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Farmacologia

Dreisson Aguilera de Oliveira


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Oliveira, Dreisson Aguilera de
O48f Farmacologia / Dreisson Aguilera de Oliveira. –
Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2020.
210 p.

ISBN versão digital 978-65-5903-004-0

1. Estudo dos fármacos. 2. Medicamentos. 3. Metabolismo e


ação dos fármacos. I. Título.

CDD 615
Raquel Torres CRB-6/2786

2020
Editora e Distribuidora Educacional S.A.
Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza
CEP: 86041-100 — Londrina — PR
e-mail: editora.educacional@kroton.com.br
Homepage: http://www.kroton.com.br/
Sumário

Unidade 1
Introdução à farmacologia��������������������������������������������������������������������������� 7
Seção 1
História da farmacologia������������������������������������������������������������������� 8
Seção 2
Conceitos básicos�����������������������������������������������������������������������������23
Seção 3
Subdivisões da farmacologia�����������������������������������������������������������35

Unidade 2
Processo de desenvolvimento e regulamentação
de um novo fármaco�����������������������������������������������������������������������������������58
Seção 1
Descoberta e desenvolvimento de um novo fármaco������������������59
Seção 2
Avaliação e aprovação reguladora para novos fármacos�������������72
Seção 3
Critérios regulatórios dos fármacos�����������������������������������������������86

Unidade 3
Membranas, receptores e ações dos fármacos�������������������������������������� 109
Seção 1
Membranas biológicas e a ação dos fármacos��������������������������� 111
Seção 2
Principais tipos de receptores de fármacos�������������������������������� 124
Seção 3
Conceitos farmacológicos sobre as ações dos fármacos����������� 141

Unidade 4
Reações adversas aos fármacos e avaliação de riscos�������������������������� 159
Seção 1
Reações adversas���������������������������������������������������������������������������� 161
Seção 2
Riscos e benefícios dos fármacos������������������������������������������������� 174
Seção 3
Particularidades farmacológicas�������������������������������������������������� 191
Palavras do autor

B
em-vindo!
Daremos início aos estudos sobre a farmacologia, que é tida como
uma das principais disciplinas do curso de Farmácia e que consegue
atingir seus objetivos quando aplicada em conjunto às disciplinas básicas das
áreas biológicas e da saúde, como a anatomia, fisiologia, histologia, biologia
celular, entre outras.
De fato, o domínio da farmacologia, no contexto das suas principais
subdivisões, a farmacocinética e a farmacodinâmica condicionam o profis-
sional farmacêutico para o entendimento, qualitativo e quantitativo, final das
alterações provocadas pelos fármacos nos tecidos biológicos. Esses conhe-
cimentos levam ao desenvolvimento de habilidades que se tornam grandes
ferramentas para o farmacêutico ter em seu favor no auxílio do paciente
e de toda a equipe de saúde; tais conhecimentos, ainda, podem levar ao
uso racional dos medicamentos, criando a diferença entre um tratamento
adequado e outro que pode prejudicar a saúde do usuário de medicamentos.
A disciplina de farmacologia desenvolverá os conceitos iniciais dessa área
de estudo e proporcionará meios para que você, estudante, possa diferenciar
as subdivisões da farmacologia e os conceitos básicos sobre as caracterís-
ticas dos tipos de medicamentos que permitirão aplicar os conhecimentos
para solucionar problemas na prática diária farmacêutica, considerando os
diversos campos de trabalho, nas diferentes áreas de atuação.
O desenvolvimento de novos fármacos também é um assunto a ser
aplicado para que o estudante de farmácia possa se tornar um profissional
capaz de resolver situações que envolvam os processos determinantes da
colocação de um novo fármaco no mercado a partir dos critérios regulatórios
nacionais e internacionais existentes. Isso será mostrado de maneira favorável
às situações da vida profissional que envolvam a aplicação dos conheci-
mentos sobre os fármacos, a influência dos seus receptores e os efeitos finais
desencadeados pela ação dos mesmos, com o objetivo de contribuir para o
fortalecimento do rastreamento e notificação das reações adversas causadas
pelos fármacos, de gerir o risco de sua utilização e de favorecer o uso racional
de medicamentos.
O estudo da farmacologia, proposta neste material, está dividido em
quatro unidades: a primeira unidade abordará a introdução à farmacologia;
a segunda mostrará os processos de desenvolvimento e regulamentação de
novos fármacos no mercado; a terceira desenvolverá os principais conceitos
de passagem dos fármacos pelas membranas biológicas, os receptores e os
principais mecanismos de ação dos fármacos; e, finalmente, a quarta unidade
abordará as reações adversas aos fármacos e a avaliação de risco quanto ao
uso dos medicamentos.
Você pode imaginar quantos medicamentos são prescritos diariamente
e quantas pessoas dependem do uso deles? Você já pensou sobre o impacto
que os conhecimentos em farmacologia podem ter na vida dessas pessoas? A
partir do domínio desse conteúdo, você estará mais próximo da pesquisa e do
desenvolvimento de novos fármacos, bem como de manipulá-los de maneira
adequada para diversos pacientes que depositarão, em suas mãos, parte da
responsabilidade de uma boa resposta do sucesso terapêutico de suas doenças.
Agora, convido você a conhecer e dominar essa ciência tão importante e
tão nobre da área farmacêutica.
Unidade 1
Dreisson Aguilera de Oliveira

Introdução à farmacologia

Convite ao estudo
Caro estudante, podemos perceber um grande salto tecnológico ocorrido
nesses últimos anos, fruto de muita pesquisa e desenvolvimento de novos
recursos, mas você já pensou como foi o desenvolvimento da farmacologia
ao longo da história da humanidade?
Essa área de estudo é tão antiga quanto a própria medicina, já que, para o
tratamento de uma doença, os curandeiros ou médicos exploravam diversos
recursos naturais, como chás e extratos, além da busca pela cura junto ao
sobrenatural, o que trazia, junto às tradições de cada povo, crenças a certas
divindades. Você consegue imaginar como foi essa época, frente a tantos
avanços que temos hoje na medicina? Por isso, a disciplina de farmaco-
logia torna-se cada vez mais importante para o entendimento da ação dos
fármacos dentro da sua diversidade de áreas de atuação e de suas relações
com outras disciplinas e profissões.
Nesta unidade, iremos conhecer a evolução histórica e as subdivisões da
farmacologia bem como os conceitos básicos sobre as características dos tipos
de medicamentos que permitirão aplicar os conhecimentos para solucionar
problemas na prática diária farmacêutica, considerando as diversas áreas
de atuação. Dessa forma, você será capaz de realizar uma análise crítica dos
conceitos apresentados para direcionar os conhecimentos sobre a evolução
da farmacologia e suas subáreas, com vista a otimizar o embasamento cientí-
fico e o entendimento mais aprofundado da disciplina. Considere o estudo
da farmacologia, uma incrível jornada aos conhecimentos de uma das princi-
pais disciplinas das ciências farmacêuticas.
Seção 1

História da farmacologia

Diálogo aberto
O estudo da farmacologia se torna um dos principais assuntos traba-
lhados na formação de um farmacêutico, pois é a partir dela que passamos
a conhecer um pouco melhor a ação das drogas e seus efeitos biológicos,
as quais podem ser utilizadas como medicamentos, para o diagnóstico,
prevenção e tratamento dos diversos problemas de saúde. Popularmente a
palavra droga representa um grupo de substâncias que podem causar depen-
dência ou alterar a consciência. Mas será apenas esse o conceito de droga?
Qual seria a diferença de droga, fármaco e medicamento?
Esses conceitos são apenas alguns dos temas que serão estudados nessa
unidade de introdução à farmacologia. Nesta seção, daremos especial atenção
aos aspectos históricos da farmacologia e sua evolução, desde a antiguidade,
até o surgimento da farmacologia moderna. Assim como outras disciplinas
da área da saúde, ela não tem fronteiras delimitadas pelos seus conteúdos ou
áreas de atuação, pois integra conhecimentos que permitem grande inter-
disciplinaridade ao longo da formação do profissional farmacêutico, envol-
vendo, por exemplo, as áreas da fisiologia, botânica, veterinária, biotecno-
logia, economia, entre muitas outras.
Para nos ajudar a trilhar esse caminho, iremos acompanhar a rotina de
um aluno de Farmácia que divide seu tempo entre os seus estudos e as ativi-
dades de estágio supervisionado em uma drogaria. Este estágio é uma das
modalidades do seu curso, que contempla o cenário de fármacos, medica-
mentos e assistência farmacêutica. Será que sua rotina de estágio, os conhe-
cimentos sobre a farmacologia e sua evolução serão utilizados? Conhecer a
diferença entre os conceitos de fármaco e droga, assim como sobre as subdi-
visões da farmacologia irão ajudar em sua rotina?
Ao longo dessa disciplina vamos nos deparar com diversas situações que
mostram a importância dos temas abordados pelo estudo da farmacologia,
sendo esse nosso principal objetivo. Trabalhando com alguns recursos de
pesquisa e um olhar desafiador sobre esse assunto, investigaremos melhor
cada situação para chegar em hipóteses mais assertivas, possibilitando uma
melhor formação profissional.
Voltando à análise da rotina do nosso aluno de farmácia, vimos que, parti-
cularmente esta semana, ele estava muito animado com uma viagem para a

8
cidade de Ouro Preto, em Minas gerais, onde iria participar de um congresso
na área farmacêutica na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Nesse
mesmo evento serão comemorados os 180 anos da Escola de Farmácia de
Ouro Preto com uma programação especial para essa ocasião. Chegando à
cidade, nosso aluno logo visitou o Museu da Farmácia da UFOP, que, em seu
acervo, abriga instrumentos e equipamentos da época da sua fundação, em
1839, além de livros históricos e muitos documentos que demonstram a vasta
experiência adquirida com as viagens transcontinentais entre a Europa e as
Américas por volta dos séculos XV a XVII com a chamada Matéria Médica,
que reunia a prática da medicina, a botânica medicinal e as farmacopeias.
Nosso aluno, impressionado com o saber e as crenças da época, quis
conhecer um pouco mais sobre a história da farmácia, bem como as formas
de tratamento que eram praticadas naquele período e sua evolução com o
passar do tempo. Em uma das atividades do museu, nosso aluno observava
atentamente as orientações do guia do evento, quem explanava sobre como
eram os atendimentos médicos na época, o ofício dos boticários, também
chamados de apotecários, e quem eram as pessoas que tinham acesso a esses
serviços. O guia, então, direcionou algumas perguntas para nosso aluno e
dentre elas havia uma sobre os conhecimentos que tinha acerca da história
da farmácia e da farmacologia. Como foi o desenvolvimento da farmacologia
no período barroco e, antes disso, na idade média? E quando começamos a
chamar essa ciência de farmacologia moderna? Você, no lugar do aluno de
Farmácia, como responderia a essas questões?
Que tal fazermos uma viagem histórica para conhecermos um pouco do
que foi preciso para que, nos dias de hoje, pudéssemos desfrutar dos muitos
avanços advindos da evolução tecnológica nessa área? Embarque nessa para
conhecer nossas raízes farmacêuticas!

Não pode faltar

A palavra de origem grega phármakon originou as palavras fármaco e farmácia,


que possuem em si um duplo significado, o de medicamento e o de veneno.
A Farmácia, a Farmacologia e a Medicina são áreas de difícil delimitação
em termos de período de surgimento, pois, para as doenças que surgiam,
o ser humano buscava uma cura, que inicialmente ficava restrita mais aos
produtos naturais. Por muito tempo as doenças foram caracterizadas como
punições ou manifestações divinas (sobrenatural) para só depois serem
relacionadas às funções orgânicas.
Alguns achados antigos mostram a relação do ser humano com a
farmácia, como é o caso da Tábua de Nipur e do papiro de Ebers, que trazem

9
descrições de fórmulas e de doenças existentes entre os anos 3000 e 2500 a.C.
na Mesopotâmia e no Egito antigo.

O Período Greco-romano
Foi um período marcado pela mitologia, cujos deuses desempenhavam as mais
diversas funções: na Grécia, Hecate, ou Pharmakis, era considerada a deusa da
magia, que possuía o saber para usar plantas medicinais; suas sacerdotisas eram
chamadas de pharmakides. Apolo, que foi o fundador da medicina e médico dos
deuses, era responsável pela ação de várias drogas. Sua irmã, Artemis, possuía o
poder da cura. Uma figura mitológica bem conhecida, o Centauro Quirón, que
era metade cavalo e metade homem, dominava o uso das plantas medicinais e teve
como discípulo Asclépio, que, em Roma, passou a ser chamado de Esculápio.
Asclépio, filho de Apolo, é considerado o deus da medicina e, em sua história,
teria sido ensinado por uma serpente a usar uma planta que daria vida aos mortos;
é daí, portanto, que vem o símbolo da medicina: o cajado com a serpente (cajado de
Asclépio). Segundo a lenda, uma cobra enrolou-se em seu cajado e, no momento
em que ela ia picá-lo, ele olhou para a serpente e disse: “se queres me fazer mal, de
nada adiantará que me firas, pois tenho no corpo o antídoto contra tua peçonha.
Se estás com fome, te alimentarei” (SILVA, 2011, p. 22). Nesse momento, pegou
sua taça, onde fazia as misturas medicinais, colocou leite e ofereceu à serpente, que
desceu do cajado e enrolou-se na taça para beber o leite, dando, assim, origem à
história do símbolo da farmácia: a serpente envolvendo a taça.
Tendo em vista essa simbologia, a Figura 1.1 retrata a metáfora da dupla
face dos medicamentos (ao mesmo tempo, veneno e remédio), conhecidos e
administrados com maestria pelo médico.
Figura 1.1 | Asclépio coroado oferece uma bebida à serpente

Fonte: Rebollo (2006, p. 46).

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Os filhos de Asclépio possuem lugares de destaque na área da saúde:
Panaceia possui o remédio para todos os males e Higea é a deusa da saúde
e da higiene, que ficou mais vinculada à farmácia, pois, diferentemente de
outros deuses gregos, Higeia era cuidadosa e cooperava com os mais deversos
serviços que surgiam, executando-os com perfeição.
Também conhecida como a taça de Higeia, o símbolo da farmácia
possui duas partes representativas, a cobra, trazendo em si o significado da
sabedoria, da imortalidade e da cura, e a taça, significando a cura por meio
daquilo que se ingere, ou seja, os medicamentos.
Figura 1.2 | Serpente envolvendo a taça que representa o símbolo da farmácia

Fonte: Shutterstock .

Saindo da mitologia, a Grécia foi cenário de grandes aconteci-


mentos na área médica, a começar pela queda dos conceitos metafísicos
de tratamento, ainda muito praticados na época. O médico e filósofo
Alcméon, por volta de 535 a.C., introduziu os conceitos de harmonia
ou equilíbrio das qualidades dos componentes do corpo, passando
depois a Hipócrates, que viveu entre 460 e 370 a.C., médico e cirurgião,
e que teve como legado o estudo anatômico, fisiológico e das patolo-
gias do corpo humano, além de um material de pesquisa com mais
de 53 livros, o Corpus Hippocraticum, que gerou grande influência na
medicina moderna.
Baseando-se nas teorias de Alcméon, Hipócrates criou um sistema mais
elaborado de estado de saúde-doença relacionando os quatro humores
corpóreos: sangue, fleuma, bílis amarela e bílis negra, que estão relacionados,
respectivamente, aos órgãos: coração, cérebro, fígado e baço. A chamada
medicina hipocrática foi um fator fundamental para a disseminação de novas
técnicas da medicina ocidental.

11
Assimile
A filosofia de Hipócrates, de que a vida era mantida pelo equilíbrio dos
quatro humores, foi mantida por vários médicos e filósofos da época e
transmitida para seus discípulos como terapia humoral, tendo passado
por Galeno e chegado até o final do século XVIII.
Segundo Dias (2005, p. 11), cada um desses humores teria diferentes
qualidades: o sangue era quente e úmido, a fleuma era fria e úmida,
a bílis quente e seca e a bílis negra fria e seca. Segundo o predomínio
natural de um desses humores na constituição dos indivíduos, teríamos
os diferentes tipos fisiológicos: o sanguíneo, o fleumático, o bilioso
ou colérico e o melancólico. A doença seria devida a um desequilíbrio
entre os humores, tendo como causa principal as alterações devidas
aos alimentos, os quais, ao serem assimilados pelo organismo, davam
origem aos quatro humores.

A medicina grega e a romana possuem poucas diferenças, visto que o


deus grego da medicina, Asclépio, passou a ser conhecido em Roma com o
nome de Esculápio, e diversos médicos romanos influentes eram de origem
grega, como Galeno.
Galeno (129-200 d.C.) foi um médico muito conceituado em Roma e,
nomeado médico do imperador, foi adepto da medicina hipocrática, embora
tenha criado um sistema que relacionava as doenças e tratamentos de forma
mais complexa, racional e com coerência sobre o funcionamento dos órgãos.
Como consequência disso, houve a necessidade de classificar melhor os
medicamentos que deveriam ser usados para cada situação.
Considerado pai da farmácia racional, Galeno produziu muitos materiais
sobre assuntos da farmácia e dos medicamentos. Uma de suas contribuições
para a terapêutica atual foi a preocupação com a indicação dos medicamentos
ao paciente, como o tipo de medicamento, a quantidade necessária, forma de
preparo, a via de administração e o tempo de ação. Pontos essenciais para
manter a qualidade e a segurança do paciente na sua recuperação.
A base dos tratamentos galênicos dominou a medicina e a farmácia até o
século XVII, sendo ainda uma grande influência no século XVIII.
A medicina aplicada às técnicas humorais manteve-se por muito tempo,
alcançando o ocidente principalmente com a expansão do cristianismo e
tendo se mantido no oriente mesmo após a queda do Império Romano. A
medicina islâmica, entre os séculos VI e VIII, baseada na teoria humoral,
incorporou ainda mais substâncias ao arsenal terapêutico da época, expan-
dindo o campo da farmácia e do conhecimento dos medicamentos.

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Da mesma forma, as técnicas médicas e farmacêuticas tiveram grande
importância na cultura árabe, como o desenvolvimento de técnicas físico-
-químicas: destilação, sublimação, cristalização e filtração. Foi um dos
primeiros povos a separar as atribuições do médico e do farmacêutico.

Exemplificando
Um exemplo interessante para a propagação do conhecimento da
história da ciência médica é que, no início do século VI, com a ascensão
do Império Árabe, a medicina árabe teve um grande impulso através do
trabalho dos nestorianos, seita religiosa dominada por tribos islâmicas
nas terras da Mesopotâmia, Síria e Pérsia. Os nestorianos

fundaram as escolas médicas em Edessa, na Mesopo-


tâmia, e Gondischapur, na Pérsia, e seus missioná-
rios médicos viajaram para Salerno, estabelecendo
então contato com a primeira e mais relevante escola
médica da Europa.
Em resumo, os romanos haviam preservado o pensa-
mento grego em Constantinopla, e os médicos nesto-
rianos transportaram os manuscritos gregos para a
Síria e a Pérsia, onde os árabes os descobriram.
Entre os médicos árabes mais importantes, [desta-
cava-se] [...] Avicena (980-1037 d.C.), que era médico
da corte real e escreveu O Cânone, em uma tenta-
tiva de sistematizar a filosofia aristotélica, a obser-
vação hipocrática e a especulação galênica; este livro
tornou-se a bíblia médica na Ásia e posteriormente na
Europa, sendo utilizado até o surgimento da experi-
mentação anatômica no século XVI. (CATÃO, 2011, p.
63, grifos do autor)

Farmacologia na Idade Média, Renascença e no período


Barroco
A Idade Média, vinculada ao período de 476 a 1492, funde-se com o
Renascimento entre os anos de 1300 a 1600, marcados por profundas trans-
formações sociais, culturais e principalmente científicas. A Igreja, que sempre
buscou apropriar-se desses conhecimentos científicos, na Idade Média, foi de
grande valia para os estudos da saúde, principalmente para a Farmácia, já
que monges e freiras manipulavam plantas medicinais nos conventos e, por
muitas vezes, aprimoravam as técnicas galênicas e suas influências árabes.

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Os boticários se tornaram cada vez mais especializados na manipulação
dos medicamentos, e essa habilidade diferenciou o boticário dos médicos,
que passaram a exercer suas profissões separadamente. O boticário também
deixou de ser apenas um comerciante de produtos e matérias-primas e
passou a se envolver também com o preparo destes.
Na Idade Média, com o surgimento das Corporações de Ofícios e os
seus fiscais (muhtasib), o trabalho com os medicamentos e os produtos de
artesanais começou a ter os seus próprios regulamentos, e a formação e o
juramento passaram a ser obrigatórios.
Boticários eram os profissionais da saúde responsáveis pelos ervanários
e boticas. A palavra botica tem origem no grego apotheke, cujo significado é
depósito, armazém e que passa a ser um estabelecimento fixo para a comer-
cialização dos medicamentos, como aquelas mantidas pelos cônegos de Santo
Agostinho e pelos dominicanos. Há registros em Portugal, no século XIII, do
surgimento dos primeiros boticários como estabelecimentos separados de
um consultório ou atendimento médico.
Entre os séculos XIV e XV foram vivenciadas muitas tragédias pela
população mundial, como epidemias de peste e guerras, além de um enalte-
cimento dos altos cargos da igreja católica e de práticas corruptas vindas
dessas mesmas pessoas. Na tentativa de um distanciamento das doutrinas
escolásticas medievais (período de intenso domínio da igreja católica sobre
toda a Europa), vários pensadores como Dante, Petrarca e outros iniciam, na
Itália, o movimento do Renascimento, que, ao longo dos séculos XIV, XV e
XVI, foi disseminado por toda Europa, dando ênfase ao humano e ao divino
com inspiração nos clássicos da antiguidade greco-romana.
Esse período de revolução científica teve um grande avanço depois que as
experiências e comprovações voltaram a ser realizadas com o corpo humano
e a natureza de modo geral, principalmente após o desenvolvimento de
novos instrumentos de análise e teorias como o heliocentrismo (o sol sendo
o centro do universo, contrapondo-se ao geocentrismo e ao teocentrismo),
proposta por Copérnico em 1530. Essa teoria foi reforçada por Giordano
Bruno (condenado pela Inquisição), mais tarde demonstrada por Galileu
(forçado a refutar a teoria para não ser condenado pela Inquisição) e foi, por
fim, matematicamente comprovada por Kepler com sua teoria da gravitação,
a qual foi base para os estudos de Isaac Newton.
Após o declínio das teorias galenistas no final da Idade Média e início
do Renascimento, a anatomia humana se destacou no campo da medicina
com os estudos de Andreas Vesálius (1514-1564), que contestava as teorias
galênicas e marcava uma época com inovações e descobertas. Podemos citar

14
também as obras e contribuições de Leonardo Da Vinci, Michelangelo, entre
outros, como se vê na Figura 1.3, que mostra os esboços de Da Vinci sobre
a anatomia humana. A propagação do conhecimento se torna mais eficaz
com a produção de livros impressos após a invenção da imprensa tipográ-
fica de Gutenberg, em meados do século XV, que conseguia reproduzir livros
impressos com muito mais rapidez e precisão.
Figura 1.3 | Representação anatômica do membro superior feita por Leonardo da Vinci

Fonte: Shutterstock.

Assimile
Durante o Renascimento houve um grande aumento
de interesse por plantas medicinais, sendo que
dentre as publicações existentes, a mais popular foi
The Herball, or General Historie of Plants, de John
Gerard, em 1597, uma das poucas que continuou
sendo impressa na língua inglesa por cerca de 400
anos. O livro, com 1.392 páginas e 2.200 imagens de
plantas medicinais, foi apreciado por diversas autori-
dades no assunto e muitos médicos prescreviam a
enfermos plantas ali relacionadas, incluindo Digitalis
purpurea. (DIAS, 2005, p. 26)

As grandes navegações do século XVI e XVII, um dos fatores de grande


mudança na época, foram um dos motivos para o crescimento da área

15
farmacêutica a partir da descoberta e cultivo de novas drogas vegetais de
grande interesse terapêutico, além das especiarias advindas das mais diversas
partes do mundo, principalmente América, Índia e África.
As bases para a Idade Moderna vieram do século XVII com as revolu-
ções intelectuais em diversas áreas, como as artes, a filosofia, a literatura e
principalmente a ciência, que foi o centro das mais importantes discussões e
avanços nas ciências da natureza, humana e outras. Em consequência disso,
marcado pelo contraste entre o humano e o divino, partindo do consciente
racional e não do intuitivo, surge o movimento barroco no qual, do ponto
de vista terapêutico, os boticários e os médicos passam a fazer uso de uma
farmácia mais química do que na galênica com suas substâncias naturais e
misturas complexas. Paracelso e o movimento iatroquímico, rompendo as
teorias galênicas, passam a utilizar equipamentos laboratoriais mais elabo-
rados e princípios ativos purificados, além de sais metálicos e substâncias
obtidas por preparações mais complexas como extrações destiladas.
Todas essas inovações trazem a luz ao século XVIII com novas ideias
e pensamentos, surgindo assim o período Iluminista. Exemplificando essa
questão, podemos citar Kant e a sua teoria sobre a saída do ser humano da
menoridade, o qual passa a pensar por si só.

Reflita
Todo esse movimento tem o centro das atenções na Europa, mas com
as grandes navegações e as colonizações para expansão do domínio
europeu no mundo, ocorrem as descobertas de novas plantas com
propriedades medicinais e novos tratamentos.
E o Brasil? Qual foi a contribuição ou participação do nosso país no desen-
volvimento da farmacologia no período pós-colonização entre os séculos
XVI e XVIII? Como foi a relação Brasil-Portugal sobre essa questão?

A farmacologia na Idade Moderna


Uma das descobertas que marcam a era moderna da Medicina e da
Farmacologia no século XIX é a de Virchow sobre a observação microscó-
pica de células doentes, as quais, descobriu-se, comportavam-se de forma
diferenciada das de um corpo sadio, lançando a ideia da patologia celular e
não apenas das diferenças anatômicas no seu livro publicado em 1858. Nessa
mesma década, surgem novas teorias que iriam revolucionar os conceitos
vigentes, como as pesquisas sobre agentes contagiantes do italiano Agostino
Bassi e, em seguida, as definições bacteriológicas de Pasteur e uma década
depois os conceitos de assepsia e redução das infecções hospitalares.

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Nesse período, final do século XIX, a maioria dos medicamentos utili-
zados ainda seguiam uma formulação muito centrada no uso de princípios
ativos obtidos de plantas medicinais, mas com pouco isolamento e estudos
químicos. Após a estruturação da química orgânica e da química analítica, as
opções de tratamento começaram a aumentar com as primeiras drogas sinté-
ticas, como é o caso do ácido acetilsalicílico, a Aspirina, sintetizada em 1897
por Felix Hoffman, do laboratório Bayer a partir do isolamento da salicilina.
Em decorrência das sínteses medicamentosas, ocorre um crescimento na
industrialização do medicamento no início do século XX.
Além da produção do medicamento, seja na farmácia comunitária com as
manipulações de fórmulas ou na indústria, o farmacêutico passa a atuar em
uma área cuja atividade tem sua sustentação em bases científicas e não mais
apenas empíricas por observações de tentativa e erro. A profissão farmacêu-
tica passa a atuar em diversas outras áreas, entre elas o controle analítico e
garantia da qualidade dos princípios ativos.

Assimile
Frente à crescente demanda de profissionais farmacêuticos devida-
mente habilitados, o ensino de farmácia brasileiro se iniciou em 1824,
como uma cadeira da escola de medicina em Minas Gerais e outra
em 1829 no Rio de Janeiro. Depois, em 1839, em Minas Gerais, foram
criadas duas escolas de farmácia, uma em Ouro Preto (então capital da
província de Minas Gerais) e outra em São João del Rey, sendo que em
30 de março de 1851 foi fundada a Sociedade Farmacêutica Brasileira.
Porém, apesar das diversas instituições de ensino de farmácia distribu-
ídas pelo país, no século XIX, a passagem do comércio de botica para
farmácia, com um farmacêutico formado em sua direção, não foi nada
fácil (PEREIRA; NASCIMENTO, 2011, p. 246).

Tanto para a população que buscava os seus tratamentos nas farmácias


quanto para os órgãos legisladores, não se observava a diferença entre os
boticários e os farmacêuticos. Somente a partir de 1886 que o papel do profis-
sional farmacêutico se torna o protagonista na produção de medicamentos,
ganhando força sendo o único com formação específica para ser o respon-
sável técnico do estabelecimento.
Até o início do século XX, a profissão farmacêutica era uma referência
para os que buscavam seu medicamento e também para os médicos que
faziam suas indicações personalizadas para o preparo mais adequado de
cada manipulação e a utilização correta do medicamento para atingir o
melhor resultado no tratamento proposto para os fármacos disponíveis. Esse

17
panorama foi se alterando com o aumento da industrialização dos medica-
mentos a partir dos anos 1930 e a farmácia perdeu a sua função da produção
ou manipulação para a mera distribuição das especialidades farmacêuticas.

Reflita
Após esse distanciamento do farmacêutico das suas funções assisten-
ciais de acompanhamento e orientação do paciente, o que você pode
concluir ao relacionar as colocações sobre a Farmácia Clínica da década
de 1960 e os conceitos de Atenção Farmacêutica da década de 1980 e
1990? Você acredita que, de alguma forma, tenha havido um realinha-
mento da atuação do farmacêutico junto ao cuidado com o paciente?

Pode-se observar que o caminhar da Farmácia e da Farmacologia são


tão antigos como a própria Medicina e a arte de curar. Por isso, conhecer
o processo da evolução e do desenvolvimento dos princípios farmacêuticos
torna-se um assunto muito importante para entender as linhas de tratamento
que são aplicadas nos dias de hoje.

Sem medo de errar

Nesta seção estamos acompanhando a rotina de um aluno que está em


visita ao Museu da Farmácia na Escola de Farmácia de Ouro Preto da UFOP,
primeira faculdade de Farmácia do Brasil, ainda da época Imperial, que está
completando 180 anos de fundação.
A partir das perguntas realizadas pelo guia durante a visita, nosso aluno,
ao lembrar dos estudos iniciais em farmacologia e suas relações sociais, pôde
perceber quão complexos esses questionamentos eram, pois sabia que envol-
viam conceitos relacionados à estrutura social de cada época, bem como
questões sobre cultura, arte, literatura e diversas áreas científicas, uma vez
que os conhecimentos da farmacologia estão intimamente ligados aos da
Medicina, cuja história, sabe-se, é muito antiga, tendo início em, pelo menos,
5.000 a.C., período a partir do qual se tem algum tipo de registro histórico
sobre formas sistematizadas de tratamentos e uso de substâncias para cura.
Podemos começar lembrando que, na Idade Antiga greco-romana,
as rotinas de tratamento dos pacientes estavam começando a trilhar um
caminho mais sistematizado com a criação das teorias de Hipócrates sobre
os humores corpóreos.
Nosso aluno também lembrou do médico Galeno, considerado pai da
Farmácia, que aprimorou os conceitos de Hipócrates com o uso de diversos

18
materiais, de uma forma mais sistematizada e racional, a partir da classi-
ficação dos medicamentos utilizados e de uma preocupação com o uso
adequado de suas fórmulas prescritas para que tivesse o melhor resultado
terapêutico. A teoria galênica teve seu legado construído até o século XVII,
junto ao período do Renascimento, pois, a partir daí, a Farmácia Química
começou a substituir as complexas fórmulas de produtos naturais de Galeno.
O período renascentista foi marcado pelas novas descobertas e pelo
desenvolvimento científico, e a farmácia teve um grande avanço, principal-
mente pela evolução da medicina e pela necessidade de tratamentos e preparo
de medicamentos, desvinculando o boticário, a ser chamado de farmacêutico
em breve, dos médicos que propunham os tratamentos.
Nosso aluno lembrou ainda de diversas passagens literárias, políticas e econô-
micas que marcaram essa época, comentando também com seus colegas que,
logo em seguida, o período Barroco foi um marco de crise para o Renascimento,
trazendo a exuberância das formas e dos contrastes entre corpo e alma, caracte-
rísticas que se fizeram presentes em diversos momentos, junto com a tentativa de
um domínio religioso católico no movimento da Contrarreforma.
Foi nesse momento que o estudante da UFOP se deu conta da neces-
sidade de todos esses eventos para que pudéssemos usufruir atualmente
de todas as evoluções propostas nas áreas médicas e farmacológicas do
período Moderno e para que analisássemos de forma mais crítica os pensa-
mentos vigentes, visto que entre os séculos XIX e XX iniciam-se as sínteses
e a produção em larga escala de medicamentos na indústria farmacêutica,
popularizando o uso medicamentoso e salvando vidas nas guerras mundiais
com os antibióticos, analgésicos e outros.

Avançando na prática

Da assistência à industrialização

Ao longo do tempo pôde-se observar uma transformação na prática


farmacêutica de acordo com os aspectos históricos e as características indus-
triais e de pesquisa na área do medicamento.
Você já deve ter percebido que o farmacêutico é conhecido como profis-
sional responsável pela produção e dispensação de medicamentos, seja na
área industrial, seja na farmacêutica, mas ainda é difícil relacionar esse
profissional com o cuidado direto ao paciente de uma forma assistencial e
que assuma a responsabilidade por seu tratamento farmacológico.

19
Considerando esse contexto, o consultor farmacêutico de uma empresa
de capacitação farmacêutica que está realizando o treinamento de um grupo
desses profissionais e de técnicos em farmácia de uma grande rede de droga-
rias. Nas atividades iniciais do treinamento, o consultor apresentou um
contexto histórico da profissão farmacêutica. Assim, o consultor, aprovei-
tando que os ouvintes já tinham visto uma perspectiva sobre a história
recente da Farmácia, direcionou uma pergunta para um dos farmacêuticos
participantes, indagando-o sobre quais foram os principais fatores que
levaram a profissão farmacêutica a se distanciar da área clínica ao longo da
sua história. Isso pode ser visto como um fator negativo ou positivo para a
profissão? Qual tipo de movimento ou de vertente de estudos propõe um
olhar para um cuidado farmacêutico mais próximo ao paciente? No lugar do
farmacêutico ouvinte, como você responderia a essas questões?

Resolução da situação-problema
Para responder aos questionamentos do consultor, poderíamos dizer que
a prática farmacêutica vem se modificando ao longo do tempo, desde o ofício
dos boticários e suas manipulações até as mais novas e recentes descobertas
sobre medicamentos e processos industriais.
Nos artigos de Holland e Nimmo (1999a, 1999b, 1999c, 1999d, 1999e),
os autores propuseram a evolução profissional em paralelo com a história da
Farmácia em cinco períodos:
1. Manufatura.
2. Manipulação de medicamentos.
3. Distribuição de medicamentos e dispensação.
4. Farmácia clínica, dispensação e aconselhamento.
5. Atenção farmacêutica.
Essa evolução pode ser resumida em três principais momentos: o
primeiro foi o do ofício tradicional, com a atividade dos boticários, no final
do século XIX, voltada ao cuidado na manipulação do medicamento (ativi-
dade magistral do farmacêutico) e às devidas orientações sobre o seu uso;
essas características marcaram um período assistencial, e a farmácia passou a
ser um espaço socialmente frequentado por muitas pessoas.
O segundo momento ocorreu por volta da década de 1930 e marcou o
início de um período de transição, pois o farmacêutico começou a migrar
suas atividades para o setor industrial, o qual passou a ser a principal
estrutura financeira da profissão na época. Em consequência disso,

20
houve o distanciamento desse profissional da farmácia e da manipu-
lação dos fármacos, assim como dos pacientes, que passaram a receber
o medicamento já pronto e padronizado. Para o paciente, havia se criado
a ilusão de que uma melhora significativa no atendimento na farmácia
havia acontecido, mas um olhar um pouco mais aprofundado revelou um
aspecto muito negativo junto ao profissional, que deixava de ser o “mago
das poções” para ser um entregador de medicamentos já prontos, o que
descaracterizou toda a profissão.
E o terceiro momento foi marcado pelo desenvolvimento da farmácia
clínica, na década de 1960, e pelos trabalhos publicados na década de 1990
por vários autores, com ênfase em Hepler e Strand, na prática da Atenção
Farmacêutica, os quais buscavam uma reaproximação das atividades assis-
tenciais e clínicas do farmacêutico quanto ao uso racional e ao cuidado
farmacoterapêutico junto ao paciente.
Essa poderia ser uma das formas de resolução. Discuta com seus colegas
e aponte outros caminhos para responder o que foi questionado.

Faça valer a pena

1. Há registros do surgimento das primeiras boticas ou apotecários, na


Europa, que datam do início do século XIII e demonstram a necessidade de
separar as atividades da medicina e da farmácia devido à grande especifici-
dade das funções de cada profissional na época.
Assinale a alternativa que mostra uma relação verdadeira entre uma botica
do século XIII e uma farmácia de manipulação dos dias atuais.
a. Assepsia dos equipamentos para evitar contaminação.
b. Preparo de medicamentos de forma individualizada.
c. Disponibilidade de medicamentos prontos em gôndolas e prateleiras.
d. Estoque de plantas medicinais frescas para atender aos pacientes.
e. Local reservado para consumo de bebidas e comidas.

2. A farmácia, assim como a medicina, sempre esteve presente na história da


humanidade, pois se há uma doença, há alguém que busca uma cura para ela.
Analise as afirmações a seguir quanto à evolução histórica da Farmacologia.
I. Os medicamentos produzidos antigamente tinham como base
principal as plantas medicinais.

21
II. Galeno é considerado o pai da Farmácia por ter elaborado a teoria
dos quatro humores corpóreos.
III. As grandes navegações, entre os séculos XV e XVII, trouxeram um
grande crescimento na área farmacêutica pela descoberta de novas
plantas medicinais vindas da América e da África.
IV. A contribuição dos árabes para a Farmacologia foi muito pequena,
pois eles não eram grandes navegadores e detinham pouco conheci-
mento sobre esse assunto.
É correto apenas o que se afirma em:
a. I e III.
b. II e III.
c. II e IV.
d. III e IV.
e. II, III e IV.

3. A primeira faculdade de Farmácia no Brasil, autorizada pelo Império,


foi a Escola de Farmácia de Ouro Preto – MG que teve sua fundação em
1839 (meados do século XIX) e foi um marco para o ensino de Medicina e
Farmácia no Brasil.
Pode-se afirmar que nesse mesmo período:
a. O mundo passava por um período de transição entre o Renascimento
e o Barroco.
b. As teorias galênicas e humorais ainda eram amplamente utilizadas
pelos médicos.
c. Ocorre intensa industrialização dos medicamentos.
d. Houve uma grande evolução das teorias da Medicina devido à desco-
berta de Virchow.
e. O povo brasileiro se revoltava nas ruas contra a vacinação obrigatória.

22
Seção 2

Conceitos básicos

Diálogo aberto
Veja como a história é importante para entendermos a evolução de
uma ciência. Em nosso contexto de aprendizagem, estamos acompa-
nhando a rotina de um aluno de Farmácia que desenvolve seus estudos
na faculdade juntamente com as atividades do estágio supervisionado,
o qual, na visão desse aluno, enriquece muito suas experiências acadê-
micas, já que pode aprender com situações como a que vivenciou certa
vez na farmácia em que trabalha, quando uma paciente chegou para um
atendimento e foi logo avisando que só compraria o medicamento se
este fosse de referência.
Muito solícito, nosso aluno foi atender essa paciente e pediu a prescrição
médica para ver o que poderia ser feito. Quando acabou de ler o receitu-
ário, percebeu que o médico havia prescrito um medicamento similar para
a paciente. Nesse momento, ele começou a pensar de que forma poderia
explicar para a senhora quais medicamentos ela poderia escolher para
comprar e lembrou que até existia uma legislação para essa situação, inclusive
para os medicamentos genéricos.
Imagine-se no lugar do aluno-estagiário. Como você explicaria para a
paciente quais medicamentos podem ser intercambiáveis?
Certas situações exigem um conhecimento específico e um posicionamento
assertivo, principalmente quando estamos atendendo um paciente na farmácia,
local que pode promover a saúde das pessoas com uma boa orientação.
Para ajudá-los nessa demanda, estudaremos os conceitos de droga e
fármaco com o intuito de entender as diferenças entre os conceitos no
contexto de sua utilização em determinadas situações. Além disso, veremos
o que são formas farmacêuticas e sua relação com efeito final dos fármacos.
Entenderemos o que são os medicamentos de referência e suas particulari-
dades atuais e confrontaremos os conceitos de medicamento de referência
versus medicamento genérico versus medicamento similar. Além disso,
veremos também os conceitos de princípio ativo versus fármacos versus
medicamentos versus remédios. Vamos nessa! Nesta unidade você estudará
conceitos que lhe serão úteis durante toda a sua vida profissional, sendo
assim, foco nos estudos e vamos em frente!

23
Não pode faltar

Definições e conceitos em farmacologia


Diversos conceitos aplicados no estudo dos fármacos podem trazer, para
a maioria dos profissionais da saúde, certa semelhança ou até parecerem
sinônimos, mas, quando nos aprofundamos um pouco mais, podemos perceber
os detalhes desses conceitos. Vamos começar com a diferença básica entre
droga e fármaco, que podem ser facilmente confundidos como sinônimos.
Apesar de vários autores apresentarem certas variações nas definições,
o conceito de droga pode ser entendido como uma substância química
que, não sendo um nutriente, ao ser administrada em um organismo vivo,
pode produzir nele algum efeito biológico, ou seja, alterações celulares com
resultados benéficos ou não. Dessa forma, a palavra droga é normalmente
atribuída às substâncias psicoativas que podem causar dependência ou que
são, de alguma forma, ilícitas.
A partir do estudo das drogas, surgem duas grandes áreas: a farmacologia,
que faz o estudo dos efeitos benéficos das drogas utilizadas nos organismos
vivos, e a toxicologia, que tem como objeto de estudo os efeitos maléficos das
drogas nos organismos.
Como visto na seção anterior, desde o início dos tempos, as plantas
foram utilizadas como a principal fonte de tratamento das doenças, e o uso
de substâncias inorgânicas, como alguns sais, também foram amplamente
usados para o tratamento de diversos problemas de saúde encontrados.
Atualmente as drogas podem ser obtidas em diversas fontes, como: plantas,
animais, minerais, substâncias sintéticas ou por modificações genéticas.
Mas, a partir desse conceito de droga, o que vem a ser o fármaco, então?
A principal diferença para a definição de fármaco é que este representa
uma substância química definida, com estrutura conhecida e que terá uma
ação benéfica pré-determinada ao organismo receptor, seja ela para profi-
laxia, tratamento ou diagnóstico.
Perceba que a diferença é muito pequena e, por isso, são tidos como
sinônimos, mas o uso da palavra fármaco está sempre relacionada aos efeitos
benéficos e esperados de um medicamento.

Reflita
A partir desses dois conceitos que trabalhamos, podemos chegar à
conclusão de que todo fármaco é uma droga, mas nem toda droga é um

24
fármaco. Você concorda com essa afirmação? Discuta com seus colegas
para chegarem a uma conclusão sobre esse assunto.

Um diurético como a furosemida, por exemplo, é um fármaco, pois


produz efeitos benéficos no organismo vivo, reduzindo um edema ou
auxiliando na diminuição da pressão arterial. De acordo com a quantidade e
tempo de uso no tratamento proposto, ele pode causar efeitos danosos para
o indivíduo que o estiver usando, como a depleção de potássio e suas conse-
quências. Observando o conceito de droga, a furosemida, quando adminis-
trada, causa modificações no funcionamento do organismo, ou seja, pode ser
considerada uma droga também.

Exemplificando
Entre os compostos a seguir: ecstasy, agrotóxico, paracetamol, hidró-
xido de alumínio, LSD (Dietilamida do Ácido Lisérgico), folhas de boldo e
dipirona, quais podem ser considerados como fármacos?
Se sua resposta inclui o paracetamol, o hidróxido de alumínio e a
dipirona, você entendeu a diferença entre eles; os outros compostos
podem ser considerados drogas, ou, no caso das folhas de boldo, uma
matéria-prima vegetal, a qual somente será uma droga vegetal depois
de coletada, seca, estabilizada e preparada para o uso como princípio
ativo de um medicamento fitoterápico.

Agora que entendemos um pouco mais sobre a diferença entre droga e


fármaco, faz-se necessária a diferenciação de outros dois conceitos geral-
mente muito confundidos: o de medicamento e de remédio.
Os medicamentos são produtos farmacêuticos que devem ser obtidos ou
elaborados a partir de um processo farmacêutico, ou seja, uma manipulação
ou industrialização, e que passem a ter uma ação benéfica para o organismo.
A definição de medicamento é muito próxima da de fármaco, mas o medica-
mento deve possuir um fármaco, ou seja, um princípio ativo que tenha uma
ação no organismo; para o seu processamento, são utilizados insumos farma-
cêuticos como os excipientes, corantes, edulcorantes e outras substâncias que
possam dar volume e estabilidade ao medicamento. Com isso, agora já temos
uma diferenciação entre fármaco e medicamento.

Exemplificando
Caso você vá até uma farmácia, peça um medicamento para dor de
cabeça e o farmacêutico faça a indicação do ibuprofeno, ele mostrará a

25
você que existem vários nomes que podem ser comprados. Depois de
orientar a sua escolha, ao final, você estará levando um fármaco ou um
medicamento para casa?
Perceba que nesse caso, o que se está comprando na farmácia é um
medicamento que possui o fármaco ibuprofeno. O medicamento é a
forma final que será usada pelo paciente.

Agora, quando se fala sobre remédio, o conceito é muito mais amplo,


pois um remédio é qualquer terapia, seja ela medicamentosa ou não, que
possa trazer alguma melhoria ou bem-estar para o paciente. Por isso, um
remédio pode ser uma massagem, uma conversa, acupuntura ou qualquer
outra técnica aplicada ao paciente.

Reflita
Partindo desses novos conceitos, podemos chegar à conclusão de
que todo medicamento é um remédio, mas nem todo remédio é um
medicamento. Você concorda com essa afirmação? Discuta com os seus
colegas para chegarem a uma conclusão sobre esse assunto.

O uso de medicamentos é uma das formas mais comuns para o trata-


mento das doenças, mas deve-se levar em consideração a forma farmacêu-
tica em que o fármaco será veiculado, pois ele pode exercer influência em
suas atividades.

Formas farmacêuticas e sua relação com o efeito dos fármacos


A forma farmacêutica de um medicamento implica diretamente a via de
administração e esta, por sua vez, possui uma influência muito grande na
velocidade de absorção do fármaco.
Quantas vezes você já ficou com dor de cabeça e tomou um medicamento
para tratar essa dor? Imagine se o medicamento demorasse mais de 24 horas
para fazer efeito? Por isso, a forma farmacêutica na qual o medicamento é
fabricado ou manipulado deve atender uma necessidade no tratamento
correspondente. O tempo de ação de um fármaco depende de vários fatores,
como a forma farmacêutica em que é administrado, o processo de absorção
e sua distribuição, além da sua eliminação, que são assuntos para o estudo da
farmacocinética que virá em breve. Enquanto isso, observe um pouco desse
processo na Figura 1.4.

26
Figura 1.4 | Principais vias de administração e eliminação de fármacos
Administração Absorção e distribuição Eliminação

Bile

Sistema Fígado Rins Urina


porta Metabólitos
Oral ou retal Intestino Fezes

Percutânea Pele

PLASMA Mama, glândulas


Intravenosa sudoríparas Leite, suor

Intramuscular Músculo
Cérebro

Placenta
Intratecal Líquor

Feto
Inalação Pulmão Ar expirado

Fonte: Rang et al. (2012, p. 105).

Outro fator que deve ser levado em consideração é a biodisponibilidade


de um medicamento, a qual depende da via de administração e também da
forma farmacêutica adotada, sendo que esses conceitos podem interagir e
podem gerar interferências entre si.
A forma farmacêutica via oral é a mais utilizada, devido a sua facili-
dade de administração e menores custos. Para melhorar a administração
de medicamentos por essa via, estão acontecendo diversas pesquisas para
que ocorra uma ação mais rápida ou efetiva ou com maior durabilidade
do efeito do fármaco, como os medicamentos de longa duração ou com
liberação estendida.

Assimile
As formas farmacêuticas sólidas orais podem apresentar duas formas
básicas de liberação, a imediata que são desenvolvidas para liberar o
fármaco rapidamente após a administração e as modificadas para que
tenham um tempo maior de ação, modulando a liberação do fármaco,
retardando ou prolongando a sua dissolução. Neste último caso, quando
se observa o nome dos medicamentos, é possível ver uma sigla que o

27
complementa, como AP (Ação Prolongada), XR (liberação estendida,
do inglês Extended Release), entre outras como SR [Sustained Release
(Liberação Sustentada)] e CR [Controlled Realese (Liberação Controlada)].

Medicamentos de referência, genéricos e similares


Para que um medicamento possa ser lançado no mercado para consumo,
são necessárias algumas etapas pré-clínicas (organização, planejamento e teste
em animais) e depois as clínicas (teste em humanos saudáveis e doentes), que
podem levar anos e gerar um gasto de muitos milhões de dólares. A empresa
que desenvolve todas essas etapas fica como detentora do direito de venda
exclusiva do medicamento, ou seja, possui sua patente, a qual fica em vigor
por vinte anos; após esse período, a empresa não tem mais a exclusividade de
produção ou venda, e outras empresas apenas copiam a molécula para dividir
as vendas no mercado, não sendo necessária a realização de todos os testes
pré-clínicos e clínicos.
Partindo desse princípio, criou-se, no Brasil, a lei dos medicamentos
genéricos (Lei 9787/99), que trata desses produtos que não têm mais exclusi-
vidade de produção ou venda e, com isso, podem ser produzidos por diversas
outras empresas na forma de genéricos, devendo ter todos os critérios de
qualidade comprovados por testes de bioequivalência e biodisponibilidade,
realizados da mesma maneira feita pela empresa original, a qual possui o
medicamento de referência no mercado.
Outra opção existente é a produção dos medicamentos de referência, que
perderam sua patente, por outras empresas que não adotam a produção de
um genérico, mas um medicamento com outro nome, de modo que o produto
passa a circular com outra marca no mercado. Tal medicamento é denomi-
nado medicamento similar. A diferença básica é que este possui a mesma
substância ativa (fármaco), possui os testes de equivalência, mas não tem os
testes de biodisponibilidade comparados com os de referência. Mesmo assim,
os similares são submetidos a testes para comprovação de qualidade e eficácia
que são autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Desde 2003, após a publicação da Anvisa, vigora a RDC nº 134/03, que
estabelece os critérios para que os medicamentos similares já registrados no
Brasil possam ser adequados. Dessa forma, o fabricante do medicamento
similar fica obrigado a apresentar testes que comparem esse medicamento
com o de referência, sendo esses testes o de equivalência farmacêutica, perfil
de dissolução e bioequivalência/biodisponibilidade relativa (BD/BE), caso se
aplique ao fármaco em questão. Designando os testes necessários, entre o
medicamento similar equivalente e seu medicamento de referência, a Anvisa

28
está realizando sua missão, visto que essa autarquia do Ministério da Saúde
tem por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população,
por intermédio do controle sanitário da produção e consumo de produtos e
serviços submetidos à vigilância sanitária.
Com a promulgação da RDC nº 58, de 2014, algumas medidas foram
adotadas para que a intercambialidade de medicamentos equivalentes pudesse
ocorrer de forma adequada. Essa determinação prevê a intercambialidade de
medicamentos da seguinte maneira: (I) entre medicamento genérico e seu
respectivo medicamento de referência e (II) entre o medicamento similar e
o seu respectivo medicamento de referência, descritos em listas disponíveis
no Portal da Anvisa. Assim, não estão previstos nessa RDC a equivalência
entre medicamento similar-similar e entre similares e genéricos. Para ajudar
nessa questão, observe a Figura 1.5, que trata dos tipos de medicamentos
cujas trocas podem ser realizadas.
Figura 1.5 | Intercambialidade de medicamentos no Brasil

Fonte: Mirago (2016, [s.p.]).

29
É importante ressaltar que a adequação de equivalentes terapêuticos tem
como objetivo principal garantir a qualidade e a eficácia dos medicamentos
comercializados no País, mas o desconhecimento da população ainda é
grande sobre os conceitos desses medicamentos e, muitas vezes, as pessoas
acabam optando pelo menor preço e confiando no profissional que o atendeu
no estabelecimento de saúde.
Podemos levantar outra questão com relação aos processos de compras
de medicamentos pelo governo, visto que a licitação nem sempre tem a
garantia de compra de medicamentos de referência, genéricos ou similares e
que serão distribuídos para a população, independentemente de a prescrição
médica ter o nome de referência, genérico ou similar.
Observa-se, então, uma necessidade de conhecer todos os caminhos legais
para que o atendimento farmacêutico possa realmente auxiliar o paciente da
melhor maneira, garantindo, assim, um tratamento de qualidade.

Sem medo de errar

Nesta seção estamos acompanhando a rotina de um aluno de Farmácia


que está cumprindo seu estágio supervisionado em uma drogaria e está
fazendo o atendimento de uma paciente que não acredita que os medica-
mentos genéricos ou similares possam fazer efeito frente aos de referência.
Você teria de explicar para a paciente quais medicamentos podem ser inter-
cambiáveis. Como poderíamos orientar essa paciente de uma forma que ela
tenha o melhor tratamento e com qualidade?
Para atender essa demanda, considerando o contexto apresentado, no
qual a prescrição apresentava o nome de um medicamento similar, e levando
em conta seus conhecimentos em formas de intercambialidade, pode-se
dizer que é possível substituir esse medicamento por um de referência.
Assim, o nosso aluno poderia consultar o sistema da drogaria, que mostra
o princípio ativo e os medicamentos de referência e similares associados, e
verificar que o medicamento prescrito para a paciente era um similar equiva-
lente e que não haveria problema em fazer a substituição pelo medicamento
de referência. Mesmo assim, o aluno estagiário deveria mostrar para a
paciente essas opções e também mostrar as diferenças de preços, sendo que,
nesse caso, o de referência seria um pouco mais caro.
Nesse momento, a paciente poderia perguntar sobre o genérico, mesmo
não gostando muito dele, por causa do preço, que seria menor e, por isso,
mais atrativo. Assim, o estagiário mostraria os seus conhecimentos e expli-
caria para ela que, por se tratar de um medicamento genérico, não haveria

30
equivalência terapêutica com o medicamento similar prescrito para ela,
mesmo sendo o mesmo princípio ativo, pois a equivalência e os testes da
indústria são estabelecidos para o medicamento de referência e, por isso, ele
não poderia fazer essa substituição.
Esse seria um tipo de atendimento que encantaria a paciente, pois seria
realizado com prestatividade. É quase uma certeza de que a paciente não
sabia que existiam essas regras de substituição. Ele poderia também citar
as normativas sanitárias que determinam todas essas regras com o intuito
de assegurar a qualidade dos produtos que serão comercializados. O bom
atendimento e o conhecimento sobre o assunto muitas vezes são os diferen-
ciais para que uma situação não saia do controle ou para que o paciente possa
ser bem orientado, o que melhora sua adesão ao tratamento e a sua percepção
de segurança quanto ao uso dos medicamentos.
Esta seria uma forma adequada de lidar com essa situação, discuta com
seus colegas e imagine outras possibilidades. A partir do que discutimos
nesta seção, você tem subsídio para tal.

Avançando na prática

Novo medicamento no mercado


Você já deve ter percebido que os medicamentos estão sempre cercados de
muitas leis e normas que regem tanto o seu desenvolvimento como também
sua comercialização e uso. Por isso, foi criada uma área de atuação que realiza
os estudos necessários quanto às legislações farmacêuticas e que foi chamada
de Assuntos Regulatórios da área farmacêutica.
Um profissional que atua nessa área deve estar muito afinado com
questões administrativas e deve ter um conhecimento amplo em legis-
lação sanitária e farmacêutica no âmbito nacional e internacional. A
regulamentação para o desenvolvimento de um novo medicamento
genérico passa por uma análise regulatória muito intensa, principalmente
quanto aos seus critérios de segurança.
Uma equipe de farmacêuticos, que trabalha em uma indústria, está
fazendo um estudo para a colocação de um novo medicamento genérico
no mercado. Imagine-se membro desta equipe de assuntos regulatórios.
Chega até você a solicitação de uma relação das preocupações iniciais do
projeto e quais testes deveriam ser realizados para garantir o registro do
novo medicamento genérico.

31
Resolução da situação-problema
Para atender à solicitação, você deve entender que essa é uma questão
que envolve diversos fatores; mas, dentro dos conteúdos estudados, é possível
definir uma linha de ação para o registro de um medicamento genérico.
Sabendo que a legislação que norteia esse tipo de ação é a RDC 200/2017, o
primeiro passo é entrar com um pedido de registro junto à Anvisa, que irá
solicitar uma série de documentos sobre a sua empresa e o medicamento a
ser registrado, devendo constar os insumos que serão utilizados, o tipo de
embalagem, entre outros.
Após essa verificação, é necessária a comprovação de equivalência, que é
sempre comparada ao medicamento de referência. Para isso, são realizados
os testes de equivalência farmacêutica, por meio dos quais se comprova que
se trata do mesmo fármaco, e o teste de biodisponibilidade, que relaciona a
quantidade absorvida e a velocidade de absorção do medicamento utilizado.
É realizado também o teste de bioequivalência, desenvolvido em três etapas:
clínica, analítica e estatística. Todos esses testes têm por objetivo garantir a
qualidade e a eficácia do medicamento genérico ao usuário e a apresentação das
mesmas características físico-químicas e do efeito desejado dos medicamentos.
Esse é um caminho que pode ser abordado para a resolução dessa situação-
-problema. Junto aos seus colegas formule ou complemente a mesma resolução.

Faça valer a pena

1. A partir da Lei nº 9787, de 1999, que institui os medicamentos genéricos, o


Brasil passou a contar com mais uma forma de melhorar o acesso do paciente
aos medicamentos. Com esse conceito, analise as afirmações a seguir:
I. O medicamento genérico é o mesmo que o de referência, e os
medicamentos similares são iguais aos de referência.
II. A substituição de um medicamento genérico por um medicamento
de referência é baseado na equivalência farmacêutica.
III. Medicamentos fitoterápicos e dinamizados não são admitidos para
registro de medicamento genérico.
IV. Os testes que devem, obrigatoriamente, ser realizados no medica-
mento a ser registrado como medicamento genérico são os estudos
de estabilidade, testes de equivalência farmacêutica e testes de biodis-
ponibilidade relativa/bioequivalência.
É correto o que se afirma apenas em:

32
a. I e II.
b. II e III.
c. III e IV.
d. I e III.
e. II e IV.

2. Assim como já é feito com os genéricos, a intercambialidade de


medicamentos de referência também pode ser feita com os medicamentos
similares equivalentes.
Sobre a intercambialidade de medicamentos, assinale a alternativa correta.
a. Quando dois medicamentos são tidos como equivalentes terapêu-
ticos, isso quer dizer que irão apresentar a mesma eficácia e segurança
quando administrados.
b. Bioequivalência diz respeito aos testes in vitro realizados para atestar
medicamentos equivalentes e, por isso, intercambiáveis.
c. Os medicamentos similares equivalentes podem ser intercambiáveis
com outros similares ou com genéricos, desde que estejam prescritos
por um médico.
d. A biodisponibilidade relaciona a velocidade da absorção e a quanti-
dade do fármaco absorvido, mas isso não garante em nada a equiva-
lência terapêutica.
e. A etapa clínica da bioequivalência compreende a análise dos
dados obtidos nos testes de biodisponibilidade do fármaco teste
e do de referência.

3. Os medicamentos podem ser administrados de várias formas nos


organismos e isso pode causar alguma interferência na ação do fármaco, pois
a absorção dos fármacos pode variar de substância para substância e, por
isso, as formas farmacêuticas são cada vez mais adequadas para o melhor
ajuste da absorção. Analise as seguintes afirmações:
I. A via subcutânea corresponde à administração de medicamentos
debaixo da pele, no tecido subcutâneo, tendo uma absorção lenta,
pelos capilares sanguíneos, de forma contínua e segura.
II. A via oral, sublingual e retal são formas de administração enteral,
sendo mais seguras e convenientes.

33
III. A via intravenosa (IV) é quando ocorre a administração de medica-
mento diretamente na veia do paciente e essa via não apresenta a
etapa de absorção do fármaco.
É correto o que se afirma apenas em:
a. I.
b. II.
c. III.
d. I e III.
e. I, II e III.

34
Seção 3

Subdivisões da farmacologia

Diálogo aberto
Caro aluno, você já deve ter ouvido falar em algum momento de sua vida
sobre uma pessoa que fez uso de um certo medicamento e que obteve bons
efeitos e melhorou de uma determinada doença. Essa pessoa teve de tomar
o medicamento de maneira correta, no horário estabelecido, longe das refei-
ções, e, durante o uso do medicamento, foi-lhe recomendado não consumir
álcool. Mas por que de tudo isso? Será que estes detalhes são recomendações
importantes para se obter os efeitos finais de um medicamento de maneira
adequada? Na farmacologia há alguma subdivisão que permite conhecer
melhor todas as caraterísticas de um fármaco e as perspectivas de uso, consi-
derando o medicamento que contenha determinado ativo? Nesta seção,
abordaremos as principais subdivisões da farmacologia e as características
de cada uma delas no contexto da contribuição que essas trazem para a
compressão dos fármacos e seus direcionamentos clínicos terapêuticos.
Lembrando que estamos acompanhando a rotina de um aluno de
farmácia que além de suas atividades acadêmicas realiza o seu estágio super-
visionado em uma farmácia sem manipulação. Esse aluno constantemente
se depara com situações que o levam a conhecer um pouco mais sobre a
área farmacêutica, como certa vez em seu estágio, quando o seu preceptor
local, farmacêutico, o colocou em uma situação que o levou a refletir sobre
a importância dos conhecimentos em farmacologia para a sua atuação junto
clientes da farmácia, que são consumidores de medicamentos.
Assim, chegamos à situação-problema desta seção: o farmacêutico
preceptor da farmácia estava em atendimento a uma cliente que lhe pergun-
tara sobre “como os medicamentos agem no nosso corpo? Todos agem de
maneira igual? Nosso organismo modifica os medicamentos?”. Vindo de uma
cliente, que não se mostrava tão leiga sobre o assunto, essa pergunta intrigou
o preceptor que imediatamente chamou o estagiário para que ele percebesse a
importância de se estar preparado para atender clientes com diferentes perfis
de conhecimentos e a partir disso demonstrar para o futuro farmacêutico
que esse será sempre um desafio de rotina – também em outros segmentos
de atuação do profissional farmacêutico. Diante da situação visando desafiar
seu estagiário e ver o nível de experiência que o mesmo adquiriu em relação
ao período de estagio que já cumpriu, o preceptor direcionou a pergunta da
cliente para o estagiário. No lugar do estagiário, como você responderia à

35
cliente sobre como ocorre a ação de um fármaco que está contido em deter-
minado medicamento e como o nosso organismo modifica um medicamento
depois que ele é ingerido? Além disso, o preceptor pediu que o estagiário
explicasse para a cliente sobre a farmacologia e suas subáreas para que ela
pudesse entender melhor de onde vêm os conhecimentos sobre os fármacos
e os medicamentos e também explicar por que os fármacos não agem da
mesma forma em todos os organismos.
Deparando-se com essas questões, veja quão ampla é a área de estudo da farma-
cologia. Nesta seção, vamos explorar juntos as caraterísticas das principais subáreas
da farmacologia e descobriremos como cada uma irá contribuir para o entendi-
mento dos detalhes da ação dos fármacos em nosso organismo. Vamos nessa!

Não pode faltar

O estudo das áreas da farmacologia mostra a grandeza dessa ciência e


todas as suas interfaces com as demais áreas da saúde, como mostra a Figura
1.6. Essa relação vem sendo vista ao longo da história da evolução das ciências
médicas e vemos hoje que há grande contribuição para a saúde das pessoas
advinda dos estudos da farmacologia empírica, aplicada em tecidos saudá-
veis, com observação das alterações fisiológicas, e da farmacologia clínica,
com o uso de medicamentos em tecidos doentes para observação da cura e
dos possíveis efeitos adversos.
Figura 1.6 | Interfaces da farmacologia e suas áreas de atuação
CLÍNICA MÉDICA MEDICINA
PSICOLOGIA FARMÁCIA BIOTECNOLOGIA PATOLOGIA QUÍMICA
TERAPÊUTICA VETERINÁRIA

Psico- Farmacologia Farmacologia Ciências Biofármacos Toxicologia Química


farmacologia clínica veterinária farmacêuticas médica

Farmacocinética/ Farmacologia
metabolismo dos fármacos bioquímica

Farmacologia
Farmacologia
molecular Quimioterapia

Farmacologia de sistemas

Neuro- Farmacologia Farmacologia


farmacologia cardiovascular gastrointestinal
Imuno- Farmacologia
farmacologia respiratória

Farmacogenética Farmacogenômica Farmacoepidemiologia Farmacoeconomia

GENÉTICA GENÔMICA EPIDEMIOLOGIA CLÍNICA ECONOMIA DA SAÚDE

Fonte: Rang et al. (2016, p. 6).

36
A partir do que vimos anteriormente – a história da farmacologia e as
principais definições – pode-se observar a inter-relação entre as diversas
áreas biomédicas e a farmacologia, além das áreas de inovação como os
estudos das terapias genéticas e dos tratamentos monoclonais.
Para o estudo das principais áreas da farmacologia é interessante enten-
dermos inicialmente a relação do fármaco com o organismo, por isso a
farmacocinética e a farmacodinâmica se tornam tão importantes agora.
Elas mostram tanto as modificações que o organismo promove no fármaco
quanto as que o fármaco pode promover ao organismo.

Reflita
Você poderia relacionar o caminho que o fármaco deve fazer no
organismo para chegar até o seu local de ação, quando esse é adminis-
trado, por exemplo, via oral?

Farmacocinética e farmacodinâmica
Os estudos farmacocinéticos têm sua fundamentação na necessidade de
se administrar a dose correta de medicamento para chegar até o seu local
de ação, prevendo todas as variáveis nesse caminho através das membranas
e barreiras fisiológicas. O efeito do medicamento é variável, podendo ser
desejado ou adverso (indesejado) dependendo da dose, da concentração e
do local de ação do fármaco nos diferentes compartimentos do organismo,
como pode-se ver na Figura 1.7.
Figura 1.7 | Relação entre a posologia do fármaco e a farmacocinética e farmacodinâmica

Farmacocinética Farmacodinâmica

Exposição do Efeitos
Posologia do desejados e
organismo
fármaco adversos
ao fármaco

Fonte: adaptada de Tozer e Rowland (2009, p. 14).

A ação de um fármaco passa a ser realizada no momento em que é absor-


vido e chega em seu sítio de ação, ou seja, quando este atinge a corrente

37
sanguínea e passa a ser distribuído pelo organismo atingindo uma concen-
tração ideal para a realização da sua ação ao acoplar-se a um receptor
endógeno que é modificado, desencadeado os efeitos.
O estudo da farmacocinética compõe a compreensão dos eventos que
ocorrem quando da modificação dos fármacos, causadas pelo organismo em
que foi administrado. Isso está relacionado inclusive com a forma farmacêu-
tica do medicamento utilizado, que determina a via de administração, pois
a partir desta, o fármaco estará mais ou menos disponível para a absorção e
chegada na corrente sanguínea.
A via de administração do medicamento está relacionada a dois princi-
pais fatores: I) características químicas do fármaco, como a lipo ou hidros-
solubilidade, capacidade de ionização, características ácidas ou básicas, entre
outras e II) objetivos do tratamento proposto, visto que alguns tratamentos
devem ter efeito imediato e outros por um período maior, bem como o local
de ação que muitas vezes é específico para um determinado fármaco. Por isso
para cada esquema terapêutico são definidas as melhores vias de adminis-
tração que podem ser enterais (oral, sublingual, retal), tópicas, parenterais
(intramuscular, subcutânea, intravenosa), entre outras.

Assimile
Hidrossolubilidade e lipossolubilidade de um fármaco se relacionam
com a sua capacidade de ter maior ou menor afinidade com as estru-
turas lipídicas ou aquosas do nosso organismo. Sabemos que água e
óleo não se dissolvem e isso acontece devido as suas características
quanto à afinidade química. A água é uma substância polar (possui polos
ou cargas elétricas positivas e negativas em suas ligações covalentes),
já o óleo é uma substância apolar (não possui polos em sua molécula),
devido a essa diferença química não acontece a dissolução dessas
substâncias. No caso dos medicamentos é a mesma coisa, levando em
consideração que o meio de dissolução serão os tecidos do organismo.
Então, um fármaco mais lipossolúvel ou lipofílico terá maior afinidade
para tecidos com maiores teores lipídicos, já um fármaco mais hidros-
solúvel ou hidrofílico (normalmente na forma ionizada) terá maior afini-
dade com estruturas aquosas ou polares do organismo.

A farmacocinética é composta de algumas etapas, conhecida como


ADME, que compõem os processos de absorção, distribuição, metaboli-
zação ou biotransformação e eliminação ou excreção dos fármacos, que são
responsáveis pela modificação do fármaco desde o momento da sua adminis-
tração até a eliminação, determinando as concentrações do fármaco, ao

38
longo da sua permanência no organismo e, consequentemente, responsável
por influenciar os efeitos, até sua completa eliminação, como pode ser obser-
vado na Figura 1.8.
Figura 1.8 | Processos farmacocinéticos dos fármacos no organismo

Receptores Reservatórios
livre ligado residuais
livre ligado

Circulação
sistêmica

Absorção Fármaco livre Excreção

Metabólitos
(ativos e
Fármaco ligado inativos)
à proteína

Metabolismo
Fonte: Golan et al. (2016, p. 28).

Após a administração do medicamento, irá ocorrer a absorção do


fármaco pelo organismo, chegando até a corrente sanguínea. Para que isso
ocorra, é necessário a passagem do fármaco do local de administração até
o sangue e essa passagem depende de fatores físico-químicos do fármaco,
como lipossolubilidade, tamanho molecular, caráter ácido ou básico do
fármaco e de fatores relacionados ao meio, como o local de administração do
fármaco, os tecidos celulares e as condições em que eles se encontram, entre
outros fatores que serão mais bem discutidos posteriormente.

Exemplificando
A via de administração de um fármaco está relacionada com o tempo
de ação deste, visto que o transporte do fármaco saindo do local
de administração até a corrente sanguínea pode conter diferentes
barreiras, podendo ser definida uma curva do fármaco no sangue e seu
pico máximo de concentração diferente para cada caso, como mostra a
Figura 1.9. Vale a pena ressaltar que a via intravenosa (IV) não possui a
etapa de absorção, já que ela será administrada diretamente na circu-
lação sanguínea do organismo.

39
Figura 1.9 | Curvas de biodisponibilidade de acordo com a via de administração

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Biodisponibilidade#/media/Ficheiro:Curva_biodisponibili�
-
dade.jpg. Acesso em: 12 dez. 2019.

Os conceitos de absorção, velocidade de distribuição e concentração do


fármaco na corrente sanguínea estão relacionados com a biodisponibilidade
que é demonstrada pela quantidade e velocidade de fármaco que chega na
corrente sanguínea e ao seu local de ação na forma ativa a partir de uma
determinada quantidade de fármaco administrado.
A distribuição do fármaco pelo organismo está relacionada, principal-
mente, ao sistema circulatório que tem a função de carregar o fármaco até
o seu local de ação e que possa atingir uma concentração terapêutica em
determinado contexto clínico-patológico.
O fármaco conta com a ajuda das proteínas plasmáticas para ser levado
por todas as partes do organismo, o qual possui certa afinidade e possível
ligação em maior quantidade com a albumina e também com as globu-
linas e glicoproteínas presentes no sangue. Vale lembrar que enquanto o
fármaco estiver ligado às proteínas plasmáticas, ele não estará disponível
para exercer sua função, uma vez que apenas o fármaco na forma livre terá
capacidade de se ligar ao seu local de ação (receptor) e exercer o seu efeito
(ver Figura 1.8 novamente).
O efeito do fármaco começa a diminuir no momento em que a concentração
da sua forma ativa se reduz, por conta de um dos dois processos: a metabolização
e a eliminação. Lembrando que a lipossolubilidade ajuda o fármaco a penetrar
mais facilmente pelas barreiras lipídicas, mas dificulta sua eliminação, já que será
reabsorvido para a corrente sanguínea quando passar pelos néfrons nos rins.

40
Para auxiliar na eliminação do fármaco, o organismo dispõe do processo
de metabolização, que não é exclusivo aos produtos xenobióticos, mas para
toda substância que sofre absorção e precisa ser transformada para uma
determinada função no organismo, como a maioria das macromoléculas
orgânicas, para posteriormente serem eliminadas.
A metabolização ou biotransformação dos fármacos acontece em maior
quantidade no fígado por intermédio de um grupo de enzimas dos hepató-
citos conhecidas como enzimas do citocromo P-450. Essa via de metaboli-
zação é importante no planejamento de um fármaco ou no esquema posoló-
gico divido à redução da biodisponibilidade do fármaco, conhecido como
efeito de primeira passagem quando os fármacos são administrados por via
oral. A metabolização tem como objetivo final tornar o fármaco mais hidros-
solúvel para que a sua eliminação renal possa acontecer de forma mais fácil.
Nesse processo há modificação do fármaco criando várias moléculas inter-
mediárias que podem gerar efeitos positivos e negativos para o organismo,
como indicado na Figura 1.10.
Figura 1.10 | Esquema de resultados da metabolização dos fármacos

Metabólito
ina�vo
Fármaco a�vo
Metabólito
Metabolismo a�vo ou tóxico
do fármaco
Pró-fármaco Metabólito
ina�vo a�vo

Fonte: elaborada pelo autor.

A ação conjunta de outros fármacos, entre outros fatores, pode causar


um processo de indução ou inibição metabólica que altera a taxa de metabo-
lização do fármaco principal, podendo levar a um aumento da concentração
plasmática e com isso a uma intoxicação (causado pela inibição metabólica)
ou a redução da concentração plasmática diminuindo o efeito do fármaco
(causado pela indução metabólica).
A etapa final da farmacocinética é a eliminação do fármaco que se dá
quando este já foi metabolizado em sua forma mais hidrofílica e com isso
maior afinidade por meios aquosos e com baixa reabsorção renal. A elimi-
nação dos metabólitos é feita em sua maior parte por via renal, mas o

41
organismo também faz eliminação por vias biliares (pode ser detectado nas
fezes) e outros órgãos.
Uma das formas de medir a taxa de eliminação do fármaco do organismo
é a medida de depuração ou clearance que consiste na taxa de redução da
concentração de um fármaco que está presente em um organismo compa-
rado à sua concentração plasmática máxima.

metabolismo + excreção
Depuração = Equação 1.1
conc. do fármaco no plasma

Já a farmacodinâmica é uma subárea da farmacologia que tem seus


objetivos de estudo voltados à compreensão dos efeitos farmacológicos
advindos das respostas celulares desencadeadas pela ação dos fármacos. A
farmacodinâmica descreve as ações dos fármacos no organismo e as influ-
ências das suas concentrações na magnitude das respostas. A maioria dos
fármacos exerce seus efeitos, desejados ou indesejados, interagindo com
receptores (isto é, macromoléculas-alvo especializadas) presentes na super-
fície ou no interior da célula. O complexo fármaco-receptor inicia alterações
na atividade bioquímica e/ou molecular da célula por meio de um processo
denominado de transdução de sinal.
O fármaco só terá efeito no organismo quando algumas condições
forem estabelecidas:
1. Reconhecimento do seu local de ação;
2. Afinidade pelo alvo farmacológico;
3. Transdução do sinal farmacológico para a célula efetora;
4. Alteração da atividade celular.
A ligação do fármaco em seu local de ação promove a formação de
uma estrutura fármaco-receptor (FR) que pode ser explicada com a
analogia de uma chave e sua fechadura, sendo que há uma especifici-
dade para essa ligação e dificilmente uma chave abre vários cadeados,
mas sabe-se que os fármacos não são totalmente específicos e quanto
mais específico um fármaco for, melhor será o efeito desencadeado com
um mínimo de reações adversas.
As ligações do complexo FR são causadas por diversas formas de intera-
ções químicas, como força de van der Walls, ligações de hidrogênio, ligações
covalentes e iônicas. Devido à complexidade estrutural das proteínas receptoras,
o fármaco possui uma certa afinidade em determinados receptores e quanto
mais estável suas ligações forem, maior será sua atividade e modificação celular.

42
A célula ou estrutura-alvo do fármaco terá suas atividades bioquí-
micas ou moleculares alteradas no momento em que os receptores forem
ocupados e estes promoverem os sinais de alterações intracelulares. Esses
sinais podem ser causados por alterações iônicas (influxo ou efluxo),
participação de segundos mensageiros, fosforilação de estruturas, entre
outras. A partir dessa transdução do sinal do receptor celular será
desencadeado o efeito farmacológico que pode ser de forma agonista
ao receptor, intensificando a ação daquela via estimulada, ou de forma
antagonista que irá inibir a ação da via estimulada, como pode ser obser-
vado na Figura 1.11.
Figura 1.11 | Esquema de fármacos agonistas e antagonistas

Ligação do fármaco com Ligação do fármaco sem


ativação de receptor ativação de receptor

Resposta Tecidual Sem resposta tecidual

Agonista Antagonista

Com afinidade e Com afinidade


com eficácia e sem eficácia

Fonte: elaborada pelo autor.

Iremos discutir posteriormente com mais detalhes os tipos de alvos de


ação dos fármacos, como os receptores celulares, e também o tipo de ação
provocada pelos fármacos, como agonismo e antagonismo.
Observa-se então, uma relação entre a farmacocinética e a farma-
codinâmica (ver Figura 1.12) para que o medicamento escolhido, na
dose ideal, sofra absorção e tenha uma concentração sérica do fármaco
necessária para realizar as ligações com as proteínas plasmáticas e ser
distribuído pelo organismo chegando ao seu alvo ou sítio de ação,
mesmo com as etapas de metabolização e excreção acontecendo simul-
taneamente. Após a ligação do fármaco com as proteínas receptoras
que provocam as modificações celulares esperadas, observa-se o efeito
desejado no organismo.

43
Figura 1.12 | Relação detalhada entre a dose (farmacocinética) e o efeito (farmacodinâmica)
do fármaco
Produto químico

Paciente Ambiente
Farmacocinética

Tecidos-alvo Tecidos-alvo Outros


pretendidos não organismos
pretendidos
Farmacodinâmica

Cadeia
alimentar
Efeitos
terapêuticos

Efeitos Mais
tóxicos organismos
Farmacologia e Toxicologia
toxicologia médicas ambiental

Fonte: Katzung e Trevor (2017, p. 2).

Farmacogenética e farmacogenômica
A farmacologia tem avançado ultimamente em duas áreas com vínculos
na genética: a farmacogenômica e a farmacogenética. Inicialmente, a farma-
cogenética foi inserida como uma área de estudo relacionada à hereditarie-
dade na variação da resposta aos fármacos, trazendo luz a algumas explica-
ções que não se relacionavam com interações medicamentosas e eram classi-
ficadas como idiossincrasias.
Farmacogênomica, o estudo de fatores genéticos que estão por trás da
variação na resposta a fármacos, é um termo moderno para farmacogené-
tica. Farmacogênomica implica um reconhecimento de que mais de uma
variante genética pode contribuir para variação na resposta a fármacos.
Historicamente, o campo começou com observações de reações adversas
graves a fármacos em certos indivíduos, os quais abrigam variantes genéticas
em enzimas metabolizadoras de fármacos.
Posteriormente, a farmacogenômica surgiu como uma vertente da farma-
cogenética que se caracterizou pelo aprimoramento da farmacoterapia,

44
melhorando a efetividade e reduzindo os efeitos adversos a partir do mapea-
mento genético. Isso traz um avanço para os tratamentos com a personali-
zação ou individualização desses.

Exemplificando
Segundo Ingrid F. Metzger e colaboradores (2006), a varfarina é um
anticoagulante amplamente utilizado para a prevenção de eventos
tromboembólicos. Devido à baixa faixa terapêutica e ao risco de
complicações hemorrágicas, a terapia com varfarina é individualizada
por meio do monitoramento do tempo de protrombina normalizado.
Sabe-se que muitos pacientes são extremamente sensíveis aos efeitos
anticoagulantes, mesmo com baixas doses de varfarina, e que esses
efeitos exacerbados podem resultar em episódios de sangramentos.
Dessa forma, a terapia com varfarina tem de ser ajustada devido à
grande variabilidade de resposta dos pacientes a este medicamento
(METZGER et al., 2006).
A varfarina é hidroxilada a um metabólito inativo, inicialmente, por uma
enzima hepática do citocromo P450, a CYP2C9. Há forte evidência de
que a genotipagem para polimorfismos da CYP2C9 antes do início da
terapia com varfarina auxilia o ajuste de dose para pacientes com os
alelos variantes, reduzindo assim as complicações severas associadas a
esta droga (METZGER et al., 2006).

Os estudos de variação genética têm grande importância na farmacologia,


pois podem explicar ou até identificar alterações no processo do metabo-
lismo dos fármacos. Essas alterações têm influência nos estudos farmaco-
cinéticos na etapa de metabolização, já que a mudança no comportamento
enzimático ocorre tanto nas reações da fase I (enzimas do citocromo P-450)
como também nas reações de conjugação da fase II.
Além das alterações farmacocinéticas, os estudos de variação genética
demonstram possíveis modificações na ação dos fármacos no organismo.
Uma dessas modificações são as variações nos alvos dos fármacos que podem
provocar alterações das proteínas receptoras e assim o tipo de sinal de trans-
dução delas para a resposta biológica.

Assimile
As variações enzimáticas ocorrem devido ao polimorfismo genético. As
alterações normais na codificação genética de cada pessoa acontecem
devido ao polimorfismo de nucleotídeo único que pode ser classificado

45
como codificador ou não. Essas alterações resultam nas sequências dos
nucleotídeos formando as cadeias genéticas do DNA.

Assim, as diversas áreas de estudo da farmacologia se ramificam de uma


forma interdisciplinar e que evoluem constantemente junto do avanço da
tecnologia e dos métodos aplicados, principalmente no campo genético com
algumas perspectivas de individualização dos tratamentos clínicos ou com o
esclarecimento de problemas ainda não resolvidos.

Farmacologia clínica
Considerando a necessidade de vislumbramos e descrevermos os efeitos
dos fármacos de maneira a se conhecer tantos os aspectos terapêuticos como
também os toxicológicos, antes que o fármaco vá para o mercado, os ensaios
clínicos são a forma mais adequada de se mapear esses efeitos em humanos e
garantir a segurança e a eficácia dos medicamentos.
Para Anelvira de Oliveira Florentino e colaboradores (2019), o desenvol-
vimento de toda pesquisa clínica ou ensaio clínico é caracterizado como um
dos processos de construção do conhecimento com o intuito de descobrir ou
verificar os efeitos clínicos, farmacológicos e/ou outros efeitos farmacodinâ-
micos de um produto (medicamento, instrumento ou equipamento) e/ou
de identificar qualquer evento adverso a estes e, ainda, estudar a absorção,
distribuição, metabolismo e excreção de produtos medicamentosos com o
objetivo de averiguar sua segurança e/ou eficácia.
Segundo Penildo Silva (2010), a conscientização progressiva da neces-
sidade de aperfeiçoamento dos métodos dos ensaios clínicos foi acelerada
pelo encadeamento de uma sequência de fatos historicamente propícios.
Conforme o autor, os principais são:
1. a sedimentação dos conceitos experimentais básicos no âmbito
da terapêutica;
2. a descoberta do prontosil, precursor da sulfanilamida, em 1934,
marcando o início de uma era de pesquisa químico-farmacêutica
agressiva visando ao desenvolvimento de potentes fármacos para a
cobertura de hiatos terapêuticos essenciais e, daí, através dos monopó-
lios, assegurar altíssimos retornos financeiros para a indústria;
3. a consequente “explosão das drogas” (Modell), pela adoção da política
industrial, acontecida nos países desenvolvidos durante e após a
Segunda Guerra Mundial, quando mais 7.000 novas especialidades

46
farmacêuticas foram introduzidas no arsenal terapêutico entre 1948
e 1963;
4. a modificação, em 1938, do Food, Drugs and Cosmetics Act ameri-
cano, após o acidente ocorrido com o xarope de sulfanilamida devido
ao excipiente nefrotóxico, o dietilenoglicol, ou seja, a introdução do
NDA (New Drug Application) determinando a exigência, pelo Food
and Drug Administration (FDA), de demonstração científica de
segurança dos fármacos candidatos à liberação para uso;
5. a adoção, pelo FDA, de uma legislação ainda mais rígida, em seguida
à Harry-Kefauver Amendment de 1962, que, após o acidente da
talidomida, passou a exigir o IND (Investigational New Drug) com
a utilização formal das técnicas dos ensaios clínicos duplo-cegos,
“randomizados” e controlados como forma de comprovar não só a
segurança, mas também a eficácia dos fármacos candidatos à comer-
cialização. Em seguida, a Declaração de Helsínqui, de 1964, veio a
constituir muito no avanço das relações éticas na pesquisa clínica no
contexto da farmacologia.
Nesta seção discutimos muitos aspectos ligados à farmacologia e suas
subdivisões principais, considerando o contexto de como estas subáreas
podem contribuir para o entendimento e a evolução da ciência dos fármacos
que está constante desenvolvimento.

Sem medo de errar

Vamos retomar nossa situação-problema, na qual o farmacêutico preceptor


da farmácia estava em atendimento a uma cliente e, aproveitando a oportuni-
dade, chamou o seu estagiário para que ele percebesse a importância de se estar
preparado para atender os mais variados tipos de clientes. Assim para ver o
nível de experiência que o estudante adquiriu durante o período de estágio que
já cumpriu, o preceptor direcionou as perguntas de uma cliente para o estagi-
ário. Essas perguntas eram sobre como ocorre a ação de um fármaco que está
contido em determinado medicamento e como o nosso organismo modifica
um medicamento depois que ele é ingerido. Além disso, a cliente questionou
também sobre a farmacologia e suas subáreas, visando trazer entendimento
para cliente sobre os fármacos e os medicamentos e explicar por que os
fármacos não agem da mesma forma em todos os organismos.
Para atender os questionamentos da cliente e ainda conseguir vislum-
brar uma boa avaliação do seu preceptor, o estagiário poderia responder
que para entender como os fármacos agem é importante conhecer os

47
mecanismos de ação deles. Assim, você poderia relacionar as principais
modificações que ocorrem no momento em que se toma um medicamento,
pois o organismo provoca modificações nesse medicamento, dissolvendo,
absorvendo e distribuindo o fármaco (aspectos da farmacocinética) que
levam ao seu local de ação. Além disso, é necessário estabelecer uma
concentração mínima necessária para o seu efeito. A paciente entendera
que essas modificações no fármaco são causadas pelo organismo e que são
necessárias para provocar o efeito desejado.
Ele poderia explicar também que quando o fármaco chega até o local
de ação, as estruturas receptoras (proteínas) acoplariam essas moléculas que
iriam desencadear as respostas biológicas. Lembrando que essas respostas já
existem, elas apenas são acentuadas ou inibidas pelos fármacos e não criadas.
Nesse momento, ele estaria relacionando os fatores farmacodinâmicos na
ação do medicamento tomado.
O aluno deveria deixar claro, ainda, que um medicamento não faz efeito
para sempre e por isso se lembraria dos efeitos de metabolização e elimi-
nação dos fármacos que provocam a redução da concentração da substância
no organismo e que isso reduziria o seu efeito. Ele poderia listar as principais
enzimas que metabolizam o fármaco para que se torne mais hidrossolúvel e
possa ser eliminado, principalmente por via renal.
Dessa forma, a cliente entenderia que o efeito provocado por um medica-
mento no organismo está relacionado a diversos fatores e que esses deveriam
atender às ligações do fármaco em seus receptores e os efeitos que poderiam
causar como agonistas ou antagonistas. Deveria também enfatizar que os
fármacos agem de maneira diferente e de acordo com os receptores que os
mesmos podem se ligar, tendo efeitos diferentes, dependendo do organismo
– cada indivíduo expressa diferenças genéticas que podem afetar o compor-
tamento dos fármacos no organismo.
Além das alterações que ocorrem quando tomamos um medicamento, o
aluno poderia mostrar as áreas de estudo que se relacionam com a farmaco-
logia. Tanto a farmacocinética como a farmacodinâmica já seriam identifi-
cadas por ele em razão da ação do fármaco no organismo. O próximo passo
seria reconhecer a farmacologia, mais individual e específica para cada
paciente, com base na qual ele verificaria a farmacogenética e a farmacoge-
nômica, as quais relacionam os tratamentos farmacológicos com as variações
genéticas de cada envolvido, sendo também campos passíveis de apresen-
tação na situação proposta.
Essas seriam ótimas conclusões sobre o efeito dos medicamentos no
organismo e que resultariam no efeito desejado, bem como mostrariam as

48
principais áreas de estudo da farmacologia. Por meio do que discutimos, você
ainda pode apontar uma nova resolução para esta situação, vá em frente!

Avançando na prática

Um efeito indesejado

Uma paciente deu entrada no hospital com convulsões intensas e de longa


duração. O quadro clínico evoluiu e os médicos estão suspeitando de trombose
que pode estar ocasionando as convulsões. Foram prescritos para essa paciente
os seguintes medicamentos: carbamazepina 200 mg 1 cp 3x ao dia; varfarina
sódica 5 mg 0,5 cp ao dia e enoxaparina sódica 60 mg 1 seringa SC ao dia.
Uma pessoa com fatores de coagulação normal possui um RNI (relação de
medida do fator de coagulação) muito próximo de 1,0. Como a paciente que
está internada foi submetida a um esquema de redução dos fatores de coagu-
lação, espera-se que esse valor de RNI suba para 2,5 até 3,0. No quinto dia de
internação, as convulsões cessaram e foi atingido um caráter de anticoagulação
satisfatório (RNI de 2,5), dessa forma a enoxaparina foi suspendida.
Entretanto, após o 7º dia de internação foi constatada a diminuição da
ação anticoagulante da varfarina e após a comprovação feita pelos exames,
o médico do caso aumentou a dose da varfarina em 2x no dia seguinte (de
meio comprimido por dia para um comprimido por dia). No 9º dia de inter-
nação, a paciente voltou ao patamar de 2,5 do RNI.
A equipe de farmácia clínica do hospital também está acompanhando
o caso, pois o uso de varfarina em ambiente hospitalar é sempre motivo de
preocupação por todos os profissionais. Imagine-se fazendo parte dessa equipe
de farmácia clínica e para um acompanhamento adequado dessa paciente, foi
solicitado para você a verificação das possíveis interações medicamentosas
desse caso. Assim, como você explicaria a redução do efeito da varfarina?
Existem interações que podem trazer algum risco para essa paciente?

Resolução da situação-problema
Uma forma de atender essa demanda seria explicando que após a consulta
nos sites de referência para a checagem das interações, foi constatado que
o uso concomitante de dois anticoagulantes, varfarina e enoxaparina, pode
causar um risco muito elevado de sangramento no paciente, mas se torna
necessário pois a varfarina causa uma saturação nas proteínas plasmáticas
(efeito de distribuição farmacocinética) e praticamente não provoca o seu

49
efeito esperado nos cinco primeiros dias de tratamento, por isso a paciente
manteve-se internada para que o monitoramento dos fatores de coagulação
pudessem ser estabilizados.
Outra constatação foi a interação entre a carbamazepina e a varfarina.
Sabe-se que a carbamazepina pode levar à diminuição do efeito anticoagu-
lante da varfarina, provavelmente devido à indução das enzimas microsso-
mais hepáticas (enzimas do citocromo P-450) pela carbamazepina e também
por um possível aumento da depuração metabólica (eliminação hepática) do
anticoagulante. Com isso, a dose da varfarina foi dobrada e após dois dias
com a nova dose a paciente respondeu à anticoagulação desejada.
Perceba que, nesse caso, também existe um risco à paciente, caso ela
venha a alterar a dose da carbamazepina se ainda estiver usando a mesma
dose de varfarina. Uma redução na dose da carbamazepina pode aumentar
o risco de sangramento com a redução brusca dos fatores de coagulação da
paciente, assim como o aumento na dose da carbamazepina pode reduzir
ainda mais os efeitos anticoagulantes da varfarina, deixando a paciente com
um risco aumentado de uma trombose.
O cuidado integral de um paciente internado ou ambulatorial deve ser
responsabilidade de todos e por isso a área de farmacologia clínica tem os
seus objetivos voltados para o uso racional dos medicamentos e a atuação
junto ao paciente e à equipe de saúde, que formam uma outra área de estudo
da farmacologia que é a farmacoterapia com os cuidados necessários para
oferecer o melhor tratamento farmacológico ao paciente.

Faça valer a pena

1. O gráfico a seguir representa as curvas de concentração plasmática de


um mesmo fármaco administrado na mesma dose, mas em formulações
diferentes (A e B). A concentração mínima efetiva (CME) estabelece a faixa
terapêutica e a faixa subterapêutica desse fármaco.

50
Concentração sérica média ug/ml
6
Formulação A
5

4
Formulação B
3

2 CME

0
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20
Tempo após administração (horas)
Fonte: Bernoulli Resolve (2006, [s.p.]).

Baseando-se nos dados do gráfico, assinale a alternativa correta.


a. A formulação B possui maior afinidade pelos receptores e por isso faz
efeito mais rápido.
b. A formulação A possui um pico de concentração máxima maior por
ser administrada na forma intravenosa.
c. A formulação B apresenta melhor custo benefício no tratamento, já
que será administrada a cada 8 horas e a formulação A, a cada 6 horas.
d. As duas formulações apresentam efeito imediatamente após a
administração.
e. A formulação A deve ser tomada a cada 2 horas.

2. Uma das divisões da farmacologia é a farmacodinâmica, que tem como


objetivo o estudo das modificações do organismo causadas pelos fármacos.
Avalie as afirmações a seguir:
I. Os fármacos antagonistas irreversíveis acoplam-se com os recep-
tores, não alteram a sinalização para a célula e não permitem a
ligação de um agonista.
II. O gráfico de dose-resposta para um fármaco agonista quando é dado
junto de um antagonista competitivo reversível pode ser deslocado
para a direita.

51
III. Para um fármaco ser considerado eficaz, ele deve apresentar concen-
tração necessária para produzir 50% de sua resposta máxima.
IV. O efeito farmacológico provocado por um fármaco quando se liga a
um receptor celular é denominado de afinidade.
É correto o que se afirma apenas em:
a. I e II.
b. II e IV.
c. II e III.
d. III e IV.
e. I, II e IV.

3. Um paciente apresenta um quadro infeccioso e durante sua internação


foi prescrito o antibiótico vancomicina 500 mg IV de 6 em 6 horas, no dia
seguinte o paciente começou a apresentar uma insuficiência renal.

Com relação ao processo farmacocinético de eliminação dos fármacos, avalie


as seguintes asserções e a relação proposta entre elas.
I. A dose habitual de vancomicina que está sendo dada ao paciente
com insuficiência renal deverá ser diminuída.
PORQUE
II. A concentração sérica do fármaco em paciente com insufici-
ência renal será eliminada mais rapidamente e poderá chegar
em níveis subterapêuticos.
A respeito dessas asserções, assinale a opção correta.
a. As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa da I.
b. As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma
justificativa da I.
c. A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa.
d. A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira.
e. As asserções I e II são proposições falsas.

52
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Unidade 2
Dreisson Aguilera de Oliveira

Processo de desenvolvimento e regulamentação


de um novo fármaco

Convite ao estudo
Caro aluno!
Já exploramos o contexto histórico da farmacologia desde a antiguidade
até os dias de hoje, também pudemos ver as diversas áreas de estudo que
estão relacionadas com essa incrível disciplina do curso de Farmácia e com
isso percebemos quão ampla e fascinante é a farmacologia.
Da mesma forma, sabemos que as plantas sempre foram uma das maiores
fontes para tratamento das doenças, fato esse que foi se modificando após o
domínio das técnicas de extração e síntese de novas substâncias. Mas você já
pensou quais são as etapas necessárias para uma substância química chegar a
ser usada como medicamento? Quantas etapas de pesquisa, comprovações e
resultados documentados devem ser realizadas nesse caminho?
Nesta unidade entenderemos um pouco mais sobre as fases de desenvol-
vimento de um novo fármaco, as etapas de planejamento e testes e os órgãos
reguladores desse ramo. Nosso objetivo é entender melhor a gênese dos fármacos
e os trâmites necessários para que um fármaco passe a ser comercializado.
Dessa forma, você será capaz de compreender, analisar e relacionar
informações sobre os critérios para desenvolvimento, aprovação e regulação
de novos fármacos, considerando os processos determinados pelos órgãos
regulatórios nacionais e internacionais.
Espero que esses conteúdos o ajudem a entender melhor os processos e os
investimentos necessários para o desenvolvimento de um fármaco e a impor-
tância dos processos que são realizados que venham a garantir a sua eficácia
e segurança, visando o efeito desejado no organismo.
Seção 1

Descoberta e desenvolvimento de um novo fármaco

Diálogo aberto
Você já deve ter percebido como o estudo da farmacologia é amplo e
envolve desde o uso dos fármacos até seus efeitos no organismo, bem como
também está presente no momento da descoberta de novos fármacos que
revolucionam a cada dia o processo de tratamento das doenças.
Desde muito tempo travamos uma batalha entre as doenças e sua
cura. A partir do processo de industrialização dos fármacos, começamos
a ter um saldo positivo nessa balança entre a doença e seu tratamento.
Um indício desse saldo hoje em dia é a constatação do aumento da expec-
tativa de vida e uma melhor sobrevida em casos de doenças crônicas ou
terminais, advindos de várias frentes de evolução tecnológica – como os
novos medicamentos.
Mas você já parou para pensar como que é feito o desenvolvimento de
um novo fármaco? O que é necessário para que uma substância, desde a sua
descoberta, chegue até o consumidor final? Essas são algumas das perguntas
que iremos trabalhar nessa unidade de ensino sobre o processo de desenvol-
vimento de novos fármacos e a regulamentação necessária.
Para nos auxiliar nessa caminhada junto ao desenvolvimento e à regula-
mentação de novos fármacos, vamos acompanhar o dia a dia um farma-
cêutico formado há pouco tempo e que conquistou uma vaga no setor de
pesquisa e desenvolvimento (P&D) em uma indústria farmacêutica. No
momento, o setor P&D da indústria está envolvido com a evolução da
pesquisa de um grupo de moléculas – são grandes as chances de que alguma
delas possa se tornar um fármaco inovador –, além de outros novos fármacos
que estão em diferentes etapas de desenvolvimento. O grupo de pesquisa no
qual nosso farmacêutico foi incluído já teve um investimento muito alto, mas
ainda não teve uma resposta favorável. Quais são as regulamentações desse
setor e que definem as etapas a serem efetivadas para uma pesquisa inova-
dora? Os testes pré-clínicos e clínicos já foram realizados? Todas essas são
questões relevantes à pesquisa em desenvolvimento que nosso farmacêutico
deverá saber responder ou dar continuidade na pesquisa para que se tenha
um desfecho adequado.
Trabalharemos um campo de atuação do farmacêutico que é muito valori-
zado e ultimamente tem se mostrado cada vez mais desafiador, principalmente

59
quando comparamos o número de novos fármacos disponibilizados na última
década, sendo menores do que nas décadas passadas e, mesmo assim, com
custos muito maiores, principalmente pelo desenvolvimento de fármacos
biológicos que possuem um processo de pesquisa e produção mais caro.
Retomando o nosso contexto de aprendizagem, estamos acompanhando
o dia a dia de um farmacêutico que foi recentemente contratado em uma
indústria farmacêutica, para integrar-se a uma equipe de pesquisa e desen-
volvimento (P&D). A empresa vem cobrando resultados de uma pesquisa
que está sendo realizada em um grupo de moléculas, possíveis candidatas a
se tornarem um fármaco inovador, além de outros novos fármacos que estão
em diferentes etapas de desenvolvimento.
Nesse momento, nosso colega farmacêutico está participando de uma
capacitação, realizada na empresa e ministrada pelo gestor da equipe. Em
meio às discussões e orientações, o gestor da equipe, no intuito de testar e
estimular os conhecimentos do nosso colega farmacêutico, direcionou-se a
ele e indagou quais são os instrumentos necessários para a descoberta e o
desenvolvimento de um novo fármaco. Perguntou ainda como é realizado o
delineamento de um fármaco para ser colocado em teste.
Para responder a esses questionamentos, nesta seção, serão abordados
diferentes tópicos relacionados ao desenvolvimento e à regulamentação de
novos fármacos, com o objetivo de compreender, analisar e relacionar infor-
mações sobre os critérios para desenvolvimento, aprovação e regulação dos
mesmos, considerando os processos e critérios determinados pelos órgãos
regulatórios nacionais e internacionais.

Não pode faltar

Fases de desenvolvimento dos fármacos


A aprovação de um novo fármaco tem uma complexidade grande, pois
demanda de 10 a 12 anos para sua conclusão e com um investimento na casa
de milhões ou bilhões de dólares, em alguns casos. Mesmo assim, as grandes
empresas farmacêuticas conseguem obter lucro com fármacos inovadores
devido à garantia de exclusividade, chamada de patente do medicamento (de
10 a 20 anos de exclusividade).
O desenvolvimento de novos fármacos não está restrito às grandes
indústrias farmacêuticas, mas também aos centros de pesquisa e desenvol-
vimento que podem ser em universidades, clínicas e órgãos governamen-
tais. Porém, devido aos elevados investimentos necessários para pesquisa e

60
desenvolvimento, em geral, esses centros de pesquisa são patrocinados pelo
setor farmacêutico privado.

Assimile
A situação ideal para a descoberta de novos fármacos consiste
em excelente relação custo-benefício, produzindo candidatos a
compostos ativos com alta probabilidade de conversão em protótipos
e, por fim, em fármacos bem-sucedidos. Para isso, duas estratégias
básicas são usadas para identificar compostos ativos in vitro (hits).
Na abordagem centrada no composto, um composto é identificado
por um de vários métodos e seu perfil biológico é explorado. Se o
composto exibir atividade farmacológica desejável, será aperfeiçoado
e desenvolvido ainda mais.
Na abordagem centrada no alvo, a mais comum atualmente, identifi-
ca-se primeiro o alvo do fármaco. Normalmente, trata-se de um receptor
supostamente envolvido no processo de doença, enzima estratégica ou
outra molécula que tenha importância biológica no curso da doença.
Uma vez identificado o alvo, os pesquisadores buscam compostos que
interajam com ele, como agonistas, antagonistas ou moduladores. A
busca pode ser sistemática, usando como ponto de partida informações
sobre a estrutura do alvo, ou pode ter uma abordagem aleatória, pela
qual todos os compostos de uma grande coleção de substâncias, sinte-
tizadas por química combinatória, são submetidos a um teste automati-
zado de alta velocidade.
Após ser identificado por uma dessas estratégias, o composto ativo (hit)
é frequentemente modificado com a ajuda do conhecimento específico
sobre seu alvo (GOLAN et al., 2018).

Para que um medicamento chegue ao mercado são necessárias várias


etapas desde a seleção da molécula candidata, os ensaios pré-clínicos, nos
quais são usados animais, e, finalmente, os testes clínicos que são realizados
em humanos com os critérios de cada fase (de I a IV). Todas essas etapas são
exigências internacionais dos órgãos reguladores sobre o controle de fabri-
cação e uso de medicamentos.
No Brasil, o órgão regulador sobre os critérios e normas para novos
fármacos é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) que
determina as normatizações legislativas que buscam garantir a qualidade e
segurança dos fármacos que podem ser utilizados no Brasil. No mundo, não
existe uma única agência reguladora sobre novos fármacos, mas cada país tem

61
o seu órgão regulador que determina as normas a serem cumpridas, como
a Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos, a European
Medicines Agency (EMA) na União Europeia, entre outras.

Assimile
As agências que atuam no papel regulador de saúde pública tiveram
sua importância destacada com algumas tragédias no uso de novos
medicamentos no mundo. Um dos mais importantes foi o caso do uso da
talidomida, um medicamento indicado para diminuição de náuseas em
gestantes e que foi amplamente prescrito na Europa e posteriormente
nos Estados Unidos na década de 1960. Os estudos sobre o medicamento,
apesar de limitados, não demonstraram alterações ou inseguridade,
contudo, houve fator teratogênico (má formação do feto) muito alto,
acometendo um grande número de crianças nascidas na época, chegando
a mais de 10 mil casos, com focomelia (diminuição dos membros).
A partir desse e de outros acontecimentos, as agências reguladoras
como a FDA, que tem sua atuação marcante e pioneira desde 1938,
e a EMA acentuaram seus papéis no sentido de garantir a qualidade e
segurança dos testes realizados em novos medicamentos.

Todas as agências de saúde também seguem normas éticas para todo tipo
de pesquisa, seja ela em animais ou em humanos, baseados principalmente
na Declaração de Helsinki de 1964, fruto do debate sobre os efeitos causados
pela talidomida e que vem sendo atualizada constantemente nas últimas
assembleias médicas mundiais.
Um marco na regulação dos princípios éticos foi a Conferência
Internacional de Harmonização que em 1990 reuniu diversas agências
reguladoras de saúde do mundo para chegar a um consenso sobre os
aspectos técnicos e científicos no desenvolvimento de novos fármacos,
a saber: a qualidade, a segurança, a eficácia e a multidisciplinarie-
dade. Assim, surgem diretrizes para boas práticas clínicas assegurando
a confiabilidade dos resultados obtidos. No Brasil, a Anvisa reforça a
importância de seguir as boas práticas clínicas e determina por meio da
RDC 09/2015 o regulamento para a condução de pesquisa de medica-
mentos em seres humanos.
Na Figura 2.1, é possível observar as diversas etapas das fases pré-clínica e
clínica para a pesquisa e desenvolvimento de novos fármacos no Brasil.

62
Figura 2.1 | Etapas das fases pré-clínica e clínica no desenvolvimento de um novo fármaco
ESTUDOS PRÉ-CLÍNICOS

Pesquisadores sintetizam uma nova Substância é testada in Produção da substância Solicitação de


substância química vitro e em animais para em escala maior, autorização à agência
identificação de desenvolvimento da reguladora sanitária e
possível atividade formulação e realização ao comitê de ética em
farmacológica de novos testes em pesquisa para
animais realização de ensaios
clínicos

ESTUDOS CLÍNICOS Fase I

Fase IV
Fase III
Fase II

ANVISA

Medicamento é Agência Solicitação de registro Verificação de Ensaio com um Ensaio com um


aprovado para reguladora avalia do medicamento na eficácia e número limitado pequeno grupo de
comercialização a solicitação agência reguladora segurança em uma de pacientes para voluntários saudá-
sanitária amostra de verificação do veis para verificar
pacientes maior se a substância é
potencial de
segura para uso
eficácia em humanos

Fonte: adaptado de Lombardino e Lowe (2004, p. 854).

Reflita
Você lembra da polêmica da fosfoetanolamina, que era uma promessa
para a cura do câncer? Ela foi sintetizada em laboratórios de universi-
dades brasileiras, mas em qual fase de estudo essa molécula se encon-
trava na época (2015) em que foi autorizada até pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) para ser usada em alguns casos de câncer? Quais são as
implicações em saúde pública que esse caso trouxe para a população?

Conhecendo a estrutura básica das etapas primordiais para o desenvolvi-


mento de um novo fármaco, vamos relacionar com mais algumas informa-
ções, como os estudos toxicológicos, a produção e as fases de regulamentação
(legais) para o desenvolvimento de um novo fármaco.
Quimicamente, a molécula candidata a novo fármaco precisa ser selecio-
nada, identificada e otimizada. Imagine que uma nova molécula tenha sido
selecionada de um tipo de ser vivo muito raro ou em extinção e seu estudo
passasse a ser inviabilizado por falta de substância base para a cópia ou
síntese, nesse caso essa molécula é descartada.
A caracterização biológica e os estudos toxicológicos devem ser
realizados primeiramente em animais, o que define a fase pré-clínica de

63
estudos, garantindo que existe segurança no uso dessa molécula e são
definidas as doses possivelmente tóxicas e letais com uso de modelos
computacionais e testes in vivo para entender o seu efeito em estru-
turas orgânicas complexas e integradas, de preferência o mais próximo
da fisiologia humana, por isso o uso de mamíferos nos testes. Hoje, os
testes em animais devem ser autorizados pelos Comitês de Ética em
Pesquisa (CEP) e observa-se um rigor técnico muito maior e o uso de
diversos outros dispositivos, principalmente estatísticos, que garantem
um número adequado de animais a serem utilizados evitando testes e
mortes desnecessárias.
O uso de modelos virtuais e de cultura celular in vitro estão trazendo
um grande avanço para as pesquisas de novos fármacos por já estabelecerem
previamente um comportamento molecular e biológico da substância e com
isso ajudar na fase pré-clínica para novos fármacos.
Junto dos testes toxicológicos é feito um pedido para registro de investi-
gação de um novo fármaco (IND – do inglês Investigational New Drug) sendo
necessário para que os testes da fase clínica se iniciem. O desenvolvimento
e planejamento do processo produtivo do novo fármaco também devem
ser realizados em conjunto para que se tenha uma otimização da produção
do novo medicamento e planejamento dos custos envolvidos. Nessa etapa
organizam-se as principais reações e procedimentos para a síntese da
substância em escala industrial.
Depois que os ensaios clínicos são realizados e obtêm-se resultados
bem-sucedidos após a fase III para o novo fármaco, deve-se solicitar
um registro de novo fármaco (NDA – do inglês New Drug Application)
que deve ser avaliado pelos órgãos reguladores do setor. No Brasil esse
órgão é a Anvisa e nos Estados Unidos, a FDA. Após as aprovações
inicia-se a produção em larga escala para comercialização e, normal-
mente, a molécula, que era uma candidata e agora passou a ser consi-
derada um novo fármaco, tem o seu pedido de patente logo no início do
desenvolvimento do fármaco, antes mesmo da fase clínica. Depois de o
pedido ser aceito, tem-se um prazo de 20 anos para ser aceito, a contar
da aceitação da patente. O fármaco ainda pode levar até 10 anos para
ser lançado no mercado.
Na Figura 2.2 é possível observar as principais etapas do desenvol-
vimento de um novo fármaco e as áreas envolvidas para a pesquisa das
diversas fases do seu ciclo de vida até a quebra da patente e produção dos
medicamentos genéricos.

64
Figura 2.2 | Ciclo de vida de um novo fármaco e as áreas envolvidas no seu planejamento e
desenvolvimento
Descoberta do Desenvolvimento do fármaco Regulação
fármaco
(2 a 5 anos) (5 a 9 anos) pós-aprovação

Identificação e Caracterização

Final de reunião da fase II


Química e biologia otimização do composto biológica

ANDA preenchido
NDA preenchido
Estudos de
Toxicologia toxicologia

IND
Ensaios Ensaios Ensaios Aprovação Fase Fase
Clínica preen-
de fase I de fase II de fase III da FDA IV IV
chido

Desenvolvimento da produção
Produção

produção
Desenvolvimento do programa de CQ,

Início da

Disponibilização
Espiração da
instituição de BPP

de genérico
patente
Legal Solicitação Aceitação
de patente de patente

Nota: ANDA = Abbreviated New Drug Application; FDA = U.S. Food and Drug Administration; BPP = boas
práticas de produção; CQ = controle de qualidade.
Fonte: Golan et al. (2018, p. 867).

Após a aprovação e o início da comercialização, o uso do medicamento


deve ser monitorado para detectar qualquer tipo de reação adversa ou altera-
ções que venham a comprometer a segurança do paciente. Esses casos são
objetos de estudo da farmacovigilância que tem como foco a vigilância na
pós-comercialização dos produtos farmacêuticos.

Exemplificando
Um dos casos de reações adversas graves e que foi necessária a retirada
do medicamento do mercado foi o caso do Vioxx®, medicamento sob
patente da Merk Sharp & Dohme. O ativo chamado rofecoxib, que tinha
como indicação primária o efeito anti-inflamatório seletivo sobre a COX-2,
se mostrou com um risco aumentado para doenças cardiovasculares
como infarto e acidente vascular encefálico. Por isso, toda observação
de ocorrência de reações adversas deve ser notificada para a Anvisa para
que se possa tomar as devidas providências sobre o medicamento envol-
vido. Um dos canais de notificação é o próprio site da Anvisa que permite
notificações de profissionais da saúde e de pacientes.

Instrumentos decisivos na produção de novos fármacos


Além do processo de descoberta e desenvolvimento de novas moléculas
para serem usadas como novos fármacos, é necessária a análise de instru-
mentos que são considerados na etapa produtiva do medicamento – como
os aspectos químicos e biológicos, caracterização das moléculas, análises
farmacocinética e toxicológica e seus processos produtivos de síntese, escalo-
namento e, por fim, sua formulação adequada para uso.

65
Nas fases iniciais durante a descoberta e eleição do fármaco candidato,
a análise química e biológica do composto é de suma importância e por
isso um trabalho integrado entre essas duas áreas é primordial. O trabalho
conjunto tem algumas metas como a identificação de um protótipo e sua
síntese inicial que já mostram os desafios de uma produção em grande escala
pelas reações e pelo comportamento químico do composto. A caracterização
química do composto ajuda a definir suas principais características físicas
(ponto de fusão, solubilidade, pKa, lipofilicidade etc.) e químicas.
Os estudos biológicos determinam a chance de eficácia da molécula em
uma determinada doença e a possibilidade de modificação molecular para
alterar seus efeitos observados nos modelos testados. Podem ser realizados
testes bioquímicos que levam às conclusões sobre o mecanismo de ação
da molécula, atividade enzimática e a seletividade pelo alvo escolhido. São
realizados testes celulares para simular sua ação in vivo, como a transpo-
sição de membranas, tipo de afinidade pelos tecidos celulares, armazena-
mento celular, entre outros.
Somente após toda essa análise química e biológica e com os resultados
favoráveis é que são iniciados os testes em modelos animais para verificar o
nível de toxicidade do fármaco e sua ação em cenários que possam simular
a doença a ser tratada. Para esse tipo de teste, os animais são selecionados
com a doença a ser estudada ou são induzidos a produzi-la para serem
tratados com o novo fármaco.
Os ensaios que mensuram os aspectos farmacocinéticos mostram o
caminho que a molécula sofre após sua administração, demonstrando sua
capacidade de gerar os efeitos desejados por atingir os alvos celulares deter-
minados e a segurança que o fármaco oferece.
Esses aspectos definem o perfil ADME do fármaco (absorção, distri-
buição, biotransformação ou metabolização e excreção), os quais medem a
concentração que o fármaco pode chegar na corrente sanguínea e a veloci-
dade em que isso ocorre em diferentes doses administradas, de forma
única ou consecutiva, avaliando a concentração máxima (pico) e o tempo
de ocorrência. A característica de distribuição que o fármaco assume,
quanto às ligações em proteínas plasmáticas, e os diferentes tecidos que
alcança (volume de distribuição), bem como suas particularidades de
metabolização e formação dos metabólitos relacionados junto das suas vias
de excreção, podem ter o seu reconhecimento facilitado com a marcação
radioativa do composto estudado (radiofármaco).
Uma das etapas indispensáveis para o prosseguimento do estudo é a
análise toxicológica, ainda realizada na fase pré-clínica, na qual são realizados

66
testes com animais para saber com mais detalhes a segurança no uso da
substância escolhida para compor um novo medicamento.
A molécula, nessa fase, é submetida a testes de toxicidade para altera-
ções genéticas, o seu risco de afetar o sistema cardiovascular ou algum
órgão-alvo, o que passa a ser um motivo para a exclusão da substância para
as próximas etapas de testes.
A síntese química e a formulação do composto são etapas fundamen-
tais para sua aprovação, já que algumas moléculas podem ter sua produção
dificultada ou encarecida pelos processos químicos necessários para síntese,
formulação e escalonamento produtivo. Hoje em dia, com o aumento de
estudos em biofármacos, as moléculas candidatas têm elevado peso molecular
(moléculas grandes) e os processos de síntese e forma farmacêuticas ficam
cada vez mais caros e com a necessidade de inovações nesse setor. É possível
ver na Figura 2.3 um esquema com os principais tópicos abordados.
Figura 2.3 | Esquema dos principais instrumentos que são importantes na descoberta, no de-
senvolvimento e na produção de um novo fármaco

Química da
Descoberta
Biologia da
descoberta
Formulação
(bioquímica e
moledos animais)

Instrumentos
decisivos
na produção de
novos fármacos

Síntese
química e Farmacocinética
(ADME)
produção

Toxicologia

Fonte: elaborada pelo autor.

Nesta seção, vislumbramos a importância das ferramentas que são utili-


zadas na descoberta e no desenvolvimento de um novo fármaco e como
essas se fazem necessárias para garantir, principalmente, a segurança de uma
molécula que possivelmente será usada em larga escala.

67
Sem medo de errar

Na situação-problema desta seção acompanhamos um farmacêutico que


trabalha em uma indústria farmacêutica e recentemente foi integrado à equipe
de pesquisa e desenvolvimento. Em uma capacitação da equipe, o gestor
indagou a nosso farmacêutico sobre quais são os instrumentos necessários para
a descoberta e o desenvolvimento de um novo fármaco. Perguntou também
como é realizado o delineamento de um fármaco para ser colocado em teste.
Para responder aos questionamentos do gestor, o farmacêutico poderia
discorrer inicialmente sobre os estudos da fase pré-clínica – em que os testes
envolvem a seleção das moléculas candidatas e de acordo com o tipo de
delineamento abordado na seleção do fármaco, centrado no composto ou no
alvo terapêutico – e poderia dar continuidade aos testes pré-clínicos com a
escolha dos modelos a serem utilizados para testes da molécula em animais.
Ainda na fase pré-clínica, o farmacêutico verificaria se a molécula já havia
sido caracterizada e se os parâmetros farmacocinéticos (ADME) já tinham sido
aplicados para que os testes de toxicologia pudessem ser realizados e avaliaria
as principais alterações celulares causadas pela nova molécula, como alterações
no DNA e em órgãos-alvo – o que inviabiliza a continuação dos testes.
Após a aprovação na fase pré-clínica, o composto estaria apto a prosseguir
os testes em humanos e o farmacêutico poderia iniciar a fase clínica I com
um número pequeno de candidatos sadios para avaliar segurança, tolerabi-
lidade e propriedades farmacocinéticas do fármaco. Obtendo-se resultados
satisfatórios, poderiam passar para a fase II com grupos de pacientes para
testar a eficácia e a dose no tratamento da doença desejada. Iniciaria logo
em seguida a fase III que são os ensaios clínicos definitivos com um desenho
de pesquisa bem elaborado (randomizados, duplo-cegos e multicêntricos), e
envolveria um número maior de pacientes, de 1000 a 3000. Nesta fase, antes
da sua aprovação pelos órgãos regulatórios e futura produção em escala
industrial, seria exigida uma análise fármaco-econômica para verificar os
benefícios econômicos e seu posicionamento de mercado.
Após a análise dessas etapas, nosso farmacêutico acompanharia a fase IV
que se refere ao período pós-comercialização com o levantamento de possí-
veis notificações de reações adversas e que poderiam trazer algum tipo de
prejuízo à saúde dos pacientes.
Esses seriam ótimos posicionamentos que poderiam ser respondidos ao
gestor em relação às etapas de desenvolvimento e o delineamento de um novo
fármaco. A partir do que foi abordado nesta seção, você ainda pode encontrar
novos caminhos para responder aos questionamentos levantados, vá em frente!

68
Avançando na prática

Medicamentos biológicos – biofármacos

Um farmacêutico recém-formado, buscando inserção no mercado,


está participando de um processo seletivo de uma grande indústria
farmacêutica. O profissional busca atuação no setor de pesquisa e desen-
volvimento da empresa. Durante uma das etapas do processo seletivo,
um entrevistador abordou o contexto do desenvolvimento de fármacos
inovadores classificados como biofármacos, principalmente sobre os
produtos biofarmacêuticos proteicos, como os anticorpos monoclonais.
Especificamente, o entrevistador questionou o farmacêutico sobre o que
ele sabia sobre as fases de desenvolvimento desses fármacos, comparan-
do-os aos fármacos convencionais, e perguntou ainda por que esse é um
mercado crescente no setor farmacêutico. No lugar do farmacêutico,
como você responderia ao entrevistador?

Resolução da situação-problema
Para atender aos questionamentos do entrevistador, o farmacêutico
poderia responder que os biofármacos são agentes farmacológicos produ-
zidos pela biotecnologia, e não por vias químicas ou bioquímicas sintéticas
de forma convencional. Eles compreendem uma proporção crescente no
mercado farmacêutico em pesquisa e desenvolvimento (cerca de 30% dos
pedidos de patente) dos novos fármacos registrados a cada ano. Os princípios
de desenvolvimento e de testes desses produtos biofarmacêuticos são muito
semelhantes aos fármacos sintéticos.
Os biofármacos apresentam menos problemas nos testes de toxicologia
quando comparados aos fármacos sintéticos, mas costumam apresentar
maiores problemas relacionados com a síntese molecular. Em alguns casos
podem chegar a mais de 50 etapas reativas, o que interfere na sua cadeia
produtiva, no controle de qualidade, na possibilidade de criar reações
imunológicas e por fim na sua oferta para a produção, o que faz o preço final
do produto se elevar muito. Esta poderia ser uma maneira de anteder aos
questionamentos do entrevistado, mas você ainda poderia apresentar outra
forma de responder. Pense nisso!

69
Faça valer a pena

1. Os estudos de desenvolvimento para novos fármacos estão pautados


na eficácia, segurança e qualidade desses produtos, por isso são realizados
diversos testes com critérios rigorosos de forma sequenciada entre as fases
I, II, III e IV.
Quando se realizam os estudos de fase IV em um fármaco inovador, pode-se
afirmar que:
a. Estão assegurando sua eficácia para o tratamento proposto.
b. Estão determinando a melhor dose a ser utilizada no tratamento.
c. Estão monitorando as reações adversas pós-comercialização.
d. Estão determinando a segurança no uso desse fármaco.
e. Estão realizando os parâmetros farmacocinéticos do composto.

2. As boas prática clínicas devem ser sempre utilizadas durante as diversas


etapas dos ensaios clínicos (em seres humanos), para que possam garantir
resultados mais confiáveis e que sigam os aspectos éticos necessários durante
toda a pesquisa. No Brasil, o órgão regulador que define os critérios das boas
práticas clínicas é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, por
meio de diversas diretrizes, entre elas a RDC 09/2015. Quanto aos aspectos
dos ensaios clínicos e que devem ser observados durante a aplicação das boas
práticas clínicas, avalie as afirmativas.
I. A continuidade do estudo mesmo com alto risco de mortalidade,
sendo esse um desfecho importante para a pesquisa.
II. A obrigatoriedade da assinatura do termo de consentimento livre e
esclarecido pelo paciente.
III. O cumprimento de um protocolo clínico com resultados que devem
interferir diretamente no delineamento do estudo.
IV. Os produtos em investigação devem ser manufaturados, manejados
e armazenados de acordo com as boas práticas de fabricação aplicá-
veis e devem ser usados em consonância com o protocolo aprovado.
É correto o que se afirma em:
a. I e II, apenas.
b. II e IV, apenas.

70
c. I, II e III, apenas.
d. II, III e IV, apenas.
e. I, II, III e IV.

3. O projeto da empresa Pfizer que desenvolveu anti-inflamatório piroxicam


(Feldene®) começou a ser planejado em 1962 e teve o seu lançamento no
mercado europeu em 1980. Palco de diversas falhas e recomeços do projeto,
esse produto teve de ser desenvolvido de forma diferenciada devido aos
diversos produtos anti-inflamatórios já existentes no mercado com um
modelo (molécula guia) que fosse diferente dos demais. Entre os diferen-
ciais da molécula, ela tem característica ácida, mas não é um ácido carboxí-
lico, o que melhorou sua biodisponibilidade, reduzindo o efeito de primeira
passagem, isso considerando a estrutura molecular desse composto, apresen-
tado na imagem a seguir:

Fonte: Wikimedia Commons .

Considerando as informações apresentadas e o contexto do delineamento de


novos fármacos, assinale a alternativa correta.
a. Se a patente foi autorizada em 1962 e o lançamento do produto
aconteceu em 1980, a Pfizer detinha a exclusividade de produção até
o ano de 2000, considerando os 20 anos de proteção da patente.
b. A caracterização química e biológica da molécula faz parte dos
estudos clínicos de fase I.
c. Por se tratar de um composto orgânico, o piroxicam pode ser carac-
terizado como um biofármaco obtido por processos biotecnológicos.
d. Sua cadeia carbônica é homogênea sem ramificações, facilitando o
seu efeito no organismo.
e. Seu delineamento foi centrado no composto, já que foram definidos
os parâmetros de busca da molécula não considerando os aspectos
estruturais do alvo.

71
Seção 2

Avaliação e aprovação reguladora para novos


fármacos

Diálogo aberto
Perceba como são complexas as etapas de descoberta e desenvolvimento
de novos fármacos, considerando que um fármaco pode levar até 10 anos
para chegar no mercado para o consumidor final e com um investimento de
cerca de 800 milhões de dólares.
Em nosso contexto de aprendizagem, estamos vivenciando o dia a dia de
um farmacêutico que integrou recentemente a equipe de pesquisa e desen-
volvimento (P&D) de uma empresa farmacêutica e está participando ativa-
mente de todas as etapas de desenvolvimento de um novo fármaco.
No momento, parte da equipe está focada em um fármaco promissor, o qual,
após passar pelas etapas iniciais de descoberta, escolha e prototipagem, seguirá
para as próximas etapas, que são as que envolvem maior custo da pesquisa.
Estas estão relacionadas aos testes pré-clínicos e clínicos da molécula desen-
volvida, além dos aspectos regulatórios de produção e controle de qualidade
necessários para a aprovação e o registro do novo fármaco. Dessa forma, consi-
derando que todas as ações devem ser norteadas por normas legislativas nacio-
nais, critérios e normas internacionais, principalmente, com base nas diretrizes
da agência americana de administração de alimentos e medicamentos (FDA,
do inglês Food and Drug Administration), o gestor da equipe solicitou que o
nosso farmacêutico desenhasse o projeto para as etapas dos testes pré-clínicos
e clínicos do novo fármaco e verificasse quais são as legislações que devem ser
seguidas na produção e no controle de qualidade dele. Você, aluno, no lugar do
farmacêutico, como atenderia à solicitação do gestor?
Para que você consiga atender a essa demanda, nesta seção, discutiremos
os aspectos regulatórios da produção e do controle de qualidade e veremos
quais são os ensaios toxicológicos que precedem o início dos ensaios clínicos
e o processo de aprovação de um novo fármaco.

Não pode faltar

O processo inicial de descoberta do fármaco identifica um grupo


promissor de moléculas de protótipos que parecem interagir com o alvo de
modo desejável. Porém, as propriedades físicas, químicas e biológicas são

72
questões importantes para que se torne um fármaco efetivo, mas elas são
propriedades ainda não esclarecidas nessa fase da pesquisa, por isso, a otimi-
zação do protótipo é a fase de descoberta do fármaco, na qual tais proprie-
dades são caracterizadas e melhoradas para que possa ser feita a escolha de
um grupo menor e mais seleto de moléculas que passarão aos testes clínicos.
Durante essa fase de ajuste e escolha das melhores espécies químicas
(protótipos) para a etapa clínica e, posteriormente, para o sucesso no desen-
volvimento do novo fármaco, são realizadas atividades pré-clínicas que
possam dar suporte às próximas etapas. Essas atividades são compostas por
três principais etapas, que podem ser vistas na Figura 2.4 e que serão tratadas
com mais detalhes logo em seguida.
Figura 2.4 | Etapas dos testes pré-clínicos

Fabricação, formulação e Estudos Elaboração de


embalagem toxicológicos documentos reguladores

Garantir alta quali- Garantir o nível Resultados apresen-


dade na produção de segurança da tados na fase pré-clí-
do fármaco para os administração inicial nica para continuação
testes de segurança em do fármaco em seres dos testes clínicos.
animais e humanos vivos.

Fonte: elaborada pelo autor.

Produção e controle de qualidade de novos fármacos


A regulamentação de um novo fármaco é um processo longo e realizado
com um rigor que possa garantir a qualidade, a eficácia e a segurança necessá-
rias aos participantes do estudo e ao consumidor final. Sabe-se que o custo é
bem elevado para a instituição pesquisadora, normalmente, a indústria farma-
cêutica, por isso, evita-se ao máximo erros e desvios de qualidade no processo.
Cumprem-se diversas etapas, desde a escolha da doença a ser tratada
ou das espécies químicas que serão desenvolvidas até o seu uso em seres
humanos e o acompanhamento desse medicamento após o seu lançamento
no mercado, garantindo que o fármaco não venha a causar prejuízos à saúde
da população.
As etapas, como já foram descritas na seção anterior, são formadas pelas
fases pré-clínica e clínica e compreendem diversos testes encadeados, a fim
de que possa ser feita a escolha da melhor espécie química para se tornar um
novo fármaco, também chamado de fármaco inovador.
Para que um fármaco possa ser testado, é necessário o desenvolvimento
de uma planta de produção (em escala suficiente para suprir a necessidade

73
dos testes em seres vivos – animais e humanos) para ser obtido com alta
qualidade, evitando dúvidas ou vieses nessa etapa.
A criação da produção inicial, mesmo que em pequena quantidade, deve
seguir os padrões de Boas Práticas de Fabricação (BPF) de medicamentos
determinados pela Anvisa ou por outros critérios internacionalmente aceitos
e validados, que regulam o manejo da qualidade e o controle de todos os
aspectos da produção de fármacos, podendo ser inspecionados pelas autori-
dades sanitárias, a fim de determinar a adesão às normas vigentes.
As BPF são um conjunto de normas que garantem a qualidade dos
produtos farmacêuticos, para que sejam fabricados dentro da confor-
midade e de forma controlada aos critérios de qualidade definidos pelo
seu registro sanitário. Essas normas abrangem um conjunto de medidas
adotadas pelas indústrias farmacêuticas, com o propósito de garantir
a qualidade sanitária dos medicamentos produzidos de acordo com as
normas vigentes. No Brasil, as BPF são regulamentadas pela RDC nº
17/2010, com alterações previstas na RDC nº 33/2015 e, mais recente-
mente, pela RDC nº 301/2019.

Reflita
As boas práticas de fabricação têm como prioridade garantir a quali-
dade dos produtos farmacêuticos que são produzidos na indústria
farmacêutica, além da eficácia e segurança. Quais são as consequên-
cias para o usuário final de um medicamento que seja produzido sem o
cumprimento dessa norma? Discuta com os seus colegas sobre variabi-
lidade e contaminação na produção e cheguem às principais conclusões
sobre essas questões.

Segundo a RDC nº 301/2019 (última atualização das BPF pela Anvisa), o


art. 13 discute sobre o controle de qualidade e diz que:

O Controle de Qualidade é a parte das BPF referente à


coleta de amostras, às especificações e à execução de
testes, bem como à organização, à documentação e aos
procedimentos de liberação que asseguram que os testes
relevantes e necessários sejam executados, e que os
materiais não sejam liberados para uso, ou que produtos
não sejam liberados para comercialização ou distribuição,
até que a sua qualidade tenha sido considerada satisfatória.
(BRASIL, 2019, [s.p.])

74
Perceba que, no que diz respeito ao controle de qualidade de produtos
farmacêuticos, sendo ele novo ou já em cadeia produtiva regular, a quali-
dade do fármaco precisa ser assegurada e garantida pelo produtor, além de
inspecionada pelos órgãos sanitários responsáveis, desde os testes iniciais, a
documentação e a matéria-prima até o produto acabado.
Na fase pré-clínica do desenvolvimento de um novo fármaco, deve-se
iniciar a cadeia produtiva dos medicamentos, inclusive, para verificar as
possíveis inviabilidades durante o processo. Essa produção será realizada
em uma escala menor, para que atenda à necessidade inicial dos testes de
controle de qualidade e uso em animais e humanos.
A produção preliminar, ainda na fase dos testes iniciais, deve ser muito
criteriosa e cumprir com os mais rígidos padrões de qualidade, para que
não cause interferência nos resultados dos testes a serem aplicados. Para
isso, são aplicadas as BPF com o uso de ferramentas da qualidade – com
critérios quali e quantitativos, como o uso de equipamentos que assegurem
a identificação e o teor do fármaco estudado (HPLC, espectrofotômetros,
testes microbiológicos, entre outros).

Assimile
HPLC (do inglês High Performance of Liquid Chromatography) é um
método de cromatografia a líquido de alta eficiência, que promove a
separação de substâncias químicas em uma solução pré-definida em
protocolo. Pode ser utilizada em análises qualitativas, com a identifi-
cação da substância a ser pesquisada, e também nas quantitativas, com
a determinação do teor ou da concentração de um composto.

Ensaios toxicológicos da fase pré-clínica para novos fármacos


Segundo Golan et al. (2018, p. 861), muitas organizações de descoberta
de fármacos fazem avaliação inicial da toxicidade da molécula durante a
otimização do protótipo. Nessa fase, testes de toxicidade podem incluir
a possibilidade de a molécula alterar o DNA (teste de genotoxicidade), o
potencial de afetar o sistema cardiovascular (teste de farmacologia cardiovas-
cular) e a toxicidade em estudos de curta duração em animais. Esses estudos
possibilitam conhecer natureza e mecanismos de possíveis efeitos tóxicos da
molécula. Efeitos tóxicos inaceitáveis em órgão-alvo (funcionais e/ou histo-
patológicos) são motivos frequentes de exclusão da molécula nessa fase do
desenvolvimento do fármaco.
Conforme a Anvisa (2013), os estudos de toxicidade são efetuados com
o objetivo de determinar as condições de segurança, para que possam ser

75
iniciados os testes em seres vivos (animais e, posteriormente, em humanos).
Eles devem ser individualizados de acordo com o objetivo de tratamento
definido, como fármacos de uso agudo ou crônico terão seus testes equiva-
lentes ao tempo de uso definido.
Os estudos de segurança propostos em guias da Anvisa incluem: estudos
de toxicidade de dose única (Aguda), toxicidade de doses repetidas, toxici-
dade reprodutiva, genotoxicidade, tolerância local e carcinogenicidade,
além de estudos de interesse na avaliação da segurança farmacológica e
toxicocinética (Administração, Distribuição, Metabolismo e Excreção –
ADME) (ANVISA, 2013).
Os ensaios toxicológicos podem ser realizados no método in silico –
quando é utilizada simulação computacional –, in vitro – quando são utili-
zadas culturas de células fora do organismo e criadas para esse fim –, ex vivo
– utilizando, por exemplo, o isolamento de um órgão fora do organismo
vivo ou o desenvolvimento de produtos biológicos em bactérias vivas para
posterior inoculação no organismo de teste – e, por fim, o método in vivo
– utilizando animais vivos com sistemas adaptados para observação do alvo
terapêutico como indução de doenças cardiovasculares ou neoplásicas.
Os ensaios de toxicidade devem ser realizados baseados nas boas práticas
laboratoriais (BPL) com reagentes adequados, equipamentos devidamente
calibrados e, no caso de utilização de animais, esses devem ser criados de
forma saudável, com origem conhecida e ambiente que não venha a inter-
ferir nos resultados do experimento, por exemplo, estímulos excessivos e
condição de estresse.

Ensaios clínicos e processo de aprovação para novos fármacos


A eficácia e a segurança são os dois objetivos principais durante todo o
processo de desenvolvimento de novos fármacos, por isso, a etapa clínica é a
final para a aprovação de um novo fármaco.
Após atender aos critérios da fase pré-clínica, com os ajustes necessários na
molécula, forma farmacêutica e dosagem, é solicitada ao órgão sanitário respon-
sável pelo registro do medicamento (no caso do Brasil, para a Anvisa) a autori-
zação para continuidade dos testes na fase clínica, primeiramente com seres
humanos sadios e, depois, em pessoas que apresentem a doença a ser tratada.
Os estudos envolvendo os seres humanos podem ser desenhados na
forma de intervenção ou observacionais, sendo que em ambos o pesquisador
responsável pela fase clínica (médico, farmacêutico ou outro) tem respon-
sabilidades éticas com os participantes e precisa garantir que cada análise

76
realizada posso fornecer o máximo de informações relevantes sobre o estudo
e também minimizar qualquer tipo de risco potencial aos participantes.
Os estudos da fase clínica devem ser norteados por um protocolo de
ensaio clínico que proporcione respostas confiáveis às perguntas constantes
no documento. Todos os testes e procedimentos devem ter um objetivo
muito bem definido e que esteja alinhado com o projeto de desenvolvi-
mento do novo fármaco. Devem-se levar em consideração a determinação
de equilíbrio adequado entre os critérios de inclusão e exclusão da população
amostral; desfechos significativos e cientificamente válidos; eleição de um
grupo controle; manutenção do cegamento da pesquisa; definição do número
de locais e pessoas participantes.
Esses são alguns aspectos de grande importância durante a definição de
um protocolo clínico, sendo que vários outros critérios devem ser levados
em consideração para que se possam prever e avaliar chance, viés e fatores de
confusão que possam interferir no estudo.
Na fase clínica, é comum a realização de ensaios clínicos comparados com
medicamentos placebos para analisar a viabilidade e relevância da molécula
nova. Outra forma de ensaio clínico é comparando o novo fármaco com os
medicamentos já existentes no mercado para verificar se os resultados no trata-
mento da doença passam a ser mais vantajosos com o novo fármaco ou com o
tratamento convencional atual. Essa comparação permite mostrar as melhorias
que o novo fármaco apresenta em relação aos tratamentos já existentes.

Assimile
Os ensaios clínicos podem ser conduzidos em comparação com medica-
mentos placebos ou já existentes no mercado indicados para a doença
a ser tratada. É comum utilizarmos a palavra “placebo” para os ensaios
clínicos, por isso, é importante entendermos que placebos são substân-
cias inativas ou intervenções utilizadas com maior frequência em estudos
controlados para a comparação com fármacos potencialmente ativos.
Inúmeros ensaios clínicos comparam um tratamento ativo com um
placebo. Os efeitos aparentes do placebo devem ser subtraídos dos
efeitos aparentes do fármaco ativo para identificar o verdadeiro
efeito do tratamento; para que esses efeitos tenham significado, é
necessário que exista diferença estatisticamente significativa entre os
tratamentos. Em alguns estudos, o placebo atenua a doença em alta
porcentagem de pacientes, dificultando a demonstração da eficácia do
fármaco ativo. O efeito placebo é a observação da melhora do quadro
clínico do paciente, mesmo que a substância administrada seja inerte;

77
e o efeito nocebo é a piora do quadro do paciente quando é dado a ele
um medicamento placebo (LYNCH, 2016).

Os estudos da fase clínica são divididos em quatro fases (de I a IV),


sendo que, entre as fases I, II e III, os testes aplicados darão respaldo para a
aprovação do fármaco com a definição prévia do número de participantes, a
duração de cada fase e o objetivo claro, como pode ser observado na Figura
2.5 a seguir. Com as aprovações da Fase III, será iniciada a sua comerciali-
zação, que se refere, agora, à Fase IV, iniciada após o lançamento do medica-
mento no mercado para toda a população.
Figura 2.5 | Teste clínico de fármacos em seres humanos

NÚMERO DE PARTICIPANTES DURAÇÃO DA FASE PROPÓSITO

Fase I 200-100 Alguns meses Principalmente segurança

Alguns meses a 2 Eficácia e segurança a


Fase II Até algumas centenas
anos curto prazo

Algumas centenas e Segurança, posologia,


Fase III 1-4 anos
alguns milhares eficácia

Fonte: Golan et al. (2018, p. 871).

Fase I
Os estudos de Fase I tem como objetivo estabelecer a segurança e os níveis
de tolerância às reações adversas de um composto por estudos de toxicologia
com os participantes. Podem ser divididos em Fase IA, com administração
de doses baixas de forma única do fármaco e, em seguida, a Fase IB, com
doses repetidas, seguindo uma posologia definida. São avaliadas, também, as
características farmacocinéticas e farmacodinâmicas do fármaco. Envolvem
de 20 a 100 participantes saudáveis e pode ter duração variável de alguns
meses até 3 anos.
Fase II
A Fase II dos ensaios clínicos pode envolver até algumas centenas de
participantes acometidos da doença que está sendo pesquisada e possui
diversos objetivos, como o levantamento de dados sobre a efetividade do
composto (alterações nos alvos celulares, teciduais ou enzimáticos), conti-
nuação do monitoramento da segurança (eventos adversos menos comuns),
avaliação da dose-resposta e a melhor forma de intervalar as doses dadas
(esquema posológico). Ainda nessa fase já podem ser realizados ensaios
cegos ou duplo-cegos, sendo comparado com placebo ou terapia já existente.

78
Esses resultados definem o protocolo da fase 3 e a continuação do estudo. A
duração dessa fase pode ser de 1 a 2 anos.

Reflita
O cegamento e a randomização são métodos normalmente aplicados
nos estudos clínicos e devem ser feitos com muito rigor, para não criar
viés na pesquisa. Como podem ser feitos os diversos tipos de cegamento
(cego, duplo-cego, etc.) e a randomização na pesquisa clínica? Reúna-se
com seus colegas e discuta a importância de cada um desses critérios.

Fase III
Os estudos da Fase III chegam a envolver milhares de pacientes, sendo
realizados em vários locais, denominados multicêntricos, e buscam desfe-
chos clínicos específicos e relevantes, como sobrevida, melhora funcional do
paciente, entre outros, porém não podem ser confundidos ou substituídos
por desfechos secundários, como redução de níveis plasmáticos de deter-
minados marcadores (glicose, colesterol, etc.). Dessa forma, os estudos,
nessa fase, têm um protocolo clínico mais robusto e com testes duplo-cegos
e randomizados, comparando o novo fármaco com placebo ou terapias já
existentes. É a fase, normalmente, de maior custo e tempo dentro de todo o
estudo, podendo durar, em média, 4 anos.
Registro
Ao final da Fase III e com resultados positivos, o fármaco terá o seu pedido
de registro solicitado ao órgão sanitário vigente, e o fabricante apresentará,
junto à agência reguladora (Anvisa, FDA, EMA ou outra), os relatórios com
todos os dados pré-clínicos e clínicos. Depois da análise e aprovação da
agência reguladora, o fabricante está autorizado a produzir em grande escala
e fazer o lançamento do medicamento no mercado.

Exemplificando
A partir da aprovação da RDC nº 09/2015, os processos de análise de novos
fármacos foram agilizados e realizados com maiores critérios, com padrões
internacionais de qualidade e de acordo com a análise feita pela Anvisa.
Nem todas as submissões são aprovadas de acordo com o parecer público
de avaliação de medicamentos, um recurso informatizado que permite
acesso às informações sobre os medicamentos em fase de estudo.
De acordo com as bases técnicas e científicas da conclusão da análise
do registro de medicamento, os indeferimentos acontecem por
vários motivos, entre eles, a falta de documentação necessária para a

79
aprovação, como foi o caso de alguns medicamentos reprovados em
2019 (Caladryl creme – produto novo –, piroxicam comprimido orodis-
persível – produto genérico –, entre outros).

Fase IV - Pesquisa pós-comercialização e farmacovigilância


Esta fase compreende os estudos de vigilância pós-comercialização, anali-
sando o surgimento de novas reações adversas e da frequência com que elas
ocorrem (estudos de farmacovigilância) e os efeitos a longo prazo com uma
população de estudo muito maior dentro de um cenário clínico mais amplo.
Os eventos adversos detectados podem levar a restrições de uso em grupos
específicos ou até mesmo à retirada do produto do mercado, por exemplo, o
Vioxx® ou o Xigris®, assim como outros.
Ainda existem muitas barreiras nas etapas pré-clínica e clínica que
possam garantir totalmente a segurança de um fármaco. O que se tem
observado recentemente é um cuidado com a dignidade da vida e, por isso,
a diminuição de testes em animais mamíferos e a complementação dos
resultados na forma de modelos computacionais, culturas celulares, entre
outros recursos que auxiliam na caracterização do fármaco e seus efeitos no
organismo. Dessa forma, cada etapa fornece uma informação crucial que
auxilia na construção de um projeto de desenvolvimento de novos fármacos
mais sustentável e confiável.

Sem medo de errar

Vamos lembrar que estamos acompanhando o trabalho de um farmacêu-


tico que recentemente foi integrado à equipe de pesquisa e desenvolvimento
e seu gestor havia solicitado que ele desenhasse o projeto para as etapas dos
testes pré-clínicos e clínicos do novo fármaco e verificasse quais são as legis-
lações que devem ser seguidas na produção e no controle de qualidade dele.
Colocando-nos do lugar do farmacêutico, visando atender a essa
demanda, inicialmente, ele deveria ter em mente que, após a caracterização
das moléculas candidatas, iniciam-se as etapas pré-clínicas, compostas
por produção do fármaco, ensaios toxicológicos e registro e regulação
para os ensaios clínicos. Assim, o farmacêutico deveria organizar todos os
documentos necessários para o início da etapa pré-clínica, na qual as três
etapas principais acontecem simultaneamente (produção, toxicologia e regis-
tros) e, para isso, deveria fazer levando em consideração a legislação vigente
de acordo com a Anvisa, que é a agência reguladora no Brasil, como também
verificar as exigências internacionais e, se possível fazer, as adequações,

80
principalmente, com a FDA, pois os registros de medicamentos podem ser
utilizados em processos de importação/exportação ou de registro em outros
países, o que exigiria um alinhamento dos critérios regulatórios.
No Brasil, o farmacêutico dessa empresa poderia utilizar a RDC nº
09/2015, que trata sobre os ensaios clínicos e todas as exigências para que eles
sejam realizados com vistas na sua aprovação, compreendendo todas as etapas
de desenvolvimento do fármaco, bem como os registros, os documentos,
os relatórios e os anexos que devem ser utilizados em cada etapa. Outras
diretrizes que ele poderia utilizar são os guias de boas práticas. Para o desen-
volvimento de fármacos, são utilizadas as boas práticas de fabricação (BPF),
as boas práticas de laboratório (BPL) e as boas práticas clínicas (BPC) desde
o início do processo, podendo ser motivo de indeferimento na aprovação do
fármaco o não cumprimento ou registro delas.
Os níveis de exigência, rigor técnico e metodológicos são elevados em
todas as etapas do estudo. Para os profissionais participantes, são atribuídos,
além de uma cobrança muito grande, responsabilidades que devem garantir
a qualidade, a segurança e a eficácia dos produtos que serão aprovados.
Essa poderia ser uma forma de desenhar o processo para os testes pré-clí-
nicos e clínicos e para o processo inicial de produção, mas, a partir do que foi
discutido, você ainda pode realizar uma nova proposta de resolução, então,
vá em frente! Será que chegaríamos a outra resposta?

Avançando na prática

Fase Clínica IV - Notificação de Reação Adversa

A Fase IV (pesquisa pós-comercialização e farmacovigilância)


compreende os estudos de vigilância pós-comercialização de um fármaco,
analisando o surgimento de novas reações adversas e da frequência com
que elas ocorrem (estudos de farmacovigilância), além dos efeitos a longo
prazo em uma população.
Considerando esse contexto, imagine um farmacêutico clínico que atual-
mente é o Responsável Técnico (RT) da farmácia de um grande hospital. Ele
se deparou com uma solicitação do corpo clínico do hospital para contri-
buir com informações em relação ao caso de um paciente do sexo feminino,
com 21 anos de idade, que deu entrada no pronto-socorro do hospital
por apresentar um quadro muito acentuado de crise asmática. A paciente
demonstrava sinais claros de falta de ar com frequência respiratória aumen-
tada, dificuldade respiratória e sibilos (chiados) perceptíveis em ambos os

81
lados do tórax. Também, apresentava angioedema com inchaço em torno dos
olhos e do lábio superior e extremidades levemente cianóticas.
A equipe de acolhimento da enfermagem percebeu que o quadro era
grave e fez a entrada e o atendimento imediatos da jovem, a qual pronta-
mente foi examinada pelo médico de plantão e medicada. Como o caso
atendido poderia também ser uma reação alérgica, a farmácia foi notificada
e começou a acompanhar o caso.
Após algumas horas do atendimento e com a melhora dos sintomas
agudos que a paciente apresentava, o farmacêutico (RT) foi coletar algumas
informações mais detalhadas sobre o que tinha ocorrido, e a jovem relatou
ter problemas respiratórios, mas que estavam controlados há muito tempo,
e disse também que tinha tomado um comprimido de ibuprofeno, por
indicação da amiga, para aliviar as dores de cólica menstrual e que, logo em
seguida, começou a passar mal.
No lugar do farmacêutico, caso o quadro respiratório que a paciente
apresentou seja uma reação adversa não registrada nos estudos iniciais
do medicamento ibuprofeno, quais são as condutas que ele deveria tomar,
levando em consideração os estudos em farmacovigilância e de fase clínica
IV (pós-comercialização dos medicamentos)?

Resolução da situação-problema
Para contribuir neste atendimento, no tocante às ações do RT da farmácia
hospitalar, você deve saber que, segundo a Organização Mundial de Saúde
(OMS), entende-se como reação adversa (RAM) qualquer resposta prejudi-
cial ou indesejável, não intencional, a um medicamento, que ocorre nas doses
usualmente empregadas no tratamento de alguma doença, por isso, pode-se
observar a existência de uma relação causal entre o uso do medicamento e a
ocorrência do problema, além da sua intensidade poder ser dependente da
dose utilizada (dentro da faixa considerada terapêutica).
A primeira medida tomada seria a verificação na bula do ibuprofeno,
para verificar se há descrição desse tipo de reação adversa. Caso ela não
tivesse sido elencada entre as que foram mapeadas nos estudos, antes da fase
de comercialização do medicamento, se contataria uma reação não mapeada
que levou risco à saúde com o uso dessa medicação. Assim, a reação deveria
ser classificada como uma RAM com risco grave à saúde da paciente, com
necessidade de atendimento médico e quadro reversível dos sintomas. Com
os dados coletados, o farmacêutico deveria realizar a notificação no sistema
da farmácia hospitalar e no sistema da Anvisa.

82
Situações como essa podem ocorrer com certa frequência, no dia a dia
da rotina de atuação dos farmacêuticos de farmácias hospitalares. Reações
adversas graves são consideradas como uma das relevantes causas de mortes
por uso de medicamentos no atendimento hospitalar. No caso do Brasil,
sabe-se que os dados dessas RAM ainda são subnotificados, muitas vezes, por
falta de percepção e de comprometimento dos profissionais sobre a impor-
tância do impacto que essas informações podem trazer nos processos que
dão ênfase ao ciclo de acompanhamento de fármacos, que caracteriza a Fase
IV dos estudos clínicos, advindos das observações realizadas na pós-comer-
cialização dos medicamentos.

Faça valer a pena

1. Segundo a Anvisa, um ensaio clínico é um estudo sistemático de medica-


mentos em voluntários humanos, que segue estritamente as diretrizes
do método científico. Dentro da estrutura da Conferência Internacional
de Harmonização, surgiram as Diretrizes para Boas Práticas Clínicas,
que estabelecem uma série de critérios para planejamento, implemen-
tação, auditoria, conclusão, análise e relato de ensaios clínicos, de forma a
assegurar sua confiabilidade.
Dentre as alternativas a seguir, assinale a correta sobre os princípios básicos
das Boas Práticas Clínicas:
a. Os ensaios clínicos devem ser cientificamente sólidos e descritos por
meio de protocolos claros e detalhados.
b. As pesquisas devem ser realizadas apenas por médicos qualifi-
cados, os quais devem ser responsáveis pelo atendimento médico
dos sujeitos da pesquisa, bem como por qualquer decisão médica
tomada em seu nome.
c. A privacidade dos registros que poderiam identificar os sujeitos é de
uso público, já que a participação no ensaio clínico é voluntária.
d. O papel da Anvisa para o cumprimento das Boas Práticas Clínicas é
favorecer todos os ensaios clínicos.
e. O registro, o manuseio e o armazenamento de todas as informa-
ções do ensaio clínico devem ser realizados apenas em laboratórios
internacionais apropriados para permitir o relato, a interpretação e a
verificação precisos do ensaio.

83
2. Segundo a Anvisa, os estudos não clínicos ou pré-clínicos de segurança
propostos incluem: estudos de toxicidade de dose única (Aguda), toxicidade
de doses repetidas, toxicidade reprodutiva, genotoxicidade, tolerância local
e carcinogenicidade, além de estudos de interesse na avaliação da segurança
farmacológica e toxicocinética (Administração, Distribuição, Metabolismo e
Excreção – ADME). Outros estudos que avaliam a segurança da substância
poderão ser necessários, conforme o caso. Considerando esse contexto,
avalie as afirmativas a seguir:
I. Nessa fase, testes de toxicidade podem incluir possibilidade de a
molécula alterar o DNA (teste de genotoxicidade), potencial de
afetar o sistema cardiovascular.
II. Efeitos tóxicos inaceitáveis em órgão-alvo (funcionais e/ou histopa-
tológicos) são motivos frequentes de exclusão da molécula nessa fase
do desenvolvimento do fármaco.
III. Os estudos de toxicidade são efetuados com o objetivo de deter-
minar as condições de segurança, para que possam ser iniciados os
testes em seres vivos, animais e, posteriormente, em humanos.
IV. Os estudos de toxicidade de doses repetidas têm como objetivo carac-
terizar o perfil toxicológico da substância pela administração repetida.
É correto o que se afirma em:
a. I, apenas.
b. III, apenas.
c. I, II e III, apenas.
d. II, III e IV, apenas.
e. I, II, III e IV.

3. A toxicocinética é a ciência que avalia a disposição do fármaco ao longo


do organismo, por meio dos dados farmacocinéticos (absorção, distribuição,
metabolização e eliminação).
Sobre os ensaios toxicocinéticos, assinale a alternativa correta:
a. O ensaio de toxicocinética tem um período de tempo definido pelo
planejamento da pesquisa.
b. O principal objetivo dos ensaios é a descrição da fase de eliminação
do fármaco do sistema animal.

84
c. A informação proveniente dos estudos toxicocinéticos é fundamental
para os estudos toxicológicos pré-clínicos.
d. A segunda etapa da toxicocinética é a metabolização, na qual o
fármaco sofre modificações químicas em nível hepático.
e. Para avaliar o processo de absorção, que compreende desde o
momento de administração do fármaco até que este entre na circu-
lação sistémica, analisa-se o conteúdo gastrointestinal do animal.

85
Seção 3

Critérios regulatórios dos fármacos

Diálogo aberto
Veja que, para que um fármaco chegue nas etapas clínicas (testes em
humanos sadios e depois em doentes), todos os testes de segurança devem ser
realizados com muito critério para garantir que não aconteça nenhum tipo
de problema com as pessoas que estão se submetendo aos ensaios clínicos.
Vamos relembrar que, em nosso contexto de aprendizagem, estamos
acompanhando o dia a dia de um farmacêutico que participa da equipe de
pesquisa e desenvolvimento de uma indústria farmacêutica. Agora estão
sendo realizados os testes de avaliação clínica e aprovação de um novo
fármaco a ser lançado no mercado para o consumidor final.
Para que esse novo fármaco seja lançado como uma molécula inova-
dora, são necessários muito tempo e investimento que garantam a eficácia e
segurança do medicamento. Os testes realizados trabalham com amostragens
estatísticas de seus resultados, por isso que, quando um fármaco é lançado
no mercado, ele sempre estará na fase clínica IV, na qual se coletam os dados
de farmacovigilância relacionados às reações adversas e uso adequado do
medicamento, bem como os dados de tecnovigilância que estão relacionados
a algum tipo de desvio de qualidade do produto antes mesmo de ser feito o
seu uso. Mas, quais são os órgãos que regulam esses testes e os seus resultados
para que estejam viáveis para serem lançados no mercado? Como o desen-
volvedor (indústria, universidade ou outros) consegue ter um retorno finan-
ceiro do investimento realizado? É aí que entra a discussão sobre a patente do
medicamento e a exclusividade de comercialização daquele fármaco.
Considerando esse contexto, o gestor do nosso colega farmacêutico
direcionou a ele uma nova demanda, solicitando-lhe a elaboração de
um processo que demonstrasse como realizar um levantamento sobre
os fármacos das empresas concorrentes que estão em fase de desenvolvi-
mento. O intuito era gerar subsídio para tomar conhecimento da fase de
desenvolvimento desses fármacos, seus resultados preliminares e os tipos
de testes que estavam sendo realizados. Além disso, o gestor solicitou que
ele desenvolvesse um protocolo com os principais passos para se realizar o
patenteamento de um novo fármaco, considerando o contexto regulatório
brasileiro. No lugar desse profissional farmacêutico, como você procederia
para atender as solicitações do gestor?

86
Para que você possa resolver esse problema, nesta seção vamos estudar
o contexto da avaliação clínica e da aprovação reguladora de fármacos,
veremos a importância dos dados farmacoepidemiológicos para esse
contexto, saberemos quais são e o papel dos órgãos reguladores nacionais e
internacionais e finalizaremos sabendo como funciona o processo de patente
para fármacos no Brasil.
Um profissional farmacêutico, independente da área de atuação, deve
conhecer os passos necessários sobre os assuntos regulatórios para novos
fármacos, sejam eles inovadores, genéricos ou similares, sendo esta uma das
atividades básicas a serem dominadas por um bom profissional.

Não pode faltar

Regulação de novos fármacos


Durante todo o processo de aprovação de um novo fármaco para sua
produção e futura comercialização, deve-se ter algumas dimensões sobre
a importância que essa nova molécula terá para a saúde pública quanto ao
seu valor terapêutico, ou seja, uma análise do benefício clínico que esse
medicamento pode trazer ao paciente e à melhora de sua qualidade de
vida, evidenciando os benefícios da saúde da população quanto à morbi-
mortalidade e a carga de doença demonstrada no país de estudo. O novo
fármaco também deve ter sua eficácia e segurança garantidos, por isso os
estudos do seu processo regulatório.
Como relatado anteriormente, o processo de regulação de novos fármacos
deve ser muito criterioso, daí o envolvimento de diversos setores para sua
completa verificação. Normalmente a regulação dos medicamentos de um
país é dada aos órgãos governamentais para que possam ter um critério
de benefício à população e ao interesse da saúde pública e não somente ao
interesse financeiro que aquele medicamento pode trazer.
Os órgãos governamentais controlam e regulam todo o processo de
desenvolvimento dos fármacos (pesquisa não clínica e clínica, produção e
consumo), isso para certificar medicamentos seguros, eficazes e com quali-
dade, melhorando o uso adequado e racional.
As ações centradas na saúde pública das agências reguladoras, inclusive
da Anvisa, têm o objetivo de garantir produtos farmacêuticos de qualidade e
publicar informações corretas sobre o uso dos medicamentos, desenvolvendo
normas a serem seguidas para esses produtos, as quais atestem sua eficácia
com dados verídicos com o intuito de garantir a saúde da população. Dentre
os diversos instrumentos do processo regulatório de medicamentos, um que

87
atesta e garante a vigilância sanitária nessa área é a concessão do registro de
medicamento, sendo esta a etapa em que serão apresentadas todas as informa-
ções produzidas durante as fases de estudo de desenvolvimento do fármaco e a
aprovação para o seu uso e produção. A partir desse registro o órgão regulador
irá acompanhar e avaliar o produto fabricado com qualidade garantida e seus
resultados de efetividade previamente definidos para a população.
Todas essas são ações regulatórias que tratam dos certificados e
documentos necessários para os diversos fins aos quais se destinam o
produto em saúde. Fazem parte desses certificados as autorizações e legis-
lações específicas para sua pesquisa, desenvolvimento, produção, controle
de qualidade, comercialização e uso do produto ou serviço. Por isso, é uma
área de atuação com um bom nível de atualização nas legislações sanitárias
nacionais e internacionais, podendo ser exercida tanto nos solicitantes dos
produtos e serviços, bem como nas próprias agências responsáveis por emitir
ou autorizar os certificados, como a Anvisa, Inmetro, entre outras.

Exemplificando
Ao redor do mundo existem diversas agências reguladoras para os
produtos em saúde, especificamente os produtos farmacêuticos; algumas
delas se destacam pela sua importância estratégica e pelo volume de
produção científica, dentre elas, a Food and Drug Administration (FDA),
agência norte-americana cuja atuação tornou-se mais intensa a partir
de 1937 com o evento da intoxicação de crianças por um diluente tóxico
em um xarope. A European Medicines Agency (EMA) também teve suas
atividades intensificadas devido aos problemas observados com o uso
da talidomida na década de 1960. A partir da intensificação das políticas
de saúde pública na Argentina, em 1990, a Admnistración Nacional de
Medicamentos, Alimentos y Tecnología Médica (Anmat) foi criada em
1992 como órgão regulador para o registro de medicamentos.
Esses são alguns exemplos de agências reguladoras de produtos farma-
cêuticos do mundo.

Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)


No Brasil, a agência responsável pela regulação de medicamentos é a
Anvisa, que também controla ações na área da saúde em portos e aeroportos
do país. Criada a partir da Lei nº 9782, de 1999, a Anvisa é uma autarquia
com autonomia financeira e ligada ao Ministério da Saúde, já tendo nascido
com um grande desafio de coordenar ações na área de medicamentos e
alimentos. A atividade de fiscalização em vigilância sanitária continuou

88
sendo executada pelos estados e municípios e passou a ser coordenada pela
Anvisa, sendo uma das áreas previstas no Sistema Único de Saúde (SUS).
As atribuições ligadas à Anvisa estão relacionadas a uma série de atividades
descritas no art. 7º da Lei nº 9782, como: estabelecer normas, propor, acompa-
nhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações de vigilância sanitária;
autorizar o funcionamento de empresas de fabricação, distribuição, impor-
tação e comercialização dos produtos de saúde; conceder registros de produtos;
coordenar as ações de vigilância sanitária realizadas por todos os laboratórios
que compõem a rede oficial de laboratórios de controle de qualidade em saúde
(Reblas) e estimular o desenvolvimento de recursos humanos para o sistema e
a cooperação técnico-científica nacional e internacional (BRASIL, 1999).
O registro de novos fármacos pela Anvisa está regulamentado pela RDC
200 de 2017, que estabelece os critérios para a concessão e renovação do
registro de medicamentos com princípios ativos sintéticos e semissintéticos,
classificados como novos, genéricos e similares e que possa garantir quali-
dade, segurança e eficácia desses medicamentos.

Farmacoepidemiologia
Os estudos de Farmacoepidemiologia podem revelar informações muito
importantes sobre a utilização e a segurança dos medicamentos, sendo que esses
estudos são importantes por todo o ciclo de vida do medicamento e têm seu início
antes mesmo da aprovação dos órgãos ou agências regulatórias de medicamentos,
como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou a Food and Drug
Administration (FDA), continuando também após sua aprovação nos ensaios
clínicos e nos estudos de utilização de medicamentos na Fase IV (farmacovigi-
lância), como mostra a Figura 2.6, pois existe uma necessidade de se estudar o
impacto que os fármacos causam na saúde pública, tendo em vista o grande
número de prescrições medicamentosas receitadas pelos profissionais da saúde.
Figura 2.6 | A presença da farmacoepidemiologia em todas as fases de desenvolvimento do fármaco

Estudos
de dosagem/
Segurança Eficácia população

Pós-
Pré-clínico Fase 1 Fase 2 Fase 3 comercialização

Farmacoepidemiologia

Fonte: adaptada de Yang e West-Strum (2013).

89
A epidemiologia é o estudo da distribuição e dos determinantes das
doenças ou condições relacionadas à saúde em populações especificadas, que
tem como aplicação o controle de problemas de saúde. Aliado a esse conceito,
o uso de medicamentos passou a ter uma relevância na saúde pública, daí a
necessidade do seu estudo como um ramo dentro da epidemiologia, o qual
é denominado farmacoepidemiologia, podendo ser definido, segundo Porta,
Hartzema e Tilson (apud ROMANO-LIEBER, 2008, p. 37) como: “a aplicação
de raciocínio, conhecimento e métodos epidemiológicos ao estudo do uso
dos medicamentos e de seus efeitos, quer sejam eles benéficos ou adversos,
em populações humanas”.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define farmacoepidemiologia
como: “O estudo do uso, dos efeitos e efeitos colaterais de medicamentos em
grande número de pessoas com o propósito de proporcionar o uso racional
e custo-efetivo do uso de medicamentos na população, e melhorar os desfe-
chos de saúde” (WHO, 2003, p. 9).
A farmacoepidemiologia faz uma ponte entre a farmacologia e a
epidemiologia, propondo-se a ser uma forma de abordagem capaz de
ultrapassar as limitações usualmente observadas nos estudos das ações
dos fármacos e organizando-se em dois grandes grupos de ações, a
farmacovigilância e o estudo de utilização de medicamentos, como se
observa na Figura 2.7.
Figura 2.7 | Áreas de conhecimento que fazem parte da Farmacoepidemiologia
FARMACOLOGIA EPIDEMIOLOGIA

FARMACOEPIDEMIOLOGIA

FARMACOVIGILÂNCIA ESTUDO DE UTILIZAÇÃO


DE MEDICAMENTOS
Relato de caso
Estudos quantitativos
Série de casos
Estudos qualitativos
Análise de série temporal/estudo ecológico

Estudo clínico controlado

Estudo de coorte e Caso-controle

Fonte: Romano-Lieber (2008, p. 38).

90
Ao longo da história do uso de medicamentos, observa-se uma preocu-
pação, também, com seus efeitos indesejados, de modo que, desde 1224, o
imperador Federico II (1220-1250) impôs uma inspeção regular aos medica-
mentos preparados pelos boticários. Perpassando eventos do século XX, um
grande exemplo é o caso da talidomida, que foi utilizada em gestantes, causando
distúrbios teratogênicos (focomelia) em um grande número de pacientes.
Devido ao evento da talidomida, houve crescente preocupação com
Eventos Adversos relacionados a Medicamentos (EAM), principalmente
pelo aumento do influxo de novos fármacos e novas tecnologias em saúde,
além da OMS promover há mais de 25 anos a política do Uso Racional de
Medicamentos (URM) por diferentes programas e organizações.
Para atender a essa preocupação, a OMS desenvolveu diversos programas
de notificação de EAM, como o Programa de Vigilância Internacional de
Medicamentos, o Manifesto de Erice sobre segurança do paciente, além de
criação de parcerias com diversos centros mundiais de monitoramento do
uso de medicamentos, como a Aliança Mundial para Segurança do Paciente
e também o Centro de Monitoramento Uppsala.

Assimile
O Manifesto de Erice é uma declaração feita por um grupo de 27
especialistas em farmacovigilância, que aborda a necessidade de
uma reforma global na segurança de medicamentos no cuidado aos
pacientes e especifica desafios, tais como o envolvimento ativo dos
pacientes e do público no debate sobre riscos e benefícios dos medica-
mentos, e nas decisões sobre seu próprio tratamento e saúde. Mesmo
que o documento tenha sido publicado em 2007, os assuntos tratados
por ele são muito pertinentes e atuais.
Trata, ainda, da necessidade da criação de um suporte global, coorde-
nado e com propósito entre políticos, secretários, cientistas, clínicos,
pacientes e público em geral, baseado nos benefícios demonstráveis
da Farmacovigilância à Saúde Pública e à segurança dos pacientes
(STEFFEN, 2017).

Farmacovigilância
Segundo a OMS, que vem evoluindo o conceito de farmacovigilância, esta
diz respeito à ciência e às atividades relacionadas com a detecção, avaliação,
conhecimento e prevenção das reações adversas e outros possíveis problemas
relacionados com os medicamentos.

91
Podem-se observar os diversos objetivos da farmacovigilância, sendo os
principais: melhorar o cuidado e a segurança do paciente em relação ao uso
de medicamentos e todas as intervenções médicas, melhorar a saúde pública,
identificar os efeitos indesejáveis ou desconhecidos com o uso de medica-
mentos, avaliar a relação de causalidade e identificar os fatores de risco,
quantificar esse risco, além de informar aos prescritores, a outros profissio-
nais sanitários, às autoridades sanitárias e ao público sobre todos os eventos
relacionados aos medicamentos.
No Brasil, o órgão responsável pelas informações toxicológicas é o Sistema
Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), que foi criado pelo
Ministério da Saúde em 1980. A partir de 1985, a Fiocruz passou a divulgar,
anualmente, os casos de intoxicação e envenenamento humanos, sendo que
os medicamentos sempre lideraram o número de casos de intoxicação no País.
O consumo excessivo de medicamentos ou seu uso inadequado é uma
das causas para o aparecimento de reações adversas, intoxicações, alergias,
agravamento de doenças já existentes ou surgimento de novas doenças, além
de outros problemas de saúde. Muitas vezes, isso constitui a causa de inter-
nações hospitalares e aumento da mortalidade, gerando um impacto signifi-
cativo nos gastos com saúde.
Pode-se observar, na figura a seguir, que, ao longo dos anos, o número de
intoxicações por medicamentos ainda é muito elevado.
Figura 2.8 | Evolução anual do número de casos de intoxicação medicamentosa no Brasil no
período de 1999 a 2009

Fonte: adaptada de Sinitox (2010).

Analisando os dados disponíveis no Sinitox, na maioria das vezes, as


intoxicações ocorrem de forma acidental, seguida das tentativas de suicídio.

92
Além disso, quase sempre um usuário intoxicado exige cuidados extremos e
hospitalização. Do total de intoxicações por medicamentos registradas em
2008, apenas 36,9% dos casos evoluíram para cura, 20,6% dos usuários não
evoluíram para a cura (sequelas e/ou óbito) e 42,4% dos casos não possuíam
registro da evolução.
Esses dados demonstram a gravidade da situação, pois parte da população
que sofre intoxicação por medicamentos torna-se permanentemente depen-
dente dos serviços de saúde, exigindo uma estrutura médico-hospitalar
efetiva, tendo, como consequência, o aumento dos custos do setor saúde e o
grave prejuízo à qualidade de vida do usuário.
Observando esse cenário, sabe-se que a farmacovigilância busca contri-
buir para a utilização segura, racional e mais eficaz dos medicamentos,
podendo atuar pelo subsídio aos profissionais de saúde com ferramentas que
auxiliam na minimização dos problemas gerados a partir do uso irracional
de medicamentos, como as intoxicações. Uma das ferramentas mais impor-
tantes é a notificação de casos suspeitos de reações adversas e queixas técnicas.

Reflita
Percebe-se a magnitude dos riscos envolvendo o uso de medicamentos,
principalmente nos casos de intoxicação que lideram o ranking no Brasil
e no mundo. A partir dessas informações, você acha que o cuidado
farmacêutico na dispensação adequada (orientações e cuidados) de
medicamentos na drogaria e em hospitais poderia reduzir os índices de
intoxicação por medicamentosa?

Estudos de Utilização de Medicamentos (EUM)


Segundo Claudia Garcia Serpa Osório de Castro (2000), os EUM consti-
tuem outra estratégia de racionalização do uso de fármacos. Esses estudos
são capazes de fornecer informações em grande quantidade e variedade
sobre os medicamentos: da qualidade da informação transmitida às tendên-
cias comparadas de consumo de diversos produtos, à qualidade dos medica-
mentos mais utilizados, à prevalência da prescrição médica, aos custos
comparados, entre outros.

Patentes dos medicamentos


Em 1883 realizou-se a convenção de Paris para a proteção da proprie-
dade intelectual (com a sigla em inglês - CUP). Devido ao crescimento e
à expansão do comércio entre diversos países, foi necessário criar um

93
instrumento regulatório para a proteção das invenções de forma interna-
cional. Essa convenção estabeleceu o primeiro acordo internacional, hoje
chamado de Sistema Internacional da Propriedade Industrial, sendo o Brasil
um de seus signatários.
Foram estabelecidos ainda outros tratados internacionais sobre patentes;
dentre eles, um que merece destaque é o acordo firmado no Uruguai, em
1994, que estabelece a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o
Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights (acordo
TRIPS), estabelecido a partir do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (da
sigla em inglês GATT). O acordo TRIPS, em português, Acordo de Direitos
de Propriedade Intelectual relativos ao Comércio (ADPIC), foi uma das mais
longas negociações multilaterais sobre comércio internacional, pois engloba
os vários tipos de propriedade intelectual e estabelece princípios básicos
quanto à existência, à abrangência e ao exercício desses direitos. Alguns
autores defendem que o acordo TRIPS consolidou uma nova forma de prote-
cionismo, o qual não é exercido por meio de tarifas, e sim da apropriação do
conhecimento usado para produzir bens e serviços.
No Brasil, após pressão internacional sobre a necessidade de uma legis-
lação nacional sobre patentes, e lembrando que o Brasil é um dos países
signatários do acordo TRIPS, fazendo parte da OMC, cria-se a Lei nº 9279,
de 14 de maio de 1996, definindo assim a Lei da propriedade industrial no
Brasil, que dá ao medicamento um prazo de patente de 20 anos a partir da
aprovação do pedido de desenvolvimento de nova molécula.
As normas relacionadas às patentes ainda geram debates entre países
desenvolvidos, por um lado, que defendem a necessidade do contínuo cresci-
mento e desenvolvimento, e do outro lado, os países em desenvolvimento,
que sofrem com recursos e capacitação mais limitados e que se tornam
dependentes de fornecedores de tecnologia, o que retarda o seu crescimento
e gera limitações à aplicação efetiva dos direitos humanos nesses países.
Então, por que deveria ser instituído um sistema de patentes?
Pode-se, primeiramente, defender o inventor para que sua invenção
não seja feita por qualquer outra pessoa e comercializada com valores mais
baixos, por não ter existido um investimento na pesquisa e no aperfeiçoa-
mento, o que cria uma desvantagem para aquele que teve a ideia original.
Outro ponto a ser observado é a questão técnico-econômica e o benefício
que esse invento trará para a sociedade, pois o inventor poderá investir mais
recursos nessa e em outras novidades, beneficiando ainda mais a população
e o meio, além de dominar o know-how (expertise) necessário para garantir a
eficácia e a manutenção necessária daquele produto ou serviço. No momento
em que a invenção é apresentada, deve-se explicar o processo técnico para

94
sua reprodução e, dessa forma, ocorre um avanço tecnológico que é disponi-
bilizado a outras pessoas.
Entende-se, então, que esses argumentos apresentados venham a benefi-
ciar o inventor e, de certa forma, estimular o crescimento tecnológico daquele
país ou região. A partir da expiração do prazo de exclusividade, outras
pessoas poderão utilizar a mesma ideia para replicar o objeto inovador ou
para servir de inspiração a novos produtos.
Mas, e os beneficiários que dependem de um produto monopolizado pela
indústria que o patenteou? Eles seriam prejudicados quanto ao acesso?
Analisando diversos trabalhos publicados, pode-se observar que, quando
um produto disponível no mercado é exclusivo para um determinado trata-
mento e apresenta um número reduzido de produtos similares e produção
por poucas empresas, isso resulta na prática de preços mais elevados.
Um dos recursos para melhorar o acesso aos medicamentos são
os genéricos, que têm como grande proposta a redução do preço final
ao consumidor; mas, como a patente de produtos farmacêuticos veda
a comercialização desse tipo de medicamento, acaba diminuindo
a concorrência e as opções terapêuticas. Ao final do tratamento isso
acaba também promovendo um aumento de preços dos produtos como
mostra a Figura 2.9.
Figura 2.9 | Diferença de preços na triterapia para a Aids: (estavudina + lamivudina + nevirapina)

Original
Genérico
10.000

8.000

6.000

4.000

2.000

0
Maio
2000

Junho

Julho

Agosto

Setembro

Outubro

Novembro

Dezembro
Janeiro
2001

Fevereiro

Março

Abril

Maio

Junho

Fonte: Barros (2004, p. 157).

95
Dessa forma, as características econômicas de um país podem apresentar
um grande obstáculo na aquisição de novos tratamentos disponíveis ainda
sob a proteção da patente, comparado com os produtos elencados para o
subsídio governamental que são distribuídos para a população; no caso do
Brasil, a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) pode ter
um custo muito maior para os cofres públicos e isso pode acarretar a redução
do arsenal terapêutico ou a desatualização dos medicamentos relacionados
devido ao alto custo ou à exclusividade de fornecimento. Isso demonstra um
desequilíbrio entre os interesses industriais e os interesses sociais.

Reflita
Analisando esses dois grandes aspectos relacionados às patentes de
medicamentos (o lado industrial e o acesso ao medicamento), qual o seu
posicionamento frente aos interesses industriais e às ações promovidas
pelo governo e instituições para que o paciente tenha maior acesso a
tratamentos medicamentosos? Quais os avanços e retrocessos podem
ser levantados nessa análise?

A propriedade intelectual de substâncias e processos sempre foi uma


grande discussão mundial frente ao acesso de medicamentos, como pode ser
visto no nosso programa de fornecimento de medicamentos para o trata-
mento de HIV/AIDS. A política de acesso ao tratamento antirretroviral tem
como referência a Lei nº 9313/1996, cujo art. 1º estabelece a distribuição
gratuita, pelo SUS, de medicamentos a todos os portadores de HIV/AIDS
que deles necessitem, sendo esse um avanço significativo com relação à lei de
propriedade industrial, uma vez que foi necessária a quebra de patentes por
decisões judiciais para que esse tratamento pudesse se tornar possível.
Assim, os assuntos regulatórios envolvendo os medicamentos se tornam,
de certa forma, complexos e muito burocratizados, o que, por um lado, é
necessário para que se possa garantir a qualidade necessária dos produtos
comercializados, mas, por outro, dificulta o acesso a tratamentos inovadores.

Sem medo de errar

Em nossa situação-problema, o gestor solicitou ao profissional farmacêu-


tico da P&D que desenvolvesse um processo que demonstrasse como realizar
um levantamento sobre os fármacos das empresas concorrentes que estão em
fase de desenvolvimento. Além disso, solicitou que desenvolvesse, também,
um protocolo com os principais passos para se realizar o patenteamento de
um novo fármaco, considerando o contexto regulatório brasileiro.

96
A partir da nova demanda solicitada, sobre a fase de desenvolvimento
de fármacos de empresas concorrentes, a fim de atender essa solicitação,
o farmacêutico poderia realizar inicialmente uma pesquisa sobre os regis-
tros brasileiros de ensaios clínicos, através da plataforma virtual de acesso
livre para registro de estudos experimentais e não experimentais realizados
em seres humanos e conduzidos em território brasileiro por pesquisadores
brasileiros e estrangeiros no site Ensaios Clínicos do Ministério da Saúde.
Com o uso dessa ferramenta digital, pode-se realizar uma pesquisa por
substância que está sendo desenvolvida ou comparada (placebo ou medica-
mento de primeira escolha) e também pela área de pesquisa, como a doença,
o tipo de estudo que está sendo realizado, entre outros, indicando em que
fase de estudo o ensaio se encontra.
Esses dados ajudariam o farmacêutico a demonstrar os principais dados que
estão sendo pesquisados no Brasil por diferentes solicitantes, como indústrias,
governo, instituições de ensino e outras, podendo assim elaborar um panorama da
pesquisa e das substâncias inovadoras que possam ser de empresas concorrentes.
Outra possibilidade para também atender a essa demanda seria a pesquisa
na base de dados da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos,
que é um banco de dados de estudos clínicos com financiamento público e
privado realizados em todo o mundo. Nessa plataforma pode-se escolher o
país desejado e realizar uma busca entre todos os estudos protocolados no
Brasil para o medicamento ou a doença em estudo pela sua empresa.
Ainda atendendo à solicitação feita ao farmacêutico, para o desenvolvi-
mento de um protocolo para a solicitação de patente de um novo fármaco,
primeiramente é preciso entender que a fase III de estudos clínicos é o
momento em que o novo fármaco recebe autorização para a sua comerciali-
zação e, por isso, o nosso colega farmacêutico deve pesquisar sobre os princi-
pais aspectos regulatórios necessários com o intuito que o produto inovador
pudesse ter todas as autorizações para sua comercialização, distribuição e
análise de patente.
Um aspecto que nosso colega deveria observar são as exigências quanto às
patentes de medicamentos inovadores que estão descritas na Lei nº 9279/96
e que garantem um período de 20 anos de proteção industrial ao produto
autorizado com anuência da Anvisa sobre os aspectos de impacto à saúde
e do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) com a análise dos
critérios de patenteabilidade.
Uma atualização ocorrida no processo de solicitação de patente de novos
medicamentos no Brasil ocorreu entre a Anvisa e o INPI que criaram, em
2017, um acordo de análise relativo à aprovação prévia da Anvisa para

97
medicamentos e processos farmacêuticos por meio da RDC 168, de 8 de
agosto de 2017, criando um fluxo de trabalho que vem agilizando os processos
de análise de patentes na área de fármacos.
Para que todo esse processo seja concluído, o farmacêutico deveria identi-
ficar todas as normas vigentes no Brasil para a regulação de medicamentos
que são norteadas pela Anvisa. Caso a indústria tenha pretensão de comer-
cializar esse produto em outros países, é necessário verificar a documentação
necessária e específica para cada caso referente às agências de cada país ou
bloco econômico, como Mercosul ou União Europeia.
Por isso, conhecer as legislações que implicam os trâmites regulatórios
demonstra uma habilidade bem específica e que deve ser um processo de
constante atualização e entendimento de critérios e exigências internacionais
para que todo um estudo de desenvolvimento de um novo fármaco, que é longo,
caro e trabalhoso, não perca mais tempo ainda em procedimentos burocráticos.

Avançando na prática

Farmacoepidemiologia

Um consultor farmacêutico estava desenvolvendo uma capacitação


sobre tratamentos farmacológicos de doenças parasitárias para uma equipe
multiprofissional da saúde, na Secretaria de Saúde de um grande município
da região Norte do Brasil. Durante o curso, o consultor, realizou uma
breve explicação sobre o assunto, mostrou que, segundo a OMS, doenças
negligenciadas são aquelas enfermidades, geralmente transmissíveis, que
apresentam maior ocorrência nos países em desenvolvimento, e “mais
negligenciadas” quando são exclusivas dos países em desenvolvimento.
Interrompendo a explanação, alguns profissionais quiseram saber um
pouco mais sobre as doenças negligenciadas, em especial a malária, doença
prevalente naquela região, assim, eles indagaram o consultor sobre os trata-
mentos atuais da malária e se existem novos fármacos ou pesquisas sobre
novos tratamentos para essa doença.
Você no lugar do consultor, como responderia a esses questionamentos
dos ouvintes da capacitação?

Resolução da situação-problema
Para atender aos questionamentos levantados pelos ouvintes da capaci-
tação, o consultor poderia responder que, no momento em que a condição

98
de uma doença é estudada em uma determinada região ou país, inicia-se
um estudo epidemiológico para demonstrar a prevalência e a incidência
da doença, bem como o desenvolvimento de diversos outros formatos de
estudos com a utilização de recursos estatísticos que possam extrapolar
para uma população maior esses resultados e, com isso, passar a definir as
melhores estratégias de prevenção e tratamento para o problema. Pode levar
muitos anos para que se tenham dados suficientes e exequíveis para um
estudo, o que acontece com a maioria dos casos das doenças negligenciadas,
e, em outros momentos, a ação dos resultados epidemiológicos devem ser
imediatos para que se possa definir a melhor linha de ação na prevenção e
contenção da doença.
No caso da malária, ela é uma doença infecciosa febril aguda, causada
por protozoários do tipo Plasmodium transmitidos pela fêmea infectada do
mosquito Anopheles. Os protozoários possuem um ciclo de vida e, logo após
a picada, os parasitos chegam rapidamente ao fígado, onde se multiplicam
de forma intensa e veloz. Em seguida, já na corrente sanguínea, invadem os
glóbulos vermelhos e, em constante multiplicação, começam a rompê-los. A
partir desse momento, aparecem os primeiros sintomas da doença.
A malária representa importante problema de saúde pública global, e,
segundo a OMS, atinge milhões de pessoas em todo o mundo. A malária
é uma doença que tem cura, mas pode evoluir para suas formas graves em
poucos dias se não for diagnosticada e tratada rapidamente.
No caso específico da malária, o tratamento realizado com a cloroquina foi
o único disponível por muitos anos e somente com parcerias internacionais
estabelecidas com a iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas
(DNDi), Medicines for Malaria Venture (MMV), indústrias farmacêuticas e
centros de pesquisas puderam desenvolver outras moléculas como a prima-
quina, que é mais eficaz, mas permite uma chance de recaída da doença em
cerca de 30% dos casos, um valor muito alto, o que demandou mais pesquisas
para o desenvolvimento de terapias combinadas entre artemeter e lumefan-
trina, e outra combinação entre artesunato e mefloquina. Recentemente foi
aprovada pela Anvisa uma nova molécula para tratamento em dose única:
o tafenoquina, que, em seus estudos clínicos, demonstrou eficácia em uma
única dose e com menos chance de recaídas da doença, sendo um avanço
para o tratamento desta no Brasil e no mundo.
Além dessas informações sobre os tratamentos, fruto de diversas parce-
rias e iniciativas governamentais, institucionais e industriais, observa-se, na
Figura 2.10, as principais áreas endêmicas de malária com maior prevalência

99
da doença, na região Norte do país, no ano de 2018, tendo um quadro estável
de controle da doença, mas ainda distante da erradicação.
Figura 2.10 | Mapa de risco da malária por município de infecção, Brasil, 2018

Legenda
Risco de transmissão
Sem transmissão
Baixo risco
Médio risco
Alto risco

Fonte: Sivep-Malária e Sinan/SVS/MS (apud MAPA..., 2018 ([s.p.]).

Essa situação nos remete a novos questionamentos: como o baixo investi-


mento na pesquisa dessas doenças está relacionado às populações mais desfa-
vorecidas que, devido ao menor poder de compra de medicamentos indus-
trializados e dependente dos programas governamentais, não produz o lucro
que as indústrias farmacêuticas teriam de investimento em novos fármacos?
Isso estaria mais relacionado à visão financeira das indústrias ou à falta de
iniciativa governamental com baixos investimentos na saúde da população?
Assim, essa poderia ser uma maneira de atender aos questionamentos
levantados e, a partir do que discutimos, você poderá ainda indicar novos
caminhos para essas questões, vá em frente!

Faça valer a pena

1. Órgãos reguladores na área de Farmácia são criados para auxiliar os


profissionais de saúde em relação aos medicamentos, agrotóxicos, cosmé-
ticos, controle de qualidade de matéria-prima e de produto acabado, entre
outros. Cada país tem seu próprio órgão regulador. Analise as afirmações
sobre os órgãos reguladores a seguir.

100
I. Criada pela Lei nº 9.782, de 26 de janeiro 1999, a Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (Anvisa) é uma autarquia no Brasil.
II. FDA é a sigla de Food and Drug Administration, que significa Adminis-
tração de Comidas e Remédios, sendo o órgão regulador de Portugal.
III. FDA é um órgão do governo dos Estados Unidos, criado em 1862,
com a função de controlar os alimentos e medicamentos, através de
diversos testes e pesquisas.
IV. A Anvisa é vincula ao ministério da Economia, pois este é quem
provê os recursos financeiros da instituição.
É correto APENAS o que se afirma em:
a. II.
b. II e IV.
c. I e III.
d. I e IV.
e. II, III e IV.

2. Patente é um título de propriedade temporária sobre uma invenção ou


modelo de utilidade outorgado pelo Estado aos inventores ou autores ou
outras pessoas físicas ou jurídicas detentoras de direitos sobre a criação.
Sobre patentes, assinale a alternativa correta.
a. Técnicas cirúrgicas ou terapêuticas aplicadas sobre o corpo humano
ou animal têm uma patente de cinco anos.
b. A patente de todo ou parte de seres vivos naturais e materiais bioló-
gicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o
genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos
biológicos naturais, é de uso exclusivo da indústria farmacêutica.
c. Para os medicamentos genéricos, é necessário esperar mais cinco
anos após a quebra de patente para ser produzido no país.
d. A Comissão de Assuntos Sociais (CAS) aprovou o Projeto de Lei do
Senado (PLS) nº 437/2018, que limita a vinte anos a propriedade das
patentes de medicamentos.
e. Apenas profissionais da aérea da saúde podem requerer as patentes
de medicamentos.

101
3. Farmacoepidemiologia é definida como “o estudo do uso e os efeitos dos
medicamentos em um grande número de pessoas” e

é a provisão de informações sobre os efeitos benéficos e


perigosos de qualquer droga; permitindo assim melhor
compreensão da relação risco-benefício para o uso de
qualquer droga em qualquer paciente ciência e as ativi-
dades relativas a detecção, a identificação, avaliação,
compreensão e prevenção de efeitos adversos ou qualquer
problema possível relacionado com fármacos. (STROM,
2005)

Assinale a alternativa correta:


a. Os objetivos da farmacoepidemiologia são: descrever, explicar,
controlar e prever a utilização e os efeitos da terapêutica medicamen-
tosa em tempo, espaço e populações definidas.
b. John Snow conseguiu controlar a peste negra em Londres no ano de
1954, pois descobriu que o risco de contrair a peste estava relacionado
ao consumo de água.
c. Os dados da farmacoepidemiologia são coletados somente através de
pesquisa científica feita através de universidades credenciadas ao Estado.
d. É de uso exclusivo dos farmacêuticos os dados coletados nas pesquisas
epidemiológicas.
e. O alvo de um estudo epidemiológico é sempre uma população de
aves, que pode ser definida em termos geográficos ou outro qualquer,
devido ao seu alto parentesco com humanos.

102
Referências

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qualidade referente aos produtos sob investigação utilizados em ensaios clínicos – medica-
mentos sintéticos e semissintéticos. 3. ed. Brasília, DF: Anvisa, 2019. Disponível em: https://bit.
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Unidade 3
Dreisson Aguilera de Oliveira

Membranas, receptores e ações dos fármacos

Convite ao estudo
Olá, estudante!
Vamos dar início a mais uma unidade do nosso estudo em Farmacologia!
Espero que tenha aprendido os conceitos trabalhados até aqui. A interdisci-
plinaridade no curso de Farmácia é pontual e necessária, de modo que, nesta
unidade, iremos trabalhar vários conceitos que permeiam o âmbito da histo-
logia e da fisiologia, ao mesmo tempo em que a disciplina de Farmacologia
como um todo servirá de apoio às próximas disciplinas, como a de Química
Farmacêutica e a de Fisiopatologias e Farmacoterapias. Conceitos integrados,
bem estudados e praticados formam um profissional mais completo e preocu-
pado com a saúde da população.
Você já deve ter tomado algum medicamento para algum problema de
saúde; mas já se perguntou como ele chegou até lá e resolveu o seu problema?
Já ouviu alguém reclamando que determinado medicamento não fez o efeito
desejado? Será que você conseguiria relacionar as possíveis causas para que
o medicamento não fosse efetivo? Você conseguiria perceber o quanto essas
questões sobre o uso de medicamentos estão totalmente relacionadas aos
nossos estudos de Farmacologia?
Nesta unidade trabalharemos os conceitos de permeabilidade e trans-
porte de membranas celulares e teciduais e a capacidade que os medica-
mentos possuem de alcançar os tecidos doentes. Abordaremos também os
tipos de receptores que estão associados a essas membranas, sendo alvos
de ligações para os fármacos. E, por fim, procuraremos entender melhor a
relação entre os fármacos e as atividades celulares, a qual gera uma resposta
celular ou transdução do sinal farmacológico, e o tipo de atividade exercida,
como o agonismo ou o antagonismo.
Assim, poderemos compreender, identificar e diferenciar os principais
tipos e mecanismos de transporte de fármacos pelas membranas bioló-
gicas e a influência dos tipos de receptores aos mecanismos gerais de ação
dos fármacos. Assim, você irá se sobressair de maneira favorável às situa-
ções da vida profissional que envolvam a aplicação dos conhecimentos
sobre os fármacos, a influência dos seus receptores e os efeitos finais
desencadeados pela ação deles.
Espero que esse conteúdo dê os subsídios necessários para melhorar
o entendimento do funcionamento dos fármacos, com o intuito de fazer
conhecer as principais indicações, precauções e orientações a serem dadas
aos pacientes ou a outros profissionais da saúde.
Bons estudos!
Seção 1

Membranas biológicas e a ação dos fármacos

Diálogo aberto
A origem e o estudo dos fármacos são assuntos trabalhados em
várias disciplinas do curso de Farmácia: os conceitos do funciona-
mento do organismo são tratados na Fisiologia; sua continuidade se dá,
especificamente, com os fármacos na Farmacologia e o aprofundando
dos conceitos de gênese e modificações moleculares ocorre na Química
Farmacêutica ou Química Medicinal. Essa evolução no conhecimento
sobre os fármacos faz do farmacêutico um profissional essencial para a
promoção da saúde da população.
Já vimos os aspectos históricos que envolvem os fármacos e sua
evolução até os dias de hoje, bem como os fatores envolvidos no processo
de fabricação de novos fármacos, como marcos regulatórios e controle
de qualidade necessários para a produção de um medicamento de boa
qualidade, seguro e eficaz. Nesta unidade trabalharemos com a ação do
fármaco no organismo; com os sistemas que permitem sua passagem para
o interior das células através do transporte pelas membranas; com os
tipos de receptores que promovem as alterações celulares e, consequen-
temente, o efeito dos fármacos; e, por último, com a ação esperada do
fármaco, no que diz respeito a seu efeito no organismo, como o agonismo
ou o antagonismo do seu local de ação.
Para melhor apreendermos esses novos conhecimentos, acompanha-
remos a rotina da Farmácia Universitária de uma universidade que possui
um farmacêutico responsável técnico (RT) e outros farmacêuticos que
realizam a dispensação e a orientação do uso de medicamentos industria-
lizados e magistrais, realizam a gestão da farmácia e contribuem enorme-
mente para a formação dos alunos que realizam estágio supervisionado
no local. Esse ambiente é um estabelecimento de saúde, que disponibi-
liza serviços e procedimentos farmacêuticos ao indivíduo, à família e à
comunidade, de modo a contribuir para a promoção, proteção e recupe-
ração da saúde; para a prevenção de doenças e de outros agravos e para
a melhoria dos resultados em saúde. Contribui, ainda, para a promoção
do acesso e do uso racional de medicamentos e para a otimização da
farmacoterapia. Essa farmácia é constituída por um cenário de prática de
ensino-aprendizagem, pesquisa e extensão de caráter formador, inovador
e comprometido com a ética, com a qualidade da educação farmacêutica

111
e com a formação de profissionais engajados com a transformação social.
Esse estabelecimento oferece um excelente setor de manipulação que
possibilita aos alunos uma rotina totalmente nova.
Em um dia rotineiro, o farmacêutico (RT) e dois de seus estagiá-
rios se deparam com o atendimento de uma paciente que necessitava do
aviamento de uma receita para um medicamento de uso tópico, em base
gel, e com o cetoconazol como princípio ativo a ser manipulado. Durante
o atendimento, a paciente indagou ao farmacêutico e aos estagiários se
aquela manipulação faria efeito, visto que, segundo o médico, ela tinha um
problema fúngico na perna.
No lugar dos estagiários, como você verificaria essa informação para
responder a cliente? E no lugar do farmacêutico, quais orientações você
daria à paciente?

Não pode faltar

Membranas biológicas e os transportes realizados


As membranas foram descritas, por muito tempo, como tecidos ou
camadas de revestimento de órgãos do corpo, que podem ser inter-
pretadas como barreiras fisiológicas, revestimento epitelial do sistema
digestório, membrana peritoneal, membrana pleural, entre outros, que
possuem características teciduais em finas camadas. Após a invenção do
microscópio, o conceito de membrana passou a ser celular, pois, a partir
da observação de certas barreiras fisiológicas, como a barreira hemato-
encefálica (BHE), houve uma preocupação em classificar e explicar a
delimitação de líquidos no interior e no exterior das células. Por isso, essa
delimitação passou a ser chamada de membrana plasmática celular ou
plasmalema, composta por lipídios e proteínas.
Todas as células dos seres humanos apresentam uma membrana de
bicamada lipídica composta de fosfolipídios, esteróis e glicolipídios,
que garantem uma característica lipofílica à membrana, o que impede
um fluxo contínuo entre o meio interno e externo e apresenta, assim,
uma forma controlada de transferência de substâncias entre esses meios.
Outro componente presente nas membranas plasmáticas são as proteínas,
que podem ser transmembrana ou periférica e que podem ser observadas
na Figura 3.1. As proteínas são de extrema importância para os estudos
farmacológicos, visto que podem assumir o papel de receptores, trans-
portadores e outros.

112
Figura 3.1 | Detalhes da estrutura da membrana plasmática formada pelas estruturas lipídicas
e proteicas
Cadeia glicídica
Cadeia glicídica
de glicoproteína
de glicolipídio

Proteína per-
iférica

Meio
extracelular
Membrana
plasmática

Meio
intracelular
Proteína Proteína
transmembrana (a) transmembrana (b)

Fonte: Junqueira e Carneiro (2018, p. 24).

Entender a organização das estruturas que formam a membrana nos ajuda


a entender o seu funcionamento. As duas camadas de lipídios são fluidas e têm
consistência semelhante à do óleo, assim as moléculas não ficam num lugar
fixo, podendo mudar de posição. Essa característica faz lembrar as peças de um
mosaico, por isso essas camadas podem ser chamadas de modelo do mosaico
fluido, que pode ser observado na Figura 3.2. As proteínas ficam encaixadas
em vários pontos, podendo ser periféricas, ou seja, fracamente ligadas à
membrana e ancoradas por diversas estruturas como o glicosilfosfatidilinositol
(GPI). As proteínas também podem ser integrais, isto é, fortemente ligadas às
moléculas da membrana, e podem atravessar totalmente a bicamada lipídica,
podendo ser proteínas transmembrana de passagem única (a) ou de passagem
múltipla (b), como se observa na Figura 3.1.
A membrana plasmática, a partir de sua composição e características,
passa a desempenhar um papel muito importante na delimitação da célula,
mas também passa a desempenhar outras funções, como: regulação de trocas
de substâncias com o meio externo; comunicação entre a célula e o meio
externo; suporte estrutural para a célula.
A característica anfifílica dos lipídios presentes na membrana plasmá-
tica juntamente com o meio aquoso, tanto extracelular como intracelular,
produzem uma membrana com uma estrutura central hidrofóbica e com as
superfícies periféricas (interna e externa) hidrofílicas. A bicamada lipídica
forma uma espécie de barreira, com uma seletividade para o transporte

113
de moléculas, aspecto que passa a ter implicações importantes nos trata-
mentos medicamentosos.
Figura 3.2 | Bicamada de lipídios da membrana celular com as proteínas associadas ao
mosaico fluido
Grupo carboidrato de uma glicoproteína
Grupo carboidrato de
um glicolipídio
Superfície extracelular
da membrana

Membrana dividida
em camadas por
criofratura e anali-
sada por microsco-
pia eletrônica

Proteínas

Superfície
intracelular da
membrana

Moléculas As caudas lipídicas formam a camada


de colesterol interna da membrana.
inseridas
na camada As cabeças dos fosfolipídios estão
lipídica. voltadas para os compartimentos
aquosos intra e extracelular.

Fonte: Silverthorn (2010, p. 58).

A troca de substâncias entre as células e o meio extracelular ocorre através


da membrana. Moléculas pequenas apolares e gases podem se difundir
através dela; moléculas maiores e íons necessitam de mecanismos especí-
ficos para atravessá-la. Para o transporte, alguns desses mecanismos utilizam
gradientes de concentração entre um e outro lado da membrana.
Em certos casos, a célula deve manter em seu interior uma concentração
de certos tipos de moléculas diferentes das encontradas no meio externo. A
concentração interna de íons K+, por exemplo, deve ser cerca de dez vezes
maior que a do meio extracelular. Os íons Na+, por outro lado, devem ter sua
concentração intracelular 10 a 15 vezes mais baixa do que fora da célula para
que os processos celulares ocorram de maneira adequada.
Para manter tais diferenças de concentração, a célula conta com um
processo denominado transporte ativo, que resulta em gasto energé-
tico para ela. A principal fonte de energia para o transporte ativo vem de
moléculas de adenosina trifosfato (ATP), e certas proteínas da membrana

114
plasmática, chamadas de proteínas transportadoras, são as responsáveis
pela realização desse transporte.

Exemplificando
O principal exemplo desse tipo de transporte ativo é a bomba de sódio e
potássio. Proteínas transportadoras atuam como “bombas iônicas”, que
capturam continuamente íons de Na+ no citoplasma e os bombardeiam
para fora da célula. No meio externo, essas mesmas proteínas transpor-
tadoras capturam íons de K+, bombeando-os para o citoplasma.

Figura 3.3 | Tipos de transportes através da membrana celular


Difusão
Difusão através
através do do canal Endocitose
lipídio aquoso Transportador

EXTRACELULAR

MEMBRANA

INTRACELULAR

Fonte: Rang et al. (2007, p. 99).

Como o foco dos estudos referentes às membranas plasmáticas envolve


a farmacologia e o uso de fármacos, observa-se que o centro hidrofóbico
de uma membrana biológica representa importante barreira para o trans-
porte dos fármacos. Pequenas moléculas não polares, como os hormônios
esteroides, são capazes de se difundir facilmente através das membranas.
Entretanto, a difusão passiva é ineficaz para o transporte de muitos fármacos
e moléculas grandes e polares.
Determinadas proteínas carreadoras transmembrana podem ser especí-
ficas para um fármaco e moléculas endógenas relacionadas; após ligação do
fármaco à superfície extracelular da proteína, esta sofre mudança em sua
conformação, que pode não depender de energia (difusão facilitada) ou
exigir a entrada desta (transporte ativo).
Essa mudança de conformação torna possível ao fármaco ligado acessar o
interior da célula, onde sua molécula é liberada da proteína. De modo alterna-
tivo, alguns fármacos ligam-se a receptores específicos da superfície celular e
deflagram um processo denominado endocitose, em que a membrana celular

115
envolve a molécula para formar uma vesícula, a partir da qual o fármaco é
subsequentemente liberado no interior da célula.
Figura 3.4 | Esquema dos transportes de membrana

Fonte: Silverthorn (2010, p. 137).

Difusão dos fármacos nas membranas biológicas


Na ausência de outros fatores, um fármaco penetrará em uma célula até
que as concentrações intra e extracelular dele sejam iguais. A velocidade
de difusão depende do gradiente de concentração do fármaco através da
membrana e da espessura, área e permeabilidade desta.
Essa definição aplica-se a uma situação ideal, em que não há fatores
complicadores, como gradientes iônicos, de pH e de cargas através da
membrana. Todavia, in vivo, esses fatores adicionais afetam a habilidade de
um fármaco para penetrar nas células. Por exemplo, a concentração maior
do fármaco fora da célula normalmente tende a favorecer sua entrada
efetiva nela; porém, se tanto o interior da célula quanto o fármaco tiverem
cargas negativas, é possível que essa entrada seja impedida. Ao contrário,
uma célula cujo interior tem carga negativa pode favorecer a entrada de um
fármaco de carga positiva.

116
Assimile
Algumas substâncias não se difundem livremente pela membrana
plasmática, como os glicídios. Nesses casos, elas precisam de ajuda para
entrar no citoplasma, ajuda essa fornecida por proteínas presentes na
membrana, as quais são chamadas de permeases. São muito específicas,
havendo um tipo de permease para cada substância. Elas facilitam a
entrada de moléculas, evitando gastos de energia para a célula e respei-
tando o processo de difusão, o qual é conhecido como difusão facilitada.

A difusão efetiva de fármacos ácidos e básicos através das membranas


com dupla camada lipídica também pode ser afetada por um fenômeno
associado à carga, conhecido como sequestro pelo pH, que depende da
constante dissociação ácida (pKa) do fármaco e do gradiente de pH através
da membrana. Fármacos ácidos fracos, como fenobarbital e ácido acetilsalicí-
lico, predominam em forma protônica, neutra, no ambiente altamente ácido
do estômago. Essa forma não carregada pode atravessar as duplas camadas
lipídicas da mucosa gástrica, acelerando a absorção do fármaco (Figura 3.5).
A seguir, o fármaco ácido fraco adquire forma com carga elétrica negativa
no ambiente mais básico do plasma, pois cede seu íon hidrogênio, forma
que tem menor probabilidade de sofrer difusão retrógrada através da mucosa
gástrica. Em seu conjunto, esses equilíbrios sequestram efetivamente o
fármaco no interior do plasma.
Em termos quantitativos, a pKa de um fármaco representa o valor de pH
em que metade do fármaco encontra-se em sua forma iônica. A equação de
Henderson-Hasselbalch descreve a relação entre a pKa de um fármaco A,
ácido ou básico, e o pH do meio biológico contendo esse fármaco:

(3.1)
Em que HA é a forma protonada do fármaco A. Por exemplo, considere
o caso hipotético de um fármaco ácido fraco com pKa 4. No estômago, cujo
pH é aproximadamente 1, a Equação 3.1 transforma-se em:

(3.2)
No estômago, a forma protônica do fármaco (HA) encontra-se em uma
concentração 1.000 vezes maior do que a forma ionizada (A–), e 99,9% do
fármaco está na forma neutra. Inversamente, no plasma, cujo pH é 7,4, mais
de 99,9% do fármaco está em forma ionizada (Figura 3.5).

117
Figura 3.5 | Aplicação da fórmula de Henderson-Hasselbalch para as barreiras biológicas e suas
variações de pH

Fonte: Golan et al. (2018, p. 29).

Seletividade das membranas biológicas aos fármacos


Para Golan et al. (2018), o sistema nervoso central (SNC) representa
um desafio especial para a terapia farmacológica, pois, ao contrário da
maioria das outras regiões anatômicas, está particularmente bem isolado
de substâncias estranhas. A barreira hematencefálica utiliza junções
estreitas, especializadas em impedir a difusão passiva da maioria dos
fármacos da circulação sistêmica para a circulação cerebral. Por conse-
guinte, os fármacos destinados a atuar no SNC devem ser suficientemente
pequenos e hidrofóbicos para atravessar com facilidade as membranas
biológicas, ou devem utilizar as proteínas de transporte existentes na
barreira hematencefálica para penetrar nas estruturas centrais. Os
fármacos hidrofílicos que não conseguem ligar-se a proteínas de trans-
porte facilitado ou ativo na barreira hematencefálica são incapazes de
penetrar no SNC. É possível transpor essa barreira utilizando a infusão
intratecal do fármaco, de modo que este seria diretamente liberado no
líquido cefalorraquidiano (LCR). Embora essa abordagem possa ser
empregada no tratamento da meningite infecciosa ou carcinomatosa, a
via intratecal não é prática para fármacos que precisam ser regularmente
administrados ao paciente (GOLAN et al., 2018).

118
Membranas como alvo dos fármacos
A farmacologia define receptor como qualquer molécula biológica à qual
um fármaco se fixa e produz uma resposta mensurável. Assim, enzimas,
ácidos nucleicos e proteínas estruturais podem atuar como receptores de
fármacos ou de agonistas endógenos. Assim, as membranas biológicas
podem ser consideradas alvos para várias classes de fármacos que terão suas
ações em estruturas específicas na membrana celular.
Segundo Golan et al. (2018), a estrutura do receptor também deter-
mina onde a proteína localiza-se em relação aos limites celulares, como a
membrana plasmática. As proteínas com grandes domínios hidrofóbicos são
capazes de residir na membrana plasmática em virtude do elevado conteúdo
de lipídios desta. Muitos receptores transmembrana apresentam domínios
lipofílicos assentados na membrana e domínios hidrofílicos que residem nos
espaços intra e extracelular. (GOLAN et al., 2018).
Esses autores ainda enfatizam que a estrutura do receptor determina sua
localização em relação à membrana plasmática; a estrutura de um fármaco
afeta sua capacidade de ter acesso ao receptor. Por exemplo, muitos fármacos
altamente hidrossolúveis são incapazes de atravessar a membrana plasmática
e ligar-se a moléculas-alvo situadas no citoplasma. Em contrapartida, certos
fármacos hidrofílicos, que são capazes de atravessar canais transmembrana
(ou que usam outros mecanismos de transporte), podem ter rápido acesso a
receptores citoplasmáticos. Os fármacos altamente lipofílicos, como muitos
hormônios esteroides, conseguem, muitas vezes, atravessar o ambiente lipídico
hidrofóbico da membrana plasmática sem canais ou transportadores especiais,
tendo, consequentemente, acesso a alvos intracelulares (GOLAN et al., 2018).
Golan e colaboradores ainda defendem que a capacidade dos fármacos
de alterar a forma dos receptores faz com que a ligação de um fármaco a seu
receptor, na superfície celular, afete funções no interior das células. Muitos
receptores proteicos, na superfície celular, apresentam domínios extracelu-
lares ligados a moléculas efetoras intracelulares por domínios do receptor
que se estendem pela membrana plasmática. Em alguns casos, a mudança na
forma do domínio extracelular pode alterar a conformação dos domínios do
receptor que atravessam a membrana e/ou que são intracelulares, resultando
em alteração na função do receptor. Em outros casos, os fármacos podem
estabelecer ligações cruzadas entre os domínios extracelulares de duas
moléculas receptoras, formando um complexo receptor dimérico, que ativa
moléculas efetoras no interior da célula (GOLAN et al., 2018).
Todos esses fatores, como estrutura do fármaco e do receptor, forças
químicas que influenciam a interação entre eles, solubilidade do fármaco
na água e na membrana plasmática e função do receptor no seu ambiente

119
celular, conferem substancial especificidade às interações entre fármacos e
seus receptores-alvo.

Reflita
A farmacodinâmica de um fármaco pode ser quantificada pela relação
entre sua dose (concentração) e a resposta do organismo (do paciente)
a ele. É possível que essa relação esteja estreitamente vinculada à
ligação fármaco-receptor e que, devido a isso, ocorram várias combi-
nações desse tipo?

Para finalizarmos esta seção, é importante pontuar que, no contexto da


farmacologia e de estudos dos possíveis alvos farmacológicos, atualmente
existem muitas pesquisas em andamento com o objetivo de aumentar a
eficácia e reduzir a toxicidade dos fármacos mediante a alteração de sua
estrutura, de modo que possam ligar-se mais seletivamente a seus alvos.

Sem medo de errar

Em nossa situação-problema, vimos o RT da farmácia universitária


e seus estagiários atendendo uma paciente que trazia consigo a receita de
um medicamento a ser formulado em gel com ativo cetoconazol. Durante o
atendimento, a paciente indagou ao farmacêutico e aos estagiários se aquela
manipulação faria efeito, visto que o médico havia dito que ela tinha um
problema fúngico na perna. Para atender aos questionamentos da paciente,
os estagiários deveriam buscar informações sobre as propriedades físico-quí-
micas do fármaco ativo, com o intuito de vislumbrar se a formulação em
gel poderia influenciar a absorção do produto na pele, pois esse fator tem
relação direta com as membranas biológicas que o fármaco deve atravessar
para desencadear seus efeitos.
O cetoconazol é um fármaco de difícil dissolução em meio aquoso e mais
solúvel em meio oleoso devido a sua apolaridade molecular, que pode ser
observada pelo valor do seu coeficiente de partição (P), representado pelo
Log P igual a 3,8 (altamente lipossolúvel). Dessa maneira, a formulação
precisa ser revisada para que a base utilizada seja preferencialmente liposso-
lúvel, como uma pomada, promovendo a melhor absorção do fármaco e um
melhor tratamento do problema fúngico.
Tendo isso em vista, o farmacêutico deveria orientar a paciente sobre
a probabilidade dos efeitos do fármaco para seu problema serem muito
maiores caso as adequações na formulação, mencionadas anteriormente,

120
fossem realizadas. Com isso, o profissional poderia contatar o prescritor para
verificar a possibilidade dessa adequação, com vistas a realizar a formulação
de modo mais adequado.
Esta seria uma maneira de responder aos questionamentos levantados
nesta situação-problema, mas fique à vontade para traçar novos caminhos de
resolução para o que foi questionado. Será que há outra forma de responder
às dúvidas da paciente?

Avançando na prática

Formulação para fármacos do SNC


Uma grande indústria farmacêutica está desenvolvendo a formulação de
um fármaco que deve ter ação no sistema nervoso central. Um novo integrante
da equipe de pesquisa e desenvolvimento, um farmacêutico recém-formado,
recebeu a incumbência de definir os primeiros estudos que devem ser reali-
zados para se determinar a melhor formulação para esse tipo de fármaco,
considerando sua perspectiva de ação e a via oral de administração. Para
você, no lugar desse farmacêutico, quais informações deveriam ser conside-
radas, primeiramente, para traçar o desenvolvimento da formulação?

Resolução da situação-problema
Para resolver esse problema, é primordial considerar que os fármacos reali-
zarão sua ação no sistema nervoso central (SNC), o qual representa um desafio
especial para a terapia farmacológica. Ao contrário da maioria das outras
regiões anatômicas, está particularmente bem isolado de substâncias estranhas.
A barreira hematencefálica utiliza junções estreitas, especializadas em impedir
a difusão passiva da maioria dos fármacos da circulação sistêmica para a circu-
lação cerebral. Por conseguinte, os fármacos destinados a atuar no SNC devem
ser suficientemente pequenos e hidrofóbicos para atravessar com facilidade as
membranas biológicas ou devem utilizar as proteínas de transporte existentes
na barreira hematencefálica para penetrar nas estruturas centrais. Os fármacos
hidrofílicos que não conseguem ligar-se a proteínas de transporte facilitado ou
ativo na barreira hematencefálica são incapazes de penetrar no SNC.
Assim, tudo isso representa um primeiro desafio, mas, a partir desses
conhecimentos, ficará mais fácil propor uma formulação que se adeque a
este fármaco para ser administrado oralmente.

121
Faça valer a pena

1. Dependendo das propriedades químicas, os fármacos podem ser absor-


vidos do TGI por difusão passiva, difusão facilitada, transporte ativo ou
endocitose. Uma das principais funções da membrana plasmática é controlar
a permeabilidade seletiva, ou seja, o que entra e o que sai da célula. Conside-
rando o contexto apresentado, avalie as afirmativas:
I. Gases como CO2 e O2 atravessam a membrana plasmática pelo
processo de difusão facilitada.
II. As moléculas de glicose, algumas vitaminas e alguns aminoácidos
passam a membrana pelo processo de difusão facilitada.
III. A bomba de sódio/potássio é um transporte ativo que leva três moléculas
de sódio para fora da célula e duas de potássio para dentro dela.
A partir das informações fornecidas, é correto o que se afirma em:
a. I, apenas.
b. III, apenas.
c. I e II, apenas.
d. II e III, apenas.
e. I e III, apenas.

2. Os gases de peso molecular baixo atravessam a membrana pelo processo


de difusão simples. A difusão facilitada é um processo passivo que conta com
a ajuda de algumas proteínas transportadoras.
Assinale a alternativa correta.
a. Fosfolipídios são um grupo de açúcares complexos que, por constitu-
írem a membrana, proporcionam a ela certa rigidez.
b. A função básica das proteínas que constituem as membranas é
conferir a hidrofobicidade às células.
c. O modelo de membrana mais aceito é o do mosaico fluido desenvol-
vido por Jhonathan Singer e Garth Nicolson, em 1972.
d. As membranas são constituídas por uma camada simples de lipídios,
proteínas e aminoácidos.
e. A região da “cabeça” do lipídio é hidrofóbica, enquanto que a região
da “cauda” é hidrofílica.

122
3. Além de lipídios e proteínas, podemos encontrar quantidades significa-
tivas de carboidratos. Estes, por sua vez, se localizam na superfície externa
da membrana e atuam como locais de reconhecimento para outras células e
moléculas. Analise as afirmativas a seguir:
I. Glicolipídios: consistem em um carboidrato covalentemente ligado
a um lipídio.
II. Glicoproteínas: consistem em um carboidrato covalentemente ligado
a uma proteína.
III. O glicocálix participa do reconhecimento celular e da união das
células umas com as outras e com as moléculas extracelulares.
Considerando as informações apresentadas, é correto o que se afirma em:
a. I, apenas.
b. II, apenas.
c. III, apenas.
d. II e III, apenas.
e. I, II e III.

123
Seção 2

Principais tipos de receptores de fármacos

Diálogo aberto
Conhecer as membranas e os tipos de transporte realizados por elas é
um assunto muito importante para entender melhor como os fármacos
conseguem chegar até o seu local de ação, mas como um fármaco age? Quais
são os locais em que ele age nas células? Várias perguntas podem ser feitas,
principalmente quando o assunto está em nível molecular e envolve diversas
estruturas e uma cadeia de eventos para que ocorram as alterações celulares.

Nesta unidade estamos acompanhando a rotina da Farmácia Universitária


de uma renomada instituição de ensino, a qual envolve a rotina dos farma-
cêuticos gestores e de seus alunos estagiários, o atendimento ao público, as
orientações farmacêuticas, a manipulação de produtos farmacêuticos, entre
outras atividades administrativas.
Em um dos atendimentos realizados, um aluno recebeu uma professora
da instituição que precisava aviar sua receita com uma prescrição de furose-
mida 40 mg. Durante o atendimento, a paciente questionou o aluno sobre
como esse medicamento iria ajudá-la no problema de hipertensão que estava
apresentando, pois o médico não havia explicado direito como era ação do
medicamento em seu organismo. A partir desse questionamento, o aluno
pediu ao farmacêutico que supervisionava a farmácia universitária naquele
dia que lhe ajudasse a orientar a paciente. Você, aluno, no lugar do farmacêu-
tico, como ajudaria o estudante a orientar corretamente a paciente?
Perceba que este contexto envolve conhecimentos ligados aos tipos de
receptores em que o fármaco age, o mecanismo específico de ação da furose-
mida, além dos aspectos celulares e moleculares dos efeitos do medicamento.
Assim, para ajudar você a responder esse questionamento, iremos estudar,
nesta seção, alguns tipos de receptores farmacológicos como: receptores de
canais iônicos de transmembrana, receptores transmembrana acoplados à
proteína G, receptores transmembrana com domínios citosólicos enzimá-
ticos, receptores intracelulares e extracelulares enzimáticos e receptores de
adesão da superfície celular.
Vamos nessa! Não deixe de aproveitar todos os materiais que serão dispo-
nibilizados para esta seção e lembre-se de que a dedicação ao autoestudo
será fator determinante ao longo de sua formação para que você se torne um
excelente profissional.

124
Não pode faltar

Alvos de ação de fármacos


Existe uma relação entre a ação dos fármacos e seus locais de ação, princi-
palmente pela afinidade entre as moléculas do fármaco ligante com seus alvos
farmacológicos, que criam uma complementariedade estrutural. Qualquer
tipo de alteração na molécula do fármaco pode provocar uma alteração
na afinidade entre as estruturas, modificando sua ação e aumentando ou
diminuindo seus efeitos esperados, por isso o planejamento da molécula nas
fases de estudo de desenvolvimento dos fármacos é muito importante para
que ocorra a ligação/interação em alguns desses alvos proteicos presentes
no organismo:
Figura 3.6 | Alvos proteicos e seus receptores

RECEPTORES CANAIS
IÔNICOS

ALVOS
PROTEICOS

ENZIMAS ENZIMAS

Fonte: elaborada pelo autor.

A maioria dos fármacos liga-se a uma dessas proteínas, podendo haver


alguns casos específicos, como a ligação de fármacos em receptores intrace-
lulares (ciclosporina).

Assimile
Os fármacos podem ligar-se a diversas estruturas tridimensionais do
organismo, criando um encaixe específico, mas vale lembrar que esse
encaixe é organizado por afinidades e ligações químicas que permitem
uma molécula fazer um encaixe mais específico com determinadas
estruturas do que com outras.
Os fármacos podem ligar-se por afinidades químicas, que envolvem
interações moleculares – forças de van der Waals, efeito dipolo, afini-

125
dade hidrofóbica e também por diferentes tipos de ligações (covalentes,
iônicas ou ligações de hidrogênio). Essas interações definem o nível de
afinidade e especificidade dos fármacos com seus locais de ação.
As forças de atração entre o fármaco e seu local de ação podem ser
eletrostáticas do tipo íon-dipolo, na qual ocorre interação entre um
íon e uma espécie com carga oposta ao íon; ou do tipo dipolo-dipolo,
na qual a interação ocorre entre duas estruturas com polarizações de
cargas opostas.
Já a interação do tipo forças de van der Waals ocorre pela aproximação
de estruturas apolares com dipolos induzidos, que são consideradas
fracas, assim como as interações hidrofóbicas.
As ligações de hidrogênio são interações muito importantes para a
manutenção da vida e ocorrem quando estruturas que possuem algum
heteroátomo mais eletronegativo (oxigênio, flúor, nitrogênio) sentem-se
atraídas pela carga polarizada positiva dos átomos de hidrogênio

Tipos de receptores
Os receptores são as estruturas mais comuns para os efeitos dos fármacos.
São estruturas proteicas que participam do sistema de comunicação química
entre as células e o organismo e, por isso, são alvos tão apreciados para a ação
dos fármacos, que podem ter suas atividades bioquímicas e celulares aumen-
tadas devido à ação de fármacos agonistas, como também podem ter sua
atividade inibida por um fármaco antagonista, não desencadeando, assim,
sua atividade celular.
Os receptores produzem uma gama enorme de reações e efeitos nas
células, sendo que, para cada tipo, existem estruturas proteicas diferentes
com tempo de ação diversos e que desencadeiam efeitos também diferentes,
como mostra a Figura 3.7. Dessa forma, basta pensarmos na velocidade de
transmissão de um impulso nervoso. Normalmente os receptores envol-
vidos são os canais iônicos, que realizam a troca de íons entre os meios
extra e intracelular para criar um potencial de ação e que apresentem um
movimento inverso dos íons para que as cargas elétricas conduzidas por eles
voltem ao estado inicial. Portanto, a ativação e os efeitos produzidos pelos
canais iônicos são da ordem dos milissegundos, sendo alguns exemplos desse
tipo de receptor os nicotínicos da acetilcolina, os gabaérgicos, entre outros.
Alguns receptores já não são tão rápidos, mas estão em grande quanti-
dade por todo o organismo e apresentam uma complexidade proteica maior,
ativando outras proteínas internas na membrana plasmática, como é o caso
dos receptores acoplados à proteína G (GPCR).

126
A proteína G recebe esse nome devido a sua porção intracelular estar
associada às estruturas da guanina (GDP e GTP). É a maior família de recep-
tores presentes em nosso organismo e possui afinidade com vários hormô-
nios, que são transmissores mais lentos como os muscarínicos, adrenérgicos
e outros. Esse tipo de receptor sempre produzirá seus efeitos celulares por
intermédio de segundos mensageiros, que são moléculas efetoras produzidas
pelas ativações da proteína G para a produção de uma resposta celular, por
exemplo a produção de AMPc (adenosina-monofosfato cíclico).
Outro grande grupo heterogêneo de receptores também pode produzir
segundos mensageiros por vias de fosforilação e pode possuir estrutura trans-
membrânica única (diferente dos GPCR, que possuem uma transposição de
sete partes atravessando a membrana plasmática), além disso sua porção
intracelular tem natureza enzimática, como a proteína quinase. Esses recep-
tores possuem afinidade com a insulina, citocinas e fatores de crescimento.
O último tipo engloba os receptores citosólicos, que são transportados
para o núcleo, controlando a transcrição gênica, normalmente estimulados
pelos hormônios esteroides, os da tireoide e outros.
Figura 3.7 | Tipos de receptores e suas características

1. CANAIS IÔNICOS CONTRO- 2. RECEPTORES ACOPLADOS


3. RECEPTORES LIGA- 4. RECEPTORES NU-
LADOS POR LIGANTES (RE- À PROTEÍNA G (ME-
CEPTORES IONOTRÓPICOS) TABOTRÓPICOS)
DOS A QUINASES CLEARES

ÍONS ÍONS

R R E R/E
G G
+ OU - + OU - NÚCLEO

HIPERPOLAR- ALTERAÇÃO
SEGUNDOS MENSAGEIROS
IZAÇÃO OU DESPO- DA EXCITABIL- FOSFORILAÇÃO R
LARIZAÇÃO IDADE DE PROTEÍNA
TRANSCRIÇÃO
DE GENE
TRANSCRIÇÃO DO
GENE
LIBERAÇÃO
DE CA 2+ FOSFORILAÇÃO OUTRO
DE PROTEÍNA
SÍNTESE DE PROTEÍNA SÍNTESE DE PROTEÍNA

EFEITOS
CELULARES EFEITOS CELULARES EFEITOS CELULARES EFEITOS CELULARES

ESCALA DE TEMPO
SEGUNDOS
MILISSEGUNDOS HORAS HORAS
EXEMPLOS
RECEPTOR MUSCARÍNICO
RECEPTOR NICOTÍNICO RECEPTORES DE CITOCINAS RECEPTOR DE ESTRÓGENOS
DA ACH
DA ACH

Legenda: ACh = acetilcolina; E = enzima; G = proteína G; R = receptor.


Fonte: Rang et al. (2016, p. 28).

127
Reflita
Você já parou para pensar como que um fármaco consegue fazer efeito
num canal iônico do coração, aumentando sua força de contração, mas
não produzindo nenhum efeito sobre outros receptores desse tipo?
Há uma imensa variedade e uma grande quantidade de locais de ação
dos fármacos, sendo assim, será que eles sempre agem apenas no local
esperado ou podem ocorrer variações na sua ação?
Converse com seus colegas para chegar às conclusões sobre os efeitos
dos fármacos.

Canais iônicos transmembrana


O primeiro grupo de receptores a ser detalhado é o dos canais iônicos
ou receptores ionotrópicos, que possuem uma estrutura transmembrana
formada por quatro ou cinco subunidades funcionando como uma comporta
para o controle de entrada e saída de substâncias, mais comumente o controle
de íons, como pode ser observado na Figura 3.8.
Figura 3.8 | Receptor de canal iônico sendo ativado pela acetilcolina para entrada de sódio
A

α α
γ

SÍTIOS DE LIGAÇÃO DO LIGANTE

α α

N+ COMPORTA DO RECEPTOR FECHADA


O
ACETILCOLINA

Na+

α α

Na+

COMPORTA DO RECEPTOR ABERTO

Fonte: Golan et al. (2018, p. 8).

128
Como pode ser visto na Figura 3.8, o canal iônico é formado por subuni-
dades, sendo duas alfas ( a ), uma beta ( b ), uma gama ( g ) e uma delta ( d
). Esse receptor funciona como uma comporta que, a partir de um ligante
agonista, irá ativar a rotação das subunidades α, permitindo a troca de íons
entre os meios intra e extracelular. Após a saída do agonista, as hélices das
proteínas da subunidade α voltam a sofrer uma rotação e o canal fecha-se
novamente. Esse mecanismo é acionado de forma muito rápida, na ordem
de milissegundos, e permite o controle da concentração de íons na célula ou
sobre os potenciais de ação gerados pelo sistema nervoso.
Os receptores de canal iônico podem ser acionados por três mecanismos,
o primeiro, já citado, é através de um ligante direto nas subunidades do
receptor que promovem sua abertura, por exemplo os canais iônicos ativados
pela acetilcolina, GABA, glicina e outros. Outro mecanismo é a ativação
desse receptor por variação de voltagem na membrana plasmática, ativação
feita pelos chamados canais controlados por voltagem, muito importantes
no controle de íons sódio na polarização de células nervosas. E o último
mecanismo de ativação desses receptores são os segundos mensageiros,
que atuam quando um canal iônico está associado a outros receptores e
dependem da ativação desse receptor para que possam realizar alguma ação
de troca iônica celular. É muito comum o canal iônico estar associado a
receptores de proteína G, pois estas deslocam suas subunidades, desempe-
nhando o papel de segundos mensageiros para a ativação do canal iônico,
que passa a ser o alvo estrutural e de controle dos receptores de proteína G.
Este último mecanismo pode aumentar o tempo de resposta para a ativação
do receptor e pode ser observado nos casos de controle de potássio e cálcio
na musculatura cardíaca.

Exemplificando
Os anestésicos locais e os benzodiazepínicos constituem duas impor-
tantes classes de fármacos que atuam por alteração na condutância
dos canais iônicos. Os primeiros bloqueiam a condutância dos íons
sódio pelos canais de sódio regulados por voltagem nos neurônios que
transmitem a informação de dor da periferia para o sistema nervoso
central, impedindo, assim, a propagação do potencial de ação e, conse-
quentemente, a percepção de dor (nocicepção). Os segundos também
atuam sobre o sistema nervoso, inibindo a neurotransmissão no
sistema nervoso central ao potencializar a capacidade do transmissor
ácido gama-aminobutírico (GABA) de aumentar a condutância de íons
cloreto pelas membranas neuronais, fazendo com que o potencial de
membrana se afaste ainda mais de seu limiar para ativação (GOLAN et
al., 2018).

129
Receptores transmembrana acoplados à proteína G
Esses receptores representam a classe mais abundante no organismo:
são receptores transmembrana com sete porções de sua estrutura proteica
atravessando a membrana. Sua porção extracelular (região amino) é a
responsável por realizar a ligação com as moléculas ligantes, mudando sua
conformação de tal modo que a proteína intracelular (proteína G) associada
ao receptor sofre uma modificação característica dessa classe.
A proteína G recebe esse nome por sua ligação com a guanina, fato
que origina as moléculas guanina trifosfato e difosfato – GTP e GDP. Essa
proteína possui três subunidades, a estrutura alfa ( a ) que, quando ativada,
dissocia-se das porções beta ( b ) e gama ( g ), trocando GDP por GTP
e originando nesse momento a estrutura a -GTP, que irá se deslocar pela
membrana plasmática interna até encontrar sua estrutura efetora, como
a adenilciclase, canais iônicos, fosfolipase C e outras proteínas que irão
produzir diferentes mensageiros citoplasmáticos (segundos mensageiros),
provocando alguma alteração celular. Para que o efeito da a -GTP no alvo
efetor seja interrompido, ocorre a ação da GTPase da subunidade α que irá
hidrolisar GTP em GDP, voltando ao estado de repouso do receptor, como
pode ser observado no esquema da figura a seguir.
Figura 3.9 | Ciclo de atividade de um receptor acoplado à proteína G
RECEPTOR EFETOR
ACETILCOLINA

1 AGONISTA NÃO LIGADO 1 LIGAÇÃO DO AGONISTA

2 HIDRÓLISE DO GTP 2 TROCA DE GTP-GDP

3 RECONSTITUIÇÃO α βγ 3 ATIVAÇÃO DA PROTEÍNA G


DA PROTEÍNA G HETEROTRIMÉRICA GDP

AGONISTA
EFETOR ATIVADO GTP

C B

DIFUSÃO DE Α-GTP PARA O EFETOR


β α ATIVAÇÃO DO EFETOR α β
γ γ
GTP GTP

‘VV

Fonte: Golan et al. (2018, p. 9).

A proteína G, quando realiza a ativação da estrutura efetora, produz os


segundos mensageiros, transmitindo o sinal de que o primeiro mensageiro
(hormônios, fármacos) ativou na porção extracelular do receptor. Caso o
efetor seja a adenilciclase, será formado o segundo mensageiro monofos-
fato de adenosina cíclico – AMPc, este por sua vez ativa a proteinoquinase

130
A (PKA), que irá fosforilar outras proteínas no interior da célula. Se o efetor
ativado for a fosfolipase C (PLC), ocorrerá a clivagem de um fosfolipídeo da
membrana em diacilglicerol (DAG) e também em inusitol-trifosfato (IP3).
O DAG irá ativar a proteinoquinase C, fosforilando outras proteínas; já o
IP3 irá estimular a liberação de cálcio iônico no interior da célula, provo-
cando fosforilação de proteínas. A Figura 3.10 mostra um resumo da ação
da proteína G, seus efetores, segundos mensageiros produzidos e os sinais
traduzidos para a célula.
Figura 3.10 | Controle dos sistemas efetores celulares pela proteína G e segundos mensageiros
RECEPTORES PROTEÍNAS G

ENZIMAS-ALVO GUANILIL ADENILIL


CICLASE CICLASE FOSFOLIPASE C

SEGUNDOS
GMPc AMPc IP3 DAG AA
MENSAGEIROS

[Ca2+] EICOSANOIDES

PROTEÍNAS
PKG PKA PKC LIBERA-
QUINASES
DOS COMO
HORMÔNIOS
LOCAIS

ENZÍMAS, PROTEÍNAS DE PROTEÍNAS


EFETORES CANAIS IÔNICOS
TRANSPORTE etc. CONTRÁTEIS

Fonte: Rang et al. (2016, p. 41).

Para entender melhor a ação produzida pela proteína G nos receptores,


a porção a foi muito estudada e identificaram-se variações dessa estrutura
alfa caracterizando diferentes ações. A subunidade alfa da proteína G foi
classificada em Gs – estimuladora, Gi – inibitória, Go, Gq e G12/13, sendo que
cada uma produz um efeito diferente na célula.

Exemplificando
O grupo dos receptores b -adrenérgicos constitui uma importante
classe da família dos receptores acoplados à proteína G. Dentre eles, os
mais extensamente estudados foram designados como b1 , b2 e b3 .

131
Os receptores b1 atuam no controle da frequência cardíaca; os
b2 , no relaxamento do músculo liso; e os b3 , na mobilização da
energia das células adiposas.
A forma ativada da proteína G (i. e., ligada ao GTP) aciona a adenilciclase,
resultando em aumento dos níveis intracelulares de AMPc e em efeitos
celulares distais, como aumento da frequência cardíaca, dilatação de
bronquíolos, entre outros (GOLAN et al., 2018).

Receptores transmembrana com domínios citosólicos enzi-


máticos
É um grupo de receptores transmembrana que possui características
muito específicas e estrutura intracelular complexa, sendo o maior grupo
os da tirosina quinase. Os sinais advindos de fatores de crescimento e
hormônios, por exemplo a insulina, iniciam com a dimerização do receptor,
seguida de autofosforilação de resíduos da tirosina na porção mais interna do
receptor, o que leva a novas fosforilações da tirosina e, com isso, à produção
de segundos mensageiros proteicos para a célula, como pode ser observado
na Figura 3.11.
Os receptores enzimáticos participam de diversos processos fisiológicos,
como metabolismo, crescimento e diferenciação celular que são resultados
de transcrições gênicas da célula. Um exemplo de sua ativação pode ser feito
com os hormônios insulina e leptina que alteram várias reações metabólicas
no organismo.
Figura 3.11 | Receptor enzimático associado à tirosina-quinase

Tir Tir P Tir Tir P

ATIVIDADE DE TIROSINA PROTEÍNA


QUINASE CITOPLASMÁTICA

Tir P Tir

Fonte: Golan et al. (2018, p. 11).

132
Receptores intracelulares
Os receptores intracelulares, citosólicos ou também chamados de recep-
tores nucleares têm uma função primordial no controle da transcrição gênica.
Por ser ativado por hormônios esteroides e tireoides, seu tempo de ação é
muito mais lento que o dos demais. Esses receptores acoplam seu ligante no
citoplasma celular, tendo atravessado a membrana plasmática por difusão,
devido a sua característica lipofílica, e conduzindo-o até a região nuclear em
que realiza sua atividade intrínseca, como mostra a Figura 3.12.
Figura 3.12 | Ligação de hormônio esteroide a fator de transcrição intracelular

HORMÔNIO ESTEROIDE

L AR
LU RECEPTOR DE
ACE
R HORMÔNIO
T
EX
L AR
LU
CE A CHAPERONA
T RA
IN

NÚCLEO

DNA

Fonte: Golan et al. (2018, p. 13).

Reflita
Você deve ter percebido que a passagem dos fármacos pelas barreiras
biológicas é de suma importância para que o fármaco possua uma
concentração adequada e possa fazer efeito. Um dos fatores para essa
passagem é o caráter lipofílico da molécula do fármaco. Discuta com
seus colegas a influência da lipofilicidade dos fármacos para sua ação
celular, principalmente os de ação intracelular. Como comparar seu
efeito e tempo de ação quando levamos em consideração sua transpo-
sição pelas membranas?

133
Receptores extracelulares
Os receptores extracelulares de ação dos fármacos são mais comuns a
ação em enzimas, sendo uma estrutura com muita atividade no organismo
e, por isso, passando a ser um alvo muito estudado para efeito dos fármacos.
Algumas dessas enzimas fazem parte de reações ou modificações estrutu-
rais do organismo, e outras são moléculas sinalizadoras para a ação celular, que
participam da comunicação entre as células e, por isso, podem influenciar os
processos fisiológicos por interferirem na mediação de sinais intercelulares.

Exemplificando
Um exemplo dessa classe de receptores é a enzima conversora de angio-
tensina (ECA), que converte a angiotensina I no poderoso vasoconstritor
angiotensina II. Os inibidores da ECA são fármacos que impedem essa
conversão enzimática e que, portanto, reduzem a pressão arterial, entre
outros efeitos. Outro exemplo é a acetilcolinesterase, que degrada a
acetilcolina após liberação desse neurotransmissor dos neurônios
colinérgicos. Os inibidores da acetilcolinesterase aumentam de modo
significativo a neurotransmissão nas sinapses colinérgicas ao impedir
a degradação do neurotransmissor nesses locais (GOLAN et al., 2018).

O entendimento e a diferenciação dos locais de ação dos fármacos pela


sua interação com os diversos tipos de receptores nos dão mais subsídios
para entender os efeitos desejado e indesejados de um medicamento, seja
pelo seu local de ação, especificidade ou afinidade nos receptores.

Sem medo de errar

Em nossa situação-problema, um aluno havia atendido, na Farmácia


Universitária, uma paciente, professora da instituição, que precisava aviar
uma receita que continha a prescrição de furosemida 40 mg. A paciente
questionou o aluno sobre como esse medicamento faria efeito em seu
organismo. Assim, teríamos que ajudar o aluno a orientar corretamente a
docente.
Para pautar a orientação de uma paciente com as características apresen-
tadas, deve-se primeiramente informá-la que fará uso de um diurético, o qual
tem o seu principal efeito nos rins. Explicando de maneira clara e simples,
pode-se dizer que a furosemida atua no ramo ascendente da alça de Henle,
uma parte específica dos rins, inibindo de forma reversível e competitiva
uma bomba de sódio-potássio-cloreto, que pode ser classificada como um

134
receptor de canal iônico, localizada na membrana das células epiteliais da
alça de Henle. Para tornar mais clara a explicação, o aluno poderia apresentar
para a paciente, no computador do balcão da farmácia, uma imagem que
ilustra essa estrutura renal, dando ênfase ao local de ação da furosemida,
como demonstrado na Figura 3.13.
Figura 3.13 | Modelo esquemático da estrutura funcional dos rins, indicando ação de alguns
tipos de diuréticos
INIBIDORES DA
ANIDRASE CARBÔNICA

GLOMÉRULO 1 TCP
JG
ARTERÍOLA AFERENTE

ARTERÍOLA EFERENTE

DCC
TCD
3
4

DIURÉTICOS
TIAZÍDICOS

RAEC DIURÉTICOS DCME


POUPADORES
DE POTÁSSIO
DIURÉTICOS DE ALÇA 2

RAEM

DCMI

RAD RDD

Legenda: TCP – túbulo contorcido proximal; RDD – ramo descendente delgado; RAD – ramo ascendente
delgado; RAEM – ramo ascendente espesso medular; RAEC – ramo ascendente espesso cortical; TCD –
túbulo contorcido distal; JG – aparelho justaglomerular; DCC – ducto coletor cortical; DCME – ducto coletor
medular externo e DCMI – ducto coletor medular interno.
Fonte: Golan et al. (2018, p. 342).

135
Poderia explicar, de forma mais simplificada possível, que esses recep-
tores, também conhecidos como NKCC2, promovem a troca entre os íons
do meio externo para o meio interno das células, alterando o potencial da
membrana e, com isso, fazendo o controle de entrada e saída de cátions
(sódio e potássio) e de ânions (cloreto).
E por fim poderia deixar claro que a furosemida promove uma inibição
nesse tipo de receptor, pois inibe a bomba ATPase dependente, não permi-
tindo que o processo ocorra com gasto energético. Pode-se entender, então,
que a reabsorção de sódio fica diminuída, lembrando que, onde ocorre fluxo
de sódio, que está sempre associado às moléculas de água, haverá diminuição
de reabsorção de líquidos para o interior das células, aumentando a produção
do volume urinário e a diurese.
Assim, é preciso dizer à paciente que, com o volume de excreção urinária,
ocorre uma diminuição na reabsorção dos líquidos que circulam nos néfrons,
o que acarreta uma diminuição do volume sanguíneo, promovendo uma
redução da pressão arterial por diminuir a resistência vascular periférica em
todo o corpo.
Poderia complementar abordando também a diferença entre os tipos
de receptores, pois a furosemida age em um tipo específico de receptor,
com características de canal iônico; além disso, poderia citar os receptores
transmembrana acoplados à proteína G que são encontrados em maior
quantidade em nosso organismo e que participam de inúmeros processos
de controle e regulação das funções fisiológicas, sempre com a produção
de segundos mensageiros citosólicos que transmitem o sinal recebido pelo
receptor. Os receptores transmembrana acoplados a enzimas, como é o caso
dos receptores com tirosina quinase, que atuam em processos metabólicos
com ligações de fatores de crescimento e também de hormônios, entre eles
um que deve ser ressaltado, a insulina, que atua como ligante desse tipo de
receptor e realiza uma importante função do controle glicêmico.
Assim, usando os conteúdos trabalhados nesta seção sobre os tipos
de receptores, podemos estabelecer uma relação mais direta da ação dos
fármacos e seus efeitos desejados, inclusive promover críticas pela indicação
de medicamentos que não teriam uma ação direta sobre o problema de
saúde avaliado.
Esta seria uma forma bem interessante de conduzir essa orientação, mas
você ainda poderá encontrar novos caminhos. Baseado no que estudamos
nesta seção, você tem plenas condições, vá em frente!

136
Sem medo de errar

Cuidado com o agrotóxico!


A família de um agricultor da zona rural teve que ir às pressas para o
hospital mais próximo, pois o pai da família começou a passar mal durante
um dia normal de trabalho. Após fazer a pulverização da lavoura com um
pesticida a base de Malation, o pai começou a se queixar de dor de cabeça,
salivação, cólicas, náuseas e vômitos. Ainda em casa, aguardando os sintomas
melhorarem, o pai começou a apresentar sudorese, a salivação tinha aumen-
tado muito e começou a ter dificuldade para respirar. Nesse momento
seus familiares o levaram para o hospital e, durante a consulta médica, foi
verificado que as pupilas estavam contraídas e não respondiam ao estímulo
luminoso, a ausculta abdominal mostrou sinais de hipermotilidade e a
pulmonar revelou broncoespasmo com aumento de secreção pulmonar,
tendo esse quadro piorado após as primeiras horas de internação, de modo
que houve necessidade de entubar o paciente.
Considerando essas informações, um farmacêutico clínico do hospital,
especialista em análises toxicológicas e toxicologia clínica, designado pela
gestão do hospital para realizar uma orientação aos acompanhes do paciente
com relação aos sintomas apresentados, deve enfatizar porque houve uma
piora do quadro após as primeiras horas de internação e qual tratamento
deverá ser proposto pelos médicos para esse caso. Como você resolveria a
situação no lugar do profissional em questão?

Resolução da situação-problema
Para realizar a orientação, deve ser exposto aos familiares que, devido aos
sintomas apresentados pelo paciente, ficou claro que houve uma intoxicação
pelo pesticida utilizado, que é feito à base de Malation, um tipo de pesticida
que provoca a inibição da enzima acetilcolinesterase, causando um aumento
de acetilcolina (ACh) no organismo e criando um efeito tóxico colinérgico.
O aumento da disponibilidade da ACh no organismo irá ativar os receptores
nicotínicos, que são do tipo canal iônico e que podem causar problemas na
musculatura estriada (fasciculação muscular – espasmos) e provocar efeitos
relacionados aos gânglios simpáticos do sistema nervoso periférico. Esses
sintomas começam a aparecer, normalmente, de forma um pouco mais tardia
na intoxicação por organofosforados.
Outro grupo de receptores que também passa a ser muito ativado pelo
aumento da ACh são os muscarínicos, um receptor do tipo acoplado à

137
proteína G e que está em grande quantidade no organismo. Podem ser
observados sintomas envolvendo o aumento das secreções das glândulas
exócrinas (principalmente a saliva, a lágrima e o suor), problemas respira-
tórios, gastrointestinais, urinários e oculares, os quais foram percebidos no
paciente intoxicado e acompanhados pela equipe médica.
Outros sintomas apresentados, como cefaleia, agitação, tremores e
convulsão são provocados pelo efeito da ACh no sistema nervoso central e
podem perdurar por vários dias.
Os sintomas observados no paciente intoxicado foram tratados, mas
notou-se um aumento de intensidade com o passar do tempo, isso se deve
ao efeito da ACh nos diferentes tipos de receptores ativados, nicotínicos –
canais iônicos e muscarínicos – acoplados à proteína G, mas também deve
ser levada em consideração a concentração e o tempo de exposição ao pesti-
cida, pois isso determina a quantidade absorvida pelo organismo e, mesmo
não estando mais em contato direto com o produto, ainda existe uma quanti-
dade sendo absorvida e chegando ao seu local de intoxicação, no caso, as
enzimas colinesterases.
O tratamento poderia ser feito de imediato, assim que o diagnóstico fosse
estabelecido, para isso é preciso pensar em reduzir a quantidade de ACh livre
circulante no organismo, mas como isso poderia ser feito? Primeiramente
pode-se reestabelecer a ação da enzima que está inativada pelo pesticida e,
para isso, usa-se um medicamento a base de Pralidoxima, um agente que irá
ativar novamente a colinesterase, competindo com as moléculas do organo-
fosforado pelos sítios ativos de ligação com a enzima em questão, além de
causar um efeito de proteção às enzimas que ainda estejam ativas. Outro
medicamento que poderia ser utilizado é a Atropina, um antagonista dos
efeitos da acetilcolina, que competirá agora não pela enzima que está inativa,
mas pelos receptores nicotínicos e muscarínicos ainda livres para que o
excesso de ACh livre não venha a se ligar mais, diminuindo assim os efeitos
colinérgicos no paciente.
Caso o paciente apresente episódios de convulsão, pode-se administrar
um benzodiazepínico para reduzir o efeito da ACh no sistema nervoso central.
Esse é um paciente que deverá ficar vários dias em observação, pois os
sintomas não desaparecem rapidamente e também deverá ser acompanhado
para avaliar a condição muscular, sendo este um dos problemas que pode
gerar sequelas permanentes para esse tipo de intoxicação.
Essa poderia ser uma perspectiva para resolver esta situação e você ainda
poderia indicar outras maneiras de levar essas informações aos familiares.
Em função do que discutimos nesta seção, você tem plenas condições para
isso.

138
Faça valer a pena

1. Os receptores são macromoléculas que participam da sinalização química


entre as células e no seu interior, podem estar localizados na membrana da
superfície celular ou no citoplasma. Os receptores ativados regulam direta ou
indiretamente os processos bioquímicos celulares.
Assinale a alternativa correta:
a. As moléculas (fármacos, hormônios e neurotransmissores) que se
ligam ao receptor são denominadas ligantes.
b. Um ligante só pode ativar um receptor; para inativar o receptor, é
necessário esperar a ação acabar.
c. Cada ligante pode interagir apenas com dois subtipos de receptores.
d. Todos os fármacos são específicos para seus receptores, evitando
reação cruzada.
e. A afinidade a um receptor e à atividade de um fármaco são determi-
nadas por sua estrutura física.

2. Segundo Ferraz e Fernandez (2014) as integrinas são proteínas interme-


diadoras na comunicação entre o citoesqueleto celular e as proteínas plasmá-
ticas ou da matriz extracelular por meio da adesão célula a célula através
de interações com outras proteínas de membrana. A partir desse conceito,
analise as afirmações a seguir:
I. As integrinas promovem sinalização celular, realizando a transdução
de sinais por vias clássicas devido a sua estrutura molecular.
II. Sua principal função é bloquear os receptores basais, inibindo o
influxo de substâncias para a célula.
III. Quando a sinalização mediada pelas integrinas se altera, devido a
sua complexidade, podem ocorrer alguns estados patológicos, como
metástase, angiogênese e doenças inflamatórias.
Está correto APENAS o que se afirma em:
a. I.
b. II.
c. III.
d. I e III.
e. II e III.
139
3. Segundo Hauache (2001) as proteínas G intermediam a transmissão do
sinal entre os receptores acoplados às proteínas G (GPCRs) e efetores múlti-
plos, tais como enzimas e canais iônicos. Baseando-se nos conceitos que
envolvem o estudo das proteínas G e seus receptores, analise as afirmações
a seguir:
I. Os receptores acoplados à proteína G, quando ativados por um
agonista, iniciam uma reação de fosforilação da tirosina na parte
citoplasmática do receptor, ativando moléculas sinalizadoras citosó-
licas.
II. Hormônios, neurotransmissores e até fótons de luz são estruturas
que podem ativar os receptores acoplados à proteína G.
III. A classe mais abundante de receptores no corpo humano são os
receptores acoplados à proteína G e são considerados receptores
metabotrópicos com produção de diferentes tipos de segundos
mensageiros intracelulares.
Está correto APENAS o que se afirma em:
a. I.
b. II.
c. III.
d. I e III.
e. II e III.

140
Seção 3

Conceitos farmacológicos sobre as ações dos


fármacos

Diálogo aberto
Nas seções anteriores, já desenvolvemos vários assuntos sobre a ação dos
fármacos, como sua passagem pelas barreiras biológicas e os locais aos quais
podem se ligar, como os receptores. Mas como é estabelecida uma ligação
entre um fármaco e o receptor ao qual se liga? Todos os fármacos agem em
todos os tipos de receptores ou essa ação seria extremamente específica?
Essas perguntas nos levam aos conceitos a serem trabalhados nesta seção,
que mostrará a afinidade e a seletividade dos fármacos, bem como o tipo de
ação que estes podem causar nos receptores aos quais estão ligados e os seus
efeitos finais na modificação celular.
Vamos lembrar que estamos acompanhando a rotina da Farmácia
Universitária de uma renomada universidade, que conta com diversos
serviços prestados aos pacientes que atende. A farmácia possui farmacêuticos
gestores e diversos alunos que ali estagiam.
Em um dia da rotina da Farmácia Universitária, uma estagiária e o farma-
cêutico preceptor iniciaram o atendimento de uma funcionária da universi-
dade, que chegou à farmácia com a prescrição de um medicamento bronco-
dilatador para sua falta de ar. Durante a consulta farmacêutica, a paciente
relatou que, quando era mais nova, as crises de bronquite eram comuns, mas
que há muitos anos não tinha essa falta de ar. A aluna perguntou para a funcio-
nária se tomava algum outro medicamento e ela respondeu que, há cerca de
um mês, começou um tratamento para arritmia cardíaca leve, pois havia ido
ao médico com alguns sintomas típicos e teve a confirmação por exames.
Para isso estava fazendo uso de propranolol 40mg uma vez ao dia. O farma-
cêutico preceptor orientou a aluna que incluísse essa paciente no programa
de acompanhamento farmacoterapêutico da Farmácia Universitária.
Por que o farmacêutico propôs uma intervenção tão imediata para esse
caso? Quais seriam as condutas interventivas que poderiam ser tomadas
junto à paciente?
Você, aluno, considerando o contexto apresentado, no lugar da aluna
deste atendimento, como procederia nessa situação?
Perceba que o uso de medicamentos, mesmo prescritos, pode gerar resul-
tados negativos ou não esperados ao paciente, podendo levar a problemas

141
de saúde que poderiam ser evitados. Para ajudá-lo na situação-problema,
nesta seção, estudaremos o contexto da afinidade e da seletividade da ação
dos fármacos, veremos seus efeitos agonistas e antagonistas e a sua impor-
tância para o entendimento de sua ação. Também discutiremos os conceitos
de eficácia, potência e tolerância na aplicabilidade para orientação farmacêu-
tica, além de vermos a importância da ligação do receptor, a resposta tecidual
na ação dos fármacos e seus efeitos resultantes.

Não pode faltar

Seletividade e afinidade dos fármacos em seus locais de ação


A ação de um fármaco é projetada para ocupar um local na estrutura
celular em que possa realizar o efeito desejado. Esse local de ação, normal-
mente chamado de receptor, já existe no organismo e promove a ligação de
estruturas endógenas, que causam alterações celulares, com a finalidade de
manter a homeostase corporal. Para auxiliar no tratamento de determinadas
doenças (quando ocorre a perda da homeostase corporal), utilizamos os
medicamentos que, por meio de algum tipo de afinidade com o receptor,
liga-se quimicamente a essa estrutura, criando um complexo fármaco-
-receptor (FR), que pode simular uma substância endógena e, com isso,
modular o efeito celular.
Nesse sentido, a formação do complexo FR depende de fatores químicos
de seletividade e afinidade entre o fármaco e o receptor. A ligação físico-
-química que o fármaco estabelece com os receptores é a seletividade ou a
especificidade, que demonstra o grau de ação que o fármaco irá possuir na
sua preferência por determinado receptor sobre outro local de ação.
A seletividade ou especificidade é um fator muito importante na determi-
nação do local de ação do fármaco. Existem fármacos que possuem variações
na sua seletividade quanto ao local de ligação. Podemos exemplificar essa
situação com o uso de anti-inflamatórios que atuam na enzima cicloxigenase
1 – COX-1 (fisiológica) e cicloxigenase 2 – COX-2 (patológica – responsável
pelos sinais da inflamação), pois a maioria dos anti-inflamatórios é pouco
seletiva quanto à enzima a que irá se ligar, interferindo, por isso, tanto na via
fisiológica como na via patológica, o que traz uma série de reações adversas
(irritações gástricas, alteração na coagulação sanguínea, falta de ar, entre
outros). Após conhecer melhor essa enzima, criou-se uma classe de anti-in-
flamatórios mais seletivos para a via patológica, os coxibes, que possuem
maior seletividade pela COX-2 (patológica).

142
Na Figura 3.14, pode-se observar alguns tipos de interações físico-quí-
micas que são estabelecidas entre um fármaco (ligante) e a superfície de um
receptor. Caso o ligante não possua as áreas possíveis de interação com o
receptor, não haverá ligação, ou seja, não haverá seletividade.
Outro conceito que está muito relacionado com a ligação entre o fármaco
e o receptor é a afinidade, pois, a partir da ligação com o receptor, o ligante
irá provocar as modificações celulares (atividade intrínseca) e, quanto mais
forte for a ligação entre o ligante e o receptor, maior será sua afinidade e, com
isso, haverá maior intensidade de modificações celulares.
Figura 3.14 | Tipos de interações entre o ligante e o receptor

RECEPTOR
BIOLÓGICO

INTERAÇÃO INTERAÇÃO DI- INTERAÇÃO DE INTERAÇÃO INTERAÇÃO


DE VAN DER POLO-DIPOLO DE VAN DER
VAN DER WAALS ELETROSTÁTICA
WAALS WAALS

Fonte: adaptada de Arroio, Honório e Silva (2010, p. 694).

O complexo formado entre o fármaco e o receptor (FR) deve possuir um


tempo de ação determinado para provocar a atividade intrínseca necessária
para o efeito desejado. Um período de ação muito breve pode significar uma
baixa afinidade e, com isso, um efeito subterapêutico; ao contrário, um tempo
de ligação muito longo pode estar relacionado a uma alta afinidade com o
complexo FR e, com isso, causar um efeito tóxico. Na seção anterior, vimos
um exemplo de intoxicação pelo agrotóxico Malation, causado pela alta afini-
dade com o seu local de ação (inativação da enzima acetilcolinesterase) e
pelo tempo de ligação prolongado, necessitando que o paciente permane-
cesse internado para monitoramento de seu quadro colinérgico.
A quantidade e o grau de afinidade da ligação com os receptores podem
sofrer alterações por conta de modulações ou regulações positivas (up
regulation) e negativas (down regulation). A ação de certos fármacos, como
betabloqueadores, pode causar uma modulação positiva, provocando um

143
aumento na quantidade de receptores e um problema, caso um tratamento
seja interrompido repentinamente. O envelhecimento, algumas doenças
e também alguns medicamentos podem causar uma modulação negativa,
reduzindo o efeito de um tratamento ou o número de receptores celulares.
Ambos processos estão relacionados a adaptação do efeito de um fármaco,
como a tolerância, a sensibilização, entre outros.

Reflita
Podem ocorrer ligações de fármacos com estruturas não recep-
toras, como as proteínas plasmáticas. Essas ligações inespecíficas não
produzem efeito farmacológico, mas interferem no resultado final da
efetividade do fármaco. Como podemos explicar a redução do efeito
de um fármaco que possui elevada afinidade com as proteínas plasmá-
ticas? Qual seria a relação entre fármaco livre e fármaco ligado?

Ação dos fármacos – agonismo e antagonismo


Um conceito muito utilizado para demonstrar a ação dos fármacos é
o modelo de chave-fechadura, representado pelo fármaco (chave) e a sua
ligação num receptor (fechadura), como pode ser observado na Figura 3.15.
Para fins didáticos, esse modelo mostra como ocorre a atividade intrínseca
celular com a formação da estrutura FR, mas é preciso pontuar que a formação
desse complexo e a alteração celular acontecem de forma dinâmica e com
modificações constantes da estrutura receptora, de maneira que esse modelo
estático não demonstra o processo real de interação fármaco-receptor.
Figura 3.15 | Representação do modelo chave-fechadura

Sítio receptor Afinidade Atividade


Fechadura Agonista intrínseca
Chave natural
Resposta
biológica
Chave Agonista
modificada modificado Resposta
biológica

chave
falsa Antagonista Bloqueio
da resposta
biológica

Fonte: Barreiro (2015, p. 21).

144
A atividade dos fármacos pode ser observada a partir dos efeitos produ-
zidos sobre os seus receptores. Quando um fármaco se liga ao seu receptor
e cria uma estrutura FR de forma ativa, promovendo atividade celular, esse
fármaco pode ser classificado como agonista. Um fármaco que, mesmo
possuindo afinidade pelo receptor, não permite que o agonista provoque as
alterações celulares é denominado de antagonista.
Perceba que, quando o fármaco se liga ao receptor, ocorre a formação de
uma estrutura FR ativada, modificação que só ocorre com os fármacos
agonistas, os quais, além da afinidade com o receptor, possuem atividade
controlada pela eficácia dessa ligação, a partir da qual poderá ocorrer uma
resposta celular, diferentemente da ação de um antagonista, que não irá
formar uma estrutura FR ativa, como pode ser observado na Figura 3.16 a
seguir. Para a maioria dos fármacos a ligação e a ativação dos receptores é
um estado transitório e com atividade intensa, por essa razão as velocidades
de reação acontecem nos sentidos diretos (+1) e inversos (-1).
Figura 3.16 | Ligação dos fármacos nos receptores e tipo de resposta produzida

OCUPAÇÃO
ATIVAÇÃO
CONTROLADA
CONTROLADA PELA
PELA
EFICÁCIA
AFINIDADE

FÁRMACO k+1 β
A + R AR AR* RESPOSTA
(AGONISTA) k.1 α

FÁRMACO k+1
NENHUMA
B + R BR
RESPOSTA
(ANTAGONISTA) k.1

Legenda: k +1 ; k -1 ; a ; b são as constantes das velocidades das reações diretas ou inversas


que definem a ligação entre o fármaco e o receptor ( k +1 ; k -1 ) e o estado ativado do receptor
( a ; b ).

Fonte: Rang et al. (2016, p. 10).

A classificação de fármacos agonistas e antagonistas é muito abrangente


e alguns fármacos podem apresentar variações dessas atividades, como é o
caso dos agonistas parciais, que, mesmo tendo uma ocupação total dos seus
receptores, apresentam a produção de uma resposta parcial. Outro tipo de
agonista, que não se encaixa na classificação inicial, são os agonistas inversos,
os quais reduzem a atividade intrínseca do receptor livre, ou seja, mesmo

145
não ocupado, ocorre a redução da atividade celular provocada por esse tipo
de agonista.

Exemplificando
A adrenalina é um agonista endógeno de diversos receptores, entre eles
os receptores beta, que são ativados e desenvolvem suas atividades
celulares. Por exemplo, a ligação de adrenalina nesses receptores, se
forem no pulmão, irão causar uma broncodilatação. O propranolol é um
fármaco que possui uma afinidade muito grande também com recep-
tores beta, porém a ligação desse fármaco nos receptores beta causa
sua inativação, bloqueando a atividade celular.

Os fármacos antagonistas bloqueiam os receptores e impedem sua


ativação, esse processo pode ser realizado de formas diferentes de acordo
com a natureza do antagonista e o efeito que ele pode ter sobre o receptor.
Os antagonistas competitivos ligam-se de forma reversível a um
receptor, impedindo a ação do agonista, mas ficam suscetíveis ao desloca-
mento (competição) no caso de um aumento da concentração do agonista no
mesmo local. Um exemplo de antagonismo competitivo é a ação do captopril,
um inibidor da enzima conversora de angiotensina, que se liga na enzima por
um determinado período e depois consegue desfazer a ligação para que não
ocorra uma hipotensão.
Outro grupo de antagonistas são os de ligação irreversível com o receptor.
Devido a ligações mais estáveis (covalentes) no complexo FR, essa ligação
reduz a quantidade de receptores disponíveis para as moléculas agonistas e
não sofre deslocamento (saída do receptor) pelo aumento da concentração
do agonista. Esse tipo de antagonista causa alteração de eficácia quando
comparado com o agonista no gráfico de curva dose-resposta (ver adiante),
mas não altera a potência. Um exemplo de antagonismo irreversível é a ação
dos inibidores de bomba protônica (IBP) que reduzem a acidez estomacal,
como o omeprazol. As bombas protônicas, quando não apresentam ativi-
dade, são inibidas irreversivelmente pelo omeprazol e perdem sua atividade,
sendo reabsorvidas pelo organismo num período de 24 horas.

Assimile
Um antagonista pode atuar em um receptor completamente separado,
iniciando eventos que são funcionalmente opostos aos do agonista. O
exemplo clássico é o antagonismo funcional pela epinefrina da bronco-
constrição induzida por histamina. A histamina se liga aos receptores H1

146
histamínicos na musculatura lisa bronquial, causando broncoconstrição
da árvore brônquica.
[...] A epinefrina é um agonista nos adrenoceptores
b2 na musculatura lisa bronquial, que causa o
relaxamento do músculo. O antagonismo funcional
também é conhecido como “antagonismo fisiológico.
(WHALEN, 2016, p. 34 ).

As alterações causadas pelos antagonistas podem ser observadas nos


gráficos de dose-respostas a seguir (Figura 3.17), os quais demonstram as
alterações de potência (gráfico A), típica dos antagonistas competitivos, e
as alterações de eficácia (gráfico B), que são características dos antago-
nistas não competitivos (irreversíveis), pois, independentemente da concen-
tração de agonista, não haverá ativação do receptor ocupado por esse tipo
de antagonista.
Figura 3.17 | Ação de antagonistas sobre a curva dose-resposta de agonistas
A ANTAGONISTA COMPETITIVO

100
AGONISTA ISOLADO
% DE RESPOSTA

AGONISTA + ANTAGONISTA
50

ANTAGONISTA ISOLADO
0

B ANTAGONISTA NÃO COMPETITIVO

100
AGONISTA ISOLADO

AGONISTA + ANTAGONISTA
% DE RESPOSTA

50

ANTAGONISTA ISOLADO
0

CONCENTRAÇÃO DE AGONISTA OU DE ANTAGONISTA

Fonte: Golan et al. (2018, p. 22).

Eficácia e potência dos fármacos


Um dos fatores que tem influência direta no efeito produzido pelo
fármaco é o estudo da sua curva de dose-resposta, como pode ser observado
na Figura 3.18, que estabelece a relação da concentração do fármaco no seu
local de ação e que depende da dose inicial administrada. Um fármaco pode

147
ser mais potente do que outro e isso passa a ser observado quando um novo
fármaco, que possui a mesma finalidade de outro, consegue atingir o seu
efeito máximo com doses cada vez menores.
Os gráficos da Figura 3.18 são mostrados em escala linear (A) e com os
mesmos valores num gráfico semilogarítmico (B), comparando o fármaco
A, mais potente, com o fármaco B, menos potente, e ambos com a mesma
eficácia, pois atingem 100% do efeito medido.
Outra informação que esse tipo de gráfico nos mostra é a concentração
efetiva em 50% ( CE50 ), que está relacionada à metade da dose necessária
para atingir o efeito desejado. Essa é uma medida direta para comparar a
potência entre os dois fármacos, pois quanto menor for o CE50 do fármaco,
mais potente ele será.
Figura 3.18 | Efeito da dose e intensidade da resposta farmacológica

A 100
FÁRMACO A
B 100
FÁRMACO A
PORCENTAGEM DO

PORCENTAGEM DO
FÁRMACO B
EFEITO MÁXIMO

EFEITO MÁXIMO
FÁRMACO B

50 50

CE50

0 0
[FÁRMACO] log[FÁRMACO]

A CE50 É A CONCENTRAÇÃO DO FÁRMACO A POTÊNCIA DO FÁRMACO PODE SER COM-


QUE PRODUZ UMA RESPOSTA IGUAL A PARADA USANDO A CE50: QUANTO MENOR A
50% DA RESPOSTA MÁXIMA. CE50, MAIS POTENTE É O FÁRMACO.

Legenda: CE50: dose de fármaco que causa 50% da resposta máxima.

Fonte: Whalen (2016, p. 30).

148
Reflita
Observando o gráfico Figura 3.19, quais são as diferenças existentes
entre potência e eficácia comparando os fármacos A, B e C?
Figura 3.19 | Comparação entre fármacos com diferença de potência e eficácia

100
EFEITO BIOLÓGICO

FÁRMACO FÁRMACO
50
A B

FÁRMACO
C
LOG DA CONCENTRAÇÃO DE FÁRMACO
0

CE50 DO CE50 DO CE50 DO


FÁRMACO A FÁRMACO B FÁRMACO C

Fonte: Whalen (2016, p. 31).

Perceba que o estudo da ação dos fármacos nos seus locais de ação
(receptores, enzimas e outros) provocam diferentes tipos de atividade intrín-
seca nas células ou a inibição dessas atividades. Uma forma de promover o
aumento de uma resposta celular (atividade intrínseca) pode ser aumentando
a concentração de um agonista no seu local de ação, mas também pode ser
usando um inibidor (antagonista), caso o sistema tenha regulação contrária
para exacerbar a ação do agonista endógeno.
Esse tipo de estratégia é muito utilizado para alterar os efeitos do organismo
quando são controlados pelo sistema nervoso simpático (vias adrenérgicas)
ou parassimpático (vias colinérgicas), sendo esse um conhecimento muito
importante no manejo farmacológico de um determinado usuário de
medicamentos.

Sem medo de errar

Na situação-problema abordada nesta seção, uma funcionária da


universidade chegou na Farmácia Universitária com uma prescrição para
o uso de medicamento broncodilatador para sua falta de ar e, na consulta

149
farmacêutica, relatou que, há cerca de um mês, tinha começado um trata-
mento para arritmia cardíaca leve, fazendo uso de propranolol 40mg uma vez
ao dia. Ela teve indicação imediata para inclusão no programa de acompa-
nhamento farmacoterapêutico da Farmácia Universitária. Assim tínhamos
que entender por que o farmacêutico propôs uma intervenção tão imediata
para esse caso e quais seriam as condutas interventivas que poderiam ser
tomadas junto à paciente.
Para entender a urgência do atendimento, precisamos lembrar que o
propranolol é um fármaco betabloqueador não específico, ou seja, ele possui
afinidade com receptores beta-1 (presentes no coração) e beta-2 (presentes
nas artérias, pulmões e fígado). No contexto desse atendimento, é possível
que o propranolol esteja fazendo bloqueio dos receptores beta por todo o
organismo. Sua indicação para o tratamento de arritmias leves está correta,
mas a paciente apresenta um histórico de doença respiratória, a qual pode
causar uma reação adversa que deve ser manejada devido ao bloqueio dos
receptores beta-2 presentes nos pulmões.
Durante o atendimento deve-se fazer uma abordagem para saber a
intensidade da falta de ar sentida pela paciente, que chegou ao ponto de
procurar a assistência médica com sua prescrição de um broncodilatador. A
aluna deve perceber que se trata de uma falta de ar quase severa, que pode
piorar enquanto o tratamento com propranolol for mantido, já que a taxa de
ocupação dos receptores é gradual e, como estava ainda no início do trata-
mento, o quadro de dispneia tende a ficar mais intenso nos próximos meses.
Após avaliar a reação adversa, a aluna poderia verificar a melhor maneira
de manejar o uso dos medicamentos por essa paciente. No caso do propra-
nolol, um betabloqueador, a interrupção abrupta pode causar diversos
sintomas de efeito rebote devido à modulação positiva da densidade dos
beta-receptores, causando aumento da pressão, crises de angina e aumento
da arritmia.
Como a paciente havia iniciado o tratamento há cerca de um mês, e os
sintomas da falta de ar tinham aparecido há pouco tempo, pode-se avaliar
que não se tratava de um tempo tão longo de tratamento, mas mesmo assim
a aluna poderia orientar sobre as consequências da interrupção desse trata-
mento, de modo a intervir junto ao médico prescritor a respeito disso por
meio da elaboração de um relatório para encaminhar a ele. Assim o prescritor
poderia avaliar a substituição de um fármaco por outro para o tratamento da
arritmia, podendo este ser um betabloqueador mais seletivo para receptores
beta-1, como o metoprolol; ou, então, poderia avaliar a necessidade de um
esquema de retirada gradual do propranolol, substituindo-o por um medica-
mento de outra classe terapêutica.

150
Nesta situação-problema, podemos entender que a investigação para
identificação de reações adversas, traz a percepção dos efeitos de determi-
nados medicamentos de que um paciente faz uso e que estão repercutindo no
seu estado de saúde, é primordial para otimizar a farmacoterapia e torná-la
mais adequada. Devemos sempre ter em mente que o atendimento farmacêu-
tico muitas vezes é a última oportunidade que o paciente terá para conversar
com um profissional da saúde, que pode avaliar uma determinada condição e
intervir para o melhor resultado no seu tratamento medicamentoso.
Essa seria uma maneira de intervir junto a essa paciente para tentara
resolver o problema, mas, a partir do que trabalhamos nesta seção, você
tem plenas condições de apresentar outros caminhos para a resolução, vá
em frente!

Avançando na prática

Papel do farmacêutico em um caso de overdose em um gran-


de hospital
Um paciente foi trazido para o setor de emergência de um grande e
renomado hospital, apresentando um quadro de baixa frequência respiratória
(6 a 8 respirações por minuto), que estava muito superficial, inconsciência e
não responsividade, pulso fraco e lento (60 batimentos por minuto), pupilas
contraídas e não reativas. No exame físico foi possível observar marcas de
punções venosas nos dois braços. O médico avaliou o paciente e atribuiu
máxima urgência ao caso, suspeitando de uma overdose por opioides.
Após os primeiros procedimentos para a manutenção da vida do paciente,
a equipe clínica do hospital foi reunida com extrema urgência para discutir
a conduta imediata a ser tomada no contexto do tratamento medicamentoso
desse paciente.
Se você fosse o farmacêutico clínico do hospital, responsável por realizar
intervenções farmacêuticas e emitir um parecer farmacêutico a outros
membros da equipe de saúde com o propósito de auxiliar, seja na seleção,
adição, substituição, ajuste ou interrupção da farmacoterapia do paciente,
como você procederia nessa situação?

Resolução da situação-problema
Para atender à solicitação da equipe clínica do hospital, você deve consi-
derar que o paciente apresenta sinais e sintomas muito característicos de
overdose por opioides, principalmente pela miose (contração das pupilas)

151
e a depressão respiratória, que passa a ser o principal problema enfrentado
nessa situação, podendo evoluir para uma parada respiratória e, por isso, a
urgência dada ao atendimento.
Opioides como a heroína são substâncias com atividade semelhante à
morfina, analgésico potente usado em casos de dores crônicas e elevadas,
mas que pode induzir a processos de tolerância e causar dependência física
pelas características farmacológicas que apresenta.
Essa classe de substâncias pode se ligar nos receptores acoplados à
proteína G do tipo mu ( µ), kappa ( k ) e delta ( d ) e a seus subtipos, reduzindo
a liberação de neurotransmissores e diminuindo a capacidade de resposta
celular aos neurotransmissores estimulatórios. Sabe-se que a estimulação
dos receptores mu pode provocar analgesia (principal efeito esperado da
morfina e seus derivados), mas também pode provocar euforia, depressão
respiratória e dependência.
A diferença entre os opioides é o tempo de ação: os que são usados como
medicamentos analgésicos têm tempo de ação mais longo, como a morfina,
codeína e metadona; já a heroína é uma substância de ação rápida, com
duração mais curta e que causa uma euforia inicial mais intensa, sendo, em
seguida, metabolizada em morfina.
O uso contínuo dessas substâncias pode causar um efeito de tolerância
ao medicamento ou da droga. A tolerância é uma forma de o organismo
reagir a uma droga ou fármaco cujo uso esteja sendo contínuo, o que provoca
uma redução na resposta do efeito da substância. Isso faz com que o paciente
tenha necessidade de elevar a dose do medicamento para conseguir os
mesmos resultados, porém a faixa de toxicidade da substância não se altera,
deixando o paciente cada vez mais próximo de uma intoxicação medica-
mentosa. A tolerância aos opioides acontece de forma gradual devido à ação
direta dessas substâncias nos neurônios e, por isso, pode ser classificada
como uma tolerância celular. Também pode ocorrer a tolerância cruzada
entre os opioides e outras substâncias que atuam no sistema nervoso central,
como benzodiazepínicos, álcool e alguns estimulantes.
Conhecendo um pouco mais sobre os opiáceos, fica mais fácil de
entender a urgência para o caso e também de se estabelecer um parecer
para o tratamento a ser considerado pela equipe clínica. Para esse tipo de
overdose pode-se fazer uso de um medicamento antagonista competitivo
de opioides para reduzir os efeitos provocados por sua estimulação exces-
siva. A substância escolhida é a naloxona, um antagonista competitivo de
opioides que reduz os seus efeitos de forma bem rápida, de modo que, logo
após sua administração, provoca sintomas de síndrome de abstinência para

152
pacientes que já tenham algum tipo de dependência, apresentando suor
excessivo, náusea e vômito, dor muscular, dilatação das pupilas, entre outros.
A rápida estabilização de pacientes com overdose de opiáceos é muito
importante para que não ocorra uma parada respiratória ou um grande
rebaixamento de consciência que possa levar o paciente ao óbito. No caso
desse paciente, o aumento gradativo da dose do opioide, pelo uso não
médico, é justificado pela tolerância ao medicamento, o que fez com que
o paciente fizesse uso de doses cada vez maiores com a tendência de um
quadro de intoxicação.
Nessa situação-problema você pôde perceber que o farmacêutico, como
profissional de saúde, sempre poderá contribuir com seus conhecimentos em
farmacologia em diversas situações da rotina profissional.

Faça valer a pena

1. Sabemos que uma molécula agonista é capaz de desencadear uma ativi-


dade bioquímica celular, enquanto que uma antagonista as inibe.
Assinale a alternativa correta.
a. As enzimas são exemplos de agonistas endógenos.
b. Fármacos são exemplos de agonistas exógenos.
c. Os agonistas parciais desencadeiam uma resposta completa no corpo.
d. Os agonistas seletivos possuem mais de um receptor específico.
e. Os agonistas inversos são sinônimos de antagonistas.

2. Quando ouvimos falar de resistência a medicamentos, vem a nossa mente


os antibióticos, pois, graças ao uso incorreto desse medicamento, temos
propiciado o desenvolvimento de bactérias cada vez mais resistentes aos
antibióticos conhecidos.
Sobre o uso de antibióticos e resistência bacteriana, assinale a alternativa
correta.
a. Para inibir a resistência ao medicamento, é necessário ingerir ibupro-
feno 40 minutos antes do antibiótico.
b. A posologia correta do antibiótico é ingerir apenas quando se tem os
sintomas e, assim que desaparecerem, é necessário parar de ingerir a
medicação.

153
c. É necessário ingerir refrigerante ou suco cítrico junto com o antibió-
tico, provocando assim uma sinergia positiva.
d. Tolerância é sinônimo de resistência a medicamentos.
e. As bactérias se tornam resistentes ao medicamento devido a alguns
fatores, mas principalmente em decorrência de mutações que acabam
passando para as próximas gerações.

3. Afinidade, eficácia, potência, tolerância, seletividade são um conjunto


de palavras que implicam diretamente na escolha e resultado da terapia do
paciente e que determinam qual o tipo mais adequado de medicamento a ser
administrado naquele momento.
Analise as afirmações a seguir.
I. Podemos definir potência como a “força” do medicamento, ou seja,
o quanto de princípio ativo é necessário para se ter o efeito desejado
no corpo.
II. Devemos sempre aumentar a dose de medicamento do paciente
quanto maior for a tolerância dele.
III. Eficácia e efetividade, na prática, são sinônimos e querem dizer que
o tratamento é adequado ao paciente.
É correto apenas o que se afirma em:
a. I.
b. III.
c. I e II.
d. I e III.
e. II e III.

154
Referências
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WHALEN, K.; FINKEL, R.; PANAVELIL, T. A. Farmacologia ilustrada. 6. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2016. E-book.
Unidade 4
Dreisson Aguilera de Oliveira

Reações adversas aos fármacos e avaliação de


riscos

Convite ao estudo
Olá, estudante!
Já aconteceu de você tomar um medicamento e de repente sentir náusea ou
tontura ou ter notado alguma outra alteração não esperada para esse medica-
mento? Imagine tal situação em um ambiente hospitalar, onde acontece um
aumento no uso de medicamentos em cada paciente! Essas podem ser as
reações adversas aos medicamentos (RAM), que popularmente são chamadas
de efeitos colaterais. Você sabia que existem diferenças entre eles?
Iremos abordar os efeitos que os medicamentos podem causar, analisan-
do-os de várias formas, não apenas de sua farmacocinética ou farmacodinâ-
mica, mas também dos outros efeitos que podem causar em nosso organismo.
Pensando no seu futuro profissional, queremos propor-lhe a habilidade de
poder contribuir para o fortalecimento do rastreamento e notificação das
reações adversas aos fármacos, de ser capaz de gerenciar o risco da utilização
e favorecer o uso racional de medicamentos.
Dessa forma, os conteúdos apresentados nesta unidade, como os
estudos das reações adversas e os possíveis efeitos tóxicos dos fármacos,
vão procurar identificar fenômenos e correlacionar as informações neces-
sárias para que possibilitem o trabalho da farmacovigilância em identificar
as reações adversas dos fármacos, sejam aquelas conhecidas ou as que ainda
não foram reportadas, além de realizar o manejo do risco envolvido no uso
de medicamentos.
Nesta unidade, vamos começar estudando as reações adversas e como
fazer o acompanhamento delas, mostrando a diferença entre o efeito tóxico
e o terapêutico e a importância de realizar a notificação de tais reações. Em
seguida iremos trabalhar os riscos que os tratamentos podem oferecer e
entender um pouco mais sobre os riscos, os benefícios e seu gerenciamento
sobre os diversos tratamentos disponíveis. E finalizaremos com os aspectos
clínicos dos tratamentos, levando em consideração as diferentes doses
a serem administradas e como a posologia pode interferir no tratamento,
discutindo sobre o efeito placebo e os fatores que podem levar um paciente a
ser resistente ou tolerante a um determinado medicamento.
Por esta ser a nossa última unidade, espero que possamos abordar esses
assuntos e, com eles, promover uma visão geral sobre a farmacologia e sua
importância para o profissional farmacêutico, não apenas com relação ao
saber mais sobre o fármaco, mas também ao entender mais o seu efeito em
um paciente, cuja saúde sempre será nosso objetivo, sendo os medicamentos
as ferramentas necessárias para que possamos ajudá-lo. Além disso, esses
conhecimentos vão nos dar base para auxiliar toda a equipe de saúde.
Seção 1

Reações adversas

Diálogo aberto
A busca pela solução de um problema de saúde normalmente estará
relacionada com o uso de medicamentos, pois, embora não sejam necessá-
rios em alguns casos, eles serão lembrados, na maioria das vezes, como uma
das formas de tratamento disponíveis para esses problemas. No entanto, não
podemos desconsiderar que os fármacos também podem produzir efeitos
indesejados, desde uma simples dor de cabeça ou náusea, causada pelo uso
de um medicamento, até casos mais graves, como o da talidomida, que já
foi comentado em seções anteriores, causando focomelia nos fetos e muitos
problemas no sistema de saúde de diversos países.
Para nos auxiliar nesta seção, iremos acompanhar a rotina de um farma-
cêutico que atua em ambiente hospitalar e desenvolve suas atividades na
farmácia do local, cuidando da cadeia logística do medicamento, bem como
prestando auxílio à equipe de saúde das unidades de internação com visita
aos leitos dos pacientes e participação ativa nas discussões clínicas dos casos
apresentados e de comissões hospitalares.
O uso de medicamentos deve ser feito com cautela e orientação em
qualquer lugar, seja em uma situação ambulatorial (prescrição médica
recebida em uma consulta médica) ou em uma situação de internação hospi-
talar, que normalmente aumenta a quantidade de medicamentos utilizados
por paciente. Entre as possíveis situações, quais são os cuidados que devem
existir quanto ao uso dos medicamentos? Esses cuidados dependem de
quem: do paciente ou dos profissionais da saúde? E se o paciente tiver alguma
reação, esta pode ser atribuída ao medicamento em uso? O que deve ser feito
quando um paciente apresenta alguma reação que pode ser originada pelo
uso de um medicamento?
Perceba que o uso de medicamentos é algo muito corriqueiro, mas que
precisa de certos cuidados e requer uma atenção redobrada de todos os
profissionais que participam desse uso, desde a prescrição, separação, prepa-
ração, administração e até o acompanhamento do medicamento, principal-
mente se o tratamento estiver sendo realizado em um hospital.

161
Certa vez um paciente de 51 anos deu entrada no pronto-socorro do
hospital em que o nosso colega farmacêutico trabalha. Ele apresentava um
quadro muito característico de hepatite, com icterícia, fadiga, náuseas e
vômitos, colúria (urina com cor escura), bilirrubina (total) e transaminases
(ALT e AST) elevadas e por isso foi internado. Durante a anamnese médica,
o paciente relatou fazer uso de alguns medicamentos, o que não foi muito
salientado por ele, mas mesmo assim o médico acionou o serviço de farmácia
para uma investigação dessa informação, enquanto solicitava a investigação
viral e bacteriana do caso.
O farmacêutico foi realizar uma reconciliação medicamentosa com o
paciente para verificar quais medicamentos de uso contínuo ele tomava e,
assim, selecionar algum que ele pudesse usar naquele momento. O paciente
relatou fazer uso de amoxicilina com clavulanato, para uma infecção de
garganta que estava tratando há cinco dias, e disse estar consumindo parace-
tamol diariamente por conta própria devido à dor que estava sentindo,
tomando cerca de cinco a seis comprimidos por dia, um a cada vez que sentia
dor. O paciente relatou ser etilista, mas porque estava fazendo tratamento
com antibiótico, não havia feito uso de álcool nesses dias.
Perceba que estamos diante de um caso muito comum: o de um paciente
que, durante o tratamento de uma infecção de garganta, apresentou compli-
cações de saúde com um quadro de hepatite, podendo esta ser uma infecção
concomitante. Caso os resultados para detecção da origem da hepatite sejam
negativos para ação viral ou bacteriana, qual outra possibilidade existe para
esse caso? No lugar do farmacêutico que está acompanhando o caso junto
com toda a equipe de saúde do hospital, qual seria a sua análise? Como
poderia ser tratado esse caso? Poderíamos desconfiar de algum problema
relacionado ao uso de medicamentos?
Nesta seção iremos trabalhar com as reações adversas aos medicamentos,
diferenciando alguns termos técnicos sobre esse assunto, assim como a
importância das notificações das reações adversas observadas em pacientes e
o estudo sobre a farmacovigilância.
Utilizando os conteúdos dessa seção, procure criar algumas hipóteses
para esse caso e discuta com seus colegas sobre os possíveis desfechos.

162
Não pode faltar

O efeito colateral e a reação adversa dos medicamentos


Inicialmente é válido entendermos melhor os diferentes conceitos
aplicados aos efeitos dos medicamentos, como: evento adverso, efeito e
reação adversa, efeito colateral. A diversidade desses conceitos dificulta a
pesquisa e a forma precisa sobre um determinado termo e, por isso, há uma
certa confusão em sua utilização.
Entende-se como evento adverso um incidente que tenha acontecido
em decorrência de procedimentos adotados com o paciente e que pode ou
não causar dano, não sendo considerado o processo de evolução natural da
doença existente. O evento adverso pode ser potencial quando não chega
a atingir o paciente e é identificado antes de sua ocorrência; mas, quando
um evento causa dano ao paciente, este pode ser classificado como prejuízo
temporário ou permanente de acordo com o dano causado.
Um evento adverso pode estar relacionado tanto ao uso de um medica-
mento quanto aos equipamentos e materiais utilizados e às condutas adotadas.
Um erro de medicamento, seja por prescrição, separação ou administração,
é um evento adverso relacionado ao medicamento. Mas também pode ser
considerado um evento adverso a falta de qualidade de um material utilizado
que cause dano ao paciente.
Quando falamos de uma reação ou efeito adverso, estamos nos referindo
ao uso de medicamentos, mas é preciso entender a diferença entre esses dois
termos que são utilizados como sinônimos. Ambos realmente são conside-
rados como o mesmo fenômeno, mas sob ópticas diferentes. A reação adversa
é quando o paciente manifesta sinais e sintomas que podem ter sido causados
pelo uso de um medicamento. Já os efeitos adversos são aqueles causados
pelo medicamento no paciente. Então, a reação é do paciente, mas o efeito é
do medicamento.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (2010, p. 42), reação adversa é
“qualquer resposta prejudicial ou indesejável e não intencional a um medica-
mento, a qual se manifesta após a administração de doses normalmente utili-
zadas no homem para profilaxia, diagnóstico ou tratamento de doença ou
para modificação de função fisiológica ”.
No meio profissional o uso do termo efeito colateral não é muito recomen-
dado, pois lhe são atribuídas outras características que podem levar a uma
interpretação errada dos sintomas que o paciente possa apresentar. O efeito
colateral é, na verdade, um efeito secundário do medicamento, não sendo o

163
efeito principal ou o esperado pela sua ação, os quais podem ser benéficos ou
não, como a sonolência causada por um anti-histamínico: se o objetivo desse
medicamento é a redução de uma reação alérgica, a sonolência é um fator
negativo; mas, se ele é usado à noite com a intenção de melhorar a indução ou
a qualidade do sono, nesse caso temos um efeito secundário benéfico.

Exemplificando
Um medicamento que pode causar um efeito colateral desejado é a
metoclopramida, um antiemético cujo efeito principal é o de redução
da náusea e do vômito, que, quando utilizado em mulheres puerpérias,
possui um efeito secundário galactogogo, ou seja, possui capacidade
de aumentar a secreção de leite produzido pelas glândulas mamárias
devido a seu efeito antidopaminérgico com aumento de prolactina no
sangue. Mesmo que essa seja uma prática clínica muito comum, não há
evidências científicas que comprovem seu real efeito galactogogo.
Vários outros medicamentos que possuem efeitos secundários utili-
zados na prática clínica podem ser citados, como o topiramato, a
amitriptilina, entre outros.

O efeito terapêutico e toxicológico dos medicamentos


A ação terapêutica de um medicamento é o que se espera de seu efeito para
o tratamento ao qual foi destinado. Para isso, a ação do medicamento deve
ser a mais específica possível, pois assim evita-se sua ação em outros recep-
tores que possam causar algum tipo de reação adversa, como já se comentou
sobre o uso e os efeitos adversos de broncoconstrição do propranolol.
Para que um medicamento tenha seu efeito terapêutico, é necessário que
a dose alcance uma concentração plasmática ideal, o suficiente para ocupar
os receptores e provocar os efeitos celulares desejados. Essa concentração é
definida como concentração mínima efetiva. Uma forma de avaliar a dose e
a concentração é a análise plasmática do fármaco e a construção da curva de
concentração pelo tempo, criando uma região no gráfico conhecida como
área sob a curva (AUC – do inglês: area under the curve), que mostra o
comportamento da concentração do fármaco durante uma única dose, com
um momento ascendente, um pico máximo de concentração e uma descen-
dente, na qual se estabelece a concentração ou janela terapêutica, subtera-
pêutica e tóxica em relação à linha da concentração mínima efetiva, como
mostra a Figura 4.1.

164
Figura 4.1 | Concentração de um fármaco em relação ao tempo

8 CONCENTRAÇÃO MÍNIMA PARA EFEITOS


ADVERSOS
7
PICO DO
EFEITO
6
JANELA TERA-
5 PÊUTICA
CONCENTRAÇÃO

INTENSIDADE
DO EFEITO
4 DURAÇÃO DA AÇÃO

3 CONCENTRAÇÃO MÍNIMA PARA EFEI-


TOS DESEJADOS
2

1 INÍCIO DO
EFEITO
0
0 20 40 60 80 100 120
TEMPO

Fonte: adaptada de Perfil... ([s.d.]).

Durante o aumento da concentração, pode-se afirmar que a absorção do


fármaco é maior do que os outros processos que acontecem simultaneamente
(distribuição, metabolização e excreção), por isso sua concentração fica cada
vez maior. No momento em que ocorre o pico máximo de concentração do
fármaco, estão acontecendo simultaneamente todas as etapas farmacociné-
ticas, havendo, ainda, um equilíbrio entre todas elas (entrada e saída). Em
seguida, a diminuição da concentração do fármaco acontece pela redução
de sua absorção e aumento da metabolização e excreção, até chegar a níveis
muito baixos, próximos de zero (o que pode acontecer em algumas horas ou
até levar vários dias em alguns casos).
O tempo de duração do efeito do fármaco depende do seu comporta-
mento para construção desse gráfico de concentração, que mostrará se o
fármaco possui um efeito mais curto ou mais longo, fornecendo dados para a
posologia a ser utilizada (uma vez ao dia, três vezes ao dia, etc.).

Assimile
Um dos benefícios de se conhecer a concentração do fármaco pelo
tempo de ação, como nos mostra o gráfico anterior, é a concentração
terapêutica, que está entre as concentrações geradoras de efeito
mínimo eficaz (limite mínimo) e efeito tóxico (concentração máxima
tolerada, limite máximo). A relação entre as concentrações terapêuticas
e tóxicas são chamadas de índice terapêutico (I.T.) do fármaco. Medica-
mentos com amplo I.T. apresentam uma ampla faixa de concentração

165
que leva ao efeito requerido, pois as concentrações potencialmente
tóxicas excedem nitidamente as terapêuticas; esta faixa de concen-
tração é denominada “janela terapêutica”.
Infelizmente, muitos fármacos apresentam uma estreita janela terapêu-
tica (I.T. < 10) por apresentarem uma pequena diferença entre as
concentrações terapêuticas e tóxicas. Nesses casos, há a necessidade
de cuidadosa monitoração da dose, dos efeitos clínicos e mesmo das
concentrações desses fármacos na corrente sanguínea, visando a
assegurar eficácia sem toxicidade.
O índice terapêutico de um fármaco é a razão entre a dose tóxica e a
dose capaz de produzir a resposta clinicamente desejada.
Na prática, o índice terapêutico é calculado a partir da razão entre a
dose letal da droga para 50% da população (DL 50) e a dose mínima
efetiva em 50% da população (DE 50) (COLUNISTA PORTAL-EDUCAÇÃO,
c2020)

Graças à janela terapêutica de cada medicamento, estes podem apresentar


efeitos tóxicos caso ingeridos em dosagens excessivas ou até mesmo caso
tenham efeito adverso causado pelo fármaco; dentre esses efeitos, tem-se a
hepatotoxicidade, que pode ser causada pelo paracetamol, pela isoniazida,
entre muitos outros. Outro efeito que os fármacos podem causar é a nefroto-
xicidade, como ocorre com a maioria dos anti-inflamatórios não esteroidais
(AINEs) e os inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA). Esses
dois efeitos tóxicos são muito discutidos e evidentes, já que os órgãos envol-
vidos têm ação direta na metabolização e na excreção dos fármacos, tornan-
do-se alvos fáceis aos efeitos adversos dos medicamentos.
A toxicidade de um fármaco pode surgir em consequência de diversos
fatores envolvidos em seu uso, como a superdosagem, o uso indiscriminado
ou a falta de orientação. Outro fator, ainda, são as interações medicamen-
tosas, pois o uso de um fármaco pode potencializar o efeito de outro fármaco
e isso também aumenta as reações adversas entre eles. Outro mecanismo
envolvido na toxicidade dos fármacos está relacionado ao seu efeito, a uma
toxicidade induzida tanto em nível celular como em tecidual pelos efeitos de
hipersensibilidade e reações autoimunes aos medicamentos.
Outro efeito que precisa ser sempre lembrado é a teratogenicidade, ou
seja, a capacidade que um fármaco possui de causar alterações e más-forma-
ções no feto durante a gestação. Essa é uma das pesquisas realizadas durante a
fase pré-clínica do fármaco com testes em animais para verificar sua possível
capacidade de teratogenicidade. Esse tipo de teste não é feito na fase clínica,
porque os fármacos não são testados em grupos de gestantes, já que esta seria
uma ação antiética.

166
Reflita
Imagine uma situação em que um paciente apresenta uma gastrite
como doença de base e fica muito gripado, com dor de garganta. O
médico receita alguns medicamentos para amenizar os sintomas da
gripe e entre eles um AINE. Considerando essa situação, o AINE estaria
contraindicado para o caso desse paciente? Quais são as principais
reações adversas causadas pelos AINEs?

Farmacovigilância e notificação das reações adversas aos


medicamentos
Segundo a OMS, farmacovigilância é a ciência e as atividades relacionadas
com a detecção, avaliação, compreensão e prevenção de reações adversas ou
qualquer outro possível problema relacionado com medicamentos. Assim,
o objetivo da farmacovigilância é o de reconhecer as reações adversas aos
medicamentos (RAM), bem como buscar meios para sua prevenção.
Dentre os objetivos da farmacovigilância pode-se citar melhorar o
cuidado e a segurança do paciente em relação ao uso de medicamentos e
todas as intervenções médicas, melhorar a saúde pública, identificar os efeitos
indesejáveis ou desconhecidos com o uso de medicamentos, avaliar a relação
de causalidade e identificar os fatores de risco, quantificar esse risco, além
de informar aos prescritores, a outros profissionais sanitários, às autoridades
sanitárias e ao público sobre todos os eventos relacionados aos medicamentos.
O consumo excessivo de medicamentos ou seu uso inadequado é uma
das causas para o aparecimento de reações adversas, intoxicações, alergias,
agravamento de doenças já existentes ou surgimento de novas doenças, além
de outros problemas de saúde. Muitas vezes, essas ocorrências geram inter-
nações hospitalares e aumento da mortalidade com impacto significativo nos
gastos em saúde.

Assimile
Cerca de 30% das internações hospitalares são causadas por algum tipo
de evento adverso a medicamentos, podendo ser erro de uso, reação
adversa, intoxicação, entre outros, sendo que a maioria desses eventos
são evitáveis.
O conhecimento dos fatores de risco específicos para os eventos
adversos relacionados aos medicamentos permite implantar ações
direcionadas para sua prevenção e para a melhoria da segurança do
sistema de utilização de medicamentos em todos os âmbitos, mas princi-

167
palmente no hospitalar. Assim, o gerenciamento de risco do processo
de utilização de medicamentos representa um importante instrumento
para a saúde pública (CAPUCHO et al., 2011).

Assim, os casos de reações adversas devem ser notificados para a Anvisa


por um profissional da saúde ou pelo próprio usuário ou cuidador.
O NOTIVISA é o sistema de informação que visa a fortalecer a vigilância
pós-uso/pós-comercialização dos medicamentos (fase 4 de pesquisa clínica),
hoje conhecido como VIGIPÓS, por meio do monitoramento de eventos
adversos (EA) e de queixa técnica (QT) associados aos produtos sob
vigilância sanitária.
A atuação da VIGIPÓS ocorre na fase da pós-comercialização/pós-uso,
na qual é realizado o monitoramento dos produtos durante o período de
utilização pela sociedade, por meio da avaliação de relatos de EA e possíveis
desvios de qualidade, sendo uma importante fase do gerenciamento do risco
sanitário realizado pelo sistema nacional de vigilância sanitária, com vistas a
proteger a população dos riscos da utilização de produtos fora das especifi-
cações técnicas e legais.
No âmbito do VIGIPÓS, será considerado EA aquele que causou danos à
saúde. Se, até o momento da notificação, o problema observado no produto
ainda não tiver causado nenhum dano à saúde, este deverá ser notificado
como QT.

Exemplificando
Após o registro dos produtos farmacêuticos, toda e qualquer informação
sobre sua segurança deve ser monitorada pelas autoridades sanitárias e
pelas indústrias farmacêuticas. A monitorização da segurança não deve
ser destinada exclusivamente aos novos medicamentos ou às novidades
terapêuticas. Ela tem um papel importante na introdução dos medica-
mentos genéricos e na revisão do perfil de segurança de antigos medica-
mentos já disponíveis. (ROMANO-LIBER, 2008, p. 39)

Por isso, as reações adversas fazem parte da utilização dos medicamentos,


mas precisam sempre ser previstas, analisadas e manejadas para que não traga
danos ao paciente. Uma análise que pode ser feita com muita tranquilidade
pela equipe de farmácia, seja no ambulatório, na drogaria ou no hospital, é
a verificação de possíveis interações medicamentosas e as reações adversas
mais comuns, isso para evitar que o paciente venha a ser prejudicado. Um

168
dos fatores mais importantes na detecção da reação adversa é a notificação
para a Anvisa.

Sem medo de errar

Vamos lembrar que estamos acompanhando a rotina de um farmacêutico


que atua no ambiente hospitalar e que se deparou com o caso de um paciente
que apresentava um quadro muito característico de hepatite; no momento
da internação, relatou fazer uso de amoxicilina com clavulanato, para uma
infecção de garganta que estava tratando há cinco dias, e disse estar consu-
mindo paracetamol diariamente por conta própria, devido à dor que estava
sentindo, tomando cerca de cinco a seis comprimidos por dia, um a cada
vez que sentia dor. O paciente também relatou ser etilista, mas disse não ter
ingerido álcool nos últimos dias. Assim teríamos que determinar as possibi-
lidades para esse caso e terminar sua análise, além de indicar as intervenções
farmacêuticas, pois poderíamos desconfiar de algum problema relacionado
ao uso de medicamentos.
Para resolvermos essa situação, devemos considerar um quadro clínico que
deve ter alguns aspectos investigados, como a possibilidade de uma hepatite
viral ou bacteriana ou até mesmo uma ação tóxica dos medicamentos.
Nesse caso, o farmacêutico deveria, primeiramente, atentar-se aos resul-
tados do laboratório para identificar se este poderia se tratar de um problema
viral ou bacteriano, agilizando os resultados e informando o quanto antes a
equipe médica. Outra possibilidade seria já começar a pesquisar sobre os
medicamentos de que o paciente faz uso para verificar a possibilidade de
haver alguma evidência sobre lesão hepática, analisando os medicamentos
em separado e também a possibilidade de uma interação.
Com os resultados laboratoriais negativos para infecção viral ou bacte-
riana, seria feito um levantamento das informações sobre os medicamentos
em uso e isso daria tempo para toda a equipe, mostrando uma grande chance
de esta ser uma hepatite medicamentosa.
O farmacêutico poderia indicar que o paracetamol, em doses mais
elevadas, pode causar lesão hepática com alteração das transaminases séricas,
ainda mais com o uso indiscriminado e sem qualquer orientação. O consumo
com amoxicilina e clavulanato também leva a uma lesão hepática, o que pode
agravar o quadro do paciente.
Após essas comprovações, o farmacêutico deveria informar a equipe de
atendimento do caso, isto é, os médicos e os enfermeiros, para que os medica-
mentos ainda utilizados pelo paciente fossem trocados ou suspendidos.

169
Perceba que, com os conceitos trabalhados sobre as reações adversas,
foi possível entender a ação dos medicamentos, as possibilidades de eles
causarem um efeito tóxico no paciente e a necessidade de notificar casos
assim para a Anvisa. Esta é uma maneira de resolver essa situação, você
poderia indicar outras intervenções, por parte do farmacêutico, para este
problema? Vá em frente!

Avançando na prática

Um caso de notificação
Em uma drogaria, um farmacêutico se deparou com o atendimento de
um paciente que solicitou orientações sobre o uso de diclofenaco de sódio,
um AINE, prescrito em função de uma lesão na coluna, ocorrida há três
semanas no ambiente de trabalho. Por ainda sentir muita dor, ele continuava
fazendo uso do medicamento. Relatou que, na semana anterior, começou a
apresentar dores no estômago e, por isso, começou a fazer uso de antiácido a
base de hidróxido de alumínio por conta própria. Considerando o contexto
desse atendimento, você, no lugar do farmacêutico, julgaria que os sintomas
que o paciente apresenta podem ser uma reação adversa ao medicamento?
De que forma você comprovaria essa reação? O uso dos medicamentos pelo
paciente está correto? Se você fosse o farmacêutico, quais intervenções reali-
zaria em relação à orientação a esse paciente?

Resolução da situação-problema
Para realizar uma correta orientação a esse paciente, após uma rápida
análise da situação, o farmacêutico poderia perceber alguns problemas, consi-
derando as informações fornecidas durante o atendimento. Primeiramente, é
possível considerar que a indicação do diclofenaco de sódio não estava errada,
mas a duração do tratamento estava muito longa; provavelmente o paciente
não se sentiu totalmente curado da lesão e continuou tomando o medica-
mento. Vamos nos lembrar de algumas informações sobre esse fármaco.
O diclofenaco de sódio é um anti-inflamatório não esteroidal (AINE)
com inibição da enzima cicloxigenases 1 e 2, a partir do que se obtém a
inibição da dor, da inflamação e da febre. Nem todos os AINEs inibem de
forma igual as enzimas COX 1 e 2, podendo ser agrupados em convencionais
ou tradicionais, como o ibuprofeno e o diclofenaco, que apresentam diversos
graus de seletividade, mas que inibem ambas as enzimas, e em seletivos,
como o celecoxib e o etoricoxib, que apresentam afinidade específica na

170
inibição da COX 2. Devido a seu mecanismo de ação, é amplamente descrito
na literatura médica que os efeitos adversos mais frequentes dos AINEs estão
relacionados ao trato gastrointestinal. Os AINEs inibem a COX 1 (funções
fisiológicas) presente na mucosa gastrointestinal, resultando em uma série de
efeitos adversos com diversas gravidades, desde a dor abdominal, diarreia e
dispepsia até úlceras, hemorragias gastrointestinais e perfuração. O risco de
complicações é maior em pessoas com antecedentes de gastrites ou úlceras
pépticas, hemorragias gastrointestinais, dispepsia ou intolerância e condições
como a idade avançada.
Dessa forma, o farmacêutico poderia suspeitar que os sintomas do
paciente estivessem relacionados ao uso do medicamento diclofenaco de
sódio, pois a presença do problema gástrico provavelmente está relacionada
ao uso não racional desse medicamento. Para isso, deve-se descontinuar o
diclofenaco e evitar uso de outros AINEs não seletivos, podendo considerar
o uso de antagonistas de H2 (ranitidina), se a dor e a pirose persistirem,
e considerar o uso de inibidores de bomba de próton se o quadro clínico
não melhorar.
Além disso, o farmacêutico poderia orientar o paciente sobre o uso do
antiácido, que provavelmente agravou a situação gástrica por mascarar os
efeitos adversos do AINE. Deve ser descontinuado o uso do antiácido e ele
deve ser encaminhado para um atendimento especializado que investigue
possíveis complicações decorrentes do uso do AINE.
Uma situação que o profissional não pode deixar de lado é a dor causada
pela lesão, pois, mesmo fazendo uso do medicamento por um longo período,
o cliente ainda alegava sentir dor ou algum desconforto, de modo que é
interessante orientá-lo a fazer uma avaliação médica para prescrição de
anti-inflamatórios seletivos da COX-2 ou de corticosteroides.
Você percebeu nesta situação que a aplicação da anamnese farmacêutica
com o raciocínio clínico, trouxe o levantamento de outros problemas e suas
possíveis soluções no que diz respeito à intervenção farmacêutica e à orien-
tação a ser fornecida ao paciente. Por isso a Farmacologia é tão importante
na prática, para a futura atuação do profissional farmacêutico neste ou em
outros campos de atuação.

Faça valer a pena

1. Os efeitos adversos são os que não desejamos obter dos medicamentos ou


que não estamos esperando que ocorra. Mesmo assim, praticamente todos os
medicamentos têm seus efeitos adversos, inclusive os “chás da vovó”.

171
Tendo isso em mente, assinale a alternativa correta.
a. Efeito colateral é sinônimo de efeito adverso.
b. É impossível um efeito adverso levar o paciente a óbito.
c. Nas bulas dos medicamentos podemos encontrar apenas a relação dos
efeitos colaterais.
d. O chá de camomila é o único chá que só tem benefícios.
e. Os profissionais da saúde podem reconhecer um efeito adverso e fazer
sua notificação no site da Anvisa.

2. Ninguém deseja ter um efeito tóxico devido à ingestão de um medica-


mento, pois sempre desejamos os efeitos terapêuticos das substâncias, mas
isso nem sempre ocorre da forma que planejamos. Através da toxicologia,
podemos estudar os efeitos tóxicos dos medicamentos. Considerando essas
informações, analise as afirmações a seguir:
I. Todos os medicamentos têm estudos dos seus efeitos tóxicos.
II. A dose letal (DL50) é usada para a comprovação dos efeitos tóxicos.
III. Os antídotos são capazes de neutralizar os efeitos tóxicos.
É correto APENAS o que se afirma em:
a. I.
b. I e II.
c. I e III.
d. II e III.
e. I, II e III.

3. Observando o processo de metabolização do paracetamol, entende-se


porque, em doses elevadas, esse fármaco possui potencial capacidade de
lesão hepática. Observe a imagem a seguir.

172
Figura | Vias da metabolização do paracetamol.

GLICURONIL
TRANSFERASE SULFOTRANSFERASE

PARACETAMOL
GLICURONÍDIO DE SULFATO DE PARACE-
PARACETAMOL TAMOL

ENZIMA P450

OU

PHS

GLUTATIONA

N-ACETIL-P-BENZOQUINONEIMI- CONJUGADO DE GLUTATIONA


NA (NAPQI)

HEPATOTOXICIDADE EXCREÇÃO

N-ACETILCISTEÍNA
(NAC)

Fonte: Golan et al. (2018, p. 66).

A partir dessa informação, assinale a alternativa correta.


a. O paracetamol sofre a transformação de sua molécula preferencial-
mente na fase I de metabolização hepática.
b. A NAC reduz a hepatotoxicidade do fármaco por facilitar a metaboli-
zação da NAPQI, por isso pode ser usada como antídoto.
c. A maior parte do paracetamol ingerido é eliminado na forma inalte-
rada pelas fezes.
d. O paracetamol não sofre transformação na fase I de metabolização
hepática.
e. Os metabólitos produzidos a partir do paracetamol possuem grande
lipossolubilidade e são eliminados como estruturas apolares via urina.

173
Seção 2

Riscos e benefícios dos fármacos

Diálogo aberto
Perceba como os estudos em farmacovigilância são importantes, princi-
palmente na detecção e prevenção das reações adversas. É por isso que
devemos entender os diferentes efeitos que o medicamento pode causar no
organismo, trazendo como bagagem os assuntos anteriormente estudados.
Já estudamos sobre as reações adversas e os efeitos terapêuticos dos
medicamentos, mas qual é o tipo de risco que um medicamento pode trazer
para uma pessoa? Será que você já tinha pensado nessa questão com relação
ao uso dos medicamentos? Ou se preocupado com o nível de segurança que
é necessário ter com cada paciente?
Nesta seção iremos aprofundar nossos conhecimentos sobre os diversos
tipos de riscos que um medicamento pode oferecer e, para isso, estudaremos
sua avaliação, caracterização e identificação, bem como a importância do
gerenciamento de risco e da segurança do paciente.
Vamos lembrar que estamos acompanhando um farmacêutico que desen-
volve suas atividades num hospital, dividindo-se entre as funções logísticas
da farmácia hospitalar, o acompanhamento de alguns pacientes internados e
a assistência à equipe de saúde.
Em uma de suas visitas aos pacientes internados, nosso colega farmacêu-
tico deu início ao atendimento de uma mulher de 68 anos, 1,62 m de altura,
75 kg, creatinina sérica de 2,9 mg/dL, sem edemas, com uso de cateter venoso
central e que já apresentava problemas renais – insuficiência renal aguda
(IRA). Ela começou a tratar de uma infecção muito complicada, de cepas
bacterianas multirresistentes, com uma prescrição de vancomicina 500 mg,
1 frasco-ampola quatro vezes ao dia (dose diária de 2000 mg), inicialmente
por 10 dias. Depois desse período, o quadro infeccioso seria reavaliado e, se
necessário, a dose, a posologia ou duração do tratamento seriam alterados.
O farmacêutico começou a estudar esse caso e percebeu que a paciente
precisava de sua atenção. O médico que a acompanhava solicitou ao farma-
cêutico um parecer sobre o uso do medicamento prescrito e disse que, se
tivesse alguma observação a ser feita sobre o uso da vancomicina, ele poderia
fazê-la, pois, assim, poderiam dar o melhor acompanhamento à paciente.
Nesse parecer deveriam ser destacados os riscos a serem levados em consi-
deração com o uso da vancomicina para essa paciente e as principais

174
observações a serem levadas à equipe médica. Você, no lugar do farmacêu-
tico, como atenderia essa solicitação?
Nesta unidade você estudará alguns tópicos que possuem aplicação
prática no meio profissional envolvendo a segurança do paciente, por isso,
foco nos estudos e vamos em frente.

Não pode faltar

Avaliação do risco das terapias farmacológicas


O uso de medicamentos tem objetivos terapêuticos, mas não podemos
deixar de lado os seus efeitos adversos. Por isso, deve-se sempre levá-los em
consideração, principalmente quanto às precauções a serem tomadas com
relação a eles e as contraindicações para cada caso.
Todo fármaco, quando é aprovado nos estudos clínicos de fase III, já
passou por diversos testes de segurança e eficácia, que avaliam se os benefí-
cios superam os riscos no uso do fármaco, para somente aí ser autorizada a
sua distribuição para o mercado. Durante a fase clínica, os testes são reali-
zados em um número limitado de pacientes, que estatisticamente repre-
sentam a população de uso. Porém, quando o medicamento é colocado no
mercado, seu uso passa a apresentar uma infinidade de variações fisiológicas e
genéticas vindas da população como um todo. É nesse momento que surgem
as avaliações de reações adversas, ou seja, os estudos clínicos de fase IV.
Os eventos adversos podem ser previstos quando estão relacionados
com a ação farmacológica principal do fármaco, ou pelo menos podem ser
melhor compreendidos, como se pode observar com os anticoagulantes, que
provocam sangramento ou sedação com ansiolíticos e anti-histamínicos.
Esses efeitos adversos se manifestam com alterações da farmacocinética do
fármaco, podendo levar a uma interrupção do tratamento ou a uma alteração
de dose, posologia ou do próprio fármaco.
Alguns efeitos adversos podem também ser previsíveis, mesmo que não
ocorram a partir de sua relação com a ação principal do fármaco, ou seja,
quando ele age em outro local de ação não planejado como o principal. Um
exemplo clássico é o efeito hepatotóxico causado pelo paracetamol devido ao
aumento da dose e formação de metabólitos com certo grau de toxicidade.
Alguns efeitos adversos mais graves e muitas vezes não previsíveis podem
também não ter relação com o alvo farmacológico principal, como é o caso
das reações anafiláticas, causadas pelas penicilinas, ou da neutrofilia (redução
de neutrófilos do sangue), causada pela ação da dipirona.

175
Exemplificando
Quando saber se uma reação adversa foi causada por um medicamento?
Para exemplificar a causalidade de uma reação adversa, utilizam-se
ferramentas de análise, como é o caso do Algoritmo de Naranjo
(NARANJO et al., 1981), que, na prática, é um questionário padronizado
com pontuações que podem estabelecer a probabilidade de causali-
dade diante de uma suspeita de RAM, como pode ser visto a seguir.
Quadro 4.1 | Algoritmo de Naranjo et al. (1981)
Critérios para a definição da relação causal Sim Não Não sabe
Existem relatos conclusivos sobre esta reação? 1 0 0
O evento clínico apareceu após a administração do
2 -1 0
fármaco suspeito?
A reação desapareceu quando o fármaco suspeito foi
descontinuado ou quando um antagonista específico 1 0 0
foi administrado?
A reação reapareceu quando o fármaco foi
2 -1 0
novamente administrado?
Existem causas alternativas (outras que não o
-1 2 0
fármaco) que poderiam ser causadoras da reação?
A reação reaparece quando um placebo é
-1 1 0
administrado?
O fármaco foi detectado no sangue ou em outros
1 0 0
fluidos biológicos em concentrações tóxicas?
A reação aumenta de intensidade com o aumento
da dose ou torna -se menos grave com a redução da 1 0 0
dose?
O doente tem história de reação semelhante para
o mesmo fármaco ou outra similar em alguma 1 0 0
exposição prévia?
A reação adversa foi confirmada por qualquer
1 0 0
evidência objetiva?
Legenda: Score final: ≥ 9: Confirmada; 5-8: Provável; 1-4: Possível; ≤0:
Duvidosa.
Fonte: Moscoso, Paes e Neto (2013, p. 211).

As reações adversas causadas por medicamentos (RAM) são classificadas


segundo alguns critérios:
• Previsibilidade.
• Tempo de aparecimento.
• Gravidade.
• Frequência.

176
Diversos autores têm publicado classificações para as reações adversas
e uma das mais utilizadas é a de Rawlins e Thompson (1977), que coloca as
reações adversas previsíveis e dose-dependentes como Tipo A e as que não
são dose-dependentes, com resultados adversos imprevisíveis, como reações
do Tipo B, as quais os autores citam como bizarras ou classificam como
reações de idiossincrasia.
As reações adversas levam em consideração a dose, o tempo de exposição
e a gravidade, mas, além disso, é necessário considerar as condições clínicas
do paciente, pois, caso ele apresente alguma alteração fisiológica que interfira
na farmacocinética ou na farmacodinâmica do fármaco, este passa a estar
mais susceptível a apresentar as reações adversas. Ao se pensar no critério da
susceptibilidade, foi criada a classificação DoTS, desenvolvida por Aronson
e Ferner (2003), que coloca as condições clínicas como fatores relevantes na
identificação das reações adversas, como a idade, tipo de patologia, etnia,
entre outros.
Podemos elencar alguns fatores de risco para o aparecimento das RAM
e, dessa forma, avaliar o risco que determinada terapia pode oferecer ao
paciente. Um fator muito comum é a idade, pois os pacientes idosos possuem
comumente mais comorbidades e, por isso, fazem uso de uma quantidade
maior de medicamentos, o que aumenta as possibilidades de RAM por
interações e também pelas condições fisiológicas, como a função renal, que é
normalmente diminuída com o passar da idade. Um fator de difícil previsão
é a variabilidade genética que o paciente pode ter, por haver alguma variação
de receptores específicos para a ação do fármaco em uso ou pela variação de
fatores farmacocinéticos, sendo o mais comum a variação de metabolização
de determinadas substâncias.
Além da variação da dose do medicamento em uso, alguns fatores podem
levar a uma reação adversa, como pode ser observado no esquema a seguir.

177
Figura 4.2 | Fatores que levam ao aparecimento das RAM

Fonte: elaborada pelo autor.

Reflita
Os medicamentos levam anos para serem colocados no mercado depois
de terem passado por diversos testes. Na sua opinião, quais são os
fatores que podem levar à retirada de um medicamento de circulação
por apresentarem determinadas reações adversas nos pacientes? Essas
reações não poderiam ser previstas durante as fases clínicas de garantia
de segurança e eficácia do fármaco? Pesquise sobre medicamentos que
foram retirados do mercado nos últimos anos, cite os motivos e, junta-
mente com seus colegas, discuta os resultados encontrados.

Caracterização e identificação do risco no uso dos medica-


mentos
Para entendermos melhor o conceito de risco no uso de medicamentos,
precisamos compreender que um incidente se trata de uma circunstância
que tem capacidade de causar um dano ao paciente que pode ser evitado.
Quando o dano realmente é causado, seja ele físico, emocional ou psicoló-
gico, é classificado como um evento adverso, que pode ser temporário ou
permanente e que talvez precise de uma intervenção profissional. Lembre-se
de que um evento adverso pode ser causado por um medicamento, por isso

178
as reações adversas aos medicamentos sempre serão eventos adversos, mas
o inverso não é verdadeiro, pois os eventos podem ser, também, problemas
relacionados a procedimentos de profissionais ou erros que possam causar
dano ao paciente.
Os desfechos de reações adversas, que podem ser observados com frequ-
ência no âmbito hospitalar, muitas vezes precisam de assistência médica.
Diversos estudos mostram que uma porcentagem de 4,8% a 12,5% dos
pacientes adultos, principalmente idosos, são internados em um hospital
devido a reações adversas causadas por medicamentos, sendo que mais de
80% dessas hospitalizações poderiam ter sido evitadas (BEIJER; BLAEY,
2002).
Figura 4.3 | Consequências dos eventos adversos

AUMENTA O
TEMPO DE
INTERNAÇÃO

ONERA O
GERA GASTOS
SISTEMA DE
ADICIONAIS
SAÚDE

EVENTO
ADVERSO

AGRAVA A OCASIO-
SITUAÇÃO NA MENOR
DE SAÚDE DO ADESÃO AO
PACIENTE TRATAMENTO

Fonte: elaborada pelo autor.

De posse desses dados e das demais informações, como as RAM podem


ser evitadas? Essa pergunta sempre é feita a partir dos estudos de farma-
covigilância, tendo em vista o impacto que as reações adversas têm junto
ao paciente afetado e ao sistema de saúde. Uma das formas de responder a
essa pergunta é mostrar a importância do conhecimento farmacológico e das
ações de prevenção e de detecção das RAM potenciais (aquelas que ainda não
afetaram o paciente).
As ações para a prevenção do risco relacionado à segurança, no uso dos
medicamentos, precisam ter algumas etapas obrigatórias. Primeiramente

179
tem-se a mensuração dos danos e dos possíveis danos que o uso de deter-
minada terapia pode oferecer ao paciente e ao sistema; essa etapa serve para
quantificar o risco, o que depende de um processo de avaliação a fim de gerar
medidas ou indicadores . A próxima etapa é a análise dos dados quantifi-
cados, a partir dos quais poderão ser realizados os planos de ações necessá-
rios para a redução do risco ou do evento adverso. Essas últimas ações sobre
planejamento e minimização do risco já estão inclusas no processo de geren-
ciamento do risco, que será abordado em seguida. Um erro ou um evento
adverso nunca é um fato isolado sem causas ou consequências que possam
ser identificadas ou mensuradas.
É por isso que, para cada escolha terapêutica em um determinado
ambiente, seja ele ambulatorial, hospitalar ou público, deve-se estabelecer
uma relação do risco e do benefício dessa terapia e assim avaliar sua imple-
mentação e os fatores que restrinjam sua aplicação, como contraindicações
ou precauções necessárias.
A análise do risco/benefício de um medicamento é alvo dos aspectos de
segurança na utilização de terapias farmacológicas, sendo, assim, um dos
propósitos da farmacovigilância. O documento OMS/OPAS (2005, p. 8) cita
a importância da farmacovigilância, que deve: “contribuir para a avaliação
dos benefícios, danos, efetividade e riscos dos medicamentos, incentivando
sua utilização de forma segura, racional e mais efetiva”.
Assim, a identificação de apenas um evento adverso que tenha relação com
o uso de medicamento pode se mostrar um problema de grande relevância,
envolvendo um desfecho com risco de óbito. Essa identificação pode levar a
uma mudança de atitudes institucionais que venham a garantir a segurança
do paciente, minimizando os riscos atuais e futuros e criando uma cultura de
segurança com ações preventivas para os riscos de eventos adversos, a qual
pretende melhorar a qualidade da assistência prestada.

Gerenciamento de risco: uso de medicamentos e a segurança


do paciente
Partindo do princípio de que o risco é a possibilidade de acontecer um
evento indesejado e de que os serviços prestados em saúde têm uma grande
chance de ocorrência de eventos que podem causar dano ao paciente, então
o risco está intimamente associado ao serviço de saúde, o que nos leva a
entender e conhecer melhor os diferentes tipos de riscos aos quais o paciente
possa estar sujeito.
Para articular prevenção e ocorrência de um evento adverso, é neces-
sário que este seja gerenciado da melhor maneira possível. Por isso, o

180
gerenciamento do risco é a etapa final que garante o fechamento de um ciclo
de análise referente ao evento adverso (passado, já aconteceu) e um trabalho
preventivo para evitar a sua recorrência (futuro, antecipação ao evento).
Figura 4.4 | Análise temporal de risco e evento

PASSADO/REAÇÃO

EVENTO
ADVERSO
RISCO

FUTURO/PROAÇÃO/PREVENÇÃO

Fonte: Anvisa (2018, p. 110).

Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2013), gestão de risco é a


aplicação sistêmica e contínua de iniciativas, procedimentos, condutas e
recursos na avaliação e controle de riscos e eventos adversos que afetam a
segurança, a saúde humana, a integridade profissional, o meio ambiente e a
imagem institucional.
A gestão de risco é uma forma de gestão da qualidade com aplicação de
ferramentas para obter os melhores resultados. Ela tem sido aplicada nos
hospitais e clínicas no Brasil, mas com uma adesão maior na área hospitalar
devido aos critérios de acreditação e obtenção de selos de qualidade, os quais
obrigam a implantação desse tipo de serviço e a adoção de modelos eficientes
que garantam a efetividade das ações dos profissionais da saúde.

Assimile
Estruturado dentro dos sete pilares da qualidade, entenda a diferença
entre eficácia, eficiência e efetividade, conceitos que acompanham a
garantia da qualidade e dão suporte ao gerenciamento sistemático do
risco.
A eficácia consiste na habilidade da ciência e da arte da assistência em
oferecer melhorias na saúde e no bem-estar e representa o alicerce
para a construção de uma organização focada na qualidade. Ser eficaz
é comprovar a relação adequada entre os resultados obtidos e os
objetivos pretendidos.

181
A eficiência é a relação entre o benefício oferecido pelo sistema de
saúde ou pela assistência à saúde e seu custo econômico. Um aspecto
importante é o econômico, pois a limitação dos recursos (financeiros,
humanos e tecnológicos) associada a uma crescente demanda social,
exige dos gestores e profissionais de saúde planos cada vez mais
“eficientes”, reduzindo o custo operacional dos procedimentos, sem
comprometer a segurança do paciente.
Por sua vez, a efetividade é a relação entre o benefício real oferecido
pelo sistema de saúde ou pela assistência e o potencial esperado. Os
resultados, mesmo que adequados, devem também ser “efetivos”, ou
seja, produzirem os efeitos esperados dentro de um sistema opera-
cional (ANVISA, 2018).

Para que o serviço de saúde obtenha resultados positivos é necessário que


haja um aperfeiçoamento da qualidade da assistência prestada ao paciente,
devendo ser efetiva, focada no paciente e em sua segurança, envolvendo
diversos profissionais, entre eles o farmacêutico.
Para uma avaliação e uma gestão dos riscos é necessário estabelecer
uma relação entre as diversas estruturas que sustentam o gerenciamento
e a minimização do risco. Isso se dá com a definição dos princípios de
atuação e a consolidação de uma estrutura que possa assegurar implemen-
tação, melhoria e monitoramento do gerenciamento de risco, baseando-se
num processo contínuo de ações com foco na identificação, minimização e
comunicação dos riscos detectados, conforme mostra a Figura 4.5.

182
Figura 4.5 | Relação entre as estruturas para o gerenciamento de risco

PRINCÍPIOS

PRINCÍPIOS PARA A GESTÃO DE RISCOS:

A) CRIA E PROTEGE VALOR.


B) É PARTE INTEGRANTE DE TODOS OS PROCESSOS ORGANIZACIO-
NAIS.
C) ABORDA A INCERTEZA DE MODO EXPLÍCITO.
D) É SISTEMÁTICA, ESTRUTURADA E OPORTUNA.
E) É BASEADA NAS MELHORES INFORMAÇÕES DISPONÍVEIS.
F) FEITA SOB MEDIDA PARA O SISTEMA CONSIDERADO.
G) CONSIDERA FATORES HUMANOS E CULTURAIS.
H) É TRANSPARENTE, INCLUSIVA.
I) É DINÂMICA, INTERATIVA E CAPAZ DE REAGIR A MUDANÇAS.
J) FACILITA A MELHORIA CONTÍNUA DA ORGANIZAÇÃO.

ESTRUTURA PROCESSO
MANDATO E COMPROMETIMENTO

ESTABELECIMENTO DE CONTEXTO

PROCESSO DE AVALIAÇÃO DE RISCO


COMUNICAÇÃO E CONSULTA

IDENTIFICAÇÃO DE RISCO
CONCEPÇÃO DA
ESTRUTURA PARA
GERENCIAR RISCO
ANÁLISE DE RISCO

MELHORIA CONTÍNUA IMPLEMENTAÇÃO DA


DA ESTRUTURA AVALIAÇÃO DE RISCO
GESTÃO DE RISCOS

TRATAMENTO DE RISCO
MONITORAMENTO E
ANÁLISE CRÍTICA DA
ESTRUTURA

Fonte: Anvisa (2015, p. 11).

Entende-se, então, que o processo de gerenciamento de risco que envolve


um evento adverso pode ser trabalhado em seis passos, de modo que os
primeiros estão relacionados com a identificação, quantificação e mensuração
do evento, enquanto que os últimos desenvolvem o processo de melhoria e
aprendizado do evento, o que cria formas de preveni-lo.

183
Figura 4.6 | Gerenciamento de eventos adversos em seis passos

PASSO 1 PASSO 2 PASSO 3


IDENTIFICAR QUE NOTIFICAÇÃO (INTERNA, INVESTIGAÇÃO.
HOUVE O EVENTO EXTERNA, PARA AUTOR-
ADVERSO. IDADES COMPETENTES,
CONFORME O CASO).

PASSO 4 PASSO 5 PASSO 6


DESENVOLVER AS ACOMPANHAR A IMPLAN-
COMUNICAR OS
RECOMENDAÇÕES PARA TAÇÃO DAS MELHORIAS
RELATÓRIOS SOBRE CON-
INTERFERIR NOS FATORES RECOMENDADAS.
CAUSAIS E CONTRIBUINTES CLUSÕES DA INVESTI-
E PROMOVER A MELHORIA GAÇÃO (DESFECHOS) ÀS
DO SISTEMA. PARTES INTERESSADAS.

Fonte: Anvisa (2015, p. 22).

A preocupação com o gerenciamento de risco tem sua fundamentação


na implantação das seis metas de segurança do paciente, preconizadas pela
OMS e determinadas, no Brasil, pela Anvisa, por meio de portarias e resolu-
ções. A segurança do paciente teve seu maior ponto de discussão em 1999
com a publicação do relatório Errar é humano (To err is human), do Instituto
de Medicina dos Estados Unidos, que motivou um movimento global para a
segurança do paciente, em diversos aspectos, e a prevenção do erro, já que a
maioria dos casos foi identificada como eventos evitáveis. Recentemente foi
lançado um filme documentário abordando a temática do relatório.

Assimile
A Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2004, demonstrando
preocupação com a situação, criou a World Alliance for Patient Safety.
Os objetivos desse programa, que passou a chamar-se Patient Safety
Program, eram, entre outros, organizar os conceitos e as definições
sobre segurança do paciente e propor medidas para reduzir os riscos
e mitigar os eventos adversos, por meio de estratégias que abordam
aspectos problemáticos na assistência à saúde, apresentando soluções
baseadas em evidências para esses problemas (BRASIL, 2014).
As seis metas internacionais de segurança do paciente foram estabe-
lecidas pela Joint Commission International (JCI) em parceria com a
Organização Mundial da Saúde (OMS).

184
Figura 4.7 | Seis metas de segurança do paciente

1 IDENTIFICAR CORRETAMENTE O PACIENTE.

2 MELHORAR A COMUNICAÇÃO ENTRE PROFISSIONAIS


DE SAÚDE.

3 MELHORAR A SEGURANÇA NA PRESCRIÇÃO, NO USO


E NA ADMINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTOS.

4 ASSEGURAR CIRURGIA EM LOCAL DE INTERVENÇÃO,


PROCEDIMENTO E PACIENTE CORRETOS.

5 HIGIENIZAR AS MÃOS PARA EVITAR INFECÇÕES.

6 REDUZIR O RISCO DE QUEDAS E ÚLCERAS POR


PRESSÃO.
Fonte: Serafim (2016, [s.p.]).

O Ministério da Saúde, baseado nas orientações da OMS, instituiu


o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), por meio da
Portaria 529, de 1º de abril de 2013, que também define diretrizes
importantes sobre essas metas.

Perceba como é vasto o assunto relacionado ao risco farmacológico.


Todas as informações tratadas nesta seção são essenciais para a compre-
ensão inicial do assunto, por isso é muito importante aprofundar os estudos
no tema e entender que a atuação do farmacêutico tem como objetivo o
bem-estar do paciente. Esse profissional, que alguns ainda veem como profis-
sional do medicamento, possui o arsenal farmacológico como ferramenta e
não o contrário.

Sem medo de errar

Em nossa situação-problema, o médico que estava acompanhando a


paciente pediu ao farmacêutico que também avaliasse o uso da vancomi-
cina pela paciente, lembrando que ela tem 68 anos, é do sexo feminino, tem
1,62 m de altura, pesa 75 kg, apresenta creatinina sérica de 2,9 mg/dL, sem
edemas, com uso de cateter venoso central e já apresentava problemas renais
– insuficiência renal aguda (IRA).

185
Para anteder a solicitação do médico e subsidiar a equipe médica com
informações adequadas, considerando as características da paciente desta
situação, o farmacêutico poderia realizar um estudo sobre a vancomicina e
verificar as possíveis reações adversas que ela pode causar. Com esse levanta-
mento, ele logo perceberia que a infusão intravenosa desse antibiótico deve
ser feita de forma lenta, ou seja, cada dose deve ser infundida em duas horas
de gotejamento, pois assim evita-se o problema da síndrome do pescoço
vermelho, uma reação de hipersensibilidade ao medicamento que causa
vermelhidão por todo o corpo do indivíduo. Essa já poderia ser a primeira
observação a ser realizada para a equipe de enfermagem, que fará a adminis-
tração do medicamento, evitando, assim, uma reação adversa.
Outra constatação seria a necessidade de ajuste de dose da vancomicina
para pacientes com algum tipo de insuficiência renal. Nesse caso o farma-
cêutico poderia fazer o cálculo de clearance de creatinina, que corresponde
à taxa de depuração renal e eliminação do fármaco. Para isso ele poderia
utilizar uma calculadora digital, o Nefrocalc, da Sociedade Brasileira de
Nefrologia (SBN), para fazer o ajuste de dose ou de posologia.
Após o cálculo do clearance de creatinina da paciente, constatou-se um
valor muito baixo, 22 mL/min, calculado pela fórmula de Cockcroft & Gault
(1976), o que demonstra uma baixa depuração renal e, consequentemente,
uma baixa atividade de excreção renal. A baixa excreção do fármaco faz com
que ele permaneça mais tempo em circulação e, se administrado em doses ou
posologia normais, pode levar a pessoa a um quadro de intoxicação. Nesse
caso, a vancomicina pode, então, prejudicar ainda mais as funções renais da
paciente. Para essa situação, a observação do ajuste de dose deveria ser feita,
para a equipe médica, com a recomendação de um frasco-ampola de 500 mg
a cada 24 horas, de forma a reduzir muito a dose inicial de 2000 mg por dia.
Seguindo essas recomendações, a paciente poderá ter uma recuperação
melhor, sem ter um risco aumentado para reações adversas. Assim, nota-se
que a palavra chave para todos os casos é acompanhamento.
O uso do conhecimento farmacológico é muito importante para os casos
mais sensíveis às variações, as quais podem levar a uma descompensação
e a um agravamento do quadro clínico. A atuação do farmacêutico junto à
equipe de saúde, principalmente no ambiente hospitalar, é de suma impor-
tância para que os saberes se somem e sejam usados em prol do paciente.

186
Avançando na prática

Um caso de segurança do paciente


Um hospital de médio porte de uma cidade interiorana contratou um
farmacêutico consultor, com vasta experiência em farmácia hospitalar, para
dar um parecer em relação às deficiências da farmácia do hospital, visando
à adequação dos processos e à justificativa, para a diretoria do hospital, da
importância da contratação de farmacêuticos para atuação na farmácia
durante todo o período de funcionamento do hospital. Para ilustrar a situação
atual, o consultor utilizou o caso de um paciente que estava internado no
hospital naquele período. Tratava-se de um homem de 87 anos, internado há
mais de 1 mês, com quadro de demência decorrente de sequelas de acidente
vascular cerebral isquêmico, que estava fazendo uso de sonda nasoenteral
para dieta intermitente e administração de medicação.
O paciente apresenta quadro de pneumonia e por isso está com prescrição
de azitromicina por sonda nasoenteral. No primeiro dia, a dose deve ser de
500 mg e, nos próximos quatro dias, de 250 mg ao dia. A instituição possui
somente azitromicina de 500 mg em estoque, que fica no setor de enfer-
magem próximo aos leitos. A reposição de medicação para a enfermagem
acontecia semanalmente com os pedidos separados pelo setor de farmácia.
Ressalta-se que a instituição não possui farmacêutico contratado que perma-
neça na instituição no horário comercial.
Nesse contexto, uma técnica em enfermagem recém-formada, que
trabalha na instituição há três meses, acompanhou o paciente citado por uma
semana. Mesmo este sendo seu primeiro emprego, a técnica não recebeu
qualquer capacitação desde a sua contratação, apenas orientações das colegas
de trabalho.
Foi constatado, então, que a técnica, ao administrar a primeira dose de
azitromicina 500 mg, como prescrito, triturou e dissolveu o comprimido e fez
a administração via sonda. Nos dias seguintes, ela fez o mesmo procedimento
para a azitromicina 500 mg via sonda para o paciente.
No quarto dia de utilização do medicamento, a técnica percebeu que
estava utilizando os comprimidos de 500 mg, única dosagem disponível
no setor de enfermagem e na farmácia, e não os de 250 mg prescritos pelo
médico. Portanto, estava administrando uma dose maior do que a receitada
para o paciente.
A técnica comentou sobre isso com uma colega da equipe de enfermagem,
e elas entenderam e decidiram que, por não se tratar de caso grave, não haveria

187
necessidade de comunicar o fato aos superiores nem ao médico responsável,
já que a instituição não possuía sistema informatizado, tampouco política
de notificação de incidente relacionado a medicamentos. Assim, durante a
argumentação do farmacêutico, um dos diretores do hospital, questionou
o consultor sobre quais erram os erros observados nessa situação. O que
poderia ser feito nesse caso?

Resolução da situação-problema
Para atender aos questionamentos feitos, primeiro deve-se entender que
o erro humano não é intencional e que está relacionado a diversos outros
fatores. Para essa situação, é correto colocar a culpa na técnica de enfer-
magem? Seria preciso pensar em alguma ação punitiva ou em demissão
da funcionária? Perceba que é natural o julgamento ou a culpabilidade por
um erro, mas quando aplicamos uma cultura de qualidade e de gestão de
risco numa instituição, a pergunta que deve ser feita nesse caso é: “por que
esse erro aconteceu? ” e não, “quem foi que deu o medicamento errado? ”. É
preciso mudar a forma de pensar para que o gerenciamento do risco possa
realmente acontecer.
Nesse caso, não houve dano ao paciente, mas, se o cenário fosse diferente,
com medicamentos de baixo índice terapêutico, poderia ter acontecido um
efeito de toxicidade que causaria danos ao paciente.
Inicialmente poderia haver um serviço de farmácia atuante, o que
só poderia ser resolvido com a contratação e capacitação continuada de
novos farmacêuticos para a instituição. A separação dos medicamentos dos
pacientes deveria ser realizada de forma individualizada, pois, nos casos em
que houvesse alguma alteração para dose indisponível na instituição, haveria
a compra do produto solicitado ou a identificação da dose correta.
Outra conduta que deveria ter acontecido seria a notificação do erro para
as chefias diretas, tanto de enfermagem como para a chefia médica, pois o
paciente poderia ser melhor atendido e, se necessário, colocado em obser-
vação mais intensa para algum tipo de problema que viesse a apresentar.
A capacitação específica no local de trabalho sobre as rotinas adequadas
deveria ter sido realizada com a funcionária nova. A falta dessa conduta
permite que não ocorra um alinhamento para um serviço padronizado e,
assim, não há como identificar os pontos falhos durante um tratamento.
Esse caso retrata bem a teoria do queijo suíço para as pequenas falhas,
que rompem barreiras de segurança e chegam a um efeito final com maior
dano ou morte do paciente. As barreiras representam as estruturas criadas

188
para que a falha não aconteça, mas devido a diversos fatores, como mostra
a figura a seguir, essas barreiras podem ser quebradas e o que seria uma
pequena falha passa a ser um erro final com consequências graves.
Figura 4.8 | Modelo do queijo suíço de barreiras de segurança

PRESSÕES DE
PRODUÇÃO

GRADIENTES
EXCESSIVOS DE
AUTORIDADE

AUSÊNCIA DE PROTOCOLOS/
PACIENTE ERRADO ROTINAS DE TRABALHO/SISTE-
MAS DE SEGURANÇA

“CULTURA DE BAIXAS
EXPECTATIVAS”

Fonte: Costa (2017, [s.p.]).

Assim, essa poderia ser uma maneira de atender aos questionamentos


levantados e entender melhor sobre a necessidade de barreiras de segurança
como formas de prevenção aos eventos adversos. A partir do que discutimos,
você poderá ainda indicar novos caminhos para essas questões, vá em frente!

Faça valer a pena

1. As reações adversas podem ser classificadas de várias formas. De acordo


com sua gravidade de ocorrência, analise as afirmações a seguir:
I. O uso de medicamentos opioides pode causar constipação intestinal
e essa reação pode ser classificada como leve.
II. Um exemplo de reação adversa moderada é a hipertensão provocada
por anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs).
III. Sabe-se que os anticoagulantes provocam hemorragias. Por ser uma
reação adversa prevista, ela pode ser classificada como moderada.
Está correto APENAS o que se afirma em:
a. I.

189
b. II.
c. I e II.
d. II e III.
e. I, II e III.

2. A partir da RDC nº 36, de 25 de julho de 2013, todo serviço de saúde deve


formar um Núcleo de Segurança do Paciente (NSP) para que possa realizar
as ações contidas no Plano de Segurança do Paciente em Serviços de Saúde.
Assinale a alternativa que demonstra atribuições do Núcleo de Segurança do
Paciente:
a. A utilização dos dados levantados pelos indicadores de monitora-
mento dos protocolos de segurança do paciente serve apenas como
série histórica.
b. As barreiras de segurança devem ser implementadas após a ocorrência
de um evento adverso para que ele possa ser estudado e aplicado com
maior precisão.
c. A capacitação em segurança do paciente deve ser desarticulada
e setorial para que se entenda a realidade de cada tipo de serviço
prestado.
d. Analisar e avaliar os dados sobre incidentes e eventos adversos decor-
rentes da prestação do serviço de saúde.
a. Avisar o serviço de Vigilância Sanitária e órgãos de segurança do
paciente apenas quando os eventos adversos forem decorrentes do
uso de medicamentos.

3. A inter-relação das atividades desenvolvidas no gerenciamento sistemático


de risco em saúde e que serve de princípio básico para o alcance dos objetivos
da gestão da qualidade total (TQC – do inglês Total Quality Control).
Pode ser definida por:
a. Garantia de qualidade.
b. Melhoria contínua de desempenho.
c. Liderança e estilo de gestão.
d. Decisões coletivas assertivas.
e. Abordagem por processos.

190
Seção 3

Particularidades farmacológicas

Diálogo aberto
Olá, estudante!
Chegamos a nossa última seção de Farmacologia. Ao longo das unidades,
trabalhamos diversos assuntos que servirão para embasar todos os conceitos
futuros da farmacologia das classes terapêuticas, o princípio da ação dos
fármacos e principalmente a estrutura do raciocínio clínico com o uso dos
medicamentos em pacientes, sejam eles atendidos em uma drogaria, ambula-
tório, área hospitalar, ou em outra área em que você possa vir a atuar.
Encerraremos nossos estudos abordando algumas particularidades
farmacológicas, relacionando o efeito placebo e o efeito farmacológico efetivo
a partir da dose tóxica e da dose efetiva de cada fármaco; mostraremos a
diferença entre uma dose de ataque e uma dose de manutenção e como isso
está relacionado com a posologia de um medicamento.
Com o entendimento sobre a faixa terapêutica do fármaco, a partir da
análise do gráfico de concentração sérica pelo tempo, fica mais fácil a compre-
ensão da dose do medicamento a ser administrada, não deixando que atinja
a sua concentração tóxica e modulando os intervalos de tempo entre cada
dose. Por isso, como profissionais, devemos dominar esses conteúdos para
proporcionar aos nossos pacientes a melhor orientação sobre o uso correto e
racional dos medicamentos.

Não pode faltar

Para contextualizar os temas desta seção, imagine um farmacêutico que


trabalha em uma farmácia sem manipulação ou drogaria e que, em atendi-
mento de rotina, realiza orientação farmacêutica em seu consultório farma-
cêutico, visando a contribuir para o uso racional dos medicamentos dos seus
clientes. Você acha que essa é uma situação possível de ocorrer em seu futuro
ambiente profissional de atuação? Será que os farmacêuticos representam a
linha de frente no que diz respeito às opções adequadas para encontrar a
orientação correta sobre o uso de medicamentos pelos usurários?
Desta forma, considerando esse contexto, uma paciente, durante o
atendimento realizado pelo profissional farmacêutico da drogaria, questio-
nou-o sobre os efeitos adversos relacionados e não relacionados à ação

191
farmacológica conhecida de um medicamento. Como você, no lugar desse
profissional farmacêutico, tiraria as dúvidas da paciente?
Esta é a última seção desta disciplina e espero que você tenha aprendido
os conceitos básicos da farmacologia até aqui. Agora novas portas irão se
abrir para ampliar cada vez mais os conhecimentos necessários para um
excelente profissional. Continue se dedicando! Por isso, foco nos estudos e
vamos em frente.

Aspectos clínicos fundamentais das drogas de interesse tera-


pêutico e o Uso Racional de Medicamentos (URM)
Os medicamentos, durante as fases de pesquisa e fabricação, passam por
um criterioso processo de análise de segurança e eficácia. Com isso, após
um alto investimento, tanto a indústria farmacêutica como a administração
pública apresentam interesse na ação proposta pelo medicamento, pois
quanto maior o uso, maior o lucro para as empresas, o que resultará também
numa população com menor índices de doença, trazendo menores gastos
para o sistema de saúde público. Mas o uso indiscriminado dos medica-
mentos, a chamada “medicalização da saúde”, também pode trazer prejuízos.
Parece até estranho ir a uma consulta médica e ao final não ter uma
prescrição de medicamento, o que provavelmente fará com que seja feito um
julgamento errado acerca do médico que realizou o atendimento. Isso mostra
a posição que o medicamento ocupa na cultura de saúde construída social-
mente ao longo do tempo. Quando a indicação de um tratamento medica-
mentoso é feita de forma correta, pode-se dizer que houve uma preocupação
com o uso racional desse medicamento. Esse uso racional de fato se conclui
assim que o paciente segue corretamente as orientações recebidas na sua
dispensação e que tem acesso ao medicamento prescrito.
O termo Uso Racional de Medicamentos (URM) foi definido, em 1987,
pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (WHO, 2012) como a adminis-
tração de fármacos apropriados ao paciente conforme suas necessidades
clínicas, em doses que satisfaçam suas características individuais, por um
período de tempo adequado e com o menor custo para ele e para a comuni-
dade. Essa definição também faz parte dos princípios que norteiam a Política
Nacional de Medicamentos (PNM) definida pelo Ministério da Saúde
desde 2001.
Esse conceito se torna válido para evidenciar os aspectos clínicos dos
medicamentos em sua indicação terapêutica, pois, a partir dos estudos de
utilização do medicamento, haverá uma indicação correta, baseada em
evidências científicas. Alguns medicamentos são promessas de melhoria de

192
fármacos mais antigos ou de apresentação de um nível de segurança maior.
Um exemplo disso é a diminuição das reações adversas e interações medica-
mentosas conquistadas com o desenvolvimento da ranitidina em compa-
ração à cimetidina.
Figura 4.9 | Estruturas químicas da cimetidina (I) e da ranitidina (II)

(I) (II)

Fonte: adaptada de Wikimedia Commons.

Vários outros exemplos podem ser dados, como o aumento da potência


dos inibidores da ECA – captopril  enalapril  ramipril (em ordem
crescente de potências); as alterações moleculares em antimicrobianos para
produzir diferentes formas de ação, promovendo a redução da resistência
bacteriana; além do desenvolvimento de diversos outros fármacos antide-
pressivos com modificações estruturais. Com isso, busca-se aumentar o
arsenal terapêutico no tratamento dos diversos tipos de doenças e reduzir os
efeitos adversos e outros complicadores na farmacoterapia, como a tolerância
aos medicamentos, acesso, resultados efetivos, entre outros.
Com a evolução da farmacologia e a constante busca por novos medica-
mentos, faz-se necessária uma intervenção científica para que a prática clínica
não seja apenas empírica, uma vez que a farmacoterapia deve estar embasada
em resultados comprovados que possam trazer ainda mais segurança e efeti-
vidade a um tratamento, beneficiando o paciente e o prescritor.
Essa necessidade deu origem a um movimento novo para o ensino e a
prática da medicina, o qual posteriormente abrangeu toda a área da saúde.
Com a busca constante de evidências que comprovem os melhores resultados
clínicos, surge, então, a Saúde Baseada em Evidência (SBE), a qual utiliza
estudos estatísticos e conceitos epidemiológicos para otimização de ferra-
mentas que tragam revisões sistemáticas da literatura e uma avaliação mais
crítica sobre os resultados alcançados nos estudos clínicos, como os vieses,
erros aleatórios e fatores de confusão que possam existir, de forma que se
permita pontuar os resultados avaliados.
Alguns recursos são disponibilizados de forma gratuita para que uma
revisão sistemática possa ser utilizada em questões clínicas. Os sites que

193
funcionam como ferramenta de busca e que oferecem os melhores resultados
de evidências científicas são: Google Acadêmico, Biblioteca Virtual em Saúde
(BVS), Scielo, Epistemonikos, Pubmed, entre outros metabuscadores.
Com a vastidão de informações disponíveis, as decisões clínicas neces-
sitam de fundamentação em fatos e não apenas de opiniões e práticas
clínicas que podem estar obsoletas e necessitando de atualizações. Os
trabalhos pesquisados devem sempre seguir uma sequência de força de
evidências, hierarquizando o conhecimento e avaliando constantemente a
melhor evidência para uma tomada de decisão clínica nas situações práticas
cotidianas que desafiam toda a estrutura e a saúde pública.
Os trabalhos mais confiáveis e com maior quantidade de informações
relevantes são aqueles nos quais os pesquisadores selecionam a metodologia
que trará o mínimo de interferência possível na obtenção e interpretação dos
resultados. Os estudos primários utilizados para o levantamento de evidên-
cias científicas são apresentados no formato de ensaios clínicos randomi-
zados; e os estudos secundários, no formato de revisões sistemáticas que
podem ter uma metanálise.
Outros estudos, com evidências mais simples ou com uma amostragem
menor de testes realizados, possuem resultados que podem ser duvidosos
ou inconsistentes, mas que conduzem a estudos mais relevantes e robustos
pelas possibilidades encontradas. Na base da pirâmide de evidência (Figura
4.10) encontram-se os estudos in vitro e, em seguida, os estudos in vivo em
animais, seguido de editoriais, estudos de séries de casos, estudos de caso e
controle e estudos de coorte.
Figura 4.10 | Pirâmide da evidência científica
Revisões sistemáticas e
metanálises

Ensaios clínicos
randomizados e
controlados
Estudos de
coorte
Estudos de caso
e controle

Estudos de série de caso

Relatos de caso

Editoriais, opiniões

Pesquisas em animais

Pesquisas em laboratório

Fonte: adaptada de Savi e Silva (2009, p. 183).

194
Para o desenvolvimento de um fármaco, que tem como principais
objetivos a determinação da eficácia – benefício a ser alcançado sobre o
problema que se quer tratar –, e da segurança – condição sine qua non na
utilização dessa substância –, realiza-se um estudo clínico randomizado e
normalmente com cegamento (duplo ou triplo cego), o que reduz a inter-
ferência dos observadores e dos observados no estudo, alcançando, assim,
resultados mais confiáveis.
Figura 4.11 | Etapas do desenvolvimento de novos fármacos com ênfase nos tipos de estudos
utilizados

SÉRIE DE CASOS
PESQUISA PRÉ-CLÍNICA ESTUDOS TRANSVERSAIS
FASE I CASOS E CONTROLES
FASE II COORTES
QUASE EXPERIMENTOS

ECR
(FASE III)

FARMACOVIGILÂNCIA (FASE IV)


REVISÕES SISTEMÁTICAS
METANÁLISES
ESTUDOS DE CUSTO-EFETIVIDADE
DIRETRIZES CLÍNICAS

Fonte: adaptada de Fuchs e Wannmacher (2017, p. 7).

Assimile
Muitos são os problemas a enfrentar ao realizar um estudo. Esses
problemas, se não levados em conta e solucionados adequadamente,
resultam em erros nas frequências obtidas, seja gerando subestimativas,
seja criando superestimavas dos verdadeiros valores. Parte substancial

195
da análise crítica de um texto científico concentra-se na busca por erros
que possam ter sido cometidos.
Habitualmente, os erros metodológicos são classificados em duas
categorias: erro sistemático (viés) e erro aleatório (ao acaso). Além
desses, pode haver ainda erros por comportamentos indevidos, tais
como a fabricação e a falsificação de dados.
A presença de erro sistemático sugere resultados distorcidos (envie-
sados) e a presença de erro aleatório de monta gem caracteriza os
estudos imprecisos. A importância em diferenciá-los reside em que as
técnicas para lidar com eles diferem marcadamente.
Viés (bias em inglês) é uma distorção, um erro sistemático, ou seja,
um erro de caráter não aleatório. Os resultados de uma pesquisa que
contém viés estarão sistematicamente desviados de seu real valor. Por
exemplo, uma balança desregulada para mais sempre mostrará um
peso corporal maior do que o real. Essa é uma regra geral: o viés é unidi-
recional. Se for de elevada monta, a credibilidade das conclusões estará
comprometida (PEREIRA; GALVÃO; SILVA, 2019).

Dose efetiva, dose tóxica, efeito placebo e tolerância dos


fármacos
Todo fármaco, quando é desenvolvido, necessita da determinação de sua
margem de segurança durante a utilização. A potência pode ser um desses
fatores, já que em doses menores o efeito esperado pode ser alcançado,
embora possa desencadear também reações adversas ou atingir uma concen-
tração tóxica mais facilmente.
Para entender melhor esses fatores, é necessário relacionar a dose efetiva
média (DE50), a qual corresponde a 50% dos pacientes testados que apresen-
taram uma resposta positiva ao tratamento, e a dose letal média (DL50),
que é aplicada em animais submetidos ao uso do fármaco e que tem 50%
de letalidade com uma determinada dose. Esse valor de DL50 é usado como
parâmetro quando o fármaco é testado em humanos. Ele serve, ainda, para
determinar uma dose máxima segura e a dose tóxica (DT50), a partir da
qual se observa uma resposta de efeitos adversos suportáveis em 50% da
população testada, sendo esta a dose máxima a ser definida.
Para determinar a segurança relativa do fármaco, calcula-se o índice
terapêutico (IT), encontrado por meio da razão entre a dose tóxica (DT50) e
a dose efetiva (DE50): IT = DT50/DE50. Isso demonstra que, quanto maior
for o valor do IT, maior será a segurança relativa do fármaco. Normalmente,
um valor de IT abaixo de 10 revela um fármaco com uma faixa ou janela
terapêutica estreita, ou seja, os valores da dose efetiva são muito próximos

196
da dose tóxica e por isso necessita de um monitoramento mais próximo, já
que o paciente pode apresentar variações na concentração plasmática do
fármaco, o qual facilmente atinge a faixa de toxicidade e causa, portanto,
efeitos adversos, como no caso dos medicamentos à base de lítio para trata-
mento de esquizofrenias.
Figura 4.12 | Curvas de dose-efeito para demonstração de CE50, e comparação de potência,
eficácia e segurança entre fármacos agonistas
E E
A B
1,0 EMAX

0,5

A B
POTÊNCIA A > B D

CE50 = Kd

E E
B A B
1,0 EMAX
A

0,5

C D
EFICÁCIA A < B D
SEGURANÇA A < B

Legenda: A. Efeito máximo (Emáx); concentração eficaz média (CE50); constante de dissociação
(Kd); B. Efeitos de agonistas com diferentes potências; C. Efeitos de agonistas com diferentes
eficácias; D. Característica de inclinação das curvas com uma janela terapêutica mais estreita
para A comparado com B.

Fonte: Fuchs e Wannmacher (2017, p. 87).

Em alguns estudos clínicos randomizados (ECR) o comparativo do


fármaco testado é um medicamento placebo. Os placebos são medicamentos
sem efeitos fisiológicos, ou seja, neutros e podem ser feitos apenas de açúcar
ou outra substância que não produza ações no organismo. São utilizados
para demonstrar algumas respostas subjetivas que não estão diretamente
relacionadas com o fármaco a ser testado, causadas por um efeito sugestivo
ou psicológico.

197
Para medir esse efeito, o fármaco em fase de teste deve ter maiores resul-
tados esperados em comparação com o placebo, dessa forma pode-se atestar
que o medicamento em estudo tem realmente uma eficácia para o problema
de saúde a ser resolvido em comparação a um teste placebo, eliminando aí
um viés de resultados que podem ser provocados por uma condição psicoló-
gica e não fisiológica.

Exemplificando
Vamos supor que um fármaco A possua uma dose tóxica de 25 mg/kg/
dia e que, para ter um efeito esperado em 50% da população testada,
é necessária uma dose de 15 mg/kg/dia. Já para um fármaco B, a dose
tóxica definida é de 320 mg/kg/dia e sua dose efetiva é de 12 mg/kg/
dia. Qual deles é mais seguro?
Para responder a essa pergunta será necessário realizar o cálculo do
índice terapêutico (IT) para cada um, que corresponde à razão entre
DT50 e DE50.
No caso do fármaco A: IT = 25/15 o que resulta em um IT de cerca de 1,7.
No caso do fármaco B: IT = 320/12 o que resulta em um IT de cerca de
26,7
Os cálculos demonstram que o fármaco B é mais seguro que o fármaco
A, pois o seu IT é maior e dá pra observar que a dose efetiva é mais
distante da dose tóxica, diferente do fármaco A que possui valores
muito próximos.

Quanto à tolerância aos fármacos, segundo o Shalini S. Lynch (2019), é


importante para o aluno de farmácia entender que uma pessoa pode desen-
volver tolerância quando algum medicamento é usado repetidamente. Por
exemplo, quando morfina ou álcool são usados por um longo período de
tempo, devem ser tomadas doses cada vez maiores para produzir o mesmo
efeito. Geralmente a tolerância se desenvolve devido à aceleração do metabo-
lismo do medicamento (frequentemente porque as enzimas hepáticas
envolvidas no metabolismo de medicamentos ficam mais ativas) e porque
o número de sítios (receptores celulares) aos quais o medicamento se liga ou
a força da ligação (afinidade) entre o receptor e o medicamento diminuem
(LYNCH, 2019).
Segundo H. P. Rang e colaboradores (2016), com frequência, o efeito
de um fármaco diminui gradualmente quando é administrado de maneira
contínua ou repetida. Dessensibilização e taquifilaxia são termos sinônimos
utilizados para descrever esse fenômeno, que, muitas vezes, se desenvolve
em poucos minutos. Já o termo tolerância é convencionalmente empre-
gado para descrever uma diminuição mais gradual da responsividade a um

198
fármaco, que leva horas, dias ou semanas para se desenvolver. A distinção
entre esses termos não é muito precisa. Às vezes, o termo refratariedade
também é empregado, principalmente em relação à perda da eficácia terapêu-
tica. Resistência a um fármaco é uma expressão utilizada para descrever a
perda de eficácia dos fármacos antimicrobianos ou antineoplásicos. Muitos
mecanismos diferentes podem dar origem a esse tipo de fenômeno. Eles
englobam: alteração em receptores; translocação de receptores; depleção
de mediadores; aumento da degradação metabólica do fármaco; adaptação
fisiológica; extrusão ativa do fármaco das células (relevante principalmente
na quimioterapia antineoplásica (RANG et al., 2016).

Dosagem terapêutica e frequência: dose de ataque e dose de


manutenção
A dose recomendada para o tratamento com um determinado fármaco
precisa ser definida ainda na fase pré-clínica de desenvolvimento do fármaco
para que possa ser garantida a segurança de uso na fase clínica, durante a
qual sofre as adequações necessárias para uso em humanos. A dose, a frequ-
ência de uso e a duração do tratamento caracterizam a posologia do fármaco
e para essa determinação é necessário conhecer o tempo de meia-vida do
fármaco e também algumas outras informações farmacocinéticas, como
volume de distribuição, depuração, taxa de eliminação, ligação em proteínas
plasmáticas, entre outras.
O tempo de meia-vida do fármaco é o tempo necessário para que ocorra
a diminuição de metade da sua concentração sérica. Caso fosse dada uma
única dose de 100 mg, por exemplo, após a sua primeira meia-vida, restaria
50 mg, depois 25mg e assim por diante até que o fármaco fosse totalmente
eliminado do organismo.
Alguns fármacos possuem um tempo de meia-vida muito longo, que
pode durar dias. Nesses casos, a posologia precisa ser bem adequada para que
não ocorra efeitos tóxicos do medicamento; em outros, o tempo de meia-vida
é tão curto que as doses devem ser muito altas para que produza algum
efeito, como é o caso da adenosina, cujo tempo de meia-vida é de menos
de 10 segundos; na administração endovenosa, esse medicamento deve ser
ministrado em bolus, num um sistema de dupla entrada com infusão de
soro fisiológico imediatamente para que o fármaco possa atingir o coração
com maior rapidez e produzir o efeito esperado para os casos de taqui-
cardia supraventricular.
Outra situação é quando o medicamento é administrado em deter-
minados intervalos, criando uma posologia adequada para o tratamento

199
proposto. Esse é um cenário mais comum nos tratamentos medicamentosos,
pois diz respeito a quando o paciente usa o medicamento a cada 12 horas ou
a cada 8 horas. Levando em consideração o tempo de meia-vida do fármaco
e também a sua depuração e volume de distribuição, é possível determinar o
intervalo correto de administração do medicamento.
Vamos supor uma situação em que é administrado um fármaco via oral,
cuja concentração sanguínea é de 10 mg. Iremos considerar apenas o tempo
de meia-vida desse fármaco até a próxima administração, então, após uma
meia vida, haverá 5 mg do fármaco na circulação, mas nesse momento o
paciente faz o uso de uma nova dose, totalizando agora 15 mg do fármaco
circulante. Após mais uma meia-vida, restará 7,5 mg do fármaco, do qual o
paciente irá tomar mais uma dose (sempre de 10 mg), e agora haverá 17,5 mg.
Se você for fazendo essa sequência de somar mais uma dose a cada valor da
concentração restante do fármaco, você perceberá que após um certo tempo
(superior a 5 meias-vidas) o valor irá se estabilizar em 20 mg do fármaco
na circulação; nesse momento, estará se formando um estado de equilíbrio
da concentração sérica do fármaco, também chamado de steady state. Por
isso, deve-se obedecer ao regime posológico para evitar variações na concen-
tração do estado de equilíbrio formado e perder o efeito terapêutico.
Em uma situação em que a concentração do fármaco fosse uma dose final
de 200 mg ao dia, a qual foi administrada de 6 em 6 horas (4 vezes ao dia) e
de 12 em 12 horas (2 vezes ao dia). Quando administrada apenas uma vez ao
dia, as concentrações atingem situações tóxicas.

Reflita
Após a administração de um fármaco por qualquer via, sua concen-
tração plasmática aumenta inicialmente. A seguir, a distribuição do
compartimento vascular (sanguíneo) para os tecidos corporais resulta
em diminuição de sua concentração sérica. Para uma maior rapidez na
ação do fármaco, são administradas, com frequência, doses iniciais (de
ataque) de um fármaco para compensar sua distribuição nos tecidos.
Essas doses podem ser muito mais altas do que as necessárias se o
medicamento fosse retido no compartimento intravascular. As doses de
ataque podem ser utilizadas para obter níveis terapêuticos do fármaco,
como os níveis na concentração desejada no estado de equilíbrio
dinâmico com apenas uma ou duas doses (GOLAN, et al., 2018).
Nesse caso, por que não é dada uma dose de ataque inicial para todos
os fármacos? O que essa dose pode acarretar?

Esses conceitos finalizam os conteúdos básicos de farmacologia,


bem como os demais trabalhados na disciplina, também servirão para

200
o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos seus conhecimentos. Temas
estes, como os ligados à epidemiologia, que abordamos nesta seção e que
promovem uma formação que possa dar subsídios para um profissional
completo e preocupado com a saúde da população e que realizará o manejo
do risco envolvido no uso do medicamento.

Sem medo de errar

Nesta situação-problema, deparamo-nos com um farmacêutico de


drogaria que foi questionado por uma cliente sobre os efeitos adversos
relacionados ou não à ação conhecida de um medicamento.
Assim, para atender aos questionamentos da paciente, seria importante
enfatizar que, segundo H. P. Rang e colaboradores (2016), muitos efeitos
adversos relacionados às ações farmacológicas conhecidas do medicamento
são previsíveis, pelo menos quando bem compreendidas. Algumas vezes
esses efeitos são conhecidos como reações adversas do tipo A (“aumentada”)
e são relacionados à dose e suscetibilidade individual. Por exemplo: ocorre
hipotensão postural com antagonistas do receptor α1-adrenérgico, sangra-
mento com anticoagulantes, sedação com ansiolíticos e assim por diante. Em
muitas situações, esse tipo de efeito adverso é reversível, sendo possível, com
frequência, lidar com o problema ao se reduzir a dose. Às vezes, tais efeitos
são graves (p. ex., sangramento intracerebral causado por anticoagulantes e
coma hipoglicêmico provocado pela insulina) e, em alguns casos, não são
facilmente reversíveis, como a dependência causada por analgésicos opioides.
Alguns outros efeitos adversos relacionados à principal ação de um medica-
mento resultam em eventos discretos e não em sintomas graves, de modo
que pode ser difícil detectá-los. Por exemplo, os fármacos que bloqueiam a
ciclo-oxigenase-2 (COX-2) (incluindo “coxibes”, como rofecoxibe, celecoxibe
e valdecoxibe, bem como alguns anti-inflamatórios não esteroidais [AINEs]
convencionais) aumentam o risco de infarto do miocárdio de forma dose-de-
pendente. Esse potencial era previsível a partir da capacidade dos fármacos em
inibir a biossíntese de prostaciclinas e aumentar a pressão arterial sanguínea,
e os estudos preliminares forneceram um sinal para tais problemas. Foi difícil
provar esse efeito e somente quando alguns estudos controlados com placebos
foram realizados para outra indicação (na esperança de que inibidores da
COX-2 pudessem prevenir câncer de intestino) é que se pôde confirmar, sem
sombra de dúvida, a ação pró-trombótica (RANG, et al., 2016).
Ainda para Rang et al. (2016), efeitos adversos não relacionados à
principal ação farmacológica podem ser previsíveis quando um fármaco é
tomado em doses excessivas. Exemplos são o zumbido induzido por aspirina
ou, então, quando a suscetibilidade aumenta, como no caso de gravidez

201
ou por alteração predisponente, tal qual a deficiência da glicose-6-fosfato
desidrogenase ou uma mutação no DNA mitocondrial. Reações imprevisí-
veis, não relacionadas com o efeito principal do fármaco (às vezes designadas
de reações idiossincráticas) com frequência são iniciadas por um metabó-
lito quimicamente reativo e não pelo fármaco parental. Muitas vezes são
de natureza imunológica, incluem necrose hepática e renal induzida pelo
fármaco, supressão da medula óssea, carcinogênese e desenvolvimento fetal
deficiente. Os efeitos adversos imprevisíveis, raros, porém graves, foram
mencionados em capítulos anteriores, incluindo anemia falciforme associada
ao cloranfenicol e anafilaxia com uso de penicilina (RANG et al., 2016).

Avançando na prática

Meia-vida de um fármaco
Um profissional farmacêutico clínico de um grande hospital estava em
visita aos leitos e realizava algumas orientações aos pacientes em internação.
Em um dos leitos, um paciente de 67 anos obeso, que estava internado e
fazendo uso de vários medicamentos, relatou ao profissional ter ouvido
dos médicos que o acompanham, que essas associações poderiam ser um
fator de alteração no tempo de meia-vida dos medicamentos ingeridos por
ele. O paciente ainda disse que ficou com receio de perguntar aos médicos,
que geralmente só conversavam entre eles, sobre o que seria o tempo de
meia-vida e quais fatores poderiam levar à alteração desse tal tempo. Assim,
o senhor perguntou ao farmacêutico, que o tratou com extrema gentileza, se
ele poderia esclarecer-lhe essa dúvida. Você, aluno, no lugar do farmacêutico,
como esclareceria a indagação do paciente?

Resolução da situação-problema
Essa é uma situação muito comum no ambiente hospitalar, conside-
rando a atuação do farmacêutico clínico. Assim, para atender essa dúvida, o
profissional deve responder de forma mais simplificada possível para o fácil
entendimento do paciente. O farmacêutico poderia dizer que o tempo de
meia-vida de um medicamento é um termo usado para descrever o tempo
que o organismo leva para eliminar metade da dose de um medicamento que
está na corrente sanguínea de um indivíduo em uma determinada fração de
tempo. É preciso levar em conta as alterações fisiológicas e patológicas do
volume de distribuição para determinar a dose apropriada de um fármaco,
bem como o intervalo entre as doses, pois isso tem direta relação com esse
tempo de meia-vida. Com o processo de envelhecimento, a massa muscular

202
esquelética diminui, o que pode reduzir o volume de distribuição , outro
parâmetro farmacológico importante. Em contrapartida, um indivíduo
obeso apresenta aumento na capacidade de captação de fármacos pelo tecido
adiposo e, para um fármaco que se distribui na gordura, pode ser necessário
administrar uma dose mais alta a fim de alcançar níveis plasmáticos terapêu-
ticos. Como terceiro exemplo, se a dose de um fármaco for baseada no peso
corporal e se o compartimento de tecido adiposo não captar esse fármaco,
poderão ser alcançados níveis potencialmente tóxicos em uma pessoa obesa.
Por fim, alguns fármacos podem distribuir-se, de preferência em espaços
líquidos patológicos, como ascite ou derrame pleural, causando toxicidade
a longo prazo se a dose não for ajustada de acordo. Os processos fisioló-
gicos e patológicos também são capazes de afetar o tempo de meia-vida dos
fármacos. Por exemplo, as enzimas do citocromo P450 responsáveis pelo
metabolismo dos fármacos no fígado podem ser induzidas, aumentando
a taxa de inativação dos fármacos, ou inibidas, diminuindo-a. As enzimas
P450 específicas são induzidas por alguns fármacos (como carbamazepina,
fenitoína, prednisona e rifampicina) e inibidas por outros (como cimetidina,
ciprofloxacino, diltiazem e fluoxetina). A falência de um órgão constitui
outro fator crítico na determinação dos esquemas posológicos apropriados.
Assim, a insuficiência hepática pode alterar a função das enzimas hepáticas
e também diminuir a excreção biliar. A redução do débito cardíaco diminui
a quantidade de sangue que alcança os órgãos de depuração. Em resumo,
insuficiências hepática, cardíaca e renal e associações de medicamentos,
quando feitas de maneira negligente, podem levar a interações medicamen-
tosas que levam, não necessariamente em conjunto, à redução da capaci-
dade de inativação ou eliminação de um fármaco, aumentando, assim, sua
meia-vida de eliminação. No Quadro 4.2, encontram-se alguns fatores que
alteram a meia-vida de um fármaco (GOLAN et al., 2018).
Quadro 4.2 | Fatores que afetam a meia-vida de um fármaco e seus efeitos

Efeito mais comum sobre a


Fatores que afetam a meia-vida
meia-vida

Efeitos sobre o volume de distribuição

Envelhecimento (diminuição da massa muscular →


Diminuição
diminuição da distribuição)

Obesidade (aumento da massa adiposa → aumento da


Aumento
distribuição

Líquido patológico (aumento da distribuição) Aumento

203
Efeitos sobre a depuração

Indução do citocromo P450 (aumento do metabolismo) Diminuição

Inibição do citocromo P450 (diminuição do


Aumento
metabolismo)

Insuficiência cardíaca (diminuição da depuração) Aumento

Insuficiência hepática (diminuição da depuração) Aumento

Insuficiência renal (diminuição da depuração) Aumento

Fonte: adaptado de Golan et al. (2018, p. 39).

Esta seria uma forma bastante esclarecedora para solucionar a dúvida


do paciente. Haveria outra forma de explicar o que foi questionado? Vá em
frente, proponha essa explicação!

Faça valer a pena

1. Uma das prioridades da Política Nacional de Medicamentos (PNM),


publicada pela Portaria nº 3.916 de 1998, além da revisão constante da
Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) e da prestação da
assistência farmacêutica, também diz respeito à promoção do uso racional
de medicamentos.
Assinale a alternativa que relaciona corretamente medidas de uso racional de
medicamentos.
a. Promoção de propagandas de medicamentos para prescritores e
usuários no intuito de educação em saúde.
b. Estímulo à prescrição e ao uso de medicamentos genéricos.
c. Descentralizar a decisão terapêutica para que o médico possa adotar
o tratamento que melhor lhe convier.
d. O farmacêutico deve estar envolvido diretamente com o processo de
compra dos medicamentos para garantir o menor preço possível.
e. Participar do diagnóstico do paciente juntamente com o médico,
tomando decisões sobre o melhor tratamento a ser oferecido.

204
2. O gráfico semilogarítimo da ligação fármaco-receptor pode ser represen-
tado conforme a imagem a seguir:
Figura | Gráfico semilogarítimo da ligação fármaco-receptor
1,0

FÁRMACO A

FÁRMACO B
[LR]
0,5
[R0]

0
KdA KdB
[L]

Fonte: adaptada de Golan et al. (2018, p. 19).

Sendo [LR/Ro] uma resposta quantificável do fármaco e [L] a concentração


do fármaco após a sua análise. A partir dessas informações, foram feitas as
seguintes afirmações:
I. O fármaco A e o B possuem a mesma eficácia.
II. O fármaco A necessita de uma dose menor para ter o mesmo efeito
do fármaco B.
III. O índice terapêutico do fármaco A é menor que o de B.
IV. Utilizando as informações do gráfico é possível definir a posologia
dos dois fármacos.
É correto APENAS o que se afirma em:
a. I e II.
b. II e III.
c. I, II e III.
d. I, II e IV.
e. I, III e IV.

205
3. Um paciente de 70 anos, pesando 89 kg, foi atendido no pronto socorro
de um hospital e foi diagnosticado com infarto agudo do miocárdio (IAM).
Para evitar uma arritmia, foi prescrita uma dose de ataque de lidocaína, a qual
precisa chegar a 10 mg/L de concentração sérica para um efeito adequado.
Sabendo que o volume de distribuição da lidocaína é de 0,6L/kg, responda:
Qual é a dose de ataque prescrita para esse paciente?
a. 420 mg.
b. 6 mg.
c. 148 mg.
d. 890 mg.
e. 534 mg.

206
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