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Fundada em 1950

VICTOR CIVITA ROBERTO CIVITA


(1907-1990) (1936-2013)

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CARTA AO LEITOR
RODRIGO SAMPAIO

MULTIPLATAFORMA Campos Neto, presidente do BC, e o


editor Ricardo Ferraz: Amarelas no papel, em vídeo e em áudio

EM TODAS AS MÍDIAS
AOS 54 ANOS, o economista Roberto Campos Neto, pre-
sidente do Banco Central desde 2019, é um dos persona-
gens mais competentes e bem-sucedidos do Brasil. Sob o
seu comando, o BC funciona de modo autônomo pela pri-
meira vez na história, na contramão das manobras políti-
cas. Apesar da pressão permanente do presidente Lula,
feita muitas vezes de maneira pouco elegante, os juros
permaneceram altos — e só agora começam a ceder, por

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precisão e não por imposição. A justificativa técnica para


a manutenção do padrão é uma aula de bom senso alheio
à ideologia: por lei, o BC tem de perseguir uma meta de
inflação estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional
— e os juros estiveram (e ainda estão) em patamar eleva-
do justamente para controle do aumento de preços.
A um só tempo calmo e firme, afeito ao bom relaciona-
mento com o Congresso, estudioso por vocação, Campos
Neto começou a se interessar pelo tema ainda na infância
e adolescência, ao ouvir o avô, Roberto Campos (1917-
2001), que comandara o Ministério do Planejamento no
governo de Castello Branco, entre 1964 e 1967, homem de
inteligência rara e frasista incorrigível. Uma de suas máxi-
mas mistura humor, ironia e conhecimento: “Sou chama-
do a responder rotineiramente a duas perguntas. A pri-
meira é ‘haverá saída para o Brasil?’ A segunda é ‘o que
fazer?’. Respondo dizendo que há três saídas: o aeroporto
do Galeão, o de Cumbica e o liberalismo. A resposta à se-
gunda pergunta é aprendermos com recentes experiên-
cias alheias”.
Não por acaso, da soma de suas qualidades e de natu-
ral interesse para o leitor, Roberto Campos Neto foi esco-
lhido nesta semana para ocupar as Páginas Amarelas de
VEJA, o mais celebrado e cobiçado espaço da imprensa
brasileira há mais de cinquenta anos. E mais: com ele, re-
forçamos uma nova fase, a do casamento do papel com as
plataformas digitais. A tecnologia, aliás, é um dos temas

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de predileção de Campos Neto, que implementou o Pix


com maestria e acaba de anunciar o Drex, a nova moeda
digital. A excelente entrevista — conduzida pelo editor
Ricardo Ferraz — pode ser vista na íntegra no YouTube
de VEJA e ouvida no Spotify. Trata-se de oferecê-la ao lei-
tor em qualquer circunstância, em qualquer plataforma.
“Roberto Campos não se furtou a responder a nenhuma
pergunta”, diz Ferraz. “Enfrentou até os temas mais espi-
nhosos com didatismo e um sorriso no rosto.”
VEJA espera solidificar, com as Amarelas em todas as
mídias, a missão estabelecida pelo fundador da Editora
Abril, Victor Civita (1907-1990): “contribuir para o pro-
gresso da educação, a melhoria da qualidade de vida e o
desenvolvimento da livre-iniciativa” — lemas seguidos
como mantras pelo atual CEO da Abril e publisher de VE-
JA, Fabio Carvalho, que recebeu Campos Neto na semana
passada com a convicção de estar promovendo as institui-
ções democráticas do país. ƒ

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ENTREVISTA ROBERTO CAMPOS NETO
CRISTIANO MARIZ

“A LUTA NÃO
ESTÁ GANHA”
Alvo de críticas de Lula, o presidente do BC diz que
a inflação ainda requer cuidados, sustenta que a
autonomia do banco é uma evolução institucional
e elogia o esforço do governo na área fiscal

RICARDO FERRAZ

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NO COMANDO do Banco Central, Roberto Campos Neto,


54 anos, mantém noite e dia os olhos sobre as curvas da in-
flação, que ele tem por missão controlar. É desse equilíbrio
que depende a taxa de juros do país, a Selic, estabelecida por
critérios técnicos, mas que, vire e mexe, adentra a arena polí-
tica — onde não deveria estar. Nos últimos tempos, Campos
Neto recebeu pressão do presidente Lula, à qual não cedeu,
para baixar a taxa. Ela só viria a cair quando o independente
BC avaliou que era hora. Nomeado pelo ex-presidente Jair
Bolsonaro, Campos Neto é conhecido pelo traquejo em lidar
com o Congresso e com quadros políticos de variados nai-
pes. Formado em economia pela Universidade da Califórnia,
nos Estados Unidos, com extensa estrada no mercado finan-
ceiro, o neto de Roberto Campos (1917-2001), que foi minis-
tro do Planejamento de Castello Branco, entre 1964 e 1967, e
agitador-mor da bandeira do liberalismo econômico no país,
pretende voltar à iniciativa privada quando encerrado seu
mandato, em 2024. “Não tenho ambições políticas”, diz nes-
ta entrevista a VEJA. A seguir, os principais trechos.

O voto de Minerva dado pelo senhor em favor da queda de


meio ponto percentual na taxa de juros surpreendeu o
mercado. O que motivou sua decisão? Fiquei surpreso
com a surpresa do mercado. Na reunião anterior do Copom,
já havia uma divisão em torno do que sinalizar em relação
ao próximo encontro. Discutiu-se se íamos deixar a porta
aberta, indicando uma queda futura, ou fechada, sem apon-

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tar nada nessa direção. Eu estava no primeiro grupo, porque


a inflação à época já revelava melhora. A divergência seguiu
parecida entre os conselheiros. Os que queriam a porta
aberta lá atrás, como eu, foram os mesmos que defenderam
agora o corte de meio ponto na Selic.

Foi o primeiro encontro do Copom depois da nomeação


de Gabriel Galípolo para a diretoria de política monetária.
Isso mudou alguma coisa? Nada mudou. A autonomia do
Banco Central prevê novos diretores que, às vezes, têm opi-
niões diferentes. Cabe a seus chefes de gabinete fazer expo-
sições sobre cenário internacional, crédito, inflação, empre-
go e atividade econômica. A gente aplica modelos para tes-

“O atual governo não indicou a


diretoria do BC e tem de conviver
com isso, o que vale também para
o banco. Vários de nossos
quadros estão aprendendo com
essa situação inédita”
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tar diversas trajetórias de juros e seus impactos. No final das


contas, a decisão acaba sendo essencialmente técnica.

Pode-se esperar mais cortes futuros na Selic? Foi con-


senso absoluto que o ritmo para quedas e elevações deve ser
sempre de meio ponto. A luta contra a inflação não está ga-
nha. Uma parte dela se situa ainda bastante acima da meta.
O setor de serviços apresenta melhora, mas não no patamar
que gostaríamos. Esse cenário demanda um ambiente de ju-
ros restritivos. O tamanho do aperto, na verdade, vai depen-
der do desenrolar da economia.

Alguns analistas dizem que o BC demorou para reagir ao


aumento da inflação, em 2020, o que também teria atrasa-
do a derrubada dos juros. Concorda? O Banco Central bra-
sileiro foi o primeiro do mundo a elevar os juros e um dos pri-
meiros a baixá-los. Na comparação com outros BCs, nossa
interpretação da situação global tem se mostrado privilegia-
da. Entendemos que a inflação ia persistir no mundo e que
havia um componente forte de demanda, com a expansão do
consumo em certas áreas. E isso se confirmou. Quando dis-
cuto com outros bancos centrais, a percepção é que o Brasil
atuou de maneira firme e rápida, algo difícil de acontecer so-
bretudo em ano de eleição. Mostramos independência.

O senhor tem sido alvo de críticas severas por parte do


presidente Lula, que já declarou que é “tinhoso” e “não po-

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de achar que é o dono do Brasil”. Como encara esses ata-


ques? Faz parte do processo de autonomia do Banco Central,
que está sendo testado agora. Afinal, é a primeira vez que a
gente tem a conjunção de independência do banco com man-
datos não coincidentes entre o chefe do Executivo e a autori-
dade monetária. O presidente ganhou de forma democrática
e é seu direito tecer críticas. Mas não custa lembrar que dete-
nho apenas um voto entre nove conselheiros do Copom.

Muitas críticas foram pessoais. Não machucaram? Não.


Eu estava mais ou menos preparado. Outros países passa-
ram por fenômenos parecidos. Durante algum tempo, Jero-
me Powell, o presidente do banco central americano, tam-
bém foi duramente criticado pelo ex-presidente Donald
Trump. Depois, as coisas se acomodaram.

Segundo alguns economistas, há janelas de oportunidade


em que o BC teria condições de sustentar juros mais bai-
xos, por um período curto, como forma de estimular o
crescimento. Como enxerga essa possibilidade? O objeti-
vo principal do banco é controlar a inflação com o mínimo
de impacto no crescimento, no emprego e no crédito para
as empresas. Poucos países reduziram a inflação da forma
como o Brasil fez. O PIB e o crédito foram revisados para
cima, e a taxa de desemprego está melhor do que antes da
pandemia. Foi um pouso suave, sinal de que o trabalho vem
sendo bem-feito.

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O senhor tem receio de que essa política venha a ser al-


terada após o fim do seu mandato? Não acredito. Se a no-
va linha de pensamento for muito diversa do atual sistema
de metas da inflação, o quadro técnico vai indicar que esse
é um rumo equivocado. Sempre haverá debate, mas, inde-
pendentemente de quem se sentar na cadeira, o trabalho
vai ser pragmático e se dar sob a influência dos excelentes
quadros do BC.

A relação de um Banco Central autônomo com o governo


tem sido mais difícil no governo Lula do que no Bolsona-
ro? O atual governo não elegeu o corpo de diretores do BC
e está tendo de conviver com isso o que vale também para

a instituição, que está aprendendo com a situação. O saldo


será um ganho institucional valioso à sociedade brasileira.
Os dois lados estão se adaptando a uma situação inédita.

Recentemente, circularam notícias de que o senhor aju-


dou Jair Bolsonaro na campanha presidencial, desenvol-
vendo um agregador de pesquisas eleitorais que era divul-
gado ao mercado. Isso ocorreu? Se o antigo governo preci-
sasse de minha consultoria nessa área, estaria em maus len-
çóis. Não entendo nada de política. Chega a ser engraçado
ler essas notícias. Nunca conversei com o Bolsonaro sobre
pesquisa nem com marqueteiros dele sobre qualquer assun-
to. O BC subiu os juros até três meses antes do pleito, colo-
cando-os em um patamar elevado justamente para ter certe-

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za de que no próximo mandato poderiam baixar, quem quer


que vencesse a disputa. É preciso deixar os factoides de lado.

Mas há um fato objetivo: em maio de 2022, o senhor se


encontrou com o então presidente Bolsonaro em uma re-
união não divulgada nas agendas oficiais. Do que trata-
ram? Acho que foi para discutir o Plano Safra, de incentivo
ao agro. De vez em quando, Bolsonaro me chamava. Se o
presidente Lula fizesse o mesmo, também iria. Horas de-
pois daquele encontro com Bolsonaro, aliás, a gente subiu
os juros em 1 ponto percentual, o que indica que o BC atuou
de forma autônoma e assim vai continuar.

O senhor e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fa-


zem questão de explicitar que mantêm uma boa relação.
Se falam todo dia? Não chega a tanto, mas sempre tive-

“Meu avô (Roberto Campos) repetia


que não gostaria de me ver seguindo
o seu caminho. Acabo o meu mandato
no banco e volto à iniciativa privada.
Não tenho ambição política”
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mos boa interlocução. O ministro está tentando executar


um trabalho difícil na parte fiscal. Historicamente, o país
tem dificuldades de cortar gastos de forma estrutural. Ve-
jo um esforço do governo nessa linha. Agora, terá de apro-
var medidas para aumentar a arrecadação e é aí que ob-
servamos alguma incerteza. É necessário haver harmonia
entre os dois lados.

O déficit do governo no primeiro semestre já supera os 40


bilhões de reais. O arcabouço será suficiente para colo-
car o país no azul, como prometido para o ano que vem?
O governo está dizendo que vai empatar despesas e receitas
em 2024. Já o mercado acredita em um déficit em torno de
0,8% do PIB. Mesmo que o superávit primário não seja
igual a zero, se o governo mostrar um empenho nessa dire-
ção, consegue ganhar tempo. Em algum momento, porém,
teremos de enfrentar o fato de o Brasil apresentar um eleva-
do aumento de gastos, em termos reais, na comparação com
o mundo emergente e com o patamar desejável para que o
arcabouço funcione a longo prazo.

Há quem defenda que um crescimento mais acentuado


ajudaria na parte fiscal, o que justificaria uma queda
maior nos juros. Faz sentido? Juros não são causa, são
consequência. Vários governos caíram na tentação de acre-
ditar que uma inflação um pouquinho maior ajudaria o
quadro fiscal e permitiria fazer programas de transferência

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de renda para os pobres. Isso cria uma sensação aparente


de melhoria, mas quem acaba pagando pela inflação são os
que estão na camada de baixo da pirâmide social. O pior é
que esse ciclo perverso, repetido em lugares como Argenti-
na e Turquia, acaba gerando uma espiral de falta de credi-
bilidade na moeda.

Quais os impactos econômicos que pagamentos digitais


como o Pix e o futuro Drex podem trazer? O BIS, que é
uma espécie de Banco Central dos bancos centrais, mostra
em um estudo que o Pix estimulou a abertura de 9 milhões
de contas bancárias e deu impulso à formalização do tra-
balho. Pequenas empresas que têm itens de baixo valor
também puderam se viabilizar. Os bancos estão animados
com o Pix, porque pode ser usado para colocar mais pro-
dutos financeiros à disposição, como financiamentos e pa-
gamento programável. Até o governo está economizando
uma fortuna. Antes se cobrava imposto através dos ban-
cos. Hoje o contribuinte paga suas taxas via moeda digital,
que sai de graça à União.

Na Argentina, o candidato à Presidência à frente na cor-


rida eleitoral, Javier Milei, defende a dolarização da eco-
nomia e a extinção do Banco Central. Como vê essa pro-
posta? Milei entende que o Banco Central fez mais mal do
que bem à Argentina porque emitiu dinheiro e desvalori-
zou a moeda, quando na verdade a instituição só instru-

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mentalizou uma política de governo. Para promover a do-


larização, é preciso que o peso seja barato o suficiente pa-
ra que a moeda americana ingresse no país de forma rápi-
da. Agora, se a desvalorização for muito aguda, pode aca-
bar acentuando a pobreza.

O senhor pretende cumprir o mandato até o fim de 2024?


Sim, fico no cargo. Acho que devo isso a todos os que acre-
ditaram no projeto da autonomia do BC. Esse não é um as-
sunto meu. É uma pauta institucional do país.

Seu avô, Roberto Campos, teve longa trajetória política.


Pensa em seguir seus passos? Não, e meu avô concorda-
ria. Ele repetia o tempo todo que não queria isso para mim.
Depois do BC, planejo voltar ao mundo privado. Não tenho
ambição política. ƒ

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IMAGEM DA SEMANA

A DEMOCRACIA RESISTIRÁ?

AS CENAS foram exóticas e lamentáveis. Era o triste


retrato da crise que tomou conta do Equador, motivada
pela violência extrema de facções criminosas que
disputam o controle de extensos territórios e pela perda de
apoio político do atual presidente, Guillermo Lasso. No
domingo 20, dia em que 13,4 milhões de pessoas foram às
urnas para o primeiro turno da eleição presidencial,
RODRIGO BUENDIA/AFP

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coletes à prova de bala deram a tônica, como se


fosse impossível fazer valer a cidadania sem medo. Depois
que o candidato Fernando Villavicencio foi assassinado,
não havia mesmo outra saída. Postulantes ao cargo, como
o advogado e defensor de direitos humanos Yaku
Pérez (no centro) apareceram protegidos. A disputa final,
prevista para 15 de outubro, reunirá Luisa González,
candidata de esquerda, ligada ao ex-presidente de
esquerda Rafael Corrêa, que obteve a preferência de um
terço do eleitorado, e o bilionário Daniel Noboa Azin, da
corrente liberal, que amealhou 23% dos votos. Seja quem
for o vencedor, a nova (ou novo) presidente terá a difícil
tarefa de reerguer a ameaçada democracia equatoriana —
que parece se salvar, por ora, graças ao Kevlar, cinco
vezes mais resistente que o aço, que defende os
personagens de um país de veias abertas. ƒ

Ricardo Ferraz

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CONVERSA MASAHIRO INOUE

“CARRO NO BRASIL
É MUITO CARO”
O presidente da montadora Toyota na América Latina diz
que o excesso de tributos encarece o preço dos veículos
nacionais e explica por que é difícil fazer os japoneses
entenderem o custo Brasil
DIVULGAÇÃO

CONFIANÇA NO PAÍS Masahiro Inoue: “Meu papel é convencer


a empresa de que vale a pena investir no mercado do Brasil”

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O que mais chamou a sua atenção quando chegou ao


Brasil? Comecei a trabalhar na Toyota em 1987. Em
1992, me mandaram para o Brasil para estudar a econo-
mia local. Cheguei em uma época dificílima, com hiperin-
flação. Todos os dias os preços mudavam. No Japão não
tinha inflação. Levei um susto.

Como essa experiência no Brasil o ajudou profissional-


mente? Ajudou muito na minha carreira. Nem todos os ja-
poneses na Toyota sabem como funciona a economia brasi-
leira ou conhecem a cultura da América Latina.

Como a Toyota enxerga o mercado brasileiro? A pandemia


diminuiu a produção de carros no Brasil por falta de peças. Ago-
ra, estamos em uma época difícil, com correção da oferta e di-
minuição da demanda, além de juros altos. Mas, graças ao mer-
cado externo, nossas fábricas estão produzindo em três turnos.

O programa de subsídio criado pelo governo foi positi-


vo? De fato, precisa haver algo para incentivar a demanda
do consumidor, mas subsídio dura pouco tempo. No médio
e longo prazos, o Brasil deve resolver a questão tributária
para que o crescimento seja sustentável. Carro no Brasil é
mais caro do que em outros países.

Como convencer a matriz da Toyota de que vale a pena


investir no Brasil? Estamos lutando. Se a Toyota fizer in-

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vestimento errado, o acionista vai pressionar. Por isso, é mais


fácil levar investimentos para China e Estados Unidos. Meu
papel é convencê-los de que vale a pena investir no Brasil.

De que forma faz isso? Ninguém investe em um país pe-


queno que não tem indústria de peças. O Brasil possui isso
há 100 anos. Esse é um diferencial crucial. Minha dificul-
dade é que, se não houver clara visibilidade de regula-
mentação, incluindo impostos, não consigo propor proje-
tos para os chefões no Japão. ƒ

Pedro Gil

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DATAS
SERGIO DUTTI

VOCAÇÃO POLÍTICA
O economista mineiro Francisco Dornelles parecia fa-
dado para a política, era o que se podia intuir de suas ori-
gens. Seu pai era primo de Getúlio Vargas. O tio, Ernesto,
fora governador do Rio Grande do Sul. Era sobrinho de

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Tancredo Neves — e convém lem-


CARREIRA brar que o primo, Aécio Neves, der-
Francisco Dornelles: rotado por Dilma Rousseff nas elei-
ministro da Fazenda de ções de 2014, teve imensa relevância
José Sarney em 1985 como um dos grandes nomes do PS-
DB, até sucumbir em acusações de
corrupção. Era natural, portanto, que
seguisse a trilha dos corredores de
Brasília. Formado em finanças públi-
cas na França, com especialização
em tributação internacional nos Es-
tados Unidos, foi chamado, em 1979,
para cuidar da Receita Federal (em
sua gestão nasceu a figura hoje oni-
presente do Leão do Fisco).
Quando o vento democrático so-
prou, em 1985, na Nova República, ele
surgiu como nome do PFL, de oposi-
ção ao vitorioso PMDB de Tancredo,
como indicação para o Ministério da
Fazenda. Apesar da gritaria, foi empossado na equipe de Jo-
sé Sarney. Ficaria no posto apenas seis meses. Ele seria tam-
bém ministro do Trabalho e do Desenvolvimento, Indústria
e Comércio de FHC, senador e vice-governador do Rio de
Janeiro, em 2016 — assumiria o cargo de titular quando
Luiz Fernando Pezão adoeceu. Morreu em 23 de agosto, aos
88 anos, no Rio, de causas não reveladas.

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THOMAS SAMSON/AFP
VIGILANTE Jean-Louis Georgelin: o
general da restauração da joia gótica

O SENHOR DA NOTRE-DAME
A Catedral de Notre-Dame, em Paris, é tão relevante para
a história e a cultura da França — e da civilização cristã —
que coube a um ex-chefe das Forças Armadas, general de
cinco estrelas, a coordenação das obras de reconstrução de-
pois do incêndio de 2019. A missão, decidida pelo presidente
Emmanuel Macron, coube a Jean-Louis Georgelin. Ho-
mem rigoroso, afeito a detalhes, Georgelin barrou as ideias
de modernização da igreja, toques contemporâneos que con-
viveriam com a arquitetura gótica da obra, realizada entre os
séculos XII e XIV. “Vamos reconstruí-la idêntica ao projeto
original, com recursos do século XXI”, dizia. A reinaugura-
ção está prevista para o primeiro semestre do ano que vem, a
tempo da Olimpíada de Paris. Georgelin morreu ao escalar
os Pireneus, em 18 de agosto. Ele tinha 74 anos.

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A VOZ DE UMA
GERAÇÃO
Poucas publica-
ções brasileiras se-
guiram tanto o hu-
mor de seu tempo
quanto Capricho, da
Editora Abril, que
publica VEJA. Lan-
çada em 1952, como
coletânea de fotono-
velas, antes da televi-
são, ela hoje é uma
ARQUIVO PESSOAL

dos mais bem-suce-


didos títulos da inter-
net, adorada por jo- DO LADO DAS
vens nas redes so- ADOLESCENTES Mônica:
ciais. Nos anos 1990, diretora de Capricho nos anos 90
de profundas trans-
formações na sociedade brasileira, a revista foi dirigida
por Mônica Figueiredo. A jornalista, criativa e expansi-
va, levou para as páginas de Capricho temas que as jovens
adolescentes começavam a conhecer: o sexo, a menstrua-
ção, o próprio corpo. Em uma capa icônica, pôs Luana
Piovani incentivando o uso de preservativos. Mônica
morreu em 20 de agosto, aos 67 anos, em Lisboa, em de-
corrência de um câncer no pulmão. ƒ

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FERNANDO SCHÜLER

O DESAFIO DE
NOSSA ÉPOCA
ACHEI SENSACIONAL a decisão do Elon Musk de insta-
lar a nova unidade da Tesla em Antares, no meu Rio Gran-
de. Tenho uma memória afetiva da cidade, dos Cambará,
daquele mundo heroico que hoje se tornou moderno, com
alto capital humano, tecnologia e uma rede de universida-
des no entorno. Os ganhos são evidentes. Haverá muito em-
prego, o poder público vai arrecadar mais e com isso (se os
políticos não fizerem muita besteira) melhorar a vida da ci-
dade. A empresa vai investir em infraestrutura e haverá um
boom no comércio, na área tecnológica e mesmo no turis-
mo. Só tem um problema. Vai aumentar a desigualdade.
Com uma penca de executivos, novos empreendedores, en-
genheiros e fornecedores indo para lá, a diferença entre a
renda média do “top 1%” da cidade e os 50% com menor
renda vai aumentar. Isso inflamou o debate da cidade. Sur-
giu inclusive um movimento “contra a desigualdade”, que
listou 442 itens em que as “disparidades econômicas” irão
crescer. Uma escola americana para atender as famílias es-
trangeiras? Aumento da assimetria educacional. Restauran-

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te Michelin abrindo na cidade? Mas e a disparidade gastro-


nômica? O pessoal favorável diz que nada disso tem impor-
tância. Não vai ter mais emprego? Investimento? As chan-
ces das pessoas não vão aumentar? O movimento não arre-
da pé. E seus gráficos são poderosos: a diferença entre a ren-
da do primeiro e do último decil de renda vai mais do que
dobrar. Não tem jeito. A confusão está armada.
Infelizmente, é tudo ficção. Antares só existe na obra fan-
tástica de Érico Veríssimo, ainda que seja verdade que faça
parte de minha memória afetiva. Mas o debate que a história
sugere é perfeitamente real. Me dei conta disso quando lia,
por esses dias, sobre mais um desses “movimentos contra a
desigualdade”, que surgem por aí de tempos em tempos. A re-
tórica sobre a “desigualdade” se tornou um carro-chefe de
boa parte de nosso mundo político. Ainda agora, na cúpula
do Brics, Lula disse que “o mundo está cada vez mais desi-
gual”, com a riqueza “concentrada nas mãos de menos gente e
a pobreza de mais gente”. A frase vale tanto quanto bolinhas
coloridas. A pobreza global, medida pelo número de pessoas
que vivem com menos de 2,15 dólares ao dia, caiu 78% de
1990 para cá, segundo dados do Banco Mundial. A quantida-
de de crianças sem educação primária caiu 38%, e há uma to-
nelada de dados nessa mesma direção. Mas esse não é o pon-
to. A retórica da “desigualdade” é onipresente, e cumpre um
papel político. Mas ela faz sentido? Ela realmente diz respeito
a algo que consideramos eticamente crucial, ou é apenas um
tipo de retórica que pega bem em uma reunião do Brics, nu-

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VIDA REAL O filósofo Harry Frankfurt: há diferença


entre a classe média e os muito ricos?

ma campanha ou naquele movimento barulhento que afugen-


tou o Elon Musk de Antares, na minha história?
Quem percebeu isso com rara clareza foi o filósofo Harry
Frankfurt, de Princeton, falecido no mês passado. Em um mag-
nífico livro, chamado The Importance of What We Care About,
Frankfurt faz a pergunta: haveria algum problema com a dife-
rença de renda entre pessoas de classe média, que levam uma
boa vida, e os ricos ou muito ricos? Vamos imaginar. Haroldo é
meu colega professor e ganha 10 000 reais, um pouco acima da
LAURA PEDRICK

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“É o caminho mais
difícil: superar
com urgência
a pobreza”
renda média dos 10% mais ricos no Brasil. Luciano joga no Fla-
mengo e ganha vinte vezes esse valor. Alguém acha que existe
um problema ético na diferença entre a renda dos dois? Lucia-
no tem acesso a certos luxos de que Haroldo não dispõe. Pode
ir a uma balada em Ibiza, o que é basicamente irrelevante. Ha-
roldo terá de fazer contas e comprar a prazo, se quiser viajar,
mas terá uma chance real de crescer, pôr os filhos em uma boa
escola e viver uma vida com significado. E é isso o essencial.
O problema surge quando colocamos os mais pobres na
equação. Quando pensamos em João, que trabalha na constru-
ção civil, recebe um salário-mínimo e os filhos estudam em
uma escola ruim, não tem a mais remota relevância que a dife-
rença de sua renda seja de 9 000 reais, em relação a Haroldo,
ou 199 000 reais, em relação a Luciano. O problema é que ele
não tem o suficiente para viver a vida que merece viver. Não
tem chance de crescimento, vive na angústia de fechar as con-
tas do mês e o bairro em que mora não tem a mínima infraes-
trutura. Sua situação nada tem a ver com a melhor ou pior con-

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dição dos demais. Ela é em si mesma o problema, e é nisso que


deveríamos concentrar nosso foco, diz Frankfurt.
“Não é sexy falar em pobreza”, me disse um colega, um tan-
to irônico. Nelson Rodrigues teve a mesma intuição, dizendo
nunca ter visto uma “passeata de analfabetos” no Brasil. Os
muito pobres estavam fora do jogo. O barulho em torno da de-
sigualdade vai na mesma toada. Gera algum frisson, no mundo
político, mas nos desvia do essencial: como melhorar de fato a
condição de vida dos mais pobres. Como formar pessoas, urba-
nizar áreas degradadas, que chamamos de “favelas”, “vilas”,
“comunidades”, onde a propriedade não é regularizada, os ser-
viços de infraestrutura não chegam e a violência é o pão de ca-
da dia. Por esses dias, me surpreendi (não deveria) observando
a ausência de qualquer ideia ou programa estruturado sobre co-
mo resolver o problema da favelização no Rio de Janeiro, o
mesmo ocorrendo em boa parte do país. É o mesmo com os
30 000 ou 40 000 moradores de rua em São Paulo. Apenas
com o recurso que torramos com o inútil fundão eleitoral, ou o
benefício fiscal dado alegremente às empresas aéreas ainda há
pouco, dava para gerar uma solução estrutural para o proble-
ma daquelas pessoas. Se, por óbvio, alguém estivesse efetiva-
mente preocupado com isso, o que eu realmente duvido.
Se alguém quiser se preocupar com a riqueza, uma boa di-
ca é observar como ela é produzida. Quando o empreendedor
israelense Uri Levine criou o Waze, em 2007, melhorou a vida
de meio mundo, ajudando as pessoas a se orientarem no trân-
sito de nossas cidades. É por isso que, seis anos depois, o Goo-

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gle comprou o aplicativo por 1,1 bilhão de dólares. Levine vi-


rou bilionário, é possível que tenha aumentado a desigualdade
de renda em Israel, mas e daí? Ele produziu uma enorme quan-
tidade de valor em uma economia aberta, e é esse o padrão de
geração de riqueza que devemos celebrar. Coisa inteiramente
diferente é a riqueza que vem do lobby em Brasília que inven-
tou os cupons para comprar carro zero, ou a superelite do se-
tor público, ganhando acima do teto constitucional. É com es-
sa riqueza, fruto da captura, do compadrio político, e não da
geração de valor na sociedade, que deveríamos nos preocupar.
Erradicar a pobreza é o desafio civilizatório de nossa época,
tanto quanto foi o fim da escravidão, no século XIX. Kwame
Appiah diz que a escravidão só sucumbiu quando perdeu sua
“dignidade”. É isso. O que hoje nos causa horror um dia foi tra-
tado como digno por boa parte de nossa elite. Talvez deva ser
assim com o tema da miséria. Enquanto não compreendermos
a indignidade de um país com 33% das pessoas vivendo abaixo
da linha de pobreza, não iremos muito longe. Por isso me lem-
brei de Harry Frankfurt. Enquanto todos parecem excitados
olhando para os lados, fazendo retórica fácil, ele sugere mergu-
lhar na vida real dos mais pobres. Dignificar não a pobreza,
mas a urgência de sua superação. É o caminho mais difícil, e o
mais sem graça, no mundo do entretenimento político. Mas é o
que nos pode devolver alguma civilidade, como país. ƒ

Fernando Schüler é cientista político e professor do Insper

ƒ Os textos dos colunistas não refletem


necessariamente as opiniões de VEJA

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SOBEDESCE

SOBE
ALUGUÉIS
O aumento médio dos preços de
locações no país nos últimos doze
meses até julho foi de 16,27%,
segundo a FipeZap.

ESPANHA
A seleção feminina de futebol
do país europeu conquistou
a Copa do Mundo ao bater
na final o time da Inglaterra.

MUSSUM, O FILMIS
A cinebiografia dedicada ao sambista
e humorista de Os Trapalhões foi a
grande vencedora do 51º Festival de
Cinema de Gramado. O longa recebeu
os prêmios de melhor filme pelo júri
popular e de melhor ator.

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DESCE
MARINA SILVA
Contrária à exploração de petróleo na
foz do Amazonas, a ministra sofreu
uma derrota com o parecer da AGU
que deu sinal verde à atividade.
O caso ainda depende
do aval do Ibama.

CARNE DE LABORATÓRIO
Itália e Uruguai pretendem proibir
esse tipo de alimento, sob o
argumento de que os efeitos do
produto para a saúde humana
ainda são desconhecidos.

LUCAS PAQUETÁ
O jogador da seleção brasileira é
acusado de envolvimento num
escândalo de manipulação de
apostas na Inglaterra.

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VEJA ESSA
INSTAGRAM @JENNIHERMOSO

“Não gostei.”
JENNI HERMOSO, jogadora de futebol da
seleção da Espanha, campeã do mundo, ao ser beijada
na boca pelo cartola Luis Rubiales, na cerimônia de
entrega das medalhas e da taça. O dirigente estava
cai-não-cai depois do lamentável episódio.

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“Ah, se eu tiver você no meu prazer.


Se eu pudesse ficar com você, todo
momento, em qualquer lugar.”
JOSÉ MUCIO, ministro da Defesa de Lula, na canção
Dedicado a Você. Ele acaba de subir nas plataformas
digitais o álbum Pra Quem Eu Gosto, gravado em 2014,
coletânea de sambas-canção e boleros

“Tenha compostura de presidente.


Você perdeu a compostura e quem
perde a compostura não tem
condições de liderar.”
NONATO BANDEIRA, da Paraíba, dirigente
do partido Cidadania, aos berros, contra o presidente
da sigla, Roberto Freire. A altercação foi gravada
em vídeo e circulou nas redes sociais
“O que pretendem é me expulsar
do partido. Querem me tirar, porque
querem aderir ao governo Lula.”
ROBERTO FREIRE, no contra-ataque

“A gente acha que está preparada, mas não


tem preparação para a morte.”
MARIETA SEVERO, atriz, ao comentar a morte do marido, o
diretor de teatro Aderbal Freire Filho, aos 82 anos.
As cinzas dele foram plantadas em um canteiro
no Teatro Poeira, no Rio de Janeiro

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“Não é como se o tempo todo você pulasse


de alegria. A felicidade é mais uma linha
de base. É para onde você volta após
altos e baixos, alegrias e tristezas.”
MATTHIEU RICARD, monge budista francês, best-seller
internacional, chamado de “o homem mais feliz do mundo”

“Vamos prestigiar essa galera, porque


eles trabalharam para caramba para que
a gente tenha o privilégio de subir no
palco hoje. Eles foram presos, exilados,
passaram pela p.... toda.”
XANDE DE PILARES, em entrevista para o site de
VEJA, homenageando a geração de Caetano Veloso.
Ele acaba de lançar um álbum em que regrava
clássicos do cancioneiro do compositor baiano

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TWITTER @ANITTA

“Eu me fiz sozinha, conquistei


tudo o que tenho sem a ajuda
de nenhum homem.”
ANITTA, instada a comentar o namoro com o ator italiano
Simone Susinna, famoso na Europa

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RADAR
ROBSON BONIN

Com reportagem de Gustavo Maia,


Nicholas Shores e Ramiro Brites

É golpe! passos do PT, que já recor-


Com Jair Bolsonaro inelegí- reu ao órgão em várias si-
vel, o PL de Valdemar Cos- tuações, inclusive no caso
ta Neto decidiu contratar do impeachment de Dilma
um escritório de advocacia Rousseff, em 2016.
nos Estados Unidos para
denunciar o “golpe” contra Discurso conhecido
o ex-presidente na... OEA. Alvo de diferentes investi-
Segue, ironicamente, os gações por crimes cometi-
ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA/AG. O GLOBO

NOS EUA Costa Neto: cacique vai denunciar “golpe”


contra Bolsonaro na OEA

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dos na Presidência, Bolso- Nada escrito


naro quer trilhar o cami- Frederick Wassef e Bolso-
nho percorrido por Lula naro, diz um aliado, só fala-
contra a Lava-Jato, dizen- vam ao telefone por chama-
do-se vítima de uma cons- da de áudio. A conferir.
piração para tirá-lo da po-
lítica. Na OEA, reclamará Outra confissão
de violações de direitos hu- Gabriela, mulher de Mauro
manos — já definidos por Cid, pode buscar um acor-
ele como “esterco da vaga- do de não persecução penal
bundagem” — e de princí- com a PGR no caso dos cer-
pios... democráticos. tificados falsos de vacina.

Cortesia petista Falou demais


Investigado no STF por Cezar Bitencourt assumiu a
omissão na pandemia, defesa de Mauro Cid fazen-
Eduardo Pazuello pediu e do barulho, mas não deve
conseguiu que a AGU de durar no posto.
Jorge Messias faça sua defe-
sa no Supremo. Ela não desiste
Lindôra Araújo deu parecer
Pacto de silêncio favorável ao pleito de Sér-
Bolsonaro, Michelle e mais gio Cordeiro, ex-segurança
seis vão depor no caso das de Bolsonaro preso desde
joias. A PF, no entanto, terá maio, para que o plenário
um obstáculo: todos devem do STF revise ordens de
permanecer calados. Alexandre de Moraes.

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Maçãs podres nomes para a vaga de Rosa


José Múcio pediu ao che- Weber com a ministra no
fe da CPMI do 8 de Janei- cargo. Ou seja: definição só
ro, Arthur Maia, que a co- em outubro.
missão mire só os milita-
res golpistas: “Não conde- Supremo arsenal
ne o Exército”. O STF decidiu comprar 21
cofres para guardar as ar-
Perto do fim mas de sua força de segu-
A CPMI quer concluir de- rança no tribunal.
poimentos e investigações
até 15 de outubro. Depois, Festa cívica
é ler o relatório e indiciar Coordenando o desfile de 7
Bolsonaro e mais uma fila de setembro, Paulo Pimen-
de militares. ta tem dito que quer uma
festa para “valorizar as For-
Futuro nebuloso ças Armadas, sem política,
Ministros do STF avaliam mas valorizando o papel da
que a perda de mandato é instituição para o país”.
a pena “provável” para
Carla Zambelli, agora ré Prazo de validade
por porte ilegal de arma. Na mira do Centrão, Geral-
A conferir. do Alckmin recebeu garan-
tias do Planalto de que fica
Devagar, devagarinho no comando do Desenvol-
Lula garantiu a ministros vimento, “pelo menos”, até
do STF que não indicará o fim do ano.

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Em observação
Chefe da Agricultura, Car-
los Fávaro já foi mais popu-
lar no Planalto. Teve uma
dura conversa com Alexan-
dre Padilha.

Cadê a diplomacia?

FÁTIMA MEIRA/FUTURA PRESS


A Cúpula do Brics teve um
forte embate entre Brasil e
China. Na reunião de chan-
celeres, Mauro Vieira bateu FIRMEZA Mauro Vieira:
de frente com o seu par chi- chanceler bateu de frente
nês ao defender uma mani- com chineses no Brics
festação do bloco em defesa
da reforma do Conselho de registrou: “Apoiamos uma
Segurança da ONU, um reforma abrangente da
pleito brasileiro. ONU, incluindo o seu Con-
selho de Segurança, para
O chanceler venceu torná-lo mais democrático”.
A China queria tratar ape-
nas do anúncio da expansão Mais um esqueleto
do Brics, sem misturar com Investigação da CGU apon-
a ONU. Como Vieira não re- ta “distorções” de 698 mi-
cuou, o tema precisou ser lhões de reais nas contas da
arbitrado pelos presidentes. Ebserh, a estatal que gere
No fim, a carta do encontro hospitais universitários da

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União, em 2022, último ano ria no Senado, Eduardo


da gestão Bolsonaro. Braga reservou boa parte
da próxima semana para
Caminho das pedras ouvir empresários e gover-
Patrícia Ellen, da Aya nadores. É tanto “senta e le-
Earth Partners, levou re- vanta”, que o senador ma-
centemente a Fernando chucou o joelho e tem tra-
Haddad um plano de tran- balhado com dores.
sição ecológica que prevê,
entre outras ideias, a cria- Revolta das bancas
ção de um fundo para fi- Voz crítica ao texto da Câ-
nanciamento verde que ex- mara, Oriovisto Guima-
plore créditos fiscais de rães tem recebido uma on-
empresas, estimados em da de queixas de advoga-
800 bilhões de reais. dos, que se sentem penali-
zados na reforma.
Transição verde
A ideia é que o governo ava- Nem todo mundo é feliz
lize os créditos como garan- Levantamento da CNI
tia, o BNDES administre o mostra que o otimismo
fundo, e o país tenha uma com a economia tomou
linha barata de financia- conta de todos os setores
mento de transição ecológi- da indústria, menos um: o
ca. A coisa está avançada. têxtil. O pessimismo, se-
gundo a entidade empresa-
Sacrifício pessoal rial, é fruto da isenção de
Relator da reforma tributá- impostos federais para

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NA JUSTIÇA
Gabi: mulher
registrou queixa
na delegacia
contra a cantora
INSTAGRAM @GABIMARTINS

compras internacionais de rams e Ellie Wyatt, que pro-


até 50 dólares. porciona leitura imersiva.

Para ler e dançar Procura-se


O grupo Ediouro vai lançar, A Justiça tenta notificar a
na Bienal do Livro, um novo ex-BBB Gabriela Martins.
selo: Livros da Alice, voltado Uma mulher deu queixa na
para leitores jovens. A primei- delegacia dizendo que teria
ra obra da franquia será o pre- sido ameaçada pela canto-
miado As Músicas que Você ra. O B.O. virou processo. A
Nunca Ouviu, de Becky Je- audiência é em outubro. ƒ

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BRASIL POLÍTICA

A TROPA
ENVERGONHADA
Envolvimento de oficiais em escândalos sob
Bolsonaro deixa as Forças Armadas na defensiva
e inspira movimento para preservar a instituição

VALMAR HUPSEL FILHO E BRUNO CANIATO


CLAUDIO REIS/FRAMEPHOTO/AG. O GLOBO; SERGIO LIMA/AFP; REPRODUÇÃO; TEN ENILTON/AFA

CAPA: ILUSTRAÇÃO DE RICA RAMOS

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N
os últimos dias, o comandante do Exército, general
Tomás Miguel Paiva, fez circular nos quartéis a Or-
dem Fragmentária nº 1, uma espécie de carta com
as diretrizes de sua gestão, que começou em janeiro
deste ano. Esse tipo de documento é usado, segun-
do o Glossário das Forças Armadas, para “enviar instruções
separadas a uma ou mais unidades ou elementos subordina-
dos, determinando a parte que cada uma deverá desempe-
nhar no cumprimento de um plano de operações”. O texto
deixa claro que o Exército é “uma instituição de Estado,
apartidária, coesa e integrada à sociedade” e que é preciso
“intensificar as ações que contribuam para a proteção e o
fortalecimento da sua imagem e reputação”. O que chamou
a atenção, no entanto, foi o seu conteúdo e o contexto em
que foi divulgado. As orientações chegaram ao conhecimen-
to público no momento em que as Forças Armadas, tradicio-
nalmente bem avaliadas pela população, sofrem um forte
desgaste em meio aos recorrentes casos de envolvimento de
oficiais graduados em escândalos em uma série de malfei-
tos. Dessa forma, o texto do general Paiva representa uma
espécie de “meia-volta, volver”, uma ordem para deixar cla-
ra a intenção de recuar no movimento de avanço de atuação
política dos militares, sendo que o pino dessa granada insti-
tucional foi tirado e provocou enormes efeitos colaterais du-
rante os anos Bolsonaro, respingando na moral da tropa.
A Ordem Fragmentária foi assinada na sexta-feira 18, um
dia após VEJA publicar reportagem de capa na qual relatava

2 | 18
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MARCHA
ERRADA
Os piores
momentos
da atuação
de militares
no governo
Jair Bolsonaro

2 019 20 1 9

REV I S I ON IS M O C O CA Í NA E M
H I ST Ó R I C O VO O DA FA B
O Ministério da Defesa O sargento Manoel Silva
divulga ordem do dia na Rodrigues foi preso em
qual dizia que no golpe Sevilha (Espanha) com
de 1964 as Forças 37 quilos de cocaína pura
Armadas apenas em um voo da FAB que
haviam interrompido integrava a estrutura de
“a escalada em direção apoio à viagem de
ao totalitarismo” Bolsonaro ao Japão

CLAUDIO REIS/FRAMEPHOTO/AG. O GLOBO; SERGIO LIMA/AFP; REPRODUÇÃO; TEN ENILTON/AFA

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2 020 20 20/2 1

A ME A ÇA E S PE C I A L I STA
AO ST F EM LO G Í ST I CA
Diante do risco de Com o general Eduardo
apreensão do celular de Pazuello no comando
Bolsonaro, o general durante a pandemia,
Augusto Heleno (GSI) emitiu a Saúde trocou os lotes
nota dizendo que a medida de vacina do Amazonas
teria “consequências e do Amapá e permitiu
imprevisíveis para a a angustiante falta de
estabilidade nacional” oxigênio em Manaus

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202 1 20 2 1

F Á BR I CA D E F ROTA
C LO RO Q UI NA F U M E G A N TE
Inspirados pela ideia fixa No dia em que o Congresso
de Bolsonaro, o votaria a PEC do voto
laboratório do Exército no impresso, a Marinha
RJ produziu 3,2 milhões desfilou com tanques e
de comprimidos de blindados em frente ao
cloroquina, doze vezes Palácio do Planalto —
mais que a produção o fumacê dos velhos
usual do medicamento veículos virou piada

5 | 18
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202 2 20 22 /23

C OM P R A S Q G DO
S US P E I TA S G O L PE
Foram revelados contratos Área do quartel-general
para 35 000 comprimidos do Exército em
de Viagra, 60 próteses Brasília virou um
penianas infláveis e grande acampamento
remédios contra a calvície bolsonarista, que serviu
— além de 56 milhões de de base para o ataque
reais em filé-mignon, golpista às sedes dos Três
picanha e salmão Poderes em 8 de janeiro

6 | 18
CLUBE DE REVISTAS

2 02 2 20 23

UM CR I MI NO S O FA MÍ L I A
E NTR E NÓS E M A PU RO S
O hacker Walter Delgatti O tenente-coronel Mauro
Neto foi ao Ministério da César Cid, ex-assessor
Defesa conversar sobre de Bolsonaro, é suspeito
a confabulação para de fraudar cartões de
desacreditar a eleição — vacina e vender joias da
ele diz que foi recebido Presidência. Seu pai, o
até pelo então ministro general Mauro Lourena
Paulo Sérgio Nogueira Cid, também é alvo da PF

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CLUBE DE REVISTAS

que o advogado do tenente-coronel Mauro César Cid, aju-


dante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, afirmara
que seu cliente iria admitir que vendeu joias recebidas pela
Presidência em viagens oficiais por ordem do ex-chefe, a
quem teria repassado o dinheiro. Os negócios suspeitos com
bens públicos já haviam motivado no início do mês uma ope-
ração da Polícia Federal em endereços ligados ao militar e a
seu pai, o general de quatro estrelas Mauro Lourena Cid,
também investigado. Mauro Cid já estava preso desde maio
por supostamente ter falsificado cartões de vacina contra a
Covid-19 para ele, familiares e Bolsonaro. Foi nessa condição
que ele foi fardado depor na CPMI do 8 de Janeiro, mas ficou
calado, em situação constrangedora para as Forças Arma-
das. Se não bastasse, na mesma semana, o hacker Walter
Delgatti Neto, também na CPMI, envolveu o então ministro
da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, em uma trama
golpista ao dizer que esteve cinco vezes no ministério no fi-
nal de 2022, quando se reuniu com o general para discutir
formas de pôr em xeque o resultado da eleição. A parceria
entre um criminoso, que acabou de ser condenado a vinte
anos de prisão por ter invadido celulares de autoridades da
Lava-Jato, e o ocupante do mais alto posto da burocracia mi-
litar foi revelada por VEJA em novembro daquele ano.
O rombo provocado por esses escândalos na imagem das
Forças Armadas foi captado por uma pesquisa da Quaest,
que apontou recuo expressivo na credibilidade da instituição,
um ativo que parecia inabalável até então. O número daque-

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ANDRE COELHO/EFE

EM CASA Bolsonaro, em cerimônia na Academia Militar das


Agulhas Negras: a sua geração chegou ao poder no país

les que confiam pouco superou o dos que confiam muito, e o


percentual que não confia subiu 5 pontos (veja o quadro). “É
claro que os recentes acontecimentos atingem a imagem da
instituição”, aponta o general da reserva Carlos Alberto San-
tos Cruz, que foi ministro no início da gestão Bolsonaro.
A trajetória de Santos Cruz, aliás, ajuda a ilustrar um pouco
o buraco em que os militares se meteram. Ele foi um dos ofi-
ciais de alta patente que deram sustentação ao novo presidente,
um ex-capitão praticamente expulso do Exército por ser um
mau militar. Durou seis meses no cargo e foi demitido após bri-
gar com o filho Zero Dois do presidente, Carlos Bolsonaro.
Hoje chama o ex-presidente de “fanfarrão irresponsável”, que

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CLUBE DE REVISTAS

arrastou militares sérios para a lama. Mas é um certo exagero


sugerir que há inocentes nessa história. A chegada de Bolsona-
ro ao Palácio do Planalto se deu no mesmo momento em que
boa parte dos companheiros dos tempos da Academia Militar
das Agulhas Negras (Aman) ascendia ao topo da hierarquia:
no início do seu governo, nove das quinze cadeiras do Alto-
Comando do Exército eram ocupadas por generais oriundos
das turmas de 1977 (a mesma de Bolsonaro), 1978 e 1979, entre
eles dois que seriam ministros (Walter Braga Netto e Luiz
Eduardo Ramos) e um que seria comandante do Exército (Ed-
son Pujol). Foi em uma formatura na Aman, em 2018, que Bol-
sonaro lançou a candidatura a presidente, aplaudido por cen-
tenas de militares perfilados para ouvi-lo — o gesto foi inter-
pretado como um aval ao seu projeto eleitoral.
Em outros termos, Bolsonaro precisava de apoio, en-
quanto parte da elite dos militares queria retomar protago-
nismo na vida política do país. Logo na posse, o novo presi-
dente enfileirou no ministério três generais, um almirante,
um tenente-coronel e um capitão, além do vice, general Ha-
milton Mourão. Também houve um aumento vertiginoso de
militares em postos de segundo e terceiro escalões. Michel
Temer tinha 2 765 deles em cargos do governo, número que
foi a 6 175 em 2021. Havia militares também em conselhos
das estatais, como Petrobras, Eletrobras, Itaipu Binacional,
Telebras e Correios. A entrada no governo significou ainda
um alto retorno financeiro, já que muitos deles acumularam
os vencimentos militares com os salários de funções civis.

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CLUBE DE REVISTAS

SINAL DE ALERTA
Confiança nas Forças Armadas tem
queda expressiva em agosto

43
CONFIA MUITO 40 41
CONFIA POUCO 39
36
33

23
18
NÃO CONFIA 19

NÃO SABEM/NÃO 3
RESPONDERAM 2 2

JUL/22 DEZ/22 AGO/23

Fonte: pesquisa Genial/Quaest feita entre os dias 10 e 14 de agosto,


com 2 029 pessoas. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais

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CLUBE DE REVISTAS

Se a aliança serviu a Bolsonaro e aos militares, não se po-


de dizer o mesmo em relação ao Brasil. Na pandemia, o país
tinha no comando do Ministério da Saúde um general,
Eduardo Pazuello, cuja suposta qualidade era ser especialis-
ta em logística. Com ele, a pasta mandou lotes de vacina do
Amapá para o Amazonas e vice-versa e mostrou inoperân-
cia em um dos momentos mais angustiantes, o da falta de
oxigênio em Manaus. Em outubro de 2020, quando Bolso-
naro vetou a compra das “vacinas chinesas” da CoronaVac,
o general ilustrou qual era o seu tamanho na crise. “É sim-
ples assim: um manda, o outro obedece”, disse. Perdido en-
tre a estreiteza ideológica e a incompetência, terminou a ges-
tão com quase 700 000 mortos pelo vírus. A relação entre
militares e governo também permitiria tragicomédias, co-
mo a apreensão de cocaína em aeronave da FAB que inte-
grava a comitiva presidencial, na Espanha, e as compras de
Viagra, próteses penianas e remédios contra calvície, além
de 56 milhões de reais gastos em toneladas de picanha, filé-
mignon e salmão (veja o quadro).
O envolvimento político dos militares cruzou a linha do
aceitável também pela maneira como permitiu uma confusão
entre os papéis das Forças Armadas e do governo. Um exem-
plo foi visto em agosto de 2021, quando dezenas de blindados
desfilaram na Praça dos Três Poderes em gesto claro de inti-
midação ao Congresso, que votava a PEC do voto impresso.
Bolsonaro, maior porta-voz da proposta, acompanhou o des-
file no Palácio do Planalto ao lado dos comandantes do Exér-

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CLUBE DE REVISTAS
MATEUS BONOMI/ANADOLU/GETTY IMAGES

EM CAMPANHA Braga Netto: o vice de Bolsonaro


na eleição apoiou golpistas

cito, Marinha e Aeronáutica. Em outro episódio problemático,


o presidente usou as comemorações do 7 de Setembro, uma
data cara aos militares, para atacar o presidente do TSE, Ale-
xandre de Moraes. Alguns oficiais ainda incentivaram ou
participaram de atos na porta de quartéis, com faixas pedindo
a volta da ditadura e o uso do artigo 142 da Constituição, com
a interpretação distorcida de que ele dá às Forças Armadas
poder para fazer uma intervenção para “restaurar a ordem”.
Esses gestos acrescentaram um novo capítulo aos es-
tragos que a movimentação política de oficiais produziu

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JOSÉ CRUZ/AGÊNCIA BRASIL

ALVO Heleno, em CPI no DF: o general também está na mira


de CPMI do Congresso

na história do país. Desde a proclamação da República, li-


derada pelos marechais, até o golpe dos generais em 1964,
esses avanços deixaram feridas difíceis de cicatrizar. Ao
contrário do que ocorreu em países vizinhos, a superação
desses momentos aqui se deu na base do apaziguamento.
Para voltar à caserna após o fim da ditadura, os militares
foram acomodados no novo modelo democrático com be-
nefícios previdenciários, investimentos estratégicos em
defesa e anistia. “Os militares brasileiros não aprenderam
a conviver com a democracia porque nunca responderam

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FÁTIMA MEIRA/FUTURA PRESS

ORDEM Tomás Paiva: em carta, comandante


pede a despolitização do Exército

pelos seus crimes”, diz Lucas Pereira Rezende, professor


de ciência política da UFMG.
A turbulência voltou a ameaçar as relações institucionais
nos anos 2010, marcados pela recessão econômica e pela
onda de protestos contra o establishment político. A instau-
ração da Comissão da Verdade por Dilma Rousseff trouxe à
tona esqueletos que as Forças Armadas tentavam manter no
armário. Foi nesse contexto que Bolsonaro despontou como
porta-voz de saudosistas do antigo regime. “A ascensão dele
caminhou no desalinhamento: governabilidade tensa, abru-

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MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

GESTOS Lula e Múcio: presidente privilegia os militares no


PAC, enquanto ministro tenta individualizar eventuais crimes

talhada, o tempo todo procurando aprofundar os limites da


democracia, provocando até os limites”, diz José Eduardo
Faria, professor titular da Faculdade de Direito da USP.
Cabe agora a Lula, que começou a carreira política na
ditadura, chegando a ser preso por ela em meio às históri-
cas greves do ABC, a complexa tarefa de colocar ordem
na caserna. A tentativa se dá também à base do apazigua-
mento. No lançamento do Novo PAC, o presidente desti-
nou 53 bilhões de reais para as Forças Armadas — mais
do que para educação e saúde. O pacote inclui a constru-

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ARQUIVO/AG. O GLOBO

ALERTA Atentado no Riocentro: radicais tentaram


impedir abertura política

ção de navios e submarinos, a compra e modernização de


aeronaves e o desenvolvimento de mísseis de longo alcan-
ce. No sábado 19, em meio ao fogo alto da crise, Lula reu-
niu os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica e
ouviu deles que as Forças Armadas têm interesse em que
os fatos sejam esclarecidos e as condutas, individualiza-
das. “As condutas investigadas nada têm a ver com o
Exército”, defende o general da reserva Paulo Chagas. O
ministro da Defesa, José Múcio, se encontrou com Flávio
Dino (Justiça), com o diretor-geral da PF, Andrei Rodri-

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CLUBE DE REVISTAS

gues, e enviou ofício a Alexandre de Moraes, do STF, para


tentar, em vão, saber quais militares teriam se encontrado
com o hacker Delgatti na Defesa.
A movimentação para tentar isolar as Forças Armadas
das delinquências pode esbarrar no fato de que as investi-
gações ainda estão em andamento e tendem a arrastar
mais gente fardada. Os outrora poderosos generais pala-
cianos Braga Netto e Augusto Heleno — suspeitos de
apoiar a baderna golpista de 8 de janeiro — e o ex-minis-
tro Paulo Sérgio Nogueira estão na mira da CPMI. Há,
ainda, o risco de resistência à despolitização por parte de
radicais na corporação, uma erva daninha difícil de extir-
par e que sempre provoca problemas. Em 1981, quando o
regime dos generais ensaiava a abertura, um sargento e
um capitão morreram ao tentar explodir bombas no Rio-
centro durante um show musical, com o objetivo de cul-
par a oposição e tumultuar a distensão. Nos anos Bolso-
naro, a cúpula das Forças Armadas produzia ordens do
dia celebrando o golpe de 1964. Hoje, a mensagem aos
quartéis é claramente outra: abandonar a pretensão políti-
ca e defender o que resta de credibilidade das instituições
em meio ao mar de lama. Os desdobramentos das investi-
gações em curso, com possíveis prisões e o aparecimento
de novos investigados, vão testar ao limite a disposição da
tropa em seguir à risca o “meia-volta, volver” do general
Paiva. Para o bem do Brasil, o melhor é que seja mesmo
assim: ordem dada, ordem cumprida. ƒ

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CLUBE DE REVISTAS
BRASIL GEOPOLÍTICA

O RISCO
IDEOLÓGICO
No encontro do Brics, agora em versão
ampliada, Lula oscila entre o pragmatismo e um
discurso que antagoniza com o Ocidente e
agrada à China. Avanço mesmo não houve
ERNESTO NEVES

O TIME Lula, Xi, Ramaphosa, Modi e Lavrov


(da esq. para a dir.): o grupo saltou de cinco
para onze integrantes

ALET PRETORIUS/AFP

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DE VOLTA aos holofotes globais, o presidente Lula ocupou


desta vez o palco em Joanesburgo, na África do Sul, onde
houve o encontro do Brics (acrônimo para Brasil, Rússia, Ín-
dia, China e África do Sul), encerrado na quinta-feira 24. Ca-
da integrante do grupo, formado em 2009 por potências
emergentes, exercitou ali sua capacidade de tecer costuras di-
plomáticas e aproveitou para exprimir sua visão de mundo —
o que, no caso de Lula, veio recheado de uma retórica que dei-
xa clara sua crítica ao domínio geopolítico do G7, a turma das
sete nações mais ricas, encabeçada pelos Estados Unidos.
Como vem fazendo em outras reuniões dessa natureza,
o presidente entoou discurso permeado de referências à
questão ambiental e às desigualdades planetárias, que
agrada a ouvidos de diferentes matizes ideológicos, e car-
regou nas tintas, como de hábito, em frases prontas para
ecoar internamente, na plateia brasileira à esquerda. Afir-
mou, entre outras coisas, que a União Europeia não terá
espaço para exercer um “neocolonialismo verde” e que “a
gente quer criar um banco “maior do que o FMI”, cujos
empréstimos são “quase um cabresto.”
O encontro do Brics deu-se em um momento em que
seus membros originais — aos quais se somaram agora
Arábia Saudita, Argentina, Emirados Árabes Unidos, Egi-
to, Etiópia e Irã — estão às voltas com agendas distintas.
A do Brasil é firmar o país na liderança do chamado Sul
Global, conjunto de economias em desenvolvimento, com
Lula à frente. A África do Sul quer fincar bandeira por to-

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PER-ANDERS PETTERSSON/GETTY IMAGES

DE MOSCOU Putin fala por vídeo: busca por parceiros


em meio ao isolamento

do o continente africano e, por isso, o presidente Cyril Ra-


maphosa saiu distribuindo acenos aos vizinhos para que
ingressem no bloco — gesto visto como excessivo pelo
primeiro-ministro indiano Narendra Modi, que sempre
preferiu uma configuração mais enxuta.
A Rússia de Vladimir Putin (que não compareceu para
não correr riscos, já que contra ele pesa um mandado de
prisão do Tribunal Penal Internacional) busca expandir
seus tentáculos para atenuar o isolamento com a guerra
da Ucrânia. Já a China, sob as mãos de ferro de Xi Jinping,

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planeja espalhar a ambiciosa Rota da Seda, costurando


acordos comerciais pelo globo de modo a reanimar sua
economia, que vem perdendo vigor. “A estratégia chinesa
é aumentar sua zona de influência em todas as direções”,
resume Alexis Habiyaremye, da Faculdade de Negócios
da Universidade de Johanesburgo.
O mais mercurial ponto à mesa foi justamente a adesão de
uma leva de países que já dá ao bloco novas feições. Impulsio-
nadas pela campanha do governo Xi, mais de quarenta nações
manifestaram interesse em entrar para o rol — 23 delas proto-
colaram pedido formal. Os sócios seguem discordando sobre
os critérios de admissão e o ritmo em que se dará, algo que a
China, membro mais poderoso, deseja acelerar para ganhar
terreno no duelo por poder com os Estados Unidos. Para o
Brasil, o jogo posto desse jeito não interessa, uma vez que, com
muita gente, a influência de Lula no bloco se dilui. Além disso,
o tom de antagonismo com o Ocidente, elevado pela China, se
impõe. “O Brics pode ser um bom caminho para o Brasil se
colocar no tabuleiro e abrir oportunidades, mas não interessa
em nada insuflar uma rivalidade com Europa e Estados Uni-
dos”, enfatiza o ex-embaixador Marcos Azambuja.
Como vem se observando desde o marco zero do terceiro
mandato de Lula, cuja estreia no cenário internacional se deu
na Argentina, onde ele reeditou discursos ideológicos de ou-
tras eras, em Joanesburgo a ideia da formação de uma nova
ordem mundial esteve de novo presente. O ministro da Fa-
zenda, Fernando Haddad, foi cauteloso ao dizer que o avan-

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UKRAINIAN EMERGENCY SERVICE/AFP

E A UCRÂNIA? Cúpula passou ao largo da guerra: de novo,


o presidente brasileiro omitiu o nome do invasor, a Rússia

ço do Brics não significa uma queda de braço com a porção


desenvolvida do planeta, mas Celso Amorim, o assessor es-
pecial da Presidência para assuntos internacionais, a quem
Lula ouve o tempo todo, disparou: “O mundo não pode mais
seguir os ditames do G7”. Não custa lembrar que, em 2022,
as exportações brasileiras para os Estados Unidos cravaram
37,4 bilhões de dólares e para a União Europeia, 50,9 bilhões.
No caso da África, as cifras ficaram em 12,8 bilhões.
O espinhoso tema da guerra na Ucrânia, aventado para
entrar na roda, foi apenas tangenciado — e Lula mais uma

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CLUBE DE REVISTAS

vez se esquivou de falar com todas as letras que a Rússia é o


país invasor (durante o evento, aliás, chegou a notícia de que
o líder mercenário do grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin,
que tentou derrubar Putin, havia morrido na queda de um ja-
tinho; no dia seguinte, o próprio presidente russo foi à TV,
enviou condolências à família do adversário e lamentou que
ele tivesse “cometido sérios erros na vida”). Sem o conflito le-
vado à mesa, as atenções, portanto, se concentraram na eco-
nomia, e Lula aproveitou para expor na vitrine global o seu
pleito de fazer do Brasil membro permanente do Conselho
de Segurança da ONU. Até o último instante, a diplomacia
brasileira tentou convencer o governo de Xi a apoiar oficial-
mente o movimento. Em troca, prometia endossar o desejo
chinês de incluir países às dezenas no barco do Brics. Não
funcionou do modo imaginado. E o restante da agenda brasi-
leira, por ora, ficou no discurso.
Como seus colegas de bloco, Lula se manifestou a favor de
mudanças no FMI e no Banco Mundial, instituições concebi-
das pelas nações vencedoras da II Guerra Mundial no que fi-
cou conhecido como Acordos de Bretton Woods, de 1944.
Para dar gás à reconfiguração de forças, o brasileiro acredita
que o caminho passa pelo Novo Banco de Desenvolvimento
(NBD), o “banco do Brics”, atualmente presidido pela ex-pre-
sidente Dilma Rousseff, e pela criação de uma moeda comum
para transações comerciais. Seria uma forma de reduzir o uso
do dólar, outro ponto que, vira e mexe, emerge no verbatim
presidencial. A proposta, porém, é vista com cautela por espe-

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BETTMANN ARCHIVE/GETTY IMAGES

VENCEDORES EUA e aliados na reunião de 1944:


definição de uma nova ordem

cialistas. “Não se inventa uma moeda por decreto. É preciso


haver um mercado comum sólido entre os países, o que não
acontece no caso do Brics”, afirma Lia Valls, pesquisadora de
Economia Aplicada da FGV-RJ. Outra ponderação é que, com
economias em estágios tão diversos, o projeto soa utópico.
Desde o princípio, a trajetória do Brics se difere da de ou-
tros blocos. Criado em 2001 pelo economista britânico Jim
O’Neill, o acrônimo nasceu como “BRIC”, já que a África do
Sul (de onde vem o “S”, do inglês South Africa) só ingressa-
ria no time uma década mais tarde. Àquela altura, os quatro

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CLUBE DE REVISTAS

países somavam um terço da população mundial e 8% do


PIB (hoje respondem por 32%). O primeiro encontro, em
meio à tensão financeira provocada pela crise econômica
global, seria apenas em 2009, na Rússia. Sob o chapéu de
emergentes, cada um caminhou à sua própria velocidade,
mas nenhum avançou como a China, embalada durante
muito tempo por um crescimento na casa dos dois dígitos.
Até aqui, o Brics pouco tem a exibir de resultados concre-
tos. A ausência de objetivos compartilhados entre os inte-
grantes é, sem dúvida, uma trava para que o bloco ganhe re-
levo. O pleito dos vários países que ainda pretendem aderir
ao grupo será examinado — alguns podem ter status de par-
ceiros, sem direito a voto. Para o Brasil, a cúpula deixa o
amargo sabor de voltar para casa sem o endosso chinês ao
tão almejado ingresso no Conselho de Segurança da ONU —
a declaração final não cita o assunto explicitamente, apoian-
do apenas o “maior papel” que o país e outros em desenvol-
vimento devem ter em organismos internacionais. Pelo me-
nos um efeito prático o encontro rendeu. Atento ao ímpeto
expansionista de Pequim, o presidente americano Joe Biden
veio a público defender uma reforma em órgãos multilaterais
como FMI e Banco Mundial, ideia que promete apresentar
na reunião do G20, em Nova Délhi, em setembro. Com a me-
xida, as nações em desenvolvimento levariam 50 bilhões de
dólares em empréstimos. Mais uma mostra de que não vale
a pena se enredar em ideologias que não raro cheiram a mo-
fo. Na diplomacia, é o pragmatismo que faz a roda girar. ƒ

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CLUBE DE REVISTAS
VILMA GRYZINSKI

DESCRENTES
DO ESTADO
A grande surpresa de Milei na Argentina
revela outros fenômenos

OS 7 MILHÕES de votos para o candidato ultralibertário


na Argentina continua a desafiar os especialistas em deci-
frar cabeça de eleitor, um enigma até na nossa era de hipe-
rinformação. Vamos ter de esperar até 22 de outubro para
saber se o fenômeno Milei se consolida ou se foi apenas um
daqueles ataques de birra com que eleitores costumam dei-
xar os institutos de pesquisa com a cara no chão. Mais do
que analisar o perfil médio do eleitor que votou no excên-
trico candidato — homem, jovem, descrente de todas as al-
ternativas tradicionais —, é interessante ver os elementos
sociais que podem fazer do caso argentino uma categoria e
não uma exceção. As mudanças no estilo de vida são glo-
bais: jovens sem ter nem aspirar a ter empregos consolida-
dos, com relações de trabalho tão fluidas quanto as pes-
soais, sem necessariamente esperar formar família ou
mesmo casais fixos. Na Inglaterra, por exemplo, um dos
assuntos do momento é o das mulheres com mais de 30
anos que nunca tiveram um namorado firme. Saem com

1|3
CLUBE DE REVISTAS

alguém do aplicativo, rola o algo mais e a coisa não evolui.


O jeito é fingir que se sente empoderada, assistir ao filme
da Barbie e se afundar no vinho rosé com as amigas. Entre
os homens, os casos mais extremos de isolamento produ-
zem os incels, os celibatários involuntários, expressão so-
fisticada para o fenômeno muito triste de jovens que sim-
plesmente não têm nenhum relacionamento com o sexo
oposto. No limite, incels descontrolados são os jovens que
cometem chacinas nas escolas onde se sentem excluídos.
Ter uma saudável desconfiança em relação ao Estado
não é a mesma coisa que rejeitar categoricamente todas
as instituições públicas — abrindo-se, aqui, uma exceção
para o caso argentino, diante do histórico de erros tectô-
nicos da direita e da esquerda. No livro Bowling Alone,
ou Jogando Boliche Sozinho, o cientista político Robert
Putnam detectou na virada do século, entre os america-

“As mudanças
são globais: jovens
sem ter nem aspirar
a ter empregos
consolidados”
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CLUBE DE REVISTAS

nos, a perda do que chama capital social: o enfraqueci-


mento da religião e do senso de pertencimento que ela
proporcionava, o esgarçamento do casamento e das rela-
ções familiares e um sentimento muito presente entre
americanos menos privilegiados, o de que as pessoas co-
muns têm sido traídas pelas elites. Atenção, Putnam não
é de direita, bem ao contrário, embora as chagas aponta-
das possam fazer parte do manual do pensamento con-
servador. Olhando para os EUA com o foco mais aberto,
diz ele: “Quando a economia vai bem, as pessoas confiam
mais no governo. Quando a economia vai mal, a confian-
ça afunda. Em três quartos de século, todos os índices
máximos e mínimos de confiança no governo podem ser
explicados por três fatores: a Guerra do Vietnã, Waterga-
te e o desempenho da economia”.
“Tenho vendido minha alma / Fazendo hora extra todo
dia por uma droga de salário / Para poder sentar aqui e
desperdiçar minha vida / Voltar para casa e afogar as má-
goas”, canta Oliver Anthony, numa espécie de hino do
redneck que virou fenômeno viral. O americano-padrão
Anthony não é muito diferente do argentino-padrão Mi-
lei. Preservadas, obviamente, as especificidades da Ar-
gentina, onde até o pensamento libertário gerou uma cor-
rente populista. Seus seguidores , em muitas instâncias,
estão sozinhos em casa, como versões adultas do perso-
nagem de Esqueceram de Mim. Com o celular na mão e
muita bronca na alma. ƒ

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CLUBE DE REVISTAS
BRASIL JUDICIÁRIO

COTADO
Dantas: ótimo
trânsito em Brasília,
bom trabalho no TCU
e nordestino

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

NA RETA FINAL
Perto da saída de Rosa Weber do STF, a corrida
pela sua vaga se afunila entre dois nomes cujos
trunfos são a habilidade política e a confiança
de Lula JOÃO PEDROSO DE CAMPOS

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CLUBE DE REVISTAS

A CORRIDA pela próxima vaga a ser aberta no STF, daqui


a pouco mais de um mês, com a aposentadoria da ministra
Rosa Weber, começou com muitos nomes, entre eles políti-
cos graúdos e juristas renomados, e muita discussão, princi-
palmente em torno da representatividade feminina na Cor-
te, onde as mulheres ocupam apenas duas das onze cadei-
ras. Tudo indica, no entanto, que a disputa começa a se afu-
nilar. Embora a definição ainda esteja em aberto e não seja
possível cravar o escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, quem acompanha os bastidores aponta dois nomes
como os mais fortes hoje no páreo: o ministro da Advocacia-
Geral da União, Jorge Messias, e o presidente do Tribunal de
Contas da União (TCU), Bruno Dantas. No percurso perde-
ram força outros cogitados, como o ministro da Justiça, Flá-
vio Dino, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e o mi-
nistro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça
(STJ). O que ainda pode embaralhar a disputa é a pressão
que Lula tem sofrido de alas progressistas para colocar uma
mulher no lugar de Weber — movimento que até agora não
sensibilizou o presidente.
Cada um dos favoritos tenta agora reforçar as suas cartas
na manga. Os apoios do PT foram providenciais para que
Messias figure hoje entre os mais cotados. Interlocutores do
presidente dizem que o chefe da AGU surpreendeu ao reunir
o aval de distintas alas petistas. Essas fontes citam relações
muito próximas e fraternas do ministro com a ex-presidente
Dilma Rousseff e o presidente do BNDES, Aloizio Merca-

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CLUBE DE REVISTAS
MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

“PRATA DA CASA” Jorge Messias: apoios de lideranças do


PT e boa aceitação de parlamentares da bancada evangélica

dante, além das preferências da presidente do PT, Gleisi


Hoffmann, e do líder do governo no Senado, Jaques Wagner.
Jorge Messias frequenta os bastidores do partido há tempos
— trata-se de “prata da casa”, como resume um aliado de
Lula. Outro “empurrão” vem do Prerrogativas, grupo de ju-
ristas ligados ao presidente, embora ali também seja vista
com bons olhos a alternativa Dantas. Sua desvantagem é a
falta de experiência em cargos de peso, o que não restringe a
resiliência em situações de extrema pressão.
Seus defensores ressaltam ainda sua boa interlocução no
meio evangélico — uma qualidade que, a rigor, carrega
igualmente um lado negativo. Diácono da Igreja Batista,

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CLUBE DE REVISTAS

DISTORÇÃO
FEDERATIVA
O Sudeste tem representação
no STF maior que seu
peso populacional

REGIÃO* C E NT RO-OE ST E

MINISTROS Gilmar Mendes (MT)

PERCENTUAL
DE MAGISTRADOS
NO SUPREMO 9,1%
PERCENTUAL DA
POPULAÇÃO DO PAÍS 8%
* A Região Norte, que abriga 8,5% da população,
não tem nenhum ministro no Supremo

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CLUBE DE REVISTAS

conta com o apoio de lideranças como a do deputado Cezi-


nha de Madureira (PSD-SP). Foi Messias, aliás, quem repre-
sentou Lula na Marcha para Jesus, em São Paulo (o presi-
dente teve o seu nome vaiado ao ser citado pelo AGU. Seto-
res tidos como progressistas, que defendem a liberalização
do aborto e da Cannabis para uso medicinal, olham com
desconfiança a possibilidade de mais um devoto assumir o
STF após a chegada do “terrivelmente evangélico” André
Mendonça. Messias, vale ressaltar, tornou-se conhecido do

REGIÃO* NOR DE ST E

MINISTROS Nunes Marques (PI)

PERCENTUAL
DE MAGISTRADOS
NO SUPREMO 9,1%
PERCENTUAL DA
POPULAÇÃO DO PAÍS 26,9%

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CLUBE DE REVISTAS

público em 2016, no famoso episódio ocorrido no apagar


das luzes do governo Dilma. Enquanto subchefe para assun-
tos jurídicos da Casa Civil, seria ele o responsável por levar
a Lula em mãos o termo de posse como ministro, que, em
razão do foro privilegiado, poderia livrá-lo de uma eventual
prisão determinada na Operação Lava-Jato. No famigerado
grampo em que Dilma conta a Lula sobre os planos, o agora
AGU ficou conhecido como “Bessias”.
O grande “rival” de Messias é o ministro Bruno Dantas,

REGIÃO* S UL

Rosa Weber (RS) e


MINISTROS
Edson Fachin (RS)
PERCENTUAL
DE MAGISTRADOS
NO SUPREMO 18,2%
PERCENTUAL DA
POPULAÇÃO DO PAÍS 14,7%

6 | 11
CLUBE DE REVISTAS

bastante elogiado por sua gestão no TCU, tanto por Lula


quanto pelo entorno do presidente. Em Brasília, mesmo seus
desafetos concordam que Dantas demonstra uma habilida-
de política comparável à de grandes articuladores do passa-
do. Sabe compor, resiste a pressões, é fiel a quem o ajuda e
toma posições firmes, mas com classe e embasamento. Ine-
gavelmente, os laços firmes com autoridades como o minis-
tro do STF Gilmar Mendes e o senador Renan Calheiros,
dois gigantes na interlocução brasiliense, representam “ati-

REGIÃO* SU DE ST E

Alexandre de Moraes (SP), André


Mendonça (SP), Dias Toffoli (SP),
MINISTROS Cristiano Zanin (SP), Luís Roberto
Barroso (RJ), Luiz Fux (RJ) e
Cármen Lúcia (MG)
PERCENTUAL
DE MAGISTRADOS
NO SUPREMO 63,6%
PERCENTUAL DA
POPULAÇÃO DO PAÍS 41,8%
Fontes: STF e IBGE

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CLUBE DE REVISTAS

vos” muito importantes nessa disputa. Afinal, ambos são


ouvidos com frequência por Lula e o presidente gostaria,
evidentemente, de agradar à dupla. Além de abrir uma vaga
no TCU, que pode ser usada como acomodação pelo Planal-
to, o atual presidente do órgão do pode se beneficiar ainda
porque há no círculo presidencial quem defenda um maior
equilíbrio regional no Supremo, que hoje tem uma concen-
tração de ministros do Sul e Sudeste (nove das onze cadei-
ras). O Nordeste, por exemplo, tem apenas Nunes Marques
(piauiense). Por esse quesito ganhariam pontos Dantas, que
é baiano, e Messias, pernambucano.
Embora o páreo se afunile entre dois homens, mulheres
ainda são cogitadas para a vaga de Rosa. Os nomes mais
fortes seguem sendo os de Simone Schreiber, desembarga-
dora do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), a
ministra Regina Helena Costa, do STJ, e a advogada Dora
Cavalcanti. Recentemente também surgiu o nome da pro-
motora paraense Ana Cláudia Pinho, recomendada pelo ju-
rista italiano Luigi Ferrajoli, um dos mais conhecidos defen-
sores do garantismo judicial, que Lula tem em alta conta. As
opções colocadas são vistas como donas de “notório saber
jurídico”, mas carecem do que Lula mais valoriza no mo-
mento: confiança. O lobby, porém, continua firme. “Se Lula
reduzir de duas para uma ministra, será como ter dado com
uma mão e tirado com a outra”, avalia o ex-ministro do STF
Carlos Ayres Britto, lembrando que foi o petista quem ele-
vou a dois o número de mulheres na Corte, com a indicação

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CLUBE DE REVISTAS

VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL


INFLUÊNCIA Zanin e Dino: próximos a
Lula, serão ouvidos em indicação ao STF

de Cármen Lúcia, em 2006. Nos bastidores, a primeira-da-


ma, Janja, passou a defender a indicação de uma mulher,
mas não faz campanha por nome específico.
A nomeação do sucessor de Rosa é vista como estratégi-
ca, por ser a última que caberá a Lula neste mandado em de-
corrência de aposentadorias por idade no STF. Há também
mais tensão em torno da escolha, porque setores progressis-
tas já estão descontentes com Cristiano Zanin em alguns de
seus primeiros posicionamentos no Supremo. Ele foi o voto
isolado no julgamento em que o STF equiparou a homo-
transfobia ao crime de injúria racial. Zanin, contudo, deve
ser um dos interlocutores que Lula consultará antes de bater

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CLUBE DE REVISTAS

FELLIPE SAMPAIO/SCO/STF
ADEUS Rosa Weber: presidência
será assumida pelo ministro Barroso

o martelo sobre a nova indicação ao STF. Nos bastidores, di-


z-se que ele tem alguma simpatia por Messias, mas jamais
seria contrário à escolha de Dantas.
As duas nomeações no terceiro mandato de Lula deverão
dar um caráter mais garantista à Corte. Nessa ala já havia
Gilmar Mendes e Dias Toffoli, que fazem contraponto a ou-
tros mais “punitivistas”, como Alexandre de Moraes, Cár-
men Lúcia, Luiz Fux, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso.
Os ministros indicados por Jair Bolsonaro, Nunes Marques
e André Mendonça, variam entre os grupos e, não raro, fi-
cam isolados. Com a saída de Weber, a presidência será as-
sumida por Barroso até outubro de 2025. Pela frente haverá

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CLUBE DE REVISTAS

PEDRO FRANÇA/AGÊNCIA SENADO


PRESSÃO Schreiber: juíza do TRF2
continua sendo cotada para a vaga

muitos temas caros ao governo, como a constitucionalidade


da Lei das Estatais, o marco temporal para demarcação de
terras indígenas e a exclusão de benefícios fiscais relaciona-
dos ao ICMS da base de cálculo do imposto de renda das
empresas e da contribuição social sobre o lucro líquido, que
permite ao governo arrecadar 90 bilhões de reais. Para
quem já deixou a Corte, no entanto, o governo não deveria
contar com retribuições. “Não se agradece uma indicação
ao STF com a capa sobre os ombros”, diz o ex-ministro Mar-
co Aurélio Mello. É isso, de fato, que se espera, não só de um
dos poderes da República, como é o Supremo, mas da Justi-
ça como um todo. ƒ

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CLUBE DE REVISTAS
CRISTOVAM BUARQUE

EDUCAR A ELITE
O desafio é entender a importância do ensino para todos

COM A ILUSÃO de que “em se plantando tudo na sua ter-


ra dá” sem necessidade de escola, e com a certeza de que
para trabalhar dispunha de mão de obra escrava, a elite
brasileira relegou, por séculos, a educação de seus filhos.
Os ricos não precisavam e os pobres não deviam estudar.
Por isso, grande parte de nossa população permaneceu
analfabeta, poucos concluíam a educação de base e raríssi-
mos seguiam cursos de ensino superior. Só a partir dos anos
1960, a parte rica universalizou o ensino médio para seus
filhos e buscou ensino superior para muitos deles. Foi preci-
so esperar até o século XXI para surgirem leis que assegu-
ram matrícula a todos os brasileiros na educação de base,
em um sistema dividido em “escolas senzala” e “escolas
casa-grande”, com qualidade muito desigual conforme a
renda. Garantiu-se matrícula, mas não a frequência em ca-
da dia, nem assistência durante o dia, tampouco permanên-
cia ao longo do ano e até o final do ensino fundamental,
apenas metade dos alunos conclui o ensino médio, e poucos
aprendem o necessário aos desafios da contemporaneidade.
A elite descobriu a importância de educar seus próprios
filhos, mas ainda não percebeu a necessidade de educar

1|3
CLUBE DE REVISTAS

toda a população. Não sabe que a qualidade dos médicos


fica comprometida se seus auxiliares não conhecem a im-
portância da falta de higiene para evitar transmissão de
doenças; nem percebe que, por falta de conhecer idiomas
estrangeiros, ao ler a bula do remédio ou o manual de
equipamento, enfermeiros cometem erros. Os ricos não
sabem que sofreriam menos violência e precisariam gas-
tar menos em segurança de seus condomínios se todo bra-
sileiro conseguisse emprego e renda, graças à educação
que ofereça um ofício e habilidade das modernas ferra-
mentas digitais; não sabem que a democracia é prejudica-
da pela falta de educação de base.
Nossos economistas não perceberam ainda que a edu-
cação de base para todos é um fator de produção tão ne-
cessário quanto capital, mão de obra, recursos naturais;
não levam em conta que a educação de todos é necessária
para dinamizar o turismo graças a taxistas, vendedores e
pessoas que falem idiomas estrangeiros em ruas pacíficas.

“A mente de cada pessoa


se alimenta também do
conhecimento de
seus compatriotas”
2|3
CLUBE DE REVISTAS

Os engenheiros não consideram o aumento na eficiência,


se os pedreiros conhecessem as bases da geometria e os
operários tivessem noções de física.
A elite não percebe que a mente de cada pessoa se ali-
menta também do conhecimento dos seus compatriotas,
porque a educação não é plena, se disponível apenas para
poucos. Em uma ilha deserta, o doutor também está anal-
fabeto enquanto não ensinar o outro sobrevivente a ler.
Cada pessoa que aprende um idioma beneficia todas as
que já o falavam. Nossos ricos não sabem que ao limitar o
ensino a poucos estão afogando seus filhos na deseduca-
ção social, ou induzindo-os à emigração em busca de paz
nas ruas, civilidade, serviços que funcionem, conquista-
dos no exterior graças ao fato de outros países terem en-
tendido que a educação deve ser democrática.
Nosso desafio maior e mais imediato é educar as elites para
entenderem a importância de educação para todos. Sem isso,
será difícil dar o salto para a civilização que o Brasil merece. ƒ

3|3
CLUBE DE REVISTAS
BRASIL PODER

A VOLTA POR CIMA


O ex-deputado João Paulo Cunha decola como
advogado, ganha contrato milionário e fatura
com decisão da CGU em favor de uma empresa
envolvida no petrolão HUGO MARQUES

ASCENSÃO João Paulo: carreira jurídica do ex-parlamentar


deu um grande salto depois da volta do PT ao poder

SERGIO DUTTI/VALOR/AG. O GLOBO

1|9
CLUBE DE REVISTAS

O PETISTA João Paulo Cunha era, em 2005, uma estrela


em ascensão. Metalúrgico, ele estava na reta final de seu
mandato como presidente da Câmara dos Deputados quan-
do explodiu o mensalão — um esquema de desvio de dinhei-
ro público que era usado para subornar parlamentares du-
rante o primeiro governo do então presidente Lula. As in-
vestigações mostraram que o parlamentar estava envolvido
no escândalo de corrupção. Condenado a seis anos e quatro
meses de prisão, ele cumpriu pena na penitenciária da Papu-
da, em Brasília, onde concluiu um curso de direito. Desde
que foi libertado, em 2015, o ex-deputado tem procurado se
manter distante dos holofotes. Ele chegou a ensaiar um re-
torno aos palanques de Osasco, sua cidade natal, mas foi
aconselhado pelos próprios aliados a permanecer submerso.
No ano passado, participou discretamente de alguns even-
tos ao lado do candidato Lula— todos fechados ao público.
Havia o receio de que as cicatrizes do mensalão contami-
nassem a campanha. Valeu a pena esperar.
Se as pendências políticas ainda não foram resolvidas, a
nova carreira do ex-deputado deu um salto com a volta do
PT ao poder. Em 2017, após deixar a cadeia, João Paulo
abriu um escritório de advocacia em Brasília. As atividades,
porém, foram encerradas três anos depois, segundo registro
da Receita Federal. Um levantamento feito por VEJA no ca-
dastro dos tribunais do Distrito Federal mostra que o petista
atuou em pouquíssimos casos. Pois a situação mudou radi-
calmente. No mês passado, João Paulo, agora sócio de um

2|9
CLUBE DE REVISTAS
DIVULGAÇÃO/CGU

VITÓRIA CGU: decisão favorável à


empreiteira após petista entrar no processo

escritório com o ex-presidente da OAB, Ophir Cavalcante,


foi contratado pela Previ, o fundo de previdência dos funcio-
nários do Banco do Brasil, um dos maiores da América La-
tina, dono de um patrimônio superior a 200 bilhões de reais.
Os detalhes do acordo são protegidos por cláusula de confi-
dencialidade.
Contratado sem licitação, o escritório de João Paulo
Cunha foi escolhido por notória especialização, decisão to-
mada depois que a nova diretoria assumiu, em março deste
ano. A Previ já explicou em nota que o escritório preencheu
todos os requisitos e normas estabelecidas e que os advoga-
dos vão atuar “em causas estratégicas”, ações que envolvem
demandas que podem chegar a 17 bilhões de reais. Uma pes-
soa que teve acesso aos contratos diz que os honorários do
petista e seus sócios podem chegar a 15 milhões de reais — o

3|9
CLUBE DE REVISTAS
REPRODUÇÃO

CLIENTELA Evento da Previ: fundo


contratou escritório de João Paulo Cunha

que evidentemente se constitui num extraordinário avanço


na carreira do ex-deputado, que, anos atrás, teve de fazer
vaquinha e contar com a ajuda de amigos para quitar uma
multa de 536 000 reais com a Justiça.
VEJA perguntou a Ophir Cavalcante, dono de uma ban-
ca conhecida em Brasília, se a presença do ex-deputado na
sociedade ajudou o escritório a conquistar o contrato na Pre-
vi. “Não diretamente”, respondeu ele. “Tenho uma expertise
nessa área desde 1985, sou advogado da Caixa de Previdên-
cia do Banco da Amazônia”, acrescentou. E indiretamente?
“Seria desarrazoável a gente dizer que não. Digo o seguinte:
o determinante não foi isso. Isso abriu portas no sentido de
identificar que o escritório teria condições de fazer. E aí a
Previ fez uma análise de mercado, etc., e acabou selecionan-
do o nosso escritório”, explica. E aproveitou para defender o

4|9
CLUBE DE REVISTAS

colega: “O João demonstrou uma resiliência muito grande,


uma obstinação, e trabalhou para conquistar o espaço dele.
É muito louvável a postura dele, que, apesar de toda a situa-
ção pela qual passou, deu a volta por cima”.
De fato, uma bela volta por cima. Dois meses antes da
Previ, João Paulo já havia mudado de patamar profissional,
ao ser contratado pela Iesa, um gigante do setor de óleo e
gás. Em 2016, a empresa foi incluída nas investigações da
Lava-Jato, acusada de corrupção, declarada inidônea e im-
pedida de assinar contratos com o poder público. Desde en-
tão, tentava reverter a decisão. Foram sete anos de uma in-
tensa batalha jurídica. Em março passado, João Paulo foi
contratado pela companhia. Menos de 120 dias depois, a
Controladoria-Geral da União (CGU) analisou o caso e res-
taurou a idoneidade. O processo é sigiloso e, por isso, não é
possível conhecer os detalhes. “A análise da CGU considera
que a omissão da Lei em relação ao término da pena viola
direito fundamental previsto na Constituição Federal, que
traz a vedação da existência de penas perpétuas. Para sanar
essa lacuna, a Controladoria optou pelo uso por analogia da
nova lei, que determina o prazo limite de seis anos para a
pena de inidoneidade”, diz a decisão que foi publicada no
Diário Oficial.
Antes de transferir a causa a João Paulo, a Iesa era defen-
dida pelo escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo
Marques, um dos mais conceituados de Brasília e que tem
como sócio Floriano de Azevedo Marques, atual ministro

5|9
CLUBE DE REVISTAS

do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Procurado, o ministro


explicou que deixou o processo da Iesa por divergências
com o cliente. Com isso, o ex-deputado assumiu também a
defesa da empresa em um mandado de segurança que tra-
mita no Supremo Tribunal Federal (STF), no qual ela argu-
menta que a inidoneidade prolongada lhe provocou um pre-
juízo gigantesco, já que ela venceu uma licitação para obras
de processamento de gás da Petrobras no Rio de Janeiro e
foi impedida de assinar o contrato. A decisão da CGU refor-
ça os argumentos que a defesa apresentou ao STF e pode
servir de base para que, no futuro, a empresa responsabilize
a União por eventuais prejuízos por ter sido classificada co-
mo inidônea por mais tempo do que deveria.
Procurado, João Paulo Cunha não quis se pronunciar. A
Iesa também não se manifestou sobre o caso. Um advogado
que conhece os dois processos — o da CGU e o do Supremo
— revela que as cláusulas desse contrato envolvem o recebi-
mento de honorários que podem superar 10 milhões de reais
— um impulso e tanto nas finanças do ex-deputado e um
verniz no currículo de quem, há até pouco tempo, tinha co-
mo cliente mais conhecido a mulher do ex-ministro José
Dirceu, também condenado no mensalão, que tem um litígio
comercial tramitando num fórum de uma cidade-satélite de
Brasília — um caso que não surpreenderia ninguém se tiver
sido assumido na modalidade pro bono, condição em que o
advogado atua no processo sem cobrar honorários. Os tem-
pos, agora, são outros. ƒ

6|9
CLUBE DE REVISTAS

FACEBOOK @HRNQPIZZOLATO

A ORIGEM Pizzolato: plano de


dominação econômica para depor Lula

CONSPIRAÇÃO INTERNACIONAL
Esforço para reescrever o passado ganha uma nova
versão: ex-vice-presidente dos Estados Unidos estaria na
raiz do escândalo do mensalão

A história do bancário Henrique Pizzolato daria um roteiro para


um filme de ação, suspense e ficção. Ele era um discreto militante
do PT antes do primeiro governo Lula, em 2003, quando foi no-
meado diretor de marketing do Banco do Brasil, um cargo apa-
rentemente sem importância. Descobriu-se, porém, que o petis-

7|9
CLUBE DE REVISTAS

ta era parte de uma engrenagem responsável por desviar milhões


de reais destinados a subornar parlamentares — escândalo de cor-
rupção que ficou conhecido como mensalão e levou à prisão líderes
partidários, políticos estrelados e empresários. Peça-chave no es-
quema, o bancário foi condenado a doze anos de prisão, fugiu do
país, foi capturado, cumpriu pena e agora quer provar que tudo o
que aconteceu foi parte de uma conspiração internacional — um
“plano de dominação econômica” dos Estados Unidos que tinha o
objetivo de depor Lula, o então presidente da República.
“O Lula era a última barreira para que eles tomassem conta da
energia fóssil do país, da energia hídrica, das nossas riquezas”, dis-
se o ex-bancário em entrevista a VEJA. No centro dessa maquina-
ção estaria ninguém menos que Dick Cheney, ex-vice-presidente
dos Estados Unidos e ex-CEO de uma multinacional petrolífera,
cujos interesses estavam sendo contrariados. “Eu era o persona-
gem ideal para sustentar essa mentira toda. Eles precisavam dizer
que havia corrupção no governo. E onde tinha dinheiro público em
grande quantidade? No Banco do Brasil. Procuraram, então, alguém
do PT próximo do alto escalão do banco para encaixar na trama. E
quem era essa pessoa? Eu”, relatou.
A conspirata é o ingrediente ficcional de uma história real que pa-
rece ficção. Em 2013, antes de ser preso, Pizzolato fugiu para a Itália,
onde ficou escondido durante dois anos. Antes de escapar, o bancá-
rio assumiu a identidade de um irmão que havia morrido na década

8|9
CLUBE DE REVISTAS

de 70. Com documentos falsos, tirou um passaporte, foi de carro


até a Argentina, de lá embarcou num avião para a Espanha, onde
cruzou a fronteira em direção à Itália. Para despistar as autorida-
des, Pizzolato simulou a própria morte. Consta que teria redigido
até um testamento. A farsa, porém, foi descoberta. Preso na cida-
de de Maranello, foi extraditado, cumpriu 52 meses de prisão e
agora reaparece com essa curiosa versão do passado.
No ano passado, a pena de Pizzolato foi extinta. O petista pode
reaver seu verdadeiro passaporte, que havia sido apreendido, e,
se quiser, pode deixar o país de maneira legal. Mas isso não está
em seus planos. Aposentado, ele reclama que gasta 20% do que
recebe como pensão pagando a parcela da multa de 2 milhões de
reais que a Justiça lhe impôs, e complementa os ganhos venden-
do limoncello (licor italiano). Embora continue militando no PT, ao
contrário de outros mensaleiros ele prefere ficar distante do go-
verno. “Sabe por quê? Porque essa história de mensalão não foi
expurgada do imaginário popular”, explica. O ex-diretor do BB
ressalta que seu propósito no momento é provar que foi vítima de
lawfare — situação em que a Justiça é usada para fins políticos.
Uma entidade ligada à Universidade de Brasília já incluiu o pro-
cesso dele como exemplo de abuso judicial. Nos dias atuais, cada
um conta a história que quiser.

Leonardo Caldas

9|9
CLUBE DE REVISTAS
MURILLO DE ARAGÃO

DESIGUALDADE E
RESPONSABILIDADE
Os dois temas estão interligados e um depende do outro

MUITOS PENSAM que a questão da responsabilidade fiscal


seria uma imposição dos rentistas e que seria um “first world
problem” em uma sociedade que luta contra a desigualdade
econômica e social. Não é assim. Responsabilidade fiscal e
desigualdade são temas intimamente interligados. Grosso
modo, a responsabilidade fiscal tem a ver com a oferta de cré-
dito para a sociedade — em especial, para o setor privado, que
move a economia. Quando o governo gasta mais do que arre-
cada, ocorre o efeito perverso da captura de recursos no mer-
cado para financiar o endividamento. O governo é um com-
petidor desleal na disputa pelo crédito, pois oferece mais se-
gurança creditícia e paga juros altíssimos de forma pratica-
mente garantida. Na prática, o governo compete com o setor
privado pelos mesmos recursos que seriam mais bem aloca-
dos na atividade econômica. O setor privado investe mais e
melhor do que o governo. Porém, com menos crédito disponí-
vel, o Brasil não consegue atingir o seu potencial.
Caso as políticas intervencionistas e estatizantes tives-
sem funcionado, o nosso país seria uma das cinco maiores

1|3
CLUBE DE REVISTAS

potências econômicas do planeta. E sem a imensa desigual-


dade social e econômica que temos. Como tomamos o ca-
minho errado do endividamento e do aumento de gastos
públicos sem a devida responsabilidade fiscal, estamos pa-
tinando há décadas com sucessivos voos de galinha no
campo econômico. O governo gasta mal e retira recursos
que poderiam vitalizar a atividade econômica. Nos últimos
anos, por políticas do Banco Central, promoveu-se uma in-
clusão bancária revolucionária que aumentou a oferta de
crédito para privados. Mas isso ainda não é suficiente, pois
a inflação pós-pandemia e a fragilidade fiscal nos impuse-
ram uma política monetária restritiva. Temos de atacar as
raízes do problema. A irresponsabilidade fiscal termina
sendo uma das causas centrais da desigualdade social no
Brasil, pois favorece a concentração de renda com os deten-
tores de capital, que preferem emprestar a investir em um
ambiente hostil para o empreendedor. Um exemplo dessa

“A irresponsabilidade
fiscal termina sendo
uma das causas centrais
da desigualdade
social no Brasil”
2|3
CLUBE DE REVISTAS

hostilidade é a existência de 5 milhões de ações trabalhis-


tas, dezenas de impostos, normas tributárias sendo publica-
das quase diariamente, além de um emaranhado burocráti-
co que muito lentamente vem sendo desfeito. Voltando ao
tema fiscal, um governo endividado é o melhor amigo dos
rentistas. A cumplicidade de ambos ao explorar a socieda-
de desabilita a promoção do investimento e do emprego e
deságua nos juros altos e na elevada carga tributária.
O que já é ruim pode piorar com aspectos da reforma
tributária e as chamadas propostas “Robin Hood”. Setores
do governo acham que basta tirar dinheiro dos ricos para
dar aos pobres. Medidas semelhantes afugentam o capital.
Após a Argentina adotar esse caminho, centenas de bilio-
nários mudaram suas residências fiscais para o Uruguai. A
política econômica que se apresenta pode, por um lado, tra-
zer algum crescimento. O governo consegue dialogar com
os setores da sociedade, o mercado confia na equipe econô-
mica e tem o Congresso para limitar “tonterías argentinas”.
Sem crédito para o setor privado, porém, não haverá cresci-
mento nem combate efetivo à desigualdade. A combinação
de juros baixos, crédito abundante e a consequentemente
dinamização da atividade econômica somente será possível
com responsabilidade fiscal. ƒ

3|3
CLUBE DE REVISTAS
BRASIL CONGRESSO

UM TIRO NO PÉ
A espetacular trajetória de ascensão e queda
de Carla Zambelli, de fenômeno de votação
na onda bolsonarista à condição de ré por
ameaça com uma arma LAÍSA DALL’AGNOL

ACUADA Carla Zambelli: acusada no Supremo, investigada


pela PF e denunciada por colegas na Câmara

CRISTIANO MARIZ/AG. O GLOBO

1|6
CLUBE DE REVISTAS

ELEITA na onda bolsonarista de 2018, a deputada federal


Carla Zambelli (PL-SP) cacifou-se para um segundo man-
dato em 2022 com uma das maiores votações de todo o
país. Conhecida como uma das defensoras mais aguerri-
das do ex-presidente, a parlamentar agora tem um futuro
incerto. Caída em “desgraça” entre os seus desde que pro-
tagonizou a cena em que perseguiu, pistola em punho, um
homem desarmado na véspera do segundo turno das elei-
ções — aliados dizem que Bolsonaro credita ao episódio
sua derrota para Lula e que não suporta mais nem ouvir
falar da correligionária —, Zambelli virou ré no STF por
causa desse ato tresloucado. O Supremo aceitou a denún-
cia da PGR contra a deputada por porte ilegal de arma. O
representante legal de Zambelli, Daniel Bialski, afirma que
a documentação estava regular e que sua cliente agiu da-
quela forma por estar sendo ameaçada pelo rapaz. “Por is-
so, foi atrás dele para detê-lo”, diz o advogado. Trata-se de
uma tese difícil de sustentar diante das imagens que virali-
zaram da perseguição.
Se não bastasse o enrosco bélico, Zambelli passou a ser
recentemente investigada pela Polícia Federal por uma tra-
ma cibergolpista. Ela é tida como mentora e financiadora
do plano para transformar Walter Delgatti em garoto-pro-
paganda de uma campanha para desacreditar o resultado
das últimas eleições. Conforme registrou uma reportagem
de VEJA em agosto do ano passado, o hacker, condenado
recentemente a vinte anos de cadeia pela Vaza-Jato, encon-

2|6
CLUBE DE REVISTAS

TON MOLINA/FOTOARENA/AG. O GLOBO

MISSÃO Walter Delgatti: “contratação”


para defender fragilidades das urnas

trou-se com Bolsonaro no Alvorada para tratar da segu-


rança das urnas (em encontro articulado por Zambelli) e,
na sequência, foi mandado ao Ministério da Defesa para
fortalecer a teoria conspiratória de que as urnas eletrôni-
cas estavam programadas para “roubar” o resultado. Em
conversas com a reportagem de VEJA, repetidas depois
por Delgatti na CPMI do 8 de Janeiro, o hacker disse que
Bolsonaro ainda teria lhe pedido para assumir a autoria de

3|6
CLUBE DE REVISTAS

REPRODUÇÃO

EM AÇÃO A cena da perseguição em


2022: tese de que foi “legítima defesa”

um grampo telefônico capaz de comprometer Alexandre


de Moraes, ministro do STF e do TSE. Segundo Delgatti,
Bolsonaro prometia indultá-lo quando pesassem sobre ele
as consequências legais pelo ato criminoso. Ainda de acor-
do com o hacker, no entanto, nunca mais o procuraram
para tratar desse assunto específico.
Por outro lado, a cibertrama avançou. Em depoimento
à PF, Delgatti contou que recebeu cerca de 40 000 reais

4|6
CLUBE DE REVISTAS

para trabalhar com Zambelli. Nesse período, a mando de-


la, teria invadido o sistema do Conselho Nacional de Justi-
ça e inserido documentos e alvarás de soltura falsos no
Banco Nacional de Mandados de Prisão. “Delgatti faz acu-
sações sem nenhum tipo de prova, é um mitômano”, diz o
advogado de Zambelli. Sobre os pagamentos da equipe de
campanha da deputada ao hacker, a defesa alega que fo-
ram referentes a contratos para prestação de serviços de
gestão de redes sociais, sem nenhum tipo de ilegalidade —
outra história difícil de sustentar e que deverá ter novos ca-
pítulos com a quebra de sigilo de Zambelli aprovada pela
CPMI na última quinta-feira, 24. As denúncias de Delgatti
já foram suficientes para duas representações no Conselho
de Ética da Câmara, do PSOL e do PSB, que pedem a ava-
liação de uma suposta quebra de decoro que pode levar à
perda do mandato de Zambelli.
O fogo cruzado contra ela criou também uma saia justa
para seu atual partido, o PL. Em público, apesar do históri-
co da pesada da parlamentar, caciques da legenda, incluin-
do o presidente, Valdemar Costa Neto, prometem articular
com as bancadas para barrar o avanço de um possível pro-
cesso. “Vamos defendê-la com todas as armas que puder-
mos”, disse Costa Neto a VEJA, sem se dar conta do ato fa-
lho. Integrantes da cúpula do partido avaliam que o episó-
dio da arma foi, de fato, “desgastante”, mas que seria uma
péssima ideia “jogá-la aos leões” no “caso hacker”, pois Del-
gatti foi levado também por Zambelli a uma reunião com

5|6
CLUBE DE REVISTAS

Costa Neto para falar da segurança das urnas, um dia antes


do encontro com Bolsonaro. O presidente do PL garante
que não levou a conversa a sério, mas Delgatti diz que falou
ainda com o marqueteiro da sigla, Duda Lima, sobre a pos-
sibilidade de uma exibição pública da fragilidade do siste-
ma em um evento de 7 de setembro. Duda Lima nega.
As confusões recentes representam uma espécie de co-
roação da trajetória errática de Zambelli. Ela começou a
aparecer ao participar de atos do movimento feminista
ucraniano Femen, em 2010. No ano seguinte, fundou o
NasRuas, que acabou se tornando depois uma das forças
mais engajadas no movimento pró-impeachment de Dilma
Rousseff. Com a chegada de Bolsonaro ao Palácio do Pla-
nalto, ganhou poder, virando uma das líderes da tropa de
choque dele no Congresso. Agora, está às voltas com uma
acusação no Supremo, uma investigação na PF e denúncias
por quebra do decoro parlamentar. A ascensão dela foi me-
teórica. Hoje a aposta é que a queda ocorrerá também em
velocidade vertiginosa. ƒ

6|6
CLUBE DE REVISTAS
CLUBE DE REVISTAS
RADAR ECONÔMICO
VICTOR IRAJÁ

Com reportagem de Diego Gimenes


e Felipe Erlich

Ligação direta bom interlocutor para, “pe-


Presidente do BNDES, lo diálogo”, conseguir mais
Aloizio Mercadante está cadeiras para a União no
animado com a mudança conselho de administração
na presidência da Eletro- da empresa. “É uma irres-
bras, anunciada há alguns ponsabilidade abdicar dos
dias. Ele vê em Ivan Mon- direitos de participação”,
teiro, o novo presidente, um afirma Mercadante.
TOMZÉ FONSECA/FUTURA PRESS

DIÁLOGO Mercadante: animado com a


escolha do novo presidente da Eletrobras

1|3
CLUBE DE REVISTAS

Made in Brazil gundo a federação, é de


O governo Lula prepara caráter tecnológico. O que
um projeto de lei para re- chama atenção é o fato de
gular a realização de obras a companhia já ter per-
e serviços — aí incluídos tencido à IBM.
eventuais financiamentos
concedidos pelo BNDES Aposta gringa
— no exterior. A ideia, di- O fundo americano Ethos
zem fontes, é fortalecer as Asset decidiu expandir a
construtoras nacionais. atuação no Brasil. A ideia
Lembre-se de que o Brasil é investir 2 bilhões de dó-
já viu esse filme antes. lares por aqui — 840 mi-
lhões de dólares em 2023
Crise de identidade e o restante em 2024. Na
A Federação dos Traba- sua mira estão projetos
lhadores em Processa- nas áreas de agronegócio,
mento de Dados, Serviços energia e construção.
de Informática e Tecnolo-
gia da Informação encami- Briguem vocês
nhou denúncia ao Cade O presidente da Petrobras,
contra a Kyndryl por falso Jean Paul Prates, observa
enquadramento sindical. de longe o imbróglio en-
volvendo a encalacrada
High tech venda da Braskem. Ele re-
A empresa está cadastra- pete que dorme tranquilo
da como varejista, en- graças ao direito de prefe-
quanto sua atuação, se- rência da estatal em rela-

2|3
CLUBE DE REVISTAS

ção às ações da petroquími- como parte de sua reestru-


ca sob a batuta da Novonor, turação financeira.
a antiga Odebrecht.
Linha cruzada
Escuridão Permitida em primeira ins-
Depois do apagão do dia 15, tância, a venda de toneladas
a Federação das Indústrias de cobre renderia à compa-
do Estado de Minas Gerais nhia telefônica algo em tor-
(Fiemg) iniciou uma cam- no de 1,6 bilhão de reais.
panha para estimular o de-
bate sobre a construção de Mais um
novas usinas hidrelétricas Depois de Itaú e Bradesco,
no país. Há o temor de que agora é a vez do Safra de fa-
as usinas termelétricas vol- zer jogo duro nas negocia-
tem à pauta. ções envolvendo as dívidas
da Americanas. ƒ
Telefone cortado
A Oi não gostou da decisão
OFERECIMENTO
do Tribunal de Justiça do
Rio de Janeiro de proibir a
venda de cabos de telefonia

3|3
CLUBE DE REVISTAS
ECONOMIA GOVERNO

A CONTA NÃO FECHA


Aprovado no Congresso, o arcabouço fiscal
só funcionará se o governo aumentar de forma
expressiva a arrecadação. O problema é que existe
uma enorme diferença entre desejo e realidade
PEDRO GIL

NOVA FÓRMULA Lira durante a votação do projeto:


gastos poderão crescer até o limite de 70% das receitas

LULA MARQUES/AGÊNCIA BRASIL

1 | 13
CLUBE DE REVISTAS

É
do físico alemão Albert Einstein uma frase essencial
sobre o poder dos números. “A matemática não men-
te”, disse o gênio que desenvolveu a teoria da relativi-
dade. A velha máxima merece ser usada para anali-
sar, sem as paixões ideológicas que movem a política
brasileira, o impacto que o chamado arcabouço fiscal provo-
cará na economia do país. Aprovado na terça-feira 22, após
idas e vindas, insatisfações do Centrão com a suposta falta de
espaço na administração federal e rusgas declaradas entre o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente da
Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL), o novo marco que
procura dar orientação às contas públicas nasce com boas in-
tenções, mas sua real efetividade está longe de ser comprova-
da. E por uma simples razão: os números, afinal, não mentem.
Da forma como foi desenhado, a única maneira de o ar-
cabouço se tornar eficaz e garantir o suprimento de recur-
sos desejado pelo governo para fazer investimentos é com o
aumento da arrecadação — cortes de despesas não estão no
plano. De acordo com a nova regra, de 2024 a 2027 os gas-
tos federais poderão crescer até o limite de 70% da variação
real da receita, mas isso só se as metas dos anos anteriores
forem cumpridas. Caso contrário, foi fixado o limite de
50% de variação. Além de condicionar o crescimento das
despesas à alta das receitas, a proposta promete zerar o dé-
ficit nas contas públicas a partir de 2024.
A meta estabelecida pela equipe de Haddad é que, já a
partir de 2025, o resultado primário — ou seja, a diferença

2 | 13
CLUBE DE REVISTAS

SOB NOVA DIREÇÃO


As principais diferenças entre o teto
de gastos e a nova regra fiscal

TETO DE GASTOS ARCABOUÇO FISCAL


Despesas ficam Despesas condicionadas
condicionadas à inflação a um limite de 70% da
do ano anterior receita primária

Gastos acima Só é crime de responsabilidade


do teto são crime de se o governo não fizer
responsabilidade contingenciamento

Não possui política anticíclica Possui política


(ação do governo para estimular anticíclica
ou esfriar a economia)

Investimentos podem ser Piso de 70 bilhões


congelados para caber de reais para
dentro do limite investimentos públicos

Alterações só podem Alterações são por


ser feitas via PEC, projeto de lei,
necessitando de dois terços precisando apenas de
dos votos na Câmara e dois maioria absoluta na
turnos no Senado Câmara e no Senado

3 | 13
CLUBE DE REVISTAS

entre receitas e despesas — corresponda a 0,5% do PIB e


que haja superávit de 1% em 2026. Como se dará o milagre?
Para alcançar esse objetivo, o jeito será elevar o volume de
dinheiro arrecadado. Segundo cálculos feitos pelo banco
BTG Pactual, seria preciso que as receitas aumentassem no
montante de 2,5% do PIB. Os números, sempre eles, não
mentem: isso daria algo como 290 bilhões de reais a serem
gerados. Resta saber de onde virá a montanha de recursos.
Eis aqui o “x” da questão. Nas últimas semanas, o gover-
no vem sugerindo formas “criativas” de trazer mais dinheiro
para o Tesouro. Algumas medidas, apresentadas claramen-
te como balões de ensaio, seriam não apenas inócuas como
trariam efeitos adversos para a economia do país. Uma das
ideias colocadas na mesa é a taxação de fundos exclusivos,
conhecidos no mercado como “fundos dos super-ricos”. Pa-
ra especialistas, a medida não terá o efeito esperado. “Ela é
questionável, porque traz problemas técnicos grandes”, diz
o economista Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Eco-
nômica do Ministério da Fazenda. Um dos problemas apon-
tados pelo especialista é a fuga de capital que a cobrança
promove. Desde o início do ano, os fundos exclusivos acu-
mulam 70 bilhões de reais em resgates, segundo monitora-
mento realizado pela Associação Brasileira das Entidades
dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Contudo,
apenas em junho, após sugestão de que o governo taxaria o
setor, foram retirados 40 bilhões de reais. Esse dinheiro, cla-
ro, foi para algum lugar, provavelmente para outros países.

4 | 13
CLUBE DE REVISTAS

LICENÇA PARA GASTAR Haddad: governo quer usar


novo marco fiscal para ampliar investimentos

A medida, ressalve-se, não puniria os ricos, como supõe


o time econômico da Fazenda. Com mais informações e au-
xílio para encontrar brechas, eles detêm os meios e o conhe-
cimento necessários para movimentar seu dinheiro, levan-
do-o para destinos que ofereçam melhores condições de re-
torno do capital investido. Especialmente se o discurso do
governo for na linha do “nós contra eles”. Na verdade, a clas-
se média e os pobres acabariam pagando a conta, contra-
riando, portanto, as expectativas do governo Lula. No pri-
meiro caso, as pessoas teriam dificuldades para transferir
seus investimentos e seriam obrigadas a arcar com a nova
taxação. A fuga de capitais que a medida provocaria tam-
bém atingiria em cheio os pobres, encarecendo o dólar. Me-
DIOGO ZACARIAS/MINISTERIO DA FAZENDA

5 | 13
CLUBE DE REVISTAS

DESENCONTRO
As expectativas do governo e do mercado
em relação ao resultado primário

META DO GOVERNO (EM % DO PIB)

1% 1
0,5
2023 0
0%

2024 2025 2026


-1%
-0,5

PROJEÇÃO DO MERCADO (EM % DO PIB)

2023 2024 2025 2026


0%

-1%
-0,5 -0,35
-0,8
-1

Fontes: Ministério da Fazenda e Boletim Focus

6 | 13
CLUBE DE REVISTAS

EM CAMPO Apostas esportivas:


promessa de arrecadar 15 bilhões de reais

nos investimentos no país significariam redução de negócios


e, na ponta final, menos perspectiva de geração de empregos.
A história ensina que a tributação sobre patrimônio ja-
mais funcionou em país algum. Há uma década, o aumento
dos impostos aplicados sobre os ricos levou muitos deles a
deixar a França, um movimento que demonstrou, na práti-
ca, como a medida é improdutiva. Um caso emblemático foi
o do ator de cinema Gérard Depardieu, que trocou seu país
pela Bélgica. Nem é preciso ir longe. Na vizinha Argentina,
o apetite voraz do governo por impostos fez com que indiví-
duos dotados de riqueza decidissem morar em outras pra-
ças. Em 2019, às vésperas de uma medida desse tipo adota-
ISTOCKPHOTO/GETTY IMAGES

7 | 13
CLUBE DE REVISTAS

NA FAZENDA Produção de trigo:


Congresso não quer aumento de tributos

da pelo governo argentino, vários ricos bateram em retira-


da. Marcos Galperín, fundador do site Mercado Livre e do-
no de uma fortuna estimada em 5,5 bilhões de dólares, foi
viver no Uruguai. “O debate deveria ser se a tributação será
pelo patrimônio ou pela renda obtida”, diz Lisboa. “O mun-
do mostra que tributar pelo lucro é sempre melhor.”
Muitas das promessas de arrecadação do governo pare-
cem ilusórias. Outra fonte de recursos alardeada por Hadd-
ad é a tributação de apostas esportivas. Nas contas do go-
verno, ela renderia entre 12 bilhões e 15 bilhões de reais por
ano. Será mesmo? Economistas habituados com contas pú-
blicas estimam bem menos: 2 bilhões de reais. Há exageros
AVALON/GETTY IMAGES

8 | 13
CLUBE DE REVISTAS

DE OLHO NA ARRECADAÇÃO
Quanto o governo precisará elevar
a receita líquida para atingir a meta
de resultado primário

AUMENTO (EM % DO PIB)


3%
2,5
2,1
2%
1,5

1%

0%

2024 2025 2026

Fonte: BTG Pactual

onde quer que se olhe. A mudança nas regras do Conselho


de Administração de Recursos Fiscais (Carf), que julga im-
bróglios tributários, teria impacto de até 60 bilhões de reais,
segundo estimativas do governo. Mas especialistas dizem
que o montante não chegaria a 40 bilhões de reais. A dispa-
ridade de 20 bilhões não pode ser ignorada.

9 | 13
CLUBE DE REVISTAS

DEBANDADA Galperín, fundador do Mercado Livre: ele


deixou a Argentina pouco antes de o governo elevar impostos

Para aumentar a arrecadação, o governo também


aposta no crescimento da economia. Isso faz sentido, mas,
novamente, é preciso ter cautela. Hoje em dia, o maior
responsável por impulsionar o PIB é o agronegócio. De
acordo com o IBGE, a cadeia do agro responde por algo
como 25% da economia nacional e 20% de tudo o que é
arrecadado no Brasil. No campo oposto, quem cresce me-
nos é a indústria, que contribui com 24% do PIB e 34% da
arrecadação de tributos federais. Ou seja, o setor que mais
colabora com a captação de impostos é o que avança me-
nos, enquanto o mais pujante não tem o mesmo peso na
coleta de tributos.
SARAH PABST/BLOOMBERG/GETTY IMAGES

10 | 13
CLUBE DE REVISTAS

DUAS VISÕES
As medidas em estudo pelo governo e quanto
elas podem aumentar a arrecadação

Taxação de investimentos no exterior

Taxação de empresas no exterior

Inclusão de créditos de ICMS no imposto


de renda de pessoa jurídica

Redução de gastos tributários federais

Taxação das apostas on-line

Taxação de compras internacionais

A reforma tributária poderá eliminar distorções, mas as


pressões políticas não serão desprezíveis. O Congresso de-
verá resistir a projetos que onerem a indústria e o agronegó-
cio, enquanto o setor de serviços teme o aumento dos im-
postos. Com tamanho desafio, o mercado não acredita que o
governo vai entregar as metas de resultado primário previs-

11 | 13
CLUBE DE REVISTAS

ENTRE

132 E 151
BILHÕES DE REAIS
É O IMPACTO
ESTIMADO PELO
GOVERNO

ENTRE

47 E 64
BILHÕES DE REAIS
É O IMPACTO ESTIMADO
POR AGENTES DO
MERCADO FINANCEIRO

Fonte: BTG Pactual

tas. “Se chegar perto, já será suficiente”, afirmou Mansueto


Almeida, economista-chefe do BTG Pactual, em evento do
banco Santander realizado em São Paulo.
A solução para o governo fechar suas contas poderá vir
na forma da famigerada “contabilidade criativa”, estratégia
de triste lembrança no Brasil. “Seria o equivalente a gastar

12 | 13
CLUBE DE REVISTAS

CHEIO Restaurante em São Paulo: setor de serviços teme


aumento de impostos

sem aparecer no orçamento, antecipando receitas e empur-


rando despesas no colo de empresas estatais”, afirma o eco-
nomista Marcos Mendes, ex-assessor especial do Ministé-
rio da Fazenda. Infelizmente, os sinais de que esse será o
caminho trilhado pelo governo se avolumaram nos últimos
meses. O Ministério da Gestão, por exemplo, pediu a exclu-
são de até 5 bilhões de reais em despesas com o Novo PAC
(Programa de Aceleração do Crescimento) da meta de des-
pesas das estatais para 2024.
O Planalto também já considera nas contas de 2023 os 12
bilhões de reais que a Caixa pagará ao Tesouro Nacional em
virtude da identificação de depósitos judiciais que já deve-
riam ter sido repassados aos cofres da União — o problema é
que dinheiro obtido no presente não significa que virá da
mesma forma no futuro. Para pavimentar o caminho do
crescimento, o governo não deveria torturar os números. É
preciso olhar para dentro e saber cortar privilégios e gastos
desnecessários. ƒ
LIGIA SKOWRONSKI

13 | 13
CLUBE DE REVISTAS
MAÍLSON DA NÓBREGA

SOBRE GASTOS
E JUROS
A expansão econômica depende
de investimento e produtividade

PARA O PT e economistas ligados ao partido, os motores


da economia são o gasto público e os juros baixos. O Novo
PAC é parte dessa cultura. Por isso, eles condenaram o te-
to de gastos e apoiaram a cruzada de Lula contra o nível
da taxa Selic e as grosserias lançadas sobre o presidente
do Banco Central (BC).
Essas não são, todavia, as fontes básicas do cresci-
mento econômico. É a produtividade. Para Paul Krug-
man, Prêmio Nobel de Economia, “a produtividade na
economia não é tudo; é quase tudo”. Ela explica mais de
80% do crescimento da economia americana no pós-
guerra. Dela advêm mais de 90% do sucesso da agrope-
cuária brasileira.
A redução responsável dos juros contribui para expan-
dir a atividade econômica, mas isso costuma ocorrer ape-
nas na reversão de ciclos de alta, como a que teve início
agora com a queda da taxa Selic para 13,25%. Políticas
monetárias restritivas — adotadas para “esfriar” a econo-

1|3
CLUBE DE REVISTAS

mia — são o padrão nas principais economias para dimi-


nuir temporariamente o consumo e o investimento, o que
desacelera o ritmo de crescimento dos preços e conduz a
inflação à meta.
Fora disso, a redução dos juros não mudará estrutural-
mente nossa capacidade de crescimento, que sempre de-
penderá de mais investimento e produtividade. A política
monetária atua apenas nos ciclos econômicos. Claro, ju-
ros excessivamente altos prejudicam a economia. O mes-
mo acontecerá se eles forem excessivamente baixos, em
especial quando isso ocorre por ação populista do gover-
no. Nesse caso, a demanda da economia aumentará em
ritmo superior ao da oferta. A consequência será mais in-
flação, o que reduzirá o potencial de crescimento do PIB,
do emprego e da renda. O peso maior da irresponsabilida-
de cairá sobre os mais pobres.

“O gasto público e a
redução das taxas de juros
não mudarão
estruturalmente a nossa
capacidade de crescimento”
2|3
CLUBE DE REVISTAS

Os juros são mais altos no Brasil do que em outros paí-


ses porque padecemos de circunstâncias negativas que
deles nos diferenciam. Uma delas foi vista recentemente: a
forma como empresários e participantes do atual governo
se irmanaram na crítica ao Banco Central. Dificilmente se
vê algo parecido em nações ricas.
O governo tomou a reação de líderes empresariais con-
tra a taxa Selic como prova de que era chegada a hora de
reduzi-la. Pode? Autoridades, acrescentou-se, teriam o di-
reito de criticar o BC. Não é assim. Nos países ricos existe
uma regra não escrita, raramente violada, pela qual mi-
nistros da Fazenda se abstêm de opinar sobre a taxa de ju-
ros. Podem transmitir a impressão de que sinalizam a eli-
minação da autonomia operacional do banco central.
Felizmente, o início da redução natural da taxa Selic
contribuiu, pelo menos por ora, para arrefecer a animosi-
dade ao BC e ao seu presidente. Isso voltará neste governo
na hipótese de um novo surto inflacionário que exija ação
da política monetária. Estamos longe, pois, de pacificar
esse território, menos ainda de entender por que o Brasil
tem taxa de juros mais alta do que os países ricos e mes-
mo do que nossos pares no mundo emergente. Mas isso é
tema para outro artigo. ƒ

3|3
CLUBE DE REVISTAS
ECONOMIA CONJUNTURA

O DRAGÃO EMPACOU
Indicadores negativos da China atrasam a
retomada global, provocam efeitos adversos
no Brasil e lançam dúvidas sobre a capacidade
de o país se reerguer LUANA ZANOBIA

PARA BAIXO Investidor acompanha o mercado financeiro


na Ásia: a expansão do PIB mais fraca em cinco décadas

JIE ZHAO/CORBIS/GETTY IMAGES

1|6
CLUBE DE REVISTAS

NAS ÚLTIMAS décadas, a China emergiu não apenas co-


mo a “fábrica do mundo”, mas também por ser a nova e re-
luzente protagonista da economia global. Seu crescimento
meteórico, que chegou a impressionantes 14,2% em 2007,
posicionou o país como a segunda maior força do planeta,
atrás dos Estados Unidos. Tamanho poderio explica por que
os movimentos da nação da Muralha reverberam em qual-
quer lugar, causando impactos tanto em Wall Street, o cora-
ção financeiro de Nova York, quando entre os produtores do
agronegócio brasileiro. Em 2021, mesmo diante dos desa-
fios trazidos pela pandemia, a China se destacou pela robus-
tez de seu PIB, que acelerou 8,1%. O desempenho notável
em tempos turbulentos representou um contraponto às difi-
culdades de outros países. Recentemente, contudo, o cená-
rio por lá mudou, e uma série de indicadores negativos mos-
tram que o dragão perdeu parte de seu poder de fogo.
No trimestre encerrado em junho, o PIB chinês cresceu
0,8% em relação ao período anterior. O resultado sinaliza a
continuidade do ritmo mais lento da economia. Em 2022, o
PIB avançou apenas 3% — foi o pior desempenho em quase
cinco décadas. Não é só. No mês passado, as exportações
declinaram 14,5% em relação a julho de 2022, enquanto as
importações caíram 12,4%. As principais preocupações dos
chineses dizem respeito ao consumo estagnado. “A China
precisa estimular a economia, tornando o corte de juros
uma medida adequada”, diz Fabiana D’Atri, economista do
Bradesco Asset Management.

2|6
CLUBE DE REVISTAS

KOKI KATAOKA/THE YOMIURI SHIMBUN/AFP

CRISE Sede da construtora Evergrande:


dívidas pesadas e pedido de falência

O país reduziu há alguns dias a sua principal taxa de re-


ferência de 3,55% para 3,45% ao ano. No entanto, o índice
de cinco anos, que é fundamental para hipotecas, permane-
ceu inalterado. A manobra financeira reforçou as inquieta-
ções já existentes sobre a estabilidade do setor imobiliário
chinês, responsável por cerca de 30% do produto interno
bruto. A situação se torna ainda mais delicada quando se
consideram o atraso nos pagamentos da Country Garden e
o pedido de proteção contra falência da Evergrande, dois gi-
gantes do setor imobiliário.

3|6
CLUBE DE REVISTAS

SEM FÔLEGO
O PIB chinês está longe de repetir a exuberância
do passado recente (crescimento, em %)

14,2

12

4,7*

2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021 2023

*Previsão Fontes: Banco Mundial e Banco Morgan Stanley

4|6
CLUBE DE REVISTAS

A desaceleração da economia chinesa ecoa nos merca-


dos globais. Tome-se o Brasil como exemplo: o índice Ibo-
vespa experimentou uma sequência de queda que havia
muito não se via, em boa medida influenciado pelas turbu-
lências vindas da China, que prejudicaram o mercado de
commodities. As flutuações nos preços do petróleo e do
minério de ferro são indicadores desse impacto. As incer-
tezas no gigante da Ásia reduziram a cotação do petróleo
Brent, que se mantém próximo dos 80 dólares por barril,
mesmo com a produção global mais enxuta. O minério de
ferro também acumulou uma sequência de quedas, mas a
sinalização das siderúrgicas chinesas de manter seus ní-
veis de produção fez o preço da commodity recuperar o
fôlego, aliviando as tensões no mercado brasileiro e impul-
sionando as ações da mineradora Vale na B3, a bolsa de
valores de São Paulo. Registre-se que o Brasil tem na na-
ção asiática seu principal parceiro comercial. No ano pas-
sado, o país concentrou 30% das exportações brasileiras.
Os desafios econômicos têm chamado a atenção da co-
munidade global. O presidente dos Estados Unidos, Joe Bi-
den, não hesitou em rotular a situação como uma “bomba-
-relógio”, sublinhando os desafios crescentes que o velho
dragão enfrenta. Mesmo dentro da China, as preocupa-
ções estão se intensificando. Uma indicação clara foi a ten-
tativa do governo de esconder a alarmante taxa de desem-
prego entre os jovens, que disparou para um recorde de
21,3%, o nível mais elevado já registrado no país. Outra

5|6
CLUBE DE REVISTAS
HARIANDI HAFID/GETTY IMAGES

IMPACTO Funcionário da Vale: a


empresa é afetada pela economia chinesa

preocupação é com o envelhecimento da população, que


está acelerando mais que o esperado.
Para impulsionar o crescimento, a China conta agora
com o apoio do setor produtivo, já que a máquina estatal
emperrou. “Há um claro direcionamento do governo chi-
nês para diversificar sua estratégia, com ênfase crescente
no segmento privado”, afirma Evandro Menezes, coorde-
nador do Núcleo de Estudos Brasil-China da FGV. “Nesse
contexto de reinvenção econômica, a China enfrenta o de-
safio de seduzir investidores estrangeiros, principalmente
diante das retaliações provenientes dos Estados Unidos.”
O dragão fraquejou, mas é preciso reconhecer que está
longe de ser vencido. ƒ

6|6
CLUBE DE REVISTAS
INTERNACIONAL ESTADOS UNIDOS

O PALCO SOU EU
O primeiro debate entre os pré-candidatos republicanos
à Presidência revela uma verdade inconveniente:
será muito difícil tirar de cena Donald Trump,
mesmo todo enrolado na Justiça

CAIO SAAD

DESFAÇATEZ O ex-presidente na
entrevista para Tucker Carlson: 46 minutos
dos absurdos de sempre

REPRODUÇÃO

1|5
CLUBE DE REVISTAS

O
jogo promete ser quente, embora um tanto dese-
quilibrado. Na abertura semioficial da corrida para
a Casa Branca, com o primeiro debate entre os pré-
candidatos do Partido Republicano, realizado pela
rede de TV Fox News, oito aspirantes marcaram
presença, mas a grande estrela do partido, o ex-presidente
Donald Trump, ficou de fora. Ou, como definiu o mediador
Bret Baier, havia um “elefante fora da sala”, ao brincar com a
dimensão política do personagem e a logomarca dos repu-
blicanos. Líder nas pesquisas de intenção de voto, Trump
decidiu não dar a cara em um encontro no qual seria o cen-
tro dos ataques. Esperto, gravou uma entrevista para o jor-
nalista conservador e chapa-branca Tucker Carlson.
O resultado da noite americana? Goleada de Trump. O
show dos oito, insosso, atraiu 24 milhões de telespectadores.
A conversa trumpista, transmitida na plataforma X, que um
dia se chamou Twitter, alcançou a marca de 74 milhões de
visualizações. Não há, portanto, até onde a vista alcança,
ninguém na direita americana capaz de fazer sombra ao
atual rei Sol e sua ruidosa onipresença.
Houve um momento, no debate, que ajuda a resumir a força
magnética de Trump, e da qual parece ser impossível escapar.
Baier perguntou à penca de candidatos se apoiariam a nomea-
ção do líder republicano mesmo se ele fosse condenado em al-
gum dos quatro processos que enfrenta na Justiça. Os que con-
cordassem deveriam levantar a mão. Seis dos presentes se ma-
nifestaram positivamente. Apenas Asa Hutchinson, ex-gover-

2|5
CLUBE DE REVISTAS

WIN MCNAMEE/GETTY IMAGES


MONOTONIA A turma dos oito no debate:
havia um “elefante fora da sala”

nador do Arkansas, permaneceu impávido. Chris Christie, ex-


governador de Nova Jersey, balançou timidamente um dedi-
nho: “Quer você acredite ou não que as acusações criminais
estão certas ou erradas, a conduta está abaixo do cargo de pre-
sidente dos Estados Unidos”, justificou, sob vaias da plateia. Foi
o ápice de uma refrega chocha, em que sobraram respostas
evasivas sobre temas espinhosos como mudanças climáticas,
aborto e imigração. Apenas o novato Vivek Ramaswamy bri-
lhou, na cola de Trump, a quem parecia imitar, dados os trejei-
tos e os olhares. Jovem empresário do ramo da tecnologia, fi-
lho de imigrantes indianos, ele afirmou que concederia perdão
presidencial ao todo-poderoso. O ex-vice-presidente Mike
Pence e o governador da Flórida, Ron DeSantis, que lutam pa-
ra conquistar apoio, pareciam fantasmas sem voz.
Do lado de lá, fora do picadeiro, nos 46 minutos em que
esteve com Carlson, o apresentador de maior audiência da

3|5
CLUBE DE REVISTAS

Fox, que foi demitido e trava uma batalha judicial com a


emissora, Trump foi Trump. Cometeu racismo explícito ao
defender que brancos “estão sendo trocados por pessoas de
cor”; sugeriu que adversários poderiam tentar matá-lo; e dis-
se que a combinação entre paixão e ódio, em um patamar
nunca antes observado, poderia ser explosiva. No comentá-
rio mais cínico da noite, afirmou que havia “muito amor” en-
tre a multidão que invadiu o Capitólio para tentar impedir a
certificação de Joe Biden como presidente, em 6 de janeiro de
2021. “As pessoas dizem que foi o dia mais bonito que já vi-
veram”, disse, esquecendo-se convenientemente dos cinco
mortos no episódio e dos inúmeros feridos. Sem rebater os
argumentos, o entrevistador se limitou a afagar o empresá-
rio: “Foi uma decisão terrível termos ficado sem você”, la-
mentou, deixando de lado as diversas vezes em que criticou o
magnata, em mensagens privadas vazadas para a imprensa.
A ausência de Trump no debate republicano foi manti-
da em suspense enquanto se pôde e assessores se encar-
regaram de espalhar que ele “estava tentado” a compare-
cer, em um truque barato e antigo. Foram desmentidos
pelo próprio pré-candidato. Em postagem na sua rede, a
mentirosa Truth Social, ele alegou que a posição confor-
tável nas pesquisas justificavam o bolo. Trump conta, se-
gundo os levantamentos mais recentes, com 52% da pre-
ferência dos eleitores republicanos. Seu rival mais próxi-
mo, DeSantis, tem 12%. Todos os demais patinam em um
mísero dígito. Outra sondagem aponta que 70% dos elei-

4|5
CLUBE DE REVISTAS

tores registrados no partido acham que seu mandato na


Casa Branca foi bom e 60% querem que ele seja candida-
to novamente. “A vantagem de Trump sobre o segundo
colocado não é limitada por situação socioeconômica ou
área geográfica”, avalia Matthew Baum, professor de po-
líticas públicas da Universidade Harvard. “Ela retrata o
domínio dele em todo o espectro republicano.”
Enquanto segue confiante, dizendo-se vítima de perse-
guição, Trump se enrola cada vez mais na pilha de proces-
sos a que responde por atos relacionados ao período em que
foi presidente. No mais recente, no estado da Geórgia, seus
advogados concordaram com o pagamento de uma fiança
de 200 000 dólares para que ele possa aguardar o julga-
mento em liberdade, a primeira vez que a exigência foi feita
— nas ações anteriores, ela foi considerada desnecessária.
A promotora encarregada do caso, Fani Willis, com base
em uma lei criada para combater mafiosos, acusa o ex-presi-
dente e dezoito assessores de formarem uma organização cri-
minosa para tentar alterar o resultado da eleição no estado —
aí incluído o famoso telefonema de Trump para o republicano
Brad Raffensperger, funcionário encarregado da apuração,
solicitando que ele “achasse” votos suficientes para reverter a
derrota para o democrata Biden. A expectativa é que pelo me-
nos dois julgamentos se realizem antes da eleição, mesmo
sendo o ex-presidente especialista em postergar processos ju-
diciais. Se podem ou não influenciar o resultado da eleição,
ninguém se arrisca a prever. O elefante está na sala. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
GENTE
VALMIR MORATELLI

A PANTERA DE MINAS
O assassinato da mineira Ângela Diniz,
que chocou o país em 1976, ganha no-
vo olhar com o filme Ângela, protago-
nizado por ISIS VALVERDE, 36
anos, também nascida em Minas Ge-
rais, em Aiuruoca. “Ângela era a ale-
gria das festas e assim mascarava o
sorriso triste, já que sofria uma dor
profunda com a distância dos filhos.
Nas filmagens, também fiquei longe do
Rael, o que me ajudou a levar o senti-
mento para a tela”, diz a atriz. Exibido
no Festival de Gramado, o longa foi
criticado pela quantidade de cenas de
sexo entre Ângela e Doca Street (vivi-
do por Gabriel Braga Nunes), que a as-
sassinaria e alegaria “legítima defesa
da honra” — uma argumentação que
acaba de ser invalidada pelo STF. Isis
não se abala com a desaprovação e
vê nela uma manifestação de machis-
mo, do qual se diz vítima. “Quero viver
INSTAGRAM @ISISVALVERDE

a minha vida nos meus termos e sei


que nem sempre a sociedade entende
isso”, ressalta ela, agitando bandeira.

1|5
CLUBE DE REVISTAS
FACEBOOK @USEMBASSYAUSTRALIA

NAS ÁGUAS DA HISTÓRIA


Há oitenta anos, o ex-presidente americano John Kennedy, ofi-
cial da Marinha na II Guerra, nadou com os companheiros — e
ainda ajudou a salvar alguns — até a ilhota deserta de Olasana,
parte do arquipélago das Ilhas Salomão, no Pacífico Sul, após
um destroier japonês partir ao meio sua embarcação (eles se-
riam resgatados uma semana depois). Em sua homenagem, a
filha CAROLINE KENNEDY, 65 anos, hoje embaixadora dos
Estados Unidos na Austrália, voltou ao local e repetiu a nado o
percurso do pai, acompanhada do filho mais velho (ao seu lado,
na foto), JACK SCHLOSSBERG, 30. “Que lugar lindo”, co-
mentou antes de mergulhar no mar azul-turquesa, com a in-
tenção de “tornar a história mais viva”.

2|5
CLUBE DE REVISTAS
JOSE PEREZ/BAUER-GRIFFIN/GETTY IMAGES

POLÊMICA NASAL
O compositor e pianista americano Leonard Bernstein (1918-
1990) terá sua vida iluminada em Maestro, filme que BRADLEY
COOPER, 48 anos, escreve, dirige e protagoniza. Mas bastou
o trailer da produção, com lançamento na Netflix previsto para
dezembro, ser exibido para a patrulha do politicamente correto
implicar com a avantajada prótese nasal usada pelo não judeu
Cooper, logo acusado de antissemitismo, com indevido estar-
dalhaço. Os filhos do músico saíram em sua defesa nas redes
sociais. “Leonard Bernstein tinha um belo nariz grande. Bradley
optou por ampliar sua semelhança com ele e nós não vemos
problema nisso”, diz o comunicado assinado em conjunto pelos
herdeiros Jamie, Alexander e Nina Bernstein.

3|5
CLUBE DE REVISTAS

CRAQUE DA ARÁBIA
Anunciado como a maior contratação da história do futebol feita
por um clube não europeu, NEYMAR, 31 anos, chegou ao Al-Hilal,
da Arábia Saudita, a bordo do jatinho do príncipe Alwaleed bin Ta-
lal, avaliado em mais de 1 bilhão de reais. No pescoço, levava um
crucifixo cravejado de diamantes, imagem que precisou ser borra-
da nos sites locais — no país regido pelas leis islâmicas, exibir sím-
bolos religiosos pode dar até cadeia. Apesar da gafe, o jogador foi
recebido de braços abertos e evitou polêmicas. “Conquistei muito
na Europa e aproveitei momentos especiais, mas sempre quis ser
um jogador global”, afirmou. Global? O lugar do Al-Hilal no futebol
do planeta é minúsculo, mas o salário (coisa de 850 milhões de
reais por ano), que beleza...
TWITTER @ALHILAL_FC

4|5
CLUBE DE REVISTAS
FACEBOOK @ROYALMADONNAPL

CELEBRANDO E DANÇANDO
Depois de passar alguns dias internada na UTI de um hospital em Nova
York, no meio dos preparativos para iniciar The Celebration Tour, turnê
comemorativa das quatro décadas de carreira, MADONNA fez
questão de se cercar da família inteira para o aniversário de 65 anos.
Em Portugal, onde tem casa, na companhia dos seis filhos — Lourdes e
Rocco (na foto), David, Mercy e as gêmeas Estere e Stella —, ela andou
a cavalo, fez um passeio de barco pelo Rio Tejo e jantou em um restau-
rante de Lisboa, onde foi recebida ao som de Vogue, hit de 1990, e caiu
na dança. “É ótimo estar viva, é incrível poder calçar meu sapato de
bailarina e comemorar meu aniversário. Sou muito grata”, afirmou ela,
para quem o tempo não atenuou o pendor para a polêmica. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
GERAL MIGRAÇÃO

O DIFÍCIL RECOMEÇO
Afundados em pobreza e com a liberdade cerceada,
afegãos não param de chegar a Guarulhos, onde
alguns passam semanas sobre o chão frio do
aeroporto sonhando com uma vida nova
AMANDA PÉCHY

ACAMPAMENTO Saguão do aeroporto:


famílias aguardam ali por abrigo

ROGÉRIO ALBUQUERQUE

1|9
CLUBE DE REVISTAS

M
aior aeroporto do país, Guarulhos, em São Pau-
lo, registrou no ano passado mais de 30 milhões
de passageiros apinhados em extensas filas,
uma colmeia de gente por vezes caótica. Nada
que se compare, porém, ao drama humano que
se desenrola em um canto escondido num mezanino da zo-
na de partidas do Terminal 2. Ao lado do Posto de Atendi-
mento ao Migrante, uma multidão de homens, mulheres e
crianças vindos do Afeganistão montou um acampamento
improvisado, usando cobertores para delimitar o espaço on-
de famílias aguardam, sobre colchonetes que mal as prote-
gem do contato com o chão, o próximo passo de sua jornada
na terra desconhecida. Garrafas d’água e roupas ficam espa-
lhadas no saguão.
A situação, que se arrasta há quase dois anos, quando mi-
lhares de afegãos debandaram de seu país com o avanço do
grupo fundamentalista Talibã, havia sido equacionada.
Mas, com o recente cerco às liberdades individuais apertan-
do na nação do Oriente Médio, uma nova onda de pessoas
em busca de um horizonte melhor voltou a inundar os cor-
redores do concorrido aeroporto.
Nos últimos dias, a reportagem de VEJA foi conhecer a
realidade desses que abandonaram casa, emprego, universi-
dade e os pertences de uma vida por se verem perseguidos
pelo autoritário regime que se instalou na capital, Cabul, ou
por falta de perspectiva mesmo — dois conhecidos motores
para os deslocamentos mundo afora. Antes de pisar no Bra-

2|9
CLUBE DE REVISTAS

ROGÉRIO ALBUQUERQUE
VIVER SEM MEDO
Por quatro meses, Sayed Sultan, 44 anos, ficou escondido
em solo afegão junto da mulher, Gulsom, 40, e dos seis filhos
(quatro deles na foto). Visto agora como inimigo de Estado,
o militar que lutou ao lado dos Estados Unidos sabia que, se
encontrado, seria sentenciado à morte. No Brasil, ele
desabafa: “Há muito tempo não me sentia tão leve e livre”

sil, esse contingente cruza a fronteira de seu país a pé ou de


carro. Na maioria das vezes, finca base nos vizinhos Irã ou
Paquistão, onde uma parcela acaba vindo a morar, enquanto
a outra tenta sair. Essa procura órgãos diplomáticos brasilei-
ros atrás de um visto humanitário, documento que atrai ca-
da vez mais afegãos. É o boca a boca que os faz saber que
têm tal opção, a princípio improvável, dada a distância física
e cultural que separa os dois países.

3|9
CLUBE DE REVISTAS

Entre os 91 donos de

12 300
nacionalidade afegã espa-
lhados por Guarulhos, na
sexta-feira 18, Sayed Sul-
tan, 44 anos e pai de seis
filhos, é um dos que rela- VISTOS HUMANITÁRIOS FORAM
tam ter voado ao Brasil expedidos a afegãos no Brasil
desde setembro de 2021 —
porque, como militar, tra-
a maior leva deles no país
balhava para os america-
Fonte: Itamaraty
nos, o que hoje leva à sen-
tença de morte no Afeganistão. Há duas semanas, ele es-
pera um aceno das autoridades locais para ser acomodado
em um dos abrigos para refugiados em São Paulo, alguns
voltados exclusivamente para esses imigrantes que não pa-
ram de chegar. Diante de tamanho afluxo, o período de in-
certeza no aeroporto pode durar semanas. “Quem quer
deixar tudo para trás e ficar nessa situação? Mas foi neces-
sário”, resigna-se Sayed.
O Brasil já concedeu 12 300 vistos de acolhida humanitá-
ria — o mesmo que, em outros momentos, foi dado maciça-
mente a venezuelanos, haitianos e até sírios. Desses, 6 200
ingressaram em solo brasileiro, enquanto os demais ainda
juntam dinheiro para a viagem ou estão na expectativa de
um parente obter o visto para que todos embarquem no
mesmo avião.
A atabalhoada saída do exército americano do Afeganis-
tão, que havia se estabelecido lá duas décadas antes, em

4|9
CLUBE DE REVISTAS

ATRÁS DE
UM FUTURO
Depois de um período
de solidão em
Guarulhos,
Sohaila Rasooli, 19 anos,
foi acolhida em um
abrigo de refugiados em
São Paulo, onde
prepara receitas de
família e começa a se
sentir em casa ao lado
de conterrâneos. “Meu
plano agora é concluir o
ROGÉRIO ALBUQUERQUE

ensino superior, o que já


não podia lá”, diz

meio à guerra ao terror desencadeada pelo governo George


W. Bush pós-atentados de 11 de setembro, produziu cenas
de desespero humano que certamente ingressarão nos livros
de história. As pessoas disputavam lugar em aviões que, de
tão lotados, mais pareciam ônibus no horário do rush. Muita
gente ficou para trás, entre eles Ali Hosseini, 49 anos, ex-
funcionário do Ministério da Educação na administração
que viria a ser substituída pelo Talibã. Logo após o caos em
Cabul, naquele agosto de 2021, Ali, a esposa, Najiba, mais
três filhos fizeram a rota para o Irã. Permaneceram lá por
um ano e meio, à espera do visto brasileiro. Na semana pas-

5|9
CLUBE DE REVISTAS

sada, enfim chegaram a Guarulhos. “Tínhamos uma vida


boa que se foi. Agora, é olhar para a frente”, desabafa Ali.
“Ao menos, pela primeira vez em muito tempo não temos
mais medo”, arremata Sayed Sultan, seu colega de quarente-
na forçada no aeroporto.
Aqueles corredores são apenas a primeira parada de um
duro recomeço, que exige de quem imigra elevada capacida-
de de adaptação. Do acampamento em Guarulhos, os afe-
gãos são encaminhados a um dos onze abrigos em São Pau-
lo de estadias de um mês. São ajudados então a regularizar
sua situação na Polícia Federal, cadastram-se nos sistemas
públicos de saúde e de educação e recebem aulas de portu-
guês. Só depois são levados a centros de acolhimento nos
quais podem ficar até um ano e onde são orientados na bus-
ca por emprego. “Não é fácil. Muitos são bem formados e
precisam se colocar fora de sua área de atuação”, explica Va-
nessa Pimenta, coordenadora da casa Todos Irmãos, na ci-
dade de Guarulhos.
Segundo o Acnur, agência de refugiados da ONU, a me-
tade dos recém-chegados, embora donos de diplomas uni-
versitários, inicialmente assumem postos menos qualifica-
dos na indústria agropecuária. Enquanto se estabilizam, o
Acnur fornece uma bolsa de 600 reais a cada um. Grávida
de oito meses, Mursal Muradi, 21 anos, diz que a rede de
apoio, que mescla programas do Estado com o de organiza-
ções internacionais, é vital, mas ela ainda se vê distante do
dia em que fará parte da sociedade, um degrau que leva tem-

6|9
CLUBE DE REVISTAS

ROGÉRIO ALBUQUERQUE
A DOR DA PERDA
Depois de seu primogênito ser morto pelos militantes
afegãos, Ali Hosseini, 49 anos, fugiu para o Irã com a
esposa e os três filhos. As caçulas haviam sido proibidas
pelo novo regime de estudar. “O Talibã nos roubou nosso
filho e nossa vida”, conta ele, ainda à espera de um abrigo
no saguão de Guarulhos

po para ser galgado. “Fugimos por medo de criar nossa filha


no Afeganistão. Eles começaram a tosar a liberdade das mu-
lheres e perdi meu emprego”, relata a jovem, que diz: “Só
quero uma vida normal”.
A debandada de afegãos configura uma das maiores on-
das migratórias da história recente. O conflito que mais pro-
duziu refugiados no século XXI foi a guerra da Síria — 6,6
milhões de pessoas no curso de uma década. O flagelo eco-
nômico na Venezuela, por sua vez, expeliu pouco mais de 6
milhões (260 000 dos quais aportaram no Brasil). Mais de 2
milhões de afegãos já haviam deixado seu país antes do re-

7|9
CLUBE DE REVISTAS

torno do regime talibã. Desde então, somou-se a eles outro


1,6 milhão, e a estatística cresce. As garras autoritárias do
grupo fundamentalista aprofundaram a pobreza — de acor-
do com a ONU, 97% da população caminha na linha da pre-
cariedade e 700 000 pessoas perderam o emprego, a maio-
ria mulheres. Hoje, o Afeganistão é o único país onde elas
são proibidas de estudar e exercer variadas profissões. Em
represália, Estados Unidos e aliados do Ocidente isolaram
sua economia, cortando repasses que outrora respondiam
por 75% do orçamento do governo. “Evidentemente que o
Talibã merece status de pária, mas a população vem pagan-
do um preço alto”, avalia Paulo Hilu, coordenador do Nú-
cleo de Estudos do Oriente Médio da UFF.
A chegada dos afegãos ao Brasil se dá num momento em
que nunca tanta gente deixou seu país atrás de mais liberda-
de e oportunidades. Um relatório da ONU enfatiza que o nú-
mero de deslocamentos no planeta atingiu o recorde de
108,4 milhões em 2022. Obstáculos diversos aparecem no
trajeto, que majoritariamente mira a Europa e os Estados
Unidos como destino final. Muitos, porém, dão de cara com
o paredão de guardas que os contêm nesses países. Há ainda
os que não resistem a jornadas em condições subumanas,
como as dramáticas travessias no Mediterrâneo.
O Brasil, nesse contexto, surge como opção, sobretudo
para os vizinhos sul-americanos. Foi após a nova Lei de Imi-
gração, de 2017, que o país se inseriu mais fortemente no
mapa global da imigração. “O texto, guiado por princípios

8|9
CLUBE DE REVISTAS
REPRODUÇÃO

DESESPERO A população tenta


lugar no voo: milhões ficaram para trás

de direitos humanos, é modelo, embora ainda haja claras la-


cunas na logística e na infraestrutura envolvidas na recep-
ção”, explica Cynthia Carneiro, da Faculdade de Direito da
USP. Para uma boa parcela dos que vêm, o Brasil é visto jus-
tamente como passagem para países mais cobiçados — co-
mo ocorre agora com os afegãos. Parte deles alimenta o so-
nho americano. “Cogito, sim, ir para os Estados Unidos,
pensando nas chances que podem se abrir para mim por lá”,
admite Sohaila Rasooli, 19 anos, que cursava administração
em Cabul quando lhe vetaram o direito de estudar. Suas
prioridades imediatas, no entanto, são outras. “Quero voltar
a tocar violão, o que não me deixavam mais fazer em meu
país”, afirma. Como os outros, ela não vê a hora de levantar
voo bem longe do chão frio de Guarulhos. ƒ

9|9
CLUBE DE REVISTAS
GERAL COMPORTAMENTO

EXPOSIÇÃO MÁXIMA
Brasileiras de classe média descobrem no site
britânico OnlyFans um jeito de ganhar dinheiro postando
conteúdo erótico. Para muitas, acaba trazendo sofrimento
DUDA MONTEIRO DE BARROS

A UM CLIQUE Jovens universitárias exibem nudes


e vídeos eróticos: muita gente que entra lá age de
forma invasiva e desrespeitosa

MURATDENIZ/E+/GETTY IMAGES

1|6
CLUBE DE REVISTAS

O MUNDO estava sob a clausura imposta pela pandemia


quando o universo das redes, onipresente, alcançou uma esca-
la como nunca antes. Foi aí, naquele 2020, que germinou todo
tipo de fenômeno virtual, um leque de qualidade variada que
contemplava novas necessidades humanas no campo do lazer
e do trabalho. Na esfera da cultura, sem poder fazer shows, re-
pentinamente, artistas esbarraram na até então desconhecida
plataforma britânica OnlyFans, que oferecia aos fãs, mediante
assinatura, conteúdo exclusivo de gente famosa flagrada em
cliques inéditos e cenas de bastidores.
Num ciclo veloz, em que uma coisa logo levou à outra, ma-
terial mais picante foi sendo disponibilizado pelas próprias ce-
lebridades (não raro, semicelebridades) para impulsionar o in-
teresse, entre elas Anitta, que brindou a plateia virtual com
imagens em que se cobria com módicos pedaços de tecido.
Com a rotina de volta aos trilhos, nomes estelares regressaram
ao palco, deixando a via do OnlyFans aberta para milhares de
anônimos, a imensa maioria da ala feminina, que começaram
a investir firme em fotos e vídeos de teor erótico na busca de
um dinheiro que, a princípio, lhes pareceu fácil. Mas não é.
A reportagem de VEJA mergulhou nesse terreno, em que
cada vez mais brasileiras de classe média, universitárias entre
18 e 25 anos, experimentam fazer da exibição do próprio cor-
po uma atividade de trabalho. O enredo contado por elas se
inicia com a sensação de que podem fazer o que bem quise-
rem, sem travas. Mas a romanceada narrativa (para usar pa-
lavra da moda) dá de cara com a aridez de uma realidade na

2|6
CLUBE DE REVISTAS

qual quem paga se vê como


senhor daquele espaço, on-
de o contato com as garo-
tas é possível — em tempo
real ou via mensagem — e
muitas vezes hostil. Aos 21
anos, a estudante de publi-
cidade Amanda Alcunha,
que havia conseguido vaga
em uma empresa como jo-
vem aprendiz, largou tudo
pela alardeada promessa
de ganhar bem com um dia
a dia em que teria controle
sobre o tempo. No Only-
Fans e em plataformas me-
nores, como a brasileira
Privacy, ela posta uma ge-
nerosa coleção de nus artís-
ticos. “Quando contei à mi-
nha mãe, ela disse que eu
ARQUIVO PESSOAL

estava me prostituindo, bri-


gamos feio, mas não desis-
ti”, diz a estudante, que re- ADEUS, ESTÁGIO Ana Elisa,
cebe cerca de 20 000 reais aluna de direito: “Banquei
mensais, já abatidos os minha escolha mesmo sob o
20% cobrados pelo site. alvo de críticas pesadas”

3|6
CLUBE DE REVISTAS

Como ocorre com inúmeras meninas, ela é alvo de


constante assédio de homens do outro lado da tela, que
aparecem com pedidos aos quais já cedeu, mesmo atrope-
lando sua vontade. Como só se mostrava de lingerie, um
deles insistia para que não usasse nada. “Acabei fazendo o
que ele queria, para agradar, uma violência para mim”, re-
conhece Amanda, que caminha nesse pantanoso solo, on-
de, de acordo com estudos, podem se disseminar males da
mente. “A atuação nesse nicho é associada a ansiedade, de-
pressão e crises de pânico”, explica a psicóloga Mônica
Gurjão, da PUC-SP. Sendo um mercado sem regulamenta-
ção, não há mediação entre as jovens e quem navega em
seus canais. Para se ter acesso ao que elas postam, pagam-
se até 120 reais mensais por perfil, a depender do status de
cada uma na rede, repleta de usuários que nem sempre
atentam para o elementar princípio do respeito. “É comum
que as garotas recebam mensagens agressivas, xingamen-
tos e sejam até ameaçadas”, alerta a especialista.
Hoje tomado de conteúdo erótico — nudes, vídeos sensuais
e pornografia —, o OnlyFans cresce e já contabiliza 220 mi-
lhões de assinantes de 100 países. Os números da plataforma
vêm aumentando exponencialmente no Brasil. Normalmente,
as meninas já desfrutam alta popularidade em redes como Ins-
tagram e, empurradas pela boa audiência, migram para o On-
lyFans. Não é o desespero financeiro que as conduz para essa
trajetória. “Muitas citam vantagens como horário flexível e
trabalho a distância, mas admitem que a opção vem acompa-

4|6
CLUBE DE REVISTAS

ARQUIVO PESSOAL
ALTA PRESSÃO Giulia Rosa é cobrada o tempo inteiro:
“Para eles, o que eu posto nunca é bom o suficiente”

nhada de estigmas”, ressalta Carolina Bonomi, do Núcleo de


Estudos de Gênero da Unicamp.
Entre os perigos que brotam pelo caminho, há o risco de
vazamento do conteúdo, que pode ser facilmente copiado e,
nas mãos dos mal-intencionados, às vezes circula livremente
em grupos de WhatsApp. Foi assim com a aluna de direito
Ana Elisa Souza, 23 anos, que abandonou um estágio no ano
passado para encarar o OnlyFans. Postou ali vídeos eróticos
sozinha e com o namorado, que foram parar em aplicativos de

5|6
CLUBE DE REVISTAS

mensagem e sites pornô. Quando aderiu à plataforma, ela teve


medo dos inevitáveis julgamentos em seu círculo social. “Eu
sei que as pessoas falam mal do que faço pelas costas, mas
nunca escondi nada”, garante ela, que recebeu 70 000 reais em
um mês e só quer deixar o site depois de conquistar o diploma
universitário, com atalho de futuro garantido. Cifras tão altas,
esclarecem os entendedores, não são usuais no OnlyFans.
Apenas aquelas que já contabilizam uma ampla teia de conta-
tos em outras redes conseguem faturar tanto.
Um dos impulsos à exposição sob os holofotes das redes
tem raízes fincadas em um traço característico dos dias de ho-
je — a cultura do narcisismo. Isso vale para a indústria de posts
de forma ampla, e se aplica também a essas meninas, que vão
perdendo o espanto diante do que, antes, lhes soava estranho.
“Quanto mais publicam em redes, mais vão normalizando a si-
tuação”, diz a cientista social Lorena Caminha, da USP. Algu-
mas procuram agências especializadas no universo das redes
eróticas, profissionalizando o ganha-pão, como fez Giulia Ro-
sa, 21 anos, que recebe 50 000 reais mensais com fotos e víde-
os com figurino sensual. A exposição vem acompanhada de
uma severa autocrítica. “É um meio de muita pressão estética,
estamos sempre nos comparando e sendo cobradas”, desabafa.
“As meninas incorporam personagens hipersexualizados e fi-
cam reféns desse modelo, um motor para frustrações”, enfatiza
a psicóloga Mônica Gurjão. Como se vê, abrir as portas da inti-
midade em tamanha escala pode deixar feridas que não se
apagam na velocidade de um post. ƒ

6|6
CLUBE DE REVISTAS
GERAL ESPAÇO

MENSAGEM
NA GARRAFA
O projeto Lunar Codex porá em órbita mais de
30 000 obras artísticas da humanidade, na forma de
uma cápsula do tempo para a posteridade
ALESSANDRO GIANNINI E MARÍLIA MONITCHELE

OLHA O QUE NÓS CRIAMOS A Lua, vista do Rio de


Janeiro: destino de trabalhos colecionados em todo o mundo

MAURO PIMENTEL/AFP

1|6
CLUBE DE REVISTAS

FOI NA GRÉCIA antiga que tudo começou. O filósofo


grego Teofrasto, discípulo de Aristóteles e seu sucessor
no Liceu de Atenas, teve a ideia de pôr um bilhete enro-
lado dentro de uma garrafa, fechá-la e jogá-la ao mar. O
sábio helênico teria usado o recurso para estudar as cor-
rentes oceânicas. Só mais tarde a prática se tornaria veí-
culo para pedidos de socorro ou até de simples mensa-
gens de esperança. No século XXI, o conceito entrou na
órbita espacial. Em 1969, a Apollo 11 levou à Lua um
disco de silício com mensagens de paz de líderes de mais
de setenta países. Em 1977, as sondas Voyager 1 e 2 car-
regaram para o infinito e além dois discos dourados con-
tendo tesouros da humanidade como a gravação do Pre-
lúdio e Fuga em Dó do Cravo Bem Temperado, de Bach,
na interpretação de Glenn Gould, e Johnny B. Goode, de
Chuck Berry, com a curadoria do astrônomo e divulga-
dor científico Carl Sagan (1934-1996). A ideia: esses
frascos embebidos de civilização poderiam, lá na frente,
ser decifrados por alienígenas — busca que nos fascina,
aqui no planeta Terra.
Agora, com os avanços tecnológicos e a quase infinita
capacidade de armazenamento, o sonho de gente como
Sagan parece se multiplicar. E os receptáculos, que nos
anos 1960 e 1970 eram fisicamente limitados, são capazes
de carregar museus inteiros, com preferência para nomes
ainda sem destaque, mas que representam a rica varieda-
de de culturas do mundo.

2|6
CLUBE DE REVISTAS

ABRAHAM
ANGHIK
RUBEN
Um dos principais
ímãs de atenção do
escultor tem sido a
história do contato
entre os vikings
nórdicos e os inuítes,
como ele. Paulatuk
THE WINDRIFT COLLECTION

Owl, selecionada
para a travessia, é
uma homenagem a
sua terra natal.

Eis a ambição de um projeto batizado como Lunar Co-


dex. Ele foi idealizado por Samuel Peralta, físico semi-
aposentado e colecionador de arte do Canadá. Trata-se de
uma coleção digitalizada e miniaturizada de arte contem-
porânea, poesia, revistas, música, filmes, podcasts e livros
de mais de 30 000 artistas de 158 países — inclusive do
Brasil, é claro. “Como ainda não completamos o conteúdo
das cápsulas e há muitos artistas brasileiros em nossos
bancos de dados, é possível que muitos ainda sejam sele-
cionados”, disse Peralta a VEJA. Entre os nomes já certos
despontam os artistas plásticos Gustavo Ramos (veja aci-

3|6
CLUBE DE REVISTAS

GUSTAVO
RAMOS
Com participação
em exposições no
Rijksmuseum, em
Amsterdã, e na
Sotheby’s, em Nova
York, o artista,
natural de Maringá,
participa do projeto
com a tela Winter,
que está no
AC ERVO GU STAVO RA MO S

catálogo de
Realismo Figurativo.

ma), Aline Brant, Lucio Carvalho e Melissa Meier, além


do escritor Fábio Fernandes. Eles foram incluídos depois
de cuidadosa busca em revistas de artes. “Pensar que a
imagem de uma de minhas pinturas estará preservada na
Lua me deixa emocionado”, disse Ramos a VEJA.
O lote do Lunar Codex está dividido em quatro “garra-
fas”. A primeira, batizada Orion, já voou ao redor da Lua
no ano passado, como parte da missão Artemis I, da Nasa.
Até o fim do ano, outros arquivos multimídia, as coleções
Neon e Peregrine, serão instalados permanentemente em
crateras no polo sul e numa planície do satélite dos namo-

4|6
CLUBE DE REVISTAS

VA
INSTAG RA M @O LESYA DZ HU RAYE
OLESYA DZHURAYEVA
As gravuras da ucraniana já foram expostas ao
redor do mundo. Tears, a obra selecionada para
ser posta em órbita, faz parte de um acervo
que tem como tema a guerra na Ucrânia.

rados. A última, a coleção Polaris, ganhará o firmamento


no fim de 2024. As coleções estão armazenadas em car-
tões de memória de uma inovadora tecnologia chamada
NanoFiche, manufaturada com placas à base de níquel
que podem armazenar até 2 000 páginas de texto por
centímetro quadrado. É muito mais do que podia acondi-
cionar os discos de quarenta anos atrás.
As duas iniciativas — a do final do século XX e a de ago-
ra — pretendem perpetuar o nosso tempo, feito de beleza,
mas também de guerras, de elegância e estupidez, de deli-
cadeza e grosseria. Jamais saberemos se alguém terá conta-

5|6
CLUBE DE REVISTAS

LANCE MCMILLAN/GETTY IMAGES

PEQUENINOS Samuel Peralta com uma


das placas de níquel: armazenamento

to com o conteúdo a viajar pelo éter. Pouco importa, como


registrou Sagan, lindamente: “Há apenas uma chance infi-
nitesimal de que a placa seja vista por um único extrater-
restre. Sua verdadeira função, portanto, é expandir o espíri-
to humano, e fazer com que o contato com a inteligência
extraterrestre seja uma expectativa bem-vinda da humani-
dade”. Não é pouca coisa alimentar essa quimera. ƒ

6|6
CLUBE DE REVISTAS
GERAL SAÚDE

O FUTURO É
LOGO ALI
Onda de estudos promissores e uso de técnicas
avançadas abrem imensa avenida parao tratamento da
doença de Parkinson, um dos enigmas da medicina
PAULA FELIX

KATERYNA KON/SPL/GETTY IMAGES

1|5
CLUBE DE REVISTAS

MOVIMENTOS
INVOLUNTÁRIOS
A doença está ligada à morte de células
nervosas e causa tremores, rigidez e
problemas de coordenação

AS ALTERAÇÕES SÃO PROVOCADAS PELA


DEGENERAÇÃO DE NEURÔNIOS PRODUTORES
DE DOPAMINA, SUBSTÂNCIA FUNDAMENTAL
PARA A ARTICULAÇÃO DOS MOVIMENTOS

ESSES NEURÔNIOS ESTÃO PRESENTES


NA SUBSTÂNCIA NEGRA EM UMA REGIÃO
NO CENTRO DO CÉREBRO CHAMADA
GÂNGLIOS DA BASE

QUANDO A ÁREA É AFETADA, O CONTROLE


MOTOR DO INDIVÍDUO É IMPACTADO

Fontes: CDC; Hospital Israelita Albert Einstein; Instituto


Nacional do Envelhecimento dos Estados Unidos;
Ministério da Saúde; Unifesp

2|5
CLUBE DE REVISTAS

A DOENÇA DE PARKINSON, descrita e batizada em


1817 a partir do nome do neurologista que a definiu, Ja-
mes Parkinson (1755-1824), ganhou recentemente muita
visibilidade. A atenção ao distúrbio — antes conhecido
como “paralisia agitante” — brotou da condição do ator
Michael J. Fox, o astro da adorável franquia De Volta Pa-
ra o Futuro, que vive com o problema desde os 29 anos —
ele tem agora 62 anos. Fox, sem medo de se exibir publi-
camente com os tremores, força muscular reduzida e
tronco ligeiramente curvado, ajuda a reduzir tabus. Mos-
trou-se por inteiro na série Still: Ainda Sou Michael J.
Fox, na Apple TV+, e avisou: “Não se morre de Parkinson
— a gente morre com o Parkinson”.
A postura corajosa do ator ilumina o atual momento das
investigações em torno do Parkinson, a segunda doença neu-
rodegenerativa mais comum do mundo, depois do Alzhei-
mer, mas que nunca teve tratamentos eficazes aprovados, em
eterno desafio. Hoje, porém, pode-se dizer que, dada as difi-
culdades de antes, o Parkinson está de volta para o futuro.
Neste ano, uma ampla gama de estudos promissores
tem despontado nas principais publicações científicas do
mundo. Anunciam-se avanços com tratamento apoiado
no transplante de células-tronco, na edição genética, na
imunoterapia e em métodos menos invasivos para esti-
mulação cerebral, como o ultrassom. É um dos mais inte-
ressantes movimentos da medicina hoje — e ele merece
ser visto de perto.

3|5
CLUBE DE REVISTAS
SVEN HOPPE/DPA/GETTY IMAGES

LUTA Michael J. Fox: o ator mostra a vida com a


doença sem constrangimento

Em uma parte profunda do cérebro, sabe-se que a doença


se espraia e ganha as células nervosas produtoras de dopami-
na, conhecida como hormônio da felicidade, e que também
atua na coordenação dos movimentos. Com a morte desses
neurônios, os tremores alternados com quadros de rigidez se
instalam. Embora o mecanismo seja conhecido, o nó sempre
foi alcançar o controle. Uma das apostas anunciadas em 2023
foi a realização do primeiro de oito transplantes de neurônios
atrelados ao uso de células-tronco por pesquisadores da Uni-
versidade de Lund, na Suécia. Os ensaios estão sendo condu-
zidos em pessoas com estágio moderado e diagnosticadas há,
ao menos, dez anos. A proposta da técnica é de que as células
transplantadas amadureçam e se tornem neurônios saudáveis
e capazes de produzir o neurotransmissor.
Também na linha das células-tronco, a empresa BlueRock
Therapeutics vai apresentar na próxima semana, durante o

4|5
CLUBE DE REVISTAS

congresso da Sociedade Internacional de Parkinson e Distúr-


bios do Movimento (MDS, na sigla em inglês), o detalhamen-
to de um ensaio de fase 1 com doze pacientes que já apontou
tolerabilidade e segurança ao longo de um ano da terapia ex-
perimental. “Nosso objetivo é restaurar a funcionalidade e até
reverter a doença, que é assustadora e devastadora”, afirma
Seth Ettenberg, presidente da companhia americana.
As esperanças brotam. Um recente estudo publicado no
periódico Neuron identificou o intestino como ponto de par-
tida da condição. O achado é vital, por representar atalho
para futuros tratamentos. “Temos muitos alvos, a grande
promessa é encontrar a terapia modificadora da doença, ca-
paz de tornar mais lenta e parar ou reverter o curso”, diz Ra-
fael Bernhart Carra, neurologista do Hospital Sírio-Libanês,
de São Paulo. Na linha dos métodos menos invasivos, um
estudo com 94 pacientes com a doença, tratados com ultras-
som focalizado no cérebro, mostrou redução dos sintomas
em 70% dos casos e dois terços sustentaram os resultados
por um ano. Em caminho semelhante, já se testou também a
estimulação cerebral não invasiva — e ela melhorou a mar-
cha dos pacientes. No Brasil, há abordagens sobre o diag-
nóstico na tentativa de usar o recurso do plasma de sangue,
proposta da Unicamp e da Federal de São Carlos (UFSCar).
São caminhos para tentar devolver aos pacientes o precioso
controle do próprio corpo. E lá na frente, quando for real-
mente possível controlar o Parkinson, lembraremos com de-
licadeza da avenida aberta por Michael J. Fox. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
GERAL TRANSPORTE

A TODA VELOCIDADE
Mesmo com o fim da pandemia, a aviação
executiva cresceu mais do que o esperado,
a ponto de fabricantes terem de adiar a
entrega de novos modelos VALÉRIA FRANÇA
PAULO FRIDMAN/CORBIS/GETTY IMAGES

NAS ALTURAS Trânsito de helicópteros (acima, em São


Paulo) e pequenos aviões: alta de 30% nos últimos dois anos

1|5
CLUBE DE REVISTAS

“HÁ ALGO NO AR além dos aviões de carreira.” A céle-


bre frase do humorista gaúcho Apparicio Torelli, o Barão
de Itararé (1895-1971), dita com pitadas de ironia para de-
nunciar o vaivém das viradas políticas no Brasil, pode aqui
ser oferecida ao pé da letra. E o que há de inédito? O cres-
cimento da aviação de pequenos aviões, jatos e helicópte-
ros. Em 2022, o país registrou uma média mensal de
80 000 pousos e decolagens de jatos executivos, alta de
30% em relação a 2020. Durante a pandemia, em razão da
falta de voos comerciais e do medo das pessoas de se ex-
porem ao vírus em ambientes confinados, o mercado de-
colou — era o esperado, como ocorreu em outros lugares
do mundo, especialmente nos EUA. Com o controle da cri-
se sanitária, esperava-se o pouso e até mesmo recuo do fe-
nômeno. Não foi assim.
No Brasil, o céu está para brigadeiro, sobretudo porque
os empreendedores do agronegócio, que representam 60%
da fatia, usam e abusam dos jatinhos — além, é claro, de
profissionais de grandes empresas. O sucesso do negócio vai
na contramão da aviação comercial. O site AllPlane, que
contabiliza o abre e fecha das companhias, aponta a falência
de ao menos 64 empresas nos últimos anos — algumas mui-
to conhecidas, como a Alitalia. A venda de pequenos aviões
e helicópteros, contudo, cresceu, firme e forte, mesmo com o
fim das quarentenas. “Comparava-se a expansão com a bo-
lha de 2004, quando houve uma expansão semelhante”, diz
Fábio Pires, CEO da Associação Brasileira de Aviação Geral

2|5
CLUBE DE REVISTAS
DIVULGAÇÃO

OFF-ROAD O modelo suíço Pilatus PC-24: jato médio, para


oito passageiros, desenhado para operar em pista de terra

(Abag). “Pegos de surpresa, os fabricantes não alinharam a


produção ao ritmo da alta.
A fabricação de um jato é lenta — leva cerca de nove me-
ses, em média — e exige mão de obra mais especializada,
quando comparada à da indústria automotiva, por exemplo,
o que explica a dificuldade de ter em dia a pronta-entrega.
No catálogo da americana Cirrus Aircraft, por exemplo, no-
vas unidades do Vision Jet, o modelo mais cobiçado, só sai-
rão da linha de montagem para os consumidores em 2027.
“O tamanho da fila varia de acordo com o tipo do avião”, diz
Sergio Beneditti, diretor comercial da Plane Aviation, repre-
sentante brasileira da grife. O Vision Jet, o primeiro jatinho
monomotor do mundo, foi concebido com cabine pressuri-
zada, assentos para sete pessoas e velocidade de cruzeiro de
580 quilômetros por hora. Há 105 aeronaves iguais a essa no

3|5
CLUBE DE REVISTAS
DIVULGAÇÃO

CUSTOMIZAÇÃO Interior das


aeronaves: design cada vez mais sofisticado

mundo. O valor é salgado: 4 milhões de dólares. Já a espera


para receber o SR22, de 1,5 milhão de dólares, capacidade
para quatro pessoas e navegação de 300 quilômetros por
hora, é de seis meses. Outro muito cobiçado é o suíço Pilatus
PC-24. Em todos os casos, a preocupação central, para além
do conforto e autonomia, é a segurança.
Os modelos mais recentes e procurados chamam atenção
pelo avanço nos sistemas de proteção. “Nossa frota tem para-
quedas de emergência para a aeronave”, explica Beneditti.
“Em caso de pane, por exemplo, eles transportam o avião até
o solo a uma velocidade de 28 quilômetros por hora.” Presen-
te apenas no Vision Jet, outro recurso é a inteligência artifi-
cial, batizada de safe return (retorno seguro, em inglês). Ela
assume o controle do avião, se acionada, e realiza o pouso de
emergência. Para isso, localiza o aeroporto mais próximo,

4|5
CLUBE DE REVISTAS

entra em contato com os operadores, faz o plano de voo e a


aterrissagem. “Já trabalhei muito para não usufruir de con-
forto e segurança”, diz o empresário Roberto Justus, de 68
anos, que não tem aeronave própria, mas optou pela compra
do pacote de horas. “O jato executivo agiliza a minha agenda
de negócios. Posso chegar cinco minutos antes de embarcar,
tenho direito a concierge e catering de minha escolha durante
o voo.” Ele fez os cálculos e diz gastar menos do que com a
compra de passagens, sobretudo quando leva junto a família.
O sistema de banco de horas, este que atrai Justus, é muito
utilizado por empresários, que voam menos de cinquenta ho-
ras por ano. “Só a necessidade de viajar mais de 400 horas no
ano justifica a compra de um avião”, diz Marcos Amaro, pro-
prietário da Amaro Aviation, que realiza o compartilhamento
de aviões, trabalha com táxi-aéreo e venda de banco de horas.
“Os gastos com hangar, tripulação e manutenção são altos.”
Há, ainda, um outro benefício. As empresas aéreas con-
vencionais levam os passageiros para 160 aeroportos. Já os
jatinhos podem subir e descer de 2 700 aeródromos. O leque
ampliado de destinos é atração natural. Não por acaso, a
maior feira de aviação de negócios da América Latina, a La-
bace, realizada na primeira semana de agosto, no Aeroporto
de Congonhas, em São Paulo, e que inclui a oferta de helicóp-
teros, reuniu mais de 120 marcas e 17 000 visitantes. Não há
dúvida: o horizonte brasileiro tem agora um novo desenho.
Com o fortalecimento da economia, jatos e helicópteros ten-
dem a ser ainda mais onipresentes. Há algo de novo no ar. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
GERAL TURISMO

FÁBIO ROSSI/AG. O GLOBO

CAIU DO CÉU
A agência 123milhas suspende emissões de
passagens aéreas e gera temor de que seu
modelo de negócios possa se assemelhar ao
de pirâmides financeiras FELIPE MENDES E
LARISSA QUINTINO

1|5
CLUBE DE REVISTAS

OS PROGRAMAS de milhagens, criados pela companhia


aérea americana American Airlines em 1981, provocaram
verdadeira revolução no setor. Ao viajar, os passageiros acu-
mulam milhas que, a partir de determinada quantidade, po-
dem ser trocadas por descontos ou pela aquisição integral
de novos bilhetes. O modelo espalhou-se pelo mundo e faz
enorme sucesso também no Brasil. Além de permitir que as
pessoas voassem mais, assegurou fontes adicionais de recei-
tas para as empresas. Pouco depois, o sistema aprimorou-se
a tal ponto que passou a ser possível obter milhas converten-
do compras de qualquer produto feitas com cartões de cré-
dito. Há uma década, contudo, surgiu uma espécie de mer-
cado paralelo que começou a seduzir viajantes com uma
proposta irresistível. Agências começaram a comprar mi-
lhas diretamente dos clientes para as revender depois por
preços muito baixos. Se o turista fechar negócio com grande
antecedência, é possível encontrar passagens de ida e volta
para a Europa por volta de 1 000 reais. Para os Estados Uni-
dos, existem opções ainda mais em conta, por 800 reais. O
problema é que, na lógica econômica, milagres como esses
quase sempre não se sustentam por muito tempo.
Na sexta-feira 18, a agência de turismo on-line 123milhas,
líder entre as empresas que adotaram esse modelo de negó-
cios, suspendeu a emissão de bilhetes de um de seus produ-
tos, conhecido como “passagens promo”. O motivo alegado
foi a alta demanda de consumidores que tinham comprado
suas passagens havia um bom tempo e gostariam de resgatá-

2|5
CLUBE DE REVISTAS

VOO TURBULENTO
Como funciona o modelo de negócios da 123milhas

PONTOS POR DINHEIRO


A empresa compra milhas existentes em programas
de fidelidade por meio da parceira HotMilhas,
oferecendo pagamento entre um e 180 dias — quanto
maior o prazo para receber o dinheiro, melhor é a oferta

PASSAGENS MAIS BARATAS


A empresa vende passagens a preços mais
baixos utilizando milhas de terceiros. O voo pode
ser com dia marcado ou então na modalidade
flexível, sem data definida

FLEXIBILIDADE
No caso das passagens flexíveis, o cliente que
comprou a passagem só sabe quando irá voar
dez dias antes da data pretendida. Antes disso,
o bilhete não está emitido

RISCO
Se muitos passageiros solicitarem o resgate
de suas viagens ao mesmo tempo, há o risco
de a empresa não conseguir atender a
demanda — é por isso que muitos consideram
o modelo uma pirâmide financeira

3|5
CLUBE DE REVISTAS

-las agora. Procurada pela reportagem, a empresa atribuiu a


medida a “razões mercadológicas”. Ela também defendeu-se
ao dizer que ofereceu o reembolso em vouchers de outros
produtos — como passagens com data marcada — disponí-
veis em seu site. Como não poderia deixar de ser, a medida
revoltou consumidores, que viram o sonho de viajar cair por
terra pela decisão unilateral da companhia. Não há número
oficial, mas é certo que milhares de pessoas foram atingidas.
Afinal, o que significam as tais “razões mercadológicas”
mencionadas pela 123milhas? Muitos analistas dizem que o
problema está justamente em seu modelo de negócio, que se
assemelha às malfadadas pirâmides financeiras. Nos pacotes
flexíveis, é a agência que determina o dia do embarque em fun-
ção de uma janela de opções dada pelo cliente. O problema é
quando muitos deles escolhem a mesma janela, obrigando a
empresa a vasculhar o mercado em busca de voos disponíveis.
Se a demanda for muito alta, como ocorreu nas últimas sema-
nas, há o risco de a agência não conseguir atender aos pedidos.
Foi isso o que fez a 123milhas suspender parte das operações.
“A forma de negociação dessas empresas de milhagens nunca
ficou muito clara”, diz o advogado José A. Lion, especializado
em direito do consumidor. “O governo precisa criar regras
mais rígidas para evitar novos casos desse tipo.”
A compra e venda de milhas não é ilegal, mas sua prática
não é regulada no Brasil. O limbo judicial tem feito com que
as companhias aéreas e seus braços de fidelidade recorram a
tribunais contra as empresas milheiras. De dezesseis casos

4|5
CLUBE DE REVISTAS

desse tipo julgados em 2022


pelo Tribunal de Justiça de
São Paulo, quinze tiveram
decisões favoráveis às com-
panhias aéreas. Na terça-fei-
ra 22, o ministro do Turis-
mo, Celso Sabino, disse não
ver risco de crise sistêmica
no setor e garantiu que o go-
verno estuda medidas para

RICARDO AZOURY
dar segurança ao negócio.
Não é de hoje que esse MAU EXEMPLO Mendes,
modelo de pacotes de via- do Hurb: chegou a renunciar
gem sem data marcada traz após xingar clientes
problemas aos consumido-
res. Em maio, o Hurb, antigo Hotel Urbano, foi proibida pela
Secretaria Nacional do Consumidor de vender os tais pacotes
flexíveis, embora continue oferecendo essa possibilidade em
seu site de vendas. Pouco antes, o presidente João Ricardo
Mendes renunciou ao cargo após ser flagrado xingando
clientes em uma gravação telefônica e vazar dados de alguns
deles — posteriormente, voltou à posição após seu sucessor
pedir demissão. Casos como esses deixam uma lição: nenhu-
ma empresa, de qualquer setor, pode exercer sua atividade
sem se sujeitar a normas claras de conduta. Na ausência de
um poder fiscalizador, cabe ao consumidor desconfiar dos
milagres para não acabar ficando com o prejuízo. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
GERAL CIDADES
ISTOCKPHOTO/GETTY IMAGES

ALÉM DO HORIZONTE
Os motivos que fazem do metro quadrado
de Balneário Camboriú, em Santa Catarina,
o mais caro do Brasil — e por que o fenômeno
tende a crescer LUIZ PAULO SOUZA

1|6
CLUBE DE REVISTAS

MAIOR QUE O SEU


Silhueta: os seis edifícios
mais altos do Brasil,
inclusive o de Neymar
(as torres gêmeas)

DIAS ANTES de desembarcar com toda a pompa e cir-


cunstância em Riad, na Arábia Saudita (leia mais na seção
Gente), contratado pelo Al-Hilal para um contrato de por-
nográficos 850 milhões de reais por ano, Neymar recebeu
no Brasil um outro mimo milionário — as chaves de um
apartamento quadrúplex em Balneário Camboriú, joia da
coroa de Santa Catarina. O valor estimado da brincadeira:

2|6
CLUBE DE REVISTAS

60 milhões de reais, alcançados por um elevador que chega


a rapidíssimos 21 quilômetros por hora. O prédio de duas
torres, o Yachthouse, tem 81 andares, 281 metros, e vista pa-
ra a Praia Central. É o segundo maior edifício da orla bal-
neocamboriuense, pedaço do Brasil que ganhou notorieda-
de em virtude do preço do metro quadrado, recordista. E
não por acaso o brasileiro que faz mais barulho fora de cam-
po do que nos gramados decidiu encostar por ali nas férias.
O ranking FipeZAP+, elaborado para acompanhar o
mercado de imóveis no país, mostra que, entre cinquenta ci-
dades avaliadas, o metro quadro de Camboriú é o mais caro,
de 12 335 reais. Em segundo lugar desponta uma cidade vi-
zinha, Itapema. Logo em seguida vem Vitória, no Espírito
Santo, São Paulo e Florianópolis (veja no quadro). A surpre-
sa tem explicação. “Camboriú é uma cidade eminentemente
turística, com empreendimentos mais novos que o de gran-
des capitais e leis que autorizam a construção de arranha-
céus”, diz Luiz Antonio França, presidente da Associação
Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc). Como
o fetiche por altura parece interessar muita gente, porque o
meu é maior do que o seu, deu-se a valorização.
Os andares a mais, contudo, carregam um problema,
cuja locomotiva é o maiorzão de todos, o One Tower, de ab-
surdos 290 metros de altura, onde a família de Cristiano Ro-
naldo tem apartamentos. No início da tarde, por força da na-
tureza, os prediões — os seis maiores do Brasil estão naque-
la franja — lançam sombra sobre o Atlântico. Em 2021, a

3|6
CLUBE DE REVISTAS

prefeitura tentou dar um jeito na situação, alargando a faixa


de areia da Praia Central de 25 para 180 metros em alguns
trechos. A obra custou 66,8 milhões de reais, mas não resol-
veu completamente o problema. Afinal, o mar insiste em re-
tomar o espaço que sempre foi seu. E daí? O incômodo, real,
não atrapalha os planos de quem pode pagar para além do
horizonte. Desde 2018, a valorização das moradas foi 82%.
Só no último ano, a alta acumulada chegou a 21%, ante tími-
dos 5,6% no restante do Brasil.
A tendência é que o preço continue subindo. Cidades lito-
râneas tem um espaço físico limitado e, certamente, existem

PISOS 12 335
11 717
MILIONÁRIOS
Os imóveis
com o metro
quadrado mais
caro no Brasil
(em reais)

1º 2º

BALNEÁRIO ITAPEMA
CAMBORIÚ (SC)
(SC)

4|6
CLUBE DE REVISTAS

mais pessoas querendo morar nelas do que a quantidade de


imóveis disponíveis, o que faz com que o preço aumente. “As
médias mais altas do que a de cidades como São Paulo e Rio
de Janeiro também se devem à menor desigualdade nessas
cidades, o que é reforçado à medida que pessoas com maior
poder aquisitivo se estabelecem, empurrando o custo de vida
e restringindo o acesso dos menos abastados”, diz o econo-
mista Alison Pablo de Oliveira, da Fundação Instituto de
Pesquisas Econômicas (Fipe) e coordenador do índice imobi-
liário. Somem-se ainda o cuidado com a segurança nas ruas
e avenidas e o bom índice de desenvolvimento humano.

10 549 10 483 10 313

3º 4º 5º

VITÓRIA SÃO PAULO FLORIANÓPOLIS


(ES) (SP) (SC)

5|6
CLUBE DE REVISTAS
ISTOCKPHOTO/GETTY IMAGES

SOMBRAS O sol encoberto na orla catarinense:


problema atávico da cidade

Há quem goste de Camboriú, apesar do crescimento, há


quem desgoste e prefira porções de litoral menos urbanas.
Tudo bem. Mas parece brotar um fato incontestável, segun-
do os especialistas: como os preços brasileiros ainda são
baixos na comparação com o resto do mundo, esperam-se
ainda mais compras e, portanto, valorização. É o que acon-
tecerá quando a economia estiver mais robusta, sem os sola-
vancos esquentados pela política. E, então, Camboriú subirá
ainda mais. É hora de investir, portanto. Hora também de
ter um cantinho catarinense, apesar das faixas de sol enco-
berto. E resta torcer para não dar o azar, assim chamemos,
de ter um apartamento vizinho ao de Neymar, que gosta de
festa e barulho. ƒ

6|6
CLUBE DE REVISTAS
PRIMEIRA PESSOA

GABRIELA SCHMIDT/FACEBOOK @DJAVANOFICIAL

1|4
CLUBE DE REVISTAS

AINDA NÃO É
HORA DE PARAR
Aos 74 anos, Djavan trava uma obstinada luta para manter
sob controle um distúrbio que afeta os movimentos

COSTUMO DIZER que já nasci músico. A música era o meu


destino e sempre foi a minha vida. Imagine então, de repente,
receber o diagnóstico de um distúrbio neurológico que afeta
os movimentos. Aconteceu no fim do ano passado, quando
soube sofrer de tremor essencial, um mal que, embora comum,
eu não conhecia. Alguns sentem o efeito nas mãos, outros, nas
pernas. O meu foi na cabeça, uma agonia. No início, a treme-
deira era bastante aparente. Me preocupei com que isso com-
prometesse minha performance nos estúdios, nos palcos. Aos
74 anos, continuo ativo. Acabo de voltar de uma turnê na Eu-
ropa e nos Estados Unidos, onde divulguei meu novo álbum,
D, e passei por dezessete cidades. Com uma vida assim, preci-
so estar bem e sigo lutando, de forma disciplinada. Houve mui-
ta especulação sobre a doença e surgiram até boatos infunda-

2|4
CLUBE DE REVISTAS

dos de que seria Parkinson. Não é. Desde o momento em que


ouvi aquelas palavras do médico — tremor essencial —, fiquei
confiante em que poderia lidar com a situação. E iniciei ime-
diatamente o tratamento para frear os sintomas.
O médico recomendou um medicamento diário e mudan-
ça de hábitos, já que a condição, no meu caso, não é genética.
Ela está associada a falta de sono e estresse. Passei a cultivar
uma rotina mais regrada, à base de alimentação saudável,
muita água e, no mínimo, oito horas de sono à noite. Foi uma
transformação radical. Sempre dormi de madrugada. Come-
cei a carreira musical trabalhando em boates, chegava em
casa às 5h30 da manhã. Também me acostumei a escrever
canções quando as pessoas estavam na cama. Era o período
em que me vinha mais inspiração. Hoje, brinco que a madru-
gada não é mais a senhora do meu destino. Não cometo mais
loucuras que tragam prejuízo à saúde. Meu médico tem in-
clusive me elogiado pela obediência, até em relação às reco-
mendações mais rígidas. Não perco uma consulta.
O aprendizado de viver dentro dos próprios limites é es-
sencial. Depois de cinquenta anos de carreira bem consoli-
dada, entendo que mais ou menos a metade do que um artis-
ta faz não é realmente necessário. Já sou, por natureza, dife-
rente de outros músicos. Sou mais contido, retraído, me ex-
ponho menos. Nesse ponto da vida, me sinto ainda mais con-
fortável em dizer “não”. Administro melhor minha carga ho-
rária, normalmente pesada por concentrar as funções de
compositor, cantor, arranjador, produtor e diretor de meus

3|4
CLUBE DE REVISTAS

álbuns. A cada três fins de semana de trabalho, por exemplo,


reservo alguns dias para descansar e passar um tempo de al-
ta qualidade ao lado da minha família. Longe de mim querer
ditar uma regra que se encaixe para todos. Para mim, essa
estratégia tem funcionado. A ideia é me manter bem e pro-
longar a carreira o máximo que puder. Não é hora de parar.
Sempre gostei de misturar gêneros distintos, como jazz,
samba e flamenco, viajando nos arranjos e nas letras. Sei
que ainda há muito por fazer. A música brasileira de hoje me
preocupa. Com a onipresença da internet, onde qualquer
coisa viraliza, a qualidade baixou, e tenho aí uma razão pa-
ra trabalhar. Mas não é só isso. Estar nos palcos, no estúdio
é o que me dá prazer. Tenho mais uns vinte shows neste ano,
como parte da minha turnê, que passa por todas as regiões
do país. Retorno à estrada em março e já estou a toda em
um novo disco. Não foi fácil chegar até aqui. Sou filho de la-
vadeira e vim de uma família pobre de Alagoas. Mesmo
após a fama, enfrentei uma série de obstáculos e preconcei-
tos. Em 1979, fui preso porque a polícia achou estranho um
preto estar numa loja chique de pianos em São Paulo. Nunca
me deixei paralisar — muito menos agora, com o tremor es-
sencial. Me empenho como posso para mantê-lo sob con-
trole. Hoje, reconheço que estou bem graças à minha obsti-
nação em ficar saudável. Agradeço todos os dias por poder
seguir trabalhando com o que me faz feliz. ƒ

Depoimento dado a Amanda Péchy

4|4
CLUBE DE REVISTAS
GERAL ESTILO

ESPELHO,
ESPELHO MEU
Na tela de 1570: a
dama cuidando
do corpo

APIC/GETTY IMAGES

A SELFIE DA
RENASCENÇA
Um livro fascinante mostra que as pinturas
dos anos 1500 tiveram na história dos
cosméticose da beleza efeito semelhante ao
das redes sociais de hoje SIMONE BLANES

1|6
CLUBE DE REVISTAS

MIREM-SE no exemplo daquelas mulheres da Renascença


para entenderem o ponto a que chegamos hoje. Ou posto de
outro modo, com a precisão de um delineador bem traceja-
do entre os cílios e a pálpebra: não vem de hoje o interesse,
o fascínio — e, vá lá, a obrigação — de cobrir o rosto com
cosméticos para alcançar um determinado padrão de bele-
za. A avalanche de selfies nas redes sociais, que pressupõe
o rosto cuidado, é uma das facetas de nossa civilização, em-
bebida da tecnologia que criou os smartphones. Mas, sur-
presa, era assim há mais de 500 anos. Com as primeiras
pinturas naturalistas e o uso revolucionário da perspectiva,
o expediente geométrico que produzia a sensação de reali-
dade, as moças, sobretudo elas, foram impelidas a tingir o
rosto, colorir os lábios e arrumar os cabelos para aparece-
rem bem na foto — ops, nas telas a óleo de Ticiano, Rafael,
Bruneleschi e cia. Os quadros eram espelhos, como espe-
lhos são as telas dos celulares. Eis a tese de um fascinante
livro recém-lançado, How to Be a Renaissance Woman:
The Untold History of Beauty & Female Creativity, de Jill
Burke, ainda sem tradução para o português. “O que faze-
mos com o cabelo, o rosto e corpo reflete e afeta nosso
mundo social”, diz Jill. Era assim e ainda é.
Naquele tempo — e um tanto ainda agora, ressalve-se,
guardadas todas as exageradas e devidas proporções —, os
homens iam para os campos de batalha e eram ricos. As
mulheres se pintavam para atrair homens com dinheiro e
como recurso de vingança, belas a ponto de levá-los para a

2|6
CLUBE DE REVISTAS

HERITAGE IMAGES/GETTY IMAGES

CORAGEM Cabelos pintados e longos,


em obra de 1495: químicos perigosos

cama e matá-los. O uso de cosméticos, portanto, menos do


que símbolo de submissão a determinados padrões impostos
pelo universo masculino, era também um manifesto, como
um feminismo avant la lettre. Significava empoderamento.
Em suas pesquisas, Jill Burke encontrou manuais de casa-
mento que recomendavam bater na esposa e, como contra-
partida, receitas e fórmulas vendidas em boticários ensinan-

3|6
CLUBE DE REVISTAS

do a esconder o chamado “sangue morto” de golpes no rosto


usando folhas de hortelã selvagem.
Para além dos retoques que encobriam a violência, elas
travavam uma guerra particular, doméstica. Sobreviviam e
construíam pontes para o futuro — intuíam que as pinturas
as marcariam para a posteridade, o que de fato aconteceu,
como se vê em belos museus mundo afora. “Muitas delas,
pintadas, posando para os artistas, queriam eternizar a bele-
za como as deusas gregas, por isso o rosto branco como o
mármore”, diz Brunno Almeida Maia, pesquisador de filo-
sofia e teoria de moda pela Universidade Federal de São
Paulo. É postura, tendo brotado no período de luzes, depois
das trevas da Idade Média, que atravessou os séculos, e que
pode ser medida em cifras. Em 2022, a indústria de cosmé-
ticos movimentou mais de 430 bilhões de dólares globais —
e relatórios recentes indicam que nem tão cedo, ou nunca,
deixará de se expandir, e com velocidade.
Aplausos, portanto, para as pioneiras do passado que sa-
biam estar se envenenando, mas seguiam em frente. Os
produtos para deixar a pele pálida como a máscara branca
da rainha Elizabeth I (1533-1603), para tingir os lábios de
tonalidades rubras ou os cabelos de vermelho-fogo eram
tóxicos a não mais poder. Muitas apelavam para Caterina
Sforza (1463-1509), dama da sociedade de Milão que circu-
lava entre os Médici de Florença e que se especializou em
alquimia, química e botânica e de cujo laboratório saíam
substâncias mágicas contra rugas e outras marcas faciais.

4|6
CLUBE DE REVISTAS
ARON HARASZTOS/MFAB

ALQUIMIA Um boticário florentino:


frequentado por damas da sociedade

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CLUBE DE REVISTAS

Não seria exagero dizer que se apelava, nos anos 1500, ao


que havia de mais “moderno” e, em muitos casos, também
a truques que corriam de boca em boca, de modo a sobrevi-
ver com altivez — atalho para demarcar espaço em tempo
de tanta sordidez e mentiras.
Não como hoje, é verdade, no império das redes sociais,
mas não seria tão absurdo dizer que os retratos que anteci-
param a invenção da fotografia, séculos depois, serviam de
ferramenta feminina (os homens eram sempre mostrados de
corpo inteiro, guerreiros). Napoleão Bonaparte (1769-1821),
atento ao caminhar da história que veio antes dele, mulhe-
rengo compulsivo, disse certa vez, em frase que se perpe-
tuou com tudo o que tem de arrogante e misógina, mas com
a acuidade de um observador profissional: “As mulheres
têm duas armas terríveis: cosméticos e lágrimas”.
O livro de Jill Burke, resultado de extraordinário traba-
lho de investigação, revela o andar de uma carruagem que
nunca parou. O machismo, comportamento afeito a estabe-
lecer as regras do jogo a partir de um único ponto de vista,
morde a si mesmo — e o que sempre pareceu apenas o res-
peito a uma ordem (as mulheres precisam estar bonitas) lo-
go se transformou em postura de elegante e belo contra-ata-
que, com estilo. ƒ

6|6
CLUBE DE REVISTAS
GERAL BEBIDAS

BRANCO, POR FAVOR


O mercado de vinhos no Brasil e no mundo
registra aumento expressivo de interesse além dos
tintos, com preferência por rótulos que ofereçam
frescor e potencial de guarda ANDRÉ SOLLITTO

PRAZER NA TAÇA Busca pelas modalidades claras:


reconhecidas pela versatilidade

ISTOCKPHOTO/GETTY IMAGES

1|4
CLUBE DE REVISTAS

LÁ ATRÁS, onde os olhos não alcançam e a memória do


paladar já se perdeu com o tempo, os brasileiros gostavam
mesmo é de um vinho branco doce e barato, ruinzinho, o
alemão Liebfraumilch. Aquela garrafa azul um tanto bizar-
ra predominava nas prateleiras dos supermercados nos anos
1970 e 1980, como se nada mais houvesse. E não havia. A
abertura das importações, nos anos 1990, alimentou antes o
gosto pelos tintos, sobretudo franceses e italianos, até que,
agora — eis a interessante novidade —, os brancos despon-
tassem com qualidade. Inexistem dados compilados do mer-
cado, mas importadores e produtores são unânimes em
apontar a tendência de expansão do consumo da bebida fei-
ta, fundamentalmente, a partir de uvas claras.
Os executivos da vinícola Arboleda, do Chile, anotam o
sucesso de variedades como a chardonnay e a sauvignon
blanc, admiradas no Brasil. A argentina Luigi Bosca expor-
ta uma gama de blends brancos. Para ambas as vinícolas, o
crescimento foi tardio — elas imaginavam que o clima mais
quente seria atalho natural para apreciar o frescor da bebi-
da. Na Europa e nos EUA, os brancos crescem e aparecem
especialmente nos meses de verão. Porém, em um primeiro
momento, não foi o que aconteceu por aqui.
Demorou, demorou até que despontasse o novo mo-
mento. Ele foi alimentado, em parte, por uma modalidade
particular, o vinho verde, denominação de origem contro-
lada do norte de Portugal, produzido no território entre os
rios Douro e Minho. “Há uma percepção de que o vinho

2|4
CLUBE DE REVISTAS

verde é sempre leve, fresco,


e ligeiramente frisante”,
TONDONIA
afirma Marta Caldas, em- RESERVA
Blend de malvasia
baixadora do Soalheiro,
e viura, é feito
produtor de vinhos verdes em pequenas
conhecido pela alta qualida- quantidades por
de de seus rótulos. “Mas es- uma das principais
se é apenas um dos perfis do vinícolas de Rioja,
na Espanha
vinho verde. E o consumi-
dor brasileiro já percebe es-
sa diferença e busca alterna- BLEND DE
tivas.” Hoje, o Brasil é um SANGRE
dos três principais merca- Blend complexo
dos desse tipo de vinho no e aromático de
chardonnay,
mundo, atrás apenas de Es- sémillon e sauvignon
tados Unidos e Canadá, se- blanc feito no Valle
gundo a Comissão de Viti- de Uco, Mendoza,
cultura da Região dos Vi- na Argentina

nhos Verdes (CVRVV). Em-


bora rótulos mais singelos e SOALHEIRO
arejados sejam, de fato, os GRANIT
mais buscados, há espaço Branco elegante
para tipos mais elegantes (e feito com a uva
mais caros, claro), com po- alvarinho em solo
granítico na região
tencial de guarda, muito de- de Monção e
les feitos com a badalada Melgaço, no
uva alvarinho. norte de Portugal

3|4
CLUBE DE REVISTAS

O fenômeno é global. Segundo a Nielsen, empresa espe-


cializada em dados do mercado, os brancos têm segurado a
onda, mais do que os tintos. No ano passado, houve uma
queda mundial de vendas de vinhos em 5,2% — os brancos,
porém, tiveram redução mais modesta, de apenas 3,4%. Ho-
je, eles representam 29% do pacote, e a fatia continua au-
mentando, para espanto de quem está há muito tempo na
brincadeira. Na região de Rioja, na Espanha, a Bodegas Ló-
pez de Heredia se tornou lendária pelos tintos que envelhe-
cem por muitos anos antes de chegarem às taças. Mas sem-
pre produziu um branco que, no início, teve baixa procura.
“Tínhamos todas as safras antigas disponíveis em nossa
adega, mas já somem rapidamente”, diz Yolanda Varona, di-
retora de vendas da vinícola, que no Brasil chega pela im-
portadora Mistral. Vale relembrar uma frase do escritor Ja-
mes Joyce (1882-1941), amante das boas coisas da vida: “O
vinho branco é como a eletricidade. O vinho tinto tem a apa-
rência e o sabor de um bife liquefeito”. ƒ

4|4
CLUBE DE REVISTAS
LUCILIA DINIZ

VAI LEVAR,
MADAME?
Feiras são um espetáculo de cores
que resiste ao tempo

NA RUA, sob tendas coloridas, se arma o espetáculo.


Quem não rouba a cena não vende. As vozes se sobre-
põem: “laranja-lima, laranja-baía, vai querer freguesa?”.
Em meio ao alarido, a interação com a clientela ganha re-
cursos teatrais. “Aqui moça bonita não paga” (pausa dra-
mática, para valorizar o desfecho). “Mas também não le-
va.” As bancas arrumadas em profusão de cores: a cereja
rubra e uva verde; a jabuticaba preta e o branco do coco
cortado ao meio; a carne vermelha e o peixe prateado. Os
vendedores de rosquinhas e sequilhos a granel são mais
que coadjuvantes. E contribui para a trilha sonora a sinfo-
nia de uma nota só do amolador de facas. A feira é um
acontecimento. Em uma época mais remota, a rotina das
casas se organizava em função do dia em que ela acontecia
nos arredores. No vozerio entre os feirantes e entre eles e
os compradores, se criava a camaradagem.
Em menina, quando via a feira no Jardim Paulista, em
São Paulo, onde eu morava, o que me capturava mesmo a

1|3
CLUBE DE REVISTAS

atenção era o cheiro do pastel, que eu adorava. Hoje esse já


não é mais um prazer — embora ainda use a massa para
preparos mais light, em casa. Mas a feira livre continua lá,
toda sexta. E se, nesta sexta em particular, lembro-me dela,
é porque li que 25 de agosto é o Dia do Feirante. A data é a
mesma de quando o prefeito Washington Luís regulamen-
tou, em 1914, a situação das feiras de São Paulo, que até en-
tão eram um bocado bagunçadas.
Muito mais antigas ainda do que isso, as feiras são um
exemplo de resistência ao passar dos anos. Dos séculos, na
verdade, se pensarmos que acontecem desde a Idade Mé-
dia, quando, a céu aberto, forasteiros se aglomeravam para
trocar produtos oriundos de lugares distantes, e comer-
ciantes colocavam à venda seus excedentes, por preços
mais baixos, para não perdê-los.
Na minha história, a feira só se fez mesmo presente quando
fui atrás de melhorar a alimentação. Aí entrou em cena de ver-
dade aquele arco-íris que em criança eu percebia a distância.

“Em menina, o que me


capturava mesmo a
atenção era o cheiro do
pastel, que eu adorava”
2|3
CLUBE DE REVISTAS

Hoje, supermercados, sacolões e hortifrútis acabaram


se mostrando mais vantajosos e substituíram em grande
parte a função das feiras. Ficam abertos todos os dias e em
horários estendidos, com produtos de procedência varia-
da, o que faz com que muita gente deixe de se perder nos
labirintos de barracas.
Sabendo disso, os feirantes, com arte e engenho, procu-
ram se adaptar às modas e aos tempos. Para fazer frente à
concorrência das lojas, não oferecem mais só as frutas e ver-
duras frescas, mas também alimentos pré-preparados, co-
mo vegetais já cortados. “Essa aqui serve para fazer espa-
guete de abobrinha”, diz o vendedor. “Tudo que é tipo de er-
va tem, é só encomendar, minha mulher corta e eu trago”,
explica. Por um lado, alimentados pela nostalgia, por outro,
pensando em comer mais saudável, é possível ver nas feiras
um passeio que promove o bem-estar. Ainda que a maioria
das pessoas só as procure para comer aquele tal pastel.
Para mim, passar por uma feira, de perto ou só distraída
rumo a outros afazeres, me lembra o momento em que eu
comecei a cuidar de mim. Graças ao que fui aprendendo na-
quele tempo é que eu hoje posso passear, livre, leve e solta,
sem o impedimento do sobrepeso, por entre as lonas listra-
das, ou em qualquer lugar. ƒ

3|3
CLUBE DE REVISTAS
CULTURA TELEVISÃO

OPERAÇÃO
MELODRAMA
VEJA conferiu com exclusividade os bastidores da
primeira série brasileira com legítimo DNA de novela
produzida pela Netflix — é a largada de uma corrida que
tem tudo para renovar o gênero MARCELO MARTHE

LUZ, CÂMERA E LÁGRIMAS Juliana Paes (acima) em cena


de Pedaço de Mim: busca do equilíbrio entre folhetins e séries

MARCOS SERRA LIMA/NETFLIX

1|9
CLUBE DE REVISTAS

EXPERIÊNCIA A atriz com Farias e Brichta:


aposta em nomes fortes da Globo

A
pós gravar uma cena dilacerante, com choro e bar-
racos familiares, Juliana Paes exibe a página com o
“bifão” — apelido que se dá na teledramaturgia aos
monólogos longos de um personagem — que acaba
de interpretar. O roteiro está visivelmente molhado,
mas não se trata de lágrimas. “Olha como meu rascunho fi-
cou por causa da umidade que faz aqui”, diz a atriz. O cená-
rio, de fato, tem clima peculiar: uma mansão no bairro cario-
ca do Alto da Boa Vista, cercada da vegetação exuberante da
Mata Atlântica, com muita água de riachos, cantos de aves
— e mosquitos. Percebe-se ali, também, uma movimentação
humana característica: há um vaivém frenético de técnicos,
atores e equipamentos envolvidos na criação de um pequeno
MARCOS SERRA LIMA/NETFLIX

2|9
CLUBE DE REVISTAS

mas emblemático segredo da Netflix — ao qual VEJA teve


acesso em primeira mão, de forma exclusiva. Com Juliana
Paes no papel da sofrida heroína Liana, Pedaço de Mim dá a
largada a uma aposta muito antecipada e que agora, enfim,
deslancha de vez: a entrada do gigante global na produção de
séries de melodrama — as novelas do streaming.
A corrida para transpor ao universo das plataformas digi-
tais as produções de um gênero tão identificado com a TV
aberta brasileira, dos folhetins da Globo às novelinhas infan-
tis do SBT, é uma briga de peixes graúdos. Em meio à pande-
mia, a HBO Max contratou executivos e estrelas globais para
iniciar sua produção de novelas, mas os ajustes decorrentes
da fusão da corporação com o Discovery atrasaram os traba-
lhos. Agora, o projeto andou: na semana passada foi feita
uma primeira leitura de Beleza Fatal, drama criado pelo es-
trelado escritor Raphael Montes. As gravações começam em
setembro, em São Paulo, com um quarteto de feras: Camila
Queiroz, Camila Pitanga, Vanessa Giacomo e Giovanna An-
tonelli. Em outubro, a HBO inicia ainda a gravação de uma
adaptação de Dona Beija, levada ao ar nos anos 1980 pela
extinta Rede Manchete. A própria Globo vem se movendo há
tempos para lidar com a concorrência que vem por aí, ao tur-
binar investimentos em novelas e séries com seu DNA no
Globoplay. Mas os lances que sempre foram mais aguarda-
dos diziam respeito à Netflix, claro, com sua imensa base de
assinantes, além de uma agressiva política de investimentos
em programas originais.

3|9
CLUBE DE REVISTAS

Nem mesmo a crise que provocou uma reinvenção da


companhia nos últimos meses fez a Netflix abandonar o so-
nho de criar melodramas com a cara do Brasil — pelo con-
trário: eles são vistos internamente como um modo funda-
mental de estreitar a relação com o espectador local. “A ra-
zão é simples: o brasileiro ama novela. A gente quer ter va-
riedade de gênero e servir vários públicos, e não tínhamos
nada nesse sentido”, diz Elisabetta Zenatti, VP de conteúdo
da Netflix no país. O desembarque vem em dose dupla: além
de Pedaço de Mim, melodrama adulto cujas gravações fo-
ram finalizadas na semana passada, a plataforma prepara,
em fase mais avançada de pós-produção, uma novelinha in-
fantojuvenil chamada Luz. Ambas devem estrear na Netflix
no primeiro semestre de 2024.
Entre a decisão de apostar nos melodramas e a concreti-
zação disso, gastou-se muito tempo e esforço para encontrar
os profissionais certos. Filmar algo assim com uma produto-
ra independente, como costumam fazer os streamings es-
trangeiros por aqui, já é um desafio: no Brasil, o know-how
de produzir novelas sempre foi dominado pelas próprias
emissoras, em especial a Globo. Identificar uma boa história
é ainda mais complexo. Por dois anos, a equipe de Elisabetta
analisou argumentos sem fim de possíveis tramas. A busca
era pelo que ela chama de “blend”: um roteiro enxuto e com
reviravoltas como os das séries maratonáveis da Netflix,
mas com essência dramática de folhetim. “Foi muito difícil.
Recebemos várias ideias que talvez fossem ótimas para uma

4|9
CLUBE DE REVISTAS

ALINE ARRUDA/NETFLIX
NOVELINHA
A protagonista
Marianna Santos
com Isabela Garcia
(à dir.) e Marcos

ALINE ARRUDA/NETFLIX
Pasquim no set de
Luz: produção família

série, mas não tinham melodrama suficiente. E também de-


paramos com o oposto: melodramas puros que não tinham
os elementos das séries”, diz.
O atalho para absorver de forma rápida e eficaz os fun-
damentos do melodrama foi óbvio: cercar-se de profissio-
nais e rostos conhecidos da Globo. Em Pedaço de Mim, Ju-
liana Paes (leia a entrevista) forma par com outro ator pop,
Vladimir Brichta. A produção foi escrita por uma autora
que deixou a emissora recentemente, após 28 anos de casa,
a carioca Ângela Chaves. Mimetizando mais uma vez a tra-

5|9
CLUBE DE REVISTAS

dição da TV aberta, a Netflix proveu a autora de suporte


para reforçar o realismo da trama. “Eles me deram uma
pesquisadora e consultores para temas sensíveis. Nisso, foi
bem parecido com o que eu tinha na Globo”, diz Ângela. O
diretor da produção também é um veterano de lá: por déca-
das, Maurício Farias foi responsável por novelas e séries da
Globo. Até a novelinha Luz carrega essa marca: entre seus
protagonistas está um ex-galã descamisado de novelas das
7, Marcos Pasquim. E a preparadora da carismática Ma-
rianna Santos, atriz pré-adolescente que faz a personagem-
título, é figurinha carimbada dos bastidores globais, a atriz
Isabela Garcia.
A busca por um equilíbrio entre as novelas e as séries
contemporâneas é não apenas curiosa: com isso, há esperan-
ça de que o streaming traga um sopro de renovação aos fo-
lhetins nacionais, preparando-os para competir globalmente
com os dramas hoje criados por países como a Coreia do Sul.
Luz é um exemplo dessa nova fronteira criativa. Fenômenos
que já dominaram o ranking da Netflix, produções infantis
do SBT como Chiquititas são uma flagrante inspiração da
trama. Mas a série — que envolve uma escolinha e uma co-
munidade indígena — dá um banho de loja na receita, em
matéria de roteiro e cenografia. “O objetivo é promover uma
diversão em família, para que as crianças e os adultos verda-
deiramente assistam juntos”, diz o diretor Thiago Teitelroit.
O número reduzido de capítulos — Pedaço de Mim deve-
rá ter entre quinze e dezoito — dá outra pista da transforma-

6|9
CLUBE DE REVISTAS

ção que as novelas sofrerão no streaming. Parece um deta-


lhe frugal, mas seu efeito sobre a paciência do espectador é
imenso: sem a obrigação de se desdobrar por mais de 100
capítulos, os autores poderão eliminar as gorduras. “Se nas
novelas da TV é comum a necessidade de reiterar situações,
numa série de streaming isso soa anacrônico. O público quer
que as coisas aconteçam”, diz Maurício Farias.
A julgar pela gravação acompanhada por VEJA no casa-
rão tropical, embora o ritmo dos acontecimentos pareça real-
mente mais intenso, o teor emocional (e de choro) permanece
o mesmo dos melodramas. Liana, a protagonista de Juliana
Paes, é uma terapeuta ocupacional de formação conservado-
ra que sonha em ser mãe, mas se separa do marido, Tomás
(Vladimir Brichta), e se envolve com outro homem. O desti-
no, então, lhe prega uma peça trágica (spoiler que será pre-
servado aqui). Na casa serrana que a locação emula, Liana
vai sofrer enquanto os espectadores — inclusive do exterior
— poderão se deleitar com a paisagem verde luxuriante.
O cenário natural tem óbvio apelo de exportação, o que
indica as oportunidades que se abrem para as tramas na-
cionais. Livres das amarras da TV, mocinhas e galãs pode-
rão ser mais tridimensionais, como os heróis das séries.
“Eles não precisam ser só bons ou maus. No streaming, o
público aceita mais ousadias”, diz Ângela Chaves. “Cada
vez mais, as pessoas vão curtir ver novelas de formas dife-
rentes”, completa Vladimir Brichta. Os melodramas 3.0 es-
tão para nascer. ƒ

7|9
CLUBE DE REVISTAS

“O JOGO NO
STREAMING É
MAIS LIVRE”
Juliana Paes falou a VEJA
sobre sua heroína no
novo drama da Netflix.

Em comparação a
outras mocinhas de
sua carreira, qual a
intensidade dramá-
INSTAGRAM @JULIANAPAES

tica da personagem
de Pedaço de Mim?
Em termos de drama, a
Liana é nota 10. Sabe EMOÇÃO
aquela máxima de que Juliana Paes: “Fui compelida
dois raios não caem no sempre a agradar”
mesmo lugar? Para a
Liana, caíram. O imponderável que acontece na vida dela é al-
go que poucas pessoas sabem até que é possível de ocorrer.
Além de viver um drama de severidade extrema, ela tem de
lidar com questões que vêm da sociedade, como o machismo.
Ela é a personagem mais dramática que já vivi.

8|9
CLUBE DE REVISTAS

Já tinha chorado tanto em um melodrama? Eu tenho


essa facilidade não de chorar, mas de me deixar afetar pela cena.
Não é algo que eu precise usar um truque. O material que a cena
me dá sempre é suficiente para trabalhar a emoção. Claro que,
quando envolve maternidade, como no caso da Liana, o caminho
fica mais direto para acessar esse fio da emoção. Eu sou mãe. É
algo que experimento todo dia.

O que a atraiu para um projeto assim no streaming?


Acima de tudo, ter um pouco mais de liberdade. Na Globo, eu
tinha feito um pouco de tudo o que uma atriz pode querer. O
que sinto é a possibilidade de dizer: quero trabalhar com es-
sas pessoas, quero poder mexer um pouco num texto. Existe
um jogo mais livre aqui no streaming que eu estava a fim de
experimentar. Na Globo, você não tem tanto disso às vezes, e
nem é porque os autores não sejam abertos, mas pela falta de
tempo. É um ritmo muito insano.

Liana é uma mulher conservadora que sofre com o ma-


chismo. De onde veio a inspiração para vivê-la? É difícil
se inspirar numa pessoa só e é difícil não usar as próprias experiên-
cias e os exemplos que se tem em casa. Então, claro, ela tem um
pouco da minha mãe. A Liana tem essa personalidade muito “agra-
dadora”: você não pode dizer “não”. Vivi um pouco disso na minha
criação. Com toda essa vida de atriz, a gente tem de aprender na
marra a dizer “não”, senão é engolida por tudo. Fui compelida sem-
pre a agradar, e sei das dificuldades. Minha terapeuta também.

9|9
CLUBE DE REVISTAS
CULTURA MÚSICA

TESTAMENTO
AMOROSO
Filha do genial João Gilberto, a cantora Bebel grava
pela primeira vez um álbum só com músicas
imortalizadas pelo pai, em uma bela homenagem
ao criador da bossa nova FELIPE BRANCO CRUZ

AFINADA
A intérprete com a
cachorrinha Ella: a
artista enfim se sentiu
segura para recriar
repertório do pai

BOB WOLFENSON

1|6
CLUBE DE REVISTAS

HÁ TRÊS ANOS, ainda em luto, Bebel Gilberto compôs e


gravou O que Não Foi Dito, canção em forma de carta
póstuma ao pai — o criador da bossa nova, João Gilberto.
Naquela época, sua vida estava desmoronando. Em de-
zembro de 2018, ela havia se mudado de Nova York para
o Rio de Janeiro para cuidar da mãe, a cantora Miúcha,
mas poucos dias depois a perdeu, aos 81 anos, vitimada
por um câncer. Em seguida, Bebel teve de tomar a difícil
decisão de interditar o pai, aos 88 — e que morreria meses
depois. “A saudade só aumenta, mas agora estou mais ali-
viada”, disse a cantora a VEJA (leia no quadro). Mais que
aprender a lidar com a saudade, Bebel tomou coragem pa-
ra gravar, pela primeira vez, onze canções do repertório
de Gilberto, num álbum intitulado apenas João. “Nunca
havia gravado nada do papai com medo da opinião dele.
Não vou negar que ele era muito exigente e eu sofreria sa-
bendo que ele poderia me criticar”, afirma.
A vida e a carreira de Bebel sempre estiveram ligadas à
bossa nova, aprendendo com João Gilberto em casa ou
acompanhando-o na infância em turnês internacionais.
No entanto, nos anos 1980, ao lado do amigo Cazuza, ela
migrou para o pop e compôs hits como Preciso Dizer que
Te Amo e Mulher sem Razão. Na virada do século, veio
outra guinada na carreira, ao lançar Tanto Tempo, álbum
que inaugurou a bossa eletrônica e acumulou 3 milhões
de cópias vendidas. Agora, Bebel abraça com brio o tradi-
cionalíssimo gênero do banquinho e violão, ao regravar

2|6
CLUBE DE REVISTAS

ARQUIVO PESSOAL

PAI E FILHA Carinho: Bebel em 1968, aos 2 anos,


brincando com João Gilberto

“A SAUDADE SÓ AUMENTA”
Bebel Gilberto conta porque só agora, aos 57 anos, gravou as
músicas do pai — e fala sobre a disputa judicial em família pelo
espólio do artista.

É a primeira vez que você grava canções de seu pai.


Por que só agora? É um presente para o papai. Quando ele

3|6
CLUBE DE REVISTAS

morreu, me sentia megaculpada. Nunca havia gravado nada por


medo da sua opinião. Sempre fui muito próxima dele, mas já não
conseguia encontrar um momento para conversar porque ele
nunca estava sozinho. Achei que por meio da música eu estaria
finalmente me comunicando com ele.

O álbum é também uma homenagem à bossa no-


va? É uma carta de amor, papai não gostava de rótulos. Era o
som do João, o jeito dele de tocar. Eu, humildemente, penso que
também posso fazer o “som da Bebel”. Me inspirei nos arranjos
originais dele, mas sem imitar.

Como lida com o luto quatro anos após a perda de


seus pais? Não me recuperei. Estou mais aliviada, mas
não diria que estou em paz com a saudade, porque ela só au-
menta. O disco é uma maneira de fazer com que a obra dele
continue circulando.

Em que pé está a disputa judicial pelo espólio do


seu pai? Em segredo de Justiça. Sou a primeira a querer
concordar com tudo. Quero que as coisas andem. Não inte-
ressa quem ganhará 25 ou 50. Com a obra dele parada, nin-
guém ganha nada. O fato de o papai não ter deixado testamen-
to também não ajudou. Não vou nomear de quem é a culpa. Se
eu fosse filha única, já estaria resolvido.

4|6
CLUBE DE REVISTAS

com arranjos clássicos canções de Gilberto Gil, Tom Jo-


bim, Vinicius de Moraes, Newton Mendonça e Carlos
Lyra, como Eu Vim da Bahia, Ela é Carioca, O Pato e De-
safinado — todas imortalizadas na voz e na batida de João
Gilberto ao violão. Do pai, compositor bissexto, ela gra-
vou Valsa, escrita por Gilberto em sua homenagem, e Un-
diú, canção sem letra com canto feito apenas de solfejos e
no qual o violão é rei — aqui, tocado pelo violonista e gui-
tarrista Guilherme Monteiro.
Ao confrontar o legado do pai, Bebel se junta a outros
filhos de famosos que sofreram injustas comparações com
seus pais geniais, mas hoje fizeram as pazes com o passa-
do. O caso mais emblemático é o de Maria Rita, que no
início da carreira evitava interpretar as músicas de Elis
Regina, e só na maturidade passou a cantar e homenagear
a mãe. No caso de Bebel, embora a opinião paterna a fi-
zesse paralisar, nunca houve problema em relação a Miú-
cha. “Minha voz está cada vez mais parecida com a da
mamãe, inclusive meu jeito de cantar”, diz.
Para Bebel, hoje aos 57, o álbum não é só um presente
para João Gilberto, mas um modo de manter sua obra em
evidência, já que o espólio do artista está embargado na
Justiça por desavenças familiares. “Não adianta discutir
quem vai ficar com o quê. Enquanto a obra estiver parada,
estamos perdendo dinheiro”, lamenta. “Eu sou a primeira
a concordar com tudo, quero que as coisas andem”, diz.
Um pingo de esperança de que o nó jurídico pode ser des-

5|6
CLUBE DE REVISTAS

feito surgiu no início do ano, com o lançamento de Relicá-


rio, álbum póstumo de João Gilberto com o registro ao vi-
vo do show que ele fez no Sesc Vila Mariana, em 1998. O
disco traz a faixa Rei sem Coroa, nunca gravada em estú-
dio pelo artista. Para resgatar as pérolas de seu repertório,
Bebel teve de pedir autorização à inventariante do espólio
de João Gilberto. Ela se vale de sua cachorrinha, Ella, ba-
tizada em homenagem à lenda do jazz, para ironizar a si-
tuação. “Quando os netos de Ella nascerem, talvez consi-
gam aproveitar o legado de papai”, diz. Enquanto isso, seu
belo disco ajuda a matar a saudade. ƒ

6|6
CLUBE DE REVISTAS
CULTURA VEJA RECOMENDA
STEPHAN RABOLD

HERÓI INESPERADO Liam Neeson no filme: suspense


explosivo em trama sobre uma ameaça à família

CINEMA
A CHAMADA (Retribution; Estados Unidos/ França/ Alemanha/ Espanha; 2023. Em cartaz)
Desde que pronunciou a famosa frase “Vou te procurar, vou te
encontrar e vou te matar” em Busca Implacável (2008), o ator
britânico Liam Neeson deixou os dramas de lado para se tornar
rosto de filmes de ação explosivos. Em A Chamada, ele é Matt
Turner, um financista de alto risco que dá mais atenção ao tra-
balho que aos filhos. Forçado a levar os rebentos à escola certa
manhã, ele é surpreendido por uma bomba debaixo de seu as-
sento, que explodirá caso qualquer um deles saia do veículo ou
desrespeite os comandos de uma voz que liga para eles por meio
de um misterioso celular. Sob direção do americano Nimród
Antal, experiente nos thrillers, o filme prende e diverte com sua
tensão contida e o cenário de Berlim, saindo-se bem até mesmo
nos cacoetes manjados do gênero de ação.

1|8
CLUBE DE REVISTAS

MICHAEL PARMELEE/AMAZON PRIME VIDEO


MISTÉRIO Refúgio nova série de Harlan Coben
:

sobre adorável trio adolescente

TELEVISÃO
REFÚGIO
(disponível no Prime Video, com episódios semanais às sextas-feiras)
Charmoso e inteligente, o jovem atleta Mickey Bolitar (Ja-
den Michael) vive feliz com seus pais amorosos. Isso, até
um acidente mudar tudo, obrigando o garoto a morar com
uma tia na antiga casa da família. Suas provações estão só
começando. Quando o sumiço de estudantes locais e o
aparecimento de uma idosa com ar de bruxa se conectam
com seu pai, Mickey passa a investigar os ocorridos ao la-
do de seus novos amigos, um nerd espirituoso e uma góti-
ca arisca. Adaptação do livro do autor pop Harlan Coben,
o suspense entretém e cativa pela dinâmica saborosa de
seu trio adolescente.

2|8
CLUBE DE REVISTAS

LIVRO
A OUTRA FILHA,
de Annie Ernaux (tradução de Marília Garcia; Fósforo; 64 páginas;
54,90 reais e 41,90 reais em e-book)
Annie Ernaux tinha 10 anos quando ouviu sua mãe contar a
outra pessoa sobre uma primeira filha que morrera. O se-
gredo revelado veio acompanhado de uma comparação:
“Ela era mais boazinha que aquela ali”, disse sobre Annie.
Em um desabafo de tom psicanalítico, a autora francesa,
vencedora do Nobel de Literatura, tece uma carta à irmã
que não conheceu. A narrativa profundamente pessoal re-
flete sobre o modo como o luto afetou a família e sua perso-
nalidade, moldada como a garota rebelde que nunca seria
páreo para a irmã morta. ƒ

3|8
CLUBE DE REVISTAS
CULTURA OS MAIS VENDIDOS

OS MAIS VENDIDOS
FICÇÃO
1 a BiBlioTeCa Da meia-noiTe
Matt Haig [1 | 52#] BERTRAND BRASIL

2 é assim Que aCaBa


Colleen Hoover [2 | 104#] GALERA RECORD

3 é assim Que Começa


Colleen Hoover [3 | 42] GALERA RECORD

4 imPerfeiTos
Christina Lauren [6 | 3#] FARO EDITORIAL

5 TuDo é rio
Carla Madeira [4 | 50#] RECORD

6 veriTY
Colleen Hoover [5 | 70#] GALERA RECORD

7 onDe esTão as flores?


Ilko Minev [8 | 15#] BUZZ

8 TeXTos Para ToCar CiCaTrizes


Igor Pires [7 | 2] ALT

9 ToDas as suas imPerfeições


Colleen Hoover [9 | 68#] GALERA RECORD

10 a revolução Dos BiCHos


George Orwell [0 | 231#] VÁRIAS EDITORAS

4|8
CLUBE DE REVISTAS

NÃO FICÇÃO
1 Da silva: a granDe faKe neWs
Da esQuerDa Pavinatto [3 | 2] EDIÇÕES 70

2 TrinTa segunDos sem Pensar no meDo


Pedro Pacífico [2 | 2] INTRÍNSECA

3 nação DoPamina
Anna Lembke [1 | 10#] VESTÍGIO

4 Que BoBagem!
Natalia Pasternak e Carlos Orsi [0 | 2#] CONTEXTO

5 saPiens: uma Breve HisTória Da HumaniDaDe


Yuval Noah Harari [4 | 336#] L&PM/COMPANHIA DAS LETRAS

6 soCieDaDe Do Cansaço
Byung-Chul Han [0 | 47#] VOZES

7 riTa lee: ouTra auToBiografia


Rita Lee [6 | 13] GLOBO LIVROS

8 em BusCa De mim
Viola Davis [8 | 52#] BEST SELLER

9 o rei Dos DiviDenDos


Luiz Barsi Filho [7 | 10#] SEXTANTE

10 BoX BiBlioTeCa esToiCa: granDes


mesTres Vários autores [10 | 8#] CAMELOT EDITORA

5|8
CLUBE DE REVISTAS

AUTOAJUDA E ESOTERISMO
1 Café Com Deus Pai: Porções Diárias
De renovação Júnior Rostirola [1 | 32#] VIDA

2 Como fazer amigos & influenCiar


Pessoas Dale Carnegie [2 | 98#] SEXTANTE

3 o Homem mais riCo Da BaBilônia


George S. Clason [3 | 138#] HARPERCOLLINS BRASIL

4 CHega De ser emPresiDiário


André Menezes [6 | 2] BUZZ

5 7+1 Passos Para ConQuisTar TuDo


o Que mais sonHou Luiz Hota [0 | 7#] GENTE

6 a arTe Da ComuniCação De imPaCTo


Shana Wajntraub [0 | 1] GENTE

7 forTe
Lisa Bevere [0 | 1] THOMAS NELSON BRASIL

8 suPersono
Gleison Guimarães [0 | 1] GENTE

9 mais esPerTo Que o DiaBo


Napoleon Hill [8 | 220#] CITADEL

10 os segreDos Da menTe milionária


T. Harv Eker [9 | 430#] SEXTANTE

6|8
CLUBE DE REVISTAS

INFANTOJUVENIL
1 vermelHo, BranCo e sangue azul
Casey McQuiston [1 | 107#] SEGUINTE

2 o PeQueno PrínCiPe
Antoine de Saint-Exupéry [2 | 384#] VÁRIAS EDITORAS

3 HarrY PoTTer e a PeDra filosofal


J.K. Rowling [3 | 399#] ROCCO

4 oCeano enTre nós


Tahereh Mafi [0 | 1] UNIVERSO DOS LIVROS

5 aTé o verão Terminar


Colleen Hoover [4 | 77#] GALERA RECORD

6 o verão Que muDou minHa viDa


Jenny Han [5 | 11#] INTRÍNSECA

7 arisTóTeles e DanTe DesCoBrem os segreDos


Do universo Benjamin Alire Sáenz [6 | 14#] SEGUINTE

8 ÚlTima ParaDa
Casey McQuiston [0 | 1] SEGUINTE

9 o meu Pé De laranJa lima


José Mauro de Vasconcelos [7 | 7#] MELHORAMENTOS

10 menTirosos
E. Lockhart [9 | 42#] SEGUINTE

7|8
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[A|B#] — A] posição do livro na semana anterior B] há quantas semanas


o livro aparece na lista #] semanas não consecutivas
Pesquisa: BookInfo / Fontes: Aracaju: Escariz, Saraiva, Balneário Camboriú: Curitiba, Barra
Bonita: Real Peruíbe, Barueri: Saraiva, Belém: Leitura, Saraiva, SBS, Belo Horizonte: Disal,
Leitura, SBS, Vozes, Bento Gonçalves: Santos, Betim: Leitura, Blumenau: Curitiba, Brasília:
Disal, Leitura, Livraria da Vila, Saraiva, SBS, Vozes, Cabedelo: Leitura, Cachoeirinha:
Santos, Campina Grande: Leitura, Campinas: Disal, Leitura, Livraria da Vila, Loyola, Saber e
Ler, Senhor Livreiro, Vozes, Campo Grande: Leitura, Saraiva, Campos dos Goytacazes: Leitura,
Canoas: Santos, Capão da Canoa: Santos, Caruaru: Leitura, Cascavel: A Página, Caxias do Sul:
Saraiva, Colombo: A Página, Confins: Leitura, Contagem: Leitura, Cotia: Prime, Um Livro,
Criciúma: Curitiba, Cuiabá: Saraiva, Vozes, Curitiba: A Página, Curitiba, Disal, Evangelizar,
Livraria da Vila, SBS, Vozes, Florianópolis: Curitiba, Livrarias Catarinense, Saraiva,
Fortaleza: Evangelizar, Leitura, Saraiva, Vozes, Foz do Iguaçu: A Página, Kunda Livraria
Universitária, Franca: Saraiva, Frederico Westphalen: Vitrola, Goiânia: Leitura, Palavrear,
Saraiva, SBS, Governador Valadares: Leitura, Gramado: Mania de Ler, Guaíba: Santos,
Guarapuava: A Página, Guarulhos: Disal, Livraria da Vila, Leitura, SBS, Ipatinga: Leitura,
Itajaí: Curitiba, Jaú: Casa Vamos Ler, João Pessoa: Leitura, Saraiva, Joinville: A Página,
Curitiba, Juiz de Fora: Leitura, Saraiva, Vozes, Jundiaí: Leitura, Saraiva, Limeira: Livruz, Lins:
Koinonia Livros, Londrina: A Página, Curitiba, Livraria da Vila, Macapá: Leitura, Maceió:
Leitura, Livro Presente, Saraiva, Maringá: Curitiba, Mogi das Cruzes: Leitura, Saraiva, Natal:
Leitura, Saraiva, Niterói: Blooks, Saraiva, Nova Iguaçu: Saraiva, Palmas: Leitura, Paranaguá:
A Página, Pelotas: Vanguarda, Petrópolis: Vozes, Olinda: Saraiva, Osasco: Saraiva, Poços de
Caldas: Livruz, Ponta Grossa: Curitiba, Porto Alegre: A Página, Cameron, Cultura, Disal,
Leitura, Santos, Saraiva, SBS, Porto Velho: Leitura, Recife: Disal, Leitura, Saraiva, SBS,
Vozes, Ribeirão Preto: Disal, Livraria da Vila, Saraiva, Rio Claro: Livruz, Rio de Janeiro: Blooks,
Disal, Janela, Leitura, Saraiva, SBS, Rio Grande: Vanguarda, Salvador: Disal, Escariz,
LDM, Leitura, Saraiva, SBS, Santa Maria: Santos, Santana de Parnaíba: Leitura, Santo André:
Disal, Leitura, Saraiva, Santos: Loyola, Saraiva, São Bernardo do Campo: Leitura, São Caetano
do Sul: Disal, Livraria da Vila, São João de Meriti: Leitura, São José: A Página, Curitiba, São José
do Rio Preto: Leitura, Saraiva, São José dos Campos: Curitiba, Leitura, São José dos Pinhais:
Curitiba, São Luís: Leitura, São Paulo: A Página, B307 Livraria, Círculo, Cult Café Livro
Música, Cultura, Curitiba, Disal, Dois Pontos, Drummond, HiperLivros, Leitura,
Livraria da Tarde, Livraria da Vila, Loyola, Megafauna, Nobel Brooklin, Saraiva, SBS,
Vida Livraria, Vozes, WMF Martins Fontes, Serra: Leitura, Sete Lagoas: Leitura, Sorocaba:
Saraiva, Taboão da Serra: Curitiba, Taguatinga: Leitura, Taubaté: Leitura, Teresina: Leitura,
Uberlândia: Leitura, Saraiva, SBS, Umuarama: A Página, Vila Velha: Leitura, Saraiva, Vitória:
Leitura, SBS, Vitória da Conquista: LDM, Votorantim: Saraiva, internet: A Página, Amazon,
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Cultura, Curitiba, Leitura, LT2 Shop, Magazine Luiza, Saraiva, Shoptime, Submarino,
Vanguarda, WMF Martins Fontes

8|8
CLUBE DE REVISTAS
JOSÉ CASADO

TUDO PELO OURO


INVESTIGAÇÕES sobre o movimento organizado para
impedir a posse de Lula e manter Jair Bolsonaro no poder
começaram a expor vínculos de parlamentares com em-
presários financiadores da insurgência.
No Pará, por exemplo, constatou-se o envolvimento de depu-
tados e senadores com empresas e cooperativas de garimpeiros
de ouro integrantes da rede de financiamento da agitação gol-
pista, que resultou na invasão do Supremo Tribunal Federal, do
Congresso e do Palácio do Planalto no domingo 8 de janeiro.
Alguns parlamentares e empresários estão ligados, também,
a um dos autores da tentativa de explosão de um caminhão-tan-
que na véspera do Natal no aeroporto de Brasília: George
Washington Oliveira Souza, comerciante em Xinguara (PA), já
condenado a nove anos e quatro meses de prisão pelo atentado.
Para o atentado, Souza e dois homens obtiveram di-
nheiro e cumplicidade na infiltração de armas e explosi-
vos, uniformes de camuflagem e montagem de uma bom-
ba, que não explodiu por erro mecânico. Ela foi construí-
da com emulsão explosiva industrial, muito usada em
mineração e só vendida a empresas que, em tese, são fis-
calizadas pelo Exército.

1|4
CLUBE DE REVISTAS

A trama foi organizada numa área sob jurisdição militar,


o acampamento de aliados de Bolsonaro mantido durante
dez semanas diante do Quartel-General do Exército, em Bra-
sília. Era um complô armado contra o Estado, com o objetivo
aparente de interditar o aeroporto de Brasília, a partir das ex-
plosões, provocar “intervenção” das Forças Armadas e, co-
mo resultado, impedir a posse de Lula na semana seguinte.
Houve respaldo de parlamentares com interesses políticos
e empresariais no garimpo de ouro e em atividades agrope-
cuárias no Pará e em Mato Grosso do Sul. Órgãos de seguran-
ça estão mapeando, por exemplo, os laços do senador José da
Cruz Marinho (Podemos-PA), conhecido como Zequinha,
com ativistas radicais — como os protagonistas do atentado
frustrado — e empresários financiadores da insurgência orga-
nizada. Também analisam participações dos deputados fede-
rais do Partido Liberal Joaquim Passarinho e Lenildo Mendes
dos Santos Sertão, vulgo Delegado Caveira, e Marcos Sboro-
wski Pollon, eleito pelo PL de Mato Grosso do Sul. Há, ainda,
políticos locais como Enric Lauriano, pré-candidato do PL à
prefeitura de Xinguara, sob patrocínio do deputado Passari-
nho, que já organiza sua campanha ao Senado em 2026.
Na CPMI do Golpe, decidiu-se avançar nas investiga-
ções sobre empresas paraenses como a Mineração Carajás,
a BMC Máquinas e as cooperativas de garimpo do Alto
Tapajós e de Ourilândia, entre outras. São relevantes nas
atividades locais de ouro e madeira, agroindústria, comér-
cio de terras e de equipamentos pesados para garimpo.

2|4
CLUBE DE REVISTAS

“Começam a ser expostos


vínculos de parlamentares
com o golpismo”
Os negócios na região cresceram com estímulos do gover-
no Bolsonaro à garimpagem e à exploração madeireira em
terras públicas e territórios indígenas.
Uma característica empresarial do sudoeste do Pará é a
frequência de consórcios entre segmentos econômicos dis-
tintos — com os mesmos donos e investidores —, o que, se-
gundo a polícia, facilita a lavagem de dinheiro proveniente
de negócios ilegais com terras, madeira e ouro.
Os negócios com ouro não são pequenos. Num exemplo,
a cooperativa de garimpeiros do Tapajós movimentou 543,5
milhões de reais na compra de ouro durante o primeiro ano
da pandemia. Repassou parte à Penna e Mello (Pemex) para
exportação com base em “escriturações fraudulentas prove-
nientes da cooperativa”. Entre 2020 e 2021, no espaço de
quinze meses, a Pemex movimentou 693,3 milhões de reais
na exportação de 2,3 toneladas de ouro “de origem suspei-
ta”, atestou em processo o juiz Gilson Vieira Filho, de Belém.
Parte significativa do ouro garimpado ilegalmente no su-
doeste do Pará é vendida a refinarias da Suíça e da Itália, res-
ponsáveis pelo abastecimento das fábricas de produtos de joa-

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CLUBE DE REVISTAS

lheria — entre elas, a Rolex, artesã do relógio cravejado de dia-


mantes que Bolsonaro recebeu do governo saudita e tentou
vender nos Estados Unidos. Os refinadores suíços enfrentam
uma disputa judicial com a ONG Sociedade de Defesa dos Po-
vos Ameaçados (STP, na sigla em inglês) por transparência na
contabilidade das compras de ouro da Amazônia, sobretudo
quando originário de garimpos do sudoeste do Pará.
A defesa de interesses econômicos do garimpo de ouro
serviu de biombo à associação de parlamentares ao movi-
mento de insurgência que resultou na invasão do Congres-
so, do STF e do Palácio do Planalto. Agora estão no foco
da polícia e da CPMI do Golpe. ƒ

ƒ Os textos dos colunistas não refletem


necessariamente as opiniões de VEJA

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