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Qual é o lugar da América Latina nos programas de governo de Lula e de

Bolsonaro?

Mayra Coan Lago

Imagem: Elaboração própria. Fontes das imagens adotadas na montagem: Mapa da


América Latina (FREEPIK); Lula e Bolsonaro (IG).

Por muito tempo a política externa brasileira ficou relegada ao segundo plano
nas eleições presidenciais do nosso país. Contudo, nos últimos vinte anos alguns
temas da política internacional têm modificado esta situação devido à distintos fatores
das conjunturas interna (doméstica) e externa (LOPES e FARIA, 2014; CASARÕES,
2019). Exemplo desta modificação pode ser notado na eleição presidencial de 2018
que teve entre os principais candidatos presidenciáveis Jair Messias Bolsonaro (PSL)
e Fernando Haddad (PT). Nesta eleição, temas relacionados à diplomacia e à
integração regional foram mobilizados pelos candidatos. Em alguns momentos, a
maneira como isto ocorreu gerou polêmicas que despertaram o “espanto” de
interessados, acadêmicos, diplomatas e políticos brasileiros e de diversas partes do
mundo1. Como bem ponderou Guilherme Casarões (2019), em 2018 “a política
externa saiu da cozinha e entrou na sala de estar. Mas, em vez de sentar-se

1
As declarações de alguns candidatos presidenciáveis, como Jair Bolsonaro, sobre a China e
as relações sino-brasileiras figuraram entre as subtemáticas acerca da diplomacia brasileira
que despertaram o “espanto” e, por vezes, o “transtorno” de interessados, acadêmicos,
diplomatas e políticos brasileiros e de diversas partes do mundo. Estas sensações foram
aprofundadas após a vitória do candidato e ao longo do governo de Jair Bolsonaro, sobretudo
nas variadas manifestações do presidente e de seus funcionários acerca da China que
comprometeram as relações sino-brasileiras.
educadamente com os demais, causou transtorno e espanto ao subir em cima da
mesa” (p.231).
Após a eleição, alguns temas da política internacional e externa continuaram
sendo mencionados por políticos, por especialistas, pela mídia e por demais
interessados, algo que ficou mais explícito em um contexto marcado pela pandemia de
Covid-19, pela guerra na Ucrânia e seus distintos desdobramentos. Tais
acontecimentos evidenciaram a importância da política externa e a intrínseca relação
entre ela e a política interna. Neste contexto, o cidadão comum pôde perceber as
variadas consequências dos acontecimentos externos e da inserção internacional do
Brasil na sua vida cotidiana em diversos setores e situações, como a restrição de
circulação de pessoas dentro e fora do território nacional e a dificuldade de acesso à
vacina contra a Covid-19 no início da pandemia e o aumento dos preços de alguns dos
produtos básicos e dos combustíveis que foram impactados pelo conflito entre a
Rússia e a Ucrânia.
Estes acontecimentos têm demonstrado como a formulação, a condução e a
implementação da política externa conformam um processo histórico e dinâmico que
reúne percepções, estratégias, escolhas e ações de um país no plano internacional
considerando suas necessidades internas e possibilidades externas (LAFER, 1987).
Em outras palavras, embora a política externa seja uma política pública voltada para o
âmbito internacional, ela é fruto das visões de mundo e das interações de distintos
atores no plano doméstico, os quais procuram influenciar os governantes em prol de
determinado curso de ação no plano externo (PINHEIRO e MILANI, 2012; SALOMON
e PINHEIRO, 2013; GONÇALVES e PINHEIRO, 2020).
A despeito destas particularidades, a política externa brasileira apresenta linhas
gerais de continuidade que buscam nortear a ação internacional do país. No artigo nº
4 da Constituição Federal de 1988 estão estabelecidos os princípios que devem
nortear as relações internacionais do Brasil, como independência nacional, prevalência
dos direitos humanos, autodeterminação dos povos, não intervenção, igualdade entre
os Estados, defesa da paz, solução pacífica dos conflitos, cooperação entre os povos
para o progresso da humanidade, repúdio ao terrorismo e ao racismo e concessão de
asilo político. Em seu parágrafo único final consta que o Brasil buscará a integração
econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina visando à formação
de uma comunidade latino-americana de nações.
Embora a integração latino-americana figure como um dos princípios
norteadores da ação externa brasileira, o Brasil tenha uma geopolítica e estratégica
importante, uma vasta extensão territorial no continente e faça fronteira com nove
países independentes (Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia,
Venezuela, Guiana e Suriname)2, nem sempre a região está na “lista de prioridades”
dos políticos brasileiros. Isto pode ser atribuído as distintas percepções acerca dos
nossos vizinhos, das interpretações do tipo de relação e de integração que o país deve
ter com os demais a fim de alcançar o seu desenvolvimento. Estas variações ficaram
visíveis nas transformações das relações do Brasil com os demais países da América
Latina ao longo do tempo, mas também na eleição presidencial de 2022.
A eleição está inserida em cenários doméstico e internacional instáveis e
complexos. No âmbito internacional, há diversos desafios transnacionais que foram
acentuados pela crise sanitária do Covid-19 e a guerra na Ucrânia e seus
desdobramentos nos âmbitos econômico, energético, alimentar e entre outros. Esta
conjuntura, ao mesmo tempo que alimenta o egoísmo dos atores das relações
internacionais, especialmente dos países, revela a sua interdependência e a
necessidade da cooperação nos variados âmbitos para superação das crises,
sobretudo no âmbito regional. No caso da América Latina, a região compartilha
desafios, por vezes, transnacionais, como a pandemia de Covid-19, a desigualdade
social, a insegurança alimentar, a imigração internacional, o crime organizado, as
consequências do aquecimento global e entre outros. Estes demandam ou poderiam
ser melhor administrados conjuntamente.
Por tudo o que foi mencionado, nosso objetivo é observar os planos de governo
dos dois candidatos presidenciáveis com maior intenção de voto, Luiz Inácio Lula da
Silva do Partido dos Trabalhadores (PT) e Jair Messias Bolsonaro do Partido Liberal
(PL)3, a fim de compreendermos suas propostas de política externa para a América
Latina. De modo geral, nenhum dos programas dedica um espaço específico no texto
para a região. No entanto, nas partes espaçadas em que ela foi mencionada é
possível identificar como a América Latina é percebida pelos candidatos e qual é a sua
importância para a inserção internacional que o Brasil almeja.

A América Latina no “Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil”

2
A Guiana Francesa é um protetorado da França.
3
De acordo com a pesquisa do IPEC, divulgada no dia 19 de setembro de 2022, os candidatos
presidenciáveis com a maior porcentagem de intenção de voto são: Luiz Inácio Lula da Silva
do Partido dos Trabalhadores (47%); Jair Messias Bolsonaro do Partido Liberal (31%); Ciro
Gomes do Partido Democrático Trabalhista (7%); e Simone Tebet do Partido da Social-
Democracia Brasileira (5%). Esta pesquisa eleitoral foi registrada na Justiça Eleitoral sob o
número BR-00073/2022 e ouviu 3008 pessoas. As entrevistas foram realizadas em formato
presencial entre os dias 13 e 19 de setembro. A margem de erro é de dois pontos percentuais
para mais ou para menos. A pesquisa está disponível em:
https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/pesquisas-eleitorais/ipec/ . Acesso em 19 de setembro
de 2022.
Os programas de governo dos presidenciáveis de 2022 revelam o contraste
das percepções, ideais e interesses em política externa entre os candidatos, em geral,
e para a América Latina, em particular. De modo geral, como o próprio título indica, o
programa do Lula (PT) parte da percepção de que é necessário reconstruir e
transformar o Brasil nos âmbitos interno (doméstico) e externo.
No que se refere ao âmbito externo, o programa do Lula (PT) menciona o
complexo cenário internacional atual e o isolamento internacional do Brasil. O texto
propõe a recuperação das “credenciais internacionais” do país e a reinserção do Brasil
como protagonista global amparado nos princípios norteadores da política externa do
país, como soberania das nações, não intervenção das nações soberanas,
autodeterminação dos povos, democracia, paz, desenvolvimento e multilateralismo.
Também há um compromisso com o desenvolvimento econômico sustentável e com o
enfrentamento das mudanças climáticas.
Para lograr o objetivo, o programa propõe a recuperação da política externa
“altiva e ativa”, que foi cunhada, formulada e implementada a partir do primeiro
governo Lula (2002-2006) por Celso Amorim, então Ministro de Relações Exteriores.
Tal política estava inserida em uma percepção de que uma mudança de atitude, de
posição e de consciência do Brasil era necessária. Por isso, ela pressupunha uma
posição mais assertiva do Brasil em que fosse possível recusar a pressão dos outros
países e a defender os interesses nacionais brasileiros.
Assim, o Brasil deveria assumir seu papel protagônico e de liderança no âmbito
multilateral respeitando os princípios e normas internacionais e participando dos
diversos fóruns internacionais. Além disso, nestes espaços procuraria reduzir as
assimetrias internacionais e alcançar um maior equilíbrio no sistema internacional por
meio de alianças com países em desenvolvimento. Ademais, o país deveria buscar se
aproximar de parceiros diversificados e não tradicionais a fim de alcançar o seu
desenvolvimento. A busca de um maior equilíbrio internacional também seria realizada
por meio do que ficou conhecido como “cooperação sul-sul”, especialmente com a
África e a América Latina.
No programa eleitoral de 2022, as estratégias adotadas em seus governos
devem ser reeditadas. Neste sentido, no texto a participação ativa do Brasil nos
principais organismos e fóruns internacionais é endossada, bem como a retomada da
cooperação sul-sul, sobretudo com países da África e da América Latina.
Especificamente sobre a região, o documento defende a integração regional a fim de
manter a segurança regional e a promoção do desenvolvimento integrado. Ademais,
pretende fortalecer os blocos e agrupamentos regionais, como o Mercado Comum do
Sul (Mercosul), a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e a Comunidade de
Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC). Os dois últimos, mais recentes,
representam a união e integração regional a partir de uma maior autonomia e crítica as
ações e interferências dos Estados Unidos na região.
Por tudo o que foi exposto, o programa do Lula defende o seu legado de
política externa e evidencia o seu interesse em reavivar o ativismo diplomático
brasileiro e o protagonismo do país dos seus governos de meados dos anos 2000.
Apesar do que foi mencionado, o programa não apresenta maiores detalhes sobre
como buscará manter a segurança regional, promover o desenvolvimento integrado ou
mesmo fortalecer os blocos e agrupamentos regionais.

A América Latina no “Programa Caminho da Prosperidade – Construindo uma


Grande Nação”

De modo geral, o programa do atual presidente Bolsonaro (PL) pretende dar


continuidade as suas ações no âmbito interno (doméstico) e externo. Tal continuidade
está amparada na sua percepção de que há uma luta do “bem”, representado pelo
candidato do PL e seus apoiadores, contra o “mal”, representado pelo candidato do
PT. Nesta luta, o atual presidente procura demarcar as diferenças entre ele e Lula por
meio do seu programa, de declarações e de posicionamentos políticos acerca dos
mais diversos temas nos âmbitos doméstico (interno) e externo.
No que se refere ao âmbito externo, o programa de Bolsonaro apresenta o
complexo cenário internacional atual atribuindo o comprometimento dos indicadores
econômicos e sociais brasileiros à pandemia de Covid-19 e à guerra na Ucrânia. A
despeito do quadro apresentado, o programa considera que o cenário internacional é
de recuperação e compara o Brasil com outras economias, especialmente da região, a
fim de demonstrar como o país está melhor que os demais.
O texto propõe a continuidade da reconstrução da identidade internacional do
Brasil com base nos valores conservadores do governo “Deus, pátria, família, vida e
liberdade”. Além disso, destaca que o Brasil é um país de posição de grande relevo e
parte incontornável dos principais desafios mundiais, como segurança alimentar,
mudança climática, segurança energética e desenvolvimento sustentável. Por conta
disso, assevera que o Brasil continuará defendendo a democracia e a soberania, bem
como mantendo sua “vocação universalista”.
A respeito da vocação universalista, endossa o interesse do Brasil em atrair
investimentos estrangeiros por meio de parcerias econômicas e comerciais e de
manter relações com países que tenham governos democráticos e desenvolvidos para
que sejam estabelecidas parcerias e cooperação, sobretudo com os países das
Américas e do Atlântico Sul. O documento destaca as novas parcerias comerciais, por
meio de acordos bilaterais e multilaterais, especialmente a Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o The European Free Trade
Area (EFTA), citados nominalmente.
O programa político de Bolsonaro revela que a América Latina seguirá fora da
“lista de prioridades” e de parceiros do “universalismo” brasileiro. No programa há
menções genéricas sobre a situação econômica geral dos países latino-americanos
que foram impactados pela pandemia de Covid-19 e pela guerra na Ucrânia, com
destaque para as questões inflacionárias e energéticas. Além disso, há comentários
acerca da segurança e defesa regionais, especialmente sobre o combate aos crimes
transnacionais cometidos na Amazônia, mas sem especificar como ocorreria uma
cooperação entre os países. O programa tampouco menciona os blocos de integração
regional ou um desejo de aproximação com os vizinhos.
Cabe lembrar que as relações do Brasil com os vizinhos latino-americanos é
uma das pautas de política externa adotada pelo atual presidente para demarcar a sua
diferença, ou melhor, contraste com candidatos de esquerda, sobretudo petistas. Na
eleição de 2018, ele marcou a sua distinção com o candidato opositor, Fernando
Haddad (PT), acerca dos temas da Venezuela e da integração regional 4. Naquela
ocasião, o então candidato de extrema direita, identificou que as relações dos
governos do PT com os países da América Latina eram baseadas em “questões
ideológicas” e considerou que estas não eram benéficas para o país.
Entre as relações destacou as do nosso país com os regimes de esquerda de
Cuba e Venezuela, inclusive associando o Brasil com a Venezuela procurando indicar
que a crise humanitária e socioeconômica que atingia o país vizinho, governado por
Nicolás Maduro (PSUV), poderia ocorrer no Brasil caso um político de esquerda fosse
eleito. A partir da expressão “o Brasil vai virar a Venezuela” 5 ele buscou utilizar o que
4
Antes das eleições, em 2017, Bolsonaro declarou em seu twitter que “Precisamos nos livrar
das amarras do Mercosul e partir para o bilateralismo. O Brasil tem autonomia para fazer
comércio com o mundo todo!”. Fonte:
https://twitter.com/jairbolsonaro/status/901143413587890176 . Posteriormente, em 2019,
Ernesto Araújo, então Ministro de Relações Exteriores, declarou que nós estávamos
“desideologizando o Mercosul”.
5
De acordo com Lucas Estanislau (2022), a expressão foi utilizada durante a campanha
eleitoral de 2002, que tinha como opositor à Lula o candidato José Serra (PSDB). Ainda de
acordo com o jornalista, a 16 dias do 2º turno presidencial, José Serra, afirmou que o Brasil
poderia virar uma Venezuela caso seu rival, Lula, ganhasse as eleições. Já em 2010, quando
disputava mais uma vez a Presidência. Posteriormente, disputando a eleição contra Dilma
Rousseff, Serra afirmou que o Partido dos Trabalhadores era “chavista”. “Chávez já declarou
voto na Dilma. Chávez é dilmista, e o PT é chavista", disse. No entanto, o jornalista pondera
que com o Bolsonaro a apresentação da Venezuela como contraponto negativo e “inimigo”,
associado à esquerda brasileira, passou a ser utilizada de maneira sistemática, primeiro na
campanha de 2018, nos comícios, debates e entre os apoiadores do candidato. Disponível em:
https://www.brasildefato.com.br/2022/09/20/brasil-vai-virar-a-venezuela-o-que-esta-por-tras-do-
considera como “exemplo negativo” de um governo de esquerda a fim de instigar o
medo da população, principalmente da classe média, no que se refere as questões
socioeconômicas e de mobilidade social.
Mais recentemente, em outros espaços, Bolsonaro tem recomendado que seu
eleitorado acompanhe a situação política dos governos de esquerda da região, que
foram recentemente eleitos, e associe Lula a estes governos, sobretudo no que tange
a questões políticas, econômicas e sociais. Além da Venezuela, entre os países mais
citados figuram a Nicarágua governada por Daniel Ortega para tratar das violações
dos direitos humanos e do cerceamento da liberdade de expressão, a Argentina
governada por Alberto Fernández para tratar de crise econômica e o Chile e a
Colômbia, governados por Gabriel Boric e Gustavo Petro, respectivamente, para se
referir aos “terroristas” de esquerda e os desdobramentos sociais.
A despeito do que foi mencionado, é preciso notar que para Bolsonaro o critério
de alinhamento do Brasil com os demais países também é identitário e ideológico na
medida em que procura se relacionar com países identificados como “democráticos e
desenvolvidos que possam agregar valor econômico e tecnológico ao Brasil”. Não é à
toa que seu programa de governo demonstra uma preocupação em participar de
fóruns multilaterais mundiais que são compostos por países desenvolvidos, como o G-
20 e a OCDE. O mesmo pode ser observado nas relações bilaterais que Bolsonaro
buscou estabelecer com países que estivessem amparados nos valores
conservadores judaico-cristãos e na luta contra o “globalismo”, como os Estados
Unidos durante o governo de Donald Trump, a Polônia, a Hungria e entre outros.

O que esperar para a América Latina?

Como é esperado, nos programas dos dois candidatos presidenciáveis há uma


defesa dos projetos políticos desenvolvidos em seus governos e de seus legados
externos. Os documentos revelam o contraste das percepções, objetivos, propostas e
estratégias para o Brasil de Lula e de Bolsonaro. No que tange à política externa e,
mais especificamente a América Latina, notamos dois extremos, sendo que tudo indica
que o candidato do PT procurará “virar de frente” para os vizinhos, buscando
recuperar as relações com a região, enquanto o do PL seguirá “de costas” para boa
parte dos vizinhos, deteriorando as relações.
A despeito do que foi mencionado é importante mencionar que possivelmente
ambos enfrentarão constrangimentos e desafios, ainda que por motivos distintos.

bordao-da-direita-que-segue-vivo-em-2022 . Acesso em 20 de setembro de 2022.


Neste momento boa parte dos países da América Latina elegeram ou tem governos à
esquerda do espectro político, ainda que de distintas matizes, o que alguns
especialistas têm denominado de “nova onda rosa”. Estes são os casos de México,
Honduras, Nicarágua, Argentina, Bolívia, Chile, Peru, Colômbia e Venezuela. Caso
Lula vença a eleição presidencial no Brasil, ele estaria mais sintonizado com o entorno
regional e procuraria fortalecer a integração regional, mas não é possível afirmar que
isto é suficiente para “reviver” o protagonismo brasileiro de meados dos anos 2000.
No âmbito internacional, o momento é de crise, agravada pela pandemia de
Covid-19 e pela guerra na Ucrânia. No âmbito regional, além dos problemas
estruturais da América Latina, como a desigualdade social, que foram agravados pelos
acontecimentos internacionais supracitados, os governantes da “nova onda rosa”
enfrentarão desafios econômicos, sociais e ambientais mais complexos sem a
estabilidade econômica ou o amparo financeiro do boom das commodities do início
dos anos 2000. Ademais, diferentes países da região estão com ambientes políticos
extremamente polarizados, como a Colômbia e o Brasil, revelando que partidos à
direita do espectro político seguem como força política e demandarão negociações em
diferentes temáticas dos governos. Portanto, há indícios de que a política doméstica
consumirá boa parte do tempo e do capital político de distintos governantes, incluindo
o de Lula. Este terá que lidar com um país empobrecido, mais desigual e violento.
Além disso, as relações e os posicionamentos do Brasil ante alguns governos com
práticas autoritárias da região, como Venezuela, Cuba e Nicarágua, também poderão
constranger o comportamento ou comprometer a imagem do Brasil na região e no
mundo.
Apesar do que foi mencionado, provavelmente Lula procuraria se aproximar
dos vizinhos e estimular a cooperação regional também por meio da recuperação ou
fortalecimento das iniciativas de integração regional, como a Celac, a Unasul e o
Mercosul. Em contrapartida, caso Bolsonaro vença a eleição presidencial, ele estaria
dessintonizado com o entorno regional e, provavelmente, seguiria atacando os
governos progressistas da região e gerando desconfortos diplomáticos a partir de
declarações que não são baseadas na realidade. Estes poderiam ser acentuados
devido aos posicionamentos e ações brasileiras, inclusive em fóruns internacionais,
como no caso ambiental. Como por exemplo permitindo a devastação ambiental na
Amazônia e em outras zonas fronteiriças do país.
Por outro lado, Bolsonaro manteria relações amistosas com governos de
espectros similares ao seu, como os do Paraguai, Uruguai e Equador. Também é
provável que ele acene para países externos ao entorno regional, como os Estados
Unidos ou a Rússia, para tratar dos desafios compartilhados pela América Latina,
como a imigração internacional. Portanto, continuaria demonstrando desinteresse na
liderança regional ou nos vizinhos. Por fim, ele deve continuar menosprezando o
Mercosul e estimulando relações bilaterais, fora do bloco, especialmente com países
desenvolvidos, esvaziando este importante processo de integração regional com
desafios, mas também diversos ganhos e potencialidades.

Referências Bibliográficas
CASARÕES, Guilherme. “Eleições, política externa e os desafios do novo governo
brasileiro”. Pensamiento Propio, v. 49-50, 2019, p.231-274.
GONÇALVES, Fernanda Nanci; PINHEIRO, Letícia. Análise de Política Externa: o
que estudar e por quê? Curitiba: Ed Intersaberes, 2020.
LAFER, Celso. “Novas dimensões da política externa brasileira”. Rev. bras. Ci. Soc,
v.1 n.3, 1987.
LOPES, Dawisson; FARIA, Carlos Aurélio. “Eleições Presidenciais e Política Externa”.
Estudos Internacionais, vol. 2, no. 2, 2014.
MILANI, Carlos R. S; PINHEIRO, Leticia. Política externa brasileira: os desafios de sua
caracterização como política pública. Contexto Internacional, 2013, v. 35, n. 1, p. 11-
41.
SALOMON, Mónica; PINHEIRO, Letícia. Análise de Política Externa e Política Externa
Brasileira: trajetória, desafios e possibilidades de um campo de estudos. Rev. bras.
polít. int., Brasília, v. 56, n. 1, p. 40-59, 2013 .

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