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COMO NÃO ODIAR UM

MARQUÊS

AMORES INDECENTES - 4

MICHAELLY AMORIM
SINOPSE
O Marquês de Winchester estava feliz com sua vida de solteiro
libertino e se casar não fazia parte de seus planos. Por ter visto sua mãe
definhar por causa das traições de seu pai, fugia de qualquer situação
que pudesse terminar em matrimônio. Entretanto, o rei tinha outros
planos para o Marquês: não lhe deu outra escolha a não ser casar-se
com a filha do Duque de Catterfield.
Lady Clara escondia de todos um segredo que podia ser sua ruína:
Ela trabalhava no Rogue’s, um dos clubes de cavalheiros mais bem-
sucedidos de Londres, como a Dama de Copas, a melhor jogadora de
cartas do clube. Com o que adquiria no Rogue’s, ela mantinha a si e ao
resto de sua família longe da falência.
Casar-se, com quem quer que fosse, era algo inconcebível para a
moça, uma vez que isso tornaria impossível manter seu trabalho e
proteger sua família dos vícios de seu pai, mas não havia como ignorar
uma ordem real. Agora, Clara terá que se casar com um homem que a
repudia, enquanto passa suas noites flertando com a Dama de Copas.
Copyright © Michaelly Amorim, 2018

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e/ou reprodução de qualquer parte dessa obra ― física ou eletrônica ―,
sem a prévia autorização do autor.
Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes,
pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.

Preparação: Michaelly Amorim


Revisão: Barbara Pinheiro
Capa e diagramação: Michaelly Amorim
2018
1ª Edição

COMO NÃO ODIAR UM MARQUÊS


Série — Amores Indecentes ― Livro 4
© Todos os direitos reservados a Michaelly Amorim
COMO NÃO ODIAR UM MARQUÊS
SINOPSE
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1 ― CASAMENTO INDESEJADO
CAPÍTULO 2 ― VISITAS
CAPÍTULO 3 ― COMPENSAÇÃO
CAPÍTULO 4 ― ÓPERA
CAPÍTULO 5 ― PREOCUPAÇÕES
CAPÍTULO 6 ― JANTARES E SEDUÇÕES
CAPÍTULO 7 ― BEIJO
CAPÍTULO 8 ― WILLOW CASTLE
CAPÍTULO 9 ― DESCOBERTAS
CAPÍTULO 10 ― ALICE
CAPÍTULO 11 ― SENTIMENTOS
CAPÍTULO 12 ― DESMASCARADA
CAPÍTULO 13 ― PROPOSTA
CAPÍTULO 14 ― GRETNA GREEN
CAPÍTULO 15 ― SEGREDOS
CAPÍTULO 16 ― ENTREGAS
CAPÍTULO 17 ― CASAMENTO
CAPÍTULO 18 ― ESCÂNDALO
CAPÍTULO 19 ― WILLOW CASTLE
CAPÍTULO 20 ― MAGDALA
CAPÍTULO 21 ― TUDO FICARÁ BEM
EPÍLOGO
PRÓLOGO
14 anos atrás.

A neve caia impiedosamente, cobrindo tudo com um manto gélido e


branco. O vento açoitava as portas e janelas da mansão Winchester,
mas a estrutura espessa conseguia manter o ar frio do lado de fora.
Gabriel estava encolhido embaixo dos lençóis, odiava o frio. Sua
lareira estava acesa e abastecida de lenha, o suficiente para mantê-la
assim, por horas a fio. A primeira batida na porta soou abafada e ele
quase não ouviu, apesar de estar acordado. Quando a batida se repetiu,
mandou que, quem quer que estivesse na porta, entrasse.
A senhora Gaiman, sua babá, entrou no quarto e se colocou ao
lado da cama.
— Milorde, sua mãe quer vê-lo.
— Ela está bem? — o menino perguntou, preocupado, se
levantando de imediato. Sua mãe estava doente, já fazia muito tempo e
não se recuperava. E nos últimos dias ela tivera poucos momentos de
lucidez.
— Ela não está bem, mas quer vê-lo... — a criada se interrompeu,
deixando no ar a frase.
— Antes de morrer? — o jovenzinho completou a frase por ela.
— Vamos vê-la. — A babá o guiou para o quarto da Marquesa.
Sua mãe estava deitada na cama, sua pele parecia ainda mais
pálida e seus cabelos revoltos deixavam os ossos de seu rosto magro
ainda mais proeminentes. Sua mãe já tinha sido uma mulher linda e
exuberante, com uma vivacidade acima do normal. Gabriel se aproximou
da mãe e pegou a sua mão frágil e esquelética.
— Meu menino querido. — A Marquesa sorriu ao reconhecê-lo. —
Eu sinto muito, meu filho, mas não poderei ficar mais com você.
— Eu o odeio. — A criança chorou ao sentir que a mãe estava se
despedindo. — Espero que ele vá para o inferno.
— Não diga isso, meu amor, não cultive o ódio em seu coração. Eu
também o odiei por muito tempo. Apenas porque o amava demais. Mas
de nada adianta odiá-lo, o ódio só irá consumir você. A apesar de tudo,
ele é seu pai. — Lady Emanuele olhou entristecida para o filho.
— Era ele quem devia estar morrendo, não a senhora, ouvi o
médico dizer à senhora Gaiman que foi ele que deixou a senhora doente
e que ele deve ter contraído de alguma meretriz. ― O menino enxugou o
nariz que escorria com a manga da camisa ― Ele não devia ter feito
isso. Como pôde fazer isso com a senhora?
— Ele não ama somente a mim, meu amor, não se pode pedir
fidelidade a alguém assim, seu pai nunca soube o que era ser fiel. Seu
pai não sabia amar só uma pessoa. Ele amava várias ao mesmo tempo.
Suas meias-irmãs e seu meio-irmão estão aí para provar isso.
Gabriel se lembrou de suas irmãs mais novas, irmãs apenas por
parte de pai, filhas que ele tinha tido fora do casamento e que, apesar de
tudo, tinha reconhecido como suas: Cecília e Alice. Elas eram mais
novas do que ele, assim como o Samuel, seu meio irmão, que era quase
da idade dele. Sua mãe tinha acolhido os três com o coração aberto,
mesmo sabendo que eram resultado da traição do Marquês.
— Quero que cuide dos três. Eles não têm culpa dos erros de seu
pai. Não desconte nelas o pecado de Jonathan — a Marquesa pediu em
um fio de voz. Estava cada vez mais fraca.
Ficaram um tempo em silêncio e ela estava tão quieta, que ele
temeu que a mãe tivesse partido.
— Mamãe?
— Você se parece tanto com ele. — Emanuele sorriu para o filho.
— Não sou como ele. Nunca farei o que faz. E não serei um
libertino como ele.
— Meu amor, não é errado viver a vida, eu me apaixonei por seu
pai justamente por isso, ele sabia viver o melhor que a vida tinha a
oferecer, meu erro foi pensar que o amor era recíproco e que eu seria
suficiente para ele quando nos cassássemos. Você não deve ter medo
de viver a vida. Você é um garoto tão lindo, vai ser um homem
maravilhoso, por onde passar as damas darão suspiros. Não precisa
viver uma vida celibatária, desde que tenha cuidado com quem se deita.
Aproveite a vida ao máximo e seja feliz. Mas, quando um dia se casar,
mesmo que não ame sua esposa, cumpra seus votos feitos no altar,
assim não condenará ninguém à mesma dor que agora sinto.
— É uma promessa — Gabriel jurou.
— Eu te amo, meu querido. Nunca se esqueça disso.
— Eu também a amo.
E naquela mesma noite a Marquesa partiu, finalmente,
descansando em paz.
CAPÍTULO 1 ―
CASAMENTO INDESEJADO
Gabriel Campbell Deen Anbrock, o décimo segundo Marquês de
Winchester, estava em conflito. Não queria casar com a mulher que o rei
lhe ordenara. Nunca odiara tanto o rei quanto naquele momento.
Seu casamento com Lady Clara de Catterfield aconteceria dali a
cinco meses e ele mal tinha aparecido na casa de sua noiva. Não que
negligenciá-la resolvesse algum de seus problemas, mas fazer a corte à
mulher que seria sua esposa tornava real demais a ordem de Vossa
Majestade. Sabia que não tinha saída a não ser se casar, mas até o
casamento, faria o possível para aproveitar os dias contados de sua
liberdade.
Por esse motivo, Lorde Winchester podia ser facilmente
encontrado, quase todas as noites, no Rogue's, sentado em uma mesa
na ala da Gula ou da Avareza, com um copo de whisky na mão,
observando outra mulher que não era sua noiva. Aquela sim, era a dona
de seus pensamentos. Se a tivesse conhecido alguns dias antes do
decreto do rei, talvez não estivesse tão aflito quanto a seus votos
matrimoniais.
Copas era uma mulher linda, misteriosa, deslumbrante e
inteligente, diferente de outras damas — e de mulheres com uma
denominação menos respeitosa — que conhecia. Ela parecia não se
influenciar pela sua beleza, charme ou título, na verdade, ela o olhava
com certo deboche e descaso e às vezes até beirava a ira. E tudo isso o
intrigava.
Ela não era nenhuma prostituta. Era apenas uma jogadora. Para
ser justo, não apenas uma, e sim, a melhor jogadora de cartas do
Rogue's, talvez até de toda Londres. Mas não era apenas isso que a
tornava incomum. A mulher tinha uma segurança, uma independência e,
acima de tudo, um mistério que escondia atrás daqueles olhos
tempestuosos que o fascinavam e atraíam. Tinha-o encantado à primeira
vista. Ele não sabia se tinha sido pela mente ardilosa dela, ao criar o
plano para unir Henry e Phillipa, ou se tinha sido pela força interior que
havia demonstrado ao enfrentar o Lorde. Desde que a conheceu,
Winchester não passou um dia sequer sem pensar ao menos uma vez
nela.
Infelizmente, para o Marquês, a atração por Copas tinha acontecido
no pior momento possível, pois teria que se casar com Lady Clara, quer
quisesse, quer não. Era um decreto do rei e ele não poderia
desobedecer.
A seus olhos, Lady Clara era comum, com hábitos comuns, uma
beleza comum e que, sinceramente, não tinha nada que o fizesse olhar
duas vezes para ela. Era uma dama bem respeitada, de reputação
impecável, filha de um Duque, um bom partido, mas nada disso o
interessava. Ele não queria uma mulher passiva e que o obedecesse em
tudo, queria uma mulher que o fizesse suspirar e que despertasse o seu
desejo, alguém como Copas. Não se importava se ela tinha título ou não,
a mulher o tinha intrigado e o enfeitiçado desde o início, e ele a queria, a
desejava, e isso estava deixando o Marquês ensandecido.
Com um suspiro resignado, o Marquês pediu outra dose de whisky,
uma dama de branco lhe serviu a bebida e, em seguida, se afastou para
atender outros clientes. Winchester pegou o seu copo e se direcionou
para a ala da Avareza. Copas estava lá e ele precisava vê-la antes de
voltar para casa.
A ruiva estava sentada em uma mesa de apostas, cinco homens
estavam apostando com ela. As fichas jogadas na mesa, e o dealer
distribuindo as cartas, Copas estava concentrada em seu jogo e não viu
o Marquês se aproximar. Vinte minutos depois, ela ganhava o jogo, para
a frustração, elogios e xingamentos dos outros competidores.
― Belo jogo ― o Marquês elogiou, se sentando em um lugar vago
ao lado dela.
A mulher o olhou brevemente e começou a organizar as cartas,
com um gesto de cabeça dispensou o dealer e os outros homens se
retiraram, ao perceber que ela não iria iniciar outra partida naquele
momento, deixando apenas os dois na mesa.
― Vai jogar? ― perguntou, ignorando o elogio. Sempre fazia isso,
como se soubesse que ele apenas tentava agradá-la com palavras
bonitas.
― Não. ― Ele colocou o copo na mesa e se sentou de frente para
ela.
― Que pena. ― Copas continuou separando as cartas, sem dar-lhe
atenção. Quando o baralho ficou arrumado, levantou-se. ― Com licença.
― Espere, Copas ― Gabriel chamou, quando percebeu que ela iria
embora. ― Eu quero uma partida.
Com um sorrisinho de lado, a mulher voltou a se sentar.
― Por que sempre que eu tenho que conversar com você, tenho
que jogar? ― Winchester se encostou na cadeira para observá-la
melhor. Quando estavam colocando em prática o plano de unir Henry e
Phillipa, Copas parecia até gostar dele, mas desde que seu noivado fora
anunciado oficialmente, o tratava com indiferença e até hostilidade. E ele
poderia compreender a indiferença, mas a hostilidade... Parecia que a
ofendia toda vez que falava com ela. E o pior, sempre acabava
lembrando a ele com todas as letras que era noivo. Quase podia achar
que ela estava aborrecida com o compromisso dele.
― Porque eu estou trabalhando e meu trabalho é jogar cartas. ― O
deboche na voz da mulher era quase palpável.
― Eu acho difícil acreditar nisso. Ainda mais, depois de vê-la
conversando abertamente com outros clientes, sem estar apostando com
eles.
― Alguns clientes precisam ser persuadidos a perder algumas
libras. ― Ela começou a embaralhar as cartas, para iniciar uma rodada
de cartas. ― O que vai querer jogar?
― Rummy ― o Marquês respondeu. Aquele jogo permitiria que
passasse um bom tempo com Copas. Quanto mais o evitava, mais ele
ficava interessado em descobrir os motivos.
― Tudo bem. O que vai apostar?
― Uma libra. ― O Marquês colocou na mesa os créditos referentes
ao valor apostado e a Dama de Copas fez o mesmo.
Copas embaralhou o monte com eficiência e rapidez e, em seguida,
distribuiu onze cartas para cada um. Gabriel observou as cartas que
tinha recebido. Uma trinca já estava montada e outra faltava apenas um
sete, ou um quatro de paus para ter a sequência e assim descer as
cartas na mesa. Winchester desceu a trinca de ouros que já estava
formado.
― Vai me dizer por que me odeia? ― o Marquês perguntou,
enquanto Copas analisava as cartas que tinha em mãos. Não era a
primeira vez que ele perguntava aquilo.
Clara baixou na mesa uma sequência de paus. E, em seguida, fitou
o Marquês.
― Eu não o odeio. Odiá-lo significaria que o senhor tem alguma
importância na minha vida, a ponto de eu perder meu precioso tempo
nutrindo um sentimento tão desgastante.
O Marquês fingiu-se ofendido e puxou outra carta, já que era sua
rodada. A carta puxada era um quatro de espada.
― Assim magoa-me. Não devias ser tão cruel comigo, ainda mais
quando só anseio ver o teu sorriso direcionado a mim.
Ela revirou os olhos. E puxou outra carta quando chegou na sua
rodada.
― Por favor, Winchester, está sendo dramático.
― E a senhorita, está sendo cruel. Por isso, creio que me odeia.
Mas diga-me, minha dama, o que fiz para merecer o seu desinteresse?
Copas suspirou e desceu na mesa uma trinca.
― Não entendo o seu interesse em mim, milorde. Não tens uma
noiva?
― Não me lembre desse maldito noivado. ― O Marquês tirou o
sorriso do rosto. Odiava que o lembrassem de sua noiva, a qual estava
evitando deliberadamente.
― Vejo que o casamento não te agrada. ― Copas o fitou, e
Winchester jurou ter visto raiva nos olhos dela. Mas o cinza tempestuoso
era difícil de ser interpretado, a máscara o impedia de ver as expressões
que a ruiva fazia e a voz, sempre baixa e controlada, não deixava
transparecer emoção nenhuma. Portanto, não teve certeza se realmente
era raiva que, brevemente, tinha visto em seu olhar.
― Não, se dependesse de mim, jamais casaria. Mas o rei não me
deu nenhuma outra escolha.
― Que eu saiba, ele lhe deu tempo para escolher com quem
gostaria de se casar, é bem mais do que sua noiva teve ― Copas o
alfinetou.
Gabriel puxou uma carta, um rei de copas, e suspirou. Não se
orgulhava de estar negligenciando a sua noiva, entretanto, não
conseguia encará-la. Era um covarde por isso, estava ciente desse fato,
mas só em imaginar-se tendo que passear com ela, dar-lhe flores, a
cortejar, quando não queria fazê-lo, lhe parecia desleal consigo mesmo e
com sua noiva. Clara era apenas uma criança, tinha acabado de debutar,
não queria enganá-la, fingindo que estava feliz com aquele arranjo,
quando não estava. Winchester sabia que estava adiando o inevitável,
mas não conseguia agir de outro modo.
― Esqueço-me que conheces minha noiva através de Phillipa.
Afinal, ela é amiga da Sra. Williams e costuma visitá-la, pelo que soube.
Por falar na esposa de Henry, estou até preocupado com o fato de ela
ainda não ter vindo me recriminar, por não ter ido visitar minha noiva. ―
O Marquês riu. Era fácil imaginar a jovem lady fazendo exatamente
aquilo, como se tivesse o direito de se intrometer em sua vida.
― Ah, mas ela queria. Bem mais que isso. Estava querendo sua
cabeça em uma bandeja por estar negligenciando a amiga dela ―
Copas comentou, ácida. ― Eu insisti que não o fizesse.
― E por que me defenderia? ― O Marquês ficou confuso com
aquela declaração.
― Eu não o defendi. Mas creio que sua noiva ficaria ainda mais
chateada se soubesse que o homem com o qual se casará, só ousou
visitá-la por causa de Phillipa. ― Copas puxou mais uma carta em sua
rodada e baixou uma trinca. O que me leva a uma pergunta bastante
pertinente: por que não foi visitá-la ainda?
Winchester puxou uma carta, sete de paus, em seguida, baixou a
sequência que tinha em mãos. Lembrou-se da bebida que ainda tinha na
mesa. Bebeu-a de uma única vez.
― Eu não quero fingir para minha noiva que estou feliz com o
casamento ― comentou, batendo o copo na mesa.
― Essa é a desculpa que dá a si mesmo? ― a jogadora debochou
e puxou uma carta, baixando-a em seguida para complementar um jogo
do Marquês na mesa.
― É a verdade. ― Ele franziu o cenho.
― Se fosse verdade, o senhor já teria visitado sua noiva e tido uma
conversa sincera com ela, sobre não querer desposá-la ― acusou.
Aquela reprimenda o fez cerrar os dentes. Odiava ser recriminado.
Jogou sua rodada, puxando uma carta e baixando outras duas.
― Não é tão fácil assim. Vou magoá-la. E ela é tão... Não sei...
Lembro-me dela mais nova... Era uma criança meiga e carinhosa. Tenho
certeza de que ela espera mais que um casamento por obrigação. E eu,
nem mesmo quero me casar, ela não me desperta nenhum interesse.
Aquelas palavras a enfureceram. Era óbvio que não iria lhe
despertar o interesse, quando ele sequer tentava conhecê-la, mas o pior
era ele pensar que não a visitar estaria poupando os sentimentos dela,
como se ela estivesse esperando por um maldito príncipe encantado.
Maldito Marquês.
― Esqueces, milorde, que as mulheres, especialmente as do nível
social de sua noiva, são criadas para não se deixarem levar a ideia de
um casamento por amor. Elas são ensinadas a ver o casamento como
ele é. Um contrato. É mais fácil assim, aceitar a realidade de que não
são todos que se casam tendo esse sentimento como base. Dorset,
Norfall e o Lorde, são exceções e não a regra. Não creio que sua noiva
seja tola a ponto de esperar um casamento por amor.
Clara fez sua jogada, irritada, queria encerrar logo aquele jogo e se
afastar daquele homem e, para sua sorte, a carta que puxou era
exatamente a que precisava. Então, com uma sequência, ganhou o jogo,
baixando as últimas quatro cartas que tinha em mãos de uma vez.
O Marquês praguejou por ter perdido e Copas recolheu as cartas,
sem mesmo organizá-las. Em seguida, a jogadora se despediu e se
afastou daquele homem que despertava o pior nela.
Winchester observou-a se afastar, sem entender o que tinha feito
novamente para irritá-la tanto.

No dia seguinte, durante à tarde, Clara se juntou a mãe e as irmãs


na sala de estar. Não estava com a menor vontade de bordar e, por isso,
se direcionou para o piano, enquanto suas irmãs se sentaram próximas a
sua mãe para trabalharem em seus bordados.
Todas as filhas do Duque eram loiras como o pai, o Duque de
Catterfield, enquanto que a Duquesa, Lady Catterfield, possuía cabelos e
olhos castanhos. Entretanto, apenas Clara possuía olhos acinzentados,
suas irmãs possuíam os mesmos olhos azuis do Duque e seu irmão era
a versão masculina de sua mãe, com os olhos e cabelos castanhos.
Clara era a mais velha dos filhos de Lorde Catterfield, e por ser a
primogênita, era sua preferida. Quando tinha cinco anos, as gêmeas
nasceram e três anos depois, nasceu o herdeiro do Ducado, Christopher
Dominic Sethwood.
Clara começou a tocar Bach, na tentativa de colocar para fora a
raiva que sentia de seu noivo. Como ele ousava na noite anterior ter dito
que ela não o interessava? Quanto mais conversava com ele no Rogue’s
disfarçada de Copas, mais ela o odiava. Sua frustração a fez errar uma
nota. Recomeçou a tocar e, então, errou novamente. Frustrada, largou o
piano e sentou-se junto das irmãs, que discutiam.
― Você nunca acerta esse ponto. A agulha tem de entrar aqui,
nesse buraquinho, e não nesse ― Cristine repreendia a irmã. ― Por
isso, que seu bordado sempre sai cheio de espaços e o verso fica
deselegante.
― Eu não me importo. Sabe que odeio bordado. Preferia estar
pintando, mas mamãe não me permite trazer a tela para cá ― Caroline
murmurou e olhou para a mãe, esperando a reprimenda por parte dela.
― Não, senhorita. Não vai trazer sua tela, da última vez que
permiti, foi necessário comprar um tapete novo para cobrir o estrago que
você fez no piso, com aquela tinta amarela. ― A Duquesa olhou para o
tapete persa, que estava embaixo de uma mesinha ornada com um jarro
de flores, para disfarçar que ali tinha acontecido um desastre natural.
― Clara, quando poderemos conhecer seu noivo? ― Caroline
perguntou, desviando o assunto sobre sua pintura. Não tinha culpa, se
ficava empolgada quando pintava.
Clara se retesou. O que menos queria era falar sobre o seu noivo
naquele momento e, muito menos, com suas irmãs ali.
― Estou ansiosa para saber se é tão bonito quanto dizem. Quando
ele vai vir nos visitar? ― Cristine endossou a pergunta de Caroline e, ao
ver que a irmã mais velha demorava a responder, continuou a falar. ―
Como ele precisou ir a Willow Castle no dia do jantar de noivado que
oferecemos a ele, creio que devemos fazer novamente o convite.
― Verdade, acho devemos fazer o jantar, afinal, ainda não foi dado
― Caroline argumentou. ― Mas foi uma tremenda falta de educação ele
ter mandado uma missiva com tão pouca antecedência. Estávamos
ansiosas para conhecê-lo. Não sei nem o que faria caso fosse meu noivo
a me evitar.
― Não diga isso, Caroline, o Marquês não está evitando sua irmã.
Ele teve mesmo que resolver assuntos seríssimos em suas terras.
Soube por Lady Goddwuig que a meia-irmã dele havia adoecido, e por
ele ser muito devotado à família, não pensou duas vezes antes de voltar
para casa, ainda que já tivesse aceitado nosso convite.
― É verdade, Louise comentou a mesma coisa comigo ― Cristine
confirmou a fala da mãe. Louise era a filha de Lady Goddwuig e uma
amiga muito próxima de Cristine. ― Mas então, quando poderemos
oferecer o jantar de noivado? Lorde Winchester já voltou há algum tempo
para Londres. Ele ainda continua muito ocupado, Clara?
― Eu não fui informada dos planos de meu noivo, Cristine ― Clara
disse, contida. Odiava ser o alvo da conversa de suas irmãs. Elas eram
afoitas demais para a idade, tinham uma curiosidade acima do comum e
adoravam uma boa fofoca.
― Não sejam curiosas, meninas, o Marquês aparecerá em breve.
Ele deve ter suas razões para não ter vindo até agora. Devemos dar a
ele o benefício da dúvida e não tirar conclusões precipitadas sobre a
ausência de Lorde Winchester. ― A Duquesa silenciou as filhas mais
novas.
― Claro, ele deve estar mesmo tão ocupado que nem mesmo
lembra que tem uma noiva ― Clara comentou, ácida. Não conseguiu
segurar o comentário.
Tentou não se importar. Se tinha um sentimento que nutria por seu
noivo naquele momento, era desprezo. Winchester sequer havia lhe
enviado desculpas formais por não ir visitá-la, em vez disso, ele a
ignorava, como se ela nem mesmo fosse sua noiva. Clara não se
importava com a desculpa que ele tinha dado na noite anterior, que por
sinal era a mais descabida que já tinha ouvido.
― É verdade que ele é um libertino? ― Cristine perguntou, curiosa,
ignorando o estado de espírito de Clara. ― Ouvi as moças da cozinha
falando que ele era um libertino. O que é um libertino?
― É um homem que deve ser evitado, pois costumam corromper
donzelas como você ― a Duquesa explicou, olhando reprovadora para
sua filha. ― E sabe que não deve escutar escondido conversas alheias.
― Mas o noivo de Clara é um libertino, ele vai corrompê-la
também? ― Caroline entrou na conversa. ― Devemos evitá-lo?
― Deus livre sua irmã de algo assim. E, quanto a evitá-lo,
infelizmente não podemos, pois apesar de não termos sido nós quem
escolhemos o pretendente de sua irmã, e sim o rei, ele logo fará parte da
família e devemos tratá-lo cordialmente. E não ousem falar sobre
libertinos na presença dele, nem na presença de ninguém. Não é de bom
tom chamar nenhum cavalheiro de libertino. Então, esqueçam que
conhecem essa palavra.
― Mas é exatamente isso que ele é ― Clara se pronunciou,
colocando toda sua irritação nas palavras. ― A fama dele o precede.
Todas as damas sussurram sobre ele nos salões e nas reuniões
femininas. Dizem que ele pode levar uma mulher à loucura apenas
usando a boca. Ele vai mesmo me deixar louca, mas de tanta raiva que
me causa. Aquele miserável.
― Clara! Controle a língua mocinha. Essas não são palavras de
uma dama educada. Não torne a dizê-las, ainda mais na frente de suas
irmãs.
― Perdão, mamãe ― a filha mais velha de Lady Catterfield se
desculpou, envergonhando-se por ter dito algo tão impróprio na frente
das irmãs. ― Eu vou me retirar para o meu quarto, com licença.
Clara se retirou apressadamente, antes que não pudesse mais
controlar sua língua e dissesse mais coisas impróprias na frente de suas
irmãs. Mas lembrar-se das conversas que as Damas de vermelho tinham
sobre seu noivo, a deixava ainda mais furiosa.
O Marquês estava a todo momento em seus pensamentos e quanto
mais ela tentava evitar isso, mais ele se fazia presente. Definitivamente,
odiava-o.

Mais tarde, naquela noite, Clara se arrumava para ir ao clube. Sua


criada sabia sobre o seu segredo e fazia tudo para acobertá-la durante
sua ausência na casa. Além de Carmelita, apenas o administrador da
família sabia sobre a vida dupla de Clara, era ele quem cuidava para que
o dinheiro entrasse nos cofres da família novamente, sem parecer
suspeito.
― Você não parece animada em ir ao clube esta noite, criança ―
sua criada comentou ao notar o semblante entristecido de Clara.
Carmelita já era uma senhora de cinquenta anos, que a conhecia
desde criança e tinha sido sua babá. Confiava naquela mulher mais do
que em qualquer outra, até mesmo sua mãe. Desde que nascera, via
Carmelita como sua segunda mãe, e a velha senhora sempre esteve
presente em sua vida e a conhecia melhor do que qualquer outra
pessoa.
― Ele estará lá. ― Clara suspirou. ― Toda noite ele está lá e,
sempre que me vê, ele sorri e se aproxima, como se ficasse feliz por ver
Copas. E eu que sou sua noiva, sou abandonada como um objeto sem
importância nenhuma. Eu o odeio por estar me envergonhando dessa
forma.
― Você o odeia porque queria que ele estivesse aqui, como seu
noivo, lhe cortejando como deveria ser ― Carmelita comentou, enquanto
ajudava Clara a se vestir como uma criada. Era assim que ela saia de
casa disfarçada, sempre que ia ao clube.
― Não sei se eu iria querê-lo me cortejando.
― É claro que quer, menina, você até pode mentir para si mesma,
mas eu a conheço como a palma da minha mão e sei quando está
mentindo e, neste, momento nunca esteve mais longe da verdade.
― Eu nem deveria me importar com ele. ― Clara bufou, cruzando
os braços.
― Quanto a isso, eu concordo. Preferia que não nutrisse nenhum
sentimento pelo seu noivo, além do respeito que uma mulher deve ter
por seu marido ― a velha senhora comentou, preocupada.
― Está se referindo à história da mãe dele, não é? É realmente
triste viver o que ela viveu. Mas não se preocupe, Carmelita, eu não vou
me apaixonar, ele não desperta esse tipo de sentimento em mim.
A criada apenas concordou com a cabeça, terminando de fazer seu
trabalho em silêncio. Temia por Clara, era claro que a moça sentia algo
pelo Marquês, caso contrário, ele não a afetaria tanto. E isso a
preocupava. Não queria que sua garotinha tivesse o mesmo fim de Lady
Winchester.

Já no clube, Copas foi direto para o escritório de Henry. Precisava


saber como estava a situação de seu pai no clube. Lorde Catterfield
estava em uma das mesas na ala da Avareza, provavelmente, perdendo
mais do que ganhava, como sempre. Nunca entendeu o que levou o pai
a se afundar nos jogos daquela forma. Desde que tinha conseguido seu
herdeiro, o Duque havia perdido todo o seu bom senso no que se tratava
de jogos. Apostava com qualquer um que aceitasse o desafio. E sempre
perdia. O que mais a intrigava é que, em vez de ficar triste e furioso, o
Duque continuava jogando, ainda mais animado por ter perdido a
partida.
Seu pai quase não participava mais da vida em família, não se
reunia mais com eles na hora das refeições, pedia que levassem o
alimento para seu escritório, evitava as festas e vivia recluso em seu
escritório, só saindo de lá para dormir no quarto. O Duque havia mudado
tanto que nem parecia o homem amoroso e bom que um dia tinha sido.
Voltando a focar em seu trabalho como a Dama de Copas, ela
seguiu para o andar o escritório do Lorde e esperou a permissão para
entrar. Como o Lorde estava muito ocupado com o noivado com Phillipa,
era Dmitri quem administrava o Rogue’s. Assim que sua entrada foi
permitida, Copas entrou.
― Em que posso ajudá-la? ― Dmitri perguntou, assim que a viu.
O russo era um homem grande, cabelos avermelhados e olhos
verdes. Estava sempre com o semblante sério, o que o fazia parecer
intimidante, mas quando sorria sua beleza se tornava evidente.
― Eu vim ver a situação de meu pai no clube.
― Ah é claro. Sente-se. Pegarei os livros de contabilidade na
minha sala, acabei levando-os para lá mais cedo. Espere aqui que já
retorno.
Dmitri saiu do escritório, deixando-a sozinha.
Copas se sentou na poltrona marrom que havia em frente à mesa.
Diferente de Henry, Dmitri era extremamente metódico e organizado, não
deixando nada fora do lugar. As cortinas pretas estavam todas abertas,
entretanto, isso não incomodou Copas, ainda que um dos quartos da
Luxúria estivesse sendo utilizado e o casal estivesse completamente
despido.
Havia prostitutas no clube, elas trabalhavam para o Lorde e eram
sempre bem tratadas. Diferente dos bordeis, onde elas eram
maltratadas, o Rogue’s lhes dava proteção e cuidados básicos, para que
vivessem bem. Nenhuma era obrigada a seguir com aquela vida,
encontrando apoio sempre que decidiam deixar o ramo.
A primeira vez que viu o trabalho que uma prostituta fazia, Copas
se escandalizou. Mas, aos poucos, foi se acostumando com a vida que
aquelas mulheres levavam. Sempre as tratou com respeito,
independente do que faziam e, com o passar do tempo, até havia criado
amizades com algumas delas. As meninas sabiam de sua identidade e
todas eram de extrema confiança. Era uma das regras internas do clube:
nunca revelar a identidade de outro Rogue. O segredo devia ser levado
para o túmulo. Quem o desobedecesse, sofreria sérias consequências.
Copas se direcionou para a cortina, que se abria para o casal na
Luxúria e a fechou. Não era por que não se escandalizava mais com a
cena, que achava correto observar alguém em um momento tão íntimo.
Não demorou muito e Dmitri voltou para a sala, com o livro em
mãos e o semblante preocupado.
― Este mês o seu pai perdeu bem mais do que devia ― Dmitri
comentou. ― O valor que você ganhou só quitará metade do que ele nos
deve. Ele tem jogado com outros nobres e, por isso, está aumentando a
dívida não só conosco.
― A culpa é minha. ― Copas suspirou.
A estratégia que ela normalmente usava era estar em todas as
rodadas que o Duque estivesse participando e assim fazê-lo perder para
ela, pois assim garantiria que o dinheiro retornasse aos cofres da casa.
Uma pequena porcentagem ficava com o Rogue’s e ambos se ajudavam.
Entretanto, no mês anterior, Copas percebeu que o seu pai a
observava demais. E, por medo de ser descoberta, diminuiu a frequência
de jogos que disputava com ele.
Após ver as anotações no livro de contas do Rogue’s, Copas
desceu para a ala da Gula, precisava de uma bebida para relaxar um
pouco, antes de começar as rodadas daquela noite.
Ao se aproximar do balcão, reconheceu o Marquês de Winchester,
que estava sentado em uma das cadeiras, apreciando a sua bebida.
Parecia resignado, observando o copo com atenção, como se ali tivesse
todas as respostas que procurava. Ele devia estar tentando encontrar um
modo de não ser obrigado a se casar com ela.
Aquilo irritou Copas mais do que devia. Então, pediu uma dose
dupla para si e a tomou de uma só vez.
— Você é uma das poucas mulheres que eu vejo bebendo por aqui
— Winchester comentou. — Não que esteja julgando.
— Eu gosto de beber um pouco, costuma me acalmar ― Copas
explicou, dando de ombros. Não estava disposta a brigar naquele
momento, nem mesmo com o Marquês. Só queria ficar em paz para
decidir o que fazer sobre o seu pai.
— E por que precisa ficar calma? — O Marquês estava curioso.
—Não é da sua conta, Winchester.
― Está irritada hoje ― comentou.
Copas o ignorou e se levantou, pronta para ir embora, mas
Winchester a deteve.
― Me largue. Preciso trabalhar.
― Eu quero uma partida ― pediu e a guiou para uma das mesas.
Com um suspiro, Copas o seguiu até a mesa. Não podia negar um
jogo, era seu trabalho, afinal de contas.
― Quanto vai apostar? ― ela perguntou, ao retirar de suas vestes
o baralho e começar a embaralhar as cartas.
― Uma libra.
― Vai precisar subir sua aposta se quiser jogar comigo hoje ―
Copas barganhou. ― Dez libras.
― Feito. ― Winchester não iria recuar.
Copas deu as cartas e o jogo se iniciou. Para a sua surpresa, o
Marquês permaneceu calado durante todo o jogo. E a partida terminou
rapidamente, tendo Winchester como ganhador.
Droga, eu tenho que ganhar dinheiro e não perder ― Copas ralhou
consigo mesma. Não estava concentrada como deveria no jogo e isso a
tinha levado a perder a partida. Ela retirou de seu bolso as fichas
referentes a dez libras, mas o Marquês negou.
― Pode ficar com as libras, eu quero apenas que me responda
algo.
Copas ficou um pouco apreensiva e agradeceu aos céus por sua
máscara cobrir seu rosto, impedindo qualquer um de ver suas
expressões.
― O que gostaria de saber, Winchester?
― Por que eu a irrito tanto? Quando você me pediu ajuda para o
plano de unir Phillipa e Henry, não me odiava, pelo contrário, parecia até
gostar de minha presença. E agora, sempre que a vejo, tenta me evitar e
me trata com desprezo, o que foi que eu fiz para merecer isso?
Copas pensou um pouco e decidiu que ele merecia uma resposta.
― O senhor está noivo.
― Sim, estou. Não sabia que isso era motivo para que me odiasse
tanto. A não ser que estivesse gostando de mim. Diga-me, Copas,
estava gostando de mim?
Clara enfureceu-se com aquela pergunta e levantou-se da mesa. O
Marquês era realmente um cretino.
― Não seja tolo. Eu sei qual é o meu lugar. Ainda mais agora, que
vejo como trata a sua noiva, estou mais convicta que não há motivos
para gostar do senhor. Agora, se me dá licença, eu tenho que trabalhar.
― Eu quero outra partida. ― Ele sorriu. Copas acabava de se
tornar um desafio para ele.
― Está querendo me irritar, não é? ― A jogadora franziu o cenho,
mas voltou a se sentar. ― Vinte libras desta vez, se quiser jogar comigo.
― Feito ― o Marquês concordou sem hesitar.
Novamente jogaram em silêncio, dessa vez Copas foi a vencedora.
― Outra partida ― ele exigiu, antes que ela pudesse guardar as
cartas.
― Tudo bem. ― Copas sorriu, arteira. ― Trinta libras.
― Está querendo me fazer desistir, ou apenas me falir?
― Estou apenas jogando, milorde. Se é demais para o senhor, é só
desistir.
― Não, vamos jogar mais essa. ― O Marquês não recuou e
voltaram a jogar.
Copas era realmente uma boa jogadora quando estava
concentrada, então Gabriel decidiu que iria distraí-la.
― Ainda acredito que gosta de mim ― ele comentou, com um
sorriso.
― Acredita em uma mentira, milorde ― respondeu.
― Se fosse mesmo uma mentira, não me odiaria tanto.
― Já disse que não o odeio. Apenas desprezo o que está fazendo
com sua noiva.
― Você só entenderia se estivesse na minha pele, minha querida.
Ser forçado a um casamento que nunca pediu, não é algo que deixe um
homem feliz.
― Muitos casamentos são arranjados entre as famílias, milorde. O
senhor não é o primeiro a se casar por obrigação. E não vejo nenhum
dos outros reclamando de seus casamentos.
― Então, talvez devesse olhar direito, minha cara. Ao seu redor
mais da metade dos homens são casados e a maioria frequenta a
Luxúria e nenhum deles está com a esposa aqui. Se estivessem
contentes com a mulher com quem se casaram, estariam neste
momento em casa, usufruindo dos direitos que o matrimônio confere, em
vez de se embriagando e usando as prostitutas para ter um pouco de
felicidade momentânea. E tenho certeza de que se houvesse algum
clube para as mulheres, essas mesmas distintas damas, cujos maridos
se divertem aqui nesta noite, estariam também tentando esquecer o
casamento fracassado. É exatamente isso que estou evitando, minha
cara, um casamento fracassado.
Copas entendia o ponto de vista dele, mas não queria simpatizar
com aquele homem que abandonava a noiva de forma tão cruel.
— Então, o senhor não quer um casamento fadado ao fracasso.
Creio que ninguém quer. Isso eu compreendo. Entretanto, como sabe
que seu casamento será assim? Pelo que eu soube, nem sequer
conhece a sua noiva. Por que a evita? O que ela pode ter de tão ruim,
para que a despreze dessa forma?
— Eu não a desprezo, apenas não sinto o menor desejo de visitá-
la, ou conhecê-la. Eu jamais a escolheria para ser minha noiva — ele
disse uma das verdades. Não era apenas por aquele motivo que evitava
sua noiva.
Copas tentou segurar a fúria que percorreu seu corpo naquele
momento.
— Qual o problema dela? Faltam-lhe os dentes? É vesga? Ou
aleijada?
— Céus, não. Ela só não é o tipo de mulher que eu costumo gostar.
E um casamento sem atração é o mesmo que ter que comer comida sem
tempero o resto da vida. Come por estar com fome, mas não sente
nenhum prazer com a comida.
— Esse é o pior argumento que eu já ouvi. ― Copas se exaltou. ―
Não é a beleza física que vai garantir um casamento promissor. Se
assim fosse, o senhor seria um ótimo marido e, pelo pouco que o
conheço, eu chego a ter pena do destino de sua noiva. Sinceramente, eu
desejaria que esse compromisso fosse desfeito. Sua noiva não merece
alguém como o senhor.
― Eu não me referia à beleza física, mas sim, à atração. Não é só
a beleza física que atrai. Por exemplo, eu nunca vi o seu rosto, não sei
quem você é, mas toda noite eu não consigo evitar sua companhia e,
muito menos, lhe tirar de meus pensamentos. Algo em você me atrai. E,
por isso, eu sei que um casamento com a senhorita teria mais chance de
dar certo, do que o casamento a qual estou fadado.
Copas sorriu, ácida.
― Um casamento entre nós seria um inferno. Seria tão fracassado,
quanto o da sua noiva, senão mais.
— Creio que não expressei bem o meu ponto de vista.
― Não há nada que diga que me faça odiá-lo menos.
― Então, assume que me odeia.
― Agora sim, definitivamente o odeio.
― Apenas porque não sinto atração por minha noiva?
― Não. Por ser um canalha mesmo.
O Marquês ficou em silêncio por um tempo, observando o jogo que
tinha em mãos. Ouvir aquilo o tinha perturbado mais do que gostaria.
Suspirou, talvez ela tivesse razão. Ele realmente estava agindo como um
canalha ao tratar a noiva daquele jeito.
― Eu não sou um canalha ― comentou, enquanto colocava as
cartas na mesa, desistindo daquela rodada.
― Suas atitudes mostram o contrário.
― Eu sei ― ele concordou.
Copas o olhou bem e percebeu no olhar do homem à sua frente,
tristeza e resignação, mas não se permitiu amolecer.
CAPÍTULO 2 ― VISITAS
A conversa na noite anterior havia lhe dado o que pensar e, por
esse motivo, tinha decidido fazer a coisa certa. Talvez, conhecendo sua
noiva, pudessem ser, ao menos, amigos e, com um pouco de sorte, o
casamento deles seria um fardo suportável.
Chegando a Catterfield House, ele bateu à porta e entregou seu
cartão ao mordomo, que lhe guiou para a sala de espera, enquanto foi
avisar aos Catterfield da visita.
Lorde Catterfield foi ao seu encontro e lhe saudou alegremente.
Apesar da fama do Marquês, o Duque estava mais do que ansioso em
ver sua filha casada.
— Winchester que alegria em vê-lo, espero que esteja melhor de
saúde.
— Perdão, milorde. Não lembro de ter estado doente recentemente.
— Claro que esteve, que outro motivo teria para não ter visitado
sua noiva antes? — O Duque piscou para o Marquês, como se dissesse
para aceitar a desculpa que havia arranjado para ele.
— Nesse caso, estou muito melhor, obrigado. — O Marquês deu de
ombros. — Imagino que tenha dado essa desculpa para a minha
ausência, quando deveria estar cortejando sua filha.
— Melhor doente do que desinteressado. As damas não costumam
ser dóceis quando estão se sentindo deixadas de lado.
— É claro, milorde. Lembrar-me-ei disso. — O Marquês sorriu,
educado — Mas a corte a sua filha foi exatamente o motivo que me fez
vir. Gostaria de passar um tempo com ela, conhecer minha noiva.
— Que ideia magnífica. Mandarei chamá-la imediatamente. — O
Duque lhe deu um olhar de aprovação.
Lorde Catterfield chamou o mordomo e pediu que ele mandasse
Lady Clara descer para fazer companhia ao noivo. O homem voltou
apenas com uma mensagem.
— Milorde, Lady Clara se recusa a descer.
Clara estava em seu quarto. Tinha tentado ler um livro, mas por
melhor que fosse a história, ela não conseguia se concentrar.
Maldito Marquês. Era tudo culpa dele.
Na noite anterior, ela tinha descoberto que o único motivo de
Winchester não estar lhe cortejando devidamente, era porque não se
sentia atraído por ela.
Havia divagado durante horas sobre qual podia ser o motivo que o
tinha levado a ignorá-la durante todo o tempo, mas nunca pensou que
fosse por algo tão superficial e estúpido quanto aquilo.
— A minha noiva não me atrai — Clara imitou a voz dele, num tom
jocoso. — Estúpido, tolo, maldito, crápula, bastardo.
Ele tinha dito aquilo para Copas na noite anterior. Ela precisou de
todas as forças para não o mandar para o inferno naquele momento. Se
pudesse, ela mesma iria ao rei cancelar o casamento, mas sabia que era
algo impossível de ser aceito, uma vez que a decisão era um decreto
real e o rei não voltaria atrás.
— Como se desejar a esposa fosse fundamental em um
casamento. Nós temos que nos sujeitar a homens feios, velhos e
malcuidados e temos que ficar felizes com esse arranjo — Clara
murmurou para si, enquanto fechava o livro, irritada. — Tinha que ser um
libertino para basear o casamento em atração. Ao inferno com sua
atração.
A lady sabia que não era feia. Sabia também que não era a
debutante mais bonita da temporada, mas não se importava com isso. O
rei poderia ter escolhido uma mulher muito pior para o Marquês, alguém
como Lady Vitória de Claire. Não que Lady Vitória tivesse feições pouco
agradáveis, mas a mulher era uma víbora interesseira. Tinha desfeito o
quase noivado com o Conde de Malthwood para aceitar o compromisso
com Lorde Theodor Hattsale, o Duque de Arbex, que era quase quarenta
anos mais velho do que ela, apenas porque o homem era um Duque.
A moça decidiu andar pelo quarto. Ficar sentada estava lhe
deixando ainda mais aborrecida. Ao se aproximar da janela, percebeu
uma carruagem se aproximando e reconheceu o brasão dos
Winchesters.
— Então, meu querido noivo decidiu aparecer? — ela murmurou,
ácida.
Clara se afastou da janela e decidiu voltar a ler. Ou, pelo menos,
tentar. Não iria perder tempo pensando no seu noivo, mas sabia que logo
alguém apareceria ali para chamá-la.
— Milady, a senhorita tem uma visita — a criada lhe disse, com um
sorriso encantado. Com certeza, achava que ela tinha sorte por ter um
noivo tão belo. E, para a sua infelicidade, o Marquês de Winchester era
realmente um homem de grande beleza exterior, mas nenhuma beleza
poderia esconder o quão por dentro era odiável.
Winchester tinha cabelos em um tom claro de castanho. E os olhos
ora verdes, ora castanhos claros eram realmente fascinantes. O nariz
aquilino, rosto harmonioso, traços firmes e barba sempre bem aparada.
Tudo lhe favorecia. Ele era um belo espécime masculino. Mas a sua
beleza não faria Clara esquecer-se do que tinha dito sobre ela. E se ele
passou um mês ignorando sua noiva de propósito, então, não se sentiria
mal em fazê-lo esperar um pouco mais.
— Diga a minha visita que eu não quero descer.
— A senhorita está indisposta? — a criada perguntou, ficando um
pouco preocupada. — Quer que lhe prepare algo?
— Não será necessário, estou bem. Apenas me recuso a descer. —
Clara foi sincera com sua criada.
— Mas, milady... Seu noivo...
— Meu noivo encontrará o que fazer com o restante da tarde livre.
— A lady foi categórica.
A criada saiu, lívida. Não era comum que Lady Clara agisse de
forma mal-educada. Mas Clara não poderia descer e acolher o seu noivo
como se não tivesse notado a relutância dele em lhe fazer a corte e, o
mais importante, não fingiria que o que ele disse não a tinha afetado,
ainda que ele não soubesse quem ela era. Mesmo que, para ele, Clara
fosse uma mulher que possuía feições pouco agradáveis, ela ainda era
uma lady e não merecia ser destratada daquela forma e nem sequer
permitiria.
— Clara, está tudo bem? — Seu pai apareceu em seu quarto. —
Seu noivo está lá embaixo e lhe aguarda.
— Não quero vê-lo. Agradeço que Lorde Winchester tenha
finalmente se lembrado que tem uma noiva. Mas, se ele passou um mês
sem cumprir suas obrigações, posso passar, pelo menos, um dia sem
cumprir a minha.
— Ele deve ter tido seus motivos. Soube que estava adoentado e
não queria correr o risco de lhe adoecer — o Duque mentiu. — Não seja
geniosa, dê uma chance para que ele se desculpe com você.
— Não quero as desculpas dele e, muito menos, quero me casar
com ele.
O Duque olhou para ela e beliscou o alto no nariz entre os olhos.
Suspirou, desgostoso.
— Sei que está chateada com ele por não ter aparecido durante um
mês inteiro, e sei também que ele não seria sua primeira escolha para
marido, mas você vai se casar com ele, não precisa dificultar as coisas.
Sabe o quanto este casamento será vantajoso para nós. Para você. Não
estrague tudo.
— Como se eu pudesse estragar tudo. — Clara bufou. — Estou tão
presa ao Marquês, quanto ele a mim. Só que diferente dele, não sou eu
quem está tentando fugir do casamento.
— Já chega, Clara, está agindo como uma criança mimada. Eu lhe
arranjei um casamento vantajoso e um dia vai me agradecer por isso —
o Duque falou sério e, após um suspiro exasperado, ordenou: — Você
vai descer agora e vai se desculpar com Lorde Winchester. Será uma
ótima companhia para ele e desfrutará do passeio. Coloque um vestido
aceitável e desça.
― Me desculpar com ele? ― Clara ficou furiosa. ― Ele é quem tem
que pedir desculpas, implorar o meu perdão. Não fui eu quem o ignorei
durante um mês. Se quer que eu desça, eu descerei, mas não irei pedir
desculpas.
― Clara, abaixe o tom. É uma lady. Faça o seu papel. Eu não
pedirei de novo.
Quando seu pai usava aquela voz com ela, Clara sabia que era
impossível retrucar. O Duque não aceitava ser desobedecido. Não era a
primeira vez que o escutava usando aquele tom e sabia que se não o
obedecesse, haveria consequências.
Então, seu pai saiu do quarto, a deixando sozinha.
A criada bateu novamente à sua porta e dessa vez ela se permitiu
ser ajudada e se trocou, descendo, em seguida, para ver seu noivo. Mas,
se seu pai pensava que ela seria dócil e compreensiva com o Marquês,
estava muito enganado. Deixaria claro que ter a ignorado por um mês
teria algumas consequências.

Ouvir que sua noiva não ia descer, fez com que o Marquês se
sentisse desconfortável e um pouco surpreso, nunca imaginaria que ela
seria geniosa. Aquilo era realmente algo incomum e o surpreendeu
positivamente, odiava mulheres passivas. O Duque o deixou sozinho,
mesmo com os inúmeros protestos de Winchester, e este soube que o
homem iria conversar com a filha e que ela desceria em seguida, dócil e
passiva, por ter que obedecer ao pai.
Winchester não precisou esperar muito. Lady Clara desceu e foi ao
seu encontro. Ela era exatamente como se lembrava, a única exceção,
era o semblante furioso que expressava.
― Milorde ― o saudou, ao se aproximar.
― Lady Clara ― respondeu a saudação, retirando seu chapéu e
fazendo uma mesura elegante.
― A quem devo agradecer por finalmente ter vindo visitar-me?
Winchester não esperava aquela acidez vindo dela.
As mulheres não tinham que ser dóceis e fáceis de se lidar? Não
era isso que ensinavam nas escolas femininas?
― Peço o seu perdão pela minha ausência nesses dias. Eu estive...
doente.
Clara ergueu uma sobrancelha e o olhou, sarcástica. E ele soube
que ela sabia que não estava doente realmente.
― Não foi nada grave, imagino ― Lady Clara comentou.
― Não, apenas um resfriado ― explicou-se, desconfortável, por
estar mentindo.
― Claro. Bom, agora que já cumpriu seu dever de bom noivo, eu
vou me retirar ― a jovem alfinetou, desdenhando a presença do
Marquês.
― Eu vim convidá-la a um passeio ― Winchester anunciou, quando
percebeu que ela se dirigia à porta.
A moça parou os passos, mas não se virou.
― Eu não estou interessada. ― Clara estava com as mãos em
punhos. Ele realmente pensava que ao chegar ali ela o receberia de
braços abertos?
Winchester xingou baixinho.
― Está bem. Serei honesto com você. Eu não estava doente ― o
Marquês confessou. ― E peço perdão por não ter vindo antes.
Clara já sabia que ele não tinha estado doente, e o pedido de
perdão dele amenizou um pouco a raiva que sentia. Mas não toda, ele
ainda precisava entender que suas ações tinham consequências.
― O senhor me ignorou durante um mês e, por mais que não
esteja animado em se casar comigo, assim como eu também não estou
animada em me casar com o senhor, esse fato trouxe consequências,
entre elas, falatórios sobre o noivado. Acredita mesmo que um passeio
me fará esquecer isso, ou fará que a sociedade se esqueça de que eu fui
negligenciada durante todo esse tempo?
O Marquês ergueu uma sobrancelha, ela só poderia estar
exagerando sobre a sociedade. Não tinha ouvido falarem sobre a
ausência dele.
― Eu não sabia que minhas ações foram a causa de tanto falatório.
― Claro que não, o senhor não compareceu aos eventos sociais
londrinos durante todo o mês, com exceção, ao baile da Duquesa, não o
vi em mais nenhum outro baile, ou jantar, ou sarau. Então, é evidente
que não teria ouvido.
― Eu não imaginava que teria essa repercussão ― defendeu-se.
― Sinto muito que minha ausência tenha lhe causado constrangimento.
Winchester parecia sincero, mas Clara não se deixou amolecer.
Não podia se permitir perdoá-lo tão facilmente.
― É bom que sinta mesmo. ― Clara ergueu a cabeça.
Aquelas palavras fizeram o Marquês sorrir, divertido, e ele inclinou
a cabeça observando melhor sua noiva.
Ela podia ser comum na aparência, mas sua personalidade era
completamente diferente das ladies que conhecia. Imediatamente,
Copas lhe veio à mente. Elas eram parecidas nisso, até a voz lembrava
a da outra mulher. Aquilo o fez franzir o cenho. Devia estar se sentindo
muito atraído por Copas para enxergá-la em sua noiva.
― Então, vai aceitar caminhar comigo? ― ele perguntou,
esperançoso.
― Eu não tenho opção. ― Clara suspirou, resignada, sabia que se
voltasse para o quarto, o seu pai veria aquilo como uma afronta.
― Eu não vou obrigá-la a ir comigo, se é o que teme. ― O Marquês
franziu o cenho.
― O senhor talvez não, mas meu pai não aceitará que eu faça
nenhuma desfeita. Então, vamos logo.
Clara seguiu para a porta, sem esperar por ele, que apressou para
acompanhá-la.
Uma criada já os esperava na porta para acompanhá-los e, assim,
evitar falatórios. Clara pegou uma sombrinha e o chapéu que criada
segurava e, dessa vez, esperou o Marquês.
Quando ficou ao lado de Clara, Winchester estendeu a mão para
servir de apoio para a Lady e essa, apesar do desgosto visível em seu
rosto, aceitou o gesto educadamente.
Começaram a caminhar em silêncio.
― O dia está muito bonito ― o Marquês comentou, tentando diluir o
silêncio.
― Está mesmo ― Lady Clara concordou, e o Marquês percebeu
que ainda estava irritada com ele.
― O que posso fazer para que me perdoe e esqueça o que
aconteceu? ― ele perguntou e Clara o observou bem, o homem parecia
mesmo disposto a tentar agradá-la. Era o mínimo que podia fazer, afinal.
Entretanto, Clara não sabia se queria perdoá-lo. Preferia não ter
que casar com ele.
― Sinceramente, eu não sei. Não há nada que possa fazer para
desfazer este compromisso?
O Marquês sentiu o ego reclamar, não gostou de ver que a noiva
não queria casar com ele.
― Infelizmente, isso não está em meu poder. O rei foi categórico
sobre a realização do nosso matrimônio ― ele explicou.
― Que pena. ― Clara suspirou.
― Eu não sou tão ruim assim. Prometo que será bem tratada e que
a respeitarei como minha esposa. Não é por que tenho sido um péssimo
noivo, que serei um péssimo marido.
― Sinto muito, mas suas palavras não me convencem. Não o
conheço bem, Winchester, e o pouco que conheço do senhor, não me
faz acreditar que será um bom marido.
O Marquês se retesou diante daquelas palavras e, apesar de saber
que a lady tinha seus motivos para pensar aquilo, ele não pode evitar
sentir-se ofendido.
― Eu sinto muito. Prometo me esforçar para provar-lhe que serei
um marido à sua altura, milady.
Clara voltou a ficar em silêncio. Sabia que o ego dos homens era
algo frágil e que quando se ofendiam, podiam se tornar inconsequentes,
mas estava muito irritada para se preocupar em poupar o ego dele.
― Me fale um pouco sobre você ― o Marquês pediu, depois que se
acalmou. Estava mesmo disposto a fazer a coisa certa, mas Clara não
facilitaria.
― Agora decidiu que quer saber sobre mim? ― Clara debochou, ao
lembrar que ele passou um mês fugindo dela.
― Não vai esquecer isso, não é? ― Winchester bufou, desgostoso.
― Não. ― Clara retirou a mão do braço dele e cruzou os braços. ―
Nem vou perdoá-lo tão facilmente.
― Isso tudo por causa de um mês? ― perguntou, exasperado.
― Para mim é um bom motivo.
― Eu discordo, milady ― anunciou. ― A senhorita deve ter algo
contra mim, para me odiar tanto.
Era claro que tinha, ele tinha dito que ela não o atraía em nada e
ainda tinha ficado um mês sem cortejá-la. Absolutamente, tinha tudo
contra ele.
― É um libertino, isso é algo que pesa contra o senhor. E um
Winchester ― ela completou em pensamento. ― Sua fama lhe precede.
― Nunca ouviu dizer que os libertinos dão ótimos maridos?
― Ouvi sim, mas nenhum libertino que tenha se casado, o fez
contra a vontade. E o senhor, milorde, vai se casar obrigado. Então, eu
não estou contando que seja um ótimo marido. Nem mesmo, um marido
razoável.
― Se é o que pensa sobre mim, que seja. ― O Marquês se irritou.
― Mas a senhorita também não está sendo uma companhia agradável,
se soubesse que visitá-la seria tão frustrante, eu nem mesmo teria feito
tal esforço.
― O que esperava? Que eu o perdoasse e me jogasse em seus
braços depois de tudo o que fez? Sinto muito, Lorde Winchester, mas
escolheu a noiva errada para ofender, não espere que eu o perdoe tão
facilmente.
― Ótimo, era só o que me faltava, uma mulher rancorosa. ― O
Marquês bufou, frustrado.
― A culpa é inteiramente sua ― Clara respondeu, erguendo o
queixo em desafio. ― Se tivesse cumprido seus deveres como meu
noivo, eu não teria motivos para odiá-lo. O senhor fez sua cama,
Marquês, deite-se nela. Agora, se não se importa, eu gostaria de ir para
casa.

Naquela noite, o Marquês foi ao clube. As atitudes de sua noiva


durante a visita da tarde só o tinham irritado. Um casamento ao lado dela
o levaria à loucura. Definitivamente, seria um inferno.
Assim que chegou ao clube, se direcionou para a ala da Gula,
precisava beber para esquecer aquele maldito dia. Winchester ocupou
uma mesa mais afastada e pediu uma dose de conhaque. Uma Dama
de branco o serviu e ele pediu que lhe deixasse a garrafa.
— Pelo que estou vendo, a visita à sua noiva não foi tão boa
quanto esperava — Henry comentou, se aproximando do amigo.
O Marquês ficou surpreso pelo Lorde saber que tinha visitado
Clara.
— Como soube que eu a visitei? ― ele perguntou, curioso.
— As fofocas correm. — Henry sorriu, sem revelar suas fontes.
— Percebi isso hoje — Winchester respondeu, com o semblante
aborrecido, ao se lembrar da conversa com sua noiva.
― Phillipa me contou ― Henry decidiu revelar.
― Imaginei que tivesse sido ela.
— Mas, então, como é sua noiva?
— Irritante, geniosa e petulante — O Marquês respondeu, bebeu
um gole de sua bebida e pediu mais uma carta.
— Sinceramente, você mereceu... — Henry sorriu, debochando
dele. ― Mas ela vai perdoá-lo, ela tem um bom coração.
— Ela vai me enlouquecer, isso sim. Você acredita que não aceitou
minhas desculpas por não ter aparecido antes?
Henry sorriu ao ouvir aquilo e, em seguida, pediu mais um copo a
uma das Damas que passavam por ali.
— Não esperava menos dela.
― Você fala como se a conhecesse.
― Phillipa fala tanto dela, que é como se eu o fizesse ― Henry
mentiu. Conhecia Copas bem antes da amizade dela com Phillipa.
O Marquês encheu novamente seu copo.
— E o que vai fazer em relação a sua noiva esquentadinha? — o
Lorde perguntou, obviamente se divertindo com aquela situação.
— Não há nada a ser feito, apenas continuar a corte, casar com ela
e torcer para que não me enlouqueça antes de gerar um herdeiro —
respondeu, sem humor.
— Como você é otimista — Henry ironizou, debochado.
— Preferia mil vezes casar com Copas... Como que eu nunca a vi
aqui antes de o rei me arranjar esse casamento? — Winchester
perguntou, voltando toda a sua atenção para Copas. — Ela está mesmo
aqui há dois anos? Eu nunca a tinha notado.
Henry riu com aquilo, mas em seguida, ficou sério, aquilo podia
acabar muito mal.
― Não está falando sério ― Henry inquiriu. ― Gosta de Copas a
ponto de querer se casar com ela?
― Não a conheço tão bem. Depois que você e Phillipa se
acertaram, ela tem me afastado. Mas não consigo tirá-la dos meus
pensamentos.
― Você tem uma noiva, Winchester, não precisa de outra para
complicar ainda mais a sua vida. Sem contar que, o rei não será
clemente caso quebre este compromisso ― Henry avisou, tentando
trazer o amigo à razão.
― Eu sei, inferno. Eu sei do meu compromisso. Não há nenhum
momento que eu não lembre que, em menos de cinco meses, estarei
casado com uma mulher que me odeia.
― Ela não o odeia, apenas está ofendida. Você é um sedutor, meu
amigo, o famoso amante que deixou até as mulheres mais experientes
esgotadas, com tamanho apetite. ― A risada, ao pronunciar o título, foi
inevitável.
― Nem me lembre disso. ― O Marquês se lembrou do dia em que
ganhou esse maldito título e riu junto com Henry. ― Eu só pedi que ela
falasse que eu tinha ido bem, apenas isso. Meu pai não aceitaria menos
que uma proeza de minha parte. E precisei pagar caro para que ela
mentisse para mim. Nunca imaginei que diria que eu a tinha esgotado
com meu apetite, quando eu nem sequer a toquei.
― Ainda assim. Depois disso, as mulheres se jogavam em sua
cama. Seu autocontrole sempre foi admirável, meu amigo. Outro homem
não teria sido tão casto quanto você foi.
― Na época, eu odiava prostitutas, lembra? Então, não era um
sacrifício, de fato, evita-las.
Winchester, por muito tempo, as culpou pela morte da mãe. Mas,
ao conhecer Nataly, ele mudou sua visão. Nataly era uma jovem bela,
havia aparecido no castelo pedindo um trabalho como criada e ele a
havia contratado. Não sabia que ela era uma cortesã e estava fugindo de
seu amante anterior, um conde conhecido por sua crueldade e
mesquinharia.
Ao conhecer a história da jovem, que foi vendida pela tia para um
bordel, ele percebeu que nem todas escolhiam aquela vida. E, ao saber
sobre os maus-tratos que as mulheres sofriam naquele lugar, mudou sua
visão a respeito das prostitutas. Elas nem sempre tinham outra opção, a
não ser aceitar o que o destino lhes reservava. E, por serem mulheres,
as escolhas eram ainda mais limitadas.
― Sim, você me contou sobre isso quando se tornou meu sócio e o
anjo da guarda das Damas de vermelho.
― Eu precisava garantir que elas seriam bem tratadas aqui. Muitas
não conhecem outra vida senão essa e estão tão acostumadas, que
preferem continuar com isso, enquanto puderem. Eu sinceramente não
as entendo, mas respeito as suas escolhas.
― Mas não cansa de tentar convencê-las a escolher outra vida.
Voltando ao assunto de sua noiva, apenas deixe que ela o conheça,
você é um bom homem, Winchester, ela logo verá isso. Apenas procure
ficar longe de Copas e creio que ficará bem.
― Não sei qual das duas me odeia mais. Acredita que Copas usa a
desculpa do meu noivado para justificar seu desprezo por mim? ― O
Marquês bufou, incrédulo.
― Ela deve ter seus motivos. Siga o meu conselho, dê atenção à
sua noiva e cumpra o seu papel. Se não pode mudar a situação, pelo
menos, tire algum proveito dela. Lady Clara é bem mais do que aparenta
ser e você pode se surpreender com ela.
O Marquês franziu o cenho diante daquelas palavras. Henry
parecia saber mais do que contava, e Winchester não gostou daquilo.
Mas já estava acostumado com o silêncio do Lorde. Ele nunca pecava
pela língua, então, nem adiantava querer tirar dele alguma informação
que não estivesse disposto a dar.
― E, então, quando você vai ficar noivo? ― Winchester perguntou,
curioso.
― Após o casamento de Norfall, pedirei a ele que me permita casar
com Phillipa.
― Primeiro o Dorset, depois você e Phillip. Se eu soubesse que
casamento era contagioso, nem teria chegado perto ― Winchester
zombou, enchendo o copo com mais uma dose de bebida.
― Um casamento não é algo tão ruim quanto parece, meu amigo.
Passar a vida inteira ao lado da mulher que ama deve ser o paraíso, se
ele existir.
― Já chega, por tudo que é sagrado, o que houve com você,
homem? Lady Phillipa estragou você completamente. Eu vou ficar
doente perto de tanta tolice melosa. Essa foi a coisa mais ridícula que já
ouvi você falar. Nem parece o homem de sempre. Está até sorrindo. Que
Deus me livre de sofrer esse mesmo mal que vocês contraíram.
― Você que me incentivou a isso. ― Henry riu. ― Se não fosse
você e Copas, eu não teria ido atrás de Phillipa. Se não tivesse me feito
ciúme, eu jamais teria percebido que a amava.
― E me arrependo amargamente, não sabia que o amor iria
transformá-lo em um parvo. ― Winchester estava sendo dramático, não
sabia se por causa da bebida, ou apenas para debochar do amigo.
Provavelmente, os dois. ― Mas alegro-me que, ao menos, seja um
parvo feliz.
― Mal posso esperar para devolver-lhe o deboche, meu amigo. E,
a meu ver, não está longe. Vai cair de amores por sua mulher, antes
mesmo que se dê conta disso.
― Deus me livre dessa má hora.
― Não sabe o que diz, meu amigo. ― Henry sorriu com a resposta
do Marquês, e se levantou. ― Bom, preciso ir. Tenho que ver como estão
os livros de contabilidade.
Quando o Lorde se retirou, Winchester ficou na mesa, observando
Copas, de onde estava. O seu amigo havia dito para que ele ficasse
longe da jogadora, mas sabia que era uma tarefa impossível de ser
realizada, ainda mais, por ele estar cada dia mais fascinado por aquela
mulher.
Tudo nela o atraía. Seus cabelos avermelhados, seu corpo
pequeno, porém, voluptuoso, sua pele tão branca que parecia de
porcelana, seu gênio forte e, acima de tudo, sua independência.
Tão diferente de sua noiva.
Clara era uma moça comum, com traços comuns, rosto comum,
tirando o seu temperamento forte, ela dificilmente chamaria a atenção de
qualquer homem. Muito menos, a dele. Diferente de Copas, que atraia
todos os olhares por onde passava.
Seria tão bom se sua noiva fosse Copas... Winchester adoraria
seduzi-la.
CAPÍTULO 3 ―
COMPENSAÇÃO
Apesar de ainda não gostar de sua noiva, decidiu que tentaria ter
com ela uma amizade. Faria as coisas da forma correta: a cortejaria
como devia ter feito antes e, quando conquistasse a amizade dela, seria
sincero ao falar para sua noiva que não sentia nada por ela, mas que
honraria o compromisso apesar de tudo, e que talvez eles pudessem
conviver bem.
Não quebraria a promessa que fez a sua mãe. Não trairia sua
noiva, mas também não a enganaria dizendo que a amava, quando era
em outra mulher que ele pensava. Sabia que quando tivesse que cumprir
com seus deveres de marido, era em uma mulher ruiva que pensaria e
isso teria que ser suficiente.
Mas antes de conquistar a confiança de Clara, teria que fazê-la
perdoá-lo por seu erro. E, por isso, naquela manhã, o Marquês apareceu
em Catterfield House.
Clara se surpreendeu quando ele lhe trouxe flores e a convidou
novamente para um passeio, só que dessa vez não pelos jardins da
propriedade e, sim, pelo Regence Park. Não tendo outra opção a não ser
aceitar o convite, seguiram de carruagem para o passeio.
― Espero que tenha gostado das flores ― o Marquês começou, ao
perceber que sua noiva não iniciaria por si mesma a conversa.
― Eram lindas.
― Soube que na sexta haverá uma ópera. Gostaria de ir comigo?
― Não. Não gostaria, mas terei que ir mesmo assim.
― Você não pode, ao menos, tentar se comportar como as outras
damas enfadonhas e previsíveis? Apenas sorrir afetadamente e dizer:
“Ah, eu adoraria.” ― o Marquês imitou uma dama, afinando a voz, e isso
fez Clara rir e, por mais que ela estivesse tentando ficar séria, não pode
conter a risada que a cena causou.
― Isso foi ridículo ― ela comentou, quando parou de rir.
― Eu sei. Mas pelo menos agora não me olha como se fosse
arrancar minha cabeça.
― O senhor merece.
― Eu sei. Não devia tê-la abandonado como fiz. Reconheço que
errei, mas estou tentando fazer do modo certo agora. Um mês atrasado,
mas antes tarde do que nunca, não?
― Ainda estou com raiva, só para lembrá-lo.
― Eu sei, mas farei o meu melhor para merecer o seu perdão.
Clara respirou fundo. Não iria conseguir ficar com raiva por muito
tempo, conhecia a si mesma o suficiente para saber que logo o
perdoaria, mas até ele provar que seria um bom noivo de verdade, não o
deixaria saber que ela já estava perdoando-o.
― Assim espero.
O Marquês sorriu quando percebeu que ela estava dando-lhe a
chance de se redimir. Talvez conseguisse fazer com que ela não o
odiasse. Não queria um casamento por amor. Nem mesmo esperava
isso dela, mas só em não ter que se casar com alguém que o odiava, já
era um bom começo.

Mais tarde, naquele dia, após deixar Clara em sua casa,


Winchester seguia na carruagem para o cais, com Dorset afastado dos
negócios para cuidar de seu filho que havia nascido, e Norfall ocupado
fazendo os preparativos do casamento que seria no sábado seguinte,
havia sobrado para ele a responsabilidade de cuidar do negócio no qual
era sócio.
Mas não se importava em assumir aquela responsabilidade por um
tempo. Na verdade, até gostava dela, pois isso lhe mantinha ocupado e
assim não pensava em seu fado.
Conferiu junto ao capitão o estado do navio, agendou o pagamento
da tripulação e aprovou a nova rota que eles fariam. Descobriu que
capitão também estaria no casamento do Duque de Norfall, que era um
amigo muito próximo de Madame Charlotte e que a modista o tinha em
alta conta.
Muita coisa havia acontecido desde o baile da Duquesa. Henry e
Phillipa se acertaram, o Duque e Charlotte também. Foi anunciado nos
jornais o casamento de Lorde Norfall com Lady Sophia MacKyle Murray,
filha do Duque de Antholl, que na verdade, era Madame Charlotte.
Winchester jamais teria imaginado que a modista era uma mulher nobre,
mas havia ficado feliz pelo seu amigo, pois sendo Charlotte uma nobre,
seu casamento não causaria um escândalo o qual teria sido se ela fosse
uma simples plebeia.
Dois de seus melhores amigos e sócios estavam comprometidos e
completamente apaixonados por suas mulheres, ansiando o dia fatídico
de seus casamentos, enquanto que Winchester só queria se livrar do
seu.
Após resolver tudo o que tinha planejado no Siren, Winchester
seguiu para o Rogue’s. Ir ao clube tinha se tornado parte do seu dia e ele
sabia o motivo: Copas.
Apesar do conselho de Henry para esquecê-la, o Marquês não
conseguia tirá-la de seus pensamentos. A atração que sentia por aquela
mulher era mais forte do que ele. E, como sabia que o seu tempo de
solteiro estava acabando, se quisesse ter algo com a jogadora, teria que
fazê-lo antes do casamento. Era o único jeito de não quebrar a promessa
que fez a sua mãe.
Chegando ao clube, Winchester seguiu direto para a sua mesa
preferida e ficou lá observando o ambiente ao seu redor, ansiando vê-la.
E não demorou muito. Logo, a mulher que ele desejava apareceu
embaralhando algumas cartas, enquanto se direcionava para uma das
mesas de apostas.
Lentamente, o Marquês se levantou e seguiu para a mesa onde a
jogadora estava. Ela ergueu a sobrancelha quando o viu, mas nada falou
e ele não viu o costumeiro ódio em seu olhar. Aquilo o deixou feliz.
― Qual jogo pretende jogar hoje, milorde? ― ela perguntou,
educadamente.
― O de sempre ― respondeu, com um sorriso e se acomodou em
uma cadeira, colocando as fichas de aposta sobre a mesa.
Clara deu as cartas e o jogo começou.
― Você não quer minha cabeça em uma bandeja de prata, hoje.
― Por que diz isso?
― Não me olhou como se quisesse me matar.
― Eu não faço isso ― Copas disse, um pouco desconfiada. Não
gostava da forma como ele a estava olhando.
― Faz sim. ― Ele lhe sorriu, apreciando aquele momento pacífico.
― Passou mais de mês fugindo de mim e hoje você não tentou fazer
isso, ainda.
― Eu não tenho culpa se o senhor passou mais de mês sendo um
canalha.
― Eu não era um canalha ― Winchester comentou, observando as
cartas em mãos, e então puxou mais uma.
― Pergunte à sua noiva, ela há de concordar comigo. ― Copas
sorriu, sarcástica. ― Quer mais uma carta?
― Sim, apenas mais uma carta ― o Marquês pediu e logo
comentou sobre sua noiva. ― Ela e eu passamos a manhã juntos, hoje.
Estamos bem, ela logo me perdoará por ter sido um estúpido.
― Quanto a sua estupidez, concordamos, mas o que ela diria se
soubesse que o senhor está passando suas noites aqui no clube,
perseguindo uma dama que faz apostas?
― Eu não a persigo ― Winchester fingiu-se ofendido. ― Eu
somente aprecio sua presença.
― Pois é exatamente isso que não deveria fazer. Sua noiva ficaria
desgostosa caso soubesse que aprecia a presença de outra mulher. ―
Clara puxou sua carta.
― Até onde sei, ainda sou solteiro.
― Até onde eu sei, o senhor é um homem comprometido, milorde.
― Que eu me recorde, não proferi nenhum voto que me impeça de
apreciar a companhia de outras damas, além de minha noiva.
― Quer dizer que sua noiva pode apreciar a companhia de outros
cavalheiros, além do senhor?
― Claro que pode, desde que apreciar a companhia seja apenas
apreciar a companhia ― Winchester falou, sério. Não gostaria que Lady
Clara se envolvesse com outros homens, não queria ter o mesmo fim de
sua mãe. Não que estivesse apaixonado por sua noiva, mas a ideia de
que ela podia traí-lo ao apaixonar-se por outro, era tão repulsiva quanto
a ideia de traí-la após o casamento.
― E desde quando o senhor apenas aprecia a companhia das
mulheres? Pelo que eu soube, tais... damas, ficam muito animadas
quando tem a sua atenção... ― Copas riu quando ele franziu o cenho
para aquela frase ― As mulheres comentam sobre as suas qualidades
como amante, milorde.
O Marquês sorriu ao lembrar-se que quase todos os boatos eram
falsos e baixou três cartas de sua mão.
― Não dê ouvidos a boatos, minha cara, nem sempre eles
transmitem a verdade. A maioria delas eu, realmente, apenas apreciei a
companhia.
Copas indignou-se. O Marquês não tinha vergonha de mentir
descaradamente?
― Tudo bem. Deixaremos de lado os boatos. Neste momento, o
senhor está apreciando a minha companhia?
― É claro.
― Então, se eu o convidasse para subir para um dos quartos,
negaria?
― Teria que me convidar para saber a resposta. ― O Marquês
piscou.
Copas o fuzilou com o olhar. Sabia que ele não negaria um pouco
de prazer, caso ela resolvesse dá-lo.
― Tudo, bem dar-lhe-ei outro exemplo. ― Copas pensou por um
momento ― Se sua noiva estivesse sentada no seu lugar, e aqui onde
estou, fosse um dos Rogue’s e ambos estivessem conversando da
mesma forma que nós estamos conversando, e com as mesmas
intenções que temos, o senhor se importaria com essa situação?
― Provavelmente sim. Afinal, ela é uma dama. E mais, o que ela
estaria procurando em um local como este? ― o Marquês tentou
explicar, mas Copas o cortou.
― O que o senhor está procurando em um lugar como este? ―
Copas usou as palavras do Marquês contra ele.
― Apenas uma bebida, uma partida de cartas e, quem sabe, uma
boa companhia.
― Tudo que sua noiva não poderia procurar, não é mesmo? ―
Copas baixou mais duas cartas, após puxar uma.
― Não é que não possa, mas mulheres não costumam gostar de
bebidas, ou apostas.
Em vez de responder àquilo, Clara pegou o copo do Marquês pela
metade e entornou de uma vez e, em seguida, lhe mostrou o baralho na
mesa, indicando que gostava daquilo.
E, para a frustração da jogadora, o Marquês apreciou em demasia
o ato.
― É uma das coisas que mais aprecio na senhorita. Essa diferença
a torna especial. ― Winchester sorriu para a mulher, enquanto baixava
mais algumas cartas que tinha em mãos.
― Sua noiva pode ter o mesmo hábito.
― Seria até bem-vindo. A bebida talvez não, já que provavelmente
aumentaria ainda mais o gênio forte que ela tem, mas quanto as
apostas, bom, esse eu iria até me divertir apostando contra ela.
― O que apostaria contra ela? ― Copas perguntou, curiosa.
Naquele momento, o Marquês imaginou algumas apostas
indecentes que poderia fazer, mas era com Copas que ele gostaria de
jogar.
― Não espera que eu converse sobre intimidades sexuais com a
senhorita?
― Então, as apostas seriam sexuais? Agora fiquei ainda mais
curiosa. Como seriam essas apostas? ― Copas tentou não demonstrar
tanto interesse, concentrando-se no seu baralho, porém, sabia que não
tinha atingido o seu propósito.
― Esse não é um assunto que eu me sinta compelido a falar, ainda
mais com a senhorita. ― Winchester sabia que falar aquilo aguçaria
ainda mais a curiosidade dela. Seria uma conversa interessante caso ela
mordesse a isca.
― Tarde demais para tentar manter a minha inocência, milorde. ―
Copas revirou os olhos. Ela já vira muito do que acontecia entre um
casal na cama. Não seria nenhuma novidade tocar no assunto.
― Não é porque não é mais inocente, que eu irei desrespeitá-la
com tais assuntos. ― O Marquês puxou mais uma carta, sorridente, ela
tinha sim mordido a isca. Ficaria curiosa e passaria a noite pensando
sobre tais apostas sexuais.
― Não vejo como um desrespeito. As Damas de vermelho falam
sobre esse assunto constantemente Então, discutir o assunto com o
senhor, não seria nenhuma novidade.
― Está mesmo curiosa sobre esse tipo de apostas. Mas deixarei o
assunto para outra noite, pois está tarde e eu preciso ir. ― O Marquês
sorriu ao perceber que isso a frustrava e baixou de uma vez as cinco
cartas que tinha em mãos, completando dois dos montes dela e fazendo
um próprio com as outras três cartas. ― Uma boa noite, minha cara.
Após aquilo, Winchester levantou-se, fez uma mesura travessa e
partiu, deixando Copas ainda mais curiosa.

No dia seguinte, o Marquês novamente foi visitar sua noiva, dessa


vez, pela tarde. Ao chegar na casa de Clara, a Duquesa o encontrou na
entrada de sua casa, enquanto voltava de uma visita a sua amiga Lady
Rockford.
Ambos seguiram para a sala de visitas e Lady Catterfield, como
uma boa anfitriã, lhe fez companhia enquanto esperavam por Lady
Clara.
― Ah, meu querido. Fico feliz que tenha melhorado e agora possa
cumprir com o seu papel de noivo devoto. Eu imagino a aflição que deve
ter sentido por não o fazer durante tanto tempo. ― A Duquesa levou a
mão ao coração, fazendo uma expressão de tristeza e, então,
rapidamente sorriu. ― Entretanto, agora que está completamente
curado, poderemos finalmente dar o jantar de noivado. Espero que desta
vez nada atrapalhe.
― É claro, milady. Sinto muito por ter adiado tanto o jantar.
― Ah, não por isso, meu rapaz. ― A Duquesa acenou com a mão,
ignorando as desculpas do Marquês. ― Qual data é melhor para o
senhor, dia 12 ou 19?
― Dia 19 é perfeito.
― Maravilha. Lhe enviarei o convite formal esta semana, para que
não esqueça, e convidarei alguns amigos da família. Gostaria que eu
convidasse algum amigo seu, em particular?
O Marquês pensou. Dorset estava aproveitando o tempo com seu
filho recém-nascido, Norfall estaria em lua de mel, Henry recusaria o
convite, e sua própria família odiava compromissos com nobres e,
tampouco, seria bem-vinda, portanto, preferia preservá-los de momentos
embaraçosos.
― Não se faz necessário. Prefiro um jantar mais discreto, dessa
forma conheço melhor a família da qual farei parte.
― Oh, vendo por esse lado, talvez seja melhor deixar os convites
extras para outra ocasião... Um baile, talvez... Teremos tempo para
mostrar à sociedade como vocês são perfeitos um para o outro. Faremos
um jantar íntimo apenas para a família.
― É claro, milady.
A abertura abrupta da porta chamou a atenção do Marquês e de
Lady Catterfield, e logo duas moças idênticas entraram na sala. A
Duquesa olhou para as filhas com reprovação no olhar, mas manteve a
postura inalterada ao apresentá-las ao Marquês.
― Lorde Winchester, estas são minhas filhas do meio. Lady
Caroline Catterfield e Lady Cristine Catterfield.
As donzelas fizeram uma reverência impecável.
O Marquês retribuiu o gesto, se curvando e sorrindo educado para
suas futuras cunhadas.
― Sinto muito por minhas filhas, como o senhor pode ver, elas são
duas jovenzinhas cheias de vigor e ainda não deixaram completamente
as falcatruas características das crianças.
― Mamãe! ― as duas protestaram, ao mesmo tempo, ao serem
chamadas de infantis. A Duquesa sorriu, vitoriosa.
― Meninas, se querem que eu as trate como moças adultas, então,
tratem de agir como tal.
O Marquês percebeu a mudança instantânea nas gêmeas ao
erguerem a cabeça e estufarem o peito para parecerem mais altas.
Segurou o riso. Elas lhe lembravam Alice quando mais nova.
― Estávamos ansiosas para conhecê-lo, Lorde Winchester ― Lady
Cristine foi a primeira a falar.
― Oh, sim, deveras ansiosas. Pensamos que nunca iria aparecer
― Caroline completou e recebeu um olhar reprovador de sua mãe.
― Sinto muito por deixá-las esperando, miladies.
― Está perdoado.
― Sim, está perdoado ― Cristine imitou a irmã.
― Agradeço a bondade de seus corações, por perdoar-me com
tamanha facilidade.
As gêmeas deram risinhos ao vê-lo ser tão galante com elas.
― Agora que já conheceram o noivo de sua irmã, saiam daqui, e
aproveitem para chamar Lady Clara. ― A Duquesa as enxotou da sala e
as duas, após fazerem reverências para o Marquês, deixaram a sala,
comentando sobre se casarem com um libertino como a irmã mais velha.
― Perdoe a falta de educação das meninas, juro, que elas
normalmente costumam ser extremamente polidas. Acredito que
estavam realmente animadas para conhecê-lo, por isso tamanha euforia.
― Não se preocupe, milady, suas filhas são todas maravilhosas,
com certeza, devem ter puxado a senhora ― Winchester elogiou e a
Duquesa corou.
― O senhor é muito gentil ― Lady Catterfield agradeceu, com um
sorriso.
Poucos minutos depois, Lady Clara entrou na sala e a primeira
coisa que fez foi fuzilar Winchester com o olhar. A Duquesa não
percebeu o humor da filha.
― Mamãe, a senhora se importa se eu levar o meu noivo para
caminhar um pouco pelo jardim? Prometo que permaneceremos onde
podem nos ver.
― Ah é claro. Mas estejam sempre a vista e não se afastem muito
― a Duquesa permitiu e o casal saiu para os jardins.
Andaram em silêncio até que chegaram a um lugar onde poderiam
conversar com certa privacidade, sem que ninguém os escutasse.
― Vejo que decidiu me odiar hoje, posso saber o que fiz desta vez?
― E o senhor ainda pergunta. ― Clara bufou. ― Talvez eu deva
flertar com algum lorde qualquer, como o senhor estava fazendo por aí.
― Está me acusando de flertar com outro lorde? ― O Marquês
perguntou, ofendido.
― Não com outro homem, mas de flertar com outra mulher.
― Não o fiz, milady.
― E ainda ousa negar.
― Se a senhorita tem tanta certeza do que fiz, por que não me diz
exatamente o que sabe, para que eu entenda do que está falando.
― Correm boatos de que o senhor está mais interessado em
mulheres de clubes, do que na própria noiva — Clara expôs.
Naquela manhã, ouvira uma das empregadas comentando quando
voltou do mercado, que a prima dela, que trabalha na mansão do
Hossvelt, havia ouvido o filho mais velho de Lorde Hossvelt dizer que
tinha visto o Marquês de Winchester flertando na mesa de jogos com a
Dama de Copas.
Se não fosse pela fofoca que se alastrou tão rápido quanto fogo em
palha, Clara não estaria tão zangada. Mas ouvir as empregadas falarem
que o Marquês estava em seu direito, a deixou furiosa.
― Ah, é isso... ― O Marquês passou as mãos no rosto.
― É só o que tem a me dizer? O senhor não se preocupa com o
que falam de mim, não é? Já estão fazendo apostas de que o senhor irá
buscar prazer em outras camas, antes de eu lhe dar o primeiro varão. O
senhor tem noção do quanto isso é embaraçoso de ouvir?
― Eu sinto muito. Não pretendia que meu divertimento a
constrangesse de tal forma.
― Sempre desculpas, milorde. Se quer ter a mulher do clube como
esposa, é simples, dê um jeito do rei liberar-me deste acordo e terá
quem quiser. Mas, se o senhor pretende continuar comigo, então sugiro
que pare de ser inconsequente dessa forma e de me causar
constrangimentos desse tipo. Primeiro, fui a noiva abandonada pelo
próprio noivo e, agora, sou a noiva indesejada.
― Não estou sendo inconsequente. Copas é apenas minha amiga.
― Amiga... ― Clara ironizou, para a ira de Winchester. ― O que é
uma amiga para o senhor? Porque eu sei que não me interesso por
nenhuma das minhas.
Aquela frase tocou em um ponto fraco do Marquês. Ele odiava
quando duvidavam da palavra dele. Então, sem pensar, segurou o braço
da dama e a fez olhar para ele.
― Você não tem que se preocupar, milady, estarei no maldito altar
no dia de nosso casamento. Não fugirei de minha obrigação. Mas até lá,
não aceito que fale assim comigo.
― Assim como? Expondo as suas ações?
― Não aceito que fale comigo como se eu fosse um jovem imaturo,
que precisa de sermão para aprender a fazer as coisas corretamente.
― Se não quer que eu o trate assim, é só não agir como um.
Agora, se me dá licença, sugiro que solte o meu braço antes que me
machuque...
― Por que você tem que deixar tudo mais difícil? ― Winchester
perguntou, soltando-a. ― Quando penso que estamos fazendo
progresso, a senhorita aparece querendo me atirar aos cães.
― Eu não tenho nenhuma culpa se o senhor tem tomado decisões
erradas nos últimos meses. Mas saiba que, uma vez ligada ao senhor,
eu acabo por me tornar o principal alvo dos comentários daqueles que o
cercam.
― Eu sei, inferno. Não gosto desses malditos comentários tanto
quanto você. ― O Marquês passou a mão pelos cabelos. ― Perdoe-me
pelo linguajar inapropriado.
― Não me importo com o linguajar que o senhor utiliza. Isso não
me constrange. Entretanto, se puder evitar as ações, eu lhe serei muito
grata.
― Tentarei ser mais discreto em minhas idas ao clube.
― O senhor pretende continuar indo para lá? ― Clara revirou os
olhos.
― Não vejo por que deixar de fazer algo que eu gosto, basta
apenas que seja mais cauteloso, e evitar ser pego conversando com as
damas do clube.
― O senhor é mesmo incorrigível.
― Não espera mesmo que eu me tranque em casa até o dia do
casamento, espera?
― Claro que não. Mas não me agrada ouvir outros falando que está
interessado em outra mulher. Dirão que o senhor já me traia antes
mesmo da data do casamento. Eu não serei ridicularizada dessa forma.
― E eu, tampouco, deixarei meus negócios. Caso não saiba, eu
também sou um dos sócios do clube que frequento. Então, não deixarei
de frequentá-lo. Conforme-se com isso.
Clara respirou fundo. Odiava aquela sociedade. Se o Marquês
estava com outra mulher, a culpa era dela por não ser interessante o
suficiente para o marido. Se ele não a visitava, a culpa também era dela
por afastá-lo. Tudo era culpa dela, quer ela estivesse envolvida quer não.
As pessoas que a conheciam, já a olhavam com pena. E ela odiava
aquilo.
― Você está bem? ― ele perguntou, quando viu que ela estava
silenciosa demais.
― Não, mas vou ficar. De qualquer forma, o que estou passando
agora, será apenas uma amostra do que provavelmente passarei no
casamento. Afinal, ninguém espera fidelidade de um Winchester.
O Marquês viu a tristeza e a resignação no olhar dela, e odiou-se
por ser a causa daquilo. Nem mesmo havia casado e já se mostrava
igual ao seu pai.
― Me perdoe, minha cara. Darei um jeito de acabar com esses
falatórios. Prometo-lhe isso. ― Winchester pegou a mão da noiva e
levou aos lábios. ― Posso compensá-la com um convite para a ópera
esta noite?
Clara sorriu, agradecida. Serem vistos juntos faria com que os
boatos diminuíssem. E sabia que era exatamente isso que ele queria,
convidando-a para a ópera.
CAPÍTULO 4 ― ÓPERA
Mais tarde naquela noite, o Marquês foi buscar Lady Clara para
juntos irem para a Ópera. Ele tinha um plano. Iria se mostrar apaixonado
por sua noiva e não tinha melhor lugar para isso que em meio a tantas
matronas fofoqueiras, que rapidamente espalhariam a notícia de que o
Marquês não tinha olhos para outra, senão sua noiva.
Mostrar-se-ia um homem apaixonado por sua noiva. Mas não diria
isso em palavras, apenas deixaria que tirassem suas próprias
conclusões, assim não precisaria mentir.
Lady Clara desceu, animada. Adorava qualquer coisa relacionada à
música. E, apesar do vestido desconfortável, mas de um azul muito
bonito, que sua mãe insistira que usasse, estava disposta a ter uma noite
agradável.
Seu noivo a esperava, impecável e completamente de preto, com
exceção do lenço branco envolta do pescoço. Ele era realmente muito
bonito, precisava admitir. Se não fosse um libertino e se não odiasse
tanto o casamento com ela, poderia até chegar a gostar dele. Ainda
mais, quando ele a olhava com aquele sorriso.
— Clara, você não pode gostar dele, lembre-se o que acontece
com mulheres que se apaixonam por um Winchester ― disse para si
mesma, quando se aproximou de seu noivo.
― Estás muito linda, milady ― ele elogiou, enquanto estendia a
mão e pegava a dela, depositando um beijo casto.
― Obrigada, milorde, o senhor está bastante elegante ― ela lhe
devolveu o elogio, não tinha motivos para ser desagradável, quando ele
era educado com ela.
― Podemos ir? ― Ofereceu-lhe o braço.
― Claro.
Clara entrou na carruagem junto com o Marquês e sua dama de
companhia, que os acompanharia naquela noite.
Seguiram em silêncio durante o trajeto até o teatro, mas por ser
curto, não se fez necessária nenhuma conversação.
Quando a carruagem parou em frente à entrada do Teatro Real, o
Marquês desceu e ajudou Clara a fazer o mesmo, e estendeu-lhe o
braço para que entrassem juntos.
Pararam muitas vezes para cumprimentar algum conhecido e,
mesmo assim, tendo pessoas observando o casal, o Marquês não a
largou em momento algum. Ele lhe segurava a mão, sempre olhava para
ela e sorria, apresentava-lhe como sendo sua “bela noiva” e não parava
de lhe elogiar.
Definitivamente, aquilo era muito suspeito. Mas Clara decidiu pedir
explicações apenas quando estivessem a sós.
Foram para o camarote do Marquês, que ficava do lado oposto de
onde Clara costumava ficar junto com a família. A visão era quase tão
boa quanto o camarote do Duque de Catterfield.
― A ópera começará em instantes ― o Marquês informou, lhe
entregando uma luneta para que ela pudesse ver melhor o palco.
― Não vai me dizer o que está tentando fazer?
― Apenas assistindo a ópera com minha noiva. ― O Marquês
sorriu para ela. ― Acredito que, se as pessoas virem o quanto eu
aprecio a sua companhia, deixarão de lado a ideia de que eu não a
quero.
― Entendo. ― Clara conseguiu sorrir. Ele estava fingindo que
gostava dela para que as pessoas parassem com os comentários ruins a
seu respeito. Pelo menos, ele estava fazendo alguma coisa para corrigir
a situação, concluiu em pensamento. ― Neste caso, fingirei que também
aprecio sua presença.
O Marquês sorriu e, antes que pudesse falar algo, a ópera
começou.
Clara estava absorta na ópera, a mulher no palco era magnífica,
além da maravilhosa voz, possuía uma beleza fora do comum e
conseguia expressar com o corpo em movimentos perfeitos a essência
daquela peça.
Winchester não tirava os olhos de Clara. Era divertido e encantador
acompanhar as expressões que ela fazia, enquanto assistia a
apresentação. Ela estava adorável naquela noite. O vestido que usava
lhe caia bem e deixava seus olhos mais azuis do que cinzas.
Os olhos cinzas o fez pensar em Copas, a mulher também tinha
olhos daquela cor, mas na jogadora, aquela cor chamava bem mais a
atenção do que comparado à sua noiva. Era interessante como Clara lhe
fazia lembrar a Dama de Copas, de um jeito que ele não sabia explicar.
Às vezes, enquanto conversava com sua noiva, quase podia ouvir Copas
falando.
Winchester riu com aquele pensamento e balançou a cabeça, como
se tentasse limpar a mente daquele tipo de pensamento. O mínimo que
podia fazer, era tentar não pensar em outra mulher enquanto estivesse
com sua noiva.
O primeiro ato da ópera encerrou-se, dando vez ao intervalo, e o
Marquês convidou Clara para a área comum. Assim poderiam ser vistos.
Estendeu-lhe o braço para que ela o usasse de apoio, e juntos
saíram para fora do camarote.
― Está gostando da ópera? ― Winchester perguntou.
― Oh, sim. A voz da soprano é belíssima e a atuação impecável.
Obrigada por ter me convidado. ― Clara sorriu, sendo sincera. Tinha
apreciado bastante o primeiro momento.
― Fico feliz em ouvir isso. ― O Marquês sorriu e acariciou-lhe a
mão. Estavam em público e via que algumas pessoas os observavam,
por isso, decidiu fazer o gesto carinhoso. ― Gostaria de beber alguma
coisa?
― Ah sim, um refresco, por favor.
Gabriel se afastou para pegar o que Clara havia pedido. E
enquanto estava longe, outro homem se aproximou.
― Lady Clara, que prazer em vê-la. ― O homem sorriu para a lady,
que lhe retribuiu o sorriso com afeto.
― Sr. Callahran ― Clara fez uma mesura para o homem. E esse
lhe fez uma reverência. ― Que alegria. Não sabia que tinha voltado de
viagem.
― Voltei essa manhã ― Callahran informou. ― E como Helena
Minecci é uma velha conhecida minha, vim prestigiá-la.
― Ah sim. Espero que não demore muito em ir nos visitar, mamãe
vai ficar exultante quando souber que o senhor retornou depois de dois
longos anos na Itália.
― É claro, mas, por ora, não diga nada a ela, quero fazer uma
surpresa a minha amiga mais antiga.
― Oh, é claro. Não direi que o vi, mas não demore a aparecer.
― Pode deixar que não tardarei. Em breve, farei uma visita. Mas
me diga, é verdade que está noiva? ― o homem perguntou, para ter
certeza do boato que ouviu assim que chegou.
― Ah, sim. É verdade. ― Clara abriu um sorriso enorme.
― Diga-me quem é o felizardo que terá a mão de uma das
mulheres mais maravilhosas que conheço?
Clara riu com o elogio. Sr. Callahran era sempre assim. Ela o
conhecia desde bebê. Era um grande amigo de sua mãe e sempre
frequentou a sua casa. Ele a vira crescer e ela o considerava da família.
― Me casarei com Lorde Winchester.
― O Marquês de Winchester? ― Callahran enfureceu-se. Sabia da
fama dos Winchester e não gostava nem um pouco da ideia de Lady
Clara se casando com alguém daquela família. ― Onde seu pai estava
com a cabeça para permitir um casamento com um homem daquele?
― Foi ordem do rei ― explicou.
― Não importa, como seu pai, ele deveria ter sido contra essa
união, os Winchester são todos libertinos, nenhum se salva.
― Não seja maldoso ― Clara defendeu o noivo. ― O meu noivo é
um bom homem.
― Clara, não se apaixone por ele, sabe o que acontece com
mulheres que amam os Winchester, todas elas morrem de coração
partido. Nenhum deles sabe amar.
― Não se preocupe. Não pretendo me apaixonar por ele. ― Clara
bufou. ― Quanto ao casamento, nenhum de nós tem escolha nesse
quesito.
― Queria poder ajudar, mas como sabe, eu sou apenas um
homem.
― Não se preocupe, já estou conformada quanto ao casamento. ―
Clara sorriu, na tentativa de mostrar que estava tudo bem. ― E não é de
todo ruim. Ele tem sido bastante gentil. ― Desde que finalmente decidiu
me visitar após um mês de esquecimento, Clara completou em
pensamento. Callahran não precisava saber daquele detalhe.
― Só me prometa que tomará cuidado com esse homem.
― Não se preocupe, tomarei cuidado sim ― Clara prometeu,
segurando a vontade de revirar os olhos. Aquela era uma das
desvantagens de tê-lo conhecido na infância, ele sempre a veria e até a
trataria como uma criança.
― Então, agora posso seguir meu caminho em paz. Obrigado pela
conversa, minha cara. Até breve. ― O homem beijou-lhe a palma e
seguiu na direção do camarim, onde a cantora estava.

De longe, o Marquês observava aquela cena. Não gostava da


alegria e da familiaridade com que o homem conversava com Lady
Clara. E ela parecia muito feliz com a companhia dele. Enfureceu-se ao
ver sua noiva sorrir tão abertamente para o homem.
Albert Hoswetle, o Barão de Callahran, era um homem rico,
solteiro, já na casa dos cinquenta anos, não era dado a vícios e sempre
foi um amigo próximo dos Catterfield. Era apenas isso que sabia sobre o
homem. Precisava investigá-lo melhor.
Assim que o Barão se afastou, Winchester retornou para junto de
sua noiva com as bebidas na mão. Entregou a ela uma e bebericou a
sua, tentando tirar qualquer emoção de sua voz.
― Era Callahran ali? ― ele perguntou, soando indiferente.
― Sim ― Clara confirmou. ― Ele estava há dois anos na Itália.
Retornou hoje.
― Entendo. Vocês são muito próximos?
― Sim, o conheço desde que nasci, é como se fosse parte da
família. Mamãe o tem em alta estima e papai e ele eram amigos na
universidade.
― Compreendo.
― O senhor está bem? Parece aborrecido.
― Não é nada ― mentiu. ― Vamos. A segunda parte logo vai
começar.
Ainda teriam alguns bons minutos antes que a cantora subisse
novamente ao palco, mas Clara preferiu não comentar e o seguiu de
volta para o camarote.
― O senhor continua aborrecido. ― Clara não conseguiu evitar
provocá-lo. ― O que tem contra Callahran?
― Não tenho nada contra ele e não estou aborrecido. ―
Winchester semicerrou os olhos para ela e, ao ver o sorriso travesso que
abria nos lábios da moça, entendeu que ela estava fazendo de propósito.
― Não deveria me provocar, milady.
― Não o estou.
― E o que fazes, então?
― Apenas converso. Estou tentando manter uma conversa
educada e harmoniosa, mas o senhor se irrita facilmente.
― Isso não é verdade.
Aquela declaração apenas provou que estava certa. Entretanto,
esperou que continuasse. Não demorou muito.
― Só não gosto da intimidade que ele lhe tratou, a senhorita agora
é uma dama compromissada, não deve dar liberdades a nenhum outro
homem, além de seu noivo.
Clara ergueu uma sobrancelha.
― E o mesmo vale para o senhor? ― Não era justo que apenas ela
devesse evitar intimidades.
― É evidente. Eu não tenho intimidades com outras mulheres.
― E o flerte com a mulher do clube é o quê? ― Clara irritou-se,
como ele ousava mentir para ela de uma forma tão descarada? Eles
estavam ali por causa dos boatos que ele estava flertando com outras
mulheres e agora ele queria dar lições de moralidade a ela.
― Não estava flertando.
― O senhor não passa de um mentiroso. ― Clara enfureceu-se e
se afastou dele. ― Eu tenho muitos amigos, Lorde Winchester, amigos
que me dirão exatamente o que viram naquele clube e eles não
mentiram para mim quando me contaram do seu flerte.
Depois de dizer isso, Clara saiu do camarim, precisava se acalmar,
ou poderia criar uma cena logo ali e tudo que menos precisavam naquele
momento era uma cena. Seguiu pelo corredor lotado com um pouco de
dificuldade, pois todos estavam andando na direção contrária, já que a
segunda parte da ópera logo teria início. Precisava de um pouco de ar
gelado para acalmar a raiva que fervia seu sangue. Atravessou as portas
duplas e se direcionou ao jardim, continuou andando até encontrar um
banco entre as árvores, onde poderia se sentar.
Clara odiava o Marquês naquele momento. Precisou inventar a
história sobre os amigos para não expor seu segredo, mas não era
mentira, poderia perguntar a qualquer Rogue que eles diriam que
Winchester estava mesmo flertando com Copas.
Após sentar-se no banco, Clara respirou compassadamente, na
tentativa de colocar seus pensamentos em ordem. Não poderia odiá-lo
para sempre, ou seu casamento se tornaria um inferno, e passar a vida
toda ao lado de um homem que não a respeitava e a traia, seria sua
maior provação.
Pelo menos, não estou apaixonada por ele. O pensamento a fez rir
nervosamente. Se estivesse apaixonada, com certeza, teria o mesmo fim
da mãe dele.
Segundo os boatos, a Marquesa havia amado tanto o homem, que
adoecera só para lhe chamar a atenção, ficando louca e definhando até
a morte. Clara não queria aquele mesmo fim para si.
Porque era fácil, muito fácil, se deixar levar por aquele sorriso
malicioso, aqueles olhos castanhos, pelo galanteio, Winchester sabia ser
apaixonante quando queria... Sua maior missão seria não se apaixonar
por seu marido. Então, quanto mais raiva ele lhe fizesse, mais fácil seria
não o amar.
Clara finalmente estava mais calma. Olhou ao redor, procurando
sua dama de companhia e ficou surpresa ao perceber que estava
sozinha. Levantou-se imediatamente, precisava retornar para junto dele.
Se continuasse ali sozinha poderia acabar metida em problemas e o
escândalo seria muito maior do que meros boatos.
― Não sabe que é perigoso ficar aqui sozinha durante à noite? ― o
Marquês ralhou, indo ao encontro da lady. Ele estava visivelmente
irritado.
― Eu estou bem, não me aconteceu nada. ― Clara não permitiria
que ele lhe desse nenhuma lição de moral quando a culpa de ela estar
naquela situação era inteiramente dele. ― Já estava retornando.
― Você não tem noção do perigo que correu. Qualquer homem
poderia ter lhe seguido e feito coisas horrendas com você.
― Como o senhor pode perceber, não houve nada. Mas não
precisava se preocupar, devo ser tão desinteressante para eles como
sou para o senhor. Ninguém ousaria me tocar.
O Marquês cerrou o maxilar. Sentia que ela estava jogando aquelas
palavras contra ele deliberadamente.
― Nunca disse que era desinteressante.
― Então, por que passou um mês sem me visitar?
― Ah, não vamos começar com isso de novo. Já pedi desculpas.
― Eu sei. Mas não vou esquecer.
― Por que você tem que tornar tudo tão mais complicado?
― Por que o senhor não pode ser um noivo como todos os outros?
― Defina: como todos os outros.
― O senhor sabe.
― Eu estou fazendo o meu papel, se está tentando insinuar o
contrário, a senhorita que não está fazendo o seu.
― Não estou fazendo o meu? ― Clara irritou-se. ― Eu deveria
fazer o quê? Fingir que não tenho vontade, ou opinião como toda moça
da minha idade? Apenas sorrir como uma tola e concordar com tudo o
que o senhor diz? Me desculpe, mas não vou mudar quem eu sou para
agradá-lo.
― Então, tampouco eu o farei.
― Era de se esperar. Não se preocupe comigo, vá procurar um
rabo de saia que lhe agrade e me deixe em paz.
― Se é isso que quer, então eu farei, mas não reclame dos boatos
depois.
Clara estava furiosa. Odiava-o com todas as forças. Não suportaria
ficar na presença dele por mais nenhum instante. Deu um passo para
longe do Marquês, mas este a segurou pelo braço.
― Aonde pensa que vai? ― ele perguntou, irritado.
― Eu vou para casa, não me faz bem ficar aqui.
― Que seja, então, lhe arrumarei a carruagem.
Seguiram juntos e em silêncio até onde as carruagens estavam
esperando e o Marquês a colocou lá dentro.
― Não saia daqui, mandarei sua criada vir.
Clara ficou sentada, vendo-o se afastar e sumir pela porta. Minutos
depois, sua criada vinha em sua direção, parecendo preocupada.
― Milady, a senhora está bem? Eu a perdi de vista e fiquei
procurando-a dentro do teatro. O que aconteceu?
― Não aconteceu nada. Não se preocupe. Agora, vamos para
casa.
Voltaram para casa e o Marquês seguiu direto para o clube.
Precisava de algo forte. Agora tinha uma única certeza, seu casamento
seria uma verdadeira tortura.
CAPÍTULO 5 ―
PREOCUPAÇÕES
No dia seguinte, Clara esperou que o Marquês fosse lhe visitar. Em
vez disso, recebeu apenas uma missiva, informando que ele estava
partindo para Arondalle, para o casamento do Duque de Norfall.
Clara suspirou. A briga na noite anterior lhe deixou inquieta. Não
queria realmente que ele fosse atrás de nenhum rabo de saia. Só de
imaginá-lo com outra mulher, sentia vontade de esganá-lo.
Preferia que ele flertasse com Copas do que com outra mulher.
Carmelita a tirou dos pensamentos, ao entrar em seu quarto e lhe
ajudar a se vestir. Era noite e ela precisava ir ao clube. Já não tinha ido
na noite anterior e não gostava de perder o foco, mas não suportaria ver
o Marquês fazendo o que lhe prometeu com outra mulher, ou mesmo
com ela, e estava muito irritada com ele para fingir ser Copas.
― A senhorita parece aborrecida, o que aconteceu, minha menina?
― a senhora perguntou, enquanto amarrava o seu corpete.
― Não foi nada. Apenas mais um problema com o meu noivo. Não
devia ser tão complicado assim noivar com alguém.
― Não deve ser complicado, mas também não deve ser fácil.
Vocês dois parecem ser geniosos e ambos dificultam, não cedendo em
suas convicções.
― Eu não estou dificultando nada. Ele que é extremamente irritante
e um libertino!
― Quer me contar o que está acontecendo?
― Não é nada de mais mesmo, é só que sempre que parece que
começamos a nos entender, ele estraga tudo. Acredita que ele disse que
não estava flertando com Copas, sendo que eu estava lá. Eu vi como ele
olhava para ela, como ele sorria para ela, como ele conversava com ela.
Ele está interessado nela.
― E você queria que ele olhasse assim para você.
― Sim, quero dizer, não. Não me importo que ele goste de outra
mulher, mas não quero mentiras. Se ele gosta, então, fale a verdade
para mim. Sei que ele não será fiel no casamento, assim como o pai
dele, mas não quero que ele minta, ou tente me enganar. Prefiro que ele
seja sincero e me diga que está interessado em outra mulher, do que
dizer que está feliz ao meu lado e só pensa em mim, quando sei que não
o faz.
Carmelita suspirou. Ficava triste ao ver sua menina tão abalada
daquela forma.
― Então, talvez devesse dizer isso a ele. Mas não se esqueça de
que ele não é o único que está escondendo algo. Você também não está
sendo verdadeira. É injusto cobrar algo que não se deu. Conte a ele que
é Copas.
― Eu vou fazer isso quando ele voltar.
― Tudo bem. Faça isso e então poderá cobrar dele sinceridade
também.

Três dias se passaram e, nesse período, Clara ficou pensando


como seria o momento que contaria a Winchester que Copas e ela eram
a mesma mulher. Imaginava como ele reagiria. Na pior das hipóteses, a
odiaria, e na melhor, ficaria apenas irritado por ter sido enganado.
Não podia negar, a ideia de contar a ele o seu segredo a
amedrontava. Ele nunca aceitaria uma esposa que trabalhasse como
uma apostadora em um clube de cavalheiros. Precisaria encontrar o
momento e as palavras certas para lhe revelar algo tão comprometedor.
O casamento do Duque havia sido na manhã anterior e, segundo a
missiva do Marquês, os festejos durariam dois dias. O que dava a ela
mais um tempo para se preparar antes de encará-lo.
O trabalho naquela noite estava se encerrando. Os clientes já
tinham ido embora em sua maioria e ela estava se preparando para
voltar para casa, quando o viu entrar rapidamente. Não demorou muito e
logo saiu a passos largos, seguido de perto por Dmitri, uma vez que
Henry também estava no casamento.
Alguns minutos depois, Dmitri retornou sozinho e subiu para a sala
do Lorde. E a curiosidade de Copas ultrapassou todos os limites
possíveis.
Ela decidiu saber o que estava acontecendo.
Bateu na porta do escritório e esperou o convite para entrar.
― Copas, está tudo bem? ― Dmitri perguntou, após mandar quem
estivesse na porta entrar.
― Ah, está sim ― ela respondeu. ― Dmitri, era Winchester, o
homem que há pouco estava com você?
― Sim, por quê? ― o russo indagou.
― Pensei que ele estivesse no casamento de Lorde Norfall.
― E estava, houve alguns contratempos ― Dmitri explicou e seus
olhos ficaram sombrios. O Marquês tinha lhe contado o que havia
acontecido no casamento do Duque e lhe entregou uma carta de Henry,
na qual havia ordens a serem cumpridas. ― Lorde Norfall foi
envenenado.
Aquelas palavras pegaram Copas de surpresa e, apesar de não
conhecer tão bem o Duque quanto conhecia Phillipa, já o tinha visto
várias vezes no clube. Nunca chegaram a conversar, o Duque sempre
estava com o semblante sério, mas ele sempre a tratou respeitosamente
durante algumas partidas e a defendia quando necessário, como era
dever de todos os sócios fundadores do clube.
― Ele... ele... ― Copas não conseguiu terminar a frase
― Ele ainda vive.
Um sentimento de alívio tomou conta de Copas. Phillipa ficaria
arrasada caso perdesse o irmão.
― Que bom que ele vive. E o que Winchester está fazendo aqui,
pensei que o Duque fosse amigo dele.
― E é, ele está aqui apenas para garantir que a principal suspeita
não fuja.
― Oh. Espero que ela pague pelo que fez, então.
― Ela vai pagar sim.

Quando voltava para casa, Clara pensou em Winchester com


preocupação. Londres estava muito violenta para o seu gosto. O
atentado a Henry, a confusão na casa da Sra. Willians e, agora, o
envenenamento do Duque. Esperava que seu noivo ficasse bem.
E naquela noite rezou por ele.
Dois dias depois, a notícia da morte de Madame Rosana se
espalhou rapidamente e, até o fim da tarde, todos já especulavam sobre
os motivos para a mulher ter tirado a própria vida.
Quando chegou à noite, Clara foi ao clube, como sempre. Após se
arrumar e colocar a máscara e o vestido, Copas adentrou o lugar.
E qual sua surpresa ao encontrar o Marquês lá, sentado em uma
das mesas afastadas. Ele não falou nada, apenas continuou sentado,
perdido em pensamentos e bebendo durante toda a noite.
Quando todos os membros já haviam saído, Copas decidiu se
aproximar para saber como ele estava.
― Se importa se eu me sentar aqui? ― ela perguntou, apontando
para cadeira em frente ao homem.
― Não me importo. Sente-se. ― Ele estava sério, parecia cansado
e um tanto perturbado.
― Como você está? ― Copas solidarizou-se por entender o motivo
da aflição.
― Não muito bem ― Winchester disse, tomando um gole da bebida
âmbar, mas a habitual alegria em seus olhos havia desaparecido.
― Eu soube do que aconteceu. O Duque está bem?
― De acordo com a última carta, ele ainda está inconsciente. Mas
se recupera lentamente e o médico está otimista.
― Ele ficará bem. ― Copas segurou a mão do Marquês em cima
da mesa. Odiava vê-lo daquela forma.
O Marquês surpreendeu-se com o toque. Olhou para aquele
contato e lhe pareceu tão... íntimo.
Copas não usava luvas e ele, tampouco, apesar do frio. E o toque
de pele com pele era tentador.
― Espero que sim ― ele respondeu, ao se dar conta que ela
esperava uma resposta.
― Vocês são muito amigos, estou certa?
― Sim. Ele costumava cuidar de mim no colégio. Eu adorava
brigar, então, estava sempre metido em confusão. Norfall que costumava
cuidar de meus ferimentos depois das brigas.
― E por que brigava?
― Era uma forma de extravasar. Normalmente costumavam
implicar comigo e eu não deixava barato.
― Não me admira. ― Copas sorriu ao imaginar o jovem espevitado
que o Marquês um dia foi.
― O que quer dizer?
― O senhor não me parece o tipo de homem covarde.
― Isso é verdade... Não sou covarde. Agora que mencionou... que
tipo de homem eu lhe pareço?
― Do tipo que ri na cara do perigo e que gosta de brincar com ele.
O Marquês sorriu, gostando daquela classificação. Apesar de que
sabia ceder quando via que era uma luta que ele não tinha nenhuma
condição de ganhar.
― Gosto dessa definição. Mas eu creio que ela se aplique a você
também...
― Por quê?
― Você não parece o tipo de mulher obediente. É bastante geniosa
e transparente a respeito do que está sentindo.
― Não sou tão transparente assim.
― Então, vai dizer que não estava preocupada comigo?
― Sim. Eu não estava preocupada com o senhor.
― Está blefando. ― O Marquês sorriu, tendo certeza daquilo.
― Não seja prepotente ― Clara o desafiou, com um sorriso.
― Isso só prova que eu estou certo. A senhorita estava preocupada
comigo.
― É normal eu me preocupar com o senhor ― Copas soltou sem
querer e gelou. ― Digo, o senhor é um dos sócios do clube e o Lorde o
tem em grande estima, todos nós nos preocupamos com o senhor, com
Lorde Dorset e Lorde Norfall.
O Marquês observou-a corar e tentar consertar a fala e foi, então,
que ele descobriu o que ela escondia e que agora era mais que evidente:
ela estava interessada nele.
Copas tinha se afastado dele quando descobriu que ele estava
noivo. Estava sempre irritada com ele e tentava evita-lo. Sempre trazia à
tona o noivado dele quando ele tentava conversar com ela.
― Não acho que seja por isso. ― Winchester sorria ao dizer
aquelas palavras. ― A senhorita gosta de mim.
Copas franziu o cenho e o olhou, séria.
― Não gosto. Na verdade, eu não suporto o senhor. Apenas tentei
ser simpática em um momento delicado. Não seja tolo a pensar que
nutro qualquer sentimento por sua pessoa.
― Viu, eu tinha razão.
A dama se exasperou. Ele iria continuar insistindo naquela
insanidade?
― Não ouviu nada que eu disse?
Winchester colocou os cotovelos na mesa e apoiou o queixo com
os dedos cruzados.
― Ouvi o que você não disse, minha cara. Sua reação defensiva
anulou cada palavrinha sua. Você gosta de mim, mas como sabe que
estou noivo, prefere me odiar a nutrir o sentimento que tenta negar.
― O senhor é mesmo um tolo se acredita nisso.
― Não só acredito, como posso provar.
― O que quer dizer?
O Marquês olhou ao redor. No clube restavam apenas alguns
empregados, que organizavam as mesas e as cadeiras e limpavam o
local, mas ainda assim, queria privacidade. Não ia correr o risco de ser
visto com ela.
― Venha comigo, vou lhe mostrar o que quero dizer.
Copas olhou desconfiada o Marquês se levantar e lhe estender a
mão.
― Aonde pretende ir?
― Apenas para um lugar onde não possam nos ver. Não quero
nenhum boato preocupando minha noiva.
― Não sei se é sensato.
― Está com medo de eu provar que está errada?
― Não há essa possibilidade, eu não estou mentindo.
― Então, não deve ter medo, prometo que não farei nada que não
queira.
Copas sabia que aquela era uma péssima ideia. Não devia deixar
que ele a convencesse a ir, mas fazer isso era o mesmo de concordar
que ele estava certo. E ele não estava. Por esse motivo, se levantou e se
deixou guiar para um quarto onde poderiam ter privacidade.
Para o crédito do Marquês, ele não a levou para um dos quartos da
Luxúria. Em vez disso, foram para o vestiário que, naquele momento,
estava vazio.
― Então, como pretende provar que eu estou errada? ― Copas
desafiou. Por fora, parecia resoluta e confiante, mas por dentro seu
coração estava acelerado.
Winchester sorriu, parecendo saber que aquela segurança toda
não vinha de dentro e se inclinou na direção de Copas, ficando mais
próximo do que devia, mas nada disse. Com uma mão tocou o rosto
dela, indo da orelha até a boca. Demorou-se com os dedos nos lábios de
Copas, observando as reações que a mulher tinha com aquele toque. E
ficando bastante satisfeito com aquilo.
Em seguida, desceu a mão pelo seu pescoço, ombro e braço
direito, pegou a mão dela e a levou aos lábios. Depositando um beijo
suave, enquanto a olhava profundamente. Beijou a ponta de cada dedo,
depois os nós e. por fim, o dorso e a palma da mão.
A respiração da lady estava acelerada e seus olhos arregalados,
aqueles simples beijos não deviam lhe fazer ofegar, mas aquilo era
exatamente o que eles lhe causaram.
E, sem que ela percebesse, o Marquês se inclinou e sussurrou em
seu ouvido.
― Aí está a prova que está errada. Você me deseja. ― Para
completar, ele mordeu o lóbulo da orelha de Copas e depositou um beijo
em seu pescoço, causando um arrepio dos pés à cabeça da mulher e,
em seguida, a deixou sozinha.

Em casa, o Marquês não conseguia tirar Copas de seus


pensamentos.
Tinha provado que ela o desejava, mas acabara, também,
provando para si mesmo que não era indiferente a ela. Por isso, tinha
saído tão rapidamente. Ao tentar provocá-la, ele tinha atiçado o próprio
desejo de tê-la em sua cama. E se não tirasse aquela mulher dos
pensamentos, com certeza, iria se meter em um problema dos grandes.
Ia se casar com Clara, não tinha como fugir de seu destino, e a
promessa que fez na juventude à sua mãe, o impedia de ter amantes
após o casamento.
Ao pensar em seu casamento, lembrou-se de sua noiva. Ele tinha
deixado Lady Clara depois de uma discussão. E pensou em sua noiva
durante toda a viagem a Arondalle. Precisava visitá-la e resolver os
assuntos pendentes entre eles. Não era bom que entrassem em um
casamento intrigados um com o outro. E nesse caso, preferia ser ele a
ceder e ir ao encontro dela.
Não sabia exatamente como ela o receberia, uma vez que na
última vez que estiveram juntos, acabaram brigando e Clara havia ido
embora muito irritada. Ele também tinha se exasperado. Mas precisavam
conversar e se entender. Claro que sempre poderia deixá-la no campo e
vir para a cidade, não precisavam conviver todos os dias. Mas até que
conseguissem produzir um herdeiro, era melhor que permanecessem
debaixo do mesmo teto e compartilhassem a cama.
Clara não conseguiu dormir aquela noite. Seu corpo ainda se
lembrava do toque dele. Não devia ter permitido que ele agisse com
tanta intimidade, mas não havia conseguido resistir ao desafio que ele
lhe oferecia.
Como eu pude fazer aquilo? Deixar que ele me tocasse daquela
forma?
Se soubesse que ele a tocaria para provar que estava errada, teria
se controlado e jamais reagiria daquela forma. Ele a pegou
despreparada. Apenas isso. E, por esse motivo, tinha sentido todo seu
corpo responder ao toque dele. Algo que nunca tinha lhe acontecido com
nenhum outro homem.
E se isso significa que gosto dele? ― O pensamento a assombrou.
― Não. Não posso gostar dele, é um erro.
― Não posso gostar dele... Eu não gosto dele... não... ― ela
sussurrou, antes de adormecer. ― ... Gosto dele.

Quando acordou, o sol já estava alto no céu, indicando que ela


dormiu demais. Depois de se arrumar, desceu para comer alguma coisa,
estava faminta.
Após a refeição, decidiu bordar um pouco com suas irmãs. Por
mais que elas fossem irritantes, na maioria das vezes, naquele momento
preferia a companhia delas do que ficar a sós com seus pensamentos.
Então, se juntou a elas na sala.
Assim que entrou no recinto, sua mãe e suas irmãs pararam o que
estavam fazendo e se viraram para ela.
― Oh, sente-se, querida, estávamos falando sobre você.
Precisamos escolher as cores para o casamento. Esta semana mesmo
iremos na modista, já devíamos ter ido, mas seu pai anda bem ausente,
então, demoramos para falar com o administrador. Faremos uma festa
digna de um rei.
― Mamãe, creio que não seja uma boa hora para um casamento
luxuoso, eu preferiria algo mais simples ― Clara tentou convencer sua
mãe. Sabia que as finanças estavam baixas e que deixar a Duquesa
fazer a festa que estava planejando, deixaria o Ducado ainda mais
endividado. ― Por que não fazemos algo pequeno, apenas para a
família e amigos próximos?
― É claro que não. Irão pensar que estamos falidos. Não posso
concordar com isso. Você é filha de um Duque, tataraneta de um rei, não
aceitarei nada menos do que um casamento digno de uma princesa ― a
Duquesa desdenhou da preocupação da filha, com um movimento de
mão. ― Convidaremos toda a aristocracia londrina para este momento
único.
Clara gemeu, desgostosa. Não podiam gastar aquela fortuna. Na
verdade, nem sequer tinham aquela fortuna disponível. Precisava
convencer seu pai a impedir que a Duquesa fizesse aquela loucura.
― Eu acho que deveríamos fazer na capela de Cattermont. A
abadia do Castelo é linda. Seria um ótimo lugar ― Caroline sugeriu.
― É muito longe, acredito que fazer aqui em Londres é muito mais
interessante. Papai pode falar com o rei para usarmos a Catedral para o
casamento. Seria o lugar perfeito. O meu casamento terá que ser lá.
― Pois eu ainda prefiro a abadia de Cattermont, é muito mais
bonita que a Catedral.
― Não é não. A abadia parece um lugar assombrado, todo aquele
castelo parece. Dá azar casar em um lugar assim. Eu preferia fugir para
Gretna Green a me casar na abadia.
As irmãs continuaram falando, mas Clara já não escutava. Caroline
tinha lhe dado ideia para um plano que poderia servir, caso não
aceitassem um casamento sem pompas. Se sua mãe não fosse
dissuadida de realizar uma cerimônia luxuosa, ela iria fugir e se casar em
Gretna Green, precisava apenas convencer o Marquês a fazer aquilo.
Pensar no Marquês lhe causou nervosismo. Como conseguiria agir
normalmente com ele depois da noite anterior? Não tinha certeza se
poderia fingir que nada tinha acontecido quando as lembranças ainda
eram tão fortes, mas, de qualquer forma, precisaria tentar.
Ele era seu noivo e, por mais que quisesse, Clara não poderia se
esconder dele para sempre. O que diria quando lhe sugerisse a fuga
seguida de casamento? Ela teria que lhe contar toda a verdade sobre
sua família, mas não confiava nele o suficiente para isso. Então, o que
faria? Apenas pessoas apaixonadas ou desesperadas casavam em
Gretna Green e ela, definitivamente, não estava apaixonada. Ou
esperava que não estivesse.
― Clara, está me ouvindo? ― a Duquesa chamou-lhe a atenção.
― Perdão, mamãe, poderia repetir?
― Eu perguntei se Lorde Winchester virá lhe ver hoje. Eu soube
que ele já retornou do casamento.
― Eu não sei, mamãe, ele não me falou nada sobre uma visita.
― Ótimo. Então, iremos hoje à modista encomendar seu enxoval.
― Mamãe, não seria melhor esperar Madame Charlotte retornar da
lua de mel? ― Caroline lembrou à mãe da recente reviravolta na moda
londrina.
― Ah, claro que não. O Duque não irá permitir que ela volte a
trabalhar. Onde já se viu uma Duquesa trabalhando?
― Segundo o jornal, o atelier não foi fechado ― Cristine apontou.
― Sim, minha filha, mas ela não sairá do lado do marido, enquanto
ele não melhorar. Iremos procurar outra modista, não podemos perder
tempo.
― Mas eu quero que meu enxoval seja feito por ela ― Clara entrou
na conversa. Aquilo adiaria os planos de sua mãe temporariamente. ―
Ela é a melhor de toda Londres. E a senhora sabe que todos vão falar do
meu vestido de noiva, então, é melhor que falem o quanto ele estava
deslumbrante, não concorda?
― Oh, é claro, tem razão. Acho que podemos esperar um pouco ―
a Duquesa concordou. ― Ainda temos alguns meses antes do
casamento. Dará certo. Você ficará tão linda em um vestido de noiva.
Minha primeira filhinha a se casar e, ainda, com um dos melhores
partidos da Inglaterra. Que orgulho.
A Duquesa fungou e tinha os olhos marejados, e procurou um lenço
em suas vestes para enxugar uma lágrima que havia escorrido.
― Senhora, visita para milady. O senhor Callahran ― mordomo
anunciou.
A Duquesa imediatamente se iluminou.
― Oh, mande-o entrar.
Callahran entrou com um sorriso no rosto. Ele cumprimentou cada
dama do recinto e se sentou com elas.
― Tio Callahran, estávamos com saudade. Para aonde o senhor
viajou dessa vez? ― Caroline perguntou, espevitada como sempre.
― Eu também estava com saudade ― o homem respondeu,
sorrindo. ― Dessa vez eu fui para a Itália.
Por ter estado presente desde sempre na família Catterfield, e por
ser padrinho das gêmeas, elas o chamavam de tio, ainda que ele não o
fosse de fato.
― Trouxe algo para nós? O senhor prometeu que traria ― Cristine
cobrou, ansiosa.
― É claro que sim. Eu prometi, não foi? ― O homem tirou de seu
casaco duas caixinhas idênticas, uma era azul e a outra com pedras
verdes. Era uma caixinha de música, que servia de porta joias. As
meninas olharam o presente maravilhadas e rapidamente pegaram.
Caroline adorava o azul e Cristine, o verde. Callahran sabia daquilo e,
por isso, tinha comprado uma de cada cor.
― É maravilhoso, tio Callahran. Muito obrigada. ― Caroline estava
com um sorriso imenso no rosto e abraçou o homem, agradecida.
Callahran já estava há tanto tempo naquela família, que era
considerado parte dela e, por isso, as demonstrações de carinho não o
assustaram. Gostava daquelas meninas como se fossem dele.
― Sim, é magnífico. Muito obrigada. ― Cristine também se jogou
nos braços do homem e em seguidas as duas subiram para o quarto,
para guardar seu novo presente.
― Sabe que não precisava ter feito isso. ― A Duquesa o olhou,
mas o sorriso dela indicava que tinha amado o que ele acabara de fazer.
― Sabe que eu não me importo. Não posso ter filhos e presenteá-
las me faz sentir como se elas fossem minhas. E, além do mais, sou o
padrinho delas. É meu dever mimá-las e cuidar delas.
― Você vai estragá-las, isso sim. ― A Duquesa riu. ― Agora, toda
vez que viajar, elas irão lhe cobrar um presente.
Callahran riu.
― Não me incomoda que elas o façam. ― Ele sorriu para a
Duquesa e em seguida fitou Clara. ― Clara, trouxe algo para você
também ― ele anunciou e retirou do bolso uma caixinha, um pouco
menor do que a das meninas. ― Espero que goste.
Clara recebeu a caixinha de veludo e a abriu cuidadosamente.
Dentro tinha um delicado colar, com uma única pedra e uma corrente fina
banhada em ouro. A gema era azul e facetada como um diamante. Linda
e delicada.
― É linda. Eu adorei. ― Clara realmente tinha amado o presente.
― Mas não posso aceitar, deve ter custado uma fortuna.
― Não me custou nada. Insisto que o aceite. É seu presente de
casamento. O joalheiro me confidenciou que essa pedra é mágica e tem
a capacidade de trazer calmaria e paz. E como você sempre foi muito
espevitada, calma e paz lhe farão bem.
Clara se levantou e abraçou o homem, agradecendo-o, com um
sorriso divertido.
― Permita-me colocá-lo, sim?
― Oh, é claro. ― Clara estendeu a caixinha e Callahran pegou a
joia, em seguida a lady se virou e o homem colocou o colar em seu
pescoço.
― Ficou perfeito, como eu imaginei que ficaria. ― Ele sorriu.
― Obrigada, de verdade. ― Clara tocava a joia em seu pescoço,
maravilhada.
O mordomo apareceu novamente na porta e após ter a atenção de
todos na sala, anunciou o segundo visitante da tarde. O noivo de Clara.
Clara se retesou ao escutar o nome do Marquês. Estava nervosa
quando o seu noivo entrou.
A Duquesa tratou de apresentar Winchester a Callahran. Os dois
homens pareciam se estranhar, mas educadamente, se
cumprimentaram.
― Lady Catterfield, a senhora me permite levar sua filha para um
passeio pelo jardim da propriedade?
A lady assentiu. Eles já estavam noivos, e o jardim poderia ser visto
da janela da sala.
― Tem a minha permissão. Ficarei olhando-os pela janela, para
evitar falatórios.
― Obrigado. Vamos, milady? ― O Marquês estendeu o braço para
sua noiva e, quando ela o pegou, ele a guiou em silêncio para o jardim.
Após alguns minutos caminhando sem trocarem uma palavra, o
Marquês enfim começou.
― Eu sinto muito pelo que aconteceu na última vez que nos vimos.
Clara corou, e então se lembrou de que ele não estava se referindo
ao encontro no clube e, sim, à briga que tiveram na ópera. Sua memória
não lhe deixava esquecer nada.
― Eu entendo. Acredito que nós dois nos exaltamos aquela noite.
Eu não devia tê-lo acusado de mentiroso.
Winchester suspirou. Era melhor que fosse sincero com sua noiva.
― A senhorita não estava errada ao me chamar de mentiroso... ―
o Marquês confessou e parecia chateado. ― Eu realmente flertei com
outras mulheres, com uma mulher, para ser totalmente sincero.
Clara não esperava que ele dissesse aquilo e a sensação estranha
em seu peito também era novidade. Parecia que algo doía dentro dela e
se quebrava.
― Oh. ― Foi tudo que saiu de seus lábios.
― Eu não consigo evitar, ela me fascina. ― O Marquês passou a
mão nos cabelos. ― Eu não quero mentir para você. Acho que devemos
ser sinceros um com o outro, para esse casamento dar certo. E não
estou dizendo isso para lhe desrespeitar, apenas quero que possamos
ser amigos, confidentes, companheiros. Sei que não está apaixonada
por mim, e isso é o que me deu coragem para lhe falar.
― Você está me comunicando que terá uma amante? ― Clara
perguntou, em um fio de voz.
― Céus, não. Nunca lhe trairia. Depois que nos casarmos, não
terei outra mulher, além de você.
― Então, o que pretende me contando isso?
― Apenas pretendo ter essa mulher antes do nosso casamento.
― Está me pedindo permissão, ou me comunicando? ― Clara não
conseguia sentir nada ao ouvir aquilo. Parecia surreal.
― Sinceramente, eu não sei, mas não quero fazer isso às suas
costas, terei cuidado para que não haja nenhum boato, e continuarei
fazendo o meu papel de noivo. Não pretendo negligenciá-la. Pelo
contrário, percebo que a cada dia me importo mais com a senhorita. E
por mais que pareça que não o faço, ao lhe comunicar sobre o meu
interesse por outra mulher, é justamente por considerá-la tanto que o fiz.
Cada palavra dele só machucava mais. A intenção dele de ser
sincero era boa, mas não devia doer. E se estava doendo, significava
que... estava apaixonada por ele?
Não. Clara negou a si mesma, e negaria sempre. Estava
machucada porque ele era seu noivo e lhe devia respeito e, em vez
disso, estava lhe avisando que a trairia com outra mulher. Era apenas
seu orgulho que estava sendo machucado, não seu coração.
― Eu também poderei ter um caso antes de nosso casamento? ―
ela perguntou, começando a se irritar. Queria feri-lo da mesma forma que
ele a feria com aquelas palavras.
O Marquês cerrou o maxilar. Imaginava o terrível gosto que as
palavras teriam na sua boca.
― Desde que não haja... consequências depois. ― O gosto era
pior do que imaginava e isso o irritou, odiou cada palavra que saiu da
sua boca naquele momento. Poderia dizer a ela que era dever de uma
dama casar virgem, mas sabia que se o fizesse, ela o odiaria e ambos
brigariam. ― Não tenho nenhum problema com bastardos, mas não
quero ter dúvidas quanto a paternidade do filho que será meu herdeiro.
Ah, e se for ter um caso, deve estar ciente que ele deve acabar antes de
nosso casamento. Eu não terei nenhuma amante depois que me unir a
você e exijo que faça o mesmo.
Clara suspirou, ouvir aquilo doeu tanto quanto ele dizer que teria
uma amante. Ele realmente não sentia nada por ela. Ela levou a mão ao
pescoço, parecia que algo a sufocava, e encontrou o colar. Tocá-lo lhe
trouxe um pouco de alívio. Talvez o joalheiro tivesse falado a verdade e
aquela pedra fosse mágica.
― É um belo colar. ― Ele mudou de assunto ao vê-la segurando o
objeto.
― Obrigada. Presente de casamento de Lorde Callahran ― ela
respondeu, ainda sem olhá-lo.
― Entendo. Ele parece gostar muito de você. ― Winchester olhou
na direção da casa, com os olhos semicerrados e uma expressão de
poucos amigos.
― Sim, tenho sorte por tê-lo. Sempre consegue me trazer um
pouco de felicidade. ― Clara podia explicar que ele era da família,
padrinho das gêmeas e muito amigo de seus pais, mas não o faria.
― Só me prometa que tomará cuidado com quem decidir ter como
amante. Amigos próximos nem sempre são uma boa opção, a não ser
que não se importe de perder o amigo após o casamento ― o Marquês
avisou, mas já tinha se decidido que ela não veria mais Callahran se
dependesse dele e, muito menos, receberia presentes de outro homem.
Não devia se sentir possessivo depois do que ele mesmo falou
para ela, mas não pode controlar.
― Não se preocupe, pretendo chegar intacta ao nosso casamento,
mas não o faço por você. ― Clara largou o colar, resoluta. ― Por favor,
não se esqueça do jantar de noivado daqui a três dias. Agora, se me dá
licença, eu gostaria de entrar e voltar para meus aposentos.
O Marquês concordou com a cabeça e a deixou na porta de casa,
beijando sua mão e se despedindo dela.
Devia estar feliz pela facilidade com que ela aceitou aquilo, então
por que não estava?

Enquanto subia as escadas, Clara passou em frente ao escritório


do pai e encontrou a porta entreaberta. Ela olhou dentro do cômodo
para ver se ele estava ali, mas como sempre, não estava.
Era sempre assim agora, o Duque de Catterfield quase não se
encontrava em casa. Provavelmente, estava tentando encontrar novas
formas de gastar ainda mais dinheiro. O que lhe fazia pensar que ele
não iria ficar do seu lado no que se tratava de economizar nos festejos.
O Marquês havia lhe ocupado tanto os pensamentos nos últimos
dias, que ela tinha esquecido de ficar de olho em seu pai, o homem
responsável por ela ter se tornado a Dama de Copas.
Clara suspirou, desgostosa, e sentiu uma pontada de dor lhe
apertar o ventre. Aquele era o sinal que suas regras tinham chegado e,
com ela, a tortura das dores no ventre que a deixavam de cama por três
dias.
CAPÍTULO 6 ― JANTARES E
SEDUÇÕES

Três dias depois, o Marquês se encontrava a caminho da mansão


dos Catterfield novamente. Como combinado, o jantar aconteceria
naquela noite e ele estava nervoso. Sua noiva não se comunicava com
ele há três dias, desde que ele havia lhe contado sobre o seu desejo por
outra mulher. A Duquesa tinha lhe dito que eram apenas problemas
femininos e que ela estaria presente no jantar.
Winchester desceu da carruagem e se direcionou para a porta, que
lhe foi aberta antes que ele pudesse bater.
A Duquesa tinha mantido sua palavra ao dizer que reduziria os
convidados à família e amigos mais próximos, para tornar o jantar mais
íntimo, pois além da família, apenas Callahran fora convidado, mas que
por motivos pessoais, precisou recusar o convite ― Algo que deixou
Winchester bastante satisfeito.
― Bem-vindo, milorde ― a Duquesa o saudou. ― Estávamos
ansiosos por sua chegada.
― Obrigado, milady. ― Winchester tomou a mão envolta pela luva
de Lady Catterfield nas suas e a beijou. ― Estás muito bela essa noite.
― Obrigada, meu querido. ― A mulher sorriu diante do galanteio.
― Clara descerá em breve.
Winchester concordou com a cabeça e se direcionou para onde o
Duque estava. O homem parecia extremamente irritado, e dava ordens a
um criado para que fosse apressar sua filha.
Aquilo pareceu estranho para o Marquês, o jantar estava planejado
há mais de uma semana, não era possível que o Duque tivesse outros
compromissos para aquela noite.
― Sua Graça ― Winchester saudou o homem.
― Não precisa de formalidades, seremos parentes muito em breve,
meu jovem. Então, pode me chamar de Carlos.
― Nesse caso, pode me chamar de Gabriel.
― Fiquei satisfeito com sua nova conduta a respeito do noivado.
Apesar de ser um arranjo, eu realmente quero o melhor para minha filha.
E agora tenho certeza de que se esforçará para ser o homem que ela
merece.
― Agradeço o reconhecimento. Farei o possível para que
tenhamos um casamento agradável e cuidarei bem de sua filha.
― Ah, isso eu sei. Não teria concordado com este casamento, caso
fosse diferente. Eu sempre estou a par de tudo. ― O Duque lhe deu um
sorriso arrogante e Gabriel não gostou nada daquilo. ― Inclusive, sei de
seu interesse pela Dama de Copas. Estive observando você no Rogue’s,
então, lhe darei um aviso: se machucar a minha filha, terá que se ver
comigo.
Winchester odiava que o tratassem como uma criança, e odiava
ainda mais que o ameaçassem.
― Eu não gosto de ameaças, milorde. Entretanto, deixarei essa
passar, apenas por se tratar de sua filha.
O Duque o observou um tempo em silêncio e sorriu, parecia que a
tensão anterior nunca havia existido, e então ergueu os olhos e focou em
um ponto atrás do Marquês.
Winchester se virou para ver o que chamava a atenção do Duque e
se deparou com Clara, em um vestido azul que lhe caia perfeitamente.
Ela estava muito bonita naquela noite.
Com um sorriso no rosto, o Marquês se direcionou para onde ela
estava e lhe estendeu a mão.
Clara não conseguiu evitar retribuir o sorriso. Os dias em que
passou de cama, devido às suas regras, a tinha dado bastante tempo
para pensar, e se o Marquês queria apenas a amizade dela, não tinha
por que tornar as coisas mais difíceis. Era melhor mesmo que não
envolvessem sentimentos no casamento, assim, ambos seriam
preservados de um destino cruel.
Por esse motivo, estava disposta a dar a ele apenas a amizade que
ele tanto buscava e esperava que aquilo fosse suficiente. E estava certa
daquilo até vê-lo no jantar. A forma que ele olhava para ela com tanta
intensidade, a fez duvidar se apenas a amizade bastaria.

O jantar foi servido assim que todos estavam distribuídos em seus


lugares, Gabriel sentou-se em frente à Clara, ao lado de Lady Catterfield
e conversava animadamente com a futura sogra.
Clara observava o quanto ele estava lindo e parecia à vontade
conversando com a Duquesa. Ela corava de vez em quando, o que
deixava Clara curiosa sobre o que ele dizia a ela. Provavelmente, era
algum galanteio, ele sabia ser galanteador quando queria.
― Lorde Winchester, por que o senhor não trouxe sua irmã para
jantar conosco? ― Caroline perguntou, chamando a atenção do homem
e recebendo um olhar reprovador da mãe, pela falta de educação.
― Minha irmã está em Willow Castle e, desta vez, não pode vir,
mas da próxima com certeza trarei. Acredito que vocês se dariam muito
bem.
― Quando foi erguido o castelo? ― Cristine entrou na conversa.
― Há mais de setecentos anos.
Aquela informação fez Cristine sorrir.
― Ele é mal-assombrado? ― ela perguntou, animada.
― Cristine... ― a Duquesa advertiu a filha, dando-lhe um olhar
muito significativo.
― Até onde sei, apenas eu, minha irmã e os criados o assombram.
― Winchester sorriu com a decepção estampada no semblante de sua
quase cunhada.
― Que pena! ― A moça suspirou. ― Cattermont também não é
assombrado, apesar do que pensam. Já procurei fantasmas por lá.
― Cristine, fantasmas não existem. Apenas tolos acreditam neles
― Caroline ralhou com a irmã.
― Não é verdade, eles existem sim. E eu não sou tola.
― É tola sim, por acreditar em fantasmas.
― Não o sou.
― Meninas! Já chega ― o Duque interviu, olhando severo para as
filhas.
― Desculpe, papai ― as gêmeas responderam em uníssono e
voltaram a atenção para seus pratos.
O restante do jantar seguiu sem muita emoção e, assim que
terminou, todos seguiram para a sala de música.
― Clara, meu anjo, por que não toca um pouco para nós? Seu
noivo ficaria mais do que feliz em ouvi-la tocar. ― Lady Catterfield
indicou o piano para sua filha, que com um suspiro, seguiu para o
instrumento e se sentou.
Clara escolheu uma música simples e animada de seu repertório,
conseguia tocar todas sem nenhuma dificuldade. As gêmeas, ao
perceberem qual música Clara tocaria, se animaram, e logo começaram
a cantar em um dueto.
O Marquês observava como sua noiva sorria, envolvida pela
música e pela cantoria das irmãs. Ela era uma boa mulher, seu
casamento talvez não fosse o inferno que ele supunha que seria. Ainda
mais agora, que não havia segredos entre eles e ela estava ciente de
seu desejo por outra mulher.
Apesar de não terem tido tempo para conversarem sobre o assunto
depois daquele dia, o Marquês podia ver que ela parecia bem com
aquela situação, e se sentiu sortudo por ter uma noiva tão compreensiva.
Ela lhe seria uma ótima amiga e companheira. Sentia que poderia
lhe confidenciar qualquer coisa e ela o entenderia. Aquele pensamento o
fez sorrir, enquanto a olhava tocar divinamente as teclas do piano.

Após o jantar, o Marquês seguiu para o Rogue’s, tinha esperança


de encontrar a Dama de Copas naquela noite, já que não a tinha visto
em nenhuma das anteriores. Ansiava vê-la, ainda mais agora que
poderia seduzi-la, sem que isso prejudicasse o seu casamento.
Entrou no Rogue’s e colocou a máscara que lhe foi entregue,
seguiu para a Ala da Avareza procurando a sua ruiva favorita. Não a
encontrou ali. Procurou em cada ala e nada de ver a jogadora. Por fim,
se direcionou à ala da Ira, sua última esperança e, apesar de estar
lotada, pois aquele era um dia de luta, a Dama de Copas não se
encontrava ali.
Temeu que ela não aparecesse também naquela noite.
― Não se preocupe, ela virá hoje ― um homem lhe disse, ao ver
que ele não parava de olhar ao redor.
― Michael ― o Marquês saudou o Rogue responsável pela ala da
Ira. ― Como sabe quem eu procuro? ― perguntou, curioso. Não tinha
comentado a ninguém, além de Henry, sobre o seu interesse por Copas.
― É evidente para todos que o senhor está fascinado por nossa
Copas. ― Michael sorriu. ― E estamos sempre de olho em nossas
meninas.
― Estou ciente disso ― o Marquês resmungou, precisava de
privacidade com a Dama de Copas. Não queria ninguém de olho neles.
― Pensei que estivesse noivo.
― Não é da sua conta.
― Mas Copas é. ― O homem não recuou. Michael não era o
melhor lutador do Rogue’s sem motivo, não havia nada que ele temesse.
― Não é o responsável por ela. ― Winchester cerrou os punhos.
Odiava quando tentavam dar lição de moral nele. Ele era um lorde e
também um dos sócios daquele maldito clube. Deviam respeitá-lo e não
se intrometer na sua vida. ― E, mais uma vez, eu repito: não é da sua
conta.
― Eu sei que não, mas saiba que se algo acontecer com ela, o
senhor terá que se ver comigo.
― Não se esqueça com quem está falando, Michael ― o Marquês
advertiu, com um olhar severo para o homem. O lutador estava
passando dos limites. ― Não aceito ameaças.
― Nunca me esqueci, Gabriel, e não foi uma ameaça. ― Então o
homem sorriu, mudando completamente a expressão. ― Agora, se o
senhor me dá licença, preciso voltar para o ringue e anotar as apostas.
Mesmo depois que o homem saiu, Winchester não relaxou. Odiava
aquela maldita mania dos funcionários se sentirem família, mas ao
mesmo tempo, ele admirava a lealdade que tinham com cada membro.
Aquela era uma família, da qual ele também fazia parte e, por isso, sabia
que se fosse preciso eles também o defenderiam.
Ao se virar para ir de volta à ala da Avareza, Winchester a viu. Ela
estava adentrando a ala a qual ele se destinava, imediatamente um
sorriso brotou de seus lábios. Ela estava ainda mais linda.
O Marquês se aproximou e Copas lhe deu um sorriso singelo.
― Que prazer em vê-la! ― Winchester comentou, assim que ficou
frente à jogadora.
― O senhor parece feliz ― Copas notou o jeito que os olhos dele
sorriam contentes.
― Vê-la me deixa feliz ― flertou.
Copas respirou fundo. Era óbvio que ele não perderia tempo para
flertar com a mulher que desejava.
Como Clara, ela tinha permitido que ele tivesse suas aventuras
românticas até o casamento, mas não estava preparada para quando ele
o fizesse, ainda mais com ela. Não sabia se devia permitir, ou não. Por
um lado, ter a atenção do Marquês sobre ela lhe dava um frio delicioso
na barriga, por outro, isso tornaria mais complicado a revelação de seu
segredo. Ele a odiaria quando descobrisse a verdade.
― Mas ficaria ainda mais feliz se pudesse ter a sua companhia ― o
Marquês completou, ao ver que ela não diria nada.
― Eu tenho que trabalhar ― ela se desculpou, não estava fugindo
dele, realmente precisava jogar, era paga para fazer isso. ― Mas você
sempre pode jogar comigo, sabe disso.
Aquela resposta agradou Winchester e ele concordou com a
cabeça, a seguindo até uma mesa na ala da Avareza. Alguns jogadores
também se aproximaram para jogar e as partidas se iniciaram.
Winchester não se importou de perder três das quatro partidas que
jogou, ele nem sequer estava pensando nas jogadas que fazia, ficava
admirando a mulher de vermelho à sua frente e pensando como faria a
proposta que tinha em mente.
Sabia que entre os dois havia desejo. Tinha se certificado disso na
última vez que estiveram juntos. A reação que ela teve a seu toque só
poderia ser descrito como desejo. Ela não era indiferente a ele, e
Winchester usaria isso a seu favor.
Decidiu que precisaria afastá-la das mesas de jogos para poder
convencê-la, esperaria a jogadora fazer uma pausa nos jogos e então a
abordaria.
Não demorou muito. Aquele era um dia de luta no ringue e logo os
homens se moveram para a ala da Ira, fazendo suas apostas sobre
quem seria o campeão da noite. Gabriel aproveitou aquele momento
para conversar com Copas.
― Eu gostaria de uma partida exclusiva ― ele pediu. ― Podemos ir
a algum quarto onde não seremos incomodados?
Copas o olhou, desconfiada. Não queria ficar sozinha com ele e ser
seduzida facilmente, mas também não poderia ficar ali e chamar a
atenção dos outros jogadores que poderiam reconhecê-lo como da
última vez. Então, preferiu correr o risco de ser seduzida.
― Vejamos se Dmitri empresta o escritório dele, já que Henry ainda
está em Arondalle.
Dmitri cedeu o escritório apesar de hesitar, quando o Marquês
pediu para ficar a sós com Copas. Apenas depois que a jogadora
concordou, foi que o russo saiu, fechando a porta atrás de si.
― O que gostaria de apostar? ― Copas perguntou, antes que
Winchester dissesse qualquer coisa. Ela queria manter a conversa no
nível profissional, mas o homem não estava inclinado a isso.
― Eu tenho algo importante para lhe contar. ― Gabriel sorriu,
malicioso.
― E o que seria? ― Copas tentou manter a seriedade em seu
semblante, mas sentiu as pernas fraquejarem.
― Quero que seja minha amante até a véspera de meu casamento.
A fala direta de Winchester a chocou. Ela já esperava que ele
quisesse algo daquele nível, mas não pensou que o faria de modo tão
direto.
― O senhor está noivo ― ela tentou argumentar, mas já sabia a
resposta, pois ela mesma tinha dado.
― Sim, e ela está ciente disso e aceitou que eu tenha a mulher que
eu quiser até o casamento... E eu quero você e sei que você também me
quer. Suas reações a mim são prova disso.
― Eu... ― Copas pensou no que poderia dizer para afastá-lo, não
podia ser a amante dele. Não quando era a noiva. ― Não o quero.
― Mentirosa. ― Ele se aproximou, tentando encurralá-la na
parede.
― Eu não posso ser sua amante.
― Por que não?
― Bom, porque... eu não posso. Apenas isso.
Winchester estava próximo a ela e, com uma das mãos, tocou no
rosto da jogadora.
― Não é um motivo suficiente.
A carícia contínua com a ponta dos dedos no rosto de Copas a
impedia de pensar com clareza, mas uma pergunta pairava em sua
mente.
― Por que eu? Há tantas mulheres aqui que adorariam esquentar a
sua cama, por que insistir em mim?
― Porque você é diferente de todas elas, você é fascinante.
― Não devias trair a sua noiva.
Aquelas palavras quebraram qualquer clima que houvesse entre
eles e o Marquês se afastou.
― Eu não estou traindo minha noiva, o faria se estivesse
escondendo dela, mas como não estou, não me acuse de tal ato vil. Eu
jamais a trairei.
― Então, o que está fazendo aqui comigo, quando deveria estar
com ela?
― Eu estou aproveitando os meus últimos momentos como um
homem solteiro. Uma despedida dos bons tempos, quando eu não
estava amarrado a nenhuma mulher e era um homem livre e feliz.
― Falando assim, parece que está a caminho da forca ― Copas
comentou, sarcástica.
― Depois de casado, eu não poderei fazer as mesmas coisas que
faço como solteiro. Não poderei ter qualquer mulher que quiser, terei que
me prender a uma única e me satisfazer apenas com ela. Então, não
devia se admirar se não estou extasiado com o meu próprio casamento.
― Não terá amantes depois do casamento? Muitos homens
continuam tendo a mesma vida de solteiro, apesar de casados.
― Não. Não pretenderei trair a minha esposa depois do
casamento.
Copas percebeu que aquele assunto o incomodava e ficou curiosa.
― Então, quer dizer que se tivermos algo, acabará na véspera de
seu casamento?
― Sim.
― E se nós dois ainda quisermos um ao outro, não poderíamos
continuar como amantes? Sua esposa já estaria acostumada com isso.
― Não, não haveria essa possibilidade.
― Por que não? Você não ama sua noiva, por que, então, se
importaria com os sentimentos dela?
― Não faço isso pelos sentimentos dela ― o Marquês explicou,
não podia deixar que Copas pensasse que poderiam continuar aquilo
depois do casamento. ― Eu fiz uma promessa e sempre cumpro com
minha palavra.
― Uma promessa? Que tipo de promessa?
― Prometi que jamais causaria a uma mulher, o que meu pai
causou a minha mãe. Nunca trairei a minha esposa. Posso nunca chegar
a amar Clara, mas não infligirei a ela a dor de ser traída.
Copas suspirou. O Marquês se mostrava diferente de tudo que ela
conhecia e vivia lhe surpreendendo. Era fácil se apaixonar quando ele
mostrava tantas qualidades, quando ele a tratava com tanto carinho.
― Eu fui sincero com minha noiva quando disse que você me
fascina ― ele continuou e tocou o rosto dela com a palma da mão, e
pode ver os olhos dela se escurecerem com aquele contato. ― Eu a
quero, Copas. Desejo-a desde o primeiro dia que a vi entrando no
escritório do Lorde, como uma força da natureza. Não posso lhe
prometer casamento, infelizmente, isso não está no meu poder, mas
prometo cuidar de você caso me aceite como seu amante. Lhe darei
qualquer coisa que pedir, e quando eu me casar, prometo que farei o
possível para lhe manter bem.
Os lábios do Marquês estavam tão próximos que Copas podia
sentir a respiração dele em seu rosto. Ela queria erguer a cabeça e beijá-
lo. Queria aceitar aquilo. Queria ser a amante dele... mas não podia. Ah
se ele soubesse que ela era a noiva dele. Seria tão mais simples se
render àquele desejo se ele conhecesse a verdade.
― Por que você não ama sua noiva? Seria tão mais fácil se você a
amasse. Se essa conversa fosse com ela e você a tivesse convencendo
a se entregar antes do casamento ― Copas desabafou. ― Você não
estaria aqui tentando arrumar uma amante.
Aquilo fez o Marquês dar um passo para trás.
― Às vezes eu me esqueço que são amigas. ― Ele suspirou. ― Eu
queria sentir isso por minha noiva, queria mesmo. E eu até gosto dela,
ela é uma boa mulher, mas, quando estou com você, o que sinto por ela
se torna insignificante perto do sentimento avassalador que você
desperta em mim.
― Eu não sinto o mesmo ― Copas murmurou, as palavras dele a
faziam se sentir confusa, por um lado, ficava triste e, por outro, queria-o.
― Sinto muito.
O Marquês suspirou e se afastou, triste, sabia que ela mentia. Ela o
queria também, mas algo a fazia insistir em negar o que sentia por ele.
Daria tempo a ela, ainda tinha alguns meses antes do casamento.
― Tudo bem, não insistirei, mas não desistirei, ainda. Deixarei que
tome um tempo para pensar. Depois desse tempo, se ainda achar que
não me quer, eu a deixarei em paz. Tem um mês para pensar.
CAPÍTULO 7 ― BEIJO
Três semanas depois...

Copas estava jogando cartas no Clube quando o viu entrar. Já


estava tão comum vê-lo quase todas as noites, que ela o reconhecia só
pela forma de andar.
Todas às noites, ele entrava no clube, dava um sorriso sedutor para
ela e seguia para alguma outra ala diferente da qual a jogadora estava.
Ele realmente cumpria com o que prometia. Não voltou a insistir no
assunto em nenhum momento e a deixou em paz para pensar na
proposta que ele lhe fizera.
Durante o dia, continuava visitando Clara como sua noiva, estava
ficando difícil não criar algum sentimento por ele. Ele a tratava com
carinho, conversavam sobre qualquer coisa e ele a considerava uma
ótima amiga. Não entravam no assunto da amante do Marquês, ele, por
ainda não ter uma resposta dela, e Clara, por não querer ouvi-lo falar de
outra, ainda que essa outra fosse ela.
À medida que a amizade dos dois se fortalecia, mais difícil se
tornava revelar ao Marquês que Clara e Copas eram a mesma pessoa. E
esse era um dos principais motivos para ela ter decidido que Copas não
seria amante de Winchester. Não poderia correr o risco de ele descobrir
a sua verdadeira identidade.
Copas observou Winchester seguir para a ala da Gula, ele estava
lindo como sempre, todo vestido de preto, com exceção do lenço bege
em seu pescoço. Na metade do caminho, o Marquês foi interceptado por
uma Dama de Vermelho: Layla. O Marquês sorriu, animado, parecia feliz
com o que ela lhe dizia, então, ambos seguiram para um quarto da
Luxúria.
Copas franziu o cenho naquela direção. Layla não era a primeira
Dama de Vermelho a se jogar em cima dele, mas, desde que tinham
noivado, sempre o viu rechaçar todas as outras mulheres.
Até aquele momento.
A raiva a tomou, ao perceber o quanto fora ingênua em acreditar
que ele se ocuparia apenas com ela.
É claro que ele não se limitaria a tê-la como única amante. Ele era
um homem e um Winchester. Assim que aparecesse a oportunidade ele
a aproveitaria ― ela concluiu em pensamento.
Se sentia traída, e dessa vez doía, mas estava decidida a não
demonstrar, ali não era hora e nem lugar. Respirou fundo e voltou sua
atenção para o baralho.
Decidida a não deixar aquilo lhe afetar, Copas se concentrou no
jogo de cartas e ganhou aquela partida sem muito esforço, afinal, seu
oponente estava bêbado demais para prestar atenção no próprio jogo.
— Sua trapaceira — um cavalheiro que estava à mesa a acusou,
quando perdeu a rodada. — Você não poderia ganhar. Você roubou.
— Joguei limpo, senhor. Não tenho culpa se está tão bêbado que
não pode contar as próprias cartas.
Normalmente, Copas não retrucava e, muito menos, provocava o
oponente, mas o ódio que tinha pelo Marquês havia transbordado e ela
não pode conter a acidez nas palavras.
— Sua puta trapaceira — o homem xingou, empurrando-a contra a
mesa de jogo. Mas antes que pudesse encostar nela, Dmitri entrou na
frente do homem e olhou feio para ele, que rapidamente se encolheu de
medo.
— Meu senhor, ela está trapaceando, não tem como ela não ter
passado de vinte e um com cinco cartas — o homem a acusou.
Dmitri olhou as cartas quase sequenciais com que Copas ganhou o
jogo e depois olhou para a jogadora, que deu de ombros, indicando que
foi apenas na sorte daquela vez. Ao entender o que tinha acontecido,
segurou o homem pelo colarinho e o ergueu do chão, deixando-o quase
com a mesma altura que ele.
— Peça desculpa à dama. Ela não trapaceou. O senhor quem não
soube perder.
— Me ponha no chão, seu bastardo, você sabe com quem está
falando? — O homem encontrou sua coragem, provavelmente, no
excesso de bebida.
— Estou falando com um bêbado insignificante, que se disser mais
uma palavra será, também, um ex-membro do clube.
Aquela ameaça foi suficiente para fazer o homem se calar.
— Agora, peça desculpa à Dama de Copas — ordenou.
— Mas...
Um olhar de Dmitri o fez engolir as palavras que diria.
— Me perdoe, Copas, não quis dizer que trapaceou — o homem se
desculpou, sem olhar para ela.
— Agora, dê o fora daqui, antes que eu me irrite e peça para que o
Lorde revogue sua participação no Clube.
O homem se afastou, com ódio no olhar. Não era o primeiro a
acusá-la de trapacear e nem seria o último.
— Copas, ele a machucou? — Dmitri perguntou, preocupado com a
mulher.
— Acertei o braço quando ele me jogou na mesa, mas, fora isso,
estou bem. Vou subir para tomar um ar.
Dmitri concordou com um aceno e a guiou até as escadas que
levavam ao andar de cima e a ala da Luxúria.
Enquanto subia os degraus, Copas esbarrou com o Marquês, que
descia acompanhado de Layla.
A fúria novamente a assolou quando viu o sorriso no rosto de
ambos.
— Que rápido — Copas comentou, ácida, debochando baixinho
quando cruzou com Winchester.
O Marquês olhou para ela após escutar o que tinha dito e sorriu ao
ver a expressão que ela fazia. Isso fez Copas fechar o semblante para
ele e sua acompanhante.
— Com licença. — Layla percebeu o clima entre os dois e se
adiantou para sair dali, já tinha feito o que fora fazer e não precisava
presenciar aquilo. Então, desceu as escadas e passou por Copas,
deixando os dois a sós.
Copas permitiu que ela passasse e ignorando deliberadamente o
Marquês, voltou a subir as escadas, e apenas quando entrou no quarto,
foi que percebeu que ele a seguia.
— O que pensa que está fazendo? — ela perguntou, quando ele a
seguiu para dentro do quarto.
— Apenas confirmando uma suspeita — Winchester respondeu, a
olhando fixamente.
Aquelas palavras fizeram o sangue de Copas gelar nas veias. Do
que ele suspeitava? Da verdadeira identidade dela?
— Suspeita? — Copas indagou, nervosa.
— Sim. Suspeita de que o que eu acabei de ver foi ciúme... — o
Marquês respondeu, atento a cada movimento dela e viu quando ela
relaxou diante das palavras para, logo em seguida, o olhar com
exasperação.
— Ciúme? Não seja tolo, apenas me admirei com sua velocidade
para terminar o ato. — Copas ergueu a cabeça diante dele. Quem ele
pensava que era para insinuar que ela estava com ciúme?
— Então, não está com ciúme? — Ele ergueu uma sobrancelha e
lhe deu um sorriso debochado.
— Claro que não. Você não é nada para mim, para que eu tenha
ciúme — Copas alfinetou.
— Você devia parar de mentir para si mesma. Suas palavras dizem
uma coisa e seu corpo diz outra completamente diferente — o Marquês
apontou, ainda se divertindo com a situação e Copas percebeu que
estava com os braços junto do corpo, com os punhos cerrados.
— Não estou assim por sua causa. Acabo de ter um problema lá
embaixo. É óbvio que eu ainda estou tensa por causa disso — Clara
mentiu. — Então, pode voltar para a sua Dama de Vermelho e me deixe
em paz.
Copas se virou, esperando que o Marquês entendesse a deixa e se
retirasse. Mas, em vez disso, ela sentiu os braços dele em sua cintura e
o hálito quente em seu ouvido.
— Não é ela quem eu quero. Eu quero você e sabe disso.
Ele tinha a voz rouca e isso, somado à proximidade dos corpos, fez
com que Clara sentisse todo seu corpo responder àquele estímulo.
Ao perceber o quanto a afetava, o Marquês sorriu e não resistiu em
depositar um beijo no pescoço pálido e delgado da jogadora. Como
queria aquela mulher.
— Eu não o quero — Copas respondeu, tentando manter a voz
firme e falhando miseravelmente quando os dedos de Winchester
começaram a contornar seus braços.
Maldição! Precisava se afastar antes que seu corpo lhe traísse.
— Mentirosa. ― O sorriso nos lábios dele indicavam que o
Marquês sabia que ela estava mesmo mentindo. ― Não seja covarde,
Copas, você me deseja tanto quanto eu a desejo. Admita.
Ser chamada de covarde a fez sentir raiva, e ele saber o que ela
sentia e brincar com isso, a deixou furiosa.
— Eu desejo... Desejo que me deixe em paz.
Diferente do que ela pensou, o Marquês não se afastou diante
daquelas palavras, muito pelo contrário, ele segurou o rosto dela
impedindo-a de fugir
— Antes que eu me case, farei com que diga a verdade para si
mesma — o Marquês replicou, não se abalando com o que ela disse. —
Terei que passar um tempo fora da cidade. Mas antes que eu me vá, lhe
darei algo para pensar.

Dizendo isso, ele a beijou.


CAPÍTULO 8 ― WILLOW
CASTLE
O Marquês agora tinha duas certezas: a primeira era que nunca
tinha provado lábios tão macios e deliciosos. E a segunda era que Copas
tinha uma mão pesada. O tapa que ela lhe dera, ainda ardia em seu
rosto, mesmo que tivesse sido desferido na noite anterior.
Ele a tinha beijado. Apenas um roçar de lábios, já que não tinha
aprofundado o beijo. Mas ainda assim, tinha sido maravilhoso. Pelo
menos, até ela o empurrar e lhe deixar os cinco dedos marcados em sua
bochecha.
A recordação do tapa o fez levar a mão ao rosto e sorrir. Sim,
mesmo que ela o tenha agredido, ele não se arrependia de nada.
Ela tinha ficado furiosa. E ele tinha adorado aquilo. Mas agora que
estava na carruagem, indo para Willow Castle, a sede de seu
Marquesado, conseguia clarear sua mente e pensar nas consequências
de seus atos.
Sentia que estava preparando a própria cova. Estava
comprometido com Clara, mas era com Copas que queria estar. E beijá-
la na noite anterior só tinha lhe dado mais vontade de tê-la. A
necessidade de prová-la, ainda que uma única vez, o corroía por dentro.
Teria que convencê-la assim que voltasse, seduzi-la se fosse preciso.
Winchester suspirou desgostoso.
Quem dera que o rei lhe fosse indulgente e permitisse escolher
Copas como sua noiva. Não que desgostasse de Clara. Ela estava se
mostrando uma mulher maravilhosa. Era compreensiva, inteligente,
perspicaz, companheira... Mas faltava-lhe algo, que ele só encontrava
em Copas. Talvez ousadia e mistério.
A ideia de pedir uma audiência com o rei lhe parecia tentadora. Não
custava nada tentar, quem sabe com um pouco de sorte ― ou muita
sorte ―, o rei se compadecesse de seu coração apaixonado e lhe
permitisse viver o seu amor.
— Você está bem? — Layla perguntou no banco à sua frente.
— Estou sim — ele respondeu, com um sorriso e, então, voltou a
olhar para fora.
— Tem certeza de que vão me aceitar neste estado? — A mulher
estava preocupada. — Eu não poderei ser de muita ajuda nos meses
que virão.
— Claro que sim. — O Marquês voltou a atenção para a bela
mulher ao seu lado. — Não é a primeira a chegar assim. Não se
preocupe.
Layla concordou com a cabeça e olhou para a paisagem que
passava pela janela da carruagem.
— Tem certeza de que não quer avisar ao pai da criança sobre sua
gravidez? — Winchester perguntou, mas até já sabia a resposta.
— Como se ele fosse se importar com o bastardo que carrego.
Não, obrigada. Prefiro não ter mais problemas dizendo a ele que estou
grávida. Ele não ficaria feliz com isso ― ela comentou, triste, parecia
gostar de seu amante. ― E mesmo que eu tenha certeza de que é dele,
quem poderá garantir que não é de qualquer outro homem? Afinal, eu
sou uma prostituta.
— Está bem. Chegaremos amanhã, por volta do meio-dia.
Layla ficou um tempo em silêncio, observando o homem à sua
frente.
— Eu nunca imaginei que o senhor se importasse conosco... com
as prostitutas, no caso. Sempre ouvi boatos sobre as suas qualidades
como amante. Quando eu contei ao Lorde que estava grávida e ele me
mandou falar com você, eu pensei: o que diabos o Marquês pode fazer
para me ajudar? E aqui estamos nós, indo para uma casa de... Como
você a chama mesmo?
— Casa de acolhida.
—Magdala... ― Layla murmurou o nome do local que seria sua
nova casa. ― Sempre ouvi falar dela e sempre zombei das mulheres que
decidiam largar o trabalho para se esconder lá, e olha só onde cheguei...
Agora, sou grata que exista um lugar assim... Mas nunca imaginei que o
senhor seria o contato.
— Quem melhor que um libertino para conhecer as prostitutas? —
Winchester brincou.
— Isso é verdade — Layla ponderou. — E é exatamente isso que
me faz pensar se o senhor é mesmo o libertino que dizem.
— Nunca acredite nas fofocas. — Winchester sorriu de lado,
misterioso e malicioso. Adorava a fama que tinha, mesmo que ela não
fosse completamente verdade. — Entretanto, nunca se esqueça que
toda mentira tem um fundo de verdade.
Layla sorriu para o homem à sua frente. Agora entendia por que ele
tinha aquela fama. Só com aquele sorriso, fazia com que ela sentisse
vontade de tirar a roupa. Ele definitivamente era um homem muito
atraente e sedutor e, quando a olhava daquela forma, fazia-a se sentir
quase única. Quase. Já tinha recebido diversos olhares como aquele e
olhado ainda mais daquela forma.
― Ainda falta muito para chegarmos?
― Passaremos a noite em uma estalagem e chegaremos pela
manhã.
Se seguissem viagem, poderiam chegar naquela mesma noite em
Magdala, mas Winchester conhecia os perigos da estrada e preferia
viajar apenas na luz do dia. Por isso, decidiu passar a noite em uma
estalagem. Estariam na casa de acolhida pouco depois de amanhecer, lá
ele deixaria Layla e seguiria sozinho para Willow Castle, em Wilborne,
onde chegaria perto do meio-dia.
Quando anoiteceu, pararam em uma estalagem para passar a
noite. Após conversar com o estalajadeiro, que já era um velho
conhecido do Marquês, foram levados para seus aposentos.
Após tomar um banho para retirar a poeira da estrada, o Marquês
desceu para o salão de refeições da estalagem. Sentou-se em uma
mesa no fundo do salão e pediu que lhe servissem cerveja e, enquanto
esperava a bebida chegar, aproveitou para pensar sobre o que o tinha
feito voltar para Wilborne.
Tinha recebido uma missiva no dia anterior, lhe informando que ele
tinha assuntos urgentes a serem resolvidos na sua propriedade. A
governanta de sua meia-irmã tinha lhe escrito e parecia até um tanto
desesperada na carta.
Ele já imaginava o que poderia ter acontecido.
Provavelmente, Alice deveria ter se metido em confusão
novamente, talvez, dessa vez, tenha deixado suas aranhas soltas pelo
castelo. Era sempre o mesmo motivo: os bichos de estimação de Alice.
A sua meia-irmã tinha muito apego pelos animais. O que já lhe
tinha causado muitos problemas e sido a causa da demissão de seis
governantas diferentes, pois nenhuma conseguia colocá-la nos eixos.
Quando Cecília morava com eles, era mais fácil manter Alice nos
eixos, mas agora que sua irmã havia se casado, tinha restado a ele o
papel de guardião da irmã caçula.
Ele tentou convencer a caçula a não interferir nas caçadas dos
lordes vizinhos, mas ela era teimosa e muito protetora no que se tratava
de seus bichinhos, sempre se metendo em confusão por invadir as terras
alheias e tentar salvar as raposas que estavam sendo caçadas.
Winchester estava pensando no que faria com Alice e não notou
Layla se aproximando, e apenas quando ela falou, percebeu a presença
da mulher.
— Está novamente com a cabeça longe daqui — Layla comentou,
ao se sentar em uma cadeira ao lado do Marquês.
— Apenas pensativo sobre a viagem — respondeu.
— Se importaria de me falar um pouco sobre Magdala? Eu adoraria
saber como é lá. Fica no seu Marquesado, não é?
— Sim. O que gostaria de saber sobre o lugar?
— Quantas garotas moram lá?
— Da última vez que eu soube, havia vinte e duas.
— Vinte e duas? Como o local se mantém? Elas trabalham?
— Não como prostitutas. Na verdade, elas praticamente são
autossustentáveis.
— O que é isso?
— Elas mesmas cultivam seus alimentos e costuram suas roupas.
Não costumam frequentar a cidade, apenas no domingo, quando vão à
igreja.
Ao falar da igreja, Layla fez uma careta desgostosa. Winchester riu.
— Não se preocupe, vejo que não é religiosa, não é obrigada a
frequentar. Mas o pároco é um dos benfeitores de Magdala e ele é um
bom aliado, vai perceber que por causa dele, muitos paroquianos tratam
bem as moças vivem lá. ― O Marquês se divertiu com a expressão de
incredulidade que ela fazia. ― Quando o conhecer, vai concordar
comigo.
— Um libertino defendendo um homem de Deus... Eis aí algo que
não se vê todo dia — Layla debochou.
— Se espantaria ainda mais se soubesse que ele é meu meio-
irmão. — A surpresa no rosto de Layla o fez rir. — Não precisa ficar
surpresa, eu sempre fui a ovelha negra da família.
— Conhecendo a fama de sua família, eu diria que seu irmão é
quem está fora dos padrões— Layla comentou e percebeu que
Winchester se retesou com a brincadeira. — Sinto muito, não quis
ofender.
O Marquês se recuperou e voltou a sorrir para ela.
— Não há o que desculpar. Mas, então, está com fome?
— Faminta. Já estou imaginando que antes desse bebê nascer, eu
vou dobrar de tamanho.
— Continuará linda — o Marquês lhe acalmou os temores.
— Vou cobrar esse elogio quando eu estiver enorme... Veremos se
manterá sua opinião. — A mulher riu e piscou para ele. — Mas, por ora,
aceito apenas jantar.
CAPÍTULO 9 ―
DESCOBERTAS
Era noite quando Clara saiu disfarçada de sua casa.
Entrou na carruagem e tirou do seu bolso a missiva que tinha
recebido mais cedo de seu noivo. Na mensagem, ele lhe avisava que
estava voltando a Willow Castle para resolver problemas pessoais.
Ele tinha dito a mesma coisa à Copas, na noite anterior, depois de
beijá-la, então, a moça não se surpreendeu quando soube que ele havia
saído da cidade.
O beijo ainda estava fresco na sua memória. E, por mais que ela
estivesse furiosa com Winchester, uma parte de si estava aquecida pela
ternura com que ele a tinha beijado.
Clara balançou a cabeça, tentando limpar a mente daquelas
lembranças que a deixavam em conflito.
— Eu não posso gostar dele. — Ela tentou se conscientizar,
sussurrando em voz alta na carruagem, para ninguém em particular. —
Será meu fim.
Sua carruagem chegou ao Rogue's e ela colocou um capuz
cobrindo seu rosto para descer sem ser reconhecida, mas antes de sair
de seu transporte, outra carruagem passou ao lado da sua. Esta tinha o
brasão dos Claire. Era o seu pai que estava indo jogar no clube. Ela
esperou a carruagem de sua família passar por ela e seguir em frente,
indo para a entrada dos sócios, só então desceu de sua própria
carruagem.
Clara respirou fundo, aliviada. Ficar tão perto de seu pai sempre a
deixava apreensiva. Esse era o motivo para, desde a primeira vez que
esteve ali, alterar a voz, impedindo que ele a reconhecesse.
Clara desceu e entrou pela porta dos empregados. Trocou seu
vestido e foi trabalhar, como fazia toda noite.
Jogou algumas partidas, mas logo percebeu que não conseguia se
concentrar no jogo. O maldito Marquês havia tomado conta de seus
pensamentos, assim como os possíveis motivos que a levaram até
aquele momento.
O casamento deles tinha sido escolhido pelo rei, mas por que foi
ela a escolhida? Havia várias outras ladies debutando naquela
temporada. Por que o rei escolheu logo ela? Sabia que não tinha sido
uma escolha do Marquês, pois se dependesse dele, nunca estariam se
casando. Gostaria de descobrir o motivo que levou o rei a decidir uni-la a
Winchester.
— Está distraída hoje. — Dmitri se colocou ao lado dela e sentou-
se em um banco e Copas se assustou com a aproximação repentina. —
O que se passa?
— Estava aqui pensando sobre meu casamento. — Clara suspirou,
pensativa. — Gostaria de saber por que o rei me arranjou esse
casamento. Não tem nenhuma vantagem política para esse enlace, a
não ser o casamento de um Marquês, mas sendo apenas por isso, o rei
poderia ter escolhido qualquer outra moça. Tenho certeza de que ele
encontraria uma que melhor atendesse a seus interesses.
— Entendo. Não estou sabendo sobre as particularidades do seu
casamento, mas talvez o Lorde saiba algo. Seu pai tem visitado muito o
escritório dele desde antes do anúncio oficial de seu noivado.
— Irei conversar com ele antes de ir para casa. Talvez ele tenha
algumas respostas.
— Mas qual o motivo a levou a pensar em seu casamento?
— Não saberia lhe dizer. É apenas um pensamento recorrente.
— Ficar próxima de seu noivo deve influenciar. Vê-lo todas as
noites, enquanto esconde a sua identidade atrás da máscara de Dama
de Copas, e ter que agir como se não fosse a noiva dele. Vê-lo flertar
com você, sem saber que é você... Deve ser bem complicado separar a
lady da jogadora. Não sei como ele ainda não percebeu o que está bem
debaixo do nariz dele. Apesar de todas as mudanças que faz, dá para
notar algumas semelhanças.
— Eu espero que esteja errado, porque se eu for reconhecida aqui,
o escândalo será de tamanho homérico. Mas, para a minha sorte, as
pessoas veem o que é do interesse delas.
― Mas pretende contar a ele a verdade, não?
― Não sei se contarei. Talvez eu simplesmente faça Copas sumir
depois do casamento.
— Ele não aceitará o sumiço muito bem, parece bastante
interessado em Copas. — Dmitri a observou atentamente. — E você não
gosta disso. — Ele ergueu uma sobrancelha ao reparar.
— Quem gostaria de saber que seu noivo prefere outra mulher?
— Mas essa mulher que ele prefere é você.
— Ele não sabe disso, então, na mente dele, é outra.
— Talvez você devesse dizer a ele. Acredito que ele ficaria menos
perturbado se soubesse que a mulher que o interessa é a sua noiva.
— Saber disso, não o impedira de ser um libertino. Ontem, ele e a
Layla estavam... Você sabe... Ocupando um dos quartos da Luxúria.
— A Layla está grávida. Ela partiu hoje de manhã com o Marquês.
— Com o Marquês? — Copas arregalou os olhos. — O filho é dele?
— Céus, não. — Dmitri riu. — Ela foi com ele para Magdala.
— A casa de acolhida para mulheres da vida?
— Essa mesma.
Copas ficou surpresa e um tanto confusa.
— Por que ela viajou com o Marquês?
— Magdala fica nas terras dele. — Dmitri a observou melhor. —
Você não sabe... — Ele sorriu ao dar-se conta. — Ele é o contato entre
Magdala e as prostitutas. Tenho certeza de que ele estava apenas
conversando com a Layla ontem.
— Oh! — A jogadora se surpreendeu com aquela informação e
então corou ao perceber que aquela notícia a agradara. Ele não a tinha
traído com outra, além dela mesma.
— Pelo seu sorriso, sou levado a acreditar que tinha pensado o
pior. E não a culpo por isso.
— Qualquer um chegaria a mesma conclusão que eu cheguei.
— Sem dúvidas. — Dmitri se levantou da cadeira e lhe deu um
sorriso cordial. — Bom, devo voltar ao trabalho. Foi bom conversar com
você, Copas.
Com um aceno de cabeça, Dmitri se afastou de Copas, a deixando
sozinha com seus pensamentos.
Por não conseguir se concentrar nas partidas, Copas decidiu não
jogar naquele momento, a curiosidade sobre o motivo e os termos do
acordo do seu casamento ficaram em sua mente e ela esperou a noite
terminar para ir conversar com o Lorde.
No fim da noite, Copas seguiu para o escritório do Lorde. Bateu à
porta de madeira e esperou.
— Entre. — Ouviu a voz de dentro do escritório lhe permitindo a
entrada.
Copas entrou e fechou a porta atrás de si.
— Está tudo bem? — o Lorde perguntou, assim que a viu.
Normalmente, Copas só ia até ali quando tinha algum problema
para resolver e esses, na maioria das vezes, envolviam seu pai, ou os
maus perdedores.
— Sim, só tenho algumas perguntas, se não se importar.
O Lorde se recostou em sua cadeira e fez sinal para que ela se
sentasse, em seguida, cruzou os braços diante de si.
— De forma alguma. Fique à vontade para perguntar.
Copas agradeceu o gesto para sentar, e se acomodou na cadeira
em frente à mesa.
— O Dmitri disse que meu pai veio aqui com frequência no mês
que antecedeu o anúncio do meu noivado. Qual o motivo?
— Ah, sobre isso... — O dono do clube pareceu desconfortável. —
Seu pai veio aqui querendo reaver Rostwell.
Reaver Rostwell? Como assim, reaver?
Copas franziu o cenho. Seu pai sempre tinha sido muito cuidadoso
no que se tratava das terras que ele tinha prometido colocar no seu dote.
Quando ela nasceu, o Duque havia feito um pronunciamento público a
respeito do dote de sua primogênita, dizendo que Rostwell seria de Lady
Clara.
O Duque de Catterfield era um homem muito severo no que diz
respeito a dar sua palavra. Para ele, um homem que não cumpria o que
dizia, não era digno de sequer ser ouvido, ou levado em consideração.
Então, ele jamais apostaria algo que o fizesse passar por mentiroso. Ele
não poderia correr o risco de não cumprir sua palavra e, por isso, nunca
apostaria o dote de Clara.
Ou, pelo menos, era o que ela pensava.
— Ele apostou e perdeu Rostwell? — Ela ainda não acreditava
naquilo.
— Infelizmente sim. — O Lorde passou as mãos pelos cabelos
negros.
— Você devia ter me contado. — Copas se sentia traída. Seu pai
não poderia ter feito aquilo, e Henry não devia ter permitido que ele
apostasse o terreno contra a casa.
— Não me lembrei de o fazer. — O homem enorme à sua frente
ficou constrangido. — Sinto muito.
— Tudo bem. Pelo menos, ele perdeu para você.
— Não exatamente.
— Como assim?
— Não foi exatamente para o clube que ele perdeu Rostwell.
— Explique-se melhor, por favor.
— Nesse dia, quem estava apostando contra seu pai, em nome do
Clube, era um dos sócios.
— Então, meu pai perdeu o meu dote para um dos sócios?
Droga, se ele tivesse perdido para Henry seria mais fácil de reaver
o terreno, uma vez que ele era o único que conhecia seu segredo. Já os
outros, suspeitariam do interesse dela por Rostwell.
— Exatamente — o Lorde confirmou. — Eu sinto muito por isso.
Não estava aqui no dia que ele apostou Rostwell e apenas Dmitri sabia
que não era para permitir que o Duque apostasse seu dote.
— Para qual dos sócios ele perdeu? — Copas se movimentou,
desconfortável, uma sensação ruim a envolveu. E ela entendeu o mal-
estar quando ouviu o Lorde pronunciar o nome:
— Winchester.

Clara estava na carruagem. Decidira voltar mais cedo para casa


naquela noite. E enquanto seguia seu caminho, seus pensamentos
fervilhavam com as descobertas a respeito de seu casamento.
Tudo agora fazia sentido. Por isso, seu pai tinha dito que era um
casamento vantajoso. Porque, se o Marquês se casasse com ela, então,
o pai não precisaria entregar aquelas terras ao noivo, uma vez que ele já
as possuía. Copas devia ter previsto que mais cedo, ou mais tarde, o
Duque iria tentar mexer no seu dote.
A fúria ferveu o sangue da moça. Agora entendia por que tinha sido
ela a escolhida. O casamento dela tinha sido arranjado pelo pai junto ao
rei, apenas para que o Duque conseguisse manter a maldita palavra,
fazendo Rostwell ir para o homem que se casasse com Clara.
A mulher fechou as mãos em punhos. Naquele momento, odiava
que o pai tivesse feito aquilo com ela. Como se já não bastasse tentar
consertar as dívidas que ele tinha arrumado, agora ele praticamente a
tinha apostado e perdido.
A carruagem parou, indicando que ela já estava em casa. Clara
colocou o capuz sobre seu rosto e desceu, ainda furiosa.
Ela entrou pela porta dos criados e seguiu pela escadaria até o
andar de cima, onde ficava seu quarto. Adentrou nos seus aposentos e
trancou a porta atrás de si, se encostando e escorregando pela madeira,
até sentar no chão.
— Está tudo bem?
Clara se assustou, ao perceber que havia mais alguém no quarto,
mas quando reconheceu sua criada através da pouca iluminação, se
acalmou.
— Não muito. — Clara suspirou. Era impossível esconder algo de
Carmelita.
— Aconteceu alguma coisa no clube? — A senhora se aproximou
e estendeu a mão para ajudá-la a se levantar.
Elas seguiram até perto da cama, onde Carmelita havia deixado as
roupas de dormir de Clara. E então começou a despi-la.
— Descobri que meu pai perdeu Rostwell.
— Mas ele não estava em seu dote? — A criada ficou tão surpresa
que parou de desabotoar a roupa de Clara.
— Sim, mas isso não impediu que papai o apostasse.
— E como fará para recuperá-lo? — A criada retirou o vestido da
lady e o dobrou e Clara se sentou na cama.
— Desta vez, meu pai se adiantou e já ajustou tudo para que meu
marido seja o dono de Rostwell. O Marquês está em posse das terras. É
por isso que eu estou me casando com ele.
— Minha menina, eu sinto muito — a criada disse, enquanto
desembaraçava os cabelos de Clara.
— Meu pai não tinha o direito de fazer isso. Me oferecer de bandeja
para um homem que mal conhece, apenas para não ter que voltar atrás
com sua palavra. Tenho certeza de que ele foi até o rei para conseguir
esse acordo com o Marquês. Como ele pôde fazer isso, Carmelita? Que
tipo de pai faz isso?
— Minha menina, mas é assim que são os casamentos. —
Carmelita sentou-se ao lado de Clara e pegou suas mãos. — Seu pai
não fez diferente de nenhum outro pai. Infelizmente, isso é comum entre
as moças nobres, mas tente ver o lado bom, o Marquês parece se
importar de verdade com você. É bem mais do que muitas encontram em
um casamento.
Carmelita tinha percebido que os dois estavam se entendendo e,
ao ver que o Marquês se preocupava com Clara, decidiu que ele não
poderia ser tão ruim quanto comentavam, entretanto, ainda temia por
sua menina, ela podia não reconhecer, mas já estava nítido que sentia
algo por seu noivo. Bastava ver como ele a afetava.
— Eu sei. Mas não torna mais fácil imaginar minha vida ao lado
desse homem. Ele é tão... ― Clara procurou uma palavra que o
representasse e, ao mesmo tempo, não expusesse totalmente o que
sentia por ele. ― Exasperante. Eu jamais o escolheria se tivesse essa
chance.
— E quem escolheria? — a criada perguntou, curiosa. Tinha
certeza de que se sua menina pudesse escolher, ela escolheria o
Marquês.
— Não sei. Eu nem estava pensando em me casar até que me vi
noiva. Esse casamento só me trouxe complicações, queria poder
cancelá-lo.
Carmelita apertou as mãos de Clara, em um gesto de empatia e,
em seguida, se levantou.
— Por que não descansa um pouco? Já está tarde. — A criada a
cobriu com o lençol quando a jovem concordou. — Durma bem, querida.
— Obrigada, Carmelita.
Clara ainda demorou um pouco a dormir, mas logo o cansaço a
venceu e o sono a tomou.
CAPÍTULO 10 ― ALICE
O Marquês retornou a Londres no dia seguinte à sua partida para
Willow Castle. Sua irmã estava com ele na carruagem, olhando-o
inocentemente. Alice era uma jovenzinha bela, tinha os mesmos cabelos
castanhos que ele e olhos azuis bem expressivos e bondosos. Amava
tudo que fosse da natureza, isso incluía qualquer animal que ela
considerasse indefeso. Esse seu amor foi o que levara as suas
governantas a desistirem de seus empregos, porque além de se meter
em confusões, Alice ainda mantinha alguns bichinhos em casa, o que
sempre resultava em uma criada, ou governanta, acordando com uma
raposa, em seus lençóis, ou um vestido rasgado, ou algum excremento
dentro de seu calçado.
Assim que Winchester entrou no castelo, a governanta foi embora,
sem olhar para trás. Murmurando algo como: “Moça impossível de
disciplinar” e “Nunca arranjará casamento”.
Agora, Winchester teria que encontrar uma nova governanta para a
irmã, caso contrário, Alice jamais arrumaria um par. E como nenhuma
mulher no Marquesado aceitou o trabalho, ele estava voltando a Londres
com a irmã a tiracolo.
Gabriel não conhecia nenhuma governanta em Londres, mas talvez
Phillipa pudesse indicar alguma, ou, quem sabe, sua noiva, lady Clara.
Durante o período que passou longe de sua noiva, o Marquês se
sentiu dividido. Ter beijado Copas lhe despertou um desejo ainda maior
do que já sentia. Mas sua consciência o acusou de que isso acabaria por
machucar sua noiva, e mesmo que Clara estivesse ciente do que ele
estava fazendo, não amenizava em nada o seu conflito interno.
De qualquer forma, ele acabou agindo como o pai e se odiava por
isso.
Precisaria resolver sua situação o mais rápido possível, iria falar
com o rei e pediria que ele lhe permitisse casar com a mulher por quem
estava apaixonado. Mas, só faria isso quando encontrasse uma nova
governanta para sua irmã, por ora, aquela era a sua prioridade. Não
deixaria que seus problemas pessoais interferissem na educação de
Alice, sua família era prioridade para ele.
Eles seguiram até a estalagem, onde passariam à noite, era a
mesma de duas noites atrás, onde havia se hospedado com Layla.
Sempre gostava de ficar no mesmo lugar. De manhã, após o café,
tornariam a pegar a estrada para Londres.
Assim que a carruagem parou na estalagem, Winchester desceu e
ofereceu a mão para ajudar sua irmã a descer.
— Eu não tive a chance de pedir desculpas pelo que fiz — Alice
disse, enquanto descia da carruagem. Ela estava nitidamente
envergonhada pelo seu comportamento.
— Uma desculpa não seria suficiente para trazer sua governanta
de volta.
— Não é com ela que eu quero me desculpar. Por mim, ela já teria
ido embora há muito tempo. Odiava-a! Ainda mais depois que ela tentou
matar a Sexta-feira.
— Ela disse que não tentou matar a raposa, disse que a armadilha
era para pegar ratos.
— Que mentirosa! Aquela armadilha era nitidamente de raposa.
Dava para saber só em olhar o tamanho.
O Marquês suspirou.
— E sobre o incidente com Lorde Scott-Hasben? Você invadiu as
terras dele novamente. O homem jurou que da próxima vez, atira em
você também.
O Marquês foi informado de todas as peripécias que sua irmã havia
aprontado, e isso incluía a invasão das terras do nobre vizinho durante
uma caçada.
— Aquele velho decrépito já devia ter morrido. ― Alice bufou,
irritada. ― Velho cruel! Queria que ele passasse um dia sendo caçado
para ver se é bom.
― A questão não é essa. Sabe que caçar é um esporte comum
aqui, não pode invadir toda caçada que ver.
― Eu não tenho culpa. Sexta-feira tinha sumido e eu estava
preocupada que ela tivesse voltado para as terras de Lorde Scott-
Hasben, sabe como ela gosta de ir para o riacho que atravessa as terras
dele. Eu não podia deixar que ele caçasse Sexta-feira, como se ela fosse
um animal selvagem e perigoso.
― Ela é um animal selvagem e até perigoso. Pelo menos, para as
galinhas.
― Tenho certeza de que a usam como desculpa para o
desaparecimento das galinhas ― Alice defendeu sua mascote. ― Ainda
irei provar isso.
― Não invente de fazer nada, Alice, essas coisas só dificultam que
consiga um marido.
― Eu não quero um marido.
Winchester olhou descrente para a irmã. Ela, desde pequena,
sonhava com um casamento e não era segredo para ninguém que era
uma romântica incurável.
― Tudo bem, eu quero me casar sim, mas não vou aceitar um
homem que faça caçadas.
— Bom, acho que não é impossível de encontrar, mas sua mania
de irritar os lordes invadindo suas caçadas, acaba por lhe dificultar e
muito as coisas, nenhum homem irá se casar com você sabendo que
todos os nossos vizinhos querem estrangulá-la. — O Marquês direcionou
o olhar para a raposinha que dormia sossegada nos braços de sua irmã.
― Será difícil encontrar um homem que não tenha cães, ou não cace, ou
que aceite que a esposa dele tenha uma mascote pouco convencional.
― Não é verdade, não são todos que me odeiam. Só os que fazem
caçadas. Lorde Snow, por exemplo, me adora.
― Lorde Snow é um homem da ciência, com certeza, é o único que
se solidariza com o seu amor pelos animais ― Winchester comentou,
divertido. ― E também é visto por todos como um louco.
― Ele não é louco, apenas mal compreendido por aqueles que não
conseguem ver através da ótica dele. Para mim, ele é um gênio e ainda
será reconhecido como um.
― Mas, voltando ao assunto. ― O Marquês viu a irmã revirar os
olhos. Sabia que ela odiava aquele assunto, mas era necessário falar
com ela. ― Você precisa se comportar, ou nunca vai achar alguém que a
aceite.
― Eu não sei se consigo me comportar, é mais forte do que eu.
Nem sempre escolho fazer as coisas conscientemente, quando pisco, já
me meti em confusão. ― Alice suspirou, triste. ― Creio que terei o título
de solteirona, sem nem mesmo debutar.
Vendo a tristeza no olhar da irmã, Gabriel a abraçou, lhe
acalentando.
— Sei que se esforça. E farei o possível para lhe encontrar um bom
marido. Ainda falta um ano antes do seu debute, teremos tempo para
trabalhar seu comportamento. Daremos nosso jeito. ― O Marquês sorriu
para a irmã e em seguida entraram na estalagem.
Na manhã seguinte, seguiram para Londres ao raiar do dia.
Alice ficou olhando o centro de Londres e suas ruas apinhadas de
gente e sentiu-se acuada. Parecia um ambiente hostil. Sexta-feira se
mexeu inquieta também em seu colo, compartilhando o sentimento de
sua dona.
— Eu não entendo como você gosta tanto de ficar aqui. Não tem
árvores, o ar é seco e abafado, e tudo é tão barulhento e sem cor.
— Eu também prefiro o campo, e como tenho muitos negócios aqui,
se faz necessário esse sacrifício.
— Compreendo, afinal, o que melhor que uma cidade enorme cheia
de bordéis para servir de contato para Magdala? — Alice comentou,
distraída, e quando percebeu a surpresa no semblante do Marquês, viu
que ele não esperava que ela soubesse o tipo de trabalho que fazia.
— Quem contou? — ele perguntou, fechando a cara.
Não queria nenhuma de suas irmãs envolvida com Magdala.
Não que as mulheres de Magdala fossem indignas, ou algo assim.
Mas a sociedade massacraria ainda mais suas irmãs de soubessem que
elas também estavam envolvidas. Infelizmente, para uma mulher, ser
vista na companhia de uma prostituta, ainda que não se vendessem
mais, seria o suficiente para acabar com qualquer reputação que esta
ainda tivesse.
— Encontrei a Fernanda na igreja, conversando com o Sammy. E,
sem querer, acabei escutando toda a conversa. Fernanda perguntava
onde você estava e o Sam falou de mim. Disse que a minha governanta
tinha mandado uma carta abandonando o cargo, então, logo você teria
que voltar e traria uma moça para ela. E como eu sei que a Fernanda
mora em Magdala, então, deduzi todo o restante.
— Sammy devia ter tido cuidado ao falar essas coisas perto de
você — o Marquês resmungou, não gostando daquilo.
― Ele não sabia que eu estava lá.
Gabriel ficou um momento em silêncio, pensando em como
abordaria com sua irmã um assunto tão delicado.
— Alice, você sabe que, além de qualquer outra coisa, precisa ter
uma boa reputação para encontrar um marido, não é?
— Você está dizendo para eu não ser vista com elas. — Alice
ergueu uma sobrancelha, entendendo facilmente o que ele queria dizer
com aquelas palavras.
— Infelizmente, sim. — O Marquês olhou pela janela. Odiava ter
que dizer aquilo. Mas Alice já tinha muitos pontos negativos contra ela,
não precisava de mais um.
— Eu já sou a bastarda esquisita, que invade caçada e cuida de
animais selvagens — ela comentou, sarcástica. — Não preciso ser a
bastarda esquisita que gosta de animais e anda com prostitutas...
Alice falou aquelas palavras suavemente. Não de forma a criticar as
mulheres de Magdala, mas criticando a si mesma.
— Uma mulher casada não será mal vista caso faça obras de
caridade para ex-prostitutas, então, depois que se casar, você poderá
ajudar as meninas de alguma forma.
— Isso, se meu marido permitir.
— Encontrarei alguém que seja bom para você e que seja também
respeitoso com as mulheres. Será uma missão quase impossível, mas
eu vasculharei toda a Inglaterra, se for preciso. Encontrarei esse homem
para você, eu prometo.
— Basta que encontre alguém como você, será perfeito. — Alice
abraçou o irmão e em seguida mudou de assunto. — Vai me apresentar
para sua noiva, Lady Clara?
— Claro que vou apresentá-las. Você é minha irmã.
— Me fala um pouco dela. O que ela gosta de fazer? — A irmã
estava bem interessada na futura cunhada.
Aquela pergunta o fez sorrir ao se lembrar das coisas que fez com
Clara.
— Bem, sei que Lady Clara ama música, ela é ótima no piano, você
tem que ouvi-la tocar. Ela toca divinamente. ― O Marquês sorriu ao
lembrar ― Também gosta de caminhadas, principalmente no Regence
Park. É extremamente temperamental e tem a língua afiada, mas ao
mesmo tempo, é compreensiva e tem um coração gigante. Você vai
gostar muito dela, darei um jantar para que se conheçam melhor.
— Ela não vai se importar em comer à mesa com uma bastarda?
— Claro que não. Ela realmente não se importa com essas coisas.
― O Marquês sorriu. Nunca tinha entrado no tema com sua noiva, mas
algo nela lhe fazia ter certeza de que Clara receberia sua irmã de braços
abertos. ― Tenho certeza de que será bem-vinda.
— Ela parece ser uma boa mulher. Acho que vou gostar dela. Ela é
bonita?
— Você a verá antes do final do dia. Então, poderá dizer por si
mesma ― respondeu, dando de ombros.
Falar de sua noiva o fez evocar a imagem dela em sua mente.
Ela era sim muito bonita. Não de uma beleza arrebatadora, ou
incomum, mas de uma beleza calma e delicada, que se enxerga apenas
quando observa os detalhes, como o jeito que ela sorria, ou o brilho nos
olhos quando se irritava, ou o rubor que cobria as bochechas toda vez
que ela ficava constrangida.
Foi, então, que percebeu que algo tinha mudado. Se importava
com sua noiva e até gostava dela.
Que inferno!
CAPÍTULO 11 ―
SENTIMENTOS
Clara estava tocando piano. Uma sinfonia triste e deprimente que
refletia exatamente como ela se sentia.
Tinha conversado com seu pai e aquilo só havia piorado seu estado
de espírito. Seu pai deixou claro que mesmo que não tivesse perdido
Rostwell, o casamento dela seria um acordo de negócios com outros
nobres. E o Duque ainda havia declarado que ela deveria ser grata por
ele ter perdido para o Marquês e não para outro lorde menos apessoado,
uma vez que ela teria um marido jovem, rico e bonito e que lhe daria
herdeiros fortes e saudáveis.
Depois dessa conversa com o pai, ela tinha evitado o Duque. Ele
sempre fora um bom pai, mas nunca reconhecia seus próprios defeitos,
pelo contrário, sempre encontrava outros para pôr a culpa, ou fingia que
não era um erro e, sim, um meio para algo mais importante.
E o casamento dela era exatamente o meio que ele tinha
encontrado para não quebrar sua palavra, não se importando se isso
deixaria sua filha feliz, ou não.
Saber que o pai não se importava com a sua felicidade a deixou
bastante deprimida e ela expressava sua dor nas teclas do piano.
Uma batida na porta a fez parar de tocar.
— Milady, seu noivo está aqui e gostaria de vê-la — uma criada
anunciou, após abrir a porta.
Clara olhou para a criada, enquanto suspirava. Péssima hora para
o Marquês aparecer. Tudo que ela não queria naquele momento era ter
que fingir que estava tudo bem. E daquela vez, nem sequer poderia
culpá-lo. Ele era tão vítima quanto ela.
— Milady? — A criada esperava uma resposta.
— Peça que me espere na sala de visitas, eu já descerei — a lady
avisou, enquanto se recompunha para poder encontrar seu noivo.
Respirou fundo algumas vezes e, então, quando suas emoções
estavam devidamente escondidas embaixo de uma expressão neutra,
desceu as escadas.
O Marquês a esperava na sala de visitas e se levantou do sofá,
assim que Clara entrou no ambiente. Winchester vestia um terno azul
marinho, uma camisa branca e um lenço no pescoço de um branco
perolado. Ao lado dele, estava uma jovenzinha de vestido cor creme,
bastante simples e seu cabelo estava trançado e bem preso na nuca. A
moça olhava para Clara com curiosidade e empolgação.
— Milady. — O Marquês lhe reverenciou, perfeitamente educado, e
Clara retribuiu fazendo uma leve mesura. — Permita-me apresentar-lhe
minha irmã. Senhorita Alice Melcon.
A garota fez uma perfeita reverência para Clara e lhe deu um belo
sorriso.
— A senhorita parece uma fada — Alice falou, maravilhada. —
Nunca vi cabelos tão claros. São lindos.
Clara corou com o elogio e olhou para o Marquês, mas ele a olhava
de uma forma diferente, absorto à fala da irmã. Parecia estar vendo-a
pela primeira vez.
— Obrigada, senhorita Melcon, é bom saber que não sou tão sem
graça — Clara alfinetou o Marquês, ao lembrar-se das palavras dele,
mas quando olhou para ver se ele tinha entendido a referência, percebeu
que seu noivo nem mesmo a escutava. — Milorde?
— Ah, me perdoe. Estava perdido em pensamentos. — Gabriel
ficou desconcertado e desviou o olhar do de Clara. — Minha irmã vai
passar alguns dias comigo aqui em Londres, até encontrarmos uma nova
governanta para ela, e eu ficaria demasiado agradecido se nos ajudasse
a encontrar alguém para o trabalho.
— Ah, é claro que ajudo. Será um prazer. Conheço algumas que,
acredito, serem bem indicadas para lhe preparar para o debute.
— Ela não pode ter medo ou aversão à raposas — Alice disse
rapidamente, antes que seu irmão a impedisse.
— Raposas? — Clara inclinou a cabeça, curiosa.
— Minha irmã tem uma raposinha de estimação.
— Sim, então, ela não pode ter medo de raposa, ou querer matá-la
—Alice repetiu.
— E, de preferência, que ame todas as criaturas que Noé colocou
na Arca e tenha a paciência de Jó. — Gabriel revirou os olhos. — Pois
nem sempre Alice consegue manter Sexta-feira no lugar dela, e isso
sempre causa problemas com as governantas.
Clara olhou, espantada para o Marquês, por citar personagens
bíblicos com tanta familiaridade e perguntou, divertida.
― O senhor leu a Bíblia?
― Meu irmão é um homem da igreja, e sempre me dá um ou outro
sermão, de vez em quando ― ele respondeu, sem graça. ― Então, acha
que pode encontrar uma mulher com tamanha qualidade?
Clara sorriu com aquilo. Seu noivo sempre a surpreendia.
— Realmente é um problema, não será fácil encontrar uma
governanta que aceite conviver com animais selvagens.
— Você não tem nenhum problema com raposas, tem? — Alice
perguntou, esperançosa.
— Não. Não tenho. Mas, para falar a verdade, nunca vi uma viva de
perto. Então, não sei como reagiria ter um animal correndo pela casa. —
Clara sorriu. — Por isso, prefiro que fiquem no habitat delas e eu fico no
meu. Ninguém incomoda ninguém e todos vivemos felizes.
— Você devia seguir esse conselho. Deixá-las no seu habitat — o
Marquês provocou a irmã.
— Sexta-feira morreria sem mim. Não sabe sobreviver ao meio
hostil, chamado natureza. O habitat dela é comigo — Alice replicou. —
Não tente me convencer do contrário.
— A esperança é a última que morre. — O Marquês suspirou, com
um sorriso e, em seguida, olhou para Clara. — Não vai ser fácil
encontrar uma governanta que aceite tantas especificações.
— Não vai mesmo, mas sei que encontraremos. — Clara sorriu
para Alice. Tinha gostado da jovem. ― Sua raposa se chama Sexta-
feira?
― Sim, eu a encontrei em uma sexta-feira ― Alice explicou. ―
Então, acabou que esse ficou sendo o nome dela.
― Entendi. ― Clara segurou o riso. O nome da raposinha a fazia
querer rir.
— Bom, mas se não encontrarmos uma governanta, o jeito vai ser
se livrar de Sexta-feira até Alice encontrar um marido — o Marquês
avisou para Clara, sem olhar para Alice.
Alice ficou pálida com aquela informação. Não, não poderiam se
livrar de seu bebê.
Clara percebeu a apreensão da jovem.
— Iremos encontrar sim. Não se preocupe. — Clara segurou as
mãos de Alice e olhou irritada para o Marquês. Ele devia se importar com
os sentimentos da irmã.
— É claro que sim. — O Marquês sorriu ao notar a reação de Clara.
— Afinal, só precisamos encontrar alguém até a temporada. Depois
disso, teremos que nos empenhar em lhe arrumar um marido e, esse
sim, será o desafio.
— Que maldade! Não seja tão cruel com sua irmã. Ela vai
encontrar facilmente um marido.
— Ele não está sendo cruel, apenas realista. Não vai ser fácil
encontrar um homem que queira se casar com uma bastarda, que gosta
de raposas e quer ajudar prostitutas.
— Conheço alguns homens assim. Mas não são nobres — Clara
disse com um sorriso, ao lembrar-se dos homens que trabalhavam no
clube e nem percebeu que aquilo não era um assunto para uma
jovenzinha como Alice falar.
— Conhece? — o Marquês perguntou em uníssono com sua irmã.
Mas, enquanto Alice parecia esperançosa, Winchester soou irritado.
Clara corou ao perceber que tinha falado demais. Como explicaria
de onde conhecia os homens do Rogue's?
— Vamos primeiro encontrar a governanta, depois nos
preocupamos com o casamento — Clara mudou o assunto, e percebeu o
Marquês semicerrando os olhos para ela.
Ela ter falado de outros homens tinha chamado a atenção dele e
ele não estava feliz com aquilo.
— Sim, sim. É claro — Gabriel concordou, desgostoso. Depois iria
conversar com ela sobre esses outros homens. Não havia gostado da
possibilidade de Clara ter encontrado alguém para ser seu amante até o
casamento.
Foi, então, que percebeu que não queria que ela encontrasse um
amante.
Droga. Não era para vê-la assim, ele gostava de Copas, não podia
gostar também de Clara. Mas Clara era a sua noiva e não Copas. Então,
ele devia gostar de Clara e não de Copas.
— Você está bem? — Alice perguntou, ao perceber que o irmão
estava estranho. — Gabriel?
— Sim, sim. Estou. Bom, temos que ir. Obrigado por se
disponibilizar a nos ajudar.
— É uma alegria poder ajudar. Eu farei uma lista com as
governantas que conheço e pedirei algumas indicações. Quando tiver a
lista pronta, enviarei ao senhor.
O Marquês acenou com a cabeça e se despediu com uma mesura
elegante e, ainda, surpreendeu Clara ao lhe depositar um beijo no dorso
da mão.
E quando o Marquês partiu com sua irmã, Clara ficou se
perguntando o que havia nele de diferente.
Enquanto seguia para sua casa em Londres, Gabriel não pôde
deixar de pensar no que tinha acontecido naquele breve momento em
que passou com sua noiva.
— Eu gostei dela. — Sua irmã tinha lhe avisado assim que
entraram na carruagem. — E ela não se deixa levar pelo seu charme,
então, é perfeita para você. E o mais importante, ela não tem medo de
raposas.
Gabriel não respondeu à sua irmã. Não era necessário.
Depois de colocar seus pensamentos em palavras, Alice tinha
ficado em silêncio, observando a cidade pela janela.
Assim, o Marquês ficou sozinho com seus pensamentos, apesar de
acompanhado. E ele lembrou do momento em que sua irmã disse que
Lady Clara parecia uma fada, nesse momento, ele realmente viu na
moça feições míticas. E, por um breve instante, ela lhe pareceu
incomum. O que o deixou abismado. Como não tinha visto que os olhos
eram tão misteriosos e pareciam esconder segredos como nuvens
carregadas que escondem o sol? E por que lhe pareciam tão familiares?
E, então, veio a segunda parte e a que mais o incomodou. O
momento em que Clara disse conhecer outros homens.
Quem eram esses homens que não tinham títulos a quem ela se
referiu? Seria algum pretendente que ela estava pensando em ter como
amante? Ou será que já estava dormindo com eles? Não, era muito
improvável, ela não colocaria um de seus amantes para se casar com
Alice.
Então, quem diabos eram esses homens?
Ele não tinha nenhuma resposta para aquilo. Mas logo iria
descobrir. Por enquanto, ia se empenhar em encontrar uma governanta
para sua irmã. Depois resolveria mais esse novo problema.

Quando a noite chegou, o Marquês decidiu que precisava ver


Copas. Apesar de decidido a colocar sua irmã como prioridade, não
conseguia resistir a vontade de vê-la, imaginar sua noiva com outro
homem, o deixou com vontade de fazer o mesmo. Se Clara estava tendo
o seu amante, ele também teria a sua.
Mas não era apenas por isso que queria vê-la. Precisava olhá-la e
sentir que era por ela que estava apaixonado. Afinal, só fazia alguns dias
que tinha saído da cidade, seus sentimentos não poderiam ter mudado
em tão pouco espaço de tempo.
Precisava vê-la, era só o que precisava para pôr em ordem seus
sentimentos. Pois estava apaixonado por Copas, não estava?
Aquilo que sentiu por Lady Clara, era apenas empatia. Talvez, no
fundo, apenas tivesse parado de culpá-la por algo que não estava ao
alcance de ela escolher e, por isso, não a via mais como uma inimiga. Se
sentia responsável por Clara, apenas isso.
Sim, só podia ser isso. Não estava apaixonado por sua noiva, era
apenas uma reação à memória de sua mãe. Ter estado em casa tinha
esse efeito nele. Fazia com que todas as lembranças do passado de sua
família o assombrassem e o lembrassem de sua promessa. O Marquês
balançou a cabeça, afugentando os pensamentos. Não queria pensar em
sua promessa naquele momento, pois isso, o fazia lembrar-se de sua
mãe e consequentemente de seu pai.
Ao chegar ao clube, o Marquês procurou a mulher de seus
pensamentos entre as mulheres fantasiadas dali e não demorou para
encontrá-la. Ver Copas, ainda que de longe, fez seu coração acelerar.
Sim, era apaixonado por aquela mulher.

Copas estava sentada em uma mesa, jogando cartas, quando ele


sentou-se ao seu lado. Inicialmente, ficaram em silêncio, afinal, ela
estava no meio de uma partida com alguns outros membros do clube.
Mas assim que ganhara a rodada, Copas se levantou, ignorando
deliberadamente o Marquês.
Depois que ele foi embora de sua casa, Clara tinha pensado muito
sobre aquela tarde. Talvez ele tivesse mudado. Isso tinha passado por
sua cabeça. Se o Marquês realmente tivesse mudado, talvez seu
casamento não fosse tão ruim e ela pudesse suportá-lo. Mas ele tinha
ido atrás de Copas novamente. Isso provava que nada estava diferente.
Ali estava ele, fazendo companhia à Copas e a olhando,
completamente apaixonado. Ele nunca olharia desse jeito para Clara.
Winchester nunca beijaria Clara como fez com Copas.
O pior para ela é que desejava aquilo. Desejava que ele, ou
alguém, a olhasse como ele olhava para Copas. Queria se sentir
desejada...
E, por isso, mesmo sendo Copas, naquele momento, foi Clara
quem assumiu o controle e se afastou dele.
Seguiu, sem saber para onde ia, até que se viu em um dos quartos
da Luxúria. Só queria fugir por um momento, então bateu à porta e
quando ninguém respondeu, ela girou a maçaneta e entrou.
Escorou-se na porta, erguendo a cabeça, enquanto respirava
devagar. Não podia se permitir perder o controle. Não no clube e não
tendo o Marquês tão próximo.
Ela seguiu até a janela que dava para rua, precisava de ar e a
janela estava fechada, tornando o ambiente claustrofóbico. Abriu
rapidamente, sem nenhuma dificuldade, e o vento frio açoitou seu rosto.
O inverno seria rigoroso naquele ano, mas ela estava feliz por poder
respirar.
Aos poucos, se acalmou.
— Está fugindo de mim? — A voz masculina atrás dela a fez se
virar, assustada.
O Marquês a olhava com o cenho franzido, tentado entender o que
se passava com aquela mulher.
Copas sentiu seu corpo tremer, culpou o frio, apesar de saber que o
clima não tinha lhe causado isso. Virou-se para a janela e se apoiou ali,
dando as costas para o homem que aguardava sua resposta.
— Não, milorde. Por que fugiria? — perguntou, ainda de costas
para o Marquês. Assim era mais fácil ignorar o que ele a fazia sentir.
— Não sei. Talvez porque da última vez que eu a vi, dei-lhe algo em
que pensar.
— Se está se referindo ao beijo, foi um erro. Não volte a fazê-lo. Eu
não desfrutei de sua ousadia. — Tentou manter a voz firme.
— Está mentindo. — Ele percebeu, com um sorriso satisfeito.
— Diga-me, o que importa se eu minto? Por acaso, irá pedir-me em
casamento? Não, não vai, porque já tem uma noiva. E era nela que
devia estar distribuindo beijos.
— Você está com ciúme. — Gabriel sorriu, enquanto diminuía
silenciosamente a distância entre eles.
— Não, não é ciúme, é apenas a realidade. Não pode me ter e,
mesmo que pudesse, não me teria. Só me quer para fugir de sua
responsabilidade com sua noiva.
— Eu estou apaixonado por você. — Ele se aproximava
lentamente, ela escutava sua voz cada vez mais perto.
— Paixões passam — replicou.
— A minha por você não. Eu estou disposto a tê-la. Você me
encanta e fascina. Eu ardo por você durante a noite, a desejo todos os
minutos do dia. Eu até pensei que poderia me casar com Lady Clara,
mas ela não merece um homem apaixonado por outra. Ela é uma boa
mulher. Merece ser feliz. E eu não poderia fazê-la feliz, não quando
quero estar com você. — O Marquês respirou, procurando palavras para
explicar. — Não quero ter você como minha amante e, com isso,
desonrar minha esposa, mas, tampouco, quero estar com ela pensando
em você.
— Eu não posso. — Copas ergueu a cabeça, tentado segurar as
lágrimas.
Como ele podia fazê-la odiá-lo e desejá-lo ao mesmo tempo?
— Eu quero me casar com você. Só preciso descobrir como.
— E o que dirá a sua noiva? — Copas perguntou, chocada com a
revelação dele, sentia seu coração se partir como Clara.
— A verdade. Ela me compreenderá. Ela também não parece muito
feliz em se casar comigo. Meu único empecilho é o rei. Eu não posso
romper o noivado sob acusação de traição... Mas, talvez, a minha noiva
possa me dispensar.
— Um noivado rompido traz consequências. Você não pensa no
que isso significará para sua noiva?
— Não permitirei que ela sofra as consequências do rompimento.
E, quanto a isso, eu tenho uma coisa que talvez possa ajudar.
— O quê? — Copas perguntou, suspeitando de que ele falaria das
terras do seu dote.
E não estava errada.
— Eu tenho Rostwell. Tenho suspeitas de que o pai dela só está
apoiando esse casamento por causa das terras que ganhei dele. Talvez,
possamos chegar a algum acordo. — O Marquês estava decidido, não
tinha ido ali para isso, mas não suportou vê-la ir para longe dele. — Eu
resolverei tudo — prometeu.
— E depois de resolver tudo, vai se casar com uma mulher que
nem conhece. — A voz de Copas não passou de um sussurro.
— Então, me deixe conhecê-la. Eu sei que me apaixonarei pela
mulher por trás da máscara, da mesma forma que me apaixonei por
Copas.
— Você não sabe, você não vai gostar do que verá por trás desse
disfarce — ela apontou, irritada e magoada. Como ele poderia dizer
aquilo? Ele já conhecia a mulher por trás da máscara e estava
rejeitando. Ela não conseguiu evitar uma lágrima rolar.
Ele ficaria furioso quando descobrisse e, naquele momento, ela
queria que ele ficasse furioso, queria machucá-lo da mesma forma que a
machucava, mas, ao se virar para o Marquês, percebeu que não podia
fazer isso com ele. Ele a olhava com tanta paixão e desejo que ela sentiu
a raiva se esvair com a mesma velocidade com a qual a tomou.
— Eu não poderia não gostar de você. Quero saber quem é a
mulher por quem me apaixonei. — O Marquês diminuiu o espaço entre
eles e tocou o queixo de Copas, a única parte que a máscara não cobria
e a fez olhar para ele. — Me deixe conhecê-la.
Copas observou o olhar do Marquês no seu, seus rostos tão
próximos. O toque dele em sua face. Ela sabia que no momento que ele
descobrisse quem ela era, estaria tudo acabado. Ele não ficaria feliz em
descobrir que ela o enganou todo esse tempo. Tinha certeza disso.
— Eu não posso — sussurrou. — Você me odiaria.
— Eu jamais seria capaz de lhe odiar. — O Marquês se inclinou na
direção dela. — Me permita mostrar isso. Permita que eu a beije.
Copas nem sequer pensou em rejeitar, pois sua concentração ficou
presa na boca do Marquês, assim como seus olhos, que fitaram a boca
carnuda de Winchester.
— Sim. Beije-me. — Ela se ouviu dizer.
Então, o Marquês uniu seus lábios aos dela, era um roçar macio de
lábios e ela pensou que seria como da última vez. Apenas um roçar
maravilhoso, que a tinha deixado completamente à deriva. Mas então,
ela se viu afundar quando sentiu o toque molhado da língua dele. Era um
gesto inesperado, o que a deixou surpresa. Não esperava aquilo. E
quando ele pediu passagem pelos lábios dela e ela o sentiu encostar a
língua na sua, um choque percorreu seu corpo deliciosamente, lhe
arrepiando todos os pelos do corpo.
Ele continuou a explorar aquele lugar nunca antes conhecido por
alguém. Ela era deliciosa. O Marquês a puxou contra si, aprofundando
ao máximo o beijo e explorando-a intimamente.
E, enquanto a beijava, uma de suas mãos desatava o laço que
prendia sua máscara.
CAPÍTULO 12 ―
DESMASCARADA
Copas sentiu a máscara deslizar de seu rosto tarde demais. O
Marquês a tinha removido e agora não tinha mais o que fazer. Manteve
os olhos fechados. Não queria ver a reação dele. Sentiu os lábios dele
se afastarem dos seus, encerrando o beijo. Logo ele descobriria quem
ela era.
Não demorou e ouviu o arfar, surpreso.
— Tire a peruca. — Ela ouviu a voz dele, mas não conseguiu saber
qual era o sentimento presente nela. Ele parecia se conter.
Hesitante, Clara removeu os grampos de seu cabelo, soltou-os e
retirou a peruca, liberando seus cabelos loiros.
Permanecia de olhos fechados. Temia que quando os abrisse, não
tivesse força para continuar a encará-lo. Ela não devia ter deixado que
ele tirasse daquela forma. Tinha pensado em se revelar em um momento
em que ele não pudesse usar sua identidade contra ela. Aquilo não havia
sido planejado, e agora ela teria que arcar com as consequências de ter
se escondido atrás de uma máscara.
Clara não ia se acovardar. Nem ela, nem Copas eram covardes e
ambas tinham seus motivos para não se revelarem. Ela não tinha tido a
pretensão de enganá-lo, e não tinha culpa por ele não gostar de Clara e
ter se apaixonado por Copas.
Iria enfrentá-lo. Não poderia recuar. Entretanto, antes que pudesse
abrir os olhos, ouviu a porta fechar, com força.

Gabriel retirou suavemente a máscara do rosto de Copas. Encerrou


o beijo e se afastou para conhecer a mulher por quem era apaixonado.
Seu coração perdeu o compasso.
Copas era... Clara?
Não era possível. Não podia. Ele conhecia Clara. Ele falou de Clara
para Copas, a jogadora perguntava de sua noiva.
Ele não queria acreditar.
— Tire a peruca — ele ordenou. Tinha esperanças de ter se
enganado. Mas sabia que, na verdade, só queria confirmar que era sua
noiva.
E quando teve essa confirmação, sentiu a fúria o tomar. Não
aguentaria ficar ali nem mais um segundo, observando aquela mulher,
que agora desconhecia.
Ela continuava de olhos fechados, parecia não querer ver as
consequências de suas mentiras. Então, se direcionou à saída. E a fúria
era tanta que não pode controlar a força ao fechar a porta.
Seguiu para a ala da Gula. Não podia ir para casa naquele
momento, sua irmã estava lá, e se ela o ouvisse quebrando os móveis,
iria ficar preocupada e tentaria descobrir o que aconteceu.
Sentou-se em uma mesa e pediu alguma bebida forte. Enquanto
esperava, tentava entender.
Como ela podia ter feito aquilo? Havia se divertido à custa dele
todo esse tempo, fingindo ser uma mulher diferente.
Ele tinha sido um tolo. Era isso que sentia. Tinha sido um tolo nas
mãos dela. Como não tinha percebido que eram a mesma pessoa? Claro
que ela mudava a voz e tinha o cabelo e a máscara para disfarçarem sua
aparência. Mas, ainda assim... Os olhos eram o mesmo... Ele devia ter
reconhecido.
Não queria enxergar o que estava embaixo do seu nariz. Era a
única explicação. Estava tão encantado com Copas e desgostoso com
Clara, que não queria enxergar que eram a mesma pessoa. Mas,
inconscientemente, sabia. Todas os gestos parecidos não haviam
passado sem que ele notasse, mas havia ignorado todos os sinais.
A risada veio forçada e debochada. Ele ria de sua própria tolice.
Ela devia achar que ele era mesmo um tolo. Devia mesmo ter se
divertido à sua custa. Mas não ficaria assim. Não permitiria que ninguém
o enganasse.
O barulho na ala da Ira lhe chamou a atenção. Precisava mesmo
extravasar, então, poderia pedir uma boa e velha luta. Ele terminou de
beber o conteúdo âmbar de seu copo de uma só vez e seguiu para a Ira.
Clara terminou de colocar a peruca. Tinha se recomposto. Não
sabia o que o Marquês faria agora, mas a única certeza era de que
aquilo ainda não havia acabado. Daria um tempo para que ele pudesse
absorver as novas informações. E depois, conversaria com ele.
Assim que estava novamente disfarçada, saiu para continuar seu
trabalho como Copas. Não podia pensar no Marquês naquele momento.
Nem queria. Ainda bem que ele foi embora.
Desceu as escadas e seguiu para a Ala da Avareza. Percebeu que
a maioria dos jogadores estavam na Ira e, então, apenas se sentou em
uma das mesas e ficou ali. Tirou um maço de cartas de seu bolso e
começou a organizá-las para passar o tempo.
— Por que o Marquês pediu a Henry para ir para o ringue? — Uma
mulher sentou ao lado de Copas e ela reconheceu como Phillipa.
— Ele ainda está aqui? — Copas se surpreendeu. — Pensei que
tinha ido para casa.
— Ele pediu uma luta. É o próximo e parecia furioso. — Phillipa se
sentou em uma cadeira ao lado de Copas.
— Imaginei que ele estivesse. — Copas voltou a separar as cartas.
— Não vai me contar o que aconteceu?
Copas respirou fundo. Precisava mesmo conversar com alguém e
Phillipa era sua amiga.
— Ele descobriu quem eu sou.
— Quando? — Phillipa pareceu surpresa.
— Alguns minutos atrás.
— Ah. Devo supor que, uma vez que ele decidiu ir para a Ira, a
reação dele não foi das melhores — concluiu.
— Eu não saberia dizer. Não consegui olhar para ele, enquanto
retirava minha máscara. Não quis, na verdade. E então ele saiu, batendo
a porta.
— O que pretende fazer agora?
— Não sei. Ainda não planejei exatamente o que fazer. Por ora,
apenas esperá-lo se acalmar.
— Entendo. Por que não vem comigo assistir a luta? Ele
provavelmente precisará de cuidados depois que sair do ringue. O
Michael é o oponente.
— Ele quer mesmo uma briga difícil. — Copas suspirou. — Ele não
vai querer me ver. Está furioso comigo. E a ideia de vê-lo lutar, não me
agrada.
— Depois que ele sair do ringue, a raiva terá ido embora e restará
muitas perguntas. Se vocês não conversarem, ele pensará o pior.
— Ele já pensa o pior. Com certeza, pensa que estava me
divertindo com isso.
— Mais um motivo para você esclarecer tudo. Vocês vão se casar,
em breve, mesmo que os dois não queiram isso, o rei o quer, então, não
têm escolha. Você não quer se casar com um homem que lhe odeia e
não confia em você, quer?
— Claro que não. Mas não foi culpa minha. Ele que se apaixonou
por Copas.
— Então, mostre a ele o seu lado. Faça-o entender como você
também se sentiu durante todo esse tempo.
Copas suspirou, rendida. Talvez, fosse realmente melhor ter aquela
conversa logo e sabia que ele não ia gostar.
— Tudo bem. Vou conversar com ele — Copas concordou, apesar
de não se sentir feliz com a ideia e, então, juntou as cartas e as guardou.
— Por favor, peça para que o levem para um dos quartos da Luxúria,
depois da luta. Eu esperarei por ele lá.
Copas acenou com a cabeça e deu a Phillipa um sorriso que não
chegou aos olhos. Em seguida, se levantou e seguiu para o local
combinado.
Phillipa sorriu ao ver a amiga se afastar para um dos quartos, tinha
visto ambos se beijarem antes de tudo dar errado. E o que viu no olhar
do Marquês, não era apenas paixão, ia muito mais além. E, ao ver a
forma como Copas estava, a fez pensar que ela também gostava dele.
Eles tinham lhe ajudado a conquistar Henry, estava apenas
retribuindo o favor.

Gabriel sentia a adrenalina correr nas suas veias. Tinha pedido


uma luta com Michael, o melhor lutador do Rogue's. Não pretendia
ganhar, apenas não queria uma briga fácil. E em Michael, ele poderia
bater à vontade, sem temer um nocaute rápido.
Quando a luta começou, ele se permitiu extravasar tudo que estava
dentro de si. A luta não seria fácil e ele contava com isso.
Michael não pegou leve, mas o Marquês estava furioso e também
era bom de briga. Isso foi suficiente para estender a luta por mais tempo
que o normal.
Os homens que acompanhavam estavam eufóricos, era difícil dizer
quem ganharia, pois, ora era o Marquês que levava vantagem, ora era o
Michael.
Em meio a luta, Gabriel recebeu um chute na lateral do joelho e foi
ao chão. Nesse momento, Michael aproveitou para aplicar uma chave de
braço no pescoço do Marquês, que não viu alternativa a não ser se
render, dando fim à luta.
Foi levado para uma das salas para ser atendido. Por causa da
proibição de acertar o rosto, ele não tinha hematomas na face, mas em
compensação, seu joelho doía como o inferno, talvez ficasse sem andar
por alguns dias.
Foi levado para uma das salas da Luxúria, onde poderia receber
cuidados. O deixaram em uma cama e saíram, logo em seguida.
Ele suspirou e se deitou na cama. Agora que a raiva tinha ido
embora, as dúvidas lhe assolaram.
Por que ela não tinha lhe dito? Como ela pudera enganá-lo daquele
jeito? Se ela tinha planejado aquilo, qual era o motivo? O que ela
ganharia ao enganá-lo?
— Winchester? — Clara chamou, saindo do lado de uma cortina e
revelando-se ao Marquês.
Ele sequer tinha percebido a presença dela ali.
— O que você faz aqui? — ele perguntou, sentindo a raiva o tomar
novamente. ― Saia.
Copas caminhou calmamente em direção à porta e a trancou.
Então, retirou a máscara e se aproximou da cama.
— Não. Não vou sair. — A mulher cruzou os braços na frente do
corpo e ergueu o queixo. — Não, sem antes conversar. Porque você não
tem motivos para ficar com raiva de mim e, mesmo assim, está.
— Eu não tenho motivos? — Ele se apoiou nos braços e
semicerrou os olhos. — Ser enganado não é motivo suficiente para
você?
— Ser chamada de comum, receber a indiferença de seu noivo e
ser traída são motivos maiores, não acha? — a Dama replicou, não se
deixando abater pela fúria dele.
— Não se trai alguém com ela mesma.
— Você não sabia que Copas e eu éramos a mesma pessoa.
Então, me traiu sim — ela apontou. — Você ia terminar o noivado comigo
para ficar com ela.
— Eu fui sincero com a senhorita, ao lhe contar sobre minhas
intenções. E como me retribuiu? Me escondeu a verdade sobre quem
era — Gabriel devolveu. — Você me enganou.
— Você não me queria — a mulher se defendeu. — Você deixou
bem evidente isso para Copas e para Clara, quando disse que teria uma
amante. Eu não pude lhe contar, porque sabia que independente do
momento, sua reação seria essa.
— Isso a divertia, não é? Você ria de mim por dentro — o Marquês
a acusou.
Clara deu um passo para trás com a acusação.
— Você acha mesmo que saber que eu não o atraía era motivo de
riso? Que não poder contar isso ao senhor me divertia? — Clara franziu
o cenho, ao perceber que ele realmente achava aquilo. — Eu queria
socá-lo toda vez que flertava com Copas. E ficava furiosa toda vez que
encontrava defeitos em mim, para justificar seu desinteresse pelo
casamento.
— Eu não tenho culpa por quem me apaixonei. — O Marquês se
sentou na cama e cruzou os braços.
— Não o culpo por isso, mas como pode ter se apaixonado por ela
e, ao mesmo tempo, ter sentimentos tão frios a meu respeito, quando ela
e eu somos a mesma pessoa?
— Eu não tinha sentimentos frios a seu respeito. Eu a considerava
minha amiga.
— Então, por que iria terminar tudo para ficar com ela? Admita,
você nunca gostou da ideia de se casar comigo.
— Admito sim. Eu odiava a ideia de casamento. E sempre lhe fui
sincero sobre tudo. E ainda assim, você não me contou. E pela sua
relutância em retirar a máscara, nem iria. Estou errado?
— Não. Eu não queria que soubesse.
— Porque queria continuar me enganando — o Marquês concluiu.
― Gostava de me enganar.
— Não era isso, eu simplesmente não queria que me olhasse com
ódio, como olha agora. Eu sabia que não ia entender e que iria me odiar.
O Marquês ficou em silêncio e Clara suspirou, cansada. Que
confusão tinha se metido...
— Diga-me, o que ganhava me enganando? — o Marquês
perguntou, a olhando fixamente.
— Eu não queria lhe enganar. Apenas não costumo revelar o meu
segredo a ninguém. Apenas Henry, Phillipa e alguns dos que trabalham
aqui, sabem minha verdadeira identidade e todos são de confiança.
— Então, quer dizer que eu não sou de confiança? — o Marquês,
perguntou semicerrando os olhos.
Clara levou os dedos em pinça entre os olhos e suspirou, tentando
se recompor antes que explodisse de raiva daquele homem.
― Se coloque no meu lugar, Winchester, eu sou uma dama da
sociedade, que trabalha em um clube de cavalheiros, cuja regra é nunca
revelar quem é. Faz dois anos que trabalho assim, me preocupando em
manter meu trabalho em sigilo, pois tenho uma reputação a zelar. Se eu
me revelasse a você, sendo que mal o conhecia, que garantias eu teria
que não iria me expor? Eu não sabia que tinha se apaixonado por Copas
e, quando fui ver, já era impossível lhe contar sem invocar o seu ódio.
— Eu jamais teria lhe exposto.
— Eu não tinha essa certeza, o senhor me evitou durante um mês,
quando voltou, eu o odiava pela forma como me tratou e, então, o senhor
mudou, mas eu ainda não confiava em você. E quando finalmente
comecei a confiar, me contou que estava apaixonado por Copas e que a
teria como amante. Me diga em que momento eu poderia lhe contar?
— Se quisesse, teria encontrado uma forma de não me enganar.
― Eu não queria, porque jamais poderia me entender. O senhor
nunca se importou com Clara, comigo, só se importava com Copas.
Clara estava furiosa e estava perdendo o controle de suas
emoções. Se o Marquês falasse qualquer coisa, tinha certeza de que
explodiria.
— Isso não é verda...
E, então, ela explodiu, de raiva e indignação.
— Não ouse mentir! — ela o cortou, vociferando com o dedo em
riste. — Seja sincero consigo mesmo. Porque essa é verdade. Se o
senhor tivesse se importado comigo, de verdade, não teria ficado um
mês sem me visitar, não teria flertado com Copas e, nem mesmo, a
beijaria. Se tivesse mostrado que se importava comigo, eu teria lhe
contado há muito tempo, e isso não importaria tanto para o senhor, da
mesma forma que não importa para nenhum Rogue que sabe a minha
identidade. Então, Lorde Winchester, se quer alguém para culpar, culpe a
si mesmo.
Clara recolocou a máscara e seguiu para a porta, a destrancou e
saiu do quarto, pisando duro. Estava furiosa demais para ficar ali.
Enquanto isso, o Marquês a olhava intrigado e, assim que a porta
fechou, ele se jogou na cama, frustrado e com uma única certeza: seu
casamento seria um verdadeiro inferno.
CAPÍTULO 13 ― PROPOSTA
Três dias depois...

O dia do casamento de Phillipa tinha chegado e, tanto o Marquês


como Lady Clara, haviam sido convidados. Seria a primeira vez que se
veriam, desde a briga que tiveram no clube.
Clara tinha passado esses três dias ajudando Phillipa a organizar
os últimos preparativos para o casamento, junto com a nova Duquesa,
Lady Sophia.
A Duquesa-viúva estava trancada em seus aposentos, se
recusando a participar da organização do casamento de sua filha. E isso
tinha causado certo mal-estar na família.
As criadas terminaram de vestir a noiva com o vestido de
casamento. Era lindo. Um azul claríssimo que destacava os olhos de sua
amiga e ainda realçavam o dourado de seus cabelos.
Ela estava deslumbrante, mas era visível no semblante de Phillipa
que a felicidade dela não era completa. Não por causa do noivo, pois
ambos estavam perdidamente apaixonados um pelo outro, e sim porque
a mãe da noiva se recusava a estar presente no casamento e dar-lhes
sua benção.
— Então, sua mãe não vai mesmo ao seu casamento? — Clara
perguntou, olhando pela janela do quarto de Phillipa.
— Não, mas eu já estava ciente disso — Phillipa respondeu,
tentando fingir que não se importava. — Ela nem me considera mais sua
filha, então, já esperava.
— Eu espero que ela repense essa decisão, nos casamos apenas
uma vez. É um dos momentos mais importantes para nós, ou, pelo
menos, deveria ser.
— Vamos mudar de assunto. Gabriel ainda não lhe escreveu? —
Phillipa perguntou.
— Não, e acredito que nem vá. Nosso casamento só será daqui a
três meses, ele não está com nenhuma pressa. ― Clara suspirou ― Ele
me odeia.
— Ele não a odeia. — Phillipa pegou nas mãos da amiga. — Eu vi
jeito que ele olhava para você.
— Que ele olhava para Copas, você quer dizer. — Clara se afastou
do toque da amiga. — Ele a desejava, não a mim. Eu nunca devia ter
deixado que ele descobrisse quem eu era. Fui tão idiota. Comecei a
gostar dele como Copas e como Clara também. Ele era tão gentil e
carinhoso. E sabe o mais ridículo de tudo? Eu sentia ciúme de mim
mesma.
— Se acalme, minha amiga. Logo as coisas entre vocês estarão
resolvidas.
— Eu não tenho tanta certeza disso. Mas espero que sim. Bom, eu
vou dar uma volta pelo jardim, se importa?
— Não, claro que não. Mas cuidado para não se perder no labirinto.
— Pode deixar. Eu logo retornarei.
Clara deixou o aposento no mesmo momento que a Lady Sophia, a
esposa do Duque, estava se direcionando ao quarto de Phillipa.
Sophia lhe sorriu amigável.
— Como ela está?
— Triste por não contar com a mãe — Clara confidenciou.
Sophia tinha se tornado uma boa amiga para Clara. Nesses três
dias que passou ali na companhia de Phillipa, fez com que as três ladies
criassem um laço de amizade único e Copas sentia que seriam boas
amigas. Sophia sempre estava junto de Phillipa e Clara, e conversava
animadamente com elas, muitas vezes lhes confidenciando sobre suas
aventuras em alto mar.
— Vou conversar com ela. Ela pode não ter a Duquesa-viúva, mas
tem a mim. — Sophia abriu a porta e, então, olhou para Clara, com as
bochechas em chamas — Que Deus me ajude.
Clara riu, sabia exatamente que tipo de ajuda a Duquesa precisaria.
Apesar de que tinha quase certeza de que Phillipa não precisaria
daquela conversa.
Clara seguiu até os jardins, como ficaria à vista de quem estivesse
na casa, dispensou a acompanhante.
O inverno se aproximava e as árvores se preparavam para a
estação. O jardim estava colorido de vermelho e laranja, resultado da
cama de folhas que ornavam o chão.
Ela caminhou um pouco, tentando manter a mente livre de
problemas, mais especificamente, tentando não pensar no Marquês.
Entretanto, quanto mais tentava exorcizá-lo de sua mente, mais ele
insistia em se fazer presente.
E a expectativa de que iria encontrá-lo naquele mesmo dia a
deixava nervosa e um tanto desconfortável. Será que acabariam
brigando novamente? Ou ele fingiria que nada aconteceu, para evitar
que os outros convidados começassem a fofocar sobre eles? Ele a tiraria
para dançar? Ou a evitaria durante todo o casamento?
Ela olhou para os arbustos, completamente despidos de suas
folhas. Eles pareciam tão frágeis e sem esperança, mas sabia que
seriam fortes para sobreviver ao inverno. Esperava que ela também
fosse forte para isso.
Ficou mais alguns minutos ali, observando a natureza e, então,
decidiu voltar para casa. Entretanto, ao virar-se para seguir o seu
destino, se deparou com a causa de suas aflições.
Ficaram olhando-se silenciosamente, analisando-se e criando
coragem para ver quem falaria primeiro.
— Milady. ― Winchester fez uma mesura educada e, em seguida
explicou: — Lady Sophia disse-me que a encontraria aqui. Eu passei
esses dias pensando no que aconteceu entre nós e cheguei à conclusão
de que não posso me casar com a senhorita, nessas circunstâncias. Não
posso me casar com alguém que eu não confie e nem você deve se
casar com um homem que não a tenha respeitado. Acredito que nós dois
agimos mal e isso nos trouxe até este momento e, infelizmente, não
temos outra escolha a não ser casar. Conversei com o rei e ele disse que
não retirará sua ordem. Portanto, por mais que não queiramos isso, não
precisaremos fazer desse casamento um inferno. Muitos se casaram por
conveniência e são felizes. Não precisamos de amor para sermos bons
parceiros matrimonias. Então, se a senhorita estiver de acordo, eu
gostaria de deixar esses meses que se passaram para trás e tentar
novamente, começando do início, da forma que deve ser. Irei cortejá-la
como um noivo deve fazer, e confidenciaremos segredos. Podemos até
não casar por amor, mas podemos ser amigos, nos respeitarmos e saber
que poderemos sempre contar um com o outro. Sem segredos, mentiras
e sem traições. Estávamos criando uma boa amizade, não vejo por que
não voltar a tê-la. Então, milady, o que me diz? Aceitaria recomeçar
comigo? Dar uma nova chance a nosso noivado?

Clara escutou cada palavra que ele disse. Mas sua mente se focou
na frase: "Conversei com o rei". Isso queria dizer que ele tentou
realmente desfazer aquele casamento.
Ela sabia que ele tentaria fazer aquilo. Era fácil imaginá-lo diante do
rei, tentando desfazer o arranjo. Mas seus instintos diziam que tinha algo
mais naquilo.
— O que o rei disse? — Foi a primeira pergunta de Clara.
O Marquês ficou desconfortável. Ele não esperava que ela
perguntasse por sua conversa com o rei e, sim, que ficasse feliz por ele
ter decidido recomeçar.
— Não importa, apenas que o casamento deve acontecer — ele
respondeu, desviando os olhos.
Clara observou bem o Marquês, seus anos como Copas tinham lhe
ensinado a descobrir quando alguém blefava e, naquele momento, ela
sentia que o Marquês não lhe era completamente sincero.
— O que está escondendo de mim, Winchester? Você me pede
para recomeçar sem mentiras e segredos, mas não parece disposto a
isso — ela apontou, olhando fixamente para o homem à sua frente.
— Tem razão, me desculpe. — Ele pareceu realmente
envergonhado por ter sido pego na sua omissão. — Eu pedi uma
audiência com o rei no dia seguinte à nossa briga. Ele me disse que
estava satisfeito com o arranjo e que se minha noiva, no caso você,
desistisse de se casar comigo, eu seria exilado como um traidor.
— Por isso, veio a mim tentando recomeçar. — Clara não estava
feliz com aquilo e isso transpareceu no seu tom de voz, assim como a
decepção.
— Eu sei que cometi alguns erros, não devia ter deixado meus
sentimentos por Copas chegar tão longe e, muito menos, lhe tratado com
tanta indiferença.
O Marquês deu um passo para ela e lhe segurou as mãos.
— Eu agora estou nas suas mãos, Lady Clara. Se não quiser se
casar comigo, não tem problemas, eu lhe devolvo Rostwell e você pode
ir ao rei cancelar o compromisso. Seu pai não irá se opor quando souber
que Rostwell é novamente dele.
— E o senhor será exilado... — ela apontou o resultado dessa
escolha.
— Sim. Minha família perderá o título, que será dado para alguém
da escolha do rei. Mas você será livre desse casamento e poderá se
casar com alguém de seu agrado.
Clara pensou, ele estava em suas mãos, pois cabia a ela decidir o
que seria feito dele. Queria poder não se importar com ele, mas, ao
mesmo, tempo sabia que não poderia. A ideia de recomeçar tudo era
tentadora.
— E se eu aceitar me casar? — Clara disse cada palavra devagar e
sentiu seu coração se aquecer, sabia que era aquilo que seu coração
queria.
― Eu prometeria fazer o possível para que esse casamento dê
certo. Serei um noivo exemplar, lhe darei flores, a levarei para passear e
não lhe serei infiel. ― O Marquês se empolgou com a possibilidade de
Clara não o odiar e, assim, tentar desfazer o casamento por vingança. ―
Faremos um casamento com direito tudo que sempre sonhou. Será
memorável. Os jornais passarão semanas comentando sobre ele. A
partir de agora, apenas o melhor para minha noiva. Conversarei com seu
pai para não poupar despesas, quero fazê-la se sentir única neste dia.
Clara percebeu que não poderia permitir um casamento enorme e
dispendioso. Aquilo acabaria por afundar sua família em dívidas, já não
bastava o dote, que sua família teria que dar ao Marquês pelo
casamento, e nem mesmo uma vida trabalhando como Copas, seria
capaz de restituir tantos gastos. Não poderia permitir que seu casamento
fosse a ruína de sua família. E o que faria depois de casada? Precisava
garantir que iria continuar como Copas, e aquele era o melhor momento
para uma barganha, ele precisava dela para não ser considerado um
traidor, e ela não poderia jogar fora todo trabalho que teve para manter o
nome da família intacto.
― Eu me caso com o senhor com algumas condições ― ela expôs.
— Diga seus termos, milady. ― O Marquês semicerrou os olhos
diante daquilo. O que ela pediria?
― Eu sei que o senhor é um homem de posses e não precisa do
meu dinheiro, então, quero que o senhor abra mão do meu dote.
Aquilo era estranho, mas Winchester concordou, afinal, Clara
estava certa, ele não precisaria do dote dela.
― Tudo bem ― ele concordou e ela continuou.
— Quero que permita que eu continue trabalhando no Rogue’s,
como Copas.
— O quê? — ele perguntou, incrédulo. — Não posso permitir que
minha esposa continue a trabalhar. Isso está fora de questão.
— Eu não posso abandonar o Rogue's. ― Ela foi firme. ― Se o
senhor não concordar com isso, terei que recusá-lo como meu noivo.
― Tudo bem. Eu concordo em permitir que seja Copas, se assim
desejar.
― E tem mais uma coisa. ― Clara respirou fundo. Aquilo seria mais
escandaloso que pedir para continuar como Copas.
― Diga. ― O Marquês ergueu uma sobrancelha.
― Quero que nos casemos imediatamente em Gretna Green.
Apenas nós dois e a testemunha, não quero nenhuma celebração de
casamento, nenhuma festa grandiosa.
― Está grávida? ― Ele a olhou, desconfiado
― O quê? Não! Por quê? ― Clara ficou confusa.
― Que outro motivo a levaria a querer se casar imediatamente
comigo, se não fosse por carregar o filho de outro homem?
― Eu não estou grávida. ― Ela o olhou, furiosa, e em seguida,
ficou vermelha. ― Eu ainda sou intocada, nunca estive com nenhum
outro homem, além de você, nem mesmo beijei outro homem.
O Marquês a observou por um momento. Ou ela estava falando a
verdade, ou era uma ótima atriz. Descobriria a verdade na noite de
núpcias. De qualquer forma, não tinha escolha nenhuma, a não ser
desposá-la.
― Vai me contar o motivo por querer se casar tão rapidamente,
então?
― Eu quero me casar logo. ― Ela decidiu contar uma meia
verdade. ― Não vejo por que esperarmos tanto para isso. E eu não
quero festa.
Winchester percebeu que ela não iria contar toda a verdade
naquele momento e não podia correr o risco de irritá-la e, com isso, ela
desistir do casamento. Então, decidiu deixar para descobrir a verdade
depois.
― Tudo bem, eu aceito os seus termos.
― Ótimo. Eu me casarei com o senhor. ― Ela sorriu, parecendo
aliviada. Continuaria a cuidar de sua família e naquele momento era só o
que importava para ela.
O Marquês a olhava, desconfiado. Mas estava disposto a ganhar a
confiança dela e descobrir os segredos da mulher que desposaria e,
para isso, faria tudo da maneira correta, ou quase.
Então, Gabriel pegou a mão de Clara, depositou um beijo no dorso
e abriu um de seus sorrisos mais deslumbrantes. Depois se ajoelhou e,
ali mesmo, a pediu em casamento.
CAPÍTULO 14 ― GRETNA
GREEN
Uma semana depois...

Estava tudo pronto para a fuga que resultaria no casamento em


Gretna Green. Winchester estava na carruagem do lado de fora da
mansão Catterfield, esperando Clara. A fuga seria fácil, já que toda noite
a moça saia desacompanhada de casa. Aquilo fez o Marquês pensar em
como faria quando se casassem, não permitiria que sua esposa corresse
nenhum risco, precisava encontrar um meio de dissuadi-la a ser Copas,
mas para isso precisaria que ela lhe contasse toda a verdade. E
esperava que aquela noite fosse o momento perfeito para tais
confidências.
Assim que ela entrou, a carruagem começou a andar.
― Tem certeza de que é isso que quer? ― ele perguntou, ainda
tentando entender o motivo para tanta pressa.
― Sim. Tenho certeza.
― Não vai mesmo me contar o motivo disso tudo? O casamento
apressado, continuar como Copas.
— Eu não posso. — Clara mordeu os lábios, indecisa, sobre contar,
ou não. Tinha passado a semana pensando naquilo, ainda não tinha
certeza se devia. Queria, mas temia que ele não a entendesse
novamente.
— Você vai ser minha esposa, pelo amor de Deus! Não comece
com segredos. Eu já concordei com seus termos, mas não espere que
deixe como está. Precisamos ser sinceros um com o outro, Clara, eu lhe
contei tudo, está na hora de você fazer o mesmo. Não quero mais
segredos. Da última vez, não fez bem para nenhum de nós.
Clara suspirou. Ele tinha razão. Não tinha por que esconder tudo
aquilo dele, em poucos dias ele seria seu marido, não tinha nenhuma
escolha quanto aquele fato. Se contasse a verdade, ele poderia ser um
aliado.
— Prometa que vai tentar, ao menos, entender o meu lado, desta
vez — ela pediu. ― Não quero brigar de novo.
― Eu prometo. Pode confiar em mim.
― É uma longa história. ― Suspirou.
— Que bom que temos tempo. A viagem demorará e eu adoro
histórias longas. — O Marquês cruzou os braços e se recostou na
carruagem, esperando-a começar. ― Então, qual o motivo de tudo isso?
― Minha família estava planejando uma festa enorme, cheia de
pompas e gastos desnecessários e se eu permitisse que a festa se
realizasse, eles ficariam completamente endividados.
― Por isso, o casamento apressado e o dote.
― Exatamente.
― E onde Copas entra nisso? ― O Marquês incentivou sua noiva a
continuar. Sentia que havia muito mais que apenas aquilo. ― Conte-me
tudo, Clara.
— Como o senhor já deve ter percebido, meu pai tem certa
inclinação por jogos de cartas. Quando eu era pequena e ele só tinha a
mim de filha, costumava jogar comigo antes do jantar e me ensinou tudo
que sabia e todos os jogos que conhecia. Mas diferente dele, eu
conseguia memorizar todas as cartas que já tinham sido jogadas. E
contar os números era uma tarefa simples. Aos doze anos, já conseguia
ganhar dele nas cartas. Porém, pouco tempo depois me tornei mulher e
precisei deixar de lado as coisas de criança, me dediquei a me tornar
uma dama da sociedade, como assim era esperado de mim. Já não
jogava mais com meu pai e nosso contato diminuiu. Uma noite, quando
eu tinha dezesseis anos, ouvi o tesoureiro de meu pai conversar com ele
sobre as dívidas. Meu pai estava falido. Você pode imaginar isso? O
Duque de Catterfield falido por causa da jogatina. — Clara revivia
aquelas lembranças. — Ele tinha apostado tudo que podia, joias, terras e
dinheiro, tudo que não estava atrelado ao título. E havia perdido. Meu pai
havia apenas sorrido e dado de ombros, como se aquilo não fosse nada
de mais.
“Eu me desesperei, se ele havia realmente perdido tudo, então, eu
não teria nenhum dote, assim como minhas irmãs mais novas, e meu
irmão iria herdar apenas as dívidas de jogo. Eu não podia permitir que
ele fizesse aquilo. Se tivesse continuado jogando apenas comigo, não
teria perdido nada. E foi nesse momento que eu tive a ideia de jogar
contra ele e ganhar tudo o que ele ainda pudesse perder. E quem sabe,
eu conseguisse ganhar de outros jogadores também. Mas para isso, eu
teria que ir ao lugar onde ele jogava: o clube de cavalheiros.
Naquela noite, peguei todo dinheiro que eu tinha no meu cofre e o
segui, escondida. Vi quando ele falou a senha e a repeti na portaria. Me
mandaram entrar pela porta dos fundos, que era a entrada das mulheres.
Eu entrei no clube pela porta traseira e lá fui informada que teria que me
trocar. Quando eu disse que ia jogar, me entregaram um vestido preto e
uma máscara.
Eu estava muito nervosa, mas sabia que teria que fazer aquilo,
minha família precisaria de mim para proteger o que nos pertencia, pois
se ele perdesse para mim, não estaria de verdade perdendo nada. Tudo
retornaria aos cofres dele.
O vi em uma mesa, jogando com outros homens. Ele estava
bebendo, enquanto jogava. Observei por um tempo todos os homens
jogando e, então, quando começaram uma nova rodada, eu coloquei
umas moedas na mesa. Os homens olharam para mim, debochados. E
começaram a se recusar a jogar contra mim, por eu ser mulher. Eu os
desafiei, perguntando se estavam com medo de perder, por sorte, eu
tinha me lembrado de modificar a voz, para não ser reconhecida pelo
meu pai. E, assim, naquela noite, eu joguei contra meu pai e todos
aqueles homens. E, para a minha felicidade, comecei a ganhar um jogo
atrás do outro.
Os homens estavam se sentindo ofendidos por terem perdido, e
logo começaram a me acusar de roubo. E me chamar de vários
impropérios. Entretanto, antes que pudessem fazer algo contra mim, os
homens do Rogue's me escoltaram para a sala do Lorde. Ele tinha
observado meu jogo naquela noite. E estava bastante interessado em
como eu tinha conseguido ganhar de seus melhores jogadores nas
cartas.
Eu lhe falei que havia sido sorte, mas ele sabia que era uma
questão de probabilidade. Ele era bom com números. E, depois de me
fazer contar a verdade sobre o porquê eu estava ali, ele me ofereceu um
emprego para que eu pudesse ficar de olho no meu pai. Claro que eu
teria que conseguir ganhar dos outros jogadores, para que devolvesse
ao clube o que eu ganhasse do meu pai. Assim, tanto eu quanto o clube
ganharíamos. E, então, me chamou de Dama de Copas e, para que eu
não fosse reconhecida, mandou fazer a peruca ruiva. Ele disse que eu
era uma dama e que seria o coração do clube a partir daquele momento.
E assim foi. Me tornei uma das principais atrações do Rogue’s.
Aos poucos, comecei a ganhar fama dentro do clube e alguns
homens faziam questão de jogar comigo. Eu era boa em muitos jogos de
cartas e nos que eu não era tão boa, logo me tornava, pois bastava que
me ensinassem uma única vez o segredo do jogo.
Assim que comecei a recuperar o dinheiro de meu pai, eu contatei
o tesoureiro dele, precisaria que aquele dinheiro fosse para o cofre. E,
para isso, teria que ver se o tesoureiro era de confiança.
Para a minha sorte, o Sr. Forks vinha de uma família bastante
devotada a nossa. E ele prontamente aceitou ajudar a manter o dinheiro
nos cofres e pagar as dívidas, sem que meu pai desconfiasse de onde
estava surgindo o dinheiro.
Às vezes, eu pedia para um dos outros rapazes do clube perder
parte do meu dinheiro para meu pai, quando o clube estava prestes a
fechar, assim, ele não teria tempo de perder para mais ninguém naquela
noite. E sempre que eu fazia isso, informava ao tesoureiro para que ele
aparecesse e cobrasse alguma dívida para que meu pai fosse obrigado a
lhe dar o que tinha ganhado no jogo, mesmo que essa dívida já tivesse
sido paga com o meu dinheiro.
Dessa forma, eu consegui tirar minha família da ruína e tenho
tentado mantê-la longe desde então. Espero que o senhor compreenda
que eu não posso parar agora, ele poderá perder tudo o que eu lutei
para conseguir manter. Meus irmãos ainda dependem de mim e minha
mãe também. Se eu parar de ser Copas agora, minha família passará
dificuldades. Enquanto meu irmão não se tornar o novo Duque, eu
precisarei ser Copas e Christopher só tem seis anos de idade.”
Clara voltou ao presente. Fitou o Marquês e percebeu que ele não
tinha dito uma palavra desde que ela começou a falar. Ele a olhava com
intensidade, mas ela não conseguia decifrar o que via naqueles olhos.
— Eu não posso permitir que continue sendo Copas.
— Você não tem escolha, me prometeu que permitiria. Concordou
com isso, antes de nós casarmos. — Clara semicerrou os olhos, tinha
contado toda a verdade a ele e, ainda assim, ele não a compreendia.
— Me deixe terminar, por favor... — O Marquês a esperou se voltar
a olhar para ele. — Tudo o que você fez por sua família é incrível. Você é
uma mulher forte, Clara, mas não precisa mais fazer isso sozinha.
Podemos cuidar de sua família juntos, sem que você precise ser Copas
por duas décadas.
— Não, não posso abandonar Copas. Meu pai continuará perdendo
dinheiro e logo estará novamente endividado. Eu pensei que
compreenderia.
— E eu compreendo. E a admiro e a respeito por tudo que fez. Mas
não posso permitir que perca parte de sua vida consertando os erros de
seu pai. Seu pai tem que arcar com as consequências das próprias
escolhas.
— Eu não posso, Winchester. — Clara sentia seu coração
apertado. Não poderia ser a causa da ruína de sua família. — Você
prometeu me deixar ser Copas. Está quebrando sua promessa? — ela
perguntou, acusatória, se ele realmente quisesse, poderia proibi-la de
ser Copas, afinal, seria seu marido, mas se o fizesse, ela nunca o
perdoaria.
— Não, não a proibirei, eu cumpro minhas promessas, mas me
responda: como irá para o Rogue's quando estiver carregando um filho
meu? Como cuidará do nosso Marquesado, se viver em Londres? Eu
preciso que fique comigo, Clara. Como minha esposa, mãe de meus
filhos, e minha Marquesa. Mas é sua escolha, eu prometi que a deixaria
ser Copas, mas você não precisa ser, se não quiser.
Clara sabia que ele tinha razão, estava no direito dele exigir aquilo
dela, mas tudo que ela tinha feito pela família teria sido em vão se não
concluísse sua tarefa.
— Eu não posso. Eu tenho que cuidar da minha família, eles são
tudo que tenho. — Clara baixou os olhos.
— Não é verdade, você tem a mim agora. — O Marquês segurou a
mão dela. O que a surpreendeu. Ele não tinha tentado nenhum
movimento ousado com ela, desde que descobrira a verdade sobre
Copas. E, por isso, quando ele falou tão docemente, a tocando e
olhando-a com tanta intensidade, ela sentiu o coração acelerar. — Me
deixe cuidar de você. Me deixe carregar esse fardo com você. Me deixe
cuidar de sua família, para que você possa cuidar da nossa.
— Eu não sei se devo... Não é sua responsabilidade.
— E, tampouco, é sua. — O Marquês a tocou no rosto com carinho,
fazendo-a suspirar com a suavidade do toque. — Me deixe tentar, me dê
uma chance de lhe mostrar que eu posso cuidar de você.
Clara olhou dentro dos olhos do Marquês. Sentia que ele a
hipnotizava, não conseguia desviar o olhar. O toque dele era quente e
parecia tão certo. Queria poder dizer sim, mas e se ele não
conseguisse? Seria sua família que pagaria o preço.
— Eu preciso pensar. — Foi a única resposta que ela conseguiu
dizer naquele momento.
— Tudo bem, leve o tempo que precisar. Enquanto pensa, eu
tentarei convencê-la do meu jeito a me deixar cuidar de você.
Clara mordeu o lábio, era tão tentadora a forma que ele a olhava.
Ele nunca tinha olhado para ela daquele jeito. Só para Copas. Ela queria
tanto que ele a beijasse naquele momento. Precisava sentir que ele
estava dizendo aquilo para Clara, que era para Clara que ele olhava tão
intensamente.
― Lorde Winchester... ― O nome dele nos lábios da moça não
passou de um sussurro.
― Sim? ― ele respondeu, no mesmo tom.
― Por favor, beije-me.
Ela não precisou pedir duas vezes, Winchester diminuiu
completamente a distância entre eles e, com suavidade, beijou seus
lábios.
CAPÍTULO 15 ― SEGREDOS
Escutar a sua noiva contar como se tornou a mulher que ele
admirava, só o fez entender por que tinha se apaixonado por Copas.
Tinha sido tão idiota. Como não reconheceu aquele olhar de
tempestade? Mesmo que a máscara cobrisse seu rosto, a voz fosse
modificada e uma peruca cobrisse os cabelos, aqueles olhos deveriam
ter sido facilmente reconhecidos.
Como ele pôde achar aquela mulher, sua noiva, simples, comum?
Como pôde não se sentir atraído por ela?
A única resposta que tinha era a que Phillipa lhe deu no dia
casamento dela com Henry.
— Soube que pediu Clara em casamento — Phillipa lhe disse,
enquanto dançavam na festa do casamento dela.
— Sim, decidi aceitar meu destino. Apesar de nunca ter tido outra
escolha, além dessa. Não era exatamente o que eu queria, mas nem
sempre fazemos o que queremos.
— Ouça, Winchester, você me ajudou quando precisei abrir os
olhos de Henry, então, permita-me lhe devolver o favor. Você odiava
tanto esse casamento, que passou a odiar tudo que era relacionado a
ele. E, por isso, se apaixonou por Copas e não queria se casar com
Clara. E não conseguiu ver que a mulher por quem estava apaixonado
era sua noiva, mas agora que sabe, você precisa procurar ver seu
casamento de outra forma. Pare de tentar fugir de seu destino e o aceite,
o ame e verá a diferença. Além do mais, o senhor deve saber que tem
um tesouro nas mãos, Clara é uma mulher magnífica, você não sabe a
sorte que tem por tê-la. Pode estar se casando por obrigação, mas não é
obrigado a usar isso como base do seu casamento. Conheça sua noiva a
fundo, conquiste-a e terá uma mulher leal e valiosa ao seu lado. Mas,
acima de tudo, seja um bom marido para ela. Ela tem sido responsável
pela família por muito tempo, está mais do que na hora de alguém cuidar
dela. E eu sei que você pode fazer isso.
— Responsável pela família? — O Marquês não entendia como ela
era responsável se, ao estar no clube, ela arriscava a reputação de sua
família.
— Ela explicará quando estiver pronta.
Winchester tinha tentado imaginar o que tinha levado Clara a se
vestir de Dama de Copas, e nada do que tinha pensado havia chegado
perto da verdade que sua futura esposa estava lhe contando.
Phillipa tinha razão, quanto a ela ter sido responsável pela família.
Ela não tinha ido para o clube procurando diversão, não tinha ido em um
ato de rebeldia. Ela tinha ido na esperança de salvar sua família da
ruína, de consertar os erros de seu pai.
Enquanto ela contava sua história, o Marquês só conseguia olhá-la.
Era como se a visse pela primeira vez. Durante o noivado, tinha tentado
ser gentil e cavalheiro, como ela merecia, mas foi naquele momento, que
percebeu que o que sentia por Clara não era apenas amizade. Ele era
apaixonado por Copas, mas nunca tinha conversado com Copas, como
fazia durante o dia com Clara, por Copas tudo que sentia era físico,
desejo. Por Clara, era muito mais profundo, ele se importava de verdade
com ela, queria vê-la bem. Vê-la feliz.
A esperança de que talvez pudessem ter um casamento baseado
em mais do que um arranjo, o aqueceu por dentro. Algumas vezes, ele a
flagrou observando-o, e havia nos olhos da sua noiva um brilho diferente
e um sorriso singelo em seus lábios. Sentia que ela também se
importava com ele.
Ao ver sua noiva tão aflita, por causa de sua família, o Marquês
sentiu o desejo de protegê-la deles, dessa responsabilidade que não era
dela. Que tipo de homem não se preocupava em perder tudo em um
jogo? O Duque era quem devia ser o responsável pela família, não ela.
Clara deveria ser responsável apenas por si mesma e agora, por
ele também. Mas não da forma que ela era responsável pela família e,
sim, como sua Marquesa e sua esposa. Ele queria que ela se
preocupasse apenas com ele, que cuidasse dele, que se importasse com
ele. Queria-a completamente dele.
Não se importava se aquilo era ciúme da família dela. Queria tirar
aquela aflição do olhar dela. Queria desfrutar de sua noiva ― em breve,
esposa ― sem que ela se preocupasse que seu pai estivesse perdendo
tudo no Rogue's. E, por isso, decidiu que teria que convencê-la a não ser
mais Copas.
A convenceria a deixar que ele a ajudasse, e usaria tudo que
estivesse ao seu alcance para conseguir isso. Sabia que não seria fácil,
mas iria tentar. Ela era leal a sua família. Ele percebia isso. Não os
abandonaria, nem mesmo casada com ele. Não os deixaria sofrer se
pudesse evitar, nem que para isso, passasse a vida consertando os
erros de seu pai.
E, quando ela pediu para ser beijada, ele descobriu como a
convenceria a deixá-lo ajudar. Mas não estava preparado para a
intensidade de desejo que um simples beijo lhe provocou. Winchester a
beijou, e naquele beijo, sentiu o desejo o tomar. Desejava Clara. Queria
tomá-la, possuí-la, mostrar que ela agora tinha a ele. Mas precisava se
controlar, era praticamente o primeiro beijo dela, não queria assustá-la,
fazendo outras coisas que a constrangesse, iria com calma, deixaria que
ela se sentisse à vontade, além do mais, algumas coisas não deviam ser
feitas em carruagens, ou antes do casamento.
Já ia se afastar para encerrar o beijo, quando Clara envolveu seus
braços ao redor do pescoço dele. E naquele momento, o Marquês
decidiu que algumas coisas deviam sim ser feitas na carruagem e já iam
se casar mesmo, então, não teria problema nenhum em aproveitar o que
ela tão generosamente lhe oferecia.

Clara sentiu seu corpo responder a um simples roçar de lábios.


Sabia que queria que ele a beijasse, uma, ou duas vezes, se viu
querendo beijá-lo, mas não imaginava que o quisesse tanto. Quando ele
beijou Copas, havia sentido desejo, mas a raiva havia sido maior, e na
segunda vez, havia o medo. Dessa vez, era apenas Clara e Winchester,
nenhum medo, ou raiva, apenas desejo. E, por isso, seus braços o
envolveram, não querendo que o beijo terminasse tão cedo.
Mas ela não estava preparada para o que veio depois. Nem passou
pela sua cabeça que, ao impedir que o beijo tivesse fim, o Marquês a
puxaria para seu colo. Clara sentiu seu corpo ser removido do banco,
onde estava sentada, e levado até o colo do Marquês. A posição
indecente a fez abrir os olhos, assustada e envergonhada. Já tinha visto
mais do que isso no clube, mas nada do que viu a preveniu da vergonha
que sentiria quando a cena fosse com ela.
O Marquês percebeu a surpresa de Clara e afastou o rosto,
sorrindo, e encerrando o beijo. Ela olhava para suas saias,
envergonhada. E ela estava tão... Linda. Aquela constatação fez o
Marquês tirar o sorriso do rosto. Como nunca tinha percebido que seu
cabelo era tão macio e brilhoso? E seus lábios eram pequenos, mas
perfeitos e rosados, seu nariz delicado e perfeito para seu rosto e seus
olhos, seus enormes olhos de tempestade que a deixavam incrivelmente
bela. Aquela mulher nunca seria comum. Sua irmã estava certa, ela
realmente parecia uma fada.
— Eu cometi um erro enorme, me perdoe. — O Marquês a fez olhar
para ele, tocando seu rosto com carinho. — Eu fui o mais tolo dos
homens, quando não quis ver o quão bela é a minha noiva. E, por isso,
eu peço o seu perdão. Agora eu vejo que estive cego por muito tempo.
Você é uma mulher extraordinariamente linda...
O Marquês viu quando Clara o perscrutou com o olhar. Estava
desconfiada. Ele sorriu para ela e voltou a alisar seu rosto, fazendo um
caminho da bochecha à nuca e quando sua mão envolveu a nuca de
Clara, ele a puxou novamente, voltando a beijá-la, dessa vez, com mais
intensidade.
O Marquês passou a língua pelos lábios de Clara, saboreando a
maciez deles, e logo invadiu a boca de sua noiva com a língua.
Céus, precisava senti-la suspirando — ele pensou, enquanto a
explorava com a língua.
Clara sentiu um arrepio percorrer todo seu corpo e instalar-se em
seu ventre. Uma sensação completamente nova tomava o seu ser.
Nunca tinha sentido nada parecido com aquilo. Ouviu um gemido e só
então percebeu que vinha dela.
O Marquês segurava-a pela nuca com uma mão e, com a outra, a
comprimia contra si. O desejo o tomava como nunca antes, seu corpo
parecia querer reivindicá-la para si. Possuí-la.
As mãos de Clara agarravam o casaco do Marquês, seus dedos
seguravam com força as lapelas, as amarrotando. Sentiu que o Marquês
endurecia embaixo de si e, sem pensar, se remexeu para senti-lo melhor.
Não sabia o porquê tinha feito aquilo, mas era delicioso, então, repetiu
mais uma vez e depois mais outra. E quando achou que pararia,
percebeu que seu corpo já não lhe obedecia, ele tinha vida própria e
continuava naquela dança erótica, mas estava tão bom, que ela não quis
parar. Parecia tão certo, estar ali, nos braços de seu noivo.
Clara estava se remexendo em seu colo. O Marquês sentia a
maciez do traseiro de sua noiva comprimir seu membro. E maldito fosse,
mas aquilo estava fazendo com que ele perdesse o controle. Ele queria
mais. Queria tocá-la. Queria vê-la. Queria despi-la. O faria.
Direcionou as mãos para o laço que segurava a capa de viagem
que ela usava, quando a tirou, foi a vez do espartilho, afrouxou os laços
lhe permitindo puxá-lo para baixo. Faltava apenas uma camada de roupa
para ter a pele dela na sua. Entretanto, essa camada havia sido vestida
por cima da cabeça, e o nó estava muito apertado.
O Marquês tentou desatar o nó, mas ele não soltava. A impaciência
o tomou e ele decidiu que não faria nenhum mal rasgar. Depois daria
outra peça à sua noiva.
Clara ouviu o som de um tecido rasgando, mas o beijo estava tão
delicioso que ela não se importou. O Marquês se afastou de seus lábios,
apenas para descer a boca por seu pescoço, lhe causando sensações
ainda mais intensas. A mão dela lhe agarrou os cabelos. Não queria que
ele parasse. E então os lábios do Marquês desceram ainda mais,
beijando seus... Seios?
Clara olhou para baixo e viu o Marquês abocanhar seus seios.
Deveria afastá-lo, mas que sensação era aquela? O que ele estava faz...
Ela não conseguiu mais pensar, quando ele mordeu de leve o bico de
seu seio. E um gemido rouco escapou de seus lábios, quando ela se
contorceu na boca dele.
O gemido de Clara fez o Marquês ficar ainda mais excitado. Os
seios dela eram pequenos, não passavam de um botão, mas eram
deliciosos, tão firmes e pontudos. Nunca tinha visto seios mais duros,
belos e rosados. Eram perfeitos, cabiam em sua boca. E Winchester se
deliciava com eles.
Clara se sentia à deriva naquelas sensações. Escutava sons de
prazer, gemidos, arquejos e respiração entrecortada. Nem mesmo
percebia que era dela que vinham aqueles sons. Seu corpo todo tinha
vida própria. Se contorcia de prazer nos braços experientes do Marquês.
Mas logo aquilo se tornou torturante, ela queria mais, precisava de mais.
Mas Clara, nem mesmo sabia, o que era o mais.
O Marquês se afastou um pouco para observar sua noiva. Não
tinha tido tempo de admirá-la, tão faminto estava por ela. E a fome
continuava insaciada, mas ele não poderia possuí-la em uma carruagem
e se continuasse a fazer aquilo, temia não se controlar. Ainda mais
porque os gemidos de Clara o deixavam cada vez mais desejoso de se
afundar nela.
— Não — ela sussurrou, quando se afastou.
— Eu preciso, meu amor — o Marquês respondeu, sorrindo, ao ver
que ela nem se dera conta do que tinha dito e continuava de olhos
fechados, tentando estender o momento. — Não posso tomá-la em uma
carruagem, por mais que eu esteja tentado a fazer exatamente isso. Não
seria confortável para você ter sua primeira vez assim. E nem sequer
nos casamos ainda.
― Falta muito para chegarmos em Gretna Green? ― Fez a única
pergunta que importava naquele momento.
― Calma, minha fadinha, logo chegaremos e eu prometo
recompensá-la pela espera.
Clara sentia todo seu corpo ansiar pelo toque do Marquês, não se
importando se eram ou não casados. Seus anos no clube lhe deram
certo conhecimento teórico sobre o ato. E já tinha visto mais de uma vez
a cópula entre um homem e uma mulher. Talvez, por isso, seu corpo
tivesse reagido daquela forma, como se soubesse exatamente o que
fazer, pois era isso que ela via as Damas do clube fazer.
E essa constatação deixou Clara surpresa, tinha acabado de agir
como uma Dama de Vermelho.
― Sinto muito, acabei de agir como uma prostituta. ― Ela corou, ao
perceber o que fizera.
— Não quero que se desculpe por isso e, tampouco, pare de agir
assim quando estiver comigo — o Marquês respondeu, fazendo-a olhar
nos olhos dele. — Em poucas horas, serei seu marido, e gostar de fazer
amor comigo não lhe faz uma prostituta. Lhe faz apenas a esposa ideal
para mim. Eu gosto da forma que se entrega, não há vergonha nenhuma
nisso. — O Marquês baixou o olhar para os seios dela, que continuavam
expostos. — Inclusive, aprecio muito vê-la assim.
— Ah, meu Deus. — Ela cobriu sua nudez com as mãos, se
sentindo exposta quando se deu conta que seus seios estavam visíveis.
O que diabos tinha acontecido com ela? — E-eu sinto muito, isso nunca
aconteceu antes, e-eu não sei por que agi assim. Meu Deus, que
vergonha. Eu não sei o que aconteceu... Eu só não conseguia pensar...
O Marquês riu alto da reação dela. Sua noiva estava tão linda
corada de vergonha. Ele beijou a ponta do nariz de Clara, fazendo-a se
calar.
— Você fica ainda mais linda com as bochechas coradas. E sobre o
que aconteceu, eu não poderia ficar mais satisfeito com suas reações,
porque pretendo repetir infinitas vezes o que fizemos aqui e ir bem além
disso. Muito me alegra que não tenha feito nada parecido antes, gosto
em demasia da ideia de ser o seu primeiro. E é por isso que eu precisei
parar. Acredite, foi muito difícil, e da próxima vez que o fizermos, não
pararei.
Clara ficou ainda mais vermelha ao ouvir aquilo. Ela tinha se
comportado como uma mulher indecente, devassa. Mas, por baixo da
camada de vergonha, tinha gostado bastante daquilo.
Ter a boca dele na sua, em sua pele, tinha lhe causado sensações
indescritíveis de tão deliciosas. Ele tinha lábios tão macios e carnudos,
eram deliciosos.
— Se continuar olhando para minha boca desse jeito, eu vou te
beijar novamente e não vou querer parar desta vez. Então, seja boazinha
e colabore comigo. — O Marquês sorria, divertido, e Clara desviou o
olhar, um pouco constrangida. Ela nem mesmo tinha percebido que
estava olhando a boca dele de um jeito diferente. — Prometo que logo
estaremos casados e você poderá ter o que quiser de mim.
Clara acenou com a cabeça e olhou para suas mãos, e foi então
que percebeu que ainda estava no colo do Marquês. Se levantou,
depressa, quase se desequilibrando no processo. Tentou arrumar suas
vestes, alisou suas saias e tentou fechar o espartilho para cobrir os seios
e percebeu que não teria como, pois, justamente o tecido que lhe cobria
os seios, estava rasgado. O espartilho que usava chegava apenas à
metade dos seios, na intenção de dar um pouco de volume ao empurrá-
los para cima, mas agora, com sua roupa aos pedaços, ele só os
deixava mais expostos.
Clara gemeu, desgostosa, a lucidez e o decoro estavam voltando,
agora que o calor do desejo se arrefecia. Estava extremamente
envergonhada com a nudez de seus seios. Seios esses que o Marquês
tinha colocado na boca. Na boca.
Oh, céus! — Se tivesse um nível acima da vergonha
constrangedora, Clara tinha certeza de que o tinha alcançado.
O Marquês lhe estendeu a capa, ao perceber o constrangimento de
sua noiva e a ajudou a se esconder embaixo dela. O que foi uma tristeza
para ele perder aquela visão maravilhosa do topo dos seios de sua
noiva, tinha adorado vê-la com eles despidos.
— Eu agi como uma... Uma... Devassa. E-eu sinto muito — Clara
tentou se desculpar novamente, quando se cobriu com a capa.
— Eu não sinto. E saiba que eu apreciei bastante sua...
Devassidão. Sinta-se à vontade para ser devassa comigo, sempre que
quiser. Prometo que nunca me verá reclamando. Muito pelo contrário,
ficarei imensamente honrado em ter você assim.
A carruagem parando o fez abrir as cortinas e olhar para fora.
Tinham chegado na estalagem onde passariam a noite. Chegariam a
Gretna Green no dia seguinte.
Gabriel desceu e ajudou Clara a descer. Ela agarrava a capa, como
se sua vida dependesse disso e, apesar do silêncio do cocheiro, ela
percebeu que ele poderia ter ouvido seus gemidos.
— Winchester — ela chamou em um sussurro e esperou ele olhar.
Ela apontou com a cabeça para o cocheiro e ficou vermelha novamente.
— Será que ele ouviu o barulho?
O Marquês precisou segurar o riso.
— Não se preocupe, fadinha, o barulho da carruagem e dos
cavalos abafavam seus sons, e o Jack é muito discreto. Ele não ousaria
dar uma palavra sobre isso.
— Tudo bem. — Clara ficou mais aliviada e se escondeu na capa,
quando começaram a andar na direção da estalagem.
O local onde passariam a noite já era conhecido de Winchester,
sempre que ele estava indo para Willow Castle, parava ali. Era limpo,
com boas acomodações e a comida era gostosa, para uma estalagem.
Dali, em vez de irem para o norte, como fazia quando ia para sua casa, o
Marquês seguiria para o oeste
Winchester seguiu até o balcão e pediu dois quartos para
o estalajadeiro.
— Milorde, sentimos muito, mas só temos um quarto disponível no
momento — o homem informou, apreensivo. — Tivemos bastante
movimento esta semana e não sabíamos que o senhor viria, caso
contrário, deixaríamos outro quarto disponível, como sempre. Mas se o
senhor puder esperar, eu posso liberar algum para o senhor, mas
demorará um pouco para ele estar pronto para o uso.
O Marquês ia dizer que não se incomodaria em esperar, quando
ouviu a voz de Clara responder por ele.
— Não é necessário. Ficaremos no mesmo quarto.
— Meu senhor? — O estalajadeiro fitou o Marquês. Em todos os
anos, o homem jamais vira o seu cliente compartilhar o quarto com uma
mulher.
— Faça como ela diz. — O Marquês entregou ao homem algumas
moedas pela discrição.
— É claro, milorde — O homem estava surpreso, mas logo tratou
de se recompor. — Se me permitem, os levarei imediatamente até o
quarto.
O Marquês seguiu o homem, que os guiou até o quarto onde eles
ficariam. E, logo em seguida, saiu com a promessa que mandaria
alguém com água quente para que eles pudessem tirar a poeira da
estrada, antes de descerem para o jantar.
— Espero que não se importe em compartilhar o quarto comigo. Eu
não ia ficar confortável em tirar alguém dos aposentos uma hora dessas.
— Não se preocupe. — O Marquês sorriu para Clara. — Daqui a
pouco eles devem trazer água quente para seu banho. Acredito que
gostará de um pouco de privacidade para isso.
— Claro. Eu adoraria. — Clara sorriu com a gentileza de
Winchester.
— Quando terminar, basta descer as escadas, eu a esperarei lá
embaixo.
Ouviram uma batida na porta e o Marquês a abriu. Eram os criados
com a água quente. Gabriel esperou que eles enchessem a tina e saiu
junto com os criados, deixando Clara sozinha.
Winchester desceu para o salão onde eram servidas a comida e a
bebida. Ele até pensou em beber um pouco, mas sabia que a bebida só
iria atrapalhar. Precisaria de todo seu autocontrole naquela noite.
Ele iria dormir no mesmo quarto que sua noiva, a mulher que
desejava. E se já tinha sido difícil parar na carruagem... Em uma cama,
então, tinha quase certeza de que não conseguiria. O jeito seria nem se
aproximar dela naquela noite. E que Deus o ajudasse, estar ao lado de
Clara e não a tomar para si, iria tornar sua noite longa e torturante.
CAPÍTULO 16 ― ENTREGAS
Assim que o Marquês saiu, Clara se permitiu retirar a capa e olhar
a extensão dos danos em seu vestido. Céus, aquela camada rasgada
não teria mais como ser utilizada, pois a costura do remendo ficaria
evidente. Teria que arrumar uma nova peça, entretanto, não tinha trazido
nenhuma outra consigo na viagem. Não sabia que seria necessário.
Enquanto brigava com os laços e nós de seu vestido, Clara ralhava
consigo mesma, mas por outro motivo mais preocupante do que a
dificuldade que encontrava em abrir o vestido sozinha. Os seus
sentimentos pelo noivo.
Não devia sentir nada do que sentiu pelo Marquês. Era perigoso.
Mas quando ele a olhava, ou a tocava de maneira tão carinhosa, era
difícil se lembrar de manter o coração longe dele. E quando ele a beijava
da forma que fizera mais cedo, era difícil se manter inerte ao que ele
despertava nela. E se ele continuasse assim, logo ela estaria
apaixonada.
O pensamento lhe causou arrepios.
Não. Não deixaria chegar tão longe. Se ela o amasse, poderia ter o
mesmo fim da falecida Marquesa e não queria isso.
Tinha que se lembrar de que ele era um libertino, que sabia
exatamente o que fazer para ter uma mulher suspirando por ele.
Precisaria ser forte para não ser apenas mais uma. Sim, iria cumprir
seus votos de esposa quando se casassem e compartilharia uma cama
com ele, mas tentaria manter suas emoções longe daquele homem.
Ele pode até ter o meu corpo, mas não terá meu coração — ela
pensou, enquanto se direcionava para a tina com água quente e se
abaixava para poder se banhar. — Não vou me apaixonar por ele. Não é
só porque eu gosto dos beijos dele, que eu já esteja apaixonada.
Assim que começou a se limpar, ela aproveitou para pensar um
pouco sobre os eventos que antecederam o beijo. Tinha lhe contado
tudo sobre si. E ele a tinha surpreendido quando pediu que ela deixasse
ser cuidada por ele. Há um tempo ela não sabia qual era a sensação de
ser cuidada por alguém.
Tinha prometido a ele que pensaria sobre deixar de ser Copas e
havia percebido que ele realmente estava sendo sincero sobre
aquilo. Mas, o que ele poderia fazer, que ela não já tinha feito?
Ela queria muito não precisar se preocupar com as dívidas do pai.
Não que não tivesse aprendido a gostar da vida no Rogue's, mas ela
sempre preferia locais calmos, pouco barulho, pouco movimento. Muitas
vezes, voltou para casa com dor de cabeça, por causa da agitação do
clube. Esse era um dos motivos para que durante o dia, preferisse ficar
em casa, aproveitando o silêncio.
Talvez pudesse deixá-lo tentar quando voltassem a Londres, se ele
não conseguisse, então, não haveria de colocar mais empecilhos na
ideia de continuar como Copas.
Era isso, daria uma chance a ele. Se ele não conseguisse, ela
novamente assumiria a responsabilidade sobre sua família. Estava
decidido.
Mais animada após tomar aquela decisão, Clara decidiu que já
estava na hora de sair da água, mas então se lembrou que não tinha
outra coisa a vestir, além da roupa rasgada no chão, ao lado da tina. O
jeito seria ficar no quarto e não descer de forma nenhuma. Só teria que
avisar a seu noivo. Pensar nele a aqueceu por dentro e trouxe rubor a
sua face. Era evidente o constrangimento de Clara, mas ela não poderia
evitá-lo, apenas porque ele esteve com a boca em seus seios.
A moça respirou fundo, criando coragem. Não era nenhuma
covarde e, em breve, eles seriam bem mais íntimos do que aquilo. Logo
eles compartilhariam uma cama, afinal, ele seria seu marido. Não podia
ficar constrangida sempre que ele lhe visse nua.
Decidida a não pensar mais nisso, se levantou da tina onde estava
sentada e, quando ergueu a vista, deu de cara com o homem que
ocupava seus pensamentos.

Winchester a esperava fazia mais de um quarto de hora. Por que


uma mulher demorava tanto quando precisava se arrumar? E então se
lembrou que ela estava sozinha e que possivelmente estava tendo
dificuldades em se despir, afinal, algumas peças eram amarradas nas
costas.
Decidiu subir e lhe ajudar a, pelo menos, remover as peças de
roupa mais difíceis. Depois disso, voltaria a descer.
Decidido a ajudar sua noiva, ele subiu de volta para o quarto onde
estavam hospedados e, ao abrir a porta, se deparou com uma cena que
o fez esquecer de tudo o que tinha planejado.
Sua noiva estava de pé na tina, com os cabelos ainda presos e
completamente nua. Ela tentou se cobrir com as mãos, mas ele ainda
conseguia vê-la por inteiro.
Ele fechou a porta atrás de si. Não queria ninguém contemplando o
corpo de Clara, além dele próprio.
Céus, nunca imaginaria que por baixo dos vestidos, ela fosse tão
curvilínea e branca. Seu quadril era largo para alguém tão magro, suas
pernas eram delgadas e longas, mas combinavam e eram proporcionais
ao resto de seu corpo, elas se uniam em um emaranhado de pelos
loiros, que escondia seu sexo. Os seios perfeitamente empinados e
duros, fez com que a boca do Marquês salivasse e ele desse passos
inconsciente na direção de sua noiva.
Não conseguiria esperar até o casamento. Sua noiva o tentava
demais para conseguir mantê-la intacta até que chegasse a hora certa.
— Eu estava tentando ser cavalheiro — o Marquês foi dizendo à
medida que se aproximava dela. — Queria fazê-la minha apenas quando
estivéssemos casados. Assim, você poderia ficar mais à vontade e eu
faria da forma como deve ser e como você merece. Não queria lhe tomar
em um quarto qualquer. Com pessoas podendo ouvir claramente o que
estaríamos fazendo. Mas você me tenta, mulher. Com ainda mais
intensidade do que eu tento ser um cavalheiro. Então, se não quer que
eu a possua, aqui e agora, diga. Porque quando eu começar, só irei
parar quando a exaustão nos tomar.
Clara não conseguia se mexer, não conseguia pensar, muito
menos, falar. Seus olhos estavam hipnotizados nos do Marquês, que a
olhavam escurecidos pelo desejo de possuí-la. E nesse momento, Clara
esqueceu de tudo que havia pensado durante a breve ausência dele no
cômodo. Seu corpo formigava por ele, ansiava e respondia a seu olhar.
Talvez, só aquela noite, poderia deixar de lado todos os problemas e
receios e se entregar a seu noivo. Apenas aquela noite.
Quando chegou diante dela, Winchester sorriu.
— Preciso ouvi-la. Sim ou não?
― Sim.
E ,para a devida surpresa de Clara, Winchester a tomou nos braços
e a levou para a cama.
Gabriel pegou Clara em seus braços e a levou para a cama. Nem
sequer pensava no que estava fazendo, apenas queria tocá-la, beijá-la e
se afundar nela. Ele tinha dado à sua noiva a chance de recusar sua
investida, e ficou aflito com a possibilidade de ela realmente fazê-lo. Mas
para seu prazer, ela tinha dito sim. Um lindo e sedutor sim. A colocou no
colchão e se afastou para admirá-la. Ela corou ao se sentir observada e
tentou se cobrir.
― Não ― ele negou, quando ela tentou puxar o lençol. ― Não se
cubra. Quero vê-la. ― Ela parou, mas não conseguia olhar para ele.
Winchester a admirou por um tempo, enquanto desamarrava os cordões
de sua própria blusa e retirava suas botas para se juntar a sua noiva. ―
Tão perfeita.
Clara ouviu o elogio e sentiu-se ruborizar ainda mais. Entretanto,
tomou coragem e olhou para ele e se deleitou com a visão de seu marido
sem roupas da cintura para cima.
Aquele homem era uma tentação. Em seu peito quase não havia
pelos, assim como em seus braços. Mas a falta de pelos não o deixava
menos masculino, pelo contrário, só evidenciavam ainda mais seus
músculos fortes, rijos e definidos, que indicavam que ele se exercitava
com bastante frequência. Seu corpo era grande, ombros largos e cintura
estreita. Braços fortes e, pela forma que a calça se apertava às suas
pernas, ela notava que ele era grande em todos os lugares.
― Gosta do que vê? ― perguntou, ao notá-la analisando seu corpo
e deu passos em direção a ela. Quando Clara assentiu, Winchester riu e
se inclinou sobre ela na cama, tomando os seus lábios.
Ao ser beijada, Clara esqueceu completamente a vergonha que
sentia. Enlaçou o pescoço de Winchester com os braços e o puxou
contra si, fazendo ambos deitarem na cama.
Winchester deitou por cima dela, a beijando com desejo e fervor. A
desejava como nunca havia desejado outra mulher. Não entendia o que
estava acontecendo, mas seu corpo a reclamava para si. Queria marcá-
la, possuí-la, preenchê-la, tomá-la. Queria que ela fosse dele.
Com uma de suas pernas, afastou as dela e se colocou ali no meio.
Ainda estava com as calças, não queria acabar tão depressa. Primeiro, a
deixaria pronta para ele. Ansiosa, pulsante e molhada para quando ele a
tomasse.
Sentiu Clara estremecer embaixo de si, quando ele esfregou seu
membro enrijecido na pelve dela. E apenas para provocá-la, repetiu o
gesto.
Apesar de ser uma noite fria, Clara estava se sentindo aquecida
com o corpo seminu do Marquês cobrindo o seu. Aquela fricção gostosa
na junção de suas pernas, a fazia sentir pequenos choques que se
espalhavam pelas suas pernas. E a forma que ele lhe beijava, fazia com
que os bicos de seus seios doessem.
O beijo dele fazia Clara arquear o corpo e se contorcer, querendo
mais. E quando sentiu as mãos dele cobrir os seus seios expostos,
arranhou as costas dele, instintivamente, tamanho era o desejo que
sentia aflorar em seu corpo.
Sentiu o Marquês descer os beijos por seu pescoço, ele provava
cada pedaço dela e continuava faminto por mais. Desceu para os seios
de Clara, trabalhando habilmente com a língua em seus mamilos, ela
arfava e gemia, completamente entregue ao momento.
Uma das mãos do Marquês trilhou um caminho pela barriga da
lady, até parar nas dobras do sexo dela, ele desceu até a entrada dela e
a encontrou molhada, mas ainda poderia ficar mais. Então, subiu um
pouco a mão, procurando o botão que ele sabia que a faria enlouquecer.
E quando o achou, começou a tocá-lo com maestria.
― Winchester ― Clara sussurrou, em meio a um gemido.
― Gabriel ― ele a corrigiu. ― Eu quero que diga o meu nome
quando gozar, minha fadinha.
― Gabriel... Oh... ― ela repetiu e ele sorriu, ao perceber o quanto
gostava dela lhe chamando pelo nome de batismo.
Ele voltou a sugar e mordiscar os mamilos de sua noiva, enquanto
continuava a tocá-la, levando-a cada vez mais à beira do abismo.
Clara não sabia o que estava acontecendo com seu corpo. Que
sensação era aquela que a tomava. Sentia todo o seu ser se comprimir
num único ponto, o lugar exato onde o Marquês a tocava com os dedos,
o local entre suas pernas.
Era tão intenso, que quase chegava a doer, era desesperador, seu
corpo pedia por algo que ela nem mesmo sabia o que era. Ela tentava se
prender ao pouco de consciência que lhe restava.
― Deixe-se levar, Clara. Eu a segurarei. Se solte. Deixe vir. Apenas
sinta.
Aquelas palavras sussurradas em seu ouvido fizeram com que ela
permitisse seu corpo chegar aonde queria. O Marquês a beijou. E com
um grito abafado pela boca do Marquês, Clara atingiu o ápice de seu
prazer.
Seu corpo amoleceu, sua mente ficou em branco, e ela sentiu uma
paz diferente de tudo que já tinha sentido. Uma plenitude que nem sabia
existir.
Que sensação maravilhosa.
Ela ouviu uma risada ecoar no quarto e percebeu que era sua.
Estava rindo. Mas não sabia o motivo. Apenas estava... Feliz.
― O que... Foi... Isso? ― ela perguntou, ainda com a respiração
entrecortada, quando conseguiu parar de rir.
― Você teve sua liberação, meu amor ― o Marquês respondeu,
orgulhoso de ter sido ele o responsável por aquilo e a puxou para si,
para abraçá-la.
Ela se aninhou em seus braços com um sorriso. Sua respiração já
estava regular novamente. Mas logo ela voltou a se acelerar quando o
Marquês começou a tocá-la novamente. Beijou seu pescoço, enquanto
as mãos passeavam livres pelo corpo de sua noiva. Decorando a textura
e cada curva. Ele mal podia esperar para se afundar nela. Seu membro
latejava dolorido e ansioso.
Ele se levantou da cama e retirou as calças rapidamente. Clara viu
quando o sexo dele ficou livre e não conseguiu desviar o olhar daquela
parte da anatomia de seu marido.
Algumas vezes, Clara tinha visto a anatomia masculina pela janela
do escritório do Lorde, e por mais que ele tenha tentado preservá-la de
tais cenas, ela tinha vislumbrado uma boa dúzia de homens nus. Na
primeira vez, tinha ficado assustada. Mas acabou por ignorando as
imagens que via. Porém ter o seu marido ali, completamente nu diante
dela, com seu membro rijo e apontando para cima, ela não pode deixar
de admirá-lo. Não porque ele fosse enorme no comprimento, pois não
era tão grande, quando comparado com alguns dos que havia visto,
tampouco, era pequeno. O tamanho parecia ideal para ele. Proporcional,
o que o deixava ainda mais perfeito. Sua admiração se deu porque ele
era grosso, bem mais que a maioria dos que tinha chegado a ver
escondido. A extremidade era avermelhada e ela podia ver as veias na
extensão do membro de seu noivo.
― Não precisa ter medo, não vou te machucar ― o Marquês disse,
quando percebeu que ela estava quieta demais.
― Eu sei. ― Clara sorriu. ― Sei que vai doer, mas não porque
você quer me machucar.
― Eu jamais a machucaria de propósito. ― Gabriel juntou-se a ela
na cama, se posicionando em cima dela e voltando a beijá-la com
carinho.
Sua mão desceu para tocá-la mais um pouco e confirmar se ela
estava pronta para recebê-lo. E ao constatar que sim, ele gemeu em sua
boca.
― Eu preciso que me diga quando doer. Tentarei ir devagar e serei
cuidadoso, não há como evitar a dor, mas podemos tentar amenizá-la.
Clara concordou e sentiu o Marquês colocar seu membro nela.
Sentiu quando ele a penetrou um pouco, até então não havia sentido
nenhuma dor. O Marquês se retirava e voltava a entrar novamente
sempre um pouco mais que na vez anterior.
Ela sentiu quando ele rompeu sua barreira, porque seu corpo se
retesou com a pequena pontada de dor. Mas não foi tão ruim quanto
pensou que seria. Apenas uma pontada leve e a dor já tinha ido embora.
E senti-lo completamente dentro de si a fez arfar.
Clara estava tão úmida, apertada, quente e escorregadia, que ele
temeu não conseguir parar, todo seu corpo queria entrar em um ritmo
frenético e se aliviar dentro dela. Mas ele se obrigou a permanecer
parado, enquanto ela se acostumava com seu volume.
― Você está bem? Está doendo muito? ― ele perguntou,
preocupado e se esforçando para permanecer parado.
― Não dói ― ela lhe assegurou e ele sorriu, podendo, então, voltar
a se movimentar.
Clara ia lhe dizer para continuar quando ele se retirou e voltou a
invadi-la completamente.
Ela sentiu-se arfar com a sensação intensa que o movimento lhe
causou e se agarrou ao Marquês. Ele parou novamente, preocupado que
a estivesse machucando.
― Não pare ― ela pediu, remexendo o quadril e procurando sentir
novamente aquela sensação.
― Não vou mais ― ele concordou e voltou a beijá-la, enquanto a
enlaçava com os braços e a penetrava.
Ele começou a se movimentar no ritmo que seu corpo necessitava.
Estar dentro de Clara era sublime, sentiu que não era apenas desejo ali.
Tinha algo mais. Não eram apenas dois corpos se entregando ao prazer,
mas duas pessoas se unindo da forma mais íntima que existia.
Ele não ousou pensar em uma palavra para definir aquilo. Nem
mesmo pensava em nada, a única coisa que passava em sua mente era
a sensação de ter encontrado algo raro e precioso.
E essa sensação não o abandonou, nem mesmo quando ele
alcançou o próprio prazer e derramou sua semente dentro dela, após
Clara ter alcançado novamente sua liberação, sussurrando o nome dele.

Clara estava deitada no peito de Winchester. Tinham acabado de


fazer amor e ela tinha gostado muito do ato. O Marquês lhe afagava as
costas nuas, em silêncio. Nenhum dos dois queria quebrar aquele
momento mágico.
Depois de alguns momentos, o Marquês se levantou da cama
completamente nu e sem nenhuma vergonha. E Clara teve uma bela
visão de seu traseiro e ficou admirando aquele homem que logo seria
seu marido. Ele seguiu até a tina para pegar o pano limpo que estava lá
e que Clara não havia usado para se secar.
Depois caminhou até ela e sentou-se na cama ao seu lado.
― Permita-me limpá-la.
― Ah, não precisa. Eu mesma faço isso mais tarde ― Clara
respondeu, constrangida em imaginá-lo olhando para algo tão íntimo.
― Está bem. ― Ele sorriu ao ver que ela estava corada. ― Mas se
é para que eu não a veja, permita-me que eu a deixe avisada que eu não
apenas olharei, como provarei cada cantinho quando você estiver se
sentindo melhor.
Clara arregalou os olhos diante daquela afirmativa, o que fez o
Marquês sorrir. Ele gostava de provocar a noiva.
Ele deixou o pano em uma cadeira ao lado da cama. E ia voltar a
deitar com sua noiva, quando ouviu o estômago de Clara roncar.
― Vejo que está com fome ― o Marquês comentou, divertido. ―
Vou buscar algo para você comer, assim não tem que descer e pode se
limpar e descansar um pouco.
― É muito gentil. Obrigada.
Winchester assentiu e pegou suas roupas espalhadas pelo chão.
Se vestiu rapidamente e logo estava completamente apresentável.
Antes de sair pela porta, ele se inclinou e beijou os lábios de Clara.
― Eu retornarei em instantes.
Assim que a porta se fechou atrás do Marquês, Clara percebeu que
corria sérios riscos de se apaixonar por aquele homem.
Talvez, se conseguisse se afastar dele, de seus carinhos e atenção,
o que começava a sentir, passaria. Precisava ser o mais fria possível
com ele.
Clara olhou para o teto e suspirou.
O que faria? Não podia se apaixonar por seu marido. Seria seu fim.
Queria alguma resposta, mas em vez disso, lembranças recentes
do que fizeram a tomaram e ela corou ao recordar o momento em que
ele a tomou para si.
Ele tinha sido tão carinhoso, cuidadoso e preocupado com ela.
Tinha sido gentil. Tinha tornado o ato maravilhoso. Só em lembrar do que
haviam feito, seu corpo voltava a desejá-lo. Ele era tão maravilhoso...
Clara, pare. Você não pode se apaixonar por ele ― ela brigou
consigo mesma, mas no fundo, sabia que era uma guerra perdida, pois
já estava quase apaixonada.
Precisaria encontrar um jeito de afastá-lo.
Resignada, ela se levantou para se limpar, como o Marquês tinha
falado e sentiu algo escorrer por suas pernas, fazendo cócegas.
Em vez de usar o pano ela, foi novamente até a tina. A água estava
fria, mas ela não se importou. Se lavou rapidamente e então saiu se
enxugando com o pano limpo e seco.
Após se enxugar, voltou para cama e se enrolou com alguns
lençóis.
Assim que terminou de se enrolar, Winchester regressou.
― Pedi que nos tragam algo para comer. A Mary subirá em
instantes ― ele avisou sorrindo e retirando o casaco.
― Tudo bem. Obrigada ― Clara agradeceu, se direcionando para a
cama e se cobrindo.
― Você está dolorida? ― ele, perguntou preocupado.
― Eu estou bem. Não está doendo ― ela respondeu, sem olhar
para ele e virou-se na cama, ficando de costas para Winchester.
O Marquês observou sua noiva ignorá-lo. E se perguntou o que
tinha feito de errado.
― Você está bem? ― ele perguntou.
― Sim, acabei de dizê-lo ― ela respondeu, ríspida. Não queria
tratá-lo de modo tão ruim, mas, talvez se o afastasse, ele parasse de ser
tão gentil.
― O que você tem? ― Winchester perguntou, ao perceber que ela
parecia pensativa e estava mais silenciosa que o normal.
― Não é nada.
― Por que vocês nunca admitem o que realmente está
acontecendo? ― O Marquês cruzou os braços diante do peito e franziu o
cenho.
― Se algo tivesse acontecendo eu diria, mas não está. ― Clara o
olhou, séria. ― Eu estou bem.
O Marquês suspirou, frustrado.
― Então por que está agindo dessa forma?
― Eu não estou agindo de forma nenhuma. Apenas não tenho
nada para falar. Não posso querer ficar em silêncio, ou sozinha com
meus pensamentos? ― ela revidou, cruzando os braços na frente do
corpo.
Sentiu quando atingiu o Marquês com aquelas palavras. Toda a
alegria, que antes estava em seu olhar, agora havia sido substituída pela
raiva e irritação.
― Como quiser ― ele respondeu e se direcionou para a porta. ―
Deixarei, então, que fique sozinha. Jantarei lá embaixo.

O Marquês fechou a porta atrás de si. Estava furioso porque sabia


que algo estava acontecendo com sua noiva e ela preferia afastá-lo do
que contar a ele o que era.
Ele devia respeitar a vontade dela. Deveria deixá-la em paz, mas
estava cansado de segredos, e sabia que se permitisse que ela o
afastasse, dessa vez, não conseguiria fazê-la confiar nele. E ele não
podia permitir isso.
Por isso, em vez de descer e deixar sua noiva em paz, voltou para
o quarto. Precisava saber o que tinha acontecido.
Ela se assustou quando ele entrou, bruscamente.
― Quero que me conte o que está acontecendo. E não diga que
não é nada. Porque se isso está te aborrecendo, então, é sim alguma
coisa. Está arrependida do que fizemos?
― Não. ― Ela não foi capaz de mentir sobre aquilo, então deu as
costas novamente para ele. Não queria olhá-lo nos olhos. ― Eu já disse
que não é nada.
― Então, por que está tão aborrecida? ― O Marquês se aproximou
da cama e se sentou.
― Não estou aborrecida.
― Eu estou tentando ajudar ― o Marquês tentou explicar. Estava
fazendo o possível para manter a calma. Não iria permitir que ela o
afastasse e só a deixaria em paz quando descobrisse o que ela tinha.
― Eu não quero sua ajuda.
O Marquês bufou.
― Clara, olhe para mim. ― Ele esperou alguns minutos, até ela se
virar para olhá-lo. ― Eu fiz algo errado?
Olhando nos olhos do Marquês, ela não conseguiu mentir.
― Não.
― Então por que me afasta? Por que está fazendo isso? Eu me
importo com você, Clara. Quero que seja feliz. Não me afaste, me deixe
ser seu amigo, seu confidente novamente.
O Marquês pegou na mão de sua noiva e o toque a desestabilizou.
O coração pedia para confiar nele. E ela se lembrou de como ele ficou
furioso quando ela havia falado sobre os boatos sobre a mãe dele.
Talvez, a verdade o afastasse de vez. Ele se irritaria com ela e então iria
se afastar por vontade própria.
― Não posso aceitar sua ajuda, Winchester, se eu deixar que seja
meu amigo, logo será mais que isso e eu não quero definhar como sua
mãe, por amar um libertino e não ter de volta o seu amor.
O Marquês se afastou como se ela o tivesse queimado. Novamente
aquela história de sua mãe ter morrido porque amou um homem. Ele já
estava farto de todos culparem sua mãe por tudo que aconteceu. Como
se a culpa fosse dela e ela tivesse escolhido aquele caminho. Mesmo
que sua mãe não amasse seu pai, ela teria adquirido a doença, pois ela
tinha que aceitá-lo em sua cama. E ele, mesmo estando com outras,
ainda a procurava. A culpa tinha sido apenas de seu pai, mas insistiam
em justificar o comportamento dele, por ser homem e poder ter amantes
e colocar a culpa na sua mãe, por simplesmente ter se apaixonado por
um libertino. Ele contaria a verdade à sua noiva, explicaria, porque da
próxima vez que ela usasse aquilo para justificar algo, ele não a
perdoaria. Ninguém mancharia a imagem de sua mãe na frente dele.
― Você não conheceu minha mãe ― ele falou, entredentes, e com
uma seriedade que ela nunca havia visto. ― Não sabe a mulher que ela
foi, caso contrário, iria querer ser exatamente como ela. Minha mãe foi
uma mulher excepcional, Lady Clara. Bondosa, altruísta e a melhor mãe
do mundo. Sempre tratou a mim e meus irmãos com amor. Mesmo que
meus irmãos não tenham saído do seu ventre, ela acolheu a todos como
se fossem seus próprios filhos.
Clara sentiu o coração apertar o vê-lo tão sentido com suas
palavras. Iria se desculpar por ter falado aquilo, mas ele voltou a falar,
antes que ela pudesse articular o pedido de desculpa.
― A história que contam sobre minha mãe não é totalmente
verdade. Ela morreu sim, amando o meu pai. E só Deus sabe por que
ela ainda o amava em seu leito de morte. Ele não a merecia. Mas o que
a matou foi uma doença que ele trouxe para ela. Ele adquiriu a doença
de uma de suas amantes e passou para minha mãe. Não foi o fato de ela
amá-lo que a matou, e sim a traição dele. Se ele fosse fiel a seus votos,
ela ainda estaria viva. Então, não se preocupe com isso, você tem a
garantia de que não vou traí-la, se é apenas com isso que se preocupa.
Clara não sabia o que dizer. Sempre tinha ouvido falar que o amor
tinha matado a Marquesa. Sua mãe contou-lhe isso quando ela ficou
noiva do Marquês. Todos comentavam sobre o fado que ela teve. Mas se
tinha sido uma doença que a matou, então, ela não tinha o que temer ao
se apaixonar pelo marido, que lhe prometia fidelidade.
― Então, eu vou pedir apenas uma vez. Nunca mais fale da minha
mãe como se ela fosse a culpada de sua própria morte. E pare de usar a
história dela contra mim. Eu não sou e nunca serei como meu pai, eu
cumprirei com todos os meus votos de casamento.
― Por favor, me perdoe.― Clara pediu, ao perceber que tinha
cometido um grande erro.
― Tudo bem. Você não sabia ― o Marquês respondeu, mas
continuava sério e seus olhos estavam tristes.
― Eu fui uma tola. ― Clara suspirou, triste consigo, por ter
machucado o Marquês.
― Sim, foi ― Winchester concordou e isso fez Clara olhar para ele,
ofendida. Não devia concordar com ela.
― Você devia dizer que eu não fui. E me justificar, falando coisas
bonitas. ― Clara fez um bico. ― Onde está seu cavalheirismo?
― Sou um libertino, lembra? ― Ele piscou para ela.
― Já que disse que pretende cumprir todos os seus votos, acho
que não merece mais esse título.
― Ah, mas eu sempre posso ser um libertino com a minha futura
esposa, na nossa cama.
Clara revirou os olhos. Devia ter esperado por isso. Mas não se
importou realmente. O clima entre eles estava leve novamente e era
apenas isso que importava. Sorriu com aquilo e sentiu seu coração se
aquecer, mas dessa vez, ela não reprimiu a sensação.
Naquele momento, uma batida na porta encerrou
momentaneamente a conversa. O Marquês abriu a porta e Mary entrou
com a comida, para a alegria de Clara, que estava realmente com muita
fome.
Durante todo o jantar, Clara observou seu marido. Ele comia em
silêncio, e aquilo começou a incomodá-la, queria conhecer aquele
homem melhor. Por esse motivo, decidiu tomar a palavra.
— Me fala um pouco de você. Percebi que não o conheço tão bem
quanto deveria — Clara pediu, enquanto levava um pedaço de pão à
boca.
— O que gostaria de saber? — Winchester perguntou, após
mastigar e engolir um pedaço de carne junto com vinho.
Clara pensou por um momento. A conversa anterior foi sobre a mãe
dele, e ele não tinha ficado muito feliz com o tema, então, era melhor não
falar sobre isso.
— Como é a vida em Willow Castle? — Ela bebericou seu vinho.
Não estava misturado com água, mas não precisaria se preocupar, pois
sabia que não ficaria bêbada só com aquele copo.
— Acredito que você vá gostar. Lá tem terras abundantes que são
ótimas para passear a cavalo, tem uma lagoa no meio do bosque, a vila
mais próxima é bem festiva, o que garante diversão durante várias
épocas do ano. A igreja de St. John é linda, meu irmão a conserva muito
bem. Quando chegarmos, eu gostaria de lhe mostrar tudo — o Marquês
falava e era visível o brilho em seus olhos, que mostravam o quanto ele
gostava do seu lar.
Clara sorriu. Não tinha outra reação, além de sorrir, quando via o
seu marido daquela forma. Vê-lo feliz lhe deixava feliz.
— Eu vou amar conhecer suas terras.
Gabriel fitou Clara com intensidade.
— Em breve, serão nossas terras — o Marquês comentou, sorrindo
para ela. — Você será minha esposa e minha Marquesa. Tudo o que eu
tenho, será seu e tudo o que tem, será meu.
Clara sorriu encantada com aquela declaração.
Não falaram nada por alguns minutos, apreciando o sabor da
comida que, apesar de simples, estava bem saborosa.
Clara observou que seu noivo já tinha comido quase tudo que
tinham servido. A carne assada, os pães, a sopa, e agora estava
comendo a torta de carne.
— Estava com fome, pelo visto. — Clara sorriu debochada.
— Um pouco sim — O Marquês respondeu, olhando seu prato e
ficando um pouco... vermelho?
A luz da vela não iluminava tanto para que ela pudesse distinguir
se ele tinha, ou não, corado. Mas ele tinha ficado encantador
constrangido.
— Para aonde vai essa comida? — Clara perguntou, debochada.
— Como assim? — O Marquês ergueu o rosto, confuso, e Clara riu.
— Tirando o que está no meu prato, você comeu quase tudo —
Clara comentou. — Não aparenta ser alguém que se excede na comida.
— Bom, eu não costumo comer tanto, mas estava com fome, e
também preciso de muita energia para o exercício que pretendo fazer
esta noite — Winchester comentou, olhando maliciosamente para sua
noiva e bebendo de sua taça.
— Exercício esta noite? — Clara perguntou, sem entender. —
Pretende sair?
— Não, minha fadinha, me refiro a um exercício delicioso que você
e eu faremos ali, naquela cama. — Gabriel apontou para a cama
desarrumada e sorriu quando viu o entendimento nos olhos da lady.
— Nesse caso, acho que devo terminar minha refeição também.—
Clara comentou, um pouco constrangida com as palavras que saiam de
sua boca.
— Isso muito me alegra. — O Marquês se recostou na cadeira e
passou a observar sua noiva comer. Ele mesmo já estava satisfeito.
Clara começou a comer rapidamente. Não sabia exatamente por
que tinha se apressado, mas com certeza não seria pela promessa do
que fariam depois da refeição. Ou seria?
O silencio novamente havia tomado o ambiente e Clara decidiu
voltar a conversar.
— Me fale mais sobre você. Assim fica entretido, enquanto eu
como e não passa o tempo todo olhando para mim. — Clara havia
parado de comer ao se sentir observada.
— Mas eu gosto de olhar para você — ele confidenciou.
Dessa vez, foi Clara quem ruborizou.
— É estranho comer com alguém olhando — Clara comentou.
— Tudo bem. — O Marquês colocou os braços atrás da cabeça e
ergueu os olhos para fitar o teto. — Melhorou?
— Sim. Obrigada. — Ela voltou a comer. — Me fale sobre você —
pediu, entre uma garfada e outra.
— O que quer saber? Seja específica.
— O que gosta de fazer no seu tempo livre... O que gosta de
comer... Coisas assim — Clara sugeriu.
— Bem, no meu tempo livre descobri que gosto de fugir com minha
noiva para nos casarmos, e vou descobrir se gosto de comê-la na
sobremesa — o Marquês respondeu e Clara quase se engasgou com o
vinho, começando a tossir. — Desculpe, acho que não era sobre esse
tipo de atividade que gostaria de saber.
Clara o fitava, incrédula, e ele devolvia o olhar com a mais inocente
das feições.
— Não era realmente sobre isso que eu queria saber — Clara
comentou e em seguida empurrou o prato para frente, apesar de não ter
terminado de comer e entornou o vinho de uma vez.
— Já está satisfeita? — Winchester perguntou.
— Sim.
— Pedirei que removam os pratos. — Winchester levantou-se e
tocou um pequeno sino ao lado da porta, para chamar um criado.
Assim que os pratos foram removidos, o Marquês trancou a porta.
Não iriam sair tão cedo daquele quarto e não queria nenhuma
intromissão.
Clara estava em pé ao lado da cama, constrangida. Era estranho e
constrangedor saber o que fariam logo em seguida, ela não sabia o que
fazer ali em pé, enquanto esperava por ele.
Devia ficar sentada, ou em pé, devia estar nua, ou esperar que ele
a despisse? Devia ficar parada, ou ir ao encontro dele?
Normalmente, as meninas do clube entravam no quarto agarradas
a seus clientes, mas não dava para fazer aquilo naquele momento, pois
já estavam no quarto e seu marido estava longe dela.
Eles já tinham feito uma vez. Isso era um fato e o lençol sujo,
estava embolado em um canto do chão, para provar que agora não era
mais virgem. Mas já ter feito uma vez não mudava o fato de que ainda
era inexperiente naquilo.
O Marquês percebeu que ela estava desconfortável e decidiu logo
se aproximar, para evitar mais constrangimento por parte de sua noiva.
— Relaxe. Você parece tensa. Venha, deixe que eu a ajude. — O
Marquês a levou até a cama e a colocou sentada. Em seguida, sentou-
se atrás dela e a fez soltar o lençol, que caiu embolado ao redor de sua
cintura.
Clara sentiu a peça deslizar pelo ombro e as mãos de Gabriel
ocupar o lugar e começar a massagear delicadamente.
— Você está tensa, relaxe — ele repetiu. — A parte ruim já passou.
De agora em diante, só haverá prazer para nós dois.
— Não estou com medo da dor — Clara explicou. — Eu só não sei
bem o que fazer.
— Não se preocupe, eu lhe ensinarei tudo que precisa saber e um
pouco mais — ele sussurrou em seu ouvido e lhe beijou suavemente o
pescoço. — Lhe darei todo o prazer que estiver ao meu alcance, Clara.
Minha fada encantadora.

Clara se sentiu relaxar nas mãos do Marquês. Parecia que cada


centímetro de pele o reconhecia e se deleitava com o toque dele. Era
incrível o que ele fazia com seu corpo. Um gemido de prazer emergiu
dos lábios da lady.
Winchester desceu as mãos pelo ombro de Clara e se encaixou
perfeitamente nos seios expostos. Os mamilos de Clara se retesaram, se
tornando de dois botões escurecidos pelo frio. Não demorou muito e as
mãos hábeis do Marquês começaram a fazer maravilhas nos seios da
dama, e a boca do lorde se ocupou com o pescoço dela, aumentando os
gemidos e fazendo-a se contorcer com as sensações.
Gabriel continuou fazendo aquela deliciosa tortura por alguns
minutos e então pediu que ela se erguesse da cama. Assim que ela o
fez, Winchester arrancou o lençol a deixando completamente nua.
Clara instintivamente se cobriu e o Marquês se levantou, ficando na
frente dela e a beijando, até que percebeu que ela relaxara novamente.
— Linda — ele a elogiou. — E só minha. Diga que é minha.
— Eu sou sua — Clara respondeu, um pouco enrubescida pela
exposição e pelas palavras.
— E eu sou seu.
O Marquês removeu as roupas com pressa. Mal podia esperar para
sentir sua noiva novamente em torno dele. Só de lembrar de como ela
era apertada, sentia-se endurecer ainda mais.
Assim que ficou nu, Gabriel sentou-se na cama e estendeu uma
mão para que Clara se aproximasse. Queria que ela ficasse por cima
dessa vez. Queria vê-la cavalgando nele, até alcançar seu próprio
prazer.
— Venha, coloque um joelho de cada lado. — Winchester a puxou,
ajudando-a a colocar-se na posição que ele queria.
Por estar sentado, os seios dela ficaram exatamente na altura de
sua boca, e ele não perdeu tempo em abocanhá-los. As mãos de Gabriel
puxavam Clara para mais perto e as mãos dela afundavam em seus
cabelos castanhos.
Depois de saborear os seios de Clara, Winchester voltou a possuir
a boca de sua noiva e deitou-se com ela por cima. Ele estava duro e
louco para possuí-la. Mas seria cuidadoso, pois até poucas horas atrás
ela ainda era virgem e poderia estar dolorida.
Para saber se ela estava pronta, o Marquês a tocou com os dedos,
medindo sua umidade. E ao senti-la escorregadia, gemeu, empurrando
um de seus dedos dentro dela.
Clara se arqueou com o prazer da invasão, sentia seu ventre pulsar
de desejo. Procurou os lábios do Marquês e o beijou. Sentiu quando ele
retirou o dedo de dentro dela e quando a segurou pelo quadril, a guiando
para baixo com uma mão, em direção a seu membro rígido.
Clara sentiu um pouco de desconforto quando ele a penetrou, mas
nada comparado à primeira vez que o teve dentro de si. Ela só ainda
estava um pouco dolorida, mas a excitação deixava a dor em segundo
plano.
—Você está bem? Posso continuar? — Winchester perguntou,
quando notou que ela franzia o cenho.
— Estou. Não dói — ela o confortou. — Pode continuar.
— É você quem dita o ritmo, meu amor. Cavalgue em mim, sou
apenas um mero servo do seu prazer.
— Oh. — A surpresa de Clara era genuína e ela corou. — O que eu
devo fazer?
— Erga um pouco seu corpo e solte-o em mim. — O Marquês a
segurou pela cintura e a ajudou a fazer o movimento. — Isso, como se
estivesse mesmo cavalgando.
Clara rapidamente pegou o ritmo e começou a se movimentar em
cima do futuro marido.
A posição permitia que o membro do Marquês fosse bem fundo
dentro dela, lhe fazendo sentir sensações completamente novas. Não
demorou muito e Clara começou a gemer com o prazer, cada vez mais
crescente que o Marquês lhe proporcionava.
Em poucos minutos, a lady alcançou sua liberação, sendo seguida
de perto por Winchester, que se derramou nela ao chegar ao ápice de
seu prazer.
Clara caiu no peito de seu noivo, completamente sem forças.
Estava saciada e um sorriso em seus lábios mostrava o quanto tinha
desfrutado daquele momento.
Ficou ali, aninhada no corpo aquecido de Winchester. Não tinha
palavras e nem era preciso.
Gabriel puxou as cobertas por cima de si e de Clara, cobrindo-os
para mantê-los aquecidos. Não demorou muito e logo o leve ressonar de
Clara mostrou ao Marquês que sua noiva dormia.
Winchester ainda ficou alguns minutos observando-a dormir em seu
peito. Ela parecia um anjo, com os cabelos soltos, espalhados nele.
Manter a promessa que fez a sua mãe não seria tão difícil, afinal. Se
todas as noites fossem como aquela, então, não precisaria buscar em
outras camas o que sua futura esposa poderia dar.
Com aquele pensamento animador, o Marquês também
adormeceu, sentindo o calor de sua noiva lhe aquecer o coração

No dia seguinte, partiriam ao amanhecer para Gretna Green.


Passariam a manhã inteira na carruagem, parariam para alguma refeição
e depois seguiriam viagem até escurecer. Parariam em uma estalagem
para passar a noite e chegariam ao seu destino na noite do dia seguinte.
Agora que sabia o motivo da pressa, o Marquês não via motivos para
correr riscos, viajando também durante à noite.
Quando Clara acordou, o Marquês já havia providenciado o
desjejum e um vestido para ela. Ele não estava no quarto,
provavelmente, organizava tudo para a partida deles.
Clara sorriu ao ver o cuidado que ele tinha com ela. Vestiu-se sem
dificuldades, uma vez que o vestido era mais simples que o que usava
quando saia de casa para trabalhar como Copas.
Assim que estava saciada, pegou os pãezinhos que havia sobrado,
assim como o queijo e um pedaço de carne e enrolou em um lenço,
guardando em seguida em seu bolso. O dia seria longo, e ter algo para
comer ajudaria quando a fome se fizesse presente.
O Marquês apareceu na porta e sorriu, ao perceber que ela já
estava pronta para partir.
― Desculpe pelo vestido não ser novo, espero que não se importe.
― Não me importo. ― Ela sorriu para seu noivo, e se juntou a ele
para seguirem viagem.
― Você dormiu bem? ― ele perguntou, ao dar o braço a ela como
apoio.
― Oh, sim, divinamente. ― Ela corou ao lembrar que no meio da
noite tinha se aconchegado a ele por causa do frio. Ele a tinha abraçado
ternamente e beijado os cabelos dela em um gesto protetor.
― Eu amo isso. ― Ele tocou as bochechas avermelhadas de sua
noiva e ela corou ainda mais. ― Mal posso esperar para estar casado
com você.
A declaração a pegou de surpresa. Aquilo sim era novidade.
― O que mudou? ― ela perguntou, curiosa.
― Descobri que não será nem um pouco ruim tê-la como minha
esposa. Há desejo e amizade, e acredito que posso dizer: confiança.
Uma combinação perfeita para um bom casamento. Temos tudo que
precisamos para sermos um casal feliz.
― Eu espero mesmo que sim ― Clara concordou.

Na noite daquele dia, deitada novamente nos braços do noivo,


Clara sentia-se feliz, apesar de estar preocupada com o que sua família
estaria pensando do seu sumiço. Havia deixado um bilhete em sua
escrivaninha informando que estava bem e que logo retornaria para
Londres, mas ainda assim, temia pelo que lhe esperaria quando
retornasse à sua casa. Sua mãe nunca lhe perdoaria, disso tinha
certeza. Mas fazia aquilo unicamente por eles, sua consciência e seu
coração indicavam que aquela era a coisa certa a fazer.
Sabia que a fuga seria um escândalo enorme, mas era melhor esse
escândalo, do que um que expusesse a falência de sua família. Suas
irmãs teriam menos chances de se casar caso os pretendentes
descobrissem que elas não tinham nenhum dote, do que por ter uma
irmã taxada de louca apaixonada, que fugiu com o noivo para se casar
rapidamente.
O que era até engraçado, fugir com o próprio noivo apenas para
adiantar o casamento. Poderia ter dito que estava grávida e precisaria se
casar às pressas para evitar um escândalo maior, poderia dizer que
preferia um casamento simples. Mas sabia que nada impediria a sua
mãe de fazer algo grandioso, se ela estivesse a par dos planos. Então,
para evitar os gastos, era melhor fazer daquele jeito.
No dia seguinte não seria mais Clara Catterfield, e sim Clara
Winchester e aquilo lhe parecia bom. Sua família não poderia desfazer o
casamento e, com o tempo, talvez aceitassem.
Seus temores tinham sido aliviados pelo seu noivo. Conseguia ver
que ele era um homem bom, talvez não tivessem começado bem, mas
agora se entendiam maravilhosamente, tanto na cama quanto fora dela.
Esperava mesmo que tudo desse certo entre eles, mas o medo de ele
continuar como um libertino a preocupava, pois sentia que seu coração
já batia mais forte por Winchester.
CAPÍTULO 17 ―
CASAMENTO
O casamento aconteceu como previsto, na manhã do terceiro dia
de viagem desde que saíram de Londres. Gretna Green era um lugar
muito bonito e os casamentos entre os apaixonados, tinha feito com que
a cidade se desenvolvesse em cima disso. Haviam várias lojas de
vestidos e ternos para casamento, flores para todos os lados e de todas
as cores, alojamentos para os amantes, igrejas e sacerdotes da bigorna
em cada esquina. Famílias todas trabalhavam para tornar aquele dia
especial para os noivos.
Winchester e Clara passaram a noite em uma estalagem, e o dono
indicou o primo para ser o celebrante do casamento.
Seguiram, então, ao local indicado pelo estalajadeiro, como sendo
a casa do ferreiro.
― Sua noiva já tem um vestido para o casamento? ― o ferreiro
perguntou, assim que fecharam a celebração.
― O de viagem servirá. ― O Marquês tentou ser prático e olhou
para Clara para confirmar, essa assentiu com a cabeça, indicando que
estava de acordo. O vestido não era tão importante assim para ela. E
nem era tão feio, não se importaria em casar-se com ele.
― Mas casar sem um vestido apropriado dá azar no casamento ―
o homem comentou, assustado. ― Minha prima, Antonine, se casou com
um vestido comum, e seu primeiro filho nasceu morto.
O Marquês não era supersticioso, sabia que o homem apenas
estava tentando vender seus produtos, tinha quase certeza de que
indicaria alguém da família para cuidar do vestido, mas ao ver Clara se
impressionar com a história, decidiu que compraria para deixá-la
despreocupada.
― Tudo bem, o senhor me convenceu, onde posso comprar um
vestido para minha noiva?
― Se comprar na loja da minha esposa, o senhor consegue um
valor bem abaixo do normal, pois consigo lhe dar um desconto.
― Tudo bem, então ― concordou.
― Maria! ― O homem deu um grito, chamando a mulher, que
apareceu na sala quase imediatamente.
― Sim, querido?
― Essa bela jovem vai precisar de uma de suas melhores
confecções ― o ferreiro explicou, e a mulher sorriu.
― Magnífico. ― A mulher sorriu, animada. ― Acredito que tenho o
vestido perfeito para você. Venha, querida, deixe-me levá-la a minha loja
de vestidos. ― A esposa do ferreiro, que era costureira, lhe guiou para
fora, deixando assim os homens cuidando do pagamento pelo serviço.
― Espero também que tenha se lembrado do buquê ― o ferreiro
comentou, assim que as mulheres desapareceram de vista. ― Não
existe noiva sem o seu buquê. Dá muito azar casar sem um. A prima de
minha cunhada se casou sem e acabou sofrendo um acidente quando
voltava para casa com seu marido. Por pouco, não ficou aleijada, a
coitadinha.
― Tudo bem, onde eu encontro um local para comprar buquê?
― Para a sua sorte, minha filha mais nova é muito boa nisso,
pedirei que ela faça um para o senhor. E darei um bom desconto.
― Perfeito.
― E alguém para preparar a noiva para o grande dia?
― Vai dizer que dá azar não se casar penteada? ― O Marquês
franziu o cenho, mas agora que tinha começado, sabia que o homem só
pararia quando oferecesse todos os serviços.
― Claro que não, mas eu creio que toda mulher deseja estar linda
no dia do seu casamento. Afinal, só se casa uma vez.
E para a “sorte” do Marquês, o ferreiro tinha outra filha que era
muito talentosa em fazer penteados em noivas.
― Está faltando mais alguma coisa? ― o Marquês perguntou,
cínico, era óbvio que o homem tinha inventado tudo aquilo para poder
tirar dinheiro do Marquês.
― Apenas as testemunhas... Já as tem?
― Não, mas acredito que o senhor deva ter algum filho, ou parente,
que sirva para esse propósito.
O homem sorriu para o Marquês, debochado.
― É claro que tenho. Não seria o melhor sacerdote da bigorna da
Escócia, se não tivesse tudo que um casal apaixonado precisa para se
casar.
― Ótimo, coloque tudo na mesma conta.
― Perfeito.
Após acertarem tudo para o dia seguinte, Winchester e Clara
voltaram para a estalagem. Dormiriam no mesmo quarto novamente, o
que não foi surpresa nenhuma para o estalajadeiro, que conhecia a
história de vários amantes. Ali, as regras sociais eram mais brandas,
desde que terminasse em casamento.

No dia seguinte, o casamento aconteceu pela manhã. A ferraria


tinha se transformado em igreja, a filha do ferreiro tinha feito um singelo,
mas muito bonito, buquê de flores silvestres para Clara, que combinava
com o vestido, feito pela esposa do ferreiro.
Foi uma cerimônia simples e rápida. O ferreiro os declarou marido e
mulher e mandou o noivo beijar a noiva. O Marquês a beijou, sem
hesitar, enquanto Clara corou por estarem em público.
A mulher do ferreiro ainda derramou umas lágrimas de alegria e
abraçou a noiva, lhe parabenizando pelo casamento.
― Já estamos casados? ― Clara perguntou, confusa, por ter sido
extremamente rápido.
― Sim, estamos casados. ― O Marquês riu.
― Os casamentos ingleses costumam demorar bem mais que isso
― ela comentou, se lembrando do casamento de Henry e Phillipa.
― Mas essa é uma das vantagens de se casar aqui ― o ferreiro
explicou para Clara. ― A cerimônia é rápida o suficiente para garantir
que ninguém a impeça.
― Oh, é claro ― Clara concordou, se recordando que apenas os
apaixonados, desesperados por ficarem juntos do seu amado, recorriam
a Gretna Green para se casarem, então, era lógico que a cerimônia
fosse rápida.
― Você está pronta para ir para casa? ― o Marquês perguntou,
quando já estavam de volta à estalagem, organizando as coisas.
― Claro! Minha família vai me odiar por isso, mas não tem
problema, será melhor resolver logo essa situação, ficaremos em sua
casa em Londres?
― Sim, e logo em seguida partiremos para Willow Castle.
― Eu não posso ficar muito tempo fora de Londres, sabe disso,
meu pai perderá tudo, se eu não estiver lá para amenizar os gastos dele.
― Eu sei. Mas temos tempo para resolvermos o problema de seu
pai, eu vou te ajudar, prometi, lembra? Quando passarmos em Londres,
podemos falar com Henry para ficar de olho nele por algum tempo e,
quando retornarmos, pensaremos em um plano para pará-lo de uma vez.
― Copas concordou com a cabeça, mas ainda não estava gostando da
ideia de ficar muito tempo distante do seu trabalho, e então o Marquês
decidiu usar outra abordagem. Se aproximou lentamente dela e começou
a massagear seus ombros, enquanto sussurrava em sua orelha. ―
Acabamos de nos casar, fadinha, necessito tê-la comprometida em
nossa lua de mel. Ainda há tanto a te mostrar... Tanto desejo para
saciar...
A cada frase, ele beijava o pescoço de Clara e ela suspirava com
as sensações. O Marquês estava apelando, mas que mal teria em tirar
umas semanas para aproveitar as vantagens do seu casamento?
― Tudo bem, mas passaremos apenas duas semanas em Willow
Castle.
― Perfeito. ― O Marquês a abraçou por trás. ― Mas tem que me
prometer que não vai se preocupar com nada, apenas comigo e mais
ninguém.
― Acredito que posso concordar com esses termos.
CAPÍTULO 18 ―
ESCÂNDALO
Londres não sabia falar outro assunto que não fosse a fuga de
Lady Clara Catterfield para se casar em Gretna Green com o seu noivo,
há pouco mais que cinco dias. As matronas especulavam o motivo de tal
atitude, uma vez que ela já estava prometida em casamento ao homem
com o qual fugira. Nenhuma delas chegou a uma conclusão satisfatória.
Apesar da maioria dos comentários girarem em torno de uma gravidez
antes do casamento, nenhuma chegou perto do real motivo que os levou
a fugirem rapidamente para se casar na Escócia.
Nem mesmo os Catterfield sabiam o motivo da fuga. E estavam
aflitos, aguardando o retorno da filha, que segundo a carta que havia
deixado, voltaria em alguns dias. Como não havia como impedir o
casamento, não adiantava mandar buscá-los em Gretna Green, até
porque já estariam casados quando os encontrasse, o mais sensato era
aguardar o retorno de Lady Clara e exigir explicações.
A Duquesa não tinha concordado com aquilo, para ela, deveriam
ter mandado homens imediatamente para evitar o escândalo, mas o
Duque foi contra e deixou que a filha fizesse o que decidira fazer, pois
sabia que em breve ela estaria de volta.
Lorde Catterfield passava o máximo de tempo fora de casa.
Naquele momento, estava no Rogue’s bebendo e jogando, enquanto que
a Duquesa chorava desconsolada a fuga da filha, sendo acalentada por
Callahran em Catterfield House.
― Callahran, como ela pôde fazer isso conosco? ― ela
choramingava, enquanto apertava a mão do amigo e era consolada
pelas filhas mais novas. ― Por que causar um escândalo apenas para
se casar antes? Eu teria adiantado o casamento, se fosse necessário,
mas ela preferiu fugir... Como ela pôde fazer isso? O que será das irmãs
dela agora? Como conseguirão casamento com um escândalo desses
sujando nosso bom nome?
― Calma, milady, tente se acalmar, toda essa preocupação não faz
bem à senhora. Tenho certeza de que Lady Clara terá uma ótima
explicação quando regressar.
Callahran tinha suas especulações e em todas elas, a culpa era
apenas do Marquês. Tinha quase certeza de que o homem tinha
seduzido a filha de Lady Catterfield e a engravidado, por isso, o
casamento rápido. E, por ser um covarde, Winchester não tinha tido
peito suficiente para enfrentar a família da moça e fugiu com ela para se
casar, para não ser preciso confrontar os Catterfield. Quando o maldito
Marquês colocasse os pés naquela casa, ele iria fazê-lo pagar por
aquela desonra causada a Lady Clara.
A noite mal tinha caído quando o mordomo entrou na sala,
anunciando o regresso dos recém-casados. Clara e Gabriel entraram
apreensivos no recinto e um silêncio tenso tomou conta do ambiente.
― Por quê? ― a Duquesa murmurou, olhando desolada para a
filha. ― Por que nos envergonhou desse jeito? Eu tinha planejado um
casamento grandioso para você.
Clara respirou fundo. Ver a mãe tão triste daquele jeito a fez sentir-
se culpada, mas não poderia permitir continuar daquela forma.
― Eu sinto muito, mamãe. Não quis envergonhar a família. A
senhora sabe disso.
― Eu sei? Eu a desconheço, Clara. Desde que noivou, eu não a
reconheço mais. Acredito que esse noivado tenha sido a pior coisa que
lhe aconteceu. ― A mulher olhou com ódio para o Marquês. ― É tudo
culpa sua! O senhor a seduziu e a levou por esse caminho vergonhoso!
Nós abrimos as nossas portas para o senhor, e é assim que nos retribui?
Desonrando nossa filha?
― Eu me casei com ela, não há desonra alguma em um
casamento.
― Em Gretna Green! ― A Duquesa falou o nome como se fosse
um insulto.
― Não deixa de ser um casamento.
Lady Catterfield voltou-se novamente para a filha.
― Ele a seduziu, forçou-a a isso, Clara?
― Na verdade, eu o forcei a isso ― Clara explicou, sentindo-se
corar. ― Queria me casar o mais rápido possível.
― Você está grávida? ― Callahran se pronunciou pela primeira
vez, estava de punhos cerrados e só não tinha avançado em cima do
Marquês ainda, porque Lady Catterfield usava o seu braço como apoio.
― Não é da sua conta ― Winchester respondeu, fuzilando o outro
homem com o olhar.
― Clara, está, ou não? ― Callahran ignorou deliberadamente o
Marquês.
― Não, até onde sei, ainda não estou grávida ― ela explicou, para
evitar um estranhamento ainda maior entre os dois.
― Então, por que, minha filha? ― a Duquesa voltou a perguntar,
tentando entender.
― Eu não queria um casamento grandioso. Não queria uma festa.
Queria apenas me casar com ele e nada mais.
― Poderia ter me dito isso, eu teria aceitado fazer uma cerimônia
menor e mais reservada.
― Eu não queria nada disso. Eu fiz o que acreditei ser a coisa
certa.
― A coisa certa? Você enlouqueceu? Fugir para se casar nunca
será a coisa certa. Não pensa na sua família? Nas suas irmãs? Seu
escândalo as deixará vulneráveis para qualquer outro homem que pense
que elas também farão a mesma coisa que você. Isso, sem contar, no
escândalo que reduzirá ainda mais as chances de elas de se casarem
com alguém importante. Você as arruinou com seu egoísmo tolo.
Aquelas palavras apunhalaram Clara diretamente no peito. Tudo
que ela tinha feito havia sido pela família e ser chamada de egoísta a fez
querer chorar.
O Marquês percebeu o quanto aquelas palavras machucaram
Clara, e a abraçou protetoramente, enquanto lançava um olhar de fúria
para a Duquesa.
― Eu não fiz isso ― Clara murmurou, triste.
― O Duque e eu estamos desapontados com sua atitude.
― Eu não. ― O Duque entrou na sala nesse momento e se
adiantou para onde Clara estava, ignorando todos os outros. ― Meus
parabéns pelo seu casamento, minha querida, estou muito feliz por você.
Ele a abraçou paternalmente e sorriu para ela.
― Seja bem-vindo à família, filho. ― O Duque estendeu o braço
para o Marquês e em seguida também se abraçaram.
Todos naquela sala estavam surpresos com o comportamento do
Duque, inclusive, Clara e o Marquês.
― O senhor não está furioso comigo?
Lorde Catterfield tocou gentilmente o rosto da filha e enxugou a
lágrima que escorria pela face da moça.
― Pelo quê? Por estar tão apaixonada que não pôde esperar mais
para se casar com o homem que ama? Eu ficaria furioso se tivesse se
casado com outro homem, mas como se casou com seu noivo, eu não
tenho nenhuma objeção. Quanto ao escândalo que sua conduta causará,
não há por que se preocupar, há escândalos bem piores do que se casar
com o noivo a quem está prometida. ― O Duque então se virou para o
Marquês. ― Cuide bem da minha menina, a honre e cumpra seus votos
de casamento. É só o que peço.
― Pode deixar, senhor.
― Vocês acabaram de se casar, acredito que queiram ir para
Willow Castle. Tem a minha benção. Não percam mais tempo aqui.
Winchester concordou com a cabeça e após uma reverência e um
cumprimento ao Duque, levou Clara para fora.

Durante a breve viagem de Catterfield House até Winchester


House, Clara permaneceu em silêncio. Ainda estava fragilizada pelas
palavras da sua mãe.
― Eu sinto muito ― o Marquês começou. Odiava ver sua esposa
daquele jeito.
― Não foi sua culpa, eu que pedi que fizesse isso. Você não me
forçou a me casar em Gretna Green.
― Sua mãe irá lhe perdoar com o tempo. Ela estava preocupada
com você, tenho certeza, por isso, agiu daquela forma.
― Não sei. Ela parecia realmente preocupada que minha atitude
interferisse nos debutes de Caroline e Cristine. E se ela tiver certa? E se
o que eu fiz foi um erro?
― Se arrepende de ter se casado comigo?
― Não de ter me casado, e sim da forma como me casei. Talvez,
se eu tivesse contado a ela sobre as finanças, ela teria feito algo simples
e não precisaríamos fugir para Gretna Green.
― Talvez sim... Talvez não. Você não pode se culpar por isso,
fadinha. ― Tocou-lhe o rosto com afeto. ― E nem deve, pois, sentir
culpa não vai mudar o que aconteceu. Você fez a sua escolha, e para
você ela é a correta, então, pare de se julgar pelos padrões alheios.
Apenas você sabe o quanto cada escolha lhe custou, não permita que
desvalorizem tudo que fez.
Aquelas palavras associadas ao olhar do Marquês, que estava fixo
no dela, fez Clara sorrir.
― Você é incrível, sabia? ― Deitou-se no ombro de seu marido. ―
Obrigada por estar comigo
― Sempre.
CAPÍTULO 19 ― WILLOW
CASTLE

Tinham passado a noite em Winchester House. Durante a manhã,


pouco antes de seguirem viagem, receberam a visita de Carmelita. Ela
tinha deixado Catterfield House para ir junto com Clara, como sua criada
pessoal. Ordem do Duque. Lorde Catterfield tinha mandado junto com
Carmelita, alguns pertences pessoais de Clara, já que na fuga ela não
tinha levado nenhum.
Os recém-casados seguiram em uma carruagem, enquanto que
Carmelita seguiu em outra, junto dos pertences de Clara.
Clara estava mais conformada com a situação de sua família, mas
não pensou muito no assunto, Winchester a manteve ocupada a maior
parte do dia, entre conversas, beijos e carícias bastante ousadas na
carruagem. Quando a noite caiu, pararam na estalagem para passarem
à noite.
Era a mesma estalagem que sempre parava quando ia para casa.
Assim que entrou, o dono da estalagem o saudou animadamente.
― Boa noite, Lorde Winchester. Bem-vindo novamente. Deixei o
quarto de sempre preparado para o senhor.
― Agradeço.
O homem ficou confuso ao ver as duas mulheres que o
acompanhavam. Elas não pareciam como as outras que costumavam
viajar com o Marquês.
― Permita-me apresentar-lhe, Lady Clara Winchester, minha
esposa ― o Marquês explicou, ao ver a surpresa estampada no rosto do
ancião.
― Oh, mas que notícia maravilhosa. Muito bem-vinda, milady!
Minhas felicitações pelo casamento. ― O estalajadeiro sorriu, realmente
feliz com aquela notícia. Sempre tinha gostado do Marquês e saber que
agora estava casado, o encheu de alegria.
― Obrigada ― Clara respondeu, educada.
O estalajadeiro voltou-se para Winchester.
― Milorde, nesse caso, permita-me realocá-lo para um quarto mais
apropriado onde terá mais conforto.
O Marquês concordou com a cabeça e o homem o guiou pelas
escadas para um quarto no final do corredor, que era bem maior do que
aquele no qual o Winchester costumava ficar.
― Você costuma sempre vir aqui? ― Clara perguntou, assim que
ficaram a sós.
― Sim, é praticamente parada obrigatória quando não quero viajar
à noite, ou quando estou acompanhado com alguma moça para
Magdala.
― Você costuma dividir o quarto com elas? ― Clara nem sabia por
que estava perguntando aquilo, pois não queria saber da resposta.
― Não, minha fadinha, eu nunca durmo com elas. ― O Marquês
sorriu ao ouvir o ciúme na voz de Clara. ― Sempre peço dois quartos
separados.
― Que bom, então. ― Clara sorriu, mais aliviada.
― Gosto do seu ciúme.
― Não estou com ciúme.
Winchester se aproximou da esposa e tocou-lhe a mão, depois
começou a retirar a luva que ela usava e beijou-lhe os dedos, um de
cada vez.
― Uma pena, então, pensei que precisaria lhe mostrar que não
precisa sentir ciúme de mim, pois só desejo você... ― O Marquês se
afastou um pouco de sua esposa ― Mas como não está com ciúme,
creio que podemos apenas descansar.
Dessa vez, Clara se aproximou do Marquês, segurando nas lapelas
de seu casaco e ficando na ponta dos pés, para beijar-lhe os lábios.
― Acredito ter sentido um pouco de ciúme sim ― admitiu entre um
beijo e outro. ― Na verdade, estou muito enciumada. Terá que provar-
me várias vezes que não há nenhum motivo para tal sentimento.
― Será um prazer, Lady Winchester.
Clara sorriu e deixou que o marido a levasse nos braços para a
cama.

Na manhã seguinte, Clara acordou antes do Marquês. Winchester


dormia como um anjo. Seu marido tinha um sono pesado. Ambos
estavam nus, embaixo da grossa coberta, e mantinham-se aquecidos
pela lareira que foi acesa na noite anterior, e agora estava quase
apagada. Mas como o sol já surgia no horizonte, o frio não persistiria por
muito tempo.
Clara decidiu então observar um pouco o marido antes de acordá-
lo. Ele era mesmo muito belo, o corpo bem desenvolvido, braços e peito
fortes, algumas cicatrizes leves e outras não tão leves, recorrentes de
algumas brigas que ele deve ter tido na juventude.
Um movimento do Marquês fez o lençol que o cobria deslizar para
o lado e deixou exposto o quadril e boa parte de suas coxas, que eram
grossas e firmes.
Clara mordeu o lábio diante da nudez do marido. Havia visto muitas
mulheres colocarem o membro do homem na boca e assim fazê-lo
crescer. Será que ela conseguiria fazer aquilo?
Antes que perdesse a coragem, se ergueu da cama e, tentando
não acordar seu marido, se inclinou para poder tocar aquela parte que
tanto dava a ela prazer. Inicialmente, tocou apenas com a mão, mas a
imagem das Damas de Vermelho usando a boca, não lhe saia da mente
e ela decidiu tentar fazer o mesmo.
Beijou o membro de seu marido e o pôs na boca. Winchester
gemeu, mas não acordou. Ela sentiu a confiança crescer. Havia
reconhecido aquele gemido das vezes que ele a tinha penetrado, então,
significava que ele tinha gostado. Voltou a colocá-lo na boca e a sugar
levemente. Sentiu que o membro crescia e ficava maior a cada
movimento. Isso a deixou excitada e confiante.
Olhou para o rosto do marido e o viu acordar aos poucos. A mão
dele afastou os cabelos de Clara do rosto e ele sorriu, maravilhado, para
a esposa.
― Maldição, fadinha, vou querer acordar assim todo dia. Que boca
maravilhosa, não pare ― ele a elogiou e gemeu logo em seguida,
quando ela intensificou os movimentos.
Clara nada disse, não era preciso. Continuou a repetir os
movimentos, até que sentiu a mão do Marquês em sua cabeça guiando-
lhe num ritmo mais acelerado, e logo o seu marido investia em sua boca
também com a pelve.
― Se continuar assim, eu jorrarei na sua boca. Venha, sente-se em
mim, quero derramar minha semente dentro de você.
Clara o obedeceu e se ergueu, Winchester a tocou para ver se ela
estava molhada o suficiente para poder penetrá-la e gemeu quando
constatou que sim.
― Sente-se em mim, fadinha. ― Ele guiou o quadril de sua esposa
para se encaixar no seu e Clara começou a se movimentar em um ritmo
acelerado.
Winchester alcançou o êxtase rapidamente e se derramou dentro
de Clara. Esta continuou se movimentando, até que conseguiu sua
liberação.
― Você é uma mulher incrível. ― Winchester sorriu, saciado e feliz.
E Clara ficou encantada com o elogio.
― O sol já nasceu, vamos continuar nossa viagem. ― Gabriel se
levantou, apesar da vontade de permanecer deitado com sua mulher. ―
Vou descer e pedir que preparem o nosso café e aproveito e mando
Carmelita subir para lhe ajudar com o vestido.
― Obrigada.

Após tomar o café no quarto, Clara desceu para se juntar ao


Marquês, que tinha terminado de comer antes dela e aproveitou para
ajudar no carregamento das carruagens e, assim, adiantarem sua
partida.
Enquanto passava pelo corredor junto com Carmelita, ela ouviu
duas criadas conversando, enquanto arrumavam um dos quartos que
estava vazio. Ao ouvir o nome de seu marido na conversa, ela parou ao
lado da porta aberta e escutou.
Carmelita olhou para Clara, confusa, e ela pediu um pouco de
paciência e silêncio, queria escutar o que as mulheres falavam.
― Você o viu?
— Eu vi! Ele é tão lindo e aquele sorriso dele... fico quente só de
olhar. Pena que agora se casou — uma delas disse e a outra riu. — Você
chegou a vê-la?
— Não. Quando fui deixar a comida, quem atendeu a porta foi o
Marquês. E eu até me esqueci de tentar olhar para dentro do quarto.
Aquele homem é uma tentação.
― Quanto tempo você acha que ele vai demorar para levar outra
mulher, que não seja a esposa, para a cama? — a outra perguntou.
Clara cerrou os punhos. Não estava gostando daquela falta de
respeito para com seu marido. Estava prestes a ir embora quando a
outra mulher respondeu à pergunta.
— Eu não dou um mês, afinal, ele é um Winchester, e nós sabemos
que um homem como ele não se contenta com uma única mulher, logo
vai se cansar da esposa. Você via a forma que as mulheres olhavam
para ele, bastava ele estalar os dedos e elas se jogariam em sua cama,
até eu me jogaria na cama dele se ele quisesse. Essa aí pode até ser a
esposa, afinal, é uma lady, mas a vida dele será ao lado de muitas
mulheres, assim como o pai dele.
Assim que ouviu passos se aproximando da porta, Clara e
Carmelita apressaram-se em sair. A lady estava furiosa com aquelas
mulheres, com seu marido e consigo.
― Que ele é um libertino, já sabíamos. ― Carmelita tentou
amenizar o que tinha escutado. ― Mas não acredito que ele vá lhe trair.
Ele a olha como um homem apaixonado, minha criança. Não deixe que a
conversa dessas duas tolas lhe façam duvidar do seu marido.
― Acha que ele está apaixonado por mim? ― Clara perguntou,
esperançosa.
― Tenho quase certeza que sim. Mas creio também que ele lhe
dirá em breve.
A lady encontrou o marido no balcão conversando com o dono da
estalagem. Assim que ela ficou ao lado dele, ele passou os braços por
sua cintura em uma demonstração pública de afeto e sorriu para ela.
Quando ele a olhava daquele jeito, era impossível não querer
acreditar em todas as promessas que ele fez.
Não demorou muito e ambos já estavam na carruagem a caminho
de Willow Castle. Lady Clara observava seu marido. Era engraçado
como agora ele parecia diferente aos seus olhos. Ele parecia mais feliz e
despreocupado, como se um peso tivesse saído de seus ombros. Ele
realmente parecia feliz com o casamento. E quando sorria para ela e a
olhava como se fosse a única mulher do mundo, podia jurar que
Carmelita estava correta em suas especulações.
— Você está silenciosa hoje — ele chamou a atenção da esposa.
— Estou apenas apreciando a vista. Você está bem animado. ―
Ela sorriu para seu marido.
— Eu estou — ele confirmou, abrindo um sorriso matreiro.
— Posso saber o motivo? — Clara inclinou a cabeça, esperando a
resposta de seu marido.
Ele ficou um tempo pensativo. Parecia estar medindo as palavras, o
que a deixou curiosa.
— Eu pensava que meu casamento seria um fardo. A pior coisa
que me aconteceria. Esperava isso, na verdade. E agora que estou
casado com você, eu não gostaria de estar em nenhum outro lugar,
senão nesta carruagem a caminho de nossa casa. — O Marquês inclinou
a cabeça, imitando sua esposa. — Acho que gosto de você, Lady
Winchester. Você é o motivo de minha felicidade.
A confissão do Marquês a deixou muda. Ele parecia tão sincero ao
expor seu sentimento, que Clara sentiu o coração acelerar.
Ele estava apaixonado por ela? Era isso? Ou queria tanto que
fosse verdade, que estava vendo sentimento onde não tinha?
— Eu... eu.... — Clara gaguejou e o Marquês riu.
— Não precisa dizer nada. Não falei esperando que repetisse as
palavras para mim.
— Você gosta de mim? — a lady perguntou novamente para se
certificar.
— Gosto sim. — Winchester repetiu, com um sorriso que a deixou
aquecida. ― Não acredita?
Era tão surreal que ele tivesse mudado tanto em tão pouco espaço
de tempo. Na verdade, ele sempre tinha tratado Copas daquela forma,
com flertes e agrados, mas ter a mesma atenção como Clara ainda era
novidade para ela, pois ele tinha lhe reservado apenas a educação e a
amizade.
— É que até pouco tempo atrás o senhor tentava cancelar o
casamento, porque amava outra mulher — Clara comentou, lembrando o
passado. — E agora gosta de mim...
Aquelas palavras tiraram o sorriso do rosto do Marquês e ele ficou
novamente pensativo.
— Tem razão, deve ser confuso o fato de eu ter me apaixonado
pela mulher forte e independente que Copas era, ao mesmo tempo, ter
lhe odiado e agora dizer que gosto de você. Mas se você pensar um
pouco, o fato de eu gostar de você é porque você é Copas. Eu nunca
parei de gostar dela, ou talvez, eu nunca tenha lhe odiado de verdade.
Aquelas palavras doeram em Clara, ainda que não devessem.
— Então, durante tudo o que passamos, você pensava em Copas e
não em mim?
— Não. Para mim as duas são a mesma pessoa... e realmente são.
Copas é a mulher determinada e independe que há em você, enquanto
Clara, é a mulher altruísta e que se doa pelo que acredita, sem se
importar com o preço que vai pagar. E eu descobri que gosto das duas,
tanto da lady quanto da jogadora. ― O Marquês suspirou, audivelmente.
Apesar das noites maravilhosas ao lado dela, apesar de terem ardido de
desejo um pelo outro, parecia que nada do que sentiram poderia
compensar o que ele havia dito e feito no passado. Isso o entristeceu. ―
Eu não queria ver o que estava diante de meus olhos. Eu estava cego.
Só pensava em fugir do casamento, não queria me casar com ninguém.
Eu teria odiado qualquer mulher que me fosse dado como noiva, porque
eu teria que fazer aquilo que eu menos desejava.
— Por quê? — Clara tentava entender seu marido. — Por que era
tão avesso ao casamento?
Por uns instantes, o Marquês ficou em silêncio, e Clara pensou que
ele não responderia.
— Quando eu era criança, eu vi minha mãe definhar e morrer na
minha frente, por causa de meu pai. Ele não honrava o casamento que
tinha com minha mãe, e não a respeitava. Ele era um libertino antes de
casar e havia continuado a agir como um após o casamento. Minha mãe
o amava. E pouco antes de ela morrer, me fez prometer que nunca faria
a mesma coisa que meu pai fez. Ela me fez prometer nunca trair minha
esposa, pois foi isso que a fez pegar a doença que a matou. Eu passei a
vida temendo me tornar o homem que meu pai queria que eu fosse,
temia me tornar um libertino como ele, e acima de tudo, tinha medo de
que quando me casasse, meu sangue Winchester falasse mais alto.
Todos esperam que eu seja igual ao meu pai, e ao pai dele, todos me
julgam um libertino, por apenas eu ser um Winchester. Mas eu não sou
como eles. E se depender de mim, nunca serei. ― Winchester se abriu
com a esposa, não iria guardar nenhum segredo dela.
― Eu não sabia de nada disso. Sempre acreditei que era realmente
um libertino. ― Clara se lembrou das vezes que o tinha acusado de ser
um libertino, ou um canalha ― Eu disse palavras horríveis para você.
Peço o seu perdão.
― Não precisa pedir perdão, você não sabia, e eu já estou
acostumado com isso. Todos vêm apenas o que querem ver. Eu não
quero ter segredos com você. Quero que me conheça como eu
realmente sou.
Clara sorriu. Definitivamente, seu marido era diferente de todos que
conhecia. Ele era fascinante.
― Então, o senhor não é um libertino? ― Ela sorriu ao falar, mais
em tom de afirmativa do que de indagação.
―Temo que não. ― Ele sorriu, ao perceber o clima ficar mais leve.
― Com quantas mulheres esteve?
― Antes de você? Apenas uma.
― Está falando sério? ― Clara surpreendeu-se.
― Sim. Eu não mereço nem um décimo da fama que tenho. Todas
são boatos infundados, a maioria deles e os mais atuais, criados pelas
prostitutas que ajudo. Elas gostam de fazer inveja umas às outras,
dizendo que já estiveram comigo na cama.
Clara sorriu ao saber daquilo e sentiu-se compelida a beijá-lo
naquele momento. Estava sentada no banco em frente ao marido, e em
uma onda de ousadia, ela se levantou e sentou-se no colo de
Winchester, que sorriu malicioso para a esposa.
― Agora, só terão inveja de mim, pois serei a única mulher a provar
da sua libertinagem.
― Sim, sou todo seu ― ele sussurrou no ouvido dela, enquanto
beijava-lhe o pescoço e mordiscava-lhe a orelha. ― E você é só minha.
Não quero saber dos outros homens que conhece e, muito menos, de
Callahran lhe dando presentes. Se bem que agora que é minha esposa,
ele não terá mais essa ousadia.
Clara gargalhou diante do ciúme evidente de seu marido.
― Milorde, não há o que temer vindo de Lorde Callahran, ele é
padrinho das gêmeas e é como se fosse o nosso tio. Ele não pode ter
filhos e nos têm como família. Não há motivos para se preocupar, isso eu
lhe garanto.
― Acredito em você. ― Winchester beijou a clavícula de Clara. ―
Mas continuo não gostando dele.
― Ele é um bom homem ― garantiu.
― Está bem. Não quero mais falar de Callahran, quando posso
fazer coisas mais interessantes com a boca.

A chegada do Marquês e sua esposa em Willow Castle causou


grande alvoroço entre os criados, que se organizavam na frente da casa
para acolher seu senhor e sua nova senhora.
Estavam curiosos a respeito da nova Marquesa. E murmuravam
entre si, especulando como ela seria. Assim que a carruagem parou em
frente a eles, silenciaram em expectativa e olhavam atentos Gabriel
descer da carruagem e estender a mão para ajudar Lady Clara.
Lady Winchester sentia todos os olhares sobre ela. E apesar de
serem apenas os criados, ela se sentiu nervosa. Os criados de sua
família eram leais e competentes, e ela não esperaria menos dos que
agora lhe serviriam.
Winchester a pegou pela mão e se postou na frente de seus
criados.
― Conheçam Lady Clara Campbell Deen Anbrock, Marquesa de
Winchester, minha esposa e sua senhora.
O mordomo deu um passo à frente e a saudou. O homem era alto e
magro, seu cabelo estava puxado para trás o que evidenciava a sua
calvície. Ele tinha um nariz bem proeminente e um semblante
extremamente sério e focado.
― Seja bem-vinda, milady, estamos honrados em finalmente
conhecer tão distinta dama e estar aos seus serviços. Eu sou Antoine
Vasson, o mordomo ― o homem se apresentou com um leve sotaque
francês.
Em seguida, o mordomo apresentou cada membro masculino da
criadagem, indicando sua função. E logo, foi a vez da governanta se
apresentar. Ela era uma senhora rechonchuda, com cabelos grisalhos e
rosto corado e era muito simpática, desde que Clara tinha chegado, ela
não havia tirado o sorriso do rosto nem por um segundo.
― Eu sou a governanta, Sra. Prayt ― a mulher se apresentou e em
seguida apresentou as outras mulheres sob seu comando. ― Assim que
a senhora estiver descansada da viagem e quiser, eu ficarei honrada em
lhe mostrar o castelo.
― Pode deixar que eu mesmo mostrarei o castelo para minha
esposa, Sra. Prayt ― Winchester anunciou e, em seguida, dispensou os
criados. — Podem voltar para seus afazeres agora.
Os criados se curvaram e voltaram para seus postos, entretanto,
alguns permaneceram para descarregar as carruagens e levar as
bagagens para os dormitórios do Gabriel e de Clara.
— Venha, quero mostrar-lhe nosso quarto. — O Marquês a tomou
pela mão e a guiou pelo castelo, fazendo-a sorrir.
― Acredito que poderíamos conhecer apenas o quarto hoje...
Teremos tempo para o restante da casa amanhã, e depois de amanhã e
depois de depois de amanhã ― Clara comentou, quando ele a guiava
pelas escadas e corredores, em direção ao quarto principal.
― Está mais que certa, esposa. O que acha de testarmos a cama
para ver se lhe agrada?
― Essa é uma ideia formidável, meu marid... ― ela concordou,
perdendo as palavras entre um beijo e outro e assim ele fez.
Winchester a fez testar a cama em várias posições possíveis.
E quando Clara estava nos braços do Marquês, quase adormecida,
Gabriel percebeu o quanto ela era perfeita para ele. E estava decidido a
fazê-la se apaixonar, assim como ele já estava apaixonado.
Mais tarde naquele dia, Clara acordou sozinha na cama. O sol
estava se pondo, o que significava que ela devia ter dormido bastante e
perdido parte do dia, mas não se importou, estava feliz e descansada da
viagem.
Carmelita apareceu na porta para ver se ela tinha acordado, e
assim que a viu, entrou no quarto.
― Minha senhora, seu marido pediu para informá-la quando
acordasse que ele precisou sair, mas logo retornará. Ele pediu também
que o espere para o jantar.
― Tudo bem. ― Clara sorriu. ― Acho melhor eu me banhar e
esperar meu marido para o jantar.
― É claro. ― A criada se animou ao receber a ordem. ― Pedirei
que tragam água quente e voltarei para ajudá-la a se despir.
― Creio já estar despida. ― Clara corou e Carmelita riu.
― Fico feliz ao vê-la tão sorridente assim ― a criada comentou,
com um sorriso maternal no rosto.
― Ele me faz feliz. ― Clara suspirou, apaixonada.
Durante o banho, Clara voltou a pensar no Marquês. Ele era tão
maravilhoso quando estavam compartilhando a cama, fazia com que ela
se sentisse tão perfeita que não queria sair nunca de seus braços. Era
tão delicioso ouvir a respiração ofegante dele, senti-lo a apertar em seus
braços, enquanto a preenchia com seu sexo. E senti-lo derramar-se
dentro dela a deixava extasiada.
Será que já estaria esperando um filho dele?
Automaticamente, ela levou a mão à barriga, e seus pensamentos
se encheram com a imagem de um garotinho de cabelos castanhos
como o pai e olhos acinzentados como os da mãe. Ou talvez, tivesse os
cabelos e olhos do pai. Qualquer que fosse a aparência que tivesse, ela
sabia que ele seria perfeito, seria o filho deles.
Nunca tinha pensado em filhos, mas agora que a possibilidade era
real, sentia o desejo de ser mãe aflorar como se sempre tivesse estado
ali. E, para sua surpresa, Clara ficou esperançosa com a possibilidade:
queria muito um filho de Gabriel.
― Quando tiver esperando um bebê, saberá ― Carmelita
comentou emocionada ao vê-la tocar o ventre. ― Tenho certeza de que
será uma mãe maravilhosa.
Saiu da tina com um enorme sorriso e, com a ajuda da criada, se
vestiu. Em breve saberia se os momentos que passaram juntos havia
dado frutos. Mulheres grávidas não tinham suas regras. Era isso que as
prostitutas diziam e muitas temiam ficar sem as suas, mesmo que
odiassem tal período, justamente por saber que era sinônimo de
gravidez.
Quando terminou de se arrumar, Carmelita guiou Clara para o salão
onde seria servida a refeição e ali ficou esperando o Marquês.
Não precisou esperar muito, pois o seu marido logo retornou, tendo
ao seu lado uma mulher que carregava em seu colo uma criança, que
possuía os mesmos cabelos e olhos castanhos tão característicos da
família Winchester.
E o Marquês olhava a criança com tanto carinho, que Clara pensou
que poderia ser filha bastarda de seu marido. Clara observava o marido
se aproximar da mesa com a mãe e a criança. Não sabia por que, mas
pensar que aquela era filha dele, lhe deixou com o coração apertado.
Mas se tivesse uma filha, ele teria dito, não? Teria mencionado a
criança em algum momento, ele era muito protetor com a família, não
abandonaria sua filha de modo a nem sequer lembrar-se de sua
existência e informar sua noiva.
Constatou que estava esperando o pior de seu marido. Não era
assim que queria o seu casamento. Precisava confiar nele e aquele
pensamento era injusto com o Marquês. Deixaria que ele se explicasse,
em vez de tirar conclusões precipitadas e errôneas. Respirou fundo, para
colocar seus pensamentos em ordem e abriu um sorriso para os recém-
chegados e, à medida que eles se aproximavam da mesa, ela sentiu que
realmente havia sido uma tola ao suspeitar que a criança pertencesse a
seu marido, apenas por ter certa semelhança. Era realmente uma tola.
O Marquês segurava a mãozinha da garota e assim que pararam
em frente à Clara, a garotinha ergueu os olhos e abriu um sorriso
enorme, mostrando o buraquinho que tinha, por causa da falta de um
dos dentes. Agora que a via mais de perto, percebeu que ela tinha
cabelos de um castanho mais escuro que o do Marquês e as mechas de
cabelo faziam cachinhos ao redor de seu rosto arredondado.
— Lady Clara, gostaria de lhe apresentar Alinn Geovana Candel.
A criança fez uma reverência rápida e animada. E então fez uma
careta, olhando para Gabriel.
— Eu também sou uma lady. Uma princesa.
— Mil perdões, alteza. — Gabriel fez uma reverência e voltou a
anunciá-la como a garotinha queria. — Sua alteza real, a princesa Alinn
Geovana Candel.
Clara olhou para o Marquês e ele lhe deu uma piscadela e um
sorriso que a fez esquecer qualquer dúvida que ainda houvesse sobre a
paternidade. Então, voltou-se para a garotinha e fez exatamente o que
ela queria, para o fascínio do Marquês e da garota.
— Estou encantada, Majestade. — Clara fez uma pequena
reverência, achando graça com a garotinha.
Alinn arregalou os olhos ao ver a lady lhe cumprimentando.
Normalmente, os adultos a ignoravam, ou a olhavam com indiferença.
Exceto, Lorde Winchester. Era por isso que gostava tanto dele.
Gabriel chamou a atenção de Clara, que ainda sorria para a
pequena Alinn, ao dar um passo para onde estava a mãe da criança.
— Lady Clara, esta é...
— Sou Fernanda Candel — a mulher se adiantou, impedindo que o
Marquês a apresentasse, e Clara percebeu uma troca de olhar entre
ambos, o Marquês estava com a mandíbula cerrada, como se não
tivesse gostado da intromissão.
Fernanda era um pouco mais baixa que Clara. Possuía cabelos
lisos, curtos e loiros, quase amarelos e, para a surpresa da Marquesa,
estavam completamente soltos e sem nenhum adorno. A mulher ainda
tinha o rosto em formato de coração e era muito bonita.
— É um prazer, senhora. Seja bem-vinda — Clara saudou, com um
sorriso. Seria uma anfitriã exemplar.
— Não sou casada, milady. — A mulher ergueu o nariz, mostrando
que não se importava com sua situação. — Então, pode me chamar pelo
meu nome de batismo mesmo. Pois também não me adequo ao
senhorita, afinal, já tenho uma filha.
Clara sorriu com aquilo. Tinha convivido tempo suficiente com as
Damas de Vermelho para deixar de lado qualquer preconceito que um
dia tivera em relação à mulheres da vida. O clube havia lhe ensinado a
vê-las apenas como mulher e nada mais. E, por isso, não se importou
que ela não fosse casada. Se chegasse a antipatizar com Fernanda, não
seria por ela ser uma prostituta e, sim, por faltar-lhe caráter ou respeito.
— Tudo bem. O jantar será servido em breve, junte-se a nós —
Clara convidou.
— Será um prazer, milady. — A mulher a olhava surpresa e
desconfiada com a atitude da nobre.
— Vou levar Alinn para o quarto. — Ann se aproximou e segurou a
mão da pequena.
— Mas eu quero ficar com a mamãe. — A criança olhou para a
mãe e em seguida para Gabriel, suplicante, e o Marquês respirou fundo
e se abaixou para falar com ela.
— Eu sei, pequena, mas nós teremos uma conversa chata de
adulto e você vai ficar cansada rapidinho. Além de que, já está tarde e
você precisa dormir. Então, seja uma boa menina e vá com a Ann.
Amanhã você toma o desjejum conosco, combinado?
— Mas eu queria ficar. — Alinn fez um bico com os lábios.
— Eu sei. Mas se ficar, não vai conseguir acordar a tempo do
desjejum e vai perder a torta que a senhora Jenny fará.
— Torta de maçã?
— Exatamente.
— Nesse caso, acho melhor eu ir dormir. — A garotinha pegou a
mão da criada e a puxou na direção das escadas, enquanto comentava
com Ann que a torta da senhora Jenny era a melhor torta do mundo.
Assim que o Marquês se pôs à mesa, a janta foi servida. Clara não
pôde deixar de notar os modos impecáveis da mulher.
— Sua filha é uma menina muito doce — Clara comentou, tentando
iniciar uma conversa e quebrar o silêncio. — E muito linda também.
— Obrigada, milady — a mulher agradeceu e em seguida voltou a
atenção para o seu prato. Ao que parecia, não era muito dada à
conversas.
Dessa forma, Clara teve que deixar a conversa para o seu marido,
já que a mulher não parecia disposta a dialogar com ela.

Assim que Lady Clara se levantou, após o término da janta, e


seguiu para o andar de cima, Winchester suspirou e olhou para
Fernanda.
— Eu sei o que vai dizer. Quer contar a verdade a ela. Mas eu só
consegui me manter escondida até agora, justamente por manter em
segredo minha identidade. Se começar a contar a um e a outro, não terá
servido de nada mudar meu sobrenome ou minha aparência.
— Eu confio na minha esposa e você sabe que eu protegerei você.
Frederick não colocará a mão em você. Mas sabe que poderia contar
também com a ajuda de Montress, você devia tentar uma reconciliação
com ele, eu sei que ele a ama e a protegeria, tanto quanto eu.
— O que um barão poderia fazer contra um conde? E nós dois
sabemos que Frederick nunca me deixará em paz. Ficando longe dele,
eu também mantenho Bernardo longe de confusão. Eu nunca poderei
voltar para casa como ele quer, estaria levando desonra para os
Montress.
— Tenho certeza de que ele preferiria tê-la de volta à segurança de
seu lar, a manter o nome da família imaculado. E a culpa não foi sua,
não devia se envergonhar. Frederick a enganou.
— Eu acreditei nele. Então, a culpa também é minha. Eu devia ter
imaginado que ele não iria cumprir suas promessas.
O Marquês suspirou, sentindo o peso da culpa lhe apertar o
coração.
— Eu me arrependo amargamente de tê-la apresentado a ele.
— Não foi culpa sua. Ninguém imaginava que ele seria capaz de
fazer isso.
— Sim, mas eu sabia que ele estava noivo. Só isso já era motivo
suficiente para não ter apresentado você, quando ele pediu. Não pensei
que ele fosse enganá-la como fez.
— Não adianta se martirizar por algo que não pode ser mudado.
Apenas sofrerá em vão. Não pensemos mais nisso.
Winchester respirou fundo e passou os dedos nos cabelos.
— Eu preciso subir para ver minha esposa. Sinta-se à vontade para
ficar pelo tempo que precisar, junto com a Alinn.
— Eu agradeço, mas retornarei ao nascer do sol para Magdala, as
meninas precisam de mim lá. E eu soube que Frederick voltará para
casa dentro de uma semana, quando terminar a festa de Lorde Guilis,
caso ele decida aparecer por lá, eu poderei lidar com ele mais aliviada,
sabendo que Alinn está segura aqui. Assim, ele não poderá usá-la para
me atingir.
— Ele não ousará vir aqui. Deixei bem claro, há quatro anos, que
ele não é bem-vindo.
— Eu sei, por isso que a trouxe. Aqui é o único lugar onde ele não
pisaria, nem mesmo para felicitar o primo pelo seu casamento recente.
— Espero mesmo que ele não venha testar minha paciência. Mas,
por via das dúvidas, deixarei meus criados cientes que ele não é bem-
vindo e também enviarei alguns homens para Magdala. Apenas por
precaução.
Fernanda assentiu e, após um momento de silêncio, disse:
— Eu agradeceria se não contasse sobre mim à sua esposa, ou,
pelo menos, omitisse o máximo possível sobre minha família, sem
causar prejuízo ao seu casamento. Não quero que me associem a irmã
do Barão de Montress, não quando tentei ao máximo esconder isso de
todos.
— Tentarei falar a verdade, sem te expor. Não posso e nem quero
mentir para a minha esposa.
— Eu agradeço. — Fernanda se levantou da mesa. — Agora, se
me permite, vou ver minha filha.
A mulher se retirou do salão e, em seguida, foi a vez do Marquês
fazer o mesmo.
Ele subiu as escadas, apreensivo, estava temeroso do que sua
esposa podia estar pensando dele. Mas não tinha escolha.
Quando havia acordado, depois de fazer amor com Clara, um
criado o esperava com uma mensagem urgente de Magdala e ele
precisou partir. Clara estava dormindo profundamente e ele não quis
acordá-la, apenas para informar seu paradeiro. Acreditava que estaria de
volta antes que ela despertasse. Se tivesse levado a carruagem dele,
talvez tivesse retornado antes, mas não imaginava que teria que voltar
com Fernanda e Alinn a tiracolo. E não teve outra opção a não ser
acompanhar o ritmo da carroça delas que, para a sua infelicidade, era
puxada por uma velha égua e precisava seguir em um ritmo lento. Por
esse motivo, acabou levando mais tempo do que o necessário.
Quando chegou, sua esposa já o esperava e ele viu a surpresa e
até uma desconfiança no semblante dela. E por estarem na frente da
visita, ele sabia que ela havia segurado as perguntas que passavam por
sua mente.
Gabriel as responderia com prazer, só esperava que ela não
tivesse tirado conclusões precipitadas a respeito de Alinn. Não poderia
culpá-la por achar que Alinn era sua filha e Fernanda sua amante, afinal,
as características de Alinn a faziam se passar facilmente por uma
Winchester, uma vez que Frederick Winleave era seu primo e ambas as
famílias carregavam características físicas muito semelhantes.
Winchester entrou no quarto, sem bater. Sua esposa estava
sentada na penteadeira escovando seus cabelos. Já tinha vestido o
roupão, que usaria para dormir, e parecia uma ninfa sedutora em frente
ao espelho.
Os cabelos dela eram longos e pareciam brilhar sob a luz das
velas. E ele se esqueceu momentaneamente por que estava ali,
hipnotizado pelos movimentos que sua esposa fazia.
Winchester permaneceu observando-a em silêncio, até que ela o
viu pelo espelho. Clara respirou fundo e voltou-se para ele.
― Ela é a outra amante que teve? ― Clara perguntou, mas não
havia julgamento em sua voz, apenas curiosidade e ciúme.
— Oh, não. Ela nunca foi minha amante. — Winchester sorriu ao
notar o ciúme na voz e no semblante de Clara. — E já adianto que Alinn
também não é minha filha.
A Lady corou por ter cogitado essa possibilidade.
— Eu sei. Quando os vi ao longe percebi certa semelhança, e até
pensei que pudesse ser, mas depois eu percebi que você não teria
escondido algo dessa magnitude de mim e, muito menos, deixado uma
filha, mesmo que bastarda, longe de sua vida ― Clara expôs. ― E
também teriam rolado mexericos a respeito disso. E nenhuma fofoca
relata a existência de um filho seu.
— Tem razão, eu jamais esconderia de você algo assim, e está
certa, eu teria assumido a criança se ela fosse minha. Mas nunca tive, ou
sequer, pensei em Fernanda como minha amante.
— Eu fico feliz em ouvir isso. — Clara deu passos na direção do
marido e o abraçou. — Não quero que se canse de mim. Não quero que
tenha amantes.
— Eu nunca me cansarei de você, fadinha. Nunca. Você é minha
para todo sempre.
Após essas palavras, o Marquês a beijou e a levou para cama.
Jamais se cansaria de perder-se nela. Disso, tinha certeza.

Clara estava deitada no braço do Marquês. Estava feliz por ter


confiado em seu marido, mas ainda tinha muitas perguntas sobre a
criança e sua mãe.
― Então, se você não é o pai, de quem ela é filha?
― De um primo meu.
― Oh. Por isso, a semelhança física.
― Sim. Infelizmente, somos parecidos.
― Ele não quis assumir a criança?
― Frederick não sabe que é o pai da Alinn. A Fernanda conseguiu
esconder isso dele por quatro anos. E agora está nas redondezas, na
casa de um amigo e ela teme que ele descubra. Como Frederick não é
bem-vindo no castelo, ela sempre deixa Alinn aqui quando ele está por
perto.
― Entendi. Você se importa muito com ela ― Clara comentou, um
pouco enciumada.
O Marquês sorriu ao perceber o ciúme na voz da esposa.
― Não precisa sentir ciúme, meu amor, Fernanda é apenas uma
amiga muito querida e me preocupa o bem-estar dela, uma vez que
sinto-me responsável por sua situação.
― Como assim?
― É uma longa história. E não posso te falar muito sobre Fernanda,
pois não cabe a mim contar. Mas contarei o que eu posso.
Clara assentiu e esperou o marido contar a história de Fernanda, o
que podia revelar, na verdade.
― Eu conheço Fernanda há algum tempo. O irmão dela e eu
éramos melhores amigos. Eu dei uma festa aqui no castelo, que duraria
uma semana e a convidei, mas seu irmão não pôde vir, entretanto,
confiava em mim e mandou-a junto com uma dama de companhia. Meu
primo, Frederick, também tinha sido convidado, e assim que ele viu
Fernanda, pediu que eu os apresentasse. E eu o fiz. Me arrependo até
hoje de tê-lo feito. Eu não sabia que nessa semana ele a seduziria e
tiraria a sua virtude. Ela voltou para casa, sem dar uma palavra, e eu só
soube que alguma coisa tinha acontecido quando, um mês depois, meu
amigo me procurou para dizer que ela tinha fugido de casa. Foram
meses de procura, em vão.
“Eu ajudei a procurar por todos os lugares. Mas ela tinha sumido. E
quando pensei que jamais a encontraríamos, o meu irmão me procurou e
disse que sabia onde ela estava. Ele pediu que eu não avisasse ao
irmão dela, porque Fernanda não queria voltar para casa e era preciso
respeitar a vontade dela. Eu concordei em não contar nada, até que ela
permitisse e, então, Samuel me levou até ela.
Quando a encontrei, ela não me permitiu contar seu paradeiro para
o seu irmão, pois não queria que ele se envergonhasse dela e nem que
a odiasse, porque estava grávida. Não queria dar esse desgosto para o
irmão que a tinha criado como um pai. E quando perguntei sobre o bebê,
ela relutou em me dizer. Só me respondeu, quando prometi não matar o
pai da criança. Então, me contou que Frederick tinha lhe enganado,
disse estar apaixonado por ela e prometido casamento, havia a
enganado da forma mais vil que um homem poderia fazer. Tinha dito que
a amava e que não suportava ficar longe dela, roubou-lhe um beijo no
primeiro dia, carícias no segundo, conquistou a confiança no terceiro dia,
depois roubou seu coração e, por fim, sua virtude. Ela tinha acabado de
debutar, era uma jovem doce e inocente. Quando fugiu, tinha procurado
meu primo Frederick para dizer que estava grávida. Mas o encontrou em
sua festa de noivado com outra mulher, isso lhe partiu o coração. Sem
poder voltar para casa, ela acabou parando em um vilarejo. Lá conheceu
pessoas boas e ruins. E contra tudo que acreditava, quem a ajudou foi
uma ex-prostituta, enquanto que as pessoas mais abastadas lhe viraram
as costas. A mulher que a tinha acolhido era repudiada na cidade por
causa de sua profissão na juventude e também porque estava doente.
Eu conversei com essa senhora, seu nome era Madalena, tinha
crescido em uma família simples, mas perdeu todos os familiares para o
tifo. Sozinha na vida, se tornou um alvo fácil para pessoas ruins e
acabou sendo levada para um bordel e quando deu por si, já não tinha
outra escolha a não ser continuar como prostituta. Com o passar dos
anos, ela foi juntando tudo o que podia para sair daquela vida. Com
muito esforço e a ajuda de Samuel, conseguiu. Meu irmão é um homem
da igreja, e quando viu que ela estava tentando sair da vida de pecado, a
ajudou no que pôde. E foi por confiar nele, que a senhora disse que
estava cuidando de Fernanda em sua casa.
Fernanda não aceitou voltar para a casa do irmão. E eu não podia
deixar a situação do jeito que estava. A casa onde Madalena morava era
simples e estava caindo aos pedaços. Eu conversei com a senhora, e a
convenci a me deixar ajudar a reformar o lugar, como agradecimento por
estar cuidando de Fernanda.
Apesar de Fernanda dizer que não queria ver o irmão, eu contei a
ele onde ela estava. Não podia deixar meu amigo sofrer sem saber se a
irmã estava bem, ou não. Ele foi encontrá-la e ambos brigaram feio. Ele
queria saber quem era o pai, mas ela não contou para proteger o irmão,
pois sabia que ele exigiria retratação e ela não queria isso. Ele ficou
furioso com ela por não querer voltar para casa e acabou que deu um
ultimato a ela, ou voltava com ele, ou não seria mais parte da família. Ela
escolheu ficar.
Eu não pude desampará-la. Ela não tinha mais ninguém e, se não
fosse por mim, ela não estaria naquela situação. Então, eu fiz o que
podia para ajudá-la.
Estive com ela quando Alinn nasceu, ajudei com provisões e
sempre que podia, ia visitá-la. E então, Fernanda encontrou outra mulher
em uma situação parecida com a dela. Abandonada e grávida. E depois
outra ex-prostituta, conhecida de Madalena, apareceu lá pedindo abrigo.
E aos poucos, lá se tornou uma casa de acolhida. Madalena coordenava
tudo e quando faleceu, Fernanda continuou seguindo os passos da
mulher, mesmo sendo a mais nova entre elas, era a única que sabia ler e
fazer contas. Então, as outras confiavam nela.
A casa pertencia à igreja, e depois da morte de Madalena, eu decidi
comprá-la para garantir que as meninas continuariam tendo onde morar.
Não que a igreja pretendesse fazer algo na área, mas uma das
prostitutas que foi morar lá, tinha tido um caso com alguém do clero e
podia causar problemas. Para manter Fernanda segura, eu comprei o
lugar.”
O Marquês silenciou, quando terminou de contar. Tinha contado
bem mais do que deveria, mas sabia que podia confiar na esposa. E em
nenhum momento havia revelado a identidade de Fernanda e nem do
irmão dela. Não tinha quebrado a promessa de manter a identidade de
Fernanda segura.
― E assim, surgiu Magdala ― Clara comentou, olhando para o
Marquês com orgulho. Seu marido era maravilhoso.
― Sim, e assim surgiu Magdala ― ele confirmou. ― E sempre que
uma prostituta quer uma vida nova, ou uma mulher grávida não tem para
onde ir, ela é acolhida em Magdala. A casa de Madalena.
― Você é um homem maravilhoso por cuidar dessas mulheres. ―
Clara acariciou o peito de seu marido. ― E por cuidar de Fernanda e da
filha dela. Só acho que o irmão de Fernanda não deveria ter virado às
costas para ela.
― Ele não virou. A Fernanda acha que lá não é mais a casa dela,
porque ela só trará mais vergonha para o nome da família. E ele jamais
imploraria novamente que ela voltasse para casa. Ele é orgulhoso
demais para voltar a tentar uma aproximação. Mas ele cuida dela de
longe e no anonimato. Todo mês, manda por mim, uma soma
considerável para ajudar a manter a casa de acolhida.
― Compreendo. Família é sempre complicado. ― Clara sorriu,
compreensiva. ― Mas fico feliz por ele não ter a abandonado.
― Eu também ― o Marquês comentou, girando na cama e ficando
por cima de Clara. ― Agora, vamos mudar de assunto, antes que eu
acabe falando demais e contando o que não cabe a mim.
Clara fitou os olhos do Marquês. Nunca imaginou que um homem
pudesse ser tão caridoso e gentil. Mas tinha encontrado tudo isso no seu
marido. Esse tempo todo não tinha enxergado o que havia sob a fachada
de libertino, mas agora o via como ele realmente era. E se apaixonava
por cada nova faceta que conhecia. Não tinha como não amar aquele
homem.
Ela o puxou para um beijo. Não queria mais nenhuma palavra
naquele momento. Só queria amá-lo com seu corpo e sua alma.
CAPÍTULO 20 ― MAGDALA
A semana se passou rapidamente. Clara e Gabriel estavam cada
vez mais próximos um do outro. Era um casamento feliz. Alinn havia se
apaixonado por Clara, que, por sua vez, também tinha se apaixonado
pela criança.
No fim da semana, Fernanda voltou para buscar a filha e Clara
decidiu que queria conhecer Magdala. Se aquele lugar era tão
importante para seu marido, seria importante para ela também. E após
insistir, Winchester a levou para conhecer o lugar.
Magdala ficava a umas boas quatro horas de viagem, mas nem
mesmo a ideia de ficar tanto tempo assim viajando, retirou o interesse de
Clara. Ela queria entender o marido, queria conhecê-lo melhor e sentia
que conhecer Magdala ajudaria.
Na carruagem, Clara entreteu-se com a pequena Alinn e nem viu o
tempo passar, enquanto Gabriel manteve uma conversa sobre o
andamento de Magdala com Fernanda.
O Marquês observava sua esposa brincar com a criança. Ele pôde
ver que Clara seria uma ótima mãe, quando eles tivessem filhos. Ela era
carinhosa, paciente e tinha jeito com crianças. Mal podia esperar para
vê-la carregando um filho seu.
O pensamento o fez sorrir. Sua esposa ficaria linda quando o ventre
ficasse arredondado por carregar uma criança. Ele tomaria conta dela, a
trataria com todo cuidado do mundo e a faria se sentir linda e amada.
— Você a ama muito, não é? — Fernanda comentou baixinho, para
que só o Marquês ouvisse.
— Sim — Gabriel respondeu, sem nem pensar duas vezes.
— Eu sonhava em encontrar um homem que olhasse para mim, da
mesma forma que você olha para sua esposa. Então, espero que ela
saiba a sorte que tem. A propósito, você está consciente da algazarra
que vai ser quando chegar em Magdala? As meninas sabem de seu
casamento, mas se recusam a acreditar que perderam você para
sempre. Infelizmente, nenhuma delas sabe de seu voto de fidelidade.
— Então, vai ser melhor eu deixar bem claro que a única mulher
que vai esquentar minha cama, será minha esposa.
— Não se preocupe, farei elas se comportarem. Ou isso, ou eu as
expulso de minha casa. — Fernanda sorriu para o Marquês.
— Fernanda? — A voz de Lady Clara interrompeu a conversa dos
dois. — Eu acho que ela dormiu...
Alinn estava encolhida no colo de Clara, tinha se cansado de
brincar e adormecido no colo da lady.
— Perdão, milady, deixe-me pegá-la para que ela não amasse seu
vestido.
— Não, por favor, deixe-a dormir, temo que, se movimentá-la, ela
pode acordar. E, por favor, me chame de Clara, não precisa de
formalidade.
Ao ver que Clara insistiria em ficar com a criança, Fernanda decidiu
não dizer que o sono de sua filha era pesado. E apenas retirou um pano
de sua bolsa e colocou perto da cabeça de Alinn, para evitar que ela
babasse no vestido da lady.
— A senhora tem jeito com crianças — Fernanda elogiou, ao ver o
carinho sincero que a mulher tinha por sua filha.
— Tenho alguns irmãos mais novos, entretanto, nunca tinha
segurado nenhum no colo. E não me lembro de minha mãe segurar
também, a não ser quando eram bebês ainda, mas sempre por pouco
tempo, pois quando começavam a chorar, minha mãe logo os entregava
para a babá.
— Nesses momentos que agradeço por não ser mais obrigada a
seguir as convenções sociais.
— A senhorita é uma lady?
— Não uma lady, eu era apenas a filha de um barão — Fernanda
comentou, baixando a guarda e logo se retesou, ao perceber que tinha
falado demais.
— Não se preocupe, seu segredo irá comigo para o túmulo — Clara
prometeu, mas Fernanda não relaxou.
— A Clara é boa em guardar segredo. Você acredita que ela
escondeu de mim que tinha uma dupla identidade? — O Marquês tentou
dissipar a tensão que a revelação da posição social de Fernanda
causou.
— Dupla identidade? — Fernanda perguntou, curiosa.
O Marquês então contou a sua história e de Clara, sendo
interrompido de vez em quando pela esposa, que contava a Fernanda as
coisas que Gabriel havia feito, uma vez que ele contava a história
omitindo algumas coisas vergonhosas que fizera.
Quando terminou de contar, Fernanda olhava para ele, divertida.
— Você o perdoou muito fácil, Clara. Ele merecia ter sofrido mais.
— Você é minha amiga, deveria ficar do meu lado — o Marquês
fingiu ofensa.
Na verdade, seu plano havia dado certo. Fernanda tinha criado um
laço com Clara ao saber da história.
— Exatamente por ser sua amiga, que eu afirmo que agiu como um
tolo com sua esposa. Nem acredito que ela se casou com você.
— Ele só estava com medo de se casar — Clara o defendeu. —
Afinal, ele adorava a vida de solteiro.
— Adorava mesmo, mas se eu soubesse que casar-me com você
seria tão maravilhoso, nem precisaria da interferência do rei. Eu já teria
lhe procurado há muito tempo.
Clara não esperava aquela declaração de seu marido. E corou dos
pés à cabeça por estar na frente de Fernanda.
— Está constrangendo a pobre moça. — Fernanda deu um tapa no
braço de Winchester. — Deixem as declarações de amor para quando
estiverem sozinhos no quarto.
— Eu sou um homem perdidamente apaixonado, não posso evitar.
— O Marquês pegou a mão de Clara e beijou a palma.
Clara corou novamente com a demonstração de afeto. Seu coração
estava acelerado. Seu marido sabia ser galante quando queria. E ela
descobriu que gostava quando ele o era. Sentia-se linda, desejada e
feliz.
O Marquês se inclinou para perto dela e sussurrou:
— Mas a Fernanda tem razão, é melhor que eu deixe essas
declarações quando estivermos a sós, pois olhá-la me faz querer voltar
para casa imediatamente com você nos braços, deitá-la na nossa cama
e fazer amor várias vezes, até cansar.
Clara arregalou os olhos ao ouvir aquilo, o desejo percorreu suas
veias, mas o bom senso a fez olhar para Fernanda e se certificar que ela
não tinha ouvido aquelas palavras.
Ao ver que a mulher olhava a paisagem e os ignorava, respirou
aliviada.
— Não se preocupe. Ela não ouviu — o Marquês garantiu.
— Você não pode falar essas coisas em público. Alguém poderia
ouvir.
— E se ouvisse, diria apenas que eu sou o marido mais apaixonado
de toda Inglaterra. — Gabriel sorriu para a esposa, mas se endireitou e
se manteve comportado o restante da viagem.
Chegaram em Magdala pouco tempo depois. A casa tinha dois
andares, estava pintada de azul com várias janelas brancas e a porta da
mesma cor. Parecia um lugar simples, mas aconchegante.
O cheiro gostoso de comida sendo preparada fez com que eles
percebessem que estavam com fome e suas bocas de encheram de
água.
Fernanda se levantou e abriu a porta da carruagem, assim que ela
parou. Desceu os degraus e se inclinou para dentro.
— Deixe-me pegar Alinn, para colocá-la na cama — ela pediu,
estendendo as mãos na direção de Clara.
— Permita-me, sim? — o Marquês se ofereceu e desceu da
carruagem, se posicionando para receber a criança.
Clara lhe entregou Alinn, ainda adormecida, e Winchester não
encontrou nenhuma dificuldade em segurá-la. A criança era leve como
uma pluma.
O Marquês seguiu para a casa, enquanto o cocheiro ajudava Lady
Clara a descer da carruagem e as duas mulheres seguiram lentamente
atrás dele.
— Que casa mais agradável — Clara comentou, apreciando a vista.
— Ela é mesmo muito charmosa — Fernanda concordou, com um
sorriso.
— O Gabriel me contou um pouco sobre Magdala. Eu já conhecia a
existência deste lugar, mas não sabia a origem dele. Fiquei comovida.
— Agradeço, milady, mas não preciso de sua pena, nem da pena
de ninguém. — Fernanda recuou, odiava que as pessoas a tivessem
como uma coitadinha, ou olhassem para ela como se ela fosse digna de
pena.
— Sua história não é digna de pena e, sim, de admiração. Você é
uma mulher de muita coragem.
Aquelas palavras deixaram Fernanda confusa. Não pensava que
Clara pensaria isso dela. Estava preparada para a compaixão e não para
a admiração. Era a primeira vez que alguém falava aquilo dela e não
soube o que fazer, além de olhar embasbacada para a lady, que seguia
andando e fingia não perceber a surpresa que suas palavras causaram.
O som de gritos animados vindos de dentro da casa, fez Clara
parar a caminhada e tirou Fernanda do torpor em que se encontrava.
— Que gritaria é essa?
— As mulheres que encontrará aqui não são educadas, milady. São
espalhafatosas, exageradas e tendem a fazer estardalhaço sempre que
aparece um homem bonito. Ainda que casado. Velhos hábitos são
difíceis de largar — Fernanda explicou, segurando riso e, então,
percebeu que Clara estava preocupada com a quantidade de mulher que
podia estar ao redor de seu marido. — Mas não se preocupe, mesmo
solteiro, Gabriel nunca deu liberdade a nenhuma delas. Sempre foi muito
cavalheiro com todas, mas sempre foi firme na sua recusa.
Apesar de Fernanda lhe assegurar que o Marquês não daria
liberdades àquelas mulheres, Clara sentiu algo estranho se mover por
seu corpo e, antes que percebesse, já andava apressadamente para
Magdala e entrava pela porta. Não permitiria que seu marido fosse
assediado.
Assim que entrou, encontrou seu marido com os dois braços
ocupados com uma mulher de cada lado e mais três o rodeando,
animadas. A do lado direito era uma loira voluptuosa e a da esquerda era
uma morena bastante bonita também, esta parecia mais velha que a
loira.
— Oh, quem é essa jovenzinha? — perguntou a morena, que
estava agarrada ao braço de seu marido.
Mas antes que o Marquês pudesse responder e apresentar a
esposa, a outra mulher se adiantou.
— Deve ser mais uma que encontrou, querendo se regenerar, não
foi, Gabriel? Você é tão bondoso. O que teria sido de mim, se não fosse
você?
— Por favor, Miranda, você poderia fazer a gentileza de soltar meu
braço? Ainda preciso dele — Winchester pediu, educadamente.
— Claro que não. Não sei quando poderei tocar em outro braço
assim tão forte quanto o seu... E agora que se casou, terei ainda menos
chances de fazer isso, pois nos visitará menos.
O sangue de Clara ferveu ao ver a mulher esfregar os seios no
braço de seu marido. Para o crédito do Marquês, ele tentava se
desvencilhar da mulher, sem sucesso.
— E se continuar agarrada ao braço dele, ele não virá aqui de jeito
nenhum — Clara respondeu, tentando não demonstrar a raiva que sentia
e fazê-la entender que não estava gostando daquela cena.
A mulher que tinha se agarrado ao lado esquerdo, entendeu o
recado e se afastou, assim como as outras mulheres que o rodeavam.
Mas a loira continuou agarrada a ele.
— Virá sim — a mulher replicou, sem entender o que Clara quis
dizer. — Não virá, querido?
— Minha senhora, sugiro que tire as mãos e outras partes de cima
de meu marido, antes que eu me esqueça que sou uma lady e arranque-
a daí com minhas próprias mãos. — Clara enfatizou a palavra marido
para que a mulher entendesse com quem falava.
— Seu marido? — A mulher pareceu confusa, e então, seus olhos
se iluminaram. — Vocês já se casaram? Já tiveram a noite de núpcias?
Ele é tão bom na cama quanto dizem?
— Miranda, acho que está na hora de se recolher para seu quarto
— Fernanda se adiantou, antes a mulher causasse ainda mais confusão.
Com calma, agarrou o braço dela e a levou para os andares superiores,
apesar dos incontáveis murmúrios que esta emitia.
— Desculpe por isso, querida, a Miranda é um pouco... especial —
uma das mulheres se adiantou, essa parecia a mais sensata das que
estavam ali e também a mais velha. — Ela não faz por mal. Apenas não
sabe se conter e nem reconhece nenhum limite. Ela é fascinada pelo
Gabriel e, por isso, age dessa forma.
— Ah céus, eu quase briguei com ela. — Clara se envergonhou ao
perceber que tinha ameaçado uma mulher que mal conhecia e que,
provavelmente, não estava em posse de sua sanidade.
— Ah, não se preocupe com isso, querida, todas nós já brigamos
com a Miranda. Ela fica triste, mas logo esquece. O coração dela não
guarda rancor. E outra, se eu tivesse um marido como o seu, eu nem
teria avisado, tinha era me jogado logo em cima da atrevida e a
arrancado de lá com os dentes. A propósito, eu sou Rebeca — a
morena, que tinha estado agarrada ao braço do Marquês, se apresentou.
— Peço desculpas pela empolgação ao rever o Marquês, mas é que
todas nós o temos em grande estima.
— Mas não se preocupe, minha querida, prometemos nos
comportar a partir de agora. Afinal, não queremos que nosso Lorde
preferido fique em maus lençóis com sua esposa. — Outra mulher
prometeu, se aproximando de Clara e lhe pegando as mãos, com
carinho. — Estávamos loucas para lhe conhecer. Ouvimos falar muito de
milady, desde que ficou noiva de nosso Lorde Winchester. Queremos
saber de tudo.
Clara se viu rodeada pelas mulheres que perguntavam coisas
sobre sua vida, todas ao mesmo tempo. Ela se sentiu perdida ali, até que
sentiu uma mão em sua cintura e uma presença em suas costas.
— Elas estão fascinadas por você, assim como eu — o Marquês
sussurrou em seu ouvido e ficou ali parado, abraçado com sua esposa,
para o suspiro coletivo de todas as mulheres que os observava. E, então,
Clara começou a responder algumas das perguntas menos indiscreta
das mulheres.

Winchester tinha ficado apreensivo quando se viu rodeado de


mulheres, imaginava o que Clara diria quando entrasse pela porta e o
visse sendo agarrado por todos os lados.
Sempre tinha sido muito receptivo com as moradoras de Magdala,
pois elas lembravam as mães de seus meios-irmãos e, assim como elas,
as mulheres daquela casa tinham escolhido a vida que tiveram por falta
de opção. Então, ele tentava tratá-las com a mesma dignidade que teria
ao se deparar com qualquer outra mulher.
Entretanto, muitas vezes, confundiam sua gentileza com liberdade
e, toda vez que ele ia visitá-las, elas se ofereciam para ele
descaradamente, e com ainda mais afinco, depois de uma nova recusa.
Vê-las todas aglutinadas ao redor dele, lhe causou certo pânico
dessa vez, pois havia algo maior em jogo: seu casamento. Se Clara o
visse naquele estado, com certeza, pensaria que ele tinha dado mais
liberdade do que devia àquelas mulheres. Ainda mais, se visse como
elas se ofereciam a ele. Muitas delas apenas por força do hábito, outras,
por real interesse em ter algo ao que se agarrar.
E qual foi sua surpresa quando sua esposa mandou que as
mulheres o largassem. E ele precisou segurar o riso e a vontade de
beijá-la, quando ela disse que tiraria Miranda de perto dele com as
próprias mãos.
Ele nunca a vira agir daquela forma, e soube, no momento em que
ela pareceu surpresa com a própria atitude, que nunca tinha feito aquilo
antes. E saber que ela enfrentaria aquelas mulheres com as próprias
mãos, como se para salvar a honra dele, o fez sorrir apaixonado.
Clara era uma caixinha de surpresas.
Agora, voltavam para Willow Castle, ela havia encostado a cabeça
em seu ombro e dormia, embalada pelo sacolejar da carruagem.
Winchester mal se movimentava com medo de despertá-la. Ela
estava tão serena em seu braço, que ele apenas apreciava o momento.
Amava aquela mulher, seu coração se aquecia com essa certeza,
só esperava que ela retribuísse o sentimento e, às vezes, ele quase
podia dizer que sim.
Acordar todos os dias com o sorriso dela, apesar do rosto inchado
por causa do sono, fazer amor com ela todas as noites e senti-la se
entregar a ele sem medo, ele não queria mais nada a não ser poder viver
muitos anos ao lado dela.
― Espero que você me ame, porque todo meu amor já lhe pertence
― ele murmurou no cabelo dela, depositando um beijo suave na sua
cabeça.

Clara estava dormindo, mas era um sono tão gostoso, que nem
mesmo o sacolejado da carruagem seria capaz de acordá-la. E ela até
sonhava.
Sonhava com seu marido lhe abraçando e declarando seu amor,
depois a cena mudava e sua barriga estava enorme, indicando os meses
já adiantados da gravidez. E depois o sonho mudou para ela na
carruagem com o seu marido de um lado e em seu colo um bebê lindo,
com cabelos castanhos como o do Marquês e os olhos cinzas que ela
possuía. E então o sonho se tornou um pesadelo, pois homens paravam
a carruagem e lhe puxavam o filho nos braços, dizendo que o pai dela
tinha apostado o neto e perdido.
Assustada, Clara acordou, mas a sensação de agonia causada
pelo sonho não lhe abandonou.
― Está tudo bem? ― Winchester perguntou, preocupado.
― Foi só um pesadelo. Um pesadelo horroroso ― ela respondeu,
tentando se recompor.
― Já passou ― Winchester a confortou, abraçando-a de forma
protetora. ― Eu estou aqui, não deixaria nada de ruim lhe acontecer.
Clara sorriu e sentiu, aos poucos, a angústia lhe deixar. Seu marido
a tranquilizava e ela se sentia protegida naquele abraço.
― Falta muito para chegarmos? ― ela perguntou, percebendo que
não sabia exatamente onde estavam, já que já havia anoitecido.
― Creio que apenas meia hora de viagem ― o marques estipulou,
deviam estar atravessando as colinas em direção ao castelo naquele
exato momento.
― Que bom, mal posso esperar para chegarmos em nossa casa ―
Clara comentou, entre um bocejo e outro, e o Marquês sorriu ao ouvir o
pronome possessivo ser dito com tanta naturalidade.
― Sim, logo estaremos em nossa casa.
Em exatos trinta e dois minutos, a carruagem parava em frente à
porta de entrada do castelo. Winchester desceu e ajudou Clara a fazer o
mesmo. Seguiram direto para seus aposentos, mas ao passar pela porta,
o mordomo os interceptou.
― Milady, hoje de manhã chegou uma correspondência para a
senhora.
A carta de cor preta foi entregue nas mãos dela e havia seu nome
escrito em um dos lados. A carta estava selada e o selo pertencia ao
Rogue’s, o que fez Clara franzir o cenho. Henry nunca tinha lhe escrito
em uma carta oficial como essa. Ao abrir, deu-se conta que não havia
sido Henry e, sim, Phillipa que havia escrito.
Clara leu a carta rapidamente, era um texto breve e direto e, então,
leu novamente apenas para se certificar que lera corretamente na
primeira vez.

“Lady Clara, saudações.


É com o coração apertado que lhe trago essa notícia, mas creio
que gostaria de ser informada o mais rápido possível a respeito de tão
inoportuna situação e, portanto, vi-me na obrigação de lhe escrever, para
explicar o que aconteceu.
Sinto ser eu a lhe informar, mas ontem seu pai se envolveu em uma
confusão relacionada à apostas no Rogue’s e essa confusão o levou a
retirar a máscara e revelar-se aos outros membros.
Como sabe, a remoção da máscara leva à expulsão do membro, e
infelizmente o Henry não teve outra escolha, a não ser fazer cumprir as
regras da casa.
Seu pai já não é mais um membro do Rogue’s. Infelizmente, não
poderíamos ter tomado nenhuma outra medida relacionada a esse
infortúnio.
Sinto muito.

Lady Phillipa Williams”

Ao ver o rosto preocupado da esposa, o Marquês se adiantou e


tomou-lhe a carta da mão, para ver o conteúdo daquilo que tinha deixado
sua mulher tão aflita.
Não precisou mais que uma lida na carta para que entendesse toda
a situação: agora que o Duque não era mais membro do clube, Clara
não tinha como remediar as consequências do vício do pai.
― Ele vai perder tudo que eu consegui salvar nesses anos.
Christopher herdará apenas dívidas e nem sei o que será de Caroline e
Cristine, quando chegarem em idade de casar e não terem nenhum dote.
― Clara estava aflita, sentia tudo ao seu redor desabar, tudo que tinha
conseguido construir agora ruía e ela sentia-se impotente. ― Ele não vai
parar, Gabriel. Não vai parar até perder tudo, como quase aconteceu, ele
não sabe a hora de parar, nunca vai saber. Nunca entendi a verdadeira
causa que o fez se entregar ao vício, mas ele não é mais o homem que
eu conheci. E eu não sei mais o que fazer.
Gabriel a envolveu nos braços e a acalentou, enquanto ela
chorava. Precisava fazer alguma coisa. Não permitiria que sua esposa
sofresse por causa do pai. Uma imensa fúria o invadiu. Não se importava
que o homem fosse o Duque, ou o pai de sua esposa. Ele pagaria pelo
sofrimento que causou a ela.
― Vai ficar tudo bem, meu amor ― Gabriel sussurrou em seu
cabelo. ― Uma hora ele vai parar.
― Não vai ― Clara respondeu, chorosa. ― Ele parece determinado
a perder tudo. Tudo o que eu fiz esse tempo todo como Copas, terá sido
em vão. Vai perder tudo em uma maldita mesa de jogo. Pode até acabar
morto em uma viela qualquer, por causa das dívidas.
― Não perca a esperança, meu amor. Amanhã retornaremos a
Londres e veremos de perto a situação. Nós vamos dar um jeito nisso.
― Não tem jeito. Ele é orgulhoso demais para ouvir e seu vício só
tem aumentado. Ele não se importa de perder tudo o que tem, não se
importa com o que será de sua família.
Ver a sua esposa tão desolada, o encheu de uma determinação
imensa. Ele daria um jeito de resolver aquele problema. Nem que, para
isso, ele mesmo precisasse tomar sobre si toda responsabilidade.
― Então, que perca. Eu cuidarei do dote de suas irmãs. E, quanto
ao seu irmão, há propriedades que não podem ser perdidas por estarem
atreladas ao título, então, ele apenas terá que saber administrá-las, para
que com elas, tenha recurso suficiente para se reerguer. Eu o ajudarei no
que for preciso.
― Isso não está certo ― ela comentou, mas já não chorava mais,
as palavras dele tinham lhe trazido um pouco de alento e esperança.
Que os atos impensados do pai não desgraçassem a vida de seus
irmãos ― Não é responsabilidade sua cuidar da minha família.
― Mas é minha responsabilidade cuidar de você, e se você se
preocupa com sua família, eu me preocupo também. ― O Marquês
ergueu o rosto dela, para que pudesse olhar em seus olhos. ― Eu te
amo, Clara, amo-te com tudo o que tenho e sou. E a sua felicidade é a
coisa mais importante para mim. Então, confie em mim quando digo que
vai ficar tudo bem.
Clara ouviu aquela declaração e sentiu o coração se aquecer e
encher-se de esperança. Confiava no seu marido e também o amava,
não tinha como não amar. Ele era um homem maravilhoso. Já não havia
nenhuma dúvida em seu coração sobre o sentimento que tinha pelo seu
marido.
― Eu confio ― ela respondeu, voltando a abraçá-lo. ― E o amo
também.
― Você me ama? ― Ele sorriu ao ouvir aquelas palavras.
― Sim. ― Ela se afastou do abraço para poder olhá-lo nos olhos.
― Eu amo você, Gabriel Campbell Deen Anbrock, Marquês de
Winchester. Meu coração sempre foi seu, mesmo quando eu insistia em
não o entregar a você.
A felicidade que Gabriel sentiu ao ouvir aquelas palavras, foi tão
intensa, que ele não pôde conter-se e abraçou a esposa, a beijando e
rodopiando com ela no ar.
― Agora sim, posso dizer que minha felicidade é completa. Tinha
medo que nunca me amasse ― Winchester falou, sem afastar os lábios
dos de Clara.
― Era só uma questão de tempo, até eu me dar conta que o
amava ― Clara respondeu, sorrindo, e mordiscou o lábio do marido, o
provocando, e esqueceu-se da carta, quando as mãos do Marquês
desceram lentamente por suas costas.
― Eu vou cuidar de você, prometo que nunca mais terá que se
preocupar com seu pai.― jurou.
― Eu sei. ― Ela sorriu para ele, sentindo o peso que carregou por
tanto tempo ser tirado de suas costas. De alguma forma, seu coração
sentia que com o marido ao seu lado, tudo ficaria bem, ainda que o
mundo desabasse ao seu redor. ― Gabriel, por favor, leve-me para a
nossa cama, preciso sentir você dentro de mim.
Winchester não esperou um segundo a mais, subiu as escadas
com a esposa nos braços em direção ao quarto do casal, iria fazer amor
com ela naquela noite, e dessa vez poderia dizer que a amava quando
se derramasse dentro dela.

Mais tarde, naquela noite, enquanto Clara dormia, Winchester


estava pensando no que poderia fazer para que o Duque não perdesse
tudo que tinha para outros nobres, pois alguns poderiam nunca vender
de volta as propriedades que ganhariam com as apostas.
E, então, a ideia tomou forma em sua mente. Ele tentaria comprar
de volta tudo o que o Duque perdeu com as apostas, usaria o que fosse
preciso para reaver tudo o que fora perdido, ainda que isso levasse
anos, ou o fizesse gastar muito dinheiro, o que tinha certeza que faria.
Mas, antes de qualquer coisa, precisaria encontrar algo para
impedir que seu sogro continuasse a jogar.
CAPÍTULO 21 ― TUDO
FICARÁ BEM
No dia seguinte, eles partiram cedo para Londres. Clara estava
serena, seu olhar tinha perdido o brilho aflito que a leitura da carta havia
causado e ela tinha se acalmado. Ela confiava no seu marido, sabia que
ele a protegeria.
Na noite anterior, ele a tinha acalentado e tinha dado esperanças a
seu coração. Ele cuidaria de tudo e ela não precisava ter medo. E, pela
primeira vez, ela se sentiu protegida de verdade e o peso que tinha
carregado todos esses anos em que fora Copas, havia sido retirado de
suas costas e seu marido era o responsável por aquilo.
Chegaram a Londres um dia depois do esperado, pois a carruagem
em que o Marquês e sua esposa estavam, acabou quebrando, e eles
precisaram esperar que a roda fosse consertada.
― Acho mais prudente enviar uma carta à sua mãe, apesar de
nosso casamento ainda não ser muito bem aceito por ela, está na hora
de contar à sua família a verdade, precisaremos da cooperação deles
para diminuir os gastos. Escreva uma missiva e eu pedirei que alguém a
entregue em sua antiga casa, convidando-a para uma visita. ―
Winchester tomou a iniciativa e Clara concordou, não podia continuar
sozinha nessa empreitada, sua família teria que saber dos gastos do pai.
Clara respirou fundo. Estava realmente aflita com aquela situação,
e sabia que seu marido estava certo. Iria contar a verdade.
― Tudo bem, eu irei escrever a carta. Espero que ela aceite o
convite.
Winchester puxou sua esposa para um abraço e lhe beijou a fronte.
― Vai dar tudo certo, meu amor. Confie em mim.
― Eu confio ― Clara respondeu, beijando os lábios de seu esposo.
Se não fosse por ele, naquele momento estaria desesperada. ―
Obrigada por me ajudar com isso.
― Sempre, meu amor.
Assim que Clara subiu para escrever a carta, Winchester seguiu
para o seu escritório. Tinha passado esses dois dias pensando em um
plano para que os irmãos de Clara não perdessem tudo, e, para isso,
precisaria visitar o Rogue’s o quanto antes, precisaria da ajuda de seus
sócios. Naquela mesma noite iria lá.
Iria comprar todas as dívidas que o Duque tinha com o Rogue’s e
com outros nobres. Apesar de saber que não conseguiria comprar tudo,
tentaria adquirir o máximo possível.
Depois disso, teria uma séria conversa com Lorde Catterfield, não
permitiria que o homem continuasse a ser a causa da infelicidade de sua
esposa.
Naquele dia, o Marquês enviou não uma, mas duas cartas para a
casa Catterfield. E, em seguida, foi até o clube executar a primeira parte
de seu plano.

A resposta para ambas as cartas não tardou a chegar. A Duquesa


havia respondido, anunciando que no dia seguinte faria uma visita a sua
filha para um chá, parecia disposta a fazer as pazes e saber o que a filha
queria contar com tanta urgência.
E, no mesmo horário em que Clara estaria conversando com sua
mãe, o Lorde Winchester receberia o Marquês em sua casa.
Gabriel não havia contado à Clara sobre seu plano, pois não queria
que ela se decepcionasse, caso não desse certo, então deixaria que sua
esposa conversasse com sua mãe em particular, assim ficariam mais à
vontade.
Assim que a Duquesa chegou, Winchester seguiu para a casa
Catterfield. Esperava que o Duque o ouvisse, mas caso, apenas
conversar não resolvesse, então, iria barganhar.
Vinte minutos depois, o Marquês era recebido pelo mordomo dos
Catterfield e direcionado para o escritório do Duque. O homem estava
sentado analisando alguns papéis, e assim que o Marquês entrou no
escritório, Lorde Catterfield ergueu os olhos e se recostou na cadeira.
― Feche a porta, Hamilton ― ordenou ao mordomo e apontou uma
cadeira para o Marquês, para que se sentasse. ― Em que posso ajudá-
lo, Winchester? Sua carta ontem pedia urgência e me deixou bastante
curioso.
― Obrigado por me receber, Vossa Graça. Mas temo que não vá
gostar do motivo de minha vinda aqui.
O Duque apenas ergueu a sobrancelha loira, curioso pelo motivo
da visita. O Marquês continuou, sem se permitir vacilar.
― Soube que foi expulso do Rogue’s ― o Marquês começou.
Tentando entrar no assunto de forma direta.
― Sim, acabei me excedendo um pouco na bebida. Por falar em
beber... Gostaria de algo? ― O Lorde se levantou da cadeira, na qual
estava acomodado e se direcionou para uma estante à sua direita, onde
guardava algumas bebidas.
― Aceito sim.
― Tenho martini, conhaque e whisky.
― Aceito whisky.
― Boa escolha. ― O Duque silenciou, enquanto servia duas doses,
uma para si e outra para o Marquês.
― Não está preocupado com a expulsão? ― o Marquês o instigou
a continuar.
― Não. O clube serviu a meus propósitos, já estava na hora de sair
de lá, apesar de não ser daquela forma que eu pretendia.
― Então, não pretende reaver sua entrada? ― O Marquês ficou
confuso com aquela notícia.
― Foi por isso que veio aqui? Para me fazer um novo convite? ―
O Duque o observou por um tempo. ― Não, não pretendo voltar lá.
― E quanto às suas dívidas? As posses que perdeu, não irá tentar
resgatá-las? ― O Marquês estava cada vez mais confuso.
― Não.
― Não?! ― Winchester franziu o cenho. ― O senhor está
endividado de propósito?
― Não creio que isso te diga respeito, Winchester, não é porque é
casado com minha filha, que te dá direito de se intrometer em minha
vida, garoto.
Aquilo deixou o Marquês irritado.
― É justamente por estar casado com Clara, que eu estou aqui. O
senhor sabe o quanto sofrimento infligiu à sua filha, por causa dessa sua
loucura?
― Sofrimento? Ela sempre teve do bom e do melhor. Garanti que
ela se casasse, dei-lhe um belo dote. O que mais ela poderia querer?
― Um pai que não fosse viciado em jogos, seria um bom começo.
― Cuidado, Winchester, não ouse me insultar em minha casa, ou
eu o jogo para fora, sem me importar que seja meu genro. Fiz o melhor
para minha filha, assim como estou fazendo para as outras, o senhor
não ouse querer me dar lição de moral, quando não conhece os fatos.
― O senhor está cuidando das outras filhas? Perdendo tudo que
poderia mantê-las em segurança nas mesas de jogos? Como pretende
casar as suas filhas, quando não sobrar nem mesmo o dinheiro do dote
delas?
― Isso é problema meu. Não interfira em coisas que não é de sua
incumbência.
― É claro que é de minha incumbência. A partir do momento que
minha esposa se desespera por ver o pai perdendo tudo o que ela
conseguiu recuperar com anos de trabalho, é óbvio que eu preciso
interferir. Não permitirei que ninguém a entristeça, nem mesmo o senhor.
― O que está dizendo? Minha filha não trabalha. Está louco?
― O senhor, nem ao menos, desconfia como ainda não conseguiu
falir completamente?
― Explique-se, Marquês ― o Duque exigiu.
― Por que acha que ela quis se casar tão rapidamente? Por que
acha que não vim aqui exigir o dote, e em vez disso nos casarmos em
Gretna Green? Como acredita que ainda tem dinheiro nos cofres? Foi
ela. Enquanto o senhor se esforçava para perder tudo, sua filha se
esforçava para não deixar a família sofrer as consequências de seus
atos egoístas. E ela nem mesmo imagina que está fazendo isso de
propósito. Apenas sabia que não poderia deixar a família sofrer com a
falta de recursos. E para isso, colocou sua vida e sua reputação em
risco, para tentar consertar os seus erros.
― O que está querendo dizer? ― O Duque parecia incrédulo.
― Clara trabalhava no Rogue’s, para tentar diminuir o estrago que
o senhor fazia nas finanças. Ela era a Dama de Copas.
Aquilo pareceu fazer sentido para o Duque.
― Sempre achei que ela me era familiar ― o Duque comentou,
com um sorriso. ― Deve ser por isso que eu ganhava, mesmo tendo
certeza de que devia ter perdido.
A tranquilidade do Duque irritou Winchester. Que tipo de pai não se
importava com a que sua filha fazia?
― O senhor não se importa com o que ela fez? Não se importa por
todas as vezes que ela chegou perto de ser agredida por sua causa?
Sinceramente, o senhor me enoja. Ela não merece um pai como você. E
você não merece a preocupação dela, quando nem sequer se importa
com o futuro de seus filhos.
― É claro que eu me importo. Ela se casou com você, não foi?
O Marquês se levantou da cadeira. Estava furioso com aquele
homem, precisava ir embora antes que fizesse algo que se arrependeria.
― Não venha dizer que o nosso casamento foi orquestrado por
você ter pensado nela. Você só pensou em si mesmo. Não queria ser
tachado de mentiroso por ter perdido Rostwell e, por isso, apelou ao rei
para que nos casássemos, assim cumpriria sua palavra e Rostwell
pertenceria a quem se casasse com Clara.
― É aí que se engana, Winchester. Sim, eu apostei Rostwell no
calor do momento, mas eu podia ter reavido ele, sem precisar que ela se
casasse com o você, e era isso que inicialmente iria fazer. Mas quando
comecei a coletar informações sobre sua pessoa, eu percebi que seria
um marido excelente para ela, e quando soube que o rei estava
querendo lhe arrumar uma esposa, o convenci a escolher Clara para se
casar com você. Assim, eu resolvi dois problemas de uma única vez.
― E você quer que eu acredite nisso, quando deliberadamente
está perdendo tudo? Ou vai dizer que também arranjou casamento para
suas outras filhas?
― Sim, Caroline e Cristine estão com os casamentos arranjados e
os dotes pagos, apenas aguardam a idade de debutar para poderem se
casar. Então, sim, eu já cuidei do casamento das duas.
― E, quanto a Christopher, o seu filho? Suas dívidas serão
herdadas por ele.
O Duque ficou sério quando seu filho foi mencionado, aquilo deixou
o Marquês pensativo e logo entendeu o que estava acontecendo.
Todas as filhas do Duque eram loiras, assim como o pai, exceto o
Christopher, que tinha cabelos castanhos iguais aos da mãe. Não havia
nada que delatasse que não era filho dos dois, mas Gabriel conhecia
muitos bastardos para saber que nem sempre era a aparência que
indicava, e sim o tratamento. E a expressão que o homem fez, quando
Gabriel tocou no nome do filho, deixou claro para ele que Christopher era
bastardo.
― Ele não é seu filho ― o Marquês expôs o que havia concluído.
― Não ― o Duque respondeu, depois de um tempo. ― Mas irá
herdar mesmo assim, pois, nem eu, nem você, iremos espalhar essa
informação. Eu não tenho outro herdeiro, e não permitirei que o título
saia da família, seria uma desonra ainda maior.
― Por isso, está apostando tudo. Não quer que ele receba o que
conquistou.
― Exatamente. Meu suor. Eu fiz Catterfield prosperar como
nenhum outro Duque conseguiu em toda a história de minha família. E
eu deixaria tudo isso para o meu herdeiro com prazer, se ele realmente
fosse meu.
― Mas que culpa o seu filho tem por ter nascido? ― o Marquês
perguntou. Ele entendia que o Duque estava arrasado por causa da
traição da esposa, mas não entendia por que Catterfield faria o filho
pagar pelos erros da mãe. ― Ele não escolheu de quem seria filho.
― Ele é a lembrança constante da traição de minha esposa. Toda
vez que ele me chama de pai, me enoja. Eu mal posso olhar para ele. E
aquela mulher, muito menos. E o pior é que ela sabe que eu descobri, e
nem sequer veio implorar meu perdão.
― Entendo o ódio que tem de sua esposa, e ele é justificado, mas
seu filho não tem nada a ver com isso. Ele é uma vítima nisso tudo,
ainda mais que você.
― Você não entende, jamais entenderia, não foi você que foi traído.
― Eu não fui traído e rezo para que nunca seja, mas eu cresci
vendo a traição de meu pai, observei de perto a dor que minha mãe
sentia por ter que aceitar aquilo calada. Mas ela jamais culpou nenhum
dos filhos de meu pai, pelo contrário, cuidou de todos eles como se
fossem seus. Mesmo que isso a lembrasse sempre que eles eram filhos
de uma traição. E não foi apenas uma vez, meu pai teve 3 filhos fora do
casamento. ― Winchester viu que o Duque estava irritado, mas ainda
assim, continuou. ― O que estou querendo dizer, é que não precisa ter o
mesmo sangue para ser filho. Seu filho não tem culpa alguma.
― Ele não é meu filho! Saia da minha casa ― o Duque ordenou,
perdendo a compostura. ― Eu não preciso de um moleque me dando
lição de moral.
― Com prazer ― o Marquês respondeu, altivo. Não se importaria
em se afastar daquele homem. ― Mas antes, quero que saiba que estou
em posse de mais da metade de suas dívidas, e logo conseguirei o
restante delas. O senhor pode perder tudo e eu darei um jeito de ser o
dono de cada centímetro de terra que vender. Prometi à Clara que não
permitiria que os irmãos dela sofressem por causa de sua loucura e
cumprirei minha palavra. Se depender de mim, Christopher não herdará
suas dívidas.
― Eu não vou repetir. ― O Duque apontou para a porta, furioso.
Winchester saiu, sem mais delongas. Tinha uma missão longa e
árdua, mas faria tudo que prometeu, pelo bem de sua esposa.
Enquanto seguia na carruagem, outra carruagem passou por ele,
apressadamente, e de relance, pode ver que dentro estava sua esposa.
Aquele dia estava só começando.
Clara não queria acreditar nas palavras que sua mãe havia lhe
confidenciado. Não podia ser verdade.
Mas que outro motivo teria para o seu pai agir daquela forma?
O fato de a Duquesa tê-lo traído, responderia muitas das perguntas
que ela não queria fazer para seu pai, mas, nesse momento, precisava.
Não conseguia acreditar que ele estava fazendo tudo aquilo para se
vingar da traição.
Para tirar aquela história a limpo, Clara pegou uma carruagem para
a casa Catterfield.
― Clara, não faça isso ― a mãe havia implorado, preocupada com
a reação do marido. ― Ele nunca me perdoará pelo que fiz.
― Esse tempo todo, mamãe, eu me arriscava para minimizar as
consequências dos erros do papai, e nunca tinha conseguido entender
por que ele havia mudado tanto da água para o vinho, depois do
nascimento do Christopher. E a senhora sempre soube. Na verdade,
tudo isso foi tanto culpa da senhora, quanto do papai. E quem está
pagando pelos erros de vocês, somos nós. Não é justo.
Clara não conseguia acreditar que a mãe havia tido coragem de
trair o marido.
― Você pensa que poderá mudar alguma coisa, mas não pode.
Você é só uma mulher, Clara, seu pai jamais vai lhe dar ouvidos. Não
seja tola de acreditar nisso. Sairemos nós duas prejudicadas.
― Até a senhora nos trair, nós éramos uma família amorosa e feliz,
papai nos amava e nos protegia. Ele está fazendo tudo isso por causa da
senhora.
― Eu sei, eu estraguei tudo, e eu sinto muito, mas conversar com
seu pai não vai mudar nada. Ele é um homem orgulhoso, e odiará você
por dizer a ele que está errado por agir da forma que tem agido.
― Alguém precisa fazê-lo, mamãe, e creio que a senhora não está
apta para ser essa pessoa.
Essas haviam sido suas últimas palavras, antes de subir na
carruagem e deixar sua mãe para trás.
Quando já se aproximava de Catterfield, outra carruagem passou
por ela, mas ela estava tão absorta em pensamentos que não
reconheceu a carruagem, ou o homem que ia dentro.
Seu foco todo era no que diria a seu pai quando o encontrasse.
Tentaria convencê-lo a parar com aquela loucura, não poderia viver sua
vida preocupada com sua família. Ela precisava que seu pai parasse de
agir inconsequentemente, precisava que ele a ouvisse. E imploraria a ele
para parar se fosse preciso.
Assim que chegou em frente à casa, respirou fundo e se dirigiu
para a porta, o mordomo a abriu antes que ela batesse e Clara não
esperou que o homem a guiasse e anunciasse, pois sabia exatamente
onde o pai estava.
Abriu a porta do escritório do pai, sem sequer bater. O Duque
estava bebendo e parecia irritado, mas ela não se importou.
― Me diga que não é verdade? ― ela implorou, quando ele olhou
para ela. ― Me diga que não está fazendo isso tudo por causa da traição
da mamãe.
O Duque a fuzilou com os olhos. Não precisava de mais uma lição
de moral naquele momento. Já odiava o suficiente o homem que via no
espelho toda a manhã. A traição da única mulher que ele amou, tinha
doído muito mais do que ele deixava transparecer. Seu coração havia se
partido quando soube o que a mulher fazia na sua ausência, quando
presenciou o ato, escondido na antessala que unia os quartos. Jurou que
a mulher pagaria por aquela dor. Tentou cuidar das filhas, as únicas que
tinham o sangue dele, mas para a mulher, tentaria não deixar nada, além
de dívidas, assim como para o filho dela com o amante.
Ao ver que seu pai permanecia calado, Clara continuou.
― Eu entendo que esteja furioso com ela, eu também estou, não
acredito que ela nos traiu desse jeito, mas o que tem feito, perdido seus
bens dessa forma, é algo que não consigo entender. Por que nos culpa
pelos erros dela? Nos odeia também?
― Eu não culpo nenhuma de vocês. Amo vocês com todo meu
coração, as únicas coisas boas que saíram daquela mulher ― o Duque
declarou, passando as mãos no rosto. ― Jamais as odiaria.
― Então por que está fazendo isso?
― Você não entenderia, é apenas uma mulher.
― Eu entendo bem mais do que imagina, mas não consigo ver
nenhum motivo para o senhor fazer os filhos pagarem pelo erro da mãe.
― Eu não estou fazendo vocês pagarem por nada. Tenho cuidado
de vocês durante todos esses anos, mesmo depois de descobrir a
traidora que sua mãe é.
Aquilo irritou Clara. Ele realmente não via o infortúnio que causou à
família por causa de sua vingança imbecil.
― Não. O senhor não tem feito nada disso. Há anos nos virou às
costas. Sua vida consiste em perder sua fortuna nas casas de apostas e,
se não fosse por mim, já teria conseguido. O senhor tem noção de tudo
que eu passei para impedir que fosse à falência? ― Clara já não
continha a raiva, e ela fez seus olhos se encherem de água. ― Eu
precisei trabalhar, colocando minha reputação e minha vida em risco,
para poder vigiá-lo de perto, corri ainda mais riscos apostando contra
nobres como o senhor, e até já fui agredida por um, ou outro mau-
perdedor. É isso que o senhor chama de cuidar de nós? As gêmeas
estão próximas de debutar e, nem sequer, terão um dote, e Christopher
só herdará dívidas. É assim que cuida de seus filhos?
― Suas irmãs já estão com os casamentos marcados, eu já cuidei
disso. E, quanto a seu irmão, eu não me importo com ele.
― Como pode dizer isso? Ele é seu filho.
O Duque explodiu pela segunda vez naquele dia.
― Ele não é meu filho. Não ouse dizer que aquele bastardo é meu
filho. Sua mãe me traiu com o Callahran.
Aquilo pegou Clara de surpresa. Sabia que sua mãe tinha traído,
mas não que Christopher era fruto de uma traição. Seu pai estava
enganado. Christopher não era filho de Lorde Callahran, era dele.
― Papai, o senhor está enganado, a mamãe me contou que
começou a ter o caso com o Callahran quando já estava grávida do
Christopher. O senhor estava viajando e ela se sentiu sozinha... E, por
isso, o traiu. Não estou justificando os atos dela. Mas Christopher é seu
filho, não de Lorde Callahran.
― É claro que é, sua mãe mentiu, ela não iria lhe dizer que o filho
dela é um bastardo. O caso dela com o Callahran é bem mais antigo.
Não seja tola.
― Não, papai. Eu tenho certeza ― Clara informou. ― Uma vez a
mamãe me contou que Callahran não podia ter filhos. Esse é o motivo de
ele nunca ter se casado.
Aquelas palavras fizeram o Duque franzir o cenho.
― Ele não pode ter filhos, mas ter um caso com a minha esposa
ele pôde.
― Eu não entendo como funciona. ― Clara corou. ― Mas ela
realmente comentou que ele não podia ter filhos, e na época eu
perguntei a ele, e ele confirmou.
― Me nego a acreditar nessa mentira. Ele nunca falou isso quando
éramos amigos ― o Duque expôs. ― Você sempre gostou muito dele,
por isso, o defende.
― Não estou defendendo-o. Não foi certo o que ele e a mamãe
fizeram com o senhor. Mas o Christopher é seu filho.
O Duque não parecia saber o que dizer, aquela notícia era
novidade para ele. Tinha mesmo acreditado que o Christopher era fruto
da traição. Mas e se tivesse se enganado? Estaria destruindo o futuro de
seu filho, por culpa de sua esposa.
Clara via a confusão no rosto do pai. O conflito que ele estava
passando. O homem parecia tão perdido, que ela se condoeu.
― Papai, eu sinto muito. Entendo o que o senhor deve estar...
― Não, Clara! Não entende. E eu rezo para que nunca entenda ―
o Duque a cortou.
Ninguém seria capaz de compreender que seus atos foram
resultado da fissura em seu coração. Ele tinha amado a Duquesa antes
de se casar com ela, e quando a teve como esposa, se sentia o homem
mais realizado, por ter o objeto de seu desejo para sempre em sua vida.
Mas o amor quando não retribuído, só gera dor, e essa dor se enraíza,
cega, destrói. Por anos, o Duque alimentou aquela dor, por anos, ele a
remoeu, e aquilo o destruiu completamente, a ponto de enxergar em seu
filho, o fruto do pecado de sua esposa.
― Eu a amei, amava todos vocês. E ela me destruiu, tudo que eu
tinha de bom foi arrancado de mim. Você não entenderia isso. Não sabe
o que é ter o seu coração feito em pedaços a cada dia. Saber que faria
tudo, e daria a sua vida por uma pessoa que não se importa e que, ao
fazer isso, seria para outro homem sua gratidão e seu amor. Eu dei tudo
que estava ao meu alcance para a sua mãe e, ainda assim, não foi
suficiente para ela me amar. Eu a idolatrei, e nessa idolatria eu neguei a
mim mesmo, neguei a minha felicidade em prol da dela e para quê? Para
ser traído! Não, filha. Não diga que me entende, porque para me
entender, você teria que passar por isso. E eu realmente não desejo isso
para ninguém, por pior que seja. Sei quem é o homem que eu me tornei,
e não me orgulho dele. Ainda mais agora sabendo que na minha ira eu
posso ter ferido o meu próprio filho. Nenhum de vocês merece pagar
pelo erro de sua mãe, eu não permitiria. Mas eu não a podia deixar
impune pelo que fez, e por isso, eu estava me tornando tudo o que ela
mais odiava, pois ela não merecia o homem bom que eu era. Eu tentei
traí-la, devolver na mesma moeda, mas não conseguia ser igual a ela.
Não conseguia quebrar meus votos. Por isso, eu me endividei, para que
ela não pudesse manter a vida de luxo, meu ausentei porque não
suportava vê-la. Eu fugi de meus problemas na bebida. Eu fiz tudo
errado, mas o fiz para tentar abrandar a dor de meu coração.
Clara não conseguia segurar as lágrimas que caiam em sintonia
com as lágrimas de seu pai. Ver um dos homens que mais amava na
vida daquela forma tão frágil, lhe partia o coração.
― Ah, papai. Eu sinto muito. ― Clara o abraçou, tentando consolá-
lo. ― Eu realmente sinto muito.
O Duque chorou nos braços da filha. E em sua cabeça se lembrou
das vezes que era ela quem corria chorando para seus braços, para ser
consolada. Sua garotinha tinha crescido e ele nem mesmo viu isso
acontecer.
Depois de alguns minutos o Duque a afastou, recuperando um
pouco o orgulho e a dignidade que ainda possuía. Enxugou as lágrimas
e Clara percebeu que ele tinha uma nova resolução no olhar.
― O senhor está bem? ― ela perguntou, ainda preocupada.
― Não, mas vou ficar quando corrigir meus erros ― o Duque
prometeu. ― Tenho muito a que conversar com sua mãe, com Callahran
e também com seu marido, acredito que temos alguns assuntos a tratar.
― Com o Gabriel? ― Clara indagou, curiosa.
― Ele comprou a metade de minhas dívidas, para impedir que o
Christopher não tivesse o que herdar ― o Duque explicou.
― Oh. ― Clara sorriu ao entender o que o marido tinha feito.
― Ele é um bom homem, e claramente a ama ― o Duque começou
a falar e Clara notou preocupação nos olhos dele.
― Eu o amo também, papai, ele me faz feliz como há muito tempo
não sou. O senhor havia dito que eu iria lhe agradecer por me obrigar a
casar com ele, e o senhor tinha razão. ― Clara segurou a mão do pai
entre as suas. ― Muito obrigada por dar-me em casamento a ele.
― Muito me alegra que, mesmo de uma forma errada, eu tenha
feito algo correto. Saiba que nunca deixei de amar você e as suas irmãs.
Espero que o Christopher um dia me perdoe, por não o ter amado.
― Ele vai entender, ainda é uma criança. E dá tempo de amá-lo. ―
Clara abraçou o pai. ― Agora, eu preciso ir. O senhor ficará bem?
― Sim, eu ficarei bem. ― O Duque suspirou.
Clara se direcionou para a saída e, então, se lembrou de algo.
― Ah, papai, depois precisamos conversar sobre o casamento das
gêmeas. Não acho que elas devem ser obrigadas a casar. Sei que
devem ser homens bons, mas acho que elas gostariam de poder ter a
decisão final sobre o homem com quem passarão o resto da vida.
― Tudo bem. E também quero saber como conseguiu se tornar a
Dama de Copas.
Clara franziu o cenho, não tinha revelado a seu pai quem era,
então, como ele sabia?
― Como descobriu? ― perguntou, curiosa.
― Seu marido.
Clara se surpreendeu com a resposta, mas não sentiu raiva por
Gabriel ter revelado seu segredo. Muitas coisas tinham acontecido
naquele dia para se irritar com esse detalhe, que nem era tão relevante,
dado a situação. Mas uma pergunta a intrigava. Quando foi que o seu
marido conversou com seu pai?
― Quando...?
― Hoje, mais cedo ― o Duque respondeu. ― Ele saiu poucos
minutos antes de você chegar, é um milagre que não tenham se
encontrado.
Clara se lembrou que uma carruagem tinha passado por ela
quando se aproximava da mansão. Só podia ter sido o seu marido.
― Então, eu devo ir. Meu marido pode ficar preocupado por não me
encontrar em casa quando não lhe avisei sobre minha saída. ― Clara se
despediu de seu pai com um abraço e se direcionou para a saída.
Ao sair da mansão, se surpreendeu ao encontrar o marido
esperando-a, ao lado de uma carruagem. O sorriso foi impossível de
segurar. E, sem se importar com quem pudesse estar vendo-a naquele
momento, se jogou nos braços do Marquês.
― Eu a vi passar na carruagem e decidi esperá-la ― o Marquês se
explicou, quando ela se desvencilhou de seu abraço para olhar para ele.
― Vamos para casa?
― Sim, vamos para casa ― ela respondeu, sorrindo.

― Obrigada ― ela agradeceu, quando a carruagem começou a se


mover.
― Pelo quê? ― ele perguntou, sem saber a que ela se referia
exatamente.
― Por tudo. Por cuidar de mim. Por ter vindo mais cedo tentar
resolver as coisas com meu pai.
― Não me agradeça por isso, não consegui resolver muita coisa
com o Duque. Pelo contrário. Acho que ele me odeia agora. ― Gabriel
suspirou, triste.
Clara sorriu e aproveitou que a carruagem era fechada para tomar
a boca de seu marido na sua.
― Você é um homem incrível, Gabriel ― ela disse, depois que
encerraram o beijo. ― Meu pai falou que esteve lá mais cedo e que
havia comprado algumas dívidas dele para que meu irmão não herdasse
apenas dívidas.
― Foi a melhor solução que eu encontrei, dada as circunstâncias
― Gabriel respondeu, sentindo seu peito se encher de orgulho, ao ver a
gratidão estampada nos olhos de sua esposa. Em seguida, ficou triste ao
lembrar que havia remediado apenas parte da situação e não resolvido o
problema como um todo. ― Mas se ele continuar gastando tudo, eu não
terei muitos recursos para comprar as dívidas dele.
― Ah, não se preocupe com isso. Ele não vai mais se endividar. ―
Clara contou-lhe toda a conversa com o pai e o Marquês a ouviu, atento.
― A história de seu pai é como a da minha mãe. Amar sem ser
correspondido. Fico feliz que não tenhamos que carregar esse fardo que
eles carregaram. Tive muito medo de ser igual a sua mãe, ou a meu pai,
e não sei o que faria se você não me amasse, só sei que seria o homem
mais infeliz do mundo. Temi que me odiasse para sempre, por tudo o que
eu fiz e disse sobre você.
― Eu nunca consegui lhe odiar de verdade, e mesmo quando o
odiava, eu já estava apaixonada por você. ― Clara parou de falar,
quando Winchester a beijou. E assim que ele se afastou, ela continuou
com um sorriso. ― Eu cheguei a sentir ciúme de mim mesma.
― Eu já a amava mesmo quando não sabia quem você era.
Sempre foi você, e quando eu dizia que não a queria, era apenas medo.
No fundo, eu sempre a quis. Você sempre foi e sempre vai ser a mulher
da minha vida. Eu te amo, Lady Winchester.
― E eu amo você, Lorde Winchester.
O casal, então, se perdeu entre os beijos. Agora, com a certeza de
que o amor que sentiam, era correspondido e que tudo ficaria bem.
EPÍLOGO
Dez meses depois...

Naquela manhã, o Marquês saiu da casa do Duque, com um


sorriso no rosto. Finalmente, Lorde Catterfield tinha comprado a última
dívida que ele possuía.
Pegou a carruagem e voltou para Winchester House, onde sua
esposa o esperava, com um sorriso no rosto.
Eles partiriam naquela mesma manhã para Willow Castle. E
estavam ansiosos para irem para casa. O castelo tinha se tornado um lar
novamente. Alice morava com eles e, agora, na companhia de Clara, ela
fazia visitas regulares a Magdala e tinha criado um vínculo especial com
a pequena Alinn, que, para o desespero de Fernanda, estava criando
gosto por animais estranhos e não domesticados.
Lady Catterfield estava há nove meses morando no campo, ela
mesma tinha tomado a decisão de não ficar mais na presença do Duque.
Catterfield não a tinha exposto publicamente, mas tinha contado o que
havia acontecido para os filhos, e todos ficaram do lado do pai.
Cristine e Caroline, quando debutassem, seriam amadrinhadas pela
irmã, Lady Clara Winchester, que as ajudaria a escolher um bom marido,
caso não se interessassem pelos homens que seu pai havia arrumado. E
foi confirmado por um médico, que Callahran realmente não podia ter
filhos. Isso tinha feito o Duque de Catterfield se dedicar integralmente ao
herdeiro, na tentativa de reparar os anos perdidos.
Com a ajuda de Clara e Phillipa, Winchester tinha conseguido
encontrar uma nova governanta para Alice. A Sra. Taylor parecia uma
mulher bastante paciente e não tinha nada contra as criaturas de Deus,
desde que elas não a atacassem.

Na carruagem, Clara observava o marido olhar a paisagem pela


janela. Ela era loucamente apaixonada por aquele homem. Nunca
pensou que fosse amá-lo tanto. Mas a cada dia que passava, se sentia
cada vez mais abençoada por tê-lo como marido.
Ele era um homem extremamente carinhoso e fazia tudo para vê-la
feliz. E ela o retribuía na mesma intensidade. Eram um casal feliz.
― Cada dia que passa, eu o amo um pouco mais, sabia? ― ela
comentou, se inclinando para beijar-lhe os lábios.
― É recíproco, meu amor. Amo-te infinitamente ― ele declarou,
puxando-a para seu colo.
Clara pôde sentir o desejo dele espelhando o seu e sorriu. Adorava
fazer amor com seu marido. Em qualquer lugar. Isso a fez lembrar de um
detalhe que estava escondendo dele. Suas regras estavam atrasadas
novamente.
Elas não costumavam ser regulares e, vez ou outra, atrasavam.
Mas já fazia quase um mês que não vinham e elas nunca se atrasaram
tanto. Estava esperançosa que dessa vez estivesse grávida. Mas só
contaria para ele depois que um médico a examinasse. Porque não
sentia nenhum sintoma de gravidez que as mulheres costumavam se
queixar. Nada de enjoos, ou sonolência. Sentia-se bem. Exceto pelos
seios doloridos, mas isso podia ser apenas sintoma da proximidade de
suas regras.
― O que está pensando? ― o Marquês perguntou, ao percebê-la
absorta em pensamentos.
― Apenas que eu gostaria muito de ter um filho seu ― ela lhe
confidenciou.
― Eu espero que já esteja esperando nosso bebê. Suas regras não
vieram este mês ainda, não é?
Aquela pergunta surpreendeu Clara.
― Eu pensei que você não tivesse notado. Não é a primeira vez,
então, pode não ser nada. ― Ela baixou a cabeça, tentando não
demonstrar o quanto queria que fosse um bebê. Temia dar a ele
esperança e decepcioná-lo ― Eu não sinto nada diferente, é provável
que não esteja esperando um filho.
― Eu estou com um bom pressentimento sobre esse atraso. ― O
Marquês lhe sorriu. ― Seus seios estão maiores, meu amor.
― Estão? ― Ela o fitou, incrédula.
― Estão sim. Você não repara neles como eu ― ele comentou,
puxando o corpete do vestido dela, para observá-los.
― Mesmo assim, não acho que seja sintoma de gravidez ― ela
respondeu, cruzando os braços e com isso, fazendo-o largar o corpete e
escondendo os seios da vista dele.
― Não há por que se preocupar, minha fadinha. Se não estiver
grávida, continuaremos tentando, até que minha semente brote no seu
ventre. Aliás, não me importo de continuar tentando por mais alguns
meses, então, não precisa de pressa. Vamos desfrutar as tentativas, que
na hora certa, teremos nosso bebê.
Winchester voltou a beijá-la, impedindo, assim, que ela continuasse
pensando naquele assunto. E a manteve ocupada durante todo o
restante da viagem.

Seis meses depois...

Winchester estava em seu escritório repassando algumas contas


da propriedade, quando seu mordomo veio lhe anunciar que ele tinha
uma visita. Sir Bernard Sulmore, o Barão de Montress, pedia uma
audiência com ele. Aquilo o intrigou. O Barão não o visitava desde que
descobriu sobre a gravidez da irmã, entretanto todo mês ele mandava
uma quantia para que Gabriel repassasse para Fernanda.
O que o homem poderia querer dele?
Pediu que o mordomo o deixasse entrar.
Montress entrou com o semblante sério e decidido. O amigo
sempre tinha sido reservado com as palavras e um pouco recluso,
enquanto Gabriel era o oposto disso. Aquele fato tinha feito deles bons
amigos no passado.
― Há quanto tempo, Montress. ― o Marquês saudou o homem. ―
Em que posso ajudá-lo, velho amigo?
― Obrigado por me receber. Peço desculpas por não ter avisado
de minha visita com antecedência. Mas gostaria de lhe pedir um enorme
favor, em nome dos velhos tempos.
Mesmo tendo passado tantos anos, o Marquês não poderia virar às
costas para uma amizade tão antiga quanto aquela. Montress era seu
amigo desde que ele era um menino. E passaram por muitas coisas
juntos. Talvez, estivesse na hora de retomar a amizade e deixar os
problemas que os afastaram no passado. Um favor talvez ajudasse.
― Diga. Se estiver ao meu alcance, o ajudarei ― o Marquês
concordou e viu um brilho de esperança brotar nos olhos do amigo.
― Quero que me ajude a me reaproximar de minha irmã.
O Marquês sorriu com aquela informação. Há muito tempo
esperava ver Fernanda e Bernardo fazerem as pazes.
― Fico feliz que, finalmente, tenha tomado essa decisão. Tentarei
ajudá-lo no que for preciso, mas precisamos ir com calma, não será fácil,
precisará ter paciência.
― Eu sei. Não teria vindo se não estivesse realmente disposto a
isso.
― O que mudou? ― Winchester perguntou, curioso.
― Uma mulher me fez ver que a família é um bem precioso demais
para perder, por coisas triviais.
O Marquês sorriu. Estava feliz com a decisão do amigo. Esperava
apenas que Fernanda desse uma chance para o Barão se desculpar.
Ambos mereciam uma segunda chance de consertar os seus erros.
― Será um prazer ajudar.

Assim que o Barão se retirou, Lady Winchester entrou no escritório


do marido. Estava no sexto mês de gravidez e ambos não podiam estar
mais felizes.
― Quem era o homem que acabou de sair? ― Clara perguntou,
curiosa. O homem lhe pareceu vagamente familiar.
― Era irmão da Fernanda.
― O Barão de Montress?
A lady ficou em frente ao marido, usando a mesa de mogno como
encosto. Ficar muito tempo em pé lhe deixava cansada e seus pés
estavam sempre inchados.
― Sim, ele mesmo ― Winchester respondeu e se inclinou para
beijar a barriga de sua esposa.
― O que ele queria?
― Fazer as pazes com a irmã.
― Ah, mas isso é maravilhoso.
― Concordo, família é a coisa mais importante do mundo ― o
Marquês disse, em tom de adoração, enquanto fitava sua esposa e
acariciava o ventre arredondado.
― Com certeza, meu amor. ― Clara sorriu, devolvendo o olhar
devotado que seu marido lhe dava. Amava aquele homem e a família
que tinha com ele, que em breve, se multiplicaria. ― Com toda certeza.

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