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Uma Fugitiva Imprudente

As Irmãs Shelley, Livro 2

Jess Michaels
Sinopse

Anne Shelley sempre foi conhecida como a “selvagem” das famosas


trigêmeas Shelley e isso nunca pareceu tão verdadeiro quanto quando ela
fugiu de seu noivo, com um homem indecoroso. Ela esperava ser levada a
Gretna Green para um casamento apressado, mas, em vez disso, foi levada
para uma ilha remota da Escócia com o primo ranzinza, Rook Maitland. Ela
não deveria gostar dele, mas como o tempo que passam juntos se prolonga,
ela não conseguiu deixar de desenvolver mais do que um interesse
passageiro para seu tutor temporário.
Rook conhece o jogo do primo e tem sérias dúvidas de que algum
dia ele voltará para buscar a Anne, por mais tolo que seja. Afinal, a mulher
é fascinante e quanto mais tempo eles passam juntos, mais ela se mostra
irresistível. Quando ela pede que ele a ajude a voltar à família, o tempo
sozinhos na estrada os conduzirá a paixões que não poderão mais ser
negadas.
Mas o primo de Rook tem um motivo oculto para tudo o que ele fez.
E o perigo que cairá sobre suas cabeças pode destruir o amor que eles estão
começando a desenvolver e terminar o futuro antes que ele tenha tempo
para começar.
Prólogo

Aquele deveria ser o momento mais feliz da vida de Anne Shelley.


Era o que todos ao seu redor disseram, desde a criada até as amigas e as
irmãs. O momento mais feliz, pois ela estava a apenas um mês do
casamento com um conde. E não era nem mesmo um dos condes mais
velhos que circulavam em festas e babavam sobre as debutantes. Era um
jovem pelo que Anne supunha, razoavelmente bonito se olhado com a luz
certa.
Ela estava a apenas algumas semanas do casamento e deveria estar
feliz. Mas ela não estava. Nem um pouco. Em pânico? Sim. À beira do
colapso? Sempre. Mas feliz ... de jeito nenhum.
— Você é senhorita Anne?
Ela fechou os olhos com o som da voz de seu pretendente.
Lentamente, ela se virou para encará-lo: o conde de Harcourt. Os olhos
castanhos escuros voaram sobre ela brevemente, depois se afastaram
enquanto oferecia uma taça de vinho para ela.
— Sim, — ela respondeu. Harcourt nunca saberia quem ela era. Ele
não conseguia diferenciá-la das irmãs Juliana e Thomasina. Elas eram
trigêmeas e ela passou a vida corrigindo aqueles que a cercavam sobre sua
identidade.
Mas de alguma forma ela sempre sonhou que o homem com quem
ela se casaria a veria apenas por... ela mesma. Que ele a reconheceria
instintivamente na multidão, mesmo que ela estivesse entre as irmãs usando
exatamente o mesmo vestido.
Harcourt não. E foi decepcionante. Como foi o silêncio que agora
surgira entre eles enquanto eles estavam em pé, olhando o baile.
— O que você achou de Harcourt Heights agora que está aqui já há
alguns dias? — O conde perguntou.
Anne mal conteve um suspiro. Era uma pergunta razoável. Afinal, o
condado e a mansão de Harcourt na área central: Harcourt Heights, deveria
ser a casa dela agora. Ela queria gostar daquilo.
— É... aceitável, — ela murmurou em seu copo. — Um pouco
afastada para o meu gosto.
A boca de Harcourt afinou. — Bem, eu tenho certeza que você se
sentirá muito tentada a voltar para Londres, já que suas irmãs estarão lá.
Ele olhou através da sala onde Juliana e Thomasina estavam com o
pai. Havia algo no brilho dos olhos de Harcourt quando olhou para eles.
Algum pequeno lampejo da paixão que Anne ansiara por toda a vida. Mas
então se foi. Anne havia imaginado, é claro. Afinal, Harcourt nunca
demonstrou paixão. Ela duvidava que ele tivesse um pingo disso em seu
corpo, nem humor, nem nada, além de estrita responsabilidade e regras.
Ele teria sido mais adequado para uma das irmãs dela. Mas ali
estavam eles. Ela sabia por que seu pai a havia escolhido para se casar.
— Estou com um pouco de calor — disse Anne, olhando por cima
do ombro para as portas do terraço. — Acho que vou sair por um momento.
Harcourt assentiu. — Claro. Mas quando você voltar, acredito que
deveríamos dançar. Esta reunião é para nós e aqueles no salão de baile são
nossos vizinhos, amigos e inquilinos. Eles gostariam de ver nossa
exposição.
Exposição. Sim, era o que era, afinal. Todo aquele casamento era
uma exposição. Não movido por emoção ou desejo, mas uma união de uma
inclinação muito mais prática.
Ela assentiu, mal segurando as lágrimas que de repente sufocaram
sua garganta e embaçaram sua visão. Quando ele se virou, tão
desinteressado quanto ela, ela fugiu, caminhando para o terraço antes que
alguém pudesse detê-la e ver a verdade em seus olhos. A miséria completa.
Ela fechou a porta atrás de si e olhou em volta para ver se estava
sozinha. Quando descobriu que estava, correu para o canto mais distante da
porta e inclinou a cabeça. As lágrimas vieram então, quentes contra suas
bochechas.
— Não há escapatória para mim, — ela sussurrou, para se lembrar
desse fato, tanto quanto para qualquer outra coisa. — Eu devo aceitar isso.
Eu... eu devo.
— Isso parece muito terrível.
Ela se assustou com a voz masculina que veio de trás dela. Virando-
se, ela encarou o dono dela e estremeceu ao descobrir que ele estava parado
apenas dois longos passos atrás dela, observando-a. Ele era um homem
excepcionalmente favorecido. Era alto, com ombros largos, cabelos escuros,
um pouco longos demais e despenteados. No entanto, foram os olhos dele
que a atrairam. Eles eram azuis. Chocantemente azuis. Gelo azul.
Ela percebeu que estava olhando para ele por quem saberia a quanto
tempo, e virou o rosto para se recompor, enquanto olhava rapidamente para
o estranho pelo canto do olho. — Desculpe-me, senhor. Foi muito rude ao
escutar a conversa.
Ele arqueou uma sobrancelha e sorriu, mostrando uma covinha na
bochecha que era tão atraente quanto qualquer outra coisa nele. — Alguém
pode escutar uma conversa que uma mulher está tendo consigo mesma?
Ela franziu a testa e procurou tocar o colar com uma cruz que usava.
— Acho que ninguém pode escutar qualquer conversa da qual não seja
convidado a participar.
Os lábios dele se afinaram um pouco, endurecendo como se ele
estivesse irritado com a resposta. Mas então a expressão suavizou e ele deu
de ombros. — Suponho que eu deveria me desculpar.
Ela fez uma pausa, esperando que ele fizesse isso, mas ele não o fez.
Em vez disso, ele se aproximou dela sem convite e colocou as mãos na
parede do terraço ao lado da dela. Ela estremeceu com aquela invasão
repentina de seu espaço, com o calor que aquele homem parecia emanar.
Ela nunca sentiu algo assim. Ela se afastou quando se virou para olhar o
jardim atrás do salão de baile.
— Você é a senhorita Anne Shelley, — ele disse com naturalidade.
Ela olhou para ele pelo canto do olho. — Eu sou sim. — Ela franziu
a testa. — Nós... nos encontramos mais cedo hoje à noite?
Ela não se lembrava que eles tivessem. Não se poderia esquecer tão
rapidamente o belo invólucro daquele homem parado ao lado dela. Alguém
de que a observava pelo canto do olho com um pouco mais de sinceridade
do que era apropriado, especialmente se ele sabia o nome dela e o fato de
que ela estava noiva de alguém.
— Nós não nos conhecemos exatamente, — disse ele com outro
daqueles sorrisos ondulados.
Ela o encarou agora. — Eu entendo. Parece que você está jogando
comigo, não me dizendo exatamente como sabe quem eu sou.
Ele inclinou a cabeça. — Fazer jogos é a minha especialidade.
Houve uma agitação dentro dela. Algo que ela não sentia há muito
tempo, desde o noivado com Harcourt. Esse flerte, pois era como ela o
chamava, a levou de volta a Londres e à diversão que ela costumava ter
quando estava despreocupada.
Ela descobriu que gostava de voltar para lá, mesmo que apenas por
um breve momento.
— Devo adivinhar? — Ela colocou um dedo nos lábios como se
quisesse considerar. — Eu vi você em uma loja na cidade? Ou talvez você
seja amigo de um amigo que conheci há muito tempo? Oh... espere... você é
um assaltante? Eu já vi sua foto em cartazes procurados por todo o interior?
Ele riu, e as bochechas dela esquentaram de prazer. Era de sua
natureza fazer piadas, mas Harcourt nunca ria delas como esse homem
acabara de rir. Ele geralmente era uma pessoa muito séria.
— Você chegou perto de uma dessas acusações, — disse o estranho.
— Mas eu não vou lhe dizer qual.
— Isso dificilmente me parece justo, — disse Anne.
— A vida não é justa, minha amável senhorita, — ele murmurou, e
o coração dela acelerou novamente com o carinho impróprio. — No entanto
eu vou lhe dizer o meu nome. Ellis Maitland, ao seu serviço.
Ela fez uma reverência divertida. — Anne Shelley, mas você já
sabia disso.
Ele assentiu. — Eu sabia mesmo. Talvez eu lhe dê uma dica sobre
qual palpite é verdadeiro se você concordar em me ver novamente.
Toda diversão deixou o corpo dela enquanto olhava para aquele
estranho, aquele Ellis Maitland. — Estou noiva. Você deve saber disso.
— Eu conheço esse fato muito bem. — Ele chegou um pouco mais
perto, e mais uma vez ela teve a sensação de seu espaço pessoal sendo
invadido. Ela ignorou o instinto de dar um passo atrás e se manteve firme
enquanto o encarava.
— Então você sabe que eu não posso me encontrar com você, — ela
sussurrou. — Seria errado.
— Errado e certo são coisas escorregadias, Anne, — disse ele. —
Agora é errado encontrar um amigo?
Ela engoliu em seco a pergunta, que não era justa, e os dois sabiam
disso. — Claro que não.
— Então eu gostaria de ser seu amigo. Seu Harcourt tem um lindo
lago na propriedade, a oeste da casa principal. Encontre-me lá amanhã às
duas. Eu sei que uma jovem como você será capaz de descobrir como
escapar de todas as barreiras impostas para impedi-la do que realmente
deseja. Você pode chamar de jogo, se isso acalmar sua consciência.
Ela mordiscou o lábio quando se virou. — Eu não sei, — ela
sussurrou, pensando no escândalo. Pensando em como aquela sugestão
estava errada.
Ele ficou quieto por um momento, tempo suficiente para que ela o
encarasse. Seu rosto endureceu e ele deu de ombros. — Muito bem então,
senhorita Shelley. Vá em frente e aceite que não há escapatória para você.
Ela virou o rosto quando suas próprias palavras voltaram para lhe
dar um tapa. Era isso que ela temia, não era? Não devia fugir. Este homem
interessante e claramente perigoso estava lhe oferecendo um breve
momento. Qual seria o dano em um último gosto de liberdade? Uma vez
que estivesse casada, nunca mais teria isso.
— Eu vou achar uma maneira de encontrá-lo amanhã, — ela
sussurrou.
Ele sorriu, um tanto presunçoso, como se sempre soubesse que ela a
curvaria à sua vontade. E então ele tirou o chapéu e caminhou para a
escuridão do canto do terraço. Ela inclinou a cabeça. Para onde ele estava
indo? Não havia entrada de volta para o baile a partir de lá.
Ela se moveu em direção ao canto escuro e piscou. Ele havia
desaparecido! Ela olhou para o jardim, três metros abaixo. Não houve o
menor lampejo de movimento em direção à floresta.
Ele pulou sobre o terraço.
Uma emoção a percorreu quando ela se virou em direção ao salão de
baile. Lá dentro, ela viu Harcourt falando com sua irmã Thomasina, cujas
mãos estavam flutuando ao redor dela como um passarinho nervoso.
Encontrar outro homem nas costas do noivo era errado, muito
errado, não importava o que Ellis Maitland dissesse sobre a natureza fluida
de tais coisas. Mas ela faria, de qualquer maneira, porque era sua última
chance de ter uma aventura. Uma última chance de se divertir um pouco.
E ela ficaria no controle de si mesma e da situação. Então, o que
poderia dar errado?
Capítulo 1

Um mês depois

Rookey Maitland alisou a ponta da lâmina ao longo do bloco de


madeira, cortando as lascas indesejadas enquanto ele transformava a peça
em uma escultura da qual poderia se orgulhar. Não era o objetivo original
de suas facas, mas ele havia se adaptado no ano passado. De mais de uma
maneira.
— Que desperdício de seus talentos, primo.
Rook olhou para o dono da voz atrás dele. Era familiar, apesar dele
não ter visto seu dono por muitos meses. Ele se levantou devagar, pousando
a faca e o fragmento de madeira antes de se virar para encarar seu
convidado muito indesejado. Aquele que havia sido tão silencioso em sua
abordagem que nem os ouvidos treinados de Rook o haviam detectado.
Mas, então, Ellis Maitland sempre havia sido mortífero assim.
Parte do porquê Rook não o via há tanto tempo.
Ele olhou para o primo de cima a baixo. A aparência dele era
exatamente a mesma. De alguma forma, aquilo foi frustrante e
reconfortante. Frustrante, porque ele achava que Ellis deveria ter
envelhecido como punição por tudo o que havia feito no passado, não tão
distante. Reconfortante porque pelo menos o homem estava vivo.
— O que você está fazendo aqui, bonitão? — Ele perguntou,
voltando ao apelido de Ellis. Ele conquistara o apelido pela fama de seduzir
mulheres despretensiosas com fortunas e poucas roupas.
Ellis estava sorrindo, mas agora a expressão mudou e um brilho
perigoso iluminou seu olhar quando ele se aproximou da oficina de Rook.
— Isso são as boas-vindas ao seu parceiro.
Rook balançou a cabeça. — Ex-parceiro, — ele corrigiu
suavemente. — Estou fora do seu jogo, bonitão. Você sabe o porquê.
Ellis deu outro longo passo na direção dele e Rook se afastou por
hábito, mudando seu peso em preparação para um ataque. Ellis parou de
avançar e olhou para ele como se aquele movimento fosse uma traição. Por
um momento, toda a sua vida ao lado de seu primo passou pela mente de
Rook. O bom e o muito ruim. E ele lamentou tudo o que poderia ter sido e
nunca seria.
— E você está fora do jogo, mas ainda se beneficia com isso, —
Ellis disse suavemente.
— Suponho que sim, — concordou Rook e ignorou a pontada de
culpa que acompanhava a admissão.
Sim, seus ganhos ilícitos, economizados por anos, agora pagavam a
vida que ele levava ali na ilha. Ele se odiava por isso. E, no entanto, ele não
parou. Ele não revelou. Talvez ele merecesse a censura de Ellis.
— Por que você está aqui? — Ele repetiu, mais afiado do que a
primeira vez que fez a pergunta.
— Eu preciso da sua ajuda, — disse Ellis.
Rook arqueou uma sobrancelha. Havia um leve desespero no tom de
seu primo, mesmo que sua linguagem corporal permanecesse fria e não
afetada. Aquilo nunca levou ao bem. Ellis já era incontrolável o suficiente
quando não estava desesperado.
— Não.
Ellis pulou à frente e segurou o braço dele antes que Rook pudesse
evitar o movimento. Ellis supôs que ele fizera para provar que poderia
chegar até ele. Mas era também para se defender. Implorar.
— Ninguém vai se machucar desta vez, eu juro para você, — disse
Ellis.
Rook pensou na vida que os dois levaram nas ruas. Na verdade, não
se lembrava dele ter cumprido nenhum outro juramento. Roubar, enganar,
mentir e trapacear tinha sido a vida dele desde que estava com idade
suficiente para entender o significado da fome.
— Não tenho certeza se isso seria verdade, Ellis, — ele sussurrou.
O olhar de Ellis se estreitou. — Não fique nobre agora, primo. Não
quando você tem tanto passado quanto eu. Eu preciso da sua ajuda. Eu sou
do seu sangue — você realmente vai me dar as costas?
Rook soltou o braço do aperto de Ellis e se afastou, passando a mão
pelo cabelo. O desespero de seu primo era perigoso, de fato, mas, pelo
menos, se Rook o ajudasse, talvez ele pudesse controlá-lo. Garantiria que a
promessa de não machucar ninguém seja cumprida daquela vez.
Não que Ellis o deixasse em paz de qualquer maneira. Uma vez que
ele arquitetava um plano, nunca havia nada que pudesse detê-lo. De um
jeito ou de outro, Rook seria arrastado para ele. Pelo menos assim, ele
poderia definir seus termos.
Ele cruzou os braços enquanto encarava Ellis e encontrou seu olhar
uniformemente. — O que você quer que eu faça?
— Nada difícil, — Ellis disse com alívio em cada linha de seu rosto.
— Apenas encontre-me em Beckfoot dentro de três dias.
— Beckfoot? — Rook repetiu com uma inclinação de cabeça.
— É do outro lado do mar. Você só partirá da Escócia e de sua
preciosa ilha por um dia, no máximo. — Ellis balançou a cabeça. — Você
não odeia isto aqui?
— Eu não, — disse Rook sem maiores explicações. — Como você
acha que eu vou chegar lá? É mais de uma semana de viagem nas melhores
condições, e na Escócia nunca é a melhor das condições.
— Eu aluguei um barco para você ir e voltar. Está tudo pago. Serão
apenas algumas horas. Você só precisa embarcar em três dias quando ele
chegar ao seu pequeno cais. — Ellis se adiantou. — Por favor.
— Obviamente, há muito mais a fazer do que você está explicando.
Qual é o seu plano, primo?
Ellis hesitou um momento, mais do que desespero entrando em seu
olhar. Ele abriu e fechou a boca, como se estivesse lutando com a
explicação. Então seu rosto endureceu. — Estou apenas tentando recuperar
algo que foi tirado de mim. Só isso. Preciso da sua ajuda em Beckfoot. Você
vai ajudar?
Rook suspirou. Este era seu primo, um homem mais parecido com
um irmão. Ellis poderia ser um cão raivoso, mas ele já havia sido mais de
uma vez. Ele já fora uma vez o herói de Rook, por ação e por reputação. E
foi por esse motivo que ele assentiu. — Eu vou ajudá-lo. Mas você me
ouça, bonitão. Esta é a última vez. Não quero ver você aqui novamente me
pedindo favores.
Ellis engoliu em seco. — É a última vez. Eu juro pela minha vida.
Se eu conseguir administrar este acordo, vou me estabelecer como você.
Você não vai me ver escurecer suas portas novamente, eu juro. — Ele
estendeu a mão. — Vejo você em Beckfoot.
Com grande relutância, Rook apertou a mão oferecida. — Em
Beckfoot. Três dias.
O primo fez uma saudação tímida ao sair da oficina. Rook não
precisava segui-lo para saber que Ellis já teria desaparecido nas árvores.
Ele suspirou enquanto recolocava seu assento à frente dos materiais
entalhados. Ele não estava mais com vontade de fabricar suas facas. Ele
estava muito preocupado com o que acabara de concordar. Porque isso não
poderia levar a nada de bom.

*****

Anne estava em pé junto à lareira na bela sala do futuro marido,


observando tudo, menos o homem a seu lado. Ela não conseguia olhar para
Harcourt, não quando sua mente estava girando com escolhas tão
miseráveis.
Ela tentou gostar deste homem. Ela realmente tentara. Mas no mês
passado ficou perfeitamente claro o quão impossível isso seria. Desde que
conheceu Ellis Maitland, com sua risada alta, certas palavras e sorrisos
sedutores, bem... ficou perfeitamente claro para Anne que ela nunca poderia
ser feliz com o conde de Harcourt.
E agora ela estava a apenas uma semana de distância de seu
casamento e o peso esmagador de tudo aquilo repousava pesado em seu
peito. Mais pesado ainda quando pensou na carta que recebera de Ellis
naquela mesma manhã. Uma carta chocante e impetuosa, onde ele
declarava que não poderia viver sem ela e pediu que ela fugisse com ele.
Ele estaria esperando por ela naquela noite, esperando que ela
escapasse e fosse dele.
Ela quase podia ver as palavras dele dançando diante dela e seus
olhos borraram com lágrimas pela escolha que representavam. Uma vida
levada com honra... ou uma com pelo menos a possibilidade de amor e
paixão. Certamente Ellis Maitland era uma aventura a ser vivida, se nada
mais, em oposição aos anos de indiferença mundana que ela certamente
enfrentaria com Harcourt.
— Posso pegar uma coisa para você? — Harcourt perguntou,
interrompendo os pensamentos dela.
— Hmm? — Anne disse balançando a cabeça. — Não, não,
obrigada.
Ele a encarou por um momento, e era quase como se a estivesse
vendo pela primeira vez. Então ele virou o rosto. — Este é o nosso futuro,
Anne, — disse ele. — Este noivado e o casamento que se seguirá é o que
planejamos e o que devemos fazer. Pelo bem do decoro, se nada mais.
Ela franziu a testa para ele... bem, era quase uma advertência. Ela
cruzou os braços. — Estou bem ciente do que o acordo exige, milord. Você
e meu pai deixaram bem claro.
Ela esperou que ele respondesse à sua declaração. Para mostrar a ela
alguma emoção, qualquer coisa. Em vez disso, inclinou a cabeça e disse: —
Bom. Fico feliz que ambos sejamos claros. Com licença.
Com isso, ele se virou e atravessou a sala até onde suas irmãs
estavam juntas. Ele a deixou sozinha e, por um momento, ela viu todo o seu
futuro se dobrar à sua frente. Sozinha, se ela permanecesse aqui. Ela sempre
estaria sozinha.
Mas se ela fosse com Ellis... certamente ela gostava muito dele. E
ele gostava dela — mais do que gostava, se a carta apaixonada tivesse sido
escrita com alguma verdade. Ele era divertido e eles compartilhariam uma
vida de risadas.
Não era esse o melhor entre dois males? Escolher uma vida com
algum tipo de felicidade ao invés de uma tão vazia?
Ela ofegou quando os pensamentos a dominaram. A sala estava
ocupada, cada pessoa conversando com outra, e ela aproveitou a
oportunidade para correr até a porta e fugir. Ela tropeçou nos corredores
estreitos, que seriam dela se ela recusasse a oferta de fuga de Ellis. Ele
perguntaria a ela apenas uma vez, disse ele. Esperaria por ela apenas uma
vez.
Se ela não fosse hoje à noite, seria forçada a abraçar esta vida.
Havia uma porta aberta no final do corredor e ela fugiu por ela. Ela
correu para o sofá, jogou-se sobre ele e colocou o antebraço sobre os olhos,
enquanto a realidade de sua situação a inundava em ondas grandes e
desagradáveis.
O que ela poderia fazer? O que ela deveria fazer? Abandonar o
noivado era uma coisa terrível, especialmente tão perto do dia do
casamento. Harcourt seria prejudicado pelo escândalo, algo que o homem
evitava a todo custo.
Pior, sua própria família também seria prejudicada por sua fuga. Ela
não era tão egoísta para não estar ciente disso. Thomasina e Juliana, suas
amadas irmãs, seriam pintadas com o mesmo pincel que ela. Imprudente.
Uma pechincha ruim. O fato de serem trigêmeas já era visto como uma
singularidade, uma marca contra elas no mercado do casamento.
Ela poderia machucá-las assim para evitar seu próprio coração e
miséria? Ela poderia?
Antes que ela pudesse pensar em uma resposta, ouviu a porta da sala
se fechar pela segunda vez. Ela congelou, rezando para que Harcourt não a
encontrasse ou para que seu pai discutisse com ela sobre mais detalhes do
casamento. O Sr. Shelley adorou gerenciar tudo aquilo desde o início.
Certamente ele não se importava com a felicidade dela. Ele nunca se
importou.
— Você precisa parar de sentir isso! — A voz da pessoa que entrou
na sala disse. Anne percebeu que era sua irmã Thomasina.
Ela sentou-se, distraída de suas próprias preocupações pelo som do
tom de pânico de sua irmã. — Parar de sentir o quê?
— Eu, er... — Thomasina murmurou, olhando para Anne como um
peixe que havia sido jogado fora da água. — Eu não...
— Oh! Que gracioso, você está ficando roxa! — Anne disse,
levantando-se e atravessando a sala até ela. Ela pegou as mãos e a puxou
para o calor do fogo. Pelo menos ali ela poderia ajudar alguém, mesmo que
não fosse ela própria. — Respire fundo, Thomasina, antes de cair! Tenho
certeza de que o que você está sentindo que não pode ser tão ruim assim.
— Você ficaria surpresa. — Thomasina balançou a cabeça e
respirou fundo algumas vezes. — Espere, o que você está fazendo nesta
sala? Eu vi você no almoço.
Anne engoliu em seco. Ela não havia percebido que estava sendo
observada tão de perto na outra sala. E Thomasina e Juliana eram muito
boas em lê-la. Era uma questão tripla. Elas poderiam ver o pânico e a
miséria dela? Ela não contou a nenhuma delas sobre seus sentimentos ou
sobre Ellis. Estava com muito medo.
— Oh! Eu precisava de um momento para esperar e com tudo isso,
— disse ela, acenando com a mão como se nada daquilo fosse tão sério. —
Eu juro, desde que chegamos semanas atrás, tem sido uma coisa após a
outra. Esta marcha interminável para minha desgraça.
Thomasina balançou a cabeça levemente enquanto Anne se afastava
para que sua irmã não visse a verdade em seus olhos. — Bem, é a sua festa
de casamento, não é? Você deveria ter esperado que tivesse muito o que
fazer.
— Eu suponho, — disse Anne, puxando um fio solto nas costas de
uma cadeira no lado oposto da sala. — Eu apenas pensei que seria mais...
mais divertido. Só tem uma coisa divertida aqui e...
Anne parou. Deus, como ela queria contar tudo para a irmã. Ela
queria chorar no ombro dela e implorar por ajuda. Por uma resposta que ela
não conseguiu encontrar.
Thomasina entrou no caminho dela e pegou as mãos frias de Anne
nas dela. — Querida, percebo que o casamento deve ser uma ideia bastante
avassaladora. Afinal, você está comprometendo sua vida com um homem
pelo resto de seus dias. Mas você será feliz. Harcourt vai se certificar disso.
Anne balançou a cabeça quando o desespero se tornou demais para
suportar. Ela precisava contar para Thomasina um pouco daquilo. Apenas
um pouco. — Oh! Harcourt! Harcourt, Harcourt. Como posso me casar com
um homem como esse?
Thomasina recuou e seu choque foi evidente. — O que - o que você
quer dizer? Um homem como esse? O que há de errado com o conde?
— Ele nunca sorri, Thomasina. Nunca ! Ele nem rir de minhas
piadas? Não! Ele só me olha como se eu tivesse colocado algo desagradável
na sala de estar.
Thomasina abriu a boca, mas Anne não podia parar agora. Era como
se as comportas se abrissem e ela não pudesse fazer nada além de derramar
seu coração e seu sangue até que ela estivesse vazia, esgotada.
— As finanças dele devem estar em um estado terrível, —
continuou ela, — ainda pior do que os boatos que você mencionou, pois ele
está sempre deitado sobre algum livro, completamente distraído. Ele gosta
deste lugar, o que significa que serei forçada a ficar aqui nesta propriedade
terrível com ele e a mãe dele, que sempre parece tão nervosa e nunca
encontra meus olhos. Quase como se ela tivesse algo a esconder.
Provavelmente o filho dela tenha esposas mortas empilhadas em algum
quarto trancado em algum lugar e eu serei a próxima.
Thomasina se endireitou e um raro lampejo de raiva brilhou em seus
olhos verdes. — Anne, isso é ridículo — você está lendo muitas histórias de
fadas francesas. Harcourt é um homem bom e decente e acusá-lo, mesmo de
brincadeira, de algo tão terrível não está certo.
Anne inclinou a cabeça e encarou a irmã. Thomasina foi muito
defensiva de Harcourt. Mas, então, ela sempre tentou ver o melhor das
pessoas. Para agradá-los. Anne podia admitir que havia usado aquele dom
contra a irmã algumas vezes ao longo dos anos.
Não era o seu melhor momento. Mas extremis Malis extrema
remédius, não era o que se dizia? Era sua hora mais desesperada. E um
plano bastante desesperado estava começando a se formar em sua cabeça
como resposta.
Ela o empurrou para longe e suspirou. — Você está certa, é claro.
Harcourt não passa de decente.
Thomasina soltou um suspiro. — Você diz isso como se fosse uma
maldição.
— Ele é tão chato! — Anne disse, voltando ao sofá. — Minha vida
vai ser infinitamente, incessantemente chata e com ele eu murcharia e
morreria
Os lábios de Thomasina se separaram quando ela se sentou na beira
de uma cadeira próxima. — Você realmente acha que seu casamento seria
sem amor? — Ela perguntou. — Você não acha que poderia amar Harcourt
se tentasse?
Anne congelou. Ela sempre imaginou que faria um casamento
amoroso. Ela leu muitos livros românticos para se preparar para aquele
momento. Ela estava ansiosa por isso.
E ainda assim, aqui estava ela. E ela não podia amar Harcourt.
Agora, sem dúvida, ela também não tivera a sensação que esperava com
Ellis, mas pelo menos ele, às vezes, fazia seu estômago revirar quando a
olhava de certa maneira. Aquilo era alguma coisa .
Ela espreitou por cima do braço para ela. — E você diz que eu li
muitos contos de fadas! Qual deles fala sobre minha futura vida com esse
homem? Que vou encontrar um profundo e permanente amor, por ele,
escondido em algum lugar da despensa?
— Você poderia...
— Não, minha querida, — Anne disse. — Isso não vai acontecer. E
não sou eu o problema. Tenho amor e paixão para compartilhar em
abundância. O problema é ele. Ele é... ele é incapaz de amar, eu acho. Ele se
tornou tão frio para o mundo, tão dedicado à propriedade e a nada mais, que
não pode se permitir derreter nem uma fração para nenhuma mulher. E é
isso que me assusta.
Pronto. Ela dissera as palavras em voz alta, por mais chocantes que
fossem. Ela as havia dito e agora elas estavam entre ela e a irmã.
Penduradas no ar e elas a fizeram tremer de pura angústia.
Ela nunca amaria Harcourt. E ela não queria se casar com ele. O que
a deixava com Ellis e a oferta descarada dele de fugir com ela. A melhor
opção. A única opção se ela não quisesse ser verdadeiramente infeliz pelo
resto da vida.
Thomasina ficou quieta, apenas olhando para ela pelo que pareceu
uma eternidade. Quando ela falou novamente, seu tom era suave. — Anne,
você pode estar certa de que a natureza de Harcourt não é o complemento
perfeito para a sua. Papai deveria ter pensado em seu temperamento antes
dele fazer o acordo, mas seu noivado foi anunciado, as frases lidas e seu
casamento acontecerá, daqui a uma semana. Não há outra resposta senão
tirar o melhor proveito disso.
— Nenhuma outra resposta, — Anne repetiu suavemente. Mas ela
sabia que não era verdade. Ela teve outra resposta. Outra opção.
— Desejo por você que sim, porque odeio vê-la tão infeliz e tão
certa de que seu futuro será sombrio, — continuou Thomasina. — Mas
acredito que Harcourt é um bom homem. E se você apenas... tentar um
pouco, talvez encontrasse mais para se conectar a ele do que pensa. Com o
tempo você pode até ser feliz com ele.
Anne sentou-se devagar. Ali estava Thomasina dizendo que queria
que ela fosse feliz. Ela não entendia de verdade o que aquilo resultaria, mas
Anne não aceitaria aquela decisão. Só que ela precisava da ajuda de sua
irmã.
— Talvez você esteja certa nisso, — disse ela lentamente,
propositadamente vagando. Thomasina nunca seria uma parceira disposta
no que ela queria fazer. Nem deveria ser. Haveria menos problemas, menos
pessoas que conheceriam seus planos. — Talvez eu deva me conformar e
tirar o melhor proveito disso.
Thomasina assentiu, embora seu rosto estivesse pálido e um pouco
triste. — É o melhor, eu acho.
— Só preciso de uma coisa para fazê-lo, — continuou Anne,
odiando-se enquanto dizia as próximas palavras. — Um pequeno favor da
minha melhor e mais verdadeira irmã.
— O que você precisa?
— Uma pausa, — disse Anne, apertando as mãos de Thomasina nas
dela. — Oh! Thomasina, como eu preciso respirar. Desde que chegamos
tem sido agitado, e talvez seja por isso que me sinto tão sobrecarregada.
Mas se você pudesse me ajudar a ter um pouco de tempo, tenho certeza de
que eu poderia voltar aos meus deveres renovados e prontos para o meu
futuro.
— Uma pausa? — Thomasina repetiu em confusão. — O que você
quer dizer?
Era isso. Sua última chance de continuar o plano. Para manter sua
promessa. Anne respirou fundo. E então ela fez sua escolha.
— O baile de hoje à noite. Não posso enfrentá-lo no meu estado
atual. Mas se você tomar o meu lugar...
— Anne! — Thomasina gritou. — Você não pode estar falando
sério!
— Por que não? Nós já fizemos no passado!
— A última vez que fizemos, estávamos com quatorze anos, —
disse Thomasina. — E o maior problema é que hoje à noite é o baile final
para comemorar seu noivado. É o baile para apresentá-la à sociedade de
Harcourt. É importante para o seu futuro.
— É. — Anne concordou com um aceno de cabeça. — Você pode
imaginar minha participação no meu estado atual? Não estou em condições
de fazê-lo e causar uma boa impressão. Mas você poderia facilmente —
você sempre teve mais tato do que eu.
— Um gato tem mais tato do que você! — Thomasina interrompeu,
e Anne se encolheu, embora soubesse que a observação provavelmente
fosse verdadeira. — Anne, isso é ridículo.
— É apenas uma noite. — Anne deixou sua voz se encher de
verdadeiro desespero. — Por favor, Thomasina, estou implorando. Estou
implorando para você. Preciso da sua ajuda — você não me ajudará?
Thomasina olhou para ela e, por um momento, Anne deixou
transparecer seus verdadeiros sentimentos. Thomasina não os entenderia,
mas reconheceria o medo, a dor e o desespero de Anne. Ela gostaria de
agradá-la, acalmá-la, consolá-la. Suas irmãs sempre foram pessoas
melhores do que ela. O que ela estava prestes a fazer provava que sempre
seriam.
Thomasina soltou um longo suspiro. — Você realmente acha que vai
se sentir melhor se eu lhe conceder esse benefício?
Anne assentiu. — Você estaria salvando minha própria vida e
assegurando meu futuro.
Thomasina desviou o olhar para as mãos cerradas no colo. Sua
expressão era irrepreensível enquanto ela ponderava o pedido chocante.
Anne prendeu a respiração, esperando a resposta, esperando saber se sua
vida seria salva ou se seria condenada a uma eternidade de vazio.
Finalmente, Thomasina pigarreou. — Eu farei se você acha que
ajudará.
Anne soltou um grito e se lançou do sofá e diretamente nos braços
de Thomasina.
— Oh! Thomasina, sim! Sim, você estaria me ajudando mais do que
imagina. — Ela beijou a bochecha de Thomasina com força e a apertou.
Então Anne deu um passo para trás e a olhou de cima abaixo quando os
pedaços de um plano vieram à sua mente. — Você fingirá dor de cabeça,
essa será sua desculpa por não se juntar a nós e por isso todo mundo vai
deixar você sozinha esta noite. Sua empregada não vai nos ajudar a fazer
esse truque — ela está tão preocupada quanto você. Mas tudo bem. Você só
vai se esgueirar pela porta contígua de seu quarto até o meu e eu estarei
com Nora nos ajudando. Minha empregada tem mais discrição, afinal. Mas
não podemos contar para Juliana. Deus, ela estragaria tudo!
Thomasina não respondeu, seu olhar nublado e instável. Aquele
olhar fez Anne parar por um momento, mas ela o afastou. Sim, ela
machucaria suas irmãs com sua decisão imprudente. Mas elas também não
se machucariam ao vê-la miserável pelos próximos quarenta ou cinquenta
anos de sua vida? Eles não prefeririam que ela fosse feliz, a longo prazo?
Ela encontraria uma maneira de compensar isso. Ela precisava. Mais
tarde. Uma vez que seu futuro foi definido.
Capítulo 2

Houve uma batida leve na porta de Anne algumas horas depois, e


seu coração pulou quando ela acalmou a boca e gritou: — Entre.
Ela esperava que Thomasina entrasse, para que pudessem se
preparar para o baile daquela noite, mas foi Juliana quem entrou. Sua irmã
entrou na sala e olhou em volta com uma careta. — Está prestes a se
preparar para o baile de hoje à noite? — Ela perguntou.
Anne seguiu o olhar dela para o vestido de baile vermelho que ela
colocara sobre a cama. Aquele que ela nunca usaria, provavelmente nunca
mais. Ela sentiu um pouco de arrependimento por isso, mas não o suficiente
para impedi-la de seus planos.
— Er, sim, — disse Anne, olhando para a porta com preocupação.
Se Thomasina entrasse, Juliana estava com os olhos muito aguçados para
não reconhecer que algo estava acontecendo entre elas. E então Thomasina
sucumbiria à honestidade excessivamente ativa e tudo seria arruinado.
Juliana olhou fixamente para Anne. — Estou preocupada com você,
— ela disse suavemente.
Anne desviou o olhar de volta para a irmã. — Você está?
Juliana assentiu. — Como eu não poderia estar? Sua infelicidade é...
bem, é óbvia.
Anne piscou. — Suponho que seja.
— E ainda assim você não falou para mim. — Juliana juntou as
mãos delas, os dedos acariciando uma a outra em um auto-conforto que elas
faziam desde criança.
Anne inclinou a cabeça. Era verdade. Ela não se voltara para
nenhuma das irmãs sobre seus sentimentos ou sobre sua conexão com Ellis.
Nenhuma delas entenderia. Ela sempre foi a selvagem, a impulsiva... até a
ruim. Elas eram boas.
— Você diminuiu ou perdeu toda a fé em mim? — Juliana
sussurrou, seu tom tenso de medo e mágoa.
Anne ofegou enquanto se aproximava da irmã. — Não! Claro que
não. Eu nunca poderia perder a fé em você, Juliana. É muito mais provável
que você, perca a fé em mim!
Juliana balançou a cabeça. — Você acha que eu faria? Eu nunca
poderia. Por favor, deixe-me ajudá-la?
Anne hesitou e, naquele momento, quis dizer a verdade a Juliana.
Assim como ela desejava contar a Thomasina o mesmo. Mas então ela
pensou na resposta de sua irmã. Ela sabia que Juliana não aprovaria sua
fuga. Ela se sentiria responsável, talvez tentasse detê-la.
Anne respirou fundo e depois pegou novamente as mãos da irmã. —
Você não pode me ajudar. Você entenderá em breve.
Juliana apertou os lábios. — Você quer dizer quando papai fizer um
acordo para mim, com um marido indesejado.
Anne estremeceu. Todos elas eram tão impotentes aos caprichos do
pai. Sempre foi um terror compartilhado entre elas. Agora estava se
tornando realidade. Exceto que ela poderia parar. Talvez seu escândalo até
ajudasse suas irmãs a longo prazo. Se o pai deles não pudesse se beneficiar,
ela poderia permitir que Juliana e Thomasina se casassem por seus
corações.
E então ela fugisse seria quase nobre. Não egoísta.
— Você deve se preparar, — disse Anne com um beijo rápido na
bochecha de Juliana. — Prometo que ficarei bem e feliz esta noite.
Juliana soltou um longo suspiro e assentiu. — Muito bem.
Ela apertou a mão dela e se afastou. Anne cedeu com alívio quando
fechou a porta atrás da irmã e se encostou nela. Mas antes que ela pudesse
se refazer, houve outra batida, desta vez da câmara adjacente. Aquela que
levava ao quarto de Thomasina.
Ela alisou a saia e respirou fundo para se acalmar antes de se mexer
para deixar sua outra irmã entrar. Ela devia esquecer suas hesitações.
Precisava se concentrar em seu futuro.
Era isso que importava agora. Era para isso que ela estava
trabalhando tanto.

*****
Anne observou Thomasina deslizar do quarto uma hora depois,
envolta no vestido vermelho, parecendo deslumbrante. A irmã estava
nervosa. Thomasina estava sempre nervosa, mas parecia mais,
especialmente, em torno de Harcourt. O homem trazia aquilo à tona nas
pessoas. Será que Thomasina ficaria bem?
Claro que ela ficaria. Harcourt não era cruel, mesmo que fosse
severo e chato. E ele tinha tão pouco interesse em Anne que era altamente
improvável que ele não reconhecesse a mudança.
De qualquer maneira, agora estava feito e o plano foi posto em
movimento. Restavam apenas alguns passos para executar e ela estaria
livre. Ou, pelo menos, amarrada a um novo futuro. Talvez não houvesse
liberdade.
— Você parece perturbada, senhorita — disse sua empregada Nora,
enquanto endireitava a mesa onde preparara Thomasina.
Anne forçou um sorriso para ela, pois ela sabia tão pouco sobre a
verdade quanto qualquer outra pessoa. — Oh! apenas cansada.
— É claro que você está cansada depois de toda a emoção de
mandar sua irmã fingir ser você. Bem, deixe-me ajudá-la a tirar seu vestido
e levá-la à cama. — Nora estava radiante enquanto falava, claramente
emocionada por fazer parte daquele segredo.
Ou, o máximo que Anne contou. Ela levantou a mão. — Sabe, acho
que vou ficar de vestido. Vou me deitar um pouco, mas posso dar uma
espiada no baile e garantir que minha irmã esteja bem.
Nora inclinou a cabeça como se estivesse preocupada, mas depois
deu de ombros. — Como desejar, senhorita. Toque quando estiver pronta.
Anne sorriu quando a criada saiu da sala, mas no momento em que a
porta foi fechada atrás dela, ela entrou em ação. Ela havia arrumado uma
sacola pequena no início do dia e a tirou de debaixo da cama. Continha
apenas dois vestidos e alguns outros itens, mas ela jogou o pente e alguns
grampos com o resto e a fechou com cuidado.
Ela foi até os travesseiros e pegou a mensagem que escrevera para
Thomasina algumas horas antes. Deus, como ela havia trabalhado com a
mensagem, tentando criar um tom alegre que dissesse às irmãs que ela
estava feliz com sua escolha, para que não se preocupassem muito. Ela
sabia que estava deixando-as com uma bagunça poderosa para limpar.
Ainda assim, ela voltaria assim que se casasse, e depois ajudaria a todas e
tomaria o peso de qualquer punição que seu pai ou Harcourt escolhessem
aplicar.
Ela empurrou a mensagem de volta para debaixo do travesseiro,
com apenas o canto saindo, para o caso de Nora voltar primeiro — ela não
queria que a empregada a encontrasse. Mas uma vez que ela estivesse
desaparecida, certamente Thomasina e Juliana vasculhariam seu quarto em
busca de pistas e então um delas a descobriria.
Ela deixou os dedos descansarem na mensagem por um momento,
como se pudesse derramar um pouco de seu amor na página e transferi-lo às
irmãs. Então ela pegou a valise e foi até a porta.
Ela espiou. Não havia criados à vista, não que ela esperasse. Com o
baile acontecendo, todos estariam ocupados no corredor e no andar de baixo
antes de começarem a preparar os aposentos para seus ocupantes dormirem.
Aquilo lhe deu a melhor chance de escapar sem ser detectada.
A escada de serviço ficava no final do corredor e ela desceu,
encostada na parede a cada curva para que não fosse vista. Mas finalmente
ela chegou aos fundos da casa, onde as entregas eram feitas, e saiu para o ar
fresco da noite.
Todas as carruagens para os visitantes estavam estacionadas em
torno daquele lado da casa para manter a unidade e a estabilidade
organizadas. Ellis havia dito que ele se encontraria entre elas, e seu coração
pulou quando ela olhou à casa uma última vez.
Ela lamentou que essa fosse sua única escolha. Lamentou o
problema que causaria às irmãs. Lamentou o constrangimento que
provocaria para Harcourt. Mas ela não podia aceitar o vazio do seu futuro
com ele, nem imaginar como poderia ser feliz com ele.
Verdade seja dita, ela também teve dificuldade em imaginar aquela
felicidade com Ellis. Mas talvez, era apenas o nervosismo falando. Ele
certamente era um par melhor para ela do que Harcourt e...
Seus pensamentos foram interrompidos quando uma pessoa saiu
entre as carruagens e a pegou pelo braço. Ela ofegou e se virou, colidindo
de frente com o peito largo de Ellis. Ela olhou para ele ao luar e respirou
fundo, não com alegria, mas com medo. A luz o atingiu exatamente assim e
ele não estava mais tão bonito quanto ela se lembrava, mas intimidador. A
sobrancelha dele estava baixa e seus olhos mostravam uma intensidade que
não a deixava confortável.
Mas então ele sorriu e levantou a cabeça e a luz o atingiu de maneira
diferente, e tudo estava bem novamente. Ela riu nervosamente e puxou o
braço dele.
— Você veio! — Ellis disse quando pegou a pequena valise. — Eu
pensei que você não conseguiria. Eu me perguntei o que teria que fazer se
você não o fizesse.
— Você tinha planos de fazer alguma coisa se eu recusasse? — Ela
perguntou.
Ele sorriu e a covinha apareceu em sua bochecha. — Eu sempre
tenho planos, minha querida. Agora vamos, não temos tempo para tolices.
Precisamos fugir antes de sermos pegos.
Ele agarrou a mão dela de novo e começou a tecer entre as
carruagens, esquivando-se dos lacaios e motoristas enquanto eles fumavam
e riam à luz fraca da casa acima.
Ellis a estava puxando, quase a arrastando, enquanto saíam do
amontoado de veículos e desciam uma pequena colina em direção ao
estábulo principal. Um phaeton estava estacionado ali, velho e acabado,
com um cavalo magro e um tanto triste pastando na grama alta perto do
caminho.
— Aqui estamos, — declarou Ellis.
Ela olhou para o phaeton e para o cavalo raquítico. — Nós vamos
para Gretna Green nisto? — Ela perguntou enquanto ele a segurava na parte
traseira da plataforma. Dias de distância?
Ele olhou para a plataforma e se voltou para ela. — Er, não. Não,
claro que não. Esse foi simplesmente o método mais fácil de pegar você
hoje à noite. Pararemos ao longo da estrada e mudaremos para uma
carruagem muito mais confortável... e particular.
Ele ergueu as sobrancelhas e piscou, antes de apertar a mão dela e
ajudá-la a se sentar. Ela se acomodou, alisando as saias ao redor dela e
puxando avalise um pouco mais apertada em volta dos ombros.
Ele subiu no lado oposto e pegou as rédeas.
— Mas Ellis, — ela começou.
Ele a interrompeu, virando-se, segurando as bochechas dela e
pressionando sua boca com força na dela. Ela recuou um pouco. O
relacionamento deles nunca avançara além de darem as mãos, e agora ele a
estava beijando. A língua dele varreu seus lábios e ele sentiu um gosto forte
de uísque.
Ela se afastou e ele sorriu para ela. Ela supôs que deveria ter sentido
algo agora que ele finalmente a reivindicou de uma maneira mais física.
Mas não havia nada. Sem vibração de desejo. Não havia
necessidade de fazer o mesmo novamente. Nada como em seus livros ou em
seus sonhos. Ela não sentiu... nada. Exceto nervosismo. Uma dor que dizia
que talvez ela tivesse cometido um erro. Porém Ellis já havia sacudido as
rédeas, instando o pobre pônei a trotar em direção ao portão na parte
inferior da entrada.
— Ellis, — ela começou de novo.
— Silêncio agora, — disse ele, seu tom um pouco mais duro do que
antes. — São muitos dias de aventura pela nossa frente.
Ela assentiu. Sim, aventura. Era isso que ela queria, afinal. Ela só
precisava ordenar os pensamentos para isso. Ela estava partindo em uma
aventura com este homem. Uma vez que seu nervosismo desaparecesseria,
pode até ser divertido.
— Por que você não fecha os olhos e tenta dormir se puder?
Ela franziu a testa com a ideia de que ela poderia dormir quando sua
mente estava acelerada e seus arrependimentos estavam subindo com o
jantar de horas antes. Ela fugiu de um homem pelo qual não sentia nada. Se
relacionava com um homem que ela achava que podia fazê-la se sentir
diferente. Ela queria experimentar outros sentimentos agora, para que isso
não parecesse um erro.
Mas ela se perguntava se seria apenas incapaz de sentir conexão ou
desejo. Seria ela o problema?
E agora que ela estava na estrada, arruinada para o mundo, teria
alguma chance de sentir qualquer coisa além de se arrepender de novo?

*****

Anne acordou, sentando-se na posição ereta contra o braço de Ellis,


e olhou em volta confusa quando o faeton parou lentamente. Ela não sabia
quanto tempo eles viajaram, mas deveria ter passado horas, quase a manhã
do dia seguinte, se a lua minguante fosse alguma indicação.
Ela piscou. Eles estavam em uma cidade, cercada por lâmpadas
brilhantes que queimavam no escuro. As pessoas conversavam e riam,
linguagem obscena ecoando no ar, diferente de qualquer coisa que ela já
ouvira. E ali, bem ao longe, viu uma doca e sentiu o cheiro do mar através
da neblina.
Aquilo não estava certo.
— Onde estamos? — Ela perguntou quando Ellis lançou um olhar
para ela e desceu do banco do condutor. Ele não foi ajudá-la a descer do
veículo, mas falou com um rapaz, entregando uma moeda antes que o rapaz
corresse em direção às docas, ao longe.
— Ellis, — ela chamou, e cuidadosamente se afastou da plataforma
alta. Suas pernas tremiam quando ela colocou os pés em terreno firme, mas
ela ignorou aquilo enquanto passava pelo faeton indo até onde Ellis estava
olhando para longe.
— O que é? — Ele perguntou, seu tom áspero e frio. Severo,
diferente do tom jovial que ele sempre usava com ela quando passaram
algum tempo juntos nas semanas anteriores. Ele não era mais o homem
brincalhão e paquerador que a aproximara com um carisma sem esforço.
Agora ele era outra coisa. — Eu disse que íamos parar em uma cidade ao
longo da rota.
Ela balançou a cabeça. — Mas essa não pode ser uma cidade ao
longo de nossa rota para Gretna Green, — ela insistiu. — Você teria que se
afastar do mar, não vir em direção a ele, e agora posso sentir o cheiro do ar
salgado e ver a névoa da água lá em cima, perto da doca. Ellis, não
poderíamos ter ido na direção certa.
Ele olhou para ela. — Por que você não deixa o planejamento
comigo? Eu sei o que estou fazendo.
Ele se afastou e ela estendeu a mão para pegar o braço dele. Ele a
afastou e ela cambaleou de volta com a ação desdenhosa. Havia frieza nele
quando ele olhou para ela.
— Apenas fique aí, — disse ele através do que obviamente eram
dentes cerrados. — Por favor.
Os lábios dela se separaram e o medo que começou a florescer em
seu peito como se florescesse um jardim completo. Aquilo estava errado,
muito errado. Não apenas a direção que eles foram, mas mais do que isso.
Ela deu um longo passo para trás.
— Sinto muito, — ele resmungou com um aceno de cabeça. Ele
lançou a ela um meio sorriso que não alcançou seus olhos. — Foi uma noite
longa e estou cansado.
Ela assentiu e tentou aceitar a explicação, mas agora ela queria
correr. Fuja... só que ela não sabia onde estava e a cidade parecia um pouco
áspera. Ela não possuía dinheiro, não sabia como alcançar sua família e
alertá-los de sua situação.
— Oh! Deus, — ela sussurrou.
— Ah, lá está ele, — disse Ellis, e foi em direção às docas onde um
homem que estava subindo a longa passagem na direção deles.
A respiração dela ficou presa quando ela mudou sua atenção. O
recém-chegado que agora estava apertando a mão de Ellis era ainda mais
bonito do que ela esperava. Alto e esbelto, com cabelos castanhos curtos e
olhos mais escuros do que a xícara de chocolate mais rica. Olhos que se
voltaram para ela, esvoaçaram sobre ela, da cabeça aos pés. Seus lábios
carnudos se contraíram e ele disse algo para Ellis. Ellis deu um tapa no
braço dele e a aproximou.
Ela deu um passo na direção deles com hesitação e engoliu em seco.
— Anne Shelley, posso apresentar você, Rook Maitland.
— Rook? — Ela repetiu, encarando o homem pela segunda vez. Ele
se mexeu um pouco, como se estivesse desconfortável. O que a deixou
ainda mais desconfortável em troca.
— Sim, meu primo, — disse Ellis, arqueando uma sobrancelha em
direção a Rook Maitland. — Minha família — Ele sorriu para ela. — E em
breve, sua família.
— Boa noite, — ela conseguiu dizer para o outro homem.
Ele não disse nada, mas inclinou a cabeça levemente e cruzou os
braços enquanto olhava Ellis através do olhar estreitado.
Ela se virou para ele também. — Ellis, — disse ela, tentando manter
a calma. — Por favor, explique o que está acontecendo?
Ellis assentiu. — Sim. Veja bem, eu tenho algo que preciso cuidar
antes que possamos nos casar. Isso não pode esperar. Você irá com o meu
primo e eu irei buscá-la, em não mais do que alguns dias.
A boca dela se abriu em choque e ela o encarou, depois encarou o
primo dele, depois de volta para ele, quando a realidade daquele pesadelo se
tornou totalmente clara.
— Espere, você está dizendo que vai me abandonar? Sozinha? Com
esse estranho?
Capítulo 3

Rook revirou o estômago enquanto observava a mulher ao lado de


seu primo digerir o que estava acontecendo. Uma mulher, extremamente
bonita, se ele fosse honesto. Seu coração realmente disparou quando a viu
enquanto caminhava para o cais em direção a eles, e percebia que o jogo de
seu primo era o mesmo de sempre. Sedução, traição, pagamento.
Ela era alta, com cabelos loiros grossos e escuros e os olhos mais
verdes que ele já vira, que combinavam perfeitamente com o colar de cruz
esmeralda que estava preso no pescoço esbelto. Possuía lábios beijáveis,
bochechas rosadas pelo ar fresco da noite e um, brilho nela, um estalo que
dizia que ela não estava frequentemente fora de controle de qualquer
situação.
Mas ela obviamente subestimou o primo dele. Não que ela tivesse
sido a primeira.
— Ellis, por que você não me deixa ir com você? — Ela disse,
caminhando em direção ao primo dele.
Ellis sorriu, mas seu olhar era plano e sem emoção.
Ele não se importava com essa mulher, Anne Shelley, seja o que for
que a tivesse convencido. E se ele disse que viria buscá-la, isso certamente
não era verdade. Ele poderia chamá-la como moeda de troca em qualquer
jogo que estivesse jogando com o pai, o irmão ou o marido... mas ele não a
levaria a Gretna Green. Rook se odiava por se envolver nessa bobagem.
Mais uma vez.
— Você irá com meu primo, — Ellis retrucou. — E isso é ponto
final.
Rook esperava que Anne abaixasse a cabeça, assentisse e talvez
chorasse. Mas ela não fez nada disso. As mãos dela se ergueram para os
quadris bem torneados e aquele estalo que ele viu em seu rosto se
multiplicou.
— Não vou, — argumentou ela. — Ellis Maitland, eu estava
convencida a fugir da minha família e do meu futuro para ficar com você.
Não vou simplesmente sair com um homem estranho, que nunca conheci,
enquanto você sai para cuidar de alguma tarefa que não entendo. Não vou, e
isso é ponto final.
Rook quase sorriu com o fogo que seu primo encontrou, mas antes
que pudesse, Ellis deu um passo à frente e a segurou pelo braço. — Você
não tem ideia do que está fazando, — ele rosnou.
Rook estreitou o olhar. Ele vira seu primo jogar aquelas cartas com
frequência suficiente para adivinhar o próximo passo. Mas isso? Aquele
lampejo de raiva? Aquela dureza? Aquele não era Ellis, não normalmente.
No que quer que seu primo estivesse envolvido... não era bom.
— Chega, — Rook disse suavemente enquanto empurrava a mão de
Ellis. Anne recuou enquanto olhava Ellis, lágrimas iluminando seu olhar. A
realidade estava atingindo-a agora.
— Você vai com ele, Anne, — Ellis disse, suave, mas claro. — E
não haverá mais argumentos. Você está arruinada por fugir. Eu sugeriria que
você não me desse um motivo para não cumprir minhas promessas.
Seus lábios se separaram e ela levantou o queixo levemente. Rook a
viu executando cálculos em sua cabeça, tentando encontrar uma maneira de
escapar daquilo. Quando ela percebeu que não havia, toda a emoção deixou
seu rosto e ela deu de ombros. — Tudo bem.
— O barco está pronto, — disse Rook, mais para ela do que para
Ellis, mas foi seu primo quem respondeu.
— Excelente. Volto em alguns dias.
Rook não acreditou nele, mas ele assentiu enquanto pegava a
pequena valise de Anne que estava com Ellis. Não havia roupas suficientes,
para estadia prolongada. Era a valise de uma mulher que pensava que estava
fugindo romanticamente e voltaria para sua família em breve.
— Lidere o caminho, Sr. Maitland, — disse Anne enquanto virava
as costas para Ellis.
— Rook, — ele corrigiu enquanto se movia em direção ao fim do
cais.
— Anne.
Ela congelou com a voz de Ellis atrás dela. Lentamente, ela se virou
e ele deu um passo a direção dele. Rook a viu ficar tensa, ele fez o mesmo,
mas Ellis apenas pegou a mão dela. Ele a levou aos lábios e Rook desviou o
olhar enquanto Ellis a beijava.
— Perdoe-me, meu amor, — ele falou controlando e praticando a
sedução novamente. — Eu vou compensar você.
— Você vai, — ela declarou suavemente, então removeu a mão e
seguiu Rook pela longa passarela em direção ao pequeno barco esperando
por eles no final do cais.

*****

As mãos de Anne tremiam, mas ela as enrolou quando alcançou o


fim do cais e o que parecia ser um barco muito pequeno. Um senhor mais
velho estava sentado atrás, perto dos remos. Ele carregava uma lanterna
brilhante em um gancho montado ao lado dele, e ele estava olhando para ela
e seu novo companheiro através da neblina, como se ele tivesse horários a
cumprir e eles estivessem se intrometendo neles.
— Boa noite, — ela falou na direção dele.
Ele olhou com mais força e ela abaixou a cabeça quando o terror a
dominou. Ela estava em perigo. Isso ficou claro. Ela estava em perigo desde
o momento em que escorregou do calor da casa de seu noivo e partiu
naquela aventura maluca.
Talvez ela estivesse em perigo ainda mais cedo do que isso, quando
ela concordou em se encontrar com Ellis, mesmo que ela soubesse que era
errado fazê-lo.
E agora aqui estava ela onde só Deus saberia, observando um belo
estranho, com um nome estranho, entrar em um barco a remo. Ele largou a
valise não muito gentilmente e depois se virou para encará-la. Estendeu a
mão lentamente para ajudá-la a subir a bordo.
Ela olhou de volta para o cais, onde vira Ellis pela última vez. De
alguma forma, ela pensou em encontrá-lo na neblina, observando para
acompanhar que ela tivesse entrado com segurança no barco. Mas ele se
fora.
Ela estremeceu e se voltou para o barco, encarando os dedos
estendidos de Rook por um momento. Aquela mão grande e ápera pelo
trabalho, podia ser ligada a um assassino pelo que ela sabia. Ele poderia ser
muitas coisas terríveis e ter muitos planos terríveis guardados para ela. E,
no entanto, que escolha havia senão ir com ele?
— Garota estúpida, — ela se repreendeu baixinho enquanto pegava
a mão que ele oferecia.
Ela não estava usando luvas, esquecera delas em sua excitação por
escapar nesta aventura que deu errado. Quando a palma da mão tocou a dele
sentiu uma emoção diferente, um arrepio consciente que subiu pelo braço e
pelo corpo.
Ela entrou no barco e afastou a mão enquanto se sentava em um dos
bancos duros no meio do barco. Rook Maitland pegou o que estava de
frente para ela. Ele era tão grande, os joelhos dele empurraram em seu
espaço e as pernas quase se tocaram, não importando a que distância ela
tentasse dobrá-las. Ela soltou um suspiro com a nova invasão e tentou, com
todas as suas forças, fazer sua mente ir para outro lugar. Para qualquer outro
lugar, exceto aqui.
Só que não foi tão fácil. Não quando sua mente a levava de volta
para sua família. Ela presumia que Thomasina teria retornado aos aposentos
depois do baile. Ela teria encontrado a mensagem que havia deixado.
Aquela mensagem estava cheia de esperanças de um futuro com Ellis e que
agora, parecia tão desbotado, distante e tolo. O que sua irmã teria pensado?
O que Juliana pensaria? Seriam capazes de lidar juntas com a indignação do
pai? A fúria de Harcourt levaria a punições incalculáveis contra elas?
Ela se curvou enquanto as consequências de sua ação egoísta a
inundavam como as ondas que ocasionalmente chegavam à beira do barco,
enquanto rumavam para o coração do mar da Irlanda.
Ela levantou a cabeça e encontrou Rook Maitland observando-a. Ele
não passava de um contorno sombrio na lanterna do capitão, mas seu olhar
escuro brilhava enquanto ele o segurava.
— Até aonde devemos ir? — Ela perguntou enquanto o mar
balançava mais pesado.
Ele ficou em silêncio pelo que pareceu uma eternidade, mas
finalmente falou: — Ainda vai demorar algumas horas. É uma longa
viagem até a Escócia.
Os olhos dela se arregalaram. Escócia? Ela pensava que a ideia
havia sido abandonada quando Ellis a mandou embora com aquele homem.
Mas se eles estavam atravessando o mar, talvez isso significasse que Ellis
não era o homem que parecera ser. Talvez ele voltasse para ela depois de
tudo e aquilo pudesse ser resolvido exatamente como ela havia planejado
desde o início.
Ela se agarrou naquela esperança e assentiu. — Que cidade? — Ela
perguntou.
— Você tem muitas perguntas, — disse seu companheiro,
suavemente. — Por que você não perguntou para Ellis sobre seus planos
para você, pois ele é seu amor?
Ela reprimiu a resposta de que não amava Ellis e deu de ombros. —
Pensei que conheceria o plano, — disse ela. — Então eu não perguntei. E
aqui estamos nós.
Ele balançou a cabeça lentamente. — Sim. Aqui está você.
Ela percebeu que ele não havia respondido a sua pergunta sobre a
cidade, mas ela estava exausta demais para perguntar novamente. Ela
descobriria em breve, ela supôs. E se ele era reticente em compartilhar com
ela, talvez fosse melhor assim. Ele não seria seu companheiro por muito
tempo. Provavelmente era melhor que uma dama solteira não se ligasse
muito fortemente ao primo bonito do homem que ela pretendia. Mas
pessoas conversavam, não?
Deus, as pessoas já estariam falando. Ela sabia disso. Sua fuga foi
muito grande para manter, especialmente com o casamento planejado para
menos de uma semana a partir de agora. Quando ela não aparecesse,
quando tudo fosse cancelado, não havia como parar a história que rasgaria a
Sociedade.
— Parece que você tem alguns arrependimentos, senhorita Shelley,
— disse Rook.
O barquinho balançou com uma onda e Anne agarrou-se a ambos os
lados, segurando-se para manter a compostuta. — Não, — ela mentiu. —
Claro que não. Eu sei o que estou fazendo.
Mas ela ouviu a inclinação em seu tom, o terror e a dor. A expressão
dele não mudou. Se ele também ouvira, estava claro que ele não dava a
mínima. Mas por que ele iria? Ele foi enviado aqui para buscá-la, e ele não
parecia particularmente satisfeito com isso.
Ela não daria a ele mais motivos para se irritar, nem para julgá-la
mais tola do que ele claramente já fora. Ela se sentou o mais ereta possível
e fez o possível para se concentrar em um ponto logo atrás dele, em vez de
em seu rosto bonito e franzido. É claro que aquele ponto era a luz que
desaparecia da cidade distante da Inglaterra desaparecendo na neblina.
E ela rangeu os dentes quando momentos sangraram para quase uma
hora de remo, na noite interminável. Ela estremeceu quando o ar perfurou
sua fina capa e a puxou mais forte em torno de si mesma. O barco rolava
sem parar nas ondas enquanto o capitão seguia remando, aparentemente
imperturbável pelo respingo frio da água do mar ou pelo vento que fazia o
spray encharcar seu rosto, cabelos e roupas.
Ela não choraria. Ela não iria, mesmo quando a névoa a rodeava,
deixando-a mais gelada do que nunca.
Rook ficou em silêncio durante a viagem, o olhar fixo atrás dela, em
qualquer que fosse o destino misterioso deles. Mas, ele se moveu de
repente, tirando o casaco grande em um movimento suave. A ação revelou
uma camisa de linho branco embaixo, que parecia se esticar contra os
ombros e peito largos.
Ele segurou o casaco. — Aqui, caso contrário, você vai se encontrar
com a morte.
Ela piscou com a oferta. O casaco dele, que acabara de estar ao
redor dele. Parecia muito íntimo aceitar a oferta. Muito íntimo.
A testa dele enrugou. — Pegue antes que perca o calor do corpo.
Calor corporal. Ela gemeu interiormente, mas estava frio demais
para discutir. Ela pegou o casaco de lã, deslizando os braços nas mangas e
prendendo-o na cintura. Aquilo a deixou mais frágil, pois ele era muito
maior do que ela. As mangas caiam sobre a mão dela pelo menos alguns
centímetros e era mais uma capa disforme em volta dos ombros do que um
casaco justo como o dele.
Mas estava quente. Ele estava certo sobre aquilo. Ela sentiu o calor
do corpo dele envolvê-la como se os braços dele estivessem lá. E o cheiro
dele permanecia no tecido de lã. Era um perfume agradável. Algo
amadeirado, limpo e masculino.
Mais uma vez, seu estômago se contraiu com uma consciência que
não deveria ter sentido aquilo, e ela inclinou a cabeça enquanto murmurava:
— Obrigada.
Ele não respondeu, e seu foco se afastou dela novamente. Ela olhou
para ele agora que ele não estava olhando para ela. Ele possuía uma linha
dura na mandíbula bem definida e uma qualidade igualmente firme nos
lábios cerrados. Porém eles eram carnudos. Ela podia dizer isso, apesar da
irritação que revestia aquele rosto.
Ele não parecia incomodado com o barulho do barco. O estômago
dela subia e descia, mas ele nem sequer respirava fundo. Maldito seja. Ela
realmente não queria se fazer de tola do que já tinha feito, mas as náuseas
estavam subindo a cada momento que o mar se tornava mais pesado e
selvagem por causa da costa.
Fora uma noite tão longa, cheia de tanta decepção e medo. Ela quase
não comera nada desde o chá da tarde, e agora tudo em que conseguia
pensar era na comida e no quanto odiava tudo o que colocara em sua boca.
Rook inclinou a cabeça e olhou para ela. — Shelley? — Ele
perguntou suavemente.
Mas ela não respondeu. Tudo o que ela conseguiu fazer foi se
inclinar para o lado do barco e despejar o conteúdo enquanto amaldiçoava
todas as decisões que tomara desde as três horas da tarde. Incluindo os que
a colocaram no barco com um estranho, e vomitasse na frente dele.

*****

Rook teve que dar valor a Anne Shelley. Ela parecia uma dama
frágil, mas certamente se segurara com um ferro que era atraente para ela.
Sim, ela vomitou tudo o que havia comido, provavelmente coisas que nem
se lembrava de comer, mas ela não disse nada sobre aquilo quando tudo
acabou. Ela se sentou sem reclamar, ou choramingar, ou chorar, olhando
fixamente à frente, seu olhar não refletindo nenhum medo, vergonha e dor
que ele sabia que certamente queimava em seu coração.
Quando o mar ficou mais calmo ao chegarem às minúsculas ilhas
exteriores da costa sul da Escócia, ela parou de enjoar. Agora espiava por
cima do ombro, olhando através da penumbra do amanhecer enquanto o
destino deles aumentava à distância. Seu capitão habilmente os atraiu às
águas tranquilas da ilha diante deles.
A senhorita Shelley se mexeu e girou completamente enquanto
olhava à floresta selvagem e emaranhada logo depois da praia rochosa e da
doca precária onde o capitão estava protegendo o barco.
Ele olhou para Rook em expectativa, e Rook deixou escapar o
fôlego quando se levantou, passou por cima da senhorita Shelley com
cuidado e pegou a pequena valise. Ele parou na doca e agarrou uma das
colunas para se levantar. Ela se levantou e estava se equilibrando
precariamente.
— Venha, — ele disse, oferecendo a mão para ela.
Suas pupilas dilataram uma fração, mas fez como lhe foi dito,
aproximando-se com pequenos passos através do barco balançando. Ela
olhou para a mão estendida, exatamente como fez quando ele a ajudou a
entrar no barco horas antes. Mas este seria um passo muito maior. Ele já
estava calculando se teria que levantá-la. Ela apertou os dedos dele
finalmente, mas o passo era grande demais para ela dar, mesmo com o
apoio dele. Ele se curvou parcialmente, deslizou as mãos sob os braços dela
e a puxou para cima. Quando ele a colocou de pé, ela cambaleou um pouco,
apoiando a mão no peito dele para se firmar e o encarou.
Ele a soltou e ela se afastou alguns passos, suas bochechas ardendo
de cor. Ele se recusava a reconhecer qualquer uma de suas próprias reações
àquele breve toque. Fazia muito tempo que uma mulher colocara as mãos
nele. E ele não tinha interesse naquela que seu primo estava enganando.
— Obrigado, capitão Quinton, — ele disse ao velho ainda
esperando. — Posso pegar um refresco para você antes da sua viagem ao
continente?
— Não, mas você pode me pagar, — ele resmungou.
Rook piscou para ele. — Meu primo deveria pagar você.
O velho balançou a cabeça. — seu primo me pagou para levá-lo até
Beckfoot. Mas não para a viagem de volta.
Rook apertou os lábios. Sob qualquer outra circunstância, ele
poderia ter discutido com o capitão. Ele poderia ter se esforçado para saber
se ele estava mentindo para cobrar duas vezes o valor devido. Só que,
quando se tratava de Ellis, sempre havia uma trapaça. Rook não tinha
motivos para duvidar que houvesse uma dessa vez também.
— Burro dos burros, — ele resmungou para si mesmo, mais irritado
do que nunca com Ellis por arrastá-lo para suas merdas, mais uma vez.
Ele enfiou a mão no bolso e sacou o pouco dinheiro que tinha com
ele. — Isso terá que dar, — disse ele. — É tudo o que tenho.
O capitão aceitou a oferta e passou por ela. Ele olhou para Rook
antes de desamarrar o equipamento e se soltar para o sol nascente da
manhã. Aquele era um homem que nunca o transferiria à Inglaterra
novamente. Se Rook fosse mais azarado, Quinton contaria a história de ter
sido enganado por todas as cidades mais próximas e ninguém estaria
disposto a levá-lo através dele. Seu próprio barco era pequeno demais para
fazer a viagem.
Mas ele poderia pensar em tudo aquilo mais tarde. Por enquanto,
precisava se concentrar nos assuntos em questão. No problema em questão.
Aquele que estava de pé atrás dele naquele momento. Aquele que ele não
queria olhar outra vez, porque ela estava começando a perceber o quão
longe ela se afastara da boa vida que tivera uma vez.
Finalmente ele se virou. Ela pegara sua valise e a segurava na frente
de si com as duas mãos. O casaco grande dele ainda estava envolto em
torno dela, fazendo-a parecer menor e mais frágil. Ele ignorou o leve puxão
nele para ajudá-la, cuidar dela. Ele não era um herói. Ele era um homem
que havia sido enganado naquela situação e não possuía o dever de ajudá-la
mais do que qualquer outro humano na terra.
Limpou a garganta e passou por ela, no cais. — Vamos, senhorita.
Ela correu atrás dele, trocando a valise de mão em mão, enquanto
subiam o caminho arenoso até a casa, na pequena elevação à frente deles.
— Você pode me dizer em que cidade estamos, Sr. Maitland? — Ela
perguntou.
Ele se encolheu com o uso do sobrenome dele. Tão formal. —
Rook, — ele retrucou.
Ela soltou o ar em um som de aborrecimento. — Por favor, se você
me disser onde estou, talvez eu possa encontrar...
— Não estamos perto de nenhuma cidade, senhorita Shelley, —
disse ele, parando no caminho.
Ela bateu no peito dele com o movimento repentino e cambaleou
para trás, olhando-o confusa. — O quê?
— Eu disse que não estamos perto de nenhuma cidade. Nós nem
estamos no continente da Escócia. Estamos em uma ilha. Minha ilha.
Ela franziu a testa. — Sua ilha?
Ele se defendeu apesar da incredulidade dela. — Não é de mais
ninguém e eu moro aqui, então eu chamo de minha.
Os lábios dela apertaram. — Não acho que seja uma reivindicação
válida de propriedade, senhor Maitland.
— Rook, — ele corrigiu novamente. — E se alguém quiser, pode vir
tomá-la. Vamos lá, já foi uma noite longa para nós dois, eu acho, e gostaria
de entrar antes que a tempestade venha atrás de nós.
Ela olhou para as nuvens grossas e cinzentas que vinham do mar.
Suas bochechas empalideceram e ela assentiu. — Muito bem. — Ela
apontou para ele. — Lidere o caminho.
Ele inclinou a cabeça com a permissão dela e terminou a lenta
subida até a cabana acima. Ele sempre se orgulhou do lugar. No ano
passado, desde que ele se banhou naquelas praias, ele trabalhou duro para
construir para si, um oásis, uma casa que poderia ser mais... permanente.
Ele nunca teve aquilo e agora ele queria.
Mas olhando para o local agora com sua construção simples, ele
tinha certeza de que sua... convidada... a veria como lixo. Ela deveria estar
acostumada a palácios e salões de mármore. Mas ela não disse nada quando
ele abriu a porta e lhe ofereceu uma pausa da brisa fria que precedia a
tempestade que se aproximava. A Escócia era assim. O outono, a primavera
e o inverno nunca estavam longe das margens do verão.
Acendeu algumas velas e arrumou gravetos na lareira para acendê-
la. Voltou para buscar o sílex e descobriu que Anne Shelley estava de pé ao
lado do sofá na grande sala principal da casa. Ela havia retirado o casaco e
o jogado sobre as costas de uma cadeira. Agora ela estava de pé, braços
cruzados, as mãos segurando contra os antebraços, e ela estava tremendo.
O rosto estava pálido, os olhos arregalados, e toda a bravata e calma
que ela exibira no longo passeio de barco haviam desaparecido. Ele deu um
passo na direção dela e ela tropeçou apenas um passo atrás. Com isso, ele
congelou e levantou a mão para ela.
— Shelley... — ele começou.
Ela balançou a cabeça. — Por favor, não.
— Você está com medo, — disse ele, tentando encontrar a calma
que ela havia perdido.
Para seu crédito, ela balançou a cabeça firmemente e endireitou as
costas com o que achou que era uma boa quantidade de bravura. — Não, —
ela disse .
Ele sorriu um pouco com aquela faísca nela. — Claro que você está.
Você é claramente uma pessoa sensata, deixe essa bobagem com meu primo
de lado.
Ela se encolheu com a avaliação, mas não discutiu mais com ele.
Continuou: — Deixe-me tentar tranquilizá-la: não tenho intenção de
tocá-la. Não quero machucá-la de forma alguma.
O olhar dela se estreitou e ele pode senti-la lendo-o, testando sua
intuição nele, já que ela não tinha mais nenhuma evidência a seguir quando
se tratava de uma promessa.
— Tudo o que você vai fazer é esperar, e ele é meu primo, — disse
ele, engasgando com as palavras adicionais que lhe diriam que aquilo era
tolice. Ela descobriria isso sozinha, não era sua responsabilidade ajudá-la a
chegar lá. Enfim, talvez ele estivesse errado. Talvez seu primo realmente
tivesse se apaixonado por essa beleza e, no final, faria a coisa certa.
— Ele conhece este lugar, — ela sussurrou.
Rook assentiu. — Ele conhece. Você pode dormir aqui. — Ele se
moveu cuidadosamente em direção à porta à sua direita e a observou
acompanhar o movimento como um cervo rastreando um cão selvagem, ou
um leão. Presa e predador.
Empurrou a porta do quarto dele e havia uma cama grande dentro
daquelas paredes. — É o meu quarto e a cama é confortável.
Ela ficou tensa novamente com aquela afirmação. — Eu não vou...
— Eu vou dormir aqui fora, — ele acrescentou, sacudindo a cabeça
em direção ao sofá, o que era bom para o propósito que Deus pretendia que
ele coubesse, mas ele duvidava que fosse uma boa cama. Ele era alto
demais para aquilo. — Você pode trancar a porta.
Ela olhou para o quarto atrás dele e ele viu a exaustão percorrer seu
rosto ao ver uma cama. — Duvido que você não possa entrar em qualquer
lugar que deseje entrar, por mais forte que a parede pareça.
Ele arqueou uma sobrancelha com o elogio e deu de ombros. —
Talvez não, mas você terá que aceitar minha palavra, já que eu não tenho
outra prova que ofereça o contrário.
— Existe pouca escolha, — ela disse, e pensava mais nela própria
do que nele.
Ela não estava errada, é claro, então não havia conforto que ele
pudesse oferecer a ela. Ela não fazia ideia do caráter dele ou de suas
intenções, e não o faria até que ele as provasse.
— Posso fazer um prato para você? — Ele perguntou.
As sobrancelhas dela se ergueram e ela olhou para a pequena
cozinha através de uma porta, na parte de trás da sala principal. Então ela
balançou a cabeça. — Não. Apenas dormir, eu acho. Eu quero dormir.
— É claro, — ele disse, e assentiu enquanto ela se movia para o
quarto dele e fechava a porta atrás dela.
Ele a ouviu girar a chave do outro lado. Depois de um momento,
ouviu o ruído áspero de madeira sobre madeira, os pés da cômoda, ele
presumiu, raspando o chão enquanto ela posicionava os móveis em frente à
porta para uma camada extra de proteção. Ele precisava elogiá-la, ela era
muito inteligente.
Tudo ficou quieto por um momento e ele se sentou no sofá e tirou as
botas uma a uma. Quando ele se recostou nas almofadas, lamentando
momentaneamente a perda de sua cama muito confortável, ele ouviu Anne
no outro quarto.
Ela estava chorando. A porta era tão fina que ele ouvia cada suspiro
da respiração dela enquanto ela chorava. Seu coração doía por ela, mesmo
que nada disso fosse culpa dele ou feito. Ainda assim, ela não merecia o
que seu primo estava fazendo com ela.
Nenhum deles merecia.
Ele rolou de lado, fechou os olhos e tentou ignorar o som vindo
dela. Mas não conseguiu bloqueá-lo e a ouviu até que ela se aquietou,
provavelmente adormecera. Só então ele conseguiu encontrar descanso.
Mas seus sonhos foram perturbados, como ele merecia, por imagens de
olhos verdes brilhantes e uma mão macia contra seu peito antes de serem
lançados no mar agitado.
Capítulo 4

Fazia três dias desde que fora abandonada no cais de Beckfoot por
Ellis Maitland, e quando Anne abriu os olhos e encarou o mesmo teto acima
dela na mesma cama, todo o seu ser cheio de frustração. Ela conhecia o
quarto tão bem que provavelmente poderia esboçá-lo com os olhos
fechados, se solicitado.
Afinal, ela não o deixou desde que entrou dias atrás. A princípio,
tinha sido um instinto protetor. Rook Maitland abordara seus medos sobre
as intenções dele, diretamente, quando ela se atreveu a expressá-las naquela
primeira noite horrível ali. Ele segurou o olhar dela e fez promessas de
deixá-la em paz, mas quantos homens haviam dito a mesma coisa para as
mulheres ao longo dos milênios e depois se aproveitado?
Só que ele... não. Ele não fez nenhum esforço para incomodá-la,
além de batidas educadas na porta dela para oferecer comida ou outros
confortos. Uma vez que ele entrou no quarto para encher a banheira, no
canto, com água para o banho. Ele ficou quase silencioso enquanto fazia
isso e mal olhou para ela. Aquela foi a única vez que ela o viu desde sua
chegada.
Na segunda noite, ela mudou a cômoda para longe da porta porque
não sentia mais como se ele a invadisse para machucá-la. Ela ficara sozinha
por dias, e aquilo significava que ela tivera de sobra para pensar no que
havia feito.
Pensar em como esse era seu castigo por se comportar como uma
tola e fugir com um homem que era praticamente um estranho. Como suas
irmãs se sentiriam agora? E o pai dela? Eles estariam preocupados com o
bem-estar dela? Eles a perseguiram até Gretna Green apenas para descobrir
que ela nunca havia chegado?
— Garota estúpida, — ela murmurou enquanto jogava as cobertas
para trás e se levantava.
Todo dia ela acordava e esperava que Ellis voltasse. Todos os dias
ela ia para a cama sem saber o que estava acontecendo. Se algum dia ele
voltaria.
Não. Ele voltaria. Ele disse que voltaria. Ele disse que a amava. Ele
não disse? Às vezes era difícil lembrar. Parecia que ele dissera, mas talvez
fosse essa a imaginação dela. Ele certamente disse que se importava com
ela. Ele disse que voltaria. Mesmo se ele a estivesse usando, um
pensamento que se enraizara, dois dias antes, ele não poderia fazê-lo sem se
casar com ela para conseguir seu dote.
Deus, os pensamentos. Esses pensamentos horríveis.
Ela olhou para o livro na mesa de cabeceira ao lado da cama e
suspirou. Ela terminou dois dias atrás e leu duas vezes desde então. Estava
entediada.
Mais um castigo. Afinal, quantas vezes ela lamentou ter que ficar
presa na propriedade rural de Harcourt em vez de em Londres com todas as
suas emoções? E agora ela pagaria dez libras pela alegria de andar por
aqueles velhos corredores mofados e pelos jardins verdes.
Claro, não havia nada que a impedisse de fazer a mesma coisa ali.
Apenas o orgulho dela. Sua humilhação que a fez não querer encontrar os
olhos de Rook Maitland e ver sua pena.
Ela balançou a cabeça. Aquilo era ridículo. Ela não seria tão tola a
ponto de se deixar neste quarto nem mais um momento. Ela puxou a
camisola sobre a cabeça e o trocou pelo vestido. Ela teria que lavar algumas
de suas coisas de qualquer maneira — essa seria a desculpa dela se Rook
fosse difícil sobre sua fuga do auto-exílio.
Ela se vestiu, feliz por ter escolhido vestidos que se prendiam na
frente para facilitar o manuseio por conta própria. Ela fez aquilo para estar
simples na estrada antes dela e Ellis chegarem a Gretna Green.
Pelo menos aquilo foi algo que ela fez certo.
Ela rapidamente puxou o cabelo para trás, prendendo-o em um
coque torto na nuca. Nunca soube realmente como era inútil para cuidar de
si mesma até aqueles últimos dias sem Nora.
Nora. Sua pobre criada ficaria tão chocada quanto o resto deles por
sua fuga. Ela teria sido punida por isso?
Ela afastou aqueles pensamentos com todos os outros culpados que
roubaram seu sono, respirou fundo e entrou na sala principal do chalé. Tudo
estava quieto com apenas o leve clique do relógio e o tilintar de pratos na
área da cozinha atrás do caminho. Ela seguiu o som e os cheiros deliciosos
que o acompanhavam e entrou na pequena cozinha.
Era muito diferente da cozinha grande e escura de Harcourt Heights,
ou mesmo da casa de seu pai em Kent, mas era mais quente e mais
convidativa do que as duas. Com um lavatório ao longo de uma parede e
uma lareira ao lado, e uma mesa no meio do ambiente para a preparação e,
ela pensou: para comer.
Havia três grandes janelas de cada lado, que deixavam entrar a luz
para tornar o espaço mais convidativo. Uma delas foi aberta para que o
vapor e a fumaça pudessem sair.
Rook estava parado à mesa, de costas para ela. Um pedaço de pão
fresco estava em um prato ao lado dele, o vapor saindo de sua crosta como
se tivesse acabado de ser removido da forma. Ele estava fritando bacon em
uma frigideira e ovos chiaram em cima do fogo.
Os cheiros a atingiram de uma só vez e seus joelhos ficaram fracos.
— Ela finalmente saiu da hibernação, — ele disse sem se virar para
ela.
Ela pulou naquele instante porque ele sabia que ela estava lá,
olhando para ele durante todo o tempo que esteve ali.
— Bom dia, — ela sussurrou enquanto avançava um pouco mais no
ambiente. — Eu não esperava encontrar você aqui, cozinhando.
Ele olhou por cima do ombro, uma sobrancelha arqueada em
questão. — Você pode ter estado escondida nos últimos dias, mas o resto do
mundo se movimenta. Como você achou que estava sendo alimentada?
Ela se irritou com a palavra escondida, embora fosse inteiramente
exata. Mexendo-se, ela pegou um fio na manga. — Er... eu... acho que não
pensei nisso, — ela admitiu finalmente.
Ele balançou a cabeça e voltou a atenção para o trabalho dele
enquanto se movimentava para remover os ovos do fogo. Ele encontrou o
olhar dela enquanto caminhava para a mesa e deslizava dois em cada prato,
perfeitamente cozidos com gemas amarelas brilhantes animando a sala
como o sol.
— Eu achei que você não pensaria, — disse ele.
Ela cruzou os braços. — O que você quer dizer com esse
comentário?
— Só que uma senhora como você provavelmente nunca pensa duas
vezes sobre quem a serve. Ela só espera ser servida.
Ela queria discutir, mas, novamente, as palavras não estavam
erradas. Maldito seja. Ela levou o que agora parecia uma vida muito
protegida. Ela não fez perguntas, porque nunca lhe ocorreu que ela
precisasse. Como resultado, ela sofria para fazer qualquer coisa por si
mesma. Certamente ela não poderia ter cozinhado a refeição que Rook
agora colocava sobre a mesa. Ele fez um gesto para ela se sentar em uma
das cadeiras e depois se virou para pegar um conjunto extra de talheres e
um guardanapo, que ele entregou com um encolher de ombros.
— Eu não pensei que você iria se juntar a mim esta manhã, — ele
explicou. — Pensei em preparar outra bandeja para você.
Ela inclinou a cabeça. — Enquanto eu estivesse escondida, você
quer dizer, — ela disse.
Ele assentiu enquanto ocupava seu lugar na cabeceira da mesa. Ela
estava à direita dele e parecia muito próxima. Ele se sentiu muito grande e
muito próximo naquele momento.
— Eu entendi por que você quer se esconder, — ele disse antes de
dar uma mordida nos ovos. Enquanto mastigava, ele cortou duas fatias de
pão e entregou-lhe uma, juntamente com uma vasilha cheia de manteiga
manchada com outra coisa.
Ela arqueou uma sobrancelha para ele em questão.
— Canela, — ele explicou. — Torna tudo melhor.
Ela não tinha certeza disso, mas lambuzou o pão com a manteiga
temperada e a passou de volta para ele, para que ele pudesse fazer o mesmo.
Eles comeram por um tempo em silêncio, e Anne ficou com
urticária. Tudo o que ela tivera nos últimos dias foi silêncio e todos os seus
pensamentos pareciam ficar cada vez mais altos. Ela precisava de algo mais
para preencher o espaço deles, empurrá-los para fora, para que eles não se
turvassem totalmente.
Ela precisava dizer algo para não sentir a pena na mente de seu
companheiro. Ela forçou um sorriso para ele e disse: — Isso é delicioso.
Ele não sorriu, mas ela pensou que as maçãs do rosto dele estavam
coradas depois das palavras dela. Ele deu outra mordida e resmungou: —
Obrigado.
Mais silêncio e ela sentiu o pé começar a tremer embaixo da mesa,
enquanto comia mais alguns bocados da comida. Ele não ajudaria na
situação?
— Eu tenho medo de sair, — disse ela. — Por ficar aqui por muito
mais tempo do que qualquer um poderia esperar. Certamente Ellis virá em
breve e me tirará de suas mãos.
Rook congelou com aquelas palavras e seus olhos escuros se
ergueram do prato para encontrar os dela. Ele o segurou ali, pelo que
parecia ser muito tempo, tornando-a prisioneira do mesmo olhar, das
palavras que ele nunca falou.
Ela engoliu em seco. — Nós vamos nos casar, — ela sussurrou.
— Sim, — disse ele finalmente. — Afinal esse era o seu plano.
Ela notou que ele disse seu plano, ou seja, dela. Não incluindo Ellis.
Como se ele soubesse que ela era uma tola, mas fosse educado demais… ou
talvez muito pouco preocupado com a situação dela... para dizer aquilo. Ele
era tão difícil de ler. Ele não parecia estar irritado por ela estar ali, apesar de
ter que dormir no sofá em vez de em sua cama, apesar de ter que
compartilhar sua comida e seu fogo.
Por que ela não conseguiu lê-lo? Provavelmente porque não o
conhecia. Ela se certificou disso nos últimos dias. Mas ele era o primo dela,
não era? Família, Ellis havia lembrado aquilo dias atrás. Era errado ela se
afastar tanto, especialmente agora que havia decidido que ele não era uma
ameaça.
Ou ela pensava que era. Sentada ao lado dele, era difícil recordar
aquela decisão. Ele ainda parecia perigoso, embora de uma maneira
diferente da primeira noite em que eles me conheceram.
Ela se mexeu. — Você sabe, — disse, mudando de tática, — nunca
perguntei seu nome.
Ele levantou os olhos novamente. — Você sabe meu nome. Rook
Maitland. E você continua me chamando de Sr. Maitland, e eu continuo
dizendo que é Rook.
Ela apertou os lábios. — Mas Rook não pode ser seu nome
verdadeiro.
O olhar dele voltou para o prato. — Rook é o nome que eu uso,
senhorita Shelley. Não há mais nenhum.
Ela apertou o guardanapo no colo e respirou fundo algumas vezes.
Ao que parecia, ele realmente estava determinado a tornar aquilo difícil.
Mas os dois estavam quase terminando o café da manhã e aquilo lhe
ofereceu a oportunidade de preencher sua mente e seu tempo.
— Já que você me forneceu sua cama e pensão nestes últimos dias,
— disse ela, levantando-se e pegando o prato, — por que você não me
deixa ajudá-lo, limpando?
Ele deu a última mordida em seu bacon e a encarou, de olhos
arregalados, e ela pensou que teria um pouco de medo ao recolher o prato
diante dele.
— Certamente, — disse ele, inclinando-se para trás enquanto ela
colocava os itens no lavatório e olhava para ele.
Mais uma vez, ela percebeu que não fazia ideia de como fazer
aquilo. E agora ele estava sentado ali, observando-a ser uma pirralha
mimada que ele a acusara de ser.
E ela sentiu uma súbita vontade forte de provar que ele estava
totalmente errado. De ser melhor do que ele pensava. Agora mesmo.

*****

Rook teve que se dar crédito. Ele não riu de Anne nenhuma vez
enquanto ela andava cambaleando pela cozinha e ele só interferiu no
trabalho dela uma vez, quando ela tentou lavar a frigideira de ferro fundido.
Ele teve o pensamento que ela destruiria aquilo.
Ele também teve que dar crédito para ela. Era óbvio que ela nunca
colocara o dedo do pé na cozinha, muito menos arrumara após uma
refeição. Mas ela estava tentando. E aquilo era mais do que algumas
pessoas teriam feito.
Ela limpou as panelas e os pratos, embrulhou o pão restante em um
pano para que não ficasse seco, guardou as coisas, nos lugares errados, mas
ainda assim ...
Ela se voltou para ele depois que encontrou uma gaveta aleatória
onde colocou os talheres e passou as mãos sobre a saia agora enrugada e
levemente úmida. Suas bochechas estavam vermelhas e os olhos brilhavam,
e por um momento a respiração dele ficou presa. Por Deus, mas ela era uma
beleza. Ele não deveria perceber aquilo, ele pensou. Ela pertencia a Ellis,
em teoria, embora ele não achasse aquilo uma verdade na prática. Ela
certamente não pertencia.
Mas fatos eram fatos, e o fato era que essa mulher provavelmente
virava a cabeça dos homens em qualquer salão em que entrasse. Quando ela
estava um pouco desfeita, o efeito era multiplicado. Aquilo o fez pensar em
maneiras melhores de bagunçar o cabelo dela e deixar o rosa nas bochechas.
Pensamentos que ele afastou enquanto puxava a cadeira para trás
com um guinchado, de madeira contra madeira, e se afastou dela. Ela
estremeceu com o som alto, mas não parecia defensiva contra ele. Se ela o
temeu a princípio, aquilo desapareceu. Mas ela não conhecia os
pensamentos dele, graças a Deus. Se ela conhecesse...
— Você acha que eu posso dar uma olhada na sua ilha? — Ela
perguntou.
Ele piscou com a pergunta e se concentrou novamente. — Você não
é prisioneira, senhorita Shelley.
Ela inclinou a cabeça e seus arrependimentos estavam claros em seu
rosto antes de afastá-los. — Talvez não, embora eu tenha me escondido nos
últimos dias em que me senti... bem, não importa como me senti.
No entanto ele achava que importava. Mais do que deveria, mesmo
quando tentou não dar a mínima. Ele deveria mostrar a ela que não, e deu
de ombros. — Você está livre agora, de qualquer forma. Você pode andar na
ilha, se quiser.
— Você vai... você vai me mostrar? — ela perguntou.
A testa dele enrugou. Mostrar sua ilha. Agora, por que aquilo
parecia um exercício íntimo? Mas ele sabia o por quê. Ninguém, exceto
Ellis, jamais havia visitado ali. E seu primo não dera a mínima para sua
casa, exceto para arrastá-lo para longe dela.
Então essa mulher... essa estranha... seria a primeira a ver o lugar
que Rook havia amado no ano passado. O lugar para onde ele correu para
conseguir, curar... perdoar a si mesmo o que era imperdoável.
Ele pigarreou para recusar, mas ela deu um pequeno passo na
direção dele. — Por favor?
Ele suspirou. — Eu vou, mas não é muito grande. Você certamente
ficará desapontada com tão pouco para ver.
— É mais para ver que tem no quarto, — disse ela com uma risada
curta.
Ele soltou o ar lentamente. — Venha, então.
Ele se afastou dela, sem esperar que ela o seguisse, apesar de ouvi-la
fazer isso. Eles saíram da cabana no dia frio e cinzento e ele aspirou o ar
fresco em uma respiração profunda e calmante. Bem, deveria ter sido
calmante, exceto que, quando Anne se aproximou dele, sentiu algo menos.
— Parece que vai chover novamente.
Ele lançou-lhe um olhar lateral. — Aqui é a Escócia. Há uma razão
pela qual a palavra favorita deles é dreich.
Ela balançou a cabeça. — Eu não estou familiarizada. O que isso
significa?
Ele andou no caminho que levava através da floresta em direção ao
cais onde eles haviam chegado à ilha dias antes. — Cinzento, frio, molhado,
nebuloso. Uma combinação das quatro palavras eu acho.
— Então hoje não está muito ruim, — disse ela, olhando em volta.
— Não há neblina.
— Provavelmente haverá, — disse ele quando chegaram ao cais. —
Há outra tempestade chegando.
Ela olhou para a praia rochosa e a enseada além dela com um
suspiro. — É lindo.
— Eu não acho que você pensou assim há alguns dias, — ele disse
com um pequeno sorriso.
— Eu estava exausta demais para pensar em algo há alguns dias, —
ela admitiu. — Mas é adorável, apesar de ser quase horrível.
Ele se forçou a não rir da piada dela, apesar de sentir a boca se
contorcer. Ele não estava gostando dela. Ele não precisava sentir nada por
ela, exceto, talvez, aborrecimento por ela estar ali no espaço dele. Ele
precisava se apegar a isso.
Ela olhou em silêncio à Inglaterra, muito longe para ver e soltou um
pequeno suspiro. — O mau tempo nos últimos dias atrasou o retorno de
Ellis?
Ele prendeu a respiração por um momento, com a esperança daquela
voz. Ao que parecia ela estava determinada a manter a fé em seu primo.
Rook acreditava que ela o amava, mesmo que ele não retornasse o
sentimento.
Ele ignorou o quão irritado aquele fato o deixou e deu de ombros.
— Pode ser, — ele resmungou.
Ela olhou para ele depois de um momento e sorriu. — Isto é o
máximo que você falou comigo desde que nos conhecemos.
Ele não pôde deixar de sorrir de volta. — Você está se escondendo
desde quase o primeiro momento em que nos conhecemos, não?
Ela deu de ombros e se afastou do cais, olhando de novo para a
extensão verde e arborizada da pequena ilha. — É tudo praia rochosa como
esta, então? — Ela perguntou.
Ele apontou para a praia e eles começaram a caminhar juntos pela
grama arenosa na beira das rochas. — Não, há uma praia com areia fofa no
litoral.
Ela ficou em silêncio por um momento enquanto caminhavam,
apreciando a beleza ao seu redor. Depois, ela disse: — Eu posso ver por que
você escolheu um lugar como este para viver. É tão calmo e bonito.
Ele assentiu. — Sim. Eu vivi uma vida ocupada em Londres e em
outras cidades a vida toda. E me acostumei com o barulho, não conseguia
ficar em silêncio nem comigo mesmo. Então só podia ser ... Ele parou e
olhou para ela. Ele não tinha a intenção de dizer muito a essa estranha. Essa
mulher que não era dele.
Ela se inclinou um pouco mais perto. — Só podia ser ...?
Ele balançou a cabeça. — Você não quer me ouvir divagar.
— Eu fiz a pergunta, — ela disse suavemente. — Eu queria saber a
resposta.
Ele flexionou as mãos ao lado do corpo, de repente desejando ter
algo com que se ocupar durante aquela conversa desconfortável.
— Só podia ser demais, — ele terminou, tentando não pensar nos
momentos horríveis que o trouxeram a esse lugar. Esse santuário.
Ela assentiu. — Eu posso entender isso. As coisas estavam ficando
demais e você quis fugir. Parece que você encontrou uma maneira de fazê-
lo corretamente. Suponho que só fiz um monte de coisas do jeito errado.
Ele olhou para ela, vendo a expressão dela ficar triste e vazia
enquanto atravessavam os últimos degraus até a praia de areia branca
varrida pelo vento, ao redor da ponta da ilha. Ellis havia sido uma maneira
dela escapar do que quer que fosse demais.
E isso a trouxe até ali. Com ele.
— Oh! Isto é adorável, — disse ela com um sorriso que apagou sua
dor por um momento. Ela recolheu a barra da saia, mostrando os tornozelos
enquanto corria pelo pequeno aterro que separava a parte verde, da areia.
Quando a água veio na direção dela, ela riu e correu de volta para que suas
sapatilhas não molhassem.
Ele olhou fixamente, imóvel enquanto ela dançava ao longo da
areia, com uma graça sem esforço. Seus cabelos frouxamente presos se
espalharam para fora do coque, enquanto eram chicoteados pelo vento e,
por um breve e poderoso momento, ele quis soltar o resto. Enrola-los nos
dedos enquanto o mar os envolvia.
Ele precisava se afastar dela. Isso estava claro. Ele ficou sem uma
mulher por muito tempo se a primeira que conheceu inspirou desejos tão
luxuriosos. Especialmente alguém tão longe de seu pais, que estava
apaixonada por seu próprio primo.
— Você queria ajudar, — ele gritou, reconhecendo a voz dele rouca
de desejo.
Ela se virou e se afastou mais da água enquanto olhava para ele no
penhasco. — Sim.
— Você já procurou mariscos antes? — Ele perguntou.
Ela balançou a cabeça. — Nunca.
Ele suspirou quando desceu para se juntar a ela na praia. — É fácil.
Vê aquelas pequenas bolhas de ar na areia?
Ela apertou os olhos quando olhou para os pés. — Onde?
Ele se inclinou para mais perto, tentando ignorar o aroma suave da
pele dela, o calor que vinha de seu corpo. Ele apontou para a pequena bolha
na areia. — Viu?
Os olhos dela se iluminaram. — Sim. O que é isso?
— Um molusco, — ele explicou. — É um buraco no ar. Se você
cavar... — Ele pontuou a palavra enfiando a mão na areia e puxando alguns
punhados antes de pegar a criatura tubular e jogá-la na areia plana.
— Oh! — ela exclamou, olhando na direção dele maravilhada.
— Você gosta de mariscos? — Ele perguntou. — Eles fazem uma
boa ceia com um caldo de vinho.
Ela assentiu. — Eu gosto. Você gostaria que eu cavasse para
procurar eles como você fez?
— Sim. Se não for muito desagradável para você.
Ela deu uma risada. — Acho que não tenho como argumentar sobre
o comportamento feminino, considerando o que fiz na última semana da
minha vida. E eu preciso lavar algumas das minhas roupas de qualquer
maneira, então acho que é hora de ficar salgada.
A boca dele ficou seca com a menção do sabor dela. — B-bom. Vou
pegar um balde para você e deixá-lo no penhasco. Vamos dar aos mariscos
um pouco de água do mar para mantê-los vivos, para que não estraguem, —
ele explicou.
Ela ficou quieta por um momento e depois assentiu. — Sim. Eu
farei isso.
— E deixarei algumas coisas na cabana para que você possa lavá-los
depois. Você sabe como fazer isso?
— Não, — ela admitiu com um encolher de ombros. — Mas
suponho que possa aprender muitas coisas.
Ela se virou então, concentrando sua atenção nas bolhas na areia.
Ela andou pela praia enquanto enfiava a mão na areia, cavando para
encontrar o molusco que escapava embaixo. Ela gritou com o que era
claramente alegria quando pegou um, e ele se virou. Ela estava jogando o
tubo na areia. Seu rosto estava iluminado com triunfo e ela olhou para o
marisco com um sorriso largo.
Então ela recuou para o penhasco e o surpreendeu levantando a saia.
A garganta dele se fechou quando ela rolou as meias para baixo e as chutou
para longe, junto com as sapatilhas. Amarrou um pouco as saias na
panturrilha e depois voltou para a água, livre para se molhar sem estragar
nada.
Ele se mexeu com a dureza desconfortável em suas calças, se
odiando mais uma vez pelo que ele cobiçava. Então ele se afastou ao som
da risada e gritos de sucesso enquanto ela procurava novamente o jantar.
Ele não devia gostar dela, ele lembrou a si mesmo. Ele certamente
não a queria. Ele só precisava se controlar um pouco e rezar para que Ellis
voltasse logo e a levasse embora.
Capítulo 5

Anne balançou o balde ao lado e assobiou uma música triunfante.


Ela estava molhada e suas unhas estavam desgastadas e sujas pelo trabalho,
mas ela nunca se sentiu mais útil em sua vida. Seu balde estava repleto de
mariscos que ela havia retirado da praia e com mexilhões que encontrou
agarradas à parte inferior de uma pedra na enseada. Ela e Rook teriam um
banquete hoje à noite e ela mal podia esperar para mostrar a ele sua
recompensa.
Ela parou no caminho e franziu a testa por aquele pensamento
errante. Ela não deveria se importar com o que Rook, um homem cujo
nome ela nem sequer sabia, pensasse no que ela conseguiu ou não
conseguiu. Ela estava apenas sendo tola, provavelmente porque estava
cansada.
Aquilo não parecia ser a resposta, mas ela ignorou qualquer
questionamento que se prolongasse no seu coração e continuou a subir um
dos caminhos até à casa de campo. Este era um caminho diferente daquele
que ela tomara da doca alguns dias antes, mas depois soube que a ilha de
Rook estava cheia de caminhos. Todos eles pareciam levar para casa, como
se ele sempre quisesse uma maneira de chegar à casinha no alto da colina.
Ela se virou e olhou a beleza da floresta à sua volta quando a chuva
começou finalmente a cair. Era uma chuva leve, mas constante, e ela
acelerou o seu ritmo para não ficar completamente encharcada antes de
chegar à casa. A chuva escocesa era fria não importava a estação do ano, e
ela não queria congelar enquanto tentava lavar as suas coisas.
Ela viu uma construção ao longe e correu em direção a ela quando o
vento aumentou e agitou seus cabelos, agora molhados. Mas, ao alcançá-la,
percebeu que não era a cabana que ela podia ver além da neblina por
algumas centenas de metros, mas algum tipo de dependência. A porta do
local estava entre-aberta alguns centímetros e ela se aproximou e empurrou
para dentro para ter um momento de descanso da chuva.
Ela prendeu a respiração quando seus olhos se ajustaram à escuridão
interior, pois não havia fogo na pequena lareira e a luz que vinha das janelas
era fraca e cinza. Era um espaço pequeno com uma mesa grande no meio. O
chão e a mesa estavam cobertos de aparas de madeira e poeira. As facas
estavam penduradas com tiras de couro nas paredes e havia dezenas de
peças entalhadas na mesa, nas prateleiras e no chão.
Ela colocou o balde na porta e se aproximou de uma prateleira para
olhar mais de perto. Um pequeno esquilo esculpido chamou sua atenção, a
imagem tão perfeitamente esculpida que ela poderia acreditar que ele
voltaria à vida com as palavras certas ditas. Outra era uma rosa,
delicadamente detalhada com um pouco de orvalho nas pétalas de madeira.
Cada peça era mais bonita que a seguinte. Ela ficou chocada com aquilo.
Elas não poderiam ter sido esculpidas por Rook. Aquele homem
enorme que grunhia mais do que falava? Pelo menos normalmente. Ele
poderia ser tão delicado com as mãos a ponto de criar essas peças mágicas?
Devia ser ele quem fizera aquilo. Não havia mais ninguém na ilha.
Ela balançou a cabeça com aquela revelação.
Houve um som na porta e ela se virou surpresa. Encontrou o homem
em pé, olhando para ela. A luz atrás dele emoldurava-o principalmente na
sombra, mas ela viu uma pitada de carranca no rosto bonito dele, uma
mudança na postura dele que lhe disse o quão desconfortável ele estava por
ela ter se metido na arte dele.
Ele não disse nada, mesmo quando ela se aproximou dele. Ela abriu
a boca para falar, mas a luz pegou o rosto dele naquele momento e sua
respiração foi roubada. A expressão dele não era de raiva ou vergonha,
como ela pensara. Era algo diferente.
Havia uma possessividade na expressão dele quando a encarou, os
olhos presos. Algo íntimo e quente que fez suas pernas apertarem uma
contra a outra e suas mãos tremerem ao lado do corpo. Ela conhecia aquele
sentimento. Às vezes, sentia aquilo à noite em sua cama, quando as mãos
deslizavam entre as pernas. Ela sentiu aquilo quando ela e sua irmã Juliana
encontraram um livro escondido no escritório do pai em Londres, que
continha fotos de homens e mulheres fazendo coisas chocantes juntos.
Agora ela sentia aquilo enquanto estava congelada no espaço
particular de Rook Maitland. Ela engoliu em seco.
— Eu... — ela começou com uma respiração instável.
Ele virou o rosto e se inclinou para pegar o balde que ela deixara na
porta. Ele ficou em silêncio enquanto se afastava, deixando-a sozinha,
olhando para ele. Ela observou pela janela enquanto ele caminhava em
direção à casa em um passo rápido. Ele nunca olhou para trás.
Ela cambaleou para longe, apoiando as duas mãos na mesa de
trabalho dele enquanto seu coração disparava e ela soltou a respiração que
estava segurando desde o momento em que o viu em pé na porta.
O que havia de errado com ela? Que tipo de pessoa era? Alguns
meses antes, ela havia se resignado a se casar com o conde de Harcourt,
sem amor como aquela união teria sido. Um mês antes, ela havia dito a si
mesma que estava começando a ter sentimentos por Ellis Maitland. Ela
jogou fora tudo para estar com ele.
E agora ela estava, sozinha, em uma ilha deserta com Rook e sentia
uma poderosa sensação de desejo em todas as partes de seu corpo quando
ele olhava para ela.
O que ela estava fazendo?
Ela sabia como as pessoas a chamariam se visse o que estava em seu
coração. Um desejo. Uma mulher ninfomaníaca que estava tão louca de
desejo que cobiçava qualquer homem que cruzasse seu caminho. Nos
romances, ela era escrita como a vilã, uma mulher que se apegava aos
homens, não se importando com as conseqüências para ninguém ao seu
redor.
Ela esfregou os olhos enquanto tentava encontrar outra resposta.
Durante toda a sua vida, ela sabia que era vista como a selvagem das
trigêmeas Shelley, o nome coletivo pelo qual ela e suas irmãs eram
chamadas pelas costas, junto com as piores. Ela supôs que também poderia
ser chamada de a trigêmea — ruim. O pai dela às vezes dizia aquilo.
Ela nunca acreditou que isso fosse verdade. Mesmo agora, quando
ela podia ver como seus pensamentos estavam errados, ela não podia aceitar
que ela era uma vilã. Mas, novamente, a maioria dos vilões nunca
acreditara.
— Todo mundo é o herói de sua própria história, — ela pensou.
Ela ponderou os pensamentos perturbadores por um tempo, sentindo
o desconforto que eles lhe deram. Por fim, o emaranhado se dissipou. Não
era que ela fosse ruim, ela decidiu enquanto alisava as saias e respirava
fundo algumas vezes. Só que ela estava questionando tudo. Como ela não
conseguiu quando foi abandonada pelo homem por quem ela havia
sacrificado tanto? Aquilo a deixou incerta e, é claro, ela se apegou a
qualquer coisa sólida.
Rook foi definitivamente isso.
Ela afastou o pensamento e saiu da oficina, fechando a porta
firmemente atrás dela enquanto se dirigia à casa. Dessa vez, ela mal notou a
chuva fria enquanto subia a encosta até a cabana.
Amanhã Ellis viria. Ele precisava. E uma vez que ele estivesse lá,
ela não teria mais aquelas perguntas. Uma vez que ele estivesse lá, seu
caminho ficaria claro novamente e ela nunca mais pensaria em Rook
Maitland.

*****

Rook estava olhando fixamente para o teto, a luz da lua filtrada


lançando uma lasca de luz no chão ao lado do sofá, e apontava para o fogo
que estava morrendo. Já era tarde, depois da meia-noite, mas ele não
conseguia dormir. Havia sido um dia muito difícil.
Ele e Anne não haviam compartilhado a ceia com os mariscos e
mexilhões. Ela se trancou no quarto dele para lavar suas roupas e levou um
prato de comida com ela porque ela disse que precisaria se secar perto da
lareira.
O que só o deixou pensando nela nua na cama dele.
Ele se remexeu no sofá enquanto seu pênis duro gritava de sensação.
Maldito seja esse pensamento. Droga, aquela necessidade por uma mulher
que ele não poderia ter. Não deveria ter. Nunca teria.
E, no entanto, ele tinha aqueles pensamentos. Pensamentos sobre
como as pupilas dela se dilataram com o desejo de falar quando ele a
encontrou em sua oficina. O jeito que a respiração dela ficou presa. A
maneira como os mamilos dela ficaram duros, delineados sob o vestido
úmido que se agarrava às suas curvas.
E agora ela estava a cinco passos, através de uma porta fina da qual
ele poderia arrancar as dobradiças, se quisesse, e era impossível negar a
fantasia. Fantasia do que teria acontecido se ele tivesse entrado na oficina
como ele queria, em vez de se afastar em silêncio. E se ele tivesse fechado a
porta atrás de si? E se ele a tivesse beijado?
Como ela reagiria se ele reivindicasse seus lábios? Como seria
moldar o corpo dela ao dele? Ela teria resistido se ele a levantasse na borda
da mesa de trabalho, abrisse as pernas e a provasse lá também?
Ele deixou a mão deslizar por baixo do cobertor e encontrou seu pau
nu, lá. Já duro como uma rocha graças aos pensamentos perversos, ele se
esforçou. Uma vez, duas. O prazer percorreu seu corpo. Um prazer que ele
não podia negar. Se ele se permitisse, talvez a tensão diminuísse um pouco.
Talvez ele pudesse se controlar um pouquinho.
Ele tirou a mão e cuspiu para fazer lubrificação antes de voltar a se
acariciar novamente, desta vez mais fácil, mais rápido quando ele se
imaginou arrancando aquele vestido úmido e frágil dos ombros de Anne.
De segurar aquela bunda nua quando ele se chocasse contra ela e depois
mergulhasse profundamente dentro dela enquanto ela afundava as unhas
nos ombros dele e o montava.
Ele quase podia sentir o aperto quente e úmido do corpo ao seu
redor, ouvir seus gemidos suaves de prazer. Ele acariciou cada vez mais
rápido, desejando profundamente que ela estivesse ali, que as ondulações
do orgasmo dela o estivessem ordenhando, em vez do golpe de seus
próprios dedos.
Ele ficou tenso quando o prazer percorreu seu corpo, uma sensação
tão tensa e concentrada que beirava a dor. Suas bolas apertaram e gozou
com um grunhido suave. Ele descansou no travesseiro fino e olhou para o
teto enquanto ofegava com alívio e prazer... e um pouquinho de culpa que
tivesse imaginado fazer coisas tão lascivas com uma mulher que alegava
querer se casar com o primo dele.
Ao se mover para passar um braço por cima dos olhos, apanhou um
flash de movimento com o canto do olho. Ele olhou para trás e viu a porta
de Anne se fechar suavemente. Os olhos dele se arregalaram. Será que viu
empurrando seu pau?
— Foda-se, — ele murmurou, mesmo quando o pau ficou um pouco
duro novamente em resposta à ideia.
Parecia que quanto mais Anne Shelley estava em sua vida, mais ele
se envolvia em problemas. E tudo o que ele podia fazer agora era esperar
que Ellis voltasse antes que ele fizesse algo que nenhum deles pudesse
recuperar. Algo que mudaria tudo para sempre.
*****

Rook sentiu uma forte sensação de circunstâncias se repetindo


quando entrou no chalé no dia seguinte para a refeição do meio-dia. Era
como se eles tivessem voltado no tempo para os primeiros dias em que
Anne estivera lá. Ela não estava em lugar algum. Ela não havia se juntado a
ele no café da manhã, então ele deixou uma bandeja ao lado da porta. Ela
também não estava ali para almoçar.
E ele não pode deixar de pensar, mais uma vez, se ela o viu se
divertir na noite passada. Uma mulher assim? Adequada, protegida? Se ela
o viu, deveria odiá-lo e ter pavor das intenções dele, novamente. Ela estaria
duplamente apavorada se soubesse os pensamentos acalorados dele sobre
ela.
Ele suspirou e colocou as luvas de lado na mesa, ao lado da porta.
Estava trabalhando para limpar um pedaço de raízes de árvores pesadas
naquela manhã, tentando abrir caminho para uma doca maior. Se ele tivesse
dinheiro para construí-la. Ele deveria ter cuidado agora, pois estava
gastando os fundos que havia economizado e não tinha planos de trazer
mais, embora fossem ganhos ilícitos.
Ele suspirou e estava prestes a entrar na cozinha para encontrar
comida quando ouviu um som em seu quarto. Batendo. Batendo alto. E o
som ocasional de uma voz musical. Como se Anne estivesse murmurando
para si mesma. Ou conversando com outra pessoa.
Deus, era possível que Ellis tivesse retornado sem parar para
encontrar Rook? Que ele viera aqui e agora ele e Anne estavam ...
Ele afastou o pensamento, com ciúmes de calor que foi com ele. Ele
teria visto Ellis se ele tivesse vindo para a ilha. Havia apenas um caminho
do mar que ele poderia ter tomado.
A batida veio novamente e desta vez foi acompanhada por um
suspiro alto de: — Ai!
Ele foi até a porta em alguns passos e bateu.
Não houve resposta, apenas mais as batidas e murmúrios, que ele
agora podia ouvir mais claramente através da porta, embora as
especificidades do que ela estava dizendo fossem menos claras.
Ele escutou novamente. — Shelley? — Ele chamou. Não houve
cessação da batida, e por isso bateu um pouco mais. — Anne!
Ela parou de fazer o que estava fazendo e houve uma longa pausa.
Então ele ouviu passos suaves e ela abriu a porta. As bochechas dela
estavam rosadas, ele não tinha certeza se isso era por esforço ou vergonha.
Talvez os dois, se o jeito que ela não encontrava os olhos dele fosse alguma
indicação.
— Oh! É você, — disse ela.
Ele arqueou uma sobrancelha. — Quem mais seria?
Ela se virou com um bufo e ele empurrou a porta para olhar mais
para dentro do quarto. A pequena valise estava na cama e as roupas estavam
espalhadas em pilhas, algumas na bolsa, outras fora.
— O que você está fazendo? — Ele perguntou, tentando não olhar
para a camisa rosa de seda fina pendurada em uma cadeira perto da lareira
para secar. Tentando não imaginá-la no corpo de Anne. Ou no chão depois
que ele a removesse.
— Embalando, — ela retrucou sem olhar para ele, como se aquilo
fosse óbvio pelo estado do quarto. — Eu estou fazendo as malas.
— Entendo, — ele disse. — Você já teve alguma indicação de que
Ellis voltará hoje?
Ela congelou no que estava fazendo e olhou para ele por cima do
ombro. O olhar verde continha desespero. Ele sabia muito bem para não
reconhecê-lo.
— Ele deve vir, não deve? — Ela disse, sem perguntar, apesar da
pergunta. — Ele virá. Faz quase seis dias. Eu devo ir hoje.
Ele inclinou a cabeça e olhou para o chão sob as botas. Ele estava
esperando a mesma coisa, o retorno de seu primo, mas sabendo mais sobre
a realidade da situação, do que Anne sabia. A realidade de Ellis Maitland, a
vida dele e o caráter.
Ainda assim, Rook esperava por ele. Quase desde o primeiro
momento em que ele a conheceu. Mas agora ele precisava resolver aquilo.
— Anne, — ele começou.
Ela estremeceu, talvez pelo tom dele, talvez pelo uso indevido de
seu nome, talvez pelos dois. Ela se virou para encará-lo, completamente, e
levantou uma mão para silenciá-lo. Como se aquilo mudasse as coisas. —
Não, — ela interrompeu.
Ele deu um longo passo mais perto, muito perto na pequena cama.
— Anne, — ele repetiu.
Ela balançou a cabeça. — Não. Não.
Ele ficou calado então, mas se recusou a se afastar. Ele ficou lá, a
um passo dela, e segurou o olhar para mostrar o que ela não permitiria que
ele dissesse. Eles mantiveram o olhar como na oficina do dia anterior, mas
desta vez não houve calor entre eles. Pelo menos, o calor não era a troca
proeminente naquele momento.
Eles se entreolharam e os ombros dela rolaram à frente com a
verdade que ela parecia ver.
— Ele... — ela começou, sua voz tão suave que quase não era
ouvida na sala silenciosa. Ela engoliu em seco e apertou as mãos diante
dela. — Ele não vai voltar, não é?
— Não, — Rook disse suavemente, com firmeza, mas ele esperava
que com gentileza. — Provavelmente não.
Ele esperou então pelo uivo da dor, pela possibilidade de que ela
desmaiasse com grande drama ou explodisse em histeria. Mas ela não fez
nada daquilo. Ela ficou lá, imóvel pelo que pareceu uma vida inteira. Então
ela se virou e pegou a coisa mais próxima dela, um pequeno relógio no
canto da mesa, e jogou-o com todas as suas forças, quebrando-o contra a
parede dos fundos do quarto.
Capítulo 6

No momento em que Anne soltou o relógio para seu voo final contra
a parede, ela se arrependeu. Não era o relógio dela, e quando ele quebrou,
ela percebeu que o homem que o possuía poderia facilmente ficar furioso,
porque ela desconsiderou os bens pessoais dele de maneira tão rude. Mas,
oh! o som que o relógio fez quando bateu contra a parede.
Foi apenas a menor liberação de tensão, raiva, desgosto e
humilhação. E ela queria limpar o quarto de tudo, esmagando tudo enquanto
gritava o emaranhado de sentimentos que residiam em seu peito.
Em vez disso, ela se virou e olhou para Rook. Se ela esperava raiva
como resposta, ficou surpresa. Ele estava sorrindo. Ela nunca o viu mostrar
nada, exceto a mínima sugestão de ouví-la e prender a respiração. Ele era...
lindo. Não tão óbvio e vistoso quanto o primo, com os dentes perfeitamente
retos e a covinha, mas o sorriso de Rook era melhor. Era um pouco torto,
mas era claro, e fez o rosto dele brilhar e parecer anos mais jovem.
— Sinto muito, — ela gaguejou, tentando encontrar palavras e
respirar novamente.
Ele levantou a cabeça. — Foi um bom show, eu acho. Embora eu
não tenha a coragem de pagar muito mais.
Ela balançou a cabeça com aquela explosão e correu em direção aos
cacos de vidro e madeira quebrada no canto do quarto, mas antes que ela
pudesse alcançá-los, ele segurou seu pulso.
Ela respirou fundo. Ele não a tocou desde a primeira noite em que
chegaram, quando a ajudou a sair do barco. Agora, aqueles dedos fortes e
bronzeados prenderam a carne dela e seu coração disparou. Ela não pode
deixar de imaginar aquelas mãos em outro lugar.
Como escorregar debaixo do cobertor como na noite anterior.
Quando ele se tocou enquanto ela observava secretamente do quarto atrás
dele, seus dedos se apertando e o calor úmido se acumulando entre eles.
Quantas vezes ela se tocou desde então, enterrando a cabeça no travesseiro
para que ele não a ouvisse?
Ele recuou instantaneamente, seu sorriso brilhante desaparecendo
uma fração quando o olhar escuro ficou tempestuoso. — Vamos lá, eu tenho
uma ideia melhor.
Ele se afastou e ela o seguiu em confusão nebulosa. Foi até a porta,
onde parou e jogou o sobretudo sobre os ombros. Por fim, ele olhou para
ela.
— Você tem algum tipo de capa nessa valise que você meio
empacotou?
— Só aquela que eu usei na primeira noite, — disse ela. — Não será
muito útil contra a chuva.
— Não, — ele concordou. Ele apontou para ela ficar onde estava e
entrou no quarto que ela estava ocupando. Ela o ouviu passar pelo guarda
roupa e ele voltou com um casaco de lã na mão. Um que parecia ter sido
feito para se encaixar perfeitamente nela.
— É um pouco pequeno, para você, de qualquer maneira, — disse
ela, inclinando a cabeça para ele enquanto tentava ignorar o lampejo de
ciúmes com a ideia de quem poderia ter sido dono daquele casaco
originalmente.
Ele sorriu, um eco do largo sorriso mais uma vez iniciou e o
estômago dela apertou por sua própria vontade. — Costumava ser maior, —
ele admitiu. — Quando fui deixado por conta própria, não sabia que não se
podia lavar a lã da mesma maneira que faz com as outras coisas.
— Não pode? — ela repetiu. — Suponho que nunca pensei nisso.
— Por que você faria? — Ele perguntou e depois entregou o casaco.
— Mas você deve se encaixar bem. Manterá você quente na chuva de
qualquer maneira. E para sua cabeça...
Ele parou e pegou um chapéu de abas largas do cabide. Ele colocou
na cabeça dela e riu quando caiu sobre os olhos dela bloqueando a visão por
um momento. Ela o sentiu se aproximar na penumbra e então os dedos dele
roçaram a borda para trás, acariciando a testa dela enquanto ele o fazia.
Ela olhou para ele. Eles estavam muito perto agora. Tão perto que
ela esqueceu tudo, menos dele, por um breve e perigoso momento. Então
ela engoliu.
— Você... — você não vai me jogar no mar, vai? — Ela perguntou,
esperando que a piada aliviasse o clima. — Por que descontei a raiva contra
o relógio?
— Eu não farei isso enquanto você estiver usando meu chapéu
favorito, — ele prometeu, e depois entrou na chuva lá fora. — Venha.
Ela o seguiu, empurrando o chapéu para trás enquanto seguiam para
que ela pudesse ver a trilha onde andavam pela ilha. Ele a levou para sua
oficina, sobre a qual ela ainda não havia perguntado, e ela prendeu a
respiração. Mas eles não entraram. Ele a levou além do lugar, para um
pequeno círculo de árvores. Uma delas tinha um alvo pintado, gasto e cheio
de buracos.
— Tiro ao alvo? — Ela perguntou.
Ele zombou. — Tiro ao alvo é para crianças. Melhor que isso. Eu já
volto.
Ela observou quando ele entrou na oficina e voltou um momento
depois com um retângulo de couro dobrado nas mãos. Quando a alcançou,
abriu e revelou um conjunto de seis facas, brilhando, mesmo na luz chuvosa
e filtrada. As lâminas não eram como uma faca de comer ou cortar, mas
apontavam para uma borda afiada com lados perfeitamente simétricos. As
alças eram de marfim, complexamente esculpidas com os rostos dos
homens ou os corpos nus sensuais das mulheres.
Ela corou e olhou para ele. — Facas? — Ela perguntou. — O que
devo fazer com elas? Esfaquear minha raiva?
— Algo assim. — Ele colocou o suporte de couro nas mãos dela e
depois puxou uma das facas. O cabo tinha um rosto sorridente, longo e
afilado e uma combinação de tolo e sinistro.
Sem falar, ele se virou e sacudiu o pulso, soltando a faca que
circulava pelo ar, onde se prendeu no meio do alvo com um pedaço
satisfatório de cascas ao seu redor.
Seus lábios se separaram e ela olhou para o alvo com admiração. —
Eu... — como você fez isso?
— Anos de prática, querida, como qualquer coisa que você queira
fazer direito.
Ela baixou a cabeça ao tom repentino de flerte da voz dele. Aquela
qualificação grosseira, o jeito que ele a chamou de querida, afundou em sua
pele e a fez se odiar ainda mais. Fez com que ela odiasse qualquer coisa
dentro dela que a fizesse se sentir daquele jeito perverso.
E também a fez querer mais daquilo. Mais do formigamento que
trabalhou em seu corpo. Mais daquela tontura que fez suas mãos tremerem.
Ele limpou a garganta e sua voz estava normal novamente quando
ele disse: — É a melhor maneira de escapar de fazer alguma agressão, pelo
menos para mim. Você joga agora.
Ela olhou para ele, apagando os outros sentimentos em um instante.
— Jogar as facas? Não posso. Não é... não é coisa para uma dama fazer.
A testa dele enrugou. — E arremessar relógios inocentes pelo quarto
é?
Ela apertou os lábios. — O relógio não era tão inocente.
Ele abriu um sorriso com a piada dela. — Então o relógio era um
pouco culpado. Se você diz que é verdade, então eu aceito isso. Mas você
não está em um salão de baile, Anne. Você está na minha ilha, sozinha
comigo. Eu não dou a mínima para o que pensam que uma dama deve fazer.
— Eu não vou ser boa nisso, — ela ficou tentada, olhando às facas
com um desejo que ela não entendeu. — E são peças bonitas. Eu não
gostaria de arruiná-las.
Ele deu de ombros. — É por isso que eu trouxe as mais simples para
você querida.
Ele enfiou a mão dentro do bolso do casaco e puxou um retângulo
de tecido frágil do mesmo tamanho que o de couro que ela ainda segurava.
As facas dentro dele certamente não eram tão boas. E, a julgar pelos
entalhes ao longo dos cabos e arranhões nas lâminas, elas foram muito
utilizadas.
— Tente, — ele insistiu. — A menos que você tenha medo.
Ela endireitou a espinha diante da provocação dele, odiando que ele
provavelmente tivesse feito aquilo para forçá-la e ela fracassasse. — Tudo
bem, — ela resmungou. — Mas eu não posso fazer enquanto estou
segurando.
Ele abaixou a cabeça e pegou o conjunto mais refinado. Encontrou
um toco e colocou o conjunto mais simples, as lâminas ficaram salpicadas
de gotas de água da chuva.
— Apenas olhe para elas um momento. Não jogue nada ainda.
Ela assentiu e o observou mais do que as lâminas, quando ele foi até
a árvore e puxou a faca do tronco em um movimento suave. Ele a limpou
no casaco, depois embrulhou as lâminas esculpidas no couro e as colocou
no bolso interno.
— Como você faz isso? — Ela perguntou.
Ele tirou duas facas do coldre e entregou uma enquanto se
aproximava para o lado dela. Ela estava muito consciente do tamanho dele,
do calor dele enquanto ele posicionava a faca na mão dela. Seu longo dedo
indicador repousava na parte superior do cabo até quase onde a lâmina de
metal começava.
— Mantenha um aperto solto enquanto ainda a segura, — disse ele,
observando enquanto ela curvava os dedos de maneira semelhante. —
Então você gira e solta por aqui.
Ele sacudiu o pulso como na primeira vez, e a faca voou de sua mão
atacando o alvo novamente.
Ela assentiu, embora estivesse mais hipnotizada pelo movimento da
faca do que pela posição que ele estava tentando mostrar a ela. Ainda assim,
ela sacudiu o pulso em algum tipo de imitação do que ele havia feito e a
faca voou e ricocheteou na árvore para pousar no chão diante dela.
Ela balançou a cabeça. — Eu disse que seria um lixo nisso.
— É a primeira vez que você joga uma faca, eu aposto, — disse ele
com um encolher de ombros. — O fato de você bater na árvore já é uma
conquista em si. Aqui, deixe-me ajudá-la.
Pegou outra lâmina e lhe entregou, depois deslizou para trás dela.
Os dedos dele se fecharam no quadril dela e sua respiração ficou presa à
pressão de cada digital contra seu corpo. Por mais que tentasse dizer a si
mesma que ele não era diferente de um homem que a segurava assim,
enquanto dançavam, parecia diferente.
— Mude seu peso para frente com esse pé, — disse ele, a voz dele
perto do ouvido dela.
Ela engoliu em seco e tentou se concentrar nas palavras e não na
presença dele, quando ela fez como ele pediu. A mão dele deslizou
levemente para cima e ele a pressionou contra seu corpo suavemente.
— E agora gire um pouco para que você esteja em uma posição
mais inclinada. Assim. — Ele assentiu e sua mão saiu do lado dela,
deixando-a aliviada e desolada. Porém ele mudou-a para os dedos dela. Ela
não usava luvas, nem ele, e ela olhou para a grande mão dele envolvendo a
sua. — Mova seu dedo, afrouxe o aperto apenas um toque.
Finalmente ele se afastou e foi para o lado, para que ele não
estivesse mais diretamente atrás dela. — Quando estiver pronta, respire
fundo e jogue novamente.
Ela mordeu a língua. Respirar fundo? Ela não conseguia nem
encontrar uma brisa graças a esse homem frustrante, interessante e
misterioso. Mas ela fez o seu melhor, focou no alvo e jogou uma segunda
vez.
A faca bateu no tronco novamente, mas ricocheteou uma segunda
vez. Dessa vez, porém, fez um som diferente, e ele soltou um grito. —
Excelente! Esta quase ficou presa. Vamos ajustar um pouco mais.
Ela prendeu a respiração quando ele a incentivou a dar meio passo e
fez alguns movimentos ao redor de seu corpo para colocá-la em uma
posição melhor. Toda vez que ele a tocava, ela podia sentir cada terminação
nervosa de seu corpo. E parecia não acontecer nada com ele. Ele nem
pareceu notar que o ar estava pesado e ela não conseguia falar.
Ela estava condenada a querer homens que não a quisessem de
volta? O que havia de errado com ela?
— Anne?
Ela afastou os pensamentos e soltou a faca novamente. Desta vez,
ela parou, só por um momento, e depois caiu para baixo.
— Bom! — Ele disse. — Aqui está outra. Desta vez, jogue com
mais força. Jogue com raiva. Jogue como se você jogasse o relógio.
Ela olhou para ele. — Rook.
— Se você vai me dizer que não é da mesma maneira que se
enfurecer contra aquela árvore, eu juro que vou gritar, — ele resmungou. —
Pense no meu primo, pelo amor de Deus. Pense no que fez você fugir com
ele. Pense no que não é justo neste mundo que faz você ficar acordada,
olhando para o teto. Sinta a maldita raiva, Anne. Sinta e depois solte na
lâmina da faca.
Os lábios dela se separaram ao ouvir aquela ordem
surpreendentemente apaixonada. E pela maneira como seu estômago se
contraiu em resposta. Então ela sacudiu a faca com um grito gutural que
veio de sua alma.
Ela partiu à madeira e ficou lá. Dez centímetros abaixo do alvo, mas
ficou presa.
Ela gritou da mesma maneira que quando encontrou seu primeiro
molusco e ele se juntou a ela. Ela pulou para cima e para baixo antes de se
lançar para ele sem pensar. Ele a pegou, girando-a em círculo enquanto a
segurava firme contra seu peito. Ela apertou os punhos contra as costas
dele, virando a bochecha contra o ombro dele.
Ele a colocou no chão, mas não a libertou de seu abraço. Quando ela
se atreveu a olhá-lo, encontrou-o olhando para ela, as pupilas dilatadas e o
olhar atento nos lábios dela. Ela limpou a garganta e se afastou.
— Bom show, Anne, — ele murmurou, a voz rouca. Ele deu as
costas para ela e foi recolher todas as facas. — Muito bem feito.
Ela alisou a saia com as duas mãos, tentando forçar o batimento
cardíaco de volta ao normal. Era quase impossível fazê-lo quando ela ainda
podia sentir aqueles braços notavelmente fortes ao seu redor.
Ele entregou uma faca, sentou-se no toco e colocou o resto no colo.
Ela se posicionou como ele lhe mostrou e jogou novamente. A faca ficou
presa, mais alta que o alvo desta vez, mas ela ainda sentia a emoção de
realização que era diferente de qualquer outra que ela já havia
experimentado.
Ele ficou quieto enquanto entregava outra faca e a deixava jogar de
novo. Ela não grudou, e ela grunhiu sua decepção ao se ajeitar um pouco e
tirar uma terceira faca dele.
— Então, — ele disse enquanto ela se preparava para jogar
novamente. — Você quer me dizer o que aconteceu?
Ela congelou, sua mão inclinada para trás. Ela sabia o que ele estava
perguntando, mas deu de ombros. — Eu não lancei na hora certa.
Ela jogou e errou novamente, distraída com as perguntas dele. Ele a
deixou pegar outra faca, seu olhar sombrio seguindo-a enquanto ela o fazia.
Ele não pressionou até que ela jogou novamente e desta vez a faca grudou
nas bordas externas do alvo.
— Bom tiro, — ele incentivou. — Mas você sabe que eu não estava
perguntando sobre as facas.
Ela suspirou enquanto pegava outra faca e evitava o olhar dele. Ela
se posicionou com cuidado. — Você quer dizer o que aconteceu entre mim
e Ellis?
Ela jogou e bateu ao lado da outra faca no círculo externo do alvo.
Ela sacudiu o braço, flexionando os dedos antes de se virar. Ele estava
segurando a última faca do conjunto para ela, pela lâmina, seu olhar escuro
focado no dela. Ela pegou o cabo com cuidado e só então ele assentiu.
— Se você quiser me falar sobre isso.
Ela se virou para longe, o calor inundando suas bochechas. Será que
ela queria contar para ele? Havia uma parte dela que não. Não queria
revelar que tola ela havia sido. Não queria dizer em voz alta, especialmente
para esse homem, o que ela havia feito, permitido e falhado como uma tola.
E ainda havia uma parte dela que precisava desesperadamente
confiar em alguém. Desde que conheceu Ellis, ela manteve tudo perto de
seu peito. Ela não havia dito às irmãs sobre seus sentimentos, sobre seus
planos. Ela não tinha dito à criada. Ela trancara tudo e agora tudo fervia
dentro dela, pronto para explodir com a pressão que o silêncio criara.
Ela limpou a garganta e tentou alinhar seu tiro para atingir os
círculos mais internos do alvo. Se ela começasse a conversar, sabia o que
aconteceria. Ela derramaria tudo para esse homem. Esse estranho que não
se sentia mais do que um. Aquela confusão personificou que ele a tornava
muito mais consciente de suas aparentes fraquezas quando se tratava de seu
coração e seu corpo.
Mas então, talvez fosse o que deveria ser. Ela jogou a faca e
observou-a atingir a árvore. Então ela se virou para olhá-lo quando ele se
levantou do tronco em um desdobramento suave de músculos.
— Eu deveria me casar com outra pessoa, — disse ela. — Foi assim
que tudo começou.
Capítulo 7

Rook tentou esconder a reação do rosto quando passou por Anne e


juntou as facas. Ele certamente não queria que ela visse o que aquelas
palavras geravam nele. O ciúme que ele nunca deveria ter sentido agora era
multiplicado por dois. Ciúme de Ellis. Ciúme daquele homem sem nome
que havia sido o destino dela.
Ele respirou quando pegou as facas no chão e puxou os três que
estavam presas na árvore. Ela era natural. Observá-la atuar tornou a
necessidade que crescia nele ainda mais poderosa. Mas ele deixou aquilo de
lado quando se voltou para ela para entregar uma faca. O rosto dela estava
abatido, ela se recusava a olhar para ele e ele odiava isso. Ele precisava agir
naturalmente para que ela fizesse o mesmo.
— Ajuste seu peso um pouco mais no pé esquerdo. Solte quando sua
mão estiver começando a descer. É como se você estivesse desistindo, sem
se esforçar muito, — ele disse.
Ela assentiu e se colocou de volta na posição. Enquanto ela alinhava
sua jogada, ele respirou fundo e perguntou: — Quem era ele? O homem
com quem você deveria se casar?
Ela soltou a faca e ela ricocheteou na árvore com um toque de metal
na madeira. Ela soltou um suspiro de frustração e permaneceu de costas
para ele. — Apenas um conde como uma dúzia de outros condes. Meu pai
queria a conexão. É tudo com o que ele se importa, promovendo-se através
de nós. Eu e minhas irmãs.
Rook assentiu. Então ela tinha irmãs. — Quantas?
— Irmãs? — Ela perguntou, voltando-se. Agora ela tinha um leve
sorriso no rosto. — Duas. Nós somos... somos um pouco de anomalia,
suponho. Nós somos trigêmeas.
Rook ergueu as duas sobrancelhas. Aquilo era uma raridade — a
maioria dos nascimentos múltiplos não resultou em finais felizes para a mãe
ou para os filhos. — Verdade?
Ela assentiu. — O esforço quase matou nossa mãe. — Ela fez uma
careta. — E depois, quando meu pai insistiu que ela tentasse novamente por
um filho. Maldito seja. Ela não sobreviveu à gravidez e nem o bebê.
Rook baixou a cabeça, pensando em sua própria mãe, perdida por
uma doença que a tomara quando ele estava com apenas seis anos. Um
momento que mudou sua vida para sempre. Um momento que o colocou no
caminho de seu primo, que já estava vivendo uma vida selvagem na rua,
com madura idade de dez anos.
— Meu pai queria seu prêmio e o conde precisava do meu dote, —
continuou ela, trazendo Rook de volta das lembranças sombrias que
nublavam sua mente. — Então o casamento foi arranjado. Eu nunca conheci
o homem. Eu não fiquei particularmente impressionada quando o vi.
Rook franziu a testa. Esse era o caminho do mundo, é claro,
especialmente o caminho dos ricos, mas sempre o incomodava que as
mulheres pudessem ser tão facilmente forçadas a situações que não
desejavam. — Você não conseguiu convencer seu pai a reconsiderar?
Ela bufou uma risada bastante desagradável e jogou a faca. Ele
atingiu a mosca do alvo e ficou lá por um breve momento antes de cair. Ela
se virou para encará-lo, olhos arregalados de choque e realização.
Ele ficou em pé e sorriu. — Tiro perfeito, Anne!
Ela levou as mãos às bochechas coradas. — Entendo por que você
faz isso, é para eliminar seus sentimentos ruins. É emocionante. Posso
continuar?
Ele segurou a próxima faca. — Se você quiser. Jogue até que seus
braços estejam cansados, se ajudar.
Ela pegou a faca e sorriu. — Sim.
Ela se virou e ele permaneceu de pé, observando-a, esperando para
ver se ela retornaria à conversa mais desconfortável sobre seu casamento
arranjado e como isso a levou a Ellis. Ela jogou a faca seguinte, acertando o
alvo no segundo toque.
— Você perguntou sobre meu pai, — disse ela, pegando a próxima
lâmina sem encontrar o olhar dele. — Nunca poderia haver uma maneira de
desviá-lo do que ele pensava que o beneficiaria. Minhas irmãs e eu somos
ferramentas para ele, nada mais.
— Então, como Ellis entrou em cena? — Ele perguntou.
A faca seguinte foi arremessada de seus dedos e ela balançou a
cabeça quando ela pousou bem longe da árvore. Ela flexionou os braços e
esticou os dedos, mas não voltou para pegar a próxima lâmina. Ela ficou lá,
olhando para a árvore, mesmo que ele duvidasse que ela visse alguma coisa
agora. A memória parecia dominá-la, desagradável ou agradável.
— Foi um baile para celebrar nossa união na casa do meu futuro
marido, — disse ela em voz baixa. — Saí ao terraço e lá estava Ellis. Como
se ele estivesse me esperando. Ou como se eu estivesse esperando por ele.
Eu pensava que, na época, era algum tipo de destino que nos unira.
Suponho que foi assim que justifiquei para mim mesma. Ele era...
encantador.
Rook apertou os lábios, reprimindo o ciúme novamente. — Ele pode
ser assim.
— Ele era o que eu imaginava que um homem deveria ser.
— Bonitão, — Rook forneceu, pensando no apelido de seu primo e
em como ele aprendeu a usar a aparência a seu favor quando se tratava de
mulheres e reclamações.
Ela encolheu os ombros. — Sim, isso. Mas foi mais, por que me viu,
se isso faz sentido. Ele parecia gostar de mim por mim mesma. Ele ria das
minhas brincadeiras — meu noivo nunca fez isso. E ele me ofereceu essa
ideia de aventura, romance e liberdade que... bem, era tudo muito atraente
para mim. Também parecia a minha única saída de emergência.
Ela pegou outra lâmina e jogou-a, estremecendo quando respingou
da árvore e saltou na grama arenosa a seus pés.
— Eu duvidei, — ela sussurrou. — Duvidei dele nos meus
momentos mais sombrios quando eu estava sozinha. Mas eu ainda achava
que ele era a melhor escolha. A... a única escolha.
Rook hesitou. Ele nunca traira seu primo, nem em todos os anos em
que eles correram juntos. Nem mesmo quando ele foi contra as decisões de
Ellis. Mas agora, olhando para a mulher do outro lado dele, ele queria muito
ajudá-la. Para fazê-la entender que aquilo não era culpa dela.
Ele queria confortá-la. E a verdade era a única maneira de fazer isso.
Ele limpou a garganta. — Você não pode ser responsabilizada. Ele
se fez parecer assim, intencionalmente, eu diria.
Ela olhou para ele confusa e, pensou, um pouco defensiva. —
Intencionalmente? Isso implica que ele possuía um motivo oculto. O que
você acha que era?
— Ele se aproximou de você, não foi? Naquele terraço do qual você
falou. Ele foi até você, provavelmente saido das sombras. Ele foi
misterioso. Ele perguntou sobre você, focado em você.
Os lábios dela se separaram e seus olhos se arregalaram. — Eu....é
como se você estivesse lá.
— Porque eu estava lá muitas vezes, quando ele fez isso antes,
mesmo que não estivesse naquela noite. — Ele andou em direção a ela um
longo passo. — Anne, você deve entender alguma coisa e não digo que isso
não a machuque. Meu primo é um trapaceiro, um mentiroso. O que ele fez
com você... ele já fez isso uma dúzia de vezes ou mais antes. É o ofício
dele.
Ela deu um passo para trás, encarando-o como se não entendesse o
que ele queria dizer e como se entendesse e não quisesse ouvir o sino que
ele tocara em sua cabeça. — Eu não entendo.
Ele assentiu. — Eu sei. Desculpe-me. Ellis cresceu muito ... áspero.
Não fazíamos parte do seu mundo, mas um muito abaixo do seu. Tivemos
que aprender a sobreviver nas ruas por todos os meios necessários. Para
Ellis... para mim ... e aquilo significava crimes.
Ela ofegou e a cor deixou suas bochechas. — Crime?
— Coisas mesquinhas, principalmente. Roubos, furtos. — Ele
balançou a cabeça ao pensar em Ellis ensinando a ele o negócio, dizendo
que suas mãos de seis anos eram menores para que ele pudesse fazer
melhor. — Piorou à medida que envelhecemos. Ellis percebeu na
adolescência que seu belo rosto poderia ajudá-lo mais se ele brincasse de
sedução. Os jogos de amor, como os chamava, pretendiam afastar uma
dama ou a família dela, da bolsa de dinheiro.
Agora, ela passara de pálida para verde e cambaleou ligeiramente.
Ele peguou o cotovelo dela, apoiando-a para que ela não caísse. Ela olhou
para ele, os olhos arregalados e cheios de lágrimas não derramadas. O lábio
inferior tremendo. Ela era tão adorável. E agora ela estava quebrada. Por
causa de Ellis. Por causa dele.
Foi por isso que ele deixou aquela vida. Por isso e muito mais. Por
isso ele estava ali.
Ela inclinou a cabeça. — Eu sou tão idiota, — ela sussurrou.
Ele recuperou o fôlego e deslizou os dedos sob o queixo dela.
Lentamente, ele inclinou o rosto dela para cima e a puxou um pouco mais
para perto, até as saias dela se enroscarem nas botas dele. Até que ele
pudesse sentir a respiração dela agitando seu queixo.
— Anne, — ele disse, sua voz rouca. — Você não é uma tola. Ele é.
As lágrimas sumiram com aquelas palavras, substituídas por algo
mais em seu olhar no que ele não queria se concentrar. Não deveria se
concentrar. Mas não conseguia desviar o olhar. A mão dela levantou e
tremeu quando ela a apoiou no peito dele.
Ela lambeu os lábios e ele estava perdido. A necessidade derramou
através dele, áspera, suja e perigosa como qualquer arma que ele já segurou.
Ele queria que ela se distraísse e sabia que uma vez que ele a tocasse, ele
queimaria até o chão, primeiro com prazer... mas inevitavelmente com dor.
E, no entanto, ele ainda queria beijá-la. Apenas um roçar. Apenas
um momento, ambos poderiam fingir esquecer mais tarde. Ele encontrou a
boca abaixando na direção da dela, sentiu a mudança dela quando ela se
arqueou para encontrá-lo.
Mas, pouco antes de seus lábios se encontrarem, a chuva de neblina
que vinha caindo e ao redor deles a manhã inteira se transformou em algo
mais pesado. Os dois mergulharam em uma folha de frigidez e ele ofegou
quando se afastou, lembrado pela natureza de que aquela mulher não era
dele.
Ela olhou para ele, olhos arregalados, sem piscar, ainda pesados de
desejo e talvez alguma decepção por não terem terminado o que ele
começou.
Ele se afastou para não ousar fazer isso, apesar da chuva.
— Você pode continuar jogando as facas ou sair do frio, — ele
murmurou. — Eu devo... verificar algumas coisas, caso a tempestade piore.
Ele inclinou a cabeça e foi embora sem olhar para trás. Ele não
precisava de um olhar. A imagem dela estava queimada em sua mente agora
e ele temia que aquilo nunca desaparecesse. E lamentasse que ele não
tivesse feito exatamente o que seus piores impulsos exigiam.

*****

Anne agitou o fogo que vinha cuidando nas últimas horas e tentou
não olhar para a porta atrás dela pela décima vez nos últimos trinta minutos.
Olhar para ela desde o pôr do sol não havia trazido Rook do frio. Aquilo
não o faria voltar mais rápido.
Não que ela tivesse certeza de como proceder quando ele voltasse.
Como se administrava um homem que parecia querer beijá-la? Devorá-la?
Então ele apenas se afastou. Como alguém conseguia administrar a única
pessoa nesta terra que sabia o quanto ela havia sido usada e descartada... e
ainda lhe disse que aquela loucura não era culpa dela?
A porta atrás dela rangeu quando se abriu, e ela se virou do fogo
para ver Rook entrar, tirando o chapéu molhado e pendurando-o antes que
ele fizesse o mesmo com o casaco. Ele passou a mão pelo cabelo
bagunçado e lançou um olhar para ela. Ele parecia desinteressado. Como se
o homem que quase a beijou na floresta nunca existisse.
Provavelmente melhor para ela e ela ignorou a picada que o
desrespeito dele causou.
— Você gostaria de algo para comer? — Ela perguntou. — Eu
esquentei o restante do caldo de hoje cedo, e há pão.
As sobrancelhas dele se ergueram no que parecia uma surpresa. Ele
concordou com o oferecimento. — Sim. Deixe-me secar um pouco.
Ele se moveu em direção a ela no fogo e ela saiu, dando-lhe espaço.
Dando para si também, porque não tinha certeza se se lançaria nele ou não,
se ele chegasse muito perto. Rejeição era algo com o qual ela estava
familiarizada ultimamente. Ela não queria mais dele.
Ela limpou a garganta enquanto andava pela pequena sala de estar,
dobrando o cobertor pendurado na parte de trás do sofá. — Eu estive
pensando, — ela começou, desejando que sua voz fosse mais firme.
Ele não respondeu, mas continuou a esfregar as mãos diante do
fogo. Então o grunhido estranho voltou. — Bem, isso provavelmente foi
melhor.
— Eu preciso ir para casa, — continuou ela.
Suas mãos pararam de se mover e ele a encarou lentamente. — Para
a Inglaterra? — Ele perguntou.
Ela assentiu. — Sim.
Ele deu de ombros. — Suponho que seja a melhor consideração já
que determinamos que meu primo não tem verdadeiras intenções em
relação a você.
Ela se encolheu. — Mas eu não posso ir sozinha. Aprendi como sou
inútil vindo para cá, então percebo que nem saberia como fazê-lo com
segurança. É só um dia ou dois, não é? Um período tão pequeno da sua
vida? Por favor, você vai me ajudar?
Os olhos dele se arregalaram e ele a encarou pelo que pareceu uma
eternidade. — Anne... — ele começou finalmente.
Ela correu à frente. — Por favor, eu sei que você já foi arrastado
para isso o suficiente. Sei que não é justo pedir isso quando você nunca me
quis aqui. Mas haverá dinheiro para você se você fizer isso.
Ela hesitou, pois não sabia se isso seria verdade. Seu pai poderia tê-
la cortado por tudo o que sabia, ou no momento em que a visse. Fugir com
um homem era uma ruína, mesmo que Ellis a tivesse tocado ou não. Era
uma consequência que a destruiria como punição por sua imprudência.
Ainda assim, ela nutria esperanças de convencer o pai a pagar por
sua estadia. Apenas para reduzir o escândalo por alguma parte.
Ele balançou a cabeça. — Não é por causa do dinheiro, Anne. Mas
você disse que é apenas um dia ou dois, e isso não é verdade.
Ela franziu a testa. — A viagem de barco pelo mar levou apenas
cinco ou seis horas. E a viagem de volta para a propriedade do conde um
pouco mais. Não pode demorar mais de dois dias para chegar onde eu
preciso ir. Ou mesmo apenas para Beckfoot. Talvez eu possa alcançar meu
pai de lá e você possa voltar para sua vida aqui.
— Ele apertou os lábios. — Não podemos pegar o barco.
Ela piscou. — O quê?
Ele fez um gesto em direção à chuva que açoitava as janelas do lado
de fora. — Está chovendo por dias, às vezes intensamente. A passagem
seria muito mais perigosa agora, algo que nem o barco maior e mais estável
poderia fazer. E mesmo que pudéssemos contatar o capitão e convencê-lo a
enfrentar o tempo, ele não nos aceitaria. Nós o desafiamos quando
chegamos à ilha. Tenho certeza de que ele disse a todos os marítimos, nas
cidades continentais mais próximas para não me darem passagem para
nenhum outro lugar.
Os lábios dela se separaram. — Por que você não pagou a ele
quando ele... — Ela parou quando a resposta à pergunta ficou clara. —
Ellis?
Ele assentiu. — Meu primo mentiu para mim e disse que havia pago
pelos dois caminhos para protegê-la, mas...
— Mas ele nunca se importou que eu estivesse protegida, — ela
terminou com um aceno de cabeça. — E você ficou com todas as piores
consequências disso.
Ele deu de ombros. — Nem todas foram piores, eu juro a você.
Ela olhou para ele. Ele estava tentando confortá-la, ela pensou. Mas
saber que ele não a queria ali não melhorou as coisas. Aquilo apenas a fez
pensar em coisas que ela sabia que não podia ter.
— E o seu barco? — Ela pressionou. — Eu vi no banco de areia.
— É pequeno, — ele disse suavemente. — Só pretendia que ele me
transportasse de um lado para o outro do continente em busca de
suprimentos de vez em quando. Não para fazer uma viagem mais longa
através de um mar selvagem.
Ela passou a mão pelo rosto. — Então, se fizéssemos isso, teríamos
que ir para o continente com seu barco menor. E viajar à Inglaterra por terra
— ela disse suavemente.
— Sim. Seria uma longa viagem, muito tempo juntos na estrada.
Haveria... — Ele virou o rosto e sua voz ficou mais rouca. — Haveria
consequências.
— Como... como o quê?
Ele respirou fundo. — Teríamos que ficar em pousadas à noite. Para
sua segurança, teríamos que fingir ser um casal.
Ela olhou para ele quando o que ele estava sugerindo ficou claro. —
Você quer dizer que deveríamos dividir um quarto.
O olhar dele encontrou o dela, mantido ali, calor e arrependimento
de novo. — Uma vez que fizermos isso, o que resta de sua reputação
desaparecerá.
— Oh! — ela sussurrou, piscando com as lágrimas que encheram
seus olhos. Lágrimas, porque ela sabia que ele estava correto. Somente que
sua reputação se fora desde o momento em que ela entrou no faeton de
Ellis, o que parecia uma vida atrás. E ficar sozinha com Rook não parecia a
pior coisa, apesar de ser uma tentação terrível que ela não deveria querer
muito enfrentar.
Ele a observou de perto, como se estivesse tentando ler seus
pensamentos. Por fim, ele cruzou os braços. — Eu não perseguiria você,
Anne. Espero ter provado durante a última semana que você não está em
perigo comigo. — Ele balançou a cabeça. — Eu só preciso que você
entenda o que enfrentaria se seguirmos em direção à sua família, juntos.
— Qual seria a alternativa? — Ela perguntou.
— Tentar enviar uma mensagem para seu pai ou seu ex-noivo,
suponho, — disse ele. — O que pode levar tanto tempo para alcançá-los
daqui. E então espero que eles venham aqui ou na vila do lado escocês do
continente para buscá-la.
Ela estremeceu com a ideia de esperar tanto tempo sem nenhuma
garantia de que seria encontrada ou levada.
— Pense nisso, — ele disse suavemente. — Agora, por que não
comemos aquele caldo que você aqueceu?
Ela se encolheu. — Apenas a ideia de comer algo faz meu estômago
revirar agora. Acho que vou para o quarto e fazer exatamente o que você
sugeriu. Pensar.
Ele assentiu. — Está bem. Boa noite
Ela repetiu o mesmo e deslizou para o quarto. Lá, ela fez uma pausa
e o observou ir em direção à cozinha com aquele certo e longo passo que
ela conhecera tão bem, ao observá-lo desde sua chegada.
Ela entrou no quarto e fechou a porta, inclinando-se contra ela
enquanto fechava os olhos com um suspiro pesado e trêmulo. O problema
que ela enfrentava ao viajar com Rook não era que ela temia que ele se
aproveitasse dela. Era que naquele momento ela ficou emocionada com a
ideia de ficar sozinha com ele em um pequeno quarto em uma pousada
todas as noites. Ela ficou emocionada com a ideia de ficar confinada em
uma carruagem ao lado dele.
Ela ficou emocionada com a ideia de fingir que eles eram casados. E
o tipo de pessoa que aqueles sentimentos a tornaram foi...bem, ela deveria
enfrentar aquilo tanto quanto as consequências dos seus atos se dissesse que
sim. Se ela queria voltar para casa, precisava enfrentar o que desejava e
descobrir se podia se controlar tão facilmente quanto o homem da outra sala
parecia ser capaz de fazer.
Capítulo 8

Rook se inclinou para puxar a bota sobre a panturrilha. O fogo


queimara baixo durante a noite e havia um frio no ar na sala principal. Ele
estava prestes a se levantar e adicionar alguns troncos para tornar o
ambiente mais quente quando a porta do quarto se abriu.
Anne ficou lá por um momento, observando-o com aqueles olhos
verdes que eram como esmeraldas que ele queria roubar. Ela alcançou atrás
dela e puxou sua pequena valise, e o coração dele disparou e afundou ao
mesmo tempo.
— Eu sei que haverá muitas dificuldades, — disse ela suavemente.
— Mas também sei que preciso voltar para minha família. E já que eu me
coloquei nessa bagunça com minhas próprias decisões ruins, devo tentar
corrigir as coisas de alguma maneira. Se você estiver disposto a me ajudar,
eu gostaria de seguir a rota continental. Pelo menos até Gretna Green, onde
provavelmente encontrarei um caminho para casa, sozinha.
Rook encarou o rosto dela na penumbra do início da manhã que se
infiltrava pelas janelas. Os ombros dela estavam empurrados para trás, as
mãos segurando a valise ao seu lado. O olhar poderia ser um pouco incerto,
mas também era forte. E naquele momento ele sabia em quantos problemas
estava. Ele poderia tentar fingir tudo o que quisesse, mas ele queria aquela
mulher. Ele queria despi-la e ensiná-la a implorar por sua língua. Ele queria
se enterrar profundamente dentro dela e sentir os dedos dela cavando suas
costas. Ele queria provar a liberação dela, vê-la fluir através de seus traços,
senti-la ondular em torno de seu pênis.
Ele queria todas aquelas coisas e muito mais, e seria mais difícil do
que nunca ignorar os desejos quando eles estivessem bem perto.
— Espere um momento para eu reunir algumas coisas, — disse ele,
quebrando o olhar deles com dificuldade. — Poderemos sair
imediatamente.
Ela se afastou e permitiu que ele passasse por ela para o quarto.
Reuniu alguns itens para a estrada em uma pequena bolsa, inclusive
mexendo em um esconderijo que ele havia feito nas tábuas do chão. Ele
suspirou quando contou. Havia o suficiente ali para levá-los aonde eles
precisavam ir, mas pouco mais. Era tarde demais para desenterrar mais
reservas escondidas na ilha. Seria uma viagem simples.
Quando ele saiu do quarto, ela não estava mais na sala principal,
embora sua valise estivesse ao lado da porta. Ele deixou a dela ao lado e foi
para a cozinha. Ele a encontrou em pé, perto da mesa, recolhendo maçãs,
pão e queijo, que ela embrulhou.
Ele ergueu as sobrancelhas quando ela olhou para ele com um
sorriso fraco. — Eu pensei que poderíamos precisar de comida na estrada.
Ele concordou, embora estivesse chocado que ela pensasse naquilo.
Na semana em que estivera na ilha dele, ela certamente assumira mais do
que provavelmente já considerara em sua vida na sociedade.
Ele pegou a comida e colocou o pacote cuidadosamente no bolso
interno, depois fez um sinal para ela ir à porta. Eles saíram da cabana no ar
frio da manhã, escurecidos pelas nuvens que rolavam na direção deles. Ele
fez uma careta na direção da tempestade que se aproximava. Ainda assim,
não havia escolha, aquele era o caminho agora. Ela o seguiu não até a doca
de onde tinham vindo da Inglaterra uma semana antes, mas para o lado
oposto da ilha, onde ele possuía outro barco amarrado a uma estaca
enterrada no fundo da areia.
Ele o carregou antes que ele olhasse de volta para as nuvens que se
aproximavam. — Se formos agora, podemos chegar à frente da tempestade.
Embora eu lhe aviso, pode não ser uma viagem constante.
Ela assentiu, mas ele pode ver o verde entrar em sua palidez antes
mesmo de pegar a mão dela e ajudá-la a entrar na minúscula nave. Ela
sentou na parte de trás do barco para criar estabilidade e ele tomou seu
lugar nos remos. Com um rápido empurrão, eles partiram e ele os inclinou
na direção certa, em direção às margens da Escócia, que eles já podiam ver
no horizonte fraco.
— Felizmente, há uma corrente e um vento em nossas costas que
ajudarão nossa jornada, — disse ele com o maior entusiasmo possível.
Ela forçou um pequeno sorriso, mas ele ainda podia ver
preocupação na expressão em seu rosto pálido. Ela apertou as mãos no colo
e olhou para o destino deles, e ficaram em silêncio por um tempo enquanto
as ondas não os balançavam com muita delicadeza.
Aumentou o verde nas bochechas dela e ela ofegou por ar fresco
depois de meia hora. Ela balançou a cabeça. — Eu acho que falar pode
ajudar.
Ele quase riu. Ele passou um ano ser conversar com ninguém, e lá
vinha a mulher que esperava sua conversa. E ele não odiava, verdade seja
dita. Ele gostava de falar com ela, mesmo que fossem de origens muito
diferentes e deveriam ter pouco a dizer um ao outro.
— Qual é o plano? — Ela perguntou, fazendo um som enjoado e
doente na garganta.
Ele remava com mais força, esperando que a velocidade reduzisse o
desconforto. — Vamos chegar ao continente em vinte minutos neste ritmo.
Há uma pequena vila lá e, se tivermos sorte, pegaremos a diligência.
— Se tivermos sorte? — Ela perguntou, respirando fundo entre cada
palavra e virando o rosto para a brisa, de modo que agitou seu cabelo loiro
escuro.
Ele assentiu. — Na natureza, não há como dizer a programação de
um dia para o outro.
— Quanto tempo nossa jornada levará então? — Ela perguntou.
Ele hesitou. De certa forma, ele esperava que ela não fizesse aquela
pergunta. A resposta iria esmagá-la. — Pode demorar até duas semanas, —
ele admitiu finalmente. — Mas o clima, o estado das estradas e horários
estabelecidos está fora de nosso controle.
Lágrimas encheram seus olhos. Ele as viu antes que ela piscasse.
Então ela olhou para ele pelo canto do seu olhar verde. — Detesto
perguntar, porque parece muito rude, mas como pagaremos nossa tarifa na
diligência? Ou os quartos nas pousadas à noite?
Ele apertou os lábios. — Não tenho muito dinheiro pronto, mas há
algum. O suficiente para pagar por quartos baratos e tarifas mais baratas em
nossa rota.
Ela inclinou a cabeça. — Eu quase destruí sua vida, eu acho.
Ele franziu a testa antes de se inclinar à frente. Ele queria segurar o
queixo dela. Para forçá-la a olhar para ele. Não podia por causa dos remos.
Mas o movimento dele a fez lançar o olhar para ele de qualquer maneira.
— Não é sua culpa, — disse ele. As palavras pareciam acalmá-la
um pouco, pois seus ombros tensos relaxaram finalmente.
— Eu pagarei de volta, — ela prometeu suavemente. — Mantenha
um registro diário de suas despesas e eu vou me certificar de que você
receberá de volta seus custos para a viagem, juntamente com qualquer
recompensa que eu possa extrair do meu pai.
Ele abriu a boca para argumentar, mas ela levantou a mão como se
pudesse ler a mente dele. Ou, pelo menos, a expressão dele. — Por favor,
— ela disse antes que ele pudesse falar. — Não me faça caridade. Eu não
poderia suportar esse tipo de pena. Deixe-me pagar de alguma forma por
sua bondade.
Ele virou o rosto enquanto remava com mais força, para que ela não
visse que o tipo de pagamento que ele queria não era dinheiro. Era outra
coisa, algo muito mais inapropriado e errado, dadas as circunstâncias.
Finalmente deu de ombros. — Tudo bem. Vamos chegar a um
acordo quando chegarmos ao seu pai.
Ela pareceu satisfeita com aquela resposta e se distraiu com outras
conversas quando a pequena cidade de Tayport, a dezesseis quilômetros a
oeste da costa de Southerness, apareceu à distância. Ela se sentou ereta
enquanto eles remavam no pequeno porto, que era mais protegido que o
mar aberto, para que o barco não balançasse tanto. Ela sorriu para ele
enquanto olhava para as casas de cores vivas e lojas movimentadas que
pontilhavam a costa.
Finalmente chegaram a uma doca baixa, onde um homem correu
para pegar a corda e prendê-los. A expressão dela era quase conspiratória,
enquanto esperava o barco ficar firme. Como se eles estivessem naquilo
juntos, mesmo que Rook soubesse que aquilo era uma ilusão. Ela precisava
que ele a levasse em casa. Isso era tudo o que havia entre eles.
Era tudo o que poderia existir. Então ele não retribuiu o sorriso dela.
Ele apenas se levantou e saiu do barco, ajudando-a a fazer o mesmo antes
que ele a soltasse e gesticulasse para a agitação ao redor deles.
— Bem-vinda a Tayport, — ele resmungou. — Venha.
O sorriso dela caiu quando ela o seguiu até a cidade propriamente
dita. Ele sentiu a confusão dela com sua repentina mudança de atitude, e ele
se odiou por isso. Mas seria melhor para os dois. Ele só precisava se
lembrar daquilo.

*****
O estômago de Anne parou de enrolar no momento em que ela
desceu do barco para terra firme, mas agora se apertava e girava novamente
com o tom agudo de Rook e o olhar de desdém na direção dela. Ela sabia
que ele a estava colocando para fora, é claro. Como ele poderia não estar?
Ele não queria levá-la até Gretna Green só porque ela fora tola demais para
não ver a mentira nos olhos de seu primo.
E agora ele se ressentia dela, apesar da promessa de dinheiro como
recompensa por seu retorno. Aquilo a incomodou mais do que deveria, já
que ela mal conhecia o homem. Só que ela possuía uma ilusão a qual se
apegara e agora percebia que precisava deixar ir.
O que quer que ela pensasse haver entre eles, ficou claro que não
existia. Ela precisava parar de fazer um prêmio de si mesma e se concentrar
em chegar em casa.
Como Rook parecia fazer no momento. Atualmente, ele estava de pé
com o cocheiro da diligência, que havia parado quase imediatamente após a
chegada deles com o bote. Ele entregou moedas para o homem — ela não
conseguia ver quantas — e jogou as bolsas para serem carregadas no topo
da plataforma antes que ele acenasse para ela.
Ela seguiu a curva do dedo dele e tentou sorrir quando o alcançou.
— Estamos com sorte. Havia um casal saindo aqui em Tayport,
então ele tem vaga para nós.
O alívio a inundou. — Veja bem, é um bom sinal para a jornada.
Quanto tempo até a partida?
Os lábios dele se apertaram, embora ela não entendesse o motivo
daquela aparente irritação. Quanto mais cedo eles se afastassem, mais cedo
ele se livraria dela. Fazia sentido que ele quisesse aquilo. Não fazia?
— Eles vão ficar aqui mais um pouco para trocar de cavalo e deixar
os outros comerem e esticarem as pernas, e depois nós vamos embora.
— Será tarde quando sairmos, então? — Ela perguntou.
Ele assentiu. — Sim
Ela fez uma careta. — E até aonde você acha que iremos antes de
pararmos novamente?
Ele arqueou uma sobrancelha, e ela não sabia dizer se ele estava
mais irritado com a pergunta dela ou não. — Não será longe, eu admito. A
diligência é o caminho mais lento — eles param frequentemente para os
passageiros descansarem, comerem e descerem. Mas é mais barato e mais
seguro que o a dligência do correio.
— Mais segura? — ela repetiu em confusão.
Ele olhou para longe na estrada. — Bandidos, — ele disse
simplesmente. — Eles sabem que a diligência do correio carrega cargas
valiosas.
Anne estremeceu com o pensamento. Ela sempre andava de
carruagem ou no barouche particular de seu pai, se eles estivessem na
cidade. O cocheiro poderia fazer sua própria programação quanto às
necessidades da família e à capacidade de trocar cavalos. Ela nunca havia
pego o transporte público antes, com as restrições, limites e dinheiro
envolvidos.
Ela se sentia ser tão protegida, tão mimada sempre que conversava
com Rook sobre a realidade das pessoas ao seu redor. Como se ela estivesse
completamente cega para o mundo até o conhecer. Na verdade, ela tinha
estado. Agora ela olhava em volta da pequena cidade portuária, com suas
lojas pintadas de cores vivas e pessoas de todos os tamanhos, formas e
cores entrando e saindo dos prédios, conversando na rua com sotaques ricos
e idiomas diferentes.
Seu mundo era muito pequeno em comparação.
— Venha, vamos comer o que você trouxe de almoço naquela mesa
perto da doca. Não está chovendo, então devemos aproveitar o ar fresco
enquanto pudermos obtê-lo.
Ela o seguiu até uma mesa de madeira gasta que dava para o mar.
Ele pegou o pacote de comida que ela havia empacotado naquela manhã e
colocou na frente deles. Então ele sorriu. — Podemos pagar mais uma
coisa. Eu voltarei.
Ele saiu correndo, deixando-a sozinha por um momento. Ela olhou
para o mar, na direção de onde sabia que sua família esperava. Ou, pelo
menos, ela esperava que eles esperassem. E se eles tivessem deixado
Harcourt depois que seu plano fora revelado? E se Harcourt os tivesse
mandado embora? Era possível que ela chegasse ao seu destino e não ter
qualquer lugar para ir. Ela precisaria encontrar seu próprio caminho para
Londres.
Uma perspectiva perigosa, de fato.
— Parece que você está esperando a deligência. Vocês são novos
passageiros?
Anne olhou para cima e viu um homem vestido com um colete
brilhante com uma moça bonita no braço. Ela estava usando um vestido
decotado, mas tinha um belo sorriso ao olhar para Anne e seu piquenique.
— Er, sim, — disse Anne, pensando no estratagema que Rook
sugerira que seguissem na estrada antes de continuar: — Meu... meu marido
e eu acabamos de comprar passagem.
— O alto e bonitão que passou por nós um momento atrás? — A
senhora ronronou quando os dois se sentaram à mesa sem pedir licença a
Anne. — Que sortuda.
Anne se mexeu, puxando a comida do meio quando seus novos
“amigos” começaram a desempacotar a própria refeição e a espalhar em
frente a ela. — Eu sou Herman Talon, ao seu serviço. Esta é minha esposa
Imogen.
— Prazer em conhecê-los, — disse Anne com um sorriso para a
dama. — Anne Sh... Maitland.
— Shmaitland? Esse é um nome estranho, — disse Talon rindo e
dando uma cotovelada na esposa.
Anne balançou a cabeça e estava prestes a corrigi-lo quando Rook
se sentou no banco ao lado dela. — Isso é porque Anne ainda está se
acostumando a ser a senhora Maitland, — ele explicou com uma risada
quando passou um braço em volta dos ombros dela. O peso afundou em seu
corpo e o calor dele pareceu aquecê-la da cabeça aos pés. — Ela está
sempre tentando usar o nome de solteira.
Ela corou e não foi forçado. — Sim, eu sou tola.
— É muito bom, meu amor, — ele disse suavemente. — Nossos
novos amigos perdoam você, tenho certeza, assim como eu. Constantine
Maitland, ao seu serviço, — disse ele, estendendo a mão para o Sr. Talon.
Ela sacudiu o nome que ele usava. Constantine Maitland. Esse era o
nome verdadeiro dele? O que ele evitou dar a ela todo esse tempo? Ela
deixou rolar em sua cabeça. Era um nome tão grande. Tão formal e real. Ela
não esperava aquilo.
— O que você acha, Anne?
Ela estremeceu com a pergunta de Rook, falada perto de sua orelha.
Ela piscou quando percebeu que o Sr. e a Sra. Talon haviam se apresentado
e Rook estava conversando com eles enquanto ela se perdia em
pensamentos sobre o nome dele.
— Sinto muito, receio que fiquei fora um minuto, — ela admitiu
com um rubor.
Rook apontou para a garrafa de vinho que ela não percebera que ele
havia colocado sobre a mesa em algum momento durante a conversa. — Eu
disse que você ficaria feliz em compartilhar nosso vinho com nossos novos
amigos.
Ela assentiu. — Claro.
Ele foi rápido ao abrir a garrafa e servir dois copos, enquanto o
senhor Talon corria até a loja e voltava com mais dois.
— Aos novos amigos, — brindou o Sr. Talon enquanto levantava o
copo agora cheio. Eles tilintaram e, enquanto ela bebia, Anne sentiu os
olhos do homem varrerem sobre ela. Os dedos de Rook apertaram seu
ombro como se ele também tivesse visto. Ela se aproximou um pouco mais
do lado dele.
— Em que negócio você está, Talon? — Rook perguntou.
Ela o observou enquanto os dois homens conversavam. Ele era
diferente ali com aqueles estranhos. Seu sotaque era mais pesado, mais duro
e ele era mais gregário. Era como se estivesse fazendo um jogo, e ela se
perguntou em que parte dos planos de Ellis ele havia participado no
passado. Parecia que não era apenas um bruto.
Eles conversaram por um tempo. Embora a proximidade fosse boa o
suficiente, ela se viu nervosa ao redor deles. Não esperava uma longa
viagem na carruagem com eles. Seria tão perto e quente e o Sr. Talon
parecia nunca parar de falar.
Logo eles terminaram a refeição e o vinho e todos se levantaram
para esticar as pernas.
— Eles estarão carregando em breve, — disse Talon, virando a
cabeça na direção a diligência. — Você vem?
— Estaremos sentados o suficiente em breve, — disse Rook,
deslizando a mão de Anne na dobra do seu cotovelo. — Acho que minha
esposa e eu faremos uma pequena caminhada antes de nos juntarmos a
vocês.
— Muito bem. — O outro casal foi embora.
Assim que eles se foram, o sorriso de Rook caiu e os observou de
perto. — Fique longe deles, — ele disse suavemente. — Não fique sozinha
com eles.
Ela inclinou a cabeça quando ele a guiou para longe da carruagem e
em direção ao caminho das docas. Por quê, eles parecem bastante
inofensivos, não é? Apenas barulhentos.
Ele a encarou, seus olhos escuros sérios e intensos nos dela. — Eu
sei como identificar algo inofensivo. E eles não são.
Seus olhos estavam arregalados quando ela olhou por cima do
ombro para as costas de seus ex-companheiros. — Qual poderia ser o
perigo?
Rook se mexeu como se estivesse desconfortável e então
resmungou: — Estou certo de que Talon coleciona mulheres para se
divertir. Ela certamente não é a esposa dele. Juro que a reconheço de certos
tipos de shows em Londres. Ela pode ter sido educada na Escócia como
entretenimento particular para um homem rico, com Talon como sua
escolta... e 'protetor'.
A boca dela se abriu. — Oh!
— Sim. E você estará segura comigo, mas apenas... não conte muito
sobre você. Eu honestamente gostaria que tivéssemos dado outro nome
diferente do meu. Ele talvez conheça meu primo. Ellis se envolveu com
homens assim... homens piores que isso... ao mesmo tempo.
Ela estava nervosa agora sobre a viagem com aqueles estranhos
potencialmente perigosos e tentando reprimir a pergunta. — Você deu seu
nome verdadeiro? Constantine?
Ele parou de andar e olhou para longe. — Meu nome é Rook, eu lhe
disse.
— Esse não é o nome que você recebeu, — disse ela suavemente. —
Mas o outro é, não é?
— Eu sou Rook, — ele disse mais uma vez, e a virou na direção da
diligência. — E eles estão carregando a carruagem, então é melhor
voltarmos.
Ela não pressionou e permitiu que ele a guiasse de volta à
carruagem e aos supostos novos amigos. Mas percebeu que tinha visto duas
coisas naquela tarde: um vislumbre do verdadeiro Rook Maitland e um
vislumbre do homem que ele fingia ser. E ela queria saber mais sobre os
dois.

*****

Rook subiu a escada estreita e enfumaçada em uma pousada barata


horas depois, com o cenho franzido. Havia sido uma tarde muito longa na
diligência. Parava com muita frequência, carregava muitos e cheirava
vagamente a peixe. Sem mencionar seus companheiros amigáveis.
Talon e sua “esposa” mal respiraram durante todo o percurso. O
homem havia dado dicas suficientes para que Rook estivesse mais
convencido, do que nunca, de que eles eram um casal que administrava uma
casa obscena em uma das cidades e estavam coletando mulheres que
estariam abertas a qualquer lugar, como uma fuga de qualquer inferno que
estivessem atualmente vivendo. Era um truque que ele já vira antes,
realizado por um homem diferente. Muito perigoso. Alguém que havia sido
o motivo pelo qual Rook se afastou de seu primo.
Ele odiava o quão interessado Talon estava em Anne.
Honestamente ele odiou tudo sobre o dia por causa de Anne. Ela
ficou quieta, nunca reclamou, mas ele poderia dizer que ela estava
impressionada com a exposição a uma vida mais dura, que ela
provavelmente nunca imaginou, e muito menos viveu.
Ela foi ao quarto deles um pouco antes. Ele providenciou um banho
para ela e ficou para trás para lhe dar privacidade. Agora ele a seguia e se
esforçava muito para não pensar no que encontraria ali, no que certamente
seria um pequeno ambiente que compartilharia com uma mulher bonita e
atraente que ele não tocaria.
E que queria tocar tanto que as pontas dos dedos coçavam toda vez
que se aproximava dela.
Ele suspirou quando parou na porta do quarto e tentou se recompor.
Depois de algumas respirações, ele bateu.
Houve um farfalhar do outro lado da porta, e então ela abriu uma
fresta. Ele prendeu a respiração quando ela puxou a porta para permitir que
ele entrasse.
O cabelo dela estava solto. Ondas loiras, selvagens e escuras
saltaram sobre seus ombros e cobriram o recatado vestido que ela havia
trocado depois que o deixou no andar de baixo. O cabelo dela parecia macio
e ele já podia sentir o cheiro, rosas, ele pensou, provavelmente infundidas
no sabão que estava na beira da banheira que havia sido colocada atrás da
tela, no canto do pequeno ambiente.
Muito pequeno para dois, a menos que eles fossem íntimos, de fato.
Uma cama estreita estava empurrada contra a parede em um lado do quarto.
Contra a outra havia um sofá e uma mesa para o chá. A banheira e a tela
ocupavam o canto ao lado do fogo, e era tudo o que havia.
Um quarto destinado a uma pessoa ou a um casal romântico. Não
haveria escapatória para ele. Não respirava por estar tão perto dela.
— Obrigada pelo banho, — disse ela. — Espero que não esteja
muito frio para você.
Ele estremeceu ao pensar em afundar sob as espumas da água onde
ela havia se lavado um tempo antes. Talvez um banho frio fosse melhor,
afinal.
— Tenho certeza de que vou ficar bem, — disse ele, sua voz rouca
com o desejo que estava tendo dificuldade em esconder agora. Se ela
olhasse para baixo, veria evidências empurrando as calças e dificultando o
pensamento, porque todo o sangue de seu corpo estava empenhado em
lembrá-lo de que ela estava tão perto.
Ela deu um passo mais perto dele, torcendo as mãos na frente dela.
O peito dela subiu e desceu com respirações breves, as pupilas estavam
dilatadas e as bochechas coraram quando ela sussurrou: — Obrigada por vir
comigo.
Ele inclinou a cabeça. — O que há para me agradecer?
— Eu não poderia conseguir sozinha, — disse ela balançando a
cabeça. — Eu precisava de você. — Ela mordeu o lábio com os dentes e ele
estava perdido. — Eu preciso de você.
Foi demais. Mesmo um monge não poderia ter sobrevivido. Ele
estendeu a mão, observando o que parecia ser em câmera lenta enquanto
seus dedos roçavam a mandíbula dela, sua bochecha. Ela soltou um suspiro
trêmulo e se inclinou à palma da mão, erguendo o rosto em sua direção,
oferecendo uma prova do que ele queria durante dias.
Provavelmente desde o primeiro momento em que a viu.
E ele não possuía mais forças para resistir. Ele se aproximou, seu
braço circulando a cintura dela enquanto a puxava para o corpo dele. Ela
fez um pequeno som de surpresa e alívio, mas se perdeu quando ele abaixou
os lábios e finalmente reivindicou os dela.
Ele não havia planejado o beijo, mas quando soube que isso iria
acontecer, pensou que seria gentil. Um breve escovar de lábios e depois
soltá-la. Mas aquilo não aconteceu. No momento em que suas bocas se
encontraram, foi um caos. Toda fome que ele já sentia, todas as
necessidades que ele suprimira vieram correndo à superfície e o
transformaram em um animal que finalmente conquistou sua presa.
Ele deslizou a língua pelo vinco dos lábios dela. Ela abriu com outro
som suave de prazer, puxando-o para mais perto quando seus braços
envolveram o pescoço dele.
Não havia nada de gentil na maneira como ele a reivindicava, nada
de doce ou cuidadoso. Ele a devorou, pegando tudo o que ela oferecia,
pegando cada vez mais enquanto tentava encontrar o limite.
Mas ela não deu um limite. Ela o recebeu golpe por golpe, tímida a
princípio, mas depois apaixonada enquanto enroscava a língua na dele,
enquanto se erguia com um movimento natural que falava de paixões que
lhe disseram para nunca sentir. Mas é claro que Anne os sentiria de
qualquer maneira. Ela era independente demais para ouvir qualquer coisa,
exceto seu próprio coração e mente.
Agora, aquelas coisas a estavam dirigindo em sua direção. Eles
estavam aprofundando o beijo. Eles estavam gritando em sua boca, gritos
que ele engoliu como se a pudessem sustentar como comida ou água. O fato
dela ter a mesma falta de controle que ele só piorou as coisas. Ele a
empurrou, apoiando-a na parede atrás dela, pressionando-a ali enquanto
arrastava a boca pelo maxilar dela, até a garganta. Ele a chupou e ela bateu
os quadris contra ele com um grito trêmulo que parecia vibrar através de
seu corpo.
Ela o puxou e depois sussurrou: — Rook.
Ele congelou. Rook. O nome dele da rua. Ele era da rua e não
pertencia a ela, nem à boca, nem à cama, nem ao corpo. Ele não pertencia.
E ela apenas o recebeu por medo e compulsão e pela necessidade de
encontrar algo sólido para se agarrar.
Ela ficara comprometida pelo trauma das últimas semanas. Ele não
podia ser tão baixo a ponto de tirar vantagem daquilo ou do que ela possuía.
Ele a empurrou para trás, passando a mão pelos cabelos enquanto se
afastava. — Foda-se.
Ela ficou em silêncio pelo que pareceu uma eternidade, e depois
disse novamente. — Rook?
Ele a enfrentou lentamente, tentando recuperar o controle. Tentando
não deixar aquele animal assumir novamente. Aquele que levantaria a
camisola dela e a faria gozar até ficar fraca, e depois a colocaria na cama
com ele durante o tempo que o prazer lhe permitisse.
Ele não quis ouvir a pior parte dele, aquela que não se importaria se
ela se tornasse seu maior arrependimento.
— Eu vou tomar meu banho frio, — ele ofegou. — E depois eu vou
dormir no sofá.
Os lábios dela se separaram. — Por quê?
Ele fechou os olhos com aquela pergunta. Na necessidade ligada
naquela palavra simples. — Porque se não o fizer, farei mais do que apenas
beijar você, Anne. E essa é uma ideia terrível. Por favor, vá para a cama.
Ela o encarou por um instante, e ele pensou que ela poderia recusar
seu pedido. Ele pensou que ela poderia aceitar o que ele não ofereceria, e
ele sabia que não seria forte o suficiente para recusar pela segunda vez.
Mas então ela assentiu. — Muito bem.
Ela se virou e entrou na cama, deslizando por baixo das cobertas e
dando as costas para ele. Ele balançou a cabeça e foi para trás da tela para
se despir e tomar banho.
E o pau duro e arrependimentos eram sua única companhia
enquanto ele fazia aquilo.
Capítulo 9

Depois de ficar acordada metade da noite, dolorosamente consciente


de Rook, no sofá, tão perto dela, Anne teve a certeza de que nunca
dormiria. Mas ela deve ter, pois acordou na manhã seguinte com o som da
chuva forte batendo nas janelas de vidro. Ela olhou para o teto rachado
acima dela, girando suas forças antes de levantar a cabeça e espiar em
direção ao sofá.
Rook se fora.
Ela supôs que deveria estar aliviada. Afinal, o que aconteceu na
última noite... O beijo — ela se referiu a ele como: o beijo, porque não era
apenas um beijo — assombrou sua mente desde então. Foi uma coisa tola a
se permitir. Uma coisa errada. Uma coisa que provou que ela era de alguma
forma imprópria, de alguma forma fora de si quando se tratava de seus
desejos...
Mas Deus, ela queria mais. No momento em que a boca dele
reivindicou a dela, tudo que ela queria fazer era encontrar uma maneira de
se aproximar dele. Tudo o que ela queria fazer era explorar aquelas coisas
feias, que lera no livro que encontrara no escritório de seu pai, meses atrás.
Ela queria as mãos dele nela e sua língua nela e o corpo dele se
juntando ao dela, onde e como ela conseguisse. A cautela, a razão e a
prudência fugiram de qualquer canto minúsculo que ocupavam em sua
mente, e ela ficou com a necessidade pulsante e perversa penetrando em seu
sangue.
E então ele a rejeitou.
Ela franziu a testa quando se levantou e sacudiu o vestido que havia
arrumado para si mesma na noite passada. Lentamente, ela se arrumou,
vestido e cabelo, e beliscou as bochechas enquanto olhava para o rosto
pálido e desenhado no espelho rachado.
Sentiu a paixão do toque dele na noite passada. Mas ele foi
totalmente capaz de se afastar dela. Ele era capaz onde ela não era.
Balançou a cabeça e deu outra olhada ao redor do quarto. As coisas
dele ainda estavam empilhadas desordenadamente no sofá. Parecia
desconfortável, e ela supôs que poderia ter pouco conforto e frio naquilo.
Pelo menos ele provavelmente também não dormira bem. Ela suspirou
quando deixou sua pequena valise ao lado das coisas dele e desceu as
escadas para procurá-lo.
Ao sair do quarto, sentiu um cheiro delicioso de café da manhã. Ela
seguiu a aura de bacon e pão até a sala de jantar no pé da escada. Quando
entrou na sala, ela parou.
Rook estava lá, sentado junto à janela, sob a chuva. Ele estava lendo
o jornal, um prato de comida meio comido diante dele.
Ela respirou fundo, tentando controlar o rápido aumento de seu
coração, e se aproximou com um sorriso vacilante. — Bom dia.
Ele olhou para ela e, por um momento, aquele olhar era apenas um
calor possessivo que se curvou em sua barriga e fez suas pernas tremerem e
apertarem. Então ele desviou o olhar e assentiu. — Bom dia.
Ela se sentou, sem esperar a licença dele, e sorriu quando a
garçonete do outro lado da sala acenou para indicar que a vira entrar. Rook
dobrou o jornal com cuidado e ela notou que a data do item tinha mais de
uma semana.
— Gosta de ler as notícias antigas? — Ela perguntou com o que
esperava ser um sorriso leve.
Ele não devolveu, mas tomou um gole do que parecia ser café preto.
— Este jornal chegou apenas hoje. Sempre leva um tempo para chegar aqui,
mas com o tempo e o estado das estradas...
Ele parou e ela estremeceu. — Presumo que isso signifique que
nossa própria jornada também será lenta.
Ele concordou com ela, e a boca dele se apertou mais. — Eu
perguntei sobre a diligência esta manhã e parece que ela pode se atrasar
hoje e não ir, até amanhã, se for mesmo assim. Eles temem que as rodas
fiquem presas nas estradas lamacentas.
Ela prendeu a respiração. Aquilo significava pelo menos mais um
dia na estrada, uma vez que eles começaram. Mais um dia longe de sua
família e do perdão que ela seria forçada a procurar quando os visse
novamente.
Mais uma noite naquela estalagem e no quarto que parecia tão
pequeno sempre que Rook estava nele.
Pareceu uma eternidade. Mas ele não reagiu e sorriu para a
garçonete que colocou um prato na frente de Anne e serviu o chá antes de
sair, assobiando uma melodia como se o mundo não estivesse
desmoronando ao seu redor.
Ele realmente não fora afetado pelo beijo. Aquilo ficou evidente. No
entanto, ele o conduziu, reivindicando os lábios dela com abandono e
depois se afastando exatamente quando ela estava pronta para se render. Por
quê? Por que, se ele nem a queria?
— Por que você me beijou? — Ela perguntou, e então bateu a mão
na boca. Ela realmente não pretendera expressar a pergunta em voz alta, a
resposta poderia ser muito humilhante.
Ele engasgou com o café, tossindo no guardanapo enquanto a olhava
com olhos lacrimejantes. Ela balançou a cabeça. Pelo menos o havia levado
a algum tipo de reação.
Quando recuperou o fôlego, ele olhou ao redor da sala, como se
alguém pudesse tê-la ouvido.
Ela encolheu os ombros. — Todos pensam que somos casados,
Rook. Mas nós somos... não somos.
Ele respirou fundo e brincou na borda do copo com a ponta do dedo.
Era um gesto estranhamente hipnotizante. Então ele disse: — Eu a beijei
porque você é deslumbrante. E passei quase todo momento desde o
primeiro que vi você desejando fazer exatamente aquilo. Qualquer panela
deixada no fogo por tempo suficiente ferverá.
Ela ficou boquiaberta. Todo momento desde o primeiro em que a
vira? Ela não fazia, ideia. Ela pensara sinceramente, que ele não sentia
muita coisa por ela, especialmente nos primeiros dias de sua chegada à ilha
dele, quando ela se escondera. Ele não fez nada para pressioná-la.
Mesmo quando ela viu o desejo fugaz em seus olhos, mesmo
quando o pegou... dando prazer a si mesmo... ela acreditava que era uma
necessidade geral, não especificamente sobre ela. E, no entanto, Rook
afirmou claro e calmo, que a desejava. Que ele foi incapaz de resistir
quando pegou o que havia negado a si mesmo.
O sangue acelerou com a inesperada confissão.
— Oh! — ela conseguiu pronunciar.
Ele levantou suas sobrancelhas. — Oh?
Ela balançou a cabeça e baixou o olhar. Ela não podia olhar para ele
quando disse: — Eu apenas pensei que o desejo estava somente do meu
lado. Um déficit do meu caráter e só meu.
— Um déficit de caráter? O que isso significa? — Ele perguntou.
Ela ainda não olhou para ele, não podia suportar, mas olhou para os
dedos cerrados que tremiam em seu colo. — Eu estava noiva de um
homem, convencida a fugir com outro, e agora aqui estou com um terceiro
homem e querendo... querendo o que nem sei descrever, muito menos pedir.
Você deve pensar mal de mim, não precisa esconder isso. Qualquer um
pensaria.
Ele ficou em silêncio pelo que pareceu um longo tempo. Então ele
limpou a garganta. — Pode haver muitas coisas que sinto que escondo de
você, Anne, — ele disse suavemente. — Mas nenhum deles é doença, eu
garanto.
Ela olhou para ele então e viu que ele se inclinara à frente e a estava
olhando intensamente. O olhar dele segurou o dela por um momento, um
momento longo e tenso. Então ele balançou a cabeça e se afastou da mesa.
— Mas podemos apenas querer, não agir, — disse ele. — Isso é tudo
o que podemos fazer. — Ele ficou de pé. — Vou verificar novamente nossas
opções. Eu acho que continuar na estrada seria nossa melhor opção se
houver alguma maneira de fazê-lo.
Ela o observou se afastar, desejando a mesma coisa pela qual se
punia, e que ele negava. Então ela balançou a cabeça quando o ar deixou
seu corpo em um suspiro trêmulo.
— Você é sortuda.
Anne olhou para cima quando a garçonete pegou o prato de Rook
com um sorriso para ela. — Sortuda? — Ela repetiu fracamente.
— Ser casada com um homem que olha para você como aquele, —
explicou a garota. — Vejo muita gente passar por essas portas. Não muitos
tão bonitãos quanto ele. Ou tão apaixonado.
Ela se afastou, deixando Anne descansar os cotovelos na beira da
mesa e a cabeça nas mãos. Apaixonado? Rook definitivamente não era. Era
ela quem estava com os sentimentos complicados e imparáveis. E quanto
mais eles ficassem juntos, mais ela sabia que teria que negá-los.

*****
Rook desceu a rua lamacenta, puxando a aba do chapéu pela testa e
encolhendo os ombros contra a chuva implacável. Ele estava com frio e
infeliz e apenas metade disso tinha a ver com o clima.
A outra metade? Bem, isso era tudo sobre a falta de opções que ele
possuía para levar Anne para casa, ou pelo menos até Gretna Green, onde
ele poderia garantir sua viagem segura com mais facilidade. A diligência
estava parada e o cocheiro falava em ficar uma terceira noite para deixar as
estradas secarem, mesmo que a chuva parasse logo.
A diligência do correio também não era esperada por mais dois dias,
e Rook não podia pagar uma taxa mais alta. Talvez se ele deixasse Anne
viajar sozinha, mas depois de vê-la sendo cobiçada por Talon no dia
anterior, ele não estava prestes a libertá-la em um mundo de perigo.
Não havia outras opções, não com a quantidade de dinheiro no
bolso, que também precisava ser orçado para quartos e pensões. Ele estava
preso. Passariam mais uma noite na cama da estalagem, juntos. E hoje à
noite ele poderia não ser capaz de se superar quando a tentação passasse
pela tela em seu fino trilho.
Se ele a tocasse novamente...
Mas não, ele não conseguia pensar naquilo. Ele não conseguia parar
de pensar naquilo, mas não estava certo. Não estava certo em imaginá-la
naquele quarto minúsculo agora. Não estava certo fantasiar sobre se juntar a
ela.
Ele balançou a cabeça ao virar a última esquina em direção à
estalagem. O estábulo para carruagens e os cavalos estava lotado, graças ao
clima e, quando ele passou, o som de uma voz feminina familiar chamou
sua atenção. Ele se virou e encontrou Anne parada embaixo do toldo,
falando com um cavalheiro, uma expressão sincera em seu rosto.
Foi na direção dela a tempo de ouvi-la declarar: — Obrigada por sua
ajuda, senhor. Você não sabe o que isso significa.
— É um prazer fazer negócios com você, senhora Maitland.
Uma vibração de emoção surgiu no rosto dela ao ouvir aquele nome,
mas ela apenas assentiu e apertou a mão do homem antes de se virar e quase
bater de cabeça em Rook. Seu rosto se iluminou quando ela o encarou, e
seu coração gaguejou contra sua vontade.
— O que você está fazendo aqui? — Ele perguntou.
Ela sorriu. — Entre, está terrível demais para discutir na chuva.
Você pode se aquecer e eu posso explicar tudo.
Ele pensou em argumentar, mas ela estava certa sobre o clima, então
ele a seguiu de volta à estalagem, despojando-se de seus gotejantes casaco e
chapéu. A sala principal cheia de vapor fervilhava de atividade enquanto os
convidados presos tomavam o chá da tarde e fofocavam entre si em uma
alegre cacofonia de sons, cheiros e cenários.
Ela pegou a mão dele inesperadamente e o puxou para as escadas.
— Por que não conversamos em nosso quarto?
Ela subira dois degraus quando disse aquilo e ele parou, trazendo-a
para baixo também. Ela se virou, os olhos brilhando enquanto o encarava.
Estavam quase na mesma altura agora, ela apenas alguns centímetros mais
alta graças às escadas. Ele olhou nos olhos verdes e sentiu o teste da
sugestão dela em cada centímetro de seu corpo dolorido.
— Não sei se é uma boa ideia, — ele murmurou.
Havia uma emoção que brilhou no rosto dela. Dor. Rejeição. Então
ela sorriu. — Seria melhor ter privacidade para o que precisamos discutir.
Por favor.
Foi o por favor que o fez aceitar. Ele assentiu e a seguiu o resto do
caminho até o quarto. A cama havia sido arrumada e o local limpo,
provavelmente por Anne, já que a colcha estava levemente torta. Ele sorriu
apesar da pressão de estar sozinho com ela e fechou a porta atrás de si antes
de ir para o fogo para se aquecer.
— O que você precisava de privacidade para discutir, Anne? — Ele
perguntou. — E o que você estava fazendo no estábulo?
Ela bateu palmas. — Encontrei uma solução para o nosso problema.
Ele levantou a cabeça. — Uma solução para o nosso problema de
viajar? — Ele duvidou, mas deu de ombros. — E qual é?
— Eu comprei dois cavalos.
Ele havia se afastado dela para ir até a lareira, mas agora eu se
virou, em choque. — O quê?
Ela sorriu. — Eu não conseguia parar de pensar nisso, Rook.
Qualquer carruagem que pudéssemos contratar, seja na diligência, ou no
correio, ou mesmo se pudéssemos pagar por algo particular, o problema
continuará sendo o mesmo. Estradas lamacentas, sulcos que quebram
eixos... e companhia como o muito desagradável Sr. Talon. É muito lento e
muito dependente dos outros. E me ocorreu que poderíamos comprar
cavalos, e então dependeríamos apenas das necessidades deles e de nossas
próprias para descanso e recuperação. Eles vão lidar melhor com a lama. E
assim que as estradas ficarem secas, eles poderão fazer a viagem mais
rápida do que um sonho.
Ele a encarou em silêncio enquanto ela declarava a verdade absoluta
da situação sem se explicar nem um pouco. Ele andou até ela. — Os
cavalos são caros, — disse ele. — E eu me pergunto como você pagou por
eles.
Ela engoliu em seco e o brilho deixou sua expressão quando se
afastou dele. — Não importa.
Ele estremeceu. Ele conhecia várias maneiras de troca. Deus, ela
estava tão desesperada que daria o que ele procurara ontem à noite neste
mesmo quarto?
— Diga-me, — disse ele, mais baixo, mais firme quando pegou o
braço dela e a virou de volta para ele. Tocá-la era uma tortura, mas ela
ergueu o rosto para o dele. Ele viu o tremor de seu lábio inferior, o brilho
orvalhado de lágrimas naqueles olhos verdes surpreendentes.
— Simplesmente troquei algo que eu não precisava.
— Anne! — Ele explodiu. — Eu não posso deixar você fazer algo
assim. Trocar seu corpo não tem pouca importância? E você não pode
imaginar...
Ela se afastou dele e arrancou o braço dela. — Trocar meu corpo?
Não! — Ela balançou a cabeça enquanto o encarava em choque. — Eu nem
saberia como fazer isso. Certamente, posso imaginar as circunstâncias em
que uma dama pode estar pronta para dar aquela coisinha tão valorizada
pela sociedade, mas não fiz esse tipo de arranjo, eu garanto.
O alívio fluiu através dele como um rio furioso e ele afundou no
sofá para encará-la. — Então o que você trocou?
O dedo dela subiu até o pescoço e ele a viu tremer ao redor do local
nu, agora. Ele franziu a testa. Ela possuía um colar antes, uma pequena cruz
com esmeraldas que combinavam como seus olhos.
— Anne, — ele respirou quando se levantou. — Você não fez.
Ela deu de ombros e tentou fazer sua expressão brilhar, como tinha
sido antes. — O colar me foi dado pelo meu pai. Minhas irmãs têm um
igual.
— Provavelmente vale mais do que os dois problemas que
acabaremos com esse acordo, — ele disse. — Certamente, vale mais em
valor sentimental.
Ela lutou por um momento, as mãos apertando os lados, o queixo
erguido e trêmulo. Então ela pigarreou, lutando pela força que ele tanto
admirava nela desde o começo. — Minha família vale mais. Então, qual é a
melhor coisa, Rook? O apego sentimental a uma coisa que os representa?
Ou voltando o mais cedo possível para pedir perdão pela dor e pelo medo
que sem dúvida causei às minhas doces irmãs?
Ele tentou pensar em um argumento contra aquilo, mas não
conseguiu. E ela estava certa de que ter cavalos tornaria a viagem de volta
muito mais rápida e fácil para os dois, embora não tão protegida quanto a
diligência.
E, no entanto, ele viu o impulso a expressão dela. A dedicação em
pedir perdão às irmãs que ela realmente amava. Como ele poderia negar
aquilo?
Ele se aproximou dela um passo, diminuindo a distância que os
separava no pequeno quarto. Ela prendeu a respiração quando olhou para
ele e o ambiente encolheu ainda mais. Ele percebeu que precisava tocá-la
novamente. Percebeu o que aquilo faria.
Mas ele fez de qualquer maneira. Lentamente, ele a pegou pelo
cotovelo, seus dedos cruzando o tecido macio do vestido quando ele
encontrou o olhar dela e o segurou com dificuldade.
— Se você está nesse curso, não vou discutir, — disse ele. — Eu
ouço a chuva parar e provavelmente podemos fazer pelo menos uma
pequena parte da viagem hoje se sairmos dentro de uma hora em seus
cavalos. Mas se você mantiver essa decisão de deixar uma parte de si
mesma para trás, aqui nesta vila, eu vou fazer tudo o que estiver ao meu
alcance para recuperar o colar para você.
Os lábios dela se separaram e então ela balançou a cabeça. —
Deixei uma parte de mim para trás em todos os lugares que estive desde o
momento em que fugi da casa do meu noivo, Rook. Pelo menos esta é a
minha escolha. E isso vai me ajudar a chegar em casa. Eu penso nisso como
expiação.
— Muito bem, — ele disse suavemente. — Vou descer e arrumar
tudo para a nossa partida. Encontre-me em frente à pousada em meia hora e
eu devo estar pronto para partir.
Ela assentiu. — Vou providenciar um pouco de comida para a
estrada.
Ele se virou para ir embora, mas ela estendeu a mão, apoiando a
mão no peito dele, logo acima do coração. O calor daquele toque
imediatamente permeou todas as camadas de lã e linho, como se a pele dela
estivesse contra a dele, mesmo que não fosse.
— Rook, — ela sussurrou. — Obrigada. Sei que já disse isso antes,
mas devo continuar dizendo, pois sua bondade parece não ter limites. E seu
apoio ao que eu sei que é um plano tolo é muito apreciado.
Ele franziu a testa, pois o que ele queria fazer era varrê-la em seus
braços e levá-la à cama e tirar aquela dor por alguns momentos. Silenciar o
desespero, mesmo que fosse uma fração, com a boca e o pênis.
Mas ele não podia fazer aquilo. Não... por ela, não... por ele. Então
ele apenas inclinou a cabeça e se afastou do toque dela. Mas quando saiu
para o corredor e se afastou dela, não pode deixar de ponderar ainda mais
seu desespero. Aquilo a colocou em perigo. Já colocara. E a ele também,
quando chegou à verdade sobre aquilo.
Ele precisa ter cuidado a partir de agora. E se lembrar de que Anne
Shelley não era dele para beijar. Ou confortar. Ou, qualquer outra coisa.
Capítulo 10

A punição por decisões tolas de precisar andar a cavalo na miserável


chuva escocesa estava bastante alta na lista de Anne. A tempestade
finalmente diminuiu cerca de uma hora atrás, em sua jornada. Houve até
períodos de tempo em que a chuva cessou completamente e o sol cinzento e
filtrado atingiu a estrada lamacenta diante deles.
Mas à medida que a tarde se esvaía e a noite se aproximava, o frio
não era adiado pelas camadas de lã barata, mas útil, que Rook havia
comprado para ela na aldeia antes de partirem.
— Cerca de meia hora e vamos parar, — disse ele, como se pudesse
ler a mente dela. Ou, talvez vira o arrepio que ela não havia sido capaz de
controlar quando ele estremeu seu corpo.
— Bom. Suponho que não fizemos muito progresso na estrada, não
é? — Ela perguntou, já adivinhando a resposta pela marcha lenta que eles
tiveram que usar no clima horrível. — Dreich é realmente a palavra para
isso.
Ele riu da brincadeira dela e o som da risada a aqueceu brevemente.
— Não, mas é melhor do que ficar para trás e esperar de dois a três dias
para entrar na estrada, — tranquilizou-a e depois fiquei sério novamente. —
Eu farei tudo ao meu alcance para fazer com que o sacrifício que você fez
para comprar os cavalos valha a pena no final.
Ela sorriu com a promessa. Mas a fez pensar sobre esse homem que
parecia ter alguma honra, muito dela, na verdade.
— Você e seu primo são tão diferentes, — ela meditou. — Parece
tão estranho para mim que vocês trabalhariam juntos em empreendimentos
criminosos.
Ele ficou tenso sobre o cavalo, um movimento sutil que ela notou,
mas duvidava que alguém não tão focado nele visse. Ele era muito bom em
esconder seu coração, suas emoções. — Eu lhe disse, era uma vida difícil,
— disse ele, obviamente com os dentes cerrados. — Fizemos o que
tínhamos que fazer para sobreviver.
— Mas você largou aquilo, — ela disse suavemente.
— Como você sabe que eu larguei? — Ele perguntou, jogando uma
piscadela para ela e usando o mesmo tom que ele usara com o Sr. Talon, na
carruagem, no dia anterior. Falso e brilhante, e não como a Rook que ela
conhecia.
Ele estava se escondendo dela com aquela atitude gregária.
Brincando de ser alguém e algo que ele não era. O que significava que ele
não estava confortável com a verdade. Mas ela respeitaria aquele limite que
ele havia erguido ou o pressionaria?
— Eu acho que você deve ter largado tudo, — disse ela, incapaz de
fazer qualquer coisa, exceto empurrar, como havia feito durante toda a sua
vida. — Por que mais você se isolaria em uma ilha no meio do nada,
talhando coisas bonitas com suas facas em vez de roubá-las, e ficou
relutante em ajudar Ellis quando ele pediu?
— Não fui tão relutante, eu tenho caráter mutante. Eu fiz, não fiz?
— Eu suponho que fez. Mas você parecia não gostar da ação, pelo
menos a princípio.
— Tive algum prazer, — ele se corrigiu com um rápido olhar. —
Mais do que talvez eu devesse ter.
Ele quis dizer o beijo deles. O corpo dela se apertou com a
lembrança daquela boca na dela. As mãos dele nela. Aquele formigamento,
a sensação fluida que ele criou em todos os músculos, ossos e nervos do
corpo dela, com apenas um roçar nas pontas dos dedos.
E, no entanto, aquele lembrete era apenas outra parede, não uma
porta aberta. Ela apertou os lábios. — Você certamente não precisa me dizer
nada. Eu lhe devo muito mais do que você me deve.
Ele ficou em silêncio por um momento, seu olhar focado na estrada.
Então ele suspirou. — Não sei se isso é verdade. Olha Anne...
Ele parou e ela o sentiu se recompor, lutando por palavras. Ela se
inclinou para frente enquanto esperava por elas e elas finalmente chegaram,
travando e sofrendo.
— Ellis é quatro anos mais velho do que eu. Ele estava na rua antes
de mim. Ele já estava na vida antes de me arrastar para... — a voz dele
engasgou. — ...para se salvar.
— Salvar? — Ela repetiu, inclinando-se para olhá-lo melhor,
frustrada quando ele virou o rosto para que ela não pudesse ver.
Ele balançou a cabeça. — Ele precisava de uma ferramenta. Eu era
essa ferramenta.
— A torre dele, — ela disse suavemente, a verdade sobre ele e
aquele apelido ficando claro.
— Sim, — ele disse. — Ellis foi criado na rua e eu também, mas ele
conhecia a estratégia, o jogo e muitas outras coisas, as quais as pessoas da
sua classe nobre não dão crédito. Ele aprendeu a ler com a minha ajuda. Ele
estudou e roubava na rua para nós dois. Ele nos forçou a encontrar uma
maneira de nos encaixar em mundos onde não pertencíamos, para que
pudéssemos roubar os objetos de valor. Mas a coisa favorita dele era o
xadrez. As pessoas reconhecem a importância da rainha no jogo, mas
algumas subestimam a torre. Subestimavam um homem como eu. Eu o
ajudei com isso.
— Você foi a peça que ele usou para proteger o rei, — ela meditou.
— Para se proteger.
— Sim. — Havia algo na hesitação da voz dele que lhe dizia que
ainda havia mais nessa história que ele ainda continha.
— Você gostou disso? — Ela perguntou.
— Não, — ele admitiu. Nem sempre. Não no final. Você disse que
eu larguei e eu... larguei.
— Por quê?
Ele ficou em silêncio pelo que pareceu uma eternidade, e ela lutou
contra todos os instintos dentro dela para permitir que ele ficasse em
silêncio. Para se lembrar de que ele não lhe devia aquela história. Ele não
devia nada.
Finalmente, ele disse: — Ele foi longe demais.
Ela ia pressionar por mais detalhes quando Rook apontou para o
horizonte. — Olhe a cidade em que vamos parar. Eles já estão acendendo as
lâmpadas. Venha, vamos andar mais duramente para chegar lá antes que o
pequeno sol que nos resta desapareça.
Ele não deixou espaço para ela discutir, mas enfiou os calcanhares
no cavalo. Ela o seguiu com sua montaria, enquanto eles trotavam em
direção à vila e ao futuro, deixando o passado que ele havia revelado na
lama.
Mas ela não podia esquecer que ele compartilhara aquele passado
com ela. Ou que, conhecendo-o melhor, ela queria ainda mais, o que ele
tivesse para dar. Não importava o quão perigoso parecia. Não importava o
quão aterrorizante. Porque ela estava ficando sem nada a perder com a
rendição, e se não o fizesse, sempre se perguntaria o que aconteceria.

*****

Mais uma vez, Rook e Anne haviam compartilhado uma refeição


juntos em uma pequena estalagem à beira da estrada que fazia parte de uma
pequena vila ao longo da estrada. Ela havia conversado sobre livros dos
quais gostava, música, sobre o clima e as estradas.
Ele sentiu o desejo dela de deixá-lo à vontade após aquela confissão.
A que ele nunca pretendera fazer. E, no entanto, com Anne, as palavras
saíram de seus lábios, as memórias queimando seu cérebro. Pensamentos da
vida que ele levara na rua. Pensamentos sobre as razões pelas quais ele
finalmente abandonara seu primo.
Coisas que aquela mulher nunca poderia saber sem odiá-lo, temê-lo.
Ele não queria isso, não quando a aproximação deles era para ser tão
breve. Ele queria que continuasse assim. E assim ele se afastou antes de
dizer ou fazer demais.
Ela subira para se preparar, antes dele, assim como na noite anterior.
Não haveria banho quente esperando por ele hoje à noite, como havia
ocorrido na última estalagem. Mas o estalajadeiro ofereceu um, para
amanhã, se eles decidissem adiar sua marcha incessante em direção à
inevitável separação.
Ele suspirou enquanto subia as escadas. Só podia imaginar que o
quarto hoje à noite seria ainda menor do que o anterior, pois a pousada era
menor. Poderia até não ter um sofá, e aquilo seria um desafio.
Ele bateu, ela disse para ele entrar e ele o fez, com o coração
disparado como um faeton fora de controle. Ela estava de pé diante da mesa
com a camisola, os cabelos caídos ao redor dos ombros. A luz do fogo
delineava a silhueta de seu corpo nu, embaixo, e tudo nele se apertou
quando ele fechou a porta atrás de si e a encarou.
Ela sorriu, fraca e nervosa, mas também acolhedora. E ele não
conseguiu se conter. Nem se conter, nem se controlar. Ele atravessou a sala
em direção a ela e a abraçou antes de deixar cair a boca na dela pelo beijo
que desejara nas últimas vinte e quatro horas.

*****

Nem um deles sabia que Rook a beijaria a partir do momento em


que ele entrasse na sala. A expressão dele ardia muito quente e feroz para
que aquilo não acontecesse. Mas quando a boca dele encontrou a sua, ainda
era uma surpresa como as sensações ricocheteavam em todas as partes do
seu ser. Ele era fogo, perigo e monstros debaixo da cama, só que ela queria
todas aquelas coisas, apesar de tudo o que lhe disseram durante toda sua
vida.
Talvez por causa do que lhe disseram, e como ela se opunha às
regras, a partir do momento em que conseguiu se sustentar. Ela era a
trigêmea perversa, e queria coisas perversas hoje à noite.
Passou os braços em volta do pescoço dele e levantou-se para se
aproximar, esfregando os seios no algodão sobre o linho da camisa,
sibilando prazer quando as mãos dele se estabeleceram, uma na parte
inferior das costas e outra no quadril, onde os dedos dele cavaram deixando
a marca do seu desejo.
Ela queria a marca lá. Ela queria lembrar que era dele, mesmo que
por um momento fugaz.
Ela não pensou em mais nada desde que ele a beijou pela primeira
vez, e aqueles pensamentos ficaram mais altos durante todo o dia de hoje.
Ela o queria. Ela precisava dele.
Então, quando ele finalmente se afastou, sua respiração curta, suas
calças pressionando contra o que ela sabia que se chamava: pênis, seu
coração afundou. Ele a negaria uma segunda vez. Muita honra, apesar de
ser um ladrão, para convencê-lo com os lábios.
— Eu não posso, — disse ele.
Ela balançou a cabeça, ardendo com a rejeição. — Por quê? Você
não me quer?
Ele conteve uma gargalhada que não continha humor. — Olhe para
mim, Anne. — Ele apontou à frente da calça com uma careta. — Se fosse
por querer, você estaria deitada agora.
Ela estremeceu com as palavras grosseiras, diretas e a maneira como
elas fizeram seus mamilos apertarem, mesmo que elas pretendessem
assustá-la para se recompor. — Então é uma falta de respeito por mim? Que
você acha que eu sou uma devassa? — Ele revirou os olhos.
— Você não é uma devassa, não importa o que diga a si mesma
sobre os últimos seis meses de sua vida. Mesmo se você fosse, desejo é
natural. Precisar ser tocada e satisfeita é natural. Você deve desejar e
encontrar um homem que se deleite em proporcionar seu prazer. Mas não é
isso.
Ela levantou as mãos, se sentia tão frustrada quanto atraída pela
aceitação e retirada dele. — Então o que é? Se você me deseja e acha que
eu deveria desejar, o que o impede de me colocar deitada, como você diz?
Ele passou a mão pelo cabelo e depois pelo rosto com uma
expiração alta que soou como uma maldição abafada da mais alta ordem. —
Você lembra o que eu lhe disse hoje, mesmo que não devesse, — ele
retrucou. — É por isso que não devo tocar em você. Não vou.
Ela prendeu a respiração. Ele se afastava dela para protegê-la, não
para se proteger ou porque ela teria algo faltando nela. Mas ela não queria
ser protegida. Não dele. Não do calor que se formou entre suas pernas ou da
necessidade apertada que se enrolou em seu estômago.
Ela sabia o que queria. E sempre fora da natureza dela aceitar.
Ela deu um passo na direção dele, tremendo da cabeça aos pés
enquanto tentava encontrar alguma confiança. Normalmente, não era
preciso muito esforço, mas meses de insegurança a haviam esmagado.
Ainda assim, ela parou na frente dele, observando como os olhos dele se
arregalaram e as mãos tremiam ao seu lado.
Então ela respirou fundo e deslizou as alças da camisola pelos
braços. Toda a roupa se juntou a seus pés com o mínimo movimento de seus
quadris e ela estava nua na frente dele.
— Foda-se, — ele murmurou baixinho enquanto ela lutava para não
se cobrir de vergonha.
Ela já ouvira aquela palavra antes. Rook a disse depois que ele a
beijou. Ela leu no livro de seu pai. Ela sabia o que aquilo significava.
— Sim, — ela disse com um sorriso trêmulo. — Essa é a ideia.
As pupilas dele se dilataram até que seu olhar estava quase
totalmente preto, e ele estendeu a mão e segurou o pulso dela. Quando ele a
arrastou à frente, foi difícil, e ela colidiu com o peito dele enquanto perdia o
equilíbrio. A boca dele cobriu a dela novamente, mas desta vez não havia
nada gentil. Nada o segurava.
Ele a levantou contra ele, moendo seus corpos juntos enquanto a
carregava em direção à cama ao longo da parede dos fundos do quarto. Ele
a jogou lá e depois deu um passo para trás para desabotoar a camisa e puxá-
la sobre a cabeça. Ele tirou as botas e empurrou as calças, e então estava tão
nu quanto ela.
A respiração dela ficou presa. Mais uma vez, os livros não fizeram
justiça à verdade, mesmo os mais escandalosamente ilustrados. O corpo
daquele homem era... bem, era diferente de tudo que ela já tinha visto ou
imaginado. Ele foi construído de pedra. Seus ombros largos e definidos
eram cruzados com cicatrizes, mas também eram firmes, com músculos e
tendões. Havia uma beleza no estômago ondulado e tonificado que a
lembrava dos esboços de David. E então havia os quadris em bom estado e
as coxas fortes, entre as quais o pênis descansava.
Só que ele não estava exatamente descansando. Estava ereto, duro e
orgulhoso quando ele a encarou.
— Você parece assustada, — ele demorou, um toque de sorriso no
canto dos lábios. — Você quer que eu pare?
Houve um breve momento em que cada centímetro de decência que
alguma vez lhe tinha sido gritado por membros da sua família e governantes
exasperados regressaram para assombrá-la. As palavras deles ecoaram e o
seu medo do que iria acontecer a seguir floresceu, e ela pensou em dizer
não. Mas então ela olhou para aquele sorriso e percebeu que ele a estava
desafiando. Tentando fazê-la voltar atrás sendo áspero e apaixonado e
demasiado grande e demasiado... demasiado tudo.
Ela se deitou de costas na cama para lhe dar espaço e disse:
— Eu não tenho medo de nada, — ela sussurrou.
Houve um lampejo de tristeza no olhar dele. — Talvez você devesse
ter. Mas não disso.
Ele caiu de joelhos na cama, curvando o colchão fino com seu peso
e deslizando-a em sua direção. Ele sorriu e então pegou as pernas dela, seus
dedos se fechando na carne que nenhum homem jamais havia visto, muito
menos colocado as mãos. Ele a arrastou em sua direção antes de envolvê-la
com os braços e assaltar a boca novamente.
Ela se abriu para ele, se afogando em seu gosto e na sensação da
língua dele passando sobre a dela repetidamente. Arqueou contra seu peito
nu, seus mamilos duros raspando contra a aspersão de pelos no peito.
Ele se afastou e sorriu para ela, ainda perverso, ainda algo entre seu
protetor sério e quieto e o jogo falso que ele fazia na diligência. Então a sua
boca caiu, mas não para os lábios dela. Ele pressionou beijos ao longo da
mandíbula, da garganta, da clavícula.
Ela agarrou a colcha com choque pelas sensações que ele causava
com aqueles beijos. Como seu corpo inteiro podia se sentir vivo assim?
Como o roçar da barba por fazer ou o golpe da língua sobre o ombro dela
fazia seu corpo tremer de antecipação?
Ele lambeu ainda mais, colocando a cabeça entre os seios dela.
Manteve contato visual com ela enquanto os levantava, apertando-os
suavemente, acariciando os polegares sobre os picos até que ela engasgou
um grito no quarto silencioso.
O sorriso dele aumentou e se tornou mais possessivo quando chupou
um mamilo entre os lábios. A língua dele rolou ao redor do nó e então ele
chupou, não gentilmente, mas não com muita força. A cabeça dela caiu para
trás como uma sensação diferente de tudo que ela já havia sentido antes.
Suas pernas se apertaram com força, seu corpo estava solto e líquido, e ela
enfiou as unhas nos ombros nus dele, enquanto se agarrava à sensação nesse
mar de desejo.
Justo quando ela pensou que não aguentava mais, ele se moveu para
o seio oposto e repetiu a ação, puxando-a para as alturas de prazer e
necessidade, depois afastou a boca enquanto ela gemia de decepção e prazer
misturados.
Ela esperava que ele voltasse a boca para a dela, abrisse as pernas
dela como ela vira naqueles desenhos e a tomasse. Mas ele não fez. Para
sua surpresa, a boca deslizou por seu estômago, seus dentes beliscando
suavemente enquanto seus dedos massageavam seus quadris. Ela fechou os
olhos quando as mãos dele pousaram em suas coxas, as pontas dos dedos
roçando a pele sensível fazendo-a assobiar e estremecer com a sensação.
Ele a abriu, abrindo um amplo espaço entre as pernas dela para os
ombros dele. Os olhos dela se abriram e ela olhou seu corpo, e para a
cabeça escura entre as pernas. O livro roubado não lhe mostrara aquilo. Não
havia permitido que ela esperasse que um homem estivesse ao mesmo nível
dos seus lugares mais particulares. Ela se sentiu exposta, mais ainda quando
ele passou um dedo ao longo de seu comprimento e olhou para ela para
avaliar sua resposta.
— Você ainda tem certeza? — Ele perguntou. Desafiando.
Ela apertou a mandíbula e assentiu. — O único que hesita é você.
A boca dele mostrou irritação, embora houvesse uma tempestade
escura em seus olhos. Ele a acariciou novamente com a ponta do dedo. Ela
arqueou, os calcanhares cavando em torno dos quadris dele quando ele a
tocava tão intimamente. Como poderia algo que a incendiava ser algo que
ela almejava tão profunda e plenamente?
Ele pressionou os polegares contra os lábios externos e a massageou
gentilmente até que os afastou, revelando a entrada de seu núcleo. Ela se
sentou, a mão se acomodando contra os cabelos grossos dele. — Rook, —
ela sussurrou.
Os olhos dele se ergueram e ele não estava mais cantando para ela
quando sussurrou: — Vou parar se você quiser, Anne.
Ela balançou a cabeça e prendeu a respiração com o olhar sombrio
que a encarava de uma posição tão íntima. — Não pare. Só que...eu sou...
eu sou...
— Você não precisa dizer nada, — ele a tranquilizou enquanto
abaixava a cabeça novamente. — Apenas sinta.
A língua dele a tocou e ela gritou. A sensação dele contra sua carne
macia foi um choque emocional e físico. Ele a lambia repetidamente, gentil
a princípio, permitindo que seu corpo se acostumasse àquela invasão
íntima. Mas quando o crepitar do calor elétrico zuniu em suas veias, ele
aumentou a pressão de sua língua, achatando-a contra a entrada dela,
empurrando-a para dentro dela, acariciando com o nariz ao longo do ponto
dos nervos no topo de seu sexo. Ela estremeceu e gritou de novo, e ele
arremessou sua língua para circundá-la em um ritmo suave e constante que
empurrou o prazer por todo o corpo.
— Rook! — Ela gritou novamente, agarrando-se à colcha,
empurrando-se contra a boca dele.
Ele olhou para cima, interrompendo o contato por um momento para
poder olhá-la. — Constantine, — ele ofegou.
Os olhos dela se arregalaram quando se entreolharam. Portanto, o
nome que ele deu no dia anterior era verdadeiro. E agora ele estava pedindo
para ela dizer, gemer, gritar quando ele voltou sua boca ao sexo dela e
chupou seu clitóris.
Ela o fez, repetindo o nome dele enquanto levantava seu corpo e se
apoiava contra ele. Eles se moveram juntos, um só corpo, os gritos dela
aumentando, a língua dele fazendo o mesmo, e finalmente o prazer que ele
construiu, explodiu como uma represa com muito por trás. Ela tremeu, seu
corpo batendo contra a boca dele quando ondas após ondas de prazer
inacreditável bateram em seu corpo. Ele a lambeu através de tudo, sem
trégua, até que ela ficou fraca contra os travesseiros, suou na testa e as
pernas tremeram de alívio.
Ele rastejou por todo o corpo dela, aconchegando seu estômago,
acariciando seu seio com sua face áspera até que ele ficou cara a cara com
ela. Inclinou-se e a beijou, deixando-a provar o sabor doce e salgado de seu
próprio orgasmo.
Então ele se afastou, seu rosto ainda perto do dela. — Eu quero
você, Anne. Mais do que eu sempre quis alguma coisa na minha vida. Mas
eu não sou digno.
Ela abriu a boca para discutir, mas ele deixou cair o dedo nos lábios
dela gentilmente. — Sou um vilão, mesmo que tenha me afastado do meu
passado. Eu não sou bom. Não mereço o seu corpo, não mereço o seu
prazer. Não vou merecer sua inocência.
— Constantine, — ela sussurrou, odiando como a expressão dele
estava alquebrada. Odiando que ele acreditasse que todas aquelas coisas
eram verdadeiras. Odiando que fossem, pois ela sabia o quanto ele se
esforçara, mesmo que não pudesse imaginá-lo como um verdadeiro vilão.
Ele se encolheu com o uso de seu nome, como se não quisesse lhe
conceder aquela intimidade agora que não estava mais entre as pernas dela.
Ele balançou a cabeça. — Eu vou tomá-la se você se oferecer para mim de
novo.
— Então me leve, — ela murmurou.
Ele riu, mas estava doendo. — Não, você precisa pensar um pouco
mais sobre as consequências do que deseja. Realmente pense nisso, Anne.
Pense no tipo de homem com quem você deseja compartilhar esse presente.
E amanhã à noite eu perguntarei quais são seus pensamentos.
Ele a beijou novamente, desta vez com mais delicadeza, e rolou para
longe dela. Ele puxou as cobertas, se colocou de costas para ela e aquele foi
o fim da discussão.
Ela olhou para aquela parte de trás musculosa, olhos arregalados e
totalmente confusos sobre o que acabara de acontecer. Ela viu a evidência
irrefutável do desejo dele e ele lhe deu prazer como ela nunca poderia
imaginar, mesmo em seus sonhos mais loucos e quentes. E agora ele
estava... roncando?
Ele estava roncando? Como se aquilo não significasse nada. Como
se a declaração de que ele a teria, se ela pedisse apenas mais uma vez, não
pairasse no ar ao redor dele. Ela jogou uma mão sobre os olhos e soltou a
respiração em um fluxo longo, frustrado.
Ele a destruiu em mil peças bonitas e ela sabia que nunca mais seria
a mesma. Ela não queria ser a mesma. Ela o queria. Só que era mais do que
querer agora, não era? Era além de querer e que parecia ser a muito tempo,
não apenas dias.
Ela estava começando a se sentir conectada a Rook... Constantine. E
era isso que ela precisava ponderar. Porque se ele a tomasse, sempre haveria
uma parte dela que pertenceria a ele. E aquilo era uma perspectiva mais
aterrorizante do que qualquer outra coisa.
Capítulo 11

Rook teve muitas mulheres. Sexo era algo que ele gostava, era algo
que ele procurava quando seu corpo precisava, e era algo que ele sabia que
era bom. Ele não poderia estar satisfeito se sua parceira não estivesse igual
ou superior a ele, e ele desenvolvera todo talento que possuía para garantir
que uma mulher deixasse sua cama corada de prazer.
Mas nunca sentira nada em seus trinta anos que se comparasse com
a necessidade que queimava nele por Anne Shelley. Ele fingiu estar
dormindo na noite passada depois que a levou ao prazer explosivo naquela
cama, mas não dormiu. Ele olhou para a parede, sua punição latejante por ir
tão longe, e ele apenas... pensou nela.
Não era sobre tomá-la, embora aquelas fantasias estivessem em
pleno vigor, pelo que parecia, a todo, momento. Mas de estar com ela. De
fazê-la rir, de ouvir seu grito de realização quando encontrasse um molusco
na areia ou acertasse um alvo com uma faca. Ele pensou na força de caráter
dela, em seu bom coração e em sua busca concentrada em buscar o que
queria.
Ele pensava em todas as coisas que tornariam tão fácil fazer mais do
que simplesmente desejá-la. E pensou em todas as razões feias para ele
nunca ganhar o direito de fazê-lo.
Franziu o cenho enquanto eles aceleravam o caminho na estrada.
Eles acordaram cedo, juntaram suas coisas e cavalgaram desde então. A
manhã havia sido difícil, com chuvas torrenciais e estradas enlameadas e
desarrumadas para administrar. Mas, após uma breve parada para um
almoço frio, o clima e as estradas melhoraram. Eles não alcançariam Gretna
Green aquela noite, mas ficariam a apenas um dia de viagem.
Um dia de viagem de uma separação em potencial na qual ele não
queria pensar.
Ela mudou, parecendo tão ansiosa quanto ele se a expressão dela
fosse alguma indicação. Ela ficou mais quieta com o passar do dia, e ele se
perguntava se ela estava pensando na afirmação dele que se ele perguntaria
novamente esta noite se ela queria se entregar a ele.
E ele não resistiria se a resposta fosse sim.
— Por quê Constantine? — Ela finalmente deixou escapar um
rápido olhar para ele.
Ele estremeceu com a pergunta e com a maneira como ela disse o
nome dele mais uma vez. Ele pediu que ela fizesse isso enquanto a
agradava, porque não queria ser o homem que havia feito aquelas coisas,
que a tornavam um sonho impossível. Agora, quando ela disse isso, o som
de cada vogal e consoante em sua voz o deixou tenso.
— Por que... o quê? — Ele perguntou, tentando se concentrar.
— Seu nome, — ela esclareceu com uma pequena risada por causa
do seu mal-entendido. — É tão... é um nome tão grande. — Por que ela
escolheu?
— Você tem muito interesse em meus nomes, — disse ele, tentando
manter a voz leve, manter distância sendo brincalhão.
Ela arqueou uma sobrancelha para ele. — Como eu não poderia
estar quando...
Ela parou e ele olhou à frente. — Quando eu a arrebatei?
— Er, não. Bem, sim, suponho que devem fazer uma pessoa ficar
interessada no nome, mas eu achei que significava mais, como que nos
tornamos... amigos. Não, Rook... Constantine... Rook?
Ele sorriu apesar de si mesmo diante da confusão gaguejante dela
sobre o nome que deveria ser dele. Ele gostava dos dois que saíam dos
lábios dela, apesar de odiar cada nome por várias razões.
— Se você está se oferecendo para ser minha amiga, certamente
reconheço que é um presente, — disse ele com uma leve inclinação de
cabeça. Ele ponderou a pergunta novamente por um momento. Analisou
todos os motivos pelos quais ele não respondeu. Então ele fez assim
mesmo. — Minha mãe ganhava a vida, deitada, e muitas vezes era surrada
justamente por causa disso.
Ele a viu olhar para ele, mas não conseguiu ver a reação dela à
afirmação de que sua mãe era uma prostituta. Então continuou: — Ela
possuía uma mente brilhante. Adorava aprender, e foi assim que eu aprendi.
A história, principalmente, a fascinava. E ela amava a Escócia — ela
cresceu aqui. Não muito longe da minha ilha, na verdade. Constantine, foi o
nome de dois reis da Escócia. Suponho que ela tivesse objetivos mais altos
para mim do que eu.
— É um nome bonito, — ela disse suavemente.
— Melhor do que eu mereço, considerando o que ela pensaria do
caminho que eu segui. — Ele olhou para a rua, tentando imaginar a mãe
que havia perdido há tanto tempo, que ele mal conseguia se lembrar da cor
do cabelo ou do som da voz dela.
— Parece que você escolheu um caminho que lhe permitiu
sobreviver, e tenho certeza que é isso que ela gostaria para você, — disse
Anne lentamente. — Você disse que ela morreu quando você era bem
jovem.
Ele respirou fundo. Ele nunca falou sobre aquilo com ninguém.
Nem mesmo com Ellis, embora seu primo soubesse os detalhes. Mas agora
ele estava querendo contar a Anne sobre sua mãe. Para si mesmo, mas
também para ajudá-la a entender melhor a decisão que estava tomando,
entregando-se a alguém de um mundo tão diferente.
— Ela tinha um protetor, ou ele se chamava assim.
— Como o Sr. Talon, — Anne sussurrou com um calafrio.
Ele estremeceu. — Sim, eu admito que Talon me fez lembrar do
bastardo que se juntou a minha mãe. Talvez seja por isso que reagi com
tanta força. O homem da minha mãe conseguia com quem ela passava o
tempo. Ele controlava o dinheiro dela, embora isso apenas significasse
roubá-la, beber e jogar fora. — Ele balançou a cabeça. — Ele batia nela
quando achava que ela merecia. E batia em mim porque odiava que eu
existisse e eu era a prova e consequência amarga do que ela fazia. E talvez
porque ela me amasse e não o amasse.
A respiração forte de Anne chamou sua atenção de volta para ela.
Ela o observava enquanto cavalgava, com o rosto rosado e os olhos cheios
de lágrimas não derramadas pela história dele.
— Ela ficou doente, — ele disse suavemente. — E isso significava
que ela não podia trabalhar. E isso significava que ela não possuía mais
valor para ele. Ele queria que eu trabalhasse para ele. Ele não se importava
como eu conseguiria o dinheiro, ele só o queria.
— Você era uma criança! — Ela explodiu. — Você quer dizer que
ele queria que você...
Ele virou o rosto e tentou não pensar na verdade, mesmo quando
explicava àquela mulher que estava tão distante daquele mundo amargo.
— Há homens com... apetite... — Ele se interrompeu porque era
demais para ela. Demais para ele. — Aquilo nunca aconteceu por causa do
meu primo. Ellis era mais velho, dez para meus seis anos. De alguma
forma, ele ouviu sobre o plano do bastardo e de repente ele estava lá. Ele
me disse para fugir com ele, que eu possuía mãos pequenas e conseguiria
entrar em espaços apertados para roubar. Eu fugi. Nunca mais vi minha
mãe. — Ele clareou a garganta, desejando poder limpar a emoção que ardia
nele. — Ela morreu algumas semanas depois.
— Constantine, — Anne sussurrou, puxando seu cavalo à direita
fora da estrada e em um campo que corria ao lado dele. Ela desceu, dando
um tapinha no animal distraidamente, antes de andar no campo sem se
importar com a água que se agarrava à vegetação e que ela umedecia as
saias.
Ele seguiu, porque que escolha ele possuía, e desmontou sua própria
montaria. Ele a observou enquanto esticava as costas e esperava seu
desgosto ou seu julgamento sobre a terrível história que ele havia contado.
Quando ela o encarou, porém, não foi nenhuma daquelas coisas que ele viu.
Ela se moveu na direção dele em três longos passos e alcançou suas
bochechas. — O que você passou é algo que eu nem consigo imaginar,
tendo sido criada na minha torre de marfim em um lugar tão longe de onde
você começou.
Então ela sabia. Então ela entendera. Ele supôs que deveria estar
feliz por isso. Seria melhor para ela.
Ela ficou na ponta dos pés e roçou os lábios nos dele, depois passou
os braços em volta dele e apenas.. o abraçou. Ele ficou rígido, pois não
conseguia se lembrar da última vez que foi abraçado. Era tão bom que ele
pensou que poderia derreter nela e nunca ficar livre daquilo.
Ele nunca iria querer ser livre.
Ela esfregou o rosto no colarinho dele. — Você é tão notável. Sua
força é tão admirável.
Ele se afastou e olhou para o rosto dela. Ela não estava fazendo ele
de tolo, ela não estava aplacando o que acontecera, ou com pena dele pelo
passado. Ela olhava para ele e o via... e foi... aterrorizante.
Ele deu um longo passo para trás e assentiu. — Muito bem.
Devemos seguir em frente, no entanto. Estamos perto da próxima vila, onde
vamos parar para passar a noite.
Os lábios dela se afinaram com a rejeição de seu apoio, mas ela não
o confrontou sobre aquilo. Ela simplesmente caminhou até onde seu cavalo
estava pastando no campo e bateu de leve em seu flanco suavemente.
— Quanto tempo ate Gretna Green depois desta noite? — Ela
perguntou.
Ele se concentrou em arrumar o nó em seu alforje que estava
perfeitamente bem. Qualquer coisa para não olhar para ela e deixá-la ver
sua alma novamente. — Tem cerca de cem quilômetros ou mais. Com essas
estradas melhoradas, não teremos problemas para chegar à cidade amanhã à
tarde.
Ela assentiu, mas a visão periférica era lenta. — Haverá mais opções
de transporte para lá, eu acho.
Ele hesitou. — Sim. Correio, carruagens privadas. É uma cidade
grande o suficiente, você pode até encontrar conhecidos que podem levá-la
aonde você gostaria de ir.
Ela olhou para ele por tempo suficiente para que ele fosse forçado a
retornar o olhar. O rosto dela não mostrava nenhuma expressão. Totalmente
plano quando ela sussurrou: — Suponho que você possa ir para casa depois
disso. De volta à sua vida, se você não quiser me levar o resto do caminho.
Ele deu de ombros como se aquele pensamento não importasse. —
Suponho que poderia. Teremos que ver como vão as coisas amanhã quando
chegarmos.
Ela estremeceu um pouco. Então ela subiu no cavalo e ajeitou o
assento com cuidado. — Melhor sair, então.
Ele seguiu o exemplo e conduziu o caminho de volta à estrada. —
Melhor sair, — ele concordou.
Eles estavam calados enquanto cavalgavam, e ele deveria ter ficado
satisfeito com aquilo. Mas não pode deixar de sentir que havia perdido uma
oportunidade que ela estava oferecendo a ele. Uma que poderia não voltar,
exceto em sonhos arrependidos quando ela estivesse fora de sua vida para
sempre.

*****
Anne observou Rook comer a ceia pelo canto do olho, marcando
cada movimento e cada expressão. O resto da jornada naquela tarde passou
sem incidentes. Ele falou com ela sobre nada de importante, como se a
conversa sobre a mãe, sobre seu passado terrível e traumático, nunca tivesse
acontecido.
E agora ela não podia lê-lo. Como se não se conhecessem. Seu
coração doía pelo que havia sido perdido entre eles. Ansiava pelas paredes
que ele erigira entre eles, ansiava pelo fato dele ter sido forçado a construí-
las com um terrível abuso, negligência e medo.
— Conte-me mais sobre ser uma trigêmea, — disse ele.
Ela levantou o olhar e viu que ele se recostara no banco e estava
girando o último gole de cerveja que restava na caneca, na mão. Ela
respondeu. — Eu não tenho certeza do que você quer saber. É apenas ser
irmãs, só que temos a mesma idade e um rosto semelhante. — Ela suspirou.
— Alguns diriam a mesma cara.
Ele inclinou a cabeça. — Isso a incomoda, parecer com elas?
— Não. Eu amo parecer com elas. É a única vida que eu conheço,
então é reconfortante olhar para cima e ver Juliana ou Thomasina, com uma
expressão que reconheço imediatamente, porque senti aquilo no meu
próprio rosto. E isso nos permite trocar de lugar, com a finalidade de jogos
ou... — Ela balançou a cabeça enquanto pensava no que havia convencido
Thomasina a fazer duas semanas atrás. — Ou no caso de erros.
Ele ficou quieto por um momento. — E qual é a sua parte menos
favorita disso?
Ela olhou para ele. Ninguém nunca perguntou isso a ela antes. Ela e
suas irmãs foram consideradas uma anomalia pela maioria dos médicos.
Múltiplos nascimentos de gêmeas sobreviventes eram tão raros. As
trigêmeas eram quase impossíveis, um milagre, após milagres. Poucas
pessoas queriam saber mais sobre elas. O assunto parecia se tornar muito
desconfortável, mesmo quando o evocavam.
— Somos vistas como somente uma pessoa, — ela disse
suavemente. — Somente uma personalidade. Além de minha mãe, há muito
tempo, ninguém fora de nós, jamais foi capaz de nos diferenciar. Então, eu
nunca fui Anne Shelley. Eu sempre fui uma trigêmea Shelley. Primeiro e
para sempre.
— Mesmo o homem com quem você se casaria não conseguia
diferenciá-la? — Rook perguntou com uma expressão incrédula.
— Não, — ela disse com um suspiro. — O conde não se importou o
suficiente para tentar, eu suponho.
— Se ele não fez um esforço para conhecê-la, ele era um tolo. —
Rook se inclinou à frente e pegou a mão dela, dobrando-a entre as dele
antes de levantá-la para beijá-la suavemente.
E de repente tudo no ambiente mudou com o calor daquela boca na
pele dela, mesmo dessa maneira benigna. Ela se mexeu na cadeira enquanto
formigamentos começavam entre as pernas, correndo pelo estômago,
apertando o peito.
— Você deve achar meus problemas muito pequenos e tolos, — ela
engasgou. — Comparados com o seu.
Ele arqueou uma sobrancelha enquanto girava a mão dela e
pressionava outro beijo na pele abaixo do polegar. A língua dele disparou
suavemente e ela ouviu um som distorcido saindo de sua garganta.
Ele sorriu para ela. — Por que comparar? Eu tive uma vida difícil,
essa é uma verdade factual. Mas eu sempre soube quem eu era. E me
certifiquei de que todos os outros também soubessem. Não estar separado
como indivíduo deve ser horrível. Não me admiro que você fugiu. Não é à
toa que você procurou alguém que a viu.
— Fingiu me ver, — ela sussurrou. — Ellis apenas fingiu me ver.
A sobrancelha dele franziu e ele enfiou os dedos entre os dela,
acariciando o comprimento deles com os seus, deslizando o polegar pela
palma da mão e por dentro do pulso dela enquanto o corpo dela gritava com
fogo e antecipação.
O olhar dele encontrou o dela novamente. — Eu vejo você.
Aquelas três palavras a atingiram com tanta força no estômago que
parecia que o ar saía dela. Esse homem que ela nunca esperava lhe deu o
presente que ela sempre quis. Facilmente. Genuinamente. E muitos outros
presentes também. Fazia os sentimentos que surgiam sempre que ela olhava
para ele muito mais difícil de conter.
— Eu sei que você o faz. — Ela limpou sua garganta, precisando de
distância daqueles sentimentos ainda mais. — Você disse que me faria uma
pergunta hoje à noite. E você está me deixando louca fazendo isso.
Ele riu. — Fazendo o quê?
— Você sabe o quê, — ela ofegou quando ele deixou a unha do
polegar abrasar a pele sensível da palma da mão novamente. — Fazendo
isso com a minha mão.
Ele levantou a mesma mão novamente, pressionando outro beijo na
palma da mão e depois no pulso. Ela prendeu a respiração. Como ele
poderia fazer algo tão simples e parecer tão poderoso?
Ele beijou o pulso dela e disse: — Não tenho certeza se você quer
que eu faça a pergunta. Estamos tão perto de Gretna Green agora. Você
pode querer ir para casa e esquecer que já me beijou. Ou que eu a beijei.
Ali... Ele apontou para a boca dela. — Ou em qualquer outro lugar.
Ela engoliu em seco com a lembrança da cabeça escura dele entre as
suas pernas trêmulas. Do magnífico prazer que ecoou agora quando ele mal
tocava a mão dela.
— Se você for embora, se eu nunca mais o vir, — ela sussurrou. —
Isso me faz querer que você faça a pergunta em mais detalhes. Ainda tenho
alguma chance de responder.
Houve um momento em que a dor tomou conta da expressão dele.
Como se tocá-la e desejá-la fosse a mesma tortura para ele como para ela.
Então ele assentiu.
— Você me diz que quer que eu a arruine, — ele sussurrou,
vermelho, concentrando-se tão completamente nela que o resto da sala
parecia desaparecer. — Tomar sua inocência e deixá-la sentir o tipo de
prazer que nunca ousou sonhar.
— Eu quero. — A voz dela falhou.
— Você já pensou nas consequências, Anne, de dar este presente a
um homem como eu? Um homem que você sabe que não é para você. Um
homem com um passado tão sombrio que uma mulher como você nunca
deveria saber que existe. Você quer abrir as pernas para um homem como
eu?
Ela não conseguia respirar enquanto ele falava todas aquelas
palavras, fazia todas aquelas perguntas, tentava alertá-la e a atraía cada vez
mais. Ela levantou a mão que ele não estava segurando e a guiou na direção
dele. Ela acariciou os dedos ao longo da mandíbula dele, deixando o
polegar deslizar ao longo do lábio inferior.
E então ela sussurrou: — Eu quero tanto isso, Constantine. Eu quero
você.
Ele não se mexeu nem por um momento, nem reagiu. Ela não estava
certa se era porque ele não gostou da resposta. Ou porque ela usou o nome
verdadeiro dele novamente. Ou, porque ele não a queria apesar do show que
estava fazendo.
Mas então ele empurrou a cadeira para trás com um guinchado que
chamou a atenção da sala para eles, por um breve momento. Ele a puxou e
assentiu.
— Então vamos lá para cima, — ele rosnou. — Agora.
Ele segurava a mão dela enquanto eles passavam pelo salão lotado
em direção à escada estreita e esfumaçada no canto de trás da sala. Subiram
um lance de degraus, dois, e eles estavam no topo do pequeno prédio, na
fileira de quartos mais baratos, onde ficava o quarto para a noite.
O corredor estava vazio e ele a colocou na frente dele, passando os
braços em volta da cintura dela e puxando-a de costas, contra ele, enquanto
se moviam desajeitadamente. Ela podia ver a porta à frente deles, apenas
dez passos, embora parecesse uma vida inteira quando ele começou a beijar
a lateral de seu pescoço, gentilmente.
Ela gemeu quando os dois alcançaram a maçaneta da porta, tentando
colocar a chave na fechadura, girando-a juntos, os dedos entrelaçados
enquanto cambaleavam para o pequeno quarto que continha apenas uma
cama estreita suficiente para dois, e uma lareira que aquecia e iluminava o
espaço.
Ele a virou quando fechou a porta, abraçando-a quando sua boca
desceu para reivindicar a dela.
Ele a beijara pela última vez apenas vinte e quatro horas antes e
ainda assim Anne se sentia faminta por aquilo. Ela deslizou os dedos em
seus cabelos curtos, puxando-o para mais perto, pedindo no momento para
ele continuar e continuar, enquanto ele provava cada centímetro da boca
dela. As mãos dele começaram a passar sobre ela. Ele segurou o seio e ela
engasgou ao pensar na boca dele como se tinha sido ontem à noite. Ele
deixou os dedos descerem pelas laterias e pelos quadris dela, puxando-a
para perto o suficiente para que ela pudesse sentir a crista dura da ereção
dele contra sua barriga.
Ela arqueou contra ele, esfregando até que ele quebrou o beijo com
um gemido. — Você é uma trapaceira, — ele grunhiu quando a girou e a
apoiou através do quarto em direção à cama baixa. Ela bateu com as
panturrilhas em alguns passos e sorriu para ele.
— Você gosta de uma sirigaita, eu acho, — ela disse suavemente. —
Você ficaria entediado se eu não desafiasse você.
— Isso provavelmente seja verdade, — ele disse enquanto chegava
em torno das costas dela e abria os seus botões sem nenhum esforço. O
vestido se abriu e ele o puxou para baixo e para fora em um movimento
suave. — Mas ninguém poderia ficar entediado com você.
Lágrimas arderam nos olhos com aquela afirmação. Ela sabia que
poderia ser difícil. Mas ele gostava dela de qualquer maneira. Talvez até
porque ela não fosse fácil. Aquele era um presente tanto quanto a cama hoje
à noite.
Ela segurou as bochechas dele e o beijou, derramando toda sua
necessidade nele, todo seu coração, todas as coisas que sentia por ele e
tentara negar, até aquele momento, em que a inundou em uma onda. Ela
estava com muito medo de nomear aquela emoção, mas deu todas para ele
com os lábios e prometeu dar todas a ele, com seu corpo.
Ele se afastou e olhou para ela com preocupação nos olhos escuros.
— Sem desespero, — ele sussurrou, e cruzou os dedos sob as tiras da
camisa dela. Ele as deixou cair, puxando o tecido sedoso ao redor dos
quadris, juntando-o aos pés com o vestido. E ela estava nua, exceto por suas
botas e meias. Ele deu um passo para trás, olhando-a da cabeça aos pés,
como se estivesse memorizando o momento enquanto olhava.
— Tire o resto, — ele pediu, sua voz rouca. — Por favor.
Capítulo 12

Anne se sentou na beira da cama e fez exatamente o que ele pedia,


tirando as botas em alguns movimentos suaves e rolando as meias para
baixo. Não se importava que pegasse uma, como ela fazia, não se importava
que ela não sabia exatamente onde ela as jogava. Precisava daquele homem
e esse era o caminho, então ela o fez o mais rápido que pode.
Quando ela olhou para cima, ele se despiu da cintura para cima,
tirou as próprias botas e estava trabalhando diligentemente nas calças. Ela
riu quando colocou o foco naquele rosto bonito enquanto ele quase
arrebentava os botões em sua pressa.
— Como você pode ser tão rápido? — Ela riu.
Ele olhou para ela com um sorriso fugaz. — Eu estou inspirado. —
As calças caíram e ele as chutou para ficar nu diante dela.
Ela o encarou como na noite anterior, mas desta vez ficou ainda
mais fascinada pelo impulso forte dele que se curvava em direção ao
estômago. Ele colocaria aquilo nela. Ela queria muito. Ela também temia,
especialmente considerando os rumores que ouvira sobre dor e dever e tudo
mais.
— Posso tocar? — Ela perguntou.
— Tão educada e gentil. — Ele se aproximou para que ela pudesse
alcançá-lo. — Sim, minha senhora. Toque quanto quiser.
Ela olhou para ele ao ouvir o tom brincalhão dele, mas foi
rapidamente distraída com a visão dele muito mais perto. Ela estendeu a
mão e passou o dedo pelo comprimento dele. A pele era acetinada, o
músculo embaixo duro como pedra. Que dicotomia.
Ela o pegou na mão e acariciou-o da cabeça à base.
— Foda-se. Merda — ele rosnou, esfregando-se contra os dedos
dela.
— O que aconteceu com o decoro, bom senhor? — Ela perguntou
enquanto olhava para ele com um sorriso, apesar da linguagem obscena. —
Você vai queimar meus ouvidos inocentes.
— Eu farei algo para sua inocência, — ele riu. — Toque novamente.
Ela o fez, espantada com a tensão que ainda existia, quente como o
pênis dele quando ela o acariciou, mas havia uma facilidade entre eles. Ele
a provocava e ela estava confortável o suficiente para fazer o mesmo. O
clima era divertido e quente, e ela não sentia medo do que ele faria.
Ele cuidaria dela. Ela sabia disso.
— Você me lambeu, — ela sussurrou, encontrando os olhos dele
enquanto esfregava pela terceira vez. — Seria bom para você?
Ele soltou um som baixo da garganta quando seus olhos se
fecharam. — Você está tentando me matar. Essa é a única explicação. Você
foi enviada em uma missão para me matar e este é o seu método. Uma
assassina devastadora.
Ela ignorou as divagações e se inclinou à frente. Lançou a língua
para fora e acariciou-o na cabeça do pênis. Os dedos dele afundaram nos
cabelos dela e ele sentiu os pelos se arrepiando. — Anne! — Ele explodiu.
Ela sorriu para ele enquanto o lambia novamente. — Isso está
errado?
— Não, não está errado, mas eu juro que se eu a ensinar como me
levar à sua boca, não vou durar a noite. Não vou durar um minuto, e não é
assim que deve ser a sua primeira vez. Então...
Ele a pegou pelas axilas e a levantou. Esmagou a boca na dela,
enfiando a língua nela com uma intenção dura e pesada. Ela inclinou o rosto
para um melhor acesso, se afogando em seu beijo. Se afogando nele. Tão
concentrada que ela só percebeu que ele a estava movendo quando deitou a
cabeça nos travesseiros e se sentou ao seu lado.
Seu beijo mergulhou mais baixo, como na noite anterior. Desta vez,
ela estava pronta e suspirou em sinal de rendição quando ele acariciou o
queixo áspero contra a garganta dela, lambendo uma trilha até os seios. Ela
arqueou para ele, oferecendo-se. Ele festejou, lambeu e mordiscou seus
mamilos, incendiando-a quando a trouxe à vida. O prazer ricocheteava
através dela, mas sempre voltava à necessidade pulsante entre as pernas. Ela
se viu abrindo-as quando ele beijou seu estômago, através do quadril, contra
a coxa.
A boca dele tocou seu sexo como na noite anterior, e ela desejou
alívio e prazer. Ele a abriu, acariciando sua língua através dela, várias
vezes, deixando-a molhada e trêmula enquanto a levava gentilmente,
cuidadosamente em direção ao orgasmo que ela sonhava desde a noite
anterior.
Ela sentiu que estava chegando, aquela sensação desesperada de
estar à beira de um penhasco do qual ela queria muito voar. Mas ele se
conteve, suavizando suas lambidas. Ela levantou a cabeça para olhá-lo, para
perguntar, e ele a segurou olhando-a enquanto colocava um dedo em seu
canal.
Ela prendeu a respiração com a estranha sensação de ser invadida, e
ele parou para que ela pudesse se acostumar com a sensação. Ele a
acariciou então, mais uma vez, e ela ofegou novamente com a forma como
aquele toque aumentou seu prazer.
Ele não falou quando voltou a lamber o clitóris, agora acrescentando
o toque dos dedos ao ato. Ela se viu moendo contra a boca e o dedo dele,
alcançando a liberação ainda mais. Quando ele adicionou o segundo dedo,
esticando-a ainda mais, ela empurrou a cabeça contra o travesseiro fino com
um suspiro.
Ela não conseguiu responder mais. Em um instante, a boca se foi, os
dedos se foram e ela sentiu a boca retornando no caminho preguiçoso pelo
corpo.
— Você está tão perto, — ele murmurou enquanto empurrava as
pernas dela um pouco mais. — Eu quero sentir você se aproximar de mim.
Ela o alcançou, a ansiedade se misturando com a antecipação, pois
estava claro que chegara o momento. Ele a tomaria. Isso seria o fim de uma
vida e o início de outra.
Mas ele não fez. Ele apenas olhou nos olhos dela, examinando o
rosto dela, e sussurrou: — Quero que você diga meu nome enquanto eu a
tomar. Diga meu nome, meu nome verdadeiro.
Ela assentiu e ofegou quando ele alcançou entre eles para acariciar
seu pênis e se afundar contra a entrada molhada. E então ele estava
empurrando, pressionando-a polegada por polegada.
— Constantine, — ela murmurou contra o pescoço dele, enterrando
a cabeça lá. — Constantine, — ela repetiu quando ele a invadiu e a dor
chicoteava através dela em um chiado quente. — Constantine! — Ela gritou
quando ele a preencheu ao máximo e então descansou lá, deixando-a se
ajustar àquela nova sensação.
— Ainda dói? — Ele sussurrou, pressionando beijos no pescoço e
no ombro dela.
Ela balançou a cabeça. — Não, — ela disse, com a voz carregada no
escuro silencioso. — Parece apenas cheio. Então é isso.
Ele riu contra a pele dela. — Não exatamente. — Ele se chocou
contra ela, e seu corpo pulou para a vida como na boca dele. — É isso aqui.
— Ele moeu novamente, empurrando suavemente para que ela sentisse cada
centímetro dele se mover dentro dela. — É isso aqui.
Ele continuou dizendo aquilo, continuou em movimento, e ela se viu
erguendo-se contra ele, moendo quando seus corpos se tocavam, ofegando
quando ele puxava seu comprimento através dela e de volta para dentro,
uma e outra vez, e outra vez. Ele chegou entre eles, alisando o polegar
contra o clitóris sensível dela. Com alguns golpes de seu dedo e empurrões
de seus quadris, ela estava na beira novamente, ofegando e arranhando.
Ele encontrou os olhos dela, mantendo o olhar firme, e justamente
quando ela pensou que poderia perder a cabeça, ele sussurrou: — Agora. Eu
quero sentir você agora.
Foi demais, e a represa de prazer explodiu naquele momento. Ele
capturou seus gritos quando ela explodiu, segurando-o com seu corpo
enquanto continuava a acariciar dentro dela. O ritmo dele aumentou, ela
sentiu a tensão enquanto ele ofegava contra sua boca.
Então ele rosnou o nome dela, chupando a língua dela com força
enquanto ele se afastava do corpo dela e se bombeava entre eles. O beijo
suavizou, a mão livre agarrando seus cabelos enquanto ele rolava para o
lado e a puxava contra seu peito pesado. Ela descansou a cabeça na dobra
do ombro dele e traçou padrões em seu peito enquanto a respiração
diminuía, seu batimento cardíaco voltou ao normal e uma satisfação
sonolenta tomou conta dela.
Ela fez aquilo. Arruinou-se tanto na verdade quanto nos boatos. E
ela não se arrependia. Agora que estava pronto, nem parecia arruinada.
Parecia certo. E ela passaria uma noite com esse homem para lembrar
quando ele se fora e ela estivesse sozinha.
Aquilo valeu a pena. Aquilo valia tudo.
— Durma, — ele sussurrou enquanto pressionava um beijo na
têmpora dela e a puxava contra ele para mais perto. — Durma agora.
Então ela fechou os olhos e deixou o sono chegar.

*****

Rook não dormira. Como ele poderia? Provavelmente era a primeira


e única noite com Anne, e ele conhecia aquele fato dolorosamente com
clareza. Ele queria ficar deitado lá, saboreando a sensação do corpo dela em
seus braços. Saboreando o som suave de sua respiração, sentindo-a em seu
peito. Ele queria experimentar cada momento que a segurava.
Porque ele a amava.
Ele não queria amá-la. Mas não era assim que o coração funcionava
e ele sabia disso. O coração incendiava quando incendiava, e Anne Shelley
estava atirando pederneira contra as barreiras geladas que ele havia erguido
há muito tempo. Os fatos eram claros e eles disseram para ele que a amava.
Aquilo não mudava nada, exceto o quão miserável ele ficaria
quando eles se separassem.
A luz filtrada do amanhecer rodeava as cortinas escuras da janela e
ele amaldiçoou sua chegada. Dentro de algumas horas, eles partiriam.
Chegariam a Gretna Green, e a cidade maior, com todos os visitantes,
ofereceria a Anne oportunidades de acelerar o caminho até em casa. Longe
dele.
Ela se moveu contra o peito dele, apertando os dedos contra a pele
dele suavemente e murmurava enquanto dormia.
Quando ela se moveu contra ele, seu corpo acordou por vontade
própria. Mas, novamente, ele estava no limite desde o momento em que
chegou. Ele queria mais. Queria tudo até que ambos esquecessem tudo o
que tinham a perder.
Ele deixou os dedos percorrerem as costas nuas dela, memorizando
sua pele macia. Ela se mexeu contra ele novamente, desta vez com um
suspiro suave de prazer.
Seus olhos se abriram e ela olhou para ele sonolenta. Ele esperou
que ela começasse ou olhasse para ele com algum tipo de tristeza ou uma
pitada de arrependimento pelo que ela lhe dera.
Ela não fez. Passou a mão em volta do pescoço dele e abaixou a
boca dele até a dela. Eles se beijaram, gentil e preguiçoso na manhã quieta e
no calor da cama.
Ele sentiu o pulso dela acelerar e combinar com o dele. Lentamente,
ele segurou os quadris dela, amassando a carne ali enquanto a deslocava
sobre ele. As pernas dela se abriram quando ela montou nele e seus cabelos
caíram ao seu redor enquanto ela continuava a sondar a boca dele com a
língua.
Ela se remexeu, esfregando seu sexo molhado contra o pau duro.
Sem dizer nada, ela alcançou entre eles e o posicionou, levando-o para
dentro dela com um suspiro trêmulo.
— Ainda dói? — Ele perguntou, tentando manter os sentidos
quando ela flexionava o calor apertado ao redor dele que estava tão perto do
céu quanto ele jamais poderia ir.
Ela balançou a cabeça. — Isso nunca doeu muito, — disse ela antes
de começar a se mover. — Não tanto quanto me senti bem, pelo menos.
Ela era natural apesar de sua falta de experiência. Ela rolou sobre ele
como ondas contra a costa de sua ilha, alcançando seu prazer e
naturalmente dando o dele no processo. Quando ela se endireitou um pouco
para mudar o ângulo de seus corpos, ele se inclinou e segurou os seios,
lambendo de um para o outro, chupando seus mamilos enquanto ela
murmurava prazer crescente a cada movimento de seus quadris.
Quando ele chegou, ele hesitou, observando o rosto dela se contrair
com prazer sem palavras, sentindo seu corpo pulsar ao redor dele, ordenhá-
lo enquanto ela se levantava mais e mais rápido. Ela caiu contra ele com um
gemido ofegante. Ele assumiu a liderança, levantando-a por baixo,
mantendo-a firme enquanto ele a acariciava. Suas bolas ficaram pesadas,
apertadas contra seu corpo quando sua semente começou a se mover.
Como ele queria entrar dentro dela. Marcá-la de uma nova maneira.
Talvez criar uma vida que nunca a deixaria esquecer esse momento. Mas
fazer aquilo seria cruel. Ela o odiaria por impedi-la de qualquer tipo de bom
futuro. Ele se odiaria por machucá-la e a criança que eles poderiam criar
neste momento quente.
Então ele a deslizou para frente, colocou seu pênis para fora, e
gozou intensamente enquanto ela continuava a balançar sobre ele. Ele a
beijou, bebendo cada centímetro dela antes que ela se ajustasse para se
deitar sobre o corpo dele, as pernas emaranhadas, a cabeça apoiada no peito
dele enquanto olhava para ele com um sorriso.
— Eu poderia acordar assim todas as manhãs.
Ele voltou a dar um sorriso, mesmo que doesse. Como ele adoraria
acordar com ela todos os dias. Fazer amor com ela todos os dias.
— Que horas você acha que são? — Ela perguntou enquanto
passava as mãos pelos lados dele distraidamente, sem perceber o fogo que
acendia com apenas aquele toque inocente.
Ele encolheu os ombros e levantou a cabeça para olhar a janela. —
Não tenho certeza. Amanheceu, no entanto, a julgar pela luz ao redor da
borda das cortinas. O começo do dia.
Ela bocejou. — Não durmo tão bem há semanas. Meses. Não
sinceramente, desde que meu noivado foi anunciado.
Ele franziu o cenho ao lembrar o homem com quem ela jurara se
casar. Ela o mencionara muitas vezes, embora nunca o nomeasse. Mas
Rook sabia que ele era titulado. Poderoso. Uma correspondência no papel,
pelo menos.
— Ele foi cruel com você? — Ele perguntou suavemente.
Ela levantou o rosto de surpresa. — Não, — ela disse, rápido o
suficiente para que ele pudesse dizer que era verdade. — Não, eu estava...
eu não era nada. Eu era um acordo comercial. Nada mais.
Ele fez uma careta. O pensamento de que um homem poderia ter
essa mulher em sua vida e não quisesse mais e mais dela, era tão estranho
para ele. Se ela pudesse ser dele, ele mostraria todos os dias o quanto ele se
importava.
Mas ela não podia ser dele. Ele não era digno de limpar sua bota.
Aquilo não importava até agora. Mas agora sim.
— Não choveu a noite toda, — disse ele, mudando de assunto antes
que pudesse parecer um tolo, talvez confessando seu coração. Ele só podia
imaginar como ela reagiria. Ela precisava sentir que ele não passava de um
mero caso para ela. — Certamente chegaremos a Gretna Green hoje.
Ela soltou o ar lentamente. — Sim, bem, estou ansiosa para ver
nossas opções para chegar em casa, suponho. Você deve estar pronto para
retornar à sua ilha também. Eu sei que falamos de uma recompensa. Eu
poderia mandar para você naquela vila onde começamos, se você me der o
endereço antes de nos separarmos.
Ele ficou tenso. Ela já estava querendo se livrar dele, ao que parecia.
Talvez aquela fosse sua maneira gentil de lidar com isso. Lembrando a ele
que ela não precisava dele quando estava em um lugar onde possuía acesso
a mais opções.
Era melhor para ela, é claro. Melhor ele deixá-la ir antes que esses
sentimentos em seu peito florescessem ainda mais. Mas doeu. Tudo sobre
aquilo doía como um chicote nas costas dele.
Ele rolou debaixo dela, ficando de pé. Ela se mexeu e levantou os
lençóis para cobrir os seios enquanto o observava se vestir tão rápido
quanto ele se despira de suas roupas horas antes.
— Eu deveria preparar os cavalos então, já que nós dois estamos
ansiosos para sair, — disse ele, ouvindo a natureza cortada de seu tom. —
Não se apresse em se vestir e podemos estar na estrada assim que você
puder.
— Rook, — ela começou.
Gostou de vê-la usar o apelido dele. Ele nem sabia o porquê, pois
havia dito a ela que era assim que ela deveria chamá-lo. Constantine foi o
homem que a agradou. Ele só existia quando ele se empoleirava entre as
pernas dela.
— Será melhor se continuarmos, — ele resmungou enquanto me
movia para a porta. Lá ele parou e voltou a olhá-la uma última vez. Em sua
cama, bagunçada por ele. Dele.
Mas era uma ilusão. Uma miragem em que ele acreditou por um
momento.
— Vejo você lá embaixo, — ele acrescentou. Ele girou nos
calcanhares e a deixou, tentando ignorar a dor que a ação causou. Tentando
ignorar a voz dentro dele que gritava para ele voltar para ela, em vez de ir
embora.
Capítulo 13

Antes que ela e suas irmãs saíssem para a sociedade, a tia solteira de
Anne as chamara para conversar com elas sobre homens. Foi uma conversa
muito pouco esclarecedora no geral. A mulher não possuía experiência
própria e tinha um olhar duro sobre o sexo oposto. Mas ela havia dito uma
coisa que agora ecoava nos ouvidos de Anne enquanto eles trotavam pela
estrada sob o sol quente da tarde.
Se você der a um homem o que ele quer, ele irá embora.
Era para ser uma estratégia, é claro. Banque a difícil no dia-a-dia e
os homens a perseguirão. Mas também havia sido uma advertência: não
beijar atrás de vasos de flores ou desistir da inocência com muita facilidade.
Anne fizera exatamente aquilo. A inocência, não os vasos de flores.
E agora ela sentia Rook se afastando dela. Oh! Ele foi educado
enquanto viajaram. Ele era amável como um companheiro de viagem. Mas
ele não olhou mais para ela com intenção ardente. Ele não brincava mais
com ela. Ele não perguntou mais sobre o passado dela ou sua família e não
conseguiu nenhuma informação sobre ele.
Eles eram como companheiros de viagem que não estavam bem
familiarizados agora. Nem amigos, como ela sentiu que eram. Nem
amantes.
O coração dela se partiu pela perda de ambos os papéis, mesmo
sabendo que poderia ser o melhor. Ela cuidava dele, queria que ele se
distraísse, mas ele não sentia o mesmo por ela. Afastá-la agora era uma
gentileza. Isso lhe permitiu começar a planejar o futuro assustador que
enfrentaria assim que voltasse a Harcourt, a família e o noivo que
abandonara ali, semanas antes.
Chegaram ao topo de uma colina e Rook trotou sua montaria para
fora da estrada e para um mirante. — Pronto, — ele disse, apontando ao
longe. — A maldita Gretna Green.
Ela olhou para a pequena aldeia. Era uma vila bonita e
movimentada, como centenas de outras que pontilhavam o campo na
Escócia e na Inglaterra.
— Hmm, — ela disse. — Eu pensei que de alguma forma seria mais
grandiosa ou brilharia na luz. Do jeito que se fala, quase parece um país das
fadas.
Ele sorriu. — Pessoas com a noção romântica disso, eu suponho.
Mas a loja de ferreiro é exatamente isso, você sabe, uma loja de ferreiro.
Um pouco sombria e fria para o meu gosto.
Ela apontou a cabeça para ele. — Isso significa que você veio aqui
antes? — ela perguntou. Ela não conseguiu evitar o sorriso que torceu seus
lábios. — Diga-me que você não é casado secretamente.
Ele balançou a cabeça e um leve eco de seu sorriso habitual cruzou
seu rosto. — Eu não sou. Apenas um turista curioso, como a maioria dos
que param por aí.
— Então você terá que me levar pela cidade quando chegarmos a
ela, — disse ela, e gritou para o cavalo para ir à estrada. — Venha,
estaremos lá antes do jantar.
Ela empurrou o cavalo à frente e ouviu Rook seguir depois de um
momento. Ela não tinha pressa de chegar à cidade, é claro. Ver esse tempo
juntos terminar como poderia ser quando chegassem à cidade maior. Mas
ela precisava mostrar uma boa aparência. Não o deixaria ver que aquilo
importava para ela quando significava tão pouco para ele.
Aquela era a única maneira de sobreviver a isso com um fragmento
de sua dignidade intacta.
Eles entraram nos portões da cidade, em menos de uma hora, e
puxaram seus cavalos para uma estalagem que era facilmente três vezes
maior do que qualquer uma que os abrigara ao longo de sua rota. Quando
Rook a ajudou a desmontar, ela forçou outro sorriso. — Oh! Eu mal posso
esperar por um banho para lavar a viagem dos meus ossos.
Ela pensou que havia um lampejo de desejo que obscureceu o olhar
dele ao ouvir aquela afirmação, mas ele piscou.
— Pergunte sobre um quarto lá dentro, — disse ele. — E eles
mandam a água. Vou cuidar de nossos cavalos e perguntar sobre transporte
seguro para você, daqui. Se parecer provável que você possa chegar em
casa mais rápido de qualquer outra maneira, também perguntarei sobre o
preço dos cavalos.
Ela mordeu o lábio com a explicação eficiente dele sobre como ele
se livraria dela e assentiu. — Muito bom. Obrigada.
Ele se virou, levando os cavalos pela movimentada pista em direção
ao estábulo. Ela entrou na estalagem, recebida por aromas de pão assado e
pelo som dos viajantes, bebendo cerveja e contando as histórias da estrada.
Parecia um grupo de boa índole, e ela não sentiu medo ao se aproximar de
uma mulher atrás de uma mesa.
— Boa tarde, —, disse ela. — Estou perguntando sobre um quarto
para a noite. Meu... meu marido está cuidando dos cavalos e fazendo outros
arranjos.
A mulher foi rápida em encontrar um quarto e entregou uma chave a
Anne. — É o terceiro à esquerda no segundo andar, — disse ela. — O jantar
será em uma hora, embora você possa descer mais cedo. Nossa estalagem
está agitada com o melhor clima, como você pode ver. Um grande grupo de
viajantes chegou de Harcourt hoje.
Anne levantou a cabeça de onde estava assinando o livro de registro
do hotel e se virou para olhar para o grupo de homens junto à lareira. O
coração dela quase parou. Eles eram os companheiros do conde de
Harcourt, homens do condado dele. Ela não os reconheceu quando entrou,
mas agora viu alguns rostos familiares na multidão.
Ela se virou rapidamente, esperando que não a tivessem visto. É
claro que ela não parecia tão bonita quanto quando quando fugiu para a
noite.
— Harcourt, você diz, — ela disse suavemente, olhando por cima
do ombro. — Aquele é um belo condado. Eu sei um pouco. Eles parecem
muito turbulentos. O que os deixou em tal ponto?
A esposa do hospedeiro se inclinou, seu olhar brilhando de prazer.
— Bem, eu não sou de fofocar, é claro. Todo mundo diz que eu sou
silenciosa como o túmulo. Posso manter um segredo como nenhum outro. É
o que dizem.
Anne apertou os lábios. Se esse não fosse o começo da grande
confissão de fofocas, ela não sabia o que era. — Tenho certeza que você é
muito discreta. Como eu sou.
A mulher assentiu. — Esse grupo continua falando de um terrível
escândalo de onde eles vêm. Algo sobre seu senhor e um noivado quebrado.
O sangue de Anne rugiu tão alto em seus ouvidos que ela mal podia
ouvir mais alguma coisa. Ela engoliu em seco, tentando se acalmar. — Isso
é uma coisa terrível. Mas suponho que um casamento frustrado seja apenas
um escândalo até o próximo.
— Mas ele não foi frustrado. — A mulher quase bateu palmas. —
Eles dizem que a noiva do homem fugiu... então ele se casou com a irmã
dela.
Agora o sangue pulsando era tudo o que Anne podia ouvir.
Certamente ela não poderia ter ouvido direito aquelas palavras.
Ela tentou respirar, mas manchas estavam começando a aparecer
diante de seus olhos. — Lorde Harcourt se casou com uma das irmãs de sua
pretendida? — Ela perguntou, suas mãos tremendo, seus joelhos tremendo.
— Essas são as notícias daquele grupo, — disse a mulher. Ela
piscou. — Você ficou pálida, senhorita. Você conhece o casal?
— Eu conheço. — Anne pressionou as duas mãos na mesa, tentando
encontrar uma segurança enquanto o ambiente estava tombando. — Não
pode ser verdade. Não é verdade que Harcourt se casou com uma das irmãs
restantes. Qual? Você sabe qual?
Ela sabia a resposta, apesar de perguntar. Thomasina fora quem ela
forçara em seus jogos. Thomasina seria quem concordaria com tal coisa por
penitência se ela fosse pega. Thomasina doce, inocente e boa, casada com
Jasper Kincaid, o conde de Harcourt. Um homem sem coração.
— Sinto muito, senhorita, eu não sei. Você poderia perguntar aos
homens os detalhes. Senhora? Oh! Senhora!
Mas Anne mal a ouviu quando começou a aspirar ar dentro e fora de
seus pulmões. Seus joelhos cederam e ela mal se conteve. Então mãos a
tocaram, passando pela cintura dela. Ela se virou na direção delas e viu o
rosto de Rook nadando em sua visão. Seus olhos escuros estavam
arregalados, cheios de puro terror quando ele a levantou e a carregou pelas
escadas, a esposa do proprietário não muito atrás. A mulher estava falando,
falando sobre algo, ela não sabia o quê. Seu desmaio, talvez.
Ela não ouviu nada. Tudo em que ela conseguia pensar, tudo que
conseguia entender, tudo em que conseguia se concentrar era no que havia
feito. O que ela havia imposto a suas irmãs. Seu egoísmo obrigara uma
delas, provavelmente Thomasina, a se casar. Um casamento sem amor
significava para Anne que havia atirado uma de suas irmãs a uma
armadilha.
E quando ela soltou um longo e dolorido grito, tudo ao seu redor
finalmente ficou escuro.

*****

Rook aninhou Anne nos braços dele na cama, batendo levemente no


rosto dela. Pelo menos a esposa do estalajadeiro saíra para colocar sais e
água cheirosas em uma bacia.
— Anne, — ele disse, dando um tapa com mais força para acordá-
la. — Anne, acorde.
Foi aterrorizante entrar na estalagem bem a tempo de ver a mulher
que ele amava ficar branca e quase se depositar no chão. As pessoas
correram para ajudar, houve gritos e boa vontade... ele não se importava
com nada além dela. Seu rosto pálido e ferido quando ela olhou para ele e
lamentou: — A culpa é minha!
Então ela se foi, desmaiou completamente de um choque que ele
não conseguia entender, porque a esposa do estalajadeiro continuava
falando sobre condes e casamentos e algo sobre um grupo de homens do
outro lado da sala que nem pareciam notar a confusão porque eles estavam
tão fundo em seus copos.
Ele não sabia o que diabos estava acontecendo, tudo o que sabia era
que Anne finalmente se mexeu. O alívio inundou todo o seu ser quando ele
afastou os cabelos do rosto dela. — Está tudo bem agora. Estou aqui. — Ela
balançou como se quisesse se levantar, mas ele se manteve firme. — Shh,
não se levante, você desmaiou.
Ela olhou para ele, seu rosto ainda tão ferido quanto no primeiro
momento em que a encontrou. Ela balançou a cabeça. — Diga-me que foi
um sonho. Um pesadelo. Não pode ser verdade.
A porta se abriu então e a esposa do estalajadeiro voltou correndo.
Ela carregava uma bandeja com sais e água, e quase pareceu desapontada
ao ver Anne acordada.
— Oh! Aí está ela, — a mulher mais velha disse. — Pobre cordeiro,
a estrada pode fazer isso com você e isso é um fato. Descanse agora e deixe
seu homem cuidar de você. Devo trazer comida?
O apetite de Rook havia fugido no momento em que viu Anne cair e
ele pode ver como a pele dela estava verde quando ela virou o rosto, então
ele balançou a cabeça. — Se não for demais, talvez você possa trazer em
uma hora ou mais. Deixe minha esposa descansar e deixe-me verificar se
ela não precisa de um médico.
— Sim, com certeza, — disse a mulher. — Um médico bom, então.
Sim, eu vou deixar você. Por favor, me procure se precisar de algo. Vou
colocar dois pratos de lado para vocês.
Ela os deixou, fechando a porta atrás de si. Só então Anne sentou
uma fração. — Eu não preciso de um médico.
— Talvez não, mas isso a fez feliz e a fez sair, — disse Rook. —
Agora me diga o que aconteceu. Ela estava certa de que tudo foi causado
pelo mero esgotamento da estrada?
Ela balançou para frente e dobrou os joelhos, colocando a cabeça
nas mãos. — Não, — ela sussurrou, a dor em cada som. — Oh! Deus, não.
— O que foi? — Ele repetiu, mais forte. — Você precisa me dizer,
agora.
Seu tom pareceu chocá-la com um pouco de pânico, e ela respirou
fundo algumas vezes antes de se forçar a encontrar seu olhar. As lágrimas
que brilhavam naqueles olhos verdes brilhantes partiram o coração dele e
ele pegou a mão dela, alisando os dedos sobre a pele dela na esperança de
que a confortasse.
— Quando eu fugi do meu casamento arranjado, usei minha irmã
para fazê-lo. Eu lhe disse que costumávamos trocar de lugar... Ela soltou
um soluço, mas conseguiu continuar. — Bem, convenci minha irmã
Thomasina a fazer isso, mais uma vez. Eu menti para ela e ela acreditou em
mim, colocou meu vestido e foi para a cova dos leões.
Ele balançou a cabeça, tanto pela ideia de que Anne havia inventado
tal plano e porque agora ela estava tão chateada com isso. — Eu sei que
você acha que suas irmãs vão ficar furiosas com você por sua fuga, — ele a
acalmou. — E talvez isso tenha mais peso em sua mente, porque você está
muito perto de alcançá-las, mas...
Ela levantou a mão para parar as palavras dele. — Você não
entende. Rook, aquele grupo de homens lá embaixo... eles vieram de
Harcourt.
Ele se encolheu com aquele nome. — Harcourt? — Ele repetiu, sua
voz soando tênue e distante enquanto o choque fluía através dele.
— Sim, meu noivo era o conde de Harcourt. — Ela inclinou a
cabeça. — Eu nunca lhe disse o nome dele?
Lentamente, Rook se levantou e se afastou dela um longo passo. Seu
coração começou a bater forte. — Não, — ele sussurrou. — Você nunca
disse o nome dele.
— Bem, é isso. — Ela inclinou a cabeça. — Os homens do andar de
baixo disseram ao estalajadeiro que... que... que Harcourt havia se casado
com uma das irmãs restantes. O casamento foi adiante e uma delas foi
forçada a segurar a mão dele. E a culpa é minha! Para escapar de um
casamento sem amor, condenei uma das pessoas que considero mais
queridas.
Ela caiu de novo na cama, cheia de soluços. Ele não conseguia ficar
longe e se empoleirou na beira da cama, passando a mão pelas costas
trêmulas dela, enquanto sua mente se debatia.
Ele conhecia o nome Harcourt, mas não por fofocas. Ele conhecia o
homem porque seu primo Ellis estava envolvido com o irmão dele. O conde
de Harcourt anterior fora jogador, alcoolico e um pilantra.
Ele também estava morto. E Ellis teve uma mão naquilo. Era parte
do motivo dele e Rook se separarem. E agora aquela mulher que Rook
amava, aquela mulher que Ellis havia destruído com seu desespero, disse
que também estava ligada a Harcourt. Ele não acreditava na coincidência,
mas mesmo que acreditasse, essa não poderia ser uma.
Ele sacudiu sua reação, seu horror e se concentrou em Anne. Ela
ainda estava chorando, totalmente destruída por sua dor e culpa. Deus sabia
que ele estava familiarizado com aqueles conceitos.
— Anne, — ele a acalmou. — Você não deve fazer isso consigo
mesma. Não temos ideia do que realmente aconteceu. Aqueles homens
podem estar contando histórias, podem ter interpretado mal um boato,
dentro de outro boato.
Ela balançou a cabeça e quando a levantou, as bochechas dela
estavam manchadas de lágrimas. — Eu os vi. Eu os reconheci. Há três
homens de Harcourt lá em baixo. Três que foram convidados para o meu
casamento. Por que eles contariam uma história daquelas?
Ele se endireitou. Ele se perguntou a mesma coisa, assim como
muitas outras coisas. E havia apenas uma maneira de responder àquelas
perguntas.
— Vamos perguntar a eles, — ele disse, levantando-se.
Ela desviou o olhar vermelho para ele. — Eu não posso. Eles
saberiam quem eu sou no momento em que me vissem. Todos me
conheceram como noiva pretendida de Harcourt, semanas atrás.
Ele fez uma careta. É claro que ela não gostaria de ser vista como
estava agora, com a companhia que mantinha agora. — Eu vou, — disse
ele. — Vou descobrir todas as informações que precisamos, sem revelar que
você está aqui ou que viajamos juntos.
Os lábios dela se separaram. — Você faria isso por mim?
Ele enrugou a sobrancelha com o aparente choque dela. — Claro.
Precisamos saber a verdade, não é? Para entender todos os fatos antes de
fazermos nosso próximo plano. Apenas uma estratégia para fazer com que
eu entenda a situação. E você precisa saber para sua própria paz de espírito.
Ele alisou a jaqueta enquanto andava até a porta do quarto. Quando
chegou, ouviu a voz de Anne, fraca e trêmula. — Rook?
Ele se voltou. Ela se sentou e parecia tão desolada que quase
provocou seu coração. O rosto dela estava inchado de lágrimas, o cabelo
despenteado e meio caído do coque na nuca, e seu tom era tão triste. Mas
ela ainda era a coisa mais linda que ele já teve o privilégio de colocar os
olhos.
— Sim? — Ele tornou sua própria voz o mais calma que conseguiu.
— Thomasina é a irmã que tomou meu lugar. Juliana é minha outra
irmã. Preciso saber qual delas se casou com Harcourt, se o boato for
verdadeiro. Eu preciso saber.
— Eu vou descobrir, — ele prometeu ao sair da sala.
Ele correu de volta ao salão principal do andar de baixo e, ao virar a
esquina, encontrou a esposa do hospedeiro, a sra. Sanders.
— Oh! Sr. Maitland, como está sua querida esposa? Precisamos
chamar um médico? — Ela perguntou, inclinando-se para olhar em direção
às escadas atrás dele, como se Anne fosse aparecer.
— Ela está bem, senhora Sanders, — ele assegurou para ela. —
Acho que está um pouco cansada das nossas longas viagens, assim como a
senhora supôs. Ela ficou impressionada e agora só precisa descansar.
A mulher mais velha assentiu devagar. — Claro, senhor. Seus pratos
serão enviados mais tarde para vocês e, se houver outra maneira de ajudar,
você me avisa. — Ele se moveu para contorná-la até os homens que ainda
estavam reunidos no canto, mas ela pegou o braço dele. — Você já pensou
que ela poderia estar esperando a família, senhor?
Ele congelou e olhou primeiro para os dedos que seguravam seu
braço e depois para o rosto esperançoso e vidrado nas fofocas. A própria
pergunta se curvou em seus ossos. Anne, grávida de seu filho. Algo que os
uniria para sempre.
Ele teve cuidado quando eles fizeram amor. Aquilo não significava
que acidentes ainda não pudessem acontecer.
— Não, — ele disse suavemente. — Eu não acho que é isso.
Certamente agradecemos sua gentileza.
Ele se afastou com um sorriso forçado e passou pela multidão
barulhenta de viajantes até os homens no canto. Eles estavam conversando
e quando ele se aproximou, eles olharam para ele com um sorriso de
saudação.
— Ah! Outro viajante, aqui para descansar, — disse um homem
meio bêbado, de rosto vermelho, com um sorriso largo e amigável. — Você
precisa de um assento, jovem rapaz? Temos vários.
O resto do grupo riu com vontade, embora Rook não estivesse
exatamente certo por que a declaração era tão engraçada. Ele sorriu mesmo
assim. — Agradeço as calorosas boas-vindas, — disse ele enquanto tomava
uma cadeira na extremidade externa do grupo. Houve apresentações por
toda parte e depois eles conversaram amigavelmente sobre o clima e as
estradas ruins. Depois de um tempo, Rook se recostou e perguntou
casualmente: — Ouvi dizer que estão viajando de Harcourt?
— Sim! — Disse um dos homens, muito alto e quase magro. — Sr.
Smithins, Squire, Golding e eu somos todos de Harcourt, a caminho de
Edimburgo para um casamento.
Golding, que fora o primeiro a cumprimentar Rook, riu. —
Esperamos que não seja tão agitado quanto o que acabamos de deixar.
Rook assentiu, pois recebera um presente de porta aberta pelas
informações que procurava. Agora, lutava para manter os anos de
treinamento que ele teve para extrair aquele tipo de informação. Era muito
mais difícil quando ele sabia que Anne esperava no andar de cima, com o
coração partido.
— Um casamento agitado, — ele disse. — Isso pode significar
muitas coisas.
O Sr. Smithins assentiu. — Nesse caso, é um grande escândalo. Eu
acho que poderia alcançar as folhas de fofocas em toda parte.
— Meu interesse aumentou ainda mais, — disse Rook. — E eu
sempre amei conhecer as fofocas antes de mais alguém. Qual é a história?
Golding estalou a língua. — Bem, o conde de Harcourt deveria se
casar com uma dama. Uma das três irmãs, todas parecidas... trigêmeas, acho
que chamam assim. Muito inquietante. De qualquer forma, quando o
casamento ocorreu, não era a pretendido original que andava pelo longo
corredor ao lado dele. Era uma das irmãs dela.
Rook inclinou a cabeça. Ele esperava que as palavras que Anne
disse no andar de cima não fossem verdadeiras. Que esses homens estavam
apenas contando histórias para se divertir. Mas era claro que não era. Eles
eram bêbados de boa índole, mas não pareciam estar exagerando a
circunstância.
Ainda assim, ele mostrou uma grande surpresa e tentou manter um
sorriso no rosto. — Grande Deus, isso é um escândalo. Ele simplesmente
preferia a outra irmã, com rostos iguais ou não?
— Parece que a original pretendia fugir, — disse Smithins. —
Embora tenha sido apenas comentado, nunca confirmado.
— Com qual irmã o homem finalmente se casou? — Rook
perguntou.
Os homens todos piscaram um para o outro, então o encararam
como se não entendessem a pergunta.
— Er, — disse Golding. — Quem pode dizer, hein? Com o mesmo
rosto, poderia muito bem ter sido a mesma mulher. Eu acho que começava
com um T. De qualquer forma, eles estão casados agora, fácil assim, e
desejamos que eles sejam felizes.
Todos os homens ergueram os copos com um sonoro: — Ao conde!
— E à pobre esposa, — Golding acrescentou com uma risada.
Rook levantou o copo com o resto e bebeu, mas a cerveja estava
azeda para ele agora. Ele se inclinou. — Sabe, eu já conheci um homem que
fazia negócios em Harcourt, — disse ele. — Talvez você o conheça. Alto,
ombros largos, cabelos escuros um pouco longos demais. Cara bonitão, se
chama Maitland?
Os homens se entreolharam e balançaram a cabeça lentamente. —
Uma descrição vaga, — disse Smithins. — E eu não conheço o nome.
Rook forçou a decepção de seu rosto e ficou de pé. — Bem,
agradeço aos senhores pelo compartilhamento de suas histórias e suas
cervejas. — Eles riram da rima como se fosse a coisa mais engraçada que já
ouviram e Rook balançou a cabeça levemente. — Mas minha adorável
esposa espera no andar de cima, e eu devo ter certeza de que ela não precisa
de nada.
— Apenas tenha certeza de que não é a irmã dela! — Um dos
homens disse, e o restante riu violentamente e bateu as mãos nas coxas.
Rook acenou enquanto voltava pela sala e subia as escadas. Os
homens ficavam simplesmente bobos com bebida, mas não faziam ideia do
quão perto estavam do alvo. Ou que fardo eles colocaram nos ombros de
Rook quando se tratava de partir o coração de Anne.
Capítulo 14

Anne já sabia a verdade. Ela sabia que uma de suas irmãs havia sido
jogada aos lobos por causa dela. Mas no momento em que Rook abriu a
porta e a encarou, ela não podia fingir que ele poderia lhe dizer algo
diferente. Ela empurrou os pés instáveis e apertou as mãos com tanta força
na frente dela, que doeu.
— Ele se casou com uma delas, — ela sussurrou.
Rook assentiu enquanto fechava e trancava a porta atrás de si. Ele
parecia cansado enquanto exalava um suspiro longo e instável. Como se
tivesse que ser o único a lhe dizer que a verdade não era algo que ela
deveria assumir. Era muito grande, muito horrível. Muito esmagador.
— Sim, — ele disse suavemente, depois do que pareceu uma
eternidade. — Harcourt se casou com uma de suas irmãs. Você estava certa,
provavelmente foi Thomasina. Os homens abaixo acharam que o nome
começava com um T.
A sala girou em torno de Anne e ela agarrou as costas de uma
cadeira para se equilibrar, afastando o avanço de Rook para ajudá-la com a
mão levantada. — Você se sentou com aqueles homens, viu suas expressões
e ouviu suas vozes. Seriam apenas fofocas casuais? Ou você acredita que é
verdade?
Ele balançou a cabeça lentamente. — Sinto muito, Anne. Não tenho
motivos para não acreditar neles.
Ela afundou na cadeira e cobriu o rosto com as mãos enquanto sua
mente girava com imagens horríveis. Ela ouviu Rook se mover e olhou para
ele. Ele havia arrastado a outra cadeira na sala para mais perto e abraçou-a,
deixando seus joelhos roçarem o dela enquanto procurava seu rosto. —
Conte-me sobre Harcourt, — disse ele.
Ela balançou a cabeça. Harcourt. Ah! Harcourt, a quem ela
menosprezava naquele momento, ainda mais do que Ellis. Harcourt, que
havia tomado a liberdade e o futuro de uma de suas amadas irmãs. Com
quem ele não se importava, não amava, não cedia nem uma fração.
— Eu já contei tudo, mesmo que de alguma forma não tenha dito o
nome dele para você, — disse ela em um suspiro. Ela tentava resolver a
confusão de seus pensamentos. — Ele era sério, distante. O casamento foi
arranjado por meu pai. Harcourt herdou o título e uma montanha de dívidas
quando seu irmão foi morto em um duelo escandaloso.
Rook se encolheu. — Sim, mesmo aqueles da minha classe ouviram
sobre isso.
Ela assentiu. — Ele precisava do meu dote para salvar a si mesmo e
reconstruir o seu legado. Meu pai queria comprar uma conexão com um
título. Uma vez que a casa de Harcourt era boa, suponho que meu pai
pensasse que estava comprando pouco, na esperança de um dia negociar em
alta.
— Mas você tem duas irmãs, — disse Rook. — Por que ele
escolheu você para o dever?
Ela inclinou a cabeça, pensando em suas atitude e ações nos últimos
vinte e dois anos de sua vida. Quantas vezes seu pai disse que ela estava
correndo solta, que ele precisava encontrar uma maneira de trazê-la de
volta, que ela estragaria as coisas para suas irmãs se não se acalmasse?
Acabou que ele estava certo, afinal. E aquilo picou sua alma.
— Embora ele afirme o contrário, acho que ele queria se livrar de
mim porque era mais provável que eu causasse problemas.
— Você? — Rook brincou gentilmente.
Ela não conseguia sorrir. — Eu sempre fui a única a causá-los. Eu
certamente causei desta vez.
— Então você foi dada a Harcourt, então você seria o problema
dele, e não do seu pai. E uma data para o casamento foi marcada. Você disse
que o homem não era cruel, apenas frio. — Rook disse suavemente, e agora
ele pegou as mãos dela e as segurou entre as dele quentes. Aquele toque
trouxe alguma paz. Uma que ela recebeu com um suspiro irregular.
— Sim.
— Então sua irmã não está em perigo, — disse ele. — Na pior das
hipóteses, ela assumiu o seu lugar em um casamento arranjado, não
diferente de muitos da classe titulada. Um casamento que poderia ter sido
arranjado facilmente para ela, em vez de você, se seu pai tivesse uma
opinião diferente.
— Eu conheço Thomasina, — disse Anne, e as lágrimas voltaram
aos seus olhos. — Ela é uma alma tão gentil, uma pessoa tão boa e uma
irmã tão querida. Pensar nela casada com um homem que não pode amar,
não pode sentir... é angustiante. O que ela deve pensar de mim como ela
suportará... Ela parou e puxou as mãos dele enquanto passeava pelo
pequeno quarto. — Não consigo pensar no que ela suportou. E nossa outra
irmã, Juliana, ela deve me desprezar profundamente.
Rook não se mexeu, mas ela sentiu o olhar dele queimando em suas
costas. — Por que você acha isso?
— Ela é a única a consertar a bagunça que todos fazemos, — disse
ela, encarando-o. — E isto é o pior de todos. Ela poderia nunca mais me
perdoar por colocar Thomasina em uma posição onde ela poderia ser tão...
tão... tão... Ela afundou-se na cama uma segunda vez e as lágrimas que ela
estivera combatendo regressaram. — Dói, — ela terminou com um soluço.
Ele se moveu então, pulando da cadeira e cruzando até a cama. Ele levantou
o corpo dela em seus braços, embalando-a contra ele enquanto alisava os
cabelos dela e a balançava enquanto chorava. Ela chorou pela vida que ela
havia destruído com suas decisões egoístas. A vida da irmã dela.
E ela chorou por si mesma. Porque agora estava dolorosamente
claro para ela o quanto ela havia perdido fugindo com Ellis Maitland. E por
que ela precisava ir para casa.

*****

Rook alisou os cabelos de Anne enquanto ela se mexia com


pesadelos pela terceira vez desde que havia caído no sono exausto, horas
antes. Ela não havia acordado para comer, não acordara ainda. Era como se
ela tivesse caído em si mesma, e vê-la com tanta dor partiu seu coração, de
maneiras, que ele nunca poderia ter imaginado possível.
Aquele era o risco, ele supunha, de amar alguém. Ele não conhecia
muitas pessoas em sua vida que ele havia permitido entrar em seu coração
dessa maneira. A mãe dele. O primo dele. Ele sempre fez mal às suas dores
também.
Ele puxou Anne para mais perto quando ela parou de murmurar
enquanto dormia e suspirou.
A mente dele voltou ao primo. Ellis criou uma bagunça ao perseguir
Anne, e agora o sangue de Rook gelava com as ramificações mais
profundas de tudo. Ele sabia que Ellis havia se envolvido com o conde de
Harcourt anterior, Solomon Kincaid. O homem tinha sido um arruaceiro,
um bêbado, um canalha da mais alta ordem. Ele e Ellis foram bem pareados
em alguns aspectos.
Mas onde Rook sempre tentou moderar os piores impulsos de Ellis,
Solomon parecia apenas encorajá-los. Ellis assumiu riscos piores, entrou em
situações sem consultar Rook. Envolveu-se com pessoas perigosas.
Especialmente, um muito perigoso. Um homem chamado Winston Leonard.
E Solomon Kincaid estava morto por causa daquilo. Ele nunca
esqueceria o rosto de Ellis naquela noite horrível em que seu amigo foi
abatido. Um duelo, disseram as fofocas. Mas não havia um duelo.
Foi um assassinato, puro e simples.
Eles possuíam um código, ou assim pensava Rook. Havia certas
coisas que ele e seu primo juraram que não fariam. E assim, ele se afastou,
deixando Ellis para limpar sua própria bagunça.
E era como ele tentara fazer isso. Perseguindo a noiva do novo
conde por... bem, ele não conseguia pensar em que propósito seu primo
poderia ter. Mas não poderia ter sido bom.
Ellis estava tão desesperado quando o procurou semanas atrás,
exigindo a ajuda de Rook. Implorando por isso. Agora Rook olhou à mulher
que dormia em seus braços, a que Ellis havia usado para seus próprios fins.
Ele colocou Anne em perigo. Ela ainda estava em perigo, porque Ellis
desesperado nunca fora um Ellis seguro. A imprudência era a queda dele, a
cada passar de tempo.
— Rook? — A voz dela estava abafada no ombro dele, desta vez
não tão pesada com o sono.
Ele se inclinou para trás para lhe dar mais espaço, e ela olhou para
ele. Ela não disse nada, mas sua mão deslizou pelo estômago dele,
afastando a camisa enquanto ela arrastava os dedos pelo abdômen. Ela
arqueou contra ele gentilmente, seus lábios se separando em um suspiro.
Seu corpo reagiu, mesmo que ele não quisesse.
— Anne, — ele sussurrou. — Você teve um dia difícil e eu não
acho...
— Eu só quero esquecer, — ela sussurrou, aproximando-se para
roçar os lábios contra o queixo dele. — Por favor, por favor, ajude-me a
esquecer por apenas um momento.
Ele fechou os olhos. Ele não era páreo para ela quando se tratava
disso. Não havia problema em seu toque, sua voz, sua necessidade ou a
dele. E talvez, no final, ambos precisassem esquecer.
Ele a rolou de costas enquanto a beijava, sondando seus lábios com
a língua, aprofundando o beijo quando ela se abriu para ele com um suspiro.
Ela enfiou os dedos em seus cabelos, inclinando-se ainda mais quando eles
caíram no profundo abismo de prazer.
Ele deixou uma mão se mover sobre ela, sobre o vestido amassado
com o qual ela havia adormecido, sobre os ombros, nos lados do corpo, no
quadril à medida que ela batia contra o dele. Ele arrastou os dedos de volta
pelo centro, segurando o seio dela quando eles quebraram o beijo e se
encararam, ofegando um ao outro na penumbra escura.
— Mais, — ela exigiu. — Eu quero mais.
Os olhos dele se estreitaram. Agora era ela que parecia desesperada,
e ele não gostava daquilo mais do que quando era Ellis. O desespero o
levava a pensamentos sombrios e decisões ainda piores, e ele não queria...
Seu pensamento foi interrompido quando ela o arrastou para outro
beijo profundo. O cérebro dele esvaziou, porque quando ela girou a língua
em torno da dele, quando ela caiu contra ele, ele não conseguia se lembrar
de coerência ou preocupações. Ele tinha tão pouco tempo com ela agora,
que não queria desperdiçá-lo.
Não quando toda vez que ele a tocava poderia ser a última.
Então ele afastou seus arrependimentos e, em vez disso, ajoelhou-se
entre as pernas dela, juntando a saia para que não se ajoelhasse nela. Ele a
puxou para uma posição sentada e abriu os botões ao longo das costas do
vestido com um movimento do pulso. O vestido ficou aberto e ela o
empurrou até a cintura junto com a camisa por baixo.
Ele deixou os dedos tocarem a pele nua e quente ao longo da
espinha dela, acariciando círculos finos até que ela estremeceu e o nome
dele saiu de seus lábios: — Constantine.
Ele olhou para ela com um sorriso. Então era assim que eles
trocavam. Constantine quando ele a estava agradando, Rook o resto do
tempo. Ele nunca gostou de nenhum dos seus nomes mais do que quando
ela os dizia. Ela os gemeu. Sussurrava eles.
Ele se inclinou e capturou um mamilo com os lábios, girando a
ponta da língua em torno do pico duro, murmurando: eu amo você, na pele
dela. Ela empurrou contra ele, seus gemidos suaves pareciam música na
sala silenciosa. Ele chupou cada vez mais forte, segurando os quadris dela
enquanto eles se erguiam contra os dele, arqueando suas costas enquanto ele
a agradava incessantemente.
Era disso que ela precisava. Ele pretendia fornecer. Quando ela
estava gritando sons de prazer, ele a soltou e se levantou. Ela olhou para ele,
enevoada e quase confusa. — Não vá, — ela implorou.
Ele balançou a cabeça. — Eu não vou. Só quero tirar algumas
roupas.
Ela piscou como se não tivesse percebido que eles ainda estavam
vestidos. Deitou-se nos travesseiros, tirou o vestido e a roupa de baixo e
depois tirou as meias. Ele tentou se concentrar em suas próprias roupas,
mas isso era quase impossível quando ela, agora, estava deitada nua na
cama que eles compartilhariam, suas pernas abertas, seu olhar o devorando
enquanto ele puxava a camisa por cima da cabeça. Ele tirou as botas e
depois voltou à cama com ela.
Ele agarrou os quadris dela, puxando-a para mais perto e achatando-
a de costas enquanto ela ria. Ele adorava o som da risada dela, pois
significava que ele realmente havia feito o que ela pedia. A fez esquecer,
mesmo que só por um momento.
Ele inclinou a cabeça, acariciando a coxa dela com a bochecha.
Então ele sentiu profundamente o sexo dela. A doçura almiscarada era tão
singularmente dela, tão maravilhosamente dela, e ele queria se lembrar para
sempre. Banhar-se nela para que ele sempre pudesse se lembrar de todas as
partes mais tarde. Ele lançou a língua para fora e a varreu uma vez, duas
vezes, até que ela agarrou a colcha e torceu, até que ela murmurou um
gemido incoerente de prazer. Seu pênis endureceu ao lhe dar prazer, mais
do que na ideia de recebê-lo. Havia algo tão fascinante em roubar o controle
dela e fazê-la tremer sob sua língua ou seus dedos, ou seu pau.
Ele nunca quis perder aquilo, mesmo que fosse inevitável.
Ele chupou o clitóris dela, endurecendo-o com as administrações
dele. Cheirando o aumento de excitação dela, sentindo os tremores de
prazer começarem profundamente dentro dela enquanto ela se apoiava
contra ele, enquanto ele a lambia. Ele adicionou um dedo em seu canal,
amando as boas-vindas lisas de seu corpo flexionado, amando o suspiro
quando ela foi invadida. Acrescentou um segundo dedo, ajustando-se até
encontrar aquele pedaço áspero profundamente dentro dela e enrolando os
dedos contra ele até que ela implorasse por mais, e menos, e tudo.
Ela veio em uma explosão apressada de carne trêmula, apertada, um
jato molhado de excitação e um gemido que certamente não deixaria
dúvidas para os vizinhos sobre o que eles estavam fazendo. Ele continuou a
lamber e acariciá-la durante a crise, arrastando seu prazer cada vez mais até
o terremoto se tornar tremores, e depois se tornarem pequenos espasmos, e
ela ofegou quando jogou um braço sobre o rosto.
Seu pênis parecia aço quando ele o libertou de suas calças e as
chutou para o lado. Ele se arrastou sobre o corpo dela, lambendo uma trilha
que seguia aquela que ele havia derrubado mais cedo. Ela não abriu os
olhos, mas pegou as bochechas dele, puxando-o para um beijo profundo
enquanto ela se mexia para abrir espaço para ele entre as pernas.
Não havia resistência quando ele a penetrou, o mesmo sexo apertado
que acolheu seus dedos apertando em torno de seu pênis requintadamente
sensível. Ele já sentia suas bolas apertando, sua semente se movendo
quando ele deu o primeiro impulso longo através do calor dela. Ele se
deixou cair no pescoço dela, sugando sua garganta enquanto ele pegava e
pegava e pegava as ondas lentas e rolantes. Ela o encontrou em cada uma
delas, tremendo enquanto ele apertava sua pélvis na dela.
Quando ela chegou pela segunda vez, cravando as unhas nas costas
nuas dele, gemendo o nome dele contra sua boca e seu ombro, foi demais
para ele suportar. Ele empurrou com mais força, mais rápido, dirigindo-se
para o prazer poderoso e transformador de vida que estava fora de seu
alcance. O prazer que ele não merecia, mas levaria independentemente,
porque ele precisava, ele precisava dela. Ele precisava hoje à noite tanto
quanto ela.
Ele pegou uma longa explosão, repuxando seu corpo, assim que ele
veio. Ele estava ofegando quando caiu sobre ela, beijando-a, acalmando-a,
amando-a com seu corpo do jeito que ele nunca seria capaz de fazer pelo
resto de sua vida.
E esperando que fosse o suficiente para lhe dar um pouco de força
extra nos dias difíceis que ele sabia que estavam por vir.
Capítulo 15

Quando Anne acordou, no dia seguinte, ficou na cama, olhando para


o teto e esperando descobrir que tudo que acontecera ontem era um
pesadelo terrível. Thomasina estava segura, Rook era dela ... nada havia
mudado.
Mas tudo mudara. O que aconteceu não foi um pesadelo, foi uma
consequência. Thomasina era a condessa de Harcourt, presa ao lado de
Jasper Kincaid. E Rook se foi da cama deles, a única evidência de sua
existência: o amassado no travesseiro ao lado do dela e o cheiro dele no ar.
Ela puxou os lençóis para cobrir ainda mais seu corpo nu e soltou um longo
suspiro.
Em algum lugar lá fora, Thomasina estava acordando também. Ao
lado de Harcourt. Ela provavelmente estava fazendo as mesmas coisas que
Anne estava fazendo. Os olhos de Anne se encheram de lágrimas ao pensar
em sua doce e inocente irmã experimentando uma coisa daquelas. Como
poderia ser suportado quando não vinha com amor?
Ela se colocou em uma posição sentada com esse pensamento.
Amor? Não era isso que ela sentia, era? Ela possuía uma grande gratidão
por Rook por ajudá-la quando ele não teria nenhuma obrigação de fazê-lo.
Ela sentiu uma conexão física com ele, graças às incríveis emoções que
haviam compartilhado ao longo dos dias em que viajaram.
E ela gostou dele. Ela gostou das brincadeiras rápidas dele e do riso
mais rápido dela. Ela gostou da força quieta dele e da voz calma quando
entrava em pânico. Ela gostava da autossuficiência e da fé que ele possuía
no que sabia sobre si e o mundo.
Ela o admirava, mas aquilo não era amor. Não poderia ser amor.
A porta do quarto se abriu e Rook entrou, carregando uma bandeja
cheia de comida e bebida. Ele sorriu quando a viu sentada e fechou a porta
com o quadril.
— A princesa finalmente acorda. Eu estava começando a temer que
seu sono estivesse encantado e teria que acordá-la com um beijo.
Ela forçou um sorriso ao ouvir aquilo. — Você pode me acordar
com um beijo a qualquer momento, bom príncipe.
Ele ficou tenso enquanto colocava os pratos nos braços sobre a
mesa, um a um. — Vou me lembrar disso, — ele disse suavemente.
Ela puxou a borda do lençol. — Obrigada por me trazer comida.
Que horas são?
— Muito tarde. Já é depois do almoço, na verdade, — ele disse.
Os olhos dela se arregalaram. — Já é isso? Sinto muito por ter
ficado na cama até tão tarde. Não é à toa que você me chamou de princesa.
Eu sou tão mimada quanto uma.
Ele arqueou uma sobrancelha. — Nas últimas semanas, você sofreu
muito, Anne. Acho que se alguém ganhou uma manhã para recuperar o
sono, é você. — Ele se sentou na beira da cama e estendeu a mão para
arrastar os dedos ao longo da mandíbula dela. — E eu a chamei de princesa
porque você é linda. Mesmo com o cabelo preso em cinco direções
diferentes.
Ela levou a mão às mechas e descobriu que ele estava correto —
estava selvagem. Ela sorriu. — Pegue meu pente, então. Isso, pelo menos,
eu posso consertar.
Ele fez aquilo e, enquanto ela penteava o cabelo e tentava recuperá-
lo de uma forma normal, ele serviu um prato com iguarias para ela. —
Poderíamos levar algumas horas na estrada, apesar da hora tardia.
Chegaremos à Inglaterra, no mínimo.
Os olhos dela se arregalaram quando ela o encarou. — Na estrada?
Ele balançou a cabeça enquanto entregava o prato. Ela colocou de
lado na colcha. Não conseguia pensar em comer, por mais deliciosa que
fosse toda a comida. — Eu sei que você está ansiosa para voltar para sua
família.
Ela passou o pente pelos cabelos novamente e se recusou a
encontrar o olhar dele. — Pensei que você estivesse procurando alternativas
para minha viagem. Você deve querer voltar para sua ilha mais do que
nunca.
A mandíbula dele se apertou. — Está tentando se livrar de mim?
Ela inclinou a cabeça. — Não, — ela disse depois de um momento.
— Eu apenas sei que estou criando o caos para você. Eu posso… eu posso
encontrar meu próprio caminho, você sabe. Eu devo aprender a fazê-lo de
qualquer maneira.
O rosto dele se virou na direção do dela e ele deu um passo mais
perto. — Anne... o que isso significa?
Ela limpou a garganta. Bem, chegara a hora de dizer a ele o que
estivera em sua mente. — Estou... não vou voltar para Harcourt ou para
minha família, Rook. Eu não posso, não mais.
— Por que você acha que não pode voltar para casa? — Ele
perguntou. Ela poderia dizer que ele estava tentando parecer calmo, mesmo
que estivesse chateado. Ela viu aquilo na leve contração de sua mandíbula,
o aperto do punho ao seu lado.
Ela balançou a cabeça e colocou o pente na mesa ao lado da cama
enquanto tentava pensar. — Minhas irmãs devem me odiar por criar as
consequências do que eu fiz. Como elas não poderiam? Não consigo
imaginar encará-las novamente e ver a raiva e o desgosto.
— Anne, — ele disse suavemente.
Ela levantou a mão. — Eu sei que você vai tentar me convencer
com uma dúzia de razões pelas quais eu estou errada. Você vai me dizer que
elas não me odeiam.
Ele deu de ombros. — Não vou lhe dizer isso porque não as
conheço e não sei qual seria a reação delas. Mas você também não, na
verdade. Você não faz ideia da rede dos eventos que levaram uma delas a se
casar com Harcourt. Nem o que aconteceu com nenhuma delas no tempo
em que você se foi.
Ele estava certo, é claro, mas aquilo não lhe dava consolo. — Mas
eu sei o resultado, não sei? Minhas ações levaram ao sofrimento de
Thomasina. Você não sabe o que isso significa.
A mandíbula dele ficou tensa novamente. — Eu sei exatamente o
que isso significa, — disse ele. — E como a culpa pode apodrecer uma
pessoa por dentro.
Ela o olhou quando ele disse aquelas palavras com tanta paixão.
Mesmo agora ela via culpa nos olhos dele e se perguntava o que exatamente
ele havia feito ou pensado que o fizera dizer aquilo. Ela ansiava por um
mundo onde eles pudessem apenas... confortar um ao outro.
Mas havia sido uma fantasia, não havia? Agora ela precisava se
colocar de volta à realidade, um mundo onde ela provavelmente teria que
fazer, sozinha, ali na Escócia. Ela encontraria trabalho, isso era tudo o que
havia para fazer. Ela não sabia fazer nada, mas certamente poderia aprender.
Seu coração afundou com o pensamento, mas ela o ignorou.
— Eu não posso enfrentá-las, — disse ela, com mais firmeza do que
a primeira vez. — Eu vou ficar aqui. Eu vou mudar meu nome. E aceitarei o
castigo que mereço pelas minhas más ações.
Os lábios dele se abriram com a decisão dela, e a frustração que ele
sentiu era evidente nas linhas do seu rosto. Mas então ele inclinou a cabeça,
e ela pensou em se render.
— Tudo bem, — ele disse. — Nós vamos ficar aqui.
— Rook, — disse ela, avançando na cama. — Você não precisa ficar
para...
Ele a cortou com um bufo. — Eu não vou abandoná-la sem saber
que você está segura. Nós ficaremos e eu deixarei você lidar com as
notícias chocantes sobre sua família. E você vai mudar de idéia.
Ela balançou a cabeça. — Eu não vou.
A expressão dele suavizou, quase com pena. Então ele se sentou na
cama ao lado dela. Ele a abraçou mais perto e deu um beijo em seu
antebraço enquanto ela passava os braços em volta da cintura dele e pegava
o conforto que ele oferecia, mesmo que ela não o merecesse.
— O que você precisar, — ele sussurrou.
E ela acenou com a cabeça contra o peito dele, porque sabia que ele
daria a ela exatamente aquilo. E mais, mesmo se ela não merecesse aquilo
ou ele.

*****

Rook pensou que sabia exatamente como os dois últimos dias se


desenrolariam. Quando Anne se recusou a voltar para casa, quando insistiu
em ficar na Escócia e levar uma vida que não podia entender, ele pensou
que ela abandonaria aquele conceito antes do jantar.
Ela não abandonara. Por dois longos dias manteve seu curso. Ela
perguntou sobre o trabalho disponível em Gretna Green e em outras
pequenas cidades próximas. Ele a pegou observando as empregadas
domésticas e espiando a cozinha enquanto tentava aprender as coisas das
quais havia sido protegida durante toda a sua vida.
Ele teria admirado ainda mais a tenacidade dela se sua própria
centelha não tivesse sido extinta também. Ah, ela ainda conversava com
ele, ainda fazia uma caminhada ocasional quando o tempo permitia, e até
fazia amor com ele. Mas raramente sorria e nunca mais brincara ou
zombara dele.
Ele odiava aquilo. Odiava tudo aquilo e queria consertar, mas não
podia. Ele sabia melhor do que a maioria que, às vezes, quando uma pessoa
parava de correr, toda a dor caía sobre ela. E ele podia ver isso acontecendo
com a mulher que amava.
Agora ele olhava à escada onde ela havia ido pouco tempo, antes,
para se deitar depois do almoço no refeitório da estalagem. Ele precisava
falar com ela novamente sobre ir para casa.
E era hora de lhe explicar porque era tão importante, mesmo que
aquilo destruísse os laços tênues que eles haviam construído entre eles.
Engoliu em seco e subiu as escadas. Entrou no quarto no final do
corredor com um longo suspiro, que cessou quando a viu. Ela estava
sentada junto ao fogo, suas sapatilhas no chão em frente a ela, lendo um
livro que encontrara na sala de estar, no andar de baixo, mais cedo naquele
dia. Ela estava curvada sobre o livro, totalmente absorvida enquanto seus
olhos disparavam para frente e para trás.
— Deve ser uma aventura e tanto, — disse ele, quando fechou a
porta atrás de si.
Ela soltou um suspiro e quase jogou o livro no ar. — Você me
assustou, — ela ofegou com um olhar brincalhão na direção dele. —
Ninguém nunca ensinou você a alertar uma pessoa para sua presença e em
uma sala?
— Falando com você foi como eu a avisei da minha presença, — ele
disse com um encolher de ombros.
Ela sorriu, um dos poucos sorrisos que lhe deu nas últimas quarenta
e oito horas e, por um momento, o mundo parou. Ele podia ver um futuro
com ela, naqueles olhos verdes. Eles poderiam voltar à ilha e se esconderem
lá, juntos. Ele poderia fazer amor com ela dia e noite. Ele podia rir com ela
e viver com ela onde ninguém poderia se intrometer ou interromper.
Ninguém poderia fazê-los pensar no passado ou nos erros que cada um
cometera.
Então o sorriso desapareceu e suas fantasias também. Afinal ela
merecia mais do que aquela vida. Ele sabia muito bem o que se esconder
fazia na alma de uma pessoa. Ele não faria aquilo com ela, nem permitiria
que ela fizesse aquilo consigo mesma.
— Anne, — ele disse, pegando a mão dela enquanto se sentava na
cadeira ao lado da dela. — Eu quero levá-la para casa.
Os olhos dela se arregalaram. — Para a sua ilha? — Ela sussurrou.
Ele mal segurou um gemido de dor. Ela disse aquilo, expressou a
fantasia como se a desejasse tão profundamente. E agora ela se tornara viva
e ele teve que lutar para afastá-la pela segunda vez.
— Não, — ele disse com grande dificuldade. — Para sua família.
— Não, — disse ela, levantando-se e afastando a mão dele. — Nós
já discutimos isso dias atrás, Rook. Então não vou para casa.
— Em vez disso, você planeja ficar aqui, abandonando sua
identidade e vivendo uma vida expiando seus pecados? — Ele pressionou.
Ela virou o rosto. — Foi o que você fez.
Ele estremeceu. — Sim, eu fiz. Eu morei sozinho em uma ilha por
um ano, e lá era frio, escuro e desolado. Sua presença trouxe de volta um
pouco da alegria que eu disse a mim mesmo que não precisava, nem
merecia.
Os lábios dela se separaram com aquela admissão e o estômago dele
torceu. Como seria a expressão dela se ele admitisse que a amava? Como
seria quando ela descobrisse porque ele fugira do mundo?
— Mas e se eu realmente não merecer essa felicidade? — Ela
perguntou suavemente.
— Você cometeu um erro, — ele disse suavemente, e pegou as mãos
dela. — Eu não vou fingir que você não cometeu. Claramente, houve
consequências para o erro, tanto para você quanto para sua família. Mas um
erro cometido em desespero não merece a sentença de prisão perpétua que
você está pensando.
Ela inclinou a cabeça e ele pode vê-la contemplando suas palavras,
acomodando-as naquela mente maravilhosa e complicada dela.
Ele apertou as mãos dela um pouco mais e soltou o ar em uma
explosão instável. — Se houvesse perigo para suas irmãs e seu retorno
pudesse protegê-las, você faria isso?
— Claro, — ela disse sem hesitar. — Eu enfrentaria qualquer coisa
para protegê-las. — Ela balançou a cabeça. — De que perigo você está
falando?
Ele respirou fundo. Agora era a hora de confessar tudo e ver a fé que
ela possuía nele, quebrar.
Ele se inclinou à frente, cada vez mais perto, tentando encontrar as
palavras. Tentando encontrar a confissão que nunca quisera fazer. — Ellis,
— ele conseguiu falar. — Você não acha que é coincidência demais que um
homem como ele, que vive de truques e mentiras, tenha escolhido você para
perseguir quando soube que estava noiva de alguém importante como o
conde de Harcourt?
Ela inclinou a cabeça quando aquelas novas informações
penetraram. — Você quer dizer que o motivo oculto dele pode ter a ver com
o meu noivo, não comigo. — Ela rangeu os dentes. — Mas então por que
não voltou para me buscar? Se eu fosse importante, ele não poderia ter me
usado para ganhar dinheiro?
— Ele pode ter pretendido isso, — disse Rook, revirando o
estômago com o pensamento. — Exceto, que Harcourt se casou com sua
irmã.
Ela se levantou quando a cor deixou suas bochechas e a
compreensão surgiu em seus olhos. — E eu não possuía mais valor.
Harcourt não precisaria de mim. Ele teve o acordo dele de outra maneira.
— Mas meu primo ainda pode estar perseguindo o que ele acha que
pode pegar, — disse Rook. — E isso pode ser perigoso. Eu sei tudo muito
bem.
Ele queria dizer mais do que aquilo. Falar sobre o falecido irmão de
Harcourt, explicar os detalhes do perigo em questão e seu próprio papel
naquilo tudo, mas antes que ele pudesse, ela passou os braços em volta da
cintura dele e o encarou com aqueles olhos esmeralda que ele nunca quis
perder ou desviar o olhar. Os olhos que seguravam seu coração e sua alma
e, naquele momento, sua língua.
— Você realmente teme que Ellis prejudique minha família?
— Espero que ele não queira, — sussurrou Rook enquanto ignorava
o vício que apertava seu coração. — O homem que eu conhecia, aquele que
me salvou, aquele que me ensinou a sobreviver, o homem que me tratou
como um irmão... — Ele parou quando sua voz pegou. — Espero que ele
não machuque ninguém.
Ela pegou a mão dele e seus dedos se entrelaçaram. Por um
momento, eles simplesmente respiraram juntos, em uníssono, com os olhos
presos.
Então ela assentiu. — Se você acha que ir para casa protegerá
minhas irmãs, eu o farei. Mesmo que eu não seja bem-vinda. Mesmo se eu
não puder ficar. Eu enfrentaria a ira delas.
— Claro que sim, — ele disse. — Você é corajosa demais para não
fazer isso.
Ela foi até a mesa e pegou algumas folhas de papel que estavam
descansando ali e uma pena que ele não havia notado antes. Ela deveria ter
escrito antes de começar a ler.
— Vou escrever uma carta para minhas irmãs para dizer que
estamos chegando, — disse ela. — Ela chegará lá antes de nós. E você disse
que poderíamos sair hoje?
Ele hesitou, pois um som começou do lado de fora. Um que o
emocionou mesmo que não devesse. — Está chovendo, — disse ele. —
Provavelmente é melhor esperar até amanhã.
Ela espiou pela cortina e balançou a cabeça. — Nossa sorte é ruim,
— ela murmurou.
Ele pegou a mão dela e levou-a aos lábios. — Escreva sua carta e eu
a postarei para que a mensagem chegue em breve. E depois eu gostaria de
encontrar algo para ocupar nosso tempo.
O olhar dela brilhou com desejo que substituiu a preocupação,
exatamente como ele esperava. Ela o puxou para um beijo que durou apenas
um momento a mais. Então ela suspirou.
— Eu sei que vai falar sobre isso, mas você está certo, é claro. A
única maneira de saber o caminho a seguir é resolver o que fiz. E sei que
você não quer ir, mas agradeço por estar disposto a me acompanhar.
Ele não disse nada, mas tomou o assento abandonado diante do fogo
e pegou o livro que ela havia deixado de lado. Ele não sabia dizer o que
queria dizer. Ele não podia admitir que estaria disposto a acompanhá-la ao
inferno, se aquilo significasse um momento a mais na companhia dela.
Ele não podia dizer, porque nunca poderia ser. Ele não podia dizer
aquilo porque ela ainda não sabia toda a verdade sobre ele, sobre Ellis e
sobre exatamente o porquê seu primo faria coisas tão desagradáveis com o
conde que se casara com a irmã dela.
Capítulo 16

Anne elevou-se em cima do cavalo e olhou para o vale onde


Harcourt Heights estava aninhado. Era uma bela perspectiva, com um lago
de um lado e o mar apenas à distância a oeste. Quaisquer que fossem as
dificuldades financeiras do Conde de Harcourt, ele ainda não lhes tinha
permitido colocar a propriedade em ruínas. Provavelmente, era por isso que
estava com tanta pressa de casar com uma das irmãs Shelley e receber um
belo dote.
Uma vez ela havia se resignado a ser dona da propriedade, embora
em seu coração nunca tivesse encontrado amor pelo lugar. E agora esse
mesmo coração palpitava de terror quando olhava a fachada de pedra ao
longe.
— Você precisará respirar para que tudo isso funcione, — disse
Rook suavemente, arrancando-a de seus pensamentos emaranhados,
exatamente como ele fizera na semana anterior, enquanto passavam por
condições terríveis do tempo e da estrada para chegar até ali.
Ela assentiu sem tirar os olhos da propriedade. — Mmmhmmm.
Ele pegou a mão dela e a levou aos lábios. Embora usasse luvas de
montaria, sentiu a pressão da boca dele contra a mão, o calor dos dedos na
palma da mão e, por um momento feliz, a calma se instalou nela. Ela olhou
para ele com um sorriso agradecido.
— Obrigada, — ela disse suavemente.
Ele inclinou a cabeça e seu olhar segurou o dela com intensidade
sombria. — Estou aqui por você, Anne. Contanto que você me queira.
O coração dela disparou quando ele disse aquilo. Ela temia que
nunca deixasse de querer Rook Maitland. Mesmo quando ele finalmente a
deixasse, como sabia que ele faria.
Ela respirou fundo. — Suponho que devemos ir em vez de ficarmos
sentados nesta colina o dia todo. Encarar as consequências.
Ele concordou e incitou o cavalo para começar a descer a colina em
direção à casa. Os dois ficaram em silêncio por um tempo, depois ele olhou
para ela pelo canto do olho. — O que quer que aconteça a seguir, eu, nunca,
vou me arrepender do que aconteceu entre nós.
Os lábios dela se separaram com aquela admissão. Com a rapidez
das palavras quando ele disse aquilo. Ela sorriu para ele, tentando esconder
as lágrimas dos olhos. — E eu nunca esquecerei.
Eles entraram no portão, o final da longa viagem, e contornaram
uma curva lenta onde a mansão foi revelada. Anne quase não conseguiu
respirar enquanto atravessavam os últimos metros até a escada de pedra que
levava à casa que ela abandonara poucas semanas antes.
Os criados vieram dos estábulos, mas foi Rook quem a tirou do
cavalo e a ajudou. Quando ela apertou a mão dele e o soltou para virar em
direção à casa, a porta se abriu e o coração de Anne quase parou.
Suas irmãs estavam praticamente se empurrando pelo espaço
estreito e depois correndo pelas escadas em direção a ela, lágrimas
escorrendo pelos dois rostos, assim como ela as sentia em suas bochechas.
Juliana e Thomasina a atingiram ao mesmo tempo, e então foram apenas
braços e soluços ao redor dela, palavras completamente indecifráveis
quando as Irmãs Shelley finalmente se reuniram.
— Já chega.
Anne ficou rígida ao ouvir a voz do pai. Lentamente, as irmãs se
separaram, com Juliana tomando um lado de Anne e Thomasina do outro.
Como se a estivessem protegendo, como sempre fizeram. A julgar pela
expressão de raiva do pai, talvez ela precisasse.
— Você sabe quantos problemas criou para todos? — Ele falou
como saudação.
Antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, Jasper Kincaid, o
conde de Harcourt, entrou no degrau. Seu olhar foi primeiro para
Thomasina, mas depois se voltou para Anne, e toda a raiva que ela sentiu
por ele ter forçado sua irmã a casar, explodir nela, fora de controle. Ela
correu à frente, os punhos erguidos com raiva.
— Seu bastardo! — Ela gritou quando se lançou sobre ele. — Como
você pôde? Como você pôde destruir a vida da minha irmã?
Rook a pegou antes que ela pudesse avançar no conde, puxando-a
de volta para o peito dele, pelos cotovelos. Thomasina pulou entre eles, com
as mãos para afastar Anne.
— Não! — Thomasina disse enquanto recuava em direção a Jasper e
tocou o braço dele. — Não, Anne! Eu o amo. Você me entende? Nós nos
amamos.

*****

As palavras estalaram no ar como um chicote, e Rook se agarrou


mais forte a Anne enquanto ela encarava o conde e a condessa de Harcourt,
que agora estavam de pé um ao lado do outro, a mão de Thomasina na
dobra do braço dele, olhando-o com o que era claramente adoração.
Então, Anne olhou para o pai, ainda irritado, e para a imóvel juliana.
Ela emitiu um som minúsculo no fundo da garganta e caiu contra Rook,
como se as últimas semanas a estivessem alcançando. Como se ela não
pudesse mais se sustentar.
Thomasina e Juliana ofegaram quando ela se dobrou, mas Rook
balançou a cabeça suavemente para afastá-las enquanto ele a equilibrava. —
Está tudo bem, — ele disse em seu ouvido suavemente. — Eu estou aqui.
O conde de Harcourt estava olhando para ele agora. Os olhos dele se
estreitaram. Aqueles que se pareciam tanto com os olhos do irmão morto.
Cristo, todas as malditas galinhas estavam prestes a assar hoje.
— Por que não entramos? — Harcourt sugeriu. — Obviamente,
temos, muito, o que discutir, e parece que vocês dois poderiam tomar um
chá depois da sua longa viagem para casa.
Rook franziu a testa. Ele nunca imaginaria que o anfitrião seria tão
solícito, mas ali estavam eles. Quanto a Anne, ela se encolheu com o uso da
palavra casa, mas parecia ter se recomposto, pois, se endireitou, não mais se
apoiando em Rook e assentiu. — Sim. Isso é muito sábio, Harcourt.
Harcourt inclinou a cabeça na direção dela e depois guiou a esposa
para dentro de casa. Juliana lançou um último olhar à irmã. Os olhos dela
permaneceram um momento e Rook ficou boquiaberto com o vínculo tácito
entre elas. Na comunicação que fluía como um rio.
Juliana apertou os lábios e deu um breve aceno antes de agarrar o
braço do pai. — Venha, pai, você pode conversar enquanto bebe um chá.
— Acho que preciso de uísque para isso, — disse o pai em voz alta
e com outro olhar por cima do ombro.
— Bem, Harcourt também tem isso, — disse Juliana com um
suspiro pesado. — Eu vou participar também.
Aquilo deixou Anne e Rook juntos. Ela olhou para ele com um meio
sorriso fraco. — Ali é o caminho para o estábulo e para os cavalos. O que
você diz se simplesmente fugirmos?
Ela estava expressando os próprios desejos dele mais uma vez, e
parecia que colocava a mão em torno de seu coração e apertava cada vez
que azia aquilo. Mas ele deu um tapinha na mão dela e a guiou para dentro
de casa como se ela não o tentasse. — Acho que não chegaríamos ao portão
antes que Harcourt nos seguisse, nos amarrasse e nos trouxesse de volta.
— Então é melhor ir tomar chá? — Ela perguntou com uma risada
seca.
— Melhor, eu acho, — ele concordou.
Eles chegaram ao salão onde os outros haviam entrado e entraram
juntos. Assim que eles cruzaram o limiar, Anne soltou o braço dele e se
afastou dele. Um lembrete de que ela estava entrando em seu mundo. Ele
não pertencia ali. Então foi para o canto oposto, cruzou os braços e esperou
o que viria a seguir.
— Por que não começamos com apresentações? — Thomasina disse
que depois que o chá foi trazido e a porta da sala foi fechada por alguma
aparência de privacidade. Ela dirigiu um olhar aguçado para Rook.
Anne mudou de posição e se aproximou um pouco dele. — Este é
Rook.
Rook sabia porque ela não disse seu nome inteiro, mas ele se
encolheu de qualquer maneira. Harcourt se endireitou e disse.
— Rook? — Ele repetiu, através do que obviamente eram dentes
cerrados. — Inferno.
— Constantine, — ela se corrigiu.
Harcourt parecia estar chegando ao fim da corda. Seu olhar frio
segurou Anne enquanto ele rosnava: — Anne.
Balançando a cabeça, Rook deu um passo à frente para acabar com a
farsa. Anne estava tentando protegê-lo, mas ela não podia. Ele não queria
aquilo. Suspirou e disse: — Constantine Maitland, milorde. Eu me passo
por Rook.
— Maitland, — Thomasina ofegou, pois parecia que a sala inteira se
encolheu, exceto o Sr. Shelley, que estava muito ocupado bebendo um copo
alto de uísque.
— Como Ellis Maitland, eu acredito, — rosnou Harcourt enquanto
caminhava pela sala como um toureiro.
— Meu primo, — reconheceu Rook. Ele certamente não mentiria.
Não mais.
O rosto de Harcourt estava ficando roxo. — Seu bastardo.
Ele empurrou Rook com os dois braços, e Rook recuou, mas se
recusou a se afastar. Ele entendia a raiva daquele homem, perfeitamente,
mas, se surgisse, não recuaria. Uma briga poderia realmente ser boa no
meio de toda a agitação.
Harcourt o empurrou novamente quando Anne e Thomasina
correram em direção aos homens.
— Jasper! — Thomasina ofegou, pegando o cotovelo do marido
antes que ele pudesse balançar o punho, como tão claramente queria.
Anne se colocou entre eles também, primeiro empurrando Rook,
alguns passos, para trás. Quando ele estava um pouco fora de perigo, ela
girou em direção ao ex-noivo e abriu os braços, como se protegesse Rook.
Ele olhou para ela, sentindo o perfume suave de seus cabelos. Quem foi a
última pessoa que o defendeu? O primo dele, talvez, anos antes? Nada, nem
ninguém na memória recente, isso era certo.
— Pare! — Anne ordenou. — Este homem salvou minha vida. Ele
me trouxe para casa. Ele não merece sua censura, não importa com quem
compartilhe o nome.
A mandíbula de Harcourt ainda estava flexionada e ele bateu os
punhos ao lado do corpo enquanto continuava a encarar Rook. — Explique.
Anne olhou para Rook, seu olhar mais suave. Ela murmurou: —
desculpe.
Ele balançou a cabeça e apontou para ela em direção ao sofá. Ela
apertou a mão dele uma última vez e o deixou novamente, desta vez para se
sentar ao lado de Juliana no sofá.
Ela inclinou a cabeça. — Eu sei o problema que causei, — ela
sussurrou. Parecia cansada. — Fugindo com Ellis Maitland. Quebrando o
nosso compromisso da pior maneira. Forçando Thomasina em minha tolice,
fazendo-a fingir ser eu. Mas fui punida por isso, garanto.
Juliana pegou a mão dela. — O que ele fez com você? — Ela
sussurrou.
— Ellis? — Anne olhou para Rook. — Ellis não fez nada. Eu era
um peão em um jogo que nem percebi que ele estava jogando. Ele me levou
para uma pequena vila...
— Beckfoot, — Harcourt interrompeu com um olhar para Rook. —
Meu homem e eu seguimos você até lá e soubemos que você havia entrado
em um barco com algum amigo de Maitland.
Ela engoliu em seco. — Ele era Rook.
— Sim, sei. Então você fez parte do esquema de Maitland? —
Harcourt perguntou. Rook podia ver que ele estava apenas controlando sua
raiva. Se a família inteira não estivesse na sala, o conde não teria parado
com alguns empurrões.
Não que Rook pudesse culpá-lo.
Rook se endireitou. — Não fazia, embora não espere que você
acredite, senhor. O bonitão... er... Ellis e eu trabalhamos juntos por um
longo tempo. Não vou negar isso. Mas não estou associado a ele há um ano.
Ele apareceu implorando por minha ajuda. Eu possuía razões para não
recusar. Mas não sabia nada sobre Anne, ou seu noivado ou qualquer outra
coisa. Ele apareceu em Beckfoot e jogou uma mulher no barco. Ellis saiu
dizendo que voltaria em tempo. Eu não poderia deixá-la lá. O que mais eu
deveria fazer, além de tentar protegê-la?
— Eu acreditei em Ellis quando ele disse que voltaria e nos
casaríamos, — continuou Anne. — E quando ficou claro que ele não
voltaria, pedi a Rook que me ajudasse a chegar em casa. Estivemos na
estrada desde então, tentando voltar para todos vocês. Embora eu tenha
feito... er... a promessa de pagamento pela incoveniência, — disse ela com
um olhar rápido para seu pai.
Shelley ficara quieto durante a conversa e agora cruzou os braços.
— Se você acha que eu vou dar um ceitil para...
Rook levantou uma mão. — Eu não quero um ceitil, eu garanto. —
Ele olhou para Anne. — Não há dívida a pagar além da minha própria,
Anne. Você não me deve nada.
A expressão dela se suavizou uma fração, e ele queria muito ir até
ela e abraçá-la. Ele apertou os punhos ao lado do corpo e ficou onde estava.
Ela se virou com um rubor.
— Bem, certamente apreciamos que você tenha trazido Ane para
casa, — disse Harcourt, seu tom ainda de confronto e frio. Os dois homens
estreitaram os olhos e seguraram o olhar por um momento. Então Harcourt
virou o rosto para a esposa. Seu olhar mudou em um piscar de olhos,
ficando quente e amável, no momento em que ele olhou para Thomasina.
— Talvez seja melhor Anne ir para o quarto. Vocês três podem se
reunir em particular, como eu sei que estão ansiosas para fazer. Todos nós
podemos respirar e continuar essa conversa no jantar quando todos
estiverem com uma mentalidade melhor.
Thomasina olhou para Anne e depois para Juliana. A conexão
fraterna delas era tão poderosa que Rook quase pensou que deveria desviar
o olhar. Era delas e particular, nem mesmo dos homens que cuidavam delas.
Ele esperava que com o tempo Anne pudesse restabelecer o que havia
perdido com suas ações. Ele esperava que ela encontrasse o futuro que
merecia.
— Talvez seja melhor, — disse Thomasina. — E verei que Willard
prepare um quarto para o nosso convidado também.
— Excelente, — Harcourt apertou a mão dela. — Enquanto vocês
sobem, acho que vou ter um momento a sós com o Sr. Maitland.
Anne se levantou, os lábios se abrindo como se ela quisesse disser
alguma coisa, mas Thomasina lentamente levou a mão à bochecha do
marido. — Você promete que não vai fazer nada que tenha que pedir
desculpas mais tarde, — disse ela, seu tom calmo, mas firme.
Harcourt sorriu e Rook ficou surpreso com quantos anos ela levou
do rosto dele. — Eu não vou decepcioná-la, amor.
Thomasina e Juliana foram em direção à porta, apontando para
Anne segui-las. Ela foi devagar, mas quando passou por Rook hesitou. —
Sinto muito, — ela sussurrou. — Tome cuidado.
— Você não tem por que se desculpar, — ele disse. — E eu sempre
tomo cuidado.
— Não, você não toma, — ela disse com uma risada doce enquanto
se afastava dele e saía pela porta com suas irmãs.
Todos que restaram na sala foram o Sr. Shelley e Harcourt. Rook
cruzou os braços enquanto esperava o ataque dos dois. Mas, para sua
surpresa, Harcourt olhou para Shelley. — Eu disse sozinho, — ele falou.
Shelley piscou para ele. — Eu pensei...
— Você pensa em muitas coisas, mas não protegeu suas filhas antes
e não terá o benefício de fazê-lo agora. Saia — ordenou Harcourt, todo
senhor da mansão em seu olhar e tom desdenhosos.
Shelley cuspiu fogo, mas fez como lhe foi dito e saiu, batendo a
porta atrás de si.
E então havia dois.
— Você não aprecia muito seu sogro, — disse Rook.
— Não há muito o que apreciar, isso é certo. — Harcourt soltou um
longo suspiro. — Você quer uma bebida, supondo que o brutamontes não
tenha engolido todo o meu uísque?
Rook ergueu as sobrancelhas. — Eu não esperava tanta
hospitalidade. Acho que, considerando as circunstâncias, é melhor eu
manter minhas faculdades.
— Excelente noção, — disse Harcourt, depois se serviu de uma
bebida. Ele tomou um gole enquanto examinava Rook por cima da borda do
copo. — Ao que parece, você e Anne se tornaram próximos durante suas
semanas juntos.
Rook levantou o queixo. Ele não estava prestes a se defender de um
homem cujo comportamento frio enviara Anne em primeiro lugar. — Sim,
— ele disse suavemente. — Perto o suficiente que mesmo se elas
estivessem vestidas iguais, eu poderia determinar qual seria Anne e qual
seria Lady Harcourt.
Harcourt olhou para ele mais de perto. Mais um exame do que
qualquer coisa. — Talvez você possa. Como eu. Eu reconheci minha esposa
no momento em que a vi naquela noite que Anne desapareceu. Mas parece
que minha ex-noiva tem lhe dito muita coisa.
Rook encolheu os ombros. — Não há muito mais o que fazer na
estrada, apenas conversar.
— Existem algumas coisas, — disse Harcourt, bebendo o restante
de sua bebida como uma lesma.
Rook se recusou a responder àquilo. Ele não contaria para aquele
homem sobre seu relacionamento com Anne. Aquilo era precioso demais
para ele. Não o mancharia, fingindo que era algo barato ou ruim.
— Suponho que você queira falar comigo sobre meu primo, — disse
Rook. — Não sobre sua cunhada.
— Quero falar com você sobre os dois, — rosnou Harcourt. — Mas
a questão maior atualmente é Ellis Maitland. — Ele colocou seu copo vazio
no aparador com um tilintar duro de vidro na madeira. — Agora que Anne
não está aqui para se decepcionar, quero a verdade. Você está envolvido no
que seu primo está fazendo?
A mandíbula de Rook se apertou, tanto com a acusação quanto na
constatação de que havia atividades de Ellis que ele não conhecia. A julgar
pelo comportamento de Harcourt, ele desejava não precisar saber. Mas para
proteger Anne, precisava de mais informações.
Rook se inclinou. — Conte-me tudo.
Capítulo 17

Anne afundou no céu úmido da água do banho, deixando-a cobrir os


ombros, depois o pescoço, depois afundou a cabeça e se deitou no fundo
liso, prendendo a respiração. Talvez ela pudesse ficar ali debaixo d'água
para sempre. Então ela não precisaria enfrentar as irmãs que se moveram
para ficar na beira da banheira e olhar para ela.
— Anne, — disse Juliana, sua voz baixa através da água. — Pare de
se esconder e fale conosco.
Anne se sentou, alisando os cabelos para trás e limpando a água dos
olhos com um suspiro. Lá se ia o plano se tornar uma sereia.
Thomasina entregou uma barra de sabão e Anne a levou ao nariz,
inalando profundamente a essência de limão e lavanda antes de mergulhá-la
sob a água e começar a ensaboá-la suavemente entre as mãos. Ela esperou,
sem falar, o começo de perguntas.
Em vez disso, Thomasina se inclinou e beijou sua têmpora úmida.
— Estávamos com tanto medo por você. E me senti tão vazia com apenas
nós duas aqui.
Juliana assentiu. — Eu não conseguia parar de pensar nas coisas
horríveis pelas quais você poderia estar passando. Ver você aqui conosco
é... Ela parou e enxugou os olhos.
Aquilo desencadeou as lágrimas que Anne estava tentando conter.
Ela colocou o sabonete de lado e cobriu o rosto. — Desculpem-me se eu as
preocupei e causei tanta devastação.
Thomasina deslizou um dedo sob o queixo e inclinou o rosto para
cima. — Não foi devastação. Eu disse que estou feliz e estou.
— Você está? — Anne sussurrou. — Você poderia realmente ser?
Thomasina deu uma pequena risada. — Sim. Mas agora que somos
apenas nós três, por que você não explica um pouco melhor o que
aconteceu?
Anne pegou o sabonete e se lavou para se distrair quando começou
sua história. — Eu nunca quis me casar com Harcourt, — disse ela. —
Quando o papai entrou na sala com ele todos aqueles meses atrás e declarou
que uma de nós seria a noiva dele, minha mente estava gritando por favor,
não eu.
Thomasina sorriu suavemente, e inclinou a cabeça, mas não
interrompeu.
— Tentei ser melhor do que sei que são meus piores impulsos, —
continuou Anne. — Tentei aceitar o que não podia ser mudado, mas à
medida que o tempo para o casamento se aproximava, meu pânico ficou
mais difícil de ignorar. Eu conheci Ellis Maitland aqui em Harcourt, no
primeiro baile em comemoração ao meu noivado.
— Ele se aproximou de você, — disse Thomasina com os olhos
arregalados.
Anne assentiu. — Depois de tudo o que Rook compartilhou comigo,
agora percebo que Maitland só queria me usar para chegar até Harcourt.
Mas na época, parecia que ele me oferecia uma tábua de salvação. Ele era
encantador e ria das minhas piadas. Depois de um breve conhecimento, ele
parecia o mal menor quando pensei no meu futuro.
Juliana balançou a cabeça. — O mal menor não é uma noção muito
romântica.
— Nem se casar com alguém que você não quer, — disse Anne.
Thomasina se virou para trás e disse: — Aqui, deixe-me lavar seu
cabelo.
Anne olhou para ela surpresa. As irmãs se revezavam lavando o
cabelo uma da outra pelo tempo que ela conseguia se lembrar. Mas com
tudo o que aconteceu, ela não tinha certeza de que seria aceita de volta tão
facilmente.
Mas é claro que ela seria. Porque suas irmãs eram gentis,
maravilhosas e queridas como sua própria respiração. Ela fugira, mas nunca
delas. E o fato dela não ter quebrado aquele precioso vínculo aqueceu
completamente seu coração e sua alma.
Thomasina começou a ensaboar os cabelos delicadamente e Anne
soltou um suspiro feliz.
— Então você fugiu, — disse Juliana suavemente.
— Eu fugi, — repetiu Anne, concentrando-se novamente em sua
história. — E como eu disse na sala, quase imediatamente fui jogada no
barco e na vida de Rook. — Ela se virou e olhou para Thomasina. — E
você foi forçada a se casar com Harcourt.
Thomasina balançou a cabeça. — E sou mais feliz do que já estive
na minha vida. Anne, se você estava gritando silenciosamente para o papai
não escolher você como noiva de Harcourt, eu estava gritando o contrário.
Desde o primeiro momento em que olhei para ele, desejei ser dele. Quando
ele ficou seu noivo, meu coração se partiu, mas senti que não havia nada
para fazer.
— Você... você o queria desde o começo? — Anne sussurrou. Ela
ficou chocada com aquela resposta. Totalmente chocada, até os dedos dos
pés.
Juliana riu. — Você vê, Thomasina, eu lhe disse que se Anne não o
quisesse, eu nunca seria capaz de imaginar que alguém mais poderia querer.
Eu nunca suspeitei de seus sentimentos.
— Nem eu, — Anne concordou. — Thomasina, como isso deve ter
sido terrível para você!
— Foi, — disse Thomasina com um suspiro. — Mas eu não poderia
atrapalhar o seu futuro e não sabia que ele poderia sentir o mesmo por mim.
Então, fiquei à espera, silenciosa e covarde, esperando que meu coração se
partisse quando vocês dois se casassem. Na noite em que você me pediu
para tomar seu lugar, eu fiz aquilo para fingir, por um momento, que ele era
meu. Sua partida me libertou, não me prendeu. Quando Jasper exigiu que eu
me casasse com ele em seu lugar, não fiquei chateada — fiquei alegre. E
quando percebi que ele me amava tanto quanto o amava... aquele foi o dia
mais feliz da minha vida.
Anne balançou a cabeça. — Não acredito que fui tão egoisticamente
cega ao seu sofrimento. Que tipo de irmã eu sou?
— Ela escondeu tudo, — destacou Juliana. — Agora lave o cabelo
antes de se cegar com o sabão.
Anne deslizou para baixo e afundou a cabeça para trás, mas não
conseguia parar de pensar em tudo o que havia ignorado e fingido. Ela se
sentou e espremeu a água dos cabelos enquanto girava na banheira para
olhar Thomasina. — Você realmente o ama. E você é feliz.
— Eles estão delirando, — disse Juliana antes que Thomasina
pudesse responder. — É ao mesmo tempo encorajador e horrível de assistir,
eu lhe asseguro.
— Será que ele realmente vai amar você a vida toda? — Perguntou
Anne.
Thomasina sorriu e não havia dúvida em seus olhos. — Ele quase
morreu por mim. Então acho que sim.
— Quase morreu por você? — Anne ofegou.
— Ellis Maitland apareceu aqui há alguns dias, — disse Thomasina
estremecendo. — Ele acredita que temos algo que o irmão de Jasper,
Solomon, roubou dele. Eu o encontrei quando ele estava procurando e
ficou... intenso. Ele está muito desesperado.
Juliana se mexeu. — A arma disparou acidentalmente, — ela disse
suavemente.
— E quase matou meu marido, — disse Thomasina, endireitando a
coluna.
Anne se levantou e pegou a toalha que Juliana lhe ofereceu. Ela se
envolveu com um movimento de cabeça enquanto pensava em Rook. Ele se
importava profundamente com Ellis, apesar de estar zangado com o primo.
Ellis salvou a vida dele. Ele ficaria arrasado ao ver até onde havia falhado.
— Anne, é possível seu Sr. Maitland, este... este Rook estar
envolvido nos planos de Ellis Maitland? — Perguntou Juliana.
Anne se virou para encará-la. — Nunca! — Ela explodiu. — Ele
deixou aquela vida. Ellis o convenceu a ajudar nesta última vez, mas eles
não mantêm contato há muito tempo.
Ela percebeu o quão forte seu tom havia sido quando as duas se
afastaram. Thomasina arqueou uma sobrancelha. — Você o ama.
Anne cambaleou com as palavras que estava evitando dizer, para si
mesma. Agora que elas haviam sido ditas, elas pairaram no ar, um demônio
liberado da caixa de Pandora. Pior que isso, eram uma verdade que ela não
podia negar.
Ela afundou na cadeira mais próxima e inclinou a cabeça. — Sim,
— ela sussurrou. — Eu o amo. Mesmo que seja impossível.
Suas irmãs trocaram um olhar. — Porque ele é um criminoso? —
Thomasina perguntou, erguendo as sobrancelhas.
— Eu lhe disse, ele não é! — Anne bufou, frustrada por suas irmãs
não poderem ver a bondade que ela sabia residir em todas as fibras do ser
de Rook.
Juliana mordeu o lábio. — Talvez ele não seja. Talvez você esteja
certa sobre ele, mas como não podemos nos preocupar conhecendo suas
afiliações? Sabendo que ele admitiu uma vez estar envolvido em negócios
ilícitos?
— Vocês dois passaram muito tempo juntos enquanto estavam
desaparecidos, — disse Thomasina, retomando o ponto em que Juliana
havia parado antes que Anne pudesse discutir. — Você poderia estar
mascarando seus sentimentos? Eu posso imaginar a intensidade de ficarmos
presos juntos, de viajar juntos... de... o que mais vocês dois possam ter feito
juntos. Isso pode fazer você acreditar que se sente...
— Não é uma crença, — disse Anne, passando a mão pelo cabelo
molhado. — É a verdade. Mas se você tem medo que eu ligue meu futuro a
ele, não precisa. Isso... não pode ser. Não importa o que eu sinta, é... sem
esperança.
Seus ombros rolaram para frente quando a verdade a atingiu em seu
estômago. Ela teria preferido que a dor fosse física naquele momento.
— Por quê? — Thomasina sussurrou.
— Porque somos de mundos tão diferentes, — disse Anne com um
suspiro. — Embora possamos ter... nos conectado... ele estava preso
comigo, ele não me escolheu. Ele quer morar sozinho em uma ilha e eu nem
sei como limpar uma frigideira de ferro fundido ou atirar uma faca.
Suas irmãs trocaram um olhar confuso. Então Thomasina deu um
passo à frente e pegou as mãos dela. — Quando você diz conectado, eu
suponho que você quer dizer... sexo. Que você está fisicamente conectada.
Anne quis dizer mais do que aquilo, mas assentiu com um rubor
profundo.
— Ele a levou para a cama? — Juliana ofegou.
Anne e Thomasina se viraram ao ouvir a voz alta. — A graciosa
Juliana não colocou a casa abaixo, — Thomasina riu.
— Para ser justa, eu o levei, — admitiu Anne. — Ofereci-me uma
dúzia de razões para não fazê-lo e, aparentemente, tive muitas
oportunidades para permanecer intocada. Mas no final, eu queria que ele
não negasse demais o que havia entre nós. Se eu já estava arruinada por
causa de um escândalo em boatos, pensei que poderia pelo menos apreciá-
lo na verdade.
— Eu sou a única das minhas irmãs a permanecer virgem? —
Juliana bufou.
Thomasina riu e Anne conseguiu um sorriso enferrujado com a
piada, apesar de que admitir que amava Rook lhe deu pouco prazer e apenas
tornava a separação inevitável ainda mais dolorosa.
— Não conheço aquele homem, — disse Thomasina com cuidado.
— Ou suas intenções finais, seja na estrada com você ou aqui. Eu o temo e
levará tempo para mudar de opinião. Mas devo dizer que não acho que um
homem permita que uma mulher o arraste pela Escócia, na chuva, se ele não
se importar com ela. Nem olhe para uma mulher como ele olhou para você
na sala hoje.
Anne respirou fundo com aquela imagem. Mas ela não podia ser
tola. Não quando se tratava daquilo, não depois de qualquer outra coisa
imprudente que ela fizera.
— Não tenho dúvida de que ele se importa comigo, — disse ela. —
Mas isso não é igual ao amor, nem qualquer desejo de fazer outra coisa
senão lidar com o problema com o primo, e voltar para casa. Agradeço a
atenção dele depois de tudo o que fiz para trair a confiança, mas sei o que é
verdade.
Thomasina abriu a boca como se quisesse discutir mais, mas Juliana
se adiantou e colocou uma mão gentil no antebraço dela. — Vamos deixar o
assunto fechado por enquanto, — disse Juliana com um olhar significativo
para a irmã. — Vamos ajudá-la a se vestir e se preparar. Então vamos descer
e descobrir isso. Juntas.
Anne sorriu quando se levantou e apertou mais a toalha antes de
entrar nos braços abertos de suas irmãs. — Eu senti tanto a falta de vocês
duas. E você está certa, juntas podemos resolver qualquer coisa.
Mas como ela revelou no calor da aceitação e do amor de suas
irmãs, não conseguia deixar de ter um sentimento de afundamento. Afinal,
seu amor fraterno não conseguiu resolver seus problemas.
E Rook não era dela.

*****

Rook estava no meio de um aposento que era maior que todo o chalé
na ilha. Era decorado com um toque sofisticado, das roupas de cama
simples, mas caras, às obras de arte nas paredes. Quando ele pisou perto da
janela, ele olhou para um jardim magnífico que descia um longo caminho
até um lago ao longe.
Era o lar de um rei. Uma rainha Um lugar onde Anne pertencia. Ele
certamente não.
Sua conversa com lorde Harcourt foi difícil, para dizer o mínimo.
Ele agora conhecia toda a extensão do desespero de seu primo. E se Ellis
não ficara satisfeito com o encontro na propriedade de Harcourt alguns dias
antes, ele certamente voltaria.
O que significava que Rook também precisava ficar. Talvez ele
pudesse ajudar seu primo. Ou pelo menos proteger aqueles no caminho
dele.
Ele balançou a cabeça. Estar ali seria uma tortura. Olhar para Anne
e nunca mais poder tocá-la seria uma tortura. Mas foi melhor para ela.
Então deveria ser melhor para ele também.
Houve uma batida em sua porta e, quando ele permitiu, a porta se
abriu para revelar um lacaio com o uniforme dos Harcourt. — Com licença,
senhor. Sua presença foi solicitada para bebidas antes do jantar.
Rook olhou para o belo relógio em cima da mesa e balançou a
cabeça. Cristo, já era tarde. Entre a empolgação da chegada deles e a
conversa extremamente longa e desconfortável com Harcourt, ele perdeu a
noção do tempo. — Eu vou descer.
O lacaio assentiu e recuou da sala. Rook se olhou no espelho. Ele
trocou as roupas do dia, é claro, e recebeu um banho quente. Mas sua roupa
atual não era exatamente adequada ao tipo de jantar em que alguém era
convidado a beber antes.
Mas o que havia para fazer? Ele alisou o tecido áspero de sua
jaqueta e saiu do aposento. Desceu as escadas e parou no fundo. Ele
esquecera de perguntar a localização daquelas bebidas e era uma
propriedade enorme.
Então começou a vagar, tentando ouvir os sons de conversas em
qualquer um dos aposentos.
A caminhada foi ainda mais uma evidência de como ele não
pertencia àquele lugar. Havia dezenas de salões ao longo do corredor, cada
um mais deslumbrante que o outro. Para um homem que estava sofrendo
financeiramente, Harcourt não revelava. E Rook se perguntou se Anne um
dia se arrependeria de não se casar como pretendia. Obviamente, Harcourt e
Thomasina combinavam melhor, mas certamente se Anne não tivesse
fugido, não tivesse se arruinado com ele ... poderia ter alguém tão
importante quanto. Até mais importante.
E agora ela só teria lembranças de pequenos quartos de hospedaria e
dele. Aquelas mesmas memórias a sustentariam, mas no fim a
assombrariam?
Finalmente ouviu vozes e sacudiu os pensamentos obscenos quando
entrou no último salão à esquerda no longo corredor. Quando entrou no
salão, seu olhar imediatamente se mudou para Anne. Ela estava de pé junto
à lareira, olhando as chamas. Ela se virou quando ele entrou e sua
respiração ficou presa.
Ele passou semanas com aquela mulher, cativado por sua beleza.
Mas hoje ela estava mais do que bonita. Ela estava requintada em um
vestido de noite de seda azul-esverdeada que combinava com o mar e fazia
seus olhos parecerem mais claros. O cabelo havia sido elaborado na coroa
da cabeça, e mechas brincavam ao redor de suas bochechas, como se para
chamar ainda mais, a atenção para seu rosto adorável.
O vestido era elegante, com um brocado no corpete que levantava
levemente os seios e lhe dava uma visão de dar água na boca das curvas que
ele tanto adorava, e adorava repetidamente quando estavam sozinhos. Como
ele queria desembrulhar aquele lindo pacote diante dele e esquecer todas as
coisas que os separariam agora. Como ele desejava poder ir embora com ela
e fingir que este mundo não existia.
Os lábios carnudos dela se abriram como se ela pudesse ler a mente
dele, e ela deu um passo na direção dele antes que o conde de Harcourt
fizesse uma careta e a cortasse.
— Maitland, — ele disse. — Bom da sua parte se juntar a nós. Você
vai tomar uma bebida?
— Sim, — Rook conseguiu responder através de uma garganta seca.
Ele pegou a bebida, quando foi dada e acenou para o que quer que Harcourt
tenha dito. Quando o conde se afastou, Rook sentiu-se compelido a olhar
para Anne. Como um marinheiro para um farol nas rochas.
Só que ela seria destruída se ele o fizesse. Então ele balançou a
cabeça e caminhou até a janela. Tentou controlar a respiração enquanto
olhava à escuridão crescente, e tentava se recompôr.
Mas então ela ficou ao lado dele, ele se perdeu no aroma de limão
fresco e pelo calor leve quando ela tocou seu cotovelo e virou-o para ela.
— Boa noite, — disse ela, suas bochechas ficando rosadas como se
fosse tímida, apesar de tudo o que haviam feito juntos. Supôs que aquilo
fazia sentido. Ali, neste lugar, com aquelas pessoas, ela era uma pessoa
diferente daquela que se rendeu a um vilão como ele. Ele a estava vendo
pela primeira vez.
— Shelley — Ele disse, forçando seu tom a ser normal.
— Rook? — Ela murmurou, franzindo a testa. — O que você está
fazendo?
— Nada, estou apenas cumprimentando você, — disse ele, virando-
se um pouco enquanto bebia metade de sua bebida em um gole. — Está
uma boa noite, não é?
Os lábios dela se apertaram e os dedos se fecharam em punhos ao
lado do corpo. — Eu suponho que Harcourt foi muito duro com você mais
cedo quando foi deixado sozinho? Eu estava preocupada.
Ele se encolheu sob os cuidados dela. O cuidado que ele certamente
não merecia. — Você não precisa se preocupar com o meu bem estar, eu lhe
garanto. Você deve se concentrar em sua reunião com suas irmãs e seu pai.
Anne olhou para trás. Seu pai estava deitado no sofá de Harcourt
com uma bebida pendurada precariamente nas pontas dos dedos. Não era a
primeira bebida, ao que parecia, a julgar pelo fato de o homem parecer
quase bêbado.
— Meu pai não dá a mínima para mim agora que eu não tenho valor
de troca, — disse ela, amarrando seu tom por um momento.
Ele ansiava por pegar a mão dela. Para ouvir mais sobre aquela dor.
Para acalmá-lo de alguma forma. Mas resistiu, porque não era o seu lugar.
Nunca foi, — aquilo sempre foi uma ilusão.
— Lamento saber que você tem problemas, — disse ele, forçando a
frieza a permanecer em seu tom. — Mas tenho certeza que você está
ansiosa para jantar. Você deve ter perdido essas grandes refeições.
Ela se inclinou para mais perto. — Por que você está sendo tão
diferente? — ela perguntou. — Por que você está colocando algum muro
entre nós?
Ele cerrou os dentes. — Porque eu não fiz isso antes, quando
deveria, e agora devo corrigir esse erro.
Ela deu um longo passo para trás. — Erro? — Ela repetiu.
Ele balançou a cabeça, mesmo que não quisesse que aquela palavra
atingisse uma marca tão sólida. Ele viu como aquilo a machucou. Ele se
odiava por isso, mesmo que fosse para o próprio bem dela. Pelo bem dele.
Eles teriam que começar a se separar, agora.
Era importante.
Ela inclinou a cabeça. — Com licença, Sr. Maitland.
— Srta. Shelley, — ele sussurrou enquanto ela se afastava de volta
para sua irmã. Juliana, ele pensou, já que Thomasina estava com o marido.
Ela disse algo para Juliana e elas olharam para ele juntas. Juliana olhou
furiosa, mas os olhos de Anne brilharam com desejo, medo e dor.
Ela não entenderia. Ainda estava muito ligada a ele. Ainda muito
cheia de qualquer desejo que eles haviam se rendido na estrada. Finalmente
ele cortou o contato. Ele precisava encontrar uma maneira de fazê-la não o
querer.
E sabia de um jeito.
Ele limpou sua garganta. — Eu odeio acabar com o vazio educado
desta reunião, — disse ele, afastando as gentilezas que usara como escudo
com ela. — Mas acho que precisamos falar sobre meu primo.
Harcourt franziu a testa. — Não exploramos completamente essa
questão hoje cedo?
Rook levantou o queixo quando encontrou os olhos do homem. —
Não. Eu escondi um fato importante. Ellis esteve envolvido na morte de seu
irmão, lorde Harcourt.
Ele deixou seu olhar deslizar para Anne. Ela havia perdido toda a
cor das bochechas quando o encarou.
— E eu sabia disso desde o início.
Capítulo 18

Rook ouviu o grito curto de Anne quando Harcourt atravessou a sala


e balançou o punho. Ele aterrissou na face de Rook, enviando um tiro de
dor pelo rosto e pelo pescoço, momentaneamente fazendo-o ver estrelas.
Ele se forçou a não reagir, embora pudesse ter achatado o conde com um
movimento do pulso.
— Eu mereço isso, — disse ele, e seu olhar deslizou para Anne. Ela
mantinha as duas mãos sobre a boca e seus olhos verdes estavam
arregalados e cheios de lágrimas. — Talvez seja a única coisa que eu
mereço há muito tempo.
Ela se encolheu com aquela observação, feita para lembrá-la de que
ele não pertencia ao mundo dela. Não que ela precisasse.
Ela abaixou as mãos e marchou em direção aos homens. Thomasina
já havia alcançado o marido e o afastou. Harcourt ainda estava gritando
alguma coisa — não importava o quê, alguma insatisfação que Rook
merecesse — enquanto Anne caminhava entre eles. Só que desta vez ela
não tocou em Rook. Ela parecia fazer o possível para não tocá-lo.
— Diga a verdade, — disse ela, encontrando os olhos dele. —
Conte-me tudo isso.
A acusação era expressa em seu tom: a mágoa. Ele odiou, mesmo
tendo aquilo como objetivo exato. Ele precisava que ela o odiasse. Aquilo
tornaria mais fácil no final.
Rook olhou para Harcourt, não para ela. — Meu primo e seu irmão
se envolveram com Winston Leonard.
Harcourt gelou imediatamente e recuou um passo.
— Sim, — disse Rook suavemente vendo a forte reação. — Eu acho
que você o conhece.
Thomasina olhou de Rook para Harcourt, para Anne e de volta para
o marido. — Por que esse nome faz você se encolher? Winston Leonard é o
terceiro filho do duque de Coningburgh, não é? Ele é um cavalheiro.
Harcout limpou a garganta e passou a mão pelo rosto. — Ele se
disfarça como tal, — disse ele, enquanto colocava um braço em volta da
cintura de Thomasina. Naquele momento, Rook viu como ele era protetor
com ela. E como era apaixonado. Ele viu um espelho de seus próprios
sentimentos por Anne e viu que podia ser livre com eles.
— O que isso significa? — Juliana pressionou, vindo para pegar a
mão de Anne. Ele estava feliz pelo apoio que ela possuía. Ela precisaria
daquilo.
— Há rumores sobre ele, — disse Harcourt. — Que ele está
envolvido em atividades muito perigosas. Que não há homem que se
atravesse na frente, a ponto de até o duque ter medo do filho. Que ele está...
ele está morto.
— Não são meros rumores, — disse Rook enquanto conjurava
facilmente uma imagem do vilão mais vil que já conhecera. — Tudo dito
sobre o homem é verdade. Ele é pior do que você sabe, não é conversa
fiada.
— Droga, Solomon, — Harcourt murmurou, referindo-se ao seu
falecido irmão.
Rook deixou escapar um longo suspiro e disse: — Quando Ellis e
seu irmão se envolveram com ele, eles estavam trabalhando para ele. Eu
acho... Solomon, você disse que o era nome dele. Posso me referir a ele
como tal para reduzir a confusão causada por chamá-lo de Harcourt?
Harcourt parecia doente, mas ele assentiu. — Sim. Meu irmão nunca
usou nosso título com honra, e ao ouvir isso, acho que ele merecia menos.
Chame-o pelo seu nome cristão. Como meu irmão conheceu você e seu
primo?
Rook balançou a cabeça e tentou afastar o ciúme e a perda que
aquela pergunta inspirava nele. Os lábios de Anne se separaram como se ela
pudesse ler aquela dor, e sua mão se mexeu ao seu lado como se quisesse
tocá-lo.
Recuou um pouco, apesar de querer tanto aquele toque que chegava
a doer.
— No inferno dos jogos, Donville Masquerade.
Harcourt se encolheu de novo e, do sofá, o esquecido e muito
bêbado Sr. Shelley gritou: — Lindas damas da noite por lá. Muito flexível
antes que revogassem minha associação.
Ele desmaiou imediatamente, afastando-se da conversa, mas Anne
prendeu a respiração e as outras duas irmãs ficaram vermelhas.
Obviamente, elas agora sabiam que tipo de lugar era Donville Masquerade.
— Solomon perdeu muito dinheiro para Ellis naquela noite, mas
eles devem ter continuado, porque na vez seguinte ele estava me
apresentando seu irmão e me dizendo que ele iria nos ajudar. — Rook
apertou a mandíbula. — Eu avisei aos dois que tudo terminaria em nada de
bom, misturando nossos mundos, mas eles não ouviram.
— Você é um maldito herói, — Harcourt rosnou. — O que meu
irmão estava fazendo para Ellis?
— Fornecendo acesso, — explicou Rook. — Ellis e eu estávamos
roubando e lidando com acompanhantes por décadas. Estávamos bem, mas
meu primo queria ainda mais. Peixe maior, ele continuava dizendo.
Solomon forneceu uma introdução àqueles peixes grandes dentro da corte.
Harcourt se afastou. — Como ele deve ter adorado interpretar o
vilão, meu irmão egoísta.
— Às vezes. — Rook hesitou e se aproximou de Harcourt. — O
jogo o atraía, não vou dizer que não. Mas acho que você deve saber que ele
também falou com frequência sobre como sabia que havia destruído a
riqueza e o bom nome de sua família. Havia uma parte dele que queria
ganhar o suficiente para comprar de volta algumas das boas graças. Ele
também costumava falar de você, especialmente no final. Vocês dois
tiveram uma briga?
Harcourt se virou para encará-lo, com os lábios entreabertos. Toda a
cor havia deixado seu rosto. Thomasina se aproximou dele e pegou sua
mão, observando sua expressão. E, novamente, o amor deles estava em
exibição. — Ele lhe contou isso?
Rook assentiu sem falar.
— Sim, — Harcourt sussurrou depois de um momento. — Um ano
antes da morte dele.
— Na época em que ele conheceu meu primo, — disse Rook, um
pouco de seu ódio por Solomon Kincaid desaparecendo com aquela
informação. No final, parecia que todos estavam quebrados. Tudo perdido.
Ele não podia desprezar completamente um homem por aquilo. — O que
explica muita coisa. Ele queria ganhar seu respeito, Harcourt. Ele
obviamente o amava.
Harcourt olhou para Rook pelo que pareceu uma eternidade. Então
sussurrou: — Obrigado por isso. Significa muito. Eu certamente gostaria de
ter feito isso de uma maneira diferente.
— Sim, — Rook balançou a cabeça. — Os dois ficaram muito bons
em seus jogos. E ele estava cada vez mais afiado. Quando eles conheceram
Winston Leonard, não pediram mais minha opinião, nem ouviram quando
ela foi dada. Ele ouvira falar de alguns de seus planos e pedira que fizessem
algum trabalho para ele. Mas aqueles dois tolos não gostaram dos termos e
decidiram tirar algo dele.
— O quê exatamente? — Thomasina perguntou. — Ellis veio aqui,
exigente, desesperado, mas eu e meu marido pensamos que era uma estátua
que Solomon havia escondido e Ellis voou em uma explosão selvagem
quando a viu. Ele foi muito claro que não foi para aquilo que ele veio.
— Uma joia, milady, — disse Rook suavemente. — Tão grande
quanto seu punho. Uma esmeralda com o melhor corte que eu já vi.
Imediatamente a coisa toda deu errado. Leonard veio até eles como uma
avalanche do inferno. Eu nunca vi meu primo com medo, até aquele dia em
que foram chamados para o campo de duelos para resolver o problema.
Ellis tentou negociar. E Leonard matou Solomon como um exemplo.
Harcourt cambaleou e se sentou com força na cadeira. — Então não
foi um duelo.
— Não, foi um assassinato a sangue frio. Eu os havia seguido, mas
estava longe demais para fazer qualquer coisa para ajudá-los. Leonard deu
ao meu primo, um certo tempo para devolver a gema. Honestamente, eu
presumi que ele conseguira até tudo... isso.
Anne se aproximou dele. — Presumiu?
Rook encontrou o olhar dela. Havia muitas coisas que ele queria
dizer para afastá-la. — Nós tínhamos um código. O assassinato não fazia
parte disso. Ellis pode não ter atingido Solomon Kincaid, mas suas ações
levaram ao fim dele. Eu me afastei dele. De tudo.
— Foi quando você foi ao seu país, — Anne respirou.
Harcourt olhou entre eles com uma sobrancelha enrugada. — Mas
ele voltou e você o ajudou.
— Ele não é tão ruim. — Rook ouviu o estalo em sua voz, aquele
que ele não podia controlar. — Ele me salvou de muitas maneiras que
nunca conseguirei expressar. — Enquanto ele falava, Anne deu outro passo
na direção dele e ele rezava para que ela o tocasse e ao mesmo tempo que
não. Ela não o fez, embora seu olhar verde o segurasse gentilmente. —
Então eu concordei, sem saber o resto. Mas quando ouvi seu nome e seu
título em Gretna Green, soube que não era coincidência.
— Não é, — Harcourt refletiu. — Ellis acha que temos a joia. O
desespero dele por ela é evidente.
— E isso é muito fora do personagem, — disse Rook com um aceno
confuso de cabeça. — Ellis sempre foi indiferente a seus atos. Mesmo
quando ele era ameaçado, não se podia pará-lo. Quando ele está
desesperado, nunca é bom. O fato dele ter inventado esse plano terrível com
Anne e não conseguir se controlar sobre isso... me faz pensar no que mais
Leonard está ameaçando. O que mais Ellis acha que ele tem a perder.
— Isso é tudo então? — Harcourt perguntou, levantando-se
novamente.
Rook assentiu devagar.
— Eu preciso de um momento, — disse Harcourt suavemente. Saiu
da sala sem mais comentários. Thomasina emitiu um som suave de angústia
e correu atrás dele.
Anne ainda encarava Rook, seu olhar uniforme e indecifrável. Então
ela se virou para Juliana. — Você leva o papai?
Juliana olhou para ele. — Eu não quero deixar você sozinha com
ele.
Rook se recusou a reagir àquilo, apesar de Anne se encolher. Ela se
moveu em direção a sua irmã, segurando as duas mãos. Elas não disseram
nada, mas a conversa fluiu entre elas por um momento. Juliana se inclinou à
frente e encostou a testa na de Anne.
— Anne... — ela disse.
Anne balançou a cabeça. — Por favor.
Juliana se afastou e olhou para ele. Manteve seu olhar por um
instante, dois. Então ela suspirou. — Muito bem. Suponho que haja pouco
dano para ele, de qualquer forma.
Ela andou até o pai delas. Levou um momento para despertar o
bêbado e fazê-lo cambalear para fora da sala com ela. Depois disso, Anne
foi até a porta e fechou-a suavemente. Ela se inclinou contra ela,
observando-o. Lendo-o. Culpando-o.
Então soltou um suspiro e disse: — Agora me diga a verdade. Há
quanto tempo você realmente sabia que Harcourt era meu noivo?

*****

Anne observou Rook se encolher e soube a resposta antes dele falar.


Ainda assim, ela precisava ouvir e ele não decepcionou.
— Eu disse a verdade a Harcourt um momento atrás. Eu não sabia
da sua conexão até Gretna Green. Ao mesmo tempo em que descobri que
Thomasina se casara com ele em seu lugar. Juro por você, pela minha vida,
pela minha ilha, na minha paz, não menti sobre isso.
Ela inclinou a cabeça e desejou que aquilo não lhe desse tanto
alívio. — Mas você também não me contou. Passamos muito tempo juntos
depois que você o entendeu, tanto na cidade quanto na estrada. Você
conversou comigo sobre tanta coisa, mas nem mesmo uma dica sobre Ellis
e Harcourt e toda essa bagunça.
Ele se virou e foi até a janela. — Eu sei.
— Por que você não o fez? — A raiva cresceu dentro dela e ela a
socou com um difícil dilema. — Por que você me manteve no escuro?
Ele ficou em silêncio por um longo momento. Suas mãos abrindo e
fechando em punhos ao lado do corpo, enquanto ele olhava à escuridão se
juntando lá fora.
— Constantine, — ela sussurrou.
Ele se virou com o uso do primeiro nome. Era a marca que ela
pretendia atingir. Seus lábios se apertaram antes de que botasse pra fora:
— Porque cada momento com você foi roubado desde o início. E eu
sabia que uma vez que você descobrisse a verdade, você me olharia como
está me olhando agora. Como se eu fosse uma merda no seu sapato. E eu
sou Anne. Eu sou.
Ela se encolheu. — Eu já sabia o que você era, Rook.
— Não, você não sabia. Você me romantizou como Robin Hood das
histórias infantis antigas. Não é?
Ela rangeu os dentes. Maldito seja por vê-la. — Suponho que possa
ter imaginado você como um nobre salteador, sim.
— Mas eu não era, — ele disse suavemente. — Eu saí para não
machucar as pessoas. Brutalidade nunca foi o meu estilo. Mas fiz o que era
certo para mim e mais ninguém. Eu não sou um herói. E o que eu disse
sobre Ellis, Solomon Kincaid e Winston Leonard, assassinato, sangue e
morte... essa é a verdade mais próxima do que eu sou.
— O que você era, — ela argumentou, querendo defendê-lo, até
para ele próprio. — Por alguma razão, você quer girar seu passado sob a luz
mais feia. E talvez isso seja justo, porque tenho certeza de que você sofreu
muito e também os outros que deixou no seu rastro. Mas passei um tempo
com um homem diferente nas últimas semanas, Rook. Passei um tempo
com um homem bom. Um homem gentil. Um homem decente. Você
poderia provar que era um bruto muitas vezes. E você sempre provou ser
muito mais.
Ele balançou a cabeça, sua expressão alquebrada porque o que ela
disse realmente o machucou. — Não fale.
— Por que eu não deveria? — Ela pressionou. — Você deve saber o
que veio a significar para mim. Você deve saber que eu...
— Não fale! — Ele exclamou, mais alto quando atravessou a sala e
pegou os cotovelos dela. Ele a puxou contra seu peito, e cada momento de
desejo que já sentia por ela aumentava quando ela o olhava nos olhos e via
tudo o que precisava. Não é o que estava convencida que queria.
Mas o que realmente precisava.
— Não diga algo tolo que só irá causar mais caos, — ele
resmungou. — Farei tudo ao meu alcance para protegê-la de meu primo e
do vilão que conseguiu se enfurecer até o ponto da loucura. Mas você e eu...
não temos nada, Anne. Nós nunca teremos nada. Então você precisa deixar
de lado essa noção. E você precisa fazer isso, agora.
Ele ainda a estava segurando, e apesar de suas palavras frias, ela viu
o calor queimar em seu olhar enquanto a encarava. Os dedos dele se
moveram contra os braços dela, e seus lábios se separaram um pouco.
Então ele a afastou. Não grosseiramente, mas com firmeza. Saiu da
sala e a deixou destruída.
Capítulo 19

A hora do jantar chegou e, de alguma forma, Rook conseguiu entrar


na sala e encarar a mulher que estava tentando perder. Era impossível evitá-
la, pois o grupo era muito pequeno.
O conde de Harcourt estava sentado à cabeceira da mesa, com a
esposa de um lado, ela segurava a mão e falava baixinho com ele. Ele
parecia acabado. Anne estava do outro lado. Ao lado dela estava Juliana, e
do outro lado de Juliana estava o lugar onde ele havia sido colocado.
Reconheceu a distância sendo colocada entre ele e Anne.
Parecia que era necessário. Certamente era merecido.
Quanto ao Sr. Shelley, depois de sua exibição, bêbado, mais cedo,
não havia entrado no grupo. Por aquilo, Rook ficou satisfeito, pois o
homem parecia totalmente desinteressado em proteger suas filhas. Anne
merecia melhor, isso era certo.
Foi uma reunião quase silenciosa. Ninguém parecia muito disposto a
discutir as coisas que haviam sido reveladas pouco tempo antes, na sala. E,
no entanto, dificilmente uma pessoa à mesa, tocou em sua comida também.
Finalmente, quando os pratos de sobremesa foram colocados diante
deles, Harcourt olhou firme para Rook. — Suponho que devemos discutir
qual será nosso próximo passo. Você acredita que seu primo continuará a
perseguir a questão da joia roubada?
Rook cruzou os braços. — Eu acho que você sabe a resposta para
essa pergunta. Claro que ele vai. Ele acredita que você possui o item. Isso
significa que ele provavelmente procurou em qualquer outro lugar que
pensou que pudesse estar escondido. Não vai parar. O que quer que o esteja
motivando é muito importante.
— O que você acha que pode ser? — Juliana perguntou suavemente.
Rook balançou a cabeça. — Eu não sei. Ele tem um meio-irmão que
é importante para ele. Gabriel pode estar no centro disso. Há pouco mais
que possa fazer Ellis se preocupar. Seja qual for o motivo, o resultado é o
mesmo.
— Nosso retorno a Londres está atrasado, — disse Harcourt com
um olhar para sua esposa. — A propriedade lá é menor, mais fácil de
proteger. Os espaços públicos seriam mais seguros, eu acho. E há lugares na
cidade onde meu irmão pode ter escondido a joia. Eu poderia procurar e ver
se consigo encontrar o item e devolvê-lo a Leonard.
Rook ficou rígido com a ideia. — Você pode se defender, isso está
claro. Mas Leonard não deve ser de brincadeira. Seria perigoso.
— Para proteger minha família, eu correria qualquer risco, — disse
Harcourt, cobrindo a mão trêmula de Thomasina com a sua.
Rook podia ver que não haveria como afastá-lo da ideia. Não que
pudesse culpar Harcourt. Ele assentiu. — Muito bem. Acho que seria
melhor gastar meu tempo procurando Ellis. Tenho maneiras de encontrá-lo
que não utilizo há muito tempo. Redes compartilhadas que saberão a
verdade. Talvez eu possa conter um pouco do desespero dele se ele estiver a
meu lado.
Anne deixou cair o garfo com um barulho que pareceu soar no ar ao
redor de todos eles. — Você... você não irá conosco para Londres?
O olhar de todas as pessoas na sala mudou para ele mais uma vez.
Ele limpou a garganta e se recusou a encontrar o olhar dela. Fazer aquilo no
salão mais cedo quase o quebrara.
— Não, senhorita Shelley. Eu não irei com vocês a Londres.
O olhar dela se estreitou e ele viu a centelha de raiva junto com a
devastação de um coração partido. Ela empurrou a cadeira para trás com um
guinchar de madeira sobre madeira, jogou o guardanapo sobre o bolo não
consumido e saiu da sala sem dizer mais nada.
Ele balançou a cabeça enquanto colocava o próprio garfo de lado.
— Seria melhor eu ir.
— Eu concordo, — disse Harcourt suavemente. — Mas como todos
sabemos, Anne tem sua própria mente.
— E seu próprio coração, — disse Juliana, olhando para Thomasina
que falou alto. — Vamos dar a ela algum tempo para si mesma e depois
seguir.
Rook se levantou. — Se vocês a amam, façam o possível para
convencê-la a me esquecer. Agora, se me derem licença, ainda tenho muito
o que preparar para sair amanhã para encontrar meu primo. Boa noite.

*****

Rook se arrastava pelo corredor em direção aos seus aposentos.


Quando chegou a uma curva no corredor, hesitou. Se virasse à direita
encontraria o quarto de Anne. Sabia daquilo por causa das conversas dos
empregados. Ele poderia ir para lá. Poderia tocá-la. Poderia prová-la.
Esquecera, por um momento, que não podia estar com ela.
E fazer aquilo era evidentemente injusto para os dois. Então ele
virou à esquerda e abriu a porta do seu aposento. Passou a mão pelo cabelo
enquanto se movia para o guarda-roupa. A outra roupa que trouxera na
estrada havia sido limpa e dobrada cuidadosamente dentro das gavetas, e
ele a puxou para fora procurando sua pequena bolsa.
— Indo para algum lugar?
Rook se virou, as mãos levantadas em punhos, ao ouvir o som da
voz do primo.
Ellis saiu das sombras com uma risada. — Foi o dobro da minha
surpresa no mês passado. Você realmente precisa aperfeiçoar suas
habilidades.
Rook rangeu os dentes. — Eu deixei aquela vida, lembra-se? Não
preciso dessas habilidades.
— Todo mundo precisa dessas habilidades, — disse ele, e sua voz
ficou subitamente cansada.
Rook olhou para ele. Ellis havia perdido peso nas últimas semanas.
Ele estava um pouco mais magro que o normal e havia círculos sob seus
olhos. O sorriso casual em seu rosto também não alcançava aqueles olhos.
Seu primo parecia cansado, ele parecia sombrio e ele parecia... com medo.
A última vez que ele viu aquela luz de medo nos olhos de Ellis foi
no dia em que Winston Leonard derrubou Solomon Kincaid a sangue frio.
— O que você fez? — Rook perguntou suavemente.
A bochecha de Ellis se contraiu e o sorriso desapareceu. — Nada
pior do que qualquer outra coisa que já fizemos, hein?
Rook avançou um longo passo. — Você fez muito pior e sabe disso.
Veio atrás da noiva de Harcourt? Tentando usá-la como alavanca? E o que
dizer da maldita joia, Bonitão? Por que diabos você não a devolveu meses
atrás?
— Eu não sei onde ela esta! — Ellis disse enquanto caminhava para
a janela. — Eu tenho procurado por aquela coisa há quase um ano maldito.
Mal mantendo Winston Leonard à distância. Você sabe quantas surras eu
tomei nas mãos dos capangas dele?
Rook se encolheu. — Então por que você não me procurou antes?
Ellis deu de ombros e seu tom caiu. — Você saiu, Constantine.
Ninguém sai vivo. Eu precisei proteger você.
Os olhos de Rook se arregalaram com o uso do verdadeiro nome
dele. Ellis não o chamava assim há pelo menos duas décadas. Agora o olhar
de seu primo esvoaçava sobre ele, da cabeça aos pés, e havia um leve
sorriso no rosto.
— Eu não poderia arrastar você através da merda novamente. —
Ellis suspirou, e novamente parecia que o peso do mundo estava em seus
ombros.
— Eu teria passado por essa merda por vontade própria se você
tivesse me contado sobre o perigo que está enfrentando, — insistiu Rook.
— Pelo menos eu teria lhe dito que seus planos eram imprudentes. Eu teria
impedido que você interpretasse Anne como uma tola.
Ellis inclinou a cabeça lentamente e uma sobrancelha arqueou. —
Anne, não é? Mas é claro que é. — Ele balançou a cabeça. — Eu tenho
tentado encontrar vocês há um tempo. Desde que voltei à ilha para
descobrir que você se foi.
Os olhos de Rook se arregalaram. Então, seu primo voltou para ela,
em algum momento. O que teria acontecido se eles tivessem ficado? Anne
teria ido com Ellis? Não... Rook sabia a resposta para aquela pergunta. Mas
certamente as coisas teriam sido diferentes sem aquela longa e apaixonada
viagem.
— Parece que você e Anne ficaram muito próximos, na estrada.
Rook apertou a mandíbula. — Não ouse falar comigo sobre ela,
depois do que você fez.
Aquilo atingiu o alvo e Ellis se afastou. — Eu sei que você violou o
código que sempre seguimos.
— Não há jogos com inocentes, — gritou Rook. — Não há jogos
com quem não entende como o mundo funciona. Pelo menos você sempre
escolhia mulheres que mereciam o amargo que acompanha o doce.
Ellis o olhou quando ele falou o lembrete. — Você deve ver como
eu estava desesperado. Eu não teria feito isso se tivesse outra maneira.
— Oh! sim, eu posso ver seu desespero. Está escrito em você de
uma maneira que não vejo desde os quatorze anos — disse Rook. — O que
eu não sei é o porquê. Se Leonard estivesse apenas ameaçando você, você
riria diante disso. Você já fez isso muitas vezes antes. E se ele estivesse me
ameaçando, você me diria para eu ter minha faca pronta. Então quem é?
Ellis olhou para ele, calado. E Rook soube que já adivinhara a
verdade.
— Gabriel, — ele suspirou.
— Eu escondi minha conexão com meu irmão por um longo tempo.
— Ellis disse, e sua voz falhou com o amor que sentia pelo homem mais
jovem. Ele o observava com orgulho, à distância. — Para proteger as coisas
boas que ele construiu para si mesmo, com o meu dinheiro. Mas Leonard o
descobriu há alguns meses e esse tem sido seu ponto final de pressão desde
então. Ele vai matar Gabriel, você sabe que ele vai. Eu não tenho outra
escolha.
— Você tem outra escolha, — Rook insistiu enquanto se
movimentava em direção ao seu primo. Seu melhor amigo a maior parte de
sua vida. O sangue dele. Seu salvador. Rook precisava salvá-lo em troca. Se
fosse possível, ele faria qualquer coisa para salvá-lo.
— O que é isso? — Ellis falou, e de repente o desprezo escorreu de
seu tom. — Você está tão apaixonado por essa garota para sugerir que eu
fale com Harcourt?
— Sim, — disse Rook. — Ele poderia nos ajudar.
— Sim, ajudar a me colocar no laço do carrasco. De qualquer forma,
ainda acho que esse bastardo tem o tesouro escondido em algum lugar.
— Bonitão! — Rook disse. — Você vasculhou bem este lugar, ao
que parece, e não encontrou nada.
Os olhos de Ellis tremularam. — Mesmo que ele não me prenda, eu
fui atrás da esposa de Harcourt. Ele atiraria em mim em vez de ouvir.
Rook inclinou a cabeça. — Você não o conhece.
Ellis ficou em silêncio por um longo momento. Tempo suficiente
para que Rook se atrevesse a olhá-lo finalmente. Seu primo estava olhando
para ele. — Anne Shelley deve ser muito doce quando abre as pernas para
fazer você tomar o partido de Harcourt, — ele rosnou.
— Calma, calma, — Rook acentuou cada palavra, lutando para se
controlar.
Ellis avançou. — Eu preciso encontrar a joia, Rook. É a única coisa
que importa para mim agora, você entende? Então não vou parar. Eu não
consigo parar. Farei qualquer coisa para proteger os meus. E os meus não
são Anne Shelley, ou o conde da porra do Harcourt. Eles também não são
seus.
— Eu sei muito bem disso, — disse Rook, enquanto se afastava de
Ellis e das palavras que queimavam através de sua alma. Aquelas que
apenas falaram a verdade que ele sabia profundamente dentro do coração.
— Bom. Porque parece que você não sabe, posso estar errado por
isso. Mas diga primo, você vai ser um vilão? Ou uma vítima? Porque essas
são as duas escolhas na vida. Escolha rapidamente.
Rook se virou para falar novamente, mas Ellis se foi deixando
apenas a janela aberta em seu rastro. Rook correu para ela e olhou à
escuridão da noite. O primo se foi sem deixar vestígios. Fumaça no vento.
Rook bateu as mãos no caixilho da janela enquanto gritava na noite.
— Ellis!
Mas é claro que não houve resposta. Seu primo se fora levando seu
desespero com ele. Mas o perigo permanecia. Ellis voltaria. Ele continuaria
voltando até ter o que desejava. Winston Leonard ainda estava no jogo
também.
Então Anne e sua família inteira estavam em um perigo
desesperador. Para protegê-la, ele sabia o que precisava fazer. E envolvia a
escolha que seu primo acabara de pedir.
O que ele estivera tentando evitar e que agora era inevitável.

*****

Quando Rook entrou no escritório de Harcourt, examinou primeiro


as prateleiras altas. Livros. Tantos livros. Ele sempre gostou de livros, na
verdade. Ler contos terríveis e romances que roubara, havia sido uma fuga
para ele quando criança, um que sua mãe lhe dera, ensinando-lhe a
habilidade.
Mas aqueles dias acabaram. Ao menos por enquanto.
Ele se moveu para as prateleiras, aproximando-se para ver se
conseguia encontrar alguma pista. Estava prestes a pegar um dos volumes
não identificados quando ouviu o ruído de passos no corredor.
Rapidamente, se virou e viu Harcourt entrar na sala.
— Sr. Maitland. — Harcourt falou lentamente quando parou na
porta e endireitou seus ombros. — Que surpresa. Pensei que você estivesse
se preparando para nos deixar amanhã.
— Eu pensei que você estaria com sua esposa, — respondeu Rook.
A mandíbula de Harcourt se apertou. — Ela e Juliana estão
confortando Anne.
Rook inclinou a cabeça com aquela afirmação. Ele odiava que a
estivesse machucando. Odiava que pudesse machucá-la ainda mais antes
que aquilo acabasse.
Mas agora era hora de começar a trabalhar. Vilão ou vítima.
Ele se endireitou e encontrou o olhar de Harcourt. — Você percebe
que o melhor resultado disso tudo é se essa joia, que meu primo e Winston
Leonard estão obcecados, for encontrada. O objeto pode ser devolvido e as
consequências que Ellis e seu irmão criaram não precisam mais ser sentidas
por sua família.
Harcourt arqueou uma sobrancelha na direção dele. — Sim. Essa
seria claramente a melhor conclusão para mim e para quem eu amo.
— Então, apesar de seus sentimentos em relação a mim, sua
desconfiança, preciso que me conte o que encontrou em sua própria busca
por esse item. Não quero repetir as pesquisas que você já fez.
Harcourt pareceu refletir sobre aquilo por um momento. Então deu
de ombros como se concordasse. — Nós não sabíamos que era uma joia.
Ellis chamava aquilo de: um tesouro, no encontro que organizou comigo em
Beckfoot, no dia seguinte ao seu afastamento de Anne. Então, eu não fazia
ideia do que estava procurando, nem havia nenhum registro, pelo menos
nos diários daqui.
— Você procurou em todos eles? — perguntou Rook.
— Todos eles. Tudo o que meu irmão já escreveu que está alojado
nessas paredes. Eu os revisei e, uma vez que Thomasina percebeu o que
estava acontecendo, o que eu estava escondendo dela, ela também olhou por
todas as linhas. Não havia nada.
— Que tal um código? — Rook pressionou.
Harcourt piscou. — Eu não havia pensado nisso. Suponho que
aqueles em sua... profissão... devam usar códigos para proteger
informações.
— Não é uma profissão, — disse Rook com uma risada sem humor.
— Eu não sou advogado. E sim, o código é útil, especialmente em situações
difíceis como essa. Alguma coisa se destacou como estranha? Linguagem
grosseira ou estilizada, número ou linhas de letras, esboços nas margens?
Alguma coisa?
Harcourt esfregou o queixo e depois balançou a cabeça. — Não.
Desculpe-me. Meu irmão adorava escrever sobre si mesmo. Ele fazia isso
rebuscadamente. Não havia nada em nenhuma das linhas que chamou
minha atenção.
Rook conteve uma maldição. Seria muito mais fácil se Solomon
Kincaid tivesse acabado de colocar uma inscrição explicando onde ele
colocaria a pedra. — Sua esposa disse algo mais cedo sobre encontrar uma
estátua escondida que você pensava ser o tesouro.
— Sim. Eu tinha certeza de que era porque meu irmão a escondera
tão bem. Encontramos por acaso, realmente.
— Posso ver o item? — Ele perguntou.
Harcourt olhou para ele por um longo momento, depois acenou com
a cabeça e cruzou até uma pintura na parede. Ele a levantou e revelou um
cofre, que e abriu com uma chave que tirou de algum bolso escondido.
Pegou um item embrulhado em pano e entregou.
Rook desembrulhou a estátueta com cuidado e respirou fundo.
Possuía uma base de mármore e a imagem em terracota de uma mulher fora
gravada na pedra. Era adorável, uma peça bem feita, com certeza. Ele a
reconheceu pelo que era, imediatamente, embora tenha tentado manter a
reação neutra enquanto acenava com a cabeça em direção a Harcourt. —
Definitivamente, não é uma joia, — ele disse demoradamente.
— Não. — Harcourt soltou um longo suspiro. — Temo que seja
apenas outra coisa que meu irmão roubou durante seu tempo no submundo
com Ellis Maitland.
— Bem, pode ser, — disse Rook suavemente. — Embora se ajudar,
eu diria que esta peça tem muito pouco valor. É uma réplica.
O alívio que atravessou o rosto de Harcourt era palpável. — Oh!
Excelente. Eu me pergunto por que ele a escondeu então.
— Loucura da bebida, talvez? — Rook disse com um encolher de
ombros para manter a conversa leve. — Se o item não estiver aqui, vou
detalhar onde mais ele poderia estar escondido.
— E continuarei a procurar assim que chegarmos a Londres. Não
procurei em minha casa lá e tenho certeza de que meu irmão possuía
esconderijos para amantes e Deus sabe que outras más ações. — Harcourt
suspirou e foi um som cansado que Rook sentiu em seu próprio coração
decepcionado e exausto.
— Muito bom. Bem, eu vou subir agora. Tenho certeza que vamos
ver um ao outro na parte da manhã antes que nós todos começemos nossos
caminhos separados.
Ele colocou a estatueta na beira da mesa e foi em direção à porta.
Antes que ele pudesse sair, Harcourt falou novamente. — Você realmente
vai se afastar de Anne?
Rook congelou, mão estendida em direção à porta. Seu coração
disparou e ele se virou lentamente para encontrar o conde olhando para ele,
braços cruzados sobre o peito largo, expressão indecifrável.
— Você quer ter essa conversa comigo? — Ele disse com os dentes
cerrados.
— Sim.
Rook balançou a cabeça quando deu um passo para trás na sala. Ele
poderia ser simplista agora. Mas também poderia ser honesto. E escolheu
ser honesto, porque sabia que era provavelmente a última vez que poderia
ser.
— Olhe para mim, — ele disse suavemente enquanto movia as mãos
para cima e para baixo em seu corpo. — A melhor coisa que posso fazer é ir
embora. Eu sei onde nasci. Eu sei o que fiz para sobreviver.
— E, no entanto, ela o ama, — disse Harcourt.
Aquela palavra: amor. Parecia que ele levou um tiro no peito quando
o conde disse aquilo. Ele havia aceitado que estava apaixonado por Anne.
Tornara-se um tipo de conforto saber que a amaria mesmo que ela não
estivesse com ele.
Mas a ideia de que ela o amava? Aquilo era doloroso. E ele não
podia imaginar que era verdade. Ela estava atraída por ele, certamente. Ele
sabia que ela se importava com ele. Mas amor?
Se ela sentisse algo semelhante a isso, certamente desapareceria
quando ele se fosse.
— Se eu tiver a sorte de ter um pedaço do coração dela, então devo
protegê-la ainda mais, — disse ele. — A melhor maneira que sei fazer isso
é ir embora.
A expressão de Harcourt se suavizou quando olhou para Rook do
outro lado da sala. Não deu nenhuma indicação de que concordava ou
discordava.
Rook se moveu. — Quando você chegar a Londres, espero que a
proteja, independentemente do que ela fez ao romper o noivado.
Harcourt hesitou mais alguns segundos antes de assentir. — Eu teria
casado com Anne se ela não tivesse fugido. Nunca seria capaz de amar
minha esposa. Então, de certa forma, Anne me deu meu coração indo
embora, — ele disse suavemente. — Eu a protegerei com a minha vida em
seu lugar.
Rook sempre foi bom em ler pessoas. Era uma necessidade na rua.
A única maneira de permanecer vivo, por vezes. Ele olhou nos olhos
daquele homem e viu a verdade ali.
— Bom, — ele disse e odiou que sua voz falhasse um pouco.
Então foi embora sem dizer mais nada. Porque se não fosse, ele se
arrependeria. Assim como provavelmente se arrependeria do que precisava
fazer a seguir.
Não iria para o seu primo ou procurar a joia. Porém a verdade de
que iria embora era muito clara agora. E não podia fazer aquilo sem um
último adeus.
Capítulo 20

Anne estava parada na janela, olhando as estrelas que brilhavam


acima. Ela estava sozinha pela primeira vez em horas. Suas irmãs ficaram
com ela por um longo tempo, consolando-a, ajudando-a a se arrumar para
dormir, escovando os cabelos como faziam uma para a outra quando eram
meninas.
Mas não era o mesmo. Muita coisa havia mudado. Finalmente elas a
deixaram com abraços e um apoio que sabia que não merecia.
E agora sentia a solidão profundamente em seus ossos. Não passara
uma noite sem Rook em duas semanas. Não desde que pegaram a estrada na
Escócia.
Ansiava por ele enquanto observava uma estrela atravessar o céu e
desejava com toda a força que algo mudasse e lhe permitisse ficar com ele.
Houve uma leve batida na porta e Anne se virou para encarar a
barreira. Era do corredor, e não da câmara adjacente de Juliana. Ela franziu
o cenho quando cruzou para abri-la.
Esperava que fosse uma criada, ou Thomasina, que tivesse voltado
de sua câmara conjugal, pelo corredor, para mais um abraço. Mas, em vez
disso, quando abriu a porta, ela prendeu a respiração.
Rook estava na penumbra do corredor, mangas enroladas nos
cotovelos, sem botas para abafar os passos até a porta dela, camisa
desabotoada no colarinho. Ele parecia tão cansado quando a olhou.
E então ele segurou a cintura dela e a puxou contra ele, empurrando-
a para dentro do aposento enquanto seu peito esmagava o dela. Ela se abriu
para ele, imediatamente. O que mais deveria fazer quando o desejava como
ar ou água?
No momento em que ela fez aquilo, o beijo diminuiu. Os dedos dele
deslizaram pelos cabelos dela e ele segurou seu couro cabeludo, inclinando
a cabeça para o lado gentilmente para aprofundar o beijo. Ela estava
vagamente consciente de que ele alcançou atrás de si e fechou a porta.
Ela colocou os braços em volta do pescoço dele, ignorando todas as
partes dela que queriam conversar com ele, explicar-lhe, questioná-lo. Ele
estava ali. E ele seria dela, mais uma vez.
Ele se afastou do beijo e olhou nos olhos dela enquanto deslizava os
dedos sob as tiras da camisola e lentamente guiava uma pelo ombro dela.
Deixou-a drapeada na altura do cotovelo e se inclinou, pressionando os
lábios inicialmente ao lado do pescoço e, em seguida, varrendo-os para
baixo ao longo da clavícula, ombro, braço. Ela estremeceu com a sensação,
deitando a cabeça para trás enquanto ele puxava a outra alça para baixo e a
mostrava da cintura para cima. Ela puxou o tecido sedoso e ficou nua diante
dele.
Ele se afastou com uma respiração irregular e a encarou como se
fosse a primeira vez, mesmo que não fosse. Ele a viu assim tantas vezes que
ela se sentia mais à vontade com seu corpo. E, no entanto, ele a olhou como
se estivesse tentando memorizá-la, como lembrete de que estava indo
embora. Um lembrete severo de que o que acontecesse hoje à noite era
muito importante.
Ela engoliu o nó na garganta e se aproximou dele. Colocou a mão no
peito dele, sentindo a batida do coração contra os dedos antes de deslizar,
através do músculo, e desabotoar sua camisa. Puxou-a pela cabeça dele e
jogou pelo quarto.
Ela o olhou fixamente como ele a olhou, bebendo cada centímetro
daquele homem incrível que havia capturado seu interesse, seu corpo, seu
coração. Aquele que transformou a escolha imprudente que ela fez em uma
noite desesperada, na melhor decisão de sua vida. Porque isso a levou para
ele. E ele era o que ela precisava, mesmo que não pudesse ser permanente.
Lágrimas ardiam em seus olhos quando ela entrou no calor daquele
abraço mais uma vez. Ergueu a boca para a dele enquanto arrastava os
dedos pelas suas costas, deslizando as unhas sobre a pele dele até que ele
sibilou um som de profundo e sombrio prazer.
Ela sorriu contra os seus lábios, seus medos silenciaram por um
momento, pela conexão que fizeram com seus corpos. Ela queria aquele
vínculo puro, agora mais do que nunca.
— Por favor, — ela sussurrou contra a pele dele enquanto puxava a
boca pela garganta dele, deixando as mãos percorrerem os músculos do
peito e do estômago, sobre o quadril, em direção ao pau grosso elevando
suas calças. — Por favor.
Ele acenou com a cabeça contra os cabelos dela e alcançou entre
eles para desabotoar as calças. Ela olhou para baixo, sorrindo para o
impulso duro dele, tão pronto para ela quanto ela estava para ele. Ela o
pegou na mão, acariciando-o uma vez, duas vezes, e ele emitiu um som
distorcido enquanto empurrava com mais força entre os dedos dela.
Seu corpo doía de querer, de precisar o que eles compartilhavam.
Tudo isso. Ela olhou para ele e sorriu, depois caiu lentamente de joelhos
diante dele.
— Anne, — ele sussurrou, seu nome mal sendo ouvido no ambiente
silencioso.
— Constantine, — ela murmurou em resposta, e ele se mexeu na
mão dela antes que ela soltasse a língua e girasse em torno de sua ponta.
— Cristo. — Os dedos dele cravaram nos cabelos dela quando ela o
levou à boca.
Ela rolou a língua ao redor dele em um círculo lento, deleitando-se
com o calor duro dele em sua boca, o sabor que era apenas dele. Ela o levou
o mais fundo que pode, então um pouco mais fundo quando ele gemeu de
prazer acima dela. Ela chupou quando se retirou, depois repetiu a ação
repetidamente, deleitando-se com os pequenos suspiros de prazer que
vinham dos lábios dele.
Ela olhou para ele, observando seu pescoço flexionar com as
sensações. Sentindo-o tenso enquanto ela o aproximava cada vez mais do
clímax.
Porém, claramente, aquilo não estava na mente dele. Ele encontrou
o olhar dela enquanto ela o observava e balançou a cabeça. — Não assim,
— ele disse suavemente, depois a chamou com o dedo para ela voltar a ficar
de pé.
Ela chupou mais uma vez e depois fez o que lhe foi dito, lambendo
uma trilha enquanto lentamente retornava à posição vertical. Ele a beijou,
mais forte desta vez, e então ela estava de pé. Ele a abraçou, beijando-a
enquanto a carregava à cama.
Sorriu quando a colocou contra os travesseiros. — Aqui é um pouco
mais confortável.
Ela pressionou um beijo debaixo do queixo dele e o puxou para
mais perto. — Só porque você está aqui, — ela sussurrou.
A expressão dele se suavizou com aquilo, e pressionou uma mão em
cada lado da cabeça dela nos travesseiros enquanto a beijava mais uma vez.
Ela se levantou contra ele, abrindo as pernas, alcançando entre elas para
acariciar seu pênis e depois pressioná-lo em sua entrada.
Ele amaldiçoou enquanto ela o deslizava através da umidade suave
reunida em sua fenda, depois empurrou para reivindicá-la mais uma vez.
Eles gemeram em uníssono quando ele se agitou, furiosamente, e jogou a
testa contra a dela. Suas respirações combinaram rapidamente e seu suor se
misturou.
Ele segurou o olhar dela enquanto empurrava, apertando seus
quadris contra os dela, a cada golpe. Ela se levantou para encontrá-lo,
perdida em seus olhos e a sensação deles como uma unidade. Para uma
conexão. Por um futuro, e ela temia que ele acabasse se afastando dos dois.
Ela afastou aqueles pensamentos, concentrando-se no prazer que
crescia entre as pernas, espalhando-se por suas veias, fazendo seus
membros formigarem. Ela procurou por ele, encontrando-o sem esforço e
suas costas arquearam quando as ondas de prazer a atravessaram.
Ele juntou os quadris dela contra os dele com as duas mãos,
amassando a carne com os dedos, machucando-a e marcando-a. Apertou
mais e mais fundo quando ela se inclinou contra a boca dele. Ela sentiu a
tensão nele aumentar, o aperto de seu próprio ser que significava que estava
perto de se liberar também. Ele grunhiu o nome dela e pouco se afastava
dela, bombeando entre eles enquanto esmagava os lábios nos lábios.
Ela se agarrou a ele, segurando-o contra ela enquanto os beijos eram
gentis, enquanto os dedos dele alisavam em vez de segurarem, enquanto as
pernas dela se enroscavam nas dele. Ele queria se afastar, ela podia sentir,
mas o segurou firme, fazendo-o derramar nela tudo o que havia e jamais
poderia tirar daquele homem.
E quando ele finalmente se afastou e sorriu para ela, ela não podia
mais mentir ou se esconder. Passou a mão pela mandíbula áspera e
sussurrou: — Eu amo você.
Ele estremeceu. Um momento breve, mas poderoso, que ela sabia
que levaria consigo pelo resto da vida. Ele estremeceu e seu coração
quebrou, mesmo quando se inclinou para beijá-la brevemente mais uma
vez.
Então ele se empurrou da cama dela e recolheu as calças. Ele as
sacudiu, de costas para ela, os músculos flexionando enquanto se vestia. Ela
estendeu a mão para se cobrir com os lençóis amarrotados enquanto ele
fazia aquilo, não se sentindo mais segura, sentindo-se vulnerável.
Ele se voltou para ela quando estava vestido, olhando para ela. Seu
olhar sombrio rolou sobre ela da cabeça aos pés, absorvendo cada
centímetro. E então ele suspirou.
— Eu quero que você saiba, aconteça o que acontecer a seguir,
nunca vou me arrepender de subir aquele cais até você, — ele disse
suavemente. — Nunca vou me arrepender de colocá-la naquele barco e
levá-la para minha ilha, ou voltar para casa com você, tocar em você ou
estar com você. Aconteça o que acontecer a seguir, precisa saber o quanto
isso significou para mim. E isso vai significar tudo para mim até o
momento em que eu der meu último suspiro.
— O que quer que aconteça a seguir, — ela repetiu, pois ele havia
dito aquela frase duas vezes e a aterrorizava. — E o que vai acontecer?
Ele balançou a cabeça e abriu a porta. — O que tem que acontecer,
Anne. O que sempre tinha que acontecer. Adeus.
Recuou do aposento com um último olhar e a porta se fechou entre
eles, e ele se foi. Ela poderia ter corrido atrás dele, nua, se necessário. Ela
poderia ter gritado o nome dele e se despedido por mais tempo. Tornaria
mais doloroso. Parte dela queria fazer exatamente aquilo. A parte dela que
sempre perseguia o que queria a mandava fazer uma cena, fazer uma
produção, fazê-lo ouvir.
Mas no final, sabia que apenas coisas ruins viriam daquilo. E que
Rook ainda iria embora. Talvez porque ele não a amasse. Talvez porque ele
amasse. Ela não sabia ao certo. No final, o resultado seria o mesmo, então
talvez não tivesse importância.
Ele se foi. E ela não podia trazê-lo de volta. Então ela rolou de lado
e deixou as lágrimas caírem.

*****

Rook teve que esperar no escuro por algumas horas depois que saiu
da cama de Anne. Com toda a empolgação dos últimos dias, a família
permaneceu em alvoroço e os empregados durante a noite, se preparavam
para a partida da família. Mas, finalmente, até o mordomo de Harcourt,
Willard, foi para os aposentos dos empregados e a casa estava quieta e
silenciosa.
Rook saiu das sombras de um dos salões onde estava esperando e
observando, deslizou pelo corredor até o escritório de Harcourt. O ambiente
não estava trancado e ele entrou sem problemas. A estatueta que haviam
examinado juntos no início do dia não estava mais sobre a mesa, apesar da
declaração de Rook de que era uma imitação e não possuía valor. Parecia
que Harcourt não confiava totalmente nele.
— Homem esperto, — resmungou Rook.
Mas pouquíssimas fechaduras o pararam e ele tinha pouco medo
daquela. Parou atrás da enorme mesa de mogno e segurou as bordas da
pintura pendurada atrás dela. Ele a levantou e afastou a herança inestimável.
O metal do pequeno cofre atrás dele brilhava à luz do fogo que morria. Não
havia chave, é claro, mas Rook não precisava de uma chave.
Ele enfiou a mão na bota e tocou a maçaneta de uma trava. Na outra
havia uma faca, mas ele não precisava dela agora. Rezou para que não
precisasse dela. Mas velhos hábitos não morriam, o que estava trabalhando
a seu favor agora.
Esticou os ombros e passou a ponta da trava no buraco. Antes, ele
podia abrir uma fechadura em menos de um minuto. Mas já fazia um tempo
desde que ele praticara a habilidade, e levou alguns cliques do relógio sobre
a mesa para ele abrir o cofre.
Ele balançou a cabeça para suas habilidades enferrujadas antes de
chegar e puxar a estátua embrulhada em pano.
Ele a descobriu e olhou para o belo busto de argila. Imitação ou não,
era realmente uma pena fazer o que estava prestes a fazer, mas, às vezes, o
dano precisava ser feito, como bem sabia de todo aquele esforço.
Ele enrolou o tecido firmemente em torno do topo de barro da peça
e segurou a base de mármore enquanto o batia contra a borda da mesa. Um
segundo golpe contra a borda de madeira dura e ele sentiu toda a porção de
barro ceder. O pano abafou o som da terracota quebrando, mas ele ainda
permaneceu perfeitamente imóvel enquanto esperava os pés correndo em
resposta ao ato.
Nada aconteceu por um momento, dois, e ele soltou a respiração,
aliviado por não ter sido ouvido. Abriu o pano e cuidadosamente jogou os
cacos na mesa. O que estava procurando não apareceu imediatamente, então
acendeu uma vela e mexeu na bagunça, tentando encontrar o que sabia que
estava lá. O que esperava que estivesse lá.
Finalmente encontrou. Um frasco de metal escondido no pó de
argila e estilhaços. Ele o pegou e abriu para revelar um pedaço de papel
dentro. Era uma mensagem codificada que certamente revelava onde
Solomon Kincaid havia escondido a joia que ele e Ellis haviam roubado. A
coisa idiota que causou todo aquele desgosto e consternação.
Rook não reconheceu o código imediatamente, mas isso não
importava. Ellis é que sempre teve a cabeça para aquele tipo de coisa, não
ele. E como Solomon poderia ter escrito o código para o próprio Ellis, era
mais provável que seu primo pudesse resolvê-lo.
Rook recolocou o papel e pressionou o frasco no bolso por
segurança. Então ele pegou uma nova folha de pergaminho da gaveta de
cima da mesa de Harcourt e escreveu uma nota rápida. Suas palavras não
ofereceriam consolo para Anne, nem qualquer absolvição, mas ele escreveu
de qualquer maneira e deixou a bagunça para trás, para que não houvesse
dúvida sobre o que havia feito.
Seu coração palpitava ao sair da sala e pelo corredor para sair de
casa. Uma vez lá fora, no ar fresco da noite, voltou-se para olhar a casa.
Encontrou a janela de Anne e olhou para ela. Ele precisava ir. Era a única
maneira de salvá-la.
A única maneira de salvar alguém naquela situação era combater
aquele poder maligno ao lado de seu primo. Ele e Ellis sempre foram
imparáveis juntos. Eles deveriam ser imparáveis novamente para compensar
tudo o que haviam feito no passado.
E quando acabasse? Bem, ele desapareceria. Era óbvio que, por
mais que tentasse, seu passado e sua natureza eram o que eram. Ele não
pertencia a uma casa como essa com uma mulher como Anne Shelley.
Alguma parte sombria dele sempre existiria. Sempre estaria esperando para
ameaçá-la, porque mesmo que ele fingisse que suas facas eram para
artesanato, elas não eram. Ele não era.
Para salvá-la deveria abraçar o que havia sido uma vez e depois
deixá-la ir. Então ele faria.
Ele se afastou da casa com grande dificuldade e dirigiu-se ao
estábulo para pegar o velho cavalo que montara ao lado de Anne. Precisava
encontrar Ellis. Ou, mais provavelmente, deixar seu primo encontrá-lo.
E então, finalmente eles terminariam com aquilo.
Capítulo 21

Anne caminhou pelos corredores silenciosos de Harcourt Heights,


torcendo as mãos diante dela. Não conseguia dormir. Como poderia depois
da noite passada com Rook? Ela finalmente se levantou cedo e se preparou
na esperança de vê-lo antes que todos os outros estivessem a caminho para
Londres.
Mas ele não estava em lugar algum. O aposento dele estava vazio, a
cama parecia tão pouco usada para dormir quanto a dela. A pequena pilha
de roupas ainda estava lá na bolsa de viagem.
Ela só precisava encontrá-lo.
— Anne?
Ela se virou para encontrar Juliana saindo de um dos salões. Os
olhos de sua irmã também pareciam sombrios e preocupados.
Juliana, o que você está fazendo acordada? — Anne disse enquanto
se movia para ela. — Temos algumas horas antes de partirmos para Londres
e você deve dormir.
Juliana arqueou uma sobrancelha. — Você acha que eu posso dormir
quando me preocupo com essa situação? Não posso fazer nada para ajudar e
me sinto tão inútil.
Anne recuou uma fração. Sua irmã sempre foi quem consertava e
suavizava as coisas. E agora ela fora totalmente deixada de fora. Anne se
foi quando Thomasina e Harcourt se apaixonaram. Quando ela voltou,
estava tão envolvida com Rook e a loucura criada pelo primo...
Podia ver como Juliana estava preocupada agora porque ela
realmente parecia. Deu um passo à frente e passou um braço em volta da
irmã. — Você pode ajudar apenas sendo a força maravilhosa e calmante que
sempre é, eu juro. Você não pode fazer mais nada.
Juliana não parecia apaziguada por aquelas palavras, mas antes dela
dizer qualquer coisa, houve um leve estrondo de algum lugar abaixo do
corredor. As duas mulheres pararam e se viraram.
— Isto veio do escritório de Harcourt? — Juliana sussurrou.
Anne assentiu. — Eu acho que sim. Talvez seja Rook. Estive
procurando por ele a manhã toda.
Sua irmã lançou-lhe um olhar penetrante, mas fez sinal para que ela
descesse a escada. — Vamos ver. Prometo partir se vocês dois precisarem
ficar sozinhos, mas não vou deixar você sozinha até sabermos quem é.
Apenas no caso.
— Apenas no caso de quê? — Anne riu. — Como se um vilão
ousasse entrar nos sagrados salões de Harcourt.
— Ellis Maitland ousaria, ou pelo menos entrar no terreno. —
Juliana tremeu um pouco. — Não sei o que pensar de um homem assim.
Como ele era?
Anne não respondeu à pergunta porque entrou no escritório naquele
momento e ficou olhando o que havia encontrado lá. A pintura atrás da
mesa de Harcourt estava encostada na parede. Fragmentos de cerâmica
quebrados estavam espalhados pela mesa.
— Oh! Meu Deus, — Juliana sussurrou enquanto se adiantava e
examinava a cena. — Há uma carta de Rook.
Anne deu um passo à frente para se juntar a ela na mesa, seu olhar
percorrendo a carta de Rook na mão firme e apertada.

No momento em que a vi, percebi a importância da estátua, não o


mármore ou a argila. Peguei a mensagem codificada que encontrei lá
dentro e acredito que ela provavelmente revele onde Solomon escondeu a
joia. Vou me juntar a Ellis para encontrá-la e devolvê-la a Leonard. Lorde
Harcourt, sugiro que leve a família para Londres, como planejado. Proteja
Anne para mim como você prometeu. Anne é tudo o que importa.
RM

Ela prendeu a respiração com aquelas palavras. Tanto as que diziam


o que ele faria, como as que lhe revelaram o valor dela, tanto quanto o
sussurro de despedida dele na noite anterior. Ela mal conseguia formar
palavras para falar.
No final, não teve tempo para fazê-lo. Com um estrondo, a porta
atrás deles se fechou. Quando se viraram, as duas irmãs viram o homem que
estava escondido atrás dela. Não era Rook. Nem Harcourt. Nem mesmo
Ellis Maitland. Anne reconheceu o intruso dos salões de baile em Londres.
Um homem bonito, apenas um punhado de anos mais velho que Rook era,
ela apostaria. Mas com um brilho duro em seu olhar, um vazio que falava
de um predador.
Era Winston Leonard e ele apontou uma arma para Juliana.
— Anne Shelley, — ele disse. — Você é uma espécie de mercadoria
em demanda ultimamente.
— Ela não é Anne, — disse Anne, tentando se colocar na frente de
Juliana, que estava apenas olhando para a arma com um terror absoluto nos
olhos. — Eu sou Anne.
Ele bufou enquanto a olhava de cima a baixo. — Você está mal
vestida demais para ser Anne — todo mundo sabe o quanto ela é vistosa.
Você deve ser o ratinho Thomasina.
Anne olhou para si mesma. Ela usava suas roupas de estrada porque
eram as mais fáceis de vestir sem ajuda. Juliana, por outro lado, estava
usando um vestido muito mais bonito e elegante. Dadas as explicações,
fazia sentido que ele estivesse confuso.
— Lorde Winston, — Juliana disse suavemente. — Não há
necessidade de...
Ele se jogou à frente antes que ela pudesse terminar. Anne gritou e
tentou empurrar contra ele quando ele alcançou Juliana. Mas ele estava
mais preparado e era muito maior. Bateu em Anne com força, pegando o
queixo dela com a ponta do cotovelo e jogando-a no chão. Estrelas
brilharam diante de seus olhos enquanto o observava pegar o braço de
Juliana, puxando-a na direção dele e pressionando a arma na têmpora.
— Ellis Maitland claramente não se importa com o irmão o
suficiente para levar a sério esse assunto, mas isso não significa nada agora.
De acordo com a nota que ele deixou tão gentilmente, aquele primo dele
tem o que eu quero, ou os meios para recuperá-lo. E parece que Rook
Maitland fala sobre você, senhorita Anne. Então você vem comigo.
— Ela não é Anne! — Anne insistiu, tentando se levantar, embora
sua cabeça estivesse girando com o golpe. — Por favor.
— Acho que devo matá-la, — disse Leonard com um sorriso para
Juliana antes de olhar para Anne. — Você não acha? Por ser tão difícil. Isso
deve manter Harcourt ocupado de qualquer forma.
— Não! — Juliana explodiu, agarrando o pulso dele para manter a
arma apontada para longe de Anne. Sua voz ficou subitamente calma, o tom
apaziguador que ela aperfeiçoara com o pai ao longo dos anos. — Por favor.
Vamos parar de brincar. Eu sou Anne Shelley, você está correto.
— Não, — Anne sussurrou enquanto balançava a cabeça para a
irmã.
Juliana a ignorou. — Mas matar minha irmã não vai ajudar você a
manter alguém ocupado. Ela é Juliana Shelley, não Thomasina. Não tem
nenhum relacionamento com os Maitlands, nem com Harcourt, então
ninguém se importará com o que acontecer com ela. Se deixá-la em paz, eu
irei com você, sem brigas ou problemas.
— Ela irá até Harcourt imediatamente, — argumentou Leonard, e a
arma apontou em direção a Anne. Ela fechou os olhos com força.
— É exatamente isso que você quer, meu senhor, — Juliana
continuou a acalmá-lo. — Harcourt temerá que sua amada esposa esteja em
perigo tanto quanto suas irmãs. Ele se apressará para proteger Thomasina,
pois é com isso que ele se importa. Tentar impedir que ela se machuque
certamente o atrasará mais, do que atirar em sua cunhada desinteressante.
Os lábios de Anne se abriram com a depreciação de Juliana por seu
próprio valor, mesmo como um meio de proteger Anne da morte certa. Mais
ainda, ela ficou chocada com o sacrifício de sua irmã ao permitir que um
assassino a levasse.
Leonard olhou para Anne no chão e depois assentiu. — Eu suponho
que sim. E será mais fácil se Maitland souber onde me encontrar, pelo
menos. Eu tenho minha moeda de troca para proteção. — Ele olhou para
Anne. — Diga a Harcourt e Maitland que eles podem me encontrar em
Donovan Hill. Se alguém, exceto Maitland, vier, ou se ele não tiver a pista
que me permita encontrar minha maldita joia, eu a matarei.
Juliana respirou entre os dentes enquanto ele a puxava um pouco
mais para perto dele.
Anne assentiu devagar. — Eu entendi.
— Espere cinco minutos aqui e depois faça o que lhe foi pedido, —
disse ele. Riu e depois arrastou Juliana pela porta.
O último vislumbre de Anne de sua amada irmã foram seus olhos
verdes arregalados e aterrorizados quando ela desapareceu no corredor com
um vilão muito pior do que Ellis Maitland jamais esperara ser. Ela esperou
até ouvir o barulho da porta da frente e correu à janela. Viu Juliana lutando
enquanto era quase jogada em um garanhão de aparência selvagem.
Leonard pulou atrás dela, e eles foram cavalgando pelo caminho e para
longe da casa.
Imediatamente Anne saiu correndo da sala. Ela estava gritando
enquanto corria: — Socorro! Alguém ajude!
Mas ela temia que, se Rook havia ido, a ajuda não viria. Juliana
sofreria por aquilo e por seu sacrifício se não a encontrassem.

*****

Rook cavalgava pelas estradas secundárias da floresta atrás da casa


de Harcourt. Ele não estava certo para onde Ellis havia ido, mas sabia que
não podia estar muito longe, e insistira em obter a ajuda de Rook. Seu
primo não viajaria em direção à vila, era povoada demais pelos conhecidos
de Harcourt. A estrada principal também não era segura para Ellis.
Mas aquelas estradas secundárias eram outra história, então ele
escolheu uma direção para mais longe do povoado e esperava conhecer o
primo o suficiente para adivinhar.
Mas agora fazia uma hora desde que começou sua busca lenta e
trotando, e estava começando a pensar que não sabia de mais nada.
Diminuiu o passo no caminho e virou o cavalo, olhando para as árvores.
Finalmente, ele suspirou e soltou uma série baixa de assobios agudos, o
código antigo que ele e Ellis usavam para se encontrar quando estavam
separados em trabalhos. Pelo menos o som poderia chegar.
Ele ainda esperava um momento e, para seu choque, ouviu a
resposta de Ellis, ao longe. Repetiu o chamado enquanto girava o cavalo na
direção da resposta e ouviu a resposta voltar mais alta. Atravessou um
pequeno grupo de árvores e lá estava Ellis, em sua própria montaria,
correndo em direção a Rook com uma expressão selvagem.
— Ele apareceu? — Ellis disse quando se encontraram em uma
clareira.
Rook olhou para ele confuso e preocupado com a selvageria da
aparência de Ellis.
— Quem? — Rook perguntou. — Ninguém apareceu. Encontrei um
código, Bonitão. Eu acho que isso leva à joia.
— Isso não importa muito agora, — disse Ellis. — Eu tive alguns de
nossos contatos antigos tentando descobrir onde Leonard estava. Segundo
eles, Leonard recebeu um relatório de um de seus lacaios. — Talon, acho
que era o nome dele.
Rook cambaleou. — Talon? — Ele repetiu, pensando no homem
desagradável que ele e Anne haviam encontrado em sua viagem. — Jesus.
— Você conhece o homem?
— Anne e eu o encontramos na estrada pela Escócia, — disse Rook.
— O bastardo me pareceu ruim. Eu deveria ter ouvido meu instinto.
— Isso explica muito. — Ellis parecia ainda mais sombrio. Depois
que ouvi essa pessoa, Leonard desapareceu de Londres há alguns dias.
Rook, ele está indo para Harcourt Heights. Ele descobriu a conexão entre o
noivado quebrado e eu. Acho que ele pretende pegar o que é dele.
O coração de Rook parecia ter sido arrancado de seu peito. — Ele é
um assassino, — disse, tentando processar aquilo. Tentando entender o que,
em nome de Deus, aquilo significava para Anne e sua família.
— Eu sei, — disse Ellis. — Ninguém conhece esse fato melhor do
que eu. Mas agora temos que voltar para lá. Porque se ele não encontrar o
que quer, poderia acabar com todos eles, apesar de tudo.
Rook não esperou por mais informações. Simplesmente girou o
cavalo e o incitou a toda velocidade no caminho de volta a Harcourt
Heights. Desta vez, não estava procurando por ninguém e estava correndo a
uma velocidade muito maior, mas sabia que provavelmente levaria pelo
menos meia hora para voltar.
Que dano Leonard poderia causar naquele tempo?
Ellis insistiu com o cavalo para ir mais rápido enquanto o caminho
se alargava e ele se posicionava ao lado de Rook enquanto corriam. Rook
olhou para ele. — Você fez isso, — ele rosnou.
O primo se encolheu. — Eu sei. Eu sei que fiz isso. Eu me odeio
desde então.
— Alguma coisa ruim ele fará para Anne e a família dela se não
chegarmos a tempo.
Ellis balançou a cabeça. — Não. Você e eu estamos trabalhando
juntos agora. Você e eu vamos consertar isso.
Rook estava feliz por estar cavalgando, porque se não estivesse,
sabia que teria socado o primo por aquele comentário.
— Você está maluco, — ele disse. — Eu não estou trabalhando com
você. Eu nunca mais trabalharei com você novamente. Estou tentando
salvar a mulher que amo. Isso é o que importa para mim agora. Se isso
também salvar sua pele lamentável, tudo bem. Mas ouça isso, Ellis — você
e eu terminamos. Não quero nada com você.
Ele viu que suas palavras atingiram o alvo pela maneira como a
expressão de Ellis entrou em colapso. Houve um momento em que ele viu o
mesmo garoto de dez anos de idade que o salvou do horror certo, das mãos
do cafetão da mãe. O mesmo garoto que o havia submetido a treinamento e
o tratava como um irmão, e não como um primo.
Mas então Ellis se endureceu. O garoto se foi, substituído por um
homem que havia rendido seus escrúpulos por dinheiro e poder. Aquele que
havia se aprofundado, tanto, que havia perdido quem era. Então o arrogante
bastardo voltou e ele deu a Rook um meio sorriso.
— Então você terá o seu desejo, —, disse ele, e diminuiu a
velocidade do cavalo para que ficasse atrás de Rook novamente.
No entanto, Rook não teve tempo de analisar aquilo. Eles chegaram
ao topo da colina com vista para Harcourt Heights, e Rook empurrou o
cavalo até o limite, enquanto desciam a colina e atravessavam o portão.
Quando puxou o cavalo na entrada, jogou-se no chão e abriu caminho pela
porta antes que Willard pudesse abrir para ele.
O mordomo parecia atordoado enquanto o encarava. — Sr. Maitland
— ele gaguejou. — Shelley está com você?
Ele olhou para o homem, com a boca aberta em horror. — Anne?
Onde está Anne?
Ela entrou no salão de uma sala adjacente. — Rook! — ela chorou e
correu na direção dele. Ele a encontrou no meio do caminho, apertando-a
contra o peito quando Lorde, Lady Harcourt e o Sr. Shelley se juntaram a
eles no saguão.
Ele olhou para as expressões atormentadas deles. — O que
aconteceu?
Anne olhou para ele, e ele viu um hematoma no queixo dela, escuro
e roxo. Ele apertou os dele. — Winston Leonard?
— Sim. — A voz dela tremia. — Eu... eu entrei no escritório e
encontrei seu bilhete. Ele sabe que você tem o código e ele levou Juliana
pensando que ela era eu, e ele poderia negociar com você usando ela.
— Jesus, — Rook murmurou enquanto passava a mão pelo cabelo.
— Se ao menos eu soubesse antes, eu poderia ter sido capaz de detê-lo.
— Soubesse? Soubesse sobre Leonard? Como? — Ela perguntou.
— Eu disse a ele.
Rook havia esquecido que Ellis estava atrás dele na pressa de
alcançar Anne, mas agora todo o grupo se voltou para aquela voz. Por um
momento houve um silêncio atordoado, mas todo o inferno explodiu
quando todos começaram a gritar ao reconhecer Ellis de seus vários
encontros.
— O que diabos você está fazendo na minha casa? — Harcourt
finalmente gritou por cima dos restantes, e sua voz dominante silenciou os
outros.
Ellis inclinou o chapéu. — Senhor, peço desculpas pelo nosso
último encontro. Mas acho que é melhor esquecermos nosso passado difícil,
porque se Juliana Shelley foi levada por aquele bastardo, temos um tempo
limitado para chegar a ela antes de Leonard... olhou para as outras duas
mulheres com uma expressão de desculpas. — Ele mata tanto por esporte
quanto por propósito. Então, sugiro que descubram para onde ele está indo
e cheguem lá.
Anne deu um passo à frente. — Ele disse Donovan Hill.
Harcourt se virou. — Eu conheço o lugar. É cerca de dez
quilômetros daqui. Uma hora de viagem em montarias rápidas.
— Então é melhor você conseguir essas montarias aqui, meu senhor,
— disse Rook. — Uma para mim e uma para meu primo, também, para
substituir nossos cavalos cansados. Porque precisamos sair agora.
Harcourt assentiu e, com um rápido olhar para Thomasina, saiu
correndo da casa. Anne olhou para Ellis, mas depois agarrou as mãos de
Rook. A sensação dela tocando-o encheu-o de alívio mais uma vez.
— Ele queria levar você, — disse, soltando uma mão e empurrando
um cacho solto da testa dela.
Ela assentiu. — Ele acha que eu sou importante o suficiente para
você fazer o que ele quer.
— Você é, — disse ele, porque não mentiria quando apenas a
bravura de Juliana a salvou.
— Mas ele me disse que apenas você poderia encontrá-lo, — ela
ofegou. — Por favor, ele disse que mataria Juliana se visse alguém além de
você.
Rook lançou um olhar para o primo. Ellis voltara para a porta e
agora fingia não ver os olhares gelados que Thomasina estava lançando
para ele, enquanto falava com Willard, perto da escada. Shelley apenas
parecia confuso, como se não estivesse totalmente certo do que estava
acontecendo.
— Eu sou o único que ele verá, — disse ele. — Eu juro que vou
recuperar sua irmã e acabar com isso.
Cavalos trotaram até a porta, dois servos vindo quando Harcourt
gritou: — Vamos cavalgar.
Rook se inclinou e deu um beijo nos lábios de Anne antes que
finalmente se afastou. — Vejo você em breve, com sua irmã ao meu lado.
Anne e Thomasina seguiram os homens. Enquanto Rook e Ellis se
sentavam nos belos cavalos, Harcourt se inclinou para beijar Thomasina
profundamente. — Tenha cuidado, — ela sussurrou.
Anne olhou para Rook. — Sim, tenham cuidado. Aquele homem
está desequilibrado. E não confio no seu primo.
Rook olhou para Ellis novamente. — Você não deve confiar nele.
Por favor, confie em mim.
— Eu confio em você. — Ela ergueu o queixo e a força do aço
voltou à sua expressão. — E eu amo você.
Rook a encarou por um instante, depois virou o cavalo e seguiu
Harcourt e Ellis para fora da casa. Para um adeus aquele não foi satisfatório.
Ele esperava poder voltar em breve para um melhor.

*****

Anne estendeu a mão para pegar a mão de Thomasina enquanto os


homens saíam do portão em seus cavalos, cavalgando forte com poeira se
elevando atrás deles.
Ela não olhou para a irmã e disse: — Estaremos os seguindo, não
estaremos?
Thomasina riu e passou um braço em volta da cintura. — Nossos
cavalos estão sendo selados agora.
— Só um momento, — disse Shelley, piscando enquanto descia as
escadas em direção a elas. — Vocês duas não vão de forma alguma
perseguir aqueles homens atrás daquela tola.
A raiva aumentou em Anne e ela estava prestes a responder, mas
Thomasina a chocou ao se aproximar do pai. — Tudo o que aconteceu é
graças a você, senhor. Você e seus arranjos cruéis que nunca levaram em
consideração a felicidade, o conforto ou a segurança de suas filhas. — Ela
enfiou um dedo no peito dele. — E esta é minha casa. E a minha decisão.
Você não tem nada a ver com isso. Você não se importa com nenhuma de
nós. Então, embebede-se estúpido enquanto espera para descobrir se ainda
tem alguma filha.
O pai delas piscou e Anne também. Thomasina era a única que
nunca enfrentou alguém. E, no entanto, ali estava ela, dando ao miserável
pai o local que ele merecia desde o momento em que a mãe delas deixou a
terra.
Thomasina estava mais forte agora. Por causa do amor. Quando o
pai entrou cambaleando pela casa, murmurando palavrões baixinho, Anne
colocou a amada irmã mais perto. Ela sentiu Thomasina tremendo enquanto
observavam mais dois cavalos cavalgando do estábulo.
Tudo mudara em poucas semanas. Em sua vida, ela sempre fora a
irmã má. Thomasina tinha sido a boa. Juliana tinha sido a mais forte.
Mas naquele momento ela sabia que ela e sua irmã teriam que ser
fortes juntas, agora. Por Juliana. E Anne também teria que ser forte por
Rook, mesmo que ele afirmasse não querer aquilo.
Capítulo 22

Donovan Hill era um lugar desolado. Houvera um incêndio na


floresta alguns anos antes, e a vegetação era baixa e desbotada, exceto por
um círculo de árvores no topo da colina que não havia sido tocado. Era uma
visão assustadora cavalgar em direção a ela.
Rook levou o cavalo para uma pequena parada. — Ele escolheu o
local porque poderia ver um ataque. — Vocês dois terão que subir,
provavelmente até engatinhar.
Harcourt assentiu e lançou um olhar desconfiado para Ellis quando
desmontou. — Ele pode ser confiável?
Ellis desceu do cavalo e olhou para Rook. — Meu primo se sente
tão desconfiado comigo, quanto você, milorde. Vocês dois têm suas razões.
Mas confie que eu quero terminar isso com Leonard, se nada mais. Não vou
falhar com vocês.
Harcourt ainda lançou um olhar interrogativo para Rook e deu de
ombros.
— Eu acho que ele não está mentindo. — Rook suspirou. — Temos
pouca escolha para acreditar nele e de qualquer maneira precisamos de toda
a ajuda que pudermos obter.
Ellis quase não reagiu àquela demissão, exceto pelo pequeno aperto
de sua mandíbula. Mas Rook viu. Conhecia a dor que representava.
— Existe uma baixa dispersão de matagal no lado norte da colina,
— disse Ellis. — Eu vou deixar aquela abordagem. Harcourt, eu sugeriria o
oeste, pois há uma cobertura semelhante.
Quando Ellis se afastou para encontrar outra posição, Harcourt
surpreendeu Rook apertando o braço dele. — Boa sorte e tenha cuidado.
Nós estaremos às suas costas.
— Eu não mereço, — disse Rook. — Mas eu agradeço. Tenha
cuidado.
Harcourt não discutiu e havia uma linha sombria em sua boca
quando se arrastou para sua posição. Aquilo permitiu que Rook andasse até
mais perto, sozinho. Demorou um pouco para dar aos homens a
oportunidade de encontrar seus lugares, e também porque pensava que
Leonard manteria a atenção em sua chegada. Aquilo poderia dar mais
cobertura aos outros dois.
Mas, finalmente chegou à base da colina. Desceu da montaria e
subiu o caminho da colina. Ao subir a colina, ele viu Winston Leonard no
meio da clareira. Juliana estava amarrada, com as mãos e os pés diante dela,
com um pano sujo na boca. Os olhos dela se arregalaram quando Rook se
aproximou e ele viu o terror naquele rosto cheio de lágrimas.
— Não se preocupe, querida, — ele falou, fazendo de conta que ela
era Anne. — Estou aqui agora.
— Veja, eu disse que ele viria, — disse Leonard, cutucando Juliana
com o pé. — Apaixonado como ele está.
Ela olhou para Rook, segurando seu olhar. Aqueles olhos eram tão
parecidos com os de Anne, e tudo em que ele conseguia pensar era que se
falhasse e tivesse que dizer à mulher que amava que havia perdido sua
amada irmã. Isso a quebraria. Então não poderia acontecer. Não
aconteceria.
— E eu estou aqui, — ele disse suavemente. — Eu quero lhe dar o
que você quer, então por que você não deixa Anne ir?
— Eu acho que não, — Leonard demorou quando se abaixou para
colocar a mão na cabeça de Juliana. Ele alisou o cabelo dela quase
gentilmente. — Você ficará na fila se ela estiver aqui comigo. E deve haver
um preço a pagar por toda a tolice que seu primo me fez passar.
Rook se aproximou. — Então deixe-me pagar, — disse ele. — Leve
a mim e o que eu tenho. Você pode me torturar se precisar contar um custo.
Você pode até me matar se precisar. Apenas deixe-a ir.
— Agora se tornou uma boa ideia, — disse Leonard. Talvez
possamos fazer Ellis aparecer. Deixe-o me ver matar você como ele me viu
matar o irmão de Harcourt. O que vocês me dizem, senhores?
Ele faz a última pergunta para o ar e Rook se encolheu. Leonard
sabia que ele não viera sozinho.
— Vamos sair agora ou eu coloco uma bala nos dois, — disse
Leonard mais alto.
Houve farfalhar nos arbustos. Ellis subiu a colina primeiro e
balançou a cabeça para Rook se desculpando. Harcourt veio em seguida,
com o rosto marcado por raiva e devastação.
— Você matou meu irmão, — ele sussurrou enquanto se aproximava
de Rook. — Verei você enforcado.
— Acho que não, — disse Leonard. — Vocês não ouviram,
senhores. Eu disse àquela garotinha para garantir que apenas Rook viesse e
que, se as regras não fossem cumpridas, Anne Shelley morreria. Eu
mantenho minhas promessas.
— Não!
Rook congelou com a voz de Anne, vindo do caminho abaixo. Ele
se virou para vê-la cavalgando na direção deles, Thomasina atrás dela.
— Thomasina! — Harcourt gritou de horror angustiado ao ver sua
esposa se arriscar. Rook não podia culpá-lo. Ele se sentia da mesma
maneira. Embora devesse saber que Anne não escutaria. Ela fez o que sabia
fazer. Protegia quem a protegeu. Ele a amava por isso, tanto quanto por
qualquer outra coisa, ela era maravilhosa.
— Por favor, — implorou Anne, seu olhar ainda fixo em Leonard.
— Eu sou Anne Shelley. Essa é Juliana, juro que é verdade. Leve-me se
você precisar. Deixe minha irmã ir.
Leonard olhou para ela, depois para Juliana. E naquele momento, na
confusão, Ellis olhou para Rook.
— Sinto muito, — ele disse suavemente. Então pulou à frente e
bateu nos joelhos de Leonard.

*****

Anne gritou quando tudo no topo da colina parecia se mover em


câmera lenta. Quando Ellis Maitland bateu em Leonard e derrubou o
homem, a arma disparou com um estrondo tão alto que seus ouvidos
ecoaram. Ela viu Ellis se encolher, viu o sangue se expandir em um círculo
imediato a partir do ombro direito, mas antes que pudesse entender
completamente o que estava acontecendo, Rook estava perto dela e a estava
puxando para baixo, cobrindo seu corpo com o dele.
Harcourt pulou para Thomasina e fez quase a mesma coisa,
mergulhando em cima dela enquanto observavam Ellis e Leonard lutarem
juntos, travados em combate. Mas era evidente que Ellis se machucara com
o tiro e Leonard virou-o, levantando-se para dar socos enquanto Ellis
tentava combatê-lo.
— Não! — Rook gritou, a dor entrelaçando sua voz. Ele empurrou
Anne para trás e enfiou a mão na bota. Retirou uma daquelas facas que lhe
mostrara na ilha, no que parecia uma vida atrás. Ele sacudiu o pulso da
mesma maneira que ela o viu fazer tantas vezes, e a faca circulou no ar
repetidamente.
Ela encontrou seu alvo, atingindo Leonard no alto do ombro, perto
do pescoço. Ele soltou um uivo de dor e Ellis o sacudiu, fazendo-o rolar e
descer a colina para longe do resto.
— Peguem! — Ellis rugiu. Harcourt e Rook se levantaram. Harcourt
começou a procurar a arma que havia sido abandonada na luta. Rook
caminhou na direção de Leonard, que estava puxando a faca do ombro com
uma maldição. Ele caiu de costas, ofegando quando o sangue jorrou da
ferida.
Ellis estava obviamente ferido, mas não parou por ali. Anne
observou como o homem que a enganara, o homem que ela odiava por suas
mentiras, avançava em direção a sua irmã. Ele embalou Juliana gentilmente,
trabalhando nas cordas ao redor do pulso dela enquanto dizia algo baixinho
que Anne não conseguia ouvir.
Rook estava a poucos centímetros de Leonard quando o bastardo
disparou um pé e pegou Rook no queixo.
— Não! — Anne gritou quando o homem que amava cambaleou
levemente, e aquilo deu a Leonard tempo suficiente para se levantar. Ele se
lançou à frente, mostrando a lâmina que puxou do ombro em direção a Ellis
e Juliana.
Anne ouviu o grito abafado de dor de sua irmã e sentiu o
formigamento de sensação em sua própria bochecha quando a lâmina
encontrou o alvo no lado do rosto de Juliana. Ellis rugiu e agarrou a faca,
puxando-a pela lâmina como se a faca não o cortasse ao fazê-lo. Ele chutou
Leonard com força e torceu a faca, fazendo com que Leonard se voltasse
quando Rook e Harcourt avançaram em sua direção.
O bastardo se levantou e correu morro abaixo, os outros homens
atrás dele.
— Juliana! — Anne gritou.
Ela e Thomasina correram até a irmã. Os olhos dela estavam
arregalados e levantou as mãos para tocar seu rosto sangrento enquanto
olhava para Ellis. Ele estava correndo para desamarrar os pulsos e
tornozelos dela, e depois estendeu a mão para cobrir o ferimento em sua
bochecha.
— Pronto agora, — ele disse suavemente enquanto aplicava pressão.
— Você está bem. Olhe para mim agora, anjo. Você está bem.
A respiração de Juliana ficou curta quando ela olhou para ele. —
Dói.
Ele se encolheu com aquela afirmação. — Eu sei que sim. — Ele
pegou a mão de Anne e a puxou para frente para cobrir a bochecha de
Juliana. Ele apertou com força lá, contra o calor e a umidade, e olhou para
ela. — Empurre com força. Eu preciso ajudar Rook e Harcourt.
Então ele se afastou, deixando as irmãs cuidarem dos feridos. Anne
segurou firme o ferimento de Juliana, balançando a cabeça enquanto
chorava. — Desculpe, é tudo culpa minha. A culpa é minha.
Thomasina embalava Juliana contra seu peito, alisando o cabelo
dela enquanto disse suavemente para confortá-la. — Não é sua culpa, — ela
sussurrou. — Não é sua culpa.
Mas, quando Anne tentou ajudar sua irmã, ela sabia que aquilo não
era verdade. E ela também sabia que não havia terminado.

*****

Harcourt correu subindo a colina em direção às irmãs, com Rook e


Ellis logo atrás. A raiva de Rook ardeu dentro dele. Leonard havia
escapado. Eles não conseguiram pegá-lo, pois o cavalo dele estava
amarrado muito perto. Ele partiu, finalmente alcançando uma boa distância
e desapareceu.
Com Juliana ferida, nenhum deles sentiu que poderia prosseguir. O
que os deixou voltando às mulheres, de mãos vazias e incapazes de parar o
horror do que havia acontecido.
Ellis parou quando se aproximaram do topo da colina e agarrou o
cotovelo de Rook. Rook olhou para a mão mutilada do primo, depois voltou
para o rosto. Ellis nunca pareceu tão angustiado e tão pálido, em toda a sua
vida. — Você está ferido, — disse Rook.
— Meu ombro, — Ellis admitiu. — Dói muito, mas não é ruim.
A palidez em seu rosto contava uma história diferente, mas Rook
não disse isso. — Vamos voltar e ver você e Juliana.
— Não, — Ellis sussurrou.
A emoção cresceu em Rook quando ele percebeu o que seu primo
estava dizendo. — Bonitão, — ele murmurou, mas aquilo não estava certo.
Não era o suficiente ainda. — Ellis.
Ellis se afastou. — Eu sou uma causa perdida. Por minha causa,
aquela garota lá em cima está mutilada. Eu só sei destruir, primo. E se eu
ficar, eu vou…
Rook balançou a cabeça. — Se você ficar, talvez fique melhor. Por
favor eu apelo, não vá embora.
Ellis olhou para o alto da colina e havia um forte desejo em seu
rosto. Por um momento, parecia que ele poderia escolher um caminho
diferente.
Mas então olhou para Rook novamente. — Adeus, Constantine. E
boa sorte. Você sempre foi o melhor homem de nós dois. Eu sei que você
encontrará o seu caminho.
Rook o alcançou, mas Ellis recuou, as mãos levantadas. Então ele se
virou e desceu a colina, de volta ao cavalo em que havia montado. Longe
do passado e do futuro que Rook enfrentaria agora, sem ele.
No passado, ele teria seguido. Ellis teria sido sua prioridade. Mas
agora havia uma mulher no topo daquela colina. Uma mulher que precisava
dele. Uma mulher que ele amava mais do que sua própria vida.
E assim seguiu seu caminho e seu primo seguiu o caminho dele.
Subia a colina. Thomasina e Harcourt estavam ajudando Juliana a
descer a colina em direção ao cavalo. Ele só podia imaginar que o conde a
levaria para casa a toda velocidade para que o corte na bochecha fosse
visto.
Anne ficou olhando para ele. Quando a alcançou, ela abriu os braços
e o puxou contra ela brevemente. — Eu pensei que você não voltaria, — ela
disse suavemente.
Ele balançou a cabeça. — Venha, devemos cuidar de sua irmã. E
então conversaremos.
Ela arqueou uma sobrancelha. — Eu gostaria de conversar.
Ele concordou, embora não estivesse certo do que ela gostaria de
conversar quando tudo estivesse dito e feito. Mas precisava acontecer, então
ele a pegou pelo braço e a levou morro abaixo. Em direção a casa. Para o
fim.
Capítulo 23

Anne saiu do quarto de Juliana, limpando as mãos em uma toalha


limpa. Aquilo não a faria se sentir limpa. Se sentisse alguma coisa, ela se
sentia suja e quebrada. E quando viu Rook esperando por ela no corredor,
ainda empoeirado e ensanguentado pelo encontro anterior com o diabo, sua
exaustão aumentou.
Ele se endireitou e encontrou seu olhar. — Juliana?
Ela inclinou a cabeça. — O médico costurou a ferida. — Ela apertou
os lábios. — Não foi um corte grande, mas foi profundo. Provavelmente
terá uma cicatriz.
A boca dele se apertou e ela viu sua culpa trabalhar em todos os
aspectos. — Desculpe.
Ela colocou a toalha sobre a mesa perto da porta da irmã e foi até
ele. Ela pegou a mão dele, segurando-a, sentindo a aspereza dele contra sua
suavidade. Então ela o guiou em direção ao aposento dela. Ele não resistiu
quando ela o levou para dentro, quando fechou a porta. Ele foi para a
cadeira ao lado do fogo e afundou na almofada, encarando as mãos
entrelaçadas.
Ela se encostou à porta pelo que pareceu uma eternidade. — Você
acha que isso é culpa sua. — Não era uma pergunta, era um fato, e ela o
declarou como tal.
Ele olhou para cima. — A culpa é minha. Tentei protegê-lo não
voltando a ser quem eu sou. Em vez disso, deixei um monstro entrar em seu
meio e não acabei protegendo você ou sua família.
Ela franziu a testa. — Quem você é? — Ela repetiu. — Quem você
é?
— Rook Maitland, — disse ele com uma respiração instável. —
Criminoso, Anne. Eu roubei de Harcourt.
— Para terminar tudo isso, — ela argumentou. — Você não pode se
culpar por isso.
Ele deu de ombros e seu suspiro foi longo, pesado e dolorido. — De
qualquer forma, voltei para o lado do meu primo. Você tem que entender, eu
teria feito tudo e qualquer coisa para cuidar disso. Eu teria destruído tudo. E
não foi só para salvar você, Anne. No final, destruir tudo é o que eu sei.
— Você é Rook Maitland, — disse ela, pensando no homem que
havia atirado a faca em Winston Leonard. Pensando no homem que havia
quebrado uma estátua para encontrar uma mensagem oculta. A qual ele
ainda tinha no bolso, graças à confusão da tarde.
— Estou feliz que você entenda isso, — disse Rook, levantando-se.
— Você entende que também é Constantine Maitland? — Ela
perguntou, inclinando a cabeça levemente para pegar o olhar dele quando
ele não o quis dar a ela por vontade própria. — Constantine Maitland é meu
amante, um homem tão maravilhoso que me fez acreditar em um futuro que
eu quase desisti. Constantine Maitland se afastou da violência de seu
passado e viveu em uma ilha criando coisas bonitas enquanto tentava
encontrar sua paz.
— Ele também se afastou de você, — disse Rook, balançando a
cabeça.
Ela deixou escapar um longo suspiro. — Você estava tão
convencido de que não é digno. Mas você acha que eu menti quando disse
que te amava?
A mandíbula dele se apertou, e levou um momento para falar: —
Não. Você acha que me ama porque passamos semanas juntos, com uma
intensa conexão física e uma ameaça perigosa pairando sobre nós. Mas tudo
isso se foi agora. E logo você se lembrará de quem eu sou. E quem você é.
Entenderá que não podemos ficar juntos.
O coração dela doeu com aquela afirmação, feita com tanta
convicção. Com tanta certeza de que era verdade. E ela estava aterrorizada
que ele fizesse aquilo.
— Por quê? — Ela perguntou, desejando que sua voz não tremesse.
— Olhe para a sua vida, Anne. — Ele apontou para a bela sala ao
redor deles. — Eu não pertenço a este lugar.
Ela olhou para ele em vez do que a rodeava. Olhou para o homem
selvagem e indomado diante dela. Aquele que fez seu coração disparar, seu
corpo se abrir e colocou seu coração em paz, mesmo no meio de uma
tempestade. Ela olhou para ele e sorriu.
— Você está certo, Rook. Você não pertence.

*****

Rook lutou contra o desejo de se encolher ante a rápida aceitação de


suas palavras. Era melhor assim, é claro. Se ela aceitasse como as coisas
deveriam ser, ela o esqueceria mais rápido e seguiria com sua vida. Ele iria
para casa. Aquilo seria o fim disso.
— Estou feliz que você tenha entendido, — disse ele enquanto se
aproximava da porta que ela estava bloqueando com seu corpo adorável. —
Eu vou embora amanhã. Assim que Juliana puder viajar, tenho certeza de
que Harcourt a levará a Londres, porque o perigo não passou.
— Eu não vou para Londres, — ela declarou com um pequeno
sorriso inclinando os cantos dos lábios.
Ele fanziu a testa. — Claro que você vai. Não pode ficar sozinha
com Leonard ainda por aí, querendo seu prêmio. Você deve ir a Londres,
onde estará a salvo.
— Eu não irei, — ela disse novamente, sua voz cheia de certeza. —
Não sem você. — Ela avançou um passo, bloqueando seu caminho para
escapar.
Pegou a mão dele e uma pequena parte de sua resistência morreu. —
Você disse que não pertence ao meu mundo. Mas a verdade é, Rook, nem
eu. Não mais. Pertenço a Londres com o homem que amo, lutando contra
um mal que ameaça tanto a minha família quanto a dele.
Havia tanta clareza no tom dela e em seu olhar que ele quase podia
acreditar. — Anne...
Ela ignorou a interrupção e apertou a mão dele com delicadeza. —
Eu também pertenço a ele, em sua ilha na Escócia, onde poderei conhecer
todos os talentos dele pelo resto da minha vida.
Ele balançou a cabeça. — Você me odiaria por tirar você da riqueza
e privilégio, Anne.
A testa dela franziu. — Quando chegamos a Gretna Green na
semana passada e eu não queria ir para casa, você se lembra do que me
disse?
— Anne.
Ela ignorou a interrupção. — Você me castigou. Você disse que não
aceitaria que eu vivesse uma vida longa e fria, sozinha. Você me disse eu
não havia aprendido nada, apesar de minhas escolhas terem prejudicado
potencialmente alguém que eu amava. Mas Rook, eu já estava vivendo
aquela vida. Eu me envolvia com frivolidades e tolices e tentei dizer a mim
mesma que estava feliz. Mas a primeira vez que me senti feliz em muito
tempo foi quando estive com você, procurando mariscos e jogando facas
nos alvos. Foi a primeira vez que me senti... real.
Os lábios dele se separaram. — Você não pode dizer isso.
— Mas eu sei, — ela disse com uma pequena risada. — Eu quero o
real. Eu quero você. Por favor, não me faça persegui-lo de volta à sua ilha e
arruinar todas as suas panelas de ferro fundido, até que se submeta aos
meus caprichos, como você sabe.
— Estremeci com este pensamento, — disse ele com uma risada que
nunca pensou que usaria novamente, uma vez que a perdesse.
Só que não parecia que ela o deixaria perdê-la agora. Em um mundo
onde ele lutara para sobreviver, agora esta mulher estava em frente a ele,
lutando para que ele fosse mais. Para prosperar com ela.
— Eu já disse que o amo antes, — ela disse suavemente. — E eu
quis dizer isso toda vez que falei essas palavras. Mas, agora, eu preciso
ouvir você me dizer o mesmo, se estiver em seu coração. Você me ama,
Rook?
Ele olhou para o chão, sua garganta se fechando. Seu coração
palpitava de puro terror. Ele seria dela e nunca mais deixaria o seu lado. Ele
iria arrastá-la para baixo, ou, assim ele temia o tempo todo. Mas agora ele
se perguntava se, no final, ela poderia realmente levantá-lo.
Parecia que aquilo era possível. Parecia que poderia ser verdade. E
então, ele lentamente encontrou o olhar dela e pulou do penhasco mais alto
e mais aterrador de sua vida.
— Eu a amo, Anne, — ele admitiu, e as palavras pareciam mel na
língua dele. — Eu amo você de todo o coração, mesmo sabendo que nunca
poderia merecê-la. Mesmo que eu tema que você venha a se arrepender de
mim e de qualquer vida que fizermos juntos.
Os olhos dela se encheram de lágrimas, mas estavam felizes. Ela se
moveu em direção a ele, fechando a última distância entre eles e segurou
suas bochechas suavemente. — Eu amo você, Rook. Eu amo Constantine.
Amo todas as suas facetas e amarei todas elas para sempre.
Ele arqueou uma sobrancelha. — Isso é como um voto de
casamento.
Ela corou. — Espero que seja.
Ela disse aquelas palavras e, pela primeira vez em toda a sua vida,
ele imaginou um futuro. Imaginou a vida na ilha, com ela, imaginou risos e
amor. Imaginou os dias chuvosos em que ficariam na cama e fariam amor.
Imaginava crianças.
Um futuro que ele nunca imaginou que poderia ter se tornado
cristalino, e ele queria protegê-lo, e ela, com todas as suas forças. Havia
uma maneira de fazer aquilo.
— Case comigo, — ele disse. — Case comigo, Anne Shelley.
O rosto dela se iluminou com pura alegria, pura felicidade. E ela o
aproximou mais e sussurrou: — Sim, sim, sim.
Foi só quando ele a beijou que ela parou de falar. E então ela
mostrou a ele o mesmo, durante a noite.
Epílogo

Ellis Maitland estremeceu quando empurrou para trás o ombro


ferido e sentiu a explosão de dor através do braço inteiro. Ele não odiava a
dor. Afinal merecia.
Ele se endireitou no cavalo, erguendo a luneta para observar a
carruagem parar na bela casa, em Londres. A porta se abriu e as pessoas
começaram a se amontoar. Harcourt e sua esposa. Rook e Anne Shelley. E
depois a última.
Juliana Shelley pegou a mão de Rook para ser ajudada da
plataforma. Ela virou o rosto e Ellis viu o curativo ainda repousando sobre a
bochecha, outrora perfeita. Aquela que havia sido danificada graças às suas
más ações e decisões ainda piores.
Ellis fez aquilo com ela, a mulher na qual não parou de pensar por
semanas. Ela... e era por isso que ele merecia a dor que sentia agora. Era
por isso que não tentava tomar láudano para entorpecê-lo. Ela... foi por isso
que ele havia decidido acertar contas com Winston Leonard de uma vez por
todas, de uma forma que o bastardo não pudesse escapar. Quando o
chamado cavalheiro retornasse à cidade, era exatamente o que Ellis faria.
Ao inferno as consequências.

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