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CAPTURAS NEOLIBERAIS E EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA: O MITO DA
EDUCAÇÃO “INOVADORA”
1
LAVAL, Christian. A Escola não é uma empresa: O neoliberalismo em ataque ao ensino público.
Londrina: Editora Planta, 2004.
2
BENEVIDES, Pablo Severiano; NETO, João Muniz. Educação, subjetivação e resistência nas sociedades
de controle. Estudos Contemporâneos da Subjetividade, Niterói. v 1, n. 1, p. 27-40, 2011.
3
BARRERA, Tathyana Gouvêa da Silva. O movimento brasileiro de renovação educacional no início
do século XXI. 2016. 274f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2016, p.24.
285
pontual da escolarização - que objetiva a alteração de uma prática social de determinado
contexto ou grupo, como mudanças de metodologias, objetivos e/ou recursos educativos.
4
Ibidem.
5
BENEVIDES, NETO, 2011.
286
Observamos certos discursos que anunciam a política de reforma escolar apenas
como uma “modernização” que tornará a escola mais eficiente, recusando qualquer
dimensão ideológica e política nessa estratégia, a partir de uma suposta neutralidade. O
saber-poder dos “especialistas em educação”, com suas especificidades puramente
técnicas e tecnológicas, afirmam um caráter “nem de esquerda e nem de direita”, atentos
apenas ao “desempenho”. Ou seja, poderes tecnocráticos que não reconhecem a relação
das transformações escolares com o sistema econômico e político dominante6.
6
LAVAL, 2004.
7
Ibidem.
8
LIBÂNEO, José Carlos. A importância da filosofia na construção da prática pedagógica. Revista do
Professor, Uberaba-MG, 1994.
9
BARRERA, 2016.
10
LIBÂNEO, op. cit.
287
relações democráticas de poder, saber e organização, a partir da participação de novos
agentes 11 . Escolas democráticas potencializam a criação de uma sociedade com
participação direta e comunitária nas decisões, visando uma construção pedagógica
coletiva12.
11
BARRERA, op. cit.
12
SINGER, Helena. República de crianças: sobre experiências escolares de resistência. Campinas, SP:
Mercado de Letras, 2010.
13
LAVAL, 2004.
288
Hoje no Brasil, esse mercado movimenta R$ 80 bilhões ao ano e atrai fundos de
participação e investidores da Bolsa14. Crescem propostas de redução dos gastos públicos,
com campanhas políticas para diversificar o financiamento do sistema educacional. A
esfera privada oferece o discurso de administração eficaz das escolas, a exemplo das
empresas – o famoso “salvacionismo” da privatização 15 . Assim, o “neoliberalismo se
apresenta à escola, e ao restante da sociedade, como solução ideal e universal para todas
as contradições e disfuncionalidades, mas na verdade é um remédio que alimenta o mal
que deveria curar”16.
Esse movimento é liderado por grupos como Eleva Educação (pertencente ao
homem mais rico do país, Jorge Paulo Lemann), Cognita, Bahema, Inspira e SEB. Como
exemplo, em fevereiro de 2021, a Eleva Educação realizou o maior acordo comercial da
história educacional brasileira, comprando 51 escolas da Cogna (valor de R$ 964 milhões
pelas escolas, mais ações) – em troca, a Cogna comprou por R$ 580 milhões o sistema de
ensino da Eleva. Esse ato consolida a Eleva como maior grupo de educação básica do
país, podendo se tornar o maior grupo de educação básica do mundo em número de
estudantes17.
Além da linha pedagógica, dos índices de aprovação em exames, provas e
vestibulares, da estrutura física, dentre outros critérios, a escolha do colégio dos filhos
tem agora um novo fator decisório: “os acionistas por trás da lousa”18. Esses investidores
chegam com novas tecnologias, metodologias “ativas”, gestão empresarial
profissionalizada, preços afrontosos, produzindo uma competição desleal aos colégios de
bairros, mais vulneráveis19. Esses grandes conglomerados têm escolas para diversos tipos
de estudantes, para todos os preços20 . Compram escolas com métodos construtivistas,
assim como escolas voltadas para o vestibular ou ainda para preparatórios militares. Não
interessa mais excluir, o lema é incluir para consumir.
14
https://oglobo.globo.com/economia/grupos-financeiros-saem-caca-de-escolas-de-educacao-basica-
15
LAVAL, Op. cit.
16
Ibid., p.21.
17
https://oglobo.globo.com/economia/2270-eleva-fica-mais-perto-do-maior-do-mundo-em-
educacaobasica-apos-compra-de-escolas-como-ph-pitagoras-24895779
18
https://oglobo.globo.com/economia/grupos-financeiros-saem-caca-de-escolas-de-educacao-
basica24986677
19
Op. cit.
20
https://oglobo.globo.com/economia/2270-eleva-fica-mais-perto-do-maior-do-mundo-em-
educacaobasica-apos-compra-de-escolas-como-ph-pitagoras-24895779
289
Se por um lado, o surgimento destas escolas-empresas anuncia, com ainda mais
força, a necessidade de mudança da metodologia escolar hegemônica e tradicional que se
arrasta por tantos séculos, por outro, alimentam em seu disfarce “inovador” a manutenção
de um sistema social. Tanto as escolas “premium” criadas por estes grandes grupos,
quanto seus materiais e plataformas de ensino, apresentam metodologias diferenciadas e
debates aparentemente progressistas. Trata-se de instituições que abriram mão do formato
tradicional das salas de aula com carteiras enfileiradas, embora permaneçam operando na
manutenção da ordem social e das estruturas dominadoras de poder. Citam Paulo Freire e
bell hooks, mas sem o caráter revolucionário de suas teorias, sem questionar a base das
estruturas opressoras.
O novo padrão normativo não são os corpos dóceis da sociedade disciplinar, são
os corpos dóceis adaptados aos novos valores contemporâneos empresariais: corpos
flexíveis, criativos, empáticos, proativos, comunicativos, resilientes. Este modelo
controla as formas de ser, estar e agir, atreladas à sensação de espontaneidade e liberdade,
sendo formas muito mais totalitárias que as anteriores. As sociedades do controle
contemporâneas produzem dominações sutis e virtuais, a partir de um poder disperso e
difuso em rede planetária21. Uma vez que o controle se exerce de forma contínua, produz-
se a ilusão de uma maior autonomia e liberdade22. As expectativas do empregador não se
limitam mais à obediência passiva de instruções pelos assalariados, mas se direcionam à
iniciativa individual, à capacidade de adaptação, ao “seja você mesmo”, produzindo uma
individualização da responsabilidade e o constante sentimento de insuficiência23. E para
produzir tais assalariados, a escola convoca o modelo empresarial, aberto às ordens do
mercado.
21
BENEVIDES, NETO, 2011.
22
DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora 34, 2007.
23
PRATA, Maria Regina dos Santos. Da norma disciplinar à iniciativa: os processos subjetivos e parâmetros
normativos contemporâneos. In: PEIXOTO JUNIOR, Carlos Augusto (Org.) Formas de subjetivação. Rio
de Janeiro: Contra Capa, 2004.
290
grande exercício de autonomia e liberdade, nossas criações parecem ser grandes projetos
autorais24?
24
BENEVIDES, NETO, 2011.
25
GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: Cartografias do Desejo. Petrópolis, RJ: Vozes,
2013.
26
Ibidem.
27
Ibidem.
28
https://gq.globo.com/Prazeres/Poder/noticia/2017/02/eleva-jorge-paulo-lemann-quer-criar-
melhorescola-do-brasil.html
29
https://jornalggn.com.br/noticia/rio-aula-rica-aula-pobre-por-andy-robinson
291
objetivam a criação da “nova geração de líderes”30, seguindo os projetos dominantes de
sociedade.
Seus materiais didáticos são mais “refinados”, antenados com as exigências atuais.
Hoje em dia, todas as grandes marcas, emissoras de televisão, já não podem não tratar de
pautas sociais: os movimentos sociais, depois de anos de luta, tornaram estes discursos
fortes e vigentes. As redes sociais pressionam. Do mesmo modo, os conglomerados
educacionais vão tratar de pautas identitárias, como racismo, machismo e homofobia, mas
sem colocar em cheque a estrutura capitalista que sustenta e produz essas opressões. Se
apropriam das pautas identitárias ao nível superficial que não questione a dimensão
estrutural capitalista – que não incomode seus monopólios. Tratase de uma captura, para
controlar: uma tentativa de submissão de qualquer diferença, dentro de sua plataforma de
ensino, debaixo do seu guarda-chuva, uma vez que a lógica capitalista abarca tudo nos
seus braços, no exercício de máximo controle. Isso ocorre, pois trazer a temática do
capital, é apontar para os processos de mercantilização e sucateamento da educação
pública, que estas mesmas empresas são responsáveis.
30
https://escolaeleva.com.br/sobre-nos/missao-e-valores/
292
do tempo. Um dos principais pilares é que o objetivo da aula deixa de ser
medir o que o professor ensina e passa a ser medir o que o aluno aprende31
Não seria esta, aparentemente, uma das propostas de Paulo Freire32, quando se
debruça sobre as práticas da educação bancária e contextualiza situações em que o(a)
educador(a) assume uma posição de poder, de governo sobre o(a) estudante, onde a função
do discente é apenas receber o conteúdo paciente e passivamente, decorar e repetir?
Quando critica o saber entendido como uma doação, uma propriedade? Uma vez que tais
conglomerados também se valem destes discursos, o alicerce de luta de enfrentamento
das estruturas de poder, proposto por Freire, não é adotado, sendo, sobretudo, silenciado.
31
https://escolaeleva.com.br/academico/metodologia-ativa/
32
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
33
hooks, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade. São Paulo: Editora
WMF Martins Fontes, 2018.
34
ESTEBAN, Maria Teresa. Avaliação: face escolar da exclusão social? Proposta, 83, 1999/00. pag.
35
-71
36
https://www.youtube.com/watch?time_continue=398&v=Qn6mKHukOGQ&feature=emb_title
293
brilho nos olhos e a paixão pela educação. Como diferenciar o entusiasmo neoliberal do
entusiasmo convocado por bell hooks37 - quando a autora afirma a importância de os
educadores serem sensíveis à emoção em sala de aula, uma vez que esta não exclui as
dimensões intelectuais de ensino, ao contrário, as potencializa?
Assim, convocamos aqui uma análise sobre o que seria esse movimento de
sobrecodificação de metodologias educacionais freireanas, denominado “educação
inovadora”, que produz uma educação que, ao fim, reproduz efeitos tão opressores quanto
37
hooks, 2018
38
https://www.inteligenciadevida.com.br/pt/liv/
39
https://elevaeducacao.com.br/plataforma-de-ensino/
40
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia – Saberes necessários à prática educativa. Petrópolis:
Editora Vozes, 2018.
41
FREIRE, 2018, p. 15.
294
os da pedagogia tradicional. O caráter “progressista” das propostas educacionais
contemporâneas inovadoras é esvaziado e reduzido a um método42, um formato capturado
pelas atuais demandas do capitalismo. Esvaziam o campo político, base das propostas de
educação democrática, como se fosse possível pensar uma técnica pura, separada da
política.
Não há discursos e práticas educacionais que, por si só, podem ser consideradas
de resistência ou de dominação. As relações de saber e poder de tais discursos e práticas
são contingentes e ambíguas, não havendo uma essência libertadora ou opressiva: uma
prática educativa – como a Pedagogia por projetos - não é, em si mesma, libertária. Do
mesmo modo, uma aula frontal não é por si só conservadora. Temos que levar em conta
seu contexto micropolítico. Logo, para refletir sobre uma educação democrática, devese
levar em consideração não somente as “metodologias” de ensino e aprendizagem, mas
analisar: seus objetivos ideológicos; suas ações micropolíticas; os modos de subjetivação
engendrados nos atores presentes; sua articulação com os mecanismos de controle
contemporâneos; assim como os interesses políticos que sustentam tais modelos43.
Assim sendo, uma vez que grandes grupos empresariais estão criando escolas que,
aparentemente, fogem do modelo tradicional de ensino, é relevante marcar as diferenças
para além do “formato” escolar. Agora, mais do que nunca, é relevante um
posicionamento político e ideológico das escolas democráticas, marcando seu lugar de
potência de transformação social, deixando claro a sua intenção de rompimento com
estruturas sociais opressoras44, suas possibilidades enquanto linhas de fuga, pois mudar
os seus métodos de ensino não é o suficiente para mudar sua dimensão política45. bell
hooks46 ao trabalhar uma educação para a liberdade, inspirada em Paulo
42
BENEVIDES, NETO, 2011.
43
Ibidem.
44
MORDENTE, Giuliana Volfzon. Sobre voos e gaiolas: uma análise de processos de subjetivação em
escolas democráticas. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Instituto de Psicologia, Programa de Pós-
Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2020.
45
BENEVIDES, NETO, 2011.
46
hooks, 2018.
295
Freire, aponta para um ensino anticolonialista, critico, feminista - multiculturalista. Dentre
diversas contribuições para uma prática educacional libertadora, destaca o capitalismo
como um grande alicerce de sustentação do patriarcado.
Diante dessa rápida captura capitalística, como resistir por meio de uma educação
que produza relações de expressão e criação, na qual os estudantes participem de forma
coletiva? Como a educação democrática poderia se afirmar enquanto resistência em prol
de processos emancipatórios, produzindo processos singularizantes que criem diferenças
e garantam uma existência criativa?
Ainda que cada instituição escolar democrática, pública ou privada, tenha seu
modo de funcionamento e organização, há dois pontos que prevalecem na maioria delas:
liberdade curricular - autonomia dos estudantes sobre suas trajetórias de estudos, guiados
pelos seus interesses, sem currículos enrijecidos, valorizando as experiências vividas e
seus contextos sociais; e participação e construção coletiva – exemplificado por meio de
assembleias, onde estudantes, familiares e educadores constroem o processo coletivo e
47
Ibidem, p.98.
296
dialógico de discussão e tomada de decisões. Propõe-se uma formação de cidadãos crítica,
para que se possa viver em um regime democrático48.
Apesar de ser um movimento potente e ativo, seus ideais são invisibilizados ou expostos
sob a perspectiva de “sucesso” ou “fracasso” do modelo capitalista que, por sua vez,
oculta a produção do fracasso escolar enquanto projeto.
Neste sentido, Paulo Freire nos ajuda a pensar a educação enquanto prática de
liberdade, enfatizando o seu fundamento de uma prática voltada para transformação
social. Patrono da educação brasileira, Paulo Freire foi autor, educador e problematizador
da educação brasileira, procurando pensá-la para além dos muros da escola e inseri-la no
contexto sócio-histórico de seu tempo. Ao longo de suas obras “Pedagogia do Oprimido”
(2005), “Educação e Mudança” (2011), e “Pedagogia da autonomia” (2018), Freire
apresenta diversas propostas que aqui nos agenciam como práticas de liberdade a partir
do uso da crítica.
48
SINGER, 2010.
49
MORDENTE, 2020.
50
FREITAS, Luiz Carlos. Ciclos, seriação e avaliação: confrontos de lógicas. São Paulo, 2003, p.28.
297
um potencial de transformação para o novo, para o que ainda não se conhece e, com isso,
para o que ainda não foi absorvido como uma utilidade ou normativa.
51
FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
52
FREIRE, Paulo. Pedagogia e mudança. 34° ed. São Paulo: Editora Paz e Terra. 111 p., 2011.
53
FREIRE, 2005.
54
GUATTARI, Félix. Caosmose. São Paulo: Editora 34, 2006.
55
GUATTARI, ROLNIK, 2013.
298
educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados
pelo mundo56”.
Para o educador57, é preciso conectar a pedagogia à luta pela justiça social e, para
isso, se faz necessário investir na abertura de práticas educativas-progressistas que
utilizem a crítica como aliada no combate a posturas dóceis e demasiadamente
racionalizadas. Freire 58 trabalha o conceito de conscientização como o processo de
transformação pessoal, coletiva e social que experimentam os oprimidos latinoamericanos
quando se alfabetizam em dialética com o seu mundo, não consistindo em simplesmente
aprender a escrever em papéis ou a ler a letra escrita. Alfabetizar-se é acima de tudo
aprender a ler a realidade que circunda e a escrever a própria história. O que importa é
menos saber codificar e decodificar palavras desconhecidas, mas sim aprender a enunciar
a palavra da própria existência, que é pessoal, mas, sobretudo, é pertencimento coletivo.
E, para pronunciar esta palavra pessoal, singular e comunitária, é necessário que as
pessoas assumam suas perspectivas, seus lugares, suas vozes, seus sons – se perguntem
“qual é a minha participação no mundo e o que eu faço com isso?”.
É interessante notar que a crítica é pensada por Freire como uma prática de
liberdade atrelada a uma perspectiva ética e estética. Submeter a curiosidade à crítica, em
sua visão, é necessariamente um exercício ético, no qual não se pode negligenciar o
objetivo fundamental que é pensar a formação ética do/a educando/a em sua relação com
o mundo. Não propomos pensar os seres humanos longe da ética, quanto mais fora dela.
Estar longe ou, pior, fora da ética, entre nós, é uma transgressão. É por isso que
transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico e dominante - baseado
em “metodologias inovadoras” -, é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano
no exercício educativo: o seu caráter formador59. A libertação é exatamente a briga para
restaurar ou instaurar a “gostosura de ser livre que nunca finda” 60, que nunca termina e
sempre começa.
56
FREIRE, 2011, p.35
57
Ibidem.
58
FREIRE, 1984, 2000, 2005.
59
FREIRE, 2011.
60
FREIRE, 2019, p. 41.
299
Como colocam Paulo Freire e Antônio Faundez 61 , a educação é um processo
universal e de muitas práticas e concepções diferentes, e algumas vezes antagônicas, que
a fazem existir: é preciso qualificá-la, descrevê-la, situá-la, dizer de que educação estamos
falando. Segundo os autores, conviver com a cotidianidade do coletivo constitui uma
experiência de aprendizado permanente, pois nela nos perguntamos, nos movemos, de
modo geral, dando-nos conta dos fatos, nos diferenciando e habitando o mundo.
Considerações momentâneas
61
FREIRE, Paulo; FAUNDEZ, Antonio. Por uma pedagogia da pergunta. 7ª ed., São Paulo: Paz e Terra,
2001.
300
Apontamos a tentativa de apropriação das metodologias de Freire, descoladas de
seu caráter emancipador, nas propostas neoliberais “inovadoras”. Assim, as turmas
organizadas em roda, que poderiam aparentemente se assemelhar aos círculos de cultura
de Freire; as aulas de inteligência socioemocional, que poderiam se assemelhar à proposta
de produção de afetos no ato de educar; a pedagogia por projetos, que poderia remeter à
aprendizagem a partir dos interesses e contextos dos estudantes - operam na zona de ilusão
de semelhança e constituem um mito, um simulacro. Para que tal operação se realize, as
propostas de Freire são esvaziadas ao isolá-las de seu dispositivo crítico voltado ao
combate das lógicas sociais opressoras, que apresenta como horizonte a transformação
social rumo à autonomia coletiva, à solidariedade, à emancipação.
62
https://www.youtube.com/watch?v=C0T-6CbqptI
63
CASTORIADIS, 1991 apud MARTINS, Angela Maria. Autonomia e educação: a trajetória de um
conceito. Cad. Pesqui., São Paulo, n. 115, p. 207-232, Mar. 2002.
64
FREIRE, 2018.
301
tem como condição as trocas entre educadores e educandos, os processos de
aprendizagem cooperativos e solidários. Não uma autonomia individualista e liberal, mas
autonomia enquanto prática coletiva. Assim, as concepções de Freire podem ser apontadas
como ferramentas de luta e inspiração contra os processos de captura neoliberais, pois
convocam o que há de mais basilar na função da educação: sua potência transformadora.
Mesmo com tantos caminhos fechados, educar freireanamente nos leva a produzir
formas singulares e críticas de fazer educação nos cenários contemporâneos. Atento aos
povos, às ruas, às culturas que pulsam, as intensidades dos encontros e a qualidade dos
afetos é que nos dirão o que pode um(a) educador(a), e isto não está escrito muito menos
descrito em manuais e cartilhas da última moda educacional. É na prática, no chão da
escola, na experimentação que a educação se faz.
65
LAVAL, 2004.
66
Ibidem.
302
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 42 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
FREIRE, Paulo. Pedagogia e mudança. 34° ed. São Paulo: Editora Paz e Terra. 111 p.,
2011.
FREIRE, Paulo; FAUNDEZ, Antonio. Por uma pedagogia da pergunta. 7ª ed., São
Paulo: Paz e Terra, 2001.
303
LAVAL, Christian. A Escola não é uma empresa: O neoliberalismo em ataque ao
ensino público. Londrina: Editora Planta, 2004.
304