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Estudo de Caso: política e privatização na Educação do Espírito Santo

Luciano Menezes Pereira

È uma característica da política do final do século XX e início do século XXI a


predominância da agenda neoliberal em diversas áreas da sociedade, sob a
justificativa de que a ação individual voltada para o mercado vai conceder a justiça
social, tal qual a fala de Tony Blair: “os mecanismos de mercado são essenciais para
atingir os objetivos sociais, o zelo empreendedor pode promover a justiça social”.

Tomados por esta justificativa ideológica, a agenda neoliberal se entremeia no


Estado, a fim de que a máquina estatal seja a provedora de recursos para os diversos
agentes privados atuarem nos serviços básicos. Assim é a forma que acontece com a
Educação, desde a instância executiva, até a imposição de serviços privados nas
escolas.

A tomada da ideia de “Mercado” dentro da gestão educacional acarreta na


transformação da educação em um modelo adequado de formação de agentes
econômicos, enquanto transforma a escola numa empresa que deve demonstrar
resultados, rendimentos e “lucros”. A princípio atuando em áreas diferentes e de
formas diferentes, a privatização da educação vem sendo construída de formas
diferentes, pelo qual o estudo “A educação pública nos municípios do Espírito Santo e
a presença do setor privado” (...2021) chama de Arranjos:
“O arranjo I representa a presença de arranjos que se relacionam diretamente
com a gestão pedagógica da escola vendendo produtos (formação, assessoria
pedagógica, livros didáticos ou apostilas e programas educacionais); o arranjo
II representa a presença de arranjos que se relacionam diretamente com a
gestão pedagógica da escola ofertando os serviços/produtos anteriormente
citados sem ganhos financeiros aparentes; o arranjo III representa a presença
de convênios concedidos para oferta de vagas na educação básica; o arranjo
IV representa a presença atividades terceirizadas de merenda,
vigilância/portaria e limpeza.” (2021)

À medida que a privatização vem se destacando e se afirmando na educação,


deixa brechas para que a iniciativa privada tome conta da educação como um todo.
Segundo o estudo sobre o Espírito Santo, as empresas são:
“No que se refere à interferência do setor privado na Gestão Pedagógica da
Escola (formação, assessoria pedagógica, livros didáticos ou apostilas e
programas educacionais) identificamos a presença das seguintes empresas
que vendem seus produtos, com objetivo direto de alcançar lucros por meio da
educação pública, são elas: Pearson Education do Brasil Ltda, Curso de form.
permanente de prof. e eventos Tantas Palavras Ltda ME, Editora Positivo,
Gualimp Assessoria e Consultoria Ltda, Inédita Educação e Cultura Ltda ME,
Inova Consultoria em Educação Ltda ME, Instituto Conhecer, Wilivro Soluções
Tecnológicas Educacionais Ltda EPP, Assistem Asses Auditoria e Consultoria
Técnica Ltda, Bicalho Consultoria.” (2021)

Além da busca por garantir o lucro, tal qual explicitado nas relações contratuais
e em todas as formas de divulgação de gastos, previstas em lei, as mesmas empresas
se propõem em monitorar a efetividade educacional, com justificativa meramente
mercadológica, pois é afetivo ao grupo vendedor que seus produtos demonstrem
sucessos. Porém, é de se perceber que estas mesmas avaliações, sistematicamente,
vão adentrando na gestão educacional, cuja base não está no aprendizado em si, mas
na gestão empresarial.

Quanto ao segundo arranjo, o que temos é a configuração de Institutos ligados


a grandes empresas que buscam efetivar seu dever de retribuição filantrópica perante
a sociedade, uma atitude que abona das empresas determinados impostos, enquanto
as tais dão apoio na educação. O estudo destaca que:
“(...)sem claras intenções de alcançar lucros com essa articulação, pelo
contrário, com o discurso de contribuição social, como: EDP Escelsa, Arcelor
Mittal, Instituto Natura, Vale, Fundação telefônica Vivo, Rodosol, Fundação SM,
SEBRAE, Instituto Votorantim, Fundação Otacílio Coser, ICE, Movimento
Empresarial ES em Ação.”(2021)

Dessa forma, o estudo observa que a prática filantrópica, sobre a educação


pública coloca nas mãos de intelectuais e outros agentes da iniciativa privada reformas
escolares que deveriam ser submetidas pelo poder público, vetando aos mais pobres,
alvo da boa ação da iniciativa privada sobre a educação para os mais pobres.

O terceiro arranjo destacado pelo estudo são os convênios estabelecidos entre


o Estado e o setor privado para a oferta de vagas na educação básica. No estudo, eles
destacam:
“a presença de duas instituições que recebem investimentos financeiros dos
municípios para a oferta de vagas na Educação Básica, são elas: MEPES
(Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo) e Fundação
Presbiteriana Educacional e Assistencial Rev. Gedeon José Lidório.” (...2021)

Esse arranjo é constituído no repasse de verbas para as instituições sem fins


lucrativos, a fim de que as mesmas concretizem a escolarização dos estudantes
beneficiados, oferecendo os recursos educacionais gratuitamente. Os repasses são
feitos em relação às matriculas e manutenção, mais os repasses de valores fixos para
insumos, empréstimo de prédios e pagamentos de funcionários. Embora o repasse
seja previsto em lei para todas as etapas do ensino, o MEPES é focado na educação
básica, enquanto a Fundação Presbiteriana Educacional e Assistência Ver. Gedeon
José Lindório é voltada para o ensino infantil.
“Em relação às atividades terceirizadas, atualmente, na educação pública
municipal do ES os serviços como limpeza, merenda, vigilância/portaria são
realizados em sua maioria por servidores públicos. Aproximadamente 15,4%,
17,9% e 10,25% são realizados por empresas terceirizadas, respectivamente,
nas atividades de merenda, limpeza e vigilância/portaria.”(... 2021)

O quarto arranjo é a “ponta de lança” da agenda neoliberal que busca


transportar a educação da gestão pública para a gestão privada, deixando de ser um
direito para ser um serviço capitalizado, de que a única coisa pública é o subsídio
estatal para a educação, ou seja, “a, o Estado paga pelos serviços, mas não realiza a
gestão das atividades” (... 2021)

No texto de Ball (2013), o autor levanta como as novas formas de governança


se encontram mais diluídas no memento atual, uma vez que o conceito de governança
se encontra na fronteira entre Estado, Sociedade Civil e da economia. Ou seja, o
conjunto de ações e agentes políticos que constituem estes três polos vêm se
rearranjando a medida que a agenda neoliberal avança sobre a sociedade. Na
educação isso é mais perceptível, tanto nos exemplos do autor, da Inglaterra e da
Índia, quanto na educação pública do Espírito Santo.

As novas formas de governança se colocam como embates de comunidade e


grupos, a fim de aumentar a legitimidade deles próprios. Estas relações de embate e
legitimação só são possíveis dentro da forma de organização chamada de
Heterarquia, concebida como uma organização que está entre, e como a, hierarquia
convencional e o modelo de rede: horizontal quanto aos processos políticos e
hierárquico quanto às relações individuais. Preservando, desta forma, a liberdade de
uma organização dentro da relação Sociedade Civil e Estado, Sociedade Civil e
Economia, mas mantendo a relação de poder, gestão e se impondo, perante a
Sociedade Civil.

Logo, é possível que a composição estatal se encontre como um Estado


Policentrico (Ball 2013), constituído de vários centros internos, tendo além da
governança tradicional entre os agentes, a governança entre as instituições, uma
governança sobre a governança, ou seja, uma metagovernança. O que coloca o poder
público mais como um gestor de gastos, fornecendo verbas às instituições privadas e
privadas sem fins lucrativos, do que um fornecedor de serviços e mantenedor de
direitos.
Apesar de parecer que seja bom por descentralizar o Estado afogado em
burocracias, o que essa configuração de governo traz são novas formas de se
burocratizar, legislar e gerir os serviços públicos, aproveitando-se da fragilização entre
as barreiras entre as esferas públicas, privadas e do terceiro setor. Não é por acaso
que estes modelos foram inseridos na sociedade a partir de uma enorme rede
intelectual financiada por grandes corporações que ganham a partir dos novos
modelos de Estados menores, ou uma “Desestatização”. O que se constituiu em
“... criação de órgãos executivos, o estabelecimento de parcerias público-privadas (de
muitos tipos diferentes), contratação de serviços estatais para fornecedores privados
(ver Burch, 2006), o uso de think tanks (laboratórios de ideias), consultores e em-
presas especializadas de conhecimento para pesquisa e avaliação de politicas,
atividade filantrópica e patrocínio para financiar programas e inovações na área da
educação, o envolvimento do setor voluntario (instituições de caridade, ONGs,
fundações sem fins lucrativos, etc.) no fornecimento de serviços e o uso de empresários
sociais para tratar problemas sociais persistentes – às vezes em combinações
complexas.” (Ball 2013)

Ou seja, “em outras palavras, tarefas e serviços anteriormente realizados pelo


Estado estão agora sendo feitos por vários „outros‟” (Ball 2013). Por isso, o autor
coloca a questão das privatizações endógenas e exógenas, pois acontecem tanto de
dentro para fora, quanto de fora para dentro.

A composição da organização em Heterarquias pode parecer boa, pois se


encaixa no novo modelo, porém impedem algumas “barreiras políticas”1, como o caso
da exclusividade que são colocadas enquanto agentes que assumem riscos dotados
de criatividade e “resiliência”, enquanto os demais são percalços que não buscam
soluções. Discursos e narrativas como essas são as responsáveis por excluir
sindicatos e desestimular a criação de Movimentos Sociais e a formação de
agremiações.

No caso do Espírito Santo, podemos observar uma ressonância quanto ao que


Ball apresenta em seus textos, uma complexa rede de empresas privadas adentrando
na educação: tanto na escola, quanto no currículo. Observa-se que existem, não
apenas o fomento de vendas de produtos com a finalidade lucrativa, mas a formação
de professores, composição de políticas pedagógicas e a formulação de currículos
para serem aplicados nas redes públicas de educação. O que conflita com a legislação
proposta que enfatiza uma educação democrática, porém uma democracia que tende
para as instituições privadas, do que para a própria comunidade escolar.

1
Preferi deixar entre aspas, pois não enxergo como barreira, ou bloqueio político, como coloca
o autor (Ball 2013), uma vez que é do conflito político entre a efetivação dos direitos e a
agenda neoliberal de mercantilização da vida, que eclode estes entraves da máquina estatal.
Referências:

BALL, STEPHEN J. NOVOS ESTADOS, NOVA GOVERNANÇA E NOVA POLÍTICA


EDUCACIONAL. IN: APPLE, MICHAEL W.; BALL, STEPHEN J.; GANDIN, LUIS A.
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO. PORTO ALEGRE: PENSO GRUPO A, 2013. E-
BOOK. ISBN 9788565848329. DISPONÍVEL EM:
HTTPS://INTEGRADA.MINHABIBLIOTECA.COM.BR/#/BOOKS/9788565848329/.
ACESSO EM: 21 OUT. 2023.

OLIVEIRA, EDUARDO AUGUSTO MOSCON; MOURA, DEBORAH GOMES;


QUADROS, DENISE PINHEIRO; REBLIN, JULIANA DA VITÓRIA - A EDUCAÇÃO
PÚBLICA NOS MUNICÍPIOS DO ESPÍRITO SANTO E A PRESENÇA DO SETOR
PRIVADO: UM ESTUDO PRELIMINAR, 2021

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