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1 (July 2016)
Bacharel em Relações Internacionais (PUC-GO), Mestre em Agronegócio (UFG) e doutorando pelo Programa de
Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA/UFRRJ) e PDSE
CAPES no Centre de Coopération Internationale em Recherche Agronomique pour le Developpement. E-mail:
ridisil@gmail.com.
Resumo
O artigo examina a evolução do policy-making da política externa brasileira no tocante aos atores ligados aos dois
principais modelos de agricultura que coexistem no país: agronegócio e agricultura familiar. Nesse sentido, o artigo
lança luz sobre o crescente processo de pluralização e politização da política externa vis-à-vis as disputas que
mobilizam diferentes coalizões de atores na arena doméstica. Combina-se elementos da análise de política
externa com instrumentos da abordagem cognitiva de análise de políticas públicas, aceitando como pressupostos que
atores encarnam ideias e políticas públicas são ideias em ação. Com efeito, recorre-se a um rastreamento de processos
teoricamente orientado, identificando os principais atores que compõem as duas coalizões em tela, ressaltando as
diferentes vias de interação e graus assimétricos de abertura e participação no policy-making da política externa.
Palavras-chave: políticas públicas; organização de interesses; Itamaraty; agricultura
Abstract
The article examines the evolution of foreign policy-making in Brazil, in relation to political actors associated with the
two main agricultural models that coexist within the country – Agribusiness and Family Farming. In this aspect, this
work sheds light on the ongoing process of pluralization and politicization of foreign policy vis-à- vis disputes that
mobilize different coalitions of political actors in the domestic realm. We combine elements from foreign policy analysis
with instruments from the cognitive approach of public policy analysis, accepting that political actors embody ideas and
policies are ideas put in action. As a result, we derive a theoretically oriented tracking of social processes to identify the
main political actors of the two coalitions focused on, through highlighting the different paths of interaction and
asymmetric degrees of openness and participation in the foreign policy-making
Keywords: public policy; organization of interests; Itamaraty; agriculture
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19“Even as Itamaraty began to look vertically into society (and vice-versa), the ministry was also obliged to share power
horizontally with other units of Brazilian state”. Tradução livre do autor.
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Desse modo, o jogo estratégico entre os atores domésticos visando influenciar as escolhas
de política assume um valor explicativo ainda maior para compreender a ação do Estado no plano
internacional à guisa de orientações e preferências de determinados atores em detrimento de outros.
Assim, a política externa também pode ser concebida como produto de interesses e agendas que
permeiam a sociedade e que disputam vez e voz junto à agência diplomática e para além dela. Por
isso, o atual e multifacetado protagonismo do Brasil no Sistema Internacional pode ser tomado sob
o prisma do embate de forças entre grupos ou coalizões domésticas que cobram o engajamento do
país em certos fóruns internacionais ao invés de outros, a maior ênfase em determinados temas ante
a relegação de outros, ou ainda demandam a aproximação junto a alguns países em prejuízo de
outros.
Nessa perspectiva, a PEB é tomada como idêntica às demais políticas públicas pois
também se sujeita ao jogo de interesses de âmbito doméstico, o que é próprio de uma democracia
(MILANI; DUARTE, 2015). Isso implica despir a política externa do rótulo de política de Estado
imune às contingências político-partidárias. Por essa razão, este trabalho procura combinar o aporte
da análise de política externa com a abordagem cognitiva de análise de políticas públicas. A
primeira, enquanto subdisciplina do campo das Relações Internacionais, prioriza o exame dos
fatores domésticos que influenciam as posições internacionais assumidas pelos países. Já a segunda,
se volta precipuamente para uma mesoanálise das motivações, valores e estratégias que guiam os
atores no bojo de um processo político particular.
Com efeito, “fatores domésticos impactam sobre as diferentes questões de política
externa e esta pode variar de acordo com as variações de instituições políticas domésticas” (LIMA,
2013, p. 133). Nas negociações agrícolas da Rodada Doha da OMC, por exemplo, “o desempenho
do Brasil foi condicionado pelas pressões domésticas, resultado da organização e da mobilização
dos grupos de interesse do agronegócio” (CARVALHO, 2010, p. 406) mas também pela
incorporação no pós-2003 dos interesses da agricultura familiar “tanto através de representantes das
organizações e movimentos sociais dos agricultores familiares, como de funcionários do MDA, sob
a liderança direta do ministro do Desenvolvimento Agrário” (Delgado, 2007).
Portanto, a maior politização da PEB passa, em grande medida, pela projeção das áreas de
interesse dos ministérios domésticos para assuntos de natureza externa. O Itamaraty depende cada
vez mais da expertise de alguns ministérios e empresas públicas na condução de diversas agendas da
política externa como as negociações internacionais ou os projetos de cooperação técnica
(MILANI, 2015). Para discutir e problematizar esse processo, o presente artigo está estruturado em
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três sessões para além desta introdução. A primeira examina a genealogia das coalizões de defesa da
agricultura e suas ramificações institucionais. A segunda, versa sobre o adensamento de importância
dos temas agrícolas nas agendas e no processo decisório da política externa brasileira. Por fim,
enumera-se algumas das limitações desse modelo de “convivência possível” entre agriculturas e
apresenta-se indicativos para amortizar sua repercussão numa política externa que se queira
plural, equilibrada e democrática.
20 “No que concerne especialmente à abordagem cognitiva, são poucos os estudos até então elaborados, e os que assim
procederam se concentram mormente na análise da política externa brasileira ou na política de estabilização econômica
do país” (Grisa, 2011).
21 Não existe uma expressão consagrada em português para traduzir advocacy coalition. (Souza, 2006) e Marques (2013)
adotam “coalizões de defesa”, outros usam “coalizões de advocacy” (Faria, 2003) enquanto Grisa (2011) fala em
“coalizões de causa” e Santos (2011) se vale de “coalizões de interesses”.
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públicas e da sociedade. As mudanças em políticas seriam resultado das interações e conflitos entre essas
coalizões de defesa no interior de cada subsistema de políticas, por sua vez em interação com outros
subsistemas. As coalizões são compostas por atores com interesses similares, mas também por crenças
(“beliefs”) similares sobre a política. As ideias defendidas por uma dada coalizão envolvem representações
de três níveis superpostos, todos compartilhados entre os pertencentes à coalizão. No centro de cada um
deles estão valores, crenças, axiomas ontológicos e normativos fundamentais (denominados “deep core
values”) de âmbito inclusive mais geral que a política em tela. Sobre estes e a eles articulado logicamente
está um núcleo duro de crenças sobre as políticas, estabelecendo princípios fundamentais referentes àquele
subsistema de políticas (chamados de “policy core beliefs”). Em terceiro lugar, e de forma mais superficial,
estão estratégias e ferramentas operacionais de política (ou aspectos secundários), que dão praticidade ao
nível anterior” (Marques, 2013, p. 41).
Embora possam se estabelecer acordos e compromissos entre coalizões, a tônica do
relacionamento entre elas é dada pelo conflito: cada qual tenta impor suas preferências e realizar
seus princípios de ação coerentes com os respectivos sistemas de crenças. No geral, cada subsistema
de política pode contar com até quatro coalizões de defesa, sendo que em grande parte das
áreas/setores é comum a existência de apenas duas grandes coalizões. Entretanto, quase sempre há
uma coalizão dominante enquanto as demais são minoritárias. “A coalizão dominante é aquela que
consegue impor sua visão no processo de implementação das políticas públicas, o que depende dos
recursos disponíveis (dinheiro, expertise, apoios políticos, etc.)” (Grisa, 2011, p. 113).
A distribuição de força entre coalizões de um subsistema é raramente alterada por eventos
internos, de modo que as mudanças nessa correlação e nas PP geralmente são exógenas e motivadas
por três razões principais: transformações no ambiente econômico e político mais amplo (alianças
governamentais, crises e impactos de outros subsistemas); mudanças na agências e burocracias que
regem o setor; e por aprendizado de políticas (policy learning) (MARQUES, 2013). Para identificar e
caracterizar as coalizões, o ponto de partida é a delimitação do deep core que empresta uma ‘visão de
mundo” comum à coalizão de defesa e, por conseguinte, o policy core que serve de “cola” para a
coalizão no interior de um subsistema de política particular.
Em se tratando do setor agrícola brasileiro, duas grandes coalizões de defesa são
identificadas: uma coalizão da agricultura empresarial (agronegócio) e uma coalizão da agricultura
familiar. Tal dualidade é devida à existência de dois tipos de agricultura que, embora não sejam
independentes em sua dinâmica, são portadores de propostas antagônicas de desenvolvimento rural
(DELGADO, 2007). Ainda que estejam ligadas a atividades produtivas similares que se processam
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22Inclua-se, aqui, todas as categorias chamadas de pré-capitalistas (que não pressupõem a propriedade da terra): meeiros,
arrendatários, posseiros, parceiros, etc.; bem como os povos tradicionais (ribeirinhos, quilombolas, seringueiros,
faxinalenses, etc.) hoje sob a égide da precária denominação de agricultores familiares. Para uma síntese desse processo
de reconfiguração de classe social, ver Abramovay (2007).
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fundiária ou a sua defesa está no cerne do policy core de ambas coalizões. Para além desse tema, a
coalizão patronal sempre militou pela compensação dos agricultores pelos prejuízos causados pelos
planos de estabilização (renegociação das dívidas), por ampliação do crédito agrícola subsidiado e
outras vantagens (políticas de preços mínimos, seguro agrícola, pesquisa e tecnologia). Essas outras
questões também são progressivamente incorporadas ao projeto político da coalizão da
agricultura familiar, à medida em que deixa de ser público-alvo apenas de políticas sociais
compensatórias e passa a receber também políticas de incentivo à produção agrícola a partir da
reconfiguração do setor após a Constituição de 1988.
Isto se traduziu em demandas por uma política agrícola diferenciada para os agricultores
familiares alicerçada em assistência técnica e extensão rural providas pelo poder público e contando
com prioridade na pesquisa (Embrapa). Não somente, o pleito pela ampliação de políticas sociais
(principalmente saúde, educação e previdência social) ao campo também perpassa toda a
trajetória de constituição da coalizão da agricultura familiar. Como resultado, tem-se uma ampliação
de escopo do policy core dessa coalizão que passa a rivalizar com a coalizão dominante também no
subsistema das políticas agrícolas23.
Essa dinâmica fica ainda mais destacada pela experiência singular brasileira de possuir dois
Ministérios vinculados aos assuntos agrícolas e agrários – o MAPA ligado ao agronegócio e o MDA
vinculado à agricultura familiar – que se consolida a partir do ano 2000 (DELGADO, 2007). De lá
para cá, assistiu-se a um processo de spill over dessa dualidade para fóruns em que, outrora, somente a
voz da coalizão patronal se fazia ouvir. Um exemplo ilustrativo é o da Câmara de Comércio Exterior
(CAMEX), onde o MDA passou a ter assento somente a partir de 2005. A CAMEX é um
espaço institucional que expressa bem a tendência de descentralização do policy-making da política
comercial externa (Cason; Power, 2009) e, até recentemente, só contava com a participação do
Ministério que representa os interesses do agronegócio.
Dessa forma, a disputa entre as coalizões da agricultura suplantou os subsistemas de
políticas ligados ao setor agrícola stricto sensu (reforma agrária, política agrícola) e passa a figurar em
outras áreas. Em certa medida é possível afirmar que as três razões que podem ocasionar mudanças
na dinâmica do jogo entre coalizões, elencadas por Marques (2013), se fizeram sentir nesse caso
particular: i) mudanças substanciais aconteceram nas alianças governamentais que se sucederam no
23Essa conjuntura é conformada principalmente desde meados da década de 1990 com o lançamento do Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que foi paulatinamente acrescido de outros instrumentos
de política agrícola voltados para esse público. Para uma leitura aprofundada desse processo, ver Santos (2011).
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poder; ii) foram operadas mudanças de relevo nas agências e burocracias que se ocupam do setor; e
por fim iii) o processo de policy learning também se mostrou fundamental nas estratégias de ambas as
partes no marco do “espalhamento” dessa dicotomia para outros fóruns, arenas e agendas que, de
acordo com o argumento aqui desenvolvido, rebate no processo de pluralização de atores
comprometidos com os assuntos da política externa brasileira.
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seu horizonte de atuação (DELGADO, 2007). Conforme mencionado acima, isso foi determinante
para os rumos das negociações da Rodada Doha da OMC e que, guardadas as devidas
particularidades, também pode ser entendido como um dos fatores que concorreram para o
malogro das negociações da ALCA24.
Desde então, os deep core values dessa coalizão têm orientado as reivindicações
desse segmento no bojo das negociações comercias internacionais em prol de uma postura
negociadora do Brasil mais sensível às assimetrias e dificuldades com que se deparam os agricultores
familiares. Em grande medida, essa postura programática mais defensiva foi crescentemente
respaldada pela assunção da agenda da segurança alimentar e nutricional como objetivo político de
grande monta, tanto em nível nacional como em âmbito global. As negociações entre Mercosul
e União Europeia que estiveram estancadas durante anos e foram retomadas recentemente são
ilustrativas em diversos aspectos dessa dinâmica.
Em função do policy learning acumulado ao longo da década de 2000 nos vários fóruns de
negociações comerciais e em outras arenas25 , ambas coalizões procuraram se fortalecer e
conquistar apoios no seio do governo e da sociedade civil. À época em que ainda se vislumbrava
tanto a possibilidade de um acordo comercial continental quanto entre os blocos regionais “o
potencial ganho em termos de acesso a mercados em alguns setores industriais nos Estados
Unidos com a Alca e as expectativas de ganho concentrado no setor agrícola com o acordo
Mercosul-UE embasavam o interesse mais ampliado no primeiro relativamente ao segundo”
(OLIVEIRA; MILANI, 2012, p. 381). Contudo, a descontinuidade do processo negociador da Alca
e o prosseguimento das conversações com a UE a partir de 2010 evidenciam que:
“[...] o fortalecimento econômico e organizacional do agronegócio e os mecanismos de intermediação de
interesses entre o setor e os atores burocráticos e diplomáticos contribuíram para que os interesses do setor
integrassem a agenda das negociações de comércio do Brasil. Três fatores foram relevantes para isso: as
reformas pró-mercado dos anos 1990, ao possibilitarem a expansão econômica do setor; o processo de
organização político e técnico do agronegócio, visando influenciar as negociações internacionais do Brasil; e
24 Na Conferência Ministerial de Cancun em 2003, o acirramento da disputa entre as coalizões para impactar nos rumos
das negociações fica mais evidente com a inédita presença de ambos ministros da áreas agrícola e das entidades da
sociedade civil a eles coligadas. Essa conjuntura foi determinante para o afastamento do Brasil do Grupo de Cairns e
para a articulação do G20 (SANTOS, 2011).
25 A própria CAMEX se converteu num espaço desse embate desde a entrada do MDA a partir de 2005, conforme
relatam Cason e Power (2009) quando tratam da composição abrangente do conselho do órgão, todavia utilizem a
nomenclatura “Agrarian Reform” para designar o MDA quando, na verdade, essa função cabe somente ao Incra que -
apesar de ser ligado ao ministério - desempenha apenas uma dentre as várias atribuições sob a incumbência da pasta.
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de organizações participantes da Rebrip. Esse seminário objetivava deslanchar o diálogo dos membros do
Grupo de Agricultura da Rebrip com os representantes governamentais do Itamaraty e do MDA, tendo
em vista garantir uma maior presença dos interesses da agricultura familiar nas arenas existentes de
negociações internacionais” (Delgado, 2007, p. 179).
Nesse diapasão, os acordos comerciais fechados sob uma lógica estritamente liberal
estariam em desacordo com os interesses da sociedade, já que desencadeiam efeitos nefastos nos
níveis de emprego e renda, ao passo que há uma necessidade premente de se repensar o
desenvolvimento nacional em bases sociais e sustentáveis. No caso específico do acordo Mercosul-
EU, a Rebrip teve uma participação menos enfática do que em relação à Alca, apesar de que passou
paulatinamente a incorporar elementos técnicos para a formatação de propostas concretas em
ambas arenas (Delgado, p.388). Outra frente de atuação contou com a publicação de cartas públicas
assinadas pelos integrantes da Rede e demais correligionários conclamando a sociedade civil e o
Governo Federal para a cessão definitiva dessas conversações em diferentes momentos:
“Ao fim e ao cabo, as negociações entre Mercosul e UE prosseguem com a troca de protocolos de intenções e
cúpulas ministeriais que se intensificaram no final de 2013. Nesse ensejo, a força da coalizão da
agricultura familiar não deve ser superestimada, já que o próprio MDA apresenta uma clara debilidade
institucional frente ao MAPA e outros ministérios, detendo participação reduzida nos recursos
orçamentários da União que se reflete até mesmo na relativa desarticulação entre suas secretarias e
programas. De tal sorte que ainda não é possível instar uma estratégia mais estruturada e abrangente de
desenvolvimento tanto em termos desse subsistema como em âmbito mais geral. Muito embora o
reconhecimento político e a ampliação da área de atuação dessa coalizão tenha se tornado uma fonte
permanente de tensão na lógica do processo negociador e para os negociadores que, de uma forma ou de
outra, têm que dar uma resposta a essa injunção paradoxal” (Delgado, 2007).
A projeção dessa ambivalência no policy-making da PEB e nas negociações comerciais
internacionais em particular é uma condição necessária para o estabelecimento de uma posição
negociadora atinente à pluralidade de interesses e agendas que perfazem uma sociedade
democrática. Sendo assim, a internalização da política externa na agenda doméstica concorre
favoravelmente para estender a formulação da posição brasileira nas arenas internacionais a mais
entidades governamentais e para a implementação doméstica compartilhada dos compromissos
assumidos nesses fóruns (Lima, 2013), à luz de um escrutínio democrático exercido tenazmente pela
sociedade civil:
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Considerações finais
Este trabalho buscou compreender a dimensão e as características assumidas pelo
processo de pluralização de atores imiscuídos no policy-making da PEB sob a lente das coalizões de
defesa da agricultura. Para tanto, um apanhado dos principais elementos indicativos desse
processo (sem a presunção de dar conta da totalidade) foi desenvolvido no intuito de mostrar que
esse novo momento é marcado por maior porosidade e politização em relação às diretrizes que
orientam a formulação e a implementação da política externa e, em particular, no que se refere à
política comercial externa: uma arena complexa em que os interessados em âmbito doméstico
exibem postura proativa e tentam, através de diversos meios, exercer influência sobre os rumos das
negociações.
As coalizões de defesa, formadas na órbita de subsistemas específicos de política pública,
expandem seu horizonte de atuação na medida em que se acirra a disputa dentro de seu campo
setorial stricto sensu. A projeção das coalizões de defesa da agricultura na direção da PEB segue o
caminho mais comum nesse sentido: a participação cada vez mais intensa de ministérios e agências
domésticas em questões de política externa. É importante ressaltar, entretanto, a baixa
institucionalidade dos canais de transmissão de interesses que ainda prevalece no policy-making da
política externa. A maioria das iniciativas é puxada por conjunturas específicas que não logram
constituir um arcabouço institucional que assegure um espaço de interlocução para os diferentes
setores sociais assimetricamente dotados de capacidade de influenciar o processo.
Na agricultura, as duas grandes coalizões de defesa que tradicionalmente disputam espaços
políticos se inserem progressivamente nos assuntos da PEB ao longo das últimas décadas à guisa da
maior participação do Ministério da Agricultura e do Ministério do Desenvolvimento Agrário,
sobretudo nas negociações comerciais internacionais. A politização da PEB significa precisamente
intensificar esse debate em torno de ideias, valores e interesses sobre escolhas e posicionamentos
políticos de modo a submeter ao escrutínio democrático os distintos projetos políticos que
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divergem sobre o lugar do Brasil no mundo. Essa premência pode ser consecutida por medidas
como a criação do Conselho Nacional de Política Externa (CONPEB).
Trata-se de uma proposição que enseja a criação de uma esfera pública de discussão
democrática sobre a política externa. Esse amparo instuticional teria função de dar espaço à
pluralidade de visões e impedir a privatização da PEB. As assimetrias entre agronegócio e
agricultura familiar ficariam assim parcialmente mediadas no veio da política exterior do país. Essa
assunção, porém, ainda demanda uma vasta agenda de pesquisa. É preciso examinar com mais
profundidade as interconexões entre essas coalizões da agricultura e a PEB, sobretudo atentando
para os inputs que informam o policy-making na fase pré-decisão e, igualmente, tratando a política
externa enquanto variável dependente de forma mais sistemática.
A discussão sobre uma eventual prevalência de interesses poderosos sobre agendas da
política externa e o papel do Itamaraty no seio desse processo também deve ser tópico de esforço
de pesquisa e reflexão suplementares. O anteparo que o Itamaraty detém no policy-making da PEB é
imprescindível para garantir uma maior equidade no trato das diferentes demandas. No sentido de
alicerçar a legitimidade da instituição no exercício da democracia, o estabelecimento de espaços
permanentes e plurais de diálogo e concertação de interesses aparece como medida alvissareira.
Em que pese a disputa entre as coalizões de defesa da agricultura, é necessário reconhecer
que ambas trazem ganhos para a sociedade como um todo. Contudo, há que pensar se o superávit
na balança comercial do país garantido pela coalizão do agronegócio têm o mesmo peso que a
consolidação da segurança alimentar e nutricional provida majoritariamente pela coalizão da
agricultura familiar. Mais do que isso, é preciso pensar nos deep core values de cada coalizão enquanto
portadores (ou não) de um projeto político adequado ao país e para o lugar cada vez mais
importante que ele ocupa no Sistema Internacional.
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