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A DIDÁTICA HOJE: UMA AGENDA DE TRABALHO

Vera Maria Candau


PUC-Rio
2000

Os Encontros Nacionais de Didática e prática de Ensino – ENDIPEs-, ao longo deste


quase 20 anos, sempre tiveram uma característica fundamental, assinalada explicitamente
desde o primeiro encontro, intitulado a Didática em Questão: ser um ponto de chegada e
também um ponto de partida. Um ponto de chegada por propiciarem um espaço de
socialização e diálogo de reflexões, experiências e pesquisas realizadas, de confronto de
posições e buscas e, principalmente, de balanço crítico do caminho percorrido.
No entanto, também a dimensão prospectiva sempre esteve presente. Os ENDIPEs têm
sido extremamente estimulantes para o desenvolvimento da área. Temas, enfoques,
metodologias, novas questões, inquietudes, intuições, caminhos e propostas emergiram do
terreno fertilizado pelas diferentes atividades realizadas e promovidas por cada um dos
encontros.
Vários têm sido os estudos realizados ao longo dos últimos anos que desenvolveram
análises da produção desses fóruns em diferentes períodos de tempo ou de determinados
ENDIPEs, muitas vezes incorporando também a estas análises as contribuições dos textos
apresentados em diferentes grupos de trabalho da Anped, especialmente no grupo de Didática.
Nesta breve comunicação, tendo presente estes trabalhos, me proponho tentar realizar
um exercício mais de caráter intuitivo que analítico, de caráter prospectivo, tentando
responder, mesmo que seja provisoriamente, à seguinte questão: como formular uma agenda
de trabalho para os próximos anos, para nós que nos dedicamos à Didática? Quais seriam os
seus componentes fundamentais? Este exercício quer simplesmente ter um papel estimulador
da discussão entre professores e pesquisadores interessados nesta temática, sem nenhuma
outra pretensão. Trata-se simplesmente de colocar algumas cartas na mesa para que possam
ser discutidas, contestadas e confrontadas com outras.
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Um ponto de partida: um novo cenário


Quando realizamos o primeiro encontro, no início dos anos 80, o fazíamos em um
contexto de forte compromisso com a construção dos caminhos de redemocratização da
sociedade brasileira. Para todos nós esta era uma exigência iniludível: articular os processos
educacionais com as dinâmicas de transformação e recuperação do estado de direito no país.
A área de educação passava por um momento de grande mobilização e ampla produção
acadêmica. Conscientes de que a educação tinha um papel, limitado mas significativo, no
processo sócio-político e cultural de afirmação da democracia colocamos nossos melhores
esforços na construção de uma pedagogia e uma didática em consonância com esta
perspectiva. O nosso horizonte utópico era claro e um referente fundamental para as plurais
reflexões e práticas desenvolvidas. Certamente a década dos 80 constituiu uma etapa fecunda
e mobilizadora de um pensamento pedagógico e didático original e diversificado, assim como
de diferentes propostas, tanto a nível de sistemas educativos como de escolas e salas de aula.
Com a década dos 90, emerge progressivamente outro cenário: globalização,
hegemonia neoliberal, ideologia do “fim da história” e do pensamento único, deterioro dos
processos democráticos, desenvolvimento de novas formas de exclusão e desigualdade,
Estado mínimo, crescente violência urbana, transformação dos processos produtivos,
desemprego, afirmação da sociedade da informação, são estes apenas alguns elementos
configuradores deste novo cenário. Diante dele, de suas contradições e ambigüidades, a
perplexidade é grande, os caminhos incertos e a falta e clareza em relação aos possíveis
horizontes de futuro está cada vez mais presente no tecido social, junto com um descrédito
crescente nas mediações disponíveis para a construção do Estado, da esfera pública e da
democracia. Na América Latina, para muitos cientistas sociais, o horizonte de futuro se revela
particularmente sombrio se as políticas neoliberais continuarem a atuar de modo tão
contundente no continente e nos diversos âmbitos da vida social.
Certamente os anos noventa também estão marcados por uma forte valorização da
educação, por mais contraditórios que sejam os discursos configuradores das políticas
educacionais, e por um esforço sistemático de reformas, de modo especial de reformas
curriculares, nos diferentes países latino-americanos. É importante assinalar que, junto com a
matriz oficial das reformas educativas que, com pequenas variantes, segue o mesmo esquema
das orientações dos organismos internacionais nos diferentes países do continente,
desenvolveram-se também no período reformas baseadas em outras matrizes político-
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pedagógicas, não podendo-se portanto ter uma visão reducionista, uniforme e padronizada
das experiências realizadas.
Este ano, por ocasião da preparação do “Fórum Mundial de Educação”, realizado em
Dakar do 24 ao 28 de abril, tendo por objetivo analisar os resultados da avaliação da década
de Educação para Todos e aprovar uma nova declaração e um novo Marco de Ação, que
estenderão seu prazo até o ano 2015, um grupo de educadores e intelectuais latino-americanos
elaborou um “pronunciamento” com o objetivo de socializar suas preocupações e reflexões.
Partindo da afirmação de que Nossos povos merecem mais e melhor educação e de que “as
políticas recomendadas e adotadas nos últimos anos não estão correspondendo
satisfatoriamente às expectativas da população latino-americana, às realidades do sistema
escolar e dos docentes em particular e não obtiveram os resultados esperados”(p.3), propõe
que sejam feitas retificações no sentido de que as políticas educativas adotem concepções que
não se reduzam a questões de cobertura e de eficiência nem encarem os sistemas de ensino
como peças a serviço da economia e sim se inspirem em valores humanos fundamentais,
enfatizem o plano ético, a necessidade de destinar recursos e esforços que favoreçam a
qualidade da educação para todos , especialmente os grupos excluídos, reconheçam a
diversidade cultural e recuperem uma visão multisetorial para enfrentar os problemas
educativos. Na última parte, o documento faz uma especial chamada a, no contexto atual de
globalização, trabalhar questões relativas às identidades latino-americanas e aos valores nelas
presentes e à participação da sociedade, especialmente dos educadores, não só na execução
mas também na formulação e discussão das políticas educacionais.
Ë neste novo cenário que se situa nossa agenda de trabalho.

Uma enfoque: enfrentar-se com a crítica pós-moderna


A construção da didática a partir dos inícios dos oitenta esteve fortemente marcada
pelo que se chamou perspectiva crítica, transformadora ou progressista, por mais
polissêmicas que estas expressões sejam. Desenvolveu-se uma corrente de idéias, enfoques,
inquietudes, propostas e buscas plurais e algumas vezes em confronto, mas dentro de uma
perspectiva comum. Ideologia, poder, currículo oculto, alienação, conscientização,
reprodução, contestação do sistema capitalista, classes sociais, emancipação, resistência,
relação teoria-prática, educação como prática social, o educador como agente de
transformação, articulação do processo educativo com a realidade, são preocupações e
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categorias que perpassaram a produção dominante na área. Certamente este universo pode ser
identificado como característico da modernidade, enquanto enfatiza a capacidade dos
indivíduos situarem-se criticamente diante da realidade, exercerem sua responsabilidade
social e construírem o mundo e a história a partir de um horizonte utópico baseado na
liberdade, na igualdade e na racionalidade.
Para muitos de nós que mergulhamos com muito entusiasmo nestas águas, não é fácil
navegar em outras, nas turvas e extremamente voláteis da chamada crítica pós-moderna, por
instigante que seja penetrar neste universo que engloba pluralidade de abordagens e enfoques:

“Embora o pós-modernismo tenha influenciado uma gama ampla de campos –


incluindo a música, a ficção, o cinema, o teatro, a arquitetura, a crítica literária, a
antropologia, a sociologia e as artes visuais – não existe nenhum significado
consensual para o termo. Em consonância com a multiplicidade da diferença que
celebra, o pós-modernismo está não apenas sujeito a apropriações ideológicas
diferentes, mas também a uma ampla gama de interpretações”. (Giroux, 1993, p.43-
44)

Não pretendemos nestas reflexões aprofundarmos na complexidade do pós-modernismo


nas suas diferentes versões. Gostaríamos unicamente de salientar que nos situamos entre
aqueles que o encaram como, ao mesmo tempo, uma forma de crítica cultural e em
referência a um conjunto de condições sociais, culturais e econômicas que caracterizam o
atual estágio de desenvolvimento das sociedades capitalistas, configuradas por uma
globalização excludente e uma acelerada informatização das relações sociais e da produção
do conhecimento.
Por outro lado, partimos do pressuposto de que a crítica pós-moderna oferece
elementos importantes para se repensar a pedagogia e a didática na perspectiva crítica, no
contexto de sociedades cada vez mais marcadas por condições de vida que trazem as marcas
da nossa contemporaneidade. Portanto, se trata de trabalhar as possíveis articulações e de, sem
negar o horizonte emancipador da perspectiva crítica, incorporar novas questões que emergem
da perspectiva pós-moderna, como as relativas à subjetividade, à diferença, à construção de
identidades, à diversidade cultural, à relação saber-poder, às questões étnicas, de gênero e
sexualidade, etc. A categoria cultura é, sem dúvida, central nesta perspectiva.
Segundo Giroux (1993) “o pós-modernismo oferece aos educadores uma série de
importantes insights que podem ser adotados como parte de uma teoria mais ampla de
escolarização e de pedagogia crítica” (p.63). Suas preocupações com a diferença e a
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subjetividade dão elementos para perguntarmos pelas bases que sustentam o ideal moderno de
uma vida boa e humana, levantam questões sobre a construção de narrativas e seu significado
e papel regulador, questionam as formas tradicionais de poder, fornecem uma variedade de
discursos que permitem questionar a dependência do modernismo em relação a teorias
totalizantes baseadas no desejo de certezas e de absolutos, propõem um discurso capaz de
incorporar a importância do contingente, do específico, do histórico como aspectos centrais
de uma pedagogia libertadora, entre outras contribuições. Talvez se possa afirmar que a
principal contribuição da perspectiva pós-moderna à educação seja uma visão mais rica,
complexa e abrangente das relações entre cultura, conhecimento e poder. No entanto, esta
afirmação não quer dizer que não sejamos conscientes dos limites da visão pós-moderna,
particularmente no plano epistemológico e no nível da radicalização de processos
democráticos. No entanto, segundo o mesmo autor já mencionado, “para os educadores, a
preocupação modernista com sujeitos lúcidos, quando combinada com a ênfase pós-
modernista na diversidade, na contingência e no pluralismo cultural aponta para o objetivo
de se educar os estudantes para um tipo de cidadania que não faça uma separação entre
direitos abstratos e domínio do cotidiano e não defina a comunidade como prática
legitimadora e unificadora de uma narrativa histórica e cultural unidimensional” .(p.65)

Muitas são as questões que a pedagogia e a didática estão chamadas a enfrentar ao


navegar nas águas pós-modernas, tanto no plano teórico como das práticas educativas, e este é
um componente da nossa agenda que sem dúvida suscitará muito debate e controvérsia.

Um desafio: romper fronteiras e articular saberes


O movimento que foi se estruturando a partir do primeiro ENDIPE estava, num
primeiro momento, claramente referido ao âmbito ensino e à pesquisa em didática. No
entanto, a própria realidade foi levando a que pouco a pouco fosse sendo ampliada a sua
abrangência, rompendo-se fronteiras e delimitações com outras áreas do conhecimento, nunca
bem definidas e claras ao longo de toda a história da didática.
De fato a didática, desde os seus inícios com Comênio, incluía um amplo espectro de
temas que não se reduziam aos aspectos instrumentais do ensino. Seria interessante neste
sentido recuperar a história da didática. As articulações com a filosofia, a ética, a sociologia, a
política, a organização escolar estão presentes desde as primeiras formulações. No entanto,
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especialmente a partir da visão meramente instrumental da didática, com a ênfase na


dimensão técnica do processo pedagógico, esta passou a reduzir cada vez mais a sua
abrangência e o seu horizonte de preocupações.
A (re)construção da didática nos últimos anos resgata e atualiza a perspectiva de uma
visão contextualizada e multidimensional do processo pedagógico. Passa então a trabalhar as
questões inerentes aos processos de ensino-aprendizagem articulando as contribuições de
diferentes áreas de conhecimento. Este movimento levou muitas vezes a uma perda de
especificidade, passando os cursos de didática a se limitar a um elenco de temas de fato
trabalhados por outras “disciplinas”, se assim podem ser categorizadas estas áreas de
conhecimento chamadas de ciências da educação. Acreditamos que hoje esta etapa já foi
superada e que a especificidade do seu objeto de estudo, o processo de ensino-aprendizagem,
para uns, o trabalho docente, a prática pedagógica, a aula, para outros, é claro em suas
diferentes formulações, que se situam num horizonte de sentido comum, assim como sua
intencionalidade orientada à compreensão e intervenção nos processos pedagógicos. A
publicação organizada por Marli Eliza de André e Maria Rita Oliveira (97), “Alternativas do
Ensino de Didática” evidencia claramente esta afirmação.
Portanto, hoje o desafio é, tendo presente a especificidade da didática, trabalhar a
articulação com diferentes áreas do conhecimento. A evolução dos ENDIPEs evidencia
claramente este processo. Hoje eles se configuram como um forum onde especialistas da área
de educação e áreas afins interagem numa perspectiva multi e interdisciplinar para aprofundar
nas questões da prática pedagógica e da formação de professores.
Por outro lado, é importante também compreender o cruzamento de saberes que se dá
no cotidiano escolar: o saber docente, os saberes sociais de referência e os saberes já
construídos pelos alunos. Como entender e trabalhar esta rede de saberes do ponto de vista
pedagógico é outro ponto importante da nossa agenda de trabalho.

Uma urgência: favorecer ecosistemas educativos


O debate sobre as questões educacionais vem sofrendo um progressivo estreitamento
nos últimos anos, ficando em grande parte reduzido aos processos de escolarização, à
educação formal. No entanto, a educação nas sociedades em que vivemos, complexas,
contraditórias e desiguais, se realiza em diferentes âmbitos, instituições e práticas sociais.
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Um dos desafios do momento é ampliar, reconhecer e favorecer distintos locus,


ecossistemas educacionais, diferentes espaços de produção da informação e do conhecimento,
de criação e reconhecimento de identidades, práticas culturais e sociais, de caráter presencial
e/ou virtual, onde diversas linguagens são trabalhadas e pluralidade de sujeitos interagem.
A produção da didática tem privilegiado de modo quase exclusivo a educação escolar.
No entanto, hoje os processos educativos se desenvolvem a partir de diferentes configurações.
A pluralidade de espaços, tempos e linguagens deve ser não somente reconhecida, como
promovida. A educação não pode ser enquadrada numa lógica única. Neste sentido os
professores e pesquisadores estamos desafiados a pensar a didática referida a diferentes
contextos sócio-educativos. A educação à distância e o mundo virtual são particularmente
desafiantes nesta perspectiva para que não nos limitemos a uma transposição que não
incorpora a especificidade destas realidades nem a uma mera tecnologização do ensino.
Trabalhos realizados nesta direção têm provocado novas questões para a didática..

Uma exigência: reinventar a didática escolar


A escola, tal como a conhecemos hoje, é uma construção histórica recente. Na
América Latina os sistemas escolares se constituíram praticamente neste século. A concepção
de escola que se foi consolidando, apresenta-a como uma instituição orientada
fundamentalmente a promover a apropriação do conhecimento considerado socialmente
relevante e a formação para a cidadania. No entanto, hoje se pode afirmar que, estas duas
funções básicas da escolarização estão em crise, seja pela dificuldade da escola de fato as
realizar, seja pela própria concepção em que as práticas escolares se baseiam, que já não
respondem às exigências do momento.(Candau, 1999)
Nas sociedades atuais, marcadas pelas condições pós-modernas de vida, o
conhecimento é fortemente valorizado mas muitas são as formas de aceder a ele, não se
podendo atribuir à escola a quase exclusividade desta função. O impacto dos meios de
comunicação de massa e, particularmente, da informática está revolucionando as formas de
construir conhecimento. E estas formas estão chamadas a se multiplicar nos próximos anos.
Por outro lado, a cultura escolar está impregnada pela perspectiva do comum, do aluno
padrão, do “aqui todos são tratados da mesma forma, todos são iguais”. Em recentes pesquisas
que temos realizado em diferentes escolas, públicas e particulares, constatamos, uma vez
mais, a recorrência de um mesmo estilo de ensino, organização e dinâmica da sala de aula.
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Escolas consideradas progressistas ou tradicionais mantêm o mesmo estilo frontal de ensino.


Por mais que os sintomas de inadequação apareçam, algumas vezes de forma violenta, a
dificuldade de mudar o estilo de escolarização e de estruturação da prática pedagógica é
enorme. Faz pouco tempo, uma diretora de uma reconhecida escola de ensino fundamental e
médio da cidade do Rio de Janeiro me perguntou o que eu faria para provocar uma mudança
no estilo pedagógico da escola, pedindo-me que fosse algo viável e não demasiado complexo
nem caro. Respondi simplesmente que diria aos professores e pais que, a partir do próximo
ano, não haveria quadro-negro - certamente seria mais adequado usar a expressão quadro-
preto- na escola. Ela me respondeu, surpreendida, que isto era impossível, que provocaria uma
revolução. Não me parece que a ausência do quadro-negro necessariamente leve a um estilo
diferente do trabalho docente. No entanto, nele está materializado simbolicamente todo um
modo de conceber a prática pedagógica que é necessário desnaturalizar e desconstruir para
que se possa reinventar a didática escolar numa perspectiva multidimensional, diversificada e
plural.

Uma condição: apostar na diversidade


A padronização presente em geral na organização e na dinâmica pedagógica
escolares, assim como o caráter monocultural da cultura escolar estão hoje fortemente
questionados pelas diferentes correntes do multiculturalismo, assim como por todos os autores
que trabalham na perspectiva da pedagogia das diferenças. Segundo estas correntes as práticas
educativas deveriam estar marcadas pela dinamicidade, flexibilidade, diversificação,
diferentes leituras de um mesmo fenômeno, diversas formas de expressão, debate e pela
construção de uma perspectiva crítica plural.
Trata-se de articular igualdade e diferença. Durante muito tempo a cultura escolar se
configurou a partir da ênfase na questão da igualdade, o que significou, na prática, a
afirmação da hegemonia de um determinado modo de concebê-la, considerado universal.
Assim, a pluralidade de vozes, estilos e sujeitos sócio-culturais ficou minimizada ou
silenciada. No entanto, principalmente a partir das reivindicações de diferentes movimentos
sociais que defendem o direito à diferença se tem levantado, cada vez com maior força, a
exigência de uma cultura educacional mais plural, que questione estereótipos sociais e
promova uma educação verdadeiramente intercultural, anti-racista e anti-sexista, como
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princípio configurador do sistema escolar como um todo e não somente orientada a


determinadas áreas curriculares, situações e grupos sociais.
Trabalhar a partir desta abordagem coloca muitas questões para a didática. Supõe
repensar temas que vão da seleção dos conteúdos escolares e do modo de se conceber a
construção do conhecimento à dinâmica do cotidiano das escolas e salas de aula, incluindo-se
o tipo de trabalhos e exercícios propostos, os processos avaliativos, a construção de normas,
etc, assim como a formação inicial e continuada de professores e de educadores em geral.
As práticas educativas concebida nesta perspectiva se transformam em espaços de
busca, construção, diálogo e confronto intercultural, prazer, desafio, conquista de espaço,
descoberta de diferentes possibilidades de expressão e linguagens, experiência da pluralidade,
aventura, organização cidadã, “empoderamento” de diferentes grupos sociais, principalmente
dos marginalizados e excluídos, e afirmação das dimensões cultural, ética e política de todo
processo educativo.

Uma preocupação: revisitar temas “clássicos”


Nesta agenda de trabalho não podem faltar os temas considerados “clássicos” no
âmbito da didática. Nos múltiplos diálogos e encontros mantidos com professores e
educadores ao longo do território nacional e de outros países, principalmente latino-
americanos, as questões que muitas vezes são consideradas as mais angustiantes no seu dia a
dia dizem respeito à avaliação e às questões de disciplina e violência como componentes
especialmente críticos nos processos educativos. Acredito mesmo que, se queremos verificar
as concepções pedagógicas que de fato estão presentes no dia a dia das práticas educativas,
um indicador privilegiado é analisar as práticas avaliativas e disciplinares. Nelas se
condensam de modo privilegiado nossas concepções de educação. Sobre elas recaem muitos
questionamentos mas poucas são as propostas para que possam ser ressignificadas.
Outros temas que podemos considerar clássicos na reflexão didática são planejamento
e técnicas. Constituem temas que exigem ser retrabalhados e ressituados em todo o horizonte
que vimos apresentando. No dia a dia dos educadores planejamento, (in)disciplina, avaliação
e técnicas didáticas materializam o ensino e não podem ser negados ou silenciados na reflexão
didática.
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A guisa de conclusão....
Voltamos a nossa preocupação do início. Toda reflexão pedagógica exige um
horizonte utópico. Na construção da nossa agenda de trabalho é necessário reconhecer o
cenário em que hoje estamos imersos. Articular a perspectiva crítica com as contribuições da
visão pós-moderna. Romper fronteiras epistemológicas e articular saberes. Favorecer
ecossistemas educativos. Reinventar a didática escolar. Afirmar a multidimensionalidade do
processo educativo. Apostar na diversidade. Revisitar os temas “clássicos” da didática.
Certamente esta é uma agenda que suscita muitas perguntas, debates e enriquecimentos e
admite muitos desdobramentos, tanto na ótica do ensino como da pesquisa.
Terminamos com estas palavras de Paulo Freire (2000) que nos animam a seguir
afirmando o horizonte útopico que inspira nossa reflexão pedagógica e didática:
“É certo que mulheres e homens podem mudar o mundo para melhor, para
fazê-lo menos injusto, mas a partir da realidade concreta a que “chegam” em sua
geração. E não fundadas ou fundados em devaneios, falsos sonhos sem raízes, puras
ilusões.
O que não é porém possível é sequer pensar em transformar o mundo sem
sonho, sem utopia ou sem projeto. As puras ilusões são os sonhos falsos de quem, não
importa que pleno ou plena de boas intenções, faz a proposta de quimeras que, por
isso mesmo, não podem realizar-se. A transformação do mundo necessita tanto de
sonho quanto a indispensável autencidade deste depende da lealdade de quem sonha às
condições históricas, materiais, aos níveis de desenvolvimento tecnológico, científico do
contexto do sonhador. Os sonhos são projetos pelos quais se luta. (p.53-54)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Freire, P. Pedagogia da Indignação , S. Paulo: Edit. UNESP, 2000

Giroux, H.(88) O pós-modernismo e o discurso da crítica educacional; in: Silva, T. T. de:


Teoria Educacional crítica em Tempos Pós-Modernos, Porto Alegre: Arters Médicas, 1993

Pronuncimiento Latinoamericano : por ocasião do Forum Mundial da Educação (Dakar,


24-28 de abril, 2000)

André, M. E. e Oliveira, M. R. (org) Alternativas do Ensino de Didática Campinas: Papirus,


1997
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Candau, V. M. Construir ecossistemas educativos- reinventar a escola NOVAMERICA, Rio


de Janeiro, n.84, dez. 1999

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