezinha me salvara muitas vezes do frio. Dona Márcia colou o
polegar em um tipo de leitor de digitais. Passei as mãos em meus
cabelos negros tentando conter os frizes gritantes.
As portas se abriram, tive a impressão que minha boca se
entreabriu chocada com aquele lugar. Dona Márcia pôs os pés para
dentro do enorme salão.
Em cima, um grandalhão lustre de cristais em forma de espiral;
embaixo, um chão de granito negro. Em minha frente, a direita, uma
escada pitoresca fazia uma perfeita curva, levando a um lugar
desconhecido para mim.
Nossa senhorinha do salário mínimo, onde eu estava? Aquilo era
um santuário ou só um apartamento mesmo?
Apesar da iluminação baixa, cada canto daquele salão brilhava. No
canto esquerdo, havia uma enorme vidraça, que mesmo de longe,
dava visão de toda São Paulo dali.
— Você mora aqui? – Perguntei ainda chocada.
— Eu? – ela riu. – Não querida, não moro. Quem reside aqui é o
meu filho.
— Mãe! – A voz reverberou em todo salão, e antes que pensasse
muito, o enorme e forte Rick estava andando em nossa direção
apenas de calça moletom e com o abdômen para fora. Ele
esfregava a pálpebra com o dorso da mão, enquanto enrugava o
cenho quando seus olhos desviaram de sua mãe para mim.
— Mãe... Quem é ela? – Ele disse quando parou em minha frente.
Um barulho estranho saiu de sua garganta, como se estivesse
descrente com o que estava vendo.
— Ela é a Natália! – Dona Márcia não fez rodeios. – A mãe do meu
neto.
— A mãe de quem? – Rick quase se engasgou com saliva,
enquanto olhava para Dona Márcia com os olhos esbugalhados.
— Isso mesmo que ouviu. Ela é a mãe do seu filho. – Ela disse
deixando Rick pasmo.
— Mãe, a senhora foi enganada... – ele gaguejava. — Eu não sou
pai de ninguém. Vamos chamar a polícia – ele disse girando os
calcanhares.
— PARADO! – Dona Márcia vociferou e Rick virou o corpo
grandalhão e a fitou em espanto. – Está me chamando de boboca,
moleque?... Tá achando que essa menina me enganou? –Ela
perguntou realmente irritada. – Ahhh, Rick! Ainda temos muito que
conversar.
—8—
Sentada num sofá cor de vinho, ao lado de Dona Márcia, o clima era
exatamente o mesmo que pairava na sala de minha casa em Floripa
horas atrás. Rick me olhava, não disfarçando a irritação e o
desprezo com minha presença.
— Como já disse, nunca deixaríamos você desamparada, querida.
Se depender de nós — ela olhou para Rick que ficava mais
emburrado a cada minuto que passava -, esse bebê será muito bem
tratado assim como você.
— Mãe, quantas vezes terei que dizer que não sabemos se esse
bebê é mesmo meu filho? – Ele perguntou impaciente.
— Você transou com essa menina sem camisinha, não foi? – Ela
perguntou cortante. – Então se cale e não me faça a vergonha de se
comportar feito um moleque, não assumindo as responsabilidades
de seus atos.
Ele se levantou num rompante, embrenhando as mãos nos cabelos,
grunhiu feito um bicho. Em seguida, olhou resignado para nós duas:
— Faça o que quiser! – Ele disse se preparando para sair da nossa
frente.
Dona Márcia se levantou então fiz o mesmo.
— Então é isso, querida. Eu vou indo. Espero que goste do seu
novo lar.
— É O QUÊ? – Rick se virou indignado.
— É o que, o quê? – Dona Márcia perguntou impaciente.
— Não me diga que vai deixar essa pilantra aqui. – Ele disse e me
controlei para não mandá-lo tomar ir naquele lugar. Pilantra é uma
ova!
— Não achas que eu vou levá-la lá pra casa, não é? O problema é
seu, querido.
— Isso mesmo, o problema é meu, e eu deveria resolvê-lo ao meu
modo. Aliás, já tinha o resolvido. Mas já que a senhora insiste, eu
mesmo levarei essa moça de volta para Florianópolis. – Eu estava
me sentindo um pedaço de lixo ali, com o destino postos nas mãos
de pessoas que mal conhecia.
— Você não vai fazer isso. – Ela disse meneando a cabeça. Ela me
olhou e notou o desconforto em minha postura. – Olhe o que está
fazendo! Está constrangendo a moça.
— Disso não tenho culpa. Se não tivesse a trago, evitaria tal
desconforto. Agora, sem mais! Assim que o dia raiar, a levarei de
volta para Florianópolis.
— Rick! – A voz de dona Márcia mudou. Em vez da mulher turrona,
agora havia uma mulher aflita. – Por favor, filho! Não faça isso.
Apenas até o bebê nascer. Por favor, não desampare essa menina.
Deixe que ela permaneça aqui. São só alguns... Alguns meses,
querido! – ela enfatizou e os olhos de Rick brilharam. Parecia que
aquelas palavras queriam dizer algo. – Depois dos nove meses,
você decide o que faz.
— Mãe, por que está fazendo isto?
— Filho — ela disse emocionada –, ontem você me disse que faria
tudo o que eu pedisse, lembra? – Seus olhos reluziam tanto quanto
os de Rick. – Então, esse é o meu pedido.
Ele olhou para cima para conter as lágrimas empoçadas nos olhos e
disse:
— Tudo bem! Apenas até o bebê nascer.
Dona Márcia sorriu aliviada e de certa forma, eu também estava
aliviada, afinal, eu era praticamente uma sem teto.
***

As portas do elevador se fecharam com Dona Márcia dentro, me


deixando sozinha com o homem que não sabia ao certo se era
confiável. Segundo Dona Márcia, ela morava com o marido num
apartamento não muito distante dali, no entanto, mesmo assim, ela
me deu seu número para eu ligar se algo me afligisse. E confesso
que já estava com vontade de ligar para ela assim que as portas se
fecharam me deixando com o homem que já havia vestido uma
camisa branca, que não ajudava muito a esconder o que tinha por
trás do tecido.
Senti seu olhar deslizar do elevador para mim e estremeci com a
forte fitada que ele lançava.
— Finalmente a sós! – Ele disse com a voz mais grave que o
normal.
Reuni forças e o encarei, com um sorrisinho nos lábios.
— Pois é, né? – Soltei encabulada.
Ele me olhava com tanta insatisfação, que resolvi não me abalar
com aquele idiota e fazer aquele momento ficar menos
constrangedor.
— Então,... Tá quase amanhecendo... Eu queria saber... Sabe...
Onde vou dormir?
— Ah — ele abriu a boca fingindo complacência –, a senhorita quer
saber onde vai dormir...
Assenti com a cabeça, então ele cruzou os braços contra o peito e
me fuzilou com o olhar, e disse:
— Aqui!
— Aqui onde? – Perguntei confusa.
— Aqui... — ele olhou para o sofá no meio do salão. – Faça um bom
proveito dele.
Eu pisquei um pouco atônita.
— Qual é, cara? Aqui parece ter vários quartos... Vai deixar uma
moça grávida dormir em um sofá? – Apelei, não por que achasse
aquele sofá desconfortável, talvez fosse até mais que minha própria
cama, mas sim porque eu precisava de um pouco mais de
privacidade. Não queria acordar no outro dia com os olhos incisivos
daquele homem sobre mim, ainda mais com meu bafo matinal do
cão e uma juba de leão.
— Você está grávida ou doente? – Que estúpido! — Para uma
vigarista, você está bem exigente.
— Eu não sou vigarista...
— É VIGARISTA SIM! – Ele se exaltou me espantando. Ele
continuou entre dentes: — Eu tenho nojo de você, usar de uma
mulher doente para conseguir arrancar dos outros uma boa vida...
— Quem? Que mulher doente? Dona Márcia? – Perguntei pasma. –
Ela está doente? O que ela tem?
— Câncer. – Seis letras e um arrepio na espinha. Na verdade, eu
tinha horror daquela palavra. — O estado dela é quase irreversível.
Os médicos deram apenas alguns meses,... – Ele continuou falando,
mas eu estava um pouco ébria com aquilo. – Você não acha
covardia usar da fragilidade de uma pessoa em beneficio próprio?
Você não tem vergonha na cara?
— Eu não sabia, ok? E pela última vez, o que eu mais queria nesse
mundo é não ter que precisar da ajuda de uma pessoa como você.
— Por Deus, então vá embora!
— Eu sinceramente queria ir. Mas não posso. Você querendo ou
não terá que me aceitar aqui. E sobre dona Márcia, eu acho que
entendo pelo que esteja passando.
Ele suspirou pesadamente e por fim disse:
— Não, não entende.
Ele se virou para se retirar de minha frente e eu soltei com a voz
embargada.
— Minha morreu quando eu tinha 11 anos... – ele estancou os
passos ainda de costas para mim. – Ela teve câncer de pâncreas e,
na época, tudo o que eu mais queria era ir com ela.
As lágrimas assaltaram meus olhos e, como se já fosse um
costume, Rick me deixou mais uma vez aos prantos. Era como se
aquilo tivesse jogado sal em minhas feridas que um dia pensei que
havia cicatrizado. No entanto, eu estava enganada. Aquela ferida
estava mais viva do que nunca, porque mais do que nunca, eu
precisava dela... da mãe ao meu lado.
—9—
Resignada, fui até o sofá e fiquei ainda mais ressentida porque Rick
não voltou com um cobertor. Estava fazendo um frio glacial, e eu, de
alguma maneira, queria chorar. Sim, eu ainda queria chorar.
Parecia que havia me tornando uma completa sentimental esses
dias, e é bem provável que isto seja culpa da gravidez.
Fui até minha mala e tirei o lençol, que estava lá no fundo. Deitei-me
no sofá vinho, muito bem acolchoado e gemi com tanta maciez em
minhas costas. Costas estas que estavam em frangalhos.
— Paizinho, não me deixe só. – Pedi a Deus, meu refúgio, fechando
os olhos. Eu tinha fé que com ele ao meu lado, teria forças para
lutar contra o mundo e pelo o meu filho. Aquilo era por ele. Só por
ele. Pelo o meu bebê.
Não demorou muito para eu apagar de cansaço. O dia foi longo e
assustador. Mas o que mais me assustava era o que estava por vir
***
Acordei com a luz solar incomodando meus olhos e dei um
solavanco quando lembrei onde estava e na casa de quem.
Varri com o olhar a sala e vi uma mulher uniformizada que passava
com uma bandeja na mão, sem nem sequer me notar ali. Ela
atravessou a sala e entrou numa sala ao lado da escada. No mesmo
instante, outra mulher que trajava o mesmo uniforme branco e preto,
passou em minha frente feito um robô, sem olhar para os lados.
— Ei! – Chamei.
Ela parou, me olhando desconfiada de soslaio.
— Bom dia! Er... Onde está... – engoli em seco –, o Rick.
Como se falar comigo fosse um crime, ela murmurou:
— Desculpa, mas não estou autorizada a falar. – Ela disse e saiu
num compasso mais apressado.
Inclinei a cabeça para o lado pensando naquilo. Ele havia as
proibido de falarem comigo?
— Louco! – murmurei e senti meu bafo matinal, tampando com as
mãos minha boca. – Droga! – Preciso de um banheiro.
Olhei para os lados e pensei se eu poderia ou não explorar aquele
lugar.
— Que se dane! – Fui até a minha mala pegar minha escova de
dente, pensando nas palavras de Dona Márcia: “Não se intimide
com Rick. Sinta-se sempre em casa.”
E era isso o que eu iria fazer: explorar a casa como se eu estivesse
em casa.
Comecei pelas as portas do andar de baixo. Dei de cara com a
cozinha, sala de estar, sala de jogos, uma piscina aquecida e até
uma sauna. Aquele apartamento era coisa de rico mesmo! – pensei.
Quando achei o banheiro, no espaço da piscina, escovei meus
dentes e tornei a sala para pegar minhas roupas. Eu precisava de
um banho urgentemente.
Quando voltei, me desesperei por não achar minhas coisas no chão
da sala. Fitei a sala ao lado da escadaria, de onde vinha o barulho
de algumas risadas e pensei que a pessoa que pegou minha mala
estivesse lá.
Caminhei até lá e quando vi que se tratava de uma sala de jantar e
que Rick, um homem de cabelos negros e uma mulher loira riam;
arrependi-me amargamente de ter ido até lá.
— Olhe só! A dorminhoca do sofá! — O homem de cabelos negros
apontou para mim, fazendo com que Rick e a loira se virassem para
mim.
Rick estava com aquele mesmo tipo de olhar de desprezo da noite
passada.
— Desculpa! – Eu disse nervosamente antes de cair fora dali,
entretanto, o homem ao lado de Rick se colocou para fora da mesa
e me alcançou.
— Epa! Para onde a senhorita pensa que vai? – ele perguntou
segurando minhas mãos para que eu não fugisse.
— O que você pensa que está fazendo? Solte-me! – Falei tentando
me livrar de suas mãos sem que deixasse cair minha escova de
dentes.
Não sei o que aquele cara queria comigo, no entanto, travamos uma
pequena batalha desengonçada por aquela sala e quando
desequilibramos um pouco para o lado, minha escova escapou de
minha mão e voou para longe. Mais especificamente para dentro da
xícara de café de Rick. O líquido piche espigou na camisa branca de
Rick, fazendo com que eu mordesse o lado de dentro da bochecha.
Eita, merda!
Como se estivéssemos em câmera lenta, ele levantou o olhar para
mim e me fuzilou de um jeito, que não sabia nem se eu ainda estava
viva.
O homem ao meu lado aproveitou a deixa para me conduzir até a
cadeira em frente a de Rick, ao lado da moça loira.
— Ah, que mulher difícil! – Ele resmungou tornado a sentar ao lado
de Rick. – Agora sim, temos algo interessante a fazer.
— O que, por exemplo? – a voz da moça ao meu lado soou pela
primeira vez.
— Interrogar essa moça que estava dormindo no sofá do Rick? –
Ele falou meio óbvio para a mulher que me fitou com indiferença,
enquanto Rick não tirava os olhos de mim. Parecia irritado, assim
como as vezes que eu o encontrei. Sinceramente, eu tinha pena da
saúde dele, já que não faz bem para o coração tanta amargura.
— Não vejo nada de interessante nisso.
— Como assim não vê nada de interessante nisso? Encontramos
uma mulher dormindo no sofá do Rick em plena manhã, em vez de
estar na cama dele, e não vê nada de interessante nisso?
— Cala boca, João Miguel! – Rick bateu com a mão na mesa, já
impaciente.
— Já que sei que não vai dizer nada, eu mesmo faço as perguntas a
ela.
— Será se dá para ser menos enxerido. – Agora era a moça que
estava impaciente. – Se Rick não lhe contou, é porque ele não quer
contar, idiota.
— Ah, Mia! Me erra! Sei que você também tá morrendo de
curiosidade para saber quem é ela...
Enquanto eles discutiam, suas vozes ficaram abafadas e sem
formas quando vi o tanto de coisa gostosa que tinha na mesa: bolos,
geléias, frutas, sucos de cores tão viçosas que nem parecia de
verdade. Caramba! Minha barriga urrou tão alto que todos na mesa
se calaram.
— O que foi isso? – João Miguel perguntou.
Olhei para Rick, que desviou os olhos para minha barriga, notando
que o barulho vinha de lá.
Olhei para a mesa e balbuciei para ele:
— Posso?
Pela primeira vez, aquele ser aborrecido assentiu para mim, claro,
não deixando totalmente a carranca de lado.
Tornei a olhar a comida, com as mãos trepidando de fome. Servi-me
um pedaço de bolo mixuruca. Devorei o bolo em segundos e com a
fome que eu tava, não fiquei tímida para repetir. Repeti 1, 2, 3
vezes, sob os olhares atentos das pessoas ali.
— De que abrigo você tirou essa menina? – João Miguel perguntou
a Rick sem desgrudar os olhos de mim.
— Bom dia, crianças! – A voz familiar reverberou por todo o espaço,
fazendo com que eu erguesse o olhar e visse dona Márcia parada
na soleira da porta. A senhora estava pra lá de elegante, não
diferente da noite passada. Trajava um vestido branco que caía
muito bem em suas curvas.
— Mãe? – João Miguel a fitou atônico. — A senhora não estava
passando uns dias em Floripa?
— Pois é, querido, voltei. Estava muito entediante por lá. – Ela
resvalou o olhar para mim e completou: — Mas essa viagem me
rendeu muita coisa. Quero dizer, nos rendeu, não é mesmo Rick? –
Ela olhou para o filho que bufou. – Já conheceram a Natália?
— Ah, esse é o nome dela?
— Não apresentou a mãe do teu filho? – Ela se direcionou a Rick
que revirou os olhos.
— Mã-mãe dos filhos de quem? – João Miguel gaguejou.
— Isso mesmo. Esta a sua frente dará a luz ao um membro da
nossa família.
— O quê? E eu pensando que ela era uma desabrigada... Você
estava namorando e não nos falou? – Ele perguntou para Rick que
parecia que ia explodir. – Que cachorrão!
— Isso é verdade? – Mia indagou, com notável desgosto no tom de
voz.
— Por que não conta tudo para eles já que a senhora começou? –
Rick disse se levantando, lançando o guardanapo contra a mesa e
se retirando, fincando os pés no chão com força. Ele estava
visivelmente furioso, causando um enorme desconforto assim que
ele deixou aquela mesa.
Dona Márcia me fitou e disse:
— Não dê importância para isso, querida. Uma hora você acostuma
com jeito dele. – Ela disse sentando-se à mesa conosco e
perguntando: — Como foi o resto da noite? Dormiu bem?
— Do jeito que roncava no sofá quando eu cheguei, ela dormiu
muito bem. – João Miguel disse.
— Eu não ronco – disse áspera.
— Calminha, baby. Eu só estava brincando.
— Sofá? Como assim, sofá? – Dona Márcia perguntou. – Não me
diga que aquele menino malcriado deixou você dormindo na sala?
Eu me calei. Eu não queria dar mais motivos para dona Márcia
brigar com o filho.
— Que menino mal. Desculpe-me querida, já vou resolver esse
problema agora mesmo. – Dona Márcia se levantou e eu fiz o
mesmo. – Você pode continuar aqui. Afinal, precisa se alimentar
muito bem. Não quero que meu neto nasça desnutrido. –
Lentamente, me sentei. Então Dona Márcia disse olhando para João
Miguel e Mia: – Meninos, cuidem bem dela.
— Pode deixar, mãe! – João Miguel jogou uma piscadela para Dona
Márcia que saiu em disparada pelo corredor.
Olhei para os lados, me sentindo um pouco desconfortável. O tal
João Miguel parecia ser um cara legal, no entanto, a tal Mia parecia
um pouco surpresa com aquela carga de informação. Talvez esse
fosse o motivo de seus maus olhares de soslaio.
Dei de ombros, tornando a comer.
— Então, cunha... se é que posso te chamar assim. Com quantos
meses você está? – João Miguel começou com seu interminável
questionário.
— 10 —
— Aqui fica o armário, querida. Não é muita coisa, mas logo
providenciarei um closet para você – Dona Márcia dizia
entusiasmada.
— Um closet? – Perguntei boquiaberta. – Ah não, não acho que seja
preciso. Minhas roupas cabem perfeitamente aqui – ainda sobra
espaço para armar um churrasco, pensei fitando o espaço vago.
— Falando nisso. Onde está sua mala?
Ela perguntou me lembrando de que ela tinha sumido da sala.
Coçando o topo da cabeça, disse:
— Não sei... Ela sumiu.
Ela me olhou confusa e por fim fitou a mulher que parecia uma
estátua do outro lado do enorme quarto.
— Onde está? – perguntou para ela.
— O senhor Rick mandou que tirassem as coisas dela da sala.
Dona Márcia suspirou pesadamente e disse:
— Traga-a e providencie roupas novas de cama.
— Sim, senhora! – ela saiu, deixando-nos a sós.
— Então, querida, tem algo que queira fazer?
Estudei o momento, concluindo:
— Um banho. Eu quero tomar um banho.
— Ah, sim! Claro! Então vou esperar lá fora. – Ela disse sorridente.
Parecia que ela estava se divertindo com aquilo. Antes que ela
saísse, ela falou: — Ah, aproveite e descanse um pouco. Tenho
planos pra hoje. Nós iremos almoçar fora hoje. É bom que a gente
aproveita e faz umas comprinhas.
Ela falou antes de bater a porta, jogando um sorriso terno. Eu
retribui da mesma forma. Dona Márcia era um verdadeiro oásis no
inferno disfarçado de paraíso.

***
— Gucci ou Chanel? – Dona Márcia perguntou segurando as duas
sandálias na mão.
— Essa vermelha. – Na real, eu era péssima de reconhecer marcas.
— Nós levaremos as duas! – Dona Márcia disse para a vendedora
que estampou um largo sorriso no rosto.
Tão logo embalaram as caixas de sapatos e entregou ao coitado do
segurança que já não aguentava carregando o grande volume de
sacolas.
— Querida, ainda tem fôlego para uma loja? – Dona Márcia não
perdia a animação.
— Dona Márcia, eu realmente estou agradecida, mas não acha que
isso é demais para mim?
— Besteira, filha. Para uma mulher, nenhum acessório é demais. A
única coisa que são demais são as rugas, que aliás, isto está muito
longe de te acometerem.
Ela enlaçou seu braço no meu, sorridente, enquanto caminhávamos
pelos corredores do shopping. Vendo assim, nem parecia que Dona
Márcia era uma pessoa doente, na verdade, ela era notavelmente
mais ativa que eu.
Algumas vezes durante aquele dia eu ficava confusa. Perguntava-
me se aquilo mesmo estava acontecendo. Minha vida monótona
havia mudado completamente da noite para o dia, e a velocidade
como as coisas iam mudando me assustava. O que me deixava
desconfiada. No entanto, em nenhum momento, pensei voltar atrás,
afinal, em minha mente, essa alternativa não existia.
— 11 —
A noite já havia escurecido quando Dona Márcia me deixou de volta
no apartamento de Rick. Ela nem sequer entrou, apenas voltou para
sua casa. Tinha a impressão de que ela tivesse tentando nos deixar
a vontade para nos aproximar. Entretanto, não sabia se isso era
possível. Já que o grandalhão era uma baita de um birrento.
Fred, o segurança, deixou as sacolas no quarto o qual Dona Márcia
se instalou, me deixou sozinha ali, sem saber o que fazer.
Sentei no colchão, altamente macio, e olhei para parede pensando
que talvez estivesse num sonho bem longo.
A porta se abriu em minhas costas, revelando uma menina ruiva de
uniforme, ela parecia ter minha idade.
Quando ela me percebeu, preparou-se para sair dali.
— Ei! Não vá, por favor. Eu quero falar com você – meu tom saiu
como uma súplica.
A menina olhou para baixo, desconfiada, dando a impressão que ela
estava no limbo, se ela fazia ou não o que eu pedia. No entanto, ela
assentiu olhando para os lados, conferindo se não havia ninguém.
Ela entrou e trancou a porta.
— Só um minuto! – Ela murmurou.
— Senta aí! – Empolgada, cruzei minhas pernas em cima da cama.
Quando ela sentou em minha frente, perguntei: — Qual é o seu
nome?
— Melissa.
— Uau. Nome legal!
— Qual o seu? – ela perguntou.
— Você não sabe meu nome? – Tá ok que eu havia chegado ontem.
No entanto, pensei que o meu nome já corresse solto entre os
funcionários de Rick.
— Na verdade, não! Nunca te vi por aqui.
— Ninguém comentou?
— Não. Na verdade, é quase um pecado mortal fazer fofoca por
aqui. Quem for pego falando da vida ou das visitas do patrão, estará
literalmente no olho da rua, foi assim que disseram quando me
contrataram.
— Ah, por isso que não falam comigo?
— Na verdade, essa é outra prerrogativa. Não falar com ninguém e
nem sobre ninguém.
— Duvido muito! Como conseguem? Eu aposto que não se seguram
quando estão sozinhos na área de serviço.
— Aí que tá. Tem muito dedo duro entre nós...
— Ah, então tá explicado...
A porta se abriu de repente, causando um enorme espanto na moça
em minha frente. Ela pulou para fora da cama quando viu Rick.
Rick me fitou e em seguida olhou para a menina de respiração
descompassada:
— Saia!
— Senhor...
— Por favor, apenas saia... – Ele pediu educadamente para a moça
que saiu toda encolhida. Rick tornou a fitar e me perguntei o que
tinha de diferente em sua expressão. Bingo! Seu cenho não estava
mais enrugado, como estava nas últimas vezes que o encontrei.
Rick fechou a porta atrás, sem dizer uma palavra. Taciturno, ele veio
até mim, resvalando as mãos nos bolsos da calça social e falou:
— Como foi seu dia?
Ele perguntou deixando-me avulsa quanto ao seu tom de voz de
seda. Parecia mais calma e gentil. Devo começar a falar com ele
normalmente, sem nenhuma defesa?
— Foi bom... – Saiu um tanto sucinto, no entanto, não me
estenderia muito. Afinal, não sabia o que o lobo foi fazer na casa do
cordeiro.
— Ótimo! – Exclamou rindo levemente. Ou melhor, rindo falsamente.
– Parece ótimo que tenha se divertido, afinal, você foi esperta,
merecia uma recompensa.
Ele disse me deixando confusa.
— Desculpa, mas não entendi. Esperta? Recompensa?
— Oh, garota. Pare com isso! A minha mãe você pode ter
enganado, mas a mim, não ouse usar a artimanha de boa moça e
inocente.
— Quem disse que eu sou inocente? – Perguntei pousando as
mãos na cintura, jogando cabelo.
— Isso aí! – Ele aproximou, quase unindo nossos corpos. — Assim
que eu gosto. Tudo no claro. – Dizia enquanto nossos narizes
lutavam para não esbarrar um no outro. Ele veio para me intimidar. –
Agora, que já divertiu, você vai pegar seus trapos e sumir da minha
casa agora. – Ele disse entre dentes. – E não ouse contatar minha
mãe, eu não a perdoarei se fizer isso.
Ele estava com os olhos inflamados cheio de ódio, mesmo que seu
tom estivesse diabolicamente calmo. Sinceramente, não via razão
para tal sentimento.
— Sabe, quando eu te vi lá na festa, quase me compadeci com seu
desespero. Fiquei até mesmo na dúvida. No entanto, quando a vi
chegar com minha mãe... – ele quase engasgou com a própria ira. –
Vi logo que se tratava de uma verme vigarista que faz tudo por
dinheiro. Usar uma mulher doente?... Você me dá nojo... – Ele
enchia a boca para me insultar enquanto eu parecia não ter
dignidade alguma. Ele apertou meu braço, e disse por fim: – Então,
é melhor sair daqui de fininho, porque as coisas podem ficar muito
feias pro teu lado se ficar. – Ele largou meu braço com força e deu
alguns passos para trás, espumando ódio no olhar.
— Eu não vou. – Disse capturando sua expressão.
— O quê? – Ele murmurou.
— Isso mesmo que ouviu: eu não arredo o pé daqui de jeito
nenhum. – Disse firme.
— Sua... – Ele começou, e eu o interrompi:
— O que tá pensando? Que estou aqui para aproveitar de uma boa
vida? Que eu quero tomar algum dinheiro seu? Ou melhor, que eu
quero fisgar um homem como você? – Perguntei incrédula. – Eu não
vou. Eu vou ficar, mesmo que não goste. Eu vou ficar pelo o meu
filho, mesmo que me odeie. Eu estou me lixando para seu ódio. Eu
não tenho para onde ir mesmo. Se estamos na chuva, é pra se
molhar, não é mesmo?
— Menina, você vai se arrepender...
— Por favor, me chame de Natália. E, por favor, nunca pense que
está fazendo um favor para mim, pois não está. Não fiz filho
sozinha...
— Você não sabe com quem está lidando...
— Por favor, só saia! Eu já disse que não arredo o pé daqui por
nada. Se era é isso que queria de mim, então não tem mais nada
pra que fazer aqui.
Ele silenciou e disse:
— Eu lhe avisei. Espero que esteja pronta para arcar com as
conseqüências.
— Não sou só eu que tenho que arcar com as consequências aqui.
– Disse cortante. — Apenas saia, por favor – disse educadamente.
Rick fez o que eu disse, deixando-me aliviada. Ele bateu a porta,
relaxando meus ombros. Num suspiro, pedi:
— Senhor, me dê forças! – Pedi deslizando na cama ao meu lado,
caindo num profundo mar de pensamentos. Não demorou muito
para as lágrimas esquentarem minhas bochechas, e quando dei por
mim, o choro havia engrossado para algo mais violento.
Chorei por horas.

***
Não sabia que horas eram, mas arriscava dizer que estava tarde
quando me levantei decidida a ser forte. Fui até a minha mala, e
decidi pôr algumas roupas no armário. Avistei meu celular sem
carga em cima do montante de pano e decidi colocá-lo para
carregar.
Procurei pelo carregador e fui até a tomada ao lado da cama.
Quando eu iniciei o Samsung J5 Prime, levei um susto com o tanto
de chamadas perdidas. Ao todo: 256 chamadas perdidas. 200 de
Rafa e 56 do meu pai.
Putz!
Havia me esquecido completamente de avisar Rafa. No entanto, o
dia anterior fora tão surrealmente inacreditável que talvez eu até
estivesse pensando que estaria vivendo em um universo paralelo.
Antes que eu pudesse retornar, o celular vibrou em minhas mãos.
Era Rafaela.
— Alô.
— Natália, é você? Meu Deus, é você Natália? – ela perguntou
assustada na linha.
— Sim, amiga. Sou eu.
— Ai graças a Deus, você está viva – ela exclamou suspirosa,
parecia aliviada.
— Claro que estou amiga. Por que eu estaria morta? – brinquei.
— Não brinca com isso, louca. Eu pensei realmente que estivesse
morta.
— Por que pensaria isto? – Perguntei confusa.
— Por que eu pensaria isto? – Ela repetiu sarcástica e em seguida
explicando: — Você não foi trabalhar hoje, então o que eu fiz? Fui
na casa do teu pai, então Marlene me disse que você se mudado de
repente e bateu a porta na minha cara, e, ainda de quebra, você não
atendia minhas chamadas, você quer o quê? Eu pensei que você
tivesse morrido em alguma sala de aborto e Marlene estava
escondendo o corpo...
— Calma, amiga! Respira!
— Cala boca, sua idiota! – Ela disse chorando. — Isto tudo é sua
culpa por desligar a bosta desse celular.
— Amiga, eu estou bem.
— E o bebê? Como o bebê está?
— Acho que bem também.
— Não estou entendendo? Marlene não mentiu ao dizer que se
mudou?
— Não, amiga. Eu realmente me mudei. Você nem vai acreditar.
Sabe aquela senhora que nos deu carona ontem a noite?
— Sei. Márcia, não é?
— Isso. Você está sentada?
— Fala logo, filhote de unicórnio.
— Ela é a mãe do Rick.
— É O QUE? – Ela gritou do outro lado da linha. Por alguns
segundos não pude ouvi-la.
— Rafa, você tá ai?
— Continua amiga, que agora tô sentada. – Eu ri e depois
prossegui:
— Ela me deixou em casa depois de te deixar em casa. Até aí tudo
bem, mas quando ela surgiu na porta lá de casa dizendo que era a
mãe do Rick...
— Passada...
— Pois é, miga. Ela explicou que iria arcar com as despesas, mas
mesmo assim papai se negou e ela acabou descobrindo sobre o
aborto. Na mesma hora, ela me perguntou se eu queria ir com ela...
Aí, eu aceitei amiga. Então ela acabou me trazendo para São Paulo,
mas especificamente, para a casa de Rick.
Um enorme silêncio se fez, calado por um grito histérico de Rafa:
— AAAAAAAAAAAAAAAAAH, AMIGA, NÃO ACREDITO! – Ela
gargalhava. – QUE MARAVILHA!
Refletindo um pouco entre as gargalhadas de Rafa, soltei:
— Não sei se é tão maravilhoso assim.
— Como não?

— 12 —
— Senhorita, acorde!
Abri os olhos com dificuldade, vendo a figura da senhora ruiva ao
meu lado.
— Olá, querida. Eu trouxe o café da manhã.
Levantei-me num ímpeto, um pouco assustada. Avistei no colo da
mulher a bandeja alumínio recheada de coisas gostosas, e subi o
olhar para ela.
— Desculpe-me por acordá-la! Mas fora a pedido de dona Márcia.
— Dona Márcia? Onde ela está?
— Ah, ela não está aqui. Ela teve que viajar com urgência para a
Alemanha.
— O quê? Alemanha? Ela está bem? – Perguntei preocupada.
— Sim, sim, querida. Ela só foi fazer alguns exames. – Ela disse e
pensei que não seria conveniente falar sobre a doença de dona
Márcia com aquela senhora. – Ah! Não me apresentei. Eu sou
Lúcia, a governanta desta casa. Sou governanta da casa dos
Maldonatos há 30 anos. Agora trabalho exclusivamente para Rick.
— Uau, 30 anos é muita coisa. Prazer, meu nome é Natália, mas
pode me chamar de Naty. Eu na verdade sou... – estanquei
pensando: conto ou não conto? – Na verdade sou uma amiga do
Rick.
— Não sabia que amigos faziam filhos. – A mulher respondeu me
deixando com o queixo caído. É claro que dona Márcia tinha
contado para ela. – Não fique com vergonha. Eu sou quase da
família e a ajudarei com o que eu puder – ela me lançou um sorriso
gentil e acrescentou: — ordens de dona Márcia.
Eu sorri nervosamente, e ela disse:
— Vou deixá-la sozinha para que possa comer à vontade – ela disse
com um tipo de olhar complacente. Ela saiu e pensei que apesar
dos pesares, eu havia conhecido pessoas que me pareciam muito
boas estes últimos dias. Parecia que quem só era arrogante e
estúpido era aquele idiota barbudo.
***
Eu passei praticamente quase o dia todo no quarto. Dona Lúcia me
chamou para me juntar a Rick no almoço, no entanto, eu sabia que
aquela não era uma boa ideia. Eu não queria afrontá-lo de graça.
Quanto mais eu evitar atritos nessa casa, melhor para mim.
Apesar de ficar quase o dia todo dentro de um quarto, quase nem
sentia solidão. Pois Rafa passou a tarde toda pendurada no celular
falando comigo. Com certeza, a gerente não estava no café. Era
segunda, e a movimentação costumava ser fraca por lá.
— Amiga, você não pode ficar o tempo todo dentro do quarto.
Amanhã vá pelo ao menos dar uma voltinha na cidade.
Rafa me sugeriu, fazendo-me pensar que aquilo era uma ótima
ideia. Eu não conhecia São Paulo, apesar de ter saído para comprar
roupas com dona Márcia, mas foi tudo muito rápido. Talvez sair um
pouco fosse me animar no dia seguinte.
— Amiga, vou desligar. Tô saindo do café. Tchau! Beijo. Fica bem.
— Despedi-me de Rafaela, me sentindo incrivelmente bem por ter
passado horas conversado com ela. Assustei-me quando vi que já
era noite.
Olhei para os lados naquele quarto, onde a solidão me circundava.
Suspirei e fui até o banheiro tomar um banho. Logo sairia daquele
quarto e exploraria aquela casa. Tomara que o tal Rick não esteja
em casa — Desejei. Afinal, não sabia nada sobre sua rotina.

***
Eu andava em passos furtivos pelo corredor de mármore, tentando
não ter encontros inesperados. Sim, eu estava tentando passear por
aquela casa sem esbarrar em Rick. No entanto, aquela casa estava
tão silenciosa que a única coisa que poderia encontrar eram almas.
Virando a esquina, adentrando a sala, dei de cara com a menina
com quem conversei na noite passada. Ela parecia estar tirando a
poeira dos móveis com um espanador de penas.
— Olá! – Eu disse baixinho me aproximando, roubando sua atenção
para mim.
— Olá! – Ela disse timidamente.
— Atrapalho? – Perguntei me sentando no sofá ao seu lado.
— Não! – Ela respondeu sem mais, e tornou a olhar o móvel.
— Ah, sobre a noite passada, eu fiquei extremamente arrependida
de ter a feito ficar. Eu não sabia que Rick apareceria. Ele lhe
repreendeu?
Ela olhou para os lados e disse:
— Podemos conversar em outro lugar? – Ela perguntou, então
assenti.
Ela guardou os materiais no baldinho de limpeza, então a
acompanhei até um corredor que não fazia ideia onde ia dar.
Chegamos a uma cozinha, com um balcão ilhado no centro e
armários tão brancos que reluziam ao ponto de quase me cegar.
Ela guardou os materiais na dispensa, e tão logo, voltou limpando
as mãos no avental.
— Aqui podemos conversar melhor – ela disse se sentando na
banqueta ao meu lado e me convidando a sentar junto.
Eu me sentei ao seu lado, e ela perguntou com um sorriso terno:
— Quer um pedaço de bolo?
— Não, não estou com fome. Talvez mais tarde.
— Está bem! Só perguntei, porque minha mãe certa vez disse que
grávida gosta de comer toda hora...
— Espere. Como sabe que estou grávida?
— Acabei escutando quando dona Márcia veio hoje pela manhã. Ela
falou isso para minha tia e contou muito mais.
— Sua tia?
— Sim. Minha tia é a Lúcia, a governanta dessa casa. Mas não me
gabo por isso, pois justamente por ser parente dela, o povo daqui
me trata ainda mais com rigor – ela disse revirando os olhos.
— Está falando do Rick? Ela te repreendeu?
— Que nada! Nunca o patrão me direcionou uma palavra. Mas
confesso que ontem tive medo de que ele me demitisse por ter
quebrado uma cláusula tão importante. Entretanto, sequer o vi hoje.
Quando me refiro “povo”, estou falando dos funcionários mesmo. É
cada cobra! – ela disse suspirando, fazendo-me lembrar das najas
do café o qual trabalhava.
— Sei bem – disse rindo. – E onde elas estão?
— Por aí, em qualquer lugar. Menos na cozinha. Elas não têm
permissão para entrar aqui. Só a Laura, a chefe de cozinha; e minha
tia e e8. Laura saiu mais cedo hoje, por isso que estou relax. Ela é
legal também...
Melissa continuou tagarelando por horas, tanto que nos
esquecemos da hora e ela nem percebeu o final de seu expediente.
Exatamente às nove da noite, ela saiu às pressas para os quartos
de funcionários, pois segundo ela, aquele era o horário de retirada
dos funcionários das dependências da área do patrão. Ninguém
poderia permanecer além dos seguranças.
Ela me deixou sozinha na cozinha, então aproveitei para olhar o que
tinha na geladeira. E puta merda! Tinha muita coisa gostosa. Peguei
bolo, queijo, iogurte, suco de laranja e fiz a festa.
Não sei por quanto tempo eu estava comendo, mas pela a intensa
escuridão que pairava na janela, arriscava dizer que estava se
aproximando da meia noite.
Espantei-me quando ouvi o som de uma gargalhada feminina se
aproximar e quando a voz grossa reverberou junto, quase tive um
micro-infarto, era Rick. Com o garfo na mão e a boca cheia, procurei
por um esconderijo. No entanto, ao invés de me esconder na
dispensa, eu acabei me metendo na brecha entre a geladeira e o
armário. Ainda bem que minha barriga ainda não tinha crescido,
caso contrário, não daria para me esconder ali.
— Você não tem nem ideia do que minha língua é capaz de fazer –
a voz da mulher soou interrompida, então inclinei um pouco a
cabeça para espiar o que estava acontecendo. A mulher de cabelos
negros, que batiam na bunda, estava entre beijos ardentes com
Rick.
— Então me mostre! – Rick afastou a moça e levou a mão para a
braguilha da calça. A mulher mordeu o lábio inferior em desejo, e ele
abaixou a calça cinza até os joelhos. Seu membro extragrande,
como bem me lembrava, estava tão duro que mal cabia na cueca
boxer. A mulher se prostrou em sua frente e esfregou a mão ali,
mesmo coberto.
Escondi minha cabeça de volta, rezando para que eles não fizessem
aquilo ali. Eu nunca havia me sentido tão mal fazendo coisa errada
como eu estava naquele momento.
Calma, Naty, eles vão embora logo! – repetia para mim, tentando
me acalmar.
No entanto, quando os gemidos de Rick irromperam aquele lugar,
eu comecei a suar como se eu tivesse numa sauna. Os gemidos
dele eram graves e roucos, deixando-me totalmente desnorteada
com aquilo. Não sei onde vi ou onde ouvi, mas lembro-me de algo
que mulheres grávidas também ficam sensíveis ao sexo. Deveria
ser o que estava acontecendo comigo. Uma mistura de repulsa,
insatisfação e, estranhamente, desejo.
Rick rasgou um gemido prolongado e eu dei graças a Deus,
pensando que ele finalmente tivesse gozado e saísse da cozinha
para eu poder sair dali também.
— Vamos para o quarto. Quero te foder todinha, coração.
Ouvi sua voz e suspirei aliviada.
— Espere, quase ia esquecendo. As bebidas! – Ele disse fazendo
com que eu prendesse a respiração e apertasse os olhos quando
escutei seus passos se aproximando. Ele abriu a geladeira, e ficou,
no máximo, alguns segundos lá. Senti-o fechar a geladeira e dei
graças. Esperei que sentisse seus passos afastarem, mas não senti.
Esperei mais um pouco, então pensei que ele já tivesse ido embora.
— O que você está fazendo aí? – Sua voz saiu feito um trovão,
fazendo com que eu tivesse um sobressalto e abrisse os olhos
encontrando com suas incisivas esmeraldas sobre mim.
Engoli em seco e tudo que consegui dizer foi:
— Oi.
A mulher se aproximou, perguntando:
— Quem ela é Rick?
Rick ainda continuava a me fitar com aquelas profundas esmeraldas
e respondeu:
— Vamos, Renata! – Ele disse sem tirar os olhos de mim. Ele pegou
a mão da mulher e ela continuou perguntando enquanto ele a
conduzia para fora da cozinha.
— Quem é ela Rick? – a mulher continuou insistindo, então ouvi
Rick comentar:
— Não é ninguém, meu bem. Apenas alguém sem valor.
Eu já havia me preparado psicologicamente para as palavras
grosseiras de Rick, no entanto, por algum motivo, me senti um lixo
quando aquilo saiu de sua boca. Sentia como se eu realmente fosse
sem valor.

***
Depois daquele episódio, retornei para o meu quarto. Demorei um
pouco a pegar num sono, mas quando dormi, foi para valer. Naquela
noite sonhei com muitas coisas, talvez, o excesso de informação
tivesse enchido minha cabeça. Demoraria um pouco para eu poder
me acostumar com aquilo.
Um feixe de luz que escapava da cortina que cobria a enorme
vidraça do meu quarto incomodava meus olhos, obrigando-me a
levantar. E quando levantei, quase caí dura no colchão novamente.
Rick estava sentado na poltrona no canto do quarto, trajando uma
camisa slim branca e suspensórios. Ele estava... fodidamente
gostoso.
— Bom dia, Dick Vigarista.
Demorei um pouco para raciocinar que ele estava fazendo
referência àquele personagem trapaceiro do desenho “a corrida
maluca”. Passei as mãos nos cabelos, que deveriam estar uma
bagunça.
— O que faz aqui? – perguntei.
— Engraçado. Tenho a impressão de ter feito a mesma pergunta
ontem à noite, mas não obtive resposta. – Ele disse cruzando as
pernas.
— Quer dizer que não vai responder?
— Eu poderia– ele dizia se levantando e resvalando as mãos para
os bolsos –, mas vou respondê-la. Eu vim avisar que seu contrato
está pronto.
— Que contrato? – perguntei não entendendo.
— Seu contrato de permanência aqui. Ou pensou que me
relacionaria apenas boca a boca. – Ele disse, parecendo refletir
sobre suas últimas palavras, meneando a cabeça de leve.
— E cadê?
— O quê?
— O contrato — disse óbvia.
— Está no meu escritório. Se vista adequadamente e vá até lá. A
primeira porta no final do corredor – ele disse passando o olhar pelo
o meu corpo e saindo pela a porta ao meu lado.
— Adequadamente? – Olhei para o meu pijama e corei quando vi
que o meu decote estava muito cavado. Cavado o bastante para ver
um pouco das aréolas dos meus seios. – Oh, céus! – Resmunguei
choramingando. Que vergonha!

***
Vesti uma calça jeans e uma camiseta listra de malha. Penteei meus
cabelos molhados em cima da penteadeira e suspirei pesadamente
ao pensar que iria encontrar com aquele ogro novamente.
— Coragem, Naty! – Disse para mim mesma em frente ao espelho e
sai para o corredor. – Última porta do corredor, foi o que ele me
disse. Caminhei até a última porta de madeira imbuía e inspirei
fundo, antes de adentrar a sala. – Coragem, Naty! – Disse para mim
mesma e entrei no calabouço.
Rick estava do outro lado da sala, falando no celular, sentado atrás
da bela mesa de vidro. O espaço era circundado por livros e era
impregnado pelo cheiro do perfume amadeirado de Rick.
— Pode entrar! – Ele balbuciou para mim, me indicando a cadeira
em sua frente. Tão logo ele se despediu da pessoa do outro lado da
linha.
— Então, Dick... – ele disse me tomando com os olhos, enquanto
me apelidava com aquele nome tosco.
— Por favor, apenas me chame de Natália.
— Então, Dick – ele prosseguiu irritante –, aqui está o contrato – ele
arrastou uma folha de papel pela mesa, me entregando.
Peguei o papel e perguntei seca:
— O que diz aqui?
— Nada demais, tudo o que já conversamos.
— Desculpa, não me lembro de ter conversado com você, apenas
me lembro de farpas e grosserias suas.
— Eu não tenho culpa se a senhorita só reparou no pior de nossas
conversas. – Ele disse cortante e logo disse: — Aí diz que a
senhorita morará nesta casa até o bebê nascer. Há tecnologias que
permitam que se faça o teste de DNA antes mesmo do bebê nascer,
mas como já conhece minha mãe, ela me implorou que fosse desse
jeito.
— Ela pediu isso?
— Sim, pediu. Eu quero que saiba que estou fazendo isso
unicamente por ser um pedido dela.
O jeito com que ele me olhou, fez com que eu sentisse um pouco
mal por aquilo. Era horrível saber que dona Márcia estava lutando
contra aquela doença.
— O que mais tem aqui? – perguntei cortando aquele clima.
— Humm... algumas cláusulas adicionais.
— Tipo?
— Tipo: nossa relação é estritamente contratual. Então você está
terminantemente proibida de se meter em minha vida. Não somos
um casal então não tem porque você...
— Definitivamente, não somos um casal – interrompi, e ele calou me
fitando um tanto irritado por ter o cortado. — É só isso? – Perguntei
arqueando as sobrancelhas. Ele assentiu.
Peguei uma caneta ao lado da mesa e assinei a borda do
documento.
— Prontinho! – Disse me levantando, e me curvando para
cumprimentá-lo. – Tenha um bom dia, senhor Rick. – Disse
sarcástica girando os calcanhares, pronta para sair dali.
Entretanto, João Miguel surgiu, abrindo a porta, me deixando
encurralada ali.
— Ah, aqui estão vocês! — João Miguel exclamou triunfante.
Vocês? Ele estava me procurando?
— Ah, oi! – Disse timidamente, preparando para desviar dele e sair
dali. – Dar licença!
— Epa! Epa! Epa! Onde você pensa que vai? – Ele segurou meu
braço. – Fique aqui! Tenho planos para você. – Ele falou me jogando
uma piscadela e logo voltou sua atenção para Rick. – Poxa
maninho, todo mundo lá na empresa está esperando por ti e você
aqui só namorando. Eu sei que o amor tá no ar, mas não precisa...
— Há— Há –Há – A risada sarcástica de Rick fez com que eu
olhasse o cretino por cima do ombro. Ele pegou um relógio da
gaveta do armário atrás da mesa, e encaixou no punho enquanto
dizia: — Estou indo pra lá. Eu havia avisado para Renata que
chegaria um pouco mais tarde. Ela não avisou?
— Avisou sim. Eu só tô te tirando.
— Como imaginei. Vamos?
— Pra onde? Para empresa? Ah, não sei se reparou, mas tenho
planos – João Miguel disse me olhando de esguelha. – Naty e eu
passaremos o dia juntos.
— Eu o quê? – indaguei incrédula, me metendo naquela conversa.
— Isso mesmo, cunhadinha. Hoje te levarei para fazer exames, a
pedido de mamãe. Já que o pai não vai, sobrou para o tio.
— Não precisa... quero dizer, precisa... Mas não agora... Não com
você... – titubeei envergonhada.
— Sem mais! Vamos logo que eu também sou um homem muito
ocupado. – Ele disse tomando minha mão para sairmos dali. – Até
mais, espero que saiba me recompensar futuramente. – Ele disse
para Rick que sustentava uma expressão nada amigável na cara.
Rick parecia me odiar ainda mais quando alguém de sua família se
aproximava de mim.
***
— Naty! Natália? Ei!
João Miguel triscou no meu braço, trazendo-me de volta para o
mundo real. Parece que eu havia entrado em outro mundo quando
ouvi as batidinhas daquele grãozinho de feijão. Céus, o que era
aquilo? Parecia que eu tinha uma orquestra sinfônica tocando em
minha cabeça, enquanto meu corpo estava eletrizado por um tipo de
energia estranha.
Era o meu bebê. Era uma parte de mim.
— Naty? Tudo bem?
— Oi? Estou sim -, disse tranquilizando o homem ao meu lado.
— Desde que saímos daquela sala, não falou nada...
— Não se preocupe comigo, estou bem... É só que...
— É só que...
— É só que eu acho que não estava preparada para isto.
— Eu deveria ter esperado um pouco – ele murmurou resmungando
enquanto chegávamos ao estacionamento do hospital onde João
Miguel havia estacionado o carro.
— Não é sua culpa, de toda forma eu iria ficar assim, independente
do dia. – Eu disse complacente, então ele me abriu um sorriso fofo.
***

— Chegamos! – João Miguel disse suspiroso ao parar o carro em


frente ao prédio gigantesco. – Vamos? – Ele perguntou destravando
cinto, se pondo para fora.
Não fazia ideia onde estávamos. Segundo João Miguel, era
surpresa. Era mais ou menos três horas da tarde. Havíamos
almoçado em um restaurante oriental. João Miguel era melhor que
eu pensava. Apesar de fazer muitas perguntas, ele era muito
divertido, arrancando boas risadas durante aquela manhã quente
em São Paulo. E cá estávamos, em frente a um prédio colossal,
estruturado por vidros temperados.
Destravei o cinto e antes que pudesse abrir a porta, João Miguel o
fez, como um perfeito cavalheiro.
— Onde estamos? – Perguntei mais uma vez.
— No prédio da Strack – ele falou abrindo um sorriso. Não fazia
nenhum sentido estar ali. Já bastava ter que encontrar Rick pelos os
corredores da casa dele, ter de encontrar ele na própria empresa
dele seria a morte.
— O que estamos fazendo aqui? Tá ligado que seu irmão me odeia,
né?
Ele riu com minha gíria.
— Não é pra tanto. Ele só fala as coisas da boca pra fora. Ele é um
cara legal. Mas não foi para ver ele que viemos aqui. Eu tenho uma
reunião daqui a dois minutos. – Ele falou mirando o rolex no punho.
– Como não queria a deixar em casa, pensei que pudesse aguardar
apenas uns minutinhos. Depois daqui a pouco a gente vai naquela
sorveteria famosa que te falei, ok?
Eu não estava em condições de negar nada.
— Ok!
Ele abriu um sorrisão, falando:
— Tenho certeza que vai adorar nosso prédio, já que fã de Star
Wars – Ele falou todo animadinho, lembrando da nossa conversa
durante o almoço. Nós seguimos pelo saguão, entrando em um dos
prédios mais bonitos que já vi em toda minha vida.
— 13 —
Quando João Miguel me disse que iria adorar aquele prédio, era a
mais pura verdade. Eu adorei aquilo. Era tão sofisticado e futurístico
que parecia que eu estava num filme. Talvez por eles produzirem
carros, a decoração se justificava.
No entanto, apesar do deslumbrante ambiente, não me parecia
divertido ficar sentada num banco de couro em uma sala de espera
por durante quase 1 hora. – Poxa, ele me prometeu que iria ser
rapidinho.
Céus, Naty! Você parece uma criança pensando assim.
Enquanto eu esperava, imaginava se Rick estaria ou não dentro
daquela sala, já que quando chegamos, a secretária havia
informado que todos já estavam na sala. Aliás, a secretária era a
Renata. A mulher que fizera serviços em Rick na noite passada na
cozinha, se é que me entende.
Resolvi folhear pela enésima a revista de negócios que estava na
mesinha de vime ao lado do sofá, quando uma voz triunfante saiu
de dentro da sala a minha frente.
— Que bom, meu caro Rick. A Generaléletrix está felicíssima com
essa parceria. – O senhor atarracado saiu ao lado de Rick que
sustentava um sorriso nos lábios. Sim, ele estava sorrindo. Nunca
pensei que fosse ver aquilo.
Rick resvalou o olhar para mim e como se sua boca tivesse
amargado, ele retirou o sorriso da face, ao passo que subi a revista
para cobrir meu rosto.
— Desculpa Naty, demorei, né? – A voz de João Miguel surgiu na
sala.
O que faço? – Pensei nervosa.
Num ímpeto, a mão de João Miguel circundou meu pulso, tirando a
revista de minha mão e me levantou fazendo com que os olhares
daqueles homens se voltassem para mim.
— Que moça bonita! Quem é ela? – O barrigudo, que saiu da sala
gargalhando com Rick, perguntou.
— Ah, ela é mãe do meu sobrinho.
— Sobrinho? Não sabia que Rick havia casado novamente.
Felicidades, meu caro! – O homem de riso fácil deu leves
palmadinhas no paletó de Rick que pareceu controlar-se. – Já estou
indo, qualquer coisa, já sabe, é só me ligar. – O homem falou se
despedindo, e logo após, acenou para todos ali.
Tão logo, aquela sala ficou mais espaçosa quando apenas restava
eu, João Miguel e o cavalheiro das trevas, Rick.
— Então, não vai cumprimentar a Naty? – João Miguel perguntou a
Rick.
Aquilo soou como uma provocação para Rick.
— Vá para o inferno, João. – Rick saiu dali, feito um bicho raivoso.
— Shiii, que bicho mordeu ele? – João Miguel perguntou coçando a
cabeça.
— Um bicho chamado Raquel – Renata, a secretária, saiu da sala
comentando.
— Raquel? A mesma Raquel que estou pensando?
— Essa mesma.
— Ela tá aqui?
— Não, eu ouvi ele falando com ela no telefone hoje mais cedo.
— Ah, agora tá explicado – João Miguel disse concluindo. A morena
ao meu lado desviou o olhar de João Miguel para mim e perguntou:
— Você está mesmo grávida do Rick?
— Ah, não a apresentei? Renata essa é a Naty, Naty essa é a
Renata, secretária do Rick.
— Prazer. – Disse jogando um sorriso tímido me lembrando da noite
passada.
— Eu a conheci na noite passada, só não sabia da gravidez. Esse
Rick! – Ela suspirou.
— O que estava fazendo na noite passada na casa do Rick? – Ele
perguntou desconfiado.
— Coisas, bebê. Coisas que só um homem e uma mulher solteira
podem fazer intensamente – ela disse enquanto saía deixando João
Miguel pensando.
— Não liga, não Naty. A Renata é... Ousada – ele disse cuidadoso,
como se não quisesse me assustar. No entanto, eu tinha a
impressão que não me assustaria mais com tanta pouca coisa.

***
João Miguel havia me deixado na casa de Rick no comecinho da
noite, depois de passarmos o resto da tarde conhecendo São Paulo.
Eu poderia ficar fazendo isto pelo resto da vida, já que ficar no
apartamento de Rick era sempre desconfortável para mim.
Aquela noite estava mais fria que a anterior, enquanto eu andava
pela casa silenciosa, atrás de um copo com água. Já havia dado
nove horas, e os funcionários já haviam se recolhido, restando
apenas os seguranças.
Fui até a cozinha, me hidratei e caminhei em direção ao meu quarto.
Quando cheguei à sala, me escondi no corredor quando ouvi Rick
entrar. Ele parecia furioso, andando em passos pesados. Sua
expressão estava tão rígida, que um frio na espinha irrompeu da
ideia de ele dar de cara comigo com todo aquele mau humor. Deus
me livre. Preferia dar de cara com Lord Voldemort.
Ele se afundou no sofá, jogando o celular para outra ponta do
estofado, cobrindo o rosto com as mãos. Ele ficou assim por breves
segundos e quando ele tirou suas mãos, percebi que ele chorava
silenciosamente. Seu rosto molhado refletia em meio à luz da lua
que recendia da enorme vidraça. De alguma maneira, eu fiquei com
pena dele. Por mais que eu não gostasse dele, eu não gostava de
ver ninguém chorar.
Antes que ele pudesse me ver ali, retornei para o meu quarto. No
entanto, eu não consegui dormi quando deitei a cabeça no
travesseiro. Eu fiquei por algumas horas pensando no que vi mais
cedo. Ver Rick chorar fez com que eu me lembrasse daquela
notícia. Rick era viúvo, de uma bela mulher, por sinal. Talvez a dor
da perda ainda estivesse agonizando seu coração. De perda, eu
bem entendia.

***

Algumas horas haviam se passado, e eu não conseguia dormir. Já


era 3 da madrugada e minha barriga roncava alto. Então, decidi
peregrinar de novo por aquela casa.
Tirei o lençol sobre mim, calcei minhas chinelas e saí pé ante pé
pelo o corredor. O que eu não esperava era escutar gemidos vindos
da sala. Caminhei até o final do corredor e espiei, porque eu não
sou de ferro, né?
A minha curiosidade me levou a uma das cenas mais obscenas que
já vira na vida. Rick, em pé, participava de uma orgia junto a duas
mulheres. Elas estavam ajoelhadas diante dele, enquanto pareciam
se unir para dar prazer a ele. A loira engolia o membro dele,
enquanto a outra chupava os seios da loira, enquanto Rick parecia
se satisfazer presenciando a cena de lesbianismo.
Engoli em seco, e como se tivesse no automático, saí dali.
Atordoada, fechei a porta do meu quarto, ainda chocada e me deitei
na cama.
Fora exatamente ali que senti as primeiras dores de minha
condição. Eu não sabia explicar, mas eu senti que ia vomitar. E sim,
corri para o banheiro e vomitei, levantando a cabeça e me
perguntando, fraquejando: — O que eu estou fazendo aqui?
— 14 -
Uma semana depois...
Uma semana havia se passado depois daquela noite. E noites
naquela casa ficavam cada vez piores. Rick levava mulheres para a
sala quase todos os dias. Eu sei que a casa é dele, mas ele não tem
um pingo de respeito por mim. Poxa, se ele queria transar, que
fosse em um quarto. Pra que fazer aquilo na sala?
Até cheguei pensar que seria de propósito, já que suas ironias e
tentativas de me atingir toda vez nos encontrávamos durante o dia
eram quase iminentes.
“Amiga, cheguei!” – A mensagem de Rafa estampou a tela do
celular.
Rafa não conseguiu esperar as férias e aproveitou o feriado para me
visitar. E agora, eu a esperava chegar ao condomínio de Rick.
Fui ao elevador para descer e pegá-la na recepção.
Quando nos olhamos, foi inevitável, as lágrimas caíram dos olhos
em meio à emoção. Um misto de saudades, ternura e dor fizeram
com que eu corresse e envolvesse Rafa num abraço apertado.

***
— Puta que pariu –, Rafa dizia admirada enquanto passávamos
pela sala. – Isso é de verdade ou eu tô sonhando? – Rafa perguntou
olhando o lustre de cristais em espiral.
— Linda, não é? Também fiquei assim semana passada. Lá dentro é
ainda mais bonito – disse me referindo aos aposentos laterais.
— Eu quero ver tudo! – Rafa olhou-me contagiante.
— Tudo não sei se podemos ver...
— O bonitão insuportável tá aqui? – eu já havia falado sobre o mau
humor do meu senhorio.
— Não.
— Então miga, a casa é nossa! – Ela disse me puxando pela
escada. Eu nunca havia subido as escadas.
— Amiga, aí não! Por aí é o quarto de Rick! – Adverti, porém
Rafaela não me deu ouvidos. Quando vi, já estávamos numa sala
de TV, repleta de estofados beges. Tinha tantos sofás e almofadas
que mais parecia uma loja de móveis, só que perfeitamente
sincronizados em uma constância elegante de tons.
— Será onde fica a cama do bonitão? – Ela perguntou varrendo com
o olhar para as portas ali. – Vamos por ali – Rafa disse me puxando
para a primeira porta que viu.
— Rafa... – Tentei repreendê-la, mas fora inútil, já estávamos
naquele quarto 5 estrelas.
A cama era mais alta que o normal, proporcional ao tamanho de
Rick. O colchão estava revestido por um edredom branco gelo e a
parede do quarto estava ocupada com um enorme quadro. E, aliás,
a tela estava rasgada no meio. Como se alguém fizesse isto
recentemente.
— Putz, é aqui que o bonitão dorme?— Ela perguntou.
— Tá parecendo – disse ainda muito assustada.
Rafa abriu a porta ao lado e falou:
— Uau, tem closet e tudo. Coisa de rico, né monamour? Outro nível.
O que será o que tem do outro lado?
— Rafa, pelo amor de Deus, vamos sair daqui. Se o Rick me pega
aqui, ele me mata.
— Amiga, calma. Não é pra tanto. Você não disse que ele passa o
dia na empresa?
— Sim, mas...
— Não existe “Mas”. Já que estamos aqui, vamos marocar tudo! –
ela disse abrindo a outra porta. – Caramba, isto é um banheiro? –
Ela falou entrando.
Em seguida, fiquei tão admirada quanto ela. Havia uma banheira
enorme rente ao vidro fumê na parede que dava vista para a miríade
de prédios lá fora.
Rafa correu para dentro da banheira e disse sentada lá dentro:
— Vem miga, aqui é lindo! – Ela falou olhando pela janela.
— Rafa!
— Para de besteira, guria. Entra logo aqui!
Pensei um pouco e cheguei à conclusão que estava sendo medrosa
demais. Rick estava na empresa e não tinha porque eu ficar com
tanto medo de ser flagrada. A não ser que os funcionários me
dedurem, no entanto, duvido muito, já que dona Lúcia estava do
meu lado.
Fui até Rafa e sentei em sua frente. Rafa estava com sorriso
enorme no rosto, denunciando que estava adorando aquilo. Ela se
aproximou me abraçando e sussurrou:
— Ah, que saudades miga! – Aquele “que saudades amiga”
significava muita coisa. Ainda tínhamos muito que conversar, só não
esperava que fizéssemos isso dentro da banheira do ogro.

***
— Tá ok, cinderela! – Rafa disse. – Agora, vou te chamar só assim.
Revirei os olhos.
— Cinderela tinha um príncipe. O Rick tá mais para um cavalo.
— Calma, amiga, é só questão de tempo.
— Questão de tempo? – Eu perguntei incrédula. – Nem fossemos
imortais acharia que ele mudaria. – Eu disse me lembrando do jeito
como ele me tratava. – Falando em tempo, acho que já está na hora
de sairmos daqui – disse me levantando da banheira e
massageando minha bunda.
— Ah, não! Tá tão gostosinho aqui – Rafa fez biquinho olhando para
a paisagem impressionante ao lado.
— Bora, Rafa! Agora é sério. Acho que o Rick está quase pra
chegar.
— Ok! Está bem! Vamos! – Ela disse se levantando.
Num ímpeto, quando ouvimos o som vir do quarto, fomos ao
assoalho da banheira com o coração na mão.
— Ele chegou – murmurei tremendo para Rafaela.
— Há alguma possibilidade de ser um funcionário? – Rafa
perguntou.
— Não sei – perguntei com a voz mais fina que a de um chihuahua.
— Pode ser algum funcionário amiga...
— Deus te ouça – disse já prevendo os latidos de Rick pra cima de
mim.
— Vamos ficar quietinhas aqui, até que essa pessoa vá embora.
Foi exatamente quando a porta se abriu e nós nos abaixamos para
espiar quem estava lá.
Céus, era Rick.
Céus, era Rick completamente nu.
Na mesma hora me abaixei ao ver seu membro balançando de um
lado para o outro. Olhei para Rafa que não piscava ao espiar o
homem que vinha em nossa direção.
— Rafa, se abaixa, peste! – pedi.
— Tarde de demais – Rafa murmurou alucinada.
Ergui a cabeça, dando de cara com a enorme tromba de Rick.
Engoli em seco com seu tamanho e foi preciso inspirar fundo para
conseguir erguer o olhar para o seu rosto.
Nos seus olhos tinham confusão e incredulidade, enquanto meu
rosto pegava fogo. Ele ficou parado nos olhando por um bom tempo,
completamente nu e em seguida perguntou:
— O que você está fazendo aqui? — Sua voz grave reverberou
confusa em meus tímpanos.
Nossa senhorinha das cinderelas oprimidas! O que digo?
Levanto-me feito um raio, tentando não olhar para o seu corpo.
— Desculpa! Eu me enganei. Vamos Rafa?
Rafa não desgrudava os olhos da anaconda de Rick, quando eu
peguei a mão de Rafa, me preparando para sair dali.
— Você não está pensando que vai escapar, né? – Ele perguntou
segurando meu braço. Ele olhou para Rafa e disse: — Nos deixe a
sós.
Rafa me olhou e contra minha vontade, tive que assenti para Rafa
sair.
— Tem certeza?— Ela perguntou.
— Tenho!
— Tudo bem – Rafa saiu da banheira e, em seguida, saiu do lavabo.
— Quem é ela? – Ele perguntou incisivo. Até parecia meu pai me
dando bronca.
— Uma amiga. – Falei olhando para o chão, tentando não fazer
contato com a anaconda.
— Ah, uma amiga! Quer dizer que já está tão à vontade que
resolveu trazer uma amiga a minha casa, ou melhor, para o meu
banheiro. – Ele não gritou, mas soou como tivesse.
— Desculpa, tá? Eu não sabia... – Levantei a cabeça e estanquei
meio zonza.
— O quê? O gato comeu tua língua? – Ele perguntou ríspido.
— Você pode se vestir ao menos?
— O quê? Está com vergonha, senhorita Dick Vigarista? Que
surpresa. Não sabia que mulheres como você tem algum tipo de
vergonha...
— Primeiro, meu nome é Natália. Segundo, eu tenho sim vergonha
na cara. E terceiro... – falei espumando. Não aguentava mais ouvir
humilhações. – Não me compare com tuas mulheres. Eu não faço o
tipo que me rebaixo por qualquer merda. – Disse quase gritando.
— Engraçado que pra fazer filho de um merda...
— QUE SE FODA! VÁ PARA O INFERNO, RICK! – Gritei. Minhas
mãos trepidavam enquanto meus olhos estavam cheios d’água. Era
como se eu não aguentasse mais. Rick me olhou espantado. Ele
piscou duas vezes pasmo, então aproveitei para sair dali.
Chegando a sala de estar, Rafa me olhava preocupada com meu
estado.
— Por favor, amiga, só me tira daqui – pedi entre lágrimas.

***
— Isto é tão injusto! – Choraminguei, enquanto encarava a sopa de
legumes em minha frente, enquanto Rafa se esbaldava num
cachorro quente lotado de batata palha.
Depois de ter brigado com Rick, acabei saindo com Rafa para dar
uma volta em São Paulo e espairecer um pouco. E não tinha certeza
se voltaria para aquele apartamento naquela noite.
— Amiga, pensa na saúde do bebê. Se comer só besteira, ele não
vai se desenvolver saudável.
— Tudo bem, já entendi! Mas uma batatinha não faz mal, né? –
Disse pescando um riste de batata do cachorro quente dela.
— Só essa – Ela disse feito um general.
No fim da noite, acabei indo dormir na casa da tia de Rafa. Ao
contrário da mãe de Rafa, Dona Sônia era uma pessoa mais
complacente e generosa, e acabou me acolhendo muito bem
naquela noite.
— 15 —
Rick

Merda!
Merda! Merda! Mil vezes merda!
Por que ela tem que me perturbar novamente? Depois de anos, o
que Raquel queria comigo? Eu não fui claro quando disse que
preferia ver qualquer pessoa no mundo em minha frente ao ter
escutar sua voz?
Raquel era do tipo de mulher que qualquer homem deve ficar longe.
Bonita, inteligente e sagaz, ela me teve nas mãos no passado.
Agora o que ela queria de mim? Eu amei essa mulher como se
fosse minha própria vida pra no final descobrir que ela estava
tentando engravidar de mim para receber uma pensão bem gorda
para viver uma vida de dondoca no exterior. Eu poderia ter dado
essa vida a ele se ela não tivesse más intenções. Uma coisa que
aprendi nesse mundo é que não devemos dar nada a ninguém, a
não ser que isso se trate de caridade. Ninguém me deu nada até eu
construir o que tenho hoje, mesmo vindo de família com condições
favoráveis. Tudo que conquistei hoje foi fruto de muito estudo,
esforço e dedicação. Não foi sorte ou bondade de meus pais. Muito
pelo contrário, eles não me deram nada além de educação. Fico
pensando se eu não tivesse descoberto há tempo. Fico pensando
se eu não tivesse a sorte de conhecer Amélia. Mesmo sendo por
pouco tempo, ela estancou a ferida em meu coração. Eu amava
Raquel, e saber que ela não me amava me fazia duvidar de mim. No
entanto, Amélia me deixou eternamente de luto. Fico pensando
porque as coisas ruins acontecem com as melhores pessoas.
Amélia era boa, bonita e rica.
O que me dá mais raiva é pensar que meu coração ainda bate forte
toda vez que escuto a maldita voz de Raquel.
Aquela semana tinha sido difícil, a própria Raquel me ligou. Foi
apenas um telefonema para me levar de volta ao passado.
Agora não tinha Amélia, então apelei para o sexo. Fodi feito um
louco durante uma semana, mas ainda sim me lembrava daquela
traiçoeira. O mal era que ela continuava linda.
Agora se não bastasse, tinha a tal Natália, a Dick Vigarista. Céus,
como aquela mulher me lembrava Raquel. Pobre, com o nariz
empinado e toda cheia de si como se fosse honesta. E o pior, ela
tinha uma boca irritantemente carnuda. Minha vontade era pegar
pelos beiços, entre dentes e beijá-la ferozmente, descontando toda
minha raiva. Eu sabia que não poderia fazer aquilo, no entanto, não
passavam de pensamentos, pensamentos estes que escondia com
palavras grosseiras. Era meu mecanismo de defesa. Cair no golpe
do vigário uma vez era inocência. Agora, duas vezes, aí é burrice.
No entanto, me assustei quando ela gritou comigo hoje mais cedo e
saiu correndo chorando. Confesso que não esperava por aquilo.
Com o copo de uísque na mão, eu esperava a mulher de Cláudio,
um dos sócios da empresa. Sua mulher me dava um tesão enorme.
Loira siliconada, com um rabo gostoso. Sempre soube que ela
estava louca pra trepar com o chefe do seu marido.
Aquela noite nós iríamos nos divertir muito, diga-se de passagem.
De longe, sentado no sofá, avistei-a saindo do elevador com um
vestido vermelho que se ajustava muito bem em suas curvas. Ela
desfilou até mim, fazendo-me levantar quando ela se aproximou.
— Boa noite – eu disse com o meu tom de voz de caçador, e ela
retribuiu com um beijo lento e sexy no pescoço, enquanto eu
pousava a mão em sua lombar, logo acima de seu rabo pomposo.
— Boa noite, meu rei -, aquele tom me dizia tudo, aquela noite iria
render. Deslizei minha mão mais para baixo, então ela me
repreendeu: — Vamos com calma, baby – ela disse se desfazendo
das minhas mãos e virando para mim, caminhando em minha frente,
me provocando com aquela bunda gostosa. Não resisti, avancei e
uni meu corpo no dela, pressionando meu cacete no seu rego. Ela
soltou um gemido, e eu sussurrei:
— Você não está querendo ir com calma, não é meu anjo? Seria
uma pena gastar todo o meu tesão para conversas fiadas. – Disse
beijando seu pescoço. – Tô louco pra saber a cor da tua calcinha –
disse entre beijos.
— Quem disse que vim de calcinha? – Ela falou com aquela voz de
mulher tímida. Cláudio havia se casado com uma profissional,
pensei.
Girei seu corpo e a beijei feito um animal. Eu precisava daquilo. Eu
precisava aliviar a tensão dentro de mim. Estava muito bom o
momento quando o som das portas do elevador soou.
Minha mãe entrou na sala pigarreando alto, fazendo com que eu
repelisse nossos corpos.
— Boa noite –, ela falou se aproximando e olhando Verônica de
cima a baixo. – Boa noite, Verônica – ela disse surpresa.
— Boa noite, dona Márcia. – Ela não se intimidou.
— Me chame de Márcia, afinal, não é como você fosse uma
jovenzinha. – Minha mãe disse com seu humor agradável. Mamãe
virou para mim e perguntou: — Onde está Natália?
Dei de ombros e respondi:
— Não sei.
— Ok! Vou procurá-la...
— Ela não está aqui.
— Se não está aqui, onde foi? João Miguel veio aqui?
— Não. Ela saiu com uma amiga.
— Ela disse para onde ia?
— Por que ela diria algo para mim?
— O que falou para ela antes de sair, Rick?
Eu cocei a cabeça, lembrando de nossa discussão.
— Vocês não brigaram, não é mesmo? – Minha mãe sempre
pegava as coisas no ar.
— Verônica, você poderia subir para o quarto? – Perguntei para a
mulher ao meu lado.
— Verônica, pegue suas coisas e vá embora imediatamente. –
Mamãe ordenou.
Verônica ignorou minha mãe e começou a subir as escadas.
— Seu marido sabe que está aqui? – Minha mãe perguntou e
Verônica parou. – Vá embora antes que eu perca a paciência.
Verônica ponderou as palavras de minha mãe e logo tomou o
caminho de volta.
— Rick, você me prometeu...
— O que eu prometi? Prometi que a deixaria ficar aqui por 9 meses.
— Você está infernizando a vida...
— Infernizando? Eu não estou infernizando. Quem está infernizando
minha vida é a senhora me obrigando a manter aquela moça aqui
dentro contra minha vontade.
— Eu estou infernizando sua vida? – minha mãe perguntou
ofendida. – Saiba que eu... – ela estancou as palavras passando a
mão no rosto e se apoiando no sofá.
— Mãe... – voei preocupado, aparando-a. – Você está bem?
— Estou sim. Não passa de uma tontura boba –, ela disse sentando
no sofá, um pouco cambaleante. Ajoelhei-me em sua frente, então
ela pegou meu rosto, falando: — meu filho, por favor, ache a Naty.
Se brigaram, ela deve estar magoada.
— Mãe...
— Você disse que faria isso por mim. E a única coisa que peço é vá
atrás da mãe do teu filho.
— Eu não sei pra onde ela foi.
A voz de Lukas, o segurança, que provavelmente trouxe minha mãe
do aeroporto entoou:
— Michael sabe onde está. – Ele disse se referindo ao motorista.
Olhei minha mãe, que me jogou um sorriso terno e encorajador.

***

— Onde você se meteu? – bufei no banco do motorista. Segundo


Michael, ele havia a deixado numa lanchonete na Rua Augusta, mas
de longe dava pra ver que não tinha ninguém ali. Estacionei o carro,
desci e caminhei até lá. Entrei no recinto e me direcionei ao caixa.
— Olá, boa noite. Você sabe me dizer se uma menina branca, de
cabelo castanho escuro, acompanhada de outra garota de cabelos
cor de rosa, passou por aqui? – perguntei ao senhor de cabeça
branca.
— Boa noite... Hummm... Acho que não me lembro... – ele parecia
confuso.
— Sim. Ela estava aqui. — Uma mulher de mais ou menos quarenta
anos saiu da cozinha secando as mãos numa flanela.
— Você lembra, mulher? – O homem perguntou ainda confuso a
companheira.
— Claro que sim, Zeca. Acho que o homem refere-se à amiga da
sobrinha de Joana.
— Ah, é mesmo! Ela tinha cabelos castanhos. Muito sedosos por
sinal.
— Você disse “sobrinha de alguém”? Você pode me dar o endereço
dessa mulher?
— Claro! – Ela disse e depois repensando: — Mas antes terei que
saber o que é pra moça.
Ela não poderia só passar o endereço? – Pensei.
Ela parecia estar um pouco relutante em fazer isto, então disse:
— Eu sou o pai do filho dela – aquelas palavras saíram fortes de
minha boca.

***
Eu estava parado por horas do outro lado da rua de uma casa
humilde na periferia de São Paulo. Eu simplesmente não consegui
sair do carro. Era como se eu fosse perder minha dignidade ao pedir
para Natália voltar para casa.
— Ah, mãe, por que tem que ser tão chantagista?
Num ímpeto, meu coração disparou ao ver a porta ser aberta. Uma
menina de cabelos rosa saiu de lá carregando um enorme saco de
lixo. E logo atrás vinha ela. Natália.
— Agora, Rick! – Disse abrindo a porta e atravessando a rua. –
Dick! – disse subindo na calçada.
Natália me olhou surpresa e balbuciou meu nome: — Rick!
— Olha, se veio humilhar minha amiga, pode cair fora daqui – a
menina de cabelo rosa rosnou.
— Não, eu só quero conversar com você, posso? — Perguntei à
Natália, que assentiu.
A menina ao nosso lado jogou o saco na lixeira e entrou na casa me
encarando.
— Ande, fale o que tem pra falar! – Dick disse.
— Você não vai voltar essa noite?
— Não. Na verdade, tô pensando em voltar nunca mais.
— Minha mãe voltou.
— O quê? Dona Márcia voltou da Alemanha? – Perguntou afoita.
— Sim. A primeira coisa que ela perguntou foi sobre você.
Ela olhou para o chão, então continuei.
— Ela não vai sossegar até que volte.
— Desculpa, mas não posso fazer nada. Dá licença – ela disse
virando-se.
— O contrato. Você assinou. Caso você não fique na casa pelos
meses acordados, terá que pagar a rescisão. – Ela estancou e por
fim disse:
— Faça o que quiser. Eu não tenho nada de material nesse mundo
para perder.
Ela prosseguiu, deixando-me frustrado.
Num rompante, caminhei até ela e a alcancei, e quando vi, já estava
com o seu corpo nos ombros levando-a para o meu carro.
— Solte-me – ela dizia me chutando.
— Calminha! – Eu disse ajeitando seu corpo no meu ombro.
— Minha barriga! Solte-me! Doe. – Agora ela pedia desesperada.
No mesmo instante, coloquei-a no chão, enquanto a via se
contorcer.
— Isso é sério? – Perguntei um pouco nervoso.
— Sim, o bebê – ela disse com as veias saltando na testa.
Nunca me sentira tão aturdido na vida como naquele instante.

***

Eu aguardava na sala de espera, agoniado com tanta demora. Eu


odiava hospital, especialmente odiava esperar em um hospital. Eu
esperava ao lado da menina de cabelos rosa que estava tão
nervosa quanto eu.
— Senhor Rick, — a enfermeira apareceu, e eu me levantei. — O
doutor pediu para que entre.
Fiquei nervoso com aquilo, não entendendo o porquê de meu
coração estar quase saindo pela boca.
— Depois eu saio para que você entre, ok? – Disse à garota que
parecia não ir muito com minha cara.
Entrei e dei de cara com a Dick deitada na maca. Ela abriu os olhos,
fazendo com que meus ombros relaxassem.
— Olá. Você que é o Rick, o pai do bebê?
Pai do bebê? Engoli em seco e assenti.
— Sim. Como ela está?
— Agora está muito bem! Se não chegassem a tempo, talvez não
pudéssemos estabilizar sua situação. Sente-se, temos algo a
mostrar. – O doutor falou.
Esfreguei as mãos no jeans e me sentei ao lado da Dick.
— Olhos na tela papai – ele disse fazendo com que minha atenção
se voltasse a tela no canto direito da maca.
Com a imagem embaçada, era possível ver o grau de feijão
palpitando de forma frenética e quando percebi o som de algumas
batidas abafadas, o doutor disse:
— É o coração. É o coração do seu filho.
Eu nunca acreditei que Natália estivesse mesmo grávida de mim.
Mas o som daquelas batidas mexeu comigo. Talvez o instinto fosse
maior que razão.
— A Natália apresentou um quadro de estresse agudo quando
chegou no hospital, e isso pode prejudicar muito o sistema
imunológico dela, e consequentemente, pode ocasionar o
descolamento da placenta. Já que o senhor é o pai do bebê, sugiro
que a ajude nesse momento tão importante que é a gestação.
Pisquei duas vezes, fitando o Doutor, me sentindo culpado por isso
ter acontecido com a Dick.
— Posso contar com o senhor? – ele me inquiriu.
Dick e eu nos entreolharmos, soltei o ar dos pulmões e respondi:
— Claro.
— 16 —
Natália
Eu esperava ao lado de Rick o elevador abrir as portas. Nunca me
senti tão claustrofóbica quanto eu estava naquele momento. Rick
havia deixado Rafa na casa da tia e me trouxe de volta ao
apartamento.
Durante todo o percurso ele não falou muito, no entanto, deixou bem
claro que não permitiria que eu deixasse sua casa. Segundo ele,
aquilo era por causa da dona Márcia, porém, depois da
ultrassonografia, permiti-me iludir que ele talvez estivesse
finalmente aceitando minha gravidez.
— Vamos! – Ele pousou a mão na minha costa e me conduziu para
fora.
Caminhamos até a sala e antes que pudesse tomar meu rumo,
sozinha, ele falou:
— Espere! Temos algo a conversar.
— Eu estou cansada.
— Só alguns segundos. Não vai demorar. É sobre minha mãe.
— O que tem dona Márcia? Onde ela está? Ela está bem?
— Sim. Ela está bem. Ela foi para casa descansar, ela estava
preocupada com você.
— Por isso foi me buscar? Por que ela lhe obrigou?
Ele suspirou e confessou:
— Sim. Eu fui porque ela me pediu. Mas... – Ele estancou.
— Mas...
— Nada.
— Então é só?
— Parece que sim. – Ele disse então me virei e se apressou: —
Parece que não. Por favor, eu sei que devo ter te magoado, mas
peço que me perdoe.
— Me perdoe? – sussurrei como se aquilo não tivesse saído de sua
boca.
— Sim. Desculpe-me pelo o modo que tenho te tratado.
Meu coração amoleceu com aquilo, então ele prosseguiu:
— Mesmo que seja uma vigarista, eu não devo tratá-la assim, afinal,
você carrega um bebê meu no seu ventre.
Virei-me ainda sem acreditar.
— Você ainda acha que eu sou vigarista? – Perguntei incrédula.
— Estar grávida não te isenta daquilo que fez para estar assim.
— Eu não acredito – eu estava irada.
— Se quiser ir dormir agora, já terminei com você... não se estresse
está bem? Irei ponderar mais as palavras direcionadas a você.
— Vá para o inferno idiota estúpido – disse antes de sair fincando
meus pés com força no piso reluzente, o deixando piscando
freneticamente.
Eu não acreditava que tive, mesmo que por 1 segundo, um
sentimento bom por aquele ser. Minha vontade era de gritar até
minha voz acabar. Fui até o meu quarto e me joguei suavemente
contra a cama. Eu estava cansada e com muita raiva. No entanto,
graças a Deus o cansaço venceu.

***
Acordei no meio da noite. Eu estava urrando de fome. Minha barriga
roncava tão alto que mal conseguia dormir. O jeito foi me levantar e
procurar por comida. Saí em direção à cozinha e quando passei
pela sala, bufei. O idiota do Rick estava sem camisa dormindo no
sofá, com aquele corpo todo esparramado no sofá comprido.
Prendi a respiração e passei por ali sem que acordasse a fera. Tive
sucesso ao chegar à cozinha, sorvendo umas boas lufadas de ar
para restabelecer meu pulmão.
— Idiota estúpido – resmunguei.
Olhei para a geladeira e fui até lá. Se eu tivesse sorte, aquela torta
holandesa que vi ontem na primeira prateleira ainda estaria lá. Abri
a porta e me decepcionei.
— Poxa, queria um pouquinho de chocolate – choraminguei.
Encurvei-me para frente, pousando as mãos nos joelhos, tentando
achar algo que me agradasse nas prateleiras de baixo. Tinha pudim
de leite, mouses, torta de morango e uma infinidade de geléias com
o rótulo em francês.
— O que eu escolho? – pensei alto, tamborilando meus dedos nas
coxas.
— Acho que um pedaço de torta seria uma ótima escolha – a voz
grave soprou contra meu pescoço, fazendo com que meu corpo
levanta-se num ímpeto e desse de cara com Rick.
Jesus! Minhas pernas ficaram mais moles que geléia de mocotó.
Rick estava como mais cedo, como quando o vi na sala: sem
camisa, com uma calça de moletom que deixava o delineado do V
entre seu ventre à mostra.
Meu peito batucava forte enquanto eu hiperventilava. De repente,
minhas pernas falharam e, no mesmo instante, Rick me aparou
contra seu abdômen quente.
Nós ficamos assim por longos segundos, o suficiente para o meu
corpo ficar em chamas.
— Você está bem? – sua voz grave me enlouquecia e pensei que
talvez a gravidez tivesse aguçado minha libido.
Ergui o olhar e dei de cara com aqueles lábios sexys e convidativos
de onde saíam tantos insultos direcionados a mim. Rick parecia tão
vulnerável quanto eu, já que sentia a corrente de desejo na forma
com que sua mão apertava minha lombar.
— Eu estou bem – disse contra sua boca. Minha voz saiu
adocicada, então ele mordeu o lábio inferior, me apertando mais
contra ele.
Eu não queria admitir, mais eu estava ardendo em desejo enquanto
ele me apertava contra si e poderia sentir os efeitos que eu estava
causando nele. Seu volume dentro do moletom não escondia a
agressividade, e eu estranhamente estava começando a ficar
molhad...
Céus, o que eu estava fazendo?
Despertei de meu transe e serpentei meu corpo para fora de seus
braços.
— Solte-me. – Disse nervosa. – Nunca mais ponha as mãos em
mim – disse alterada como uma descontrolada, e saí correndo com
a respiração descompassada.
O que foi aquilo? Ele agora queria me seduzir? Como assim? Ele
queria me comer só pra deixar claro que eu era uma merda? Pois
ele tava muito enganado. Eu nunca cederia. Nunca perderia minha
dignidade.

***
Acordei péssima. Às 7 da manhã. Eu nem dormi direito. Se é que
dormi. Acabei levantando para tirar Rick dos pensamentos e a
maldita fome da barriga. Tomei uma ducha, me arrumei e saí pela
casa. Percebi que os funcionários estavam chegando e levei um
susto quando dei de cara com dona Márcia.
Ela guardou o celular no sofá quando me viu.
— Dona Márcia.
— Naty, querida – ela se levantou vindo me abraçar. – Bom dia
querida, não sabia que estaria acordada uma hora dessas – ela
falou se repelindo.
— Bom dia – disse timidamente. – Como a senhora está? Como foi
lá na Alemanha?
— Tudo ótimo, querida. Muito melhor que eu esperava. E você?
Diga-me, como você ficou? Tem passado bem aqui?
— Sim – menti. No entanto, ela falou:
— Não precisa mentir querida. Eu soube da briga que tiveram
ontem. – Ela disse e fiquei sem palavras. Não tinha muito a dizer.
Afinal, não poderia xingar o seu próprio filho na sua frente.
— Pois é...
— Por isso que vim logo hoje. Tenho planos para nós.
— Planos?
— Sim, sim, querida. Não irá ficar nessa casa. Pelo menos nos
próximos meses.
— Não tô entendendo...
— Nós voltaremos pra Santa Catarina, filha. Eu tenho uma linda
casa de campo em Joinville e é pra lá que iremos.
De repente, a voz de Rick se fez:
— É isso mesmo? Você a levará pra aquele... – ele engoliu em seco
– lugar? – Rick parecia pasmo, mais que eu.
A cada dia que pensava que eu finalmente iria tomar as rédeas de
minha vida, chegava uma notícia e abalava os caminhos que eu
pensava que minha vida iria tomar.
— 17 —
Natália
Parecia que eu estava tendo um Déjà Vu. Não fazia nem um mês
que estava na casa de Rick e já estava me mudando novamente.
No carro, já em Santa Catarina, a caminho a tal casa de campo,
dona Márcia e eu conversamos sobre tudo. Especialmente sobre
nossas lembranças.
Dona Márcia me contou sobre a infância de Rick e João Miguel.
Contou que ia todas as férias a casa de campo a qual estávamos
indo. Contou sobre seu temperamento fácil, fazendo-me duvidar
muito que aquele Rick dócil e gentil era o mesmo o qual eu lidava.
— Ah chegamos! – ela disse enquanto atravessamos um lindo
campo de margaridas. Olhando mais longe dava para ver uma casa
no alto da montanha. Uma bela e charmosa construção de madeira.
Subimos até lá, por uma estradinha íngreme, e logo estávamos
tomando nossas malas do porta-malas.
Dois homens apareceram e nos ajudaram com o peso.
Uma senhora de cabelos grisalhos e de avental surgiu no pé do
terraço em nossa frente e desceu as escadas dizendo:
— Dona Márcia! É a senhora mesmo?
— Sim, Maria. Sou eu. Vim pra ficar.
Dona Márcia disse para a senhora, que abriu um sorriso encantador.
— Essa é a Natália, minha nora – dona Márcia disse me deixando
envergonhada.
A mulher colocou os olhos em mim em espanto e tentou disfarçar.
— Nora é? Vão se casar? – Uma voz jovial irrompeu no espaço.
Olhei para o terraço e encontrei a dona da voz, a mulher de cabelos
castanhos na altura dos ombros. Muito bonita, por sinal. Teria no
máximo 27 anos.
— Sim, Raquel. Rick e Natália vão se casar – Dona Márcia disse e
não interferi, mesmo sabendo que aquilo não era verdade.
No instante, tive impressão que a mulher ficou abalada com as
palavras de dona Márcia, mas era só impressão. Não conhecia
aquela mulher para afirmar algo.
Dona Márcia subiu as escadas e eu a segui. Aquela casa era
enorme, aconchegante e arejada. Tinha janelas pra todos os lados.
E tinha atmosfera incrível. Por todos os cantos tinha fotos de dona
Márcia com seus filhos e com o marido. Aliás, antes de alçamos vôo
em São Paulo conheci o senhor Maldonato: é um senhor sério e de
pouca conversa. No entanto, prometeu a dona Márcia que iria a
Santa Catarina o quanto antes. Segunda ela, o senhor Maldonato
estava acostumado com as permutas da esposa, e já não ligava
mais se moravam em São Paulo ou em Santa Catarina.
Ela me acomodou no quarto de Rick, mesmo eu insistindo que eu
poderia ficar no quarto de hóspede.
Eu não sabia o que aquele lugar poderia significar na minha vida,
mas logo de cara senti a energia forte que passeava por ali.
1 Meses e 15 dias depois...
Um tempo tinha se passado desde que vi Rick pela última vez. E
aquilo não fazia a menor diferença em minha vida, mas... Por que
“mas”? Não precisamos de “mas”.
Eu seguia mais um dia lindo naquele lugar abençoado por Deus.
Acordava com o piado dos passarinhos e com o forte farfalhar das
folhas, e aquilo me deixava mais feliz. Meu filho crescia cada vez
mais em meu ventre, já apontando uma barriga saliente.
Raquel surgiu na cozinha dizendo:
— Um carro está vindo aí. – Ela falou comigo, fazendo com que eu
estranhasse tal atitude. Ela nunca falava comigo.
— Deve ser João Miguel – falei.
João Miguel sempre encontrava um tempinho para vir me visitar,
afinal, tínhamos nos tornado grandes amigos.
Abandonei o copo de café na mesa e fui correndo para recepcioná-
lo. Chegando lá, vi que não se tratava da Frontier de João Miguel, e
sim de um volvo grafite.
O carro parou na beira da escadaria, e como se eu tivesse um
pressentimento, um frio irrompeu minha espinha e Rick saiu do
veículo. Seu olhar pairou em mim, ao passo que seus dedos
embrenharam seus longos fios dourados.
Ele bateu a porta e seguiu para a escadaria, alcançando o topo e
me intimidando com sua altura descomunal. Eu me sentia uma
tampinha perto daquele homem, no entanto, eu não me sentia
inferior. Não me permitiria ter esses tipos de sentimentos, eles não
ajudam em nada, não é mesmo?
— Olá – eu disse, e ele me fitou, resvalando as mãos para os bolsos
da calça jeans escura. – Não sabia que vinha...
— Nem eu.
Ele me surpreendeu, me respondendo sem parecer rude.
— Onde está minha mãe?
— Eu não sei. Acho que ela saiu ainda quando eu estava dormindo.
Ele me olhou de cima a baixo e balançou a cabeça dizendo:
— Ok!
— Ok? – indaguei.
— É... Ok! – ele disse.
Não sei se foi por falta de assunto ou porque simplesmente a
conversa não flui entre nós dois, mas eu me virei para adentrar a
sala. E Rick fez o mesmo.
Não tinha previsto que ele viesse atrás, no entanto, o grandalhão
loiro me seguia pela casa até eu parar na cozinha. Chegando lá,
Raquel estava cozinhando algo no fogão.
— Quem era? – Raquel perguntou sem se virar.
Eu ia falar, no entanto, uma energia pareceu preencher toda a
cozinha.
Demorou, mas a voz de Rick saiu grossa e firme:
— Eu.
Num ímpeto, Raquel virou-se e encarou Rick. Ela estava
embasbacada com a presença de Rick ali.
— Como vai, Raquel? Já faz um tempo...
Raquel deixou cair o talher das mãos, fazendo uma zoada
estridente.
— Tudo bem? – perguntei a moça que parecia perplexa. No entanto,
não obtive respostas dela, porém Rick falou:
— Sim. Ela sempre está bem.
O climão perdurou por alguns longos segundos, no entanto, Rick se
pronunciou rompendo o silêncio.
— Saia! – Ele ordenou com um tipo de torpor na voz, um tanto
grosseiro,
Idiota, — pensei me virando para sair dali.
— Você não – ele segurou meu braço e completou: — Você fica.
Estou dizendo para a criada. Saia imediatamente.
— Não sei de onde tirou a ideia de que sou sua criada, no entanto,
não vou sair. Esta casa é de dona Márcia e eu sou funcionária dela.
— Malcriada como sempre.
— Malcriada? Será se ele não se enxerga? – murmurei.
— O que disse? – perguntou a mim.
— Nada não – respondi mostrando os dentes.
— Vamos!
— Pra onde? – indaguei confusa.
— Só vamos! – ele segurou minha mão, e Raquel disse:
— Parece que seu sonho vai se tornar realidade. – Rick estancou e
ela prosseguiu: — Será que te fará feliz ter um filho de uma mulher
que não ama? – Aquilo não atingiu só a Rick
— Quem disse que não a amo? — Rick perguntou.
— Não precisam me dizer. Sei que teu coração ainda bate por mim.
Eu olhei Rick que balançou a cabeça e me fitou:
— Não escute essas baboseiras, Dick. Não quero que nosso filho
nasça com sequer um resquício de cinismo. – Ele apertou minha
mão e voou comigo ao seu lado.
Andávamos pela casa sem desferir uma sequer palavra. A cabeça a
mil, era o que imaginava como Rick estava se sentindo a partir de
suas expressões. Atravessamos a casa até chegar ao seu quarto.
Ele abriu a porta e soltou minha mão, finalmente, caminhando para
dentro.
— Pode ir! – Ele disse com o visível estresse na voz.
— Desculpa, mas eu não posso ir. Eu estou dormindo nesse quarto.
— Esse quarto é meu.
— Sua mãe...
— Dona Márcia, Dona Márcia, sempre ela! – Ele já havia começado
a se irritar.
— Vai uma maracugina? – pensei alto.
Ele continuou falando sem me dar ouvidos:
— Já que eu cheguei. Você pode ir para o quarto de hóspedes
agora.
— Desculpa, mas daqui eu não saio, daqui ninguém me tira – disse
pensando que eu poderia perder aquele colchão dos céus que só
aquele quarto dispunha. – Espere, você vai ficar? Na cidade? Nesta
casa?
— Vou. E vou ficar aqui, neste quarto.
— É mesmo? Quero ver quem vai me obrigar a sair daqui? –
Perguntei arqueando as sobrancelhas e pousando as mãos na
cintura.
— Você que pediu – ele veio em minha direção, feito bruto, então
desviei pulando e deitando na cama. Ele com certeza me colocaria
no ombro, como fez naquele dia e me tiraria dali a força. Talvez me
grudar na cama feito um gato fugindo da água fosse a melhor coisa
a se fazer, eu só não imaginei que ele puxasse minhas pernas,
enquanto eu agarrava o beira do colchão lutando contra a força de
Rick.
— Vai. Ter. Que. Sair – ele disse.
— Nem. A. Pau – falei com dificuldade, apertando os lençóis.
Aquela luta perdurou por alguns segundos até Rick cair ao meu
lado, se rendendo. Sua cabeça na altura de minha barriga fazia com
que eu sentisse pontadas na espinha enquanto sua respiração
descompassada ricochetava meu ventre. Com a voz falha, ele
comentou:
— Está grande.
Eu o olhei e o encontrei encarando minha barriga de forma
estranha.
— É... Cresceu — soltei um pouco envergonhada.
— Pode ficar!
— O quê? Você fez todo esse escarcéu para na hora desistir tão
fácil? – comecei indignada.
— Quem disse que eu não vou ficar? Dormirei aqui – ele me lançou
uma piscadela sacana, enquanto se remexia no colchão.
— Você vai ficar aqui? Espere, esse joguinho não cola comigo.
— Não estou fazendo joguinho. Não vejo problema algum dormir
acompanhado.
— Até outro dia você me odiava.
— Até outro dia? – ele arqueou as sobrancelhas. – Já faz meses.
Ele falou e silenciou um pouco.
— Sabe, Dick, tenho pensado muito nesse bebê e talvez eu tenha
sido um pouco...
— Injusto?
— Não. Não acho que eu tenha sido injusto, mas sim grosso... Eu
não deveria a tratar assim...
— Você ainda acha que sou uma vigarista?
— Eu parei de te chamar de Dick, não é mesmo?
— Não respondeu minha pergunta.
— Tudo que tem que saber é que eu tenho dificuldade de confiar em
pessoas, principalmente mulheres como você.
— Como eu? Como assim: “como eu”?
— Esqueça! Vou tomar um banho, se quiser ficar aqui, pode ficar.
Se não quiser, temos quartos melhores nessa casa.
Ele se levantou e saiu pela porta de entrada. Talvez fosse pegar
suas malas.
Relaxei meu corpo na cama suspirando, finalmente respirando e
pensando porque eu estava naquele estado. Eu não queria admitir
que a aproximação daquele homem me afetava. Não só de forma
negativa. E era isso que estava me incomodando.
— 18 —

— O Rick está aqui? – dona Márcia parecia perplexa.


— Sim. Chegou ainda pouco. Está tomando um banho agora. –
Respondi quando ela chegou da cidade com um chapelão enorme
de palha.
Ela silenciou, e eu perguntei:
— Algum problema? Parece... Chocada...
— Não, querida. Nenhum problema – ela falou e não conteve a
expressão de espanto.
Raquel adentrou a sala, falando com aquela voz aveludada:
— Eu sabia que ele ia voltar, era só questão de tempo...
— Cala boca, Raquel. Não se esqueça que só te mantenho aqui a
pedido de sua mãe.
Eu não entendia muito bem o estresse, mas algo me dizia que tinha
algo muito estranho ali.

***

O dia passou voando. Ficar no terraço ao lado da piscina


costurando me fazia muito bem. Ainda mais quando eu persistia
pensar demais. Aliás, aprendi a costurar direitinho com dona Márcia.
Quem diria que uma mulher tão granfina soubesse fazer tal
atividade.
Vou confessar que no fundo sempre quis saber costurar. Talvez para
dar vida aos desenhos de roupas que eu crio desde criança. Nunca
me vi sendo uma estilista, dizem que é profissão pra quem já tem
dinheiro, no entanto, estava começando a pensar sobre aquilo.
Talvez um sonho estivesse nascendo e com ele, meu amor
incondicional pela a criaturinha em minha barriga e o amor que eu
tinha por aquela senhora. Era difícil pensar que dona Márcia tinha
aquela doença. Eu não queria a perder como eu perdi minha mãe.
— Naty, não acha que já costurou demais por hoje? – Dona Márcia
pousou a mão em meu ombro.
— Estou terminando o acabamento desse vestido. Só mais um
pouquinho. Esse irá ficar deslumbrante.
— Ah, disso tenho certeza meu amor. Estou até pensando em pagar
um curso para você. Em Paris.
— O quê? – perguntei surpresa sem tirar os olhos do vestido.
— Seriíssimo, meu amor. Você tem talento garota.
— Quem tem talento? – Rick adentrou a sala, fazendo com que eu
levasse um susto. A agulha beliscou meu dedo e eu o tirei debaixo
da máquina a tempo, antes que fizesse um estrago maior.
— Au – resmunguei.
— O que houve? Machucou-se? – Dona Márcia pegou minha mão.
— Espera aí. Vou buscar um curativo para isso – Rick me
surpreendeu dizendo.
Ele voltou pela porta da cozinha. Com uma caixa de curativos nas
mãos, sentou ao meu lado e pegou meu dedo, tomando as rédeas
da situação.
— Uau, estou surpresa! – Dona Márcia disse exatamente o que eu
estava pensando. – Não sabia que tinha tomado jeito, meu filho.
— Tomado jeito? – ele riu. – Isso tudo porque estou ajudando uma
pessoa que se feriu? – ele passou o remédio em cima do ferimento,
arrancando-me um gemido e em seguida, um arrepio, quando o
encontrei me fitando com aqueles olhos cristalinos. Se eu não
tivesse um reflexo bom, aquilo necessitaria de ir ao hospital.
— Que bom, filho! Assim é bem melhor. Naty é a mãe do seu filho e
é bom que já esteja se acostumando com isso.
Ele ergueu o olhar, me fitando novamente e tomando todo o meu ar.

***

Já estava dando meia noite quando adormeci esperando Rick. Eu


não sei por que acreditei que ele dormiria comigo. No entanto, eu
esperei. Mas ele não veio até eu adormecer.
Como de costume, às 3 horas da manhã, me levantei e sai pela
casa à procura de comida. Parecia que a fome do meu bebê era 3
vezes maior que a minha e aquilo só aumentava. E olha que eu sou
boa de garfo.
O que eu não esperava era encontrar o mesmo que encontrava na
casa de Rick nas madrugadas, pelo menos não ali. Olhei pela janela
de vidro, e vi Raquel sendo tomada pelos braços hábeis de Rick em
cima da espreguiçadeira da piscina. Por um instante, tive a
impressão que ela me viu, porém me escondi ao lado da cortina,
com o coração palpitante.
— Droga! Por que está batendo tão forte? – Sussurrei com os olhos
ardendo. Uma desconhecida vontade de chorar me veio.
Eu sempre soube que Rick não era pra mim, no entanto, eu me
senti exacerbadamente mal em ver aquela cena. Ver ele com
Raquel era diferente. Era diferente porque me parecia que ele a...
Amava. Poderia ser tolice, mas era o que parecia.
Voltei para o meu quarto com fome e me obriguei a dormir.

***
— Bom dia! – disse plantando um beijinho no topo da cabeça de
dona Márcia que estava sentada na cadeira da mesa da copa.
— Bom dia, meu bem. Como dormiu?
— Muito bem – menti me sentando a mesa. – E a senhora? Como
dormiu?
— Bem, querida. Muito bem.
— Bom dia! – a voz de Rick entoou no espaço e eu me encolhi
quando ele sentou ao meu lado.
— Bom dia, meu filho. Dormiu bem?
Ele me olhou, falando:
— Sim, dormi. Por quê? – ele perguntou com um sorriso no rosto.
Nunca tinha o visto daquele jeito.
— Acordou todo animadinho, posso saber o porquê?
— O porquê? – ele perguntou desconfiado. – Deve ser porque estou
acordando depois de anos com minha maravilhosa mãe a mesa.
Ele disse empolgado. Talvez a Raquel o tivesse deixado assim. Não
vou admitir, mas cá entre nós, eu tava com uma pitadinha de
ciúmes.
— Aconteceu algo ontem à noite? Vejo que não está em seu estado
de humor normal – Dona Márcia falou fazendo-me quase engasgar.
— Tudo bem, Natália? – ele perguntou enquanto eu tossia.
— Sim... Muito bem... Não se preocupe...
— Quero que leve Natália hoje para conhecer a fazenda dos
Guerreiros. Eu falei para ela sobre o riacho que tem por lá e ela
ficou encantada. Eu queria levá-la até lá esses meses, mas você
sabe como é. Não aguento mais essas caminhadas.
— Não precisa dona Márcia – eu disparei, pensando que ele não
quisesse me levar até lá. Afinal, depois daquela noite, ele deveria
querer se encontrar com Raquel. – Eu nem queria ir lá tanto assim...
— Por que está relutando? – Rick me encarou, dizendo: — Se disse
que queria conhecer, então vamos lá. – Ele falou e em seguida me
lançou um sorriso. Foi um sorriso tão lindo que fiquei meio zonza e
assenti:
— Está bem!
— Coma bastante, irá precisar. Daqui a 1 hora, a gente sai – ele me
avisou colocando uma lasca de mamão no pires.

***

— Olha só se é ela, mesmo? A Dick – Rick disse me vendo em


roupas de trilha. Ele também parecia estar adequado: camiseta,
short, e uma mochila rechonchuda na costa.
— Você disse que não me chamaria mais desse jeito.
— Perdão. Força do hábito. – Ele disse se desculpando. – Vamos?
Daqui pra frente terá muito chão para percorremos.
Comecei a andar ao lado de Rick pelo jardim até a porteira da
fazenda vizinha. Rick era enorme e eu me sentia uma verdadeira
anã ao seu lado. Atravessamos a porteira, e seguimos pela a trilha
por trás da casa de campo. Começamos a percorrer pela mata, que
sempre eu observava de longe.
Depois de alguns segundos em silêncio, perguntei:
— Então, você andava muito por aqui quando criança?
Ele me olhou e pareceu dar espaço para mim.
— Sim. Eu vinha muito por aqui com João Miguel e Raqu... – ele
estancou.
— Raquel.
— Sim. Raquel.
— Ela era sua namorada?
Ele demorou mais a responder.
— Nós éramos amigos quando crianças. Ela acabou mudando de
cidade e passamos um tempo sem nos ver. Quando a mãe dela
voltou para trabalhar aqui em casa, ela já era uma moça feita. Muito
bonita por sinal e ainda continua. Ai você sabem me apaixonei feio
por ela e depois de um tempo começamos a namorar. – Me
surpreendi com aquilo. Nunca pensei que Rick falaria tão
abertamente sobre sua vida para mim. Acho que ele estava de bom
humor mesmo.
— Por que terminaram?
— Você não acha que pergunta demais?
Tá ok! Eu abusei da boa fé – pensei.
— Desculpa, só estava curiosa.
— Não precisa se desculpar, tenho certeza que irá me odiar quando
suas pernas estiverem doloridas quando voltarmos. – Ele disse me
ajudando a subir pela trilha íngreme.
Depois de quase uma hora caminhando, chegamos a tão louvável
cachoeira dos Guerreiros.
A água era tão cristalina que dava de ver os peixes, e a queda
d’água era barulhenta e ao mesmo tempo reconfortante.
— Uau! Que lindo! – comentei maravilhada.
— É lindo mesmo! – Disse Rick, que estava tão maravilhado quanto
eu. Penso que tivesse com saudades daquilo. De repente, Rick
começou a tirar a camiseta, me deixando desconfortável. Ele tirou o
calção ficando apenas de sunga. – Não vai entrar? – ele perguntou
ao meu lado.
— Não sei. Vai você primeiro – eu disse, e ele deu de ombros.
— Ok! – ele caminhou mais pra trás e depois correu em direção a
água, pulando e respingando água pra todos os lados.
Fiquei observando ele encontrar a superfície, ajeitando os fios
encharcados.
— Entra, Natália! A água está quente. Mais gostosa não há.
— Poxa, com uma propaganda dessas, acho que vou entrar.—
Disse me arrependendo logo após, quando senti vergonha em me
despir aos olhares atentos de Rick. Mesmo com vergonha, fiquei de
calcinha e sutiã, e ao contrário dele, entrei devagarzinho.
A água batia em minha cintura e como Rick disse, estava uma
delícia! Quentinha, quentinha. Rick veio até mim e parou em minha
frente me encarando. Ele desceu o olhar para minha barriga e
ergueu a mão.
— Posso?
Eu assenti e ele colou a mão em meu ventre, fazendo com que
todas as células de meu corpo entrassem em polvorosa. Ele se
abaixou um pouco para que pudesse ficar na altura de minha
barriga, e num dado momento, algo estranho me ocorreu. O bebê
chutou pela primeira vez.
— O que foi isso? – ele perguntou com os olhos brilhando.
— Acho que ele chutou. – Disse emocionada. – Pela primeira vez,
ele chutou.
— Essa é a primeira vez? – ele perguntou maravilhado e eu meneei
a cabeça sorrindo.
Rick parecia tão feliz quanto eu. Então, como se eu fosse enfartar,
Rick se aproximou ainda mais da minha barriga e falou:
— Eu estou aqui, filho. Seu pai está aqui – ele disse com um sorriso
escancarado nos lábios e tão logo, depositou um beijo em minha
barriga.
Parecia que eu estava eletrizada. Nunca pensei que pudesse sentir
um emaranhado de sensações como aquelas que senti naquele
momento.
***
— Rick, acho que vai chover e agora? – perguntei pensando se
aquela estrada por qual viemos já era dificultosa seca, imagina
molhada.
— Não se preocupa. Tem um casebre aqui do lado – ele disse
quando o céu desabou com uma chuva intensa e grossa.
Pegamos nossas roupas e bolsas rapidamente e fomos para o tal
casebre que Rick havia falado.
Chegando lá, agradeci por aquele tal casebre ainda existir. Os
trovões e raios fizeram daquela chuva um tormento. Eu odiava
trovões e raios. Morria de medo de um raio cair em minha cabeça, já
que eu não era uma pessoa de muita sorte.
— Parece que vai demorar a passar – ele disse, olhando meu corpo
seminu ensopado. – Acho que tenho roupas secas dentro da bolsa.
— Não se preocupe, eu tenho as minhas.
— Parece que estão molhadas – ele disse e tive que concordar.
Ele me passou sua blusa e a vesti, não tinha como negar. Ficou
parecendo uma bata em mim.
— Vou ver se tem alguma lamparina que funcione. – Ele foi até o
outro canto do casebre, revirando algumas tralhas e voltou com uma
lamparina acesa. Ele puxou uma toalha da bolsa, e a espalhou no
chão.
— Nossa! Você é bem precavido.
— Isso era para nosso piquenique mais tarde.
— Nós faríamos um piquenique? – perguntei surpresa.
— Claro que sim. Não deixaria uma grávida morrendo de fome.
— Para um homem como você, você sabe muito sobre gravidez.
— Eu já pesquisei sobre isso um tempo atrás quando pensei que iria
ser pai...
Ele parou e eu continuei:
— Quem era a mãe? Amélia? – Me toquei de minha indelicadeza e
eu prossegui: — Desculpa, não tive a intenção.
— Tudo bem. Não era dela. Era de outra.
— Raquel?
Ele me olhou surpreso.
— Maldita língua— resmunguei.
— Sim. Era dela.
— Ela o perdeu?
Ele ficou pensativo e me respondeu:
— Ela nunca o teve. – Ele disse como se retornasse ao passado.
— Vocês me pareciam felizes ontem.Vocês iriam voltar?
— Você nos viu? – ele perguntou. – Não, nunca voltaremos a ser
como antes.
— Desculpa. Você acordou tão feliz que achei que tinham se
acertado.
— Sim. Eu me acertei. Não com ela, mas comigo mesmo. Depois de
anos pensando que eu nunca a esqueceria, ontem eu não senti
nada. – Ele disse pensativo. — Sabe, Dick, às vezes é tudo coisa da
nossa cabeça. Alimentamos tanto um sentimento, quando na
verdade, esse sentimento passa com o tempo e quando vemos, já
morreu. No entanto, para mim isso é como renascer. Passei um bom
tempo a odiando por ter me enganado e me iludido no passado, e
não percebi que esse sentimento já não mais existia e não tinha por
que eu ter ódio.
— Uau,
— “Uau” o quê?
— Estou surpresa. Nunca pensei que fosse me falar algo tão
profundo... Na verdade, nunca imaginei que fosse falar comigo
amigavelmente nesta vida. Tipo agora e antes quando nós
estávamos vindo pra cá – Disse envolvendo as pernas com os
braços. – Aliás, porque veio?
Ele se calou. Parecia tentando achar a resposta.
— Talvez eu... Eu não sei... Eu apenas vim.
— Você apenas veio?
— Sim. Estranho né? Mas ultimamente eu tenho pensado muito no
bebê que você carrega. E estranhamente, comecei a pensar muito
sobre isso desde aquele dia no hospital.
— O que você tem pensado?
O silêncio assolou o casebre.
— Eu tenho muito pensado nas batidas do coração dele. Isso
parece louco, mas eu não consegui parar de escutá-las até eu vim
te ver.
Eu não sabia o que falar.
— Não se preocupe, não estou dando em cima de você. Minha
intenção não é esta.
— Não estou pensando nisso, eu só... Eu só não sei o que dizer.
Minha barriga roncou alto e ele disse:
— Pois eu sei o que dizer: vamos comer! — Ele tirou algumas
garrafas de suco da bolsa, me deixando com aquele tipo de cara de
boboca.

***
A noite havia caído, e a chuva ainda não havia cessado. Rick e eu
permanecíamos no casebre. No entanto, continuamos conversando
o dia todo que nem percebi o tempo passar. Conversamos sobre
várias coisas, sobre a infância, sobre a adolescência, bandas,
músicos e comidas. Poderia arriscar que até me sentia uma amiga
dele naquele momento.
Era meia noite e o sinal do celular não pegava, quando resolvemos
dormir ali mesmo. Rick forrou o chão com um pano e deitamos de
bruços um ao lado do outro.
Acho que aquilo foi uma péssima ideia. Talvez o calor que emanava
do corpo dele fez com que fagulhas incomodassem minha derme.
Ele se remexeu, e colocou-se de lado. Sua respiração cálida
incomodava a pele do meu rosto que já estava em chamas.
Como se eu fosse atraída pelo canto da sereia, ou melhor, pelo
canto do príncipe, ou melhor, pelo o canto do ogro, ou melhor, pelo o
canto do ex-ogro, virei o meu rosto e dei de cara com seus olhos
verdes intensos e com sua boca rubi.
— Está com frio? – ele falou tão lento que quase tive um or... Uou,
Naty, o que você tá pensando?
— Não.
— Por que seus lábios estão tremendos? – ele olhou para minha
boca. Ele fez de um modo tão sexy, que era quase impossível estar
sentindo frio naquele momento. – Eu sei de uma maneira para
aquecer.
— Ah é? Qual? – perguntei engolindo em seco.
— Essa! – Ele me tomou com seus lábios delicadamente, fazendo
com que eu provasse o sabor de sua boca. Ele passou a mão no
meu quadril e uniu nossos corpos enquanto ele me invadia com sua
língua.
Eu estava embriagada. Embriagada de desejo. Meus sentidos
queriam devorá-lo como se eu tivesse sedenta há uma vida.
Beijamos-nos intensamente, com força, e com desejo. Subi no seu
corpo e prendi meus dedos em seus cabelos.
— Calminha, Dick. Eu não quero machucá-la – ele murmurou nos
meus lábios, enquanto eu o beijava ferozmente.
— Você não vai me machucar. Estudou sobre isso, não?
Ele riu entre beijos e perguntou:
— Confia em mim?
Encarei suas esmeraldas e afirmei:
— Confio.
Ele mudou de posições, ficando em cima de mim.
— Vamos fazer com bastante cuidado, está bem?
— Tem camisinha aí?
— Tenho! – ele falou beijando meu pescoço com aqueles lábios
carnudos. Soltei um gemidinho sôfrego.
Suas mãos foram na barra de minha blusa e se livrou dela
rapidinho. Levantei-me um pouco para tirar o sutiã e me livrei dele
rapidinho. Rick tomou meus seios em deleite, me chupando de
forma intensa, corroendo todas minhas entranhas. Minha vagina já
estava completamente úmida, enquanto os bicos dos meus seios
estavam completamente enrijecidos.
Eu gemia e aquilo parecia atear fogo em Rick que estava com um
volume agressivo apontando no calção. Rick me chupou por inteira,
me levando quase ao ápice.
— Eu quero estar dentro de você, Naty. Muito. Droga! Eu quero
muito!
— O que tá esperando? – perguntei inflamada, puxando-o para
mim.
— Vou entrar com cuidado ok?
— Eu já disse que confio em você. Por favor, só entra, por favor. –
Clamei. Eu precisava daquilo e não estava aguentando mais.
Rick colocou a camisinha e como esperado, seu volume era muito
grande para mim. Ele encaixou nossos corpos e ele falou gemendo
no meu ouvido:
— Você é apertadinha demais.
— Por favor, vai mais rápido – disse não ligando para aquilo. Eu só
queria ter prazer. Eu necessitava senti-lo dentro de mim. Eu
precisava ter aquela experiência lúcida.
Ele chupou meu pescoço, e começou a estocar lentamente, no
entanto, o suficiente para fazer minha vagina latejar de prazer. O
prazer era tão grande que queria colocá-lo todo dentro de mim. No
entanto, aquilo não era possível. Nem parecia o Rick que transava
todas as noites na sala. Se bem que era diferente, e eu estava
amando vê-lo preocupado comigo e com o meu filho.
Rick era muito bom naquilo, e quando vi, já estávamos num ritmo
frenético tentando alcançar o ápice. E assim se fez. Gozamos quase
no mesmo instante. Eu primeiro, Rick logo após.
Ele gemeu e caiu ao meu lado.
Com a respiração descompassada, Rick disse:
— Tu és incrível, Dick – pela primeira vez sorri com aquele apelido.
E no mesmo instante, passei a gostá-lo dele. Do apelido e dele, do
pai do meu filho.
— 19 —
Os feixes de luz incomodavam meus olhos e como se eu tivesse um
Déjà vú, vi Rick nu ao meu ao lado como no dia em que nos
conhecemos. Um barulho na porta se fez e a voz conhecida entoou
em brados:
— RICK! VOCE ESTÁ AÍ?! – Era Raquel.
— Rick, acorda! – o sacudi, e ele levantou assustado. – Veste
alguma roupa! -Pedi, colocando meu short e minha blusa que já
estava seca.
— Esperem um pouquinho! – Rick disse com a voz sonolenta,
enquanto vestia a camisa.
Fui até a porta e Rick tirou a madeira atravessada e a abriu:
— Meu Deus, você está bem! – Raquel pulou em cima de Rick.
— Graças a Deus, tão vivos! – o capataz disse logo atrás. – Lá na
fazenda o povo tá tudo doido preocupado com vocês.
Rick se desvinculou de Raquel e disse:
— Pois é... Estamos bem. Vamos voltar. – Raquel se colocou ao
lado de Rick e antes que ela andasse, ela me olhou de cima a baixo
com cara de nojo.
E eu também, que não sou de ferro, a olhei de cima a baixo
também.

***
Chegando ao casarão, encontramos dona Márcia aflita. No entanto,
sua aflição se transformou em mimo. Ela mandou preparem um
baita banquete no café da manhã. Eu não me segurei. Comi até a
barriga espocar. Rick não ficou pra trás, já que pra manter aquele
corpão nutrido deve precisar de muita comida. João Miguel chegou
de surpresa, nos flagrando:
— Eita, irmão, não vai deixar nem um pouco pra mim? – João
Miguel caçoou entrando na copa.
— João! – Me levantei para abraçá-lo. Senti o olhar de Rick me
acompanhar e João Miguel pareceu perceber aquilo também,
sussurrando em meu ouvido, enquanto Rick não tirava os olhos
sobre nós:
— Aconteceu alguma coisa?
— Não, nada! – afirmei o abraçando novamente e logo batendo no
seu ombro: — demorou dessa vez. Pensei que tivesse me
esquecido – resmunguei.
— Não fica assim, pimpolho. Não ia te esquecer nunquinha – ele
disse apertando minhas bochechas.
Era assim que ele me chamava: de pimpolho, por ser pequena.
— Pimpolho? – Rick perguntou sarcástico. – Ainda reclama de Dick.
– Ele murmurou tão baixinho que mal pude ouvir.
— Hãm? – João Miguel parecia confuso.
Dona Márcia adentrou a sala e João Miguel foi até ela.
— Mãe!
— Meu doce! – eles se abraçaram fazendo Rick revirar os olhos.
Parecia que tínhamos um filho ciumento ali — pensei.
— Como vai?
— Ótimo! Melhor do que nunca. Vim antes do dia quinze, antes da
viagem.
— Ah sim, filho! Quantos dias mesmo você vai ficar em Paris?
— Seis meses.
— O quê? Você vai ficar fora por seis meses e não me disse nada?
– perguntei aflita. — Com quem vou conversar esse tempo
todo?
— Desculpa, pimpolho, mas é que eu sempre esquecia de te contar.
— João Miguel, — disse quase chorando.
— Pimpolho...
— Por que não vai com João Miguel, querida? Você poderia fazer
aquele curso que lhe prometi.
— Como é? – Rick soltou quase engasgando.
— Algum problema Rick? – Dona Márcia perguntou.
Eu o olhei esperando sua resposta que fora decepcionante:
— Nenhum.
Desviei o olhar, tentando esconder minha frustração.
— Então se prepare, querida. Você vai pra Paris.
João Miguel vibrou ao meu lado e Rick saiu em disparada para fora
dali.

***
Fui ao meu quarto, chegando lá, encontrei Rick sentado na beira do
colchão. Ele estava encarando o chão e quando me viu, logo se
levantou.
— Oi – ele disse.
— Oi.
Preparei-me para sair dali, no entanto, ele me parou:
— Você vai querer ir mesmo com João Miguel para Paris?
— Se não tiver nada que me faça ficar aqui... Sim, eu vou.
Ele olhou para o lado, como se tivesse sem jeito e colocou as mãos
nos bolsos, silenciando.
— Por que não me pede pra ficar? – ele me encarou. – Eu sei que
não temos nada e que eu posso ter me equivocado, mas ontem eu
pensei que aquilo tivesse significado alguma coisa.
— Ainda é muito cedo.
— Cedo? Cedo pra quê? Estou esperando um filho teu!
— Eu não sei... Eu não sinto que posso confiar...
— Rick, eu.não sou a Raquel!
— Eu não disse que você era ela.
— Você quer enganar quem? Eu sei que “tipo de mulher” eu sou pra
você. Uma mulher sem dinheiro que provavelmente esteja de olho
no seu dinheiro...
— Se você está dizendo...
— Estou dizendo, porque é isso que pensa de mim. Quer saber?
Que se dane. Eu acho que essa viagem vai ser a melhor coisa que
farei na minha vida. Pelo menos João Miguel não pensa assim de
mim.
Sai marchando com as lágrimas nos olhos. A verdade era que meu
coração já pertencia a ele, eu que queria esconder e matar isso
dentro de mim.
— 20 —
2 Semanas depois...
Dois dias antes de embarcar num vôo para França, decidi que
passaria na minha antiga casa em Florianópolis para me despedir
do meu pai, e das minhas irmãs e até mesmo de Marlene.
Estava em frente à construção que me remetia a boas e más
lembranças, no entanto, todas elas contribuíram para quem eu sou
hoje. Rafa estava ao meu lado, me apoiando. Eu não fazia ideia do
que eu encontraria ali, e Rafa, como sempre, estava pronta para me
amparar.
— Vamos? – Rafa disse.
— Vamos! – Assenti caminhando até a porta e batendo com os nós
dos dedos contra a madeira.
Era o último domingo do mês e com certeza papai estaria em casa,
como de costume.
— Quem é? – a voz de Jéssica soou enquanto abria a porta e
quando viu, ficou de queixo caído.
Ela me olhou de cima a baixo, averiguando todas as minhas peças
de grife e minha bolsa da Gucci.
— Olá, Jéssica. Quanto tempo... Onde está meu pai?
— Mamãe!
— O que foi Jéssica? – Marlene foi até sala e ficou tão
embasbacada quanto a filha.
— Natália.
— Tudo bem, Marlene? Onde está o meu pai?
— Você não tem vergonha, vagabunda, de aparecer aqui depois de
tanto tempo? Você sabe o quanto fez teu pai sofrer?
— Onde ele está? Quero falar com ele!
— Nunca! Vá embora.
— Chame meu pai agora. Eu não vou sair daqui.
— VÁ EMBORA, SUA ORDINÁRIA!
— Natália? – A voz de meu pai se fez e o encontrei do outro lado da
sala. Ele estava magro e abatido, que era perceptível ver a tristeza
em seu olhar.
— Pai! – disse afastando Marlene para o lado e indo para ele. Meus
olhos estavam cheios de lágrimas. – Paizinho! – Voei para os seus
braços e o abracei o mais forte que poderia. – Me desculpa, pai! Por
favor, eu deveria ter ligado. – Disse o apertando com meus braços
franzinos e chorando.
— Não tem por que se desculpar minha filha. A única pessoa quem
tem que pedir perdão é eu, por não ter a protegido. Perdoa-me,
filha. Por favor, me perdoa por querer forçá-la a fazer aquele
absurdo. – Nunca vi meu pai chorar, no entanto, aquele dia o vi
desmoronar em lágrimas.
— Tudo bem, paizinho. Tá tudo bem. Eu te amo.
Às vezes tendemos guardar um “eu te amo” por tolice. Afinal, nunca
sabemos se seremos capazes de dizer isto amanhã. Apesar dos
erros, é necessário perdoar.

***
Assim como combinado, voltei para São Paulo ao entardecer.
Despedi-me de Rafa e do meu paizinho, e apesar de toda a
aspereza da minha madrasta, não levei nenhum rancor de Marlene.
Eu percebi que não tinha tempo e espaço pra guardar sentimentos
ruins. Eu estava totalmente preenchida com amor que tinha pelo
meu filho.
Como planejado, fui para o apartamento de dona Márcia. Eu pedi
assim, pois não tinha certeza que aguentaria olhar Rick novamente.
Eu me sentia muito mal por gostar dele e não ter aquele sentimento
correspondido. Não que eu nunca tenha passado por isto, mas com
Rick parecia ser diferente.
Graças a Deus, dona Márcia, nem João Miguel desconfiaram sobre
o que rolou no casebre da fazenda dos Guerreiros. E pensando
bem, eu deveria apagar aquela noite da minha mente, pois sentia
que estava quase pra enlouquecer pensando naquilo toda hora.
Hoje seria o jantar de despedida e toda a família de Rick estava
convidada. Seria num restaurante próxima a casa de dona Márcia e
segundo ela, seria um grande evento, pois tinha algo a revelar. Algo
muito importante, por sinal, pois nunca tinha a visto tão ansiosa. E
não vou negar, também estava. Nosso vôo estava marcado para as
00:00 e mal conseguia controlar o nervoso em pensar que logo
estaria na Europa.
Chegamos ao restaurante às 20 horas. Todos já estavam lá. Até
mesmo as tias de Rick e as primas dele. Sentei-me ao lado de João
Miguel que conversava todo animado com o pessoal.
— O que foi? – João Miguel sussurrou ao meu lado. – Por que olha
tanto para a porta?
— Nada não – falei disfarçando, tomando um gole de suco.
— É ele, né? Está esperando por ele.
— João...
— Não se preocupe, Naty. Acho que ele vai vir para se despedir.
Assenti e mudei de assunto para aquela conversa não ficar
deprimente.
— Onde está Rick? – Dona Eleanor perguntou pela enésima para
dona Márcia.
— Eu já liguei um milhão de vezes para ele e só dá desligado. Acho
que ele não vem. Então é melhor eu começar a dizer o que eu tenho
para dizer. Então pessoal, — dona Márcia bateu com o talher na
taça de cristal chamando a atenção de todos. – Bem, hoje é uma
noite muito especial. – Ela fez aquela pausa dramática. — Hoje meu
filho, João Miguel, e minha filha de coração, Natália, estão se
despedindo. E escolhi justamente hoje para dar uma notícia muito
especial. Nós não somos qualquer família. Nós somos A família. Há
alguns meses atrás quando soube do resultado dos exames que
todos nós sabemos do que se trata, eu recebi o apoio e o carinho de
cada um de vocês. Eu não poderia pedir uma família melhor, nem
filhos melhores, mesmo que Rick não esteja aqui, eu sei que houve
algum imprevisto para não estar conosco. No entanto, não
prolatarei, tenho que dizer para vocês, na verdade, eu queria gritar
para o mundo. – Dona Márcia disse deixando as pessoas ali mais
curiosas. — A verdade é que fui à Alemanha uns meses atrás em
busca de uma cura não possível, segundo os médicos daqui. Eu fui
com fé que Deus me concedesse um milagre. No entanto, quando
recebi os resultados dos exames alemães, os médicos me
contataram que eu não tinha nenhuma doença. Claro que na hora,
pensei: não vá se animar, não seja imprudente. Mas eles me
garantiram que eu não tinha absolutamente nada. Então resolvi
fazer outra bateria de exames em Dublin na Irlanda, a fim de atestar
qual era minha condição. E por fim, recebi os resultados semana
passada. E os exames atestaram... – Ela estancou. — Que tudo não
passou de um erro médico. Eu estou mais saudável do que nunca e
vou viver por mais 100 longos anos. Eu sei que pode parecer
loucura, ou que eu deveria estar odiando o hospital por fazer isso
comigo, no entanto, só consigo pensar que sai daqui há 2 meses
atrás com muita fé que Deus me proporcionaria a cura e tenho toda
absoluta certeza que ele me concedeu.
Com a emoção transbordando, todos estavam extasiados com
aquela notícia. João Miguel e eu levantamos para abraçá-la e todos
vieram, se juntando a um enorme abraço coletivo. Aquela noite não
poderia ser mais especial. Desta vez, não foi cinderela que recebeu
o milagre, mas sim, minha doce e amável fada madrinha.
— 21 —
Rick
O que estava acontecendo comigo? Depois de finalmente me livrar
da dor que me corroia durante anos, parece que um novo
sentimento, doce e letal, vinha me atormentar mais uma vez. Eu
havia passado o dia todo pensando naquela mulher e não sabia
exatamente se era só porque ela esperava um filho meu. Talvez só
a palavra “filho” seja muito forte pra mim. Eu sempre fui incomum.
Desde muito cedo sempre tive o desejo de ser pai, no entanto, esse
sonho não se materializou com Raquel e muito menos Amélia,
minha falecida esposa.
Agora, eu estava confuso diante toda aquela situação. O meu plano
inicial era desprezá-la, no entanto, quanto mais eu fazia, mas forte
era a atração que eu sentia. Eu tinha medo que ela fosse igual à
Raquel. Apaixonante, porém falsa. No entanto, estava enganado. A
atração por aquela garota superava a que eu tinha por Raquel no
passado. No final, ela tinha razão, eu tinha medo daquele
sentimento, devido ao trauma do passado.
Fui direto pra casa e minha mãe já mandava mensagens, avisando
sobre jantar o qual já sabia.
Ela ia embora hoje com meu irmão e não tinha muito certeza se
queria ir àquele restaurante. Em vez disso, resolvi beber um pouco
mais na sala. Talvez um pouco de álcool de no sangue me
relaxasse.
Sentei no sofá, pensando no dia em que a conheci. Tão feroz e ágil,
ela sempre tinha resposta para mim. Ri daquilo, pensando no quão
divertido era vê-la com raiva. Eu era um grosso, mas aquilo não
passava de um mecanismo de defesa.
Eu continuei pensando nela até chegar morder o lábio pensando
naquela noite. A pele dela, o cheiro, o sabor de seus lábios... Ah, eu
ia enlouquecer. E por último, lembrei o quão forte foi tocá-la na
barriga, onde aquele ser palpitante respondia por mim. Oh, senhor!
O que eu estou fazendo aqui? Tenho que tomá-la pra mim.
Peguei minhas chaves e sai em disparada ao elevador. Olhei para o
relógio no pulso e já marcava 23:00. Ouvi João Miguel dizer que o
vôo deles estavam marcado para as 00:00, então resolvi correr. Eu
não poderia deixá-la ir. Não daquela forma. Não sem dizer como eu
me sentia. Procurei pelo o meu telefone e xinguei quando o vi sem
carga.

***
— Merda! – Buzinei incontáveis vezes. O trânsito estava totalmente
parado, e eu só estava a duas quadras do restaurante o qual Naty
estava com minha família. Estacionei no acostamento e resolvi
correr. Não podia perder tempo, eles deveriam estar saindo de lá.
Com o coração acelerado, com a respiração descompassada e o
peito galopando, nunca tive tanto medo de perder alguém como eu
estava naquele momento. Corri pelo menos por 5 minutos até
chegar ao restaurante.
— Boa noite, qual sua reserva?
— Meu nome é Rick,... – falei colocando as mãos nos joelhos
enquanto eu tentava recuperar o ar. — Rick Maldonato...
— Ah sim. A senhora Márcia Maldonato está no piso de cima...
Corri para as escadas antes que o senhor terminasse. Subi as
escadas de lance em lance, e varri com o olhar pelo o salão do
segundo andar, procurando por Natália.
Ela estava lá, se levantando ao lado de João Miguel em frente a
todos aqueles rostos familiares. Caminhei até lá com o pulmão
agonizando. Quando me aproximei, senti todas as atenções se
voltarem para mim, no entanto, só tinha olhos para a mulher que
estava diante de mim.
— Rick, filho! – ouvi a voz de minha mãe morrer no ar quando
percebeu minha insistente atenção para Natália.
— Rick – ela murmurou.
— Podemos conversar?
— Desculpa, irmão. Mas estamos no tempo limite. Nosso vôo sai
daqui à uma hora, não temos muito tempo. – João Miguel falou ao
lado.
— Desculpa Rick – Naty murmurou e preparou para sair dali.
Num ímpeto, com medo que ela deixasse aquele salão, segurei seu
braço.
— Rick! O que pensa que está fazendo? – Minha mãe reivindicou. –
Se está querendo atingir Natália... – ela começou irritada.
— Mãe, eu não quero atingir ninguém. Eu... Eu... – Droga! Por que
era difícil dizer aquilo? – Eu só não quero que ela me deixe – eu
confessei e recebi os olhares curiosos de todos. Olhei para Natália
que estava me fitando em espanto.
— O que está dizendo? – minha mãe me olhava sem entender. Para
ela, aquilo não estava cogitado.
— Isso mesmo minha mãe, eu me apaixonei por Natália. Parece
loucura, mas eu me apaixonei por ela. Sei que a maioria das
pessoas aqui deve ter conhecido-a nessa noite, mas quero que
saibam que essa é a mãe do meu filho. E podem me julgar, eu
mereço, mas eu tenho sido um idiota para ela. Se eu deixá-la ir
hoje... – a olhei e percebi seus lindos olhos amendoados reluzindo.
– Se eu a deixar partir hoje, talvez eu me arrependa por isto, talvez,
pelo o resto da minha vida. – Virei-me para ela e murmurei rogando:
— Apenas um minuto. Por favor, me conceda apenas um minuto.
Ela parecia relutante, porém ela assentiu.

***
Tínhamos ido para a varanda, então comecei:
— Ok! Vou ser rápido! Eu... Eu... – puta merda, porque as palavras
não saiam agora?
— Eu o quê?
— Eu quero me casar com você.
Ela me olhou perplexa.
— Você quer casar comigo?
— Sim. Você cancela essa viagem e a gente se casa amanhã
mesmo. Não é ótimo?
— Espere! Quem disse que eu quero casar com você?
Aquilo foi um banho de água fria.
— Você não quer casar comigo?
Ela suspirou pesadamente.
— Sabe, Rick, eu não acho que isso seja o certo. Ainda é muito
cedo. Pelo jeito como chegou aqui, infiro que chegou a essa decisão
há pouco tempo. E como você mesmo disse, ainda é muito cedo.
Desculpa, mas eu não posso cancelar essa viagem porque você
simplesmente resolveu casar comigo.
Com as mãos desesperadas, peguei suas mãos.
— Escuta Naty! Eu estou apaixonado por ti. E acredite: eu tenho
certeza desse sentimento, e talvez, ele cresça ainda mais se vo...
— Rick...
— Você não se sente assim?
Ela repuxou o lábio inferior e assentiu com a cabeça.
— Não é que me sinta assim, que eu deva tomar qualquer decisão
baseada nisso. Desculpe-me Rick. Mas seu tempo acabou.
Com os olhos brilhantes, a vi abandonar aquela varanda, enquanto
meu coração se comprimia com a dor. Naquele dia Natália levou
consigo ela, meu filho e um pedaço de mim.
— 22 —

Quatro meses depois.


Paris.
Natália.

— Tem certeza que não quer ir comigo?


— Tenho, João Miguel! Eu marquei com Rick que faríamos uma
chamada hoje... E também, você não acha que eu seria um pé no
saco se eu for a um encontro do meu cunhado?
— Se for por isso, eu já disse que não tem problema. Selena é uma
garota especial. Ela adoraria te conhecer, pimpolho.
— João Miguel, já chega! Vai logo, antes que eu me estresse! – Eu
disse o empurrando para fora do meu apartamento.
Eu sabia que ele não ia sair até que eu o expulsasse. Depois que
minha barriga ficou parecendo uma melancia gigante, ele ficou
paranóico que o bebê possa nascer a qualquer momento. No
entanto, ainda faltavam 3 semanas.
Fui direto para mesa ao lado da janela que detém de uma bela e
privilegiada visão da cidade mais romântica e elegante do mundo.
Antes de conhecer Paris, pensava que isso não passava de
conversa fiada.
Entretanto, tive que concordar assim que coloquei os pés naquela
cidade. Os prédios europeus, que não iam muito além, davam um
charme peculiar à cidade construída as margens do rio sena. Seja
pela arquitetura, seja pelos sabores, seja pelo o ar romantizado,
Paris havia se enraizado em meu coração.
Abri o notebook, esperando a chamada via Skype de Rick, como de
costume. Depois daquele dia no restaurante, eu tive mais que
certeza de que tomei a decisão certa. Eu dei a nós uma nova
chance de nos conhecermos.
Ele passou alguns dias sem me procurar, mas acabamos nos
falando por mensagens uma semana depois e não paramos mais
desde então.
Antes, não acreditava muito em relacionamentos pela internet, mas
agora, vejo que eles são tão sólidos quanto os tradicionais. Por
diversas vezes, eu o quis ao meu lado, sentir sua pele, no entanto,
algumas coisas não mudaram, inclusive, minha má sorte. Sim, má
sorte porque a empresa de Rick entrou em crise nos últimos seis
meses e ele nem sequer tinha tempo para fazer uma curta viagem.
Então combinamos de eu retornar semana que vem, assim, daria
uma pausa no curso de moda e daria a luz a João Ricardo, nome
escolhido por dona Márcia.
Esfreguei os braços e estranhei quando vi que Rick não ficou online
nas últimas 24 horas. Ele sempre ficava.
Decidida a comer um pouco mais, me levantei e resolvi ir a cozinha
comer o resto do bolo de morangos que João Miguel comprou para
mim na confeitaria aqui perto. No exato momento que levantei, senti
a água escorrer entre minhas pernas. Está bem que minha bexiga
estava sensível, mas não achei que aquilo fosse xixi. Aquilo era...
— Minha bolsa se rompeu! – murmurei assustada. – Tudo bem,
Natália. Não entre em pânico. Calma, calma! Inspira e expira! –
Tentei me acalmar. — João Miguel! Isso! Vamos ligar para João
Miguel! – Fui até o sofá procurando pelo meu celular e o encontrei
entre as almofadas. Disquei o número de João Miguel e grudei o
telefone na orelha, sentindo a primeira pontada no pé da barriga.
Quando começou a chamar, no mesmo instante, ouvi o som do
toque do celular de João Miguel reverberar na sala.
Olhei para cima da bancada da cozinha americana e vi o celular de
João Miguel lá em cima.
— Ele esqueceu! – Choraminguei.
Por que eu tive que apressá-lo? – Pestanejei mentalmente.
— Calma, Natália! Ele vai voltar quando se der conta. Ele vai chegar
à casa de Selena e vai perceber. Se acalme! E se ele não perceber?
Ai meu Deus! E se ele perceber e achar que está tudo bem e não
voltar? AI! – Outra pontada fez com que eu me encurvasse. – Vou
ligar para Gemma, — minha colega de turma – Isso! Gemma vai
atender, sem dúvidas! – Procurei pelo o seu número na lista de
contatos e liguei.
Fora de área ou desligado!
— Merda! – Xinguei me contorcendo toda. – O que eu faço? –
choraminguei.
Ele virá. Ele sempre vem. João Miguel virá!
— Rick! – o nome dele saiu avulso de minha boca. Meu desejo era
que ele estivesse ali.

***
Depois de uma hora sentindo dor, eu estava suando frio, ensopada
de suor. Eu ainda tinha fé que João Miguel voltasse, no entanto,
decidi chamar a ambulância, pois já não agüentava mais a dor.
Levantei-me do sofá com dificuldade e vi que minha situação era
pior que eu imaginava. Minha visão começou a ficar turva e meus
sentidos começaram a se esvanecer.
A campainha tocou e um suspirou sôfrego de alivio se fez. Era ele.
João Miguel. Comecei a caminhar até a porta e quando cheguei à
metade do caminho, pensei que ia cair no chão.
— Eu não posso apagar agora. – Grunhi e reuni forças para
alcançar a porta.
Cheguei à maçaneta com dificuldade e a girei num rompante, já não
agüentando mais e quando a abri, o imprevisto. Rick estava em
minha frente com buquê de rosas vermelhas e uma expressão feliz
no rosto que foi desmanchada em segundos assim que percebeu
meu estado.
— Amor, o que você tem...
— Hospital... O bebê quer nascer... – foram as últimas palavras que
me lembro de proferir, até eu desmaiar, aparada por seus braços.
— 23 —
FINAL

Em ritmo letárgico, abri os olhos, encontrando um clarão de luzes.


— Ela acordou! – Reconheci a voz de João Miguel.
Em um rompante, Rick se colocou ao lado da cama e me fitou um
pouco afoito.
— Rick! – balbuciei, sentindo o vazio em meu ventre.
— Oi, meu amor! – Ele disse levando sua mão esquerda para o meu
rosto e acariciando ali.
— Onde está? O nosso bebê? Onde está João Ricardo? – Perguntei
agoniada.
Os olhos de Rick brilharam, como se tivessem enchido d’água,
assustando-me. E por fim, ele abriu um sorriso reluzente, dizendo:
— Ele é a cara do pai.
Do outro lado da cama, vi João Miguel se aproximar com um
pacotinho de lençol azul na mão, enquanto João Miguel dizia
baixinho:
— Olha aqui titio, se não é que a mamãe acordou. – Com voz de
criança, ele brincou: — Tu queres conhecer tua mãe, hein? Queres?
João Miguel se aproximou e com cuidado colocou o corpinho
daquele ser miúdo nos meus braços. Ao olhar seu rostinho, as
lágrimas despencaram sem avisar. Ele era o ser mais lindo e puro
que já vira em toda minha vida. Seus olhos brilhantes me olhavam
com doçura e ali pensei: eu faria tudo outra vez e até mais para que
ele ficasse bem. Ali entendi de onde veio toda minha força.
— Olha a mamãe, filho! Olha como é linda! – Rick falava todo bobão
ao meu lado.
Permanecemos ali rindo por longos minutos. Eu, Rick e nosso filho.
Não havia provado sabor melhor.
5 meses depois...
BRASIL
SP
— Rick, tua mãe chegou! – disse uma oitava mais alta para o papai
mais babão do planeta, que não parava de brincar com João
Ricardo no quarto.
Eu estava um caco.
Apesar de Rick contratar uma babá, eu não abria mão de cuidar do
meu filho. Talvez por eu achar que ninguém cuida melhor de um
filho do que a própria mãe. Assim, resolvi trancar meu curso de
moda na França e fiz um blog só para mamãe, onde compartilho
minha vida diária.
Dona Márcia entrou no quarto já tomando João Ricardo do colo de
Rick e babando feito uma vovó coruja que ela era. Dona Márcia iria
ficar com João Ricardo aquela noite enquanto íamos a um jantar de
confraternização da empresa.
— Tava com saudades da vovó, tava? – Dona Márcia falava com
voz de bebê. – Onde está a bolsa dele?
— Está aqui! – Disse entregando-a. – Sopinha às sete, leitinho às...
— (...) nove e depois cama. – Dona Márcia completou. – Não se
preocupe, meu amor. Esqueceu que fui mãe de dois homens?
Assenti me acalmando.
— Deixa eu ir que vocês devem estar atrasados.
— Eu passo lá no final da noite...
— Não precisa minha filha, eu já disse, aproveitem-se a noite.
Durmam onde quiserem. – Ela disse saindo do quarto e indo direto
para as escadas.
Fui até o elevador e quando as portas se fecharam, suspirei um
pouco preocupada. Não que dona Márcia não seja confiável, mas
sabe como é mãe, né?
Subi as escadas e fui para o quarto tomar um bom banho. Encontrei
Rick apenas de cueca boxer na cama, assistindo TV.
Suspirei mais uma vez, mas foi em agradecimento. Pensei que sou
muito abençoada em ter um homem daquele tamanho em minha
cama.
Ele resvalou os olhos da TV para mim e falou:
— Quer se juntar a mim? – ele perguntou batendo com a mão no
colchão.
— Não podemos, Rick. Estamos atrasados, lembra?
— Acho que não faz mal se eu não for...
— Rick, você não pode faltar... – Ele cruzou os braços contra o peito
e arqueou as sobrancelhas, ficando incrivelmente sexy daquele
jeito. Jesus. Aquilo era covardia Minha vontade era ir lá, tirar a roupa
dele e atacá-lo no mesmo instante.
— Acho que vou ter que ir mesmo – ele falou embrenhando os
dedos nos fios dourados e preparando para se levantar, mas eu
caminhei até lá, abri minhas pernas e sentei em seu colo.
— Acho que podemos fazer isto rapidinho! – Disse o beijando com
força, enquanto ele apertava minha bunda por baixo do vestido.
Nossos corpos estavam febris e bastante excitados, o suficiente
para fazer que aquilo não precisasse de muitas preliminares.
Rick me estocava profundamente e com ardor. Nós não
transávamos muito, devido aquela nossa fase de papais de primeira
viagem, talvez devesse isto o que aguçava tanto meu desejo que
chegava urrar de dentro de mim.
Naquela noite, nós nos amamos de todas as maneiras. Eu amava
aquilo, eu amava o jeito como ele me amava e amava nosso filho, e
sinceramente, apesar de nosso começo não ter sido azul, nosso
final era vermelho. Cheio de paixão, amor, ternura e confiança. No
final, meu “felizes para sempre” se resumia a eles ao meu lado.
Com eles, eu poderia viver eternamente em paz e feliz.

Fim.
BELA MATTOS
https://www.instagram.com/bellamattos5/

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