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terça-feira, 30 de abril de 2019 15:26:43
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Composição Tela padrão
CDU 615.32
H 3C
O CH3 CH3
CH3
HO O O O
O O
CH3
H 3C O O H 3C H
H 3C
CH3 O O
OH
H
B 1a
H 3C O O
O
CH3
H O
OH H
H
H 3C O
O CH3 CH3 CH3
CH3
HO O O O
O
artemisinina
O O (2)
H 3C O O H 3C H
H 3C
CH3 O O
OH
B 1b
O
CH3
H
OH
ivermectina
(1)
Figura 9.1 Estruturas químicas dos fármacos ivermectina B1a/B1b e artemisinina.
locais, bloqueadores musculares, anticolinér- sua propriedade antibiótica ter sido descrita
gicos, entre outras categorias terapêuticas, em 1929, a penicilina G só foi introduzida
antes do isolamento e estudo da atividade da como agente terapêutico em 1943, devido às
cocaína, tubocurarina e atropina, respectiva- dificuldades de isolamento e produção em
mente. A terapêutica atual seria muito pobre larga escala.6
se não tivesse ocorrido a descoberta dessas A constatação de que fungos produ-
substâncias ativas. ziam substâncias capazes de controlar a
Nesse contexto, merecem destaque proliferação bacteriana motivou uma nova
também os antibióticos de origem natural, frente de pesquisas na busca de antibióticos,
descobertos no final da década de 1920 ou seja, a prospecção em culturas de micror-
como produtos do metabolismo de micror- ganismos, sobretudo fungos. Dessa maneira,
ganismos. A descoberta da penicilina G (ou a triagem por novos compostos, entre os
benzilpenicilina) em culturas de Penicillium anos de 1940 e 1960, foi responsável pelo
notatum, por Alexander Fleming, em 1928, isolamento e desenvolvimento de um gran-
representou um grande marco no tratamen- de número de antibióticos precursores da
to das infecções bacterianas, que até então maioria das principais classes ainda hoje uti-
dispunham de arsenal terapêutico limitado, lizadas, como antibióticos beta-lactâmicos,
especialmente no que se refere ao tratamento tetraciclinas, macrolídeos, aminoglicosídeos,
de infecções sistêmicas, devido à elevada to- glicopeptídeos e outros, como cloranfenicol,
xicidade dos fármacos existentes. Apesar de rifamicina B, clindamicina e polimixina B.7
O impacto que a investigação de plan- substâncias bioativas, muitas das quais com
tas teve no desenvolvimento de fármacos no atividades farmacológicas importantes. Para
século XIX (Quadro 9.1),8 de certa forma, é revisões sobre a relevância desses metabóli-
comparável apenas à importância marcante tos, consulte Borges e colaboradores9 e New-
da investigação de metabólitos de fungos e man e colaboradores.1
bactérias no século XX, o que está ilustrado O estudo da Biodiversidade marinha e
no Quadro 9.2. o potencial dos produtos naturais marinhos
A pesquisa de fungos endofíticos tam- como fonte para o desenvolvimento de fárma-
bém tem se revelado uma fonte importan- cos são relativamente recentes e estão abor-
te de moléculas bioativas. A formação de dados em detalhes no Capítulo 28, Produtos
substâncias de alta atividade citotóxica por naturais de origem marinha.
fungos associados a determinadas espécies
vegetais já vem sendo investigada há algu- Produtos naturais como
mas décadas. Por exemplo, a toxicidade de
certas espécies do gênero Baccharis de ocor-
fonte de matérias-primas
rência no sul do Brasil é atribuída à presença farmacêuticas
de tricotecenos, metabólitos de fungos, que Partindo-se do pressuposto de que a forma
a princípio chamaram a atenção em uma farmacêutica é constituída por um ou mais
pesquisa voltada à detecção de atividade ci- componentes/ingredientes ativos, responsá-
totóxica. Mais recentemente, a investigação veis pela ação terapêutica, e por adjuvantes,
da produção de metabólitos por fungos e substâncias que viabilizam a obtenção, a ad-
bactérias endofíticos (microrganismos que ministração e a manutenção da qualidade do
habitam e vivem de forma simbiótica no in- medicamento, deve-se considerar a contri-
terior de plantas e de organismos marinhos buição dos produtos naturais como fornece-
como algas e esponjas) tem revelado um po- dores de insumos para essas duas categorias
tencial enorme para o fornecimento de novas de matérias-primas farmacêuticas.
Após a descoberta de Marker, observou- a busca por outras fontes de esteroides na-
-se que a progesterona (8) poderia ser usada turais. Atualmente, além da diosgenina, são
como precursor semissintético na síntese da utilizados na síntese de fármacos hormonais
cortisona (10). O desafio, no entanto, era os precursores solasodina (11), isolada de es-
funcionalizar o C-11 do núcleo esteroidal de pécies do gênero Solanum; hecogenina (12),
maneira eficiente. A inserção de uma função extraída do suco do sisal, que é descartado
oxigenada nessa posição, requisito funda- durante o processo de desfibramento das
mental para a atividade anti-inflamatória re- folhas do agave (Agave spp.); e estigmasterol
cém-descoberta, já era possível por métodos (13), encontrado em concentrações elevadas
químicos, porém exigia um grande número nos resíduos industriais das sementes de soja
de etapas, apresentava baixo rendimento e (Glycine max (L.) Merr.) após extração do
custo elevado. A mesma funcionalização por óleo (Fig. 9.4).
meio da hidroxilação do C-11 foi conseguida Outro exemplo da importância de pre-
por biotransformação utilizando o fungo fila- cursores naturais na síntese de fármacos foi a
mentoso Rhizopus stolonifer (Fig. 9.3). Des- descoberta e o desenvolvimento dos antine-
sa maneira foi possível a produção em larga oplásicos da classe dos taxanos. Na década
escala da cortisona, e o método se converteu de 1950, o National Cancer Institute (NCI,
em um importante processo industrial empre- EUA), motivado pela necessidade da desco-
gado até hoje.10 berta de novos fármacos para o tratamento
A descoberta de Marker revolucionou a do câncer, iniciou um amplo programa de
indústria de fármacos hormonais e estimulou pesquisa para investigação das propriedades
AcO
O Ac 2 O O
Cr O 3
200 o C HOAc
HO AcO
diosgenina
(3) (4)
O AcO O
NaOH H2
O
EtOH Pd
O
AcO HO
(5) (6)
O O testosterona
estrona
1. Br2 estradiol
2. CrO3
3. Zn/HOAc
HO O
(7) progesterona
(8)
Figura 9.2 Degradação de Marker.
Fonte: Adaptada de American Chemical Society.10
OH
O O O
HO O OH
11 11 11
R. nigricans
O O O
progesterona 11α-hidroxiprogesterona cortisona
(8) (9) (10)
Figura 9.3 Rota sintética simplificada da obtenção da cortisona.
H
N O O
H O H O H
H H H H H H
HO HO HO
solasodina hecogenina estigmasterol
(11) (12) (13)
Figura 9.4 Estruturas químicas da solasodina, da hecogenina e do estigmasterol.
HO O OH O O OH
O NH O
O O
HO O
OH O O O O
OH
O OH O
O O
HO O OH O O O
O O
O NH O O NH O
O O
O O
O O O O
OH OH
OH O OH O
O O
docetaxel cabazitaxel
(16) (17)
Figura 9.5 Estruturas químicas da desacetilbacatina, do paclitaxel e derivados.
docetaxel (Taxotere) (16) (Fig. 9.5). A síntese (18) com um aldeído, em uma rota sintéti-
desses derivados ocorre pelo acoplamento de ca de sete etapas (Fig. 9.6a). Na sequência
uma cadeia lateral peptídica protegida com é acoplado diretamente com bacatina III
o derivado bacatina III (14), também prote- protegida (20), formando os derivados és-
gido.13,14 teres (21), com posterior desproteção da ca-
Um dos métodos mais eficientes usa- deia peptídica (22) e reações de N-acilação
dos (Fig. 9.6) envolve uma proteção cíclica e O-desproteção, levando à formação do
da cadeia lateral peptídica, baseada na es- paclitaxel (15) e docetaxel (16) (Fig. 9.6b).
tereoquímica da cadeia e na natureza dos A partir dessa metodologia, foi possível ob-
grupos protetores usados, conhecida como ter outros derivados contendo variações na
ciclização do tipo oxazolidina.13,15 O peptí- cadeia lateral peptídica e dos grupos prote-
deo N,O-protegido 3-fenil-isosserina (19) é tores, o que permitiu a identificação de no-
preparado estereosseletivamente a partir da vos compostos com atividade antineoplásica,
condensação do boro-enolato de (4S,5R)-3- como o cabazitaxel (Jevtana) (17), apresen-
-bromoacetil-4-metil-5-fenil-2-oxazilidinona tado na Figura 9.5.
O
O O C 6H 5
a) OH
7 etapas
Br N O BocN O
C 6H 5
(18) (19)
R 1O O R 1O O OCO2CH2CCl3
OCO 2CH2CCl3
b) O
C 6H 5
OH
C 6H 5 O
BocN O
O O
HO O O
OH O O DCC, DMAP OH O
O O
O 80 oC BocN O
O
HCOOH
20 oC
Figura 9.6 a) Esquema reduzido da síntese do peptídeo N,O-protegido 3-fenil-isoserina. b) Rota sintética
da obtenção do paclitaxel e docetaxel a partir da desacetilbacatina.
uso sujeito à legislação de controle, estabele- Wöhler (Göttingen, Alemanha), o qual reali-
cido por acordos internacionais. zou contribuição substancial para a química,
O conhecimento acerca da cocaína de- descrevendo em 1828, pela primeira vez, a
riva da investigação sobre o uso tradicional síntese de uma substância orgânica, a ureia.
da planta, de ocorrência nas regiões monta- Wöhler deu o nome cocaína ao novo com-
nhosas do leste dos Andes, por indígenas na posto e a descreveu como uma substância
América do Sul, principalmente no Peru e na com gosto ligeiramente amargo e que apre-
Bolívia, para aumentar a resistência física e sentava ação sobre os nervos gustativos, tor-
aliviar dores e cansaço. nando-os quase completamente insensíveis.
O isolamento da sua principal substân- Em 1884, Sigmund Freud passou a uti-
cia ativa foi feito em 1860, por Niemann, lizar a cocaína como um estimulante, tal
que na época trabalhava no laboratório de como na tradição indígena, para aumentar
a resistência física, por exemplo, em casos sem os efeitos no sistema nervoso central e
de fadiga crônica e caquexia e também no sem o potencial de dependência. A Figura
tratamento de dependência à morfina, ópio 9.7 mostra de forma esquemática o desen-
e bebidas alcoólicas. Na época era usual a volvimento de novos anestésicos a partir da
experimentação de compostos novos, ob- cocaína como protótipo.
tidos de plantas ou de origem sintética, em A cocaína (23) é formada por dois anéis
voluntários sãos, em pacientes e no próprio funcionalizados (tropano e aromático), liga-
organismo dos pesquisadores, especialmente dos entre si por um grupamento éster [-C(O)
médicos, químicos e farmacêuticos. Freud OR], e apresenta quatro centros estereogêni-
também aplicou a substância pura em cer- cos. A presença desses centros estereogênicos
ta região de seu corpo e percebeu que ela dificulta o processo de obtenção de novos
perdeu a sensibilidade por um tempo, sem derivados, tornando o processo mais caro e,
afetar o sistema nervoso central.19 Ele rela- muitas vezes, longo. A síntese total da coca-
tou o ocorrido para seu colega Carl Köller, ína (23) envolve pelo menos 3 a 5 etapas de
cirurgião e oftalmologista, o qual introduziu reação, sendo que uma delas objetiva a sepa-
na terapêutica o uso de soluções de cocaína ração dos epímeros formados.22 Portanto, o
como anestésico local em cirurgias e outros uso da estratégia de simplificação molecular
procedimentos oftalmológicos.20,21 permitiu o desenvolvimento dos anestésicos
Os diversos usos da cocaína (23), espe- locais que podem ser facilmente sintetiza-
cialmente como anestésico local, difundi- dos em laboratório. Diferentes frações da
ram-se pela Europa e pelas Américas, e logo molécula foram sendo retiradas, levando
seus efeitos tóxicos sobre o sistema nervoso à obtenção de diferentes análogos que não
central e o sistema cardiovascular foram apresentam os efeitos colaterais indesejados,
identificados. No entanto, o uso da cocaí- principalmente relacionados à dependência
na introduziu na terapêutica os anestésicos química.
locais, e a indústria farmacêutica passou a A procaína (24), descoberta em 1904
desenvolver uma busca sistemática por de- por Einhorn (Munique, Alemanha), é um
rivados que conservassem a ação anestésica derivado cujo anel tropano foi substituído
O O
CH3
* H 3C
N * O
H 3C O O
* * H 3C N
O
NH2
procaína
(-) - cocaína (24)
(23)
H 3C
CH3 O
H
N H 3C N
H 3C N O
O
H 3C H 3C N CH3
tetracaína H
lidocaína (25)
(26)
Figura 9.7 Anestésicos locais derivados da cocaína.
por uma cadeia amino-éster alifática. Não é e iii) um grupo espaçador lipofílico entre o
utilizada por via tópica, pois possui reduzida anel aromático e a amina terciária, que pode
capacidade para atravessar as membranas ser de diferentes tamanhos e deve possuir um
lipídicas, além de apresentar baixa potência grupo éster ou amida.21,23
e início de ação lento. A presença do grupo Conservando tais características, diver-
éster torna a procaína vulnerável à ação de sos outros derivados foram sintetizados,
esterases presentes no plasma, sendo, então, tendo a cocaína como protótipo: por exem-
rapidamente metabolizada e, assim, possui plo, prilocaína, etidocaína, ropivacaína, bu-
um tempo de meia-vida curto.21,23 pivacaína, levobupivacaína, ropivacaína e
A tetracaína (25) foi desenvolvida para articaína.
contornar os problemas de baixa potência
e curta duração de ação apresentados pela A estrutura da morfina e
procaína. Assim, foi introduzido um grupa- sua importância para o
mento n-butila (-CH2CH2CH2CH3) no ni-
desenvolvimento de fármacos
trogênio da amina aromática, o que levou
ao aumento da lipofilicidade do fármaco e A morfina (27) é o principal constituinte do
da potência para uso tópico. Porém, também ópio (Fig. 9.8), produto obtido dos frutos
sofre rápido metabolismo em função da pre- de uma espécie de papoula, Papaver som-
sença do grupo éster. niferum L. Sua utilização é descrita desde a
A lidocaína (26), sintetizada em 1948, antiguidade, pela propriedade de reduzir a
é um dos anestésicos locais mais usados. É dor na maioria dos distúrbios, além de ou-
caracterizada pela presença de um grupa- tros efeitos no sistema nervoso central, os
mento amida [-C(O)NHR] em substituição quais conduziram ao seu uso como droga de
à função éster [-C(O)OR], além da elimi- abuso com elevado potencial de dependên-
nação da função amina aromática (-NR2) e cia, reconhecido apenas no início do século
inclusão de dois grupos metila no anel, em XIX. A investigação da constituição química
posição orto à função amida e encurtamento do ópio levou à descoberta de mais de uma
da cadeia que liga o anel aromático à amina dezena de alcaloides, dos quais se destacam
terciária. A inserção do grupamento amida pelo teor a morfina, codeína, tebaína, nos-
favorece a estabilidade do fármaco frente às capina, papaverina, todos eles com esqueleto
reações do metabolismo, pois é um grupo benzilisoquinolínico.24 Para maiores deta-
mais estável do que o éster. Tal estabilidade é lhes, consultar o Capítulo 22, Alcaloides iso-
reforçada pela presença dos grupos metílicos quinolínicos.
na posição orto do anel aromático, pois eles A morfina (27) foi o primeiro alcaloide
geram um impedimento estérico em torno da a ser isolado do ópio, o que foi realizado em
amida, dificultando o ataque pelas amida- uma farmácia, pelo farmacêutico Sertürner
ses. Dessa forma, a lidocaína apresenta um na Alemanha em 1806. Tal como no caso
tempo de ação maior do que os derivados da cocaína, o isolamento da morfina é um
amino-ésteres, procaína e tetracaína.21,23 marco na história do desenvolvimento de
Com essas e outras variações estruturais, medicamentos. Até então, a maioria dos
foi possível estabelecer estudos de relação constituintes isolados de plantas eram subs-
estrutura-atividade e determinar um grupo tâncias de caráter ácido (ácidos cítrico e
farmacofórico para tal classe de compostos: tartárico, entre outros). Com o isolamento
i) um anel lipofílico (aromático), que pode de uma substância de caráter alcalino, teve
sofrer substituições; ii) um grupo amino, que início uma busca sistemática de substâncias
seja capaz de manter os valores de pKa entre básicas em plantas, o que resultou no isola-
7,5 e 9,0 (geralmente são aminas terciárias); mento de dezenas de compostos importantes
a) grupos síntese
funcionais total
2 CH3
b) HO 3 N
1
A
4 11 OH
10
12 15 B
O D 16
E O
13 14 9
5 NCH3
C H
6 8
HO 7
morfina OH
(27)
formato em “T”
Figura 9.8 a) Cronologia da descoberta e b) representações químicas estruturais da morfina.
AcO
NCH3
H
AcO
diacetilmorfina
ila ção (28)
acet
HO
HO
O
O oxidação 14
NCH3
NCH3 OH
H
6
O
HO oxi oximorfina
morfina da (29)
ção
(27) ; ac
eti
laç AcO
ão
O
14
NCH3
OH
6
O
oxicodona
(30)
Figura 9.9 Derivados da morfina obtidos por meio de reações de acetilação e oxidação.
HO HO HO
O O O
cloroformiato metanol
NCH 3 NH N R
H H
haleto de alquila (R-X) H
HO HO HO
morfina normorfina
(27) (31) derivado alquilado
R=alquil
HO HO
O O
14 14
H H
OH OH
6 6
O O
naloxona naltrexona
(32) (33)
Figura 9.10 Esquema de obtenção de derivados alquilados da morfina e estruturas químicas da naloxona
e naltrexona.
R R
HO N R R N R
A
R
SIMPLIFICAÇÃO benzomorfanos
B morfinanos
O D MOLECULAR
E
R
NCH 3 R
C H
VARIAÇÃO DE GRUPOS EXTENSÃO DE
HO
SUBSTITUINTES CADEIA
morfina R
(27) R N
R N R R
R
fenilpiperidinas
fenilpropilamina
Figura 9.11 Derivados da morfina, obtidos por simplificação molecular, associada à variação de grupos
funcionais e extensão de cadeia.
HO
O
HO
NCH3
H
HO H
morfina N(CH 3) 2
O
(27) C
NCH 3 Ph CH3
H
H
CH 2CH3
metadona
levorfanol (39)
(34)
HO HO
CH 2CH3
CH3 N O
H 3C H 3C H 3CH2CO2C 4
HN CH3 H NCH 3 NCH3
levou à formação da fentanila (38), a qual riada, como, por exemplo, metilvinil-cetona
possui um átomo de nitrogênio entre os subs- (Fig. 9.13).26 Essa condensação permite a
tituintes em C-4 e o anel piperidina e a presen- formação de um anel extra, o qual aumenta
ça de um grupo N-etilfenila [-N(CH2)2C6H5]. a rigidez da molécula. A introdução de um
A ausência dos anéis B, C e D confere maior grupo cetona permite, por meio da estratégia
flexibilidade a esses compostos, conduzindo a de extensão de cadeia, adicionar diferentes
uma alteração da conformação bioativa junto grupos via reação de Grignard. A etapa final
aos receptores opioides. da síntese envolve o tratamento com hidró-
Os derivados fenilpropilamínicos repre- xido de potássio e etilenoglicol para desmeti-
sentam os análogos mais simplificados da lar a posição 3 – sem desmetilar a posição 6.
morfina. Tais derivados podem ser exempli- Essas modificações conduziram aos derivados
ficados pela metadona (39), cuja estrutura hexacíclicos etorfina (41), diprenorfina (42) e
apresenta apenas um centro estereogênico buprenorfina (43), os quais apresentaram alta
simples e é obtida na forma de racemato. afinidade para todos os receptores opioides,
Porém, o enantiômero R é o responsável pela atuando como agonistas ou antagonistas.
atividade analgésica (eutômero), sendo 7 a O desenvolvimento de diversos deriva-
50 vezes mais potente do que o enantiômero dos opioides, estruturalmente diferentes en-
S (distômero) e com potência duas vezes su- tre si, contribuiu para a primeira proposta,
perior à da morfina. feita por Beckett e Casy em 1954, de que a
Por outro lado, trabalhando com a hipó- morfina e seus análogos se ligavam em re-
tese de que estruturas mais rígidas poderiam ceptores específicos, os receptores opioides.
levar a uma maior seletividade de ação, de- Mais tarde, na década de 1970, com o desen-
rivados opioides rígidos (oripavinas) foram volvimento de técnicas de radiomarcação,
facilmente obtidos a partir da reação de pesquisadores utilizaram alguns derivados
condensação de Diels-Alder utilizando a te- opioides marcados e conseguiram postular
baína (40), obtida também a partir do ópio, a existência dos receptores opioides, bem
como dieno e um dienófilo de estrutura va- como as diferenças entre eles.24
O O RMgBr O KOH O
Farmacognosia
Reação de etilenoglicol
NCH 3 Diels-Alder NCH 3 NCH 3 NCH3
H H H H
HO HO HO
O O O
NCH 3 N N
H H H
HO HO HO
H H H
20 20
H 3C OH H 3C OH H 3C OH
CH2CH2CH 3 CH 3
H 3C CH3
etorfina diprenorfina CH3
(41) (42) buprenorfina
(43)
Figura 9.13 Processo de obtenção dos derivados oripavinas e estruturas químicas da etorfina (41), diprenorfina (42) e buprenorfina (43).
24/08/2016 13:34:20
Capítulo 9 Produtos naturais e o desenvolvimento de fármacos 125
HO O HO O HO
CO2Na
O O OH
O O O
H a H H
H 3C O H 3C O H 3C O
H H 3C H H H
H
CH 3 CH 3 CH 3 CH3 CH3 CH 3
6'
R b H 3C HO
sinvastatina pravastatina
(44) mevastatina (R=H) (46) (47)
HO HO HO
CO2Na CO2Na CO 2Na
OH OH OH
H H H
F
CH 3
F CH 3 F CH 3
N
N CH 3
CH 3 CH 3
N N
NH
N O
O
H 3C S
CH 3
fluvastatina O
(48)
atorvastatina rosuvastatina
(49) (50)
Figura 9.14 Estruturas químicas das estatinas.
Ambas foram usadas como compostos sos extrativos, em geral a partir do cultivo
líderes no desenvolvimento de outras es- das plantas que os originaram, como, por
tatinas. Pequenas modificações na função exemplo, artemisinina, atropina, cafeína, di-
éster da cadeia lateral e no anel decalínico goxina, quinina, morfina, entre outros.
levaram à obtenção da sinvastatina (46) e A obtenção de muitos fármacos de estru-
pravastatina (47). Em estudos de relação tura complexa tornou-se economicamente
estrutura-atividade, o anel lactônico – o qual viável a partir da descoberta de substâncias
sofre hidrólise, formando o derivado di-hi- que puderam ser utilizadas como precurso-
droxiácido – foi identificado como sendo o res na sua síntese. Como exemplos foram
grupo farmacofórico, tendo sido observado apresentados os fármacos esteroidais, pre-
que o anel decalínico pode ser substituído parados a partir de resíduos industriais das
por outras unidades lipofílicas. Portanto, sementes de soja após extração do óleo, e os
considerando tais características estruturais, antitumorais, como o paclitaxel preparado a
o anel decalínico foi substituído por outros partir da 10-desacetil-bacatina III, obtida de
sistemas de anéis aromáticos, dando origem uma espécie do gênero Taxus.
à fluvastatina (48), atorvastatina (49) e rosu- Os compostos de origem natural são
vastatina (50).27,31 usados como protótipos para o desenvolvi-
mento de fármacos, o que foi ilustrado com
os exemplos dos anestésicos locais, desenvol-
Pontos-chave deste capítulo vidos a partir da cocaína; dos hipnoanalgési-
cos, a partir da morfina; e dos hipolipêmicos,
Os fármacos têm origem bastante diversifi- a partir da mevastatina.
cada, e o presente capítulo destaca sua ob- Os produtos naturais contribuem não
tenção a partir de plantas medicinais de uso apenas para o desenvolvimento e a obtenção
tradicional, de bactérias e fungos, bem como de novos fármacos, mas também, frequente-
o desenvolvimento de fármacos a partir de mente, para o entendimento de novos meca-
protótipos de origem natural. nismos de ação, bem como para a elucidação
A investigação de produtos naturais, e melhor compreensão de processos fisioló-
com base em plantas medicinais de uso es- gicos, o que foi ilustrado com a descoberta
tabelecido em séculos passados, levou à des- dos receptores opioides.
coberta de novas substâncias com estruturas
diferenciadas que representaram novas pos-
sibilidades de intervenção terapêutica. Em Referências
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