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CLUBE DE REVISTAS

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CARTA AO LEITOR

ALESSANDRO DANTAS/FOTOS PÚBLICAS BRUNO SANTOS/FOLHAPRESS

DEBATE Privatizações, autonomia do BC e legalização das


drogas: o eleitor de fora dos extremos políticos é mais
intervencionista e menos liberal nos costumes

O CENTRO
DA DECISÃO
UMA DAS CARACTERÍSTICAS marcantes do fenô-
meno da polarização no país é o fervor quase religioso
que os adeptos da esquerda e da direita devotam aos seus
representantes. Ídolos de cada um desses polos opostos,
o ex-presidente Jair Bolsonaro e o atual mandatário, Luiz
Inácio Lula da Silva, se parecem com sólidas catedrais, à
prova das mais variadas intempéries políticas. Não im-
porta o que aconteça, seus defensores estão sempre a
postos com argumentos — ou com a falta deles — na obs-

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tinada retaguarda de suas posições. O petista, por exem-


plo, preservou a imensa maioria dos seus fiéis mesmo nos
tempos de cárcere em Curitiba, enquanto o capitão ainda
se mostra capaz de arrastar multidões pelas ruas, a des-
peito da derrota nas urnas, das inúmeras trapalhadas e
dos enroscos com a Justiça. Embora estejam longe daqui-
lo que o país necessita, eles seguem capturando as simpa-
tias de dois terços do eleitorado e, mesmo se não concor-
rerem ao Palácio do Planalto em 2026, serão forças im-
portantes na disputa.
Enquanto esses adversários monopolizam o cenário e
mantêm sua força alimentando a competição entre si,
uma faixa nada desprezível do eleitorado, estimada em
30% dos votantes, não comunga hoje dos credos do lulis-
mo nem do bolsonarismo. Trata-se de um contingente
mais identificado com o centro, que repudia o radicalis-
mo da direita, assim como o petismo. Essa parcela, im-
portantíssima no universo total de votantes, é capaz de
definir uma vitória para um dos dois lados. A propósito,
isso ocorreu em 2018, favorecendo Bolsonaro, e também
com o triunfo do PT em 2022, a partir do momento em
que Lula fez acenos nessa direção, como na escolha do
ex-tucano Geraldo Alckmin para ser vice em sua chapa.
Em tese, o conjunto de eleitores “nem-nem” seria sufi-
ciente também para alavancar uma candidatura de fora
dos atuais extremos. Não é de hoje, aliás, que se vislum-
bra essa possibilidade. Mas o fracasso da “terceira via”

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nas últimas eleições mostrou que essa, definitivamente,


não é uma tarefa fácil. Falta, de fato, um rosto que perso-
nifique (de forma carismática) esse grupo.
Para além da questão da liderança, há um ponto fun-
damental e ainda não equacionado pelos políticos de cen-
tro no esforço de fisgar aqueles que rejeitam os extremos.
Uma pesquisa exclusiva de VEJA, elaborada pelo Institu-
to Locomotiva, em parceria com a Agência Ideia, ajuda a
destrinchar as razões dessa dificuldade. E elas são muito
mais complexas do que se imagina, conforme mostra a
reportagem que se inicia na página 34. O desafio começa
pelo fato de que o “nem-nem” não cabe numa simples
caixinha ideológica. Na economia, parte considerável
desses eleitores parece mais alinhada com o pensamento
clássico da esquerda, defendendo que o governo seja mais
intervencionista em assuntos como a taxa de juros. Já no
campo de costumes, o mesmo segmento mostra-se majo-
ritariamente contra a legalização do aborto. Conciliar e
traduzir bandeiras tão diferentes pode, sem dúvida, cata-
pultar um nome ao olimpo da política nacional. Quem
conseguir essa notável façanha, extrapolando a rivalida-
de Lula-Bolsonaro, credencia-se para abreviar a era dos
extremos no Brasil. ƒ

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ENTREVISTA MAURICIO DE SOUSA
CAIO GALLUCCI/DIVULGAÇÃO

“GIBI EDUCAÇÃO”
Criador dos personagens infantis mais famosos
do Brasil, o cartunista fala sobre a frustrada
candidatura à ABL e diz que trabalhará com
o MEC para levar os quadrinhos às escolas

FELIPE BRANCO CRUZ

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AOS 87 ANOS, Mauricio de Sousa não dá sinal de que vá


desacelerar. “Vou para a frente, sempre”, diz. De fato, o
criador da Turma da Mônica não para: tem projetos para
TV, cinema e streaming — e neste sábado, 1º, estreia num
teatro paulistano um circo musical em torno de sua per-
sonagem famosa, que acaba de fazer 60 anos. Embora te-
nha perdido a disputa por uma vaga na Academia Brasi-
leira de Letras, acredita que sua campanha mobilizou os
fãs e levantou o debate sobre se gibi é ou não é literatura.
Recentemente, obteve uma vitória nesse campo: o Minis-
tério da Educação usou uma tirinha da Mônica como cri-
tério de alfabetização de alunos de 7 anos. Pai de dez re-
bentos (obviamente, todos criados com ajuda de muitas
leituras de quadrinhos), Mauricio postou semanas atrás
uma foto com a bandeira do arco-íris ao lado do filho
Mauro, ativista LGBTQIA+. “Orgulho, respeito e igual-
dade”, escreveu na legenda. No fim do ano, sua cinebio-
grafia chegará às telas, com Mauro no papel do pai. O
cartunista recebeu VEJA em seus estúdios, em São Pau-
lo, para falar desses e de outros temas.

O que achou de o Ministério da Educação elencar en-


tre os critérios para considerar alunos de 7 anos alfa-
betizados a leitura de histórias em quadrinhos, usan-
do uma tira da Mônica e do Cebolinha como exemplo?
É uma medalha no peito. Acredito que a gente consiga
alfabetizar por meio das histórias em quadrinhos. Mi-

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lhões de brasileiros aprenderam a ler com os meus per-


sonagens. Temos de entrar com força nas escolas usan-
do os quadrinhos, pois quero que as crianças brinquem
de ler. Eu me alfabetizei com gibis. Minha mãe lia e ex-
plicava as letrinhas para mim. Em quatro meses, estava
lendo sozinho. Ela deu graças a Deus porque, finalmen-
te, pôde voltar a ouvir a radionovela que tanto amava.
Como toda criança, eu pedia para ler a mesma história
várias vezes. Tinha uns 5 anos e considero minha mãe a
primeira professora.

Há um interesse do senhor em trabalhar mais próximo


do MEC? É uma velha ideia minha de participar do ensi-
no oficialmente, junto com o pessoal do MEC. Eu já ten-
tei mais de uma vez, com diversos ministros da Educa-
ção, mas não deu certo. Agora que há esse entendimento

“Esse caso dos dois votos que tive na


ABL é esquisito. O pessoal já estava
bem, vamos dizer, combinado. Fiquei tão
satisfeito com o público me defendendo
que isso passou batido. É o sistema”
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de que os quadrinhos podem auxiliar na alfabetização, é


lógico que continuarei tentando. Até porque a conclusão
da pesquisa (Alfabetiza Brasil, feita pelo Inep) é assusta-
dora. Ela mostrou que mais da metade dos alunos do 2º
ano do ensino fundamental não estão alfabetizados. Que-
ro entrar de sola nesse negócio.

Em abril, o senhor concorreu a uma cadeira na Acade-


mia Brasileira de Letras e chegou a ser apontado como
favorito. No entanto, recebeu apenas dois votos. O que
houve? Esse caso dos dois votos na ABL é meio esquisi-
to. O pessoal estava bem, vamos dizer, combinado. Fi-
quei tão satisfeito com a resposta do público me defen-
dendo que essa coisa dos dois votos passou batido. É o
sistema. As academias são espaços em que grupos de
pessoas conhecidas trabalham e planejam as coisas jun-
tos. Quem não entra tem de esperar a próxima vaga. Mas,
para mim, torcer pela próxima vaga quer dizer esperar
que alguém morra. É muito chato na cabeça da gente
querer entrar só depois que alguém morre. É um negócio
meio Penadinho. Não gosto disso.

Deixando o efeito Penadinho à parte, o senhor pensa


em se candidatar novamente? Não sei se ainda vou con-
correr novamente. Não decidi ainda. Quero ampliar um
pouquinho mais minha atuação na Academia Paulista de
Letras, da qual já faço parte.

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Durante a campanha para a ABL, uma das discussões


acaloradas era se gibi é literatura ou não. O que pensa
disso? Geralmente, todo quadrinho tem um balão com
textos. Se eu somar todos os textos que fiz até hoje, dá
um montão de livros. Passei os últimos sessenta anos es-
crevendo e desenhando. Além disso, eu fui repórter poli-
cial no passado. Lá no ginásio, em Mogi das Cruzes, no
interior de São Paulo, eu já lia muito. Um livro por dia,
mesmo. Depois, quando cheguei ao ambiente do jornal,
aprendi a enxugar o texto. Se eu não tivesse passado por
tudo isso, não teria a facilidade que tenho para usar o
português nos balõezinhos. Agradeço aos clássicos da li-
teratura e às redações dos jornais por ser quem eu sou.

O senhor levou para o lado pessoal os ataques de um


dos candidatos à ABL ironizando os quadrinhos e o
desmerecendo como autor? Não levei. Não estava nesse
clima, não. Como disse, já faço parte da Academia Pau-
lista, com belos amigos e grandes escritores. Lá no Rio
de Janeiro há muitos autores de que eu gostaria de me
aproximar, para aprender mais. Tenho essa ambição para
abrir meu leque. Não deu, ainda. Mas não tomei o que foi
dito na campanha como uma coisa contra mim.

Chegou a tomar o famoso chá nos salões da Academia?


Sim. Fui muito bem acolhido. O presidente da ABL, Mer-
val Pereira, me recebeu em uma tarde. Fui lá na hora do

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chá e havia o pessoal com mais idade. Para minha sur-


presa, foram justamente os mais velhos que comentaram
sobre o que eu estava fazendo e sobre meus personagens.
Achei muito bom ver os veteranos acompanhando meu
trabalho. Fiz novas amizades.

Aos 87 anos, a vida do senhor vai virar filme com co-


produção da Disney. Alguma vez já imaginou que algo
assim poderia acontecer? Fico encabulado quando fa-
lam minha idade. Jamais poderia imaginar isso. E, se
imaginasse, acharia que era algo impossível. Também
não poderia jamais imaginar que teria esse meu estúdio
bonito. Era parte do sonho, mas nunca achei que fosse
me dar tão bem. E estamos em expansão.

Seu filho Mauro, de 36 anos, interpretará o senhor na


cinebiografia. O que achou da atuação dele? Realmen-
te, ele está igualzinho a mim fisicamente, quando eu ti-
nha a mesma idade. Além disso, ele também é ator, can-
tor e instrumentista. No cinema, ele arrasa. Ele sou eu.

Mauro é ativista pelos direitos LGBTQIA+ e, nas redes


sociais, posta fotos beijando o marido e se afirmando.
Como vê essa postura dele? Como pai amantíssimo dos
filhos, não só do Mauro, o que fizer eles felizes, eu estou
com eles. Amo meus filhos como eles são e, se o Mauro é
feliz, eu acho que eu dei certo como pai.

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O senhor tem medo que ele sofra algum ataque devido à


homofobia? Sempre penso que alguma coisa assim pode
acontecer. Logicamente que a gente sugere que eles tomem
cuidado. Infelizmente, há coisas ruins por aí acontecendo.
Rezo para que nada ocorra com ele — e, principalmente,
que ele continue com seu ativismo e seu modo aberto, que
está dando tão certo na vida dele. Nunca tive preconceito.
Lá em Mogi, quando eu era mais jovem, meus amigos gays
eram os mais benquistos da cidade, os mais cultos e diverti-
dos. Para mim, sempre foi uma coisa natural.

Entre os pais das crianças há pessoas de todos os mati-


zes políticos, tanto à esquerda quanto à direita. Qualquer
deslize provoca polêmicas e até boicotes. Quais cuida-
dos toma para atuar numa atmosfera tão polarizada? Es-
tou nesse mercado há sessenta anos e sempre evitei qual-

“Amo meus filhos como são e, se o


Mauro é feliz, acho que dei certo como
pai. Quando eu era jovem, meus amigos
gays eram os mais cultos e divertidos.
Para mim, isso sempre foi natural”
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quer historinha ou tema que mexessem com política ou


com o ambiente político. Todo mundo tem suas opiniões
pessoais nessa seara. Mas, quando vira uma coisa partidá-
ria, eu não gosto. Não é do nosso estilo mexer com isso, es-
pecialmente nos personagens infantis. De jeito nenhum.

Ainda assim, às vésperas da ditadura militar o senhor


chegou a ser tachado de comunista e foi demitido de
jornais em São Paulo. Como enfrentou aquele período?
Comprei uma Kombi e passei a levar pessoalmente meu
material para os jornais do interior. Como era jornalista,
tinha facilidade em convencer os donos de veículos lo-
cais a comprar minhas tirinhas. Criei um sistema de dis-
tribuição e, em um ano ou dois, já publicava em 400 jor-
nais do Brasil. Foi nessa época que surgiram os meus
personagens sem sapato: Mônica, Cascão e Magali, por-
que eu não tinha tempo para desenhar o adereço e ga-
nhava alguns minutos fazendo eles descalços.

Vários cartunistas que faziam tiras políticas, como Zi-


raldo, Henfil e Millôr Fernandes — o pessoal do Pasquim
—, foram presos, mas o senhor, por ser autor infantil,
escapou. O que pensa disso? Quando a ditadura pas-
sou, perguntei a um censor por que não me prenderam.
Ele disse que meu material era para um público infantil e
que, portanto, eu não tinha influência. Com isso, escapei.
Mal sabiam eles.

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Como assim? Eu criava fábulas como maneira de desaba-


far. Nas tirinhas da Turma da Mata, inventei o Rei Leonino,
personagem que ficava desapontado porque não sabia o
que iria acontecer nas tirinhas do dia seguinte e resolveu
prender o autor (eu) para saber com antecedência. Numa
historinha do Astronauta, ele viajava para um planeta onde
era proibido cantar, na mesma época em que proibiram
Chico Buarque, Caetano e Gil. Anos depois, já na democra-
cia, um grupo de políticos tentou mudar o modo como o
Chico Bento falava. Não queriam que ele falasse “caipirês”.
Daí um grupo de crianças do Rio fez uma passeata contra a
mudança. Vale lembrar que sou caipira do Vale do Paraíba.

O senhor vende 12 milhões de revistinhas por ano. Re-


centemente, sua empresa deu uma guinada para o au-
diovisual com filmes e séries em live action no strea-
ming. Pretende continuar investindo na área? É um ca-
minho sem volta. De algum maneira, eu esqueci do freio
de mão. Vou para a frente, sempre. O cinema está dando
certo. Temos agora dois filmes em produção e mais al-
guns programados. Além de tudo, tem o Mônica Toy, um
desenho animado curto sem voz para o YouTube. Nós já
temos números de bilhões de views com o Mônica Toy.
É um desafio crescer.

Leitores que conheceram a Turma da Mônica logo no


início hoje já têm mais de 60 anos e são avós. O senhor

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pensa nesse público ainda? Estava no Japão em uma re-


união com diretores de grandes empresas e Shintaro Tsu-
ji, presidente da Sanrio, dona da Hello Kitty, disse que eu
estava perdendo dinheiro por não fazer merchandising
para o público idoso. Isso me deu um estalo e já estamos
planejando produtos para o pessoal de mais idade. É difí-
cil porque eles ficam encabulados. Até o ano que vem,
lançarei uma historinha comemorativa dos 60 anos da
Mônica com os personagens idosos. Esse será o começo.
E não terá os personagens jogando bocha, não. Nada bal-
zaquiano. Será uma turma atuante, como são os idosos
hoje. Vamos deixar todo mundo no estica. ƒ

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IMAGEM DA SEMANA

VAMOS TODOS
CANTAR DE CORAÇÃO

AINDA na cama do hospital, Guilherme Gandra


Moura, de 8 anos, tocou milhões de pessoas que
assistiram ao vídeo em que ele pronunciou, com voz
fininha e fragilizada, “mamãe”. Havia acabado de
despertar de um coma de dezesseis dias. “Eu te amo”,
GABRIEL DE PAIVA/AG. O GLOBO

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retribuiu Tayane Gandra, que cobriu o menino de


carinho, tomada de alegria pelo que chamou de
“milagre”. Na terça-feira 27, Gui, como é
conhecido, deixou finalmente o hospital na Barra
da Tijuca, no Rio de Janeiro, onde se internara
para tratar de um resfriado, que evoluiu para
pneumonia. Sua saúde inspira cuidados desde o
nascimento, quando foi diagnosticado com epidermólise
bolhosa, doença autoimune raríssima, que provoca
constantes feridas na pele mesmo diante de um mínimo
atrito e para a qual não há cura. Nesta que foi sua 23ª
passagem pela UTI, o quadro piorava, e os médicos
precisaram induzi-lo ao sono, à base de sedativos, para
que ele fosse intubado. Na hora de voltar para casa, o
garotinho não teve dúvida: vestiu a camisa de seu time, o
Vasco, que ganhou na visita que recebeu do jogador
Gabriel Pec. “A alegria dele faz todo o esforço valer a
pena”, falava a emocionada mãe. Com um sorriso de
pura doçura congelado no rosto, Gui planeja voltar à
vida normal, como qualquer criança. “Quero brincar
muito e jogar videogame”, avisou o pequeno guerreiro,
cuja luta segue com toda a bravura e delicadeza. ƒ

Amanda Péchy

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CONVERSA RODRIGO BASILICATI-CARDIN

“TUDO QUE É CLÁSSICO TERÁ


UM LUGAR NO FUTURO’’
O sobrinho e herdeiro do estilista Pierre Cardin
(1922-2020) fala do legado e dos desafios da
marca que é sinônimo de elegância em tempos de
imensa diversidade também na moda
DIVULGAÇÃO/PIERRE CARDIN

SUCESSOR No comando: o designer


Basilicati-Cardin dirige a grife criada pelo tio

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Como foram os últimos tempos ao lado de seu tio, Pierre


Cardin? No início da pandemia, ele já estava com 97 anos, e
o fato de ficar preso dentro de casa fez com que envelhecesse
muito depressa. Eu fazia a ponte entre ele e os funcionários, e
tentávamos não deixá-lo com tanto medo da Covid-19.

O que mudou depois da morte dele, em 2020? Foi um


período que coincidiu com a desaceleração imposta pela
crise sanitária. Mas não a sentimos tanto. As pessoas foram
forçadas a usar mais as tecnologias digitais, mas isso não
foi totalmente ruim. Não acredito que elas sejam capazes de
substituir a interação com o mundo real, e a moda é um dos
marcos desse mundo. Cuido das redes sociais da empresa.
Temos ainda poucos seguidores, mas são aqueles apaixona-
dos pela marca. Prefiro continuar assim, com um cresci-
mento orgânico. Porque, a rigor, o mais importante é sem-
pre mostrar a verdade.

A moda mostra a verdade? Ela pode ser considerada su-


pérflua, mas gira a economia e cria empregos. É a segunda
indústria mais importante do mundo, depois do entreteni-
mento. Se você der uma volta em qualquer lugar e eliminar
tudo o que tem a ver com a moda, não sobrará nada. Pense
em um homem nu em uma sala branca: ele vai comunicar
pouca coisa sobre ele. Agora pense em um homem vestido:
pela sua roupa podemos saber sua posição social, seu traba-
lho, de onde veio... A moda diz muito.

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As mudanças comportamentais dos últimos anos impu-


seram imensa diversidade também à moda. Como a
Pierre Cardin lida com esse movimento? A gente não
tem e nunca teve problema com essa questão, porque, na vi-
são da Pierre Cardin, não importa o formato do corpo, é a
roupa que dá forma à pessoa. Isso era o que diferenciava os
desenhos do meu tio, feitos como esculturas. Continuamos
não nos agarrando a padrões duros. A diversidade é bem-
vinda, e tudo o que é clássico terá um lugar no futuro.

Como enxerga as denúncias de assédio e trabalho es-


cravo na indústria? Sei que esse tipo de situação aconte-
ce, e presto atenção quando vou escolher um fornecedor.
Faço questão de visitar pessoalmente as fábricas para me
certificar das condições de trabalho. Fico surpreso que es-
sas coisas ainda ocorram, e temos de fazer algo a respeito.
Para isso, a comunicação é fundamental. E a moda tam-
bém é comunicação. ƒ

Simone Blanes

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DATAS

O JUIZ QUE LIBEROU


O FURACÃO
ANTHONY CAMERANO/AP/IMAGEPLUS JOHN DURICKA/AP/IMAGEPLUS

HURRICANE
Lee Sarokin (acima): em
1985, ele tirou da cadeia
o pugilista negro Rubin
Carter, injustamente
condenado

A canção é uma das mais conhecidas de Bob Dylan,


obra-prima de oito minutos e trinta segundos e 22
estrofes, do álbum Desire — o rock Hurricane, de
1976, em parceria com o compositor Jacques Levy,
descreve a trajetória inglória do lutador de boxe Ru-
bin Carter, injustamente acusado de assassinato em
1966. Diz a letra, em tradução de Caetano W. Galin-

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do: “Agora os criminosos todos com seus paletós e


gravatas / estão livres para beber martínis e ver o
sol nascer / Enquanto Rubin fica sentado como Bu-
da numa cela de três metros / Um inocente num in-
ferno em vida / Essa é a história do Furacão / Mas
não vai acabar enquanto não limparem o seu nome /
E devolverem o tempo que pagou / Posto numa cela,
mas um dia ele podia ter sido / O campeão do mun-
do”. A música, o relato de Dylan e a realidade inspi-
rariam também um filme de 1999 estrelado por
Denzel Washington, Hurricane — O Furacão.
Carter e um amigo, ambos negros, foram conde-
nados pelo assassinato de três brancos em um bar
de Nova Jersey, apesar das evidências, relatadas
por testemunhas, de estarem em outro lugar no mo-
mento do crime. Não adiantou. Carter foi levado a
cumprir pena de trinta anos em regime fechado e
seu parceiro, quinze. Em 1976, a Suprema Corte dos
Estados Unidos chegou a anular as decisões, mas
uma reviravolta legal os pôs de novo atrás das gra-
des. Em 1985, porém, o juiz federal Haddon Lee
Sarokin, acionado por advogados, anulou a segun-
da condenação. Sarokin considerou o veredicto co-
mo um “apelo do racismo, e não da razão”. Liberta-
do, Carter morreu em 2014, aos 76 anos, de um
câncer na próstata. Sarokin morreu em 20 de ju-
nho, aos 94 anos.

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O PAI DAS BATERIAS


O mundo seria outro —
pior, certamente — sem
as baterias de íons de lí-
tio, mecanismo pelo
qual os aparelhos eletrô-
nicos podem ser recar-
regados. Como a maio-
ria dos avanços tecnoló-
gicos do século XX, elas
são resultado da combi-
nação de ciência com in-
teresses comerciais —

PETER SUMMERS/GETTY IMAGES


mas nada andaria, con-
tudo, sem o brilhantis-
mo do americano John
Goodenough, capaz de SEMPRE É TEMPO
unir as pontas da quími- John Goodenough:
ca, da física e da enge- o mais velho ganhador de
nharia como poucos. um Nobel, aos 97 anos
Em 2019, já com 97
anos, ele dividiu o Nobel de Química com o conterrâneo
Stanley Whittingham e o japonês Akira Yoshino. Goode-
nough foi o mais velho premiado com o Nobel. Morreu
em 25 de junho, aos 100 anos. ƒ

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FERNANDO SCHÜLER

LABIRINTO DA
DEMOCRACIA
MUITA GENTE diz que o Brasil se tornou uma democracia
pela metade. Um sistema que respeita a regra majoritária, al-
ternância de poder, mas fragiliza garantias do estado de di-
reito. De um lado, se diz que era preciso aceitar certos “ex-
cessos” do Judiciário, admitir a “experimentação regulató-
ria”, na linguagem elegante do ministro Fachin, ou a censura
em situação “excepcionalíssima”, como naquela decisão da
ministra Cármen Lúcia. Tudo por um bom motivo. De ou-
tro, se diz que isto não passa de um exercício de autoengano.
Que eventuais ameaças à democracia devem ser enfrenta-
das com as armas do próprio estado de direito, e que a ver-
dade é que “o juiz entrou no jogo”, como me definiu um críti-
co mordaz, por estes tempos. Algo que jamais poderia acon-
tecer em uma democracia.
Pensava nisso quando li a ação do Ministério Público pa-
ra banir uma das rádios de maior audiência do país, por de-
lito de opinião, quase ao mesmo tempo em que lia um ótimo
artigo do professor Carlos Pereira, da FGV, sobre a natureza
de nosso modelo político. “Nosso presidencialismo multi-

1|6
CLUBE DE REVISTAS

partidário”, diz o professor, “não foi desenhado para gerar


eficiência, mas para incluir os mais variados interesses da
sociedade no jogo político. Promessa que tem sido entregue
e gerado “equilíbrio” em uma sociedade extremamente di-
versa e heterogênea”. De acordo. Foi ao que assistimos, com
altos e baixos, nas três décadas que se seguiram à Constitui-
ção de 1988. Foram nove eleições presidenciais. Preserva-
mos liberdades e efetivamos uma “democracia inclusiva”,
permitindo a expressão e a chegada ao poder de diferentes
“lados” da política brasileira. Foi assim com os sociais-de-
mocratas de Fernando Henrique, nos anos 1990; os socialis-
tas e sociais-democratas de Lula, nos anos 2000, e logo com
a “nova direita” de Bolsonaro, em 2018.
É precisamente aí que as coisas começam a mudar. Es-
crevi sobre tudo isso à época das eleições de 2018. Disse que
era assim nas grandes democracias: em uma eleição ganha a
esquerda, e implanta suas políticas de esquerda, e em outra
ganha a direita, e vice-versa. E que aquilo seria um teste cru-
cial não apenas para nossas instituições, mas para nossa cul-
tura política. Para saber se nossos autoproclamados “demo-
cratas” estariam dispostos a reconhecer a legitimidade de
um tipo de pensamento, valores e mesmo de uma estética
diametralmente opostos a sua visão de mundo. Por óbvio,
não estavam. Mas o aspecto crucial daquilo tudo foi o in-
gresso da Justiça na arena política. O inquérito das fake ne-
ws foi aberto já em março de 2019. Originalmente, censurou
a Revista Crusoé, atitude criticada pela então oposição.

2|6
CLUBE DE REVISTAS

VOZ Da esquerda para a direita e


vice-versa: a alternância precisa valer

Mais adiante, quando o mesmo inquérito voltou suas bate-


rias contra o “outro lado”, aquela mesma oposição passou da
crítica à euforia. Em junho de 2020, o inquérito foi renova-
do. Houve um solitário voto contrário do ex-ministro Marco
Aurélio, dizendo que o “Supremo não é sinônimo de absolu-
to”. Suas palavras se perderam na poeira. A partir dali, as-
sistimos a tudo que estamos cansados de saber. Um partido
banido por um punhado de tuítes irrelevantes; um professor
de economia censurado por indagar alguma coisa sobre o
MAURICIO LIMA/AFP

3|6
CLUBE DE REVISTAS

“O aspecto crucial foi


o ingresso da Justiça
na arena política”
sistema eleitoral; um grupo de empresários banidos por um
papo-furado no WhatsApp; jornalistas com passaporte reti-
do; deputados banidos da internet, em decisões “de ofício”, à
revelia da imunidade assegurada no Artigo 53º da Consti-
tuição. Depois disso, tivemos a virtual edição do debate elei-
toral, a partir da tese elitista sobre a incapacidade do “eleitor
ordinário” para lidar com a “desordem informacional”. Foi
ao que assistimos. Acusar um candidato de corrupção? Só
com decisão judicial. Lançar um filme? Só se passar pelo
teste algo metafísico de “presunção de veracidade”, visto
que nem sequer seu conteúdo era conhecido. No debate do
PL das Fake News, as plataformas digitais foram duramente
censuradas e impedidas de expor sua visão; um youtuber é
banido, sem menção a lei alguma; um humorista é preso por
meses, sob a mesma lógica da fraseologia seguida de pontos
de exclamação, posta no lugar do direito. Muita gente acre-
ditou na urgência de cada uma dessas atitudes, o que é em si
mesmo um dado para nossa reflexão. Por que cargas d’água
proibir a menção do sabido vínculo de Lula com ditadores
latinos, como Maduro e Ortega, seria essencial à democra-

4|6
CLUBE DE REVISTAS

cia? Qual a “grave ameaça” contida na discurseira do Mo-


nark, naquele tuíte do PCO ou das indagações do professor
Marcos Cintra? O fato simples de que sempre foi perfeita-
mente falsa a oposição entre “respeitar direitos individuais”
e “defender a democracia”.
Tudo isso vai muito além do tema da liberdade de ex-
pressão ou dos direitos individuais. A questão diz respeito
ao próprio “equilíbrio na diversidade” mencionado na tese
otimista do professor Carlos Pereira. O ponto é que a “exce-
ção” se tornou política de Estado, no Brasil, e a questão é sa-
ber o impacto disso precisamente sobre a ideia de uma de-
mocracia inclusiva e aberta à expressão de nosso pluralismo
político. E mais: se o que temos presenciado não é exata-
mente o que tantos temiam: nosso deslizamento para uma
democracia de traços não liberais. Tipo difuso de autorita-
rismo fragilizando prerrogativas e direitos republicanos. O
professor Carlos Pereira observa que, mesmo podendo-se
identificar excessos por parte do Judiciário, “a maioria da
sociedade parece estar relativamente satisfeita com o dese-
nho atual” que concede ao Judiciário uma “macrodelega-
ção” de poderes. Sua análise é realista: “o custo marginal da
mudança tem sido maior do que o do status quo”. De fato, o
Senado vem se recusando a exercer controle sobre a ação do
Supremo, boa parte do sistema político parece satisfeita com
o modelo de tutela, e há apoio da sociedade civil. Somos um
estranho país em que “garantistas” apoiam prisões de ofício
e todo jogo interpretativo do direito, desde que a seu gosto. E

5|6
CLUBE DE REVISTAS

onde, como bem disse Jorge Pontual, boa parte da mídia


apoia a censura.
Processos de “autocratização” e fragilização de garan-
tias individuais não raro ocorrem assim: com suporte ma-
joritário e cálculo, que vai do apoio à passividade, na elite
política. É o caso brasileiro. Censura e quebra de prerro-
gativas são aplicadas homeopaticamente, e a cada vez
produzem mais recuo e medo. Quanto se produz de auto-
censura, no jornalismo, quando um jornalista tem seu
passaporte retido? Quanto se “disciplina” um parlamen-
tar, quando um colega é banido? E quanto aquilo que é
inaceitável, em um primeiro momento, vai ganhando ares
de normalidade? Um blogueiro censurado em 2019? Gra-
ve. Um humorista preso em 2023? Indiferença. Ao menos
desde aquela época de autoconfiança democrática, que se
seguiu à Constituição, muita gente imaginou que havía-
mos enterrado o passado autoritário, e que de alguma for-
ma havíamos incorporado o que Sérgio Buarque tão bem
definiu, já nos anos 30, como um dado estranho a nossa
cultura política: o “ponto de vista jurídico e neutro em que
se baseia o liberalismo”. O fato é que não. Quase um sécu-
lo depois daquelas palavras algo proféticas, andamos em
um labirinto, cuja saída parece distante. ƒ

Fernando Schüler é cientista político e professor do Insper

ƒ Os textos dos colunistas não refletem


necessariamente as opiniões de VEJA

6|6
CLUBE DE REVISTAS
SOBEDESCE

SOBE
USP
A Universidade de São Paulo subiu
trinta posições na avaliação da Top
Universities. Tornou-se a melhor da
América Latina e passou a ocupar a
85ª posição no ranking mundial.

GUSTAV KLIMT
O quadro Lady with Fan
(“Dama com leque”), do pintor
austríaco, foi leiloado em Londres
por 451 milhões reais, cifra
recorde no mercado europeu.

BOTAFOGO
O clube carioca virou uma
das surpresas da temporada
ao assumir e se manter na ponta
do Campeonato Brasileiro.

1|2
CLUBE DE REVISTAS

DESCE
JOVEM PAN
O MPF pediu o cancelamento das
outorgas de radiodifusão da
empresa por veiculação de
“conteúdos que atentaram contra o
regime democrático”.

DISCORD
Usada para conversas em texto, voz
e vídeo, a plataforma virou alvo de
investigação depois que passou a
ser utilizada por grupos que incitam
e praticam crimes como
exploração sexual.

RONALDINHO GAÚCHO
Por irregularidades na prestação de
contas em um convênio,
o instituto do ex-jogador terá
de devolver 7,2 milhões de
reais aos cofres públicos.

2|2
CLUBE DE REVISTAS
VEJA ESSA
FACEBOOK @PAULMCCARTNEY

“Nada foi criado artificial ou


sinteticamente. Tudo é real.”
PAUL MCCARTNEY, ao negar o uso de
inteligência artificial (IA) em uma canção inédita
dos Beatles, que ele deve lançar em breve

1|4
CLUBE DE REVISTAS

“Não tem jeito. Uma hora ou


outra você se encontra com a maldade.
Pessoas tóxicas, ingratas, negativas.
Alguns vão se disfarçar de bondosos.
Cuidado. Às vezeso mal se veste de bem
para ser mais mal ainda.”
DANIELA CARNEIRO, ministra do Turismo,
que está no cai não cai

“Pra tristeza da esquerda


histérica, eu voltei.”
DELTAN DALLAGNOL, ex-deputado federal pelo Podemos
do Paraná, braço direito de Sergio Moro na Lava-Jato, depois de
quinze dias sabáticos nos Estados Unidos

“Vamos lá, tchutchucas do Centrão! O


cafetão precisa de seu Pix. Liberem todo
esse patriotismo de vocês.”
ABRAHAM WEINTRAUB, ex-ministro da Educação de Jair
Bolsonaro, ao criticar em suas redes sociais a campanha — via
Pix — de arrecadação de dinheiro para cobrir as multas
impostas pela Justiça ao ex-presidente

2|4
CLUBE DE REVISTAS

“Fico imaginando como o idiota


paga 250 000 dólares para entrar
naquela lata de sardinha.”
LUCIANO HUCK, apresentador de TV a respeito da tragédia
com o submersível Titan, que buscava os destroços do Titanic

“As pessoas têm dificuldade


de ouvir um disco inteiro.”
PITTY, cantora

“É bom, mas cansa. Quero viver mais.”


ZECA PAGODINHO, que acaba de retornar
de uma turnê internacional

“O ideal seria que Ancelotti começasse


agora na seleção, mas o ideal só existe
nos nossos devaneios.”
TOSTÃO, tricampeão do mundo em 1970, hoje cronista

“Eu amo tanto Rondônia, eu amo tanto


Rondônia, que minha filha vai se casar com
um rondoniense. Gente, eu vou ter um
neto 50% brasiliense e 50% rondoniense.”
MICHELLE BOLSONARO, ex-primeira dama,
ao anunciar o casamento de sua filha, Letícia Firmo

3|4
CLUBE DE REVISTAS
FACEBOOK @LUANAPIOVANI

“Sempre fiz o que


quis com os homens.”
LUANA PIOVANI, atriz

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CLUBE DE REVISTAS
RADAR
ROBSON BONIN

Com reportagem de Gustavo Maia,


Nicholas Shores e Ramiro Brites

Eu voltei vai investir pesado no seu


Muita coisa mudou na vida “retorno” ao desfile da In-
de Lula desde o seu último dependência para ofuscar
desfile de 7 de Setembro no outro personagem da data:
Planalto — da foto acima, Jair Bolsonaro.
só ele estará no palanque
no próximo feriado, com Chega de ameaças
novos amores e aliados e Segundo um auxiliar, para
até novos alvos. O petista “apagar o golpismo” dos últi-

DESFILE Lula: petista vai investir pesado


na organização das festividades de 7 de
Setembro, a fim de “resgatar” a data nacional

RICARDO STUCKERT/PR

1|6
CLUBE DE REVISTAS

mos desfiles bolsonaristas, Lula, o Itamaraty mudou o


marcados por ameaças de in- cardápio. Na visita de Al-
vasão ao STF, o petista vai in- berto Fernández, o almoço
vestir 6,8 milhões de reais foi rabada com angu de
num evento para 30 000 pes- milho.
soas. Quer uma grande festa.
Barrados pelo VAR
Resgate verde e amarelo O Itamaraty reprovou, re-
A celebração, já organizada centemente, três candida-
pela Secom de Paulo Pimen- tos a bolsas do Instituto Rio
ta, contará com vários espa- Branco que se autodeclara-
ços ao público. A ordem é re- ram negros, mas não ti-
cuperar os símbolos nacio- nham “fenótipo visível de
nais. “O amarelo precisa vol- pessoa negra”.
tar a ser a cor de todos”, diz
um auxiliar de Lula. Toma que o filho é teu
O Exército considerou um
Cabeça cheia vexame a passagem de Jean
Um velho aliado petista de Lawand pela CPMI, mas
Lula notou: ele anda dis- nada fará com o coronel.
tante nas conversas. “A “Isso é um assunto para
gente fala, mas parece que Alexandre de Moraes”, diz
ele não tá escutando. Tá ba- um interlocutor da caserna.
tendo biela”, brinca.
Sem pressa
Menu popular Comandante do Exército, o
Depois das reclamações de general Tomás Paiva não

2|6
CLUBE DE REVISTAS

procurou nem foi procura- última safra. O gasto previs-


do por Moraes para falar do to é de 6,5 bilhões de reais.
caso de Cid e Lawand.
Casca de banana
Na volta a gente vê Nesta semana de orgulho
No próximo sábado, o co- LGBTQIA+, a área técnica
mandante do Exército em- do governo queria anunciar
barca para a Alemanha. Fica- o fim do campo sexo/gêne-
rá uma semana fora do país. ro contido no nosso conhe-
cido RG. Flávio Dino, ao
Deixa pra lá perceber o tamanho da en-
Para a Força, Lawand e crenca, enterrou a ideia.
suas mensagens de What-
sApp já são passado. “A Alguém ainda pensa
gente quer olhar para a Além de dar uma bandeira
frente. Em dois dias, isso se- ao bolsonarismo, hoje sem
rá esquecido, vai virar ‘his- discurso, a medida desne-
tória militar’, como a gente cessária provocaria a ala
fala aqui”, diz um interlocu- evangélica do Congresso na
tor do comando. véspera de votações impor-
tantes como o marco fiscal
Olho nos pequenos e a reforma tributária.
Com a expansão do Pronaf
a produtores rurais de baixa Quem diria...
renda, o governo pretende No dia da prisão de Lula,
alcançar 1,2 milhão de em 2018, Celso Sabino, o
CPFs, 32% a mais que na virtual ministro do Turis-

3|6
CLUBE DE REVISTAS
MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

ALERTA Alckmin: PSB aconselhou


o vice a ignorar o Foro de São Paulo

mo, postou uma imagem do res latinos, o PSB não só


comboio da PF com o petis- vetou a participação de
ta e escreveu: “O momento seus filiados no Foro de São
atual dá sim uma sensação Paulo como alertou o vice
de combate à corrupção”. Geraldo Alckmin para que
ficasse distante do evento.
À distância
Crítico dessa paixão de par- Dinheiro sujo
te da esquerda por ditado- Flagrado pela PF, em 2020,

4|6
CLUBE DE REVISTAS

com dinheiro nas nádegas, Aprovado


o senador Chico Rodrigues, O Banco Central aprovou a
até hoje, segundo a PGR, operação do BTG Pactual
não comprovou a origem que comprou o FIS Priva-
do dinheiro achado no tbank e Inter-Portfolio Ver-
curioso esconderijo. waltungsgesellschaft, em
Luxemburgo.
O cerco se fecha
Nesta semana, o ministro Mudança na cúpula
Roberto Barroso, do STF, O BC também validou uma
renovou por sessenta dias alteração no controle socie-
a investigação e autorizou tário do Banco Genial, ago-
diligências contra Rodri- ra concentrado em Rodolfo
gues. “A apuração tem Riechert e André Schwartz.
avançado para identificar
as conexões do aludido Investigação avança
parlamentar com os fatos O BC abriu inquérito para
em tese delituosos”, diz a investigar a Portocred, li-
decisão. quidada em fevereiro, e deu
cinco dias para o dono do
Estou satisfeito negócio apresentar sua lista
Chefe do PSDB no DF, o se- de bens ao banco.
nador Izalci Lucas já rece-
beu propostas de três siglas Não funcionou
para deixar o tucanato. Ele Por sugestão do BNDES, o
diz que “não pensa na hipó- Sebrae decidiu fechar a
tese” de saída. fintech do órgão, um in-

5|6
CLUBE DE REVISTAS

vestimento de 600 mi-


lhões de reais.

Vida e obra do gênio


O governo autorizou a
Boldly Go Entretenimen-
to a captar 5,9 milhões de
reais para bancar a mon-
tagem, no país, da exposi-
ção imersiva Michelange-
lo — O Mestre da Capela
Sistina.

Perdas e danos
Morando de aluguel em
São Paulo até pouco tem-
po, a atriz Cleo Pires foi
acionada pela proprietária
de um apartamento na Os-
car Freire por danos causa-
dos ao imóvel após a loca-
INSTAGRAM @CLEOPIRES9

ção. O fiador do contrato


da atriz é o pai, Fabio Jr.
Para encerrar a discussão,
ACORDO Cleo: imóvel as partes acertaram um pa-
alugado em São Paulo e gamento de 45 000 reais
prejuízo de 45 000 reais para a reforma do lugar. ƒ

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CLUBE DE REVISTAS
BRASIL EXCLUSIVO

DESPACHO
Lindôra: críticas
pesadas à atuação
do ministro
do Supremo
Tribunal Federal

EVARISTO SÁ/AFP

CONFRONTO
ABERTO
Em documento obtido por VEJA, a vice-procuradora-
geral da República desqualifica o trabalho da PF no caso
Mauro Cid e faz críticas contundentes ao ministro
Alexandre de Moraes, acusando-o de autorizar
procedimentos ilegais e decretar prisões sem fundamento

ROBSON BONIN E LARYSSA BORGES

CAPA: FOTOS DE LEOBARK/SECOM/MPF E MATEUS BONOMI/AGIF/AFP

1 | 11
CLUBE DE REVISTAS

EMBATE Alexandre
de Moraes: decisões
questionadas na
peça enviada pela
procuradora

CARLOS MOURA/SCO/STF

R
esponsável por inquéritos que envolvem deputa-
dos, senadores e até o ex-presidente Jair Bolso-
naro com a disseminação de notícias falsas e prá-
tica de atos antidemocráticos, o ministro Ale-
xandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal
(STF), há quatro anos vem colecionando uma legião de
admiradores e desafetos. Para o primeiro grupo, o dos ad-
miradores, a atuação do magistrado evitou um retrocesso
político de consequências imprevisíveis, especialmente
depois do dia 8 de janeiro, quando criminosos invadiram
e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília. Para
os críticos, as decisões do ministro têm atropelado siste-

2 | 11
CLUBE DE REVISTAS

maticamente garantias constitucionais em nome de um


suposto esforço em preservá-las. Um documento sigiloso
a que VEJA teve acesso mostra que esse embate deve ga-
nhar um capítulo explosivo nas próximas semanas.
Nele, a Procuradoria-Geral da República insinua que
Alexandre de Moraes autorizou procedimentos ilegais,
decretou prisões sem fundamento e tentou promover o
que na Justiça se chama de “pesca probatória”, uma dili-
gência autorizada sem um fato que a justifique, tendo co-
mo objetivo real colher alguma prova aleatória de um cri-
me. Como se sabe, a Polícia Federal prendeu no início de
maio o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens
do ex-presidente Jair Bolsonaro. A ação, determinada por
Alexandre de Moraes, ocorreu no bojo de uma investiga-
ção que apurava a participação do militar num caso de
falsificação de cartões de vacinação. Na ocasião, também
por determinação do ministro, foram apreendidos os tele-
fones dele e da esposa. Nos aparelhos, foram encontrados
documentos que delineavam o planejamento de um golpe
de Estado e mensagens de texto com pregações golpistas.
Para a vice-procuradora-geral da República, Lindôra
Araújo, que assina o documento, essa sequência de even-
tos foi uma típica “pescaria” por parte do ministro.
Segundo a procuradora, não havia nenhuma justifica-
tiva plausível para a prisão preventiva do ex-ajudante de
ordens e de outros dois ex-auxiliares de Jair Bolsonaro
também envolvidos no caso das carteiras de vacinação,

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CLUBE DE REVISTAS

CONTRA “Pescaria”: segundo Lindôra,


diligência sem um fato que a justifique

Max Moura e Sérgio Cordeiro. “Os elementos apontados


são por demais incipientes a recomendar quaisquer dili-
gências ou medidas em face dos investigados, sob pena
de se validar a pesca probatória, à semelhança de outras
investigações em curso no âmbito do Supremo Tribunal
Federal”, escreveu Lindôra. Revelada por VEJA há duas
semanas, a perícia nos celulares encontrou, entre vários
documentos, o roteiro para um golpe de Estado que pre-
via a anulação das eleições, a nomeação de um interven-
tor militar, a deposição de ministros do STF e a convoca-
ção de um novo pleito caso Jair Bolsonaro fosse derrota-

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CLUBE DE REVISTAS

do. Braço direito do ex-


-presidente durante os
quatro anos de governo,
Cid está preso preventiva-
mente há dois meses.
Proativo e firme em
suas decisões, Alexandre
de Moraes tem sido alvo
de críticas por tocar in-
quéritos que miram perso-
nagens ligados ao bolso-
narismo. Convencido de
que havia um movimento
orquestrado de deslegiti-
mação da Justiça, o Supre-
mo abriu, em 2019, uma
MARCOS CORRÊA/PR

investigação para apurar a


disseminação de fake ne-
ws e ofensas à honra dos ACUSADO Mauro Cid:
ministros. Com o passar o coronel está preso
do tempo, foram instaura- há dois meses num quartel
dos novos inquéritos que do Exército em Brasília
tinham algum tipo de afi-
nidade com a ação original — milícias digitais, atos anti-
democráticos e o quebra-quebra de 8 de janeiro —, que
também ficaram sob a relatoria de Moraes. Na ofensiva
contra o ministro do Supremo, Lindôra insinua que Ale-

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CLUBE DE REVISTAS

xandre inflou o caso de


Editora ABRIL
edição 2846 - ano 56 - nº- 24
21 de junho de 2023

Mauro Cid com episó-

www.veja.com
dios estranhos ao proces-
so, como uma reporta-
gem que mostra que o ex-
-ajudante de ordens pa-
gava despesas pessoais
da ex-primeira-dama Mi-
EXCLUSIVO
chelle Bolsonaro, o que
não teria nada a ver com O ROTEIRO
a falsificação dos cartões DO GOLPE
VEJA teve acesso ao relatório da Polícia Federal sobre o material encontrado no celular
do ex-ajudante de ordens Mauro Cid. Nele, mensagens e documentos revelam um plano

de vacinação. O objetivo, para anular as eleições, afastar ministros do STF e colocar o país sob intervenção militar

segundo ela, seria am- REVELAÇÃO VEJA:


pliar o raio de suspeição reportagem mostrou
sobre o antigo auxiliar de informações graves encontradas
Bolsonaro e “criar um no celular de Mauro Cid
link com a prática de de-
litos financeiros, envolvendo o círculo social de parentes
do ex-chefe do Poder Executivo”.
Numa defesa absolutamente atípica de um acusado, al-
go raro por parte do Ministério Público, Lindôra Araújo
também aponta deslizes procedimentais que, em sua ava-
liação, sugerem precipitação de Moraes em imputar res-
ponsabilidades golpistas a personagens ligados a Bolso-
naro. Ela reclama de o ministro ter autorizado a análise
do e-mail pessoal de Mauro Cid sem um pedido formal da
Polícia Federal, enumera a falta de formalização de atos

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CLUBE DE REVISTAS
BRUNO SPADA/CÂMARA DOS DEPUTADOS

INVESTIGADO Lawand: mensagens golpistas e explicações


nada convincentes em depoimento à CPI do 8 de Janeiro

processuais e questiona a forma como os investigadores


teriam concluído que um golpe de Estado havia sido cogi-
tado nos estertores do governo passado. Em duras pala-
vras, a procuradora desqualifica completamente o relató-
rio produzido pela Polícia Federal. “Trata-se de redação
de cunho crítico que até poderia ser encontrada em mesas
de cursinhos preparatórios para o vestibular”, provoca ela,
referindo-se aos rascunhos encontrados no telefone de Cid.
No documento dirigido ao ministro Alexandre de Mo-
raes, a procuradora ressalta ainda que, ao decretar a pri-
são do ex-ajudante de ordens e de dois ex-assessores de
confiança de Bolsonaro, o ministro flerta com a “prisão
para averiguação”, uma prática proibida amplamente uti-

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CLUBE DE REVISTAS

CRÍTICAS Prisões: para a procuradora,


antecipação de cumprimento da pena

lizada no regime militar em que alvos eram detidos alea-


toriamente em locais públicos e encaminhados para uma
unidade policial. Lindôra também critica as conclusões ti-
radas a partir das mensagens encontradas no celular do
coronel. Afirma que elas se resumem a “mero diálogo en-
tre pessoas comuns, desprovidas de conhecimento jurídi-
co ou político suficiente para arquitetar um golpe de Esta-
do”. Os documentos e as mensagens são considerados pe-
los investigadores como as evidências mais contundentes
até agora sobre a suspeita que paira em relação ao envol-
vimento do ex-presidente no plano golpista.
Numa visão diametralmente oposta à gravidade dos
fatos, a procuradora considera que os diálogos estão lon-
ge de representar a ameaça vislumbrada por Alexandre
de Moraes e não passariam de “uma simples troca de in-
formações apenas e tão somente entre os interlocutores,
sem contato com qualquer pessoa com condições de exe-
cutar” um atentado à democracia. “São posturas especu-

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CLUBE DE REVISTAS

SILVIO AVILA/AFP
SEGREDOS Bolsonaro: investigadores da PF acreditam que
informações do ex-auxiliar podem comprometer o ex-chefe

lativas que poderiam ser encontradas nos dispositivos


móveis de grande parte da população brasileira, sob o
contexto de intensa polarização do debate político à épo-
ca das eleições de 2022”, diz ela sobre as conversas recu-
peradas, que incluem apelos do coronel Jean Lawand Ju-
nior por uma ordem do presidente da República para a
deflagração da intervenção golpista. Lotado em uma sub-
chefia do Estado-Maior do Exército, Lawand prestou de-
poimento na CPI do 8 de Janeiro na última terça-feira e
explicou que as mensagens que encaminhou a Mauro
Cid, então ajudante de ordens da Presidência da Repúbli-
ca, nada mais eram que resultado do medo de “convulsão
social” após a derrota de Bolsonaro. A explicação, por

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CLUBE DE REVISTAS
ANDRE BORGES/EFE

PAGAMENTOS Michelle: de acordo com a procuradora, o


objetivo seria envolver a ex-primeira-dama em delitos financeiros

óbvio, não convenceu ninguém.


De perfil conservador, Lindôra Araújo era (até aqui pe-
lo menos) braço direito do procurador-geral Augusto
Aras. Nos últimos anos, partiram de sua mesa várias deci-
sões favoráveis a Jair Bolsonaro, a aliados e ao governo.
Recentemente, a procuradora isentou o ex-presidente de
participação na fraude dos cartões de vacinação, quando
a polícia descobriu que Cid havia falsificado o certificado
de vacina do chefe contra a Covid-19. Designada para
atuar no caso do ex-ajudante de ordens, ela já havia sido
contra a etapa mais decisiva da investigação — a determi-
nação expressa do ministro para prender o tenente-coro-
nel, medida que, na avaliação dela, foi um exagero. Na pe-

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CLUBE DE REVISTAS

PROCESSO Enxertos: para Lindôra,


fatos sem relação com o ex-presidente

ça endereçada a Moraes, ela pede, mais uma vez, a libera-


ção de Mauro Cid e dos outros dois assessores, argumen-
tando que a prisão preventiva não se sustenta, consideran-
do-se que “não há nos autos indícios concretos de que vol-
tarão a delinquir”, criticou.
Nenhuma das considerações de Lindôra Araújo precisa
ser acatada por Alexandre de Moraes — e provavelmente
não serão. Mesmo no entorno do militar, os pedidos inse-
ridos no mais duro libelo contra a atuação do ministro são
considerados otimistas demais. E existe uma razão evi-
dente para isso. Sob os olhos de Moraes, Mauro Cid, seus
documentos, suas mensagens e, principalmente, seus se-
gredos ainda não revelados continuam sendo o caminho
mais promissor para punir os golpistas. Todos eles. ƒ

11 | 11
CLUBE DE REVISTAS
BRASIL POLÍTICA

O HERDEIRO
NATURAL
Diante da inelegibilidade de Jair Bolsonaro,
Tarcísio de Freitas é o favorito para ocupar
o espaço do capitão na centro-direita
LAÍSA DALL’AGNOL E
JOÃO PEDROSO DE CAMPOS

1 | 16
CLUBE DE REVISTAS

UMA DAS PRINCIPAIS lideranças em ascensão no cená-


rio nacional é a de um político improvável. Discreto buro-
crata com passagens pelos governos Dilma Rousseff e Mi-
chel Temer, período em que ganhou fama de técnico com-
petente, o governador de São Paulo, Tarcísio Gomes de
Freitas (Republicanos), começou a merecer mais holofotes
ao assumir o Ministério da Infraestrutura na gestão de Jair
Bolsonaro. Uma de suas marcas consistiu em levar adiante
a política de concessões na área de transportes. Foi por de-
terminação do chefe, aliás, que entrou na corrida ao Palácio
dos Bandeirantes. Tido como azarão na disputa (no início
da campanha, nem ele achava que teria chances, pela inex-
periência e por ser carioca, com poucas ligações com São
Paulo), surpreendeu nas urnas, encerrando três décadas de
domínio do PSDB. “Nunca imaginei estar hoje aqui e devo
isso a Bolsonaro”, costuma dizer, referindo-se à cadeira de
comando do estado mais poderoso da federação.
Agora, por ironia, diante da iminente condenação do ca-
pitão no TSE, que vai torná-lo inelegível até 2030, Tarcísio é
tido como o natural herdeiro. Ainda que a próxima corrida
ao Palácio do Planalto esteja distante, seu nome aparece co-
mo o favorito para ocupar o espaço da direita no embate
com o PT, empunhando a bandeira de um “bolsonarismo
light”. O estilo pode ser traduzido nos seguintes termos: con-
servador nos costumes e liberal na economia, mas sem os
arroubos que fizeram a (má) fama de seu mentor. Em con-
versas privadas, Tarcísio diz que seu foco é fazer uma gran-

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CLUBE DE REVISTAS
ROVENA ROSA/AGÊNCIA BRASIL

BEM NA FOTO Com Lula na tragédia do Litoral Norte:


colaboração acima das diferenças partidárias

de gestão, deixando marcas importantes no estado, para


tentar a reeleição. A pessoas mais próximas, no entanto, ad-
mite que não está descartada uma candidatura ao Planalto.
“É uma opção que está na mesa, mesmo não sendo meu foco
atual”, confidenciou em uma conversa recente.
Além de muito comentada em círculos políticos e em-
presariais, a possibilidade de o governador paulista des-
pontar como presidenciável já começou a ser testada junto
aos eleitores. Tarcísio apareceu em primeiro lugar em um
levantamento do Paraná Pesquisas que mediu a percep-
ção do eleitorado a respeito dos possíveis herdeiros políti-
cos do ex-presidente. Na sondagem feita em maio, Tarcí-
sio surge com 25,8%, à frente de nomes como a ex-primei-

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CLUBE DE REVISTAS
ROBERTO SUNGI/FUTURA PRESS

FÉ Na mais recente edição da Marcha para Jesus:


apoio forte entre evangélicos

ra-dama Michelle Bolsonaro (14,3%), o governador de


Minas Gerais, Romeu Zema (Novo, 9,3%), o senador Flá-
vio Bolsonaro (PL, 8,2%) e o governador do Paraná, Rati-
nho Junior (PSD, 6,8%).
Uma das vantagens de Tarcísio sobre os demais — fora
do círculo familiar de Bolsonaro, evidentemente — é a sua
identificação com o ex-presidente, que o governador faz
questão de reforçar em eventos públicos e privados. “Tar-
císio teria a vantagem de conseguir agregar 100% dos vo-
tos de Bolsonaro e também votos de centro”, avalia o de-
putado Capitão Augusto (SP), um dos vice-presidentes do
PL. Para uma figura importante da cena política paulista,
que pediu anonimato, o risco é exagerar na dose de ligação

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MARCELO S. CAMARGO /GOVSP

METRÔ Trunfo do governo: inauguração


de até 34 estações nos próximos anos

com o seu “criador”: “Ele não pode ficar contaminado pelo


Bolsonaro. Para isso, não precisa renegá-lo, mas, sim, criar
uma identidade própria”.
Vale lembrar ainda que Tarcísio conta com a poderosa
máquina do governo. Embora desde a redemocratização o
eleitor não tenha alçado ninguém do governo do estado ao
Palácio do Planalto, ele reúne condições de quebrar a escri-
ta, algo reconhecido mesmo por quem não faz parte de seu
círculo direto. “Vem fazendo um bom governo, com postu-
ra econômica liberal e bom posicionamento social”, elogia
o ex-governador João Doria. Da gestão tucana, Tarcísio re-
cebeu a casa “em ordem”, com 34 bilhões de reais em caixa
e centenas de obras e projetos em execução, que são agora a

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CLUBE DE REVISTAS

principal vitrine para uma futura reeleição ou voos mais al-


tos. Para os próximos anos, Tarcísio deve entregar até 34
estações de metrô. Em viagens ao exterior, tem reunido si-
nalizações de investimentos que podem chegar a 190 bi-
lhões de reais, valor do portfólio do estado em projetos de
privatizações e PPIs. No pacote, somam-se três hospitais
importantes — Peruíbe, Cruzeiro e Franca —, a operação
integral do Rodoanel até 2026 e mais de 2 600 quilômetros
de rodovias recuperadas.
Enquanto se prepara para cortar as faixas de inaugura-
ção das novas obras, o governador faz gestos significativos
para se mostrar um legítimo “bolsonarista light”. Em pas-
sagem recente por Portugal, participou do Fórum Jurídico
de Lisboa, liderado pelo ministro do STF Gilmar Mendes,
ocasião na qual elogiou o papel da Corte na defesa da de-
mocracia, gesto que o distancia bastante do bolsonarismo-
raiz. A preocupação com o respeito às instituições ficou
clara também durante a tragédia do Litoral Norte de São
Paulo, no início do ano, quando apareceu ao lado de Lula
para passar o recado de que as necessidades de governo es-
tão acima de diferenças ideológicas e políticas. Na área de
segurança, deixou de lado a retórica de campanha e mante-
ve a política de câmeras nos uniformes dos PMs. Algum
tempo depois, surpreendeu ao sancionar a lei que garante a
Cannabis medicinal pelo SUS, no estado, a grupos como
autistas e portadores de Parkinson. Ele vem equilibrando
esses gestos mais liberais com acenos claros ao público

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CLUBE DE REVISTAS

INVENTÁRIO ELEITORAL
Quem são os favoritos para ficar
com o espólio de Bolsonaro

TARCÍSIO DE FREITAS (REPUBLICANOS)


25,8%
MICHELLE BOLSONARO (PL)
14,3%
ROMEU ZEMA (NOVO)
9,3%
FLÁVIO BOLSONARO (PL)
8,2%
RATINHO JUNIOR (PSD)
6,8%
NINGUÉM
13,3%
NÃO SABEM/ NÃO RESPONDERAM
22,3%
Fonte: Paraná Pesquisas — levantamento feito entre 16 e
21 de maio, com 2 023 eleitores de 164 municípios dos 26 estados
e do DF. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais

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CLUBE DE REVISTAS

conservador. Na mais recente edição da Parada do Orgulho


LGBTQIA+, por exemplo, contribuiu financeiramente, mas
passou longe da Avenida Paulista no dia da celebração.
Esse esforço para não desagradar aos bolsões mais con-
servadores tem rendido frutos. O governador foi recebido
com aplausos na Agrishow, maior feira do agronegócio do
país, em Ribeirão Preto, no interior paulista, e na Marcha
para Jesus, que reúne uma multidão de evangélicos na capi-
tal do estado. Nas mesmas ocasiões, representantes do go-
verno federal enfrentaram saias-justas. Na feira ruralista, o
ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, se sentiu “desconvi-
dado” depois de receber uma ligação do presidente da
Agrishow informando-o de que Bolsonaro iria ao evento, le-
vado pelo governador. Subindo em um trator como se fosse
um palanque, Bolsonaro faturou aplausos de mãos dadas
com Tarcísio. Na passeata evangélica, que se tornou patri-
mônio cultural imaterial do estado em lei sancionada pelo
governador em março, ele discursou que “o caminho é se
afastar do pecado” e pediu orações para “nos conectar ao
Espírito Santo”. A mesma plateia vaiou o ministro da Advo-
cacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, enviado por Lu-
la — que também foi vaiado ao ser citado.
Sinais como esses fortalecem a avaliação de que Tarcísio
tem um caminho promissor. Se Bolsonaro, do alto de sua re-
jeição, perdeu por pouco de Lula, um candidato conserva-
dor que conseguir atrair eleitores de centro tende a ser muito
forte no enfrentamento com o PT em 2026 (veja reporta-

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CLUBE DE REVISTAS

gem). “O voto que precisamos conquistar é o do centro, en-


tão deve-se manter um discurso de centro, que vai atrair a
maioria das pessoas”, diz o presidente do PP e ex-ministro
da Casa Civil do governo Bolsonaro, senador Ciro Nogueira
(PI). Outro que vê o campo conservador como favorito é o
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que declarou
que a inelegibilidade de Bolsonaro favoreceria candidaturas
como a de Tarcísio. “O candidato que surgir não terá os mes-
mos fatores de desgaste e rejeição que Bolsonaro. No entan-
to, nenhum dos nomes ventilados para substituí-lo se colo-

OS PRÓS E OS CONTRAS
DOS HERDEIROS
TARCÍSIO DE FREITAS
(REPUBLICANOS)
A FAVOR Teve o apoio decisivo
de Bolsonaro e do
bolsonarismo em 2022,
mas é mais moderado e tem feito acenos
ao centro. Comanda o estado mais rico e
o maior colégio eleitoral do país

CONTRA A boa possibilidade de reeleição


em São Paulo pode fazê-lo adiar
o plano nacional

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CLUBE DE REVISTAS

MICHELLE BOLSONARO
(PL)
A FAVOR Ativa politicamente
desde a eleição de 2022,
a ex-primeira-dama
pode ter uma transferência de votos
mais ampla e imediata. Tem trabalhado
para avançar no eleitorado feminino

CONTRA A proximidade com Bolsonaro pode


fazer com que ela atraia também a sua
rejeição. Nunca disputou uma eleição

ROMEU ZEMA
(NOVO)
A FAVOR Eleito duas vezes
governador do segundo
maior colégio eleitoral do
país, sempre teve altas taxas
de aprovação

CONTRA Seu partido, Novo, não tem estrutura para


uma campanha presidencial competitiva e
costuma criar obstáculos para alianças.
Tem pouca projeção nacional

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CLUBE DE REVISTAS

FLÁVIO BOLSONARO
(PL)
A FAVOR Primogênito de Bolsonaro,
é o filho mais moderado
e mais bem articulado
politicamente. É senador no
Rio, reduto bolsonarista e terceiro
maior colégio eleitoral do país

CONTRA Além das suspeitas de rachadinha e


lavagem de dinheiro, ele deixaria de
tentar a reeleição ao Senado com duas
cadeiras em disputa — uma missão,
em tese, simples

RATINHO JUNIOR
(PSD)
A FAVOR Está no PSD, um partido
robusto nacionalmente e
forte no Congresso.
Reeleito no primeiro turno,
tem alta taxa de aprovação no Paraná

CONTRA O PSD está na base aliada de Lula,


o que pode dificultar o lançamento da sua
candidatura. Como Zema, ainda precisa
ampliar a sua projeção nacional

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CLUBE DE REVISTAS

cará como candidato antes que o próprio Bolsonaro jogue a


toalha”, pondera o cientista político Antonio Lavareda, dire-
tor do Ipespe. Dentro dessa visão, a unção oficial do “her-
deiro” por parte do capitão ainda levaria tempo, até que to-
dos os recursos do ex-presidente sejam julgados em Brasília.
Encantar o eleitorado conservador parece ser a parte
mais fácil de Tarcísio daqui para a frente. No começo da sua
gestão no governo, ele já trombou com dificuldades, boa
parte relacionada ao ambiente político do estado. Na Assem-
bleia, sofreu resistências na bancada do PL, sobretudo de
deputados que se sentem “preteridos”. Mais recentemente,
tornou-se alvo da fúria de parte do União Brasil, que pleiteia
a Secretaria de Habitação — pasta com recursos vultosos
para obras pelo estado e cujo comando teria sido negociado
com Tarcísio na campanha. Reclamam ainda da falta de
acordos sobre cargos em segundo e terceiro escalões. A
queixa principal é a de que as indicações são passadas ao se-
cretário de Governo, Gilberto Kassab, mas que o secretário
da Casa Civil, Arthur Lima, não as tem atendido. Essa trom-
bada é especialmente delicada, pois envolve os dois homens
mais fortes do Palácio dos Bandeirantes. Kassab foi um dos
responsáveis pela candidatura de Tarcísio, enquanto Lima é
um nome da cota pessoal do governador. Na última semana,
o União obstruiu a votação de um projeto do governo para
captação de recursos para o transporte. Deputados da ban-
cada já declararam que a orientação para bloquear futuras
votações está mantida, o que pode pôr em xeque propostas

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CLUBE DE REVISTAS
FÁTIMA MEIRA/FUTURA PRESS

DISPUTA Gilberto Kassab, secretário de Governo e presidente


do PSD: briga por espaço na gestão Tarcísio no estado

importantes para o governo — como a iminente reforma ad-


ministrativa e até a futura privatização da Sabesp. Tarcísio
tem garantido que não vai negociar mudanças em seu secre-
tariado em troca de apoio e que prefere, inclusive, sofrer
eventuais derrotas do que desmembrar o seu “time técnico”.
Na política nacional, uma eventual articulação presiden-
ciável demandará alinhamentos com diversos caciques, so-
bretudo ao centro. Kassab, o “dono” do PSD, gosta de dizer
que o projeto do governador é o da reeleição, mas há quem
aposte que se trata apenas de uma tática para despistar o
plano maior para 2026. No PL, a tumultuada relação entre
Tarcísio e o mandachuva Valdemar Costa Neto num passa-
do não tão distante é frequentemente lembrada. Os dois se

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CLUBE DE REVISTAS

estranhavam à época em que o governador atuou como diri-


gente do Dnit, área de influência de Valdemar no Ministério
dos Transportes no governo Dilma, com a missão de limpar
a corrupção da área. Aliados de Tarcísio afirmam que essas
diferenças pesaram — e muito — em sua opção por filiar-se
ao Republicanos, e não ao PL. Para os entusiastas de uma
candidatura presidencial, nada disso representa um obstá-
culo incontornável. “Política tem fila e o governador de São
Paulo sempre está em primeiro lugar, por conta do tamanho
do estado”, diz Ciro Nogueira, para quem Tarcísio consegui-
ria aglutinar em torno de si siglas como Republicanos, PP,
PSD, PL, União Brasil e parte do MDB.
Antes de definições a respeito de seu rumo em 2026, o
próximo teste ao poder político de Tarcísio se dará nos plei-
tos municipais de 2024. Partidos aliados, sobretudo PSD e
PL, têm feito uma ofensiva sobre o espólio de prefeitos do
enfraquecido PSDB. No entorno de Tarcísio, estima-se que,
concluído o troca-troca partidário antes da eleição, o PSD
de Kassab saia com 250 prefeitos, o PL com 120 e o Repu-
blicanos com oitenta. Se no interior do estado, solo ampla-
mente permeável ao bolsonarismo, as articulações da base
de Tarcísio são alvissareiras, encontra-se na capital o maior
desafio ao grupo, que trabalha pela reeleição do prefeito Ri-
cardo Nunes (MDB). Alçado ao cargo após a morte de Bru-
no Covas, em 2021, Nunes se vê em um cenário em que seu
principal adversário, o deputado Guilherme Boulos (PSOL),
desponta como líder nas pesquisas. O PL deve indicar o vice

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CLUBE DE REVISTAS
ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA

PASSADO Valdemar Costa Neto:


trombadas por controle do Dnit na era Dilma

de Nunes. O governador, além de aprovar esse nome, terá


papel fundamental na tentativa de fazer decolar a candida-
tura à reeleição do prefeito.
Esses desafios políticos são novos na vida de Tarcísio.
Aluno acima da média, decidiu ainda adolescente que faria
carreira no Exército. Fez prova para o colégio militar, onde
foi premiado com uma das 24 vagas. Aos 16, prestou con-
curso para a Escola Preparatória de Cadetes, em Campinas,
onde terminou o ensino médio e, de lá, seguiu para a Acade-
mia Militar das Agulhas Negras, em Resende (RJ). Apaixo-
nou-se por engenharia e decidiu que iria entrar no Instituto
Militar de Engenharia (IME), um dos mais concorridos do
país. Mais uma vez, deu certo: terminou em primeiro lugar,

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CLUBE DE REVISTAS

com a maior média histórica do curso. Nos anos seguintes,


participou de projetos de cooperação do Exército na Ama-
zônia, onde atuava em obras em locais com pouca logística.
Deixou o Exército em 2008, de onde seguiu para um cargo
concursado na Controladoria-Geral da União, na área de au-
ditoria de obras públicas. Na sequência, foi convidado a assu-
mir o Dnit. Anos depois, chegou ao Ministério da Infraestru-
tura de Bolsonaro pelas mãos de aliados como a senadora Te-
reza Cristina, o ex-deputado Major Vitor Hugo e, sobretudo, o
ministro do Tribunal de Contas da União Jorge Oliveira, ami-
go do capitão há décadas e colega do governador nos tempos
de colégio militar. Apesar do currículo no Dnit e das famas de
“pé de boi” e “supertécnico”, ele não era a primeira opção pa-
ra o posto. A área estava reservada ao general Oswaldo Fer-
reira, responsável pelo programa da campanha de 2018 nesse
setor, e ainda houve sondagens ao general Joaquim Brandão.
Tarcísio foi a terceira opção, mas convenceu Bolsonaro ao
conversar com ele sobre a vaga, levado por Oliveira.
Dentro de um governo problemático, ele conseguiu che-
gar ao final sendo um dos poucos membros da Esplanada a
sair de lá com uma imagem positiva. Embora Bolsonaro te-
nha evitado publicamente passar o bastão para ele (numa
entrevista recente ao jornal Folha de S.Paulo tergiversou a
respeito dessa possibilidade), o capitão já confidenciou a
pessoas próximas que o considera mesmo o seu herdeiro na-
tural. É uma credencial importante para o político imprová-
vel chegar ainda mais longe. ƒ

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CLUBE DE REVISTAS
BRASIL ELEIÇÕES

RICARDO STUCKERT/PR

POR POUCO Lula: acenos significativos ao eleitor de centro


garantiram vitória com menos de dois pontos de vantagem

DECIFRA-ME OU
TE DEVORO
Pesquisa inédita revela a complexidade do imenso
contingente de pessoas que recusaram Lula e Bolsonaro
em 2022. Não será fácil conquistá-las em 2026
BRUNO CANIATO E VICTORIA BECHARA

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CLUBE DE REVISTAS

MIGUEL SCHINCARIOL/AFP

CABO ELEITORAL Bolsonaro: sem poder concorrer, ex-


presidente deve apoiar um candidato mais moderado do que ele

NO AUGE das articulações pré-eleitorais, entre o final de


2021 e o início de 2022, havia nada menos que treze polí-
ticos de centro dispostos a tentar quebrar a polarização
entre Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro. Chamada
de terceira via, a longa lista de nomes foi definhando, dei-
xando pelo caminho gente grande como o governador
paulista João Doria e o ex-ministro Sergio Moro, até che-
gar a cinco candidatos, que, somados, levaram pífios 8,2%

2 | 15
CLUBE DE REVISTAS

dos votos válidos. Se é verdade que nove entre dez eleito-


res acabaram escolhendo, mesmo que a contragosto, um
dos favoritos, também foi estridente a constatação de que
um enorme contingente de 38 milhões de brasileiros (um
quarto do total apto a votar) recusou-se a empenhar apoio
a qualquer um dos dois: 5,7 milhões votaram em branco
ou nulo, e 32,2 milhões nem foram às urnas.
Esse imenso público continua por aí, sem se engajar
com a esquerda ou a direita. Pesquisas Datafolha, Ipec e
Quaest divulgadas em junho mostraram que é possível di-
vidir o sentimento do eleitor com o governo Lula em três
blocos com tamanhos parecidos: os que apoiam o petista,
os que o rejeitam e aqueles que acham regular o seu man-
dato. A questão que intriga desde 2022 é a seguinte: o que
é, afinal, esse segmento, que não é seduzido pelos extre-
mos, mas não foi capturado pelas forças moderadas de
centro? Um estudo inédito e exclusivo, feito pelo Instituto
Locomotiva em parceria com a Agência Ideia, mostra que
esse eleitor é complexo e vai exigir mais esforço do que se
dispendeu até aqui para ser conquistado.
Uma das principais constatações é que esse eleitorado
“nem-nem” está longe de ser um bloco homogêneo e tam-
pouco pode ser colocado nas velhas caixinhas ideológicas
de direita ou de esquerda. Ao mesmo tempo em que ele de-
fende a vacina contra a Covid-19 e critica quem atuou con-
tra ela (o que o coloca contra o bolsonarismo), uma folgada
maioria acha que o aborto é crime (o que a deixa ao lado

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CLUBE DE REVISTAS

PÊNDULO IDEOLÓGICO
Eleitorado que ignorou Lula e Bolsonaro
inclina-se ora à direita, ora à esquerda

VOCÊ CONCORDA
COM QUAL FRASE?

MAIOR NÃO SABE OU MAIOR


AFINIDADE NÃO CONCORDA AFINIDADE
COM TESE COM NENHUMA COM TESE
À ESQUERDA DAS FRASES À DIREITA

50%

33%
17%

“ ELEIÇÕES “ ELEIÇÕES
COM URNAS COM URNAS
ELETRÔNICAS SÃO ELETRÔNICAS NÃO
CONFIÁVEIS ” SÃO CONFIÁVEIS ”

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CLUBE DE REVISTAS

58%

26%
16%

“ O STF É “ O STF
FUNDAMENTAL PARA PREJUDICA
A DEMOCRACIA A DEMOCRACIA
BRASILEIRA ” BRASILEIRA ”

56%

24% 20%

“ OS MILITARES “ OS MILITARES
NUNCA DEVEM DEVEM INTERFERIR NA
INTERFERIR NA POLÍTICA DE UM PAÍS SE
POLÍTICA DE OS POLÍTICOS E JUÍZES
UM PAÍS ” NÃO ESTIVEREM FAZENDO
UM BOM TRABALHO ”

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CLUBE DE REVISTAS

59%

30%
11%

“ O GOVERNO DEVERIA “ O BANCO CENTRAL


PODER FORÇAR A QUEDA DEVE TER AUTONOMIA
DOS JUROS, POIS JUROS PARA DETERMINAR OS
ALTOS PREJUDICAM JUROS, E O GOVERNO NÃO
TODA A SOCIEDADE ” DEVE INTERFERIR NISSO ”

57%

27%
16%

“ O GOVERNO DEVE “ O GOVERNO DEVE


AUMENTAR OS INTERFERIR POUCO NA
INVESTIMENTOS E A ECONOMIA E DEIXAR AS
INTERVENÇÃO NA EMPRESAS PRIVADAS
ECONOMIA PARA GARANTIR ATUAREM LIVREMENTE PARA
O CRESCIMENTO DO PAÍS ” O CRESCIMENTO DO PAÍS ”

6 | 15
CLUBE DE REVISTAS

57%

22% 21%

“ SERIA MELHOR PAGAR “ SERIA MELHOR


IMPOSTOS MAIS ALTOS, PAGAR IMPOSTOS MAIS
MAS TER EDUCAÇÃO BAIXOS E CONTRATAR
E SAÚDE PÚBLICAS SERVIÇOS PARTICULARES
DE QUALIDADE DE EDUCAÇÃO
GRATUITAMENTE ” E SAÚDE ”

31%
47%
22%

“ MENOS PESSOAS “ MAIS PESSOAS


DEVERIAM TER DEVERIAM TER
ACESSO AO PORTE DE ACESSO AO PORTE DE
ARMAS NO BRASIL ” ARMAS NO BRASIL ”

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CLUBE DE REVISTAS

32%
52%
16%

“ A VACINA CONTRA A “ A VACINA CONTRA


COVID-19 FOI MUITO A COVID-19 NÃO ERA
IMPORTANTE PARA REDUZIR SEGURA E AS
AS MORTES, E PESSOAS QUE PESSOAS QUE A
A QUESTIONARAM FORAM QUESTIONARAM
IRRESPONSÁVEIS ” ESTAVAM CORRETAS ”

32%

35% 33%

“ PROIBIR TODAS AS DROGAS “ TODAS AS


NÃO É A MELHOR SOLUÇÃO PARA DROGAS DEVEM
LIDAR COM O TEMA, E PESSOAS SER PROIBIDAS E
QUE UTILIZAM DROGAS DEVERIAM PESSOAS QUE AS
RECEBER ASSISTÊNCIA PARA UTILIZAM DEVEM
LIDAR COM O VÍCIO ” SER PUNIDAS ”

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CLUBE DE REVISTAS

33%
42%
25%

“ O ABORTO NÃO DEVE “ O ABORTO DEVE


SER CONSIDERADO SER CONSIDERADO
UM CRIME ” UM CRIME ”

40%

33% 27%

“ MULHERES TRANS “ MULHERES TRANS


DEVEM TER OS NÃO DEVEM TER OS
MESMOS DIREITOS MESMOS DIREITOS QUE
QUE MULHERES CIS ” MULHERES CIS ”

Fonte: Pesquisa Zeitgeist Public Affairs feita pelos


institutos Locomotiva e Ideia entre 30 e 31 de maio de
2023, com 1 531 entrevistas por telefone, com abrangência
nacional. A margem de erro é de 2,5 pontos percentuais

9 | 15
CLUBE DE REVISTAS

dos conservadores). Também é possível constatar a plura-


lidade ideológica ao ver que esse contingente apoia posi-
ções mais à esquerda, como maior intervenção do Estado
na economia e controle rígido de armas, mas se divide em
temas como descriminalização da maconha e identidade
de gênero (veja quadros nesta reportagem).
Uma outra conclusão é o alto nível de distanciamento
desse eleitor do debate político. A grande maioria não tem
opinião sobre o papel do STF, a presença de militares no go-
verno, a segurança das urnas eletrônicas e a política tributá-
ria, todos temas que estão ou estiveram recentemente na
agenda nacional. “O eleitor sente que as pautas de natureza
ideológica são impostas pelos candidatos e perde o interes-
se”, avalia Renato Meirelles, diretor do Locomotiva.
O típico nem-nem se mostra mais mobilizado frente a
questões concretas, por isso tende a opinar mais sobre ar-
mas e aborto do que sobre o papel das instituições na demo-
cracia. Alguns temas entram e saem do radar de interesses
do eleitorado. A fome, por exemplo, voltou a ser um tema
importante, algo que não ocorria desde 2002. Por outro la-
do, a corrupção, protagonista em 2018, sumiu na última elei-
ção e nada indica que dará as caras na próxima. Em 2022,
discussões sobre temas relacionados a costumes e a respeito
do combate à Covid-19 provocaram faíscas, sendo que Lula
e Bolsonaro monopolizaram desde o início esses debates.
A tendência é que essa polarização persista, pois ainda
não há no horizonte uma outra forte liderança nacional.

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CLUBE DE REVISTAS
VALTER CAMPANATO/ABR

À DIREITA Protesto no DF: a maioria dos eleitores


nem-nem é contra o aborto

Além da falta desse nome, há uma barreira natural formada


por Lula e Bolsonaro. Mesmo que não sejam candidatos, é
certo que serão os principais cabos eleitorais dentro de seus
respectivos campos ideológicos. “O eleitor de centro espera
um político ideal, que não existe e não vai existir enquanto
Lula e Bolsonaro não forem exauridos”, avalia Murilo Hil-
dalgo, presidente do Instituto Paraná Pesquisas. Essa con-
centração de votos em duas vertentes políticas lembra os Es-
tados Unidos, dividido entre Democratas e Republicanos.
Em 2020, Joe Biden e Donald Trump levaram 98,2% dos
votos, algo muito próximo ao que ocorreu no Brasil, onde

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CLUBE DE REVISTAS
ALBARI ROSA/AFP

À ESQUERDA Feira em SC: eleitor a ser conquistado é


contra armamento civil

Lula e Bolsonaro tiveram 91,8%. Muitos entendem que o


Brasil está se aproximando desse modelo.
Outra característica que vem se consolidando cada
vez mais é que esses dois polos políticos precisam se
aproximar do centro para levar vantagem em disputas
que tendem a ser apertadas. Prova disso é que, para vol-
tar ao Palácio do Planalto, Lula teve de fazer acenos fir-
mes ao eleitor mais moderado, como nas aproximações
com Geraldo Alckmin e Simone Tebet. Conforme mostra
a pesquisa Locomotiva-Ideia, a grande maioria do eleito-
rado nem-nem (78%) não se identifica na escala esquer-

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CLUBE DE REVISTAS
ORLANDO BRITO

AO CENTRO Militante pró-terceira via: fiasco em 2022 e


esperança para 2026

da-direita — 41% nunca tiveram posição política, 18% já


tiveram, mas não têm mais, e 19% simplesmente não sa-
bem se posicionar. “A falta de diferença clara entre os
partidos torna a eleição muito mais personificada do que
ideológica”, diz Márcia Cavallari, CEO do Ipec.
Não por acaso, grande parte da derrota de Bolsonaro
é atribuída ao radicalismo do capitão, com declarações
estapafúrdias e políticas desastrosas, especialmente du-
rante a pandemia. No caso do ex-presidente, confirmada
sua inelegibilidade, é provável que o herdeiro do seu es-
pólio seja alguém mais moderado, sem abandonar a di-

13 | 15
CLUBE DE REVISTAS

reita. Destaca-se nesse bloco o governador paulista Tar-


císio de Freitas, mas outros chefes de Executivo estaduais
podem também ocupar esse espaço, como Romeu Zema
(MG) e Ratinho Junior (PR), o que pode atrair o eleitor
que não se identifica com radicalismos. “O perfil deve ser
semelhante ao daqueles que se candidataram recente-
mente como terceira via”, avalia Glauco Peres, professor
do Departamento de Ciência Política da USP. Uma certe-
za é que dificilmente aparecerá um outsider, uma vez que
o sistema concentra o dinheiro dos fundos públicos em
poucas legendas, o que dificulta que haja algum candida-
to que não seja do establishment partidário. “É pouco
provável que alguém de fora da política tenha destaque,
porque todos dependem desses recursos”, diz Cila Schul-
man, CEO do instituto Ideia.
Para muitos analistas e lideranças políticas, a eleição
de 2022 foi atípica, porque envolveu pela primeira vez um
presidente e um ex-presidente com capacidade de mobili-
zar grandes eleitorados antagônicos à esquerda e à direita,
asfixiando o centro. O melhor desempenho foi o de Simo-
ne Tebet (MDB), que teve 4,2% dos votos. “Houve uma
escassez de liderança e quem se apresentou para o eleitor
não foi capaz de provocar aquele curto-circuito”, avalia
Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo. Uma di-
ficuldade adicional foi a antecipação da polarização, que
começou a ser desenhada em abril de 2021, quando o STF
devolveu os direitos políticos a Lula. As tentativas de criar

14 | 15
CLUBE DE REVISTAS

alternativas surgiram tarde demais. “A Simone Tebet só


se tornou conhecida pelo grande público a partir do horá-
rio eleitoral, que começou no fim de agosto”, lamenta Ba-
leia Rossi, presidente do MDB.
Apesar do fiasco de 2022 e da complexidade do eleitor
que ainda não foi seduzido pelos extremos, as lideranças
de centro acham que a próxima eleição pode ser diferente.
“Precisa ter uma plataforma mais clara e defendê-la desde
cedo”, diz Baleia, que cita a reforma tributária e o desen-
volvimento sustentável, que seriam agendas oriundas des-
se espectro. “Sem proposta, não dá para querer ser a nova
política”, diz o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Man-
detta (União Brasil), um dos que tentaram articular a ter-
ceira via no pleito de 2022. “O mundo está discutindo in-
teligência artificial e novas relações de trabalho, enquanto
nós estamos falando ainda da luta de classes”, lamenta
Roberto Freire, presidente do Cidadania.
Com 156 milhões de eleitores, o Brasil é a quarta maior
democracia do planeta. Tem nada menos que trinta partidos
registrados. Mais de 28 000 se lançaram candidatos em
2022. Mesmo assim, quase 40 milhões de votantes não se
sentiram representados na última disputa e precisam ser en-
tendidos. Eles podem viabilizar uma nova liderança política
ou mostrarem-se decisivos na disputa entre as duas corren-
tes do momento. Por isso, dada sua complexidade, o nem-
nem surge para os políticos como a esfinge da antiga fábula
grega: decifra-me, ou te devoro. ƒ

15 | 15
CLUBE DE REVISTAS
BRASIL GOVERNO

COLHEITA DE INTRIGAS
Escalado para reconstruir pontes com o
agronegócio, o ministro da Agricultura é alvo de
petistas, aliados e parlamentares que cobiçam seu
cargo RICARDO CHAPOLA E LEONARDO CALDAS
ANTONIO ARAUJO/MAPA

SOB ATAQUE O ministro Fávaro: “Não faço


nada sem que o presidente saiba”

1|6
CLUBE DE REVISTAS

O LANÇAMENTO do Plano Safra, na terça-feira 27 foi um


evento pensado para marcar a reaproximação entre o gover-
no e o agronegócio. Foram convidados para a solenidade
empresários rurais, parlamentares e nada menos que cator-
ze ministros. Ao anunciar a liberação de 364 bilhões de re-
ais para financiar grandes e médios produtores, Lula ressal-
tou que não tratará o agronegócio de maneira ideológica,
não vai insuflar o ódio e pretende ampliar ainda mais as li-
nhas de crédito para a categoria nos próximos anos. Antes,
fez rasgados elogios ao ministro da Agricultura, Carlos Fá-
varo. “Desde que vi o Fávaro, achei que ele, por ser um ho-
mem ligado ao agronegócio, por pensar do jeito que pensa-
va, poderia ser o meu ministro da Agricultura. Se vocês não
acreditam em destino, se não acreditam na relação química
entre os seres humanos, eu acredito. O Fávaro tem sido uma
dessas coisas boas que aconteceram num governo que não é
um clube de amigos”, disse o presidente. O enaltecimento
não era por acaso.
Nos últimos dois meses, Fávaro tem sido alvo de um
bombardeio de intrigas, maledicências e até de dossiês que
circulam dentro do próprio governo. Os petardos vêm de
várias direções. O PT, por exemplo, tem atuado em várias
frentes para fragilizar o ministro. Um grupo de servidores
ligados ao partido reuniu documentos que mostrariam su-
postas irregularidades praticadas por diretores do Ministé-
rio da Agricultura. O material foi encaminhado ao ministro-
chefe da Casa Civil, Rui Costa. Um dos funcionários encar-

2|6
CLUBE DE REVISTAS

regados da coleta de material contra Fávaro contou a VEJA


que assessores do ministro estariam envolvidos num esque-
ma de liberação ilegal de licenças de fabricação de agrotóxi-
cos e favorecimento a empresas. Esses assessores, de acordo
com o dossiê, foram nomeados para os respectivos cargos
durante o governo passado e mantidos em seus postos pelo
ministro. Fávaro foi informado sobre as denúncias, as consi-
derou inconsistentes, nada fez e, por conta disso, está sendo
acusado pelos petistas de conivência.
Como disse Lula, o governo não é um clube de amigos.
Nos últimos dias, no gabinete do ministro Alexandre Padi-
lha, da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), esteve
em discussão a recente liberação de 140 milhões de reais do
orçamento do Ministério da Agricultura para a recuperação
de estradas em áreas rurais e a compra de equipamentos
agrícolas. Desse total, 130 milhões foram direcionados para
sete cidades de Mato Grosso, o estado de Carlos Fávaro. O
ministro não consultou os partidos, nem os deputados e se-
nadores aliados. Foi acusado de usar os recursos para seme-
ar a própria candidatura ao governo estadual. Resultado: fu-
riosos, alguns parlamentares bateram na porta da SRI para
reclamar. Disseram que Fávaro teria descumprido um acor-
do informal feito entre o governo e o Congresso e ameaça-
ram uma rebelião. Para contornar o problema e sem consul-
tar o ministro, a equipe de Padilha estuda uma forma de
cancelar os empenhos e rever a destinação dos recursos. É
improvável que isso aconteça.

3|6
CLUBE DE REVISTAS

MATEUS BONOMI/ANADOLU/GETTY IMAGES

CONFLITO
Alexandre Padilha:
promessa de cancelar
emendas liberadas
pelo ministro

Os ataques a Carlos Fávaro são produto de uma disputa


que envolve o PT e os aliados, principalmente os parlamen-
tares ligados ao chamado Centrão. O Ministério da Agricul-
tura é uma vitrine, uma fonte de poder. Uma decisão do mi-
nistro tem o poder de influenciar o voto de pelo menos 200
deputados, a chamada bancada do agronegócio. Além disso,
a pasta conta com um orçamento de 14 bilhões de reais. Ou-
tro alvo de cobiça são os cargos de segundo e terceiro esca-
lões, especialmente as superintendências nos estados, indi-
cações muito disputadas por políticos e empresários. Fáva-

4|6
CLUBE DE REVISTAS

PABLO VALADARES/CÂMARA DOS DEPUTADOS

COBIÇA
O deputado Sérgio
Souza: o MDB
lançou até nome de
eventual sucessor

ro, que é do PSD, tem recebido críticas do próprio partido


por não atender pedidos de correligionários.
Nos bastidores, há uma pressão para que Lula inclua o
ministro na minirreforma ministerial prevista para o se-
gundo semestre. Partidos da base, como o MDB, demons-
tram explicitamente o interesse pelo cargo, apresentando
até o nome do candidato a sucessor: o deputado federal
Sérgio Souza (MDB-PR). A legenda já possui outros três
ministérios na Esplanada. Souza foi presidente da Frente
Parlamentar da Agropecuária, cotado para o posto no pe-

5|6
CLUBE DE REVISTAS

ríodo de transição e ainda tem como trunfo a proximidade


com a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, de quem foi su-
plente no Senado.
Ciente de que está caminhando sobre brasas espalhadas
pelos próprios aliados, o ministro disse a VEJA que não está
nem um pouco preocupado. Segundo ele, sua missão princi-
pal — a reaproximação do governo com o agronegócio —
está sendo bem-sucedida. As críticas que recebe sobre a li-
beração das emendas e a distribuição de cargos, afirma,
também não são motivo de qualquer aflição. “Sou alinhado
ao presidente Lula e não faço nada sem que o presidente sai-
ba. Construí com minha equipe o maior Plano Safra da his-
tória. Acho que essa é a resposta”, disse. As guerras mos-
tram que, quando inimigos diferentes atacam ao mesmo
tempo em diversos flancos, a chance de derrota do alvo é
considerável. Na política, não é diferente. Dependendo do
nível do cerco, as resistências acabam sendo minadas — por
melhor que seja a química com o comandante da tropa. ƒ

6|6
CLUBE DE REVISTAS
BRASIL MILITARES

RECUO ESTRATÉGICO
Depois de seis meses, o esquema de segurança
do presidente da República sai da Polícia
Federal e volta a ficar sob o comando e a
responsabilidade do Exército MARCELA MATTOS

INIMIGO Lula: convicção de que as Forças Armadas


tramaram contra ele

IGO ESTRELA/METRÓPOLIS

1|5
CLUBE DE REVISTAS

ADEPTO das mais variadas teorias da conspiração, o ex-


-presidente Jair Bolsonaro se via permanentemente na mira
de potenciais assassinos, cercado por traidores e alvo de tra-
mas para tirá-lo do poder. Por outro lado, se havia algum ní-
vel de confiança em alguém, ele era depositado nos milita-
res, que foram destacados para ocupar cargos em todos os
escalões do governo. Agora, com Lula à frente do Planalto,
o sentimento é o mesmo, só que na direção contrária. Desde
a eleição, o petista se vê rodeado pelas mesmas ameaças que
assombravam Bolsonaro, com a diferença de ele não buscar
abrigo nas Forças Armadas. Ao contrário: é lá que estariam
os inimigos, convicção que se consolidou depois dos ataques
do 8 de Janeiro. Até dias atrás, a ordem era manter a tropa o
mais afastado possível do presidente da República e das
áreas sensíveis de poder. Mas algo mudou.
Na quarta-feira 28, o governo anunciou uma, pode-se di-
zer, surpreendente mudança no esquema de proteção do
presidente. Ao tomar posse, um dos primeiros atos assina-
dos por Lula foi retirar da órbita do Gabinete de Segurança
Institucional (GSI) a sua segurança pessoal, quebrando uma
tradição de mais de oito décadas. Nos seis primeiros meses
de governo, o petista vinha mantendo uma distância regula-
mentar dos militares. Ele se recusou a designar um ajudante
de ordens, função exercida por oficiais, e indicou um civil
para chefiar o Ministério da Defesa. O nível de desconfiança
chegou ao ponto de a primeira-dama Janja sugerir a substi-
tuição da tripulação e dos pilotos do avião presidencial, to-

2|5
CLUBE DE REVISTAS
TOM COSTA/MJSP; CRISTIANO MARIZ/AG. O GLOBO

RIVALIDADE Andrei, da PF, e Amaro,


do GSI: general levou a melhor na disputa

3|5
CLUBE DE REVISTAS

dos oficiais da Aeronáutica. Como não há pilotos civis no


quadro de servidores da Força Aérea, a iniciativa foi aban-
donada. A rejeição, não. Numa mudança encabeçada pelo à
época chefe de segurança de Lula e atual diretor-geral da
Polícia Federal, Andrei Rodrigues, foi criada em janeiro
uma secretaria extraordinária para alijar os militares da
função e cuidar da segurança direta de Lula. A mudança,
por tudo isso, surpreendeu.
A PF, que defendia a manutenção do sistema em vigor,
ameaçou uma insubordinação caso ficasse vinculada aos
militares e chegou a desqualificar o serviço prestado por
eles. “No nosso dia a dia a gente não fica pintando meio fio e
jogando futebol. A gente fica fazendo a segurança de digni-
tário”, ironizou um interlocutor que acompanhou as tratati-
vas. Em resposta, o GSI disse, por meio de nota enviada a
VEJA, que todos os militares na segurança têm, no mínimo,
quinze anos de experiência profissional. A disputa pelo con-
trole da segurança presidencial tornou evidente uma rusga
entre dois poderosos ministros de Lula. Em meio às nego-
ciações, o chefe da Casa Civil, Rui Costa, antecipou que a se-
gurança do presidente voltaria para a responsabilidade do
GSI, chefiado pelo general Marcos Amaro. Dias depois, no
entanto, Flávio Dino veio a público para negar que qualquer
decisão tivesse sido tomada, enquanto, a portas fechadas,
tentava convencer Lula a deixar a função com a PF. Nos bas-
tidores, Dino e Costa, ambos virtuais sucessores do presi-
dente, vêm travando uma batalha por protagonismo.

4|5
CLUBE DE REVISTAS

Dentro do governo, não são poucos os que ainda se re-


ferem aos militares com palavras pouco republicanas, em-
balados pelos ataques às sedes dos Três Poderes e pela
manutenção, por mais de dois meses, dos famosos acam-
pamentos em frente a quartéis-generais. Além disso, a re-
velação das mensagens encontradas no celular de Mauro
Cid, que traziam o planejamento de uma intervenção mi-
litar, voltou a acirrar os ânimos e reforçar algumas certe-
zas. “A maioria do alto-comando torcia pelos golpistas”,
disse a VEJA um dos ministros mais influentes. Pelo ou-
tro lado, o comandante do Exército, Tomás Paiva, garan-
tia que as manifestações contrárias às eleições por parte
de alguns fardados não passavam de declarações isoladas
e que jamais houve qualquer mobilização real, com uso de
armas ou tropas, com o objetivo de questionar ou reverter
o resultado das urnas.
Auxiliares do presidente reconhecem que o clima entre
ele e os militares não é bom, mas já foi muito pior. “Se com-
pararmos com dezembro, que ninguém conversava conos-
co, era zero de interlocução, melhorou bastante. O clima
era de total hostilidade”, lembra um ministro próximo ao
presidente. Ao devolver a coordenação de sua segurança
aos militares, Lula faz um aceno de trégua, num momento
em que a Polícia Federal, que não ficou nada satisfeita com
a mudança, mira oficiais do Exército supostamente envol-
vidos no planejamento de atos golpistas. O jogo está ape-
nas começando. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
BRASIL DEMOGRAFIA

MARCHA LENTA
O novo Censo revela que a população brasileira
vem crescendo a um ritmo mais vagaroso do
que nunca — situação que impõe desafios e pode
se converter em oportunidade ERNESTO NEVES

TRANSIÇÃO O envelhecimento avança:


menos jovens no horizonte

JOA SOUZA/SHUTTERSTOCK

1 | 10
CLUBE DE REVISTAS

DURANTE O SÉCULO XX, o Brasil se consolidou como


um país de famílias numerosas e gente jovem em profusão,
com maternidades sempre cheias e abundância de braços
para abastecer o mercado de trabalho, que floresceu de
mãos dadas com um acelerado processo de urbanização.
Mas a passagem do tempo vem chacoalhando os pilares de-
mográficos e trazendo ao país um cenário de profundas
transformações, tal qual ocorre nas nações mais desenvolvi-
das. A constante diminuição dos nascimentos, aliada ao
avanço dos idosos, confere à sociedade uma nova face e
planta complexos desafios no horizonte. O primeiro deles,
impensável meio século atrás, é como perseguir a prosperi-
dade quando a população cresce cada vez mais vagarosa-
mente e caminha para o encolhimento no médio prazo, se-
gundo mostra o recém-divulgado Censo, elaborado pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O tão aguardado levantamento, que veio à luz com dois
anos de atraso, indica que o país atingiu a marca de 203,1
milhões de habitantes, apenas 12 milhões a mais do que na
última aferição, em 2010 (veja o gráfico). O que mais chama
a atenção é o lento ritmo de expansão do contingente —
0,52% ao ano em uma década, um recorde negativo. Desde
1872, data da pioneira pesquisa censitária no Brasil, ainda
na era imperial, até os dias de hoje, nunca a velocidade de
aumento populacional havia sido tão arrastada. Os números
causaram espanto aos especialistas — projeções estimavam
mais 10 milhões de pessoas além da atual contagem. “O país

2 | 10
CLUBE DE REVISTAS
RENAN OTTO/ASCOM

RECORDE São Gonçalo (RJ): a


maior queda entre as grandes cidades

está envelhecendo mais rapidamente do que se sabia e, para


embalar sua economia, precisará registrar ganhos de produ-
tividade, destravando freios ao crescimento e investindo em
educação”, diz o demógrafo José Eustáquio Alves.
Que uma transição demográfica está em curso acelerado
não há dúvida. Mas os estudiosos lançam sobre as estatísti-
cas saídas do forno do IBGE um ponto de interrogação
quanto a sua precisão. Essa foi, de fato, uma rodada cercada
de fatos atípicos, como o emagrecimento imposto pelo go-
verno de Jair Bolsonaro das verbas para divulgar a emprei-
tada em escala nacional e contratar recenseadores, somada
à desconfiança de uma parcela das pessoas em abrir a porta

3 | 10
CLUBE DE REVISTAS

de suas casas — pelo menos 1 milhão se recusaram a rece-


ber os funcionários do instituto. Mesmo que esse conjunto
de fatores tenha influenciado o resultado final (alguns de-
mógrafos sérios calculam a população em 207 milhões, 2%
a mais que o divulgado), há unanimidade sobre a direção
para a qual o Brasil anda: é uma nação que, inevitavelmente,
logo percorrerá a trilha da redução populacional.
Historicamente, a população só fazia engordar até che-
gar ao ápice, nos anos de 1950. A partir daí, foi gradativa-
mente perdendo impulso. O movimento é, em parte, um re-
trato de mudanças relevantes na sociedade, como o adia-
mento dos casamentos e o maciço ingresso das mulheres no
mercado de trabalho, o que se refletiu na queda do número
de filhos. Questões conjunturais também contribuíram para
as transformações, entre elas o quadro de baixo crescimento
econômico — outro desestímulo à maternidade e um em-
purrão à emigração. Na última década, pulou de 1,9 milhão
para 4,2 milhões o número de brasileiros vivendo fora, mais
uma marca inédita. “Também o zika vírus e a pandemia
derrubaram a natalidade e fizeram a mortalidade subir”, ob-
serva José Eustáquio.
Com tudo isso, a bem-vinda janela do bônus demográfi-
co, que se abre quando o número de pessoas em idade ativa
supera o de crianças e idosos, deve se fechar por volta de
2035, uma década antes do esperado. Nenhum país conta
para sempre com superávit de jovens, mas o problema no
Brasil é que eles minguaram sem que a economia tenha se

4 | 10
CLUBE DE REVISTAS

PÉ NO FREIO
A população brasileira avançou a
passos largos desde o primeiro
Censo até a década de 1960,
quando passou a ralentar o ritmo

(em milhões de habitantes)

203,1
190,7
169,6

121,1

70,1
41,2
30,6
9,9 17,4

1872 1900 1920 1940 1960 1980 2000 2010 2022

Fonte: IBGE

5 | 10
CLUBE DE REVISTAS

BEBÊS EM FALTA
Acompanhando a tendência das nações mais ricas
da OCDE, o número de filhos no Brasil está há pelo
menos duas décadas abaixo de 2,1 — a taxa
necessária para que a população não encolha

TAXA DE FECUNDIDADE

6,21 6,28
5,76
PAÍSES
4,35 DA OCDE
1,6
2,89
2,38
1,90 1,76

1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020

Fontes: Banco Mundial e IBGE

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CLUBE DE REVISTAS

beneficiado como poderia. Nação mais envelhecida do pla-


neta, o Japão, por exemplo, escalou a um patamar de renda
alto antes de acumular cabeças brancas. “Aqui, estamos en-
velhecendo antes de ficarmos ricos, mas ainda temos pela
frente uns dez anos de bônus demográfico, e eles precisam
ser bem aproveitados”, afirma o economista Maílson da Nó-
brega. A equação para isso envolve a superação de velhos
gargalos, como desemperrar a burocracia, desenrolar o sis-
tema tributário, investir para valer em infraestrutura e dar
graúdos estímulos à inovação. Em paralelo, é mandatório
canalizar esforços para prover boa educação, trilha conheci-
da para alcançar os tais ganhos de produtividade, fazendo
mais com menos gente — esse um mantra dos tempos atuais
já vastamente abraçado pelos envelhecidos países da OCDE,
o grupo dos mais desenvolvidos.
O panorama agora traçado pelo Censo enfatiza o sentido
de urgência de tais medidas. Pela primeira vez, oito entre os
vinte municípios mais populosos retrocederam em habitan-
tes, com destaque para São Gonçalo, na região metropolita-
na do Rio de Janeiro, o campeão no recuo (-10,3%), seguido
por Salvador (-9,6%), Belém (-6,5%) e Porto Alegre (-5,4%).
Ao todo, 864 cidades devem perder população — um tre-
mendo vespeiro, uma vez que a distribuição de verbas fede-
rais é proporcional ao número de residentes.
Além do envelhecimento de suas pirâmides etárias, essas
cidades vêm registrando pouco dinamismo na economia,
com fuga de empresas para regiões mais efervescentes. “O

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CLUBE DE REVISTAS

YAMAGUCHI HARUYOSHI/CORBIS/GETTY IMAGES

EM BAIXA Berçário no Japão: a fertilidade


só faz cair no país mais envelhecido do planeta

que mantém a população em determinado lugar é a possibi-


lidade de se inserir na cadeia produtiva. Do contrário, há mi-
gração”, afirma o demógrafo Roberto Carmo, da Unicamp.
O levantamento do IBGE também sinaliza para transforma-
ções que repercutem no campo da sociologia: há 34% mais
lares onde vive uma única pessoa, reflexo do adiamento nos
casamentos e do aumento da longevidade. “Preferi me dedi-
car à carreira a casar cedo”, relata a cabeleireira Paloma
Malta, de São Paulo.

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CLUBE DE REVISTAS

EU VIVO SÓ
A cabeleireira
Paloma Malta,
30 anos, decidiu
não subir ao
altar tão cedo
para centrar
as energias na
vida profissional.
“A tradição na
minha família é
casar logo,
mas valorizo
a independência”,
diz ela, dando
voz a uma

ARQUIVO PESSOAL
geração

O quadro pintado pelo IBGE não destoa da parcela mais


abastada do planeta. Entre os mais ricos, como os Estados
Unidos e países da União Europeia, a fecundidade média é
de 1,6 filho por mulher (versus 1,7 no Brasil) — menor, por-
tanto, do que a taxa de reposição, de 2,1 filhos por casal,
necessária para evitar o declínio populacional. O escassea-
mento de nascimentos em contraste ao volume de idosos já
traz consequências, entre elas o estrangulamento dos siste-
mas previdenciários e a falta de cérebros para exercer cer-

9 | 10
CLUBE DE REVISTAS

tas funções, o que nações como Canadá e também os Esta-


dos Unidos amenizam com a atração de estrangeiros. Outra
estratégia é fornecer vantagens para que as pessoas sigam
trabalhando. “Países que não estão se mexendo para conter
a queda populacional já enfrentam estagnação, como é o
caso do Japão”, lembra a economista Melissa Kearney, da
Universidade de Maryland.
Em tempos não tão remotos assim, o que assombrava
o universo da demografia era a superpopulação da Ter-
ra, que teve no reverendo e economista britânico Tho-
mas Malthus (1776-1834) seu maior catastrofista. É dele
a teoria de que seria impossível alimentar tantas bocas
numa época em que a produção de comida não acompa-
nhava a multiplicação de indivíduos. Mas aí entrou em
cena a capacidade inovadora, proporcionando avanços
tecnológicos notáveis e ganhos de produtividade, sobre-
tudo dos celeiros alimentares — e assim a fome não gras-
sou. Agora, debruçada sobre uma questão de sinal inver-
so, novamente a espécie precisa exercer sua extraordiná-
ria inteligência para saltar obstáculos, podendo até se
beneficiar da situação. “Com menos pessoas, dá para in-
vestir mais na saúde e na educação de cada um, e o meio
ambiente é naturalmente menos castigado”, diz José
Eustáquio. É um bom caminho, que põe a engenhosida-
de humana à prova. ƒ

Com reportagem de Mafê Firpo

10 | 10
CLUBE DE REVISTAS

MURILLO DE ARAGÃO

CONFUSÃO E BONS
RESULTADOS
Legislativo e Judiciário ajudam a
corrigir erros do Executivo

O BRASIL começará o segundo semestre com boas e más


notícias. Os juros vão baixar, a bolsa está subindo, o de-
semprego está caindo e a economia dá sinais de vida. Po-
rém, o clima na economia e na política continua instável.
Apesar dos tropeços do governo, a situação é melhor do
que a esperada. A crise que estava sendo contratada não
veio, ainda que o desempenho no fim do ano não seja espe-
tacular. Como explicar? De certa forma, os freios e contra-
pesos do Legislativo e do Judiciário trazem alguma tran-
quilidade a eventuais deslizes do Executivo. O semipresi-
dencialismo e o pragmatismo de setores do governo ser-
vem como elementos moderadores e impendem grandes
erros. No entanto, a situação não está melhor porque exis-
tem quatro focos básicos de confusão. São eles: o relacio-
namento com a base política; os ataques ao Banco Central;
as incertezas tributárias; e o antirreformismo.
A primeira confusão traz incerteza sobre como avança-
ria o financiamento necessário para o marco fiscal e a re-

1|3
CLUBE DE REVISTAS

forma tributária, que, apesar do debate, ainda está no te-


lhado. Outro desafio é o de reduzir o fogo amigo e a fo-
gueira de vaidades para se poder construir uma agenda
consensual. Sem um entendimento claro com o Congresso
Nacional e harmonia dentro do ministério, as incertezas
vão prevalecer.
A questão dos ataques ao Banco Central é outro ponto
preocupante pelo fato de ter ampla repercussão interna e
externa perante quem deseja investir no país. Além de pro-
jetar uma imagem de imaturidade institucional. Afinal, se
a inflação está caindo, deve-se considerar que a política
monetária está, de alguma forma, funcionando. A regra da
autonomia está aí para ficar e conta com amplo apoio já
declarado do Congresso. Não adianta balançar o barco.
Quem perde é o país.
A terceira confusão está nas incertezas tributárias que
se concentram em dois polos: o jurídico e o legislativo. No
campo jurídico, o passado está cada vez mais incerto. A

“Os ataques ao
Banco Central projetam
uma imagem de
imaturidade institucional”
2|3
CLUBE DE REVISTAS

fúria arrecadatória tem encontrado abrigo em setores do


Judiciário e faz com que o custo Brasil aumente. Decisões
do Judiciário devem levar em conta a complexidade tribu-
tária absurda que existe e os quase 3 trilhões de reais de
dívidas com o Tesouro. Assim, a Justiça deve trabalhar pa-
ra reduzir o custo da legalidade e estimular o pagamento
de impostos. Outro polo é o debate sobre a reforma tribu-
tária, que continua incerta. Alguns a chamam de a reforma
“na volta, eu compro”. Expressão usada para distrair os fi-
lhos quando pedem brinquedos nas lojas. Na volta ocorre-
riam compensações às perdas por meio da regulamenta-
ção posterior da reforma. É uma promessa difícil de ser as-
similada por dez governadores oposicionistas que coman-
dam os estados economicamente mais fortes.
Por fim, o quarto elemento de confusão é o antirrefor-
mismo, caracterizado nos já mencionados ataques ao Ban-
co Central, na tentativa de mudanças das regras da venda
da Eletrobras, nas ameaças de rever legislações trabalhis-
tas, nas mudanças nas regras do marco do saneamento,
entre outras recaídas de um passado que não foi tão bom
como se tenta vender. Ainda bem que o Brasil surpreende
positivamente e mostra resiliência. Porém, o que não ficou
ruim poderia estar bem melhor se o clima da economia e
da política fosse menos conturbado. ƒ

3|3
CLUBE DE REVISTAS
CLUBE DE REVISTAS
RADAR ECONÔMICO
VICTOR IRAJÁ

Com reportagem de Diego Gimenez,


Felipe Erlich e Larissa Quintino

Jogo de contra-ataque autonomia sobre a destina-


A Frente Nacional dos Pre- ção de impostos. A iniciati-
feitos prepara uma ofensiva va reúne desde Ricardo Nu-
unificada contra a reforma nes, de São Paulo, até Ed-
tributária, que, segundo valdo Nogueira, de Aracaju.
eles, penaliza os municípios
pela perda de recursos e de Mantendo a meta
Relator da reforma tribu-
tária, Aguinaldo Ribeiro
promove uma ofensiva pa-
ra manter a influência que
adquiriu no governo de
Jair Bolsonaro e, assim,
continuar sendo ouvido
nas indicações para o setor
de seguros no Banco do
Brasil. No momento, Ri-
beiro tenta conquistar a
simpatia da presidente do
banco, Tarciana Medeiros,
ANDRE RIBEIRO/FUTURA PRESS

para a manutenção de seus


apadrinhados.

PREOCUPAÇÃO Ricardo Meu território


Nunes: para ele, reforma O deputado briga pela pre-
tributária penaliza municípios servação do espaço do

1|3
CLUBE DE REVISTAS

amigo Felipe Aragão, pro- dente do Banco Central


prietário da Latin RE, que antes do fim de seu man-
conquistou contratos bi- dato, em 2025, não é des-
lionários de resseguro da cartada, dada a pressão do
BB Seguridade. governo e de setores pro-
dutivos contra ele.
Operação tapa-buraco
Técnicos da Fazenda têm Faltou química
minimizado as diversas la- Os principais credores da
cunas da reforma tributá- Novonor, antiga Odebre-
ria, que relegam defini- cht, torcem o nariz para a
ções à lei complementar. venda da fatia da Petro-
A pasta está confortável bras na Braskem para a
com o texto e estima que o Unipar. Além de a oferta
fundo regional pode ser não agradar, as relações
solucionado muito em entre a estatal e a petro-
breve. No entanto, deta- química são um empeci-
lhes sobre regimes especí- lho para o negócio.
ficos de tributação vão fi-
car para depois. Conexão Caracas II
Secretário de Transporte
Não é impossível… do Rio de Janeiro, Washin-
Para uma das principais gton Reis conduz cotações
empresas de análise de visando à contratação —
risco, a possibilidade de sem licitação — do opera-
Roberto Campos Neto dor do metrô de Caracas,
deixar o posto de presi- na Venezuela, em parceria

2|3
CLUBE DE REVISTAS

com a empresa MPE, uma Guerra verde


velha conhecida da Lava- Na disputa pelo posto de
Jato. É a mesma que cedeu o “porta-voz da Amazônia”,
avião que levou o próprio Helder Barbalho, governa-
Reis a Caracas para a manu- dor do Pará, usou a proxi-
tenção dos trens da Super- midade com Lula e garan-
Via, pela bagatela de 1 bi- tiu a COP30 em Belém, em
lhão de reais, como revelou 2025. Wilson Lima, gover-
o Radar Econômico. nador do Amazonas, lar-
gou depois, mas assegurou
Agro é pop um evento do TED Talks,
Durante a pandemia, foi a plataforma de palestras,
concedido benefício invejá- em novembro.
vel aos produtores brasilei-
ros de biodiesel, como o ve- Clima único
to à importação de produ- É forte a pressão de uma
tos idênticos vindos da Ar- das grandes farmacêuticas
gentina. Encerrado o privi- para que o governo acelere
légio, Lula resolveu atender a regulamentação do mer-
a um pedido da JBS. O fri- cado de créditos de carbono
gorífico conseguiu o com- no Brasil. ƒ
promisso de que as vanta-
gens serão renovadas. O
anúncio deve ser feito pelo
OFERECIMENTO
presidente na próxima reu-
nião do Ministério da Agri-
cultura sobre o tema.

3|3
CLUBE DE REVISTAS
ECONOMIA CONJUNTURA

TRÉGUA BEM-VINDA
Depois de muita pressão, o Banco Central, enfim, sinaliza
que o ciclo de queda de juros está prestes a começar.
O corte da Selic será vital para destravar a economia
e reduzir os níveis recordes de inadimplência no país

PEDRO GIL

RETOMADA Shopping em São Paulo: o varejo conta


com o crédito mais barato para acelerar as vendas

KEVIN DAVID/A7 PRESS/AG. O GLOBO

1|9
CLUBE DE REVISTAS

U
ma velha máxima diz que os juros altos são ini-
migos da atividade econômica. Se as taxas estão
elevadas demais, o crédito encarece e uma rea-
ção em série espalha-se por todas as áreas de ne-
gócios. Varejistas vendem menos eletrodomésti-
cos, incorporadoras cancelam lançamentos imobiliários,
montadoras reduzem o ritmo de produção de veículos — e
tudo isso porque a captação de recursos é cara, o que torna
os valores dos financiamentos proibitivos para a maioria
das pessoas. Por isso mesmo, nos últimos meses nenhum
tema afeito à área econômica foi tão debatido no Brasil
quanto a taxa Selic. Desde que os índices inflacionários co-
meçaram a cair, em um sinal inequívoco de que a política
de aperto monetário havia funcionado, as discussões sobre
o término do ciclo dos juros altos encheram de ansiedade
os atores econômicos, de governantes a empresários, de in-
vestidores a consumidores. Na terça-feira 27, a tensão foi,
enfim, aplacada. Em um comunicado sucinto, o Banco
Central avisou que a Selic está prestes a cair.
Bastou uma única frase para os bons entendedores no-
tarem que a dura mas necessária escalada de juros parece
ter chegado ao fim. “A continuação do processo desinfla-
cionário em curso pode permitir acumular a confiança ne-
cessária para iniciar um processo parcimonioso de infle-
xão na próxima reunião”, afirmou o Comitê de Política
Monetária (Copom) do BC em sua mais aguardada ata em
muito tempo. O que também chamou a atenção no docu-

2|9
CLUBE DE REVISTAS

ORÇAMENTO
APERTADO
Dívidas mais caras e juros
altos estimulam o calote

BRASILEIROS COM
C O N TA S E M AT R A S O

80

71,9
milhões
70 66,58
milhões

60

50

MAIO/2022 MAIO/2023

3|9
CLUBE DE REVISTAS

VA L O R M É D I O D A S D Í V I D A S
POR PESSOA (EM REAIS)

4 179,51 4 808,63

MAIO/2022 MAIO/2023

OS JUROS ANUAIS COBRADOS


PA R A P E S S OA F Í S I CA ( E M % )

59,9%
50,4%

40%

MAIO/2022 MAIO/2023
Fontes: Banco Central e Serasa Experian

4|9
CLUBE DE REVISTAS

mento foi a divergência entre o comunicado feito em 21 de


junho e o mais recente. Antes, o texto fazia entender que
não havia brecha para a queda da Selic. Agora, sinaliza,
sem margem para dúvidas, que os sinais de redução da in-
flação significam o alívio que o país tanta esperava para
ceifar os juros altos.
A expectativa do mercado é que o primeiro corte da
Selic seja feito já na próxima reunião do Copom, prevista
para agosto. Contudo, ele tende a ser modesto, de 0,25
ponto percentual. Ainda assim, é um primeiro passo — e
um salto gigantesco para a economia brasileira. “O Bra-
sil está em uma trajetória fiscal sustentável e, portanto, a
harmonização da política fiscal com a monetária é algo
que possa acontecer brevemente”, comemorou o minis-
tro da Fazenda, Fernando Haddad, que andou às turras
com o presidente do Banco Central, Roberto Campos
Neto, acusado pelos petistas de ter má vontade com o
atual governo.
A trégua na Selic era mais do que urgente. A inflação
está sob controle e o real ensaia uma boa valorização, o
que decorre sobretudo da agenda comercial positiva que
vem sendo impulsionada pelo agronegócio. Até o fim do
ano, a maior parte dos especialistas espera crescimento da
economia acima de 2%. Ressalte-se que o índice está longe
do ideal, mas também distante do pibinho de tempos atrás.
Se o governo não fraquejar no controle dos gastos públicos
e na aprovação da reforma tributária, algo que deve sem-

5|9
CLUBE DE REVISTAS

MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

ALIVIADO Haddad: a expectativa do governo é que o


primeiro corte da Selic saia em agosto

pre ser levado em conta em um país como o Brasil, as pers-


pectivas, de fato, parecem positivas.
A redução da Selic também será forte aliada de um es-
torvo que assombra a economia brasileira e trava o cresci-
mento: a inadimplência recorde. Estimativas recentes
apontam que 71,9 milhões de brasileiros possuem dívidas
em atraso, o equivalente a 44,09% da população adulta.
Trata-se do maior número desde janeiro de 2016. Em valo-
res, os débitos chegam a impressionantes 345,7 bilhões de
reais. Os dados mostram ainda que 69,5% dos inadimplen-

6|9
CLUBE DE REVISTAS
EDILSON DANTAS/AG. O GLOBO

INCOMPREENDIDO Campos Neto: ata do


Banco Central admitiu fim do aperto monetário

tes enquadram-se na faixa etária de 26 a 60 anos de idade,


ou seja, estão em plena capacidade de trabalho. “É um re-
corde histórico que vem sendo batido a cada mês e, se ob-
servarmos a trajetória recente da estatística, veremos que a
tendência de elevação deve ainda prevalecer no curto pra-
zo”, alerta Luiz Rabi, economista do Serasa Experian,
principal birô de crédito do país.
O setor de serviços exemplifica como poucos os efeitos
perversos da inadimplência alta. Em abril, o segmento caiu
1,6% em relação ao mês anterior, de acordo com dados

7|9
CLUBE DE REVISTAS

PAULO FRIDMAN/CORBIS/GETTY IMAGES

COMPRAS Maquininha em ação: o


número de devedores aumenta sem parar

apurados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísti-


ca (IBGE). Foi o maior recuo para o mês desde 2020.
“Uma hora a corda aperta e enforca”, afirma Max Mus-
trangi, sócio da Excellance, consultoria especializada em
reestruturação no varejo. “É um ciclo vicioso. De um lado,
não há mais poder de compra. De outro, há medo de ven-
der e ficar sem receber.”
A inadimplência é um gargalo histórico no Brasil, o que
se deve inclusive aos baixos índices de educação financeira
associados a juros altos por longos períodos. Nos últimos

8|9
CLUBE DE REVISTAS

anos, o cenário agravou-se. “Houve a ampliação do endivi-


damento nas famílias com a pandemia de Covid-19 e, em
um segundo momento, tivemos um choque de juros”, diz
Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master. “Isso pe-
gou em cheio quem tinha se endividado mais. Foi um du-
plo golpe.”
O drama da inadimplência levou a equipe econômica a
desenhar um programa voltado para renegociação de dívi-
das. Chamado Desenrola Brasil, ele está mais enrolado do
que deveria. A medida provisória sobre o tema está em vi-
gor, mas o governo precisa fazer um leilão para que haja a
adesão de credores. Além disso, a Receita Federal e a Pro-
curadoria-Geral da Fazenda Nacional são contrárias à ini-
ciativa, por temerem prejuízos aos cofres públicos. Preven-
do o aprofundamento das discussões, o Ministério da Fa-
zenda fechou acordo com o Legislativo para que o progra-
ma seja efetivado por meio de um projeto de lei. Portanto,
as indefinições persistem.
Embora a queda dos juros seja bem-vinda, ela não re-
presenta a solução de todos os males brasileiros. O cami-
nho é árduo e está repleto de obstáculos. Nas próximas se-
manas, o Congresso dará andamento ao arcabouço fiscal e
à reforma tributária, que terão papel vital para destravar a
economia. Apenas quando tudo estiver pronto será possí-
vel afirmar que o Brasil, enfim, virou uma página impor-
tante de sua história. ƒ

9|9
CLUBE DE REVISTAS

MAÍLSON DA NÓBREGA

O INCOMPREENDIDO
BANCO CENTRAL
A dificuldade de entender seu
verdadeiro papel na economia

POR AQUI, nunca se entendeu bem o papel de um Banco


Central (BC). Durante anos, suas funções cabiam ao Banco
do Brasil. Fomos um dos últimos países a criá-lo (1964). Ou-
tros estabeleceram seus bancos centrais muito antes: Co-
lômbia (1923), Chile (1925), México (1925), Equador (1926),
Bolívia (1928), Peru (1931), e Argentina (1935), para citar al-
guns exemplos.
O papel do BC é zelar pela estabilidade da moeda e do
sistema financeiro, sem o qual a inflação sobe e a oferta de
crédito torna-se insuficiente e cara. O BC controla dois ins-
trumentos — a liquidez da economia e a taxa básica de juros
—, que podem ser manipuladas por governos populistas pa-
ra fazer o PIB crescer de forma irresponsável.
O líder do PT na Câmara, José Guimarães, disse que “as
autoridades monetárias têm de contribuir com aquilo que
saiu das urnas”. Para ele, o BC deveria atrelar a política mo-
netária aos programas e à vontade do seu partido. Guima-
rães e outros líderes petistas não compreendem como fun-

1|3
CLUBE DE REVISTAS

ciona um BC, que precisa ser um órgão de Estado, não de


governo, e dispor de autonomia operacional para decidir.
Todos os países ricos têm BCs independentes. Seus dirigen-
tes podem, assim, resistir a pressões de demagogos para bai-
xar a taxa de juros sem causa.
No Brasil, temos assistido a ataques ao Banco Central e ao
seu presidente, não raramente em termos grosseiros. Sempre
que pode, o presidente Lula diz que a taxa Selic de 13,75%
“não tem a menor justificativa” porque, assegura, “a inflação
não é de demanda”. Deveria informar-se melhor. Já tivemos
inflação de oferta causada pela pandemia, pela guerra na
Ucrânia e por fenômenos climáticos, mas ela está pratica-
mente dissipada. Agora, a inflação é de demanda. Basta ver a
alta dos preços dos serviços, de 7% nos últimos doze meses.
Essas falas podem decorrer da dificuldade de aprender
ou da busca por um bode expiatório a quem culpar pela

“O BC precisa ser
um órgão de Estado,
não de governo,
e dispor de autonomia
para decidir”
2|3
CLUBE DE REVISTAS

frustração de promessas irrealistas de crescimento da eco-


nomia. Prefiro acreditar que Lula se enquadra na segunda
hipótese, pois é difícil admitir que, tendo exercido de forma
bem-sucedida a Presidência, seja tão desinformado. Máxi-
ma ironia, no início do primeiro mandato ele ficou quieto
quando o BC fixou a taxa Selic em 26,5%.
Ainda há grossa ignorância nesse campo. Um importante
membro dos primeiros governos de Lula afirmou que au-
mentos da Selic feriam a lógica econômica. Não seria aceitá-
vel, disse, que o BC pudesse aumentar a despesa do próprio
governo (o aumento dos juros da dívida pública). Não perce-
bia que esse é o preço a pagar para enfrentar surtos inflacio-
nários, tanto aqui como em outros lugares. Taxa de juros é
assunto técnico, que costuma ser deixado à responsabilida-
de de especialistas. Os BCs podem errar, mas acertam na
quase totalidade das vezes. A liturgia do cargo recomenda
que presidentes, vice-presidentes e ministros se recusem a
palpitar sobre o assunto. Ainda não galgamos tal patamar,
como se tem visto nestes momentos complicados. ƒ

3|3
CLUBE DE REVISTAS
INTERNACIONAL RÚSSIA

UM CZAR EM XEQUE
O motim de mercenários a serviço do Kremlin,
que terminou sem punir ninguém, feriu a aura
de poder inabalável de Vladimir Putin.
O mundo está de olho nos próximos capítulos
CAIO SAAD

NA DEFENSIVA Putin: discursos para atacar


os “traidores” e destacar a “união da sociedade”

SERGEI GUNEYEV/SPUTNIK/AFP

1|5
CLUBE DE REVISTAS

A
notícia caiu como efeito de uma explosão de mil dro-
nes: mercenários do famigerado grupo Wagner, a
tropa de choque da Rússia na invasão da Ucrânia,
marchavam céleres na direção de Moscou, exigindo
a deposição do alto-comando militar. O motim lide-
rado por Yevgeny Prigozhin, aprendiz de oligarca que alia à
função de comandante do Wagner o posto de fornecedor das
iguarias servidas nos banquetes do Kremlin, durou apenas 36
horas e foi desmontado na base da conversa, mas, como não
podia deixar de ser, causou arranhões na carapaça de seu ex-a-
migo do peito, o presidente Vladimir Putin. Nenhum amotina-
do está preso (até agora), um início de investigação foi engaveta-
do (até agora) e as aparições em série de Putin — três pronun-
ciamentos na TV e um raro discurso ao ar livre, na Praça Ver-
melha — reforçaram, em vez de atenuar, a impressão de que o
líder todo-poderoso não é, ou não está, tão poderoso assim.
Mesmo que não tenha grandes consequências, foi um golpe e
tanto no currículo de um governante em guerra, e ainda por ci-
ma devendo uma atuação convincente na frente de batalha.
Depois de publicar um vídeo nas redes sociais, na sexta-
feira 23, acusando o Exército russo de atacar suas bases e
matar “grande quantidade” de combatentes — alguns corpos
apareciam nas imagens —, Prigozhin convocou a tropa em
solo russo e ucraniano — 25 000 homens, nas suas contas —
para uma “marcha pela justiça” que terminaria com a demis-
são do ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e de Valery Gerasi-
mov, o mais graduado general russo. Ambos foram alvos de

2|5
CLUBE DE REVISTAS
@CONCORDGROUP_OFFICIAL/AFP

EXILADO Prigozhin, chefe do motim:


liberado para se refugiar em Minsk

abertas e furiosas críticas dele ao longo dos últimos meses —


evidência de um cabo de guerra entre o comando militar for-
mal e a força privada responsável pelos poucos avanços re-
centes no campo de batalha. Shoigu ordenara pouco antes
que o grupo fosse desmobilizado e seus integrantes se inscre-
vessem nas fileiras do Exército regular até 1º de julho.
Nas 24 horas seguintes, os blindados do Wagner, sem re-
sistência e até sob aplausos da população, tomaram conta de
Rostov, nona maior cidade russa e um dos centros de coman-
do da guerra na Ucrânia, e um destacamento de 6 000 solda-
dos partiu para Moscou. A 200 quilômetros da capital, Pri-
gozhin acertou um acordo e o motim acabou. “Pode não dar
em nada, mas a humilhação pública pega mal para os ditado-
res que desejam se projetar como homens fortes”, avalia Na-
talya Chernyshova, da Queen Mary University of London.

3|5
CLUBE DE REVISTAS
AP/IMAGEPLUS

BEM-VINDOS Tanque do Wagner em


Rostov: população recebeu com aplausos

Saiu ganhando na refrega Alexander Lukashenko,


mandachuva de Belarus e mediador da paz. Ele relatou em
entrevista recheada de autoelogios que em um telefonema
dissuadiu Putin de matar sumariamente Prigozhin (“uma
paz ruim é pior do que qualquer guerra”, teria proclamado)
e, em outro, convenceu o chefe amotinado a depor armas
(ou seria “esmagado como um inseto”) e aceitar o exílio
em sua capital, Minsk. Também ofereceu “uma base aban-
donada” para abrigar os mercenários que quiserem seguir
Prigozhin, sem esconder o entusiasmo em ter instrutores
experientes para treinar suas próprias tropas. O integrante
do Wagner que não quiser morar em Belarus tem duas op-
ções: voltar para casa ou aderir ao Exército Vermelho. Pri-
são na Rússia mesmo (sem confirmação oficial), só de Ser-
gei Surovikin, general que teria conhecimento prévio do

4|5
CLUBE DE REVISTAS

motim e o apoiava. Se verdadeira, a acusação aponta um


possível e perigoso racha na alta cúpula militar russa.
Em seus pronunciamentos, Putin, em tom zangado e sem
falar o nome de Prigozhin, atacou os “traidores” que tenta-
ram fazer “russos lutarem contra russos”, mas não consegui-
ram: “A sociedade russa inteira se uniu e se mobilizou” con-
tra o motim, enfatizou. Em outro momento, assumiu o que
nunca admitira antes: que o Kremlin financia o Wagner. Se-
gundo ele, o governo chegou a injetar o equivalente a 1 bilhão
de dólares no grupo neste pouco mais de um ano de guerra
— sem contar outro bilhão pago ao negócio paralelo do co-
mandante por jantares fornecidos a autoridades militares.
Grupos mercenários sempre estiveram em ação na Rússia,
apesar de serem proibidos, e viraram um ótimo negócio des-
de a invasão da Ucrânia. Calcula-se que 25 lutem em territó-
rio ucraniano, um deles, dizem as más línguas, formado pelo
próprio ministro Shoigu. Tamanha é sua importância no apa-
rato militar que o ministro das Relações Exteriores, Sergey
Lavrov, afirmou que o Wagner, em desgraça na Rússia, segui-
rá presente na África. “Esse trabalho, claro, vai continuar”,
prometeu Lavrov. Em meio à incerteza sobre novos desdobra-
mentos em Moscou, Kiev denunciou que mísseis russos atin-
giram uma pizzaria lotada, matando dez pessoas, entre elas
quatro crianças, e tropas ucranianas ganharam posições em
torno de Kherson, cidade ocupada vital para o suprimento e o
movimento de tropas russas. É a trágica guerra na Ucrânia se-
guindo seu roteiro — pela primeira vez, em segundo plano. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
INTERNACIONAL ESTADOS UNIDOS

AÇÃO E REAÇÃO
Depois de acabar com o direito universal ao aborto, a
Suprema Corte anula mais uma conquista social e vota
contra o sistema de cota racial para o ingresso nas
universidades AMANDA PÉCHY

MEIA-VOLTA Formatura em Harvard: a universidade


está no centro da ação contra as cotas

STEVEN SENNE/AP/IMAGEPLUS

1|5
CLUBE DE REVISTAS

REGIDOS por uma Constituição-modelo, enxuta e ga-


rantidora dos direitos dos cidadãos, os Estados Unidos se
veem sacudidos, no período de doze meses, por duas revi-
sões de decisões da Suprema Corte — o órgão que inter-
preta e decide sobre questões constitucionais — que enter-
ram concepções estabelecidas e integradas ao cotidiano
da sociedade há meio século. Primeiro foi o acesso ao
aborto: em junho do ano passado, o tribunal anulou o pre-
cedente que oficializou a opção pelo procedimento em to-
do o território nacional e entregou a palavra final a cada
estado. Agora é o sistema de cotas para negros em univer-
sidades, uma conquista do movimento civil dos anos
1960, que acaba de ser detonada pela maioria conserva-
dora (6 dos 9 juízes) da corte, na quinta-feira 29. “É uma
decisão que respira conservadorismo. No âmbito da juris-
prudência, o entendimento anterior não poderia ser rever-
tido”, afirma Richard Lempert, professor de direito da
Universidade de Michigan.
Manifestação típica da ação afirmativa, nome dado às
iniciativas públicas e privadas para estimular a ascensão
social de negros e, posteriormente, hispânicos, o sistema
de cotas no ensino superior se solidificou com o parecer da
Suprema Corte no processo Universidade da Califórnia vs.
Bakke, há 45 anos. Contestado em duas ocasiões, foi man-
tido em ambas. Agora, na terceira, envolvendo ações mo-
vidas contra as universidades de Harvard e da Carolina do
Norte, não resistiu. Na prática, a decisão muda pouca coi-

2|5
CLUBE DE REVISTAS

ERIC LEE/THE WASHINGTON POST/GETTY IMAGES


DERROTA Washington: manifestantes apoiam políticas de
ação afirmativa

sa, visto que as escolas sempre podem adotar outros crité-


rios, como situação financeira precária, para favorecer mi-
norias — e muitas já o fazem. O mal maior é enfraquecer a
consciência de que desequilíbrios sociais arraigados têm
de ser combatidos com ampla mobilização popular.
Os processos de agora foram movidos pela Students For
Fair Admissions (SFFA), organização empenhada em coi-
bir o uso de políticas de “consciência racial” em toda e
qualquer circunstância. A SFFA, representando 20 000 es-
tudantes, acusa os programas de ação afirmativa de Har-
vard e da UNC de prejudicar candidatos asiáticos, mesmo
sendo eles 30% dos alunos em Harvard (menos de 20%
são negros). A organização sustenta que a balança das ad-

3|5
CLUBE DE REVISTAS

missões é manipulada e que há duas décadas a probabili-


dade de asiáticos serem aceitos é um terço menor do que a
de negros. As universidades não negam, e insistem que to-
dos se beneficiam de um corpo estudantil diversificado.
O impacto das políticas de ação afirmativa é considera-
do amplamente positivo. No caso do sistema de cotas nas
universidades — que precisam se encaixar no chapéu de
“incentivos” e não podem ser numéricas, ao contrário do
Brasil —, o livro The Shape of the River, maior levanta-
mento de dados sobre o assunto, comprova que os estu-
dantes beneficiados têm mais chances de se formar e obter
bons salários. “A ação afirmativa é um motor de mobilida-
de social”, avalia Estela Bensimon, professora de pedago-
gia da Universidade do Sul da Califórnia. Dominada por
brancos há quarenta anos, a classe média americana tem
hoje composição mais plural (59% de brancos, 12% de ne-
gros, 18% de hispânicos e 10% de “outros”) e a população
negra de alta renda cresceu 7 pontos, para 15%. O nó da
questão é até quando um sistema como o de cotas deve du-
rar — e ele tem necessariamente um prazo de validade,
visto que seu objetivo é bem definido. “Ainda há desigual-
dade racial, mas podemos combater essa lacuna com in-
centivos para estudantes de baixa renda em geral”, sugere
Richard Kahlenberg, autor do livro O Remédio: Classe,
Raça e Ação Afirmativa — até porque segue sendo duas
vezes mais provável, na ponta do lápis, que negros e hispâ-
nicos sejam pobres, comparados a brancos.

4|5
CLUBE DE REVISTAS

As políticas de ação afirmativa são, em geral, ponto de


honra dos dois partidos: o Democrata é a favor e o Repu-
blicano, contra. Diante da mais do que esperada decisão
da Suprema Corte contra as cotas, caberia aos congressis-
tas democratas apressar a votação de projetos de lei asse-
gurando sua permanência, mas propostas polêmicas pas-
sam hoje ao largo da Câmara e do Senado, irremediavel-
mente engessados pela divisão ideológica. Entre a popula-
ção, as cotas raciais perderam apoio: 63% dos americanos
se opõem ao uso de raça como critério de admissão no en-
sino superior, embora 61% sejam a favor de que se conside-
re a situação financeira do candidato. Nesse contexto, pelo
menos nove estados, inclusive a democrata Califórnia, já
passaram por plebiscitos em que ser pobre substituiu ser
negro ou hispânico no acesso preferencial à universidade.
Na sua vez, a maioria conservadora da Suprema Corte op-
tou por abrir a porteira e deixar a boiada do obscurantis-
mo atropelar mais uma suada conquista social. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
GENTE
VALMIR MORATELLI

MONTANHA-RUSSA DE EMOÇÕES
Com pendor para intervenções estéticas
e sem problema em falar disso, ANITTA,
30 anos, se viu subitamente enredada
em críticas, que desta vez a abalaram. Ela
conta que, após preencher o rosto com
generosas doses de Botox, ficou na mi-
ra da inclemente patrulha das redes e
desabou. Foi logo depois de vir
aos holofotes, em um programa
de TV, com o semblante visivel-
mente recauchutado. “Me senti
muito mal, chorei horrores por
dias”, relata a cantora, que ago-
ra se embala na divulgação do
recém-lançado clipe Funk Rave,
polêmico por sugerir picante ce-
na de sexo oral — sua estreia na
nova gravadora, a Republic Re-
cords. Após romper contrato com
a Warner, que segundo ela a deixava à
sombra, Anitta deu de suspirar. “Vou até
ligar para o meu pai de santo e pedir
proteção, de tão boa que a vida está.”
As lágrimas naturalmente secaram.

TWITTER @ANITTA

1|5
CLUBE DE REVISTAS
INSTAGRAM @NANDACOSTA

BEBÊ A BORDO
Pegando no pesado em dose dupla, NANDA COSTA, 36 anos, al-
terna as gravações de uma série com a criação das gêmeas Kim e
Tiê, de 1 ano e meio, ao lado da mulher, a percussionista Lan Lanh,
55. Ambas, aliás, engataram em um novo programa da GNT, Do
Amor e de Luta, em que tratam com franqueza dos altos e baixos da
maternidade. Em quatro episódios, a atriz conta como foi a experi-
ência de gerar as filhas por inseminação artificial e assume que so-
freu de depressão pós-parto. “A gente idealiza, mas quando elas
nasceram, não senti amor de imediato. Antes, veio o medo de per-
dê-las, já que eram prematuras”, lembra ela, enquanto Lan Lanh en-
trega: “Sextou e a gente fica como? Em casa esperando mamãe vol-
tar do trabalho”, diz a responsável pela troca das fraldas.

2|5
CLUBE DE REVISTAS

INSTAGRAM @CRISTIANO
DOLCE FAR NIENTE
O que fazer quando se tem à dis-
posição um superiate singrando
as águas azuis do Mediterrâ-
neo? Pose, é claro. Especialista
no assunto, o jogador português

INSTAGRAM @GEORGINAGIO
CRISTIANO RONALDO, 38
anos, presenteou seus 593 mi-
lhões de seguidores com uma
foto de sunga preta e dourada, corpão bronzeado inteiramente de-
pilado... e unhas dos pés pintadas de preto (ao que consta, uma me-
dida profilática — o esmalte protege contra fungos e bactérias). Dis-
cípula aplicada, sua companheira GEORGINA RODRÍGUEZ, 29
anos, fez sua parte, desfilando biquínis mínimos em seus mergulhos.
Cristiano, Georgina e família aproveitam as férias dele do clube sau-
dita Al-Nassr, que o contratou a peso de ouro — e de pistolão: o casal
obteve licença especial do governo para morar junto sem ser casa-
do, um tipo de coabitação proibido na Arábia Saudita.

3|5
CLUBE DE REVISTAS

A MALDIÇÃO ALFA
A modelo LOURDES LEÓN, 26 anos, é do tipo que embarca em
namoros longos, ao contrário da mãe, Madonna, que acumula vas-
tíssimo currículo de relacionamentos. E isso lhe traz variadas
questões filosóficas, sobre
as quais resolveu tratar nas
redes. “Sou dolorosamente
hétero, é terrível. Estou
amaldiçoada por gostar de
homens”, desabafou em um
comentado post. Com o ca-
beleireiro Jonathan Puglia
há seis anos — seu segun-
do namorado na vida,
diz — ela prefere seguir
no esquema casas se-
paradas. “Evite garo-
tos se quiser real-
mente se concentrar
em alguma coisa”,
aconselha ela, com
ares de veterana, es-
clarecendo: apesar
dos eventuais dissabo-
res, descarta ser lésbica.

INSTAGRAM @LOURDESLEON

4|5
CLUBE DE REVISTAS

PARA O ALTO E AVANTE


Mesmo no território dos gigan-
tes que ocupam as quadras da
NBA, o francês VICTOR WEM-
BANYAMA, 19 anos, se notabi-
liza pela estatura avantajada, fa-
zendo os colegas se passarem
por, digamos, baixos. Do alto de
seus impressionantes 2,25 me-
tros de altura — só para compa-
rar, Michael Jordan tem 1,98 me-
tro —, ele também foi grande no
draft, a janela de contratação de
talentos, onde acabou escolhido
pelo San Antonio Spurs sob a
aura de maior promessa da
temporada. Sua estreia tão jo-
vem e rodeado de prestígio tor-
nou inescapável proferir frases
como “essa foi uma das melho-
res sensações da minha vida” e
“é um sonho tornado realidade”.
SARAH STIER/GETTY IMAGES

Pelo visto, muito jogador por aí


vai precisar esticar o pescoço
para acompanhá-lo. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
GERAL ESPECIAL

VIDA A bela vastidão


debaixo d’água: seres
acostumados a
condições extremas,
ainda desconhecidos
dos especialistas

NAS PROFUNDEZAS
DO MAR SEM FIM
A tragédia com o submersível que buscava os vestígios
do Titanic amplia um incômodo da civilização que chegou
à Lua: o ser humano sabe muito pouco dos oceanos

LUIZ PAULO SOUZA

ALESSANDRO ROTA/GETTY IMAGES

1 | 12
CLUBE DE REVISTAS

O
mundo parou, na semana passada — entre o fascí-
nio e alguma morbidez —, para acompanhar as
desventuras do submersível Titan e seus cinco tri-
pulantes, bilionários ávidos por chegar perto dos
destroços do Titanic, a 3 800 metros de profundi-
dade, na costa do Canadá. A tragédia, resultado da implosão
da cápsula de fibra de carbono do tamanho de uma van mé-
dia, matou os cinco tripulantes. E a história se repetiu como
farsa em torno do mítico navio que em 15 de abril de 1912
colidiu com um iceberg e afundou. O desastre — atalho para

2 | 12
CLUBE DE REVISTAS

capas de jornais, reportagens especiais na televisão e me-


mes, em um fio a se desenrolar pelo planeta — alimentou o
drama secular e iluminou um enigma em forma de indaga-
ção: afinal, quanto conhecemos dos oceanos? Ou, posto de
outro modo: sabemos mais do espaço acima de nossas cabe-
ças, de astronautas e estrelas, do que do mar debaixo de nos-
sos pés, de mergulhadores e tubarões?
A estatística é nítida: pouco mais de 23% dos mares já fo-
ram explorados pelo ser humano. Cerca de 240 000 espécies
marítimas são conhecidas, mas um censo divulgado no ano
passado estima haver pelo menos 2 milhões incógnitas. Pes-
quisadores e cientistas costumam fazer uma comparação em
forma de boutade — desde sempre, mais precisamente desde
1969, doze pessoas puseram os pés em solo lunar e, na soma
total de tempo, caminharam nas pedras cinzentas, rouban-
do-a dos namorados, um total de 300 horas. No ponto opos-
to, o fundo do mar mais profundo, a chamada Depressão
Challenger — a 10 900 metros da superfície — foi tocada por
apenas três indivíduos, que ali permaneceram durante pouco
mais de três horas de exploração, embora outros 24, entre
eles o cineasta James Cameron, o diretor de Titanic, tenham
roçado a região (veja no quadro ao lado). Um oceanógrafo da
Nasa — sim, essa atividade existe —, Gene Feldman, cunhou
uma frase categórica: “Temos mapas mais completos da Lua
e de Marte do que do nosso planeta”, disse. Ainda assim, se-
ria exagerado assegurar conhecermos mais o cosmo do que
os oceanos, mais o infinito do que o finito.

3 | 12
CLUBE DE REVISTAS

O TAMANHO Oceano
Pacífico

DEP RE S SÃ O
DO ABISMO CHALLEN GER

Quase 80% do oceano


está inexplorado

ZONA DE LUZ SOLAR

ZONA DE CREPÚSCULO
332 metros
Maior profundidade alcançada
por um ser humano, com cilindro
1 000
ZONA ABISSAL
400 metros
Submarinos
militares

2 000 metros 2 000


Profundidade máxima
de uma baleia
cachalote

3 000
3 000 metros
Peixes-diabo de
Procurando Nemo

4 000
FOSSAS

4 | 12
CLUBE DE REVISTAS

3 000

ZONA ABISSAL

3 800 metros
Destroços do Titanic 4 000
FOSSAS
PONTO EM QUE
CHEGARIA O TITAN

5 000

6 000

7 000

8 000

9 000

5 | 12
CLUBE DE REVISTAS

FOSSAS
6 000

8 000 metros
Equivalente ao pico
do Monte Everest
7 000

8 000

9 000

10 900 metros
Depressão Challenger
SOMENTE 27 PESSOAS
10 000
CHEGARAM LÁ —
O CINEASTA
JAMES CAMERON FOI O
PRIMEIRO A MERGULHAR
SOZINHO, EM 2012, EM
UM SUBMERSÍVEL
11 000

6 | 12
CLUBE DE REVISTAS

Contudo, é sempre bom lembrar que 90% de todo o vo-


lume de água salgada está nas áreas profundas, onde a luz
não chega, a temperatura não passa dos 4 graus e a pressão
é insustentável. Não por acaso, dada a imprevisibilidade, os
aventureiros do Titan tiveram de assinar um termo de con-
sentimento apontando os riscos, sobretudo o de morte, isso
depois de terem desembolsado algo próximo de 250 000
dólares ou o equivalente a 1,2 milhão de reais cada um. O
turismo espacial, que começa a decolar, e que apenas em
2024 ganhará real tração, pondo mais gente de carne e osso
em órbita, exigirá cautela similar — mas o cuidado, por ora,
é maior do que nas estripulias aquáticas.
O charme da obscuridade, da treva debaixo d’água, é atá-
vico ímã da civilização, tal qual o olhar para a cima. No caso
das jornadas pelo éter, contudo, houve alguma sensação de
conquista com a chegada do homem à Lua — embora, é cla-
ro, exista o infinito e o além, e sejamos um pontinho em
meio ao nada à espera do ansioso encontro com alguém co-
mo nós lá fora. Físicos geniais como Albert Einstein e Ste-
phen Hawking fizeram perguntas — sem respostas exatas
— em torno do big bang, da origem de tudo, da formação de
planetas, em um edifício intelectual belo e forte. O mar, con-
tudo, ainda é povoado de mitologias intocadas que atraves-
saram os séculos em ilustrações e relatos mágicos como o
da cidade perdida de Atlântida, uma ilha lendária povoada
por uma civilização antiga que teria desaparecido catastrofi-
camente e, mais tarde, causa de inúmeros naufrágios ao re-

7 | 12
CLUBE DE REVISTAS
ACERVO KATHY SULLIVAN

EXTREMOS
Kathy Sullivan:
ela foi ao
espaço e depois
mergulhou ao
ponto mais
baixo de que se
tem notícia
NASA

8 | 12
CLUBE DE REVISTAS

dor do mundo. O estudo dos oceanos pede novos capítulos.


O interesse pelos vestígios do Titanic submergido persiste,
como aventura, por revelar algo concreto. A atual investiga-
ção pelos restos de um barco de 3 000 anos completamente
costurado a mão encontrado, em 2008, no condado de Is-
tria, na Croácia, e que, em algumas semanas pode vir à tona,
faz parte da mesma família de entusiasmo.
Uma única pessoa, na face da Terra, ajuda a traduzir o
deslumbramento de medir mar e espaço, as forças e as fra-
quezas de um e outro. A americana Kathy Sullivan, que che-
gou a ser alcunhada de “a mulher mais vertical do mundo”,
esteve nos dois extremos. Em outubro de 1984, como astro-
nauta da Nasa, ela “caminhou” no ar, 200 quilômetros aci-
ma do chão — era uma das tripulantes do ônibus espacial
Challenger. Em 2020, aos 68 anos, como oceanógrafa, Ka-
thy desceu até a Depressão Challenger, na Micronésia, lá no
fundão de quase 11 quilômetros, dentro de um canudo de ti-
tânio como o Titan, embora mais firme. A pressão, ali, equi-
vale ao peso de 100 elefantes sobre a cabeça de um ser hu-
mano. Ela foi convidada por um notório explorador, o russo
Victor Vescovo. “O cerne da minha motivação é a curiosida-
de em torno do nosso planeta”, disse a VEJA. E o que ela viu,
aqui e lá, ao cotejar as duas pontas? “O fundo do mar é pare-
cido com a Lua, bem plano, mas um pouco enrugado e sob
cada uma daquelas protuberâncias tem o buraco de uma pe-
quena minhoca”, diz. A percepção de Kathy, aparentemente
infantil, tem a graça indizível das descobertas de uma crian-

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CLUBE DE REVISTAS
UNIVERSAL HISTORY ARCHIVE/GETTY IMAGES

IMAGINAÇÃO Século XIX: mitos

ça — e pode servir como retrato de uma imposição: enten-


der mais do ecossistema dos oceanos e seus frutos.
Um olhar para o passado é útil, ao abrir túneis para o fu-
turo. Uma das primeiras drogas aprovadas para o tratamen-
to de leucemia, em 1969, foi isolada de um tipo de esponja
marinha. Naquele mesmo período, a adaptação de uma mo-
lécula descoberta em bactérias que vivem em águas termais
foi responsável pelo desenvolvimento do teste de PCR, pro-
cesso que ficou conhecido durante a pandemia como a prin-
cipal ferramenta para diagnosticar a Covid-19. “Como os
animais aquáticos são adaptados a ambientes tóxico e frios,
é possível explorar essas adaptações para criar novos pro-
cessos industriais e buscar moléculas de relevância clínica”,

10 | 12
CLUBE DE REVISTAS
WALDEN MEDIA

TRAGÉDIA Os destroços do lendário Titanic:


ícone de fascínio permanente

diz Paulo Yukio Sumida, diretor e pesquisador do Instituto


Oceanográfico da Universidade de São Paulo. Há também
tesouros minerais, como a Fratura Clipperton, entre os
Oceanos Pacífico e Índico. O local é rico em elementos co-
mo cobre, níquel, cobalto e manganês e já foi dividido por
autoridades internacionais entre dezesseis empresas diferen-
tes que poderão fazer a exploração. Um estudo científico di-
vulgado neste ano, no entanto, aponta que a região, até ago-
ra intocada, tem 5 600 variedades, cerca de 90% delas nun-
ca antes descritas pela ciência. Há riscos humanos e para o
ambiente? Sim. “Precisamos entender melhor os perigos que
tais atividades representam para que possamos decidir se
elas devem mesmo ser iniciadas”, diz Alex Rogers, diretor
científico da ONG Ocean Census.
Não se descarta o avanço turístico ao mar, apesar do dra-
ma com o Titan — possivelmente em regiões mais rasas. “Os

11 | 12
CLUBE DE REVISTAS
PHILIPPE GROSCAUX/MISSION ADRIBOATS/CNRS/CCJ

ARQUEOLOGIA Barco de 3 000 anos


na Croácia: resgate nos próximos dias

danos ambientais seriam mínimos”, afirma José Souto Rosa


Filho, professor do departamento de oceanografia da Uni-
versidade Federal de Pernambuco. “Se for possível incenti-
var esse tipo de turismo, o retorno tende a ser positivo, por-
que a partir do momento em que as pessoas souberem que
em determinado lugar há vida abundante, elas provavel-
mente vão querer preservá-lo.” É um bom caminho, distante
ainda da realidade. Fundamentais na regulação climática do
planeta, os oceanos representam 70% da superfície da Terra
— porém, soam ainda indecifráveis, palco de tragédias. É
impressão que precisa mudar. Vale relembrar uma frase de
Jacques Cousteau (1910-1997), que veio antes de Cameron
para jogar luz nas profundezas do mar sem fim: “Desde o
nascimento, o homem carrega o peso da gravidade em seus
ombros, ele é aparafusado à terra. Mas o homem só tem que
afundar debaixo da superfície e ele estará livre”. ƒ

12 | 12
CLUBE DE REVISTAS
GERAL COMPORTAMENTO

O PODER DE UMA
BOA FOFOCA
Malvisto por seus efeitos deletérios, o ato de
falar de terceiros, quando bem-intencionado,
pode ajudar o boquirroto em vários escaninhos
da vida MAFÊ FIRPO

AO PÉ DO OUVIDO Fuxico: o hábito de contar histórias


sobre os outros foi determinante para a evolução humana

ISTOCKPHOTO/GETTY IMAGES

1|7
CLUBE DE REVISTAS

EXISTEM muitos níveis de fofoca, um esporte universal


que a espécie humana vem praticando desde os primór-
dios. Uma parcela consiste em maledicências, cuja mira é
alguém de quem não se gosta e a quem se quer atacar. Não
raro, os mexericos do mal vêm carregados de mentiras —
as famigeradas fake news — e revelam uma face lamentá-
vel dos indivíduos que as espalham. Mas há outros pris-
mas que dão ao assunto a complexidade que ele merece.
Em seu best-seller Sapiens: Uma Breve História sobre a
Humanidade, o historiador israelense Yuval Noah Harari
sustenta que o ato de fofocar não apenas ajudou a sedimen-
tar a linguagem cerca de 70 000 anos atrás, período em
que se desenrolou a chamada revolução cognitiva, como
foi vital para a própria sobrevivência em tempos em que os
riscos brotavam por toda a parte. Nesse inóspito ambiente,
o fluxo de informações entre os membros de um bando era
essencial para mapear os integrantes confiáveis e conhecer
os trapaceiros, criando assim sociedades mais coesas e
prontas para lutar em grupo pela existência.
Agora, uma vasta pesquisa lança luz sobre os efeitos da
fofoca nos cidadãos, que podem se beneficiar em alguns es-
caninhos da vida ao cultivar o hábito de chegar ao ouvido
de alguém tecendo considerações sobre os outros. O estudo,
conduzido pela Universidade Estadual de Washington e re-
cém-publicado no Journal of Evolution and Human Beha-
vior, se concentrou nas interações em que nenhum envolvi-
do desabonava a pessoa de quem falava — eram, portanto,

2|7
CLUBE DE REVISTAS

“mexericos do bem”, como definiram. Nessa seara, os bo-


quirrotos viam crescer as chances de ganhos palpáveis: re-
cebiam mais informações, que podiam se converter em me-
lhorias no trabalho (promoção, aumento, alargamento da
rede de contatos), e aprofundavam relacionamentos na esfe-
ra privada. “Ao ressaltar pontos positivos sobre uma terceira
pessoa, o autor da fofoca passa a ser bem-visto por exibir

SÁBIAS
PALAVRAS
O que pensadores de diferentes
épocas disseram sobre o hábito
de falar dos outros

S Ó C R AT E S
(470 a .C - 399 a .C)
O filósofo da Grécia
Antiga, segundo
contam, enfatizava
que, para não destruir
a reputação alheia,
a fofoca precisava
sobreviver a três peneiras:
verdade, bondade e utilidade

3|7
CLUBE DE REVISTAS

traços de honestidade e boa índole, e pode ser premiado por


isso, conforme constatamos”, disse a VEJA a antropóloga
Nichole Hess, coordenadora do trabalho que analisou amos-
tras nos Estados Unidos, na Índia e em países africanos. Em
todos eles, a conclusão foi a mesma.
Outro aspecto positivo em torno dos “fofoqueiros do
bem” é que eles, muitas vezes, acabam por firmar laços sóli-

SIGMUND FREUD
(1856-1939)
O pai da psicanálise
dizia que tecer
comentários sobre
alguém pelas costas
era uma forma de
satisfazer impulsos agressivos e aliviar
temporariamente tensões internas

Y U VA L H A R A R I
O historiador israelense
afirma que o ato de fofocar
ajudou a sedimentar a
linguagem e foi essencial
para a própria sobrevivência
da espécie humana

4|7
CLUBE DE REVISTAS

dos com aqueles com quem dividem inconfidências sobre


terceiros. “A fofoca produz elos, uma vez que se estabelece
uma cumplicidade com quem você fala”, afirma o antropó-
logo Bernardo Conde, da PUC-Rio. E é nesse terreno, refor-
ça a pesquisa, que pode germinar um ambiente de coopera-
ção favorável. No mundo real, isso se traduz nas mais diver-
sas e corriqueiras situações. Estagiário em uma firma de ad-
vocacia do Recife, Diego Luiz Queiroz, 19 anos, descobriu
que um importante processo não andava porque um funcio-
nário havia se enredado na burocracia e não conseguia de-
sengavetá-lo. Diego fez então a informação chegar a sua su-
periora, explicando as dificuldades do colega, sem criticá-lo.
Surtiu efeito, e o caso começou a caminhar com a ajuda da
própria chefe, com quem agora mantém linha direta. “Não
prejudiquei ninguém, ao contrário, e o episódio ajudou a me
aproximar dela”, relata Diego.
Uma pesquisa feita por cientistas holandeses, publicada
pela revista Nature, reforça que a fofoca funciona como
“uma ferramenta barata de cooperação”, mas faz a ressalva:
só vale quando ela não é movida pela vontade de prejudicar
o próximo. Se o mexerico vem cercado de más intenções, o
impacto é justamente inverso, manchando a reputação do
fofoqueiro. Atribui-se a Sigmund Freud (1856-1939), o pai
da psicanálise, a frase “Quando Pedro me fala de Paulo, sei
mais de Pedro do que de Paulo”. Para ele, falar de alguém
pelas costas seria uma forma de satisfazer impulsos agressi-
vos represados e de trazer alívio temporário a tensões inter-

5|7
CLUBE DE REVISTAS

nas. “Para a psicanálise, a fofoca é algo negativo porque ten-


de a diminuir o próximo, projetando sobre ele questões mal
resolvidas de quem a divulga”, afirma a psicóloga Joselene
Alvim, da Unesp. Para os que estão na mira, as consequên-
cias podem ser duradouras. “Por muitos anos, fui alvo de fo-
foca na escola e perdi durante um bom tempo a confiança
nas pessoas”, conta o engenheiro Bernardo Herzog, 24 anos.
Especialistas explicam que espalhar segredos e fazer in-
trigas sobre terceiros envolve uma satisfação pessoal que re-
mete à própria constituição humana. Daí o alerta: “Quanto
mais seduzidos pela história que disseminam, mais seus
narradores precisam indignar-se moralmente contra ela”,
diz o professor de filosofia Malcom Guimarães, da Universi-
dade Federal da Bahia. Embora a atual pesquisa de Washin-
gton se volte para as “fofocas do bem”, há evidências de que
também maledicências têm potencial de unir o autor e o re-
ceptor do enredo propagado, caso estejam afinados com o
tema em questão. Na era moderna, esse campo foi se tor-
nando cada vez mais perigoso, dada a envergadura que a
coisa pode tomar. Nos anos 1950, o sociólogo Herbert Mar-
cuse, da Escola de Frankfurt, já alertava que a cultura de
massa exercia influência direta na disseminação de fofocas
— bem antes do mundo ultraconectado pós-internet, tão
afeito a mexericos em larga escala.
A história é repleta de grandes fofocas, algumas natural-
mente alimentadas por fake news, que contribuíram inclusi-
ve para mudar o curso dos acontecimentos. Em 1784, espa-

6|7
CLUBE DE REVISTAS

lhou-se pela França que a controversa rainha Maria Anto-


nieta havia adquirido um colar de nada menos que 674 dia-
mantes. Para piorar, ele havia misteriosamente desapareci-
do. O caso circulou de súdito em súdito num período em que
a população andava empobrecida e faminta, e o escândalo
da joia, hoje avaliada em cerca de 150 milhões de reais, aju-
dou a agravar a insatisfação com a realeza, plantando mais
uma semente no que acabaria por resultar na Revolução
Francesa, em 1789. Lá atrás, na Grécia Antiga, Sócrates (470
a.C.-399 a.C.), segundo se conta, afirmava que, para que
uma fofoca não destruísse a reputação alheia, precisava so-
breviver a três peneiras: verdade, bondade e utilidade. Pala-
vras de um sábio filósofo. ƒ

7|7
CLUBE DE REVISTAS
GERAL SAÚDE

PICADA SEMANAL
Uma das mais aguardadas notícias para o tratamento
do diabetes está a um passo de virar realidade. Vem aí
a insulina aplicada uma única vez a cada sete dias
DIOGO SPONCHIATO

REVOLUÇÃO Menos injeções: a primeira insulina de uso


semanal demonstrou-se superior à versão diária em estudos

GECE33/E+/GETTY IMAGES

1|7
CLUBE DE REVISTAS

FAZ POUCO MAIS de 100 anos que o ritual de uso do


medicamento que mudou a história do diabetes, salvando
milhões de vidas desde então, depende de injeções diá-
rias. A partir do momento em que a primeira pessoa re-
cebeu uma dose de insulina, lá em 1922, até os dias de
hoje, quem depende do hormônio não pode deixar de
aplicá-lo religiosamente uma ou inúmeras vezes ao longo
de 24 horas. Uma revolução se anuncia, portanto, com a
chegada da insulina semanal, um dos maiores destaques
do congresso da Associação Americana de Diabetes.
Graças a ela, o número de picadas para domar a glicose
no sangue cai de 365 para 52 ao ano. Fora o conforto e a
comodidade para o paciente, estudos apresentados em
primeira mão revelaram que o produto é superior às ver-

PROGRESSO 1921

CENTENÁRIO Os médicos
Marcos históricos canadenses Frederick
e científicos na Banting e Charles Best
descoberta e no identificam e isolam o
uso da insulina hormônio, que permite
à glicose entrar
nas células

2|7
CLUBE DE REVISTAS
REPRODUÇÃO

1922 1946

O menino Leonard Um cientista


Thompson, de dinamarquês cria a
14 anos e menos de primeira versão de
30 quilos, é a primeira longa duração. No
pessoa com diabetes início, os medicamentos
a receber uma injeção eram extraídos de
de insulina tecidos animais

3|7
CLUBE DE REVISTAS

sões diárias com a mesma indicação. É notícia a ser cele-


brada pela comunidade de brasileiros que vivem com
diabetes — mais de 16 milhões de cidadãos.
A medicação, de nome Icodeca, foi formulada pelo la-
boratório Novo Nordisk depois de anos de pesquisa. Com
uma modificação química na molécula da insulina basal,
a substância obtida está apta a atuar no organismo du-
rante sete dias, tendo ação idêntica à do hormônio natu-
ral — é ele que abre as portas das células para captar a
glicose no sangue, evitando sua sobrecarga na circulação
e os danos decorrentes disso. Na reunião científica, fo-
ram publicados os dados de duas pesquisas reunindo 1
510 pessoas com diabetes tipo 2 — versão que correspon-
de a 90% dos casos da doença e está associada ao avan-

1982 1985

É aprovada nos Surgem as


Estados Unidos a primeiras canetas
primeira insulina para aplicação, mais
100% humana feita práticas e menos
em laboratório, dolorosas do que as
reduzindo risco de seringas com ampola
reações indesejáveis comuns até então

4|7
CLUBE DE REVISTAS

çar da idade e ao ganho de peso. Antes dos estudos, to-


dos eles não estavam conseguindo baixar a glicemia ade-
quadamente com remédios de uso oral. Uma parcela dos
voluntários tomou a insulina semanal, aplicada com ca-
netas semelhantes às mais modernas do mercado; outra
parcela recebeu injeções diárias. “O esperado era que
ambas tivessem a mesma eficácia. Mas nos surpreende-
mos: a Icodeca teve resultado superior”, diz Priscilla
Mattar, diretora médica da Novo Nordisk no Brasil.
Na prática, o novo produto não só aprimorou o con-
trole do diabetes como esteve ligado a menor risco de hi-
poglicemias, perigoso efeito colateral comumente rela-
cionado ao uso de insulina e marcado por quedas acen-
tuadas do açúcar no sangue. “O índice de tempo na meta

2010 2023

A década marca Bombas inteligentes


a aprovação e a de insulina já estão
popularização de no mercado e a
insulinas de ação versão de ação
ultralonga e ultrarrápida, semanal está prestes
facilitando controle a engrossar o
glicêmico arsenal terapêutico

5|7
CLUBE DE REVISTAS

DIGICOMPHOTO/SPL/AFP
EVOLUÇÃO Da seringa à caneta: aplicação do remédio
tornou-se mais prática e menos dolorosa

ideal para os níveis de glicose foi de 72% com a versão


semanal, ante 67% da diária”, afirma Priscilla. “Uma das
grandes vantagens dessa inovação é contornar barreiras
à adesão ao tratamento”, avalia o endocrinologista Carlos
Eduardo Barra Couri, pesquisador da USP de Ribeirão
Preto que esteve no evento em San Diego, nos Estados
Unidos. A Icodeca vem sendo testada tanto em pessoas
com diabetes tipo 1 (de origem autoimune, em geral de-
tectado na infância ou adolescência) como com o tipo 2.
Mas é especialmente essa parcela majoritária dos pacien-
tes que apresenta maior rejeição, medo e dificuldade em

6|7
CLUBE DE REVISTAS

DIVULGAÇÃO/NOVO NORDISK

CONEXÃO Nova geração: canetas têm ligação via Bluetooth


com dispositivos que monitoram a glicose

relação à utilização de insulina — e, em algum momento


da doença, ela provavelmente será prescrita. A medica-
ção semanal ajudaria, então, a angariar maior engaja-
mento na terapia, ainda mais tendo em vista que compri-
midos tradicionalmente receitados para fazer o hormô-
nio trabalhar direito no corpo deverão continuar inte-
grando o plano de ação.
A novíssima insulina já foi submetida às agências re-
gulatórias que analisam e aprovam a liberação de fár-
macos em diversos países, incluindo o Brasil. Por aqui
se espera que ela chegue às farmácias até 2025. O de-
senvolvimento tecnológico por trás do produto coroa
uma trajetória centenária de aperfeiçoamento de molé-
culas e soluções para ampliar a qualidade e a expectati-
va de vida de quem recebe o diagnóstico de diabetes.
Das seringas dolorosas injetadas várias vezes ao dia às
canetas high-tech com microagulhas de aplicação se-
manal, há muito que comemorar. E, ao que tudo indica,
a história não acaba aí. ƒ

7|7
CLUBE DE REVISTAS
GERAL URBANISMO

BICHO CARPINTEIRO
Matéria-prima de construções pré-históricas, a madeira
ressurge, ligeiramente modificada, como peça
fundamental para levantar edifícios e arranha-céus
MARÍLIA MONITCHELE

SUSTENTABILIDADE Projeto em Estocolmo, na Suécia:


construção de trinta prédios com zelo ambiental

HENNING LARSEN/ATRIUM LJUNGBERG

1|4
CLUBE DE REVISTAS

A MADEIRA está entre os mais antigos materiais de cons-


trução do mundo. Acredita-se que a primeira estrutura com
partes de troncos de árvores tenha sido erigida há mais de
10 000 anos, no norte da África. Desde então, perdeu terre-
no primeiro para a pedra e, depois, para a alvenaria. Mas
nunca deixou de ser usada, como mostram as vilas flutuan-
tes do delta do Rio Mekong, no sudeste asiático, ou as comu-
nidades ribeirinhas da Amazônia brasileira. Agora, ambi-
ciosos projetos arquitetônicos, a maior parte deles na Euro-
pa, nos Estados Unidos e no Canadá, estão dando tração a
uma ressurreição madeireira. As razões, dizem os especia-
listas, são em grande parte ambientais. Edifícios leves,
atraentes e robustos feitos com a matéria-prima natural são
considerados alternativas amigáveis ao concreto.
Do ponto de vista de sustentabilidade, a pegada de car-
bono é mínima, porque a madeira absorve CO2 durante o
crescimento. Já a indústria do cimento é responsável por
cerca de 8% das emissões globais de dióxido de carbono.
Além disso, a madeira de construção é um material renová-
vel — espécies como o pinus e o eucalipto, provenientes de
áreas de reflorestamento controlado, são biodegradáveis, di-
ferentemente do concreto, que não é facilmente reciclável.
Chamado “madeira em massa”, o movimento tem como
objetivo construir arranha-céus e outros edifícios com com-
postos de madeira em vez de aço e concreto. Uma recente
mudança no código internacional de construção permitiu
que as estruturas atinjam até dezoito andares. Os projetos

2|4
CLUBE DE REVISTAS
JAMES MACDONALD/BLOOMBERG/GETTY IMAGES

CANTEIRO Obras no Canadá: investimento


na indústria da construção

são feitos com as “madeiras engenheiradas”, técnica de cola-


gem de tábuas ou lamelas tratadas para aumentar a resistên-
cia e melhorar a estabilidade estrutural — além de tudo, elas
são projetadas para resistirem ao fogo. “É uma excelente téc-
nica para o futuro da construção civil”, disse a VEJA a ar-
quiteta Danielle Khoury Gregorio, consultora em estratégias
sustentáveis. “Oferece um desempenho excepcional, tanto
do ponto de vista estrutural quanto ambiental.”
Exemplos dessa nova tendência não faltam. Entregue em
agosto de 2022, o Ascent, uma torre de apartamentos de 25
andares em Milwaukee, nos Estados Unidos, tornou-se a es-
trutura de madeira maciça mais alta do mundo, com 86,5

3|4
CLUBE DE REVISTAS

metros, superando o Mjøstårnet, na Noruega, com 84,5 me-


tros. No fim do ano passado, o Conselho da Cidade de Nova
York aprovou o uso de madeira maciça para edifícios de até
26 metros de altura — o que equivale a seis ou sete andares.
Em Chicago, há um projeto batizado de River Beech que
propõe a construção de uma torre de oitenta andares.
No Canadá, o governo da Columbia Britânica está empe-
nhado em expandir a indústria da construção em madeira,
investindo em fábricas para a produção de matéria-prima
para os prédios que poderão ter até doze andares. Na Suécia,
a construtora Atrium Ljungberg está à frente da ambiciosa
Cidade de Madeira de Estocolmo. Localizada na zona in-
dustrial de Sickla, ela se estenderá por mais de 250 000 me-
tros quadrados. O canteiro de obras deve ser inaugurado em
2025 e as primeiras unidades são prometidas para os dois
anos seguintes. Serão 25 quarteirões, com trinta edifícios
sustentáveis, 7 000 novos escritórios e 2 000 residências.
Tudo feito de madeira.
Acompanha-se com entusiasmo as vantagens de fazer
subir estruturas de madeira. Por serem pré-fabricadas e en-
tregues prontas para a instalação, autorizam a aceleração
das obras e, claro, economia. Em vez de casas falantes e sis-
temas inteligentes, tudo plugado em algum tipo de mecanis-
mo robótico, o futuro da arquitetura e do urbanismo pode
estar, afinal, nas árvores, que há milênios se tornaram exí-
mias produtoras de lares. Um passo atrás, cauteloso e inteli-
gente, é sempre bem-vindo para a humanidade. ƒ

4|4
CLUBE DE REVISTAS
GERAL GAMES

BOLA DIVIDIDA
A ruptura da parceria entre Fifa e EA Sports,
responsável pelo principal jogo de futebol do universo
eletrônico, abre caminho para novas disputas de um
campo bilionário DIEGO ALEJANDRO

DIVERSIDADE Futebol feminino: uma das apostas da


EA Sports para arrecadar novos fãs

EA SPORTS

1|8
CLUBE DE REVISTAS

BRASIL E ARGENTINA, Real Madrid e Barcelona, que


nada… Poucas rivalidades são tão mercuriais quanto a das
franquias de games Fifa Football e Pro Evolution Soccer
(PES, outrora conhecido como Winning Eleven). Há quase
três décadas, suas desenvolvedoras — EA Sports e Konami,
respectivamente — lutam pela supremacia entre os simula-
dores de futebol, leiloando licenças de clubes e ligas e apri-
morando as experiências virtuais. Agora, a partida esquen-
tou ainda mais, com briga entre os — digamos assim — car-
tolas. Depois de anos de parceria, a Fifa (a Federação Inter-
nacional de Futebol) rompeu com a EA Sports e quer ter seu
próprio game. E outros títulos estão chegando para desafiar
o duopólio dos líderes do mercado.
Em 2023, depois de um casamento aparentemente per-
feito, a EA Sports e a Fifa não chegaram a um acordo de
renovação. A entidade máxima do futebol pediu mais do
que o dobro do valor atual para que a série levasse sua
chancela, o que acabou com o relacionamento. A versão
atual, Fifa 23, será a última do acordo. Com isso, a fran-
quia passará a se chamar EA Sports FC. Ao que tudo indi-
ca, as transformações no game não serão tão impactantes
— vale a máxima de que em time que está ganhando não
se mexe. A produtora americana, que faturou o equivalen-
te a cerca de 25 bilhões de reais em 2022, corre para asse-
gurar os mesmos contratos com jogadores e clubes que já
tinha (um de seus pontos mais fortes). Só para a inglesa
Premier League, os valores giram em torno de 3 bilhões

2|8
CLUBE DE REVISTAS

de reais. Além dela, o jogo reúne 19 000 atletas, 700 equi-


pes e trinta campeonatos licenciados, incluindo represen-
tantes do futebol feminino.
Soa inacreditável, mas esse universo não abrange os ti-
mes brasileiros, dada a desestruturação da “liga” nacional,
embora ofereça competições da Confederação Sul-America-
na de Futebol (Conmebol) para as telas. “Meu maior receio
era a perda da influência ao não ter o nome Fifa”, diz o strea-
mer MuuhPro, que produz conteúdos sobre games de fute-
bol e tem mais de 3,6 milhões de inscritos em seu canal no
YouTube. “Mas, conversando com os criadores, não deve
mudar muita coisa. O título deve perder poucos eventos.”
Quem corre por fora é a própria federação comandada por
Gianni Infantino. O presidente da Fifa já alardeou que a en-
tidade terá seu próprio jogo em 2025. Por ora, espalham-se
mais especulações do que dados a respeito.

GOLS NA TELA
Os jogos que, após a parceria
entre EA Sports e Fifa, fizeram
história no videogame

3|8
CLUBE DE REVISTAS

FIFA International Soccer


Lançado em 1993, foi a primeira adição
de um jogo de futebol à marca EA Sports.
E, apesar de ter concorrência de outros
títulos, se destacou por já portar a licença
oficial da Fifa, o organismo que coordena o
esporte. Nascia uma parceria de sucesso

FIFA: Road to World Cup 98


Marca o início de uma tendência ascendente
na série e a primeira vez que uma Copa do
Mundo figurava no game. Possuía mecanismo
gráfico refinado, opções de personalização
de times e jogadores, dezesseis estádios,
inteligência artificial aprimorada e as
seleções nacionais do torneio

FIFA 06
Considerado o início do FIFA moderno.
Os desenvolvedores fizeram uma revisão
completa do software, resultando em melhorias
colossais no controle do jogo. Os gráficos eram
mais suaves e o futebol virtual nunca pareceu
tão realista. Também introduziram a
química da equipe, que determina quão
bem os atletas jogam juntos na tela

4|8
CLUBE DE REVISTAS

FIFA 09
É o nascimento do Ultimate Team, o modo mais
popular dentro do jogo atualmente — e um dos mais
polêmicos. Deu início às microtransações e ao “pack
de cartas”, que se assemelham a mecanismos de
cassino e já chegaram a ser banidos em alguns
países, só que angariou muitos fãs

FIFA 12
Talvez o mais amado. Representa grandes avanços
na jogabilidade, levando em consideração a captura
de movimento de jogadores únicos e como eles
andam em campo, driblam e disputam a bola,
além de dar mais precisão ao defender e driblar,
transformando a dinâmica imersiva do game

FIFA 17
O primeiro título feito pensando nas novas
gerações de consoles. Passou a usar o
mecanismo de jogo Frostbite, que dá essa
sensação de hiper-realismo aos jogadores em
campo, além de novas técnicas de ataque,
IA ativa e o modo de campanha histórica,
intitulado The Journey, em que assumimos
o papel de Alex Hunter, a mais nova
promessa do futebol inglês

5|8
CLUBE DE REVISTAS
STRIKERZ

ESTREANTE UFL: jogo “grátis e justo” tem craques,


mas não saiu do papel

Enquanto isso, a arquirrival Konami implementou mu-


danças mais profundas. A partir de 2020, para incentivar
ainda mais o e-sport em sua plataforma e repaginar a fran-
quia que vinha numa decrescente, a empresa japonesa ado-
tou a marca eFootball, aposentando o nome PES e trazendo
mais inovações em comparação às edições passadas. Até
então, a série havia vendido cerca de 111 milhões de cópias,
além de 400 milhões de downloads para smartphones. E a
tática surtiu efeito, a ponto de a produtora atingir lucro pró-
ximo de 10 bilhões de reais. Uma das apostas da casa foi o
jogo grátis, manobra para atrair fãs e consolidar as micro-

6|8
CLUBE DE REVISTAS
KONAMI

ADVERSÁRIO eFootball: inovações e derrapadas


marcam rival da EA Sports

transações nos modos on-line. Só que a franquia parece ter


emperrado depois disso. Em 2021, o jogo não passou de me-
ra atualização no software. E a sequência, de 2022, também
teve resultados aquém do esperado. Um lançamento cheio
de bugs que pioraram a resolução das imagens, a ponto de a
Konami emitir um pedido público de desculpas.
Desde então, atualizações significativas foram feitas,
com o retorno de módulos clássicos e apreciados pelos joga-
dores, como Master Liga e Rumo ao Estrelato, bem como
uma versão especial para celular. O atual eFootball 2023 su-
biu um pouco o sarrafo, pois não quer perder de goleada dos

7|8
CLUBE DE REVISTAS

EA SPORTS

ÚLTIMO FIFA 23: fim da parceria entre a Fifa


e o gigante dos games

velhos e novos adversários. Até porque, pela tangente, cor-


rem ingressantes no mercado. A Strikerz, uma produtora
bem menor, vem trabalhando no desenvolvimento do UFL,
um jogo gratuito e “justo”, sem transações on-line, de acor-
do com os criadores. Cristiano Ronaldo, Lukaku e De Bruy-
ne são alguns dos craques que embarcaram na proposta e se
tornaram embaixadores. Contudo, o título está atrasado no
cronograma. Apesar da propaganda, ainda passa por me-
lhorias e aguarda lançamento. Será que vai arranhar o duelo
entre EA Sports e Konami? E com a Fifa no páreo? O apito
soou, e há muito jogo pela frente. ƒ

8|8
CLUBE DE REVISTAS
GERAL BICHOS

O MELHOR AMIGO
DO CÃO
Não é quem você está pensando... Pesquisa com
21 000 cachorros revela que eles se sentem bem e
ficam mais saudáveis quando têm companhia da
mesma espécie LUIZ PAULO SOUZA

MATILHA Convívio em grupo: resguardo para a saúde dos pets

HANS SURFER/MOMENT/GETTY IMAGES

1|5
CLUBE DE REVISTAS

ERA UMA VEZ um ambiente hostil em que seres huma-


nos e lobos se comportavam feito inimigos mortais, am-
bos vivendo em grupos e competindo por alimento e ter-
ritório. Contudo, em algum momento entre 20 000 e
40 000 anos atrás, durante a última Era Glacial, essa rela-
ção se transformou e se tornou mais pacífica. Para o ho-
mem, ter uma alcateia por perto garantia proteção contra
as feras. Para o lobo, ter uma família hominídea nas re-
dondezas era certeza de sobras de comida. A amizade deu
tão certo que alguns animais aceitaram ser domesticados
e, com o passar do tempo, deram origem a uma raça com-
pletamente diferente, os cães.
Certas características de seus ancestrais selvagens, no
entanto, permanecem em nossos companheiros de quatro
patas. Segundo uma nova e robusta pesquisa, em cima de
dados de 21 000 cachorros, eles gostam mesmo é de estar
com outros... cachorros. Nada melhor para o bem-estar ani-
mal que o convívio com a mesma espécie. Que fique claro:
cães apreciam bastante a companhia humana. Mas a ciência
colhe provas de que a saúde deles tem a ganhar quando exis-
te uma matilha no pedaço. “O suporte social, que inclui o
convívio com outros pets, é cinco vezes mais determinante
para a saúde do bicho do que qualquer outro aspecto”, diz
Noah Snyder-Mackler, professor da Universidade Estadual
do Arizona, nos EUA, e coautor da pesquisa.
Embora seja a primeira vez que tal preferência e seu im-
pacto tenham sido evidenciados por um grande estudo, os

2|5
CLUBE DE REVISTAS

GANGORRA
CANINA
O que pode fazer bem e o que
prejudica a saúde dos cães

PRÓS

Companhia de outros animais

Assistência veterinária

Donos mais velhos

CONTRAS

Idade avançada do animal

Crianças dentro de casa

Adversidades financeiras dos proprietários

3|5
CLUBE DE REVISTAS

efeitos e os sintomas da solidão canina podem ser percebi-


dos facilmente pelos donos. Os animais tendem a sofrer
quando os tutores saem para trabalhar, ficando apáticos e
perdendo até a fome. É um fenômeno conhecido como an-
siedade de separação. O melhor remédio para esse quadro
é a convivência com outros cachorros. “Ela reduz a sensa-
ção de abandono e propicia movimentação e estímulos sen-
soriais, antídotos contra o estresse”, diz Alexandre Rossi,
zootecnista especialista em comportamento animal.
Há outras maneiras de contornar a chateação, que pare-
ce ter se tornado mais frequente depois de tanta gente re-
tornar do home office para o escritório no pós-pandemia.
Nada de outro mundo. É levar o cachorro para passear e
brincar com ele. Permitir que o animal circule pelos am-
bientes da casa e fique próximo da família certamente faz a
diferença. E, quando é preciso deixá-lo por um tempo, a
saída é evitar o tédio. Deixar brinquedos, espalhar petiscos
pelo ambiente... Ou, e essa é a prescrição científica, ofere-
cer, desde cedo, permanente companhia canina.
A análise trouxe outros achados curiosos. A presença
de crianças em casa, pasmem, foi associada a piores índi-
ces nos cuidados com os animais, ao passo que cães de
pessoas mais velhas exibiram perfis mais sadios. Lares
com renda alta também proveram mais assistência veteri-
nária. No fundo, tudo tem a ver com a alocação de recur-
sos. “Ainda que os cachorros sejam considerados parte da
família, se há uma criança em casa, provavelmente você

4|5
CLUBE DE REVISTAS

RAPIDEYE/E+/GETY IMAGES

TEMPO Donos mais velhos: estudo vê vantagens para o


bem-estar do bicho

vai se preocupar mais em garantir que ela não se meta em


problemas do que olhar para o bicho”, diz Brianah Mc-
Coy, também autora do estudo. Nessa lógica, aposentados
terão mais tempo para dar passeios e indivíduos com
maior poder aquisitivo poderão desembolsar mais com
consultas. Uma unanimidade: os cães detestam solidão.
Vai adotar um filhote? Que tal então levar dois? ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS

LUCILIA DINIZ

A FORNALHA
DO CORPO
É fundamental cuidar dos intestinos,
nossa máquina vital

PORTUGAL é uma terra que faz a minha alma cantar. Eis


que, estando em Lisboa para participar de um fórum, senta-
da numa esquina no Chiado tomando um café, ouço alguém
na mesa ao lado dizer que algo “é bom para as tripas”. A fra-
se captada ao acaso me levou a pensar em uma alheira, en-
chido da culinária lusitana feito de aves, pão, azeite e alho
que meu pai, natural da terrinha, adorava. Muito embora,
no caso dessa iguaria, as “tripas” é que eram boas para ani-
mar o espírito dele. Meu pensamento logo correu do embu-
tido para outra preferência lusa, o grão-de-bico, um bom
amigo do sistema digestivo.
Apesar da minha ascendência portuguesa, falar de
“tripas” sempre me soou um tanto esquisito. Mas aqui em
Portugal é assim que se chamam os intestinos de gente e
de bicho. No Brasil, embora não usemos a palavra quan-
do falamos do funcionamento do corpo humano, pode-
mos nos lembrar sem grande esforço de uma expressão
bem cotidiana na qual ela aparece: “fazer das tripas cora-

1|3
CLUBE DE REVISTAS

ção”. Esse dizer, como se sabe, significa dedicar-se ao


máximo e vencer suas próprias limitações para cumprir
um objetivo. Mas, se o coração é sabidamente um órgão
vital (que os antigos acreditavam ser a sede da coragem),
o que tinham as tripas a ver com a capacidade de supe-
rar um obstáculo?
A expressão parece nos comunicar, ainda que indire-
tamente, um preconceito bem injusto quanto ao papel
dos nossos intestinos, vistos como menos nobres na ma-
nutenção da nossa vida. Em inglês, há uma expressão
mais direta que talvez dê ao órgão um lugar mais condi-
zente com sua função. A expressão “to have the guts”, li-
teralmente, “ter intestinos”, é empregada para dizer que
alguém é corajoso. Talvez a simplicidade do falar lusita-
no, ao usar a palavra “tripas” no sentido literal, queira
nos lembrar de que não podemos ter esse tabu. Os intes-

“O que é bom
para as tripas?
O que traz equilíbrio é,
ora pois, o que
é equilibrado”
2|3
CLUBE DE REVISTAS

tinos, que ocupam espaço tão grande no centro do nosso


corpo, não são apenas um amontoado de curvas espaço-
sas. São a fornalha da nossa máquina vital, operada por
um exército de 100 trilhões de microrganismos vivos, a
famosa microbiota.
Essas bactérias, fungos, vírus e outros micróbios que
moram dentro de nós não são indesejáveis, ao contrário.
Desde que mantidos em equilíbrio, funcionam a nosso fa-
vor, regulando nosso sistema imunológico. O que é “bom
para as tripas” é bom para o corpo de maneira geral, man-
tendo-nos saudáveis. Alguns cientistas já falam em uma
epidemia de doenças relacionadas ao trato intestinal e,
apesar de não conseguirem ainda traçar uma linha decisi-
va sobre o peso da alimentação nisso, não descartam que
ele seja tão grande quanto o de fatores genéticos. Então, o
que é bom para as tripas? De um lado, os probióticos (que
são bactérias vivas) e estão em produtos fermentados, co-
mo o iogurte e o missô. De outro, os prebióticos, fibras que
nutrem a microbiota. E não é preciso fazer das tripas cora-
ção para encontrar essa dupla. Elas estão nos alimentos
ricos em fibras, como frutas e verduras. Aspargo e alca-
chofra, mas também a trivial banana, são ricos em prebió-
ticos. O tão falado ômega-3, encontrado em peixes como a
sardinha (de novo Portugal sabe das coisas), é outro ele-
mento benéfico. Uma alimentação variada, com tudo isso
aliado a proteínas magras, é boa para as tripas. O que traz
equilíbrio é, ora pois, o que é equilibrado. ƒ

3|3
CLUBE DE REVISTAS
GERAL GASTRONOMIA

PONTO PACÍFICO
A cozinha peruana ingressa definitivamente nas mais
saborosas e celebradas do mundo — uma mistura de comida
indígena com as ofertas de 3 000 quilômetros de litoral
ANDRÉ SOLLITTO
FACEBOOK @VIRGILIOCENTRAL

RIQUEZA NATURAL Pratos do Central, de Lima: culinária


contemporânea com ingredientes clássicos e pesquisas

1|6
CLUBE DE REVISTAS

DURANTE 21 ANOS, o World’s 50 Best Restaurants, o


mais prestigioso prêmio da gastronomia, privilegiou
endereços europeus e americanos em seu ranking de
melhores do mundo. Por anos, os espanhóis El Bulli e
El Celler de Can Roca, o italiano Osteria Francescana,
o dinamarquês Noma e um punhado de outras casas re-
nomadas dividiram o topo do pódio. Em 2023, contu-
do, houve uma interessante virada. O campeão não fica
na França nem nos Estados Unidos, mas no Peru. Co-
mandado pelo casal Virgilio Martínez e Pía León, o
Central, em Lima, chegou ao topo da lista depois de ter
abocanhado o segundo lugar no ano passado. É a con-
sagração da gastronomia peruana como uma das mais
inovadoras, celebradas e saborosas do planeta — pas-
seio entre a cultura indígena e os quase 3 000 quilôme-
tros de litoral beijados pela riqueza das espécies de pei-
xes do Oceano Pacífico.
É ponto pacífico: o reconhecimento de Martínez e
León é a locomotiva de um movimento incansável e in-
teligente. A boa culinária do Peru não recorre a técnicas
e ingredientes de origem europeia — os menus vivem
constante mutação, ancorados na imensa biodiversidade
do país. No Central, dá-se um balé cronometrado e pre-
ciso. Virgilio e sua irmã, Malena Martínez, vão a campo,
provando sementes, animais e plantas e ouvindo as his-
tórias dos povos originários. Mergulham nas raízes da
cozinha local. Pía é quem comanda os fogões.

2|6
CLUBE DE REVISTAS

INGREDIENTES
ESSENCIAIS
O que não
pode faltar nas
preparações andinas

QUINOA
A planta é um
CORVINA alimento histórico
Peixe muito para o Peru.
comum na Se usada como
costa do um cereal, dá
Pacífico, é origem a saladas
uma escolha e sopas saborosas
óbvia para o e nutritivas. Se
tradicional moída, sua farinha
ceviche por seu serve de base para
sabor delicado. massas, doces e
Usado também pães. E tem efeito
em preparações antioxidante,
como o tiradito, saudável
fatias finas
semelhantes
ao sashimi

3|6
CLUBE DE REVISTAS

AJÍ
AMARILLO
Na gastronomia
peruana, as pimentas
são usadas tanto por
sua picância e sabor
quanto por suas cores.
O condimento amarelo
— daí seu nome —
é aromático e
tem ardência
moderada,
usado em
diversos pratos

CAMOTE
Conhecida como batata-doce
do Peru, o tubérculo tem uma cor
alaranjada muito forte e sabor mais
adocicado que a versão conhecida no
Brasil. É usada tanto em preparações
salgadas quanto em sobremesas
FOTOS SHUTTERSTOCK

4|6
CLUBE DE REVISTAS

Há farto material para pesquisa e, portanto, para cria-


ções. Embora não seja tão grande, o Peru é considerado
um dos dezessete países chamados de “megadiversos”,
com uma das maiores variedades climáticas e geográfi-
cas do planeta. São onze ecorregiões distintas, que co-
meçam no nível do mar e sobem vertiginosamente por
mais de 4 000 metros de altitude, nos Andes. Em cada
microrregião há um ecossistema variado e peculiar.
Além de ingredientes essenciais, presentes há séculos na
culinária local (veja o quadro), há uma infinidade de ele-
mentos com os quais nem mesmo os próprios peruanos
estão familiarizados.
Se fosse o caso de apontar um precursor do sucesso
peruano, a ribalta estaria nas artes do fenomenal chef
Gastón Acurio, pioneiro em valorizar a tradição (o cevi-
che de sua rede La Mar, que já teve filial em São Paulo, é
de se comer ajoelhado) e elaborar pratos contemporâ-
neos, quase desenhados (locomotiva do restaurante As-
trid&Gastón, em Lima). Virgilio Martínez, é bom lem-
brar, é discípulo de Gastón, com quem trabalhou na Es-
panha. O prêmio Nobel Mario Vargas Llosa, bom de pra-
to, embora nem tanto de copo, como sempre admitiu,
não tem nenhuma dúvida, como escreveu em um artigo:
“Ninguém fez tanto quanto Gastón para que o mundo
descubra que o Peru, um país com tantas carências e li-
mitações, desfrute de uma das cozinhas mais variadas,
inventivas e refinadas do mundo, que pode competir sem

5|6
CLUBE DE REVISTAS

c omplexo s c om a s
mais famosas, como a
chinesa e a francesa”.
É batata! — doce co-
mo o camote, o tubér-
culo alaranjado e ines-
capável nos preparos
limeños: pouco a pouco
se constrói um extraor-
dinário edifício, ímã
também de turismo.

FACEBOOK @VIRGILIOCENTRAL
No atual rank ing
World’s 50 Best há ou-
tras três casas de Lima
— Ma ido, Kjol le e CRIADOR O chef Virgilio
Mayta. “A vitória de Martínez: em campo atrás
Virgilio Martínez é, na de novidades
realidade, uma con-
quista para todo o Peru”, diz o chef Enrique Paredes, do
Ama.zo, restaurante de comida peruana em São Paulo
que também apresenta versões de clássicos com roupa-
gem moderna e ingredientes encontrados tanto nos An-
des quanto no Brasil. Sejam bienvenidos, portanto, a uma
escola gastronômica de escol, que andava escondida, mas
foi globalmente descoberta, ou redescoberta, um brinde
ao paladar delicado, sim, mas também a quem gosta de
picância, como é a própria vida. ƒ

6|6
CLUBE DE REVISTAS
PRIMEIRA PESSOA

ARQUIVO PESSOAL YANAN LI/SWEDISH CARE INTERNATIONAL

1|4
CLUBE DE REVISTAS

GANHEI
MEU NOBEL
Jussara Otaviano é a primeira enfermeira negra a receber
um prêmio internacional das mãos da rainha da Suécia

A ENFERMAGEM é uma tradição de família. Minha mãe


sonhava em seguir a profissão. Ela não pôde, mas eu e mi-
nhas irmãs conseguimos. Nascemos em Guaxupé (MG) e
viemos estudar em São Paulo. Quando chegávamos à cida-
de, a primeira coisa que fazíamos era um curso de auxiliar
de enfermagem. Concluí essa formação aos 18 anos e, quan-
do comecei a trabalhar na área, dei início à faculdade de en-
fermagem. Hoje são quase trinta anos de profissão. Ao mes-
mo tempo, segui outra tradição familiar, a música, compon-
do e cantando num quarteto com as minhas irmãs. Houve
um momento em que foi difícil escolher qual caminho tri-
lhar, mas percebi que era possível conciliar as duas coisas.
Nosso grupo, A Quatro Vozes, segue em atividade. Já dividi-
mos o palco até com a Elza Soares.

2|4
CLUBE DE REVISTAS

Brinco que, em determinado momento, cheguei a ter uma


overdose de hospital. E senti que eu podia fazer a diferença
fora daquelas quatro paredes. Foi assim que fui me especiali-
zar em educação e tive a oportunidade de acompanhar os
primeiros passos do Sistema Único de Saúde (SUS) na capital
paulista, no início dos anos 1990. Atuava na periferia, em um
cenário de insegurança pública, trabalhando com as lideran-
ças comunitárias e implementando o que ficou conhecido co-
mo estratégia de saúde da família. Depois de fazer a gestão
de atenção primária em um posto de saúde, fui convidada a
implantar e gerir novas unidades na Zona Sul de São Paulo.
Durante a minha jornada, tomei conhecimento da terapia
comunitária integrativa, e me apaixonei por ela. É uma
abordagem criada por um psiquiatra brasileiro baseada em
rodas de conversa de uma hora que permitem aos partici-
pantes dar vazão a sentimentos, trocar experiências, acolher
e ser acolhido. A terapia tem a proposta de ajudar a tirar pes-
soas do estado de sofrimento, porque, embora a doença seja
algo a ser encaminhado e tratado por um profissional, qual-
quer um pode acolher o sofrimento do outro. Fiz uma imer-
são no método e, desde 2009, contribuo para formar tera-
peutas no Instituto Afinando Vidas. Hoje a terapia faz parte
da cesta básica do SUS, uma ferramenta valiosa se conside-
rarmos a falta de recursos e especialistas em saúde mental
para atender toda a população individualmente. É uma pro-
posta acessível e sustentável, que pode ser aplicada em hos-
pitais, centros de idosos, escolas...

3|4
CLUBE DE REVISTAS

Ao seguir esse caminho, fui convidada pela Secretaria


Municipal de Saúde de São Paulo a expandir a formação de
pessoas para realizar rodas terapêuticas pela cidade. Vamos
chegar a mais de 5 000 sessões feitas. Durante a pandemia,
criamos até um protocolo para que elas ocorressem de for-
ma on-line. Minha ambição agora é levantar evidências
científicas sobre os benefícios da terapia comunitária. Na
prática, notamos que ela promove relaxamento, reduz o es-
tresse e diminui sentimentos como tristeza e raiva. Foi com
esse trabalho de inovação social que ganhei o Prêmio de En-
fermagem Rainha Silvia da Suécia.
Acabo de voltar de Estocolmo, onde recebi da própria
majestade a premiação. Eu e minha irmã e também terapeu-
ta, Jurema, éramos as únicas mulheres negras na cerimônia.
Quando chegamos ao palácio, os convidados pararam para
olhar. Senti no ar a admiração deles e o fortalecimento da
nossa identidade. É muito importante ver a categoria da en-
fermagem recebendo reconhecimento, não só salarial. E re-
verenciar o SUS, esse sistema que ajudei a construir tijolo a
tijolo. Assim como é fundamental dar voz às pessoas. Mui-
tas delas morrem porque não falam. O acesso à fala é uma
forma de cuidado. Tenho orgulho de ser uma enfermeira ne-
gra, que representa tantas afrodescendentes e chefes de fa-
mília que apoiam os outros em seus momentos de fragilida-
de. Essa conquista é o meu Prêmio Nobel. ƒ

Depoimento dado a Diogo Sponchiato

4|4
CLUBE DE REVISTAS
GERAL MODA

RAINHA
DOS POÁS
Kate Middleton faz das estampas
com bolinhas uma assinatura
visual e um modo de fugir da
formalidade imposta pelas
cerimônias da realeza. Deu certo
SIMONE BLANES

CIRCUNSTÂNCIAS A princesa e os
modelitos: respeito aos humores da hora

MARK CUTHBERT/GETTY IMAGES; KARWAI TANG/GETTY IMAGES; MAX MUMBY/GETTY IMAGES

1|5
CLUBE DE REVISTAS

UM DIA DESSES, como quem foge das amarras impostas pe-


la realeza, a herdeira do trono britânico afirmou: “Eu sou mui-
to Kate”. Embora não tenha rompido com influências históri-
cas nem tampouco reinventado a roda, a princesa de Gales
criou um estilo próprio abaixo e acima de suas covinhas. Um
estudo recente revelou a colossal capacidade de a “mais pode-
rosa influenciadora de moda real” impulsionar a indústria bri-
tânica de roupas em até 1 bilhão de libras por ano, o equivalen-
te a mais de 6 bilhões de reais. Mas, afinal, o que é ser muito
Kate, para além da evidente inspiração e homenagem à prin-
cesa Diana, sua sogra, morta tragicamente em 1997?
Uma resposta possível: é desfilar com pompa e circuns-
tância em poás. A cada aparição pública, e são muitas e inter-
mináveis, ela enverga, com cores e contrastes diferentes, es-
tampas de bolinhas que preenchem da barra da saia à gola
ou ao decote. Diana, é verdade, também apreciava a estampa
— embora a consumisse com moderação. Ela gostava mes-
mo de composições chamativas, a cara dos anos 1980 e 1990,
no avesso do tom insosso do príncipe que viraria rei, Charles.
Kate dá outra nuance, sem os exageros do passado, com mo-
delitos que priorizam bolinhas menores impressas em cortes
tradicionais — que, às vezes, até exalam ares de nostalgia.
Vestir-se de modo adequado não é ciência exata, mas há
boa dose de cálculo, sem o qual haveria erros em profusão.
Na semana passada, ao acompanhar o cortejo da cerimônia
da Ordem da Jarreteira, a mais antiga láurea militar de ca-
valaria britânica, do século XIV, atavicamente leve, já com

2|5
CLUBE DE REVISTAS

calor de verão, Kate desfi-


lou a bordo de um refinado
vestido com decote alto,
mangas compridas e cintu-
ra marcada — para roubar
a cena e não teve para nin-
guém. O modelo é assinado
pela designer italiana Ales-
sandra Rich, sua preferida
para a criação das peças
com poás. Ao sair da ma-
JAYNE FINCHER/PDA/GETTY IMAGES

ternidade com o filho Geor-


ge nos braços, em 2013,
diante das câmeras, Kate
usava azul-bebê com boli- HERANÇA Diana:
nhas brancas. Na visita ao chamativa como foram
Centro Comunitário Ucra- os anos 1980 e 1990
niano, em apoio às famílias
que enfrentam a guerra, e na missa em homenagem ao
príncipe Philip, em 2022, modelos escuros e discretos com
pontinhos brancos pediram passagem, em nome da discri-
ção que as situações exigiam.
As bolinhas, como se vê, vão com tudo, e as de Kate, mais
ainda. “Os poás dela são clássicos, mas sem sisudez”, diz a
consultora de moda Manu Carvalho. “Afastam-se do recado
sexy das pin-ups e assumem um tom elegante, como pede a
estética de uma princesa moderna.” Há até quem interprete

3|5
CLUBE DE REVISTAS
DIVULGAÇÃO

HISTÓRIA
Entre as pin-ups
das revistas
(acima) e as
estrelas do cinema,
como Marilyn
Monroe, em 1950:
a ingenuidade
ARCHIVE PHOTOS/GETTY IMAGES

com pegada
evidentemente
sedutora

4|5
CLUBE DE REVISTAS

o desenho como instrumento de afirmação pessoal, como


quem quer dizer alguma coisa com o que veste — e é isso
mesmo. É uma estampa dinâmica, que traz um quê lúdico
pelo formato circular, simétrico e repetitivo das figuras. “Os
poás dão a impressão de abertura e de diversão”, diz a psicó-
loga Tash Bradley, diretora de design da Lick, uma reputada
rede de estudos de cores e decoração. É algo que a mulher
de William sabe manejar com maestria, no avesso da for-
malidade exagerada (e convém ressaltar que a bem-humo-
rada rainha Elizabeth II também sabia rompê-la, ao despon-
tar com vestidos e chapelões coloridos até não mais poder).
Os petit-pois, assim, com a grafia francesa, que significa
“ervilhas”, surgiram nos tecidos no fim do século XIX, com
o nome de polka dots, em referência à polca, dança de ori-
gem polonesa que, com seus movimentos circulares, popu-
larizou-se nos bailes e salões e teria servido de inspiração.
Seu primeiro registro no mundo da moda data de 1854, na
revista literária Yale. Outra teoria, um pouquinho mais re-
cente, atribui a presença das bolinhas nos vestidos a Walt
Disney. Ele as projetou, em 1928, para o vestido de ninguém
menos que Minnie Mouse, logo nas primeiras historietas in-
fantis. Depois, nos anos 1950, Marilyn Monroe e Audrey
Hepburn as incorporariam com pegada sedutora nas telas
do cinema. Nos anos 1960, ganhariam modernidade geo-
métrica com a modelo Twiggy. E, então, Kate “reinventou o
clássico”, na definição do estilista Reinaldo Lourenço. O que
dizer agora? Deus salve as bolinhas. ƒ

5|5
CLUBE DE REVISTAS
CULTURA MÚSICA

NO TOPO DO MUNDO
Na estrada com a ruidosa The Eras Tour, Taylor Swift
arrasta multidões por onde passa e
se consolida como a pop star do momento — quebrando
recordes históricos na indústria
AMANDA CAPUANO

PODEROSA
As eras de
Taylor: a cantora
marca fases da
carreira com
trocas de
figurinos e
cenários

SCOTT LEGATO/TAS23/GETTY IMAGES

1|9
CLUBE DE REVISTAS

Q
uem passou nas últimas semanas pela região do Al-
lianz Parque, em São Paulo, presenciou uma cena
peculiar: sob um viaduto próximo ao estádio, cente-
nas de jovens se aglomeravam em barracas impro-
visadas. Eles estavam em busca de algo mais cobi-
çado que ouro no momento: um ingresso para o show da
americana Taylor Swift, que vem ao Brasil com uma turnê
pela primeira vez em novembro, para seis apresentações.
Loucuras à parte, o acampamento — que para alguns come-
çou meses antes do anúncio das apresentações — resume o
apetite voraz pelo direito de ver a estrela no palco: para os
primeiros três shows, a fila virtual bateu os 2 milhões de
acessos, esgotando as entradas em poucos minutos. Na bi-
lheteria física, quem ainda estava de mãos vazias quando os
ingressos acabaram deixou o local aos prantos. A demanda
resultou em três datas extras, totalizando 312 500 ingressos.
Isso, note-se, só no Brasil. A quem esteve alheio ao pop
na última década, o furor em torno de Taylor pode parecer
nebuloso, mas o fenômeno é global e nada inesperado. Aos
33 anos, e com dezessete de carreira, a americana — que
despontou no country e transitou com sucesso para o pop
— conquistou milhões de fãs combinando o talento excep-
cional para letras poéticas e pessoais à inteligência rara
para os negócios. Num meio dominado pela postura de
“diva” e coreografias mirabolantes, ela se diferencia com
papel, caneta e um violão, vertendo suas inseguranças e
desilusões em baladas que conversam diretamente com o

2|9
CLUBE DE REVISTAS
KEVIN MAZUR/TAS23/GETTY IMAGES

CATARSE Taylor, em seu ritual com os fãs: na hora mais


esperada dos shows, ela dá seu chapéu a um deles

público. “É como uma irmandade”, proclamou certa vez


Paul McCartney sobre a relação da colega com os fãs.
Com público tão fiel quanto o das mais aguerridas tor-
cidas de futebol, Taylor arrasta multidões por onde passa.
Desde que pôs o pé na estrada com a The Eras Tour, em
março, já atraiu mais de 1 milhão de pessoas nos Estados
Unidos, e ameaça derrubar os recordes de arrecadação
que ainda se mantêm em pé (leia o quadro). Segundo le-
vantamento divulgado nesta semana pelo site Pollstar, a
The Eras encabeça a lista de turnês mais rentáveis do ano,
com 300,8 milhões de dólares em ingressos vendidos. A
contagem engloba as primeiras 22 apresentações, resul-
tando em uma média de 13,6 milhões de dólares por show.

3|9
CLUBE DE REVISTAS

SHOW DOS MILHÕES


Os números que comprovam a
força irresistível de Taylor Swift

114 MILHÕES
DE ÁLBUNS VENDIDOS
FEITO FENOMENAL NUMA ERA EM QUE AS
PESSOAS PREFEREM OUVIR MÚSICA NO
STREAMING EM VEZ DE COMPRAR DISCOS

740 MILHÕES
DE DÓLARES DE FORTUNA
A SEGUNDA MAIOR DE UMA ARTISTA FEMININA,
À FRENTE DE MADONNA E ATRÁS SÓ DE RIHANNA

41 BILHÕES
DE AUDIÇÕES NO STREAMING
O QUE FAZ DELA A MULHER RECORDISTA
NESSA ÁREA SEGUNDO O GUINNESS BOOK

4|9
CLUBE DE REVISTAS

E as marcas notáveis da The Eras Tour

3,5 MILHÕES
DE PESSOAS
INSCREVERAM-SE PARA A PRÉ-VENDA
DE INGRESSOS NOS ESTADOS UNIDOS,
O MAIOR NÚMERO NA HISTÓRIA

2 MILHÕES
DE INGRESOS
FORAM VENDIDOS EM UM ÚNICO
DIA, MAIS UM DADO INÉDITO NO
MERCADO AMERICANO

600 MILHÕES
A 1,5 BILHÃO
DE DÓLARES
É O QUE A ARTISTA DEVE
FATURAR COM A TURNÊ

5|9
CLUBE DE REVISTAS

Se mantiver o desempenho até agosto de 2024, quando


fará a última das 106 datas programadas até agora, a tur-
nê terá arrecadado a bagatela de 1,4 bilhão de dólares. A
título de comparação, a turnê feminina mais lucrativa até
hoje é a Sticky & Sweet (2008-2009), de Madonna, que
passa longe disso, com 407 milhões de dólares. Entre os
homens, a marca do bilhão também nunca foi atingida: a
que chega perto é a atual de Elton John, que caminha para
o fim no início de julho com 817,9 milhões de dólares. Só
mesmo Beyoncé pode ameaçar o reinado absoluto de Tay-
lor: a passagem da estrela do R&B pela Suécia fez subir a
inflação local e, segundo estimativa da Forbes, ela pode
arrecadar até 2 bilhões de dólares com a nova turnê.
Taylor e Beyoncé puxam uma tendência mais ampla: no
renascer do showbiz pós-pandemia, vive-se uma nova era
dourada das turnês globais. De acordo com o levantamento
da Pollstar, a receita média dos shows cresceu 64,7% em
2023 e a média de ingressos vendidos saltou 49,3%. Nesse
ambiente de euforia, a busca pelo espetáculo de Taylor cria
situações inusitadas: nos Estados Unidos, a pré-venda da
The Eras Tour, em novembro, derrubou o site da Ticket-
master e o caso virou debate no Senado americano, com
parlamentares cobrando medidas de combate ao monopó-
lio. No Brasil, o acesso fácil de cambistas aos ingressos aca-
bou em investigação no Ministério Público e na proposta de
“Lei Taylor Swift”, da deputada Simone Marquetto (MDB),
que visa a atualizar a legislação sobre o tema.

6|9
CLUBE DE REVISTAS

A disputa de Taylor com Beyoncé atiça os fãs nas re-


des sociais, mas o fato é que ambas têm apelos diferen-
tes: enquanto a rival é imbatível em performance física e
potência vocal, Taylor é uma das melhores letristas da
atual geração, atraindo o público com canções que emu-
lam emoções universais, como a autossabotagem expres-
sa no inescapável hit Anti-Hero. O perfil dos ouvintes
também varia. Segundo uma sondagem recente da em-
presa Morning Consult, 75% dos autoproclamados
“swifties” americanos se declaram brancos, e 45% são
millennials — ou seja, têm entre 28 e 40 anos. A faixa
etária é a mesma de Beyoncé, mas a “Queen B” tende a
ter uma presença muito mais forte na comunidade negra.
Com suas letras confessionais, Taylor provoca identifica-
ção em grau obsessivo em seu público — e sabe manipu-
lá-lo emocionalmente. Após romper com a gravadora
Big Machine Records, ela regravou dois antigos álbuns
— e incentivou os fãs a consumir as novas versões, turbi-
nando seus ganhos em direitos autorais.
Os shows de mais de três horas da The Eras Tour são a
coroação dessas sacadas certeiras. A maratona de 44 mú-
sicas sintetiza seu ritmo frenético de composição: de 2019
pra cá, Taylor lançou quatro álbuns inéditos que acaba-
ram sem turnê em função da pandemia. Para abarcar os
filhotes do lockdown, idealizou um espetáculo que fun-
ciona como uma viagem teatral a todas as “eras” de sua
carreira. Presente aos fãs, a turnê é também uma inteli-

7|9
CLUBE DE REVISTAS

K E V IN M A Z
U R /G E T T Y IM AG E
S

E TT Y IM AG E S
O LK /N B C /N B C U /G
C H R ISTO P H E R P

FLAGRANTES
A estrela em três
momentos: à esq.,
com a mãe, Andrea,
sempre ativa nos
bastidores; no alto,
à esq., com o
ex-namorado Joe
Alwyn; e cantando
com Madonna —
a quem superou

C M A /G E TT Y IM AG E S
K E V IN W IN TE R /A

8|9
CLUBE DE REVISTAS

gente jogada de marketing: de acordo com pesquisa da


Billboard, as reproduções de todo o catálogo de Taylor no
Spotify saltaram 79% nos primeiros meses dos shows.
Letras que falam de “dor de cotovelo” — devidamente
atualizada para a juventude atual — impulsionam a atra-
ção pela cantora. Taylor terminou recentemente um dis-
creto relacionamento de seis anos com o ator Joe Alwyn
— mas, quando era uma estrelinha juvenil do country mo-
nitorada pela mãe, seus namoricos deixaram marcas. No
início da carreira, o rótulo de “escrever sobre ex” fez dela
alvo fácil de ataques machistas. “Eu vou envelhecer / Mas
suas namoradas permanecerão da minha idade”, canta na
dilacerante All Too Well, inspirada pelo ator Jake Gylle-
nhaal, antigo affair nove anos mais velho que ela.
A discografia de Taylor, porém, passa longe de se resu-
mir aos homens: vai do empoderamento de The Man à
angústia perante o câncer da mãe e à saudade da avó,
Marjorie — que era cantora de ópera. “Assisti enquanto
você assinava seu nome, Marjorie / Todos os seus armá-
rios de sonhos acumulados / E como você deixou todos
para mim”, entoa numa pungente canção devotada a ela.
De algum lugar, vovó deve observar com orgulho a neti-
nha no topo do mundo. ƒ

9|9
CLUBE DE REVISTAS
CULTURA CINEMA

UMA MULHER
EXTRAORDINÁRIA
Em A Sindicalista, a atriz francesa Isabelle Huppert brilha
ao interpretar uma ativista durona que desafiou
poderosos — tipo de papel que virou sua marca registrada
RAQUEL CARNEIRO

CORAGEM A atriz como Maureen Kearney no filme:


personagem “hitchcockiana” em trama real

GUY FERRANDIS/LE BUREAU FILMS

1|6
CLUBE DE REVISTAS

OS ATRIBUTOS de Isabelle Huppert impressionam. Es-


trela do cinema francês que combina talento, elegância e
beleza, a parisiense é reverenciada também em
Hollywood e respeitada por diretores com fama de difí-
ceis: ela conquistou do mestre da nouvelle vague Jean-
-Luc Godard ao austríaco Michael Haneke. A atriz de 70
anos, porém, carrega consigo uma pecha mais mundana.
Ainda que não goste da alcunha, Huppert é uma
workaholic. A prova é seu currículo: são 140 filmes lan-
çados em cinco décadas de carreira, fora participações
em séries de TV e peças de teatro nos principais palcos
do mundo, da França e Inglaterra até os Estados Unidos.
A agenda lotada a levou a atender a reportagem de VEJA
via telefone às 22 horas em Seul, capital da Coreia do Sul,
onde ela atualmente roda um filme com o cineasta cult
Hong Sang-soo. “Que horas são no Brasil agora?”, ela
questionou, curiosa. Eram 10 horas da manhã por aqui.
“Temos doze horas de distância entre nós”, comentou a
atriz, sem demonstrar a menor ponta de cansaço após
mais um dia de trabalho duro no set de gravação.
Entre seus trabalhos recentes está o filme A Sindica-
lista (La Syndicaliste, França/Alemanha, 2022), já em
cartaz no Brasil. A produção dirigida por Jean-Paul Sa-
lomé é um dos cinco longas lançados por ela no ano pas-
sado — e de longe o mais impactante. Ambientado entre
2012 e 2018, ele acompanha a história real de Maureen
Kearney, presidente do sindicato da Areva, então gigante

2|6
CLUBE DE REVISTAS

francês da indústria nuclear. Maureen descobriu planos


de fusão e troca de segredos tecnológicos da empresa
com a China, relação que colocou na mira o emprego de
50 000 funcionários — mas garantiria bilhões de euros
aos que estavam no topo da corporação. Ao peitar pode-
rosos, ela foi atacada e torturada dentro de casa. A vio-
lência expôs uma rede de corrupção, da polícia ao Judici-
ário — e Maureen foi encurralada por narrativas machis-
tas, que puseram sua sanidade em xeque.
Diante dos principais trabalhos da atriz, não é difícil
entender seu interesse por A Sindicalista. “Gosto de pes-
soas complexas, intensas, que nos deixam em dúvida so-
bre seus atos”, diz (leia mais abaixo). Um dos melhores
exemplos é Michèle, protagonista do excelente e provo-
cativo filme Elle, de Paul Verhoeven, com o qual Isabelle
concorreu ao Oscar em 2017 — mas perdeu, injustamen-
te, para Emma Stone por La La Land. No longa, Michèle
é estuprada e passa a perseguir (e até seduzir) seu abusa-
dor. Assim como Maureen, ela enfrenta o trauma de mo-
do pouco convencional: ambas se reconhecem como víti-
mas e querem justiça, mas não se rendem à paralisia do
vitimismo. “Isabelle é uma atriz única, inteligente e intui-
tiva. Ela toma a cena e o diretor só tem o trabalho de
acompanhá-la”, disse Verhoeven na época.
Filha de uma professora de inglês e de um engenheiro,
Isabelle começou a atuar na adolescência, passou pela
TV e logo em seu primeiro filme, Desejo de Amar (1972),

3|6
CLUBE DE REVISTAS

“GOSTO DE ME IMPOR”
A atriz Isabelle Huppert, 70 anos, falou a VEJA sobre a carreira
e sua predileção por personagens complexas.

O que a atraiu em A Sindicalista? Gosto que seja um th-


riller, mas também é sobre a história real e chocante dessa
mulher que tem uma coisa hitchcockiana, é loira, bela e dura.
Ela sofreu uma violência e foi desacreditada por homens por
seu jeito de ser.

Suas personagens costumam ser ambíguas e for-


tes. Por que esse tipo a interessa? O cinema permite

PICTUREHOUSE ENTERTAINMENT

INTENSA A estrela francesa em Elle:


mulheres que desafiam o senso comum

4|6
CLUBE DE REVISTAS

mostrar as nuances da vida humana. Gosto de pessoas com-


plexas, intensas, que nos deixam em dúvida sobre seus atos.

Considera-se um ícone feminista? Não me vejo como íco-


ne, nem como feminista. Meu jeito de ser feminista é ser o centro
de mim, e não a seguidora de um homem. Gosto de me impor, de
fazer minhas escolhas e de ser responsável por elas. Tento bus-
car meu lugar e minhas convicções em tudo o que eu faço.

Sua rotina insana já é conhecida no meio. O que a


motiva a trabalhar tanto? Ouvi recentemente uma fala do
diretor Jean Renoir (1894-1979) na qual ele respondia a essa
pergunta dizendo que sua motivação era o presente. Que não
era o resultado final, mas, sim, o momento e a alegria que o hoje
traz. Eu concordo. Faço o que eu faço porque amo o momento
em que estou trabalhando.

Entre tantos filmes, carrega algum arrependimen-


to? Já me arrependi de não ter aceitado projetos, mas nunca
do que eu já fiz. Não sou do tipo que olha para trás.

A senhora é aclamada em diversos países. Como


analisa o termo “sucesso”? Aprendi que é impossível ter
sucesso sempre e em todas as áreas. O importante é continuar
em movimento.

5|6
CLUBE DE REVISTAS

causou espanto direto no badalado Festival de Cannes.


Sensual e enigmática, reforçou uma geração de ouro de
atrizes francesas incontornáveis da história do cinema,
como Catherine Deneuve e Isabelle Adjani — grupo de
beldades que seguiu na esteira da musa Brigitte Bardot,
que as antecedeu e ajudou a abrir portas para as conter-
râneas em Hollywood. Isabelle Huppert, porém, de-
monstrou habilidades que a elevaram a uma espécie de
Olimpo da atuação — uma lista recente do americano
The New York Times a elegeu como a melhor atriz do sé-
culo XXI (até o momento). Sem sentimentalismos mani-
queístas e de olhar penetrante, ela é capaz de provocar
sensações inesperadas no espectador, hipnotizado por
sua persona — mesmo diante de cenas difíceis de se as-
sistir. Sua força é inesgotável — e seu talento, idem. ƒ

6|6
CLUBE DE REVISTAS
CULTURA PERFIL

O DÂNDI DRAMÁTICO
Após superar o vício e acumular discos, óperas
e trilhas de prestígio, o cantor Rufus Wainwright
empresta seu talento exuberante ao folk e à defesa
de sua família não tradicional THIAGO GELLI

BRILHO ETERNO
Rufus hoje: tirado do
fundo do poço pelo
amigo Elton John

ATILANO GARCIA/SOPA IMAGES/GETTY IMAGES

1|4
CLUBE DE REVISTAS

EM 2002, o canadense Rufus Wainwright recebeu uma


ligação de Elton John. O pianista britânico sabia que o pu-
pilo e amigo passava por problemas similares aos seus no
passado: a dependência química, a ânsia por sucesso e o
deslocamento sentido nos Estados Unidos. Ao ser atendi-
do, Elton ofereceu um conselho que mudou a vida do cole-
ga: “Vá para a reabilitação”. Em entrevista a VEJA, Rufus
cita a saúde de hoje como seu maior orgulho, mas frisa que
sua vida é movida por outro prazer: “Escrever óperas é
muito divertido”. Aos 49 anos, ele acumula mais de dez
discos lançados, duas óperas — Prima Donna e Hadrian
— e trilhas para o cinema — incluindo Moulin Rouge e
Shrek. Após se livrar do vício, lançou dois álbuns de su-
cesso, Want One e Want Two, que o fizeram receber o elo-
gio máximo de seu ídolo e salvador em 2004: Elton pro-
clamou Rufus como o “melhor compositor vivo”. Agora,
no disco e na turnê Folkocracy, celebra o ritmo que mar-
cou sua trajetória familiar. Mesmo no folk, porém, não dis-
pensa a energia cênica grandiosa — e dramática.
Frequentemente coberto de echarpes, Rufus deu seus
primeiros passos de dândi aos 13 anos, quando “se assu-
miu gay para si”. A descoberta o levou a uma educação
clássica: leu Jean Cocteau e Oscar Wilde, admirou os
concertos de Tchaikovsky, se apaixonou pelos sonetos de
Shakespeare e se viu em Judy Garland, por quem eterni-
zaria seu amor mais tarde ao gravar Rufus Does Judy At
Carnegie Hall. Na sequência, se afeiçoou à cena under-

2|4
CLUBE DE REVISTAS

ground dos anos 1990, e com ela adquiriu a persona pro-


vocativa que o solidificou como um “segredo escondido”,
como diz. Hoje, ele despreza a nostalgia excessiva por
aquela época, mas não renega suas influências: espera
que a geração atual possa descobrir os filmes de Jim Jar-
musch e cantoras de rock que “contrariavam o sistema”,
como Courtney Love e Shirley Manson.
Ao analisar a indústria da música do presente, ele la-
menta a decadência das letras e a exigência de “represen-
tatividade positiva” na mídia. Exaspera-se, sobretudo,
com o crescente conservadorismo nos Estados Unidos, e
está disposto a deixar as diferenças de lado para se unir
à comunidade LGBTQIA+ “nas trincheiras” pela afirma-
ção de seus direitos: “Antes, diria que o Mês do Orgulho
é um pouco comercial demais”.
Parte da preocupação vem de casa: enquanto leis ho-
mofóbicas surgem em estados americanos como a Flóri-
da, ele forma uma perfeita família não tradicional. É pai
de Viva, pré-adolescente que cria junto com o marido,
Jörn Weisbrodt, e a amiga Lorca, filha do grande Leo-
nard Cohen (1934-2016). O lado família do cantor se
completa com a reverência aos próprios genitores: pri-
mogênito de dois músicos consagrados do folk, Loudon
Wainwright e Kate McGarrigle, ele homenageia suas raí-
zes no belo Folkocracy.
Sua relação com a mãe marca suas lembranças do
Brasil, onde tocou em 2008 e 2013. Fã de Tim Maia,

3|4
CLUBE DE REVISTAS

Astrud Gilberto e Villa-Lobos, ele trouxe Kate em sua


primeira visita ao país, e assim proporcionou a última
viagem da mãe, morta em 2010. “Quando voltamos pa-
ra casa, ela sentiu que havia vivido algo profundo”, diz.
Encantado pela “outra dimensão” sonora nacional, pro-
mete voltar em breve. Será impossível não notar o bri-
lho do dândi por aqui. ƒ

4|4
CLUBE DE REVISTAS

VICIADO EM
GRIFES
A curiosa (e cara) obsessão por
produtos de marcas famosas

UMA DAS BOLSAS mais icônicas e desejadas do mundo


é a Birkin, da Hermès. Segundo o Google, custa cerca de
70 000 reais. Há mais caras. Eu mesmo já vi, toquei, senti
uma que valia 700 000, de outra grife. Isso há anos, quan-
do fazia as pesquisas sobre o mundo de luxo para escrever
Verdades Secretas. Ainda lembro quando a vendedora co-
locou luvas e retirou a bolsa. O que eu vi e senti ao tocar
esse objeto de desejo? Só o susto de saber que era tão cara.
Existe até um mercado de bolsas usadas — não são barati-
nhas, não. Para muitas mulheres, a vida não tem sentido
sem, por exemplo, uma Birkin. Entram na fila e esperam
anos pela bolsa artesanal. Que só suas amigas igualmente
ricas saberão identificar. Se usarem de pé em um ônibus,
parecerá o que realmente é: uma bolsa!
Que fazer? Há pessoas, homens e mulheres, viciadas
em grifes. Eu mesmo, não nego, tenho um pé nessa histó-
ria. Já me fartei de casacos, camisas, calças e tênis que
nem cabem mais em meu closet. Tornei-me próximo dos

1|3
CLUBE DE REVISTAS

vendedores que me tratam como amigo e oferecem cafe-


zinho e até taças de champanhe. Mas agora, quando me
oferecem uma roupa nova, eu digo “não preciso”. E me
olham com indignação. Comprar em uma butique de grife
é uma sensação especial. Há um sentimento de vitória em
se atirar em algo caro e (mais ou menos) exclusivo. Do ti-
po “puxa, cheguei ao topo”. Meu vício começou a sumir
quando descobri que possuía peças com etiqueta, compra-
das há anos, nunca usadas. Piorou quando emagreci e to-
do o arsenal ficou acima do tamanho. (Doado!)
A gota d’água foi quando uma grande grife, da qual eu
era cliente assíduo, fez a festa de inauguração de uma loja,
e não me convidou. Chamou famosos, blogueiros, que
certamente cobraram pela presença vip, e não compram
coisa nenhuma. Ganharam o cachê e apareceram na mí-
dia. E mídia era o que a marca queria. Um amigo expli-

“Para muitas, a vida não


tem sentido sem uma
bolsa de 70 000 reais.
Entram na fila
e esperam anos”
2|3
CLUBE DE REVISTAS

cou: “Chamaram quem tem a cara da marca”. Eu, na ter-


ceira ou quarta idade, ofendi-me e não comprei mais lá.
Surpresa. Não me fez falta. O vício da grife está muito
mais relacionado com o glamour de se sentir especial.
Quando perdi essa sensação, perdi o desejo. Grandes gri-
fes acolhem superclientes com carinho. Chegam até a ofe-
recer lugares nos desfiles de Paris.
Já existem grifes nacionais maravilhosas, e de valor
muito abaixo das marcas estrangeiras. Estão ganhando
prestígio. Hoje, todo mundo é anônimo e, ao mesmo tem-
po, quer sobressair da multidão. Roupa de grife tem corte,
design, tecido, qualidade. Não nego. Faz a pessoa ser per-
cebida. Mas só entre quem conhece grifes. Esperta, uma
famosa atriz compra tudo falsificado, em lojas populares
do centro do Rio de Janeiro. Um amigo certa vez assustou-
se: “Mas você, com falsificação?” Ela respondeu: “Quan-
do eu uso, ninguém imagina que a bolsa é falsificada. Eu
sou minha própria grife”.
Tem toda a razão. A fake é idêntica, só um especialista
perceberia. Mas os viciados em grifes amam todo o uni-
verso que os cerca, inclusive o cafezinho da loja. Cafezi-
nho caro, esse. ƒ

3|3
CLUBE DE REVISTAS
CULTURA VEJA RECOMENDA
DREAMWORKS ANIMATION

GERAÇÕES A Rainha Guerreira dos Sete Mares com Ruby,


sua neta: a avó ensina a jovem a atingir seu potencial

CINEMA
RUBY MARINHO — MONSTRO ADOLESCENTE
(Ruby Gillman — Teenage Kraken; Estados Unidos; 2023; em cartaz)
A nerd Ruby, de 15 anos, vive se escondendo, mas vê no bai-
le de formatura do ginásio, que acontecerá em um cruzeiro,
a oportunidade perfeita para convidar Connor, sua paixoni-
te, para acompanhá-la. A ideia, entretanto, é rechaçada por
sua mãe superprotetora, que esconde um segredo: se a filha
entrar no mar, virará uma kraken — lula gigante perigosís-
sima. Ruby cai sem querer no oceano e descobre que sua avó
materna é uma rainha guerreira, que a ensina a desenvolver
poderes, como olhar de raio laser e superforça. Além disso,
a menina conhece a misteriosa sereia Chelsea. Nesta diverti-
da aventura da DreamWorks, estúdio de Shrek, um conflito
geracional e certa sátira ácida à princesa Ariel, da Disney,
colorem uma bela jornada de autodescoberta.

1|8
CLUBE DE REVISTAS

DISCO
NO TEMPO DA INTOLERÂNCIA,
de Elza Soares (Deck; disponível
nas plataformas de streaming)
Aos 91 anos, Elza Soares não de-
sacelerou e continuou cantando
novas músicas até o fim. Neste
álbum póstumo, gravado meses antes de sua morte, em ja-
neiro do ano passado, a artista — que se notabilizou por ser
uma grande intérprete — apresentou sua faceta de compo-
sitora. As letras foram resgatadas de um secreto caderno de
memórias onde extravasava suas ideias de forte cunho so-
cial, como em Pra Ver Se Melhora, um contundente protes-
to contra a fome, miséria
e inflação. O disco pas-
seia por ritmos como
samba, black music, bo-
lero e salsa e traz ainda a
última composição de
Rita Lee, Rainha Africa-
na, feita especialmente
para Elza.

GUERREIRA Elza
Soares: álbum póstumo
DARYAN DORNELLES

traz composições próprias


de forte cunho social

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CLUBE DE REVISTAS

LIVRO
OPPENHEIMER: O TRIUNFO E A TRAGÉDIA DO PROMETEU
AMERICANO, de Kai Bird e Martin J. Sherwin (tradução de George Schlesinger;
Intrínseca; 640 páginas; 99,90 reais e 69,90 o e-book)
O cientista J. Robert Oppenheimer (1904-1967) foi pioneiro
no estudo da física quântica. Mas passou à história como o
“pai da bomba atômica” — invenção testada de forma trági-
ca no Japão no fim da II Guerra. A glória em sua terra natal
se esvaiu nos anos seguintes, quando passou a questionar o
uso dessas armas. A ascensão e queda do físico é explorada
em paralelo à história da corrida armamentista nesta bio-
grafia adaptada por Christopher Nolan no filme a ser lança-
do em julho. ƒ

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CULTURA OS MAIS VENDIDOS

OS MAIS VENDIDOS
FICÇÃO
1 É ASSIM QUE ACABA
Colleen Hoover [1 | 96#] GALERA RECORD

2 É ASSIM QUE COMEÇA


Colleen Hoover [2 | 34] GALERA RECORD

3 ONDE ESTÃO AS FLORES?


Ilko Minev [4 | 11#] BUZZ

4 A BIBLIOTECA DA MEIA-NOITE
Matt Haig [3 | 44#] BERTRAND BRASIL

5 TUDO É RIO
Carla Madeira [6 | 43#] RECORD

6 VERITY
Colleen Hoover [5 | 62#] GALERA RECORD

7 A REVOLUÇÃO DOS BICHOS


George Orwell [8 | 227#] VÁRIAS EDITORAS

8 TODAS AS SUAS IMPERFEIÇÕES


Colleen Hoover [7 | 60#] GALERA RECORD

9 SALVAR O FOGO
Itamar Vieira Junior [9 | 8#] TODAVIA

10 A GAROTA DO LAGO
Charlie Donlea [0 | 160#] FARO EDITORIAL

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NÃO FICÇÃO
1 RITA LEE: OUTRA AUTOBIOGRAFIA
Rita Lee [1 | 5] GLOBO LIVROS

2 RITA LEE: UMA AUTOBIOGRAFIA


Rita Lee [2 | 65#] GLOBO

3 PANELINHA
Rita Lobo [3 | 6] SENAC SÃO PAULO

4 EM BUSCA DE MIM
Viola Davis [4 | 44#] BEST SELLER

5 SAPIENS: UMA BREVE HISTÓRIA DA HUMANIDADE


Yuval Noah Harari [7 | 328#] L&PM/COMPANHIA DAS LETRAS

6 O REI DOS DIVIDENDOS


Luiz Barsi Filho [6 | 17#] SEXTANTE

7 CABEÇA FRIA, CORAÇÃO QUENTE


Abel Ferreira [5 | 25#] GAROA LIVROS

8 SOCIEDADE DO CANSAÇO
Byung-Chul Han [9 | 45#] VOZES

9 O PRÍNCIPE
Nicolau Maquiavel [0 | 22#] VÁRIAS EDITORAS

10 BOX BIBLIOTECA ESTOICA: GRANDES


MESTRES Vários autores [0 | 3#] CAMELOT EDITORA

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AUTOAJUDA E ESOTERISMO
1 A INTENÇÃO PRIMEIRA
Eduardo Moreira [0 | 1] CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA

2 CAFÉ COM DEUS PAI


Junior Rostirola [2 | 25#] VIDA

3 OS CÓDIGOS DO MILHÃO
Pablo Marçal [0 | 1] CAMELOT EDITORA

4 NÃO TEMOS ESTOQUE... E VENDEMOS MUITO!


Cassio Canali [0 | 1] GENTE

5 7+1 PASSOS PARA CONQUISTAR TUDO


O QUE MAIS SONHOU Luiz Hota [1 | 2] GENTE

6 OS SEGREDOS DA MENTE MILIONÁRIA


T. Harv Eker [4 | 422#] SEXTANTE

7 COMO FAZER AMIGOS & INFLUENCIAR


PESSOAS Dale Carnegie [6 | 90#] SEXTANTE

8 GATILHOS MENTAIS
Gustavo Ferreira [5 | 2] DVS EDITORAS

9 HÁBITOS ATÔMICOS
James Clear [0 | 12#] ALTA BOOKS

10 MAIS ESPERTO QUE O DIABO


Napoleon Hill [3 | 213#] CITADEL

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INFANTOJUVENIL
1 MARVIN GRINN E A CHAVE MESTRA
Armando Ribas Neto [5 | 3#] VITROLA

2 O PEQUENO PRÍNCIPE
Antoine de Saint-Exupéry [3 | 378#] VÁRIAS EDITORAS

3 HARRY POTTER E A PEDRA FILOSOFAL


J.K. Rowling [2 | 393#] ROCCO

4 ATÉ O VERÃO TERMINAR


Colleen Hoover [1 | 69#] GALERA RECORD

5 HARRY POTTER E A CÂMARA SECRETA


J.K. Rowling [9 | 194#] ROCCO

6 MANUAL DE ASSASSINATO PARA BOAS


GAROTAS Holly Jackson [8 | 20#] INTRÍNSECA

7 GIRLS LIKE GIRLS


Hayley Kiyoko [0 | 1] INTRÍNSECA

8 ERA UMA VEZ UM CORAÇÃO PARTIDO


Stephanie Garber [4 | 3#] GUTENBERG

9 DIÁRIO DE UM BANANA
Jeff Kinney [0 | 10#] VR

10 AMÊNDOAS
Won-pyung Sohn [6 | 8#] ROCCO

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[A|B#] — A] posição do livro na semana anterior B] há quantas semanas


o livro aparece na lista #] semanas não consecutivas
Pesquisa: BookInfo / Fontes: Aracaju: Escariz, Saraiva, Balneário Camboriú: Curitiba, Barra Bonita:
Real Peruíbe, Barueri: Saraiva, Belém: Leitura, Saraiva, SBS, Belo Horizonte: Disal, Leitura,
SBS, Vozes, Bento Gonçalves: Santos, Betim: Leitura, Blumenau: Curitiba, Brasília: Disal, Leitura,
Livraria da Vila, Saraiva, SBS, Vozes, Cabedelo: Leitura, Cachoeirinha: Santos, Campina Grande:
Leitura, Campinas: Disal, Leitura, Livraria da Vila, Loyola, Saber e Ler, Vozes, Campo Grande:
Leitura, Saraiva, Campos dos Goytacazes: Leitura, Canoas: Santos, Capão da Canoa: Santos,
Caruaru: Leitura, Cascavel: A Página, Caxias do Sul: Saraiva, Colombo: A Página, Confins: Leitura,
Contagem: Leitura, Cotia: Prime, Um Livro, Criciúma: Curitiba, Cuiabá: Saraiva, Vozes, Curitiba: A
Página, Curitiba, Disal, Evangelizar, Livraria da Vila, SBS, Vozes, Florianópolis: Curitiba,
Livrarias Catarinense, Saraiva, Fortaleza: Evangelizar, Leitura, Saraiva, Vozes, Foz do Iguaçu:
A Página, Kunda Livraria Universitária, Franca: Saraiva, Frederico Westphalen: Vitrola, Goiânia:
Leitura, Palavrear, Saraiva, SBS, Governador Valadares: Leitura, Gramado: Mania de Ler, Guaíba:
Santos, Guarapuava: A Página, Guarulhos: Disal, Livraria da Vila, Leitura, SBS, Ipatinga: Leitura,
Itajaí: Curitiba, Jaú: Casa Vamos Ler, João Pessoa: Leitura, Saraiva, Joinville: A Página, Curitiba,
Juiz de Fora: Leitura, Saraiva, Vozes, Jundiaí: Leitura, Saraiva, Limeira: Livruz, Lins: Koinonia
Livros, Londrina: A Página, Curitiba, Livraria da Vila, Macapá: Leitura, Maceió: Leitura,
Saraiva, Maringá: Curitiba, Mogi das Cruzes: Leitura, Saraiva, Natal: Leitura, Saraiva, Niterói:
Blooks, Saraiva, Nova Iguaçu: Saraiva, Palmas: Leitura, Paranaguá: A Página, Pelotas:
Vanguarda, Petrópolis: Vozes, Olinda: Saraiva, Osasco: Saraiva, Poços de Caldas: Livruz, Ponta
Grossa: Curitiba, Porto Alegre: A Página, Cameron, Cultura, Disal, Leitura, Santos, Saraiva,
SBS, Porto Velho: Leitura, Recife: Disal, Leitura, Saraiva, SBS, Vozes, Ribeirão Preto: Disal,
Livraria da Vila, Saraiva, Rio Claro: Livruz, Rio de Janeiro: Blooks, Disal, Janela, Leitura,
Saraiva, SBS, Rio Grande: Vanguarda, Salvador: Disal, Escariz, LDM, Leitura, Saraiva, SBS,
Santa Maria: Santos, Santana de Parnaíba: Leitura, Santo André: Disal, Leitura, Saraiva, Santos:
Loyola, Saraiva, São Bernardo do Campo: Leitura, São Caetano do Sul: Disal, Livraria da Vila, São
João de Meriti: Leitura, São José: A Página, Curitiba, São José do Rio Preto: Leitura, Saraiva, São José
dos Campos: Curitiba, Leitura, São José dos Pinhais: Curitiba, São Luís: Leitura, São Paulo: A Página,
Cedet, Cult Café Livro Música, Cultura, Curitiba, Disal, Drummond, Leitura, Livraria da
Vila, Loyola, Megafauna, Nobel Brooklin, Saraiva, SBS, Vozes, WMF Martins Fontes,
Serra: Leitura, Sete Lagoas: Leitura, Sorocaba: Saraiva, Taboão da Serra: Curitiba, Taguatinga:
Leitura, Taubaté: Leitura, Teresina: Leitura, Uberlândia: Leitura, Saraiva, SBS, Umuarama: A
Página, Vila Velha: Leitura, Saraiva, Vitória: Leitura, SBS, Vitória da Conquista: LDM, Votorantim:
Saraiva, internet: A Página, Amazon, Americanas.com, Authentic E-commerce, Boa
Viagem E-commerce, Bonilha Books, Cultura, Curitiba, Leitura, LT2 Shop, Magazine
Luiza, Saraiva, Shoptime, Submarino, Vanguarda, WMF Martins Fontes

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A CONTAMINAÇÃO
QUANDO saíram do Palácio da Alvorada, na seca segun-
da-feira 18 de julho do inverno passado, diplomatas es-
trangeiros demonstraram preocupação com o rumo da
crise política. Faltavam dez semanas para as eleições e ha-
viam acabado de ouvir Jair Bolsonaro falar por meia ho-
ra, em comício transmitido ao vivo pela televisão estatal e
redes sociais.
Bolsonaro citou as Forças Armadas dezoito vezes,
sempre qualificando-as como refratárias ao sistema de
votação eletrônica. O voto digital tem um longo histórico
sem máculas, mas para o “comandante supremo”, como
se identificou, era corruptível, capaz de “tirar voto de um
e mandar para outro”.
Um mês antes da eleição, na segunda-feira 29 de agos-
to, diferentes pesquisas reafirmavam as chances de derro-
ta de Bolsonaro nas urnas. Em Brasília, chefes militares
se reuniram para discutir alternativas. O mais inquieto na
sala era o comandante da Marinha, Almir Garnier San-
tos, patrono de um tragicômico fumacê de blindados
diante do Congresso, enquanto parlamentares rejeitavam
o “voto impresso” proposto por Bolsonaro. Impaciente, o

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almirante queria “audácia”. Não conseguiu. Esperou a


transição de governo para vazar o desgosto em outro ve-
xame público — foi o único que se recusou a passar o co-
mando ao sucessor escolhido pelo novo governo.
Passaram-se onze meses. Na terça-feira (27), o coronel
do Exército Jean Lawand Junior resignou-se à humilha-
ção, durante oito horas seguidas no Congresso. Foi cha-
mado de “covarde” 21 vezes por tentar se desmentir na in-
citação a um golpe de Estado em mensagens de áudio que
enviou a outro coronel, Mauro Cid, ajudante de ordens de
Bolsonaro — a coletânea foi revelada pelo editor Robson
Bonin, de VEJA. “Deixa eu dizer uma coisa para o senhor,
coronel”, desabafou a senadora Eliziane Gama, relatora
da comissão de inquérito. “Aqui, o mais besta conseguiu
se eleger deputado federal, senador e senadora.”
No início de dezembro, quando Bolsonaro isolou-se na
residência oficial em luto pela derrota, Lawand transbor-
dava ansiedade por “ação”, à margem da hierarquia mili-
tar, nos recados ao ajudante de ordens do presidente der-
rotado: “Cidão, pelo amor de Deus, cara. Ele (Bolsonaro)
dê a ordem que o povo tá com ele, cara. Se os caras não
cumprir (sic), o problema é deles. Acaba o Exército Brasi-
leiro se esses cara (sic) não cumprir a ordem do coman-
dante supremo. Como é que eu vou aceitar a ordem de um
general que não recebeu, que não aceitou ordem do co-
mandante? Pelo amor de Deus, Cidão. Pelo amor de Deus,
faz alguma coisa, cara. Convence ele a fazer”.

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“Bolsonaro acelerou
o metabolismo da anarquia
nos quartéis”
Comandante de uma mesa e quatro soldados na asses-
soria do Estado-Maior, Lawand esperava promoção a um
posto em Washington. Cid sonhava com o comando da
tropa de Operações Especiais, a quartelada a 150 quilô-
metros de Brasília. Diante do quartel-general do Exército
a paisagem estava tomada por um acampamento de bol-
sonaristas radicais. Nos intervalos do fumacê da churras-
cada ao ar livre, discursos por intervenção armada, segui-
dos por reza e coro de hinos militares — Cisne Branco,
canção da Marinha, era a preferida.
Situação inusitada, e estranhamente tolerada. O ex-co-
mandante militar do Planalto, general Gustavo Dutra de
Menezes, justificou a proteção em audiência parlamentar
na semana passada: “O Exército é uma instituição extre-
mamente preocupada com a dignidade humana, com a
preservação da vida e com o cumprimento da lei. E ne-
nhuma instituição disse: ‘Esse acampamento é ilegal’”.
O argumento é tosco, mais revela do que oculta. A área
do quartel-general é jurisdição militar. O acampamento
durou 67 dias até a invasão do Congresso, do Supremo

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Tribunal Federal e do Planalto. Nele, o Exército já havia


constatado — e registrado em documentos — um ambien-
te de delitos “como prostituição, porte ilegal de arma de
fogo, consumo de drogas”. Ali, planejou-se um atentado a
bomba no acesso ao Aeroporto de Brasília, na véspera do
Natal. Fracassou por falha no dispositivo acionado.
Bolsonaro acelerou mutações no metabolismo da anar-
quia nos quartéis, paradoxalmente, fomentada pela elite
da caserna bem antes da chegada dele ao Planalto. Esse
novo ciclo de fragilização institucional começou com o re-
embarque da hierarquia militar no devaneio de um auto-
proclamado papel de “poder moderador” da República.
Sem mudanças na formação, na estrutura e nos regula-
mentos da vida em quartel, as Forças Armadas tendem a
continuar patinando na própria ambiguidade, entre crises
de sedução autoritária. ƒ

ƒ Os textos dos colunistas não refletem


necessariamente as opiniões de VEJA

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