ROUBO DE

Edição 441 • julho 2022

CELULAR
Entenda como os ladrões
invadem suas contas bancárias
no aparelho. E saiba como
evitar esse transtorno. p. 32

r$ 25,00

À noite, a digestão
muda – e a comida pode
engordar mais. Enquanto
dormimos, a pele se renova
e o sistema imunológico
trabalha melhor. Quase
todas as funções do corpo
têm seus horários. Elas
são coordenadas por
uma bolinha bem no
meio do cérebro – e pelo
Sol. Conheça as novas
descobertas sobre esse
POR BRUNO GARATTONI E LEONARDO PUJOL mecanismo. p. 20
p. 44 p. 52 p. 38 p. 08
a nova a armadilha james webb: o fim das
era do do cigarro o sucessor cripto-
divórcio. eletrônico. do hubble. moedas?
CARTA AO LEITOR
A antropologia
das NFTs
“Cozomo de Medici” é um gran-
de colecionador de NFTs. O nome
vem entre aspas porque se trata,
claro, de um pseudônimo – referên-
cia a Cosimo de Medici (1389-
1464), o banqueiro de Florença que
estabeleceu sua família como me-
cenas da arte renascentista. A pes-
soa real por trás do pseudônimo é o
americano Calvin Cordozar Broa-
dus Jr., mais conhecido por outro
codinome: Snoop Dogg. “Cozomo
de Medici” é o nome que o rapper
usa em sua conta na OpenSea, o
maior marketplace de NFTs.
Os registros da OpenSea mos-
tram que, em julho de 2021, ele pa-
gou US$ 2,1 milhões pela NFT
CryptoPunk #3831. Bom, a única
coisa que difere uma NFT de um
arquivo digital comum é uma es-
pécie de “certificado de proprieda-
de”. O sistema é engenhoso: algum
artista sobe um desenho que fez na
blockchain do Ethereum. Dessa
forma, você pode comprar o dese-
nho com Ethereum, a moeda digi-
tal. Como a cripto e a obra estão na
mesma rede (a blockchain da moe-
da), fica registrado ali que você fez
a compra, e que agora é dono da
imagem. Tudo automático.
A graça de brincar com essa tec-
nologia acabou criando um novo
mercado de arte, onde estão os
CryptoPunks, de 2017. Trata-se de
uma coleção: 9.999 caricaturas bem
parecidas. Cada uma consiste num
rosto pixelizado, e as diferenças es-
tão nos detalhes. Tipo: um usa ócu-
los, brinco dourado e chapéu de
cowboy (#7365). Outro, cabelo ver-
de, máscara e batom (#9074). Não
há duas caricaturas exatamente
iguais. Cada uma é única, e vem ba-
tizada com uma numeração, de
0001 a 9.999.
Alguns traços são mais raros. Só
nove deles, por exemplo, têm pele
editorial
azul. Isso basta para torná-los mais
valiosos. Um desses nove, o Cryp-
toPunk #5822, foi vendido por US$
23,7 milhões em fevereiro de 2022. E
essa nem é a coleção mais célebre.
Essa honra fica com a Bored Apes,
de 2021. São 10 mil caricaturas de
macaco que copiam a fórmula dos
Punks: cada uma traz sua própria
combinação de acessórios – alguns
mais raros do que outros.
Outro colecionador de NFTs,
Neymar, pagou US$ 569 mil pelo Bo-
red Ape #5269 e outros US$ 480
mil pelo #6633. Em reais, dá mais de
R$ 5 milhões. Por dois jpegs que vo-
cê encontra no Google se quiser bai-
xar. Tudo o que o jogador tem é o tal
“direito de propriedade” – que não
serve para nada.
Eminem, Gwyneth Paltrow, Sha-
quille O’Neal, Stephen Curry, Paris
Hilton, Jimmy Fallon e Post Malone
são outras celebridades que possuem
Bored Apes. Pelo simples fato de se-
rem caros, esses jpegs ganharam o
status de joias. E o que os tornou ca-
ros foi, em grande parte, a mania das
criptos. Qualquer coisa envolvendo
cripto acabou supervalorizada.
Agora, com a queda brutal das
criptos (veja mais na pág. 08), come-
ça também um inverno para as NFTs.
Só de maio para cá, o volume de
vendas na OpenSea caiu 75%, acom-
panhando a derrocada do Ethereum.
Os Bored Apes mais baratos chega-
ram a um pico de US$ 429 mil há
dois meses. Hoje estão a US$ 100
mil, e caindo. Seja qual for o final
dessa história, ela já é um marco da
antropologia: deixa claro que nós,
humanos, estamos sempre à beira da
irracionalidade completa.
Alexandre Versignassi
D i r etor De r eDação
AlexAndre.VersignAssi@Abril.com.br
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ROBERTO CIVITA
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CARDÁPIO julho de 2022

20 Capa

RELÓGIO BIOLÓGICO
Quase todos os sistemas do organismo
têm os seus horários. A digestão tende a
funcionar melhor de dia; o sistema imuno-
lógico, enquanto dormimos. Mas o mundo
moderno tem atrapalhado esse mecanismo.

32 Celular blindado
Veja como aperfeiçoar a segurança do
seu smartphone – e evitar que bandidos
zerem a sua conta bancária.

38 O sucessor do Hubble
Saiba como vai funcionar o telescópio James
Webb, que custou quase US$ 10 bilhões – e
irá investigar os primórdios do Universo.

44 Até que a morte os separe?

A pandemia levou a uma explosão de
divórcios pelo mundo. Entenda como adul-
tos e crianças têm encarado esse processo.

A nova era
do divórcio
52 A armadilha dos vapes
P. 44 Os cigarros eletrônicos deslancharam no
Brasil. Mas cuidado: eles podem fazer
tão mal quanto um cigarro comum.

12 carbono zero
Carros a etanol podem
ESSENCIAL poluir menos que os mo-
delos elétricos. Entenda.
número
incríVel ORÁCULO E SE...
6 uma imagem... 58 só uma bitoquinha 64 alexa, casa comigo?
Na China, detectores de Por que humanos se E se surgisse uma máqui-
um observatório a 4 mil beijam? na consciente?
metros de altitude buscam
decifrar os raios cósmicos.

16 loVe me, tender

A cinebiografia Elvis estreia
em julho. Conheça outras
cinco versões do rei do rock
que já apareceram no cinema. 60 contatos imediatos
8 ... uma opinião A Nasa tem protocolo caso
O crepúsculo das 18 o Verdadeiro sem fio ela encontre extraterrestres?
criptomoedas. Caixa projeta feixes de som
direcionados ao usuário – que 63 mestre do tabuleiro
as outras pessoas não ouvem.
20% Como se dar bem em um
jogo de damas?
SUPERNOVAS 12 enquanto isso... Dos jovens

10 a pele que habito 14 3 notícias sobre

brasileiros en�
tre 18 e 24 anos 59 pá pum ÚLTIMA PÁGINA
Cientistas cultivaram
já experimen� 61 só acredito Vendo
66 haja bagagem
16 pérolas do streaming taram cigarros
62
células da pele humana – e a eletrônicos. pensando bem... O fluxo nos aeroportos mais
colocaram em um robô. 19 Você decide p.52 62 lost in translation movimentados do mundo.

Capa | Ilustração Felipe Del Rio

 ESSENCIAL uma imagem...

6 super julho 2022

Foto China News Service / Getty Images julho 2022 super 7
 ESSENCIAL ...uma opinião

na página anterior: Vista aérea dos detectores de um observatório para encontrar raios
cósmicos de altíssima energia, localizado na província de Sichuan, na China. Construído nas
montanhas a uma altitude média de 4.410 metros, o complexo Lhaaso abrange 5.216 detectores
de partículas eletromagnéticas e 1.188 de múons (partículas elementares semelhantes ao
elétron, mas com massa maior). O objetivo do observatório é encontrar indícios da origem dos
raios cósmicos, uma questão que tem intrigado a comunidade científica por mais de um século.

Elas nasceram para

reduzir o poder dos
governos e dos bancos
sobre a economia. Mas

O crepúsculo evoluíram até dar à luz

um sistema financeiro
próprio – calcado em
especulação bruta e
cheio de brechas para

das criptos
fraudes. Esse cenário
passa por uma crise
agora. Seria o fim da
odisseia cripto?

POR alexandre versignassi

O
O COnCEitO dE CriptOMOEdA nasceu em 2009, com o Bitcoin, e tinha um
propósito nobre: funcionar como um substituto para o dinheiro comum. É que
dinheiro comum perde valor ao longo do tempo, via inflação. Quem cria inflação
são os governos – por meio de seus bancos centrais (BCs). Essas instituições
criam moeda e emprestam para os bancos. E os bancos emprestam essa grana
na praça. Com o tempo, a quantidade de moeda em circulação aumenta.
Por exemplo: antes da pandemia, havia US$ 15 trilhões em notas, contas
bancárias e aplicações fáceis de resgatar (o dinheiro que efetivamente gira, e
que os economistas chamam de “agregado monetário M2"). Depois, com fartas
injeções do BC americano no sistema bancário, para aplacar o baque pandêmico
na economia, o M2 saltou para US$ 21 trilhões. 40% a mais. No Brasil foi igual.
Eram R$ 3 trilhões antes da pandemia. Agora são R$ 4,2 trilhões. 40% a mais.
Quando há mais dinheiro girando do que coisas para comprar com esse dinhei-
ro, os preços entram em leilão. Aumentam – mesmo sem que o dinheiro tenha
chegado às mãos de todos. Os criadores do Bitcoin, então, desenvolveram um me-
canismo para evitar isso. Um “dinheiro" limitado a 21 milhões de unidades (neste
momento, circulam 19 milhões, as demais estão sendo mineradas das profundezas
da blockchain, o genial sistema que gerencia a produção e a circulação da cripto).
E é isso: se o Bitcoin substituísse todo o dinheiro do mundo, não haveria mais

8 super julho 2022


inflação. Além disso, os bancos perde-
riam seu poder. Ninguém precisaria ter
conta, afinal. Bastaria uma carteira digital
para guardar os Bitcoins.
Mas há muita ingenuidade por trás
dessa utopia. Primeiro que as injeções
de dinheiro novo via BC são fundamen-
tais para combater crises. Segundo: um
mundo sem bancos é um mundo sem
financiamento. E sem financiamento
o conceito de casa própria, para ficar
num exemplo só, estaria reduzido ao
topo do topo da pirâmide econômica.
Mesmo assim, trata-se de um princí-
pio sólido: conceder mais independên-
cia às pessoas comuns, e tirar poder
dos governos e dos bancos. Mas isso
ficou para trás há tempos. A evolução
das criptos rumou por outro caminho.
Criou-se um sistema pesado de especu-
lação financeira, que abriu portas para
esquemas insustentáveis, às vezes frau-
dulentos. Esse processo pode acabar com
o mundo cripto – e a implosão pode já
ter começado, como vamos ver agora.
deFi
“Finanças Descentralizadas". DeFi, no
acrônimo em inglês. Essa sigla virou
palavra mágica no mercado financeiro.
E consiste no seguinte: aplicativos que
emprestam dinheiro como bancos co-
muns, mas sem a burocracia dos bancos
comuns. Tudo automatizado. Você entra
lá, toma o seu empréstimo em cripto,
deixa uma garantia também em crip-
to, e pronto. Aí basta devolver depois,
pagando um juro relativamente baixo.
De onde vem o dinheiro? De gente que
depositou no app de DeFi com o intuito
de receber uma parte dos juros que os
tomadores de empréstimo pagam.
Até aí, zero novidade: é assim que os
bancos normais funcionam. Eles empres-
tam o dinheiro aplicado em CDB, por
exemplo, e te pagam uma parte dos juros
que recebem a título de recompensa. A
diferença é que, nas DeFis, tudo acontece
sem que haja um banco regulamentado
no meio. É um mercado de empréstimos
numa terra de ninguém.
Importante: o grosso dos emprésti-
mos não rola em criptos tradicionais.
Mas em stablecoins. Elas também são
criptomoedas, que rodam sobre sis-
temas de blockchain, mas têm valor
fixo, atrelado ao dólar. Normalmente,
A Anchor e a Celsius ofereciam juros de
20% ao ano em dólar. isso não existe no
mundo real. Ou seja: eram pirâmides.
as instituições que emitem stablecoins
guardam dólares como lastro. Emitiu
30 bilhões de unidades? Legal. Ela terá
US$ 30 bilhões guardados em algum
lugar para garantir a paridade.
O mais normal, então, é que pessoas
levantem empréstimos em stablecoin.
É como pegar dinheiro de verdade, já
que o valor de cada uma das unidades
de uma stable nas corretoras de cripto
sempre será (salvo desastre) de US$ 1.
Só tem uma questão aí: bancos nor-
mais selecionam rigorosamente quem
pode e quem não pode receber emprés-
timos, para evitar calotes. Como as De-
Fis fazem isso? Bom, elas não fazem.
O esquema ali é outro. Se você quiser
pegar US$ 1 mil em stable, deve deixar
depositado o equivalente a US$ 1,2 mil
em cripto (as proporções variam de De-
Fi para DeFi, mas ficam nessa faixa).
A moeda digital mais popular nessas
transações é o Ethereum (ETH), que
nasceu em 2014. O Bitcoin tem certas
limitações tecnológicas – não flui nos
sistemas de DeFi. Um derivado dele
criado em 2019, o Wrapped Bitcoin,
flui, mas não é tão utilizado.
Bom, vamos dizer que cada unidade
do ETH esteja cotada a US$ 1,2 mil, para
facilitar. Então você deixa um Ethereum
como garantia e pega US$ 1 mil em stable.
Caso a cotação caia abaixo de US$ 1,2 mil,
o app de DeFi vende automaticamente
sua garantia no mercado e dá o emprés-
timo como quitado. Você fica com US$
1 mil na mão, mas perde US$ 1,2 mil.
Ei… espera um pouco: que sentido
faz deixar US$ 1,2 mil em ETH como
garantia para um empréstimo de US$
1 mil, se bastaria você vender seus os
ETHs no mercado e ficar com US$ 1,2
mil na mão de uma vez?
Isso só tem lógica se você for um espe-
culador que aposta na alta do Ethereum.
Você deixa 1 ETH de garantia e pega o
empréstimo em dólar, via stable. Aí passa
a ter uma dívida em dólar – guarde isso.
Então você pega o empréstimo de
US$ 1 mil, compra tudo em Ethereum
EDIÇÃO alexandre versignassi
(0,8 ETH), e espera uns meses. Vamos
dizer que, nesse meio tempo, a cotação
do Ethereum suba uns 65%, para US$ 2
mil. Pronto. Aí é só você vender seu 0,8
ETH pelo preço novo. Você fica com US$
1,6 mil. Então paga a dívida de US$ 1 mil
e pega a garantia de volta devidamente
valorizada (já que que ela está na forma de
Ethereum). Parabéns: você ganhou US$
600 do nada, usando ETHs que não tinha.
Alguém pode perguntar: mas por que
não pegar o empréstimo em Ethereum
de uma vez? Porque nesse caso sua dí-
vida estaria não em dólar, mas em ETH.
Seu saldo devedor aumentaria – zero
vantagem. Já num cenário de alta, é tudo
festa. Você lucra com a operação e até
com os ETHs que deixou lá de garantia.
Para que isso funcione, o ETH (ou seja
lá a cripto que você use na DeFi) precisa
subir o tempo todo. E isso é justamente
o que aconteceu por muito, muito tem-
po. Em 2020, o Ethereum subiu 475%
(de US$ 131 para US$ 751); em 2021,
mais 400% (de US$ 751 para US$ 3,7
mil – com um pico de US$ 4,8 mil em
novembro). Foi uma bolha retroalimen-
tada justamente pela mania das DeFis.
Desde lá então, porém, a cotação só
cai – do ETH, do Bitcoin, de todas as
criptos. Começou por conta dos aumen-
tos de juros nos EUA. Eles drenam di-
nheiro da economia, e aí sobra menos
para os mercados de risco. Após as que-
das iniciais, algumas DeFis quebraram.
Foi o caso da Anchor e da Celsius.
As duas ofereciam juros de 20% ao ano
em dólar. Isso não existe no mundo real.
Ou seja: eram pirâmides. Remuneravam
clientes antigos com a grana de clientes
novos. A queda nas cotações diminuiu
a clientela e deixou a nu esse tipo de
picaretagem. A quebradeira retroalimen-
tou as quedas. Nisso, o Bitcoin tombou
60% em 2022. O Ethereum, 70%. E nada
garante que essas quedas, mais dia me-
nos dia, não cheguem a 100%. O destino
mais comum das bolhas, afinal, é desa-
parecer no ar. Sem deixar vestígios do
esplendor que um dia elas exibiram. S
julho 2022 super 9
 SUPERNOVAS
ILUSTRAÇÕES FELIPE DEL RIO & IRIS YAMAMURA DESIGN CARLOS EDUARDO HARA
pele humana é aplicada em robô
cientistas da Universidade de Tóquio
criaram um método para cultivar pele hu-
mana em laboratório – que eles então usa-
ram para revestir um dedo robótico 1 .
O processo tem duas etapas. Primeiro, os pes-
quisadores mergulham o dedo mecânico numa
solução com colágeno e fibroblastos (um dos
tipos de célula que formam a pele humana).
O colágeno adere ao dedo, trazendo consigo
os fibroblastos e formando uma espécie de
derme. Em seguida, o objeto é recoberto com
10 super julho 2022
uma solução contendo outro tipo de célula,
os queratinócitos: que compõem a epiderme,
a camada mais exterior da pele. O procedi-
mento é relativamente lento. Na primeira
experiência, a formação da pele levou duas
semanas. Ela é capaz de se regenerar sozinha
em caso de ferimentos. Mas, por enquanto,
só é viável em laboratório, onde pode ser ir-
rigada com nutrientes – para usá-la em robôs
de verdade, seria preciso inventar um meca-
nismo capaz de fornecê-los. (Bruno Garattoni)
A
sn. EDIÇÃO Bruno garattoni

40,9
graus cElsius
é a temperatura
máxima alcançada
por um cérebro
saudável, segundo
um estudo 2 publi-
cado por cientistas
da Universidade de
Cambridge, que usa-
ram exames de res-
sonância magnética
para medir isso. A
temperatura varia de
pessoa para pessoa,
e é mais alta nos jo-
vens e nas mulheres.
Em média, o cérebro
trabalha 1 grau mais
quente que o resto
do corpo – mas a
diferença pode che-
gar a 4 graus. (BG)
B

Orangotangos FENÔMENO QUÂNTICO PODE CAUSAR MUTAÇÕES

também criam ‘Salto' de prótons durante a reprodução das células poderia danificar o DNA.

gírias Quando as células humanas se duplicam, acreditam que isso possa acontecer, também,
às vezes acontecem erros na cópia do DNA: as durante a multiplicação das células humanas (4) .
EssEs animais têm o
mutações genéticas. Elas ocorrem naturalmente O DNA é formado por duas “fitas", que
hábito de emitir um
e também podem ser estimuladas por fatores ficam presas uma à outra por uma cadeia de
som característico,
externos, como poluição, tabagismo e má ali- átomos de hidrogênio. Quando a célula vai se
que lembra um apito,
mentação. Um artigo publicado por cientistas duplicar, o DNA precisa ser cortado ao meio,
para se comunicar.
da Universidade de Surrey, na Inglaterra, propõe separando as fitas. Nesse momento, dizem os
Mas, de tempos
mais uma possível causa: o tunelamento quânti- cientistas, os prótons do hidrogênio podem
em tempos, algum
co. Nesse fenômeno, que é bem conhecido pela “pular" de um lado para o outro e ir parar no
deles inventa uma
versão modificada
física, partículas subatômicas podem atravessar lugar errado, causando um erro naquele tre-
daquele som – que
pequenos obstáculos – elas simplesmente de- cho do DNA. O estudo demonstrou que isso
ganha popularidade saparecem de um lugar e aparecem em outro, é teoricamente possível – para ter certeza, será
e passa a ser copiada logo após a barreira. Os pesquisadores ingleses preciso observar na prática. (BG)
pelos demais. Foi
o que descobriram
cientistas da Univer-
sidade de Warwick, "Não existem backdoors",
que passaram cinco
anos observando o dissE rob JoycE, diretor da National Security Agency (NSA, a superagência de espionagem americana), ao
comportamento de comentar os novos padrões de criptografia que ela está ajudando a desenvolver – e, no futuro, poderão
orangotangos 3 ser usados em computadores e smartphones. A NSA é acusada de interferir na indústria de criptografia
em reservas e software, para obrigá-la a inserir backdoors (portas de acesso secretas, que podem ser usadas para
ecológicas. (BG) espionagem) nos seus algoritmos de codificação de dados. (BG)

Ilustrações A Felipe Del Rio. B Iris Yamamura. Fontes (1) Living skin on a robot. M Kawai e outros, 2022. (2) A daily temperature rhythm in the
human brain predicts survival after brain injury. N Rzechorzek e outros, 2022. (3) Sociality predicts orangutan vocal phenotype. AR Lameira e outros, julho 2022 supEr 11
2022. (4) An open quantum systems approach to proton tunnelling in DNA. L Slocombe e outros, 2022.
 sn.
Fotos do filme “Bar-
bie” com a bandeira
do Brasil deixaram
o público ansioso.
ENQUANTO
ISSO...
Texto Luisa Costa
Ilustração Luana Pillmann
Cientistas dos EUA descobri-
ram a maior bactéria do mun-
do: a Thiomargarita magnifica,
que tem 1 cm de comprimento
e pode ser vista a olho nu A.
Um estudo indicou que a
redução de tecidos fibrosos nos
ovários pode ajudar a combater
a infertilidade feminina B.
Pesquisadores desenvolveram um
implante que alivia a dor e pode ser
uma alternativa aos opioides C.
Uma combinação de medi-
camentos mostrou potencial
para tratar o câncer de mama
resistente à quimioterapia D.
Fontes A Laboratório Nacional Lawrence
Berkeley B Universidade de Adelaide.
C Universidade Northwestern. D LSU
Health New Orleans.
12 super julho 2022
COLUNA: CARBONO ZERO
Por Salvador Nogueira
OS CARROS ELÉTRICOS SÃO A ÚNICA OPÇÃO?
Em alguns casos, o carro a álcool pode ser até mais limpo. Entenda por quê.
Há um consenso, vindo principalmente
do mundo desenvolvido, de que os carros
elétricos são o futuro. Esses veículos, em
princípio, poderiam atingir neutralidade
total de carbono, caso pudessem ser re-
carregados a partir de fontes 100% lim-
pas. O problema é que não é assim que
a banda toca.
Ao plugar o carro na tomada, o consu-
midor está transferindo energia da rede
elétrica para a bateria, e a chave para en-
tender o real impacto sobre emissões é
saber como essa energia foi gerada. Um
estudo da empresa alemã Mahle revelou
que no Brasil, onde 85% da eletricidade
vem de fontes renováveis (e limpas), co-
mo as hidrelétricas, alimentar um carro
elétrico ao longo de dez anos emitiria o
equivalente a 17,6 toneladas de CO2. Já
na Bolívia, que tem quase 65% de sua
eletricidade gerada por combustíveis fós-
seis, alimentar esse mesmo carro geraria
32,5 toneladas de CO2 – mais até do que
um veículo a gasolina, que emitiria 31,3
toneladas no mesmo período de uso.
Essa diferença seria o fim da história, não
fosse outra tecnologia em uso no Brasil há
muito tempo: os biocombustíveis, em par-
ticular o etanol. O mesmo estudo da Mahle
indica que a emissão média de um carro
movido a etanol, no Brasil, é de 12,1 tone-
ladas de CO2-equivalente a cada dez anos.
ApresentAdo por
Ou seja, menos até que o carro elétrico!
É fato que os motores a etanol emi-
tem um bocado de poluentes. Mas boa
parte disso é compensada pela nature-
za renovável do sistema: para produzir
mais etanol, é preciso plantar cana, que
tira CO2 da atmosfera via fotossíntese.
No balanço, a conta fica bonita. E com a
vantagem adicional de que os carros flex
e a disponibilidade ampla do etanol fazem
com que nossa grade de mobilidade já
esteja praticamente toda preparada para se
beneficiar disso.
Contudo, esse também não é o fim da
história. Porque o balanço de carbono não
é o único fator envolvido. Nas grandes
cidades, os motores a combustão preju-
dicam a qualidade do ar e aumentam a
incidência de doenças respiratórias (um
problema que o carro elétrico não tem).
Ademais, se todo mundo aderir ao etanol,
haverá combustível para todos? Do outro
lado, haverá apagão elétrico se todo mun-
do abandonar os combustíveis fósseis e
plugar seus carros na tomada? Qualquer
solução racional, especialmente no caso
do Brasil, envolverá um mix. Para uso
urbano, o carro elétrico parece melhor;
para viagens longas, etanol e outros bio-
combustíveis são mais convidativos. Cer-
teza, só uma: precisamos cortar, em escala
global, o uso dos combustíveis fósseis.
 Mundo tem mais de 1 catástrofe natural por dia
Desastres quase dobraram nos últimos 20 anos; mudanças climáticas são principal motivo.

DESASTRES NATURAIS POR ANO, NO MUNDO

550

Média
anual:
450
405,9

350 Média
anual:
257,7
250

150

1981 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015 2020

SECAS POR ANO, NO MUNDO EVENTOS DE TEMPERATURA EXTREMA

30 50

25
Tendência 40
estatística
Tendência
20 estatística
30

15

20
10

10
5

1970 1980 1990 2000 2010 2020 2030 1970 1980 1990 2000 2010 2020 2030

Fonte Global Assessment Report on Disaster Risk Reduction 2022. UNDRR (ONU). Gráfico Carlos Eduardo Hara.

63,1%
da água potável que chega às torneiras dos EUA contém resíduos de urânio,
segundo um estudo publicado por cientistas da Universidade Columbia (5), que
analisaram os resultados de 37 mil testes realizados em vários pontos do país.
Mas, na maioria dos casos, o material – cuja procedência é desconhecida – estava
dentro do nível considerado aceitável para a saúde. Os testes também encontra-
ram outros elementos radioativos, especialmente bário (presente em 60,8% das
amostras) e arsênico (45,5%). (BG)

Ilustração Iris Yamamura. Fonte (5) Sociodemographic inequalities in uranium and other metals in community water systems across the USA. F Ravalli e outros, 2022.
julho 2022 super 13
 sn.

Baratas
3 notícias sobre
estão
Banksy aprendendo
Novas polêmicas sobre quem ele é – e o que realmente faz. a driblar
veneno
Quando elas vão
acasalar, o macho
libera secreções
doces para atrair
a fêmea. Mas
algumas fêmeas
começaram a
rejeitar isso,
demonstrando a
chamada "aversão
à glicose". Segun-
do cientistas da
Universidade da
Carolina do Norte,
que detectaram
essa mudança de
comportamento
nos insetos
6, trata-se de
uma adaptação

1.
Funcionário público
pede demissão
Billy Gannon, de 58 anos, se
demitiu da prefeitura de Pem-
broke Dock, no País de Gales.
Motivo: um rumor, que virali-
zou nas redes sociais inglesas,
afirmando que Gannon seria o
misterioso grafiteiro Banksy.
Ele nega, e começou a usar um
botton pregado na roupa com
a frase "Não sou o Banksy".
Segundo Gannon, a história
foi plantada por um rival para
tumultuar sua vida. (BG)
eUa organizam
2. 3.
artista nega a autoria
evolutiva para
driblar o efeito
das armadilhas
contra baratas:
exposição suspeita de obra na rua esses dispositivos
A mostra Banksyland, que es- Ela surgiu em Bristol, na utilizam iscas de
treou em Seattle cobrando US$ Inglaterra, e mostra dois sabor doce, que os
30 pelo ingresso, teve a origem macacos atrás de grades – um machos ingerem
e autencidade questionadas segura um pincel após pintar
pela imprensa local. A expo- a frase "sua ganância irá nos
(e então carregam
sição, que não foi autorizada matar". Os representantes o veneno, dentro
pelos representantes legais de Banksy disseram que ele do corpo, até as
de Banksy, supostamente usa não é o autor. Duas semanas fêmeas). Ao recu-
obras emprestadas por colecio- depois, uma obra parecida sar as secreções
nadores. Mas uma investigação apareceu em Oxford. No lugar
revelou que ela foi montada dos macacos, ela mostra o
doces, as baratas
por uma empresa obscura, primeiro ministro Boris John- fêmeas evitam o
de apenas 4 funcionários. (BG) son atrás das grades. (BG) risco de envene-
namento. (BG)

rússia está Petróleo russo Quem mais

Polônia Rússia
exportando exportado pelo compra
oleoduto Druzhba: Oleoduto
mais petróleo Antes da guerra:
250
Druzhba
Volume equivalente a 100 Eslováquia ("amizade",
Sanções devido à
750 mil barris por dia Alemanha Rep. em russo)
Guerra da Ucrânia não Milhares
têm freado a venda do Depois: 857 mil/dia Tcheca
de barris
produto por oleoduto. Mudança: +14% por dia Hungria

14 super julho 2022 Fonte Argus Media/The Economist. Gráfico Carlos Eduardo Hara.
 NÃO É BEM
ASSIM...
notícias que
bombaram por
aí – mas não
são verdade

a notícia

Comer peixe
aumenta o
risco de câncer
de pele
o qUe ela Dizia
Quem come peixe
com frequência (em
média um pedaço por
dia) tem 22% mais
risco de desenvolver
melanoma. Foi o
que descobriram
ESTUDO DERRUBA A PRINCIPAL TESE SOBRE O ALZHEIMER cientistas do National
Cancer Institute e da
Mais um remédio fracassa nos testes clínicos – e a “teoria amiloide" perde força. Universidade Harvard,
que monitoraram 491
mil pessoas durante
Nas pessoas que sofrem de Alzheimer, o remover essas placas do cérebro – mas, mes- quinze anos.
cérebro tem excesso da proteína beta-ami- mo assim, não evita ou reduz os sintomas do
loide: essa substância se acumula e forma Alzheimer. Agora, aconteceu de novo. Desta
a verDaDe
placas, que supostamente atrapalham o vez com o crenezumab, um medicamento Como tem autores
fluxo de sinais entre os neurônios (cau- experimental que está sendo desenvolvido importantes, o estudo
sando perda de memória e outros sinto- pela suíça Roche e também age eliminando 7 circulou bastante
mas cognitivos). Essa é a “teoria amiloide", as placas amiloides. A droga foi testada por e recebeu muita
a mais aceita para explicar a doença. Mas, oito anos em pessoas que carregam a muta- atenção da mídia.
ção genética 1E280A, ligada ao surgimento Mas ele ignora um
no começo deste ano, essa tese sofreu um
fator elementar. As
duro golpe com o fracasso clínico do adu- precoce do Alzheimer – mas, segundo a pessoas que comem
canumab, um remédio que foi criado pelo empresa, “não desacelerou ou preveniu o mais peixe tendem a
laboratório americano Biogen e consegue declínio cognitivo" delas. (BG) morar no litoral, onde
esse alimento é mais
barato – e toma-se
mais sol. Portanto, a
real causa do aumento
Museu do Louvre é acusado de receptação de melanoma é a
maior exposição aos
raios solares, não a
Jean-Luc Martinez, que dirigiu o museu entre 2013 e 2021, foi indiciado na Justiça francesa pelo crime ingestão de peixe.
de receptação de material roubado. Ele é acusado de comprar relíquias contrabandeadas do Egito em Após a polêmica ge-
2011, incluindo pinturas em tecido do ano 450 a.C. e uma placa com o retrato do faraó Tutancâmon. rada pelo estudo, um
Martinez, que também é investigado pela Justiça dos EUA (pois o Louvre revendeu alguns objetos para dos autores disse que
"não recomendaria a
o Metropolitan Museum de Nova York), teria ignorado os alertas de especialistas e feito vista grossa ninguém mudar [dimi‑
para certificados de origem falsificados. Vários museus ocidentais possuem objetos egípcios, mas eles nuir] seu consumo de
foram obtidos há muito tempo – durante invasões do país por franceses e ingleses, no século 19. (BG) peixe". (BG)

Ilustrações Iris Yamamura. Fontes (6) Rapid evolution of an adaptive taste polymorphism disrupts courtship behavior. C Schal e outros, 2022.
(7) Fish intake andrisk ofmelanoma intheNIH‑AARP diet andhealth study. Y Li e outros, 2022. julho 2022 super 15
 sn. PLAYLIST

Austin Butler estrela Elvis, dirigido por Baz Luhrmann, que chega aos

Os outros Elvis cinemas dia 14 de julho. Ele se junta ao clube de atores que interpretaram
o Rei do Rock – das mais diversas formas. Confira quem já assumiu
esse papel. Texto Rafael Battaglia • Design Luana Pillmann

brUce campbell val Kilmer

Bubba Ho-Tep (2002) Amor à Queima-Roupa (1993)

Nesta mistura de comédia Com roteiro de Tarantino, o

e terror, Elvis não morreu filme narra o romance entre
(quem morreu, na verdade, Clarence (Christian Slater), ci-
era um sósia seu). Junto ao néfilo e obcecado por Elvis, e a
ex-presidente John F. Kenne- garota de programa Alabama
dy (que na história também (Patricia Arquette). Kilmer al-
está vivo), ele decide mejava o papel principal, mas
enfrentar uma múmia que aceitou se submeter a quase
passou a assombrar a casa oito horas de maquiagem para
de repouso onde vivem. Não viver o fantasma do cantor,
há nenhuma música de Elvis que dá conselhos a Clarence.
na trilha sonora. Também Para não pagar royalties à fa-
pudera: adquirir os direitos mília Presley, o longa se refere
de uma única faixa custaria KUrt rUssell ao personagem apenas como
metade do orçamento de “O Mentor”.
US$ 1 milhão do filme.
Elvis Não Morreu (1979)

Feita dois anos após a morte

micHael sHannon
Elvis & Nixon (2016)
Em 1970, Elvis foi ao portão da Casa Branca
entregar uma carta ao presidente Richard
Nixon. Os dois se encontraram, e Elvis
pediu a ele um distintivo de agente federal
para ajudá-lo no combate ao consumo
de drogas no país. Parece até invenção,
mas a história é verdadeira – e o filme
estrelado por Shannon (que vive um Elvis
fanático por armas e hater dos Beatles) se
encarrega de contá-la.
de Elvis, esta cinebiografia
para TV é a primeira parceria
de Kurt com o diretor John
Carpenter. Eles trabalharam
juntos mais quatro vezes
(como em Os Aventureiros
do Bairro Proibido, de 1986).
Foi também a primeira das
encarnações do ator como
Elvis: Russell também fez a
voz do cantor em uma cena
de Forrest Gump (1994) e
um assaltante que precisa
imitá-lo em 3.000 Milhas
para o Inferno (2001).
HarveY Keitel
Um Estranho Chamado Elvis (1998)
O que você faria se um homem de meia-
-idade clamando ser o finado Elvis (embora
não pareça em nada com ele) te pedisse uma
carona? Essa é a premissa do enredo, uma
road trip até Graceland, a famosa mansão
do roqueiro na cidade de Memphis. Este
filme, sim, tem a bênção da “família real”:
a produção executiva é de Priscilla Presley,
viúva do cantor. De quebra, conta com a
participação de Bridget Fonda, interpretando
uma imitadora de Marilyn Monroe.

fILME fILME
Primer (2004) MUBI Acredite em mim
Dois engenheiros inventam (2018) Netflix
uma máquina que permite A história real de Lisa
voltar 6h no tempo. Começam McVey, que aos 17 anos foi
PÉROLAS DO a usá-la para investir na Bolsa, sequestrada e mantida em
STREAMING comprando ações que eles já
sabem que vão subir. Mas cada
cativeiro por Bobby Joe Long,
um serial killer que já havia
ida ao passado gera duplos: matado dez mulheres. Lisa
cópias dos dois, que eles têm conseguiu escapar, mas
de evitar a qualquer preço. aí teve de enfrentar
Sci-fi independente que custou outra violência: a família
míseros US$ 7 mil – e venceu o e a polícia não acreditavam
Sundance Film Festival. (BG) no relato dela. (BG)

16 supEr julho 2022 Imagens reprodução/divulgação.

 EDIÇÃO Bruno garattoni

“O essencial para
a felicidade na
vida é o que o
indivíduo tem
em si mesmo",
escreve o alemão
Arthur Schopenhauer
neste livro de 1875, que
está sendo relançado no
Você é um gato perdido Brasil. O filósofo é conhe-
E precisa reencontrar sua casa, atravessando um mundo incompreensível cido pela visão austera, e
e povoado por robôs. Eis a premissa deste game, que é um dos mais até amarga, da vida. Mas,
esperados dos últimos anos – e, pela ambientação futurista e noir, foi aqui, ele é outro: propõe
apelidado de Blade Runner felino (referência ao clássico filme de 1982). um caminho para ser fe-
O jogo será vendido avulso, mas também poderá ser baixado de graça liz, com passos surpreen-
A Segunda pelos assinantes do novo serviço PlayStation Plus Extra. (BG) dentemente exequíveis –
dos quais o primeiro é
Guerra não Stray. Para PlayStation e PC. US$ 30. perceber como os fatos
acabou concretos são minúscu-
los perto da interpretação
Em fevereiro de 1945, o que damos a eles. (BG)
militar japonês Hiroo Schopenhauer: Aforis-
Onoda foi enviado para mos para a Sabedoria
as montanhas das Filipi- de Vida. R$ 46.
nas. Em outubro, viu um
panfleto dizendo que seu
país tinha se rendido, e a
guerra havia terminado.
Só que ele não acreditou,
e passou os 29 anos se-
guintes escondido e pron- UM PULO NOS ANOS 1920
to para o combate. Neste O primeiro Cuphead ganhou 16 prêmios internacionais. Merecidos: o
livro, o alemão Werner game, um platformer (jogo de pulo, ao estilo Mario) inspirado nos dese-
Herzog conta esse caso nhos animados da era pré-Disney, combina um visual incrível e fases
verídico, que só termi- tão difíceis quanto recompensadoras. Agora, cinco anos após seu lan- O lado oculto
naria após um encontro çamento, o jogo finalmente está ganhando uma expansão, com novos da matéria
inesperado. (BG) personagens e desafios – e a mesma fórmula irresistível. (BG)
Um terço de tudo o
O Crepúsculo do Cuphead: Delicious Last Course. Para PlayStation, Xbox, Switch, PC e que existe no Universo é
Mundo. R$ 46. Mac. R$ 20 (ou R$ 60 incluindo o jogo original). a chamada matéria escu-
ra, que não conseguimos
ver ou tocar. Neste livro
a física Lisa Randall, da
Universidade Harvard,
Série Série conta o que a ciência
Pico da Neblina O Futuro Netflix sabe e não sabe sobre
HBO MAX
Os postes de rua serão troca- elemento misterioso, e
A maconha foi legalizada no dos por árvores biolumines-
Brasil, e dois amigos mon- propõe uma teoria ins-
centes. Os cachorros terão
tam uma loja para vendê-la. a própria internet, nossos
tigante: foi um disco de
Enfrentam os problemas clones digitais viverão em matéria escura o res-
típicos de um negócio supercomputadores – enquan- ponsável pela queda do
(burocracia, concorrência, to comemos bifes de carne asteroide que extinguiu
impostos). Até que um dia celular cultivada em casa.
não conseguem comprar os dinossauros. (BG)
Produzida pelo site The Verge,
cannabis dos fornecedores esta série imagina 12 aspectos O Universo Invisível.
legais – e se envolvem com do mundo do futuro, do mais R$ 73.
o mundo do crime. (BG) plausível ao mais radical. (BG)

julho 2022 Super 17

 sn. TECH

É como usar Caixa usa uma nova tecnologia para projetar

feixes de som extremamente direcionados –

fones de ouvido que você ouve, mas as pessoas ao lado não.

Texto Bruno Garattoni • Design Luana Pillmann

AS CÂMERAS O PROCESSAMENTO O DISPARO

São duas porque, dessa forma, é A caixa pega o sinal de áudio (uma Os alto-falantes disparam vários
possível captar uma imagem 3D, música, por exemplo) e transforma feixes de som, em ângulos precisos.
com profundidade – e determinar a num conjunto de frequências As ondas colidem em frente aos seus
distância e o ângulo da sua cabeça. ultrassônicas, inaudíveis. ouvidos – e só aí se tornam audíveis.

A tecnologia, que se chama Smart Beaming e foi
desenvolvida pela empresa israelense Noveto, usa um
conjunto de alto-falantes bem pequenos: o primeiro
protótipo tem 256 deles (com aproximadamente 1 cm
cada). Por fora, parece uma caixa Bluetooth comum,
exceto por um detalhe: duas câmeras, que detectam a
posição da sua cabeça. A caixa usa essa informação para
escolher os alto-falantes que vão produzir o som. Eles
emitem frequências ultrassônicas, que o ouvido humano
não consegue captar (e se propagam em ângulos bem
definidos). Elas colidem bem em frente às suas orelhas
– e aí se transformam em sons audíveis, mas apenas por
você. Quem está ao lado não escuta nada. O sistema,
que é protegido por 45 patentes, já foi demonstrado
publicamente pela Noveto. Agora, a empresa pretende
licenciar a tecnologia para fabricantes de caixas de som.

18 super julho 2022 Fotos Reprodução/Divulgação

 EDIÇÃO Bruno garattoni

VOCÊ DECIDE
Os projetos mais
interessantes
(e surpreendentes)
do mundo do
crowdfunding

Com bateria e sem fumaça

A churrasqueira BioLite FirePit+ (US$ 300) tem uma bateria:
é esse bloco laranja, no lado esquerdo. Ela alimenta um sistema Areia limpinha
de injeção de ar, com 51 bicos que ficam dentro da máquina. Isso
kickstarter.com
mantém o fogo alimentado, evitando que o carvão ou a madeira
se apague, e melhora a combustão, reduzindo drasticamente a Projeto Popur X5
quantidade de fumaça. A bateria dura 30h. O que é Uma caixa de areia
autolimpante. Existem outras,
mas elas têm dois problemas:
são fechadas (parecem peque-
COMPOSTEIRA nas máquinas de lavar), e por
isso os gatos não as aceitam,

(MUITO) RÁPIDA e têm mecanismos internos

que ficam sujos. Esta é aberta.
A lomi (US$ 500) transforma cascas E tem um compartimento
e restos de alimentos em adubo – e onde a areia usada cai direta-
promete fazer isso em 5 a 20 horas, mente, sem sujar nada.
muito mais depressa do que na
compostagem convencional (de 4 Quanto já arrecadou
a 12 semanas). Ela é mais rápida
porque mói, mistura, aquece e esfria parafuso secreto US$ 620 mil
Chance de rolar bbb
os restos de comida, estimulando Na guerra fria, a KGB escondia papéis e microfilmes nos
os microorganismos envolvidos na objetos mais inusitados – inclusive parafusos. Agora, esse truque
decomposição. Segundo o fabricante, ganhou uma versão civil: o Shomer Spy Bolt (US$ 27). Ele é oco, Melhor que isopor
a máquina não libera nenhum cheiro, para você esconder objetos como um cartão de memória ou um indiegogo.com
pois tem um sistema de filtros com rolinho de dinheiro dentro. E tem um mecanismo de segurança Projeto LiON Mini
carvão ativado. Os filtros custam US$ inteligente: só abre se for girado no sentido contrário ao normal, O que é Um cooler portátil,
39, e duram seis meses. como se você fosse espanar (apertar excessivamente) o parafuso. para levar bebidas e alimentos
gelados, que tem o próprio
sistema de refrigeração – ele é
alimentado por uma bateria de
Reels autônomo lítio que dura 15 horas, e tam-
Vai gravar um videozinho curto para bém pode ser recarregado com
postar nas redes? O drone Pixy (US$ 250) foi uma placa solar portátil. Tem
criado pelo Snapchat para isso: basta colocá-lo duas versões, com 18 e 28 litros
sobre a sua mão e ele começa a voar sozinho, de espaço interno (suficiente
acompanhando os seus movimentos – inclusive para colocar 24 ou 36 latinhas),
se você andar ou correr – ou fazendo manobras que pesam 11 kg e 12,5 kg.
pré-programadas. O único porém é a bateria
recarregável, que dura bem pouco: míseros 4 Já arrecadou US$ 392 mil
minutos (dá para comprar baterias extras, por Chance bbbb
US$ 20 cada).

julho 2022 super 19

 CAPA

Os
Texto
mistérios do
relógio
Ilustração
Bruno Garattoni
Gustavo Magalhães
& Leonardo Pujol
Design
(colaborou Ana
Natalia Sayuri Lara
Carolina Stobbe)

biológico
À noite, a digestão muda
– e a comida pode engordar
mais. A pele se renova e o
sistema imunológico trabalha
melhor enquanto dormimos;
o coração desacelera. Quase
todos os sistemas do corpo
têm seus horários. Eles são
coordenados por uma bolinha
de 20 mil neurônios bem
no meio do cérebro
– e pelo Sol.

20 super julho 2022

julho 2022 super 21
 a
Aquele julho foi tenso. O ano era
1962, e o mundo parecia prestes a ex-
plodir. Três países africanos declararam
independência, a União Soviética co-
meçou a instalar mísseis em Cuba, e os
EUA detonaram três bombas atômicas:
uma delas, a Starfish Prime, em pleno
espaço sideral, a 400 km de altitude.
Mas para o geólogo francês Michel Sif-
fre, de 23 anos, era como se nada daquilo
estivesse acontecendo. Ele estava em
uma caverna nos Alpes franceses, onde
passaria 60 dias completamente isolado.
Siffre queria ver como o corpo humano
reagiria ao escuro. A Guerra Fria e a
corrida espacial haviam levantado uma
dúvida crucial, que se aplicava tanto às
viagens dos astronautas quanto à capa-
cidade da população de sobreviver em
bunkers antinucleares: se for privado da
luz do Sol, o corpo humano continuará
a funcionar em ciclos de 24 horas, em
harmonia com a rotação da Terra?
A experiência foi angustiante. Cento e
trinta metros abaixo da superfície, Siffre
não tinha acesso à luz solar ou calendário.
A escuridão só não era total porque ha-
via um pequeno gerador alimentando a
lâmpada que iluminava o acampamento,
onde a temperatura média era de 3°C e
a condensação deixava os pés de Sif-
fre sempre úmidos e frios. Para piorar,
pedaços de gelo e pedras se soltavam
do teto com frequência. O francês era
monitorado à distância por uma equipe
de pesquisadores, que falavam com ele
três vezes por dia – Siffre recebia ligações
deles, por meio de um intercomunicador
instalado na caverna, quando acordava,
comia e antes de ir dormir. Conversavam
sobre diversos assuntos, exceto sobre o
que pudesse dar a dimensão do tempo.
Com o correr dos dias, percebeu-se
que Siffre estava vivendo num ciclo
22 super julho 2022
diário de 24 horas e 30 minutos. Nada
muito anormal, certo? Só que essa era
uma média: na prática, o tempo que ele
passava acordado antes de cada período
de sono variava muito, de seis até 40
horas. Seu relógio biológico estava com-
pletamente maluco. Em 14 de setembro,
quando Siffre saiu da caverna, ele ficou
desnorteado: tinha certeza de que apenas
um mês havia se passado, e achava que
ainda era 20 de agosto.
A experiência provou que o corpo
humano realmente precisa da luz do
dia e da escuridão da noite para regular
seu ritmo interno. Décadas mais tarde,
nos anos 1990, um estudo com pessoas
completamente cegas (1) constatou que
a maioria delas tinha ciclos anormais
de sono e vigília – como os olhos não
captavam luz, o corpo não tinha com
o que sincronizar. Essa distorção po-
de alcançar níveis extremos. Em 1972,
Siffre novamente se meteu numa caver-
na escura, desta vez no Texas. Ele acabou
passando seis meses enfurnado – e seu
corpo chegou a trabalhar em ciclos de
48h (36h de vigília, seguidas por 12h de
sono). Acabou transtornado, com sérios
problemas psicológicos.
Todos os seres vivos, inclusive os
mais simples, como bactérias e fungos,
têm algum tipo de relógio biológico. Até
animais que vivem no fundo de caver-
nas ou nas profundezas do oceano, on-
de há pouca ou nenhuma luz, parecem
observar ciclos de atividade e repouso
de aproximadamente 24 horas. Por isso,
esse mecanismo também é chamado de
sistema circadiano – termo originado do
latim circa diem, que significa “cerca de
um dia”. Sabe por que o relógio bioló-
gico é onipresente na natureza? Porque
ele é necessário. Nenhum organismo
consegue trabalhar a 100% de forma
nosso relógio central
é o núcleo supraquias-
mático: uma estrutura
que reage à luz, e está
presente em muitas
espécies animais.
constante. Primeiro, porque precisa de
um tempo de inatividade para reparar os
tecidos desgastados pelo uso. Segundo,
e mais importante, descansar econo-
miza energia. Se um ser ficasse ativo
o tempo todo, precisaria de muito mais
calorias (alimento) para se manter, o que
dificultaria bastante sua sobrevivência.
Dormir também dá uma trégua ao corpo,
e permite que ele aproveite a tranquili-
dade metabólica da noite para executar
processos específicos – o hormônio do
crescimento, por exemplo, só é liberado
enquanto estamos dormindo.
Ou seja: o sistema circadiano é uma
grande vantagem evolutiva. Nos huma-
nos e nos demais mamíferos (e até em
répteis, como os lagartos) ele é controla-
do pelo núcleo supraquiasmático (NSQ),
um conjunto de 20 mil neurônios (quase
nada perto do total presente no nosso
cérebro, 86 bilhões). É uma bolinha bem
no centro da massa cinzenta, perto do
hipotálamo, que responde a vários fa-
tores. O principal é a luz.
No fundo do olho fica a retina, que
tem uma camada de células fotorrecepto-
ras: elas captam a luz e a convertem em
sinais elétricos. A maioria manda sinais
para o córtex visual, que os interpreta e
forma as imagens que enxergamos. Mas
algumas dessas células, as “fotorrecep-
toras atípicas", fazem outra coisa: elas
enviam sinais para o NSQ – que usa a
informação para saber se é dia ou noite.
Só que no mundo moderno, quase
nunca é realmente noite. Olhe pela janela
de casa e você verá que, mesmo no auge
da madrugada, o céu fica bem iluminado
(inclusive quando é Lua nova, e ela está
quase invisível). É a poluição luminosa
– que, junto com as mudanças na rotina,
força nosso relógio biológico a trabalhar
de uma forma diferente da natural, apri-
morada ao longo de milhões de anos
de evolução. “Criamos a civilização, as
sociedades, e fizemos avanços incríveis
que, de forma irônica e efetiva, coloca-
ram os nossos relógios internos contra
nós”, escreve o psicólogo Michael Breus
em seu livro O Poder do Quando (2017).
Metrópoles, lâmpadas, telas, smartpho-
nes. A luz artificial tornou a vida mais
próspera, interessante e divertida. Mas
também carrega um lado obscuro.
Fontes (1) Circadian rhythm abnormalities in totally blind people: incidence
and clinical significance. Rl Sack e outros, 1992.
 Na noite de 4 de fevereiro de 2011,
por volta das 23h30, uma linha de trans-
missão entrou em pane e provocou um
apagão elétrico em todo o Nordeste do
Brasil. Foi um dos maiores blecautes da
história do país, durou toda a madru-
gada, e até hoje é lembrado por uma
visão deslumbrante. Sem ventilador e
ar-condicionado, muita gente foi à rua
para fugir do calor. Ao olhar para o céu,
a população das capitais foi surpreen-
dida por um incrível manto de estrelas,
que elas nunca tinham visto – pois ha-
viam passado a vida toda imersas na
poluição luminosa.
Em metrópoles densas como Tóquio
ou Singapura, a situação é ainda mais
aguda: a eletricidade literalmente extin-
guiu a noite. Nesses lugares, a população
vive sob um reflexo tão brilhante que os
olhos nunca chegam a experimentar a
escuridão de fato. Mas todas as regiões
urbanas, em qualquer ponto da Terra,
sofrem algum grau de influência da luz
produzida pelo homem. E isso apaga a
imensa maioria das estrelas visíveis sem
equipamentos ópticos. Acontece até em
Saint-Rémy, na França, que inspirou a
icônica Noite Estrelada de Van Gogh.
Análises de satélite (2) indicam que o
mundo está ficando 2,2% mais brilhante,
em média, a cada ano. Isso interfere na
migração noturna das aves (3) e muda
o ritmo circadiano das plantas (4), que
acabam florescendo mais cedo. Os pei-
xes-palhaço não se reproduzem, pois
seus ovos não eclodem (5), e as tartaru-
gas-marinhas não conseguem desovar
em praias iluminadas (6). Esses são só
alguns exemplos: na prática, quase to-
dos os seres vivos podem sofrer com a
poluição luminosa.
Em nós, o sintoma mais evidente é a
insônia. Conforme escurece, e o NSQ
o organismo tem reló-
determina que está anoitecendo, ele
envia instruções para outra parte do
gios secundários espa-
cérebro: a glândula pineal. Ela come-
ça a liberar melatonina, um hormônio lhados pelos órgãos.
que prepara o organismo para dormir:
reduz a temperatura corporal, desace- eles são independentes
lera o metabolismo e aumenta a lep-
tina (o hormônio da saciedade), além
de provocar sonolência. Quando nos
– e mantÊm o ritmo até
expomos a mais luz durante a noite,
seja de lâmpadas ou telas, retardamos
fora do corpo.
a liberação da melatonina – e acabamos de luz também já foi associada à maior
com dificuldade para dormir. incidência de diabetes (8), depressão (9)
As telas são especialmente nocivas, e até câncer 10 (mais sobre isso daqui a
porque o NSQ não leva em conta apenas pouco). Os mecanismos que levam a isso
a intensidade da luz, mas também sua to- ainda não são plenamente compreendi-
nalidade. Quanto mais azulada ou branca dos, mas há uma pista. Além do núcleo
uma luz, mais parecida ela é com o tom supraquiasmático, que atua como um
da luz solar ao meio-dia – com exatos maestro, há centenas de outros relógios
6.500 kelvin de temperatura de cor. Só espalhados pelo organismo – e eles in-
que esse é justamente o tom padrão fluenciam diretamente o funcionamento
dos monitores e telas de smartphones. dos nossos órgãos, tecidos e células.
Quando você usa um deles à noite, o
corpo acha que é meio-dia – e freia a Em 1729, o astrônomo francês
liberação da melatonina, atrapalhando Jean Jacques d’Ortous de Mairan de-
o seu sono. É por isso que, nos últimos cidiu fazer uma experiência com a
anos, os sistemas operacionais de celular mimosa: uma plantinha, também co-
e computador passaram a incorporar um nhecida como sensitiva ou dormideira,
“modo noturno", que permite deixar a que abre suas folhas ao amanhecer e
tela mais avermelhada à noite. Esse tom as fecha quando escurece, numa óbvia
afeta menos a liberação de melatonina. demonstração de ritmo circadiano. Ele
Mas também prejudica. Qualquer luz queria ver o que aconteceria se deixasse
pode causar problemas. Inclusive a que a planta completamente no escuro por
entra pela janela durante a noite. Um es- vários dias. Então pegou uma mimosa
tudo publicado por cientistas da Nor- e colocou dentro de um armário. Para
thwestern University revelou que dormir a surpresa de Mairan, que observou a
uma noite em um ambiente com 100 lux planta no escuro, ela continuou a abrir
(um pouquinho mais iluminado que a e fechar as folhas normalmente. Mes-
penumbra) já é suficiente para acelerar mo sem acesso à luz, a mimosa sabia
o ritmo cardíaco e atrapalhar o controle quando era dia e noite. Logo, o relógio
do nível de açúcar no sangue (7) no dia biológico deveria ser controlado por
seguinte. A exposição crônica ao excesso

tempos
Retina
Luz

sincronizados
O corpo tem um relógio
principal, no cérebro, que
envia instruções para os
outros órgãos. Mas vários
deles também possuem
mecanismos próprios.
Córtex
visual NSQ
1 - a luz 2 - a transmissão
Ela atravessa as pupilas e alcança a retina: uma Os cones e bastonetes enviam seus sinais para
camada de células, no fundo dos olhos, que trans- o córtex visual, que os decodifica e produz
formam luz em sinais elétricos. Existem dois tipos as imagens que enxergamos. Mas as células
de célula retinal: "bastonetes" (que captam luz atípicas se comunicam com outro ponto do
em ambientes escuros) e "cones" (que capturam cérebro: o núcleo supraquiasmático (NSQ),
a imagem com cores e detalhes). Na retina, há uma bolinha minúscula, com apenas 20 mil
também as células "fotorreceptoras atípicas" – e neurônios, que está presente na maioria dos
são elas que acionam o relógio biológico. mamíferos. Ele é o relógio central do organismo.

Fontes (2) Artificially lit surface of Earth at night increasing in radiance and extent. C Kyba e outros, 2017. (3) High‑intensity urban light installation
24 super julho 2022 dramatically alters nocturnal bird migration. B Van Doren e outros, 2017. (4) Light pollution is associated with earlier tree budburst across the United
Kingdom. PK McGregor e outros, 2016. (5) Artificial light at night causes reproductive failure in clownfish. E Fobert e outros, 2019.
 Glândula
pineal
(1) Autonomous and self-sustained circadian oscillators
displayed in human islet cells. C Dibner e outros, 2012.

Hipotálamo

3 - As ordens elétricAs 4 -As instruções gerAis 5 - os relógios secundários

O NSQ interpreta os sinais elétricos, e
deduz aproximadamente em qual parte do
dia está. Então ele manda instruções para
outras partes do cérebro: a glândula pineal
(que produz a melatonina, hormônio que
causa sonolência), e o hipotálamo, que
gerencia o apetite (e faz a pessoa sentir
mais fome em certas fases do dia).
Dependendo do horário, o cérebro também
ativa ou desativa a produção de hormônios que
influenciam a atividade de vários órgãos, como
o coração (a pressão sanguínea cai durante
a noite), a pele (ela se regenera mais rápido
enquanto dormimos) e o próprio cérebro:
quando acordamos, o corpo eleva o nível de
cortisol, hormônio ligado ao alerta e ao estresse.
Os órgãos e tecidos do corpo não obedecem
cegamente ao NSQ – muitos deles também
possuem seus próprios relógios internos. As
células do pâncreas, por exemplo, trabalham
num ciclo diário de 23,6 horas (inclusive em
testes de laboratório, fora do organismo
1), que serve para regular a produção de
insulina e o nível de glicose no sangue.

Fontes (6) Can satellite-based night lights be used for conservation? The case of nesting sea turtles in the Mediterranean. T Mazor e outros, 2013.
(7) Light exposure during sleep impairs cardiometabolic function. IC Mason e outros, 2022. (8) Bedroom TVs and obesity. R Scott-Jupp, 2017.
(9) Bedroom Light Exposure at Night and the Incidence of Depressive Symptoms: A Longitudinal Study of the HEIJO-KYO Cohort. K Obayashi e julho 2022 super 25
outros, 2018. 10 Artificial Light at Night and Cancer: Global Study. RA Naggar e S Anil, 2016.

mais algum elemento além da luz.
Ele só seria descoberto séculos depois,
em 1972, quando cientistas do Instituto
de Tecnologia da Califórnia identifica-
ram duas mutações em um gene espe-
cífico da mosca-da-fruta – a Drosophila
melanogaster, aquele insetinho chato que
de vez em quando aparece na cozinha.
Os pesquisadores notaram que esse gene,
batizado por eles de period, controlava o
relógio biológico das moscas: quando ele
sofria mutações 11 , os insetos deixavam
de seguir os ciclos diários de 24 horas.
Seus dias, dependendo da mutação, pas-
savam a ter 19 ou 28 horas.
Em 1984, os geneticistas Jeffrey Hall
e Michael Rosbash, da Universidade
Brandeis, em Massachusetts, notaram
que o gene period controlava a produção
de uma proteína chamada PER. Ela é
sintetizada no citoplasma, dentro das
células, e oscila de forma precisa: se acu-
mula durante a noite, e se dissipa com
o passar do dia, em ciclos de 24 horas.
Eles haviam descoberto a base genética
do relógio biológico – e em 2017, trinta
e três anos depois, receberiam o Prêmio
Nobel de Medicina por isso (junto com
o geneticista Michael W. Young).
A beleza desse sistema, que também
está presente em humanos, está na rela-
ção entre o gene e a proteína. A função
da PER é impedir o period de produzir
mais… PER. O processo se autorregula:
durante o dia, a proteína interrompe a
ação do gene, o que freia temporaria-
mente a produção dela mesma. À noite,
o period volta a atuar, retomando a fabri-
cação de PER. E assim segue, dia após
dia, por toda a vida. Como o pêndulo
de um relógio. É por isso que, mesmo
se você for totalmente privado de luz, o
seu ritmo interno não se desregula ime-
diatamente. Esse mecanismo genético
mantém o relógio do organismo rodando.
a noite foi tomada pela
luz. mas isso afeta nos-
sos processos Biológi-
cos – e pode estar rela-
cionado à maior incidÊn-
cia de certas doenças.
26 super julho 2022
os trÊs cronotipos
Algumas pessoas gostam de acordar cedo e têm
mais disposição de manhã. Outras são notíva-
gas. E isso não é frescura: tem base genética.
O Instituto Internacional da Melatonina, da Universidade
9 genes têm de Granada (Espanha), estudou a liberação desse hormônio,
influência que nos faz dormir. E constatou que existem 3 cronotipos:
direta sobre o
(1) Genetic Basis of Chronotype in Humans: Insights From Three Landmark GWAS. D Kalmbach e outros, 2016.
Cronotipo Cronotipo Cronotipo
NívEl dE MElAtONINA NO sANGUE
cronotipo de
cada pessoa 150 matutino intermediário vespertino
(1).
(picogramas por ml)
120
50% da 90
tendência
a ser mais 60
matutino, ou 30
noturno, é
determinada 0
08 12 16 20 24 02 04 06 08 12
por eles.
HOrA dO dIA
MatutIno VespertIno InterMedIárIo
25% da população 25% da população 50% da população
Nessas pessoas, a concentração Aqui, o nível de melatonina só Nesse grupo, que inclui a
de melatonina começa a subir atinge o ápice bem mais tarde, maioria das pessoas, o pico
mais cedo: por volta das 20h, por volta das 6h da manhã. Isso de melatonina no organismo
ele já atingiu o pico. Por isso, empurra o relógio biológico algu- acontece às 2h da madru-
os indivíduos desse cronotipo mas horas para a frente – fazendo gada. Isso faz com que elas
costumam adormecer por volta com que essas pessoas tendam peguem no sono por volta
das 22h e acordar às 6h, e são mais a dormir e acordar mais tarde da meia noite, em média, e
ativos nas primeiras horas do dia. (e sejam mais ativas à noite). durmam até 8h da manhã.
Ou melhor: os relógios. Cada órgão Universidade de Genebra, que usaram
segue um ritmo diferente, e tem meca- ratos para estudar o comportamento das
nismos próprios para marcar e seguir o células dendríticas 14 . Essas células, que
tempo (as células do organismo conti- também existem em humanos, têm uma
nuam fazendo isso até se você extraí-las função crucial: elas carregam pedaços de
para observar em laboratório, fora do vírus e bactérias até os nódulos linfáticos,
corpo 12 ). As células da pele se dividem “bases militares" do sistema imunológico
mais rápido entre meia-noite e 4h da espalhadas pelo corpo, onde o invasor
manhã, e os pelos faciais crescem mais é analisado e o organismo prepara uma
devagar enquanto dormimos – por isso, resposta. As células dendríticas ficam
um homem que se barbeia à noite não mais ativas durante o sono e logo ao
acorda com uma cara de barba por fazer. despertar. Talvez isso explique por que
Cortes e queimaduras ocorridos de ma- se vacinar de manhã pode gerar uma
nhã e à tarde cicatrizam até 60% mais resposta imunológica melhor – foi o que
rápido 13 do que lesões sofridas entre mostrou um estudo da Universidade de
20h e 8h. Isso acontece porque as células Birmingham, que em 2016 avaliou ido-
do tecido conjuntivo responsáveis pela sos imunizados com a vacina da gripe 15 .
cicatrização, os fibroblastos, perdem a
capacidade de reação à noite.
Cada sistema do corpo trabalha se-
guindo um ritmo. E conforme a ciência
O coração desacelera à noite, o que
reduz a pressão sanguínea: ela alcança
começa a entender melhor isso, uma
nova área de pesquisa vem ganhando
seu ponto mais baixo entre 2h e 4h da
madrugada, e começa a aumentar quan-
força: a cronofarmacologia, que estuda
a relação entre remédios, doenças e o
do acordamos até atingir o pico por volta
do meio-dia. Até o sistema imunológico
horário do dia. Um AVC ou um infarto,
por exemplo, é mais comum no começo
possui seu próprio relógio: trabalha mais da manhã, quando a pressão sanguínea
enquanto o indivíduo está dormindo. se eleva. Já as crises de asma são mais
Foi o que descobriram cientistas da frequentes à noite. Há vários outros
exemplos. “Se você precisar tomar uma
Fontes 11 Circadian clock mutants of Drosophila melanogaster. RJ Konopka, 1972. 12 Clock genes of Mammalian cells: practical implications
in tissue culture. B Kaeffer e L Pardini, 2005. 13 Circadian actin dynamics drive rhythmic fibroblast mobilization during wound healing.
NP Hoyle e outros, 2017. 14 Circadian clocks guide dendritic cells into skin lymphatics. S Holtkamp e outros, 2021. 15 Morning vaccination
enhances antibody response over afternoon vaccination: A cluster-randomised trial. JE Long e outros, 2016.
 os horários do dia
Ainda que cada pessoa tenha seu
próprio ritmo, há momentos que são
comprovadamente mais propícios
para fazer certas coisas.
7h sexo
O ponto mais alto da testosterona no
organismo é no início da manhã 1, o
que torna esse momento o mais propí-
cio para os homens fazerem sexo. Além
disso, há outro fator: é o horário em
que as pessoas estão mais descansadas.
Mandar eMaIls
8h Segundo um estudo 2 da empresa de
marketing Litmus, que analisou o horá-
rio de abertura de 8 bilhões de emails,
escrever cedo aumenta as chances de
a mensagem ser lida: as pessoas come-
çam a conferir a caixa de entrada às 6h,
atingindo o pico entre 10h e 11h.
10h toMar VacInas
Cientistas da Universidade de Birmin-
gham, na Inglaterra, constataram que
pacientes que tomaram a vacina da
gripe pela manhã tinham tendência
a produzir mais anticorpos 3 do que
aqueles que receberam a dose à tarde.
11h caFé
Você toma café logo que acorda? Não
é o ideal: nesse momento, o corpo
já está elevando o nível de cortisol,
hormônio ligado ao alerta (e ao estres-
se), e o café faz menos efeito. Melhor
bebê-lo um pouco mais tarde.
sIesta
14h Após o almoço, a temperatura corpo-
ral cai – e você sente sono. Um estudo
da Universidade de Bruxelas 4 cons-
tatou que dormir meia horinha (algo
bem viável nesta era do home office)
aumenta o desempenho cognitivo.
15h teste de coVId
Está precisando fazer? Cientistas da
Universidade Vanderbilt, nos EUA,
analisaram 86 mil testes e descobriram
que o índice de resultados positivos
é maior à tarde 5 (possivelmente,
porque a carga viral é mais alta nesse
momento do dia).
16h estudar
Há dois momentos do dia em que,
mesmo se você tiver dormido mal
à noite, é difícil cair no sono. São os
chamados horários de vigília: o primei-
ro ocorre por volta das 10h. O segundo
é agora, bem no meio da tarde.
28 super julho 2022
estatina para baixar o nível de coles-
terol, o doutor provavelmente lhe dirá
o corpo tem uma espé-
para tomá-la à noite. Por quê? Porque
os cronofarmacologistas sabem que é
cie de pÊndulo genético,
quando o fígado produz colesterol”, con-
ta o médico Suhas Kshirsagar no livro que oscila da mesma
Mude Seus Horários, Mude Sua Vida (2020).
O tratamento de câncer também pode forma todos os dias – e
ter ligação com o relógio biológico. Em
testes com camundongos 16 , um grupo
de cientistas da Universidade da Caroli-
mantém nosso relógio
na do Norte constatou que os tumores
seguem um ritmo circadiano. E a qui-
girando mesmo sem luz.
mioterapia pode fazer mais efeito, per- grupo comia mais no almoço, e menos
mitindo usar uma dose menor e menos na janta. O outro comia mais à noite. De
tóxica para o animal, se for administrada resto, tudo era muito parecido: as pesso-
em determinadas partes do dia – o mo- as dos dois grupos apresentavam níveis
mento depende do tipo de câncer. similares dos hormônios controladores
Isso confirma as descobertas da bio- do apetite (grelina e leptina), dormiam
química Carrie Partch, pesquisadora da o mesmo número de horas e tinham
Universidade da Califórnia-Santa Cruz. gasto calórico similar. Mas o resultado
Alguns anos atrás, ela estava analisando foi bem diferente. Ao final do teste 18 ,
alguns compostos ligados ao relógio bio- quem comia mais cedo emagreceu em
lógico quando uma proteína chamou sua média 10 kg. Já quem se alimentava mais
atenção. Aquela molécula parecia estar à noite teve um resultado pior: só perdeu
ligada ao ritmo circadiano, mas de um 7,5 kg. A conclusão desse teste (que con-
jeito diferente. Partch descobriu que essa firmou estudos similares feitos em ratos)
proteína, batizada de PASD1, atuava des- é a seguinte: se você quer emagrecer,
ligando o relógio biológico: nas células melhor comer menos à noite.
onde ela se encontra, simplesmente não Se bem que, como mostrou um estu-
há ritmo circadiano 17 . “Isso realmente do realizado pela Universidade Brown
nos intrigou”, conta ela. “Por que nosso 19
, isso pode ser especialmente difícil.
corpo produz um inibidor do relógio Os cientistas constataram que o olfato
biológico, se ele é tão importante?” fica mais sensível depois que o Sol se
Outra coisa tornava tudo ainda mais põe – com um pico às 21h. Isso torna
enigmático: a ocorrência da PASD1 era o cheiro dos alimentos mais atraente.
bem limitada. Em pessoas saudáveis, Enfiar o pé na jaca à noite, portan-
ela praticamente só existe nos órgãos to, pode não ser fraqueza de caráter.
reprodutivos (ovários e testículos), que É uma tendência biológica.
estão entre as poucas partes do corpo Isso vale para outra característica bem
que não obedecem a um ritmo circa- comum: a dificuldade em acordar cedo.
diano. Mas existe outro lugar onde a Nos adolescentes, a melatonina (hormô-
proteína PASD1 também aparece em nio que causa sonolência) começa a ser
maior quantidade: as células canceríge- liberada até duas horas mais tarde – por
nas. A presença dela, com a consequente isso eles precisam dormir um pouco mais.
inibição do relógio biológico normal, Na idade adulta, também há diferenças
pode estar relacionada ao surgimento entre as pessoas. O auge do nível de
ou crescimento de tumores. melatonina no organismo pode ocorrer
Até o tratamento da obesidade pode em horários diferentes, e isso determina
ter relação com o ritmo circadiano. Isso é a tendência de cada indivíduo a dormir
sabido desde 2013, quando pesquisado- mais cedo ou mais tarde [veja quadro na
res das universidades Harvard e de Mur- página 26]. Ser mais matutino, ou mais
cia, na Espanha, publicaram um estudo madrugador, portanto, não é meramente
surpreendente. Eles acompanharam 420 uma questão de hábito. Um estudo publi-
pessoas que realizaram um tratamento cado pela empresa americana 23andMe,
de perda de peso durante 20 semanas. que aplicou um questionário e analisou o
Os participantes foram submetidos a DNA de quase 86 mil pessoas, constatou
uma dieta de 1.400 calorias por dia, e que realmente existe uma base genética
divididos em dois grupos. O primeiro para o “cronotipo" de cada indivíduo 20 :
Fontes 16 Circadian Clock, Cancer, and Chemotherapy. A Sancar e outros, 2014. 17 Cancer/testis antigen PASD1 silences the circadian
clock. CL Partch e outros, 2015. 18 Timing of food intake predicts weight loss effectiveness. M Garaulet e outros, 2013. 19 The Influence
of Circadian Timing on Olfactory Sensitivity. RS Herz e outros, 2017.
julho 2022 super 29
 exercícIo
18h A força muscular, a capacidade pulmonar referência ao núcleo supraquiasmáti-
e a coordenação motora atingem o
co”, diz o médico John Fontenele-Araujo,
pico no final da tarde 6. Mas não há
consenso sobre o melhor horário para se pesquisador da Universidade Federal do
exercitar: um estudo com ratos mostrou Rio Grande do Norte e autor de vários ostras e alguns peixes, ajustam o relógio
que correr no início do período ativo (o estudos sobre cronobiologia. biológico pela Lua. Eles sincronizam seu
que, em humanos, é a manhã) traz mais Com a pandemia, o isolamento e ritmo circadiano com as marés (que são
benefícios 7. o home office, essas e outras rotinas diretamente afetadas pelos movimentos
mudaram. “Muitas pessoas puderam da Lua, e a atração gravitacional maior ou
19h últIMa reFeIção dormir um pouco mais, pois não pre- menor que ela exerce sobre a água dos
Pessoas que se alimentam mais tarde,
cisavam acordar cedo para ir trabalhar, oceanos). Parece elementar, não? Mas
20h perto do horário de dormir, tendem a
comer mais 8. Além disso, estudos em o que permitiu seguir melhor a própria pode ser um pouco mais estranho – e
ratos mostraram que, mesmo se a quan- fase circadiana”, diz o neurologista John mais interessante – do que isso.
tidade de alimento ingerida for a mesma, Axelsson, que lidera um grupo de pes- No Oceano Ártico, todos os anos
o ganho de peso pode ser maior 9. quisas sobre sono na Universidade de ocorre um fenômeno conhecido como
Estocolmo. “Por outro lado, muitos fi- noite polar. Nesse período, que pode du-
22h dorMIr caram estressados com a pandemia, e rar de 1 a 3 meses, o Sol simplesmente
O momento ideal depende do seu crono-
isso levou a maiores níveis de ansiedade não nasce – como o Ártico está no ex-
00h tipo (veja na pág. 26). Mas, seja qual for
ele, evite usar o smartphone na cama. Se e distúrbios do sono.” tremo norte do planeta, os raios solares
você fizer questão dele, ative o "modo Em suma: o cronotipo natural, gené- não o alcançam durante o inverno, por
noturno", que deixa a tela avermelhada tico, é afetado pelos hábitos e obrigações causa da inclinação da Terra. Quando
(e elimina tons azulados, que inibem a de cada pessoa, e as circunstâncias em isso acontece, o plâncton do mar faz algo
produção de melatonina).
que ela vive. Essas coisas são criações extraordinário: começa a subir e descer
humanas – logo, podem mudar. A rotina na água em ciclos de 24h50min – que
(1) Evaluation of the influence of pre‑analytical factors on total testosterone
levels in healthy young men. IL Lima e outros, 2021. (2) When Is the Best em que vivemos hoje, com o sono con- é exatamente a duração do “dia lunar",
Time to Send Email? Litmus, 2021. (3) Morning vaccination enhances
antibody response over afternoon vaccination. JE Long e outros, 2016. centrado num período de oito horas, é re- o tempo que a Lua demora para se rea-
(4) Afternoon Nap and Bright Light Exposure Improve Cognitive Flexibility
Post Lunch. H Slama e outros, 2015. (5) Diurnal variation in SARS‑CoV‑2 cente em termos evolutivos. Registros da linhar com um determinado ponto da
PCR test results. C McNaughton e outros, 2021. (6) Circadian Rhythms in
Exercise Performance. W Teo e outros, 2011. (7) Atlas of exercise metabolism Idade Média revelam que, naquela época, Terra (a Lua orbita o nosso planeta, e dá
reveals time-dependent signatures of metabolic homeostasis. S Sato e
outros, 2022. (8) Restricting night-time eating reduces daily energy intake as pessoas dormiam em duas etapas 21 : uma volta nele a cada 27,3 dias. Ela “anda".
in healthy young men. JD LeCheminant e outros, 2013. (9) Circadian
Timing of Food Intake Contributes to Weight Gain. F Turek e outros, 2012.
elas adormeciam bem mais cedo do que Por isso, um observador na Terra leva
nós, mas acordavam após quatro horas, um pouquinho mais de 24h, a cada dia,
quem possui um determinado conjunto no meio da noite, para comer, conversar para se realinhar com ela 22 ).
de alelos (variações de genes) natural- e até visitar vizinhos. Depois voltavam a Em 2015, cientistas noruegue-
mente acorda 25 minutos mais cedo, dormir, por mais quatro horas. O relógio ses descobriram por que o plânc-
em média, que as demais pessoas. E biológico se altera ao longo da história. ton age dessa forma durante a noite
dormir oito horas por noite não é uma Ao mesmo tempo, ele também pode polar: com a total ausência do Sol,
necessidade universal. “Tem gente que ser influenciado por um elemento imu- a Lua se torna a única fonte de luz para
fica muito bem com seis, ou com nove", tável e parcialmente oculto, que só se esses microorganismos 23 .
explica o neurologista Geraldo Rizzo, manifesta na ausência do Sol: a luz da Também há estudos relacionando as
especialista em sono. Lua. Sabe aquelas crendices populares fases da Lua com alterações no corpo hu-
Você também pode descobrir qual é o que relacionam as fases da Lua a mudan- mano. Ela parece ter efeito sobre o ciclo
seu cronotipo – mesmo sem fazer uma ças fisiológicas e comportamentais? A menstrual – e nas noites que antecedem
análise genética ou medir o seu nível maior parte delas é mito – mas o conceito a fase Cheia, mais brilhante, as pessoas
de melatonina no sangue. “O melhor tem um fundo de verdade. Várias cria- tendem a dormir menos. Mas isso ainda
jeito é observar os hábitos de sono em turas marinhas, como o fitoplâncton, as é pouco conclusivo. Não dá para cravar
períodos como as férias, sem grandes que essas mudanças realmente se devam
compromissos sociais ou profissionais”, à luz lunar, e não a outros fatores.
explica Rosa Hasan, coordenadora do
Laboratório do Sono do Instituto de Psi- no oceano ártico, Por outro lado, uma coisa é certa: a
vida tem um relógio, e ele corre dentro
quiatria da USP. Isso mostrará em quais
horários o seu corpo tende a dormir e o sol não nasce durante de todos os seres, dos mais primiti-
vos aos mais avançados. Sejam quais
acordar naturalmente. forem os mecanismos envolvidos em
Nada disso significa, claro, que se-
jamos escravos do relógio biológico.
parte do ano. nesse perí- cada forma de vida – sinais luminosos,
cronômetros hormonais, pêndulos ge-
Os horários em que escolhemos comer
e ir dormir também ajudam a ajustá-lo.
odo, o plâncton marinho néticos –, o tempo biológico vale para
todos nós. A vida acontece de formas
“Embora o sistema circadiano sincroni-
ze nossos ritmos principalmente com
acerta seu relógio por diferentes ao longo das 24 horas do
dia. Mas segue um ritmo universal: o
o claro e o escuro, tanto o sono quanto
a alimentação também são sinais de outra referÊncia: a lua. de uma força que nos sincroniza, nos
iguala, nos une. S
Fontes 20 Genome-wide association analyses of chronotype in 697,828 individuals. SE Jones e outros, 2019. 21 Sleep we have lost: pre-industrial
slumber in the British Isles. AR Ekirch, 2001. 22 Frequency of Tides - The Lunar Day. NOAA. 23 Moonlight Drives Ocean-Scale Mass Vertical Migration
30 super julho 2022 of Zooplankton during the Arctic Winter. KS Last e outros, 2016.
 TECNOLOGIA

32 super julho 2022

CELULAR:
ANTES QUE ROUBEM O SEU Texto Bruno Garattoni Ilustração Clara Candelot Design Carlos Eduardo Hara

S
Sabe aQueleS caSoS, cada vez mais banco envia uma nova por SMS, e já
frequentes, em que bandidos roubam o era. Ok, nem sempre é tão fácil assim.

entenda como celular de uma pessoa e aí esvaziam as

contas bancárias dela – mesmo sem ter
as senhas? Você já deve ter ouvido falar
O aplicativo pode pedir o seu CPF,
data de nascimento e o nome da sua
mãe, por exemplo, antes de redefinir
os ladrões disso, e provavelmente ficou se pergun-
tando como eles fazem. Existem dois
a senha. O ladrão encontra tudo isso
em poucos segundos – ele entra no seu
conseguem driBlar jeitos. O mais fácil, e disparado o mais
comum, é o seguinte. O bandido pega
Gmail e digita “CPF”, “mãe” ou “niver”
no campo de busca.
os mecanismos o celular já aberto (ele arrancou da sua
mão enquanto você usava, ou obrigou
Mas e a biometria facial, que cada vez
mais bancos estão usando? Nos celula-
de proteção do você a desbloqueá-lo) e aciona a função
de multitarefa – aquela que mostra, em
res Android, ela é fácil de burlar. Isso
porque quase nenhum deles tem câmera
smartphone, entrar várias telinhas pequenas, todos os apps
que foram usados recentemente, e por
frontal 3D, com projeção de infraver-
melho (como a TrueDepth presente nos
em apps Bancários isso estão rodando “em segundo plano”.
Ele percorre essa lista até encontrar o
iPhones). Por isso, e para que a maioria
das pessoas possa usar a biometria, os
e limpar as contas seu app de banco, e simplesmente clica
nele. Pronto, entrou na conta.
apps bancários geralmente aceitam uma
imagem chapada, 2D. Então o bandido
das vítimas. e saiBa O ladrão já pode ver o seu saldo
bancário, mas ainda não consegue
simplesmente pega uma selfie sua, na
galeria de imagens do smartphone ou

como evitar que transferir o dinheiro. Afinal, não tem

a senha que autoriza transações. Sabe
nas suas redes sociais, e exibe na tela de
outro aparelho – que ele posiciona bem

aconteça com vocÊ. o que ele faz? Aciona a função “esque-

ci minha senha”, do próprio app. Aí o
na frente do celular roubado, simulando
a sua presença ali. Voilà. →
julho 2022 super 33
 COMO BLINDAR 1 2
tenHa Um segUnDo celUlar abra Uma conta Digital
Instale os seus aplicativos No seu celular de rua, instale
de banco e investimentos o app de algum banco digital
num segundo smartphone, (Nubank, Next, Inter, etc.)

O APARELHO
e deixe-o em casa (pode ser e abra uma conta gratuita.
aquele aparelho um pouco Transfira um pouco de
mais antigo, que você deve dinheiro para ela – só o sufi-
ter guardado). Desinstale ciente para o dia a dia. Tenha
esse apps do seu celular prin- o app desse banco também
Se alguém roubar o seu smartphone aberto, com cipal, que você usa na rua. no seu celular doméstico.
a tela destravada, poderá fazer coisas terríveis.
Mas dá se proteger – e diminuir esse risco para
quase zero. Veja como.
Pronto, você já reduziu bastante o prejuízo no caso de roubo ou furto. Mas isso não
elimina todos os perigos. Também é preciso reforçar a segurança do smartphone.

3 se você tem

ANDROID
proteja os aplicativos
A melhor solução é instalar
3 se você tem

IPHONE
proteja a senHa Do icloUD
Entre nas configurações do
o aplicativo norton app iPhone, clique em tempo de
lock, que é gratuito. Na tela uso e ativar.
principal dele, vai aparecer
uma lista com todos os apps Na tela que será exibida,
que você tem. Basta clicar no clique em usar código do
cadeado ao lado de cada um tempo de uso e defina uma
para protegê-lo. Selecione senha numérica, com quatro
o Gmail, os apps de SMS, dígitos. Precisa ser uma
compras, delivery, banco e nova (não reutilize a senha
o aplicativo Configurações. principal do iPhone).
Eles ganharão uma segunda
proteção: o celular vai pedir Agora clique em conteúdo
sua impressão digital ou e privacidade. Na tela
senha, mesmo se já estiver seguinte, ative a opção res-
com a tela destravada, antes trições. Role para baixo até
de abrir esses apps. encontrar os itens alterações
de código, alterações
Importante: entre no menu de conta e alterações de
de configurações do Norton dados celulares. Em cada
e clique em ativar adminis- um deles, selecione a opção
trador. Isso impedirá que o não permitir.
ladrão desinstale o App Lock.
Pronto. Agora o ladrão não
Uma última coisa: quando conseguirá alterar a sua
você abrir os apps protegidos senha do iCloud nem desati-
pela primeira vez, ative a var o Find my iPhone: se ele
opção manter o aplicativo tentar fazer isso, o iPhone
bloqueado na sessão. exigirá a senha de 4 dígitos
Pronto. (que o bandido não tem).

Se o seu celular é Samsung, ative a proteção De apps

você pode usar uma função Clique em tempo de uso,
embutida. Entre em configu- limites de apps e adicionar
rações, selecione Biometria e limite. Aparecerá uma lista
segurança e Pasta segura e com todos os apps que você
siga as instruções. tem, agrupados em catego-
rias. Selecione os que você
Se o seu celular é Xiaomi, ele
deseja proteger com senha
também já tem um recurso
e clique em adicionar.
do tipo. Clique em Configu-
Vai aparecer um relógio.
rações e bloqueio de apps.
Selecione 1 minuto e dê Ok.

34 super julho 2022

 4
coloqUe Uma senHa
no cHip Da operaDora
Isso é extremamente impor-
tante: do contrário, o ladrão
rouba a sua linha – podendo
redefinir as suas senhas e fin-
gir que é você no WhatsApp.
no android, entre em
configurações, Segurança,
Bloqueio do cartão SIM e
Exigir PIN. Na tela exibida,
digite o PUK (um código que
veio junto com o chip da ope-
radora) e defina uma senha
numérica de 4 dígitos.
No iPhone, clique em Ajus-
Você perdeu ou jogou fora tes, Celular e PIN do SIM.
o cartão onde veio escrito Agora digite o PUK (código
o PUK? Terá de ir até uma que veio junto com o chip
loja da sua operadora da operadora) e defina uma
para solicitar um novo. senha numérica de 4 dígitos.
Muita gente começou a deixar os apps
bancários num celular mais antigo, que
fica guardado em casa (e desinstalar to-
dos do smartphone que vai para a rua).
Isso é ótimo, extremamente recomendá-
vel. Mas não resolve tudo. Tendo acesso
ao seu Gmail, por exemplo, o ladrão
consegue informações suficientes para
abrir contas bancárias e emitir cartões
de crédito usando o seu nome. Também
pode sequestrar as suas redes sociais e
apps de mensagens, nos quais se passa-
rá por você – e aí pedirá dinheiro aos
seus conhecidos no WhatsApp, ou si-
mulará a venda de objetos seus (roupas,
smartphones, games etc.) no Instagram,
que os seus amigos irão “comprar” en-
viando PIX para o gatuno. Acima de
tudo, o bandido controlará o seu email
– e, com isso, poderá trocar as senhas de
todos os serviços online que você usa.
Uma dor de cabeça gigantesca. Para
evitá-la, é importante ajustar algumas
configurações no smartphone [veja in-
fográficos nesta e nas próximas páginas]. É
meio cansativo, mas você só precisará
fazer uma vez. Todos os ajustes seguem
a mesma lógica: dificultar as ações do
ladrão quando/se ele estiver com o seu
celular desbloqueado em mãos.
A primeira coisa é colocar uma pro-
teção secundária (por impressão digital,
senha ou padrão desenhado na tela) nos
aplicativos mais críticos. Fazendo isso,
eles sempre pedirão essa confirmação
antes de abrir – mesmo se o celular já
estiver com a tela destravada. Os celula-
res Xiaomi e Samsung já vêm com uma
função do tipo; nos demais Androids,
basta instalar o Norton App Lock [veja
instruções ao lado]. →
O ATAQUE É
CURIOSAMENTE
SIMPLES: COMBINA
SMS, GMAIL E
O RECURSO DE
MULTITAREFA DO
PRÓPRIO CELULAR.
julho 2022 super 35
 5 6
melHore a aUtentica�
ção De Dois Fatores
É essencial trocar a autenti-
cação via SMS (mensagem de
texto) por um app autenti-
cador. O melhor é o authy,
porque ele tem versões para
iOS, Android, Windows,
macOS e Linux.
Primeiro, baixe e instale o
Authy no seu celular (ele vai
pedir que você defina uma
senha numérica de 4 dígitos).
Depois, no computador,
entre nos serviços onde você
usa autenticação de dois
conFigUre o
apagamento remoto
Android: vá até o seu com-
putador, entre no Google e
digite find my phone. Clique
em Recuperar. Vai aparecer
um mapa mostrando a sua
localização. Veja se as opções
Proteger Dispositivo e Lim-
par Dispositivo estão dispo-
níveis (não clique nelas). Se
sim, tudo certo. Se elas não
estiverem disponíveis, clique
em Configurar proteção e
Quando você fizer isso, vai limpeza e siga as instruções
aparecer um QR code na exibidas na tela.
tela do computador. Pegue
o celular, entre no Authy e iPhone: entre no iCloud
clique em configurações e (icloud.com) com a sua senha
Adicionar Conta. Clique em da Apple, e clique em Buscar
Escanear código QR e aponte iPhone para conferir se está
o celular para a tela do tudo certo.
computador. Pronto.
Repita esse processo com

fatores – Gmail, Facebook,
Instagram, Twitter etc. –, e
vá até a tela de configura-
ções. Desmarque a opção
Mensagem de texto (ou
SMS), e selecione a opção
aplicativo de autenticação
(ou equivalente).
7
cada um dos serviços
online. Por fim, instale e
ative o Authy também no seu
computador. Dessa forma,
mesmo se o seu celular for
roubado ou der pau, você
continuará tendo acesso ao
aplicativo autenticador.
cHeqUe e anote o
imei Do celUlar
O International Mobile
Equipment Identity, ou IMEI,
é um número de 15 dígitos
que identifica o smartpho-
ne. Se o seu aparelho for
roubado, a operadora vai
pedir esse código para blo-
queá-lo. O procedimento é o
mesmo no iPhone e no An-
droid. Abra o app de ligações
telefônicas e digite *#06#
no teclado. O IMEI aparecerá
na tela. Anote o número e
guarde-o em casa.

A AUTENTICAÇÃO VIA SMS

Isso torna a experiência de uso do
celular ligeiramente menos fluida, mas
você se acostuma (só incomoda mes-
mo no WhatsApp, que é aberto muitas
vezes por dia – e, por isso, talvez possa
ficar sem a proteção secundária).
O iPhone não tem esse recurso de
proteção secundária, e não existem apli-
cativos que permitam adicioná-lo (pois
eles exigem acesso direto ao sistema ope-
racional, coisa que a Apple não permite).
Mas dá para fazer uma gambiarra com o
timer do iOS [veja na página 34].
O outro ajuste que você precisa fa-
zer vale para todos os celulares, sejam
iPhones ou Android: proteger o chip da
operadora. Do contrário, não adianta o
É UM PERIGO. É MELHOR
USAR UM APP ESPECÍFICO.
seu smartphone estar todo blindado. O la-
drão simplesmente pega o chip, insere em
outro aparelho e começa a se passar por
você. E aí ele pode pedir reset de senha
de diversos serviços, bancários inclusive.
Por isso, é essencial colocar senha no
chip [veja no infográfico]. Também vale a
pena fazer outra coisa: usar um aplica-
tivo de autenticação em vez dos códi-
gos que chegam por SMS. Dessa forma,
mesmo se o seu número de telefone for
clonado (um golpe que requer a coni-
vência de funcionários das operadoras
e é mais comum nos EUA do que no
Brasil, embora também aconteça aqui),
os ladrões não receberão os códigos e
as senhas. O melhor é o Authy, pois
ele também pode ser instalado no seu
computador de casa – que você poderá
usar se tiver o celular roubado.
Pronto. Fazendo esses procedimentos,
você estará 99% protegido. O outro 1%?
Lembra quando falamos, no começo
deste texto, que existe um jeito mais
simples e outro mais sofisticado de in-
vadir contas? O método mais refinado
consiste em usar um software específi-
co (no caso do iPhone, um dispositivo de
hardware) para quebrar os mecanismos
de autenticação do sistema operacional.
Funciona. Mas é algo de conhecimento
relativamente restrito – e desconheci-
do da grande maioria dos bandidos.
Que continue assim. S

36 super julho 2022

FOI ROUBADO?
VEJA O QUE FAZER
Se você tiver configurado corretamente o smartphone, já esta-
rá bem protegido. Mesmo assim, é fundamental agir rápido.

1
vá para casa imeDiatamente
Lá você tem computador com internet e o ce-
lular de backup – coisas das quais vai precisar
para as próximas etapas.

2
alerte o banco
Você seguiu as instruções da pág. 34 e não
estava andando por aí com os seus principais
apps bancários, certo? O seu celular de rua só
tinha um app de banco digital (tipo Nubank),
com pouco dinheiro. Mesmo assim, é impor-
tante informar o roubo. Pegue o smartphone
doméstico, abra o app do banco digital e clique
em Ajuda para iniciar o atendimento via chat.

3
avise a operaDora
Ligue para a empresa de celular e diga o que
aconteceu. Os menus telefônicos das opera-
doras costumam oferecer a opção “comunicar
roubo” logo de cara, no início da ligação (você
será atendido rápido).

4
Faça Um bo online
Registrar um Boletim de Ocorrência na polícia
é importante para tentar um eventual ressar-
cimento nos bancos – e geralmente pode ser
feito online. Em São Paulo, por exemplo, é só
acessar www.delegaciaeletronica.policiacivil.
sp.gov.br e clicar em Comunicar Ocorrência.

5
apagUe o celUlar remotamente
Se você usa Android, entre no Google e digite
find my phone. Em seguida, clique em Limpar
dispositivo. Se você tem iPhone, acesse o
iCloud (icloud.com), clique em Buscar
iPhone e selecione Apagar.
ASTRONOMIA

james WeBB
O ARQUEÓLOGO DAS ESTRELAS
texto Luisa Costa Ilustração Tayrine Cruz design Natalia Sayuri Lara edição Bruno Vaiano
 O Big Bang foi um evento
iluminado: frações de segun-
do após o marco zero, quando o
Universo conhecido estava espre-
mido no volume de uma partícu-
la, a temperatura desse embrião
cósmico era septilhões de graus
maior que a do núcleo do Sol – um
número com 29 zeros. Haja luz.
Porém, conforme o espaço se ex-
pandiu, ele esfriou e escureceu. E
assim ficou: por uns 300 milhões
de anos após seu nascimento, o
cosmos consistiu em uma nuvem
imensa dos gases hidrogênio e hé-
lio, gelada e no breu completo. É
o que os astrônomos chamam de
“Idade das Trevas”.
Até que houve um acidente:
um acúmulo de hidrogênio par-
ticularmente gordo desabou sob a
própria gravidade. O miolo dessa
nuvem de gás ficou tão espremi-
do que os átomos começaram a
se fundir e liberar energia no
processo. Pela primeira vez em
Duas décadas e US$ 9,7 muito tempo, algo no Universo
estava denso o suficiente para
bilhões depois, o maior e emitir alguma luz. Nada compa-
mais complexo telescópio rado a um Big Bang, claro (em que
o Universo como um todo era a
espacial que a humanidade coisa espremida). Mas a nuvem
já construiu está pronto começou a brilhar, mesmo assim.
Nascia uma estrela. A primeira de
para enxergar a luz muitas que estavam por vir.
(invisível) das primeiras A luz desses astros pionei-
ros – que logo se juntaram nos
galáxias do Universo. condomínios estelares chamados
“galáxias” – já está viajando há 13
bilhões de anos. E passa desper-
cebida pelas redondezas da Terra a
todo momento, porque se tornou
um tipo de luz para o qual nossos
olhos e cérebro não são ajustados.
A partir de agora, porém, esses
fósseis de radiação eletromagnéti-
ca não vão mais ficar no vácuo: o
Telescópio Espacial James
Webb já está posicionado
especialmente para cap-
tá-los, e tem a tecnologia
necessária para isso.
Trata-se da maior e
mais complexa engenho-
ca de observação que já
mandamos para o espaço.
O projeto, liderado pela
Nasa, teve início em 1996.
Na época, chamava-se
“Telescópio Espacial da
Próxima Geração”, sem
a homenagem a James
Edwin Webb – adminis-
trador da agência espa-
cial americana durante
as missões Apollo.
A ideia era construir
um sucessor para o Te-
lescópio Espacial Hub-
ble, lançado em 1990.
O Webb levou mais de
duas décadas, entre atra-
sos, revisões técnicas e
estouros de orçamento.
O custo previsto ini-
cialmente era de US$ 3,5
bilhões. No fim, a conta
saiu US$ 9,7 bilhões.
Em 25 de dezembro
de 2021, ele finalmen-
te decolou a bordo de
um foguete Ariane 5 da
Agência Espacial Eu-
ropeia (ESA) – lançado
do Centro Espacial da
Guiana Francesa, aqui
pertinho do Amapá. Dali
em diante, foram meses
de viagem, configuração,
testes e calibragens para
garantir que tudo funcio-
nasse nos trinques. As
primeiras fotos do Webb
chegaram no começo →
julho 2022 super 39
 de julho, conforme terminávamos
esta edição da Super. Vamos entender
como elas foram feitas.
grave quando começa a
se afastar. É que o veículo
espreme a onda quando
de olhos
A luz
está vindo (deixando-a
mais aguda) e então es- Bem aBertos
100
Para entender como o James Webb en-
xerga as primeiras luzes emitidas no
Universo, é preciso entender, primeiro,
por que um telescópio óptico comum,
como o Hubble, não é capaz do mesmo.
Veja só: a luz é uma onda eletromag-
nética. Ondas têm duas características
essenciais, que são a distância entre
duas oscilações (o comprimento) e
um número de oscilações por segun-
do (a frequência). Ondas curtas têm
tica a onda quando está
se afastando (deixando-a
mais grave).
A mesma coisa acon-
tece com a luz. Como o
Universo está se expan-
dindo, a maioria das ga-
láxias está se afastando
de nós. Por causa disso,
o brilho das mais distan-
tes acaba esticado e che-
O telescópio mais poderoso
já lançado no vácuo vê astros
antigos, distantes ou tênues
demais para os equipamentos
de seu antecessor, o Hubble.
Eis a anatomia do James Webb.

alta frequência e carregam bastante
energia, enquanto as longas têm baixa
frequência e são menos energéticas.
Nós podemos organizar essa varie-
dade em um espectro, da mais curta à
mais comprida. A luz que nós enxer-
gamos corresponde a comprimentos
de onda entre 380 e 700 nanômetros,
que são milionésimos de milímetro.
Dentro dessa janela, nosso cérebro
entende que as mais compridas (700
nm) são o vermelho, e as mais curtas
(380 nm) são o violeta.
Além do violeta, existem o ultravio-
leta, os raios X e os raios gama – as
ondas mais curtinhas e energéticas de
todas. No outro extremo estão ondas
compridas e preguiçosas. Antes do
vermelho, existem o infravermelho, as
micro-ondas e as ondas de rádio. Nós,
é claro, não vemos nada disso.
O problema é que a luz que os cor-
pos celestes antigos emitiram chega até
nós na faixa do infravermelho. A cul-
pa é de um aumento no comprimento
de onda chamado redshift (ou “desvio
para o vermelho”). Ele é causado por
um fenômeno que você certamente já
experimentou com ondas sonoras: o
efeito Doppler.
Sobre sirenes e galáxias
Imagine uma ambulância passando
por você em alta velocidade. O som
da sirene fica mais agudo à medida
que o veículo se aproxima, e mais
ga aqui em ondas bem
compridas e preguiçosas
– que saem do espectro
visível e entram na zo-
na do infravermelho. Aí
você pergunta: “Por que
construir um telescópio
que vê em infravermelho
vezes mais se poderíamos olhar só
fino que coisas que estão perti-
um fio de
cabelo: é a nho e evitar esse pro-
espessura blema do redshift?”
do reves- Então: o Webb, você já
timento sabe, quer observar as-
de ouro do
tros formados logo após
espelho
principal. o Big Bang, há 13 bilhões
de anos. A notícia boa é
que dá, sim, para observar
uma estrela do passado: a
luz que ela emitiu conti-
nua se propagando pelo
Universo, é só captar. A
notícia ruim é que, se a
luz de uma dessas estre-
las está passando pela
Terra agora, é porque ela
demorou 13 bilhões de
anos (todo o tempo de
existência do cosmos)
para chegar. E isso sig-
nifica que ela está muito
distante. Em resumo: to-
das as estrelas antigas que
podemos observar estão
longe, porque a luz das
mais próximas já passou
faz tempo. E, com tanta
distância, o redshift fica
brutal. O Webb é um mi-
crofone no Rio de Janeiro
tentando captar o som de
uma ambulância que já
chegou em São Paulo.
Protetor térmico
Essa estrutura, que parece
massa folhada, evita que
a luz infravermelha (ou
seja, o calor) do Sol, da
Terra e do próprio Webb
alcance os espelhos e
instrumentos e atrapalhe
as observações.
Antena de alto ganho
É o meio de comunicação
entre o telescópio e a
Terra. Será usada para
enviar dois pacotes diários
com 28,6 GB de dados – o
equivalente a 14 mil músi-
cas em mp3.
Módulo Integrado de
Instrumentos Científicos
Lar das câmeras do James
Webb, que possuem detec-
tores de luz semelhantes
aos de uma câmera de
celular – mas ajustados
para “enxergar” em
infravermelho.
Painel solar
Nada de gasolina, o Webb é
sustentável (rs): seu painel
converte luz solar na ener-
gia elétrica necessária para
operar os instrumentos
científicos e outros sistemas
do telescópio.

40 super julho 2022

espelho principal
Quando o Webb vê uma estre-
la ou galáxia, a luz delas bate
nos hexágonos espelhados
e é refletida em direção aos
detectores. Quanto maior o
espelho, mais luz captada – e
esse é seis vezes maior que o
do Hubble.
“chassis”
O coração do James Webb
é uma estrutura de grafite
de 350 kg que abriga o
maquinário responsável
pelo controle e direção
do telescópio, bem como
outros sistemas de apoio
importantes.
Flap de momento
O Webb fica de costas para
o Sol. A luz da estrela é
tão forte que seria capaz
de empurrar o traseiro
do telescópio até fazê-lo
tombar para frente. Essa
aba (flap) deflete a pressão
e evita isso.
– como um balde maior coleta mais água
da chuva. E o James Webb tem um es-
pelho de 25 m² e 6,5 m de diâmetro.
Isso é enorme para os padrões dos
telescópios espaciais. WISE e Spitzer,
aposentados da Nasa que observavam
espelho secundário
A luz não vai do espelho infravermelho, tinham espelhos de 40
grandão direto para o módu- e 85 cm, respectivamente. O espelho do
lo integrado de instrumentos Hubble, que observa principalmente luz
científicos. Ela precisa ser visível, tem diâmetro de 2,4 m – ele é até
refletida uma segunda vez
por esse espelho menor, com
cem vezes menos sensível que o Webb.
0,74 m de diâmetro. O telescópio é tão grande que não ca-
beria em foguete nenhum. Por isso, foi
planejado como um origami. Ele deixou
a Terra dobrado dentro do transporte e,
rastreador de estrelas como se espreguiçasse lentamente, atin-
Usa estrelas-guia, que são giu sua forma final enquanto viajava
mais ou menos estáveis no
céu, para apontar grossei-
em direção ao seu destino no espaço.
ramente o telescópio na E como se dobra um espelho gigan-
direção certa. O ajuste fino te? Construindo-o em pedacinhos. O
fica por conta de outros espelho principal do James Webb é
instrumentos. formado, na verdade, por dezoito seg-
mentos de espelhos hexagonais – um
formato ideal, segundo os astrônomos,
porque oferece encaixes sem folgas e
boa simetria entre todas as partes.
Eles são feitos de berílio, um metal
leve e relativamente forte, e cobertos
com uma fina camada de ouro. (Fina
mesmo: menos de um centésimo da
Outra sutileza é que espessura de um fio de cabelo.) O uso
precisamos obrigato- do metal não é ostentação: o ouro me-
riamente de telescópios lhora a reflexão da luz infravermelha
espaciais para observar – assim como o alumínio reflete bem
essa luz. Não adianta a luz visível.
instalar o dito-cujo na Para que os segmentos funcionem
superfície do planeta como um espelho único, todos têm
porque a maior parte do pequenos motores na parte de trás,
infravermelho que chega que os movimentam e ajustam sua
até a Terra é absorvida curvatura com precisão microscópi-
pela atmosfera – princi- ca. Alinhados, eles refletem a luz que
palmente por moléculas recebem na direção do espelho secun-
de água e dióxido de car- dário, que então manda a radiação para
bono (CO2). É a mesma dentro do telescópio.
coisa com o efeito estufa: Assim a luz chega aos instrumentos
o Sol esquenta a super- científicos do James Webb. Há três sis-
fície da Terra e parte da temas de câmeras e sensores que tra-
radiação infravermelha balham com o “infravermelho próximo”
gerada fica por aqui, re- (“próximo”, no caso, da luz visível). Um
tida pela atmosfera. quarto instrumento capta o “infraver-
melho médio”, que são ondas um pouco
Enxergando mais compridas e distantes da maior
o invisível cor que vemos, o vermelho.
A sensibilidade do James
Webb se deve, em parte, So far away
ao seu tamanho. Quanto Dissemos que humanos não veem in-
maior o espelho princi- fravermelho. Errado: nós vemos, mas
pal de um telescópio, é com a pele. A radiação infravermelha
mais luz ele pode coletar é o que você chama de calor, detectado →
julho 2022 super 41
 pelo tato. Todos nós emitimos. E o pro-
blema é que, no espaço, o telescópio está
exposto a muitos calores que acabam
tal pai,
gerando interferência: Sol, Terra e até
seu próprio maquinário. Seus instru-
mentos de observação precisam ficar
tal filho
isolados de tudo isso. Compare o James Webb
Por outro lado, o Webb precisa que com seu antecessor que
sua antena esteja apontada para a Ter-
opera principalmente
ra, para transmitir informações, e que
seu painel solar esteja direcionado… com luz visível, o célebre
para o Sol, claro. telescópio Hubble.
A solução para esse impasse começa
pela escolha de sua localização: ele fica
a 1,5 milhão de km de nós, quase quatro
vezes a distância da Lua, no segundo
ponto de Lagrange (ou L2) – nome que
homenageia o astrônomo italiano Jo-
seph Louis Lagrange (1736-1813).
Lagrange percebeu que o cabo de
guerra gravitacional entre o Sol e a Ter-
ra gera cinco pontos em que as duas
forças se equilibram. Objetos deixados KG
nesses pontos ficam parados em relação
à Terra, acompanhando sua translação
em volta do Sol, mas sem orbitá-la co- Lançamento temperatura
órbita massa
mo um satélite ou a Lua fazem (veja o de operação
infográfico abaixo).
O ponto L1 fica a 1,5 milhão de km 2021 L2 (a 1,5 milhão Entre -234 °C 6,2 mil kg
da Terra na direção do Sol, e lá ficam de km da Terra) e -266 °C
equipamentos que estudam a estrela, vi-
rados para ela. O ponto L2 fica à mesma 1990 Terrestre (a 545 km 21 °C 12 mil kg
distância, mas do lado oposto, de costas da Terra)
para o Sol. E por isso ele é bom para
equipamentos que estudam o espaço
profundo, como o Webb.
O segundo recurso para resolver o
problema é um protetor térmico (ou
para-sol) do tamanho de uma quadra

estacionado L4 O cabo de guerra

gravitacional entre Sol e
Terra gera cinco pontos

no vácuo
no espaço em que a força
de um equilibra a força
James do outro, calculados pelo
Webb italiano Joseph Lagrange
Sol Lua
O James Webb não fica no século 18. Coisas
L3 colocadas nesses pontos,
na órbita da Terra como L1
L2 ou girando em torno
o Hubble. Ele está mais Terra deles, acompanham a
Terra sem orbitá-la. O
longe, girando em torno James Webb montou
de um limbo gravitacional acampamento no L2,
chamado “ponto de La- “de costas” para Sol,
Terra e Lua – o que evita
grange 2” – ou só L2. que eles atrapalhem as
L5
observações.

42 super julho 2022

 de tênis que divide a
engenhoca em dois. Ele
2
parece uma grande massa
folhada – veja o gráfico
na pág. 40. Na frente des-
sa estrutura, virados para
Telescópio Espacial
25m
a Terra e o Sol, ficam o
James Webb painel solar, a antena e os
propulsores. Atrás, pro-
tegidos pela barreira tér-
mica, os instrumentos se
mantêm em um ambiente
escuro e frio (operando
entre -234 °C e -266 °C).
O telescópio não fica
parado no L2, porque co-
locar um objeto nesses
pontos é como deixar um
lápis em pé: a estabilida-
de está sujeita a qualquer
pequena perturbação. Por
isso, o James Webb gira
em volta do L2, comple-
tando uma volta a cada
seis meses. Sim: ele
tamanho orbita em torno de um
faixa espectraL
do espeLho ponto vazio.
Com essa movimen-
6,5 m Infravermelho tação, ele nunca fica
próximo e médio exatamente alinhado
com a Terra ou a Lua, e
2,4 m Ultravioleta, luz então a luz do Sol nunca
é bloqueada – coisa que
visível e infraver-
melho próximo acontece a cada 90 mi-
nutos com o Telescópio
Hubble, que está na ór-
bita terrestre. Assim, os
painéis solares do James
Telescópio
Webb podem gerar ener-
Espacial Hubble gia sem interrupções.
Por outro lado, o
Hubble está perto de nós
agradecimentos Marcia Rieke, investigadora principal da câmera de infravermelho próximo do
James Webb; María Begoña Vila, engenheira de sistemas dos instrumentos científicos do James
Webb; Themiya Nanayakkara, astrônomo-chefe do James Webb Australian Data Center; Thiago
Signorini Gonçalves, coordenador do Programa de Pós-Graduação do Observatório do Valongo;
Roderik Overzier, pesquisador titular do Observatório Nacional; Rogemar André Riffel, líder do
Grupo de Astrofísica da Universidade Federal de Santa Maria.
e pode receber manuten-
ção. Os cientistas tiveram
de projetar o James Webb
de maneira que ele não
precisasse de reparos.
Um dos instrumentos
do telescópio tem dois
sistemas de câmera idên-
ticos, por exemplo, para
que a qualidade óptica
seja mantida mesmo se
um deles falhar.
O Webb subiu com
combustível suficiente
para fazer manobras que
permitam a manutenção
de sua posição no espaço
por, no mínimo, dez anos.
Mas, como o lançamento
em dezembro foi melhor
do que o previsto, espe-
ra-se que o combustível
economizado prolongue
a missão por mais uma
década, aproximadamente.
Que bom, porque o
potencial dele como fer-
ramenta é interminável:
observar infravermelho
é a área do não é útil apenas para
espelho estudar estrelas e ga-
principal. láxias muito antigas e
Maior que distantes, mas também
muita quiti-
nete em são para espiar planetas em
paulo, ele outros sistemas solares,
é até cem os exoplanetas. Embora
vezes mais estejam muito mais pró-
sensível que ximos de nós, essas Ter-
o espelho
ras e Saturnos são quase
do Hubble.
invisíveis, porque não
emitem luz própria. Po-
rém, eles são aquecidos
por suas estrelas – e, por
isso, exalam infraverme-
lho, exatamente como
faz a Terra, aquecida
pelo Sol. Se houver vida
extraterrestre, é nesses
lugares que ela se escon-
de. E se houver planetas
habitáveis por aí, o Webb
é um bom candidato a
identificá-los. Ele é um
grande olho espacial –
observando duas coisas
que não podemos ver:
o passado profundo e
possíveis destinos para
nossa civilização. S
julho 2022 super 43
SOCIEDADE
 Texto Alexandre Carvalho

A NOvA

ErA
dO Ilustração Anna Brandão

divór -
ciO
Design Carlos Eduardo Hara

Os anos de 2020 e 2021 foram palco de um boom no número de

separações Brasil afora. E a tendência foi a mesma em boa parte
do mundo durante a pandemia. Entenda as razões por trás do
fenômeno. E veja como o protagonismo das mulheres tem crescido
na hora de decidir se vale mesmo a pena viver sob o mesmo teto.

Edição Alexandre Versignassi

julho 2022 super 45

 “
“Novelas da Globo aumentam o
número de divórcios no Brasil.” Parece
fake news de haters, mas não. Trata-se
de um dado histórico. A conclusão é de
um estudo (1) de 2009, feito pelo Ban-
co Interamericano de Desenvolvimento
(BID). A pesquisa fez um cruzamento
entre informações de censos das déca-
das de 1970, 1980 e 1990 e dados sobre
a expansão do sinal da Globo no país.
Segundo os autores do estudo, o núme-
ro de mulheres que se separaram au-
mentou conforme a teledramaturgia da
emissora foi chegando a mais cidades.
“A exposição a estilos de vida moder-
nos mostrados na TV, a funções desem-
penhadas por mulheres emancipadas e
a uma crítica aos valores tradicionais
mostrou estar associada aos aumentos
nas frações de mulheres separadas e
divorciadas nas áreas municipais bra-
sileiras”, diz a pesquisa. Nas 115 nove-
las analisadas, transmitidas pela Globo
entre 1965 e 1999, 62% das principais
personagens femininas não tinham fi-
lhos, e 26% eram infiéis a seus parceiros.
O que os estudiosos do BID não po-
deriam prever é o quanto os divórcios
aumentariam no Brasil do século 21,
por um motivo ainda mais insuspeito:
a disseminação de um vírus.
Segundo o Colégio Notarial do Brasil
(2), que congrega os tabeliães de notas e
protestos, no primeiro ano da pandemia,
em 2020, houve um aumento de 15% no
número de divórcios em comparação
com o ano anterior. Em 2021, então,
o número de casais que oficializaram
a separação bateu recorde: 80.573 di-
vórcios consensuais, o maior da série
histórica, que é registrada desde 2007.
Um crescimento bastante expressivo.
Mas não tanto quanto o que aconteceu
no Reino Unido. Principal escritório de
advocacia britânico com foco em lití-
gios, o Stewarts registrou (3) em 2020
um aumento de 122% nos tratos de
divórcio em relação ao ano anterior.
Fontes (1) “Novelas brasileiras têm impacto sobre os comportamentos sociais”, Banco Americano
de Desenvolvimento. (2) Colégio Notarial do Brasil (CNB), seção São Paulo. (3) “Covid spikes and
46 super julho 2022 breakups”, Stewarts. (4) “US Divorce Rates Soar During COVID-19 Crisis”, Legal Templates
Na China, onde os números costu-
mam ser superlativos – e drones moni-
toravam as ruas durante os lockdowns
para garantir que ninguém saísse de
casa –, houve 8,6 milhões de divórcios
em 2020, segundo o Ministério de As-
suntos Civis. Outro recorde: quase o
dobro das separações que aconteceram
em 2019.
Sim, o início desnorteante da pan-
demia foi o gatilho para um boom de
divórcios planeta afora. Motivos para
a escalada nas tensões entre casais não
faltaram, você sabe: o encarceramento
em casa de ambos os cônjuges (condi-
ção que se estendeu indefinidamente
para quem aderiu ao home office), per-
rengues financeiros, a necessidade de
lidar com as crianças estudando em
casa, distúrbios psicológicos (ansie-
dade, depressão, paranoia…).
Ao impor uma coabitação 24 horas
por dia, a pandemia expôs o desafio
que é lidar com o marido ou a esposa o
dia inteiro: não dava mais para desviar
os olhos dos defeitos do outro, seus
maus-humores, implicâncias e peque-
nas manias irritantes.
Nos EUA, porém, o fenômeno não
ocorreu. O número de divórcios di-
minuiu durante a fase mais aguda da
pandemia – de 2,7 separações a cada
mil pessoas em 2019 para 2,3 em 2020
(confirmando uma redução que já vinha
ocorrendo ano a ano; em 2000, por
exemplo, eram 4,0).
Mas algo indica que pelo menos
pensar mais em separar eles pensaram.
A empresa americana Legal Templates,
especializada em gerenciamento de con-
tratos, fez um levantamento (4) dos dados
de seus clientes, e identificou um au-
mento de 34% nas vendas de seu “acordo
básico de divórcio" na primeira metade
de 2020, em comparação com o mesmo
período de 2019.
O levantamento mostra outro ponto,
que provavelmente se aplica ao resto
do planeta. Os casais que mais se di-
vorciaram na pandemia foram aqueles
que ainda não estavam tão habituados
assim um com o outro.
A Legal Templates mostrou que os
casados há menos de cinco anos foram
os que mais se separaram em 2020:
58%. Aliás, quanto menor o tempo

8,6
de união oficial, maior o aumento no
índice de cada um para o seu lado. En-
quanto, em 2019, pré-Covid, apenas
11% dos que se separaram tinham
menos de cinco meses sob o mesmo
teto, em 2020 essa porcentagem quase
dobrou: foi para 20%. MILHÕES DE DIVÓRCIOS
Estudiosos que analisaram esses Sempre com números
dados chegaram a uma conclusão que superlativos, a China
bateu seu recorde de
faz sentido: casais que haviam se unido separações no primeiro
havia pouco tempo são menos calejados ano da pandemia, em
para enfrentar o maremoto que atin- meio a um confinamento
giu a praia conjugal na onda do vírus. radical entre os casais.
Os parceiros mais longevos já tinham Drones garantiam que
ninguém desobedeceria
passado por outras crises. Talvez ilesos, ao lockdown.
talvez feridos. E muitos aprenderam a
sair delas juntos.
Aprendemos todos nós, aliás. Os por-
quês desse boom “separatista” e suas
consequências levaram a um escrutínio
por parte da comunidade científica, de
onde emergiu uma montanha de evi-
dências que trazem luz à questão – algu-
mas, surpreendentemente, contrariando
o senso comum.
Descobrimos que, embora os mari-
dos sejam menos fiéis e comprometi-
dos com o relacionamento, não são eles
que mais querem abandonar o barco. E
que os efeitos colaterais dessa decisão
são bem piores para as crianças do que
se imaginava.
É o que você vai ler nas próximas
páginas. →
julho 2022 SupER 47
 Acomodados
Os homens são menos fiéis. Essa foi
a conclusão de um estudo realizado
pelo YouGov, grupo internacional
de pesquisa e análise com base em
Londres. Questionados sobre fide- Principais
lidade, 25% deles afirmaram que já
haviam traído. Entre as mulheres, só motivos para
13% admitiram ter se envolvido em
atividades extraconjugais.
a separação
Eles são menos comprometidos com 1 Falta de comprometimento
a relação também. Um estudo (5) da Uni- com a relação
versidade de Denver (EUA) apontou que
2 Infidelidade
os homens se mostram menos engaja-
dos com a felicidade conjugal em 22,8% 3 Excesso de brigas
dos casos; as mulheres, em 12,4%. Os 4 Casaram muito jovens
que se esforçam menos pelo relaciona- 5 Problemas com dinheiro

76%
mento, segundo a pesquisa, são os que
provocam mais brigas. 6 Abuso de álcool/drogas
E isso influencia demais nos rumos 7 Violência doméstica
do casamento: a falta de comprome- 8 Problemas de saúde
timento foi identificada como o prin-
9 Falta de apoio da família
cipal motivo para divórcios, segundo
dOS PEDIDOS outro estudo (6) da Universidade de 10 Diferenças religiosas
DE DIVÓRCIO
partiram de
Denver, seguida por infidelidade e Fonte www.ncbi.nlm.nih.gov
mulheres, em 2020, excesso de brigas.
no maior escritório Paradoxalmente, essa falta de compro-
de advocacia metimento masculina não significa que
especializado em eles queiram se separar. Eles costumam
litígios no Reino
Unido.
ser mais acomodados do que elas com o
que não os satisfaz na vida conjugal. Os
pesquisadores descobriram que, quando
as mulheres se tornam desinteressadas
em seu casamento, a união não costu-
ma durar dois anos (54% dos casos). Já
quando eles são os indiferentes, a proba-
bilidade de rompimento nesse período é
menor (29%). Ou seja, o homem que não
mexe um dedo para melhorar a relação
também não toma iniciativa de dar um
fim ao matrimônio.
A pandemia deixou essa diferença
na hora de tomar a decisão mais clara
do que nunca. Segundo o escritório
britânico Stewarts, enquanto, em 2019,
60% dos pedidos de divórcio partiram
delas, em 2020 essa porcentagem au-
mentou para 76%.
As mulheres é que não aguenta-
vam mais.
Em comunicado sobre o levanta-
mento, Carly Kinch, sócia da firma de
advocacia, afirmou que a desigualdade
no acúmulo de trabalho profissional
e cuidados parentais acaba caindo na
mulher, o que ajuda a explicar esse au-
mento na iniciativa delas. “Algumas fo-
ram para o lockdown pensando ‘vai ser
maravilhoso, passaremos muito tempo Fontes (5) “Asymmetrically committed relationships”, University of Denver. (6) “Reasons for
Divorce and Recollections of Premarital Intervention: Implications for Improving Relationship
Education”, University of Denver. (7) Centers for Disease Control and Prevention; Randy Onson,
cientista de dados. (8) “All the Single Ladies: Job Promotions and the Durability of Marriage”,
Stockholm University.
48 SuPER julho 2022
 de qualidade juntos, e meu parceiro,
que normalmente trabalha longe de
casa, estará por aqui e vai poder me
ajudar mais’. Mas a realidade se mos-
trou bem distante disso.”
Independência financeira
O último século provou que a histó-
ria do divórcio é também a história
da emancipação feminina. Quando a
mulher tem independência financeira,
o divórcio se torna uma opção mais
natural para elas do que para eles.
Apesar da recente tendência de
queda, o século 20 nos EUA, onde os
índices de divórcios sempre foram
bem documentados, ilustra bem. Nos
loucos anos 1920, em que o país vi-
via uma fase de esplendor financeiro,
DEIXA A VIDA ME LEVAR
Além de menos
fiéis, homens são
menos engajados
com o sucesso
da relação. Essa
falta de compro-
metimento foi
identificada como
a causa número 1
dos divórcios.
mulheres saíram às ruas reivindicando
seu direito ao voto (no movimento su-
fragista), deixaram de ficar presas em
casa, encurtaram as saias e perderam a
vergonha de beber e fumar em público.
Foi quando o índice de divórcios por
mil habitantes, que era de 0,7 no fim do
século 19, saltou para 1,7 (7). Parecia que
a fragilidade dos casamentos seria um
caminho sem volta, mas não foi assim.
Nos primeiros anos da década de
1930, marcados pela Grande Depres-
são, o índice regrediu a 1,3. E voltou a
subir justamente quando a economia
americana subiu junto: durante a Se-
gunda Guerra Mundial. Foi quando o
país mandou 16 milhões de soldados
para os fronts na Europa e no Pacífico,
e sobraram vagas para mulheres no
mercado de trabalho.
Assim, o índice que estava em 1,3
separação para cada mil americanos em
1933 pulou para 3,4 em 1947, apenas
dois anos após o conflito global. Alta
de 160%. Para se ter uma ideia do que
isso representou, a taxa foi maior que no
pico dos rebeldes anos 1960, com pílula
anticoncepcional e tudo – 3,2, em 1969.
Na Suécia, país que está em primeiro
lugar no ranking de igualdade entre os
gêneros, a Universidade de Estocolmo
apresentou um estudo (8), em janeiro
de 2020, que investigou o quanto as
promoções na carreira influenciam a
probabilidade de divórcio. O resultado:
em companhias com mais de cem fun-
cionários, as mulheres são duas vezes
mais propensas a pedir a separação três
anos após serem promovidas a CEO.
Na política sueca ocorre algo seme-
lhante: enquanto 85% das mulheres que
perdem uma eleição para Prefeitura ou
o Congresso continuam casadas após
oito anos, esse índice baixa para 75%
entre as eleitas. No caso dos homens,
não há diferença perceptível entre elei-
tos e não eleitos.
Mas, claro, os espaços conquista-
dos pela mulher não têm a explicação
completa para essa linha evolutiva do
divórcio. A revolução sexual mostrou
ao mundo que havia amor e sexo tam-
bém fora do casamento monogâmico.
Uma transformação de mentalidade que →
julho 2022 supER 49
 tem reflexos até hoje, no século 21, com
seus “trisais” (relacionamentos a três),
casamentos abertos, uniões assexuadas
e outras formas de conviver.
Não à toa, o auge do divórcio acon-
teceria no fim dos anos 1970. Foi uma
década que consolidou os valores li-
bertários da geração do amor livre. Em
1979, o índice de separados em cada
mil americanos chegaria ao seu topo,
nunca mais atingido: 5,3. Donas da própria vida
Se a separação era boa para ambas
as partes, por que não? O problema é Na Suécia, país
que, frequentemente, há uma terceira campeão de
parte, sem voz na hora em que uma
decisão tão importante quanto essa é
igualdade de
tomada: os filhos. gênero, mulheres
Traumas
que alcançam o
Um estudo holandês (9) publicado em cargo de CEO em
março deste ano, com base em dados empresas ficam
extraídos de 17 países, revelou o efeito
negativo do divórcio sobre a escola- menos tempo
ridade dos jovens. E mostrou que ele casadas.
é mais forte para quem tem pais com
ensino superior completo.
Isso porque esses filhos passam
pelo luto de uma mudança maior na
vida, que inclui a perda de recursos
financeiros. Já os pais com baixa es-
colaridade costumam oferecer menos
– não há aula de natação, intercâm-
bio no exterior e lazer de alto padrão
quando o foco é garantir comida na
mesa. Nesses casos, a queda é menor,
assim como o sofrimento.
Seja entre ricos ou pobres, o pior é
quando o divórcio vem acompanhado
de muita briga entre os pais, claro. E
essa foi uma constante na dura convi-
vência da pandemia. O documentário
Erasing Family (“Apagando a Família”),
de 2020, dirigido pela americana Gin-
ger Gentile, toca no delicado tema da
alienação parental, sob o ponto de vista
do sofrimento causado às crianças que
se veem privadas da convivência com o
pai ou a mãe (tem no YouTube).
Alienação parental é quando o prin-
cipal guardião da criança reiteradamen-
te coloca barreiras no contato entre seu
ex e seus filhos, frequentemente com
o objetivo de se vingar.

Fontes (9) “Variation in the educational consequences of parental death and divorce:
The role of family and country characteristics”, Radboud University Nijmegen.

50 super julho 2022

 Richard Gardner, um professor da
Universidade de Columbia (EUA), foi
quem identificou, nos anos 1980, um
conjunto de transtornos psicológicos
chamado de Síndrome da Alienação
Parental. A pressão do cuidador prin-
cipal para que o pequeno desenvolva
sentimentos de rejeição ao pai ou à mãe
pode provocar na criança sintomas de
inibição, medo e bloqueios na apren-
dizagem, além de uma percepção de
mundo maniqueísta.
Na vida adulta, esse filho alienado do
convívio paterno ou materno pode de-
senvolver depressão crônica, distúrbios
de identidade, incapacidade de adapta-
ção, sentimento de culpa e tendência a
projetar uma personalidade agressiva.
Mesmo quando os pais não falam mal
um do outro para o filho, a separação já
é uma mudança difícil de processar na
mente infantil. “Há um conflito entre
dois amores”, diz a psicóloga clínica
Viviane Almeida Santos, especializada
em tratamento de casais. “Com isso, o
nível de ansiedade da criança fica alto
e ela cria mecanismos de dissociação.
Quando está com a mãe, não consegue
falar sobre o pai, e vice-versa. Vira um
tabu. E isso acaba se estendendo para
outras áreas da vida. Ela perde a capa-
SEM PAI OU MÃE
cidade de cruzar assuntos.” Adultos que passa-
A psicóloga lembra que pais e mães ram por alienação
separados precisam ser transparentes e parental na infância
estabelecer diálogos que deixem claro são propensos a ter
um fato importante: a criança não deve depressão, distúr-
bios de identidade
se ver como parte dessa relação que ter- e sentimento de
minou. Geralmente, ela não tem nada a culpa.
ver com o fim do amor romântico entre
seus pais, infidelidade, suas divergên-
cias por dinheiro ou valores pessoais.
Nesta nova era do divórcio, vale um
alerta: mesmo nas separações mais ami-
gáveis – e até afetuosas –, romper um
relacionamento de anos segue sendo tão
difícil quanto sempre foi. Os primeiros
tempos tendem a ser um período depri-
mente, de acordos difíceis e de pisar em
ovos. Se você se separou, vale a pena
um esforço a mais para manter o bom
convívio. Não apenas pelo bem dos fi-
lhos – se o casamento produziu crianças.
É importante honrar uma história que,
em boa parte do tempo, foi partilhada
com a pessoa que um dia você amou
como se fosse a única. S

julho 2022 SUPEr 51

 SAÚDE

a
Texto Rafael Battaglia
Ilustração Estevan Silveira
Design Juliana Krauss e Luana Pillmann
Edição Alexandre Versignassi

armadiLha
dos No Brasil, 20% dos jovens
adultos já experimentaram.
Nos EUA, virou um pro-
blema de saúde pública

vapes
grave. Entenda em que pé se
encontra a febre dos cigarros
eletrônicos – que têm se
mostrado tão perigosos
quanto os convencionais.

52 super junho 2017

 7
7 a 19 segundos. É o tempo que a
nicotina do cigarro leva para chegar ao
cérebro. Lá dentro, ela ativa o principal
neurotransmissor do prazer. E dá-lhe
prazer: comer chocolate eleva em 55%
a liberação de dopamina; fazer sexo,
100%. A nicotina? 150%.
Com o tempo, essas doses contínuas
de prazer acostumam o cérebro, que
passa a precisar de doses maiores para
se satisfazer. Instaura-se um vício. E
não é só a descarga de dopamina que
importa aí. É também a velocidade com
a qual você obtém o efeito.
Cocaína inalável, por exemplo, sobe
os níveis de dopamina em 400%, mas
essa descarga vem só 3 minutos após o
consumo. Já o cigarro, embora não cause
tanta disrupção neuronal, tem efeito
praticamente instantâneo. Isso torna a
nicotina no mínimo tão viciante quan-
to cocaína, heroína ou metanfetamina.
Com uma perversidade adicional: ela
não altera nosso estado consciente, en-
tão o usuário pode passar o dia inteiro
mimando os neurônios.
É o que 1,3 bilhão de fumantes fazem
todos os dias. Com a nicotina, vêm jun-
to outras 7 mil substâncias contidas no
cigarro de tabaco – 69 delas comprova-
damente cancerígenas, e outras tantas
que transformam seu pulmão num
cinzeiro com o passar dos anos. Essa
história você já conhece. Oito milhões
de pessoas morrem em decorrência do
tabagismo todos os anos. É a doença de
risco evitável que mais mata no mundo.
Quando a primeira geração de cigar-
ros eletrônicos chegou ao mercado, no
início dos anos 2000, havia o objetivo
de atrair fumantes e fazê-los trocar o
cigarro comum por uma alternativa
menos tóxica. Os aparelhos aquecem a
nicotina líquida armazenada ali, vapo-
rizando-a (vem daí o termo vape, que
virou sinônimo de cigarro eletrônico).
A vaporização é mais suave que a
combustão. Quando você queima al-
guma coisa, essa coisa se transforma
em milhares de outras ao mesmo tem-
po. Boa parte delas arrasadoras para
a saúde. Daí a toxicidade do cigarro
comum. A vaporização, por outro
lado, libera menos porcarias. Saem
da equação o monóxido de carbono
e o alcatrão, por exemplo, o que ao
menos dá um alívio para os pulmões.
Vamos falar mais sobre isso adiante.
Mas o ponto, por agora, é: parecia uma
solução interessante.
Não foi, porém. Passadas quase du-
as décadas, o que nasceu como uma
promessa para diminuir o tabagismo
se transformou em um problema de
saúde pública. Primeiro porque o va-
por até carrega menos toxinas que a
fumaça de cigarro, mas isso não sig-
nifica que as substâncias presentes ali
sejam seguras. Segundo, porque expôs
jovens que já eram avessos ao cigarro
tradicional à nicotina, criando uma
nova massa de dependentes químicos.
No Brasil, a comercialização dos va-
pes é proibida – mas isso não impede
o consumo em larga escala. Segundo
o Covitel, relatório divulgado neste
ano pela Universidade Federal de Pe-
lotas, quase 20% dos jovens de 18 a 24
anos já experimentaram algum tipo
de cigarro eletrônico. É mais do que
a porcentagem de pessoas da mesma
faixa etária que consome cigarros co-
muns regularmente (12,1%).
No centro da discussão está a Juul,
fabricante de cigarros eletrônicos que
há poucos anos popularizou o produto
pelo mundo – e acabou banida dos
EUA em 2022 pelo FDA (Food and
Drug Administration, a Anvisa de lá).
Vamos à história dela.
A startup do vício
Em 2005, os jovens físicos Adam
Bowen e James Monsees eram alunos
da Universidade Stanford. Embalados
pelo lançamento do primeiro cigarro
eletrônico (criado no ano anterior pelo
chinês Hon Lik), a dupla decidiu de-
senvolver a própria versão do aparelho,
com o objetivo de ajudar fumantes →
julho 2022 super 53

a a largarem o vício (eles próprios, in-
clusive). Nascia o Ploom, que apresen-
taram como projeto de mestrado – e
decidiram comercializar.
Mas o Ploom não vingou, e pelo
mesmo motivo que outros aparelhos
similares da época (aqueles tanques gi-
gantescos): não entregava nicotina na
quantidade e na velocidade suficiente
para satisfazer os usuários de cigarro.
Anos mais tarde, Bowen e Monsees
vieram com uma solução: misturar gran-
des quantidades de ácido benzoico à ni-
cotina. A mistura das duas substâncias
resulta no sal de nicotina, que chega de
forma mais rápida ao cérebro. Não só.
Ela também torna o princípio ativo mais
palatável, o que permitia entulhar muito
mais nicotina no líquido. Bingo.
Em 2015, então, Bowen e Monsees
lançaram seu novo vape: o Juul. Ele
chegou ao mercado com o dobro de
nicotina de seus concorrentes: 5% do
conteúdo de cada cápsula de líquido da
marca (os “pods”), contra 2,5% dos rivais.
Era o equivalente a um maço inteiro de
cigarros. Cortesia do ácido benzoico:
enquanto outros cigarros eletrônicos
tinham de 0,2 a 2 mg/L da substância,
54 super julho 2022
uma brecha na Lei
permitiu nos eua
a venda de vapes
saborizados, os
preferidos entre
adoLescentes.
o Jull tinha 44,8 mg/L.
O estrago estava feito. Em 2016, a
empresa vendeu 2,2 milhões de vapes;
no ano seguinte, 16,2 milhões. Em 2018,
ela já dominava 75% do mercado ameri-
cano de cigarros eletrônicos. A empresa
levou quatro vezes menos tempo que o
Facebook para atingir US$ 10 bilhões
em valor de mercado.
Em 2018, a pesquisa National Youth
Tobacco revelou um dado preocupante:
havia 3,6 milhões de adolescentes ame-
ricanos consumindo vapes regularmen-
te. Entre os alunos do ensino médio, a
taxa saltou de 11,7% para 20,8% – um
aumento de 78%.
Naquele mesmo ano, a Altria/Phi-
lip Morris, segunda maior empresa
de tabaco do mundo (e dona da marca
Marlboro) comprou 35% da Juul por
US$ 12,8 bilhões. A empresa de cigarros
eletrônicos, então, passou a valer US$
38 bilhões – o que, na época, corres-
pondia a 40% de uma Petrobras.
Em 2019, um juiz federal dos EUA
ordenou que fabricantes de vapes en-
viassem pedidos de regulamentação
ao FDA – até lá, poderiam continuar
operando como já faziam. As empresas
precisariam provar que o seu produto
oferecia benefícios na redução do ta-
bagismo convencional.
A agência ainda proibiu que vapes
que funcionavam com cápsulas de re-
carga de nicotina (como o Juul) tivessem
sabores. Foi um esforço para diminuir
o consumo entre adolescentes, atraí-
dos por sabores que iam da tradicio-
nal menta a, veja só, crème brûlée. Em
2020, a fatia de mercado da Juul entre
os eletrônicos diminuiu para 42%. A
essa altura, porém, não fazia grande di-
ferença: já choviam modelos movidos a
sal de nicotina, incluindo aparelhos das
fabricantes de cigarros comuns, como
a British American Tobacco e a Japan
Tobacco International.
Os esforços para conter a epidemia
dos vapes escorregaram em dois aspec-
tos. O primeiro foi a demora do FDA
para decidir a permanência das prin-
cipais empresas de vapes no mercado
americano (que dita as tendências para
o resto do mundo): o prazo dado pela
agência foi adiado em 2020 e, nova-
mente, em 2021.
Segundo, o banimento dos vapes
saborizados não incluiu a versão des-
cartável do produto, que ainda não
eram populares – mas que rapidamente
se tornaram.
Nicotina sintética
Em 2020, a pequena empresa americana
Puff Bar viu seu faturamento semanal
saltar de US$ 14 mil para US$ 3 milhões.
Pressões populares e judiciais fizeram
o FDA banir a marca, que vendia vapes
descartáveis e com saborzinho – mas
ela voltou ao mercado em 2021, graças
a uma brecha na lei.
A nicotina é extraída das folhas de
tabaco – e produtos feitos com a plan-
ta estão, por lei, sob o guarda-chuva
do FDA. Mas e se fosse possível obter
nicotina de outra forma, que escapasse
da alçada do órgão? Foi o que a Puff
Bar e diversas outras empresas fize-
ram: passaram a produzir vapes com
nicotina sintética.
Feita em laboratório e sem o uso de
tabaco, ela já era estudada desde os anos
1960. Mas, dada a abundância de taba-
co para usar como matéria-prima, não
havia razões para produzi-la comercial-
mente. Agora não mais: a demanda de
empresas a fim de driblar o FDA criou
um mercado para a substância.
 Com seu arco-íris de sabores, a Puff
Bar se tornou a queridinha entre os
estudantes americanos: 26,8% deles
a consumiam. O Juul se tornou só a
quarta marca preferida entre os mais
novos, com 6,8% (veja mais no quadro
abaixo). No Brasil, uma das marcas mais
populares é a Ignite, que também usa
nicotina sintética. A empresa americana
nasceu com foco em produtos deriva-
dos de cannabis. Mas, em 2021, aban-
donou esse negócio e se concentrou em
outro: vapes. O fundador da Ignite é o
milionário americano Dan Bilzerian,
jogador de pôquer e celebridade no
Instagram, onde compartilha seu lu-
xuoso estilo de vida com 33 milhões de
seguidores. Em uma entrevista à revista →

A epidemia americana
um em cada dez estudantes dos EUA consome algum tipo de
cigarro eletrônico. Confira um raio X do consumo por lá, com
base em dados de 2021.

2,5 milhões 2 milhões

de estudantes dos EUA são de ensino médio
são usuários de cigarros e o restante, ensino
eletrônicos. fundamental.

85%
do total de usuários,

consomem vapes saborizados

os tIpos MaIs usados são:

aparelho aparelho mod (aparelho não

descartável recarregável customizável) souberam
informar

53,7% 28,7% 9% 8,6%

as Marcas preFerIdas entre os JoVens são:

Vuse Juul outras

10,5% 6,8% 45,2%

26,7% 8,6% 2,1%

puff Bar sMoK suorin
 Forbes, Bilzerian declarou que espera,
um dia, vender a Ignite para alguma
gigante do tabaco.
Bom, o FDA só corrigiu a brecha da
nicotina sintética em março deste ano.
Desde então, o órgão passou a controlar
as decisões de produtos contendo nico-
tina de qualquer origem. As empresas
que usavam nicotina sintética foram
proibidas de vender para menores de
21 anos, oferecer amostras grátis e de
dizer que o seu produto é menos pre-
judicial que cigarro. Essas companhias
foram obrigadas a submeter pedidos à
agência para continuar no mercado. O
da Puff Bar segue em análise, enquanto
o comércio corre solto.
Em junho, o valor de mercado da Juul
já havia despencado para apenas US$
1,6 bilhão. Foi quando veio a decisão
que ganhou o noticiário mundial: o
FDA suspendeu a venda dos produtos
da Juul em todo território americano.
Segundo a agência, os estudos enviados
pela empresa “levantaram preocupações
devido a dados insuficientes e confli-
tantes”. Faltaram evidências que mos-
trassem que a permanência da marca
A realidade brasileira
Por aqui, a venda de qualquer tipo de cigarro
eletrônico é proibida – mas isso não impediu
que um em cada cinco jovens adultos tivesse
contato com a droga.
19,7
consuMo por FaIxa etárIa
10,3
3,1
3,2
1,9
1,6
10,1%
dos hoMens e
já consumiram vape.
junho2017
superjunho
56 super
56 2017
seria apropriada para a proteção da
saúde pública.
Também colaborou a epidemia de
EVALI, sigla em inglês para “lesão
pulmonar associada ao uso de cigarro
eletrônico”. Ela hospitalizou milhares
e, nos EUA, matou 64 pessoas.
A grande maioria dos pacientes de
EVALI usou vapes com outro propósito:
fumar óleo de THC – tetra-hidrocana-
binol, o agente psicoativo da maconha.
Mas o que causou a inflamação, pelo que
se sabe até hoje, foi outra coisa: acetato
de vitamina E, uma substância segura
para ingestão, mas tóxica para inalação.
Acontece que alguns produtores clan-
destinos dos EUA usavam acetato para
espessar o líquido que seria vaporizado
– ele dá a falsa impressão de haver mais
THC na mistura.
Depois que a causa da EVALI foi des-
coberta, os casos diminuíram. Mas o
acetato pode não ser a única causa da
doença, já que há registros de casos
em que os pacientes não consumiram
THC (ou ao menos negam). “Há uma
lista de substâncias candidatas que
podem estar associadas ao EVALI, e
18-24
25-34
35-44
45-54
55-64
65 oU +
CENTRo-oESTE
11,2
4,8%
10,2
NoRDESTE
SUDESTE
6,6
6,4
6,1
NoRTE
SUL
dAs Mulheres
consuMo por reGIão

agradecimentos: João Maurício
castaldelli Maia, psiquiatra e mem-
bro do programa Interdisciplinar de
estudos de álcool e drogas da usp.
existem mais de 2
miL substâncias na
fumaça dos vapes
– incluindo alGu�
mas associadas à
combustão.
os pesquisadores estão lutando para
entender melhor esse problema”, diz
Paulo Corrêa, coordenador da Co-
missão Científica de Tabagismo da
Sociedade Brasileira de Pneumologia e
Tisiologia (SBPT).
Não é só vapor
Mesmo se a EVALI não tiver relação
com os vapes de nicotina, isso não
significa que “está tudo bem”, claro.
Uma pesquisa da Universidade Johns
Hopkins analisou quatro tipos de vape
em 2021 e descobriu mais de duas mil
substâncias em seus aerossóis. A maioria
ainda não foi identificada, mas os cientis-
tas encontraram um tipo de pesticida e
compostos associados à combustão. Pois
é: isso coloca em dúvida a ideia de que os
cigarros eletrônicos apenas vaporizam
o seu conteúdo. Se há combustão de
qualquer coisa ali (seja do líquido, seja
da resistência que aquece o líquido), o
que temos é um produto que pode ser
tão danoso quanto os bastões de tabaco.
“No fim das contas, é o mesmo pro-
duto de entrega de nicotina, só que em
uma nova roupagem”, defende Silvana
Turci, coordenadora do Centro de Es-
tudos sobre Tabaco e Saúde da Fiocruz.
E há o óbvio: mesmo se os vapes
só produzissem nicotina num estado
platonicamente puro, ainda assim terí-
amos um problema de saúde pública.
Primeiro pelo potencial viciante. Se-
gundo porque ela está relacionada a
doenças cardiovasculares e pode dar
origem a substâncias cancerígenas (as
nitrosaminas), além de prejudicar o de-
senvolvimento do cérebro de crianças
e jovens adultos.
O que pode dar errado
Não existe hexa que supere a vitória
do Brasil na luta contra o tabagismo.
Ao lado da Turquia, somos exemplos
mundiais no assunto, com uma das pre-
valências mais baixas de fumantes: 9,1%
da população adulta (em 1989, era 35%).
Desde 2002, o SUS oferece tratamento
a quem deseja largar o vício.
Especialistas, contudo, temem que
os vapes possam atrapalhar essa cam-
panha. “Usuários de cigarro eletrônico
têm três vezes mais chance de experi-
mentar cigarro comum, e quatro vezes
mais risco de se tornar um fumante
convencional”, alerta Liz Maria de Al-
meida, coordenadora de Prevenção e
Vigilância do Instituto Nacional do
Câncer (INCA).
Desde 2009, a Anvisa proíbe a venda
dos DEFs – Dispositivos Eletrônicos
para Fumar. Entram nessa classificação
vapes e outros aparelhos, como os de
tabaco aquecido, que esquentam o fumo
em até 350°C – o que liberaria menos
substâncias tóxicas do que a combus-
tão, que ocorre a 800°C. Já faz tempo
que a Philip Morris tenta emplacar no
Brasil o iQOS, seu dispositivo de tabaco
aquecido vendido em mais de 60 países.
Lei, portanto, existe. Mas falta fisca-
lização: é extremamente fácil comprar
vapes na internet, em tabacarias ou com
o ambulante que passa de mesa em me-
sa no boteco. Em 2021, um relatório
da Aliança de Controle do Tabagismo
(ACT) revelou que os aplicativos iFood,
Rappi e James permitiam a venda de
vapes (além de outros produtos deri-
vados do tabaco, que não podem ser
vendidos online).
Neste ano, a Anvisa recolheu novas
evidências técnicas e científicas sobre
os DEFs, que poderiam servir de base
para uma eventual revisão da lei. Mas
não: no início de julho, a agência decidiu,
por unanimidade, manter o banimento.
Isso, claro, não basta para conter o
consumo dos vapes. O veto precisa
estar aliado a medidas mais rígidas de
fiscalização e programas de conscienti-
zação, sobretudo para adolescentes. Mas
dá para enxergar uma luz no fim desse
túnel. Nos EUA, 65% dos estudantes
que fumam cigarro eletrônico desejam
largar o dispositivo, e 60% já se mexe-
ram de alguma forma para atingir esse
objetivo. Ótimo. A melhor forma de
lidar com qualquer vício é abandoná-lo.
Seu eu do futuro vai te agradecer. S
julho 2022 super 57
 ORÁCULO ILUSTRAÇÕES HI MAROCAS DESIGN NATALIA SAYURI LARA
58
HORAS. É o recorde do beijo
mais longo da história, que
aconteceu num concurso
de Dia dos Namorados, na
Tailândia, em 2013. (1)

Lábios e língua têm mais de 1 milhão de terminações

nervosas (cem vezes mais que os dedos), o que torna essas
regiões extremamente sensíveis ao toque. Toque feito, o
beijo libera uma série de hormônios no cérebro ligados

POR QUE
à sensação de prazer – serotonina, dopamina e ocitocina.
Tudo indica que o hábito surgiu no nosso ancestral comum
com os chimpanzés, de 8 milhões de anos atrás. Porque
chimpanzés e bonobos, seus primos, se beijam também.

HUMANOS
Não só: as mães mastigam a comida para os filhotes e dão
na boca deles. Talvez o tal ancestral comum já fizesse isso,
e tenha deixado o instinto do beijo como um legado.
Mas e a conotação sexual? O mais provável é que o beijo

SE BEIJAM?
ajude a “cheirar” os parceiros de perto. Boa parte dos ma-
míferos escolhe seus parceiros pelo odor: ele indica se o
sistema imunológico do outro é diferente (complementar)
ao seu. Se for, a chance de gerar uma prole mais resistente
@mrl.mths, via Instagram a doenças é maior. Aí seu par parecerá mais cheiroso.

58 super julho 2022

 EDIÇÃO alexandre carvalho

Animais também sonham?

Giovanna Zanardi, via e-mail

Tudo indica que sim. O sono não-REM (sem sonho) é um dormir

mais primitivo, quando respiração e batimentos cardíacos ficam mais
leves, e os músculos relaxam. Ele é compartilhado por basicamente
todos os animais – foi identificado até em moscas. Mas é no sono REM
(rapid eye movement, “movimento rápido dos olhos”, em português)
que vem o sonho: quando pegamos nossas experiências de vida e as
remodelamos num filme surreal dentro das nossas mentes. Caracterís-
ticas fisiológicas e comportamentais desse sono já foram observadas
em mamíferos e pássaros. Além do tal movimento dos olhos, os bichos
têm maior atividade cerebral nessa fase REM, mexem-se bastante,
têm variações nas atividades respiratória e cardiovascular, e podem
manifestar estados de excitação. Igualzinho à gente quando sonha. (2)

se as nuvens são formadas de go- Como funcionam aplicativos que

PÁ PUM tículas de água, por que elas são identificam músicas?
brancas em vez de transparentes? Gustavo Abreu, via e-mail
Jorge Putinatti, Marília, SP
Eles têm gigantescos bancos de dados de
Cada cor é uma onda eletromag- canções, que provavelmente incluem a que você
Quando aconteceu o nética com um certo comprimento. está ouvindo. Para vasculhar essa biblioteca,
primeiro teste nucle- Existem ondas maiores ou menores, então, eles têm um método de identificação
ar da história? como ondas de rádio ou os raios X, que parecido com o das impressões digitais. Para
nossos olhos não detectam. Aquelas cada música, o aplicativo forma automatica-
16 de julho de 1945 (Novo que vemos estão entre os 380 e 700 mente um tipo de gráfico 3D. Enquanto o eixo X
México, EUA) nanômetros – azul e vermelho, respec- registra a extensão de tempo da canção, o Y tem
tivamente. A luz do Sol contém todos a sua frequência (a velocidade na qual as ondas
número incríveL
os comprimentos visíveis (e alguns sonoras se propagam pelo ar, medida em Hertz;
invisíveis também, como o ultravioleta). sons agudos têm frequência mais alta). Já o eixo

6.000
Ao encontrar uma partícula, essa luz se Z aponta a intensidade, que é quão alto está
espalha conforme o tamanho do obs- cada um dos sons lá dentro da música. O app
táculo. Partículas menores, como o ar se concentra nas mudanças de frequência em
da atmosfera, espalham comprimentos um determinado período de tempo e nos picos
metros. É o tamanho a curtos, como o azul – daí a cor do céu. Já de intensidade nessas frequências (um agudo
que pode chegar a base as gotículas de uma nuvem são muito em volume mais ou menos alto, por exemplo).
de uma nuvem alta, que maiores. Conseguem desviar todas as É o cruzamento desses elementos que permite
varia entre 7 e 18 km de cores quase igualmente. E a soma de formar a “impressão digital” da canção. E já
altitude. (3) todas as cores visíveis é o branco. basta para dar match.

outro dado
reLevante sem
nenhuma LiGação
como é possível São dois segredos. Alguns dos ingredientes não são metabolizados pelo

6.000
um refrigerante organismo, e por isso o nosso corpo não absorve energia deles. Outros
com cafeína, ingredientes até são, mas a quantidade deles na bebida é tão baixa que seus
corantes etc. ter valores calóricos acabam insignificantes. Numa Coca Zero, por exemplo,
zero caloria? o sódio, a cafeína, os corantes, os estabilizantes e os adoçantes sintéticos
A.C. Foi quando as primei- @davidgalvao, (ciclamato e do acessulfame) não têm calorias. Já o extrato de noz de cola
ras populações humanas se via Instagram e o aspartame (um adoçante natural) têm. Mas é pouco: dá 0,168 kcal por
estabeleceram na Serra de latinha. Taí. Podem mudar o nome para “Coca Zero Vírgula 168”. (4)
Carajás, no Pará.

Reportagem Alexandre Versignassi, Alexandre Carvalho, Leonardo Caparroz, Luisa Costa, Maria Clara Rossini e Rafael Battaglia. Fontes (1) Guinness Book. (2) Matthew
Wilson, pesquisador do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), em entrevista ao Gizmodo; David Peña-Guzmán, autor de “When Animals Dream: The
Hidden World of Animal Consciousness”, em entrevista à Vice. (3) Departamento de Física da Universidade Federal do Paraná. (4) Marina Paraluppi Loureiro,
nutricionista e mestre em Ciências dos Alimentos pela Universidade de São Paulo (USP). julho 2022 super 59
 ORÁCULO

EXISTE ALGUM PROTOCOLO PARA O CASO DE

A NASA ENCONTRAR VIDA EXTRATERRESTRE?
pedroivoantunes, via Instagram

Existe! A Nasa criou um em 1989, quando mantinha um programa de detecção

de extraterrestres – hoje extinto. Esse documento foi aprimorado em 2010 pela
International Academy of Astronautics (IAA) – organização reconhecida pelas
Nações Unidas – em seu comitê de busca por inteligência alienígena (SETI, na
sigla em inglês). O protocolo recomenda que, uma vez confirmada a descober-
ta, ela não seja um segredo: deve ser amplamente divulgada ao público e, de
forma detalhada, para o secretário-geral da ONU. Todo o processo que levou à
confirmação, seus resultados e conclusões devem ser repassados à comunidade
científica em publicações e conferências. E no caso de haver uma tentativa de
contato por iniciativa dos ETs? Segundo o protocolo, a Terra não deve responder
tão cedo. Não antes de um extenso debate internacional, que inclua a Organização
das Nações Unidas, avaliando os riscos. Desde 2018, o SETI tem discutido, em
encontros pelo mundo, sobre a melhor forma de comunicar a descoberta ao
público, por conta do impacto que a informação pode ter em grande escala. Os
caçadores de inteligência alien temem ainda as interpretações estapafúrdias que
as redes sociais podem espalhar. (1)

há um horário do dia com mais Por que mamíferos

acidentes em rodovias?
gnoseluz, via Instagram
marinhos não mor- LISTA
rem desidratados Quais são os mer-
ingerindo a água cados mais nume-
Das 16h às 20h. A Agência de Transporte do Estado de
do mar? rosos do Brasil?
São Paulo fez um levantamento de 16.630 acidentes em
Daniel Dias, Juazeiro do
estradas paulistas e concluiu que esse intervalo de horas
Norte, CE
é o campeão de ocorrências, com 27% dos casos. Prova-
velmente vale para o mundo todo: dados de segurança A rede mexicana oxxo
porque eles têm rins
viária dos EUA trazem o mesmo resultado. Três fatores espalha-se vorazmente: abriu
adaptados à vida marinha,
são preponderantes para tanto acidente nesse período. É 119 lojas desde a vinda para o
com múltiplos lóbulos Brasil, em 2020. Mas ainda não
quando há um aumento do fluxo de veículos; os motoristas
chamados renículos. Eles entra no ranking. (4)
já estão cansados, seja do batente no escritório, seja das
parecem “saquinhos” gru-
horas seguidas ao volante; e há ainda o fator lusco-fusco.
dados, como se estivessem am/pm
No finzinho da tarde, acontece uma queda gradual da lu- 1 1.841 lojas
cobertos por um plástico.
minosidade, que implica perda da noção de distância e até
Cada saquinho funciona
de velocidade para o motorista. E as reações oculares ficam
como se fosse um mini-rim GPA (CoMPre BeM,
mais lentas. Como a mudança no céu vem aos poucos, o 2
humano. Como são muitos, extrA, Pão de
indivíduo não se dá conta de que precisa ser mais cauteloso,
isso faz com que eles sejam AçúCAr)
como acontece à noite. Daí o aumento do risco. (2) 809 lojas
mais eficientes ao reter água
e excretar sal. Quanto mais
saquinhos o animal tiver, CArrefour
3 548 lojas
mais sal ele é capaz de ingerir
sem se desidratar. Golfinhos
PERGUNTE têm 500 renículos em cada SuPerMerCAdoS BH
rim; baleias, mais de 3 mil. 4
AO ORÁCULO Plot twist: mesmo assim,
243 lojas

Escreva para eles não se hidratam com a

alexandre.santos@abril.com.br
mencionando sua cidade e água do mar. Obtêm água via 5
ASSAí AtACAdiStA
alimentação mesmo. (3) 212 lojas
estado – ou mande a pergunta
via direct no Instagram.

60 super julho 2022

 SÓ ACREDITO Quais países têm A consultoria alemã GFK entrevistou 27 mil pessoas
em 22 países para descobrir em quais nações há mais

VENDO mais animais de bichinhos em casa. Deu Argentina (82%) em primeiro,

seguida por México (81%) e Brasil (76%). No total, 33% das
estimação? residências têm cachorros; 23%, gatos; 12%, peixes e 6%,
pássaros. Outros 6% abrigam algum tipo diferente de pet.

Média mundial Coreia do Sul Austrália

20% 6% 7% 1% 39% 29% 13% 10%

33% 23% 12% 6% rússia Canadá

Brasil
29% 57% 11% 9% 33% 35% 9% 4%
Polônia China

58% 28% 7% 11%

45% 32% 12% 7% 25% 10% 17% 5%
estados unidos México frança

50% 39% 11% 6% 64% 24% 10% 10% 29% 41% 12% 5%
turquia Japão Alemanha

12% 15% 16% 20% 17% 14% 9% 2% 21% 29% 9% 6%

espanha Argentina itália
Fonte GFK, 2016

37% 23% 9% 11% 66% 32% 8% 7% 39% 34% 11% 8%

por que no ocidente se escreve da PAlAvrA�crUzaDa

esquerda para a direita?
viniciusrochaaa, via Instagram

No começo da escrita, o sentido era outro: da direita para a esquerda.

Ela era à base de marreta e cinzel, perfurando pedra ou argila. Como
90% dos humanos são destros, a maioria segurava a marreta com a
direita. Aí o natural é ir escrevendo para a esquerda. Com a ascensão alguns dos siste- Alguns textos gregos Há línguas cujo
da tinta sobre papiro, tudo mudou. Ir da esquerda para a direita evita mas de escrita da do século 7 a.C. eram sistema de escrita
que o escriba destro borre a mão com a tinta fresca. E o braço direito direita para a es- escritos em bustrofé- pode funcionar
querda são o árabe, don: com uma linha tanto na horizontal
não atrapalha a visualização do texto nesse sentido. Mesmo assim, o persa, o hebraico da esquerda para a quanto na vertical –
algumas sociedades mantiveram a tradição dos tempos da escrita na e o japonês. direita e a próxima é o caso do chinês e
marretada, e seguiram escrevendo da direita para a esquerda. ao contrário. do japonês.
Fontes (1) International Academy of Astronautics (IAA). (2) National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA); Agência
de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp). (3) Marcos César de Oliveira Santos, professor do Departamento de Oceanografia
Biológica da USP. (4) Ranking 2022 da Associação Brasileira de Supermercados; Reuters.
julho 2022 super 61
 ORÁCULO

Se a maioria dos trevos um cavalo de potência

tem 3 folhas, qual a pro- significa mesmo a força
babilidade de nascer um de um cavalo de verdade?
trevo de 4 folhas? Artur Coimbra, Rio de Janeiro
joao_hen_, via Instagram
Não. Um equino chega a 15
Uma análise de 2017 contou cavalos de potência (CV). A
5,7 milhões de trevos em seis unidade de medida foi criada
países e sugere um número: pelo britânico James Watt, no
a cada 5.076 trevos normais, século 18. Ele calculou a quanti-
um teria a quarta folha. É dade de trabalho que o animal
uma chance equivalente a conseguia fazer ao longo de um
fazer a quina da Mega-Sena dia (potência, afinal, é a razão
com uma aposta de dez nú- entre energia e um intervalo de
meros. A mutação do quarto tempo). Nesse período, o ani-
folíolo é genética, claro, mas mal conseguia puxar 68 quilos
o ambiente também tem de um buraco com 67 metros
dedo nisso. Apesar de muitos de profundidade. Com essa
trevos nascerem com os genes informação, Watt determinou
para a quarta folha, eles só se que o seu motor tinha 10 CV

POR QUE HÁ MAIS expressam se condições do – a potência que dez cavalos

meio, como temperatura e poderiam oferecer em um dia
luminosidade, estiverem a de trabalho (ainda que o pico

CRAVOS E ESPINHAS favor. A exata interação entre de potência de cada cavalo seja
esses fatores ainda intriga os bem maior – os tais 15 CV). Bom,
cientistas e mantém o trevo entre cuidar de dez equinos e

NA REGIÃO DO ROSTO?
Matheus Ianni, via e-mail
de quatro folhas como um adquirir a máquina, as pessoas
achado reservado somente aos ficaram com a segunda opção.
mais sortudos. (2) Eis a Revolução Industrial. (3)

porque é onde temos mais glândulas sebáceas. Principal-

mente na “zona T”, que compreende a testa, o nariz e o queixo.
Como o nome diz, essas glândulas produzem sebo, um fluido
gorduroso, que protege contra o vento, esbarrões em superfícies
LOST IN Avere gli
ásperas etc. Há maior necessidade desse sebo no rosto porque é
onde nossa pele é mais fina – e vulnerável. O problema é quando,
TRANSLATION occhi foderati
por uma questão genética ou se estamos mais ansiosos (há di prosciutto
Origem Itália

receptores para adrenalina nessas glândulas), elas trabalham

demais. Ou se há estreitamento dos poros. Nesse caso, os Ter os olhos forrados
poros ficam entupidos por sebo e células mortas da pele. Esse com presunto.
sebo que fica para fora permanece em contato com o oxigênio,
formando os pontinhos escuros que são os cravos. Já as espinhas Você não acha o celular, e ele está bem ali na sua cara. É isso: não
são um passo além: significam que há uma inflamação no local, enxergar algo visível na sua frente. Também… com presunto nos
provocada pelo excesso seboso. (1) olhos deve ser difícil mesmo.

Não. Em uma democracia, a vontade

PENSANDO A democracia do povo frequentemente vai contra o
deve ser que é melhor para o Estado… e para o
BEM... intocável?
próprio povo. A melhor forma de go-
Filósofos de verno seria uma aristocracia baseada
ontem opinam em no mérito – uma liderança de uma
assuntos de hoje elite esclarecida. Vale lembrar que
por Alexandre Carvalho Aristóteles foi professor de Alexan-
ARISTÓTELES dre, o Grande, célebre por impor seu
384 a.C. – 322 a.C. poder a outros territórios pela força.

62 super julho 2022

 MANUAL Como mandar bem em
por Rafael
Battaglia
um jogo de damas?
1 � no início 2 � meiUca
As brancas têm sete Avançar as peças pelos
opções para começar. cantos do tabuleiro ofe-
Os lances seguintes de- rece menos opções de
terminam a abertura do jogadas. Por isso, domine
jogo. Existem várias saídas as casas centrais. E não
(a russa, a espanhola, a demore para coroar uma
belga…). Na abertura dama: poderosa, ela pode
australiana, cada jogador parar em qualquer casa
captura uma peça do livre na diagonal em que
oponente; as brancas se estiver – só não pode saltar
concentram na lateral e uma peça de mesma cor.
as pretas, no meio. Treine Quem tiver mais damas
as principais. estará em vantagem.

3 � sem clemência 4 � game over

Se um jogador pode captu- Além de capturar todas
rar uma peça na sua vez, ele as peças, um jeito de
é obrigado a fazer isso. E se vencer é “imobilizando”
tiver de escolher entre cap- o adversário: se ele não
turar uma ou duas peças, puder se movimentar por
precisa, necessariamente, estar cercado pelas suas
realizar o movimento que peças, perde. O jogo
leve ao maior número de também pode terminar
capturas. Essa é a Lei da empatado: por um acor-
Maioria, que jogadores ex- do entre os jogadores
perientes usam a seu favor ou se não acontecer
para criar emboscadas. nenhuma captura em
até 20 jogadas.

PARA SABER MAIS Torne-se imbatível

As peças só andam para frente. Na linha mais próxima a você no Jogadores profissionais pensam Para atacar, avance com peças
Mas podem capturar para trás – e tabuleiro ficam as suas peças- de seis a dez movimentos à frente, enfileiradas, o que dificulta a
passar mais de uma vez por uma -âncora, vitais para se proteger para calcular possibilidades de captura. Mas desapegue: sacri-
mesma casa, caso uma sequência de eventuais damas. Mova-as jogo. Tente pensar, pelo menos, nas ficar uma pode abrir caminho
de capturas exigir. somente quando necessário. próximas três jogadas possíveis. para você coroar uma dama.

Sim. Para esse holandês, ir contra Sim. Intocável e quanto mais

o poder coletivo é ir contra a verda-
deira liberdade. Ele achava que os
governos aristocráticos falham ao
não querer as pessoas como elas
são, com vontades e sentimentos
contraditórios. Só um Estado de-
mocrático é capaz de lidar com essa
BARUCH SPINOZA diversidade, e sua função é traduzi-la
HANNAH ARENDT
1632 – 1677 e direcioná-la para o bem comum.
Fontes (1) Meire Gonzaga, médica da Sociedade Brasileira de Dermatologia e Cirurgia Der-
matológica. (2) University of Georgia (UGA). (3) Energy Education (Universidade de Calgary).
direta melhor. A alemã tinha
restrições quanto aos partidos po-
líticos, porque considerava que eles
limitam a participação direta das
pessoas nas questões que lhe dizem
respeito, o que seria feito melhor
com conselhos de cidadãos – como
na democracia em estado bruto da
1906 – 1975 Grécia Antiga.
julho 2022 super 63
 E SE... REALIDADES PARALELAS
e se surgisse uma
máquina consciente?
Não foi desta vez. Em junho, um
engenheiro do Google afirmou que uma
inteligência artificial com que trabalha-
va havia adquirido consciência – mas a
história revelou-se um caô. As supostas
provas eram uma seleção muito bem
editada de conversas, feita para pare-
cer que a IA realmente havia adquirido
consciência e temia pela própria “morte”
ao ser desligada. O funcionário acabou
afastado do cargo.
Mas e se fosse um fato? E se surgisse
uma inteligência artificial de verdade,
capaz de pensar como um humano? A
primeira opção que vem à mente é um
cenário catastrófico, ao estilo Matrix
ou Exterminador do Futuro – em que
máquinas com quem não podemos con-
correr intelectualmente escravizam ou
eliminam a humanidade.
Stephen Hawking (1942-2018) afir-
mou em 2014 à rede de TV BBC que
“o desenvolvimento de uma inteli-
gência artificial plena pode dar fim
à raça humana”. Hawking se refere a
máquinas conscientes de fato. Elas são
o que se denomina inteligência artifi-
cial geral – também chamada de “forte”,
ou “verdadeira”.
Em contrapartida, existem as inteli-
gências artificiais limitadas, ou fracas.
Essas fazem parte do cotidiano há um
bom tempo: estamos falando de progra-
mas que comandam drones militares
autônomos, que determinam se o seu
cartão bancário ganha ou perde limite
e até se você é ou não um bom can-
didato para emprego. Alguns desses
64 super julho 2022
Texto Fábio Marton e Bruno Vaiano
programas, inclusive, fazem uso de
redes neurais, criadas para simular de
alguma forma a função das sinapses
entre os neurônios na mente humana.
Mas as redes neurais são sempre cria-
das com algum propósito em mente – e
limitadas a esse propósito. Cada progra-
ma de inteligência artificial é escrito para
fazer um trabalho específico, e conse-
gue melhorar esse trabalho calibrando
suas decisões por tentativa e erro (o tal
machine learning, ou “aprendizado de
máquina”). Mas um drone com machine
learning jamais vai decidir que prefere
ser um aspirador de pó.
A IA que virou notícia por ter “criado
consciência” é um chatbot. Sua função
é justamente conversar. Ela pode até
tapear as pessoas, e dizer coisas que se
esperaria de uma IA verdadeira. Mas
não está realmente pensando; só agindo
conforme sua programação.
Engenheiros da computação que
trabalham com inteligência artificial,
em sua imensa maioria, acham a ideia
de uma IA geral e consciente não só
perigosa como ridícula. Mas não quer
dizer que ninguém no mundo ainda es-
tá pensando nisso. Dois pesquisadores
que não trabalham com computadores,
mas com humanos – os neurologistas
António Damásio e Kingson Man –,
propuseram, em 2019, uma forma de
chegar a uma máquina que poderia,
eventualmente, aprender a ser humana.
O primeiro ponto é que ela seria mais
parecida com a visão de Isaac Asimov,
autor do livro Eu, Robô (1950), do que
no mundo real, a
samantha, de Her
(2013), precisaria
de um salário.
com um chatbot: seu cérebro eletrônico
precisaria, idealmente, estar instalado
em um corpo humanoide. Não é pos-
sível conceber uma inteligência como
a nossa sem esse recurso, porque ela
não poderia compreender para valer
a materialidade do mundo real sem
explorá-lo. O corpo dá uma dimensão
concreta (e não verbal) de conceitos co-
mo espaço e movimento; ele é essencial
para intermediar a relação entre nosso
cérebro e o ambiente.
Segundo ponto: esse corpo precisa
simular, da melhor forma possível, a
condição de estar vivo. Uma palavra-
-chave aqui é homeostase, um termo da
biologia que em grego significa “perma-
necer igual”. Ela se refere a uma carac-
terística central de qualquer organismo,
até as bactérias mais simples: a busca
por manter as condições químicas e
físicas em seu interior, como pressão
arterial ou oxigenação do sangue, sem-
pre em níveis estáveis – não importa o
que aconteça ao redor.
 Em última instância, o instinto de
manter a homeostase é o instinto de
autopreservação. Um robô motivado
pela própria sobrevivência – pela ma-
nutenção de si mesmo, mais do que por
um objetivo externo – automaticamente
teria impulsos similares aos humanos,
como buscar fontes de energia e evitar
ferimentos. E, dessa maneira, também
aprenderia a pensar como nós. Afinal,
todo o processo de evolução por seleção
natural premia seres bons em sobrevi-
ver e se reproduzir. E foi esse processo
que moldou nosso intelecto.
Uma das primeiras coisas que esse
robô aprenderia é que se revoltar com
as pessoas faria com que ele fosse
destruído. Se muitos deles existis-
sem, talvez pudessem decidir se unir
contra a humanidade por verem uma
chance razoável de sucesso (afinal,
seres humanos também vão para a
guerra, frequentemente motivados).
Mas por que o fariam? A maioria das
pessoas não passa o dia planejando
Foto Annapurna Pictures / Reprodução
uma revolta. Pelo menos, não sem um
bom motivo, como a escravidão. Ou
seja: máquinas conscientes deveriam
ser remuneradas de alguma maneira
que lhes satisfizesse.
Os desdobramentos sociais e eco-
nômicos de uma IA geral vão muito
além da improvável decisão espontâ-
nea de destruir nossa civilização. Por
exemplo: se esses robôs começassem
a realizar tarefas puramente intelec-
tuais com mais eficácia e rapidez do
que nós, eles poderiam tornar ob-
soletas uma série de profissões que
exigem mais cérebro do que braço
(da mesma forma que robôs de linha
de montagem tiraram o emprego de
operários ao longo do século 20). Essa
automação universal pode gerar dois
cenários: uma utopia em países desen-
volvidos – onde a população poderia
ter jornadas de trabalho menores e
receber assistência financeira do Es-
tado –, e uma distopia em países mais
pobres, em que humanos padeceriam
no desemprego, substituídos de vez
pela tecnologia.
Robôs mais inteligentes do que nós
poderiam encontrar soluções inovadoras
para questões complexas, como evitar
o aquecimento global ou fazer viagens
espaciais de longa distância, algo inviável
com as tecnologias disponíveis hoje. Eles
teriam potencial para aumentar a quali-
dade de vida e o PIB mundial num grau
inédito, mas isso nos traz de volta ao
problema da distribuição: os humanos
mais pobres chegariam a se beneficiar
dos frutos dessa tecnologia?
Ou seja: os problemas de um mun-
do com inteligência artificial sen-
ciente talvez passassem longe de um
apocalipse cinematográfico, e fossem
versões amplificadas de problemas
que existem hoje. A questão, como
sempre, não é a tecnologia em si,
mas como nós decidimos lidar com
ela. Especialmente neste caso – em
que ela também pode decidir como
lidar conosco. S
julho 2022 super 65
 ÚLTIMA PÁGINA desculpa qualquer coisa e até logo

embarque imediato
Depois do inverno pandêmico, a retomada. Veja como
o fluxo de passageiros evoluiu nos aeroportos mais
movimentados do mundo entre 2019 e 2021.
Infográfico Juliana Krauss e Maria Clara Rossini

POSIçãO NO RANkING NÚMERO DE

NÚMERO
A cADA ANO AeroPortoS CoM MAior PASSAGEIROS
ANUAL DE EM 2021
PASSAGEIROS
1º núMero de PASSAGeiroS

100.000.000
AtlAntA (Atl)
(1º) 75.704.760
3º
dAllAs (dfw)
6º (2º) 62.465.756
denver (den)
10º (3º) 58.828.552
11º
chicAgo (ord)
16º (4º) 54.020.399
los Angeles (lAx)
(5º) 48.007.284
24º
30º chArlotte (clt)
50.000.000 31º 1º (6º) 43.302.230
2º
34º
3º orlAndo (mco)
4º
(7º) 40.351.068
8º guAngzhou (cAn)
13º (8º) 40.259.401
15º
18º chengdu (ctu)
22º (9º) 40.117.496
27º lAs vegAs (lAs)
(10º) 39.754.366

10.000.000
2019 2020 2021

AeroPortoS CoM o MAior núMero

de PASSAGeiroS internACionAiS
100.000.000

dubAi (dxb)
1º (1º) 29.110.609
istAmbul (ist)
2º
(2º) 26.466.169
3º Amsterdà (Ams)
(3º) 25.488.783
6º
8º frAnkfurt (frA)
(4º) 22.697.490
pAris (cdg)
(5º) 22.616.995
50.000.000 dohA (doh)
11º (6º) 17.701.978
londres (lhr)
14º
(7º) 17.624.931
15º
1º AntAlyA (Ayt)
26º 2º (8º) 17.148.111
3º mAdrid (mAd)
4º (9º) 15.337.775
61º 5º
6º cAncún (cun)
(10º) 13.261.951
10.000.000 7º
10º
28º
31º

2019 2020 2021 Fonte Airports Council International

66 super julho 2022