a nova face dos

Edição 453 • julho 2023

neandertais Eles tinham arte,
tecnologia, espiritualidade.
E estão dentro de nós. p. 28

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POR BRUNO GARATTONI

O aparelho de realidade virtual da Apple é o primeiro

capaz de gerar imagens perfeitas. Trata-se de um salto
tecnológico, protegido por 5 mil patentes. Mas ele tem
um dilema crucial a enfrentar. Saiba qual – e veja como
é a experiência de usar o headset. p. 20

p. 08 p. 54 p. 40 p. 46
o magnata da terra a etimologia uma arma
dos genomas À xícara: da tabela inusitada contra
r$ 25,00 da covid. o guia do café. periódica. superbactérias.
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CARDÁPIO
Novas descobertas
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arqueológicas
reescrevem
a história dos
neandertais. P. 28
5 carta ao leitor
ESSENCIAL
6 uma imagem...
Agricultores chineses
colhem soja protegidos
por sombrinhas coloridas.
8 ... uma opinião
O magnata fantas-
ma que guarda a
história da Covid.
SUPERNOVAS
10 suicídio de silício
IAs como o ChatGPT
podem dar bug se lerem de-
mais seus próprios textos.
Capa | Foto Divulgação/Apple
julho dE 2023
11 três não é demais
DNA tripla-hélice, que existe
na natureza, foi feito de ma-
neira inédita em laboratório.
16 i am become death
Entrevistamos Christopher
Nolan sobre Oppenheimer.
Spoiler: a explosão da bom-
ba atômica não é CGI.
18 abraço auricular
Os fones da Logitech que
se moldam ao formato da
sua orelha em um minuto.
12 enquanto isso...
14 3 notícias sobre
16 pérolas do streaming
19 Você decide
20 Capa
TESTAMOS
O VISION PRO
O aparelho da Apple representa um salto
quântico no mundo da RV: é o primeiro a
gerar imagens indiscerníveis da realidade.
Saiba como é a experiência de utilizá-lo,
e veja qual é seu calcanhar de Aquiles.
28 Sofisticação neandertal
Eles não eram brutamontes: tinham um
gene associado à linguagem, vida espiritual
e até um princípio de indústria química.
40 Elementar, meu caro Watson
Explicamos a origem dos nomes dos 118
elementos da tabela periódica – que vão de
deuses gregos a demônios alemães.
46 Vírus bacteriófagos
Uma tecnologia de 1920 mantida viva pelos
soviéticos por cem anos é a nova esperança
contra bactérias resistentes a antibióticos.
54 O almanaque da cafeína
A história, as espécies, as torras, os dados
de comércio exterior e os métodos de pre-
paro da bebida que faz o mundo acordar.
65 manual
Como ler poesia (não,
número
incríVel ORÁCULO não precisa ser chato).
61 lisas ou felpudas
Por que jogadores de tênis
ficam escolhendo bolinha?
200 61 pá pum
mil 63
64
só acredito Vendo
coneXÕes
litros 64 lost in translation
FOi a quantida�
de de vírus em
bacterióFagOs
que a urss
usOu cOmO
antibióticO
ÚLTIMA PÁGINA
durante a 2 a 63 que Viagem 66 caça-cliques
guerra . Os aeroportos mais dis- Os 25 sites mais
p.46 tantes de suas cidades. acessados da internet.
CARTA AO LEITOR
Realidade virtual:
do paleolítico até 2023
A força da mordida de um leão
equivale a 50 quilos por centímetro
quadrado. Um guepardo perseguin-
do uma presa chega a 130 km/h. Já
um atlatl, artefato manual asteca,
propele uma lança a 150 km/h. No
alvo, a pressão chega a 75 quilos por
centímetro quadrado. Trata-se de
uma estrutura simples, mas que
mesmo assim transforma seu porta-
dor em algo mais letal que um leão, e
mais veloz que um guepardo.
A cultura asteca floresceu há rela-
tivamente pouco tempo. Mas essa
arma existe desde a Idade da Pedra.
O atlatl mais antigo, encontrado na
França, tem 17,5 mil anos. Ele pode
ser feito de madeira ou osso, e serve
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para encaixar a parte traseira de
uma lança. Na hora do arremesso, a
coisa dá um impulso brutal ao pro-
jétil. Graças a essa ferramenta, o
Homo sapiens se tornou o maior pre-
dador da Terra.
Mas não foi esse status que nos
fez humanos de fato. Foi outra cria-
ção do paleolítico: a realidade virtu-
al. Não na acepção moderna do
termo, lógico, mas no significado es-
sencial: a capacidade de criar am-
bientes que não existem na natureza.
As pinturas rupestres já eram isso.
Ao “decorar” paredes de cavernas
com imagens de bichos, nossos an-
cestrais traziam um pouco do cená-
rio externo para dentro de um
espaço inóspito. A música cumpre
um papel semelhante. O que é um
instrumento, afinal, se não um arte-
fato capaz de dar vida a sons que, an-
tes de ganhar forma, só existiam nas
nossas cabeças?
Por volta de 3.500 a.C. surgiria a
forma mais poderosa de realidade
virtual: a escrita, que transformava o
registro oral, fugidio, em algo con-
creto, capaz de durar para sempre –
que o digam as histórias de Homero
e do Velho Testamento; elas foram
para o papiro há quase 3 mil anos e
Editorial
seguem firmes no pool cultural da hu-
manidade. Muito mais tarde, o cinema
uniria todas as pontas, adicionando
imagens e sons às histórias.
Em 1957, veio a primeira tentativa de
criar uma realidade virtual no sentido
contemporâneo da coisa. Não por aca-
so, foi pelas mãos de um cineasta: o
americano Morton Heilig. Ele criou
uma espécie de capacete de RV. Na ver-
dade, era uma caixa na qual você colo-
cava a cabeça dentro. Mas a intenção ali
era a mesma dos dispositivos que vi-
riam mais tarde: apresentar conteúdo
audiovisual de forma completamente
imersiva, indiscernível da realidade.
De lá para cá, porém, nenhum equi-
pamento de RV atingiu esse objetivo.
Mas isso está mudando a passos lar-
gos. O Vision Pro, apresentado pela
Apple em junho, dá um salto quântico
na realidade virtual. Nas palavras do
editor Bruno Garattoni, que testou o
headset na Califórnia e narra a experi-
ência de forma brilhante nesta edição:
“Surge uma borboleta, que voa lenta e
delicadamente pelo recinto. Estendo
o braço, e ela pousa nas costas da mi-
nha mão. Não sinto seu toque, pois ela
não existe; fora isso, é uma borboleta
de verdade”.
A real é que ainda somos os mes-
mos, e vivemos como nossos ances-
trais. Nos deleitamos com imitações
da vida. A diferença é que agora elas
começam a ficar maiores que a vida.
Boa leitura.
Alexandre Versignassi
di r etOr de r edaçãO
AlexAndre.VersignAssi@Abril.com.br
Fundada em 1950
VICTOR CIVITA
(1907-1990)
ROBERTO CIVITA
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ESSENCIAL uma imagEm...

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JUlHO 2023 super 7

 ESSENCIAL ...uma opinião

na página anterior: Agricultores chineses colhem edamame – grãos de soja ainda

verdes, vendidos dentro ou fora de suas vagens, usados em receitas do leste da Ásia.
Os pequenos círculos coloridos são sombrinhas para protegê-los do sol. Apesar da
produção local, a China é a maior compradora da soja brasileira. Nossa produção,
em 2023, será recorde, mas as importações chinesas estão em níveis historicamente
baixos com a desaceleração econômica do país, o que preocupa os produtores.

O magnata O Gisaid, um banco

de dados privado
sem fins lucrativos,
armazena 15

fantasma
milhões de genomas
de coronavírus e
foi essencial na
pandemia. Mas
seu futuro está

que guarda
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas ameaçado pelo
fundador: um
filantropo alemão
de passado obscuro

a história
que costuma
bloquear, sem
explicações, o acesso
de pesquisadores à
plataforma.

da Covid POR Bruno vaiano

e
Em janeiro de 2004, uma mutação do vírus da gripe aviária H5N1
se espalhou por dez países asiáticos a partir de granjas no Vietnã e
na Tailândia. O patógeno, especialista em galinhas e afins, raramente
salta para humanos. Mas, quando consegue, mata 60% dos infecta-
dos (dos 861 pacientes registrados pela OMS entre 2003 e 2020, 455
morreram). Pode haver uma grande subnotificação, o que reduziria a
taxa. De qualquer forma, há o risco de que ele desenvolva, por seleção
natural, a capacidade de se transmitir de pessoa para pessoa – o que
renderia uma pandemia potencialmente mais letal que a de Covid.
Na época, a colaboração internacional para estudar o H5N1 em-
pacou. Os biólogos de alguns países no epicentro da epidemia, que
tinham acesso privilegiado ao vírus, estavam com medo de divulgar

8 super JUlHO 2023

o material genético do H5N1 em estado
bruto – já que laboratórios europeus e
americanos, com equipes e verbas maio-
res, conseguiriam analisar as sequências
de RNA muito mais rápido e publicar
suas conclusões na frente.
Esse tipo de preocupação rola por cau-
sa do seguinte: a ciência contemporânea
é um ambiente competitivo. Agências
de fomento concedem bolsas para pes-
quisadores com base em métricas como
o número de artigos que eles publicam,
a quantidade de vezes que esses artigos
são citados e a relevância dos periódi-
cos em que os textos saem. O problema,
óbvio, é que blindar sua carreira não é a
coisa mais ética a se fazer durante uma
emergência sanitária global.
“A maioria de nós é paga para prote-
ger a saúde humana e animal”, disse, na
época, a bióloga italiana Ilaria Capua. “Se
publicar mais um paper for mais impor-
tante do que isso, estamos confundindo
nossas prioridades.” Ela se tornou uma
ativista pró-acesso aberto, e denunciou
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um grupo de quinze laboratórios que
compartilhavam genomas virais em um
banco de dados fechado com senha. Seu
ativismo atraiu o interesse de um per-
sonagem que não tinha envolvimento
prévio com o mundo científico: um
ricaço alemão chamado Peter Bogner.
Em 2008, esse filantropo misterioso
investiu milhões na criação da Iniciativa
Global de Compartilhamento de Dados
de Gripe Aviária – conhecida pela sigla
em inglês Gisaid. Essa plataforma online
mediava as relações entre os cientistas
e impunha condições razoáveis (como
dar os devidos créditos) a quem quisesse
usar sequências de DNA e RNA dispo-
nibilizadas em sua base de dados.
O site foi um caso de amor à primei-
ra vista com a comunidade acadêmica:
até hoje, laboratórios de todo o mundo
fizeram o upload de 400 mil genomas
de influenza no Gisaid. Em 2010, Bogner
percebeu que podia expandir o monopó-
lio para outros vírus – e trocou o avian
(“aviário”) da sigla por all (“todos”), pronto
para pescar uma oportunidade.
Ela veio dez anos depois. Quando a
Covid-19 estourou, o Gisaid se tornou
o grande hub de compartilhamento de
dados sobre coronavírus. 15 milhões de
genomas de Sars-CoV-2 apareceram na
O alemão Peter Bogner não tem
data de nascimento ou histórico
acadêmico comprovados – e repe-
le críticas em tom combativo.
plataforma em três anos – mais de trinta
vezes todo o material sobre gripe publi-
cado lá em quase duas décadas.
Passado o auge da pandemia, porém,
alguns cientistas começaram a perder
acesso (parcial ou totalmente) à plata-
forma, aparentemente como retaliação
silenciosa por fazerem críticas constru-
tivas ao Gisaid ou desmentirem publica-
mente informações erradas fornecidas
por Bogner e sua pequena equipe.
Por exemplo: um grupo do renomado
Instituto Scripps, na Califórnia, levou
block após escrever – corretamente – que
a primeiro RNA de coronavírus da pan-
demia, em 2020, não havia sido postado
no Gisaid, e sim em um outro fórum
online de virologia. Bogner reivindica
para si esse crédito simbólico.
Em 2020, Duncan McCannel, um figu-
rão do Centro de Controle de Doenças
(CDC) dos EUA, pediu aos funcionários
do órgão que subissem os genomas não
só no Gisaid, mas também em uma ba-
se alternativa chamada GenBank. Em
agosto, recebeu um e-mail anônimo
dramático: “Uma rápida olhada em suas
mídias sociais é tudo que é preciso para
observar seus esforços desmedidos para
perpetuar alegações infundadas que bus-
cam destruir a credibilidade do Gisaid.”
A polêmica mais grave foi a remo-
ção temporária, em março, de dados
sobre a possível origem da pandemia
no mercado de animais vivos da cidade
de Wuhan. Os genomas de vários ma-
míferos, coletados no mercado após a
eclosão da pandemia, saíram do ar pouco
após a publicação, sob o pretexto de que
os cientistas responsáveis pelo upload
haviam violado as condições de uso da
plataforma (agora, já estão de volta no ar).
Currículo? Que currículo?
Em abril deste ano, motivados por rela-
tos como esses, dois repórteres da revista
Science tentaram investigar a biografia
de Bogner. Eles entrevistaram mais de
70 pessoas que tiveram algum problema
para acessar a plataforma, leram centenas
de e-mails e mensagens (algumas em
que Bogner e outras pessoas ameaçavam
cientistas abertamente), foram atrás do
currículo do magnata e descobriram que,
bem: não há nada para descobrir.
Seus documentos mostram datas de
nascimento diferentes, entre 1957 e 1964.
A Universidade de Nova Gales do Sul, na
Austrália, não tem registro de um aluno
com seu nome, ainda que ele afirme ter
estudado psicologia e feito um mestrado
em administração por lá. Ele se mudou
para os EUA, supostamente com 22
anos, para trabalhar na produção de um
programa de auditório gravado em Los
Angeles – e passou dois meses na cadeia
por crimes contra o mercado financeiro.
Os maiores doadores da plataforma
são bem conhecidos (a Fundação Rocke-
feller e até a União Europeia já puseram
grana lá), mas as contas de Bogner são
uma caixa preta: ninguém sabe quanto
dinheiro entra nem como ele é gasto.
É uma história ainda sem desfecho,
com muitas morais para o ecossistema
da ciência. Os filantropos aprenderam
que é uma boa analisar melhor o back-
ground das iniciativas que ajudam. As
agências de fomento recebem o lembre-
te de sempre: é preciso pensar critérios
de distribuição de verba que estimulem
mais a colaboração do que a competição.
E todos os envolvidos nos esforços
contra a Covid-19 precisam repensar se a
praticidade do Gisaid justifica ter subido
o set de dados genômicos mais relevante
do século 21 majoritariamente em uma
plataforma privada, ainda que sem fins
lucrativos. Essa reflexão não era viável
durante a emergência sanitária. Mas é
fundamental para que a humanidade lide
melhor com as próximas. S
JUlHO 2023 super 9
 supernovas
ILUSTRAÇÕES Mariana andrello, leticia KaMioKa & yasMin ayuMi DESIGN caroline aranha
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IAs podem se autodestruir, diz estudo
As inteligências artificiais como o ChatGPT
foram alimentadas com enorme quantidade de
textos da internet (elas analisaram esses textos
para mapear as relações entre as palavras, e a
partir disso se tornaram capazes de entender per-
guntas e construir respostas). Mas no futuro, com
o uso crescente de IAs para gerar sites e textos
online, esse processo pode dar um curto-circuito.
É o que afirmam cientistas das universidades de
Oxford e Cambridge, que publicaram um estudo1
10 super JUlHO 2023
apontando isso. Eles demonstraram que, quando
uma IA é “treinada" com textos que também fo-
ram gerados por IA, seu algoritmo se deteriora
de forma progressiva. O robô vai esquecendo
as reais relações entre os dados e gera respostas
cada vez mais incorretas, até chegar a um estado
que os pesquisadores chamaram de “colapso do
modelo" – no qual o algoritmo se torna incapaz de
se recuperar, não importa quanto poder de pro-
cessamento tenha à disposição. (Bruno Garattoni)
A
sn. EDIÇÃO Bruno garattoni

25%
é o alargamento
máximo dos ventrí-
culos cerebrais em
astronautas (trata-se
de cavidades que
armazenam fluido
cefalorraquidiano, um
líquido que serve para
nutrir e limpar o cére-
bro). A descoberta é
de cientistas da Uni-
versidade da Flórida,
que escanearam2 os
cérebros de 30 deles.
A mudança, que é
causada pela micro-
gravidade do espaço,
persiste por pelo
menos 3 anos após
a volta à Terra. As
consequências disso,
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se houver, ainda não
são conhecidas. (BG) B

voos estão cientistas sintetizaM dna coM três hélices

ficando mais Ele existe naturalmente – mas, agora, também pode ser feito em laboratório.

turbulentos Cada Célula do seu Corpo contém apro- triplo ainda não é plenamente compreen-
ximadamente dois metros de DNA: são du- dida, mas ele parece controlar a atividade
a chamada "turbu- as longas fileiras de nucleotídeos (as “letras de certos genes. A novidade é que, agora, a
lência de ar claro", que genéticas"). Elas são chamadas de “hélices" ciência também é capaz de gerá-lo artificial-
se manifesta quando porque juntas desenham um formato espi- mente: pesquisadores da Universidade de
não está chovendo e o ral, que lembra uma hélice. As duas ficam Aarhus, na Dinamarca, anunciaram a cria-
céu parece limpo, ficou enroladas, ocupando pouquíssimo espaço, ção de um método para fazer isso4. Ele foi
55% mais frequente e são complementares – uma serve como batizado de triplex origami, e consiste em
nas últimas quatro backup natural da outra. Mas o organismo dobrar pedaços de DNA para gerar hélices
décadas, segundo um também tem outro tipo de fita: o DNA de com três fitas. Os cientistas conseguiram
estudo3 publicado hélice tripla. Ele surge quando pequenas ca- gerar segmentos de DNA triplo com até
por pesquisadores da deias de nucleotídeos se acoplam ao DNA 9.000 “letras". Segundo eles, a técnica po-
Universidade de normal, que naquele trecho passa a ter três derá ajudar na criação de tratamentos contra
Reading (Reino Unido), fileiras – e não apenas duas. A ação do DNA doenças genéticas. (BG)
que analisaram
dados atmosféricos e
de satélite. A região
mais afetada é o
Atlântico norte, entre “A Amazon batizou o processo de ‘Ilíada'",
os EUA e a Europa.
Acredita-se que a diz um relatório da federal trade commission (ftc), órgão do governo dos EUA, que acusa a empresa
mudança seja causada de dificultar o cancelamento do serviço Amazon Prime. Segundo a FTC, que cita documentos internos da
pelo aquecimento companhia, ela teria nomeado seu fluxo de cancelamento em referência à Ilíada: um poema extremamente
global. (BG) longo, com quase 16 mil versos, que foi escrito pelo grego Homero e narra as durezas da Guerra de Troia. (BG)
Ilustrações A Mariana Andrello e Leticia Kamioka. B Yasmin Ayumi. Fonte (1) The curse of recursion: training on generated data makes models forget. I Shumailov e outros, 2023.
(2) Impacts of spaceflight experience on human brain structure. RD Seidler e outros, 2023. (3) Evidence for Large Increases in Clear-Air Turbulence Over the Past Four Decades. M Prosser
e outros, 2023. (4) Folding Double-Stranded DNA into Designed Shapes with Triplex-Forming Oligonucleotides. K Gothelf e outros, 2023.
JUlHO 2023 super 11
 sn.
Taylor Swift e The
Weeknd foram
convidados para se
juntar à Academia – a
responsável pelo Oscar.

ENQUANTO
ISSO...
Texto Leo Caparroz
Ilustração Caroline Aranha

Em julho, a Terra passou pelos

três dias mais quentes já registra-
dos, com a temperatura média
eMpresa cria carne geneticaMente Modificada
Método promete baratear a produção em laboratório desse alimento.
no planeta alcançando 17,23 °C.

O culTIvO de “carne de labOraTórIO" e reduziu nossos custos de produção em

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Veterinários dos EUA criaram
uma injeção que permite
castrar gatas sem cirurgia A.
Em experiências com ratos,
cientistas chineses identificaram
qual região do cérebro está
relacionada ao medo de altura B.
Uma espada de bronze com 3
mil anos foi encontrada na Ale-
manha – e ela ainda brilha C.
fontes A Zoológico de Cincinnati.
B East China Normal University.
C Bavarian State Office for Monument
Protection.
12 super JUlHO 2023
existe desde 2013. Cientistas coletam cé-
lulas de boi ou de frango e as multiplicam
em biorreatores (grandes tanques cheios
de aminoácidos e nutrientes) para gerar
pedaços de carne – sem precisar matar
nenhum animal. Mas esse processo é ine-
ficiente, usa reagentes específicos, e por
isso é caro: mesmo após uma década de
aperfeiçoamentos, a carne sintética ainda
custa 10 vezes mais do que a natural (e isso
na melhor das hipóteses, supondo uma
produção em grande escala5; nas quanti-
dades fabricadas hoje, o custo é ainda mais
alto). Ela é comercialmente inviável. Mas a
companhia americana SciFi Foods diz ter
a solução: ela modificou o DNA da carne
bovina com a técnica CRISPR (que usa
enzimas de bactéria para cortar e alterar
sequências genéticas de forma precisa, e
tem sido bastante explorada em pesqui-
sas da indústria farmacêutica). A Super
conversou com a bióloga Kasia Gora, co-
fundadora e diretora técnica da empresa.
Qual é a diferença da carne editada
geneticamente?
Essa abordagem nos permite cultivar cé-
lulas em laboratório sem a necessidade de
microtransportadores [materiais que funcio-
nam como estruturas de suporte, permitindo
a multiplicação das células nos biorreatores].
Isso eliminou o uso de ingredientes caros,
fontes (5) How much will large-scale production of cell-cultured meat cost? BW Brorsen e outros, 2022. (6) Drift of Earth's Pole Confirms
Groundwater Depletion as a Significant Contributor to Global Sea Level Rise 1993–2010. K Seo e outros, 2023.
mil vezes. O maior desafio das carnes cul-
tivadas é o custo. Achamos que será difícil
baratear esse tipo de produto sem o uso da
técnica CRISPR.
Por que usar o CRISPR e não outro método?
A técnica CRISPR nos permitiu fazer
edições precisas e de pequena escala em
células animais. Nós somos capazes de de-
senvolver centenas de linhagens celulares
todos os meses. Existem outros métodos
de edição genética, mas o CRISPR nos
oferece precisão, rapidez e custo-benefício.
Não revelamos quais genes [do DNA bovi-
no] nós alteramos. No entanto, podemos
revelar que as modificações geralmente
envolvem pequenos ajustes, para aumen-
tar a eficiência do crescimento de células
dentro do biorreator.
A carne já está pronta para lançamento?
Não. No momento, Singapura é o único
país que legalizou totalmente a venda de
carne cultivada. Nos Estados Unidos, a
FDA [agência reguladora americana] já deu
essa permissão a duas empresas, e nós
estamos buscando o mesmo. Acreditamos
que deverá haver mais algumas etapas
regulatórias antes que o nosso produto
seja introduzido no mercado, o que deve
ocorrer no final do ano que vem. (Maria
Clara Rossini e Bruno Garattoni)
 Faturamento da soja dispara no Brasil
Vendas quase dobraram em 4 anos – e ela já responde por 42% da agricultura.

VALOR DA PRODUÇÃO, EM BILHÕES DE REAIS:

tOtal dO agrOnegóciO: r$ 1,2 trilhão

tOtal agrícOla:
sOja 208,2 297,5 379,5 333,8 368,8
r$ 868,9 bi

tOtal pecuári0:

milhO 96,2 121,4 130,6 146,7 156,2 r$ 347,9 bi

cana�de� estadOs que mais Faturam:

89,1 86,3 90,7 98 107,8
�açúcar

caFé 29,9 42,8 44,1 55,1 52,5

10
algOdãO 25,7 27,7 28,6 34,1 31,5
9
1
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
laranja 20,1 18,2 17,8 17,1 22
5
4
7
carne 3
133,4 153 156,1 151,5 140,6 1 mato grosso:
bOvina 2
r$ 202,9 bi
8
2 paraná: 6
carne
26,8 33,7 33,1 31,8 34,1 r$ 157,9 bi
suína
pecuária

3 são paulo: 7 mato grosso do sul:

r$ 145,9 bi r$ 73,2 bi
FrangO 85,2 83,9 98,3 96 89,2
4 minas gerais: 8 santa catarina:
r$ 129,8 bi r$ 48,6 bi
leite 51,5 53 53 57,7 61,1
5 goiás: 9 bahia:
r$ 101,6 bi r$ 48,5 bi
OvOs 18 19,8 18,5 20,1 22,7
6 rio grande do sul: 10 pará:
2019 2020 2021 2022 2023* r$ 99,3 bi r$ 28,2 bi

*Projeção baseada nos dados de janeiro a abril.

fonte Valor Bruto da Produção (VBP) Abril/2023. Ministério da Agricultura e Pecuária.

0,8 M
foi quanto a humanidade deslocou o eixo rotacional da Terra entre
1993 e 2010, segundo um novo estudo6 publicado por cientistas da Uni-
versidade Nacional de Seul (Coreia do Sul). Segundo eles, isso aconteceu
por causa da extração de água do subsolo. Nas duas décadas analisadas,
a humanidade extraiu 2,1 trilhões de toneladas de água, e a maior parte
dela foi parar nos oceanos – o que redistribuiu a massa do planeta, e
empurrou o eixo da Terra 80 cm na direção leste. (BG)

Ilustração Yasmin Ayumi.

JUlHO 2023 super 13
 sn.

Estresse
3 nOtícias sObre
aumenta
Glifosato desejo
Ele é o agrotóxico mais usado do mundo. E o mais polêmico também. por junk
food
E não é um efeito
puramente psico-
lógico: também
há um mecanismo
neurológico envol-
vido. A descoberta
é de cientistas
australianos9,
que submeteram
ratos de labora-
tório a situações
estressantes – e
constataram que
nesses animais a
habênula lateral,
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas uma região do cé-
rebro que também
existe em humanos

1.
substância causa dano
reprodutivo em ratas
Em um estudo publicado por
cientistas brasileiros7, cobaias
que ingeriram glifosato apresen-
taram alterações nos ovários:
menos folículos primários (um
tipo de célula do útero) e dila-
tação do corpo lúteo, estrutura
uterina que fabrica progestero-
na. Isso aconteceu mesmo com
doses bem pequenas, de 0,0003
a 0,03 miligrama, ministradas
durante um período relativa-
mente curto (28 dias). (BG)
2.
bayer é acusada de Fabricante começa
3. e tem a função de
controlar a "busca
por recompensas",
simplesmente não
propaganda enganosa a se afastar do produto funcionava (não
A multinacional alemã, que Em 2021, a Bayer anunciou que freava o apetite de-
produz o herbicida Roundup, iria parar de vender o Roundup pois que o animal
fez acordo com o governo do para uso em jardinagem, no já havia comido
estado de Nova York e irá pagar mercado americano, a partir de
uma multa de US$ 6,9 milhões. 2023 (ele só poderia ser usado o suficiente). A
Motivo: segundo as autoridades, em agricultura profissional). habênula era de-
a fabricante apresentava o Isso ainda não ocorreu. Mas a sativada por uma
Roundup, cujo ingrediente ativo empresa começou a oferecer substância, chama-
é o glifosato, como se ele fosse uma nova versão, o Roundup NL, da neuropeptídeo
inofensivo para a vida animal – e que não contém glifosato – é
menos nocivo para o meio am- feito de ácido pelargônico, natu- Y (NPY), que o
biente que sabão ou detergente ralmente presente nas plantas cérebro produz sob
de lavar louça8. (BG) do gênero Pelargonium. (BG) estresse. (BG)

Inglês Espanhol Alemão Francês

Inglês
4,7% 4,9% 1% 1%
domina
5,9% 4,3% 4,2%
metade da
internet Japonês Português % da população
mundial que fala
Idioma é 10 vezes 1,6% 2,9% nativamente a língua
mais usado do
% da internet que é
que na vida offline. 55,6% 3,6% 2,3% escrita nela

14 super JUlHO 2023 Fonte RestofWorld.org, sobre dados Ethnologue e W3Techs.

 NÃO É BEM
ASSIM...
Notícias que
bombaram por
aí – mas não
são verdade

a nOtícia

Exercício é
mais eficaz que
antidepressivos,
diz estudo
O que ela dizia
Fazer atividades físicas
regularmente é até
50% mais eficaz contra
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas a depressão do que os
medicamentos, afirma
um estudo que avaliou
128 mil pessoas.
câncer afeta as conexões entre neurônios a verdade
Tumor cerebral consegue se conectar a células distantes, mostra estudo. O trabalho 14 ,
que foi publicado
O glioblastoma é um tumor que surge a atividade cerebral de 19 pacientes que têm por cientistas da
nas células gliais, responsáveis por fornecer esse tipo de câncer. Exibiram figuras para Universidade do Sul
nutrientes e suporte aos neurônios. Ele é os pacientes, que deveriam dizer os nomes da Austrália, é um
"metaestudo": ele
especialmente terrível: a média de sobre- dos objetos. Isso ativou áreas relacionadas juntou e analisou os
vivência pós-diagnóstico se resume a oito ao processamento de linguagem, como seria resultados de 1.039
meses 10 (cinco anos mais tarde, só 6,9% dos normal – mas também acionou os tumores, testes clínicos. Con-
pacientes estão vivos). Mas, agora, um novo que estavam em regiões distantes do cére- cluiu que a prática de
estudo revelou uma possível explicação pa- bro, demonstrando que havia uma conexão exercícios pode ser
benéfica, sim, contra
ra essa agressividade: o glioblastoma altera elétrica com eles. Os cientistas acreditam ansiedade e depres-
a estrutura do cérebro, para se conectar a que o tumor se conecte a neurônios sau- são. Só que o estudo,
redes neurais 11 . Cientistas da Universidade dáveis por necessitar de alguma substância eis aqui o pulo do
da Califórnia em São Francisco analisaram produzida por eles. (BG) gato, não comparou
o efeito da atividade
física com o de
remédios antide-
pressivos. Os autores
polvo parece ter pesadelos com predador decidiram não incluir
testes que fizessem
essa comparação, e
O polvo Costello, que foi capturado na Flórida e desde 2021 é estudado por pesquisadores da explicaram o motivo
Universidade Rockefeller, em Nova York, teve um passado traumático: um predador arrancou um de no próprio estudo:
seus tentáculos quando ele vivia no mar. Agora, os cientistas dizem ter presenciado um fenômeno "isso limitaria nossa
intrigante. Eles flagraram quatro episódios, com duração entre 44 e 290 segundos, em que Costello capacidade de
avaliar a efetividade
aparentemente teve pesadelos 12 : o polvo, que dormia em seu tanque, subitamente assumiu um com- dos exercícios
portamento antipredador, soltando tinta e tentando parecer maior. Em 2021, um estudo brasileiro 13 em si". (BG)
encontrou outro indício de que os polvos talvez sonhem: eles mudam de cor enquanto dormem. (BG)
ilustrações Yasmin Ayumi. fontes (7) Subacute exposure to Roundup® changes steroidogenesis and gene expression of the glutathione-glutaredoxin system in rat ovaries. L Zanatta e outros,
2023. (8) Attorney General James Secures $6.9 Million from Bayer and Monsanto for False Advertising. New York State Attorney General, 15/6/2023. (9) Critical role of lateral habenula circuits in
the control of stress-induced palatable food consumption. K Ip e outros, 2023. 10 National Brain Tumor Society, 2023. 11 Glioblastoma remodelling of human neural circuits decreases survival.
S Hervey-Jumper e outros, 2023. 12 Abnormal behavioral episodes associated with sleep and quiescence in Octopus insularis. M Magnasco e outros, 2023. 13 Cyclic alternation of quiet and JUlHO 2023 super 15
active sleep states in the octopus. S Ribeiro e outros, 2021. 14 Effectiveness of physical activity interventions for improving depression, anxiety and distress. B Singh e outros, 2023.
 sn. playlist
“O homem mais
importante de todos"
Para você, o que
é mais fascinante sobre
a história de Oppenheimer?
rimeiramente, eu sempre
P estou procurando por uma
história dramática, algo que
realmente te envolve. Já faz
alguns anos que eu conheço a
história de Oppenheimer. E o que
mais me fisgou foi o momento
em que ele e outros cientistas do
Projeto Manhattan imaginaram
a possibilidade de que a primeira
bomba atômica causasse uma
reação em cadeia com a atmosfera
– o que destruiria o mundo. Mesmo
Entre em nosso gruporelevância
noQualtelegram:
assim, eles foram lá e apertaram
o botão. Esse me pareceu um
éa
do filme
momento singular e dramático
da história da humanidade que
merecia ser explorado em um filme.
PÉROLAS DO
STREAMING
16 super JUlHO 2023
Essa é a visão de Christopher Nolan sobre o pai
da bomba atômica, personagem central de seu
novo fime. Batemos um papo com o diretor de
Oppenheimer, que estreia dia 20 de julho. Texto
Maria Clara Rossini • Design Cristielle Luise
t.me/clubederevistas
no momento presente?
uando se trata de armas
Q nucleares, há momentos
na história em que esquecemos da
ameaça delas. Elas não foram em-
bora, elas não se tornaram menos
perigosas. Essa é uma das razões
pelas quais eu fiz esse filme. É algo
que me toca emocionalmente, e
que torna a história tão poderosa.
canal
Great Art Explained
YouTube
Você sabia que em O Grito, de
Edvard Munch, na verdade a
pessoa não está gritando? Que
as bolinhas vermelhas, marca
da japonesa Yayoi Kusama, vêm
de uma alucinação? Que a
estátua O Pensador, de Rodin,
tem 28 cópias – todas originais?
Veja essas e outras curiosidades
sobre grandes obras (canal em
inglês; ative as legendas). (BG)
Você escolheu não
usar computação gráfica
na cena de detonação da
primeira bomba atômica.
Como ela foi gravada?
segunda pessoa para quem
A mostrei o roteiro do filme
[depois da produtora Emma Tho-
mas] foi Andrew Jackson, meu
supervisor de efeitos visuais – que
também fez Tenet e Dunkirk comigo.
Eu disse logo que não queria usar
imagens geradas por computador
(CGI). Apesar de ser uma técnica
versátil e flexível, ela parece mais
segura. Para o espectador, é difícil
sentir a ameaça real na imagem.
Então, começamos a experimentar
com técnicas analógicas [Nolan não
revela quais, para não comprome-
ter a experiência os espectadores].
Além disso, acho que muito da ten-
são dessa cena está no rigor dos
detalhes – a maneira que a bomba
foi montada e transportada. Cons-
truímos esse clímax baseado em
precauções da vida real.
foto Divulgação. ícones Getty Images.
documentário
Fantasmas do
Abismo (2003) Netflix
Vinte anos antes da tra-
gédia do OceanGate, o
cineasta James Cameron
visitou os destroços do Titanic.
A bordo dos submersíveis russos
MIR-1 e MIR-2, ele e sua equipe
desceram 4 mil metros – e aí
usaram dois rovers aquáticos, de
controle remoto, para explorar os
destroços por dentro e capturar
imagens incríveis. (BG)
imagens Reprodução/Divulgação.
 EDIÇÃO Bruno garattoni

“Cochilei
durante o
voo. Quando
acordei, não
conseguia
lembrar por
UMA MENINA E OS ALIENS que pegara
O planeta foi invadido, só resta fugir. A única arma de Lana é a um avião",
inteligência, que ela usa para resolver puzzles e atravessar o mundo
sem ser notada. E que mundo: este game, do estúdio sueco Wishfully, conta Kristin, pacien-

Os foi totalmente pintado à mão, com resultados belíssimos. Ele é para

Xbox e PC, mas também pode ser jogado em smartphone ou Mac, por
te do médico americano
Dale Bredesen – que diz
ter criado um tratamen-
meio do serviço de nuvem Xbox Game Pass. (BG)
limites Planet of Lana. R$ 75 (grátis para assinantes do Game Pass).
to capaz de reverter o
Alzheimer. O método
da IA ainda foi pouco testado,
e está longe de ser um
consenso científico. Mas
O inglês Roger Penrose
o livro vale pelas histó-
é um físico importante,
rias impressionantes,
vencedor do Prêmio Nobel
de Kristin e seis outras
de 2020 por suas pesquisas
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
sobre buracos negros. Tam-
pessoas que dizem ter
superado a doença. (BG)
bém é um pensador ousado,
famoso por uma teoria nada Os Primeiros Sobrevi-
ortodoxa sobre a consciên- ventes do Alzheimer.
cia (que, para ele, deriva R$ 55,90.
de um fenômeno quântico
dentro dos neurônios).
Estratégia no jardim
as raízEs
Neste livro, Penrose junta
matemática e filosofia para
investigar a inteligência Os pikmin são bichinhos estranhos, com cabeça de planta e pernas
humana – e suas diferenças,
incluindo algumas que ele
de inseto. Neste jogo, criado pelo japonês Shigeru Miyamoto (o genial
autor das franquias Mario e Zelda), você deve ajudá-los a realizar tare- do mundo
considera intransponíveis, fas, levando em conta as características e limitações de cada um. Ou
O Sul da Europa é mais
em relação à artificial. (BG) seja: sob a aparência fofinha, há um sofisticado game de lógica – que
machista que o Norte.
está ganhando seu quarto episódio. (BG)
A Mente Nova do É que as terras do Sul
Imperador. R$ 108,80. Pikmin 4. Lançamento dia 21, para Nintendo Switch. R$ 299. exigiam o uso de arado
puxado por animais,
que só homens tinham
força para controlar. Já
no Norte, a agricultura
filme filme
usava enxada e rastelo,
Mixed by Erry O Canto do Cisne mais leves – e por isso as
(2023) Netflix (2021) Apple TV+ mulheres participavam
A história real de Enrico Cameron tem uma doença e m p é d e i g u a ld a d e .
Frattasio, garoto pobre que terminal, mas não conta para Essa é uma das teorias
trabalhava varrendo o chão de a família. Vai a uma clínica
desenvolvidas pelo isra-
uma loja de discos em Nápoles, que gera um clone idêntico,
no sul da Itália. Ele amava incluindo suas memórias. elense Oded Galor neste
música e sonhava em ser DJ. A ideia é que o clone assuma ambicioso livro, que
Acabou virando um magnata: a vida dele. Mas isso levanta tenta explicar a história
dono da maior gravadora do questões filosóficas – que o humana através de seus
país, com mais de 180 milhões protagonista Mahershala Ali fatores econômicos. (BG)
de fitas e CDs vendidos. Todos desenvolve numa atuação
falsificados. (BG) espetacular. (BG) A Jornada da Humanidade.
R$ 56,60.

JUlHO 2023 super 17

 sn. tech
Fones de ouvido
sob medida
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
As ponteiras destes fones são feitas de uma bor-
racha bem macia, que “escorrega” fácil para dentro dos
ouvidos. O processo de moldagem, que só precisa ser
feito uma vez, aciona LEDs ultravioleta embutidos nos
fones. Isso faz com que o recheio das ponteiras, um gel
sensível à luz UV, endureça – e os fones fiquem com o
formato exato dos seus ouvidos. Durante o processo, as
orelhas esquentam um pouco; é estranho, mas não chega
a ser alarmante. O encaixe fica perfeito, e o conforto é
ótimo. Nem parece que você está com fones: os G Fits não
18 super JUlHO 2023
Os Logitech G Fits se moldam ao formato das
orelhas, num processo que usa luz ultravioleta
e demora cerca de 1 minuto. Mas como isso
funciona na prática? Confira o teste.
Texto Bruno Garattoni • Design Cristielle Luise
a moldagem
Como o plástico endurece,
não é possível refazer o
processo – só com ponteiras
adicionais, que o fabricante
oferece por US$ 30 nos EUA.
Elas não são vendidas no
Brasil. Mas, se você não ficar
satisfeito com o encaixe
dos fones, pode devolvê-los
em até 30 dias e receber
seu dinheiro de volta.
pressionam os canais auditivos, como os modelos in-ear
tradicionais. O formato personalizado também ajuda no
isolamento de ruídos, que é um pouco acima da média
(embora não se compare ao de fones com noise canceling).
Eles são Bluetooth, mas também operam no padrão
sem fio Lightspeed, de baixa latência – ideal para games
no PC e no PlayStation 5. Sua qualidade de áudio é boa, e
a bateria dura bastante: até 10h, com mais 12h via recarga
na case. Um produto interessante, que só não é barato. Ele
custa R$ 1.900, mesmo preço dos AirPods de 3a geração.
fotos Reprodução/Divulgação
 EDIÇÃO Bruno garattoni

Na era do lítio
Em 2021, um executivo da Duracell insinuou que VOCÊ DECIDE
o controle do Xbox ainda usa pilhas devido a um
Os projetos mais
acordo comercial com a Microsoft – que negou.
Seja como for, agora finalmente a empresa está interessantes
lançando um controle com bateria de lítio: ele se (e surpreendentes)
chama Remix, e é feito de plástico parcialmente do mundo do
reciclado. Sua bateria dura até 30h, o dobro das crowdfunding
pilhas comuns (e quase o triplo das recarregáveis
de NiMH, que muitos donos de Xbox usam hoje).
O porém é que o Remix custa R$ 800 – quase o
dobro do controle normal.

Xô, aproximação
indiegogo.com
projeto VoidScan 2.0
o que é Um cartão que prote-
ge os seus outros cartões. Nos
últimos anos, surgiram cartei-
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas ras que prometem resguardar
os cartões contra tentativas
não-autorizadas de leitura
por aproximação. Este cartão
adiciona a proteção a qualquer
carteira: basta colocá-lo
99,965% da luz dentro da sua. Ao detectar
tentativas de leitura, ele envia
um sinal embaralhado, im-
Esse é o coeficiente de absorção do Vantablack, que foi criado em
pedindo a captura dos dados.
2014 pela empresa inglesa Surrey NanoSystems – e é o material mais
Não usa bateria (é alimentado

CAFÉ preto que existe. Ele já foi usado para pintar paredes e carros, e agora
está presente numa TV: a Philips OLED+908, que tem uma camada
de Vantablack dentro. A película deixa passar os raios luminosos
pela própria energia do leitor).
Quanto já arrecadou
US$ 70 mil
COADO ESTÁ emitidos pela TV, mas absorve toda a luz vinda do ambiente – o que
torna a tela imune a reflexos. Ela será lançada na Europa nos próximos
meses, a partir de 2.300 euros (para a versão de 55 polegadas).
chance de rolar bbbb

NA MODA Sem desviar o olhar

kickstarter.com
E a máquina xBloom
promete torná-lo quase
tão fácil de fazer quanto os
cafés em cápsula. Ela usa
astronomia urbana projeto Motoeye E6
o que é Um gadget que pro-
jeta informações, como rotas
xPods, que são minicoadores Nas cidades grandes, e até nas médias, de GPS, no campo de visão
descartáveis com café dentro está cada vez mais difícil ver estrelas e corpos do motociclista – evitando
(o fabricante oferece dezenas celestes. Consequência da vida moderna e sua que ele tenha de olhar para
de opções, com grãos de abundância de luz, mesmo de madrugada. a tela do celular enquanto
várias partes do mundo). Mas o telescópio Unistellar eQuinox 2 (US$ pilota. É um microprojetor,
A máquina mói os grãos e aí 2.500) promete resolver: ele captura várias de 2 cm, que fica dentro
passa o café – girando o jato
imagens, com vários graus de exposição, e aí do capacete. O produto
d’água e dando batidinhas
no coador, como um barista combina numa só, perfeita (que é exibida na precisará de permissão das
faria. O aparelho é vendido tela do seu smartphone ou tablet). O teles- autoridades de trânsito.
por US$ 800, e cada xPod cópio gira automaticamente para encontrar Quanto já arrecadou
(que rende duas xicrinhas os pontos de interesse no céu, e explica – por US$ 50 mil
de café) sai por US$ 2. meio de um app – o que é cada um deles. chance bb

JUlHO 2023 super 19

 capa

Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas

O Vision Pro
projeta pontos
de luz infraver-
melha sobre
os olhos. Você
não os vê, mas
o aparelho sim:
ele usa isso para
rastrear, com
precisão, os
seus movimen-
tos oculares.

Fotos Divulgação/Apple

20 super julho 2023

 Testamos o
vision
pro
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas

O aparelho de realidade virtual da

Apple é o primeiro capaz de gerar
imagens perfeitas, que realmente
parecem de verdade. Ele é um salto
tecnológico impressionante, protegido
por mais de 5 mil patentes. Mas tem
pela frente um dilema crucial, que até
hoje ninguém conseguiu resolver. Saiba
qual – e veja como é a experiência
de usar o headset.

Texto Bruno Garattoni, de Cupertino (Califórnia)

Design Juliana Krauss

julho 2023 super 21

 não é permitido fotogra- e serão fabricadas pela

O
O prédiO da apple é anel interno da sede,
um pouco maior do que aonde você chega depois
o Pentágono: sua circun- de passar por fileiras de
ferência externa, com 1,6 escritórios, atravessar o
km, comportaria todo o refeitório com capacida-
centro militar dos EUA. de para 4.000 pessoas, e
Mas nem parece. Enquan- cruzar dois grandes por-
to o Pentágono é uma tais de vidro, com incrí-
presença dominante em veis 16 metros de altura –
Washington DC (a cida- eles pesam 180 toneladas
de tem até um bairro cha- cada, e foram fabricados
mado Pentagon City), o pela empresa alemã Seele.
Nos corredores, um avi-
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
quartel-general da Apple é
surpreendentemente pou- so curioso: “Cuidado ao
co visível para quem anda abrir as portas externas:
por Cupertino, a 1h30 de vida selvagem presente”,
carro de São Francisco. e o desenho de uma fa-
Porque ele, que se chama mília de patinhos.
Apple Park, é cercado por Hoje os visitantes já
verde: são ao todo mais de foram embora e está tu-
9.000 árvores e plantas, do tranquilo, com fun-
de 309 espécies nativas. cionários trabalhando e
Do lado de fora, você só circulando (não todos; a
enxerga pedaços do teto e imprensa dos EUA tem
um aviso dizendo que ali é noticiado que os empre-
proibido voar com drones. gados da Apple relutam
Mas estamos do la- a voltar ao trabalho pre-
do de dentro. É meu sencial). Restaram alguns
segundo dia no Apple poucos jornalistas, convi-
Park, e chegou a hora de dados para testar o Vision
experimentar o Vision Pro. Com certo atraso,
Pro – aquele headset de um funcionário aparece
realidade virtual, do qual dirigindo um carrinho
você deve ter ouvido fa- de golfe. Embarco, atra-
lar, que vai custar US$ vesso o parque e começo
3.500 e será lançado nos a subir uma leve colina,
EUA ano que vem. O cli- deixando o prédio cen-
ma aqui é bem diferente tral para trás. Passo por
da véspera, quando o quadras de basquete e um
CEO Tim Cook revelou o enorme gramado. Chego
produto a uma multidão a uma construção retan-
de funcionários, jorna- gular, erguida para as
listas e programadores. demonstrações do Vision
A apresentação foi no Pro. Daqui para a frente,
far nem filmar. empresa alemã Zeiss.
Se você já viu algum Volto ao ambiente
vídeo das apresentações principal, onde há dois
de produtos da Apple, Vision Pro expostos – e
talvez tenha reparado ninguém mexendo ne-
no seguinte: a aparência les. A parede do fundo,
dos funcionários, que não com uns 20 metros de
têm um fio de cabelo fo- largura e o símbolo da
ra do lugar. Suas roupas, Apple no meio, é fei-
gestos, pronúncia, tudo ta de um material bem
parece minuciosamente estranho, entre o metal
ajustado – tanto quanto e o cimento queimado.
o design dos produtos. O que será? Assim que
Aqui no local da demo penso nisso, alguém me
também é assim, só que chama; e numa das late-
elevado à décima po- rais, que pareciam placas
tência: as pessoas falam inteiriças de madeira,
baixinho e devagar, com vejo uma fresta se abrir.
os olhos brilhando e uma Do outro lado, está o
vibe propositalmente zen gadget mais sofisticado
– só faltava vestirem ba- de todos os tempos – cujo
tas brancas. Na hora me desenvolvimento, segun-
lembro do “campo de do a Apple, rendeu mais
distorção da realidade”: de 5 mil patentes.
expressão criada em 1981 Imagine a sala de uma
pelo engenheiro Bud casa, só que desenhada
Tribble, um dos pais do pela Apple. Tem sofá,
Macintosh, para definir plantas, quadros, objetos
de forma bem humorada de decoração, foi monta-
a enorme capacidade de da para parecer casual e
persuasão de Steve Jobs. realista – mas também
Me entregam um dá para perceber que foi
iPhone para que eu esca- projetada com exatidão,
neie meu rosto e orelhas. com iluminação calcu-
Essas informações serão lada e posições precisas.
usadas para medir a dis- O Vision Pro está na
tância entre meus olhos, e mesinha de centro. En-
ajustar automaticamente quanto uma funcionária
a posição das lentes do me apresenta o aparelho,
Vision Pro (o que em e antes que me autorize
outros headsets precisa a pegá-lo, fico pensando
ser feito manualmente, se a Apple teria consegui-
girando um botão), e do fazer um milagre de
também para algo bem engenharia e criar o pri-
impressionante – mais meiro headset de RV que
sobre isso daqui a pouco. não seja nada pesado. Um
Depois do escanea- minuto depois, descubro.
mento, que leva poucos O Vision Pro é bem
segundos, entro numa menor do que aparenta
salinha para falar com a nas fotos, e muito mais
optometrista de plantão. compacto do que qual-
Ela me pergunta se tenho quer outro capacete de
miopia ou astigmatismo. realidade virtual – tanto
Não. Mas, para quem tem, que nem seria adequado
o Vision Pro será vendido chamá-lo de “capacete”.
com lentes personaliza- Mas não é exatamente le-
das, que “grudam” mag- ve. Para mantê-lo preso e
neticamente no headset estável, tenho que apertar

22 super julho 2023

 O hardware
Headset tem dois processadores, qua-
tro tipos de câmera, sensor laser e
telas com resolução de 23 megapixels.

câmeras laterais
sensor LiDAR

câmeras inferiores
câmeras 3D (TrueDepth)
câmeras oculares
LEDs infravermelhos externos
LEDs infravermelhos
internos

as câmeras as telas Os chips

São doze: oito do lado externo, para
capturar imagens do ambiente e das suas
mãos, e quatro internas, para monitorar
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
os seus olhos. Um sensor LiDAR (light
detection and ranging), como o presente
em carros autônomos, usa feixes de luz
para escanear a sala.
São do tipo micro-OLED (ou OLEDoS), esculpi-
das em silício. São produzidas com as mesmas
técnicas usadas em chips de computador; por
isso, comportam muito mais pixels do que as
telas OLED comuns, de plástico. Somadas,
as duas têm 23 milhões de pontos – quase
o triplo da resolução dos headsets comuns.
O headset tem um processador M2, o
mesmo usado nos Macs, e o novo chip R1,
que processa os sinais das câmeras e do
sensor LiDAR. Eles geram um certo calor:
o Vision Pro esquenta um pouco durante o
uso, e solta ar morno por duas aberturas,
na parte de baixo.

O sOm
É gerado por dois micro-
falantes, um de cada lado.
Os sons parecem emanar
de pontos específicos do
ambiente, inclusive atrás
de você. O Vision Pro es-
caneia as suas orelhas e
hélice
calcula as reflexões que
as ondas sonoras fazem
ao bater nelas. Aí ele si- cimba
mula isso, gerando sons cruz
“pré-reverberados” que trago
enganam o cérebro (leia
mais na pág. 26).
concha
lóbulo

O ajuste
Basta girar esse botão para apertar ou afrou-
xar a banda que prende o Vision Pro à sua
cabeça. O headset do teste tinha também
uma segunda fita, que passa por cima da
cabeça (e não aparece nas fotos). A banda
e a peça da frente, que se encaixa ao rosto,
são de tecido – e removíveis para limpeza.

Os bOtões
São dois: o Top, à esquerda, que é usado
para tirar fotos e capturar vídeos 3D usando
o headset, e o Digital Crown, que tem duas
funções. Se você apertá-lo, volta para a
tela inicial do Vision Pro (e, se girá-lo, dá
zoom nas telas flutuantes e nos ambientes
virtuais mostrados pelo headset).
a bateria
Menor e mais grossa que um iPhone, fica
conectada ao headset por um cabo.Promete
autonomia de 2 horas. O Vision Pro também
pode ser utilizado por tempo ilimitado, ligado
à tomada – mas isso sempre é feito através da
bateria (ela tem uma entrada USB-C, à qual
você pluga um carregador Apple).

julho 2023 super 23

 O software
Sistema operacional visionOS
combina elementos familiares, do
iOS e do macOS, a uma interface 3D.

a tela inicial Duplo

Reúne os ícones dos principais Clique clique Segurar Arrastar
aplicativos e da App Store. Quando
você olha para um dos ícones, ele
salta levemente para a frente. Os
demais elementos da interface, Zoom Rotacionar
como os botões, também respon-
dem: adquirem um tom de cinza
ligeiramente mais escuro quando
você fixa o olhar neles.

as janelas
Flutuam na sua frente e projetam
sombras, como se fossem telas
de verdade. Você pode ter várias
abertas ao mesmo tempo, e re-
dimensionar, aproximar, afastar
ou mover cada uma para qualquer
ponto da sala, usando as mãos. Dá
para navegar na web, ler mensa-
gens e trabalhar em documentos.
Os gestOs
Depois de olhar para algum ele-
mento da interface, você usa as
mãos para selecioná-lo ou fazer
outra coisa com ele. O visionOS
reconhece seis gestos – mas, na
maior parte do tempo, você usa
apenas o clique simples e o arrastar.
É bem intuitivo: parece uma versão
“aérea” dos gestos que todo mundo
faz, hoje, nas telas dos smartphones.

Entre em nosso grupo noastelegram:

videOchamadas t.me/clubederevistas
O headset roda o aplicativo
FaceTime, do iPhone. A outra pes-
soa aparece numa janela flutuante.
Se o interlocutor também estiver
usando um Vision Pro, o sistema
operacional reconstrói a cabeça e o
tronco dele – que aparecem em 3D.
O resultado não é perfeito (lembra
um game), mas surpreende.

as gravações
Dá para filmar ou fotografar cenas
do dia a dia usando o Vision Pro
e depois assistir, em 3D, com o
headset. Os vídeos são quadrados
e têm resolução limitada, não
preenchem todo o campo de
visão. Mas o efeito impressiona:
é um jeito imersivo, e atraente, de
registrar momentos familiares.
Os ObjetOs
O Vision Pro é capaz de exibir
objetos tridimensionais integrados
ao ambiente. Eles têm profundida-
de, relevo e sombras realísticas, e
reagem aos seus gestos. Podem
ser estáticos ou em movimento,
e também aparecer combinados
a telas virtuais (2D ou 3D).

Os vídeOs
modo tela O Vision Pro reproduz conteúdo
de três formas: em um telão que
flutua na sua sala, num ambiente
virtual que simula um cinema, ou
no modo de realidade virtual, que
ocupa todo o seu campo de visão.
Isso depende do formato em que
modo RV cada vídeo foi gravado.

24 super julho 2023

a rodinha de ajuste, o que
coloca certa pressão na
testa. Ele também tem
uma tira superior, que
passa pela parte de cima
da cabeça (e não aparece
nas imagens divulgadas
pela Apple). Então não, o
Vision Pro não é milagro-
samente confortável. Mas
é muito melhor do que
os headsets tradicionais
– inclusive porque a parte
que fica apoiada na testa
não é de borracha, como
neles, mas de tecido.
Essa peça veda bem a
luz ambiente: assim que
coloco o Vision Pro, tu-
do fica completamente
escuro. Aperto o botão
da direita para ligá-lo e a
sala novamente “se acen-
de”: agora, nas telinhas do
headset. Aí, algo extraor-
dinário acontece.
Quando são ligados
pela primeira vez, os pro-
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
dutos da Apple exibem a
mesma mensagem: hello,
em letras manuscritas.
O Vision Pro também
– só que essa palavra é
um objeto, com aproxi-
madamente 1,5 metro de
largura. A palavra vai se
formando, como se escri-
ta por uma mão invisível,
e fica flutuando na sala.
E ela, eis a parte incrível,
realmente parece um ob-
jeto real: reflete perfeita-
mente a luz do ambiente,
que revela seu volume e
textura (um plástico liso)
Aperto um botão e a
sala se acende, agora nas
telas do headset. E algo
extraordinário acontece.
e projeta sua sombra no
chão. O objeto é estável,
sólido, “analógico” – não
parece algo gerado por
computador. É tão realista
que causa certa dissonân-
cia cognitiva: numa fração
de segundo, meu cérebro
me pergunta como um
objeto de plástico duro e
opaco, que parece pesado,
pode flutuar no ar.
A palavra some e inicio
o processo de calibração
do Vision Pro, movendo
os olhos e estendendo as
mãos à frente do corpo.
É rápido. Assim que ele
termina, aparecem os íco-
nes dos apps – e começo a
explorá-los. Vejo algumas
fotos, exibidas numa te-
la virtual cujo tamanho
e posição posso ajustar
com as mãos. Abro uma
imagem panorâmica, de
um bosque, que se ex-
pande até preencher todo
o meu campo de visão.
Acesso dois “vídeos es-
paciais”, que foram grava-
dos com o próprio Vision
Pro, em 3D. Eles têm uma
limitação de tamanho, e
só ocupam o centro do
campo de visão (o Vision
Pro escurece automati-
camente o entorno pa-
ra destacá-los). Os dois
vídeos – uma cena de
jovens acampando e uma
festinha infantil – revelam
uma imperfeição curiosa.
Movimentos rápidos, co-
mo as chamas da fogueira
e as mãos das crianças, têm
flicker: vibram um pouco,
como se o vídeo não con-
seguisse acompanhar sua
velocidade. Mas o efeito é
discreto – e o resultado
geral impressiona.
Começo a explorar as
funções de trabalho. Para
selecionar alguma coisa,
simplesmente olho para
ela; para clicar, toco o po-
legar e o indicador. Posso
aumentar ou diminuir as
janelas, ou colocá-las em
qualquer ponto da sala,
com gestos das mãos [ve-
ja no infográfico ao lado].
Todos os elementos, não
importa onde estejam,
sempre têm foco perfei-
to. Isso pode parecer um
detalhe banal, mas é uma
proeza tecnológica: os ou-
tros headsets de realidade
virtual só conseguem dar
foco total bem no meio do
campo de visão (tudo em
volta fica meio borrado).
Abro o navegador Sa-
fari, que flutua na minha
frente. A imagem é impe-
cável. Mesmo mexendo a
cabeça e a tela virtual, os
contornos das letrinhas
dos textos continuam
perfeitos, sem nenhum
“serrilhamento” (aliasing):
um efeito que é causado
pela falta de resolução, e
afeta todos os headsets
comuns. É que eles têm
O headset
tem uma tela
externa, que
exibe os olhos
do usuário.
Mas a Apple
não quis mos-
trá-la no teste.
7 a 8 megapixels – muito
aquém dos 23 megapixels
do Vision Pro.
Clico no app Mensa-
gens e, enquanto leio al-
gumas, recebo uma cha-
mada de vídeo. Aparece
a cabeça de uma moça,
renderizada em 3D de um
jeito estranho: parece um
personagem de videoga-
me, só que um pouco mais
real. Deve ser uma demo
gravada, penso. Mas ela
começa a conversar co-
migo: é uma pessoa da
Apple, que está ligando
de outro Vision Pro. Sua
cabeça aparece em 3D
porque foi escaneada, e
recriada em tempo real,
pelo aparelho. Simulamos
uma chamada de traba-
lho, em que a funcioná-
ria me mostra a maquete
3D de um apartamento.
O Vision Pro roda sozi-
nho, mas também pode
ser conectado sem fios
a um Mac (com mouse e
teclado, se você quiser).
Faço uma sessão de
meditação. O Vision Pro
escurece a imagem da sa-
la e no meio dela aparece
um objeto colorido, que
vai crescendo conforme
respiro, até se desfazer
em pétalas coloridas.
É legal, mas menos im-
pressionante que a pala-
vra hello (talvez porque ele
julho 2023 super 25
 seja desenhado “no escu-
ro”, e não interaja com a
luz da sala). Vejo um clipe
de Avatar 2 em uma tela
3D, que flutua na minha
frente. Com um clique, a
sala desaparece e agora
estou vendo o filme num
cinema virtual, num te-
lão com 30 m de largura.
O tamanho, a distância e
o ângulo da tela são con-
vincentes – o Vision Pro
só não desenha as cadei-
ras e as pessoas da plateia.
Os sons do filme vêm
de todas as direções, e
consigo discernir com
clareza cada uma. Mas
como o Vision Pro ge-
ra sons que parecem
estar atrás de mim, por
exemplo, se os alto-fa-
lantes dele [veja no info-
gráfico na pág. 23] ficam
na frente das orelhas?
Na natureza, quando
algum som chega até
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
você, as ondas sonoras
reverberam nas estrutu-
ras das suas orelhas an-
tes de entrar no ouvido.
Dependendo do ângulo
de que cada onda veio, ela
descreve uma trajetória
diferente na “concha” das
orelhas. Com isso, sua
frequência sonora sofre
uma alteração precisa –
que o cérebro reconhece,
e usa para determinar de
qual direção aquele som
veio. Um mecanismo ge-
nial, resultado de milhões
Com um clique, a sala
some – e agora o filme
roda num cinema
virtual, em um telão
com 30 m de largura.
26 super julho 2023
de anos de evolução – e
que o Vision Pro ex-
plora com inteligência.
Ele gera ondas sonoras
“pré-reverberadas”, que
enganam o cérebro. Por
isso precisei escanear
minhas orelhas – é pa-
ra que o headset saiba
como as ondas sonoras
refletem dentro delas,
e consiga simular isso.
O resultado é convin-
cente, porque o Vision
Pro também leva em
conta o formato e os
objetos da sala. Ele ana-
lisa o ambiente, usando
suas câmeras e o sensor
LiDAR [veja no infográfi-
co], e simula as reflexões
que sons “reais” teriam ao
se propagar pelo recinto.
Abro um clipe com
cenas de realidade virtu-
al gravadas em primeira
pessoa: estou escalando
uma montanha, assistindo
a uma cerimônia religiosa,
vendo um jogo de bas-
quete à beira da quadra.
As cenas, gravadas com
câmeras profissionais,
impressionam: numa de-
las, que se passa em um
estúdio, a cantora Alicia
Keys parece estar sentada
a apenas 20 cm de mim.
Fecho o app de vídeos,
e a sala reaparece. Abro o
último aplicativo, com o
ícone de um dinossauro.
A parede da sala se trans-
forma numa tela, perfeita, A resposta da Meta
A empresa de Mark Zuckerberg correu para apresentar seu novo
headset, o Quest 3, na antevéspera do anúncio da Apple. Mas o
produto, cuja data de lançamento ainda não foi divulgada, não é
um rival para o Vision Pro – sua resolução, 9 megapixels, é muito
menor (e o preço, US$ 499, também). Só que além da linha Quest,
que lidera o mercado de capacetes de realidade virtual nos EUA, a
empresa também está desenvolvendo modelos muito mais avançados.
Um deles, que ainda está na fase de protótipo (veja na foto acima),
promete “resolução retinal”: seria capaz de exibir gráficos totalmente
realistas, como o Vision Pro. E ir além. O headset, que deverá ser
mostrado na feira de computação Siggraph 2023, marcada para
agosto em Los Angeles, poderá ser o primeiro com lentes de “plano
focal variável”, que ajustam o foco dos objetos virtuais de acordo
com a distância em que eles estão. Isso reproduz o funcionamento
normal da visão humana (que desfoca naturalmente os elementos
mais distantes), e promete um grau de imersão ainda maior.
Foto Divulgação/Meta
 O Vision Pro terá
acesso aos serviços
Apple TV+ e Apple
Os objetos virtuais
Arcade, e sua própria
área na App Store
são sólidos, estáveis,
(à esq.); se alguém
vem falar com
você durante um
“analógicos”. Não
conteúdo imersivo,
a imagem se abre
parecem criados
automaticamente
para mostrar a pes-
soa (abaixo); na hora
em computador.
de trabalhar, dá para
usar teclado real ou
virtual (abaixo).
e nela aparece um dino.
Após alguns segundos, o
bicho sai da tela e dá dois
passos para dentro da sa-
la. Levanto e vou até ele:
que bate na altura do meu
ombro e é perfeitamente
sólido e real, de todos os
ângulos. Volto para o sofá,
e o dinossauro se vai. Sur-
ge uma borboleta, que voa
lenta e delicadamente pelo
recinto. Estendo o braço,
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
e ela pousa nas costas da
minha mão. Não sinto seu
toque, pois ela não existe;
fora isso, é uma borboleta
de verdade. Fim da demo.
Usar o Vision Pro é
uma experiência trans-
formadora. O equivalente
moderno ao que a plateia
dos irmãos Lumière deve
ter sentido ao ver a pri-
meira projeção de cine-
ma, na Paris de 1895. Mas,
além de um dinossauro, o
headset também tem
um “elefante na sala” –
um porém. E não é só
seu preço. É o conteúdo.
A Apple anunciou uma
parceria com a Disney,
que irá fazer produções
para o Vision Pro (quais,
ainda não se sabe). Ele
vai precisar de bastante
conteúdo para que as
pessoas se disponham a
comprá-lo. Só os filmes
dos serviços Apple TV+
e Disney+, e os games
do Apple Arcade (títulos
2D, mais simples), talvez
não sejam suficientes.
A Apple está apostando
nos desenvolvedores de
aplicativos, uma parceria
que deu muito certo no
iOS (a App Store movi-
menta US$ 1,1 trilhão por
ano, o equivalente à meta-
de do PIB brasileiro). Mas
fazer conteúdo de reali-
dade virtual é bem mais
difícil e caro do que criar
apps de celular. Além dis-
so, nos primeiros anos, a
criação de apps e “expe-
riências” para o Vision
Pro deverá dar prejuízo,
porque pouca gente terá o
headset. Mas, se ninguém
topar fazer, não haverá
conteúdo – e a base de
usuários não crescerá.
Trata-se de um ciclo que
se realimenta há tempos
no mundo da realida-
de virtual, impedindo
a popularização dessa
tecnologia; um proble-
ma que a indústria nunca
conseguiu superar.
Meio século atrás, o
escritor inglês Arthur
Clarke (autor de 2001)
cunhou uma frase lendá-
ria: “Qualquer tecnologia
suficientemente avançada
é indistinguível da magia”.
O Vision Pro tem mo-
mentos assim. Mas seus
truques virtuais não eli-
minam um fato concreto:
até a magia mais encanta-
dora precisa de mágicos
para executá-la. S
julho 2023 super 27
 biologia

A
nova história
Texto Reinaldo José Lopes
e Bruno Garattoni dos Ilustração Vinicius Capiotti
Design Luana Pillmann

NEANDERTAIS
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas

Eles inventaram as próprias técnicas e ferramentas. Sabiam

cozinhar, tinham rituais sociais, eram capazes de criatividade
artística. Trocaram conosco genes importantes; e não foram
extintos pelas nossas mãos. Conheça as descobertas científicas
que estão mudando a imagem dos neandertais – e revelando
que eles não foram os brutamontes que se imagina.

28 super julho 2023

Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas

julho 2023 super 29

 P
P OR quase um séculO, quando al-
guém pronunciava a palavra “neandertal”,
a imagem que vinha à cabeça da maio-
ria das pessoas era muito semelhante à
que apareceu pela primeira vez em um
desenho publicado em 1909, no sema-
nário francês L’Illustration. Assinada pelo
apesar de uma separação
evolutiva de algumas cen-
tenas de milhares de anos.
Foram alguns detalhes
sutis (não um extermínio,
como se acreditava) que
os fizeram desaparecer.
pintor tcheco Frantisek Kupka, que rece- E não sem antes que acon-
beu consultoria do paleontólogo francês tecessem diversos epi-
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
Marcelin Boule para o trabalho, a gravura sódios de miscigenação
mostra uma criatura que mais parece um mais inte- entre as espécies, fazendo
chimpanzé bípede. As pernas curtas es- ligentes com que fragmentos do
tão arqueadas; os dentes, arreganhados; e dotados genoma deles continuem
um dos punhos está cerrado, enquanto de armas se multiplicando nos cor-
a outra mão segura uma espécie de por- melhores, pos humanos até hoje.
os sapiens
rete. Dá para ver um crânio no chão de teriam var-
pedra, a poucos metros do neandertal. rido os ne-
Não há quase nada de humano nesse su- andertais
jeito. Boule e Kupka provavelmente iriam da europa
e da ásia.
querer arrancar os cabelos se soubessem, registros
A
como a ciência descobriria muito tempo fósseis, A primeira coisa que você
depois, que a grande maioria das pessoas e as precisa saber para entender
carrega um pouco de DNA desse trucu- primeiras a trajetória dos neandertais
lento homem-macaco. análises é que, no contexto geral da
de dna,
E a grande questão, claro, é que de pareciam evolução humana, a sepa-
homem-macaco os neandertais não ti- confirmar ração entre o nosso ramo
nham nada. Depois de passarem tanto isso. da árvore genealógica e o
tempo levando fama de brutamontes deles é muito recente. Tu-
das cavernas, os membros da espécie do indica que os primeiros
Homo neanderthalensis finalmente estão hominínios surgiram entre
sendo retratados com um pouco mais 6 e 7 milhões de anos atrás
de empatia e consideração. Isso graças a (o termo hominídeos, mais
uma avalanche de novas pesquisas, que tradicional, engloba tam-
têm encurtado cada vez mais o suposto bém chimpanzés e outros
abismo que separaria os seres humanos grandes macacos).
atuais dessa população da Era do Gelo. Durante a maior parte
Está cada vez mais claro que, em mui- do tempo, os hominínios
tos aspectos de seu comportamento e viveram na África. Há
capacidades mentais, os neandertais menos de 2 milhões de
eram basicamente gente como a gente, anos, quando já existia

30 super julho 2023

 o gênero Homo, ao qual
pertence a nossa espécie,
alguns desses ancestrais
começaram a se espalhar
para fora do continente
africano, colonizando boa
parte do Velho Mundo,
chegando à Europa e à
Ásia. Esse processo iria
se repetir pelo menos
mais duas vezes.
Na segunda grande on-
da migratória dos hominí-
nios, uma espécie que os
especialistas chamam de
Homo heidelbergensis se
dividiu em dois grandes
ramos, um africano e
outro “imigrante”. A hi-
pótese mais aceita hoje é
que os H. heidelbergensis
que ficaram na África
acabariam dando origem
ao chamado Homo sapiens
anatomicamente moder-
no (ou seja, nós), enquanto
os que se multiplicaram
na Europa seriam os ta-
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
taravôs dos neandertais.
Estimativas feitas
com base em fósseis e
no padrão de mutações
das “letras” químicas
do DNA indicam que
essa bifurcação (ou “di-
vergência”, como dizem
os biólogos) dos ramos
da árvore genealógica
teria acontecido entre
500 mil e 800 mil anos
atrás. Em escala evoluti-
va, é bem pouco tempo.
E não é só isso que
nos aproxima dos ne-
andertais. Antes da se-
paração das linhagens, o
Tudo apontava para
uma substituição
abrupta – em que os
sapiens teriam dizi-
mado os neandertais.
ancestral comum entre
as duas espécies já tinha
desenvolvido um cérebro
quase tão grande quan-
to o que temos hoje. Já
havia dominado o uso
do fogo, a confecção de
instrumentos de pedra
relativamente complexos
e provavelmente alguma
forma de fabricação de
vestuário, levando em
conta que o H. heidelber-
gensis já tinha colonizado
regiões de clima tempera-
do. (Isso porque esses ho-
minínios também já não
eram mais peludos como
os chimpanzés. Descul-
pa aí, seu Kupka.) Não é
pouca coisa – e tanto os
primeiros H. sapiens quan-
to os neandertais mais
antigos carregavam essa
mesma bagagem quan-
do começaram a trilhar
caminhos separados.
Mas, se a separação
é assim tão recente, e
se as pesquisas sobre o
nosso genoma demons-
traram que neandertais
e H. sapiens podiam ge-
rar descendentes férteis
(algo que normalmente
não é possível em cru-
zamentos interespécies),
por que diabos se con-
solidou a ideia de que
são duas espécies dife-
rentes? Grosso modo,
porque a separação foi
longa o suficiente para
criar diferenças genéti-
cas marcantes entre es-
sas duas populações de
julho 2023 super 31
 A química neandertal
Eles inventaram um método para produzir piche – e, afir-
ma um novo estudo, fizeram isso antes do Homo sapiens.

1. a substância
Cientistas da Universidade de Tubingen, na Alemanha,
analisaram resíduos químicos encontrados em dois
fragmentos de ferramentas neandertais. Detectaram
4 miligramas de piche – ele era usado como cola, para
construir ferramentas feitas de madeira, pedra e osso.

Amostra 1 Amostra 2

hominínios, e também algum grau de vínculo

houve um isolamento
reprodutivo conside-
rável, com centenas de
milhares de anos sem
cruzamentos entre elas.
Coisas assim aconte-
1 cm
cem o tempo todo na na-
tureza. Veja, por exemplo,
o caso dos ursos-polares
e dos ursos-pardos. Ba-
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
2. Os testes
Os pesquisadores analisaram quimicamente as amostras tendo o olho, eles pare-
de piche. Em seguida, testaram cinco métodos de produzir cem bem diferentes. São
esse material (veja abaixo). Descobriram que os neandertais duas espécies separadas.
usaram a mais complexa e eficiente, em que a madeira Mas podem cruzar entre
é parcialmente enterrada antes da queima – a restrição si e gerar descendentes
de oxigênio deixa o piche mais concentrado.
férteis, ainda que isso
não seja comum. E tudo
indica que, assim como os
neandertais e o H. sapiens,
essas duas espécies de ur-
so se separaram há rela-
Queima ao ar livre tivamente pouco tempo
(cerca de 500 mil anos).
Ou seja: duas popula-
ções de animais podem
ser de espécies separadas,
e mesmo assim manter
genético – em certos ca-
sos, o suficiente para ge-
rar descendentes férteis.
Vários elementos ex-
plicam por que a repu-
tação dos neandertais só
começou a melhorar para
valer nos últimos anos.
O primeiro é a visão um
tanto distorcida sobre
a origem do próprio H.
sapiens que prevaleceu
até pouco tempo atrás.
E isso não dependia só do
preconceito do começo do
século 20. Alguns estudos
bem mais modernos tam-
bém pareciam retratar o
H. neanderthalensis como
uma espécie “obsoleta”:
muito inferior aos seres
humanos de anatomia
moderna no que diz
respeito à inteligência e
complexidade do com-
portamento. Por um lon-
go período, os neandertais

Cobertura com folhas Cobertura com pedras

Os neandertais
criaram uma técni-
ca sofisticada para
produzir piche – que
usavam na confecção
Privação de oxigênio Madeira enterrada
de ferramentas.
Fonte Production method of the Königsaue birch tar documents cumulative
culture in Neanderthals. P Schmidt e outros, 2023.

32 super julho 2023

 foram considerados an-
cestrais dos sapiens.
Mas a partir dos anos
1980, quando os estudos
sobre o genoma humano
começaram a decolar, ga-
nhou força a hipótese de
que a nossa espécie teria
tido uma origem recente,
na África. Os dados de
DNA foram combinados
com análises de fósseis,
que mostraram duas coi-
sas: 1) era fácil diferenciar
esqueletos antigos de ne-
andertais e de H. sapiens,
pois eles tinham anatomia
bem diferente um do ou-
tro; 2) não havia qualquer
indício de que, na Europa
e na Ásia, os neandertais a ciência
tivessem dado origem acreditava
aos humanos modernos. que os ne-
Em vez disso, parecia ter andertais
tivessem
acontecido uma substitui- uma dieta
ção meio abrupta de um bem menos
grupo pelo outro. variada
Tudo indicava que nos- que a dos
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
sos ancestrais basicamente mas sapiens.
novos
tinham varrido os nean- estudos
dertais do Velho Mun- revelaram
do, sem deixar vestígios. que a ali-
Quando pesquisadores mentação
deles era
como o sueco Svante quase tão
Pääbo começaram a do- rica quanto
minar técnicas para obter a nossa.
fragmentos de DNA nean-
dertal, nos anos 1990, es-
sa tese ganhou mais força.
Pääbo, que hoje trabalha
no Instituto Max Planck
de Antropologia Evolutiva,
na Alemanha, conseguiu
“ler” trechos do mtD-
NA (DNA mitocondrial)
dos neandertais.
Esse tipo de material
genético só está presen-
te nas mitocôndrias, as
usinas de energia das
células, e é transmitido
apenas pelo lado materno.
Ou seja, o seu mtDNA é
igual (ou quase igual, caso
venha a sofrer mutações)
ao da sua mãe. Acontece
que o mtDNA tipicamen-
te neandertal não apare-
cia em nenhuma pessoa
viva hoje – um dado que
ainda se mantém. Aí o
especialista sueco e seus
colegas propuseram, com
base nisso, que os nean-
dertais não tinham deixa-
do nenhum descendente.
Além de todos esses
dados, os estudos sobre
a cultura dos primeiros
H. sapiens europeus pa-
reciam indicar que eles
estavam anos-luz à fren-
te dos neandertais em
quase todos os aspectos.
Enquanto os neandertais
pareciam ser estritamen-
te carnívoros caçadores
de grandes animais, os
primeiros humanos mo-
dernos teriam uma dieta
muito mais diversificada,
capturando pequenos
mamíferos, aves, peixes,
coletando ovos e vegetais.
As ferramentas dos
H. sapiens seriam bem
mais sofisticadas, incor-
porando várias peque-
nas lâminas de pedra e
também aproveitando
matérias-primas como
osso, marfim, conchas e
madeira. E, o que talvez
fosse o mais importante,
só os humanos de anato-
mia moderna teriam de-
senvolvido formas de arte
e simbolismo, fazendo
pinturas deslumbrantes
em cavernas, esculpin-
do pequenas estatuetas,
marcando a rocha com o
contorno de suas mãos,
enfeitando-se com pin-
tura corporal e colares
e criando algo muito
parecido com os rituais
xamânicos dos povos
indígenas de hoje.
Surgiu a hipótese
de que tudo isso teria
aparecido de forma re-
lativamente rápida na
linhagem da nossa espé-
cie, numa espécie de “Big
Bang cognitivo" há cerca
de 50 mil anos. Segundo
julho 2023 super 33
 essa ideia, algum tipo de alteração ge- 2% do DNA humano mo-
nética teria reorganizado o cérebro dos derno, com alguma varia-
H. sapiens – enquanto os neandertais, ção entre grupos – acredi-
sem um salto evolutivo similar, teriam ta-se que a “porcentagem
ficado para trás. neandertal” seja um tiqui-
Muito mais criativos e versáteis, os H. nho maior nos povos do
sapiens teriam empurrado os neander- leste da Ásia, por exemplo.
tais rumo à extinção, competindo por Outro estudo, feito em
recursos com eles ou mesmo por meio 2020, também mostrou
do confronto direto. E isso, de acordo que mesmo grupos africa-
com a tese, explicaria a total ausência nos atuais, de países como
de mtDNA neandertal nas pessoas de Quênia, Gâmbia e Nigéria,
hoje. No fundo, diziam os defensores carregam cerca de 0,5%
da ideia, os neandertais seriam só de DNA neandertal 2.
uma espécie particularmente versátil Provavelmente, devido a
e habilidosa de primata – e apenas os fatores como migrações
H. sapiens poderiam ser considerados “de retorno”, com grupos
plenamente humanos. da Eurásia que voltaram
para a África, ao longo
das últimas dezenas de

M milhares de anos.
A análise genética dos
um sapiens neandertais e sua com-
Mas alguns pesquisadores nunca en- que viveu
há 40 mil
paração com o DNA dos
goliram esse contraste tão forte entre anos tinha humanos modernos suge-
as duas espécies. E, ironicamente, o 10% de DNA rem que as duas espécies
jogo começou a virar graças, em parte, neandertal cruzaram diversas vezes,
aos estudos sobre paleogenética – os (cinco ve- mas nem sempre com os
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
zes mais do
mesmos que, de início, pareciam ter que hoje). mesmos resultados. Os
lançado uma pá de cal sobre a repu- Ou seja, encontros mais antigos
tação dos neandertais. Ocorre que o o legado teriam ocorrido cerca de
DNA mitocondrial é, na verdade, um genético da 70 mil anos atrás, no atual
pedaço minúsculo de material genético espécie foi Oriente Médio – antes de
se diluindo
perto do tamanho do genoma humano ao longo do o Homo sapiens começar
propriamente dito, que fica armazenado tempo. Mas sua grande dispersão pe-
no núcleo das células. O genoma inteiro ele ainda é lo mundo. É por isso que
tem 3 bilhões de pares de “letras” de perceptível. tantas etnias humanas
DNA, enquanto o mtDNA soma apenas carregam um pouco de
16.500 pares (mais ou menos o equi- DNA neandertal: ele foi
valente, em caracteres, a uma matéria inserido no nosso geno-
de capa da Super). Isso significa que a ma antes mesmo que os
informação presente no mtDNA conta grupos de sapiens se se-
uma parte muito pequena da história parassem e começassem
evolutiva de uma espécie. a formar povos distintos.
Com o avanço da tecnologia de Os restos mortais de
obtenção e análise de DNA antigo, a um Homo sapiens que
equipe de Svante Pääbo, ao lado de co- viveu há cerca de 40 mil
legas americanos, finalmente conseguiu anos, na atual Romênia,
montar o primeiro rascunho 1 do ge- revelaram que ele tinha
noma neandertal completo em 2010. E 10% de sequências gené-
aí veio a surpresa: a herança genética ticas vindas dos neander-
neandertal estava presente, de forma tais. É bem mais do que
significativa, nas populações moder- hoje, e compatível com
nas de origem não africana – ou seja, um “evento de hibridi-
todos os europeus, asiáticos, nativos da zação” de quatro a seis
Oceania e das Américas carregam um gerações antes – ou seja,
pouco de DNA neandertal. o sujeito pode ter tido um
As estimativas mais recentes indicam bisavô ou tataravô que era
que essa contribuição gire em torno de H. neanderthalensis.

Fontes (1) A draft sequence of the Neandertal genome. S Paabo e outros, 2010. (2) Identifying and
34 super julho 2023 Interpreting Apparent Neanderthal Ancestry in African Individuals. J Akey e outros, 2020.
 A herança genética
Uma série de estudos revelou que os humanos modernos
carregam várias mutações vindas dos neandertais – que
influenciam mais de 20 características do organismo.

1. Os geNes
Os humanos modernos possuem um pouquinho de DNA
neandertal: 2% do genoma, em média (os povos asiáticos e
europeus são os que mais têm genes neandertais; os africanos
são os que têm menos, cerca de 0,5%). Esses genes estão
distribuídos por todos os cromossomos, e têm relação com
certas características físicas.

Cromossomos
Mutações de origem neandertal

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22

2. Os efeitOs
Os genes neandertais se misturaram aos nossos por meio
de “hibridação introgressiva”: cruzamentos entre nós e eles,
a partir de 70 mil anos atrás. Isso turbinou nosso sistema
imunológico, mas também gerou propensão a certas doenças.

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GEnE CoM MUtação nEandErtal
Característica correspondente

znf778
Relacionado ao autismo

nsd1
Altura
atf3
Formato do nariz
fanCa
Propensão à anemia

stat2
Resistência
natural a vírus

CoQ10a
Altura e nível de
plaquetas no sangue

akr1C4
Metabolismo e nível tlr1, tlr6 e tlr10
de triglicérides no Resistência a
sangue bactérias e fungos
Cerca de
2% do DNA
humano
veio dos CCdC8 fCGr2a
neander-
Autodestruição celular Regulação imunológica
tais. Isso
inclui genes (é uma proteção anticâncer) (a mutação pode causar artrite)
que nos
legaram
caracte-
rísticas
positivas
e negativas. Fontes The lingering effects of Neanderthal introgression on human complex traits. X Wei e outros,
2023. Automatic landmarking identifies new loci associated with face morphology and implicates
Neanderthal introgression in human nasal shape. A Ruiz-Linares e outros, 2023. Genomic Signatures
of Selective Pressures and Introgression from Archaic Hominins at Human Innate Immunity Genes. M
Deschamps e outros, 2016. Introgression of Neandertal- and Denisovan-like Haplotypes Contributes to
Adaptive Variation in Human Toll-like Receptors. J Kelso e outros, 2016.

julho 2023 super 35

 Os “minicérebros" neandertais
Cientistas cultivaram e modificaram neurônios humanos para simular os da outra espécie.

Os minicérebros, ou organoides cerebrais, são agrupamentos celulares cultivados em

laboratório. Você pega células-tronco, que têm a capacidade de se tornar qualquer tipo
de célula, e as induz a se transformarem em neurônios (ou em outras células cerebrais, como as
gliais, que fornecem nutrientes aos neurônios). A técnica serve para estudar o desenvolvimento
e a interação das estruturas cerebrais. Em 2021, a equipe do biólogo brasileiro Alyson Muotri, que
trabalha na Universidade da Califórnia (San Diego), deu um passo além: criou minicérebros e alterou
um gene de suas células, o NOVA1 – para que ele ficasse igual à versão presente nos neandertais.
Isso teve consequências profundas: a edição do NOVA1 acabou desencadeando mudanças na
atividade de 277 outros genes. O organoide neandertal cresceu menos, e em ritmo mais lento,
do que os minicérebros feitos com células humanas – indicando que determinadas mutações no
NOVA1 (que nós possuímos, mas os neandertais não) podem estar diretamente relacionadas à
evolução cognitiva do Homo sapiens. (BG)

Também houve transferência ge- Antropologia Evoluti-

nética na direção inversa, de nós para va mostraram, em dois
eles. Outro estudo, de 2020, revelou estudos independentes
uma miscigenação que teria levado o 4, que os genes TLR1,
cromossomo Y (que define a masculini- TLR6 e TLR10, que con-
dade e é transferido de pai para filho) de ferem essa resistência,
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
H. sapiens muito antigos para a população são especialmente co-
neandertal cerca de 100 mil anos atrás muns em europeus e
3. Isso significa que sapiens machos co- asiáticos – e, eis aqui o
meçaram a ter filhos com neandertais pulo do gato, batem com
fêmeas. E aconteceu bastante – tanto que, as versões encontradas
a partir daí, o cromossomo Y dos Homo Os sapiens no genoma neandertal.
sapiens se tornou predominante entre as evoluiram Do ponto de vista
populações neandertais. durante evolutivo, isso faz todo
Mas a troca genética entre as duas um perí- o sentido. Como os ne-
espécies nem sempre foi tão fluida. Há odo mais andertais já viviam na
extenso
alguns indícios de que, no começo, os do que se Eurásia por centenas de
dois genomas não “conversavam” com acreditava. milhares de anos antes
facilidade – e, como consequência, os e há da chegada dos H. sapiens
híbridos de sapiens e neandertais eram indícios africanos, eles já tinham
pouco férteis. Isso, na verdade, é o espe- aodemesmo
que,
tido tempo de desenvol-
rado, porque o longo tempo de separação tempo, um ver defesas imunológicas
faz com que cada espécie adquira um processo contra os micróbios exis-
padrão próprio de mutações, que nunca similar tentes por lá. Quando as
vai bater totalmente com o da outra. acontecia duas espécies passaram a
com os ne-
Além disso, alguns estudos indicam andertais. conviver e se reproduzir
que certos problemas genéticos dos entre si, os descendentes
O cérebro
humanos atuais, como a propensão a herdavam essa proteção neandertal
desenvolver anemia ou doenças au- – a seleção natural favo- aparen-
toimunes como a artrite, podem ser receu a miscigenação. temente
tinha
o efeito de fragmentos genéticos her- Outro aspecto que nos habilidades
dados dos neandertais [veja infográfico aproxima dos neander- linguísti-
na pág. 35]. Mas nossa espécie também tais diz respeito ao Big cas. Mas
o grau de
herdou deles coisas positivas, como Bang cognitivo dos Ho- sofisticação
alguma resistência natural a bacté- mo sapiens (que citamos delas ainda
é incerto.
rias e fungos. Cientistas do Instituto agora há pouco). Essa
Pasteur e do Instituto Max Planck de suposta transformação

36 super julho 2023

 explosiva de 50 mil anos
atrás na verdade parece
ter sido um processo
muito mais lento, cujos
primeiros sinais apare-
cem há mais de 100 mil
anos – quando os sapiens
passam a adotar, aos pou-
cos, comportamentos
como o uso do mineral
ocre para pintar o corpo,
a produção de desenhos
geométricos abstratos e
a fabricação de colares
feitos com conchas.
E há pistas cada vez
mais fortes de que algo
parecido também estava
acontecendo, de forma in-
dependente, entre os nean-
dertais europeus. Algumas
das mais importantes vêm
do trabalho de João Zilhão,
arqueólogo da Universida-
de de Lisboa e conhecido
defensor da tese da com-
plexidade neandertal (mes-
mo quando muita gente
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas debochava deles). Zilhão e
seus colegas encontraram,
em quatro sítios arqueoló-
gicos da Espanha, evidên-
cias de que os neandertais
também faziam desenhos
geométricos e adornavam
seu corpo com pinturas e
colares, entre 115 mil e 65
mil anos atrás. Essas datas
são muito anteriores à che-
gada dos H. sapiens à Euro-
pa Ocidental, algo que só
foi ocorrer cerca de 20 mil
anos depois. Ou seja: eles
não estavam nos imitando.
Os neandertais
tinham um gene, o
FOXP2, que também
existe nos humanos –
e está ligado ao surgi-
mento da linguagem.
Fontes (3) The evolutionary history of Neanderthal and Denisovan Y chromosomes. M Petr e outros, 2020. (4) Genomic
Signatures of Selective Pressures and Introgression from Archaic Hominins at Human Innate Immunity Genes. M Deschamps
e outros, 2016. Introgression of Neandertal- and Denisovan-like Haplotypes Contributes to Adaptive Variation in Human
Toll-like Receptors. J Kelso e outros, 2016.
Criaram essas coisas por
conta própria.
Os achados incluem
conchinhas perfuradas
(para formar algum tipo
de penduricalho), dese-
nhos geométricos que
lembram uma escada e
o contorno de uma mão
feito com tinta. “As pri-
meiras formas de repre-
sentação material de sím-
bolos talvez tenham sido
de tipo abstrato ou geo-
métrico”, afirma Zilhão.
Os neandertais também
dominavam técnicas re-
lativamente sofisticadas,
como a produção de piche
com restrição de oxigênio
[veja infográfico na pág. 32].
O pesquisador portu-
guês defende a tese de que
o H. neanderthalensis tinha
uma capacidade mais ou
menos equivalente à nos-
sa de criar uma linguagem
complexa, a qual serviria,
inclusive, para comunicar
os significados dos dese-
nhos que faziam. De fato,
até onde sabemos, a ana-
tomia e o cérebro deles
não tinham nenhuma
“peça faltando” para que
isso fosse possível. Os
neandertais possuíam um
gene, chamado FOXP2,
que também está presente
nos humanos modernos
– e está relacionado ao
surgimento de capacida-
des linguísticas. Mas sua
efetiva habilidade verbal
julho 2023 super 37
 ainda é incerta – alguns
pesquisadores defendem
a tese de que eles tinham
uma “protolinguagem”,
muito mais primitiva que
a dos sapiens.
Já no que diz respeito
à alimentação, a distância
parece ser bem menor:
uma série de estudos tem
demonstrado que a dieta
dos neandertais podia ser
tão diversificada e nutri-
tiva quanto a dos sapiens,
inclusive incorporando
elementos marinhos e
fluviais, como peixes,
pequenos cetáceos (gol-
finhos e toninhas) e focas.
Dados publicados no ano
passado sobre Shanidar,
um sítio arqueológico
do Iraque, revelaram 5
que havia até uma com-
binação de leguminosas
e gramíneas na dieta dos
neandertais de 70 mil
anos atrás. Seria algo co-
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
mo comer trigo com len-
tilha, ou arroz com feijão.
E, claro, cozinhando tudo
isso – já está confirmado
que os neandertais eram
tão capazes de usar o fogo
para cozinhar e se aque-
cer quanto nós.
Também há boas ra-
zões para acreditar que
esse “empate técnico”
entre os neandertais e a
nossa espécie se estenda
a um comportamento
mais complexo: a forma
de encarar a morte.
Neandertais e
humanos se cruzaram
diversas vezes. E eles
podem ter desapare-
cido não por violência
– mas pela biologia.
38 super julho 2023
D
Durante muito tempo, os
céticos apontavam a falta
de evidências claras de se-
pultamentos neandertais
como um sinal de que eles As duas
espécies
não tinham uma relação tiveram os
com seus mortos seme- primeiros
lhante à nossa. Esse argu- filhos em
conjunto
mento, no entanto, ignora 70 mil
o fato de que, pelo menos anos atrás,
na região
até uns 20 mil anos atrás, do atual
enterrar os mortos pare- Oriente
ce ter sido um compor- Médio.
tamento relativamente
incomum mesmo no caso
do Homo sapiens.
Além disso, ainda hoje
a diversidade de procedi-
mentos adotados após a
morte de um ente querido
nas culturas mundo afora
é enorme, aponta a arque-
óloga britânica Rebecca
Wragg Sykes, autora do
livro Kindred (“Aparen-
tados”; não lançado no
Brasil), que sintetiza os
novos conhecimentos so-
bre os neandertais. Sykes
afirma que alguns cadáve-
res de neandertais, como
bebês cujo esqueleto foi
muito bem preservado,
provavelmente foram
enterrados. Outros cor-
pos da espécie, no entan-
to, foram cuidadosamente
desmembrados com ins-
trumentos de pedra, mas
Fontes (5) Cooking in caves: Palaeolithic carbonised plant food remains from Franchthi and Shanidar. C Kabucku
e outros, 2022. (6) Optimal linear estimation models predict 1400–2900 years of overlap between Homo sapiens
and Neandertals prior to their disappearance from France and northern Spain. I Djokovic e outros, 2022.
 não consumidos como carne, além de duas regiões analisadas, e
receberem marcas misteriosas que não por um longo período: até
têm a ver com o uso culinário. Segundo 2.900 anos.
ela, isso poderia indicar a presença de Não há nenhum sinal
rituais funerários complexos. de que os neandertais
Sykes também destaca o respeito que tenham sido extintos
os neandertais parecem ter dedicado aos por uma grande ofensiva
membros mais frágeis de suas comunida- sapiens. É mais provável
des. Existem vários exemplos de indiví- que pequenas diferenças
duos idosos, ou com deficiências físicas e na capacidade de sobrevi-
talvez cognitivas severas, os quais, mesmo ver a extremos de clima,
assim, sobreviveram durante anos. É um a variabilidade genética
sinal claro de que recebiam alimentação e, talvez, uma habilidade
e cuidados por parte de neandertais mais maior em montar cone-
jovens e saudáveis. xões de longa distância
Apesar de tantas semelhanças, o fato entre populações e se re-
é que, a partir de 40 mil anos atrás, os produzir, tenham pesado
neandertais deixam de existir. Os fatores a nosso favor.
que levaram a isso ainda estão longe de Para João Zilhão, ficar
ser elucidados. Mas o que já pode ser obcecado com os “defei-
descartado é algum tipo de grande guer- tos” que teriam levado
ra genocida entre as espécies. Primeiro, ao fim dos neandertais
nem neandertais nem H. sapiens forma- – afinal, qual era o calca-
vam dois grandes blocos coesos. Havia nhar-de-aquiles deles? –
uma infinidade de pequenos grupos de Os sapiens não passa de preconceito.
caçadores-coletores, cada um tentando transfe- “Também desapareceram
sobreviver à sua própria maneira. Além riram seu os vikings da Groenlân-
cromosso-
disso, existe um único caso com registro mo Y – que dia, alguns nativos da
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fóssil – ainda não totalmente comprova- determina Terra do Fogo, para não
do – de um neandertal que talvez tenha as carac- falar do que os madei-
sido atacado por um humano moderno. terísticas reiros e garimpeiros da
O desaparecimento dos neandertais masculinas Amazônia vêm fazen-
– para os
pode ter acontecido não por violência, neander- do com as populações
mas por outros fatores – e há pistas dis- tais. E ele indígenas”, compara o
so nas análises de DNA. “Esses estudos se tornou pesquisador português.
mostram de maneira bastante convin- dominante. “Isso aconteceu porque
cente que, de forma geral, os neandertais esses povos eram ou são
viviam em populações menores, com cognitivamente inferio-
menos diversidade genética [que as dos res?", questiona, de forma
sapiens]”, diz Igor Djakovic, especialista da retórica, o pesquisador.
Universidade de Leiden, na Holanda. Essa É obvio que não. Não é
menor diversidade pode ter deixado os essa a chave para enten-
neandertais mais vulneráveis a novos pa- der a história, e o destino,
tógenos – e contribuído para dizimá-los. dos neandertais.
Djakovic é autor de um estudo 6, A ciência ainda fará
publicado no ano passado, que apontou muitas descobertas so-
mais uma prova da coexistência prolon- bre eles. Não todas, claro:
gada entre sapiens e neandertais. O cien- certas coisas só seriam
tista analisou fósseis das duas espécies, reveladas pela observa-
encontrados na França e na Espanha, ção direta dos hábitos, da
e mediu a quantidade de carbono-14 cultura e da inteligência
presente neles. de neandertais vivos.
Esse isótopo do carbono decai natu- Mas, se for para apos-
ralmente com o tempo, e funciona como tar, uma hipótese parece
uma espécie de relógio: medindo a quan- segura: seria possível re-
tidade de C-14 presente nos fósseis, você conhecer muito do que
consegue determinar de qual época eles prezamos como humano,
são. O teste mostrou que sapiens e ne- só nosso, também nos
andertais viveram ao mesmo tempo nas rostos deles. S

julho 2023 super 39

 quíMica

A etimologia DOS Texto Maria Clara Rossini

eleMentos QuíM LEGENDA: homenagem a pessoas local de descoberta

referência a alguma característica do elemento
deriva do nome de um minério ou composto
referência à mitologia outros

Hidrogênio
Do grego hidro Carbono
genes, “fazer água”.
Descrito e batizado Berílio Do latim carbo, “carvão”. Em
por Henry Caven- protoindo-europeu, língua que
Do grego beryl,
dish no século 18. nome dado ao
deu origem ao latim, o verbo
Ele percebeu que a kehr significava “queimar”.
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combustão (reação
mineral que contém
berílio e alumínio.
com O2) do gás 1 A esmeralda, por
hidrogênio (H) gera exemplo, é uma
água (H2O). Boro

H
variedade dele.
Do árabe buraq, palavra usada
para se referir ao mineral borato
de sódio (bórax), que tem várias
Lítio Magnésio aplicações: de produtos de
Encontrado original- limpeza e higiene a emulsões
Do grego lithos, 3 4 mente na região de usadas por físicos de partículas.
“pedra”. No século
Magnésia, na Grécia.
18, Johan August
Arfvedson fazia
experimentos com
rochas de petalita e
deduziu que haveria
Li Be Acreditava-se que
o magnésio e o
manganês eram
variações da mesma
substância – ambas Alumínio
um novo metal ali.
chamadas magnesia.
Hoje sabemos que 11 12 No século 18, des-
Do latim alumen, “sal amargo”.
o elemento pode O sal em questão é o sulfato de
cobriu-se que eram

Na Mg
ser encontrado alumínio e potássio, usado até
elementos distintos,
em vários lugares, hoje no tratamento de água e
que acabaram com
de vegetais até o em emulsões fotográficas.
nomes semelhantes.
sangue humano.

POSIÇÃO NA TABELA
Sódio
Do inglês soda, nome popular
do bicarbonato de sódio, que
vem do italiano sida, planta
que, queimada, gera bicarbo-
nato. “Na” é de natron, palavra
egípcia para carbonatos de só-
dio usados em mumificações.
Silício
Do latim silex, nome usado para
se referir a um tipo de rocha
sedimentar onde o elemento é
encontrado. Uma curiosidade
é que, em inglês, essa rocha
é chamada flintstone – e deu
nome ao desenho animado
Flintstones nos anos 1960.

40 super JUlHO 2023

 Design Caroline Aranha
uíMicos
não metais Metais alcalinos
Gases nobres Metais alcalino-terrosos
Nitrogênio
Do grego nitro e genes, que sig-
nifica “fazer salitre” – o mineral
de nitrato de potássio. Lavoisier
queria nomeá-lo azote (“sem
vida”), em oposição ao oxigênio,
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essencial para a vida. “Azida de
sódio” é o nome do composto
com nitrogênio que desencadeia
o enchimento de airbags.
5 6
B C
13 14
Al Si
Fósforo
Do grego phosphorus, “trazer
luz”. Ele brilha no escuro e é
inflamável em temperaturas su-
periores a 30°C. Phosphorus é o
antigo nome do planeta Vênus,
visível logo antes do amanhecer.
Foi muito usado no século 20
em bombas e granadas.
Edição Bruno Vaiano Magnésio e manganês tinham o mesmo
nome até o século 18. Cobalto e níquel se
referem a demônios alemães. E “neônio”
foi sugestão de uma criança. Saiba como
surgiram as denominações dos 118
elementos da tabela periódica – e o que
seus batismos contam sobre eles.
semimetais outros metais lantanídeos
halogênios Metais de transição actinídios
Hélio
Homenagem ao deus grego
Oxigênio Hélios, personificação do Sol. A
Do grego oxy genes, estrela é 25% hélio. Descoberto
“fazer ácido”. por astrônomos que notaram
Quando descobriu
Flúor luz solar de um certo compri-
o elemento, La- Deriva da fluorita, mento de onda sendo emitida
voisier acreditava mineral composto por um elemento desconhecido.
que o oxigênio
era o principal
por fluoreto de
cálcio. O nome do 2
componente de mineral, por sua
todos os ácidos. vez, vem do latim
Logo percebeu que
estava errado, mas
o nome ficou.
fluore, “fluir”, já que
ele derrete facil-
mente no forno. He Neônio
Do grego neos,
7 8 9 10 “novo”. O nome foi
escolhido por um
N O F Ne
garoto de 13 anos
de idade, que en-
trou no laboratório
no momento em
que o pai, William
Ramsay, estava pro-
15 16 17 18 duzindo o gás. Ele
sugeriu a ideia pois
P S Cl Ar se tratava de uma
nova descoberta.
Argônio
Enxofre Cloro Do grego argos, que significa
Do árabe as-sufr, Deriva do grego “inativo”, “inútil” ou até “pre-
derivado do sânscrito chlorós, que guiçoso”. Nome escolhido pela
sulvere, de origem significa “verde baixa reatividade com outros
incerta. Em latim, amarelado”. Essa elementos, típica de gás nobre.
sulphur, que gerou o é a cor do gás
nome em inglês. cloro (Cl2).
JUlHO 2023 super 41
 Potássio Escândio Manganês
Do inglês potash, que se Escandinávia, região da Europa.
Titânio Vanádio Cromo Achado na região
refere a sais que contêm de Magnésia, na
Homenagem a
hidróxido de potássio. No Referência De chroma, Grécia. Acredita-
Vanadis (também
século 18, eles eram produ- Cálcio aos titãs da chamada Freyja), “cor”, devido às va-se que o magné-
zidos a partir de cinzas de mitologia grega, cores variadas sio e o manganês
Do latim calx, que se deusa nórdica do
árvores (ash) mergulhadas filhos da deusa amor, beleza e da de compostos eram variações da
em potes de água (pot). refere à cal usada para fazer mesma substância.
da Terra, Gaia. fertilidade. de cromo.
argamassa.

Gálio 19 20 21 22 23 24

K Ca Sc Ti V Cr
Encontrado na
Gália (França).

Germânio
Alemanha
31 32 33 34 35 36
(Germânia), onde
o elemento foi
descoberto.

Ródio
Ga Ge As Se Br Kr
Do grego
rhodon, “rosa”,
devido à cor dos Arsênio Bromo Criptônio
sais de ródio.
Do persa zarnikh, um mine- Selênio Do grego bromos, que Vem do grego krypton, “es-
ral usado como pigmento significa “fedido”, graças condido”, pois seu gás não
Selene, personi- a seu odor... fedido, oras. tem cor, cheiro ou gosto.
Rutênio amarelo, de fórmula As2S3.
ficação grega da
Entre em nosso grupo no telegram:
Encontrado na
Ruthenia, antigo
Pratat.me/clubederevistas
Paládio
Cádmio
Lua. Inicialmente
foi confundido
nome das terras Referência à deusa Pallas Ate- com o telúrio Do latim vulgar platta,
na – que batizou o asteroide (52), cujo nome que significa “achatado” Deriva de “calamina”, um mi-
da Rússia.
Pallas, observado pouco antes faz referência e se referia à facilidade de nério de zinco que também
da descoberta do elemento. à Terra. moldar o material. contém cádmio.
Tecnécio
Do grego technetos, 43 44 45 46 47 48
que nesse contexto
significa “artificial”.
Foi o primeiro ele-
mento produzido
artificialmente,
em 1937.
Tc Ru Rh Pd Ag Cd
55 56 57 58 59 60
Césio
Do grego cae-
sium, “azul-céu”,
devido à cor da
luz que emite na
Cs Ba La Ce Pr Nd
espectrografia.

POSIÇÃO NA TABELA
Bário Lantânio Cério Praseodímio
Do grego barys: Do grego lanthá- Referência ao
e Neodímio
“pesado”. Um nein: “oculto” planeta anão Do grego dydimos: “gêmeo”. Em
professor sugeriu ou “latente”. Foi Ceres – que 1841, um elemento foi nomea-
que Humphry Davy, descoberto por também é do dídimo pois era encontrado
descobridor do acidente durante o nome da junto do lantânio (portanto,
elemento, trocasse um experimento, deusa grega da seu gêmeo). Hoje, sabe-se
o nome para plutô- e por isso recebeu agricultura. que eram dois elementos, que
nio. Davy recusou a o nome. receberam os prefixos prasios
sugestão. (“verde”) e neo (“novo”).

42 super JUlHO 2023

Ferro Cobalto Níquel Cobre
Do latim ferrum, Do alemão kobold: goblin. Diz o Do alemão kupfernickel, que sig- Do latim cuprum Zinco
que deriva de algu- folclore que esse espírito maligno nifica “cobre do demônio”. No (daí o símbolo Cu).
ma palavra em uma prejudicava os mineradores século 18, os minérios de níquel Provavelmente deri- Do alemão zinke,
língua mais antiga alemães. É que o processo de ob- eram confundidos com cobre. va da ilha de Chipre “pontudo” – uma
(talvez fenício) tenção do cobalto liberava vapor Os mineradores alemães até (Cyprus), mas o alusão ao formato
que já se referia ao de arsênio, tornando o trabalho tentavam, mas não conseguiam contrário é possível: dos minerais que
elemento. perigoso e infrutífero. Parecia até extrair o cobre dali – porque que o metal tenha contêm o elemento.
sabotagem sobrenatural. não havia nenhum. dado nome à ilha.

25 26 27 28 29 30
Molibdênio
Mn Fe Co Ni Cu Zn Do grego molybdos,
“chumbo”. Pela apa-
rência semelhante,
o mineral molibde-
nita foi confundido
37 38 39 40 41 42 com o chumbo por
muito tempo.

Rb Sr Y Zr Nb Mo
Nióbio
Niobe, personagem
Rubídio Estrôncio Zircônio da mitologia
Antimônio grega, filha do rei
Do latim rubidus, “verme- Vila de Strontian, Do persa zargun,
Do grego anti monos: Tântalo. O nome foi
lho escuro”, graças às cores na Escócia. que significa “como escolhido graças às
das suas linhas espectrais. “aquele que não é encontrado
ouro” ou “dourado”. semelhanças do nió-
sozinho”, pois sempre está
Entre em nosso grupo no telegram:
Estanho
Ítrio
t.me/clubederevistas junto de outros elementos. O
símbolo “Sb” na tabela perió-
bio com o elemento
tântalo (73).
Índio Do latim stannum. dica vem do mineral estibina,
Referência à cor índigo, emiti- Estanho misturado Cidade de Ytterby, que contém antimônio e era
da quando os químicos fazem com cobre forma na Suécia. usado como delineador no
espectografia do elemento. bronze. Egito antigo.
Telúrio
49 50 51 52 53 54 Do latim tellus,
que significa

In Sn Sb Te I Xe
“Terra”. Tellus
também é uma di-
vindade romana.

61 62 63 64 65 66
Iodo

Pm Sm Eu Gd Tb Dy Do grego iodes,
que significa
“violeta”. É a cor
do gás de iodo.

Európio Térbio
O continente Europa. Cidade de Ytterby, na Suécia. Xenônio
Promécio Samário
Do grego xenos:
Prometeu, titã da mitolo- Deriva do mine- “estranho”. O
gia grega que rouba o fogo ral samarskita, Gadolínio Disprósio descobridor,
dos deuses. A esposa de batizado em William Ramsay,
um dos cientistas envol- homenagem ao Deriva do mineral Do grego dysprositos: “difícil
gadolinita, batizado em de obter”. O químico Paul- queria referenciar
vidos na descoberta disse geólogo russo seu brilho azul –
que, ao fabricar novos Vassili Samar- homenagem ao cientista -Émile Lecoq precisou de mais
nórdico Johan Gadolin. de 30 tentativas para isolar o mas já existiam
elementos, eles estariam sky-Bykhovets. outros elementos
fazendo o mesmo. elemento. Daí o nome.
nomeados com
base nessa cor.

JUlHO 2023 super 43

 Érbio e Itérbio Háfnio Tântalo
Foram encontrados em Háfnia, o antigo nome da Rei Tântalo, da mitologia
Ouro Hólmio Ytterby, na Suécia. cidade de Copenhague. grega. Na lenda, ele vive
Do latim aurum, Holmia, antigo cercado por lagos que
que significa nome da cidade Túlio Lutécio secam quando tenta beber
“amanhecer de Estocolmo. a água. É uma referência
Thule, antigo termo Lutetia, antigo nome à inatividade do elemento
radiante”.
usado para se referir romano da cidade de Paris. quando imerso em ácido.
à Escandinávia.

Mercúrio 67 68 69 70 71 72
Referência ao
planeta Mercúrio
e ao deus romano
da velocidade.
O símbolo Hg
Ho Er Tm Yb Lu Hf
vem do grego
hydrargyrum, que 79 80 81 82 83 84
significa “prata lí-
quida”. O mercúrio
é o único metal
líquido em pressão
e temperatura
ambientes.
Au Hg Tl Pb Bi Po
Tálio Chumbo Bismuto
Urânio Polônio
Do grego thallos, “ramo Do latim plumbum. O signi- Do alemão wismu-
Referência ao pla- verde”. Refere-se à cor da ficado original se perdeu. th, que significa Polônia, terra natal
neta Urano, que espectrografia do elemento. “massa branca”, de Marie Curie.

nosso grupo noPlutônio

foi identificado devido à aparência
Entre em Netúnio
oito anos antes
da descoberta do
telegram: t.me/clubederevistas
Cúrio Refere-se a Plutão – urânio,
do elemento.

elemento quase netúnio e plutônio foram

Planeta Netuno. O elemento descobertos em sequência; Marie Curie (1867 -
homônimo. É uma
é um resíduo de bombas atô- seus nomes seguiram a
Amerício 1934) e Pierre Curie
homenagem ao
deus grego do céu. micas e reatores nucleares. ordem dos astros. O continente América. (1859 - 1906), químicos.

91 92 93 94 95 96
Protactínio
Do grego protos,
“primeiro”, porque
o protactínio decai
radioativamente e
Pa U Np Pu Am Cm
se torna actínio.
103 104 105 106 107 108

Laurêncio
Ernest Lawrence
(1901 - 1958), físico.
Lr Rf Db Sg Bh Hs
POSIÇÃO NA TABELA Ruthefórdio Seabórgio Hássio Meitnério
Ernest Rutherford Glenn T. Seaborg Estado de Hasse, Lise Meitner (1878
(1871 - 1937), físico. (1912 - 1999), na Alemanha. - 1968), física.
químico.

Darmstádio
Dúbnio Bóhrio Roentgênio
Cidade de Darm-
Cidade de Dubna, Niels Bohr (1885 Wilhelm Röntgen stadt, na Alemanha.
na Rússia. - 1962), físico. (1845 - 1923), físico.

44 super JUlHO 2023

Tungstênio Ósmio Platina
Do sueco tung sten: “pedra Do grego osme, Irídio Significa, literal-
pesada”. Trata-se de uma re- que significa mente, “pequena
ferência ao minério scheelita, Referência à prata”. Esse metal
que contém tungstênio. Já o
Rênio “odor”. O nome foi
deusa grega
escolhido graças era encontrado na
símbolo W vem do alemão Rio Reno, que cru- ao cheiro “pungen- Íris, que é a forma de pepitas
wolfram, que deriva do mineral za a Alemanha. te e penetrante” personificação prateadas em
volframita – também com alta do elemento. do arco-íris. minas na América
concentração de tungstênio. Latina. Tório
73 74 75 76 77 78 Referência ao deus
Thor, da mitologia
nórdica.

Ta W Re Os Ir Pt
85 86 87 88 89 90
Actínio
Do grego

At Rn Fr Ra Ac Th
aktis, que significa
“raio”. É o terceiro
nome que faz
referência à
radioatividade do
elemento.

Ástato Frâncio Rádio

Do grego astatos, que França, país em Também do latim radius, Férmio
significa “instável”. Para
Radônio que foi descoberto. (“raio”), devido à intensa Enrico Fermi (1901
ter uma ideia, seu isótopo Do latim radius, radioatividade do elemento. - 1954), físico.
mais estável é o ástato-211, que significa
Entre em nosso grupo Califórnio
que decai após 8 horas. no telegram: Einstênio
t.me/clubederevistas
“raio”. É obtido
principalmente a
Estado da Califórnia, Mendelévio
Berquélio partir do decai-
nos Estados Unidos.
Albert Einstein (1879 -
mento do rádio. 1955), físico. Dmitri Mendeleev
Cidade de Berkeley, (1834 - 1907),
nos Estados Unidos. químico.

97 98 99 100 101 102

Bk Cf Es Fm Md No Nobélio
Alfred Nobel (1833
- 1896), químico.

109 110 111 112 113 114

Mt Ds Rg Cn Nh Fl Fleróvio
Georgy Flyorov (1913
- 1990), físico.

115 116 117 118

Copernício
Nicolau Copérnico
(1473 - 1543),
astrônomo.
Mc Lv Ts Og Nihônio
Japão (Nihon,
em japonês).

Livermório Tenessino
Moscóvio Lawrence Livermore Estado do
Oganessônio
Moscou, capital National Laboratory, Tennessee, nos Yuri Oganessian
da Rússia. instituto de pesquisa. Estados Unidos. (1933 - ), físico.

fontes: Royal Society of Chemistry; Livro Antimony, Gold, and Jupiter’s

Wolf: How the elements were named, de Peter Wothers.
JUlHO 2023 super 45
 saúde

VÍRUS
quE dEvoram
Texto Bruno Vaiano

Ilustração Thalles Oliveira

Design Caroline Aranha

Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas

MICRÓBIOS
A solução contra as superbactérias?

46 super julho 2023

 Bactérias resistentes a
antibióticos matarão 10
milhões de pessoas por
ano em 2050. Em busca de
soluções para a crise,
o Ocidente mira em uma
tecnologia dos anos 1920
que a URSS manteve viva
por um século, fora dos
holofotes: vírus que
atacam bactérias. Conheça
a história (e o possível
futuro) dos bacteriófagos.

Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas

julho 2023 super 47

 No verão de 1942, a
bióloga Zinaida Ermo-
Stalingrado, no sul da
N
lieva chegou de avião a
Rússia, algumas semanas
antes do exército nazista.
Ela recebeu a missão de
conter um surto de có-
lera – doença bacteriana
que mata de desidratação
por diarreia. Ermolieva
se tornaria famosa por
obter a versão soviética
do antibiótico penicili-
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
na, naquele mesmo ano.
Mas, na cidade prestes a
ser sitiada, adotou outra
estratégia: usar um re-
médio que não precisa
ser fabricado, porque se
reproduz. Um vírus.
Vírus são pedacinhos
de material genético
encapsulados em pro-
teínas. Eles não comem
e não excretam, nem se
reproduzem por conta
própria – há um debate
sobre serem ou não se-
res vivos. Esses parasitas
armazenam, em DNA ou
RNA, as instruções para
fazer cópias de si pró-
prios, mas não são capa-
zes de executá-las. É por
isso que eles precisam
invadir animais, plantas
ou bactérias à força e usar
o maquinário microscó-
pico das células para fa-
bricar seus filhotes.
Bacteriófagos são vírus
especializados em seques-
trar bactérias (daí o fagos
no nome, que significa
48 super julho 2023
“comer” em grego). E bac-
téria não falta na Terra.
Estima-se que o número
total delas tenha 28 zeros.
Não é surpresa, então, que
os fagos sejam a entidade
biológica mais numerosa
que existe. Há um tri-
lhão deles para cada grão
de areia do planeta: 10³¹
partículas virais, ao todo.
Somados, eles pesam 1,1
bilhão de toneladas, ou 21
vezes a Muralha da China.
Esse exército mata, dia-
riamente, algo entre 25%
e 40% das bactérias do
mundo. E podia dar uma
mãozinha a outro exército
– o de Stálin.
O plano original de
Ermolieva não era culti-
var seus fagos in loco. Ela
mandou trazer um trem
cheio de vírus de Moscou
(estima-se que a URSS te-
nha produzido, ao todo,
200 mil litros de vírus
em potinhos durante a 2ª
Guerra). Mas bombardei-
ros alemães destruíram o
comboio no caminho. O
jeito foi montar labora-
tórios improvisados nos
porões da cidade, e vascu-
lhar amostras infectadas
com o vibrião colérico
atrás de um bacteriófa-
go que já tivesse evolu-
ído, por seleção natural,
as adaptações necessárias
para matá-lo.
Esse match entre para-
sita e hospedeiro é fun-
damental. É que eles são
especializados: o vírus que ataca um
micróbio não faz cócegas em outros. E
existem milhões de bactérias diferentes
na Terra – o que significa uma variação
equivalente nos tipos de bacteriófagos.
Classificamos “só” 1,5 mil espécies
desses vírus; imagina-se que existam,
no mínimo, 10 milhões. Eles são impen-
savelmente diversos: seu material gené-
tico pode conter qualquer coisa entre
3,4 mil e 735 mil letrinhas de DNA (A, T,
C e G). Em bytes, essa é a diferença en-
tre um e-mail de trabalho e o primeiro
livro do Harry Potter. Alguns fagos têm
quatro genes; outros, 300. Não há um
único gene compartilhado por todos.
Ou seja, eles podem ser mais diferentes
entre si do que você é de uma planta
(compartilhamos, por exemplo, 18,7%
do DNA com um matinho chamado
erva-estrelada).
Não consta da literatura científica
como Ermolieva e sua equipe isolaram
o bacteriófago certo para a missão Sta-
lingrado, mas é provável que ela tenha
feito como os outros pesquisadores da
época faziam (e fazem até hoje): cultivar
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
colônias do vibrião colérico em peque-
nas placas de vidro. Quando uma região
translúcida aparece, é sinal de que há
200
bacteriófagos agindo no pedaço. Aí você
pega o vírus, multiplica e filtra.
Foi assim, diga-se, que um médico
inglês de 37 anos chamado Frederick
Twort descobriu os fagos. Em 1915, as
bactérias que usava em pesquisas sobre
vacinas começaram a aparecer mortas.
Twort levantou três hipóteses: talvez elas
tivessem um ciclo de vida com uma fase
peculiar, em que dão a ilusão de sumir.
Talvez liberassem alguma enzima, ao
morrer, que matava suas colegas, numa
reação em cadeia. Ou talvez, em suas
mil litros: palavras, houvesse “um vírus ultrami-
croscópico” fazendo a limpa.
foi a produção Sem nenhum recurso tecnológico
que permitisse o desempate – e cético
de fagos para demais para apostar na última hipótese,
que seria revolucionária –, Twort largou
os militares a pesquisa. O primeiro vírus havia sido
descoberto apenas vinte anos antes, e
soviéticos na a ideia de que um parasita como uma
bactéria pudesse ter seus próprios pa-
Segunda Guerra rasitas estava fora da zona de conforto
da ciência mainstream.
Mundial. Dois anos depois, em 1917, o biólo-
go francês Félix d’Herelle notou áreas
transparentes parecidas em suas colô-
nias. Com a confiança que faltou a Twort,
apostou que eram mesmo vírus. Ele
aprendeu a filtrá-los, percebeu que as
pestinhas tinham potencial terapêutico
e saiu espalhando a palavra dos fagos
pelos círculos científicos da Europa. Em
1919, D’Herelle já havia feito testes em
galinhas e o primeiro ensaio clínico em
humanos. O assunto, então, chamou a
atenção de um pesquisador brasileiro.
Fagos em Pindorama
Em 1920 o médico paraense José da
Costa Cruz, que trabalhava na Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz), viajou à su-
cursal do Instituto Pasteur na Bélgica e
conheceu os fagos. Tentou usá-los ime-
diatamente ao voltar ao Brasil, em um
surto de disenteria que rolou na cidade
mineira de Barbacena, em 1921. Não
deu certo. Em 1923, após aperfeiçoar
seus métodos, tentou de novo combater
casos de diarreia – dessa vez, no próprio
Rio. E aí funcionou.
Com o sucesso, em 1924, a Fiocruz
enviou 10 mil frascos de fagos para
todo o país, e recebeu de volta relatos
entusiasmados de centenas de médi-
cos. Eram casos anedóticos, sem o rigor
dos testes clínicos atuais. Mas foram o
julho 2023 super 49
 Entre em nosso grupo no soviético
telegram:
início de uma febre. Quando um grupo
George Eliava. Em 1923, ele agora, cem anos depois
de militares paulistas se rebelou contra
o presidente Artur Bernardes, em 1924,
as tropas federais já usavam fagos. Em
1928, havia anúncios do produto da Fio-
cruz na Folha de S. Paulo, e nos anos 1930,
empresas privadas pularam no barco. Até
uma fábrica de farinha deu um up em
suas instalações e passou a produzi-los.
“O Genésio Pacheco [um colega de
Cruz na Fiocruz] fala que tinha mui-
to produto ruim de fago no mercado
brasileiro”, diz o biólogo Gabriel Mag-
no – que trabalha com fagoterapia na
Universidade do Ártico, na Noruega, e
fez um levantamento minucioso sobre
a história da prática no Brasil. “O Pa-
checo dizia, inclusive, que as pessoas
estavam parando de usar porque você
ia à farmácia, comprava o produto mais
barato e ele não te curava.”
Os pesquisadores brasileiros, bem
como o próprio D’Herelle, acreditavam
que a fagoterapia deveria integrar siste-
mas públicos de saúde, e Pacheco atri-
buiu a decadência dos fagos nos anos
1940, pelo menos parcialmente, à má
qualidade dos produtos disponíveis.
Do lado de lá do Atlântico, um outro
aliado do francês D’Herelle que apoiava
a estatização dos fagos era o biólogo
50 super julho 2023
t.me/clubederevistas
fundou um centro de pesquisa em mi-
crobiologia em Tbilisi, capital da então
república soviética da Geórgia, ao sul da
Rússia. Nos anos seguintes, o lugar se
tornou o principal centro de pesquisa
em fagos do mundo: D’Herelle traba-
lhou lá alguns anos, e eles foram acumu-
lando uma coleção de vírus adequados
para combater diferentes bactérias.
Eliava e sua esposa, como tantos
outros intelectuais, foram executados
em 1937 nos expurgos de Stálin. Mas o
Instituto Eliava permaneceu, e manteve
a fagoterapia viva ao longo do século 20.
Ele sobreviveu ao colapso da URSS e à
guerra civil na Geórgia nos anos 1990:
“Não tínhamos eletricidade nem aque-
cimento”, disse em uma entrevista, em
2005, Zemphira Alavidze, então diretora
do Eliava. “No inverno, era tão frio aqui
dentro quanto lá fora. Os salários para-
ram. Mas salvamos o banco de fagos.”
Não há um consenso, na academia,
sobre por que os fagos desapareceram
no Ocidente. Os antibióticos emergi-
ram como uma bala da prata após a 2ª
Guerra e o interesse por esses vírus
na literatura especializada (bem como
sua presença nas prateleiras de farmá-
cias) minguou aos poucos. O fato é que
das primeiras pesquisas,
o Instituto Eliava saiu da
obscuridade, e os fagos
renasceram como uma
esperança para um dos
maiores desafios da saú-
de pública no século 21.
Bactérias casca-grossa
Micróbios que desen-
volveram resistência a
antibióticos mataram
1,2 milhão de pessoas
em 2022 – e estima-se
que serão 10 milhões
em 2050. Por ano, 250 mil
pessoas já morrem com a
versão hardcore do baci-
lo de Koch, causador da
tuberculose. O problema
é que criar antibióticos
do zero é um dos maio-
res prejuízos que uma
empresa farmacêutica
pode levar. Faz quarenta
anos que nenhuma clas-
se nova de antibióticos
chega ao mercado – os
lançamentos recentes
usam variações ou
 aperfeiçoamentos das
moléculas já conhecidas.
Um estudo de 2017
estimou que o desenvol-
vimento de um antibiótico
custa algo como US$ 1,5
bilhão, mas que eles geram,
em média, apenas US$ 46
milhões anuais em recei-
tas. Ou seja: uma década de
vendas não paga nem um
terço do investimento. E
essa década é crucial. Uma
farmacêutica lucra o gros-
so em cima de um produto
entre cinco e dez anos após
seu lançamento – janela
de tempo em que detém
exclusividade sobre a pa-
tente na maioria dos países
(depois disso, os genéricos
entram em cena).
Por que a conta não fe-
cha? Primeiro problema:
quando finalmente apa-
recer uma nova classe de
antibióticos no mercado,
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
os médicos não poderão
receitá-la a rodo. Ela será
1923
reservada aos casos em
que opções mais antigas e
baratas não funcionarem.
Com razão: quanto menos
bactérias forem expostas
ao novo remédio, menos
vão desenvolver resistên-
cia a ele. Segundo pro-
blema: antibióticos são
medicamentos tomados
por, no máximo, algumas
semanas, enquanto drogas
contra câncer e doenças
crônicas (como artrite,
diabetes e Alzheimer)
oneram pacientes e pla-
nos de saúde por tempo
indeterminado, o que as
torna mais lucrativas.
Terceiro “problema” –
entre aspas já que esse
não é bem um proble-
ma, mas uma regra do
jogo. O Brasil tem um
órgão chamado Câmara
de Regulação do Mer-
cado de Medicamentos
(CMED) que impõe um
preço máximo às drogas
comercializadas por aqui.
BREVE HISTÓRIA DOS FAGOS
A fagoterapia voltou ao radar do
Ocidente após um século dormente,
mantida viva por um laboratório
desconhecido na ex-república
soviética da Geórgia.
1896
Na Índia, Ernest Hankin
nota que as águas do
Ganges, apesar de poluí- 1915
das, matam a bactéria da O britânico Frederick
cólera. Essa pode ter sido Twort nota algo invi-
a primeira observação de sível destruindo suas
fagos em ação. colônias de bactérias no
laboratório, e especula
que possa ser uma enzi-
ma tóxica ou “um vírus
1917 ultramicroscópico”.
O francês Félix d’Herel-
le faz a mesma observa-
ção de Twort, defende
a hipótese de que são 1921
O pioneiro José da Costa
vírus e propõe usá-los
como antibióticos. Cruz, da Fiocruz, testa a
fagoterapia em Barba-
cena (MG), sem sucesso.
Depois, os fagos dão
George Eliava funda um certo contra um surto
instituto de pesquisa em de disenteria no Rio.
bacteriófagos em Tbilisi,
Geórgia – parte da URSS.
Lá, os fagos permanece- 1928
ram sendo usados por Alexander Fleming
todo o século 20. descobre a penicilina,
produzida por um fungo.
1937
George Eliava é ANOs 1940
executado nos 2ª Guerra populariza
expurgos de Stálin, mas antibióticos, farma-
o instituto sobrevive. cêuticas começam a
pesquisar alternativas à
penicilina e os bacterió-
ANOs 1980 fagos saem de cena.
Auge da aprovação
de novos antibióticos:
mais de 40 chegaram
às farmácias.
ANOs 2000
O número de aprovações
de novos antibióticos
cai para seis, e nenhuma
2015 classe nova chega ao
Bacteriófagos despontam mercado: os lançamen-
de vez como potencial tos usam apenas varia-
alternativa à crise dos ções de mecanismos de
antibióticos: o número ação preexistentes.
médio de testes clínicos
com fagoterapia, por
ano, vai de um para sete.
JULHO 2023 super 51
 Muitos outros países contam com algo
equivalente, caso de Canadá, Austrá-
lia e Inglaterra. E esses conselhos têm
um sarrafo baixo para a precificação de
antibióticos, já que eles são essenciais.
Os bacteriófagos são uma alternativa
promissora ao impasse dos antibióticos.
Ao contrário das moléculas criadas em
laboratório, os vírus evoluem junto com
seus hospedeiros na corrida armamen-
tista darwiniana. E se a bactéria concor-
rer com muito afinco, ela sai perdendo.
“Muitas vezes, quando uma bactéria
se torna resistente ao fago, ela fica me-
nos patogênica”, explica Daniel Ardis-
son-Araújo, um professor-pesquisador
da Universidade de Brasília (UnB) que
estuda aplicações da fagoterapia na agro-
pecuária. “É que, geralmente, os fagos
infectam a bactéria por meio dos fatores
de virulência dela, proteínas que estão
na superfície da bactéria e a auxiliam
na colonização do corpo humano.” Ou
seja: para uma bactéria se proteger dos
fagos, ela precisa sacrificar um pouco
da sua capacidade de nos infectar. Isso
torna os vírus uma solução para policiar estatísticas promissoras de lugares como
patógenos de forma permantente. IPTC – e do caminhão de depoimentos
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
entusiasmados dos anos 1920 e 1930 –,
A viralização dos vírus ainda existe pouca literatura científica
O georgianos do Eliava, hoje, não estão relatando o que realmente interessa na
mais sozinhos. Em 2018, a Universidade hora de as autoridades aprovarem uma
Hebraica de Jerusalém criou o Centro terapia: ensaios clínicos duplo-cegos
de Terapia com Fagos de Israel – IPTC, randomizados, que são o padrão-ouro
na sigla em inglês. Enquanto isso, na da testagem de fármacos em humanos.
Bélgica, o Hospital Militar Rainha As- “Duplo-cego” significa que nem os
trid usa fagos desde 2007. E na Polônia, médicos nem os pacientes sabem quem
a PTU (phage therapy unit, “unidade de tomou o placebo ou o remédio real du-
fagoterapia”) tem mais estrada: tratou rante o teste. E “randomizado” significa
1.500 pessoas desde 2005. que os voluntários são divididos aleato-
Em Israel, vale dizer, a fagoterapia se- riamente entre esses grupos, para que os
quer é liberada pela “Anvisa” local. Mas cientistas não caiam no viés (consciente
eles se aproveitam de exceções para o ou não) de pôr pessoas mais saudáveis
chamado uso compassivo: pessoas em es- no grupo que fará o tratamento real – o
tado grave que usaram drogas conven- que força um desfecho positivo.
cionais sem sucesso e topam tentar uma Entre 2000 e 2015, o site clinical-
terapia experimental. Entre 2018 e abril trials.org (que exibe a situação de en-
de 2023, o IPTC recebeu 159 pedidos de saios clínicos no mundo todo) registrou,
uso compassivo de fagoterapia – 38% por ano, o começo de apenas um novo
como último recurso contra bactérias teste rigoroso com bacteriófagos. É pra-
resistentes a todos os antibióticos. 18 xe falar em “começo” porque, em geral,
pacientes puderam receber o tratamento, esses experimentos duram mais de um
e 14 deles se recuperaram das infecções. ano. De 2015 até hoje, porém, a média
O uso compassivo ainda é raro e anual subiu para sete. E 2021 bateu um
subnotificado na literatura científica: recorde: 19 testes iniciados.
há apenas 25 artigos publicados sobre Dentre os poucos que já terminaram,
o assunto, que falam, ao todo, de 2 mil um dos mais rigorosos rolou na Bélgica,
pacientes. Mas não adianta só ser se- o único país da União Europeia que
guro. Tem que funcionar. Apesar das já legalizou a prescrição de fagos. O

52 super julho 2023

 A edição teste mirou infecções em produção dos vírus em
queimaduras graves de 27 larga escala, já que ho-
de genes, a pacientes. Calhou que o je esse é um processo
coquetel de vírus teve um realizado em pequenos
seleção dar- desempenho pior que o laboratórios, que têm
dos antibióticos comuns. seus próprios macetes.
winiana in Mas o número de volun- Outra frente que exige
tários foi pequeno demais investimento é manter
vitro e até a para ter significância es- uma enorme coleção de
tatística, e a concentração vírus; uma biblioteca viva
construção de de fagos – depois se des- de interações entre para-
cobriu – era baixa para sitas e bactérias hospe-
DNAs virais as bactérias em questão. deiras, com o fago certo
Moral da história: o para cada situação. Caso
do zero são veredicto ainda está a a fagoterapia dê certo,
muitos testes de distân- as farmacêuticas que se
caminhos para cia. Mundo afora, startups planejarem bem podem
criar, em e empresas maiores estão ganhar a dianteira.
testando fagos contra Um terceiro campo
laboratório, todo tipo de problema: com potencial é a cus-
úlceras nos pés causadas tomização de fagos, que
fagos capazes por diabetes, infecções pode rolar tanto pela
oportunistas em pacientes edição pontual de ge-
de atacar com fibrose cística, bacté- nes como por seleção
rias que atacam os tecidos darwiniana in vitro: vo-
bactérias em torno de próteses... cê expõe várias gerações
Ainda não existe um de vírus à bactéria que
específicas.
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
jeito óbvio de lucrar com precisa combater, até que
um remédio cuja paten- um deles sofra mutações
te pertence à Mãe Na- que o tornem capaz de
tureza, mas há algumas atacá-la. Por fim, dá para
brechas com potencial. construir um fago iné-
A primeira é criar um dito em laboratório – os
método inovador para cientistas começam com
um “chassi” viral gené-
rico e então adicionam
os pedacinhos de DNA
necessários para fazê-lo
combater um certo mi-
cróbio patogênico.
Ou seja: há muitos
motivos para esperança
– seja por parte do poder
público, seja por parte
da iniciativa privada. No
fundo, esses vírus são
um pouco como carros
elétricos: uma tecnolo-
gia do começo do século
20 que fazia todo sentido
explorar, mas que perdeu
o trem da história. Agora,
nos resta correr atrás de
cem anos de tempo per-
dido nas pesquisas – e ver
se uma ideia da década de
1920 sobrevive ao escrutí-
nio do método científico
em 2020. S

julho 2023 super 53

 cultura

guiA
v i s u a l

CAFE
do
Ninguém
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
produz café
como o Brasil
– e ninguém
bebe café co-
mo a Finlân-
dia. Os caros
podem sair
por mais de
R$ 100 a xí-
cara. Entenda
o mercado
do café, as
variedades e
os métodos
que transfor-
mam o fruto
na bebida que
faz o mundo
acordar.

Texto Rafael Battaglia Design e colagens Luana Pillmann

Edição Alexandre Versignassi e Bruno Vaiano

54 super JUlHO 2023

 SócrateS não tomou um pingado uma invenção árabe do século 13. O nome era (e ainda

O
com Platão. Cleópatra e Júlio César ja-
mais marcaram um date num café de
Alexandria. A humanidade só conheceu
o café bem depois. Reza a lenda que, no
século 9, um pastor etíope teria perce-
bido que suas cabras ficavam agitadas
após comer um certo tipo de cereja
(cortesia da cafeína, que faz o corpo
liberar adrenalina), então passaram a
fazer bebidas a partir da coisa.
Já o café como o conhecemos hoje,
com grãos torrados e água fervente, é
é) qahwah (algo como “escuro”). Na Turquia, derivou
para kahveh, e essa versão do vocábulo serviu de base
para todas as outras línguas (em chinês, é kafei; em
Maori, kawhe… enfim).
As primeiras mudas chegaram por aqui no século 18.
E a planta logo viveria um caso tórrido de amor com
o solo do Sudeste. A partir da década de 1850, o Brasil
se tornaria responsável por 48% da produção mundial.
No início do século 20, 75%. Hoje não chega a tanto,
mas ainda são números relevantes, como veremos nas
próximas páginas deste guia. Bote a água para ferver,
passe o seu cafezinho com calma – e vem com a gente.

AS ESPÉCIES
Existem 124 espécies de café no mundo. Mas a maioria
não serve para o cultivo em larga escala (por serem pouco
resistentes ou produzirem uma bebida ruim). só duas são
exploradas comercialmente: arábica e canéfora.
Arábica Canéfora

Etiópia oriGEM África ocidental e Central

altitUdE
700 a 2.200 m Para Plantio 0 a 900 m
Entre em nosso grupo no telegram:
16 C a 24 C
t.me/clubederevistas
21 C a 30 C o o tEMPEratUra o o

Baixa rEsistÊnCia alta

5 a 8 metros PortE 8 a 15 metros

0,8% a 1,7% CafEÍna 1,5% a 2,5% (pode chegar a 4%)

57,5% ProdUção 42,5%

MUndial

A MAIS PAU PRA VARIEDADE PUXOU OS PESQUISA

REQUISITADA TODA OBRA ESQUECIDA O PAI BLENDS NACIONAL
O arábica foi a pri- O canéfora é mais Em quase todo Estudos recentes O café que você 66 variedades de
meira espécie a ser produtivo e resis- o mun d o, us a - apontam que compra no mer- arábica foram
plantada em larga tente a pragas (e -s e “ro b us ta” o arábica pode cado é, na maioria desenvolvidas pelo
escala. Até o come- variações climáti- como sinônimo ser resultado do d a s v e ze s , u m Instituto Agronô-
ço dos anos 2000, cas) que o arábica, d e can é fo ra . É cruzamento, há blend de arábica mico de Campinas
representava 80% além de ter mais uma associação mais de 700 mil e canéfora. Isso (IAC). Eles mantêm
do café no mundo cafeína. Mas leva imprecisa: apesar anos, do canéfora barateia a pro- um banco genético
(atualmente, está a pior no quesito de ser a variedade com a espécie Co- dução, já que o para encontrar
em 57,5%). Gosta sabor. É usado, mais conhecida da ffea eugenioides, custo para plantar combinações que
de climas amenos sobretudo, para espécie, não é a um a r b us to d e canéfora é menor. deem origem a
e altas altitudes, fazer café solúvel. única. No Brasil, frutos pequenos No Brasil, não há tipos mais resis-
possui mais de Nas últimas déca- planta-se conilon, e baixa produti- um limite para tentes, produti-
130 variedades e das, a produção um tipo de cané- vidade – mas que essa mistura – mas vos – e gostosos.
é o responsável aumentou para fora com árvores produz um café as embalagens A criação de uma
pelas bebidas de suprir a deman- mais altas. O suave. O aroma e precisam conter nova cultivar (ou
alta qualidade. da crescente por Espírito Santo é sabor agradáveis informações como seja, uma variedade
solúveis na Ásia. responsável por do arábica são, “predominante- apta a ser plantada)
70% da produção provavelmente, mente conilon” pode levar mais de
nacional dessa heranças genéticas ou “100% arábica”. 40 anos.
variedade. do eugenioides.

fonte Guia do Café - 4ª edição (2022), do Centro de Comécio Internacional.

agradecimentos Isabela Raposeiras, fundadora do Coffee Lab e autora de O livro da barista. Júlio César Mistro,
pesquisador do Instituto Agronômico (IAC), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
 PRODUÇÃO
Em 2022, o mundo produziu
DÁ
171, 7 MILHÕES
de sacas de café.

A exportação de café rende US$ 20 bilhões por ano. De

acordo com a Organização Mundial do Café (que reúne os
Uma saca =
60 kg de ca
fé

10,3 MILHÕES
DE TONELADAS.
maiores produtores e consumidores do grão), o mercado da
bebida como um todo movimenta US$ 200 bilhões por ano. Cada saca rende 48 kg de café torrado – ou
6.720 espressos*.

a produção acontece na zona tropical do planeta – e 75% dela se concentra em apenas cinco países:
DE ONDE SAI O CAFÉ Brasil, Vietnã, Colômbia, Indonésia e Honduras. Veja a produção por espécie de café:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Arábica
Brasil Colômbia Etiópia honduras Peru México Guatemala Nicarágua Indonésia Índia
Porcentagem 43,9% 13,6% 7,4% 7,2% 4,2% 4,1% 3,9% 2,8% 2,1% 1,8%
da produção
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Robusta Vietnã Brasil indonésia Índia Uganda Costa Laos Tanzânia Madagascar Tailândia
do Marfim
40,8% 28,8% 10,8% 6,1% 5,4% 0,7% 0,6% 0,6% 0,5%
3,3%

Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas

fonte Guia do Café - 4ª edição (2022), do Centro de Comércio Internacional.

6 4 1
8
7
7
10 9 e 3
2 5
5 3 8
10
6 e
1 e 2
4
9

TREM BÃO
O Brasil responde
por um terço do
café produzido
no mundo. A sa-
fra de 2023/2024
deve chegar a 65
milhões de sacas
(3,9 milhões de to-
neladas) – metade
desse montante
vem de Minas
Gerais. Veja onde
mais se planta:
ESTRANHA NO NINHO
Você não vai encontrar um pezinho sequer de
PRODUÇÃO DE CAFÉ POR ESTADO
café na suíça. Mesmo assim, o país exporta 24%
PR do café já torrado do mundo. Em valores totais,
RO 1,3% Outros foram US$ 3 bilhões em 2021. Como? Com as três
5,3% 2,3% fábricas da Nespresso (a Nestlé, vale lembrar, é
BA suíça) instaladas por lá, que produzem mais de
6,5%
14 bilhões de cápsulas por ano.
SP O país consegue operar preços fora da curva.
8,5% Em 2014, um comparativo mostrou que a Suíça
MG cobrava US$ 41 por quilo de café torrado, enquanto
50%
Arábica o praticado pelo resto do mundo era de US$ 4, em
média. Por conta disso, eles lideram em fatura-
Robusta mento, mesmo exportando menos de um terço
ES
26,1% do volume da Alemanha e da Itália (que também
importam grãos crus para torrar em casa).
fonte CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento).

*Considerando 7 g de pó para uma xícara de espresso.

56 super JUlHO 2023

CONSUMO os beberrões do norte.
Um raio-x da starbucks.
E o café de r$ 65 mil.

TRADIÇÃO NÓRDICA O “ÍNDICE STARBUCKS”

a finlândia é o país com maior consumo anual
de café por pessoa: 12,1 kg – mais que o dobro
do Brasil. noruega e islândia completam o pódio.
Veja a lista dos maiores entusiastas da bebida:
finlândia
12
Com 36 mil lojas, a franquia só perde para o McDonald’s
(40 mil) e o Subway (37 mil) em número de unidades.
Mas é a maior rede no quesito faturamento: Us$ 32,3
bilhões, Us$ 10 bi a mais que o Méqui). o Starbucks
pode ser uma ferramenta para medir o poder de compra
de cada país – basta comparar o preço de um café
com leite com o salário médio diário de cada lugar:

MENOS ACESSÍVEIS MAIS ACESSÍVEIS

noruega
CAMBOJA ESTADOS UNIDOS
dinamarca
suécia r$ 15,60 r$ 15,65
Áustria
Bélgica 86,1% 1 2,1%
holanda
alemanha
Canadá
suíça ÍNDIA NORUEGA
Brasil COMO LER
r$ 17,00 r$ 24,40
Eslovênia
2
itália Valor do café*
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
Estados
Unidos
71,3% 3,1%
PAÍS
frança Us$
Espanha
Polônia VIETNÃ ÁUSTRIA
austrália
Portugal r$ 16,42 r$ 16,70
Japão % do
argélia
Costa rica
reino Unido 57,7%
3 3,1% salário
Posição mínimo
África do sul no ranking diário
Coreia
do sul
EL SALVADOR CATAR
r$ 20,40 r$ 19,80

1 45,7%
4 3,3%

Consumo de café
(kg/ano) BOLÍVIA ARUBA
r$ 15,30 r$ 10,70

oito xícaras por dia. Esse é consumo médio na 39%

Finlândia, que possui hábitos bem similares aos
nossos: recusar (ou não oferecer) café é uma
ofensa. Mas eles vão além. A legislação prevê duas
pausas de 15 minutos por dia para o cafezinho. E
há palavras específicas para a bebida, dependendo
do contexto. Aamukahvi é o café que se toma de
manhã. Saunakahvi, o da sauna. Vaalikahvit, o que
você bebe em dia de eleição após votar.
A alta latitude pode explicar o consumo. Finlândia
(e os países nórdicos que encabeçam a lista) têm
invernos bem qahwah, escuros. Em Helsinki, o Sol
só nasce umas 9h30 da manhã entre dezembro e
janeiro. Haja café para acordar no breu todo dia.
No caso dos finlandeses, de qualquer forma, há a
teoria de que o costume também é uma tentativa
de se distanciar dos hábitos russos – a Rússia (onde
o chá sempre foi mais popular que o café) colonizou
o país de 1809 a 1917.
5 3,3%
O CAFÉ MAIS CARO DO MUNDO
Um lote de café geisha, variedade do arábica, foi vendido a R$ 65 mil o quilo – num leilão
em 2022. A planta, natural de uma região homônima da Etiópia, adaptou-se bem ao solo
do Panamá e alcançou fama internacional.
Uma cafeteria em São Paulo vendeu uma “tiragem limitada” de 30 xícaras de Geisha
coado por R$ 128 a unidade em 2023. O valor pode chegar a R$ 700, dependendo do país.
Mas dá para encontrar pacotes com 250 gramas de grãos a “módicos” R$ 60. É que há
Geishas e Geishas. Os caros para valer vêm das fazendas de maior prestígio.
Mas o sabor, geralmente descrito como floral, não é a única explicação para o preço.
Também rola a escassez de fazendas: muitas regiões foram abocanhadas pelo setor
imobiliário. Saem as pequenas plantações, entram propriedades de campo para estrangeiros
endinheirados, sobretudo dos EUA. Bom para as fazendas que sobram.

*Valores aproximados, e baseados na cotação do dólar em 13/07/2023 (R$ 4,80).

fonte Visual Capitalist.

JUlHO 2023 super 57

 PROCESSAMENTO
NATURAL
o fruto passa até seis
semanas secando. Nesse
tempo, a polpa fermenta:
os microrganismos comem
o açúcar que tem ali, então
depois da colheita, existem três principais “defecam” álcool e outros
subprodutos que podem
métodos de processamento do café: aumentar a doçura do grão.
LAVADO
os frutos vão para tanques
d’água e, com o tempo, a
polpa se solta do grão. A
fermentação acontece,
mas em um nível menor
que o método natural. O
resultado é uma bebida
mais ácida e sem grandes
alterações de sabor.
DESCASCADO
os frutos passam por um
descascador. Uma variação
desse método (o honey)
é um meio termo entre
o lavado e o natural: ele
regula quanto da polpa será
retirada para secagem – o
que torna a fermentação
mais controlada.

NÍVEIS DE TORRA
nessa etapa, o grão perde umidade,
mas aumenta de volume – e ganha
sabor. Veja os níveis de torra, por cor:
SAIBA LER O RÓTULO
Em 2004, a aBiC (associação Brasileira da indús-
tria do Café) criou um programa de qualidade
para classificar os cafés nacionais. Entenda as
diferenças de cada categoria:

TRADICIONAL/EXTRAFORTE:
CLARA Cafés amargos e pouco doces. São
encorpados, adstringentes e com
Dá origem a uma bebida sabores que lembram o tostado
mais suave – e encorpada,
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
já que a temperatura mais
baixa preserva os óleos
e o amadeirado.

essenciais do grão.
SUPERIOR:
O amargor, a acidez e a doçura
variam de leve a moderado. É uma
bebida de sabor amendoado, com
notas de caramelo e chocolate.

GOURMET:
MÉDIA Pouco amargo, e a acidez e a
doçura variam de moderada a
Ponto de equilíbrio entre alta. Remete a sabores florais
acidez, doçura e amargor. e frutados.
Preferência nos EUA, é
também chamada de torra ESPECIAL:
americana.
É uma certificação feita pela Brazil
Specialty Coffee Association
(BSCA). A qualidade é equivalente
ao gourmet, mas a rastreabilidade
é maior: da fazenda à torra, toda
a procedência é controlada.

ESCURA
café mais amar go. Se
torrado corretamente,
traz notas de caramelo e
chocolate. Do contrário,
tem gosto de queimado.

58 super JUlHO 2023

MÉTODOS
segundo uma pesquisa da aBiC, 59% dos brasileiros ain-
da usam o filtro de pano; 35%, de papel; 13%, cafeteira
italiana (Mocha); 11%, cápsulas (dá mais de 100% porque
os entrevistados podiam escolher mais de uma opção).
Entenda os métodos de preparo:

COADO MOCHA chemex

A alemã Amelie O nome da cafe- Criado em 1941,
Melitta inventou teira italiana, in- é feito de vidro
o filtro de papel ventada em 1933, e usa filtros
em 1908 – e o vem da cidade de papel mais
modelo que leva de Mokha, no Iê- espessos, que
o seu nome é, men, conhecida tornam o café
até hoje, o mais pelo comércio mais “limpo”,
tradicional. Mas de café. A água menos amargo.
não o único. O ja- fica no compar- Tem formato
ponês Hario V60 timento inferior de ampulheta
é um porta-filtro e começa a subir e uma peça de
em formato de à medida que madeira no
espiral – que a temperatura meio para evitar
ajuda a conduzir aumenta. O va- queimaduras na
o fluxo de água. por cria pressão hora de pegar –
Já o Kalita Wave, e força a água a e servir. O design
também do passar pelo pó. O arrojado fez com
Japão, tem três processo cria um que ele entrasse
buracos e filtros café concentrado para a coleção
de papel no e intenso. do Museu de
formato de for-
minhas de briga- PRENSA Arte Moderna
(MoMa), em
deiro (também
para controlar FRAN� Nova York.

a passagem do
Entre em cesa
nosso grupo SIFÃO
no telegram: t.me/clubederevistas
líquido).
Criado em aerO�
Nasceu na Ale-
1852, na França
(dã), permite a
manha dos anos
1830 e parte do
�press
infusão do pó mesmo princípio Nessa espécie
em água quente, do Mocha: o fogo de “seringa”, o
como um chá. ferve a água e pó passa por
Depois de 4 ou cria vapor no uma infusão
5 minutos, um compartimento de poucos
êmbolo com um inferior. A segundos em
filtro de malha pressão aumenta água fervente.
separa a borra gradualmente, Depois, usa-se
da bebida que faz o líquido um êmbolo
será servida. subir, e a água para pressionar
Dispensa o filtro entra em contato a bebida em
de papel e, com com o pó. A es- direção a um
isso, permite trutura, de vidro, filtro de papel.
que o café tenha parece saída de É o meio do
mais óleos e um laboratório e caminho entre
gorduras do permite que você um espresso e
grão – que po- enxergue todo o um café coado.
dem aumentar processo. Con- Surgiu em 2005,
a complexidade tra: é mais frágil por obra de um
de sabor. que a cafeteira engenheiro de
italiana. Stanford.

1 2 3 4 5
cOmO Fazer A água deve Use filtro de pa- A proporção No Brasil, Despeje a água
ser mineral ou pel e escalde-o recomendada é costuma-se sobre todo o pó
um bOm caFé filtrada. Retire com um pouco de 6 a 8 g de pó beber um café de café. Se quiser,
em casa do fogo assim da água quente para cada 100 ml mais forte: 10 a mexa suave-
que levantar – ajuda a retirar de água (aproxi- 12 g para 100 ml. mente a mistura
fervura. impurezas. madamente duas Vá ajustando as com uma colher,
Descarte essa colheres de chá). proporções até para maximizar
água que passou encontrar o que a extração de
pelo filtro. te agrada. sabores.

JUlHO 2023 super 59

oráculo
ILUSTRAÇÕES THUYLARS DESIGN CRISTIELLE LUISE
28
medalhas olímpicas, 23 de
ouro. É o recorde do nadador
Michael Phelps. Antes dele, a
campeã era a ginasta soviética
Larisa Latynina, com 18.

Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas

por que
o forMato Uma hipótese é que a tradição venha da Grécia An-
tiga. Em 556 a.C., os atenienses começaram a organizar

de taça é
festivais em homenagem à deusa Atena, padroeira da
cidade. Os Jogos Panatenaicos eram um show de talen-
tos: músicos, dançarinos e atletas disputavam prêmios
em ouro, prata e azeite, já que o óleo era valioso como
alimento não-perecível, moeda de troca, combustível de

uM padrão
lamparina e solvente de cosméticos e remédios. O ven-
cedor da corrida de carruagens ganhava 140 ânforas (5,6
mil litros) de azeite, o campeão das corridas a pé, metade
disso, e esses esportistas expunham ânforas vazias como
recordação. Elas tinham um formato similar ao das taças

para troféus?
esportivas atuais, e cópias não oficiais viraram souvenir.
Daí em diante, não é difícil entender a popularização do
formato: ânforas, cálices e outros receptáculos de duas
alças são usados para servir álcool em celebrações; faz
@digo.becker, via Instagram sentido que tenham se tornado sinônimo de vitória. (1)
 EDIÇÃO Bruno vaiano

por que os jogadores de tênis ficam

escolhendo bolinha antes de sacar?
@jader.vr, via Instagram

Pelo mesmo motivo que nadadores se depilam. Bolinhas pouco felpudas

geram menos atrito com o ar, e por isso voam mais rápido. Os tenistas tendem
a escolher bolas novas, com pouco pelinho, para o primeiro saque, porque o
oponente terá menos tempo para reagir. Com o vai e vem, elas tendem a ficar
mais gastas e fofinhas. O problema: sacar bolas rápidas também significa ter
menos controle. Se o tenista erra o primeiro saque, é prudente pensar peludo
no segundo. Um estudo de 2008 com túneis de vento verificou que, de fato,
bolas usadas geram mais arrasto. Mas não se sabe até que ponto a diferença
é relevante em um torneio profissional, em que as bolas são trocadas a cada
poucos jogos. Serena Williams joga com a primeira bola que recebe. E o francês
Jo-Wilfried Tsonga considera o comportamento uma obsessão desnecessária. (2)

Qual figurante apareceu Por que o ventilador refresca se o ar que

PÁ PUM em mais filmes? ele sopra está em temperatura ambiente?
@joao_hen_, via Instagram @gustavogamagomes, via Instagram

Não dá para saber. Apesar de ser Porque ar em movimento é melhor em roubar

um trabalho com salários tabelados calor das coisas do que o ar parado. Isso vale para
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
O número de puns e sindicatos, figurantes quase nunca assoprar comida, para a brisa da praia, para um
que soltamos aparecem nos créditos. O registro de leque etc. Quando você está largado no mormaço,
aumenta com a participação é responsabilidade dos há um bolsão de ar parado em torno da sua pele.
idade? próprios atores no IMDb, o principal Suponha que o ar esteja a 30 °C – e que seu corpo,
@gustavogamagomes, banco de dados do showbiz, e só vale como de praxe, esteja a 37 °C. Nessa situação, a
via Instagram para papéis facilmente identificáveis, pele transfere, aos poucos, calor para o ar. Afinal,
como “vendedor de cachorro-quente” calor é algo que se move sempre de uma coisa mais
Não há evidências ou “motorista de ônibus”. Quem apa- quente para uma mais fria, até as duas entrarem
conclusivas. (3)
rece em multidões não pode se auto- em equilíbrio. O problema: quando o ar próximo à
NÚMERO INCRÍVEL creditar, e nem todo extra vai se dar sua pele alcança 37 °C, o corpo não consegue mais
ao trabalho de se colocar no IMDb, o “escoar” calor para fora. E aí a temperatura dele

300
que impossibilita a contagem. Ape- sobe. (De fato, quando o ar passa de uns 25°C, um
sar disso, há um consenso informal humano já começa a ter dificuldades para descartar
em Hollywood de que o ator Jesse o excesso de calor, e põe em ação outros métodos
Heiman, de 45 anos, tem as láureas. para se refrescar, como o suor.) O segredo do ven-
mil figurantes. Ele participou de 109 filmes e séries, tilador é renovar o estoque de ar em torno de você
Esse é o recorde em como American Pie 2, Homem-Ara- o tempo todo, permitindo que ele esteja sempre
um filme. Eles apa-
nha, How I Met Your Mother, The Big mais frio do que o seu corpo – e, portanto, que ele
recem no funeral de
Bang Theory e A Rede Social. permaneça capaz de roubar seu calor.
Gandhi, de 1982. (4)

OUTRO DADO
RELEVANTE SEM Qual é o Na Terra, em condições normais de pressão e temperatura, a resposta
NENHUMA LIGAÇÃO é o ósmio, o 76° elemento da tabela periódica. Trata-se de um metal
material mais

300%
denso do mundo? cinza-azulado raríssimo; uma garrafa com dois litros de ósmio derretido
@digo.becker, pesa 45 kg. No Universo como um todo, a resposta é o material de um
via Instagram buraco negro. Até onde as equações de Einstein nos permitem saber, eles
têm densidade infinita, porque compactam toda a massa de uma estrela
Foi a alta das ações moribunda em um ponto de dimensão nula. Na prática, é provável que
da Nvidia, gigante algum fenômeno ainda desconhecido dos físicos (o interior de um buraco
dos chips de IA, nos negro é insondável) impeça a existência dessa configuração singular.
últimos nove meses. (5)
Reportagem Bruno Vaiano, Leonardo Caparroz, Maria Clara Rossini e Rafael Battaglia. Fontes: (1) acervo do Museu Britânico; site Ancient Olympics da Universidade Ca-
tólica de Leuven (KU Leuven); (2) Vox; artigo “Review of tennis ball aerodynamics”; (3) artigo “Old Farts – Fact or Fiction? Results From a Population-Based Survey of 16,000
Americans Examining the Association Between Age and Flatus” (4) Guinness World Records; (5) Poder 360.
JUlHO 2023 super 61
 oráculo

qual é a religião Mais antiga?

@joao_hen_, via Instagram

Das grandes religiões atuais – organizadas em torno de templos, es-

crituras, sacerdotes etc. –, uma resposta possível é o hinduísmo, seguido
por 1,3 bilhão de pessoas. O primeiro texto sagrado deles data de 1500 a.C.
(é 500 anos mais velho que os trechos mais ancestrais do Velho Testamen-
to). Não dá para determinar uma data de fundação porque o hinduísmo
é descentralizado. Não tem livro fundamental, autoridade máxima ou
profeta fundador. Há seis vertentes de fé e filosofia hindu, que podem ser
monoteístas, politeístas e mesmo ateias. O ateísmo é possível porque o
hinduísmo não é só uma crença: é algo que se denomina dharma, um estilo
de vida. É mais difícil responder a pergunta se usarmos uma acepção ampla
de “religião” e tentarmos explicar como era a fé dos primeiros humanos,
que veio centenas de milhares de anos antes da invenção da escrita – nean-
dertais e denisovanos já eram, no mínimo, supersticiosos. Acredita-se que
sapiens pré-históricos fossem animistas, ou seja: não tinham divindades,
mas atribuíam intenções às coisas ao redor. Como você, quando xinga uma
cadeira ao chutá-la. O animismo não separa o mundo físico do espiritual. A
natureza é senciente, árvores e animais têm espíritos e palavras provocam
ou evitam fenômenos – a origem do que denominamos magia. (1)

Entre em nosso grupo no telegram:

De onde vemt.me/clubederevistas
Um ator ganha cachê para aparecer em um o hábito
flashback que é só uma cena já pronta de um
filme anterior?
de dar as mãos?
@rafajeffe, via Instagram
LISTA
@joao_hen_, via Instagram Qual ator
Trata-se de um instin- esteve em mais
Sim. O SAG, sindicato de atores dos EUA, determina que os to. Chimpanzés dão as blockbusters?
estúdios devem entrar em acordo com os artistas quando mãos uns para os outros
reutilizam imagens deles em outros filmes e séries. De modo em certas circunstâncias.
geral, o pagamento precisa ser, no mínimo, equivalente ao E experimentos mostram Consideramos a bilheteria
piso de uma diária para atores de acordo com a tabela do que os circuitos cerebrais somada dos filmes em que os
sindicato – hoje de US$ 1.082 (R$ 5.180). O cachê não vale de vigilância e stress rela- atores participam. Dubladores
só para flashbacks, mas para qualquer cena reutilizada. Em xam quando seguramos de animações dominam. (4)
Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa, os takes com Thomas a mão de alguém querido.
Haden Church (o vilão Homem de Areia) e Rhys Ifans (o vilão Entre humanos, o hábito SAMUEL L. JACKSON
Lagarto) foram reciclados de filmes anteriores. Os atores 1 142 filmes,
pode ter emergido nas
só precisaram gravar os áudios de novos diálogos. Outro US$ 27,7 bilhões
noites paleolíticas – lem-
exemplo: sabe quando você está assistindo a um filme e os bre-se, a natureza é um FRANK WELKER
personagens estão vendo TV? Se for possível identificar o breu, então é óbvio segurar
2 Dublador, 112 filmes,
que está passando, é preciso pagar tanto o estúdio respon- US$ 17,4 bilhões
as mãos de seus amigos de
sável pelo vídeo (que detém os direitos de exibição) quanto tribo para não perdê-los. JOHN RATZENBERGER
os artistas que aparecem em cena. (2) Tudo indica que dar as
3 Dublador, 52 filmes,
mãos seja algo universal US$ 16,7 bilhões
entre H. sapiens, mas o BOB BERGEN
significado cultural da
4 Dublador, 60 filmes,
pergunte prática muda. Enquanto, US$ 15,7 bilhões

ao oráculo no Ocidente, esse é consi-

Escreva para
bruno.vaiano@abril.com.br
mencionando sua cidade e
estado – ou mande a pergunta
via direct no Instagram.
derado um ato romântico
pelo menos desde a Idade
Média, entre os islâmicos
são os amigos homens que
entrelaçam os dedos. (3)
5
CHRIS PRATT
36 filmes,
US$ 15,6 bilhões
Considerando apenas atores que
aparecem nos filmes, a lista é Samuel L.
Jackson, Chris Pratt, Zoë Saldaña, Scarlett
Johansson e Robert Downey Jr., em grande
parte por causa dos longas da Marvel.

62 super JUlHO 2023

 O gráfico abaixo considera os aero-
SÓ ACREDITO Qual é o portos internacionais das cem cidades
do mundo que recebem mais turistas. O
VENDO aeroporto mais blog de dados de turismo Travel Stats
Man identificou as dez mais próximas e
distante da cidade mais distantes de seus terminais aéreos.
Para complementar, pegamos os dez ae-
que atende? ródromos mais movimentados do Brasil, e
checamos quais são os cinco mais distantes.

200 50
07
Andorra-a-Velha, Andorra (TLS)

Salvador (BA), aeroporto Dep. Luís Eduardo Magalhães (SSA)

Jeju, Coreia do Sul (CJU)

Edirne, Turquia (BOJ)

6
40
Heraklion, ilha de Creta, Grécia (HER)

São Paulo (SP), aeroporto de Guarulhos (GRU)

Belo Horizonte, aeroporto de Confins (CNF)
150
Entre em nosso5 grupo no telegram: t.me/clubederevistas
Cidade do México, México (MEX)

Rio de Janeiro (RJ), aeroporto do Galeão (GIG)

Campinas, aeroporto de Viracopos (VCP)
30
4
Meca, Arábia Saudita (JED)

100
3
20
Mugla, Turquia (DLM)

Artvin, Turquia (BUS)

Lisboa, Portugal (LIS)

Mumbai, Índia (BOM)

2
Quilômetros (km)

Quilômetros (km)
Quilômetros (km)

50
10
1

0 0 0

os Mais PróxiMos os Mais distantEs o rankinG BrasilEiro

Todas as estrelas que vemos a olho nu estão na Via Láctea? “SOU EU, BOLA DE FOGO, E O CALOR TÁ DE MATAR...”
Téu Borella, via e-mail

Sim. A Via Láctea tem 105,7 mil anos-luz de diâmetro, e a galáxia

espiral mais próxima de nós, Andrômeda, está a 2,54 milhões de
anos-luz. É uma diferença de ordens de grandeza: se a Via Láctea fosse
a Região Metropolitana de São Paulo – uma mancha urbana com uns A bomba soviética Uma supernova Um quasar – nome
60 km –, Andrômeda estaria à distância de Salvador, a 1.400 km. Há RDS-220, equivalente (implosão de uma que se dá a um buraco
a 3,3 mil bombas de estrela gigante) libera negro comilão no centro
algumas exceções: se ocorresse a implosão de uma estrela gigante Hiroshima, gerou uma o equivalente a 67.00 de uma galáxia – libera
em Andrômeda (um fenômeno chamado supernova), ela talvez fosse nuvem com a altura de 0.000.000.000.000 toda a energia de uma
visível a olho nu. O que dá uma noção do poder desses cataclismas: sete Everests. O clarão .000.000.000.000 supernova a cada 11 dias,
seria como ver, da capital paulista, uma casa explodir na Bahia. (5) foi visível a 1.000 km. bombas de Hiroshima. aproximadamente.

fontes: (1) livro História do Ateísmo, de George Minois, Encyclopaedia Britannica; (2) artigo “Fair Use, Reuse and Lawsuits”, da International
Documentary Association (IDA); (3) texto “We asked an expert why we hold hands, and learned it’s good for you”, na UVA Today, artigo “Bia-
sed cultural transmission of a social custom in chimpanzees”; (4) Nash Information Services; (5) Nasa; tabela de escalas de energia da UCLA. JUlHO 2023 super 63
 oráculo

Por que o touro é símbolo Por que um dia tem 24 h?

da bolsa de valores?
Giovanna Oliveira, via e-mail
Ele não simboliza a bolsa
como um todo. Bull market
(“mercado do touro”) é um jar-
gão para quando as ações estão
em alta. Daí o bicho ser amuleto.
Na bolsa alemã, há uma estátua
diferente: um touro e um urso,
que simboliza o contrário, ações
em queda. Alguns investidores
torcem para isso, porque eles
operam de outro jeito: primeiro,
vendem uma ação que não têm,
e só depois compram a dita-
cuja para entregar. Eles lucram
quando o valor da ação cai nesse
intervalo. Ou seja: apostam na
queda. “Vender a pele do urso
antes de caçá-lo” é um provérbio
Davi Eduardo Soares, via e-mail
Crédito dos egípcios. Eles
contavam usando um sistema
de base 12, em vez da base 10 que
conhecemos. O 12 é uma escolha
prática: ele é divisível por 2, 3, 4 e
6, equivale ao número de ciclos
lunares em um ano (os 12 meses)
e permite contar usando o dedão
para apontar as três falanges em
cada um dos quatro dedos res-
tantes. Sendo assim, o óbvio era
dividir o relógio solar em doze
partes, da mesma forma que
nos ocorreria dividi-lo em dez.
Durante o Império Novo – um
período egípcio compreendido
entre 1550 e 1070 a.C. – os astrô-
nomos identificaram 12 estrelas
para dividir a noite (mais 3 para o

coMo e por que

Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
inglês, daí a associação entre o
animal e quem faz isso. Primeiro,
vieram os ursos. Só depois o
amanhecer e 3 para o anoitecer,
momentos de transição em que
o relógio solar também funcio-

o papagaio fala?
Gustavo Abreu, via e-mail
touro foi adotado como antô-
nimo, talvez porque ele ataca
chifrando para cima (a verdade
é que ninguém sabe ao certo). (2)
nava). Somando as 12 da noite
e 12 do dia, eles ficaram com 24.
Os gregos copiaram a ideia, e
assim ela chegou a nós. (3)
O porquê é fácil: para socializar. Papagaios e outros pássaros
com essa habilidade imitam quaisquer sons típicos de seu habitat
(um exemplar de pássaro-lira australiano muito acostumado a ser
fotografado faz até o clique de uma câmera). Na natureza, isso
significa copiar outras aves selvagens para criar laços. Em cativeiro,
nós somos a família do bichinho, e ele quer aprender o código
LOST IN
de comunicação da casa. Assim, uma expressão como “tudo TRANSLATION
bem?” acaba associada ao momento em que uma pessoa entra
pela porta. O “como” é mais difícil. Nós articulamos fonemas
Origem França Baisure
usando dentes, língua, lábios... Os pássaros não têm lábios ou “Beijura”
dentes, mas compensam com a siringe: um complexo sistema de
membranas localizado no ponto onde o sistema respiratório se A cicatriz que fica no lugar em que um pãozinho gruda no outro
bifurca para dar acesso aos pulmões. A siringe é mais sofisticada (“beija”) quando eles estão no forno. Perceptível nas pontas do
que nossas pregas vocais: permite articular dois sons simultâneos, pão francês, ainda que ele não seja realmente francês.
usando separadamente o ar exalado por cada pulmão. (1)

CONEXÕES ChatGPT
Inteligência artificial desen-
Reddit
Um popular fórum virtual dos
Do GPT volvida pela OpenAI com anos 2000 onde se conversa
ao Geppetto financiamento da Microsoft, sobre qualquer assunto. Os
lançada gratuitamente ao pú- usuários elegem as respostas
por Bruno Vaiano blico em novembro de 2022. mais construtivas em cada lista
Em 2014, o CEO da OpenAI, de discussão. É o sexto maior
Sam Altman, dirigiu outra site dos EUA e recebeu US$ 50
gigante do mundo virtual por milhões em 2014 de um grupo
apenas oito dias: o site… de investidores que incluía…

64 super JUlHO 2023

 MANUAL Como começar
MANUAL
por Rafael
Rafael
por
a ler poesia?
Battaglia
Battaglia
3. lEia difErEntE
Um livro de poesia não
segue a mesma lógica de
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
um romance. Em vez de
devorá-lo, vá com calma:
abra uma página qualquer
e leia um poema por vez.
Se puder, faça isso em voz
alta, tentando encontrar
a cadência dos versos (que
não precisam rimar, ne-
cessariamente). A poesia,
afinal, nasceu como uma
tradição oral.
para saber Mais Versado em versos
a poesia diz muito com pouco.
Preste atenção em cada palavra e
use a imaginação para preencher
as lacunas – de modo a criar uma
imagem mental do poema.
Jared Leto
Ator e músico, líder da
banda 30 Seconds to Mars
e protagonista do clássico
cult Réquiem para um
Sonho, que ganhou mais
de 30 prêmios de cinema.
Foi convidado para estrelar
e coproduzir o terceiro e
último filme da franquia…
fontes (1) National Audubon Society; artigo “Wild orangutans can simultaneously use two independent vocal sound sources similarly to songbirds and human beatboxers”;
(2) revista Você S/A; (3) texto “Why is a minute divided into 60 seconds, an hour into 60 minutes, yet there are only 24 hours in a day?”, na Scientific American.
1. SEM REGRAS 2. TEMPOS MODERNOS
De início, não se preocu- Em vez de encarar os
pe com métricas, rimas clássicos, tente começar
ou correntes literárias. por autores contemporâ-
Livros didáticos são im- neos que escrevam sobre
portantes – mas podem assuntos do seu interesse.
criar uma barreira inicial. A proximidade temporal
Sem esse meio de campo ajuda: as angústias são
teórico, dá para encarar atuais (e o português
o poema como qualquer também). Hoje, existem
outra obra de arte (uma poetas de todas as cores,
série, uma música, um ideologias, classes sociais
romance), que você frui – é mais fácil encontrar
sem ficar analisando. alguém como você.
4. “rosEs arE rEd...”
Precisa saber alemão para
ler poesias de Goethe?
Não: você vai para as tra-
duções. Mas verter poesia
de uma língua para outra
é difícil. Exige escrever um
poema novo do zero – o
tradutor deve reconstruir
o sentido da obra original
com o ritmo e as rimas de
outro idioma. Busque boas
edições comentadas, que
expliquem as referências
impossíveis de traduzir.
poesia também pode ser uma ex- Há clubes de assinatura de escreva poemas. A falta de fa-
periência coletiva. Saraus e batalhas poesia. No Brasil, algumas edi- miliaridade é uma das barreiras
de slam são espaços para conhecer toras que fazem essa curadoria de leitura. Arriscar uns versos
novos artistas, assim como clubes são a Fósforo (junto com a Luna pode pôr você em sintonia com
de leitura e fóruns na internet. Parque), a Patuá e a Macondo. o ritmo das palavras.
Tron Geppetto
Neste ícone da ficção cientí- “Pai” de Pinóquio. No filme
fica, de 1982, o programador IA, o androide-protagonista
Kevin Flynn precisa lutar con- David pergunta ao robô Dr.
tra softwares para fugir de Saber se há algo que possa
dentro de um servidor. Uma torná-lo um menino – e rece-
criação da Disney, que no ano be de resposta a Fada Azul,
2000 lançou uma adaptação que transformou Pinóquio
live action da história de em humano. O Dr. Saber é um
Pinóquio intitulada… chatbot, como o chatgpt.
JUlHO 2023 super 65
ÚLTIMA PÁGINA dEsculpa qualquEr coisa E até logo

haja clique
O ChatGPT, lançado em novembro de 2022, já recebe mais acessos que o Reddit,
o LinkedIn e a Netflix. Saiba quais são os 25 sites mais visitados da internet.
Infográfico Rafael Battaglia e Luana Pillmann

1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º 10º 11º 12º 13º 14º 15º 16º 17º 18º 19º 20º 21º 22º 23º 24º 25º

Yahoo! Japão
instagram

Whatsapp
Wikipédia
facebook

Pornhub*
xVideos*

linkedin
Youtube

docomo
amazon
twitter

Yandex

openai
Google

Yahoo!

Netflix
reddit
tiktok

Office
xnxx*
Baidu

Dzen
live

VK
Entre em nosso grupo no telegram: t.me/clubederevistas
33,4
88,1

17,4
6,6
6,6
5,3

3,3

2,9

2,3
3,4

2,4
4,7

2,7

1,9
1,8
1,8

1,3
1,5
1,5
1,4
3,1

2,1
2,1

1,7
1,7

OS ESTRANHOS NO NINHO VITÓRIA DO ROBÔ HÁBITO NIPÔNICO

Baidu e Yandex são os sites de busca mais usados
na China e na Rússia, respectivamente. Docomo é a
maior operadora telefônica do Japão. VK é o “Facebook
russo". E a plataforma Dzen, também da terra de Putin,
cria um feed personalizado (com notícias, vídeos e
fotos) de acordo com os interesses do usuário.
O ChatGPT é o app que atingiu 100 milhões de usuários
mais rapidamente. O bot da OpenAI bateu a marca
em três meses (o TikTok levou nove). A popularidade
também alavancou em 15% a audiência do Bing (27º site
mais visitado): desde março, dá para usar uma versão
do buscador integrada ao robô via Microsoft Edge.
Tráfego (em bilhões de visitas por mês)
O Yahoo! Japão é uma empresa separada da Yahoo!
americana. Nasceu em 1996 (junto ao SoftBank, gigante
japonês de telecomunicações) e foi 100% pensada
para o mercado do país. Deu certo: até hoje é comum
que os japoneses o acessem para ler notícias, fazer
compras e, sobretudo, participar de leilões online.

*Sites de conteúdo adulto.

fonte: Visual Capitalist e SimilarWeb (valores de maio de 2023).
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