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BIOTECNOLOGIA

Isabele Cristiana Iser


Marson
Genes e medicamentos
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Descrever as aplicações da biotecnologia na modificação de genes.


 Reconhecer a contribuição da biotecnologia na farmacologia.
 Relacionar os principais medicamentos produzidos por processos
biotecnológicos.

Introdução
A biotecnologia é uma disciplina ampla na qual processos biológicos,
organismos, células ou componentes celulares são explorados para de-
senvolver novas tecnologias. Em outras palavras, a biotecnologia estuda
formas de usar organismos vivos a fim de solucionar algum problema ou
para criar algum produto útil à humanidade, tanto na pesquisa, agricultura,
indústria ou medicina.
Neste capítulo, você vai aprender como a biotecnologia pode ser uti-
lizada na engenharia genética e na manipulação de genes para produzir
fármacos e medicamentos úteis à nossa vida.

As aplicações da biotecnologia
na modificação de genes
Você, provavelmente, já consumiu ou utilizou algum produto sintetizado
a partir de técnicas de biotecnologia — o que acontece é que, muitas ve-
zes, nós nem prestamos atenção nisso. Por mais improvável que pareça,
a seleção e a utilização de organismos com características interessantes
para nós ocorre desde tempos mais antigos, há milhares de anos, como, por
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exemplo, a utilização da fermentação de grãos e cereais para a produção


de pães e bebidas alcóolicas, como a cerveja e o vinho. Nesse processo,
fungos e bactérias são utilizadas para “transformar” esses alimentos em
outros. Apesar de a humanidade utilizar a biotecnologia há muitos anos,
foi apenas no fi nal do século XX que esse campo da ciência avançou,
permitindo o surgimento de técnicas mais elaboradas, como a engenharia
genética (BRUNO, 2015).
Engenharia genética é a manipulação direta do genoma de um organismo
vivo com a utilização de biotecnologia para produzir plantas modificadas, ani-
mais ou outros organismos e moléculas. Assim, é possível remover, modificar
ou adicionar genes de uma molécula de DNA a fim de alterar as informações
nele contidas. Um exemplo do qual você provavelmente já tenha ouvido falar
é a ovelha Dolly, a primeira ovelha clonada, nascida no ano de 1997 graças a
técnicas de modificação gênica (BRUNO, 2015).
As descobertas das enzimas de restrição e da DNA ligase foram essenciais
para que os trabalhos em engenharia genética pudessem acontecer e surgisse,
assim, a tecnologia do DNA recombinante. As enzimas de restrição podem
ser isoladas de bactérias (nas quais são naturalmente sintetizadas) e são
responsáveis por cortar o DNA em pontos determinados. Essas enzimas são
capazes de reconhecer uma sequência específica de nucleotídeos do DNA
e fazem o corte da molécula naquele ponto. Elas são altamente específicas:
cada tipo de enzima reconhece e corta apenas uma determinada sequência
de nucleotídeo. Já a enzima DNA ligase facilitará a união de fragmentos
de DNA cortados pelas enzimas de restrição, formando, assim, uma nova
molécula de DNA, chamada de DNA recombinante. Desse modo, com o
uso dessas enzimas, pode-se cortar pedaços de uma molécula de DNA e
uni-los a uma outra molécula de DNA (Figura 1) (ZAHA; FERREIRA;
PASSAGLIA, 2014).
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Figura 1. As enzimas de restrição reconhecem uma sequência de bases específicas no


DNA e cortam ambas as fitas da hélice. As enzimas mais utilizadas geram fragmentos com
extremidades de fita simples complementares que possuem afinidade entre si, sendo
denominadas extremidades coesivas. Os fragmentos de DNA gerados pela ação das enzimas
de restrição podem ser unidos pela enzima DNA ligase. Desse modo, pode-se criar novas
moleculas de DNA, o DNA recombinante.
Fonte: Orbit Biotech (2018, documento on-line).

Esse DNA recombinante pode, então, ser inserido em outro organismo


vivo a fim de alcançar as características desejadas ou eliminar as indesejadas.
Uma vez que o gene de interesse é isolado utilizando enzimas de restrição,
ele é ligado a um vetor, ou seja, uma molécula capaz de transportar um frag-
mento de DNA de um organismo para outro. Esse vetor pode ser um plasmídeo
(fragmentos de DNA de forma circular existentes em bactérias), que é, então,
inserido em uma bactéria. Quando estiver dentro da bactéria, o plasmídeo é
replicado toda vez que a bactéria se divide, gerando várias cópias do gene de
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interesse. Essas cópias de DNA são, a seguir, inseridas em células animais a


partir de técnicas para transferência gênica, como microinjeção, uso de vetores
virais ou vetores não virais (ZAHA; FERREIRA; PASSAGLIA, 2014).

Vetores de transferência gênica


O uso de um vetor adequado e eficiente para transferência gênica é uma etapa crucial
para o sucesso das terapias de DNA recombinante. Em geral, os vetores são classificados
em dois grupos: vetores virais e não virais. Nos vetores virais, o gene de interesse se
insere permanentemente no DNA do hospedeiro (organismo-alvo). Com o uso desses
vetores, os pesquisadores se aproveitam do sistema de infecção viral para transduzir
(infecção por meio de vetores virais) células do organismo-alvo. Para a produção
desses vetores, é feita, primeiramente, a remoção máxima de genes virais que possam
causar doença em humanos; posteriormente, esse genoma viral é inserido num vetor
plasmidial, no qual também serão inseridos os genes terapêuticos (de interesse). Em
seguida, é feita a transfecção (método não viral de transferência de genes para as
células) desse vetor em células empacotadoras de vírus. Essas células irão dividir-se e,
a cada divisão, serão produzidos vírus contendo o gene de interesse em seu interior.
Esses vírus modificados serão, então, purificados e utilizados para infectar (transduzir)
as células de interesse. No caso dos vetores não virais, a transferência gênica é mais
fácil, bem como a manipulação e a purificação em larga escala. Entretanto, são um
pouco menos eficientes que os vetores virais. Esse tipo de vetor não se integra no DNA
do hospedeiro, o que aumenta a segurança do seu uso. O mais conhecido é o vetor
plasmidial, que pode ser aplicado diretamente no organismo (o plasmídeo entra nas
células via endocitose) ou por meio de métodos como eletroporação e biobalística.

Desse modo, as técnicas de DNA recombinante permitiram que organismos


pudessem produzir outros produtos de interesse, como proteínas recombinantes,
por exemplo, e não apenas aqueles produzidos por eles próprios naturalmente.
Além disso, possibilitou a regulação de genes, estudo de doenças hereditárias,
desenvolvimento de vacinas e o surgimento dos transgênicos e da terapia gênica.
Você certamente já deve ter ouvido falar em transgênicos, uma vez que
muitos dos alimentos que consumimos hoje em dia são produtos transgênicos,
como, por exemplo, a batata, o milho, a soja, o arroz, o feijão, entre outros
tantos. Em geral, esses alimentos são modificados para que as plantas possam
resistir a pragas, ao uso de herbicidas ou para que possuam maior teor nutritivo
ou se adaptem melhor a ambientes desfavoráveis — desse modo, reduzindo
drasticamente os custos de produção e favorecendo a agropecuária e indústria
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(CENTRO..., 2018). Existem, também, os animais transgênicos, que podem ser


produzidos por meio da injeção de um gene clonado em um ovo fertilizado.
Esse gene irá integrar-se ao DNA e estará presente na linhagem germinativa
do animal resultante, podendo ser passado de geração em geração. Cabras e
vacas transgênicas podem, hoje, ser produzidas para gerar proteínas humanas,
como fatores de coagulação do sangue ou até mesmo insulina em seus leites.
A terapia gênica consiste na transferência de genes sadios em células de
pacientes a fim de curar doenças. Essa transferência pode ter como objetivo
recuperar a função de um gene defeituoso, atribuir uma nova atividade gênica
ou aumentar a atividade de genes ativos. Atualmente, existem inúmeros en-
saios clínicos utilizando terapia gênica para tratar diversas doenças — entre
as principais, estão o câncer, doenças monogênicas e doenças infecciosas
(GINN et al., 2018).

Para saber mais sobre os impactos do uso de transgênicos e da terapia gênica na vida
e na saúde das pessoas, acesse os links a seguir.

https://goo.gl/Udo7R

https://goo.gl/cveYyu

https://goo.gl/gV9PB8

A seguir, você vai descobrir como essas técnicas de biotecnologia podem ser
aplicadas para a produção de fármacos que contribuem para a saúde humana.

As contribuições da biotecnologia para


a produção de fármacos
Um dos grandes marcos do desenvolvimento da biotecnologia foi a descoberta
da penicilina, feita por Alexander Fleming em 1928. Fleming observou que
uma de suas culturas de bactérias de Staphylococcus aureus que ele estava
estudando havia sido contaminada por um fungo e que, ao redor das colónias
desse fungo, não havia mais bactérias. Então, o pesquisador isolou esse fungo,
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o Penicillium notatum, e descobriu que ele produzia uma substância capaz


de matar muitas bactérias. Assim, foi descoberta a penicilina, o primeiro
antibiótico utilizado com sucesso até os dias de hoje e que já salvou milhares
de vidas (BRUNO, 2015).
Essa foi a primeira grande contribuição da biotecnologia para a produção
de fármacos; a partir daí, tem aumentado exponencialmente o número de
fármacos produzidos por processos biotecnológicos. A utilização da técnica de
DNA recombinante permitiu introduzir em vetores específicos um segmento
de material genético capaz de codificar uma substância de interesse, que pode
ser proteínas, enzimas, hormônios, etc., formando, assim, uma verdadeira
“fábrica biológica”.
A clonagem do gene da insulina humana, em 1978, por exemplo, permitiu o
desenvolvimento do primeiro medicamento produzido por engenharia genética:
a insulina recombinante.

Durante muito tempo, a insulina foi purificada a partir do pâncreas de suínos e bovinos;
entretanto, devido às diferenças entre a insulina animal e humana, provocou alergias
graves e risco de vida para os pacientes.

Para a produção da insulina recombinante, o gene para a insulina humana


é isolado por enzimas de restrição e ligado pela enzima ligase a um vetor de
clonagem (plasmídeos, bacteriófagos ou cosmídeos), que, por sua vez, será in-
serido dentro de uma célula hospedeira, na qual o DNA recombinante contendo
o gene de interesse irá replicar-se. Nesse caso, a célula hospedeira é a bactéria
Escherichia coli, que, ao se dividir, irá replicar também o gene de interesse,
gerando, assim, inúmeras cópias desse gene e grandes quantidades de insulina.
Entretanto, antes de ser comercializada, a insulina resultante deve passar por
um processo de purificação para eliminar a possibilidade de contaminantes ou
agentes infecciosos que possam estar presentes nas proteínas purificadas de ani-
mais. Essa mesma técnica utilizada para produzir e purificar a insulina humana
também pode ser empregada para a obtenção de outras moléculas, proteínas e
hormônios, como, por exemplo, o hormônio do crescimento (LOPES et al., 2012).
As técnicas de biotecnologia também podem ser utilizadas para a obtenção
de vacinas de DNA ou gênicas. Nessas vacinas, pode-se tanto usar a tecnologia
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do DNA recombinante para produzir proteínas do patógeno que serão usadas


como antígenos para a imunização quanto gerar microorganismos atenuados
com maior segurança. Esses vírus ou bactérias atenuados produzidos por
biotecnologia são incapazes de causar doença, mas são eficazes na imunização
da população. As vacinas gênicas que mais têm sido estudadas nos últimos
anos se propõem ao controle de patógenos de replicação intracelular, como os
vírus, algumas bactérias e certos tipos de câncer (DINIZ; FERREIRA, 2010).
Uma das vacinas produzidas pelo Instituto Butantan, aqui no Brasil, é a
vacina recombinante contra o vírus da hepatite B. Antes do surgimento das
vacinas recombinantes para hepatite B, a produção da vacina era feita por
partículas do vírus (antígeno) isoladas e purificadas do plasma de pacientes
com infecção crônica da hepatite. Entretanto, o alto custo, a necessidade de
doadores de plasma e a possibilidade da presença de agentes contaminantes,
como o vírus HIV, sempre foram grandes limitantes do uso dessas vacinas. Por
outro lado, as vacinas recombinantes, como a produzida pelo Instituto Butan-
tan, também são produzidas a partir de antígenos oriundos do próprio vírus,
mas não mais retirados do plasma de pacientes (INSTITUTO BUTANTAN,
2018). As vacinas recombinantes são produzidas pela inserção de genes que
codificam proteínas virais em células de leveduras. Essas leveduras, por sua
vez, são cultivadas em fermentadores, para que se multipliquem, e, por fim,
lisadas para a liberação do antígeno, que passa por processo de purificação,
gerando o produto final, a vacina.

Você já ouviu falar em biofábricas? Atualmente, fármacos recombinantes podem ser


produzidos não apenas em bactérias, leveduras ou outros microorganismos, mas
também dentro de plantas, como milho, tabaco e batata. A vantagem é que, desse
modo, essas substâncias podem ser produzidas em maior escala e de forma muito
mais barata em comparação ao processo de extração utilizando microorganismos.

https://goo.gl/PWgURe

Uma das ferramentas biotecnológicas que surgiu em 2012 e revolucionou a


ciência da edição gênica foi o chamado sistema CRISPR-Cas9. Esse sistema
foi descoberto a partir da observação de que algumas bactérias possuíam uma
região incomum em seu genoma. Essa região era uma sequência altamente
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variável intercalada por uma sequência repetida sem função conhecida. Mais
tarde, descobriu-se que essas sequências variáveis eram oriundas de vírus que as
infectaram no passado, funcionando, assim, como um mecanismo de memória
para que as bactérias pudessem defender-se contra infecções futuras causadas
por esses mesmos vírus. No caso de uma segunda infecção pelo mesmo agente,
a bactéria sintetiza moléculas-guia de RNA, que localizam o DNA invasor
em pontos específicos e, por meio da enzima Cas9, cortam e inativam o gene
viral, impedindo que ele se replique e causando a sua morte. Com base nesse
mecanismo natural das bactérias, foi criado o sistema CRISPR, que permite
manipular qualquer gene de interesse do genoma de qualquer organismo e
inserir genes de interesse (Figura 2).

Figura 2. O sistema CRISPR-Cas9 funciona pela ação da enzima Cas9, responsável pela
clivagem do DNA dupla fita; de um RNA-guia, que guia o complexo até o gene alvo;
e do DNA-alvo.
Fonte: Adaptada de Gonçalves e Paiva (2017).
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Diante dessa tão inovadora ferramenta, os pesquisadores já estão estudando


meios para criar medicamentos à base de CRISPR. Recentemente, cientistas
obtiveram sucesso na correção do gene da hemoglobina, que origina anemia
falciforme. Em estudo pré-clínico, foram utilizadas células CD34+ de pacientes
portadores de anemia falciforme editadas por CRISPR-Cas9. Os resultados
demonstraram bons níveis de sucesso na correção do gene mutado (DEWITT
et al., 2016).

Saiba mais sobre a tecnologia de CRISPR nos links a seguir, que apresentam matérias
sobre a utilização dessa tecnologia para a geração de porcos resistentes a viroses,
mosquitos resistentes à malária e trigo resistente a fungos.

https://goo.gl/mxVS5L

https://goo.gl/96ehvU

https://goo.gl/TLvckP

Outro tipo de forma biofarmacêutica que tem sido amplamente estudada


e aplicada para o tratamento de diversas doenças, entre elas o câncer, são os
anticorpos monoclonais. Esses anticorpos são produzidos por técnicas de
biotecnologia e sua principal vantagem é que são dirigidos especificamente
às células tumorais, poupando as células sadias do paciente. Nos tratamentos
tradicionais para câncer, como quimioterapia e radioterapia, isso não ocorre,
uma vez que todas as células do indivíduo, inclusive as sadias, são atingidas
pelo tratamento, o que gera diversos efeitos colaterais. Esse tipo de anticorpo
se origina de somente um linfócito B selecionado artificialmente; desse modo,
esse anticorpo se liga a somente um epítopo de um antígeno. Entretanto, os
linfócitos B que sintetizam anticorpos não crescem nem se dividem em cultivo
no laboratório. Para resolver esse problema, os pesquisadores combinaram dois
tipos de células, os linfócitos B com células de mieloma (tumores de linfócitos
B), fusionando as duas e formando células híbridas, que têm a capacidade de
se reproduzir indefinidamente em cultura, produzindo grandes quantidades
do anticorpo desejado. A essa técnica os pesquisadores deram o nome de
hibridoma ou fusão celular (BRUNO, 2015).
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Como podemos perceber, a biotecnologia tem sido cada vez mais utilizada
na produção de fármacos, e isso se deve, principalmente, a algumas vantagens
em relação às tecnologias convencionais, como:

 Produção de fármacos mais eficazes e específicos, diminuindo as chan-


ces de efeitos colaterais.
 Maior controle no processo de produção dos fármacos, reduzindo o
risco de contaminação por agentes infecciosos. Um exemplo é a vacina
contra hepatite B, cujo antígeno, antigamente, era extraído do plasma
de pacientes.
 Os fármacos produzidos por biotecnologia são também mais específi-
cos, sendo possível, inclusive, fazer terapias personalizadas para cada
paciente, como é o caso de terapias para alguns tipos de câncer.
 Os novos métodos biotecnológicos empregados atualmente também
permitem que os agentes terapêuticos sejam produzidos em larga escala,
como a insulina, por exemplo, diminuindo custos e gerando um lucro
maior para a indústria farmacêutica.

A seguir, você conhecerá quais são os principais medicamentos produzidos


por processos biotecnológicos e quais são as suas principais aplicações.

Principais medicamentos produzidos por


processos biotecnológicos
Produtos biofarmacêuticos são fármacos produzidos por técnicas de biotec-
nologia voltados para o tratamento de doenças importantes, como câncer,
diabetes, hepatite, esclerose múltipla, hemofilia, entre outras.
A insulina artificial ou recombinante foi o primeiro produto da tecno-
logia do DNA recombinante comercializado mundialmente. De lá para cá,
diversos novos biofármacos surgiram. Para se ter uma ideia, em 2010, 58
biofármacos foram aprovados na Europa e nos EUA — 30 hormônios e
fatores de crescimento, 13 anticorpos monoclonais, 4 proteínas sanguíneas,
2 vacinas e 9 outros produtos, como enzimas terapêuticas (WALSH, 2010).
Atualmente, existem diferentes grupos de biofármacos, incluindo: antibi-
óticos, fatores sanguíneos, hormônios, fatores de crescimento, citosinas,
enzimas, vacinas e anticorpos monoclonais. A seguir, saiba mais sobre
alguns desses biofármacos.
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Antibióticos
Os antibióticos constituem o maior grupo em termos de importância econômica
entre os produtos obtidos por fermentação. Exemplos de antibióticos cuja síntese
envolve microorganismos são: penicilina produzida pelo fungo Penicilium
notatum, cefalosporinas a partir do gênero Streptomyces, cloranfenicol a partir
Streptomyces venezuelae, estreptomicina a partir do Streptomyces griséus
(ALMEIDA; AMARAL; LOBAO, 2011).

Fatores sanguíneos
A deficiência na produção dos fatores VIII e IX da coagulação sanguínea leva
a uma doença chamada hemofilia. Esses fatores circulam no nosso sangue
e são ativados em caso de hemorragia. Em pessoas com hemofilia, quando
uma parte do corpo é lesada, não há a correta formação do coágulo, que faz
com que o sangramento cesse; desse modo, o hemofílico sangra mais do que
o normal. Esses dois fatores são atualmente produzidos por técnicas de DNA
recombinante em células de murinos (ALMEIDA; AMARAL; LOBAO, 2011).

Hormônios
Em 1982, a FDA (Food and Drug Administration) aprovou a primeira forma
farmacêutica conquistada por biotecnologia: a insulina humana obtida por
técnicas de DNA recombinante. Atualmente, a insulina recombinante é dispo-
nível em diferentes concentrações, sob diferentes formas de ação (ação lenta ou
rápida) e para diferentes formas de aplicação (intramuscular, subcutânea, etc.).
A somatropina é o hormônio do crescimento humano recombinante tam-
bém aprovado para uso em crianças cujo organismo não produz quantidades
suficientes do hormônio (ALMEIDA; AMARAL; LOBAO, 2011).

Você sabia que, entre as décadas de 1960 e 1980, o hormônio do crescimento era obtido
a partir da hipófise de cadáveres humanos? Esse processo limitava muito sua utilização
devido ao risco de contaminação e à dificuldade de obtenção. Atualmente, com a
tecnologia do DNA recombinante, o gene do hormônio do crescimento humano é
inserido em bactérias do tipo E. coli, que produzem o hormônio em grandes quantidades.
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Fatores de crescimento
A eritropoetina é uma proteína produzida pelo rim e que tem como função
regular a proliferação e a diferenciação de células hematopoiéticas da medula
óssea. Em casos de falha renal, como em pacientes com câncer ou doença
renal crônica, a eritropoetina recombinante pode ser utilizada (ALMEIDA;
AMARAL; LOBAO, 2011).

Enzimas
Diversas enzimas são produzidas pela técnica de DNA recombinante, como a
enzima dornase alfa, que é fabricada na forma de inalante respiratório e é utili-
zada no tratamento de fibrose cística (ALMEIDA; AMARAL; LOBAO, 2011).

Vacinas
As vacinas recombinantes têm sido formuladas a fi m de ativar, de forma
eficaz, específica e duradoura, células imunes do nosso organismo, capazes
de reconhecer e destruir células de patógenos de origem viral, bacteriana
ou parasitária. Nos últimos anos, também têm sido empregados muitos
esforços para a produção de vacinas antitumorais que sejam mais eficazes e
menos invasivas que os tratamentos convencionais disponíveis no mercado.
Tumores de origem infecciosa, como o de fígado e o cervical, associados
à infecção pelo vírus da hepatite B e pelo papiloma vírus humano (HPV),
respectivamente, são alvos mais propícios para uma abordagem terapêutica
utilizando vacinas. Contudo, vale lembrar que outros tipos de câncer tam-
bém podem ser tratados com imunoterapia: os cientistas podem modificar
proteínas encontradas nos tumores, de forma que o sistema imune do pa-
ciente se torne mais eficaz em sua resposta ao câncer, ou modificar células
tumorais do próprio paciente, para que produzam substâncias específicas
(imunomoduladores) que estimulem as células de defesa do organismo a
eliminar o tumor. Existe uma enorme diversidade de vacinas recombinantes
disponíveis no mercado, como as vacinas contra o vírus influenza sazonal
(vírus da gripe), hepatite A e B, câncer cervical e vírus H1N1 (ALMEIDA;
AMARAL; LOBAO, 2011).
A vacina contra a dengue também tem sido um grande avanço, em termos
de saúde pública, para a população brasileira. A incidência de infecção pelo
vírus da dengue no país é tão alta que, somente no ano de 2017, foram regis-
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trados 251.711 casos prováveis de dengue (BRASIL, 2018). A doença atinge,


principalmente, os países de clima tropical, como o Brasil, especialmente
devido ao calor e à umidade, o que favorece a proliferação do mosquito trans-
missor do vírus, o Aedes aegypti. O primeiro grande avanço em relação ao
combate da dengue se deu pela empresa francesa Sanofi Pasteur, que produziu
uma vacina tetravalente contendo vírus recombinantes atenuados. A vacina
Dengvaxia® foi a primeira a se mostrar eficaz, sem causar efeitos colaterais
importantes e, por isso, já foi aprovada para uso em diversos países. Aqui no
Brasil, essa vacina teve seu registro concedido pela Anvisa no ano de 2015 e
está disponível para a população que já tenha entrado em contato com o vírus
previamente (AGÊNCIA..., 2018). A Dengvaxia® foi elaborada a partir da cepa
17D utilizada na vacina de febre amarela. Para tal, os genes que codificam
as proteínas pré-membrana (prM) e do envelope (E) foram substituídos pelos
genes de cada um dos quatro sorotipos de dengue. O produto final é uma
vacina combinada que contém as quatro cepas recombinantes em uma única
preparação (Figura 3).

Figura 3. Desenvolvimento da vacina contra o vírus da dengue, que contém as quatro


cepas recombinantes do vírus.
Fonte: Guy et al. (2011).
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Mais recentemente, o Instituto Butantan, aqui do Brasil, desenvolveu, em


parceira com o Instituto de Saúde dos Estados Unidos (NIH), outra vacina
contra a dengue. Na vacina brasileira, os vírus atenuados foram obtidos por
deleção de segmentos gênicos virais. Essa vacina também é tetravalente e
deverá proteger contra os quatro tipos de vírus da dengue. Apesar de já estar
em fase final de estudo clínico, ela ainda não está disponível no mercado
(INSTITUTO BUTANTAN, 2018).

Anticorpos monoclonais
Os anticorpos monoclonais são biofármacos com alta especificidade e, por
isso, têm ganhado cada vez mais atenção dos pesquisadores. Esses agentes
são uma promessa terapêutica para diversas doenças graves, como o câncer.
No Quadro 1, você encontra uma lista de exemplos de anticorpos monoclonais
aprovados pela FDA e já comercializados para o tratamento de diferentes
doenças (ALMEIDA; AMARAL; LOBAO, 2011).

Quadro 1. Exemplos de anticorpos monoclonais com indicação terapêutica

Anticorpo Substância ativa Indicações terapêuticas

Herceptin® Trastuzumab Câncer de mama

Mabthera® Rituximab Linfoma

MabCampath® Alemtuzumab Leucemia

Trudexa® Adalimumab Artrite reumatoide

Erbitux® Cetuximab Câncer colorretal metastático

Avastin® Bevacizumab Câncer colorretal, de


mama e de pulmão

Tysabri® Natalizumab Esclerose múltipla

Fonte: Adaptado de Almeida, Amaral e Lobão (2011).


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ALMEIDA, H.; AMARAL, M. H.; LOBAO, P. Drugs obtained by biotechnology pro-


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