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PRIMEIRO PLANO
Editor-Chefe: Diego Escosteguy
46 Diretor de Arte Multiplataforma: Alexandre Lucas
OBSERVADOR DA INTOLERÂNCIA . . . . Editores Executivos: Alexandre Mansur, Guilherme Evelin,
Leandro Loyola, Marcos Coronato
Se o objetivo do debate é só vencer Editores-Colunistas: Bruno Astuto, Murilo Ramos
6
DA REDAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . o debate, a democracia já perdeu Editores: Bruno Ferrari, Flávia Tavares, Flávia Yuri Oshima,
Liuca Yonaha, Marcela Buscato, Marcelo Moura
Editores Assistentes: Isabela Kiesel, Bruno Calixto
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PERSONAGEM DA SEMANA . . . . . . . . . . CENAS BRASILEIRAS . . . . . . . . . . . . . . . . . Repórteres Especiais: Aline Ribeiro, Cristiane Segatto
Colunistas: Eugênio Bucci, Guilherme Fiuza, Gustavo Cerbasi, Helio Gurovitz,
Raquel Dogde, a nova A volta da violência frustra a esperança Ivan Martins, Jairo Bouer, Marcio Atalla, Ruth de Aquino, Walcyr Carrasco
Repórteres: Gabriela Varella, Luís Lima, Nina Finco, Paula Soprana,
comandante da Lava Jato de uma vida melhor no Morro Rafael Ciscati, Rodrigo Capelo, Ruan de Sousa Gabriel, Teresa Perosa
da Providência, no Rio de Janeiro Vídeo: Pedro Schimidt; Web Designer: Giovana Tarakdjian;
14 Consultora de Marketing: Cássia Christe
A SEMANA EM NOTAS . . . . . . . . . . . . . . . . Estagiários: Anaís Motta, Daniela Simões, Daniele Amorim, Giovanna Wolf Tadini,
52
CARTA DA COLÔMBIA . . . . . . . . . . . . . . . . Guilherme Caetano, Nelson Niero Neto
SUCURSAIS l RIO DE JANEIRO: epocasuc_rj@edglobo.com.br
16
A SEMANA EM FRASES . . . . . . . . . . . . . . . Camponeses colombianos se preparam Rua Marquês de Pombal, 25 – 5o andar – Cidade Nova – Rio de Janeiro – CEP 20.230-240
Editor: Sérgio Garcia;
para abandonar o cultivo de coca Repórteres: Acyr Méra Júnior, Guilherme Scarpa, Marcelo Bortoloti;
18
EUGÊNIO BUCCI . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Repórteres Especiais: Hudson Corrêa, Samantha Lima;
l BRASÍLIA: epocasuc_bsb@edglobo.com.br
Uma namoradinha bandida SRTVS 701 – Centro Empresarial Assis Chateaubriand – Bloco 2 –
Salas 701/716 – Asa Sul
para um Brasil despedaçado
EXPRESSO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
IDEIAS Diretor: Luiz Alberto Weber; Repórteres: Aguirre Talento, Marcelo Rocha,
Mateus Coutinho, Nonato Viegas, Patrik Camporez;
FOTOGRAFIA l Editor: André Sarmento;
Assistente: Sidinei Lopes
Temer vai pressionar deputados para votarem 60
OBSERVADOR DA AMÉRICA LATINA . . . DESIGN E INFOGRAFIA l Editor: Daniel Pastori;
Editora Assistente: Aline Chica;
contra a possibilidade de ele ser investigado O que esperar das eleições quando Designers: Cristina Ayumi Kashima, Daniel Graf, Renato Tanigawa;
Estagiária: Thais Solano Valério
22
os eleitores estão com ódio dos políticos? Editor de Infografia: Marco Vergotti
SUA OPINIÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . SECRETARIA EDITORIAL l Coordenador: Marco Antonio Rangel
REVISÃOl Coordenadora:AracidosReis Galvão de França; Revisores: Alice Rejaili Augusto,
24
HELIO GUROVITZ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 Elizabeth Tasiro, Silvana Marli de Souza Fernandes, Verginia Helena Costa Rodrigues
NOSSA OPINIÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A enigmática morte do procurador argentino CARTAS À REDAÇÃO l epoca@edglobo.com.br;
Assistente Executiva: Jaqueline Damasceno;
Alberto Nisman, que investigava o maior ESTRATÉGIA DE CONTEÚDO DIGITAL l Gerente: Silvia Balieiro;
TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO l Diretor de TI: Rodrigo Gosling;
atentado terrorista da América Latina ESTRATÉGIA DIGITAL l Coordenador: Santiago Carrilho;
Desenvolvedores: Fabio Alessandro Marciano, Fernando Raatz, Fred Campos,
A reforma trabalhista embute riscos, MERCADO ANUNCIANTE l Segmentos – Financeiro, Imobiliário, TI, Comércio e Varejo
l Diretor de negócios multiplataforma: Emiliano Morad Hansenn; Gerente de negócios
TEATRO DA POLÍTICA mas é legítima e democrática multiplataforma: Ciro Hashimoto; Executivos multiplataforma: Cristiane Paggi, Milton Luiz
26
A sentença que macula a história de Lula . . . Abrantes, Roberto Loz Junior, Christian Lopes Hamburg; Segmentos – Moda, Beleza e Higiene
Pessoal l Diretora de negócios multiplataforma: Selma Souto; Executivas multiplataforma:
68
ENTREVISTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Eliana Lima Fagundes, Giovana Sellan Perez, Selma Teixeira da Costa, Soraya Mazerino Sobral;
Segmentos – Casa, Construção, Alimentos e Bebidas, Higiene Doméstica e Saúde l
Os outros casos em O senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), Diretora de negócios multiplataforma: Luciana Menezes; Executivos multiplataforma:
Fatima Ottaviani, Paula Santos; Segmentos – Mobilidade, Serviços Públicos e Sociais,
30
que Lula pode ser condenado . . . . . . . . . . . relator da reforma trabalhista Agro e Indústria l Diretor de negócios multiplataforma: Renato Augusto Cassis Siniscalco;
Executivos multiplataforma: Diego Fabiano, Cristiane Soares Nogueira, Jessica de Carvalho
Dias, João Carlos Meyer, Priscila Ferreira da Silva; l Segmentos – Educação, Cultura, Lazer,
Esporte, Turismo, Mídia, Telecom e Outros l Diretora de negócios multiplataforma:
Com dinheiro público e ameaças, Sandra Regina de Melo Pepe; Executivos multiplataforma: Ana Silvia Costa, Lilian de Marche
38
Temer vence na CCJ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Noffs, Dominique Petroni de Freitas; l Unidades de Negócio – Rio de Janeiro – Gerente
ENTREVISTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
VIDA multiplataforma: Rogerio Pereira Ponce de Leon; Executivos multiplataforma: Daniela
Nunes Lopes Chahim, Juliane Ribeiro Silva, Maria Cristina Machado, Pedro Paulo Rios Vieira
dos Santos; l Unidades de Negócio – Brasília – Gerente multiplataforma: Barbara Costa
Freitas Silva; Executivos multiplataforma: Camilla Amaral da Silva, Jorge Bicalho Felix Junior;
l Escritórios Regionais l Gerente multiplataforma: Larissa Ortiz; Executiva multiplataforma:
O filósofo Ruy Fausto propõe MENTE ABERTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72 Babila Garcia Chagas Arantes; Gerente de Eventos: Daniela Valente; Opec Off-Line:
Carlos Roberto de Sá, Douglas Costa, Bruno Granja; Opec On-Line: Danilo Panzarini,
soluções para os dilemas da esquerda Como os memes transformaram Gretchen, Higor Chabes, Rodrigo Pecoschi; l EGCN – Consultora de marcas EGCN: Olivia
Cipolla Bolonha; l G.Lab – Diretor de Desenvolvimento Comercial e Digital: Tiago
a Rainha do Bumbum, em Rainha da Internet Joaquim Afonso / Caio Henrique Caprioli, Guilherme Inegawa Sugio, Lucas Fernandes,
26
Luiz Claudio dos Santos Faria, Rodrigo Girodo Andrade, Vera Ligia Rangel Cavalieri
76
BRUNO ASTUTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . AUDIÊNCIA l Diretor de Marketing: Cristiano Augusto Soares Santos;
Diretor de Planejamento e Desenvolvimento Comercial: Ednei Zampese;
A atriz e modelo Carol Marra faz Coordenadores de Marketing: Eduardo Roccato Almeida, Patricia Aparecida Fachetti
Para se corresponder com a Redação: Endereçar cartas ao Diretor de Redação, ÉPOCA. Caixa Postal 66260, CEP 05315-999 – São Paulo, SP. Fax: 11 3767-7003 – E-mail: epoca@edglobo.com.br
As cartas devem ser encaminhadas com assinatura, endereço e telefone do remetente. ÉPOCA reserva-se o direito de selecioná-las e resumi-las para publicação.
Só podem ser incluídas na edição da mesma semana as cartas que chegarem à Redação até as 12 horas da quarta-feira.
A ESCOLHIDA
DE TODOS
A nova comandante
da Operação Lava Jato
conquista os senadores
com pouca conversa
e muita frieza
N
Mateus Coutinho
o final da manhã da quarta-feira, dia 12, o
ex-procurador-geral da República Roberto
Gurgel rangia os dentes, visivelmente irrita-
do, sentado na penúltima fileira da sala da
Comissão de Constituição e Justiça do Sena-
do. Hoje aposentado, Gurgel estava ali no que achava que
seria a confortável função de amigo, a acompanhar a saba-
tina de Raquel Dodge, indicada pelo presidente Michel
Temer ao cargo de procuradora-geral da República. Gurgel
já passara por teste parecido e, depois, participou do julga-
mento do mensalão no Supremo Tribunal Federal e viu o
início da Operação Lava Jato. Sabia, portanto, bastante
sobre alguns dos parlamentares que ali estavam para ques-
tionar Raquel. Já eram transcorridas mais de três horas da
sessão na qual os senadores questionavam Raquel, quando
a fala de um deles o deixou bravo. ORADOR
Em sua vez de perguntar, o ex-presidente do Senado O senador Renan
Renan Calheiros, do PMDB de Alagoas – 12 inquéritos no Calheiros na
sabatina de
Supremo –, fez um discurso. “Certa vez eu me candidatei Raquel Dodge.
à presidência do Senado, depois de um episódio que tu- Investigado, réu
multuou durante 200 dias a vida do país. Eis que, para e denunciado
minha surpresa, na véspera da eleição, uma investigação pela PGR, ele
aproveitou para
que estava havia oito anos na Procuradoria-Geral da Re- reclamar dos
pública, de um excesso pessoal que não tinha dinheiro pú- antecessores
blico, recebeu uma denúncia”, disse.“Mais do que isso, com
o PGR de então falando, comunicando o fato que tramita-
va em sigilo. Quando o Senado no dia seguinte teria uma
eleição onde eu disputava circunstancialmente com um que tanto incomoda o mundo político. Em quase uma hora
procurador da República. Eu acho que isso significa extra- de conversa, ela disse que a ideia de criar uma lei de abuso
polar. Na medida em que se usa uma instituição, tem de ter de autoridade – a arma de Renan contra investigadores – era
muito cuidado para não ser utilizada nessas condições.” O boa, mas que a proposta precisava de ajustes.
procurador era Gurgel – que, conhecedor da biografia de O amigo Roberto Gurgel pode ter sofrido calado ao
Renan pelas investigações na PGR, teve de se segurar. ouvir a provocação de Renan, mas Raquel Dodge foi apro-
Renan passeou por esse episódio – a denúncia por des- vada por unanimidade (27 votos a 0) na Comissão de
vio de dinheiro público e falsidade ideológica no pagamen- Constituição e Justiça, após oito horas de sabatina. Logo
to da pensão da filha que teve fora do casamento – e por depois, sua indicação ao cargo foi aprovada por 74 votos
outros mais, como o pedido de prisão dele feito pelo atual a 1 no plenário do Senado. A partir de 17 de setembro ela
procurador-geral, Rodrigo Janot. Seu discurso, porém, não sucederá a Rodrigo Janot, de quem é adversária, à frente
teve nenhuma crítica ou mesmo questionamento a Raquel, do Ministério Público Federal – o que significa comandar
tratada na fala de Renan como se já estivesse ocupando o a parte mais sensível da Operação Lava Jato. Assim como
cargo de procuradora-geral da República. Raquel Dodge Renan, outros senadores se surpreenderam com a frieza
ouvia tudo sem demonstrar reação. Reagia da mesma for- de Raquel nas conversas. “Você não sabe o que ela está
ma que fizera um dia antes, ao visitar o senador em seu pensando”, diz um senador.
gabinete. No périplo obrigatório a todos os sabatinados, O perfil discreto foi uma surpresa que agradou aos se-
ela esteve no 15o andar do Anexo 1 do Senado em busca de nadores. Em meio à ofensiva aberta de Janot, que não
apoio para ser chancelada pela Casa. Ouviu Renan reclamar poupa o mundo político em seus duros discursos, os par-
das ofensivas recentes de Janot e seus reiterados pedidos lamentares buscam alguém diferente. Raquel foi escolhida
para que a PGR tivesse mais cautela nas investigações. A pelo presidente Michel Temer não apenas por ser adver-
frieza de Raquel surpreendeu Renan. Sem manifestar sim- sária de seu inimigo Rodrigo Janot, mas também por seu
patia ou contrariedade, ela afirmou que iria analisar e cor- perfil profissional. Rigorosa e centralizadora, Raquel não
rigir eventuais excessos praticados por seu antecessor e é o tipo de procuradora que vai engavetar investigações.
deixou claro que não iria ceder no combate à corrupção Contudo, seu excesso de rigor pode travar novos acordos
investigados
na sabatina. Os questionamentos foram elaborados por
colegas e tomaram uma tarde de estudo e preparação.
Apesar de algumas provocações e críticas à PGR, a saba-
pela Lava Jato tina foi tranquila. Nem os senadores investigados pela Lava
Jato fizeram perguntas delicadas para Raquel. O senador
alimentam a
José Serra, do PSDB de São Paulo, alvo de dois inquéritos
no Supremo, dedicou seu tempo a fazer uma pergunta so-
bre processos judiciais que levam os governos a pagar por
Raquel Dodge
te o Supremo, apenas disse que Raquel está “preparada para
o exercício da função”, e não para “brigas pessoais”, em
referência a Janot. As senadoras, por sua vez, comemoraram
seja menos dura o fato de Raquel ser a primeira mulher indicada para che-
fiar a PGR. “A (senadora) Vanessa (Grazziotin, do PCdoB)
diz que a senhora fala suave, baixo, é meiga. Essas é que são
as mais bravas”, brincou a senadora Kátia Abreu, do PMDB.
Espera-se que assim seja. u
Inversão de papéis
Na segunda-feira, dia 10,
13 policiais foram presos
temporariamente por suspeita
de envolvimento no assassinato
de dez trabalhadores em uma
fazenda em Pau d’Arco, no
sudeste do Pará, em maio. O
crime ocorreu quando 28 policiais
foram até a fazenda para cumprir
mandados de busca relacionados
à morte de um segurança da
propriedade. A promotoria
trabalha com suspeita de execução.
O mais ameaçador
O Brasil lidera o triste ranking dos países onde mais se matam ambientalistas,
segundo o novo relatório do Global Witness divulgado na quinta-feira, dia
13. Segundo o estudo, pelo menos 200 pessoas foram assassinadas em 24
países no último ano enquanto protegiam suas terras, florestas e seus rios
de empresas de mineração, de madeira e de produtos agrícolas no mundo.
China
Irlanda
Fotos: Daniel Teixeira/Estadão Conteúdo, Reuters/Lunae Parracho, AFP Photo / Nasa / John 17 de julho de 2017 I ÉPOCA I 15
Sonntag, Bruce Asato/The Star-Advertiser via AP, Fábio Motta/Estadão Conteúdo
QUE RESUMEM A SEMANA
A namorada bandida
do Brasil despedaçado
A esta altura, ninguém mais pode alegar que ela é inocen-
te. Não há mais desculpas para adorá-la sem restrições.
Antes, a moça de sorriso luminoso e lábios cor de açaí era só
sua namoradinha tem uma queda vertiginosa pelo crime.
Enquanto as reservas éticas da nação vão caindo, uma a
uma, a namoradinha nacional vira as costas (sublimes)
perdão, como se habitasse um samba preguiçoso de Vinicius para a lei e vai beijar seu escolhido numa boca de fumo
de Moraes. Agora, é cúmplice de traficante; está mais para no morro mais próximo.
o funk que para a Bossa Nova. Ateia fogo no escritório de A atriz é tudo. É na transformação de moça virtuosa em
um restaurante para incinerar o computador que poderia musa chave de cadeia que Juliana Paes deixa ver o tracejado
incriminar seu criminoso querido. Ela o ama – eis sua jus- genial de sua arte. Ela consegue fazer crispar (esse verbo
tificativa (mais melodramática, impossível). É casada com de que Nelson Rodrigues tanto gostava) as linhas do rosto,
ele. Toda dele. Quando o marido escapa da penitenciária, inaugurando um esgar demoníaco onde antes imperava nada
vira foragida ao lado dele. Ela é Bibi, estrela maior da no- mais que um ar de paz gozosa. Juliana tem esse dom de en-
vela das 9, A força do querer. Ela é a nova namoradinha treabrir num relance de sobrancelhas a visão do mal atroz por
do Brasil, uma bandida jambo que mexe com as cadeiras, trás da candura transcendente. Sua expressão sinaliza algo
com as cadeias e com o juízo do homem que vai trabalhar. de ameaçador enquanto sussurra o nome de seu homem:
Interpretada com laivos de genialidade por Juliana Paes, “Rubinho”. (E desde quando Rubinho é nome de meliante?)
Bibi roubou totalmente a cena da nove- A personagem também é tudo. Bibi des-
la – menos por ser ladra, e mais por ser liza com sua silhueta de órbitas elípticas a
inesperada e fatal, como a aparição de uma nos convencer não de que o crime com-
santa no céu do meio-dia ou um tiro de BIBI, INTERPRETADA pensa, pois ela sabe que não compensa,
fuzil no meio da noite. mas de que o crime é a única saída. Até
No começo da trama, Juliana Paes en-
GENIALMENTE POR quando o Brasil vai segui-la com olhos de-
cantava por suas virtudes, com seus me- JULIANA PAES, VÊ O sejantes e complacentes? O Brasil ainda
neios luxuriantes e sua honestidade con- CRIME COMO ÚNICA se importa em saber se as condutas são
tente. Estudava Direito, queria progredir ilibadas ou não? A ver.
com retidão e dominava o espaço cênico SAÍDA. O PÚBLICO Bibi, que de tão arrebatadora não pre-
no embalo de seus quadris exatos, vigoro- ROMPERÁ COM ELA? cisava ter serventia alguma, terá essa utili-
sos, cadenciados e suburbanos. Como se dade essencial: ela nos ajudará a descobrir
brincasse com o contraste entre seu pesco- até onde vai a resiliência nacional em ma-
ço delicado e suas operosas pernas quase opressoras, ela se téria de criminalidade. Ela já destruiu provas, já obstruiu a
largava em risadas que ondulavam seu colo sem máculas, Justiça, já se aliou a um foragido. Nos próximos capítulos,
as saboneteiras desamparadas. Outras vezes, fazia escorrer vai violar outros artigos do Código Penal. Em que ponto
lágrimas em cascatas tropicalistas de seus olhos à Di Ca- o público romperá com ela? Ou vai de Bibi até o fim?
valcanti. Foi bom aquele começo de novela, quando Bibi A ver. As plateias sempre gostaram de médicos que viram
era o ideal do amor demais. Depois, metamorfoseada em monstros, como na série americana Breaking bad, sempre
uma fora da lei instintiva, embaralhou a história. Os vícios se deleitaram com a mística de liberdade extrema que só
de Bibi são mais arrebatadores que suas virtudes. os marginais conseguem acender, como Bonnie e Clyde.
O Brasil anda órfão de suas referências morais, afogado Agora, com a Bibi de Juliana Paes, a coisa é mais séria e
numa torrente de delinquência crônica, catatônica e poli- mais íntima. Bibi é mais que a donzela que se deixa beijar
fônica. O ilícito assedia a todos e a cada um, lançando seus por Drácula e se torna vampira, mais que a adolescente
tentáculos insidiosos para dentro da garagem da residência certinha que se apaixona pelo terrorista. Bibi é o desvio e
do presidente da República, das cúpulas das empresas mais a esperança, a manifestação mais bela do dilema brasileiro
endinheiradas, dos escaninhos mais recônditos do Congresso entre sobreviver e não ceder. u
Nacional, das igrejas, das escolas, das obras superfaturadas
da Copa do Mundo e da Olimpíada, da padaria da esquina
e, por fim, da aura das mais carismáticas heroínas da TV.
O Brasil já foi feliz com namoradinhas recatadas. Agora, Eugênio Bucci é jornalista e professor da ECA-USP
USINA DE
CAMPEÕÕESS
O MAIOR PROJETO DE ARTES
MARCIAIS DO RIO DE JANEIRO Ronaldo Jacaré e José Aldo
são padrinhos do projeto
@USINADECAMPEOES USINADECAMPEOES
Delação-família
Para mostrar que negocia de boa-fé,
a PGR topou oferecer imunidade à
mulher e a uma das filhas de Cunha.
Em qualquer cenário, no entanto, o
ex-deputado terá de cumprir mais
tempo de prisão no regime fechado.
Minha vez
A frustração com Cunha aumentou
as chances do doleiro Lúcio Funaro,
que também negocia uma delação.
Ele apresentará uma segunda
proposta. Se for suficientemente
forte, será aceita – o que deixará
Cunha numa situação difícil. “Por
Entrega mais essa porta só passa um”, dizem os
20 I ÉPOCA I 17 de julho de 2017 Fotos: AFP Photo / Yasuyoshi Chiba, Aloisio Mauricio /Fotoarena/Folhapress,
Dida Sampaio/Estadão Conteúdo, Ailton De Freitas /Agência O Globo
Com Bárbara Lobato e Nonato Viegas e reportagem
de Aguirre Talento e Guilherme Caetano
EM AÇÃO
Policiais do
A DELAÇÃO DE JOESLEY imprópria com executivos ou sócios da Departamento
Na nota “VIPs”, a coluna EXPRESSO JBS. A revista, por sua vez, sequer procu- de Operações de
(994/2017) informou que o senador rou ouvir o outro lado antes de publicar Fronteira, numa
patrulha na estrada
Eunício Oliveira aparecerá em suposta informação injuriosa e caluniosa. na madrugada.
informações fornecidas pelo J&F Nunca se deu o ali relatado. Reparações Os traficantes
serão buscadas nos devidos foros. têm múltiplas
É falsa a informação contida na nota Assessoria de imprensa estratégias para
burlar a vigilância
“VIPs” da coluna EXPRESSO desta do senador Eunício Oliveira
semana. Jamais, em tempo algum, o se-
nador Eunício Oliveira manteve relação Nota da Redação: ÉPOCA mantém o que publicou
E
PRIMEIRA deb, de verba para a educação básica. Temer
O presidente stá prevista para 2 de agosto a votação também sancionou a Medida Provisória 759, de
Michel Temer no plenário da Câmara que definirá se regularização fundiária, que agrada à bancada
no Palácio do uma denúncia criminal contra o presi- ruralista. “A negociata funciona desta forma:
Planalto, no
dia da votação. dente Michel Temer será enviada ou não ao você dá votos, você tem ministérios ou cargos,
Ele enfrentará Supremo Tribunal Federal. O plenário receberá se não der, pescoço cortado, guilhotina”, afirmou
outro teste um relatório da Comissão de Constituição e ao programa de TV Bom dia Brasil o deputado
no plenário Justiça (CCJ) que recomenda o arquivamento Delegado Waldir (PR-GO). Importante notar
da Câmara
da denúncia, como foi votado na quinta-feira, que o PR do deputado integra a base governista.
dia 13. O conjunto dos deputados poderá apro- Cada uma das promessas feitas por Temer
var o relatório da comissão (numa decisão fa- pode ter mérito individual e todas deverão aten-
vorável ao presidente) ou rejeitá-lo, o que colo- der ao crivo da equipe econômica, para que o
cará o destino de Temer nas mãos do Judiciário país persista no caminho esburacado do ajuste
e prolongará sua agonia. A descrição objetiva de contas públicas. Muitos dos gastos pretendi-
do rito nos faz crer que as instituições no Brasil dos serão barrados na boca do caixa pela Secre-
seguem funcionando, o que é ótimo. Mas, nas taria do Tesouro Nacional. Ainda assim, as ma-
últimas semanas, Temer não contribuiu em nobras ofendem o cidadão comum, que gostaria
nada para esse funcionamento. de ver um presidente mais comprometido com
Diante da iminência da votação da denún- seu trabalho – além de deputados com opiniões
cia na CCJ, o presidente testou a elasticidade que não estejam à venda. u
Família Barreto
Vai escrever os seus próximos
capítulos. Com a ajuda de mais
2 mãozinhas.
Novas histórias surgem todos os dias. E para que elas aconteçam, a melhor
solução de aluguel é o Cap Fiador, o título de capitalização da Brasilcap.
*Caso não seja utilizada a caução. Produtos sem carência da modalidade tradicional de Pagamento Único da Brasilcap Capitalização S.A. É proibida a venda de título de capitalização a menores
de dezesseis anos. Art. 3º, I do Código Civil. CNPJ 15.138.043/0001-05. Processos SUSEP: Cap Fiador 15 meses 15414.005233/2011-75 | Cap Fiador 30 meses 15414.002429/2009-93 l Cap Fiador 12
Plus 15414.900995/2016-91. A aprovação deste título pela SUSEP não implica, por parte da Autarquia, em incentivo ou recomendação as suas aquisições, representando, exclusivamente, suas
adequações às normas em vigor. Os percentuais das quotas destinadas ao sorteio e à capitalização estão descritos nas Condições Gerais. Sorteio para o título Cap Fiador 12 Plus ocorre 1 (uma)
vez por semana e 1 (uma) vez por mês. Para os títulos Cap Fiador 15 meses e Cap Fiador 30 meses, ocorre na primeira quarta-feira de cada mês. O saldo para resgate antecipado ou final será
proporcional ao valor pago pelo título, respeitando o percentual previsto na tabela de resgate das Condições Gerais. O consumidor poderá consultar a situação cadastral de seu corretor de
capitalização no sítio www.susep.gov.br, por meio do número de seu registro na SUSEP, nome completo, CNPJ ou CPF. Para mais informações, consulte as Condições Gerais em www.brasilcap.
com.br, onde consta a tabela de resgate dos títulos originados e da constituição de suas reservas de capitalização, assim como os percentuais das quotas destinadas ao sorteio e à capitalização.
O juiz Sergio Moro condena Lula por
corrupção e lavagem de dinheiro
e acrescenta à trajetória do sindicalista
nordestino alçado a presidente
da República um novo e triste capítulo
Flávia Tavares
TEMPO
T E AT R O D A
POLÍTICA
T E AT R O D A P O L Í T I C A
ram 13h59 da quarta-feira, dia 12 de julho, quando o juiz Sergio Moro, da Justiça
Federal do Paraná, publicou sua histórica decisão. Nunca antes no Brasil um presidente
ou ex-presidente da República havia sido condenado criminalmente. Luiz Inácio Lula
da Silva foi o primeiro. Lula foi considerado culpado de corrupção passiva e lavagem
de dinheiro. Condenado a nove anos e seis meses de prisão. A admirável trajetória do
sindicalista nordestino eleito presidente e líder da esquerda latino-americana ganha
um novo e simbólico capítulo: a de primeiro ex-presidente condenado por corrupção.
(Enquanto, infeliz coincidência para o Brasil, o primeiro presidente denunciado por
corrupção está no Palácio do Planalto.) A sentença de Moro é no caso do tríplex de
Guarujá. O juiz concluiu que o apartamento e as obras de personalização do imóvel foram dados
pela empreiteira OAS como propina. Em troca, a construtora fechou contratos bilionários com a
Petrobras. Ao apresentar sua decisão, Moro mostrou-se ciente da dimensão histórica de seu juízo.
Ponderou sobre o tamanho da figura de Lula. Sobre a gravidade de condenar um ex-presidente.
Mas sopesou que, envolvendo o crime do tríplex, está o esquema maior, o escândalo de corrupção
que sangrou a Petrobras em R$ 6 bilhões. “Prevalece, enfim, o ditado ‘não importa o quão alto
você esteja, a lei ainda está acima de você’”, escreve Moro. Lula voou alto. A lei o alcançou.
A decisão de Moro, detalhada em 218 cessão pelo Grupo OAS a ele de um feitas a pedido da família de Lula – o
páginas, é baseada em provas colhidas benefício patrimonial considerável, elevador instalado, a cozinha Kitchens,
em diferentes etapas da Lava Jato e no estimado em R$ 2.424.991,00 e para o entre outros itens. Ao confrontar essas
depoimento de várias testemunhas, in- qual não haveria uma causa ou explica- provas com o depoimento que Lula
cluindo o de Léo Pinheiro, executivo da ção lícita”. Embora a defesa de Lula diga prestou em maio, em Curitiba, Moro
OAS e amigo de Lula. O principal argu- que a sentença é baseada tão somente escreve que “a única explicação dispo-
mento da defesa do ex-presidente era no depoimento de Léo Pinheiro, por 45 nível para as inconsistências e a ausên-
que não se poderia comprovar que Lula páginas Moro analisa provas, depoi- cia de esclarecimentos concretos é que,
era o proprietário do tríplex, já que o mentos de outras testemunhas e o de- infelizmente, o ex-presidente faltou
imóvel está registrado em cartório em poimento do próprio ex-presidente com a verdade dos fatos em seu depoi-
nome da OAS. Moro refuta esse racio- Lula para atestar suas conclusões. mento acerca do apartamento 164-A,
cínio, evocando a própria natureza dos O juiz recorre a uma série de papéis tríplex, no Guarujá”. É só aí que o juiz
crimes de corrupção e de lavagem de para concluir que o tríplex estava “re- passa a considerar o gravíssimo teste-
dinheiro, que implicam a ocultação de servado” a Lula e sua família. Moro munho de Léo Pinheiro.
patrimônio. Para o juiz, “não se está, descreve os três termos de adesão da O empresário relata como o aparta-
enfim, discutindo questões de Direito família Lula da Silva ao empreendimen- mento e sua reforma foram abatidos
Civil, ou seja, a titularidade formal do to em Guarujá, mostrando que, inicial- “nesse encontro de contas que eu tive
imóvel, mas questão criminal, a carac- mente, a intenção era a aquisição de um com o João Vaccari”. Isso quer dizer que
terização ou não de crimes de corrup- apartamento bem mais simples e, quan- a propina materializada no tríplex foi
ção e lavagem”. Demonstrar que o imó- do a OAS entra no negócio, o imóvel descontada da conta-corrente de propinas
vel era destinado a Lula desde que a pretendido passa a ser o tríplex. O juiz que a OAS (assim como a Odebrecht)
OAS assumiu a construção do prédio também percorre documentos e trocas mantinha com o PT. Pinheiro ainda re-
em Guarujá era, para Moro, “questão de mensagens que mostram como as latou ao juiz como Lula lhe pediu para
crucial”, porque seria a “prova da con- obras realizadas no apartamento foram destruir provas da transação criminosa.
Lula repete o mantra de que não há provas contra ele. Ele está errado. E sua re
30 I ÉPOCA I 00 de janeiro de 2017
DEFESA
O ex-presidente
Lula, na sede do
PT. Para todas
as acusações,
sempre a mesma
resposta: a da
falta de provas
tórica política pode não salvá-lo do imbróglio jurídico em que ele está metido
00 de janeiro de 2017 I ÉPOCA I 31
T E AT R O D A P O L Í T I C A
Diego Escosteguy
á algumas verdades incontes- não há provas em qualquer acusação
táveis sobre Luiz Inácio Lula contra ele.“Se alguém tiver alguma pro-
da Silva. Lula é espirituoso. va contra mim, mande para a Justiça,
Carismático. Não se pode ti- para a Suprema Corte, para a imprensa.
rar isso do homem que foi o Eu ficaria mais feliz se eu fosse conde-
presidente mais popular da nado com base em alguma prova. Se
história do Brasil. Quando eles me desmascarassem.” Lula prosse-
Lula se põe a comentar sua histórica guiu com seu mantra. “Não sei como
condenação por corrupção e lavagem alguém consegue escrever quase 300
de dinheiro, portanto, sua fala não vai páginas para não dizer absolutamente
ser monótona, embora seja previsível. nada de prova contra a pessoa que ele
Lula convocou uma coletiva de impren- quer acusar. Não estou desafiando, não.
sa – ou um pronunciamento, já que re- Mas eu queria desafiar, não desafian-
pórteres não puderam fazer perguntas do, que os meus inimigos, sobretudo
– na sede nacional do PT na manhã da os donos dos meios de comunicação,
quinta-feira, dia 13. Discursou por 29 fizessem um esforço incomensurável
minutos. O auditório estava apinhado para apresentar uma única prova, um
e havia ainda gente do lado de fora, único papel assinado.” E, preparando
acompanhando a fala por um telão. o terreno para plantar esse mesmo ar-
Lula começou com uma piada, como de gumento num futuro próximo, avisou:
hábito. Disse que o juiz Sergio Moro é “Vocês vão ouvir falar muito de proces-
otimista com relação a sua saúde, já que sos iguaizinhos a esse”.
o condena a ficar fora da vida pública O ex-presidente Lula está errado.
por 19 anos. “Só posso voltar em 2036! Nas outras quatro ações penais em que
Isso significa que eu vou viver e vocês já é réu (uma em Curitiba e três em Bra-
vão ter que me suportar.” A plateia es- sília), há evidências robustas e difíceis
pera de Lula seu bom humor e aplaude de refutar reunidas pela Polícia Federal
quando as anedotas vêm. Ele entregou e pelo Ministério Público Federal. Lula
mais uma. Justificou a demora em se responde a processos por obstrução da
pronunciar sobre a sentença de Moro Justiça, organização criminosa, tráfi-
com um compromisso inadiável que ti- co de influência, corrupção e lavagem MÉTODO
O juiz Sergio Moro,
vera na véspera.“Primeiro, vamos ver o de dinheiro (leia o quadro nas páginas de Curitiba. Os três
Corinthians resolver os problemas com 34 e 35). O andamento dos processos processos sob sua
o Palmeiras”, disse Lula, referindo-se ao sugere que, nos próximos meses, o ex- pena têm o mesmo
dérbi da noite anterior. Lula partiu para presidente vai enfrentar uma série de mecanismo de
pagamento de
o conteúdo mais sério de sua defesa. Re- decisões de diferentes juízes. O discur- propinas via imóveis
petiu, como vem fazendo desde o início so de Lula sugere que ele vai respondê- que o caso do tríplex
da Operação Lava Jato, a ideia de que las sempre com o mesmo argumento: o
Segundo a denúncia, Lula se Lula é acusado de receber da Odebrecht Lula é acusado de comandar a
beneficiou de R$ 1 milhão em um terreno para a nova sede do compra do silêncio do ex-diretor
benfeitorias no sítio, pagas pelas Instituto Lula e o apartamento onde da Petrobras Nestor Cerveró para
empreiteiras Odebrecht e OAS mora, em São Bernardo do Campo evitar sua delação premiada
Lula é acusado de atuar para que o BNDES Lula é acusado de receber dinheiro, A partir da delação dos executivos do
liberasse recursos para a Odebrecht em nome de um dos filhos, em troca J&F a Procuradoria da República no DF
em Angola em troca da contratação de ajuda no governo para favorecer as investiga pagamento de US$ 80 milhões
de uma empresa de seu sobrinho empresas MMC, grupo Caoa e Saab do grupo a Lula e Dilma Rousseff
R$ 128 milhões
para não perder
Intervenção e dinheiro para emendas de parlamentares
evitam que o governo seja derrotado em comissão que
examina denúncia de corrupção contra Michel Temer
Patrik Camporez e Aguirre Talento
R$ 3,9 BILHÕES
precisa daquelas negociações mais diretas.
Total empenhado em
emendas parlamentares
Conversou pessoalmente com o ministro
Gilberto Kassab, do PSD, o senador Ciro
Nogueira, do PP – dois investigados pela
VOTOU EM TEMER, RECEBEU Lava Jato –, e o ex-deputado Valdemar
Os deputados que ajudaram Temer na CCJ levaram R$ 128 milhões(2) Costa Neto, controlador do PR e conde-
Em R$ milhões nado no mensalão. Após a conversa, os
três partidos obrigaram seus deputados
Alceu Moreira PMDB I RS 3,1
André Moura PSC I SE 4,9
a votar por Temer. Nos próximos dias,
Antonio Bulhões PRB I SP 3,1 no entanto, o trio vai apanhar da Lava
Arthur Lira PP I AL 1,1 Jato, o que pode prejudicar sua capacida-
Beto Mansur PRB I SP 4,7 de de controlar suas bancadas.
Bilac Pinto PR I MG 4,9 Contudo, o governo não conseguiu
Carlos Bezerra PMDB I MT 1,5
Carlos Marun PMDB I MS 0,7
seu objetivo maior, que era fazer a Câ-
Carlos Melles DEM I MG 1,9 mara votar a denúncia na semana pas-
Cleber Verde PRB I MA 4,3 sada, antes do recesso. Na noite de quin-
Cristiane Brasil PTB I RJ 0 ta-feira, após o encerramento da sessão
Daniel Vilela PMDB I GO 0 na comissão, o presidente da Câmara,
Danilo Forte PSB I CE 2,8
Darcísio Perondi PMDB I RS 2,2
Rodrigo Maia, reuniu-se com líderes
Delegado Éder Mauro PSD I PA 4,0 partidários e combinou que a votação
Domingos Neto PSD I CE 10,7 da denúncia contra Temer no plenário
Edio Lopes PR I RR 2,9 ocorrerá em 2 de agosto, após o recesso
Elizeu Dionizio PSDB I MS 2,6
parlamentar. A votação será nominal e
Evandro Gussi PV I SP 0,2
Evandro Roman PSD I PR 0,6 aberta – cada parlamentar terá de ir ao
Fabio Garcia PSB I MT 5,9 microfone declarar seu voto. Será neces-
Fausto Pinato PP I SP 4,2 sário um número mínimo de 342 depu-
Genecias Noronha SD I CE 4,0 tados para que a sessão ocorra.
Hildo Rocha PMDB I MA 5,3
José Carlos Aleluia DEM I BA 0,3
A oposição trabalha para que a ses-
Juscelino Filho DEM I MA 5,8 são ocorra com quórum máximo, o que
Laerte Bessa PR I DF 2,3 é ruim para Temer. Levantamento feito
Luiz Fernando Faria PP I MG 3,6 por ÉPOCA – e atualizado em epoca.
Magda Mofatto PR I GO 2,0 com.br – mostra que mais de 330 de-
Maia Filho PP I PI 0
Marcelo Aro PHS I MG 4,1
putados já se comprometem a compa-
Milton Monti PR I SP 4,7 recer. Até agosto, Temer estará exposto
Nelson Marquezelli PTB I SP 3,8 às intempéries de deputados sendo co-
Paes Landim PTB I PI 3,7 brados em suas bases a votar contra um
Paulo Abi-Ackel PSDB I MG 5,0
presidente impopular. Estará exposto
Paulo Maluf PP I SP 4,0
Rogério Rosso PSD I DF 4,0 às conversas de seu antigo aliado, o ex-
Ronaldo Fonseca PROS I DF 0,7 deputado Eduardo Cunha, e seu opera-
Thiago Peixoto PSD I GO 3,3 dor financeiro, Lúcio Funaro, com a
Toninho Pinheiro PP I MG 5,4 turma da Lava Jato, além do ex-minis-
tro Geddel Vieira Lima e do ex-assessor
(1) Até o dia 13
(2) Valor empenhado em emendas pelo governo entre 1o e 13 de julho Rodrigo Rocha Loures. Esses não há
Fonte: Siafi emenda que alcance. u
R U Y FAU S T O
certo que essa chapa ganhe, mas, se for possível fazer uma Fausto – Em primeiro lugar, é importante denunciar o que
boa campanha, falar umas verdades, já seria ótimo. Será aconteceu de errado, sem poupar o PT. Houve muita cor-
preciso fazer uma campanha inteligente contra o liberalis- rupção. A política econômica de Dilma Rousseff foi um
mo que corre solto por aí, contra a ideia de que o mercado desastre. O mais grave não foi o “intervencionismo”, mas a
é solução para tudo. Há dois grandes perigos: a extrema- forma errada que ele tomou, com congelamento arbitrário
direita, representada por Jair Bolsonaro, e o discurso hiper- de preços, grandes facilidades concedidas a certas empresas.
liberal, encarnado por João Doria. É preciso enfrentá-los. Tratava-se de medidas econômicas erradas e que abriam as
portas para todo tipo de corrupção. Precisamos substituir
ÉPOCA – Em Caminhos da esquerda, o senhor expõe esse tipo de política não por uma outra neoliberal, mas
o projeto de uma nova esquerda antitotalitária, antica- por um neokeynesianismo inteligente. Em segundo lugar,
pitalista, antipopulista e ecológica. Faz isso mais pela é importante apoiar bons candidatos em 2018: gente com
negação, ao diferenciá-la do socialismo soviético e dos uma postura de crítica ao sistema, com uma exigência cla-
governos de Fernando Henrique Cardoso e Lula, do que ramente democrática e com uma atitude antipopulista, que
pela afirmação. Como seria, afinal, essa nova esquerda? implique recusa absoluta das práticas de corrupção. Em
Fausto – Nosso projeto não é mais aquele antigo programa terceiro lugar, é importante uma reforma política que limite
marxista de fim do Estado ou da propriedade privada. o poder econômico abusivo nas eleições. Se tudo isso for
Vivemos numa sociedade de mercado, com capital hege- feito, os costumes políticos vão mudar e o círculo vicioso
mônico. Precisamos estudar como setores não capitalistas, da concessão de subsídios em troca do financiamento de
como as cooperativas, podem se tornar hegemônicas no campanhas será superado.
interior de uma sociedade de mercado. Um projeto desses
não é nenhum absurdo do ponto de vista antropológico. ÉPOCA – Recentemente, a França, país que o senhor co-
Do ponto de vista econômico, é praticá- nhece bem, elegeu à Presidência Emma-
vel. A curto prazo, o projeto é desenvolver nuel Macron. Um político que, ao afirmar
já as formas cooperativas e defender as não ser nem de direita nem de esquerda,
conquistas do Estado de Bem-Estar So- venceu o populismo de extrema-direita
cial, que está ameaçado por todo lado. Há Não creio que de Marine Le Pen. Como o senhor inter-
também um trabalho a ser feito quanto a candidatura preta o fenômeno Macron?
à democracia. Não se trata de lutar con- Fausto – Macron é um fenômeno interes-
tra a democracia representativa, mas de de Lula seja a sante e curioso. Ele representa uma tec-
desenvolver também outras formas de melhor solução. nocracia jovem que conseguiu se impor
democracia e impedir que a política vire
um métier.
Devemos partir com um programa liberal moderado, se
comparado ao de brasileiros como Doria
para outra” e companhia. Com Macron, a direita ga-
ÉPOCA – O senhor critica o “adesismo” nhou uma nova cara. A cara da direita era
dos partidos de esquerda que, uma vez a de um velho corrupto e incompetente.
no poder, convergem para o centro e promovem um pro- Hoje é a de um jovem “de centro”, honesto e competente
grama liberal. No entanto, o que o senhor chama de ade- – ao modo deles, é claro. Muita gente do governo Macron
sismo é, em geral, resultado de alianças com o centro e veio do Partido Socialista e era próxima ao Dominique
com a direita, em nome da governabilidade. Como deve Strauss-Kahn (ex-direitor do Fundo Monetário Internacio-
ser a política de alianças dessa “nova esquerda”? nal). É uma esquerda que aderiu ao sistema.
Fausto – Isso é complicado. Um partido tem de ter flexibi-
lidade para fazer alianças. Mas há alianças e alianças. Há ÉPOCA – O senhor é um grande leitor de Marx. Que papel
coisas que um partido de esquerda não deveria fazer de Marx desempenha na formação dessa “nova esquerda”?
jeito nenhum. Não deveria participar da corrupção, como Fausto – Marx era um grande teórico, que leu toda a litera-
o PT participou. O PT pagou um preço alto pelas alianças tura econômica de sua época. Ele era muito forte na teoria,
que escolheu fazer. Aliança se faz com o centro, não com a o que não quer dizer que acertasse sempre na política – até
direita ou com corruptos. Na política atual, se faz aliança na teoria, ele às vezes errava. O esquema político de Marx,
com qualquer um. No início, o PT tinha uma política de com ideias de revolução violenta e ditadura do proletariado,
alianças muito exigente, inflexível e intransigente. Era até envelheceu. O núcleo da obra dele precisa ser revisto. Há
duro demais. É preciso ter algum jogo de cintura na política. problemas sérios ali, que afetam os fundamentos, mas há
também muitas coisas boas. Precisamos fazer uma nova
ÉPOCA – O governo do PT é acusado de facilitar o patri- crítica da economia política, que passa por uma leitura crí-
monialismo com a política de “campeões nacionais”, que tica. Como filósofo, eu fiz um trabalho adjetivo com a obra
potencializou a troca de favores entre grandes empresá- de Marx. Hoje, o que se impõe é um trabalho substantivo,
rios e o governo. Como evitar que isso volte a acontecer uma crítica interna da obra. Eu ainda tenho o sonho de me
no futuro, em qualquer governo? associar a um economista para fazer essa crítica. u
Direita e esquerda,
unidas pelo fanatismo
O país está mais interessado por política, o que é bom. Mas, quando o
interesse vira fanatismo, o objetivo se perde. Viver em democracia é
ceder, fazer compromissos, selar acordos – e, principalmente, dialogar
Joel Pinheiro da Fonseca
Só a Providência
divina salva
A calmaria que ensaiou se instalar, sumiu. Um morro
símbolo do Rio de Janeiro vive de prejuízos, frustração
e medo com a volta dos conflitos entre polícia e bandidos
48 I ÉPOCA I 17 de julho de 2017
Sérgio Garcia e Hudson Corrêa
por fuzis. “Muitas vezes tive de ficar fora ção do teleférico instalado no morro, cau- escuro a cerca de 100 metros, enquanto
dos treinos por causa da violência”, diz sando um estrago no concreto do tama- os PMs estavam em uma área iluminada.
Suellen. Gabriel, o campeão, se mudou nho de um abacaxi. Estilhaços do artefato O confronto se estendeu por uma hora e
da Providência faz pouco tempo. caseiro – um tubo de PVC recheado de meia, até que os traficantes recuaram e
A falência da segurança pública no Rio pólvora e pedaços de pregos e lâminas – fugiram no breu. Na Providência, de 2015
de Janeiro reativou o passado na Provi- feriram três dos dez PMs que estavam no para cá dois policiais foram mortos em
dência. Como no Complexo do Alemão e local. Atordoados com o estrondo, eles confrontos com traficantes.
na Cidade de Deus, os criminosos volta- ainda foram alvos de outras duas grana- O Morro da Providência é estratégi-
ram a circular em bandos. Recorrem a das. “Ficamos surdos, e no meio daquela co. É vizinho da Central do Brasil, de
táticas de guerrilha contra a polícia. Às adrenalina toda não sabíamos direito o onde partem os trens para os bairros
3h10 da madrugada de 13 de junho, os que estava acontecendo”, diz um dos po- suburbanos e os municípios da Baixada
policiais que montavam guarda no alto do liciais. Enquanto pediam reforço, os poli- Fluminense e se faz a conexão com o
morro foram surpreendidos com tiros. ciais – mesmo os feridos – sustentaram a metrô. Todo o sopé do morro tem in-
Simultaneamente, foi arremessada uma troca de tiros para evitar o avanço do ini- tensa movimentação e vira terreno fér-
granada, que estourou na parede da esta- migo.Os criminosos atiravam de um beco til para o comércio de drogas. Outra
LA RASPA
Raspachines,
os coletores
de coca, fazem
a colheita em
uma finca. O
subsídio do
governo para os
meninos ainda
não está definido
I I
A ÚLTIMA
COLHEITA
DE COCA
Na Colômbia, camponeses
se preparam para
abandonar cultivos de
folha de coca como parte
do acordo de paz entre
o governo e as Farc –
um desafio complexo
Teresa Perosa (texto) e Federico Rios
Escobar (fotos), de Briceño, na Colômbia
I I
C A R TA D A C O L Ô M B I A
mais afetadas pela violência do conflito, der público.“Nos últimos 20 anos, nosso que antes cozinhávamos só com lenha.”A
que a paz no país precisará ser construída. sustento saiu da coca. Claro que cultiva- renda obtida com a coca e a desconfiança
A tarefa, recém-iniciada, é complexa mos feijão, mandioca, banana, milho e em relação ao Estado são os principais
porque a implantação do acordo enfren- tudo isso, para nossa subsistência, mas motivos para o ceticismo dos campone-
ta pressões em várias frentes. Num refe- o principal está na coca”, diz Beatriz Ja- ses em relação às promessas do governo
rendo em outubro, 50,2% dos eleitores ramilla, de 30 anos. Na cozinha de sua de que receberão apoio como compen-
o rejeitaram. Uma segunda versão do casa, de chão batido e cimento, a dona de sação pelo abandono do cultivo. Beatriz
acordo pulou a votação popular para ser casa prepara o almoço em um fogareiro também diz que muitos dos plantadores
aprovada no Congresso. Além de não ter a gás de duas bocas e um forno a lenha não têm terra própria, são arrendatários,
obtido o respaldo das urnas para o pro- improvisado. Pratos e copos levam o selo e têm medo de perder sua única fonte
cesso, o presidente Juan Manuel Santos, do Departamento de Responsabilidade de renda. “As pessoas pensam que va-
prêmio Nobel da Paz de 2016, conta com Social do governo colombiano. Beatriz é mos voltar ao tempo de antes, quando se
a aprovação de apenas 25% dos colom- a líder da junta de cultivadores de Roblal, arrancarem esses pés. Os habitantes das
bianos. Outros 25%, de acordo com as uma das veredas de Briceño. Seu marido, veredas desconfiam porque os políticos
pesquisas, pretendem votar nas eleições pai de seus quatro filhos, cultiva 10 mil sempre nos prometeram coisas e nunca
presidenciais de 2018 no candidato, ain- pés de coca em um terreno arrendado. cumpriram. As pessoas dizem agora: ‘Se
da indefinido, do Centro Democrático, o Foi com o dinheiro do plantio de coca não cumprirem, voltaremos a cultivar,
partido de direita liderado pelo ex-presi- que compraram o pequeno terreno onde porque não podemos morrer de fome’.”
dente Álvaro Uribe, a principal voz contra hoje têm sua casa.Ali, plantam mandioca, Na estrada de acesso a Roblal, em um
o acordo, por considerá-lo leniente com laranja, manga, maracujás e mantêm um casebre abandonado, se lê a pichação:
as Farc. Fernando Londoño, ex-ministro chiqueiro, com um único porco. “Farc-EP, Frente 36 – Presente”, vestígio
da Justiça e aliado de Uribe, diz que o CD “Graças aos pés de coca, nossa vida dos mais de 30 anos de comando da guer-
“triturará o acordo” se chegar ao poder. melhorou muito. Temos nossas casas, rilha na região. Segundo Beatriz, as Farc
Outro desafio para a implantação do podemos comprar no mercado na cida- desempenhavam o papel de legislador,
acordo de paz é o estabelecimento de um de. Sem os pés de coca, nós só comíamos juiz e polícia.“Como eram a autoridade,
diálogo com comunidades rurais pobres, feijão e arroz, bananas e laranja. Agora, porque aqui não havia outra, tínhamos
estigmatizadas e abandonadas pelo po- torramos nossa carne. Temos o gás, por- de obedecer. Eles controlavam o roubo, s
EX-GUERRILHEIRO Julián Subverso (nome que usava na guerrilha) é o representante das Farc que
acompanha o processo de substituição da coca em Briceño. “Nós cumprimos tudo até agora”
as brigas, o vício em drogas... Se as pessoas Em 1997, o então governador da An- tare de terreno, podem-se retirar até 20
ficavam bêbadas e se metiam em brigas, tioquia, Álvaro Uribe, deu o pontapé ini- arrobas (240 quilos) de folha, que geram
tinham de pagar multas.As pessoas, para cial ao projeto da hidrelétrica. Um ano quase 1 quilo de pasta-base. Na região, o
não pagar, não brigavam.” antes, contam os moradores, os paramili- quilo da pasta-base tem um preço médio
Diferentemente de outras regiões da tares chegaram à região. O enfrentamento de 2,5 milhões de pesos, o equivalente
Colômbia, em que a coca tem vínculos com a guerrilha detonou os piores anos a R$ 2.600. Descontados os custos com
culturais, relacionados à tradição indí- da violência na área. “Era normal ouvir mão de obra e insumos, são mais ou me-
gena, o cultivo em Briceño é recente e falar de matanças quase diárias”, diz um nos R$ 990 de lucro, por hectare.A maio-
motivado por questões econômicas. Os morador. Com o início da construção da ria dos camponeses de Briceño trabalha
moradores calculam que os cultivos de hidrelétrica, em 2010, com a participação em terrenos pequenos, de menos de 1
coca na região têm pouco mais que 20 da construtora brasileira Camargo Cor- hectare. Mas trata-se de dinheiro seguro,
anos. Foram introduzidos quando o cul- rêa, o Exército colombiano passou a ter que entra a cada dois meses para quem
tivo de café e o garimpo, outras formas maior presença na região, com o objetivo planta, para quem colhe e para quem vive
de subsistência local, sofreram duros de restabelecer a ordem. Para combater as de pequenos negócios na região.
golpes. O cultivo de café rende, no má- tropas da ordem, a guerrilha se valeu de
ximo, duas colheitas por ano e é de baixa minas terrestres, proibidas pelo Direito ***
rentabilidade numa região sem boas es- internacional. Criaram-se assim zonas Às 5 e meia da manhã em Pueblo Nue-
tradas, em que o custo de tentar vender a inabitáveis e incultiváveis, que chegaram vo, o sol nem saiu e S., de 14 anos, monta
produção supera, em muito, os eventuais a se estender por cerca de 12.000 quilô- em sua moto com outros dois amigos. S.
ganhos. Nas veredas de Briceño, próxi- metros quadrados.Até 2015, a Colômbia tem trabalho marcado. Vai fazer a ras-
mas ao Rio Cauca, também se praticava só perdia para o Afeganistão em número pagem final: colher as folhas de coca em
o garimpo artesanal, em busca de ouro. de incidentes com minas terrestres. uma finca (terreno) próxima. Os raspa-
Nessa área, iniciou-se a construção da Com a decadência das outras formas chines, como são chamados os coletores
maior usina hidrelétrica da Colômbia, a de subsistência, chegou a coca. Sua atra- de coca, são mais um elo na cadeia de
Hidroituango, que terminou por expul- tividade é fácil de entender. A colheita produção em torno da planta. Em geral,
sar os pequenos mineiros que tiravam da folha, chamada de raspagem, ocorre são meninos que começam a trabalhar
seu sustento do leito do Cauca. a cada dois meses. Em menos de 1 hec- para conseguir o próprio dinheiro. S. diz
que começou aos 10 anos para ajudar nas com sal nas feridas. “A coca era boa por- pagamentos posteriores serão suspensos.
contas da casa. O pai deixou a família há que tínhamos dinheiro e podíamos cui- Sem uma solução para os raspachines, o
dois anos e S. e seus três irmãos ajudam dar das nossas coisas”, diz. A parte ruim cronograma pode ser afetado.
a mãe. Em um dia bom, um raspachin não é difícil de responder. É “a violência”. “Até pagarem os raspachines, não va-
consegue colher entre 8 e 10 arrobas de Ele aponta para uma casa no fim da la- mos arrancar os pés de coca. Dois mi-
folha de coca, o que lhe rende mais ou deira onde diz ter morado. Conta que, lhões de pesos (valor da primeira parcela
menos 46 mil pesos – o equivalente a num dos enfrentamentos entre as Farc e o do subsídio) não pagam os custos de ar-
R$ 50. Foi com o dinheiro da raspagem Exército, achou que fosse morrer.“Parecia rancar os pés de meio hectare”, diz Luis
que S. comprou a moto, que ele usa todo que o mundo ia cair.” Sobre a substitui- Peres, de 39 anos, dono da finca onde os
fim de semana para deixar o povoado e ção dos pés de coca em Pueblo Nuevo, S. garotos trabalhavam naquela manhã. A
ir a uma escola noturna em uma cidade fala com cautela. “Se o governo cumprir propriedade, herdada do pai, é uma das
próxima. “Eu quero estudar para ser ve- e nos ajudar, poderemos viver melhor.” maiores de Pueblo Nuevo, com 6 hecta-
terinário. Ou técnico mecânico. Mas eu Uma das preocupações das comuni- res. O pai de Luis foi expulso pelas Farc
gosto muito de animais.” dades de Briceño é que, dentro do plano da região, acusado de fazer negócios com
Por volta das 7 horas, já são dez os ras- de substituição da coca, ainda não há os paramilitares. “Não era verdade, mas
pachines que se equilibram habilmente previsão de quando chegará o pagamen- não podíamos fazer nada.”Hoje, ele mora
numa ladeira íngreme da vereda, “ras- to para os raspachines. Sem esse subsídio, em Medellín, um dos milhares de deslo-
pando” os pés de coca – com os dedos os garotos, que seriam os responsáveis cados pelo conflito. Luis espera, com os
envolvidos com trapos, os meninos pu- por arrancar os pés de coca, não podem subsídios, plantar pasto para gado, ba-
xam os ramos da planta em velocidade começar o trabalho. O governo espera nana, mandioca e abacate, para vender.
impressionante, retirando as folhas e que em até 60 dias depois do primeiro Tem também planos para um projeto de
colocando-as em sacos metidos entre as pagamento aos cultivadores, feito na pri- piscicultura, canalizando águas do Rio
pernas. Quase todos têm fones de ouvido meira quinzena de junho, os cultivos de Cauca.“A gente sempre tem planos, mas
conectados a celulares, onde o reggaeton coca já tenham sido erradicados. A ava- não sabemos se vamos conseguir.”
e a salsa soam alto. Ao fim do dia, explica liação será feita por uma missão das Na-
o garoto, os dedos ficam tão queimados ções Unidas. Caso encontrem pés de coca ***
do trabalho que é preciso passar água em terrenos que receberam dinheiro, os A violência política é um dos marcos s
da história colombiana do século XX. As povo e das Farc.Nós cumprimos com tudo de avanço. No começo foi complicado, as
Farc surgiram em 1964, em meio à dis- até agora, mas houve uma resistência por três partes (governo, comunidade e Farc)
puta por terra no interior do país, depois parte do governo na implementação do não estavam falando a mesma língua. Já
do período conhecido como A Violên- acordo”, diz Julián Subverso (nome que conseguimos uma sincronia”, diz Nata-
cia, na década de 1950, quando o embate usava na guerrilha), de 32 anos, um dos lia Escobar, de 37 anos, representante
partidário ganhou contornos de guerra representantes da guerrilha, que acom- da Direção Nacional de Substituição de
civil.Até o final da década de 1980, o con- panha a substituição dos cultivos em Cultivos Ilícitos em Briceño. “Em todos
texto da Guerra Fria opunha o governo Briceño. “Não estamos satisfeitos com a os processos, há falhas, mas isso é um pro-
colombiano à guerrilha comunista. Com forma como o processo está sendo levado jeto-piloto. A ideia é replicá-lo. O maior
o passar dos anos, novos grupos armados adiante. Cada passo aqui foi uma luta.” A avanço é que a comunidade nos reconhe-
surgiram: outras guerrilhas de esquerda, casa em Pueblo Nuevo destinada às reu- ça, dê entrada e respaldo ao governo.”
como o Exército de Libertação Nacional, niões entre comunidade, governo e Farc
e os paramilitares, milícias de autodefe- tem funcionado como abrigo temporá- ***
sa de extrema-direita organizadas por rio dos dois representantes da guerrilha Às 6h30 da quarta-feira, dia 15 de
proprietários de terra. A esse cenário de na vereda. Numa chuvosa terça-feira de junho, 98 cultivadores de Roblal e Guri-
violência, somou-se o desenvolvimento junho,a TV da casa,sintonizada na novela mán abordaram as chivas, os coloridos
do narcotráfico no país a partir dos anos colombiana Não olvidarás mi nombre, faz paus de arara colombianos, para descer
1980. Na década de 1990, as Farc se en- companhia aos presentes.“Historicamen- a estrada de terra até Briceño e receber a
volveram com o negócio das drogas e se- te na Colômbia, o governo tem praticado primeira parcela do subsídio do governo.
questros. O acordo de paz, celebrado de- ações unilaterais de erradicação forçada, As duas veredas foram as primeiras a re-
pois de quatro anos de negociações entre militarização e punição aos cultivadores. ceber o benefício. Nos dias posteriores,
governo e guerrilha, se propôs a encerrar Para evitar que voltem ao cultivo de coca, os cultivadores de outras nove comuni-
esse capítulo da história colombiana que temos de entrar com saúde,educação,com dades fariam o mesmo caminho.
se arrastou por 51 anos, deixando mais de acesso e formalização da terra”, diz Julián. Os camponeses chegaram antes das
200 mil mortos, 25 mil desaparecidos e 5 Os representantes do governo dizem 9 horas e se amontoaram na lateral da
milhões de deslocados forçados. que as lições do passado estão sendo prefeitura, onde Beatriz tentava orga-
“O governo exige muitas coisas, do aprendidas.“O processo já teve um gran- nizar o tumulto com uma lista na mão
com os nomes dos camponeses com di- Dom Jairo Muñoz, de 61 anos, que ar- e fazer avicultura em comum.A terra aqui
reito ao benefício. Logo cedo, uma tenda rendava partes de sua terra para o plantio é excelente. Quero seguir produzindo.”
de uma popular loja de departamentos de coca. Com uma das maiores fincas da Em locais como as veredas de Bri-
expunha produtos em promoção na região, com 125 hectares, Dom Jairo sus- ceño, em que predominam as pequenas
praça central da cidade. Uma geladei- tentou a família de sete filhos com pecuária propriedades e a agricultura familiar,
ra saía por 770 mil pesos (R$ 800); um e cana, além dos 30 hectares de terra ar- organizar projetos coletivos é uma das
alto-falante, por 380 mil (R$ 400). rendada para o cultivo de coca. Parte dos alternativas para assegurar que o dinhei-
O dinheiro chegou às 10h20, de heli- filhos usa a terra para ter seus próprios ro recebido do governo não se perca em
cóptero. Da praça central, os cultivadores pés da folha. Jairo herdou o terreno como ações restritas. “Agora vão nos dar 12
apertaram os olhos para ver saltar da ae- espólio trabalhista da mina em que traba- milhões. Esse dinheiro é para comer, ba-
ronave um homem com um saco de sarja lhava e é dono da terra há quase 20 anos. sicamente. Mas vamos melhorar a finca
verde, cheio de pesos, que depois entrou Na finca de Dom Jairo, que toma toda também, impulsionar os cultivos que
correndo pelas escadas da prefeitura, le- uma ladeira de montanha, se vê coca até a estamos começando. Se chegar o gover-
vando nas costas o que todos esperavam. curva do precipício que dá no rio abaixo. no com a força econômica, iremos além.
O primeiro pagamento, de 2 milhões de “A coca trazia geralmente a violência. Mas Para a cana, precisamos de trator e de boa
pesos, foi entregue mediante confirma- não havia outra coisa além da coca.A agri- estrada para escoar. Por aqui, as coisas
ção do nome na lista e comprovante de cultura só dava para o que a pessoa comia, ainda são feitas na unha.”
cadastro. O segundo pagamento virá em porque ninguém comprava. E aí falavam: Os ambiciosos planos de Dom Jai-
dois meses, depois que a missão da ONU ‘Mas a coca vai te matar’. E respondiam: ro, assim, dependem de ajuda técnica
averiguar se de fato os pés de coca da área ‘Pelo menos morreremos cheios’.” e da continuidade dos subsídios. Ele se
foram arrancados. No total, cada família No meio do mar de folhas de coca, ele mantém esperançoso. “O governo aqui
receberá 12 milhões de pesos (cerca de aponta para as partes do terreno onde se atrasou muito. Mas estamos otimis-
R$ 12.800) em um ano, como subsídio começou novos cultivos: abacate, cacau, tas porque começaram a cumprir o que
para deixar a coca. Daqui a 12 meses, re- mais cana e café. Sua ideia é formar uma prometeram. O conflito acontece quando
ceberão subsídios adicionais para iniciar cooperativa com outros cultivadores.“Já não respeitam os direitos dos outros”, diz.
culturas legais em suas terras. consegui dez famílias. Quero dar aos que “A miséria foi a principal causa da guerra.
Entre os camponeses da fila estava não têm terra a oportunidade de cultivar Isso não ajuda a paz.” u
O presidente
Enrique Peña
Nieto, do México,
arrasta um governo
com baixo índice
de aprovação
C E N Á R I O S
Eleições moldadas
pelo ódio
Não é só no Brasil. Os eleitores da América Latina estão
fartos de corrupção e serviços públicos ruins. O que
esperar da raiva generalizada contra a classe política?
O s ventos políticos na América Latina apoiaram mudanças. Isso também pode criar
mudaram sensivelmente nos últimos problemas para as agendas reformistas que co-
dois anos à medida que governos de meçam a ganhar força na região.
esquerda perderam o poder para administra- O primeiro indicador de que os eleitores não
ções mais conservadoras. A tendência começou estão felizes vem de um olhar rápido aos índices
com a eleição de Mauricio Macri na Argentina, de aprovação na região. No Brasil, o presidente
que encerrou um longo reinado de 20 anos dos Temer tem índices baixos. O país está saindo de
Kirchners. Estendeu-se pelo impeachment de uma recessão e o governo é alvo de escândalos
Dilma Rousseff em 2016. A tendência provavel- de corrupção. Mas o surpreendente é que Temer
mente continuará no Chile no final deste ano. não está sozinho. O presidente Enrique Peña Daniel Kerner
Mesmo onde as administrações de esquerda Nieto, do México, tem índices de aprovação de é cientista político
sobreviveram, como no Equador, a movimen- 12%, Michelle Bachelet, do Chile, fica com 20% formado pela
Universidade de
tação para políticas mais conservadoras e ami- e Juan Manuel Santos, da Colômbia, chega a Buenos Aires. Lidera
gáveis aos investidores está clara. 26%. Nenhum dos três países passou por crise a divisão de América
Muitos concluíram que os eleitores estão re- econômica agora. Na Argentina, Macri ainda é Latina da Eurasia
jeitando as políticas da esquerda, que levaram popular, mas seu apoio vem caindo.
a grandes desequilíbrios fiscais e baixo cres- Se a desaceleração econômica ajuda a expli-
cimento nos últimos anos. Mas a verdadeira car parte do ódio, pesquisas nesses países tam-
prova para mostrar se essa mudança é mesmo bém mostram que a corrupção está virando
sustentável virá do pesado ca- um tema cada vez mais relevante.
lendário eleitoral dos próximos O CENÁRIO E que os eleitores estão cada vez
meses. Argentina, Chile, Co- Os eleitores mais insatisfeitos com a qualidade
lômbia, México, Brasil e muito latino-americanos dos serviços públicos, como segu-
provavelmente a Venezuela vão estão com ódio rança, educação e saúde. Mas junto
encarar eleições. Com exceção dos políticos pela com isso vem uma descrença cres-
corrupção e pelo
do México, e talvez da Colôm- baixo crescimento cente na classe política. Segundo
bia, a onda conservadora deve econômico um estudo global da Ipsos Public
se manter. Mas isso não é porque Affairs, os países latino-america-
o eleitorado esteja se mudando A A P O S TA nos têm índices de desconfiança e Christopher Garman
para a direita. Os eleitores estão é Com esquerdas em raiva dos políticos superiores aos é cientista político
com raiva da classe política. En- baixa e governos dos Estados Unidos e da Europa. americano, diretor
conservadores executivo de risco e
quanto isso funcionou contra as desgastados, há espaço
A verdadeira questão é quais analista-chefe do Eurasia
administrações de esquerda nos para “antipolíticos” candidatos estão mais bem posi- Group, consultoria
últimos dois anos, os eleitores imprevisíveis cionados para surfar nesse ódio. s política internacional
Peru
Colômbia
Chile
Venezuela
BRASIL
Quando um procurador
denuncia um presidente
N a próxima terça-feira, 18 de julho, faz 23 anos que um
terrorista detonou um carro-bomba na Associação Mu-
tual Israelita Argentina (Amia), em Buenos Aires, matando 85
tores do atentado. Arquivada ainda em 2015, a denúncia
de Nisman foi então reaberta à luz das novas evidências.
O atual juiz responsável pelo caso, Claudio Bonadio, deu a
pessoas. Foi o maior ataque de jihadistas na América Latina. entender, segundo publicou na semana passada o jornal La
Até hoje, ninguém foi preso, julgado ou condenado pelo cri- Nación, que poderá aceitar, antes das eleições legislativas de
me. E, até hoje, a sigla Amia paira como assombração sobre outubro, uma nova denúncia contra Cristina pelos crimes
os governos de Carlos Menem, Néstor e, sobretudo, Cristina imputados por Nisman, acrescidos de traição à pátria e
Kirchner. No início de 2015,Alberto Nisman, procurador que prevaricação. Nas eleições, Cristina concorre ao Senado.
assumira o caso havia pouco mais de dez anos, após a contur- Como o Brasil, a Argentina tenta se reerguer sobre os es-
bada destituição do juiz e dois outros procuradores envolvidos combros de quase 13 anos de gestão temerária do patrimônio
numa denúncia de compra de depoimento, decidiu voltar de público. Em nosso caso, os governos petistas; no deles, a era
suas férias na Europa para apresentar denúncia por obstru- K. O noticiário local é tomado por denúncias de corrupção
ção da Justiça contra Cristina, então presidente em série contra remanescentes dos governos Kirch-
da República, e seu chanceler, Héctor Timerman. ner, como o ex-ministro do Planejamento Julio de
Nisman baseava a acusação em provas contunden- Vido (também envolvido nas negociações com o
tes de que o memorando firmado com o Irã para Irã) ou a procuradora-geral da República, Alejandra
permitir o interrogatório de suspeitos de ligação Gils Garbó (desafeta de Nisman). A exemplo do
com o atentado não passava de uma fachada para ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do atual
encobrir um acordo paralelo. Pelo acerto, em troca presidente, Michel Temer, respectivamente recém-
de petróleo, a Argentina cederia ao Irã carne, armas -condenado e recém-denunciado por corrupção, a
e tecnologia nuclear para produzir água pesada, Argentina também já teve sua cota de escândalos
essencial ao reator de plutônio mantido em Arak às LIVRO DA SEMANA
presidenciais. Um ex-presidente já foi condenado
escondidas dos inspetores internacionais. O acor- (Menem); Cristina foi denunciada por obstrução da
do, iniciado pela intermediação da Venezuela de Nisman debe morir Justiça enquanto estava no cargo – e enfrenta ainda
Daniel Santoro
Hugo Chávez, incluía ainda impunidade para os denúncias de corrupção descritas noutro livro de
suspeitos iranianos. Quatro dias depois de apresen- Ediciones B Santoro, La ruta del dinero K (A rota do dinheiro K).
2015
tar sua denúncia, Nisman foi encontrado morto no 352 páginas Há, contudo, duas diferenças essenciais entre
apartamento que alugava no 13 andar da luxuosa
o
400 pesos a situação no Brasil e na Argentina. A primeira é
torre Le Parc, em Puerto Madero.A cena do crime econômica. Lá, a inflação oficial foi de 12% ape-
foi violada, de modo a tornar impossível concluir se ele se nas no primeiro semestre, sem sinal de que o governo
matou, foi forçado a se matar – ou foi assassinado. Macri tenha conseguido desfazer a armadilha populista
As reviravoltas convolutas do caso Amia e o enigma dei- que torna insustentáveis os gastos públicos. Aqui, a bom-
xado pela morte de Nisman são os eixos centrais de Nisman ba inflacionária foi desarmada e a economia recupera o
debe morir, lançado há dois anos por Daniel Santoro, um fôlego. A segunda diferença é que, por lá, a Justiça tem se
dos mais respeitados jornalistas investigativos argentinos, demonstrado incapaz de desfazer os laços de compadrio
hoje na equipe do Clarín. Sem omitir o lado controverso de que mantêm o poder refém da aliança entre corruptos e
Nisman – além de mulherengo inveterado, ele foi acusado corruptores. Nada há de parecido com a Operação Lava
de receber dinheiro não declarado numa conta secreta de Jato. Os principais postos na Justiça e no Ministério Pú-
sua família nos Estados Unidos –, Santoro confirma as prin- blico continuam a ser operados por interesses políticos.
cipais acusações contra Cristina. Revela detalhes sobre as Também há aqui quem questione a motivação de juízes e
negociações com o Irã que acabaram por levar à reiteração, procuradores. Mas ainda não foi encontrada conta secreta
pela Justiça argentina, da inconstitucionalidade do famige- ligada a nenhum – e as mortes misteriosas só existem no
rado memorando – cancelado no primeiro dia do governo universo das teorias conspiratórias. u
do presidente Mauricio Macri. Áudios interceptados com
autorização judicial, que Nisman nem mesmo incluíra na
denúncia, demonstraram que o chanceler Timerman de- Helio Gurovitz é jornalista hgurovitz@edglobo.com.br (e-mail)
clarava saber que os iranianos eram os verdadeiros men- @gurovitz (Twitter) http://g1.globo.com/mundo/blog/helio-gurovitz/ (web)
Um ajuste mental
ao novo século
A liberdade econômica tem sido ignorada como valor
em nossa cultura política. Com a reforma trabalhista,
a conversa foi diferente. Algo está mudando no país
Fernando Schüler
Foto: Leonard Mccombe/The LIFE Images Collection/Getty Images 17 de julho de 2017 I ÉPOCA I 65
O B S E R VA D O R D A E C O N O M I A
IMPOPULAR
Protesto contra
o governo Temer classes de brasileiros. De um lado, os que têm seus votos”. O vezo autoritário parece ecoar do
no Dia do Trabalho. curso superior e renda duas vezes e meia o teto fundo da história republicana. Na democracia,
A reforma da Previdência Social, ou R$ 11.052,62. Seriam é inexorável, os políticos farão a festa. A tese foi
trabalhista segue
provocando brasileiros hipersuficientes. A eles é facultado, retomada em grande estilo no ciclo militar ini-
polêmica pelo que se depreende do texto da reforma, cui- ciado em 1964. O curioso é que muita gente
dar de seu próprio nariz. A legislação lhes per- boa, em nossa historiografia, comprou essa ideia
mite negociar os termos do próprio contrato vaga. O autoritarismo, desde ao menos os anos
de trabalho. Direito negado aos demais. Nossos 1930, teria sido o preço a pagar pela moderni-
conterrâneos mais pobres prosseguem hipossu- zação do Estado brasileiro. Com Júlio Prestes,
ficientes, aos olhos da lei. Chegamos ao curioso estaríamos condenados a uma eterna República
paradoxo: quanto menos liberdade dispomos, Velha, como num museu de cera. O reformismo
mais direitos imaginamos assegurar. Lembrei- gradualista seria inviável no Brasil.
me de Rousseau, segundo quem subordinar o Nossa história recente coloca em xeque essa
homem à vontade geral nada mais significava suposição. A democracia brasileira tem se mos-
do que “obrigá-lo a ser livre”. Certos paradoxos trado capaz de modernizar o país. Foi assim com
sempre me incomodam. Prefiro imaginar um o Real, a Lei da Responsabilidade Fiscal, a PEC
país em que a presunção da autossuficiência ou o do gasto público e, agora, a reforma trabalhista.
direito de aprender em liberdade alcance a todos. Ok, há em tudo isso uma lentidão exasperante.
Tempos atrás, li uma entrevista do ex-presi- Resta uma enorme agenda pela frente. Ainda
dente da Fundação Getulio Vargas Luís Simões somos o país que gera 3 milhões de processos
Lopes, dada no início dos anos 1990. Lopes foi trabalhistas todo ano e andamos entre os dez
homem de confiança de Vargas e criador do an- piores países do planeta em complexidade tri-
tigo Dasp, o Departamento Administrativo do butária, no ranking do Banco Mundial. Mas o
Serviço Público, instituído na Constituição de recado está dado: quem sabe os políticos se-
1937. Na entrevista, ele chama a ditadura do jam capazes, ao contrário do que imaginava
Estado Novo de “recesso parlamentar” e mostra Simões Lopes, de tomar decisões difíceis e pen-
como foi possível, graças ao estado de exceção, sar, mesmo em um ano complicado como este,
modernizar o Estado brasileiro. “Os políticos”, para além das próximas eleições. E quem sabe
diz, nunca pensam no futuro do país, “só em pensar no futuro do país renda, sim, votos. u
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RICARDO FERRAÇO
mente ao afirmar que estamos admitindo o acordado sobre conseguiremos o apoio do deputado Rodrigo Maia e essa
a lei para tudo. Em casos específicos, em que for da vontade MP vai tramitar logo no Congresso.
da negociação entre as partes, e que não violar a lei, vale o
negociado sobre o legislado. Na prática, a reforma liberta os ÉPOCA – A MP também incluirá um fim gradual para o
trabalhadores da tutela de corporações sindicais. pagamento obrigatório da contribuição sindical?
Ferraço – Não há negociação para a manutenção da con-
ÉPOCA – A Organização Internacional do Trabalho (OIT) tribuição sindical obrigatória. Isso não constará em nossa
afirma que a reforma trabalhista viola diversas conven- pauta. Uma das mais importantes conquistas da reforma
ções internacionais de que o Brasil é signatário. A princi- é o fim da obrigatoriedade. Nesse caso, o que foi aprovado
pal crítica é que não houve diálogo suficiente. no Congresso é definitivo. A contribuição obrigatória é do
Ferraço – Isso é falso e absolutamente improcedente. Há tempo em que o Estado tutelava a vontade das pessoas. De-
décadas o país debate o necessário aperfeiçoamento de cidimos que elas precisam ser ouvidas, se autorizam ou não a
nossas leis trabalhistas. Não faltou debate. O que estamos contribuição. O Estado não tem o direito de decidir por elas.
fazendo é um pouco do que já foi feito há anos no mundo
que prospera. Não inventamos nada novo. Estamos virando ÉPOCA – Qual será o novo papel dos sindicatos?
uma página de uma visão patrimonialista de Estado para Ferraço – A reforma pune os maus sindicatos e fortalece os
dar poder de resolução às pessoas. É a troca da cultura de bons. Os sindicatos, até então, trabalhavam com reserva de
conflito para a de negociação. Ao fazer isso, nos aproxima- mercado. De forma compulsória, as pessoas contribuem.
mos do mundo civilizado, de países da Europa Ocidental Qualquer coisa que não tenha competição, prestação de
e da América do Norte. E nos distanciamos dos poucos contas, causa distanciamento entre representantes e re-
países que insistem com a visão intervencionista, como a presentados. Com a contribuição opcional, essas entidades
Venezuela. A Argentina pratica a jornada terão de mostrar desempenho e ter poder
intermitente, que é um dos pontos de nos- de convencimento.
sa reforma, há décadas.
ÉPOCA – E o papel da Justiça do Traba-
ÉPOCA – Críticos dizem que, com a As decisões da lho também muda?
formalização do trabalho intermitente, Justiça do Trabalho Ferraço – Sim. Nossa Justiça do Trabalho
empresas poderão demitir empregados é produto de um ambiente da cultura do
hoje contratados pela CLT e substituí-los variam de cidade conflito, e não da negociação e da conci-
por contratações na nova modalidade. O para cidade. Virou liação. Na prática, tem ultrapassado seus
senhor avaliou esse risco? uma Disneylândia limites. Invade prerrogativas que não são
Ferraço – Estamos trabalhando na edição de seu ofício. Cada juiz do trabalho resol-
de uma Medida Provisória (MP) que defina ideológica” veu ser uma instituição. As decisões são
marcos bem específicos para a jornada in- as mais controversas em cada cidade, em
termitente. Da forma que veio da Câmara, cada região do país. Virou uma espécie de
está muito aberta. Estamos debatendo como balizar limites. A Disneylândia ideológica. A reforma uniformiza padrões e
jornada intermitente não pode ser regra, mas exceção. É uma limites. Nenhum de nós está acima da lei, inclusive os juízes.
condição especial de realidades que se impõem. A grande
escolha que precisamos fazer é se vamos continuar fingindo ÉPOCA – A votação da proposta foi bastante tumultuada.
que milhões de pessoas não são contratadas informalmente Senadoras ocuparam a mesa da presidência por sete
ou se vamos garantir segurança jurídica e direitos a elas. horas. O que o senhor achou dessa manifestação?
Ferraço – Bizarra e primitiva. É natural que haja o duro
ÉPOCA – Essa MP é a mesma que o presidente Michel debate, o conflito de ideias e divergências no limite do
Temer negociou com senadores para aprovar a reforma, estresse. Mas essa ocupação remete ao estágio não civi-
e que incluirá outros pontos, como regras mais rígidas lizatório. É como estabelecer sua vontade pela força ou
para as empresas tratarem grávidas e lactantes? Em um pela condição de gênero. Esses instrumentos remetem à
primeiro momento, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia Venezuela, onde há ocupações no Parlamento. O Brasil
(DEM-RJ), disse que não pautaria a matéria... não é a Venezuela. Essas pessoas precisam tomar um ba-
Ferraço – A MP trata de pontos específicos, como o trabalho nho no oceano da democracia.
da mulher grávida e lactantes em locais insalubres, a jorna-
da de 12 por 36 horas por acordo coletivo, e não individual, ÉPOCA – A aprovação da reforma trabalhista significa
danos materiais, entre outros. Esses pontos constarão, sim, uma vitória de Temer?
nessa MP que está sendo trabalhada a muitas mãos. O tra- Ferraço – Esse tema não é de governo ou de oposição. Foi
balho que a Câmara fez foi extraordinário, mas nada é tão uma vitória do Brasil. Abandonamos o retrovisor e passa-
bom que não possa melhorar. A questão dos marcos para o mos a olhar para a frente. Não podemos reduzi-la a uma
trabalho intermitente será incluída nessa MP. Com diálogo, questão de luta política conjuntural. u
DO REBOLADO
AOS MEMES
Depois de amargar anos no limbo
da cultura nacional, Gretchen é
redimida pelos memes e ascende ao
patamar de estrela internacional
72 I ÉPOCA I 17 de julho de 2017
gramas de auditório nacionais e con-
seguiu estender sua fama como can-
tora e dançarina até o início dos anos
2000, mas não passou disso. Em 2012,
participou do reality show A fazenda
– conhecido por recrutar artistas que
estão fora do radar –, mas desistiu na
sexta semana e deixou o programa por
conta própria. Sua carreira estava fa-
dada a desaparecer, não fosse alguma
mente criativa que resolveu usar cenas
do programa para criar gifs (formato
de imagens de baixa qualidade) ani-
mados e fotos que simulam reações
zombeteiras. Por exemplo, um vídeo
com Gretchen discutindo com alguém
perde o áudio e ganha legendas que
apresentam um diálogo muito mais
engraçado do que o original. Ou uma
MELÔ DA WEB
Gretchen em imagem dela bufando vem acompa-
cenas do clipe nhada dos dizeres “quando sua tia
da cantora pop pergunta dos namoradinhos durante
Katy Perry. a ceia de Natal”.
A participação
da brasileira Com o compartilhamento incessan-
bombou na te, essas imagens recebem a alcunha de
internet e a “memes” – tudo o que os usuários da
trouxe de volta internet reproduzem enlouquecida-
ao estrelato
mente. Pode ser um vídeo, uma foto
ou uma frase. A ideia se espalha por
meio das redes sociais e se torna “viral”,
uma verdadeira compulsão. Os jovens
encontraram em Gretchen uma fonte
rica de memes. Sua personalidade ex-
pansiva rende caras e bocas que podem
ser usadas nas mais diversas situações.
Eles surfaram os arquivos da internet e
recuperaram cenas dos anos dourados
da cantora em entrevistas, programas
de auditório e shows, buscando ainda
Nina Finco
“H
mais material para se divertir. “Até eu
aters gonna hate.” A frase é re- da, a Gretchen, vem experimentando entender o que era essa linguagem, foi
petida à exaustão na internet. essa viagem para o alto no elevador muito complicado”, afirma Gretchen.
Em tradução livre, significa da fama. Graças aos ascensoristas da “Achava que estavam usando minha
“‘odiadores’ odiarão de qualquer jei- rede mundial de computadores, a rai- imagem sem minha autorização e pe-
to”. Faz sentido. Protegidos pela segu- nha brasileira do rebolado tornou-se jorativamente. Mas com o tempo aca-
rança que uma tela de distância pode assunto de manchete lá fora e ostenta, bei achando muito engraçado. Com-
proporcionar, internautas não pou- neste momento, a coroa de rainha in- partilho meus próprios memes.” Em
pam os dedos para criticar, ofender e ternacional da internet. outubro do ano passado, ela lançou
perseguir. Ironicamente, quanto mais Apesar de ter começado sua carrei- seu próprio canal no YouTube, com
pessoas digitam seu desgosto, mais ra cantando músicas em línguas es- vídeos que mostram seu cotidiano em
atenção um assunto recebe. O que es- trangeiras, misturando inglês, francês Mônaco (onde vive atualmente com o
tava no limbo pode experimentar uma e espanhol (como “Dance with me” e marido, um empresário português, e os
ascensão estratosférica – e “haters gon- “Freak le boom boom”), a imagem de filhos) e que só aumentam a fonte de
na hate” pode se tornar “lovers gonna Gretchen não reverberou muito além cenas engraçadas para gifs divertidos.
love” num só clique. Nas últimas se- do Brasil. Nos anos 1970, ela chamou Como os brasileiros são grandes en-
manas, Maria Odete Brito de Miran- a atenção sob os holofotes dos pro- tusiastas da tecnologia, não demorou s
o melhor do entretenimento,
de diretor
de novela.
do que em
aniversário
Rádio Globo,
mariana godoy rafa ferraz mariliz pereira alex escobar
Roda e avisa
Uma
Se estivesse vivo, Chacri-
nha completaria 100 anos
no dia 30 setembro. “Para
linda
celebrar, a Globo fará um
especial sobre ele. Nós, da
família, já gravamos nossa
mulher
participação na atração,
que terá vários números
musicais da época”, conta a
blogueira Dandynha Bar-
Depois de muita luta, a bosa, uma das netas do
atriz e modelo transexual saudoso Velho Guerreiro.
Carol Marra fez, há Ela segue os passos do avô
pouco mais de um mês, na TV e estreia no dia 19
a tão sonhada cirurgia o reality Alto Leblon, que
de redesignação sexual. conta o dia a dia de cinco
“É uma cirurgia muito influenciadores digitais. “O
delicada, sei de muitos programa mostra que nem
casos que deram errado. tudo é glamour como ve-
Mas estou ótima, ficou mos nas redes sociais”, diz
perfeito, como eu queria, Dandynha. Ela tem 178 mil
sem nenhuma cicatriz. seguidores no Instagram
Estou apenas com um e cerca de 250 mil acessos
pequeno inchaço”, mensais em seu blog. “É
afirma ela, que, dois uma oportunidade de as
dias depois de receber pessoas me conhecerem
alta, já estava passando um pouco mais. Não sou
aspirador de pó em casa. patricinha como acham.”
“Minha faxineira faltou,
então tive de me virar
eu mesma.” Apesar da
felicidade, Carol, que
foi escalada para uma
novela na Globo, diz
que não se sente uma
nova mulher. “Não é a
genitália que reafirma
o gênero de ninguém,
ser mulher é algo muito
maior. Ainda não tive
minha primeira relação
depois da cirurgia, tenho
de esperar. Mas não vai
ser com qualquer um.
Lutei muito para chegar
até aqui. Terá de ser
com alguém especial.”
Sozinha
no palco
Para comemorar os
30 anos de carreira,
Deborah Secco acaba
de estrear seu primeiro
monólogo, Uma noite
dessas. Em cartaz em
Campinas até o dia 23,
o espetáculo chegará ao
Rio de Janeiro e a São
Paulo em 2018. “Sou
precoce, comecei aos 8
A volta do Didi
anos. Já fiz muita coisa, Renato Aragão conta que ficou emociona-
então precisava de algo do assim que pisou no estúdio para voltar a
que me desafiasse”, encarnar o lendário Didi Mocó no remake de
diz a atriz. Deborah Os Trapalhões, que estreia no Canal Viva no
recrutou o premiado dia 17 para celebrar os 40 anos da formação
Hamilton Vaz Pereira do quarteto. Além de Dedé Santana, os nove
para escrever e dirigir episódios contam com novos integrantes.
a peça. “Foi muito rá- “No início, fiquei meio cabreiro. Mas já no
pido: ele escreveu tudo primeiro dia de gravação fui tomado por
em 20 dias e tive mais uma emoção enorme e tive a certeza de que
20 para ensaiar”, conta. daria certo”, diz Renato, de 82 anos. “É claro
Ela está reservada para que Mussum e Zacarias são insubstituíveis e,
voltar ao ar no início modéstia à parte, Dedé e eu também. O que
do ano que vem, numa queremos com esta volta, mesmo que breve, é
novela das 7 na Globo. não deixar a história dos Trapalhões morrer.”
E N T R E V I S TA Modo avião
Pedro Andrade vai voltar
N E Y M AT O G R O S S O a carimbar o passaporte
C A N TOR
freneticamente – foram 30
países visitados nos últimos
As surpresas
da era de Aquário
T enho 65 anos. Olho em torno e descubro que objetos
comuns na minha infância ou adolescência sumiram
do cotidiano. Pior. Vou a uma feira de antiguidades e des-
Quantas mil coisas deixaram de existir, como o bambo-
lê, um enorme círculo de plástico que se rodava com a
cintura? Antes as meninas conversavam com as bonecas.
cubro um brinquedo da minha infância, vendido a preço Hoje as bonecas falam com as meninas! A ideia de comida
de ouro. Susto! saudável, com propriedades curativas, começou com a ma-
Quando eu era adolescente, fez sucesso a primeira versão crobiótica, nos meus tempos. À base de arroz integral, man-
do musical Hair. A certa altura, todos os atores ficavam dou muita gente ao hospital, por anemia. Hoje, imperam
pelados. Um escândalo. Mas o grande momento era o que os veganos, que não ingerem nada de origem animal. En-
anunciava a era de Aquário. Os astrólogos haviam anun- tretanto, comer tornou-se temerário. Há uma medicaliza-
ciado que, após mais de 2 mil anos na era de Peixes, seria ção dos alimentos. Todos fazem mal de alguma maneira.
iniciada a de Aquário, com total transformação na socie- Minha avó morreu quase aos 90, comendo banha de porco
dade. A música “Aquarius” era o tema de Hair. Não é que até o fim da vida. Se fosse uma velha budista, eu teria es-
os astrólogos estavam certos? O mundo sofreu uma guina- crito um livro sobre a sabedoria da banha de porco. Sendo
da radical, tecnológica. Como previsto. É o que sempre ela uma imigrante espanhola, melhor ficar quieto. Peixe
digo: “No creo en las brujas, pero que las hay, hay...”. frito na banha é uma delícia. Mas, se ofereço a meus amigos,
Quando o filho de 3 anos da minha empregada pega um é sem revelar. Dentadura, dessas de botar no copo d’água
celular na mão e faz coisas que nunca ima- durante a noite, acabou. Hoje, é implante.
ginei, sinto um arrepio. Sou da época da Pode ser que alguém ainda use, mas não
máquina de escrever. Barulhenta. O escri- ouvi falar. Perdoe-me a referência escato-
tor era um tormento para os vizinhos. HOJE, SÓ SE USA lógica, mas o que é feito do penico? Antes
Ainda mais um como eu, que gosta de toda casa, mesmo elegante, tinha alguns
criar à noite. Telefone era um bem inatin-
CHAPÉU POR CHARME. espalhados sob as camas. Atualmente, há
gível para muitos. Na minha infância, era A GRAVATA VAI PELO mais banheiros. Suítes. O pobre penico, de
preciso se inscrever e aguardar uns cinco MESMO CAMINHO. extrema necessidade nas noites frias, foi
anos pela instalação. Uma vizinha tinha para o beleléu. Beleléu? Também não se
telefone. Muito constrangida, às vezes mi- PARA QUE USAR ESSE sabe mais o que é. Procurem no Google,
nha mãe pedia para fazer uma ligação. Só LAÇO NO PESCOÇO? que acabou com as enciclopédias. Quando
em caso de extrema necessidade. Mais tar- eu era criança, toda família de classe média
de, quando era jovem, comprei uma linha comprava uma, em prestações, para ajudar
no mercado negro. Caríssima. Conheci gente que vivia de... nos trabalhos de escola. Hoje, basta um clique.
alugar telefone! Hoje até o telefone fixo, sabe-se, vai desa- Um mundo inteiro se transformou aos poucos, devagar,
parecer. A primeira vez em que vi um telefone celular foi à medida que os objetos foram sumindo. Foram substituídos
em Miami. Chegou ao Brasil após a privatização feita no ou trocados. Imagino que o homem da Idade Média deve
governo Fernando Henrique Cardoso. Era um caixotão. ter sofrido a mesma surpresa com os descobrimentos da
Como imaginar seu futuro papel em nossas vidas? Eu mes- Moderna. Então o mundo não era só aquele pedacinho de
mo não consigo lembrar como era o mundo antes do ce- terra? Agora encaro a Revolução Digital. Vivo uma mu-
lular. Meu pai era telegrafista. Quem ainda manda telegra- dança de era. Daqui a 60 anos, como será o mundo? Eu
ma hoje em dia, se tem e-mail, Facebook, Twitter, Instagram? não verei. Muita gente de hoje em dia sim, pois a expecta-
Quando menino, tive aulas de caligrafia com caneta a tiva de vida aumenta com os avanços da medicina.
tinteiro. Hoje, caneta a tinteiro, só por charme. Chapéu O mundo que conheci na infância já acabou.
idem. Bengala, por necessidade. Eram fundamentais no Se sentar em um antiquário, é capaz que alguém me
traje masculino. A gravata resiste, mas vai pelo mesmo ca- leve por engano. u
minho. Para que usar esse laço esquisito no pescoço? E o
relógio? Ainda há uma campanha forte para nos convencer
de que é a joia masculina. As grifes resistem. Mas logo serão
substituídos pelos novos, digitais, que têm mil funções. Walcyr Carrasco é jornalista, autor de livros,
Horas? Qualquer um vê as horas no celular. peças teatrais e novelas de televisão
LIVRO
2 horas
Guerra Fria
nas estrelas
Há décadas, a
escritora americana
Ursula Le Guin
recorre à ficção
científica para
elaborar críticas
sociais. O romance
Os despossuídos,
publicado
originalmente
em 1974, é uma
metáfora da Guerra
Fria que opunha
americanos a
soviéticos. Urras e
Anarres são dois
planetas irmãos
que não podiam
ser mais diferentes.
Urras tem ricos e
pobres e se divide
em estados rivais;
em Anarres não
existe sequer
propriedade privada.
Shevek, um físico
anarresti, sonha em
derrubar o muro de
ódio que separa os
dois planetas por
meio da “Teoria da
Simultaneidade”.
Aleph, 384 páginas,
R$ 49,90.
FESTIVAL
4 horas
CINEMA
2 horas
Harmonia dissonante
No novo filme do cineasta americano Terrence
Malick não se vê aquela natureza exuberante
que tirava o fôlego dos espectadores de A árvore
da vida, de 2011. Em De canção em canção, a
câmera passeia pela dureza arquitetônica de
Austin, no Texas, e pela barulheira dos famosos
festivais de música na cidade. Aquela luz quase
LIVRO
1 hora divina, assinatura de Malick e do diretor de
fotografia mexicano Emmanuel “Chivo” Lubezki,
Elas são revolucionárias inunda o filme, que acompanha a confusa vida
A escritora feminista Kate Schatz e a ilustradora Miriam Klein Stahl sentimental de Faye (Rooney Mara), dividida entre
reúnem no livro Mulheres incríveis 44 histórias de mulheres Cook (Michael Fassbender), um magnata sinuoso
extraordinárias e transgressoras que subverteram leis e lutaram da indústria musical, e BV (Ryan Gosling), um
pelo fim da desigualdade de gênero. As figuras vão desde a grande compositor auspicioso. Às vezes, o filme descamba
rainha-faraó Hatshepsut até a ativista Malala Yousafzai. Para a edição para o tédio, como um clipe de uma banda indie
nacional, a jornalista Juliana de Faria (fundadora da campanha “Chega tentando flertar com o pop, mas Malick constrói
de fiu fiu”) foi convidada a escrever o perfil de duas brasileiras: Maria um final cheio de compaixão, que se sobrepõe a
da Penha e Elza Soares. Astral Cultural, 126 páginas, R$ 39,90. essas notas dissonantes. Estreia no dia 20/7.
STREAMING
1 hora
Tchau, arranha-céus
No drama Ozark, a família
Byrde parece ter uma vida
comum. Isso se não levarmos
em conta o segundo trabalho
de Marty (Jason Bateman),
que, além atuar como consultor
financeiro em Chicago,
lava dinheiro para um dos
maiores cartéis de droga do
CINEMA
México. Quando as coisas
2 horas dão errado, Marty precisa
tirar sua família da cidade
O soldado e o poeta grande e mudar-se para uma
O escritor português António Lobo região bucólica do Missouri,
Antunes atuou como médico militar no Centro-Oeste americano.
durante a Guerra Colonial Portuguesa, Netflix, estreia no dia 21/7.
entre 1972 e 1973. Das trincheiras de
Angola, enviou cartas para sua mulher
grávida. Essas correspondências
resultaram no livro D’este viver aqui
neste papel descripto, adaptado agora
para os cinemas. Cartas de guerra é
um filme poético, em preto e branco, que
mostra a experiência do autor no serviço
militar. Vozes femininas e masculinas,
num delicioso sotaque lusitano de
cadência calma e saudosa, narram
os dizeres das cartas. Em cartaz.
Temer e Lula,
os irmãos camaradas
“V ocê meu amigo de fé, meu irmão camarada (...)/Me
lembro de todas as lutas, meu bom companheiro/Você
tantas vezes provou que é um grande guerreiro/O seu coração
nheiro a favores – desmoraliza a Lava Jato. Mas nossos re-
presentantes nem estão aí.
A camaradagem entre o PT e Temer já havia sido selada
é uma casa de portas abertas/Amigo, você é o mais certo das por Dilma Rousseff, quando o peemedebista foi escolhido para
horas incertas/Às vezes em certos momentos difíceis da vida/ vice em 2014. Vale a pena ver de novo os vídeos de Dilma no
Em que precisamos de alguém pra ajudar na saída/A sua palanque:“Eu tenho um companheiro de chapa, um vice que
palavra de força, de fé e de carinho/Me dá a certeza de que é uma pessoa experiente, séria (abraços, sorrisos, aplausos de
eu nunca estive sozinho.” todos e de Lula), que tem uma tradição política, que eu tenho
Essa letra de Roberto Carlos, composta há 40 anos em certeza que saberá somar e me substituir à altura quando nós
homenagem a Erasmo Carlos, me lembrou a camaradagem tivermos de viajar para fora do Brasil. O meu vice não caiu do
recente e de ocasião entre Lula e Temer. No fim de junho, céu, não é um vice improvisado. É uma pessoa competente e
Lula defendeu Temer para uma rádio do Acre: “Se o procu- um homem capaz”. Lula ergue o punho, Temer também, jun-
rador-geral da República tem uma denúncia contra o presi- to com Dilma. “Um homem capaz de dialogar, de fazer con-
dente da República, ele primeiro precisa provar. Tem de ter senso, sobretudo um homem leal, um grande brasileiro.Agra-
provas materiais. Falo isso porque já cansei de ser achinca- deço a meu parceiro de todas as horas, meu vice Michel Temer.”
lhado sem ninguém apresentar nenhuma Quem estava colado a Lula nesse palan-
prova. Não adianta dizer que a pessoa co- que? Sérgio Cabral, outro amigo de fé e
meteu um erro. Até agora Temer é inocen- irmão camarada, rindo e fazendo coração-
te. O Janot não provou nada”. zinho para a plateia. O mesmo que, agora,
O ex-presidente Lula acaba de ser conde- LULA ACHA TEMER preso, enfrenta mais uma acusação, de
nado por corrupção passiva a nove anos e INOCENTE. AMBOS chegar a ter US$ 120 milhões numa conta
meio de prisão e vai recorrer. O atual presi- SE ACHAM VÍTIMAS DE no exterior. Em depoimento formal à Jus-
dente Temer acaba de comandar manobras tiça, chamou de “uma maluquice essa his-
imorais na Comissão de Constituição e Jus- PERSEGUIÇÃO POLÍTICA tória de 5%” de comissão em cima de
tiça (CCJ) para tentar se livrar da investigação E JUDICIÁRIA. AMBOS obras no Rio de Janeiro.
mais grave já aberta contra um governante na O “perseguido” Cabral disse ao juiz
história do Brasil.Ambos se consideram víti- SONHAM COM 2018 Marcelo Bretas, em tom de deboche: “Eu
mas inocentes de delações ilícitas e mentiro- não matei Odete Roitman”. Uma alusão à
sas.Ambos se sentem vítimas de conspirações novela da TV Globo Vale tudo, que con-
políticas e judiciárias, sem provas materiais. quistou o Brasil em 1988 e 1989. A morte de Odete Roitman
Os brasileiros, no íntimo, não acreditam que a conde- (a vilã interpretada por Beatriz Segall) registrou 81 pontos
nação de Lula pelo tríplex do Guarujá – ou futuramente no Ibope. A trama abordou “até que ponto valia ser hones-
pelo sítio de Atibaia – acabe resultando em prisão, mesmo to no Brasil”, disse um de seus autores, Gilberto Braga.
que ele seja impedido de, como réu, se candidatar em 2018. Continua valendo tudo, menos ser honesto.
Nem o juiz Sergio Moro ousou decretar prisão preventiva. Todos os personagens do nosso presidencialismo de coop-
E Lula já se prepara para sair em caravana no Nordeste. Os tação – e que se incluam aí Aécio Neves, seu relator de es-
documentos sobre o tríplex e o sítio continuam a ser pou- timação da CCJ Abi-Ackel e o resto dos tucanos, bichos em
ca coisa diante da corrupção na Petrobras e da escandalo- extinção em cima do muro –, amigos de fé, irmãos cama-
sa promiscuidade com empreiteiras como a Odebrecht e a radas, todos eles mataram Odete Roitman.
OAS, envolvendo valores muito mais altos. Mataram nossa crença em algum resquício de ética po-
Os brasileiros, no íntimo, também não acreditam que o lítica. Se a Justiça, com suas instâncias e seus braços, da
plenário da Câmara, no dia 2 de agosto, contrarie a CCJ e Procuradoria ao Supremo, não punir de verdade os ladrões
acabe mandando a denúncia contra Temer para o Supremo de verba pública, que as urnas façam a limpeza em 2018.
Tribunal Federal. É que, no íntimo, não se acredita mais em Que espanem a velha política do conchavo e da propina
nada. São necessários 342 votos de deputados a favor de ao institucionalizada. Que a camaradagem passe a ser do bem. u
menos se investigar Temer. Ignorar a delação de Joesley Ba-
tista e tudo que circundou esse encontro – de malas de di- Ruth de Aquino é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br
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