jogos

Edição 429 • julho 2021

pandêmicos
COI prevê que 20% dos atletas
competirão sem tomar vacina.
Veja esse e outros absurdos
da Olimpíada. p. 32
r$ 25,00

O sistema imunológico é uma obra-prima da evolução. Mas também pode

detonar síndromes autoimunes e desencadear a temível tempestade de
citocinas – que está por trás dos casos mais graves de Covid. p. 20
por Bruno Garattoni, Laura Segovia Tercic e Reinaldo José Lopes

p. 08 p. 46 p. 52 p. 40
a 3a dose do que on the rocks: piratas chineses
e o futuro é feito o a história em águas
da vacinação. pensamento. do uísque. brasileiras.

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 carta ao leitor
A política que
contamina
a saúde pública
Tuíte do jornalista Marcos No-
gueira, escrito em 29 de junho: “Ho-
je precisei dispensar a diarista,
mulher de 57 anos, porque ela se re-
cusa a tomar vacina. Preferiu perder
a casa a voltar vacinada em 2 sema-
nas ou, sei lá, mentir... eu não iria
exigir a carteirinha de vacinação”.
Marcos conclui lembrando que tal
atitude é consequência do comporta-
mento presidencial. É o que acontece
quando o mandatário da República
insiste, ele próprio, em não se imuni-
zar. E diz o tempo inteiro que tomar
vacina ou não é uma decisão de cará-
ter puramente individual.
Não é. Tomar água em vez de
refrigerante é uma decisão indivi-
dual. Vacina é uma decisão coletiva.
Você não toma só para se proteger.
Toma para salvaguardar a vida dos
outros também.
Vacina não é questão do que vo-
cê acha ou deixa de achar. Se um
asteroide estiver em rota de colisão
com a Terra, pouco importa sua
opinião ou a minha sobre quais se-
rão as consequências. Quem vai di-
zer isso são as pessoas que
dedicaram a vida a estudar séculos
de conhecimento acumulado pela
humanidade: os cientistas.
Só essas pessoas terão as ferra-
mentas para saber onde o asteroide
vai cair, qual será o grau de destrui-
ção, e o que fazer para evitar a tragé-
dia (lançar um foguete que se guie
pelas equações de Newton com uma
ogiva que exploda de acordo com as
equações de Einstein talvez ajude).
No caso da Covid, vale o mesmo.
Não importa a opinião do político, do
líder religioso, do maluco do YouTu-
be. Só interessa o que diz a ciência. E
ela é clara, cristalina: ou a imensa
maioria se vacina, ou nada feito.
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editorial
A boa notícia é que o grosso dos
brasileiros não pensa como o presi-
dente. Uma pesquisa do instituto Ip-
sos divulgada em junho constatou
que o Brasil é o país com mais gente
pró-vacina entre as 15 nações que
participaram da enquete: 93% da po-
pulação está disposta a se vacinar.
Um belo progresso. Em dezembro de
2020, o mesmo Ipsos apontava uma
adesão de apenas 78%.
Nos EUA, a realidade é outra. E
pior. Uma pesquisa da rede CBS le-
vantou que 11% ainda não se decidi-
ram se vão ou não se vacinar. E 18% já
decidiram que não, não tomam de jeito
nenhum. Ou seja: há o risco de um
terço da população adulta de lá não se
vacinar porque não quer – algo que,
sim, pode colocar o excelente progra-
ma de imunização deles em risco. Uma
cobertura vacinal de 70% pode não ser
o bastante para evitar novas ondas.
O comportamento antivacina por
lá é claramente uma decisão política.
Entre os eleitores do Partido Repu-
blicano, 29% não vão tomar jamais,
e 13% ainda estão indecisos. Quase
metade dos americanos que seguem
essa corrente política simplesmente
não confia na ciência. E coloca o res-
to do planeta em risco por conta
dessa picuinha.
Tudo como se ciência fosse mesmo
uma questão de política. Não é. A ci-
ência paira acima das rusgas entre
conservadores e progressistas. Está
anos-luz à frente dos assuntos munda-
nos que movem a cabeça dos políticos.
Entender isso não é mais algo me-
ramente filosófico. É uma questão de
vida ou morte.
Alexandre Versignassi
D i r etor d e R e dação
Alexandre.Versignassi@abril.com.br
Fundada em 1950
VICTOR CIVITA ROBERTO CIVITA
(1907-1990) (1936-2013)
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7/6/21 2:15 PM
 cardápio julho de 2021

20 Capa

O inimigo íntimo
Nosso sistema imunológico é a razão
de estarmos vivos, mas pode se virar
contra nós. Entenda como funcionam as
síndromes autoimunes – e descubra o que
ocorre nas tempestades de citocinas por
trás dos casos graves de Covid-19.

32 Nos bastidores de Tóquio

A Pfizer garantiu vacinas para os atletas,
mas o COI não tornou a medida obrigató-
ria: 20% devem competir sem tomar.

40 Piratas no nosso quintal

Saiba como operam os 400 navios chine-
ses que vêm à América Latina pescar em
áreas proibidas.

46 Como você pensa?

Com imagens? Ou mais com palavras?
Entenda como a ciência investiga nosso
fluxo de consciência.

Qual é a voz 52 A história do uísque

da sua voz O destilado medieval que conseguiu o
interior? p. 46 impossível: ser fabricado em massa, mas
permanecer sinônimo de status.

essencial
6 uma imagem...
Indonésios famintos rou-
bam oferendas em vulcão.
15 Os russos já têm um
Míssil americano que bate
8x a velocidade do som
falha em teste inaugural.
Número
incrível oráculo E se...
58 “Somewheeere...” 64 Made in USSR
Por que o arco-íris tem E se a União Soviética não
formato de arco? tivesse acabado?

16 o verdadeiro dream team

O novo Space Jam estreia
neste mês. Veja cinco curiosi-
dades sobre os bastidores
8 ... uma opinião do clássico de 1996.
A terceira dose
e o futuro 18 não perturbe
da vacinação. A tecnologia por trás do
fone de ouvido da Sony
que anula ruídos externos.
supernovas 12 Enquanto isso...
10 outono é sempre igual? 14 3 notícias sobre
bilhões. É o núme-
ro médio de cópias
O tamanho do nosso
16 Pérolas do streaming
cérebro muda conforme
a época do ano. 19 VOcê decide
60 Beleza interior
Como se sabe a composição
do interior da Terra?
63 Manual
Como ler Guerra e Paz e
112 outros clássicos russos?
59 pá pum última página
do SARS-COV-2 61 Só acredito vendo 66 Solidão
presentes em um
62 Pensando Bem...
único infectado. Quanto tempo passamos
p.13 62 lost in translation sozinhos ao longo da vida?

Capa | Ilustração Marcelo Vaz

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 essencial uma imagem...

6 super julho 2021 Foto Ulet Ifansasti / Getty Images

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 julho 2021 super 7

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 essencial ...uma opinião

na página anterior: No leste da Ilha de Java, na Indonésia, habitam 500 mil

hindus da etnia Tenggerese. Em um ritual anual chamado Yadnya Kasada, eles
lançam oferendas aos deuses – frutas, legumes, arroz, flores e animais – na boca
do Monte Bromo, um vulcão ativo. Pessoas pobres sem relação com a etnia se
arriscam no interior da cratera, usando redes improvisadas para interceptar a
comida conforme ela cai rumo à rocha incandescente.

A terceira Com a proteção

duradoura que as

dose e o
vacinas começam a
demonstrar, talvez
os reforços sejam
necessários apenas
em grupos de risco.

futuro da
Mas novas varian-
tes podem exigir
rounds anuais,
com imunizantes
atualizados.

vacinação
por Bruno Vaiano

E
Em 23 de junho, o Centro de Controle de Doenças dos EUA
(CDC, na sigla em inglês) realizou uma reunião para discutir doses
de reforço das vacinas contra a Covid-19. Uma apresentação de slides
lista as principais perguntas: a terceira dose é mesmo necessária?
Para todos ou só grupos específicos? Qual é o intervalo ideal entre
a segunda dose e o reforço? É uma boa dar o reforço com uma va-
cina diferente da primeira – ou não rola misturar de jeito nenhum?
A imunização nos países desenvolvidos avança no método Dilma:
quando alcançar a meta, dobra a meta. Em 28 de abril, as autoridades
britânicas reservaram mais de 60 milhões de doses da Pfizer com
uma terceira dose em vista. E a Alemanha anunciou, em junho, 204
milhões de doses de diversos fabricantes para 2022. São duas injeções

8 super julho 2021

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de reforço para cada cidadão do país –
mais um chorinho. Ou seja: não faltam
planos concretos de ministrar um novo
round de vacinas contra a Covid-19. É
possível, inclusive, que os lotes comecem
a sair atualizados contra novas varian-
tes. (O CEO da Pfizer, Albert Bourla, já
declarou que precisaremos de reforços
anuais por tempo indeterminado.)
A doação de 500 milhões de doses
anunciada pelos EUA a 92 países pobres
põe outra questão na balança: adianta
começar a terceira dose no Ocidente en-
quanto boa parte do mundo ainda não
viu a cor da primeira? Na maioria dos
países africanos, no começo de junho,
não mais que 2% dos adultos estavam
vacinados. Fornecer doses a quem não
pode comprar não é só um ato de de-
cência humanitária: também é essen-
cial para frear o surgimento de novas
variantes com potencial de inutilizar
as vacinas disponíveis hoje (coisa que,
felizmente, não aconteceu até agora).
Com isso em mente, vejamos o que
os últimos estudos têm a dizer sobre as
perguntas do CDC. Em junho, pesqui-
sadores da Universidade de Washington
em St. Louis e do Instituto Rockefeller,
ambos nos EUA, encontraram células de
memória ativas em pacientes curados.
Dentre eles, os mais protegidos eram
os que também tomaram vacinas de
RNA mensageiro (RNAm), como as da
Pfizer e Moderna. O grupo de St. Louis
também estudou voluntários que não
foram infectados e receberam vacinas
de RNAm. E lá estavam as células de
memória nos chamados centros ger-
minativos, campos de treinamento
microscópicos para futuras guardiãs.
Vale lembrar: as células de memória
ficam adormecidas até encontrar no-
vamente a ameaça para a qual foram
treinadas – ocasião em que liberam uma
bateria de anticorpos fresquinhos. O
número de anticorpos em si não é um
bom indicador da durabilidade da pro-
teção conferida pelas vacinas, porque
nosso sistema imunológico não passa o
tempo todo fabricando essas pequenas
proteínas preventivamente. Elas surgem
no momento em que a imunização é
necessária e só reaparecem no caso de
uma nova infecção. O que interessa, no
longo prazo, são as células de memória.
Agradecimento Julio Croda, infectologista da Fiocruz e professor da UFMS.
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A eficácia das vacinas é menor em
idosos. Mas, antes de ministrar
os reforços, é essencial correr com
a imunização dos jovens.
Caso as vacinas que empregam ou-
tras tecnologias (vírus inativado e vetor
viral) se provem capazes de gerar células
de memória – e caso não surjam varian-
tes contra as quais as vacinas tenham
eficácia inferior a 50% –, é possível que
uma terceira dose universal não seja
necessária, tampouco a revacinação
anual. Nessa hipótese otimista, quem
responder satisfatoriamente às duas
doses originais terá uma resposta imu-
nológica duradoura, talvez definitiva.
Os reforços seriam necessários ape-
nas para assegurar a proteção de pessoas
com o sistema imunológico mais frágil
ou expostas com frequência ao vírus –
idosos, profissionais de saúde e outros
grupos de risco. “Sempre haverá, com
qualquer uma das vacinas, uma faixa de
pessoas que não responderão às duas
doses", diz o imunologista Alessandro
Farias, da Unicamp. É importante dar
uma terceira (ou até quarta) chance para
o sistema imunológico dessas pessoas.
“Com a vacina da hepatite, que é pouco
imunogênica, você dá três doses e faz
um teste sorológico. Se a pessoa não
der positivo, você aplica mais doses."
Eduardo Paes, prefeito do Rio, já
mencionou a possibilidade da terceira
dose em idosos numa entrevista à CNN,
em 1º de julho – ressaltando que a de-
cisão depende do avanço na aplicação
das duas primeiras doses. Natural: a
imunização funciona por ser uma es-
tratégia coletiva. É um fato biológico
que nossa imunidade (e, portanto, a
eficácia das vacinas) cai com a idade.
Mas mesmo idosos que necessitem de
uma terceira dose ficam relativamente
protegidos, já que, com o restante da
população imunizada, a circulação do
vírus baixa brutalmente.
O fato é que as pessoas mais expostas
ao risco hoje são jovens de baixa ren-
da. Muitos deles têm empregos que os
obrigam a passar o dia em ambientes
Edição alexandre versignassi
confinados (caixas de supermercado, por
exemplo), habitam áreas adensadas, pas-
sam horas por dia no transporte público
e estão no fim da fila da vacinação. Por
outro lado, a maioria dos idosos já rece-
beu duas doses, tem uma fonte de renda
fixa (mesmo que baixa) garantida pela
aposentadoria e não precisa sair de casa
com frequência no contexto pandêmico.
Com jovens vacinados e a cobertura
completa, nós dificultamos o surgimento
de variantes e protegemos os mais velhos
até que a terceira dose chegue – como a
cereja do bolo. Neste caso, fazer o reforço
com uma vacina diferente da utilizada na
dose original é interessante, desde que os
estoques e a infraestrutura do Programa
Nacional de Imunização (PNI) permitam.
Por exemplo: uma vacina de vírus ate-
nuado, como a CoronaVac, oferece di-
versos antígenos – pedaços diferentes
do Sars-CoV-2 que servem de alvo para
os anticorpos. Já uma vacina de RNAm,
como a Pfizer, gera uma multidão de um
só antígeno, capaz de gerar uma resposta
mais específica. Na teoria, a mistura de
estímulos simula melhor a doença real.
Em longo prazo, é essencial se blindar
contra novas cepas e mutações. O Insti-
tuto Butantan já tem planos de misturar
doses de ButanVac – a primeira vacina
com tecnologia nacional – na mesma se-
ringa da vacina da gripe, para promover
imunizações anuais contra os dois vírus
simultaneamente e simplificar a logísti-
ca. Esse estudo, ainda em fase embrioná-
ria, parte do mesmo raciocínio do CEO
da Pfizer e de muitos epidemiologistas:
não vamos vencer o Sars-CoV-2. Vamos
conviver com ele. Com novas variantes,
virão vacinas atualizadas em intervalos
regulares. E os postos de saúde passarão
a ser palco de um ritual anual. A luta
contra a Covid está só no começo. Mas
tudo indica que a ciência sairá vitorio-
sa. É graças a essas vitórias, afinal, que
chegamos até aqui. S
julho 2021 super 9
7/6/21 12:35 PM
 supernovas
ilustrações felipe del rio & marina banker design natalia sayuri lara
Tamanho do cérebro muda durante o ano
O cerebelo, uma área na parte de trás do
cérebro responsável pelos movimentos e pelo
controle das emoções, muda de tamanho ao
longo do ano: seus dois hemisférios chegam a
crescer 8% no auge do verão, e encolher quase
7% na parte mais fria do inverno. Essa foi a
conclusão de um estudo (1) da Universidade
Yale que analisou os exames de ressonância
magnética de 3.279 pessoas, coletados ao
longo de 15 anos. Essa variação de tamanho
10 super julho 2021
SI_429_Novas.indd 10
também se manifesta na “matéria branca”: a
parte do cérebro que é formada por células
gliais (que levam nutrientes e dão suporte
aos neurônios) e corresponde a quase meta-
de do órgão. Para os autores do estudo, isso
talvez possa ajudar a explicar doenças como
o transtorno afetivo sazonal (que acontece
no inverno e é mais comum em países muito
gelados) e a maior incidência de distúrbios
mentais nos meses frios. Bruno Garattoni
4
7/6/21 9:34 PM
 sn. Edição Bruno Garattoni

14
dias era o período
máximo em que
embriões humanos
podiam ser cultiva-
dos em laboratório,
segundo a Sociedade
Internacional para
Pesquisas em Célu-
las-Tronco (ISSCR).
Mas o limite foi
abolido, o que abre
espaço para experi-
ências com embriões
mais desenvolvidos.
Isso é polêmico – e
já foi proibido por
lei em alguns países,
como Suécia e
Reino Unido. (BG)
5

Bactérias Cientistas encontram plutônio no fundo do mar

ajudam na E ele não saiu de bombas atômicas nem de usinas nucleares; veio do espaço.
quimioterapia O plutônio geralmente é produzido em plutônio-244: um tipo mais pesado e ainda
reatores nucleares (isso é feito bombardean- mais raro de plutônio, que, ao contrário dos
Certas bactérias
do átomos de urânio com os nêutrons que outros isótopos (plutônio-238, 239, 240, 241
que vivem no e 242), não pode ser produzido em reatores
o reator produz) e usado como combustível
intestino humano,
em bombas atômicas. Mas ele também existe, nucleares. Os cientistas também encontra-
como a Escherichia
em quantidades muito pequenas, na natureza ram ferro-60, um isótopo raro e que pode ser
coli e a Lactobacillus
– misturado às jazidas de urânio. Agora, foi formado pela colisão de duas estrelas – por
rhamnosus, podem
encontrado no Oceano Pacífico. E não é daqui: isso, essa é a origem mais plausível dos frag-
ajudar os pacientes
segundo os cientistas que o encontraram, ele mentos dele e do plutônio-244, que teriam
de câncer a suportar
nasceu na fusão de duas estrelas, em algum lu- viajado pelo espaço até cair na Terra. Outra
o tratamento – pois
gar do cosmos, há 10 milhões de anos. Pesqui- possibilidade, considerada menos provável
elas metabolizam a
sadores de seis países coletaram uma amostra pelo estudo, é que os dois materiais tenham
doxorubicina, uma
do fundo do mar (3), no Pacífico Equatorial, surgido em uma supernova, ou seja, a explo-
droga usada na
e a analisaram em laboratório. Ela continha são de uma estrela. (BG)
quimioterapia. Um
estudo da Universi-
dade Northwestern,
nos EUA, demons-
trou que as bactérias
“Eu só quero que as pessoas possam se defender”,
conseguem quebrar disse o deputado republicano Kevin McDugle, autor de uma lei que foi aprovada no Estado de Oklaho-
as moléculas do ma – e dá imunidade civil e criminal para motoristas que atropelarem pessoas durante manifestações
remédio (2), redu- de rua. A nova lei, que entra em vigor no mês de novembro, tem sido amplamente criticada, pois é
zindo seus efeitos considerada uma repressão aos protestos do movimento Black Lives Matter. Num deles, em maio de
colaterais. (BG) 2020, um motorista atropelou e feriu gravemente três manifestantes em Oklahoma. (BG)

Fontes (1) Effects of weather and season on human brain volume. G Pearlson e outros, 2021. (2) Biotransformation of Doxorubicin Promotes
Resilience in Simplified Intestinal Microbial Communities. E Hartmann e outros, 2021. (3) 60Fe and 244Pu deposited on Earth constrain the r-process
yields of recent nearby supernovae. T Yamagata e outros, 2021. Ilustrações (4) Felipe Del Rio (5) Marina Banker. julho 2021 super 11

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 sn.
A internet parou
para debater o
termo “cringe”.
enquanto
isso...
Texto Carolina Fioratti
Ilustração Natalia Lara
Astronautas a bordo da ISS
realizaram três caminhadas
espaciais para instalar pai-
néis solares na estação. (1)
Vídeos revelaram que as
orcas são amigáveis entre si,
trocando abraços e até tapas
de nadadeiras. (2)
Pesquisadores descobriram
como os tumores desen-
volvem resistência a certos
medicamentos. (3)
Cientistas criaram um
dispositivo cerebral implantá-
vel que alivia a dor crônica
em roedores. (4)
Fontes (1) Nasa. (2) Universidade de Exeter.
(3) Dana-Farber Cancer Institute.
(4) Universidade de Nova York.
12 super julho 2021
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coluna: carbono zero
Por Salvador Nogueira
Um avião experimental movido a bateria
X-57, que está sendo testado pela Nasa, usa 14 motores elétricos – e não emite CO2.
Quando pensamos na queima de com-
bustíveis fósseis por veículos, a imagem
que vem à mente é a de carros e ônibus.
Mas pouco se fala da aviação, que con-
tribui com parte significativa do dióxido
de carbono liberado na atmosfera. Entre
todos os veículos, a fatia corresponde a
12% (e a 2% do total de CO2 lançado pela
atividade humana). Daí a motivação da
Nasa de arregaçar as mangas e voltar a
algo que ela não fazia há muito tempo:
uma aeronave experimental.
Trata-se do X-57 Maxwell, um avião elé-
trico alimentado por baterias de lítio. Ele
pertence a uma longa linhagem de veículos
experimentais dos EUA, que começa com
o lendário X-1, primeiro avião-foguete a
romper a barreira do som, em 1947. Já o
X-57 tem a missão de demonstrar que avi-
ões de pequeno porte que fazem trajetos
curtos podem ter emissão de carbono zero,
movidos a eletricidade.
O projeto foi iniciado em 2016 – é o
primeiro avião da série X feito pela Nasa
em mais de uma década – e tem por ba-
se um veículo italiano Tecnam P2006T,
modificado para operação com eletricida-
de. Seus dois motores de pistões origi-
nais foram substituídos por 14 motores
elétricos, 2 maiores e 12 menores. Os
maiores, na extremidade das asas, servem
6
Apresentado por
para manter o voo de cruzeiro, e os 12
menores, distribuídos ao longo de cada
asa, ajudarão em pousos e decolagens. O
veículo foi desenvolvido com asas longas
e estreitas, bem como hélices retráteis
para os motores menores, para reduzir o
efeito de arrasto atmosférico. Espera-se
do X-57 Maxwell (batizado em homena-
gem ao cientista escocês que decifrou as
leis do eletromagnetismo, James Clerk
Maxwell) uma autonomia de 160 km,
com velocidade de cruzeiro de 275 km/h
e tempo de voo de cerca de 40 minutos,
transportando duas pessoas.
Não é exatamente uma revolução. Mas
nem é esse o objetivo do X-57. Como qual-
quer veículo experimental, sua função é
demonstrar o potencial de novas tecnolo-
gias. A Nasa não imagina que a Tecnam ou
mesmo outra fabricante de aviões decida
colocar o Maxwell em produção. Em vez
disso, ela espera fomentar o interesse da
indústria criando um ambiente competiti-
vo para que veículos mais capazes possam
ser desenvolvidos.
Mas, antes, o X-57 Maxwell precisa voar.
No momento, a agência está conduzindo
testes em solo na Califórnia. A expectativa
é de que em breve o veículo possa passar a
testes de taxiamento e, finalmente, ao pri-
meiro voo, quem sabe até o final deste ano.
7/6/21 9:34 PM
 Infectado carrega até 112 bilhões de cópias do Sars-CoV-2
Estudo israelense calculou, pela primeira vez, a quantidade de vírus presente no corpo durante a Covid.

112 bilhões de cópias

Número míni-
100 bilhões peso: 112 microgramas
mo de cópias
(0,0001 g)
Número máxi-
10 bilhões mo de cópias

1 bilhão Pouco mais de

1 bilhão
100 milhões peso: 1 micrograma
(0,000001 g)
10 milhões

1 milhão

100.000

10.000

1.000

Mucosa nasal Traqueia AmíGdalas Pulmões Sistema Total

e faringe e brônquios e nódulos digestivo
linfáticos

176
milhões de pessoas
haviam sido infectadas pelo
176 a 19 176 a 17
quatrilhões quintilhões
é a quantidade de vírions (cópias do ví-
gramas quilos
é o peso total estimado de todo o
Sars-CoV-2, no mundo, até a rus) que essas pessoas, ao todo, podem Sars-CoV-2 que existiu no planeta
conclusão desta edição. ter carregado em seus corpos. desde o início da pandemia.

Fonte The total number and mass of SARS-CoV-2 virions. R Sender e outros, Weizmann Institute of Science, 2021. Gráfico Carlos Eduardo Hara.

175
milhões de endereços ip foram transferidos pelo Pentágono para a Global Resource Systems, uma
empresa obscura fundada em setembro de 2020. A transferência, só agora descoberta, aconteceu em 20
de janeiro deste ano, nas últimas horas do governo Trump. Isso levantou suspeitas de favorecimento à
empresa, que passou a ser a maior detentora mundial de endereços do tipo IPv4. Esse tipo de endereço
IP se esgotou em 2019 (novos sites e computadores são obrigados a usar outro protocolo, o IPv6), e por
isso tem valor: o pacote transferido à GRS vale bilhões de dólares. O Pentágono afirmou que ainda é
dono dos endereços, mas não revelou o que é feito com eles. Disse apenas, de forma meio cifrada, que a
transferência é um “projeto piloto” para “avaliar e prevenir o uso não autorizado de IPs” militares. (BG)

Ilustração (6) Marina Banker. julho 2021 super 13

SI_429_Novas.indd 13 7/6/21 9:34 PM

 sn.

Maconha
3 notícias sobre
afeta
A Tesla e seus carros autônomos formação
Hype à parte, o fim dos motoristas ainda está distante. Veja por quê. do cérebro

O uso da cannabis
na adolescência
interfere no de-
senvolvimento do
órgão, que fica
com áreas do
córtex pré-frontal
mais finas (um
efeito que geral-
mente só se mani-
festa na velhice), e
maior quantidade
de receptores
canabinoides,
que se conectam
às moléculas da
droga. Foi essa a
conclusão de um
estudo realizado
por cientistas de

1.
Elon Musk exagera,
diz funcionário
“A Tesla está no nível 2 [de
automação]”, admitiu CJ Moore,
um dos engenheiros da empresa,
ao governo da Califórnia. Em
janeiro, Musk declarou que os
carros da marca seriam capazes
de alçancar o chamado nível 5,
em que o veículo consegue dirigir
sozinho em qualquer circunstân-
cia, sem nunca precisar de ajuda
humana, até o fim deste ano.
2. 3.
sete países (7), que
analisaram 1.598
exames de resso-
nância magnética
Modo autônomo Carro precisa vigiar realizados por
ainda é precário motorista com câmera 799 adolescentes
A função Full Self Driving, cuja O Model 3 e o Model Y vão usar entre 14 e 19 anos.
versão beta já está funcionando sua câmera interna, que fica Os pesquisadores
em alguns Tesla, está longe do no espelho retrovisor central,
nível ideal. Isso foi demonstrado para vigiar o motorista quando
também apli-
pelo dono de um deles, que o modo Autopilot, de direção caram um teste
recebeu o recurso em seu carro semiautônoma, estiver ativa- psicológico – e
e postou um vídeo no YouTube do. O objetivo é ver se a pessoa constataram que
(abr.ai/selfdriving). O veículo está prestando atenção ao as pessoas com
até começa dirigindo bem, trânsito (algo essencial, já que
mas acaba se confundindo
córtex mais fino
o carro não é totalmente capaz
– e quase causa dois acidentes. de se dirigir sozinho). (BG) eram mais impul-
sivas. (BG)

China já polui mais Emissão de CO2, em bilhões de toneladas

16
quanto cada país liberou
27%

que todos os países ODCE

(grupo que

ricos somados 10 reúne os

38 países mais 11%
5 desenvolvidos
6,6% 6,4%
Em 2019, a humanidade gerou 52 bilhões do mundo) 3,4% 3,1% 2,8%
de toneladas de CO2. E a China, sozinha, 2,2%
foi responsável por quase um terço disso. 0
china
a

E*

ia

il

o
90

95

05

10

15

19

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20

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Br

Ja
Rú
do

14 super julho 2021

In

*União Europeia. Fonte Rhodium Group. Gráficos Carlos Eduardo Hara.

SI_429_Novas.indd 14 7/6/21 9:34 PM

 Não é bem
assim...
Notícias que
bombaram por
aí – mas não
são verdade

A notícia

Homens estão
ficando inférteis
O que ela dizia
A taxa de esperma-
tozoides dos homens
ocidentais caiu 60%
desde a década de
1970. O motivo seria a
exposição a plásticos
e agrotóxicos, que
interferem com os
hormônios. Se o ritmo

Míssil hipersônico dos EUA falha no primeiro teste atual for mantido,
os homens estarão
inférteis em 2045.
Tecnologia, que Rússia e China já dominam, pode redefinir o futuro da guerra.
a verdade
O primeiro lançamento do ARRW que é lançado de aviões e alcança Mach 10. A taxa média de fato
(“arma aérea de resposta rápida”, em in- Ambos os mísseis russos já estão opera- despencou (de 99 para
47 milhões de esper-
glês), projetado para voar a até Mach 8 (10 cionais – em junho, o Kinzhal foi visto em matozoides por ml de
mil km/h), teve um problema técnico não um caça na Síria. Os mísseis hipersônicos sêmen), mas esse dado
especificado, e o míssil não chegou a voar. podem redesenhar o equilíbrio de forças é de 2011. Não se sabe
Foi um revés crítico para a Força Aérea dos entre as superpotências, pois conseguem se ela continua caindo.
EUA, que está em desvantagem nessa tec- atravessar longas distâncias rapidamente Os possíveis motivos
da queda nunca foram
nologia. A China opera seu míssil DF-ZF, (o Avangard iria de Moscou a Washington comprovados. E ainda
que alcança a velocidade Mach 10, desde em menos de 15 minutos) e são conside- há muita folga antes
outubro de 2019, e a Rússia possui dois: o rados 100% letais: não existe avião capaz de alcançar um nível
Avangard, que é lançado do solo e chega a de driblá-los, nem escudo antimísseis que crítico: 20 milhões/
Mach 27, e o Kinzhal (“adaga”, em russo), possa interceptá-los. (BG) ml já é suficiente para
engravidar. A redução
dos espermatozoides
também não é neces-
sariamente a respon-
Salmão de cativeiro liberou vírus no mar sável pela queda na
fertilidade, que ocorre
na maioria dos países e
O vírus PRV-1, que ataca os rins e o fígado dos salmões que vivem na costa do Canadá, se originou
pode estar relacionada
numa “fazenda aquática” de criação de peixes na Noruega, de onde ele escapou três décadas atrás. a outros fatores: como
Isso foi comprovado por um estudo (8) que sequenciou o código genético de 86 amostras do PRV-1 não querer ter filhos,
coletadas em vários pontos do Pacífico e do Atlântico nos últimos 35 anos e conseguiu reconstruir querê-los em menor
a história evolutiva do vírus. Depois de escapar da Noruega, ele chega à Islândia e à Dinamarca número, ou tentar
tê-los mais tarde na
e atravessa o oceano levado por peixes infectados (inclusive de outras espécies além do salmão,
vida. (BG)
como truta e arenque), para então alcançar EUA, Chile e Canadá. (BG)

Fontes (7) Association of Cannabis Use During Adolescence With Neurodevelopment. M Albaugh e outros, 2021.
(8) Aquaculture mediates global transmission of a viral pathogen to wild salmon. G Mordecai e outros, 2021. Ilustrações Marina Banker julho 2021 super 15

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 sn. playlist

Vai jogar, Space Jam: Um Novo Legado estreia em julho com uma substi-
tuição: sai Michael Jordan, entra LeBron James. Confira cinco

velhinho? curiosidades sobre o primeiro filme, lançado há 25 anos.

Texto Rafael Battaglia • Design Natalia Sayuri Lara

1 a semente
Em 1992 e 1993, a Nike promoveu
dois comerciais estrelados por
Michael Jordan, Pernalonga e ou-
tros Looney Tunes para a sua linha
de tênis Air Jordan. O agente do
craque, David Falk, viu potencial
ali, e levou a ideia para a Warner
Bros. transformar em filme.

2 Quadra particular 3 Pós-produção

O filme foi gravado em 1995, quando Mais da metade dos 60 dias de fil-
Jordan se preparava para voltar ao magens foram feitos em um imen-
basquete após uma breve aposenta- so cenário de tela verde. Jordan
doria para jogar beisebol. A Warner, interagia com marcações gráficas
então, construiu um complexo nas paredes e com atores cômicos
esportivo para que ele continuasse vestidos em trajes verdes. Tudo
treinando. O “Jordan Dome” tinha isso, depois, foi substituído pelos
quadra, academia, vestiário, uma cartoons. Ao todo, 150 animadores
sala de estar e ar-condicionado. trabalharam no filme.

4 Pré-temporada informal 5 Tá fora

O horário das gravações era das O gambá Pepe Le Pew não apare-
7h às 19h, com duas horas de cerá em Um Novo Legado. Motivo:
intervalo – tempo que Jordan segundo a Warner, o antigo com-
usava para treinar. À noite, ele portamento desse personagem
organizava partidas com membros naturalizava a cultura do assédio
da produção e outros atletas que (ele vivia perseguindo a gata Pe-
participaram do filme. Com o tem- nélope). O novo filme chegou a
po, várias estrelas da NBA, como ter uma cena gravada com Pepe e
Magic Johnson e Dennis Rodman, a atriz brasileira Greice Santo, mas
apareceram no estúdio para jogar. o trecho acabou cortado.

CANAL canal
Freakin Reviews Soft White
YouTube Underbelly
YouTube
Sabe aqueles produtos

Pérolas do milagrosos vendidos na TV,

em programas tipo Polishop,
Entrevistas com as pessoas
mais marginalizadas da

streaming e as bugigangas chinesas

anunciadas no Instagram?
Ele testa todos: da panela em
que nada gruda a uma escova
"mágica" para pelos de gato,
passando pela bolinha que
lava roupas. Em inglês (ative
as legendas). (BG)
sociedade americana: men-
digos, viciados, prostitutas,
criminosos e doentes mentais
contam suas histórias e como
sobrevivem – em conversas
estarrecedoras conduzidas
pelo fotógrafo Mark Laita. Em
inglês (ative as legendas). (BG)

16 super julho 2021 Fotos Reprodução/Divulgação

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 Edição Bruno Garattoni

Do PC para “A vida
depende de
os consoles enxergar-
No ano passado, a Microsoft lançou uma
nova versão do Flight Simulator com uma ino-
mos com
vação revolucionária: o software usa imagens clareza o que
de satélite, que baixa da internet em tempo
real, para reproduzir 100% do planeta Terra.
está diante
O problema é que ele exige um computador de nós",
muito potente. Mas, agora, vai ficar mais aces-
Diz o astrofísico
sível: está chegando aos consoles Xbox – e,
Avi Loeb, da Universi-
para os assinantes do serviço Xbox Game
dade Harvard, neste li-
Pass, será de graça. (BG)
vro em que investiga a
Flight Simulator. Lançamento dia 27/7, aparição do Oumuamua:
para Xbox Series S/X. um objeto avistado pe-
lo telescópio Pan-Starrs,
no Havaí, em 2017. Loeb
desenvolve a tese de que
o Oumuamua (“mensa-
geiro de muito longe"
no idioma havaiano),
que foi detectado a 33
milhões de km da Terra,
é uma sonda alienígena.
Será? (BG)
Extraterrestre.
R$ 49,90.

O Google do streaming O homem de gelo Um sopro

Sabe quando você quer ver um filme ou
série, mas não sabe se ele está na Netflix, na
Amazon, no Disney+, no AppleTV+ ou em
algum outro serviço de vídeo? Este site deixa
tudo bem mais fácil: é só digitar o título do
que você quer assistir e ele mostra em qual
site aquele conteúdo está disponível. (BG)
Just Watch. justwatch.com/br.
filme
Eles Vivem (1988)
Netflix
O protagonista encontra ócu-
los mágicos que permitem
ver a vida como ela é: uma
conspiração entre aliens, que
vivem na sociedade disfarça-
dos de humanos, e as classes
dominantes. Seu objetivo:
manipular e explorar as de-
mais pessoas – usando armas
como o entretenimento,
o sexo e o consumo. (BG)
O holandês Wim Hof ficou mundialmente famoso
pela resistência ao frio: consegue ficar quase duas horas
enterrado no gelo. Neste livro, ele faz afirmações meio
exageradas sobre os supostos benefícios do frio à saúde.
Mas também conta sua história, bem interessante, e
ensina sua técnica: um tipo de autocontrole muito
útil para quando você estiver mal agasalhado. (BG)
O Método Wim Hof. R$ 54.
documentário
Unabomber -
em suas próprias
palavras (2020)
Netflix
Narra, em quatro episódios,
a transformação do americano
Ted Kaczynski, um professor
de matemática com QI de
gênio, no Unabomber: terro-
rista que realizou 16 atentados
(a maioria contra cientistas)
e escapou da polícia durante
quase duas décadas. (BG)
de otimismo
O homem não é o
lobo do homem, co-
mo escreveu Thomas
Hobbes. Nossa essência
é cooperativa, altruísta,
boa. Eis a tese central
deste oportuno livro,
em que o holandês
Rutger Bregman enume-
ra exemplos históricos e
argumentos científicos
para provar que somos
bons, aponta onde nos
perdemos e propõe um
caminho para recomeçar:
fazer com que a vida em
sociedade deixe de ser
uma competição. (BG)
Humanidade: Uma
História Otimista do
Homem. R$ 66,90.

julho 2021 super 17

SI_429_Playlist.indd 17 7/5/21 10:39 PM

 sn. tech
A evolução do
noise canceling
Microfones
Espuma
A tecnologia noise canceling, em que o fone de ouvi-
do capta os sons ambientes e produz uma onda sonora
contrária para anulá-los, costuma funcionar melhor
em fones grandes, que cobrem toda a orelha. Mas o
WF-1000XM4 (US$ 280) é o primeiro modelo peque-
no, intra-auricular, com redução de ruído comparável
à dos fones maiores. Ele usa várias armas para chegar
lá, começando pelas ponteiras: são feitas de espuma
(não de silicone, como as comuns), e por isso vedam
melhor o canal auditivo. Também tem seis microfones,
três em cada fone, para captar os ruídos externos. Eles
são processados por um novo chip, o V1, que faz uma
18 super julho 2021
SI_429_Tech.indd 18
Fones Sony WF-1000XM4 usam seis microfones,
sensor ósseo e novo processador de áudio
para anular ruídos externos – com um nível
inédito de eficácia. Texto Bruno Garattoni
Design Natalia Sayuri Lara
A bateria dura 8h
de uso e pode ser
recarregada duas
vezes (mais 16h)
pelo case.
análise mais detalhada do áudio, e por isso consegue
reduzir até barulhos aleatórios e inconstantes (como
pessoas falando), geralmente difíceis de combater.
Já quando você fala, o XM4 capta as vibrações do
seu crânio e usa essa informação para identificar e
isolar a sua voz, e aí apaga todo o resto – evitando
que entre ruído nas suas videochamadas e ligações
telefônicas. Os fones também são compatíveis com o
modo de transmissão LDAC, que trabalha com taxa de
bits de até 990 Kbps (é o dobro do modo aptX e o triplo
do modo SBC, os mais comuns em fones Bluetooth)
e oferece qualidade de áudio sensivelmente melhor.
Fotos Reprodução/Divulgação
7/5/21 10:35 PM
 Edição bruno garattoni

Um smartphone você decide

com microscópio Os projetos mais
O Oppo Find X3 (US$ 1.300) tira
interessantes
fotos de 50 megapixels e filma a até (e surpreendentes)
480 quadros por segundo, o dobro do mundo do
do iPhone. Mas o mais interessante crowdfunding
é que uma das suas quatro câmeras
funciona como microscópio: é capaz
de focar objetos muito de perto, a
apenas 3 mm, e ampliá-los em 60x.

Nitreto É o suficiente para ver o interior de

cristais de açúcar, a textura de um fio

de gálio
de cabelo, os poros da pele, as fibras
da roupa e outras coisas infinitesimais.

(GaN)
Esse é o segredo do
carregador Anker Nano II,
que é bem pequeno (tem
o tamanho de duas caixas
de fósforos), mas fornece
65 watts de energia, o
suficiente para alimentar
notebook e smartphone. Ou
seja: agora você só precisa
levar um carregador consi-
go por aí. O nitreto de gálio
suporta voltagens mais
altas e gera menos calor, e
é usado nos transistores do
Nano II – que, graças a isso,
conseguem entregar mais
corrente elétrica. O carre-
gador é compatível com
iPhone, iPad, MacBook (Air
e Pro), celulares Samsung e
Sony e notebooks Dell, HP,
Lenovo e Microsoft.
Degelo rápido
kickstarter.com
Projeto Icegone
O que é Uma tábua que
promete descongelar carne,
peixe e frango em 10 a 20
minutos. Basta colocar a
Até 730 km de autonomia
comida sobre a tábua, que
não requer nenhuma fonte
de energia. O truque é que
É o alcance máximo da picape elétrica Ford F-150 Lightning, que ela é feita de alumínio e
está sendo lançada nos EUA (US$ 50 mil). A Ford cita uma autonomia preenchida por microtubos
menor, de “apenas” 480 km, mas isso é transportando 450 kg de carga que absorvem calor do am-
na caçamba do veículo. Quando ele só está levando passageiros, seu biente – e o transferem mais
alcance é muito maior – e supera qualquer carro da Tesla em quase depressa para o alimento.
100 km. A F-150 também pode ser usada como uma bateria gigante, Meta US$ 5 mil
capaz de alimentar uma residência por até uma semana. Chance de rolar bbbb

GPS discreto
Aspirador kickstarter.com

com laser Projeto See Sense Air

O V15 Detect, da marca inglesa Dyson, projeta
um laser sobre as superfícies aspiradas – para
que você veja se estão realmente limpas ou so-
brou algum pó. Ele também tem um sensor que
mede, 15 mil vezes por segundo, a quantidade
e o tamanho das partículas de poeira que está
sugando. O aspirador mostra essa informa-
ção numa telinha e também se adapta a ela:
quando a quantidade de partículas aumenta, o
motor dele (que alcança 125 mil RPM) acelera
automaticamente. Custa US$ 700.
O que é Um localizador GPS
para bicicleta. Ele é uma cai-
xinha preta que pesa apenas
80 gramas e fica escondida
sob o selim: presa com um
parafuso especial, bem
difícil de tirar. Transmite a
localização da bike, para o
seu smartphone, por meio
da rede 4G. A bateria dura
três meses.
Meta US$ 25 mil
Chance bbb

julho 2021 super 19

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 capa

inimigo
20 super julho 2021

SI_429_InimigoIntimo.indd 20 7/7/21 11:30 AM

 íntimo Texto Bruno Garattoni, Laura Segovia Tercic
e Reinaldo José Lopes
Ilustração Thobias Daneluz
Design Juliana Krauss

O sistema imunológico é uma obra-prima da evolução.

Você só existe, e está vivo, graças a ele. Mas,
em algumas situações, essa arma se volta contra
o próprio organismo: pode detonar síndromes
autoimunes, agravar infecções virais e desencadear
a temível tempestade de citocinas – que está por
trás dos casos mais graves de Covid-19.

A vida é
uma eterna
partida
entre o
sistema
imune e os
invasores.

julho 2021 super 21

SI_429_InimigoIntimo.indd 21 7/7/21 11:30 AM

 S
Se você pegar corona-
vírus, duas coisas podem
acontecer. O seu sistema
imunológico acionará um
mecanismo chamado hi-
permutação somática, em
que as pontas dos anti-
corpos sofrem modifi-
cações aceleradíssimas,
1 milhão de vezes mais
rápidas que as mutações
no resto do organismo,
até chegar a um formato
que se encaixe perfeita-
mente ao Sars-CoV-2,
neutralizando-o. Dessa
forma, a infecção será
contida, e você sobre-
viverá a ela sem nada
além de uma perda tem-
porária de olfato. Mas
dependendo de alguns
fatores, como idade, a
presença de comorbi-
dades (diabetes, pressão
alta, obesidade e outras),
a quantidade e a variante
de vírus que você pegou
e fatores genéticos ainda
pouco compreendidos, o
desfecho pode ser outro.
O corpo não conseguirá
frear o coronavírus, que
continuará se replican-
do – e uma semana após
ser infectado, em média,
você começará a sentir
falta de ar. O organismo
vai tentar desesperada-
mente combater o vírus,
(1) Prediction of Cytokine Storm and Mortality in Patients
with COVID-19 Admitted to ICU: Do Markers Tell the Story?
22 super juLho 2021 R Nadeem e outros, 2021.
SI_429_InimigoIntimo.indd 22
enviando cada vez mais
anticorpos e células de
defesa para os pulmões.
Se mesmo assim a infec-
ção persistir, algo incrível
pode acontecer: o sistema
imunológico passa a jogar
contra você. Ele perde a
mão e desencadeia um fe-
nômeno, conhecido como
tempestade de citocinas,
que lesiona tecidos e obs-
trui os alvéolos pulmo-
nares – até que a vítima
morre sufocada. Não pela
ação direta do vírus (que,
nesse estágio da doença,
já foi contido), mas pelo
descontrole do próprio
sistema de defesa.
Desde o início da
pandemia, vários estu-
dos foram demonstran-
do que há uma relação
direta, e intensa, entre a
tempestade de citocinas
e as mortes por Covid-19.
Um dos mais impressio-
nantes, que acompanhou
235 pacientes internados
na UTI do maior hospi-
tal de Dubai (1), constatou
que 95% deles apresenta-
vam sinais típicos desse
fenômeno – quanto mais
acentuados, menor a
chance de sobrevivência.
Mas por que a Covid tem
o poder de descontrolar
o sistema imunológico,
uma máquina afinada
ao longo de milhões de
anos de evolução? E como
ela faz isso? A ciência es-
tá começando a descobrir
o
as respostas – e elas são
surpreendentes.
O corpo humano é for-
mado por cerca de 15
trilhões de células, de
200 tipos diferentes. É
absolutamente espantoso
que essa multidão de en-
tidades biológicas passe
décadas trabalhando em
equipe direitinho, sem se
autodestruir e resistindo
a todo tipo de ameaça ex-
terna. Nossa trajetória
evolutiva de 4 bilhões
de anos começou com
células isoladas, como as
de muitas bactérias hoje
em dia. Para construir
7/7/21 11:30 AM

95%
dos pacientes de Covid internados
em UTI têm algum grau de
tempestade de citocinas: reação em
que o organismo acaba “batendo
cabeça”, atacando a si mesmo.
SI_429_InimigoIntimo.indd 23
corpos multicelulares,
relativamente grandes
e complicados, como o
nosso, foi preciso de-
senvolver mecanismos
para que muitas células
distintas soubessem
que suas vizinhas tam-
bém fazem parte do “eu”
do organismo, tal como
elas próprias.
A primeira e mais
fundamental tarefa do
sistema imunológico é
separar esse “eu” cole-
tivo das mais variadas
formas de “não eu” –
substâncias tóxicas ino-
culadas por uma picada
de inseto, farpinhas de
madeira, vírus, bactérias
e fungos patogênicos
(causadores de doenças),
entre inúmeras outras
coisas. Mas nossa tropa
de segurança também
precisa ser respeitosa
com os convidados. Isto
é, os micro-organismos
que vivem em simbiose
benéfica conosco, como
as bactérias da flora in-
testinal que ajudam na
absorção de uma série de
nutrientes. Ou, no caso
das grávidas, o embrião
em desenvolvimento
– que poderia ser visto
como um corpo estranho,
e atacado pelo sistema
imunológico, mas não é.
Para complicar as
coisas, alguns dos pre-
sentes parecem ser da
família, mas estão com
um coquetel Molotov
escondido no bolso. São
as células cancerosas, que
muitas vezes escapam à
vigilância do organismo
justamente por terem
uma “assinatura” mole-
cular quase idêntica à das
células saudáveis do pró-
prio indivíduo. Diante de
tarefas tão complicadas,
até uma obra-prima como
o sistema imunológico
pode meter os pés pelas →
juLho 2021 super 23
7/7/21 11:30 AM
 mãos de vez em quando. durante a covid,
É então que esse compa-
nheiro de vida pode se as células de defesa
voltar contra nós – e, às
vezes, isso acontece nos podem marcar um

Q
momentos em que mais
precisamos dele. gol contra: acabam
destruindo as
estruturas pulmonares
que deveriam proteger.

Quando algum vírus ou

bactéria entra no seu cor-
po, o sistema imune acio-
na uma bateria de defesas.
Entre as primeiras estão
as células T, que organi-
zam o ataque contra o
invasor. Elas fazem isso
liberando citocinas, pro-
teínas que servem para
dosar a resposta imuno-
lógica. Existem mais de
100 citocinas diferentes,
divididas em várias cate-
gorias (como interleuci-
nas, interferons, quimio-
cinas e TNFs, ou fatores
de necrose tumoral), que

Proteínas que As citocinas são proteínas que ativam

as células de defesa do organismo. Mas,
salvam – e matam em excesso, elas podem ser destrutivas.

1. A infecção 2. AS CITOCINAS 3. A RESPOSTA 4. O DESCONTROLE

Quando um vírus ou bactéria
entra no seu corpo, o sistema
imunológico aciona uma bate-
ria de defesas. Entre elas estão
os macrófagos, que engolem e
matam os invasores (e células
contaminadas por eles), e as
células T, que iniciam e orga-
nizam o ataque.
As células T liberam citocinas,
proteínas que servem para
dosar a resposta imunológi-
ca. Essas substâncias podem
aumentar a defesa do organis-
mo, ativando mais células de
defesa (são as citocinas pró-
-inflamatórias), ou reduzi-la
(citocinas anti-inflamatórias).
O sistema imunológico envia
mais e mais células de defesa
para combater o invasor. O
acúmulo dessas células (e,
também, de sangue e flui-
dos corporais) nos tecidos
infectados faz com que eles
fiquem inchados e inflamados.
Até aí, normal.
Em algumas doenças, como
a Covid, esse processo se
desregula. Quando células
do epitélio (revestimento
interno) do pulmão são infec-
tadas pelo coronavírus, elas
passam a produzir citocinas.
Os macrófagos que engoliram
Sars-CoV-2 também.

(2) Severe Acute Respiratory Syndrome (SARS) Coronavirus-Induced Lung Epithelial

Cytokines Exacerbate SARS Pathogenesis by Modulating Intrinsic Functions of
Monocyte-Derived Macrophages and Dendritic Cells. T Yoshikawa e outros, 2009.

SI_429_InimigoIntimo.indd 24 7/7/21 11:31 AM


5. A TEMPESTADE
Começa a chamada “tem-
pestade de citocinas”. Uma
quantidade enorme de células
de defesa é ativada, e vai até os
pulmões da pessoa com Covid
– onde elas acabam destruindo
tecidos e deixam os alvéolos
obstruídos, prejudicando a
absorção de oxigênio.
(3) Lung under attack by COVID-19-induced cytokine storm: pathogenic mechanisms and therapeu-
tic implications. C Pelaia e outros, 2020 (4) Age-dependence of the 1918 pandemic. G Woo, 2018.
(5) Dexamethasone in Hospitalized Patients with Covid-19. RECOVERY Collaborative Group, 2020.
SI_429_InimigoIntimo.indd 25
desempenham diversas
funções no organis-
mo. Existem citocinas
pró-inflamatórias, que
ativam mais células de
defesa, e citocinas anti-
-inflamatórias, que freiam
esse processo. O sistema
imunológico depende do
equilíbrio entre elas.
Mas o coronavírus
tem o poder de alterar
essa soma, e mudar o
resultado da conta. Isso
porque, quando as célu-
las epiteliais (de reves-
timento) do pulmão são
infectadas, elas também
começam a liberar citoci-
nas. Esse fenômeno, que
em 2009 foi associado (2)
ao Sars-CoV-1 e tam-
bém é provocado pelo
Sars-CoV-2, desequilibra
totalmente a reação do
organismo. As células do
pulmão soltam citocinas
porque estão pedindo so-
corro. Elas precisam que
o corpo envie leucócitos,
monócitos, macrófagos
e outros soldados para
combater a infecção. Só
que o resultado é um di-
lúvio: as células T, as cé-
lulas do pulmão e outras
células de defesa liberam
níveis exagerados de 14
citocinas inflamatórias
(3). E isso gera um efeito
dominó, em que o excesso
de citocinas leva à pro-
dução de mais citocinas,
até que o corpo perde o
controle da situação. Mais
e mais células de defesa
continuam indo até o
pulmão, que fica lotado de
citocinas, células (vivas e
mortas), ferido pela infla-
6. O RESULTADO mação e com os alvéolos
Nessa etapa, o vírus já nem pulmonares entupidos.
está mais presente nos pul- O resultado é morte por
mões (quando está, é em falência respiratória.
pequena quantidade). Mas “Na Covid, várias vezes
os danos pulmonares cau- o organismo do paciente
sados pela resposta inflama-
tória anormal acabam levando controla a infecção, ou
a pessoa à morte por falên- seja, já não tem mais ví-
cia respiratória. rus, mas o sistema imune
continua atacando e ge-
rando essa tempestade de
citocinas”, explica o imu-
nologista Dario Zamboni,
professor da Faculdade de
Medicina da USP de Ri-
beirão Preto e autor de es-
tudos sobre o descontrole
imunológico associado ao
Sars-CoV-2. Outros ví-
rus, como o influenza,
também podem desen-
cadear essa tempestade.
Mas a Covid é diferente.
“Estamos comparando pa-
cientes que faleceram por
influenza com outros que
faleceram por Covid-19.
E é impressionante, por-
que, ao que tudo indica,
a Covid ativa muito mais
o inflamassoma [comple-
xo responsável pela ativação
de processos inflamatórios
e citocinas] do que outras
doenças virais pulmona-
res”, diz Zamboni.
A tempestade de citoci-
nas pode explicar por que
a Gripe Espanhola de 1918,
que matou cerca de 50 mi-
lhões de pessoas mundo
afora, foi especialmen-
te terrível entre jovens
saudáveis (na faixa etária
de 30 anos, a taxa de mor-
talidade chegava a ser dez
vezes maior do que entre
idosos (4)). Quando você
é mais jovem, o seu sis-
tema imunológico é
mais forte – e o eventual
descontrole dele, indu-
zido por vírus, pode ser
mais letal.
O fenômeno c o s -
tuma ser tratado com
anti-inflamatórios como
a dexametasona – cuja
adoção nas UTIs reduziu
em quase 30% a taxa de
mortalidade de pacien-
tes intubados (5). Eles só
funcionam se forem ad-
ministrados no momento
exato, que é difícil de de-
terminar (se o anti-infla-
matório for usado cedo
demais, inibe as defesas →
juLho 2021 super 25
7/7/21 11:31 AM
 do organismo e favorece
a multiplicação do Sars-
CoV-2; se vier tarde de-
mais, o pulmão já estará
excessivamente lesiona-
do). Mas podem surgir Alguns vírus, como
terapias mais eficazes.
Zamboni lidera uma pes- o da dengue, o da
quisa que analisou 2.300
medicamentos, todos já Aids e o Sars-CoV-1,
aprovados para uso hu-
mano, e identificou algu- são capazes de se
mas moléculas capazes de
inibir a tempestade de ci-
esconder dentro dos
tocinas. Elas estão sendo macrófagos – e usá-
testadas em culturas de
células humanas; se mos- los para se propagar,
trarem eficácia, passarão
aos testes clínicos, em disfarçadamente,
pessoas. “O desdobra-
mento dessa pesquisa, pelo organismo.
que ainda é básica, po-
de ser a descoberta de
drogas que realmente
funcionem para Co-
vid-19”, afirma. bomba de efeito retarda-
Um do s si ntom a s do, depois que o paciente
m a i s c omu n s e p e - já se curou. É o caso da
rigosos da Covid é a Síndrome Inflamatória
trombose: formação de Multissistêmica Infantil
coágulos na corrente (MIS-C, na sigla em in-
sanguínea, que afeta em glês), uma condição rara e
média 21% das pessoas As reações misteriosa que foi desco-
internadas com a do- imuno- berta durante a pandemia
ença (na UTI, 31%) (6). lógicas e afeta crianças e adoles-
E o sistema imunológi- anormais centes – duas faixas etá-
co pode estar envolvido podem es- rias que não costumam
tourar bem
nisso também. Um estu- depois que ter quadros graves de Co-
do avaliou 172 pacientes a pessoa já vid. A MIS-C aparece um
hospitalizados com Co- se curou do mês depois que a vítima
vid na Bélgica (7) e cons- coronavírus. se curou do Sars-CoV-2,
tatou que 52% tinham É o que e é caracterizada por uma
acontece na
um determinado tipo MIS-C, uma inflamação violenta que
de “autoanticorpos”, ou síndrome pode afetar cérebro, cora-
seja, que atacam o pró- rara e ção, pulmões, rins, pele e
prio organismo. E eles misteriosa olhos. Ela também ataca
eram especializados em que afeta os vasos sanguíneos. Isso
crianças
neutralizar fosfolipíde- e adoles- reduz a pressão sanguí-
os: um tipo de molécula centes. nea, o coração dispara
que regula, justamente, para tentar compensar
a coagulação do sangue. (chega a 165 batimentos
Esse fenômeno imu- por minuto com a pessoa
nológico, bem como em repouso), e a vítima
os outros relacionados pode morrer de falência
à Covid, se manifesta cardíaca (8). No Brasil,
durante a doença. Mas segundo o Ministério da
a resposta anormal do Saúde, houve 736 casos
organismo também po- de MIS-C até fevereiro
de estourar como uma deste ano, com 46 mortes.
(6) Thromboembolism risk of COVID-19 is high and associated with a higher risk of mortality: A systematic review
and meta-analysis. B Clary e outros, 2020. (7) Prothrombotic autoantibodies in serum from patients hospitalized
with COVID-19. J Knight e outros, 2020. (8) Acute Heart Failure in Multisystem Inflammatory Syndrome in Children
in the Context of Global SARS-CoV-2 Pandemic. D Bonnet e outros, 2020.

SI_429_InimigoIntimo.indd 26 7/7/21 11:31 AM

 p
Para vencer uma infecção,
o corpo faz duas coisas:
neutraliza os vírus com
anticorpos e mata as cé-
lulas infectadas. Tudo is-
so vira lixo, que alguém
precisa recolher depois.
A tarefa cabe aos ma-
crófagos, os “garis” do
organismo. Mas a Covid
também interfere com
eles. Outro estudo da
Faculdade de Medicina
da USP de Ribeirão Preto,
coordenado pela bióloga
Larissa Cunha, consta-
tou que os macrófagos
que fagocitam (engolem)
células infectadas pelo
Sars-CoV-2 ficam altera-
dos: perdem a capacidade
de engolir mais células,
deixando de fazer seu
trabalho, e começam a
liberar citocinas (9) – o
que contribui para o
descontrole do sistema
imunológico.
(9) Efferocytosis
anti-inflammatory
L Cunha clearance
SI_429_InimigoIntimo.indd 27
Os macrófagos também
são o elemento central de
um fenômeno diabólico:
a “potencialização de-
pendente de anticorpos”
(ADE, na sigla em inglês).
Nesse processo, alguns
vírus se aproveitam de
uma particularidade do
sistema imunológico – e o
transformam numa arma,
extremamente eficiente,
contra o próprio organis-
mo. É o que acontece com
a dengue, por exemplo.
Que ela é transmitida
pelo mosquito Aedes ae-
gypti, todo mundo sabe.
Mas você sabe qual ví-
rus esse inseto carrega,
e é efetivamente respon-
sável pela doença? Ele se
chama Denv, e tem quatro
subtipos: Denv-1, Denv-2,
Denv-3 e Denv-4. Quan-
do alguém é infectado por
um deles, e tem dengue
pela primeira vez, a do-
ença geralmente se mani-
festa com sintomas mo-
derados (cansaço, febre,
dor no corpo) e o vírus
acaba eliminado pelo or-
ganismo. Você desenvolve
imunidade àquele subtipo
do vírus – mas, eis aqui
o pulo do gato, somente a
ele. Vamos supor que você
pegue Denv-1, se recupere
e depois venha a ser in-
fectado por Denv-3, por
exemplo. O organismo
vai produzir anticorpos,
só que eles não neutrali-
zam o Denv-3 (afinal, fo-
ram desenvolvidos para
combater outro subtipo,
o Denv-1). Os anticorpos
até se conectam ao vírus,
mas não bloqueiam seus
pedacinhos mais críticos,
que ele usa para se acoplar
a células humanas. Por is-
so, o vírus continua ativo
e infectante.
Só que os macrófagos
não percebem isso: eles
“acham” que os vírions
(as unidades) de Denv-3
(9) Efferocytosis
of SARS-CoV-2-infected
of SARS-CoV-2-infected
dying cells
macrophage
anti-inflammatory
programming
and continual
of apoptotic cells. L Cunha e outros, 2021.
e outros, 2021.
foram neutralizados pelos
anticorpos, e simplesmen-
te engolem o conjunto –
querem fazer seu traba-
lho e levar o lixo embora.
E aí algo terrível acontece:
os macrófagos passam a
transportar o vírus pelo
organismo e também
protegem o invasor, im-
pedindo que ele seja en-
xergado e atacado pelo
sistema imunológico. É
como um filme em que
os bandidos roubam os
carros dos policiais. De-
pois de um certo tempo,
os vírions saem dos ma-
crófagos e a infecção re-
começa. Agora bem mais
forte, distribuída por vá-
rios pontos do corpo. Es-
sa é a tal potencialização
dependente de anticorpos
(ADE). Os vírus da den-
gue, da aids e da gripe são
capazes de desencadeá-la.
E alguns coronavírus,
como o Sars-CoV-1, o
Mers e o FCoV (que pro-
voca uma doença fatal em
felinos) também.
Há suspeitas, ainda
não confirmadas, de que
o Sars-CoV-2 possa fazer
o mesmo – e a chave dis-
so estaria, justamente, na
reação imunológica vio-
lenta que ele provoca.
“Quando você tem um
estímulo muito forte,
muito inflamatório, as
células B, que produzem
os anticorpos, podem
acabar não tendo tempo
para amadurecer e gerar
anticorpos de qualidade.
Acaba saindo um anticor-
po ruim, que gruda do
mesmo jeito no vírus,
mas sem conseguir neu-
tralizá-lo”, explica o imu-
nologista Rafael Polidoro,
pesquisador de pós-dou-
torado da Universidade
de Indiana (EUA).
Essa transformação dos
macrófagos em “cavalos
de Troia”, que passam a →
dying
cellsmacrophage
impairs impairs
programming
and
clearance ofcontinual
apoptotic cells.
juLho 2021 super 27
7/7/21 11:31 AM
 espalhar a doença pelo
corpo em vez de comba-
tê-la, talvez não se limite
a infecções virais. Em ju-
nho deste ano, cientistas
do hospital Mount Sinai,
um dos mais importantes
dos EUA, descobriram que
o tipo mais comum de
câncer de pulmão (o “car-
cinoma de não pequenas
células”, ou NSCLC) tam-
bém é capaz de cooptar os
macrófagos – e usá-los,
nos primeiros estágios
da doença, para se multi-
plicar mais facilmente nos
tecidos pulmonares 10 . Os
macrófagos acabam prote-
gendo as células tumorais,
evitando que elas sejam
i
atacadas (e eliminadas)
pelo sistema imunológico.
Isso é uma má notícia,
mas também tem seu la-
do positivo: abre caminho
para o desenvolvimento
de novos tratamentos,
potencialmente mais
eficazes, contra esse tipo
de câncer. A tempestade
de citocinas, o aprimo-
ramento dependente de
anticorpos e a Síndrome
Inflamatória Multissis-
têmica Infantil (MIS-C),
principais consequências
imunológicas do corona-
vírus, também podem
ser tratadas ou simples-
mente evitadas, freando a
circulação do vírus. Mas,
mesmo depois que a pan-
demia terminar, continu-
aremos convivendo com
outra grande questão re-
lacionada ao sistema de
defesa do organismo: as
doenças autoimunes.
10 Tissue-resident macrophages provide a pro-tumorigenic
28 super juLho 2021 niche to early NSCLC cells. M Merad e otros, 2021
SI_429_InimigoIntimo.indd 28
Tanto fatores gené-
ticos quanto ambien-
tais, muitos deles ainda
pouco compreendidos,
interagem para produzir
uma variedade imensa de A serviço do invasor
problemas de saúde nos
quais o sistema imuno- Às vezes, o sistema imunológico não eli-
lógico reage de maneira mina um vírus. E acaba fazendo o oposto:
descontrolada ou come-
ça a destruir células do atua como seu segurança e motorista,
próprio organismo. Na protegendo e espalhando o inimigo.
primeira categoria estão
as diferentes formas de
alergia, das alimentares à
asma e à dermatite atópica
(que afeta a pele). Todas
elas envolvem essencial-
mente uma resposta infla-
matória desproporcional
quando o corpo entra em
contato com o chamado
alérgeno – que pode ser
poeira, pólen ou um sabo-
roso camarão na moranga,
entre diversos outros. No
segundo caso incluem-se
as doenças autoimunes
propriamente ditas, uma
lista com mais de uma
centena de enfermidades
capazes de afetar profun-
damente a qualidade de
vida de quem as tem, e
até levar à morte.
Pense, por exemplo, na
diabetes tipo 1, em que
o sistema imune resolve
se voltar contra as células
300%
beta do pâncreas – jus-
tamente as responsáveis
por produzir insulina,
a molécula que regula
os níveis de açúcar no
sangue. Antes que fosse
possível produzir insu-
lina em grandes quan-
tidades, esse problema
frequentemente matava
crianças e adultos jovens
(como a mãe do escritor
J.R.R. Tolkien, autor de
O Senhor dos Anéis, que foi o aumento, nas últimas
morreu aos 34 anos, em
1904). Já na doença celí- décadas, na quantidade de
aca, o organismo perde anticorpos antinucleares (que
a capacidade de tolerar atacam o próprio organismo)
a presença do glúten detectada em adolescentes.
(componente de cereais
7/7/21 11:31 AM

1 A PRODUÇÃO
O sistema imunológico
detecta um vírus e come-
ça a fabricar anticorpos.
Ele produz e testa uma
enormidade de tipos, até
chegar a um que se encaixe
perfeitamente ao invasor.
É a “hipermutação somáti-
ca”, que acontece por ten-
tativa e erro (os anticorpos
sofrem mutações 1 milhão
de vezes mais rápido que o
resto do organismo).
SI_429_InimigoIntimo.indd 29
2 A ACOPLAGEM
Os anticorpos se encaixam
ao vírus, bloqueando pe-
daços dele e impedindo
que invada as células do
organismo. Mas, em alguns
casos, esse acoplamento
não é perfeito: o vírus con-
tinua “vivo” e infectante.
Isso pode acontecer porque
a quantidade de anticorpos
é insuficiente, ou eles se
encaixam a um ponto não
crítico do vírus.
Alvéolo pulmonar
Citocinas
3 O TRUQUE 4 O RESULTADO 5 CORONAVÍRUS
Normalmente, depois que Uma hora o macrófago Em infecções respira-
os anticorpos se encaixam morre. Aí o vírus escapa tórias, a ADE tem mais
ao vírus, um macrófago e recomeça seu ataque: uma consequência: os
aparece e engole o conjun- agora, distribuído por macrófagos “bichados”
to (para depois descartar vários pontos do corpo. acabam obstruindo os
o “lixo”). Mas, se o vírus O fenômeno se chama alvéolos pulmonares, o
ainda estiver vivo, algo “potencialização depen- que prejudica a absorção
anormal pode acontecer. O dente de anticorpos” (ADE) de oxigênio. Eles também
macrófago passa a funcio- e já foi observado com os liberam citocinas, o que
nar como um táxi: carrega vírus da dengue, da aids e chama mais células de
o vírus pelo organismo, e com os coronavírus Sars- defesa para o local e acaba
o protege de ataques do CoV-1 e Mers (há suspeitas lesionando o pulmão [veja
sistema imunológico. envolvendo o Sars-CoV-2). quadro na pág. 24].
como o trigo) e reage
danificando o revesti-
mento do intestino del-
gado, o que atrapalha a
absorção de nutrientes. É
por isso que os celíacos
precisam tirar o glúten da
dieta (para pessoas que
não têm a doença, ele é
perfeitamente seguro, ao
contrário do que dizem
certos modismos nutri-
cionais). Também exis-
tem doenças inflamató-
rias intestinais crônicas,
como a colite ulcerativa
e a doença de Crohn.
O sistema nervoso
tampouco está a salvo
desse tipo de guerra civil
dentro do organismo. Na
esclerose múltipla, a víti-
ma é a bainha de mielina,
revestimento dos neurô-
nios que, em condições
normais, ajuda a aumentar
a velocidade da transmis-
são de impulsos elétricos
ao longo dos “fios” das
células nervosas. Quan-
do a bainha de mielina →
juLho 2021 super 29
7/7/21 11:31 AM
 é danificada, o resultado
são sintomas como visão
dupla, problemas de coor-
denação motora, fraqueza
muscular e dor crônica. No
caso de outra enfermidade,
o lúpus eritematoso sistê-
mico, os efeitos podem se
manifestar no sistema ner-
voso também – incluindo
episódios de ansiedade e
depressão –, mas, como
indica o próprio nome da
doença, os sintomas cos-
tumam ser sistêmicos, em
diversos lugares do corpo.
Pode se formar uma área
vermelha no rosto e no
nariz, a chamada erupção
malar (ou “asa de borbo-
leta”). São frequentes as possam acabar danifi-
dores nas juntas; podem cando o material genético

a
ocorrer ainda anemia e das células – e dar origem
problemas no coração, rins a tumores. É mais ou me-
e pulmões. nos o mesmo princípio
que costuma aumentar
o risco de câncer em lo-
cais do corpo que ficam
sofrendo repetidas lesões
ao longo do tempo (como
o pulmão de um fuman-
te). Paradoxalmente, em
alguns casos, o efeito é o
inverso – menor chance
de câncer –, talvez porque
Apesar da tremenda va- o sistema imunológico
riedade de sintomas e hiperativo aumente sua
causas que acabamos de vigilância também contra
mencionar, muitas dessas o início de tumores.
enfermidades possuem Somadas, as doenças
intrigantes pontos em autoimunes afetam uma
comum. Os primeiros parte considerável da
sinais, por exemplo, po- população mundial. Só
dem ser muito parecidos, nos EUA, estima-se que
independentemente da esse número esteja em
doença (e pouco espe- torno de 25 milhões de
cíficos, o que pode di- pessoas (não há estatísti-
ficultar o diagnóstico): cas comparáveis no Bra-
fadiga e mal-estar, febre sil, mas tudo indica que
baixa e persistente, man- também seriam milhões
chas vermelhas na pele, de casos por aqui). E há
dores musculares. boas razões para acreditar
Também existe uma que a proporção de afeta-
associação entre diver- dos por esses problemas
sas doenças autoimunes esteja crescendo.
e o surgimento de câncer, É o que indica um
provavelmente porque estudo 11 dos Institutos
reações inflamatórias Nacionais de Saúde dos
intensas e persistentes EUA, que analisou mais

30 super juLho 2021

SI_429_InimigoIntimo.indd 30 7/7/21 11:31 AM

 de 14 mil pacientes ame- formas de alergia – ao slide das minhas aulas faz
ricanos para quantificar longo das últimas déca- tempo”, brinca.
a presença dos chama- das. A questão é saber por Há outros suspeitos,
dos ANAs (anticorpos que diabos isso está acon- claro – o estresse, a falta
antinucleares). O nome tecendo agora, levando de sono e o fumo também
é esquisito, mas quer em conta que o aumento podem desregular o siste-
dizer simplesmente que em si certamente não ma imune. Mas um des-
esses anticorpos atacam o tem causas genéticas (o ses fatores adicionais tem
núcleo das células huma- genoma das populações sido investigado mais in-
nas – algo que, de modo humanas não teria como tensamente pelos cientis-
geral, é ruim. A presen- mudar de maneira tão sig- tas, em parte porque sua
ça de ANAs no corpo é nificativa em apenas uma presença atingiu propor-
considerada um sinal de ou duas gerações). ções globais mais ou me-
problemas autoimunes. Uma possível explica- nos ao mesmo tempo que
O estudo mostrou ção, ainda muito popular, a das doenças autoimu-
que, entre 1988 e 1991, A “hipótese é a chamada “hipótese da nes. Estamos falando da
11% das pessoas tinham da higiene” higiene”. Grosso modo, obesidade, uma situação
diz que te-
ANAs. A porcentagem mos pouco
a ideia é que o estilo de que corresponde, entre
cresceu para 15,9% entre contato vida moderno, no qual outras coisas, a um estado
os anos de 2011 e 2012. com sujeira, predominam ambientes constante de inflamação
Parece pouco (mesmo o que acaba urbanos limpos, alimen- no corpo. O tecido adi-
que, em números abso- descontro- tação industrializada e poso (gorduroso) do or-
lando nosso
lutos, seja muita gente: sistema
pouco contato com ani- ganismo, aliás, produz
41 milhões de america- imune. Mas mais e com a terra, entre suas próprias citocinas
nos, ao todo, carregam não há pro- outros fatores, teria re- – também chamadas de
esses anticorpos), mas o vas disso – e duzido nossa exposição adipocinas –, e diversos
aumento não ocorreu de ela tem a micro-organismos. Isso estudos mostram uma
sido des-
forma igual em todas as cartada por
estaria deixando o siste- associação entre a obesi-
faixas etárias. Nas pesso- cientistas. ma imunológico sem dade e diversas alergias e
as entre 12 e 19 anos, a muito o que fazer – até doenças autoimunes.
elevação foi muito maior: que ele se voltaria contra Se tudo isso parece
quase 300%. o próprio organismo. complicado, é porque é
Esses dados confir- No papel, isso pare- mesmo. “É importante
mam a percepção dos ce fazer um bocado de deixar de pensar no sis-
médicos em geral, que sentido, mas as evidên- tema imunológico apenas
têm visto um aumento cias a favor da hipótese como um sistema bélico”,
expressivo desses pro- da higiene são fracas diz Verônica Coelho, pes-
blemas – tanto as doenças ou inexistentes, diz a quisadora do Laboratório
autoimunes propriamen- imunologista Cristina de Imunologia do InCor
te ditas quanto as diversas Bonorino, professora da (USP). “Ele é muito mais
UFCSPA (Universidade do que isso. É o sistema
Federal de Ciências da de vigilância e manuten-
Saúde de Porto Alegre). ção do equilíbrio entre os
“No caso das alergias, vários tipos de células e
há evidências de que o moléculas do organismo.”
Na maioria dos casos, contato com parasitas Nosso sistema de de-
[vermes, por exemplo] po- fesa não serve só para
o sistema imune ganha de ser benéfico. Mas em nos proteger de amea-
doenças autoimunes is- ças externas. Também é
o jogo. Mas isso so não tem nada a ver”, o responsável por evitar
requer esforço duplo: afirma. Ou seja: o exces-
so de limpeza não tem o
ataques internos, permi-
tindo que todos os ele-
além de vencer o poder de desencadear
reações autoimunes – e,
mentos do corpo huma-
no coexistam em paz – e
invasor, ele tem portanto, não explica o
aumento delas nas úl-
transformem o que pode-
ria ser uma briga com tri-
de superar seus timas décadas. “Não há lhões de participantes na
relação com a hipótese máquina biológica mais
próprios deslizes. [da higiene]. Já tirei esse complexa que existe. S

11 Increasing Prevalence of Antinuclear Antibodies in the United States. F Miller e outros, 2020. juLho 2021 super 31

SI_429_InimigoIntimo.indd 31 7/7/21 11:31 AM

 sociedade

32 super julho 2021

SI_429_jogospandemicos.indd 32 7/7/21 1:08 AM

 Às vésperas de receber
a Olimpíada, o Japão
apresenta um baixo
índice de imunização e
convive com protestos
pedindo o cancelamento
dos Jogos. Pior: 20% dos
atletas provavelmente
competirão sem vacina,
simplesmente por não
serem obrigados a to-
mar. Veja os bastidores
dos Jogos mais polêmi-
cos da história.

Texto Maria Clara Rossini

e Rafael Battaglia Popp
Ilustração Leonardo Yorka
Design Carlos Eduardo Hara
e Natalia Sayuri Lara
Edição Alexandre Versignassi

julho 2021 super 33

SI_429_jogospandemicos.indd 33 7/7/21 1:08 AM

 Nos últimos meses,
japoneses foram às
ruas protestar contra
a Olimpíada.

Tóquio, 2019. Faltam O país, vale lembrar,

147 dias para a Olimpía- é pé-frio nessa área. A
da de 2020 e, numa das primeira vez que Tóquio
ruas da capital do Japão, ganhou o direito de se-
há uma placa fixada pelo diar o evento foi para a
governo que diz: “Com edição de 1940. Aí veio a
o apoio de todos, vamos Segunda Guerra e melou
tornar esse evento um tudo. No ano passado, a
sucesso”. Logo embaixo, pandemia adiou os Jogos
uma pichação pede o can- de 2020 para 2021.
celamento dos Jogos. Todo mundo imagina-
Essa cena é de Akira, va que, a essa altura, já
um dos animes mais estaria tudo bem. Mas
populares de todos os não. Um levantamento
tempos. Esse clássico feito em maio pelo jornal
dos desenhos animados Asahi Shimbun mostrou evento com 15 mil atletas Não houve lockdown.
japoneses foi lançado em que 83% dos japoneses de 206 nações aglomera- Os estabelecimentos co-
1988, quando ninguém não queriam os Jogos. dos na capital de um país merciais foram orientados
fazia ideia que Tóquio se- Você poderia pensar: que, apesar de rico e disci-
(e não obrigados) a fechar
diaria mesmo a Olimpía- “Ah, mas já tem futebol plinado, foi leniente com a
em momentos críticos da
da de 2020, muito menos
que haveria resistência à
realização dos Jogos.
Pouco mais de um
com público na Europa.
Fórmula-1 de arquiban-
cada cheia… Por que
tanta frescura?” Porque
83%
dos
vacinação. Não, não é algo
trivial. Nas próximas pá-
ginas, os bastidores dos
Jogos mais polêmicos de
pandemia. O que o gover-
no fez de fato foi instruir
a população a não sair de
casa durante as fases mais
japoneses
mês antes da cerimônia os índices de vacina- disseram ser
todos os tempos. agudas da pandemia.
de abertura, que aconte- ção por lá não são exa- contrários A estratégia de con-
ce em 23 de julho, 10 mil tamente invejáveis. Na à realização Do lado de lá tenção por lá foi basea-
voluntários desistiram primeira semana de ju- dos Jogos O Japão se destacou pe- da em evitar espaços fe-
de trabalhar na Olim- lho, eles estavam com em 2021. las baixas taxas de morte chados, lotados e contato
píada. Não é o bastante apenas 14% da população por Covid. Foram quase próximo. Como no resto
para minguar os Jogos totalmente imunizada. 15 mil até agora. O país do mundo, as pessoas
(ainda há outros 70 mil), Se organizar a Copa tem 60% da população do têm utilizado máscaras.
mas já diz muito sobre o América por aqui já foi Brasil, mas apenas 3% do Além disso, morado-
clima por lá. um problema, imagine um total de mortes daqui. res de 159 países estão

34 super julho 2021 *Dados atualizados no dia 5 de julho. Fonte 1 Relatório “Global attitudes towards a COVID-19 vaccine”, produzido pelo Imperial College de Londres.

SI_429_jogospandemicos.indd 34 7/7/21 1:09 AM


proibidos de entrar no
Japão (Brasil incluído).
Com tudo aparente-
mente sob controle, o
país parecia ser o lugar
ideal para abrigar os Jo-
gos em meio à pandemia.
Só que não.
O calcanhar de Aqui-
les japonês no combate à
Covid apareceu em 2021:
a falta de imunizantes e a
demora em aprová-los. A
primeira vacina a ganhar
“ok” por lá foi a da Pfizer,
em fevereiro – quando
a vacinação no Brasil já
tinha começado. Para
piorar, 53% da população
SI_429_jogospandemicos.indd 35
A Pandemia no Japão
Até o início de julho, o país havia acumulado 800 mil casos
e 14,8 mil mortes. A pandemia se dividiu em quatro ondas,
sendo as duas últimas bem mais graves que as primeiras.
Abaixo, o gráfico com a quantidade diária de novos casos.*
6.000 CASOS
5.000
4.000
3.000
2.000
1.000
0
04/20 08/20 01/21 05/21
No final de maio, o país tinha menos de 3% da população
totalmente vacinada. No início de julho, eram 14,5% (o país
alavancou a vacinação em Tóquio e Osaka) – no mesmo
período, o Brasil avançou de 10% para apenas 13%. Abaixo,
o número de doses aplicadas por dia no Japão.*
1 MILHÃO DE DOSES
800 MIL
600 MIL
400 MIL
200 MIL
0
02/21 05/21 07/21
japonesa não confia a casos de meningite, Em número de mortes,
nas vacinas (1). sem evidências sólidas. o Japão pode estar bem
O país exigiu testes Mesmo assim, o governo em comparação com paí-
53%
domésticos em paralelo japonês deixou de reco- ses como o Brasil, mas vai
aos ensaios clínicos que mendar a dose. Em 1992, mal quando levamos em
as farmacêuticas con- uma decisão judicial de- conta seus vizinhos do
duziram mundialmente. da po- finiu que o governo seria Pacífico. O país tem 116
A Pfizer precisou testar a pulação responsável por quais- mortes por Covid-19 para
vacina em 160 japoneses, japonesa quer efeitos colaterais cada milhão de habitan-
mesmo já tendo estuda- não confia de vacinas aprovadas. tes. A Coreia do Sul tem
nas vacinas
do a reação de 44 mil vo- contra a A partir daí, o número 39; a Nova Zelândia, 5.
luntários à sua vacina em Covid-19, de vacinas obrigatórias Cientistas do Japão têm
outras partes do mundo. segundo no calendário de imuni- alertado que a realização
Daí o atraso na aprovação. o Imperial zação foi reduzido. Em da Olimpíada pode não
A desconfiança do College de 2013, o governo deixou só agravar a pandemia
Londres.
Japão com imunizantes de recomendar a vacina no país, mas também ge-
não é de hoje. Nos anos para o HPV. O índice de rar novas cepas – dada a
1990, a vacina trípli- vacinação contra a doen- mistura de tanta gente, de
ce viral foi relacionada ça caiu de 70% para 1%. tantas origens, lá dentro. →
7/7/21 1:09 AM

As precauções
Os oficiais do COI defen-
dem que os Jogos podem
ser conduzidos de forma
segura levando em conta
outros eventos esporti-
vos de grande porte que
ocorreram na pandemia.
A ideia é criar uma espé-
cie de bolha, a exemplo
do que foi feito na NBA, a
liga de basquete dos EUA.
Em julho de 2020, 1,4 mil
pessoas isolaram-se em
um complexo de hotéis e
arenas da Disney, na Fló-
rida, com testes diários
e circulação controlada.
Deu certo: nenhum caso
de Covid-19 foi detectado.
O problema é que, em
Tóquio, a escala é outra.
Serão ao menos 15 mil
atletas (entre os olímpicos
e paralímpicos) de mais
de 200 países e territó-
rios, além de milhares de
voluntários, membros das
delegações, patrocinado-
res e equipes de imprensa.
Enquanto a maioria dos
atletas dorme na Vila
Olímpica (veja o infográ-
fico ao lado), o resto fica
em hotéis credenciados
ou em bases de treina-
mento fora do complexo.
Além disso, eles ainda
precisam se deslocar para
41 locais de competição
dentro e fora da metrópo-
le. Desse jeito, o esquema
fica tão frágil quanto uma
bolha de sabão.
O COI depende muito
mais da colaboração dos
participantes em seguir as
regras do Playbook, uma
o comitê olímpico
não obriga atletas
a se vacinarem.
36 super julho 2021
SI_429_jogospandemicos.indd 36
a bolha
dos atletas
A maior parte dos competidores ficará hospedada na Vila Olímpi-
ca. Localizada na baía de Tóquio, a Vila tem 21 prédios residenciais,
3,8 mil quartos e 18 mil camas. Os 440 mil m² também abrigam um
refeitório de dois andares e um complexo multifuncional.
espécie de manual de ins-
truções para a Olimpíada
pandêmica. Ao chegar ao
aeroporto, eles devem
ativar o GPS do celular
e baixar dois aplicativos:
um para monitorar sin-
tomas e outro de rastrea-
mento. Não será permiti-
do fazer turismo no país:
os atletas eliminados (ou
vitoriosos) devem pegar o
voo de volta até 48 h após
sua competição.
Para entrar no país, os
participantes devem apre-
sentar três testes negati-
vos – dois antes de em-
barcar e um ao chegar ao
Japão, feito no aeroporto.
Os atletas e outros creden-
ciados ainda farão testes
periódicos de antígeno co-
letados pela saliva ao lon-
go do evento. Se o teste der
positivo ou inconclusivo,
ele é direcionado para um
centro médico para fazer
RT-PCR, padrão-ouro pa-
ra o diagnóstico da doença.
Se o PCR der positivo,
a coisa complica – princi-
palmente se for um atleta.
A pessoa será transferida
para um quarto de hotel
(ou hospital, dependendo
da gravidade) para fazer
a quarentena de 14 dias.
Se a competição do atleta
for durante aquele perío-
do, paciência.
Para diminuir o risco
esportivo, o Comitê Olím-
pico Brasileiro (COB) está
tomando medidas extras.
Nos esportes em grupo, os
atletas que forem essen-
ciais para o time devem
ficar em quartos sepa-
rados. É o caso dos dois
levantadores da equipe de
vôlei – se os dois pegarem
Covid, não há como o ti-
me jogar de forma compe-
titiva. Também haverá um
esforço para que atletas
de esportes individuais
fiquem sozinhos em seus
quartos, principalmente
se forem os únicos bra-
sileiros da modalidade.
“Vamos ter casos de
Covid-19. São 700 pesso-
as da delegação brasileira
indo para Tóquio. Uma ou
outra vai testar positivo.
Só tomara que não seja
atleta”, diz Ana Carolina
Côrte, coordenadora mé-
dica do COB. Em condi-
ções normais, seriam 850
centro médico
de covid É para onde
os participantes
devem se dirigir caso
testem positivo para
Covid-19 no teste
diário de saliva. Na
clínica, eles fazem
um teste RT-PCR para
confirmar o resultado.
Se der positivo, o
paciente deve realizar
a quarentena de 14
dias em um quarto
de hotel. Todas as
pessoas que tiveram
contato com o pa-
ciente também devem
fazer o teste RT-PCR.
dormitórios Ideal-
mente, os participantes
também devem usar
máscara no quarto,
retirando-a apenas
para comer e dormir.
Os quartos abrigam
de uma a oito pessoas.
Os comitês de cada
país escolhem como
distribuir os atletas. As
bases das camas são
feitas de papelão e
podem ser ajustadas de
acordo com a altura.
→
7/7/21 1:09 AM
 complexo
multifuncional
O primeiro andar abri-
ga uma clínica médica
e uma estação onde
são realizados os testes
antidoping. O segundo
andar é uma área de
lazer, com tênis de
mesa, cadeira de mas-
sagem, entre outras
atividades. A academia
fica no terceiro andar.

academia
Há divisórias de
acrílico entre os equi-
pamentos. O uso de
máscara é obrigatório.
A capacidade é de 500
pessoas, mas os atle-
tas podem verificar a
lotação do espaço em
tempo real por meio
de um aplicativo.

refeitório As mesas
têm divisórias trans-
parentes de acrílico,
que devem ser
limpas com um lenço
umedecido ao final da
refeição. Apesar das
mesas, os atletas são
encorajados a comer
sozinhos. Eles podem
pegar uma marmita e
comer no quarto. Fun-
ciona 24 h, tem dois
andares e mais de 700
opções de comida.

transporte Os par-
ticipantes não podem
usar transporte públi-
co para se deslocar até
o local de competição.
Eles devem usar
apenas os transportes
oficiais do evento.
Quando isso não for
possível, a comissão
organizadora paga um
táxi. Antes de se tor-
nar a Olimpíada Pan-
dêmica, Tóquio 2020
teria sido a Olimpíada
Sustentável. Todos os
carros e ônibus dos
Jogos são elétricos.

SI_429_jogospandemicos.indd 37 7/7/21 1:09 AM

 os esportes mais
promissores para o brasil
Skate
Estreante nos Jogos,
é dividido em duas
modalidades: Street
e Park. Em cada uma
delas, 20 atletas
competem na etapa
preliminar e oito
avançam para a final.
O Brasil levará 12
(três mulheres e três
homens para cada mo-
dalidade). Destaques:
Pedro Barros (park) e
Kelvin Hoefler, Pâmela
Rosa, Letícia Bufoni e
Rayssa Leal (street).
pessoas viajando, entre
costureiros, cozinheiros
e outros profissionais.
A única equipe que au-
mentou foi a de saúde:
além de Côrte, outros 15
médicos estão indo para
o Japão. Já o Comitê Para-
límpico Brasileiro (CPB),
que embarca em agosto,
é mais enxuto: 400 pes-
soas, entre atletas, guias
e membros da comissão.
O Brasil terá oito bases
de treinamento e aclima-
tação fora da Vila Olím-
pica. Em geral, colégios
adaptados. As delegações
devem chegar antes da
abertura da Vila para se
acostumar ao fuso horário.
São nessas bases que os
atletas mais devem treinar
– e se alimentar, já que elas
servem comida brasileira,
o que não acontece na Vila.
Os estádios e qua-
dras das competições
vão operar com 50% da
38 super julho 2021
SI_429_jogospandemicos.indd 38
street Sua pista con-
tém elementos de
rua: corrimões,
rampas, escadas. Os
competidores dão
voltas de 45 segundos
e realizam manobras
nos obstáculos. Os
juízes avaliam dificul-
dade, estabilidade,
originalidade e fluidez
dos movimentos.
capacidade, sem exceder o
número de 10 mil pessoas
presentes. Então já pode
esperar uma cerimônia de
abertura bem diferente.
Ela será realizada no Está-
dio Olímpico, que possui
68 mil assentos – e mal
vai atingir 15% de capa-
cidade. Para completar, o
público, técnicos e atletas
ainda são instruídos a não
gritar ou cantar nas com-
petições. Só pode torcer
batendo palmas.
A medida mais impor-
tante até agora, de qual-
quer forma, vem de uma
parceria do COI com a
Pfizer, que garantiu doses
para todas as delegações
nacionais que participarão
da Olimpíada.
O problema: a vacina-
ção é apenas recomenda-
da, não obrigatória – e
grandes comitês olím-
picos, como os do Brasil
e dos EUA, seguiram
Agradecimentos Ana Carolina Côrte, coordenadora médica do COB; Alberto Martins, diretor técnico do CPB; Leandro
Mazzei, professor de Ciências do Esporte na Unicamp; e Vanessa Tamura, brasileira que mora há 15 anos no Japão.
nessa linha. Só tem um
detalhe. Nos EUA, 18%
da população declara que
não vai se vacinar de jeito
nenhum (por ignorância,
basicamente). A propor-
ção entre os atletas talvez
seja a mesma.
O próprio COI prevê
que 80% das pessoas que
80%
das pessoas
passarem pela Vila Olím-
pica estarão imunizadas.
A taxa é a mesma para os
que passa-
profissionais de imprensa
rão pela Vila que vão trabalhar por lá.
Olímpica Uma pena: pela estatística
de Tóquio bruta, dois dos dez atletas
estarão da final dos 100 metros
vacinadas,
segundo
rasos, evento mais im-
estimativa portante dos Jogos, não
do COI. estarão vacinados, e por
escolha própria. Chega a
ser incompreensível.
No Brasil, o índice de
ignorância é, felizmente,
mais baixo. 93% da popu-
lação afirma que quer se
vacinar. E o COB projeta
que o índice de membros
da delegação imunizados
será parecido (95%). Ain-
da assim, qualquer pro-
porção abaixo de 100% é
polêmica. A ideia de que
simplesmente existam
atletas que se recusam a
tomar vacina já é assusta-
dora por si só.
Efeito cascata
Se a pandemia vai alte-
rar tanto a dinâmica dos
Jogos, não seria mais fá-
cil, então, adiar o evento
de novo, para 2022? Ou,
ainda, postergar todo o
calendário olímpico (com
Tóquio em 2024, Los An-
geles em 2028 etc.)?
Ao pé da letra, “olimpí-
ada” (sem o “s”) significa o
intervalo de quatro anos
entre dois Jogos Olím-
picos. Parece bobo, mas
é a partir desses ciclos
que boa parte das moda-
lidades esportivas mon-
tam os seus calendários.
7/7/21 1:09 AM
 park Acontece em uma
pista bowl, que lembra
uma piscina vazia. Os
atletas dão voltas em
que podem girar no ar,
colocar a mão na pista,
entre outros artifícios.
Os juízes também ava-
liam a velocidade e o
tempo suspenso no ar.
“Encurtar muito o tempo
entre Olimpíadas [rema-
nejando os Jogos para 2022]
poderia gerar um efeito
cascata no cronograma
de diversos campeonatos
nacionais e mundiais”, diz
Leandro Mazzei, professor
de Ciências do Esporte na
Unicamp. “A preparação
dos atletas, para que eles
atinjam máxima perfor-
mance nas competições,
também é planejada de
acordo com esses ciclos.”
A bagunça atual no ca-
lendário já afeta diversos
atletas. “Tivemos pou-
quíssimas competições
mundiais no último ano,
então vamos para Tóquio
sem conhecer muito bem
nossos adversários”, diz
Alberto Martins, diretor
técnico do CPB. Desde
o começo da pandemia,
muitos esportistas ti-
veram que lidar, ainda,
com a perda de patro-
cínio e atrasos na Bolsa
Atleta, mantida pelo go-
verno federal.
“Ainda é difícil dizer,
mas, a longo prazo, uma
geração inteira de atletas
pode ter sido afetada pela
pandemia”, reforça Mazzei.
“Basta pensar nos jovens
que, na hora de decidir
se levariam a carreira no
esporte a sério, perderam
os incentivos necessários
para treinar ou competir.”
É provável que o de-
sempenho dos atletas seja
atípico também. Menos
SI_429_jogospandemicos.indd 39
recordes quebrados, e
mais surpresas no pódio.
Segundo Mazzei, atletas
promissores podem não
ter performances tão bo-
as, dependendo de como
seus países lidaram com
a pandemia e de como os
treinos foram afetados. “A
expectativa é que Tóquio
2020 seja um ponto fora
da curva”, diz o professor.
Dentro da parte exclu-
sivamente esportiva, as
perspectivas para o Brasil
estão em linha com o nos-
so histórico recente. Uma
estimativa feita pelo insti-
tuto americano Gracenote
prevê cinco medalhas de
ouro, cinco de prata e dez
de bronze para o Brasil –
total de 20, contra 19 em
2016 e 17 em 2012.
A maior esperança está
nos esportes estreantes.
Das 20 medalhas previs-
tas para o Brasil, quatro
estão no skate, duas no
surfe e uma no caratê.
Além desses, Tóquio
2020 ainda vai inaugurar
beisebol, softball e esca-
lada, mas o Brasil não en-
viará representantes para
essas modalidades.
Mas e aí? Vale mesmo
termos Olimpíada neste
ano? Por alguns aspectos,
não; por outros, sim, como
buscamos mostrar aqui.
Para os adeptos do “sim”,
fica uma história: em 1920,
os Jogos aconteceram em
Antuérpia, na Bélgica. O
mundo ainda sofria com
Surfe
Outra modalidade es-
treante. 40 surfistas (20
homens e 20 mulheres)
competirão em baterias
de 30 minutos, avaliadas
por cinco juízes. O Brasil
é um dos seis países
que levarão uma dele-
gação completa, com
quatro atletas: Gabriel
Medina (bicampeão
mundial), Ítalo Ferreira,
Silvana Lima e Tatiana
Weston-Webb.
resquícios da gripe es-
panhola (50 milhões de
mortos) e, mais ainda, da
Primeira Guerra Mundial
(1914-1918). Os Jogos, en-
tão, serviram como um
aceno aos novos tempos
que estavam por vir. Foi
lá, inclusive, que o Brasil
estreou na competição.
Se os Jogos de 2021 se
mostrarem seguros, e
marcarem um momento
em que a vacinação acelera
em boa parte do mundo,
Tóquio pode seguir pelo
mesmo caminho da An-
tuérpia e marcar um re-
começo. É para isso que
os Jogos sempre serviram,
afinal: mostrar que, mes-
mo com crises, pandemias,
guerras, a chama daquilo
que nos faz humanos nun-
ca se apaga. S
julho 2021 super 39
7/7/21 1:09 AM
 mundo
Texto Eduardo Campos Lima e Bruno Garattoni
Ilustração Estevan Silveira • Design Juliana Briani
piratas
os
chineses
e
ra o oitavo dia no mar.
O capitão Carlos Derlando
Brandão conduzia o Oceano
Pesca I, com dez tripulantes, em
uma jornada para pescar atum
na costa do Rio Grande do Norte. Esse
peixe só costuma ser encontrado em
alto-mar, bem longe do litoral. Por isso,
o barco tinha atravessado a zona econô-
mica exclusiva, uma faixa de água com
360 km que pertence ao Brasil (e onde
navios de outros países não podem pes-
car) e já estava em águas internacionais,
a 600 km da costa. Tudo normal, sem
sustos. Até que às 11h30 da manhã
daquele dia, 22 de novembro de 2018,
Brandão foi “içar o espinhel”: puxar a
rede usada para pegar atum. Avistou
SI_429_PiratasChineses.indd 40
Uma armada de 400 barcos vindos da China fica o
ano todo pescando na América Latina. Eles desli-
gam os transmissores, invadem áreas proibidas e
devastam a população de várias espécies marinhas.
São ajudados por uma frota de navios cargueiros
– e, por isso, não precisam ir embora nunca.
um pesqueiro chinês, o Pesca), pertencente à empresa China
que não era incomum National Fisheries Corporation, não
naquela região. Mas es- desistiu. Abalroou o navio brasileiro,
tranhou sua aproximação fazendo dois furos em seu casco, e pas-
exagerada – e percebeu sou 40 minutos tentando terminar o
que os tripulantes no serviço – e afundar o Oceano Pesca I.
convés faziam gestos “Só conseguimos trazer o barco de volta
ameaçadores. “Eles che- para o porto porque ele era novo e feito
garam muito perto de nós de aço. A maior parte da frota brasileira
e jogaram parafusos no de pesca de atum é de madeira e tem
nosso barco. Faziam sinal certa idade, ou seja, teria afundado”, diz
de que iam nos afundar”, o capitão. O Oceano Pesca e sua tripu-
conta. Experiente, o ca- lação sobreviveram, não sem traumas
pitão manobrou para sair – um marinheiro recém-contratado de-
da rota de colisão. Mas o sistiu da profissão depois daquele dia.
Chang Rong 4, um bar- “Eu ainda fico muito nervoso. Quando
co de 40 metros (o dobro vejo que tem barco chinês por perto,
do tamanho do Oceano saio da área”, conta Brandão. →
7/7/21 1:14 AM
 julho 2021 super 41

SI_429_PiratasChineses.indd 41 7/7/21 1:14 AM

 Conflitos como esse (que foi cau-
sado, aparentemente, porque as redes
de pesca dos chineses e dos brasilei-
ros se engancharam) são cada vez mais
comuns na América do Sul: onde uma
frota de 400 barcos chineses passa o
ano todo pescando atum, polvo, lula,
tubarão, arraia, merluza, moluscos e
outras espécies, muitas vezes de forma
predatória e ilegal. Além dos chineses,
há embarcações taiwanesas, coreanas
e algumas espanholas e portuguesas.
No total, são cerca de 550 barcos es-
trangeiros pescando na região. “Há duas
décadas, havia no máximo 200”, conta o
argentino Milko Schvartzman, da ONG
Círculo de Políticas Ambientales, que
monitora a questão.
A maioria dos pesqueiros, 70%, é
chinesa. Eles têm chamado a atenção
pela agressividade – e não só contra
outros navios. Em julho do ano passado,
o governo do Equador detectou uma
armada de 260 barcos chineses bem na
fronteira da sua zona econômica exclu-
siva. Duas semanas depois, já eram 342.
Em sua maioria, adeptos da chamada
“pesca de arrasto”, um método que é
proibido na própria China e consiste
42 super Julho 2021
SI_429_PiratasChineses.indd 42
em usar grandes redes
com correntes, que des-
cem para o fundo do mar
e vão pegando tudo o que
encontram, sem distinção
de espécie. Então a frota
se aproximou das Ilhas
Galápagos, uma área de
proteção ambiental, e o
o barco massacre começou. Ao
longo de um mês, a ar-
chinês mada chinesa realizou o
atacou equivalente a 73 mil ho-
o brasi- ras de pesca, devastando
a população local de lu-
leiro. las – e deixando as focas e
seu os tubarões, entre outras
objetivo: espécies locais, sem ter
o que comer. Uma aná-
afundá-lo. lise realizada pela ONG
americana Oceana, que
monitorou a região com
imagens de satélite, cons-
tatou que os chineses
foram responsáveis por
99% de toda a pesca na
região durante o período.
E tentaram fazer isso
escondidos. Os barcos
que navegam em águas internacionais
precisam usar o Automatic Identifi-
cation System (AIS), um sistema que
transmite a localização e o nome do
navio em tempo real. Mas os pesqueiros
chineses têm o costume de desligar o
AIS para ficar “invisíveis”. Na incursão
em Galápagos, fizeram isso 43 vezes,
segundo a Oceana. Um deles passou 17
dias consecutivos com o AIS desligado.
Acredita-se que estivesse realizando
outra prática questionável: a transfe-
rência de carga.
Ao contrário dos pesqueiros tra-
dicionais, que retornam para o porto
quando estão cheios, a armada chine-
sa tem a capacidade de operar o ano
inteiro, sem precisar voltar para casa.
Isso porque ela é apoiada por navios
cargueiros, que trazem combustível e
mantimentos e levam embora os peixes,
já congelados, para a China. Além do
Equador, ela opera no Peru, no Chile,
na Argentina e no Brasil [veja quadro
ao lado]. A frota chinesa é a maior do
mundo – e grande parte dela atua pre-
datoriamente em outros continentes,
em situações parecidas com a de Ga-
lápagos. Um estudo publicado pela ONG
7/7/21 1:14 AM

→ A armada clandestina
Uma frota com mais de 400 navios chi-
neses passa o ano inteiro pescando na
América Latina. Veja como.
1 onde ela opera
Equador, Peru, Chile, Ar-
gentina e Brasil. Cada país
tem sua zona econômica
exclusiva (ZEE), uma faixa
de água de 360 km onde só
ele pode pescar. Os navios
chineses se posicionam
bem no limite da ZEE, e às
vezes invadem essa área – o
que é ilegal.
2 o que ela faz
Pesca várias espécies de
atum, polvo, tubarão, arraia
e moluscos. Isso é feito em
grande escala, e de forma
predatória (sem respeitar
o “defeso”, época anual
em que a pesca é proibida
para que os animais tenham
tempo de se reproduzir).
Sistema de monitoramento (AIS)
borda da zee
galápagos
Barcos
“invisíveis”
Movimentação
dos barcos
SI_429_PiratasChineses.indd 43
galápagos
equador
peru
brasil
chile
argentina
3 como ela opera
Quando vão entrar nas
ZEEs, os navios chineses
desligam seus transponders
(transmissores de posição),
o que é ilegal. Isso faz com
que eles desapareçam dos
sistemas de monitoramento
marítimo – e só possam ser
vistos por satélites.
4 o apoio
Cada navio tem capacidade
para até 600 toneladas de
carga, que é congelada logo
após a pesca. Quando ele fica
cheio, um cargueiro aparece
para levar os peixes embora
para a China (e reabastecer
o pesqueiro com combustí-
vel e mantimentos).
inglesa Overseas Development Institute
estima que a “frota de águas distantes”
da China seja composta por quase 17
mil barcos, cinco vezes mais do que se
acreditava anteriormente.
A prática de ir pescar em outros paí-
ses, bem longe de casa, surgiu nos anos
1980. Naquele momento, a sobrepesca
no Hemisfério Norte levou os estoques
das espécies mais procuradas ao limite,
e os governos da Europa e dos EUA
começaram a impor regulações mais
restritivas à indústria pesqueira. Alguns
anos depois, a mesma coisa aconteceu
na Ásia. “Mas a capacidade de pesca de
vários países continuou a crescer. Então
eles decidem subsidiar suas frotas, que
passam a atuar nas costas da África, na
Polinésia e na América do Sul, onde há
pouca fiscalização”, diz Schvartzman.
Hoje, a China é responsável por 38%
da chamada “pesca em águas distan-
tes”, segundo estimativa da ONG Global
Fishing Watch. É seguida por Taiwan
(21,5%), pelo Japão (10%), Espanha e
EUA (9,9% cada).
Alguns desses navios usam mão
de obra barata – ou semiescrava. Os
navios chineses costumam empregar
trabalhadores indonésios, filipinos ou
de países africanos. O recrutamento
muitas vezes envolve falsas promes-
sas, como a de que o trabalho será em
um cruzeiro. Em 2014, um grupo de
28 africanos, quatro de Gana e 24 de
Serra Leoa, desceu de um barco chinês
em Montevidéu (porto sul-americano
onde navios chineses costumam atracar
quando é absolutamente necessário) e
se recusou a voltar. Eles estavam havia
seis meses no navio e não tinham rece-
bido o salário prometido, de US$ 500
mensais. Sua alimentação resumia-se a
um prato de arroz diário. Eles também
disseram que trabalhavam acorrenta-
dos dentro do barco e eram espancados
com frequência. Alguns estavam com
tuberculose. “Em vários desses barcos,
o capitão usa armas e cães para con-
trolar a tripulação”, diz Schvartzman.
Frequentemente, segundo ele, navios
chineses descarregam o cadáver de al-
gum marinheiro no porto de Montevi-
déu. Às vezes, no entanto, o tratamento
dado aos mortos é ainda pior.
Em julho do ano passado, a polícia
indonésia prendeu seis diretores de
agências de emprego, que haviam for-
necido 22 trabalhadores do país para →
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7/7/21 1:14 AM
 dois pesqueiros chine-

→ Mortos de fome
ses. Os barcos deixaram
a Ásia em dezembro de
2019 para pescar lula na
Argentina. Em julho, ao Nos últimos cinco anos, dezenas de pesqueiros
regressarem para a Indo-
nésia, a polícia os parou norte-coreanos apareceram no Japão. Com um
para uma investigação, detalhe macabro: a tripulação estava morta.
motivada por uma de-
núncia. Foi quando os Esses navios pesqueiros são conhecidos como “barcos fantas-
agentes descobriram o mas”, pois não se sabe como foram parar no Japão – já que os
corpo de Hasan Afrian- tripulantes estavam mortos. Acredita-se que tenham morrido
di, um indonésio de 20 de fome, após longos períodos no mar tentando pegar polvo.
anos que falecera a bordo, E isso também tem a ver com a frota pesqueira chinesa. A
congelado em um freezer. Coreia do Norte está sob sanções econômicas internacionais,
A investigação descobriu e uma maneira de tentar compensar isso é vender licenças
que os corpos de três
de pesca a navios chineses, para que eles possam operar em
indonésios, que haviam
morrido em outro navio águas norte-coreanas. A partir de 2017, Pyongyang aumentou
chinês, foram simples- drasticamente o número de licenças vendidas, que subiu de 900
mente jogados ao mar. para 3 mil por ano. Elas rendem cerca de US$ 220 milhões anuais
Se a preocupação ao país, mas também levaram a uma exploração desenfreada,
da frota pirata com sua que está reduzindo as populações marinhas – e impede que os
tripulação é pequena, pescadores norte-coreanos consigam sobreviver. (BG)
com o ambiente ela é
nula. Os barcos chine-
ses lançam lixo no mar,
sobretudo óleo, redes de Entre janeiro de 2018 e abril de 2021,
pesca e esgoto. Também segundo a ONG Global Fishing Wat-
ignoram os períodos de ch, 145 navios argentinos pescaram por
defeso, em que a pesca é 9.269 horas nas águas do país. Nesse
proibida para que os pei- mesmo período, 400 embarcações chi-
xes tenham tempo de se nesas passaram por lá – e realizaram
reproduzir, e caçam es- mais de 600 mil horas de atividade pes-
pécies ameaçadas de ex- queira. No Chile, dois terços das espé- relativos à sua navegação nos seis meses
tinção. No final de 2020, cies pescadas são exploradas de forma anteriores”, diz Miranda. Isso, claro, se
a ONG argentina Círculo insustentável – em grande parte devido eles não desligarem os transmissores.
de Políticas Ambientales à pesca ilegal, inclusive a chinesa, com Na Argentina, o governo tem anun-
denunciou a captura de a qual o país perde US$ 300 milhões ciado avanços nas medidas de fiscaliza-
um elefante-marinho da anuais. No Peru, a produtividade mé- ção. As perseguições de navios da guar-
Patagônia por um navio dia dos barcos pesqueiros caiu 70% em da costeira a barcos chineses ficaram
chinês (uma embarcação, cinco anos – pois os chineses captu- célebres sobretudo após 2016, quando
aliás, que já havia deixa- ram boa parte das 300 mil toneladas de o pesqueiro Lu Yan Yuan Yu 010 foi
do os cadáveres de dois lula-gigante pescadas anualmente. “Isso alvejado, após ser visto operando em
tripulantes no porto de significa cerca de US$ 500 milhões”, águas argentinas, e afundou. Todos os
Montevidéu). As imagens diz Alfonso Miranda, diretor da Ca- tripulantes foram resgatados com vida.
de um marinheiro içan- lamasur, uma associação de empresas Equador, Peru, Chile, Argentina e
do pela extremidade do de pesca locais. Colômbia anunciaram, no começo des-
dorso o animal, que ain- Sob pressão dessa entidade e de te ano, que irão trabalhar em conjunto
da era jovem, chocaram outras associações empresariais, o para tentar detectar e policiar a pesca
ambientalistas ao redor governo peruano decidiu agir. Agora, chinesa. Mas será difícil chegar a uma
do mundo. as embarcações estrangeiras que atra- solução mais firme. Isso porque, para
A frota pirata também carem em portos do país são obrigadas criar uma lei de controle da pesca que
causa danos econômicos. a instalar dispositivos de rastreamento cobrisse todo o continente, seria ne-
Veja o caso da Argenti- via satélite que possam ser monitorados cessário incluir a Inglaterra na lista de
na, por exemplo. Ela tem pelas autoridades peruanas. “Esses bar- participantes – pois ela detém o contro-
um setor pesqueiro im- cos costumam usar os portos de Callao le das Ilhas Malvinas/Falklands. Mas
portante, que responde e Chimbote para manutenção. Com a a Argentina, que reinvindica a posse
por 3,4% do PIB do país. nova regra, o país terá acesso aos dados das Malvinas (e chegou a invadi-las

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 em 1982), não quer isso. “A Argentina
não aceita a eventual participação do
Reino Unido como Estado costeiro. Ao
mesmo tempo, não propõe nenhuma
solução. Temos um vazio jurídico na
região”, afirma Schvartzman.
Não por acaso, é perto da costa ar-
gentina que a frota chinesa se concen-
tra em maior número, em uma estreita
franja marítima de 600 km de extensão
por 50 km de largura, capturando de-
senfreadamente a lula argentina – um
dos principais elos da cadeia alimen-
tar da área, predada por peixes, aves e
mamíferos marinhos.
Existe alguma pressão internacional
contra a pesca predatória. A União Eu-
ropeia só tem comprado pescados de
origem documentada, o que dificulta o
trabalho dos barcos piratas. Em maio,
os EUA proibiram a importação dos
peixes colhidos por 32 pesqueiros chi-
neses, que são acusados de usar traba-
lho escravo. No ano passado, o governo
chinês reagiu anunciando a suspensão
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temporária da pesca em
águas distantes. Isso
não teve grande resulta-
do prático (pois a inter-
rupção, de alguns meses,
coincidiu com um perío-
do em que já não se pesca
lula), mas foi visto como
a china já um sinal de que a China
prometeu pode estar começando a
ensaiar mudanças. Em
reduzir 2017, o país havia pro-
a pesca metido limitar sua frota
preda- a 3 mil barcos até 2020 –
o que não ocorreu.
tória. E o Brasil? O mer-
mas não cado brasileiro compra
uma pequena parte das
cumpriu. exportações pesqueiras
chinesas. Pode, portanto,
estar consumindo peixe
e frutos do mar captura-
dos pela frota clandestina.
Perto da nossa costa, há
um número menor de
barcos piratas, que Milko Schvartzman
estima em no máximo 100. Mas a pre-
sença deles está crescendo – sem que o
Brasil consiga reagir. “Temos observado
o aumento de barcos chineses. Cheguei
a presenciar alguns deles dentro das
águas nacionais. Já comunicamos a Ma-
rinha algumas vezes, mas em geral não
dá tempo de chegar um avião ou uma
corveta, pois eles fogem antes”, afirma
o capitão Carlos Derlando Brandão.
Ele se diz preocupado com o futuro.
“Nós passamos alguns dias no mar pes-
cando, voltamos ao porto e esperamos
mais alguns dias até uma nova viagem.
Eles pescam noite e dia, sem parar. Não
é sustentável”, afirma. “A classe média
chinesa enriqueceu e demanda mais
peixe. É preciso uma solução de Esta-
do antes que surja um conflito maior”,
diz Schvartzman. Enquanto isso não
acontece, a frota pirata deve continuar
aumentando sua presença na América
do Sul – deixando para trás um oceano
de fome, pobreza e extinção. S
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7/7/21 1:14 AM
 ciência

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 Do que é feito o

pensamento Texto Bruno Vaiano Ilustração e design Juliana Briani e Natalia Sayuri Lara

Algumas pessoas falam com si mesmas o dia todo; outras

têm mentes silenciosas. Algumas formam imagens men-
tais vívidas; em outras, o olho da mente é cego. Até que
ponto os psicólogos podem acessar – e explicar – nosso
fluxo de consciência?

C
omeçou numa noite
de domingo pandêmica.
Minha namorada lia a
Super do mês e eu ve-
getava largado no sofá.
Ela riu e comentou: “Eu
começo a ler as matérias sem ver quem
escreveu. Mas quando aparece uma pia-
da que é a sua cara, eu percebo que o
texto é seu e passo a ler com a sua voz”.
Primeiro, eu resmunguei qualquer
resposta sem realmente ouvir o que ela
disse. Depois eu arregalei os olhos e me
dei conta (como o Coyote do Papa-Lé-
guas, que só começa a cair do penhasco
quando olha para baixo e verifica que
não há mais chão).
“Como assim, ler com a minha voz?
Você tá lendo a revista em voz alta dentro
da cabeça?” Alguma engrenagem no meu comenta a surpresa
cérebro grunhiu feito um Lada soviético. dos que entravam nos
“E existe algum outro jeito de ler?” aposentos de Ambró-
Ela pareceu preocupada e tentou expli- sio, bispo de Milão, e
car: “Então, é que tenho uma voz neutra, o encontravam lendo
que uso para ler quase tudo, mas se eu em silêncio. Plutarco,
conheço o autor do texto pessoalmente, por sua vez, descreve
acabo lendo na voz dele”. o choque dos subor-
Fiquei atônito. Eu não tenho voz ne- dinados de Alexandre,
nhuma na cabeça – nem neutra, nem o Grande, conforme
dos outros. Sempre li em silêncio inte- ele corria os olhos por
rior. As letras no papel são símbolos e uma carta de sua mãe
eu capto o significado desses símbolos sem mexer a boca. Da
no ato, sem o estágio intermediário de invenção da escrita até
traduzi-los em sons. As descrições do os séculos 18 ou 19, a
narrador de um livro formam uma se- alfabetização era rari-
quência de imagens no meu fluxo de dade e o padrão na Eu-
consciência, como um filme. ropa era ler realmente
Em suas Confissões, Santo Agostinho em voz alta: movendo →

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 os lábios e a língua para produzir um “amostragem de descri-
monólogo audível. O silêncio só se ções das experiências’’.
tornou padrão mais tarde, conforme Funciona assim: os vo-
aumentou a quantidade de conteúdo luntários de Hurlburt vi-
impresso disponível (livros, jornais, vem a vida normalmente
panfletos etc.) e o número de pessoas carregando no bolso um
experientes na tarefa de consumi-lo. (1) aparelhinho que apita
A maneira como lemos, na verdade, é de vez em quando. Os
só a ponta de um iceberg maior: a ma- apitos são espaçados em
neira como pensamos. No filme Do Que no mínimo algumas ho-
as Mulheres Gostam (2000), Mel Gibson ras, para que dê tempo
é um publicitário machista chamado do sujeito se esquecer
Nick. Um dia, ele cai na banheira com da engenhoca. Ao ouvir
o secador de cabelo na mão e é eletro- um “beep!”, a cobaia preci-
cutado. O choque, em vez de matá-lo, sa interromper o que está
lhe dá a habilidade mágica de ouvir os fazendo e anotar, com o
pensamentos das mulheres – repre- maior esmero possível,
sentados pelo que elas dizem para si o que se passava em sua
mesmas em suas cabeças. cabeça naquela fração de
Eu sempre dei por certo que essa voz segundo. Havia palavras?
da consciência – onipresente na ficção, Imagens? Um sentimento
do cinema cult aos balões em forma de puro, talvez? Sentidos, co-
nuvem nas HQs – era só metafórica. Isso mo cheiro ou tato? Ou um
porque não sou um cara silencioso por pensamento de manifes-
dentro só na hora da leitura. Não tenho tação indefinida, que não
um monólogo interior constante, nem está atrelado a imagens,
diálogos. Meus pensamentos são predo- palavras ou qualquer sím-
minantemente imagéticos ou abstratos. bolo? (Essas são as cinco
Foi estranho perceber que algumas categorias básicas.)
pessoas realmente pensam falando, e até
conversam consigo mesmas. Em 2014, a
psicóloga polonesa Małgorzata Puchalska-
-Wasyl entrevistou 94 voluntários para
17% das
gerar uma tipologia de interlocutores
interiores – partes da nossa mente com
pessoas pensam
que discutimos em silêncio para tomar
decisões. Identificou quatro tipos bási-
predominantemente
cos: o amigo confiante, a mãe ambivalen-
te, o rival orgulhoso e a criança indefesa.
com palavras.
Cada um argumenta de um jeito peculiar
– estimulando, questionando intenções,
provocando ou gerando piedade. (2)

A voz
Usar frases dentro da própria cabeça
para guiar nossas ações (“Vou fechar a
janela, olha a chuva, que cheiro é esse,
tinha algo no forno...”) não é algo tão
comum quanto as cabeças mais falan-
tes imaginam. 90% das pessoas relatam
ter pensamentos verbais em algum mo-
mento, mas em só 17% essa é a forma
de pensar dominante.
O psicólogo americano Russ Hur-
lburt, da Universidade de Nevada,
gerou esses dados após décadas em-
pregando e aperfeiçoando um méto-
do para acessar o pensamento alheio
chamado DES – sigla em inglês para

48 super Julho 2021

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 papo-cabeça
vida real: ao ouvir um
Veja quais áreas do cérebro “beep!”, anote o que es-
entram em cena quando tá pensando. Mas, des-
falamos com nós mesmos. ta vez, com o cérebro
sob vigilância. Calhou
que as imagens obtidas
Grau de atividade -1 -0.5 0 0.5 1 1.5 O gráfico mostra o que no instante dos apitos
ocorre no cérebro em duas batem com as anotações.
situações: quando alguém Por exemplo: se um
Ordenado manda você dizer algo pa- voluntário relata estar
ra você mesmo (“ordenado”) dizendo para si mes-
Espontâneo e quando você fala com si mo “odeio ficar enfiado
Audição e interpretação mesmo naturalmente (“es- nessa máquina baru-
da fala (giro de Heschl).
pontâneo”). A voz da cons- lhenta”, de fato a máqui-
ciência espontânea ativa na registra atividade em
muito uma região do cére- áreas do encéfalo asso-
bro associada à audição – ciadas à linguagem. (3)
Ordenado
mas não mexe muito com a O uso de ressonâncias
área responsável pela fala. saiu melhor que o com-
Espontâneo
Produção da fala Entenda o porquê no texto. binado, porque permitiu
(área de Broca).
identificar uma falha em
estudos anteriores sobre
Fonte: “Exploring the Ecological Validity of Thinking on Demand: Neural Correlates of Elicited
vs. Spontaneously Occurring Inner Speech”, de Russell T. Hurlburt et al., no PLOS One. o mesmo tema. Antiga-
mente, os psicólogos que
pesquisavam o fluxo de
consciência pediam aos
voluntários que produzis-
maneira como os voluntá- sem o monólogo interior
rios acham que pensam? de propósito, na hora em
É possível fazer uma veri- que mandassem. Hurl-
ficação independente, ob- burt, Fernyhough e seus
Em média, 23% dos momentos anota- servando os pensamentos colegas foram os primei-
dos pelos voluntários de Hurlburt contêm de fora da cabeça? ros a analisar frases pro-
uma voz interior. Em algumas pessoas, Até certo ponto, sim: duzidas espontaneamente.
94%; em outras, praticamente zero. é possível. Os experi- Quando realizamos
Uma observação precisa da própria mentos de Hurlburt são o discurso interior por
vida interior exige treino. São necessá- relatados por Charles ordem de alguém, ob-
rias semanas de “beeps!” para praticar. Fernyhough no livro The serva-se um rebuliço em
O psicólogo William James, ao tentar Voices Within (“as vozes uma região do cérebro
algo parecido no século 19, explicou que dentro de nós”, em tra- chamada área de Broca,
analisar sua consciência era como “abrir dução livre, a obra não considerada o centro da
o gás do lampião rápido o suficiente tem versão em portu- produção de linguagem
para ver qual é a aparência do escuro”. guês). Fernyhough é um – e uma atividade muito
Uma voluntária de Hurlburt comparou psicólogo da Universida- menor no giro de Hes-
a experiência a anotar um sonho assim de de Durham e um dos chl, associado à audição.
que você acorda, para ele não escapar. maiores especialistas no Já o fluxo de consciência
Da mesma forma que um biólogo que ele denomina inner espontâneo faz o oposto:
interfere na dinâmica da floresta ao speech, “discurso interior”. aciona mais o giro de Hes-
adentrá-la, é fácil contaminar a obser- No Instituto Max Plan- chl que a área de Broca
vação de seus pensamentos com suas ck, em Berlim, Hurlburt, [veja o gráfico acima].
expectativas sobre eles. Se eu mando Fernyhough e outros co- Essa observação
você não pensar em um elefante, imedia- legas puseram voluntá- é importante porque
tamente uma coisa cinza e orelhuda vem rios com o aparelhinho mostra que um pen-
à sua mente. Quando eu leio pensando apitante em máquinas samento comum pode
no fato de que leio em silêncio, os sons de ressonância magnéti- ser fisiologicamente
das palavras começam a brotar na minha ca, que mostram o grau diferente de um pensa-
cabeça, como uma provocação. Assim, de ativação eletroquímica mento on demand – o que
como saber se os relatos obtidos pelo em cada região do cérebro. muda tudo na hora de
método DES não acabam enviesados pela Mesmo esquema da planejar experimentos. →
Fontes: (1) livro A História da Leitura, de Alberto Manguel; (2) artigo “Self-Talk: Conversation With Oneself? On the Types of Internal Interlo-
cutors”, de M. Puchalska-Wasyl no Journal of Psychology; (3) informações sobre Hurlburt e Fernyhough vieram do livro The Voices Within e da
palestra “The Science of the Voices in your Head” disponível no YouTube, ambos de Fernyhough, além de emails trocados com o autor; julho 2021 super 49

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 Os pesquisadores ain-
da não sabem explicar a
razão da diferença. Como
a área de Broca também
é ativada durante tarefas
complexas, uma hipótese
é que ela tenha trabalhado
mais no esforço de obe-
decer à ordem que na
produção da fala em si.
Quanto ao giro de Hes-
chl, é provável que ele seja
mais importante do que
se pensa na representa-
ção mental da voz (algo
que já se suspeitava de
experimentos com lei-
tura labial em que ele é
ativado). Por fim, é espe-
rado que o giro de Heschl
saia de cena quando fala-
mos: o cérebro não é bom
em dizer e ouvir coisas
ao mesmo tempo.
As imagens
No espectro de pensa-
mentos possíveis, há um
grupo em cuja pele não
consigo me imaginar: os
afantásicos. São pessoas
com o olho da mente ce-
go; incapazes de conjurar
imagens dentro da pró-
pria cabeça. Essa história
começa em 2010, quando
Carl Zimmer, um jornalis-
ta de ciência que escreve
no New York Times, trope-
çou no estudo de caso de
um paciente conhecido
pelas iniciais M.X.
Em 2005, após uma
cirurgia no coração, M.X.
despertou da anestesia
incapaz de simular o
sentido da visão dentro
de sua cabeça. Peça que
ela descreva uma maçã e
ele dirá: vermelha, casca
reluzente, cabinho verde.
Mas isso só é possível
porque M.X. sabe que
a maçã tem essas carac-
terísticas – ele não vê a
fruta na mente, por mais
que se esforce. Zimmer
publicou um textinho so-
bre M.X. no site Discovery
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destemidos
Pessoas incapazes de gerar imagens
mentais (os afantásicos) reagem com menos
intensidade a descrições que geram pavor.
grupo de controle A pele humana conduz me-
em relação ao estado de repouso.
lhor eletricidade quando
Atividade eletrodérmica
0,8 recebemos um estímulo
afantásicos
psicológico. No gráfico ao
lado, pessoas afantásicas
e um grupo de controle le-
ram a descrição de uma si-
0,4
tuação que dá medo (como
um ataque de tubarão) ao
longo de 100 segundos. A
pele dos afantásicos gerou
0,0 menos corrente durante
0 20 40 60 80 100 o processo – porque eles
não conseguem “ver” a
Duração da descrição aterrorizante, em segundos. cena em suas mentes.
Fonte: “The critical role of mental imagery in human emotion: insights from
Aphantasia”, de M. Wicken et al., no Proceedings of the Royal Society B.
e recebeu mensagens de
leitores que se identifi-
caram. Repassou todas
ao neurologista Adam
Zeeman, que conduziu
um estudo inicial com 21
deles. Hoje, já são mais de
12 mil voluntários. entrevistado pensar sobre a nitidez
“Um dos voluntários de suas imagens mentais. Feche os
descreveu a condição olhos e visualize um pôr do sol, um
como tatear o formato cavalo ou um hambúrguer. Você vê
de uma maçã no escu- só uma silhueta? Vê um borrão? Ou
ro”, escreveu Zimmer surge uma foto clara? As cores são
no Times. “Outro disse vivas ou opacas? De 150 mil pessoas
que ‘pensava como um que já completaram o teste, 20 mil
rádio’.” Também há pes- estão na ponta apagada do espectro,
soas que são o completo mesmo que não tenham a imaginação
oposto: os hiperfantásicos, completamente cega.
cujos filminhos mentais Da mesma forma que Fernyhough
lembram alucinações de usa ressonâncias para estudar o dis-
tão vívidos. Estima-se curso interior, Zeeman desenvolveu
que 2,6% da população alguns jeitos de confirmar os relatos
seja hiperfantásica e 0,7%, dos afantásicos. Por exemplo: nossas
afantásica (algumas esti- pupilas se contraem automaticamen-
mativas falam em 3%). (4) te quando se deparam com um objeto
Um dos 21 voluntários brilhante. Se uma pessoa com imagens
originais montou um si- mentais vívidas imagina, por exem-
te (aphantasia.com), que plo, um triângulo branco, é possível
serve de hub para quem observar uma mudança em seus olhos
suspeita ser afantásico. – como se houvesse de fato uma forma
Lá, há um quiz que você reluzente na sua frente. Isso não ocorre
pode fazer caso entenda nas mentes “cegas”. No gráfico ao lado,
um pouquinho de inglês. explicamos outro tipo de teste com o
As perguntas fazem o mesmo objetivo.
7/6/21 2:32 PM
 A consciência Também há evidências de que o mo-
Não dá para escrever um nólogo interior corre em um ritmo
texto sobre a voz da cons- de milhares de palavras por minuto,
ciência (ou a ausência de- contra as cerca de 130 da fala comum.
la) sem citar o psicólogo O fluxo de consciência é um áudio
soviético Lev Vygotsky, de WhatsApp acelerado no talo – um
pioneiro dessa área. Para Eminen sem rima.
ele, os bebês começam a Existe uma hipótese chamada global
usar a linguagem ape- workspace (“espaço de trabalho global”)
nas socialmente. Depois, que explica a consciência humana como
percebem que são capa- a tela de um computador. Pense assim:
zes de conversar consigo uma CPU de computador roda muita
mesmos, sem um inter- coisa em paralelo, a maioria em segundo
locutor. E aí fazem isso plano. O monitor só exibe um ou dois
o tempo todo. Por fim, dos vários programas abertos, e alguns
há um terceiro estágio, softwares trabalham só nos bastidores,
no qual o bebê nota ser invisíveis para nós.
capaz de falar as palavras Nosso cérebro é parecido. Você res-
dentro da própria cabeça, pira, bate o coração, libera hormônios,
sem enunciá-las. E assim caminha sem tropeçar e não nota nada
nasce o discurso interior. disso. É que nosso fluxo de consciên-
Fernyhough propõe cia é serial, e não paralelo. Prestamos
um quarto estágio: o mo- atenção em uma coisa de cada vez,
mento em que o discurso, mesmo que várias aconteçam simul-
de tão internalizado, se taneamente. Fernyhough acredita que
torna taquigráfico, con- nossa vozinha interior seja uma parte
densado: falamos apenas importante desse holofote interno, que
as palavras-chave em ilumina um foco de atenção. Ela teria
vez de frases inteiras. evoluído porque é uma maneira eficaz
de organizar pensamentos complexos
e guiar nossas ações. Um fio que une
a mente dispersa.
Os afantásicos É óbvio que a linguagem é uma fer-
ramenta para pensar, mas também é
são pessoas sem óbvio que não é a única. Estudos como
os que narramos ao longo desta maté-
imagens mentais. ria mostram que pensamos de muitas
formas. Testes de QI são repletos de
tarefas que envolvem, por exemplo, a
rotação de formas geométricas no nosso
teatro mental. E todo mundo conhece a
sensação de ter uma palavra na ponta da
língua. Exemplo claro da capacidade de
pensar sobre um conceito na ausência
do som que se refere a ele. (5)
Nossa mente não é feita só de coisas
que podemos ver ou nomear. O esforço
de explicar o que se passa na nossa
cabeça – e não conseguir – é um velho
conhecido da civilização. Se livros,
músicas e quadros são escritos, com-
postas e pintados, é porque cada um de
nós sabe que não existe uma sequência
de palavras, sons ou imagens capaz de
descrever exatamente o que sentimos.
O mistério do que acontece dentro das
nossas mentes é desconfortável – mas
também a força por trás das coisas
mais bonitas que fazemos. S
Fontes: (4) “Many People Have a Vivid ‘Mind’s Eye,’ While Others Have None at All”, de Carl Zimmer no
New York Times, Aphantasia.com; (5) livros The Language Instinct e The Stuff of Thought, de Steven Pinker.
julho 2021 super 51

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 história

Uísque
capitalismo on the rocks
Texto Marcos Nogueira Ilustração Ju Sting Design Juliana Krauss Edição Alexandre Versignassi

Ele nasceu de uma sacada: misturar destilados raros com

líquidos produzidos em larga escala. Entenda como esse blend
tornou o uísque uma bebida de massa, mas vendida como
sinônimo de exclusividade.

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 julho 2021 super 53

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 O uísque preferido
diz muito sobre o caráter
e a personalidade de uma
pessoa. Quer ver só?
Se você gosta da marca
1, nada o detém na traje-
tória sempre avante. Vo-
cê ignora as convenções
sociais para progredir
na vida, na carreira – e
para caminhar do rótulo
vermelho, acessível, até o
rótulo azul, para poucos.
Luxo e bom gosto
são nome e sobrenome
do bebedor da marca 2.
Alguém que conquistou
seu espaço no mundo e,
por isso, pode desprezar
as convenções sociais – se
quiser, pode até estourar o
limite do cartão para com-
prar algumas garrafas.
Já a marca 3 foi cria-
da para quem realmente
entende de uísque. Pes-
soas de paladar apurado,
imunes ao discurso vazio
do marketing e livres das
amarras das convenções
sociais. Gente que sabe
aproveitar a liberdade
de escolha, ao escolher
sempre a marca 3.
Lapidar marcas é o se-
gundo maior negócio das
empresas que vendem
uísque escocês – o scotch
whisky, bebida alcoólica de
enorme prestígio. O pri-
meiro ainda é o produto:
bebida destilada e envelhe-
cida em barris na Escócia
rural, gelada, remota e um
54 super julho 2021
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bocado rústica.
O uísque sai das lon-
juras do Mar do Norte
para cair numa rede de
distribuição global com-
plexa e precisa, operada
p or c ong l omer a do s
transnacionais. Quando
chega à duty-free, não é
mais aguardente: é estilo
de vida, sedução, objeto
de desejo.
A história do uísque
reproduz a própria evo-
lução da economia global.
Água da vida
Se cerveja, vinho e civili-
zação nasceram todos ao
mesmo tempo, as bebidas
destiladas só surgiram
na Idade Média. Curio-
samente, tiveram papel
fundamental nessa histó-
ria os árabes invasores da
Península Ibérica – mu-
çulmanos, logo abstêmios.
Os mouros, contudo,
eram entusiastas da alqui-
mia. Os alquimistas bus-
cavam a pedra filosofal e
o elixir da imortalidade,
mas também executavam
obras menos ambiciosas
– entre elas, a destilação
de álcool para perfumes e
poções medicinais.
Os discípulos cristãos,
sem não-me-toques com
a embriaguez alcoólica,
adoraram a nova tecno-
logia. O “remédio” re-
sultante da destilação de
líquidos fermentados era
7/6/21 6:34 PM
 singelamente chamado
de “água”.
Vodka é diminutivo de
voda, “água” em russo e
em outros idiomas esla-
vos. O latim acqua vitae,
“água da vida”, se trans-
mutou no francês eau-
de-vie, no sueco akvavit
e no gaélico uisge beatha.
Gaélico é a língua origi-
nal da Escócia e da Irlan-
da: numa nação, a palavra
evoluiu para whisky; na
outra, para whiskey.
I rl a nd a e E sc óc i a
já possuíam tradições
próprias de fabricação
de uísque por volta do
século 16. “O uísque de
fama internacional era o
irlandês”, conta Mauricio
Porto, estudioso da bebi-
da e autor do blog O Cão
Engarrafado – referência
à famosa frase em que Vi-
nicius de Moraes atribuiu
ao uísque o título de me-
lhor amigo do homem.
Na Irlanda, a destilação
ocorria nos mosteiros,
com método e algum pa-
drão. Os monges seriam
desalojados a partir de
1534, quando o rei Hen-
rique 8º (então, a Irlanda
estava sob o jugo inglês)
rompeu com Roma para
fundar a Igreja Anglicana.
“Na Escócia, o uísque
era grosseiro, oleoso,
difícil de beber”, conta
Mauricio. Até o início
do século 19, a bebida
SI_429_Uisque.indd 55
da elite de Glasgow era
o rum – a cidade escocesa
tinha enriquecido com o
comércio dos artigos vin-
dos do Caribe britânico.
Essa história come-
çaria a mudar na década
de 1830, com o advento
da destilação fracionada.
Em comparação com o
alambique tradicional, a
coluna de destilação era
mais rápida, mais eficien-
te e mais segura – o álcool
resultante tinha um grau
de pureza inédito.
Essa tecnologia impul-
sionou a fabricação do
grain whisky – uísque
de cereais não maltados,
como trigo ou centeio, no
sul da Escócia – onde fi-
cam Glasgow e Edimbur-
go, as maiores cidades do
país. Então entraram em
cena os grandes respon-
sáveis por promover o
uísque escocês ao status
de bebida fina, interna-
cional: os blenders (“mis-
turadores”). Vamos a eles.
Mistura fina
O blended whisky é a ca-
tegoria mais popular do
planeta. Ele nasceu no
século 19 da mistura do
grain whisky com o des-
tilado de malte do norte
escocês. A proporção do
blend é segredo industrial
de cada marca, mas costu-
ma ficar próxima de 60%
cereais para 40% malte.
O malte é a mesma
matéria-prima da cer-
veja: a cevada maltada.
Maltar significa induzir
a germinação do grão até
que o amido se quebre
em açúcares, alimento do
broto que está para nascer.
Quando a plantinha co-
meça a brotar, o processo
é interrompido pela seca-
gem do malte, cheio de
açúcar para fazer álcool.
Na Escócia, tradicio-
nalmente, o malte era
O blended seco com o calor gerado
pela queima da turfa. Tra-
ta-se de matéria orgânica
whisky, cate- decomposta, comum no
solo escocês, que a pas-
sagem de alguns milhões
goria mais po- de anos transformaria em
carvão mineral úmido. Os
escoceses aceleram o pro-
pular, consiste cesso ao desidratar a turfa,
assim convertida em com-
na mistura do
bustível para fornalhas.
Além de calor, a quei-
ma da turfa gera muita
destilado de
fumaça. A fumaça é ab-
sorvida pelo malte, que
transmite a característica
malte do norte defumada para o uísque.
O método ainda é muito
difundido nas destilarias
escocês com de Islay – ilha a oeste da
costa da Escócia, uma das
cinco regiões demarcadas
o uísque de de produção –, que engar-
rafam algo semelhante a
bacon líquido com 40%
cereais do sul. de álcool. No resto do
país, a turfa aparece com
discrição; para equilibrar →
julho 2021 super 55
7/6/21 6:34 PM

o aroma, usa-se malte
seco por calor indireto,
sem fumaça.
O malte é hidratado,
aquecido e posto para fer-
mentar, fazendo um caldo
análogo à cerveja. “Mas
sem o mesmo cuidado,
já que defeitos sensoriais
podem ser corrigidos na
destilação”, diz Mauricio
Porto. “A meta é obter o
maior teor alcoólico possí-
vel ainda na fermentação.”
O mosto fermentado
vai para o alambique, uma
estrutura de cobre em for-
ma de pimenta-biquinho,
abaulada, em que os vapo-
res alcoólicos sobem e se
condensam, são resfriados
numa serpentina espiral e
pingam, como gotas lím-
pidas e incolores, no final
do tubo. O que sai é um
líquido rascante, agressi-
vo, nada palatável.
Aí entra o barril de
carvalho. A madeira vai
amaciando e conferindo
aromas à bebida. Por tra-
dição e por lei, todo uís-
que repousa pelo menos
três anos em barrica; pelas
mesmas razões, a barrica
deve ter sido usada antes
para acondicionar outras
bebidas. Na indústria
do scotch, os principais
fornecedores de barris
recauchutados são os
produtores de xerez (vi-
nho fortificado espanhol)
e de uísque americano (já
que os EUA não têm nada
contra barris novos).
56 super julho 2021
SI_429_Uisque.indd 56
A produção do uísque
de cereais segue as mes-
mas etapas, com exceção
da maltagem: fermenta-
ção, destilação, maturação
em barril. Só que tudo em
volume maior.
A indústria do uísque
de cereais, lá no sul da Es-
cócia, faz jorrar líquido
de qualidade uniforme
e caráter discreto. Nas
destilarias de malte, no
Norte, burila um uís-
que com propriedades
singulares (e por vezes
inconstantes). Quando
os dois se misturam, a
mágica acontece: sai uma
bebida padronizada, mas
com um grau razoável de
personalidade própria.
A era das marcas
Chá é um negócio sério na
Grã-Bretanha. Os escoce-
ses adquiriram o hábito de
bebê-lo com os ingleses,
que traziam o chá das co-
lônias na Índia, no Cei-
lão (atual Sri Lanka) e na
China. Os chás chegavam
aos britânicos em múlti-
plas variedades, cada qual
com suas características
de sabor, aroma e cor. A
qualidade também flutu-
ava imensamente: a longa
viagem e a eventual adul-
teração comprometiam
muitos lotes.
Cada venda, cada em-
pório, cada mercearia de
esquina da Grã-Bretanha
vendia um sortimen-
to de chás asiáticos. O
Nem sempre o
envelhecimento taberneiro não poderia
vender um chá hoje e,
amanhã, um chá pior
joga a favor do com o mesmo nome e
o mesmo preço do pri-
meiro. Para não perder
uísque. Certos clientela, os comercian-
tes aprenderam a mis-
turar variedades de chá
tipos perdem para criar produtos com a
marca da casa e qualidade
sabor com
padronizada.
O blending – ou, em
francês, assemblage – é
o tempo.
uma prática comum pa-
ra uniformizar diversos
alimentos e bebidas, da
farinha de trigo ao café.
A palavra em português,
“corte”, é geralmente as-
sociada aos vinhos. O
uísque blended adaptou
a expertise do chá em
meados do século 19.
“Impossível pensar
que a mistura de uísque
de malte e de cereais não
tenha sido influencia-
da pelas habilidades do
blender de chá”, afirma
Nicholas Morgan no livro
A Long Stride (“A Passos
Largos”, em tradução li-
vre), história do uísque
Johnnie Walker escrita
sob encomenda para a
marca, que se originou
em uma mercearia da
cidade de Kilmarnock.
“Eram abordagens aná-
logas da mistura do leve
com o pesado, do caro
com o menos caro, do
bom com o menos bom.”
Os comerciantes
aprenderam a suavizar,
7/6/21 6:34 PM
 A proporção
com o uísque de grãos,
o caráter agressivo de al-
guns maltes. Deram um
típica de uísque na base do storytelling – a
narrativa corporativa que
floreia e rearranja fatos
catálogos nessas catego-
rias – conforme vão apa-
recendo mais rótulos, não
toque defumado, frutado
ou levemente picante à
mistura. Criaram fórmu-
de malte em um para criar uma imagem
atraente. “O Chivas Regal
nasceu mirando os mi-
é raro um rótulo subir
ou descer nessa escala,
com um rótulo “de rico”
las para agradar a esse ou
àquele cliente, criando a blended é de lionários americanos, e o
Cutty Sark é um uísque
decaindo para a classe
inferior, sem que haja

40%.
sensação de tratamento popular na origem, feito mudança na fórmula do
individualizado. para ser barato e gostoso.” líquido dentro da garrafa.
Freguês satisfeito, ne- Também surgiu es- A indústria do uísque
gócio próspero. “Alguns paço no mercado global tenta hoje sair de uma
desses empreendedores – para o single malt – pro- armadilha criada por
como John Walker, John duto elaborado apenas seus próprios gênios do
Dewar, James Chivas, com uísque de malte, e marketing: a noção de que
William Teacher e Geor- de uma única destila- quanto mais velho, me-
ge Ballantine – vendiam ria –, com preço inicial lhor. Etiquetas de 18 anos,
no mercado regional superior ao do blended, 25 anos, 32 anos atingem
antes de se aventurar mas sem ser uma bebida valores desproporcionais
na exportação, primeiro necessariamente melhor. à qualidade. “Nos uísques
para a Inglaterra, então As propriedades men- turfados, por exemplo, o
progressivamente para suráveis de cada uísque, defumado se perde com
os Estados Unidos e, en- na verdade, são só um dos o envelhecimento”, diz
fim, para o mundo todo”, fatores do posicionamen- Mauricio Porto.
escreve George N. Bath- to da marca. Ele envolve É que o volume de
gate no compêndio téc- design de garrafas e rótu- vendas fez rarear os bar-
nico Whisky: Technology, los, escolha de pontos de ris realmente antigos nas
Production and Marketing. venda, campanhas publi- destilarias da Escócia. A
Na virada do século 20, citárias e até a posição na estratégia alternativa in-
a máquina a vapor havia gôndola do supermercado. veste em frentes múltiplas:
encurtado distâncias – “No final, o que va- acabamento em barris es-
com as malhas ferroviárias le é a história que você peciais, garrafas safradas,
e a navegação – e massi- quer contar”, diz Flavio lotes limitados, blends
ficado a produção indus- Sampaio, especialista em com reservas únicas, en-
trial de bens de consumo. reputação de marcas com genharia de sabor para
Tornara-se relativamente experiência na indústria atender à coquetelaria.
simples coletar maltes no de destilados. Nesse se- O consumidor está
remoto norte da Escócia, tor, os produtos são divi- zonzo com tanta opção.
engarrafar oceanos de uís- didos em três categorias, “Quando você tem 200
que e enviá-los de navio em ordem crescente de marcas, já não dá para es-
para qualquer lugar. luxo: standard, premium colher pelo sabor”, admite
Em questão de déca- e superpremium. Mauricio. Se até especia-
das, as marcas de uísque As empresas buscam lista se confunde, melhor
somavam dezenas. Cada atender aos duros, aos relaxar e optar pela fábula
uma delas, então, buscou remediados e aos podres que lhe convém. Com gelo
construir o próprio nicho de ricos, encaixando seus ou sem. S

julho 2021 super 57

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 oráculo ilustrações nicole janér design juliana briani
6
horas. Foi a duração do
arco-íris mais longo já
registrado, em Sheffield, na
Inglaterra, 14 de março de
1994. Ele apareceu por volta
das 9h e se dissipou às 15h.

Por que o
Um arco-íris aparece quando estamos de costas para
o Sol. A luz passa por cima da cabeça do observador,
atinge gotículas de água na atmosfera e é refletida
para baixo na direção dos olhos. O que isso tem a ver

arco-íris
com a forma de arco? Bom, primeiro que o arco-íris
é redondo. O horizonte corta o círculo. Segundo: as
gotículas decompõem a luz em várias cores ao refleti-la.
Do vermelho ao violeta, humanos enxergam. As outras
cores, como infravermelho e ultravioleta, são invisíveis

tem forma
para nós (se fossem visíveis, o arco-íris ocuparia uma
fatia enorme do céu). Por fim: só as gotículas que estão
em certas posições no céu refletem as cores visíveis
justamente na direção dos seus olhos. E essas certas

de arco?
posições se distribuem ao longo de uma circunferên-
cia, gerando a forma de arco. Isso ocorre em virtude
de um fenômeno geométrico difícil de descrever –
que você pode entender em um infográfico no site
Lucas Monteiro Ramos, Guarujá, SP da Super, acessando o QR code ao lado. Corre lá! (1)

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 E d i ç ã o B r u n o V A I A NO

O escuro tem uma

velocidade, como a luz?
@izabela_cristine_, via Instagram

O escuro não é uma coisa. Ele é só a ausência de luz. Portanto, na letra

fria das leis da física, não pode ter uma velocidade. A luz é composta por
partículas chamadas fótons. E o preto é o jeito que o seu cérebro deu de
avisar que um objeto não está emitindo nem refletindo fótons. A velocidade
da luz, diga-se, é uma coisa traiçoeira. Se dois ciclistas pedalam à mesma
velocidade, as duas bicicletas ficam paradas uma em relação à outra e eles
podem até conversar. Com a luz, não tem conversa: a velocidade dos fótons
é sempre 300 mil km/s, não importa o quão rápido você esteja em relação
a eles. É impossível emparelhar com a luz. Essa invariância, descoberta por
Albert Einstein, é contraintuitiva, mas é fundamental para as equações da
Relatividade. A luz, no vácuo, é o limite de velocidade do Universo. (2)

Por que a água do mar Como as cafeteiras de cápsulas

pá pum forma espuma? esquentam a água tão rápido?
@ma.lancerotti, via Instagram Marco Antonio Vaiano, São Paulo, SP

A espuma não é gerada pela água Um cafezinho leva pouquíssima água – cer-
em si, mas por surfactantes diluídos ca de 40 ml na versão mais curta e 110 ml no
Qual é o artigo científico
nela. Surfactantes são substâncias lungo, mais diluído. As cafeteiras de cápsulas
mais consultado da
história? cujas moléculas têm duas extre- fazem uma dose de cada vez, então lidam
midades – uma que curte água com bem menos líquido que uma cafeteira
“Medição de proteínas com (hidrofílica), outra que repele água doméstica comum, com seu enorme reser-
o reagente de Folin”, no (hidrofóbica).Uma bolha é ar cer- vatório. A quantidade modesta de líquido é
Journal of Biological Che-
mistry: 305 mil citações. (3). cado por uma casca de moléculas parte do truque, mas não acaba aí. No interior
surfactantes. A ponta seca fica da Nespresso há um componente batizado de
virada para dentro, a ponta oposta, termobloco. Trata-se de uma peça de cobre
número incrível para fora. Um conjunto de bolhas é dentro da qual corre um caninho estreito, em
espuma. Os surfactantes presentes forma de espiral. O cobre esquenta rápido e

50
no mar são tanto de origem orgâ-
nica quanto resultado da poluição.
Todo detergente, por exemplo, é
surfactante: uma ponta da molécu-
cm. Era a espessura da la dá a mão para a gordura, a outra
espuma formada por ponta segura na água. É assim que
poluentes surfactantes no conseguimos lavar pratos engordu-
Rio Tietê (SP) em 1995. (4)
rados – mesmo que a gordura em si
não seja solúvel em água. (6)
OUTRO DADO
RELEVANTE SEM
NENHUMA LIGAÇÃO
Se a Terra gira tão
transfere calor com muita eficácia para a
água que corre no cano. O número de voltas
da espiral aumenta a área de contato com o
metal, acelerando ainda mais o aquecimento.
O termobloco opera entre 105 °C e 106 °C – e
se desliga automaticamente, por segurança,
caso supere 167 °C. Para completar, a pressão
no interior da cafeteira é 19 vezes superior à
da atmosfera terrestre. (7)
Se um carro passa ao seu lado a 120 km/h, você só vê um borrão. Por

51,7%
rápido, porque as outro lado, é possível acompanhar um avião no céu com nitidez, mesmo
estrelas não passam a 900 km/h. É que o avião está mais distante. A mesma lógica se aplica
feito borrões no céu? às estrelas. A Terra gira mais rápido que o avião – 1.675 km/h no equador
Ricardo Rover Machado, –, mas uma constelação ainda leva a noite toda para percorrer o céu e
dos matriculados Canoas, RS sumir no horizonte. Lento demais para ultrapassar a resolução tempo-
na Universidade de São ral do olho humano. Se você mantiver uma câmera fotográfica com o
Paulo (USP) em 2021 obturador aberto recebendo luz por vários segundos, as estrelas terão
são de escola pública. (5) tempo de andar um pouquinho – e se tornarão rastros borrados. (8) .
Reportagem: Carolina Fioratti, Luisa Costa; Maria Clara Rossini, Rafael Battaglia. Fontes: (1) NOAA; (2) James O’Donoghue, cientista planetário, Jaxa; (3) “The top
100 papers” na Nature; (4) Cetesb, medição realizada após passagem do rio pela Região Metropolitana de São Paulo; (5) USP; (6) Camila Negrão Signori, Instituto
Oceanográfico (IO) da USP; (7) Luiz Lino, gerente da área técnica e de qualidade da Nespresso e João de Sá Brasil Lima, engenheiro mecânico, Instituto Mauá de
Tecnologia; (8) texto “Why are stars not blurred even though the earth is moving?”, no site Science Questions with Surprising Answers do físico Christopher Blair. julho 2021 super 59

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 oráculo

Como descobrimos a composição do

interior da Terra? E dos outros planetas?
Tiago Cruz Viana de Oliveira, Fortaleza, CE

A energia de um terremoto se propaga em pulsos que percorrem a Terra

por dentro, as ondas sísmicas – que, do ponto de vista físico, parecem ondas
sonoras. Do mesmo jeito que você ouve sons de maneira distorcida quando
está mergulhado na água, as ondas sísmicas têm suas características altera-
das conforme percorrem o recheio do nosso planeta e atravessam rochas sob
diferentes pressões e temperaturas. Interpretando essas alterações, é possível
inferir a composição química e as condições físicas em cada camada do bolo
de pedra que é a Terra. Os dados sísmicos são combinados com outras fontes,
como a análise de rochas de origem vulcânica, do campo magnético (gerado
pela corrente elétrica no ferro líquido do núcleo externo) e até da órbita da
Terra – influenciada pela distribuição de massa em seu interior. Sobre outros
planetas: sondas já colheram dados sísmicos em Marte e Vênus, e há outros
métodos para investigar os gigantes gasosos. Somando essas observações ao que
sabemos sobre as órbitas, a formação do Sistema Solar e a composição química
de meteoritos, torna-se possível fazer aproximações razoáveis do recheio dos
outros planetas. Mesmo assim, ainda há muito trabalho a ser feito nessa área. .(1)

Existem mesmo buracos em que E se todas as pesso-

vivem ratos, como o do Jerry? as do Brasil sacas- lista
Aline Canella, Caxias do Sul, RS sem todo o dinheiro Qual comida mais
que têm nos bancos aumentou na
Mais ou menos. Ratos entram em residências por meio de uma vez só? pandemia?
de vãos e rachaduras – o bicho não esculpe uma porta @rodrigo_ols, via
arredondada como nos desenhos. O buraco não precisa Instagram
ser grande (eles passam por orifícios do tamanho de uma
moeda) nem muito próximo do chão (os fãs de queijo são um banco não é bem um Apesar da fama, as carnes
ótimos escaladores). A diferença para o desenho é que lugar em que você guarda não são campeãs de alta.
raramente a pestinha orelhuda vive logo atrás da parede dinheiro. É um lugar que Veja as maiores subidas entre
março de 2020 e março de
por onde circula. Geralmente, a fissura é só uma passagem empresta o seu dinheiro.
2021 segundo o IBGE.
para o lado externo, onde fica a toca propriamente dita. A grana da sua conta-cor-
Cavar casinhas subterrâneas é um hábito de muitos roe- rente paga o financiamento Cereais, legumino�
dores, incluindo a espécie de Jerry, de nome científico Mus do apê de outro cliente, 1 sas e oleaginosas.
musculus. Lá eles protegem seus filhotes de predadores sem deixar de ser sua. Para 57,83%
– alô, Tom? – e variações de temperatura e umidade. “Alguns cada R$ 1 que circula no
Óleos e gorduras.
vivem quase exclusivamente no subsolo, como os tuco- Brasil, há R$ 7,60 “fictícios” 2 55,98%
tucos, comuns no sul do Brasil”, explica Pablo Gonçalves, – a “moeda escritural”, que
do Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade da UFRJ. existe no seu nome e no dos Tubérculos,
outros ao mesmo tempo. 3 raízes e legumes.
Se todo mundo sacar tudo, 31,62%
há duas opções. Ou o Banco
Carnes.
PERGUNTE Central imprime dinheiro
para a moeda escritural
4 29,51%

AO ORÁCULO passar a existir, ou adeus

Escreva para
bruno.vaiano@abril.com.br
mencionando sua cidade e
Estado – ou mande a pergunta
via direct no Instagram.
economia: os bancos vão à Frutas.
5 27,09%
falência, pois não há notas
suficientes para os saques.
Uma fatia da grana de cada Leite longa vida.
6 20,52%
cliente cessa de existir. (2)

60 super julho 2021

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 Só acredito Qual foi a maior Separamos dois rankings até a quarta
posição – um inclui penas com prisões

vendo pena de prisão?

perpétuas, outro sem. Surpreendente-
mente, a campeã não matou ninguém:
foi uma mulher tailandesa que roubou
todas as economias de 16 mil pessoas.

Sentenças em anos

chamoy thipyaso 141.078 anos

como ler
(tailândia - 1989) Fraude. Aplicou golpe
o gráfico
em 16 mil tailandeses.
anos

otman el-gnaoui 42.924 anos

(espanha - 2007) Ataques terroristas 100.000
de 11 de março de
2004 no transporte
jamal zougam 42.922 anos público de Madrid,
(espanha - 2007) Espanha. 193 mor-
tos, 2.050 feridos. 10.000
emílio suárez 34.715 anos
trashorras
(espanha - 2007)
5.000

Sentenças com prisões perpétuas

1.000
161 prisões
terry nichols perpétuas e 9.300 anos prisões
(EUA - 1995) Ataque terrorista de 19 de abril de 1995 perpétuas
a prédio do governo em Oklahoma City,
EUA. 168 mortos, 860 feridos.
100
Michael J. Devlin 74 prisões perpétuas e 2.020 anos
(EUA - 2007) Sequestro e estupro
de duas crianças.

abdullah 67 prisões perpétuas e 5.200 anos 50

barghouti Oficial do Hamas responsável
(israel - 2004) pela morte de 66 israelenses.
10
brenton tarrant 52 prisões perpétuas e 480 anos
(nova zelândia - 2020) Ataque terrorista à mesquita de Christ-
5
church, Nova Zelândia, em 15 de março
de 2019. 51 mortos, 40 feridos.

Por que cachorros de raças pequenas são tão bravos? Pequenos e pistolas
Maria Clara Rossini, repórter da Super

Um motivo é que os humanos são invasivos no trato com eles.

Ninguém passa a mão num pitbull com a mesma convicção com
que agarra um chihuahua. Outra explicação está na criação. Nós
adestramos cães grandes e buscamos ajuda quando são agressivos.
Mas não há estímulo para educar um pinscher. Pelo contrário, ten- O ornitorrinco não As moscas da família O peixe-pedra
é só o único mamí- Oestridae parecem (Synanceia verrucosa)
demos a tratá-lo como um bebê. Mimado, ele pira quando se sente
fero que põe ovos: uma fofa abelha fica camuflado no lei-
vulnerável. Em geral, cães de qualquer porte expostos a interações também é um dos pou- de desenho animado, to como se fosse um
sociais nos primeiros quatro meses crescem mais confiantes e menos cos com veneno – que mas suas larvas cres- naco de coral. Pisou?
agressivos. Há evidências de que cães menores são em média mais não mata, mas para- cem debaixo da pele Nem morfina segura
bravos, mas não de que isso seja determinado geneticamente. (3) lisa e dói por meses. de mamíferos. a dor do veneno.

Fontes: (1) texto “How do scientists determine the composition of the interior of Earth and other planets?” de Art Lerner-Lam da Universidade Columbia;
(2) livro Crash: Uma breve história da economia, de Alexandre Versignassi; (3) Lígia Issberner Panachão, médica veterinária e fundadora do Pet no Divã.
julho 2021 super 61

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 oráculo

Por que satélites e peda- Se é impossível ver átomos,

ços de foguete incineram
ao reentrar na atmosfera?
@nunno778, via Instagram
Um objeto atinge até 25
vezes a velocidade do som na
reentrada. Isso significa que
ele empurra a atmosfera com
muita força. As moléculas de
gás localizadas diretamente na
frente do objeto cadente são
esmagadas contra sua superfície,
criando um bolsão de ar com-
primido, sob altíssima pressão.
Gás sob pressão é sinônimo de
aumento de temperatura. E a
temperatura alcançada, de uns
1.600 °C, é suficiente para o gás
se tornar plasma (as moléculas
como sabemos que são
feitos de partículas suba-
tômicas como os elétrons?
@gabuds, via Instagram
Com experimentos que per-
mitem inferir a existência e as
características dessas partículas
indiretamente. Por exemplo:
em 1897, o físico J.J. Thompson
investigava uma invenção
recente chamada tubo de raios
catódicos. Trata-se de um tubo
de vidro selado a vácuo em cujo
interior uma alta voltagem gera
um feixe de partículas com carga
elétrica negativa, na época des-
conhecidas. Thompson desviou
o feixe atraindo-o com uma

O que é
se desfazem em seus átomos
constituintes). Plasma é a maté-
ria-prima do Sol, então… faz um
estrago. A fricção da espaçonave
placa metálica de carga oposta,
positiva. O ângulo em que o feixe
foi desviado permitiu calcular a
carga elétrica e a massa das

a cedilha?
com o ar – que é um fenômeno
diferente –, também contribui
com o calor, mas o fenômeno
descrito acima é o principal..(2)
@icafreitas, via Instagram
partículas que compõem o raio
catódico. Assim ele concluiu
que elas eram mais leves que o
átomo – e descobriu o elétron. (3).

Ela é um sinal diacrítico. Mesma classificação do acento

agudo, do acento grave, do til e do extinto (e saudoso) trema.
Todos têm a função de sinalizar modificações na maneira
usual de pronunciar uma determinada letra. A cedilha sur- Lost in
giu em espanhol no século 11, embora não seja mais usada
no idioma. O nome vem de zedilla, diminutivo de zeta,
que é o nome da letra “z” no alfabeto dos hermanos. A expli-
cação é que, originalmente, o “ç” era uma letra ibérica arcai-
Translation
Origem Japão ボケット
ca chamada “z visigótico”. Ela tinha o formato que você vê Boketto
ali no fundo da ilustração – lembra um “c” e um “z” em-
pilhados. Com o tempo, a parte do “z” atrofiou e virou
o rabinho no “c”. Originalmente, o “ç” representava o “Brisando” chega perto, mas não é uma tradução perfeita: boketto
som “th” (como no inglês three). Esse som, feito na pontinha é perder o olhar no horizonte, sem pensar em nada.
da língua, não existe em português. (1)

Sim. Na perspectiva utilitarista, você

pensando Eu tenho o só pode negar vacina se o risco que ela
representa para você for maior do que
bem... dever moral o risco de que alguém morra porque

Filósofos de de me vacinar você se negou a contribuir com sua

parcela de responsabilidade pela
ontem opinam em contra a cobertura vacinal. Como as vacinas
assuntos de hoje
por Bruno Vaiano
Covid-19? John Stuart Mill
contemporâneas são extremamente
seguras, sua liberdade acaba onde
1806 – 1873 começa o direito do outro à vida.

62 super julho 2021 Imagens Wikimedia Commons / Divulgação

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 manual Como ler Guerra e Paz
e outros russos gigantes
por Rafael
Battaglia

Contexto histórico Comece devagar

Para não cair de Se você não está ha-
paraquedas nas his- bituado a calhamaços,
tórias – ficar boiando começar com Guerra e
desanima num livro de Paz não rola. Aqueça
mil páginas –, leia sobre com contos (como O
a época em que elas se Nariz, de Gogol) ou
passam. As Guerras Na- novelas (A Morte de Ivan
poleônicas, a Revolução Ilitch, de Tolstói). Foque
Comunista e o fascínio em períodos que te inte-
da burguesia pela cultu- ressam: se seu negócio
ra francesa marcaram é Revolução Russa, uma
o s a u to re s r u ss o s boa é Doutor Jivago, de
dos séculos 19 e 20. Boris Pasternak.

Casos de família Escolha a edição

As histórias russas podem Antigamente, costu-
assustar pela quantidade mava-se traduzir obras
Fontes: Raquel Toledo, mestre em literatura russa pela USP; livro Como ler os russos (Todavia),

de personagens ou pelos russas indiretamente,

seus nomes complicados usando edições fran-
[veja abaixo]. Anote cesas. Hoje, dá para es-
de Irineu Franco Perpetuo, e site Russia Beyond. Agradecimento: Giuliana Viggiano.

conforme eles forem colher boas traduções

apresentados ou use diretas do russo, que
um guia de personagens preservam o conteú-
disponível na internet. do original. Notas de
Não tenha medo: é um rodapé, apêndices e
grau de complexidade listas de personagens
parecido com o de série complementam (e
épica da Netflix. facilitam) a leitura.

Para saber mais Entenda os nomes

Todo nome russo tem três
partes. A do meio, denominada
patronímico, se refere ao pai. Um
exemplo: Vladímir (prenome) Ivá-
novitch (“filho de Ivan”) Golovin
(sobrenome).
O patronímico termina, nor-
malmente, em -ovitch, -evitch
ou -itch para os homens e em
-ievna, -ovna ou -itchna para as
mulheres. O sobrenome também
pode mudar conforme o sexo.
Em conversas informais, os
patronímicos são reduzidos:
Nikolaievitch, por exemplo, vira
Nikolaitch. E há apelidos, como
Vova para Vladímir. Saber disso
ajuda a navegar pelos livros.
Para saber mais, leia o livro que
inspirou este manual: Como Ler
os Russos, de Irineu Franco Perpé-
tuo. E nem só de homens vive a
literatura russa: busque autoras
como Liudmila Petruchévskaia.

Sim. Este influente filósofo Sim. Mesmo que uma única pessoa
contemporâneo propôs o con- sem vacina não impacte a cobertura
tratualismo. Grosso modo, a vacinal, ela está errada porque sua
ideia é que uma ação está errada decisão não pode ser tomada como
quando você não é capaz de dar conduta universal: se muitas pessoas
um argumento razoável para negassem, não haveria cobertura algu-
as pessoas afetadas por ela. Ou ma. Estranhou que todos os filósofos
seja: a não ser que haja um mo- concordam desta vez? Foi uma escolha
T.M. Scanlon tivo médico ou algo equivalente,
Immanuel Kant deliberada da Super. Questão de saúde
1940 – está vetado negar a vacina. 1724 – 1804 pública: vida acima de tudo ;) (4)
Fontes: (1) artigo “Sobre el origen de la cedilla”, de C. González; (2) coluna Science Guys do Depto. de Física da Union University;
Glenn Research Center da Nasa; (3) Discovery of the electron and nucleus na Khan Academy; (4) artigo “The moral obligation to be
vaccinated: utilitarianism, contractualism, and collective easy rescue”, de A. Giubilini et al.; artigo “Contractualism“ na Stanford
Encyclopedia of Philosophy; artigo “Mandatory COVID-19 vaccination for oral health professionals (OHPs)”, de L. Mtolo et al. julho 2021 super 63

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 e se... realidades paralelas
E se a União Soviética
não tivesse acabado?
25 de dezembro de 1991. O primei-
ro (e último) presidente da União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas, Mi-
khail Gorbachev, renuncia. Simbolica-
mente, a bandeira vermelha e amarela
é abaixada do mastro no Kremlin, para
nunca mais subir novamente. No dia
seguinte, o Soviete Supremo da URSS
– equivalente ao Poder Legislativo – re-
conheceu a derrota e declarou o país e si
próprio extintos. As forças da liberdade
(e do capitalismo) venceram.
Venceram mesmo? O maior estímu-
lo para a dissolução da União Soviética
não foi exatamente a democracia – que,
numa forma meio caótica, já estava
vindo desde 1989. Foi o nacionalismo.
As reformas de Gorbachev haviam
saído completamente de controle.
Mas não tanto porque as pessoas
quisessem mais liberdades civis, e
sim porque desejavam a independên-
cia de seus países. A própria Rússia,
centro da União, já via a URSS como
uma relíquia desnecessária.
Em 17 de março de 1991, num referen-
do nacional, 77,85% dos soviéticos vota-
ram por manter a União Soviética, mas
sob outro nome: União das Repúblicas
Soberanas Soviéticas. Trocar “Socialista”
por “Soberana” é sinal de que, mesmo
que a URSS tivesse continuado existin-
do no papel, os acontecimentos teriam
um desfecho semelhante: um agrupa-
mento de países independentes, unidos
basicamente por alianças para defesa mi-
litar e acordos comerciais. Cada um teria
liberdade para decidir o que fazer de suas
economias e sistemas políticos.
64 super julho 2021
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Texto Fábio Marton
A linha-dura do Partido Comunista
perdeu as estribeiras com a mudança
de nome. Um dia antes da assinatura do
Novo Acordo de União, que rebatizaria
o país, Gorbachev foi preso e declarado
“incapaz”. Criou-se um “Comitê Estatal
de Emergência”, e o vice de Gorbachev,
Gennady Ivanovich Yanayev, assumiu.
O golpe foi um fiasco. Com ele, eva-
porou a última chance de sobrevivência
da União Soviética. Seguiu-se o colapso.
A partir de agosto de 1991, as repúblicas
declararam independência em sequên-
cia – incluindo a própria Rússia, em 13
de dezembro. O Partido Comunista
da União Soviética, último elemento
de união, também foi para o espaço,
com o Soviete Supremo votando pelo
fim de suas atividades ainda em agos-
to. O presidente da recém-restaurada
Rússia, Boris Yeltsin, proibiu todas as
atividades comunistas no país em 6 de
novembro. Ou seja: quando Gorbachev
finalmente renunciou, renunciou a um
cargo que não existia mais.
Com tudo isso em mente, há alguma
hipótese em que a manutenção da URSS
teria sido viável? Sim, duas. Ambas têm a
ver com o golpe. A primeira, claro, seria
o golpe não ter acontecido. Seguiria-se
o caminho já combinado, de trocar o
“Socialistas” por “Soberanas” e dar in-
dependência às repúblicas. Sobreviveria
uma união apenas comercial.
Havia tanto desejo disso por parte
das repúblicas que algo parecido de
fato ocorreu. Em 8 de dezembro, os
líderes da Ucrânia, Rússia e Bielor-
rússia se encontraram em segredo
Back in the USSR.
e assinaram um acordo prevendo a
Comunidade de Estados Independen-
tes (CEI) como sucessora da União
Soviética. A CEI existe até hoje.
Uma hipotética União das Repúblicas
Soberanas Soviéticas daria basicamen-
te na mesma que a CEI na vida real. A
maioria das repúblicas manteria laços
com a Rússia. (Havia algumas exceções.
Os países bálticos, que foram os primei-
ros a cobrar a própria soberania, se torna-
ram democracias sólidas com IDH alto. E
a Geórgia, que sofreu repressão a mando
de Gorbachev, não virou parte da CEI.)
A bandeira vermelha, caso não fosse
substituída, passaria a representar pa-
íses capitalistas e, em tese, democráti-
cos – mas, na prática, dominados sem
muito pudor por chefes locais. Como
ocorre hoje. Até mesmo o ex-agente
da KGB Vladimir Putin provavelmen-
te teria ascendido ao poder na Rússia
em 1999, substituindo Yeltsin. Ou seja:
nessa hipótese mais pacífica, com uma
7/6/21 6:38 PM
 mudança de sigla, apenas os símbolos
se manteriam. Restaria pouco do legado
de Lenin na União Soviética.
Até aqui, falamos de um mundo em
que o golpe não ocorreu – que não fica
muito diferente do mundo real. Mas e
se o golpe tivesse dado certo?
O principal propósito da linha-dura
comunista após tirar Gorbachev seria
manter a integridade territorial da URSS.
Isso, num país que já se esfacelava em
nacionalismos, certamente acabaria em
uma guerra civil. Muito parecida com o
que aconteceu na ex-comunista Iugos-
lávia durante os anos 1990.
Haveria um enorme incentivo para
uma guerra assim mobilizar interesses
além das fronteiras soviéticas. Potên-
cias ocidentais poderiam intervir a fa-
vor dos países separatistas, inclusive da
própria Rússia – que, embora fosse a
maior das repúblicas, não queria mais
ser uma delas. A China também poderia
entrar na brincadeira, e jogaria contra os
Imagem: Wachiwit/Getty Images
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interesses da URSS: os chineses foram
adversários da União Soviética entre o
fim dos anos 1950 e 1989, quando Gor-
bachev restabeleceu as relações.
Nesse cenário, não haveria CEI
nem a Rússia de Putin – mas um gru-
po de países arrasados e alinhados
diplomaticamente ao Ocidente após
receberem uma ajudinha da Otan para
conquistar a independência.
Dito isso, há uma diferença funda-
mental entre essa guerra civil russa fic-
tícia e a guerra que rolou na Iugoslávia:
armas nucleares. Elas talvez fossem su-
ficientes para afugentar uma intervenção
direta internacional. O resto do mundo
aguardaria angustiado pela resolução.
Há uma terceira opção: os mísseis
ficam nos silos e os separatistas não
recebem ajuda internacional. O golpe
funciona e a URSS volta para um grau de
opressão e fechamento pré-Gorbachev.
Com uma diferença: a economia.
Em 1989, enquanto se abria para a
iniciativa privada, a China massacrou
o protesto estudantil na Praça da Paz
Celestial e voltou atrás nas reformas tí-
midas que havia começado no campo
social na década de 1980.
Se a URSS pós-golpe tentasse um
crescimento à chinesa – convidando o
capitalismo para entrar, mas barrando
a liberdade na porta –, ela teria a seu
favor um parque industrial e um sistema
de educação mais avançados que os da
China na mesma época. Por outro lado,
infraestrutura para largar na frente não
basta se você está em pé de guerra com
seus parceiros comerciais. Esse cená-
rio só seria plausível se EUA e URSS
topassem relações cordiais.
Resolvido esse ponto, e com os sovié-
ticos agora cheios de grana para investir
em armamento, a tensão geopolítica vol-
taria. Mas, desta vez, com um motivo a
menos para a Guerra Fria esquentar: pro-
mover um conflito contra um parceiro
comercial, afinal, seria um tiro no pé. S
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7/6/21 6:38 PM
 última página desculpa qualquer coisa e até logo

All by myself
Quanto mais envelhecemos, mais tempo passamos sozinhos. Com amigos, o au-
ge é no final da adolescência; depois, ladeira abaixo. A conclusão é de um le-
vantamento que analisou a rotina de americanos de todas as faixas etárias. Veja.
Infográfico Carlos Eduardo Hara, Maria Clara Rossini e Rafael Battaglia

TEMPO GASTO NO DIA

8H

Sozinho

7H Com o parceiro

Com pais, irmãos

e parentes

Com os filhos

Com amigos
6H
Com colegas
de trabalho

5H

4H

3H

2H

1h

0h

15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80

IDADE

66 super julho 2021 Fonte American Time Use Survey (ATUS), US Bureau of Labor Statistics.

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