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Metodologia do Ensino

de História
Material Teórico
História, educação e cidadania

Responsável pelo Conteúdo:


Profa. Ms. Jurema Mascarenhas Paes

Revisão Textual:
Profa. Ms. Luciene Oliveira da Costa Santos
História, educação e cidadania

• Introdução
• O surgimento da disciplina História
• O Panóptico
• O ensino de História no Brasil
• História na escola e na universidade. Em que se difere?

OBJETIVO DE APRENDIZADO
Os objetivos desta Unidade são:
·
·Refletir sobre o conceito de História.
·
·Historicizar o surgimento da disciplina História e seu ensino no Brasil.
·
·Compreender mudanças políticas e pedagógicas no ensino superior
brasileiro a partir da década de 1990.
·
·Caracterizar e entender a prática docente no ensino fundamental e
superior a partir dos pressupostos teóricos da didática em História.
·
·Reconhecer e problematizar as finalidades da educação e o papel do
professor de História no ensino fundamental e no superior.
·
·Discutir a importância do ato de pesquisar.

ORIENTAÇÕES
Saiba que esta disciplina tem como propósito refletir sobre o conceito de
História, historicizar a inclusão da disciplina nas escolas e universidades
brasileiras, analisar a relação entre História, educação e cidadania. Desdobrar
as novas tendências da historiografia, suas características e contribuições
para a pesquisa e para o ensino de História, apresentar e analisar fontes
diversas dentre elas: mídia impressa, depoimentos orais, programas de
rádio, músicas, vídeos, fotografias e pinturas, discutir a transdisciplinaridade
no fazer histórico. Contribuir para a formação acadêmica de profissionais
das áreas de Ciências Humanas, por meio de reflexões que proporcionem
maior aprofundamento em torno do estudo da História e do processo
ensino aprendizagem da mesma, oferecendo-lhe contato com as discussões
mais recentes dessa área; além de lhe proporcionar momentos de leitura –
textual e audiovisual – e reflexão sobre os temas que serão aqui discutidos,
contribuindo com sua formação continuada e trajetória profissional.
UNIDADE História, educação e cidadania

Contextualização
Consiste na inserção do conteúdo em um contexto referente ao cotidiano do
aluno ou da prática profissional futura, demonstrando e ressaltando a importância
do estudo da unidade para a sua formação pessoal e profissional. A contextualização
pode ser apresentada por meio de uma narrativa descritiva, uma situação-problema,
um exemplo de aplicação, vídeos, reportagens, cases, entre outros.

Estamos no prelúdio do século XXI e esta primeira década reflete um momento


de transição, quando estratégias e modos de pensar o mundo estão sendo revistas,
crises em diversos setores estão despontando e desestruturando velhas formas de
gerir e pensar as questões problemas da sociedade. Nessa direção, como pensar a
educação, a escola e o ensino de História neste momento de virada de século XX
para o XXI? Como situar o professor diante dos desafios do seu tempo e do seu
ofício? Que ideal de ser humano a escola e a universidade pretendem formar? E
qual o sentido da educação?

Algumas incongruências são visíveis entre valores proclamados e os reais.


A pesquisadora Regina Célia desdobra aspectos da crise que a educação vem
sofrendo: “[...] enquanto a sociedade ocidental do século XX se proclama portadora
de valores humanísticos, seus valores reais são bem outros: o progresso material
é mais importante que o desenvolvimento de padrões culturais e espirituais. Em
outras palavras, acima do homem está o dinheiro; mais vale ter do que ser1.”

HAYDT, Regina Célia Cazaux. Crise na educação: por quê? Thot – Revista da Associação
Explor

Palas Athena, n. 22. São Paulo, dezembro de 1980, p.45.

A autora conclui que a crise de valores que estamos passando no setor da


educação é, sobretudo, uma crise filosófica. Mas não é só a educação que vive
esse momento de instável condição, passamos por um momento preocupante de
escassez dos recursos naturais o que vem gerando também uma crise ecológica,
econômica e política. Assuntos como biopolítica, bioética, biopoder, emergem e
fazem com que o homem faça uma revisão de diversos paradigmas. Isso encaminha
a escola e a universidade para refletir sobre conceitos como interdisciplinaridade,
transdisciplinaridade e multidisciplinaridade.

Em contrapartida, existe aquela ideia de que, em momentos de crise, emergem


outras oportunidades. Mas que oportunidades seriam essas?

E o que a disciplina Metodologia do Ensino de História teria a ver com essas questões?

O professor de História, como educador, precisa estar consciente do seu ofício


e das possibilidades de atuação no mercado de trabalho, o qual vive em constante
transformação. Precisa estar atualizado, para poder, com clareza, desenvolver sua

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profissão com segurança, responsabilidade e de maneira criativa. A criatividade
é moeda importante neste momento, sobretudo, no processo de ensino-
aprendizagem. Hoje, o professor tem a presença marcante da tecnologia em sua
vida e na vida de seus alunos para o bem e para o mal. Desse modo, como fazer
uso dessa tecnologia a favor da transmissão do conhecimento?

Cabe ao educador manter-se otimista diante do seu ofício e atualizado perante


as novas circunstâncias para poder ter maior domínio de sua função e de seu
trabalho enquanto profissional. Superar os desafios que o mercado de trabalho vem
apresentando exige preparo. Diante deste cenário de novas variáveis, questões e
problemas, cabe ao professor/pesquisador articular conceitos e metodologias em
prol de novas abordagens e metodologias.

Iremos, então, abrir esta unidade com algumas questões-problemas da


disciplina em foco.

Dentre essas questões, podemos apontar:

Como ensinar História


nos tempos de hoje?
Por onde começar?
O que é História?

Qual é o ofício Exemplo de


do historiador? referência abaixo

Fonte: iStock/Getty Images

Nas últimas décadas, a produção historiográfica e a relação da História com


a educação passou por um conjunto de transformações. Os estudos históricos
se reformularam, resultando na ampliação do saber histórico, das áreas de
investigação, a descoberta de novas abordagens e metodologias. No que tange
à relação com as fontes, o leque de possibilidades para o historiador aumentou:
as fontes diversificaram-se e foram percebidas a partir de novos olhares
(jornais, fontes policiais, fontes judiciárias, processos de crime, prontuários
médicos, imagens – vídeos e filmes, fotografias, esculturas, literatura, música,
entre tantas outras). Desenvolveu-se também a relação com outras disciplinas
(Antropologia, Psicologia, Literatura, Semiótica, Economia). No processo de

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UNIDADE História, educação e cidadania

ensino-aprendizagem, conceitos como interdisciplinaridade e transdisciplinares


dão, hoje, o tom a outras metodologias e, mais do que nunca, a tecnologia se faz
presente no cotidiano das salas de aula.

Este curso, portanto, pretende ser contributivo no desdobramento de


abordagens, conceituais e metodológicas (entre história, educação e cidadania), na
análise de fontes diversas iconográficas, sonoras e escritas, propiciando aos alunos
conhecimentos que poderão ser aplicados tanto na experiência didática da sala de
aula como no desenvolvimento de suas pesquisas. A ideia é articular conceitos e
competências no desenvolvimento de possíveis reflexões e propostas de atuação,
diante dos desafios e turbulências das questões-problemas da atualidade.

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Introdução
“A história é a ciência do homem no tempo”
(BLOCH, Marc)

O que é História?

Fonte: iStock/Getty Images

História é uma palavra de origem grega, desdobramento do termo “historie”, que


significa conhecimento por meio da investigação, testemunho. Jaques Le Goff
desdobra minuciosamente a terminologia da palavra em seu livro História e Memória:
A palavra ‘história’ (em todas as línguas românicas e em inglês) vem do grego antigo
historie, em dialeto jônico [Keuck, 1934]. Esta forma deriva da raiz indoeuropéia wid-,
weid ‘ver’. Daí o sânscrito vettas ‘testemunha’ e o grego histor, testemunha’ no sentido
de ‘aquele que vê’. Esta concepção da visão como fonte essencial de conhecimento leva-
nos à idéia que histor ‘aquele que vê’ é também aquele que sabe; historein em grego
antigo é ‘procurar saber’, ‘informar-se’. Historie significa, pois, “procurar”. É este o
sentido da palavra em Heródoto, no início das suas Histórias, que são “investigações”,
“procuras” [cf. Benveniste, 1969, t. II, pp. 173-74; Hartog, 1980]. Ver, logo saber, é
um primeiro problema. (LE GOFF, 1990, p.18)

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UNIDADE História, educação e cidadania

Heródoto1 é conhecido como pai da História, um


dos mais significativos históriadores do mundo
antigo. Nasceu em Halicanarsso, hoje, Bodrum, na
Turquia. Fez muitas viagens pelo mundo antigo.
Foi ao Egito, a Líbia, Babilônia, Pérsia, Macedônia
entre outras3. Sabe-se que Heródoto focou
sua escrita no método narrativo/ testemunho,
onde se escrevia sobre aquilo que se via,que se
sentia, que se testemunhava. A sua escrita estava
sempre centrada nos grandes acontecimentos,
nas guerras e nos personagens do topo da
Fonte: seguindopassoshistoria.blogspot.com.br pirâmide socioeconômica de sua época.
Segue o link de um ebook com os livros de Heródoto para que você possa
entender em campo, como o autor conduziu a tessitura de uma história focada
em método narrativo:
http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/historiaherodoto.html

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“Com Heródoto, o que conta na narração histórica não é a importância do
testemunho. Para ele, o testemunho por excelência é o testemunho pessoal, aquele
em que o historiador pode dizer: vi e ouvi. Isto é especialmente verdade, na parte da
sua investigação dedicada aos bárbaros cujo país percorreu durante as suas viagens
[cf.Hartog, 1980]” . (LE GOFF, 1990, p. 93)

O que mudou da época de Heródoto na ciência histórica para os dias de hoje?

Sim, a História é uma ciência. Vamos esclarecer alguns pontos:

Em síntese, podemos afirmar:


1. A História é uma ciência da área das humanidades que tem como matéria-
prima a experiência humana em determinado tempo e espaço.
2. A História estuda o pensamento dos homens, suas ações e o efeito desses
elementos no cotidiano. A História é processual e o homem é um agente
construtor e não um ser passivo à mercê dos fatos.
3. A História debruça-se sobre o passado de forma dialógica, por meio dos
vestígios do mesmo, seja um inventário, um testamento (vestígios escritos
e sistematizados dentro de contextos sociopolíticos), assim como utensílios,
fotografias, filmes, livros, diários, ou seja, tudo o que é produzido pelo ser
humano dentro de sistemas formais e informais.

Sabe-se que nem sempre foi assim. A História enquanto ofício a princípio acreditava
na existência da veracidade de alguns documentos ou vestígios em relação a
outros. Por exemplo, só depois da escola francesa dos Annales foi possível aceitar a
fotografia, a música e o cinema como fontes para o Historiador.

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4. A História tornou-se interdisciplinar interagindo com disciplinas como
Antropologia, Biologia, Filosofia, Sociologia, Economia, Arqueologia,
dentre outras.
5. Do desdobramento da historiografia, hoje, pode-se dizer que há diversos tipos
de especialidade no campo da História: História Social, História Cultural,
História Oral, História Econômica, História da Ciência, dentre outras.
6. A História tornou-se disciplina escolar a partir do século XIX, o que será
abordado no próximo ponto desta unidade.

Após refletir um pouco sobre o conceito de História, vale a pena mergulhar


um pouco no universo do ofício do historiador. Para Marc Bloch, o historiador
deve conhecer a realidade ao seu redor, aprender a observar e, se não tiver a
sensibilidade aguçada para a investigação, não tem como exercer tal função. Bloch
era um defensor da interdisciplinaridade. Para ele quase tudo pode ser utilizado
como fonte. E, sobre o passado, ele coloca:
O passado é, por definição, um dado que nada modificará. Mas o conhecimento do
passado é uma coisa em progresso que incessantemente se transforma e aperfeiçoa.
(BLOCH, 2001, p.75)

O passado e o presente para Bloch são conectados de forma dialógica.

O historiador, em seu ofício, tem nas fontes sua matéria-prima e o manuseio


delas exige métodos e técnicas. Veja o que coloca Jacques Le Goff:
A melhor prova de que a história é e deve ser uma ciência é o fato de precisar de
técnicas, de métodos, e de ser ensinada. Lucien Febvre, restringindo, disse: “Qualifico
a história de estudo cientificamente orientado e não de ciência” [1941]. Os teóricos
[p.106] mais ortodoxos da história positivista, Langlois e Seignobos, exprimiram numa
fórmula notável que constitui a profissão de fé fundamental do historiador, que é a base
da ciência histórica: “Sem documentos não há história” [1898, ed. 1902, p. 2]. (LE
GOFF, 1990. p.88)

Le Goff faz, em seu livro História e Memória, um traçado completo das diversas
vertentes historiográficas, desde Heródoto, passando pelos gregos, os positivistas,
os marxistas, entrando pela escola dos Annales e a História Cultural. Diante dessa
cartografia feita por Le Goff, surge a seguinte reflexão:

Por que é importante para o professor de história conhecer as diferentes


abordagens dos modos de fazer a História?

É tomando conhecimento das diferentes formas de abordar o processo


histórico que se chega aos métodos de como passar o conhecimento e de como
produzir conhecimento.

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UNIDADE História, educação e cidadania

Explor
O que é o ofício de Historiador?
Marc Bloch faz uma reflexão muito interessante sobre o ofício de historiador no livro
Apologia da História ou o Ofício do Historiador.
Esse livro foi escrito pelo autor, na Segunda Guerra Mundial, pouco antes de sua morte –
Marc Bloch foi assassinado por ser Judeu. É um livro rico e muito interessante que aborda a
ideia de que há momentos em que as circunstâncias históricas atropelam a vida cotidiana.
BLOCH, Marc Leopold Benjamin. Apologia da História ou o Ofício do Historiador. Prefácio:
Jacques Le Goff. Apresentação à edição brasileira: Lilia Moritz Schwarcz. Tradução: André
Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
Sobre o livro, veja o seguinte link: https://youtu.be/ATeBoPhwbE4

Uma curiosidade:

Para o historiador e para o professor de História, os mapas são ferramentas


ilustrativas muito ricas e interessantes:

O primeiro mapa que segue abaixo é um mapa do tempo de Heródoto. O mapa


subsequente é um mapa geopolítico atual. É interessante, por exemplo, comparar
os dois. As divisões geopolíticas são claramente diferentes entre os dois mapas,
não se tinha dimensão do tamanho do continente africano ainda no mapa de
Heródoto por exemplo.

Por meio das narrativas históricas de Heródoto, os pesquisadores observaram


que, quanto mais longe da Grécia ele se encontrasse, mais fantasiosas tornavam-se
suas narrativas. Isso levou os pesquisadores a questionarem a veracidade de que ele
de fato tenha estado na Líbia por exemplo. À medida que Heródoto distanciava-
se da Grécia, sua narrativa tornava-se mais ficcional. Através do mapa e da
narrativa, consegue-se chegar à visão de mundo de uma época, como os territórios
se subdividiam e, portanto, como se organizavam os diferentes povos e lugares
politicamente. Uma coisa muito interessante no método histórico de Heródoto que
fica como legado para os dias atuais é a forma de compor a narrativa histórica,
sempre como se o próprio escritor fosse o testemunho.

Fonte: memoriasdeorfeo.blogspot.com Fonte: chc.cienciahoje.uol.com.br

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Mas será que o conceito de história nos dias de hoje se enquadraria ao formato
proposto por Heródoto? E onde fica a história dos escravos? Dos servos? Dos
segmentos anônimos da sociedade?
A partir da segunda metade do século XX, a produção historiográfica passou
por um conjunto de transformações, por conta de uma conjuntura de crises em
diversos setores da sociedade, o que fez com que a ciência histórica passasse por
reformulações teórico-metodológicas. Essas mudanças propiciaram a ampliação
do saber histórico, das áreas de investigação, a descoberta de novas abordagens.
Outros personagens entraram em cena e, a partir de então, desenvolveu-se a história
dos escravos, das mulheres, dos operários de outros segmentos da sociedade que,
até então, estavam fora das narrativas de Heródoto e de historiadores positivistas.
Há quem defina a História como a ciência que investiga o passado para refletir
sobre o presente e prospectar, ou planejar, o futuro. Ou ainda: a História seria a
análise de acontecimentos do passado para não mais repeti-los no presente. Se
essas premissas fossem coerentes, não haveria mais guerras, nem conflitos no
mundo, ou problemas socioeconômicos de inúmeras ordens. Vejam, por exemplo,
a questão que Antonio Polito coloca em entrevista ao historiador Eric Hobsbawm
no livro O Novo Século:
O século XX terminou com uma guerra, assim como o século breve começou com a
catástrofe da Grande Guerra. E de novo os Balcãs estão no centro da conflagração,
como se o tempo não tivesse avançado, a questão nacional voltou a eclodir e a pôr à
prova as grandes potências.
A história está se repetindo? Como foi que passamos do fim da Guerra Fria para a
retomada das guerras quentes? Como é possível que hoje existam mais refugiados do
que no final da Segunda Guerra? (HOBSBAWM, p.13, 2009)

No questionamento de Antonio Polito, ele elenca as repetições de acontecimentos


históricos e pergunta:

A história está se repetindo?

É bem interessante esse questionamento. Como coloca Marc Bloch: A História


é a ciência do homem no tempo. E mais, a História é feita de transformações e
permanências. Desse modo, a repetição faz parte do jogo. Mas, como coloca Eric
Hobsbawn, essa repetição se dá, geralmente, em contextos diferentes, ou com
outras configurações e variáveis.

Partindo do questionamento, Hobsbawm responde. Segue um trecho da resposta


de Eric Hobsbawm:
O que me interessa saber é: de que modo a guerra mudou? Tanto no sentido político
como no tecnológico. Três questões me ocorrem, e tentarei responder a todas. Primeiro,
ainda é possível haver uma guerra entre grandes potencias? A resposta é negativa, pelo
menos enquanto os Estados Unidos continuarem sendo a única superpotência. É bem
possível que, cedo ou tarde, a China reúna uma capacidade militar capaz de rivalizar com
os Estados Unidos. Não estou dizendo que isso vá ocorrer. Mas parece certo que uma
nova guerra mundial é improvável se isso não acontecer. (HOBSBAWM, p.14, 2009)

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UNIDADE História, educação e cidadania

Fica claro, nesse trecho da resposta de Hobsbawm, que a História, quando se


repete, não se repete da mesma forma. Certas coisas, inclusive, não dependem
e não estão sob o controle do homem, por exemplo, mudanças climáticas que
geram secas, ou, ainda, epidemias, ou catástrofes naturais, como terremotos . O
futuro, definitivamente, é indeterminado.

A História é uma disciplina da área das ciências humanas que tem como foco o
estudo das experiências humanas em determinado tempo/espaço. Dito de outra forma,
sem tempo e sem espaço, não existe a possibilidade de se fazer História, nem estudar
História. Ela estuda os vestígios do passado para ter referências para a compreensão
das variáveis do presente, isso fica claro, por exemplo, na fala de Hobsbawm quando
ele diz: “[...] o que me interessa saber é: de que modo a guerra mudou?”.

Outra coisa interessante é perceber que as variáveis metodológicas do presente


interferem na escrita da História e na análise dos vestígios do passado. Desse
modo, a História está e estará sendo sempre reescrita e reeditada sob a luz de
novos arcabouços metodológicos seguindo o fluxo das mudanças historiográficas.
Outro aspecto é que ela é dialógica, a relação entre presente/passado, passado/
presente não é uma via de mão única, as temporalidades se influenciam.

Vamos pegar outro exemplo imaginário/ilustrativo. Digamos que uma


pessoa perca a memória aos 40 anos, como ela vai estabelecer as relações sociais,
políticas e econômicas do seu cotidiano? Como ela vai saber quem ela é? Qual o
papel dela em certa comunidade, aldeia ou sociedade? A memória é o elo, é o que
conecta as ações dos seres humanos no tempo e, como tal, ela é quesito importante
e nevrálgico no processo constitutivo da História. A História e a memória são
parceiras no processo constitutivo do tecido, da trama da História.

Finalizamos esse ponto com a afirmação de Jaques Le Goff sobre o método


histórico:
O método histórico só pode ser um método inexato... A história quer ser
objetiva e não pode sê-lo. Quer fazer reviver e só pode reconstruir. Ela quer
tomar as coisas contemporâneas, mas ao mesmo tempo tem de reconstituir
a distância e a profundidade da lonjura histórica. Finalmente, esta reflexão
procura justificar todas as aporias do ofício de historiador, as que Marc Bloch
tinha assinalado na sua apologia da história e do ofício de historiador. Estas
dificuldades não são vícios do método, são equívocos bem fundamentados.
(LE GOFF, 1999, p.87)

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O surgimento da disciplina História
“O poder disciplinar não destrói o indivíduo; ao contrário, ele o fabrica.”
(FOUCAULT, 1979).

É muito importante que


o professor saiba como a História
tornou-se um saber escolar.

Fonte: iStock/Getty Images

A organização disciplinar, surgida segundo Michel Serres na cultura ocidental


no século XVII, instituiu-se no século XIX, nomeadamente com a formação das
universidades modernas enquanto instâncias dotadas de um duplo papel: o de
estabelecer o saber erudito e o zelar pela sua difusão. Nas sociedades industriais, a
repartição disciplinar não parou de se reforçar no século XX, com o desenvolvimento
da pesquisa e a proliferação de novos ramos do saber humano.
Fonte: FOUREZ, Gérard. Abordagens didácticas da interdisciplinaridade.
Instituto Piaget. 1900, Lisboa.

Sabe-se que a História como disciplina escolar, surgiu no século XIX, na Europa
(França e Alemanha), imbrincada aos movimentos de laicização da sociedade e
de constituição dos estados nacionais das nações modernas. Antes, o ensino de
História vinha diluído entre letras e oratória, dentro de um ensino compreendido
por humanidades nos colégios do Antigo Regime.

A disciplina decola dentro de um processo de significação da nação quando


o monopólio intelectual dos jesuítas passa a ser questionado pelos parlamentares
franceses. O discurso científico se fortalece.

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UNIDADE História, educação e cidadania

Até a Revolução Francesa e a época de Napoleão, as sociedades eram


caracterizadas pelo regime de soberania centrada em torno do poder do rei e o
saber tinha uma conexão com a igreja. Com as repúblicas, desenvolveram-se outras
formas de organizar a sociedade e o método disciplinar tornou-se fio condutor
dentro de instituições como quartéis, mosteiros, hospitais, prisões e escolas.

Conforme Michel Foucault, escolas, hospitais, fábricas e quarteis são espaços


disciplinares em que proliferaram regras de controle da sociedade. Observe como
se organiza o cotidiano do professor. O espaço é geralmente uma sala de aula de
formato quadrado com cadeiras dispostas em fila e o tempo da aula é de 50 minutos.
Tempo e espaço são delimitados e legitimados como locais da cultura escolar.

Fonte: Thinkstock / Getty Images

Sobre o poder disciplinar, o filósofo Michel Foucault coloca:


“O poder disciplinar não destrói o indivíduo; ao contrário, ele o fabrica. [...] Das técnicas
disciplinares, que são técnicas de individualização, nasce um tipo de saber: as ciências
humanas”. (FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979)

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O Panóptico

Fonte: Thinkstock / Getty Images


Explor

Panóptico: é uma palavra que define uma construção arquitetônica, onde desde o centro
pode-se enxergar toda a periferia. Essas construções foram pensadas, primeiramente, para
o cárcere, depois, espalharam-se por hospitais, presídios e escolas.

As escolas tornaram-se espaços fundamentais no processo disciplinar de


adestramento de corpos e mentes nos séculos XIX e XX, pois as mesmas eram
instâncias primeiras na inicialização da socialização de crianças e jovens.

Ao mesmo tempo em que a escola é considerada


um lugar de enclausuramento por Foucault,
precisamos, de forma otimista, ressignificar
esse lugar e as atividades praticadas de forma
criativa e singular, seguindo o caminho da
transdisciplinaridade2. Precisamos repensar o
espaço escolar e os métodos didáticos para uma
cultura escolar do século XXI.
https://youtu.be/Xkn31sjh4To
Fonte: ensaiosdegenero.files.wordpress.com
Explor

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Ler o capítulo 5: A formulação de objetivos educacionais. In: HAYDT, Regina. Curso de
didática geral. São Paulo: ÁTICA, 2006.

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UNIDADE História, educação e cidadania

A História, enquanto saber disciplinar, teria a função de reverberar os discursos


de origem/genealógicos e os discursos das transformações pelo viés evolucionista/
positivista. Tinha a finalidade de criar a genealogia da Nação e o estado da
mudança progressista da humanidade rumo à modernidade. Pautada no discurso
enciclopédico, no método científico, esses pressupostos seriam bússola para o
sentido da História, tanto como ciência, como disciplina. O papel principal da
História, portanto, seria apresentar versões sobre o passado, revelando heróis e
fatos marcantes.
Os estudos na França partem de uma visão europeia transplantada, preocupada
com aspectos políticos e ignora as causas que movem os homens: relata as
intervenções de homens elevados à categoria de heróis, omitindo a participação
das maiorias silenciosas e dos vencidos. Daí, o início do ensino de História, no
Brasil, vir com o propósito de abordar os grande acontecimentos e “grandes
homens”, repetindo o modelo de educação europeu.

Observação: Fica claro que a disciplina História emerge em meio a um projeto


político de formação dos estados-nacionais e da construção dos
discursos de nação.

Pequeno texto para reflexão:

“O processo educativo sempre se encarregou de difundir os valores sobre os


quais se estruturava a sociedade em que estava inserido: assim sendo, na
Grécia de Péricles, o ideal era a formação do cidadão consciente e participante
da administração de sua cidade-estado; na Roma dos Césares, almejava-se
formar o político loquaz e o bravo guerreiro; durante a Idade Média, a meta era
a formação do homem moralmente íntegro e do cristão temente a Deus; por
ocasião da Revolução Comercial e, posteriormente, Industrial, nas sociedades
que sofreram de forma mais aguda e intensa o impacto dessa fase, propunha-se
formar o burguês dotado de iniciativa e senso comercial. E assim foi ao longo dos
séculos: cada sociedade e cada época histórica, de acordo com os valores sobre
os quais se alicerçava, tinham um ideal de homem a ser formado. E a escola,
agência dessa sociedade, se encarregava de cumprir esse ideal. Mas, e agora, em
pleno século XXI, que ideal de homem nossa sociedade quer formar? Esta é uma
questão fundamental, para a qual precisamos encontrar uma resposta, pois, de
outra forma será infrutífera toda reforma educacional”

Fonte: HAYDT, Regina Célia Cazaux. Crise na educação: por que?


Thot - Revista da Associação Palas Athena, n. 22, São Paulo, dezembro de 1980, p.45.

Essa é uma questão que nos acompanhará durante todas as unidades nesta
disciplina.
Que ideal de homem a nossa sociedade quer formar no século XXI? Por quê?
E para quê?

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O ensino de História no Brasil
“O currículo é sempre parte de uma tradição seletiva, um perfeito exemplo
de invenção da tradição”.
(GOODSON, 1995, p.27)

Assim como a História tornou-se


um saber escolar, também é
preciso entender o contexto em
que a disciplina História entra para
os espaços de saber das escolas
brasileiras e de que forma.

Fonte: iStock / Getty Images

A presença da História, no ensino médio brasileiro, e a produção do conteúdo


didático têm um aspecto político que o professor precisa estar ciente. Conforme os
Parâmetros Curriculares propostos pelo MEC:

A primeira escola a inserir a História como disciplina em seu currículo foi o


Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, em 1837. Após a Independência, em 1822,
iniciou-se um processo de estruturação do ensino, no Período Imperial, que
permaneceu até a década de 1930. Os pilares eram:

a. Preparar as elites para exercício do poder e para a direção da sociedade.


b. Propunha-se formar o cidadão, dando-lhe a consciência de pertencer a uma
nação que se consolidava conforme os ideais da democracia liberal.
c. O ensino de História visava atender uma sociedade que não pensasse por
si só, pois esse ensino surgia como mero suplemento da História europeia,
nunca como protagonista.

O ensino da disciplina História vinha alinhado ao modelo francês de educação,


pautado a uma História de grandes feitos, legados e heróis. Na constituição de um
conceito de nação carregado de ideias ufanistas.

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UNIDADE História, educação e cidadania

A autora Thaís Nilva de Lima e Fonseca, em seu livro História e ensino de


História, capítulo 3, propõe fazer um apanhado da História do ensino de História no
Brasil. Ela coloca que a disciplina História emerge, no século XIX, como artefato de
exaltação do estado e da nação em formação. No século XX, ela diz que é priorizada
a formação do trabalhador com a entrada da sociedade civil e mais recentemente o
ensino de História está voltado para construção de uma consciência de cidadania.
E seguindo a cartilha filosófica de cada momento é que vão sendo escolhidos os
conteúdos que serão lecionados.

A disciplina História foi inserida dentro de um projeto de educação com


interesses políticos específicos. A História que se ensinava tinha uma abordagem
voltada para o nacionalismo. Na década de 1970, período da ditadura militar,
esse viés tornou-se elemento condutor no processo ensino aprendizagem. Os
conteúdos nas escolas estavam focados na História Universal, ou Eurocêntrica.
A História do Brasil só tratava do Período Colonial, a ideia era manter distante
qualquer possibilidade de reflexão sobre as questões contemporâneas.

Em 1931, o Ministro da Educação e Saúde Francisco de Campos promoveu


reformas no ensino público e privado em todos os níveis. Implementou-se uma
proposta de educação nacional que dissolveu o lugar central até então ocupado
pelo Colégio Pedro II. Mesmo na década de 1950, reavendo temporariamente
seu ‘papel’, o Colégio Pedro II, nas décadas seguintes não mais ocuparia àquela
importância. Por outro lado, até a década de 1930, o papel do IHGB foi primordial,
inclusive porque produzia e ensinava, a julgar pelos programas e pelos textos dos
livros didáticos, uma História eminentemente política, nacionalista e que exaltava a
colonização portuguesa, a ação missionária da Igreja Católica e a monarquia. Por
muito tempo, o Instituto Histórico e Geográfico teve importante função na escolha
e produção dos conteúdos a serem abordados por essas disciplinas.

No fim da década de 1990, emergem mudanças substanciais nos conteúdos e nas


grades curriculares do ensino médio por meio dos documentos PCN de 1997.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) foram implantados em 1997 e a primeira coisa


Explor

que eles vieram oficializar foi a separação das disciplinas história e geografia.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/pcn_5a8_historia.pdf

Leia trecho do documento:


Em relação aos conteúdos (o que ensinar), aos saberes históricos selecionados,
o documento curricular propõe uma organização em torno de eixos temáticos,
desdobrados em subtemas. Para os quatro anos iniciais do Ensino fundamental, o estudo
de dois eixos temáticos: I) História local e do cotidiano, subdividida em dois subitens:
localidade e comunidades indígenas; II) História das organizações populacionais,
subdividida em: deslocamentos populacionais, organizações e lutas de grupos sociais e
étnicos, e organização histórica e temporal. Para os anos finais do ensino fundamental,
os PCN propõem outros dois eixos temáticos: I) História das relações sociais, da cultura
e do trabalho, subdividida em: as relações sociais, a natureza e a terra e as relações

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de trabalho; II) História das representações e das relações de poder, desdobrada,
também, em dois subitens: nações, povos, lutas, guerras e revoluções; cidadania e
cultura no mundo contemporâneo. Além disso, o documento curricular estabeleceu os
temas transversais (para todas as disciplinas): Ética, Saúde, Meio Ambiente, Orientação
Sexual, Pluralidade Cultural, Trabalho e Consumo. Muitos desses tópicos fazem parte
de pautas debatidas por movimentos sociais.

Observa-se, nesse texto, o interesse do ministério da educação em construir uma


relação com as temáticas das minorias articuladas a um projeto de inclusão social e
de construção da autoestima de um povo por meio de eixos temáticos com outras
abordagens a exemplo da História das Representações. Observa-se que outros
personagens entram em cena na História das Relações Sociais, reforçando a ideia
de um ensino em prol da cidadania.
Em 2003, foi sancionada, no Governo Luiz Inácio Lula da Silva a Lei Federal
10.639, determinando a inclusão obrigatória de História e cultura afro-brasileira
no ensino fundamental, seguem detalhes do documento:
Parágrafo 1º – O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o
estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra
brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do
povo negro nas áreas social, econômica e política, pertinentes à História do Brasil.
(Incluído pela Lei 10.639, de 9 jan. 2003)
Parágrafo 2º – Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão
ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação
Artística e de Literatura e História Brasileiras; (Incluído pela Lei 10.639, de 9 jan. 2003)
Art. 79-A. (VETADO); (Incluído pela Lei 10.639, de 9 jan. 2003)
Novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”. (Incluído pela Lei 10.639, de
9 jan. 2003)

Essas ações foram extremamente significativas pelo ponto de vista teórico, pois
sabe-se que muito ainda tem que ser alinhado na relação do cotidiano real das
nossas salas de aula, seja no ensino público, como particular, seja nas universidades
ou ensino fundamental. Ainda existe um vácuo entre o que é apontado pelas regras
dos PCN e a vida real nas escolas.

O sociólogo Florestan Fernandes, em uma frase, anuncia a importância da


consciência e da luta pela igualdade e liberdade pelas minorias raciais:
A liberdade não é uma dádiva, mas uma conquista. Essa conquista pressupõe que os
negros redefinem a História, para situá-la em seus marcos concretos e entrosá-la com
seus anseios mais profundos de autoemancipação coletiva e igualdade racial.

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UNIDADE História, educação e cidadania

Explor
Diante dessas novas temáticas a serem trabalhadas nas escolas, em especial o ensino de
História da África, emerge toda uma discussão sobre de que forma o conteúdo deve ser
passado. Há uma polêmica em torno dos conteúdos que são produzidos para os livros
didáticos, que ainda possuem uma latência em relação as pesquisas que vêm se dando nas
universidades. Para aprofundar esse assunto, vale a pena acessar o seguinte link do texto:
• A universidade e a formação para o ensino de história e cultura Africana e indígena:
http://goo.gl/yDQXXm

Nas relações entre professores, alunos, saberes, materiais, fontes e suportes, os currículos
são, de fato, reconstruídos. Assim, devemos valorizar, permanentemente, na ação curricular,
as vozes dos diferentes sujeitos, o diálogo, o respeito à diferença, o combate à desigualdade
e o exercício da cidadania. Reflexão sobre História, educação e cidadania.
• Ver seguinte texto: http://goo.gl/Le3I2N

História na escola e na universidade. Em


que se difere?
“Saber pensar é condição essencial de qualquer processo adequado de
profissionalização: não se dispensa domínio de conteúdos, mas insiste-se
em saber pensar, para dar conta sobretudo de conteúdos novos e manter-se
profissional e inovador.”
Fonte: DEMO, Pedro. Universidade, aprendizagem e avaliação: Horizontes reconstrutivos. Porto Alegre: Mediação, 2004.

A questão problema deste tópico se faz necessária para que possamos entender
as incongruências e a distância do que se faz na universidade e o que reverbera, de
fato, no ensino fundamental.

Na universidade, o processo de ensino aprendizagem faz desdobramentos mais


profundos do que no ensino fundamental, onde as aulas costumam ser reprodutivas,
ou seja, o professor reproduz os conteúdos que estão nos livros didáticos.

A adaptação do que é aprendido na universidade se dá em um cotidiano escolar


pautado em um conhecimento mais sintético e conteudista, muitas vezes, voltado
para o vestibular, impossibilitando o desdobramento de uma História analítica e
voltada para a pesquisa. No ensino fundamental, os temas acabam sendo dispostos
dentro de um contexto linear e mais próximo de uma História factual.

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Sobre o saber na universidade, Fourez coloca:
A influência do modelo universitário sobre o conjunto dos locais de saber foi e
permanece tanto mais profunda, porquanto a instituição universitária é, aos olhos
da sociedade, dotada de um duplo papel: estabelecer o saber erudito e zelar pelo
sua difusão. A ação cultural, que a universidade exerce muito particularmente sobre
o ensino secundário, decorre do papel preponderante que ela desempenha, em
certos países, em matéria de formação inicial e continuadas dos professores do ciclo
terminal, bem como do poder que lhe é atribuído pela colação dos diplomas que
conferem os títulos exigidos para o ensino de uma disciplina particular. Ao que se
acrescenta o facto dos diferentes actores encarregados de redigir os programas e
as instituições metodológicas, bem como de acompanhar e avaliar os professores,
serem eles próprios provenientes do mundo universitário, com o qual mantêm,
frequentemente, laços estruturais de diferentes graus.
Fonte: FOUREZ, Gérard. Abordagens didáticas da interdisciplinaridade. Instituto Piaget. p.19.

O saber da universidade, quando parte para a aplicabilidade no ensino


fundamental, sofre uma diluição para adequar-se ao público alvo, às regras do
ministério da educação e aos interesses políticos que estão em jogo nos processos
da gestão educacional de cada país. Sendo assim, por mais que mudanças de
paradigmas tenham ocorrido na historiografia, na escrita da História e nas regras
filosóficas do ensino de História nas escolas ainda se convive no ensino fundamental
com um resíduo da História linear e positivista do século XIX.

Aliado a essas questões existem as formações universitárias em suas subdivisões


licenciatura e bacharelado. Essa subdivisão curricular traz em si o conceito primeiro
de preparar o profissional para atuar no mercado do ensino e o subsequente na
área de pesquisa. Diante disso, emerge a pergunta: como ensinar sem pesquisar?

Outras questões também emergem desse cenário para a reflexão: ensinar História
refere-se a processo simples, contínuo, que tem por objetivo divulgar conhecimentos
produzidos pela ciência na sociedade? Ou é processo complexo que se insere no
âmbito da educação e da cultura escolar, em lugares e tempos específicos?

Abaixo, segue o link de um texto, sobre a proposta de educação na Finlândia, país que
Explor

possui um dos projetos educacionais mais avançados do mundo e onde o ensino não está
desvinculado da pesquisa: http://goo.gl/xmz9xj

Nesse texto, vemos que, na Finlândia, o professor de História só pode dar


aula no ensino fundamental se tiver passado pela experiência do mestrado, ou
seja, eles acreditam que é fundamental a vivência do professor com a pesquisa.
A pesquisa enriquece a atuação do professor no ensino fundamental, porque ela
oferece o exercício da reflexão e do pensamento, preparando o professor para
uma atuação criativa e mais completa, em que o mesmo não é apenas um repetidor
de conteúdos e métodos. Dessa forma, o professor instrumentaliza-se para uma
atuação inovadora em que possa atender às novas exigências de um mundo em
constante transformação.

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UNIDADE História, educação e cidadania

Por meio da pesquisa, o professor exercita competências que podem responder


à seguinte inquietação abaixo:
Como faz o professor de História para adequar a sua disciplina às mudanças que
estão ocorrendo do lado de fora da escola e da universidade em um mundo cada
vez mais tecnológico e onde a escola, muitas vezes, ainda insiste em reproduzir os
métodos e programas do século XIX e XX?
O professor de História que se relaciona com a pesquisa tem uma possibilidade
mais rica de articular materiais didáticos diversos de forma crítica e inteligente e
encontrar saídas interessantes para esse momento de crise pedagógica dentro das
escolas. A pesquisa em si trabalha competências como a busca de fontes, a escolha
e edição das mesmas, o exercício de análise, comparação e conexão de textos
diferentes, de múltiplas origens, áreas e abordagens. O exercício da pesquisa faz com
que a profissão do professor seja fundamental no processo de ensino-aprendizagem.
Refletindo sobre a seguinte questão: Qual a função do historiador?
Hobsbawn coloca:
[...] a destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa
experiência pessoal às das gerações passadas – é um dos fenômenos mais característicos
e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie
de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época
em que vivem. Por isso os historiadores, cujo ofício é lembrar o que os outros esquecem,
tornam-se mais importantes do que nunca no fim do segundo milênio.

Complementando, Hobsbawm lembraria que os professores de História são


mais importantes do que nunca neste fim de século, cada vez mais necessários.
E, para fechar esta unidade, segue um trecho do texto de Ana Maria Monteiro
para reflexão:
Para ensinar história, como qualquer disciplina, realizamos dois processos
fundamentais: uma seleção cultural, ou seja, definimos entre os vários saberes
disponíveis na sociedade, incluindo, atualmente, aqueles produzidos pela ciência,
os saberes a serem ensinados às novas gerações. Esta seleção implica opções
culturais, políticas, éticas possibilitando ênfases, destaques, omissões e negações.
Esta seleção é sempre enraizada socialmente e é histórica, revelando interesses,
projetos identitários e de legitimação de poderes instituídos ou a instituir, suscetível
a mudanças e redefinições. Esta seleção se realiza e expressa nas propostas e nas
práticas curriculares, processo de constituição do conhecimento escolar para a
escola e pela escola.

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Material Complementar

 Vídeos
Documentário de Foucault:
https://youtu.be/Xkn31sjh4To
Link sobre livro de Marc Bloch:
https://youtu.be/ATeBoPhwbE4

  Sites
Educação no Mundo – Os segredos da Finlândia
http://goo.gl/xmz9xj

 Leitura
PCN história:
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/pcn_5a8_historia.pdf

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UNIDADE História, educação e cidadania

Referências
BLOCH, Marc Leopold Benjamin. Apologia da história ou o ofício de historiador.
Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

FOUREZ, Gérard. Abordagens didáticas da interdisciplinaridade. Instituto Piaget.

GOODSON, Ivor F. Currículo: Teoria e História. Petrópolis: Vozes, 1995.

HAYDT, Regina. Curso de didática geral. São Paulo: Ática, 2006.

LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Unicamp, 1990.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979

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