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CARTA AO LEITOR

KEYSTONE/GETTY IMAGES RICARDO STUCKERT/PR

E O DEVER DE CASA?
Winston Churchill e Lula em
São Tomé e Príncipe:
presidente brasileiro fez 21
viagens ao exterior

DE TIJOLINHO
EM TIJOLINHO
UM DOS MAIS BRILHANTES estadistas do planeta, o
britânico Winston Churchill (1874-1965) tinha a rara habili-
dade de tocar um país em condições adversas. Ele conduziu
o Reino Unido durante a II Guerra Mundial, sem nunca dei-
xar de proferir discursos certeiros sobre política, economia e
o cotidiano dos cidadãos. Entre tantas frases memoráveis,
uma poderia ser repetida todos os dias no Palácio do Planal-

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to pelo presidente Lula e seus principais subordinados:


“O esforço contínuo é a chave para desbloquear o seu poten-
cial”. O conselho de Churchill, que exalta o trabalho e a per-
sistência, cai sob medida para o momento atual do Brasil.
Poucos países estão tão bem posicionados no mundo pós-
pandemia. Graças à boa atuação do Banco Central, a infla-
ção está controlada, os empregos estão sendo criados e a
economia pode crescer em torno de 3% apenas neste ano.
Quando se olha para o futuro, há avenida de prosperidade
em temas como transição energética e produção de alimen-
tos. Podemos, ainda, nos beneficiar de movimentos como o
nearshoring (o deslocamento de fábricas da Ásia para países
mais próximos dos Estados Unidos).
Embora as condições sejam favoráveis, a questão cen-
tral é que, depois de quase um ano no governo, muito foi
dito e desdito, em infindável vaivém, e muito pouco foi
realizado. Sem dúvida, é fundamental ter habilidade no
discurso, como Lula demonstra. A boa articulação política
é crucial. É não há dúvida em torno da imagem do Brasil
no exterior, agora mais positiva. Lula, insista-se, tem mais
flexibilidade e jogo de cintura que Jair Bolsonaro, o que é
ótimo. Isso não significa, porém, adiar, ad infinitum, deci-
sões que precisam ser tomadas imediatamente. Em diver-
sos setores, o país está à espera de definições — há incerte-
zas em torno do próximo ministro do STF e dos nomes de
um órgão fundamental para o capitalismo, como o Cade.
Existe atraso também na alocação dos investimentos na

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área de energia e um jogo de empurra no tema da seguran-


ça pública. A demora em cada etapa do processo, muitas
vezes sem uma justificativa pertinente, deixa o Brasil intei-
ro em compasso de espera. É tempo desperdiçado, sinôni-
mo de prejuízos e oportunidades perdidas.
Como mostra a reportagem que começa na página 32,
Lula parece mais interessado nos imensos problemas mun-
diais do que nas grandes questões locais. Neste ano, ele já
viajou para 21 países e fará mais três deslocamentos interna-
cionais até dezembro. Durante o mesmo período, o presi-
dente esteve em dezesseis estados brasileiros. Sim, o planeta
enfrenta muitas dificuldades e, vale repetir, precisávamos
mesmo melhorar a reputação lá fora. Mas será que não ha-
veria urgência na resolução dos rumos do país? Afinal de
contas, o presidente foi eleito para tentar resolver os confli-
tos internacionais ou os brasileiros? Ainda que não abra mão
do périplo internacional, Lula poderia conciliar os dois mo-
vimentos. As pesquisas com a queda na avaliação do presi-
dente indicam que um pedaço da população já sente a ina-
ção do governo federal, e o alerta soou no Palácio. Não por
acaso, Lula garantiu se dedicar mais ao Brasil no ano que
vem. Tomara que não seja apenas para apoiar os candidatos
do PT em eleições municipais. O país precisa de um presi-
dente atuante, que se dedique a governar para todos — sem
polarizações. Caso contrário, seremos sempre “o país do fu-
turo”, como na definição do escritor austríaco Stefan Zweig
(1881-1942), que por aqui viveu e morreu. ƒ

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A vez da economia verde


Indústria e governo colocam em prática uma série de
iniciativas em prol do desenvolvimento sustentável

ISTOCKPHOTO/GETTY IMAGES

O ETANOL DE CANA-DE-AÇÚCAR
SE TORNOU UMA VANTAGEM
COMPETITIVA DO BRASIL

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A pauta da sustentabilidade e da diminuição das emissões de gases


causadores do efeito estufa tenta se impor como prioritária no Brasil
pelo menos desde a Eco-92, a primeira Conferência das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no
Rio de Janeiro no início da década de 1990. Na prática, o discurso foi
frequentemente muito mais ambicioso do que as medidas concretas,
tanto por parte de governo quanto da iniciativa privada. Chegou a hora
de virar o jogo. Afinal, o Brasil tem um potencial único para liderar o
mundo rumo a uma economia mais verde, graças à segunda maior
cobertura florestal (498 milhões de hectares), 12% da água doce e
20% da biodiversidade do planeta. Para o aproveitamento efetivo dessa
vantagem comparativa, são necessários, além do combate ao
desmatamento ilegal, investimento, conhecimento e estratégia. A
indústria tem papel fundamental a cumprir na exploração dessas
oportunidades e o governo deve prover a regulação adequada.
O cenário, é importante que se diga, está mudando. Cada vez mais
medidas em prol do desenvolvimento sustentável têm ganhado tração
no Brasil. No campo da transição energética, o país vai muito bem.
Vindo de uma longa tradição de usinas hidrelétricas e investimento
precoce no etanol, ele tem 84% de sua matriz elétrica baseada em
fontes renováveis (com crescente participação de parques eólicos e
solares), e 47% da matriz energética como um todo. A nova fronteira a
ser desbravada é a dos SAFs (iniciais em inglês para combustíveis
sustentáveis de aviação). Há pelo menos dois projetos nacionais
avançados para substituir o querosene de avião por alternativas até 90%
mais limpas. A Raízen, uma joint-venture da Cosan com a Shell, foi a
primeira produtora de etanol do mundo com a certificação do Corsia,

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emitido pela Icao, que atesta o baixo teor de carbono do produto. No


ano passado, a empresa fechou uma parceria com a Embraer para
abastecer 100% de suas aeronaves com SAF até 2030. Em outra frente,
o Instituto Senai de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER)
inaugurou, em Natal (RN), o Laboratório de Hidrogênio e
Combustíveis Avançados, que vai obter SAF a partir de glicerina, um
coproduto da indústria de biodiesel com alto valor energético.

BIOECONOMIA E
DESCARBONIZAÇÃO
Na Região Norte, o Instituto Amazônia+21 vem fazendo desde
2021 um trabalho de fomento à bioeconomia que tem por objetivo
ajudar o empresariado local a estruturar seus negócios sustentáveis
dentro da lógica de agregar valor a partir de insumos que venham da
floresta, sem derrubá-la. Entre as várias iniciativas capitaneadas pela
entidade, destaca-se a aceleração de 231 startups em diferentes fases
de maturação. “Nós entramos para trazer aplicação de capital,
inovação e outras ferramentas de desenvolvimento do negócio, como
branding, embalagem, marca, comunicação e abertura de mercado
internacional para elas”, diz o diretor-executivo do instituto, Marcelo
Thomé. “Nosso papel é ajudá-las em cada passo.”
O poder público está fazendo a sua parte para recuperar o tempo
perdido em áreas em que outros países já se encontram mais
avançados. O projeto de lei que regulamenta o Mercado de Créditos
de Carbono, um sistema descentralizado e dinâmico em que as
empresas que ultrapassam um determinado limite de emissões
precisam comprar cotas daqueles que ficaram abaixo da marca, foi

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aprovado no início de outubro na Comissão de Meio


Ambiente do Senado e, posteriormente, enviado para a
Câmara. Estimativas da Câmara de Comércio Internacional
(ICC Brasil) colocam o potencial brasileiro de geração de
receitas em até 100 bilhões de dólares ao ano com as
transações locais e internacionais, o que equivale à redução
de até 1 bilhão de toneladas de CO2 da atmosfera.
Em outra frente, um projeto de lei para a criação de uma
Política Nacional de Economia Circular com base nas
melhores práticas internacionais, que busca coordenar a
gestão estratégica dos recursos naturais, está tramitando na
Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. A partir desse
texto, será possível alavancar um movimento em toda a
indústria para o investimento em ecodesign, redução dos
desperdícios, recuperação de valor dos recursos otimização de
processos. Ou, em poucas palavras: reduzir, reutilizar e
reciclar. “É uma dessas raras agendas que deixam todos
felizes, porque aumentam a sustentabilidade ao mesmo tempo
que cortam custos e criam novas linhas de receita para as
empresas que as adotam”, analisa Davi Bomtempo, gerente-
executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI.
Em sua 33ª edição, VEJA Insights mostra a fundo essas e
outras iniciativas fundamentais que estão em curso no Brasil
para reduzir a emissão de gases de efeito estufa na atmosfera
sem deixar de desenvolver a indústria nacional e gerar
bons negócios. Confira o Veja Insights na íntegra em
veja.com.br ou pelo QR code.

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ENTREVISTA CLÁUDIO CASTRO


GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

“O CRIME
COMPENSA”
Em meio a uma escalada de violência, o governador
do Rio diz que as leis contra a bandidagem são
brandas, busca dividir responsabilidades com o
Planalto e analisa o futuro da direita
MAIÁ MENEZES E RICARDO FERRAZ

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O EX-VEREADOR Cláudio Castro, 44 anos, foi alçado à


cadeira de governador do Rio de Janeiro de maneira quase
acidental. Em 2018, tornou-se vice de Wilson Witzel porque
ninguém queria concorrer em uma chapa com exíguas
chances de vitória. Sobrou então para Castro, que chegou ao
Palácio Guanabara impulsionado pela onda bolsonarista,
com Witzel à frente — e acabou escalando ao posto de nú-
mero 1 depois do impeachment dele. Reeleito no ano passa-
do em primeiro turno pelo PL, ele enfrenta o mais duro mo-
mento de seu mandato, deflagrado por uma acentuada crise
na segurança pública. Os bandidos, mais profissionais do
que nunca, vivem em constante afronta ao poder público,
produzindo cenas intoleráveis. A escalada da violência o le-
vou a bater à porta do governo federal, o que desencadeou a
criação de um comitê de combate à lavagem de dinheiro e o
envio de tropas da Força Nacional de Segurança e das For-
ças Armadas ao Rio. Cantor gospel nas horas vagas, o go-
vernador recebeu VEJA bem à vontade em seu gabinete, tra-
jando jaqueta de nylon e tênis (a foto que ilustra a entrevista
foi tirada em outra ocasião).

A recente onda de violência no Rio, marcada pelo assas-


sinato de médicos em plena orla da Barra da Tijuca e pela
queima de dezenas de ônibus paralisando a cidade, é um
sinal de que a bandidagem está se sentindo livre para
agir? Estamos vivendo uma situação grave, de forte atua-
ção do crime organizado por todo o território brasileiro.

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Quando bandidos invadem o paiol do Exército e roubam


mais de vinte metralhadoras de grosso calibre, como acon-
teceu em São Paulo, ou promovem ataques, tais como os
vistos no Rio Grande do Norte e no Ceará, eles deixam cla-
ro que o problema é generalizado e precisa ser enfrentado
nacionalmente, não apenas no Rio.

Seu governo liderou seis operações por dia, em mé-


dia, ao longo de 2023, mas os bandidos não deram tré-
gua. O que saiu diferente do esperado? Sou muito ata-
cado por fazer operações policiais duras, mas elas são
fundamentais para desarticular esses grupos e impedi-
-los de dominar territórios no estado. Grande parte das
operações é motivada pela guerra entre facções. Aí a
polícia entra em campo, como é esperado que faça. Só
que isso representa uma parte de um assunto muito

“O crime se profissionalizou.
O poderio bélico e financeiro das
quadrilhas aumenta a cada dia no país
inteiro. E o problema é do governador
do Rio de Janeiro? Não, é de todos”
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mais amplo. Precisamos reforçar o controle das frontei-


ras para inibir o acesso às armas pesadas e frear a lava-
gem de dinheiro, para asfixiar as quadrilhas. Do contrá-
rio, estaremos enxugando gelo.

E o que o está impedindo de agir nesta direção? Esbarra-


mos em competências federais. A verdade é que nossa le-
gislação faz com que o crime acabe compensando, porque
não pune traficantes e milicianos como deveria.

O senhor está dizendo que a Justiça não está colaboran-


do na batalha contra as quadrilhas? O cara comete um
crime, porta arma de guerra, faz trabalho de milícia, de trá-
fico e, quando é preso, volta para casa depois de dois, três
anos. Vale a pena, não? Os países que resolveram os garga-
los da segurança não permitem uma progressão de regime
como esta. Fui inclusive a Brasília para propor mudanças
de legislação, de modo a endurecer as penas.

Ao apontar o dedo para o Judiciário, não está se eximin-


do da responsabilidade sobre o que se passa no Rio? Ao
contrário. Enquanto a culpa é jogada exclusivamente no
colo do governo estadual, está claro que esse modelo de
combate, em que só o estado está na linha de frente, não se
revela eficiente. Nossa parte, a gente faz. Quando assumi, o
salário dos policiais era o segundo pior do Brasil, hoje fica
entre os três melhores. Comprei armas e coletes para todos

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os agentes, viaturas, e construí o maior centro de treina-


mento de policiais da América Latina.

Nomear “inimigos públicos número 1”, como o senhor


se refere aos líderes das facções no estado, e sair à
sua caça não é ação de espectro limitado, uma vez
que são logo substituídos? Às vezes, a pessoa pensa:
“Olha lá os ônibus queimados, essa operação não deu
em nada”. Mas é óbvio que ela desencadeia uma desarti-
culação das quadrilhas ao neutralizar o general que pro-
move a guerra. Estou bem ciente, porém, de que é preci-
so ir além e, por isso, propus ao governo federal a cria-
ção de um comitê integrado para combate à lavagem de
dinheiro e um reforço das Forças Armadas para atuar
na Baía de Guanabara, nos aeroportos e fronteiras. O
crime se profissionalizou. O poderio bélico e financeiro
deles aumenta a cada dia. E o problema é do governa-
dor? Não, é de todos.

Por que chamar as Forças Armadas outra vez, consi-


derando que elas estiveram no Rio em mais de trinta
ocasiões desde a redemocratização e nunca se ob-
servou nenhum avanço real? Ao contrário do que ocor-
reu anteriormente, não pedi que as Forças Armadas fi-
zessem o nosso trabalho, mas o que é de atribuição da
União. Não estou empurrando o imbróglio para eles.
Minha relação com o ministro Flávio Dino e com o se-

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cretário Ricardo Cappelli tem sido excepcional. Agora,


a responsabilidade precisa, sim, ser dividida. O governo
do estado não é culpado de tudo nem tampouco resolve-
rá a crise sozinho.

Uma ação no STF chegou a suspender operações nas


comunidades durante a pandemia. Como recebeu a de-
cisão? Certamente não era essa a intenção do Supremo,
mas a imagem que acabou sendo passada para todo o
Brasil era de que os criminosos poderiam vir para cá,
uma vez que o Rio estava impedido de agir contra o cri-
me. Doze líderes de facções de outros estados aparece-
ram por aqui. O saldo não foi bom.

Há dois anos, o senhor implantou o Cidade Integrada, pa-


ra levar o poder público para dentro das comunidades,
mas houve denúncias de participação das quadrilhas e
de corrupção da polícia no programa. Parece que os
mesmos erros das Unidades de Polícia Pacificadora, as
UPPs, do governo Sérgio Cabral, estão se repetindo. É
essa sua avaliação? Agentes públicos podem ter se cor-
rompido, mas é inegável que obtivemos alguns avanços,
como coleta de lixo restabelecida, escolas reformadas e a
volta de projetos sociais. Houve impedimentos judiciais
para entrar nessas áreas, como havíamos planejado, e fica-
mos mais uma vez sozinhos. Hoje, estou confiante em que
vamos devolver esses territórios à população.

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Recentemente, o país assistiu na TV a cenas de ex-poli-


ciais ensinando táticas de guerrilha a traficantes, e as
milícias são sabidamente formadas por agentes da lei.
Integrantes da corporação não seriam também a causa
do problema? Há policiais corruptos, assim como tem
gente desonesta em todas as profissões. Esses agentes
cooptados pelo crime merecem punições maiores, sem
dúvida. Criminoso deve ser combatido, esteja ele de ter-
no, de tênis ou de farda.

Circula nos corredores do poder fluminense que o senhor


trocou o secretário da Polícia Civil por influência de depu-
tados estaduais e até mudou a lei para permitir que um
delegado com menos de quinze anos na ativa assumisse
o cargo. Desse jeito, não está politizando a área? Não
existe isso. Quem escolhe o secretário, garanto, sou eu.

“Com a mudança no ICMS,


o estado deixou de ter uma situação
fiscal estável. Não gostei das primeiras
medidas apresentadas pelo Haddad,
mas as conversas continuam”
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Por que o antecessor dele, que era escolha sua, perma-


neceu apenas duas semanas na cadeira? Houve uma
questão pessoal por parte de José Renato Torres. Eu aceitei.

VEJA obteve a informação de que o senhor pediu a Tor-


res que cedesse postos dentro da polícia a parlamen-
tares. Isso ocorreu? Não. É fofoca de roda de político e
de jornalista.

O atual secretário, Marcus Amim, já deu declarações de


que a polícia deve atirar para matar. O senhor endossa?
A polícia tem de fazer o uso moderado e necessário da for-
ça. Estamos trabalhando duramente para diminuir a letali-
dade policial, que também nos incomoda. Uma coisa é a
pessoa dar sua opinião pessoal nas redes. Virou secretário,
quem determina a postura sou eu.

A política de liberação de armas à população no gover-


no Bolsonaro facilitou o acesso a armamentos pesa-
dos. Isso não dificulta o duelo contra o crime? A maior
parte dos fuzis vem do tráfico internacional de armas,
não dos caçadores e colecionadores que passaram a ter
acesso a elas. A falta de controle de fronteira, dos portos
e aeroportos contribuiu infinitamente mais para o au-
mento do poder de fogo da bandidagem. O cidadão de
bem, dentro da razoabilidade, pode ter uma arma em ca-
sa, talvez não um fuzil.

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O senhor está próximo do presidente Lula? Eu não o co-


nhecia, mas é uma figura dócil e me trata muito bem.
Mesmo sob vaias, fui aos eventos do governo federal no
Rio e o próprio presidente disse algo que considero cor-
reto: mesmo adversários na eleição, temos obrigação de
trabalhar juntos.

Como vêm sendo as conversas com o ministro Fernan-


do Haddad em torno da renegociação da dívida do es-
tado? Entendo o lado dele, que também tem um rombo
para administrar. Qualquer medida que nos ajude au-
menta o déficit fiscal do governo federal e, por isso, Ha-
ddad está tratando o tema de maneira conservadora. Pa-
ra este ano, com a mudança na arrecadação do ICMS, a
perda na receita estadual será de cerca de 8 bilhões de
reais. O valor é maior do que a parcela da dívida que eu
desembolsei, de 4,5 bilhões.

Qual o impacto concreto disso? Enorme. Significa que o


estado deixou de ter uma situação fiscal estável. O arranjo
anterior funcionava muito bem. Estávamos equilibrados.
Não gostei das primeiras medidas apresentadas pelo Mi-
nistério da Fazenda, mas as conversas seguem.

Como anda a relação com Bolsonaro? A gente troca men-


sagens de vez em quando, principalmente para discutir
questões partidárias. Ele é uma liderança importante, que

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elegeu a maior bancada do Congresso, ajudou na minha vi-


tória e na dos governadores de Minas, Paraná, Goiás, Ama-
zonas e Acre. Sem dúvida, continuará sendo um cabo elei-
toral relevante, mesmo inelegível. Essas eleições vão testar
a real força da direita.

Quem o senhor vai apoiar nas eleições para a prefeitu-


ra do Rio em 2024? Teremos candidato próprio. Há
muitos nomes em estudo, entre eles o do ex-diretor da
Abin, Alexandre Ramagem, e o do deputado federal
Otoni de Paula, ligado à bancada evangélica. Nunca es-
condi de ninguém que o meu preferido é o deputado fe-
deral Dr. Luizinho, meu ex-secretário. Disputaremos
com o prefeito Eduardo Paes.

A polícia o informou sobre um plano de atentado con-


tra o senhor e sua família. Teve medo? O Gabinete de
Segurança Institucional tem pessoal preparado para li-
dar com isso e reforçou minha segurança assim que o se-
tor de inteligência da Polícia Civil identificou um plano
de atentado. Essa reação é uma resposta de que estamos
no caminho certo, combatendo de frente essas máfias
para libertar a população do jugo do crime. Isso não me
intimida e não recuarei. ƒ

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IMAGEM DA SEMANA

O CANTO DE DESPEDIDA

QUEM VIU, VIU. Quem não viu terá de se contentar com o


próximo gênio. Foi como o canto do cisne do maior jogador
de futebol de nosso tempo — o de agora, que fique claro,
porque Pelé era de outro planeta. Ao receber a oitava
Bola de Ouro entregue pela revista France Football,
Lionel Messi fez da cerimônia o palco para um discurso
que soou como o de despedida. Rodeado pelos três filhos,
MOHAMMED BADRA/EPA/EFE

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o craque olhou para o futuro, ao lembrar do norueguês


Haaland e do francês Mbappé, e para o passado, ao citar
com emoção Maradona. Soou como passagem de bastão,
embora ele ainda não tenha decidido pendurar as chuteiras.
Jogando pelo Inter Miami da Flórida, dificilmente voltará a
ser premiado — na edição deste ano o corpo de jurados
considerou a Copa do Mundo do ano passado, e aí não teve
para ninguém. Só há alguma chance de novas
condecorações se um dia retornar ao Barcelona, sonho
anunciado, mas improvável. Aos 36 anos, Messi desenhou
uma carreira que, comparada à de Neymar, parece servir
como lição. O brasileiro não foi campeão do mundo pelo
Brasil e, por dinheiro — e apenas por dinheiro — foi jogar na
Arábia Saudita. O.k., os Estados Unidos não são lá uma
Coca-Cola no futebol, mas fazem marketing como
ninguém, o que é um mérito — e não por acaso a camisa
rosa do Miami, a de número 10, esgotou nas lojas. Neymar,
de molho depois de romper, infelizmente, o ligamento e o
menisco do joelho esquerdo, tem tempo agora para pensar
na vida. Ou, dito de outro modo, tentar buscar entender
(entre uma conversa e outra com os “parças”) por que
nunca chegou aos pés de Messi. ƒ

Fábio Altman

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CONVERSA AILTON GRAÇA

“MUSSUM
ABRIU
CAMINHOS”
O ator de 59 anos fala sobre o
desafio de interpretar o notório
comediante dos Trapalhões no
cinema, diz que humor da
trupe ficou datado — mas
ressalta papel do personagem
na afirmação negra
VICTOR POLLAK/TV GLOBO
DESIRÉE DO VALLE

ESPELHO DA VIDA
Graça à paisana e, acima, como
o humorista no novo filme:
incrível semelhança

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Durante a produção de Mussum, O Filmis, o que mais


chamou sua atenção na história do humorista? Achei
interessante que temos muita coisa em comum, como a
paixão pelo samba, o amor pela Mangueira. Eu me tornei
um mangueirense por causa do Mussum. Sempre achei
que ele tinha sido escolhido pela arte e se permitiu ser
guiado por ela — assim como eu.

O filme deixa de fora as piadas racistas dos Trapalhões.


Por que limá-las? As piadas deles são datadas e precisa-
vam ser atualizadas. Não tínhamos condição de reproduzir
o que os Trapalhões faziam. Só eles podiam falar certas coi-
sas, por causa do contexto daquela época, quando algumas
pautas sociais não tinham avançado tanto. Temos até um se-
gredinho: de todas as piadas do filme, só uma é uma repro-
dução exata, todas as outras foram criadas por nós. Não é
mais possível fazer aquele tipo de humor.

Nos bastidores dos Trapalhões, Mussum chegou a sofrer


racismo — colocavam até bananas em seu camarim. O que
justifica que isso não apareça no filme? Acho que se um dia
tivermos a possibilidade de rodar a história dos Trapalhões,
poderemos tratar dessas questões dentro da perspectiva de co-
mo era a relação deles. Aqui, quisemos contar a história do An-
tônio Carlos Bernardes Gomes, da sua trajetória da infância
até virar integrante dos Trapalhões e da Mangueira. Mussum
abriu muitos caminhos para os negros, fez muitos avanços.

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A obra também mostra que Mussum bebia apenas so-


cialmente. Por que acha que ele ainda é lembrado como
alcoólatra? O racismo sempre cria estereótipos para um
homem preto — como um bêbado, subalterno. Há até fake
news sobre a morte do Mussum: muitos pensam que ele
morreu de cirrose. Uma grande mentira — foi por causa de
um transplante de coração malsucedido.

Nos últimos anos, os negros têm ganhado espaço maior (e


merecido) nas telas. A que atribui esse fenômeno? Ao ad-
vento do digital. A internet tornou possível compartilhar mais
informação, ela liberou imbecis, mas também criou discus-
sões necessárias, como o combate ao racismo estrutural.

Para o senhor, o que falta para que tenhamos ainda mais


protagonistas negros no cinema e na TV? Para começar, o
ator negro precisa ser visto como ator. Nesse mundo novo e
melhor, é possível. Eu posso interpretar até um presidente. ƒ

Kelly Miyashiro

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AO RESERVAR, UTILIZE O CÓDIGO VEJA2023


PARA GANHAR UM PRESENTE ESPECIAL.
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DATAS

OBRIGADO PELAS RISADAS


Não foi preciso mais do que
um minuto, no episódio
inaug ura l do sitcom
Friends, em setembro de
1994, para entender qual
era o tom do personagem
Chandler Bing, interpretado
pelo ator Matthew Perry.
Irônico, com cara de sonso,
sua primeiríssima frase
cutucava Monica (Courte-
ney Cox), que acabara de
marcar o primeiro encontro
com um pretendente. “Ele é
corcunda e usa peruca?”, in-
dagou, sentado no braço es-
NBCUNIVERSAL/GETTY IMAGES

querdo do sofá do café Cen-


tral Perk, em Manhattan, ali
onde a turma se reunia para
falar da vida, rir e chorar. A VIDA COMO ELA É
Friends — que foi ao ar ao O ator Matthew Perry,
longo de dez anos, em 236 o Chandler do sitcom
episódios — foi o mais bem Friends: a ironia como
acabado retrato de uma ge- instrumento da comédia

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ração, a de jovens adultos que tinham medo de amadurecer,


se é que sabiam como fazê-lo. Perry, na pele de Chandler,
era a voz que pontuava os diálogos, em comentários sardô-
nicos que invariavelmente vinham acompanhado da clássi-
ca e irritante claque ao fundo — embora, no caso dele, a
graça fosse automática.
Fora das telas, Perry levou sempre uma vida de descon-
forto como a dos amigos fictícios, mas multiplicada pelas di-
ficuldades de enfrentar tão cedo a fama. Ele tinha 24 anos
quando ficou conhecido, muito conhecido, adorado por fãs
que não distinguiam a ficção da realidade. Viciado em opioi-
des, foi internado para desintoxicação pelo menos 65 vezes.
Em sua autobiografia, Amigos, Amores e Aquela Coisa Ter-
rível, disse ter gasto pelo menos 9 milhões de dólares em
tratamentos. Ele estava em uma de suas muitas internações
para tratar o vício quando foi gravada a cena icônica do ca-
samento entre Monica e Chandler. O ator foi levado ao set
de Friends por um enfermeiro da clínica — para onde voltou
depois das filmagens. “Não queriam mexer com aquela má-
quina de dinheiro”, disse ele, que chegou a receber 1 milhão
de dólares por episódio. Em 28 de outubro, Perry foi encon-
trado morto numa banheira de hidromassagem em sua casa
de Los Angeles. Tinha 54 anos. A polícia ainda investiga a
causa da morte. O primeiro-ministro do Canadá, Justin Tru-
deau, que estudou na adolescência com Perry comentou, em
suas redes sociais: “Obrigado pelas risadas, Matthew; você
foi amado e sua ausência será sentida”.

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DIVULGAÇÃO
SENSATEZ Tito Costa: prefeito de
São Bernardo do Campo durante as greves
dos anos 1970 e 1980 que revelariam Lula

VOZ PELA DEMOCRACIA


Prefeito de São Bernardo do Campo entre 1977 e 1983,
Antonio Tito Costa, do então MDB, teve papel relevante
nas greves dos metalúrgicos do final dos anos 1970 e início
dos 1980, liderado por um certo Luiz Inácio Lula da Silva.
Ele liberou o uso do estádio municipal de Vila Euclides,
em 1980, para uma assembleia que reuniria mais de
100 000 pessoas. Formado pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo em 1950, Tito Costa foi sempre
um destacado defensor dos direitos humanos e da demo-
cracia no país. Morreu em 28 de outubro, aos 100 anos, em
São Bernardo do Campo.

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O MECENAS DA CULTURA
Chamavam-no, não por acaso, de “a entidade dentro da en-
tidade”. O sociólogo Danilo Santos de Miranda foi durante
quatro décadas o responsável pelo crescimento e organiza-
ção das unidades do Sesc em São Paulo — e o que seria uma
entidade para atender os comerciários virou uma potência
cultural, de preços baixos, aberta a camadas mais pobres da
população. Ele foi muitas vezes cotado para ocupar o Minis-
tério da Cultura —
mas sempre prefe-
riu o trabalho mais
próximo dos cida-
dãos. Apaixonado
por teatro, estudio-
so e dedicado, agia
como mecenas.
Disse dele o dra-
maturgo José Celso
Martinez Corrêa
(1937-2023): “Se
não tivesse Danilo
Miranda, não tinha
EDUARDO ALBARELLO

teatro em São Pau-


lo, só teria musi-
cal”. Ele morreu ENTIDADE Santos de Miranda:
em 29 de outubro, responsável pelo sucesso das
aos 80 anos. ƒ unidades do Sesc de São Paulo

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FERNANDO SCHÜLER

O PAÍS DO MEIO-TOM
“O MERCADO é ganancioso demais”, disse Lula, naquele
encontro com os jornalistas, para justificar por que não pre-
cisa ou não cumprirá a meta fiscal de zerar o déficit público,
ano que vem. Lula sabe perfeitamente que não foi o merca-
do, mas o próprio governo, quem definiu as metas do novo
arcabouço fiscal. Mas sabe também que o truque de culpar
o mercado de qualquer coisa sempre funciona. A presidente
do PT, Gleisi Hoffmann, daria o toque final: a culpa seria do
(sempre ele) Roberto Campos Neto, que teima em não bai-
xar os juros. Bingo. É evidente que nada disso faz nenhum
sentido. No mundo real, foi o próprio governo que tratou de
criar o déficit, quando aprovou, ainda em dezembro passa-
do, a PEC da Transição, autorizando 145 bilhões de reais de
gasto a mais, sem lastro fiscal. Depois disso nomeou seus 38
ministérios, passou a gastar como se não houvesse restrição
fiscal, abriu mais de 9 000 vagas de concursos, deu 9% de
aumento para o funcionalismo, além de coisas esquisitíssi-
mas, como incentivos a empresas aéreas e o “feirão do carro
zero”, ao custo de 800 milhões de reais para o contribuinte.
Nesse tempo todo, parece clara uma certa irritação de Lula
quando surge o tema “responsabilidade fiscal”. No que ele

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não está de todo errado. Nunca prometeu, na campanha,


que seria diferente. De modo que não vejo surpresa que o
país, de superávit de 0,5% do PIB, em 2022, tenha passado
voando a um rombo de perto de 100 bilhões de reais, ou 1%
do PIB, em exatos dez meses.
Naquela mesma entrevista, passou meio desapercebida
uma outra frase exemplar de Lula. Disse, sem meias-
palavras, que era um “direito” do PP e do Republicanos indi-
car o presidente da Caixa Econômica Federal. “Eles têm
mais de 100 votos”, diz, “e eu preciso desses votos para con-
tinuar o governo”. Em uma frase, Lula traduz à perfeição o
exato oposto do que pretendeu fazer a Lei das Estatais, apro-
vada pelo Congresso em 2016, e hoje inteiramente destruída.
É a mesmíssima questão que leva a Petrobras a mudar seu
estatuto para abrigar indicações políticas. Em vez de prote-
ger as estatais da lógica de captura por parte do mundo polí-
tico, caminha-se na direção contrária. Estatais voltam a fun-
cionar como moeda de troca política, e talvez só nos reste
torcer para que o resultado não seja o mesmo que se viu,
quando isso funcionou como regra, alguns anos atrás.
É difícil não enxergar nestas coisas um padrão. Uma es-
pécie de agenda oculta da política brasileira: a crônica vul-
nerabilidade aos grupos de pressão. Por vezes, são grupos
ligados à esfera pública. Os partidos, a alta burocracia, os
sindicatos, os “interesses do governo”. Em outros momen-
tos, a captura vem do mundo privado, dos setores econômi-
cos mais bem organizados. É o que se passa com a reforma

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LEO PINHEIRO/VALOR/AG. O GLOBO

IDEIA José Murilo de Carvalho (1939-2023): “Uma certa


propensão messiânica”

tributária, transformada em uma guerra entre lobbies eco-


nômicos pela “conquista” de um tratamento privilegiado. O
que pode significar, na prática, pagar 40% da alíquota pa-
drão do novo imposto sobre valor agregado. Uma penca de
setores já conseguiu, incluindo-se o setor aéreo, eventos,
turismo, bares e restaurantes e agronegócio. Todos com
boas razões, em geral associadas à “geração de empregos”.
Não por coincidência, a mesma justificativa usada para re-
novação da desoneração da folha, na outra semana, para o

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“O padrão histórico:
interesses
concentrados
ganham o jogo”
feirão do carro zero e para quase toda a engenharia econô-
mica brasileira. Além de parecer muito estranho que tantos
setores precisem de incentivos do governo, para gerar em-
pregos, chama atenção que ninguém faça a pergunta inver-
sa: se geramos empregos a mais, nos setores que irão pagar
menos tributos, quantos empregos iremos gerar a menos,
nos setores que terão de pagar mais para fechar a conta?
Sendo a equação decidida pela capacidade de lobby de ca-
da setor, e não por um hipotético (e talvez impossível) cál-
culo econômico, a resposta correta é que ninguém faz a
menor ideia. Minha desconfiança é que tudo atenda a um
padrão velho conhecido nas democracias: interesses con-
centrados e bem organizados ganham o jogo, interesses di-
fusos e “silenciosos”, no embate político, pagam a conta.
A uma ótima imagem disso assisti, por estes dias, em di-
versas cidades brasileiras. Imensas filas com trabalhadores
esperando para entregar uma carta dizendo que não que-
riam pagar a nova “contribuição” ao seu respectivo sindica-

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to. As filas são o resultado de uma decisão do STF, permitin-


do que os sindicatos criem uma “contribuição assistencial”
sem a autorização prévia dos trabalhadores. O sindicato vai
lá, cria a taxa, e apenas depois, e do jeito que o próprio sindi-
cato determinar, o trabalhador pode rejeitar, ou fazer “oposi-
ção” à sua cobrança. Na prática, ficar em uma fila imensa,
numa calçada qualquer, Brasil afora. Sem chiar, sem fazer
drama ou pressão, em Brasília. Apenas para dizer que não
quer tirar aquele dinheiro do bolso, como era seu direito, a
partir do que foi aprovado na reforma trabalhista de 2017.
O ponto é que há um fio condutor na história incômoda
desse país que sacrifica o equilíbrio fiscal para financiar o
status quo estatal, com seus 25 000 funcionários ganhando
acima do teto, seus 38 ministérios e 37,5 bilhões de reais em
emendas parlamentares; que distribui regimes fiscais espe-
ciais, na reforma tributária; que inverte a lógica da reforma
trabalhista, apostando na desinformação dos trabalhadores
para alimentar as estruturas sindicais; que distribui posições
de comando nas estatais para obter votos, no Congresso. O
fio condutor é a captura. A lógica do “Estado intrometido”,
na boa definição que escutei, em um debate, tempos atrás,
sempre inclinado a favorecer este ou aquele setor econômico,
esta ou aquela corporação pública.
Quem refletiu com certa melancolia sobre isso foi o gran-
de historiador brasileiro José Murilo de Carvalho, que recém
nos deixou. Em seu Cidadania no Brasil: O Longo Caminho,
escrito no início dos anos 2000, ele cunhou uma expressão

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algo irônica, dizendo que em vez de uma cidadania plena,


havíamos criado a “estadania”, no Brasil. Uma certa “pro-
pensão messiânica”, dizia ele, de “esperar e estranhamente
aceitar tudo o que venha de cima, mesmo ao custo do abuso,
da interferência na liberdade individual”. Foi exatamente a
sensação que tive quando vi nossa tênue promessa de equilí-
brio fiscal afundar, nossas estatais novamente loteadas pelo
mundo político, e aquelas filas de trabalhadores silenciosos,
dobrando a quadra dos sindicatos.
Em uma de suas últimas entrevistas, José Murilo parecia
expressar um enorme desalento. Perguntado se ainda consi-
derava o Brasil um “país do futuro”, respondeu lacônico:
“Não, não é. Não enxergo um futuro bom para o país, os da-
dos não fecham”. Confesso não comungar de seu pessimis-
mo. Prefiro ver o Brasil como um país de meios-tons. Por ve-
zes avançamos em reformas modernizantes, por vezes re-
cuamos. Nossa velha tradição patrimonialista, o vezo de
confundir o público com o privado, o império dos pequenos
interesses, parece nos puxar pelo pé, como uma assombra-
ção. É nesses momentos que é preciso parar e refletir. E quem
sabe aprender alguma coisa para o futuro. ƒ

Fernando Schüler é cientista político e professor do Insper

ƒ Os textos dos colunistas não refletem


necessariamente as opiniões de VEJA

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SOBEDESCE

SOBE
BEATLES
O Fab Four voltou à cena com
Now and Then, música inédita feita
a partir de uma gravação doméstica
de John Lennon.

USP
O Global Ranking of Academic
Subjects 2023 classificou a
Universidade de São Paulo
entre as cinquenta melhores
instituições do mundo em cinco
áreas: odontologia, ciências
agrícolas, veterinária, engenharia de
alimentos e engenharia têxtil.

ARROZ
O preço de um dos principais itens do
prato do brasileiro aumentou quase
20% nos últimos doze meses.

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DESCE
DÉFICIT ZERO
O presidente Lula enterrou
a promessa do ministro Fernando
Haddad de equilibrar as contas
públicas em 2024, sem resultado
negativo nem positivo entre
receitas e despesas.

DANILO GENTILI
O humorista foi condenado
a pagar uma indenização de
20 000 reais à deputada federal
licenciada Sâmia Bomfim por
publicação gordofóbica.

BRANCA DE NEVE
Afetada pela greve dos roteiristas e
atores em Hollywood, a Disney adiou
para 2025 o lançamento da versão
live-action do clássico.

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VEJA ESSA

“Lula está devagar com os indígenas.


Vou cobrar dele até ser atendido.”
RAONI METUKTIRE, cacique caiapó mundialmente
conhecido, fazendo críticas contundentes ao atual
comportamento do governo

FABIO RODRIGUES-POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL

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“Um Brasil que “Ela é a verdadeira


distrubui livros em mudança.”
vez de armas.” GERALDO ALCKMIN,
POSTAGEM DO PT, vice-presidente da
ao citar uma frase de Lula, República, a respeito de
em celebração ao Dia Tabata Amaral, candidata a
Nacional do Livro. O erro — candidata do PSB para a
distrubui e não distribui — foi prefeitura de São Paulo, na
depois corrigido eleição do ano que vem

“Com a economia não é possível brincar.”


RODRIGO PACHECO, presidente do Senado

“A reforma tributária confirma


nossa teimosia com o fracasso.”
MARCOS LISBOA, economista

“Enquanto eles (eleitores de Massa) olham


para a senhora na internet, estou com ela
em meio aos lençóis.”
JAVIER MILEI, o candidato da extrema direita da Argentina em
machista referência ao apoio de Patricia Bullrich, de centro

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“Nunca tive tanto medo da extrema direita


europeia como agora.”
KEN LOACH, diretor de cinema inglês, cujo novo filme —
The Old Oak — mostra o drama de refugiados sírios em uma
cidade de mineiros do interior da Inglaterra

“Se você é um daqueles que diz ‘Eu amo o Pink


Floyd, mas não suporto a política de Roger’, você
pode muito bem se retirar para o bar agora.”
ROGER WATERS, em mensagem que apareceu no telão
de seu show em Brasília

“Somos uma banda de garagem em estádios.”


CHAD SMITH, baterista do Red Hot Chili Peppers

“Sou uma menina que gosta de meninas,


gosto de pessoas e sou atraída pela conexão.
Sempre recebi uma educação livre,
respeitosa, e, por isso, não tive que sair do
armário em momento nenhum, porque
nunca estive dentro dele.”
FLOR GIL, 15 anos, filha de Bela, neta de Gilberto,
em suas redes sociais

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“A temperatura
da Terra está
cada vez
mais quente.
O volume do mar
está crescendo.
As geleiras
estão derretendo
e eu não sou
cientista, mas
acredito que
todo mundo pode
usar Skims para
fazer sua parte.”
KIM KARDASHIAN,
empresária, modelo etc.
etc., ao lançar uma marca
de lingerie. Ela não perde
uma chance de misturar
alhos com bugalhos para
fazer marketing
PIERRE SNAPS/INSTAGRAM @SKIMS

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RADAR
ROBSON BONIN

Com reportagem de Gustavo Maia,


Nicholas Shores e Ramiro Brites

O crime agradece o Exército, o governo não


O Exército abriu recente- tem um único servidor de-
mente ao TCU a caixa-preta dicado exclusivamente ao
do controle de armas no pa- controle de armas. Beira o
ís. Os dados — de Michel improviso.
Temer a Jair Bolsonaro —,
exclusivos, não deixam dú- Não tem como dar certo
vidas: o sistema é feito para A fiscalização da venda e
não funcionar. Até hoje, diz uso de armas é feita, diz o
CAROLINA ANTUNES/PR

DESCASO Bolsonaro: na gestão dele,


o controle de armas piorou muito no país

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Exército, no modelo “mul- que o governo não sabe


titarefa”. Um militar para quantas balas circulam pelo
centenas de atribuições di- país nem quem está atiran-
ferentes. “É como se o do com elas.
mesmo militar fosse en-
carregado de combater o Tudo em ordem, capitão
crime na fronteira do Acre Como o mesmo militar que
e do Paraná ao mesmo deveria fiscalizar presen-
tempo”, diz um interlocu- cialmente milhares de lo-
tor da caserna. jas de armas também é
obrigado a visitar milhares
Balas perdidas de atiradores esportivos,
Veja o caso da fiscalização nos quatro anos de gover-
da venda de munições no no Bolsonaro, o Exército
país. De 3 456 estabeleci- não anotou nenhuma in-
mentos autorizados a ven- fração por extravio de ar-
der balas de todos os cali- ma de fogo ou munição de
bres, apenas 643 presta- CACs, por exemplo, no
ram contas ao Exército Rio de Janeiro.
em 2022.
Questão de prioridade
Só Deus sabe Em 2018, sob Temer, o go-
Durante todo o governo verno investiu 6,8 milhões
Bolsonaro, nenhuma muni- de reais no controle de ar-
ção vendida em SP e MG, mas e munições. Em 2022,
por exemplo, foi informada sob Bolsonaro, foram só 3,4
ao Exército. Isso quer dizer milhões de reais.

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Casa da mãe joana Emirados Árabes e Alema-


Os dados abertos pelo Exér- nha (leia mais na reporta-
cito ao TCU são de gestões gem que começa na pág 32).
passadas, mas nada mudou
na atual gestão de Lula. Os esquecidos
A fiscalização fictícia de ar- Aqui no Brasil, o presidente
mas segue. ainda não pisou em onze es-
tados, desde que subiu a
Vai melhorar rampa do Planalto: AP, AC,
Apesar do que disse ao RO, TO, AL, RN, ES, MG,
TCU, o Exército nega falhas GO, MS e SC.
de fiscalização e diz que
tem feito ajustes, na atual Um país parado
gestão, para aperfeiçoar o Lula se reuniu com Arthur
sistema. Lira nesta semana. O en-
contro, disse o petista, foi
Sem sinal para pensar a pauta do se-
O governo Lula reforçou, gundo semestre de 23. Isso
recentemente, o convite em... novembro!
para que Joe Biden visite o
país, mas a Casa Branca O conselho vai voltar
até agora deixou o Brasil Jader Filho vai recriar o
no vácuo. Conselho das Cidades, ór-
gão formado por 86 nomes
Passaporte carimbado do governo e da sociedade
Lula quer viajar até o fim do para pensar políticas públi-
ano para Arábia Saudita, cas nos municípios.

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Correção de rumo Dano moral


Presidente do STF, Luís Ro- O STJ vai julgar um recurso
berto Barroso quer julgar do senador Romário contra
em breve a decisão de Ri- decisão que o condenou a
cardo Lewandowski que li- pagar 50 000 reais a Marco
berou o aparelhamento po- Polo Del Nero. Em 2014, nu-
lítico em estatais. ma entrevista, Romário cha-
mou Del Nero de “rato”. O
Supremo possante TJSP entendeu que a expres-
O próximo ministro escolhi- são, associada a “ladrão”,
do por Lula para o STF en- provocou “enorme angústia”
contrará um carrão na gara- no ex-presidente da CBF.
gem do gabinete. A Corte
vai gastar até 1,9 milhão de
reais em onze sedãs híbridos
pretos para os ministros.

Fúria chinesa
O Consulado da China
mandou uma dura carta à
GERALDO MAGELA/AGÊNCIA SENADO

Alesp contra a Frente SP,


China e Taiwan. Ou o Par-
lamento paulista fecha o
grupo e reconhece “uma só
China”, ou “as relações si- “RATO” Romário:
no-brasileiras” serão preju- briga com Marco Polo
dicadas, diz o texto. Del Nero foi parar no STJ

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Ministro Rui... Falcão Banco do Brasil. O petista pro-


Rui Costa tem uma relação meteu uma diretoria a senado-
tão boa com o Congresso que res aliados, mas não entregou.
o chefe da Câmara, Arthur Li-
ra, até trocou o nome dele nu- Direto da guerra
ma cerimônia nesta semana. A gestão de Ronaldo Caiado,
em Goiás, decidiu comprar
Sem previsão armas de Israel. O contrato
A greve branca no Banco com a Israel Weapon Indus-
Central já produz estragos. Vá- tries é de 495 000 reais.
rios projetos do Pix e da moe-
da digital, que impulsiona- Em duas rodas
riam a economia, vão atrasar. O iFood Pedal, serviço de en-
tregas por meio de bicicletas
Que fase compartilhadas, acaba de al-
O BC sofre com falta de cançar 16 milhões de pedi-
pessoal e fuga de servidores dos. São 4 000 toneladas de
porque tem uma das carrei- dióxido de carbono fora da
ras menos estruturadas da atmosfera desde 2020.
máquina. Nem Gabriel Ga-
lípolo, nome do governo na Hora da verdade
instituição, consegue ser Com a agenda lotada de
ouvido no Planalto. eventos de pré-campanha
em SP, Ricardo Salles espe-
Toma lá dá cá ra resolver sua vida numa
As derrotas de Lula no Sena- conversa com Bolsonaro na
do, se devem, em parte, ao semana que vem.

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Histórias de saudade A mala sumiu


Vinte jornalistas que tra- Mãe de um menino de pou-
balharam e ainda atuam cos meses, Claudia Raia
na Globo vão lançar na passou um sufoco com a fa-
11ª Festa do Conhecimen- mília numa viagem a Madri
to, Literatura e Cultura em agosto. Todas as sete
Negra o livro Maria, Gló- malas deles — incluindo a
ria do Brasil. A obra é do bebê — foram extravia-
uma homenagem à apre- das. Agora, o clã quer inde-
sentadora e repórter Gló- nização de 60 000 reais da
ria Maria. Latam e da Iberia. ƒ

INSTAGRAM @CLAUDIARAIA

DEU RUIM Claudia, Enzo, Sophia


e Luca: pesadelo na viagem a Madri

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BRASIL POLÍTICA

BYE-BYE, BRASIL?
Ao priorizar o protagonismo internacional, Lula retarda
decisões importantes, impulsiona crises que poderiam
ser evitadas e deixa o governo em marcha lenta
MARCELA MATTOS

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FOTOS: RICARDO STUCKERT/PR

S
e depender da vontade de Lula, o planeta não se-
rá o mesmo daqui a três anos e dois meses —
principalmente em relação às lideranças globais.
Ele, por exemplo, não esconde de ninguém a am-
bição de se transformar em uma delas, seja con-
duzindo um acordo de paz ou liderando a discussão sobre
meio ambiente. Perseguindo essa meta, em dez meses de

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governo, o presidente fez um giro pelo mundo. Num ritmo


alucinante para alguém com 78 anos, participou da Cúpu-
la dos Brics, na África do Sul, da reunião do G7, no Japão,
e, em sua última agenda internacional, em setembro, abriu
a Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York —
apenas para citar alguns eventos. Nessas ocasiões, o pre-
sidente fez discursos versando sobre questões globais, co-
mo guerras, fome e a crise climática. Ao lado do presiden-
te Joe Biden, o petista anunciou até uma parceria com os
Estados Unidos para melhorar os direitos trabalhistas no
século XXI, se empenhou para refazer pontes com nações
como a Argentina e restabeleceu relações com ditaduras
como Cuba e Venezuela.
A intensidade das viagens presidenciais gerou até uma
máxima em Brasília: diante de pendências, ministros, par-
lamentares e servidores graduados costumam dizer que
todo e qualquer problema será resolvido tão logo o presi-
dente voltar do exterior. Mais do que uma brincadeira, é
uma constatação. Lula fez 25 viagens internacionais, cru-
zando 21 países diferentes. Enquanto cumpriu agenda em
quatro continentes, deixou em banho-maria assuntos in-
ternos de extrema importância, da consolidação da base
de apoio no Congresso, da qual depende o avanço da pauta
econômica, à indicação de nomes para órgãos federais
(leia a reportagem na pág. 50) e até para o Supremo Tribu-
nal Federal (STF). Em seu terceiro mandato, o petista se
mostra à vontade no papel de chefe de Estado, mas um tan-

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ANO ELEITORAL Reunião com lideranças: com problemas


no Congresso, Lula prometeu aos parlamentares que, no ano
que vem, vai intensificar as viagens pelo país

to cansado, segundo seus próprios aliados, na função de


chefe de governo, que demanda energia para lidar com as-
suntos diversos como a meta fiscal, a crise na segurança
pública e a seca no Amazonas. Como quase nada avança
sem a chancela de Lula, a solução acaba sendo — como diz
a máxima — esperar o presidente voltar para o Brasil.
A prioridade dada até aqui à agenda internacional não
surpreende. Ela foi anunciada ainda na campanha eleito-
ral, como contraponto a Jair Bolsonaro, cuja gestão fez do
país um pária internacional e, entre outras caneladas di-

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RICARDO STUCKERT/PR
plomáticas, criou atritos com a China, a maior economia
do planeta e a nossa principal parceira comercial. O reco-
nhecimento no exterior sempre foi uma obsessão para o
petista, que chegou a ser chamado de “o cara” pelo então
presidente americano Barack Obama. Além disso, é uma
necessidade, até para reinserir o Brasil no palco como um
ator importante em diferentes negociações multilaterais.
Ainda no ano passado, após a vitória nas urnas, Lula foi ao
Egito participar da Conferência do Clima, onde prometeu
zerar o desmatamento até 2030. Bolsonaro, que era o pre-
sidente da República, sequer foi convidado ao evento. Foi
um dos primeiros passos de um projeto dedicado a melho-
rar ao mesmo tempo a imagem do país e de Lula, mas que,

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se não for bem dosado, pode retardar a solução de proble-


mas que afetam o dia a dia da população brasileira.
Lula trabalha para mudar a sua biografia. Depois de
passar 580 dias preso, parte da história já foi reescrita
com a redenção eleitoral. O capítulo final, no entanto, ain-
da está sendo construído. O presidente quer ser reconhe-
cido como um líder global em temas como defesa do meio
ambiente e da paz e também no combate à fome. Uma es-
pécie de “o cara” multidisciplinar. Alguns aliados dizem
até que ele pode pleitear, no futuro, um Prêmio Nobel da
Paz. Sonho e sabujice não têm limites. “Lula é um líder
hoje que se iguala ao Emmanuel Macron (presidente da
França) na defesa do Acordo de Paris (climático), que se
iguala ao Papa na defesa da paz e que é o maior líder nes-
sa causa da fome. Nesse vazio do mundo, o Lula é o maior
líder do planeta hoje”, afirma Wellington Dias, ministro
do Desenvolvimento Social. Um exagero, obviamente,
apesar de ser inegável que o petista de fato conseguiu tirar
o Brasil do limbo no cenário internacional, mesmo com
um festival de declarações atrapalhadas, muitas delas
contaminadas por viés ideológico.
Influenciado por uma retórica de palanque, o presi-
dente anunciou soluções simplistas para questões de ex-
trema complexidade. O sequestro de israelenses e estran-
geiros pelo grupo extremista Hamas, por exemplo, pode-
ria ser encerrado com uma “ligação telefônica”. Já a san-
grenta e prolongada guerra entre a Rússia e a Ucrânia, na

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DIOGO ZACARIAS/MF
DERROTA Haddad: incumbido de negociação política e,
depois, desautorizado

qual ele tentou se colocar como um mediador, seria resol-


vida com a criação de um “clube da paz”, como se o pro-
blema fosse solucionado tomando cerveja “até acabar as
garrafas”, conforme disse em 2022. Para afagar o russo
Vladimir Putin, não hesitou em afirmar que não sabia o
que era o Tribunal Penal Internacional, que, com mais de
100 países-membros, entre os quais Reino Unido e Fran-
ça, funciona como uma corte de guerra e de violações
contra a humanidade.
Por sorte, a diplomacia brasileira, um setor de excelên-
cia no serviço público, conseguiu conter danos e conven-
cer Lula a modular discursos inicialmente desastrosos.
De acordo com o governo brasileiro, as mais de 100 agen-

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das bilaterais de Lula renderam 57 acordos com outros


países, além de investimentos que ultrapassam a cifra de
100 bilhões de reais. “Apesar das críticas internas, a im-
portância da presença do presidente nas reuniões de cú-
pulas internacionais foi muito grande para relançar o Bra-
sil como um protagonista no cenário mundial. O Brasil
era alvo de ataques diários contra a política ambiental e a
política de mudança de clima. Então, ele teve que desfazer
essa imagem, e, para isso, a palavra do presidente é muito
importante”, afirma o ex-embaixador Rubens Barbosa,
presidente do Instituto de Relações Internacionais e Co-
mércio Exterior. “Agora, nada explica essa ausência do
presidente aqui dentro. Aí é um problema de política in-
terna do governo”, acrescenta Barbosa.
A análise do embaixador aponta na direção correta da
necessária busca de equilíbrio. Em meio aos giros interna-
cionais, Lula demorou meses para sacramentar a adesão
de PP e Republicanos ao governo e para entregar o co-
mando da Caixa a um aliado do presidente da Câmara, o
deputado Arthur Lira, o que levou o Centrão a obstruir a
pauta da Casa e impedir a votação de projetos considera-
dos prioritários pelo ministro da Fazenda, Fernando Had-
dad. Os textos só foram aprovados depois que o loteamen-
to do banco foi formalizado. Há meses Lula também dei-
xa correr uma disputa que opõe o próprio Haddad à presi-
dente do PT, Gleisi Hoffmann, e uma penca de ministros
— entre eles, Rui Costa, chefe da Casa Civil. Haddad quer

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GUSTAVO BASSO/NURPHOTO/GETTY IMAGES


AMAZÔNIA Seca: o meio ambiente é prioridade em
discursos no exterior

zerar a meta de déficit primário no ano que vem, objetivo


que até mesmo foi incluído no projeto de Lei de Diretrizes
Orçamentárias. Seus adversários nesse assunto querem
uma meta menos ambiciosa e minam o chefe da equipe
econômica nos bastidores.
Lula acompanhou tudo em silêncio até que, na segun-
da-feira 30, disse ser praticamente impossível alcançar o
objetivo traçado por Haddad. O estrago foi tão grande
que o presidente, em reunião com líderes partidários, pe-
diu ajuda para a aprovação das propostas defendidas pe-
lo ministro da Fazenda, muitas delas destinadas a au-
mentar a arrecadação da União e, assim, melhorar a saú-
de das contas públicas. Esses projetos ficaram um tem-

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pão parados porque Lula não se empenhava pessoalmen-


te na articulação política, o que finalmente resolveu fa-
zer. Recuperado de uma cirurgia e mais dedicado aos as-
suntos internos, ele também, enfim, envolveu o governo
federal no debate sobre segurança pública. Na quarta-fei-
ra, anunciou operações de Garantia da Lei e da Ordem
em portos e aeroportos do Rio de Janeiro e de São Paulo
numa tentativa de combater o crime organizado. A parti-
cipação do governo federal nesses esforços era reivindi-
cada havia meses por governadores.
Além da cadeira na mais alta Corte do Judiciário, o
presidente está atrasado nas indicações, entre outras,
para a Procuradoria-Geral da República, comandada in-
terinamente desde o fim de setembro, e o Conselho Ad-
ministrativo de Defesa Econômica, que corre o risco de
ter suas atividades suspensas por falta de quórum. Na
prática, Lula, o chefe de Estado, pode estar atrapalhan-
do Lula, o chefe de governo. O próprio presidente reco-
nheceu isso de forma indireta ao comentar a decisão do
Senado de rejeitar a indicação dele para a Defensoria Pú-
blica da União. Lula admitiu que esteve ausente e não
conversou com os parlamentares, mas justificou seu dis-
tanciamento com a cirurgia que fez no quadril no final
de setembro, o que o deixou quase um mês sem sair do
Palácio da Alvorada. Em razão dessa operação, ficou
impedido de fazer qualquer tipo de viagem até o final de
novembro. Assim, debruçou-se sobre as questões inter-

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DIOGO ZANATTA/FUTURA PRESS


TRAGÉDIA Enchente no Sul:
imagem desgastada, segundo pesquisas

nas, exatamente como espera a população, incomodada


com as viagens do presidente ao exterior.
Pesquisa divulgada pela Quaest mostra que para 60%
dos entrevistados o presidente se dedica mais do que de-
via à agenda internacional. Essa avaliação é compartilha-
da inclusive por 54% dos eleitores que votaram no petista
no segundo turno da eleição passada. Enquanto uma con-
siderável parcela da população (88%) tomou conhecimen-
to sobre as chuvas e enchentes que assolaram o Rio Gran-
de do Sul, apenas 41% souberam do acordo firmado entre
Lula e o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, na
ONU, em evento que aconteceu justamente em meio ao
desastre gaúcho. Lula não foi ao estado e, após críticas a

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sua ausência, enviou a primeira-dama Janja de última ho-


ra ao local. Neste ano, o presidente tem pelo menos mais
três viagens internacionais: vai à Conferência do Clima
em Dubai, no início de dezembro, com uma passagem, an-
tes, pela Arábia Saudita. Também está programada uma
ida para a Alemanha. Assim, deve encerrar 2023 com um
giro em 23 países, número maior do que os dezesseis esta-
dos brasileiros visitados pelo presidente até agora, muitos
deles em aparições-relâmpago.
Ciente das queixas e do imenso rosário de problemas
domésticos, o presidente promete aumentar a presença
em solo nacional no ano que vem. Espera-se que para cui-
dar dos problemas do país, e não apenas para turbinar as
campanhas de PT e aliados de esquerda nas eleições mu-
nicipais. “Agora, a partir de 2024, é viajar o Brasil, é con-
versar com o povo, é fazer investimento na educação, no
ensino médio, na saúde, na geração de emprego, na cultu-
ra.” Que assim seja. Poucos países estão tão bem posicio-
nados no mundo pós-pandemia quanto o Brasil, inclusive
nas áreas da economia e do meio ambiente. As oportuni-
dades e os desafios, porém, são enormes. Para dar conta
deles, Lula, antes de pleitear o status de protagonista glo-
bal, tem de cumprir a missão reservada pelas urnas: a de
liderar todos os brasileiros. ƒ

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LULA NÃO APRENDE


COM SEUS ERROS
E, ao que parece, ainda os esquece
ou insiste em repeti-los

O TIRO DE LULA matou a meta de déficit zero, quebrou


as pernas de Fernando Haddad, e voltou para o pé, criando
uma crise monumental. Ganharam o chefe da Casa Civil,
Rui Costa, o PT e o Centrão, que querem gastar.
A atitude de Lula causou um terremoto, mas não deve-
ria surpreender. Lula sempre administrou pelo conflito e
nunca permitiu que uma liderança petista se destacasse de-
mais. Além disso, jamais se convenceu de que gastar menos
do que se arrecada é uma boa ideia.
Não é a primeira vez que conflito, ciúme e ajuste fiscal
se combinam. Até 2005, Palocci controlava o caixa e tudo
ia bem: o país crescia e a pobreza diminuía. Mas, quando
Dilma atacou a política econômica — “o plano é rudimen-
tar”, “gasto é vida” —, Lula deu de ombros. (Em 1999, Cló-
vis Carvalho tentou a mesma coisa contra Malan... e caiu
em 24 horas.) A política expansionista que Lula implantou
em seguida fez disparar inflação, juros e desemprego. A ca-
tástrofe econômica resultante derrubaria Dilma.

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Lula não se lembra?


O governo comprava o apoio do Centrão com dinheiro
público desviado de estatais aparelhadas. O mensalão leva-
ria a cúpula do PT à cadeia; o petrolão e o ódio antipetista
alimentado pelo caos econômico fariam o mesmo com Lu-
la. Descontrole fiscal, dependência do Centrão e aparelha-
mento das estatais — que recomeçou — são uma combina-
ção explosiva.
Lula não se lembra?
Lula sugere que o déficit é disputa entre ricos e pobres: o
mercado é “ganancioso” e a população precisa de obras.
Falso. É possível fazer obras cortando em outros lugares.
Gastança é bom para o Centrão e para o PT, que têm ga-
nhos eleitorais. Bom para os rentistas, verdade, mas ruim
para a bolsa de valores, empresas, empresários, emprega-
dos (e desempregados). Para os pobres, é trágico. O contro-

“Descontrole fiscal,
dependência do
Centrão e aparelhamento
são uma combinação
explosiva”
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le fiscal permitiu que FHC derrotasse Lula no primeiro tur-


no duas vezes. O descontrole derrubou Dilma.
Não se esqueceu?
Lula tem muito amor pelos pobres, aliás. Mas pouco
faz para melhorar os serviços básicos, que fazem a dife-
rença para eles. Na educação, suspendeu a reforma do en-
sino médio. De saúde, mal fala. No saneamento, quer re-
vogar o marco legal. Na segurança, diz que vai “ajudar”
(com ações pontuais, como a GLO recém-anunciada), mas
insiste que o problema é dos governadores. E vive inven-
tando subsídio para transferir dinheiro dos impostos de
pobres para não pobres.
Não vê a contradição?
Lula é um democrata. Mas defende ditaduras como
Cuba, Rússia, China e Venezuela (Maduro acaba de anular
as primárias vencidas pela oposição, Lula está calado). E
ataca democracias como EUA e países europeus. Culpou a
Ucrânia pela guerra e não admite que o Hamas é terrorista.
Democratas não nomeiam amigos para o STF, tentam in-
terferir no Banco Central ou loteiam estatais. Bolsonaro es-
tá inelegível, Tarcísio e Zema não ameaçam a democracia.
Não vê a contradição? Nem o risco?
Lula está na política há 43 anos. Errou várias vezes, e
pagou caro por isso. É surpreendente que continue a come-
ter os mesmos erros.
“Quem não se lembra de seu passado está condenado a
repeti-lo”, ensinou o filósofo George Santayana. ƒ

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BRASIL CONGRESSO

LARGADA RUIM
Novo Índice Legisla Brasil mostra desempenho
decepcionante da ampla maioria dos deputados no
primeiro ano após a renovação de quase 40%
da Câmara BRUNO CANIATO

NOTA BAIXA Posse dos eleitos: média de 3,6


na escala de 0 a 10

BRUNO SPADA/CÂMARA DOS DEPUTADOS

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QUANDO A NOVA Câmara emergiu das urnas em


2022, o sentimento era de muita expectativa, uma vez
que 40% da casa havia sido renovada pelos eleitores. Per-
to de terminar o primeiro ano da nova legislatura, no en-
tanto, o desempenho dos parlamentares pode ser consi-
derado frustrante: na média, o trabalho deles recebeu no-
ta 3,6 — em uma escala de 0 a 10 —, segundo o Índice
Legisla Brasil, que monitora a performance dos eleitos
com base em critérios como apresentação de projetos (e
sua relevância) e atuação no acompanhamento do poder
público. Na soma das análises de dezesseis variáveis,
apenas quarenta dos 513 deputados receberam cinco es-
trelas, a avaliação máxima pelo trabalho.
Se não bastasse a média geral ruim, outras performan-
ces ficaram ainda mais aquém do desejado. Em fiscalização
do governo, por exemplo, a nota foi de 1,5 — um desempe-
nho preocupante em uma das funções primordiais do Le-
gislativo. Um pouco acima da média, mas ainda baixas, fi-
caram as avaliações das atuações na produção legislativa
(3,9) e em mobilização, que leva em conta, por exemplo, a
ocupação de postos na burocracia da Casa (4,2).
Entre os destaques individuais negativos do ranking
estão os deputados que tiveram participação irrisória na
rotina da Casa, limitaram-se a assinar projetos elabora-
dos por colegas e atuaram de maneira reativa às pautas
em discussão. A lanterna ficou com Vinicius Gurgel (PL-
-AP), que exerce o seu quarto mandato. Desde fevereiro,

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PRIMEIRO RETRATO
Os destaques negativos e positivos
no início da atual legislatura

3,6
foi a nota média dos deputados
em uma escala de 0 a 10

7, 8 %
dos parlamentares receberam
cinco estrelas, a avaliação máxima

1,5
foi a nota média no quesito fiscalização —
a área com pior performance

7, 4
foi a média para alinhamento partidário —
a ação mais bem avaliada

Fonte: Índice Legisla Brasil

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O S M EL HO RE S
S core fin al *

LAURA CARNEIRO (PSD-RJ)


0,76
ADRIANA VENTURA (NOVO-SP)
0,74
CABO GILBERTO SILVA (PL-PB)
0,72
AUREO RIBEIRO (SD-RJ)
0,71
FERNANDO MARANGONI (UNIÃO-SP)
0,71
SÂMIA BOMFIM (PSOL-SP)
0,69
DIEGO GARCIA (REPUBLICANOS-PR)
0,68
DELEGADO PAULO BILYNSKYJ (PL-SP)
0,68
MARCOS POLLON (PL-MS)
0,68
CAPITÃO ALBERTO NETO (PL-AM)
0,67
* De 0 a 1

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O S PI ORE S
S core fina l*

VINICIUS GURGEL (PL-AP)


0,11
DANIEL BARBOSA (PP-AL)
0,12
MATHEUS NORONHA (PL-CE)
0,13
DETINHA (PL-MA)
0,13
RICARDO ABRÃO (UNIÃO-RJ)
0,14
EUNÍCIO OLIVEIRA (MDB-CE)
0,14
FABIO REIS (PSD-SE)
0,14
JUNIOR LOURENÇO (PL-MA)
0,14
JOSIMAR MARANHÃOZINHO (PL-MA)
0,14
AJ ALBUQUERQUE (PP-CE)
0,15
* De 0 a 1

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o vice-líder do partido contabiliza apenas 66 dias de pre-


sença no plenário, mais de 1 milhão de reais gastos em
verbas de gabinete e zero projeto apresentado. Outro no-
me que chama atenção é o de Eunício Oliveira (MDB-
CE), que presidiu o Senado de 2017 a 2019. Na sua volta à
Câmara, o emedebista não ocupa cargos em comissões e
apresentou só um projeto de lei, destinado a ressuscitar
programa de renegociação de dívidas rurais de 2006 —
conhecido, veja só, como “Lei Eunício Oliveira”.
Na ponta oposta do ranking, os mais bem posiciona-
dos se destacam pelo desempenho satisfatório em todos
os aspectos do trabalho legislativo. A deputada mais bem
avaliada foi Laura Carneiro (PSD-RJ), parlamentar já no
sexto mandato e vice-líder do segundo maior bloco. Ela
obteve nota máxima em nove das dezesseis variáveis.
Apresentou nada menos que 47 PLs e foi um dos três de-
putados que conseguiram ver uma proposta sua virar lei
no atual mandato (a que transforma assédios sexual e
moral em infrações ao Estatuto da Advocacia). Também
foi bem em mobilização política ao participar de dez co-
missões durante a atual legislatura.
O melhor indicador obtido pelos parlamentares é tam-
bém um bom símbolo do perfil do atual mandato. Os de-
putados conseguiram 7,4 em alinhamento partidário, que
avalia o comportamento de cada um em relação a seus
partidos. O número reflete a organização da Câmara em
grandes grupos partidários — existem atualmente dois

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BRUNO SPADA/CÂMARA DOS DEPUTADOS

A MELHOR Laura Carneiro (PSD-RJ): no sexto mandato,


a deputada foi bem na fiscalização e aprovação de projetos

superblocos, que reúnem 317 deputados. Também pesou


a menor pulverização da instituição: as cadeiras estão
distribuídas por dezenove legendas, enquanto na legisla-
tura anterior eram trinta.
Considerando-se o comportamento dos partidos, cha-
ma atenção no levantamento o caso do PL, a maior ban-
cada da Casa, com 98 parlamentares. A legenda tem doze
deputados entre os quarenta que obtiveram cinco estrelas,
mas tem também cinco dos dez piores. A sigla está prati-

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BRUNO SPADA/CÂMARA DOS DEPUTADOS

UM DOS PIORES Eunício Oliveira (MDB-CE): ex-chefe do


Senado tem atuação decepcionante na sua volta à Câmara

camente isolada na oposição a Lula e vive divisão interna


entre bolsonaristas e gente ligada ao antigo Centrão. O
baixo índice de aprovação de projetos e a falta de coesão
dentro derrubaram o PL para o nono lugar no ranking ge-
ral de partidos. O alto número de parlamentares bem ava-
liados se deve à natural maior movimentação de quem es-
tá contra o governo de plantão. “O PT tinha a mesma pro-
porção de deputados cinco estrelas em 2022 que o PL tem
hoje. Os parlamentares de oposição são, naturalmente,

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mais atuantes do que os governistas”, diz Luciana Elmais,


cofundadora e diretora-executiva da Legisla Brasil.
O trabalho dos atuais deputados na proposição dos
projetos repete o mesmo erro de outras legislaturas: um
grande esforço que acaba produzindo muita fumaça e
pouco calor. Desde o início do ano, os parlamentares
apresentaram 4 561 projetos, dos quais apenas 43 foram
aprovados. Entre eles o de terça-feira 31, do deputado Kim
Kataguiri (União-SP), que aumentou a punição para quem
comete furtos e roubos — o furto de celular, por exemplo,
poderá render até dez anos de cadeia. Dos onze projetos
de lei que viraram norma jurídica na atual gestão — ou se-
ja, foram sancionados e estão efetivamente valendo —, se-
te vieram do Executivo e apenas um do Judiciário.
Por várias circunstâncias, a avaliação de um trabalho
parlamentar é sempre uma tarefa difícil. Uma das dificul-
dades é tirar o viés ideológico no olhar sobre o trabalho,
um dos princípios que norteiam a atuação do Legisla Bra-
sil. Para tentar fazer a análise de forma neutra, o grupo
lançou mão de um grande número de indicadores objeti-
vos analisados por 27 especialistas de diversas áreas e que
resultou no índice criado pela entidade e por Olívia Car-
neiro, economista formada pela USP, com mestrado na
Universidade de Chicago — e influencer com meio milhão
de seguidores no TikTok. A ONG também faz hoje consul-
toria direta a mais de oitenta gabinetes parlamentares de
dezenove partidos políticos, do PT ao Novo. Em julho, lan-

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REPRODUÇÃO

META Luciana Elmais, do Legisla Brasil:


ideia é qualificar o Parlamento

çou o seu primeiro programa voltado ao desenvolvimento


de lideranças partidárias e um guia on-line para subsidiar
a atuação de vereadores, deputados e senadores.
Vale ressaltar que a decepcionante performance indivi-
dual dos deputados não se confunde com a da instituição.
Em pouco mais de nove meses, a Câmara aprovou projetos
importantes como a reforma tributária, o arcabouço fiscal, a
desoneração da folha de pagamento e programas sociais co-
mo o Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida e o Mais
Médicos. Toda essa pauta, no entanto, veio do Executivo e

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quase sempre foi tocada às custas de muita negociação polí-


tica e, não raro, oferecimento de cargos e liberação de emen-
das. Para 2024, estão previstos quase 40 bilhões de reais
para gastos indicados pelos parlamentares, o que significa
um quarto do dinheiro para aplicação livre de que o gover-
no dispõe no Orçamento. “Isso mostra uma tendência cada
vez maior de aumento do poder do Parlamento e a retirada
de prerrogativas que são tradicionalmente do Poder Execu-
tivo”, avalia o cientista político José Álvaro Moisés, da USP.
Embora as grandes votações mobilizem mais e ocu-
pem tempo maior das agendas legislativas, é bom os de-
putados preocuparem-se com seus desempenhos indivi-
duais. Entre os 41 que foram avaliados como cinco estre-
las na legislatura anterior, 36 conseguiram novo mandato
— uma taxa de 88%, contra 57% de reeleitos no geral. Pa-
ra o Legisla Brasil, isso sugere que o trabalho efetivo no
Congresso gera bons frutos para a sociedade e para os
parlamentares. “Existe um pensamento comum de que
campanha eleitoral e pautas ideológicas geram mais votos
do que a produtividade. As estatísticas comprovam que is-
so é um mito”, diz Luciana Elmais. Outra constatação: o
ranking dos cinco estrelas inclui deputados de quinze par-
tidos de diferentes posições ideológicas, o que indica que
pode haver bons legisladores em todo o espectro político.
As fotografias recentes da Câmara, em que pese alguma
decepção, mostram bons caminhos a seguir. E o eleitor,
ao contrário do passado recente, parece mais atento. ƒ

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MURILLO DE ARAGÃO

GEOPOLÍTICA É PARA
PROFISSIONAIS
O Brasil não está no círculo das nações
que dão as cartas no mundo

ASSISTIMOS À intensificação da tensão entre nações,


característica de uma guerra fria agravada. Isso não é
uma novidade, mas o quadro é complicado por dinâmicas
econômicas contraditórias nos EUA, China e Europa. Pa-
ralelamente, a guerra na Ucrânia se desenrola com uma
cascata de efeitos secundários que reverberam global-
mente — quadro agravado pelo conflito em Israel.
Deparamos com circunstâncias sem precedentes que po-
dem trazer consequências sérias ao Brasil. Estamos à beira
de uma transformação da guerra fria em curso em conflito
de proporções globais, considerando a inclinação para a be-
ligerância e a imprevisibilidade dos líderes atuais.
A atual conjuntura guarda paralelos com a década de 1930,
ecoando a máxima de que a história tende a se repetir — embo-
ra como uma espécie de paródia. Para o Brasil, os impactos de
um conflito global seriam desastrosamente superiores aos da II
Guerra. A interconexão global e a interdependência econômica
amplificadas deixam-nos em posição mais vulnerável.

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No período pré-guerra, o Brasil vacilou antes de se po-


sicionar ao lado dos Aliados contra o Eixo. Hoje, obser-
va-se um aparente desvio do país em direção a uma polí-
tica externa reminiscente do Terceiro Mundo, com um
alinhamento mais próximo aos interesses chineses e rus-
sos. Esse movimento gera questionamentos: por que to-
mar tal direção?
Nossa economia está atrelada em grande medida ao
comércio de commodities com a China, conferindo a esse
parceiro uma influência considerável nas relações comer-
ciais. Além disso, nossa dependência dos insumos russos,
especialmente fertilizantes e diesel, restringe nossa capa-
cidade de adotar postura mais assertiva com esse parcei-
ro estratégico. Simultaneamente, enfrentamos críticas e
uma espécie de perseguição por parte dos países euro-
peus no que tange às questões ambientais.

“Em um contexto
complicado, o país
oscila entre um
protagonismo ilusório e
ações relevantes”
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A diplomacia dos EUA, marcada pela confusão há algum


tempo, carece de narrativa coesa e ferramentas eficazes pa-
ra reforçar sua presença institucional no Brasil. Washington
parece nos tratar como “não prioridade”, relegando ao setor
privado as relações com o país.
Em um contexto complicado, o Brasil oscila entre um
protagonismo ilusório e ações efetivamente relevantes, co-
mo as tentativas de mediar um cessar-fogo em Gaza. O país
não demonstra o peso de uma grande potência nem atua co-
mo tal em um cenário mundial onde a dissimulação e a de-
sinformação são estratégias geopolíticas corriqueiras.
A biografia Putin, de Philip Short, revela a intricada
teia da geopolítica ao narrar as manobras do líder russo
desde o colapso da União Soviética. No trabalho de Short,
que cobre os principais acontecimentos desde a queda do
Muro de Berlim até a invasão da Ucrânia, o Brasil, para o
bem ou para o mal, é mencionado apenas uma vez em
um contexto singelo: nossa abstenção em uma votação de
resolução da ONU em 2011.
Essa menção isolada reflete a posição do Brasil no xa-
drez geopolítico. Mesmo ostentando o status de uma das
maiores economias do mundo, detendo vastos recursos
naturais e sendo um dos principais produtores de alimen-
tos, não ascendemos ao círculo das nações que dão as
cartas no palco mundial. ƒ

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BRASIL PODER

CURINGA
ELEITORAL
Aposta política do PL, Michelle Bolsonaro é sondada
para disputas a cargos variados em ao menos quatro
estados e vira trunfo do partido para 2024 e 2026
VICTORIA BECHARA
ZACK STENCIL/PL

EM ALTA A ex-primeira dama: agenda cheia de viagens e


presença certa em palanques municipais em 2024

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ERA MARÇO DE 2022 quando uma impaciente Michel-


le Bolsonaro estreou em um palanque, no Rio de Janeiro,
no evento do PL que oficializaria a pré-candidatura de
seu marido, Jair Bolsonaro, à reeleição. A então primeira-
dama, aparentemente desconfortável, ensaiou deixar o
palco, mas foi impedida pelo presidente, que pediu que ela
falasse. O discurso foi curto, mas premonitório. “Hoje é
um novo ciclo que se inicia”, disse. Desde aquele dia, pas-
sou a atuar mais ativamente na política. Filiou-se ao PL,
acompanhou Bolsonaro em viagens, foi presença constan-
te em cultos evangélicos pelo país, participou do horário
eleitoral na TV e discursou em vários comícios daquela
disputa presidencial. Bolsonaro foi derrotado por Lula,
mas Michelle saiu da eleição politicamente maior do que
entrou. Em março, assumiu o comando do PL Mulher,
cargo que lhe deu mais visibilidade e permitiu continuar
percorrendo o país. Com a decisão da Justiça de tornar
seu marido inelegível, em junho, ela virou uma das princi-
pais apostas eleitorais do partido.
A confiança no potencial da ex-primeira-dama fez dela
uma espécie de curinga na estratégia eleitoral do PL. Em
outubro, foi sondada como candidata a uma vaga no Se-
nado pelo Paraná caso a cadeira fique vaga em razão da
cassação do titular Sergio Moro pela Justiça — ele é alvo
de uma ação na Justiça por irregularidades na sua campa-
nha em 2022. Segundo o Paraná Pesquisas, no principal
cenário, ela é a favorita para a disputa, com 35,7% das in-

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CRISTIANO MARIZ/AGÊNCIA O GLOBO

APOIO Evento do PL: partido incentiva


a movimentação da ex-primeira-dama

tenções de voto, à frente de políticos mais experientes, co-


mo o ex-senador Alvaro Dias (Podemos) e a presidente do
PT, Gleisi Hoffmann. Para disputar a vaga, ela teria que
correr contra o tempo, porque a legislação exige que ela
apresente domicílio eleitoral até seis meses antes da vota-
ção — o que seria em abril caso a disputa extemporânea
ocorresse em outubro de 2024, junto com as eleições mu-
nicipais. Ao fazê-lo, ela teria que comprovar que mora há

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ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA

SORRISOS Valdemar e Bolsonaro:


resultado de pesquisa agradou a caciques

pelo menos três meses no estado. O PL também pretende


sondar o potencial de Michelle como senadora em Rondô-
nia e Santa Catarina — outros dois estados com possibili-
dade de eleição suplementar, já que há ocupantes do cargo
ameaçados de cassação —, além de prefeita no Rio de Ja-
neiro, depois da decisão do TSE, na terça, 31, de tornar
inelegível o general Walter Braga Netto, apontado como o
principal candidato. No caso da capital fluminense, nin-

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guém leva a muito a sério a possibilidade, mas um possí-


vel bom desempenho dela numa sondagem eleitoral servi-
ria para incomodar Eduardo Paes, prefeito, candidato à
reeleição e favoritíssimo no páreo.
Além do caminho a ser escolhido para Michelle, discu-
te-se no PL se não seria o caso de esperar até 2026 para
lançá-la como candidata. Ela é cogitada até como herdeira
dos votos do próprio Bolsonaro numa corrida presidencial,
o que não agrada ao ex-presidente. Segundo pessoas próxi-
mas, o mais provável é que ela tente o Senado pelo Distrito
Federal, onde mora — com duas vagas em disputa na pró-
xima eleição, é maior a chance de vitória. “Ela inegavel-
mente é uma pessoa que tem muito carisma e talento, mas
eleição a gente vai ver no momento oportuno”, diz Rogério
Marinho, líder da oposição no Senado.
Independentemente de sua candidatura ou não a um
cargo público em 2024, a sigla já conta com Michelle
como um dos principais cabos eleitorais nas eleições mu-
nicipais. O partido tem a meta de conseguir eleger 1 000
prefeitos pelo país. Para isso, o plano é que a ex-primeira-
dama intensifique a agenda do PL Mulher, principalmente
em municípios que terão candidatas do partido. A ex pri-
meira-dama já tem feito visitas a vários estados para par-
ticipar de eventos como filiações e cursos de formação po-
lítica — só em outubro esteve em Minas Gerais, Pará,
Goiás e Ceará. “Acho que ela vai se destacar em qualquer
escolha que faça, em qualquer estado. O presidente Valde-

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mar Costa Neto está investindo bastante, promovendo es-


ses encontros e incentivando”, diz a deputada Rosana Val-
le, presidente do PL Mulher em São Paulo e cotada para
disputar a Prefeitura de Santos, no litoral paulista.
O sucesso eleitoral de Michelle, no entanto, depende
de muitos fatores. Apesar da popularidade crescente, as
investigações contra Bolsonaro respingaram na ex-pri-
meira-dama, que acabou se tornando uma das persona-
gens centrais do caso das joias sauditas, e precisou pres-
tar depoimento à Polícia Federal. Em uma desastrada
tentativa de lidar com o assunto, ela ironizou o episódio e
disse que lançaria sua própria marca, a “Mijoias”. Apesar
dos contratempos, o bolsonarismo ainda é uma força po-
lítica inegável no país e continuará a ter um peso consi-
derável nos próximos anos. Michelle surge como uma
das principais apostas desse grupo para tentar manter a
relevância — resta saber se o legado bolsonarista será sua
maior vantagem ou seu maior obstáculo. ƒ

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BRASIL JUSTIÇA

O REI EM XEQUE
Candidato à vaga no Supremo Tribunal Federal,
Flávio Dino disse ao presidente da República que
saúde pode atrapalhar sua permanência à frente do
Ministério da Justiça LARYSSA BORGES

ALERTAS Dino: pico de pressão, taxas alteradas e


orientação médica para mudar rotina de trabalho

TON MOLINA/NURPHOTO/GETTY IMAGES

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NO JOGO de xadrez, o xeque é resultado de um lance que


deixa o rei, a peça principal do tabuleiro, numa situação
difícil, quase sem saída. Talvez sem querer, foi esse movi-
mento que o ministro da Justiça Flávio Dino fez durante
uma conversa com Lula há algumas semanas, quando con-
fidenciou ao presidente que estava sendo pressionado pela
esposa a cuidar da saúde. Muito acima do peso, o ministro
contou que seu médico teria lhe advertido sobre os riscos
de continuar trabalhando na intensidade que o cargo exi-
ge. “Preciso mudar de hábitos, preciso mudar de vida”, ex-
plicou. Os dois discutiram então alternativas para contor-
nar o problema. Um assessor direto do presidente relatou
os detalhes do que foi falado no encontro. Segundo ele, Di-
no, senador licenciado, admitiu a possibilidade de reassu-
mir o mandato no Congresso. Nas entrelinhas, porém,
também disse que gostaria de ter seu nome considerado
como opção para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Lula, ainda segundo o relato do assessor, entendeu o reca-
do, mas nada disse. Nos dias que se seguiram, o nome de Flá-
vio Dino passou a circular como favorito a ocupar a vaga aber-
ta no Supremo com a aposentadoria da ministra Rosa Weber.
O presidente também passou a ouvir de aliados, políticos e ma-
gistrados manifestações de apoio ao ministro da Justiça. Em
um jantar no Palácio da Alvorada, um ministro do STF fez ras-
gados elogios a Dino e chegou a perguntar diretamente a Lula
sobre a hipótese dele ser indicado. “E ele quer?”, desconversou
o petista. “Achei que ele queria ser presidente da República”,

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ANDRE RIBEIRO/FUTURA PRESS

FAVORITO Bruno Dantas: o atual presidente do TCU é o


preferido da classe política para ocupar vaga de ministro do STF

completou em tom de brincadeira. Lula tem um carinho espe-


cial por Flávio Dino e sabe o quão importante seria ter no STF
alguém que é ao mesmo tempo juiz de carreira e aliado históri-
co. O problema é que o movimento do ministro empurrou o
presidente para o canto do tabuleiro político.
Cabe exclusivamente ao presidente da República a indica-
ção de um ministro do STF. Depois, o escolhido é sabatinado
e precisa ser aprovado pelo Senado. O processo pode ser sim-
ples e rápido ou demorado e desgastante, dependendo do per-
fil do candidato e do cenário político. Em junho, Lula indicou
Cristiano Zanin, seu ex-advogado particular, para o lugar do
ministro Ricardo Lewandowski, que se aposentou. Fora al-
guns protestos isolados, não houve turbulências. Desta vez,

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FÁTIMA MEIRA/FUTURA PRESS

CORRENDO POR FORA Jorge Messias: o advogado-geral


da União conta com o apoio de nove a cada dez petistas

no entanto, os “supremáveis” que teoricamente disputam a


vaga reúnem certas particularidades que tornam mais delica-
da a definição do nome. Além de Flávio Dino, constam como
postulantes ao cargo o atual presidente do Tribunal de Contas
da União, Bruno Dantas, e o advogado-geral da União, Jorge
Messias. Dantas é o preferido de nove a cada dez políticos em
Brasília. Messias, de nove a cada dez petistas. Dino conta com
o apoio e a simpatia de um grupo influente de magistrados.
A indicação do presidente do TCU era tida como a mais
provável até surgir o nome de Flávio Dino. Tanto que, no
Senado, já estavam adiantadas as articulações para a subs-
tituição de Bruno Dantas na corte de contas. Assim, a defi-
nição que parecia tender para ser simples e rápida passou a

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apontar na outra direção. No Congresso, houve ameaças de


rebelião da própria base aliada do governo. Adversários do
ministro da Justiça passaram a espalhar rumores de que ele
estaria pleiteando o cargo para escalar uma futura candi-
datura presidencial. Dino, aliás, já foi questionado a esse
respeito. “Se um dia, talvez, eu fosse para o Supremo e pen-
sasse em retornar à política, haveria uma premissa de que
eu usaria a toga para ganhar popularidade. Isso eu não fa-
rei, ou faria. Jamais. Seria uma decisão definitiva. Ou será,
sei lá”, afirmou ao jornal O Globo, deixando evidente que a
indicação está mesmo no seu horizonte.
Para tentar adiar ou minimizar os prováveis desdobra-
mentos derivados de sua decisão — desagradar à classe polí-
tica, desagradar aos petistas ou desagradar à classe política
e aos petistas –, Lula já considerou inclusive a possibilidade
de adiar a indicação para 2024 (postergar ou fazer pouco,
aliás, tem sido uma máxima deste governo). O fato é que,
apelando pelo lado pessoal, Dino colocou o presidente em
xeque. Em agosto, o ministro teve um pico de pressão. Exa-
mes apontaram que alguns marcadores estavam fora do
normal. Os médicos então alertaram que ele precisava ur-
gentemente fazer um regime e diminuir o ritmo de trabalho,
sob pena de que algo mais grave lhe acometesse a qualquer
instante. Desde então, Dino é acompanhado por uma car-
diologista, segue uma dieta rigorosa e já perdeu 10 quilos.
Ainda falta, porém, mudar a rotina de trabalho. Esse último
lance, no entanto, depende de Lula. ƒ

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BRASIL LEGISLAÇÃO

ATAQUE À LIBERDADE
Uma ala conservadora de deputados aprovou um
texto que veta o casamento entre pessoas do mesmo
sexo — retrocesso que caberá a seus pares barrar
RICARDO FERRAZ E SOFIA CERQUEIRA

PIONEIRISMO Toni Reis e David Harrad, de Curitiba: união


selada quatro dias depois da histórica decisão do STF, em 2011

ARQUIVO PESSOAL

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EM MAIO DE 2011, o Supremo Tribunal Federal cravou


o martelo sobre a histórica decisão de legalizar o casamen-
to entre pessoas do mesmo sexo. A Corte entendeu, por
unanimidade, que a Constituição Federal não permite dis-
criminar ninguém em função de sua orientação sexual, o
que seria o caso ao se vetar a troca de alianças entre quem
quer que seja. Foi com base na preservação dos direitos in-
dividuais e norteados por princípios como liberdade e dig-
nidade que os magistrados determinaram que a união es-
tável, prevista no artigo 226, também poderia ser celebra-
da entre casais homossexuais. Em voto memorável, a mi-
nistra Cármen Lúcia reforçou: “Contra todas as formas de
preconceito há o direito constitucional”. Entre 2013 e
2022, houve o registro de 72 801 casamentos homoafetivos
no país — uma multidão de brasileiros que relatam a felici-
dade de se sentir tão cidadãos como os outros.
Recentemente, um grupo de políticos marchou em dire-
ção oposta a este marco civilizatório, tentando emplacar
um parágrafo no Código Civil que diz com todas as letras
que “o casamento deve se dar apenas entre homens e mu-
lheres”. Capitaneada por integrantes da ala evangélica e à
direita no Congresso, a iniciativa se apresentou na forma
de um projeto de lei que passou pela Comissão de Assis-
tência Social, Infância, Adolescência e Família, fazendo
acender uma luz amarela pelo potencial de retrocesso que
contém. “Estamos regulando o tema, uma vez que não há
lei sobre ele, só uma interpretação do STF”, argumentou o

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relator, o deputado federal Pastor Eurico (PL-PE), que


elencou motivos bíblicos para abraçar a ideia. “Estão pro-
movendo uma cruzada ideológica contra nossos direitos
com o intuito de mobilizar as bases conservadoras radi-
cais”, rebateu a deputada trans Erika Hilton (PSOL-SP).
Resta ainda um longo percurso legislativo para se cra-
var a volta atrás, mas a ameaça de que ocorra já agitou ca-
madas variadas da sociedade. Movimentos em prol dos di-
reitos LGBTQIA+ levantaram a voz, e um abaixo-assinado
contra o projeto teve a adesão de quase 200 grandes em-

ALIANÇAS PARA
QUE TE QUERO
O número de uniões entre 5 614
pessoas do mesmo sexo
registradas em cartório 3 700
avança no Brasil 3 000

Fonte: Arpen/BR 2013 2014 2015

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presas. Artistas também expuseram sua indignação nas


redes. “O Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTQIA+
no planeta. A decisão da comissão, além de ser um retro-
cesso, incentiva essa violência”, disse a VEJA a cantora
Ludmilla, 28 anos, casada desde 2019 com a bailarina
Brunna Gonçalves, 31, que costuma abordar a questão da
diversidade em seus shows. “É difícil acreditar que isso es-
teja sendo discutido nos dias de hoje”, desabafa.
O projeto de lei deixou, justificadamente, muitos casais
com medo de ver seus tão festejados casamentos dissolvi-

13 181

9 520
T O TA L

5 887 72 801
6 433

2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022

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dos de uma hora para outra. Não vai acontecer, já que o


texto não é retroativo — só valeria para futuros casais. “A
decisão do STF se deu no âmbito dos direitos individuais,
que são cláusulas pétreas e não podem ser mudadas em
nenhuma circunstância”, explica Vivianne Ferreira, pro-
fessora de Direito de Família, da FGV-SP. Ativista na área
e um dos autores da ação que, em 2011, levou o caso ao
Supremo, o professor Toni Reis, 59 anos, casou-se com o
tradutor David Ian Harrad, 65, exatos quatro dias após a
histórica decisão. “O cartório em Curitiba ainda nem sa-
bia como agir”, lembra Toni, que em seguida celebrou ce-
rimônia religiosa na Igreja Anglicana (o Vaticano ainda
não reconhece tais uniões). Ele conta que a epopeia para
adotar o primeiro filho antes das bodas não se compara à
relativa facilidade que teve com os outros dois, após ofi-
cializar o longevo relacionamento. “Nossa união foi reali-
zada com honras e pompas”, orgulha-se.
A luta para o Estado oficializar os elos homoafetivos
vem desde os anos 1990, mas nunca avançou no Con-
gresso, daí ter chegado ao STF. A tática dos casais até
2011 era recorrer à Justiça. Assim, uns obtiveram o direi-
to de se casar, outros não. Mesmo com o avanço estabe-
lecido pelo Supremo, inúmeros cartórios resistiam em se-
lar esses matrimônios. Apenas em 2013, o Conselho Na-
cional de Justiça deu um fim às incertezas, obrigando-os
a formalizar as uniões. “Além da celebração do amor, tu-
do isso representou segurança jurídica”, avalia Luiz An-

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ARQUIVO PESSOAL

ENFIM A ex-ministra Ana Moser, com Adriana e o filhos:


alianças tardias

dré Moresi, 49 anos, coordenador de treinamento de call


center, que, ao lado do então companheiro, o cabeleireiro
José Sérgio Kauffman, foi o primeiro no país a reverter a
união estável firmada no papel em casamento.
Ao todo, 36 países regulamentaram o casamento gay,
sendo a Holanda a pioneira, em 2000. Seria logo seguida
por Estados Unidos, França e Argentina, entre outros. O

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Brasil não é o único em que a onda conservadora ameaça


atropelar direitos civis tão caros à sociedade. No cenário
eleitoral americano, o pré-candidato republicano Ron De-
Santis fez do tema seu mote de campanha. Expoente da ex-
trema direita europeia, a primeira-ministra Giorgia Meloni,
da Itália, tem pressionado governos locais a proibir a adoção
de filhos por esses casais. Líderes autoritários, como o russo
Vladimir Putin e o chinês Xi Jinping, não se cansam de vol-
tar-se contra a comunidade LGBTQIA+. No Brasil, a ques-
tão vem à luz sob contornos religiosos, impulsionada pela
alta mobilização de grupos evangélicos.
A recente vitória dessa turma no Congresso, felizmen-
te, não é definitiva. A proposta será avaliada agora pelas
comissões de Direitos Humanos e de Constituição e Justi-
ça, ambas nas mãos do PT, que é contrário à ideia e vai se
empenhar em inverter o jogo. Se vingar, será um inad-
missível retorno ao passado, abalando casais que, ao su-
bir ao altar, se viram caminhando em um mundo mais
avançado e diverso. “Quando enfim nos casamos, olha-
mos uma para a outra e dissemos: como demorou”, lem-
bra a ex-ministra dos Esportes Ana Moser, 55 anos, que,
naquele 2018, estava há quase duas décadas com a chef
Adriana Saldanha, com quem tem dois filhos. Resolve-
ram formalizar a união justamente por temer os ventos
conservadores que se avizinhavam. Que direitos conquis-
tados a tanto custo e de tamanho impacto não sejam le-
vados pela insensatez da intolerância. ƒ

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RADAR ECONÔMICO
VICTOR IRAJÁ

Com reportagem de Diego Gimenes,


Felipe Erlich e Larissa Quintino

BRENNO CARVALHO/AGÊNCIA O GLOBO

DISCÓRDIA Porto do Açu: acusações de


sabotagem entre os ex-parceiros do negócio

Água no convés Internamente, a OSX acusa


A construtora naval OSX, a a Prumo Logística, dona do
última das empresas do ex- Porto do Açu, de estimular
bilionário Eike Batista, en- a falência da companhia
trou com um segundo pedi- com a intenção de tomar as
do de recuperação judicial. suas operações.

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Artilharia pesada Na estrada


A briga nos tribunais pro- A ClickBus, plataforma de
mete. A OSX afirma que vendas on-line de passagens
suas dívidas são decorren- rodoviárias, identificou nos
tes de uma antiga operação últimos dias um crescimen-
entre o grupo de Eike e a to de seis vezes na procura
própria Porto do Açu. Já a por bilhetes entre Foz do
Prumo entrou com um pe- Iguaçu e Rio de Janeiro.
dido de cobrança de uma
suposta dívida de 403 mi- Invasão argentina
lhões de reais. O motivo do aumento da
procura é a final da Copa
Geladeira nova Libertadores da América
A fabricante chinesa de tele- neste sábado, no Maracanã,
visores TCL vai investir em entre Fluminense e Boca
um novo braço de negócios. Juniors. Os argentinos irão
A ideia é entrar no mercado até a fronteira para pegar os
brasileiro de geladeiras e ônibus em direção ao Rio.
competir com marcas como
as coreanas LG e Samsung. Ainda em casa
O home office resiste: se-
Frio de longe gundo pesquisa do aplicati-
De início, os planos da TCL vo de aluguéis Quinto An-
envolvem importar os refri- dar, 23% dos trabalhadores
geradores que produz na Chi- das capitais do país dão ex-
na. Só depois passará a fabri- pediente exclusivamente
car os aparelhos no Brasil. no modelo remoto.

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Esqueletos no armário a 95% contraria o que de-


Edemar Cid Ferreira, ex- terminou o juiz Paulo Furta-
dono do Banco Santos, do, da 2ª Vara de Falências
acusa advogados de um da Comarca de São Paulo.
grupo de credores da insti-
tuição financeira de preju- Ligadas na tomada
dicar os interesses dos pró- O gigante americano de e-
prios clientes. A falência commerce Amazon incluiu
do Banco Santos foi decre- Rio de Janeiro e Curitiba na
tada em 2005. lista de cidades que farão
parte de uma iniciativa de
Ficou barato seu projeto Climate Pledge,
Segundo Edemar, a gota que busca reduzir a emissão
d’água foi a suposta interfe- de poluentes em diversos
rência dos advogados na ne- lugares do mundo. De iní-
gociação de uma dívida de cio, as duas capitais brasi-
2,4 bilhões de reais, que po- leiras deverão receber in-
derá ser reduzida a 100 mi- vestimentos em infraestru-
lhões de reais. Edemar afir- tura para a eletrificação de
ma que o desconto superior veículos pesados. ƒ

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ECONOMIA REGULAÇÃO

ESQUECERAM
DE MIM
Órgão responsável pela fiscalização de fusões e
aquisições no país, o Cade sofre com a indiferença
do governo Lula e agora corre o risco de não
cumprir sua indispensável missão
LUANA ZANOBIA

RELEVÂNCIA Sede do Cade em Brasília: em 2023, 460


transações corporativas já foram analisadas pela instituição

SECOM/CADE

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D
esde que foi criado, em 1962, o Conselho Admi-
nistrativo de Defesa Econômica (Cade) cumpre
um papel vital para a economia brasileira. Entre
outras atribuições, a autarquia federal tem a mis-
são de zelar pela livre concorrência no mercado,
um conceito indissociável das sociedades capitalistas. Na
prática, é o órgão que fiscaliza movimentos de fusões e
aquisições, investigando se eles interferem na competição
dentro de um determinado setor. Também é dever do Ca-
de julgar a existência de cartéis, monopólios e oligopólios
e, se for o caso, impedir que prosperem. Não há, portanto,
ambiente de negócios saudável sem a supervisão de uma
entidade desse tipo. Por isso mesmo, surpreende o inex-
plicável descaso do governo Lula na gestão do Cade, co-
mo se o Conselho não fosse indispensável para o país.
Neste mês de novembro, e provavelmente ao menos
nas semanas seguintes, o Cade ficará impossibilitado de
realizar julgamentos. Com o final do mandato de um de
seus conselheiros, apenas duas das cadeiras do Conselho
permanecerão ocupadas. Para realizar as tradicionais ses-
sões de análise de transações corporativas, o órgão preci-
sa de no mínimo quatro representantes — o presidente,
cargo ocupado atualmente por Alexandre Macedo, e mais
três conselheiros. A partir de agora, contudo, não haverá
quórum suficiente para realizar os trabalhos. “A situação
é mais grave considerando que estamos no final do ano,
um período em que muitas empresas buscam concluir

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O RETRATO DO DESCASO
Por que o órgão de vigia da concorrência
pode parar de funcionar

Neste mês acaba o mandato de mais um


conselheiro do Cade. Com isso, quatro das
seis cadeiras do Conselho ficarão vagas

Para fazer julgamentos, o Cade precisa de


um quórum mínimo de três conselheiros,
além do presidente do órgão

CONCLUSÃO

NÃO HÁ COMO REALIZAR NOVAS SESSÕES


Os conselheiros do Cade são indicados
pelo presidente da República e passam por
sabatina no Senado, mas até agora Lula
não se movimentou

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RENATO S. CERQUEIRA/FUTURA PRESS


NA MIRA Publicidade da 123milhas:
Cade pediu análise de compra de rival

operações para se beneficiar no exercício fiscal”, diz o ex-


-presidente do Cade Gesner Oliveira, atualmente sócio da
consultoria GO Associados.
Em 2023, o Cade analisou até agora 460 operações, o
que dá a dimensão de sua relevância. “Projetamos que, até
o encerramento do ano, entre 80 e 100 transações possam
ser afetadas pela ausência da nomeação de, no mínimo,
um conselheiro”, afirma Luis Nagalli, advogado de direito
concorrencial do escritório Madrona Fialho Advogados.
Conforme as normas vigentes, a indicação do conselheiro
deve ser feita pela Presidência da República. Depois, o
profissional é sabatinado pelo Senado — e só então pode-
rá assumir as funções administrativas.

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EDILSON RODRIGUES/AGÊNCIA SENADO


PARADO Alexandre Macedo, atual
presidente: sem quórum para julgar

O modelo abre margem para negociações políticas,


com o Senado reivindicando a possibilidade de indicar
nomes e influenciar a composição do Conselho — um to-
ma lá dá cá típico da rotina em Brasília. Segundo a GO
Associados, entre os cotados para assumir as vagas pen-
dentes estão sete advogados e duas economistas. Enquan-
to Lula não se mobilizar, o Cade permanecerá sob aban-
dono. Pelos cálculos da GO, o tempo médio entre indica-
ção e aprovação dos conselheiros é de 72 dias. Como fica-
rão os casos pendentes nesse período? Provavelmente,
deixarão de ser julgados. Procurado pela reportagem, o
governo federal não se pronunciou.

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Nos últimos anos, o Cade julgou vários casos rumoro-


sos. Após duas décadas de idas e vindas e inúmeras deci-
sões judiciais, o órgão aprovou, em junho passado, a com-
pra da Garoto pela Nestlé. O negócio foi fechado em 2002,
mas acabou sendo vetado pelo “excesso de concentração”
no mercado brasileiro de chocolates. Ainda assim, a Nes-
tlé deverá cumprir algumas regras, como não comprar
outras marcas que detenham mais de 5% do setor. O caso
foi um dos mais longos da história a tramitar nessa instân-
cia. Um exemplo recente do papel do Cade foi oferecido
na semana passada, quando determinou que a compra da
empresa de turismo Maxmilhas pela 123milhas seja enca-
minhada para análise. A 123milhas, ressalte-se, é a em-
presa acusada de operar no sistema de pirâmide e não en-
tregar as passagens aéreas compradas pelos consumido-
res. O Cade, aponte-se mais uma vez, é uma instituição
fundamental para a existência de um ambiente de negó-
cios saudável no país. Ignorar isso é um erro que o gover-
no Lula não deveria cometer. ƒ

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ECONOMIA GOVERNO

MUDANÇA DE RUMO
A nomeação de novos diretores para o Banco Central
aumenta a preocupação do mercado financeiro
com a ingerência do governo Lula na política monetária
FELIPE MENDES

NA MESA Da esq. para a dir., Picchetti e Teixeira, recém-


indicados para o BC, e Haddad: independência do órgão é vital

DIOGO ZACARIAS/MF

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A INDEPENDÊNCIA do Banco Central, uma conquista


da sociedade brasileira sacramentada em fevereiro de
2021, estabelece que o presidente e os diretores da autar-
quia tenham mandatos fixos de quatro anos, que não
coincidem com o exercício da Presidência da República.
Por esse critério, o número 1 do BC, Roberto Campos Ne-
to, só deixará o cargo em janeiro de 2025. As novas re-
gras em vigor há dois anos também definiram que a troca
dos diretores seja feita de forma gradual, para evitar que
os governantes exerçam influência excessiva sobre os de-
sígnios da instituição. Em 30 de outubro, o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, anunciou dois novos nomes
para o BC: Paulo Picchetti assumirá a diretoria de Assun-
tos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos e
Rodrigo Texeira, a diretoria de Relacionamento, Cidada-
nia e Supervisão de Conduta.
Com a decisão, o atual governo passará a ter quatro
nomes indicados de um total de oito que compõem o cor-
po diretivo do BC — em maio passado, Gabriel Galípolo
foi anunciado como diretor de Política Monetária e Ailton
Aquino dos Santos para a área de Fiscalização. Ainda que
a independência do Banco Central esteja obviamente
mantida, é inegável que o governo aumentou seu prestígio
junto aos quadros que, afinal, determinam a política mo-
netária. São os oito diretores, mais o voto do presidente
Roberto Campos Neto, que definem se haverá ou não cor-
tes da taxa básica de juros, a Selic. Antes do início do ciclo

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de redução dos juros, em agos-


to, Lula fez críticas injustas ao
presidente do BC, acusando-o
de ir em direção contrária ao
que o Brasil precisa por não di-
minuir a Selic. Agora, com a
nova diretoria, as pressões do
presidente da República talvez
tenham mais efeito.
O economista Tony Volpon,
ex-diretor do Banco Central e
fundador do Instituto Makros,
considerou a escolha de Pic-
chetti positiva. “Foi uma sur-
presa boa”, diz. “Entre os indi-
cados pelo governo até aqui,
ele é o único que não me pare-
ce alinhado com a escola hete-
rodoxa”. O pensamento hetero-
doxo, lembre-se, é aquele que
preconiza a necessidade de in-
RODRIGO SAMPAIO

tervenção do Estado nos ru-


mos da economia, algo que o
receituário petista prega desde MANDATO Campos
sempre. De fato, a nomeação Neto: ele ficará na
de Picchetti aliviou, em parte, presidência do BC até o
as preocupações do mercado fim de 2024

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financeiro, que teme um Banco Central cúmplice da ex-


pansão fiscal defendida pelo presidente Lula. Um ex-pre-
sidente da autarquia pontua, sob a condição de anonima-
to, que o risco de ingerência do governo no BC existe, mas
“ainda está cedo para quantificar”.
Não será fácil o trabalho dos executivos do Banco
Central nos próximos meses, dadas as más ideias de Lula
na gestão econômica do país. Na semana passada, o pre-
sidente mostrou que não tem o equilíbrio fiscal como
uma prioridade. “Nós dificilmente chegaremos à meta de
déficit zero, até porque eu não quero fazer cortes em in-
vestimentos e obras”, afirmou. “Eu não vou estabelecer
uma meta fiscal que me obrigue a começar o ano fazendo
um corte de bilhões nas obras.” Ou seja, o presidente quer
ter licença para gastar, o que certamente pressionará a
inflação — e exigirá do BC uma gestão monetária firme
para não deixar a economia desandar. “Ficou claro o que
todo mundo deveria saber: o presidente não tem nenhum
comprometimento com as contas públicas”, diz o econo-
mista Alexandre Schwartsman, ex-diretor de assuntos
internacionais do Banco Central. Em 1º de novembro, o
Comitê de Política Monetária do BC cortou a Selic em 0,5
ponto percentual, para 12,25% ao ano. Mais uma vez,
não houve surpresas. Isso é ótimo. Espera-se que, com a
nova diretoria, o Banco Central siga conduzindo a políti-
ca monetária do país com a sensatez que muitas vezes pa-
rece faltar em outras áreas. ƒ

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A NEOINDUSTRIALIZAÇÃO
DARÁ CERTO?
O desafio é enorme, mas as
possibilidades são baixas

NEOINDUSTRIALIZAÇÃO, uma grande meta do atual


governo, traduz, no fundo, a ideia de política industrial as-
sociada, para muitos analistas, a experiências malsucedi-
das de intervenção estatal no Brasil. Foi assim com o pro-
tecionismo em favor de indústrias vistas como nascentes,
apesar de existirem há décadas. Foi assim nas tentativas
fracassadas de criar uma indústria naval e na generosa
concessão de incentivos fiscais e de subsídios do BNDES.
Essas e outras ideias estão de volta.
O significado provável da neoindustrialização está no
discurso de posse de Lula. “Não faz sentido importar
combustíveis, fertilizantes, plataformas de petróleo, mi-
croprocessadores, aeronaves e satélites”, afirmou. Implí-
cita está a ressurreição da velha estratégia de substitui-
ção de importações e da reserva de mercado da informá-
tica, de triste memória.
Nada contra políticas industriais. Elas foram relevan-
tes em países asiáticos como Japão, Coreia do Sul, Taiwan

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e China. Fundamentaram-se no estudo das falhas de mer-


cado a ser superadas. Basearam-se na oferta de educação
de qualidade, na exposição das empresas ao comércio in-
ternacional e no estímulo à inovação. A indústria se pre-
parou para competir nos mercados globais. A elevação da
produtividade — o principal fator de geração de riqueza e
de competitividade — foi a colheita típica dessas ações.
O discurso de posse defendeu “uma política industrial
que apoie a inovação, estimule a cooperação público-pri-
vada, fortaleça a ciência e a tecnologia”, mas não esqueceu
de prometer o “acesso a financiamentos com custos ade-
quados”, ou seja, subsídios à moda antiga. O BNDES tam-
bém fala em inovação, mas quer rever a nova taxa de longo
prazo — a TLP —, que pôs fim aos programas de subsídios
implícitos e permitiu o florescimento de um vigoroso mer-
cado de capitais, que já representa mais de 40% do estoque
de crédito, principalmente de longo prazo.

“A produtividade
é a grande ausente
dos discursos e das
propostas do governo”
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A desindustrialização precoce dificilmente será rever-


tida com políticas que não deram certo em outras épocas.
Suas principais causas estão no caos tributário, nas defi-
ciências de infraestrutura, na má operação da logística,
na lamentável qualidade da educação, na reduzida inser-
ção nas cadeias globais de produção e nos riscos fiscais
que elevam a taxa de juros. O problema tributário pode
ser fortemente mitigado com a reforma tributária, mas
ela terá uma longa transição. A logística deve melhorar
com a expansão privada de ferrovias e rodovias, mas seus
efeitos positivos certamente demorarão a ocorrer. Se
acontecer, o acordo União Europeia-Mercosul pode aju-
dar, mas os riscos fiscais se agravaram. A qualidade da
educação não anda.
Assim, há coisas boas e outras não tão boas acontecen-
do. As boas exigem tempo. As más podem piorar a situa-
ção. O xis da questão, a produtividade, é a grande ausente
do discurso e das propostas do governo. Imaginar que a
neoindustrialização vai dar certo em apenas quatro anos
é apostar demais na sorte. ƒ

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INTERNACIONAL ORIENTE MÉDIO

LONGE DA
RESOLUÇÃO
Em meio ao agravamento da guerra, pressões
diplomáticas abrem um corredor humanitário para
o Egito, papel que a ONU não consegue assumir

ERNESTO NEVES

NO CAMINHO Crianças palestinas atingidas por bombardeio:


para Israel, aceitar trégua é capitular perante o Hamas

MOHAMMED SABER/EPA/EFE; JACK GUEZ/AFP

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N
o furor da reação de Israel ao ataque-surpresa do
grupo palestino Hamas, que na madrugada de 7
de outubro rompeu a barreira em torno da Faixa
de Gaza, trucidou 1 400 pessoas e foi embora com
mais de 200 reféns, quase três semanas de bom-
bardeios ininterruptos sobre alvos no estreito e superpopu-
loso território — 600 em um dia, de acordo com as Forças
de Defesa Israelenses (IDF, na sigla em inglês) — foram o
prenúncio do movimento decisivo: a invasão por terra. Na
segunda-feira 30, tanques e comandos deram início à se-
gunda fase da operação para aniquilar o inimigo, confir-
mada por imagens de satélite e pelo primeiro-ministro
Benjamin Netanyahu.
A crise humanitária desencadeada pelas bombas e por
um bloqueio total, com cerca de 9 000 de mortos nas contas
das autoridades palestinas e civis privados de água, comida e
assistência médica, levou países do mundo todo a se mani-
festar (leia a coluna de Vilma Gryzinski, na pág. 57), uns
contra a violência de Israel, outros a favor do seu direito de
reagir à altura e muitos misturando as duas coisas. Do Con-
selho de Segurança, órgão máximo da Organização das Na-
ções Unidas, nada. Engessado pela exigência de unanimida-
de, a entidade guardiã da paz mundial até agora não aprovou
uma única resolução relativa à guerra no Oriente Médio.
No campo de batalha, a cratera das bombas perfurou o
solo de Jabalia, o maior dos cinco campos de refugiados
de Gaza, matando dezenas de pessoas — segundo Israel,

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SEGUNDA FASE
Tanques israelenses se
concentram na fronteira:
começo da invasão

MOHAMMED SABER/EPA/EFE; JACK GUEZ/AFP


todos integrantes de células de combate, inclusive um co-
mandante militar; segundo o Hamas, todos civis, entre
eles sete reféns. “Será uma guerra longa e difícil”, avisou
Netanyahu, destacando que os 300 000 reservistas con-
vocados devem passar meses longe de casa. A intenção de
Israel parece ser isolar gradativamente Gaza City, a maior
cidade do território, e centrar a ofensiva terrestre lá, infil-
trando-se no labirinto de túneis que serve de arsenal, de-
pósito de víveres, esconderijo e quartel-general do Ha-
mas. Nele estariam espalhados os reféns, que as forças is-
raelenses esperam localizar e resgatar — em uma das re-
centes incursões, a soldada Ori Megidish, 19 anos, foi a
primeira a ser libertada. Em vez de uma ação em larga es-
cala, as IDF optaram até agora por investidas pontuais,

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aparentemente com o propósito de confundir o Hamas


quanto aos próximos passos. “Isso também adia, pelo me-
nos por enquanto, os combates em zonas urbanas, que são
muito mais perigosos”, diz Yaakov Lappin, analista mili-
tar baseado em Israel.
Graças principalmente à pressão dos Estados Unidos e
à intermediação do Catar, emirado árabe que acolhe um
escritório de representação do Hamas, hospeda seu chefe
político, Ismail Haniyeh, e ampara financeiramente os ser-
viços públicos de Gaza, o Egito abriu o portão de Rafah,
único ponto de fronteira do território não controlado (pelo
menos em teoria) por Israel. Primeiro, permitiu a entrada
de caminhões com água, remédios e mantimentos — me-
nos de 100 por dia, muito menos do que o necessário. De-
pois, na quarta-feira 1º, autorizou a saída de indivíduos de-
tentores de passaportes estrangeiros e de feridos sem con-
dições de tratamento local. Tudo muito mais lentamente
do que os envolvidos gostariam, mas foi o primeiro respiro
no desespero geral que predomina em Gaza. Enquanto a
diplomacia de uns poucos países trabalha para manter
aberto o corredor humanitário, o Conselho de Segurança
da ONU segue travado — quatro propostas de trégua, in-
cluindo uma do Brasil, foram rejeitadas desde o início do
conflito. Três dos vetos partiram da representação ameri-
cana, ciosa de manter aceso o apoio do país à reação de Is-
rael e à percepção do governo Netanyahu de que concor-
dar com um cessar-fogo é ceder ao Hamas.

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EVAN SCHNEIDER/ONU/EFE
PROTESTO Embaixador Erdan com a estrela
amarela: ele acusou a ONU de antissemitismo

Ao se encerrar no fim de outubro a presidência rotativa do


Brasil (autor de uma das resoluções rejeitadas) no Conselho,
sem erguer algum escudo que interrompesse a chuva de bom-
bas, o ministro Mauro Vieira, das Relações Exteriores, desa-
bafou: “Seguimos sem conseguir agir, é uma vergonha”. O se-
cretário-geral da ONU, António Guterres, complicou ainda
mais a equação ao dizer que os ataques do Hamas não aconte-
ceram “no vácuo” e em seguida fazer referência aos “56 anos
de ocupação da Palestina”. A representação de Israel pediu
sua renúncia e foi além: “Todo país honesto deveria deixar de
contribuir com a ONU até que o antissemitismo termine”, de-
clarou o embaixador Gilad Erdan, portando na lapela uma
estrela de davi amarela, usada pelos nazistas para identificar
os judeus nos campos de concentração da II Guerra.

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Contribuiu para acirrar os ânimos a absurda escolha do


representante do Irã na ONU, Ali Bahreini, para presidir o
Fórum Social do Conselho de Direitos Humanos em Gene-
bra, no início de novembro. Há uma contradição: no ano
passado, o Conselho aprovou uma resolução pedindo inves-
tigação independente das denúncias de violência do governo
de Teerã na repressão de manifestações de rua. E, claro, di-
reitos humanos ali inexistem. Mas por que tanta fragilidade
nas decisões? “A guerra no Oriente Médio mexe com ques-
tões profundas, como religião e etnia, em um momento em
que as sociedades estão polarizadas”, resume William
Doherty, professor da Universidade de Minnesota.
Criado em 1946, em um contexto de aprovação geral a
uma entidade garantidora da paz mundial depois da tragé-
dia da guerra, o Conselho de Segurança da ONU é formado
por cinco nações com assento permanente — Estados Uni-
dos, Rússia, China, França e Reino Unido — e outras quinze
em regime de rotatividade (o Brasil tem assento até o fim do
ano). Ao contrário das resoluções da Assembleia Geral, ter-
mômetro insosso das posições dos 193 países-membros nas
horas de crise, as decisões do Conselho são de anuência
obrigatória por todos e devem ser aprovadas por unanimi-
dade pelos membros permanentes, mecanismo adotado pa-
ra evitar dar peso maior a um ou outro e insuflar conflitos.
A Assembleia, aliás, é apenas vitrine — palco que, em 1960,
recebeu Fidel Castro com pompa e circunstância, um ano
antes de Cuba ser declarada um país comunista.

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JEFF HOCHBERG/GETTY IMAGES


DISCURSO Fidel em 1960: um ano antes
de Cuba ser declarada comunista

O Conselho, diga-se, funcionou por algum tempo, mas


sem relevância contundente. O balanço das resoluções to-
madas até hoje traduz as limitações do órgão — menos de
duas dezenas por ano nas quatro décadas de Guerra Fria,
quando EUA e União Soviética se revezavam nos vetos; o
triplo no período de hostilidades amenizadas após a queda
do Muro de Berlim; e, agora, brigas e vetos desde a invasão
da Ucrânia pela Rússia. Nos últimos anos, a ONU vem sen-
do pressionada a alterar as regras, mas dificilmente achará o
momento certo para mudanças em um panorama de desim-
portância, atropelada pela crescente influência de grupos
como o Brics e o G20. No mundo atual, movido pela busca
por hegemonia ou, ao menos, um lugar mais luminoso ao
sol, não sobra muito espaço para as Nações Unidas. E as
guerras prosseguem. ƒ

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NADA É O
QUE PARECE
Nos bastidores, líderes árabes
não radicais repudiam o Hamas

“OUÇA MINHAS PALAVRAS: pode levar mais cinquenta


anos para que outra liderança israelense faça uma proposta
parecida.” Assim o primeiro-ministro de Israel na época,
Ehud Olmert, tentou vender o plano de criação de dois esta-
dos que discutiu entre 2006 e 2008 com o palestino Mah-
moud Abbas. Por sua proposta, um Estado palestino teria
jurisdição sobre 94% dos territórios da Cisjordânia e sobre a
parte árabe de Jerusalém. Cisjordânia e Gaza seriam conec-
tadas por um corredor terrestre. A fronteira do novo Estado
palestino com a Jordânia seria patrulhada por uma força in-
ternacional e a entidade autônoma e independente teria for-
ças policiais, mas não um exército.
A proposta foi rejeitada e talvez agora leve 100 anos pa-

ra que existam as condições de um novo entendimento. Por


que Abbas repetiu Yasser Arafat, que no ano 2000 levou o
presidente Bill Clinton a anotar que “não acreditava” que
um plano de paz tão bom como o apresentado por outro pri-
meiro-ministro israelense, Ehud Barak, fosse rejeitado? Por

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medo de enfrentarem revoltas internas. Depois de promete-


rem tudo, não poderiam ficar com menos do que o absoluto
—e perder alguma coisa, para os dois lados, é o único jeito de
ambos ganharem o grande prêmio no final.
O principal representante americano naquelas negocia-
ções era Dennis Ross, diplomata com ampla experiência no
Oriente Médio. Foi ele quem escreveu que todos os funcio-
nários de alto escalão árabes com quem falou desde a eclo-
são da crise atual disseram que o Hamas precisa ser destruí-
do. “Deixaram claro que, se houver a percepção de que o
Hamas saiu ganhando, isso vai validar a ideologia da rejei-
ção, impulsionar o Irã e seus colaboradores e colocar seus
próprios governos na defensiva”, resumiu Ross. Por defensi-
va, leia-se cabeça a prêmio.
Ninguém com um mínimo de conhecimento do Oriente
Médio fica espantado com as diferenças de atitude entre o

“A Primavera Árabe
já mostrou que
o ‘sentimento das
ruas’ pode ter
resultados explosivos”
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que é dito em público e o que é confidenciado em particular.


Regimes árabes que não parecerem implacáveis com Israel
correm o risco de condenação pela opinião pública. A Pri-
mavera Árabe já mostrou que o “sentimento das ruas” pode
ter resultados explosivos. Regimes aparentemente estáveis,
como a Jordânia, o Egito ou até a Arábia Saudita, correm
risco de implosão. Na Jordânia, já eclodem manifestações
contra “Wadi Araba”, o nome pelo qual é conhecido o trata-
do de paz de 1994 do país com Israel. É forte na região a in-
fluência da Irmandade Muçulmana, a matriz fundamenta-
lista de onde nasceu o Hamas. Metade da população jorda-
niana é palestina, inclusive Rania, a mulher do rei Abdul-
lah, que deu uma entrevista reclamando do excesso de aten-
ção no Hamas, como se os pobrezinhos estivessem sendo
perseguidos por chacinar 1 400 israelenses. Ela e o marido
não durariam cinco minutos num regime em que o funda-
mentalismo à la Irmandade Muçulmana ganhasse o poder.
Como, aliás, todas as monarquias árabes, consideradas ile-
gítimas e traidoras. Na lista também está o palestino Mah-
moud Abbas. Na análise de Ehud Olmert, Abbas sairia mui-
to fortalecido caso se concretizasse a aliança entre EUA, Is-
rael e Arábia Saudita. Agora, está brutalmente enfraqueci-
do. “Terminar a guerra agora significa que o Hamas ganha-
ria”, resumiu Dennis Ross. E esta perspectiva apavora mui-
tos dos líderes árabes. Inclusive os dedicados a campanhas
pelo cessar-fogo. ƒ

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GENTE
VALMIR MORATELLI

NO SET POLIGLOTA
Brasileira que descortinou caminhos na foguei-
ra das vaidades de Hollywood, ALICE BRA-
GA, 40 anos, acaba de estrear em Hypnotic
— Ameaça Invisível, filme que protagoniza
ao lado de Ben Affleck e no qual vive uma
agente com poderes paranormais. De-
ram-se muito bem, comunicando-se,
para surpresa dela (a quem é atribuí-
do um exímio inglês), em espanhol. Is-
so porque o ator, que é fluente no
idioma, queria praticar, e a atriz en-
trou na brincadeira. “Quando ouvi,
me espantei. Ele explica até a pro-
núncia das palavras”, conta ela,
que, há duas décadas nos Esta-
dos Unidos, desfaz os boatos de
que estaria incomodada com a
elogiada presença de Bruna Mar-
quezine nas rodas hollywoodia-
nas. “Desejo que mais e mais bra-
sileiros possam quebrar a barreira
da língua. Estou louca para trabalhar
com ela, quem sabe logo”, diz Alice,
baixando a fervura. Em português.

MAURICIO SANTANA/GETTY IMAGES

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FOTOS PAUL EDWARDS/DPA/GETTY IMAGES; REPRODUÇÃO


DANDO A REAL
Depois dos ex-presidentes Ba-
rack Obama e Donald Trump, é
a hora do casal HARRY, 39
anos, e MEGHAN MARKLE,
42, inspirar caricatos personagens da série de animação americana
Family Guy, da Fox. Em um episódio que satiriza o estilo de vida dos
dois no país, eles estão sentados à beira da piscina de sua mansão,
quando um mordomo se aproxima e diz: “Senhor, seus milhões da
Netflix por... ninguém sabe por quê”. Explica-se: eles faturaram 150
milhões de dólares no streaming com uma produção em que lavam
sem piedade a roupa suja do Palácio de Buckingham. Dando segui-
mento ao deboche, o príncipe do desenho apenas ordena que “colo-
que isso junto ao resto”, enquanto Meghan lembra que “é hora de fa-
zer nossa publicidade diária por 250 000 dólares no Instagram”. Tudo
piada, tirando o fato de a temporada sob holofotes em Los Angeles
estar mesmo engordando as finanças dos desertores do reino.

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COMO A VIDA
É DURA
Juntando-se a cente-
nas de colegas em ma-
nifestação do sindicato
dos atores de Holly-
wood, que seguem em
uma esticada greve,
SAR AH JES SICA
PARKER, 58 anos,
apareceu na elétrica
região da Broadway,
em Manhattan, empu-
nhando seu próprio
JOSE PEREZ/GC IMAGES/GETTY IMAGES

cartaz. A eterna Carrie,


de Sex and the City,
tentou passar desper-
cebida, de óculos es-
curos e calça jeans, mas foi logo reconhecida e se deixou fotografar
por um animado fã-clube, sem olhar o relógio. Tempo não falta. Com
a paralisia no set, que já ultrapassa os 100 dias, ela, que revive sua
mais famosa personagem em And Just Like That..., da HBO, aprovei-
tou os flashes para levantar a voz também em favor das mulheres.
“Tomara que a série ajude as pessoas a contar mais histórias sobre
elas”, diz a atriz, dando o melhor de si no papel de ativista.

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REPRODUÇÃO

BANHO DE ÁGUA FRIA


A maratona da cobertura da guerra entre o Hamas e Israel não impede
o comentarista GUGA CHACRA, 47 anos, da TV Globo, de manter a
rotina aquática — faça neve, faça sol. Ele conta que pratica natação em
mar aberto, mesmo quando as águas em Brighton Beach, no Brooklyn,
beiram os 2 graus. Há catorze anos em Nova York, o jornalista se diz ha-
bituado às variações climáticas e pronto para o inverno que se avizinha.
“É uma sensação inicial de queimação, mas de repente passa. Saio
anestesiado”, conta ele, que, imerso nas piscinas desde a infância, perí-
odo em que praticou polo aquático, acabou se afeiçoando aos cabelos
revoltos, secando ao natural. Tem gente que gosta e até copia. “Se está
imitando o penteado, tem que torcer pelo Palmeiras também”, brinca.

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CHEGA DE INTOLERÂNCIA
Após ser alvo de mais uma manifestação de racismo por parte da
torcida durante jogo do campeonato espanhol, o atacante VINI-
CIUS JR., 23 anos, do Real Madrid, teve trégua ao ser agraciado
na cerimônia da Bola de Ouro oferecido pela revista France Foo-
tball com um prêmio es-

PASCAL LE SEGRETAIN/GETTY IMAGES


pecial por seu trabalho
social e pela briga contra
o preconceito. Vestindo
smoking de veludo, ele
subiu ao palco para agi-
tar a bandeira: “É triste
ter de falar sobre racis-
mo, gosto mesmo é de
falar de futebol”, desa-
bafou, arrancando de-
morado aplauso. Lon-
ge da festa, a federa-
ção espanhola de fu-
tebol segue pressio-
nada a tomar medi-
das efetivas para
barrar a intolerân-
cia nos estádios. É
briga necessária. ƒ

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GERAL SEGURANÇA

O LADO SOMBRIO
A multiplicação de casos de falsos nudes nas redes
dá uma ideia dos efeitos perversos do mau uso da
inteligência artificial — autoridades do Brasil e de outros
países já se movimentam para tentar conter o problema

VALMAR HUPSEL FILHO


FOTOS REPRODUÇÃO

FLAGRANTE Isis Valverde: ausência de tatuagens


no corpo revelou manipulação das imagens da atriz mineira

CAPA: MONTAGEM COM FOTO DE FREEPIK

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FOTOS REPRODUÇÃO
REDE PERIGOSA Gal Gadot: “Mulher-Maravilha”
apareceu em vídeo pornô completamente falso

N
o final de outubro, a atriz mineira Isis Valverde,
de 36 anos, registrou boletim de ocorrência na
Delegacia de Repressão a Crimes Cibernéticos do
Rio, depois de ter sido avisada que estavam circu-
lando pela internet nudes dela. Mas eles não eram
verdadeiros. Tratava-se de modificações feitas por meio de
um aplicativo que utiliza inteligência artificial para criar
montagens com base em arquivos de imagens reais, de
uma forma tão sofisticada que é capaz até de enganar os
olhares mais atentos. No caso de Isis, ela estava de biquíni
nas fotos originais, e só percebeu a adulteração porque o
conteúdo fake não tinha algumas tatuagens que a roupa
escondia. Como era de esperar numa situação dessas, até o
caso começar a ser esclarecido, a atriz passou por um

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FOTOS REPRODUÇÃO
VÍTIMA Taylor Swift: a cantora americana, que fará uma
turnê no Brasil em breve, também foi despida digitalmente

enorme constrangimento e até hoje não esconde os senti-


mentos de revolta e de humilhação ao lembrar o episódio.
Isis não foi a única vítima famosa desse tipo de crime
pornográfico que usa as mais avançadas ferramentas tecno-
lógicas. A atriz israelense Gal Gadot, conhecida por inter-
pretar a Mulher-Maravilha no cinema, teve sua imagem
modificada e inserida no contexto de um vídeo pornográfi-
co que viralizou na internet. Outras mulheres que passaram
por situações semelhantes foram a cantora Taylor Swift e as
atrizes Emma Watson e Scarlett Johansson. A lista cresce
dia após dia, causando transtornos enormes às vítimas.
No caso de Isis Valverde, o advogado dela, Ricardo Brajter-
man, solicitou a retirada das imagens de serviços como o Goo-
gle e vem acompanhando a investigação que tentará a identifi-

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cação do IP do computador responsável pela modificação. Ele


pediu ainda que o autor seja condenado por calúnia e difama-
ção. A polícia segue apurando a autoria do crime. As celebri-
dades são o alvo preferencial dos bandidos, mas esse tipo de
fraude também atinge pessoas anônimas. “Isis teve como se
defender porque é uma pessoa conhecida e pode esclarecer as
coisas nas redes sociais, mas e se fosse uma adolescente e o nu-
de falso fosse espalhado pela escola?”, afirma Brajterman.
O alerta faz todo o sentido. Na quarta passada, 1º, o Colé-
gio Santo Agostinho, tradicional escola particular na Barra
da Tijuca, no Rio de Janeiro, enviou comunicado aos pais
dos estudantes alertando para a circulação de imagens de
falsos nudes de alunas e se colocando à disposição das famí-
lias atingidas para apoiar as devidas providências jurídicas
relacionadas ao escândalo. A Polícia Civil investiga a denún-
cia de que estudantes teriam manipulado imagens de ao me-
nos vinte alunas por meio de aplicativos que usam inteligên-
cia artificial e espalhado nudes falsos pela escola e nas redes
sociais. As vítimas têm idade entre 14 e 16 anos e cursam do
7º ao 9º ano. “O Colégio Santo Agostinho soube dos episó-
dios que muito nos assustam e decepcionam, envolvendo
nossos alunos em imagens montadas com inteligência artifi-
cial. Lamentamos constatar que essa ferramenta criada para
solucionar problemas e apoiar a vida moderna ainda não
tem seu fim utilizado de maneira correta”, afirmou o colé-
gio. A nota é assinada pelo diretor do Santo Agostinho, Frei
Nicolás Luis Caballero Peralta.

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TON MOLINA/FOTOARENA/AG. O GLOBO


REGULAÇÃO NECESSÁRIA Rodrigo Pacheco: projeto de
lei está sendo discutido em audiências públicas no Senado

Os casos de manipulação de imagens têm resultado na


incidência de crimes ainda mais graves, que muitas vezes
envolvem até crianças. Na semana passada, a Internet Wat-
ch Foundation divulgou relatório em que afirma ter encon-
trado, somente em sites hospedados no Reino Unido, quase
3 000 imagens modificadas em que crianças reais eram
“despidas” e retratadas em situação de abuso sexual e pe-
dofilia. Em metade desses casos as vítimas tinham até
10 anos de idade, incluindo algumas menores de 2. O Brasil
tem sido também terreno fértil para a ação dos bandidos.
Segundo dados mais atualizados da Ouvidoria Nacional
dos Direitos Humanos, foi registrada no primeiro semestre
do ano passado uma média diária de mais de 400 denún-

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RALF-FINN HESTOFT/CORBIS/GETTY IMAGES


CASO DE POLÍCIA O FBI: autoridades nos Estados Unidos
tentam incrementar o combate às fraudes cibernéticas

cias relacionadas a crimes sexuais contra crianças no am-


biente virtual. Dentro desse universo, por aqui também co-
meçam a surgir muitos problemas gerados por manipula-
ções feitas por inteligência artificial.
O avanço exponencial dessa ferramenta representa um
dos grandes paradoxos do mundo atual. A tecnologia possui
uma capacidade quase inesgotável de aplicações, da possibi-
lidade de melhorar a acuidade de diagnósticos de imagens
na área de saúde ao uso na indústria do entretenimento. Na
quinta 2, o mundo conheceu uma nova canção dos Beatles,
produzida com a ajuda de um áudio de John Lennon recu-
perado com a inteligência artificial. Mas, quase na mesma
medida, o recurso também tem contribuído para a ocorrên-

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DEBATE Elon Musk:


participação em evento
no Reino Unido sobre o
perigoso uso das novas
ferramentas digitais
NATHAN LAINE/BLOOMBERG/GETTY IMAGES

cia de crimes cada vez mais complexos, que têm preocupado


as principais lideranças mundiais. O presidente dos Estados
Unidos, Joe Biden, por exemplo, assustou-se com a qualida-
de de um vídeo em que ele aparece dando declarações que
jamais fez. Foi o estopim para ele assinar, no último dia 30,
uma ordem que estabelece padrões para a segurança e pri-
vacidade no uso da inteligência artificial. Uma delas foi a
inserção de marcas-d’água em conteúdos construídos a
partir dos chamados deepfakes, para que fique clara a dife-
renciação entre o falso e o verdadeiro.
O movimento de Biden ocorreu às vésperas de uma con-
ferência, no Reino Unido, organizada com o objetivo de dis-
cutir riscos e construir um consenso internacional sobre o

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REPRODUÇÃO
INVESTIGAÇÃO O Colégio Santo Agostinho: vítimas
de manipulação de fotos têm idade entre 14 e 16 anos

assunto. O evento ocorreu entre os últimos dias 1º e 2, com


a presença do primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Su-
nak, da vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, da chefe
da União Europeia, Ursula von der Leyen e do secretário-
geral da ONU, António Guterres, além de empresários co-
mo Elon Musk, dono da X (ex-Twitter). Na ocasião, os par-
ticipantes assinaram uma declaração classificando a inteli-
gência artificial como um risco potencialmente catastrófico
e sugeriram a criação de um modelo de colaboração inter-
nacional a respeito do assunto.
No Brasil, a elaboração de um arcabouço legal para re-
gular o tema tem sido discutida no Senado. A Comissão
Temporária Interna sobre Inteligência Artificial tem feito

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SERGE TENANI/HANS LUCAS/AFP


ALERTA O ChatGPT: a China registrou em maio o primeiro
caso de manipulação com uso da ferramenta

audiências públicas com especialistas em diversas áreas


para ampliar os pontos de vista em torno do Projeto de Lei
2338/23, de autoria do presidente da Casa, Rodrigo Pache-
co (PSD-MG), elaborado a partir do relatório de uma co-
missão de juristas. “O uso e desenvolvimento da inteligên-
cia artificial devem acontecer dentro de marcos jurídicos
que conciliem a inovação e ganhos tecnológicos com a pro-
teção dos direitos fundamentais, especialmente a proteção
à privacidade e à intimidade”, afirmou Pacheco a VEJA.
A expectativa é que o relatório final, com as propostas
de emendas ao projeto, seja finalizado em novembro e vá a
votação em plenário no início de 2024. Especialistas ava-
liam que a ideia de elaboração de um marco legal para o te-

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ma é ambiciosa, principalmente diante de uma ferramenta


que se atualiza a todo momento. Em vez de tentar correr
atrás das atualizações da própria ferramenta, o que seria
impossível, o PL 2338/2023 estabelece parâmetros de boas
práticas e de governança, lista deveres e direitos e aponta
as possibilidades de aplicação de sanções administrativas.
Embora represente um claro avanço em toda essa pro-
blemática, o projeto de Pacheco não trata da questão crimi-
nal. E corre o risco de se tornar obsoleto rapidamente.
A advogada Adriana Rollo, líder da Comissão Especial de
Regulação de Inteligência Artificial da Associação Interna-
cional de Inteligência Artificial (A2IA), observa que qual-
quer legislação que seja elaborada neste momento de forma
muito prescritiva tem grande possibilidade de se tornar ob-
soleta em pouco tempo. “Como o potencial de aplicação da
IA ainda está longe de ser atingido, a gente não sabe quais
são os tipos de crimes que podem vir a ser cometidos”, afir-
ma. Ainda é preciso levar em conta em meio a essa comple-
xa discussão o fato de que novas regras não podem inibir o
uso da inteligência artificial para o bem. “As autoridades de
Singapura criaram um avatar fardado de um agente policial
para combater crimes nos ambientes digitais”, conta Patri-
cia Peck, advogada especializada em direito digital.
O debate sobre a tecnologia é recente, mas a inteligên-
cia artificial já ocupa o imaginário da humanidade há mui-
tas décadas. Foi, inclusive, retratada em cinema no clássico
2001, uma Odisseia no Espaço, filme de Stanley Kubrick

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GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO


REPRESSÃO Delegacia em São Paulo:
registros tiveram alta de 66%

A ONDA DO ESTELIONATO DIGITAL


A proliferação de falsos nudes com o uso de inteligência artificial
engrossa uma onda que já preocupa autoridades de segurança
no Brasil e no mundo: a expansão das fraudes digitais. Considera-
do o “crime da moda”, esse tipo de estelionato cravou uma marca
impressionante em 2022, segundo o Anuário Brasileiro de Segu-
rança Pública: foram 200 322 registros, 66% a mais em relação
ao ano anterior. O aumento foi alavancado pelo furto e roubo de
quase 1 milhão de celulares no ano, uma alta de 17% sobre 2021.
O fenômeno se deve ao maior uso da internet desde a pan-
demia para rotinas de trabalho, compras, movimentações finan-
ceiras e manutenção dos laços de amizade. “Isso criou um am-
biente propício para que criminosos explorassem as vulnerabili-

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dades nesses sistemas”, afirma o sociólogo David Marques,


coordenador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O relatório mostra que o vasto campo de possibilidades cri-
minosas oferecidas pela internet mudou até a natureza das
ocorrências de furto e roubo. Entre 2021 e 2022 houve quedas
nos assaltos a bancos (-22%), estabelecimentos comerciais
(-16%), cargas (-4%) e pessoas nas ruas (4%).
O aumento do crime cibernético provoca dois tipos de desa-
fios. Um é o “letramento digital” dos usuários de internet, principal-
mente os idosos, mais vulneráveis a serem enganados por novas
tecnologias. Outro é melhorar a preparação das próprias polícias,
já que esse tipo de crime exige formação especializada e rotinas
rígidas de atualização, dada a rapidez das mudanças tecnológicas.
As modalidades de crimes com o uso da internet são varia-
das — e só vêm crescendo. Os casos vão desde o chamado
phishing (pescaria) — quando o usuário fornece informações
pessoais em mensagens e e-mails falsos — até as simulações
em que o estelionatário cria uma situação e pede à vítima que lhe
transfira dinheiro, como a clonagem de contas de WhatsApp. Há
também quadrilhas especializadas que montam até “call cen-
ters” para passar golpes por telefone, como fazer se passar por
funcionário de um banco e convencer o usuário a fornecer se-
nhas e outros dados. O crescimento desse tipo de crime levou o
Congresso a aprovar, em 2021, alteração no artigo 171 do Código
Penal para incluir nele a modalidade de fraude eletrônica.

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lançado em 1968. Mas ganhou corpo a partir do desenvol-


vimento da IA generativa, ferramenta revolucionária que
utiliza padrões “aprendidos” para gerar novos conteúdos
em um ambiente em que há uma quantidade cada vez
maior de dados disponíveis no meio digital. Ela é a base
para a criação de áudios e vídeos falsos a partir de dados
disponíveis nas redes sociais. Isso tem aberto um campo
enorme para crimes. Exemplo disso ocorreu em maio,
quando um golpista utilizou a tecnologia de troca de rosto
e se passou por um executivo de uma empresa chinesa nu-
ma videochamada. Com isso, conseguiu uma transferência
de 3 milhões de reais. O país asiático também registrou em
maio o primeiro caso fraudulento ligado ao uso do Chat-
GPT. O responsável pela manipulação acabou sendo preso,
depois de confessar às autoridades que usou a ferramenta
para criar fake news a partir de fragmentos de notícias que
viralizaram nos últimos anos.
Devido à impressionante escalada de episódios ligados
ao mau uso da inteligência artificial, a avaliação entre es-
pecialistas é que a adoção de medidas de proteção deve
passar não pela restrição, mas pela utilização cada vez
maior de dados para verificação da falsidade de conteú-
dos. O cerne do raciocínio é que, diferente do HAL 9000,
o supercomputador do filme de Kubrick, a inteligência ar-
tificial não comete crimes sozinha. Isso ainda é um defeito
de fábrica exclusivamente dos humanos. Cabe ao sistema
de Justiça enquadrar os criminosos na forma da lei. ƒ

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GERAL SAÚDE

SEM PREGAR
OS OLHOS
Problema em ascensão, a insônia é alvo de um
amplo estudo com as evidências científicas sobre
o que de fato é capaz de tratar o mal que já afeta
três a cada dez pessoas PAULA FELIX

REAÇÃO EM CADEIA Transtorno do sono: noites insones


aumentam risco de depressão e doenças cardiovasculares

OLEG BRESLAVTSEV/MOMENT/GETTY IMAGES

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“NÃO CONSIGO estirar-me na cama, embrutecer-me no-


vamente: impossível a adaptação aos lençóis e às coisas
moles que enchem o colchão e os travesseiros”, diz o sujei-
to desperto em meio a uma noite perturbada por devaneios
e questionamentos no conto Insônia, do livro homônimo
do escritor Graciliano Ramos (1892-1953). Quem compar-
tilha com o personagem a saga madrugada adentro sabe
que o distúrbio, ao impedir as pessoas de pegar no sono ou
mantê-lo, tem ares de tortura. Não bastasse, ainda desen-
cadeia uma série de prejuízos físicos e mentais, que vão de
doenças cardiovasculares a déficit de atenção e memória.
Não surpreende, assim, que os insones busquem métodos
de diferentes naturezas para adormecer rapidamente ou
parar de acordar durante a madrugada. Vale tudo: chá, re-
médio, hormônio... Mas a pergunta que faz qualquer um
arregalar os olhos é: o que realmente funciona?
Para dar respostas e nortear caminhos para a detecção
e o controle do quadro, um mal cuja incidência piorou com
a pandemia e já afeta até 30% da população, especialistas
brasileiros apresentaram o novo Consenso de Diagnóstico
e Tratamento da Insônia em Adultos, documento que elen-
ca as soluções mais eficientes com base em provas científi-
cas. Apresentado na mais recente edição do Congresso
Mundial do Sono, no Rio de Janeiro, ele traz as diretrizes
mineradas por profissionais que se debruçaram em quase
25 000 estudos. A partir deles, selecionaram os artigos que
trazem à luz as melhores abordagens ao problema, conside-

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NOITES EM CLARO
O quadro é considerado distúrbio
se ocorre ao menos três vezes
por semana por três meses

10% A 30%
É A ESTIMATIVA DE PREVALÊNCIA DE
INSÔNIA NA POPULAÇÃO MUNDIAL

MULHERES TÊM 58%


DE MAIOR PROBABILIDADE DE
TER PROBLEMAS PARA DORMIR
DO QUE HOMENS

CERCA DE 50%
DOS IDOSOS
TÊM DIFICULDADE PARA
ADORMECER OU NÃO TER
DESPERTARES NOTURNOS

72% DOS BRASILEIROS


TÊM ALGUM TIPO DE ALTERAÇÃO NO SONO

Fontes: Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados


Unidos; CDC; Frontiers in Psychiatry; Medical News
Today; Ministério da Saúde

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rado crônico quando se repete cerca de três vezes por se-


mana por pelo menos três meses. Do tratado vem a confir-
mação de que a terapia cognitivo-comportamental (TCC),
psicoterapia que pretende mudar padrões de pensamento e
comportamento, é o padrão-ouro para o tratamento da in-
sônia e pode dar resultados inclusive na modalidade on-li-
ne. Na esfera dos medicamentos, são bem-vindas, quando o
médico considerar necessárias, as classes dos agonistas de
benzodiazepínicos, como o famoso Zolpidem, e dos anta-
gonistas da orexina (suvorexanto, lemborexanto e darido-
rexanto) — tudo sob supervisão e acompanhamento.
O trabalho recém-publicado vem ao encontro do cres-
cimento no número de pacientes nos consultórios, situação
agravada pelas repercussões da crise da Covid-19, que,
além das noites em claro, estimularam rotinas menos re-
gradas com o home office, uso desmedido de telas e casos
de ansiedade e depressão. A piora no padrão de sono, algo
crítico para a saúde em geral, demanda intervenções mais
eficazes, seguras e precisas de acordo com o tipo de insô-
nia e o perfil do paciente. Perceber que algo não vai bem e
procurar ajuda são o primeiro passo para impedir que o
distúrbio deite raízes e fique mais difícil de controlar.
Tão relevante quanto buscar o apoio especializado é fu-
gir do festival de alternativas vendidas como antídotos pa-
ra a insônia. O novo consenso nacional se esmera em apon-
tar o que não funciona ou carece de base científica atual-
mente e, com frequência, é aconselhado como tratamento.

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RAFA ELIAS/MOMENT/GETTY IMAGES


ALTERNATIVA Nem chazinho: faltam provas
dos benefícios de camomila e afins

No rol das soluções não recomendadas pelos experts cons-


tam acupuntura e aromaterapia. Já práticas como massa-
gem e meditação entraram na lista do que precisa ser mais
estudado. Os medicamentos antipsicóticos e anticonvulsi-
vantes tampouco são indicados para essa finalidade. E é
útil saber disso, haja vista que boa parte das pessoas costu-
ma apelar para medidas e remédios (mesmo controlados)
sugeridos por amigos ou familiares. O perigo, aqui, é que a
autoprescrição pode ser uma via para a dependência.
No capítulo do que também é contraindicado pela falta
de evidências estão produtos extremamente populares, co-
mo fitoterápicos (caso de camomila e passiflora), Canna-
bis e melatonina, vulgo “hormônio do sono”. “Ela entrou
no país como suplemento alimentar, então a fiscalização e
a regulação não são como as de um medicamento”, afirma
a neurologista Márcia Assis, vice-presidente da Associa-

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LIUDMILA CHERNETSKA/ISTOCK/GETTY IMAGES


ERRO Automedicação: novo consenso alerta para
uso de medicamentos sem eficácia atestada

ção Brasileira do Sono e uma das autoras do consenso.


“Não temos certeza nem se as formulações são exatas.”
As diretrizes brasileiras também definiram novos crité-
rios para o diagnóstico da insônia — e eles vão muito além da
quantidade de horas dormidas. “Precisamos fazer uma aná-
lise detalhada e ver se existem doenças associadas, como dor
crônica, depressão, ansiedade, condições neurológicas.
A avaliação do sono de má qualidade é extensa”, diz Márcia.
Esmiuçar esses detalhes conta pontos não só para se bater o
martelo no caso como propor abordagens mais personaliza-
das. É sabido, por exemplo, que o distúrbio é mais comum
em mulheres após a menopausa e idosos, e a escolha dos re-
médios e outras linhas de terapia precisam levar em conside-
ração questões hormonais e contraindicações.
Não há dúvida: a dificuldade para dormir bem está ga-
nhando contornos epidêmicos. A cidade de São Paulo, de

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PETER DAZELEY/THE IMAGE BANK/GETTY IMAGES


ANTINATURAL Gatilho: a exposição
noturna à luz dos eletrônicos é ruim

É HORA DE APAGAR AS LUZES


Poucos anos após a virada do milênio, o Sol mudou de status
dentro da saúde pública. Apesar dos efeitos deletérios da ex-
posição excessiva, descobertos em meados do século XX, fi-
car quinze minutinhos ao ar livre em períodos menos intensos
de radiação passou a ser mandatório para a manutenção dos
níveis de vitamina D, um hormônio essencial para os ossos, os
músculos e a imunidade. Desde então, a claridade passou a
ser reverenciada, com uma lista crescente de ganhos associa-
dos, essencialmente ao bem-estar e à produtividade. Lâmpa-

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das mais brancas invadiram as casas e os escritórios e telas


brilhantes tomaram conta de todos os momentos da rotina.
Mas elas estão longe de simular os poderes do Sol. E tal
onipresença de luzes artificiais, hoje reluzentes em relógios
inteligentes, celulares e TVs, está cobrando um preço, espe-
cialmente no período noturno. O maior estudo realizado sobre
o tema até agora contou com mais de 86 000 participantes e
comprova que esse efeito pernicioso sobretudo sobre a saú-
de mental é ainda maior do que se acreditava. De acordo com
a investigação, publicada na renomada Nature Mental Health,
a exposição exagerada à noite aumenta o risco de desordens
e complicações psiquiátricas.
Para efeito de comparação, enquanto a alta exposição à
claridade durante o dia diminuiu em 20% o risco de depres-
são, quantidades parecidas durante o período noturno au-
mentaram em 30% a chance de desenvolvimento dessa doen-
ça. Algo parecido foi observado para automutilação, psicose,
transtorno bipolar, transtorno de ansiedade generalizada e
transtorno de estresse pós-traumático — isso tudo indepen-
dentemente de fatores importantes, como prática de exercí-
cios físicos, quantidade de sono e estação do ano. Com base
nesses achados, o conselho a quem vai se deitar é: melhor ler
um livro do que ficar no celular.

Luiz Paulo Souza

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acordo com profissionais do Instituto do Sono, registrou


um aumento de 5% na prevalência de insônia associada à
apneia obstrutiva do sono, quando a respiração é inter-
rompida várias vezes durante o repouso. O estudo calcu-
lou que 45% dos moradores da capital paulista têm insô-
nia, e a apneia, cujo sinal mais sonoro são os roncos, atin-
ge 33%. “A associação entre os dois quadros é algo novo
para a ciência, mas é de esperar que potencializem as con-
sequências para a saúde”, diz a biomédica Monica Ander-
sen, diretora da instituição.
A preocupação com as repercussões da privação de so-
no, deliberada ou não, para a qualidade de vida está cada
vez mais cristalizada nos guidelines médicos. No ano pas-
sado, a Associação Americana do Coração (AHA, na sigla
em inglês) atualizou suas métricas para a preservação da
saúde do coração e do cérebro, o Life’s Essential, e incluiu
o sono na lista de medidas decisivas, ao lado de alimenta-
ção balanceada e exercícios físicos. Isso porque a cascata
de danos da insônia vai da irritabilidade à depressão, do
ganho de peso ao maior risco de infarto, da desatenção à
possibilidade de acidentes. É realmente grave. O consenso
desmancha a utopia de uma fórmula tiro e queda para pre-
gar os olhos e revitaliza as regras básicas da higiene do so-
no — criar rotina, apagar as luzes, reduzir os sons e evitar
telas à noite... — para quem quer se deitar e acordar no dia
seguinte disposto. Do contrário, as madrugadas continua-
rão sendo perturbadoras. ƒ

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GERAL ESPAÇO

LIXO CÓSMICO
Com a retomada da corrida espacial, detritos em
órbita ameaçam a integridade dos satélites e
podem até comprometer a camada de ozônio
VALÉRIA FRANÇA

RESÍDUOS
Volume: das 15 000
sondas em órbita,
só 7 500 ainda
operam (a imagem
é ilustrativa)

JOHANNES G. SWANEPOEL/GETTY IMAGES

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EM UMA CRÔNICA memorável, Gabriel García Már-


quez confessou, “sem vergonha e até com um certo orgu-
lho machista”, o medo de avião. Assim: “Talvez porque
seja um medo diferente, que não existe desde nossas ori-
gens, como o medo do escuro ou o próprio medo de que
se perceba que sentimos medo. Pelo contrário: o medo de
avião é o mais recente de todos, pois só existe a partir do
momento que se inventou a ciência de voar”. Pavor ainda
mais contemporâneo é o de que objetos vindos do espaço
caiam sobre nossas cabeças. Convém lembrar do pânico
provocado em 1979, quando a estação espacial Skylab —
já esvaziada de astronautas — se desintegrou ao reentrar
na atmosfera terrestre.
O que seria daquelas 91 toneladas de aço? A chance
de um pedaço, pequeno que fosse, atingir uma pessoa
era relevante, segundo cálculos matemáticos espalhados
como vírus: uma em 152. A possibilidade de atingir uma
cidade de 100 000 habitantes chegava a uma em sete.
Houve pânico desmedido, apesar da calma pedida pela
Nasa, mas, ufa, os destroços caíram sobre o Oceano Ín-
dico e áreas desertas da Austrália. Os restos da gerin-
gonça hoje estão em museus.
A preocupação do que vem do espaço, contudo, não
parou ali, na desventura do Skylab — e tem sido alvo de
novos estudos de órgãos internacionais que catalogam o
lixo espacial. Há milhões de detritos, sim, de dimensões
diversas (veja no quadro ao lado). O problema cresceu

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HAJA SUJEIRA
A quantidade de detritos em órbita

36 500 OBJETOS
MAIORES QUE 10 CENTÍMETROS

1 MILHÃO DE OBJETOS
ENTRE 1 E 10 CENTÍMETROS

130 MILHÕES DE OBJETOS


ENTRE 1 MILÍMETRO E 1 CENTÍMETRO

50 A 100 TONELADAS
D E P O E I R A E S PA C I A L C A E M N A
AT M O S F E R A P O R D I A

Fonte: ESO

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em ritmo acelerado, resultado da corrida espacial e da


entrada em cena de países, como Índia, Japão e Emira-
dos Árabes Unidos, além de empresas privadas como
SpaceX e Blue Origin. Com esses novos atores despejan-
do aparelhos pelo céu, é natural que a sujeira fosse mul-
tiplicada. É evidente: quanto mais satélites são lançados,
maior é a possibilidade de objetos vagarem ao léu, perdi-
dos. Das 15 000 sondas colocadas em órbita desde o iní-
cio da exploração do espaço, 7 500 ainda estão em ope-
ração no mundo — seis são brasileiras, usadas para o
monitoramento da Amazônia e dos desastres ambien-
tais. Ou seja, metade virou lixo flutuante, sem função.
Há o risco, diminuto, quase nada, de ferir gente de carne
e osso. O contato com outras máquinas, contudo, é bem
mais provável. “Por isso, temos especialistas de olho, pa-
ra evitar colisões que ameaçam a integridade dos nossos
satélites, equipamentos avaliados em cerca de 500 mi-
lhões de reais”, diz Maurício Ferreira, coordenador do
Centro de Controle de Satélites do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe).
A princípio havia o entendimento de que tudo que so-
be, depois desce. De fato, quando desligados, esses equi-
pamentos são puxados para baixo pela força gravitacio-
nal da Terra. Entram em combustão, ao retornar para a
atmosfera terrestre, porém não desaparecem totalmente.
Sobram pedaços, mas apenas os maiores, com mais de 10
centímetros, estão catalogados e podem ser rastreados.

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UNIVERSAL IMAGES/GETTY IMAGES U.S.SPACE & ROCKET CENTER

SKYLAB A estação
espacial em órbita e
parte dela em um museu:
notícia da queda causou
comoção em 1979

Alguns são enormes, chegam a ter o tamanho de um ôni-


bus escolar, caso do satélite Envisat, lançado em 2002
pela Agência Espacial Europeia (ESA) e desativado dez
anos depois. De trajetória desconhecida, as sucatas me-
nores também são perigosas, pois podem destruir espa-
çonaves em razão da velocidade que atingem.
Para dimensionar melhor a amplitude do impacto do
lixo espacial, recentemente uma equipe americana de
cientistas da Administração Nacional Oceânica e At-
mosférica (NOAA, sigla em inglês) analisou amostras de
ar da estratosfera e percebeu a presença de mais de vinte

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tipos de partículas de metais — prata, níquel e alumínio


— usados na construção de foguetes e de satélites. Feliz-
mente, a poeira metálica não contamina diretamente as
camadas mais baixas da atmosfera, nem interfere nega-
tivamente na qualidade do ar que respiramos — já de-
gradado. Há, no entanto, o risco de interferência na ca-
mada de ozônio, escudo protetor natural contra o aque-
cimento global. “Pode haver algum dano para a saúde
das pessoas”, disse a VEJA Daniel Murphy, um dos pes-
quisadores do NOAA.
Não é o caso de multiplicar o medo — um medo tão
recente, como diria García Márquez. Mas convém aten-
ção. Em 1996, um fragmento proveniente da desintegra-
ção de um foguete causou avarias em um satélite militar
francês instalado a 660 quilômetros da Terra. Caminha-
das espaciais em torno da Estação Espacial Internacional
chegaram a ser interrompidas em decorrência do contato
com traquitanas em órbita. Regular a exploração espa-
cial, portanto, de modo a barrar a poluição, é o melhor
modo de evitar que o cosmo também não se torne um
ambiente hostil — já bastam as guerras e a porcaria que
fazemos por aqui, embaixo. ƒ

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GERAL TURISMO

CULTO A parede
pichada da casa onde
o autor de Je T’Aime
Moi Non Plus viveu com
Jane Birkin (abaixo)
DEADLYPHOTO.COM/ALAMY/FOTOARENA

INTIMIDADE DA FAMA
Passar uns dias nas casas de personalidades — para
além da visita a museus temáticos — é modalidade de
viagem que ganha terreno com a revolução do Airbnb
MARÍLIA MONITCHELE

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ALAIN DEJEAN/SYGMA/GETTY IMAGES

SERGE GAINSBOURG,
cantor e compositor
PARIS, França
Museu aberto à visitação

O TEMPO parece ter congelado em 2 de março de 1991


— o dia em que morreu o compositor e cantor francês
Serge Gainsbourg. Ele tinha 62 anos. Ali dentro, no apar-
tamento da rua Verneuil, número 5 bis, em um edifício
de dois pisos do bairro de Saint-Germain-des-Près, em
Paris, ele e sua companheira de vida, Jane Birkin, faziam

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arte e amor, e não necessariamente nessa ordem. A luz é


tênue, as paredes são negras. O piano Steinway tem ao la-
do uma imensa fotografia de Brigitte Bardot — uma das
namoradas do artista que vivia cercado de uma nuvem
de fumaça de cigarros Gitanes e outras coisas mais. O
ambiente soa surreal — e, no entanto, é realíssimo.
O endereço acaba de virar a sede do Museu Gainsbourg
— com ingressos lotados até o ano que vem. Os grafites do
lado de fora não autorizam dúvida: virou um templo pop, o
santuário para ver de perto como vivia o autor de clássicos
do cancioneiro francês como Je T’Aime Moi Non Plus. Diz
Charlotte, filha do casal do barulho, cujos gestos soam idên-
ticos aos da mãe: “Tudo foi conservado porque havia pouca
iluminação, ninguém era autorizado a entrar e para mim era
importante conservar os odores: o perfume Van Cleef, o ci-
garro, o álcool”. Numa das mesas está a máquina de escre-
ver elétrica IBM adorada pelo dono, além do grosso Tratado
de Patologia Médica que ele consultava com avidez.
Eis o mundo de um personagem querido, um ícone da
França recente. O fascínio por conhecer o cotidiano de
Gainsbourg é o capítulo ruidoso de um movimento que
não começou hoje, mas que não para de crescer: o prazer
de conhecer a intimidade de gente famosa. Pode ser em
museus, sim — como a mansão de Elvis Presley em Mem-
phis —, mas especialmente dentro dos lares das celebri-
dades. É possibilidade inaugurada pela revolução do tu-
rismo promovida pelo Airbnb. As ofertas são de tirar o

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MÁGICA O imenso
oásis verde do celebrado
FACEBOOK @THE HOUDINI ESTATE

ilusionista americano:
mansão construída no
início do século XX

fôlego. Pode ser a mansão do início do século XX do ilu-


sionista americano Harry Houdini (1874-1926), oásis ver-
de no coração de Los Angeles, com direito a mergulho na
piscina onde ele ensaiava o truque de entrar acorrentado
na água e dali sair vivinho da silva. Há também o casa-
rão de Leonardo DiCaprio em Palm Spings, afeito a fes-

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NY DAILY NEWS ARCHIVE/GETTY IMAGES


HARRY HOUDINI,
mágico
LOS ANGELES,
Estados Unidos
A partir de 11 000 reais
a diária

tas. E tem mais: o lar de Jimi Hendrix no Havaí, de tran-


quilidade no avesso de sua extravagante figura pública; a
morada de Monet em Giverny; o abrigo de F. Scott and
Zelda Fitzgerald no Alabama etc. A onda chegou ao Bra-
sil. Alceu Valença pôs para alugar o sobrado em Olinda
(680 reais a noite), abrigo de muitas de suas canções,

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STEPHANE CARDINALE/CORBIS/GETTY IMAGES

LEONARDO DICAPRIO
ator
PALM SPRINGS, Estados
Unidos
A partir de 18 700 reais
a diária

“embalado pela brisa que vem do mar e da paisagem des-


lumbrante e atemporal da cidade histórica”.
A brincadeira caiu no gosto dos viajantes por motivos eviden-
tes. “As músicas do Alceu fazem parte da minha vida”, diz a en-
genheira civil Raissa Suassuna Macedo, hóspede do sobrado de
Alceu. “Saber que ele tocou violão no jardim, deitou na rede, é

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BON VIVANT A luz da


Califórnia na casa de
um dos mais celebrados
BRANDON MAGPANTAY

ícones de Hollywood:
ideal para abrigar festas

maravilhoso.” A sensação é indizível, feita de superlativos, mas


há alguma explicação. “Estamos falando de pessoas que são
objeto de desejo e a chance de conhecer um aspecto exclusivo
mexe com uma necessidade humana muito básica, a de conhe-
cer o desconhecido”, diz a psicóloga comportamental Andressa
Martins. Que as portas das celebridades permaneçam abertas. ƒ

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GERAL SOCIEDADE

DIVULGAÇÃO

A DÚVIDA ESTÁ NO AR Tarsila e três dos inéditos


desenhos que teria feito em fase áurea: renhida disputa

SER OU NÃO SER


Um imbróglio judicial em torno de uma série de
desenhos que podem ser de Tarsila do Amaral reacende
o debate sobre como cravar a autenticidade de uma
obra de arte SOFIA CERQUEIRA

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ÍCONE do modernismo brasileiro, Tarsila do Amaral, que


morreu aos 86 anos, em 1973, ficou conhecida por suas telas
tomadas de cores fortes e traços curvilíneos que beberam da
fonte das vanguardas europeias. Foi nos anos 1920 que a ar-
tista rompeu com a pintura tradicional e inaugurou a profí-
cua fase antropofágica, recheada de elementos oníricos, do-
ses de surrealismo e profunda brasilidade. Neste período,
ela produziu o célebre Abaporu, hoje nas paredes do Museu
de Arte Latino-Americana de Buenos Aires, o Malba. Em-
bora tenham sido as pinceladas a óleo que a consagraram, o
desenho sempre se fez presente em sua trajetória.
Agora, uma bela série de quinze trabalhos em nanquim so-
bre papel, dessa efervescente etapa de sua carreira, se encontra
no centro de um imbróglio que foi parar na Justiça e faz ferver
a candente discussão sobre a autenticidade de obras de arte.
Em caso inédito no país, o escritor e tradutor Alípio Correia,
herdeiro dos desenhos que retratam a paisagem litorânea bra-
sileira, briga para provar nos tribunais que a análise conduzida
por algumas das maiores especialistas na obra de Tarsila — na
qual lançam dúvidas sobre a sua autoria — está equivocada.
“Além das provas que juntei em mais de uma década de pes-
quisa, estou convencido de que o critério de avaliação não foi
científico, mas de gosto pessoal”, dispara Correia.
De acordo com o processo, que corre na 13ª Vara Cível de
São Paulo, o conjunto de desenhos está avaliado em 1 milhão
de reais, mas pode alcançar valor mais alto. Há alguns anos,
só um estudo de A Negra, da mesma década de 1920, foi ven-

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dido por montante seme-


lhante. Entre suas mais apre-
ciadas pinturas, A Lua, arre-
matada pelo Museu de Arte
Moderna de Nova York,
atingiu cifra na casa dos 20
milhões de dólares. Sem
uma certificação de legitimi-
dade, porém, o patamar ins-

KONTROLAB/GETTY IMAGES
tantaneamente despenca.
A saga pelo reconheci-
mento das ilustrações come-
çou em 2011, quando Correia DIFÍCIL DIZER
herdou o espólio literário de Salvator Mundi: até o Louvre
Frederico Ozanam de Bar- atesta ser de Da Vinci, mas
ros, biógrafo do poeta mo- gente séria ainda questiona
dernista Guilherme de Al-
meida. Ao vasculhar a vasta papelada, ele bateu os olhos na
coleção de desenhos, sem sinal de assinatura. Mas havia, no
verso de uma das imagens, uma pista que poderia levar ao au-
tor — a frase “Viagem pela costa do Brasil, do Rio Grande do
Sul ao Ceará, em 1925”. Ao longo de um minucioso mergulho,
descobriu-se que os desenhos povoados de barquinhos, co-
queiros, ondas do mar e o Pão de Açúcar ilustrariam um livro
do poeta, amigo de Tarsila, que acabou nunca saindo.
Submetida à comissão do catálogo raisonné (publicação
que certifica e elenca as obras de um artista) da celebrada

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modernista, a série de desenhos não foi considerada falsa,


mas também não obteve o tão almejado selo de autenticida-
de. Sem um parecer unânime, ingressou na lista de peças
sobre as quais pairam incertezas, da qual Correia tenta reti-
rá-la. Na ação, além da editora do livro, são réus duas das
maiores autoridades em Tarsila, integrantes do comitê ava-
liador — Aracy Amaral e Regina Teixeira de Barros.
Documentos anexados ao processo sugerem que Aracy
não teria apreço por obras de “fundo de gaveta”, o que seria
o caso dos desenhos e, por isso, votou contra. Já Regina, se-
gundo a acusação, chegou a atestar informalmente sua vera-
cidade e até intermediou uma possível venda da coleção, o
que ela nega. “Essa ação, além de questionar um corpo téc-
nico e isento, individualiza a decisão de uma comissão”, ar-
gumenta Fernando Lamenza, advogado das pesquisadoras.
Do outro lado do ringue, Mario Solimene Filho, que defende
Correia, sustenta a solidez das provas, entre as quais análi-
ses independentes de laboratórios da USP. “Nossa intenção
é, com fatos, obter uma decisão judicial que substitua o pa-
recer dessa comissão”, explica ele, que ainda pleiteia uma in-
denização de 100 000 reais por danos morais.
Estudos técnicos, laudos de especialistas, pareceres de
instituições renomadas — tudo isso faz parte do complexo
processo de atribuição da autoria de uma obra. Ainda assim,
nem sempre o veredicto é unânime, dado que embute um
grau de subjetividade. A mais emblemática contenda em
torno de uma tela diz respeito a Salvator Mundi, atribuída a

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Leonardo da Vinci (1452-1519), comprada em leilão pelo


mandachuva da Arábia Saudita Mohammed bin Salman, o
MBS, em 2017. Bateu valor recorde de 450 milhões de dóla-
res, mas até hoje, mesmo depois de gente da mais alta paten-
te no universo das artes ter cravado sua veracidade (incluin-
do o Museu do Louvre), é alvo de dúvidas de uma ala de es-
pecialistas igualmente séria. Os caracóis do cabelo de Cris-
to, a anatomia da mão que segura uma esfera transparente
— esses são detalhes que perturbam quem acha não estar
diante de um verdadeiro Leonardo.
No Brasil, não raro debates dessa natureza sacodem o
universo das galerias. “Num país onde não há uma legis-
lação específica e sabe-se da existência de um enorme
comércio de obras falsas, a confecção do catálogo raison-
né é a forma mais segura para proteger o legado do artis-
ta e o próprio comprador”, observa o marchand Max Per-
lingeiro, há cinquenta anos na ativa. Mas, como é caro e
demorado elaborar o catálogo, apenas um seletíssimo
grupo de artistas nacionais tem um — entre eles Candido
Portinari, Alfredo Volpi e Vik Muniz. Responsável pela
administração do espólio de Tarsila, sua sobrinha-neta
homônima, conhecida como Tarsilinha, não quis se ma-
nifestar sobre o caso e apenas comentou a VEJA: “O ca-
tálogo raisonné é algo vivo e sua comissão, soberana.
Agora, se aparecem evidências de que uma ou outra obra
é legítima, nada impede que sejam revistas”. Como se vê,
o renhido duelo é obra para lá de inacabada. ƒ

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PRIMEIRA PESSOA

DANIEL MATTAR

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REAPRENDI
A VIVER
O diretor Estevão Ciavatta, 55, conta como, depois de ficar
tetraplégico, superou as sequelas de um grave acidente

EM POUCOS SEGUNDOS, minha vida mudou completa-


mente. Passava um fim de semana tranquilo no sítio, na
Costa Verde do Rio, quando resolvi dar uma volta a cavalo,
como sempre fazia. Parei num trecho do terreno, caminhei
e, ao subir de novo no animal, que estava comigo havia dez
anos, ele deu um coice. Consegui me agarrar em seu pesco-
ço e ainda me ajeitava no momento em que ele, mais uma
vez, levantou as patas traseiras. Voei e caí de cara no chão.
Foi tão brusco que não deu tempo de me proteger. Com o
rosto ensanguentado, minha primeira reação foi usar os bra-
ços para me erguer. Aí veio o choque. Meu corpo não res-
pondia, nada mexia. As horas que se seguiram foram as
piores da minha vida. Consciente, pedi ao administrador
do local, que me acompanhava, para avisar minha mulher

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(a atriz Regina Casé) e não deixar ninguém tocar em mim,


até a chegada dos médicos. Isso ajudou a me salvar. Depois
de quarenta minutos na mesma posição, embarquei numa
ambulância. Fui operado de emergência e logo saiu o diag-
nóstico: estava tetraplégico.
Prestes a completar quinze anos do acidente, sinto que
preciso agradecer às pessoas que me ajudaram nesta durís-
sima batalha e contribuir, em alguma medida, com quem
enfrenta situação semelhante. Por isso, decidi abrir minha
história, da qual pouco falei até agora, em um documentá-
rio, que gravarei no ano que vem. Muita gente me vê na rua,
andando, e diz que sou “um milagre”. Nenhum médico vai
falar nesses termos, mas sei que meu caso é fora do padrão.
Tive uma lesão na medula na altura da cervical 3, parecida
com a do ator Christopher Reeve (o ex-Super-Homem), que
ficou tetraplégico. Passei sete dias internado na UTI, mais
dez no quarto do hospital e dois anos inteiros preso a uma
cadeira de rodas. Do pescoço para baixo, perdi movimen-
tos, sensibilidade, equilíbrio, força, tudo. Um dia, com o fu-
turo tão incerto e só conseguindo me expressar pela fala,
disse a minha mulher que o jeito seria virar cantor. Ela
achou que era brincadeira, mas não: era sério.
Desde o início, tentei evitar a pergunta que costuma ron-
dar as pessoas numa hora dessas: “Por que eu?”. Mas era
inevitável. Chegou a um ponto, com aquele sofrimento todo,
que levei a questão a meu analista. A frase certa, ele ressal-
tou, seria “por que não eu?”. Queria me mostrar que não era

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mais especial do que ninguém. Atravessei fases de raiva e


desespero. Percebi, porém, que era fundamental manter o
humor e a alegria para continuar vivendo e ajudar no trata-
mento. Fazia cinco horas de fisioterapia por dia. A primeira
vez que mexi a perna foi uma emoção imensa. Quando fi-
quei de pé, foi uma choradeira geral. E assim reaprendi tudo
— segurar um copo, escrever, me vestir, andar, dirigir. Viver
virou uma grande fisioterapia.
O trabalho teve papel vital. Ainda entrevado, retomei as
gravações de séries que dirigi para o Fantástico. Me envolver
em projetos com temas como meio ambiente e grupos indí-
genas, que sempre gostei, também me fizeram entender que
a cooperação e a união são fundamentais, inclusive num pro-
cesso de regeneração pessoal, como o meu. Hoje, vejo que re-
nasci. Você começa a olhar as coisas de outra maneira, não
deixando o que é importante para trás. A fé me ajudou. Cos-
tumo dizer que, como Caetano Veloso, sou católico de axé.
Para celebrar as bênçãos que recebi, resolvi fazer uma missa
de ação de graças no Cristo Redentor, para marcar os quinze
anos do acidente. Agora, estou às voltas com filmes, séries e
especiais (o mais recente documentário, Línguas da Nossa
Língua, vai estrear na HBO Max). Recuperei 85% dos movi-
mentos e consigo até bater bola com meu filho, Roque, de 10
anos. Fiz de uma frase de Mário de Andrade meu lema: “So-
frimento nunca atrapalhou felicidade”. ƒ

Depoimento dado a Sofia Cerqueira

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GERAL BEBIDAS

NOVOS CLÁSSICOS
Reconhecidos por produzir vinhos emblemáticos,
produtores tradicionais da Europa já perceberam que é
preciso ampliar a produção, com variedade de uvas
ANDRÉ SOLLITTO

DESCOBERTA Vinhedo ao lado do Etna, na Sicília:


a região tem atraído agricultores pela qualidade do solo
e das variedades autóctones

JEROME LABOUYRIE/GETTY IMAGES

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A LISTA é restrita e charmosa: Rioja, Bordeaux, Douro,


Piemonte e Sicília são algumas regiões europeias celebradas
por seus vinhos de alta qualidade e muita história. Pontua-
das por vinhedos às vezes centenários, produziram — e pro-
duzem — rótulos que se tornaram sinônimos de conheci-
mento gastronômico e qualidade. Para se impor ao exigente
público bebedor, contudo, foi sempre preciso ostentar sabor,
complexidade e consistência, um trio de elementos difícil de
manter com regularidade. A tradição conta muito, claro,
mas um pouco de marketing não faz mal a ninguém — afi-
nal, é assim que os ícones são criados.
Como a fila ainda, e o gosto de boa parte dos consumido-
res ganha recursos para discernir o bom do ótimo — e pro-
paganda já não basta —, até mesmo os grandes clássicos ti-
veram de se reinventar, e essa é a boa novidade no mundo
dos vinhos. O caminho: algumas grifes lendárias buscam
outras regiões, na lida com terroirs antes virgens, à cata de
uvas que antes não apareciam no catálogo. Os resultados
são surpreendentes — e aplaudidos.
Com mais de 150 anos, a vinícola italiana Gaja, na região
de Langhe, no Piemonte, percorreu a estrada da inovação.
Com uma carta que ostenta nomes como o Barbaresco e o
Barolo, feitos com a uva nebbiolo, os produtores resolveram
aplicar técnicas inéditas na produção de suas bebidas mais
populares. Deu certo, com rápida ampliação e vendas acelera-
das. Ao redor da Gaja, antes havia 100 produtores. Hoje são
800. Aos pés do vulcão Etna, na Sicília, montou-se uma outra

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DANITA DELIMONT/ALAMY/FOTOARENA

FRONTEIRAS Col Solare, em Washington: projeto da


vinícola Antinori nos EUA

vinícola para produzir apenas dois vinhos, um tinto e um


branco, com as variedades locais, Nerello Mascalese e Carri-
cante. Estuda-se também abrir espaço para o pinot noir na
Alemanha, uma vez que as mudanças climáticas, ali, têm tor-
nado o clima da região mais apropriado para uma variedade
maior de uvas. “Temos que estar sempre preparados, olhando
o futuro”, disse a VEJA Angelo Gaja, à frente da vinícola. “Se
me perguntarem hoje se vou produzir rosés ou espumantes,
digo ‘quem sabe?’. Temos que ser bons observadores.”

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Outros produtores seguem IDDA ETNA


trilha semelhante. A italiana ROSSO
Marchese Antinori tem uma Feito pela
história emblemática. Nos vinícola Gaja aos
pés do vulcão,
anos 1970, com quase seis sé-
tem cativado os
culos de tradição na produção críticos pelo
de vinhos, provocou uma re- delicado perfil
volução ao lançar seu hoje len- de fruta fresca
dário rótulo Tignanello. Na
época, foi pioneiro por quebrar ALBIS
as rígidas regras para produzir Produzido no
os vinhos Chianti, na região da Chile pela
Haras de Pirque,
Toscana, ao usar variedades
é uma das
internacionais, como cabernet iniciativas da
sauvignon e merlot, além da Antinori, da
nativa sangiovese, produzindo Toscana, em
o que viria a ser conhecido co- regiões fora
da Itália
mo o “supertoscano”. Desde
então, construiu uma sólida re-
putação e foi além dos limites LA TÂCHE
Um dos rótulos
da Itália. Hoje, a empresa têm mais icônicos
vinícolas no Chile, na Califór- da Romanée-
nia e em Washington, nos Conti vem
EUA, além de iniciativas em fazendo
mudanças
países como Hungria, menos sutis em seu
tradicionais. Alguns deles são processo de
comercializados no Brasil. produção

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Até mesmo alguns dos mais relevantes grupos da Fran-


ça, responsáveis por rótulos que custam dezenas de milha-
res de dólares em leilões internacionais, abriram as portas,
embora de forma mais lenta. É o caso do Domaine de la Ro-
manée-Conti, nome mais icônico da região de Borgonha.
Após quarenta anos de serviço, o enólogo Bernard Noblet,
responsável pela adega do château, anunciou sua aposenta-
doria, em 2018. Com isso, o novo responsável pelos vinhos,
Alexandre Bernier, assumiu o posto e já vem promovendo
algumas mudanças importantíssimas. As mais notáveis es-
tão relacionadas ao uso dos barris de carvalho, que passam
por um processo de tosta — a queima da superfície interna
do tonel — mais delicado, o que a longo prazo acrescenta
menos sabores adicionais à bebida. Críticos que provaram
as safras mais recentes afirmam que a transformação é sutil,
mas perceptível, e que os vinhos mostram um perfil de fruta
mais fresca. Se até “o mais escasso, mais caro — e frequente-
mente o melhor — vinho do mundo”, nas palavras do crítico
britânico Clive Coates, pode bulir com o passado, não há
clássico que não possa ser melhorado. ƒ

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GERAL MODA

COMO UMA
ONDA NO MAR
Entre caudas, contornos e estampas
inspirados em criaturas marinhas, o mundo
fashion volta a se entregar ao fascínio das
míticas sereias SIMONE BLANES

AXELLE/BAUER-GRIFFIN/FILMMAGIC/GETTY IMAGES
INSTAGRAM @SHAKIRA

FANTASIA Shakira (à esq.) e Halle Bailey: na música ou no


cinema, as sereias pedem passagem no universo da cultura pop

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“O REI ATIROU seu anel ao mar / e disse às sereias: ide-


-o lá buscar, que se o não trouxerdes / virareis espuma /
das ondas do mar!” A sereia — como no poema de Ma-
nuel Bandeira, depois musicado por Dorival Caymmi, de-
voto de Iansã —, foi sempre personagem de fascinação.
A mítica figura, meio peixe, meio mulher, foi usada pela
mitologia grega para iluminar os perigos do mar — e, a
partir dessa ideia inicial, os riscos da vida, daí tê-la can-
tada em verso e prosa.
A cultura pop, é natural, não demorou para adotá-la.
Um dos grandes sucessos de 2023, o filme A Pequena Se-
reia, lançado em maio, pôs a atriz negra Halle Bailey no pa-
pel da protagonista Ariel — a princesa ruiva do desenho
original. A evidente crítica ao racismo e a louvação da di-
versidade serviram de atalho para outro passo: o sucesso
de modelos inspirados nos seres mágicos no mundo da mo-
da. Virou tendência, porque é sensual e tem lá seu charme.
O fio foi puxado pela própria Halle nas premières do
longa. Depois despontou no traje feito de conchas do mar
de Naomi Campbell, na cerimônia do Oscar. A maré
avançou, e pululam os modelitos ampulheta, em tecidos
fluidos, com estampas de escamas, efeitos holográficos e
acessórios com temas marinhos. E então Shakira explo-
diu em seu mais recente videoclipe, nas redes sociais,
quase como veio ao mundo, mas em cauda longa.
A produção — Copa Vacía, eis o nome — é um supos-
to recado ao ex-marido da colombiana, o ex-jogador de

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DIVULGAÇÃO

ESTILO DE VIDA Morganna Bochi: brasileira


faz sucesso criando caudas

futebol Piqué. A diva aparece traída e abandonada, mas


capaz de renascer forte e poderosa como uma linda se-
reia. Na mosca: a imagem tem se espalhado pelo planeta,
em vídeos e revistas, como símbolo de poder (atenção ho-
mens!) — mas também de sedução. É alimento para as
passarelas, sem dúvida. E, como uma onda no mar, vai e
vem. Na Odisseia, Homero as pôs com cantos belos e in-
sidiosos. Daryl Hannah, linda, fez par com o tímido Tom
Hanks, em Splash — Uma Sereia em Minha Vida, de

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1984. Cher foi uma delas em Minha Mãe É uma Sereia,


na década de 1990. Na novela A Força do Querer, da Glo-
bo, Isis Valverde protagonizou uma dessas sereias de
aquários, mas aí a conversa é outra, por atrair o riso das
crianças mas também o desnecessário interesse de adul-
tos, de rostos colados aos vidros embaçados.
Tudo somado, o recado é nítido: o “sereísmo”, eis o no-
me do movimento, é relevante e convém não ignorá-lo,
mesmo que pareça tolice. Há quem o assuma como filo-
sofia de vida, mas há também quem faça dele um negó-
cio. É o caso da estilista brasileira Morganna Bochi, da
marca Sereia Guardiã, especializada em caudas persona-
lizadas e encomendadas por gente de todo o mundo. Não
há estatística confiável que possa medir o aspecto finan-
ceiro do jogo, mas ele é visível e — até que desponte outra
coisa — soa onipresente. “As sereias levam uma mensa-
gem de preservação e têm toda uma estética muito parti-
cular”, diz Morganna, ao arriscar uma explicação para o
fenômeno. Nenhuma sereia vai mudar o mundo, tampou-
co salvá-lo, mas a filha de Poseidon transbordou. O canto
da sereia é magnético. ƒ

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LUCILIA DINIZ

O FIM DO APETITE
O que seria do prazer se todos
tomassem semaglutídeos?

ÀS VEZES alguns termos técnicos escapam do universo


restrito ao qual pertencem e passam a ser usados por leigos.
É o caso recente de “semaglutídeos”. Algum tempo atrás,
provavelmente apenas os profissionais da área de saúde sa-
biam do que se tratava. Hoje, porém, o palavrão já é tópico
trivial de conversas casuais, como se as pessoas estivessem
falando sobre a mais recente série na televisão. Todos pare-
cem saber que os tais semaglutídeos são uma substância se-
melhante ao hormônio produzido por nosso organismo que
estimula a secreção de insulina.
O principal responsável pela disseminação desse conhe-
cimento é o Ozempic, a droga que, pensada para tratar dia-
betes, tem feito sucesso como medicamento para perder pe-
so em pouco tempo. O Ozempic não está sozinho. Fazem-
lhe companhia marcas como Rybelsus, Saxenda, Trulicity,
Wegovy, Mounjaro — uma verdadeira sopa de letrinhas que
parecem formar uma única palavra: emagreça. Os resulta-
dos até aqui impressionam. Pesquisas mostram que as pes-
soas que se submetem a tratamentos com base nessa medi-
cação perdem peso rápido. Também deixam de consumir

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cerca de um terço das calorias que ingeriam antes de tomar


a primeira dose. Ou seja, é uma população que troca um ho-
rizonte em que vislumbra doenças e outros males por uma
perspectiva de vida mais saudável. Não admira que essas
drogas estejam fazendo sucesso. Nos Estados Unidos, cerca
de 15% das pessoas já experimentaram uma delas.
A popularidade dessa nova geração de remédios é tão
grande que tem preocupado a indústria e o comércio de gu-
loseimas. Recentemente, uma grande rede americana de va-
rejo, com farmácias próprias dentro dos supermercados,
disparou um alerta: consumidores dessas drogas estavam
gastando menos com comida. Pelo mesmo motivo, as ações
de uma multinacional de alimentos registraram queda.
O segredo dessas drogas é que atuam como um agente
que paralisa a via da dopamina, entorpecendo nossa ca-
pacidade de sentir prazer ao comer. É como se eles calas-

“Cozinhar deverá
ser um ato de
resistência pacífica
contra a insensibilidade
do pragmatismo”
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sem aquela voz que nos sopra ao ouvido que não há pro-
blema em ceder à vontade e comer mais um prato de
massa ou “só mais um” brigadeiro. Ora, para quem, como
eu, aprecia a gastronomia, nada mais frustrante do que
receber à mesa alguém que não tenha prazer em comer.
Há até um quê de distópico na mera possibilidade de a
comida vir a perder, no futuro, a relevância cultural e
afetiva. Comida é combustível vital, sim, mas não pode
ser apenas isso, sob pena de abrirmos mão de um bom
naco de civilização. Se essas novas drogas tiverem o con-
dão de reconfigurar cérebros, de maneira que a comida
seja encarada apenas como fonte de sustento, nossos des-
cendentes viverão num mundo melancólico.
Para se evitar tal extremo, cozinhar deverá ser um ato de
resistência pacífica contra a insensibilidade do pragmatis-
mo. Deverá ser, mais do que nunca, um ato de carinho que
exige como única reciprocidade uma manifestação sincera
de proveito daquele momento sublime. A necessária busca
do equilíbrio da vida não deve ser incompatível com o delei-
te da refeição preparada com esmero. ƒ

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CULTURA TELEVISÃO

NARRATIVA DO VÍCIO
Uma vigorosa leva de séries e filmes destrincha os
perversos mecanismos corporativos que culminaram
na tenebrosa (e letal) epidemia da dependência em
drogas opioides nos Estados Unidos
RAQUEL CARNEIRO

TERROR A Queda da Casa de Usher: inspirada em Edgar


Allan Poe, a série observa os crimes de família bilionária
do mercado farmacêutico

BETTINA STRAUSS/NETFLIX

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N
um vídeo tosco, dois homens de terno entoam um
rap motivacional em que se gabam de serem óti-
mos negociantes de uma empresa farmacêutica.
Do nada, uma terceira pessoa entra em cena ves-
tida com uma fantasia da embalagem do remédio
que a dupla comercializa. O que seria apenas mais uma
produção barata e de mau gosto, feita para um encontro
de representantes de vendas, se tornou evidência no tribu-
nal: a canção incentivava a equipe a convencer médicos a
aumentarem aos poucos a dose do medicamento, criando
dependência nos pacientes. Além de criminosa, a prática
era letal: o tal remédio consistia em nada menos do que
um spray de fentanil, analgésico 100 vezes mais potente
que a morfina e cinquenta vezes mais passível de causar
overdose que a heroína — todas as três drogas, feitas a
partir do mesmo composto psicoativo, o opioide.
O clipe chocou o júri e também o cineasta inglês Da-
vid Yates, famoso por dirigir boa parte da franquia Har-
ry Potter. “A realidade é assustadoramente mais chocan-
te que a fantasia. Eu não acreditava que o vídeo era real”,
contou o diretor a VEJA. Yates adaptou a história no in-
trigante filme Máfia da Dor, da Netflix, com Chris
Evans e Emily Blunt interpretando vendedores que se-
duzem médicos com festas, sexo e propinas gordas para
que eles prescrevam o spray.
O longa com cores de O Lobo de Wall Street, em que
ganância e luxúria são combustíveis do crime, reforça

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BRIAN DOUGLAS/NETFLIX

DINHEIRO SUJO Máfia da Dor: ganância e luxúria pagas


com vidas humanas

uma leva vigorosa e provocativa de produções que se pro-


põem a expor os bastidores (e os culpados) de um fenôme-
no triste: o aumento chocante de overdoses por opioides
nos últimos vinte anos nos Estados Unidos. Oficialmente,
a substância já ceifou mais de 1 milhão de vidas no país.
Nesse número (que estimativas apontam ser muito maior)
contabilizam-se mortes trágicas de celebridades que de-
ram visibilidade ao problema, como o ator Heath Ledger

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KERI ANDERSON/NETFLIX

CASOS REAIS Império da Dor: série da Netflix mostra criação


da oxicodona e primeira onda de overdoses por opioides

(1979-2008) e o cantor Prince (1958-2016) — Matthew


Perry, da série Friends, morto no sábado 28, aos 54 anos,
também lutou contra o vício em opioides (mas a causa da
morte ainda não foi esclarecida).
O tema foi destrinchado em documentários notáveis,
como o indicado ao Oscar All the Beauty and the Blood-
shed e O Crime do Século, da HBO. Mas nada se compara
ao alcance de tramas ficcionalizadas com astros de

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HULU

DOIS LADOS Dopesick: Keaton é médico que prescreve


e se vicia na droga

Hollywood. Pouco antes de Máfia da Dor, a Netflix lan-


çou a minissérie A Queda da Casa de Usher. Na trama
afiada escrita por Mike Flanagan, nome pop do terror, e
inspirada em contos clássicos de Edgar Allan Poe, uma
família enriquece com a venda de um analgésico viciante
após um acordo com uma entidade sobrenatural miste-
riosa. Mais que um retrato do poder destrutivo da droga,
a minissérie alfineta a decadência moral dos Estados

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Unidos, expondo uma sociedade na qual o dinheiro pre-


valece sobre a vida humana. Os Usher contêm traços da
família Sackler, que na vida real é dona da Purdue Phar-
ma, desenvolvedora da oxicodona — substância respon-
sável pela primeira onda de overdoses por opioides, no
fim dos anos 1990. A trajetória dos Sackler pauta, ainda,
a minissérie Império da Dor, da Netflix, com Matthew
Broderick como o líder da família. Já os efeitos do medi-
camento em comunidades pobres é tema de outra ótima
série, Dopesick, do Star+, com Michael Keaton na pele
de um médico viciado na substância.
Os desdobramentos da crise se mostram imprevisí-
veis. Em 2019, executivos retratados em Máfia da Dor se
tornaram os primeiros envolvidos na epidemia do vício
em opioides a ser condenados judicialmente. Neste ano,
a família Sackler tentou pagar 6 bilhões de dólares em
um acordo que a livraria de qualquer acusação futura
envolvendo vítimas da oxicodona — mas a Suprema
Corte americana recusou a proposta. O valor passa lon-
ge dos 80 bilhões anuais que o governo do país vem gas-
tando com a epidemia. Agora, o alerta se volta para o
narcotráfico — que não só vem atraindo antigos usuá-
rios sem receita, como passou a misturar fentanil em
drogas como a cocaína para potencializar sua força. No
Brasil, estima-se que 4 milhões de pessoas já usaram
opioides de forma ilegal. Como bem observou o diretor
Yates, é uma realidade assustadora. ƒ

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CULTURA MÚSICA

CORAZÓN LATINO
O mexicano Peso Pluma atingiu o topo das paradas
mundiais cantando em espanhol — e, de quebra, colocou
em voga no pop elementos improváveis da música
tradicional de seu país

FORÇA GLOBAL
O músico: ele
deixou o batidão
do rap e apostou
no som dos
mariachis
JAVIER VICENCIO/EYEPIX/GETTY IMAGES

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DESDE MUITO ANTES do nascimento do mexicano


Hassan Emilio Kabande Laija, de 24 anos, a música de
seu país já era lembrada pelo clichê dos mariachis com
sombreiros e canções derramadas. Mas suas raízes são
muito antigas: remetem à Guerra de Independência do
México, de 1820, quando surgiu o corrido, ritmo que trou-
xe os instrumentos adotados pelos mariachis anos depois,
como acordeão, violino, trompete e guitarrón. Nos anos
1970, o corrido virou ritmo identificado com narcotrafi-
cantes, e chegou a ser proibido no México. Na mesma épo-
ca, surgiu em Los Angeles o gangsta rap, que também fa-
zia apologia da bandidagem. Quase cinquenta anos de-
pois, da mistura dos dois gêneros surge o “corrido tumba-
do” — cuja sacada é deixar de lado o batidão do rap e res-
suscitar instrumentos acústicos. O principal expoente
dessa nova velha cara da música mexicana é justamente
Laija — hoje convertido num rapper de nome e estilo pe-
culiares, o Peso Pluma.
Nas letras — ainda bem —, a geração de Peso Pluma
hoje prefere exaltar o amor, o sexo e o consumismo em
vez da criminalidade. Com isso, o artista furou a bolha lo-
cal para se impor como um fenômeno planetário. Dono de
uma voz aguda e ligeiramente desafinada, além de um vi-
sual que em nada lembra os mariachis, abusando da fran-
ja e dos mullets (sim, mullets), ele tem hoje uma dezena de
canções entre as 100 mais tocadas do mundo. Seu princi-
pal sucesso, Ella Baila Sola, gravada com Eslabon Arma-

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do (outro ídolo do corrido tumbado), acumula impressio-


nantes 407 milhões de views no YouTube e quase 20 bi-
lhões no TikTok, no qual suas coreografias viralizaram.
Na letra, o rapaz fala sobre uma mulher dançando sozi-
nha enquanto é admirada pelos homens.
Cantada em espanhol, Ella Baila Sola engrossa uma
tendência que despontou em 2017, quando o porto-rique-
nho Luis Fonsi lançou Despacito — hoje com assombrosos
8,3 bilhões de reproduções no YouTube. O sucesso abriu
portas para outros astros hispânicos atingirem o topo, co-
mo a catalã Rosalía, e o também porto-riquenho Bad
Bunny. A qualidade musical pode ser duvidosa, mas o ine-
quívoco sucesso de Peso Pluma comprova duas mudanças
essenciais no pop. Uma delas é a ascensão dos imigrantes
e seus descendentes nos Estados Unidos, que ajudaram a
popularizar ritmos de seus países. A outra é a confirma-
ção do idioma como força capaz de desafiar a primazia do
inglês nas paradas. Segunda língua mais falada do mun-
do, com 500 milhões de falantes (atrás apenas do manda-
rim), o espanhol tem vocação natural para ocupar mais
espaço na era do streaming globalizado. O corazón latino
nunca bateu tão forte. ƒ

Felipe Branco Cruz

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CULTURA SÉRIE

A ESPERANÇA
ESTÁ NO AR
Inspirada em livro vencedor do Pulitzer, minissérie
Toda Luz que Não Podemos Ver usa a ficção para
rememorar o papel crucial do rádio na resistência
francesa ao nazismo AMANDA CAPUANO

O PODER DA VOZ A atriz Aria Mia Loberti:


um símbolo de resiliência

KATALIN VERMES/NETFLIX

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EM AGOSTO DE 1944, na França ocupada pelos nazis-


tas, a jovem Marie-Laure LeBlanc (Aria Mia Loberti) vi-
ve na companhia de um único amigo: o rádio antigo le-
gado a ela pelo tio-avô. Com o aparelho em mãos, a jo-
vem, que nasceu cega, faz transmissões diárias de textos
de Júlio Verne e apelos para que o pai e o tio voltem para
casa. Um dos ouvintes, Werner (Louis Hoffman), jovem
órfão alemão forçado a lutar na guerra, acompanha o so-
frimento da garota — e se nega a denunciá-la às autori-
dades pela transmissão ilegal. Já disponível na Netflix, a
comovente minissérie Toda Luz que Não Podemos Ver
leva às telas o livro homônimo do americano Anthony
Doerr, que venceu o Pulitzer com uma narrativa de es-
perança contra o totalitarismo — e que recorda a força
do rádio na guerra.
Adaptada por Shawn Levy (Stranger Things) e Steven
Knight (Peaky Blinders), e com nomes de peso no elenco
como Hugh Laurie e Mark Ruffalo, a trama é fictícia, mas
o contexto histórico em que se desenvolve é bem real: du-
rante os anos da II Guerra, o rádio teve papel primordial
para ambos os lados do conflito. Sua importância, inclu-
sive, começa antes dele: em 1933, quando os nazistas che-
garam ao poder na Alemanha, o ministro da propaganda
de Hitler, Joseph Goebbels, ordenou aos gigantes da tec-
nologia que lançassem no mercado um transmissor aces-
sível à população. Antes restrito aos mais abastados, o
aparelho passou a ser comercializado a preços populares

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KATALIN VERMES/NETFLIX

O “BOM SOLDADO” Werner (Louis Hofmann):


conflito ético no lado nazista

com objetivo maléfico: levar a propaganda nazista ao


maior número de alemães possível.
Veículo potente para a difusão da ideologia mortífera
de Hitler e de informações manipuladas sobre a guerra, o
rádio também serviu como arma de resistência a ela. En-
tre 1940 e 1944, os ingleses da BBC abriram as portas
para que franceses exilados após a ocupação alemã se co-
municassem com os compatriotas que ficaram no país.
Batizada de Rádio Londres, a estação se contrapunha à

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ATSUSHI NISHIJIMA/NETFLIX

INOCÊNCIA ROUBADA A menina com o pai


(Mark Ruffalo): força moral

propaganda nazista, e logo foi proibida pelo Führer, que


impunha penas pesadas a quem fosse pego ouvindo esta-
ções estrangeiras. Lançada na clandestinidade, a emisso-
ra incitava a população a resistir aos invasores, e também
servia de meio para a troca de informações entre os alia-
dos e a resistência francesa, que se comunicavam através
de mensagens codificadas.
As correspondências da história real com a série são
instrutivas nesse sentido. Em uma cena, Etienne LeBlanc

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(Hugh Laurie), o tio de Marie, ouve na Rádio Londres a


transmissão da primeira estrofe do poema Canção do
Outono, de Paul Verlaine, código usado de verdade pelos
aliados para informar que a invasão da França ocupada
era iminente. Após alguns dias em que o texto foi entoa-
do repetidamente na rádio, as tropas americanas toma-
ram a Normandia, em 6 de junho de 1944, data que ficou
conhecida como Dia D.
Rica historicamente, a trama usa ainda um artifício
valioso para expor o contexto violento: mostra o cenário
desolador do conflito através dos sentimentos inocentes
de Marie — a jovem cega questiona o pai por que os na-
zistas querem exterminar todos aqueles que, assim como
ela, são diferentes. Do outro lado, a série retrata como
um garoto prodígio alemão foi transformado em um sol-
dado que, apesar de parecer “bonzinho”, também tem
sangue nas mãos.
Como nem tudo é perfeito, a história dá espaço de-
mais a tramas secundárias que acrescentam pouco à
narrativa, como a busca de um oficial nazista por uma
pedra supostamente amaldiçoada que daria imortalida-
de a quem a toca. Salvo do museu pelo pai de Marie, o
objeto é referência ao esforço dos franceses para tirar
obras e relíquias de seus museus antes da invasão nazis-
ta, impedindo que Hitler as confiscasse. Graças à deter-
minação heroica de muitos — e à ajuda do rádio —, a es-
perança venceu a barbárie. ƒ

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CULTURA VEJA RECOMENDA

MELANCOLIA Jessie Buckley e Riz Ahmed no filme:


a incompatibilidade do amor com a ciência

TELEVISÃO
NA PONTA DOS DEDOS
(Fingernails; Estados Unidos; 2023. Disponível na Apple TV+)
Em uma entrevista de emprego, Anna (Jessie Buckley) é chama-
da de “sortuda” após revelar que seu teste deu positivo. Ela sorri,
mas não parece ter certeza de que o adjetivo se aplica. O teste
em questão diz respeito a uma nova tecnologia que mede a com-
patibilidade entre casais usando um pedaço da unha de cada
um. Anna está no grupo dos poucos que acharam sua alma gê-
mea, o marido Ryan (Jeremy Allen White, astro da série O Ur-
so). Apesar de viver bem com ele, a moça tem dúvidas que só
aumentam quando ela começa a trabalhar ao lado do charmoso
Amir (Riz Ahmed) em um instituto que veicula o tal teste. Cria-
tivo e filosófico, o romance de ritmo cerebral divaga sobre o que
é o amor e sobre como seria um mundo no qual a subjetividade
pudesse ser medida — e virasse régua de como viver.
APPLE TV+

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CINEMA
NÃO ABRA!
(It Lives Inside; Estados Unidos; 2023. Em cartaz)
Num tradicional subúrbio americano, a jovem Samidha
(Megan Suri) vive com seus pais indianos. Insegura, a ado-
lescente se assimila à cultura local e se rende às patricinhas
malvadas e aos atletas musculosos do colégio, deixando de
lado sua ex-melhor amiga, Tamira (Mohana Krishnan), que
se torna pária na escola e passa a carregar um vaso miste-
rioso consigo. Quando ele se quebra, uma força demoníaca
é libertada e começa a assombrar a protagonista. Dos mes-
mos produtores de Corra!, o longa equilibra arquétipos do
terror com uma engenhosa alegoria das pressões sofridas
por minorias étnicas no Ocidente.
IMAGEM FILMES

HORROR As mulheres de origem indiana de Não Abra!:


alegoria que dá medo

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LIVRO
O MUNDO DEPOIS DE NÓS,
de Rumaan Alam (tradução de Alberto Flaksman;
Intrínseca; 288 páginas; 49,90 reais
e 34,90 em e-book)
A executiva Amanda aguardava pelas férias com sua fa-
mília branca de classe média em uma casa luxuosa que
alugara no meio da floresta, longe da perturbação da ci-
dade grande e do trabalho. Tudo vai bem até que um ca-
sal de negros surge na porta, dizendo ser proprietário do
imóvel — e, de forma abrupta, ataques cibernéticos as-
solam o país, obrigando a família e o casal a conviver no
meio do caos. Instigante a cada página, o livro virou
uma série na Netflix com Julia Roberts, que estreia em 8
de dezembro. ƒ

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CULTURA OS MAIS VENDIDOS

FICÇÃO
1 é assiM que acaba
Colleen Hoover [2 | 114#] GALERA RECORD

2 a biblioteca da Meia-Noite
Matt Haig [4 | 62#] BERTRAND BRASIL

3 oNde estão as Flores?


Ilko Minev [10 | 23#] BUZZ

4 todas as suas iMperFeições


Colleen Hoover [5 | 77#] GALERA RECORD

5 tudo é rio
Carla Madeira [9 | 60#] RECORD

6 é assiM que coMeça


Colleen Hoover [8 | 52] GALERA RECORD

7 a reVolução dos bicHos


George Orwell [0 | 235#] VÁRIAS EDITORAS

8 VeritY
Colleen Hoover [0 | 78#] GALERA RECORD

9 a eMpreGada
Freida McFadden [7 | 3] ARQUEIRO

10 iMperFeitos
Christina Lauren [3 | 11#] FARO EDITORIAL

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NÃO FICÇÃO
1 a MulHer eM MiM
Britney Spears [0 | 1] BUZZ

2 Nação dopaMiNa
Anna Lembke [2 | 19#] VESTÍGIO

3 boX biblioteca estoica: GraNdes Mestres


Vários autores [1 | 17#] CAMELOT EDITORA

4 MulHeres que correM coM os lobos


Clarissa Pinkola Estés [0 | 171#] ROCCO

5 sapieNs: uMa breVe História da HuMaNidade


Yuval Noah Harari [4 | 346#] L&PM/COMPANHIA DAS LETRAS

6 eloN MusK
Walter Isaacson [9 | 7] INTRÍNSECA

7 MaNiFesto aNtiMaterNalista
Vera Iaconelli [0 | 6#] ZAHAR

8 o rei dos diVideNdos


Luiz Barsi Filho [0 | 13#] SEXTANTE

9 o pacto da braNquitude
Cida Bento [0 | 9#] COMPANHIA DAS LETRAS

10 sociedade do caNsaço
Byung-Chul Han [0 | 51#] VOZES

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AUTOAJUDA E ESOTERISMO
1 Força, Fortaleza!
Marcelo Facchini [2 | 2] CITADEL

2 Marca pessoal de iMpacto


Bianca Ladeia [0 | 1] GENTE

3 Mais esperto que o diabo


Napoleon Hill [5 | 229#] CITADEL

4 caFé coM deus pai Kids — 2024


Júnior Rostirola [0 | 2#] VÉLOS

5 o deus que destrói soNHos


Rodrigo Bibo [6 | 13#] THOMAS NELSON BRASIL

6 os seGredos da MeNte MilioNária


T. Harv Eker [0 | 438#] SEXTANTE

7 coMo Fazer aMiGos & iNFlueNciar pessoas


Dale Carnegie [10 | 108#] SEXTANTE

8 Hábitos atôMicos
James Clear [0 | 27#] ALTA BOOKS

9 a psicoloGia FiNaNceira
Morgan Housel [0 | 14#] HARPERCOLLINS BRASIL

10 os quatro coMproMissos
Don Miguel Ruiz [0 | 1] BEST SELLER

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INFANTOJUVENIL
1 o pequeNo príNcipe
Antoine de Saint-Exupéry [10 | 394#] VÁRIAS EDITORAS

2 o cálice dos deuses


Rick Riordan [3 | 5] INTRÍNSECA

3 HarrY potter e a pedra FilosoFal


J.K. Rowling [5 | 406#] ROCCO

4 o MeNiNo, a toupeira, a raposa e o caValo


Charlie Mackesy [0 | 18#] SEXTANTE

5 MeNtirosos
E. Lockhart [1 | 52#] SEGUINTE

6 a caNtiGa dos pássaros e das serpeNtes


Suzanne Collins [0 | 8#] ROCCO

7 eMocioNário
Cristina Núñez Pereira [9 | 6#] SEXTANTE

8 olHos prateados
Scott Cawthon e Kira Breed Wrisley [0 | 1] INTRÍNSECA

9 todo esse teMpo


Mikky Daughtry e Rachel Lippincott [0 | 14#] ALT

10 as aVeNturas de MiKe
Gabriel Dearo e Manu Digilio [0 | 14#] OUTRO PLANETA

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[A|B#] — A] posição do livro na semana anterior B] há quantas semanas


o livro aparece na lista #] semanas não consecutivas
Pesquisa: Bookinfo / Fontes: Aracaju: Escariz, Balneário Camboriú: Curitiba, Barra Bonita:
Real Peruíbe, Belém: Leitura, SBS, Belo Horizonte: Disal, Jenipapo, Leitura, Livraria da
Rua, SBS, Vozes, Bento Gonçalves: Santos, Betim: Leitura, Blumenau: Curitiba, Brasília:
Disal, Leitura, Livraria da Vila, SBS, Vozes, Cabedelo: Leitura, Cachoeirinha: Santos,
Campina Grande: Leitura, Campinas: Disal, Leitura, Livraria da Vila, Loyola, Saber e Ler,
Senhor Livreiro, Vozes, Campo Grande: Leitura, Campos do Jordão: História sem Fim, Campos
dos Goytacazes: Leitura, Canoas: Mania de Ler, Santos, Capão da Canoa: Santos, Caruaru:
Leitura, Cascavel: A Página, Colombo: A Página, Confins: Leitura, Contagem: Leitura, Cotia:
Prime, Um Livro, Criciúma: Curitiba, Cuiabá: Vozes, Curitiba: A Página, Curitiba, Disal,
Evangelizar, Livraria da Vila, SBS, Vozes, Florianópolis: Curitiba, Livrarias Catarinense,
Fortaleza: Evangelizar, Leitura, Vozes, Foz do Iguaçu: A Página, Kunda Livraria
Universitária, Frederico Westphalen: Vitrola, Goiânia: Leitura, Palavrear, SBS, Governador
Valadares: Leitura, Gramado: Mania de Ler, Guaíba: Santos, Guarapuava: A Página, Guarulhos:
Disal, Livraria da Vila, Leitura, SBS, Ipatinga: Leitura, Itajaí: Curitiba, Jaú: Casa Vamos
Ler, João Pessoa: Leitura, Joinville: A Página, Curitiba, Juiz de Fora: Leitura, Vozes, Jundiaí:
Leitura, Limeira: Livruz, Lins: Koinonia, Londrina: A Página, Curitiba, Livraria da Vila,
Macapá: Leitura, Maceió: Leitura, Livro Presente, Maringá: Curitiba, Mogi das Cruzes: A
Eólica Book Bar, Leitura, Natal: Leitura, Niterói: Blooks, Palmas: Leitura, Paranaguá: A
Página, Pelotas: Vanguarda, Petrópolis: Vozes, Poços de Caldas: Livruz, Ponta Grossa: Curitiba,
Porto Alegre: A Página, Cameron, Disal, Leitura, Mania de Ler, Santos, SBS, Porto Velho:
Leitura, Recife: Disal, Leitura, SBS, Vozes, Ribeirão Preto: Disal, Livraria da Vila, Rio Claro:
Livruz, Rio de Janeiro: Blooks, Disal, Janela, Leitura, SBS, Rio Grande: Vanguarda, Salvador:
Disal, Escariz, LDM, Leitura, SBS, Santa Maria: Santos, Santana de Parnaíba: Leitura, Santo
André: Disal, Leitura, Santos: Loyola, São Bernardo do Campo: Leitura, São Caetano do Sul: Disal,
Livraria da Vila, São João de Meriti: Leitura, São José: A Página, Curitiba, São José do Rio Preto:
Leitura, São José dos Campos: Curitiba, Leitura, São José dos Pinhais: Curitiba, Serra: Leitura,
Sete Lagoas: Leitura, São Luís: Leitura, São Paulo: A Página, B307, Círculo, CULT Café Livro
Música, Curitiba, Disal, Dois Pontos, Drummond, HiperLivros, Leitura, Santuário,
Simples, Livraria da Tarde, Livraria da Vila, Loyola, Megafauna, Nobel Brooklin, SBS,
Vida, Vozes, WMF Martins Fontes, Taboão da Serra: Curitiba, Taguatinga: Leitura, Taubaté:
Leitura, Teresina: Leitura, Uberlândia: Leitura, SBS, Umuarama: A Página, Vila Velha: Leitura,
Vitória: Leitura, SBS, Vitória da Conquista: LDM, internet: A Página, Amazon, Americanas.
com, Authentic E-commerce, Boa Viagem E-commerce, Bonilha Books, Canal dos
Livros, Curitiba, Leitura, LT2 Shop, Magazine Luiza, Shoptime, Sinopsys, Submarino,
Vanguarda, WMF Martins Fontes

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JOSÉ CASADO

“OPERAÇÃO 06”
HÁ CINCO meses o Congresso tenta, sem êxito, deci-
frar um enigma: a “Operação 06” da Agência Brasileira
de Inteligência (Abin).
Sabe-se que foi uma ação secreta no Rio. Há indícios de
gastos expressivos, com estimativas variáveis entre 2 e 6
milhões de reais. As despesas, aparentemente, foram con-
centradas em equipamentos, softwares, transporte e pesso-
al em áreas controladas pelo crime organizado — milícias
de policiais e de narcotraficantes.
Sabe-se, também, que começou em 2021 e durou até
meados do ano passado. Por coincidência, época em que
partidos definiam candidaturas para as eleições de outu-
bro. Foram selecionados 1 037 candidatos para as 46 vagas
da bancada do estado do Rio na Câmara.
Em maio, o ex-presidente do Senado Renan Calheiros
(MDB-AL) aprovou na Comissão Mista de Controle das
Atividades de Inteligência um pedido à Casa Civil da
Presidência da República para a entrega de toda a docu-
mentação sobre os objetivos, as metas e os resultados
dessa iniciativa clandestina coordenada pela superinten-
dência regional da Abin. Além disso, requisitou: cópias

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dos relatórios de quatro dezenas de órgãos estatais envol-


vidos; listagem das autoridades e servidores responsá-
veis; detalhes do orçamento e da execução financeira em
cada etapa das atividades até abril de 2022.
As respostas recebidas na comissão, por enquanto, são
consideradas insuficientes para decodificar a “Operação
06” no governo Jair Bolsonaro. Ela aconteceu durante a
estadia do policial federal Alexandre Ramagem na dire-
ção da agência. Em abril do ano passado, Ramagem saiu
da Abin para se candidatar a deputado federal e passou o
comando a Victor Carneiro, até então superintendente no
Rio. Elegeu-se com 59 170 votos pela seção fluminense
do Partido Liberal, controlada por Bolsonaro. Na chega-
da à Câmara preocupou-se em garantir vaga na comissão
legislativa que, agora, tenta desvendar a ação do serviço
secreto no Rio durante a sua gestão.
As atividades da Abin de Ramagem e Bolsonaro estão
sob investigação, simultânea, em várias instâncias (Con-
gresso, Supremo, Tribunal Superior Eleitoral, Polícia Fe-
deral, Ministério Público, Controladoria-Geral e Tribu-
nal de Contas da União). São múltiplas as suspeitas sobre
uso da estrutura, orçamento e equipamentos em espiona-
gem doméstica com objetivos políticos e econômicos pri-
vados. O governo já sabe o que e como aconteceu. Lula
resumiu, na semana passada: “Estamos vendo escutas te-
lefônicas de gente que não deveria ter (sido) escutada, e
que não tinha decisão judicial”.

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“Enigma da Abin
lança suspeita sobre rede
ilegal de espionagem”
Dias antes, o juiz do STF Alexandre de Moraes havia de-
terminado a prisão de dois dirigentes, afastado outros cinco
funcionários e autorizado buscas em escritórios e residên-
cias de São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Goiás e Brasília.
Na casa de um diretor da agência, demitido há uma semana,
foram apreendidos 170 000 dólares em espécie, o equivalen-
te a 850 000 reais. “É poupança familiar”, alegou o oficial
de inteligência na sua segunda passagem pela polícia em
quinze anos, pelas mesmas razões.
O caso da Abin é parte de mosaico de espionagem ile-
gal que, suspeita-se no Congresso, envolve organismos fe-
derais e estaduais de segurança. É condimentado pelo au-
mento exponencial de gastos públicos na compra de equi-
pamentos e softwares para rastreamento, coleta e extra-
ção de informações pessoais em todo o país, sempre em
nome da segurança pública, sem fiscalização e controle
das atividades dos agentes usuários.
Esse tipo de despesa aumentou muito na última década,
até 100 vezes em alguns estados. A organização indepen-
dente Derechos Digitales concluiu em novembro uma análi-

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se de 209 contratos públicos para máquinas e programas de


espionagem. Os pesquisadores André Ramiro, Pedro Ama-
ral, Mariana Canto e Marcos Pereira vislumbraram os con-
tornos de um mercado onde, praticamente, não existe fron-
teira real entre interesse público e privado. A vulnerabilida-
de, acham, começa nos principais fornecedores, as empresas
israelenses Cellebrite e Verint. Elas são donas de 80% das
vendas nacionais e guardam um histórico de “escândalos de
vigilância governamental abusiva” no exterior.
O caso da Abin sugere mais do que abuso eventual em ór-
gãos de investigação. Há indícios de manipulação de orça-
mentos federais e estaduais na expansão de um arsenal de
ferramentas contra as quais não existe segurança para infor-
mações individuais. Sem regulação e supervisão efetivas, go-
vernos estimulam grandes negócios na espionagem política e
econômica — e tudo subsidiado com dinheiro público. ƒ

ƒ Os textos dos colunistas não refletem


necessariamente as opiniões de VEJA

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