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Workshop Doutoral
Área temática: Política Externa
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O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DE EMPRESAS BRASILEIRAS E A
POLÍTICA EXTERNA DO BRASIL PARA A AMÉRICA DO SUL: O CASO DA
CONSTRUÇÃO CIVIL.
Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar a relação entre o processo de
internacionalização de empresas brasileiras e a política externa do Brasil para a
América do Sul, pautando a análise, em especial, na atuação das empresas
transnacionais de construção civil do Brasil. A proposta pretende elucidar os
interesses e objetivos brasileiros, no discurso e na prática, no momento em que as
empresas transnacionais são percebidas como possíveis instrumentos políticos e
econômicos para a consecução de interesses nacionais. Para tal, enfatiza-se o
modo como as empresas transnacionais se relacionam com os governos e as
relações de poder que se estabelecem. Preliminarmente, conclui-se que através da
internacionalização de suas empresas, o Brasil visualiza uma forma de expandir sua
influência política e econômica na América do Sul, consolidando a imagem de
potência regional. Dessa forma, as empresas assumem um papel importante na
política externa brasileira, refletindo valores e imagens positivas e negativas do
Estado, da mesma forma que uma esfera tradicional da diplomacia.
Palavras-chave: Internacionalização, Empresas, Política Externa, Brasil.
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O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DE EMPRESAS BRASILEIRAS E A
POLÍTICA EXTERNA DO BRASIL PARA A AMÉRICA DO SUL: O CASO DA
CONSTRUÇÃO CIVIL.1
Patrícia Mara C. Vasconcellos2
INTRODUÇÃO
1
Trabalho preparado para apresentação no 1º Seminário Nacional de Pós-Graduação em Relações
Internacionais, Brasília/DF, 12 e 13 de julho de 2012.
2
Doutoranda do curso de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). Apoio
financeiro: Capes. Email: pmcvasconcellos@gmail.com
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Neste trabalho empresas ou corporações transnacionais ou multinacionais são tratadas como
sinônimos.
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internacionalização de empresas insere-se no planejamento macroeconômico e
industrial do Estado. A empresa busca uma expansão no mercado internacional e o
Estado, por sua vez, deseja promover o desenvolvimento econômico.
A função do governo nesse processo, todavia, não é consenso (Brasil,
2009). Em que medida o Estado influi e intervém na dinâmica econômica, agindo
como facilitador no processo de internacionalização das empresas é fator que deve
ser investigado em cada caso. Em conseqüência, o Estado ao priorizar um setor ou
liberar recursos para determinadas empresas expressa seus interesses na dinâmica
do mercado e política mundial, ou seja, para o Estado, a internacionalização é uma
escolha que reflete a sua diretriz política e econômica.
No caso do Brasil, de acordo com Correa e Lima (2008), o processo de
internacionalização das empresas brasileiras inicia-se com o processo de abertura
econômica. Antes deste fato, ou seja, na década de 1980, o processo de
internacionalização não era significativo. De modo mais contundente, é a partir da
criação do Mercosul, em 1994, que se inicia um contexto favorável para a
internacionalização das empresas com a premissa de integração regional. Assim, o
desafio é relacionar de modo claro a internacionalização das empresas aos objetivos
e interesses do Estado brasileiro. A política estratégica denominada de “novo
desenvolvimentismo” indicar uma resposta para a questão.
Nessa perspectiva, a internacionalização das empresas de construção do
Brasil é ressaltada. Atualmente, entre os investimentos brasileiros no exterior e, em
especial, na América do Sul, destaca-se o realizado por intermédio das empresas de
engenharia brasileiras devido a sua relação com o processo de integração regional.
Desse modo, desde 2000, quando a Iniciativa para a Integração de Infraestrutura
Regional Sul-Americana (IIRSA) foi aprovada pelos doze países da região, os
investimentos vinculados à iniciativa contribuíram para a consolidação das empresas
de construção nos mercados vizinhos. O objetivo da política externa brasileira de
aproximação física com os países vizinhos, envolta por um discurso regional, é
realizado por meio do financiamento e atuação das empresas brasileiras. Assim, a
atuação dessas empresas vincula-se de imediato ao interesse brasileiro de
promover a integração regional, bem como consolidar a sua liderança no continente.
As empresas de engenharia brasileiras iniciaram a internacionalização de
suas atividades na década de 1970, tendo como principal mercado a América Latina.
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Atualmente, a atuação dessas empresas em empreendimentos na região aponta
para controvérsias da política externa brasileira. Primeiramente, verifica-se a
hipótese de que o Brasil estabelece uma relação de dependência indireta através
dos financiamentos, promovendo um alto custo político para que os Estados
quebrem ou não firmem determinados acordos com o Brasil, contrastando com o
discurso de uma governança regional sem hegemonia. Segundo, entende-se que é
possível observar uma hierarquia de valores em que a decisão política e a ação
econômica se sobrepõem aos impactos socioambientais. Neste caso, aponta-se que
a atuação das empresas privadas mascara a responsabilidade do Estado sobre as
possíveis conseqüências dos empreendimentos, fazendo com que o Brasil não seja
diretamente vinculado a perspectiva de desenvolvimento não sustentável.
Para elucidar tais considerações, são apontados alguns estudos de caso,
como a construção de hidrelétricas no Equador, Peru e Bolívia, bem como a
construção de rodovias na Bolívia e Peru e outros empreendimentos de engenharia
civil realizados por empresas brasileiras (Odebrecht, OAS e outras). Através dos
casos selecionados busca-se uma breve reflexão sobre pelo menos cinco questões:
(1) em que medida os interesses brasileiros são coincidentes com os interesses das
corporações transnacionais e qual o papel dessas empresas na Política Exterior do
Brasil, (2) quais as estratégicas e objetivos brasileiros na promoção da
internacionalização de suas empresas (3) quais são os mecanismos de influência
política entre Estados e empresas (4) até que ponto as ações dessas empresas
podem ser interpretadas como ações do Estado e (5) se é, realmente, possível
perceber uma hierarquia de valores entre as decisões políticas, econômicas, sociais
e ambientais e, em sendo possível, se existe a possibilidade de compatibilizar os
valores dos grupos envolvidos (população local, Estado anfitrião e empresários).
Dessa forma, a seguir apresenta-se uma breve discussão teórica sobre a
dinâmica de poder entre Estados e empresas transnacionais. Posteriormente, uma
contextualização da internacionalização das empresas brasileiras e o vínculo com a
política externa do Brasil. Por fim, expõem-se algumas das contradições da atuação
das empresas de construção civil na América do Sul. Inicialmente, entende-se que o
Brasil tem utilizado a internacionalização das empresas como um agente diplomático
que busca e defende seus interesses nacionais de desenvolvimento.
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ESTADO, EMPRESAS TRANSNACIONAIS E PODER.
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A visão de Sarfati (2006),é que as empresas multinacionais utilizando-se do
poder estrutural4 e do poder brando podem afetar a balança de poder entre os
Estados. As empresas tornam o país mais competitivo e este pode influenciar ou
modificar as regras dos negócios internacionais de acordo com seus interesses.
Keohane e Ooms (1971) ainda destacam a possibilidade de conflito entre
governos devido a atividades das empresas. As relações Brasil e Equador, no caso
da construção da hidrelétrica de San Francisco pela empresa Odebrecht, ilustra a
afirmação feita pelos autores.
Dessa forma, através dos conceitos das novas formas de diplomacia, da
leitura de Gilpin sobre a função das multinacionais no desenvolvimento dos países e
da relação de poder e interdependência apresentada por Keohane indica-se os
desafios da análise da relação política entre empresas e Estados, apontando, ainda
que superficialmente, as hipóteses do caso brasileiro.
4
A definição de poder estrutural apresentado por Sarfati é baseado na concepção apresentada por
Strange (1988)
5
No período de 1960 a 1980, o processo de internacionalização das empresas brasileiras é
centralizado no processo de expansão da Petrobrás, das instituições financeiras (bancos) e nas
empresas construtoras.
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empresas. Contudo, sugere-se que é a partir do governo Lula, em 2002, que
mercado e Estado parecem alinhados em torno de objetivos complementares
relacionados com a internacionalização de empresas. Assim, o Estado passa a
incentivar a internacionalização de setores-chave, de acordo com seus interesses
nacionais.
A política denominada de “novo-desenvolvimentismo”, própria do período do
governo Lula, segundo Oliva (2010), insere uma perspectiva de mudança uma vez
que é diferente do modelo neoliberal, que preceitua um modelo de Estado mínimo,
mas é, também, diferente da concepção do nacional-desenvolvimentismo, que
devido a um alinhamento com as forças de mercado hegemônicas, gerou um padrão
excludente de crescimento e acumulação. Em outras palavras, o “novo-
desenvolvimentismo” propõe uma nova combinação entre Estado e mercado, em
que ambos, são caracterizados como fortes (Sicsú; Paula; Michel, 2007). Neste
caso, a busca pelo desenvolvimento norteia as formulações da política externa, com
um caráter essencialmente autônomo e inclusivo, mas ao mesmo tempo, consciente
de um mercado interdependente e global.
O novo desenvolvimentismo aponta para uma política externa na qual o Brasil
busca exercer uma liderança no cenário internacional diversificando relações
econômicas e comerciais, propagando uma ideologia de desenvolvimento vinculado
a não-hegemonia (democratização das relações), primazia da defesa dos aspectos
sociais (inclusão) e preservação ambiental. Diante de tais objetivos inserem-se as
empresas transnacionais e os bancos públicos, ou seja, o processo de
internacionalização das empresas como um instrumento dos interesses do Estado.
Contudo, o processo de internacionalização apresenta dificuldades. A forma
como o Estado vai saná-las, ao promover políticas públicas que incentivem o
processo, depende do modelo político adotado pelo Estado. Dois modelos se
destacam (Brasil, 2009). Em um deles, o Estado é visto como indutor do processo,
no outro, como facilitador. A diferença é que no primeiro há intervenção ativa do
Estado no processo de internacionalização, elegendo setores estratégicos de
atuação. No segundo caso, visa-se criar marcos regulatórios favoráveis à
internacionalização sem definir qualquer setor como estratégico. O Brasil busca um
modelo que ressalte as características da governança, de onde se desprende que a
política a ser seguida pelo Estado brasileiro ainda não está totalmente definida
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(Brasil, 2009). Entretanto, baseando-se nos preceitos da política novo-
desenvolvimentista, acredita-se que o Estado brasileiro esteja agindo como indutor
do processo de internacionalização.
De modo geral, as estratégias adotadas pelo Brasil para a promoção da
internacionalização de suas empresas referem-se à promoção de acesso a linhas de
financiamento, em especial via o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
Social (BNDES) e Banco de Brasil e ao fomento de instrumentos que minimizem os
riscos no exterior, como por exemplo, acordos internacionais e apoio informacional e
técnico.
O apoio a internacionalização das empresas brasileiras foi enfatizado em
2002 quando o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES)
aprovou uma linha de financiamento específica para incentivar a atuação das
empresas brasileiras no mercado internacional via exportação. Naquele ano, o
Estatuto do BNDES foi alterado visando autorizar o financiamento de projetos de
investimento direto no exterior. Em 2005, foram aprovadas as normas de
financiamento de Investimento Direto Estrangeiro (IDE). As empresas beneficiárias
destas normas são aquelas de capital nacional que atuam em atividades industriais
ou na área de engenharia com estratégia de internacionalização em longo prazo
(Fiocca, 2006).
A viabilidade de financiamento pelo BNDES é um fator que tem sido
preponderante para a consolidação das empresas brasileiras de construção na
América do Sul. A empresa OAS, por exemplo, nas tentativas de ingressar no
mercado do Paraguai foi questionada pelos interlocutores locais sobre as
possibilidades de financiamento utilizadas pela empresa, a qual respondeu que as
obras da empresa na região, em geral, contam com o apoio do BNDES (Brasemb,
20116). Este fato revela a importância do financiamento, constituindo-se como um
ponto positivo para a entrada das empresas brasileiras no mercado regional.
Com o objetivo de diversificar e facilitar as fontes de recursos para os
financiamentos, em 2009, o BNDES abriu um escritório em Montevidéu, em agosto,
com o intuito de reforçar as operações do Brasil com os países vizinhos e uma
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Correspondência diplomática – Brasemb Assunção para Exteriores em 17/10/2011. Assunto: Brasil-
Paraguai. Promoção comercial. Investimentos. Missão de representantes da OAS. Assunção, 04 e
05.10.2011.
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subsidiária em Londres que foi inaugurada em novembro. De acordo com Novoa
(2009), essas iniciativas significam um processo em que se almeja compatibilizar
política externa com política de integração regional por meio do processo de
expansão de capitais (Novoa, 2009, p.197). Dessa forma, explicitam-se os
interesses brasileiros.
Como dito inicialmente, o processo de internacionalização para as empresas
que buscam competir no mercado global torna-se necessário para dinamizar as
atividades da empresa evitando perda de competitividade. Dito de outra forma, a não
realização da internacionalização pode acarretar impactos negativos na
sobrevivência da empresa. Para o país, a internacionalização da empresa significa
que suas empresas estão em posição de relevância no mercado, o que contribui
com o acesso a recursos e mercados, bem como se vincula a uma política de
estruturação econômica (Corrêa e Lima, 2008). Para o Brasil, a atuação das
empresas brasileiras em mercados externos torna-se fundamental para consolidar
sua influência no processo de governança global, solidificar sua liderança na
América do Sul e promover a dinâmica da integração regional. Na prática, no
entanto, o processo se mostra mais complexo, revelando suas contradições.
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MIOTTO, Karina. Inambari vai ter que esperar. O EcoAmazonia. 16/06/2011.
9
Revista Ecoturismo, 01/12/2011.
10
Valor Econômico. Índios declaram Guerra a “estrada brasileira” na Bolívia. 09/08/2011.
11
Gazeta do Povo. Brasil defende diálogo na Bolívia para construção de estrada na Amazônia.
26/09/2011.
12
LANDIVAR, Natalia. Os padrões de comportamento das “transnacionais” no Equador: extra-
territorializando a responsabilidade do Estado brasileiro. In: Instituto Rosa Luxemburg Stiffung et
(org.). Empresas Transnacionais Brasileiras na América Latina: um debate necessário. São
Paulo: Expressão Popular, 2009, 248p.
13
provocou a expulsão13 da empresa Odebrecht do país e um conflito diplomático
entre o Brasil e o Equador.
Para além da América do Sul, as mesmas contradições parecem estar
presentes na atuação das empresas brasileiras na África. O projeto de hidrelétrica
de Mphanda Nkuwa, em Mocambique, prossegue sem consulta formal e legítima a
população local. O projeto da hidrelétrica sofre críticas dos ambientalistas quanto a
danos ambientais e prejuízos econômicos a população. A localização da obra é
questionada por ser uma área sujeita a terremotos14. O governo e os proponentes,
no entanto, afirmam que a obra respeitará os estudos de impactos ambientais.
Fatos como os apontados, em que todas as obras são de responsabilidade de
empresas brasileiras, demonstram a fragilidade do Estado estrangeiro frente às
demandas do capital e revela o comprometimento da imagem do Brasil e de seus
objetivos de política externa em duas regiões prioritárias: América do Sul e África.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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A empresa Odebrecht foi expulsa do Equador em outubro de 2008.
14
Valor Econômico. Camargo vence contrato de US$ 3,2 Bilhões. Valor Econômico Online,
24/01/2008
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suas ações, discursos e valores. A dinâmica da internacionalização é respalda pelos
bancos públicos, particularmente, o BNDES. As possibilidades de financiamento e
parcerias revelam os setores chave de interesse estatal e evidenciam a perspectiva
da integração regional e da liderança do Brasil no processo.
Contudo, nem sempre a atuação das empresas e dos investimentos
brasileiros no exterior é visto de modo positivo. A diplomacia brasileira através de
suas empresas é, muitas vezes, contraditória. O discurso de desenvolvimento
sustentável e respeito aos direitos humanos é colocado à prova diante de obras de
infraestrutura que atingem populações tradicionais, como as realizadas na Bolívia e
no Peru. A visão romântica do processo de integração é substituída pelo objetivo de
inserção no capitalismo.
Compatibilizar os valores econômicos e sociais mostra-se difícil e no
momento da escolha o Estado brasileiro tem se posicionado na defesa do
desenvolvimento imediato. Conseqüentemente, o discurso sobre o imperialismo
brasileiro na região se revigora. A internacionalização de empresas brasileiras é
visto como a busca da hegemonia do Brasil no seu meio. Assim, a relação entre
desenvolvimento e empresas transnacionais retrocede a primeira imagem relatada
por Strange e Gilpin, em que as empresas subjugam a população local e, em
alguma medida, prejudicam o desenvolvimento nacional do país anfitrião.
Desse modo, reconhece-se que no caso brasileiro das construtoras civis, a
partir de 2002, a diplomacia entre Estado e empresas adquire novo caráter. Neste
período, o Estado brasileiro busca controlar as “regras do jogo” aliando o mercado à
sua política externa, o que insere uma nova perspectiva na relação do Brasil com os
países da América do Sul.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
15
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Obstáculos e Perspectivas das Multinacionais Emergentes. Pesquisa Global
Players II. Sumário Executivo, 2008. Fundação Dom Cabral (FDC), Desenvolvimento
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