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\\Kaele-f\d\Grupo A\Reimpressão\03622 - Farmacognosia\Impressao\Abertos\Capa\02273 SIMOES - Farmacognosia.

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terça-feira, 30 de abril de 2019 15:26:43
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ALLEN JR., L.V.; POPOVICH, N.G.; ANSEL, H.C.


Formas farmacêuticas e sistemas de liberação de fármacos – 9.ed.
ALLEN JR., L.V.
Introdução à Farmácia de Remington
BARREIRO, E.J.; FRAGA, C.A.M.
Química medicinal: as bases moleculares da ação dos fármacos – 3.ed.
Os conhecimentos que fundamentam a área da Farmacognosia estão BRESINSKY, A. ET AL.
em constante evolução. Novas pesquisas ampliam a todo momento Tratado de botânica de Strasburger – 36.ed.
os saberes relacionados com os produtos naturais e com suas aplicações. *CECHINEL FILHO, V.; ZANCHETT, C.C.C.
Fitoterapia avançada: uma abordagem química, biológica e nutricional
Farmacognosia: do produto natural ao medicamento tem como foco de
CORRER, C.J.; OTUKI, M.F.
estudo os produtos de origem natural, em especial de origens vegetal e A prática farmacêutica na farmácia comunitária
animal, que têm sido reconhecidos, mundialmente, como matérias-primas
CUTLER, D.F.; BOTHA, T.; STEVENSON, D.W.
sustentáveis e renováveis para a obtenção de substâncias e produtos a Anatomia vegetal: uma abordagem aplicada
serem empregados na fabricação de medicamentos, em contraposição aos
MASSUD FILHO, J. (ORG.)
produtos fósseis de reservas finitas. Reúne também os principais temas Medicina farmacêutica: conceitos e aplicações
pertinentes ao estudo desses produtos, objetivando o desenvolvimento
MASTROIANNI, P.; VARALLO, F.R. (ORGS.)
de fármacos e medicamentos. Escrito por docentes pesquisadores da área,
Farmacovigilância para promoção do uso correto de medicamentos
esta obra é uma fonte de consulta qualificada sobre produtos naturais,
MONTEIRO, S. da C.; BRANDELLI, C.L.C.
sua constituição química e suas propriedades farmacológicas.
Farmacobotânica: aspectos teóricos e aplicação

Alguns destaques deste livro: NETZ, P.A.; GONZÁLES ORTEGA, G.G.


Fundamentos de físico-química: uma abordagem conceitual para as
ciências farmacêuticas
Biodiversidade no Brasil
TAIZ, L.; ZEIGER, E.
Avaliação da eficácia e segurança de produtos naturais candidatos Fisiologia vegetal – 6.ed.
a fármacos e medicamentos VIEIRA, F.P.; REDIGUIERI, C.F.; REDIGUIERI, C.F.
Biossíntese de metabólitos primários e secundários A regulação de medicamentos no Brasil
YANG, Y.; WEST-STRUM, D.
Métodos de análise, identificação e quantificação de produtos naturais
Compreendendo a farmacoepidemiologia
Produtos naturais de origem marinha e o desenvolvimento
de fármacos e medicamentos
Técnicas de produção e controle de qualidade de matérias-primas *Livro em produção no momento da reimpressão desta obra, mas que
de origem natural e de produtos derivados muito em breve estará à disposição dos leitores em língua portuguesa.
Nota: Os conhecimentos que fundamentam a Farmacognosia estão em constante evolução. Novas
pesquisas ampliam a todo o momento os saberes relacionados com os produtos naturais e com
suas aplicações. Os organizadores e autores desta obra basearam seus capítulos em resultados
investigativos próprios e/ou buscaram informações e dados em fontes atuais e consideradas confiáveis,
procurando oferecer subsídios que permitam a construção do conhecimento conexo, levando em
conta a credibilidade da origem e a data de publicação dos documentos citados. Mesmo assim,
devem ser consideradas possíveis interpretações individuais ou atualizações posteriores à redação
dos textos, sugerindo fortemente que os leitores venham a confirmar as informações em outras fontes
de referência. Em nenhum momento os organizadores e autores da obra visam estimular o emprego
terapêutico dos produtos naturais citados. A ausência do símbolo ® após a denominação comercial
de algum produto ou substância não significa necessariamente que o nome não seja uma marca
proprietária registrada.

F233 Farmacognosia : do produto natural ao medicamento [recurso


Eletrônico] / Organizadores, Cláudia Maria Oliveira
Simões... [et al.]. – Porto Alegre : Artmed, 2017.
e-PUB.

Editado como livro impresso em 2017.


ISBN 978-85-8271-365-5

1. Farmacologia. 2. Farmacognosia. 3. Plantas medicinais.


4. Fármacos medicinais. 5. Medicamentos – origem vegetal. I.
Simões, Cláudia Maria Oliveira.

CDU 615.32

Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094

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9
Produtos naturais e o
desenvolvimento de fármacos
Lilian Sibelle Campos Bernardes, Karen Luise Lang, Pedro Ros Petrovick, Eloir Paulo Schenkel

Introdução 107 • Importância histórica dos produtos na-


Importância histórica dos produtos naturais turais para a terapêutica
para a terapêutica 108 • Produtos naturais como fonte de maté-
rias-primas farmacêuticas
Produtos naturais como fonte de
• Substâncias ativas de produtos naturais
matérias-primas farmacêuticas 110
como protótipos de fármacos
Substâncias ativas de produtos naturais
como protótipos de fármacos 116 A utilização de produtos naturais para a
obtenção de outras matérias-primas e o de-
Pontos-chave deste capítulo 126
senvolvimento de outras classes de substân-
Referências 126 cias não especificamente farmacêuticas não
Leituras sugeridas 128 foram contempladas.
Nesse contexto, centrado na obtenção
e no desenvolvimento de fármacos a partir
de produtos naturais, cabe ainda ressaltar
Introdução o papel significativo que os produtos natu-
Os produtos naturais fazem parte da vida do rais, incluindo toxinas e venenos de animais,
homem desde seus primórdios como fonte exerceram no desenvolvimento da fisiologia
de alimentos e de materiais para vestuário, e da farmacologia como ferramentas que
habitação, utilidades domésticas, defesa e conduziram à elucidação de mecanismos fi-
ataque; na produção de meios de transpor- siológicos. Ilustra essa contribuição a utili-
te; como utensílios para manifestações ar- zação, já em 1870, da pilocarpina por John
tísticas, culturais e religiosas; e como meio Langley em experimentos com animais, veri-
restaurador da saúde. Hoje representam uma ficando a indução da produção de saliva pe-
das alternativas entre as diversas fontes de las glândulas salivares, efeito este bloqueado
insumos necessários à existência da socieda- pela atropina, o que levou à proposta, muito
de, tendo como principal vantagem o fato de antes do conhecimento do neurotransmissor
serem uma fonte renovável e, em grande par- acetilcolina, de que as duas substâncias atu-
te, controlável pelo gênio humano. ariam sobre os mesmos sítios. Igualmente, a
Este capítulo aborda a importância dos tubocurarina e a nicotina foram ferramentas
produtos naturais para a obtenção e o desen- decisivas para o conhecimento da neuro-
volvimento de fármacos, contemplando os transmissão na junção neuromuscular e dos
seguintes aspectos: receptores nicotínicos, respectivamente.

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108 Farmacognosia

É notável a contribuição dos produtos pesquisadores William C. Campbell, Satoshi


naturais na busca e identificação de protó- Omura e Tu Youyou. Eles foram pioneiros
tipos para o desenvolvimento de fármacos. na descoberta de fármacos usados para o
No início do século passado houve um in- tratamento de doenças parasitárias, especi-
teresse marcante por parte de universidades, ficamente a ivermectina B1a/B1b (1), isolada
institutos de pesquisas e também da indús- de culturas de Streptomyces e utilizada no
tria farmacêutica, o que contribuiu para um tratamento de filariose, e a artemisinina (2),
grande avanço na pesquisa de diversas plan- isolada de Artemisia annua L. e utilizada no
tas que eram utilizadas na medicina popular, tratamento da malária4 (Fig. 9.1).
tendo sido possível isolar e identificar vários Embora os produtos naturais tenham
compostos bioativos. Na década de 1960, sido intensamente estudados no início do sé-
foi observada uma diminuição desse inte- culo passado, ainda existem diversos recur-
resse, provavelmente em função de algumas sos que podem ser explorados na pesquisa
desvantagens, tanto em relação à complexi- atual dos produtos naturais. Há uma enorme
dade química dos produtos naturais quanto variedade de organismos que ainda não fo-
ao processo de obtenção, que na maioria das ram investigados em um processo racional
vezes é lento, caro e que resulta frequente- de desenvolvimento de novos fármacos. Os
mente em quantidades insuficientes para dar estudos sistemáticos bioguiados têm sido
sequência aos estudos necessários.1,2 aprimorados com técnicas de quimioinfor-
Os obstáculos enfrentados, contudo, têm mática para a construção de bibliotecas de
sido contornados pelo avanço de diversas compostos. Além disso, o desenvolvimento
técnicas para aquisição, isolamento e eluci- de técnicas de metagenômica tem contribu-
dação estrutural, acoplados a novos métodos ído para a exploração de fontes naturais não
de triagem biológica, que permitem avaliar tradicionais, como os microrganismos.5
uma grande quantidade de amostras em
um tempo relativamente curto, como a tria-
gem biológica automatizada em alta escala Importância histórica dos
(High-Throughput Screening, HTS). Dessa produtos naturais para
forma, a investigação de produtos naturais a terapêutica
como possíveis fontes de novos protótipos
voltou a ser alvo de interesse dos pesquisa- Até o século XIX, os recursos terapêuticos
dores, e isso pode ser comprovado por uma eram constituídos predominantemente por
análise detalhada dos novos medicamentos plantas e extratos vegetais, e secundaria-
aprovados junto à agência norte-americana mente por drogas animais ou minerais, o
de medicamentos e alimentos (Food and que pode ser ilustrado pelas farmacopeias da
Drug Administration – FDA), feita por New- época. No início do século XIX, a investiga-
man e Cragg.3 Essa análise revelou que, de ção a partir de plantas utilizadas na medici-
todos os fármacos aprovados como novas na tradicional de diferentes culturas passou a
entidades químicas entre os anos de 1981 e ser realizada de forma sistemática.
2014, 65% deles eram produtos naturais ou Em muitos casos, a descoberta da ativi-
derivados de produtos naturais (sintéticos ou dade dessas substâncias, como, por exem-
semissintéticos); em contraponto, 35% deles plo, dos alcaloides, não representou apenas
são derivados totalmente sintéticos. o surgimento de um novo grupo de subs-
A importância dos produtos naturais no tâncias com estruturas diferenciadas, mas
processo de desenvolvimento de novos fár- originou a identificação de uma nova possi-
macos recebeu reconhecimento recente, com bilidade de intervenção terapêutica. Exem-
a concessão do prêmio Nobel de 2015 aos plificando, não se conheciam anestésicos

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Capítulo 9 Produtos naturais e o desenvolvimento de fármacos 109

H 3C
O CH3 CH3
CH3
HO O O O

O O
CH3
H 3C O O H 3C H
H 3C
CH3 O O

OH
H
B 1a
H 3C O O
O
CH3
H O
OH H
H
H 3C O
O CH3 CH3 CH3
CH3
HO O O O
O
artemisinina
O O (2)
H 3C O O H 3C H
H 3C
CH3 O O

OH

B 1b
O
CH3
H
OH

ivermectina
(1)
Figura 9.1 Estruturas químicas dos fármacos ivermectina B1a/B1b e artemisinina.

locais, bloqueadores musculares, anticolinér- sua propriedade antibiótica ter sido descrita
gicos, entre outras categorias terapêuticas, em 1929, a penicilina G só foi introduzida
antes do isolamento e estudo da atividade da como agente terapêutico em 1943, devido às
cocaína, tubocurarina e atropina, respectiva- dificuldades de isolamento e produção em
mente. A terapêutica atual seria muito pobre larga escala.6
se não tivesse ocorrido a descoberta dessas A constatação de que fungos produ-
substâncias ativas. ziam substâncias capazes de controlar a
Nesse contexto, merecem destaque proliferação bacteriana motivou uma nova
também os antibióticos de origem natural, frente de pesquisas na busca de antibióticos,
descobertos no final da década de 1920 ou seja, a prospecção em culturas de micror-
como produtos do metabolismo de micror- ganismos, sobretudo fungos. Dessa maneira,
ganismos. A descoberta da penicilina G (ou a triagem por novos compostos, entre os
benzilpenicilina) em culturas de Penicillium anos de 1940 e 1960, foi responsável pelo
notatum, por Alexander Fleming, em 1928, isolamento e desenvolvimento de um gran-
representou um grande marco no tratamen- de número de antibióticos precursores da
to das infecções bacterianas, que até então maioria das principais classes ainda hoje uti-
dispunham de arsenal terapêutico limitado, lizadas, como antibióticos beta-lactâmicos,
especialmente no que se refere ao tratamento tetraciclinas, macrolídeos, aminoglicosídeos,
de infecções sistêmicas, devido à elevada to- glicopeptídeos e outros, como cloranfenicol,
xicidade dos fármacos existentes. Apesar de rifamicina B, clindamicina e polimixina B.7

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110  Farmacognosia

O impacto que a investigação de plan- substâncias bioativas, muitas das quais com
tas teve no desenvolvimento de fármacos no atividades farmacológicas importantes. Para
século XIX (Quadro 9.1),8 de certa forma, é revisões sobre a relevância desses metabóli-
comparável apenas à importância marcante tos, consulte Borges e colaboradores9 e New-
da investigação de metabólitos de fungos e man e colaboradores.1
bactérias no século XX, o que está ilustrado O estudo da Biodiversidade marinha e
no Quadro 9.2. o potencial dos produtos naturais marinhos
A pesquisa de fungos endofíticos tam- como fonte para o desenvolvimento de fárma-
bém tem se revelado uma fonte importan- cos são relativamente recentes e estão abor-
te de moléculas bioativas. A formação de dados em detalhes no Capítulo 28, Produtos
substâncias de alta atividade citotóxica por naturais de origem marinha.
fungos associados a determinadas espécies
vegetais já vem sendo investigada há algu- Produtos naturais como
mas décadas. Por exemplo, a toxicidade de
certas espécies do gênero Baccharis de ocor-
fonte de matérias-primas
rência no sul do Brasil é atribuída à presença farmacêuticas
de tricotecenos, metabólitos de fungos, que Partindo-se do pressuposto de que a forma
a princípio chamaram a atenção em uma farmacêutica é constituída por um ou mais
pesquisa voltada à detecção de atividade ci- componentes/ingredientes ativos, responsá-
totóxica. Mais recentemente, a investigação veis pela ação terapêutica, e por adjuvantes,
da produção de metabólitos por fungos e substâncias que viabilizam a obtenção, a ad-
bactérias endofíticos (microrganismos que ministração e a manutenção da qualidade do
habitam e vivem de forma simbiótica no in- medicamento, deve-se considerar a contri-
terior de plantas e de organismos marinhos buição dos produtos naturais como fornece-
como algas e esponjas) tem revelado um po- dores de insumos para essas duas categorias
tencial enorme para o fornecimento de novas de matérias-primas farmacêuticas.

Quadro 9.1  Cronologia da descoberta de fármacos protótipos de categorias terapêuticas


a partir de plantas
Fármaco Gênero Data do isolamento Categoria terapêutica
digitoxina Digitalis 1785-1875 cardiotônico
morfina Papaver 1805 hipnoanalgésico
quinina Cinchona 1820 antimalárico
atropina Atropa 1833 anticolinérgico
fisostigmina Physostigma 1864 anticolinesterásico
pilocarpina Pilocarpus 1875 colinérgico
efedrina Ephedra 1887 adrenérgico
cocaína Erythroxylum 1895 anestésico local
tubocurarina Chondrodendron 1895 bloqueador neuromuscular
ergotamina Claviceps 1922 bloqueador adrenérgico
dicumarol Melilotus 1941 anticoagulante
reserpina Rauvolfia 1952 neuroléptico
Fonte: Baseado em Rocha e Silva.8

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Capítulo 9 Produtos naturais e o desenvolvimento de fármacos 111

Quadro 9.2 Cronologia da descoberta de fármacos protótipos de categorias terapêuticas


a partir de microrganismos
Fármaco Espécie Data do isolamento Categoria terapêutica
benzilpenicilina Penicillium notatum 1929-1945 antibióticos – penicilinas
estreptomicina Streptomyces griseus 1944 antibióticos – aminoglicosídeos
cefalosporina Cephalosporium acremonium 1945 antibióticos – cefalosporinas
cloranfenicol Streptomyces venezuelae 1947 antibióticos – tetraciclinas
clortetraciclina Streptomyces aureofaciens 1948 antibióticos – anfenicóis
eritromicina Streptomyces erythreus 1949 antibióticos – macrolídeos
vancomicina Streptomyces orientalis 1952 antibióticos – glicopeptídeos
daunorrubicina Streptomyces peucetius 1962 anticâncer
bleomicina B2 Streptomyces verticillus 1965 antineoplásico
rapamicina Streptomyces hygroscopius 1965-1975 antitumoral/imunossupressor
mevastatina Penicillium citrinum 1971 hipolipêmico
ciclosporina Tolypocladium inflatum 1973 imunossupressor
mevinolina Aspergillus terreus e Monascus ruber 1976 hipolipêmico
avermectina B1 Streptomyces avermitilis 1978 anti-helmíntico
tacrolimus Streptomyces tsukubaensis 1987-1994 imunossupressor

Apesar do desenvolvimento nas áreas plexidade estrutural do núcleo esteroidal é


de síntese orgânica, microbiologia industrial um fator limitante para sua síntese total de-
e biologia molecular, parte dos fármacos vido ao grande número de centros quirais e
continua sendo obtida de matérias-primas à forma de ligações dos anéis. Até a década
vegetais, seja pela dificuldade de conseguir de 1940, a síntese industrial de hormônios
sinteticamente moléculas com a mesma es- esteroidais era extremamente complexa e de
tereoquímica, por exemplo, em fármacos custo elevado, já que utilizava como ponto
como a artemisinina, seja pela inviabilidade de partida substâncias isoladas de animais,
econômica, no caso de substâncias para as como colesterol e ácidos biliares. Em meados
quais a síntese total já foi desenvolvida em dos anos 1940, o químico norte-americano
laboratório, como o paclitaxel. Uma lista Russell Marker desenvolveu um processo
não exaustiva de fármacos com importância para a síntese da progesterona (8) a partir
terapêutica obtidos de matérias-primas vege- da diosgenina (3), uma saponina esteroidal
tais é apresentada no Quadro 9.3. encontrada em abundância nas raízes de
Em muitas outras situações envolvendo Dioscorea mexicana Scheidw. e Dioscorea
fármacos que não ocorrem na natureza, sua composita Hemsl., conhecidas popularmente
obtenção foi facilitada ou tornou-se econo- no México como cabeza-de-negro. O méto-
micamente viável apenas a partir da desco- do (Fig. 9.2), conhecido como degradação de
berta de substâncias que puderam ser usadas Marker, possibilitou a obtenção de grandes
como precursores na sua síntese. Um exem- quantidades de progesterona e de outros im-
plo clássico é o dos fármacos esteroidais, portantes esteroides de maneira rápida, sim-
preparados a partir de matérias-primas vege- ples e a um custo muito inferior em relação
tais das quais se extraem esteroides. A com- ao método antes utilizado.10

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112 Farmacognosia

Quadro 9.3 Exemplos de fármacos obtidos de matérias-primas vegetais


Fármaco Utilização terapêutica Espécie
artemisinina antimalárico Artemisia annua L.
atropina anticolinérgico Atropa belladonna L.
cafeína estimulante central Coffea spp.
capsaicina anestésico tópico Capsicum spp.
colchicina antirreumático Colchicum autumnale L.
digoxina, digitoxina cardiotônicos Digitalis purpurea L.
emetina amebicida Carapichea ipecacuanha (Brot.) L.Andersson
escopolamina antiparkinsoniano Datura spp.
estrofantina (ouabaína) cardiotônico Strophanthus spp.
fisostigmina antiglaucomatoso Physostigma venenosum Balf.
galantamina anticolinesterásico Galanthus woronowii Losinsk
hiosciamina anticolinérgico Hyoscyamus muticus L.
morfina, codeína analgésico/antitussígeno Papaver somniferum L.
pilocarpina antiglaucomatoso Pilocarpus jaborandi Holmes
quinina, quinidina antimalárico/antiarrítmico Cinchona spp.
reserpina anti-hipertensivo Rauvolfia spp.
tubocurarina bloqueador neuromuscular Chondrodendron tomentosum Ruiz & Pav.
vimblastina, vincristina antineoplásicos Catharanthus roseus (L.) G.Don

Após a descoberta de Marker, observou- a busca por outras fontes de esteroides na-
-se que a progesterona (8) poderia ser usada turais. Atualmente, além da diosgenina, são
como precursor semissintético na síntese da utilizados na síntese de fármacos hormonais
cortisona (10). O desafio, no entanto, era os precursores solasodina (11), isolada de es-
funcionalizar o C-11 do núcleo esteroidal de pécies do gênero Solanum; hecogenina (12),
maneira eficiente. A inserção de uma função extraída do suco do sisal, que é descartado
oxigenada nessa posição, requisito funda- durante o processo de desfibramento das
mental para a atividade anti-inflamatória re- folhas do agave (Agave spp.); e estigmasterol
cém-descoberta, já era possível por métodos (13), encontrado em concentrações elevadas
químicos, porém exigia um grande número nos resíduos industriais das sementes de soja
de etapas, apresentava baixo rendimento e (Glycine max (L.) Merr.) após extração do
custo elevado. A mesma funcionalização por óleo (Fig. 9.4).
meio da hidroxilação do C-11 foi conseguida Outro exemplo da importância de pre-
por biotransformação utilizando o fungo fila- cursores naturais na síntese de fármacos foi a
mentoso Rhizopus stolonifer (Fig. 9.3). Des- descoberta e o desenvolvimento dos antine-
sa maneira foi possível a produção em larga oplásicos da classe dos taxanos. Na década
escala da cortisona, e o método se converteu de 1950, o National Cancer Institute (NCI,
em um importante processo industrial empre- EUA), motivado pela necessidade da desco-
gado até hoje.10 berta de novos fármacos para o tratamento
A descoberta de Marker revolucionou a do câncer, iniciou um amplo programa de
indústria de fármacos hormonais e estimulou pesquisa para investigação das propriedades

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Capítulo 9 Produtos naturais e o desenvolvimento de fármacos 113

AcO

O Ac 2 O O
Cr O 3

200 o C HOAc
HO AcO
diosgenina
(3) (4)

O AcO O

NaOH H2
O
EtOH Pd
O
AcO HO

(5) (6)

O O testosterona
estrona
1. Br2 estradiol

2. CrO3
3. Zn/HOAc
HO O
(7) progesterona
(8)
Figura 9.2 Degradação de Marker.
Fonte: Adaptada de American Chemical Society.10

antitumorais de extratos vegetais. Fruto Sua elevada complexidade estrutural, com


desse projeto, o paclitaxel (15) (Fig. 9.5) foi 11 centros quirais, representou um grande
isolado das cascas do tronco de Taxus bre- desafio para a elucidação à época e foi um
vifolia Nutt., em 1971, por Monroe E. Wall dos motivos pelos quais a viabilidade do seu
e Mansukh C. Wani, no Research Triangle emprego terapêutico teria sido questionada.
Park (Carolina do Norte, EUA).11 A estru- Além disso, a baixa concentração na planta
tura do paclitaxel, de biossíntese mista, (0,01 a 0,03% nas cascas de T. brevifolia) e
possui um esqueleto tetracíclico terpênico o elevado tempo de crescimento necessário
e uma cadeia lateral contendo um resíduo para a planta alcançar dimensões compa-
de μ-hidroxiaminoácido, rara em terpenos. tíveis com a exploração (60 a 100 anos)

OH

O O O
HO O OH
11 11 11
R. nigricans

O O O
progesterona 11α-hidroxiprogesterona cortisona
(8) (9) (10)
Figura 9.3 Rota sintética simplificada da obtenção da cortisona.

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114 Farmacognosia

H
N O O

H O H O H

H H H H H H
HO HO HO
solasodina hecogenina estigmasterol
(11) (12) (13)
Figura 9.4 Estruturas químicas da solasodina, da hecogenina e do estigmasterol.

postergaram o início do desenvolvimento a pesquisa por metodologias sintéticas para


clínico do paclitaxel.11,12 obtenção do paclitaxel em maior escala e a
O mecanismo de ação do paclitaxel, procura pela substância ou precursores bios-
nunca antes observado para outra subs- sintéticos em outras fontes vegetais. Assim,
tância, foi elucidado em 1979 por Susan a 10-desacetil-bacatina III (14) (Fig. 9.5) foi
Horwitz no Albert Einstein College of Medi- identificada nas folhas de Taxus baccata L.
cine (New York, EUA) e envolve o bloqueio em 1981, por Potier e colaboradores, em
da despolimerização de microtúbulos, im- concentração 10 vezes superior à do pacli-
portante etapa do processo de multiplicação taxel nas cascas de T. brevifolia Nutt. e, a
celular. O mecanismo inédito e a atividade partir daí, foi utilizada como matéria-prima
frente a tumores que até então não dispu- para obtenção do paclitaxel (Taxol) e de
nham de tratamento adequado estimularam outros antineoplásicos importantes como o

HO O OH O O OH

O NH O

O O
HO O
OH O O O O
OH
O OH O
O O

10-desacetilbacatina III paclitaxel


(14) (15)

HO O OH O O O
O O

O NH O O NH O

O O
O O
O O O O
OH OH
OH O OH O
O O

docetaxel cabazitaxel
(16) (17)
Figura 9.5 Estruturas químicas da desacetilbacatina, do paclitaxel e derivados.

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Capítulo 9 Produtos naturais e o desenvolvimento de fármacos 115

docetaxel (Taxotere) (16) (Fig. 9.5). A síntese (18) com um aldeído, em uma rota sintéti-
desses derivados ocorre pelo acoplamento de ca de sete etapas (Fig. 9.6a). Na sequência
uma cadeia lateral peptídica protegida com é acoplado diretamente com bacatina III
o derivado bacatina III (14), também prote- protegida (20), formando os derivados és-
gido.13,14 teres (21), com posterior desproteção da ca-
Um dos métodos mais eficientes usa- deia peptídica (22) e reações de N-acilação
dos (Fig. 9.6) envolve uma proteção cíclica e O-desproteção, levando à formação do
da cadeia lateral peptídica, baseada na es- paclitaxel (15) e docetaxel (16) (Fig. 9.6b).
tereoquímica da cadeia e na natureza dos A partir dessa metodologia, foi possível ob-
grupos protetores usados, conhecida como ter outros derivados contendo variações na
ciclização do tipo oxazolidina.13,15 O peptí- cadeia lateral peptídica e dos grupos prote-
deo N,O-protegido 3-fenil-isosserina (19) é tores, o que permitiu a identificação de no-
preparado estereosseletivamente a partir da vos compostos com atividade antineoplásica,
condensação do boro-enolato de (4S,5R)-3- como o cabazitaxel (Jevtana) (17), apresen-
-bromoacetil-4-metil-5-fenil-2-oxazilidinona tado na Figura 9.5.

O
O O C 6H 5
a) OH
7 etapas
Br N O BocN O

C 6H 5
(18) (19)

R 1O O R 1O O OCO2CH2CCl3
OCO 2CH2CCl3
b) O
C 6H 5
OH
C 6H 5 O
BocN O
O O
HO O O
OH O O DCC, DMAP OH O
O O
O 80 oC BocN O
O

(20a) R 1=OCOCH3 (21a) R 1=OCOCH3 (99% )

(20b) R 1=CO 2CH 2CCl3 (21b) R1=CO 2CH2CCl3 (98% )

HCOOH
20 oC

R 1O O OCO 2CH 2CCl3 R 1O O OCO2CH2CCl3

NHR 2 O 1) (BOC)2O, THF, NaHCO 3 ou NH2 O


C 6H 5COCl, AcOEt, NaHCO3 O
O
O O O
OH O O OH O
OH O OH O
2) Zn, AcOH, MeOH, 60 oC O
O

paclitaxel (15) R1=O(CO)CH3; R2=COC6H 5 (89% ) (22a) R 1=OCOCH3 (80% )


docetaxel (16) R1=H; R2=CO 2C(CH 3) 3 (90% ) (22b) R 1=CO 2CH2CCl3 (78% )

Figura 9.6 a) Esquema reduzido da síntese do peptídeo N,O-protegido 3-fenil-isoserina. b) Rota sintética
da obtenção do paclitaxel e docetaxel a partir da desacetilbacatina.

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116 Farmacognosia

Outros exemplos de matérias-primas Substâncias ativas de


de origem vegetal utilizadas na semissínte-
produtos naturais como
se de fármacos podem ser encontrados no
Quadro 9.4. protótipos de fármacos
De forma semelhante, produtos naturais Para ilustrar o processo de desenvolvimen-
sempre desempenharam um papel importan- to de novos fármacos a partir de produtos
te como fontes de substâncias auxiliares na naturais vegetais, foram selecionados três
produção de remédios, por exemplo, a lano- exemplos: o desenvolvimento de anestési-
lina e o mel, cuja utilização é mencionada na cos locais a partir da descoberta da cocaína
Bíblia na preparação de unguentos e poções. como “princípio ativo” das folhas da coca,
Modernamente, o uso de adjuvantes naturais uma planta sul-americana (Erythroxylum
continua a apresentar relevância no cenário coca Lam.); o desenvolvimento de analgési-
farmacêutico mundial. Segundo o Conselho cos opioides a partir da investigação quími-
Internacional de Adjuvantes Farmacêuticos ca das substâncias ativas presentes no ópio,
(International Pharmaceutical Excipients extraído de uma das plantas medicinais
Council),16 dos 20 adjuvantes mais usados (Papaver somniferum L., papoula) de uso
hoje, 86% são de origem natural. Deve tam- mais antigo, recurso valioso já empregado
bém ser considerada a preocupação global na medicina tradicional da China, Índia e na
com a utilização de fontes renováveis de ma- cultura greco-romana; e, por último, o de-
térias-primas industriais. As transformações senvolvimento de fármacos hipolipêmicos a
físicas e químicas das moléculas originais partir da identificação e isolamento da me-
conduziram ao surgimento de produtos mo- vastatina do fungo Penicillium citrinum.
dificados e de derivados semissintéticos, ob-
jetivando desempenhos específicos de cada
Anestésicos locais derivados
adjuvante, como se observa em especial nos
da cocaína
derivados da celulose.17
Soma-se a isso o desenvolvimento de A descoberta da atividade anestésica da
adjuvantes combinados ou coprocessados, que cocaína é um marco na história do desen-
possuem características finais sinérgicas de volvimento de novos fármacos a partir de
cada constituinte.18 O Quadro 9.5 apresenta produtos naturais. A cocaína é um alcaloide
uma lista não exaustiva de alguns adjuvantes tropânico isolado das folhas da coca, sendo
de uso atual na produção de medicamentos. atualmente considerada droga de abuso, de

Quadro 9.4 Exemplos de matérias-primas vegetais utilizadas na semissíntese de fármacos


Matéria-prima Fármacos Espécie
ácido betulínico bevirimat Syzygium claviflorum (Roxb.)
Wall. ex A.M.Cowan & Cowan
ácido chiquímico oseltamivir Illicium spp.

camptotecina topotecano, irinotecano, belotecano Camptotheca spp.


catarantina e vindolina vimblastina, vinorrelbina Catharanthus roseus (L.) G.Don
escopolamina N-butilescopolamina Datura spp.
morfina nalorfina, oxicodona, hidrocodona Papaver somniferum L.
oripavina e tebaína buprenorfina Papaver somniferum L.
podofilotoxina etoposídeo, teniposídeo Podophyllum spp.

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Capítulo 9 Produtos naturais e o desenvolvimento de fármacos 117

Quadro 9.5 Exemplos de adjuvantes farmacêuticos de origem natural


Adjuvante Função principal Fonte
ácido algínico e derivados aglutinante, formador de gel, espessante Fucus vesiculosus L.
amido e derivados aglutinante e desagregante Zea mays L.; Solanum tuberosum L.
celulose e derivados aglutinante, desagregante, formador de espécies de Pinus e de Eucalyptus
gel, espessante, filmógeno, modificador
de cedência
cera de abelhas várias funções em formas farmacêuticas colmeias de espécies de Apis
semissólidas
cera de carnaúba várias funções em formas farmacêuticas Copernicia prunijera (Miller) H.E.Moore
semissólidas
cochonilha corante Dactylopius coccus Costa, 1835
dióxido de titânio (TiO2) pigmento branco, agente de cobertura, ilmenita (FeTiO3) e rutilo (TiO2)
bloqueador solar
estearato de magnésio lubrificante deslizante e antiaderente gorduras (óleos fixos) vegetais e animais
esteviosídeo edulcorante Stevia rebaudiana (Bertoni) Bertoni
etanol veículo líquido Saccharum officinarum L.
gelatina paredes de cápsulas, aglutinante, geli- tecidos animais (Sus scrofa L., 1758; Bos
ficante taurus L., 1758)
goma caraia espessante Sterculia tomentosa Guill. & Perr.
goma guar aglutinante, formador de gel Cyamopsis tetragonoloba (L.) Taub.
lactose diluente, aglutinante seco leite de vaca (Bos taurus L., 1758)
manteiga de cacau base de supositórios Theobroma cacao L.
óleos fixos veículo líquido Arachis hvpogaea L., Olea europaea L.
óleos voláteis (essências) adequadores e corretivos organolépticos espécies de Citrus e de Mentha
pectinas aglutinante, formador de gel, espessante espécies de Citrus
quitosanas aglutinante seco, desintegrante, modifi- exoesqueletos de crustáceos da ordem
cador de cedência dos decápodes (camarões)
sacarose edulcorante, estruturador de xaropes, Saccharum officinarum L.
material de cobertura de drágeas

uso sujeito à legislação de controle, estabele- Wöhler (Göttingen, Alemanha), o qual reali-
cido por acordos internacionais. zou contribuição substancial para a química,
O conhecimento acerca da cocaína de- descrevendo em 1828, pela primeira vez, a
riva da investigação sobre o uso tradicional síntese de uma substância orgânica, a ureia.
da planta, de ocorrência nas regiões monta- Wöhler deu o nome cocaína ao novo com-
nhosas do leste dos Andes, por indígenas na posto e a descreveu como uma substância
América do Sul, principalmente no Peru e na com gosto ligeiramente amargo e que apre-
Bolívia, para aumentar a resistência física e sentava ação sobre os nervos gustativos, tor-
aliviar dores e cansaço. nando-os quase completamente insensíveis.
O isolamento da sua principal substân- Em 1884, Sigmund Freud passou a uti-
cia ativa foi feito em 1860, por Niemann, lizar a cocaína como um estimulante, tal
que na época trabalhava no laboratório de como na tradição indígena, para aumentar

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118 Farmacognosia

a resistência física, por exemplo, em casos sem os efeitos no sistema nervoso central e
de fadiga crônica e caquexia e também no sem o potencial de dependência. A Figura
tratamento de dependência à morfina, ópio 9.7 mostra de forma esquemática o desen-
e bebidas alcoólicas. Na época era usual a volvimento de novos anestésicos a partir da
experimentação de compostos novos, ob- cocaína como protótipo.
tidos de plantas ou de origem sintética, em A cocaína (23) é formada por dois anéis
voluntários sãos, em pacientes e no próprio funcionalizados (tropano e aromático), liga-
organismo dos pesquisadores, especialmente dos entre si por um grupamento éster [-C(O)
médicos, químicos e farmacêuticos. Freud OR], e apresenta quatro centros estereogêni-
também aplicou a substância pura em cer- cos. A presença desses centros estereogênicos
ta região de seu corpo e percebeu que ela dificulta o processo de obtenção de novos
perdeu a sensibilidade por um tempo, sem derivados, tornando o processo mais caro e,
afetar o sistema nervoso central.19 Ele rela- muitas vezes, longo. A síntese total da coca-
tou o ocorrido para seu colega Carl Köller, ína (23) envolve pelo menos 3 a 5 etapas de
cirurgião e oftalmologista, o qual introduziu reação, sendo que uma delas objetiva a sepa-
na terapêutica o uso de soluções de cocaína ração dos epímeros formados.22 Portanto, o
como anestésico local em cirurgias e outros uso da estratégia de simplificação molecular
procedimentos oftalmológicos.20,21 permitiu o desenvolvimento dos anestésicos
Os diversos usos da cocaína (23), espe- locais que podem ser facilmente sintetiza-
cialmente como anestésico local, difundi- dos em laboratório. Diferentes frações da
ram-se pela Europa e pelas Américas, e logo molécula foram sendo retiradas, levando
seus efeitos tóxicos sobre o sistema nervoso à obtenção de diferentes análogos que não
central e o sistema cardiovascular foram apresentam os efeitos colaterais indesejados,
identificados. No entanto, o uso da cocaí- principalmente relacionados à dependência
na introduziu na terapêutica os anestésicos química.
locais, e a indústria farmacêutica passou a A procaína (24), descoberta em 1904
desenvolver uma busca sistemática por de- por Einhorn (Munique, Alemanha), é um
rivados que conservassem a ação anestésica derivado cujo anel tropano foi substituído

O O
CH3
* H 3C
N * O
H 3C O O
* * H 3C N
O

NH2
procaína
(-) - cocaína (24)
(23)

H 3C
CH3 O
H
N H 3C N
H 3C N O
O
H 3C H 3C N CH3
tetracaína H
lidocaína (25)
(26)
Figura 9.7 Anestésicos locais derivados da cocaína.

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Capítulo 9  Produtos naturais e o desenvolvimento de fármacos   119

por uma cadeia amino-éster alifática. Não é e iii) um grupo espaçador lipofílico entre o
utilizada por via tópica, pois possui reduzida anel aromático e a amina terciária, que pode
capacidade para atravessar as membranas ser de diferentes tamanhos e deve possuir um
lipídicas, além de apresentar baixa potência grupo éster ou amida.21,23
e início de ação lento. A presença do grupo Conservando tais características, diver-
éster torna a procaína vulnerável à ação de sos outros derivados foram sintetizados,
esterases presentes no plasma, sendo, então, tendo a cocaína como protótipo: por exem-
rapidamente metabolizada e, assim, possui plo, prilocaína, etidocaína, ropivacaína, bu-
um tempo de meia-vida curto.21,23 pivacaína, levobupivacaína, ropivacaína e
A tetracaína (25) foi desenvolvida para articaína.
contornar os problemas de baixa potência
e curta duração de ação apresentados pela A estrutura da morfina e
procaína. Assim, foi introduzido um grupa- sua importância para o
mento n-butila (-CH2CH2CH2CH3) no ni-
desenvolvimento de fármacos
trogênio da amina aromática, o que levou
ao aumento da lipofilicidade do fármaco e A morfina (27) é o principal constituinte do
da potência para uso tópico. Porém, também ópio (Fig. 9.8), produto obtido dos frutos
sofre rápido metabolismo em função da pre- de uma espécie de papoula, Papaver som-
sença do grupo éster. niferum L. Sua utilização é descrita desde a
A lidocaína (26), sintetizada em 1948, antiguidade, pela propriedade de reduzir a
é um dos anestésicos locais mais usados. É dor na maioria dos distúrbios, além de ou-
caracterizada pela presença de um grupa- tros efeitos no sistema nervoso central, os
mento amida [-C(O)NHR] em substituição quais conduziram ao seu uso como droga de
à função éster [-C(O)OR], além da elimi- abuso com elevado potencial de dependên-
nação da função amina aromática (-NR2) e cia, reconhecido apenas no início do século
inclusão de dois grupos metila no anel, em XIX. A investigação da constituição química
posição orto à função amida e encurtamento do ópio levou à descoberta de mais de uma
da cadeia que liga o anel aromático à amina dezena de alcaloides, dos quais se destacam
terciária. A inserção do grupamento amida pelo teor a morfina, codeína, tebaína, nos-
favorece a estabilidade do fármaco frente às capina, papaverina, todos eles com esqueleto
reações do metabolismo, pois é um grupo benzilisoquinolínico.24 Para maiores deta-
mais estável do que o éster. Tal estabilidade é lhes, consultar o Capítulo 22, Alcaloides iso-
reforçada pela presença dos grupos metílicos quinolínicos.
na posição orto do anel aromático, pois eles A morfina (27) foi o primeiro alcaloide
geram um impedimento estérico em torno da a ser isolado do ópio, o que foi realizado em
amida, dificultando o ataque pelas amida- uma farmácia, pelo farmacêutico Sertürner
ses. Dessa forma, a lidocaína apresenta um na Alemanha em 1806. Tal como no caso
tempo de ação maior do que os derivados da cocaína, o isolamento da morfina é um
amino-ésteres, procaína e tetracaína.21,23 marco na história do desenvolvimento de
Com essas e outras variações estruturais, medicamentos. Até então, a maioria dos
foi possível estabelecer estudos de relação constituintes isolados de plantas eram subs-
estrutura-atividade e determinar um grupo tâncias de caráter ácido (ácidos cítrico e
farmacofórico para tal classe de compostos: tartárico, entre outros). Com o isolamento
i) um anel lipofílico (aromático), que pode de uma substância de caráter alcalino, teve
sofrer substituições; ii) um grupo amino, que início uma busca sistemática de substâncias
seja capaz de manter os valores de pKa entre básicas em plantas, o que resultou no isola-
7,5 e 9,0 (geralmente são aminas terciárias); mento de dezenas de compostos importantes

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120  Farmacognosia

para o desenvolvimento de fármacos, muitas Em vista da complexidade estrutural,


das quais referidas no Quadro 9.1. Nessa ao longo da história, foram utilizadas cerca
abordagem histórica, pode-se dizer que o de uma dezena de representações espaciais
isolamento da morfina foi o marco inicial do diferenciadas para a estrutura da morfina
desenvolvimento da Farmacognosia como (27). A Figura 9.8 mostra a estrutura, segun-
uma ciência com base química. do Robert Robinson (1986-1975) (Prêmio
A morfina (27) tem uma estrutura bas- Nobel de Química, 1947), que ressalta o
tante complexa, com cinco anéis e cinco cen- esqueleto básico de um fenantreno parcial-
tros estereogênicos. Desde o seu isolamento mente hidrogenado, o que foi importante na
até sua elucidação estrutural, passaram-se elucidação estrutural. Sua rigidez pode ser
mais de 100 anos. Em 1925, Robinson pro- observada pela representação tridimensio-
pôs a estrutura correta da morfina, a qual foi nal, com o formato em “T”.
comprovada apenas em 1968 por cristalo-
grafia de raios X. No entanto, muito antes Analgésicos opioides derivados da morfina
da definição de todos os seus aspectos estru- O primeiro derivado semissintético obtido
turais, foi feita a comprovação da presença por variação de grupos substituintes foi a dia-
dos grupos funcionais: fenol, álcool, anel cetilmorfina (28) (heroína), preparada a par-
aromático, ponte etérea e um alceno ciclí- tir da acetilação da morfina (27) (Fig. 9.9).
co, além de um grupo amino terciário. Com Os pesquisadores da época acreditavam que a
base nesses grupos funcionais, foram reali- heroína teria maior atividade analgésica efeti-
zadas modificações químicas que resultaram va sem apresentar risco de dependência. Infe-
em análogos com propriedades diferenciadas lizmente, os resultados frustraram as expecta-
e que permitiram o estabelecimento das pri- tivas e, hoje, a heroína é considerada uma das
meiras relações estrutura-atividade para fár- mais importantes drogas de abuso.24
macos.24,25 Assim, do ponto de vista históri- A partir de então, diversos outros deri-
co, a morfina contribuiu tanto para o início vados foram obtidos na tentativa de se con-
da Farmacognosia quanto para o início da seguir compostos com o mínimo de efeitos
Química Farmacêutica Medicinal. colaterais por meio de reações relativamente

a) grupos síntese
funcionais total

1803/1833 1853 1881 1925 1968

isolamento proposta da cristalografia


estrutura de raios X

2 CH3
b) HO 3 N
1
A
4 11 OH
10
12 15 B
O D 16
E O
13 14 9
5 NCH3
C H
6 8
HO 7
morfina OH
(27)
formato em “T”
Figura 9.8  a) Cronologia da descoberta e b) representações químicas estruturais da morfina.

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Capítulo 9 Produtos naturais e o desenvolvimento de fármacos 121

AcO

NCH3
H

AcO
diacetilmorfina
ila ção (28)
acet
HO
HO

O
O oxidação 14
NCH3
NCH3 OH
H
6
O
HO oxi oximorfina
morfina da (29)
ção
(27) ; ac
eti
laç AcO
ão

O
14
NCH3
OH
6
O
oxicodona
(30)
Figura 9.9 Derivados da morfina obtidos por meio de reações de acetilação e oxidação.

simples de oxidação, redução e eterificação trexona (33) são exemplos de antagonistas


(Fig. 9.9), dentre eles oximorfina (29) e oxi- competitivos utilizados como antídotos em
codona (30), que ainda estão em uso, embo- caso de sobredose de opioides.24,25
ra sua vantagem terapêutica sobre a morfina A aplicação das estratégias clássicas da
seja mínima. A adição da -OH em C-14 su- química farmacêutica medicinal para o de-
gere que esse grupo seja capaz de estabelecer senvolvimento de novos fármacos permitiu
uma interação de hidrogênio junto ao recep- a obtenção de uma diversidade estrutural de
tor opioide, aumentando sua afinidade e, con- análogos opioides. Considerando a comple-
sequentemente, sua atividade analgésica.25 xidade estrutural da morfina (27), principal-
Dentre as modificações realizadas, des- mente em relação à presença de vários cen-
taca-se a introdução de grupos substituintes tros estereogênicos, a obtenção de derivados
alquílicos volumosos na porção amina da simplificados foi uma alternativa promisso-
morfina, o que possibilitou a identificação ra na tentativa de conseguir, com melhores
de compostos com ação antagonista. Esses rendimentos, compostos que fossem capazes
derivados alquílicos podem ser facilmente de manter a atividade analgésica, porém li-
obtidos pela remoção do grupo N-metila, na vres dos efeitos indesejados. A Figura 9.11
presença de reagente cloroformiato, levando ilustra a estratégia de simplificação mole-
à formação da normorfina (31) e posterior cular, a qual, associada a outras estratégias,
alquilação do grupo amino com haleto de como variação de grupos substituintes e ex-
alquila (Fig. 9.10). A naloxona (32) e a nal- tensão de cadeia, conduziu à obtenção dos

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122 Farmacognosia

HO HO HO

O O O
cloroformiato metanol
NCH 3 NH N R
H H
haleto de alquila (R-X) H

HO HO HO
morfina normorfina
(27) (31) derivado alquilado
R=alquil

HO HO

O O
14 14
H H
OH OH
6 6
O O
naloxona naltrexona
(32) (33)
Figura 9.10 Esquema de obtenção de derivados alquilados da morfina e estruturas químicas da naloxona
e naltrexona.

derivados com estruturas tetracíclicas (mor- O primeiro derivado benzomorfano


finanos), estruturas tricíclicas (benzomorfa- foi a metazocina (35), a qual teve o grupo
nos), bicíclicas (4-fenilpiperidinas) e deriva- N-metila (-NCH3) substituído por um gru-
dos fenilpropilamínicos.24 po dimetilalila [-CH=C(CH3)2], originando
Os morfinanos foram os primeiros de- a pentazocina (36) (Fig. 9.12). Os benzo-
rivados simplificados obtidos e podem ser morfanos são capazes de manter a ativida-
exemplificados pelo levorfanol (34) (Fig. de analgésica e apresentam menor risco de
9.12), o qual apresenta boa atividade anal- dependência.
gésica e, apesar da alta toxicidade e risco de A meperidina (37) é considerada o com-
dependência, tem a vantagem de ser adminis- posto líder da classe dos derivados piperidí-
trado por via oral. nicos (Fig. 9.12). Sua modificação estrutural

R R

HO N R R N R
A
R
SIMPLIFICAÇÃO benzomorfanos
B morfinanos
O D MOLECULAR
E
R
NCH 3 R
C H
VARIAÇÃO DE GRUPOS EXTENSÃO DE
HO
SUBSTITUINTES CADEIA
morfina R
(27) R N
R N R R
R
fenilpiperidinas
fenilpropilamina
Figura 9.11 Derivados da morfina, obtidos por simplificação molecular, associada à variação de grupos
funcionais e extensão de cadeia.

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Capítulo 9 Produtos naturais e o desenvolvimento de fármacos 123

HO

O
HO
NCH3
H

HO H
morfina N(CH 3) 2
O
(27) C
NCH 3 Ph CH3
H
H
CH 2CH3
metadona
levorfanol (39)
(34)

HO HO
CH 2CH3

CH3 N O

H 3C H 3C H 3CH2CO2C 4
HN CH3 H NCH 3 NCH3

CH3 CH3 meperidina


(37) N
pentazocina metazocina
(36) (35) fentanila Ph
(38)

Figura 9.12 Exemplos de derivados opioides obtidos por simplificação molecular.

levou à formação da fentanila (38), a qual riada, como, por exemplo, metilvinil-cetona
possui um átomo de nitrogênio entre os subs- (Fig. 9.13).26 Essa condensação permite a
tituintes em C-4 e o anel piperidina e a presen- formação de um anel extra, o qual aumenta
ça de um grupo N-etilfenila [-N(CH2)2C6H5]. a rigidez da molécula. A introdução de um
A ausência dos anéis B, C e D confere maior grupo cetona permite, por meio da estratégia
flexibilidade a esses compostos, conduzindo a de extensão de cadeia, adicionar diferentes
uma alteração da conformação bioativa junto grupos via reação de Grignard. A etapa final
aos receptores opioides. da síntese envolve o tratamento com hidró-
Os derivados fenilpropilamínicos repre- xido de potássio e etilenoglicol para desmeti-
sentam os análogos mais simplificados da lar a posição 3 – sem desmetilar a posição 6.
morfina. Tais derivados podem ser exempli- Essas modificações conduziram aos derivados
ficados pela metadona (39), cuja estrutura hexacíclicos etorfina (41), diprenorfina (42) e
apresenta apenas um centro estereogênico buprenorfina (43), os quais apresentaram alta
simples e é obtida na forma de racemato. afinidade para todos os receptores opioides,
Porém, o enantiômero R é o responsável pela atuando como agonistas ou antagonistas.
atividade analgésica (eutômero), sendo 7 a O desenvolvimento de diversos deriva-
50 vezes mais potente do que o enantiômero dos opioides, estruturalmente diferentes en-
S (distômero) e com potência duas vezes su- tre si, contribuiu para a primeira proposta,
perior à da morfina. feita por Beckett e Casy em 1954, de que a
Por outro lado, trabalhando com a hipó- morfina e seus análogos se ligavam em re-
tese de que estruturas mais rígidas poderiam ceptores específicos, os receptores opioides.
levar a uma maior seletividade de ação, de- Mais tarde, na década de 1970, com o desen-
rivados opioides rígidos (oripavinas) foram volvimento de técnicas de radiomarcação,
facilmente obtidos a partir da reação de pesquisadores utilizaram alguns derivados
condensação de Diels-Alder utilizando a te- opioides marcados e conseguiram postular
baína (40), obtida também a partir do ópio, a existência dos receptores opioides, bem
como dieno e um dienófilo de estrutura va- como as diferenças entre eles.24

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Simoes_09.indd 124
124

H 3CO H 3CO H 3CO HO

O O RMgBr O KOH O
Farmacognosia

Reação de etilenoglicol
NCH 3 Diels-Alder NCH 3 NCH 3 NCH3
H H H H

H 3CO H 3CO H 3CO H 3CO


H H
tebaína
(40) H 3C O H 3C OH H 3C OH
R R
oripavinas

HO HO HO

O O O

NCH 3 N N
H H H

HO HO HO
H H H
20 20
H 3C OH H 3C OH H 3C OH
CH2CH2CH 3 CH 3
H 3C CH3
etorfina diprenorfina CH3
(41) (42) buprenorfina
(43)
Figura 9.13 Processo de obtenção dos derivados oripavinas e estruturas químicas da etorfina (41), diprenorfina (42) e buprenorfina (43).

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Capítulo 9 Produtos naturais e o desenvolvimento de fármacos 125

Considerando o conjunto de derivados (44) foram um marco para o desenvolvimen-


opioides, pode-se observar um processo evo- to das estatinas, utilizadas no tratamento das
lutivo, desde a identificação das proprieda- hiperlipidemias. Esses fármacos atuam como
des terapêuticas do ópio, o isolamento de inibidores da α-hidroximetilglutaril Co-A-
seu principal constituinte, a morfina (27), até -redutase (HMGCoAR), uma enzima-chave
o desenvolvimento de vários análogos que no processo da biossíntese do colesterol.27,28
contribuíram não apenas para o entendi- A mevastatina (44) foi isolada pela pri-
mento do mecanismo de ação dessa classe de meira vez do fungo Penicillium citrinum em
compostos, mas também para a elucidação 1976 pelo grupo de pesquisadores liderado
e melhor compreensão dos processos fisio- por Akira Endo.29 Ela é formada por um anel
lógicos que envolvem os receptores opioides. lactônico hidroxilado a (Fig. 9.14) ligado a
É importante ressaltar que, até o momento, um anel decanílico substituído b e possui sete
esses são os únicos compostos capazes de centros estereogênicos. Alguns anos depois, a
atuar em casos de dores crônicas e agudas.
lovastatina (45), contendo um grupo metílico
na posição 6’ do anel decalínico, foi isolada
A mevastatina e seus análogos de Monascus ruber e Aspergillus terreus e
hipolipêmicos apresentou atividade superior à da mevastati-
Vários compostos úteis na terapêutica são na (44). A lovastatina (45) foi aprovada pela
provenientes de diversas espécies de fungos. FDA em 1987, e a mevastatina foi abando-
A descoberta e o isolamento da mevastatina nada em função de seus efeitos tóxicos.27-30

HO O HO O HO
CO2Na

O O OH
O O O
H a H H

H 3C O H 3C O H 3C O
H H 3C H H H
H
CH 3 CH 3 CH 3 CH3 CH3 CH 3

6'
R b H 3C HO
sinvastatina pravastatina
(44) mevastatina (R=H) (46) (47)

(45) lovastatina (R=CH3)

HO HO HO
CO2Na CO2Na CO 2Na

OH OH OH
H H H
F
CH 3
F CH 3 F CH 3
N
N CH 3
CH 3 CH 3
N N
NH
N O
O
H 3C S
CH 3
fluvastatina O
(48)
atorvastatina rosuvastatina
(49) (50)
Figura 9.14 Estruturas químicas das estatinas.

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126 Farmacognosia

Ambas foram usadas como compostos sos extrativos, em geral a partir do cultivo
líderes no desenvolvimento de outras es- das plantas que os originaram, como, por
tatinas. Pequenas modificações na função exemplo, artemisinina, atropina, cafeína, di-
éster da cadeia lateral e no anel decalínico goxina, quinina, morfina, entre outros.
levaram à obtenção da sinvastatina (46) e A obtenção de muitos fármacos de estru-
pravastatina (47). Em estudos de relação tura complexa tornou-se economicamente
estrutura-atividade, o anel lactônico – o qual viável a partir da descoberta de substâncias
sofre hidrólise, formando o derivado di-hi- que puderam ser utilizadas como precurso-
droxiácido – foi identificado como sendo o res na sua síntese. Como exemplos foram
grupo farmacofórico, tendo sido observado apresentados os fármacos esteroidais, pre-
que o anel decalínico pode ser substituído parados a partir de resíduos industriais das
por outras unidades lipofílicas. Portanto, sementes de soja após extração do óleo, e os
considerando tais características estruturais, antitumorais, como o paclitaxel preparado a
o anel decalínico foi substituído por outros partir da 10-desacetil-bacatina III, obtida de
sistemas de anéis aromáticos, dando origem uma espécie do gênero Taxus.
à fluvastatina (48), atorvastatina (49) e rosu- Os compostos de origem natural são
vastatina (50).27,31 usados como protótipos para o desenvolvi-
mento de fármacos, o que foi ilustrado com
os exemplos dos anestésicos locais, desenvol-
Pontos-chave deste capítulo vidos a partir da cocaína; dos hipnoanalgési-
cos, a partir da morfina; e dos hipolipêmicos,
Os fármacos têm origem bastante diversifi- a partir da mevastatina.
cada, e o presente capítulo destaca sua ob- Os produtos naturais contribuem não
tenção a partir de plantas medicinais de uso apenas para o desenvolvimento e a obtenção
tradicional, de bactérias e fungos, bem como de novos fármacos, mas também, frequente-
o desenvolvimento de fármacos a partir de mente, para o entendimento de novos meca-
protótipos de origem natural. nismos de ação, bem como para a elucidação
A investigação de produtos naturais, e melhor compreensão de processos fisioló-
com base em plantas medicinais de uso es- gicos, o que foi ilustrado com a descoberta
tabelecido em séculos passados, levou à des- dos receptores opioides.
coberta de novas substâncias com estruturas
diferenciadas que representaram novas pos-
sibilidades de intervenção terapêutica. Em Referências
consequência desses estudos, foram desen- 1. Newman DJ, Cragg GM, Kingston DGI. Na-
volvidos os anestésicos locais, bloqueadores tural products as pharmaceuticals and sour-
musculares, anticolinérgicos, bloqueadores ces for lead structures. In: Wermuth CG, Al-
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a partir de fungos e bactérias resultou na des- 2. Cragg GM, Newman DJ. Natural products:
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coberta de importantes antibióticos e imu-
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nossupressores. Exemplos clássicos são as
3. Newman DJ, Cragg GM. Natural products
penicilinas, cefalosporinas, tetraciclinas, van- as sources of new drugs from 1981 to 2014.
comicina e a ciclosporina, respectivamente. J Nat Prod. 2016;79(3):629-61.
Muitos fármacos são obtidos diretamen- 4. McKerrow JH. Recognition of the role of
te de produtos naturais, por meio de proces- natural products as drugs to treat neglected

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Capítulo 9  Produtos naturais e o desenvolvimento de fármacos   127

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Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.

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