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A educação pública nos municípios do


Espírito Santo e a presença do setor
privado: um estudo preliminar

Eduardo Augusto Moscon Oliveira

Deborah Gomes Moura

Denise Pinheiro Quadros

Juliana da Vitória Reblin

10.37885/210805884
RESUMO

Levantamento preliminar que investiga a presença do setor privado na gestão da edu-


cação pública nos 78 municípios do Espírito Santo. Utiliza levantamento documental
e bibliográfico, no período de 2007 a 2018. Evidencia arranjos do setor público com o
setor privado na área educacional em todos os municípios do território capixaba. Sendo
o Estado responsável pelo direito à educação no Brasil, o enfraquecimento dos siste-
mas e redes públicas municipais de educação coloca em risco a garantia deste direito.
Verificamos neste trabalho a presença de atores privados locais, nacionais e internacio-
nais. Constatamos que a privatização está presente na educação pública dos municí-
pios do ES, por meio das formações, dos assessoramentos, dos materiais apostilados,
dos convênios concedidos para oferta de vagas, dos programas, terceirizações, entre
outros. A transferência de recursos púbicos e a gestão do sistema a terceiros privados,
fragiliza os atores públicos e desvirtua o propósito da educação como garantia de Direito.

Palavras- chave: Educação Pública, Municípios do Espírito Santo, Setor Privado,


Gestão Democrática.

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Políticas Educacionais e a Privatização: concepções, ações e tendências na educação pública
INTRODUÇÃO

A partir dos anos 1980, com a emergência do neoliberalismo no contexto internacio-


nal, e principalmente por influência do Banco Mundial, novos significados são atribuídos à
privatização da educação. Em decorrência das políticas de ajuste desencadeadas nos mais
diversos países do mundo na década citada, a relação entre Estado, mercado e educação
se intensificou, inclusive no Brasil.
Nesse sentido, Robertson e Verger (2012, p. 2012) afirmam

Como parte do projeto neoliberal, lançou-se, na década de 1980, um conjunto


de ideias-chave com destaque para: a fragmentação das políticas estatais pro-
tecionistas, de modo a facilitar a livre movimentação do comércio, das finanças
e do trabalho através das fronteiras nacionais (conhecida como desregulação);
a implementação de políticas de concorrência entre os setores público e priva-
do destinadas à criação de eficiência; a privatização de uma série de antigas
atividades estatais e seu redimensionamento (envolvendo um processo dual
de descentralização e recentralização).

Pesquisa realizada por Crosso e Magalhães (2016) mostra que a problemática da


privatização e a desvalorização do setor público educacional que aflige a América Latina é
um fenômeno global amplo, com a presença de lógicas mercantis e industrias de negócios
com objetivo de auferir lucro. Destaca que à medida que o papel do estado desloca e dimi-
nui, diferentes atores privados tornam-se protagonistas, consolidando o setor privado, além
de disputarem dentro do setor público e no conjunto da política pública. “Esses atores são
empresas de educação, fundos de investimento, instituições financeiras multilaterais, redes
de empresários, entre outas configurações que se articulam para garantir uma crescente
presença em espaços de definição de políticas educativas (p.19-20).
A entrada do setor privado na educação pública brasileira acontece de forma legal, do
ponto de vista jurídico, como sinaliza ADRIÃO (2017, p. 131)

Do ponto de vista formal, tais orientações operacionalizaram-se, nacionalmente,


a partir da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, e de legislação decorrente, as
quais normalizaram e induziram o financiamento público para a oferta privada
de serviços e atividades governamentais por meio de parcerias público-priva-
das e da previsão de formas variadas de contratos e convênios, situação que
demandou um novo marco regulatório capaz de adequar a gestão pública às
orientações de cunho gerencial.

No contexto internacional o trabalho extenso de Ball e Youdell (2007) sistematiza de


forma ampla, a privatização da educação: a que acontece de forma endógena, a “endopriva-
tização”, a privatização exógena, a “exoprivatização” e a privatização, a própria politica em

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Políticas Educacionais e a Privatização: concepções, ações e tendências na educação pública
que atores do setor privado acabam participando ativamente da arena política e influenciando
decisivamente no debate educacional nacional.
Os autores acima citados, destacam que no conjunto da privatização exógena, amplia-se
e em vários países a subcontratação de serviços educativos “não básicos” como transporte
escolar, alimentação (merenda) e limpeza. A estes, temos que incluir o serviço de “portaria”
(ou segurança) das escolas. Como os autores colocam, esses serviços acabaram dissolven-
do-se no contexto da agenda neoliberal, como normalidade institucional, onde a eficiência e
economia é diretriz dos processos de gestão no contexto da “nova gestão pública”.
O trabalho de Adrião (2018) caracteriza formas pelas quais, a partir do final do século
XX, a privatização da educação básica se constitui. Em linhas gerais, identifica três grandes
dimensões: A primeira dimensão, relativa à privatização da oferta educacional, a segunda
refere-se à Privatização da gestão da educação e a terceira, à Privatização do currículo.
Face a este cenário fez-se necessário compreender o contexto local. Para tanto, este
texto procura mapear, refletir e analisar a interferência do setor privado na gestão da edu-
cação pública nas redes municipais do estado do Espírito Santo (ES). Logo, este trabalho
busca levantar, de forma preliminar, o conjunto dos contratos de serviços, nos quais existem
ganhos monetários de forma direta ou nas relações não lucrativas nos 78 municípios que
compõem o estado do ES.

METODOLOGIA

A escolha de quais dados seriam levantados para compor a pesquisa é baseada em


Peroni (2016) que ressalta que a mercadificação da educação pública é algo concreto e que
ocorre via sujeitos e processos. Ainda afirma que são sujeitos individuais e coletivos que
estão cada vez mais organizados, em redes do micro ao macro, com diferentes graus de
influência e que estão em diferentes setores: setor financeiro, organismos internacionais,
setor governamental.
Tendo como recorte temporal o período de 2007-2018, foi utilizado levantamento do-
cumental e bibliográfico, buscas nos sítios eletrônicos dos municípios (portal da transparên-
cia e links de notícias) e nos sites das empresas, fundações e institutos. Nesta conjuntura
estrutural, indagamos a respeito de como esta transferência e relações com o mercado tem
ocorrido na educação dos municípios do Espírito Santo.
Para tanto, pesquisamos os 78 municípios e caracterizamos quatro tipos de formatos
ou “arranjos” com o setor privado:

I. que se relacionam diretamente com a gestão pedagógica da escola vendendo pro-


dutos (formação, assessoria pedagógica, livros didáticos ou apostilas e programas
educacionais); 72
Políticas Educacionais e a Privatização: concepções, ações e tendências na educação pública
II. que se relacionam diretamente com a gestão pedagógica da escola ofertando os
serviços/produtos anteriormente citados sem ganhos financeiros aparentes;
III. convênios concedidos para oferta de vagas na educação básica;
IV. atividades terceirizadas de merenda, vigilância/portaria e limpeza.

Buscamos, nessa pesquisa, elaborar o mapeamento dos convênios e parcerias firmadas


junto às Redes Municipais de Ensino dos 78 municípios e o setor privado, além de exami-
nar os interesses presentes nas parcerias/acordos realizados. Justifica-se a importância da
presente pesquisa, uma vez que Adrião (2017) aponta que a transferência para corporações
ou para fundações, institutos e equivalentes da política educacional é preocupante, pois há
a subordinação desses elementos a interesses privados e relação direta à ampliação de
mercados. Apontamos os riscos da interferência do setor privado para a gestão da educação
pública, bem como para a educação como direito social, uma vez que os princípios e as
bases do setor público podem ser alterados a partir da presença do setor privado.
Inicialmente, foi realizada uma revisão bibliográfica, a fim de entender sobre a priva-
tização no Brasil. Logo após, iniciamos o contato com as prefeituras, especificamente com
as secretarias municipais de educação, de administração e finanças, para saber sobre as
terceirizações, parcerias e privatizações ocorridas e quais foram os serviços prestados e
quando tiveram início, tendo como recorte temporal o período de 2007-2018. O contato foi
realizado, majoritariamente, por ligações telefônicas, porém com dificuldade, pois quando
conseguíamos concretizar uma apresentação e solicitar as respostas para a entrevista es-
truturada produzida, identificamos que muitos que nos atendiam não tinham as informações
solicitadas. Sendo assim, buscamos mais alternativas para a realização da pesquisa.
Então, para além do que foi primeiramente planejado, foram utilizadas buscas nos sí-
tios dos municípios (portal da transparência e links de notícias) e nos sítios das empresas,
fundações e institutos.
No portal da transparência pesquisamos os tópicos contratos (compras, despesas e
repasses) e convênios concedidos. Em contratos, foi possível destacar a presença do setor
privado com a perspectiva explícita de lucros. Em convênios concedidos, identificamos a
transferência de recursos do setor público para o setor privado, o que evidenciou um repasse
da responsabilidade na execução/administração da educação obrigatória. Nas páginas de
notícias dos municípios pesquisados, foi possível apontar as relações do setor público com
o setor privado, com possíveis relações de lucro, porém a partir de uma cortina de fumaça,
ou seja, sem evidentes relações mercadológicas.
A Lei da Transparência (L.C.131/2009) determina que sejam disponíveis, em tempo
real, informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira (CNM, 2019).

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Políticas Educacionais e a Privatização: concepções, ações e tendências na educação pública
Mesmo com essa exaustiva coleta de informações, percorremos os sítios tanto das
empresas, que trabalham a partir da lógica lucrativa, quanto os sítios dos institutos e funda-
ções que divulgam o trabalho a partir de uma perspectiva de ação social, para coletarmos
os locais de atuação e alcance dos serviços prestados.
Realizamos uma organização a partir da coleta de dados, tomando como referência
as seguintes categorias: a presença da terceirização dos serviços (merenda, limpeza, por-
taria/ vigilância); quais empresas, institutos ou fundações estão presentes na formação de
professores, na assessoria pedagógica e/ou modelo pedagógico; bem como na implanta-
ção de programas e com quais instituições os municípios têm celebrado convênios para
oferta de vagas.
Ressaltamos que o percurso de coleta de dados foi realizado de forma atenta e zelo-
sa. No entanto, podem existir mais informações que não foram encontradas, pelo fato de
muitos arranjos serem efetivados sem divulgação oficial.

OS MUNICÍPIOS DO ESPÍRITO SANTO E A PRESENÇA DO SETOR


PRIVADO

Os dados coletados possibilitaram a análise do cenário privatista na educação dos


municípios capixabas, para tal, consideramos as categorias elencadas, como segue abaixo.
Consideramos a presente pesquisa imprescindível para a problematização da privatização
no contexto capixaba, pois é preciso conhecer, analisar para posteriormente, planejar cami-
nhos, a fim de realizar oposição à crescente mercadificação da/na educação.
No que se refere à interferência do setor privado na Gestão Pedagógica da Escola
(formação, assessoria pedagógica, livros didáticos ou apostilas e programas educacionais)
identificamos a presença das seguintes empresas que vendem seus produtos, com obje-
tivo direto de alcançar lucros por meio da educação pública, são elas: Pearson Education
do Brasil Ltda, Curso de form. permanente de prof. e eventos Tantas Palavras Ltda ME,
Editora Positivo, Gualimp Assessoria e Consultoria Ltda, Inédita Educação e Cultura
Ltda ME, Inova Consultoria em Educação Ltda ME, Instituto Conhecer, Wilivro Soluções
Tecnológicas Educacionais Ltda EPP, Assistem Asses Auditoria e Consultoria Técnica Ltda,
Bicalho Consultoria.
A respeito da privatização da gestão educacional pública, Adrião (2018) ressalta que
para além dos lucros diretos, há o interesse em monitorar o trabalho pedagógico e as ativi-
dades pedagógicos, como apontado abaixo

Levando em conta o sentido aqui atribuído à privatização da gestão educacional


pública, [...]. Refere-se à presença de corporações e segmentos associados
na definição de prioridades educacionais e na implantação de sistemas ou
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procedimentos para o gerenciamento dessas prioridades, com interesses de
lucro diretamente realizados, quando operando com a venda de produtos ou
serviços, [...]. Tais processos de transferência da gestão educacional para
setores privados assentam-se na possibilidade de introdução de sistemáticas
de monitoramento sobre o trabalho pedagógico e sobre as atividades escolares
[...]. ADRIÃO (2018, p. 19-20)

Ainda com a efetivação da presença do setor privado na Gestão Pedagógica da Escola


é possível constatar que empresas, fundações e institutos, estão marcando território na
educação pública, porém sem claras intenções de alcançar lucros com essa articulação,
pelo contrário, com o discurso de contribuição social, como: EDP Escelsa, Arcelor Mittal,
Instituto Natura, Vale, Fundação telefônica Vivo, Rodosol, Fundação SM, SEBRAE, Instituto
Votorantim, Fundação Otacílio Coser, ICE, Movimento Empresarial ES em Ação.
A partir da entrada de instituições que não trazem em seu escopo a intencionalidade
direta de lucro, Robertson e Verger (2012, p. 1147) apud Scott (op. cit., p. 114-116) apontam
para uma tensão importante nesta política de filantropia e proteção nos processos decisórios
e consequentemente ao exercício da democracia

A riqueza que vem em grande parte de políticas públicas favoráveis é direcio-


nada principalmente para fundações isentas de impostos, nas quais curadores
e filantropos diretamente moldam a política pública para os pobres sem o
processo deliberativo aos quais as políticas de reforma escolar deveriam ser
submetidas, se os recursos fossem públicos.

No que se refere aos Convênios Concedidos destacamos a presença de duas insti-


tuições que recebem investimentos financeiros dos municípios para a oferta de vagas na
Educação Básica, são elas: MEPES (Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo)
e Fundação Presbiteriana Educacional e Assistencial Rev. Gedeon José Lidório.
Adrião (2018) destaca que a destinação direta de fundos públicos a agentes privados
que oferecem escolarização obrigatória consiste em um mecanismo de subsídio à oferta, e
que nesse sentido o que temos é fundo público destinado à educação ofertada por estabe-
lecimentos privados.
O levantamento junto aos 78 municípios foi possível constatar que não há exceção no
que diz respeito à presença de arranjos com o setor privado nesse recorte temporal. Desta
forma, apresentaremos numericamente o alcance das empresas, institutos ou fundações
no território da pesquisa, bem como, o campo de suas interferências na educação pública.
A presença do PAES (Pacto pela Aprendizagem no Espírito Santo), que é a versão
capixaba do PAIC (Programa de Alfabetização na Idade Certa) do Ceará está em 73 muni-
cípios do ES, disputando, portanto, espaço na gestão, na aprendizagem no planejamento

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Políticas Educacionais e a Privatização: concepções, ações e tendências na educação pública
e suporte da educação pública. O PAES é estruturado em três eixos de trabalho: Apoio a
Gestão, Fortalecimento da Aprendizagem e Planejamento e Suporte (SEDU, 2019).
A Editora Positivo fornece o Sistema de Ensino Aprende Brasil, objetivando potenciali-
zar as qualidades das escolas dos Municípios, com um sistema completo, composto por um
conjunto específico de soluções e que oferece não só um material didático de qualidade, mas
também um amplo suporte na gestão escolar (EDITORA POSITIVO, 2019). Atualmente, o
Sistema de Ensino Aprende Brasil está sendo utilizado em 6 municípios capixabas.
A empresa Inova Consultoria em Educação LTDA ME desenvolve formações para
docentes e acompanhamento da gestão (INOVA, 2019), em aproximadamente 8 muni-
cípios estudados.
A Pearson Education do Brasil LTDA, atua, oferecendo para escolas públicas, por
meio do Name – Núcleo de Apoio a Municípios e Estados, consultoria pedagógica, forma-
ção continuada, portal da aprendizagem, avaliação da aprendizagem e serviços de idiomas
(PEARSON, 2019). No Espírito Santo, atua no município de Conceição do Castelo.
A Empresa Gualimp - Assessoria e Consultoria LTDA presta serviços de formação
continuada e assessoria pedagógica (GUALIMP, 2019). A partir dessa perspectiva a Gualimp
está presente em 5 municípios capixabas.
A empresa Wilivro se estrutura a partir da comercialização de um conjunto de recursos
pedagógicos e tecnológicos, afirma que pode transformar a educação por meio de diversas
soluções (WILIVRO, 2019). Está presente em um município do estado.
A “cesta” que compõe os contratos firmados entre as prefeituras municipais e a ini-
ciativa privada é integrada por atividades tradicionalmente desenvolvidas pelas equipes
pedagógicas dos órgãos da administração pública e das escolas: formação continuada de
educadores, efetivo acompanhamento das atividades docentes; investimento na produção
e distribuição de materiais didáticos aos alunos; processos de avaliação externa e interna,
entre as principais encontradas.
Por essa razão, para além dos problemas pedagógicos derivados da adoção de material
instrucional, em alguns casos desde a pré-escola, o que é importante destacar é o fato de
que as empresas privadas passam, ao vender os chamados “sistemas de ensino”, a inter-
ferir na gestão do próprio sistema escolar público local (ADRIÃO et al, 2009, p. 806). A res-
peito dessa interferência, concordamos com Costa (2019, p. 162) que afirma que “a ideia
de educação enquanto direito humano e bem público, nunca foi tão seriamente atacada e
ameaçada como vem ocorrendo a partir das reformas neoliberais e neoconservadoras do
último quarto de século XX e no presente século”.
Para além dos contratos firmados, as prefeituras pesquisadas realizam arranjos por meio
de vinculação com institutos e/ou fundações para prestação de serviços na área educacional,
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Políticas Educacionais e a Privatização: concepções, ações e tendências na educação pública
sem que estes tenham a perspectiva de lucro financeiro direto. Apresentaremos a seguir
alguns arranjos levantados na pesquisa, bem como sua influência na educação pública.
Como uma iniciativa do Instituto Natura, o TRILHAS surgiu com o objetivo de contribuir
para a formação continuada de professores alfabetizadores e estudantes de pedagogia,
afirmando colaborar para o desenvolvimento de alunos leitores e escritores até o 2º ano
do Ensino Fundamental (PORTAL TRILHAS, 2019). Nos municípios do Espírito Santo, o
programa está presente em 50 deles, com cursos presenciais e EAD.
O Ensina Brasil é uma organização sem fins lucrativos que visa mobilizar mais talentos e
desenvolver lideranças para transformar a educação, começando pela sala de aula (ENSINA
BRASIL, 2019). Está presente, no Espírito Santo, no município de Cariacica.
O Programa Boa Energia nas Escolas de iniciativa da EDP Escelsa tem a proposta
de formar professores a respeito do uso seguro e eficiente da energia elétrica (EDP, 2019).
Com essa metodologia tem alcançado 13 cidades do ES.
O Instituto Votorantim com o Programa “Parceria pela Valorização da Educação” busca
a partir de sua atuação contribuir para a melhoria da educação pública a partir da qualificação
de práticas de gestão, desenvolvendo competências para favorecer a atuação eficiente de
gestores educacionais e escolares, mobilizando comunidades em prol de uma educação
de qualidade (INSTITUTO VOTORANTIM, 2019). Com esse discurso, tem alcançado 9
cidades capixabas.
O Rede Escolaí que tem por objetivo promover a articulação da comunidade educativa
para que ela crie, de maneira colaborativa, soluções para seus desafios (REDE ESCOLAÍ,
2019), está presente em 3 municípios do ES.
A Fundação SM afirma que trabalha para fortalecer a educação pública, de forma
colaborativa com os governos municipais, estaduais e federal, organismos internacionais,
organizações da sociedade civil, institutos e fundações (SM, 2019). Está presente em Serra,
contribuindo com a implementação da primeira escola de tempo integral do município.
O Instituto de Corresponsabilidade pela Educação – ICE foi criado em 2003 por um
grupo de empresários motivados a conceber um novo modelo de escola e resgatar o pa-
drão de excelência do então decadente e secular Ginásio Pernambucano, localizado em
Recife (ICE, 2019). Esse instituto esteve presente em um dos municípios para a imple-
mentação de três escolas de Tempo Integral, em parceria com o Movimento Empresarial
Espírito Santo em Ação.
O SEBRAE com o curso Jovem Empreendedor Primeiros Passos (JEPP) está presente
em 2 municípios e se articula mediante a capacitação de professores, fornecimento de livros
didáticos para os alunos e o acompanhamento/monitoramento pedagógico da metodolo-
gia (O JEPP, 2019).
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Políticas Educacionais e a Privatização: concepções, ações e tendências na educação pública
Ao apontarmos os programas/projetos das instituições/fundações refletimos com Freitas,
2014 quando este destaca o que está em jogo nessa política, a disputa pelo controle tanto
da “gestão” escolar como do próprio “processo formativo” da juventude (objetivos, métodos
e conteúdos), ambos aspectos fundamentais para o controle ideológico e seu alinhamento
à lógica das necessidades do aparato produtivo.
Outro arranjo presente nos municípios capixabas se dá pelo repasse de verba para o
Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES) nas Escolas Família Agrícola
e Escolas Família Turismo, com intuito de subsidiar vagas na Educação Básica. O MEPES é
uma associação civil de direito privado, de fins não econômicos, tem por finalidade promover
integralmente a pessoa humana, interagindo na saúde, educação e ação comunitária, sem
fins econômicos e está presente, atualmente, em 23 municípios capixabas (MEPES, 2019).
Os municípios de Pancas e São Domingos do Norte estabeleceram Termo de
Colaboração com a “Fundação Presbiteriana Educacional e Assistencial Rev Gedeon José
Lidorio” para a transferência de recursos financeiros com intuito de atender a Educação Infantil.
A respeito do repasse de verbas, a fim de conceder vagas na Educação Básica, Adrião
(2018, p. 13) apud Borghi et al. (2014, p.72) aponta, para a Educação Infantil, os tipos de
subsídios comuns no Brasil: Repasse por número de matrícula com frequência gratuita;
repasse de um valor fixo, quando a repasse não tem relação com a matrícula e custeio de
itens de manutenção da escola, como cessão de prédios, de funcionários e insumos varia-
dos. Destaca ainda que mesmo que esse formato se refira à educação infantil, é possível
encontrar estes formatos nas demais etapas de escolaridade.
A configuração a privatização da oferta educacional, por meio da vigência de mecanis-
mos de subsídio público a organizações privadas por meio de contratos, convênios, termos
de parceria e de cooperação, pois há repasses financeiros para a manutenção da oferta da
educação obrigatória a essas instituições (ADRIÃO, 2018).
Em relação às atividades terceirizadas, atualmente, na educação pública municipal
do ES os serviços como limpeza, merenda, vigilância/portaria são realizados em sua maioria
por servidores públicos. Aproximadamente 15,4%, 17,9% e 10,25% são realizados por empre-
sas terceirizadas, respectivamente, nas atividades de merenda, limpeza e vigilância/portaria.
Freitas (2018) realiza um alerta ao afirmar que o propósito dos neoliberais é destruir
a “educação pública de gestão pública” e não apenas defini-la, querem o Estado apenas
como provedor de recursos públicos, não como gestor. Exatamente o que acontece com a
realização de contratos para os serviços de limpeza, merenda, vigilância/portaria, o Estado
paga pelos serviços, mas não realiza a gestão das atividades.
A tabela a seguir sintetiza a relação dos arranjos com o setor privado nos municípios
capixabas, separados pelas 10 microrregiões do Espírito Santo, segundo o Instituto Jones
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Políticas Educacionais e a Privatização: concepções, ações e tendências na educação pública
dos Santos Neves. O arranjo I representa a presença de arranjos que se relacionam dire-
tamente com a gestão pedagógica da escola vendendo produtos (formação, assessoria
pedagógica, livros didáticos ou apostilas e programas educacionais); o arranjo II representa
a presença de arranjos que se relacionam diretamente com a gestão pedagógica da escola
ofertando os serviços/produtos anteriormente citados sem ganhos financeiros aparentes; o
arranjo III representa a presença de convênios concedidos para oferta de vagas na educação
básica; o arranjo IV representa a presença atividades terceirizadas de merenda, vigilância/
portaria e limpeza.

Tabela 1. Presença de arranjos com o setor privado nos municípios capixabas.

MICRORREGIÃO ARRANJO I ARRANJO II ARRANJO III ARRANJO IV


METROPOLITANA
1 município 7 municípios Nenhum município 7 municípios
(7 municípios)
CENTRAL SERRANA
Nenhum município 5 municípios 1 município Nenhum município
(5 municípios)
SUDOESTE SERRANA
4 municípios 6 municípios 1 município 2 municípios
(7 municípios)
LITORAL SUL
2 municípios 6 municípios 5 municípios 2 municípios
(8 municípios)
CENTRAL SUL
3 municípios 6 municípios 4 municípios Nenhum município
(8 municípios)
CAPARAÓ
5 municípios 8 municípios 1 município 3 municípios
(11 municípios)
RIO DOCE
2 municípios 4 municípios 1 município 1 município
(6 municípios)
CENTRO-OESTE
5 municípios 3 municípios 6 municípios 1 município
(10 municípios)
NORDESTE
1 município 7 municípios 5 municípios 1 município
(9 municípios)
NOROESTE
2 municípios 4 municípios 1 município 2 municípios
(7 municípios)
TOTAL
25 municípios 56 municípios 25 municípios 19 municípios
(78 municípios)
Fonte: elaborada pelos autores.

A tabela acima demonstra que a privatização adentrou o solo espírito-santense, ofertan-


do serviços e materiais pedagógicos, mas sobretudo impondo sua lógica e suas intenções em-
presariais. A referida constatação nos aponta a necessidade de continuarmos acompanhando
a tendência da política atual, por meio de pesquisas e de ações que sinalizem resistência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constatamos que a privatização está presente na educação pública dos municípios


do Espírito Santo, não há exceção quanto à privatização em nenhum dos 78 municípios ca-
pixabas. A educação pública capixaba tem se tornando um assunto comercial, um negócio
atraente e lucrativo.
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Políticas Educacionais e a Privatização: concepções, ações e tendências na educação pública
A gestão pedagógica da escola, no cenário capixaba, tem tido a presença do setor priva-
do, por meio de formação, assessoria pedagógica, livros didáticos ou apostilas e programas
educacionais, vendidos aos sistemas e redes públicas de ensino. Dessa forma, infiltrados
nas metodologias, práticas e conteúdos das salas de aula, o setor privado vai moldando
paulatinamente tanto os docentes, quanto os discentes, impregnando na educação pública
seus ideais e princípios, permeados de competitividade, disputas, lucratividade, meritocracia
e individualismo.
Ocorre também a interferência do setor privado com os mesmos produtos menciona-
dos anteriormente, porém sem ganhos financeiros aparentes, mas que do mesmo modo,
adentram o interior das escolas públicas, afastando o princípio da gestão democrática e o da
educação como direito social e impondo, em alguns momentos, sorrateiramente, em outros,
ostensivamente, seus conceitos e práticas.
Os convênios concedidos para oferta de vagas na educação básica é outro formato
de arranjo em que o poder público estabelece com o setor privado nos municípios capixa-
bas, ferindo diretamente o princípio da educação como direito social e que, portanto, deve
ser incomerciável.
Outra questão é a fragilização da participação do trabalhador terceirizado nas decisões
coletivas da escola, visto que seu vínculo não é diretamente com o Poder Público, o que
acarreta distanciamento das questões, discussões e debates locais. Na educação pública
deve haver participação da família, dos educandos, dos professores, dos funcionários e
representantes da comunidade onde a escola se localiza, fortalecendo assim, a democracia
em âmbito micro e posteriormente em uma dimensão macro.
A prática da democracia, por meio da gestão democrática é algo que precisa ser tra-
balhado diuturnamente nas escolas públicas, o que se distancia dos princípios privatistas
e mercadológicos das empresas que se infiltram na educação, com suas ideias e lógicas,
desvirtuando a gênese da educação pública. Na contra mão da perspectiva neoliberal em
que a privatização da/na educação é uma das pautas principais, é necessário reafirmamos
a educação pública como direito social, realizando a resistência frente às investidas do setor
privado, a disputando no cenário social, a fim de construirmos por meio da educação pública
um projeto de sociedade em que se tenha como pilares, a inclusão, justiça social e igualdade.
Por isso, reiteramos a responsabilidade do Poder Público com a educação pública, gra-
tuita, laica e de qualidade. É necessário fortalecermos a Gestão Democrática nas Unidades
de Ensino, consolidando a participação, efetivando propostas pedagógicas emancipatórias
e problematizando juntos aos coletivos os riscos da privatização da educação para a de-
mocracia no âmbito escolar e nacional e para a garantia da educação como direito social.

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Políticas Educacionais e a Privatização: concepções, ações e tendências na educação pública
Considerando que o tema tratado ameaça a educação pública capixaba serão neces-
sários aprofundamentos e constantes estudos, pois conhecendo os esquemas e caminhos
efetuaremos frente às intencionalidades do setor privado.

REFERÊNCIAS
1. ADRIÃO, T. et al. 2009. Uma modalidade peculiar de privatização da educação pública: a
aquisição de “sistemas de ensino” por municípios paulistas. Educ. Soc., Campinas, vol. 30,
n. 108, p. 799-818.

2. ADRIÃO. T. Dimensões e Formas da Privatização da Educação no Brasil: caracterização a


partir de mapeamento de produções nacionais e internacionais. Currículo sem Fronteiras,
v. 18, n. 1, p. 8-28, jan./abr. 2018.

3. ADRIÃO, T. A privatização dos processos pedagógicos: Grupos editoriais e os negócios na


educação básica. In Maringoni, G. (org). O negócio da Educação. São Paulo: Olho Dágua
e Fepesp. 2017a. P. 129-144.

4. BALL, S.; YOUDELL, D. Privatización encubierta en la educación pública, Internacional de la


Educación. Bruselas, 2007. Disponível em: https://observatorioeducacion.org/sites/default/
files/ball_s._y_youdell_d._2008_la_privatizacion_encubierta_en_la_educacion_publica.pdf.
Acesso em: 9 de dez. de 2020.

5. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE MUNICÍPIOS (CNM). Lei da Transparência. Disponível:


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