a máquina

Edição 435 • janeiro 2022

de US$ 150 mi
Ela é fundamental para o
mundo – e trata-se da única
tecnologia que a China
não possui. p. 32

r$ 25,00

Agora existe
um remédio
que elimina as
placas amiloides,
apontadas como a
causa da doença.
Mas ele não
funciona. Entenda
por que foi liberado
mesmo assim – e
como essa polêmica
pode colocar em
xeque o que a
ciência sabe sobre
por Bruno Garattoni e tiago cordeiro o Alzheimer. p. 20

p. 52 p. 08 p. 40 p. 46
como a ipa a polêmica do o brasil nas o mistério
conquistou cancelamento olimpíadas das estrelas
o planeta. de palavras. de inverno. de nêutrons.

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 carta ao leitor
Uma breve história da
expectativa de vida
No início do século 20, quando a
expectativa de vida era de 47 anos
nos países industrializados e de 33
no nosso, o que mais matava eram
as doenças infecciosas: pneumonia,
tuberculose, gastroenterite.
A pandemia, ao tirar 5,5 milhões
de vidas nos últimos dois anos,
trouxe as infecções de volta aos ho-
lofotes. O caminho natural, porém,
é a ciência vencer essa luta nova-
mente, como fez antes.
O desenvolvimento de vacinas e
antibióticos, além de condições
mais humanas de saneamento bási-
co, foi baixando a bola das doenças
infecciosas ao longo do século pas-
sado. E em 1960 a expectativa de
vida tinha saltado para 52 anos por
aqui (e 69 anos nos países ricos).
Foi aí que as doenças cardiovas-
culares e os vários tipos de câncer
passaram a ser os grandes desafios
de longo prazo da medicina.
Mas essa é outra guerra que está
sendo vencida. Nos EUA, que man-
têm dados históricos precisos, o nú-
mero de mortes por doenças car-
diovasculares caiu de 800 para cada
100 mil habitantes na década de 1960
para 200 hoje. Um tombo de 75%.
As batalhas contra o câncer são
mais complexas, mas não faltam vi-
tórias. Uma das principais é o su-
cesso das imunoterapias no
combate ao melanoma (o mais
agressivo dos cânceres de pele).
Desde o boom na criação de novos
medicamentos, a mortalidade por
melanoma passou a cair 5% ao ano.
Tudo isso levou a mais avanços
na expectativa de vida. Hoje ela está
próxima dos 80 anos, seja no Brasil,
seja nos países do topo da pirâmide.
Por aqui, sempre vale lembrar, boa
parte disso se deve a um fato cen-
tral: sermos o único país com mais
de 200 milhões de habitantes a
SI_435_cartaaoleitor.indd 3
editorial
contar com um sistema universal de
assistência médica gratuita, o SUS.
E hoje há 22 milhões de pessoas
com 65 anos ou mais no país. Uma
vitória. Mas o aumento na longevida-
de traz outro desafio para a medicina:
as enfermidades mentais que surgem
nas fases mais avançadas da vida –
principalmente o Alzheimer, que
atinge 1,2 milhão de brasileiros.
A FDA (Anvisa dos EUA) aprovou
em junho de 2021 aquele que seria o
primeiro remédio capaz de reverter o
Alzheimer: o aducanumab. Seu trun-
fo é “limpar” as placas de proteína be-
ta-amiloide no cérebro. O acúmulo
delas ao longo dos anos seria, de
acordo com a hipótese mais aceita, a
causa do Alzheimer. E o aducanumab
consegue mesmo exterminar essas
placas. O problema: isso se mostrou
ineficaz. Os doentes tratados segui-
ram doentes, o que só aumenta a aura
de mistério em torno da doença.
Em nossa reportagem de capa, os
jornalistas Bruno Garattoni e Tiago
Cordeiro dão um panorama dos de-
safios que a ciência precisa vencer
para tornar o Alzheimer uma página
virada na história das enfermidades
– e abrir as portas para uma terceira
idade mais segura, mais confortável,
mais lúcida. Boa leitura.
Alexandre Versignassi
Di r etor de Redação
Alexandre.Versignassi@abril.com.br
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 cardápio janeiro de 2022

20 Capa

O enigma do
alzheimer
A FDA liberou recentemente o primeiro
remédio que prometia curar o Alzheimer,
mesmo depois de ele ter se mostrado inefi-
caz. Entenda a polêmica, e os tratamentos
que podem surgir no futuro.

32 A máquina mais valiosa

Ela custa US$ 150 milhões, pesa 180 tone-
ladas, e faz algo muito especial: imprime
chips com 57 bilhões de transistores.

40 Brasil abaixo de zero

A Olimpíada de Inverno vai começar.
Veja como os países tropicais tentam
a sorte nos esportes gelados.

46 Astros surrealistas
As estrelas de nêutrons podem guardar, em
seu núcleo, o material mais denso e eterno já
previsto pela física: a “matéria estranha”.

O estranho mundo
das estrelas de
52 A saga da IPA
nêutrons P. 46 Ela nasceu sem grandes ambições, mas
se tornou sinônimo de cerveja premium.
Conheça a história da India Pale Ale.

15 sem piedade
Câncer usa tentáculos
essencial para sugar células – e
alimentar tumores.
Número
incrível oráculo E se...
6 uma imagem... 58 tá com sede? 64 De volta a 1808
No meio-oeste dos EUA, Como a água vai parar E se a corte portuguesa
os furacões derrubaram a dentro do coco? não tivesse se mudado
tela desta sala de cinema. para o Brasil?

16 de Bandeira a Bauhaus
Entenda as referências na
letra de “Eduardo e Mônica”
– mais uma música da Legião
8 ... uma opinião Urbana que virou filme. 60 chimpanzé não tem
A polêmica do Qual é a origem evolutiva
cancelamento de 18 igualzinho star wars do nariz em humanos?
palavras Starline: o projeto de tela
holográfica do Google 63 tacada certa
com resolução 8K. Aprenda o básico para se
37 virar nos jogos de bilhar.
supernovas 12 Enquanto isso...
10 rango sustentável 14 3 notícias sobre
países
tropicais já 59 pá pum última página
Excesso de lixo no ambien-
participaram 61 Só acredito vendo 66 A cara da riqueza
16 Pérolas do streaming da olimpíada
62 Pensando Bem...
te fez bactérias aprenderem de inverno. As cidades mais caras (e as
a comer plástico. 19 VOcê decide p.40 62 lost in translation mais baratas) do mundo.

Capa | Foto Eduardo Dulla Modelo Sonia Tereza Edição de imagem Luiz Fernando Pilato

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 essencial uma imagem...

6 super janeiro 2022 Foto Brandon Bell / Getty Images

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 janeiro 2022 super 7

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 essencial ...uma opinião

na página anterior: Em Mayfield, Kentucky (EUA), fotógrafos sentam-se

nas fileiras de uma sala de exibição onde o filme é a pura vida real: a tela foi
arrancada por um tornado, assim como todo o fundo do imóvel, e o que se vê
é o lado de fora, a rua em meio aos destroços. Múltiplos furacões arrasaram
estados do centro-oeste americano na noite de 10 de dezembro, deixando
um cenário tão apocalíptico que parece cena de cinema. Por um capricho da
natureza, o interior da sala foi poupado da destruição.

A polêmica Expressões racistas

não cabem numa

do cance-
sociedade civiliza-
da. Mas inventar
significados tétricos
para termos sem re-

lamento de
lação com racismo
só atrapalha a luta
por um mundo sem
preconceitos.

palavras
por alexandre
carvalho

C
“Criado-mudo, não. O termo correto é mesa de cabeceira. Cria-
do-mudo é um termo racista e surgiu para chamar escravos que
ficavam parados ao lado da cama.” O trecho entre aspas aparece no
site da Amazon quando um consumidor pesquisa aquele pequeno
móvel quebra-galho, no qual você deixa seus óculos, livro, celular
ou copo d’água antes de dormir.
A intenção é ótima. Mas a empresa, infelizmente, acabou dan-
do corda para uma informação falsa. Porque não há racismo na
expressão “criado-mudo”. Vamos aos fatos: o nome desse objeto
é uma adaptação do termo americano dumbwaiter, um pequeno
elevador que transporta comida entre os andares de um imóvel,
inventado no século 19 (“dumb" é um termo para “mudo"; “waiter",
“mordomo"). Na Alemanha, que não usou mão de obra escravizada
em seu território nos tempos coloniais, também há a expressão

8 super janeiro 2022

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“criado-mudo" (stummer diener) – é a
palavra deles para “cabide de piso".
O termo pode até ser de mau gosto,
pois equipara pessoas a objetos. Mas
não tem relação com a escravidão. Ou-
tra desinformação na mesma linha, que
chegou a ser publicada em uma cartilha
da Defensoria Pública da Bahia, é de
que a expressão “nas coxas” também
seria racista. Ela remeteria a telhas
“feitas de argila, moldadas nas coxas
de pessoas escravizadas”.
Não há registro de tal prática, nem
no Brasil colonial, nem em lugar algum
do planeta. Tampouco ela faria sentido.
“A tese é facilmente desmentível por
uma fartura de argumentos", escreveu
Sérgio Rodrigues, autor de Viva a Lín-
gua Brasileira, na Folha. “O anatômico
(só gigantes teriam coxas do tamanho
das telhas coloniais brasileiras), o fun-
cional (telhas moldadas assim teriam
tamanhos e formas tão variados que
inviabilizariam um telhado decente) e
o econômico (por que ter produtivida-
de tão baixa se era fácil providenciar
moldes de madeira?)."
Não há uma etimologia precisa para a
expressão “nas coxas" – talvez daí a livre
interpretação surrealista relacionando-a
à escravidão. O mais provável, porém, é
que seja simplesmente uma expressão
para “trabalho malfeito" advinda do fato
de que um trabalho bem-feito é realiza-
do numa mesa, e não sobre as pernas.
A polêmica sobre o cancelamento de
palavras voltou aos holofotes no final de
2021, mais especificamente no Dia da
Consciência Negra (20 de novembro).
Foi quando a agência de checagem de
notícias Lupa publicou uma lista de ex-
pressões tidas como racistas. A agência
reproduziu diversos erros ali.
Além de “nas coxas” e “criado-mudo”,
fazia parte da relação o termo “domés-
tica”. De acordo com o texto, a palavra
teria vindo de “domesticada", já que os
escravos “eram vistos como animais".
Não é verdade. O termo foi registrado
como adjetivo pela primeira vez no fim
do século 14, dois séculos antes de as
primeiras populações escravizadas te-
rem sido trazidas para o Brasil. E vem
do latim domus, que significa “casa”, a
mesma matriz para “voo doméstico”
e “economia doméstica” – expressões
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A língua e as sociedades se transfor-
mam. Logo, é natural a necessidade
de atualizar o vocabulário.
sem nenhuma sombra de racismo, claro.
Como definiu Lygia Maria, articulista
da Folha e doutora em Comunicação e
Semiótica, em um texto sobre o assunto:
“Palavras têm etimologia, e a linguís-
tica é uma área do conhecimento. Ao
desvirtuá-las, espalha-se ignorância."
Diante de alertas de seus seguidores,
vale lembrar, a Lupa apagou a postagem
e se retratou dos equívocos, publicando
análises realistas das expressões.
Ofensas gratuitas
Por mais que, nos últimos anos, o Brasil
venha tendo retrocessos (como Bolso-
naro ter colocado um negacionista do
racismo para presidir a Fundação Palma-
res), é inegável que a luta de mulheres e
homens pretos por uma cidadania plena
tem rendido conquistas. É o caso dos
programas de trainee exclusivos para
pessoas negras, que se disseminaram
pelas empresas, e funcionam como uma
ferramenta de inclusão social extrema-
mente eficaz (a exemplo das cotas nas
universidades públicas).
O debate para que expressões de ori-
gem racista sejam apagadas do cotidia-
no é mais uma dessas vitórias. Porque,
é claro: os equívocos linguísticos são
só uma parte da questão. Há, de fato,
palavras que deveriam ser varridas pa-
ra a sarjeta da história, pois ofendem
mesmo se ditas por pessoas cuja reti-
dão quando se trata de preconceito está
acima de qualquer suspeita. Aconteceu
com Caetano Veloso.
No programa Roda Viva, na TV Cul-
tura, exibido no dia 20 de dezembro
do ano passado, o cantor e compositor,
de 79 anos, defendeu o uso do termo
“mulato”, que os expoentes dos movi-
mentos negros têm criticado. “Não vejo
qual o problema de ‘mulato’. Meu pai era
mulato, a pessoa que eu mais adorava
e respeitava. Tem gente que diz que é
tirado de ‘mula’. Qual o problema? Não
tenho nada contra as mulas.”
Edição alexandre versignassi
Goste-se ou não de mulas, a com-
paração é um problema, Caetano. Mu-
las são a cria de um burro macho com
um cavalo fêmea. E equiparar filhos de
Homo sapiens de pele escura com Homo
sapiens de pele clara à prole de animais
de espécies distintas é, sim, um acinte
– às pessoas negras e à ciência.
“Ah, mas não pode mais falar nada,
quanto mimimi…”. O fato é que não
pode mesmo. Ofender ou insultar al-
guém é crime. E aquilo que soa ofensivo
varia conforme a língua e a sociedade
se transformam. Logo, é natural a ne-
cessidade de atualizar o vocabulário.
Não acha um bom termo novo para
substituir um que se tornou anacrônico?
Não se aflija. Logo a própria cultura trará
respostas. “O povo é o inventalínguas”,
já cantou Caetano na letra de sua canção
“Circuladô de Fulô”.
Dentro de uma etimologia real, com
evidência histórica, há, sim, todo um
time de usos da língua que deve ser
aposentado. É ofensivo usar o verbo
“judiar”, um sinônimo de “maltratar”
que não disfarça o preconceito contra
judeus. É absurdo gritar “bicha” para o
goleiro que bate um tiro de meta, como
se uma eventual homossexualidade do
atleta o diminuísse como esportista e
ser humano. Também não é aceitável
dizer “denegrir” – está bem entendido
hoje que palavras que colocam a cor
preta como sinônimo de algo ruim re-
forçam o racismo estrutural.
Justamente porque esses termos e
expressões vagam entre o inapropriado
e o criminoso, forçar a barra e disse-
minar informações falsas para cancelar
certas palavras, distorcendo sua origem
e significado, não ajuda em nada. Só aca-
ba servindo de munição para quem quer
continuar proferindo insultos gratuitos.
Porque não existe “fake news do bem"
– todas causam problemas. Expressões
ofensivas não cabem numa sociedade
civilizada. Mentiras também não. S
janeiro 2022 super 9
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 supernovas
ilustrações mariana andrello & sharisy pezzi design carlos eduardo hara
Bactérias aprendem a comer plástico
A abundância de microplásticos
nos oceanos e lixo plástico em terra parece
ter induzido uma adaptação evolutiva em
várias espécies de micróbio, que aprenderam
a produzir enzimas capazes de decompor o
plástico. Essa é a principal conclusão de um
estudo realizado por cientistas suecos, que
analisaram amostras de DNA coletadas em
38 países (1). Os pesquisadores encontraram
30 mil enzimas, que são capazes de degradar
10 super janeiro 2022
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10 tipos diferentes de plástico. Segundo eles,
há uma relação direta entre a poluição plástica
em cada local avaliado e a quantidade de en-
zimas decompositoras encontradas nele. Nos
oceanos, as bactérias mais adaptadas a comer
plástico são as das classes Alphaproteobacteria e
Gammaproteobacteria. Atualmente, a humanida-
de produz mais de 300 milhões de toneladas de
plástico por ano, dos quais apenas 7,7 milhões
são reciclados. (Bruno Garattoni)
A
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 sn. Edição Bruno Garattoni

28 mil
anos é a duração
da bateria que está
sendo desenvolvida
pela empresa ameri-
cana Nano Diamond
Battery e usa isótopos
radioativos de urânio
e plutônio. Eles
emitem calor, que
é transformado em
eletricidade. Uma
tecnologia similar já
é usada em sondas
espaciais desde a
década de 1970, mas
a empresa diz que sua
tecnologia é segura
para aplicações na
Terra – e poderia
ser instalada até
em celulares. (BG)
B

Meditação
estimula Anticorpos podem deformar vírus
o sistema Estudo revela novo mecanismo de ação do organismo contra infecções.
imunológico As pontas dos anticorpos têm o formato fazendo com que eles sofram deformações e
Cientistas da Uni- exato para se encaixar a determinados vírus, atrapalhando seu funcionamento (3). Os pes-
versidade da Flórida neutralizando-os. As células B, que fabricam quisadores colocaram um anticorpo humano
colheram amostras os anticorpos, sofrem mutações aceleradíssi- chamado C10 em contato com os vírus da den-
de sangue dos partici- mas, 1 milhão de vezes mais rápidas do que as gue (DENV) e da zika (ZIKV). Ele conseguiu
pantes de um mutações no resto do corpo, até que o orga- neutralizar ambos, mas também deformou
retiro espiritual de nismo encontre o encaixe certo. Esse processo o DENV – supostamente porque esse vírus
oito dias, antes e se chama hipermutação somática, e é o grande tem uma superfície mais irregular. Segundo
depois do evento (2). trunfo dos anticorpos no combate a infecções. os cientistas, a descoberta pode inspirar o
Constataram que Mas pode não ser a única. Cientistas da Penn desenvolvimento de novos tipos de anticorpo
ocorreu aumento State University, nos EUA, descobriram que monoclonal (produzido em laboratório), que
na atividade de 220 os anticorpos também podem agir de outra tenham essa capacidade contra outros vírus,
genes relacionados à forma: enfiando-se na superfície dos vírus, o Sars-CoV-2 inclusive. (BG)
resposta imunológica.
E não houve alteração
nos genes ligados a

“Havia claros sinais de problemas cognitivos”,

processos inflamató-
rios, ou seja, aquelas
pessoas não tinham
ficado doentes; as disse a médica Ann McKee, que fez a autópsia do ex-jogador de futebol americano Philip Adams – ele
defesas do organismo matou seis pessoas e depois se suicidou na Carolina do Sul em abril de 2021. Adams recebeu o diagnóstico
realmente parecem ter póstumo de encefalopatia traumática, que desenvolveu ao levar pancadas na cabeça durante 20 anos
se aperfeiçoado. (BG) jogando futebol americano – e que causa sintomas como perda de memória, depressão e agressividade. (BG)

Ilustrações A Mariana Andrello. B Sharisy Pezzi. Fontes (1) Plastic-Degrading Potential across the Global Microbiome Correlates with Recent Pollution
Trends. J Zrimec e outros, 2021. (2) Large-scale genomic study reveals robust activation of the immune system following advanced Inner Engineering meditation
retreat. V Chandran e outros, 2021. (3) Human antibody C10 neutralizes by diminishing Zika but enhancing dengue virus dynamics. G Anand e outros, 2021. janeiro 2022 super 11

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 Uma cachorra de
óculos na praia se
tornou o primeiro
meme do ano.
enquanto
isso...
Texto Luisa Costa
Ilustração Carlos Hara
Cientistas descobriram (1)
uma relação entre o
comportamento do sistema
imunológico e o aparecimento
de doenças cardíacas.
O telescópio espacial James
Webb foi lançado ao espaço
e ativou a proteção solar –
a etapa mais complexa de
sua configuração.
Pesquisadores egípcios sub-
meteram a múmia do faraó
egípcio Amenhotep I, de 3,5
mil anos, a uma tomografia
computadorizada (2).
Um reator de fusão nuclear
chinês quebrou o recorde de
temperatura: manteve-se a
120 milhões de graus Celsius
durante 1.056 segundos (3).
Fontes (1) Centro Nacional de Investi-
gadores Cardiovasculares (Espanha).
(2) Universidade do Cairo. (3) Academia
Chinesa de Ciências.
12 super janeiro 2022
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Plantar 1 trilhão de árvores resolveria aquecimento global
É o que diz a empresa Terraformation, que criou um plano para fazer isso.
Enquanto a humanidade luta para
reduzir suas emissões de CO2, há quem
proponha atacar o problema pelo outro
lado: plantando mais árvores. É a ideia
da empresa de reflorestamento Terrafor-
mation, que criou um plano para cobrir
3 bilhões de acres (área maior que a dos
EUA) com árvores. Segundo ela, isso re-
moveria CO2 da atmosfera em quantidade
suficiente para interromper o aquecimento
global. Mas seria viável? A Super conver-
sou com Yishan Wong, fundador e CEO
da companhia, para entender.
Quem plantaria essas árvores e quanto
isso custaria? Nossa missão é capacitar
todo mundo a plantar uma árvore. Faze-
mos parcerias com governos, empresas
e indivíduos. Pretendemos estabelecer
uma rede global de bancos de sementes,
também oferecemos financiamentos e
treinamos pessoas de todo o mundo. Os
custos de restauração variam, porque de-
pendem de quão degradado está o local,
mas a média é de US$ 2.500 por hectare
para plantio e manutenção [o custo total,
portanto, seria de US$ 3 trilhões].
Qual seria o impacto dessas árvores
no CO2 do planeta? Um acre (4 mil m2)
de floresta jovem sequestra cerca de 5
toneladas de CO2 a cada ano, durante as
primeiras três décadas de crescimento.
Então, com 3 bilhões de acres de novas
florestas, poderíamos capturar [15] bilhões
de toneladas de CO2 por ano. Combinan-
do esse reflorestamento global com uma
redução nas emissões de carbono, pode-
ríamos restaurar nossa atmosfera aos ní-
veis pré-industriais. E os benefícios para o
clima seriam imediatos, já que uma árvore
captura carbono a partir do momento em
que começa a crescer.
Seria uma intervenção ecológica sem
precedentes. Isso não poderia afetar
negativamente os ecossistemas? Não
estamos falando sobre monoculturas de
árvores. Estamos focados na restauração
de florestas biodiversas, com espécies nati-
vas, a partir de parcerias com organizações
e comunidades locais que têm profundo
conhecimento das terras. Qualquer solu-
ção climática precisaria ser implementada
em grande escala e teria efeitos imprevis-
tos. Mas a vantagem do reflorestamento
é que florestas são mais familiares para
nós do que novas soluções tecnológicas
[como a geoengenharia, por exemplo]. As-
sim, estamos mais bem posicionados para
antecipar e reagir aos efeitos do reflores-
tamento maciço. (Luisa Costa)
Ilustração Sharisy Pezzi.
1/13/22 20:10
 Diabetes já afeta 537 milhões de pessoas
Doença cresceu 16% durante a pandemia - e causou 6,7 milhões de mortes em 2021

Número de adultos com diabetes (em milhões)

537

10,2 10,8
463
415 425 2021
366 382 2019
2015 2017
285 11 2013

151
194
246
2007
2010 % %
2003 das mulheres adultas dos homens adultos
2000 têm diabetes têm diabetes

Incidência da doença por país < 4%

4% — 5%
5% — 7%
7% — 9%
9% — 12%
> 12%
Sem dados

966
bilhões de dólares
são gastos a cada ano
90
dos casos
%
são de diabetes
45
das pessoas
com a doença
%
em despesas médicas tipo 2, relacionada ainda não foram
relacionadas à doença. à má alimentação. diagnosticadas.

Fonte IDF Diabetes Atlas - 10th Edition. International Diabetes Federation, 2021.

US$ 70
é quanto está custando a tonelada de esterco nos EUA – onde ela era
vendida a US$ 10, em média, antes do surgimento do coronavírus. Isso
acontece porque a pandemia atrapalhou as cadeias produtivas, fazendo
com que a agricultura sofra uma falta generalizada de fertilizantes (em
especial os sintéticos, que são produzidos quimicamente em fábricas). O
fenômeno também afeta plantações na Austrália e no Reino Unido – onde
algumas fazendas já cogitam usar os chamados “biossólidos”, feitos com
esgoto tratado, como fertilizante. (BG)

janeiro 2022 super 13

SI_435_novas.indd 13 1/13/22 20:10

 População
3 notícias sobre
da Índia
Opioides para de
Eles continuam gerando polêmica – e fazendo vítimas. crescer
O país, que tem
1,4 bilhão de habi-
tantes e a segunda
maior população
do planeta, al-
cançou um marco
demográfico:
dados do governo
indiano revelaram
que, agora, cada
mulher tem em
média 2 filhos,
abaixo do que
seria necessário
para manter a
população estável
(esse número,
que é calculado
pela ONU, é de

1. 2. 3.
2,1 filhos, para
compensar a mor-
talidade infantil).
Ou seja, a popula-
ção indiana deve
Justiça anula perdão EUA tentam barrar Médicos estão recei-
a família bilionária droga chinesa tando mais remédios começar a cair em
A família Sackler, dona da A Drug Enforcement Agency A pandemia dificultou o algum momento
empresa que fabrica o remédio (DEA), órgão do governo acesso das pessoas com dor das próximas
OxyContin, um analgésico americano que combate drogas crônica a clínicas e hospitais décadas. Essa
opioide que causou uma onda ilegais, abriu dois escritórios na – e os médicos, impedidos de tendência já é
de overdoses e mortes nos EUA, China: eles ficam em Shangai e aplicar outros tratamentos,
havia feito um acordo de US$ 4,5 Guangzhou, cidades que fabricam aumentaram as prescrições de observada na Chi-
bilhões para se livrar dos proces- os opioides que depois são expor- opioides. Foi o que constatou na, que recente-
sos na Justiça (a empresa é acu- tados ilegalmente. O principal é um estudo que avaliou 21 mi- mente aboliu sua
sada de esconder os reais riscos uma versão pirata do Fentanyl, lhões de pacientes (1) nos EUA. política de filho
do remédio e estimular seu uso um remédio extremamente po- Menos pessoas foram diag- único para tentar
mesmo em casos triviais). Agora, tente: ele é responsável por 68% nosticadas com dor crônica;
esse acordo foi anulado – e os de todos os casos de overdose evitar uma queda
mas as que foram receberam
processos irão recomeçar. por opioides nos EUA. mais remédios. (BG) populacional
excessiva. (BG)

2020:
250 Dívida total (em % do pib global)
2019: 256%
227%
Dívida global
2009:
Dívida pública (dos governos) 2007: 215%
Dívida das famílias 195%
chega a US$ 200 pan-
Dívida das empresas demia
US$ trilhões

COVID-19

226 trilhões 150

Total de 2020, só divulgado 100

agora pelo FMI, foi o maior desde
a Segunda Guerra Mundial. 50
1970 1980 1990 2000 2010 2020

14 super janeiro 2022 Fonte Global Debt Database, FMI.

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 Não é bem
assim...
Notícias que
bombaram por
aí – mas não
são verdade

A notícia

Médicos que
usam máscara
cometem
mais erros
O que ela dizia
Cirurgiões que usam
máscara N95 durante
as operações apre-
sentam uma redução
progressiva no nível
de oxigenação no
sangue e aumento

Câncer usa tentáculos para sugar células

Cientistas flagraram o processo, que supostamente serve para alimentar tumor.
no ritmo cardíaco, o
que acaba resultando
em maior chance
de cometer erros.
Essa é a conclusão
Pesquisadores do MIT usaram um mi- energia das células; por isso, os cientistas de um estudo que
croscópio eletrônico para estudar o com- supõem que o tumor se alimente dessa es- acompanhou 53
cirurgiões na Turquia.
portamento de tumores e encontraram um trutura, que serviria para acelerar o cresci-
fenômeno assustador (2): células de câncer mento do câncer. E ao fazer isso, o tumor a verdade
conectadas a células T, do sistema imuno- também se livra das células T, suas inimigas O tal estudo (5)
lógico, por meio de tentáculos minúsculos, (normalmente, elas matam células tumorais também monitorou
com 100 nanômetros (mil vezes mais finos assim que aparecem). Os cientistas injeta- cirurgiões que não
do que um fio de cabelo). O que eles viram ram uma substância que inibe a formação usaram máscara – e
eles tiveram a mesma
em seguida é ainda mais perturbador: as dos tentáculos em ratos de laboratório que redução de oxige-
células tumorais arrancam as mitocôndrias tinham câncer – e os tumores cresceram nação e aceleração
de suas vítimas, e sugam-nas por meio dos menos. A ideia agora é testar esse inibidor cardíaca. Ou seja,
tentáculos. A mitocôndria é a “usina” de em humanos. (BG) essas coisas se devem
ao estresse natural
de uma cirurgia,
não à máscara. São
alterações pequenas,
Salmão de cativeiro transferiu genes para peixe selvagem consideradas
normais. E o trabalho
(que voltou
E isso afetou o desenvolvimento dos salmões do mar, que passaram a crescer mais rápido e fazer a circular agora mas
migrações mais cedo. Foi o que concluiu um grupo de cientistas noruegueses, que mediram o ritmo foi originalmente pu-
de crescimento de 6.926 salmões pescados nos rios do país (isso é feito analisando as escamas do blicado em 2008) não
traz qualquer menção
bicho) ao longo de sete anos (3). Os peixes que haviam recebido genes dos salmões de cativeiro eram ao índice de erros
os que exibiam as alterações. Não é a primeira vez que os salmões de criação escapam de fazendas cometidos nas cirur-
marítimas e criam problemas: em julho de 2021, um estudo (4) revelou que eles espalharam o PRV-1, gias – sejam com ou
vírus que ataca os rins e o fígado dos peixes, na Noruega, Islândia, Dinamarca, EUA, Chile e Canadá. (BG) sem máscara. (BG)

Ilustrações Sharisy Pezzi. Fontes (1) Substitution of Nonpharmacologic Therapy With Opioid Prescribing for Pain During the COVID-19 Pandemic. B Lee e outros, 2021.
(2) Intercellular nanotubes mediate mitochondrial trafficking between cancer and immune cells. T Saha e outros, 2021. (3) Introgression from farmed escapees affects the full
life cycle of wild Atlantic salmon. G Bolstad e outros, 2021. (4) Aquaculture mediates global transmission of a viral pathogen to wild salmon. G Mordecai e outros, 2021. janeiro 2022 super 15
(5) Preliminary report on surgical mask induced deoxygenation during major surgery. A Beder e outros, 2008.

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 sn. playlist

QUEM UM DIA Baseado em um dos maiores clássicos da banda Legião Urbana,

Eduardo e Mônica estreia no cinema em 20/1. Entenda melhor as

IRÁ DIZER...
referências que Renato Russo espalhou na letra da música que
virou filme. Texto Alexandre Carvalho • Design Natalia Sayuri Lara

Expoente da Nouvelle
Vague (“Nova Onda”)
francesa, movimento
do cinema nos anos
1960, marcado por cor-
tes abruptos nas cenas,
roteiros improvisados e
produção de baixo orça-
godard mento, Jean-Luc Godard
(1930– ) dirigiu filmes
como Acossado (1960)
e O Desprezo (1963).
Mas a Mônica queria ver
O Parque da Cidade
Dona Sarah Kubitschek,
um patrimônio de Bra- Se encontraram então no
sília, cidade onde os
integrantes da Legião
passaram sua juven-
tude, é o maior parque
urbano do Brasil. Por
parque causa da citação em
“Eduardo e Mônica”,
da cidade hoje há uma Praça
Renato Russo no local. ERAM NADA PARECIDOS
FESTA ESTRANHA COM
GENTE ESQUISITA
Foi um amigo de cursinho
do Eduardo que o chamou
para a festa em que ele viu
Mônica pela primeira vez.
Gostaram um do outro e
marcaram um date.
“O Eduardo sugeriu
uma lanchonete
um filme do Godard
Parque da Cidade
A Mônica de moto e o
Eduardo de camelo"
Ícone da poesia moderna
no Brasil, o pernambu-
cano Manuel Bandeira
(1886–1968) era tuber-
culoso, condição que
acabou impregnando
sua obra com pessimis- manuel
mo e morte. É autor do
bandeira
clássico poema Vou-me
Embora Pra Pasárgada.
Precursor do rock góti-
co, o Bauhaus, banda
inglesa fundada em
1978, tem seu nome
inspirado na escola
modernista alemã de
design e arquitetura,
cujo estilo é marcado
pela ausência de firulas bauhaus
e a ênfase na função do
objeto ou da edificação.

Enquanto Eduardo gostava

de novela e jogava futebol Poeta simbolista, o fran-
Quem não é de Brasília de botão com seu avô, Mô- cês Arthur Rimbaud
pode imaginar que esse nica era mais velha, madura (1854–1891) teve uma
camelo da letra só en- e ligada em cultura. vida extraordinária.
trou para rimar com o Escreveu toda sua obra
verso “O Eduardo achou “Ela gostava do na adolescência. Depois
estranho e melhor não
comentar, mas a menina Bandeira e do Bauhaus abandonou a poesia e se
De Van Gogh e jogou no mundo, che-
tinha tinta no cabelo”.
camelo Mas não: camelo é dos Mutantes gando a fazer tráfico de rimbaud
De Caetano e armas na África. Mor-
uma gíria para bicicleta reu, jovem, aos 37 anos
no Distrito Federal. de Rimbaud" – Renato Russo, aos 36.

canal filme
Styropyro No (2012)
YouTube Telecine
Ele transforma um projetor Em 1988, o Chile fez um

Pérolas do quebrado em "bazuca" laser,

forte o bastante para furar me-
plebiscito para a população
decidir se queria continuar sob
streaming tais. Pega uma raquete elétrica,
daquelas de matar mosquitos,
a ditadura militar de Augusto
Pinochet ou se queria a volta
e aumenta para 50 mil volts. Faz da democracia. Séria, direta
experiências com cianureto e e racional, a campanha pela
óxido de manganês, duas das democracia patina. Até que um
substâncias mais perigosas que publicitário decide se juntar
existem. Projetos e testes tão a ela, trazendo consigo uma
arriscados quanto interessantes. arma poderosa: a emoção.

16 super JANEIRO 2022 Fotos Reprodução/Divulgação

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 Edição Bruno Garattoni
Os sírio-
Asteroides em tempo real -libaneses
Em setembro de 2022 a nave DART, lançada recentemente pela Nasa, maluf, kassab, te-
irá tentar alterar a trajetória de um asteroide. É só um teste; não há risco mer. Feghali, Boulos,
de colisão dele com a Terra. A agência também criou uma ferramenta que Tuma. Safra, Kalil.
mostra a posição atual, minuto a minuto, dos asteroides mais próximos do Neste livro, o jorna-
planeta. O mais legal é a função “Asteroid Watch": quando você clica nesse lista Diogo Bercito
link, aparecem só os asteroides que vão passar pela Terra nas próximas conta as histórias de
horas – com o nome, o tamanho e a distância de cada um. algumas das famílias
árabes que emigraram
Eyes on Asteroids. Grátis. eyes.nasa.gov/apps/asteroids
para o Brasil, e como
as histórias delas se
entrelaçaram com os
Como surgiram rumos do país. São
trajetórias como a
as palavras? de Habib al-Haddad
(avô do ex-prefeito
De onde vem a terra do chão? Qual foi Fernando Haddad),
a primeira refeição preparada por um humano? um padre ortodoxo
Por que a roda demorou tanto tempo, em termos que veio para o Brasil
históricos, para ser inventada? O bioquímico in- fugindo da pobreza, e
glês Graham Lawton, colunista da revista New
Scientist, encara essas e outras perguntas neste
de Benjamin Jafet, co-
merciante cuja famlía
livro – e apresenta respostas completas e pro-
fundas, mas também claras e fáceis de entender.
fundou o Hospital Sí-
rio-Libanês.
A Origem de (Quase) Todas as Coisas. R$ 49. Brimos. R$ 49.
filme filme
Oxigênio (2021) O Caso Collini
Netflix (2019)
Liz acorda presa dentro de uma Netflix
cápsula de criogenia, sem saber Advogado recém-formado,
quem é nem como foi parar Caspar é enviado para defender
ali. Precisa dar um jeito de sair um assassino confesso, no que
antes que o oxigênio acabe. Ela parece o caso mais perdido
tem algum acesso à internet do mundo (inclusive porque
e ao computador da cápsula, o bandido nunca diz nada). Mas
e aos poucos descobre o que Caspar acaba encontrando o fio
aconteceu. Ficção científica da meada, e com ele uma gran-
minimalista, que se desdobra de revelação. Filme baseado em
com inteligência. fatos reais – e avassaladores.
SI_435_Playlist.indd 17
“O julgamento
ocorreu no dia
24 de setem-
bro em um
apartamento
em Copaca-
bana, no Rio",
escreve o jornalis-
ta Lucas Ferraz neste
livro em que narra, com
riqueza de detalhes, os
casos de militantes de
esquerda acusados de
traição, julgados em tri-
bunais secretos e execu-
tados pelos colegas de
luta armada durante a
Ditadura Militar.
Injustiçados.
R$ 49,90.
30 minutos
sem ar
Em 2012, o mergulhador
escocês Chris Lemons
estava inspecionando
uma plataforma de pe-
tróleo, a 90 m de pro-
fundidade, quando seu
suprimento de oxigênio
falhou. Ele só foi resga-
tado meia hora depois – e,
incrivelmente, sobrevi-
veu sem sequelas. É um
dos casos inacreditáveis
contados neste podcast,
produzido pela BBC.
Que História!
Grátis. Spotify e
demais platafor-
mas de podcast.
JANEIRO 2022 super 17
1/13/22 18:52
 sn. tech

A tela holográfica Starline permite conversar com

outras pessoas como se elas
estivessem na sua frente.

do Google Texto Bruno Garattoni

Design Natalia Sayuri Lara

Câmeras

O sistema se chama Project Starline e é experi- Tela

mental, sem previsão de lançamento. Recentemente
o Google publicou um artigo científico (1) revelando
como ele funciona. A máquina usa luz infravermelha Luz captada

e 14 câmeras para captar vários ângulos do rosto ao

mesmo tempo. Essa informação é processada e usada
para gerar um modelo 3D da face da pessoa – que
Projetores de infravermelho
depois é exibido para o outro usuário, que também
está usando um Starline. Ou seja, é um sistema de
videoconferência extremamente sofisticado. A tela
tem 65 polegadas, resolução 8K e uma tecnologia
Câmeras de
chamada light field display, que a torna capaz de exi- rastreamento
bir várias imagens ao mesmo tempo (é uma versão
muito mais avançada da técnica usada na tela do Câmeras
coloridas
console Nintendo 3DS). Conforme você se mexe na
frente da tela, vê ângulos ligeiramente diferentes do Câmeras 3D
rosto da outra pessoa – e é isso que dá a sensação
de holograma. O sistema usa dois computadores po-
tentes, com quatro placas de vídeo cada um, e requer
uma conexão à internet de 100 Mbps. O Google
construiu algumas unidades do Starline, que já está Microfones
sendo usado em três escritórios da empresa nos EUA.
Alto-falantes

18 super JANEIRO 2022 Fotos Reprodução/Divulgação

SI_435_Tech.indd 18 1/13/22 18:48

 Edição bruno garattoni

A Lua em cima
da mesa você decide
Os projetos mais
A lâmpada Gingko Smart Moon (US$ interessantes
190) é uma esfera de 140 mm de diâmetro (e surpreendentes)
que reproduz detalhadamente a superfície
do mundo do
de Lua – e flutua, girando lentamente no ar.
O segredo está num conjunto de ímãs embu- crowdfunding
tidos na base, que produzem força suficiente
para suspender a esfera, e num sistema de
transmissão de energia sem fio (similar
ao usado em smartphones). O resultado
é muito bonito. Dá até para selecionar a
tonalidade de cor da esfera – luz mais fria
ou mais quente – apertando um botão.

Sem aros, com GPS

indiegogo.com
Projeto Reevo
O que é Uma bicicleta elé-
trica que não possui aros
nem correia: a propulsão é
transmitida por um sistema

Os vizinhos agradecem de polias embutidas. Ela

também tem um sistema
de segurança avançado, com
A bateria Roland vad706 é a primeira que pode ser tocada dentro de leitor de impressão digital (só
um apartamento sem enlouquecer a vizinhança. Isso acontece graças o dono da bike pode andar
à tecnologia Noise Eater, que substitui alguns elementos (como os nela), localizador GPS e
chimbais, os “pratos” da bateria) por sensores eletrônicos que não trava-rodas embutido no

Som pelos vibram, e também inclui materiais absorvedores de som nos pedais e
no bumbo. O resultado, segundo o fabricante, é uma redução de 75%
próprio quadro – pratica-
mente impossível de cortar.

ossos no ruído. Mas isso tem um preço: a bateria custa US$ 8 mil. Meta US$ 50 mil
Chance de rolar bbbb

O c a pac e t e M o b i l u s
MobiWan foi projetado O anel anti- Formatação segura
kickstarter.com
para uso em lugares muito
barulhentos, como fábricas coronavírus Projeto Redkey
e obras, e mesmo assim per- O que é Um pendrive que
mitir que os trabalhadores Um estudo da Universidade da apaga todo o conteúdo de PCs,
se comuniquem. Ele capta Califórnia (2) comprovou que o anel tablets e smartphones – e
as vibrações do seu crânio eletrônico Oura Ring detecta se uma que você pode usar antes de
quando você fala, e decodi- pessoa está com Covid até três dias vender ou doar seus gadgets
fica o que você está dizendo antes dos primeiros sintomas. Ele faz antigos. Basta plugá-lo ao
a partir delas. As vozes dos isso monitorando a temperatura da gadget (inclusive iPhone,
seus colegas também são pele, o ritmo e a variabilidade cardíaca por meio de um adaptador
transmitidas por vibração, (quanto os batimentos desviam da incluso) e ele executa um
diretamente para o seu média). Sua nova versão tem oxíme- software que vai guiando
ouvido interno. O capacete tro embutido – que indica queda de você pelas etapas necessárias.
é alugado pelo fabricante, oxigenação, principal sinal da Covid Meta US$ 2.700
a US$ 490 por ano. sintomática. Custa US$ 300. Chance bbbb

Fontes: (1) Project Starline: A high-fidelity telepresence system. J Lawrence e outros, 2021.
(2) Feasibility of continuous fever monitoring using wearable devices. B Smarr e outros, 2020. JANEIRO 2022 super 19

SI_435_Tech.indd 19 1/13/22 18:48

 capa

Texto Bruno Garattoni

& Tiago Cordeiro 
Foto Dulla
Design Natalia Sayuri Lara

SI_435_Alzheimer.indd 20 1/14/22 14:10

 Após decadas de pesquisas, finalmente
existe um remédio que elimina as
placas de proteína beta-amiloide que
se formam no cérebro e são apontadas
como a causa da do ença. Mas há um
problema: na prática, ele não funciona.
Entenda por que foi liberado mesmo
assim – e como essa polêmica pode
colocar em xeque o que a ciência
achava que sabia sobre o Alzheimer.

janeiro 2022 super 21

SI_435_Alzheimer.indd 21 1/14/22 14:10

 o alzheimer destrói as
memórias guardadas
no cérebro. isso
supostamente acontece
pelo acúmulo de um tipo
de “sujeira": placas de
proteína que atrapalham
a comunicação entre os
neurônios.

t
Todo mundo esquece coisas, certo? Não tem nada
de anormal. Mas o tempo vai passando, e você percebe que
está esquecendo um pouco mais. Datas, compromissos, a
água fervendo no fogão. É ruim, mas não alarmante. Até
que leva o primeiro susto: está na rua e esquece o endere-
ço de casa. Depois lembra. Seu celular some e reaparece
dentro da geladeira – sem que você faça a menor ideia de
como foi parar ali. Você começa a trocar algumas palavras.
Um dia olha para o seu cachorro e pensa: qual é mesmo o
nome dele? Preocupada, sua família leva você ao médico,
que receita um ou dois remédios. Não faz muita diferença.
Um dia, quando vai tomar banho, você não consegue se
lembrar de onde fica o banheiro. Meu Deus. Acaba achan-
do o banheiro e se tranquiliza um pouco... mas qual era
mesmo a sequência de movimentos das mãos para abrir
a água e ensaboar o corpo? Ensaboar? O que você está
fazendo ali? Seu cônjuge bate na porta. Você abre – e leva
um susto ao ver um rosto desconhecido. Quem é aquela
pessoa? Que casa é essa? Quem é você?
O Alzheimer é uma doença apavorante. E surpre-
endentemente comum: corresponde a 70% de todos
os casos de demência e afeta 38 milhões de pessoas
no mundo (1,2 milhão no Brasil). Nos EUA, um em
cada nove indivíduos acima de 65 anos tem Alzhei-
mer (a partir dos 85 anos, um em cada três), e ele é

22 super janeiro 2022

SI_435_Alzheimer.indd 22 1/14/22 14:11

 a terceira maior causa de morte entre
idosos. Por isso o 7 de junho de 2021
foi tão marcante. Naquele dia a FDA, a
agência que regula os medicamentos nos
Estados Unidos, autorizou o lançamento
do aducanumab, primeiro remédio con-
tra a doença a ser lançado desde 2003.
E tinha mais: aquela droga, desenvolvida
pelo laboratório americano Biogen, era a
primeira a tratar a causa, e não apenas os
sintomas do Alzheimer. Uma revolução.
O aducanumab (que é vendido nos
EUA com o nome comercial Aduhelm)
é um anticorpo monoclonal, ou seja,
que foi projetado em laboratório e é
produzido a partir de uma única célula,
clonada infinitamente – daí o termo
“monoclonal". Trata-se de uma célu-
la de ovário de hamster (conhecida
pela sigla CHO), já usada em vários
outros anticorpos artificiais. No caso
do aducanumab, ela foi modificada ge-
neticamente para produzir anticorpos
contra a beta-amiloide: uma proteína
cujo excesso no cérebro forma placas
que atrapalham a comunicação entre
os neurônios, causando os problemas
cognitivos típicos do Alzheimer.
O fabricante cultiva essa célula em
biorreatores, tanques de 20 mil litros
cheios de glicose e aminoácidos onde
ela se multiplica por várias semanas.
Ao final do processo, o conteúdo do
tanque é filtrado e sobram apenas os
anticorpos. Está pronto o aducanumab.
Como os outros anticorpos monoclonais
(que servem para tratar câncer e doenças
autoimunes), ele é difícil de fabricar, e
por isso caro: nos EUA, custa US$ 56 mil
por ano de tratamento (o medicamento
ainda não foi liberado no Brasil).
A aprovação do remédio pela FDA foi
recebida com entusiasmo pela Alzhei-
mer's Association, que reúne as famílias
de pacientes nos EUA. “Estamos entran-
do em uma nova era para o tratamento
do Alzheimer”, diz Niles Frantz, diretor
de comunicação da entidade. Aquilo era
o resultado de anos de pesquisas, com
resultados que realmente impressiona-
ram – ficou famosa uma capa do jornal
científico Nature, publicada em 2016, que
mostrava a tomografia de um cérebro
antes e depois do tratamento com adu-
canumab. A diferença era dramática: o
remédio reduzia drasticamente a quanti-
dade de placas de proteína beta-amiloide.
Mas, com a doença em si, o resul-
tado foi outro. Os estudos clínicos
(1) 221AD301 Phase 3 Study of Aducanumab (BIIB037) in Early Alzheimer's Disease (ENGAGE). Dados
não-revisados disponíveis em clinicaltrials.gov/ct2/show/study/NCT02477800. 221AD302 Phase 3 Study
of Aducanumab (BIIB037) in Early Alzheimer's Disease (EMERGE). Dados não-revisados disponíveis em
https://clinicaltrials.gov/ct2/show/study/NCT02484547.
SI_435_Alzheimer.indd 23
realizados com pacientes de Alzheimer
revelaram que a droga fazia pouco ou
nenhum efeito sobre o que realmente
importa: mesmo limpando as placas
de beta-amiloide, ela não interrompia,
desacelerava ou revertia os sintomas da
doença. “Parece mágica: os exames de
imagem confirmam que o medicamento
retira, de fato, a proteína”, diz a médica
Jerusa Smid, coordenadora da Academia
Brasileira de Neurologia (ABN). “Mas o
paciente permanece do mesmo jeito. Ou
seja, temos uma melhora deslumbran-
te no exame, mas sem benefício clínico
comprovado até agora.”
Ou seja, o aducanumab não fun-
cionou. Além disso, seu processo de
aprovação foi marcado por polêmicas,
testes abandonados por falta de eficácia,
conselheiros da FDA se demitindo em
protesto e falta de dados – até hoje, por
incrível que pareça, os resultados dos
testes clínicos realizados pelo Biogen
com o remédio não foram publicados
em um jornal científico com “revisão
por pares" (em que médicos e cientistas
independentes analisam os dados).
Essa sequência de eventos, que você
conhecerá a seguir, forma um retrato que
vai muito além do fracasso do remédio.
Também arranha a credibilidade da FDA,
que sempre foi uma referência mundial.
Reabre a discussão sobre os métodos
da indústria farmacêutica. E coloca em
dúvida a teoria científica que norteou
a pesquisa do Alzheimer nas últimas
décadas. Afinal, se eliminar as placas de
beta-amiloide não resolve ou melhora
os sintomas, será que elas são as reais
causas da doença?
Erros de origem
Em agosto de 2015, o aducanumab es-
tava pronto para começar seus testes de
Fase 3, a última antes da aprovação.
A Biogen fez dois testes desse tipo (1):
o “Engage", que reuniu 1.653 pacientes,
e o “Emerge", com 1.643. Os dois, que
correram ao mesmo tempo e foram de-
senhados para levar quatro anos, eram
do tipo duplo-cego: nem os pacientes
nem os médicos sabiam quem estava
tomando o remédio e quem recebia pla-
cebo. Tudo certo, como deve ser.
Mas em março de 2019, faltando
poucos meses para o final dos testes, o
laboratório deu uma má notícia: disse que
estava interrompendo os dois estudos,
pois eles não haviam passado no que os →
janeiro 2022 super 23
1/14/22 14:11
 cientistas chamam de “análise de futilida-
de". Ou seja, o aducanumab não se mos-
trara minimamente eficaz no tratamento
da doença. “Essa notícia desapontadora
confirma a complexidade do tratamento
do Alzheimer e a necessidade de avançar
o conhecimento da neurociência", afir-
mou a empresa. Uma pena, mas acontece
– 40% das drogas fracassam na última
fase de testes clínicos (2).
O aducanumab era só mais uma delas.
Mas aí, em outubro daquele ano, a Bio-
gen muda de ideia. A empresa diz que
analisou melhor os dados dos dois estu-
dos, aqueles que ela mesma havia aban-
donado, e um deles na verdade apontava
eficácia do medicamento, com redução
de 22% no declínio cognitivo dos pacien-
tes tratados (segundo a empresa, o outro
não mostrava isso porque nele as pessoas
não haviam recebido a dose máxima, de
10 mg/kg de peso corporal). A Biogen
também disse que havia detectado re-
dução de 40% no comprometimento de
atividades rotineiras, como se alimentar
e tomar banho, e redução de 87% em
sintomas como ansiedade, agressividade
e agitação. Por isso, a empresa disse que
iria reiniciar o processo de submissão da
droga à FDA. Mas se o remédio era assim
tão bom, por que haviam desistido dele?
“Gerou desconfiança o fato de o ensaio
clínico ter sido interrompido, porque o
remédio não se mostrava eficaz, mas
depois ter sido retomado”, diz a médica
Claudia Suemoto, professora de geriatria
da Faculdade de Medicina da USP.
Os dados do aducanumab segui-
ram para a FDA – onde ele teve a pior
recepção possível. Em 6 de novembro de 2020, um
grupo de onze conselheiros da agência votou de forma
implacável: 10 votos contra a aprovação do remédio (o
décimo primeiro se declarou “indeciso"). Zero votos a
favor. Mesmo assim, em junho de 2021, a FDA deci-
diu liberar o medicamento. Ele foi aprovado por um
processo de urgência, o chamado Fast Track. “Como
aprendemos com a luta contra o câncer, a aprovação
acelerada pode agilizar o acesso dos pacientes a novas
terapias, ao passo que estimula as pesquisas”, disse
Patrizia Cavazzoni, diretora de pesquisa e avaliação
de medicamentos da agência (3).
Não pegou bem. Assim que a decisão da FDA se
tornou pública, três conselheiros (daquele grupo que
votou contra o remédio) renunciaram a seus postos.
Um deles era o médico Aaron Kesselheim, professor
da Harvard Medical School, que publicou uma carta
de protesto (4). “Está claro para mim que a FDA não é,
neste momento, capaz de integrar as recomendações
do comitê científico em suas decisões”, escreveu.
A agência não é obrigada a seguir as recomendações
de seus conselheiros – e, em 22% dos casos, não faz
isso (5). Mas as controvérsias anteriores envolvendo o
aducanumab, e o fato de que ele havia recebido um “não"
unânime, esquentaram a polêmica e atraíram a atenção
da mídia nos EUA – à qual Kesselheim fez declarações
preocupantes. Em entrevista à emissora CNN, ele disse
que a reunião de novembro teve um alinhamento pouco
comum entre diretores da FDA e representantes da
Biogen. “Havia uma dinâmica estranha, se comparada
com outras reuniões de que participei. Normalmente
há algum distanciamento entre a FDA e a empresa,
mas neste episódio as duas partes estavam totalmente
alinhadas no apoio ao medicamento.”
O caso explodiu quando o site americano Stat,

A polêmica
do aducanumab
Medicamento é o primeiro
a agir contra a suposta
causa do Alzheimer; mas,
na prática, não demons-
trou eficácia.
Neurônios
Placas de
proteína beta-
-amiloide
1. O remédio
Ele é um anticorpo monoclonal,
ou seja, desenhado e fabricado
em laboratório. Foi projetado
para eliminar as placas de pro-
teína beta-amiloide, que se for-
mam no cérebro das pessoas
com a doença e atrapalham as
conexões entre os neurônios.
2. A administração
O medicamento é injetado len-
tamente na corrente sanguínea,
num processo que dura 1 hora.
Ele se espalha pelo corpo até
penetrar no cérebro, atravessan-
do a barreira hematoencefálica
(que envolve e protege o órgão).
É aplicado uma vez por mês.
Cérebro de pessoa com Alzheimer an-
tes e depois do tratamento (6). A cor
vermelha indica presença de placas
beta-amiloide.
3. O efeito
Ao entrar no cérebro, os anticor-
pos se conectam às moléculas de
proteína beta-amiloide. Isso dispa-
ra um sinal de alerta no organismo,
que inicia o processo de fagocitose:
as micróglias, um tipo de célula
cerebral, vão até as placas de beta-
amiloide e começam a "comê-las".
As placas vão diminuindo com o
tempo, e chegam a desaparecer.

24 super janeiro 2022

SI_435_Alzheimer.indd 24 1/14/22 14:11

 O remédio se mostrou
altamente eficaz para
limpar as placas de beta-
amiloide do cérebro. mas
isso não evitava que as
memórias continuassem
4. O problema
Testes em pacientes de Alzhei-
mer revelam que, apesar de re-
duzir as placas, o medicamento
não desacelera ou reverte os sin-
tomas da doença. Em março de
2019 o laboratório Biogen, dono
do remédio, abandona dois es-
tudos depois que eles mostram
baixa eficácia da droga.
especializado em indústria farmacêu-
tica, publicou uma longa investigação
sobre o aducanumab (7) – na qual ex-
põe um encontro particular entre Al
Sandrock, diretor de pesquisa e desen-
volvimento da Biogen, e Billy Dunn,
diretor do departamento de neurociên-
cia da FDA. Em maio de 2019, quando
a Biogen estava reavaliando os dados
de eficácia de seu remédio, os dois
se encontraram em um congresso de
neurologia na Filadélfia – e sentaram
para falar sobre o aducanumab. Pode
parecer algo trivial, mas não é. Assim
desaparecendo. como outras agências regulatórias, a
FDA sofre forte pressão e tentativas de
influência da indústria, especialmente
por meio de um fenômeno conhecido
como “porta giratória": funcionários
da agência que acabam indo trabalhar
em empresas farmacêuticas e depois
retornam, o que pode comprometer a
isenção das suas decisões. Por isso, exis-
tem normas proibindo a interação entre
funcionários da FDA e da indústria: isso
só pode acontecer em encontros oficiais
e registrados, on the record.
Mas Dunn e Sandrock falaram em off.
E, aparentemente, se entenderam bem.
“Estava claro que Billy Dunn era um
aliado, então o trabalho da Biogen passou
a ser descobrir como apoiá-lo dentro da
FDA", disse ao Stat um ex-funcionário
da empresa, cujo nome foi mantido em
sigilo. Um mês após aquela conversa,
a agência propôs colocar o remédio no
regime de aprovação Fast Track.
Em suma: todo o processo foi clara-
mente sui generis, com vários pontos inu-
suais. E houve mais um, que talvez seja
o mais alarmante de todos. No primeiro
semestre de 2021, a Biogen submeteu um
artigo científico sobre o aducanumab
para publicação no JAMA: o jornal da
Associação Médica Americana, que exis-
te desde 1883 e é a publicação científica
mais importante dos EUA. Ele adota o
modelo de “revisão por pares", em que
cientistas independentes analisam o
conteúdo dos artigos antes que sejam
5. A polêmica
Alguns meses depois, a empresa
publicados. E foi aí que o aducanumab
muda de ideia: diz que olhou me- sofreu mais um percalço.
lhor os dados, e que eles apontam Segundo o site americano Axios, o
eficácia, sim. Os conselheiros da JAMA teria pedido esclarecimentos e
FDA americana rejeitam a droga
por unanimidade – mas mesmo →
assim ela é liberada, gerando po-
lêmica. Uma pesquisa revela que
87% dos médicos americanos são
contra a aprovação do remédio.

(2) The Current Status of Drug Discovery and Development as Originated in United States Academia: The Influence of Industrial and Academic Collaboration
on Drug Discovery and Development. T Takebe e outros, 2018. (3) FDA Grants Accelerated Approval for Alzheimer’s Drug. 7/junho/2021. (4) Disponível em
bit.ly/3J4pI0W. (5) Association Between Food and Drug Administration Advisory Committee Recommendations and Agency Actions, 2008–2015. A Zhang e
outros, 2019. (6) The antibody aducanumab reduces AB plaques in Alzheimer's Disease. J Sevigny e outros, 2016. (7) Inside ‘Project Onyx’: How Biogen used an janeiro 2022 super 25
FDA back channel to win approval of its polarizing Alzheimer’s drug. A Feuerstein, M Herper e D Garde, 2021.

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 As cinco hipóteses
Fracasso do aducanumab reabre
o debate sobre a real causa do
1
Alzheimer – que, mesmo após décadas
de pesquisas, ainda é incerta.

alterações no estudo científico sobre o
remédio – que a Biogen teria se recu-
sado a fazer, preferindo simplesmente
não publicar o trabalho. Isso é altamente
incomum, e despertou suspeitas sobre os
resultados apresentados pelo laboratório.
O JAMA não comenta o episódio. Ques-
tionada pela Super, a Biogen confirmou o
entrevero com o JAMA – mas disse que,
a sujeira
TEORIA: Amiloide
Essa tese diz que a doença é causada por placas de proteína be-
ta-amiloide que se formam no cérebro, atrapalhando o funciona-
mento dos neurônios. É a teoria mais aceita. Mas o aducanumab,
que reduz ou elimina as placas mas não melhora o Alzheimer,
colocou-a em dúvida. Alguns cientistas têm proposto que tal-
vez as placas sejam um sintoma, e não a real causa, da doença.

2
“para proteger a integridade do processo
de revisão científica", não comentaria o
caso. O fato é que, até hoje, os dados da
Biogen que supostamente mostram a
nas eficácia do remédio não foram publica-
últimas
décadas, a dos em nenhum jornal científico com
"hipótese revisão por pares, ou seja, analisados por
amiloide" cientistas independentes. Então eles não
dominou podem ser levados em conta; na prática,
as pesqui- é como se não existissem.
sas sobre
a doença. Em setembro de 2021, a polêmica foi
mas, parar no Congresso americano, onde a escassez
agora, ela duas comissões de deputados pediram TEORIA: COLINÉRGICA
pode aca- esclarecimentos à FDA. O preço do adu-
bar nau- canumab também gerou controvérsia, Segundo essa tese, o Alzheimer é provocado pela redução na
fragando; produção de acetilcolina, um neurotransmissor, conforme a pes-
como pois ele poderia representar um cus- soa envelhece. Isso levou ao desenvolvimento de drogas que
aconteceu to anual de US$ 29 bilhões a US$ 57 aumentam o nível dessa substância no cérebro – mas elas não se
antes com bilhões para o programa Medicare, do mostraram eficazes, o que levou ao abandono da tese colinérgica.
outra tese, governo americano, que reembolsa o
a colinér- valor gasto com remédios (nos EUA, 6
gica.
milhões de pessoas têm Alzheimer). A
FDA diz que está fazendo uma auditoria

3
interna relacionada ao aducanumab, e
também alterou as condições de aprova-
ção do remédio: ele só poderá ser recei-
tado para pacientes com Alzheimer leve,
e não para todos os que têm a doença,
como havia sido liberado.
Com toda a repercussão negativa, o
aducanumab chegou ao mercado afun-
dando como um tijolo em um lago. A
expectativa da Biogen era de que a nova
droga seria adotada por 900 centros mé- a deformação
dicos, e analistas de mercado previam TEORIA: TAU
US$ 16 milhões em vendas no primeiro A proteína tau, que está presente nos axônios (os "caules" dos
trimestre após o lançamento. Na práti- neurônios), se acumula de forma anormal e começa a deformar
ca, só 120 clínicas o adotaram, gerando os neurônios. Sinais disso foram encontrados em cérebros com
Alzheimer e também com outras doenças neurológicas, como um
irrisórios US$ 300 mil em faturamento. subtipo de Parkinson. A suposta causa é uma mutação genética.

26 super janeiro 2022

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 4
o “fogo"
TEORIA: INFLAMAÇÃO
Essa hipótese diz que as anormalidades na proteína tau e nas pla-
cas de beta-amiloide são sintomas do Alzheimer – que na verdade
seria provocado por uma inflamação crônica do sistema nervoso,
desencadeada por infecções. Uma delas seria a gengivite causada
pela bactéria P. gingivalis, que é capaz de penetrar no cérebro.
Uma pesquisa feita pelo site especializado Medscape
com 437 médicos (8) constatou que 87% deles discor-
dam da aprovação do remédio pela FDA – e 42% se
dizem “muito preocupados" com a possível pressão
das famílias de pacientes para que receitem a droga.
Isso porque o aducanumab também provoca efeitos
adversos – e eles não são triviais. Esses dados (que, ao
contrário dos números de eficácia, foram publicados
no JAMA (9)) indicam que 41,3% dos pacientes trata-
dos com o remédio apresentaram “anormalidades de
imagem" em exames do cérebro. A mais comum foi
edema (inchaço) cerebral, visto em 35% dos pacientes,
sendo que 26% tiveram sintomas decorrentes dele,
como dor de cabeça, tontura e confusão mental. 19,1%
apresentaram micro-hemorragias no cérebro.
Foram esses motivos, mais a falta de eficácia do
remédio, que a European Medicines Agency (EMA,
o equivalente europeu da FDA) citou no final de
dezembro de 2021 para barrar o aducanumab, que
não poderá ser vendido no continente. A Biogen diz
que os efeitos colaterais são esperados e adminis-
tráveis, podendo ser resolvidos com a interrupção

5
a gordura
TEORIA: COLESTEROL
O cérebro precisa de colesterol, um tipo de gordura, para funcio-
nar normalmente. Ela é sintetizada pelos astrócitos, um tipo de
célula responsável pela manutenção do órgão. Um excesso nessa
produção poderia estimular a formação das placas amiloides –
sendo a gordura cerebral, portanto, a real causa do Alzheimer.
temporária do tratamento – e irá recorrer do parecer
da EMA. É pouco provável que ela consiga reverter
totalmente a decisão. A agência regulatória do Japão
também barrou a liberação do remédio no país, e
pediu que o fabricante forneça mais dados.
Nos Estados Unidos, onde ele foi liberado, a FDA
determinou que a Biogen deverá fazer mais um estudo
clínico com a droga, que poderá ser tirada do mercado
se fracassar. Mas isso vai demorar: a agência deu nove
anos de prazo para a Biogen, que pretende completar
o trabalho em quatro. Enquanto isso, o aducanumab
continuará sendo vendido nos EUA, o que pode ter
uma consequência perigosa: ele pode constituir um
mau precedente, representando um estímulo para que
a indústria tente aprovar medicamentos “na marra",
sem a devida comprovação de eficácia e segurança. E
os pacientes e suas famílias, desesperados por qual-
quer coisa que possa ajudá-los, acabarão exigindo essas
drogas, mesmo que elas não tenham comprovação
científica – o que criará um novo estímulo para aprovar

70%
70
mais remédios à força, formando um círculo vicio-
so. “Quando ofertamos remédios caros, com efeitos
→

dos casos de
demência em idosos
são causados pelo
alzheimer.
(8) www.medscape.com/viewarticle/953996 (9) Amyloid-Related Imaging
Abnormalities in 2 Phase 3 Studies Evaluating Aducanumab in Patients With Early
Alzheimer Disease. S Salloway e outros, 2021.
janeiro 2022 super 27

SI_435_Alzheimer.indd 27 1/14/22 14:12

 colaterais graves e sem benefícios con-
cretos, não estamos facilitando o avanço
das pesquisas. Estamos prestando um
desserviço”, diz o neurobiólogo George
Perry, da Universidade do Texas.
Para ele, os efeitos adversos do adu-
canumab podem ser até piores do que
os estudos indicaram. “Os testes clínicos
[da Biogen] foram realizados em pessoas
selecionadas, sem comorbidades comuns
na população idosa, incluindo proble-
mas vasculares.” De fato, há estudos
relatando complicações mais intensas:
como o caso de um homem de 67 anos
que teve seis episódios de edema ce-
rebral 10 durante o tratamento, e uma
mulher de 80 cujo cérebro apresentou
“anormalidades" após a quinta dose do
remédio. Ela entrou no chamado status
epilepticus, com convulsões intensas e
prolongadas 11 . Quatro dias mais tarde,
teve sangramento cerebral e entrou em
coma. Morreu três semanas depois.
Todo remédio tem efeitos colaterais,
sejam de maior ou menor gravidade. É
normal, faz parte da medicina. Eles são
comparados aos potenciais benefícios
que aquela substância traz aos pacientes;
se a proporção se mostrar favorável, a
droga é aprovada. Foi isso que o adu-
canumab não conseguiu demonstrar.
No fim de dezembro, a Biogen anunciou
um corte de 50% no preço do remédio,
que passará a custar US$ 28 mil anuais.
Apesar dessa medida para tentar salvá-lo,
as ações da empresa continuaram no
fundo: estão 43% abaixo do seu pon-
to mais alto, registrado no dia em que
o remédio foi liberado nos EUA. E Al
Sandrock, principal cientista da empresa
(e protagonista daquele encontro com
um diretor da FDA), vai se aposentar.
É um desfecho frustrante para um
medicamento que se mostrou capaz de
fazer o que prometia, limpar as placas de
10 Six Recurrent Amyloid-Related Imaging Abnormality Episodes in a Patient Treated With Aducanumab. J Hall e
outros, 2021. 11 FDA Clinical Review: 761178. Disponível em bit.ly/3E8RiXb. 12 Prevalence and outcomes of amyloid
positivity. R Roberts e outros, 2018. 13 CSF tau microtubule binding region identifies tau tangle and clinical stages of
28 super janeiro 2022 Alzheimer’s disease. K Horie e outros, 2020.
SI_435_Alzheimer.indd 28
proteína beta-amiloide – mas não conseguiu tratar o
Alzheimer. A chamada “teoria amiloide” é pesquisada
há mais de 30 anos, e era a mais aceita pelos cientis-
tas. E agora? O fato de que o medicamento cumpre
seu objetivo com sucesso, e ainda assim não alcança
resultados concretos para a saúde dos pacientes, co-
loca em xeque toda essa linha de trabalho. “Estamos
perdendo tempo com essa hipótese, quando podíamos
estar pesquisando outras possibilidades”, diz George
Perry, da Universidade do Texas. Vamos a elas.
“Eu me perdi"
A doença de Alzheimer é tão devastadora para os pa-
cientes quanto para suas famílias. Auguste Deter, a
dona de casa alemã que entraria para a história como
a primeira pessoa a ser diagnosticada com a doença
(então conhecida como “demência pré-senil") pelo mé-
dico Alois Alzheimer, morreu em 1906, aos 55 anos,
internada no Hospital de Lunáticos e Epilépticos de
Frankfurt, longe do marido, Karl, e da filha, Thekla.
Entrevistada pelo psiquiatra em diferentes ocasiões,
ela não lembrava seu sobrenome, sua idade ou o nome
do marido. “Ich habe mich verloren”, dizia com fre-
quência – a expressão significa “eu me perdi”. Após a
morte de Auguste, o dr. Alzheimer analisou o cérebro
da paciente e nele encontrou as placas de proteína
beta-amiloide que se tornariam o sinal clássico da
doença. E removê-las se tornou o grande objetivo. Hoje
conseguimos fazer isso; mas não curamos o Alzheimer.
“A teoria das placas beta-amiloides pode não ser vá-
lida, ou simplesmente pode ser que a medicação esteja
sendo utilizada tarde demais, porque a doença demora
anos para se desenvolver e seus primeiros sintomas
costumam passar despercebidos”, diz o bioquímico
Mychael Lourenço, professor da UFRJ e especialista em
Alzheimer. Na prática, pode ser muito difícil separar
os esquecimentos normais e pontuais, que fazem parte
da vida, de algo mais sério, que justifique procurar um
médico. E quando a pessoa finalmente faz isso, pode
ser tarde. Qualquer tratamento tem melhores chances
de sucesso quando pega a doença no começo. Mas
num cenário em que a maioria dos médicos já encara o
aducanumab com ceticismo, quantos teriam coragem de
receitá-lo de forma “precoce", considerando os efeitos
1/14/22 14:12
 a falta de
medicamentos eficazes
leva à criação de
outros tipos de
tratamento – como um
que usa flashes de luz
para tentar reverter colaterais? Precisaria existir um estudo
clínico analisando esse tipo de uso do
remédio – e isso não foi feito. Também
a doença. há outro complicador: há muitas pessoas
que apresentam placas de beta-amiloide
no cérebro, mas não desenvolvem Al-
zheimer. Em um estudo feito nos EUA
com 1.671 idosos acima de 80 anos, 43%
apresentavam as placas – mas nenhum
tinha Alzheimer 12 .
Por isso, talvez a doença tenha outra
causa. Uma hipótese diz respeito à tau,
uma proteína responsável pela estrutu-
ra dos neurônios. Por razões ainda não
compreendidas, ela pode sofrer trans-
formações químicas que levam à for-
mação de emaranhados neurofibrilares
(deformações internas nos neurônios).
Em dezembro de 2020, pesquisadores
da Universidade de Washington cons-
tataram que existe uma relação entre
a quantidade dessa proteína no fluido
cerebroespinhal, que envolve o órgão, e
a presença e gravidade do Alzheimer 13 . a técnica
De forma semelhante à teoria das pla- de luz
cas beta-amiloides, essa tese ajudaria a pulsada
explicar o que causa a degeneração dos foi desen-
neurônios, especialmente nas áreas do volvida
pelo mit
cérebro relacionadas à memória. Mas ela e reduziu
também não parece se sustentar como as placas
uma causa única. “Existem anticorpos amiloides
[monoclonais] sendo desenvolvidos para em ratos.
atacar o problema da proteína tau, mas está sendo
testada em
a maioria das pesquisas não avança”, humanos.
diz Jerusa Smid, da Academia Brasi- mas e se as
leira de Neurologia. A empresa suíça placas não
AC Immune, por exemplo, desenvolveu forem a
um anticorpo, o semorinemab, para real causa
da doença?
combater a proteína tau. Ele teve bons
resultados no último teste clínico: dois
grupos de 136 pessoas cada, um tomando
o remédio e outro placebo, foram com-
parados ao longo de um ano, e a turma
que ingeriu o semorinemab teve 44%
menos declínio cognitivo. O problema
→
janeiro 2022 super 29

SI_435_Alzheimer.indd 29 1/14/22 14:12

 é que em outro estudo, realizado pela própria AC
Immune um ano antes com mais pessoas, o remédio
havia fracassado. Portanto, o novo trabalho ainda não
pode ser tomado como prova. Outros anticorpos contra
a proteína tau, desenvolvidos por laboratórios como
o TauRx Pharmaceuticals e o Axon Neuroscience,
talvez os têm falhado repetidamente nos testes. Ou seja: a tau
trata- provavelmente não é a salvação da lavoura (inclusive
mentos de
alzheimer porque o aducanumab também age contra ela, e mesmo
tivessem de assim não traz benefícios contra a doença).
começar Pode acabar acontecendo com ela o que ocorreu com
mais cedo. a “hipótese colinérgica", segundo a qual o Alzheimer
mas fazer é causado pela queda nos níveis do neurotransmissor
o diagnós-
tico preco- acetilcolina – que de fato são mais baixos nos cérebros
ce é difícil afetados pela doença. Em 1995, surgiu um medicamento
– inclusive capaz de aumentá-los (inibindo a acetilcolinesterase,
porque uma enzima que normalmente “come" esse neuro-
metade das transmissor). Mas, na prática, também não funcionou
pessoas
que têm como esperado: traz benefícios bem modestos. Talvez
placas porque a queda de acetilcolina não seja a causa, e sim
amiloides uma consequência, do Alzheimer? Há quem diga que
no cérebro isso também possa valer para as placas de proteína
não de- beta-amiloide e para a proteína tau. O certo é que
senvolve a
doença. atacar esses três pontos, até agora, não adiantou.
Uma quarta hipótese diz respeito a infecções pela
bactéria P. gingivalis, que causa gengivite. Ela produz
uma enzima chamada gingipaína, que destrói teci-
dos – e foi encontrada nos cérebros de pessoas que
morreram de Alzheimer. O laboratório americano
Cortexyme criou um remédio que bloqueia essa enzi-
ma. O resultado dos testes em humanos foi divulgado
em outubro, e infelizmente o remédio fracassou – tanto
que as ações da empresa despencaram 75%.
Também há teses propondo que a doença pode ser

30 super janeirO 2022

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 116
a nos se passaram desde
a descoberta do primeiro
caso de alzheimer. e até
hoje a ciência não sabe
ao certo o que causa a
doença ou como tratá-la.
causada pelo excesso de colesterol no
cérebro, por inflamações crônicas ou
até por diabetes. “Existe a teoria de que
a doença seria uma espécie de ‘diabetes
tipo 3'”, diz Smid. Ela se refere ao cha-
mado “estudo Rotterdam” 14 , de 1996,
que investigou mais de 6 mil idosos e
constatou que, entre os que sofriam de
Alzheimer, havia uma incidência bem
mais alta de diabetes do que entre os
demais. O problema, como se diz na ci-
ência, é que “correlação não é causa". O
fato de a diabetes ser mais comum entre
os pacientes de Alzheimer não significa,
necessariamente, que uma doença cause
a outra. Tanto é assim que, duas décadas
depois, essa linha de pesquisa ainda não
levou à criação de nenhum tratamento.
O fato é que a medicina continua
tão perdida na luta contra o Alzheimer
quanto estava antes do surgimento do
aducanumab. “Há medicamentos utili-
zados há muitos anos para amenizar os
sintomas da doença, mas eles são pouco
eficazes”, diz Vitor Tumas, professor
do departamento de neurociência da
Faculdade de Medicina da USP. “O que
temos não é eficiente. Os remédios atu-
ais são o equivalente a ter pneumonia
e tomar dipirona [um anti-inflamatório
ineficaz para esse fim]”, compara Claudia
Suemoto, da USP.
Há enorme demanda por novas for-
mas de combater a doença. Como as
14 Association of diabetes mellitus and dementia: the Rotterdam Study. A Ott e outros, 1996.
15 Gamma frequency entrainment attenuates amyloid load and modifies microglia. T Tsai e outros, 2016.
SI_435_Alzheimer.indd 31
drogas levam muito tempo, e geralmen-
te fracassam, surgem tentativas criati-
vas. É o caso do uso de luz pulsada a
40 Hz (40 flashes por segundo). Em
2016, a neurocientista Li-Huei Tsai, do
MIT, colocou ratos diante de uma luz
assim. Os cérebros deles estavam cheios
de placas amiloides – que encolheram
bastante após sete sessões de uma hora
15
. Isso supostamente acontece porque
o estímulo luminoso gera ondas cere-
brais que estimulam as micróglias, um
tipo de célula que faz a manutenção do
cérebro (e “come" beta-amiloide). Seria
mais ou menos como tomar aducanu-
mab só que sem os efeitos colaterais.
Um tratamento assim poderia ser usado
de forma bem precoce, aos primeiros
sinais de declínio cognitivo, ou até pre-
ventivamente. Ele já está sendo testa-
do em humanos. Mas há dois poréns.
Primeiro, ratos não têm Alzheimer (as
cobaias do estudo haviam sido gene-
ticamente modificadas para produzir
beta-amiloide). E quem disse que as
placas são mesmo a causa da doença?
Essa é, afinal, a grande dúvida deixada
pelo fracasso do aducanumab.
O Alzheimer desconstrói a mente
de suas vítimas – e, ao fazer isso, torna
dolorosamente nítido o papel das memó-
rias na cognição humana. Por isso, talvez
seja importante lembrar de certas coisas
na luta contra ele. Lembrar da força do
método científico e da importância de
segui-lo, sem ceder a interesses ou pres-
sões. Lembrar do poder que a medicina
tem de investigar, entender e eventu-
almente vencer doenças, por mais que
isso possa demorar. Lembrar que reveses
fazem parte do progresso. E lembrar que,
enquanto a humanidade continuar sua
jornada pelos mistérios do corpo e da
vida, tentando encontrar a luz dentro de
enigmas aparentemente impenetráveis,
sempre haverá esperança. S
janeiro 2022 super 31
1/14/22 14:13
 tecnologia

Texto Bruno Garattoni

Design Carlos Eduardo Hara

A
máquina
mais
valiosa
DO
mundo
Ela custa US$ 150 milhões. É transportada em
três Boeing 747 e suas peças ocupam 40 contêi-
neres. Pesa 180 toneladas e consome 1,3 milhão
de watts de eletricidade. Serve para fazer uma
coisa extremamente importante – e é a única
tecnologia do planeta que a China não tem.

32 super janeiro 2022 Foto Bryan Derballa/The New York Times/Fotoarena

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 B
Bomba atômica.Computador quânti-
co. Mísseis hipersônicos. Robôs, iPhones,
carros autônomos. A China faz essas
coisas, e todas as outras também: pense
em algum produto ou artefato de alta
tecnologia, qualquer um, e os chineses
serão capazes de produzi-lo (até as va-
cinas de RNA mensageiro, que eram ex-
clusividade dos Estados Unidos, agora
têm uma versão sínica, criada pela em-
presa Walvax Biotech). Mas há algo que a
China não consegue desenvolver, copiar
nem comprar – embora tenha passado
as últimas décadas tentando fazer isso.
É uma máquina de US$ 150 milhões,
que é formada por 100 mil componentes
e está entre as coisas mais sofisticadas
já criadas pela humanidade. Também é
uma das mais perfeitas (dentro dela há
peças incrivelmente precisas, com mar-
gem de erro de no máximo 1 átomo),
e está entre as mais importantes: é o
cerne oculto da disputa geopolítica entre
a China e os EUA, e grande motivo para
os chineses quererem retomar Taiwan.
É fabricada numa cidadezinha de 45 mil
habitantes no interior da Holanda, em
ambientes ultralimpos, por uma empresa
da qual você nunca ouviu falar.
O que você acha que é? Difícil até
de tentar adivinhar, não? Mas dessa
máquina saíram várias coisas que vo-
cê talvez tenha e use todos os dias. Ela
é um sistema de litografia por ultra-
violeta extremo (EUV), e faz chips de
computador. As CPUs do iPhone e dos
Androids topo de linha, dos Macs e dos
PCs mais avançados, do PlayStation 5
e do Xbox Series X/S são todas feitas
nessa máquina, que funciona como uma
impressora de chips: ela usa um proces-
so complexo e interessante para gerar
luz ultravioleta extrema, cujas ondas os-
cilam em altíssima frequência e por isso
são muito, mas muito curtas – cada uma
delas mede ínfimos 13,5 nanômetros,
ou seja, é 10 mil vezes menor do que a
espessura de um fio de cabelo. Essa luz é
invisível a olho nu, e não pode ser gera-
da com lâmpadas; o único jeito é injetar

janeiro 2022 super 33

SI_435_amaquinamaisvaliosa2.indd 33 1/13/22 20:34

 1,3 milhão de watts de eletricidade na
máquina para vaporizar microgotas de
chumbo líquido, desencadeando uma
reação atômica que libera a luz [veja in-
fográfico na pág. 36]. Embora sua criação
exija grande quantidade de energia, ela
é extremamente delicada. Tão delicada
que todo o interior da máquina precisa
ser mantido em vácuo praticamente ab-
soluto, para evitar que moléculas de ar
absorvam os raios EUV. Eles também
não podem passar por várias lentes, pois
elas causariam o mesmo problema. Por
isso, a luz é focalizada por uma sucessão
de espelhos ultrapolidos – eles são o
objeto mais preciso já produzido pela
humanidade, com imperfeições de no
máximo 1 átomo.
Quando a luz chega à ponta da má-
quina, ela é projetada sobre um molde
– que contém o desenho exato, em deta-
lhes nanoscópicos, de todos os circuitos
que irão formar a CPU. É uma quanti-
dade avassaladora, num espaço muito
pequeno: o chip M1 Max, da Apple,
que atualmente é o mais complexo do
mundo (e é feito nessa máquina), tem
57 bilhões de transistores, espremidos
numa área de 4 centímetros quadrados.
Só a luz ultravioleta extrema, com suas
minúsculas ondas de 13 nanômetros, é
precisa o suficiente para imprimir esse
nível de detalhes; com qualquer outra,
a impressão sairia borrada, tornando
impossível fabricar o chip.
Você deve estar pensando: como as-
sim impressão? Os chips de computador
são impressos, como um texto em papel?
Sim. É o único jeito de construir estru-
turas tão pequenas. A luz EUV é proje-
tada sobre uma base de silício coberta
com substâncias químicas, que reagem
a ela e se transformam em compostos
metálicos – que formam os transisto-
res e as “estradinhas” que os conectam
dentro do chip [veja mais no infográfico].
Quanto menores são os circuitos
dentro de uma CPU, mais deles cabem
ali dentro – e menor a distância entre
cada um. Isso traz duas vantagens: o
chip fica mais veloz e consome menos
energia. Foi esse “encolhimento” que
permitiu os ganhos de performance das
CPUs nas últimas décadas [veja quadro
na pág. 38]. O exemplo mais recente é o
processador M1, que a Apple colocou
nos MacBooks no final de 2020. Ele
era 40% mais rápido do que os ante-
cessores (as CPUs Intel presentes nos
34 super janeiro 2022
SI_435_amaquinamaisvaliosa2.indd 34
MacBooks anteriores), e mesmo assim
gastava muito menos energia – permi-
tindo que os laptops da Apple alcan-
çassem inéditas 18 horas de bateria. Foi
o primeiro processador a ser fabricado
com precisão de 5 nanômetros, ou seja,
com circuitos menores do que as outras
CPUs (que naquela época ainda estavam
entre 7 e 14 nanômetros). Só se tornou
realidade graças à máquina de litografia
extrema, na qual é feito até hoje.
Essa máquina se chama Twinscan
NXE, e é produzida em Veldhoven, 120
km ao sul de Amsterdã, pela empresa
holandesa ASML (Advanced Semicon-
ductor Materials Lithography), que tem
28 mil funcionários espalhados pelo
mundo – partes do sistema são feitas
na Califórnia e em Connecticut, nos
EUA, e em Taiwan. Mas a Twinscan
em si é produzida em Veldhoven, numa
planta cercada por cuidados extremos.
É preciso vestir roupas de laboratório
e máscara e passar por um processo de
descontaminação antes de entrar nas
áreas mais sensíveis, onde o ar é 10 mil
vezes mais limpo (em número de par-
tículas suspensas) que do lado de fora.
Os módulos da máquina são gran-
des e muito pesados – eles são levados
de um lado para outro da fábrica em
hovercrafts: colchões de ar sob pressão,
único jeito de transportar as peças sem
destruir o piso. Apesar de sua brutalida-
de (ela pesa 180 toneladas e tem aproxi-
madamente o tamanho de um ônibus),
a máquina também é incrivelmente
sensível. A fábrica de Veldhoven é isola-
da do ambiente externo por duas pare-
des intercaladas por uma grossa camada
de ar, e sustentada por 1.500 fundações
(estacas) de 23 metros, que dissipam até
a máquina usa
luz para fabricar
cpus. é ela que
faz o processador
m1, da apple.
1/13/22 20:34

as menores vibrações sísmicas vindas
do lado de fora. A temperatura interna
precisa ser mantida a exatos 21,0 graus
– qualquer desvio pode fazer com que
peças metálicas se expandam ou con-
traiam, afetando a precisão da máquina.
A ASML foi fundada em 1984 pela
multinacional holandesa Philips. Em
parceria com a Sony, ela tinha acaba-
do de inventar o Compact Disc (CD),
lançado em 1982. O CD foi o primeiro
produto digital de massa – e também
representava um grande salto em tecno-
logia óptica. Por isso, a Philips estava na
vanguarda da produção de chips e lentes
SI_435_amaquinamaisvaliosa2.indd 35
de alta precisão. Ela queria aproveitar
isso para entrar no mercado de CPUs – e
se associou a outra empresa, a holande-
sa ASL, que entrou com as técnicas de
litografia. “A primeira década foi ruim,
[a nova companhia] não fazia nenhum
dinheiro, quase não conseguia pagar
os salários, dependia de que a Philips
continuasse investindo”, conta Sander
Hoffman, porta-voz da ASML. O jogo só
começou a virar em 1991, quando a em-
presa lançou a PAS 5500: uma máquina
de litografia bem mais compacta do que
as existentes no mercado (cabia dentro
de uma sala grande). Os fabricantes de
A Twinscan é entregue
parcialmente desmontada –
e seu processo de insta-
lação leva seis meses.
chips gostaram e começaram a comprar
da ASML, que ganhou um respiro fi-
nanceiro – ampliado em 1995, quando
ela entrou na Bolsa de Nova York e
se tornou independente da Philips. A
empresa aumentou seu investimento
em pesquisa e conseguiu outro hit na
década de 2000, com as primeiras má-
quinas Twinscan: elas têm esse nome
porque conseguem trabalhar com dois
wafers (placas que dão origem às CPUs)
ao mesmo tempo. Isso também agradou,
as máquinas venderam bem, e a ASML
acabou dominando o setor: hoje ela tem
quase 90% do mercado de litografia de
Foto ASML/divulgação janeiro 2022 super 35
1/13/22 20:34
 A
impressora
Sistema usa um método
complexo para gerar luz
ultravioleta extrema –

de chips
e então projetá-la com
altíssima precisão sobre
placas de silício.

1
A máquina Ela
pesa 180 toneladas
e tem aproxima-
damente 100 mil
peças, conectadas
por 2 km de cabos.
Ela consome 1,3
megawatt ao todo,
e fica ligada 24
horas por dia.

2 3 4
o chumbo Dentro da máquina, um bico O laser Um canhão dispara rapidamente, a reação Isso desestabiliza os átomos do
de altíssima precisão libera 50 mil gotas de e acerta cada uma das gotas duas vezes. chumbo. Alguns elétrons ganham energia e
chumbo líquido por segundo. Cada uma delas Primeiro com pouca potência, só para achatar se distanciam temporariamente do núcleo.
mede apenas 25 mícrons (0,025 milímetro), a partícula, e depois com toda a força: 30 mil Quando eles voltam, frações de segundo
e é disparada em alta velocidade, a 70 metros watts de energia, que esquentam o chumbo a depois, essa energia é liberada na forma de
por segundo (252 km/h). até 400 mil graus Celsius. luz ultravioleta extrema (EUV).

5
a luz Normalmente, a Espectro eletromagnético
luz ultravioleta extrema
só existe no espaço (ela é Ultravioleta
absorvida pela atmosfera extremo
da Terra ao chegar ao pla- Luz visível
neta). Ela é de altíssima
frequência: oscila muitas Raios gama Raios X UV Infravermelho Ondas de rádio
Radar TV FM AM
vezes por segundo, e por
13,5 nm
isso forma ondas incri- 0,0001 nm 0,01 nm 10 nm 1000 nm 0,01 cm 1 cm 1m 100 m
velmente pequenas, com
apenas 13,5 nanômetros
cada uma. E isso faz toda
a diferença (você já vai
entender o motivo). Comprimento
de onda

36 super janeiro 2022 Imagens ASML/divulgação/Estúdio Trema

SI_435_amaquinamaisvaliosa2.indd 36 1/13/22 20:34

 6
Os espelhos Agora, a luz
precisa ser focalizada. Mas
não dá para fazer isso com
lentes: as ondas de luz são
pequenas demais e seriam
parcialmente absorvidas
pelo vidro (desperdiçando
parte da potência do raio
EUV). Por isso, elas são
refletidas por um conjunto
de espelhos ultrapolidos,
fabricados pela empresa
alemã Zeiss. Eles têm im-
perfeições de no máximo
1 átomo – são os objetos
mais precisos já construí-
dos pela humanidade.
retícula
luz
lente
padrão
projetado
wafer
Quando a luz bate nesses materiais,
eles sofrem reações químicas e se
transformam em estruturas metálicas
– formando os circuitos do chip. Mas o
processo está só começando.
9 10
As camadas Os wafers saem da máqui-
na, são submetidos a processos químicos
e retornam para uma nova impressão
com luz. Isso é feito várias vezes – e
permite que os chips sejam esculpidos,
ou seja, tenham mais de 10 camadas.
SI_435_amaquinamaisvaliosa2.indd 37
CPUs (as japonesas Canon e Nikon divi-
dem o que sobra). E é a única a produzir
máquinas de ultravioleta extremo, EUV.
Intel, Samsung e IBM usam as
máquinas holandesas para fazer seus
chips. Mas o cliente mais importante
da ASML é outro, pouco conhecido fora
da indústria: a Taiwan Semiconductor
Manufacturing Company, ou TSMC. É
ela que fabrica as CPUs da Apple e da
Qualcomm (os Snapdragon presentes
em 90% dos smartphones), alguns chips
de vídeo da Nvidia e processadores da
AMD, como os do PlayStation 5 e do
Xbox Series X/S. A TSMC é a fábrica de
7
A impressão A luz EUV chips mais moderna do mundo. É a prin-
chega até a retícula: um cipal operadora das máquinas holande-
molde do chip que você sas de litografia extrema – estima-se
quer fabricar. Como ela que, sozinha, tenha de 30 a 40 delas em
tem ondas muito peque-
nas, consegue atravessar funcionamento. E é, também, o foco das
essa peça (que contém tensões militares entre China e EUA.
um desenho representan-
do os circuitos do chip) Taiwan e a luz
sem causar distorções. Em 2020, a China teve superávit comer-
A luz atravessa, proje-
tando a imagem do chip cial de US$ 535 bilhões com o resto do
numa lente final – que re- mundo. Também pudera: ela fabrica e
duz a imagem e a despeja exporta de tudo. Mas, naquele mesmo
sobre o wafer, uma placa ano, o país comprou US$ 350 bilhões em
de silício coberta com chips do Ocidente – mais do que gas-
materiais fotossensíveis.
tou importando petróleo. Se os chineses
conseguissem fabricar as próprias CPUs,
poderiam quase dobrar o seu superávit
comercial. E também teriam mais con-
trole sobre o próprio destino.
Em 2019, o então presidente dos EUA
8
Donald Trump decidiu impor sanções
econômicas à multinacional chinesa
Huawei, que produz equipamentos de
rede e smartphones. Naquela época, a
Huawei tinha acabado de ultrapassar
O movimento A bandeja da máquina
se movimenta, deslocando o wafer em a Apple e se tornar a segunda maior
movimentos ultraprecisos – para que a fabricante de celulares do mundo, só
luz vá imprimindo dezenas de chips, um atrás da Samsung. Mas, com as san-
ao lado do outro, na placa de silício. ções, as empresas americanas ficaram
proibidas de vender componentes para
a Huawei. Entre elas a Qualcomm, cujas
CPUs Snapdragon os chineses usavam
em seus celulares. Resultado: a Huawei
teve graves problemas, e acabou forçada
a vender sua divisão de smartphones.
Isso mostra o poder que os Estados
Unidos detêm. Se eles decidirem proibir
a venda de chips para alguma empre-
sa chinesa, alegando o motivo que for,
Os chips Ao final do processo, o wafer ela estará praticamente morta – pois
é cortado em pedacinhos por uma outra a China não consegue fabricar CPUs
máquina. Cada quadradinho é uma CPU
ou GPU (processador de vídeo). Cada modernas. Não é que ela não tente.
wafer rende em média 150 chips, depen- Em 2020 o país apresentou o Zhaoxin
dendo do modelo do processador. KaiXian U6780, um processador com
janeiro 2022 super 37
1/13/22 20:34
 oito núcleos que prometia o mesmo
desempenho de um Intel Core i5-7400,
lançado três anos antes. Na prática, ele
não chegou lá: testes independentes re-
velaram que o chip chinês era 30% a
70% mais lento, dependendo da tarefa.
Mas o maior problema não era nem esse.
Era que, embora o KaiXian tivesse sido
desenhado na China, não era fabricado
lá. O chip era produzido pela TSMC, em
Taiwan. Ou seja: ele não representava
a autossuficiência chinesa.
A China tem uma empresa equiva-
lente da ASML. Ela se chama Shangai
Micro Electronics Equipment (SMEE),
foi fundada em 2002 e de lá para cá
desenvolveu quatro gerações de má-
quinas de litografia para produção de
chips. Só que essas máquinas estão
muito, mas muito atrás das ocidentais.
O máximo que elas conseguem fazer,
hoje, é trabalhar com precisão de 90
nanômetros – a mesma usada para
fazer o processador Pentium 4, que a
Intel lançou em 2004. Isso mesmo: em
fabricação de CPUs, a China está duas
décadas atrás do Ocidente. A SMEE
promete lançar este ano sua primeira
máquina de 28 nanômetros – com a
qual, se tudo der certo, ela conseguirá
fazer chips similares aos que a Intel
vendia em 2012. Mas não é garantido
que vá conseguir isso: na prática, os
chineses estão há quase duas décadas
patinando no mesmo lugar.
“Existe toda uma cadeia de forne-
cimento, com milhares de elementos,
que precisa ser formada”, diz Hoffman,
da ASML. Um exemplo: para construir
suas máquinas de litografia, a empre-
sa holandesa usa espelhos especiais da
fabricante alemã Zeiss. E eles, assim co-
mo as máquinas (e o software que elas
rodam), são protegidos pelo Acordo de
Wassenaar, um tratado de 1996 que foi
assinado por 42 países e proíbe a ex-
portação de armas e certas “tecnologias
de uso dual” – que possam servir a fins
civis e militares – para certos países,
entre eles a China. CPUs, afinal, não
servem apenas para celulares e PCs;
elas também controlam os sistemas de
aviões, navios, mísseis etc. Também há
questões de domínio comercial e até de
espionagem: em tese, o país que dese-
nha e fabrica os chips tem condições
de inserir backdoors (portas secretas)
impossíveis de detectar ou remover.
Os holandeses até já tentaram vender
38 super janeiro 2022 (1) Final Report: National Security Commission on Artificial Intelligence. Disponível em bit.ly/3qO9ZLr
SI_435_amaquinamaisvaliosa2.indd 38
Oencolhimento
das cpus
Quanto menor e mais precisa a
tecnologia de produção de um chip,
mais circuitos ele pode ter – e mais
difíceis de fabricar eles se tornam.
Intel 4004
ano: 1971
tecnologia
de produção:
10 micrômetros
número de
circuitos: 2.250
É considerado o primeiro
microprocessador:
um chip digital
programável, ou seja,
capaz de executar
instruções diversas (não
é limitado a determinado
tipo de tarefa).
máquinas de litografia extrema para os Se a China fizesse isso, ela não só se
chineses, mas sofreram pressão do go- tornaria autossuficiente em chips, mas
verno dos EUA, que conseguiu bloquear teria poder sobre o Ocidente (ditando o
o negócio. E os americanos querem que que a TSMC poderia exportar ou não).
continue assim. Em março de 2021, a Os americanos sabem disso, tanto que
National Security Commission on Arti- já estão se mexendo. Recentemente, o
ficial Intelligence, um grupo criado pelo governo dos EUA solicitou que a em-
Congresso dos EUA para estudar aspec- presa forneça informações sobre suas
tos geopolíticos da inteligência artificial tecnologias (ninguém sabe o que, exa-
e de outras tecnologias, publicou um tamente), e também quer que a TSMC
extenso relatório (1) no qual recomenda abra uma fábrica em solo americano. Ela
“negar preventivamente as licenças de já começou a ser construída, no Arizona,
exportação” de equipamentos “capazes a um custo de US$ 12 bilhões. Enquanto
de produzir chips de 16 nanômetros isso, a China segue ameçando Taiwan.
ou menos, em especial equipamentos Longe de tudo isso, na Holanda, a
EUV”, para a China, bem como identi- ASML prepara sua próxima máquina.
ficar possíveis “pontos de sufocamen- Ela será ainda maior e mais precisa do
to” para retardar o desenvolvimento que a atual: vai estrear a tecnologia High
tecnológico chinês. Numerical Aperture, com espelhos e
Em suma: por meios normais, os lentes capazes de um foco mais preciso
chineses dificilmente vão conseguir – e, graças a isso, poderá fabricar chips
a tecnologia EUV nos próximos anos. com precisão de 3 nanômetros (contra
Existe outro jeito: invadir Taiwan e as- os 5 da atual). Ela deve chegar em 2023
sumir o controle sobre a TSMC, com e será o próximo salto tecnológico da
tudo o que tem dentro dela – inclusi- indústria de CPUs, inclusive no preço:
ve as máquinas de litografia extrema. vai custar US$ 300 milhões. S
imagens Wikimedia Commons
1/13/22 20:34
 Motorola 68000 Intel Core 2 Duo
ano: 1979 ano: 2006
tecnologia tecnologia
de produção: de produção:
3,5 micrômetros 65 nanômetros
número de número de
circuitos: 68 mil circuitos: 291 milhões
Marcou a popularização
É a CPU usada no
das CPUs dual-core,
primeiro Macintosh, de
com dois núcleos de
1984 – e também mais
processamento – o que
tarde, em 1988, no con-
também explica seu salto
sole de videogame Mega
impressionante na quan-
Drive, da Sega.
tidade de transistores.

Intel 80386 Apple A9X

ano: 1985 ano: 2015
tecnologia tecnologia
de produção: de produção:
1 micrômetro 16 nanômetros
número de número de
circuitos: 275 mil circuitos: 3 bilhões
Primeiro chip capaz de Primeiro chip da arqui-
executar o ambiente tetura ARM (que gasta
gráfico Windows (que menos energia e por isso é
rodava sobre o sistema usada em smartphones) a
operacional MS-DOS rivalizar em performance
e tinha uma interface com os chips x86 – usados
gráfica com mouse e em laptops e desktops.
ícones, como no Mac).

Intel Pentium Intel Core i9-12900K

ano: 1993 ano: 2021
tecnologia tecnologia
de produção: de produção:
800 nanômetros 7 nanômetros*
número de número de
circuitos: 3,1 milhões circuitos: 12 bilhões
A evolução da Novo chip híbrido da
litografia quebra uma Intel, com 8 núcleos de
barreira – e rende o alta velocidade e 8 de alta
primeiro chip com eficiência, que economi-
transistores menores zam energia. É o mesmo
do que 1 micrômetro. princípio usado nos pro-
cessadores Snapdragon,
de celular, e no Apple M1.

Pentium 4 Apple M1 max

ano: 2004 ano: 2021
tecnologia tecnologia
de produção: de produção:
90 nanômetros 5 nanômetros
número de número de
circuitos: 125 milhões circuitos: 57 bilhões
A China está aqui A memória RAM e a GPU
Os EUA não deixam a (processador de vídeo)
China comprar as má- são embutidas na própria
quinas de litografia mais CPU, daí o número im-
avançadas. Ela desen- pressionante de circuitos.
volveu as próprias, mas O chip, assim como seus
elas são rudimentares: só antecessores M1 e M1 Pro,
conseguem fazer CPUs de é fabricado numa máquina
90 nanômetros, como o de litografia extrema.
*A rigor, a tecnologia de produção é de 10 nanômetros.
antigo Pentium 4. Mas a Intel alega que fez uma série de otimizações nela
– e seu processo é tão preciso quanto o de 7 nanômetros
da TSMC. Por isso, ele foi batizado de Intel 7.
janeiro 2022 super 39

SI_435_amaquinamaisvaliosa2.indd 39 1/13/22 20:35

 Esporte

Gus Magalhães Design Krauss  Edição Alexandre Carvalho

CAIS
TRO
PI
Curling
Um atleta dá
impulso a um mo-
nolito, que desliza
Trenós pelo gelo. Outros
dois “varrem” a
pista, deixando o
gelo mais liso, para
que a pedra chegue
ao alvo.

Hockey no gelo
Dois times de seis
jogadores (três no
ataque, dois na de-
fesa e um goleiro)
se acotovelam para
acertar o gol adver-
sário com um disco
de borracha – que
pode chegar a 150
Texto Maria Clara Rossini  Ilustração

km/h.

As Olimpíadas de Inverno
de 2022 começam no dia 4
Snowboard
de fevereiro, em Pequim. E A prancha fica pre-
essa pode ser a edição com sa ao pé do atleta.
No slalom e cross, o
a maior delegação brasileira importante é com-
da história. Entenda como pletar o circuito no
menor tempo pos-
países tropicais passaram a sível. No freestyle,
competir nos esportes em o que conta são as
que o frio faz parte da regra. manobras no ar.

40 super janeiro 2022

SI_435_OlimpiadasInverno_V2.indd 40 1/14/22 14:58

 Skeleton Luge
É uma corrida Aqui, o atleta fica
contra o relógio em de barriga para
uma pista de gelo. cima no trenó,
O trenó só tem a com os pés em
base, na qual o direção à linha de
atleta fica deitado chegada. Requer
de barriga para boa memória,
baixo – de cara já que a posição
para o chão. limita a visão.

Bobsled
Os atletas empur-
ram o trenó para
pegar velocidade
em uma pista de
gelo em declive.
Depois, entram
e pilotam o carro
– o maior desafio
são as curvas.

Patinação
A olimpíada inclui
patinação de veloci-
dade e artística. Na
primeira, ganha o
atleta mais rápido.
Na segunda, a nota
é dada com base
nos elementos téc-
nicos e artísticos.

Esqui
Boa parte dos
esportes olímpicos
de inverno são pra-
ticados em esquis.
As modalidades
incluem descida na
neve, salto, corrida
e até o biathlon, que
inclui tiro ao alvo.

janeiro 2022 super 41

SI_435_OlimpiadasInverno_V2.indd 41 1/14/22 14:58

 A Austrália é o para-
íso do surfe . A costa
A realizado durante o verão
leste do país tem até uma
cidade com esse nome,
Surfers Paradise. Mesmo
assim, eles têm uma con-
quista esportiva associa-
da a lugares gelados – que
o Brasil nunca chegou
perto de alcançar: uma
medalha de ouro numa
Olimpíada de Inverno.
Nos Jogos de Salt Lake
City (EUA), em 2002, o
australiano Steven Brad-
bury competia na final da
patinação de velocidade,
em que os atletas devem
completar dez voltas em
uma pista oval. Durante
nove delas, ele não saiu
do último lugar. Até que
a sorte (ou o azar dos ou-
tros) lhe sorriu. A pou-
cos metros da linha de
chegada, um dos atletas
caiu, causando uma rea-
ção em cascata que derru-
bou todos os outros. Ou
quase todos. Esse tombo
coletivo deixou o cami-
nho livre para Bradbury
deslizar para a vitória.
Até hoje, a Austrália é o
único país do Hemisfério
Sul a ganhar um ouro em
Jogos de Inverno.
No Brasil, até que os ca-
nais de TV especializados
em esporte começassem
a transmitir competições
de gelo e neve, a gente
entendia o termo “Jogos
Olímpicos” de um jeito
só: o evento quadrienal
42 super janeiro 2022
SI_435_OlimpiadasInverno_V2.indd 42
do Hemisfério Norte.
Já para as nações de
temperaturas mais bai-
xas, Jogos Olímpicos são
algo que acontece a cada
dois anos: alternam-se
Olimpíadas de Verão e
de Inverno. Alguns des-
ses países até dão mais
atenção para o evento
frio. É o caso da Noruega:
ela pode se orgulhar de
ser a campeã de medalhas
nos Jogos de Inverno,
37
mas não chega nem no
top 20 dos de Verão.
Ainda assim, compe-
tidores de países mais
acostumados à bermuda
que ao cachecol estão se
tornando cada vez mais
presentes nas disputas de
neve e gelo. Nos Jogos de
2018, Brasil, Madagascar,
Fiji, Equador e outras 11
nações tropicais participa-
ram. Mas o fato é que são
todas figurantes. Nenhum
país tropical ganhou se-
quer um bronze em Olim-
píadas de Inverno. Então
qual a motivação para
competir contra atletas
habituados a temperatu-
ras abaixo de zero?
Atalho competitivo
Você provavelmente já
ouviu a história dos velo-
cistas jamaicanos que fo-
ram convidados a montar
um time de bobsled – es-
porte em que equipes de
duas ou quatro pessoas,
Fontes: Leandro Ribela, representante do Brasil no esqui cross-country na Olimpíada de Inverno de 2010; Marcelo Apovian,
representante do Brasil no esqui alpino nas Olimpíadas de Inverno de 1992 e 1998; Seleção Brasileira de Bobsled.
dentro de um trenó, fa-
zem descidas cronome-
é descendente de uma
família nobre que go-
tradas em pistas sinuosas vernou o território de
de gelo. Eles treinavam Hohenlohe-Langenburg
a descida em ladeiras de (sul da Alemanha) até o
grama mesmo, com um século 19. Representar
carrinho improvisado. os mexicanos, no en-
Menos de um ano após tanto, permitiu sua ida
a formação da equipe, aos Jogos.
os atletas participaram “Em muitos esportes,
da Olimpíada de Inver- atletas de alto nível não
no de Calgary, em 1988. conseguem disputar os
Essa jornada, que ren- Jogos porque no seu país
deu a primeira participa- tem gente ainda melhor.
ção do país caribenho em É mais fácil competir
Jogos de Inverno, virou pelo país do passapor-
filme: Jamaica Abaixo de te”, diz Otávio Tavares,
Zero, de 1993. E inspirou professor do Centro de
não só o cinema, mas Estudos Olímpicos da
também a formação de Universidade Federal do
países equipes de bobsled em Espírito Santo.
tropicais Trindade e Tobago, Por- Nas edições de 1984
já partici- to Rico, Nigéria e Brasil. e 1988, o mundo viu a
param das
Olimpíadas
Mas o pioneiro entre os chegada de nove países
de Inverno. países quentes foi outro: tropicais aos esportes
Nenhum o México. Em 1928, qua- de inverno – mesmo que
ganhou tro anos após a primeira muitos atletas nunca ti-
sequer uma “Semana de Esportes de vessem ido ao país que
medalha de
bronze.
Inverno” (que posterior- estavam representando.
mente ganharia status Há excessões. Sabe
de olimpíada), o país já quem é Pita Taufatofua?
competiu com um time Mais fácil mencionar seu
de bobsled. Um caso apelido: o “besuntado de
isolado, já que os mexi- Tonga”. Ele foi o atleta
canos só voltariam em que, sem camisa e coberto
1984, quando o príncipe de óleo, carregou a ban-
Hubertus von Hohenlohe deira do país insular na
representou o país no abertura das Olimpíadas
esqui alpino. do Rio e de Tóquio. Virou
Sim, príncipe: mas não meme instantâneo, claro.
do México. Hubertus só O que você talvez não
nasceu lá porque seu pai saiba é que ele repetiu o
presidia a fábrica local feito nas Olimpíadas de
da Volkswagen, mas foi Inverno de 2018. Mesmo
criado na Áustria. Ele morando em um país sem
1/14/22 14:59
 neve (Tonga faz parte da para competir no esqui
Polinésia), o lutador de alpino. A delegação tinha
taekwondo aprendeu a desde brasileiros que só
esquiar em dois anos para praticavam o esporte
representar seu país no nas viagens de férias até
esqui cross-country. atletas que nunca mora-
ram aqui, mas tinham
Jeitinho brasileiro pais brasileiros.
“A gente era um bando de Os esquiadores che-
amador que caiu lá de pa- garam lá por indicação
raquedas.” É assim que o da federação. “Naquela
esquiador Marcelo Apo- época não tinha critério
vian descreve a primeira de classificação. Havia
participação do Brasil em um número máximo de
uma Olimpíada de Inver- atletas que cada país po-
no, em 1992, na França. dia mandar”, diz Stefano
O país enviou sete atletas Arnhold, atual presidente
da Confederação Brasileira
de Desportos na Neve.
Mas a aventura durou
pouco. Logo na edição se-
guinte, em 1994, o Comi-
Em 1992, tê Olímpico Internacional
os atletas (COI) instaurou o índice
brasileiros
chegaram
olímpico. Hoje, um país
à Olim- precisa atingir uma pon-
píada de tuação mínima em com-
Inverno por petições internacionais
indicação. para garantir vagas. Os
atletas e times geram a
vaga do país, mas quem
decide quem enviar são
as federações nacionais.
Há também um
máximo de vagas que um
país pode conquistar, o
que varia de acordo com
o esporte. Por exemplo:
vários patinadores artís-
ticos americanos atingem
a pontuação mínima para
participar das olimpíadas,
mas o país só pode enviar
três. Daí, cabe à federação
nacional decidir quem vai
compor o time estadu-
nidense. Geralmente, a
decisão é tomada poucas
semanas antes dos Jogos,
avaliando quem obteve
a melhor pontuação em →

Quebrando o gelo 37 países e territórios tropicais já se aventuraram nas Olimpíadas de

Inverno. Veja quais foram eles e em que ano fizeram sua estreia.

1970 - 1980

1981 - 1990

Costa Rica (1980)

Porto Rico (1984)
1991 - 2000
Ilhas Virgens
Britânicas (1984)
Jamaica (1988)
Ilhas Virgens 2001 - 2010
Americanas (1988)
Antilhas
Neerlandesas (1988) 2011 - 2020
Guatemala (1988)
Filipinas (1972)
Honduras (1992) Senegal (1984)
Fiji (1988)
Brasil (1992) Quênia (1998)
Guam (1988)
Trindade e Tobago (1994) Camarões (2002)
Samoa
Venezuela (1998) Etiópia (2006)
Americana (1994)
Peru (2010) Madagascar (2006)
Hong Kong (2002)
Ilhas Cayman (2010) Gana (2010)
Tailândia (2002)
Colômbia (2010) Togo (2014)
Tonga (2014)
Paraguai (2014) Zimbábue (2014)
Timor Leste (2014)
Dominica (2014) Eritreia (2018)
Malásia (2018)
Equador (2018) Nigéria (2018)
Singapura (2018)

janeiro 2022 super 43

SI_435_OlimpiadasInverno_V2.indd 43 1/14/22 14:59

 competições recentes.
Mas isso não é regra:
este ano, o patinador
de 17 anos Ilia Malinin
conquistou prata no
campeonato nacional dos
Estados Unidos – e, se o
critério fosse unicamente
a performance, a vaga em
Pequim estaria garantida.
No entanto, a federação
decidiu enviar o atle-
ta que ficou em quarto
lugar: o veterano Jason
Brown, que já participou
da Olimpíada e tem expe-
riência com competições
de grande porte.
No Brasil e em outros
países tropicais, a decisão
não é difícil. São poucos
os atletas que atingem
uma pontuação mínima
para participar dos Jogos
– então quem conquista a
vaga geralmente é quem
vai competir. ​​O intuito
é não deixar que ama-
dores disputem ao lado
dos profissionais.
“Acho que o desempe-
nho do Brasil até contri-
buiu um pouco para essa
decisão do COI”, brinca
Stefano. Faz sentido. Na
edição de 1992, com sete
representantes, as classi-
ficações do Brasil ficaram
entre o 40º e o 86º lugar.
Em 1994 e 1998, com a
nova regra, a participação
brasileira se restringiu a
um único competidor –
mas o número aumentou
nas edições seguintes (ve-
ja na tabela abaixo).
Até os anos 2000, os
atletas brasileiros de in-
verno dependiam quase
integralmente de recursos
próprios para treinar e
competir, o que restringia
ainda mais o número de
participantes. A aprova-
ção da lei Agnelo/Piva,
O time de
bobsled bra- em 2002, deu um pontapé
sileiro chegou financeiro: ela determina
a treinar que parte da arrecadação
com com da loteria federal seja
carrinhos de destinada aos esportes
supermer-
cado. Mas o olímpicos, incluindo aí os
esforço deu de inverno.
resultado. O resultado já veio em
2002, quando o Brasil
atingiu o índice olímpico
para competir em quatro
modalidades. Os atletas
do bobsled comparam
sua trajetória com a da
Jamaica: Edson Bindi-
latti, piloto e primeiro
membro da equipe, veio
do atletismo e sofreu os
percalços de viver em um
país sem gelo.
“No início era muito
desorganizado. Os nos-
sos adversários iam para
um lado e a gente ia para
o outro”, diz Bindilatti. A
equipe chegou a usar car-
rinhos de supermercado,
motos e até carros para si-
mular a largada e entrada

Brasil abaixo Participamos de todas as Olimpíadas de

Inverno desde 1992. O Brasil tem chances
de levar sua maior delegação para

de zero Pequim 2022. Confira as modalidades e o

número de atletas ao longo dos anos.
Bobsled Luge Snowboard Biatlo Esqui
estilo livre
Esqui
alpino

1992 1994 1998 2002 2006 2010 2014

albertville Lillehammer Nagano Salt Lake City Torino Vancouver sochi
7 atletas 1 atleta 1 atleta 10 atletas 9 atletas 5 atletas 16 atletas

Como ler
o gráfico
Cada linha equivale
à quantidade de
participantes
Homens
Mulheres
Olímpico
Paralímpico

44 super janeiro 2022 *A snowboarder Isabel Clark sofreu uma lesão dias antes da prova, e não competiu.

SI_435_OlimpiadasInverno_V2.indd 44 1/14/22 15:00

 no trenó. O piloto diz que
a equipe (com o perdão
do trocadilho) patinou
bastante no início, mas o
treino deu resultado: eles
saíram de 13 para 1 segun-
do de diferença em relação
ao primeiro colocado.
A vez do Brasil?
Hoje, os brasileiros não de-
pendem mais de carrinho
de supermercado e patro-
cínio dos pais. A gestão
dos esportes de inverno se
concentra em dois órgãos:
a Confederação Brasileira
de Desportos na Neve
(CBDN) e a Confederação
Brasileira de Desportos no
Gelo (CBDG).
Patinação Esqui
artística cross-country
2018
Pyeongchang
12 atletas*
SI_435_OlimpiadasInverno_V2.indd 45
Essas entidades conse- o índice necessário para Michel Macedo (no esqui
guiram aumentar nossa competir na olimpíada. alpino) e Isabel Clark (no
participação nos Jogos Já para as modalidades snowboard) também re-
de Inverno com estudos de gelo, a CBDG inaugu- presentaram o Brasil em
e planejamento de longo rou um centro de treina- 2018. Os dois primeiros
prazo. “Analisamos os re- mento em São Paulo, que cresceram nos Estados
sultados de 90 mil atletas consiste em uma pista Unidos, e competiram
em diversas modalidades, de patinação no gelo e com a dupla nacionali-
e aí criamos uma matriz a única “quadra” oficial dade. Clark conheceu o
comparando a compe- de curling da América snowboard em uma via-
titividade e viabilidade Latina. Lá rola desde o gem aos 17 anos, e passou
de treino no Brasil”, diz campeonato nacional de a maior parte da carreira
o presidente da CBDN. A patinação artística, parti- competitiva treinando
partir daí, eles passaram das de hockey, até aulas fora do país.
a focar nos esportes com de 20 minutos sobre o Além de ter a maior
maiores chances de clas- básico do curling. A vi- delegação olímpica da
sificação e (quem sabe, ce-presidente da CBDG, Em 2014 América Latina, o Brasil
um dia) medalhas. Cláudia Vidal, diz o que e 2018, o alcançou outro feito em
O esporte mais “repro- almeja para a Olimpíada Brasil foi o 2018: foi o único país
único país
duzível” no Brasil é o es- de Inverno de 2026: levar tropical tropical a enviar atletas à
qui cross-country – que é uma patinadora que trei- a enviar Paralimpíada de Inverno.
basicamente um circuito ne 100% no Brasil. atletas à Pa- Christian Ribeira e Ali-
em esqui sem ladeiras. Os Atualmente, o time de ralimpíada ne Rocha competiram
brasileiros utilizam o bobsled treina em São de Inverno. no esqui cross-country,
rollerski (um esqui com Paulo, usando trilhos pa- enquanto André Cintra
rodinhas) para treinar na ra simular a “empurrada” competiu no snowboard.
rua. A técnica também é do trenó no chão. Ainda O fato é que estamos
usada pelos europeus no este ano começará a ser progredindo. Nas duas
verão. As competições de construída uma pista de últimas edições, a delega-
rollerski contam pontos largada fixa: suspensa, ela ção brasileira nas Olim-
para a classificação nas simula também a descida píadas de Inverno foi até
Olimpíadas de Inverno inicial da pista de gelo. maior do que as de Chile
– o que ajuda os atletas a Outra competidora em e Argentina – dois países
atingir o índice olímpico. 2018 foi Jaqueline Mou- que têm pistas de esqui
Isso abriu espaço para rão. Ela é a única atleta nas montanhas.
que o atleta Victor San- brasileira que participou Com a quantidade, sur-
tos representasse o Brasil dos dois tipos de olimpí- ge a qualidade também.
em 2018. Vindo da favela adas: nas de verão, com No final das contas, o
São Remo, em São Pau- o mountain bike, e nas sonho de uma medalha
lo, ele começou a praticar de inverno, com o esqui olímpica pode se tornar
o rollerski por meio do cross-country. tão provável quanto a
projeto social Ski na Rua. Isadora Williams (na neve no Brasil: rara, mas
Em quatro anos, atingiu patinação artística), não impossível. S
Fontes: Stefano Arnhold, presidente da Confederação Brasileira de Desportos na Neve; Cláudia Vidal, vice-presidente da Confederação
Brasileira de Desportos no Gelo; Otávio Tavares, professor do Centro de Estudos Olímpicos da Universidade Federal do Espírito Santo.
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 AStroFísica

estrelas
estranhas
Texto Bruno Vaiano

46 super janeiro 2022

Ilustração Guilherme Asthma Design Natalia Sayuri Lara Edição Alexandre Versignassi

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 n
No outono de 1967, a astrônoma
Há estrelas mortas irlandesa Jocelyn Bell detectou um si-
nal de rádio produzido por tecnologia
que compactam a alienígena. Ou pelo menos essa parecia
massa do Sol numa a única explicação plausível para uma
sequência de picos nos gráficos do
bola com 10 km de observatório MRAO, em Cambridge:
raio. Em seu núcleo, um pulso de radiação eletromagnética
oriundo do espaço que se repetia a cada
pode se formar o 1,3 segundo. Bell e seu orientador na
material mais denso pós-graduação, Antony Hewish, bati-
zaram a detecção de Little Green Man 1
e estável já previsto (“Homenzinho Verde 1”).
pelos físicos, a ma- Calhou que não era um extraterres-
tre. Bell havia descoberto uma estrela
téria estranha. Ela de nêutrons. Trata-se de um astro com
uma ou até duas vezes a massa do Sol
talvez seja “conta- comprimida numa bola com 10 km de
giosa” – e transfor- raio, menor que a cidade de São Paulo.
O resultado é uma densidade altíssima:
me tudo que toca em uma caneca desse material pesa o mes-
mais de si mesma. mo que o Everest.
Uma estrela de nêutrons gira em
torno do próprio eixo como um peão
SI_435_Estrelas-estranhas.indd 47
instável e completa uma rotação em
segundos ou frações de segundo. Seu
campo magnético de 1013 Gauss, cem
bilhões de bilhões de bilhões de bilhões
de vezes mais intenso que o da Terra,
transforma os polos Sul e Norte em
canhões que emitem jatos de radiação.
Dependendo da posição da estrela em
relação ao nosso planeta, esses jatos fi-
cam apontados para cá em intervalos
regulares. Quando isso acontece, bingo:
pico no gráfico. Foi esse fenômeno que
Bell detectou no MRAO.
15 anos depois, em 1982, a astrônoma
brasileira Angela Olinto – hoje reitora
da Divisão de Ciências Físicas da Uni-
versidade de Chicago – chegou ao MIT
para fazer seu doutorado. Em parceria
com Charles Alcock e Edward Farhi,
ela publicou uma sequência de textos →
pioneira sobre a possibilidade de que
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1/13/22 19:06
 as estrelas de nêutrons escondam, em
seu interior, um material inédito para
os físicos – mais denso e estável que
qualquer núcleo atômico, e capaz de
formar astros ainda mais extremos,
batizados de estrelas estranhas. Con-
versamos com Angela para entender
o que são elas.
Começando pelo começo
Os livros didáticos explicam os átomos
como minúsculos sistemas solares. No
meio, fica um núcleo formado por pró-
tons e nêutrons. Em torno dele, giram os
elétrons, partículas menores e mais leves.
O número de prótons define o elemento
da tabela periódica. O hidrogênio tem
um, o hélio tem dois. O ferro, com 26
prótons, é o mais estável dos átomos.
Seu núcleo repousa numa configuração
cômoda, com energia de ligação alta.
Elementos mais pesados que o ferro,
como o urânio, liberam energia conforme
seus núcleos se fragmentam em núcleos
menores. É a fissão nuclear. Num artigo
famoso (1), o astrofísico Freeman Dyson
calcula que todos os átomos pesados do
cosmos, em algum momento, vão decair
até se tornar ferro. Para se completar, esse
processo levaria um número de anos com
1.500 zeros. Há uma chance razoável de
que o Universo sequer dure tanto. Mas
a moral da história é que tudo, na física
atômica, tende ao ferro.
Tudo mesmo. Os elementos mais le-
ves que ele fazem o caminho contrário:
podem se fundir para formar elementos
progressivamente mais pesados, liberan-
do energia. É isso que acontece no centro
das estrelas. Todas elas começam como
uma grande nuvem de hidrogênio. A
nuvem desaba sob a própria gravidade
e fica cada vez mais compacta e esférica.
Quando o calor e a pressão lá dentro
cruzam um certo patamar, os átomos
de hidrogênio passam a se fundir em
átomos de hélio, mais pesados.
Essa fusão irradia energia para fora,
que combate a gravidade e mantém a
estrela de pé. Estrelas pequenas e pací-
ficas, como as anãs-vermelhas, que cor-
respondem a 76% do total da população
da Via Láctea e têm menos da metade
da massa do Sol, se manterão acesas por
bilhões de anos usando esse método.
Por outro lado, estrelas com mais de
48 super janeiro 2022
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oito vezes a massa do Sol esgotam seu próton quark up
hidrogênio muito rápido para os padrões
cósmicos: algumas dezenas de milhões nêutron quark
de anos. Então, elas passam a fundir hélio, down
gerando carbono. Acabou o hélio? Fun-
de-se carbono em algo mais pesado. O elétron quark
strange
problema é que uma hora essa sequência
de fusões chega no ferro. E a fusão do
ferro, você já sabe, não libera energia.
Nesse momento, a estrela não conse-
1
gue mais compensar a gravidade e desa-
ba, engolida por si própria. Suas camadas
externas colapsam sobre o miolo a uma
boa fração da velocidade da luz, quicam
e são ejetadas para longe num espetáculo
pirotécnico conhecido como supernova,
Uma que aniquila tudo na vizinhança. Sobra
estrela de só o caroço de ferro no centro.
nêutrons Se o caroço tiver mais de três vezes
é a última a massa do Sol, ele desaba num buraco
trincheira
negro – um ponto infinitamente com-
2
contra a
gravidade:
primido sob a própria gravidade, inson-
um astro dável por nós porque aprisiona toda luz
tentando que o alcança. Se tiver menos do que
não se isso, dá para se estabilizar num estágio
tornar intermediário: uma estrela de nêutrons.
um buraco
negro. A estrela de nêutrons
A analogia do começo do texto ainda
deve estar fresca na cabeça: uma caneca
de estrela de nêutrons tem a massa do
Everest. Como isso é possível?
3
Quando uma estrela morre e a gra-
vidade começa a espremer seu caroço
antes
central, essa força encontra alguns obs-
táculos. O primeiro é o dos elétrons, que
formam a camada externa dos átomos:
em geral, eles se negam a entrar no perí-
metro ocupado pelos elétrons de outros
átomos. Esse é o chamado Princípio da
Exclusão de Pauli – significa que um
átomo não se sobrepõe ao outro. Eles
resistem juntos à pressão mastodôntica.
4
Se a gravidade comprimir o cadáver
da estrela além de um certo limiar, os
nÊUTRON
Uma caneca
de estrela de
Nêutrons tem massa
equivalente à do
estranha
5
estrela
monte Everest.
1/13/22 19:06
 Matéria exótica
No interior das estrelas de nêutrons, os átomos
sob pressão se convertem num material denso
chamado neutrônio. Mas e se o neutrônio não
for o estágio final?
Essa é a ilustração clássica do
átomo, que você vê no colégio:
um núcleo com partículas mais
pesadas, os prótons e nêutrons,
e uma órbita com partículas 1.836
vezes mais leves que as do núcleo,
chamadas elétrons. Esse desenho
é didático, mas nada realista.
Num átomo real, se o núcleo
fosse do tamanho de um alfi-
nete, a área dos elétrons teria
o tamanho do Maracanã. Além
da desproporção, há a incerteza
quântica: os físicos não sabem
onde exatamente estão os elé-
trons. Eles podem estar em qual-
quer ponto do “estádio”.
DEPOIS
Na estrela de nêutrons, os átomos
se desfazem: a pressão funde elé-
trons com prótons para formar
nêutrons. A massa dos átomos,
antes diluída nos Maracanãs, se
concentra nas cabeças de alfi-
nete. É denso: uma caneca desse
material pesa o mesmo que o
Everest.
Os nêutrons são formados cada
Quark up
um por três partículas menores:
os quarks, que vêm nos tipos up
e down. Sob a pressão extrema
no interior de uma estrela de
nêutrons, os quarks se liber-
tam desses trios e formam um
Quark down marzão de partículas.
É possível que alguns quarks up e
down desse marzão se convertam
em quarks do tipo strange, mais
pesados. Essa maçaroca hipoté-
tica de up, down e strange, que é
Quark strange
muito estável, é a matéria estra-
nha. Podem existir estrelas desse
material, as estrelas estranhas.
SI_435_Estrelas-estranhas.indd 49
elétrons desistem de existir e se fun-
dem com os prótons, criando nêutrons
(acompanhe no gráfico ao lado).
O problema de perder os elétrons é
que eles ocupam muito espaço no átomo,
embora praticamente não tenham massa.
Se você ampliasse um átomo real até o
núcleo alcançar o tamanho de uma ca-
beça de alfinete, o volume ocupado pelos
elétrons seria do tamanho do Maracanã.
Quase toda a massa, porém, permane-
ceria concentrada na cabeça de alfinete.
Conclusão: quando a estrela perde os
elétrons, ela perde quase todo o volume,
mas basicamente nenhuma massa. So-
mem os Maracanãs, ficam os alfinetes.
Esse é o segredo da densidade.
A atração na superfície de um objeto
desses é pantagruélica. Se você soltar
uma bolinha de gude a 1 m de uma es-
trela de nêutrons, ele cai no astro a 1.400
km/s, o suficiente para ir de São Paulo a
Londres em 7 segundos. Porém, muito
antes de tocar o chão, após percorrer
apenas alguns centímetros, a bolinha
passa por algo chamado espaguetifica-
ção: desintegra-se numa fila indiana de
átomos, imediatamente incorporados à
superfície. A estrela de nêutrons con-
some tudo que a toca.
Por causa desse grau absurdo de
compressão, sua superfície é lisinha
feito uma bunda de bebê Johnson’s, 10
bilhões de vezes mais rígida que o aço
e atinge até 1.000.000 °C – para fins de
comparação, a superfície do Sol fica em
5.700 °C, 175 vezes menos. A gravidade é
tão intensa que mantém todo o conteúdo
moldado numa esfera impecável. Peque-
nas imperfeições, as “montanhas” das
estrelas de nêutrons, são calombos com
no máximo alguns milímetros de altura,
não mais protuberantes que espinhas.
A atração gravitacional mexe até com
a luz. Vamos explicar partindo de algo
familiar: da Terra, vemos apenas uma
face da Lua. Essa face, naturalmente,
corresponde à metade (50%) da área do
satélite. Por outro lado, se você pudesse
ficar parado diante de uma estrela de →
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 nêutrons, veria uns 70% da superfície: a
gravidade força a luz emitida pela parte
de trás da estrela fazer uma curva e viajar
na direção do observador.

A matéria estranha
A superfície da estrela de nêutrons
preserva uma fina película de átomos,
em sua maioria de ferro. Eles ficam es-
magados, mas ainda possuem prótons e
elétrons. O neutrônio – nome do material
formado só por nêutrons – aparece em
camadas mais profundas. Quanto mais
viajamos rumo ao centro da estrela, mais
a pressão e o calor aumentam.
Em 1984, o físico Edward Witten
percebeu que as condições no coração
das estrelas de nêutrons poderiam dar
origem a uma substância hipotética ain-
da mais compacta e degenerada que o
neutrônio. Foi essa observação que de-
sencadeou o trabalho de Angela Olinto.
Tanto nêutrons como prótons são fei-
tos cada um por três partículas menores,
chamadas quarks. Essas sim detêm o
título de partículas fundamentais: não
podem ser divididas em nada menor.
No nosso cotidiano, os quarks vêm
em dois tipos, o up e o down. A receita é
simples: com dois quarks up e um down,
você faz um próton. Com dois quarks
down e um up, você faz um nêutron.
Os quarks permanecem coladinhos nes-
ses trios graças a partículas chamadas
glúons (da palavra em inglês para “cola”,
glue). Os glúons são um tipo de partí-
cula chamado de mensageira. Eles dão
recados de afastamento ou aproximação.
No caso dos quarks, o recado é “gruda
no coleguinha e não solta”. Quarks são
notórios carentes. Aparecem exclusiva-
mente em duplas ou trios na natureza.
No coração de uma estrela de nêu-
trons, porém, a pressão é suficiente para
os quarks se soltarem dos seus trios e
passarem a viver numa enorme comuni-
dade: uma mar de quarks, aglomerados
como a pista de um show de rock. Note
que o confinamento não foi desrespeita-
do: eles continuam precisando uns dos
outros. Só aumenta o tamanho do bando.
Nessas circunstâncias, é possível que
quarks up e down não bastem. Surgi-
ria um terceiro tipo de quark, chamado
strange (estranho). Quarks strange são
raríssimos na natureza. Eles funcionam
como uma espécie de sósia mais pesado
dos quarks down, e não têm qualquer
papel no nosso cotidiano. No coração da
Fontes: (1) artigo “Time without end: Physics and biology in an open universe” (1979), de Freeman J. Dyson (2) “On
the conversion of neutron stars into strange stars” (1987), de Angela Olinto. Consultamos também “Strange stars”
(1986), de Charles Alcock, Edward Farhi e Angela Olinto; “Strange quark stars — a review” (2002), de Renxin Xu.
50 super janeiro 2022

SI_435_Estrelas-estranhas.indd 50 1/13/22 19:06


QUarks strange
são o ingrediente se�
creto da substância
mais estável (e con�
tagiosa) do universo.
estrela de nêutrons, porém, os quarks
strange ganhariam a importante função
de estabilizar a mistura com seus dois
primos mais leves. Eles fornecem tanta
estabilidade, de fato, que a maçaroca se
torna mais estável do que a coisa mais
estável conhecida, que é o núcleo do áto-
mo de ferro. Essa é a matéria estranha.
Estrelas estranhas
Toda estrela de nêutrons tem um oce-
ano de quarks em seu núcleo. Isso não
é necessariamente digno de nota. Caso
esse oceano tenha apenas quarks up e
down, ainda não temos matéria estranha:
apenas matéria de quarks, a quark matter,
que não é tão estável assim. Mas também
pode ser que as condições sejam propícias
à formação de quarks strange. Aí sim:
dá-lhe matéria estranha. Um monte dela.
Esse é um caso raro em que um artigo
científico parece mais ficção científica:
“Se uma semente de matéria estranha
se formar no interior de uma estrela de
nêutrons, a estrela vai se converter em
uma estrela estranha – que é, hipoteti-
camente, uma configuração de energia
mais baixa”, escreveu Angela Olinto em
1987, num de seus primeiros papers. (2)
A conversão de dentro para fora pro-
vavelmente se interrompe alguns metros
abaixo da superfície: uma fina casca de
densidade mais baixa permanece envol-
vendo o astro. Mas também é possível
que a estrela seja consumida integral-
mente, e que a matéria estranha fique
exposta diretamente ao vácuo do espaço.
Pode ser que algumas estrelas de
nêutrons sejam, na verdade, estrelas
estranhas. Também pode ser que toda
estrela de nêutrons, na verdade, tenha se
convertido em uma estrela estranha no
seu âmago – ou que isso só aconteça com
as mais pesadas. São todas possibilidades
permitidas pelas equações, mas difíceis
de verificar na prática.
SI_435_Estrelas-estranhas.indd 51
Um oportunidade de confirmação ob-
servacional é que uma estrela estranha
com quarks até a superfície não sofreria
perturbações análogas a terremotos –
que são comuns em estrelas de nêutrons
tradicionais, e que podemos inferir a par-
tir dos dados coletados aqui na Terra,
como os pulsos de rádio de Jocelyn Bell.
Nunca encontramos uma estrela imune a
esse fenômeno, o que é uma evidência a
favor das estrelas estranhas com “cascas”
comuns. A decepção, nesse caso, é que
fica impossível diferenciá-las de uma
estrela de nêutrons comum.
Outra hipótese é mais bizarra – e bem
mais remota. Uma colisão entre estrelas
estranhas, como a da ilustração desta
página, poderia ejetar fragmentos como
estilhaços de granada. São os chamados
strangelets (um diminutivo em inglês, tra-
duzível como “estranhitos”).
Dependendo da carga elétrica da
matéria estranha – ela pode mudar con-
forme a proporção entre os três tipos
de quark –, esses estilhaços seriam con-
tagiosos: atrairiam a matéria atômica
comum, que então se converteria em
matéria estranha para atingir o estado
mais estável, de baixa energia. É um
Uma toque de Midas. Se um desses Cheetos
semente cósmicos batesse na Terra, o planeta
de matéria colapsaria num caroço de matéria es-
estranha tranha com poucos metros.
no núcleo O fato de que o Universo ainda não
de uma
virou uma grande maçaroca de quarks
estrela de
é a evidência mais sólida de que essa
nêutrons
comum
carga elétrica contagiosa é só uma pos-
poderia sibilidade matemática. (Alguns físicos
converter discutem se a matéria escura, que cor-
o astro responde a 84,5% da massa do Universo
todo numa e é detectável apenas por sua influên-
estrela cia gravitacional, seria matéria estranha
estranha. contagiosa. Mas não há nada sólido a
favor dessa ideia.)
Angela prefere manter os pés no
chão: “Eu parei de trabalhar nisso por-
que falei: ‘cara, vai demorar muito tempo
para saber se esse troço existe ou não’.
Pode ser que a explicação dos quarks
seja verdade. Mas se nenhum fenômeno
permite diferenciar [estrelas estranhas]
de estrelas de nêutrons, é melhor mi-
nimizar a confusão.” Alguém chame
Jocelyn Bell, por favor. Estamos preci-
sando observar um homenzinho verde
de novo. Um ainda mais estranho. S
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 gastronomia

Foto Belisario Roldan/Getty Images

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 Texto Alexandre Carvalho
Design e colagem Carlos Eduardo Hara
Edição Alexandre Versignassi
Ela nasceu sem grandes ambições: tinha mais álco-
ol e lúpulo para suportar os meses de viagem entre
a Inglaterra e suas colônias. Séculos mais tarde,
o estilo se tornaria sinônimo de cerveja premium.
Conheça as histórias por trás da India Pale Ale.
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A
Antropólogo, professor de história,
especializado na Antiguidade egípcia
e greco-romana, o americano Travis
Rupp soma ao currículo um ofício sur-
preendente – e que deve ser divertido:
arqueólogo de cerveja.
Ele não se limita a pesquisar vestí-
gios para descrever receitas e costumes
antigos relacionados à bebida. Entre
2016 e 2020, Travis liderou um projeto
científico especial na Avery Brewing:
ressuscitar cervejas do passado. Com
base na documentação sobrevivente,
pesquisa de contexto histórico e até
estimativas de como seriam as águas
em cada tempo e lugar, ele entrou em
laboratório para descobrir se o que nos-
sos antepassados bebiam poderia ser
chamado de cerveja hoje. E se a coisa
era palatável. (Spoiler: era.)
Nesse projeto, chamado “Cervejas
da Antiguidade” (o nome em inglês é
mais interessante: Ales of Antiquity é
um trocadilho com Tales of Antiquity –
“Contos da Antiguidade”), ele recriou
cervejas vikings, do período Inca no
Peru e, indo mais longe, até do Egito
Antigo. Mas o projeto que mais deu
trabalho nessa série foi o que recupe-
rou, em 2019, um tipo de bebida que se
espalhou pelo mundo a partir do fim
do século 18 e que, hoje, é praticamente
sinônimo de cerveja artesanal: a India
Pale Ale (IPA).
Em sua experiência, Travis Rupp
fez um recorte temporal: sua meta foi
recriar a IPA que era bebida nas Índias
Orientais, na época em que boa parte
do Sudeste Asiático era todo ele co-
lônia britânica. As cervejas chegavam
lá junto a uma diversidade de produ-
tos, como carne seca, bacalhau, queijo,
manteiga, vinagre e rum… Tudo para
abastecer os britânicos que moravam →
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 ou trabalhavam na Ásia. De volta, os
navios levavam para a Europa, princi-
palmente, chá, pimenta e outros tem-
peros exóticos. As valiosas especiarias.
A maior dificuldade dessa viagem
no tempo não foi a escolha dos ingre-
dientes certos. O perrengue foi outro:
a bebida que chegava aos marinheiros,
soldados e civis britânicos alocados
no continente asiático viajava de três
a 18 meses no oceano, dependendo da
região de destino. Essa jornada marí-
tima enfrentava mudanças radicais de
temperatura: partindo do frio inglês, as
bebidas passavam por zonas tropicais
e equatoriais. Sempre sacolejando em
navios com estrutura do século 18 ou
19. A combinação perfeita para estragar
qualquer cerveja.
Como o objetivo era experimentar
essa bebida de séculos atrás, o arque-
ólogo foi criativo para repetir essas
condições. Usou empilhadeiras para
balançar barris de madeira, na tentativa
de espelhar as águas agitadas do mar
aberto. E subiu e desceu a temperatura
do processo, tendo como referência o
clima em pontos-chave daquelas na-
vegações: Inglaterra, oeste da África
na Linha do Equador, o Cabo da Boa
Esperança e o Oceano Índico.
Mas o material sobreviveu bem.
Mesmo depois das intempéries, a cer-
veja seguia frutada, picante, terrosa, com
nuances de carvalho, baunilha e o amar-
guinho exigido de qualquer IPA. Ah, e
como Travis seguiu a receita original,
não faltava álcool ali: 7,7% – contra uns
6% das IPAs padrão de hoje, e 5% das
pilsens de churrasco.
“Embora eu não possa dizer que es-
te produto seja exatamente o que as
Índias Orientais estavam bebendo na
época, acho que chegamos muito, muito
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perto”, comemorou o arqueólogo etílico
no blog da Avery, em 2019.
Se conseguiu mesmo clonar a bebida,
Travis recriou uma cerveja histórica.
Mas não a primeira IPA de todos os
tempos. É histórica porque representa
um período de boom da exportação
de cerveja do Império Britânico para
suas colônias, época em que a cerveja-
ria Bow, do londrino George Hodgson,
esteve na liderança desse comércio, a
ponto de muitos acreditarem que o es-
tilo IPA teria sido inventado por ele. A
cerveja de Travis Rupp até se chamou
“1752’’ por causa de George: uma refe-
rência ao ano em que sua cervejaria
foi fundada.
Hodgson foi muito importante para a
disseminação da IPA, mas essa história
de ter sido o primeiro alquimista do
estilo tem mais folclore que evidências
históricas. Essa cerveja já circulava pelo
mundo antes que o empreendimento
do britânico fizesse sucesso. Mas a saga
das Pale Ale ao longo do século 18 dá
boas pistas de como essas novas carac-
terísticas, e esse novo nome, acabariam
emplacando no planeta cerveja.
Somar, não substituir
Na Inglaterra, a preferência nacional
no século 18 era a Porter. O que ficou
como mito diz que as IPAs surgiram
para substituir essa cerveja escura, que
não descia bem no clima escaldante da
Índia. Hum… mais ou menos. As Porters
continuaram chegando aos portos da
Ásia quando a IPA já tinha se espalhado
pelo sudeste do continente.
De acordo com o historiador de cer-
veja Ron Pattinson, entre 1849 e 1857,
a Companhia Britânica das Índias
Orientais encomendou 46 mil barris
de Porter. Mas o raciocínio por trás da
Foto karandaev/Getty Images
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 As IPAs se
adequavam
melhor que
as Porters ao
clima da Índia.
falta de harmonização entre bebida e

I
clima não é disparatado. “Essa libação
pesada, viscosa e semidoce [das Porters]
Significa que era a combinava melhor com o clima frio
Pale Ale exportada britânico do que com a umidade tropical
para as colônias opressiva”, escreveria outro especialis-
britânicas nas Índias ta, Nicholas J. Hamlin, em seu jornal,
Orientais, entre os
séculos 18 e 19. Britain, Bengal, Burton, and Beer.

P
Antes da IPA, os britânicos nas Ín-
dias Orientais já bebiam opções mais
Vem de “Pale” (pá- claras e refrescantes, entre elas a Pale
lida), uma diferen- Ale (pale significa pálida), sem o “India”
ciação importante no nome. Isso graças à adoção do carvão
numa época em
que as Porters, escu-
como alternativa à madeira, no sécu-
ras, eram o padrão lo 17, para a produção do malte, o que
permitiu uma torração mais limpa dos

A
na Inglaterra.
grãos e, como consequência, cervejas
De “Ale”, uma das
três grandes famílias
mais claras (pálidas) do que os líquidos
de cervejas, marcada turvos que predominavam.
pela produção em Já temos o “Pale” do nome, mas e
alta fermentação, o “Ale”? Esse exige um parêntese um
que resulta numa pouco mais técnico. Ale é uma das três
bebida mais alcoóli-
ca e frutada que as
grandes famílias de cerveja, ao lado das
lagers e lambics. lagers e lambics, classificadas de acordo
com sua fermentação (o processo em
que as leveduras consomem os açúcares
do mosto e os transformam em álcool
e gás carbônico).
Enquanto as lagers são de baixa fer-
mentação (quando as leveduras ficam
depositadas no fundo do recipiente,
resultando em cervejas mais transpa-
rentes e com aromas discretos) e as lam-
bics são de fermentação espontânea (o
mosto – líquido com açúcares extraídos
do malte – fica em tonéis expostos ao
ambiente, gerando cervejas mais ácidas),
as Ales são de alta fermentação. Neste
caso, as leveduras, da espécie Saccha-
romyces cerevisiae, sobem para o topo
do tanque e agem mais rapidamente na
transformação dos açúcares do mosto
em álcool, dando à luz um produto mais
alcoólico e frutado. →

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 O lúpulo
é um primo
amargo da
cannabis.

Lupuladas
Veja bem: essas cervejas eram Pale Ale,
iam para a Índia… mas ainda não eram
IPA. A mudança de nome passa antes por
uma mudança na fórmula. Em 1768, um
cervejeiro anônimo publicou um “com-
pêndio da produção de cerveja inglesa”,
no qual alertava que cervejas para climas
quentes deveriam ser mais lupuladas.
Para que as cervejas passassem pelas
Colônia e
mudanças de temperatura e sacolejos de
navio sem mudar drasticamente de sabor, metrópole
os produtores começaram a adicionar- Confira as diferenças marcan-
-lhes mais lúpulo. Trata-se de uma plan- tes entre as IPAs inglesas e
ta prima da cannabis, com propriedades suas filhas que ressuscitaram
conservantes. Um efeito colateral é que, o estilo, as americanas.
por causa da maior presença do lúpulo,
Inglesas
a cerveja ficou também mais amarga. Mais terrosas, herbais e até
Ainda deixaram a bebida com maior mesmo mais picantes. Têm
teor alcoólico. Quanto mais álcool amargor mais suave, em har-
no líquido, afinal, mais ele resiste ao monia com as notas do malte.
desenvolvimento de contaminações
Americanas
microbiológicas – cervejas com maior Mais frutadas, cítricas, lem-
ABV (sigla em inglês para “Álcool Por brando abacaxi, maracujá,
Volume”) duram mais. pinha... Amargor um pouco
E a aprovação foi geral. A cerveja mais agressivo e marcante.
clara e amarga que ia para a Índia se
tornou tão popular que começou a ser
consumida nas outras colônias britâ-
nicas, como Austrália e Nova Zelândia,
e até, num efeito-bumerangue, no lugar
em que era produzida: a Inglaterra, onde
passou a rivalizar com a Porter.
Foi aí que ela ganhou um nome es-
pecífico para diferenciá-la das demais
Ales. Na hora de pedir sua bebida favo-
rita, o cliente começou a dizer que que-
ria “aquela Pale Ale ‘da Índia’”. E o nome
pegou. O primeiro registro conhecido
do termo é de 1829, num anúncio de
jornal, que nem era inglês: uma publi-
cação de Sydney, na Austrália (prova
de que a cerveja já rodava por outras
colônias britânicas), fez um anúncio de
venda de “East India Pale Ale”.

Foto Yuri Kriventsoff/Getty Images

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 12%
Era o teor alcoólico da
“Cerveja de Outubro”, do
século 18, a mãe das IPAs.
Uma precursora
Outro caminho da evolução das Pale
7,7%
Ale para suas irmãs com “I” na fren-
te do nome está em uma bebida cuja
história ficou para trás: a “cerveja de
outubro”. Basicamente, foi uma fer-
mentada para exportação, produzida
sempre nesse mês do ano com destino
para os Países Bálticos.
Foi a gradação alcoólica da Era uma Ale (alta fermentação) de
cerveja “1752”, experimento forte teor alcoólico e muito lúpulo, mas
que recriou no século 21 as não tinha nada de Pale: sua coloração
primeiras IPAs da história. ia do âmbar ao marrom. Isso até que
os produtores começassem a fabricá-la
também para o consumo doméstico, e
nesse caso passaram a usar maltes claros.
Sim, exatamente como uma IPA tra-
dicional. Mas uma IPA que era um soco
6%
no fígado: seu teor alcoólico chegava
fácil aos 12% (patamar dos vinhos). Com
uma quantidade absurda de lúpulo, essa
cerveja ainda envelhecia de nove meses
a três anos em barris de carvalho, o que
lhe dava cor e nuances de sabor. E tam-
bém encarecia o processo de fabricação.
É a porcentagem de álcool A cervejaria Bow exportava Porters
das IPAs-padrão de hoje, e Pale October Ales para a Índia. Mas
desenvolvidas nos EUA. Hodgson e outros cervejeiros provavel-
mente mexeram na fórmula para deixá-
-la mais barata, economizando no álcool
e no lúpulo. Só que, ao diminuir álcool
e lúpulo, você também reduzia o poder
de conservação da bebida. Esses expor-
5%
tadores tiveram de descobrir a sintonia
fina que mantivesse seu comércio lucra-
tivo e, ao mesmo tempo, não corresse
o risco de transformar sua cerveja em
água suja. Provavelmente foi essa busca
que deu ao mundo a India Pale Ale.
Nada disso significa que as pessoas
É o ABV das cervejas mais bebam hoje qualquer coisa parecida
comuns, as pilsens levinhas. com a IPA de 200 anos atrás, que o
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arqueólogo Travis Rupp recriou. Não
só pelos séculos que nos separam, mas
também porque a Grã-Bretanha perdeu,
há muito tempo, a supremacia sobre
esse estilo de cerveja.
Já no início do século 20, a IPA
ficou de escanteio na Inglaterra. A
leveza das cervejas pilsen tomou o
mercado inglês (e o do resto do pla-
neta). A India Pale Ale, então, virou
cerveja de nicho. Mas já tinha feito
história a ponto de chamar atenção de
produtores independentes americanos.
Em 1968, o pesquisador Chuck Zim-
merman, do Departamento de Agricul-
tura dos EUA, e o produtor John Segal
criaram um híbrido experimental de
lúpulo numa estação de pesquisa em
Washington. Batizado de Cascade, ele é
o Adão dos lúpulos cítricos que marca-
riam as India Pale Ale feitas nos EUA:
as American IPAs.
Os americanos pegaram a IPA in-
glesa, aumentaram o lúpulo cítrico e
reduziram a quantidade de maltes. E aí
surgiu um novo estilo de bebida, mais
refrescante. Ao longo dos anos 1970 e
1980, os produtores artesanais dos EUA
passaram a sofisticar e diversificar recei-
tas com essa fórmula-base e renovaram
um movimento consistente em torno
das Ales, que uma hora chegou ao Brasil.
As IPAs que as cervejarias artesanais
(e industriais) produzem hoje são filho-
tes desse processo evolutivo. Na prática,
qualquer uma que tenha bastante álcool
e lúpulo tende a ganhar essas iniciais
– temos as “Brown IPAs” e as “Black
IPAs”, por exemplo, que nada têm de
pálidas. E tudo bem. Ainda assim, cada
pint contém uma boa dose da história
da humanidade. S
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 oráculo ilustrações ana kozuki design brenna oriá e Natalia S.
5.877
pessoas tocaram percussão
em cocos simultaneamente
numa praça londrina em
2007. A música era “Always
Look on the Bright Side of
Life”, do Monty Python. (1)

Como a água Não tem segredo: o coco já se forma com a água

dentro. O coqueiro absorve água pela raiz e põe den-
tro da fruta durante sua formação. O interesssante é o
porquê. Alguns frutos têm um único caroço no centro,

vai parar
e esse caroço fica bem aderido à polpa ao redor. É o
caso do pêssego, da ameixa ou da azeitona, classificados
pelos botânicos como drupas. Dentro do caroço, há um
material nutritivo chamado endosperma, que alimenta

dentro
o embrião da bebê planta. Ao redor dele, fica um re-
vestimento protetor chamado endocarpo (a “parede” do
caroço). Não parece, mas o coco é uma drupa. A água é
o endosperma; a massa branquinha comestível reveste

do coco?
a parede interna do endocarpo. Tudo que o ser humano
consome está dentro da semente. Nos primeiros estágios
da formação do fruto (coco verde), há basicamente só
líquido. Ele é mais denso, e há pouco material branco.
Viviane Soares de Oliveira, Cotia, SP Mais tarde, o líquido se separa entre água e camada
branca sólida, e a água quase some (coco marrom). (2)

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 E d i ç ã o B r u n o V A I A NO

Por que o ato de abanar gera um vento

mais fresco que a temperatura ambiente?
Richard de Deus, por e-mail

A temperatura de uma coisa é o grau de agitação microscópica das

moléculas que a compõem. O calor, por sua vez, é a energia que uma coisa
transfere para agitar as moléculas de outra coisa, aumentando sua tempe-
ratura. Nós perdemos calor para o ar ao redor o tempo todo. O vento – seja
uma brisa ao ar livre ou o abano de um leque – faz com que mais moléculas
de ar entrem em contato com o nosso corpo a cada segundo, acelerando
a doação de energia para o ambiente. Isso dá a falsa impressão de que o
ar em movimento é mais fresco, quando na verdade ele está na mesma
temperatura que o ar parado. Tipo uma ilusão de ótica – só que na pele.
O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) considera que a sensação
térmica diminui 1 °C cada vez que a velocidade do vento aumenta 7 km/h.(3)

Colocar sal na água ajuda De quanto em quanto tempo

pá pum a dessalgar a carne? as galinhas põem ovos?
Paulo Coutinho, São Paulo, SP @sou.bilingue, via Instagram

Sim. A maioria dos cortes de carne Uma vez por dia, em intervalos de 24 a 26
são pedaços de músculo, e todo horas. A galinha põe um ovo pela manhã e
Quanto tempo leva
músculo tem bastante água em ovula de novo aproximadamente meia hora
para nadar o Amazonas
da nascente à foz? sua composição. A água fica presa depois, reiniciando o processo. Note que a
@sou.bilingue, dentro das células do boi ou do adição de 30 minutos por dia atrasa o ovo
via Instagram bacalhau, e essas células ficam da manhã seguinte, e que esse atraso vai
separadas do meio externo por se acumulando ao longo dos dias. Isso é
O único nadador a tentar uma membrana permeável. Se a importante porque o organismo da galinha
levou 66 dias. (4)
concentração de sal no interior da depende da luz do Sol para certas etapas da
célula estiver muito alta em relação fabricação do ovo. Quando a ave acumula
número incrível ao meio externo, ela deixa a água de um grande delay, ela começa a ovular já no
fora entrar para manter a diluição período da tarde, e aí não tem tempo hábil

95%
razoável. Se a concentração estiver de terminar as etapas necessárias até o anoi-
baixa, ocorre o oposto: a água pre- tecer. Nesse momento, ela faz uma pausa de
cisa sair. O nome desse processo postura, e retoma alguns dias depois sem o
é osmose. Ao colocar sal na água, jet lag. Galinhas mais velhas têm pausas de
da massa de uma você torna o líquido mais salgado postura maiores. Granjas industriais usam
água-viva é agua. que a carne, forçando a água a sair. luz artificial para evitar isso (especialmente
Um ser humano fica E o fluxo de água acaba levando em regiões temperadas, em que os dias de
em 60%. (5)
consigo um pouco do sal preso na inverno são muito curtos e as galinhas aca-
peça, o que acelera a dessalga. (7) bam cessando a produção). (8)
OUTRO DADO
RELEVANTE SEM
NENHUMA LIGAÇÃO
Poderia existir um Na teoria, sim. Na prática, não. Um reator de fissão nuclear cabe num

95%
avião movido a submarino ou num porta-aviões, que têm mais de 100 m de compri-
energia nuclear, que mento, mas seria grande e pesado demais para um avião. A Marinha dos
nem um submarino EUA, nos anos 1950, calculou que um reator compacto o suficiente para
ou porta-aviões? um avião liberaria 500% mais calor que o reator pioneiro do submarino
É a eficiência de filtra- @diego.zanchetta, via USS Nautilus, de 1955, e acabaria derretendo. Outra fonte de peso é
gem de partículas de uma Instagram a blindagem que protege os tripulantes da radiação – fora o risco de
máscara N95. Entendeu o contaminação do solo caso o avião caísse. Hoje, sem Guerra Fria e com
nome agora? (6) preocupações ambientais, não há mais interesse na tecnologia. (9)

Reportagem: Bruno Vaiano, Luisa Costa, Maria Clara Rossini e Rafael Battaglia. Fontes: (1) Guinness World Records; (2) texto “Botany of the coconut palm”, no site da Biodiversity Internatio-
nal; (3) Fábio Luiz de Teixeira Gonçalves, do Depto. de Ciências Atmosféricas do IAG-USP; (4) Guinness World Records; (5) NOAA; (6) 3M; (7) Adauto Pessoa, do Instituto de Química da USP; (8)
Cristiane Soares da Silva Araujo, do Depto. de Nutrição e Produção Animal da FMVZ-USP; (9) texto “The Politics of Extravagance: The Aircraft Nuclear Propulsion Project”, de Carlyn C. James. janeiro 2022 super 59

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 oráculo

Como e por que surgiu o nariz em

humanos, se os chimpanzés têm fendas?
Maria Clara Rossini, repórter da Super

O mais provável é que nosso narigão seja um efeito colateral, um subproduto

da evolução de outra característica: o rosto achatado do ser humano. Chim-
panzés e orangotangos têm um maxilar avantajado e a boca deslocada para
frente em relação aos olhos. O Homo sapiens, por outro lado, tem a boca e os
olhos basicamente alinhados no plano vertical. Acredita-se que isso resulte de
um processo chamado neotenização: nós somos primatas que retêm traços
infantis na vida adulta. Bebês de chimpanzé, como nós, têm o maxilar mais
retraído que seus pais, bem como um crânio mais arredondado e um cérebro
proporcionalmente maior. Manter as feições mirins em adultos exigiu uma
reorganização do crânio, e o nariz acabou permanecendo protuberante enquan-
to a boca encolheu. Ou seja: o nariz seria um acidente decorrente da atuação
de forças evolutivas sobre outros traços do rosto. Uma outra hipótese, talvez
complementar a essa, é a de que o nariz seria uma adaptação com função por
si só: aquecer o ar conforme ele adentra o corpo, algo necessário conforme os
humanos migraram para regiões mais frias. Porém, simulações de computador
não indicam que nossa napa seja um aquecedor assim tão bom. (1)

Por que Fernando de Noronha é de Pernambuco Quem é a mãe Joa-

se fica mais próximo do Rio Grande do Norte? na, dona da tal casa lista
@caiosantanard, via Instagram em que vale tudo? Qual ator mais fez
@miqueias_cavalcant, o presidente dos
Porque o território do Rio Grande do Norte era parte de via Instagram EUA em filmes?
Pernambuco em 1700, época em que Portugal deu a posse
do arquipélago ao estado (na época, capitania). Américo Joana I de Nápoles – ou
Vespúcio encontrou as ilhas paradisíacas em 1503 numa ex- Giovanna, o nome em ita-
pedição financiada pelo empresário judeu português Fernão liano. A nobre nasceu em Vários atores empatam em
de Loronha – com “L”, mesmo –, um explorador de pau-brasil. 1325 e morreu assassinada terceiro lugar. Colocamos
Loronha tomou posse das ilhas no modelo de capitania here- aos 56 anos. Boccaccio, au- dois na lista e listamos os
demais no rodapé. (4)
ditária. Virou dono apenas no papel: nunca usufruiu do local. tor do Decameron, incluiu-
Franceses, holandeses, ingleses etc. invadiram as ilhas aban- -a numa série de textos
donadas diversas vezes até 1700, quando Pernambuco – rico sobre mulheres célebres da Sidney Blackmer
1 Interpretou Theodore
e influente graças à cana-de-açúcar – cobrou de Portugal a época. Alexandre Dumas
Roosevelt seis vezes
necessidade de fortificar o arquipélago. Portugal falou “toma pai deixou um romance ins- entre 1937 e 1948.
que o filho é teu”. Fernando de Noronha abrigou uma prisão pirado na Giovana napoli-
no século 19, e na Segunda Guerra passou para as mãos do tana. Sua fama vem de um Frank McGlynn Sr.
governo federal. Voltou para Pernambuco após a Ditadura, bordel aprovado pela Igreja 2 Interpretou Abraham
em 1988, apesar de o Rio Grande do Norte já existir. (2) Católica que ela inaugurou Lincoln cinco vezes entre
em 1378 em Avignon. O 1935 e 1937.
local não permitia judeus
e infiéis, pagava impostos Robin Williams
3 Quatro vezes, três como
PERGUNTE ao Papa e tratava as funcio-
nárias como freiras. Joana Roosevelt na trilogia
AO ORÁCULO era gentil, pagava salários,
Uma Noite no Museu.

Escreva para dava comida e cuidava

Ronny Cox
maria.costa@abril.com.br para que as prostitutas 3 Fez quatro presidentes,
mencionando sua cidade e não fossem agredidas, o todos fictícios.
estado – ou mande a pergunta que lhe rendeu a fama de
via direct no Instagram.
mãezona das meretrizes.(3)
Fontes: (1) Maria Mercedes Okamura, coordenadora do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos do IB-USP; (2) IBGE e texto “Fernando de Noronha: uma ilha-presídio
nos trópicos (1833-1894)”, de Gláucia Tomaz de Aquino Pessoa; (3) livro O povo português II: Nos seus costumes, crenças e tradições, de Teófilo Braga. A expressão original, em
português europeu, era “paço da mãe Joana”; (4) Outros atores que interpretaram presidentes quatro vezes: Brett Stimely e Joseph Crehan; (5) FIA e revista Quatro Rodas.
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 Só acredito Quais são as Se considerarmos os diferentes tons (por
exemplo, diferenciando o vermelho escuro

vendo cores que mais do vermelho claro), a cor mais popular é o

branco, que está em 72,9% das bandeiras
nacionais. Mas se colocarmos as cores se-

aparecem em melhantes no grupão chamado “vermelho”,

aí é ele que leva o primeiro lugar, presente

bandeiras?
em 77,1% das bandeiras.

Síria, Iraque, Quênia, cor em mais Timor Leste, Papua- São Cristóvão e Névis,
Kuwait, Sudão, Afeganistão, bandeiras -Nova Guiné, Egito, Zimbábue, Guiana,
Líbia, Emirados Árabes Unidos, Uganda, Brunei (5) Moçambique, Dominica (5)
Palestina, Jordânia (10)
77,1%
Gana, Guiné-Bissau, Vanuatu,
72,9% São Tomé e Príncipe (4)

53,1%

Brasil, Ilhas Salomão, 46,3% Angola, Bélgica, Alemanha (3)

San Marino (3)
45,3%

30,3%
Chipre, Irlanda, Costa do
6,7% Marfim, Índia, Níger (5)
Ruanda, Gabão,
São Vicente
e Granadinas (3) cor
em menos Samoa, Noruega, Nepal, Coreia do
bandeiras Norte, Chile, Laos, Haiti, Libéria,
Estados Unidos, Eslováquia,
Eritreia, Etiópia, Reino Unido, República Tcheca,
Ilhas Maurício (3) Cambodja, República Dominicana,
Croácia, Paraguai, Luxemburgo,
Eslovênia, Rússia, Holanda,
Seychelles, Namíbia, Tailândia, França, Costa Rica,
Comores, República Panamá, Cuba, Islândia,
Centro-Africana (4) Nova Zelândia, Austrália (28)

Turquia, Tunísia, Tonga, Letônia,

Fonte: flagstories.co e TIME Magazine.

Portugal, Suriname, Suíça, Dinamarca, Catar, Bahrein,

Tajiquistão, Áustria, Peru, Canadá, Malta,
Mianmar, Togo (5) Indonésia, Mônaco, Polônia,
Singapura, Geórgia, Japão (18)

Maldivas, Bielorrússia, Líbano,

Burkina Faso, Granada, Bolívia, Gâmbia, Guiné Equatorial, Omã, México, Hungria, Itália, Israel, Grécia, Finlândia, Nica-
Senegal, Congo, Guiné, Lituânia, Nigéria, Paquistão, Azerbaijão, Belize, Bulgária, Madagascar, Irã, rágua, Honduras, Guatemala,
Mali, Camarões, Benin (10) Arábia Saudita (3) Uzbequistão, Djibouti (6) Burundi, Argélia (12) Somália, Micronésia (8)

Quanto combustível uma corrida de F1 queima? GLub, Glub, Glub...

@joao_hen_, via Instagram

O regulamento obriga os carros a largar e completar o circuito com

no máximo 110 kg de combustível no tanque. Desde 2010, não vale
reabastecer no pit stop: o piloto precisa chegar ao final apenas com
o que o veículo é capaz de carregar. Fala-se em quilos, e não litros,
porque a densidade da gasolina muda conforme a temperatura – e Opala não é apelido O tanque M1 Abrams O foguete Saturn 5 que
de cachaceiro à toa: queima 38 litros de levou a missão Apollo
é a massa que faz diferença no desempenho, não o volume. Consi-
o sedan da Chevrolet querosene de aviação 11 à Lua queimava 20
derando que em 2021 havia 20 carros na disputa, são no máximo 2,2 fazia 3,8 km por litro JP-8 só para dar ignição. toneladas de combus-
toneladas de gasolina por corrida caso todos completem a prova. Isso de álcool na cidade. Ele é movido por uma tível por segundo nos
dá 3 mil litros com densidade de 0,75 kg/l, o suficiente para encher Um Honda Fit atual, turbina flex: também primeiros 2,5 minutos
62 vezes o tanque de 48 l de um Fiat Uno. (5) para comparar, faz 8,7. topa gasolina e diesel. após a decolagem.

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 oráculo

Quando seres humanos Carvão ativado é bom

começaram a tomar o leite
de outros animais?
@fernanda1sa, via Instagram
Mais ou menos dez mil anos
atrás, quando algumas tribos
caçadoras-coletoras abando-
naram progressivamente os
hábitos nômades e passaram
a praticar agricultura e pecuá-
ria. Vasos de cerâmica, dentes
e ossos do período Neolítico
contêm indícios químicos de
leite. O gene para digestão da
lactase na vida adulta começa
a se espalhar mais tarde, há 7
mil anos, em resposta à sele-
ção natural. Especialmente
em populações de pastores,
para clarear os dentes?
@fe_albiero, via Instagram
Aceite o conselho de
Venicius Reis Teixeira, sábio
dentista deste Oráculo: “Não
é indicado, pois não existe
trabalho que mostre a eficácia.
O c a r vã o p o d e s e r m u i t o
abrasivo e causar desgas-
te acentuado do esmalte.
Mas realmente está na moda.
Muitos pacientes perguntam.” O
pó preto, vendido sem restrição,
se popularizou nas redes sociais.
Ele lixa a sujeira da superfície dos
seus dentes, mas acaba lixando
também os dentes em si – o que
tem consequências dolorosas,

Refri na gar-
a capacidade de beber leite
sem passar mal era essencial
para não morrer de fome. até
hoje, o gene é mais comum
especialmente para pessoas com
sensibilidade a temperaturas
altas ou baixas. Além disso, há
o risco de manchar obturações.

rafa de vidro
nos descendentes de povos
que domesticaram animais, e
raro entre caçadores-coletores
ou agricultores. (1)
Porta-vozes de órgãos como
Conselho Regional de Odonto-
logia de São Paulo (Crosp) já se
manifestaram contra o produto.

é diferente? Lost in
Boludo
@brunorosap, via Instagram

Sim. Um motivo é que o plástico pode liberar substâncias que

alteram o sabor, enquanto o vidro interage bem menos com o
Translation
Origem Argentina Em português,
líquido. O outro é que a garrafa de vidro fornece mais gás. O
gás carbônico (CO2) entra no refrigerante misturado com a água “boludo”, mesmo.
(H2O) na forma de ácido carbônico (H2CO3). O ácido é instável: só
sobrevive sob pressão. Quando você abre a tampa (seja da lata, Testículos são populares no léxico argentino. Valem como
da PET ou da KS), a pressão cai e o ácido se decompõe em gás e vocativo amigável (“Boludo, deixa eu te contar!”); uma crítica
água instantaneamente, formando as bolhas. O vidro, mais rígido, (“Não seja boludo, vamos na festa”); para quem finge não
aguenta uma pressão mais alta no momento do envase, e por saber algo (“Me fiz de boludo”) etc. (2)
isso preserva mais ácido carbônico até o momento da abertura.

Não. O positivista diria que não po-

pensando Eu devo demos dar a ilusão de que existe um
debate onde não há. A Terra é redon-
bem... perder tempo da e essa afirmação está verificada

Filósofos de discutindo acima de qualquer dúvida. Convidar

um negacionista para o debate é uma
ontem opinam em com derrota automática para a ciência,
assuntos de hoje
por Bruno Vaiano
negacionistas Auguste Comte
porque pode transmitir ao público a

da ciência? 1798 - 1857

impressão de que a questão está em
abert0 e não há consenso.

Imagens Wikimedia Commons / Divulgação

62 super janeiro 2022

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 manual Como não fazer feio
nos jogos de bilhar
por Rafael
Battaglia

A tacada A bola branca

Apoie a mão na mesa a Pense nela como um
um palmo de distância relógio. Se você acertar
da bola branca. Faça o taco em cima (12h), a
uma concha não muito bola branca continuará
alta e erga o polegar. sua trajetória depois de
Mova só o antebraço atingir a colorida. Se
na hora da tacada – o acertar embaixo (6h), ela
braço permanece imó- voltará na sua direção
vel. Esse movimento após o impacto. Bater
de pêndulo dá firmeza. nas laterais (3h e 9h) faz
Incline-se e toque o ela pegar efeito para a
queixo no taco. É um direita ou esquerda.
ponto de apoio extra, Existem bolas de treino
que ajuda na mira. com essas marcações.

Hora de encaçapar Para fazer tabelas Mesa Mesa

Encontre o “ponto de O jeito mais fácil é real imaginária
Fontes: Confederação Brasileira de Bilhar e Sinuca; tutoriais dos atletas profissionais Silvia Taioli e

morte” – a região da bola empregar a técnica do

colorida que você precisa espelho. Tente visualizar
acertar para que ela vá em uma mesa imaginária,
direção ao buraco. Para que seja um reflexo
fazer isso, traçe uma linha da mesa de verdade.
imaginária entre a bola e Ao traçar uma linha
o centro da caçapa. Use o entre a bola branca de
taco para ajudar. Assim, verdade com a bola co-
você saberá se precisará lorida imaginária, você
acertar em cheio no meio encontrará o ponto da
da bola ou se deverá mirar mesa em que a bola
um pouco mais para o lado. colorida precisa bater.

Para saber mais Não confunda os nomes

Noel Rodrigues Moreira, no YouTube.

Bilhar é um nome genérico, em
português, para qualquer modali-
dade jogada em mesas com bolas
e tacos. Equivale a falar em “jogos
de baralho”, que podem ser vários:
truco, tranca, buraco etc.
A sinuca brasileira usa uma bola
branca e sete coloridas. Cada
uma delas vale de um a sete
pontos. Se você tentar encaçapar
fora da ordem para pontuar mais,
e errar, será penalizado.
O mata-mata é a modalidade em
que um grupo precisa encaçapar
suas bolas sem tocar nas do outro.
Há variações como o Mata-8, em
que a bola 8 fica por último e os
dois grupos precisam encaçapá-la.
O snooker envolve 12, 16 ou 21
bolas conforme o tamanho da
mesa. Elas valem de um a sete,
igual na sinuca, a diferença é
que existem diversas bolas de
um ponto – as vermelhas.

Sim. Os cientistas esperam que Não. Lewandowsky é psicólogo e

todos aceitem as descobertas
obtidas por meio do método
científico. Mas isso pode tornar
a ciência uma voz totalitária. Por
que o cidadão comum deveria
aceitar sem entender? Se você
quer refutar algo como astrologia
Paul Feyerabend ou terraplanismo, argumente de
1924 – 1994 verdade em vez de esnobar. (3)
Fontes: (1) Tábita Hünemeier, do Laboratório de Genômica Populacional Humana do IB-USP; (2) app de idiomas
Babbel; (3) “Was philosopher Paul Feyerabend really science’s worst enemy”?, na Scientific American;
(4) texto “Stephan Lewandowsky: Why scientists won’t debate Lord Monckton”, no NZ Herald.
pensador do negacionismo. Seus ex-
perimentos revelam que corrigir cren-
ças falsas não elimina essas crenças,
o que torna o debate improdutivo.
Além disso, a oportunidade de dia-
logar e debater, na ciência, é algo que
se adquire com a credibilidade do seu
Stephan lewandowsk y trabalho: opiniões mal embasadas
1958 - não precisam ser ouvidas. (4)
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 e se... realidades paralelas
E se a corte portuguesa
não tivesse se mudado
para o Brasil em 1808?
Em janeiro de 1808, aconteceu algo
único na história europeia: a colônia se
tornou capital. Com a transferência da
corte da Europa, o Império Português
deixaria de ser administrado de Lisboa
para ter sua nova sede no Rio de Janeiro.
A corte portuguesa veio para fugir
da invasão napoleônica a Portugal. A
França vinha exigindo do país que aban-
donasse sua neutralidade e aderisse ao
bloqueio continental contra o Reino
Unido, impedindo que seus navios
aportassem, confiscando propriedades e
apreendendo cidadãos britânicos.
Portugal não aceitou e Napoleão per-
deu a paciência. A saída foi decidida em
cima da hora, pelo príncipe-regente Dom
João 6º, em 23 de novembro de 1807, ao
receber a notícia de que os franceses já
haviam entrado em Portugal dia 19 e
marchavam rumo a Lisboa.
Essa saída, decidida em segredo, era
uma das várias que Portugal havia cogi-
tado até então. Outra era ceder e se aliar à
França, declarando guerra ao Reino Uni-
do – como a Espanha tinha feito. E outra
ainda era aceitar a guerra e resistir, talvez
enviando apenas os herdeiros ao Brasil.
Se Portugal optasse pela resistência
ou se aliasse à França, um efeito seria
o mesmo: o Brasil se tornaria uma co-
lônia sem metrópole e Portugal seria
dominado pelos franceses.
Se resistissem, não teriam futuro: a
invasão foi acachapante. Uma semana
após a decisão, os franceses já conquis-
tavam Lisboa – dizem que os navios
64 super janeiro 2022
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Texto Fábio Marton
da comitiva de D. João 6º ainda eram
visíveis no horizonte.
Tivesse se aliado à França, o destino
da família real portuguesa também não
seria brilhante. Napoleão era um péssimo
parceiro: mesmo com os reis da Espanha
ao seu lado, ele patrocinou um Golpe de
Estado em 1808, colocando seu irmão, Jo-
sé Bonaparte, como rei local e prendendo
o rei Fernando 8º (que seria restituído
ao trono em 1813). Mesmo se Napoleão
poupasse a realeza, os portugueses não
conseguiriam mais usar o Atlântico, sob
o domínio dos novos inimigos, os britâ-
nicos, e ficariam isolados do Brasil.
A história da independência por aqui,
então, acabaria bem parecida com a dos
nossos vizinhos. Com a metrópole inca-
paz de mandar forças de repressão pelo
Atlântico, e com a desculpa de um usur-
pador francês no governo da Espanha,
as outras colônias da América do Sul
deixaram de reconhecer a legitimidade
de sua metrópole.
Em 1810, inicialmente sob uma justi-
ficativa de lealdade a Fernando 8º (que
era só uma máscara para o real desejo de
independência), revoluções pipocariam
na Argentina, na Venezuela e no México,
espalhando-se pelo continente.
Após uma década de guerras, prota-
gonizadas pelas figuras do venezuelano
Simón Bolívar e do argentino José de
San Martín, toda a América Espanhola
continental se tornaria independente. À
Espanha, na época, só restariam as colô-
nias no Caribe: Cuba, Porto Rico e San
Efeito borboleta:
o verde e amarelo
não existiria.
Domingo (futura República Dominicana).
Por aqui, vontade de independên-
cia não faltava: quando a família real
chegou, em 1808, haviam se passado
menos de 10 anos desde a Conjuração
Baiana e menos de 20 desde da In-
confidência Mineira. Em 1817, com a
família real ainda governando do Rio,
aconteceria a Revolução Pernambu-
cana, tentando também criar uma
república independente.
Sem a família real por aqui, Portugal
não teria como resistir a novos movi-
mentos do tipo. E tudo seria diferente,
porque esse processo de independência
certamente não acabaria em um país só.
As iniciativas tinham caráter local. Em
Pernambuco, o movimento era clara-
mente separatista. No Rio Grande do
Sul, idem – em 1835 os gaúchos dariam
início à Guerra dos Farrapos, com o in-
tuito de criar sua própria república.
No fim das contas, a independência
dos Brasis estaria intimamente ligada
à dos vizinhos. E o timing seria quase
certamente o mesmo 1810, seguindo a
onda continental.
Os heróis seriam compartilhados.
Bolívar e San Martín interviram em
países que não eram os seus, a pedido de
revolucionários locais. Revolucionários
1/13/22 20:56
 brasileiros muito possivelmente conta-
riam com alguma ajuda em suas guerras
de independência e secessão.
Ao fim desse processo, o conjunto
de países herdados das colônias por-
tuguesas não teria a forma do Brasil. E
mesmo os países vizinhos da América
Espanhola seriam diferentes.
Quantos países surgiriam? Dá para
imaginar com firmeza apenas um: uma
república do Nordeste, sem incluir a
Bahia, seguindo a linha da Confedera-
ção do Equador, em 1824. Essa parte já
tinha ligações políticas preparadas.
Outros países estariam condicio-
nados ao resultado das guerras de in-
dependência. Ao Sul, com a ajuda dos
argentinos, Rio Grande do Sul e Santa
Catarina poderiam formar uma entidade,
que, dependendo da reação, incluiria São
Paulo e Paraná. Talvez, em meio a isso,
surgissem países de identidade híbrida,
como Mato Grosso com Paraguai, ou o
Sul do Brasil com o Uruguai e a região
argentina de Missiones.
Ao norte, com a ajuda de Bolívar, po-
deria haver uma ou mais repúblicas, ou
talvez tudo fosse unido à Venezuela, for-
mando uma imensa república amazônica.
Do Rio à Bahia, onde a presença
militar (e resistência) portuguesa era
Foto: Pascal Rondeau/Getty Images
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mais forte, num processo de luta mais
violenta, poderia surgir um país só. Es-
se pedaço provavelmente decidiria ser
chamado de Brasil mesmo.
Um detalhe sobre esses eventuais
países: absolutamente nenhum deles
teria verde e amarelo em suas bandei-
ras. Essas eram as cores da família real
brasileira, formada em 1822. Num cená-
rio com movimentos de independência
liderados por republicanos, ela nunca
teria existido.
A bandeira do Brasil (Rio, Minas,
Bahia e Espírito Santo e Goiás) seria
provavelmente a da inconfidência mi-
neira (vermelho e branco) ou da conjura-
ção baiana (azul, vermelho e branco). O
Nordeste adotaria o tema azul claro da
Confederação do Equador (que poderia
ser bem o nome do país). E o Norte, sob
influência de Bolívar, o azul, vermelho e
amarelo (representando o mar, o sangue
da guerra de independência e as riquezas)
da Venezuela e da Colômbia.
Todos os países resultantes teriam
identidades tão distintas como as que
há entre Peru e Argentina, Chile e Ve-
nezuela. Inclusive nos detalhes culturais.
A feijoada não teria arroz: o arroz só
entrou pra valer na dieta dos brasilei-
ros quando plantações em alagadiços
foram feitas no Rio Grande do Sul, no
século 19. Com o sul separado, a fari-
nha de mandioca continuaria sendo o
complemento principal.
Outro grande unificador do Brasil, o
futebol: ele chegou em São Paulo por
engenheiros britânicos trabalhando em
obras industriais pagas com o dinheiro
do café, e daí se espalhou pelo Brasil. É
o esporte mais popular do mundo, mas
não teria a mesma raiz em todos os “Bra-
sis”. Talvez o Norte preferisse beisebol,
como a Venezuela, e a rivalidade ficasse
entre o país do Rio e o país de São Paulo.
E seria balcânica, bem maior que a entre
argentinos e brasileiros.
Brasília também não existiria. A ci-
dade foi inspirada por considerações es-
tratégicas do passado: deixar a capital no
centro do país, imune a um ataque por
mar ou porta-aviões. Mas o centro desse
outro Brasil ficaria em Minas Gerais.
No final, após tanto tempo de confli-
tos e rivalidades, seguindo a tendência
do fim do século 20, os países filhotes
da colônia portuguesa talvez se juntas-
sem novamente numa entidade como a
União Europeia, permitindo a cidadania
compartilhada. E teríamos levado 200
anos para construir algo parecido com
o Brasil de hoje. S
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 última página desculpa qualquer coisa e até logo

A cara da riqueza
O Relatório de Custo de Vida Mundial, produzido pelo núcleo de pes-
quisas da The Economist, analisa o preço de 138 produtos em 133 cida-
des. Vejas quais são as mais caras e as mais baratas (dados referentes
a 2020). Infográfico Carlos Eduardo Hara e Maria Clara Rossini
103

103

103

102

101

101

100
100

96

96
A pesquisa considerou o preço de bens e serviços
em dez segmentos: transporte, alimentação, bebidas,
itens de moradia e cuidado pessoal, recreação,
vestuário, educação privada, ajuda doméstica,
aluguel e contas.

O índice representa o custo de vida em comparação

a uma cidade base – neste caso, Nova York.

Como o índice de Zurique é 103, isso significa que

ela é 3% mais cara que a metrópole americana.

Já em São Paulo os itens custam 42% do valor

de Nova York. O motivo aí é o câmbio: países com
moeda enfraquecida ficam baratos para os gringos.
E a gringa, caríssima para a gente.
42

33

30

30

29

22
9° Copenhague (Dinamarca)

132° Tashkent (Uzbequistão)

4° Singapura (Singapura)

129° Almati (Cazaquistão)

130° Caracas (Venezuela)

São Paulo (brasil)
1° Hong Kong (China)

9° Los Angeles (EUA)

133° Damasco (síria)

Nova York (EUA)

130° Lusaca (Zâmbia)

7° Genebra (Suíça)
(Suíça)

5° tel aviv (israel)

1° Paris (França)

5° Osaka (Japão)
1° Zurique

119°
7°

maior custo de vida menor custo de vida

66 super janeiro 2022 Fonte World Cost of Living 2020, Economist Intelligence

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1251857-QUATRO RODAS-1_1-1.indd 67 10/01/2022 14:27:07
1251852-TELEFONICA BRASIL S.A.-1_1-1.indd 68 11/01/2022 18:49:10