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RESENHA

O neoprodutivismo e seus variantes: neo-escolanovismo, neoconstrutivismo e neotecnicismo


SAVIANI, Dermeval.

As correntes pedagógicas de esquerda estavam enfrentando dificuldades na década


de oitenta e isso ficava evidente na produção científica e na produção de conhecimento da
última conferência brasileira de educação, que foi atrasada em um ano devido às
resistências políticas no Brasil. O tema central do evento foi política nacional da educação,
tendo os temas básicos divididos entre escola básica, estado e educação, sociedade civil e
educação, trabalho e educação e universidade e educação.
Os temas mais representativos para explicar esse novo movimento político em que
Salviani aborda no texto, estavam contidas em Estado de educação e trabalho e educação,
que era onde se concentravam as perspectivas teóricas sobre a influência neoliberal nas
políticas educacionais. Saviani trata o cenário da época como um momento denominado
pós-moderno, que coincide com a revolução da informática, enquanto o que era moderno
era caracterizado pela ligação com o desenvolvimento das máquinas mecânicas, produção
de novos objetos e pela experimentação antes da criação, enquanto no pós-moderno, o
foco se direciona para a comunicação e dispositivos eletrônicos, tendo em vista a revolução
dos computadores. Passa-se então a criação dos modelos antes de criar os objetos.
A pesquisa e o ensino começam a ser justificadas no desempenho de competências.
Em termos econômicos e políticos, o que se espalha pelo mundo são as estruturas
neoliberais que Salviani relaciona ao consenso de Washington. O consenso de Washington
foi uma reunião feita em 1989, por John Williamson, do Instituto de economia de
Washington, que tinha como objetivo discutir as reformas econômicas necessárias para os
países da América Latina. Foi chamado de consenso de washington o conjunto de decisões
tomadas por economistas que se reuniram durante o mandato do então presidente dos
Estados Unidos da América, Ronald Reagan e Margaret Thatcher, Primeira Ministra do
Reino Unido naquele período e, com a influências das estruturas econômicas e políticas
colocadas por esses dois governantes, fizeram uma série de questões que trariam reformas
econômicas e trabalhistas para modernizar os países de 3° mundo.
O consenso de Washington deliberou, entre outras coisas, o ataque ao Estado
regulador, a volta do liberalismo proposta pelos clássicos e levar ao status universal o
equilíbrio fiscal, a desregulação dos mercados, a flexibilização dos direitos trabalhistas e a
abertura das economias nacionais, dentre outras coisas foi pautado a privatização de
empresas públicas, no âmbito político e, com isso, vieram fortes críticas às democracias de
massa. No que diz respeito à América Latina, o que se preconizava era uma série de
reformas administrativas, trabalhistas e previdenciárias para diminuir os gastos públicos,
políticas estas que antes ocorriam num processo induzido, por conta do medo dos
bloqueios econômicos e das sanções fiscais que os grandes países poderiam impor aos
países de 3° mundo, posteriormente foram adotadas pela classe política de elite desses
países e se tornaram referência. Nesse período, as ideias pedagógicas sofreram com
ataques, pois a escola pública começa a ser vista como ineficiente e cara, além de ter se
tornado um símbolo que representava a incapacidade do Estado em gerir serviços públicos.
Saviani diz que tais ideia pedagógicas que se espalharam pelo Brasil na década de
oitenta e que se consolidaram, de fato em 1990, não possuem uma única perspectiva
teórica para ser explicada, mas sim diversas perspectivas, como o neoescolanovismo, o
neoconstrutivismo e o neotecnicismo, e que anteriormente veio da Escola Nova, do
construtivismo e do tecnicismo. Tais perspectivas foram readequadas, transformando-se
para se encaixar nesse novo momento do Brasil, adquirindo o prefixo “neo” para representar
o novo.
Segundo Saviani, a crise do capitalismo de 1970 levou a sociedade a reestruturar
suas forças produtivas. Se antes o modelo produtivo era proposto através das grandes
fábricas, da produção em massa, da estocagem dos produtos e operando com tecnologia
pesada e fixa, visando sempre a estabilidade do trabalhador no emprego, nesse novo
momento, por conta dessa crise, estes tiveram que se adequar em confluência à revolução
da informática para produções com máquinas mais leves, dispositivos eletrônicos,
flexibilização das operações de trabalho, sem produções em grande escala, adotando uma
menor escala produtiva, atendendo nichos específicos do mercado, com isso, também,
perdeu-se a estabilidade do emprego e toda a posição que o trabalhador tem de enfrentar,
deve ser vista como um novo desafio. Assim a educação torna-se necessária para fornecer
competências para o trabalhador,das quais estes irão precisar para ocupar o mercado de
trabalho, mantendo-se assim, a crença de que a educação contribui para o processo
econômico e produtivo, como na teoria do capital humano. No entanto, a teoria do capital
humano era proposta dentro de uma perspectiva que valorizava a comunidade, o
crescimento econômico nacional e a progressão salarial, agora, o significado estava
atrelado aos interesses privados, as múltiplas capacidades que o indivíduo deveria adquirir
no sistema educacional para alcançar essas melhores posições no mercado de trabalho.
O termo ‘’aprender a aprender’’ remete à escola nova, onde o foco deixa de ser os
resultados e passa a ser o processo pelo qual se aprende, passando do conteúdo para o
método, do professor para o aluno, do esforço pelo interesse e o que importa nesse novo
método é aprender a aprender, ou seja, o processo de aprender e não mais os conteúdos
disciplinares como antigamente. Mas se até 1970 o ‘’ aprender a aprender’’ também estava
vinculado à uma valorização dos processos dos estudantes, para se adequar à uma nova
vida em sociedade, ou seja, objetivos comunitários em um contexto da economia em
expansão, onde cada um teria o seu lugar se seguisse essa cartilha, agora esse movimento
visa a necessidade dos trabalhadores em estar constantemente se atualizando para atender
as necessidades do mercado.
A ideia da pedagogia do construtivismo tem as origens na teoria do desenvolvimento
humano, elaborada por Jean Piaget, relacionando, também, o escolanovismo, isto é, a
psicologia genética de Piaget fornece as bases psicopedagógicas para o processo de
aprendizado da Escola Nova. Piaget concebe a ação como ponto de partida para o
conhecimento e a inteligência como um mecanismo operatório, o sujeito com
desconhecimento é um sujeito epistêmico, universal e que constrói esquemas de apreensão
da realidade. Existem dois tipos de esquema de cognição, que são o sensório motor e o
conceitual. A inteligência sensório motora seria a vinda da experiência que capta o espaço e
o tempo através de imagens sucessivas, uma após a outra, tendo foco na experiência e não
na representação. A ideia é que a inteligência não é um órgão que faz leitura de coisas
prontas, mas sim que constrói através da ação, denominado então de construtivismo. No
entanto, o construtivismo que chegou às agendas políticas do país veio vinculado à uma
ideia de reforma de ensino que foi consolidada na década de noventa, tendo como foco a
inteligência sensório motora, focada na experiência e não na explicação, uma pedagogia
não crítica.
Segundo Saviani, essa ideia pedagógica pode ser vinculada à ideia do professor
reflexivo e das pedagogias das competências. O professor reflexivo seria aquele que
concebe os saberes docentes na pragmática do dia-a-dia, ou seja, na experiência; em
suma, a pedagogia das competências surge como uma face do aprender a aprender, onde
o estudante deve desenvolver competências sociais e afetivas para se adaptar ao mercado
de trabalho.
A pedagogia das competências é importante para adaptar os estudantes e
trabalhadores às mudanças das bases produtivas da sociedade. O discurso das instituições
deve ser mudado para caber nesse novo momento, pois nas empresas a palavra
qualificação é trocada por competência e na escola se trabalha para se desenvolver
competências ao invés de trabalhar os conteúdos disciplinares, em busca de maximizar a
eficiência, tornar os trabalhadores mais funcionais, versáteis, produtivos e menos onerosos,
com a finalidade de aumentar os lucros. Na pedagogia tecnicista, o que se busca é
eficiência, racionalidade e a produtividade.
A década de setenta é um marcador importante no texto de Saviani, pois essas
tendências eram operacionalizadas e vividas de uma maneira antes de 1970 e depois de
1970. Deste modo, a pedagogia tecnicista ainda era buscada para atender a demandas que
foram geradas como consequência dessa iniciativa do Estado, de operacionalizar as
mudanças sociais e esse momento de identidade nacional, o fortalecimento nacional das
indústrias e o senso de comunidade, com isso, o neotecnicismo passa pelas iniciativas
privadas e pelas parcerias público-privadas, no âmbito da escola e do ensino também.
Nesse contexto, o que se pede é que os países reduzam os custos com educação,
diminuam os investimentos para aderir à iniciativa público-privada. No lugar da rígida
uniformização e no controle do processo educativo como um todo, como era anteriormente,
surge a flexibilização do processo, portanto, o neotecnicismo. Essa pedagogia corporativa,
também se vinculou o conceito de qualidade total, quando as subjetividades dos
trabalhadores são capturadas para que todas essas mudanças culturais sejam
naturalizadas e creditadas sem questionamentos, ou seja, como se no início houvesse
resistência dos trabalhadores e estudantes à essas mudanças estruturais e sociais que
estavam acontecendo a partir da década de setenta e que depois foram naturalizadas e
essas subjetividades foram capturadas para que os indivíduos acreditem nesse discurso,
deste modo, foram criados alguns termos para aproximar o trabalhador do empregado,
como “vestir a camisa da empresa” para que se dê bem na vida.
A localização dos autores educativos dentro de um sistema de prestação de
serviços, onde existem clientes, produtos e empresas fornecedoras. A princípio, na lógica
tecnicista, o conceito abordado se resumia em os professores serem os fornecedores de
serviços e os clientes eram os alunos e o produto era o conhecimento. Na nova lógica
tecnicista, as empresas passam a ser os clientes enquanto os alunos passam a ser
mercadoria para suprir as necessidades do mercado de trabalho.
Em um contexto geral, o texto de Saviani tenta mostrar como as tendências globais
e as mudanças nas bases produtivas da sociedade trouxeram mudanças culturais e
também subjetivas que a sociedade teve que se adequar a um novo momento, portanto,
quem luta por uma educação progressista, a pedagogia crítica, vai enfrentar diversos
problemas, tendo em vista esse momento em que se encontra a sociedade.

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