inteligência

Edição 447 • janeiro 2023

artificial
Como funcionam as IAs
que criam imagens inéditas
a partir de palavras. p. 34

Existe uma molécula que determina se as lembranças serão boas ou ruins.

Veja esta e outras descobertas da ciência sobre os mecanismos cerebrais
ligados à felicidade. E a relação disso com a polêmica dos antidepressivos. p. 22
por bruno garattoni e tiago cordeiro

p. 46 p. 54 p. 08 p. 40
o planeta dOs a biologia como salvar a magia
20 quatrilhões por trás a ciência infinita dos
de formigas. do orgasmo. no brasil. números primos.

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1254970-GUIA DO ESTUDANTE 2001-1_1-1.indd 2 11/01/2023 18:59:52
 carta ao leitor
Um salto de maturidade
para a democracia
Nunca foi trivial manter uma
democracia de pé. A Revolução
Francesa terminou em 1799 numa
ditadura militar, meros 10 anos de-
pois de o parlamento ter promulga-
do a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, documento
fundador do conceito moderno de
Estado. Pouco depois, em 1814, a
monarquia dos Bourbon estava res-
tabelecida, com Luís 18 no trono.
A França só teria seu primeiro
presidente eleito três décadas de-
pois, em 1848. Foi Luís Napoleão,
sobrinho do ditador militar lá de
1799. Mas a república durou pouco.
Impedido pela Constituição de se
reeleger, o sujeito proclamou-se
imperador. Ou seja: o primeiro pre-
sidente da França também foi seu
último monarca, governando com
mão de ferro até 1870.
Na Inglaterra, mãe do Iluminis-
mo, as conquistas também vieram a
passos de jabuti. Apenas 5% da po-
pulação adulta podia votar até 1832
– o direito era restrito a proprietá-
rios de terras e imóveis. Ao longo
do século 19, foram estendendo pa-
ra quem pagava aluguéis acima de
um certo valor. Mas o voto censitá-
rio só acabaria mesmo em 1918.
Ainda assim, só os homens podiam
votar. As mulheres britânicas só
conquistariam esse direito em 1928.
No Brasil, o voto universal veio
em 1932. Mas não rolava escolher
presidente. Getúlio Vargas tinha to-
mado o poder em 1930, após perder
uma eleição presidencial. Em 1934
moveu seus paus para vencer uma
eleição indireta, com a promessa de
largar o osso quatro anos mais tar-
de. Não foi o caso. Em 1937 ele deu
outro golpe de Estado e manteve-se
como ditador até 1945. Depois de
meras quatro eleições presidenciais
outro golpe, o de 1964. Começava a
ditadura militar. E as diretas só vol-
tariam em 1989 – já com Lula como
SI_447_Carta.indd 3
editorial
candidato, o que dá uma ideia do
quão jovem é a nossa democracia.
Jovem, mas que acaba de dar um
salto de maturidade. A reação rápida
do Executivo, do Legislativo e, prin-
cipalmente, do Judiciário à vandaliza-
ção dos prédios dos três poderes
basicamente pôs fim à tentativa de
golpe que Jair Bolsonaro vinha insu-
flando desde o início de seu mandato.
O Brasil mostrou que tem uma de-
mocracia forte, num mundo onde ela
ainda é vulnerável. 35,3% dos países
vivem sob regimes autoritários, de
acordo com o Democracy Index, da
Economist Intelligence Unit. Outros
20,4% estão sob sistemas “híbridos”
– democráticos no papel, mas que
lidam frequentemente com suspen-
são de eleições, perseguição política
e censura.
Tudo se torna mais grave quando
lembramos do seguinte: a inspiração
para o golpismo bolsonarista veio de
Donald Trump – um aspirante a au-
tocrata gerado no útero da democra-
cia mais sólida da Terra. Ou seja, se
nem os EUA estão livres desse tipo
de ameaça, imagine nós.
Sigamos firmes e atentos. Porque a
força das instituições democráticas
sempre será equivalente à do povo
que as mantém.
Alexandre Versignassi
Di r etor de Redação
Alexandre.Versignassi@abril.com.br
Fundada em 1950
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 cardápio janeiro de 2023

22 Capa

A química da
felicidade
Veja o que a ciência já descobriu sobre
os (complexos) mecanismos do cérebro
ligados a esse sentimento. E saiba como
isso pode ajudar a decifrar a depressão – e
aprimorar as maneiras de combatê-la.

34 Os robôs-Van Gogh
Entenda como funcionam as IAs que
criam obras de arte – e como elas afetam
o trabalho dos artistas de carne e osso.

40 A grande família
A busca pelas regras ocultas por trás
dos números primos não tem aplicação
prática. Mas consiste na mais bela ponte
entre a ciência e a filosofia. Entenda.

46 Vida de inseto
Há 2,5 milhões de formigas para cada
pessoa na Terra. E elas desenvolveram
agricultura, pecuária, táticas de guerra...

54 O clímax do sexo
A ciência do
Conheça as raízes evolutivas do orgasmo
orgasmo. P. 54 – e o que acontece com o cérebro antes,
durante e depois da explosão de prazer.

essencial
6 uma imagem...
No Vaticano, o funeral
solene do papa emérito
Bento 16, que morreu
em 31 de dezembro.
12 microgerenciamento 65 Manual
Gadgets permitem que Como começar a investir?
empresas monitorem o cé-
rebro de seus funcionários.
Número
incrível oráculo
60 morre uma estrela
Quando as Três Marias vão
virar Duas Marias?

16 de volta aos anos 1920

A década é o tema de Babi-
lônia, estrelado por Brad Pitt
e Margot Robbie. Conheça
8 ... uma opinião algumas referências da época.
Como salvar a 61 pá pum
ciência no Brasil. 18 here comes the sun 63 Só acredito vendo
Novo carro elétrico 64 Pensando Bem...
promete rodar até 70 km à 64 lost in translation
base de energia solar.
24,8
supernovas 12 Enquanto isso... milhões. é a

10 o laser inesquecível 14 3 notícias sobre

quantidade
de dígitos
do maior
última página
Cientistas usam feixes infra- 16 Pérolas do streaming número primo 62 thumbs up 66 laika e cia.
vermelhos para aprimorar a conhecido. Como surgiu o gesto Os animais que já participa-
memória em humanos. 19 VOcê decide p.40 de joinha? ram de missões espaciais.

Capa | Ilustração Felipe Del Rio

SI_447_Cardapio.indd 5 12/01/23 21:32

 essencial uma imagem...

6 super janeiro 2023 Foto Alessandra Benedetti - Corbis/Getty Images

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 janeiro 2023 super 7

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 essencial ...uma opinião

na página anterior: Cardeais participam do funeral solene do papa emérito Bento

16, no Vaticano. Sucessor de João Paulo 2º, o alemão Joseph Ratzinger ficou marcado
por ser o primeiro papa a renunciar ao “trono de Pedro” em quase 600 anos – desde
Gregório 12, no século 15. Alegou idade avançada (estava com 85 anos), mas sua des-
pedida coincidiu com uma época de vazamentos de informações sobre a elite da Igreja.
Envolviam desde corrupção a condutas sexuais de bispos.

Após um governo
abertamente

Como salvar
cego ao conheci-
mento científico,
a situação é de
terra arrasada.

a ciência
Mas há cami-
nhos para a
pesquisa de alto
nível – com o que

no Brasil
já temos à mão.

por
alexandre carvalho

“A primeira pergunta que eu faço para candidatos a um mestrado

aqui é: ‘Seus pais podem te sustentar?'”, explica, em tom de desabafo,
o vice-diretor do Museu de Zoologia da USP, Luís Fábio Silveira.
“Digo isso logo de cara porque eles não vão conseguir pagar o aluguel
de uma quitinete no Ipiranga [bairro onde fica o museu] por menos
de mil reais por mês. Como vou chamar esse cara para ficar dois
anos fazendo uma tese, qualificando-se para ser um multiplicador da
zoologia, tendo de sobreviver com R$ 500 mensais em São Paulo?”
Essa conta de Luís Fábio se refere ao valor da bolsa federal
para mestrado no país, que é de R$ 1.500, um tiquinho a mais
que o salário mínimo (R$ 1.302). Recentemente, esse cientista,
que também é orientador de alunos de mestrado e doutorado,
recebeu o contato de um estudante da Ilha de Marajó, no Pará:
o rapaz, interessado em se especializar no estudo de aves, queria
fazer mestrado com ele em São Paulo. Mas Silveira foi franco:
desaconselhou-o a se mudar para a capital paulista, pelas razões
do parágrafo anterior.
As agências de fomento à pesquisa exigem dedicação exclusiva.
Você não pode arrumar um emprego para fechar as contas. E nem

8 super janeiro 2023

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 daria: de que jeito escrever uma tese de-
pois de oito horas de expediente? Então
são só aqueles R$ 1.500 mesmo. Para
um doutorado, as coisas não melhoram
muito: só R$ 700 a mais, R$ 2.200.
A precarização extrema da situação
dos pesquisadores no Brasil não teve
início no governo que terminou em 31
de dezembro. É tão antiga quanto as
primeiras iniciativas de se fazer ciência
séria por aqui. Mas, para nos limitar ao
período mais recente, as bolsas para a
elite do pensamento científico no país
estão com seus valores congelados des-
de 2013. Se acompanhassem a inflação
desses últimos dez anos, a de mestrado
estaria hoje em R$ 2.562; a de doutora-
do, R$ 3.757. E ainda seria pouco.
Tudo piorou, como se sabe, com o
governo Bolsonaro, que tratou a ciência
como supérfluo. O dinheiro para as uni-
versidades federais foi contingenciado
(existe, mas não pode ser usado), de mo-
do que algumas instituições estiveram
à beira de fechar as portas.
Um exemplo emblemático – e aterro-
rizante – foi o da Universidade Federal
de Uberlândia (UFU). Com mais de R$
12 milhões bloqueados ou cortados em
menos de seis meses, a instituição se
viu, no fim de novembro do ano pas-
sado, com apenas R$ 71 na conta para
pagamento de funcionários terceiriza-
dos e despesas de serviços.
A situação chegou a esse ponto quan-
do, em 28 de novembro, o MEC reteve
R$ 344 milhões que seriam destinados
às universidades e institutos federais.
Felizmente, com pressão de todo lado,
Bolsonaro voltou atrás na decisão. Mas
esse é só um dos exemplos do que vive-
ram profissionais de educação e ciência
no Brasil nos últimos anos: uma gestão
à base do susto.
Quanto mais perto, melhor
Estudantes com menor poder aquisi-
tivo muitas vezes moram em cidades
distantes dos institutos. Essa questão
da distância, se solucionada, é uma das
possibilidades de melhorar a pesquisa
científica sem que uma fortuna caia
do céu. E, não menos importante, de
resolver um problema socioeconômi-
co de longo prazo.
Se o Estado fortalecer as universidades
Agradecimentos Luís Fábio Silveira, vice-diretor do Museu de Zoologia da USP; Monica L. Andersen, professora
associada da Unifesp; Natalia Luchetti, doutora em Biologia pelo Instituto de Biociências da USP.
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O Ibama soma R$ 16,2 bilhões em multas
ambientais não pagas. Parte disso poderia
ser usada em pesquisas científicas que
explorem nossa biodiversidade.
que outras gestões do próprio Lula cria-
ram fora do eixo Rio-São Paulo, o estu-
dante que vive próximo não precisará
mudar de cidade. Caso more com os pais,
por exemplo, terá a chance de sobreviver
com a bolsa sem fazer novas despesas.
Dessa forma, esses potenciais pes-
quisadores teriam a chance de concluir
suas pós-graduações e sair para traba-
lhar em empresas que dependem de
inovação para se manter competitivas,
por bons salários. E isso transformaria
a condição econômica de suas famílias,
criando um círculo virtuoso.
Ainda nessa linha, uma opção é
que as agências federais de fomento –
o CNPq e a Capes – incentivem mais
projetos locais. Além de minimizar os
custos de deslocamento dos pesquisa-
dores até os grandes centros, isso otimi-
zaria a coleta de dados. Torna possível
que eles sejam amostrados de forma
contínua, viabilizando estudos de maior
dimensão no futuro.
Outra ideia para ter investimento
sem esperar milagre é cobrar de fato
as multas ambientais e então repassar
parte desse dinheiro para o CNPq de
modo a explorar a biodiversidade do
Brasil em pesquisas científicas – ca-
pazes de gerar novos remédios, por
exemplo. Em novembro, para se ter
uma ideia, o Ibama calculava em R$
16,2 bilhões as multas ainda não pagas
por desmatamento, queimadas e trans-
porte ilegal de madeira.
Iniciativa privada
O fomento à ciência também não pode
ignorar as parcerias público-privadas.
A “Lei do Bem", de 2005, ampliada em
2007 pela Lei 11.487, trata da isenção
fiscal para empresas que atuam em
conjunto com instituições científicas
na área da tecnologia. É imposto se
transformando em dinheiro para pes-
quisadores e insumos de laboratório.
As evidências apontam que onde há
mais dinheiro privado (do que depen-
dência dos humores do governante
da vez) brota mais investimento para
a ciência. O estado de São Paulo – o
mais industrializado e inovador – é o
único em que as empresas investem
mais do que o governo em pesquisa
(63% do total).
Ou seja, há caminhos que indepen-
dem de o Brasil sair logo do lamaçal
econômico no qual chafurda desde
2015 – quando o país entrou na maior
recessão de sua história, e não conse-
guiu emergir de volta. Ainda assim, o
reajuste das bolsas é incontornável.
Em seu discurso de posse como no-
va ministra da Ciência, Tecnologia e
Inovações, Luciana Santos destacou es-
sa necessidade: “As bolsas de pesquisa
não podem ser tratadas como esmola,
mas como um investimento no futuro
do país”, afirmou. Disse ainda que vai
recompor o orçamento da ciência em
articulação com o Congresso. Uma das
principais iniciativas, segundo ela, será
revogar uma Medida Provisória editada
por Bolsonaro em agosto, que limitava
o uso de recursos do Fundo Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tec-
nológico (FNDCT). Enfatizando que
vivemos um apagão de financiamento
na ciência brasileira, ela usou como
exemplo justamente os recursos para
esse fundo: “Foram reduzidos de R$ 5
bilhões em 2010 para apenas R$ 500
milhões em 2021”, declarou. “Seriam
aplicados no desenvolvimento e na
produção de medicamentos e vacinas,
e em pesquisas sobre tratamentos de
doenças, como o câncer.”
Se uma grande expansão das ver-
bas para a ciência realmente cabe no
orçamento e na realidade econômica
que o país vive neste momento, é outra
conversa. Mas o fato é: só com investi-
mentos firmes e inteligentes na área o
Brasil terá como, um dia, pleitear uma
vaga entre os países desenvolvidos. S
janeiro 2023 super 9
12/01/23 21:54
 supernovas
ilustrações mariana andrello, Letícia Kamioka & tiago araujo design juliana briani
Laser pode aumentar a memória humana
Cientistas da Universidade de Pequim apli-
caram uma técnica, que já havia sido testada em
ratos, em 90 voluntários humanos (1): durante 12
minutos, um feixe de laser foi projetado sobre
seu córtex pré-frontal direito, uma região rela-
cionada à memória de curto prazo (que armazena
informações que estamos usando ou vamos usar
logo em seguida). O laser tinha comprimento
de onda de 1.064 nanômetros, ou seja, era do tipo
infravermelho – que é capaz de atravessar o crânio.
10 super janeiro 2023
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Os voluntários também passaram por “sessões
placebo", nas quais essa luz (que é invisível ao
olho humano) não era ligada. Ao final de cada avalia-
ção, as pessoas passavam por uma bateria de testes de
memória. Resultado: a técnica, que é chamada de foto-
biomodulação transcraniana, realmente funcionou.
Quando a luz foi aplicada, os voluntários – que
eram universitários com idades entre 18 e 25
anos – tiveram uma pontuação 25% maior nos
exercícios de memória. (Bruno Garattoni)
A
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 sn. Edição Bruno Garattoni

10
bilhões de dólares
foi quanto os ame-
ricanos perderam
ao longo de 2022,
segundo estimativa
do FBI, no chamado
"golpe do call
center" – em
que indianos
telefonam para as
vítimas, geralmente
idosas, dizem que
o computador
delas está com
problema e é
necessário instalar
um software (na
verdade um vírus,
que os bandidos
usam para acessar
as contas bancárias
da vítima). (BG) B

Técnica rouba Bactérias extraem mais calorias da comida

Tendência de cada pessoa a engordar está ligada à flora intestinal, mostra estudo.
dados "pelo ar"
O método, desco- Cada alimento tem uma certa quantidade quantos % da energia dos alimentos o corpo
berto por um pes- de calorias. Só que os micróbios do sistema não conseguiu extrair e acabou descartan-
quisador israelense digestivo ajudam a decompor os alimentos, do. Os pesquisadores também analisaram a
(2), capta as ondas liberando a energia presente neles. Por isso, composição do microbioma de cada volun-
eletromagnéticas se houver determinadas bactérias vivendo tário. Cruzando as duas informações, eles
emitidas pela CPU no seu intestino, a conta pode mudar – e a descobriram o seguinte: 40% das pessoas
para extrair e decodi- comida se tornará mais calórica, na prática, possuem mais bactérias do tipo Bacteroides
ficar as informações para você. A ciência já suspeitava disso há no intestino, e por isso obtêm mais energia
contidas no compu- algum tempo. Agora, o fenômeno foi com- da comida – como consequência, elas são em
tador. Ou seja, provado por cientistas da Universidade de média 9 kg mais gordas do que as demais.
funciona mesmo Copenhague, que fizeram algo não muito Já os voluntários com predominância de bac-
sem contato com agradável (3): estudaram as fezes de 85 vo- térias Ruminococcaceae eram os que menos
a máquina (seja luntários. O objetivo era medir o teor resi- extraíam energia dos alimentos, e por isso
via internet ou dual de calorias presente no cocô, ou seja, tinham menos tendência a engordar. (BG)
físico). O ataque tem
alcance de 2 metros,
inclusive através de
paredes – um espião
poderia visitar o “Nós corremos um risco calculado",
escritório da vítima
e roubar dados dela, disse o médico russo Dmitry Kim, que retirou um projétil explosivo não detonado do corpo do sargento
sem deixar nenhum Nikolay Pasenko, ferido na Guerra da Ucrânia. Kim e seus assistentes tiveram de usar coletes de proteção,
rastro. (BG) pois a bala poderia explodir durante a cirurgia. Ela havia atravessado as costelas do sargento e se alojado na
coluna dele. A operação deu certo, e o militar sobreviveu. (BG)

Ilustrações A Mariana Andrello e Letícia Kamioka. B Tiago Araujo. Fonte (1) Transcranial photobiomodulation enhances visual working memory capaci-
ty in humans. C Zhao e outros, 2022. (2) COVID-bit: Keep a Distance of (at least) 2m From My Air-Gap Computer!. M Guri, 2022. (3) Stool energy density is janeiro 2023 super 11
positively correlated to intestinal transit time and related to microbial enterotypes. J Boekhorst e outros, 2022.

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 sn.
Um vidente previu que
a cantora Jojo Todynho
irá engravidar – e ela
preparou enxoval.
enquanto
isso...
Texto Luisa Costa
Ícones Juliana Briani
Quatro meses após deixar a
Terra, a sonda coreana Danuri
chegou à órbita da Lua – e
enviou fotos de lá.
Crianças com doenças
genéticas raras receberam
transplantes de mitocôndrias
de suas mães A.
Um estudo apontou que os
ictiossauros, um réptil pré-his-
tórico, se reuniam em grupos
para dar à luz B.
Cientistas testaram um méto-
do para congelar e armazenar
larvas de corais, que pode
ajudar a restaurar recifes C.
Fontes A Universidade de Tel Aviv. B
Universidade Vanderbilt. C Australian
Institute of Marine Sciences.
12 super janeiro 2023
SI_447_Novas.indd 12
trabalho do futuro pode ter monitoramento cerebral
Gadgets permitem que empresas usem eletroencefalograma nos funcionários.
As empresas sempre fizeram de tu-
do para monitorar a produtividade dos
empregados. Com a pandemia e o home
office, a prática deu um salto (a Microsoft
criou um sistema chamado Productivity
Score, que observa e quantifica tudo o que
a pessoa faz no computador). Em breve,
poderá incluir a neurotecnologia. A empre-
sa americana Emotiv criou um aparelho,
o MN8, para uso no trabalho: parece um
headset qualquer, mas tem sensores de
eletroencefalografia (EEG) que medem as
ondas cerebrais – e, a partir disso, deduz
o nível de atenção e estresse do usuário.
A startup israelense InnerEye vai além:
seu produto, que também usa EEG, pro-
mete detectar ações específicas do cérebro.
Especialistas já temem que, no futuro, os
trabalhadores sejam obrigados a usar dis-
positivos assim. A Super conversou com
James Giordano, especialista em neuroé-
tica da Georgetown University, sobre isso.
Quão perto isso está da realidade?
Algumas formas de monitoramento cere-
bral já são empregadas em ambientes de
trabalho. Há notícias sobre o uso de EEG
na China, por exemplo. Também há pes-
quisas em vários países, como nos Estados
Unidos, que estão avaliando a eficácia e a
utilidade dessas tecnologias, para medir
ou influenciar o desempenho, a segurança
e a saúde no trabalho. Em suma, isso já é
uma realidade.
Quais são os possíveis riscos?
Os dados podem ser usados, por exem-
plo, para comparar padrões de atividade
cerebral e relacioná-los ao desempenho
no trabalho. Essas informações poderiam
servir como requisito em contratações e
promoções [a pessoa só seria admitida ou pro-
movida se tivesse determinada performance no
EEG]. E também para fundamentar o uso
de outras neurotecnologias, que tentem
influir na atividade cerebral [para aumentar
o desempenho em determinadas tarefas].
Como podemos nos proteger?
É muito importante entender as capacida-
des e as limitações dessas tecnologias, para
não superestimar – ou subestimar – sua
viabilidade no mundo real. Isso é essencial
para desenvolver leis regulamentando o
uso delas. E é preciso obter o consenti-
mento, totalmente informado, de qualquer
pessoa [que vá ser monitorada]. Mas também
é importante considerar que as normas
e os padrões éticos podem variar entre
culturas e sociedades. Então será vital,
no futuro, fazer discussões internacionais
para estabelecer regras sobre como essas
ferramentas e técnicas poderão ou não
ser usadas. (Luisa Costa e Bruno Garattoni)
12/01/23 15:12
 Adultos dormem menos entre os 30 e 50 anos
Sono cai na meia-idade mas depois volta a aumentar, revela estudo com 730 mil pessoas

7,4
média de horas de sono, por faixa etária: média por % da população:
7,3
24%
7,2 1 Ponto de  2 Início da
estabilização: subida:
33 anos. 53 anos. 5%
7,1
37% 2%
7,0 7%

6,9
25%
6,8
dormem 5h dormem 8h
6,7
dormem 6h dormem 9h
40 anos

60 anos

65 anos
20 anos

50 anos
45 anos
30 anos

70 anos
6,6
25 anos

55 anos
35 anos

dormem 7h dormem 10h

6,5

média geral por país: divisão por sexo:

7,1h

7,05h

7h

6,95h

6,9h

mulheres homens

As mulheres dormem

6,6h 6,7h 6,8h 6,9h 7,0h 7,1h 7,2h 7,3h 7,4h Sem dados
7,5 minutos
a mais que os homens, em média.

Fontes Reported sleep duration reveals segmentation of the adult life-course into three phases. A Coutrot e outros, 2022.

13h30
é o horário em que as pessoas atingem o pico cognitivo, segundo um estudo
publicado por cientistas europeus – que analisaram os resultados de 503 mil
provas do ensino médio e superior aplicadas ao longo de quatro anos (4).
Os estudantes que faziam as provas às 13h30 sempre tiravam notas mais altas
do que aqueles que as respondiam às 9h ou às 16h30. Esse efeito parece estar
ligado ao relógio biológico: a diferença era especialmente grande durante o
inverno europeu, quando o sol nasce tarde e vai embora cedo. (BG)

Ilustração Tiago Araujo. Fonte (4) Time of Day and High Stakes Cognitive Assessments. A Gaggero e D Tommasi, 2022. janeiro 2023 super 13

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 sn.

Estudo
mapeia
3 notícias sobre

Comida contaminada energia

De vez em quando, acontece. E alguns casos surpreendem. eólica
em Marte
O planeta
vermelho tem
uma atmosfera
extremamente ra-
refeita, quase sem
gases: sua pressão
é 150 vezes menor
que a da atmosfe-
ra terrestre. Mas,
mesmo assim,
Marte tem um
pouquinho de
vento – e ele pode
ser usado para
gerar energia. É
o que afirmam
cientistas da Nasa,
que calcularam (5)

1.
Espinafre causa
alucinações na Austrália
Mais de 160 pessoas em New
South Wales, no sudeste do país,
tiveram sintomas neurológicos
como alucinações e convulsões
após consumir espinafre comer-
cializado por quatro empresas
australianas – que, descobriu-se
depois, estava contaminado por
estramônio, uma planta que
produz toxinas. Além de recolher
os produtos, o governo ordenou
que as plantações de espinafre
fossem destruídas. (BG)
Empresa vai reabrir
2. Framboesa congelada
3. os pontos da su-
perfície marciana
onde mais venta.
Segundo eles, o
uso da energia
fábrica de pizza letal contém vírus
A fábrica de pizzas congeladas A agência americana FDA detec- eólica (que seria
Buitoni, que pertence à Nestlé, tou a presença do vírus da hepa- capturada por
recebeu permissão do governo tite A num lote de framboesas turbinas com 50
francês para recomeçar as ope- da marca James Farm – que teve metros de altura)
rações. Ela estava parada desde de recolher 5.000 kg do produto. tornaria viável a
março de 2022, quando pizzas O caso chama a atenção, porque
contaminadas pela bactéria a contaminação de alimentos construção e ope-
E. coli mataram duas crianças e geralmente ocorre devido a ração de bases em
causaram problemas renais em bactérias ou toxinas – não vírus, diversas regiões
outras 58. A Nestlé investigou o que não conseguem se reproduzir do planeta – in-
caso, e afirmou que a causa mais na comida. Não se sabe como o cluindo os polos
provável é a contaminação da vírus foi parar nas framboesas,
farinha usada no produto. (BG) importadas do Chile. (BG) marcianos, onde
pode existir água
congelada. (BG)

350
EUA estão Sentenças de 300
matando morte por ano
Execuções por ano
250
menos Fez execuções
nos últimos 10 anos
200

condenados Não fez

execuções
150

Aplicação da pena Paralisou as execu- 100

ções (moratória)
de morte tem forte Não tem pena 50
queda no país. de morte
1976

1979

1982

1985

1988

1991

1994

1997
2000

2003

2006

2009

2012

2015

2018

2022

14 super janeiro 2023 Fonte The Death Penalty in 2022: Year End Report. Death Penalty Information Center. Gráfico Juliana Briani.

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 Não é bem
assim...
Notícias que
bombaram por
aí – mas não
são verdade

A notícia

Cientistas
criam "buraco
de minhoca"
em laboratório
O que ela dizia
Pesquisadores dos
EUA usaram um
computador quântico
para fabricar um
pequeno wormhole:
uma estrutura
hipotética, proposta
Navegadores usam criptografia suspeita por Albert Einstein,
que funcionaria como
uma espécie de portal
Chrome, Safari, Edge e Firefox foram infiltrados por empresa do setor militar.
conectando dois
pontos distantes do
Sabe quando você entra num site qual- Panamá, mas sua sede fica no Arizona – espaço-tempo.
quer, e aparece um cadeado ao lado do nome? e os donos fazem parte da Packet Foren-
Isso indica que a transmissão de dados entre sics, uma companhia que presta serviços a verdade
o seu computador (ou smartphone) e aquele ao Pentágono. Isso levantou a suspeita de Os cientistas não
site está protegida por criptografia. O pro- que os certificados da TrustCor possam ser criaram um buraco de
cesso usa certificados digitais, arquivos de fajutos: permitiriam que as Forças Arma- minhoca. Nem mes-
verificação que são emitidos por empresas de das dos EUA leiam dados protegidos por mo tentaram fazer
isso. Eles fizeram algo
segurança. Mas uma investigação do jornal criptografia. Após a polêmica gerada pelo totalmente diferente:
Washington Post revelou que os navegadores caso, Google, Microsoft e fundação Mozilla geraram 9 qubits (bits
Chrome, Safari, Edge e Firefox aceitam cer- (desenvolvedora do Firefox) disseram que quânticos), fizeram
tificados emitidos pela TrustCor Systems, vão bloquear os certificados em seus nave- determinadas opera-
uma empresa estranha: foi registrada no gadores. A Apple está estudando o caso. (BG) ções com eles (7),
e afirmaram que
o conjunto se
comportou de forma
matematicamente
Mosquito da dengue adquire resistência a inseticidas parecida (embora al-
tamente simplificada)
78% dos Aedes aegypti coletados no Vietnã, e 79% dos capturados no Camboja, apre- a um wormhole, caso
sentam "níveis extremamente altos" de resistência ao tipo mais comum de inseticidas, os o buraco de minhoca
piretroides (eles têm esse nome porque imitam a piretrina, uma molécula que é produzida existisse. Ou seja: a
pelos crisântemos e afeta o sistema nervoso dos insetos). Foi o que descobriram cientistas do coisa toda foi apenas
governo japonês, que publicaram um estudo a respeito (6). A resistência a esses inseticidas é uma simulação numé-
rica; não aconteceu
causada por três mutações no DNA do Aedes – que, temem os pesquisadores, já podem estar se
uma experiência
espalhando para os mosquitos de outros pontos da Ásia. A cada ano, 390 milhões de pessoas física real. (BG)
pegam dengue no mundo. (BG)

Ilustrações Tiago Araujo. Fontes (5) Assessment of wind energy resource potential for future human missions to Mars. VL Hartwick e outros,
2022. (6) Discovery of super–insecticide-resistant dengue mosquitoes in Asia: Threats of concomitant knockdown resistance mutations. S Kasai e janeiro 2023 super 15
outros, 2022. (7) Traversable wormhole dynamics on a quantum processor. D Jafferis e outros, 2022.

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 sn. playlist

Os loucos Com Brad Pitt, Margot Robbie e Tobey Maguire no elenco, Babilônia estreia
dia 19 de janeiro mostrando os excessos e a depravação da Hollywood de

anos 1920
cem anos atrás. Uma década marcada pela prosperidade nos EUA e pela
modernização dos costumes à velocidade da luz. Veja cinco referências da época.
Texto Alexandre Carvalho • Design Luana Pillmann

A
A ERA O STAR
flappers “ROCKSTAR” LEI SECA
DO JAZZ SYSTEM
DO TÊNIS
Chamadas de Se a década foi Foi nessa época A revolução O Congresso
“melindrosas” embalada pelo que a meca do ci- comportamen- americano teve a
no Brasil, elas som dos jaz- nema consolidou tal também má ideia de proi-
redefiniram zistas, o termo um método de resultou em ex- bir o comércio
a imagem da que deu nome promover atores centricidades. E e o consumo de
mulher moder- ao período e atrizes dando pouca gente foi bebidas alcoóli-
na. Com seus (juntamente glamour à sua mais excêntrica cas em 1920. Era
cabelos curtos com Roaring persona e trans- que Suzanne uma resposta à
(inspirados Twenties, “rui- formando-os Lenglen. Pri- pressão dos reli-
na estilista dosos anos 20”) em semideuses. meira estrela giosos, mas teve
Coco Chanel), veio do grande Um exemplo: o feminina do efeito inverso.
curtiam a vida narrador do cortejo fúnebre tênis, ela jogava O país foi to-
adoidado em lifestyle de ricos do astro Rodolfo com vestidos de mado por bares
grandiosas e inconsequen- Valentino, em seda, fumava e clandestinos (os
festas onde tes: F. Scott 1926, atraiu 100 bebia conhaque speakeasies),
dançavam um Fitzgerald, com mil pessoas em nas quadras e gângsteres
jazz frenético. sua coletânea Nova York. “para acalmar enriqueceram
Contos da Era os nervos”. com o tráfico
do Jazz (1922). de birita.

filme fILME
O Desconhecido Os Meyerowitz
(2022) Netflix (2017) Netflix
A polícia da Austrália simula Danny (Adam Sandler) vai
Pérolas do uma organização criminosa
para atrair e desmascarar
visitar o pai, Harold (Dustin
Hoffman), escultor decaden-
streaming Henry, suspeito de ter
cometido um assassinato
te e pessoa difícil. Descobre
que a madrasta quer vender
monstruoso décadas atrás. a casa – e tem nisso o apoio
Mas o convívio diário com do outro filho de Harold,
o psicopata acaba mexen- Matthew (Ben Stiller). É o
do com a cabeça de Mark, gatilho para uma sequência
o policial designado para de tretas familiares, que o
acompanhá-lo de perto. (BG) filme explora bem. (BG)

16 super janeiro 2023 Imagens reprodução/divulgação.

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 Edição Bruno Garattoni

Por dentro do Egito Antigo “Quando des-

A Grande Pirâmide de Gizé tem 146 metros de altura – durante 3.800 anos,
foi a estrutura mais alta do mundo. Neste site, criado pela Universidade cemos do trem,
Harvard, também dá para ver como ela é por dentro: basta clicar para ir fomos recebidas
Como tudo andando pelos aposentos e corredores, em 3D (ao estilo Google Street
View). O passeio inclui áreas fechadas, onde turistas não podem entrar, e
por oficiais da
começou também dá acesso a museus e tumbas – incluindo a de Tutancâmon. (BG)
Digital Giza. Grátis. giza.mused.org/en/tours/
SS com chicotes
e cães",
Foi com uma men-
sagem no WeChat, o escreve a holandesa
equivalente chinês do Selma van de Perre, ho-
WhatsApp, às 17h43 do je com 100 anos, neste
dia 30 de dezembro de livro em que conta sua
2019: “Sete casos con- vida como prisioneira no
firmados de Sars no campo de concentração
Mercado de Huanan", de Ravensbruck, na Ale-
escreveu a médica manha – que reuniu 132
Wenliang Li a alguns mil mulheres e crianças,
colegas. “Não circulem das quais 90 mil foram
esta informação fora executadas ou morreram
do grupo." Neste livro,
o jornalista americano
A civilização em 4K de fome e doenças. (BG)
Meu Nome é Selma.
David Quammen con- No simulador Age of Empires, você cria e comanda sociedades ao longo R$ 30.
ta a história da Covid da história. O segundo jogo da série se passa na Idade Média e inclui
de um ângulo inédito: diversos povos, dos incas aos sarracenos. O game foi lançado em 1999,
vista de dentro, pelos para Windows – e agora está chegando aos consoles Xbox em versão A infância
médicos e cientistas totalmente refeita, com gráficos em alta definição (no Series X, em 4K). Dá de George
que a descobriram. (BG) para jogar com o controle ou conectar teclado e mouse, como no PC. (BG)
Orwell
Sem Fôlego. R$ 129 Age of Empires II: Definitive Edition. Lançamento dia 31/01.
(no Kindle, R$ 45). Grátis no serviço Xbox Game Pass. Quando eric arthur
blair tinha oito anos de
idade, em 1911, a família o
mandou para um colégio
interno. Foi horrível. Ele
Documentário Documentário sofria bullying por ser po-
Lucy, o Chimpanzé Superliga: a Guerra bre, apanhava do diretor,
tinha medo de fracassar
Humano (2021) pelo Futebol (2022)
na vida. Eric se tornaria
HBO Max Apple TV+
escritor, com o nome ar-
Ela foi adotada por um casal O Real Madrid, a Juventus, o tístico de George Orwell.
de cientistas, que a criaram Manchester United e outros
como uma criança. Com o gigantes decidiram criar seu E em 1940 publicou um
tempo, virou um problema, próprio campeonato, subs- livro contando tudo. Que,
e decidiram soltá-la numa tituindo a UEFA Champions agora, virou história em
floresta da África. Uma League. Isso detonou uma quadrinhos. (BG)
bióloga foi junto, para guerra comercial e política sem
ajudar – e acabou ficando precedentes, envolvendo os Tantas, Tantas Eram
6 anos na selva. (BG) governos de vários países. (BG) As Alegrias. R$ 45.

janeiro 2023 super 17

SI_447_Playlist.indd 17 12/01/23 19:11

 sn. tech
O carro elétrico e solar
Imagine rodar até 70 km por dia sem nunca plugar
o carro na tomada. Essa é a promessa da empresa
holandesa Lightyear, que está lançando seu primeiro
modelo, o Zero. Ele tem o capô e o teto revestidos por
placas fotovoltaicas: a cada hora sob o sol, ele supos-
tamente captura energia o bastante para rodar 10 km.
Parece meio difícil de acreditar, mas os números até
que fazem sentido.
A bateria do carro tem 60 kilowatts-hora (kWh)
de capacidade. Não é muito: um Tesla Model S tem
quase o dobro. Só que o Lightyear é bem mais leve:
pesa 1.500 kg, contra 2.100 kg de um Model S. Tam-
bém tem menos potência. Seus quatro motores, um
em cada roda, somam 130 kW – o equivalente a 170
cavalos, ou aproximadamente 1/3 do Tesla. Por isso,
e pelo formato bem aerodinâmico, o Lightyear gasta
18 super janeiro 2023
SI_447_Tech.indd 18
Ele promete carregar as baterias
usando apenas o sol. Na prática,
não chega lá. Mas pode ir longe.
Texto Bruno Garattoni
Design Luana Pillmann
a aerodinâmica
O Lightyear não tem
retrovisores externos,
substituídos por câmeras.
Por isso,“fura” melhor o ar
– e gasta menos energia.
O CONTROLADOR
Mostra, no painel central,
quanta energia as placas
estão gerando, e quanta
eletricidade o veículo
está consumindo.
menos: segundo seus criadores, ele consome 1 kWh a
cada 10 km rodados. Metade do Tesla. Essa promessa
ainda não foi confirmada por testes independentes.
Se ela for verdade, a conta fecha. O carro tem 5 m2 de
placas fotovoltaicas. Supondo que elas trabalhem com
eficiência de 20%, a melhor possível com as tecnolo-
gias atuais, o Lightyear conseguiria gerar 750 watts
a cada hora sob sol forte. O suficiente para ele rodar
7,5 km. Não exatamente o prometido; mas bem bom.
Se é assim, por que as outras marcas até hoje não
colocaram placas solares em seus carros? É que esses
painéis são retos e rígidos, não acompanham as curvas
da carroceria. O Lightyear dribla isso com uma técnica
inédita: ele é coberto por 782 miniplacas, conectadas
entre si. Elas são caras e difíceis de montar – por isso,
o carro custa 250 mil euros.
Fotos Reprodução/Divulgação
12/01/23 15:09
 Edição bruno garattoni

O som do magnésio
Esse é o metal usado na estrutura dos fones você decide
YH-5000SE, da marca Yamaha. Ele foi escolhido Os projetos mais
porque é 18 vezes mais rígido que o aço – e interessantes
isso evita a formação de microvibrações que
distorcem o som. Outro detalhe interessante
(e surpreendentes)
é que os fones são ortodinâmicos, ou seja, do mundo do
seus alto-falantes são movimentados por crowdfunding
bobinas (fios) que cobrem toda a superfície
deles – não só as beiradas, como nos fones
comuns. O resultado é uma qualidade de áudio
astronômica, com preço idem: US$ 5.000.

Mouse origami
indiegogo.com
Projeto myAir.0
O que é Um mouse ideal

Zero a 100 em para levar com o notebook,

porque fica totalmente
plano, com apenas 0,1 cm de
dez minutos espessura. Na hora de usar,
é só apertar as bordas do
O redmi note 12 discovery gadget e ele se transforma,
edition (us$ 330), da Xiaomi, assumindo o formato de um
é o primeiro smartphone a vir mouse normal. Pesa 40 g,
com um carregador de 210 watts, é Bluetooth e tem bateria
dez vezes mais potente que os
convencionais. Graças a isso,
consegue encher totalmente
De olho nos dados recarregável com três meses
de autonomia.

sua bateria em 10 minutos (um
iPhone demora 90). O truque é
que o Redmi tem duas baterias
internas, que ele carrega
simultaneamente – isso distribui
melhor o calor, e permite aplicar
uma potência maior.
O tidbyt é um minicomputador com Wi-Fi e uma telinha LED
Quanto já arrecadou
de baixa resolução, com apenas 64 x 32 pixels – o que dá a ela
US$ 160 mil
um visual retrô, como nos painéis eletrônicos dos anos 1980.
Chance de rolar bbb
Você pode programá-lo para mostrar a previsão do tempo, o
valor de determinadas ações na Bolsa, os resultados de eventos
esportivos, as fases da Lua... É só escolher entre as centenas de
Canudos de gelo
apps disponíveis para o aparelho, que custa US$ 179.
kickstarter.com
Projeto The Ice Straw

Um exoesqueleto O que é Um gadget que faz

canudinhos de gelo, para

para malhar
Criado pela empresa chinesa Enhanced
Robotics, o Sportsmate 5 tem uma proposta
intrigante: além de aumentar a força do
usuário (ajudando-o a carregar peso), como
os exoesqueletos tradicionais, ele também
tem um “modo fitness” – em que seus
motores impõem resistência ao movimento
das pernas, aumentando o grau de dificuldade
dos exercícios. O fabricante já construiu um
protótipo 100% funcional, mas o Sportsmate
ainda não tem data de lançamento.
você usar em bebidas. Basta
enchê-lo de água e colocar no
congelador. Meia hora depois,
os canudos estão prontos – é
só puxar a parte de cima do
aparelho para extraí-los, sem
quebrar. Os criadores preten-
dem fabricar três versões do
produto, para fazer canudos
com 5 a 12 mm de diâmetro.
Já arrecadou US$ 34 mil
Chance bbb

janeiro 2023 super 19

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1254945-DIAGNOSTICOS DA AMERICA S.A .-2_1-1.indd 20 11/01/2023 18:58:50
1254945-DIAGNOSTICOS DA AMERICA S.A .-2_1-1.indd 21 11/01/2023 18:58:52
 capa

22 super janeiro 2023

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 A química da
felicidade
Texto Bruno Garattoni e Tiago Cordeiro Ilustração Liniker Eduardo Design Natalia Sayuri Lara

Existe uma molécula que determina se as lembranças serão

boas ou ruins. Veja esta e outras descobertas da ciência
sobre os mecanismos cerebrais ligados à felicidade. E a
relação disso com a polêmica dos antidepressivos.

janeiro 2023 super 23

SI_447_Felicidade.indd 23 12/01/23 21:59

 Você é feliz? E agora, neste exato momento, você
está feliz? Esperamos que sim. Mas, seja qual for o
seu veredicto, você provavelmente hesitou um pou-
quinho antes de responder. Porque a felicidade é fu-
gidia: às vezes conseguimos agarrá-la, e queremos
ficar assim para sempre, mas aí ela começa a escorrer
como areia por entre os dedos – ou simplesmente
some, sem motivo aparente, para reaparecer tempos
depois. Como escreveu Machado de Assis, a feli-
cidade é uma quimera: algo que você passa a vida
tentando alcançar, mas está sempre escapando. Ela
é muito mais do que ter saúde, dinheiro, liberdade e
uma rede de apoio social – os critérios usados pelo
World Happiness Report, da ONU, para medir o grau A felicidade
de felicidade de uma nação. Na décima edição desse
ranking, publicado em 2022, o Brasil aparece apenas sempre parece
na 38a posição; e os países mais felizes do mundo
são, pela ordem, Finlândia, Dinamarca e Islândia. A estar um pouco
Finlândia, aliás, lidera o ranking há cinco anos. Só
que 18,8% da sua população tem algum problema à frente – como
psicológico, especialmente depressão – o percentual
mais alto da União Europeia. Você pode “ter” tudo, uma miragem
objetivamente, e mesmo assim não se sentir feliz.
no deserto.
24 super janeiro 2023

SI_447_Felicidade.indd 24 12/01/23 22:00

 mero placebo. Não é bem assim. Todos
os antidepressivos que estão no mercado
foram submetidos a testes clínicos, e pas-
saram (mais sobre isso daqui a pouco).
O mais provável é que a felicidade,
e a infelicidade, estejam relacionadas a
mecanismos cerebrais mais complexos
do que se imagina. Nos últimos anos, a
ciência encontrou alguns sinais disso.
Descobriu, por exemplo, uma molécula
que “carimba” cada uma das memórias
– e determina se ela vai ser positiva ou
negativa. E que o cérebro possui uma
malha de circuitos, a chamada “Rede de
Modo Padrão”, que pode ser decisiva para
a sensação de (in)felicidade.

Da Grécia ao tálamo
O que é, exatamente, a felicidade? Eis aí
uma pergunta que só parece simples. Ela
é formada por alegria, otimismo, calma,
prazer e diversos outros ingredientes,
mas é muito mais do que a soma de-
les – da mesma forma que um bolo de
chocolate não é uma simples pilha de
manteiga, cacau e açúcar. O melhor ca-
minho para entender a felicidade parece
estar em dois conceitos propostos por
Aristóteles na Grécia do século 4 a.C.:
hedonia e eudaimonia.
A hedonia é imediata, e se manifesta
em situações pontuais: reencontrar um
filho que volta de viagem, ver pela dé-
cima vez o seu filme favorito ou comer
aquele prato que você adora. Ela é aquela
sensação súbita de felicidade após fazer
Cada vez mais gente tenta resolver o ou viver algo bom. Já a eudaimonia é
problema recorrendo aos antidepressi- de longo prazo – um estado de espírito
vos, mas isso desencadeou um fenôme- baseado em viver bem a vida, seguin-
no curioso: ao mesmo tempo em que Você pode do critérios éticos e morais e buscando
aumenta o uso desses medicamentos, a ter todas as evoluir como indivíduo. É a combinação
porcentagem de deprimidos na socieda- condições dessas duas coisas que, para Aristóteles,
de segue crescendo (1). Em 2013, segundo objetivas compõe a felicidade.
para ser
dados do IBGE, eram 7,6% dos brasilei- feliz (saúde,
O ranking da ONU mede coisas con-
ros. Em 2019, antes da pandemia, 10,2%. dinheiro, cretas, que levam à hedonia. Mas, quando
Hoje, são 11,3%. Será que os remédios liberdade você pergunta a si mesmo se é feliz, na
estão mesmo funcionando? e uma rede verdade está pensando na eudaimonia. E
No ano passado, um trabalho publica- de amigos ela é o saldo das experiências e emoções
e parentes,
do por cientistas ingleses jogou lenha na segundo
vividas. Ou seja, das suas memórias. Ao
fogueira. Eles revisaram os dados de 17 a ONU), gravá-las, o cérebro atribui a cada uma
grandes estudos, que somados avaliaram e mesmo delas uma “valência emocional”. E isso,
mais de 100 mil pessoas, e chegaram assim não no futuro, acaba influindo diretamente
a uma conclusão bombástica (2) : não conseguir. sobre a felicidade. Imagine o seguin-
Há outros
existe relação entre a depressão e baixos fatores
te cenário. Você está jantando na sua
níveis de serotonina no cérebro – o que em jogo. lanchonete preferida, onde vai sempre
a maior parte dos antidepressivos tra- com seu namorado ou namorada. Agora
ta. A notícia correu o mundo, com uma pense no cheiro delicioso daquele ham-
onda de manchetes dizendo que essas búrguer. Foi uma lembrança feliz, certo?
drogas não funcionam, e seu efeito é Aquela memória tem valência positiva.

Fontes (1) How an Age of Anxiety Became an Age of Depression. A Horwitz, 2010.
→
(2) The serotonin theory of depression: a systematic umbrella review of the evidence. J Moncrieff e outros, 2022. janeiro 2023 super 25

SI_447_Felicidade.indd 25 12/01/23 22:00

 O viés das memórias
Ao gravar uma memória, o cérebro determina se ela será boa ou
ruim. Faz isso com uma proteína, a neurotensina, cuja ação foi
elucidada em ratos – mas também existe no cérebro humano.
1. A experiência
Cientistas do MIT colocaram ratos
de laboratório numa caixa, onde os
bichinhos podiam ganhar comida ou
levar um choquinho elétrico fraco
nas patas. Quando o animal recebia
alimento, os pesquisadores tocavam
um determinado som; quando era a vez
do choque, tocavam outro. O objetivo
era fazer o rato associar experiências
boas e ruins a certos sons.
2. A LEMBRANÇA
Após várias rodadas desse processo de
condicionamento, os cientistas implanta-
ram um sensor nos ratos, para observar
a movimentação da neurotensina no
cérebro deles. Em seguida, tocaram
aqueles sons da etapa anterior – que o
animal havia associado a memórias boas
(ganhar comida) ou ruins (levar choque).
3. O resultado
Quando o animal se lembrava de uma
memória boa, o nível de neurotensina
nível de neurotensina
aumentava. Quando a memória era ruim,
ele diminuía. Portanto, essa substância
estava relacionada à chamada “valência
emocional” das lembranças. Mas os
cientistas queriam descobrir o efeito da
neurotensina na formação das memórias
(não só na recordação delas).
4. A alteração genética
Os cientistas criaram um vírus e o
injetaram no cérebro dos ratos – que
também foi estimulado com um feixe
de luz em 685 neurônios da amígdala
(uma região onde a neurotensina age).
O vírus serve para desligar os genes que
regulam a produção de neurotensina;
já a luz permite controlar a ação dela.
5. Os novos resultados
Quanto mais neurotensina, maior a
propensão do rato de formar memórias
positivas (e vice-versa). Acima de um
certo nível, os bichinhos se tornavam
incapazes de criar memórias negativas:
eles simplesmente não conseguiam
associar o som do eletrochoque à dor
causada por ele, e não fugiam do castigo.
6. E em humanos?
A neurotensina é produzida no tálamo,
uma das regiões mais antigas do cére-
bro, presente em todos os mamíferos.
A substância existe no cérebro humano,
onde interfere em neurotransmissores
como a dopamina, a serotonina e o
GABA (ácido gama-aminobutírico).
A amígdala, o hipotálamo e o córtex
pré-frontal medial também possuem
receptores de neurotensina.
Fontes Neurotensin orchestrates valence assignment in the amygdala. H Li e outros, 2022. Diverse roles of neurotensin
agonists in the central nervous system. M Boules e outros, 2013. Neurotensin Receptor 1 Gene (NTSR1) Polymorphism Is
Associated with Working Memory. J li e outros, 2011.
SI_447_Felicidade.indd 26
Agora imagine que você levou um pé na bunda, justo
naquela lanchonete. Nunca mais volta lá, por razões
óbvias. Mas tempos depois está na casa de um amigo
que pede aquele mesmo lanche por delivery. Desta vez,
o sanduíche evoca em você uma memória ruim – com
valência emocional negativa. Percebeu? A lembrança do
hambúrguer em si não mudou (você continua sabendo
exatamente que gosto, cheiro e textura ele tem), mas
seu significado sim.
Quanto mais memórias positivas você acumula,
mais perto da felicidade estará. Isso é óbvio. O que não
é óbvio: aparentemente, o cérebro gasta mais energia
para carimbar uma memória como positiva – e, por
Som Sucrose (líquido doce)
isso, ele pode ser naturalmente pessimista.
Som Eletrochoque
Em julho de 2022, um grupo de cientistas de várias
instituições americanas apresentou uma descoberta
revolucionária: experiências em ratos haviam mostrado
que uma molécula, a neurotensina, era a responsável
Sensor óptico pela classificação das memórias como positivas ou
Incisão negativas (3). Os pesquisadores ensinaram as cobaias
Som da experiência boa
a associar determinados sons a uma experiência boa
Som da experiência ruim
(ganhar alimento) ou ruim (levar um choque elétrico
fraco). O objetivo era formar neles as memórias da-
quelas coisas. Depois, os cientistas poderiam evocá-las
tocando aqueles mesmos sons [veja infográfico ao lado].
Experiência boa Experiência ruim Ao mesmo tempo, os pesquisadores mediam o nível
de neurotensina no cérebro dos ratos – isso foi fei-
nível de neurotensina
to monitorando o tálamo, região cerebral onde essa
substância é produzida, e a amígdala, onde ela age.
Quando os bichinhos se lembravam da memória
boa, a quantidade de neurotensina aumentava; quan-
0 2 0 2
Tempo (s) Tempo (s)
do era a ruim, essa substância diminuía. Os pesqui-
sadores foram além, e criaram ratos geneticamente
modificados para produzir mais ou menos daquela
Vírus AAV-Ef1alpha
Fotoestimulação substância. “Quando alteramos artificialmente a con-
centração de neurotensina na amígdala, conseguimos
mudar o comportamento dos ratos”, diz Hao Li, neu-
rologista do Salk Institute e autor principal do estudo,
que também contou com pesquisadores do MIT, das
Amígdala
universidades Harvard e de Michigan. “É a quantidade
basolateral (BLA) de neurotensina disponível que gera o balanço entre o
processamento das memórias, que vai definir se elas
serão positivas ou negativas”, resume ele.
A neurotensina é uma molécula formada por 13
aminoácidos. Foi identificada pela primeira vez no
cérebro de bois – e também está presente em outros
animais, humanos inclusive. Ela circula por todo o sis-
tema nervoso, embora sua maior concentração esteja
no hipotálamo (que regula funções básicas, como sede,
apetite, temperatura corporal e pressão arterial) e na
amígdala (ligada ao comportamento social, ao controle
Córtex pré-frontal das emoções e ao medo).
medial O estudo em ratos demonstrou que o cérebro deles
precisa fazer mais esforço, produzindo a neurotensina,
para gravar memórias boas. Existe uma propensão à
negatividade; e isso pode ser proposital. “Acredito que
Tálamo
a tendência a formar memórias ligadas ao medo seja re-
sultado da evolução: do ponto de vista da sobrevivência,
evitar o perigo sempre foi muito mais importante do
12/01/23 22:00
 O cérebro
que buscar recompensas”, afirma Li. Não dos EUA e da China submeteram 460
gasta mais
dá para assumir, automaticamente, que
o cérebro humano também opere dessa
voluntários a análises genéticas e tes-
tes de memória (5). Os pesquisadores
energia para
forma. Mas é bem possível que sim. Na
outra ponta da ciência, a psicologia, há
constataram que cerca de 5% daquelas
pessoas apresentavam duas mutações
criar memórias
uma série de estudos mostrando que a
mente humana é especialmente sensível
em um determinado gene, o NTSR1, que
controla a quantidade de receptores de
positivas.
a informações e acontecimentos negati-
vos: eles causam efeitos mais profundos
neurotensina no cérebro. Elas tinham
mais receptores da substância, que por
Ele dá maior
e duradouros do que as experiências po- isso agia mais fortemente – e aqueles atenção ao que
sitivas (4). Você já deve ter notado isso. indivíduos se saíam muito melhor em
Quando acontece alguma coisa boa, a testes de memorização. é ruim – por
gente eventualmente esquece dela – mas
as ruins ficam na cabeça por muito mais
Mas a neurotensina não está ligada
apenas às memórias; também pode in- uma razão
tempo. E a neurotensina (ou a ausência
dela) pode ter a ver com isso.
fluenciar a resposta emocional imedia-
ta. Em 2021, cientistas da Alemanha e evolutiva.
O papel dessa substância na for- do Irã submeteram 22 voluntários adul-
mação das memórias começou a ficar tos a um procedimento experimental
mais claro em 2011, quando cientistas (6): eles receberam uma corrente elétrica
→
Fontes (3) Neurotensin orchestrates valence assignment in the amygdala. H Li e outros, 2022. (4) Not all emotions are created equal: The negativity bias in
social-emotional development. A Vaish e outros, 2008. (5) Neurotensin Receptor 1 Gene (NTSR1) Polymorphism Is Associated with Working Memory. J Li e outros, 2011. janeiro 2023 super 27

SI_447_Felicidade.indd 27 12/01/23 22:00

 de baixíssima intensidade, 1,5 miliam-
père, sobre o córtex frontal dorsolateral
(dlPFC) ou o córtex pré-frontal ventro-
medial (vmPFC) durante 15 minutos.
O objetivo do procedimento, feito
com eletrodos colados na cabeça, era
inibir a atividade dessas regiões cere-
brais – que, eis o pulo do gato, também
possuem receptores de neurotensina.
São influenciadas por ela.
Durante o teste, cada voluntário era
apresentado a uma coleção de 100 ima-
gens, mostrando cenas boas e ruins, e
devia classificar o “grau de positividade”
de cada uma delas em uma escala de 1 a
9 pontos (bem como seu grau de “exci-
tação” e “dominância”, ou seja, agressi-
vidade). A experiência foi repetida três
vezes, com um intervalo de 72 horas.
Os voluntários também classificaram
as fotos sem receber o estímulo elétrico.
Resultado: quando estavam levando cho-
quinhos no dlPFC, eles agiam de forma
mais negativa, davam notas mais bai-
xas para as fotos. Já quando o alvo era
o vmPFC, os voluntários demoravam
mais para se recuperar dos estímulos
emocionais causados pelas imagens mais
fortes, e voltar a um equilíbrio. Ou seja:
essas duas regiões, sobre as quais a
neurotensina age, realmente influem
no estado emocional.
A principal tese dos pesquisadores
é a seguinte: se a neurotensina ficar
em níveis cronicamente baixos, estaria A mente ruminante
aberto o caminho para depressão e an- O cérebro está sempre funcionando a
siedade. Inclusive porque ela também todo vapor. Ele gasta muito mais energia
tem outra função: ajuda a controlar a do que qualquer outro órgão (sozinho,
Tradicio-
quantidade de dopamina (7), um neuro- nalmente,
queima 20% de todas as calorias que
transmissor relacionado à memória e à a depressão você ingere), e isso acontece mesmo
sensação de prazer – e que, se estiver em é tratada quando a mente está em repouso, sem
níveis acima ou abaixo do ideal, pode com remé- prestar atenção a estímulos externos ou
levar à depressão ou a comportamen- dios que raciocinar para tentar resolver alguma
aumentam
tos compulsivos. “Pretendo continuar o nível de
tarefa. Porque nesses momentos você
a explorar o papel dos neuropeptídeos serotonina continua pensando, só que em outras
(8), incluindo a neurotensina, no con- no cérebro. coisas: na sua vida, nas demais pesso-
trole das doenças mentais”, diz Li, que Mas não há as, no passado, no futuro. Todo mundo
está inaugurando um laboratório na uma relação fica assim, absorto, boa parte do tempo.
direta entre
Northwestern University, onde recen- a doença e a
Quando isso acontece, entra em ação a
temente foi contratado, para fazer isso. falta desse Rede de Modo Padrão (DMN, na sigla
As descobertas sobre a neuroten- neurotrans- em inglês), um conjunto de circuitos es-
sina podem abrir um novo ramo de missor. palhados por quatro regiões cerebrais
estudos sobre felicidade e depressão. [veja no infográfico da pág. 32].
Isso também vale para outro elemento A existência da DMN foi teorizada
pouco comentado, mas igualmente in- pelo psiquiatra alemão Hans Berger, que
fluente, da arquitetura cerebral: a Rede em 1924 inventou o exame de eletroen-
de Modo Padrão. cefalograma (usado para monitorar as
Fontes (6) The role of dorsolateral and ventromedial prefrontal cortex in the processing of emotional dimensions. V Nejati e outros, 2021. (7) Presynaptic
action of neurotensin on dopamine release through inhibition of D2 receptor function. C Fawaz, 2009. (8) Os peptídeos são cadeias de aminoácidos
28 super janeiro 2023 unidos pelas chamadas ligações peptídicas, ou seja, que combinam carbono e nitrogênio. (9) The determination of cerebral blood flow in man by the
use of nitrous oxide in low concentrations. S Kety e C Schimidt, 1944.

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 ondas cerebrais). Cinco anos mais tarde, ele publicou
uma sequência de artigos científicos defendendo a
tese de que o cérebro não desacelera quando a pessoa
está descansando – ele aciona regiões diferentes, mas
continua trabalhando à toda.
Era uma teoria polêmica para a época. Mas começou
a ser comprovada na década de 1950, quando a equipe
do neurocientista americano Louis Sokoloff colocou
voluntários para resolver problemas matemáticos en-
quanto monitorava a atividade cerebral deles. Como os
exames de neuroimagem ainda não existiam, Sokoloff
usou uma técnica curiosa (9): fez os voluntários inalarem
óxido nitroso, também conhecido como “gás hilariante”
(porque deixa a pessoa relaxada e com vontade de rir).

A depressão Foi uma quantidade bem pequena, insuficiente para

causar esses efeitos. Mas o bastante para que as molé-

pode turvar culas do gás se espalhassem pela corrente sanguínea e

penetrassem no cérebro dos voluntários. Em seguida,

tudo – e tornar as pessoas iam resolver os testes de matemática, e os

cientistas colhiam duas amostras de sangue delas: uma

impossível da artéria femural, na perna, e outra da veia jugular,

logo abaixo do cérebro. O objetivo disso era pegar, ao

alcançar,
mesmo tempo, sangue arterial (que está indo irrigar
os órgãos) e sangue venoso (que já passou por eles).

ou mesmo
Comparando a quantidade de óxido nitroso nas duas
amostras, você consegue saber o volume de sangue

enxergar,
que passou pelo cérebro – e, a partir daí, calcular o
consumo de energia dele.

a felicidade.
Legal, né? Esse método foi inventado em 1944, e
é usado até hoje. Mas voltando ao estudo de Soko-
loff. Depois dos testes de matemática, ele permitiu
→
janeiro 2023 super 29

SI_447_Felicidade.indd 29 12/01/23 22:00

 A Rede de Modo Padrão Ela entra em ação quando estamos absortos, sem prestar atenção
ao mundo externo. Mas também pode estar relacionada à depressão.

Cérebro normal Depressão

TPJ TPJ pIPL

dMPFC pIPL dMPFC
PCC PCC
Rsp aMPFC LTC Rsp
aMPFC LTC PHC
vMPFC PHC vMPFC
HF TempP HF
TempP

conexões normais
conexões anormais

1. A rede 2. A função 3. A disfunção 4. A tese

A Rede de Modo Padrão (DMN, na
sigla em inglês) é formada por quatro
regiões do cérebro: o córtex pré-
frontal medial, o córtex cingulado
posterior, o córtex parietal inferior
e o giro angular. Sua existência foi
proposta em 1929 pelo psiquiatra
alemão Hans Berger (criador do
exame de eletroencefalograma),
e confirmada na primeira década
dos anos 2000.
A DMN é ativada quando a mente
está em repouso, ou seja, você não
está tentando raciocinar ou resolver
tarefas específicas. Nesses momen-
tos, o cérebro segue muito ativo (ele
consome a mesma quantidade de
energia, inclusive), pois você con-
tinua pensando. Só que em coisas
menos concretas: na sua vida e nas
outras pessoas, refletindo sobre
o passado e devaneando o futuro.
Nos últimos dez anos, alguns estudos
foram encontrando relações entre
uma suposta hiperatividade da DMN,
e sua conexão exagerada com o cór-
tex pré-frontal subgenual (sgPFC),
e o surgimento de depressão – em
especial a chamada “ruminação
depressiva”, um sintoma clássico
da doença, no qual a pessoa fica
repassando as mesmas situações
na cabeça inúmeras vezes.
Isso deu origem a uma nova teoria sobre
a depressão, que não seria causada
apenas pelos baixos níveis de certos
neurotransmissores, como a serotonina.
Ela também pode ser uma disfunção na
conectividade cerebral, com ativação
excessiva de certas regiões. Isso seria
uma tendência inata, genética, que
precederia a depressão (e poderia
persistir mesmo nos casos em que
ela é tratada com remédios).

Fontes Depressive Rumination, the Default-Mode Network, and the Dark Matter of Clinical Neuroscience. JP Hamilton e outros, 2015. Rumination and Default Mode Network Subsystems Connectivity in
First-episode, Drug-Naive Young Patients with Major Depressive Disorder. X Zhu e outros, 2017. Electrophysiological scarring in remitted depressed patients. L Benschop e outros, 2021.

SI_447_Felicidade.indd 30 12/01/23 22:01

 típicas da tristeza é ficar ruminando as coisas: repetir
muitas vezes os mesmos pensamentos negativos,
que ocupam um tempo enorme e vão assumindo
um peso bem maior do que o real (o termo é uma
referência aos animais ruminantes, como as vacas,
que ficam um tempão mastigando os alimentos).
Quem tem depressão também costuma fazer isso.
E o motivo pode estar na Rede de Modo Padrão.
Há alguns estudos mostrando que, nas pessoas com
a chamada “ruminação depressiva”, a DMN apresenta
um número exagerado de conexões com o córtex
pré-frontal subgenual , uma região do cérebro cuja
10

hiperatividade está relacionada à depressão. É como se

a rede trabalhasse demais ou de forma errada, e isso
ajudasse a desencadear pensamentos negativos. “As
disfunções na Rede de Modo Padrão certamente são
um fator de desordem que contribui para a incidência
de depressão”, afirma o bioquímico Daniel Martins-
de-Souza, diretor do laboratório de neuroproteômica
da Unicamp. A ruminação exagerada, fora de controle,
pode acabar com a felicidade de qualquer um.
A felicidade não é sólida; ela oscila, momento a
momento. Uma hora nos sentimos felizes e outra não,
mesmo quando não há estímulos claramente negativos
– aquele hambúrguer que hoje nos parece delicioso,
amanhã pode não satisfazer (mesmo não havendo um
fim de relacionamento envolvido na história). Para
tentar entender isso, é preciso voltar ao outro tipo de
felicidade segundo Aristóteles: a hedônica. E a ciência
também tem descoberto coisas novas sobre ela.
Nos anos 1950, experiências mostraram que, se vo-
cê estimular eletricamente certas áreas do cérebro de

4
um rato, ele terá sensações prazerosas – e aprenderá
a pressionar uma alavanca para receber mais daquilo.
Por razões éticas, não dá para fazer esse tipo de teste
em humanos (eles provavelmente ficariam viciados).
que os voluntários descansassem, mas Mas, na década de 1970, a ciência conseguiu identificar
continuou fazendo as medições. E viu regiões cerebrais envolvidas no prazer – monitorando a
que o consumo de energia do cére- atividade cerebral de voluntários durante o orgasmo . 11

bro permanecia o mesmo quando as A área mais ativada foi a do septo cerebral, uma mem-
pessoas estavam em repouso. Com o brana bem no meio do cérebro – a mesma que havia
passar das décadas, novas técnicas e sido estimulada, e gerado uma forte reação, nos testes
estudos foram confirmando isso – e em ratos. Nas décadas seguintes, outros estudos foram
exames de neuroimagem revelaram as mostrando que o prazer (em sua definição mais ampla,
regiões cerebrais envolvidas. No início não só sexual) envolve várias áreas do cérebro humano,
dos anos 2000, o neurologista Marcus como a área tegmental ventral, o núcleo accumbens,
Raichle, da Universidade de Washing- o corpo estriado, o hipocampo e a amígdala. Por isso,
ton, encaixou a última peça: ele cunhou alguns cientistas criaram o conceito de “córtex hedô-
o termo “modo padrão” para definir o áreas do cére- nico”: um conjunto de regiões que se acende quando
que o cérebro faz nesses momentos bro formam uma vivemos, esperamos ou nos lembramos de alguma
de descanso. coisa prazerosa. Ainda é só uma ideia – não tem o
As regiões cerebrais que formam a rede própria – mesmo nível de comprovação, e aceitação científica,
Rede de Modo Padrão estão conectadas que é acionada que a Rede de Modo Padrão.
fisicamente entre si, e essas interliga- As descobertas sobre a neurotensina e a DMN
ções evoluem com o tempo: alcançam
quando estamos ilustram bem como a felicidade e sua ausência são
seu pico de desenvolvimento entre os refletindo sobre mais complexas do que parecem. Não dependem só
9 e 12 anos de idade. Elas também po- a vida. dos níveis de serotonina no cérebro – e isso pode
dem estar diretamente relacionadas à explicar por que, como mostrou aquele estudo inglês
felicidade. Uma das características mais do começo deste texto, não exista uma relação direta
12

Fontes 10 Depressive Rumination, the Default-Mode Network, and the Dark Matter of Clinical Neuroscience. JP Hamilton e outros, 2015. 11 Pleasure and brain activity in man. →
R Heath, 1972. 12 The serotonin theory of depression: a systematic umbrella review of the evidence. J Moncrieff e outros, 2022.
janeiro 2023 super 31

SI_447_Felicidade.indd 31 12/01/23 22:01

 entre a falta desse neurotransmissor e
a depressão. O trabalho, publicado por
cientistas da University College London,
é categórico: baixa serotonina não causa
a doença. Ele também mostra, citando
as conclusões de outros estudos, que o
uso de antidepressivos pode até reduzir
a quantidade de serotonina no sangue.
Só tem um detalhe: na prática, esses
remédios funcionam. Isso foi compro-
vado por diversos estudos ao longo das
últimas décadas, em pacientes das mais
variadas idades, etnias, histórico pessoal
e condição social. Em 2018, cientistas da
Universidade de Oxford revisaram os
13

dados de 522 testes clínicos, que jun-

tos reuniram mais de 100 mil adultos
e avaliaram os 21 remédios antidepres-
sivos mais usados no mundo. Todos se
mostraram mais eficazes do que o pla-
cebo. “Os antidepressivos funcionam,
ainda que seu mecanismo de ação seja
conhecido apenas de forma periférica”,
diz Ricardo Alberto Moreno, do Institu-
to de Psiquiatria da USP. E esse é o xis
da questão: o que esses medicamentos
fazem, exatamente, ainda é um mistério.
“Não sabemos como eles atuam dentro
das células”, admite Moreno.
É assim com muitos remédios.
Até alguns dos mais banais, como o
anti-inflamatório paracetamol, não têm
seu mecanismo de ação plenamente
compreendido pela ciência. No caso
dos antidepressivos, há dois compli-
cadores: os mistérios do cérebro, que
ainda são muitos, e a própria natureza
da depressão. “Ela é uma doença mul-
tifatorial, com diferentes causas, nem
todas endógenas. Existem fatores am-
bientais importantes”, lembra Martins-
de-Souza, da Unicamp. “As experiências
de vida são preponderantes. Há casos de
pessoas que, quando confrontadas com
algumas situações-gatilho, disparam a
doença. Isso não quer dizer que a sero-
tonina não esteja envolvida, de alguma
forma que varia de acordo com o pa-
ciente”, diz. Mas, afirma ele, está claro
que a serotonina tem um papel menos
determinante do que se imaginava – e
pode variar de uma pessoa para outra.
“A psiquiatria caminha para tratamen-
tos cada vez mais individualizados, que
consideram o peso de cada fator para
cada pessoa, pensando em terapias e
tratamentos que foquem em cada uma
tristeza e a felicidade se complementam.
Da mesma forma que ninguém deve se
afundar numa bad, também não é ra-
zoável querer uma rotina 100% feliz,
ao estilo Instagram. Não é assim que a
vida, e a mente, funcionam. Todo mun-
As emoções, do oscila entre o feliz, o não tão feliz, o
com todos alegre, o neutro, o melancólico, o triste
os seus al- e mil outras emoções. Todas têm sua
tos e baixos, função. Inclusive porque elas podem ser
podem ter instrumentos da razão, nos ajudando a
uma utili-
dade bem fazer julgamentos rápidos e com menos
concreta: esforço cognitivo.
elas servem Tanto é assim que até animais com
como cérebros extremamente simples, como
atalhos as abelhas, parecem ter algum tipo de
cognitivos,
ajudando reação protoemocional, e se guiar por
a mente a ela. Quando estamos felizes, ficamos
julgar situ- mais dispostos a correr riscos e tentar
ações mais coisas novas. As abelhas também. Uma
rápido e experiência feita por pesquisadores in-
com menos
esforço. gleses mostrou que, quando esses insetos
recebiam um néctar doce, seus cérebros
liberavam dopamina – e elas se torna-
vam mais corajosas, explorando mais o
ambiente e fugindo por menos tempo de
um ataque de predador simulado pelos
cientistas . Já quando as abelhas eram
14

das diferentes causas”, diz. tratadas com flufenazina, uma droga que
Depressão e patologias à parte, a bloqueia a dopamina, isso não ocorria.

Fontes 13 Comparative efficacy and acceptability of 21 antidepressant drugs for the acute treatment of adults
32 super janeiro 2023 with major depressive disorder. A Cipriani e outros, 2018. 14 Unexpected rewards induce dopamine-dependent
positive emotion–like state changes in bumblebees. C Solvi e outros, 2016.

SI_447_Felicidade.indd 32 12/01/23 22:01

 As emoções também resolvem muitas
coisas por nós. Imagine se você tivesse
de decidir, de forma fria e racional, tu-
do o que costuma resolver por impulso
emocional – como escolher o que vai co-
mer, fazer ou dizer. Seria absurdamente
cansativo. “As emoções parecem operar
num nível mais abstrato, mas elas trazem
experiências relevantes do passado e lei-

A felicidade é turas do contexto que contribuem para

a tomada de decisões”, afirma o físico e

alcançável. escritor americano Leonard Mlodinow

em seu livro Emocional: A nova neuroci-

Mas ela ência dos afetos (ed. Zahar, 2022).

Vale a pena andar na montanha russa

sempre acaba das emoções – mesmo que isso signifi-

que encarar uma sequência interminável,

sumindo, e
muitas vezes imprevisível, de subidas e
descidas. Por mais que estejamos sempre

reaparecendo,
correndo atrás da felicidade, sabemos
que ela vai escapar e voltar sem muito

depois. E isso
controle, guiada por balés neuroquími-
cos e ventos da vida. E tudo bem, por-

pode ter um
que as coisas também precisam dos seus
opostos. Se não houvesse a escuridão

motivo.
da noite, jamais veríamos o sol nascer.
Se tudo fosse feliz, nada seria feliz. S

janeiro 2023 super 33

SI_447_Felicidade.indd 33 12/01/23 22:01

 tecnologia

Título

IA:

inteligência
Modelos de Inteligência Artificial como o Dall-E
e o Midjourney fabricam imagens inéditas a
partir de palavras. Entenda como funcionam
essas tecnologias – e de que forma elas podem
impactar o futuro da arte.

SI_447_Inteligencia-Artificial.indd 34 12/01/23 21:19

 Midjourney Dall-E

Midjourney

Prompt:
Prompt: Prompt:
“Pintura em giz
“Faça uma foto “Uma foto de es- pastel de um
de estúdio de um túdio de um sofá tigre comendo
bowl de lamen, de morango, com hambúrguer.”
com o fundo o fundo verde.”
laranja.”

Dall-E

Dall-E

Prompt:
“Faça um pug
aristocrata
com roupas
chiques, pintado
por Johannes Prompt:
Vermeer.” “Rio de Janeiro
pintado por Clau-
de Monet.”

Texto Maria Clara Rossini • Edição Alexandre Versignassi • Design Juliana Briani

Documento de texto

n
Esse você não vai achar O Dall-E é um programa de inteligência artificial,
tão fácil na ferramenta de lançado em janeiro de 2021. O nome brinca com a
buscas (nós tentamos). sonoridade de “Dalí”, o pintor espanhol, e a grafia de
Mas existe uma outra “Wall-E”, o robozinho da Pixar. Em outras palavras,
maneira de conseguir trata-se de uma máquina que faz arte. Basta digitar
essa cena surrealista. uma descrição qualquer e aguardar o resultado. Hoje,
Não
Faça um cadastro no si- o Dall-E encontra-se em sua segunda versão, e está
se tra-
te da empresa OpenAI disponível para uso do público desde setembro de 2022.
e procure pela página
ta de O programa foi desenvolvido pela OpenAI, em-
do Dall-E 2. Daí, é só mon- presa fundada por um grupo de engenheiros, cien-
Não pense em um ele- digitar a frase acima, tagem. tistas e investidores – dentre eles, Elon Musk (o
fante cor-de-rosa. Em vez em inglês, e clicar em Tudo é bilionário não faz mais parte da organização, mas
disso, veja um: dando um “gerar”. Em menos de “pinta- permanece como doador). Em pouco tempo, tornou-
google rápido, você en- um minuto aparecerão do” pelo -se uma das principais referências em pesquisa e
contra imagens editadas quatro imagens inéditas, robô. desenvolvimento na área de Inteligência Artificial
e desenhos do mamífe- produzidas na hora. Não (ou IA), dando o pontapé para o surgimento das
ro gigante em mais de é montagem, tampou- tecnologias que brincam de artista.
cinquenta tons de rosa. co há artistas humanos Após o lançamento do Dall-E, outros grupos in-
Agora, um passo além: por trás: cada detalhe é dependentes lançaram suas próprias IAs geradoras
não pense em um ele- “pintado” pelo compu- de imagem, caso do Midjourney e do Stable Diffu-
fante cor-de-rosa usan- tador. A qualidade não sion. Esses dois podem ser acessados por meio de
do óculos enquanto lê o decepciona – é só olhar um servidor no Discord (uma plataforma de texto
jornal em uma cafeteria. o exemplo na página 36. e áudio utilizada pela comunidade gamer). Lá, você →

janeiro 2023 super 35

SI_447_Inteligencia-Artificial.indd 35 12/01/23 21:19

 Passo a passo

encontra outros usuários gerando centenas de ima-

gens a cada minuto.
A maioria das gerações tem fins recreativos (afinal,
quem não gostaria de ver uma ilustração do sonho que
teve na noite passada?), mas as IAs também são úteis
Mid...
Da
em diferentes áreas do design. Entenda como essa
tecnologia funciona – e as polêmicas que a envolve. palavra
à imagem
Por sinal: todas as imagens que você verá nas próxi-
mas páginas foram criadas com o Dall-E 2 e Midjourney.
O
O que um engenheiro de dados e um professor do
ensino infantil têm em comum? Ambos ensinam IAs como o Dall-E e
mini-cérebros a reconhecer padrões. Não é à toa que Midjourney utilizam
todas as salas de maternal são repletas de figuras: isto um processo de geração
aqui é uma maçã, aquilo lá é uma banana. Depois de de imagens chamado
conhecer várias imagens de frutas, a criança aprende difusão. Entenda como
a diferenciar e nomear cada uma delas. Prompt: ele funciona.
Uma máquina de IA também é como uma criança “Faça uma foto
descobrindo o mundo. A primeira etapa é ensiná-la de uma mulher
a reconhecer imagens. Para isso, os cientistas usam brasileira.”
um método chamado “rede neural”, inspirado no
processamento do cérebro humano. A rede possui Dall-E
“neurônios” artificiais interligados entre si (os “nós”).
Isso permite que ela aprenda por reconhecimento de
padrões, e com os próprios erros.
Imagine o Cebolinha, da Turma da Mônica, diante
de um assistente de voz. Um sistema “duro”, sem rede
neural, vai morrer sem obedecer quando ele pedir para imagem. Quando um site
tocar Racionais MC’s, pois Cebolinha dirá “Lacionais”. mostra vários quadradi-
Um sistema de rede neural não. Grosso modo, um nhos e te pede para clicar,
“neurônio” saberá que o grupo de rappers de SP tem digamos, nos semáforos, Prompt:
um nome que termina com “nais”. Outro saberá que você está associando a “Um elefante
a combinação de letras “acio” também faz parte. imagem à descrição e cor-de-rosa
De cara, o input “Lacionais” não levará ao output abastecendo o banco de usando óculos
enquanto
de tocar Racionais. Dará erro. Mas, caso Cebolinha dados do Google. Não à lê o jornal em
siga pedindo, a rede neural começa a trabalhar. Os nós toa, o Google possui um uma cafeteria.”
conversam entre si e “concluem” que, na ausência de potencial de treinamento
uma banda chamada “Lacionais”, o melhor é tocar Ra- imenso e está desenvol-
cionais mesmo. Pronto. O sistema aprendeu algo novo. vendo sua própria IA de
Do nada. Tal qual um ser humano faz o tempo todo. geração de imagens (cha- Dall-E
Isso não acontece em tempo real nos assistentes mada Imagen). Ainda não
de voz, como a Alexa. O fato é que os desenvolve- há previsão de quando ela
dores treinam inserindo termos falados com vários estará disponível ao público.
sotaques. Aí a rede neural vai pescando as diferentes Em 2015 surgiram as
formas de pronúncia e as novas versões do software primeiras IAs capazes
vão chegando mais espertas. de gerar descrições so-
Softwares de reconhecimento de imagens funcio- zinhas, apenas “olhando”
nam da mesma forma. É o caso do YOLO, usado em para a imagem e compa-
sistemas de carros autônomos: ele aprende a diferenciar rando com as descrições
postes de pedestres, por exemplo. que já existiam em seus
Para isso, as IAs são treinadas com bancos gigan- bancos de dados. O que
tescos de imagens, associadas a suas respectivas des- elas fazem é traduzir os
crições. Ao longo dos anos 2000, quando os bancos pixels em uma lingua-
estavam sendo criados, a tarefa de olhar e descrever gem que o computador
cada imagem era feita manualmente, por pessoas do saiba processar – tarefa
mundo todo que recebiam cerca de US$ 0,03 por foto. chamada “embedar”, no
Esse serviço ainda acontece, mas hoje há outras jargão da programa-
formas de treinar redes neurais de reconhecimento de ção. Palavras também

36 super janeiro 2023

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 treinamento
Antes de treinar o mo-
delo, é preciso selecio-
nar os bancos de ima-
gens com descrições
que irão alimentar a
máquina. Quanto mais
variações de conteúdo
e estilo, melhor.
O Retrato de
Edmond Belamy
Prompt:
“Um golden retrie-
ver deitado em um
campo de girassóis,
pintado no esti-
lo de Van Gogh.”
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Aprendizagem Espaço latente Geração Resultado
A máquina traduz os pi- É onde estão codificados O computador começa A reorganização dos
xels e palavras para uma os conceitos e caracterís- com vários pixels ba- p i xe l s é f e i t a v á r ia s
linguagem matemática. ticas que serão usados pa- gunçados. Após você vezes, um processo
Então busca ligar a ima- ra gerar a imagem. Cada d e s creve r a ima g e m chamado iteração.
gem à descrição correta. modelo possui um espaço que quer criar, os pi- Eles f icam cada vez
A IA aprende o que cada latente diferente, então xels são reorganizados mais nítidos, até che-
palavra representa por um mesmo prompt pode para se aproximar da- garem a uma imagem
tentativa e erro. gerar imagens distintas. quele conceito. final satisfatória.
podem ser embedadas, amigos que pareciam ter sido pintados por artistas
e daí fica fácil comparar profissionais. Por R$ 35, o usuário faz o upload de
imagens e frases. Ou criar algumas fotos no app e recebe 100 imagens do próprio
uma a partir da outra. rosto em diferentes estilos. O Lensa foi desenvolvido
Bom, se já podemos pela mesma empresa do Prisma, e é basicamente uma
transformar imagem em versão mais sofisticada de transferência de estilo.
texto… por que não fazer
o caminho contrário? Essa U
foi a ideia que martelou na US$ 435 mil. É o tanto que um colecionador anônimo
cabeça dos programadores pagou para obter um quadro gerado por uma inteli-
da OpenAI e outras em- gência artificial em 2018. A casa de leilões Christie’s
presas pelos cinco anos Os apli- (a mais tradicional do mundo) anunciou a obra como
seguintes. Mas antes de cativos a primeira imagem feita por um algoritmo a entrar em
criar imagens inéditas a usam leilão. O “Retrato de Edmond Belamy” mostra um ho-
partir de texto, a tecnolo- redes mem de terno com o rosto um pouco borrado, pintado
gia passou por uma fase neurais, como um quadro do século 18. Ela foi leiloada ao lado
intermediária: a utiliza- capa- dos trabalhos de Andy Warhol e Roy Lichtenstein.
ção de redes neurais para zes de Só que a obra não impressiona quando comparada ao
estilizar imagens que já apren- que viria depois. Em quatro anos, as IAs deixaram de
existem. Essas redes são der com produzir imagens borradas e passaram a ser sinônimo
treinadas com obras de es- os pró- de ilustrações e fotos hiperdetalhadas. A questão é:
tilo marcante (Van Gogh, prios como elas criam imagens inéditas do nada?
por exemplo) e o transfe- erros. O Dall-E 2, o Midjourney e o Stable Diffusion uti-
re para uma foto comum. lizam uma técnica chamada “difusão”. Para entendê-la,
Em 2016, aplicativos como vale relembrar o conceito de entropia, das aulas de fí-
Prisma e DeepArt virali- sica. Quando você pinga tinta em um copo de água,
zaram nas redes sociais inicialmente o pingo ficará concentrado em meio ao
e chamaram a atenção líquido. Dizemos que esse é um estado “organizado”, de
de quem queria ver suas baixa entropia. Com o tempo, as moléculas da tinta se
próprias fotos pintadas espalham até atingirem um aspecto homogêneo com
como obras de arte. a água, ou de alta entropia. Na natureza, é impossível
Talvez um outro aplica- reverter a entropia daquele conjunto, retornando ao
tivo esteja mais fresco na estado inicial e comportado da gota.
sua memória: o Lensa. No Só que é possível fazer isso no computador. O pro-
final de 2022, é provável cesso de difusão é inspirado na reversão da entropia.
que você tenha cruzado Ele começa com uma imagem que contém vários pixels
com retratos dos seus aleatórios – um estado de caos. Aí, com base em uma → →
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 Passo a passo Dall-E

Midjourney

Os novos fotógrafos
As inteligências artificiais também geram fotos inéditas Teatro de Ópera
Espacial
– são pinturas de altíssima resolução. E o resultado é
preciso. À esquerda, temos fotos reais. À direita, imagens
inéditas geradas por IA. Compare.

Foto real Prompt Imagem IA Dall-E

Uma foto de
estúdio de uma
pizza de peppe-
roni em forma-
to de coração,
vista de cima.

Prompt:
“Faça um casal
se beijando em
uma estufa,
pintado por
Pierre-Auguste
Uma foto de Renoir.”
seis pinguins-
-rei andando na
praia em um dia Midjourney
ensolarado.

Prompt:
“Um gato preto
Uma foto de um de olhos amarelos
prato de sushi pintado pela
visto de cima. Tarsila do Amaral.”

Midjourney

Uma foto do
Arco do Triunfo
pela manhã.
Prompt:
“Ilustração de
um gato feliz fa-
zendo um bolo.”

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Dall-E

Prompt “profissional”:
“Um pequenino e premiado cas-
telo da Cinderella feito de Lego
em perspectiva isométrica.
Alta qualidade, renderização 3D
em um fundo colorido, sombra
forte, fotografia de estúdio.”
Prompt “amador”:
“Castelo da Cin-
derella como uma
construção de Lego,
renderização 3D.”
frase (por exemplo, “um
gato feliz cozinhando um
bolo”), a máquina organiza
aqueles pixels em um esta-
do menos caótico, mas que
ainda não é a imagem final.
Ele repete esse processo
várias vezes, formando
imagens cada vez mais
“organizadas” até chegar, de
fato, no cozinheiro felino.
Ou seja: em vez de
pescar imagens prontas
de gatos e de bolos em
seu banco de dados, ele
parte do caos total para
produzir figuras comple-
tamente novas. As frases
que guiam a IA até essas
imagens inéditas são
chamadas “prompts”.
Pegue a palavra “bolo”,
por exemplo. A máquina
aprendeu a associar uma
série de características a
esse termo: ele é redondo,
tem textura fofa e parece
apetitoso. Essas ideias es-
tão codificadas no “espaço
latente” do modelo, e vão
desde conceitos objetivos
(mais ou menos redondo)
até mais abstratos, como
“apetitoso” (que pode re-
meter a uma cobertura).
Como cada IA foi treina-
da com bancos de dados
distintos, seus espaços la-
tentes são únicos – e um
mesmo prompt dá origem
a imagens completamente
Dall-E
procura, o site ainda oferece a opção de contratar um
engenheiro de prompts para traduzir a sua ideia da melhor
forma para a máquina. Mas enquanto alguns aprovei-
tam para inventar profissões, essas IAs não estariam
ameaçando o emprego de artistas de carne e osso?
E
Em setembro de 2022, Jason Allen foi rechaçado nas
redes sociais. Ele havia acabado de vencer a competição
de arte da Feira Estadual do Colorado, na categoria de
fotografia manipulada digitalmente. É inegável que a
obra “Teatro de Ópera Espacial” é digna de primeiro lugar.
Mas há um detalhe: Allen usou a plataforma Midjourney
para gerar a imagem. Ele não revela as palavras exatas
que usou para criar a obra – elas são sua receita secreta.
Mesmo assim, é como entrar em uma maratona e
competir com uma Ferrari: enquanto artistas passam
anos aprimorando seu estilo, as máquinas entregam
diferentes no Dall-E 2 e uma imagem deslumbrante a partir de meia-dúzia de
no Midjourney. palavras. Com o treinamento certo, essas IAs podem
Por mais fácil que copiar o estilo de qualquer artista vivo hoje. Nomes
seja criar imagens com de ilustradores famosos, como Greg Rutkowski e Si-
essa ferramenta, fazer mon Stålenhag, são usados todos os dias para gerar
boas imagens não é tão imagens no Stable Diffusion. Ou seja: é como se você
simples. É preciso saber encomendasse o trabalho deles sem pagar por isso.
usar os prompts, como as Ainda não há uma legislação específica sobre o as-
palavras mágicas de um sunto. Uma IA treinada com diferentes estilos está pla-
feitiço. Desde o lança- giando os artistas originais? Ou isso seria o equivalente
mento dessas IAs, muitos Os es- a um artista que se inspira em referências anteriores
internautas têm passado pecia- para criar um estilo próprio? Com a disseminação da
horas em busca da melhor tecnologia, esses debates deverão fazer parte de novas
listas
linguagem para se comu- regulamentações sobre direitos autorais.
em gerar
nicar com a máquina. Já Mas não significa que as IAs não possam ajudar
obras
descobriram que adicio- os artistas. “A gente pensava que outras tecnologias
com IA
nar expressões como “iso- do passado iam roubar nosso emprego, mas elas mo-
métrico” e “fotografia de rara- dificaram o mercado de trabalho”, diz Luiz Zanotello,
estúdio” geram imagens mente professor na Universidade das Artes de Berlim. Temia-
mais precisas. revelam -se que a câmera fotográfica, por exemplo, acabasse
E alguns até encon- seus com a pintura. Isso não aconteceu, e a fotografia em
traram uma renda aí. O prompts si desencadeou novos movimentos artísticos. “Essas
site PromptBase vende – eles ferramentas já estão sendo usadas como impulso cria-
não as imagens, mas os são sua tivo. A máquina pode nos ajudar a pensar em coisas
parágrafos de texto para “receita que não imaginaríamos tão rápido.” Isso pode produzir
que você gere a imagem secre- insights para a criação de logotipos, layouts de website,
no Dall-E 2, Midjour- ta”. design de produtos, de interiores, fachadas… é só pedir.
ney ou Stable Diffusion. Depois de dias utilizando a ferramenta, descobrimos
Como a IA sempre cria uma pequena – mas significativa – limitação da IA. A
imagens inéditas, você página inicial do Dall-E 2 sugere algumas cenas surre-
ganha um acervo infi- alistas para testar na ferramenta, como um astronauta
nito de produções com andando a cavalo. Resolvemos pedir o contrário: um
o mesmo tema ou estilo. cavalo andando em um astronauta. Você nunca viu,
Um prompt que prome- mas consegue imaginar a cena; o Dall-E, não.
te construções feitas de É exatamente a criatividade e a capacidade de
Lego, por exemplo, custa abstração humana que diferencia a nossa mente de
US$ 1,99. No topo da pá- uma máquina. A automatização de alguns trabalhos,
gina, veja a comparação no fim das contas, pode até dar mais tempo livre
entre um prompt amador para a criação de obras ainda mais originais – que
e um “profissional”. não podem ser reproduzidas em código, pelo menos
Se não é isso que você por enquanto. S

Agradecimentos: Fernando Osório, professor e membro do Centro para Inteligência Artificial da USP; Luiz Zanotello, janeiro 2023 super 39
professor e pesquisador na Universidade das Artes de Berlim.

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 matemática

Texto Bruno Vaiano Ilustração Henrique Petrus

o primado dos
primos Design Natalia Sayuri Lara Edição Alexandre Versignassi

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 O estudo dos números primos
gera perguntas que até uma
criança entende, mas cujas
respostas eludem gênios há
séculos. Entenda os avanços
das últimas décadas para
decifrar os segredos ocultos
por trás da sequência mais
fundamental da matemática.
“Os números primos
são como a vida", escre-
veu o novelista britânico
Mark Haddon. “Eles até
seguem uma lógica, mas
você nunca vai descobrir
as regras, mesmo que
passe todo o seu tempo
pensando sobre elas.”
Os primos, você sa-
be, são aqueles números
divisíveis apenas por si
mesmos e por um: 2, 3, 5,
7, 11, 13... Eles são espe-
ciais porque formam os
tijolos fundamentais da
matemática – do mesmo
jeito que os elementos
da tabela periódica per-
mitem montar todas as
Euclides, em moléculas que os quími-
300 antes cos estudam, os primos
de Cristo, são a base para construir
pôs no papel todos os outros números.
a primeira Todo número que não é
prova conhe- primo é composto, e po-
cida de que de ser obtido pela mul-
os números
tiplicação de alguns dos
primos são
primos que vieram antes
infinitos.
dele. Dois exemplos sim-
ples: 2 x 2 = 4 e 2 x 3 = 6.
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Muitas perguntas em
aberto sobre os núme-
ros primos padecem do
mesmo problema: elas
são tão simples que po-
dem ser entendidas por
uma criança, e nós temos
quase certeza de que já
sabemos as respostas.
Falta “só” conseguir as
provas, e essas provas –
como Haddon bem co-
locou – estão entre as
coisas mais difíceis que
a humanidade já se pro-
pôs a fazer. É o caso da
conjectura de Goldbach e
da hipótese de Riemann,
que assombram gerações
de matemáticos.
Essa é uma história
que começa há mais de
2 mil anos, quando Eu-
clides pôs no papel o
primeiro grande passo da
civilização no estudo dos
primos: a prova de que
eles são infinitos – de que
sempre existe mais um
tijolinho, não importa o
quão grande ele seja (veja
o box da pág. 43). Vamos
começar, então, com a
descoberta descrita pelo
bom velhinho grego.
A prova de Euclides
Vamos começar supondo
que os números primos
sejam finitos, e que o
→
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 maior deles é o 11. Você
já sabe que isso é mentira
– os primos, na verdade,
são infinitos. Mas tudo
bem, porque o objetivo
é justamente demonstrar
que essa suposição está
errada, de uma forma que
a explicação sirva não só
para o caso do 11, mas pa-
ra qualquer outro primo.
Primeiro, você pega
todos os primos dessa
lista finita e multiplica
uns pelos outros. Fácil:
2 x 3 x 5 x 7 x 11. Essa
conta dá 2.310. Esse não
pode ser um número
primo, certo? Afinal, na
nossa ficção, 11 é o maior
primo, e 2.310 é muito
maior que 11. Mas isso
também acontece por um
motivo mais sutil: 2.310 é
o resultado da multipli-
cação de todos os primos,
então ele também pode
ser dividido por todos os
primos desse cenário. E
se ele pode ser dividido
por primos, então ele é
um número composto.
Legal. Agora, vamos
fazer uma conta simples:
2.310 + 1 = 2.311. Será
que esse número tam-
bém é composto? Bom,
24,8
2.311 não é divisível por
11 (sobra 1). Nem por 7 (so-
bra 1). Nem por 5 (sobra
1). De fato, como o 2.310
é divisível por todos os
primos da lista, o 2.311 au-
tomaticamente não pode
ser divisível por nenhum
primo, porque sempre vai
sobrar aquele unzinho
que a gente somou para
atrapalhar tudo. E isso é
um problema, porque todo
número composto é divisível
por algum primo.
Conclusão: se o 2.311
for mesmo composto,
então ele só é divisível
por algum número pri-
mo maior do que 11, que
não aparece na lista. E aí
o 11 não pode ser o maior
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primo. A outra opção é
que o 2.311 seja, ele mes-
mo, um primo. Nesse caso,
é óbvio, o 11 também não
pode ser o maior primo.
Em qualquer um dos ca-
sos, não dá para o 11 ser o
último primo da lista. Pre-
cisa existir algum maior.
Provamos um caso es-
pecífico, o do número 11.
Mas o pulo do gato, aqui,
é que você poderia fingir
que qualquer outro número
primo é o maior de todos,
e repetir o procedimen-
to. Sempre vai aparecer
um primo ainda maior.
E como sempre é possí-
vel encontrar um primo
maior a partir dos primos
preexistentes, os primos
precisam ser infinitos.
Essa é a beleza das provas
matemáticas. Elas têm
validade absoluta. Não
há exceções.
A função zeta
de Riemann
A infinitude dos primos
é só a ponta do iceberg. A
lista de coisas que ainda
precisamos provar sobre
esses pestinhas é imensa,
e a pendência mais famosa
é a hipótese de Bernhard
Riemann, um matemático
alemão do século 19. Ela
é um dos “problemas do
milênio" – sete mistérios
matemáticos que dão um
prêmio de US$ 1 milhão
ao cabeçudo que vier a
resolvê-los.
milhões
é o número
de dígitos do
maior primo
conhecido.
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Computa-
dores são o
único jeito de
buscar primos
gigantes,
hoje: o cérebro
humano não
consegue lidar
com números
tão grandes.
Em setembro de 2022, Paul Nelson,
do Instituto de Estudos Avançados de
Princeton, solucionou uma versão do
problema da subconvexidade, que é uma
encarnação mais light da hipótese de
Riemann. Um problema parecido, só
que mais fácil de lidar. E esse foi um
dos únicos avanços relevantes na re-
solução desse mistério desde que ele
veio a público, há 150 anos.
Explicar o trabalho de Nelson exigi-
ria alguns anos de pós em matemática.
Mas dá para demonstrar outra coisa: por
que qualquer passo rumo à prova da
hipótese de Riemann é tão importante.
Para isso, precisamos entender o que
ela tem a ver com os primos.
Começando do jeito mais simples
possível: 1 x 1 = 1, certo? Um pouco
menos óbvio é que -1 x -1 também é
igual a 1. Quando você multiplica um
número negativo por outro negativo, o
resultado é positivo – a tal regra “menos
com menos dá mais”, que repetimos no
colégio feito robozinhos. Isso significa
que a raiz quadrada de 4 é 2 e também é
-2. Do mesmo jeito, a raiz de 9 pode ser
tanto 3 como -3. Os números positivos
têm todos duas raízes quadradas, uma
positiva e uma negativa.
O problema é o seguinte: com cada
positivo ocupando duas raízes, os ne-
gativos ficam sem nenhuma. Não existe
um número que, multiplicado por ele
mesmo, dê o resultado -1. Por isso, os
matemáticos chamam as raízes de -1,
-4 ou -9 de números imaginários. Para
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não precisarmos escrever √-4 ou √-9
o tempo todo, esses números fictícios
foram batizados simplesmente de i. A
raiz de -4 é 2i. A raiz de -9 é 3i.
Embora o i não exista, ele pode parti-
cipar normalmente de uma conta qual-
quer. Digamos, 2 + 3i. O único problema
é que o resultado precisa ser escrito co-
mo 2 + 3i mesmo, porque, veja bem: não
há um resultado. Os números reais e os
imaginários são como água e óleo, não
se misturam. Essas somas entre reais e
imaginários são o que os matemáticos
chamam de números complexos.
Reserve os números complexos na
mente. Agora, vamos explicar funções.
Funções são pequenas engenhocas que
engolem um número e cospem outro,
sempre seguindo uma regra fixa. Se sua
função consiste em multiplicar todos os
números do universo por dois, então o
três vira seis e o quatro vira oito.
Muitas funções dão instruções bem
mais complicadas do que isso. É o caso
da função zeta. Ela pega o número de
entrada (que a gente chama só de “x”) e
o insere nisto aqui: 1/1x + 1/2x + 1/3x
+ 1/4x… até o infinito.
Parece difícil o suficiente, mas nosso
amigo Riemann, que não tinha celular
para procrastinar, resolveu enfiar nú-
meros complexos nos xis da função zeta
e ver no que dava. E o incrível é que, em
muitos casos, o resultado dessa soma
infinita de frações dava zero.
Vale dizer que o resultado zero, por
si só, não é incrível. Por exemplo: to-
do número par negativo (-4, -6, -8) no
lugar do “x” faz a soma dar zero. É um
resultado que os matemáticos chamam
de “zero trivial". Mas esses são números
reais, comuns. O lance é com os núme-
ros complexos que dão zero. Eles têm
uma característica: já verificamos zilhões
deles, e calhou que todos começam com
0,5. Tipo 0,5 + 2i, ou 0,5 + 3i.
A hipótese de Riemann é justamen-
te que todos os “zeros não-triviais" da
função zeta aparecem quando a parte
real do número complexo é 0,5, inde-
pendentemente da parte imaginária.
Quem conseguir provar isso de uma
vez por todas leva o milhão de dóla-
res. E veja bem: não adianta verificar
trilhões deles no braço. Cada caso é
um caso – precisamos de uma prova
universal como a de Euclides.
O que isso tem a ver com números
primos? Bom: o jeito como os primos
→
Caçada aos
gigantes
Conheça o Gimps, um projeto
que conecta computadores
domésticos voluntários ao
redor do mundo para encontrar
primos descomunais. Eles já
bateram 15 vezes recorde de
maior número primo conhecido.
Em 1996, o cientista da computação ame-
ricano George Woltman fundou o Great
Internet Mersenne Prime Search – em
português, “grande busca de números
primos de Mersenne pela internet”, que
atende pela sigla Gimps. Trata-se de um
projeto de pesquisa coletivo. Eles oferecem
um software que qualquer voluntário pode
baixar. Você põe o programa para rodar e
decide se quer que seu computador verifique
novamente primos gigantescos já testados
(é muito altruísmo) ou se prefere que ele
tente descobrir um novo, ainda maior.
O Gimps se baseia em uma receita muito
prática para descobrir números primos. Pri-
meiro, o software pega um número primo
já conhecido (por exemplo, o três). Então,
põe o dito-cujo no expoente do dois (23 = 8).
Por fim, subtrai um do resultado (8 - 1 = 7).
Sete, claro, é primo.
Essa fórmula não dá certo sempre, mas
funciona com alguma frequência, e já era
conhecida por Euclides.
No século 17, um clérigo francês chamado
Marin Mersenne usou a fórmula 2p - 1 para
encontrar os maiores primos conhecidos à
época. Só que Mersenne foi um pouco longe
demais: afirmou que 2257- 1 era primo, o que
está errado. É um erro compreensível, claro:
ele precisou multiplicar o dois por si mesmo
257 vezes sem uma calculadora – o resulta-
do tem 103 dígitos –, subtraiu um e então
tentou descobrir (à mão!) se esse monstro
era divísivel por algum outro número. Difícil.
Seja como for, os primos gerados por esse
atalho ficaram conhecidos como "primos de
Mersenne". E eles são úteis porque existe
um teste relativamente rápido – o chamado
"teste de primalidade de Lucas-Lehmer"– ca-
paz de determinar se um número gerado por
2p - 1 é mesmo primo.
O maior primo conhecido hoje, 282.589.933 - 1,
é um primo de Mersenne e foi descoberto
em novembro de 2018 pelo computador do
voluntário francês Patrick Laroche, conectado
ao Gimps. Esse monstro tem 24,8 milhões de
dígitos (teclando um algarismo por segundo,
você levaria 287 dias para digitá-lo inteiro).
Grande, mas o céu é o limite: este repórter
doou um pedacinho de sua CPU para o Gimps
e recebeu o número 2116.144.081 - 1, que tem 34,8
milhões de dígitos. O resultado está previsto
para 31 de janeiro, após a conclusão desta
edição da Super. Fique na torcida: a chance é
ínfima, mas, se esse número for primo, será o
primeiro gigante descoberto no Brasil.
janeiro 2023 super 43
12/01/23 21:23
 estão salpicados ao longo da linha dos
números – que parece aleatório, em
princípio – na verdade pode ser expli-
cado por meio de um procedimento
matemático que se torna mais e mais
preciso cada vez que você põe na conta
um desses números complexos que dão
zero na função zeta de Riemann.
Uma maneira didática de vislumbrar
esse procedimento envolve um gráfico
em que a linha dos números vai avan-
çando da esquerda para a direita: 1, 2, 3,
4… Cada vez que um primo aparece, a
linha dá um salto para cima, formando
um degrau de uma escadinha. Esses de-
graus podem aparecer a cada dois, quatro
ou quarenta passos, já que correspondem
às aparições erráticas dos primos.
Agora vem a mágica: usando os nú-
meros complexos de Riemann, é pos-
sível desenhar um gráfico que descreve
exatamente a mesma escadadinha que
o anterior, tomando um caminho com-
pletamente diferente (que não passa por
primos e envolve, pasme, o estudo de
tipos de ondas chamadas harmônicos).
Esse é um resultado arrepiante: são duas
áreas da matemática que escalam uma
montanha por lados diferentes, sem sa-
ber que estão chegando ao mesmo cume.
Gêmeos-problema
Além de Paul Nelson, muitos outros
gênios contemporâneos atacam ques-
tões diferentes sobre a distribuição dos
primos: as regras que regem os buracos
entre eles. Uma história que começa
com o matemático Leonhard Euler, lá
no século 17.
Era uma vez o número de Euler:
2,718.... Ele é uma dessas constantes
com infinitos dígitos aleatórios depois
da vírgula, como o pi (π). Você talvez
nunca tenha ouvido falar do número
de Euler, mas com certeza já ouviu fa-
lar de algo chamado logaritmo natural.
Todo número tem seu logaritmo, que a
gente costuma chamar só de “log”, para
facilitar. Alguns exemplos: o log de 2
é 0,69. O log de 10 é 2,3. O log de 100
é 4,6. O que significam esses logs? É
aqui que entra o Euler. Se você elevar
o número de Euler a 0,69, vai obter 2.
Se você elevar a 2,3, vai obter 10. Se
elevar a 4,6, vai obter 100. O log é a
resposta para a pergunta “a quanto eu
preciso elevar o número de Euler para
obter um número tal?”
O que torna o número de Euler
44 super janeiro 2023
SI_447_Números-primos.indd 44
especial, e por que os matemáticos se
dão ao trabalho de descobrir um montão
de logs só para depois fazer “número de
Euler elevado a esses logs” e voltar para
os mesmos 1, 2, 3 de sempre? Bom, a
magia da coisa é que os logs não crescem
tão rápido quanto os números em si: o
log de 1 bilhão é 20,7. E existem contas
que você pode fazer usando o 20,7 em
vez do 1 bilhão, o que é bem mais prático.
Praticidade à parte, os logaritmos
naturais escondem um segredo sobre
números primos. Euler descobriu que
o log natural de um número também é
o intervalo médio entre os números pri-
mos até aquele número. Explicando com
um exemplo, para facilitar: se você pegar
todos os números primos até 1 bilhão, o
vão médio entre eles será 20,7. Pode haver
primos mais ou menos separados do que
isso, mas essa será a média. Tal conclusão
é parte do Teorema dos Números Primos
(PNT) – que, para alívio dos matemáticos,
já está provado desde 1896.
O fato de que os logs vão aumentan-
do significa que os vãos entre os primos
ficam cada vez maiores – e a frequência
com que os primos aparecem, por con-
sequência, fica cada vez menor. De fato,
já está provado que a distância entre
dois primos pode ser arbitrariamente
longa, e alguns gostam mesmo é de dis-
tância dos seus pares: a maior separação
entre dois primos já encontrada é de
7,18 milhões de números.
Bacana. Mas o problema dos primos
que se odeiam não é nem de longe tão di-
fícil quanto o problema dos que se amam. Os mate-
Estamos falando dos primos gêmeos – o máticos
nome que se dá aos pares coladinhos, contemplam
separados por só uma unidade, como 11 o infinito dos
e 13, ou 17 e 19. Acredita-se que existam primos sem
aplicações
infinitos casais desses, e as verificações
práticas em
feitas na força bruta levam a crer que há. mente: faz
Mas, de novo, não há uma prova. milênios que
O maior passo nessa direção, até eles exercem
agora, foi obra do chinês Yitang Zhang um fascínio
em 2013 – um matemático que não fez magnético
ensino médio, imigrou para os EUA e foi sobre nós.
12/01/23 21:23
 até atendente do Subway
antes de deslanchar na
carreira. Zhang conseguiu
provar que existem infi-
nitos pares de primos que
estão a uma distância de,
no máximo, 70 milhões
de números um do outro.
Isso inclui os gêmeos, é
claro – mas também pares
de primos muito mais am-
plos, separados por quatro
números, oitenta números
ou milhões de números.
Usando a trilha mate-
mática aberta por Zhang,
um trabalho online cola-
borativo entre matemá-
ticos deu um salto extra:
conseguiu reduzir essa
janela de 70 milhões para
246. Ou seja: está provado
que há primos infinitos
separados por essa distân-
cia, relativamente curta. O
passo final seria demons-
trar que existem gêmeos
infinitos, aqueles aparta-
dos por um número só.
O inglês James May-
nard provou um limite
44
de 600 por um outro ca-
minho, tão genial que lhe
rendeu a medalha Fields –
o Nobel da matemática. É
que o trabalho dele é mais
abrangente: prova que
também existem quan-
tidades infinitas de trios,
quartetos ou quintetos de
dígitos
é o tamanho do
maior primo já cal-
culado à mão: 20.98
8.936.657.440.586.4
86.151.264.256.610.
222.593.863.921
SI_447_Números-primos.indd 45
primos em que cada um
está a uma certa distância
máxima do outro.
Esse foi só um gos-
tinho do que ainda há
para saber sobre os pri-
mos. Não falamos, por
exemplo, da conjectura
de Goldbach – a ideia
de que todo número par
maior que dois é a soma
de dois números primos.
Ela está na mesma situ-
ação: testamos todos os
números até 4 × 1018, e
nenhum foge à regra,
mas não há uma prova.
O francês Olivier Rama-
ré fez um avanço parcial: é o n
demonstrou que todo par de dí
é a soma de no máximo maior
seis primos, e o australia-
conhe
no Terence Tao descobriu
que todo ímpar é a soma
de até cinco primos.
Também descobrimos,
em 2016, que os primos
têm preferências. Por
exemplo: se um deles ter-
mina em 9, o próximo da
sequência tem 65% mais
chances de terminar em 1
do que em 3 ou em 7. Por
quê? Ninguém sabe.
E é claro que nenhum
panda vai morrer se não
chegarmos a saber. Pro-
var a conjectura de Gold-
bach, a hipótese de Rie-
mann ou a conjectura dos
primos gêmeos são metas
filosóficas, que podem até
ter algum impacto prático
para a ciência no futuro,
mas que os matemáticos
perseguem hoje sem apli-
cações em mente, em no-
me da curiosidade.
Afinal, quando os gre-
gos antigos começaram a
mexer com primos, eles
não imaginaram que es-
ses números se tornariam
fundamentais para a crip-
tografia, por exemplo. A
nós, só resta imaginar o
que os gênios do futuro
farão com o trabalho dos
Euclides de agora. S
janeiro 2023 super 45
12/01/23 21:23
 biologia

46 super janeiro 2023

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 O planeta das

FORMIGAS
Existem 20 quatrilhões delas na Terra, ou 2,5 milhões para cada um de
nós. Somadas, pesam mais do que todos os mamíferos e aves selvagens.
Têm cérebros minúsculos, mas formam sociedades complexas: praticam
agricultura e pecuária, usam antibióticos e se “vacinam” contra doenças,
caçam e travam grandes guerras, com milhões de soldados. São capazes de
tudo pelo formigueiro – mas também podem agir com um egoísmo terrível.

Texto Luiz Eduardo Kochhann e Bruno Garattoni Ilustração Augusto Zambonato Design Luana Pillmann

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SI_447_Formigas.indd 47 13/01/23 11:22

 v
Vermelha, delicada e
gordinha, a joaninha é
simples, com míseros 250
mil neurônios: quase na-
quatrilhões impressiona,
mas a quantidade total
pode ser ainda maior. Isso
porque algumas espécies,
como as formigas-tecelãs
(pertencentes ao gênero
Oecophylla), habitam as
árvores, não o solo.
As formigas vivem em
estruturas sociais comple-

250
um dos insetos mais sim- da perto dos 70 milhões xas, com castas e funções
páticos que existem. Ela é presentes no cérebro de definidas. Para que isso
considerada um sinal de um rato, por exemplo (que, dê certo, elas precisam se
boa sorte, e também co- mesmo com 300 vezes comunicar – o que fazem
nhecida como “besouro mais neurônios, não sa- por meio de sons, toques
de Nossa Senhora”: diz a be fazer nenhuma dessas e feromônios, substâncias
lenda cristã que, na Idade coisas). O segredo das for- químicas que indicam mil é a quantidade de
Média, fazendeiros reza- migas, que surgiram entre determinadas situações neurônios no cérebro
ram pedindo proteção 150 e 100 milhões de anos (como perigo ou presen-
para suas plantações – e atrás, está na cooperação: ça de alimento). Em 2014,
de uma formiga –
foram atendidos com o elas trabalham e se orga- pesquisadores europeus quase 300 vezes
surgimento de joaninhas, nizam coletivamente, co- analisaram os feromônios menos que um rato
que eliminam as pragas
da lavoura. Para uma
dessas pragas, o pulgão,
locando a inteligência e o
esforço de cada uma em
prol do grupo.
de 75 espécies de formiga
e identificaram nada me-
nos do que 168 substân-
E stamos no auge
do verão de 1936.
Edward Osborne Wil-
ela é a morte em pessoa. E que grupo. Existem cias diferentes (3). É quase son, de sete anos, tenta
A não ser que haja for- 16 mil espécies, que jun- como se elas tivessem um pescar numa praia da
migas por perto. Porque, tas somam incríveis 20 “vocabulário químico”, em Flórida. Um lagodon,
aí, algo curioso aconte- quatrilhões de formigas, que as palavras são os fe- peixe de 10 cm que tam-
ce: as formigas atacam as espalhadas por todos os romônios. Eles só foram bém é conhecido como
joaninhas e defendem os cantos do mundo exceto descobertos graças a um pinfish, morde a isca – e
pulgões, que depois elas a Antártida. Foi o que cientista determinado o menino se empolga.
criam. Pois é, criam. As constatou um estudo (2) a fazer algo insólito, e à Puxa a vara com tanta
formigas mantêm reba- publicado em setembro primeira vista até meio força que o peixe salta
nhos de pulgões, que pro- de 2022 por cientistas amalucado: ele queria falar para fora d’água, e acerta
tegem e cultivam como chineses e australianos. com as formigas. em cheio o rosto dele. O
se fossem vacas leiteiras. Eles conseguiram esti- problema é que o lago-
Só que, em vez de leite, mar, pela primeira vez, a don possui uma espécie
querem o honeydew: uma quantidade total desses de crina com espinhos, e
secreção doce que os pul- insetos – somando os um deles perfura o olho
gões produzem, e serve dados de 489 trabalhos direito de Edward.
de alimento. As formigas científicos, que empre- O atendimento médico
cortam as asas deles, para garam duas técnicas
que não tentem fugir, ao para aferir a quantidade
mesmo tempo em que de formigas em 3.900
empregam uma tática pontos do planeta. No
mais gentil: suas patas primeiro método, os
liberam substâncias tran- pesquisadores coletam 1
quilizantes, que acalmam metro quadrado de ser-
os pulgões (1). rapilheira (camada de
As formigas também folhas mortas no chão) e
praticam agricultura, contam a quantidade de
montam armadilhas, formigas ali. O outro se
constroem pontes e até chama pitfall trap, e nada
fabricam seus próprios mais é do que um copo
remédios (mais sobre is- com água enfiado na terra
so daqui a pouco). Tudo – as formigas que estão
isso tendo um cérebro passando por ali caem
incrivelmente pequeno e dentro. O número de 20

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 tardio e uma cirurgia mal importantes do século 20,
feita o deixam cego desse
olho. Tempos depois, por
um herdeiro moderno de
Charles Darwin. Foi ele Onde Tirando a Antártida, há formigas em

elas
uma condição genética, que, em 1958, decifrou a todos os continentes – especialmente
ele perde parte da audi- ação dos feromônios so-
nas regiões tropicais e subtropicais.
ção (se torna incapaz de bre as formigas. Wilson
ouvir sons mais agudos).
Essa sequência de aconte-
cimentos infelizes poderia
extraiu essas substâncias
delas, e então passou
a desenhar trilhas, em
vivem
ter sido traumática – mas seu laboratório na Uni-
acabou selando o destino versidade Harvard, com
de um jovem talhado para vários tipos de feromônio.
o mundo da ciência. Ele queria ver como os
Por suas limitações fí- insetos reagiam. “Se eu
sicas, Wilson não conse- conseguisse encontrar
guiria identificar o canto esse pedaço da ‘pedra
dos pássaros e também de Roseta’ das formigas,
não enxergava direito os poderia ‘falar’ com uma
animais. “Sou cego de um colônia delas, e dizer on-
olho e não consigo ouvir de deveriam ir para con-
sons de alta frequência; seguir comida”, conta ele
portanto, sou entomo- no livro EO Wilson: A Life
logista”, escreveu ele na in Nature (“Uma vida na
autobiografia Naturalist, natureza”, não lançado
publicada em 1994. Es- no Brasil). Os feromô-
tudar insetos virou sua nios eram conhecidos Sem dados
obsessão. “A atenção do desde o século 19, mas QUANTIDADE DE FORMIGAS
Até 20
meu olho esquerdo vol- Wilson foi o primeiro a POR METRO QUADRADO:
tou-se para o chão.” Mais mostrar como eles cau- 20 a 40
especificamente, para as sam determinados com- Estimativa calculada a partir de 3.900
formigas. portamentos – podendo amostras coletadas em florestas, 20 a 40/Estimativa
E. O. Wilson, como significar mensagens co- savanas e áreas de vegetação.
Mais de 40
ele se tornaria conhecido, mo “alimento” ou “perigo”.
foi um dos biólogos mais Wilson morreu em 2021,

aos 92 anos de idade, ten- uma trilha de formigas

do alcançado seu objeti- carregando pedacinhos
vo: assim como a pedra de folhas. Mas você sabe
de Roseta, descoberta o que elas fazem com isso?
em 1799, permitiu que a Elas não comem as folhas
arqueologia finalmente em si. Levam para dentro
decifrasse os hierógli- do formigueiro e deixam
fos egípcios, a compre- lá, apodrecendo. Esse pro-
ensão dos feromônios cesso de decomposição é
abriu uma janela para o feito por fungos – que, aí
mundo das formigas. Nas sim, as formigas comem.
décadas seguintes, a ciên- É uma maneira genial de
cia começou a descobrir transformar um alimento
nelas uma série de com- de baixo teor calórico (as
portamentos sofisticados. folhas) em algo mais rico
Você já deve ter visto em energia (os fungos).
Pelo menos 240 espé-
cies de formiga praticam
o cultivo de fungos – e fa-
zem isso há pelo menos 55
milhões de anos (4).
→

Fontes (1) Ant semiochemicals limit apterous aphid dispersal. T Oliver e outros, 2007. (2) The abundance,
biomass, and distribution of ants on Earth. P Schultheiss e outros, 2022. (3) A List of and Some Comments
about the Trail Pheromones of Ants. X Cerdá e outros, 2014. (4) Reciprocal genomic evolution in the
ant–fungus agricultural symbiosis. S Nygaard e outros, 2016.
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 Como um
formigueiro
funciona
Ele é formado por indivídu-
os extremamente simples.
Mas segue uma série de
etapas complexas, que
combinam seleção genética
e divisões de tarefas.
2 a estrutura
2 ou seja, qual dos três tipos ele
Um formigueiro chega a ter 50
cm de altura e 2 metros de pro-
fundidade, podendo abrigar de
100 mil a 500 mil insetos. As
formigas são fortes (cada uma
delas consegue carregar até 50
vezes o próprio peso) e acima
de tudo persistentes: elas vão
escavando a terra, grão por
grão, num processo que pode
levar até três anos.
a
A Entradas
a Fêmea trabalhadora
D
Aposento
da formiga-
B C
-rainha
Túnel de
ampliação do
formigueiro
50 super janeiro 2023
SI_447_Formigas.indd 50
1 o começo
A formiga-rainha voa até encontrar
um macho. Os dois têm uma rela-
ção sexual, em que o macho injeta Acasalamento
esperma no corpo dela (e morre
logo depois). A rainha procura um
lugar adequado para formar uma
colônia. Quando encontra, ela per-
de as asas – e coloca seus primeiros
Reprodução Fundação
ovos. Eles dão origem às primeiras
formigas trabalhadoras, que vão
construir o formigueiro.
Ovo Larva Pupa Casulo Formiga Construção
4 os tipos
São três: as formigas trabalha-
doras, os machos e as fêmeas
aladas. O destino de cada ovo,
vai gerar, é determinado por
fatores genéticos e ambientais
– algumas larvas recebem mais
alimento, aumentando sua chan-
ce de se tornarem fêmeas rainhas
3 a reprodução ou soldados (veja próximo item).
Confortavelmente instalada no
próprio “quarto”, a rainha vive até
15 anos. Sua função é produzir e
colocar ovos: uma só rainha pode
gerar centenas de milhares deles.
Conforme os ovos amadurecem e
vão se transformando em larvas,
pupas e casulos, são levados para
outros compartimentos do formi-
gueiro (veja no item 2). Ovos Fêmea rainha
Macho
Larvas
Pupas
B
Ovos Estoque e cultivo de alimentos
g Área de pulgões
F
“Berçário” de
larvas e casulos
13/01/23 11:25
 E as formigas também
são agricultoras. Elas têm
inteligência o bastante
para enterrar sementes
e esperar até germina-
rem, para então comer
os brotos. Mas a coisa
pode ir bem além disso.
A Philidris nagasau, uma
formiga que vive nas ilhas
Fiji, mantém uma verda-
deira lavoura: cultiva seis
tipos de planta do gênero
Squamellaria, que crescem
em árvores. As formigas
pegam as sementes dessas
plantas e as enfiam em ra-
chaduras nos galhos das
árvores, onde elas se de-
senvolvem. Cada colônia
de formigas chega a ter
dezenas de Squamellaria.
Segundo cientistas da
Universidade de Muni-
que, que publicaram um
estudo a respeito 5 , is-
so provavelmente é uma
5 AS FUNÇÕES
Os machos podem ser sol-
dados, que são mais fortes e
defendem o formigueiro, ou
“bitus”, que saem voando para
tentar acasalar com outras
rainhas. As içás são fêmeas que
um dia terão asas, e se tornarão
rainhas. As cortadeiras trazem
pedaços de folhas, enquanto as
generalistas cuidam da colônia
e das larvas. Já as jardineiras
fazem algo especialmente
interessante: cultivam fungos
(veja ao lado).
adaptação evolutiva que
teria ocorrido há 3 mi-
lhões de anos – quando
essa espécie de formiga
perdeu a capacidade de
construir formigueiros e
passou a viver nas árvores.
Muitos tipos de for-
miga mantêm uma re-
lação simbiótica com as
árvores. A planta atrai
as formigas oferecen-
do alimento, na forma
de um néctar expelido
por suas folhas, e abri-
go, em seu tronco. Em
troca, elas servem como
defesa contra outros in-
setos, que querem comer
as folhas da árvore. “No
Cerrado, cerca de 20%
das espécies de árvores
oferecem nectários ex-
traflorais, cuja função
principal é atrair formi-
gas”, explica Heraldo Luís
Vasconcellos, biólogo da
1 mm 2 mm
Jardineiras Generalistas Cortadeiras
5 mm 5 mm
Soldados Içás
10 mm
Rainha
6 o trabalho
Universidade Federal de
Uberlândia (UFU) e autor
de vários estudos sobre
a organização social e
ecológica das formigas.
Para se multiplicar,
as plantas precisam que
suas sementes sejam le-
vadas para longe da ár-
vore-mãe, o que pode ser
feito pelo vento ou por
pássaros. Mas as formi-
As formigas
utilizam
gas também são peritas
as folhas nisso – especialmente
para criar em locais secos, como a
fungos, que Caatinga. Um grupo de
elas comem. pesquisa liderado pela
Usam um
alimento
bióloga Inara Leal, da
que contém Universidade Federal
pouca de Pernambuco (UFPE),
energia para descobriu que mais de
cultivar 100 espécies de planta,
outro, mais
nutritivo.
da família das euforbi-
áceas, têm as sementes
espalhadas quase exclu-
sivamente por formigas.
“Elas são atraídas pelo
cheiro dos elaiossomos,
um corpo gorduroso e
fofo que envolve as se-
mentes”, explica Leal.
As formigas comem os
elaiossomos, e ao fazer
3 mm
isso acabam espalhando
as sementes – que bro-
tam e crescem. E o local
é patrulhado por formi-
3 mm gas-soldado, maiores que
Bitus as demais, cuja função é
impedir que outros in-
setos ataquem as mudas.
O formigueiro fun-
ciona com um sistema
de divisão do trabalho:
além das operárias e dos
soldados, também há fê-
do nascimento. As larvas
que recebem mais alimen-
to dão origem a fêmeas
aladas, que podem fundar
outros formigueiros e se
tornar rainhas deles [veja
infográfico ao lado].
A formiga-rainha
coloca os ovos que dão
origem a todas as demais.
Ela é tão importante que
bastaria matá-la para aca-
bar com um formiguei-
ro. Mas, para fazer isso,
seria preciso vencer os
soldados e as operárias
– que defendem a colô-
nia de predadores, como
tatus, ou dos ataques de
outras formigas. Elas
podem travar verdadei-
ras guerras pelo contro-
le do território, em vá-
rios pontos do planeta.
A formiga-argentina
(L. humile) se espalhou
pelo mundo de navio,
extinguiu várias espécies
de formigas locais, e hoje
luta entre si: na região do
lago Hodges, na Califór-
nia, duas megacolônias
de L. humile travam uma
enorme batalha, que foi
identificada pela primeira
vez em 2004 e continua
até hoje – com saldo es-
timado em 30 milhões de
mortos por ano (6).

As formigas usam as folhas

para cultivar fungos – que
meas aladas, machos re-
produtores e uma formi-
ga-rainha, que pode viver
A s formigas também
são capazes de atos
que nós, humanos, con-
elas depois comem. Também
até 15 anos. O destino de sideraríamos cruéis. A es-
mantêm “rebanhos” de
pulgões: insetos de 5 mm de cada uma é traçado antes pécie Azteca brevis, típica
comprimento, pertencentes da Costa Rica, constrói
à família Aphidoidea, dos armadilhas que lembram
quais as formigas cuidam. →
Elas protegem os pulgões
do seu predador natural, as
joaninhas, e os levam para
dentro do formigueiro – onde
lambem uma secreção doce
produzida por eles. Fontes (5) Obligate plant farming by a specialized ant. G Chomicki e S Renner, 2016.
(6) Adventures among ants: a global safari with a cast of trillions. M Moffet, 2010.

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 um aparelho de tortura
medieval. São estruturas
com muitos buraquinhos,
coladas sobre os troncos
de árvores. Quando algum
gafanhoto passa por ali,
uma das formigas apare-
ce por um dos furinhos
– e puxa um pedaço da
vítima, que fica presa.
Outras formigas apare-
cem por outros buracos
e seguram as demais patas ram obrigadas a viver no
da vítima. Que, então, é
retalhada viva.
Mas nada se compara
com outros insetos.
As formigas surgiram
das vespas, dentro da or-
dem dos himenópteros
(na qual também estão
as abelhas). Só que elas,
ao contrário das anteces-
soras, não têm asas – e fo-
solo, expostas a uma série
de microrganismos. Por
conta disso, desenvolve-

168
às formigas da espécie ram a chamada glândula
Polyergus breviceps, que metapleural, que fabrica
vivem nos EUA e fazem uma substância antibi-
algo realmente diabólico. ótica e antifúngica. Ela
Elas formam grandes fi- serve para desinfetar o
las, com até 10 metros de formigueiro, evitando
comprimento, e vão mar- doenças. “A esteriliza-
chando até as colônias de ção do ambiente é uma
é o número de
outras espécies, do gêne- grande vantagem adapta- feromônios
ro Formica. Chegando lá, tiva para as formigas, que diferentes já
invadem o formigueiro têm um comportamento identificados em
e roubam as larvas, que de limpeza e cuidado do formigas
trazem de volta. Algumas ninho muito presente”,
elas comem. Outras, elas explica Leal.
escravizam. Jogam fero- Mas essa habilidade O combate a doenças
mônios em algumas das também serve para a na colônia revela outro
larvas de Formica – que, guerra. Cientistas da Uni- comportamento interes-
por isso, nascem achando versidade de Würzburg, sante. Quando alguns in-
que também são Polyer- na Alemanha, constata- divíduos começam a apre-
gus, e passam a vida tra- ram que as formigas da sentar sinais de infecção
balhando para elas. espécie Megaponera analis, pelo fungo M. anisopliae,
A rainha das Polyergus típica da África subsaa- por exemplo, as demais
é especialmente cruel. Ela riana, usam essa mesma formigas não se afastam
é capaz de invadir colô- substância em indivíduos deles. Pelo contrário: vão
nias de outras espécies e machucados (7). Elas car- até os doentes, e lambem
matar a rainha num ritual regam os feridos de volta seus machucados para
longo, que demora 25 mi- para o formigueiro, onde limpá-los. Além de ajudar
nutos. Feito isso, ela usa “enfermeiras” aplicam a os infectados, isso faz com
seus feromônios para secreção nas lesões deles. que todos os habitantes do
manipular as demais for- Os pesquisadores analisa- formigueiro sejam expos-
migas – e se torna a nova ram a composição quími- tos a doses controladas da-
rainha do formigueiro. ca da substância – e des- quele fungo, e com isso de-
Em suma: as formi- cobriram que ela inibe o senvolvam resistência a ele
gas nem sempre são crescimento de bactérias (8). Uma estratégia parecida
tão “boazinhas” quanto da espécie P. aeruginosa, com a que nós, humanos,
aparentam. Uma de su- que infecta as formigas. empregamos na vacinação.
as características mais
engenhosas, inclusive,
serve para lidar com as
consequências de guerras

Fontes (7) Infection signaling and antimicrobial wound care in an ant society. E Frank e outros, 2022. (8) Social
Transfer of Pathogenic Fungus Promotes Active Immunisation in Ant Colonies. S Cremer e outros, 2012. (9) Small fire
ant rafts are unstable. H Ko e outros, 2022. 10 Optimal construction of army ant living bridges. J Graham e outros,
2017. 11 Worldwide decline of the entomofauna: A review of its drivers. F Sanchez-Bayo e K Wyckhuys, 2019.
52 super janeiro 2023

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 As formigas realmente para de andar. Com isso,
fazem de tudo para sal- a que vem atrás tromba e
var suas companheiras sobe em cima dela – que
e a colônia em si. Se o interpreta isso como
formigueiro alagar, por um sinal de que deve
exemplo, elas sobrevivem continuar parada. Isso
formando uma espécie de se repete centenas ou
jangada, na qual conse- milhares de vezes, com
guem flutuar por sema- novas formigas chegando,
nas (9). Elas também usam esbarrando e subindo em
essa técnica, de emen- cima das outras. Quando
dar os próprios corpos, a ponte está formada, as
para construir pontes formigas que vão chegan-
e atravessar obstáculos. do conseguem atravessar
E fazem isso sem ter um livremente – e, por isso,
líder, uma formiga que não ficam paradas em ci-
oriente as demais. O pro- ma das outras. Assim que
cesso, que foi descoberto todas elas passam, deixa
em 2017 por cientistas de haver formigas em
americanos 10 , é o se- cima da ponte – esse é o
guinte. Ao encontrar um sinal para que ela comece
obstáculo intransponível, a se desfazer, seguindo o As
costumam
a primeira formiga da fila processo inverso. ter compor-
Fortes, espertas e or- tamentos
ganizadas, as formigas altruístas.
parecem ter respostas para Mas as da
tudo. Exceto o ser humano. P. espécie
breviceps
N ada menos que 40%
das espécies de in-
seto correm algum risco
de extinção nas próximas
décadas. A estimativa,
alarmante, é de cientis-
tas de duas universidades
australianas, que analisa-
ram 73 estudos sobre o
declínio populacional de
várias espécies pelo mun-
do 11 . Há causas diversas,
mas as principais são o
uso de pesticidas e fertili-
zantes, a urbanização e as
mudanças climáticas. As
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borboletas e os besouros
são os que mais correm
riscos, mas as formigas
também estão ameaçadas.
O avanço da agricul-
tura intensiva já causa
estragos. “A remoção da
cobertura vegetal nativa,
formigas
[trocada] por uma vege-
tação simplificada, gera
uma perda de diversidade
bastante severa nas for-
migas”, diz Vasconcellos.
Pouquíssimas espécies de
não: elas formiga conseguem so-
roubam e
escravizam
larvas de
breviver em campos de
soja, por exemplo – uma
paisagem cada vez mais
outros for-
migueiros.
comum no Brasil. Na
Amazônia, as queimadas
arrasam a maior parte das
colônias de formigas.
A ação humana tam-
bém pode inviabilizar o
trabalho ecológico das
formigas – com conse-
quências ruins para vá-
rias espécies de planta.
Já existem sinais disso na
Caatinga, em áreas modi-
ficadas pela agricultura ou
pela pecuária. “Nós temos
visto que as perturbações
crônicas realizadas pelo
homem podem reduzir a
população de formigas, e
levar à extinção de espé-
cies que realizam funções
ecossistêmicas”, afirma
Leal, da UFPE. Trata-se
de um efeito em cascata
que, em última instância,
poderia levar à extinção
das euforbiáceas, que de-
pendem das formigas para
espalhar suas sementes.
O aquecimento global
também pode ser uma
ameaça. Esse é o foco de
estudos orientados por
Vasconcellos, da UFU,
que está investigando
a resistência de várias
espécies ao calor. “Pode-
remos projetar cenários
para ver se há uma cor-
relação entre o aumento
da temperatura na Terra
e oscilações no número
de formigas”, explica ele,
que estuda esses insetos
há décadas – e, em 1985,
esteve ao lado de E. O.
Wilson em uma missão
na Amazônia. Depois de
algumas noites em traba-
lho de campo, numa zona
de mata 60 quilômetros
ao norte de Manaus, o
biólogo americano pre-
senteou Vasconcellos
com o desenho de uma
saúva e uma cópia de seu
livro The Insect Societies,
clássico de 1971 (“As so-
ciedades dos insetos”, não
lançado no Brasil).
Wilson também é o
criador da chamada “so-
ciobiologia”, que tenta ex-
plicar o comportamento
humano a partir de im-
pulsos biológicos – como
acontece nos insetos. É um
conceito polêmico, com o
qual a maioria dos cientis-
tas não concorda, e rendeu
muitas críticas a Wilson ao
longo da vida.
Foi mesmo ao olhar
para baixo, e se debruçar
sobre as formigas, que
ele alcançou seus gran-
des êxitos como biólogo.
Inclusive ao definir essas
criaturas tão onipresentes
e espertas, organizadas em
sociedades tão complexas,
de uma forma especial-
mente feliz: elas são “as
pequenas coisas que go-
vernam o mundo”. S
janeiro 2023 super 53
13/01/23 11:26
 sexualidade

SI_447_Orgasmo.indd 54 13/01/23 10:27


A ciência do
orgasmo
Veja como os hormônios
atuam. Entenda os
mecanismos cerebrais
que nos fazem perder
o controle na cama. E
saiba como a evolução
moldou a sexualidade
em nossos ancestrais
do mundo animal.
SI_447_Orgasmo.indd 55
Texto Alexandre Carvalho 
Ilustração Tayrine Cruz 
Design Juliana Krauss 
Edição Alexandre Versignassi
w
Woody Allen disse que, se hou-
vesse reencarnação, queria que sua vida
passasse no sentido inverso, mais ou
menos como o personagem Benjamin
Button. Nasceria morto, então ganharia
vida, iria rejuvenescendo, viraria uma
criança sem responsabilidades, um be-
bê, voltaria ao útero e, finalmente, seria
reduzido ao que deu origem a todo esse
processo: um orgasmo. Morreria em
meio à sensação de prazer mais aguda
que a vida pode proporcionar.
Tão aguda que os franceses concordam
em parte com Allen: apelidaram o orgas-
mo de la petite mort (a pequena morte),
tamanha a retração da consciência no au-
ge de uma relação sexual bem-sucedida.
Uma pequena morte que traz mais
vida, diga-se. Um estudo britânico (1)
com quase mil homens revelou que
aqueles que mantinham uma média de
oito orgasmos por mês tiveram maior
longevidade em relação aos que só go-
zavam uma vez nesse mesmo intervalo.
Num acompanhamento feito por dez
anos, 150 dos voluntários morreram: 67
de problemas cardíacos e 83 de outras
causas. A taxa de mortalidade entre o
grupo que tinha mais orgasmos foi cerca
de metade dos que viviam (bem) menos
dessa experiência.
Natural. Orgasmos diminuem a ansie-
dade, melhoram o sono e ajudam a apri-
morar seu shape – eles levam à liberação
de deidroepiandrosterona (DHEA), um
hormônio esteroide natural associado ao
condicionamento físico. Nossos corpos
reduzem a produção de DHEA à medida
que envelhecemos. Portanto, aumentar
sua produção pela via sexual pode ajudar
→
janeiro 2023 super 55
13/01/23 10:27
Ocitocina
torna
nossas zonas
erógenas mais
sensíveis.
a preservar a musculatura, a postura e a
controlar o peso.
Agradeça por isso à ocitocina, o hor-
mônio mais famoso por estimular o vín-
culo físico entre mães e seus bebês. No
sexo, esse neurotransmissor proporciona
o efeito-cascata que levará ao orgasmo.
Ele torna nossas zonas erógenas mais
sensíveis, e quanto mais estímulos, mais
ocitocina inunda o corpo.
Conforme a coisa vai ficando mais
quente, o hipocampo é ativado, geren-
ciando nossas memórias. Isso significa
associar visões e cheiros a encontros
anteriores. Ou fantasiar sobre o top 5
dessas relações prévias com a pessoa. O
hipocampo também atribui significado
emocional aos estímulos eróticos. É por
isso que em algum dia qualquer você vai
sentir saudade do desempenho do ex.
Ou soltar um impensado “eu te amo”
na cama, ainda que o relacionamento
esteja no começo.
Nesse momento já há pele arrepiada,
mamilos rijos, genitais úmidos… O ápice
dessa dança está chegando.
Então seu cerebelo, a parte do cérebro
que controla os movimentos do corpo,
envia sinais para que coxas, glúteos e ab-
dômen se contraiam. Essa tensão mus-
cular aumenta o fluxo sanguíneo para as
partes protagonistas. E não se preocupe se
ficar mais excitado pensando num antigo
crush nesse momento. O córtex frontal,
associado ao pensamento mais abstrato,
pode criar fantasias sexuais momentos
antes da hora H. Até que ela chega.
Durante o orgasmo, há uma orgia
de neurotransmissores. Na mulher, o
hipotálamo libera mais ocitocina, pro-
vocando contrações uterinas intensas
(algo que também acontece durante o
parto, para a saída do bebê) – e pesquisas
mostram que, quanto maior a liberação
56 super janeiro 2023
SI_447_Orgasmo.indd 56
de ocitocina, mais intenso é o orgasmo.
Então entra em campo outro hormô-
nio, a dopamina. Ela serve, você sabe, para
dar prazer quando você faz algo bom para
sua sobrevivência como indivíduo (ali-
mentar-se, por exemplo) ou como espécie
(se reproduzir). É ela quem traz a descarga
de prazer pós-coito. O prazer vem como
uma recompensa, para que você queira
repetir o ato essencial à sobrevivência.
E ela tem um caráter interessante: faz
com que você já sinta algo intenso só
de antever a chegada dessa explosão. Is-
so permite que você atinja o orgasmo
apenas olhando para um determinado
movimento do seu parceiro na hora H.
E por que você se sente fora de con-
trole durante o orgasmo? Dependendo
de cada um, há gritos que assustam os
vizinhos, puxões de cabelo, palavrões
mesmo na boca das pessoas mais tími-
das. Isso tudo acontece porque o clímax
desliga a parte do córtex orbitofrontal,
responsável pela tomada de decisões.
Você se torna um animal irracional por
alguns segundos.
Ou não. Principalmente se você for
mulher. (Desculpe acabar com o clima…)
E isso não tem a ver apenas com o ego-
ísmo de muitos homens na cama, preo-
cupados apenas com o próprio prazer. O
problema: a evolução criou obstáculos
O MAPA A anatomia da vulva
deixou o prazer
DAS MINAS desafiador.
Monte de Vênus
Grandes lábios
Pequenos lábios
Ânus
Desvantagem no papai-mamãe
Segundo estudos, um terço das
mulheres não haviam tido orgasmo
nas últimas vezes em que fizeram
sexo. Parte da razão é anatômica.
para que elas tenham orgasmos com a
mesma facilidade.
A evolução do clitóris
Um estudo americano (2) revelou que
35,6% das mulheres não haviam tido or-
gasmo nas últimas vezes em que fizeram
sexo. Segundo os pesquisadores, parte
da razão é anatômica: o clitóris, esse
pequeno órgão que concentra a maior
parte da sensibilidade da mulher durante
o sexo, é separado da vagina, o canal
interno da vulva que tem mais contato
com o pênis. Daí muitas mulheres não
conseguirem chegar a um nível alto de
excitação apenas com a penetração.
Mas nem sempre é assim no reino
animal. Muitas fêmeas de mamíferos
têm um processo de reprodução dife-
rente. Enquanto as mulheres liberam
religiosamente um óvulo a cada mês,
outras fêmeas, como as de coelhos e
camelos, fazem isso após toda relação
sexual. Os ciclos ovulatórios só evolu-
íram em algumas linhagens de mamí-
feros. Como a nossa.
A anatomia dos mamíferos mais pri-
mitivos foi moldada à necessidade de
engravidar. Por isso, eles têm o clitóris
dentro da vagina. Para ovular, essas
fêmeas precisam antes fazer sexo. E o
orgasmo produzido pelo maior contato
Capuz do clitóris
Clitóris
Abertura da uretra
Abertura da vagina
Evolução não ajudou
Os primeiros mamíferos tinham o
clitóris dentro de vagina. A evolução
deslocou-o em boa parte das espécies,
incluindo as que dariam origem à nossa.
13/01/23 10:27
 do pênis com o clitóris ajudaria na repro-
dução – de acordo com algumas teorias,
o clitóris nesses casos envia sinais ao
cérebro desencadeando hormônios que
liberam o óvulo.
Esse arranjo funcionou bem para es-
pécies nas quais as fêmeas raramente en-
contravam machos. Ajudava-as a apro-
veitar ao máximo cada acasalamento.
Mas, em algum momento da evolução,
diversos mamíferos passaram a viver
em grupos sociais estáveis. As fêmeas
já tinham acesso ao sexo regular com os
machos, e o orgasmo como mecanismo
ovulatório se tornou dispensável.
Isso teria mudado uma característica
anatômica nas fêmeas de diversas es-
pécies – inclusive naquelas que dariam
origem à nossa. “Um deslocamento na
posição do clitóris [afastando-se da va-
gina] está relacionado com a perda da
ovulação induzida pela relação sexual”,
disse Martin Cohn, biólogo do desen-
volvimento evolutivo da Universidade
da Flórida em Gainesville (3).
Em mamíferos mais modernos, parti-
cularmente os primatas, o clitóris ficou
longe o bastante da vagina para nem ser
tocado pelo pênis. Por quê?
Não há como cravar uma resposta. Mas
faz sentido do ponto de vista evolutivo.
A gravidez é um processo custoso, então
é importante para as fêmeas escolher a
dedo com quem acasalar – selecionando
os machos mais saudáveis e fortes, por
exemplo. Em ambiente selvagem, isso
significa a diferença entre ter uma prole
com mais ou com menos chance de so-
brevivência. Se a fêmea tivesse prazer
mecânico, automático, com qualquer
macho, esse fator contaria menos.
Claro que o orgasmo feminino conti-
nuou a fazer parte do jogo evolutivo. Mas
ele se tornou mais complexo, enquanto o
maquinário masculino seguiu tão tosco
quanto o dos seres mais primitivos. Tal
complexidade pode ter trazido vantagens
do ponto de vista do prazer, como os
orgasmos múltiplos – algo que, para ho-
mens, é tão inescrutável quanto imaginar
um cubo de quatro dimensões.

Distúrbios
Marília (nome fictício) é capaz de sentir
todos os sinais do orgasmo em conta-
tos triviais de corpo com as pessoas.
Com qualquer pessoa. O fenômeno
não depende de ela estar mentalmen-
te excitada ou ter qualquer interesse
→
janeiro 2023 super 57

SI_447_Orgasmo.indd 57 13/01/23 10:27

 Um estudo
europeu
avaliou uma
mulher que
dizia produzir
orgasmos
apenas com
a mente. E
concluiu que
ela conseguia
mesmo.

Fontes (1) Sex and death: are they related? Findings from the Caerphilly cohort study (2) An Event-Level Analysis of the Sexual Characteris-
tics and Composition Among Adults Ages 18 to 59: Results from a National Probability Sample in the United States (3) science.org/content/
58 super janeiro 2023 article/new-theory-suggests-female-orgasms-are-evolutionary-leftover (4) A Case of Female Orgasm Without Genital Stimulation

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romântico pelo outro (ou outra). Ela
pode ter um orgasmo a partir de um
toque suave no ombro ou um aperto
de mão. Obviamente, não se trata de
uma condição confortável.
“Um dia fui abraçar uma amiga que
não via faz tempo, por quem não tenho
nenhuma atração sexual, e minha cal-
cinha ficou toda molhada na hora. Foi
difícil disfarçar meu constrangimento.
Espero que ela não tenha percebido.”
O nome do distúrbio de Marília é
“orgasmo involuntário”. E os gatilhos
para esse desencadeamento de sensa-
ções podem ser bem diferentes: ama-
mentar um bebê, receber uma tatuagem,
dirigir um carro… Até ir ao banheiro.
Em pior situação está quem sofre de
transtorno de excitação genital persis-
tente. Diferente do orgasmo involun-
tário, que acontece de vez em quando,
esse distúrbio (que não tem cura) faz
com que as pessoas passem boa parte
do tempo excitadas. Uma condição tão
complexa de lidar quanto a epilepsia,
por exemplo.
É o caso da americana Cara Anaya-
Carlis, de 38 anos. Ela frequentemente
passa seis horas seguidas com excitação
sexual intensa. Já chegou a ter 180 or-
gasmos em apenas duas horas. A pri-
meira manifestação do distúrbio veio
quando ela tinha 27 anos, enquanto
fazia compras numa mercearia. Come-
çou a ficar excitada por tudo que via,
tocava ou sentia o cheiro. A excitação
foi crescendo até que ela caiu no chão
e teve orgasmos múltiplos.
Esse transtorno é capaz de causar de-
sidratação (a mulher está sempre com
umidade nos genitais), exaustão por
dificuldade para dormir em períodos
de muitos orgasmos, além do risco de
se ferir durante ataques mais violentos.
Homens mais
velhos têm queda
de dopamina, o que
dificulta o orgasmo.
SI_447_Orgasmo.indd 59
Embora a causa ainda não seja co-
nhecida, resultados de ressonância
magnética mostraram que 66,7% das
mulheres que demonstram sintomas de
excitação descontrolada também têm
um cisto de Tarlov. Essa protuberân-
cia pressiona a medula espinhal, que
é parte do sistema nervoso. É possível
que isso crie uma reação em cadeia que
envie sinais orgásticos para os genitais
– nota: na maior parte dos casos, cistos
de Tarlov são assintomáticos.
Se há mulheres que sofrem com or-
gasmos fora de controle, homens cos-
tumam ter o contrário: mesmo man-
tendo a capacidade de ereção, podem
ter dificuldade para chegar ao clímax.
E isso acontece mais frequentemente
com a idade.
Darius Paduch, professor de Urolo-
gia da Weill Cornell Medicine, de Nova
York, acredita que um dos motivos é
a ansiedade. Enquanto os mais jovens
tendem a permanecer 100% focados na
cama, pessoas de meia-idade teriam a
cabeça mais inundada por questões es-
tressantes – família, saúde, problemas
financeiros… E aí demoram muito para
ejacular – ou nem o fazem. “Para chegar
ao orgasmo, você precisa ativar várias
regiões do cérebro”, afirma. “Fica mais
difícil chegar lá se sua mente está em
outro lugar.”
Doenças comuns da idade avançada,
como diabetes, influenciam na perfor-
mance sexual como um todo, mas uma
condição específica tem a ver com a
dificuldade de ter orgasmos: a queda
na produção de dopamina, que também
acontece com o passar dos anos.
Jogos mentais
Nem sempre a facilidade extrema para
obter um orgasmo pode ser considerada
a Evolução
criou
obstáculos
para o prazer
sexual feminino.
um distúrbio. Quando isso ocorre de
forma voluntária, obviamente, não há
problema algum. Muito pelo contrário.
Um estudo conjunto de cientistas es-
panhóis e tchecos debruçou-se sobre
uma mulher que alegava ser capaz de
chegar ao orgasmo apenas com o poder
da mente (4). E não só isso: prolongar o
êxtase por até dez minutos.
Durante o estudo, a mulher foi con-
vidada a se deitar em uma mesa de
exame e tentar provar o que dizia. Foi
solicitada a ter dez minutos de orgasmo
contínuo sem tocar em sua genitália,
cinco minutos da mesma forma e, como
controle, orgasmos com toques no cor-
po e dez minutos de leitura de um livro.
Os pesquisadores puderam conferir
que a mulher estava mesmo tendo um
orgasmo por causa de um marcador em
seu sangue: a prolactina. Esse hormônio
tem um aumento na corrente sanguínea
após o orgasmo.
Analisando o sangue da participante
antes e depois do teste, os cientistas no-
taram uma mudança clara. Os níveis de
prolactina da mulher dispararam 25%
após cinco minutos de orgasmo não
estimulado genitalmente e 48% após
dez minutos de gozo.
Esses níveis estavam quase no mes-
mo dos de prolactina após o orgasmo
estimulado com toques nos genitais. A
leitura do livro, por sua vez, não cau-
sou nenhuma alteração no hormônio
– dando a entender que ela não sofria
de orgasmos involuntários.
Esse tipo de estudo não é mera curio-
sidade. Eles são importantes na criação
de tratamentos mais eficazes para pes-
soas que não conseguem ter orgasmos.
E que eles venham. Porque ninguém
duvida: a vida vale mais a pena com
essas pequenas mortes pelo caminho. S
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13/01/23 10:28
 oráculo ilustrações flavia zella design Natalia Sayuri Lara
4,2
ANOS-LUZ. É a distância
para a Terra de Alpha
Centauri C, a estrela mais
próxima do Sistema Solar.

Em menos de 1 milhão de anos. Mas antes vamos dar

nome aos bois: “Três Marias” é o termo popular usado para

Quando as
se referir ao Cinturão de Órion. Olhando para o Leste, a
estrela mais próxima ao horizonte é chamada Alnitak. A
do meio é Alnilam e a mais distante, Mintaka. Todas são
supergigantes. Isso significa que esses pontos luminosos

Três Marias
são bastante massivos (têm entre 8 e 70 vezes a massa do
Sol) – e quanto mais massiva é uma estrela, mais rápido
ela evolui até sua morte. A primeira a dizer adeus será a
irmã do meio, Alnilam, a mais massiva das três, com 40

vão virar
vezes a massa do Sol. A estimativa é de que vá virar uma
supernova (fase pré-morte, em que passa por uma grande
explosão luminosa) nesse intervalo de menos de 1 milhão
de anos. Logo depois será a vez de Alnitak, mais ou menos

Duas Marias?
no mesmo período. Apesar de ser mais velha que Alnilam
(6,4 milhões de anos contra 5,5 milhões), vai morrer mais
tarde, pois tem “só” 33 vezes a massa do Sol. Chegará a hora
em que Mintaka, com 24 vezes a massa do nosso astro-rei,
Igor Pagano, Itália será a estrela solitária desse grupo. (1)

60 super janeiro 2023

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 Edição alexandre carvalho

Que curso preciso fazer

para ser psicanalista?
A princípio, nenhum. A psicanálise, criada por Sigmund Freud, investiga
o inconsciente do indivíduo por meio de suas falas, para gerar autoconheci-
mento e permitir que ele mesmo lide com emoções reprimidas. Mas não é
uma profissão regulamentada. Isso permite que qualquer um coloque uma
plaquinha de psicanalista na porta. Não há um conselho para orientar e
fiscalizar quem oferece o serviço. Também não existe faculdade específica.
Só cursos livres. O psicanalista sem curso superior em outra área da saúde
mental só pode trabalhar no seu consultório. É diferente para o psicólogo.
A profissão está regulamentada no país desde 1962. Para atuar na área, é
obrigatório ter curso superior em Psicologia, reconhecido pelo MEC. E ainda
obter registro do Conselho Regional de Psicologia. O que muitas vezes
acontece é que psicólogos ou médicos psiquiatras procuram especialização
em psicanálise, por ver benefícios na disciplina de Freud. (2)

pá pum Alergia a gato tem cura?

Cura, cura mesmo, não rola. Mas um
alérgico a gato tem chance, sim, de conviver
com o bichano sem passar mal o dia inteiro. E
Quantos batimentos vale uma explicação antes. Não é o pelo do gato
cardíacos uma pessoa em si que provoca espirros e tosse, coceira no
soma ao longo
nariz, garganta e olhos, obstrução nasal, coriza,
da vida?
manchas vermelhas pelo corpo e até dificuldade
2,7 bilhões* de respirar. A causa das crises alérgicas é uma
proteína chamada Fel d 1, presente na saliva do
* Levando em consideração uma animal. Essa proteína se liga à pele seca do gato,
média de expectativa de vida de
76 anos (IBGE) que se desprende como caspa e flutua no ar
depois que o bicho se dá aquele banho de língua.
Com isso, um alérgico pode ter reações mesmo
tem a ver
quando o gatinho não está por perto. Os alérge-
a medicina tem a oferecer: anti-histamínicos,
corticoides e imunoterapia ajudam a diminuir
os sintomas. E aí partimos para mudanças na
casa. O quarto em que você dorme deve ser um
território só seu, não dele. (Ok, é difícil com
um bichinho tão mandão, mas vale tentar.) Se
for impossível, use capas especiais para evitar
que os alérgenos penetrem no seu colchão e
travesseiros. E repense a decoração. Um tapete
pode acumular até cem vezes mais alérgenos do
que um piso de madeira. Fabricantes de ração
também buscam formas de mitigar o proble-
ma. A Purina vende desde 2021 um alimento
para gatos com uma proteína que neutraliza

23,9
nos do gato têm um sexto do tamanho do pólen em parte a Fel d 1. De acordo com a empresa,
e podem levar meses para desaparecer de um a redução nos alérgenos é de 47% a partir da
ambiente. Sabendo disso, vale contar com o que terceira semana.

Milhões de gatos
domésticos existem no
Brasil segundo a última Qual é a cota de As salas precisam exibir filmes nacionais por um número míni-
estimativa do IBGE. mo de dias, mas essa quantidade pode variar ano a ano. Há também
filmes brasileiros
que os cinemas são uma cota para os títulos exibidos – não dá para passar só Bacurau
OUTRO DADO 365 dias seguidos. Atualmente, uma sala de cinema deve exibir no
RELEVANTE SEM
obrigados a exibir?
mínimo três títulos diferentes de filmes nacionais por 28 dias do ano.
NENHUMA LIGAÇÃO
O descumprimento implica multa de 5% da receita bruta média diária

23,9
do cinema, multiplicada pelos dias em que a regra não for respeitada.
As primeiras legislações protecionistas surgiram na Europa, após a
Primeira Guerra Mundial. O objetivo era evitar que o rolo compressor
de Hollywood destruísse a produção de cada país. Porém, depois de
Milhões de brasileiros
sua participação decisiva na grande guerra seguinte, os EUA usaram
trabalham em atividades de pressão econômica para diminuir as cotas. Por exemplo, em 1946, a
de subsistência, de baixa França topou reduzir as restrições à quantidade de filmes americanos
produtividade. (3) em troca de financiamento para saldar dívidas do conflito.
Reportagem Alexandre Versignassi, Alexandre Carvalho, Leonardo Caparroz, Luisa Costa, Maria Clara Rossini e Rafael Battaglia. Fontes (1) Roberto D. Dias da Costa, pro-
fessor do Departamento de Astronomia da USP. (2) Conselho Regional de Psicologia da Bahia; Sueli Duarte, psicóloga especializada em psicoterapia de orientação
psicanalítica. (3) Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).
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 oráculo
Um carro compacto pode ser mais seguro que um
SUV em batidas de trânsito?
Pode. Os veículos mais seguros hoje contam
com recursos como absorvedores de impacto
junto ao para-choque, de modo que a energia
destrutiva de uma batida não chegue ao mo-
torista e aos passageiros (dica: não vai adiantar
nada se você estiver a 200 km/h). E há muitos
modelos compactos com esse e outros itens
projetados para preservar sua vida. Às vezes,
mais do que seus pares grandões. O New Duster,
da Renault, que é um SUV de pequeno porte,
teve a pior classificação possível em testes
feitos ano passado pelo Latin NCAP, órgão
que avalia a segurança dos veículos lançados
na América Latina. Um crash-test lateral, a 50
km/h, mostrou que, numa colisão, esse modelo
pergunte
ao oráculo
Escreva para
alexandre.santos@abril.com.br
mencionando sua cidade e
estado – ou mande a pergunta
via direct no Instagram.
62 super janeiro 2023
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Como surgiu o gesto de joinha?
Algumas das primeiras referências ao sinal com polegar para o
alto vêm da Roma Antiga; se você já assistiu a Gladiador (2000 ), sabe
que a direção apontada pelo dedo decidiria o destino dos combatentes
na arena. Só que o filme erra nessas cenas. O joinha que conhecemos
hoje como sinal positivo manifestava desaprovação na época – e era o
que condenava à morte os gladiadores. O oposto dele, de aprovação,
também não era um joinha para baixo, e sim um punho fechado, com o
dedão dobrado por cima. Em latim, esse gesto favorável era chamado
de pollices premere, algo como “pressione os polegares”. Já o sinal de
condenação era o pollice verso (“polegar virado”). A confusão começou
em 1872, quando o pintor Jean-Léon Gérôme quis retratar uma luta de
gladiadores no seu quadro Pollice Verso. Ele mostrou uma arena com um
guerreiro de pé, pisando no corpo de outro. A maioria da multidão está
com o braço estendido e o polegar apontado para o chão. Apesar de ser
conhecido por sua precisão histórica, o artista se equivocou na pintura:
o certo seria retratar o joinha, o gesto negativo da época. Mas ela mostra
os polegares virados para baixo. Aí não, Gérôme…
lista
Qual o maior
tende a permitir que parte da carroceria entre estádio de futebol
na cabine dos passageiros. Uma porta do SUV do mundo?
também abriu durante o teste, o que não é
esperado nessa baixa velocidade. Isso repre-
senta o risco de um passageiro ser arremes-
sado para fora do automóvel num acidente. O Brasil fica bem longe do
Apesar desses exemplos, a regra é outra. Um topo. O Maracanã, que já foi
veículo maior e mais pesado tende a fornecer o maior do mundo, hoje tem
uma proteção melhor a seus ocupantes em capacidade oficial de apenas
78.838 pessoas. (2)
relação aos menores. As extremidades dian-
teiras mais longas dos SUVs absorvem melhor Estádio Primeiro
o impacto em colisões frontais. E a categoria 1 de Maio Rungrado
de peso-pesado faz com que eles continuem (Coreia do Norte)
avançando no caso de batida contra um carro 150.000 pessoas
menor. Quem vira sanfona é o pequeno. (1)
Estádio Michigan
2 (EUA)
107.601 pessoas
Melbourne Cricket
número incrível 3 Ground (Austrália)
58
100.024 pessoas
4
Camp Nou (Espanha)
99.354 pessoas
gols. O recorde de artilharia no Cam-
peonato Paulista ainda pertence a Pelé. Estádio First National
Foi na competição de 1958, quando o 5 Bank (África do Sul)
Rei era um jovem entre seus 17 e 18 anos. 94.736 pessoas
12/01/23 19:04
 Cerca de 117 bilhões – contando as 8
Só acredito Quantos humanos já bilhões de pessoas vivas hoje. O cálculo foi
feito com base em estimativas históricas,
vendo viveram e morreram partindo de 200 mil anos atrás – data
aproximada da ascensão do Homo sapiens,

ao longo da história?
embora estudos recentes joguem essa data
100 mil anos para atrás. Confira a relação
entre as que já passaram pela Terra e as que
estão vivas hoje.
Legenda

10 milhões 140 milhões de pessoas

nascem por ano
você está
aqui 8 bilhões de pessoas
estão vivas 60 milhões de pessoas
morrem por ano
100 milhões

Metade das pessoas viveu e morreu nos

140 bilhões de pessoas
já morreram últimos 2.000 anos

Por que o resultado improvável no futebol é chamado de “zebra”? Outros termos com a bola no pé
@joaoricardo.mentor, via Instagram

Por causa do jogo do bicho. Criado em 1892 pelo dono do Zoológico

do Rio de Janeiro, ele funciona com o sorteio de números de dois dígitos
(00 a 99), caracterizados por 25 bichos – cada um representa quatro
dezenas. A lista tem avestruz, jacaré… Mas não tem zebra. Dizer que Craque: vem de crack, Gol olímpico: a Chaleira: vem do
“deu zebra”, então, significa que um resultado quase impossível acon- onomatopeia inglesa expressão surgiu nome de Charles
teceu. Em 1964, Gentil Cardoso era o técnico da modesta Portuguesa para o som de algo em 1924, quando a Miller, o pai do fu-
do Rio de Janeiro. Antes de uma partida contra o Vasco da Gama, time quebrando. No turfe, seleção argentina tebol no Brasil: ela é
designava cavalos ganhou do Uruguai feita com a parte de
de tradição, um repórter perguntou quem levaria a melhor, ao que que quebravam re- (campeão olímpico fora do pé, estando
Gentil respondeu: “Vai dar zebra”. E assim foi: 2 x 1 para a Portuguesa. cordes – daí chegou da época) com um gol a perna levantada e
A imprensa publicou a frase do técnico, e o resto é história. ao futebolês. direto do escanteio. dobrada para trás.
Fontes (1) Insurance Institute for Highway Safety (IIHS); Latin NCAP; Cesvi Brasil. (2) https://olympics.com/en/news/biggest-football-stadium-world-capacity

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 oráculo

Quem inventou as fitinhas do Bonfim?

A criação dessa lembrança obrigatória de quem
visita Salvador costuma ser atribuída ao português
Manoel Antônio da Silva Serva. Ele teria lançado o
souvenir por aqui em 1809, quando era tesoureiro da
Devoção de Nosso Senhor do Bonfim – instituição man-
tenedora da Igreja Nosso Senhor do Bonfim. O objetivo
seria angariar fundos para a igreja com a venda das
fitas. Mas talvez não fosse bem assim: há registros de
comercialização das fitas desde 1792. E elas eram bem
diferentes dos modelos atuais, a começar pelo nome:
no começo, foram chamadas de “medidas do Bonfim”.
Isso porque tinham de medir, precisamente, 47 centí-
metros – o comprimento do braço direito da imagem do

De onde veio o conceito Senhor do Bonfim (Jesus Cristo crucificado) que veio de
Portugal a Salvador em 1745 e deu origem à igreja. Além
disso, eram mais largas (5 a 7 centímetros de largura,

e quais as funções contra 1 cm das de hoje) e rebuscadas: feitas com seda

(ou cetim), tinham a imagem do Senhor do Bonfim em

“oficiais” das madrinhas alto relevo e fios banhados em ouro. Coisa fina. Fiéis
endinheirados compravam as medidas e as usavam nos
ombros ou enroladas no chapéu. Foi na década de 1960

e padrinhos? que elas ficaram menores e mais baratas. A tradição

manda prender as fitinhas no pulso ou nas grades da
Igreja do Bonfim – que, vale dizer, não as fabrica mais.
Essa é uma tradição cristã que começou no século 2 d.C., com
a popularização dos batismos infantis. No cristianismo, é um ritual Na verdade, boa parte é produzida em São Paulo. (2)
de purificação e de iniciação religiosa. O problema é que bebês não
conseguem afirmar a sua fé cristã em voz alta (algo que acontece
nos batismos de pessoas mais velhas). Por isso, era necessário que
algum adulto fizesse as vezes de porta-voz, atuando no meio de
campo entre o padre e a criança. No começo, os próprios pais se Lost in Alles hat ein
encarregavam dessa tarefa. Mas chamar alguém de fora da família
se tornou uma forma de construir vínculos. E também uma ação Translation Ende, nur die
Wurst hat
estratégica. Os pais poderiam eleger desde parceiros de negócio a Origem Alemanha
membros de famílias rivais (para apaziguar rixas). Cada vertente do
cristianismo definiu suas regras para padrinhos e madrinhas, mas
zwei
a função deles permaneceu a mesma: ajudar na educação religiosa Tudo tem um fim, só a
do afilhado. Em alguns países, eles poderiam ainda ter responsabi-
salsicha tem dois.
lidades legais, como cuidar dos filhos em caso de morte dos pais. A
partir da Revolução Francesa, no final do século 18, os “batismos civis” Como soar filosófico sobre finitudes na vida mencio-
se tornaram populares na Europa. Foi quando os pais passaram a nando o ingrediente principal de um cachorro-quente?
preferir parentes. Era uma forma de reforçar o vínculo familiar. (1) Na Alemanha, é possível.

Não. Para esse pensador inglês, “o

pensando Considerar-se patriotismo é o último refúgio dos

bem... patriota é ser canalhas”. Ele afirmou que o discurso

de suposto amor à pátria “tem sido
Filósofos de bom cidadão? usado como um manto para os pró-
ontem opinam em prios interesses”. O patriotismo seria
assuntos de hoje um conceito facilmente manipulado,
por Alexandre Carvalho um disfarce aos olhos do público que
Samuel Johnson serviria como salvo-conduto para
1709–1784 cometer atrocidades.

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 manual
por Alexandre
Versignassi
3 - Tesouro direto
Acostumou-se a poupar?
Abra conta numa corre-
tora (pode ser a do seu
banco mesmo) e acesse
o site do Tesouro Direto.
Comece pelos títulos do
Tesouro Selic, que rendem
parecido com os fundos
DI, mas cobram só 0,2%
de taxa anual. Melhor
ainda: investimentos até
R$ 10 mil ficam isentos
dessa tarifa.
Para saber mais
A renda fixa do Tesouro IPCA+ só é
garantida se você segurar o título
até o vencimento. Caso precise
sacar antes, vira renda variável.
Você perde forte se a Selic subir
e ganha igualmente pesado se ela
entrar em queda livre.
J e a n -J a c q u e s R o u s s e a u
1712–1778
Fontes (1) Social customs and demographic change: The case of godparenthood in Catholic Europe. Artigo “The Modern, Secular Godparent”, da revista The
Atlantic. (2) Artigos “Do algodão ao ouro: conheça a história das fitinhas do Bonfim” e “Fitas do Bonfim desaparecidas”, do Correio.
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Como começar a investir?
1 - O feijão com arroz 2 - Xô, poupança
Comece pelo mais sim- Poupança não cobra
ples: busque um fundo taxas nem IR. Mas pode
DI no seu banco. Trata-se esquecer. Em 2022, ela
de uma alternativa segura rendeu 7,89%. Ou seja,
e especialmente rentável R$ 10 mil ali teriam
em momentos de juros virado R$ 10.789. Num
nas alturas. Eles costu- fundo DI típico, após
mam aparecer na aba impostos e uma taxa
“juros pós-fixados” dos de administração de
menus de investimentos. 0,3%, os mesmos R$ 10
Busque pela menor taxa mil se transformariam
de administração possível em R$ 10.869. Ou seja,
(tipo 0,3% ao ano). um rendimento de 8,69%.
4 - IPCA+
No Tesouro Direto tam-
bém há os títulos IPCA+.
O IPCA+2035 pagava em
dezembro a inflação
mais 6,29% de juros ao
ano até o vencimento
(em 2035). Num cenário
com inflação média de
4% e Selic de 7%, R$ 10
mil ali se transformam
em R$ 30,1 mil nesse
período, contra R$ 22,1
mil do Tesouro Selic.
Renda variável
Ações? Melhor começar pelos Cripto? Bancos e corretoras têm Antes de qualquer coisa, tenha uma
ETFs que acompanham o sobe oferecido “investimentos” em reserva de emergência. É aquele
e desce do Ibovespa, como o cripto. Mas isso não é investimento. dinheiro que você pode resgatar
BOVA11, ou os que seguem o É aventura, indiscernível de jogo rápido no caso de um perrengue
S&P 500, como o IVVB11. Você de azar. Só cogite se estiver muito financeiro. Junte o equivalente a
os encontra no home broker familiarizado com renda variável. E seis meses do seu rendimento antes
da corretora. esteja preparado para perder tudo. de ser ousado nos investimentos.
Depende. Se o patriotismo de Sim. Ser patriota é a base que nos
um indivíduo é consistente com permite projetar a nossa essência.
as ideias de liberdade, pluralismo Porque nos daria o conhecimento de
e paz, sim, está na essência da boa quem somos e de quem são nossos
cidadania. Mas ele também pode se compatriotas, enaltecendo o que
tornar uma paixão irracional e peri- temos em comum de positivo. Sem
gosa. Isso porque, frequentemente, um forte senso de responsabilidade
tem mais a ver com uma afirmação compartilhada pela nossa nação,
de autoestima do que com o amor
Alasdair MacIntyre seria difícil ter a experiência de uma
aos valores do país. 1929– vida plena e moral.
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 última página desculpa qualquer coisa e até logo

Au-stronautas
A cadelinha Laika não foi a única: mais de 250 animais (ou grupos de
animais) já foram ao espaço. Abaixo, confira a lista de missões espaciais
que transportaram passageiros não-humanos para fora da Terra.
Infográfico Juliana Krauss e Maria Clara Rossini

Insetos, aracnídeos
todos os animais
e vermes
1947

1949

1989

1995
1996
1998
1999
2000
2003
2006
1992
1987
1947
1960
1972
1973
1975
1977
1984
1985

2007
2010
2011
2012
2014
1951

1954
primatas
1955
Drosophila
1956 melanogaster
1957 As moscas foram os
1958 primeiros animais no
1961 espaço. Elas viajaram
1959

1985

1989

1996

2001

2013
1992
1987
1949

1958

1959

1961

1967

1969

1970

1983
em 1947, dez anos
1963 antes da cadela Laika.

1966 roedores

1970

1972

1983
1984
1985

1989
1990
1987
1979
1975
1977
1950
1958
1959

1960

1961
1962
1972
1973
1974
ham
1977 Este chimpanzé foi o
1o grande primata a
1979 sair da Terra, 3 meses
1991
1992

1993

1994
1995
1996

1998
2001
2003
2010
2013
2014
2015
2016

2017

2018
2019
antes do 1o humano,
Yuri Gagárin.
1983 cães, gatos e morcegos
1985

1987
1989

2009
2001
1963
1966

Félicette
1951

1954

1955

1956

1957

1958

1959

1960

1961

A 1a gata astronauta
1996 retornou com vida
– Laika, a cadela sovié- répteis e anfíbios
1998 tica, morreu por conta
de um superaqueci-
mento da cabine.
2001

2003
1995

2014
1990

1994
1989

1996
1992

2013
2010
1959
1961
1968
1970

1975
1973

1976
1985
1987

2006
peixes e moluscos

Arebella e Anita
Esta dupla de
1995

2003

2014
1994

2012
2013
1992
1973

1997
1975

1976

1987
1985

1989

1991

aranhas viajou para

mostrar o efeito da
microgravidade na
tardígrados
2019 confecção das teias,
em 1973.
2 6 8 10 12
2019
2011
2007

2021

Fonte Supercluster
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