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CLUBE DE REVISTAS

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CARTA AO LEITOR

VALDIR DE OLIVEIRA/FOTOARENA PAULO NEGREIROS

EDUCAÇÃO Cristovam Buarque estreia em


VEJA: reflexão sobre como alcançar a excelência

CAMINHOS
PARA O BRASIL
A PERMANENTE reflexão sobre as trilhas que podem
levar o Brasil a dar um salto rumo ao rol dos países de
elevado bem-estar é uma das grandes missões de VEJA,
que, para isso, conta em suas páginas com um time de es-
pecialistas da mais alta qualidade em distintas áreas do
saber. Cada qual com sua visão de mundo, em seu con-

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junto eles conferem pluralidade a debates vitais ao país e


são movidos por um mesmo objetivo: abrir as janelas do
pensamento e alçar relevantes discussões do terreno su-
perficial, em que infelizmente costumam se situar nos
ambientes virtuais, a um nível em que possam iluminar
os caminhos para o desenvolvimento. É nesse contexto
que ingressa nessa prestigiada lista um dos grandes no-
mes da educação brasileira, Cristovam Buarque, 79 anos,
há quatro décadas dedicado às candentes questões do en-
sino, onde colecionamos notas vermelhas ranking após
ranking, ano após ano.
Primeiro reitor da Universidade Nacional de Brasília
eleito democraticamente depois da ditadura, nos anos de
1980, e ministro da Educação no primeiro governo Lula,
Buarque, engenheiro e doutor em economia, ingressou na
política no PT, depois migrou para o PDT, sendo gover-
nador do Distrito Federal entre 1995 e 1998 e por duas
vezes senador. Sua bandeira maior sempre foi resgatar o
país da zona do mau ensino e desemperrar as engrena-
gens de um sistema que ainda produz milhões de analfa-
betos — este, seu assunto na coluna quinzenal que estreia
na presente edição. Ele lembra, de forma acertada e enfá-
tica, que uma sala de aula capaz de preparar as novas ge-
rações para os complexos desafios deste século XXI não
é fruto do acaso, mas de um esforço nacional concentra-
do e de horizonte dilatado. Todos os países que atingiram
a excelência, entre eles Finlândia, Canadá e Singapura,

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fizeram bem sua lição de casa, sem se deixar enredar na


armadilha de querer inventar a roda nem mudar de dire-
ção ao sabor dos ventos da política.
Como já dizia o economista americano James Heck-
man, agraciado com um Prêmio Nobel, a tarefa de prover
conhecimento de qualidade às crianças deve começar tão
cedo quanto possível, de modo que se ergam alicerces só-
lidos para formar adultos produtivos e inovadores —
duas qualidades tão caras a uma economia moderna. Na
tarefa de pensar o Brasil, fazem companhia a Buarque
em VEJA figuras como os cientistas políticos Fernando
Schüler e Murillo de Aragão e outro ex-ministro, o eco-
nomista Maílson da Nóbrega, que chefiou a pasta da Fa-
zenda. São todos autores de colunas esclarecedoras, que
servem de antídoto contra a ligeireza das redes e o vene-
no das fake news. Abrindo espaço para opiniões tão aba-
lizadas, VEJA dá sua contribuição na busca de ideias pa-
ra que o país evolua e alcance o brilhante futuro que tan-
tas vezes lhe escapou por entre os dedos. ƒ

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O fantasma
da insegurança
jurídica
O problema afeta o ambiente de negócios
e é um dos principais entraves para
o crescimento da indústria

IANO ANDRADE/CNI

RICARDO LEWANDOWSKI E
OUTROS RENOMADOS JURISTAS
INTEGRAM RECÉM-CRIADO
CONSELHO DE ASSUNTOS
JURÍDICOS DA CNI

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Foi o filósofo inglês Thomas Hobbes, em seu clássico Leviatã,


quem melhor definiu na era moderna a importância da segurança
para o desenvolvimento de um mundo próspero. Sem ela,
escrevia o pensador inglês, “não há lugar para a indústria, pois
seu fruto é incerto; consequentemente, não há cultivo da terra,
nem navegação, nem uso das mercadorias que podem ser
importadas pelo mar; não há sociedade”. O texto foi escrito em
1651, mas segue válido para os dias de hoje, pois trata de um
comportamento atemporal do ser humano. Há, afinal, muito mais
propensão a se empreender capital, tempo e esforço em um
contexto de regras transparentes, estáveis e com punição
preestabelecida para quem quebrá-las. Um ambiente com
segurança jurídica, portanto. Sem isso, o homem se vê obrigado a
dedicar seus recursos a proteger a si próprio e suas propriedades
— seja na vida pessoal, seja no mundo dos negócios. O medo,
enfim, paralisa. “O empresário precisa ter normas claras e
previsibilidade para planejar a médio e longo prazos e fazer
investimentos”, resume Robson Braga de Andrade, presidente da
Confederação Nacional da Indústria.
Há muitas razões para que a indústria brasileira tenha
encolhido nas últimas décadas, mas a falta de segurança jurídica
está entre as mais importantes. Um estudo elaborado em 2021
pelo Movimento Brasil Competitivo (MBC), em parceria com o
Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços
(MDIC) e associações setoriais da indústria, calculou em 1,7
trilhão de reais ao ano o volume de recursos que as empresas
nacionais pagam a mais que suas congêneres da Organização

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“O empresário precisa ter


normas muito claras e
previsibilidade para planejar
a médio e longo prazos.”
Robson de AndRAde, pResidente dA ConfedeRAção
nACionAl dA indústRiA

para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)


para realizar negócios. É o chamado custo Brasil. Desse total, 200
bilhões de reais são desperdiçados em razão da regulação
ineficaz e da baixa eficiência e agilidade do Poder Judiciário.
Cerca de 300 bilhões de reais são dedicados a lidar com a
barafunda tributária, outros 100 bilhões de reais desaparecem por
intervenção estatal nos negócios e mais 350 bilhões de reais
dizem respeito a despesas com a judicialização e o risco
trabalhista. “Chegamos à conclusão de que a insegurança jurídica
é um elemento transversal do custo Brasil, porque a
imprevisibilidade quanto às regras, que mudam toda hora, e sua
aplicação, que não é constante nem confiável, são uma ameaça
em todas as etapas de um empreendimento”, afirma
Cassio Borges, diretor jurídico da CNI.
Nada disso é inevitável. Uma reforma tributária, por exemplo,
pode trazer para a indústria em particular, e a economia em geral,
a diminuição da litigância na área. Quando se soma o que está no

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nível administrativo com o que está na esfera judicial, são mais de


5,44 trilhões de reais em disputa, o equivalente a 75% do PIB.
Nos países da OCDE, esse número é 0,28% do PIB. Na América
Latina (excluindo o Brasil), é ainda menor, de 0,19% do PIB. São
tantas taxas e impostos, e com tantas alíquotas diferentes, que o
empresário se vê obrigado a dedicar recursos a buscar maneiras
de navegar um sistema caótico.
As relações trabalhistas padecem de problema similar: em
2016, o país atingiu um pico de 7 milhões de ações tramitando na
Justiça do Trabalho. A sanção da Modernização Trabalhista e a
Lei de Terceirização, ambas de 2017, trouxeram maior clareza
para a área, e o número de novos casos caiu quase à metade desde
então, mas ainda é assombroso. E a morosidade e a inação
trazidas por uma regulação ambiental disfuncional —
imprescindível para a preservação da biodiversidade e mesmo
para a inserção do Brasil nas cadeias de comércio globais, mas de
navegação imprevisível e tortuosa — tornam o ambiente de
negócios desestimulante.
Cabe ao poder público zelar pela segurança jurídica, mas se
engana quem pensa que é uma atribuição exclusiva do Judiciário.
O Executivo tem inúmeras maneiras de assegurar, ou jogar por
terra, a estabilidade e a confiabilidade de regras no país. Afinal
de contas, passam por ele desde
a realização de licitações e privatizações até a edição de normas
por meio de agências reguladoras, passando pela execução de
políticas públicas e pela sanção de leis. E, em meio a isso tudo, há
sempre a possibilidade de casos de corrupção. A confecção

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malfeita de leis, seja pela falta de estudos de suas


consequências, seja pela falta de transparência no
processo, ou ainda pelo conflito criado entre normas
federais e regras estaduais e municipais, é causa de
inúmeras surpresas indesejáveis para o empreendedor.
Para além das decisões contraditórias e da morosidade
da Justiça, soma-se o perigo da potencial ineficácia do
poder fiscalizador: os tribunais de contas e o Ministério
Público. Todos perdem quando os meios de controle são
ineficientes, mas ninguém ganha quando eles se
sobrepõem, a ponto de gerar incertezas e confusões.
Em sua 29ª edição, VEJA Insights — uma parceria
com a Confederação Nacional da Indústria — apresenta
um panorama das principais fontes da insegurança
jurídica no Brasil. Traz, também, uma entrevista com o
ex-ministro do STF Ricardo Lewandowski, que assumiu
recentemente a presidência do Conselho de Assuntos
Jurídicos da CNI, que reúne alguns dos mais renomados
juristas do país e tem como objetivo ajudar a indústria a
combater essa chaga que contamina o ambiente de
negócios do país e atravanca o crescimento do setor.
Confira o Veja Insights na íntegra em veja.com.br ou
pelo QR code ao lado.

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ENTREVISTA GABRIEL GALÍPOLO
WASHINGTON COSTA/MF

OS JUROS
VÃO CAIR
O novo diretor de Política Monetária do Banco
Central admite que o avanço do arcabouço
fiscal e a melhora dos indicadores econômicos
podem levar à esperada queda da Selic
FELIPE MENDES

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O ECONOMISTA Gabriel Muricca Galípolo ganhou notorie-


dade em 2022 ao construir pontes entre o então candidato à
Presidência Luiz Inácio Lula da Silva e o empresariado. Sua re-
conhecida capacidade de diálogo tornou as ideias de Lula mais
toleráveis para esse público, e o trabalho bem executado acabou
rendendo um convite para ocupar o posto de secretário-execu-
tivo do Ministério da Fazenda. Aos 41 anos, o ex-CEO do Ban-
co Fator agora se dedicará a um novo desafio: a diretoria de
Política Monetária do Banco Central. Aprovado em sabatina
feita pelo Senado na terça-feira 4, Galípolo assumirá o cargo nos
próximos dias. Portanto, é certo que participará da reunião do
Comitê de Política Monetária (Copom), prevista para 2 de agos-
to. Nela, o colegiado decide se os juros, enfim, começarão a cair.
Em entrevista concedida em uma filial do Banco do Brasil em
São Paulo, Galípolo diz que o governo conquistou a confiança
dos investidores e que o Brasil criou as condições necessárias
para a queda da Selic. A seguir, os principais trechos.

A taxa de juros elevada tem recebido duras críticas do


presidente Lula. Como o senhor vê essa discussão? Na
fase em que estou, seria inadequado fazer qualquer tipo de
comentário sobre política monetária e a atuação do Banco
Central. O que posso dizer é que a economia é mais ou me-
nos como uma aposta em um concurso de beleza. Você não
deve apostar na concorrente que acha a mais bonita. Se quer
ganhar, deve apostar naquela que os outros vão eleger. Ou
seja, pouco importa a minha opinião.

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Nesse sentido, a queda dos juros seria a aposta certa? Eu


tenho visto que a curva dos juros futuros vem cedendo sis-
tematicamente ao longo do ano. Desde a PEC da Transição,
apresentamos medidas saneadoras para a redução do déficit
primário deste ano, vimos vitórias no Superior Tribunal de
Justiça e a apresentação do arcabouço fiscal. Todas essas
iniciativas foram retirando o ceticismo do investidor. Cria-
mos um ambiente favorável que permite maior harmonia
entre as políticas monetária e fiscal.

O senhor está dizendo que o ambiente para a redução dos


juros já foi criado? Ele melhorou muito. Mas é como fazer
atividade física e se alimentar bem. Trata-se de um processo
constante, que demanda reavaliar as políticas públicas a to-
do instante. Mas é nítido que houve uma melhora significa-
tiva do começo do ano para cá.

“As iniciativas econômicas do


governo retiraram o ceticismo
do investidor. Criamos um ambiente
favorável, que permite a harmonia
entre as políticas monetária e fiscal”
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Como é a sua relação com o presidente do Banco Central,


Roberto Campos Neto? É ótima. Acho difícil que tenha al-
guém no governo que fale tanto com ele quanto eu. A sim-
bologia da minha indicação tem a ver com isso. A minha
intenção é construir mais pontes, estabelecer mais diálogo.

No mercado financeiro, muitos dizem que o senhor será


uma espécie de “preposto” do governo Lula no Comitê de
Política Monetária do Banco Central. O que acha dessa
afirmação? Essa pergunta precisa ser feita para quem falou
isso. O que posso dizer é que tenho dialogado sempre com o
mercado, até porque deixei amigos lá, e recebi um bom aco-
lhimento por parte de quem hoje está no Banco Central.

A resistência que o empresariado tinha em relação ao pre-


sidente Lula já se dissipou? É difícil avaliar, porque a minha
amostragem é sempre enviesada. O sujeito que vem conver-
sar comigo pode até ter críticas objetivas, mas vai estar mais
aberto ao diálogo. De todo modo, acho difícil não reconhe-
cer que, da virada do ano para cá, a aceitação das medidas
que estão sendo tomadas aumentou muito. O que aconteceu
com o preço dos ativos financeiros de lá para cá reflete uma
maior confiança, seja do ponto de vista do investidor, do em-
presário nacional ou internacional. É difícil refutar isso.

Como foi a sua transição do mundo corporativo para a


atividade pública? Após sair do Banco Fator, em 2021, re-

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cebi um convite para participar de uma reunião que o pre-


sidente Lula faria com alguns agentes do mercado finan-
ceiro. Nesse processo, acabei conhecendo o ministro Fer-
nando Haddad e comecei a me envolver nos debates e de-
cisões importantes.

Que balanço faz de seu trabalho no Ministério da Fazenda?


Eu tenho muita resistência em fazer qualquer tipo de conju-
gação verbal na primeira pessoa do singular. Foi um traba-
lho em equipe capitaneado pelo ministro Fernando Haddad.
Os indicadores econômicos falam por si. Se alguém dissesse,
na virada do ano, que em seis meses haveria redução signi-
ficativa do dólar, do risco-país, dos juros futuros e uma me-
lhora da bolsa de valores, poucas pessoas apostariam nisso.
Acho que mesmo aqueles que eram críticos não negam a
melhora no ambiente econômico.

Depois da experiência na Fazenda, o senhor sente que


agora tem maior traquejo político? Sem dúvida. Foi um
grande aprendizado para mim. Sendo muito sincero, acho
que o ambiente da política nem é tão diferente daquele que
conheci como executivo na posição de presidente de banco.

A questão ideológica não é mais acirrada na política? Eu


percebi que vale muito a lógica de ser transparente naquilo
que você entende ser possível de realizar. Claro que podem
existir divergências, mas, se você for frontal e direto, acho

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que é possível construir pontes e soluções. De certa manei-


ra, foi o que eu tentei fazer durante as eleições, quando exis-
tia um ambiente conflagrado, com grupos distintos, em que
qualquer tema fora de contexto poderia degenerar o debate.
Se você conseguir retirar esse tipo de ruído e as pessoas que
estiverem na mesa tiverem o bom senso, a realidade se im-
põe e o nível de divergência diminui muito.

A deterioração de indicadores econômicos internacionais


deveria ser motivo de preocupação para o Brasil? Tive-
mos várias semanas de deterioração dos cenários interna-
cionais, o que deveria provocar piora nos indicadores locais,
e ainda assim eles melhoraram. Isso é algo raro de ocorrer
em um país emergente, o que se deve principalmente à agen-
da econômica positiva. Mesmo aqueles que tinham algum
ceticismo hoje depositam confiança no trabalho que a Fa-
zenda tem feito.

Muitos economistas falam em risco sistêmico. Há esse


perigo? A preocupação de um risco sistêmico para as eco-
nomias centrais não está colocada para nós. No Brasil, exis-
tem outros riscos, como a disponibilidade de crédito para as
empresas e a inadimplência para as pessoas físicas. O Brasil
também não enfrenta problemas de dependência energética,
como outros países. Ainda que o cenário internacional se
torne mais desafiador, o Brasil reúne vantagens competiti-
vas para a atração de investimentos.

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Quanto o Brasil vai crescer em 2023? O volume projetado


está entre 2% e 2,5%. Isso já é uma melhora significativa em
relação ao que se esperava na virada do ano. Alguns agentes
internacionais apontam para um crescimento de 2,7%. O
Ministério da Fazenda, no entanto, precisa estar preocupa-
do com a qualidade do crescimento. Existe uma agenda que
é muito importante para o presidente Lula e que vai além da
sustentabilidade econômica, que é a sustentabilidade social
e ambiental. Essa pauta vai ganhar cada vez mais força.

Não preocupa o fato de a taxa de investimento no país


ter caído no começo do ano? O próprio relatório do Co-
mitê de Política Monetária comunicou que isso está em
linha com o que se espera quando se tem uma política mo-
netária contracionista. A elevação na taxa de juros produz
esse tipo de efeito.

“Devolver uma regra fiscal ao país,


promover a reforma tributária e criar
um ambiente de sustentabilidade
nas contas públicas são fatores
que atraem investimentos”
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Estudos mostram que, para o Brasil crescer além dos 2%


ao ano, é preciso elevar o patamar de investimento, atual-
mente em torno de 18% do PIB, para algo mais próximo de
25%. Por isso as medidas implementadas pelo Ministério da
Fazenda são tão importantes. Estamos devolvendo ao país
uma regra fiscal, porque a verdade é que estávamos nesses
últimos anos sem nenhuma regra. Você tinha uma norma
que a todo momento era excepcionalizada. Devolver uma
regra fiscal ao país, promover a reforma tributária e criar um
ambiente de sustentabilidade das contas públicas são fatores
que ajudam a elevar o investimento.

O governo pretende lançar um novo Programa de Acele-


ração do Crescimento (PAC). O senhor acredita no papel
do Estado como indutor do crescimento? O nome do pro-
grama de investimentos ainda não está definido. Ele tem si-
do coordenado pela Casa Civil e a Fazenda tem sido chama-
da para participar das discussões. No Brasil, criou-se uma
dualidade entre o que é o Estado e o mercado. Isso é uma
falsa dicotomia. Em todos os países e sociedades que pro-
grediram, há harmonia entre o público e o privado. Só assim
a sociedade se desenvolve.

No início do mandato, o presidente Lula anunciou diversos


programas populares, mas agora eles parecem mais vol-
tados à classe média, como o incentivo à compra de car-
ros novos. O que mudou? Em um primeiro momento, exis-

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tiu um esforço do governo para recompor os programas so-


ciais que são caros ao brasileiro que elegeu o presidente Lu-
la. Mas o presidente tem uma visão ampla. Ele não antago-
niza classes sociais. A ideia não é privilegiar alguns em de-
trimento de outros, e sim mostrar que é possível progredir
enquanto sociedade.

Há uma visão no mercado de que o arcabouço fiscal é me-


nos contracionista do que era o teto de gastos. O senhor
concorda? O arcabouço é um bom registro da composição
de forças políticas que saiu das urnas no fim do ano passado.
Enquanto economista que não recebeu votos, tenho a cons-
ciência de que meu papel não é impor as minhas ideias, e sim
conseguir capturar o máximo possível da vontade popular.
Nesse sentido, o arcabouço permite atender a todos os pro-
gramas sociais que representam o desejo popular, mas si-
multaneamente apresenta uma sustentabilidade das contas
públicas no médio e longo prazo.

Alguns setores têm reclamado da reforma tributária. Co-


mo tem sido o trabalho da Fazenda para aparar arestas?
Seria estranho se não houvesse discussões. Toda reforma
tributária está relacionada a conflitos distributivos. Aí é que
está a dificuldade. A reforma é um projeto que envolve um
esforço da sociedade para produzir simplificação tributária
que eliminará distorções e levará ao aumento da produtivi-
dade. É isso o que se busca.

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Pretende se filiar ao PT? Nunca pensei em trilhar o cami-


nho da política. Eu me vejo muito mais como alguém que
tem a oportunidade de aprender com pessoas de experiência
incrível na vida pública. É isso o que eu estou aproveitando
neste momento. ƒ

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IMAGEM DA SEMANA

LULA E O FIEL ESCUDEIRO

ANTES MESMO de pisar na cidade argentina de Puerto


Iguazú para a cúpula dos chefes de Estado do Mercosul, na
qual assumiu a presidência rotativa do bloco, Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) já havia estabelecido o tom da reunião, e
ele era de bronca: em uma live, descartou qualquer situação
em que “eles ganhem e a gente perca”, sendo eles a União
Europeia, com quem Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai
negociam um pacto comercial. O nó da questão, para Lula,
JUAN IGNACIO RONCORONI/EFE

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é o conjunto de exigências ambientais, que ele qualifica de


“ameaças”, como contrapartida ao acordo. O presidente
brasileiro tem, nessa e em outras questões, a retaguarda
fornecida pelo fiel escudeiro Alberto Fernández, da
Argentina. Os dois estão em sintonia na definição do
comércio do bloco — ao contrário do uruguaio Luis Lacalle
Pou, que não assinou a declaração conjunta de Puerto
Iguazú por discordar do que vê como protecionismo
econômico do Mercosul. Fernández também se calou
quando o mesmo Lacalle Pou e o paraguaio Mario Abdo
Benítez cobraram uma posição clara do bloco em relação
ao regime de Nicolás Maduro, a quem Lula tem feito
afagos (o mais recente foi declarar que o conceito de
democracia é “relativo”). Encalacrada em um lamaçal
econômico, a Argentina vê uma tábua de salvação na
relação unha e carne de Fernández com Lula. No caso do
acordo do Mercosul, porém, há que ter cautela: a postura
linha-dura arrisca colocar duas décadas de negociações
com a União Europeia no freezer. ƒ

Amanda Péchy

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CONVERSA REGIANE ALVES

“TODA HISTÓRIA DE
AMOR VALE A PENA”
A atriz Regiane Alves, de 44 anos, fala sobre o
desafio de viver pela primeira vez uma relação
lésbica na novela Vai na Fé, da boa repercussão
da personagem — e dos beijos cortados pela Globo

CORES
NA TELA
A artista:
celebração
do sucesso
de Vai na Fé
INSTAGRAM @REGIANESALVES

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Sua personagem em Vai na Fé, Clara, vivia uma relação


abusiva com Theo (Emilio Dantas). Como é dar vida a
essa história? A história dela é como a de muitas mulhe-
res de classe média alta que sofrem abusos em casa. A vio-
lência acontece em todos os níveis sociais, e muitas não
têm coragem de sair desse relacionamento, por motivos fi-
nanceiros ou dependência emocional. Acredito que a Clara
possa ter encorajado muitas mulheres a dar o primeiro
passo para a libertação.

Como enxerga essa jornada de superação? Posso dizer


que, quanto mais fiéis aos nossos desejos e conscientes do
nosso valor, mais teremos armas contra relacionamentos tó-
xicos. Ser atriz é olhar a vida de outro ponto de vista.

Clara tem causado repercussão ao se descobrir como


bissexual na vida adulta, por meio da paixão pela per-
sonal trainer Helena (Priscila Sztejnman). Já experi-
mentou algo parecido na vida real? Não, e no início até
fiquei um pouco preocupada por não ter essa experiência
na minha vida pessoal. Mas, conversando com a Priscila,
descobri que ela também não havia tido — o que nos ali-
viou. Juntas, fomos descobrindo como fazer essa relação
acontecer em cena.

O casal ganhou o carinho do público. Por que acha que


esse romance conquistou até fã-clubes? O público sem-

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pre espera boas e verdadeiras histórias de amor. Acredito


que tanto eu quanto a Priscila defendemos a história dessas
duas mulheres, que se encontraram em um momento deli-
cado e carente. Toda história de amor vale a pena. As pes-
soas querem ser representadas, e assim estão sendo.

A edição da novela cortou várias cenas de beijos entre


Clara e Helena. A Globo só exibiu após pressão de espec-
tadores nas redes sociais. O que pensa sobre essa postu-
ra da emissora? Uma decisão e uma resposta que talvez
não me caibam. Talvez a TV Globo possa responder melhor.
O que posso falar é: bom que houve um movimento e que de
alguma forma aceitaram colocar no ar. Vejo como uma vitó-
ria. A cena foi leve, descontraída, pertinente e dentro de uma
relação afetiva, feita com muito carinho e respeito.

Vendo o peso da representatividade de Clara, seu olhar


sobre a comunidade LGBTQIA+ mudou? Percebi um
público que quer ser visto como parte da sociedade, sem
preconceitos, sendo aceito. Como atriz, defendendo esse
papel, ofereço meu melhor. Meu olhar continua o mesmo:
respeito, sempre. ƒ

Kelly Miyashiro

3|3
CLUBE DE REVISTAS
DATAS

O PROVOCADOR
DOS PALCOS
IVAN PACHECO

RESISTÊNCIA O dramaturgo na maturidade:


vida e obra que nunca se esquivaram de
afrontar os moralistas e autoritários

Na mitologia grega, Dionísio simbolizava o caos e a imprevi-


sibilidade. Era o protetor daqueles tidos como inadequados
pela sociedade e conhecido, ainda, como o senhor das fes-
tas, do vinho — e, claro, do teatro. Dionísio foi, definitiva-
mente, o deus de José Celso Martinez Corrêa. Tal idola-
tria era não só propagada à exaustão pelo próprio dramatur-

1|3
CLUBE DE REVISTAS

“O teatro é o que se leva depois


de uma travessia. É matéria
energética em movimento.”
ZÉ CELSO
(1937-2023)

go, diretor e ator mais conhecido simplesmente por Zé Cel-


so. Em suas peças no célebre Teatro Oficina, ou na vida pes-
soal, marcada pela irreverência e pelo desprezo às conven-
ções, uma genuína pulsão dionisíaca sempre moveu o artista
que morreu na quinta-feira 6, aos 86 anos, em decorrência
de um incêndio trágico em seu apartamento que provocou
queimaduras em 53% de seu corpo.
Nascido em Araraquara, interior de São Paulo, Zé Cel-
so tornou-se referência fundamental do teatro brasileiro
já no fim dos anos 1950, quando fundou o Oficina. Mais
que por sua inegável modernidade, suas peças logo se
converteram em símbolo pela carga de inconformismo e
resistência — contra a ditadura militar, em seu período
mais duro, ou a “caretice” de qualquer tempo. Não à toa,
elas foram a expressão perfeita nos palcos teatrais dos
ideais libertários da tropicália — que sacudiu a cultura na-
cional nos anos 1960.

2|3
CLUBE DE REVISTAS

Foi nesse período que Zé Celso produziu seus feitos


mais lendários. Com a clássica O Rei da Vela, montada em
1967, reinventou a peça homônima do modernista Oswald
de Andrade com uma carga mordaz de crítica social e po-
lítica. Em 1968, às vésperas da decretação do AI-5, ato que
daria início à fase mais repressiva do regime, estreou seu
trabalho de maior contundência contra o autoritarismo:
Roda Viva, peça escrita por Chico Buarque e dirigida por
Zé Celso que condena a sociedade do consumo e a violên-
cia das instituições, não sem deboche e lances chocantes.
Por onde passou, o espetáculo atraiu ataques e até agres-
sões aos atores. Em 1974, o diretor foi preso e torturado no
extinto Dops. Exilado, viveu em Portugal por quatro anos.
Na redemocratização, Zé Celso manteve o estilo provo-
cador — e foi enchendo suas montagens de elementos ca-
pazes de causar choque comportamental. Notadamente, a
nudez e o sexo, como nas peças do ciclo Os Sertões. Em
2018, cinquenta anos após a original, remontou Roda Vi-
va. Na vida pessoal, não ficava devendo às suas peças: fa-
lava de seus hábitos sexuais de forma abertíssima, fumava
maconha sem pudor — e nutria uma extremada briga com
Silvio Santos para evitar um empreendimento ao lado de
seu teatro, em São Paulo. Um mês antes de morrer, casou-
se com o ator Marcelo Drummond, seu parceiro por 37
anos. Até nos últimos atos, Zé Celso fez barulho. ƒ

Gabriela Caputo

3|3
CLUBE DE REVISTAS

FERNANDO SCHÜLER

SOBRE AS
REGRAS DO JOGO
MUITA COISA foi escrita sobre o dito de Lula de que a
“democracia é relativa”. Segundo alguns, o presidente teria
cometido um “erro”; outros falaram em “decepção”, pois
teriam assinado a “carta pela democracia” e esperavam
mais de seu líder. Li também que Lula “não sabe o que é o
comunismo”, pois não teria “lido Lenin”, nem estudado a
história soviética. Sejamos claros, não há “erro” nenhum,
nem muita novidade. Ele sabe o que se passa em países co-
mo Venezuela e Cuba. Qualquer um pode saber, aliás. Bas-
ta dar um clique em Human Rights Watch ou no relatório
da ONU sobre os “crimes contra a humanidade” do regime
chavista. Não há nenhuma “incoerência” ou confusão aí.
São apenas escolhas políticas. Lula sempre agiu como fia-
dor das ditaduras na América Latina, que todos sabem
quais são. Ainda na outra semana, Moisés Naím denunciou
a estratégia chavista para procrastinar investigações sobre
tortura e execuções extrajudiciais, dizendo que Maduro
tenta “lavar a cara”, e que seu maior trunfo é “Lula conti-
nuar a abraçá-lo em público”.

1|6
CLUBE DE REVISTAS

O presidente está no seu direito, e imagino que faça isso


por convicção. Ele parece de fato acreditar que não exista
um grande problema com os presos políticos de Cuba, a
quem já comparou a “bandidos em São Paulo”. Quando
FHC era presidente, o chanceler Lampreia foi a Cuba e se
reuniu com a oposição. Deixou uma clara mensagem sobre
direitos humanos. São escolhas. De onde vem a convicção
de Lula? Não faço ideia. É possível que venha dos anos de
formação, dos debates da esquerda nos anos 80. Assisti a
alguns deles, ainda jovem. Me lembro da oposição entre a
democracia como um “valor universal” ou “instrumental”,
sendo essa última visão amplamente majoritária. Lembro
dos líderes sandinistas e mesmo do embaixador cubano,
com cara de burocrata surpreso, sendo ovacionados em
congressos. Naquele universo, ainda se falava em “cons-
truir o socialismo”, numa época em que o mundo tratava
da abertura e reforma do Estado, e o “socialismo real” da-
va seus últimos suspiros. Minha intuição é a de que Lula
aprendeu alguma coisa ali. Basicamente, que aquilo era
uma boa retórica para agitar a militância, como aconteceu
no Foro de São Paulo.
Outra razão para essa conversa toda é que ninguém dá
bola. Todo mundo já aprendeu a lidar com o “modo Macu-
naíma” do mundo político brasileiro, do qual Lula é uma
boa síntese. Um mundo cuja regra básica é a seguinte: ajuste
seu discurso de acordo com o público, sabendo que ninguém
vai acreditar demais no que você está falando. Afora isso, al-

2|6
CLUBE DE REVISTAS

NELSON ALMEIDA/AFP

NAS RUAS Manifestação em São Paulo:


defesa popular de um valor universal

guém acha que exista muita gente genuinamente preocupa-


da, por aqui, com a “tortura em Cuba e na Venezuela”? E
nisso é preciso ser justo. Vale o mesmo para o “outro lado”
de nossa polarização. Ou alguém acha que um líder que faz
sua carreira política elogiando o regime militar brasileiro,
como Bolsonaro, tem na democracia um “valor universal”?
Nosso “relativismo”, sim, é democrático. Mesmo que exista
quem tente se mover por princípios, mesmo contra a maré,
nestes tempos difíceis.

3|6
CLUBE DE REVISTAS

“A democracia não
permite discussões
sobre princípios
elementares”
O curioso é que esse é um debate intelectualmente resol-
vido, há bom tempo. Ainda me lembro das minhas leituras
juvenis de Norberto Bobbio e sua insistência em explicar que
são “as regras do jogo” que “distinguem os sistemas demo-
cráticos dos não democráticos”. Regras “amadurecidas du-
rante séculos de provas e contraprovas, e consagradas em
nossos sistemas constitucionais”. Vão aí a alternância de po-
der, a liberdade de reunião e de opinião, as garantias indivi-
duais. A democracia permite a discussão sobre muitas coi-
sas, mas não sobre esses princípios elementares. Pode-se
mudar o sistema tributário ou dar autonomia ao BC. O que
não pode é impedir a oposição de disputar eleições, como
fez a Venezuela, ou mandar banir ou prender os ativistas “do
outro lado”. Se fizer isso, se está “relativizando”. Mexendo o
nervo central da democracia, e aí temos um problema.
A democracia vive dois grandes desafios. Um deles foi
bem diagnosticado por Larry Diamond: “Talvez, pela pri-
meira vez, nossas democracias tenham um adversário efeti-

4|6
CLUBE DE REVISTAS

vamente competitivo: a China”. Adversário que joga no cam-


po do inimigo, na economia de mercado, e vem se saindo
muito bem. Diferentemente de autocracias como a Rússia, a
China dispõe de um modelo a ser exportado. Modelo funda-
do exatamente sobre a tese da “relativização”. A ideia de que
não há propriamente uma ditadura por lá, mas um “tipo di-
ferente de democracia”, como diz Diamond, capaz de pro-
duzir crescimento acelerado dispensando os “tediosos pa-
drões ocidentais de freios e contrapesos ao poder”. Foi a tese
do embaixador chinês, em um estranho artigo, acusando a
conversa sobre valores universais de “neocolonialismo”. Di-
zendo que “os países têm culturas e sistemas sociais diferen-
tes, e que não existe uma única forma de praticar a demo-
cracia”. Se na minha cultura a democracia significa ter só
um partido, ou ir discretamente banindo a oposição, tudo
bem. É nossa cultura, não é mesmo?
O segundo desafio vem de dentro do próprio sistema, e
é dado pela revolução tecnológica. Quando observo os mi-
lhões de pessoas que ingressaram na discussão, com as re-
des e a internet, e leio sobre as guerras culturais, com sua
cacofonia de temas morais e estéticos assaltando o debate,
me lembro de uma lição quase esquecida de Rousseau.
Uma “verdadeira democracia”, dizia ele, era muito difícil,
porque exigia, entre outras coisas, uma “grande simplici-
dade de costumes, que impeça a multiplicação de proble-
mas e discussões espinhosas”. Dois séculos e meio depois,
as coisas andaram na direção contrária. Ainda por estes

5|6
CLUBE DE REVISTAS

dias lia sobre como a mudança de uma frase no hino do


Rio Grande do Sul, vista como preconceituosa (não entro
no mérito), mobilizando os debates no Parlamento. O mun-
do não só multiplicou as “discussões espinhosas”, como o
ódio barato e a irrelevância contaminaram o mundo. E te-
remos de aprender a lidar com isso.
Na última reunião do Mercosul, o presidente do Uru-
guai, Lacalle Pou, pediu que o bloco repudiasse o regime
chavista e seu expurgo de María Corina Machado. Disse
que é assim que os países devem agir, pois se trata de prin-
cípios com os quais não se deve brincar. Alguém dirá que
Lacalle Pou é um líder de “direita”, mas isso é apenas con-
versa fiada. Gabriel Boric, o jovem presidente chileno, de
esquerda, fez o mesmo quando contestou Lula ao dizer que
o autoritarismo na Venezuela “não é uma narrativa”, e sim
uma “realidade que vi na dor de milhares de venezuela-
nos”. A verdade é que é possível ter líderes que se movam
para além do pragmatismo e prezem pelas “regras do jo-
go”. O problema talvez esteja em nós mesmos. Em nossa
capacidade de renovar e escolher líderes melhores. E quem
sabe de dizer a qualquer um, de esquerda ou direita, que
apareça “relativizando” valores essenciais da democracia,
o que disse o antigo rei da Espanha, naquele raro momento
de inspiração: por que não te calas? ƒ

Fernando Schüler é cientista político e professor do Insper

ƒ Os textos dos colunistas não refletem


necessariamente as opiniões de VEJA

6|6
CLUBE DE REVISTAS
SOBEDESCE

SOBE
PIB
Diante dos sinais positivos
da economia, o Ministério
da Fazenda deve elevar a projeção de
crescimento da economia em 2023
para uma taxa entre 2,5% e 3%.

CRISTIANO ZANIN
Por meio de um decreto publicado no
Diário Oficial da União, o advogado foi
oficialmente nomeado ministro do
Supremo Tribunal Federal e tomará
posse no dia 3 de agosto.

INDIANA JONES
O quinto filme da série estrelada por
Harrison Ford arrecadou mais de 60
bilhões de dólares
no fim de semana de estreia.

1|2
CLUBE DE REVISTAS

DESCE
EDUARDO PAZUELLO
A Comissão de Ética do
Governo Federal vai investigar
o ex-ministro da Saúde para apurar
se ele cometeu desvio ético
na compra de vacinas
durante a pandemia.

NEYMAR
O jogador recebeu multa
de 16 milhões de reais por
realizar obras irregulares em
sua mansão em Mangaratiba,
no litoral do Rio de Janeiro.

HARVARD
A tradicional e prestigiada
universidade americana está sendo
processada sob acusação de
beneficiar ricos e poderosos em
processo seletivo.

2|2
CLUBE DE REVISTAS
VEJA ESSA
CLIVE BRUNSKILL/GETTY IMAGES

“Cada pessoa tem suas circunstâncias


pessoais. A minha é clara. Quero paz.”
DANIIL MEDVEDEV, tenista russo número 3 do
ranking mundial, no retorno às quadras de Wimbledon.
No ano passado, o torneio barrou atletas da Rússia
e Belarus por causa da invasão da Ucrânia

1|4
CLUBE DE REVISTAS

“Queremos fazer uma política de ganha-


ganha. A gente não quer fazer uma política
em que eles ganham e a gente perde.”
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, presidente, empossado na
liderança rotatória do Mercosul, referindo-se às exigências
comerciais “inaceitáveis” feitas por países europeus

“Fomos os primeiros a afirmar que,


quanto mais complexa se torna a civilização,
mais se deve restringir a liberdade
do indivíduo. Benito Mussolini.”
ROMEU ZEMA, governador de Minas, em publicação nas
redes sociais após Jair Bolsonaro se tornar inelegível. Diante das
criticas, negou que compartilhe dos ideais fascistas

“Hoje se vê nas paradas homens e mulheres


nus, com os órgãos genitais completamente
expostos, dançando na frente de crianças. (...)
Agora é hora de tomar as cordas de volta e
dizer: pode parar, reseta. Ele (Deus) diz:
se eu pudesse, matava tudo.”
ANDRÉ VALADÃO, pastor evangélico, colocando palavras
falsas na boca do Altíssimo em sermão homofóbico na Flórida

“O fato de (o grupo) Wagner avançar


dentro da Rússia e tomar certas regiões
mostra como é fácil fazer isso.
Putin não controla a situação.”
VOLODYMYR ZELENSKY, presidente da Ucrânia, fazendo
pouco do poderio do inimigo invasor

2|4
CLUBE DE REVISTAS

“Estou em Porto Príncipe para expressar


minha total solidariedade para com
o povo haitiano e fazer um apelo
à comunidade internacional para
continuar ao lado do Haiti.”
ANTÓNIO GUTERRES, secretário-geral da ONU, em visita ao
país mergulhado na pobreza e na violência das gangues

“Qualquer livro considerado sagrado deve


ser respeitado para se respeitar aqueles
que nele acreditam. Sinto raiva e nojo.”
PAPA FRANCISCO, condenando a queima do Alcorão, o livro
sagrado muçulmano, em manifestação na frente de uma
mesquita em Estocolmo, na Suécia

“Estou muito feliz de ir para minha sexta


Copa do Mundo. (...) É algo surreal.”
MARTA, veterana da seleção feminina de futebol

“Eu realizei meu sonho. Foi um momento


mágico. Muito obrigada!”
MARIA RITA, cantora, sobre seu dueto digital com a mãe,
Elis Regina (1945-1982), em comercial da Volkswagen

“Queria ter tempo para beijar essas bocas


todas que vocês acham que eu estou
beijando e estão problematizando.”
BRUNA MARQUEZINE, atriz, em
momento de estar desabafando

3|4
CLUBE DE REVISTAS

“Mandaram
eu falar rápido.
Não vou dedurar
quem foi,
mas disseram:
‘Agiliza
que você
fala demais’.”
PAOLLA OLIVEIRA,
jurada do quadro Dança
dos Famosos, do
Domingão do Huck,
dedurando sem dedurar
a direção do programa
INSTAGRAM @PAOLLAOLIVEIRAREAL

4|4
CLUBE DE REVISTAS
RADAR
ROBSON BONIN

Com reportagem de Gustavo Maia,


Nicholas Shores e Ramiro Brites

A conta vai chegar Ação e reação


Recentemente, a PGR ten- O ato de Mendes vem na es-
tou livrar Eduardo Pazuel- teira das críticas de Lindôra
lo, ex-ministro da Saúde, de Araújo ao STF sobre exis-
uma investigação por cri- tência de “pesca probató-
mes cometidos na pande- ria” na Corte. Para bom en-
mia. O ato foi parar na mesa tendedor...
de Gilmar Mendes no STF,
que anulou o arquivamento Aqui não tem pesca
do MPF e recolocou Pazuel- A decisão de Mendes cita a
lo no patíbulo. campanha da gestão de
CRISTIANO MARIZ

NA MIRA Pazuello: o ex-ministro é


investigado no STF por sua “obra” na Saúde

1|6
CLUBE DE REVISTAS

Jair Bolsonaro contra o últimos dias, só perde em


isolamento social na pan- volume de posts para a pos-
demia, os gastos com clo- se e o 8 de Janeiro. Desta
roquina e as mortes por vez, porém, o petista é vilão.
falta de oxigênio em Ma-
naus. Pazuello é investiga- Cidadão do mundo
do por crimes de epidemia Em seis meses, Lula já teve
com resultado de morte, reuniões com líderes de 37
prevaricação e gasto irre- países. No mesmo período
gular de verbas públicas. de 2019, Bolsonaro havia se
encontrado com chefes de
Diga-me com 22 nações — número 40%
menor.
quem andas
Ao defender Maduro e sua Apoio supremo
“democracia” na Venezue- Dois ministros do STF, que
la, Lula apanhou até da es- estiveram com Lula recen-
querda no Twitter. Dados temente, elogiaram Flávio
do Vox Radar mostram Dino, cotado para a Corte.
que 49,3% das críticas ao
petista na rede saíram des- Não quero saber
se campo. A ANPR, entidade que faz a
lista tríplice da PGR, pediu
Morrendo pela boca uma audiência com Lula,
Para desespero do Planalto, há duas semanas, para en-
o debate sobre Lula e “de- tregar a relação dos eleitos.
mocracia” no Twitter, nos Até agora, nada.

2|6
CLUBE DE REVISTAS

Sob ataque ção na máquina e ainda há


Na segunda, nove ministras muita gente na fila para rodar.
de Lula se reuniram para
uma conversa e chegaram a Crise de imagem
uma triste constatação: no A CPI do MST quer apro-
governo petista, as pastas var, na próxima semana, a
mais atacadas são todas convocação de Rui Costa
de... mulheres. no colegiado. A impopula-
ridade do ministro petista
A união faz a força une governo e oposição no
Depois da fritura de Nísia Congresso.
Trindade na Saúde, quem so-
fre na mira dos partidos é
Ana Moser, do Esporte. Daí a
união das ministras de Lula.

Só faltava a canetada
Com Daniela Carneiro ain-
da no cargo, Celso Sabino
bateu ponto no Planalto na
semana passada como se já
fosse o chefe do Turismo.
WAGNER LOPES/CC

Eterno mal
Em seis meses, o governo Lu- ALVO Costa: impopular, ele
la demitiu 103 servidores en- deve ser convocado por uma
volvidos em casos de corrup- CPI da Câmara

3|6
CLUBE DE REVISTAS

Devassa a caminho Nova dupla


A CPI quer ainda aprovar Aécio Neves e Paulinho da
quebras de sigilo bancário Força almoçaram nesta se-
e convocar outros ex-au- mana. O Solidariedade
xiliares de Lula próximos quer entrar na federação
ao MST. PSDB-Cidadania. Só falta o
TSE deixar.
Volta por cima
Alvo de fritura na esplana- Legado de valor
da, Juscelino Filho virou De todos os bens deixa-
um ativo articulador do dos por Sepúlveda Per-
Planalto no Congresso. tence, o xodó dos filhos
Está em alta. do ex-ministro do STF é a
biblioteca com 8 000 li-
Sangria na bancada vros que seguirá na famí-
Por causa de atritos so- lia.
bre a eleição municipal,
o PL deve perder pelo Quem é o garoto?
menos cinco de seus 99 Numa reunião com parla-
deputados. mentares do Amazonas
nesta semana, Fernando
Tudo sob controle Haddad foi questionado
Ele não vai admitir, mas o por Amom Mandel sobre
enfraquecimento de Bol- a reforma tributária.
sonaro tranquiliza — e “E você, é quem?”, cortou
muito — Valdemar Costa o ministro, sem reconhe-
Neto no PL. cer o jovem deputado de

4|6
CLUBE DE REVISTAS

22 anos, o mais votado no curadores da força-tarefa do


AM. “Faltou maturidade a Rio de Janeiro no CNMP.
ele”, diz Mandel. Diz que foi coagido a delatar.

Tá sobrando Jogo bruto


Flávio Dino enviou ao Cotado para uma vaga no
Ministério da Gestão CNMP, o advogado Edvaldo
uma proposta de MP pa- Nilo é alvo de um longo dos-
ra turbinar o salário da siê distribuído em Brasília.
PF. A partir de 2024, de-
legados e peritos podem Pequenas...
receber 41 600 reais, au- Além das agendas de Lula e
mento de 34%. Janja, a EBC vai agora trans-
mitir os jogos do Campeo-
Com lupa nato Brasileiro da Série... D.
A equipe que investiga ir-
regularidades da Lava- ...E grandes torcidas
Jato na Justiça Federal de Depois de contratar o uru-
Curitiba foi reforçada guaio Luis Suárez, o Grê-
com um delegado e agen- mio ganhou mais de 30 000
tes da PF. sócios em seis meses.

Me forçaram Histórias de resistência


Preso pela Lava-Jato, o do- A Nova Fronteira lança nes-
leiro Cláudio Souza, o ta semana a obra Não Tro-
Tony, que delatou Dario caria Minha Jornada por
Messer, acionou doze pro- Nada, de Maya Angelou

5|6
CLUBE DE REVISTAS

PROBLEMÃO
Luísa Sonza:
acusação de
fraude processual
na Justiça
INSTAGRAM @LUISASONZA

(1928-2014), uma das vozes dicial com sua antiga pro-


marcantes na luta pelos di- dutora, a cantora Luísa
reitos civis nos EUA, ao la- Sonza foi condenada a pa-
do de Martin Luther King e gar mais de 200 000 reais
Malcolm X nos anos 1960. pelo rompimento de um
contrato. Ela recorreu e
Dívidas e processos agora é acusada de mentir
Envolvida numa disputa ju- no recurso. ƒ

6|6
CLUBE DE REVISTAS
BRASIL ESPECIAL

O DIA EM QUE A
DEMOCRACIA TREMEU
Seis meses depois de um dos eventos mais odiosos
da história recente do país, autoridades que estiveram
no epicentro dos ataques de 8 de janeiro relatam os
momentos de tensão e revelam bastidores inéditos
de um episódio que não pode ser esquecido

LARYSSA BORGES, MARCELA MATTOS


E LEONARDO CALDAS

BARBARIDADE 8 de janeiro de 2023: vândalos


invadiram o Congresso, o Supremo e o Palácio do Planalto

MONTAGEM COM FOTOS DE EVARISTO SA/AFP; ISTOCK / GETTY IMAGES

CAPA: FOTO DE MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

1 | 15
CLUBE DE REVISTAS

ependendo do observador, os acontecimentos de

D
8 de janeiro de 2023 podem ser vistos, interpre-
tados e mensurados de ângulos e maneiras dife-
rentes. Uma constatação, porém, é inegável à luz
dos fatos: a invasão e a depredação das sedes dos
Três Poderes passaram para a história como o dia em
que a democracia brasileira foi insultada e afrontada em
sua essência por bárbaros agindo sob o impulso de men-
tes perturbadas que se escondiam — e ainda se escon-
dem — nas sombras. Foi um domingo em que milhões de
brasileiros acompanharam, atônitos, cenas execráveis
dentro do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e
do Supremo Tribunal Federal (STF). Seis meses depois,
as autoridades ainda divergem sobre o que exatamente
teria motivado os ataques. Para uns, foi o primeiro ato de
um golpe de Estado que não se concretizou. Para outros,
uma baderna derivada do extremismo político.
Era um fim de semana como outro qualquer em Brasí-
lia. O presidente Lula visitava bairros atingidos por uma
enchente em Araraquara (SP). Com o recesso parlamen-
tar, o senador Rodrigo Pacheco, presidente do Congresso,
passeava em Paris. O presidente da Câmara, Arthur Lira,

2 | 15
CLUBE DE REVISTAS

descansava numa praia em Maceió. Rosa Weber, presi-


dente do STF, era uma das poucas autoridades que esta-
vam na cidade, quando milhares de apoiadores do ex-pre-
sidente Jair Bolsonaro deixaram um acampamento mon-
tado no QG do Exército em direção à Esplanada. No dia
anterior, a Polícia Federal havia advertido sobre a possibi-
lidade de a manifestação descambar para atos de violên-
cia. Não houve, porém, reforço algum na segurança.
O Congresso foi o primeiro prédio a ser atacado. Os
vândalos quebraram os vidros, destruíram equipamen-
tos, depredaram obras de arte e, de lá, seguiram em dire-
ção ao Planalto. Sem resistência, subiram a rampa do pa-
lácio e foram arrebentando tudo que encontravam pela
frente, até chegar ao gabinete do Presidente da Repúbli-
ca. A terceira e última escalada foi a que deixou o maior
rastro de devastação. Os criminosos atearam fogo no
plenário do Supremo, picharam as paredes e simularam
defecar sobre os móveis. Foram quatro horas de barbá-
rie. Vencida a perplexidade, as instituições reagiram com
vigor. Mais de 1 200 pessoas respondem hoje a proces-
sos, cerca de 250 estão presas desde então e uma Comis-
são Parlamentar de Inquérito foi criada para apurar o ca-
so. Nas páginas a seguir, VEJA publica relatos exclusivos
de um representante de cada Poder sobre os momentos
marcantes que ficaram na memória de quem esteve no
epicentro de um dia triste que não pode ser esquecido.

3 | 15
CLUBE DE REVISTAS

ESTOPIM DO LEVANTE
Flávio Dino: ele viu da janela
do seu gabinete o momento

ANDRE RIBEIRO/FUTURA PRESS


em que os vândalos iniciaram
a destruição

“TEVE DEDOS
EM RISTE DE
LADO A LADO”
Nervoso, o ministro da Justiça discutiu
com generais, diz ter certeza de que houve
uma tentativa de golpe contra o presidente
Lula e afirma que os militares estavam
torcendo por uma virada de mesa

4 | 15
CLUBE DE REVISTAS

Eu estava em estado de alerta elevado pelo extremismo


daquele pessoal acampado nos quartéis, mas tomei meu
café da manhã naquele domingo com a certeza de que to-
das as providências em relação aos protestos haviam sido
garantidas. Logo cedo, recebi uma mensagem do gover-
nador do Distrito Federal com relatos de absoluta calma-
ria. Na sequência, o ministro da Defesa me repassou in-
formações semelhantes. Fui almoçar com minha esposa
e meus filhos na casa de um parente a 40 quilômetros da
Praça dos Três Poderes. Mal tinha chegado ao local e re-
cebi os primeiros informes de que as coisas não estavam
indo bem: vândalos não estavam respeitando os pontos
de contenção da Polícia Militar e haviam rompido uma
barreira de segurança. Percebi que a coisa poderia sair
do controle e rumei para o ministério. Era apenas o iní-
cio de um dia que ainda não acabou. A invasão do Con-
gresso aconteceu diante dos meus olhos. Da janela do
meu gabinete, vi quando a multidão derrubou as grades,
jogou uma viatura no espelho d’água e escalou o prédio.
Havia uns poucos policiais tentando conter os crimino-

5 | 15
CLUBE DE REVISTAS

sos. Entrei em pânico. Era preciso falar com o presiden-


te. Aquela invasão poderia incentivar protestos similares
em todo o Brasil. Lula estava vendo pela TV. Ficamos
com medo de perder o controle do país. Se aquilo se mul-
tiplicasse, não teríamos força para superar. O golpe seria
consumado. Nervoso, xinguei o Bolsonaro, o bolsonaris-
mo, xinguei quem havia tramado aquilo e as forças de se-
gurança que permitiram aquele caos. Invadiram o Pla-
nalto e estavam quebrando tudo. Da minha janela vi uma
fumacinha preta subindo do prédio do Supremo. Esta-
vam tocando fogo no STF. O caos havia se espalhado.
Era preciso agir rápido. Minha ordem era prender todo
mundo. Mas nem isso foi possível de imediato.
Depois da destruição, deu-se um embate com os mili-
tares. Fui ao Quartel do Exército e disse que a gente ia
prender todo mundo que estava no acampamento. Foi
quando vi tanques saindo de uma ruazinha. Se alguém
ainda tinha alguma dúvida de que um golpe estava em
andamento, ela se dissipou naquele momento. A maioria
do Alto-Comando torcia — e friso este verbo, torcia —
para que o levante tivesse dado certo. Repeti sem parar
para o comandante do Exército: ‘General, nós vamos pe-
gar todos, sem exceção. É a minha ordem’. Ele tentou
crescer para cima de mim. Teve dedos em riste de lado a
lado. A adrenalina estava a mil. Eu repetia: ‘Estão todos
presos, estão todos presos’. Ele dizia: ‘Não, não, não’. No
meio dessa discussão, outro general interveio e disse que

6 | 15
CLUBE DE REVISTAS

a polícia nunca tinha entrado no quartel para prender


pessoas. Essa é uma evidência acima de qualquer dúvida
razoável de que havia a simpatia nas Forças por uma vi-
rada de mesa. O Exército estava dividido entre bolsona-
ristas golpistas e bolsonaristas legalistas, mas sempre
bolsonaristas.
Diante de um confronto iminente, concordamos em
efetuar as prisões dos golpistas apenas no dia seguinte.
Vendo hoje, seis meses depois, acho que foi o certo a fa-
zer. Se fosse diferente, seria perigoso para as pessoas e
talvez pior ainda para a democracia. Imagina a PM de um
lado e o Exército do outro... Meu pai era deputado estadu-
al quando foi cassado em 64, depois do golpe militar. Isso
marcou a minha vida. No dia 8 de janeiro, testemunhei
uma tentativa de golpe da minha janela. Alguns negacio-
nistas dizem que aquilo foi mera arruaça, coisa de bader-
neiros. Não foi. No auge da pandemia, quando não tinha
mais vaga de hospital no Maranhão para internar os do-
entes, irado, soquei a parede. Naquele dia não soquei a pa-
rede, mas tive vontade de socar certas pessoas.

7 | 15
CLUBE DE REVISTAS

ESTADO DE CHOQUE
Gilmar Mendes: ele estava

CRISTIANO MARIZ/AGÊNCIA O GLOBO


em Portugal quando recebeu
pelo celular as primeiras
imagens da invasão

“FELIZMENTE
ISSO ACONTECEU
EM JANEIRO”
Decano do Supremo Tribunal Federal, que
chorou ao ver os escombros, destaca a forte
reação das instituições e diz que o ataque
teria desfecho imprevisível caso tivesse
ocorrido durante o governo de Jair Bolsonaro

8 | 15
CLUBE DE REVISTAS

Almoçava com um amigo juiz em Portugal e, por coinci-


dência, falávamos sobre como havia sido relativamente
pacífica a transição de governo no Brasil quando recebi
pelo celular as primeiras imagens da confusão. Fiquei em
choque. Logo lembrei que tinha feito um prognóstico caso
Bolsonaro ganhasse as eleições: o conflito com o Supre-
mo Tribunal aumentaria. Pessoas próximas afirmavam
que, se ele vencesse, teríamos de deixar o país. Tudo que
eu estava falando sobre o sucesso da passagem de poder
tinha acabado de ser revogado. Desde as comemorações
do Sete de Setembro de 2021 eu temia que algo como
aquilo ocorresse. Liguei de imediato para os ministros
Flávio Dino, Alexandre de Moraes, e para a presidente
Rosa Weber. Todos estavam tentando entender o que es-
tava acontecendo. Flávio me descreveu pari passu a inva-
são dos prédios, a omissão da polícia e discutimos o que
poderia ser feito de imediato. Depois que me apossei da
realidade, passei a pensar nos instrumentos que poderiam
ser usados para enfrentar aquela situação caótica: estado
de defesa, intervenção federal. Quase não dormi naquela

9 | 15
CLUBE DE REVISTAS

noite. As imagens não saíam da minha cabeça. Era a con-


firmação dos meus maus pressentimentos.
Consegui antecipar minha passagem. Do aeroporto, fui
direto para o tribunal. Difícil descrever a cena com a qual
me deparei, embora já tivesse visto pela televisão. In loco,
era bem pior. Não resisti — e chorei. A sensação foi de che-
gar em sua própria casa e vê-la totalmente destruída. Pe-
rambulei pelos andares. Eram só escombros. Os aparelhos
quebrados, as obras de arte no chão, as salas alagadas, os
móveis queimados. Consegui sentir o nível de animosida-
de daquelas pessoas. Lembrei de um dia, no início da pan-
demia, em que o Bolsonaro me falou das dificuldades da
campanha, da facada e se pôs convulsivamente a chorar.
Fiquei com a impressão de que ele era uma alma tortura-
da. Não sei por que esse encontro me vem agora à memó-
ria. O fato é que o presidente era muito dado a teorias
conspiratórias. Ele despertou esse sentimento em seus
apoiadores. Achava que nós queríamos derrubá-lo. Por
quatro anos, as pessoas foram bombardeadas por notícias
dessa natureza. Durante o voo de volta, muita coisa pas-
sou pela minha cabeça. O país enfrenta uma série de pro-
blemas, mas sempre achei que tínhamos maturidade para
driblar coisas assim, a despeito de toda a radicalização.
Ainda existem detalhes obscuros nessa história. Te-
nho a impressão de que a maioria do Alto-Comando das
Forças Armadas é legalista, mas não foi por acaso que a
polícia de Brasília não fez nada naquele dia. É preciso in-

10 | 15
CLUBE DE REVISTAS

vestigar a fundo e punir quem cometeu crimes. Percebi


também que a canalização do ódio contra o tribunal foi
muito maior do que com o Planalto e o Congresso. Acho
até elogioso porque, pelo menos na cabeça das pessoas
que destruíram tudo, isso mostra que fomos o órgão que
mais guerreou, mais enfrentou, mais tentou colocar limi-
tes a esse poder inabalável. Enquanto caminhava pelos
escombros, procurei respostas para duas perguntas: o
que fizemos para chegar a esse ponto e o que devemos
fazer para evitar que isso não se repita. Nenhum avião
cai por causa de um erro só e tivemos uma sucessão con-
sorciada de equívocos. Aliás, cometemos uma série deles
desde que deixamos o populismo avançar, o que resultou
na eleição de Bolsonaro. Repito: não acreditava e conti-
nuo não acreditando que houvesse condições para um
golpe. Havia pessoas que alimentavam essa ideia malu-
ca. Felizmente tudo ocorreu em janeiro. Se tivesse sido
antes, durante o governo anterior, muito provavelmente
teríamos a decretação da Garantia da Lei e da Ordem e,
a partir daí, só Deus pode responder.

11 | 15
CLUBE DE REVISTAS

BOMBARDEIO
Arthur Lira: ele
descansava na
praia e viu pela
TV o momento em
que o Congresso

CRISTIANO MARIZ
foi ocupado

“A DIREITA E O
BOLSONARISMO
PERDERAM”
O presidente da Câmara avalia que os
ataques foram consequência da polarização
política que ainda divide o país e defende o
aprofundamento das investigações para
evitar a consolidação de narrativas falsas

12 | 15
CLUBE DE REVISTAS

Estava descansando na minha casa de praia, na Barra de


São Miguel (AL), naquela tarde de domingo. O telefone, de
repente, começou a tocar sem parar. Meus assessores e o
pessoal da Polícia Legislativa estavam preocupados com a
manifestação, que começava a se deslocar em direção ao
Congresso. Telefonei para o governador Ibaneis Rocha, que
me garantiu que estava tudo sob controle. ‘Governador, eu
não estou vendo a polícia na televisão. Não sei onde ela es-
tá’, insisti. Ele reafirmou que estava tudo normal. Minutos
depois, entraram no Congresso. A segurança começou a
me enviar áudios terríveis: ‘Bum!’, bombas, muito barulho,
gente gritando. Não houve como conter a invasão. O Con-
gresso é um prédio todo de vidro. Sem a proteção externa,
torna-se totalmente vulnerável. E, como havia advertido ao
governador, não vi polícia do lado de fora. Decidi voltar
imediatamente a Brasília. Enquanto providenciava o voo,
liguei para o presidente Lula e disse que estava voltando.
Ele estava nervoso, tinha uma evidente convicção de que
um golpe estava em andamento. No início da noite, quando
cheguei, os manifestantes já haviam deixado a Esplanada e

13 | 15
CLUBE DE REVISTAS

o rastro de destruição. O problema naquele momento era


outro. O presidente culpava o Exército por não ter desmon-
tado o acampamento de onde partiram os manifestantes.
Queria que todos fossem imediatamente presos, mas os mi-
litares resistiam a cumprir a ordem. Minha percepção é que
o governo não tinha o apoio das Forças Armadas nem das
Polícias Militares. O clima era tenso. Lula estava revoltado
e preocupado com a situação, como todos.
Por volta de 1 hora da manhã, fui ver de perto o resulta-
do da invasão. Era como se o Congresso tivesse sido alvo de
um bombardeio. Todos os vidros, todos os móveis da cha-
pelaria, as obras de arte, os documentos — tudo foi destruí-
do. O Salão Verde estava encharcado. O pessoal entrou nos
gabinetes, urinou em cima das mesas, danificou equipa-
mentos e ateou fogo nos computadores. Vendo aquilo, você
vai sendo tomado por uma miríade de sentimentos que con-
fundem. Funcionários que me acompanhavam choravam.
Ficou evidente para mim que as forças policiais se omiti-
ram. A Câmara não foi comunicada sobre eventuais riscos
de uma manifestação anunciada com antecedência. Soube-
mos depois que órgãos do próprio governo tinham alertado
sobre os riscos. Os criminosos portavam cassetetes, grana-
das, armas, bombas caseiras. Ou seja, estavam preparados
para atacar e ninguém fez nada. Essas situações precisam
ser investigadas, e serão. É para isso que instalamos uma
CPI. Ela terá a oportunidade de esclarecer quem praticou
esses crimes, quem incentivou e também quem prevaricou.

14 | 15
CLUBE DE REVISTAS

Estou no Congresso há doze anos e já vi diversas mani-


festações, mas nada pode ser comparado ao que houve no
8 de Janeiro. Ainda não tenho uma convicção formada so-
bre o que de fato aconteceu. Uma coisa eu posso garantir:
aquele movimento radical não representa o pensamento mé-
dio da direita. Apesar disso, acho que a direita e o bolsona-
rismo perderam. Uns dizem que a depredação foi guiada por
pessoas infiltradas, que nada tinham a ver com o protesto.
Outros afirmam que foi uma tentativa de golpe. As narrati-
vas reproduzem a polarização política no país. O que a gente
pode afirmar é que houve um movimento organizado de
desrespeito à ordem, uma agressão inominável às institui-
ções, uma tentativa de criação de um Estado anárquico. Pa-
ra um golpe, era preciso apoio bélico, militar, e não acredito
que se chegou a esse ponto. Torço e trabalho para que esse
episódio seja completamente esclarecido, que passe para a
história sem versões de conveniência, com os responsáveis
devidamente punidos, para que isso nunca mais se repita. ƒ

15 | 15
CLUBE DE REVISTAS
BRASIL PODER

A GRANDE
FAMÍLIA
A inelegibilidade do ex-presidente não
interrompe os projetos políticos do clã
Bolsonaro que agora incluem também a ex-
primeira-dama e o filho mais novo
LARYSSA BORGES E RICARDO CHAPOLA

NO JOGO Bolsonaro e Michelle: ex-presidente acredita


em reviravolta e ex-primeira-dama pensa no Senado

SERGIO DUTTI

1|9
CLUBE DE REVISTAS

A POLÍTICA sempre foi um negócio familiar para Jair Bol-


sonaro. O capitão exerceu sete mandatos de deputado fede-
ral antes de conquistar a Presidência da República. Seu filho
Flávio Bolsonaro, o Zero Um, foi eleito quatro vezes deputa-
do estadual e agora é senador pelo Rio de Janeiro. Carlos
Bolsonaro, o Zero Dois, é vereador na capital fluminense
desde 2001. E Eduardo Bolsonaro, o Zero Três, está em seu
terceiro mandato na Câmara federal. O sucesso eleitoral do
clã é consistente e, mesmo com a inelegibilidade do ex-presi-
dente, deve ser mantido e até ampliado. Com os direitos po-
líticos suspensos até 2030 por decisão do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), Bolsonaro trabalhará para consolidar o seu
papel de líder de oposição e de poderoso cabo eleitoral, fa-
zendo campanha para políticos de direita e, especialmente,
para dois neófitos de sua casa: Jair Renan Bolsonaro, o Zero
Quatro, e Michelle Bolsonaro, sua esposa, que cogitam lan-
çar candidaturas. O ex-presidente não só não pretende sub-
mergir como quer intensificar a polarização com Lula, que
lhe garante visibilidade e popularidade. Sair de cena, defini-
tivamente, não está em seus planos.
Logo após a derrota sofrida no TSE, Bolsonaro deu mos-
tras contundentes de sua disposição para continuar no jogo.
Numa entrevista, ele disse que estava na UTI, mas não mor-
to. Um de seus auxiliares mais próximos divulgou uma foto
do capitão sem camisa, como forma de reavivar a memória
da facada que ele sofreu na campanha de 2018 e, de quebra,
o discurso segundo o qual Bolsonaro é vítima recorrente de

2|9
CLUBE DE REVISTAS
SERGIO DUTTI

ZERO UM Flávio: pai vetou candidatura


à prefeitura do Rio de Janeiro em 2024

perseguição. Além das mensagens subliminares de gosto du-


vidoso, o ex-presidente também agiu no campo da política.
Ele determinou ao seu partido, o PL, dono da maior bancada
da Câmara, que votasse contra a reforma tributária, projeto
prioritário do governo Lula, num sinal de que não haverá tré-
gua no embate com o PT. “Tudo o que aconteceu até agora, e
isso inclui a decisão do TSE, não mexeu no capital político do
ex-presidente, e a tendência é que ele não diminua significati-
vamente pelo menos até se aproximarem as eleições”, diz o
diretor da consultoria Eurasia no Brasil, Silvio Cascione. Ins-
pirado na própria redenção de Lula, Bolsonaro ainda tentará

3|9
CLUBE DE REVISTAS
CRISTIANO MARIZ

ZERO TRÊS Eduardo: objetivo é o


mandato de senador por São Paulo em 2026

derrubar a inelegibilidade no Supremo Tribunal Federal


(STF). Além dos argumentos jurídicos de praxe, ele aposta
que uma mudança na conjuntura política, provocada por
eventual desgaste do governo petista, pode ajudá-lo na em-
preitada, exatamente como ocorreu como seu sucessor.
Nos planos do ex-presidente, enquanto isso não acontece,
ele se dedicará a eleger os candidatos de seu grupo político. A
principal aposta no clã é a ex-primeira-dama Michelle Bolso-
naro, que assumiu a presidência do PL Mulher e está percor-
rendo o país em eventos partidários. Hoje, a ideia da legenda é
lançá-la candidata ao Senado pelo Distrito Federal, que deu

4|9
CLUBE DE REVISTAS

58% dos votos válidos a Bolsonaro no segundo turno da cor-


rida presidencial passada. A avaliação é de que, mesmo neófi-
ta, Michelle conquistará facilmente uma das duas vagas que
estarão em disputa, repetindo o sucesso eleitoral de sua amiga
Damares Alves, eleita senadora por Brasília. De início, tanto
Bolsonaro quanto Michelle descartavam eventual candidatu-
ra dela. Agora, no entanto, o capitão já admite a possibilidade
de sua mulher concorrer a um cargo legislativo, enquanto al-
guns de seus aliados projetam até voos mais altos. Expoentes
da direita cogitam, por exemplo, o governador de São Paulo,
Tarcísio Gomes de Freitas, como candidato a presidente, com
Michelle no posto de vice. A ex-primeira-dama costuma dizer
que sua candidatura só sairá do papel se o coração dela “ar-
der” pelo cargo em questão. Até 2026, há tempo de sobra pa-
ra incentivar esse sentimento.
Nos planos preliminares de Bolsonaro e do PL, o Senado
será alvo também de dois rebentos do ex-presidente. O capi-
tão vetou a candidatura de Flávio Bolsonaro à prefeitura do
Rio de Janeiro em 2024 por temer que outro integrante do clã
sofra um novo revés em tão curto espaço de tempo. O ex-mi-
nistro e ex-candidato a vice-presidente Braga Netto, que esca-
pou da inelegibilidade no julgamento do TSE, deve disputar
na capital fluminense. Mantido o projeto atual, Flávio tentará
a reeleição ao Senado em 2026. Até lá, participará ao lado do
pai das escolhas dos concorrentes do PL às prefeituras no Rio
e em grandes capitais, além de tocar seus negócios privados.
O Zero Um tem um escritório de advocacia, uma empresa de

5|9
CLUBE DE REVISTAS

MÁRCIO ALVES/AG. O GLOBO

ZERO DOIS Carlos Bolsonaro, o independente:


críticas a Lula nas redes sociais

marketing digital em sociedade com o pai e, recentemente,


tornou-se dono de uma corretora de seguros instalada no
mesmo prédio que abriga a sede do PL em Brasília. Jair e Flá-
vio reconhecem a importância do mandato parlamentar para
blindar o Zero Um de investigações, como o caso da rachadi-
nha, que está parado, mas não devidamente enterrado.
O ex-presidente também planeja uma candidatura ao
Senado de seu filho Eduardo, que bateu o recorde de votos

6|9
CLUBE DE REVISTAS

ZERO QUATRO
Jair Renan: interesse em
INSTAGRAM @BOLSONARO_JR

concorrer a cargo de vereador


em Balneário Camboriú

na eleição para deputado em 2018 e assumiu a função de


articulador da família com movimentos políticos conserva-
dores. Nos últimos quatro anos, no entanto, o Zero Três
perdeu capital político e financeiro. Seu Instituto Conserva-
dor-Liberal, instalado numa mansão em Brasília, não atraiu
o número previsto de associados — hoje não seriam mais
do que 100. Além disso, na eleição de 2022, Eduardo teve a
metade dos votos obtidos quatro anos antes. Uma perda

7|9
CLUBE DE REVISTAS

considerável, mas que não tira a confiança dele de conquis-


tar um mandato de senador. “Os filhos representam o bol-
sonarismo na sua plenitude. Eles vão dar suporte ao pai na
montagem dos palanques municipais”, diz um cacique do
PL. Em Brasília, pouco se fala sobre o futuro do vereador
Carlos Bolsonaro, que sempre teve uma atuação indepen-
dente tanto de partidos quanto dos próprios irmãos. O Zero
Dois continua ativo nas redes sociais, sua trincheira por ex-
celência. Nos últimos dias, dedicou-se a espicaçar Lula por
suas declarações desastrosas sobre a Venezuela. “Venezue-
la, Nicarágua, Argentina e tudo de podre que se aproxima
nunca foi tão real. O sistema está acabando e vai continuar
tentando destruir nosso país que saía da lama rapidamen-
te”, escreveu numa rede social.
O fato é que o sistema — e especialmente a política tradi-
cional — sempre foi a forma preferencial de sustento da fa-
mília, a ponto de até Jair Renan se aventurar por esse cami-
nho. Com uma série de negócios fracassados, o Zero Quatro,
empregado no gabinete do senador bolsonarista Jorge Seif
(PL-SC), com remuneração de 9 500 reais, é cortejado para
ser lançado candidato a vereador em Balneário Camboriú,
onde mora atualmente. “Conversei com Jair Renan sobre is-
so em uma reunião no gabinete do Seif em Santa Catarina.
Ele mostrou muito interesse em concorrer a uma vaga a ve-
reador”, diz o deputado estadual Carlos Humberto (PL-SC),
líder do partido na Assembleia Legislativa do estado. Até o
ano passado, o Zero Quatro vivia em Brasília com a mãe,

8|9
CLUBE DE REVISTAS

Ana Cristina Valle, que fra-


cassou na tentativa de se
eleger deputada distrital em
2022 e deixou o país após a
eleição. Fator de instabili-
dade no governo do capitão
por responder a acusações
de pilotar múltiplos esque-
mas de rachadinhas em be-
nefício da família Bolsona-
ro, Ana Cristina se mudou

SERGIO DUTTI
para a Europa, naturalizou-
se norueguesa e perdeu a SEM CIDADANIA
cidadania brasileira, o que a Ana Cristina: impedida de
impede de voltar a se apre- concorrer no Brasil
sentar nas urnas.
A três anos e meio das próximas eleições gerais, muita
coisa pode mudar. A política, como se sabe, é cheia de re-
viravoltas. Aliados de Bolsonaro no Congresso, por exem-
plo, querem anistiá-lo. O capitão também tentará na Justi-
ça reconquistar o direito de disputar eleições. Como todo
líder político, ele não pretende passar o bastão a um suces-
sor sem que seja obrigado a fazê-lo. Se e quando isso ocor-
rer. Bolsonaro quer ter a garantia de que seus herdeiros —
políticos e de sangue — estarão bem posicionados para
conquistar mandatos eletivos. Afinal de contas, a emprei-
tada familiar não pode parar. ƒ

9|9
CLUBE DE REVISTAS

CRISTOVAM BUARQUE

JOGAR A FAVOR
DAS ESCOLAS
O Brasil se incomoda com a derrota
no gramado, mas não no ensino

A POPULAÇÃO brasileira não se conforma em perder a


Copa do Mundo de futebol a cada quatro anos, mas não se
constrange em ficar todo ano entre os últimos colocados na
avaliação dos sistemas educacionais feita pela Unesco. Feliz-
mente, começamos a perceber a falência do nosso projeto
escolar e a entender as consequências para o progresso do
país e o bem-estar de cada cidadão quando condenamos mi-
lhões de pessoas ao “analfabetismo para a contemporanei-
dade”, desperdiçando o potencial de cada uma delas para a
construção do futuro.
A realidade mostra que os recursos aportados e os pro-
gramas adotados nas últimas décadas produziram ligeiras
melhorias na qualidade escolar, mas sem evitar que conti-
nuemos com uma educação deficiente e desigual.
A superação do atraso não está em mais recursos finan-
ceiros nem em mudanças homeopáticas. Exige esforço para
um salto nas arcaicas e frágeis estruturas municipais. Porém
falta ambição para equiparar nosso sistema escolar aos me-

1|3
CLUBE DE REVISTAS

lhores do mundo e para assegurar a mesma qualidade de


ensino a todos os alunos. Um programa recente do governo
federal se propõe a alfabetizar as crianças antes dos 8 anos,
quando já deveríamos ter estratégias para que fossem tam-
bém alfabetizadas em pelo menos um idioma estrangeiro,
como as famílias abastadas proporcionam aos filhos.
Não há, entre nós, uma consciência de que a educação é
o alicerce de uma economia eficiente e de uma sociedade
justa. Nem de que o sistema está esclerosado e viciado na
própria esclerose, exigindo um novo modelo. Um modelo
com professores selecionados entre os mais brilhantes jo-
vens da nação, com novas perspectivas de carreira, forma-
ção, remuneração, avaliação e responsabilização. Todos
trabalhando em edificações confortáveis e equipadas com
os mais modernos métodos e ferramentas da pedagogia.
Com todas as escolas em horário integral adotando um

“Somos campeões de
futebol porque temos uma
motivação em comum.
E porque a bola é redonda
para qualquer brasileiro”
2|3
CLUBE DE REVISTAS

currículo adaptado às exigências de hoje. E todos os alu-


nos recebendo o apoio necessário para que possam fre-
quentar as aulas até o final do ensino médio. Alfabetizados
para a contemporaneidade.
A tragédia educacional brasileira continuará se arras-
tando em seus pequenos avanços até que um plano ambi-
cioso permita ao país ter escolas com a máxima qualidade,
dentro de um sistema único reunindo os setores público e
privado. A maior dificuldade para o cumprimento dessa
ideia está na falta de ambição em como a educação é trata-
da. A qualidade escolar nunca foi objeto de desejo central
para eleitores e eleitos.
Depois de 350 anos de escravidão e mais de um século
de apartação social, soa estranha a ideia de oferecer educa-
ção de mesmo nível a despeito de renda e endereço. Carece
a percepção de que o potencial de cada cérebro não aprovei-
tado representa uma perda para a nação. Não temos senti-
mento coletivo que nos faça sofrer com o fracasso educacio-
nal e sonhar que todos os alunos tenham a chance de serem
campeões do conhecimento. Fomos campeões de futebol
porque todos temos essa motivação em comum. E porque a
bola é redonda, em qualquer lugar e para qualquer brasilei-
ro. O campeonato do progresso exige uma mania por edu-
cação capaz de redondear também nossas escolas. ƒ

3|3
CLUBE DE REVISTAS
BRASIL JUDICIÁRIO

NOVA CORRIDA
AO OLIMPO
A sucessão da ministra Rosa Weber, que se aposentará
do STF em outubro, tem políticos graúdos na disputa
e pressão para Lula priorizar a diversidade na Corte
JOÃO PEDROSO DE CAMPOS

RETA FINAL Rosa: a ministra ainda tenta


fazer andar sua pauta progressista

TON MOLINA/FOTOARENA/AGÊNCIA O GLOBO

1 | 10
CLUBE DE REVISTAS

ATÉ QUE TIVESSE o nome escolhido pelo presidente


Luiz Inácio Lula da Silva para ocupar a cadeira do ex-mi-
nistro Ricardo Lewandowski no STF, no início de junho,
Cristiano Zanin já havia passado um bom tempo como
potencial “supremável”. Aliados de Lula, afinal, indica-
vam desde a sua vitória nas urnas contra Jair Bolsonaro,
em outubro de 2022, que o advogado responsável pela re-
abilitação dos direitos políticos do petista era nome fortís-
simo para uma das duas cadeiras que se abririam na Corte
em 2023, com as aposentadorias de Lewandowski e da
ministra Rosa Weber, atual presidente do Supremo. Lula,
dizia-se, estava convencido de que não poderia repetir o
que considera “erros” em indicações passadas.
Depois de alguma demora, o presidente finalmente
concretizou a indicação no mês passado e nomeou oficial-
mente Zanin como integrante do Supremo na terça 4. Pois
o ministro ainda nem tomou posse (está prevista para
agosto), mas já está em curso uma nova campanha, de tiro
mais curto e talvez mais disputada, agora pela cadeira de
Rosa. A discretíssima ministra gaúcha, conhecida por fa-
lar somente nos autos, precisa deixar o cargo até 2 de ou-
tubro, quando completará 75 anos.
Até que a magistrada esteja próxima de deixar a ca-
deira, o rol de pretendentes deve afunilar, mas até agora
o cardápio é variado. A lista inclui políticos graúdos, ju-
ristas remanescentes da corrida anterior e pressões da es-
querda sobre Lula para que a cadeira seja mantida com

2 | 10
CLUBE DE REVISTAS
RENATO MENEZES/ASCOM AGU

NO PÁREO Messias: outro AGU cotado ao Supremo

uma mulher. Entre os que voltaram à bolsa de apostas es-


tão os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ),
Luis Felipe Salomão — apoiado por Alexandre de Mora-
es —, e do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno
Dantas, que conta com a simpatia de Gilmar Mendes. Há
inclusive alternativas que conciliariam as preferências
dos dois nomes mais influentes da Corte, como o minis-
tro da Justiça, Flávio Dino, que se aproximou de Gilmar e
Moraes — inclusive em articulações pela indicação de
Paulo Gonet como próximo procurador-geral da Repú-
blica —, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PS-
D-MG). Gente próxima a Lula também cita o ministro da
Advocacia- Geral da União (AGU), Jorge Messias, nome
palatável a diferentes alas do PT, mas não só. “Ele é o

3 | 10
CLUBE DE REVISTAS

nosso terrivelmente evangélico”, brinca um aliado do


presidente, citando a religião de Messias e parafraseando
Bolsonaro sobre as credenciais que o levaram a indicar
André Mendonça.
Diante da aposentadoria de uma das duas mulheres no
Supremo — a outra é Cármen Lúcia — e apenas a terceira
a chegar à Corte em toda a sua história, setores à esquerda
têm pressionado para que a vaga de Weber seja destinada
a uma mulher, preferencialmente negra. A tese tem defen-
sores abertos no governo. Na semana passada, a ministra
das Mulheres, Cida Gonçalves, declarou que Lula teria a
“sensibilidade” de não reduzir a representatividade femi-

ORDEM ROSA
WEBER
LUIZ
FUX
DE SAÍDA
Quanto tempo
falta para
cada ministro
se aposentar
no Supremo

= 1 ano + 4 anos
+ 3 meses e 9 meses
Fonte: STF (2 de outubro de 2023) (26 de abril de 2028)

4 | 10
CLUBE DE REVISTAS

nina. Por outro lado, aliados do petista chamam a atenção


para a discrição da primeira-dama, Janja, cuja influência
sobre o marido em temas como diversidade e inclusão é
grande, no debate sobre o assunto. Na lista de mulheres à
sucessão de Rosa, chegaram aos ouvidos do presidente,
levados por aliados, nomes como os da jurista Vera Lúcia
Araújo e da juíza federal Adriana Cruz, ambas negras, a
ministra do STJ Regina Helena Costa, a desembargadora
Simone Schreiber, conhecida pelos embates com a Lava-
Jato fluminense no TRF2, e as advogadas Dora Cavalcan-
ti e Flávia Rahal, ligadas ao Grupo Prerrogativas, que re-
úne juristas alinhados com Lula.

CÁRMEN GILMAR EDSON


LÚCIA MENDES FACHIN

+ 5 anos + 7 anos + 9 anos


e 9 meses e 6 meses e 7 meses
(19 de abril de 2029) (30 de dezembro de 2030) (8 de fevereiro de 2033)

5 | 10
CLUBE DE REVISTAS

Interlocutores do presidente no meio jurídico e no go-


verno, no entanto, relatam que a questão de gênero não
tem sido, ao menos até o momento, um fator preponde-
rante nas sinalizações que o presidente tem dado. Há in-
terpretações diversas a respeito de como o petista deve
conduzir a sucessão. Uma ala entende que, diante das in-
certezas sobre se o ministro Luís Roberto Barroso de fato
antecipará ou não sua aposentadoria da Corte, como se
especula, o petista teria na cadeira de Rosa a segunda e
última indicação neste mandato (veja quadro). Assim, es-
ses aliados avaliam que Lula, novamente, escolherá al-
guém que seja da sua confiança, que lhe seja acessível,

LUÍS ROBERTO DIAS ALEXANDRE


BARROSO TOFFOLI DE MORAES

+ 9 anos + 19 anos + 20 anos


e 8 meses e 4 meses e 5 meses
(11 de março de 2033) (15 de novembro de 2042) (13 de dezembro de 2043)

6 | 10
CLUBE DE REVISTAS

mas, sobretudo, mostre-se imune a guinadas da Corte à


direita. Eventuais gestos políticos, diz essa ala, poderiam
ficar para a escolha do procurador-geral da República,
em setembro, e às cadeiras do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) — em junho, o petista nomeou a primeira ministra
negra à Corte eleitoral, a advogada Edilene Lôbo. “O go-
verno percebeu a importância dessas duas vagas, ainda
mais sendo a de Rosa a última em potencial. O desequilí-
brio que um só ministro pode causar é muito grande”, diz
uma fonte próxima a Flávio Dino.
O entendimento de que Lula não vai titubear em indi-
car um novo ministro que lhe seja “confiável” não raro é

NUNES ANDRÉ CRISTIANO


MARQUES MENDONÇA ZANIN

+ 23 anos + 24 anos + 27 anos


e 10 meses e 5 meses e 4 meses
(16 de maio de 2047) (27 de dezembro de 2047) (15 de novembro de 2050)

7 | 10
CLUBE DE REVISTAS

PEDRO FRANÇA/AGÊNCIA SENADO


DIVERSIDADE Vera: esquerda
quer jurista negra

justificado por seus aliados a partir de desilusões dele e do


PT com escolhas feitas entre 2003 e 2015. Cármen Lúcia
(indicada por Lula), Barroso, Luiz Fux e Edson Fachin
(por Dilma Rousseff) são frequentemente lembrados por
petistas como decepções, sobretudo diante de alinhamen-
tos à Lava-Jato. Ex-advogado do PT e ex-AGU do governo
Lula, Dias Toffoli também costuma ser criticado por deci-
sões contrárias ao partido e ao presidente, embora tenha
empreendido um movimento de reaproximação com o pe-
tismo e Lula desde o ano passado. Em um dos lances mais
recentes, o ministro admitiu em um julgamento no plená-
rio que votou pela condenação do ex-presidente do PT Jo-
sé Genoino no mensalão mesmo considerando-o inocen-
te, para que pudesse participar depois da dosimetria da
pena que seria aplicada ao petista.

8 | 10
CLUBE DE REVISTAS

FERNANDO FRAZÃO/AG BRASIL


TRAJETÓRIA Schreiber: histórico
de críticas à Lava-Jato no Rio

Por outro lado, há entre os aliados de Lula quem entenda


que, depois de gastar o cartucho da “cota pessoal” com Za-
nin, o presidente deva se voltar à escolha de alguém acima de
qualquer polêmica — além de ter sido advogado do presiden-
te, Zanin recebeu muitas críticas por não ter mestrado, dou-
torado e uma produção acadêmica pujante. Os que fazem es-
sa leitura veem a necessidade de haver um reequilíbrio na
Corte diante não só da escolha do ex-advogado de Lula, mas
também das indicações feitas por Bolsonaro, como a de An-
dré Mendonça, por argumentos como o de ser “terrivelmen-
te evangélico”. “O presidente vai precisar dialogar um pouco
com a liturgia. Com as últimas indicações, é como se o STF
estivesse precisando de uma ‘reacreditação’”, diz um aliado.
Enquanto a disputada corrida por sua vaga se desenro-
la, Rosa Weber tenta fazer ao menos parte da vistosa pau-

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CLUBE DE REVISTAS

NA CORRIDA
Dino: aproximação
com Gilmar Mendes
e Moraes e posição
estratégica no
governo Lula
ANDRESSA ANHOLETE/BLOOMBERG/GETTY IMAGES

ta progressista que pretendia tocar em sua curta gestão


(ela assumiu em setembro de 2022), mas enfrenta dificul-
dades. No caso do marco temporal, crucial para a demar-
cação de terras indígenas, ela chegou a cobrar que Men-
donça, autor de um pedido de vista no começo de junho,
devolva a ação para julgamento antes de sua despedida.
Também não tem conseguido levar à votação a ação sobre
a descriminalização de drogas para consumo próprio —
uma nova tentativa está prevista para agosto. Outro tema
caro a Rosa, a descriminalização do aborto em gestações
com até doze semanas, tampouco avançou. Avalia-se que
ela pode incluí-lo na pauta e antecipar o seu voto antes da
aposentadoria. De tédio, como se vê, os bastidores do Su-
premo não morrerão até a partida de Rosa. ƒ

10 | 10
CLUBE DE REVISTAS

PODER E
CIRCUNSTÂNCIAS
Os fatores com decisiva influência
nos destinos da nossa política

IAN KERSHAW, em seu extraordinário livro Personali-


dade e Poder, analisa os três tipos de poder que definem o
seu exercício: o poder pessoal, descrito por Max Weber; o
poder infraestrutural, apontado por Michael Mann; e o
poder despótico.
Acrescento aos três tipos o poder circunstancial, aquele
decorrente de acontecimentos que levam os líderes a situa-
ções específicas e à tomada de determinadas decisões. Lem-
brando Ortega y Gasset, mencionado aqui em outras ocasi-
ões, o homem é o homem e suas circunstâncias.
Nos últimos 100 anos, a política brasileira foi marcada
por personalidades que deram o tom dos acontecimentos, já
que eram mais fortes do que as instituições, caso de Getúlio
Vargas, Ulysses Guimarães e Lula. Outros, como FHC e Mi-
chel Temer, estavam conciliados com as instituições e exer-
ceram seu poder de forma infraestrutural. Todos, porém,
foram afetados pelo poder das circunstâncias, que exerce-
ram decisiva influência no seu sucesso ou no seu fracasso.

1|3
CLUBE DE REVISTAS

Podemos refletir que, se não tivesse havido a crise de Wall


Street em 2008, o governo Lula 2 não teria conseguido eleger
Dilma Rousseff, a partir da injeção de bilhões na economia e
da sua recuperação extraordinária em 2010. Ou ainda: sem
as manifestações de 2013 teríamos a Operação Lava-Jato?
Afinal, a partir dos protestos, leis anticorrupção foram apro-
vadas no mesmo ano e reforçaram os mecanismos de comba-
te ao problema, que desaguaram nas investigações de 2014.
Daí se chega a outra indagação circunstancial: será que
Jair Bolsonaro teria sido eleito presidente em 2018 se não
tivesse existido a Operação Lava-Jato, iniciada em 2014?
Claro que não. Esta coluna poderia enveredar, nesse ritmo,
por tantos outros exemplos que fariam os leitores dormir.
Mas, graças aos limites editoriais impostos, caminho para
as conclusões finais.
O governo Lula 3 tenta combinar o poder pessoal e caris-
mático do presidente com o poder coercitivo do Executivo. O
Congresso reage com o uso do poder infraestrutural, que se

“Bolsonaro teria sido


eleito presidente em 2018
se não tivesse existido a
Operação Lava-Jato?”
2|3
CLUBE DE REVISTAS

manifesta pela força da instituição. O Judiciário, opaco até o


fim do século passado, combina o poder infraestrutural com
o poder coercitivo e, eventualmente, com o poder pessoal.
Foi o caso do então juiz Sergio Moro, na época da Lava-Jato,
e, atualmente, do ministro Alexandre de Moraes, da Supre-
ma Corte. O poder pessoal no Judiciário é evidente também
na profusão de decisões monocráticas.
A confusão política no Brasil de hoje resulta do embate
dos tipos de poder que os grandes protagonistas desejam im-
por ao processo decisório em meio às circunstâncias. Que,
por acaso, são outras daquelas verificadas nas administra-
ções anteriores de Lula.
O poder no Brasil é uma tapeçaria em produção compos-
ta de retalhos de diferentes matizes e tessituras, os quais, aos
olhos dos políticos e observadores daltônicos, é difícil distin-
guir e compreender. Mas, certamente, muito mais difícil de
operar por aqueles que não percebem as fontes e característi-
cas de poder no Brasil de hoje e a influência das circunstân-
cias sobre a realidade. Considerando as circunstâncias, o
embate entre os tipos de poder, a força das instituições e as
características pessoais das lideranças políticas, continuare-
mos avançando. Mesmo que aos trancos e barrancos. ƒ

3|3
CLUBE DE REVISTAS
BRASIL CONGRESSO

EU QUERO
O SEU LUGAR
Acusado pelos partidos de Lula e Bolsonaro de
crimes eleitorais, Moro tem o mandato em risco
e vê rivais no Paraná, como Gleisi Hoffmann, em
pré-campanha por sua vaga LAÍSA DALL’AGNOL

SOZINHO O ex-juiz em Brasília: isolado politicamente, o


senador paranaense diz que confia na Justiça

JEFFERSON RUDY/AGÊNCIA SENADO

1|5
CLUBE DE REVISTAS

ALÇADO à condição de herói nacional no auge da Lava-Jato,


o ex-juiz Sergio Moro fez um ousado movimento ao deixar a
toga para ser ministro da Justiça de Jair Bolsonaro. Mesmo
após uma ruidosa saída do governo e em meio ao declínio da
credibilidade da operação anticorrupção, levou o seu nome ao
tabuleiro eleitoral e chegou a pontuar em terceiro na pré-corri-
da presidencial, antes de abandonar a disputa (ou de ser aban-
donado). Acabou senador, com 1,9 milhão de votos, depois de
uma campanha confusa, que envolveu trocas de partidos (Po-
demos pelo União) e até de domicílio (do Paraná para São Pau-
lo e novamente para o Paraná). Vitorioso, apesar de todos os
percalços, chegou ao Congresso sob a desconfiança da classe
política e viu alguns de seus companheiros de jornada, como o
ex-procurador Deltan Dallagnol e o próprio Bolsonaro, serem
abatidos politicamente. Agora é ele quem está sob o fogo cru-
zado de adversários e ex-aliados e, por ironia, nas mãos da
mesma Justiça que o alçou ao estrelato.
Em uma “aliança” para lá de improvável, o PL de Bolsona-
ro e o PT de Lula se uniram no Paraná para pedir na Justiça
Eleitoral a cassação da chapa de Moro por abuso de poder eco-
nômico, caixa dois, irregularidades em contratos e uso indevi-
do dos meios de comunicação — infrações que ensejam a per-
da do registro. Se isso ocorrer, uma nova eleição terá de ser re-
alizada. Embora o desfecho do caso esteja longe do fim, a ex-
pectativa de uma cadeira vaga no Senado já mobiliza uma le-
gião de rivais, em uma espécie de pré-campanha aberta no Pa-
raná. Só no PT há três postulantes: a presidente nacional da le-

2|5
CLUBE DE REVISTAS
FÁTIMA MEIRA/FUTURA PRESS

DE OLHO Gleisi: apoio de Janja e


concorrência interna no PT do seu estado

genda, Gleisi Hoffmann, o ex-governador Roberto Requião e o


deputado Zeca Dirceu. Também se movimentam o ex-senador
Alvaro Dias (Podemos) — que já foi senador por quatro man-
datos e foi derrotado por Moro —, o ex-ministro Ricardo Bar-
ros (PP) e o ex-deputado Paulo Eduardo Martins (PL), que fi-
cou em segundo na eleição de 2022.
O risco que Moro corre é real. Os processos do PL e do PT
foram unificados pelo Tribunal Regional Eleitoral e estão na
fase de colheita de provas e de arrolamento de testemunhas.
Uma das acusações é a de que Moro extrapolou o teto de gas-
tos porque usou a sua posição como presidenciável (chegou a
fazer pré-campanha) como um estratagema para migrar para
uma disputa mais fácil, “ferindo a igualdade de condições en-
tre os concorrentes ao cargo”. Somados, os gastos dele chega-
ram a 6,7 milhões de reais, sendo que o teto para o Senado é de
4,4 milhões de reais. A ação do PL também pede a investiga-
ção de contratos que considera de “cunho eleitoral” firmados

3|5
CLUBE DE REVISTAS

por Moro com o escritório de advocacia de seu suplente, Luis


Felipe Cunha, de 1 milhão de reais. O desfecho pode ser pare-
cido com o da ex-senadora Selma Arruda (Podemos-MT),
uma ex-juíza conhecida como ‘Moro de saias’, cassada por
abuso de poder econômico e uso ilegal de dinheiro do seu su-
plente em 2018, crimes que agora assombram Moro.
A pré-campanha fora de hora no Paraná já chegou até ao en-
torno do presidente Lula. Há pouco mais de uma semana, a pri-
meira-dama, Janja da Silva — que é do Paraná —, chamou Gleisi
em um post nas redes sociais de “futura senadora”, um gesto que
irritou Moro. Ex-senadora, Gleisi é uma das pessoas mais pode-
rosas do PT e não deve ter dificuldades para confirmar o seu no-
me, mesmo tendo concorrência interna no estado. “Não quere-
mos ter prévias e vamos fazer de tudo pra que isso seja feito em
consenso”, diz o deputado estadual Arilson Chiorato, presidente
do PT paranaense e ex-assessor de Gleisi em Brasília.
No campo bolsonarista, o princi-
pal competidor é Paulo Eduardo
Martins. Por ter ficado logo
atrás de Moro, ele herdaria a
vaga até que uma nova eleição
ocorresse, como em Mato Gros-

RETORNO Alvaro
Dias: derrotado em
2022, quer tentar
um quinto mandato

ANTONIO MOLINA/FOTOARENA

4|5
CLUBE DE REVISTAS

so, quando Carlos Fávaro, hoje ministro da Agricultura, assu-


miu de forma interina até vencer a eleição suplementar em
2022. “Seria natural a minha candidatura. Não tem como eu
estar no mandato e dizer que não vou concorrer”, diz Martins.
Isolado politicamente desde a derrocada da Lava-Jato, Moro
confia na Justiça e disse a VEJA que as acusações são baseadas
em “fantasias e especulações sem provas”. Ele acusa dirigentes
do Podemos de tentativa de vingança por ele ter deixado a si-
gla — um dos advogados do PL atuou em ações do seu ex-par-
tido. “Eu já era conhecido pelo meu trabalho como juiz e mi-
nistro e não precisaria de uma falsa pré-candidatura presiden-
cial para ganhar notoriedade no Paraná”, afirma. E criticou a
postura do petismo. “O PT, pelo jeito, só acredita nas eleições e
na democracia quando seu candidato é vencedor. Querer cas-
sar levianamente o mandato de um senador oposicionista re-
presenta um perigoso precedente autoritário”, reclama.
A confusão envolvendo Moro mostra que, depois de todos
os reveses que a operação sofreu, a Lava-Jato continua sob ata-
que cerrado. A queda do principal nome da maior ofensiva an-
ticorrupção da história do país seria o capítulo final de uma sa-
ga, que já teve a improvável reabilitação política de Lula e a as-
censão de seu advogado, Cristiano Zanin, a ministro do STF.
Se a derrota de Moro ainda gerar uma vaga de senador para o
PT, seria a confirmação final do ditado de que, no Brasil, até o
passado é incerto. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
BRASIL POLÍCIA

CRIME E CASTIGO
VEJA teve acesso a laudo médico que revela
o estado de saúde de um dos políticos
mais polêmicos e enroscados das últimas
três décadas LEONARDO CALDAS

NA PRISÃO Laudo médico: confusão mental,


desmaios e frases desconexas

1|5
CLUBE DE REVISTAS

REPRODUÇÃO
SAÚDE DEBILITADA Jefferson: o ex-deputado está
internado há mais de um mês num hospital do Rio

EM OUTUBRO do ano passado, às vésperas do segundo tur-


no das eleições, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo
Tribunal Federal, expediu uma ordem de prisão contra o pre-
sidente de honra do PTB, Roberto Jefferson. Ao chegarem à
residência do ex-deputado para cumprir o mandado, os poli-
ciais encarregados da missão foram recebidos a bala. Jeffer-
son anunciou que não se entregaria, da janela de sua casa dis-
parou cerca de cinquenta tiros de fuzil e lançou granadas em
direção aos agentes. Dois deles ficaram feridos pelos estilha-
ços. Depois de uma tensa e demorada negociação, o insurgen-
te se rendeu. O episódio teve uma enorme repercussão e, se-
gundo assessores de Jair Bolsonaro, está na raiz da derrota do
ex-presidente, de quem o petebista se transformou em um fa-
moso apoiador. Preso preventivamente desde então, Jefferson
está internado há mais de um mês num hospital privado do
Rio de Janeiro, doente, com graves problemas físicos e men-
tais, segundo um relatório médico a que VEJA teve acesso.

2|5
CLUBE DE REVISTAS

Um dos políticos mais controversos da história recente, o


ex-deputado está com 70 anos de idade. No início do mês
passado, ele foi encaminhado a um hospital com um quadro
de apatia, insônia, distúrbio depressivo, inapetência e súbita
perda de peso. Dias antes da transferência, havia levado um
tombo na cela, batido a cabeça e sofrido um traumatismo
craniano. Os médicos da penitenciária reportaram que, de-
pois da queda, ele passou a apresentar sintomas de confusão
mental, desmaios, ouvia vozes e pronunciava frases desco-
nexas. No relatório, elaborado no último dia 29, informaram
que Jefferson chegou ao hospital com insuficiência renal, de-
sidratação e com um quadro grave de desnutrição — havia
perdido 20% do peso corporal. Os exames neurológicos e
psiquiátricos detectaram lentidão nas atividades mentais,
perda de memória, ocorrência de convulsões e dificuldades
para se locomover e realizar atividades como ir ao banheiro.
O ex-deputado teve a prisão preventiva decretada duas
vezes em menos de dois anos. Ele é investigado por tentativa
de homicídio, divulgação de fake news, crimes contra a hon-
ra, racismo e homofobia. Depois disso, sua saúde, que já era
frágil, se agravou — ele já teve câncer no pâncreas, na tireoi-
de e no cólon. Por razões humanitárias, em janeiro do ano
passado o STF autorizou Jefferson a ficar em casa, mas lhe
impôs uma série de restrições, proibindo, entre outras coi-
sas, o uso de redes sociais. O ex-parlamentar, porém, não só
voltou a usar as redes sociais como ainda compartilhou no-
tícias falsas sobre o tribunal. Ele gravou e divulgou um ví-

3|5
CLUBE DE REVISTAS
ERALDO PERES/PHOTOAGÊNCIA/FUTURA PRESS

REPRODUÇÃO
CONTROVERSO
Trajetória: em 2005, ele
denunciou o mensalão, foi
condenado, preso,
REPRODUÇÃO/SEAP-RJ

cumpriu pena e, por último,


aderiu ao bolsonarismo

deo em que destratava a ministra Cármen Lúcia e atacava o


Tribunal Superior Eleitoral. Por causa disso, o ministro Ale-
xandre de Moraes revogou a prisão domiciliar e determinou
o retorno dele ao presídio, medida que deu origem à confu-
são que terminou na troca de tiros a sete dias das eleições.
O ex-deputado que pode ter contribuído para a vitória de
Lula em 2022 quase soterrou o próprio Lula em 2005 no es-
cândalo que ficou conhecido como mensalão. Naquele ano,
Jefferson confessou que ele, seu partido e outros aliados do
PT recebiam propina para votar projetos de interesse do go-

4|5
CLUBE DE REVISTAS

verno. Vinte e cinco pessoas foram condenadas pelo STF por


corrupção, incluindo o então todo-poderoso ministro-chefe
da Casa Civil, José Dirceu, e o próprio Roberto Jefferson. O
caso não comprometeu de maneira letal a reeleição de Lula,
mas tisnou a imagem dos petistas. O então deputado teve o
mandato cassado, foi condenado a sete anos de prisão e cum-
priu parte em regime semiaberto num presídio do Rio de Ja-
neiro. Em 2018, ele apoiou a candidatura de Bolsonaro à Pre-
sidência e, depois da eleição, se transformou num dos princi-
pais difusores de ataques contra o STF e seus ministros.
Os advogados pretendem invocar as condições de saúde
do ex-deputado para tentar mais uma vez transformar a pri-
são preventiva em domiciliar, já que ele necessita de cuidados
especiais. Segundo os médicos, não levanta mais da cama,
chora a todo instante e tem alucinações. Além disso, vão ar-
gumentar que, ao disparar os tiros de fuzil contra os policiais
federais, Jefferson não tinha a intenção de atingi-los. Se qui-
sesse, afirmam, teria condições e treinamento suficiente para
acertar os alvos. Os disparos e as granadas atiradas contra os
agentes na véspera da eleição seriam apenas atos extremados
de um protesto mais incisivo contra a humilhação de ter de
voltar para a cadeia. Difícil acreditar que o ministro Alexan-
dre de Moraes, relator do processo e destinatário dos princi-
pais ataques do ex-deputado nas redes sociais, reconsidere
sua decisão com base nessa estranha versão. ƒ

Colaborou Ricardo Chapola

5|5
CLUBE DE REVISTAS
CLUBE DE REVISTAS
RADAR ECONÔMICO
VICTOR IRAJÁ

Com reportagem de Diego Gimenes,


Felipe Erlich e Pedro Gil

Cadê você? Me dê motivo


Confirmado na conferên- Sobrará para a Petrobras
cia do Lide no Rio de Ja- pagar um aumento de 6 bi-
neiro na semana passada, lhões de reais por ocasião
Jean Paul Prates cance- da mudança da metodolo-
lou a presença no evento gia dos cálculos sobre o pre-
após ser chamado às pres- ço de referência do petróleo,
sas pelo presidente Lula como desejado pela Fazen-
em Brasília. O motivo não da. O conselho da estatal
consta na agenda de ne- pressiona órgãos do Execu-
nhum dos dois. tivo para impedir a revisão.
DADO GALDIERI/BLOOMBERG/GETTY IMAGES

SAÍDA À FRANCESA Prates: convocado


às pressas para reunião com Lula

1|3
CLUBE DE REVISTAS

Tijolo por tijolo Águas passadas


Apesar do número expressi- Alvo de escândalos inves-
vo de prédios sendo erguidos tigados pela Polícia Fede-
em São Paulo, executivos das ral e o TCU, os mandachu-
construtoras reclamam da vas da corretora Wiz arti-
estagnação de empreendi- culam junto à presidente
mentos. Apenas apartamen- da Caixa, Rita Serrano, a
tos e escritórios para as clas- compra da participação do
ses A e B estão sendo arrema- banco na empresa. A PF
tados. Os de valores mais bai- apontou desvios de 47 mi-
xos seguem empacados. lhões de reais envolvendo
o braço de seguros da ins-
Amigável ou litigioso tituição pública.
A Compass e a Mitsui não
chegaram a um acordo so- Olha ele aí
bre a cisão das unidades do A lista de estrelas defenden-
Nordeste e Centro-Sul da do interesses das empresas
Commit, antiga Gaspetro. A na encarniçada briga entre a
medida é vital para evitar J&F e a Paper Excellence
que a venda da empresa que pela Eldorado não para de
pertencia à Petrobras seja aumentar. Em um evento re-
cancelada pelo Cade. A cente, o ex-senador Romero
Compass convocou uma as- Jucá circulava com o crachá
sembleia para discutir o as- da companhia indonésia.
sunto e pôr fim aos impas-
ses, mas a Mitsui pediu o Apertem os cintos
adiamento das tratativas. A assinatura de Lula na

2|3
CLUBE DE REVISTAS

portaria proposta pela Osso duro de roer


gestão de Eduardo Paes, Depois de muita especula-
que limita os voos do San- ção e algumas idas e vin-
tos Dumont para revitali- das, a rede de pet shops Co-
zar o Galeão, está prevista basi decidiu não fazer seu
para a próxima vez que o IPO tão cedo. Agora, a em-
presidente visitar o Rio. presa mira a fusão com um
Lula deverá desembarcar expoente do setor, o que
no aeroporto internacio- poderá levá-la à liderança
nal e rubricar a papelada do mercado brasileiro.
no próprio terminal.
Seguro morreu de velho
Sombra e água fresca Um assunto que deverá mo-
A rede francesa de hotéis vimentar os bastidores do
B&B, uma das maiores da governo Lula e do Congres-
Europa e com 700 unida- so nas próximas semanas
des espalhadas pelo mun- envolve a renovação, sem li-
do, está animada com a re- citação, de um contrato bi-
tomada do turismo no Bra- lionário entre a seguradora
sil. A empresa vai abrir espanhola Mapfre e a BB Se-
dois hotéis no Rio ainda guros, do Banco do Brasil. ƒ
em 2023. Até o fim de
OFERECIMENTO
2025, a meta é inaugurar
outros catorze estabeleci-
mentos no país.

3|3
CLUBE DE REVISTAS
ECONOMIA CONJUNTURA

PÉ NO FREIO
Fantasma da recessão assombra os
países mais ricos do mundo. Enquanto
isso, o Brasil faz a lição de casa e pode se
tornar um porto seguro para investimentos
LUANA ZANOBIA

VÍTIMAS DA CRISE Moradores de rua nos Estados Unidos:


inflação alta penaliza principalmente os mais pobres

ÉTIENNE LAURENT/EPA/EFE

1|9
CLUBE DE REVISTAS

história ensina que, de tempos em tempos, a econo-

A
mia global obrigatoriamente enfrentará algum tipo
de solavanco. Nos últimos 150 anos, conforme es-
tudo realizado pelo Banco Mundial, o planeta en-
frentou catorze recessões que, em maior ou menor
grau, provocaram estragos na vida de milhões de pessoas.
A última delas ocorreu em 2020, quando a pandemia devas-
tou os PIBs de quase todos os países. Em 2023, embora os si-
nais não sejam definitivos, o temor de uma nova crise ressur-
giu. Indicadores recentes mostram a inquestionável contra-
ção da Zona do Euro — do ponto de vista técnico, o Velho
Continente já está em recessão, com o PIB encolhendo no
quarto trimestre de 2022 e no primeiro de 2023. Por sua vez,
os Estados Unidos sofreram forte desaceleração nos primei-
ros meses do ano e não há indícios de que possa virar o jogo
tão cedo. Na ex-pujante China, a atividade surpreendente-
mente fraca revela que o velho vigor não se repetirá, e não há
nada muito inspirador vindo do restante da Ásia, que apre-
senta um crescimento anêmico de forma quase generalizada.
Diversos fatores podem levar ao enfraquecimento da eco-
nomia global. Em geral, as grandes crises estão associadas a
eventos de colossal dimensão — como foi o caso da Covid-19
— ou se manifestam em períodos marcados por guerras entre
nações, desarranjos inflacionários ou o colapso de algum se-
tor econômico. Em 2023, a maior parte desses complicadores
está presente. A invasão da Ucrânia pela Rússia e a guerra em
curso marcam o conflito militar mais mortífero na Europa

2|9
CLUBE DE REVISTAS
DANIEL ROLAND/AFP

MAIS APERTO Lagarde, do Banco


Central Europeu: novas altas de juros

desde a longínqua II Guerra Mundial. De seu lado, a inflação


indomável, apesar das altas de juros pelos diversos bancos
centrais, desajustou as cadeias produtivas, enquanto a crise
bancária, que fez sucumbir uma instituição centenária como o
suíço Credit Suisse, mostrou ser potencialmente perigosa para
o sistema financeiro mundial. Não à toa, a Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) alerta
para um modesto crescimento global de 2,7% em 2023, abai-
xo da média registrada na década que antecedeu a pandemia.

3|9
CLUBE DE REVISTAS
KENT NISHIMURA/LOS ANGELES TIMES/GETTY IMAGES

CRISE A CAMINHO Powell, do Fed:


“Recessão certamente é possível”

Entre todos os elementos que ameaçam a economia glo-


bal, a inflação é, de longe, o mais problemático. Para contê-
-la, os bancos centrais recorrem à clássica fórmula de au-
mento de juros, o que inevitavelmente leva à contração eco-
nômica. Nesse contexto, a presidente do Banco Central Eu-
ropeu (BCE), Christine Lagarde, declarou, para surpresa de
ninguém, que não tem intenções de interromper o ciclo de
aperto monetário iniciado em 2022. “É improvável que, em
um futuro próximo, o banco central possa afirmar com total

4|9
CLUBE DE REVISTAS
HANNIBAL HANSCHKE/EPA/EFE

PROTESTO Balão com a cara do chanceler


alemão, Olaf Scholz: PIB da zona do euro caiu
em dois trimestres consecutivos

confiança que as taxas de pico foram atingidas”, disse. Em


outras palavras: as taxas seguirão elevadas e, portanto, a
economia dificilmente destravará.
Por sua vez, os Estados Unidos optaram por uma “pausa
estratégica” no aumento dos juros após uma série de que-
bras de instituições bancárias no país, mas ela será apenas
temporária. O Fed, o banco central americano, anunciou
que ao menos duas altas deverão ocorrer até o fim do ano, e
seu presidente, Jerome Powell, não despreza a chance de

5|9
CLUBE DE REVISTAS
SERGEY KARPUHIN/SPUTNIK/EPA/EFE

GEOPOLÍTICA Xi Jinping e Vladimir Putin:


fraqueza da economia chinesa e guerra na
Ucrânia freiam o crescimento global

uma recessão. “Não é provável, mas é certamente possível”,


disse ele. Seja como for, a verdade é que as perspectivas de
um afrouxamento monetário em larga escala são remotas.
“A era das taxas muito baixas chegou ao fim, e taxas mais
altas já resultaram em uma série de colapsos”, constatou o
Fórum Econômico Mundial em recente relatório.
Do outro lado do globo, a China tem frustrado as expec-
tativas. Apesar de não enfrentar problemas inflacionários
nem taxas de juros elevadas, o país testemunha a desacele-

6|9
CLUBE DE REVISTAS

RITMO LENTO
As modestas projeções de crescimento do PIB (em %)

CHINA ESTADOS EUROPA MUNDO BRASIL


UNIDOS (Zona do
5,4 Euro)
5,1

2,7 2,9

1,6 1,7
1,3 1,2
1 0,9

2023 2024 2023 2024 2023 2024 2023 2024 2023 2024
Fonte: OCDE

ração da atividade econômica desde o ano passado. Em


2022, o PIB chinês cresceu 3%, o segundo pior resultado em
quase cinquenta anos. Os lockdowns definidos pela política
de Covid Zero, o declínio do mercado de imóveis residen-
ciais, as secas prolongadas e o consumo interno modesto ex-
plicaram o resultado. Em 2023, as expectativas de uma rá-
pida retomada não se concretizaram. Recentemente, a agên-

7|9
CLUBE DE REVISTAS

cia de classificação de risco S&P Global reajustou para bai-


xo a projeção de crescimento do PIB chinês, que agora está
em 5,4% — nada muito extraordinário, reconheça-se, perto
do que o país já foi capaz de fazer no passado recente. “Em-
bora o ambiente geopolítico tenha mudado, os fatores inter-
nos são os principais impulsionadores da desaceleração da
China”, afirma Fabiana D’Atri, economista do Bradesco As-
set Management e especializada no mercado asiático.
Não há consenso sobre a intensidade ou duração da crise.
“Provavelmente, estamos enfrentando uma recessão glo-
bal”, afirma o especialista no sistema monetário global Ja-
mes Rickards, autor de celebrados best-sellers na área. De
acordo com uma pesquisa global realizada pelo Fórum Eco-
nômico Mundial, 45% dos entrevistados consideram a re-
cessão provável, enquanto exatamente o mesmo número de
respondentes acha que ela não se manifestará em 2023 ou
2024. A verdade é que o cenário atual é marcado por muitas
incertezas, o que muitas vezes confunde os próprios espe-
cialistas. Até elas se dissiparem, haverá dúvidas sobre os ru-
mos que a economia global tomará nos próximos meses.
Uma das poucas certezas dos especialistas diz respeito
ao desempenho da economia brasileira. Por mais sur-
preendente que possa parecer, o Brasil está na contramão
do processo de encolhimento econômico mundial. Por
aqui, o ciclo de alta de juros provavelmente chegou ao fim
e importantes iniciativas como a aprovação do arcabouço
fiscal e da reforma tributária deverão criar as condições

8|9
CLUBE DE REVISTAS
NELSON ALMEIDA/AFP

EM ALTA Oportunidade: estrangeiros


injetaram 17 bilhões de reais na bolsa brasileira

necessárias para o país crescer com mais força (leia a en-


trevista de Páginas Amarelas com o novo diretor de políti-
ca monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo). Tam-
bém é preciso dizer que os problemas disseminadas pelo
mundo reduziram as opções de investimentos — é sempre
mais arriscado injetar dinheiro onde há crise — e o Brasil,
nesse cenário, tornou-se um porto seguro para a destina-
ção de recursos. Não à toa, no primeiro semestre de 2023
os investidores estrangeiros aportaram 17 bilhões de reais
na B3, a bolsa brasileira. Uma velha máxima econômica
diz que crises sempre trazem oportunidades. Talvez tenha
chegado a hora de o Brasil capturá-las. ƒ

9|9
CLUBE DE REVISTAS
INTERNACIONAL FRANÇA

JEFF PACHOUD/AFP

ASSIM, NÃO Fogueira ateada em rua de Lyon: a onda de


protestos acabou provocando baderna e vandalismo

AS CHAMAS DA
INSATISFAÇÃO
A inaceitável morte de um jovem imigrante pela
polícia expõe sua face brutal e arrasta multidões
às ruas de todo o país em protestos que
resvalam para a violência e emparedam Macron
AMANDA PÉCHY

1|6
CLUBE DE REVISTAS

ALAIN JOCARD/AFP

FERIDA EXPOSTA Manifestação em


Nanterre: “A polícia mata”, diz o cartaz

ocê vai levar uma bala na cabeça.” A ameaça,

V
capturada em vídeo que viralizou nas redes so-
ciais, foi pronunciada por dois policiais que abor-
daram um jovem motorista em Nanterre, na peri-
feria de Paris. Dito e feito: o carro começou a se
mover e ele levou um tiro que atingiu seu peito. A morte de
Nahel Merzouk, 17 anos, de descendência argelino-marro-
quina, desencadeou uma onda de protestos que desandou
em baderna e vandalismo e trouxe à tona, mais uma vez, o

2|6
CLUBE DE REVISTAS

antigo ressentimento com a polícia, acusada de racismo e


uso excessivo de força contra a população pobre e imigran-
te. O governo mobilizou 45 000 agentes de segurança para
conter os tumultos em diversas cidades, que deixaram em
seu rastro de destruição veículos queimados, prédios grafi-
tados e com vidros quebrados, 700 policiais feridos e mais
de 3 400 presos. Enquanto o presidente Emmanuel Macron
se reunia com prefeitos de municípios afetados, opositores à
esquerda e à direita apontavam a crise como evidência de
que o governo é incapaz tanto de garantir a segurança pú-
blica quanto de reduzir a desigualdade social.
É fato amplamente conhecido, exposto em livros e filmes
e até motivo de piada, que os franceses não perdem uma
chance de ir à rua protestar, mas o calvário de Macron na
via-crúcis das manifestações populares tem sido particular-
mente pesado. A ira dos “coletes amarelos” contra o que per-
cebiam como desatenção das elites para a decadência das
cidades do interior perturbou a vida do país por meses se-
guidos e só foi contida pela chegada da pandemia. Passado o
lockdown, a alta do custo de vida reforçou o descontenta-
mento geral, um sentimento que embalou marchas e mais
depredação em todo o país contra a reforma da Previdência
que o governo impôs a toque de caixa — só neste ano foram
catorze greves nacionais em protesto pelo aumento da idade
de aposentadoria de 62 para 64 anos.
Os distúrbios de agora não têm relação direta com o go-
verno e estão calcados em uma divisão profunda e irrecon-

3|6
CLUBE DE REVISTAS

ciliável na sociedade francesa. Mas some-se a isso a ima-


gem de Macron como político arrogante e centralizador de
quem ninguém gosta, à frente de uma minoria centrista es-
premida entre um bloco de extrema esquerda e outro de ex-
trema direita, e tem-se o fermento que faz inchar a raiva e a
revolta palpáveis na França dos dias de hoje.
O primeiro reflexo do governo e da população foi con-
denar o tiro em Nahel, adolescente com passagens pela po-
lícia que não representava nenhuma ameaça. O policial
responsável foi preso sob suspeita de homicídio culposo.
“Nada justifica a morte de um jovem”, disse Macron. O
choque inicial dos franceses, no entanto, se transformou
em repúdio à violência generalizada dos protestos, que le-
varam a prejuízos no setor privado calculados em 1 bilhão
de euros, com mais de 200 estabelecimentos e 300 bancos
vandalizados. Jean-Luc Mélenchon, líder do partido es-
querdista França Insubmissa, culpa o descaso do governo
com o barril de pólvora multiétnico sempre pronto a ex-
plodir nos bairros pobres. Do outro lado, a líder do Reu-
nião Nacional, Marine Le Pen, acusa Macron de negligên-
cia com a segurança e brandura com a imigração. “Nesse
ringue, os tumultos jogam mais a favor da agenda da lei e
da ordem da direita”, avalia Vivien Schmidt, pesquisadora
de estudos europeus da Universidade Harvard.
As causas da morte de Nahel e da onda de violência nas
ruas que se seguiu estão nos banlieues, periferias carentes
onde vive uma população de baixa renda composta de fran-

4|6
CLUBE DE REVISTAS

YVES HERMAN/POOL/AFP

NA MIRA Macron: bombardeio


de críticas à esquerda e à direita

ceses descendentes de imigrantes, a maioria do Norte da


África, que se sente menosprezada pelos demais e os trata
com menosprezo. Nos últimos vinte anos, o governo gastou
60 bilhões de euros para melhorar a qualidade de vida dos
mais de 5 milhões nessa situação, com pouco resultado. Nos
subúrbios, 57% das crianças vivem na pobreza, três vezes
mais adultos estão desempregados e a relação com a polícia
é de alta tensão. Uma lei de 2017, que afrouxou restrições ao
uso de armas quando um motorista se recusa a parar por or-

5|6
CLUBE DE REVISTAS

dem policial, é conectada à morte de dezessete pessoas no


último ano e meio — boa parte de origem africana. “A sen-
sação é de que os policiais têm licença para matar”, diz Julie
Gervais, socióloga de Sorbonne.
Cada episódio como o de Nahel é estopim para novos tu-
multos, depredações e saques, que, por sua vez, elevam a de-
manda por segurança. No país das manifestações, porém, a
ação policial é sempre problemática, ainda mais se tratando
de uma força que frequentemente se excede na repressão —
uma lei que proibiu a divulgação de vídeos de violência poli-
cial nos protestos dos coletes amarelos, por exemplo, foi cri-
ticada e desobedecida em todo o país. Enredado nesse labi-
rinto, com a sociedade cada vez mais raivosa e propensa a
protestar, Macron pode prever mais dias difíceis pela frente.
E a Olimpíada — de Paris, em 2024 — nem começou. ƒ

6|6
CLUBE DE REVISTAS
INTERNACIONAL ISRAEL

FOGUEIRA ATIÇADA
Ataques liderados pelo governo de Netanyahu em
campo de refugiados palestinos na Cisjordânia
surpreendem por sua escala, elevando a tensão a um
patamar que não se via há duas décadas CAIO SAAD

CENA EXPLOSIVA Jenin: drones acertam prédios e


matam civis perto de campo com 17 000 refugiados

ALAA BADARNEH/EPA/EFE

1|4
CLUBE DE REVISTAS

VIVENDO há décadas sob um regime de autonomia limita-


da (bastante limitada) entregue às mãos da Autoridade Pa-
lestina, a Cisjordânia, área ocupada por Israel onde vivem
quase 3 milhões de palestinos, passou os últimos anos em
situação de relativa calma — a calma possível nas circuns-
tâncias. A rotina de ataques pontuais, contidos sem grande
alarde, contrastava com o caldeirão de agressões na Faixa
de Gaza, controlada pelo Hamas, onde frequentes lança-
mentos de foguetes contra cidades israelenses são rebatidos
com fulminantes ataques aéreos das temidas Forças de De-
fesa de Israel. Foi, portanto, uma surpresa quando Exército e
Força Aérea baixaram sobre Jenin, cidade que aloja um
campo com 17 000 refugiados palestinos, em dois ataques
com uma semana de intervalo. No segundo e mais intenso,
drones explodiram prédios na segunda-feira 3, abrindo ca-
minho para a ação de 2 000 soldados, veículos blindados e
atiradores nos telhados. A ação durou dois dias, deixando o
saldo de um israelense e treze palestinos mortos, sendo ao
menos cinco terroristas, segundo as autoridades de Israel.
Não ocorria nada parecido havia pelo menos duas décadas.
O objetivo da operação foi “impedir que o campo de Je-
nin se transforme em refúgio de terroristas e destruir infra-
estrutura militar”, disse o porta-voz das Forças Armadas,
Daniel Hagari. A investida incluiu escavadeiras que arran-
caram o calçamento e destruíram ruas, uma alegada busca
de armas escondidas que resultou na ruptura de canos e fia-
ção e deixou boa parte da população sem água e eletricida-

2|4
CLUBE DE REVISTAS

JAAFAR ASHTIYEH/AFP
REAÇÃO Militantes palestinos fazem disparos
em série contra blindados israelenses

de. Situada no Norte da Cisjordânia, Jenin é uma cidade sem


lei e seu campo de refugiados sabidamente abriga grupos ar-
mados. A questão que ficou no ar é: por que agora? Todas as
tentativas de resposta apontam para a coalizão de ultradi-
reita chefiada por Benjamin Netanyahu que se instalou no
poder no fim de 2022 e é integrada por líderes dos assenta-
mentos fincados por judeus radicais em pontos da Cisjordâ-
nia para marcar sua presença e fazer da absorção do territó-
rio por Israel um fato consumado.
Desde o começo do ano, os choques entre colonos e pa-
lestinos se multiplicaram. O número de israelenses mortos
aumentou, bem como a violência na resposta: a cada vítima,

3|4
CLUBE DE REVISTAS

bandos de colonos invadem cidades palestinas, quebrando o


que encontram pela frente. Pouco depois do assassinato de
quatro israelenses no assentamento de Eli, o ministro da Se-
gurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, virulento líder colono
de passado mais do que controverso, proclamou: “Temos de
colonizar a terra de Israel e lançar uma campanha militar,
explodir prédios, matar terroristas”. Ele discursava em uma
das bases ilegais espalhadas por colonos com tácita aprova-
ção do governo. Na terça-feira 4, a reação aos ataques em Je-
nin veio na forma de um atentado capitaneado por militan-
tes palestinos em Tel Aviv, onde um carro avançou contra
civis, ferindo oito deles.
A operação em Jenin se encaixa na estratégia usual de
Netanyahu de mobilizar a população a seu favor invocando
a segurança nacional — e ele anda precisando de apoio po-
pular. O movimento contra sua proposta de reforma do Ju-
diciário, que leva há meses multidões às ruas, segue forte —
o último protesto, com 2 000 pessoas, emperrou o funciona-
mento do Aeroporto Ben Gurion, em Tel Aviv. Sob pressão
do público, Netanyahu removeu do projeto o artigo que dava
ao Parlamento o direito de reverter decisões da Suprema
Corte por maioria simples. Sob pressão dos radicais de sua
coalizão, ele segue em frente com o debate da reforma no
Legislativo — que pode, inclusive, beneficiá-lo pessoalmen-
te, no processo de que é alvo por corrupção. Havia muito
não se via um verão tão quente em Israel — e não só por
causa do aquecimento global. ƒ

4|4
CLUBE DE REVISTAS

VILMA GRYZINSKI

A DIREITA RESISTE —
E ATÉ GANHA PONTOS
Da Argentina a decisões da Suprema Corte,
conservadores estão vivos

A PIADA na Argentina é que, pela primeira vez na história


das eleições democráticas, todos os candidatos de destaque
à Presidência são de direita. É uma provocação a Sergio
Massa, o ministro da Economia que virou o jogo no grito e
conseguiu o apoio da cúpula peronista, principalmente o de
Cristina Kirchner, para sair candidato de união. As corren-
tes de esquerda do peronismo, que xingavam Massa de di-
reitista por dialogar com o FMI — qual a alternativa? — e
com o empresariado, viraram a ficha e saíram obediente-
mente elogiando-o. Os outros candidatos são da oposição de
centro ou de direita. Seja quem for o nome do Juntos pela
Mudança e o anarcocapitalista Javier Milei não comparti-
lham, para dizer o mínimo, a loucura estatista em que o es-
querdismo populista se transformou, com resultados tão ca-
tastróficos que soa até normal que um ministro sob cuja di-
reção a inflação vai chegar a 140% no fim do ano seja um
candidato viável por simplesmente segurar o desmorona-
mento do forte.

1|3
CLUBE DE REVISTAS

A direita também não vai mal na Europa, onde a ideia da


normal e saudável alternância de poder tem sido substituída
pelo conceito de guerra total: uma vitória do adversário sig-
nifica praticamente mudança de regime. Com algo desse
tom apocalíptico, no país onde a palavra se originou, a Gré-
cia, foi consagrado para um segundo mandato o primeiro-
ministro Kyriakos Mitsotakis, tanto por virtudes próprias,
como fazer um bom governo e recuperar a economia consi-
derada um caso perdido, quanto pelos erros da extrema es-
querda, que se implodiu nos últimos tempos. Mas o fato que
pesou foi a linha dura no problema mais incômodo para
grande parte da população, o mesmo que propulsiona popu-
listas em outros países europeus: a incontrolável imigração
clandestina ou a fratura sistêmica de países como a França,
onde descendentes de terceira geração de árabes ou africa-
nos tiveram mais um dos surtos regulares de violência e des-

“A ideia da normal
e saudável alternância de
poder tem sido
substituída pelo conceito
de guerra total”
2|3
CLUBE DE REVISTAS

truição. Por causa desse monumental e fervilhante caldei-


rão, o partido de extrema direita Alternativa para a Alema-
nha hoje tem 20% das preferências, o que o torna maior do
que todos os tradicionais, inclusive o Social Democrata, no
comando da atual coalizão de governo.
As ondas humanas que abalam a ordem social de países
onde os principais problemas já haviam sido resolvidos tam-
bém levaram uma quase desconhecida Giorgia Meloni ao
governo da Itália. O desastre fascista que a imprensa mun-
dial anunciou, adivinhem só, não se realizou. Meloni aban-
donou os discursos bombásticos e faz um discreto trabalho
em conjunto com a União Europeia para conseguir acordos
com países do Norte da África que controlem o tráfico hu-
mano no Mediterrâneo. Outros países com governos de di-
reita antigos ou recentes: Polônia e Hungria (unidas pela re-
jeição aos imigrantes, opostas na guerra da Ucrânia), Suécia,
Finlândia e, dependendo da eleição do final do mês, a Espa-
nha, o que seria uma virada histórica.
Decisões da semana passada da Suprema Corte sustenta-
ram princípios fundamentais do conservadorismo america-
no, como a igualdade de condições para todos em lugar de
critérios raciais para admissão em universidades. Como dimi-
nuir as distâncias para os menos privilegiados? A direita tem
de pensar em soluções para esta e outras questões fundamen-
tais que vão muito além de “encontrar uma justificativa moral
superior para o egoísmo”, como criticava John Kenneth Gal-
braith — erradamente, mas com um fundo de realidade. ƒ

3|3
CLUBE DE REVISTAS
GENTE
VALMIR MORATELLI

Depois de adentrar o ainda res-


UM PASSO À FRENTE trito rol das protagonistas ne-
gras de novelas, TAÍS ARAU-
JO, 44 anos, cultivava há tem-
pos o desejo de interpretar Mô-
nica, a baixinha e dentuça per-
sonagem central dos gibis de
Mauricio de Sousa. Missão qua-
se impossível, já que a menina
tem pele branquíssima. Pois
nestes tempos de diversidade
em alta, não foi problema. Veio
do próprio autor o convite para
dar voz à enfezada garotinha na
peça Circo da Turma da Môni-
ca, que acaba de estrear em
São Paulo. Embora feliz, ela, lo-
tada de trabalho, chegou a titu-
bear. Foi a filha, de 8 anos, que
deu o empurrão definitivo para
que a mãe assumisse o desafio.
“Começo a ver uma mudança
realmente significativa na briga
de negros por espaço sob os
holofotes”, celebra a atriz, que
não sentiu nenhuma estranhe-
za por parte da plateia.
INSTAGRAM @TAISDEVERDADE

1|5
CLUBE DE REVISTAS

MISTÉRIO EM FAMÍLIA
Duas semanas depois de desfilar
esbelta e elegante para a Louis Vuit-
ton em Paris, NAOMI CAMPBELL,
53 anos, mãe de uma menina de 2
anos, surpreendeu ao revelar que
acabou de ganhar um menino. Na le-
genda de uma foto fofa dos três, na
qual ninguém mostra o rosto (abai-
xo), escreveu: “Um verdadeiro pre-
sente de Deus. Seja bem-vindo, meu
garotinho. Nunca é tarde para ser
mãe”. E mais não disse — repetindo a
atitude no nascimento da primogêni-
ta, omitiu o nome do bebê, o método
de concepção e a identificação do
pai. Indagada sobre o mistério, já de-
clarou: “Não tenho que dar satisfa-
ção a ninguém”. E ponto-final.
SWAN GALLET/WWD/GETTY IMAGES

INSTAGRAM @NAOMI

2|5
CLUBE DE REVISTAS

UM GALÃ
DIFERENTE
Antes de se despedir do
romântico Daniel, um dos
protagonistas da trama
global Terra e Paixão,
JOHNNY MASSARO, 31
anos, disputou a mocinha
com ninguém menos que o
galã Cauã Reymond. Fre-
quentemente chamado de
narigudo, não se acanha
com a concorrência. Pelo
contrário. “Antropologica-
mente falando, isso traz
uma interessante discus-
são sobre padrões de be-
leza”, filosofa o ator, que
JOÃO MIGUEL JÚNIOR/TV GLOBO

ainda por cima é bem mais


franzino do que a maioria
dos colegas fortões. Outro
ponto de orgulho é ser homossexual e mocinho da novela. “É a pri-
meira vez que um gay assumido ocupa um lugar historicamente ne-
gado a pessoas como eu”, comemora Massaro, que promete não
dar vida fácil ao rival em cena.

3|5
CLUBE DE REVISTAS
INSTAGRAM @LAURENWSANCHEZ

NAVEGADOR ENGAJADO
No Mediterrâneo lotado de iates de celebridades neste início de ve-
rão no Hemisfério Norte, o destaque vai para o Koru (recomeços, no
idioma maori), de 500 milhões de dólares, apelidado “barco do
amor”, no qual JEFF BEZOS, 59 anos, o bilionário dono da Amazon,
e sua namorada, LAUREN SANCHEZ, 53 anos fartamente exibi-
dos em biquínis e shorts e tops mínimos, passeiam desde maio —
atrás vem um barco de apoio, com lancha e helicóptero que a des-
temida Lauren pilota de vez em quando. Enquanto emite carbono de
um lado, Bezos pratica a consciência ambiental de outro: ele e o ator
Leonardo DiCaprio acabam de anunciar que vão investir 200 mi-
lhões de dólares nos próximos quatro anos para proteger a biodi-
versidade e os territórios indígenas na Amazônia.

4|5
CLUBE DE REVISTAS

VÂNDALO ARREPENDIDO
Palco de batalhas sangrentas entre gladiadores 2 000 anos atrás e
patrimônio histórico da humanidade, o Coliseu também dá fama a
paspalhos como o que rabiscou com uma chave seu nome e o da
namorada, “Ivan + Hayley 23”, nas
ruínas que atraem multidões de
turistas em Roma — e foi flagrado
no ato em um vídeo que viralizou.
Identificado pela polícia italiana. o
personal trainer búlgaro IVAN
DIMITROV, 27 anos, que mora
em Bristol, na Inglaterra, com a
inglesa HAYLEY BRACEY, 33,
pediu profusas desculpas e se
disse arrependido. “Ele está pre-
ocupado com as implicações le-
gais”, afirma o major da polícia mi-
litar Roberto Martina, que o con-
tatou. Dimitrov está sen-
do processado e, se
condenado, pode
pegar de três a cin-
co anos de cadeia e
pagar multa de
15 000 euros. ƒ
REPRODUÇÃO

5|5
CLUBE DE REVISTAS
GERAL AMBIENTE

TERRA EM TRANSE
O planeta registra os dias mais quentes de sua história,
consequência do acelerado aquecimento global que se
manifesta em inéditos cenários — e pede ação imediata

ERNESTO NEVES

REFRESCO Busca de alívio para o calor em Washington:


temperaturas como nunca antes varrem os EUA

KEVIN DIETSCH/GETTY IMAGES/AFP

1 | 12
CLUBE DE REVISTAS

unca se viu um verão e um inverno como esses na

N
Terra, onde os habitantes das duas metades dividi-
das pelo Equador sentem no ar, na água e no solo
— além da pele — os efeitos de uma inédita escala-
da de eventos climáticos extremos. O mais clamo-
roso ressoou em toda parte não um, mas três dias seguidos:
medida pela Administração Oceânica e Nacional Oceânica
dos Estados Unidos (Noaa), a temperatura média do plane-
ta, de 17,01 graus na segunda-feira 3, foi a mais quente ja-
mais registrada — um recorde batido na terça e na quarta,
com 17,18 graus. Parece pouco, mas jamais a atmosfera ter-
restre esteve tão quente.
Os cientistas, alarmados, avisam que é grande a chance
de novas máximas serem registradas ao longo das próximas
seis semanas, um sinal de que a luz solar está sendo muito
mais absorvida do que irradiada para o espaço — decorrên-
cia do efeito estufa. O célebre vilão é alimentado principal-
mente pelo volume de dióxido de carbono (CO ) produzido
2

por atividades humanas como a queima de gasolina e outros


combustíveis fósseis. Em quantidades normais, o gás se dis-
sipa na natureza. Em excesso, como vem acontecendo desde
a Revolução Industrial, no século XIX, o CO retém o calor e
2

a superfície global se torna superaquecida, como comprova-


ram os termômetros nos últimos dias. E a sequência de notí-
cias incandescentes não acaba aí: medições no início de ju-
nho confirmaram o início do El Niño, fenômeno periódico e
natural que consiste no aquecimento das águas do Oceano

2 | 12
CLUBE DE REVISTAS
GREG BAKER/AFP

PEQUIM 42 GRAUS Cidade Proibida:


só mesmo de sombrinha para chegar lá

Pacífico e que, diante das mudanças climáticas em curso,


pode ganhar ainda maior intensidade e adicionar até 2,5
graus ao planeta já com febre alta.
O superaquecimento do globo se faz sentir de maneira
dramática em todos os continentes (veja o quadro). No verão
do Hemisfério Norte, Portugal e Espanha sofrem com a pior
estiagem em 1 200 anos, uma amostra radical do padrão de
chuvas cada vez mais enxuto em todo o Mediterrâneo, re-
gião que compreende a Europa e a África e onde vivem 500
milhões de pessoas. A seca que se propaga pelo sul europeu
não só causa estragos econômicos como afeta o consumo
cotidiano de produtos que são ícones nacionais. A indústria

3 | 12
CLUBE DE REVISTAS
VANESSA CARVALHO/BRAZIL PHOTO PRESS/AG O GLOBO

QUEM SABE ONDE É? Nova York sufocada pela fumaça:


queimadas recorde no Canadá produziram a nuvem tóxica

espanhola de azeite, fornecedora de metade do óleo consu-


mido no planeta, está produzindo 50% menos por causa das
oliveiras esturricadas, elevando os preços ao maior patamar
em 25 anos. Nas vinícolas espanholas, italianas e francesas,
as uvas ficaram mais raras e a mudança no tempo afeta ca-
da vez mais negativamente a oferta de vinhos. Na aromática
cidade de Grasse, na Riviera Francesa, dotada de um privi-
legiado microclima que a faz grande fornecedora de flores
para os perfumistas da França desde o século XVII, a seca
deve cortar pela metade a colheita deste ano e até inviabili-
zar o cultivo de algumas espécies.
A canícula dos últimos dias pôs para ferver metrópoles e
vilarejos em quase todos os pontos do planeta (veja o mapa).

4 | 12
CLUBE DE REVISTAS

O UNIVERSO FERVE
A temperatura média do planeta bateu recorde pelo terceiro
dia consecutivo, na quarta 5, e alcançou o pico histórico em
vários pontos do globo ao longo da semana

C OR P U S C H R I ST I ( T E X AS ), E STA D O S U N I D O S 51 °C
S E VI LH A , E S PA N H A 42 °C

X A N G A I , C H INA 37 °C

A H VA Z , IR Ã 46°C

H ER M O S I LLO, MÉX I C O 5 0° C

SA N J UA N , P O RTO RI C O 35° C A D R A R , A RGÉ L IA 45°C

GR AUS

-6 0 -50 -40 -30 -20 -10 0 10 20 30 40 50

Fonte: Earth Observatory/Nasa

Na Índia, onde os recordes de calor vêm se sobrepondo em


velocidade estonteante, 170 pessoas morreram em decor-
rência das altas temperaturas desde que o verão de lá come-
çou. Estados Unidos e México sofrem os efeitos de uma “cú-
pula de calor”, fenômeno que impede a circulação de ar e a
formação de chuvas e que há três semanas está estacionada
sobre um vasto território. No Texas, a combinação de alta

5 | 12
CLUBE DE REVISTAS

umidade e ar quente elevou a sensação térmica a insuportá-


veis 51 graus e fez rachar o asfalto em ruas de Houston, a
maior cidade do estado, além de lotar os prontos-socorros
de crianças e idosos passando mal. Por causa da umidade e
do calor quase sem precedentes, hospitais deste estado e da
Flórida internaram pacientes com malária, uma doença tipi-
camente tropical.
Lugares onde a temperatura está normal para a época do
ano encaram outro tipo de problema: a fumaça. Em dois
momentos até agora, o famoso skyline de Nova York se viu
encoberto por uma espessa névoa e a cidade registrou o
mais alto índice de poluição do mundo (situação que se re-
petiu em Chicago e Detroit), um cenário que soa distópico e
tem origem nos incêndios em florestas boreais do vizinho
Canadá, os maiores da história do país. Os Centros de Con-
trole e Prevenção de Doenças (CDC) puseram 120 milhões
de americanos em alerta de ar insalubre por excesso de par-
tículas. “O que prevíamos acontecer no longo prazo está se
concretizando. Vamos ter de nos adaptar”, alerta José Ma-
rengo, coordenador do Centro Nacional de Monitoramento
e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
Mesmo a porção sul do planeta, que deveria ter um re-
fresco com a chegada do inverno, experimenta termômetros
enlouquecidos. Este maio e junho já são considerados os
mais quentes de que se tem registro no hemisfério, contri-
buindo para a intensificação da estiagem que grassa em vá-
rios países. No Uruguai, o colapso do sistema hídrico atingiu

6 | 12
CLUBE DE REVISTAS
CARLOS SANCHEZ PEREYRA/ALAMY/FOTOARENA

ATÉ O VINHO Seca domina a paisagem na Espanha:


sem uvas, a safra deste ano ficará comprometida

tamanha proporção que o governo de Montevidéu, onde os


reservatórios estão secos, apelou para a distribuição de água
com maior teor de sal nas torneiras, o que desencadeou pro-
testos da população e pedidos de desculpas do atual presi-
dente, Luis Lacalle Pou, e do ex, José Mujica, que se peniten-
ciou da falta de investimentos preventivos. Na Argentina, a
pior seca em um século deve impor perdas de 20 bilhões de
dólares ao setor agropecuário e custar 3 pontos percentuais
do produto interno bruto, empurrando o país, ultraendivida-
do e com inflação de mais de 100%, para uma recessão. No
Brasil, Bahia, Minas Gerais, Amazonas e Pará padecem de
seca prolongada, como mostra o Monitor de Secas da Agên-
cia Nacional de Águas, enquanto o cerrado, no Centro-Oes-
te, enfrenta os piores incêndios em treze anos.

7 | 12
CLUBE DE REVISTAS

TEMPORADA DE RECORDES
Os números evidenciam a marcha do
aquecimento global

2,6 MILHÕES DE QUILÔMETROS


QUADRADOS DE ENCOLHIMENTO DA
SUPERFÍCIE DE GELO NA ANTÁRTICA, HOJE
20% MENOR DO QUE DEVERIA ESTAR

82 000 QUILÔMETROS
QUADRADOS DE FLORESTA DESTRUÍDOS
POR INCÊNDIO NO CANADÁ, ÁREA 15 VEZES
SUPERIOR À MÉDIA

120 MILHÕES DE AMERICANOS SOB


ALERTA DE AR INSALUBRE DEVIDO À
FUMAÇA DAS QUEIMADAS

91% DA PENÍNSULA IBÉRICA SOFRE


COM A SECA, A PIOR MARCA EM 1 200 ANOS

Fontes: CDC, Copernicus, Nasa, National Oceanic and


Atmospheric Administration (Noaa)

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CLUBE DE REVISTAS

SHUTTERSTOCK
ERA DO DEGELO Antártica: em pleno inverno,
termômetros indicaram 8 graus

A mudança climática se amplifica nas regiões polares,


que aquece duas vezes mais rapidamente do que o resto do
planeta. A perenemente gelada Antártica, em pleno incle-
mente inverno polar, registra temperaturas tidas como im-
possíveis, como os 8,7 graus cravados na base científica de
Vernadsky, pertencente à Ucrânia, nos últimos dias. O gelo
marinho que rodeia o continente está 2,6 milhões de quilô-
metros quadrados menor, o pior índice para a temporada
desde que ele começou a ser medido, em 1979. No outro ex-
tremo, o Ártico, a temperatura está 10 graus acima do nor-
mal, o que fez derreter em apenas dois dias todo o gelo que

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CLUBE DE REVISTAS

cobria a Ilha de Nares, na Groenlândia. Os cientistas esti-


mam que o Polo Norte simplesmente vai parar de ter gelo no
verão até 2030, dez anos antes do previsto.
Não faz sentido relacionar cada catástrofe meteorológi-
ca ao efeito estufa, visto que o clima é regido por uma série
de fatores imprevisíveis, como as correntes dos oceanos e
da atmosfera. Mas é consenso entre os especialistas que o
aquecimento desencadeado pela ação humana tem papel
determinante na ocorrência mais frequente dessas condi-
ções — certeza obtida em pesquisas com supercomputado-
res capazes de simular modelos com o mundo superaque-
cido da atualidade e nas condições climáticas pré-Revolu-
ção Industrial. Com base nessas simulações, estima-se que
o excesso de emissões de CO tornou cinco vezes mais pro-
2

vável o sufoco da “cúpula de calor” parada sobre a Améri-


ca do Norte. No caso da Índia e do Paquistão, nações parti-
cularmente vulneráveis a desastres naturais devido à sua
localização, as chances de eles acontecerem se multiplica-
ram por 100. O mesmo calor retido na atmosfera que pro-
voca secas e altas temperaturas também alimenta tempes-
tades, já que, para cada aumento de 1 grau na temperatura,
a atmosfera passa a reter 7% mais vapor d’água — motivo
pelo qual a mesma Índia e a vizinha China passam neste
momento por devastadoras inundações. “Há uma inequí-
voca multiplicação de eventos extremos”, afirma Robert
Scheller, especialista em manejo florestal da Universidade
da Carolina do Norte.

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CLUBE DE REVISTAS
MATILDE CAMPODONICO/AP/IMAGEPLUS

ÁGUA, EU QUERO ÁGUA Protesto em Montevidéu:


na escassez, o governo apelou para rio poluído

A contenção da espiral de catástrofes está no cerne do


Acordo de Paris, de 2015, assinado por 195 países, que fixou
o limite de aumento seguro da temperatura média global em
relação ao período pré-industrial em 1,5 grau. Para parar
por aí, o mundo precisaria reduzir pela metade as emissões
de CO até 2030 e zerá-las até meados do século, uma tarefa
2

que não é impossível, graças às tecnologias disponíveis, mas


de alta complexidade e custo elevadíssimo, além de exigir
dos governos um tremendo nível de comprometimento, sem
falar nas mudanças de hábitos que todo mundo conhece,
mas poucos praticam.
No momento, há 66% de chance de o 1,5 grau ser ultra-
passado até 2027. “Conter as emissões é o maior desafio que
a humanidade já enfrentou”, diz Daniel Swain, pesquisador

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CLUBE DE REVISTAS
MICHAEL DANTAS/AFP

EM CHAMAS Cerrado: cenário para


o flagelo das queimadas no Brasil

da Universidade da Califórnia. A mesma semana de recor-


des de tom apocalíptico trouxe duas notícias que aliviam o
drama. China e Estados Unidos, os dois maiores poluidores
do planeta, devem se sentar para discutir o assunto na anun-
ciada visita que John Kerry, enviado especial para o clima
de Joe Biden, fará a Pequim em breve. E novas doações vão
injetar milhões de dólares no combate ao desmatamento da
Amazônia, um bioma fundamental na distribuição de chu-
vas em todo o continente, que, a se manter o nível atual de
destruição, pode perder 11 800 quilômetros quadrados de
mata até o fim do ano — o equivalente a dez cidades do Rio
de Janeiro. A corrida a favor do planeta se acelera. ƒ

Com reportagem de Caio Saad

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CLUBE DE REVISTAS
GERAL NUTRIÇÃO

POLÊMICA NADA DOCE


O aspartame, um dos adoçantes mais
consumidos no planeta, entra para a lista de
suspeitos de aumentar o risco de câncer, ameaça
recorrente nesse tipo de produto PAULA FELIX
DULLA

CERCO FECHADO Adoçante artificial:


vilão contumaz nas diretrizes da OMS

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CLUBE DE REVISTAS

DE TEMPOS em tempos, os substitutos do açúcar se


sentam no banco dos réus no tribunal da nutrição, acusa-
dos de causar efeitos colaterais deletérios. Até agora, a
maioria foi inocentada, mas os edulcorantes, como são
tecnicamente conhecidos, seguem na mira dos estudos e
diretrizes científicas. O alvo da vez é o aspartame — am-
plamente utilizado pela indústria e pelos consumidores,
ele acaba de ser classificado como “possivelmente cance-
rígeno” pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o
Câncer (Iarc), ligada à Organização Mundial da Saúde
(OMS). A qualificação é fruto de uma revisão de 1 300
pesquisas sobre o produto e, ao que tudo indica, será
chancelada na sexta-feira 14, quando um comitê misto da
OMS e da Organização das Nações Unidas para Alimen-
tação e Agricultura (FAO) vai publicar um novo parecer
sobre aditivos alimentares.
Rotulado como “seguro” desde os anos 1980, quando
fez sucesso imediato por ser o primeiro adoçante e elimi-
nar qualquer traço de amargor, o aspartame nunca dei-
xou de aparecer como alvo de estudos sobre sua possível
associação a tumores. Mas daí a ligá-lo à ocorrência de
câncer vai uma longa, complexa e controversa distância.
A maior parte das pesquisas costuma ser feita em labora-
tório, com cobaias, o que não permite extrapolar resulta-
dos para humanos, ou se baseia em análises observacio-
nais sobre os hábitos e a prevalência de doenças em uma
parcela da população, o que, de novo, não comprova sem

2|5
CLUBE DE REVISTAS

sombra de dúvida a relação de causa e efeito. Esforços


não faltam: no ano passado, um estudo francês contendo
dados de mais de 100 000 pessoas concluiu que quem
consome adoçantes artificiais como o aspartame corre
risco ligeiramente maior de ter câncer.
A reclassificação recomendada agora pela Iarc foi de-
sancada pela indústria do setor. Aqui, a Associação Bra-
sileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais e
Congêneres (Abiad) declarou “corroborar a segurança
para consumo do aspartame, um dos ingredientes mais
pesquisados da história, com mais de noventa agências
de segurança alimentar aprovando seu uso”. Uma das crí-
ticas à reclassificação reside na dificuldade de se cravar
que o uso contínuo de uma substância isolada na dieta
pode elevar o risco de tumores. “O que tem ficado cada
vez mais claro é a relação entre o consumo frequente de
alimentos ultraprocessados e o desenvolvimento de al-
guns tipos de câncer”, diz o médico Pedro Exman, do
Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão
Oswaldo Cruz, em São Paulo. “E temos de levar em con-
ta que o surgimento da doença é multifatorial, ou seja, in-
fluenciado por histórico pessoal e familiar e exposição a
vários agentes ambientais.”
Uma das preocupações levantadas por especialistas é
que, ao contraindicar o aspartame, um número expressi-
vo de pessoas pode considerar que a melhor saída é vol-
tar a ingerir açúcar — esse, sim, um malfeitor com elo

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CLUBE DE REVISTAS

ANNABOGUSH/ROOM/GETTY IMAGES

DIET NA BERLINDA Refrigerante: na indústria,


o aspartame substitui o açúcar

comprovado entre seu uso excessivo e o ganho de peso,


que leva a uma maior propensão a tumores. No doce
mundo das guloseimas açucaradas, ressaltam os entendi-
dos, o bom senso e o equilíbrio têm sempre que prevale-
cer. “Se a OMS reclassificar o aspartame, não podemos
estender a advertência para todos os adoçantes”, lembra
o médico Rodrigo Moreira, diretor da Sociedade Brasi-
leira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem).

4|5
CLUBE DE REVISTAS

Presente em larga escala nos produtos diet e zero açú-


car e ingrediente crucial nos refrigerantes dessa catego-
ria, o aspartame segue agora a trilha percorrida por ou-
tros adoçantes, como sucralose e ciclamato, acusados de
aumentar o risco de câncer e depois reabilitados (com re-
ticências). Em maio, a OMS, que nunca deixou de denun-
ciar ameaças à saúde nos substitutos do açúcar, publicou
uma diretriz contrária a seu uso para perder peso, por
não serem feitos para esse fim (a prescrição original é pa-
ra pessoas que não podem ingerir açúcar, como aquelas
com diabetes) e pela suspeita de ampliar o risco de doen-
ças cardiovasculares.
As diretrizes da OMS não têm força de lei e servem
prioritariamente para abrir espaço para a reflexão. No
universo da medicina, não há quem condene sua reco-
mendação básica de que as pessoas priorizem uma ali-
mentação mais natural e balanceada e uma rotina de
exercícios como estratégia para emagrecer os assombro-
sos índices de obesidade na população do planeta. Como
a fórmula, mais do que conhecida, não é obedecida pela
maioria das pessoas, a dieta personalizada, com ou sem
adoçantes, acaba sendo imprescindível na luta contra o
excesso de peso, com todas as controvérsias que esses re-
gimes acarretam. No entra e sai dos edulcorantes no tri-
bunal da nutrição, uma coisa é certa: a sentença final não
será dada tão cedo. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
GERAL ENTRETENIMENTO
PX IMAGES/ALAMY/FOTOARENA

NOCAUTES E
MUITOS CLIQUES
Não bastasse contribuir para a pancadaria
das redes sociais, influenciadores enfrentam-
se agora em lutas de boxe e faturam alto com
cachês e pay-per-view FELIPE BRANCO CRUZ

1|5
CLUBE DE REVISTAS

FRANCOIS NEL/GETTY IMAGE


FACEBOOK @JUJUVEIRAFC
LUTADORES O brasileiro Whindersson Nunes
espanca o adversário (à esq.), o americano Jake
Paul (no alto) e a brasileira Jully Poca: disputas no
ringue que rendem muita audiência e publicidade

EM MEADOS de 2019, o humorista e influenciador digi-


tal Whindersson Nunes, de 28 anos, surpreendeu seus fãs
ao revelar que sofria de depressão. Como parte do trata-
mento, buscou auxílio no boxe — esporte que nunca prati-
cara, mas adorava acompanhar. Nos anos seguintes, Nu-
nes compartilhou com seus 59 milhões de seguidores no
Instagram (ele também tem mais de 4 bilhões de visualiza-
ções no YouTube) sua excruciante rotina de treinamentos.

2|5
CLUBE DE REVISTAS

Ao final, confiante, desafiou — a princípio, em tom de


brincadeira — ninguém menos do que o tetracampeão
mundial aposentado Acelino Freitas, o Popó, que topou a
peleja. Ocorrida no ano passado, a luta terminou empata-
da, mas despertou em Nunes o interesse por participar de
uma nova tendência que está movimentando o milionário
mercado de pay-per-view nos Estados Unidos: as lutas en-
tre celebridades da internet. “Parei minha carreira toda
para me dedicar a isso”, revelou à época.
Para além da injeção de adrenalina no ego dos partici-
pantes, as rinhas de boxe entre influencers viraram um ne-
gócio global. Está longe do clássico conceito de nobre arte, é
verdade, pois vem com pintadas daquelas marmeladas das
lutas livres coreografadas, mas inegavelmente se tornou um
sucesso de público. De um lado, o influenciador cria conteú-
dos para seus seguidores e atrai patrocinadores, vende paco-
tes de pay-per-view e ingressos para as lutas, além de movi-
mentar sites de apostas. De outro, o boxe recebe uma nova
audiência, num momento importante para a modalidade,
principalmente entre os jovens, que migraram nos últimos
tempos para as refregas dos octógonos do MMA.
A nova tendência ganhou força com o americano Jake
Paul, em 2020. Dono de 20 milhões de seguidores no You-
Tube, ele usou sua influência para promover uma luta entre
os aposentados Mike Tyson e Roy Jones Jr. Paul também
decidiu lutar e desafiou o jogador de basquete Nate Robin-
son. O resultado deu tão certo (Paul venceu) que apostou em

3|5
CLUBE DE REVISTAS

FOTOS MANDEL NGAN/AFP; ALAIN JOCARD/AFP

LUTA DE BILHÕES Mark Zuckerberg


e Elon Musk: duelo no Coliseu, em Roma?

novas lutas. A mais recente, há nove meses, foi contra a len-


da brasileira Anderson Silva, o Spider, de 48 anos. Paul no-
cauteou Silva no último assalto. Mais brasileiros entraram
na onda, como o ex-BBB Yuri Fernandes, o youtuber Chris-
tian Figueiredo e o funkeiro Dynho Alves, cujas músicas
embalam propagandas em sites de aposta. “Isso não é es-
porte, é entretenimento”, diz Sérgio Batarelli, empresário do
boxeador Esquiva Falcão, medalhista olímpico em 2012.
Falcão também lutou (e ganhou) recentemente contra Yuri
Fernandes. “Ele fez pelo dinheiro, óbvio”, afirma Batarelli.

4|5
CLUBE DE REVISTAS

De lá para cá, outras disputas esdrúxulas surgiram, co-


mo um curioso campeonato entre tiktokers e youtubers que
movimentou 10 milhões de dólares em pay-per-view. Mas o
que está chacoalhando mesmo esse universo é o campeona-
to High Stakes, promovido pela empresa inglesa Kingpyn.
Com oito homens e oito mulheres (e um total de seguidores
que ultrapassa 210 milhões de pessoas), o torneio premiará
o vencedor com um cheque de 200 000 dólares. Favorito,
Whindersson Nunes está na semifinal. No próximo dia 15,
na Irlanda, ele lutará com o youtuber King Kenny. Do lado
feminino, na mesma data, a musa fitness brasileira Jully Po-
ca enfrentará a britânica Elle Brooke, famosa por conteúdos
sensuais no OnlyFans. No Brasil, as lutas serão transmitidas
pelo canal Combate.
A mania chegou tão longe que poderemos ver em breve
um combate entre os bilionários Elon Musk, dono da Tesla e
do Twitter, e Mark Zuckerberg, do Facebook e Instagram —
naquela que já está sendo considerada a luta do século. Fan-
farrão, Musk desafiou Zuckerberg para a disputa após ver
um vídeo dele num torneio de jiu-jítsu. O concorrente man-
dou avisar que aceita a briga e sugeriu como cenário o Coli-
seu, em Roma, com a renda revertida para a caridade. Difí-
cil pensar num palco mais adequado para os gladiadores da
era digital. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
GERAL ESPORTE

OPERAÇÃO
TAPA-BURACO
CBF contrata Fernando Diniz como técnico temporário
da seleção brasileira, solução que apenas reforça a
falta de profissionalismo na gestão do futebol mais
vitorioso do mundo ALESSANDRO GIANNINI

STRINGER/ANADOLU AGENCY/GETTY IMAGES


DANIEL CASTELO BRANCO/EURASIA SPORT IMAGES/GETTY IMAGES

INTERINO Diniz no
comando do Fluminense
e a seleção na derrota
para o Senegal: solução
improvisada

1|4
CLUBE DE REVISTAS

FORAM exatos 207 dias de vacância até que, na terça-fei-


ra 4, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), enfim,
anunciou a contratação de Fernando Diniz como técnico
da seleção brasileira de futebol, colocando ponto-final a
uma indefinição que se arrastava desde 9 de dezembro de
2022, quando Neymar e companhia foram eliminados da
Copa do Mundo do Catar nas quartas de final. O novo co-
mandante assinou por um ano e trabalhará em regime de
compartilhamento com o seu time atual, o Fluminense. Só
atuará à frente do escrete nacional nas datas Fifa, ocasiões
nas quais os clubes são obrigados a ceder seus atletas para
jogos oficiais da entidade. A estratégia já rendeu muita
controvérsia no meio esportivo, em parte porque está car-
regada de conflitos de interesses e promessas que podem
não se concretizar.
Desde que Tite comunicou sua saída da seleção, logo
após a derrota nos pênaltis do Brasil para a Croácia na Co-
pa, o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, transformou
a vontade manifesta de ter um estrangeiro para a posição
em uma obsessão (tomara que funcione). O seu objeto de
desejo, ele nunca escondeu, é Carlo Ancelotti, atualmente
no Real Madrid. Rodrigues disse anteriormente que o ita-
liano vestiria o agasalho da seleção canarinho a partir da
Copa América, que ocorre entre junho e julho do ano que
vem, nos Estados Unidos. No entanto, os detalhes do con-
trato e a data de início ainda não foram acertados, e não há
um sinal concreto de que o acordo acontecerá.

2|4
CLUBE DE REVISTAS

Com a insistência do
técnico em honrar seu
combinado com o clube
merengue até 2024, restou
a Rodrigues recorrer a uma
operação tapa-buraco. Di-
niz substitui o interino Ra-
mon Menezes, titular da
equipe sub-20, que coman-
dou o time principal em
DENIS DOYLE/GETTY IMAGES

três amistosos. Foram uma


vitória e duas derrotas. Na
última partida, os brasilei-
ros sofreram goleada do DIFÍCIL Carlo Ancelotti,
Senegal por 4 a 2. Em nota, hoje no Real Madrid: antes
a CBF disse que as negocia- de 2024, nada feito
ções para trazer o técnico
do Fluminense foram “silenciosas e cuidadosas” para não atra-
palhar sua atuação no clube carioca. Diniz, como sabem os
amantes do velho esporte bretão, é conhecido por uma estraté-
gia ofensiva, que prevê posse de bola e construção de jogo rápida
desde a defesa. Em passagens anteriores pelo São Paulo e pelo
Santos, obteve sucesso no início de seus trabalhos, mas fracas-
sou em manter as equipes unidas em torno de seu projeto.
Durante sua apresentação oficial, na quarta-feira 5, no
Rio, o presidente da CBF evitou chamar Diniz de interino.
Preferiu dizer que o mineiro tem um estilo de jogo parecido

3|4
CLUBE DE REVISTAS

com o de Ancelotti e que fará uma transição para a chegada


do italiano. Há controvérsias. “O Diniz joga de um jeito e o
Ancelotti de outro”, rebate o ex-jogador e comentarista Wal-
ter Casagrande, em entrevista a VEJA. “Não vai fazer bem
para a seleção brasileira.” A primeira convocação está pre-
vista para agosto e a estreia do novo técnico à beira do cam-
po está marcada para setembro, quando acontecem os dois
primeiros jogos da seleção pelas Eliminatórias do Mundial
de 2026. No dia 4, ele comanda o time contra a Bolívia, em
local a definir, e no dia 12, enfrenta o Peru, em Lima.
Ousado, o projeto engendrado pela CBF contém muitos
problemas. Entre eles, está a esperança de que Diniz vá ves-
tir dois chapéus, o do Fluminense e o da seleção, sem causar
desconfiança dos seus jogadores, de sua própria torcida e
também de outros times. De tradição imediatista, o futebol
brasileiro sofre com a baixa taxa de permanência dos trei-
nadores nos clubes. “Hoje, esses profissionais exercem mui-
tas funções dentro dessas estruturas”, lembrou Zinho, ex-jo-
gador da seleção e comentarista da ESPN. “Tenho dúvidas
se o acúmulo de funções não sobrecarrega e atrapalha o tra-
balho em ambos os lugares.” Não se trata de jogar pedras
em um técnico emergente, embora acumule resultados mo-
destos pelos clubes por onde passou. O problema é recorrer
a soluções improvisadas, que no final só reforçam a falta de
profissionalismo que impregna o futebol brasileiro. ƒ

Colaboraram Luiz Paulo Souza e Marília Monitchele

4|4
CLUBE DE REVISTAS
PRIMEIRA PESSOA

JOÃO MIGUEL JÚNIOR/TV GLOBO

1|4
CLUBE DE REVISTAS

A COZINHA
ME SALVOU
O baiano João Diamante, 32, superou a pobreza e
a violência para se tornar um chef requisitado

EU NASCI EM SALVADOR, na Bahia, mas com apenas


1 ano de idade fui levado pela minha mãe, uma empregada
doméstica, para o Rio de Janeiro. Ela tinha se separado de
meu pai, um técnico elétrico, e viajamos de carona com ca-
minhoneiros até o Complexo do Andaraí, onde moramos
eu, minha mãe e minha irmã, de 5 anos, de favor na casa de
uma tia. Comecei a trabalhar aos 8, fazendo bicos para uma
padaria do bairro. E foi lá que tive o primeiro contato com a
cozinha. Em casa, a comida era bem simples, com arroz, fei-
jão e ovo. Apesar de ser pobre, sempre gostei de comida fres-
ca, e minha irmã, que cuidava de mim enquanto nossa mãe
saía para trabalhar, tinha preguiça de cozinhar. Então, co-
mecei a me mexer. Jamais imaginei que esse interesse me le-
varia a tantos lugares incríveis, como outros países, e até a

2|4
CLUBE DE REVISTAS

preparar um jantar especial para o presidente Luiz Inácio


Lula da Silva e outros líderes da América Latina — como
aconteceu no final de maio, em Brasília.
Na infância, participei de diversos projetos sociais da
prefeitura e de ONGs, tendo contato com balé, teatro, ca-
poeira, futebol e música. Essas experiências me fizeram
criar um entendimento maior sobre educação e responsa-
bilidade social, além de terem me tirado daquele meio no
qual todo mundo sabe que tem muita desigualdade e vio-
lência, com tiroteios e mortes. Posso dizer que a cozinha
salvou a minha vida, pois perdi mais de cinquenta amigos
para o tráfico de drogas. Aos 18, fui cumprir o serviço mi-
litar obrigatório e entrei para a Marinha, onde atuei por
cinco anos. Curiosamente, foi na vida militar que aprendi a
cozinhar profissionalmente. Passei a preparar as refeições
do nosso almirante, e ele me incentivou a seguir nessa pro-
fissão. Após deixar a Marinha, fiz um curso de nutrição e
dietética, e depois uma graduação em gastronomia. Me
formei como um dos três melhores alunos da turma e fui
selecionado para ganhar uma bolsa de estágio na França,
para trabalhar com o renomado chef francês Alain Ducas-
se. Cheguei a atuar na cozinha do restaurante Le Jules Ver-
ne, localizado na Torre Eiffel.
Ao voltar para o país, abri meu próprio restaurante, o Na
Minha Casa, de cozinha contemporânea brasileira e que
funciona de forma itinerante e comunitária: abro apenas por
curtos períodos ao longo do ano, e o cliente decide quanto

3|4
CLUBE DE REVISTAS

quer pagar pelos pratos. A experiência interessou até a Net-


flix, que gravou o meu negócio para a série Alguém Dê de
Comer ao Phil. Também fui chamado para trabalhar no
Museu do Amanhã e ganhei prêmios de chef revelação. De-
cidi retribuir meu sucesso ajudando a sociedade de alguma
forma também, usando a gastronomia como ferramenta.
Com isso, criei em 2016 o Diamantes na Cozinha, um pro-
grama para ajudar pessoas que se encontram em vulnerabi-
lidade social, a fim de ensiná-las a cozinhar e a empreender,
talvez transformando a culinária em uma fonte de renda. Já
formamos mais de 300 alunos e impactamos aproximada-
mente 3 500 pessoas ao todo. Neste ano, também recebi um
convite para ser jurado do reality culinário Minha Mãe Co-
zinha Melhor que a Sua, na Globo. Conheci a primeira-da-
ma, Janja da Silva, em um evento que ocorreu quando Lula
ainda era pré-candidato. Ela se interessou pelo meu traba-
lho e me convidou para assinar o cardápio do jantar do en-
contro do presidente com chefes de Estado da América do
Sul, em maio. Foi gratificante ser elogiado por figuras tão
importantes, e vejo como isso pode abrir portas para mais
pessoas como eu. O que sempre me encantou na culinária é
a possibilidade de mudar a vida de uma pessoa por meio dos
alimentos. Hoje, ainda moro no Grajaú porque amo a minha
comunidade, e espero continuar transformando vidas com a
ajuda da gastronomia. ƒ

Depoimento dado a Kelly Miyashiro

4|4
CLUBE DE REVISTAS
GERAL SAÚDE

RESPOSTA
À DEPRESSÃO
Avança em todo o mundo a aceitação das
substâncias psicodélicas, antes estigmatizadas,
para o tratamento de transtornos que afetam a
saúde mental das pessoas PAULA FELIX

ALTERNATIVA Psilocibina: a Austrália se torna o primeiro


país a legalizar a substância ativa dos “cogumelos mágicos”

ISTOCKPHOTO/GETTY IMAGES

1|5
CLUBE DE REVISTAS

A EXPRESSÃO “domar o tigre da cetamina” se popularizou


entre os cientistas que, nos anos 1960, viam no sedativo com
efeitos alucinógenos — amplamente usado por anestesistas em
cirurgias — potencial para recuperar pessoas com a saúde
mental abalada. A guerra às drogas decretada pelo governo
americano na década seguinte, porém, colocou a cetamina e
outras substâncias psicodélicas na lista dos itens proibidos, en-
gavetando as pesquisas sobre seu uso em outras áreas. A situa-
ção começou a se reverter em 2018, quando a respeitada FDA,
agência reguladora das drogas e alimentos autorizados nos Es-
tados Unidos, qualificou a psilocibina, derivada dos chamados
“cogumelos mágicos”, como “terapia inovadora” para o trata-
mento de depressão e outros distúrbios resistentes aos medica-
mentos tradicionais — o primeiro passo para sua aprovação.
De lá para cá, as pesquisas com alucinógenos foram retoma-
das e acabam de alcançar uma virada dramática: a Austrália
tornou-se o primeiro país a regulamentar o uso terapêutico de
substâncias psicodélicas em todo o seu território.
A decisão, que já fora tomada por alguns estados america-
nos, prevê que dois alucinógenos, psilocibina e MDMA (o
composto do ecstasy), sejam administrados, sob prescrição de-
talhada de psiquiatras, em clínicas especializadas no trata-
mento de pessoas com depressão severa e estresse pós-trau-
mático. A decisão foi saudada por cientistas e médicos envolvi-
dos na recuperação de estados depressivos, que afetam ao me-
nos 5% da população mundial — sendo que 30% a 50% dos
pacientes não reagem aos antidepressivos convencionais. A

2|5
CLUBE DE REVISTAS
ALEXANDRE MOREIRA

SOB CONTROLE Clínica de tratamento:


uso sob supervisão especializada

tendência à reabilitação das substâncias psicodélicas no qua-


dro das doenças mentais se faz presente inclusive no Brasil,
onde um spray intranasal de escetamina (uma prima da ceta-
mina) foi aprovado em 2020 para lidar com pacientes vítimas
de depressão resistente.
Cetamina injetável, cápsulas de psilocibina e outros me-
dicamentos estão na linha de frente dos diversos estudos e
avaliações em andamento em vários pontos do planeta. “O
conhecimento mais amplo dos psicodélicos abre uma fron-
teira de pesquisa relevante para lidarmos com os proble-
mas gerados pelo mundo urbano contemporâneo”, afirma
o neurocientista Sidarta Ribeiro, diretor do Instituto do Cé-
rebro da Universidade do Rio Grande do Norte. O uso des-
ses recursos requer acompanhamento de profissionais em
espaços controlados, onde os pacientes têm os sinais vitais
monitorados para controlar possíveis episódios de tontura,
ansiedade, fraqueza e náuseas.

3|5
CLUBE DE REVISTAS

NOVOS ALIADOS
Psicodélicos abrem perspectivas para pacientes que
não respondem a antidepressivos convencionais

C E TA M I N A / E S C E TA M I N A

Originalmente anestésicos, têm demonstrado eficácia


no tratamento de depressão resistente e com ideação
suicida. O uso é feito em ambiente controlado e os
efeitos podem ser observados em dias

PSILOCIBINA

Princípio ativo do “cogumelo mágico”, começou a ser


usado em clínicas nos EUA neste ano e aciona
receptores cerebrais ligados ao humor e à percepção,
desativando padrões de pensamento da depressão

LSD

A droga alucinógena criada nos anos 1960 também


atinge esses receptores celulares no cérebro e
tem sido investigada por propriedades terapêuticas
diante de transtornos mentais

AYA H U A S C A

A bebida alucinógena feita com ervas amazônicas


conseguiu reduzir os sintomas de depressão grave.
Em estudo, 83% dos entrevistados afirmaram sentir
paz após o uso do preparo

Fontes: FDA; Medscape; Nature; Universidade da Califórnia


em São Francisco; USP; Universidade de Uberaba

4|5
CLUBE DE REVISTAS

No Brasil, a terapia assistida por psicodélicos — ainda sujei-


ta a autorização especial — já começou a ser oferecida em clí-
nicas particulares, em sessões que duram de 45 a sessenta mi-
nutos. “Entre 60% e 70% dos pacientes demonstram benefí-
cios. A melhora pode não ser imediata, mas as mudanças apa-
recem no máximo após um mês”, diz o psiquiatra Mario Ju-
ruena, professor do britânico King’s College London. Os aluci-
nógenos atuam em vias cerebrais capazes de minimizar ou de-
sativar as manifestações depressivas, um mecanismo distinto
das pílulas usuais — e, em geral, com menos efeitos colaterais.
Os resultados positivos ocuparam o centro das discus-
sões do último congresso da Associação Americana de Psi-
quiatria e do encontro da Associação Multidisciplinar de Es-
tudos Psicodélicos, que congrega 10 000 pesquisadores e
entusiastas. “É empolgante ver a recuperação ocupacional
completa das pessoas até então sem resposta aos tratamen-
tos”, diz o psiquiatra Rodrigo Bressan, da Universidade Fe-
deral de São Paulo (Unifesp). Não se trata, evidentemente,
da aposentadoria dos antidepressivos convencionais. Mas a
maior parte dos especialistas enxerga uma nova e promisso-
ra trilha na prescrição e utilização controladas da psilocibi-
na e afins — até porque alguns experimentos em curso ex-
ploram a possibilidade de se obter a ação esperada nos
neurônios sem a obrigatória passagem pela viagem alucinó-
gena. Ao que tudo indica, o tigre a ser domado mais de meio
século atrás está cada vez mais capacitado a saltar com pre-
cisão sobre a depressão e outras doenças mentais. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
GERAL SUSTENTABILIDADE

OUTRA CARA Nativas sem ferrão: algumas espécies lembram


mosquitinhos e são essenciais à polinização das flores

ZUMBIDO
DE ESTIMAÇÃO
Cresce o número de brasileiros que criam
abelhas nativas sem ferrão, uma atividade
que rende mel e ajuda a preservar os
insetos e até as plantas DIEGO ALEJANDRO
SIDNEY CARDOSO/FOTOARENA

1|5
CLUBE DE REVISTAS

É FATO CONHECIDO: há um declínio na população de abe-


lhas pelo mundo, fenômeno que tem repercussões na flora e na
produção de alimentos, uma vez que esses insetos polinizam
os vegetais. Em 2017, o governo brasileiro aprovou uma lei es-
tabelecendo que os agrotóxicos a serem comercializados deve-
riam passar por testes de avaliação de risco com a Apis melli-
fera, a espécie mais numerosa e conhecida no país, embora
tenha origem estrangeira. Mas a devassa continuou. Ao debru-
çar-se sobre a questão, o Ibama constatou que as autoridades
haviam se esquecido de um ponto crucial nessa história: ainda
que alguns pesticidas não façam mal às abelhas mais comuns,
eles podem acabar com as espécies nativas sem ferrão.
Existem cerca de 250 tipos desses insetos de berço tupini-
quim. Eles perderam terreno com a introdução da Apis melli-
fera, a destruição das matas e o uso abusivo de defensivos agrí-
colas. Mas jataí, mandaçaia, uruçu e tantas outras são indis-
pensáveis à manutenção da biodiversidade. Ao passarem de
flor em flor, carregam o pólen e ensejam a fecundação das
plantas, contribuindo para sua renovação — 90% das espécies
da Mata Atlântica dependem disso. Há séculos, os povos indí-
genas e tradicionais também cultivam tais abelhas para a pro-
dução de mel.
O risco de sobrevivência dos insetos sem ferrão veio ali-
mentar um movimento em ascensão. Na última década, a cha-
mada meliponicultura — que contrasta com a apicultura, da
Apis mellifera — se popularizou, inclusive em centros urbanos.
Atividade conectada à preservação ambiental, a criação dos

2|5
CLUBE DE REVISTAS

EVARISTO SÁ/AFP
FERNANDO MARRON/AFP

CULTIVO EM CASA Direto da caixa:


criação dispensa proteção e rende
alimento saboroso, como o mel de jataí

exemplares nativos atrai milhares de brasilei-


ros que desejam ter um zumbido de estimação.
E quem sabe um mel diferenciado.
É nesse contexto que a Associação Brasileira de Estudos das
Abelhas, em parceria com pesquisadores da Embrapa e da
USP, publicou um e-book gratuito com dados e orientações so-
bre sessenta espécies nacionais, servindo de introdução e em-
basamento a quem quer se aventurar na meliponicultura.
“Quando pensamos em abelhas, só vem à cabeça aquela que
sobrevoa o refrigerante. Lançamos o livro para mostrar a ri-
queza da nossa fauna”, diz Ana Lúcia Assad, diretora da asso-
ciação. Cada ficha da obra reúne informações para facilitar o
reconhecimento e o manejo dos bichinhos, bem como entender
seu comportamento. Nas plantações, elas auxiliam a aprimo-
rar a produção de frutas, já que as abelhas polinizam os pés.

3|5
CLUBE DE REVISTAS

ELA DOMINOU

MAURICIO AQUINO/ISTOCK/GETTY IMAGES


O PEDAÇO
Quando pensamos em abelha,
a imagem estampada na men-
te é a da Apis mellifera, com BEM-SUCEDIDA
seu inconfundível corpinho Apis mellifera:
preto e amarelo. Embora mui- importada, tornou-se
to conhecida por aqui, ela não a mais numerosa
é originária do Brasil. A ativi-
dade apícola teve início no país em 1839, quando o padre Antônio
Carneiro trouxe de Portugal algumas colônias dessa espécie. Desde
então, as “invasoras” se adaptaram muito bem à flora tupiniquim.
Nos anos 1950, com a introdução das abelhas africanizadas —
mistura da europeia com um tipo africano que se mostrou mais re-
sistente a doenças —, a Apis mellifera estendeu seu império, tornan-
do-se a espécie dominante no país.
As diferenças para as nativas sem ferrão começam pelo fato de
elas terem... ferrão. Passam pelas características visuais e anatômi-
cas e abrangem a própria estrutura das colmeias. As de origem es-
trangeira armazenam o pólen e o mel em favos, enquanto as nativas
constroem potes e canudos para depositá-los. Outra distinção diz
respeito ao número de machos com os quais a rainha acasala na na-
tureza. As monarcas sem ferrão se reproduzem com apenas um ele-
mento, enquanto a soberana das Apis mellifera se une, em média, a
quinze parceiros.

4|5
CLUBE DE REVISTAS

O apreço pelo tema tem alavancado cursos de cultivo dessas


espécies. “Eles são voltados a pessoas que querem ajudar na
preservação. Ensinamos quem são essas abelhas e sua impor-
tância, como cuidar delas e continuar protegendo o ambiente”,
explica Celicina Ferreira, presidente da Associação de Melipo-
nicultores do Rio de Janeiro, enfatizando a elevada procura nos
últimos tempos. Outro de seus atrativos está no mel. Ou melhor,
méis. Porque os produtos têm características diferentes de acor-
do com a espécie e a flora. Quem experimenta sentirá sabor e
acidez distintos da versão convencional — além de perfil nutri-
cional superior. O alimento que vem das nativas sem ferrão já é
até mais cobiçado no mercado: enquanto 1 quilo de mel comum
custa cerca de 30 reais, o das brasileiríssimas pode bater os 300.
E não é por acaso que há quem tenha feito da atividade seu
ganha-pão. “A ideia veio como uma fonte de renda adicional
para equilibrar as contas na minha fazenda em Atibaia”, conta
Eugênio Basile, empresário que, ao lado da mulher, Márcia,
criou a Mbee, que produz e vende méis de abelhas sem ferrão
e tem cinquenta fornecedores de treze estados. Seguir os pas-
sos de um meliponicultor não é algo de outro mundo. Equipa-
mentos de proteção são dispensáveis, porque esses insetos não
picam. Dá para criar as abelhas no quintal e mesmo em varan-
das. E é possível adquirir as caixas que servirão de colmeia já
prontas. “As abelhas nos transformam, mudam nosso olhar
sobre os cuidados com a natureza”, diz Cristiano Menezes, pes-
quisador da Embrapa e um dos autores do e-book. Já pensou
em ter um enxame de estimação? ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
GERAL ARTE
DEAGOSTINI/GETTY IMAGES

CORTINA
DE FUMAÇA
Uma nova pesquisa sustenta que as
paisagens cheias de névoa de Turner e
Monet são mera reprodução de seu
poluído entorno — uma redução de dois
gênios revolucionários AMANDA PÉCHY

1|6
CLUBE DE REVISTAS

ARTEFACT/ALAMY/FOTOARENA

CADÊ A LINHA? Chuva, Vapor e Velocidade, de Turner (pág.


ao lado), e Casas do Parlamento, de Monet: jogo de luz

EMBALADO pela Revolução Industrial, o efervescente sé-


culo XIX chacoalhou pilares em série, trazendo profundos
desdobramentos ao mundo das artes, capitaneados por uma
entusiasmada turma disposta a romper com a tradição. Eis
que aí surgiram artistas que passaram a respirar os ares da
modernidade sem o objetivo de copiá-la, mas de cravar na te-
la a maneira muito singular com que observavam a realida-
de, à base de pinceladas soltas e uma dança nova de luz e cor.

2|6
CLUBE DE REVISTAS

O inglês William Turner (1775-1851), expoente do romantis-


mo, libertou-se do tracejado rígido com suas turbulentas pin-
turas marinhas e trens envoltos em fumaça indo e vindo. Em
seu período londrino, o francês Claude Monet (1840-1926)
analisou com lupa a obra de Turner, a quem nunca conhe-
ceu, e dali extraiu inspiração para quadros fundamentais pa-
ra o movimento impressionista, que acabaria por plantar as
sementes do que hoje se entende por arte moderna.
Muito criticados naqueles tempos em que chocavam o
olhar convencional — segundo os detratores, os impressio-
nistas eram meros autores de borrões que não passavam de
papéis de parede mal-acabados —, Turner e Monet, hoje re-
conhecidos como grandes mestres, voltam aos holofotes, de
novo na berlinda. Um artigo publicado na revista Procee-
dings of the National Academy of Sciences sugere que os
dois artistas não foram tão disruptivos assim, já que estavam
sendo coerentes com a realidade tal qual se apresentava,
sem inovar. Ao analisar um total de quase uma centena de
obras, o texto, que abraça a tese do “realismo poluído”, diz
que o que parece ser uma evolução de estilo nada mais é do
que um retrato então tomado de poluição. Naturalmente, o
estudo, que reduz a arguta visão dos geniais artistas, acen-
deu o caldeirão de uma inflamada polêmica, que enfureceu
uma ala séria dos historiadores da arte. “É tudo uma boba-
gem”, atiraram os mais renomados.
O trabalho, resultado de uma parceria entre cientistas de-
dicados à pesquisa da atmosfera das universidades de Har-

3|6
CLUBE DE REVISTAS

FINE ART IMAGES/HERITAGE IMAGES/GETTY IMAGES

A TURMA Impressionistas: Manet e Monet (à frente)

vard, nos Estados Unidos, e Sorbonne, na França, ampara


seu principal argumento na má qualidade do ar no período
analisado, entre 1796 e 1901. A produção de carvão para fa-
zer girar motores a vapor subia então noventa vezes só no
Reino Unido, tornando o nevoeiro um fenômeno usual nos
céus de Londres. Para adentrar as artes, os pesquisadores
criaram dois termômetros — de nebulosidade e brancura —,
aplicaram tais medidores às telas e se debruçaram sobre os
dados históricos de poluição. A pirueta matemática concluiu

4|6
CLUBE DE REVISTAS

que 61% da névoa e das pinceladas alvas teriam relação di-


reta com a elevação de concentração de dióxido de enxofre
no ar. “A poluição faz com que os objetos pareçam menos
precisos, sem bordas, e dá às cenas uma tonalidade esbran-
quiçada”, justificou a VEJA a coordenadora do levantamen-
to, Anna Albright, da Sorbonne.
Tanto Turner como Monet atentaram, em algum mo-
mento, para o ambiente poluído que os cercava. Trilharam
tal percurso quase como um laboratório, para flagrar a inci-
dência da luz sobre a intrigante paisagem que não se cansa-
vam de explorar. Isso não significa, nem de longe, que a né-
voa cinzenta das fábricas esteja na origem do ímpeto revolu-
cionário dos dois artistas. “Há um evidente exagero na afir-
mação de que há relação de causa e efeito entre a poluição e
as escolhas estilísticas de Turner e Monet”, enfatiza o histo-
riador da arte Felipe Martinez, da Universidade de Amster-
dã. Mesmo no cenário pré-Revolução Industrial, é bom lem-
brar, Turner já priorizava sentimento e dinamismo no lugar
do compromisso com o que literalmente enxergava.
Os impressionistas, que, depois de banidos dos salões
oficiais de Paris, se lançaram como um grupo em uma
célebre exposição alternativa em 1874, viviam com seus
tubos de tinta pelas ruas em busca de cenários que propi-
ciassem a captação da luz em instantes diversos, retra-
tando cenas que imprimiam na tela do modo como as
sentiam. Nomes como o do precursor Édouard Manet,
que tanto influenciou os demais, entre eles Degas, Renoir

5|6
CLUBE DE REVISTAS

e Pissarro, se notabilizaram por pinceladas curtas e rápi-


das e se detinham sobre a cor como uma ciência, de ma-
neira a ressaltá-la. Admirar um impressionista requer dar
uns passos atrás para que a imagem se forme inteira na
retina. Por tudo isso, esses artistas — que, aliás, pintavam
muito além de paisagens tingidas de poluição, o que pas-
sa ao largo da polêmica pesquisa — escreveram um deci-
sivo capítulo. Praticamente cego, na velhice, Monet deri-
varia para o quase abstracionismo com suas imprecisas
ninfeias, outra herança fundamental do autor de múlti-
plas criações. “O estudo seleciona casos isolados de po-
luição urbana para enquadrar todo um movimento artís-
tico”, resume Martinez.
Uma série de artigos publicados em resposta à pesquisa
pontua se estar diante de uma simplificação de um proces-
so complexo. Em carta aberta, Albright, a própria autora,
recentemente relativizou seu trabalho, dizendo ser “com-
plementar” à história da arte. “Claro que não é possível sa-
ber o que estava no coração desses artistas”, reconheceu.
Para Michael Marmor, autor do livro Os Olhos do Artista:
a Visão e a História da Arte, a ciência só pode explicar a
expressão artística até certo ponto. “Com o avanço de no-
vas tecnologias, aumentou o afã de empregar métricas pa-
ra dar sentido à subjetividade humana”, pontua. Pinturas
são, afinal, delicados registros dos sentimentos e da imagi-
nação, algo que gênios como Turner e Monet elevaram a
um inédito patamar. ƒ

6|6
CLUBE DE REVISTAS
GERAL MODA

FEITO SÓ PARA VOCÊ


A eterna busca humana por novidade, aliada à
preocupação em não castigar o planeta, abre espaço
para um mercado de roupas ultrapersonalizadas e
produzidas sob demanda VALÉRIA FRANÇA

NA HORA Camiseta da Ed, produzida na plataforma Montink


(à esq.) e moletom Basquiat, da Reserva: tudo on demand

FOTOS: INSTAGRAM @ALOJADOED; RESERVA/DIVULGAÇÃO

1|6
CLUBE DE REVISTAS

ESPREMIDA entre a permanente necessidade de despe-


jar lançamentos em araras físicas e virtuais e se reger pela
boa cartilha da sustentabilidade, a indústria da moda
abraça com cada vez mais vigor um modelo que, além de
tudo, lhe dá estofo financeiro. É o esquema do on demand,
em que se produz ao sabor da demanda, sem brecha para
desperdício (que, só no Brasil, chega a 17 000 toneladas
de tecido por ano). Agora, essa engrenagem saltou um de-
grau, adentrando o ascendente terreno da ultrapersonali-
zação, onde as peças não apenas têm destino conhecido,
como são concebidas sob medida para se encaixar aos an-
seios de quem as compra. No rol dos gigantes que já mar-
cham firme sobre esse nicho tão promissor estão marcas
globais como Nike e H&M Group, que passaram a ofere-
cer um leque de escolhas para looks personalizados, o que
vai muito além do tradicional nome gravado na camiseta
do time de futebol. O clique do cliente dá a partida a toda
uma cadeia produtiva em que o resultado final será algo
com jeito exclusivo — uma ideia que a humanidade perse-
gue com rara intensidade.
A nova lógica, que é quase um retorno ao modo artesa-
nal, mas em elevada escala, abre também portas para uma
ala de pequenos empreendedores, que mantêm seus negó-
cios na base do dropshipping. O vocábulo, usado no Brasil
em inglês mesmo, se refere a um modelo segundo o qual es-
tilistas estreantes ou os que ainda brigam para se fincar en-
tram apenas com a concepção do item — a cobrança e a lo-

2|6
CLUBE DE REVISTAS

DESCARTE
O impacto do desperdício

50 empresas importadoras
de lixo têxtil se instalaram no Chile
para recolher as 59 000 toneladas de tecidos
que chegam diariamente do Sudeste Asiático
e dos Estados Unidos, principalmente.
Apenas 19 000 são reaproveitadas

3|6
CLUBE DE REVISTAS

170 000 toneladas


é a quantidade de lixo têxtil brasileiro

CO2

1,2 bilhão de toneladas


de dióxido de carbono por ano

Fontes: Sebrae, Greenpeace e Abit


(Associação Brasileira da Indústria
Têxtil e de Confecção)

4|6
CLUBE DE REVISTAS

gística, assim como a escolha do fornecedor, ficam a cargo


de plataformas especializadas. Sem capital nem experiência
no universo corporativo, o designer gráfico goiano Edival
Domingues, 47 anos, queria há tempos pôr de pé uma grife
que traduzisse seu apreço pela arte e pelo meio ambiente.
Procura daqui e dali, e eis que esbarrou com a Montink, re-
de nacional voltada para o dropshipping. “Criei a marca Ed,
desenhei as estampas e montei a loja no site”, conta Domin-
gues. “A roupa só é fabricada depois de o cliente escolher o
modelo, a cor e o tamanho.”
Ele e tantos outros que enveredam por essa empreende-
dora trilha não precisam se envolver nas demais etapas que
se desenrolam a partir daí. Inaugurada há oito anos, a Mon-
tink foi se expandindo e, hoje, conta com 200 000 lojas digi-
tais. “O processo é tão ágil que permite a criação de uma ca-
miseta em minutos”, garante o fundador Ramiro Neto, que
planeja estender a operação para os Estados Unidos ainda
em 2023. A companhia fatura com a mensalidade paga pe-
los lojistas e com um percentual sobre cada venda. É princí-
pio semelhante ao que a Amazon, em dimensão planetária,
começou a explorar com o serviço Merch on Demand, que
conecta empresários e consumidores envolvidos nesse mer-
cado de itens que ninguém mais tem.
Por natureza, a espécie humana sempre se pôs à caça do
que é único e original. No mundo da moda, até outro dia, is-
so se restringia às prateleiras do alto luxo e do artesanal.
Não mais. Nestes engajados tempos, as pessoas se vestem

5|6
CLUBE DE REVISTAS

para divulgar causas e empunhar bandeiras — daí o interes-


se por frases cheias de propósito que, não raro, viralizam
nas redes. O mercado brasileiro despertou para a onda da
personalização — e vem encontrando na trilha on demand
também um jeito de escapar das armadilhas do fast fashion,
que prevê novidades em série no lugar das costumeiras cole-
ções anuais. “Se apresento uma nova linha no atacado, pre-
ciso fabricar no mínimo 200 unidades e ainda tenho de
acertar a grade de tamanhos e cores”, explica Pedro Cardo-
so, diretor de marketing e novos negócios da Reserva.
Como muitas peças acabam por se acumular no depósi-
to, ele resolveu aderir à rota do on demand. Nas lojas, o
cliente pode exercitar sua face, digamos, mais autoral e en-
comendar frases próprias para imprimir nas camisetas. Em
2020, a empresa montou a Reserva Ink, plataforma pareci-
da com a Montink, que agrega criadores independentes em-
penhados em ter sua loja digital. A vertente, claro, não eli-
mina totalmente o estoque, já que é preciso dispor de peças
prontas para dar vazão às encomendas em tempo. A custo-
mização das araras não tem por objetivo — nem conseguiria
— substituir a era do atacado, que embala as altas cifras do
setor. Mas ela cai no gosto de uma turma que vai ganhando
envergadura e peso nos negócios, sempre ciosa dos rumos
do planeta nestes acalorados tempos de aquecimento global
e às voltas com a procura por algo que lhe confira o prazer
de ser original. Para o empreendedor, isso significa diminui-
ção do prejuízo e aumento de vendas. ƒ

6|6
CLUBE DE REVISTAS
CULTURA MÚSICA

RITMO DE
OSTENTAÇÃO
Variação mais melódica do rap, o trap desponta
como gênero capaz de desbancar o sertanejo das
paradas — e forja uma leva peculiar de ídolos que
celebram a maconha e o consumismo
FELIPE BRANCO CRUZ

ERVA Matuê: o trapper cearense atrai hordas


de adolescentes a seus shows

WALLACE TEIXEIRA/FUTURA PRESS

1|5
CLUBE DE REVISTAS

emanas atrás, o adolescente Kauê de Queiroz Bene-

S
vides Menezes, de 15 anos, foi às compras na loja
da Prada no Shopping JK Iguatemi, em São Paulo.
Por um par de sapatos da grife italiana desembol-
sou, à vista, 25 000 reais — como é menor de ida-
de, usou o cartão black do irmão mais velho, Kaique, de 23.
Com o troféu nos pés, desfilou pelo shopping ostentando
também seus mais de 100 000 reais em cordões de ouro no
pescoço. Fosse Kauê um menino branco e de classe média
alta, sua atitude poderia ser vista como extravagância de
playboy endinheirado.
O gesto, porém, vem carregado de superação. Negro e
pobre, ele viu o barraco onde morava com a família em Mo-
gi das Cruzes, na Grande São Paulo, ser demolido numa
reintegração de posse, há quatro anos. “Disseram que derru-
bariam com a gente dentro, e nos levariam presos se tentás-
semos impedir”, lembra Kauê, que hoje vive num condomí-
nio de luxo na região. A situação o inspirou a compor, ao la-
do do irmão, Favelado Também Pode, com uma letra que se
mostraria profética: “Um dia dou uma casa para a minha
mãe / Sem precisar segurar no revólver / Fazer 2 000 em
compras lá em casa / 10 000 de compras lá no shopping”.
Com o nome artístico de MC Caverinha, Kauê e o irmão,
o MC Kayblack, são hoje astros nacionais do gênero conhe-
cido como trap — variação mais melódica e radiofônica do
rap. Ambos foram incluídos em 2022 na lista da Forbes Un-
der 30, que elencou jovens que se destacaram no mercado

2|5
CLUBE DE REVISTAS
PAULO BELOTE/TV GLOBO

EMERGENTES
Cabelinho e a
noiva, Bella
Campos (acima),
e o paulista
Caverinha (à
esq.): ascensão
radical
INSTAGRAM @MCCAVERINHA

3|5
CLUBE DE REVISTAS

por seu faturamento e impacto social. Não à toa: desde o iní-


cio do ano, o trap tomou os primeiros lugares das paradas,
despontando como o único estilo musical capaz de desafiar
o domínio de décadas do sertanejo nas paradas. Agora, as
duplas sertanejas estão sendo substituídas por nomes como
Matuê, Veigh, Filipe Ret, Ryu the Runner, Sidoka e Tasha &
Tracie. “O trap chega para competir pelo topo”, diz Diana
Bouth, gerente da gravadora Som Livre.
Saídos da periferia, os ídolos do trap ainda se encontram
fora do radar de muita gente. Mas não se engane: eles hoje
são cultuados por milhões, especialmente entre os adoles-
centes de classe média. O sucesso é visível em shows — o
cachê das principais estrelas pode bater nos 250 000 reais.
Os irmãos Caverinha e Kayblack chegam a fazer dez apre-
sentações por semana e assinaram recentemente contratos
de publicidade com as marcas de luxo Lacoste — a mais
amada pelos trappers — e Hugo, antiga Hugo Boss.
Ambos foram descobertos pela produtora GR6, fundada
pelo pernambucano Rodrigo Oliveira, de 38 anos. Ele inves-
tiu 50 milhões de reais em um complexo de estúdios na Zo-
na Norte de São Paulo, onde seus 120 artistas chegam a gra-
var sessenta videoclipes por mês. O trap já chegou até ao ho-
rário nobre: o carioca Victor Hugo Oliveira do Nascimento,
o MC Cabelinho, 27, criado numa favela do Rio, atraiu a
atenção da Globo — e atualmente interpreta um galãzinho
na novela Vai na Fé. Nos bastidores, conheceu sua noiva, a
atriz Bella Campos.

4|5
CLUBE DE REVISTAS

Nascido no Sul dos Estados Unidos, o trap tem letras que


versam sobre ostentação, superação e problemas sociais —
ainda que, assim como o funk, não dispensem menções na-
da sutis ao sexo. O fenômeno que sintetiza a receita é o cea-
rense Matheus Brasileiro Aguiar — o Matuê. O trapper de
29 anos acumula vinte músicas com mais de 100 milhões
de reproduções — o que faz dele um dos artistas mais ouvi-
dos no país hoje. No ano passado, seus shows no Lollapa-
looza e no Rock in Rio arrastaram multidões. Neste ano, ele
será uma das principais atrações do The Town, versão pau-
listana do Rock in Rio.
Em versos, fotos e clipes, o trap também celebra de modo
ostensivo o consumo de maconha. As letras de Matuê falam
com naturalidade sobre a Cannabis — interesse partilhado
por outro trapper, o carioca Filipe Ret, 38. Em meados do
ano passado, Ret foi detido por supostamente ter distribuído
maconha numa festa. Enquanto isso, ironicamente, ele fatu-
ra com uma marca de Cannabis legalizada nos Estados Uni-
dos. Das grifes à erva proibida, a ostentação do trap segue
em ritmo forte. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
CULTURA PROPAGANDA

NA ROTA DA
NOSTALGIA
O comercial que revive Elis Regina num dueto
póstumo com a filha comove fãs e atesta a força
espantosa dos recursos da inteligência artificial
AMANDA CAPUANO E KELLY MIYASHIRO

MÃE E FILHA Maria Rita e Elis no filme


da Volkswagen: viagem altamente emotiva

VW/DIVULGAÇÃO

1|5
CLUBE DE REVISTAS

O VÍDEO tem apenas dois minutos, mas foi suficiente para


sacudir a propaganda brasileira como há muito não se via —
e, claro, provocar furor nas redes sociais. Divulgado na últi-
ma terça, 4, o filme publicitário que marca os setenta anos da
Volkswagen no país não fez barulho por pouco: a peça inves-
te numa conexão altamente emotiva entre presente e passa-
do, ao juntar uma mãe e sua filha em versões da velha e boa
perua Kombi, no modelo clássico dos anos 1970 e em sua
reencarnação elétrica, a ID.Buzz, que será vendida no país
em edição limitada pela montadora. Ocorre que a filha em
questão é a cantora Maria Rita, atualmente aos 45 anos — e
a mãe, ninguém menos do que Elis Regina, ícone incontorná-
vel da MPB, morta em 1982, quando a rebenta tinha 4 anos.
O dueto póstumo em que ambas entoam Como Nossos
Pais, canção de Belchior (1946-2017) imortalizada por Elis,
foi possível graças ao uso da inteligência artificial — e causou
comoção de imediato. Desde que foi lançado, o comercial so-
mou mais de 1 milhão de visualizações no YouTube e
650 000 no Twitter. A postagem de Maria Rita no Instagram
recebeu elogios de famosos como Sandy, Giovanna Ewbank
e Maria Gadú. Enquanto acompanhava o presidente Lula na
cúpula do Mercosul, em Buenos Aires, a primeira-dama Jan-
ja compartilhou o vídeo e se disse emocionada: “7 e pouco da
manhã aqui na Argentina e eu me acabando de chorar”.
De fato, fazia anos que um comercial não furava a bolha
da mera “polêmica” para se converter em assunto do dia
entre os brasileiros. A realização impecável e a atmosfera

2|5
CLUBE DE REVISTAS
PAULO SALOMÃO

CELEUMA Belchior: uso de canção


antiditadura gera debate se ele aprovaria

idílica certamente têm peso importante no sucesso. “A pu-


blicidade brasileira estava precisando de um trabalho com
essa pegada emocional, capaz de encantar as pessoas”, diz
Washington Olivetto, profissional renomado do setor. Mas
é óbvio que a façanha de reviver Elis Regina de forma tão
vívida e hiper-realista na tela é o grande chamariz do pa-
cote. Isso foi possível graças à técnica conhecida como
deep fake: as expressões da cantora foram aprendidas e
emuladas por um software, e depois aplicadas sobre o ros-
to de uma dublê. “Elis é a maior voz que esse país já teve, e
tem uma filha que dá continuidade a seu legado. Isso nos
fez pensar que seria incrível tê-las na campanha”, diz Mar-
co Giannelli, líder da campanha na agência AlmapBBDO.

3|5
CLUBE DE REVISTAS

A família da artista aprovou o resultado. “Foi tudo feito


com carinho e respeito. Emocionou profundamente a Ma-
ria Rita e me emocionou também”, diz o produtor João
Marcello Bôscoli, filho mais velho da estrela. A viagem
nostálgica proporcionada pela IA teve o mérito, ainda, de
reavivar a memória musical de Elis, ampliando seu apelo
junto à nova geração. Da noite para o dia, a procura pelos
discos e canções da artista explodiu em serviços de strea-
ming como o Spotify. Foram 3 milhões de audições em 24
horas — performance puxada por Como Nossos Pais.
Para a Volkswagen, a repercussão da campanha não foi
menos atraente. Nas redes sociais da companhia, o filme
teve 98,5% de menções positivas — resultado considerado
excepcional. Ainda que a ideia não tenha escapado de po-
lêmicas: nas redes, houve quem criticasse o fato de que
uma empresa que teve laços históricos comprovados com a
ditadura pudesse se utilizar da imagem de Elis, notória
opositora do regime — e se Belchior aprovaria o uso da sua
canção para tal fim, já que ela é também um libelo poético
contra os militares. Os herdeiros de Elis minimizam a ce-
leuma. “Ou a gente anda para a frente e perdoa ou vamos
fazer uma revisão de tudo”, diz João Marcello Bôscoli.
Apesar da enorme e merecida repercussão, a Volks não
vai ter ganhos financeiros diretos com a campanha. Só um
lote de setenta unidades do produto em destaque, a “nova
Kombi”, chegará ao mercado nacional até o fim deste ano.
“Não é uma campanha para vender carro, é uma homena-

4|5
CLUBE DE REVISTAS

gem aos brasileiros, celebrando o passado e projetando o


futuro”, afirma Sergio Katz, executivo da AlmapBBDO.
Independentemente disso, vale lembrar que não é de
hoje o esforço da montadora para achar um substituto por
aqui do veículo. O Brasil foi o único país que manteve ativa
a linha de produção da Kombi, até encerrá-la em 2013,
após quase seis décadas. Nos últimos tempos, mesmo se
mostrando antiquado, o carro ainda tinha compradores
em razão do preço competitivo. Agora é outra história. Co-
mo diz a letra cantada na propaganda por Maria Rita e
Elis, o ressurgimento dela no formato elétrico é a prova de
que o novo sempre vem, mesmo para quem ama o passado
— brilhantemente incensado pela campanha que pagou
um belo pedágio à nostalgia. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
CULTURA TELEVISÃO

A ARTE DA
CRÍTICA SOCIAL
Expoente da nova geração de autores da Globo, Lucas
Paraizo traça um retrato demolidor da classe média em
Os Outros, um dos grandes sucessos do streaming nacional
KELLY MIYASHIRO

TALENTO
O dramaturgo:
habilidade em
colocar em cena
personagens e
histórias próximos
da realidade

ESTEVAM AVELLAR/TV GLOBO

1|5
CLUBE DE REVISTAS

APÓS um acontecimento trágico atingir seu marido, Mi-


la (Maeve Jinkings) se vira para o filho adolescente, Ro-
gério (Paulo Mendes), e diz, em meio às lágrimas: “So-
mos só eu e você”. A catarse que abre o oitavo capítulo da
demolidora série nacional Os Outros, cujo último de doze
capítulos acaba de chegar ao Globoplay, é inspirada em
uma tragédia pessoal do autor da trama. Lucas Paraizo,
jornalista vertido em dramaturgo, perdeu o pai aos 12
anos em um assalto no Rio de Janeiro. “Foi algo que mar-
cou muito minha vida, meu pai era minha grande refe-
rência. Quando ele morreu, minha mãe me disse a mes-
ma coisa que a Mila nessa cena. A segurança que ela me
deu foi algo que busquei inserir na série”, contou Paraizo
em entrevista a VEJA.
Apoiado nessa habilidade em transformar momentos
singelos em sequências impactantes, Paraizo vem se fir-
mando como uma das maiores revelações da nova safra
de autores da Globo. Prova disso foi seu trabalho na in-
tensa Sob Pressão, série dramática sobre um hospital pú-
blico do Rio de Janeiro. Encarregado por Guel Arraes e
Jorge Furtado de roteirizar o projeto em 2016, o autor
traduziu a rotina exaustiva de médicos do SUS de forma
tocante e nada enfadonha — mesmo competindo com di-
versas produções gringas do mesmo estilo. “Diante da vi-
da e da morte, todos fazem uma revisão da própria exis-
tência”, analisa o autor. Com um currículo que inclui ou-
tras produções ilustres da emissora, como a colaboração

2|5
CLUBE DE REVISTAS
ESTEVAM AVELLAR/TV GLOBO

CATARSE Os Outros briga de adolescentes


:

desencadeia guerra entre vizinhos

no texto de Justiça (2016), série de Manuela Dias que ga-


nhou duas indicações ao Emmy, Lucas agora chega ao
melhor momento de sua carreira com Os Outros, série
que estreou em 31 de maio e já se tornou o programa
mais consumido do Globoplay.
Ambientada em um condomínio na Barra da Tijuca, a
trama retrata com maestria certa parcela da classe média
carioca emparedada entre o desejo de ascensão social e
uma realidade sufocada pelo tédio e ressentimento. A bri-
ga dos adolescentes Marcinho (Antonio Haddad) e Rogé-
rio na quadra esportiva do conjunto de prédios desenca-
deia uma guerra entre seus pais, que embarcam em uma
senda de vingança e ódio. Baseada num argumento de

3|5
CLUBE DE REVISTAS
JOÃO FAISSAL/TV GLOBO

SUS NA TELA Sob Pressão: série médica


retratava caos na saúde pública

Fernanda Torres, a história demole a fachada de normali-


dade e progresso: as pessoas aparentemente pacíficas que
residem ali estão à beira de um colapso individual e co-
munitário. É a raiva que leva Cibele, a mãe obcecada pelo
filho vivida por uma afiada Adriana Esteves e esposa do
passivo Amâncio (Thomás Aquino), a comprar uma arma
de um vizinho miliciano sob a justificativa de proteger sua
família do violento Vando (Milhem Cortaz). A série sub-
verte a ideia de segurança e calmaria que os condomínios
tentam passar — nada poderia estar menos seguro, afinal,
com vizinhos como aqueles.
É crítica social de primeira, enfim, o quitute que Pa-
raizo, de 45 anos, oferece ao espectador. Filho de um ar-

4|5
CLUBE DE REVISTAS

quiteto carioca e de uma nutricionista gaúcha, ele come-


çou a trabalhar cobrindo o Carnaval pela Globo no fim
da década de 1990, enquanto cursava jornalismo na PU-
C-Rio. Logo bandeou-se para as artes movido pelo dese-
jo de trabalhar com ficção. Mudou-se, em 2001, do Rio
para Cuba, onde fez um curso de roteiro. Depois, engatou
pós-graduação e mestrado na Espanha. De volta ao Bra-
sil, após dez anos no exterior, conquistou seu primeiro
trabalho de roteirista ao se juntar à equipe de colabora-
dores da série A Teia (2014), de Carolina Kotscho e Bráu-
lio Mantovani, já na Globo — onde atua até hoje, com
projetos ambiciosos (e ainda mantidos em segredo) deli-
neados para os próximos anos.
Parceira de trabalho de Lucas, Luisa Lima, diretora de
Os Outros, atesta o talento do colega para tratar de assun-
tos da vida real, adicionando-lhe camadas de absurdo
com delicadeza. “Lucas transforma qualquer narrativa
num texto claro, com estrutura impecável”, elogia. Em Os
Outros, essa marca criativa expõe um microcosmo que
não é só carioca, mas 100% nacional — e cujos dilemas
explicam tanta coisa, inclusive a polarização insana. Ain-
da assim, não é nunca um retrato niilista. Como ele mes-
mo frisa: “Há violência, mas também o amor familiar”. O
Brasil pode não ser bem o paraíso — mas agora temos al-
guém capaz de traduzi-lo. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
CULTURA LIVROS

O ENREDO DE UMA
TERRA DIVIDIDA
Com seu novo romance, a escritora Ayòbámi Adébáyò
reafirma a força da literatura produzida na Nigéria, nação
que sintetiza as alegrias e conflitos da África moderna
DIEGO BRAGA NORTE

TALENTOSA
Ayòbámi: retrato
carregado de
humanidade de
um país que luta
para superar
suas antigas
mazelas

TOMIWA AJAYI

1|5
CLUBE DE REVISTAS

A NIGERIANA Ayòbámi
Adébáyò tinha apenas 2 anos
quando seu conterrâneo Wole
Soyinka ganhou o Nobel de Li-
teratura — o primeiro para um
escritor da África Subsaariana.
Na época, em 1986, o prêmio
foi visto como um incentivo
para o mundo africano das le-
tras se globalizar e se livrar de
adjetivos preconceituosos co-
mo “exótico” ou “tribal”. Me-
nos de quatro décadas depois,
o continente já conquistou seu A HERANÇA DOS
espaço. A Nigéria se destaca e, BEM-AVENTURADOS,
agora uma adulta de 35 anos, de Ayòbámi Adébáyò
Ayòbámi lidera uma talentosa (tradução de Bruno Ribeiro;
safra de escritores do país com HarperCollins Brasil; 366
repercussão global. páginas; 64,90 reais e
Acaba de sair no Brasil A 44,90 reais em e-book)
Herança dos Bem-Aventura-
dos, segundo romance da autora, publicado concomitante-
mente na Nigéria, Reino Unido e Estados Unidos (escrever
em inglês ajuda na conquista global). O livro conta a história
de dois jovens que vivem realidades distintas numa mesma
cidade. Eniolá é um adolescente de 16 anos e quer continuar
estudando num colégio particular, mas seu pai está desem-

2|5
CLUBE DE REVISTAS

pregado e sua família mal consegue se alimentar regular-


mente. Wúràolá é uma brilhante jovem médica de 28 anos
que está fazendo residência e se prepara para seu casamen-
to. Enquanto a vida de Eniolá é uma incógnita devido às ba-
talhas diárias de sua família em busca de bicos, emprésti-
mos, favores e até mendicância, o sucesso de Wúràolá foi
planejado desde o berço. Filha de uma família abastada e
influente, ela apenas segue o projeto de seus pais, garantin-
do uma ótima carreira e prestes a se casar com um jovem de
sua classe social.
Os capítulos alternam-se entre os dois protagonistas, mas
aos poucos as histórias se cruzam de modo inesperado, mas
verossímil. O último terço do livro é de tirar o fôlego, cheio de
acontecimentos arrebatadores. Com escrita
envolvente e descrições precisas, a autora
LEONARDO CENDAMO/GETTY IMAGES
salpica a narrativa com diversas expres-
sões em iorubá, uma das mais de cinco
centenas de línguas vivas da Nigéria.
Pena que a edição brasileira não tra-
ga notas as traduzindo: perde-se
um pouco do tempero local e da
força da obra original.

ESTRELA
Chimamanda:
autora best-seller
made in Nigéria

3|5
CLUBE DE REVISTAS

ANGELA WEISS/AFP
PRESTÍGIO Soyinka: Nobel do dramaturgo
abriu portas para africanos

Apesar do deslize no lançamento, o talento de Ayòbámi re-


vela-se atrás do enredo aparentemente simples. É na paisagem
social, nos contextos e relações dos personagens que as ten-
sões emergem com força. O pai de Eniolá foi um estudante de-
dicado que se formou em história, mas não consegue emprego
como professor. Já o namorado de Wúràolá foi um aluno regu-
lar e não trabalha, mas ajuda a carreira política de seu pai.
Com a maior população e economia da África, a Nigéria
costuma ser apontada como um “país do futuro” — epíteto
que os brasileiros conhecem bem, com conotações de dádi-
va ou maldição. Colônia britânica até 1960, o país atraves-
sou uma violenta guerra civil e ditaduras militares. A de-
mocracia só chegaria em 1999. Sétima maior exportadora
de petróleo do mundo, a nação vem conseguindo se estru-

4|5
CLUBE DE REVISTAS

turar financeiramente, mas ainda não obteve êxito em apla-


car a miséria, enorme desigualdade social, corrupção e
uma constante tensão política que com frequência explode
em episódios violentos.
É essa a Nigéria tão bem retratada por Ayòbámi: um país
que luta para se desenvolver, mas ainda está amarrado a
seus problemas sociais e políticos. Miseráveis e ricos fre-
quentam os mesmos mercados de ruas, contatos contam
mais que diplomas, brutalidade e ternura convivem na mes-
ma sociedade. A mãe e as tias de Wúràolá combatem o ma-
chismo de seus maridos com ganância e obstinação: são leo-
as que, à sua maneira, lutam por um futuro para suas proles.
Os amigos de Eniolá querem celulares novos e roupas da
moda, nem que para isso tenham de se envolver com cri-
mes. Patriarcas ricos entram na política por objetivos pesso-
ais, e usam o poder como uma ferramenta para enriqueci-
mento e prestígio. Ainda assim, a Nigéria de Ayòbámi revela
uma maravilhosa paleta de humanidade, afeto e alegria na
mesma proporção que abriga violência, cobiça e tristeza.
Num ensaio dos anos 80, no calor do Nobel de Soyinka, o
africanista americano Bernth Lindfors escreveu que o nige-
riano tinha “batido o homem branco em seu próprio jogo”, a
literatura. Se a escritora Chimamanda Adichie tornou-se uma
best-seller mundial made in Nigéria e Uzodinma Iweala teve
seu Feras de Lugar Nenhum adaptado e popularizado num
filme da Netflix, Ayòbámi surge como uma das mais promis-
soras seguidoras dos passos de Soyinka. Não é pouco. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
CULTURA VEJA RECOMENDA

PODER
FEMININO
Elle Fanning
e Nicholas Hoult
em The Great: uma
rainha gloriosa e
seu marido
trapalhão

CHRISTOPHER RAPHAEL/HULU
TELEVISÃO
THE GREAT — TERCEIRA TEMPORADA
(disponível no Lionsgate+ a partir de 14 de julho)
A princesa Sofia de Anhalt-Zerbst tinha apenas 16 anos quando
se casou com Karl Peter Unrich. Rebatizados de Catarina e Pe-
dro, o casal assumiu o Império Russo em 1762, mas Pedro du-
rou menos de um ano no trono, deixando o reinado à esposa —
que passou à história como Catarina, a Grande. Criação do aus-
traliano Tony McNamara, The Great transpõe a história para as
telas com um ar satírico irresistível e liberdade poética: Pedro
(Nicholas Hoult ) é filho do Pedro original, e já é czar quando se
casa com Catarina (Elle Fanning), que só pensa em formas de
dar um golpe no marido. Na nova leva de episódios, o casal ten-
ta se reconciliar após desavenças que vão de traição com a so-
gra a uma tentativa de assassinato. Enquanto isso, Catarina se
aprofunda na politicagem russa para turbinar seu poder.

1|8
CLUBE DE REVISTAS

CINEMA
O CRIME É MEU (Mon Crime, França, 2023; em cartaz no país)

CAROLE BETHUEL/IMOVISION
MULHERES O Crime É Meu: nova comédia
de François Ozon fustiga machismo

Em sua nova comédia, o diretor francês François Ozon volta


a falar do universo feminino com a imaginação revelada em
filmes como 8 Mulheres (2002). Na Paris dos anos 1930, a
atriz Madeleine (Nadia Tereszkiewicz) é acusada de assassi-
nato, mas luta para provar sua culpa — mesmo sem ser autora
do crime. Ao lado da advogada Pauline (Rebecca Marder), ela
descobre que o circo midiático ao redor do julgamento ala-
vanca sua carreira e, logo, se rende à narrativa. Quando a real
homicida (Isabelle Huppert) surge, porém, tudo que conquis-
tou se esvai. Com humor, Ozon fustiga o machismo e alfineta
o mundo do showbiz.

2|8
CLUBE DE REVISTAS

LIVRO
PELAS RUAS QUE ANDEI,
de Julio Moura (Cepe; 592 páginas; 70 reais e 35 reais em e-book).
Figura lendária da MPB, o pernambucano Alceu Valença,
77 anos, até hoje não havia ganhado uma biografia. Lacu-
na agora preenchida pelo jornalista Julio Moura, que con-
viveu por anos com o artista. A obra acompanha Alceu
desde a infância em São Bento do Una até o sucesso nacio-
nal com hits como La Belle de Jour e Anunciação. A pes-
quisa é permeada por vasto acervo de imagens, histórias
das composições e causos impagáveis — como quando
censores da ditadura diziam não entender suas letras. ƒ

3|8
CLUBE DE REVISTAS
CULTURA OS MAIS VENDIDOS

OS MAIS VENDIDOS
FICÇÃO
1 é AssIm que AcABA
i- Colleen Hoover [1 | 97#] GALERA RECORD
u 2 é AssIm que começA
os Colleen Hoover [2 | 35] GALERA RECORD
o 3 A BIBlIotecA dA meIA-noIte
o Matt Haig [4 | 45#] BERTRAND BRASIL

o, 4 onde estão As flores?


Ilko Minev [3 | 12#] BUZZ
ue
a 5 VerItY
Colleen Hoover [6 | 63#] GALERA RECORD
y
6 tudo é rIo
s- Carla Madeira [5 | 44#] RECORD
o 7 todAs As suAs ImPerfeIções
o Colleen Hoover [8 | 61#] GALERA RECORD
i- 8 A reVolução dos BIchos
m George Orwell [7 | 228#] VÁRIAS EDITORAS

sa 9 os sete mArIdos de eVelYn hugo


Taylor Jenkins Reid [0 | 98#] PARALELA
i-
al 10 A gArotA do lAgo
Charlie Donlea [10 | 161#] FARO EDITORIAL
as

4|8
CLUBE DE REVISTAS

NÃO FICÇÃO
1 BoX rItA lee
Rita Lee [0 | 1] GLOBO LIVROS

2 rItA lee: outrA AutoBIogrAfIA


Rita Lee [1 | 6] GLOBO LIVROS

3 em BuscA de mIm
Viola Davis [4 | 45#] BEST SELLER

4 rItA lee: umA AutoBIogrAfIA


Rita Lee [2 | 66#] GLOBO LIVROS

5 sAPIens: umA BreVe hIstórIA dA humAnIdAde


Yuval Noah Harari [5 | 329#] L&PM/COMPANHIA DAS LETRAS

6 o reI dos dIVIdendos


Luiz Barsi Filho [6 | 18#] SEXTANTE

7 socIedAde do cAnsAço
Byung-Chul Han [8 | 46#] VOZES

8 mulheres que correm com os loBos


Clarissa Pinkola Estés [0 | 162#] ROCCO

9 cAsulo
Cai Chongda [0 | 1] ALTA LIFE

10 o dIárIo de Anne frAnK


Anne Frank [0 | 311#] VÁRIAS EDITORAS

5|8
CLUBE DE REVISTAS

as
ma AUTOAJUDA E ESOTERISMO
s- 1 A Intenção PrImeIrA
a- Eduardo Moreira [1 | 2] CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA

2 os segredos dA mente mIlIonárIA


T. Harv Eker [6 | 423#] SEXTANTE

3 7+1 PAssos PArA conquIstAr tudo


o que mAIs sonhou Luiz Hota [5 | 3] GENTE

4 o homem mAIs rIco dA BABIlônIA


o George S. Clason [0 | 131#] HARPERCOLLINS BRASIL

5 cAfé com deus PAI


Junior Rostirola [2 | 26#] VIDA

6 mAIs esPerto que o dIABo


Napoleon Hill [10 | 214#] CITADEL

7 como fAZer AmIgos & InfluencIAr


PessoAs Dale Carnegie [7 | 91#] SEXTANTE

8 háBItos AtômIcos
James Clear [9 | 13#] ALTA BOOKS
a
9 o segredo dAs emPresAs de sucesso
n- Gabriel Leite e Bruno Soares [0 | 1] GENTE
a-
10 A PsIcologIA fInAnceIrA
a Morgan Housel [0 | 6#] HARPERCOLLINS BRASIL
u-

6|8
CLUBE DE REVISTAS

INFANTOJUVENIL
1 corte de chAmAs PrAteAdAs
Sarah J. Maas [0 | 12#] GALERA RECORD

2 corte de esPInhos e rosAs


Sarah J. Maas [0 | 55#] GALERA RECORD

3 Até o Verão termInAr


Colleen Hoover [4 | 70#] GALERA RECORD

4 corte de néVoA e fúrIA


Sarah J. Maas [0 | 19#] GALERA RECORD

5 gIrls lIKe gIrls


Hayley Kiyoko [7 | 2] INTRÍNSECA

6 hArrY Potter e A PedrA fIlosofAl


J.K. Rowling [3 | 394#] ROCCO

7 AmêndoAs
Won-pyung Sohn [10 | 9#] ROCCO

8 mAnuAl de AssAssInAto PArA BoAs


gArotAs Holly Jackson [6 | 21#] INTRÍNSECA

9 corte de AsAs e ruínA


Sarah J. Maas [0 | 14#] GALERA RECORD

10 o Pequeno PríncIPe
Antoine de Saint-Exupéry [2 | 379#] VÁRIAS EDITORAS

7|8
CLUBE DE REVISTAS

[A|B#] — A] posição do livro na semana anterior B] há quantas semanas


o livro aparece na lista #] semanas não consecutivas

Pesquisa: BookInfo / Fontes: Aracaju: Escariz, Saraiva, Balneário Camboriú: Curitiba, Barra
Bonita: Real Peruíbe, Barueri: Saraiva, Belém: Leitura, Saraiva, SBS, Belo Horizonte: Disal,
Leitura, SBS, Vozes, Bento Gonçalves: Santos, Betim: Leitura, Blumenau: Curitiba, Brasília:
Disal, Leitura, Livraria da Vila, Saraiva, SBS, Vozes, Cabedelo: Leitura, Cachoeirinha:
Santos, Campina Grande: Leitura, Campinas: Disal, Leitura, Livraria da Vila, Loyola,
Saber e Ler, Vozes, Campo Grande: Leitura, Saraiva, Campos dos Goytacazes: Leitura,
Canoas: Santos, Capão da Canoa: Santos, Caruaru: Leitura, Cascavel: A Página, Caxias do Sul:
Saraiva, Colombo: A Página, Confins: Leitura, Contagem: Leitura, Cotia: Prime, Um Livro,
Criciúma: Curitiba, Cuiabá: Saraiva, Vozes, Curitiba: A Página, Curitiba, Disal,
Evangelizar, Livraria da Vila, SBS, Vozes, Florianópolis: Curitiba, Livrarias
Catarinense, Saraiva, Fortaleza: Evangelizar, Leitura, Saraiva, Vozes, Foz do Iguaçu: A
Página, Kunda Livraria Universitária, Franca: Saraiva, Frederico Westphalen: Vitrola,
Goiânia: Leitura, Palavrear, Saraiva, SBS, Governador Valadares: Leitura, Gramado: Mania
de Ler, Guaíba: Santos, Guarapuava: A Página, Guarulhos: Disal, Livraria da Vila, Leitura,
SBS, Ipatinga: Leitura, Itajaí: Curitiba, Jaú: Casa Vamos Ler, João Pessoa: Leitura,
Saraiva, Joinville: A Página, Curitiba, Juiz de Fora: Leitura, Saraiva, Vozes, Jundiaí:
Leitura, Saraiva, Limeira: Livruz, Lins: Koinonia Livros, Londrina: A Página, Curitiba,
Livraria da Vila, Macapá: Leitura, Maceió: Leitura, Saraiva, Maringá: Curitiba, Mogi das
Cruzes: Leitura, Saraiva, Natal: Leitura, Saraiva, Niterói: Blooks, Saraiva, Nova Iguaçu:
Saraiva, Palmas: Leitura, Paranaguá: A Página, Pelotas: Vanguarda, Petrópolis: Vozes,
Olinda: Saraiva, Osasco: Saraiva, Poços de Caldas: Livruz, Ponta Grossa: Curitiba, Porto Alegre:
A Página, Cameron, Cultura, Disal, Leitura, Santos, Saraiva, SBS, Porto Velho:
Leitura, Recife: Disal, Leitura, Saraiva, SBS, Vozes, Ribeirão Preto: Disal, Livraria da
Vila, Saraiva, Rio Claro: Livruz, Rio de Janeiro: Blooks, Disal, Janela, Leitura, Saraiva,
SBS, Rio Grande: Vanguarda, Salvador: Disal, Escariz, LDM, Leitura, Saraiva, SBS, Santa
Maria: Santos, Santana de Parnaíba: Leitura, Santo André: Disal, Leitura, Saraiva, Santos:
Loyola, Saraiva, São Bernardo do Campo: Leitura, São Caetano do Sul: Disal, Livraria da Vila,
São João de Meriti: Leitura, São José: A Página, Curitiba, São José do Rio Preto: Leitura,
Saraiva, São José dos Campos: Curitiba, Leitura, São José dos Pinhais: Curitiba, São Luís:
Leitura, São Paulo: A Página, Cedet, Cult Café Livro Música, Cultura, Curitiba, Disal,
Drummond, Leitura, Livraria da Vila, Loyola, Megafauna, Nobel Brooklin, Saraiva,
SBS, Vozes, WMF Martins Fontes, Serra: Leitura, Sete Lagoas: Leitura, Sorocaba:
Saraiva, Taboão da Serra: Curitiba, Taguatinga: Leitura, Taubaté: Leitura, Teresina: Leitura,
Uberlândia: Leitura, Saraiva, SBS, Umuarama: A Página, Vila Velha: Leitura, Saraiva,
Vitória: Leitura, SBS, Vitória da Conquista: LDM, Votorantim: Saraiva, internet: A Página,
Amazon, Americanas.com, Authentic E-commerce, Boa Viagem E-commerce,
Bonilha Books, Cultura, Curitiba, Leitura, LT2 Shop, Magazine Luiza, Saraiva,
Shoptime, Submarino, Vanguarda, WMF Martins Fontes

8|8
CLUBE DE REVISTAS

JOSÉ CASADO

CABEÇA DE ELEITOR
O TEMPO passou na janela e os eleitores mudaram ra-
dicalmente de direção em pequenas e médias cidades do
Norte, do Sul e do Centro-Oeste, onde houve um aumen-
to recorde de população.
Em Senador Canedo (GO), por exemplo, o número de
habitantes cresceu 84%. A cidade vizinha a Goiânia pas-
sou de 84 400 para 155 600 residentes seduzidos pelas
oportunidades de renda no entorno de um polo petro-
químico vital para o agronegócio no Centro-Oeste.
Em 2010, quando Lula se despedia do poder, Senador
Canedo reafirmou-se como reduto petista. Deu 55,5%
dos votos a Dilma Rousseff. Uma dúzia de anos depois,
presenteou Jair Bolsonaro com 59,4%.
Esse enredo político repetiu-se em Fazenda Rio
Grande (PR), na região metropolitana de Curitiba, on-
de a população aumentou 82,3%, para 149 000. Tam-
bém aconteceu em Parauapebas (PA), a 750 quilôme-
tros de Belém, que cresceu 73% e agora abriga 266 400
pessoas. Reproduziu-se em 18 das 20 cidades com
maior crescimento populacional verificado pelo IBGE
no ano passado.

1|4
CLUBE DE REVISTAS

O mapa eleitoral mudou com a marcha para o interior,


sobretudo ao Centro-Oeste e Norte, e mudanças relevan-
tes no pedaço do país que sociólogos chamam de “Brasil
profundo”. Quatro de cada dez brasileiros agora moram
em pequenos municípios, aqueles com menos de 100 000
habitantes. São 87,3 milhões de pessoas, que representam
43% da população (total de 203 milhões). E a ampla
maioria (73,1%) reside em localidades com menos de
500 000 habitantes.
Contam-se 319 metrópoles. São núcleos de classe mé-
dia urbana, onde se concentram 115,5 milhões de pessoas,
57% da população. Pela régua da cultura musical popular,
o gênero sertanejo predomina. No último verão, seis dos
dez artistas nacionais mais tocados na plataforma Spotify
nasceram no Centro-Oeste.
A força do interior é consequência da expansão da
agricultura, da pecuária e da indústria extrativista. Os
reflexos são visíveis no cenário político. Líderes de orga-
nizações autoproclamadas de esquerda não ocultam per-
plexidade com a resiliência de uma certa ideia de con-
servadorismo e sua influência nas eleições da última dé-
cada e meia.
No Partido dos Trabalhadores, por exemplo, ainda ten-
ta-se decifrar o enigma de Lula nas urnas de Minas Ge-
rais no ano passado. Ele saiu do primeiro turno com
560 000 votos à frente do adversário. Três semanas de-
pois, venceu a segunda rodada com apenas 49 000 votos

2|4
CLUBE DE REVISTAS

“Surge um novo mapa


eleitoral e um outro
tipo de radicalismo”
de vantagem num eleitorado de 16 milhões — mais de dois
terços vivendo em 819 pequenas e médias cidades fora da
região metropolitana.
A esquerda não está solitária na busca de respostas.
Líderes da direita habituada a comer de garfo e faca
também tentam entender a natureza das transforma-
ções. O Censo sugere a necessidade de mais atenção às
alterações no meio ambiente dos eleitores do que à per-
sonalidade do político extremista que surfou nas urnas
entre 2018 e 2022.
“Bolsonaro não criou a demanda por ideias mais con-
servadoras, elas estavam aí muito antes dele”, observa Le-
onardo Barreto, da Vector. “Agora, mesmo com ele fora
do jogo, é preciso muito cuidado, porque estamos cami-
nhando para um novo radicalismo. O governador de Mi-
nas, Romeu Zema, está aí dizendo que o país que trabalha
não quer mais sustentar o país que não trabalha. Fomen-
ta-se a ideia de que existe um partido que quer manter as
pessoas dependentes do estado, em programas sociais, em
contraste com propostas focadas no liberalismo, no em-

3|4
CLUBE DE REVISTAS

preendedorismo. O Lula gosta de enfatizar a ideia de que


tem gente que só toma café, almoça e janta pela existência
dele. Se não mudar, vai manter acesa esse tipo de polari-
zação, que é muito perigosa.”
Creomar de Souza, da Dharma Politics, acrescenta: “A
lógica do país mudou nessa última década e meia sem o
Censo: um pedaço da população que lutava para sobrevi-
ver mudou, passou a dizer: ‘Resolvi meu problema de so-
brevivência, agora quero prosperar’. E aí o que surgiu de
novidade na esquerda? Foi o discurso sobre identidades,
importante, mas que só atende parcela pequena da socie-
dade. Quando o foco discursivo fica numa temática, en-
trega-se para o outro lado todo o restante. Colocar o ad-
versário num espaço de vilania talvez já não seja suficien-
te para ganhar a eleição. É preciso oferecer meios de me-
lhoria de vida. Isso explica por que determinados estratos
da população foram se afastando do discurso do petismo,
e criou-se uma demanda eleitoral diferente”.
A novidade é a mudança na cabeça do eleitor. ƒ

ƒ Os textos dos colunistas não refletem


necessariamente as opiniões de VEJA

4|4
CLUBE DE REVISTAS
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