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Jess Michaels
Sinopse
Um mês depois
*****
*****
Anne observou Thomasina deslizar do quarto uma hora depois,
envolta no vestido vermelho, parecendo deslumbrante. A irmã estava
nervosa. Thomasina estava sempre nervosa, mas parecia mais,
especialmente, em torno de Harcourt. O homem trazia aquilo à tona nas
pessoas. Será que Thomasina ficaria bem?
Claro que ela ficaria. Harcourt não era cruel, mesmo que fosse
severo e chato. E ele tinha tão pouco interesse em Anne que era altamente
improvável que ele não reconhecesse a mudança.
De qualquer maneira, agora estava feito e o plano foi posto em
movimento. Restavam apenas alguns passos para executar e ela estaria
livre. Ou, pelo menos, amarrada a um novo futuro. Talvez não houvesse
liberdade.
— Você parece perturbada, senhorita — disse sua empregada Nora,
enquanto endireitava a mesa onde preparara Thomasina.
Anne forçou um sorriso para ela, pois ela sabia tão pouco sobre a
verdade quanto qualquer outra pessoa. — Oh! apenas cansada.
— É claro que você está cansada depois de toda a emoção de
mandar sua irmã fingir ser você. Bem, deixe-me ajudá-la a tirar seu vestido
e levá-la à cama. — Nora estava radiante enquanto falava, claramente
emocionada por fazer parte daquele segredo.
Ou, o máximo que Anne contou. Ela levantou a mão. — Sabe, acho
que vou ficar de vestido. Vou me deitar um pouco, mas posso dar uma
espiada no baile e garantir que minha irmã esteja bem.
Nora inclinou a cabeça como se estivesse preocupada, mas depois
deu de ombros. — Como desejar, senhorita. Toque quando estiver pronta.
Anne sorriu quando a criada saiu da sala, mas no momento em que a
porta foi fechada atrás dela, ela entrou em ação. Ela havia arrumado uma
sacola pequena no início do dia e a tirou de debaixo da cama. Continha
apenas dois vestidos e alguns outros itens, mas ela jogou o pente e alguns
grampos com o resto e a fechou com cuidado.
Ela foi até os travesseiros e pegou a mensagem que escrevera para
Thomasina algumas horas antes. Deus, como ela havia trabalhado com a
mensagem, tentando criar um tom alegre que dissesse às irmãs que ela
estava feliz com sua escolha, para que não se preocupassem muito. Ela
sabia que estava deixando-as com uma bagunça poderosa para limpar.
Ainda assim, ela voltaria assim que se casasse, e depois ajudaria a todas e
tomaria o peso de qualquer punição que seu pai ou Harcourt escolhessem
aplicar.
Ela empurrou a mensagem de volta para debaixo do travesseiro,
com apenas o canto saindo, para o caso de Nora voltar primeiro — ela não
queria que a empregada a encontrasse. Mas uma vez que ela estivesse
desaparecida, certamente Thomasina e Juliana vasculhariam seu quarto em
busca de pistas e então um delas a descobriria.
Ela deixou os dedos descansarem na mensagem por um momento,
como se pudesse derramar um pouco de seu amor na página e transferi-lo às
irmãs. Então ela pegou a valise e foi até a porta.
Ela espiou. Não havia criados à vista, não que ela esperasse. Com o
baile acontecendo, todos estariam ocupados no corredor e no andar de baixo
antes de começarem a preparar os aposentos para seus ocupantes dormirem.
Aquilo lhe deu a melhor chance de escapar sem ser detectada.
A escada de serviço ficava no final do corredor e ela desceu,
encostada na parede a cada curva para que não fosse vista. Mas finalmente
ela chegou aos fundos da casa, onde as entregas eram feitas, e saiu para o ar
fresco da noite.
Todas as carruagens para os visitantes estavam estacionadas em
torno daquele lado da casa para manter a unidade e a estabilidade
organizadas. Ellis havia dito que ele se encontraria entre elas, e seu coração
pulou quando ela olhou à casa uma última vez.
Ela lamentou que essa fosse sua única escolha. Lamentou o
problema que causaria às irmãs. Lamentou o constrangimento que
provocaria para Harcourt. Mas ela não podia aceitar o vazio do seu futuro
com ele, nem imaginar como poderia ser feliz com ele.
Verdade seja dita, ela também teve dificuldade em imaginar aquela
felicidade com Ellis. Mas talvez, era apenas o nervosismo falando. Ele
certamente era um par melhor para ela do que Harcourt e...
Seus pensamentos foram interrompidos quando uma pessoa saiu
entre as carruagens e a pegou pelo braço. Ela ofegou e se virou, colidindo
de frente com o peito largo de Ellis. Ela olhou para ele ao luar e respirou
fundo, não com alegria, mas com medo. A luz o atingiu exatamente assim e
ele não estava mais tão bonito quanto ela se lembrava, mas intimidador. A
sobrancelha dele estava baixa e seus olhos mostravam uma intensidade que
não a deixava confortável.
Mas então ele sorriu e levantou a cabeça e a luz o atingiu de maneira
diferente, e tudo estava bem novamente. Ela riu nervosamente e puxou o
braço dele.
— Você veio! — Ellis disse quando pegou a pequena valise. — Eu
pensei que você não conseguiria. Eu me perguntei o que teria que fazer se
você não o fizesse.
— Você tinha planos de fazer alguma coisa se eu recusasse? — Ela
perguntou.
Ele sorriu e a covinha apareceu em sua bochecha. — Eu sempre
tenho planos, minha querida. Agora vamos, não temos tempo para tolices.
Precisamos fugir antes de sermos pegos.
Ele agarrou a mão dela de novo e começou a tecer entre as
carruagens, esquivando-se dos lacaios e motoristas enquanto eles fumavam
e riam à luz fraca da casa acima.
Ellis a estava puxando, quase a arrastando, enquanto saíam do
amontoado de veículos e desciam uma pequena colina em direção ao
estábulo principal. Um phaeton estava estacionado ali, velho e acabado,
com um cavalo magro e um tanto triste pastando na grama alta perto do
caminho.
— Aqui estamos, — declarou Ellis.
Ela olhou para o phaeton e para o cavalo raquítico. — Nós vamos
para Gretna Green nisto? — Ela perguntou enquanto ele a segurava na parte
traseira da plataforma. Dias de distância?
Ele olhou para a plataforma e se voltou para ela. — Er, não. Não,
claro que não. Esse foi simplesmente o método mais fácil de pegar você
hoje à noite. Pararemos ao longo da estrada e mudaremos para uma
carruagem muito mais confortável... e particular.
Ele ergueu as sobrancelhas e piscou, antes de apertar a mão dela e
ajudá-la a se sentar. Ela se acomodou, alisando as saias ao redor dela e
puxando avalise um pouco mais apertada em volta dos ombros.
Ele subiu no lado oposto e pegou as rédeas.
— Mas Ellis, — ela começou.
Ele a interrompeu, virando-se, segurando as bochechas dela e
pressionando sua boca com força na dela. Ela recuou um pouco. O
relacionamento deles nunca avançara além de darem as mãos, e agora ele a
estava beijando. A língua dele varreu seus lábios e ele sentiu um gosto forte
de uísque.
Ela se afastou e ele sorriu para ela. Ela supôs que deveria ter sentido
algo agora que ele finalmente a reivindicou de uma maneira mais física.
Mas não havia nada. Sem vibração de desejo. Não havia
necessidade de fazer o mesmo novamente. Nada como em seus livros ou em
seus sonhos. Ela não sentiu... nada. Exceto nervosismo. Uma dor que dizia
que talvez ela tivesse cometido um erro. Porém Ellis já havia sacudido as
rédeas, instando o pobre pônei a trotar em direção ao portão na parte
inferior da entrada.
— Ellis, — ela começou de novo.
— Silêncio agora, — disse ele, seu tom um pouco mais duro do que
antes. — São muitos dias de aventura pela nossa frente.
Ela assentiu. Sim, aventura. Era isso que ela queria, afinal. Ela só
precisava ordenar os pensamentos para isso. Ela estava partindo em uma
aventura com este homem. Uma vez que seu nervosismo desaparecesseria,
pode até ser divertido.
— Por que você não fecha os olhos e tenta dormir se puder?
Ela franziu a testa com a ideia de que ela poderia dormir quando sua
mente estava acelerada e seus arrependimentos estavam subindo com o
jantar de horas antes. Ela fugiu de um homem pelo qual não sentia nada. Se
relacionava com um homem que ela achava que podia fazê-la se sentir
diferente. Ela queria experimentar outros sentimentos agora, para que isso
não parecesse um erro.
Mas ela se perguntava se seria apenas incapaz de sentir conexão ou
desejo. Seria ela o problema?
E agora que ela estava na estrada, arruinada para o mundo, teria
alguma chance de sentir qualquer coisa além de se arrepender de novo?
*****
*****
*****
Rook teve que dar valor a Anne Shelley. Ela parecia uma dama
frágil, mas certamente se segurara com um ferro que era atraente para ela.
Sim, ela vomitou tudo o que havia comido, provavelmente coisas que nem
se lembrava de comer, mas ela não disse nada sobre aquilo quando tudo
acabou. Ela se sentou sem reclamar, ou choramingar, ou chorar, olhando
fixamente à frente, seu olhar não refletindo nenhum medo, vergonha e dor
que ele sabia que certamente queimava em seu coração.
Quando o mar ficou mais calmo ao chegarem às minúsculas ilhas
exteriores da costa sul da Escócia, ela parou de enjoar. Agora espiava por
cima do ombro, olhando através da penumbra do amanhecer enquanto o
destino deles aumentava à distância. Seu capitão habilmente os atraiu às
águas tranquilas da ilha diante deles.
A senhorita Shelley se mexeu e girou completamente enquanto
olhava à floresta selvagem e emaranhada logo depois da praia rochosa e da
doca precária onde o capitão estava protegendo o barco.
Ele olhou para Rook em expectativa, e Rook deixou escapar o
fôlego quando se levantou, passou por cima da senhorita Shelley com
cuidado e pegou a pequena valise. Ele parou na doca e agarrou uma das
colunas para se levantar. Ela se levantou e estava se equilibrando
precariamente.
— Venha, — ele disse, oferecendo a mão para ela.
Suas pupilas dilataram uma fração, mas fez como lhe foi dito,
aproximando-se com pequenos passos através do barco balançando. Ela
olhou para a mão estendida, exatamente como fez quando ele a ajudou a
entrar no barco horas antes. Mas este seria um passo muito maior. Ele já
estava calculando se teria que levantá-la. Ela apertou os dedos dele
finalmente, mas o passo era grande demais para ela dar, mesmo com o
apoio dele. Ele se curvou parcialmente, deslizou as mãos sob os braços dela
e a puxou para cima. Quando ele a colocou de pé, ela cambaleou um pouco,
apoiando a mão no peito dele para se firmar e o encarou.
Ele a soltou e ela se afastou alguns passos, suas bochechas ardendo
de cor. Ele se recusava a reconhecer qualquer uma de suas próprias reações
àquele breve toque. Fazia muito tempo que uma mulher colocara as mãos
nele. E ele não tinha interesse naquela que seu primo estava enganando.
— Obrigado, capitão Quinton, — ele disse ao velho ainda
esperando. — Posso pegar um refresco para você antes da sua viagem ao
continente?
— Não, mas você pode me pagar, — ele resmungou.
Rook piscou para ele. — Meu primo deveria pagar você.
O velho balançou a cabeça. — seu primo me pagou para levá-lo até
Beckfoot. Mas não para a viagem de volta.
Rook apertou os lábios. Sob qualquer outra circunstância, ele
poderia ter discutido com o capitão. Ele poderia ter se esforçado para saber
se ele estava mentindo para cobrar duas vezes o valor devido. Só que,
quando se tratava de Ellis, sempre havia uma trapaça. Rook não tinha
motivos para duvidar que houvesse uma dessa vez também.
— Burro dos burros, — ele resmungou para si mesmo, mais irritado
do que nunca com Ellis por arrastá-lo para suas merdas, mais uma vez.
Ele enfiou a mão no bolso e sacou o pouco dinheiro que tinha com
ele. — Isso terá que dar, — disse ele. — É tudo o que tenho.
O capitão aceitou a oferta e passou por ela. Ele olhou para Rook
antes de desamarrar o equipamento e se soltar para o sol nascente da
manhã. Aquele era um homem que nunca o transferiria à Inglaterra
novamente. Se Rook fosse mais azarado, Quinton contaria a história de ter
sido enganado por todas as cidades mais próximas e ninguém estaria
disposto a levá-lo através dele. Seu próprio barco era pequeno demais para
fazer a viagem.
Mas ele poderia pensar em tudo aquilo mais tarde. Por enquanto,
precisava se concentrar nos assuntos em questão. No problema em questão.
Aquele que estava de pé atrás dele naquele momento. Aquele que ele não
queria olhar outra vez, porque ela estava começando a perceber o quão
longe ela se afastara da boa vida que tivera uma vez.
Finalmente ele se virou. Ela pegara sua valise e a segurava na frente
de si com as duas mãos. O casaco grande dele ainda estava envolto em
torno dela, fazendo-a parecer menor e mais frágil. Ele ignorou o leve puxão
nele para ajudá-la, cuidar dela. Ele não era um herói. Ele era um homem
que havia sido enganado naquela situação e não possuía o dever de ajudá-la
mais do que qualquer outro humano na terra.
Limpou a garganta e passou por ela, no cais. — Vamos, senhorita.
Ela correu atrás dele, trocando a valise de mão em mão, enquanto
subiam o caminho arenoso até a casa, na pequena elevação à frente deles.
— Você pode me dizer em que cidade estamos, Sr. Maitland? — Ela
perguntou.
Ele se encolheu com o uso do sobrenome dele. Tão formal. —
Rook, — ele retrucou.
Ela soltou o ar em um som de aborrecimento. — Por favor, se você
me disser onde estou, talvez eu possa encontrar...
— Não estamos perto de nenhuma cidade, senhorita Shelley, —
disse ele, parando no caminho.
Ela bateu no peito dele com o movimento repentino e cambaleou
para trás, olhando-o confusa. — O quê?
— Eu disse que não estamos perto de nenhuma cidade. Nós nem
estamos no continente da Escócia. Estamos em uma ilha. Minha ilha.
Ela franziu a testa. — Sua ilha?
Ele se defendeu apesar da incredulidade dela. — Não é de mais
ninguém e eu moro aqui, então eu chamo de minha.
Os lábios dela apertaram. — Não acho que seja uma reivindicação
válida de propriedade, senhor Maitland.
— Rook, — ele corrigiu novamente. — E se alguém quiser, pode vir
tomá-la. Vamos lá, já foi uma noite longa para nós dois, eu acho, e gostaria
de entrar antes que a tempestade venha atrás de nós.
Ela olhou para as nuvens grossas e cinzentas que vinham do mar.
Suas bochechas empalideceram e ela assentiu. — Muito bem. — Ela
apontou para ele. — Lidere o caminho.
Ele inclinou a cabeça com a permissão dela e terminou a lenta
subida até a cabana acima. Ele sempre se orgulhou do lugar. No ano
passado, desde que ele se banhou naquelas praias, ele trabalhou duro para
construir para si, um oásis, uma casa que poderia ser mais... permanente.
Ele nunca teve aquilo e agora ele queria.
Mas olhando para o local agora com sua construção simples, ele
tinha certeza de que sua... convidada... a veria como lixo. Ela deveria estar
acostumada a palácios e salões de mármore. Mas ela não disse nada quando
ele abriu a porta e lhe ofereceu uma pausa da brisa fria que precedia a
tempestade que se aproximava. A Escócia era assim. O outono, a primavera
e o inverno nunca estavam longe das margens do verão.
Acendeu algumas velas e arrumou gravetos na lareira para acendê-
la. Voltou para buscar o sílex e descobriu que Anne Shelley estava de pé ao
lado do sofá na grande sala principal da casa. Ela havia retirado o casaco e
o jogado sobre as costas de uma cadeira. Agora ela estava de pé, braços
cruzados, as mãos segurando contra os antebraços, e ela estava tremendo.
O rosto estava pálido, os olhos arregalados, e toda a bravata e calma
que ela exibira no longo passeio de barco haviam desaparecido. Ele deu um
passo na direção dela e ela tropeçou apenas um passo atrás. Com isso, ele
congelou e levantou a mão para ela.
— Shelley... — ele começou.
Ela balançou a cabeça. — Por favor, não.
— Você está com medo, — disse ele, tentando encontrar a calma
que ela havia perdido.
Para seu crédito, ela balançou a cabeça firmemente e endireitou as
costas com o que achou que era uma boa quantidade de bravura. — Não, —
ela disse .
Ele sorriu um pouco com aquela faísca nela. — Claro que você está.
Você é claramente uma pessoa sensata, deixe essa bobagem com meu primo
de lado.
Ela se encolheu com a avaliação, mas não discutiu mais com ele.
Continuou: — Deixe-me tentar tranquilizá-la: não tenho intenção de
tocá-la. Não quero machucá-la de forma alguma.
O olhar dela se estreitou e ele pode senti-la lendo-o, testando sua
intuição nele, já que ela não tinha mais nenhuma evidência a seguir quando
se tratava de uma promessa.
— Tudo o que você vai fazer é esperar, e ele é meu primo, — disse
ele, engasgando com as palavras adicionais que lhe diriam que aquilo era
tolice. Ela descobriria isso sozinha, não era sua responsabilidade ajudá-la a
chegar lá. Enfim, talvez ele estivesse errado. Talvez seu primo realmente
tivesse se apaixonado por essa beleza e, no final, faria a coisa certa.
— Ele conhece este lugar, — ela sussurrou.
Rook assentiu. — Ele conhece. Você pode dormir aqui. — Ele se
moveu cuidadosamente em direção à porta à sua direita e a observou
acompanhar o movimento como um cervo rastreando um cão selvagem, ou
um leão. Presa e predador.
Empurrou a porta do quarto dele e havia uma cama grande dentro
daquelas paredes. — É o meu quarto e a cama é confortável.
Ela ficou tensa novamente com aquela afirmação. — Eu não vou...
— Eu vou dormir aqui fora, — ele acrescentou, sacudindo a cabeça
em direção ao sofá, o que era bom para o propósito que Deus pretendia que
ele coubesse, mas ele duvidava que fosse uma boa cama. Ele era alto
demais para aquilo. — Você pode trancar a porta.
Ela olhou para o quarto atrás dele e ele viu a exaustão percorrer seu
rosto ao ver uma cama. — Duvido que você não possa entrar em qualquer
lugar que deseje entrar, por mais forte que a parede pareça.
Ele arqueou uma sobrancelha com o elogio e deu de ombros. —
Talvez não, mas você terá que aceitar minha palavra, já que eu não tenho
outra prova que ofereça o contrário.
— Existe pouca escolha, — ela disse, e pensava mais nela própria
do que nele.
Ela não estava errada, é claro, então não havia conforto que ele
pudesse oferecer a ela. Ela não fazia ideia do caráter dele ou de suas
intenções, e não o faria até que ele as provasse.
— Posso fazer um prato para você? — Ele perguntou.
As sobrancelhas dela se ergueram e ela olhou para a pequena
cozinha através de uma porta, na parte de trás da sala principal. Então ela
balançou a cabeça. — Não. Apenas dormir, eu acho. Eu quero dormir.
— É claro, — ele disse, e assentiu enquanto ela se movia para o
quarto dele e fechava a porta atrás dela.
Ele a ouviu girar a chave do outro lado. Depois de um momento,
ouviu o ruído áspero de madeira sobre madeira, os pés da cômoda, ele
presumiu, raspando o chão enquanto ela posicionava os móveis em frente à
porta para uma camada extra de proteção. Ele precisava elogiá-la, ela era
muito inteligente.
Tudo ficou quieto por um momento e ele se sentou no sofá e tirou as
botas uma a uma. Quando ele se recostou nas almofadas, lamentando
momentaneamente a perda de sua cama muito confortável, ele ouviu Anne
no outro quarto.
Ela estava chorando. A porta era tão fina que ele ouvia cada suspiro
da respiração dela enquanto ela chorava. Seu coração doía por ela, mesmo
que nada disso fosse culpa dele ou feito. Ainda assim, ela não merecia o
que seu primo estava fazendo com ela.
Nenhum deles merecia.
Ele rolou de lado, fechou os olhos e tentou ignorar o som vindo
dela. Mas não conseguiu bloqueá-lo e a ouviu até que ela se aquietou,
provavelmente adormecera. Só então ele conseguiu encontrar descanso.
Mas seus sonhos foram perturbados, como ele merecia, por imagens de
olhos verdes brilhantes e uma mão macia contra seu peito antes de serem
lançados no mar agitado.
Capítulo 4
Fazia três dias desde que fora abandonada no cais de Beckfoot por
Ellis Maitland, e quando Anne abriu os olhos e encarou o mesmo teto acima
dela na mesma cama, todo o seu ser cheio de frustração. Ela conhecia o
quarto tão bem que provavelmente poderia esboçá-lo com os olhos
fechados, se solicitado.
Afinal, ela não o deixou desde que entrou dias atrás. A princípio,
tinha sido um instinto protetor. Rook Maitland abordara seus medos sobre
as intenções dele, diretamente, quando ela se atreveu a expressá-las naquela
primeira noite horrível ali. Ele segurou o olhar dela e fez promessas de
deixá-la em paz, mas quantos homens haviam dito a mesma coisa para as
mulheres ao longo dos milênios e depois se aproveitado?
Só que ele... não. Ele não fez nenhum esforço para incomodá-la,
além de batidas educadas na porta dela para oferecer comida ou outros
confortos. Uma vez que ele entrou no quarto para encher a banheira, no
canto, com água para o banho. Ele ficou quase silencioso enquanto fazia
isso e mal olhou para ela. Aquela foi a única vez que ela o viu desde sua
chegada.
Na segunda noite, ela mudou a cômoda para longe da porta porque
não sentia mais como se ele a invadisse para machucá-la. Ela ficara sozinha
por dias, e aquilo significava que ela tivera de sobra para pensar no que
havia feito.
Pensar em como esse era seu castigo por se comportar como uma
tola e fugir com um homem que era praticamente um estranho. Como suas
irmãs se sentiriam agora? E o pai dela? Eles estariam preocupados com o
bem-estar dela? Eles a perseguiram até Gretna Green apenas para descobrir
que ela nunca havia chegado?
— Garota estúpida, — ela murmurou enquanto jogava as cobertas
para trás e se levantava.
Todo dia ela acordava e esperava que Ellis voltasse. Todos os dias
ela ia para a cama sem saber o que estava acontecendo. Se algum dia ele
voltaria.
Não. Ele voltaria. Ele disse que voltaria. Ele disse que a amava. Ele
não disse? Às vezes era difícil lembrar. Parecia que ele dissera, mas talvez
fosse essa a imaginação dela. Ele certamente disse que se importava com
ela. Ele disse que voltaria. Mesmo se ele a estivesse usando, um
pensamento que se enraizara, dois dias antes, ele não poderia fazê-lo sem se
casar com ela para conseguir seu dote.
Deus, os pensamentos. Esses pensamentos horríveis.
Ela olhou para o livro na mesa de cabeceira ao lado da cama e
suspirou. Ela terminou dois dias atrás e leu duas vezes desde então. Estava
entediada.
Mais um castigo. Afinal, quantas vezes ela lamentou ter que ficar
presa na propriedade rural de Harcourt em vez de em Londres com todas as
suas emoções? E agora ela pagaria dez libras pela alegria de andar por
aqueles velhos corredores mofados e pelos jardins verdes.
Claro, não havia nada que a impedisse de fazer a mesma coisa ali.
Apenas o orgulho dela. Sua humilhação que a fez não querer encontrar os
olhos de Rook Maitland e ver sua pena.
Ela balançou a cabeça. Aquilo era ridículo. Ela não seria tão tola a
ponto de se deixar neste quarto nem mais um momento. Ela puxou a
camisola sobre a cabeça e o trocou pelo vestido. Ela teria que lavar algumas
de suas coisas de qualquer maneira — essa seria a desculpa dela se Rook
fosse difícil sobre sua fuga do auto-exílio.
Ela se vestiu, feliz por ter escolhido vestidos que se prendiam na
frente para facilitar o manuseio por conta própria. Ela fez aquilo para estar
simples na estrada antes dela e Ellis chegarem a Gretna Green.
Pelo menos aquilo foi algo que ela fez certo.
Ela rapidamente puxou o cabelo para trás, prendendo-o em um
coque torto na nuca. Nunca soube realmente como era inútil para cuidar de
si mesma até aqueles últimos dias sem Nora.
Nora. Sua pobre criada ficaria tão chocada quanto o resto deles por
sua fuga. Ela teria sido punida por isso?
Ela afastou aqueles pensamentos com todos os outros culpados que
roubaram seu sono, respirou fundo e entrou na sala principal do chalé. Tudo
estava quieto com apenas o leve clique do relógio e o tilintar de pratos na
área da cozinha atrás do caminho. Ela seguiu o som e os cheiros deliciosos
que o acompanhavam e entrou na pequena cozinha.
Era muito diferente da cozinha grande e escura de Harcourt Heights,
ou mesmo da casa de seu pai em Kent, mas era mais quente e mais
convidativa do que as duas. Com um lavatório ao longo de uma parede e
uma lareira ao lado, e uma mesa no meio do ambiente para a preparação e,
ela pensou: para comer.
Havia três grandes janelas de cada lado, que deixavam entrar a luz
para tornar o espaço mais convidativo. Uma delas foi aberta para que o
vapor e a fumaça pudessem sair.
Rook estava parado à mesa, de costas para ela. Um pedaço de pão
fresco estava em um prato ao lado dele, o vapor saindo de sua crosta como
se tivesse acabado de ser removido da forma. Ele estava fritando bacon em
uma frigideira e ovos chiaram em cima do fogo.
Os cheiros a atingiram de uma só vez e seus joelhos ficaram fracos.
— Ela finalmente saiu da hibernação, — ele disse sem se virar para
ela.
Ela pulou naquele instante porque ele sabia que ela estava lá,
olhando para ele durante todo o tempo que esteve ali.
— Bom dia, — ela sussurrou enquanto avançava um pouco mais no
ambiente. — Eu não esperava encontrar você aqui, cozinhando.
Ele olhou por cima do ombro, uma sobrancelha arqueada em
questão. — Você pode ter estado escondida nos últimos dias, mas o resto do
mundo se movimenta. Como você achou que estava sendo alimentada?
Ela se irritou com a palavra escondida, embora fosse inteiramente
exata. Mexendo-se, ela pegou um fio na manga. — Er... eu... acho que não
pensei nisso, — ela admitiu finalmente.
Ele balançou a cabeça e voltou a atenção para o trabalho dele
enquanto se movimentava para remover os ovos do fogo. Ele encontrou o
olhar dela enquanto caminhava para a mesa e deslizava dois em cada prato,
perfeitamente cozidos com gemas amarelas brilhantes animando a sala
como o sol.
— Eu achei que você não pensaria, — disse ele.
Ela cruzou os braços. — O que você quer dizer com esse
comentário?
— Só que uma senhora como você provavelmente nunca pensa duas
vezes sobre quem a serve. Ela só espera ser servida.
Ela queria discutir, mas, novamente, as palavras não estavam
erradas. Maldito seja. Ela levou o que agora parecia uma vida muito
protegida. Ela não fez perguntas, porque nunca lhe ocorreu que ela
precisasse. Como resultado, ela sofria para fazer qualquer coisa por si
mesma. Certamente ela não poderia ter cozinhado a refeição que Rook
agora colocava sobre a mesa. Ele fez um gesto para ela se sentar em uma
das cadeiras e depois se virou para pegar um conjunto extra de talheres e
um guardanapo, que ele entregou com um encolher de ombros.
— Eu não pensei que você iria se juntar a mim esta manhã, — ele
explicou. — Pensei em preparar outra bandeja para você.
Ela inclinou a cabeça. — Enquanto eu estivesse escondida, você
quer dizer, — ela disse.
Ele assentiu enquanto ocupava seu lugar na cabeceira da mesa. Ela
estava à direita dele e parecia muito próxima. Ele se sentiu muito grande e
muito próximo naquele momento.
— Eu entendi por que você quer se esconder, — ele disse antes de
dar uma mordida nos ovos. Enquanto mastigava, ele cortou duas fatias de
pão e entregou-lhe uma, juntamente com uma vasilha cheia de manteiga
manchada com outra coisa.
Ela arqueou uma sobrancelha para ele em questão.
— Canela, — ele explicou. — Torna tudo melhor.
Ela não tinha certeza disso, mas lambuzou o pão com a manteiga
temperada e a passou de volta para ele, para que ele pudesse fazer o mesmo.
Eles comeram por um tempo em silêncio, e Anne ficou com
urticária. Tudo o que ela tivera nos últimos dias foi silêncio e todos os seus
pensamentos pareciam ficar cada vez mais altos. Ela precisava de algo mais
para preencher o espaço deles, empurrá-los para fora, para que eles não se
turvassem totalmente.
Ela precisava dizer algo para não sentir a pena na mente de seu
companheiro. Ela forçou um sorriso para ele e disse: — Isso é delicioso.
Ele não sorriu, mas ela pensou que as maçãs do rosto dele estavam
coradas depois das palavras dela. Ele deu outra mordida e resmungou: —
Obrigado.
Mais silêncio e ela sentiu o pé começar a tremer embaixo da mesa,
enquanto comia mais alguns bocados da comida. Ele não ajudaria na
situação?
— Eu tenho medo de sair, — disse ela. — Por ficar aqui por muito
mais tempo do que qualquer um poderia esperar. Certamente Ellis virá em
breve e me tirará de suas mãos.
Rook congelou com aquelas palavras e seus olhos escuros se
ergueram do prato para encontrar os dela. Ele o segurou ali, pelo que
parecia ser muito tempo, tornando-a prisioneira do mesmo olhar, das
palavras que ele nunca falou.
Ela engoliu em seco. — Nós vamos nos casar, — ela sussurrou.
— Sim, — disse ele finalmente. — Afinal esse era o seu plano.
Ela notou que ele disse seu plano, ou seja, dela. Não incluindo Ellis.
Como se ele soubesse que ela era uma tola, mas fosse educado demais… ou
talvez muito pouco preocupado com a situação dela... para dizer aquilo. Ele
era tão difícil de ler. Ele não parecia estar irritado por ela estar ali, apesar de
ter que dormir no sofá em vez de em sua cama, apesar de ter que
compartilhar sua comida e seu fogo.
Por que ela não conseguiu lê-lo? Provavelmente porque não o
conhecia. Ela se certificou disso nos últimos dias. Mas ele era o primo dela,
não era? Família, Ellis havia lembrado aquilo dias atrás. Era errado ela se
afastar tanto, especialmente agora que havia decidido que ele não era uma
ameaça.
Ou ela pensava que era. Sentada ao lado dele, era difícil recordar
aquela decisão. Ele ainda parecia perigoso, embora de uma maneira
diferente da primeira noite em que eles me conheceram.
Ela se mexeu. — Você sabe, — disse, mudando de tática, — nunca
perguntei seu nome.
Ele levantou os olhos novamente. — Você sabe meu nome. Rook
Maitland. E você continua me chamando de Sr. Maitland, e eu continuo
dizendo que é Rook.
Ela apertou os lábios. — Mas Rook não pode ser seu nome
verdadeiro.
O olhar dele voltou para o prato. — Rook é o nome que eu uso,
senhorita Shelley. Não há mais nenhum.
Ela apertou o guardanapo no colo e respirou fundo algumas vezes.
Ao que parecia, ele realmente estava determinado a tornar aquilo difícil.
Mas os dois estavam quase terminando o café da manhã e aquilo lhe
ofereceu a oportunidade de preencher sua mente e seu tempo.
— Já que você me forneceu sua cama e pensão nestes últimos dias,
— disse ela, levantando-se e pegando o prato, — por que você não me
deixa ajudá-lo, limpando?
Ele deu a última mordida em seu bacon e a encarou, de olhos
arregalados, e ela pensou que teria um pouco de medo ao recolher o prato
diante dele.
— Certamente, — disse ele, inclinando-se para trás enquanto ela
colocava os itens no lavatório e olhava para ele.
Mais uma vez, ela percebeu que não fazia ideia de como fazer
aquilo. E agora ele estava sentado ali, observando-a ser uma pirralha
mimada que ele a acusara de ser.
E ela sentiu uma súbita vontade forte de provar que ele estava
totalmente errado. De ser melhor do que ele pensava. Agora mesmo.
*****
Rook teve que se dar crédito. Ele não riu de Anne nenhuma vez
enquanto ela andava cambaleando pela cozinha e ele só interferiu no
trabalho dela uma vez, quando ela tentou lavar a frigideira de ferro fundido.
Ele teve o pensamento que ela destruiria aquilo.
Ele também teve que dar crédito para ela. Era óbvio que ela nunca
colocara o dedo do pé na cozinha, muito menos arrumara após uma
refeição. Mas ela estava tentando. E aquilo era mais do que algumas
pessoas teriam feito.
Ela limpou as panelas e os pratos, embrulhou o pão restante em um
pano para que não ficasse seco, guardou as coisas, nos lugares errados, mas
ainda assim ...
Ela se voltou para ele depois que encontrou uma gaveta aleatória
onde colocou os talheres e passou as mãos sobre a saia agora enrugada e
levemente úmida. Suas bochechas estavam vermelhas e os olhos brilhavam,
e por um momento a respiração dele ficou presa. Por Deus, mas ela era uma
beleza. Ele não deveria perceber aquilo, ele pensou. Ela pertencia a Ellis,
em teoria, embora ele não achasse aquilo uma verdade na prática. Ela
certamente não pertencia.
Mas fatos eram fatos, e o fato era que essa mulher provavelmente
virava a cabeça dos homens em qualquer salão em que entrasse. Quando ela
estava um pouco desfeita, o efeito era multiplicado. Aquilo o fez pensar em
maneiras melhores de bagunçar o cabelo dela e deixar o rosa nas bochechas.
Pensamentos que ele afastou enquanto puxava a cadeira para trás
com um guinchado, de madeira contra madeira, e se afastou dela. Ela
estremeceu com o som alto, mas não parecia defensiva contra ele. Se ela o
temeu a princípio, aquilo desapareceu. Mas ela não conhecia os
pensamentos dele, graças a Deus. Se ela conhecesse...
— Você acha que eu posso dar uma olhada na sua ilha? — Ela
perguntou.
Ele piscou com a pergunta e se concentrou novamente. — Você não
é prisioneira, senhorita Shelley.
Ela inclinou a cabeça e seus arrependimentos estavam claros em seu
rosto antes de afastá-los. — Talvez não, embora eu tenha me escondido nos
últimos dias em que me senti... bem, não importa como me senti.
No entanto ele achava que importava. Mais do que deveria, mesmo
quando tentou não dar a mínima. Ele deveria mostrar a ela que não, e deu
de ombros. — Você está livre agora, de qualquer forma. Você pode andar na
ilha, se quiser.
— Você vai... você vai me mostrar? — ela perguntou.
A testa dele enrugou. Mostrar sua ilha. Agora, por que aquilo
parecia um exercício íntimo? Mas ele sabia o por quê. Ninguém, exceto
Ellis, jamais havia visitado ali. E seu primo não dera a mínima para sua
casa, exceto para arrastá-lo para longe dela.
Então essa mulher... essa estranha... seria a primeira a ver o lugar
que Rook havia amado no ano passado. O lugar para onde ele correu para
conseguir, curar... perdoar a si mesmo o que era imperdoável.
Ele pigarreou para recusar, mas ela deu um pequeno passo na
direção dele. — Por favor?
Ele suspirou. — Eu vou, mas não é muito grande. Você certamente
ficará desapontada com tão pouco para ver.
— É mais para ver que tem no quarto, — disse ela com uma risada
curta.
Ele soltou o ar lentamente. — Venha, então.
Ele se afastou dela, sem esperar que ela o seguisse, apesar de ouvi-la
fazer isso. Eles saíram da cabana no dia frio e cinzento e ele aspirou o ar
fresco em uma respiração profunda e calmante. Bem, deveria ter sido
calmante, exceto que, quando Anne se aproximou dele, sentiu algo menos.
— Parece que vai chover novamente.
Ele lançou-lhe um olhar lateral. — Aqui é a Escócia. Há uma razão
pela qual a palavra favorita deles é dreich.
Ela balançou a cabeça. — Eu não estou familiarizada. O que isso
significa?
Ele andou no caminho que levava através da floresta em direção ao
cais onde eles haviam chegado à ilha dias antes. — Cinzento, frio, molhado,
nebuloso. Uma combinação das quatro palavras eu acho.
— Então hoje não está muito ruim, — disse ela, olhando em volta.
— Não há neblina.
— Provavelmente haverá, — disse ele quando chegaram ao cais. —
Há outra tempestade chegando.
Ela olhou para a praia rochosa e a enseada além dela com um
suspiro. — É lindo.
— Eu não acho que você pensou assim há alguns dias, — ele disse
com um pequeno sorriso.
— Eu estava exausta demais para pensar em algo há alguns dias, —
ela admitiu. — Mas é adorável, apesar de ser quase horrível.
Ele se forçou a não rir da piada dela, apesar de sentir a boca se
contorcer. Ele não estava gostando dela. Ele não precisava sentir nada por
ela, exceto, talvez, aborrecimento por ela estar ali no espaço dele. Ele
precisava se apegar a isso.
Ela olhou em silêncio à Inglaterra, muito longe para ver e soltou um
pequeno suspiro. — O mau tempo nos últimos dias atrasou o retorno de
Ellis?
Ele prendeu a respiração por um momento, com a esperança daquela
voz. Ao que parecia ela estava determinada a manter a fé em seu primo.
Rook acreditava que ela o amava, mesmo que ele não retornasse o
sentimento.
Ele ignorou o quão irritado aquele fato o deixou e deu de ombros.
— Pode ser, — ele resmungou.
Ela olhou para ele depois de um momento e sorriu. — Isto é o
máximo que você falou comigo desde que nos conhecemos.
Ele não pôde deixar de sorrir de volta. — Você está se escondendo
desde quase o primeiro momento em que nos conhecemos, não?
Ela deu de ombros e se afastou do cais, olhando de novo para a
extensão verde e arborizada da pequena ilha. — É tudo praia rochosa como
esta, então? — Ela perguntou.
Ele apontou para a praia e eles começaram a caminhar juntos pela
grama arenosa na beira das rochas. — Não, há uma praia com areia fofa no
litoral.
Ela ficou em silêncio por um momento enquanto caminhavam,
apreciando a beleza ao seu redor. Depois, ela disse: — Eu posso ver por que
você escolheu um lugar como este para viver. É tão calmo e bonito.
Ele assentiu. — Sim. Eu vivi uma vida ocupada em Londres e em
outras cidades a vida toda. E me acostumei com o barulho, não conseguia
ficar em silêncio nem comigo mesmo. Então só podia ser ... Ele parou e
olhou para ela. Ele não tinha a intenção de dizer muito a essa estranha. Essa
mulher que não era dele.
Ela se inclinou um pouco mais perto. — Só podia ser ...?
Ele balançou a cabeça. — Você não quer me ouvir divagar.
— Eu fiz a pergunta, — ela disse suavemente. — Eu queria saber a
resposta.
Ele flexionou as mãos ao lado do corpo, de repente desejando ter
algo com que se ocupar durante aquela conversa desconfortável.
— Só podia ser demais, — ele terminou, tentando não pensar nos
momentos horríveis que o trouxeram a esse lugar. Esse santuário.
Ela assentiu. — Eu posso entender isso. As coisas estavam ficando
demais e você quis fugir. Parece que você encontrou uma maneira de fazê-
lo corretamente. Suponho que só fiz um monte de coisas do jeito errado.
Ele olhou para ela, vendo a expressão dela ficar triste e vazia
enquanto atravessavam os últimos degraus até a praia de areia branca
varrida pelo vento, ao redor da ponta da ilha. Ellis havia sido uma maneira
dela escapar do que quer que fosse demais.
E isso a trouxe até ali. Com ele.
— Oh! Isto é adorável, — disse ela com um sorriso que apagou sua
dor por um momento. Ela recolheu a barra da saia, mostrando os tornozelos
enquanto corria pelo pequeno aterro que separava a parte verde, da areia.
Quando a água veio na direção dela, ela riu e correu de volta para que suas
sapatilhas não molhassem.
Ele olhou fixamente, imóvel enquanto ela dançava ao longo da
areia, com uma graça sem esforço. Seus cabelos frouxamente presos se
espalharam para fora do coque, enquanto eram chicoteados pelo vento e,
por um breve e poderoso momento, ele quis soltar o resto. Enrola-los nos
dedos enquanto o mar os envolvia.
Ele precisava se afastar dela. Isso estava claro. Ele ficou sem uma
mulher por muito tempo se a primeira que conheceu inspirou desejos tão
luxuriosos. Especialmente alguém tão longe de seu pais, que estava
apaixonada por seu próprio primo.
— Você queria ajudar, — ele gritou, reconhecendo a voz dele rouca
de desejo.
Ela se virou e se afastou mais da água enquanto olhava para ele no
penhasco. — Sim.
— Você já procurou mariscos antes? — Ele perguntou.
Ela balançou a cabeça. — Nunca.
Ele suspirou quando desceu para se juntar a ela na praia. — É fácil.
Vê aquelas pequenas bolhas de ar na areia?
Ela apertou os olhos quando olhou para os pés. — Onde?
Ele se inclinou para mais perto, tentando ignorar o aroma suave da
pele dela, o calor que vinha de seu corpo. Ele apontou para a pequena bolha
na areia. — Viu?
Os olhos dela se iluminaram. — Sim. O que é isso?
— Um molusco, — ele explicou. — É um buraco no ar. Se você
cavar... — Ele pontuou a palavra enfiando a mão na areia e puxando alguns
punhados antes de pegar a criatura tubular e jogá-la na areia plana.
— Oh! — ela exclamou, olhando na direção dele maravilhada.
— Você gosta de mariscos? — Ele perguntou. — Eles fazem uma
boa ceia com um caldo de vinho.
Ela assentiu. — Eu gosto. Você gostaria que eu cavasse para
procurar eles como você fez?
— Sim. Se não for muito desagradável para você.
Ela deu uma risada. — Acho que não tenho como argumentar sobre
o comportamento feminino, considerando o que fiz na última semana da
minha vida. E eu preciso lavar algumas das minhas roupas de qualquer
maneira, então acho que é hora de ficar salgada.
A boca dele ficou seca com a menção do sabor dela. — B-bom. Vou
pegar um balde para você e deixá-lo no penhasco. Vamos dar aos mariscos
um pouco de água do mar para mantê-los vivos, para que não estraguem, —
ele explicou.
Ela ficou quieta por um momento e depois assentiu. — Sim. Eu
farei isso.
— E deixarei algumas coisas na cabana para que você possa lavá-los
depois. Você sabe como fazer isso?
— Não, — ela admitiu com um encolher de ombros. — Mas
suponho que possa aprender muitas coisas.
Ela se virou então, concentrando sua atenção nas bolhas na areia.
Ela andou pela praia enquanto enfiava a mão na areia, cavando para
encontrar o molusco que escapava embaixo. Ela gritou com o que era
claramente alegria quando pegou um, e ele se virou. Ela estava jogando o
tubo na areia. Seu rosto estava iluminado com triunfo e ela olhou para o
marisco com um sorriso largo.
Então ela recuou para o penhasco e o surpreendeu levantando a saia.
A garganta dele se fechou quando ela rolou as meias para baixo e as chutou
para longe, junto com as sapatilhas. Amarrou um pouco as saias na
panturrilha e depois voltou para a água, livre para se molhar sem estragar
nada.
Ele se mexeu com a dureza desconfortável em suas calças, se
odiando mais uma vez pelo que ele cobiçava. Então ele se afastou ao som
da risada e gritos de sucesso enquanto ela procurava novamente o jantar.
Ele não devia gostar dela, ele lembrou a si mesmo. Ele certamente
não a queria. Ele só precisava se controlar um pouco e rezar para que Ellis
voltasse logo e a levasse embora.
Capítulo 5
*****
No momento em que Anne soltou o relógio para seu voo final contra
a parede, ela se arrependeu. Não era o relógio dela, e quando ele quebrou,
ela percebeu que o homem que o possuía poderia facilmente ficar furioso,
porque ela desconsiderou os bens pessoais dele de maneira tão rude. Mas,
oh! o som que o relógio fez quando bateu contra a parede.
Foi apenas a menor liberação de tensão, raiva, desgosto e
humilhação. E ela queria limpar o quarto de tudo, esmagando tudo enquanto
gritava o emaranhado de sentimentos que residiam em seu peito.
Em vez disso, ela se virou e olhou para Rook. Se ela esperava raiva
como resposta, ficou surpresa. Ele estava sorrindo. Ela nunca o viu mostrar
nada, exceto a mínima sugestão de ouví-la e prender a respiração. Ele era...
lindo. Não tão óbvio e vistoso quanto o primo, com os dentes perfeitamente
retos e a covinha, mas o sorriso de Rook era melhor. Era um pouco torto,
mas era claro, e fez o rosto dele brilhar e parecer anos mais jovem.
— Sinto muito, — ela gaguejou, tentando encontrar palavras e
respirar novamente.
Ele levantou a cabeça. — Foi um bom show, eu acho. Embora eu
não tenha a coragem de pagar muito mais.
Ela balançou a cabeça com aquela explosão e correu em direção aos
cacos de vidro e madeira quebrada no canto do quarto, mas antes que ela
pudesse alcançá-los, ele segurou seu pulso.
Ela respirou fundo. Ele não a tocou desde a primeira noite em que
chegaram, quando a ajudou a sair do barco. Agora, aqueles dedos fortes e
bronzeados prenderam a carne dela e seu coração disparou. Ela não pode
deixar de imaginar aquelas mãos em outro lugar.
Como escorregar debaixo do cobertor como na noite anterior.
Quando ele se tocou enquanto ela observava secretamente do quarto atrás
dele, seus dedos se apertando e o calor úmido se acumulando entre eles.
Quantas vezes ela se tocou desde então, enterrando a cabeça no travesseiro
para que ele não a ouvisse?
Ele recuou instantaneamente, seu sorriso brilhante desaparecendo
uma fração quando o olhar escuro ficou tempestuoso. — Vamos lá, eu tenho
uma ideia melhor.
Ele se afastou e ela o seguiu em confusão nebulosa. Foi até a porta,
onde parou e jogou o sobretudo sobre os ombros. Por fim, ele olhou para
ela.
— Você tem algum tipo de capa nessa valise que você meio
empacotou?
— Só aquela que eu usei na primeira noite, — disse ela. — Não será
muito útil contra a chuva.
— Não, — ele concordou. Ele apontou para ela ficar onde estava e
entrou no quarto que ela estava ocupando. Ela o ouviu passar pelo guarda
roupa e ele voltou com um casaco de lã na mão. Um que parecia ter sido
feito para se encaixar perfeitamente nela.
— É um pouco pequeno, para você, de qualquer maneira, — disse
ela, inclinando a cabeça para ele enquanto tentava ignorar o lampejo de
ciúmes com a ideia de quem poderia ter sido dono daquele casaco
originalmente.
Ele sorriu, um eco do largo sorriso mais uma vez iniciou e o
estômago dela apertou por sua própria vontade. — Costumava ser maior, —
ele admitiu. — Quando fui deixado por conta própria, não sabia que não se
podia lavar a lã da mesma maneira que faz com as outras coisas.
— Não pode? — ela repetiu. — Suponho que nunca pensei nisso.
— Por que você faria? — Ele perguntou e depois entregou o casaco.
— Mas você deve se encaixar bem. Manterá você quente na chuva de
qualquer maneira. E para sua cabeça...
Ele parou e pegou um chapéu de abas largas do cabide. Ele colocou
na cabeça dela e riu quando caiu sobre os olhos dela bloqueando a visão por
um momento. Ela o sentiu se aproximar na penumbra e então os dedos dele
roçaram a borda para trás, acariciando a testa dela enquanto ele o fazia.
Ela olhou para ele. Eles estavam muito perto agora. Tão perto que
ela esqueceu tudo, menos dele, por um breve e perigoso momento. Então
ela engoliu.
— Você... — você não vai me jogar no mar, vai? — Ela perguntou,
esperando que a piada aliviasse o clima. — Por que descontei a raiva contra
o relógio?
— Eu não farei isso enquanto você estiver usando meu chapéu
favorito, — ele prometeu, e depois entrou na chuva lá fora. — Venha.
Ela o seguiu, empurrando o chapéu para trás enquanto seguiam para
que ela pudesse ver a trilha onde andavam pela ilha. Ele a levou para sua
oficina, sobre a qual ela ainda não havia perguntado, e ela prendeu a
respiração. Mas eles não entraram. Ele a levou além do lugar, para um
pequeno círculo de árvores. Uma delas tinha um alvo pintado, gasto e cheio
de buracos.
— Tiro ao alvo? — Ela perguntou.
Ele zombou. — Tiro ao alvo é para crianças. Melhor que isso. Eu já
volto.
Ela observou quando ele entrou na oficina e voltou um momento
depois com um retângulo de couro dobrado nas mãos. Quando a alcançou,
abriu e revelou um conjunto de seis facas, brilhando, mesmo na luz chuvosa
e filtrada. As lâminas não eram como uma faca de comer ou cortar, mas
apontavam para uma borda afiada com lados perfeitamente simétricos. As
alças eram de marfim, complexamente esculpidas com os rostos dos
homens ou os corpos nus sensuais das mulheres.
Ela corou e olhou para ele. — Facas? — Ela perguntou. — O que
devo fazer com elas? Esfaquear minha raiva?
— Algo assim. — Ele colocou o suporte de couro nas mãos dela e
depois puxou uma das facas. O cabo tinha um rosto sorridente, longo e
afilado e uma combinação de tolo e sinistro.
Sem falar, ele se virou e sacudiu o pulso, soltando a faca que
circulava pelo ar, onde se prendeu no meio do alvo com um pedaço
satisfatório de cascas ao seu redor.
Seus lábios se separaram e ela olhou para o alvo com admiração. —
Eu... — como você fez isso?
— Anos de prática, querida, como qualquer coisa que você queira
fazer direito.
Ela baixou a cabeça ao tom repentino de flerte da voz dele. Aquela
qualificação grosseira, o jeito que ele a chamou de querida, afundou em sua
pele e a fez se odiar ainda mais. Fez com que ela odiasse qualquer coisa
dentro dela que a fizesse se sentir daquele jeito perverso.
E também a fez querer mais daquilo. Mais do formigamento que
trabalhou em seu corpo. Mais daquela tontura que fez suas mãos tremerem.
Ele limpou a garganta e sua voz estava normal novamente quando
ele disse: — É a melhor maneira de escapar de fazer alguma agressão, pelo
menos para mim. Você joga agora.
Ela olhou para ele, apagando os outros sentimentos em um instante.
— Jogar as facas? Não posso. Não é... não é coisa para uma dama fazer.
A testa dele enrugou. — E arremessar relógios inocentes pelo quarto
é?
Ela apertou os lábios. — O relógio não era tão inocente.
Ele abriu um sorriso com a piada dela. — Então o relógio era um
pouco culpado. Se você diz que é verdade, então eu aceito isso. Mas você
não está em um salão de baile, Anne. Você está na minha ilha, sozinha
comigo. Eu não dou a mínima para o que pensam que uma dama deve fazer.
— Eu não vou ser boa nisso, — ela ficou tentada, olhando às facas
com um desejo que ela não entendeu. — E são peças bonitas. Eu não
gostaria de arruiná-las.
Ele deu de ombros. — É por isso que eu trouxe as mais simples para
você querida.
Ele enfiou a mão dentro do bolso do casaco e puxou um retângulo
de tecido frágil do mesmo tamanho que o de couro que ela ainda segurava.
As facas dentro dele certamente não eram tão boas. E, a julgar pelos
entalhes ao longo dos cabos e arranhões nas lâminas, elas foram muito
utilizadas.
— Tente, — ele insistiu. — A menos que você tenha medo.
Ela endireitou a espinha diante da provocação dele, odiando que ele
provavelmente tivesse feito aquilo para forçá-la e ela fracassasse. — Tudo
bem, — ela resmungou. — Mas eu não posso fazer enquanto estou
segurando.
Ele abaixou a cabeça e pegou o conjunto mais refinado. Encontrou
um toco e colocou o conjunto mais simples, as lâminas ficaram salpicadas
de gotas de água da chuva.
— Apenas olhe para elas um momento. Não jogue nada ainda.
Ela assentiu e o observou mais do que as lâminas, quando ele foi até
a árvore e puxou a faca do tronco em um movimento suave. Ele a limpou
no casaco, depois embrulhou as lâminas esculpidas no couro e as colocou
no bolso interno.
— Como você faz isso? — Ela perguntou.
Ele tirou duas facas do coldre e entregou uma enquanto se
aproximava para o lado dela. Ela estava muito consciente do tamanho dele,
do calor dele enquanto ele posicionava a faca na mão dela. Seu longo dedo
indicador repousava na parte superior do cabo até quase onde a lâmina de
metal começava.
— Mantenha um aperto solto enquanto ainda a segura, — disse ele,
observando enquanto ela curvava os dedos de maneira semelhante. —
Então você gira e solta por aqui.
Ele sacudiu o pulso como na primeira vez, e a faca voou de sua mão
atacando o alvo novamente.
Ela assentiu, embora estivesse mais hipnotizada pelo movimento da
faca do que pela posição que ele estava tentando mostrar a ela. Ainda assim,
ela sacudiu o pulso em algum tipo de imitação do que ele havia feito e a
faca voou e ricocheteou na árvore para pousar no chão diante dela.
Ela balançou a cabeça. — Eu disse que seria um lixo nisso.
— É a primeira vez que você joga uma faca, eu aposto, — disse ele
com um encolher de ombros. — O fato de você bater na árvore já é uma
conquista em si. Aqui, deixe-me ajudá-la.
Pegou outra lâmina e lhe entregou, depois deslizou para trás dela.
Os dedos dele se fecharam no quadril dela e sua respiração ficou presa à
pressão de cada digital contra seu corpo. Por mais que tentasse dizer a si
mesma que ele não era diferente de um homem que a segurava assim,
enquanto dançavam, parecia diferente.
— Mude seu peso para frente com esse pé, — disse ele, a voz dele
perto do ouvido dela.
Ela engoliu em seco e tentou se concentrar nas palavras e não na
presença dele, quando ela fez como ele pediu. A mão dele deslizou
levemente para cima e ele a pressionou contra seu corpo suavemente.
— E agora gire um pouco para que você esteja em uma posição
mais inclinada. Assim. — Ele assentiu e sua mão saiu do lado dela,
deixando-a aliviada e desolada. Porém ele mudou-a para os dedos dela. Ela
não usava luvas, nem ele, e ela olhou para a grande mão dele envolvendo a
sua. — Mova seu dedo, afrouxe o aperto apenas um toque.
Finalmente ele se afastou e foi para o lado, para que ele não
estivesse mais diretamente atrás dela. — Quando estiver pronta, respire
fundo e jogue novamente.
Ela mordeu a língua. Respirar fundo? Ela não conseguia nem
encontrar uma brisa graças a esse homem frustrante, interessante e
misterioso. Mas ela fez o seu melhor, focou no alvo e jogou uma segunda
vez.
A faca bateu no tronco novamente, mas ricocheteou uma segunda
vez. Dessa vez, porém, fez um som diferente, e ele soltou um grito. —
Excelente! Esta quase ficou presa. Vamos ajustar um pouco mais.
Ela prendeu a respiração quando ele a incentivou a dar meio passo e
fez alguns movimentos ao redor de seu corpo para colocá-la em uma
posição melhor. Toda vez que ele a tocava, ela podia sentir cada terminação
nervosa de seu corpo. E parecia não acontecer nada com ele. Ele nem
pareceu notar que o ar estava pesado e ela não conseguia falar.
Ela estava condenada a querer homens que não a quisessem de
volta? O que havia de errado com ela?
— Anne?
Ela afastou os pensamentos e soltou a faca novamente. Desta vez,
ela parou, só por um momento, e depois caiu para baixo.
— Bom! — Ele disse. — Aqui está outra. Desta vez, jogue com
mais força. Jogue com raiva. Jogue como se você jogasse o relógio.
Ela olhou para ele. — Rook.
— Se você vai me dizer que não é da mesma maneira que se
enfurecer contra aquela árvore, eu juro que vou gritar, — ele resmungou. —
Pense no meu primo, pelo amor de Deus. Pense no que fez você fugir com
ele. Pense no que não é justo neste mundo que faz você ficar acordada,
olhando para o teto. Sinta a maldita raiva, Anne. Sinta e depois solte na
lâmina da faca.
Os lábios dela se separaram ao ouvir aquela ordem
surpreendentemente apaixonada. E pela maneira como seu estômago se
contraiu em resposta. Então ela sacudiu a faca com um grito gutural que
veio de sua alma.
Ela partiu à madeira e ficou lá. Dez centímetros abaixo do alvo, mas
ficou presa.
Ela gritou da mesma maneira que quando encontrou seu primeiro
molusco e ele se juntou a ela. Ela pulou para cima e para baixo antes de se
lançar para ele sem pensar. Ele a pegou, girando-a em círculo enquanto a
segurava firme contra seu peito. Ela apertou os punhos contra as costas
dele, virando a bochecha contra o ombro dele.
Ele a colocou no chão, mas não a libertou de seu abraço. Quando ela
se atreveu a olhá-lo, encontrou-o olhando para ela, as pupilas dilatadas e o
olhar atento nos lábios dela. Ela limpou a garganta e se afastou.
— Bom show, Anne, — ele murmurou, a voz rouca. Ele deu as
costas para ela e foi recolher todas as facas. — Muito bem feito.
Ela alisou a saia com as duas mãos, tentando forçar o batimento
cardíaco de volta ao normal. Era quase impossível fazê-lo quando ela ainda
podia sentir aqueles braços notavelmente fortes ao seu redor.
Ele entregou uma faca, sentou-se no toco e colocou o resto no colo.
Ela se posicionou como ele lhe mostrou e jogou novamente. A faca ficou
presa, mais alta que o alvo desta vez, mas ela ainda sentia a emoção de
realização que era diferente de qualquer outra que ela já havia
experimentado.
Ele ficou quieto enquanto entregava outra faca e a deixava jogar de
novo. Ela não grudou, e ela grunhiu sua decepção ao se ajeitar um pouco e
tirar uma terceira faca dele.
— Então, — ele disse enquanto ela se preparava para jogar
novamente. — Você quer me dizer o que aconteceu?
Ela congelou, sua mão inclinada para trás. Ela sabia o que ele estava
perguntando, mas deu de ombros. — Eu não lancei na hora certa.
Ela jogou e errou novamente, distraída com as perguntas dele. Ele a
deixou pegar outra faca, seu olhar sombrio seguindo-a enquanto ela o fazia.
Ele não pressionou até que ela jogou novamente e desta vez a faca grudou
nas bordas externas do alvo.
— Bom tiro, — ele incentivou. — Mas você sabe que eu não estava
perguntando sobre as facas.
Ela suspirou enquanto pegava outra faca e evitava o olhar dele. Ela
se posicionou com cuidado. — Você quer dizer o que aconteceu entre mim
e Ellis?
Ela jogou e bateu ao lado da outra faca no círculo externo do alvo.
Ela sacudiu o braço, flexionando os dedos antes de se virar. Ele estava
segurando a última faca do conjunto para ela, pela lâmina, seu olhar escuro
focado no dela. Ela pegou o cabo com cuidado e só então ele assentiu.
— Se você quiser me falar sobre isso.
Ela se virou para longe, o calor inundando suas bochechas. Será que
ela queria contar para ele? Havia uma parte dela que não. Não queria
revelar que tola ela havia sido. Não queria dizer em voz alta, especialmente
para esse homem, o que ela havia feito, permitido e falhado como uma tola.
E ainda havia uma parte dela que precisava desesperadamente
confiar em alguém. Desde que conheceu Ellis, ela manteve tudo perto de
seu peito. Ela não havia dito às irmãs sobre seus sentimentos, sobre seus
planos. Ela não tinha dito à criada. Ela trancara tudo e agora tudo fervia
dentro dela, pronto para explodir com a pressão que o silêncio criara.
Ela limpou a garganta e tentou alinhar seu tiro para atingir os
círculos mais internos do alvo. Se ela começasse a conversar, sabia o que
aconteceria. Ela derramaria tudo para esse homem. Esse estranho que não
se sentia mais do que um. Aquela confusão personificou que ele a tornava
muito mais consciente de suas aparentes fraquezas quando se tratava de seu
coração e seu corpo.
Mas então, talvez fosse o que deveria ser. Ela jogou a faca e
observou-a atingir a árvore. Então ela se virou para olhá-lo quando ele se
levantou do tronco em um desdobramento suave de músculos.
— Eu deveria me casar com outra pessoa, — disse ela. — Foi assim
que tudo começou.
Capítulo 7
*****
Anne agitou o fogo que vinha cuidando nas últimas horas e tentou
não olhar para a porta atrás dela pela décima vez nos últimos trinta minutos.
Olhar para ela desde o pôr do sol não havia trazido Rook do frio. Aquilo
não o faria voltar mais rápido.
Não que ela tivesse certeza de como proceder quando ele voltasse.
Como se administrava um homem que parecia querer beijá-la? Devorá-la?
Então ele apenas se afastou. Como alguém conseguia administrar a única
pessoa nesta terra que sabia o quanto ela havia sido usada e descartada... e
ainda lhe disse que aquela loucura não era culpa dela?
A porta atrás dela rangeu quando se abriu, e ela se virou do fogo
para ver Rook entrar, tirando o chapéu molhado e pendurando-o antes que
ele fizesse o mesmo com o casaco. Ele passou a mão pelo cabelo
bagunçado e lançou um olhar para ela. Ele parecia desinteressado. Como se
o homem que quase a beijou na floresta nunca existisse.
Provavelmente melhor para ela e ela ignorou a picada que o
desrespeito dele causou.
— Você gostaria de algo para comer? — Ela perguntou. — Eu
esquentei o restante do caldo de hoje cedo, e há pão.
As sobrancelhas dele se ergueram no que parecia uma surpresa. Ele
concordou com o oferecimento. — Sim. Deixe-me secar um pouco.
Ele se moveu em direção a ela no fogo e ela saiu, dando-lhe espaço.
Dando para si também, porque não tinha certeza se se lançaria nele ou não,
se ele chegasse muito perto. Rejeição era algo com o qual ela estava
familiarizada ultimamente. Ela não queria mais dele.
Ela limpou a garganta enquanto andava pela pequena sala de estar,
dobrando o cobertor pendurado na parte de trás do sofá. — Eu estive
pensando, — ela começou, desejando que sua voz fosse mais firme.
Ele não respondeu, mas continuou a esfregar as mãos diante do
fogo. Então o grunhido estranho voltou. — Bem, isso provavelmente foi
melhor.
— Eu preciso ir para casa, — continuou ela.
Suas mãos pararam de se mover e ele a encarou lentamente. — Para
a Inglaterra? — Ele perguntou.
Ela assentiu. — Sim.
Ele deu de ombros. — Suponho que seja a melhor consideração já
que determinamos que meu primo não tem verdadeiras intenções em
relação a você.
Ela se encolheu. — Mas eu não posso ir sozinha. Aprendi como sou
inútil vindo para cá, então percebo que nem saberia como fazê-lo com
segurança. É só um dia ou dois, não é? Um período tão pequeno da sua
vida? Por favor, você vai me ajudar?
Os olhos dele se arregalaram e ele a encarou pelo que pareceu uma
eternidade. — Anne... — ele começou finalmente.
Ela correu à frente. — Por favor, eu sei que você já foi arrastado
para isso o suficiente. Sei que não é justo pedir isso quando você nunca me
quis aqui. Mas haverá dinheiro para você se você fizer isso.
Ela hesitou, pois não sabia se isso seria verdade. Seu pai poderia tê-
la cortado por tudo o que sabia, ou no momento em que a visse. Fugir com
um homem era uma ruína, mesmo que Ellis a tivesse tocado ou não. Era
uma consequência que a destruiria como punição por sua imprudência.
Ainda assim, ela nutria esperanças de convencer o pai a pagar por
sua estadia. Apenas para reduzir o escândalo por alguma parte.
Ele balançou a cabeça. — Não é por causa do dinheiro, Anne. Mas
você disse que é apenas um dia ou dois, e isso não é verdade.
Ela franziu a testa. — A viagem de barco pelo mar levou apenas
cinco ou seis horas. E a viagem de volta para a propriedade do conde um
pouco mais. Não pode demorar mais de dois dias para chegar onde eu
preciso ir. Ou mesmo apenas para Beckfoot. Talvez eu possa alcançar meu
pai de lá e você possa voltar para sua vida aqui.
— Ele apertou os lábios. — Não podemos pegar o barco.
Ela piscou. — O quê?
Ele fez um gesto em direção à chuva que açoitava as janelas do lado
de fora. — Está chovendo por dias, às vezes intensamente. A passagem
seria muito mais perigosa agora, algo que nem o barco maior e mais estável
poderia fazer. E mesmo que pudéssemos contatar o capitão e convencê-lo a
enfrentar o tempo, ele não nos aceitaria. Nós o desafiamos quando
chegamos à ilha. Tenho certeza de que ele disse a todos os marítimos, nas
cidades continentais mais próximas para não me darem passagem para
nenhum outro lugar.
Os lábios dela se separaram. — Por que você não pagou a ele
quando ele... — Ela parou quando a resposta à pergunta ficou clara. —
Ellis?
Ele assentiu. — Meu primo mentiu para mim e disse que havia pago
pelos dois caminhos para protegê-la, mas...
— Mas ele nunca se importou que eu estivesse protegida, — ela
terminou com um aceno de cabeça. — E você ficou com todas as piores
consequências disso.
Ele deu de ombros. — Nem todas foram piores, eu juro a você.
Ela olhou para ele. Ele estava tentando confortá-la, ela pensou. Mas
saber que ele não a queria ali não melhorou as coisas. Aquilo apenas a fez
pensar em coisas que ela sabia que não podia ter.
— E o seu barco? — Ela pressionou. — Eu vi no banco de areia.
— É pequeno, — ele disse suavemente. — Só pretendia que ele me
transportasse de um lado para o outro do continente em busca de
suprimentos de vez em quando. Não para fazer uma viagem mais longa
através de um mar selvagem.
Ela passou a mão pelo rosto. — Então, se fizéssemos isso, teríamos
que ir para o continente com seu barco menor. E viajar à Inglaterra por terra
— ela disse suavemente.
— Sim. Seria uma longa viagem, muito tempo juntos na estrada.
Haveria... — Ele virou o rosto e sua voz ficou mais rouca. — Haveria
consequências.
— Como... como o quê?
Ele respirou fundo. — Teríamos que ficar em pousadas à noite. Para
sua segurança, teríamos que fingir ser um casal.
Ela olhou para ele quando o que ele estava sugerindo ficou claro. —
Você quer dizer que deveríamos dividir um quarto.
O olhar dele encontrou o dela, mantido ali, calor e arrependimento
de novo. — Uma vez que fizermos isso, o que resta de sua reputação
desaparecerá.
— Oh! — ela sussurrou, piscando com as lágrimas que encheram
seus olhos. Lágrimas, porque ela sabia que ele estava correto. Somente que
sua reputação se fora desde o momento em que ela entrou no faeton de
Ellis, o que parecia uma vida atrás. E ficar sozinha com Rook não parecia a
pior coisa, apesar de ser uma tentação terrível que ela não deveria querer
muito enfrentar.
Ele a observou de perto, como se estivesse tentando ler seus
pensamentos. Por fim, ele cruzou os braços. — Eu não perseguiria você,
Anne. Espero ter provado durante a última semana que você não está em
perigo comigo. — Ele balançou a cabeça. — Eu só preciso que você
entenda o que enfrentaria se seguirmos em direção à sua família, juntos.
— Qual seria a alternativa? — Ela perguntou.
— Tentar enviar uma mensagem para seu pai ou seu ex-noivo,
suponho, — disse ele. — O que pode levar tanto tempo para alcançá-los
daqui. E então espero que eles venham aqui ou na vila do lado escocês do
continente para buscá-la.
Ela estremeceu com a ideia de esperar tanto tempo sem nenhuma
garantia de que seria encontrada ou levada.
— Pense nisso, — ele disse suavemente. — Agora, por que não
comemos aquele caldo que você aqueceu?
Ela se encolheu. — Apenas a ideia de comer algo faz meu estômago
revirar agora. Acho que vou para o quarto e fazer exatamente o que você
sugeriu. Pensar.
Ele assentiu. — Está bem. Boa noite
Ela repetiu o mesmo e deslizou para o quarto. Lá, ela fez uma pausa
e o observou ir em direção à cozinha com aquele certo e longo passo que
ela conhecera tão bem, ao observá-lo desde sua chegada.
Ela entrou no quarto e fechou a porta, inclinando-se contra ela
enquanto fechava os olhos com um suspiro pesado e trêmulo. O problema
que ela enfrentava ao viajar com Rook não era que ela temia que ele se
aproveitasse dela. Era que naquele momento ela ficou emocionada com a
ideia de ficar sozinha com ele em um pequeno quarto em uma pousada
todas as noites. Ela ficou emocionada com a ideia de ficar confinada em
uma carruagem ao lado dele.
Ela ficou emocionada com a ideia de fingir que eles eram casados. E
o tipo de pessoa que aqueles sentimentos a tornaram foi...bem, ela deveria
enfrentar aquilo tanto quanto as consequências dos seus atos se dissesse que
sim. Se ela queria voltar para casa, precisava enfrentar o que desejava e
descobrir se podia se controlar tão facilmente quanto o homem da outra sala
parecia ser capaz de fazer.
Capítulo 8
*****
O estômago de Anne parou de enrolar no momento em que ela
desceu do barco para terra firme, mas agora se apertava e girava novamente
com o tom agudo de Rook e o olhar de desdém na direção dela. Ela sabia
que ele a estava colocando para fora, é claro. Como ele poderia não estar?
Ele não queria levá-la até Gretna Green só porque ela fora tola demais para
não ver a mentira nos olhos de seu primo.
E agora ele se ressentia dela, apesar da promessa de dinheiro como
recompensa por seu retorno. Aquilo a incomodou mais do que deveria, já
que ela mal conhecia o homem. Só que ela possuía uma ilusão a qual se
apegara e agora percebia que precisava deixar ir.
O que quer que ela pensasse haver entre eles, ficou claro que não
existia. Ela precisava parar de fazer um prêmio de si mesma e se concentrar
em chegar em casa.
Como Rook parecia fazer no momento. Atualmente, ele estava de pé
com o cocheiro da diligência, que havia parado quase imediatamente após a
chegada deles com o bote. Ele entregou moedas para o homem — ela não
conseguia ver quantas — e jogou as bolsas para serem carregadas no topo
da plataforma antes que ele acenasse para ela.
Ela seguiu a curva do dedo dele e tentou sorrir quando o alcançou.
— Estamos com sorte. Havia um casal saindo aqui em Tayport,
então ele tem vaga para nós.
O alívio a inundou. — Veja bem, é um bom sinal para a jornada.
Quanto tempo até a partida?
Os lábios dele se apertaram, embora ela não entendesse o motivo
daquela aparente irritação. Quanto mais cedo eles se afastassem, mais cedo
ele se livraria dela. Fazia sentido que ele quisesse aquilo. Não fazia?
— Eles vão ficar aqui mais um pouco para trocar de cavalo e deixar
os outros comerem e esticarem as pernas, e depois nós vamos embora.
— Será tarde quando sairmos, então? — Ela perguntou.
Ele assentiu. — Sim
Ela fez uma careta. — E até aonde você acha que iremos antes de
pararmos novamente?
Ele arqueou uma sobrancelha, e ela não sabia dizer se ele estava
mais irritado com a pergunta dela ou não. — Não será longe, eu admito. A
diligência é o caminho mais lento — eles param frequentemente para os
passageiros descansarem, comerem e descerem. Mas é mais barato e mais
seguro que o a dligência do correio.
— Mais segura? — ela repetiu em confusão.
Ele olhou para longe na estrada. — Bandidos, — ele disse
simplesmente. — Eles sabem que a diligência do correio carrega cargas
valiosas.
Anne estremeceu com o pensamento. Ela sempre andava de
carruagem ou no barouche particular de seu pai, se eles estivessem na
cidade. O cocheiro poderia fazer sua própria programação quanto às
necessidades da família e à capacidade de trocar cavalos. Ela nunca havia
pego o transporte público antes, com as restrições, limites e dinheiro
envolvidos.
Ela se sentia ser tão protegida, tão mimada sempre que conversava
com Rook sobre a realidade das pessoas ao seu redor. Como se ela estivesse
completamente cega para o mundo até o conhecer. Na verdade, ela tinha
estado. Agora ela olhava em volta da pequena cidade portuária, com suas
lojas pintadas de cores vivas e pessoas de todos os tamanhos, formas e
cores entrando e saindo dos prédios, conversando na rua com sotaques ricos
e idiomas diferentes.
Seu mundo era muito pequeno em comparação.
— Venha, vamos comer o que você trouxe de almoço naquela mesa
perto da doca. Não está chovendo, então devemos aproveitar o ar fresco
enquanto pudermos obtê-lo.
Ela o seguiu até uma mesa de madeira gasta que dava para o mar.
Ele pegou o pacote de comida que ela havia empacotado naquela manhã e
colocou na frente deles. Então ele sorriu. — Podemos pagar mais uma
coisa. Eu voltarei.
Ele saiu correndo, deixando-a sozinha por um momento. Ela olhou
para o mar, na direção de onde sabia que sua família esperava. Ou, pelo
menos, ela esperava que eles esperassem. E se eles tivessem deixado
Harcourt depois que seu plano fora revelado? E se Harcourt os tivesse
mandado embora? Era possível que ela chegasse ao seu destino e não ter
qualquer lugar para ir. Ela precisaria encontrar seu próprio caminho para
Londres.
Uma perspectiva perigosa, de fato.
— Parece que você está esperando a deligência. Vocês são novos
passageiros?
Anne olhou para cima e viu um homem vestido com um colete
brilhante com uma moça bonita no braço. Ela estava usando um vestido
decotado, mas tinha um belo sorriso ao olhar para Anne e seu piquenique.
— Er, sim, — disse Anne, pensando no estratagema que Rook
sugerira que seguissem na estrada antes de continuar: — Meu... meu marido
e eu acabamos de comprar passagem.
— O alto e bonitão que passou por nós um momento atrás? — A
senhora ronronou quando os dois se sentaram à mesa sem pedir licença a
Anne. — Que sortuda.
Anne se mexeu, puxando a comida do meio quando seus novos
“amigos” começaram a desempacotar a própria refeição e a espalhar em
frente a ela. — Eu sou Herman Talon, ao seu serviço. Esta é minha esposa
Imogen.
— Prazer em conhecê-los, — disse Anne com um sorriso para a
dama. — Anne Sh... Maitland.
— Shmaitland? Esse é um nome estranho, — disse Talon rindo e
dando uma cotovelada na esposa.
Anne balançou a cabeça e estava prestes a corrigi-lo quando Rook
se sentou no banco ao lado dela. — Isso é porque Anne ainda está se
acostumando a ser a senhora Maitland, — ele explicou com uma risada
quando passou um braço em volta dos ombros dela. O peso afundou em seu
corpo e o calor dele pareceu aquecê-la da cabeça aos pés. — Ela está
sempre tentando usar o nome de solteira.
Ela corou e não foi forçado. — Sim, eu sou tola.
— É muito bom, meu amor, — ele disse suavemente. — Nossos
novos amigos perdoam você, tenho certeza, assim como eu. Constantine
Maitland, ao seu serviço, — disse ele, estendendo a mão para o Sr. Talon.
Ela sacudiu o nome que ele usava. Constantine Maitland. Esse era o
nome verdadeiro dele? O que ele evitou dar a ela todo esse tempo? Ela
deixou rolar em sua cabeça. Era um nome tão grande. Tão formal e real. Ela
não esperava aquilo.
— O que você acha, Anne?
Ela estremeceu com a pergunta de Rook, falada perto de sua orelha.
Ela piscou quando percebeu que o Sr. e a Sra. Talon haviam se apresentado
e Rook estava conversando com eles enquanto ela se perdia em
pensamentos sobre o nome dele.
— Sinto muito, receio que fiquei fora um minuto, — ela admitiu
com um rubor.
Rook apontou para a garrafa de vinho que ela não percebera que ele
havia colocado sobre a mesa em algum momento durante a conversa. — Eu
disse que você ficaria feliz em compartilhar nosso vinho com nossos novos
amigos.
Ela assentiu. — Claro.
Ele foi rápido ao abrir a garrafa e servir dois copos, enquanto o
senhor Talon corria até a loja e voltava com mais dois.
— Aos novos amigos, — brindou o Sr. Talon enquanto levantava o
copo agora cheio. Eles tilintaram e, enquanto ela bebia, Anne sentiu os
olhos do homem varrerem sobre ela. Os dedos de Rook apertaram seu
ombro como se ele também tivesse visto. Ela se aproximou um pouco mais
do lado dele.
— Em que negócio você está, Talon? — Rook perguntou.
Ela o observou enquanto os dois homens conversavam. Ele era
diferente ali com aqueles estranhos. Seu sotaque era mais pesado, mais duro
e ele era mais gregário. Era como se estivesse fazendo um jogo, e ela se
perguntou em que parte dos planos de Ellis ele havia participado no
passado. Parecia que não era apenas um bruto.
Eles conversaram por um tempo. Embora a proximidade fosse boa o
suficiente, ela se viu nervosa ao redor deles. Não esperava uma longa
viagem na carruagem com eles. Seria tão perto e quente e o Sr. Talon
parecia nunca parar de falar.
Logo eles terminaram a refeição e o vinho e todos se levantaram
para esticar as pernas.
— Eles estarão carregando em breve, — disse Talon, virando a
cabeça na direção a diligência. — Você vem?
— Estaremos sentados o suficiente em breve, — disse Rook,
deslizando a mão de Anne na dobra do seu cotovelo. — Acho que minha
esposa e eu faremos uma pequena caminhada antes de nos juntarmos a
vocês.
— Muito bem. — O outro casal foi embora.
Assim que eles se foram, o sorriso de Rook caiu e os observou de
perto. — Fique longe deles, — ele disse suavemente. — Não fique sozinha
com eles.
Ela inclinou a cabeça quando ele a guiou para longe da carruagem e
em direção ao caminho das docas. Por quê, eles parecem bastante
inofensivos, não é? Apenas barulhentos.
Ele a encarou, seus olhos escuros sérios e intensos nos dela. — Eu
sei como identificar algo inofensivo. E eles não são.
Seus olhos estavam arregalados quando ela olhou por cima do
ombro para as costas de seus ex-companheiros. — Qual poderia ser o
perigo?
Rook se mexeu como se estivesse desconfortável e então
resmungou: — Estou certo de que Talon coleciona mulheres para se
divertir. Ela certamente não é a esposa dele. Juro que a reconheço de certos
tipos de shows em Londres. Ela pode ter sido educada na Escócia como
entretenimento particular para um homem rico, com Talon como sua
escolta... e 'protetor'.
A boca dela se abriu. — Oh!
— Sim. E você estará segura comigo, mas apenas... não conte muito
sobre você. Eu honestamente gostaria que tivéssemos dado outro nome
diferente do meu. Ele talvez conheça meu primo. Ellis se envolveu com
homens assim... homens piores que isso... ao mesmo tempo.
Ela estava nervosa agora sobre a viagem com aqueles estranhos
potencialmente perigosos e tentando reprimir a pergunta. — Você deu seu
nome verdadeiro? Constantine?
Ele parou de andar e olhou para longe. — Meu nome é Rook, eu lhe
disse.
— Esse não é o nome que você recebeu, — disse ela suavemente. —
Mas o outro é, não é?
— Eu sou Rook, — ele disse mais uma vez, e a virou na direção da
diligência. — E eles estão carregando a carruagem, então é melhor
voltarmos.
Ela não pressionou e permitiu que ele a guiasse de volta à
carruagem e aos supostos novos amigos. Mas percebeu que tinha visto duas
coisas naquela tarde: um vislumbre do verdadeiro Rook Maitland e um
vislumbre do homem que ele fingia ser. E ela queria saber mais sobre os
dois.
*****
*****
Rook desceu a rua lamacenta, puxando a aba do chapéu pela testa e
encolhendo os ombros contra a chuva implacável. Ele estava com frio e
infeliz e apenas metade disso tinha a ver com o clima.
A outra metade? Bem, isso era tudo sobre a falta de opções que ele
possuía para levar Anne para casa, ou pelo menos até Gretna Green, onde
ele poderia garantir sua viagem segura com mais facilidade. A diligência
estava parada e o cocheiro falava em ficar uma terceira noite para deixar as
estradas secarem, mesmo que a chuva parasse logo.
A diligência do correio também não era esperada por mais dois dias,
e Rook não podia pagar uma taxa mais alta. Talvez se ele deixasse Anne
viajar sozinha, mas depois de vê-la sendo cobiçada por Talon no dia
anterior, ele não estava prestes a libertá-la em um mundo de perigo.
Não havia outras opções, não com a quantidade de dinheiro no
bolso, que também precisava ser orçado para quartos e pensões. Ele estava
preso. Passariam mais uma noite na cama da estalagem, juntos. E hoje à
noite ele poderia não ser capaz de se superar quando a tentação passasse
pela tela em seu fino trilho.
Se ele a tocasse novamente...
Mas não, ele não conseguia pensar naquilo. Ele não conseguia parar
de pensar naquilo, mas não estava certo. Não estava certo em imaginá-la
naquele quarto minúsculo agora. Não estava certo fantasiar sobre se juntar a
ela.
Ele balançou a cabeça ao virar a última esquina em direção à
estalagem. O estábulo para carruagens e os cavalos estava lotado, graças ao
clima e, quando ele passou, o som de uma voz feminina familiar chamou
sua atenção. Ele se virou e encontrou Anne parada embaixo do toldo,
falando com um cavalheiro, uma expressão sincera em seu rosto.
Foi na direção dela a tempo de ouvi-la declarar: — Obrigada por sua
ajuda, senhor. Você não sabe o que isso significa.
— É um prazer fazer negócios com você, senhora Maitland.
Uma vibração de emoção surgiu no rosto dela ao ouvir aquele nome,
mas ela apenas assentiu e apertou a mão do homem antes de se virar e quase
bater de cabeça em Rook. Seu rosto se iluminou quando ela o encarou, e
seu coração gaguejou contra sua vontade.
— O que você está fazendo aqui? — Ele perguntou.
Ela sorriu. — Entre, está terrível demais para discutir na chuva.
Você pode se aquecer e eu posso explicar tudo.
Ele pensou em argumentar, mas ela estava certa sobre o clima, então
ele a seguiu de volta à estalagem, despojando-se de seus gotejantes casaco e
chapéu. A sala principal cheia de vapor fervilhava de atividade enquanto os
convidados presos tomavam o chá da tarde e fofocavam entre si em uma
alegre cacofonia de sons, cheiros e cenários.
Ela pegou a mão dele inesperadamente e o puxou para as escadas.
— Por que não conversamos em nosso quarto?
Ela subira dois degraus quando disse aquilo e ele parou, trazendo-a
para baixo também. Ela se virou, os olhos brilhando enquanto o encarava.
Estavam quase na mesma altura agora, ela apenas alguns centímetros mais
alta graças às escadas. Ele olhou nos olhos verdes e sentiu o teste da
sugestão dela em cada centímetro de seu corpo dolorido.
— Não sei se é uma boa ideia, — ele murmurou.
Havia uma emoção que brilhou no rosto dela. Dor. Rejeição. Então
ela sorriu. — Seria melhor ter privacidade para o que precisamos discutir.
Por favor.
Foi o por favor que o fez aceitar. Ele assentiu e a seguiu o resto do
caminho até o quarto. A cama havia sido arrumada e o local limpo,
provavelmente por Anne, já que a colcha estava levemente torta. Ele sorriu
apesar da pressão de estar sozinho com ela e fechou a porta atrás de si antes
de ir para o fogo para se aquecer.
— O que você precisava de privacidade para discutir, Anne? — Ele
perguntou. — E o que você estava fazendo no estábulo?
Ela bateu palmas. — Encontrei uma solução para o nosso problema.
Ele levantou a cabeça. — Uma solução para o nosso problema de
viajar? — Ele duvidou, mas deu de ombros. — E qual é?
— Eu comprei dois cavalos.
Ele havia se afastado dela para ir até a lareira, mas agora eu se
virou, em choque. — O quê?
Ela sorriu. — Eu não conseguia parar de pensar nisso, Rook.
Qualquer carruagem que pudéssemos contratar, seja na diligência, ou no
correio, ou mesmo se pudéssemos pagar por algo particular, o problema
continuará sendo o mesmo. Estradas lamacentas, sulcos que quebram
eixos... e companhia como o muito desagradável Sr. Talon. É muito lento e
muito dependente dos outros. E me ocorreu que poderíamos comprar
cavalos, e então dependeríamos apenas das necessidades deles e de nossas
próprias para descanso e recuperação. Eles vão lidar melhor com a lama. E
assim que as estradas ficarem secas, eles poderão fazer a viagem mais
rápida do que um sonho.
Ele a encarou em silêncio enquanto ela declarava a verdade absoluta
da situação sem se explicar nem um pouco. Ele andou até ela. — Os
cavalos são caros, — disse ele. — E eu me pergunto como você pagou por
eles.
Ela engoliu em seco e o brilho deixou sua expressão quando se
afastou dele. — Não importa.
Ele estremeceu. Ele conhecia várias maneiras de troca. Deus, ela
estava tão desesperada que daria o que ele procurara ontem à noite neste
mesmo quarto?
— Diga-me, — disse ele, mais baixo, mais firme quando pegou o
braço dela e a virou de volta para ele. Tocá-la era uma tortura, mas ela
ergueu o rosto para o dele. Ele viu o tremor de seu lábio inferior, o brilho
orvalhado de lágrimas naqueles olhos verdes surpreendentes.
— Simplesmente troquei algo que eu não precisava.
— Anne! — Ele explodiu. — Eu não posso deixar você fazer algo
assim. Trocar seu corpo não tem pouca importância? E você não pode
imaginar...
Ela se afastou dele e arrancou o braço dela. — Trocar meu corpo?
Não! — Ela balançou a cabeça enquanto o encarava em choque. — Eu nem
saberia como fazer isso. Certamente, posso imaginar as circunstâncias em
que uma dama pode estar pronta para dar aquela coisinha tão valorizada
pela sociedade, mas não fiz esse tipo de arranjo, eu garanto.
O alívio fluiu através dele como um rio furioso e ele afundou no
sofá para encará-la. — Então o que você trocou?
O dedo dela subiu até o pescoço e ele a viu tremer ao redor do local
nu, agora. Ele franziu a testa. Ela possuía um colar antes, uma pequena cruz
com esmeraldas que combinavam como seus olhos.
— Anne, — ele respirou quando se levantou. — Você não fez.
Ela deu de ombros e tentou fazer sua expressão brilhar, como tinha
sido antes. — O colar me foi dado pelo meu pai. Minhas irmãs têm um
igual.
— Provavelmente vale mais do que os dois problemas que
acabaremos com esse acordo, — ele disse. — Certamente, vale mais em
valor sentimental.
Ela lutou por um momento, as mãos apertando os lados, o queixo
erguido e trêmulo. Então ela pigarreou, lutando pela força que ele tanto
admirava nela desde o começo. — Minha família vale mais. Então, qual é a
melhor coisa, Rook? O apego sentimental a uma coisa que os representa?
Ou voltando o mais cedo possível para pedir perdão pela dor e pelo medo
que sem dúvida causei às minhas doces irmãs?
Ele tentou pensar em um argumento contra aquilo, mas não
conseguiu. E ela estava certa de que ter cavalos tornaria a viagem de volta
muito mais rápida e fácil para os dois, embora não tão protegida quanto a
diligência.
E, no entanto, ele viu o impulso a expressão dela. A dedicação em
pedir perdão às irmãs que ela realmente amava. Como ele poderia negar
aquilo?
Ele se aproximou dela um passo, diminuindo a distância que os
separava no pequeno quarto. Ela prendeu a respiração quando olhou para
ele e o ambiente encolheu ainda mais. Ele percebeu que precisava tocá-la
novamente. Percebeu o que aquilo faria.
Mas ele fez de qualquer maneira. Lentamente, ele a pegou pelo
cotovelo, seus dedos cruzando o tecido macio do vestido quando ele
encontrou o olhar dela e o segurou com dificuldade.
— Se você está nesse curso, não vou discutir, — disse ele. — Eu
ouço a chuva parar e provavelmente podemos fazer pelo menos uma
pequena parte da viagem hoje se sairmos dentro de uma hora em seus
cavalos. Mas se você mantiver essa decisão de deixar uma parte de si
mesma para trás, aqui nesta vila, eu vou fazer tudo o que estiver ao meu
alcance para recuperar o colar para você.
Os lábios dela se separaram e então ela balançou a cabeça. —
Deixei uma parte de mim para trás em todos os lugares que estive desde o
momento em que fugi da casa do meu noivo, Rook. Pelo menos esta é a
minha escolha. E isso vai me ajudar a chegar em casa. Eu penso nisso como
expiação.
— Muito bem, — ele disse suavemente. — Vou descer e arrumar
tudo para a nossa partida. Encontre-me em frente à pousada em meia hora e
eu devo estar pronto para partir.
Ela assentiu. — Vou providenciar um pouco de comida para a
estrada.
Ele se virou para ir embora, mas ela estendeu a mão, apoiando a
mão no peito dele, logo acima do coração. O calor daquele toque
imediatamente permeou todas as camadas de lã e linho, como se a pele dela
estivesse contra a dele, mesmo que não fosse.
— Rook, — ela sussurrou. — Obrigada. Sei que já disse isso antes,
mas devo continuar dizendo, pois sua bondade parece não ter limites. E seu
apoio ao que eu sei que é um plano tolo é muito apreciado.
Ele franziu a testa, pois o que ele queria fazer era varrê-la em seus
braços e levá-la à cama e tirar aquela dor por alguns momentos. Silenciar o
desespero, mesmo que fosse uma fração, com a boca e o pênis.
Mas ele não podia fazer aquilo. Não... por ela, não... por ele. Então
ele apenas inclinou a cabeça e se afastou do toque dela. Mas quando saiu
para o corredor e se afastou dela, não pode deixar de ponderar ainda mais
seu desespero. Aquilo a colocou em perigo. Já colocara. E a ele também,
quando chegou à verdade sobre aquilo.
Ele precisa ter cuidado a partir de agora. E se lembrar de que Anne
Shelley não era dele para beijar. Ou confortar. Ou, qualquer outra coisa.
Capítulo 10
*****
*****
Rook teve muitas mulheres. Sexo era algo que ele gostava, era algo
que ele procurava quando seu corpo precisava, e era algo que ele sabia que
era bom. Ele não poderia estar satisfeito se sua parceira não estivesse igual
ou superior a ele, e ele desenvolvera todo talento que possuía para garantir
que uma mulher deixasse sua cama corada de prazer.
Mas nunca sentira nada em seus trinta anos que se comparasse com
a necessidade que queimava nele por Anne Shelley. Ele fingiu estar
dormindo na noite passada depois que a levou ao prazer explosivo naquela
cama, mas não dormiu. Ele olhou para a parede, sua punição latejante por ir
tão longe, e ele apenas... pensou nela.
Não era sobre tomá-la, embora aquelas fantasias estivessem em
pleno vigor, pelo que parecia, a todo, momento. Mas de estar com ela. De
fazê-la rir, de ouvir seu grito de realização quando encontrasse um molusco
na areia ou acertasse um alvo com uma faca. Ele pensou na força de caráter
dela, em seu bom coração e em sua busca concentrada em buscar o que
queria.
Ele pensava em todas as coisas que tornariam tão fácil fazer mais do
que simplesmente desejá-la. E pensou em todas as razões feias para ele
nunca ganhar o direito de fazê-lo.
Franziu o cenho enquanto eles aceleravam o caminho na estrada.
Eles acordaram cedo, juntaram suas coisas e cavalgaram desde então. A
manhã havia sido difícil, com chuvas torrenciais e estradas enlameadas e
desarrumadas para administrar. Mas, após uma breve parada para um
almoço frio, o clima e as estradas melhoraram. Eles não alcançariam Gretna
Green aquela noite, mas ficariam a apenas um dia de viagem.
Um dia de viagem de uma separação em potencial na qual ele não
queria pensar.
Ela mudou, parecendo tão ansiosa quanto ele se a expressão dela
fosse alguma indicação. Ela ficou mais quieta com o passar do dia, e ele se
perguntava se ela estava pensando na afirmação dele que se ele perguntaria
novamente esta noite se ela queria se entregar a ele.
E ele não resistiria se a resposta fosse sim.
— Por quê Constantine? — Ela finalmente deixou escapar um
rápido olhar para ele.
Ele estremeceu com a pergunta e com a maneira como ela disse o
nome dele mais uma vez. Ele pediu que ela fizesse isso enquanto a
agradava, porque não queria ser o homem que havia feito aquelas coisas,
que a tornavam um sonho impossível. Agora, quando ela disse isso, o som
de cada vogal e consoante em sua voz o deixou tenso.
— Por que... o quê? — Ele perguntou, tentando se concentrar.
— Seu nome, — ela esclareceu com uma pequena risada por causa
do seu mal-entendido. — É tão... é um nome tão grande. — Por que ela
escolheu?
— Você tem muito interesse em meus nomes, — disse ele, tentando
manter a voz leve, manter distância sendo brincalhão.
Ela arqueou uma sobrancelha para ele. — Como eu não poderia
estar quando...
Ela parou e ele olhou à frente. — Quando eu a arrebatei?
— Er, não. Bem, sim, suponho que devem fazer uma pessoa ficar
interessada no nome, mas eu achei que significava mais, como que nos
tornamos... amigos. Não, Rook... Constantine... Rook?
Ele sorriu apesar de si mesmo diante da confusão gaguejante dela
sobre o nome que deveria ser dele. Ele gostava dos dois que saíam dos
lábios dela, apesar de odiar cada nome por várias razões.
— Se você está se oferecendo para ser minha amiga, certamente
reconheço que é um presente, — disse ele com uma leve inclinação de
cabeça. Ele ponderou a pergunta novamente por um momento. Analisou
todos os motivos pelos quais ele não respondeu. Então ele fez assim
mesmo. — Minha mãe ganhava a vida, deitada, e muitas vezes era surrada
justamente por causa disso.
Ele a viu olhar para ele, mas não conseguiu ver a reação dela à
afirmação de que sua mãe era uma prostituta. Então continuou: — Ela
possuía uma mente brilhante. Adorava aprender, e foi assim que eu aprendi.
A história, principalmente, a fascinava. E ela amava a Escócia — ela
cresceu aqui. Não muito longe da minha ilha, na verdade. Constantine, foi o
nome de dois reis da Escócia. Suponho que ela tivesse objetivos mais altos
para mim do que eu.
— É um nome bonito, — ela disse suavemente.
— Melhor do que eu mereço, considerando o que ela pensaria do
caminho que eu segui. — Ele olhou para a rua, tentando imaginar a mãe
que havia perdido há tanto tempo, que ele mal conseguia se lembrar da cor
do cabelo ou do som da voz dela.
— Parece que você escolheu um caminho que lhe permitiu
sobreviver, e tenho certeza que é isso que ela gostaria para você, — disse
Anne lentamente. — Você disse que ela morreu quando você era bem
jovem.
Ele respirou fundo. Ele nunca falou sobre aquilo com ninguém.
Nem mesmo com Ellis, embora seu primo soubesse os detalhes. Mas agora
ele estava querendo contar a Anne sobre sua mãe. Para si mesmo, mas
também para ajudá-la a entender melhor a decisão que estava tomando,
entregando-se a alguém de um mundo tão diferente.
— Ela tinha um protetor, ou ele se chamava assim.
— Como o Sr. Talon, — Anne sussurrou com um calafrio.
Ele estremeceu. — Sim, eu admito que Talon me fez lembrar do
bastardo que se juntou a minha mãe. Talvez seja por isso que reagi com
tanta força. O homem da minha mãe conseguia com quem ela passava o
tempo. Ele controlava o dinheiro dela, embora isso apenas significasse
roubá-la, beber e jogar fora. — Ele balançou a cabeça. — Ele batia nela
quando achava que ela merecia. E batia em mim porque odiava que eu
existisse e eu era a prova e consequência amarga do que ela fazia. E talvez
porque ela me amasse e não o amasse.
A respiração forte de Anne chamou sua atenção de volta para ela.
Ela o observava enquanto cavalgava, com o rosto rosado e os olhos cheios
de lágrimas não derramadas pela história dele.
— Ela ficou doente, — ele disse suavemente. — E isso significava
que ela não podia trabalhar. E isso significava que ela não possuía mais
valor para ele. Ele queria que eu trabalhasse para ele. Ele não se importava
como eu conseguiria o dinheiro, ele só o queria.
— Você era uma criança! — Ela explodiu. — Você quer dizer que
ele queria que você...
Ele virou o rosto e tentou não pensar na verdade, mesmo quando
explicava àquela mulher que estava tão distante daquele mundo amargo.
— Há homens com... apetite... — Ele se interrompeu porque era
demais para ela. Demais para ele. — Aquilo nunca aconteceu por causa do
meu primo. Ellis era mais velho, dez para meus seis anos. De alguma
forma, ele ouviu sobre o plano do bastardo e de repente ele estava lá. Ele
me disse para fugir com ele, que eu possuía mãos pequenas e conseguiria
entrar em espaços apertados para roubar. Eu fugi. Nunca mais vi minha
mãe. — Ele clareou a garganta, desejando poder limpar a emoção que ardia
nele. — Ela morreu algumas semanas depois.
— Constantine, — Anne sussurrou, puxando seu cavalo à direita
fora da estrada e em um campo que corria ao lado dele. Ela desceu, dando
um tapinha no animal distraidamente, antes de andar no campo sem se
importar com a água que se agarrava à vegetação e que ela umedecia as
saias.
Ele seguiu, porque que escolha ele possuía, e desmontou sua própria
montaria. Ele a observou enquanto esticava as costas e esperava seu
desgosto ou seu julgamento sobre a terrível história que ele havia contado.
Quando ela o encarou, porém, não foi nenhuma daquelas coisas que ele viu.
Ela se moveu na direção dele em três longos passos e alcançou suas
bochechas. — O que você passou é algo que eu nem consigo imaginar,
tendo sido criada na minha torre de marfim em um lugar tão longe de onde
você começou.
Então ela sabia. Então ela entendera. Ele supôs que deveria estar
feliz por isso. Seria melhor para ela.
Ela ficou na ponta dos pés e roçou os lábios nos dele, depois passou
os braços em volta dele e apenas.. o abraçou. Ele ficou rígido, pois não
conseguia se lembrar da última vez que foi abraçado. Era tão bom que ele
pensou que poderia derreter nela e nunca ficar livre daquilo.
Ele nunca iria querer ser livre.
Ela esfregou o rosto no colarinho dele. — Você é tão notável. Sua
força é tão admirável.
Ele se afastou e olhou para o rosto dela. Ela não estava fazendo ele
de tolo, ela não estava aplacando o que acontecera, ou com pena dele pelo
passado. Ela olhava para ele e o via... e foi... aterrorizante.
Ele deu um longo passo para trás e assentiu. — Muito bem.
Devemos seguir em frente, no entanto. Estamos perto da próxima vila, onde
vamos parar para passar a noite.
Os lábios dela se afinaram com a rejeição de seu apoio, mas ela não
o confrontou sobre aquilo. Ela simplesmente caminhou até onde seu cavalo
estava pastando no campo e bateu de leve em seu flanco suavemente.
— Quanto tempo ate Gretna Green depois desta noite? — Ela
perguntou.
Ele se concentrou em arrumar o nó em seu alforje que estava
perfeitamente bem. Qualquer coisa para não olhar para ela e deixá-la ver
sua alma novamente. — Tem cerca de cem quilômetros ou mais. Com essas
estradas melhoradas, não teremos problemas para chegar à cidade amanhã à
tarde.
Ela assentiu, mas a visão periférica era lenta. — Haverá mais opções
de transporte para lá, eu acho.
Ele hesitou. — Sim. Correio, carruagens privadas. É uma cidade
grande o suficiente, você pode até encontrar conhecidos que podem levá-la
aonde você gostaria de ir.
Ela olhou para ele por tempo suficiente para que ele fosse forçado a
retornar o olhar. O rosto dela não mostrava nenhuma expressão. Totalmente
plano quando ela sussurrou: — Suponho que você possa ir para casa depois
disso. De volta à sua vida, se você não quiser me levar o resto do caminho.
Ele deu de ombros como se aquele pensamento não importasse. —
Suponho que poderia. Teremos que ver como vão as coisas amanhã quando
chegarmos.
Ela estremeceu um pouco. Então ela subiu no cavalo e ajeitou o
assento com cuidado. — Melhor sair, então.
Ele seguiu o exemplo e conduziu o caminho de volta à estrada. —
Melhor sair, — ele concordou.
Eles estavam calados enquanto cavalgavam, e ele deveria ter ficado
satisfeito com aquilo. Mas não pode deixar de sentir que havia perdido uma
oportunidade que ela estava oferecendo a ele. Uma que poderia não voltar,
exceto em sonhos arrependidos quando ela estivesse fora de sua vida para
sempre.
*****
Anne observou Rook comer a ceia pelo canto do olho, marcando
cada movimento e cada expressão. O resto da jornada naquela tarde passou
sem incidentes. Ele falou com ela sobre nada de importante, como se a
conversa sobre a mãe, sobre seu passado terrível e traumático, nunca tivesse
acontecido.
E agora ela não podia lê-lo. Como se não se conhecessem. Seu
coração doía pelo que havia sido perdido entre eles. Ansiava pelas paredes
que ele erigira entre eles, ansiava pelo fato dele ter sido forçado a construí-
las com um terrível abuso, negligência e medo.
— Conte-me mais sobre ser uma trigêmea, — disse ele.
Ela levantou o olhar e viu que ele se recostara no banco e estava
girando o último gole de cerveja que restava na caneca, na mão. Ela
respondeu. — Eu não tenho certeza do que você quer saber. É apenas ser
irmãs, só que temos a mesma idade e um rosto semelhante. — Ela suspirou.
— Alguns diriam a mesma cara.
Ele inclinou a cabeça. — Isso a incomoda, parecer com elas?
— Não. Eu amo parecer com elas. É a única vida que eu conheço,
então é reconfortante olhar para cima e ver Juliana ou Thomasina, com uma
expressão que reconheço imediatamente, porque senti aquilo no meu
próprio rosto. E isso nos permite trocar de lugar, com a finalidade de jogos
ou... — Ela balançou a cabeça enquanto pensava no que havia convencido
Thomasina a fazer duas semanas atrás. — Ou no caso de erros.
Ele ficou quieto por um momento. — E qual é a sua parte menos
favorita disso?
Ela olhou para ele. Ninguém nunca perguntou isso a ela antes. Ela e
suas irmãs foram consideradas uma anomalia pela maioria dos médicos.
Múltiplos nascimentos de gêmeas sobreviventes eram tão raros. As
trigêmeas eram quase impossíveis, um milagre, após milagres. Poucas
pessoas queriam saber mais sobre elas. O assunto parecia se tornar muito
desconfortável, mesmo quando o evocavam.
— Somos vistas como somente uma pessoa, — ela disse
suavemente. — Somente uma personalidade. Além de minha mãe, há muito
tempo, ninguém fora de nós, jamais foi capaz de nos diferenciar. Então, eu
nunca fui Anne Shelley. Eu sempre fui uma trigêmea Shelley. Primeiro e
para sempre.
— Mesmo o homem com quem você se casaria não conseguia
diferenciá-la? — Rook perguntou com uma expressão incrédula.
— Não, — ela disse com um suspiro. — O conde não se importou o
suficiente para tentar, eu suponho.
— Se ele não fez um esforço para conhecê-la, ele era um tolo. —
Rook se inclinou à frente e pegou a mão dela, dobrando-a entre as dele
antes de levantá-la para beijá-la suavemente.
E de repente tudo no ambiente mudou com o calor daquela boca na
pele dela, mesmo dessa maneira benigna. Ela se mexeu na cadeira enquanto
formigamentos começavam entre as pernas, correndo pelo estômago,
apertando o peito.
— Você deve achar meus problemas muito pequenos e tolos, — ela
engasgou. — Comparados com o seu.
Ele arqueou uma sobrancelha enquanto girava a mão dela e
pressionava outro beijo na pele abaixo do polegar. A língua dele disparou
suavemente e ela ouviu um som distorcido saindo de sua garganta.
Ele sorriu para ela. — Por que comparar? Eu tive uma vida difícil,
essa é uma verdade factual. Mas eu sempre soube quem eu era. E me
certifiquei de que todos os outros também soubessem. Não estar separado
como indivíduo deve ser horrível. Não me admiro que você fugiu. Não é à
toa que você procurou alguém que a viu.
— Fingiu me ver, — ela sussurrou. — Ellis apenas fingiu me ver.
A sobrancelha dele franziu e ele enfiou os dedos entre os dela,
acariciando o comprimento deles com os seus, deslizando o polegar pela
palma da mão e por dentro do pulso dela enquanto o corpo dela gritava com
fogo e antecipação.
O olhar dele encontrou o dela novamente. — Eu vejo você.
Aquelas três palavras a atingiram com tanta força no estômago que
parecia que o ar saía dela. Esse homem que ela nunca esperava lhe deu o
presente que ela sempre quis. Facilmente. Genuinamente. E muitos outros
presentes também. Fazia os sentimentos que surgiam sempre que ela olhava
para ele muito mais difícil de conter.
— Eu sei que você o faz. — Ela limpou sua garganta, precisando de
distância daqueles sentimentos ainda mais. — Você disse que me faria uma
pergunta hoje à noite. E você está me deixando louca fazendo isso.
Ele riu. — Fazendo o quê?
— Você sabe o quê, — ela ofegou quando ele deixou a unha do
polegar abrasar a pele sensível da palma da mão novamente. — Fazendo
isso com a minha mão.
Ele levantou a mesma mão novamente, pressionando outro beijo na
palma da mão e depois no pulso. Ela prendeu a respiração. Como ele
poderia fazer algo tão simples e parecer tão poderoso?
Ele beijou o pulso dela e disse: — Não tenho certeza se você quer
que eu faça a pergunta. Estamos tão perto de Gretna Green agora. Você
pode querer ir para casa e esquecer que já me beijou. Ou que eu a beijei.
Ali... Ele apontou para a boca dela. — Ou em qualquer outro lugar.
Ela engoliu em seco com a lembrança da cabeça escura dele entre as
suas pernas trêmulas. Do magnífico prazer que ecoou agora quando ele mal
tocava a mão dela.
— Se você for embora, se eu nunca mais o vir, — ela sussurrou. —
Isso me faz querer que você faça a pergunta em mais detalhes. Ainda tenho
alguma chance de responder.
Houve um momento em que a dor tomou conta da expressão dele.
Como se tocá-la e desejá-la fosse a mesma tortura para ele como para ela.
Então ele assentiu.
— Você me diz que quer que eu a arruine, — ele sussurrou,
vermelho, concentrando-se tão completamente nela que o resto da sala
parecia desaparecer. — Tomar sua inocência e deixá-la sentir o tipo de
prazer que nunca ousou sonhar.
— Eu quero. — A voz dela falhou.
— Você já pensou nas consequências, Anne, de dar este presente a
um homem como eu? Um homem que você sabe que não é para você. Um
homem com um passado tão sombrio que uma mulher como você nunca
deveria saber que existe. Você quer abrir as pernas para um homem como
eu?
Ela não conseguia respirar enquanto ele falava todas aquelas
palavras, fazia todas aquelas perguntas, tentava alertá-la e a atraía cada vez
mais. Ela levantou a mão que ele não estava segurando e a guiou na direção
dele. Ela acariciou os dedos ao longo da mandíbula dele, deixando o
polegar deslizar ao longo do lábio inferior.
E então ela sussurrou: — Eu quero tanto isso, Constantine. Eu quero
você.
Ele não se mexeu nem por um momento, nem reagiu. Ela não estava
certa se era porque ele não gostou da resposta. Ou porque ela usou o nome
verdadeiro dele novamente. Ou, porque ele não a queria apesar do show que
estava fazendo.
Mas então ele empurrou a cadeira para trás com um guinchado que
chamou a atenção da sala para eles, por um breve momento. Ele a puxou e
assentiu.
— Então vamos lá para cima, — ele rosnou. — Agora.
Ele segurava a mão dela enquanto eles passavam pelo salão lotado
em direção à escada estreita e esfumaçada no canto de trás da sala. Subiram
um lance de degraus, dois, e eles estavam no topo do pequeno prédio, na
fileira de quartos mais baratos, onde ficava o quarto para a noite.
O corredor estava vazio e ele a colocou na frente dele, passando os
braços em volta da cintura dela e puxando-a de costas, contra ele, enquanto
se moviam desajeitadamente. Ela podia ver a porta à frente deles, apenas
dez passos, embora parecesse uma vida inteira quando ele começou a beijar
a lateral de seu pescoço, gentilmente.
Ela gemeu quando os dois alcançaram a maçaneta da porta, tentando
colocar a chave na fechadura, girando-a juntos, os dedos entrelaçados
enquanto cambaleavam para o pequeno quarto que continha apenas uma
cama estreita suficiente para dois, e uma lareira que aquecia e iluminava o
espaço.
Ele a virou quando fechou a porta, abraçando-a quando sua boca
desceu para reivindicar a dela.
Ele a beijara pela última vez apenas vinte e quatro horas antes e
ainda assim Anne se sentia faminta por aquilo. Ela deslizou os dedos em
seus cabelos curtos, puxando-o para mais perto, pedindo no momento para
ele continuar e continuar, enquanto ele provava cada centímetro da boca
dela. As mãos dele começaram a passar sobre ela. Ele segurou o seio e ela
engasgou ao pensar na boca dele como se tinha sido ontem à noite. Ele
deixou os dedos descerem pelas laterias e pelos quadris dela, puxando-a
para perto o suficiente para que ela pudesse sentir a crista dura da ereção
dele contra sua barriga.
Ela arqueou contra ele, esfregando até que ele quebrou o beijo com
um gemido. — Você é uma trapaceira, — ele grunhiu quando a girou e a
apoiou através do quarto em direção à cama baixa. Ela bateu com as
panturrilhas em alguns passos e sorriu para ele.
— Você gosta de uma sirigaita, eu acho, — ela disse suavemente. —
Você ficaria entediado se eu não desafiasse você.
— Isso provavelmente seja verdade, — ele disse enquanto chegava
em torno das costas dela e abria os seus botões sem nenhum esforço. O
vestido se abriu e ele o puxou para baixo e para fora em um movimento
suave. — Mas ninguém poderia ficar entediado com você.
Lágrimas arderam nos olhos com aquela afirmação. Ela sabia que
poderia ser difícil. Mas ele gostava dela de qualquer maneira. Talvez até
porque ela não fosse fácil. Aquele era um presente tanto quanto a cama hoje
à noite.
Ela segurou as bochechas dele e o beijou, derramando toda sua
necessidade nele, todo seu coração, todas as coisas que sentia por ele e
tentara negar, até aquele momento, em que a inundou em uma onda. Ela
estava com muito medo de nomear aquela emoção, mas deu todas para ele
com os lábios e prometeu dar todas a ele, com seu corpo.
Ele se afastou e olhou para ela com preocupação nos olhos escuros.
— Sem desespero, — ele sussurrou, e cruzou os dedos sob as tiras da
camisa dela. Ele as deixou cair, puxando o tecido sedoso ao redor dos
quadris, juntando-o aos pés com o vestido. E ela estava nua, exceto por suas
botas e meias. Ele deu um passo para trás, olhando-a da cabeça aos pés,
como se estivesse memorizando o momento enquanto olhava.
— Tire o resto, — ele pediu, sua voz rouca. — Por favor.
Capítulo 12
*****
Antes que ela e suas irmãs saíssem para a sociedade, a tia solteira de
Anne as chamara para conversar com elas sobre homens. Foi uma conversa
muito pouco esclarecedora no geral. A mulher não possuía experiência
própria e tinha um olhar duro sobre o sexo oposto. Mas ela havia dito uma
coisa que agora ecoava nos ouvidos de Anne enquanto eles trotavam pela
estrada sob o sol quente da tarde.
Se você der a um homem o que ele quer, ele irá embora.
Era para ser uma estratégia, é claro. Banque a difícil no dia-a-dia e
os homens a perseguirão. Mas também havia sido uma advertência: não
beijar atrás de vasos de flores ou desistir da inocência com muita facilidade.
Anne fizera exatamente aquilo. A inocência, não os vasos de flores.
E agora ela sentia Rook se afastando dela. Oh! Ele foi educado
enquanto viajaram. Ele era amável como um companheiro de viagem. Mas
ele não olhou mais para ela com intenção ardente. Ele não brincava mais
com ela. Ele não perguntou mais sobre o passado dela ou sua família e não
conseguiu nenhuma informação sobre ele.
Eles eram como companheiros de viagem que não estavam bem
familiarizados agora. Nem amigos, como ela sentiu que eram. Nem
amantes.
O coração dela se partiu pela perda de ambos os papéis, mesmo
sabendo que poderia ser o melhor. Ela cuidava dele, queria que ele se
distraísse, mas ele não sentia o mesmo por ela. Afastá-la agora era uma
gentileza. Isso lhe permitiu começar a planejar o futuro assustador que
enfrentaria assim que voltasse a Harcourt, a família e o noivo que
abandonara ali, semanas antes.
Chegaram ao topo de uma colina e Rook trotou sua montaria para
fora da estrada e para um mirante. — Pronto, — ele disse, apontando ao
longe. — A maldita Gretna Green.
Ela olhou para a pequena aldeia. Era uma vila bonita e
movimentada, como centenas de outras que pontilhavam o campo na
Escócia e na Inglaterra.
— Hmm, — ela disse. — Eu pensei que de alguma forma seria mais
grandiosa ou brilharia na luz. Do jeito que se fala, quase parece um país das
fadas.
Ele sorriu. — Pessoas com a noção romântica disso, eu suponho.
Mas a loja de ferreiro é exatamente isso, você sabe, uma loja de ferreiro.
Um pouco sombria e fria para o meu gosto.
Ela apontou a cabeça para ele. — Isso significa que você veio aqui
antes? — ela perguntou. Ela não conseguiu evitar o sorriso que torceu seus
lábios. — Diga-me que você não é casado secretamente.
Ele balançou a cabeça e um leve eco de seu sorriso habitual cruzou
seu rosto. — Eu não sou. Apenas um turista curioso, como a maioria dos
que param por aí.
— Então você terá que me levar pela cidade quando chegarmos a
ela, — disse ela, e gritou para o cavalo para ir à estrada. — Venha,
estaremos lá antes do jantar.
Ela empurrou o cavalo à frente e ouviu Rook seguir depois de um
momento. Ela não tinha pressa de chegar à cidade, é claro. Ver esse tempo
juntos terminar como poderia ser quando chegassem à cidade maior. Mas
ela precisava mostrar uma boa aparência. Não o deixaria ver que aquilo
importava para ela quando significava tão pouco para ele.
Aquela era a única maneira de sobreviver a isso com um fragmento
de sua dignidade intacta.
Eles entraram nos portões da cidade, em menos de uma hora, e
puxaram seus cavalos para uma estalagem que era facilmente três vezes
maior do que qualquer uma que os abrigara ao longo de sua rota. Quando
Rook a ajudou a desmontar, ela forçou outro sorriso. — Oh! Eu mal posso
esperar por um banho para lavar a viagem dos meus ossos.
Ela pensou que havia um lampejo de desejo que obscureceu o olhar
dele ao ouvir aquela afirmação, mas ele piscou.
— Pergunte sobre um quarto lá dentro, — disse ele. — E eles
mandam a água. Vou cuidar de nossos cavalos e perguntar sobre transporte
seguro para você, daqui. Se parecer provável que você possa chegar em
casa mais rápido de qualquer outra maneira, também perguntarei sobre o
preço dos cavalos.
Ela mordeu o lábio com a explicação eficiente dele sobre como ele
se livraria dela e assentiu. — Muito bom. Obrigada.
Ele se virou, levando os cavalos pela movimentada pista em direção
ao estábulo. Ela entrou na estalagem, recebida por aromas de pão assado e
pelo som dos viajantes, bebendo cerveja e contando as histórias da estrada.
Parecia um grupo de boa índole, e ela não sentiu medo ao se aproximar de
uma mulher atrás de uma mesa.
— Boa tarde, —, disse ela. — Estou perguntando sobre um quarto
para a noite. Meu... meu marido está cuidando dos cavalos e fazendo outros
arranjos.
A mulher foi rápida em encontrar um quarto e entregou uma chave a
Anne. — É o terceiro à esquerda no segundo andar, — disse ela. — O jantar
será em uma hora, embora você possa descer mais cedo. Nossa estalagem
está agitada com o melhor clima, como você pode ver. Um grande grupo de
viajantes chegou de Harcourt hoje.
Anne levantou a cabeça de onde estava assinando o livro de registro
do hotel e se virou para olhar para o grupo de homens junto à lareira. O
coração dela quase parou. Eles eram os companheiros do conde de
Harcourt, homens do condado dele. Ela não os reconheceu quando entrou,
mas agora viu alguns rostos familiares na multidão.
Ela se virou rapidamente, esperando que não a tivessem visto. É
claro que ela não parecia tão bonita quanto quando quando fugiu para a
noite.
— Harcourt, você diz, — ela disse suavemente, olhando por cima
do ombro. — Aquele é um belo condado. Eu sei um pouco. Eles parecem
muito turbulentos. O que os deixou em tal ponto?
A esposa do hospedeiro se inclinou, seu olhar brilhando de prazer.
— Bem, eu não sou de fofocar, é claro. Todo mundo diz que eu sou
silenciosa como o túmulo. Posso manter um segredo como nenhum outro. É
o que dizem.
Anne apertou os lábios. Se esse não fosse o começo da grande
confissão de fofocas, ela não sabia o que era. — Tenho certeza que você é
muito discreta. Como eu sou.
A mulher assentiu. — Esse grupo continua falando de um terrível
escândalo de onde eles vêm. Algo sobre seu senhor e um noivado quebrado.
O sangue de Anne rugiu tão alto em seus ouvidos que ela mal podia
ouvir mais alguma coisa. Ela engoliu em seco, tentando se acalmar. — Isso
é uma coisa terrível. Mas suponho que um casamento frustrado seja apenas
um escândalo até o próximo.
— Mas ele não foi frustrado. — A mulher quase bateu palmas. —
Eles dizem que a noiva do homem fugiu... então ele se casou com a irmã
dela.
Agora o sangue pulsando era tudo o que Anne podia ouvir.
Certamente ela não poderia ter ouvido direito aquelas palavras.
Ela tentou respirar, mas manchas estavam começando a aparecer
diante de seus olhos. — Lorde Harcourt se casou com uma das irmãs de sua
pretendida? — Ela perguntou, suas mãos tremendo, seus joelhos tremendo.
— Essas são as notícias daquele grupo, — disse a mulher. Ela
piscou. — Você ficou pálida, senhorita. Você conhece o casal?
— Eu conheço. — Anne pressionou as duas mãos na mesa, tentando
encontrar uma segurança enquanto o ambiente estava tombando. — Não
pode ser verdade. Não é verdade que Harcourt se casou com uma das irmãs
restantes. Qual? Você sabe qual?
Ela sabia a resposta, apesar de perguntar. Thomasina fora quem ela
forçara em seus jogos. Thomasina seria quem concordaria com tal coisa por
penitência se ela fosse pega. Thomasina doce, inocente e boa, casada com
Jasper Kincaid, o conde de Harcourt. Um homem sem coração.
— Sinto muito, senhorita, eu não sei. Você poderia perguntar aos
homens os detalhes. Senhora? Oh! Senhora!
Mas Anne mal a ouviu quando começou a aspirar ar dentro e fora de
seus pulmões. Seus joelhos cederam e ela mal se conteve. Então mãos a
tocaram, passando pela cintura dela. Ela se virou na direção delas e viu o
rosto de Rook nadando em sua visão. Seus olhos escuros estavam
arregalados, cheios de puro terror quando ele a levantou e a carregou pelas
escadas, a esposa do proprietário não muito atrás. A mulher estava falando,
falando sobre algo, ela não sabia o quê. Seu desmaio, talvez.
Ela não ouviu nada. Tudo em que ela conseguia pensar, tudo que
conseguia entender, tudo em que conseguia se concentrar era no que havia
feito. O que ela havia imposto a suas irmãs. Seu egoísmo obrigara uma
delas, provavelmente Thomasina, a se casar. Um casamento sem amor
significava para Anne que havia atirado uma de suas irmãs a uma
armadilha.
E quando ela soltou um longo e dolorido grito, tudo ao seu redor
finalmente ficou escuro.
*****
Anne já sabia a verdade. Ela sabia que uma de suas irmãs havia sido
jogada aos lobos por causa dela. Mas no momento em que Rook abriu a
porta e a encarou, ela não podia fingir que ele poderia lhe dizer algo
diferente. Ela empurrou os pés instáveis e apertou as mãos com tanta força
na frente dela, que doeu.
— Ele se casou com uma delas, — ela sussurrou.
Rook assentiu enquanto fechava e trancava a porta atrás de si. Ele
parecia cansado enquanto exalava um suspiro longo e instável. Como se
tivesse que ser o único a lhe dizer que a verdade não era algo que ela
deveria assumir. Era muito grande, muito horrível. Muito esmagador.
— Sim, — ele disse suavemente, depois do que pareceu uma
eternidade. — Harcourt se casou com uma de suas irmãs. Você estava certa,
provavelmente foi Thomasina. Os homens abaixo acharam que o nome
começava com um T.
A sala girou em torno de Anne e ela agarrou as costas de uma
cadeira para se equilibrar, afastando o avanço de Rook para ajudá-la com a
mão levantada. — Você se sentou com aqueles homens, viu suas expressões
e ouviu suas vozes. Seriam apenas fofocas casuais? Ou você acredita que é
verdade?
Ele balançou a cabeça lentamente. — Sinto muito, Anne. Não tenho
motivos para não acreditar neles.
Ela afundou na cadeira e cobriu o rosto com as mãos enquanto sua
mente girava com imagens horríveis. Ela ouviu Rook se mover e olhou para
ele. Ele havia arrastado a outra cadeira na sala para mais perto e abraçou-a,
deixando seus joelhos roçarem o dela enquanto procurava seu rosto. —
Conte-me sobre Harcourt, — disse ele.
Ela balançou a cabeça. Harcourt. Ah! Harcourt, a quem ela
menosprezava naquele momento, ainda mais do que Ellis. Harcourt, que
havia tomado a liberdade e o futuro de uma de suas amadas irmãs. Com
quem ele não se importava, não amava, não cedia nem uma fração.
— Eu já contei tudo, mesmo que de alguma forma não tenha dito o
nome dele para você, — disse ela em um suspiro. Ela tentava resolver a
confusão de seus pensamentos. — Ele era sério, distante. O casamento foi
arranjado por meu pai. Harcourt herdou o título e uma montanha de dívidas
quando seu irmão foi morto em um duelo escandaloso.
Rook se encolheu. — Sim, mesmo aqueles da minha classe ouviram
sobre isso.
Ela assentiu. — Ele precisava do meu dote para salvar a si mesmo e
reconstruir o seu legado. Meu pai queria comprar uma conexão com um
título. Uma vez que a casa de Harcourt era boa, suponho que meu pai
pensasse que estava comprando pouco, na esperança de um dia negociar em
alta.
— Mas você tem duas irmãs, — disse Rook. — Por que ele
escolheu você para o dever?
Ela inclinou a cabeça, pensando em suas atitude e ações nos últimos
vinte e dois anos de sua vida. Quantas vezes seu pai disse que ela estava
correndo solta, que ele precisava encontrar uma maneira de trazê-la de
volta, que ela estragaria as coisas para suas irmãs se não se acalmasse?
Acabou que ele estava certo, afinal. E aquilo picou sua alma.
— Embora ele afirme o contrário, acho que ele queria se livrar de
mim porque era mais provável que eu causasse problemas.
— Você? — Rook brincou gentilmente.
Ela não conseguia sorrir. — Eu sempre fui a única a causá-los. Eu
certamente causei desta vez.
— Então você foi dada a Harcourt, então você seria o problema
dele, e não do seu pai. E uma data para o casamento foi marcada. Você disse
que o homem não era cruel, apenas frio. — Rook disse suavemente, e agora
ele pegou as mãos dela e as segurou entre as dele quentes. Aquele toque
trouxe alguma paz. Uma que ela recebeu com um suspiro irregular.
— Sim.
— Então sua irmã não está em perigo, — disse ele. — Na pior das
hipóteses, ela assumiu o seu lugar em um casamento arranjado, não
diferente de muitos da classe titulada. Um casamento que poderia ter sido
arranjado facilmente para ela, em vez de você, se seu pai tivesse uma
opinião diferente.
— Eu conheço Thomasina, — disse Anne, e as lágrimas voltaram
aos seus olhos. — Ela é uma alma tão gentil, uma pessoa tão boa e uma
irmã tão querida. Pensar nela casada com um homem que não pode amar,
não pode sentir... é angustiante. O que ela deve pensar de mim como ela
suportará... Ela parou e puxou as mãos dele enquanto passeava pelo
pequeno quarto. — Não consigo pensar no que ela suportou. E nossa outra
irmã, Juliana, ela deve me desprezar profundamente.
Rook não se mexeu, mas ela sentiu o olhar dele queimando em suas
costas. — Por que você acha isso?
— Ela é a única a consertar a bagunça que todos fazemos, — disse
ela, encarando-o. — E isto é o pior de todos. Ela poderia nunca mais me
perdoar por colocar Thomasina em uma posição onde ela poderia ser tão...
tão... tão... Ela afundou-se na cama uma segunda vez e as lágrimas que ela
estivera combatendo regressaram. — Dói, — ela terminou com um soluço.
Ele se moveu então, pulando da cadeira e cruzando até a cama. Ele levantou
o corpo dela em seus braços, embalando-a contra ele enquanto alisava os
cabelos dela e a balançava enquanto chorava. Ela chorou pela vida que ela
havia destruído com suas decisões egoístas. A vida da irmã dela.
E ela chorou por si mesma. Porque agora estava dolorosamente
claro para ela o quanto ela havia perdido fugindo com Ellis Maitland. E por
que ela precisava ir para casa.
*****
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*****
*****
Rook estava no meio de um aposento que era maior que todo o chalé
na ilha. Era decorado com um toque sofisticado, das roupas de cama
simples, mas caras, às obras de arte nas paredes. Quando ele pisou perto da
janela, ele olhou para um jardim magnífico que descia um longo caminho
até um lago ao longe.
Era o lar de um rei. Uma rainha Um lugar onde Anne pertencia. Ele
certamente não.
Sua conversa com lorde Harcourt foi difícil, para dizer o mínimo.
Ele agora conhecia toda a extensão do desespero de seu primo. E se Ellis
não ficara satisfeito com o encontro na propriedade de Harcourt alguns dias
antes, ele certamente voltaria.
O que significava que Rook também precisava ficar. Talvez ele
pudesse ajudar seu primo. Ou pelo menos proteger aqueles no caminho
dele.
Ele balançou a cabeça. Estar ali seria uma tortura. Olhar para Anne
e nunca mais poder tocá-la seria uma tortura. Mas foi melhor para ela.
Então deveria ser melhor para ele também.
Houve uma batida em sua porta e, quando ele permitiu, a porta se
abriu para revelar um lacaio com o uniforme dos Harcourt. — Com licença,
senhor. Sua presença foi solicitada para bebidas antes do jantar.
Rook olhou para o belo relógio em cima da mesa e balançou a
cabeça. Cristo, já era tarde. Entre a empolgação da chegada deles e a
conversa extremamente longa e desconfortável com Harcourt, ele perdeu a
noção do tempo. — Eu vou descer.
O lacaio assentiu e recuou da sala. Rook se olhou no espelho. Ele
trocou as roupas do dia, é claro, e recebeu um banho quente. Mas sua roupa
atual não era exatamente adequada ao tipo de jantar em que alguém era
convidado a beber antes.
Mas o que havia para fazer? Ele alisou o tecido áspero de sua
jaqueta e saiu do aposento. Desceu as escadas e parou no fundo. Ele
esquecera de perguntar a localização daquelas bebidas e era uma
propriedade enorme.
Então começou a vagar, tentando ouvir os sons de conversas em
qualquer um dos aposentos.
A caminhada foi ainda mais uma evidência de como ele não
pertencia àquele lugar. Havia dezenas de salões ao longo do corredor, cada
um mais deslumbrante que o outro. Para um homem que estava sofrendo
financeiramente, Harcourt não revelava. E Rook se perguntou se Anne um
dia se arrependeria de não se casar como pretendia. Obviamente, Harcourt e
Thomasina combinavam melhor, mas certamente se Anne não tivesse
fugido, não tivesse se arruinado com ele ... poderia ter alguém tão
importante quanto. Até mais importante.
E agora ela só teria lembranças de pequenos quartos de hospedaria e
dele. Aquelas mesmas memórias a sustentariam, mas no fim a
assombrariam?
Finalmente ouviu vozes e sacudiu os pensamentos obscenos quando
entrou no último salão à esquerda no longo corredor. Quando entrou no
salão, seu olhar imediatamente se mudou para Anne. Ela estava de pé junto
à lareira, olhando as chamas. Ela se virou quando ele entrou e sua
respiração ficou presa.
Ele passou semanas com aquela mulher, cativado por sua beleza.
Mas hoje ela estava mais do que bonita. Ela estava requintada em um
vestido de noite de seda azul-esverdeada que combinava com o mar e fazia
seus olhos parecerem mais claros. O cabelo havia sido elaborado na coroa
da cabeça, e mechas brincavam ao redor de suas bochechas, como se para
chamar ainda mais, a atenção para seu rosto adorável.
O vestido era elegante, com um brocado no corpete que levantava
levemente os seios e lhe dava uma visão de dar água na boca das curvas que
ele tanto adorava, e adorava repetidamente quando estavam sozinhos. Como
ele queria desembrulhar aquele lindo pacote diante dele e esquecer todas as
coisas que os separariam agora. Como ele desejava poder ir embora com ela
e fingir que este mundo não existia.
Os lábios carnudos dela se abriram como se ela pudesse ler a mente
dele, e ela deu um passo na direção dele antes que o conde de Harcourt
fizesse uma careta e a cortasse.
— Maitland, — ele disse. — Bom da sua parte se juntar a nós. Você
vai tomar uma bebida?
— Sim, — Rook conseguiu responder através de uma garganta seca.
Ele pegou a bebida, quando foi dada e acenou para o que quer que Harcourt
tenha dito. Quando o conde se afastou, Rook sentiu-se compelido a olhar
para Anne. Como um marinheiro para um farol nas rochas.
Só que ela seria destruída se ele o fizesse. Então ele balançou a
cabeça e caminhou até a janela. Tentou controlar a respiração enquanto
olhava à escuridão crescente, e tentava se recompôr.
Mas então ela ficou ao lado dele, ele se perdeu no aroma de limão
fresco e pelo calor leve quando ela tocou seu cotovelo e virou-o para ela.
— Boa noite, — disse ela, suas bochechas ficando rosadas como se
fosse tímida, apesar de tudo o que haviam feito juntos. Supôs que aquilo
fazia sentido. Ali, neste lugar, com aquelas pessoas, ela era uma pessoa
diferente daquela que se rendeu a um vilão como ele. Ele a estava vendo
pela primeira vez.
— Shelley — Ele disse, forçando seu tom a ser normal.
— Rook? — Ela murmurou, franzindo a testa. — O que você está
fazendo?
— Nada, estou apenas cumprimentando você, — disse ele, virando-
se um pouco enquanto bebia metade de sua bebida em um gole. — Está
uma boa noite, não é?
Os lábios dela se apertaram e os dedos se fecharam em punhos ao
lado do corpo. — Eu suponho que Harcourt foi muito duro com você mais
cedo quando foi deixado sozinho? Eu estava preocupada.
Ele se encolheu sob os cuidados dela. O cuidado que ele certamente
não merecia. — Você não precisa se preocupar com o meu bem estar, eu lhe
garanto. Você deve se concentrar em sua reunião com suas irmãs e seu pai.
Anne olhou para trás. Seu pai estava deitado no sofá de Harcourt
com uma bebida pendurada precariamente nas pontas dos dedos. Não era a
primeira bebida, ao que parecia, a julgar pelo fato de o homem parecer
quase bêbado.
— Meu pai não dá a mínima para mim agora que eu não tenho valor
de troca, — disse ela, amarrando seu tom por um momento.
Ele ansiava por pegar a mão dela. Para ouvir mais sobre aquela dor.
Para acalmá-lo de alguma forma. Mas resistiu, porque não era o seu lugar.
Nunca foi, — aquilo sempre foi uma ilusão.
— Lamento saber que você tem problemas, — disse ele, forçando a
frieza a permanecer em seu tom. — Mas tenho certeza que você está
ansiosa para jantar. Você deve ter perdido essas grandes refeições.
Ela se inclinou para mais perto. — Por que você está sendo tão
diferente? — ela perguntou. — Por que você está colocando algum muro
entre nós?
Ele cerrou os dentes. — Porque eu não fiz isso antes, quando
deveria, e agora devo corrigir esse erro.
Ela deu um longo passo para trás. — Erro? — Ela repetiu.
Ele balançou a cabeça, mesmo que não quisesse que aquela palavra
atingisse uma marca tão sólida. Ele viu como aquilo a machucou. Ele se
odiava por isso, mesmo que fosse para o próprio bem dela. Pelo bem dele.
Eles teriam que começar a se separar, agora.
Era importante.
Ela inclinou a cabeça. — Com licença, Sr. Maitland.
— Srta. Shelley, — ele sussurrou enquanto ela se afastava de volta
para sua irmã. Juliana, ele pensou, já que Thomasina estava com o marido.
Ela disse algo para Juliana e elas olharam para ele juntas. Juliana olhou
furiosa, mas os olhos de Anne brilharam com desejo, medo e dor.
Ela não entenderia. Ainda estava muito ligada a ele. Ainda muito
cheia de qualquer desejo que eles haviam se rendido na estrada. Finalmente
ele cortou o contato. Ele precisava encontrar uma maneira de fazê-la não o
querer.
E sabia de um jeito.
Ele limpou sua garganta. — Eu odeio acabar com o vazio educado
desta reunião, — disse ele, afastando as gentilezas que usara como escudo
com ela. — Mas acho que precisamos falar sobre meu primo.
Harcourt franziu a testa. — Não exploramos completamente essa
questão hoje cedo?
Rook levantou o queixo quando encontrou os olhos do homem. —
Não. Eu escondi um fato importante. Ellis esteve envolvido na morte de seu
irmão, lorde Harcourt.
Ele deixou seu olhar deslizar para Anne. Ela havia perdido toda a
cor das bochechas quando o encarou.
— E eu sabia disso desde o início.
Capítulo 18
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Rook teve que esperar no escuro por algumas horas depois que saiu
da cama de Anne. Com toda a empolgação dos últimos dias, a família
permaneceu em alvoroço e os empregados durante a noite, se preparavam
para a partida da família. Mas, finalmente, até o mordomo de Harcourt,
Willard, foi para os aposentos dos empregados e a casa estava quieta e
silenciosa.
Rook saiu das sombras de um dos salões onde estava esperando e
observando, deslizou pelo corredor até o escritório de Harcourt. O ambiente
não estava trancado e ele entrou sem problemas. A estatueta que haviam
examinado juntos no início do dia não estava mais sobre a mesa, apesar da
declaração de Rook de que era uma imitação e não possuía valor. Parecia
que Harcourt não confiava totalmente nele.
— Homem esperto, — resmungou Rook.
Mas pouquíssimas fechaduras o pararam e ele tinha pouco medo
daquela. Parou atrás da enorme mesa de mogno e segurou as bordas da
pintura pendurada atrás dela. Ele a levantou e afastou a herança inestimável.
O metal do pequeno cofre atrás dele brilhava à luz do fogo que morria. Não
havia chave, é claro, mas Rook não precisava de uma chave.
Ele enfiou a mão na bota e tocou a maçaneta de uma trava. Na outra
havia uma faca, mas ele não precisava dela agora. Rezou para que não
precisasse dela. Mas velhos hábitos não morriam, o que estava trabalhando
a seu favor agora.
Esticou os ombros e passou a ponta da trava no buraco. Antes, ele
podia abrir uma fechadura em menos de um minuto. Mas já fazia um tempo
desde que ele praticara a habilidade, e levou alguns cliques do relógio sobre
a mesa para ele abrir o cofre.
Ele balançou a cabeça para suas habilidades enferrujadas antes de
chegar e puxar a estátua embrulhada em pano.
Ele a descobriu e olhou para o belo busto de argila. Imitação ou não,
era realmente uma pena fazer o que estava prestes a fazer, mas, às vezes, o
dano precisava ser feito, como bem sabia de todo aquele esforço.
Ele enrolou o tecido firmemente em torno do topo de barro da peça
e segurou a base de mármore enquanto o batia contra a borda da mesa. Um
segundo golpe contra a borda de madeira dura e ele sentiu toda a porção de
barro ceder. O pano abafou o som da terracota quebrando, mas ele ainda
permaneceu perfeitamente imóvel enquanto esperava os pés correndo em
resposta ao ato.
Nada aconteceu por um momento, dois, e ele soltou a respiração,
aliviado por não ter sido ouvido. Abriu o pano e cuidadosamente jogou os
cacos na mesa. O que estava procurando não apareceu imediatamente, então
acendeu uma vela e mexeu na bagunça, tentando encontrar o que sabia que
estava lá. O que esperava que estivesse lá.
Finalmente encontrou. Um frasco de metal escondido no pó de
argila e estilhaços. Ele o pegou e abriu para revelar um pedaço de papel
dentro. Era uma mensagem codificada que certamente revelava onde
Solomon Kincaid havia escondido a joia que ele e Ellis haviam roubado. A
coisa idiota que causou todo aquele desgosto e consternação.
Rook não reconheceu o código imediatamente, mas isso não
importava. Ellis é que sempre teve a cabeça para aquele tipo de coisa, não
ele. E como Solomon poderia ter escrito o código para o próprio Ellis, era
mais provável que seu primo pudesse resolvê-lo.
Rook recolocou o papel e pressionou o frasco no bolso por
segurança. Então ele pegou uma nova folha de pergaminho da gaveta de
cima da mesa de Harcourt e escreveu uma nota rápida. Suas palavras não
ofereceriam consolo para Anne, nem qualquer absolvição, mas ele escreveu
de qualquer maneira e deixou a bagunça para trás, para que não houvesse
dúvida sobre o que havia feito.
Seu coração palpitava ao sair da sala e pelo corredor para sair de
casa. Uma vez lá fora, no ar fresco da noite, voltou-se para olhar a casa.
Encontrou a janela de Anne e olhou para ela. Ele precisava ir. Era a única
maneira de salvá-la.
A única maneira de salvar alguém naquela situação era combater
aquele poder maligno ao lado de seu primo. Ele e Ellis sempre foram
imparáveis juntos. Eles deveriam ser imparáveis novamente para compensar
tudo o que haviam feito no passado.
E quando acabasse? Bem, ele desapareceria. Era óbvio que, por
mais que tentasse, seu passado e sua natureza eram o que eram. Ele não
pertencia a uma casa como essa com uma mulher como Anne Shelley.
Alguma parte sombria dele sempre existiria. Sempre estaria esperando para
ameaçá-la, porque mesmo que ele fingisse que suas facas eram para
artesanato, elas não eram. Ele não era.
Para salvá-la deveria abraçar o que havia sido uma vez e depois
deixá-la ir. Então ele faria.
Ele se afastou da casa com grande dificuldade e dirigiu-se ao
estábulo para pegar o velho cavalo que montara ao lado de Anne. Precisava
encontrar Ellis. Ou, mais provavelmente, deixar seu primo encontrá-lo.
E então, finalmente eles terminariam com aquilo.
Capítulo 21
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