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OPINIÃO: A arte de ficar

calado
Rubens Barbosa

20 de abril de 2023

Em 1771, o abade Dinouart publicou em Paris um livro que


permanece muito atual, intitulado A arte de calar. Seus
ensinamentos me parecem muito apropriados ao
momento em que vivemos, tanto na política interna
quanto na externa.

Dinouart nos oferece três grandes sabedorias: a primeira


é saber ficar calado. A segunda é aprender a falar pouco e
ter um discurso moderado. Por fim, a terceira é ‘saber
falar muito, sem falar mal e sem falar demais.’

No curso de sua viagem à China, o Presidente Lula


colocou em questão sua sabedoria ao desrespeitar as três
regras básicas que se aplicam tanto à política quanto à
diplomacia.

Sua visita à Argentina, em janeiro, foi importante porque


retomava os contatos pessoais entre os presidentes dos
dois maiores países da América do Sul, interrompidos por
quatro anos no governo Bolsonaro. 

Mas ela foi ofuscada pela falta de um marketing político


adequado, pois o que prevaleceu foi a discussão, gerada
pela incontinência verbal do presidente brasileiro, sobre a
criação de uma moeda única na região e um empréstimo
para a exploração de petróleo na região argentina de Vaca
Muerta. 

O mesmo ocorreu agora na visita à China, o principal


parceiro comercial do Brasil e a nova superpotência
global, ao lado dos EUA. O saldo da visita foi positivo. O
comunicado conjunto, verdadeira carta de intenções com
vistas à expansão do relacionamento entre os dois países
em muitas áreas, em especial na ciência e tecnologia —
onde a China hoje se destaca como um dos países mais
avançados do mundo — foi igualmente ofuscado pela
retórica presidencial. Uma retórica que pode — como foi
— ser interpretada como antiamericana. 

A fala presidencial – sobre a responsabilidade da Ucrânia


no conflito e que os EUA e os seus aliados na OTAN
deveriam parar de incentivar o conflito com o
fornecimento de armas –  torna mais difícil a viabilização
da proposta de Lula para a criação de um grupo para
conversar com Putin e Zelensky sobre a paz. Os arroubos
verbais do presidente transformaram uma visita que
poderia ter sido apresentada como um sucesso em um
atrito desnecessário com Washington e Bruxelas, como
reverberado pela mídia internacional e por declarações
oficiais nas duas capitais. 

Nesse particular, repetiu-se com Lula o que aconteceu


com Bolsonaro. As declarações de Bolsonaro eram
sistematicamente ignoradas, e o mundo anotava o que o
Itamaraty dizia. 

Agora, começa a haver uma diferenciação entre as


posições do governo brasileiro, representado pelo
Itamaraty, como ocorreu no voto nas Nações Unidas,
contrário à Rússia por condenar a invasão e a ocupação
territorial e a retórica presidencial. 

As declarações antiamericanas prejudicam a própria


ambição de Lula de querer ter um papel de maior
visibilidade e influência em temas de interesse global e
nas questões geopolíticas mais relevantes. A correção
começou a ser feita no discurso lido no encontro com o
presidente da Romênia nesta semana. Os próximos
capítulos serão as viagens, no final da semana, a Portugal
e Espanha, quando a retórica presidencial vai ser
novamente testada.
Parece haver um gradual esvaziamento do Itamaraty,
como ficou evidenciado ao final da visita a Pequim,
quando, na entrevista coletiva à imprensa, Lula foi
representado por Aloísio Mercadante (o presidente do
BNDES) e Fernando Haddad, e não pelo Ministro das
Relações Exteriores. 

Espera-se que essa tendência seja contida e a


Chancelaria possa recuperar seu papel central na
formulação e execução da política externa, a fim de
projetar os interesses nacionais sem partidarização e
ideologização. Caso contrário, também a política externa
poderá sofrer um processo de polarização e levar o
governo a eleger um lado – seja no conflito na Ucrânia ou
na confrontação dos EUA com a China – como gostaria o
Partido dos Trabalhadores, contrariamente à tradição
histórica de neutralidade brasileira.

Apesar disso, até aqui não há evidência de que o Brasil


esteja abandonando a posição de equidistância, tanto na
guerra da Ucrânia quanto nas tensões entre Washington e
Pequim, embora no encontro com o Ministro Mauro Vieira
o chanceler russo Sergei Lavrov tenha agradecido a
percepção do Brasil sobre a guerra, dizendo que as
visões dos dois países são similares. 

Todas essas declarações não devem ter consequências


práticas contra o Brasil, enquanto for mantida a posição
de autonomia estratégica. O Brasil está em companhia de
127 países que não apoiam claramente qualquer dos
lados, enquanto 52 países, compreendendo 15% da
população mundial — o Ocidente e os países amigos —
condenam o ataque russo à Ucrânia, e apenas 12 países
apoiam a Rússia. Com relação à China, mais de 120 países
da África, América Latina e Ásia têm o país asiático como
principal parceiro e se recusam a tomar partido. 

Biden e o seu assessor de Segurança Nacional, Jack


Sullivan, reconheceram essa condição e afirmaram que
“os países não querem tomar partido e nós não queremos
que eles escolham lado”.

Os interesses estratégicos do Brasil dependem de um


bom relacionamento com China e EUA, e para isso o país,
para sobreviver à divisão das atuais superpotências, deve
manter uma política de equidistância tanto na questão da
Ucrânia, quanto na confrontação dos EUA e China.

Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Washington


e Londres e hoje preside o Instituto de Relações
Internacionais e Comércio Exterior (IRICE).  Este artigo foi
publicado originalmente no Interesse Nacional. 

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