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O JÚRI SIMULADO NA APRENDIZAGEM HISTÓRICA

BARBOSA, Vera Lúcia Guedes1

Grupo de Reflexão Docente n. 21 - Jogos, imaginação e aprendizagens

Resumo:
O presente trabalho é resultado de uma prática desenvolvida junto às turmas do nono do ensino fundamental
II da Escola Villare, instituição de ensino privada da cidade de São Caetano do Sul, no estado de São Paulo.
A procura por aumentar o engajamento dos alunos nas aulas de História, nos motivou a propor a execução
de um júri simulado de personagens históricos. Consideramos que a proposta permitiu que mobilizássemos
a imaginação dos alunos e que déssemos complexidade aos temas trabalhados na série, uma vez que, na
condição de investigadores, os estudantes inquiriram personagens, confrontaram argumentos e elaboraram
estratégias de defesa e de culpa dos réus. Nessa proposição, buscamos dialogar com o conceito de
imaginação histórica e com o método didático dialético. Os resultados dessa proposta didática foram
positivos no que tange ao engajamento dos alunos. Do ponto de vista acadêmico acreditamos que a prática
desenvolvida possibilitou que os temas trabalhados na disciplina fossem compreendidos de forma mais
profunda e complexa.
Palavras-Chave: Ensino de História, Imaginação, Aprendizagem Dialética, Metodologias Ativas.

1. Imaginação histórica: tornando o diálogo inteligível


No primeiro dia de aula da turma de nono ano, alunos e alunas em polvorosa questionam a
professora de História: Esse ano vamos aprender sobre as trincheiras, né? Vamos aprender tudo
sobre Hitler, não é mesmo professora? Durante anos, as telas - da tevê, do cinema e até mesmo do
computador - nutriram, de uma forma narrativa, sequencial, ficcional e espetacularizada, o desejo
e a curiosidade destes jovens sobre esses temas. Para nós, professores e professoras de história, o
grande desafio que se coloca é o de canalizar a curiosidade destes estudantes e ao mesmo tempo,
romper com aquilo que Lowental (1998) já apontava como os perigos da compreensão histórica
de caráter ficcional: os anacronismos, as distorções, a simplificação e a crença na verdade absoluta.
No bojo de inúmeras outras problemáticas que atravessam a profissão docente, manter vivo
o interesse dos alunos pela História é algo basilar e que nos inquieta em busca de ferramentas,

1
Mestranda, Mestrado Profissional em Ensino de História - ProfHistória - UNIFESP. Professora de História -
Escola Villare. E-mail: vera_unifesp@hotmail.com
metodologias e diferentes estratégias de aula. Nesse percurso, inevitavelmente confrontamos as
representações históricas de nossos alunos, ao propor-lhes formas de aprendizagem que envolvem
refletir sobre a complexidade da realidade histórica, de um modo muito mais profundo que aquele
possibilitado pelas narrativas sequenciais (LOWENTAL, 1998).
O desafio é imenso e a busca por manter acesa a chama do interesse o torna ainda maior.
Paulo Freire observava que o processo educativo é inseparável do comunicativo. Nesse sentido, a
comunicação e as suas estratégias são a chave para aquilo que, o patrono da educação brasileira,
denominou “aprendizagem dialógica”. Diferentemente do ato de extensão, o processo de
comunicação, segundo Freire (1983) envolve reciprocidade e é perpassado, portanto pelo contato
e pelo afeto (SODRÉ, 2006). Afeto, aqui entendido como a relação recíproca entre sujeitos, não
como a manipulação do sentimento ou alienação (FREIRE, 1983). Para Freire, o resultado da
aprendizagem, quando dialógica, é o raciocínio crítico, tão logo a autonomia (FREIRE, 2019).
O processo comunicativo envolve, portanto, refletir sobre as dimensões do sensível. A
comunicação deve alcançar o receptor, nesse sentido para garantir o alcance, o diálogo deve se
dar, ou só é diálogo se, há uma linguagem inteligível a ambos. Na educação a busca por essa
linguagem comum aos interlocutores se faz, entre outras formas, pela aproximação do objeto
cognoscível ao universo dos alunos (FREIRE, 1983). Dessa forma, ainda que compreendamos que
a ficção histórica possui um propósito diferente do propósito da História (LOWENTAL, 1998), o
encontro dessa linguagem comum a que se referia Paulo Freire, pode se dar justamente no uso da
característica motriz que sustenta esses gêneros históricos, a imaginação. Todavia, isso envolve
uma ressignificação, não apenas do potencial da imaginação nas aulas de História, mas também
da concepção de passado e História que possuímos.
Segundo White, o afastamento entre História e escrita ficcional contribuiu para que a
categoria da imaginação fosse relegada e domesticada sob o jugo da ciência (apud Pereira, 2020).
A partir de então, o passado histórico passou a ser concebido como o fruto de uma operação
discursiva, operação essa, cada vez mais distante da estética ficcional. Essa separação modificou,
não apenas a relação da História com o passado, mas também com o presente e o futuro. O passado
intuitivo, imanente deixou de ser aceito pela História. Ao mesmo tempo, o futuro passou a ser
concebido como o inevitável desdobramento do presente (PEREIRA, 2020).
A imaginação histórica é, portanto, outra forma de concebermos a História e o tempo. Ao
buscarmos a reconciliação entre História e ficção, concordamos com Pereira (2020) que a narrativa
histórica não é a única forma de expressar o passado e que, a escrita da História é, na medida do
discurso, uma operação poética que envolve, ainda que sob postulados metodológicos específicos,
um processo de prefiguração sobre o vivido tão logo, imaginação. Assim, a virtualidade da
imaginação abre novas relações com o tempo e possibilita que o futuro seja cotejado como algo
que pode ser criado.
À vista disso, entendemos que as aulas de História são espaços nos quais, as representações
de nossos alunos sobre o passado devem ser ressignificadas, complexificadas e desnaturalizadas.
Todavia, esse processo não está condicionado a ruptura total com a imaginação que alimentou e
alimenta a sua curiosidade pela História. Pelo contrário, a imaginação pode ser utilizada como uma
categoria de compreensão histórica que é capaz de suscitar novas formas de compreensão do
tempo, do homem e de seu papel, isto é, sua agência na História.

2. Aprendizagem crítica em história


Decorar datas, nomes de personagens e eventos, replicar informações de forma precisa em
uma avaliação, descrever em detalhes as principais batalhas da Grande Guerra; essas são algumas
lembranças que, por certo, figuram na memória que muitas pessoas possuem sobre as aulas de
História na educação básica. Essa forma mnemônica e enciclopédica de compreender e ensinar
História, conforme aponta Bittencourt (2018) foi constante no ensino de História ao longo do
século XIX e parte do XX. Ao mesmo tempo, apesar da predominância dessas práticas, a crítica a
elas e a busca por uma renovação dos métodos de ensino também remonta ao século XIX. Foi no
final deste século que, inspirados no modelo montessoriano, diversos estudiosos da educação
passaram a propor formas de ensinar que dessem mais centralidade ao aluno. Assim, os chamados
“métodos ativos” apresentaram-se como um contraponto a uma maneira de ensinar que se
fundamentava na centralidade do professor palestrante e no aluno passivo que se limitava em
memorizar mecanicamente uma grande quantidade de informações.
Enquanto uma das camadas que compõem e formam as disciplinas escolares, os métodos devem
ser compreendidos como produtos históricos que correspondem às demandas de seu próprio
tempo. Nesse sentido, à medida em que as sociedades mudam, os conteúdos, as finalidades e os
métodos das disciplinas escolares tendem a mudar (CHERVEL, 1990). As modificações na
sociedade brasileira - a industrialização, o aumento das camadas médias urbanas, a modificação
no perfil dos estudantes - impulsionaram mudanças nas finalidades do ensino. Contudo, apesar dos
debates sobre a urgente renovação metodológica do ensino de História, estabelecidos com muita
força a partir dos anos 1950, os métodos mnemônicos conservaram-se nas práticas escolares da
disciplina (BITTENCOURT, 2018). A persistência da memorização mecânica, frequentemente
associada à educação tradicional2, revela a permanência de uma forma de conceber o ensino e a
aprendizagem, e, no caso do ensino de História, revela também as concepções acerca da área que
predominavam no tempo.
A crítica à ideia de que “ensinar é transmitir um conhecimento e aprender é repetir tais
conhecimentos da maneira como foi transmitido” (BITTENCOURT, 2018, p. 193), ganhou força
no ensino de História, à medida que a própria disciplina se transformava. Bittencourt (2018)
também observa que a formação do pensamento crítico se tornou uma demanda da área ao longo
do tempo e nesse processo, os métodos mnemônicos tornaram-se alvo de críticas pelo
entendimento de que essa forma de ensinar em pouco contribuía com a formação autônoma dos
estudantes. Dessa forma, o método dialético foi se impondo como uma possibilidade de
desnaturalizar e dar complexidade aos temas históricos e, por conseguinte, auxiliar na construção
do conhecimento crítico.
No pensamento freiriano, dialética e dialogicidade são um corpo orgânico. Sob essa ótica,
é a reflexão sobre a prática social que permite que os homens ajam sobre o mundo e sobre si
mesmos e, por consequência, transformem a sua realidade. A dialogicidade é base para esse
movimento de despertar da consciência crítica dos sujeitos que se dá por intermédio de uma
educação problematizadora, isto é, uma educação que retira o aluno de sua condição de passividade

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Vale ressaltar, que o conceito de tradicional e de inovação na educação devem ser analisados com cautela,
conforme Circe Bittencourt destaca em sua obra Ensino de História: fundamentos e métodos. Atualmente, a
crítica aos métodos tradicionais têm sido ressuscitada na educação, assim como o jargão da inovação. Nesse sentido,
precisamos ponderar que nem tudo o que é tradicional na educação deve ser rejeitado, uma vez que, algumas
práticas persistem, pois são importantes. Ao mesmo tempo, a retórica da inovação na educação é suscitada de
tempos em tempos e muitas das práticas que são hoje difundidas como inovadoras, possuem uma trajetória
notadamente muito mais antiga.
e que rompe com o ato de depositar e transferir saberes. Ao invés disso, a educação
verdadeiramente libertadora oferece condições para que o conhecimento seja permanentemente
construído pelos sujeitos que se educam reciprocamente, mediatizados pelo mundo (FREIRE,
2019)3.
A Pedagogia Histórico-Crítica, por sua vez, vê o método dialético como o instrumento que
possibilita a construção do conhecimento, uma vez que permite a passagem do conhecimento
empírico ao conhecimento concreto por meio de um processo mediado pela análise e que tem
como ponto de chegada a prática social, já não mais sincrética. De acordo com Saviani (2007, apud
ANTONIO, 2008, p. 24) o primeiro momento da aprendizagem dialética é o da prática social
comum a professores e alunos e que origina a problematização, isto é, o segundo momento. A
instrumentalização, ou terceiro momento, corresponde à etapa de aquisição de conhecimento
teórico e prático, que uma vez analisado, conduz o indivíduo à catarse, ou seja, à reflexão. O último
momento desse processo, é o de síntese ou de retorno à prática social.
Bittencourt (2018) discute as potencialidades do método dialético na construção do
pensamento crítico no ensino de História. Segundo a autora, a abordagem dialética possibilita a
superação do raciocínio dedutivo/indutivo e com isso permite que os temas históricos sejam
trabalhados de forma mais complexa, uma vez que introduz o confronto de teses e argumentos
opostos. Nessa perspectiva, as contradições históricas são evidenciadas e podem ser analisadas
pela decomposição de elementos. A síntese, permite que se percebam os múltiplos aspectos que
formam os processos históricos, o pensamento humano e as sociedades. Assim, Bittencourt (2018)
argumenta que:
Um ponto inicial, ao se propor a introdução do método dialético no ensino, é
identificar o objeto de estudo para os alunos e situá-lo como um problema (com
prós e contras) a ser desvendado com a utilização da análise (a decomposição de
elementos), para posteriormente esse objeto voltar a ser entendido como um todo.
(BITTENCOURT, 2018, p. 195).

3. O Júri Simulado: uma metodologia ativa no ensino de História

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A conceituação da Pedagogia da Libertação como dialética foi debatida por Demerval Saviani que apontou os
limites da teoria dialética no pensamento freiriano. Essa discussão foi analisada por Robson Machado em sua
dissertação Pedagogia libertadora e Pedagogia Histórico-Crítica: um estudo crítico de pedagogias contra-
hegemônicas brasileiras, Universidade Federal de Lavras - MG, 2017.
Nos últimos anos, a Educação tem visto ressurgir a temática dos métodos ativos. Sob um
novo referencial, mas ainda fundamentado na defesa de que o aluno deve ter mais centralidade no
processo educativo. O tema das metodologias ativas se tornou recorrente na educação brasileira
especialmente a partir de 2014, quando a Fundação Lemann e o Instituto Península estabeleceram
no Brasil um grupo focal de experimentação do Ensino Híbrido (SILVA, 2016).
Atualmente, o Ensino Híbrido tem sido apontado como uma metodologia ativa com grande
potencial de transformar a, assim chamada, educação tradicional, que parece ter persistido no
tempo4. Essa concepção de metodologia ativa, no entanto está fortemente ligada à cultura digital.
Valente, Almeida e Geraldini (2017), apontam que as metodologias ativas, contudo expressam-se
em diferentes estratégias pedagógicas as quais o uso das Tecnologias Digitais de Informação e
Comunicação nem sempre são essenciais.
Na senda das inúmeras proposições de métodos ativos que no tensionam a Educação
atualmente, uma discussão essencial a se realizar é a de quais dessas propostas de fato possibilitam
uma aprendizagem crítica, tão logo ativa, no ensino de História. Nesse sentido, considerar o
conceito de metodologia de ensino é fundamental. Bittencourt (2018) ao apontar para a diferença
entre métodos e técnicas de ensino, nos chama atenção para o fato de que o conteúdo e as
concepções em torno dele devem motivar as transformações metodológicas. Dessa forma,
devemos indagar quais são as perspectivas de ensino de História que nos norteiam a fim de
prosseguirmos com essa reflexão.
Do ponto de vista da História crítica, o método dialético, sob diferentes aplicações, tem se
mostrado um método de ensino que rompe com os tradicionais parâmetros da aprendizagem
mecânica, do aluno receptor passivo e do professor fonte da qual emana o saber. Diversas
estratégias de aula podem ser conduzidas a partir dessa fundamentação teórica, tais como o uso de

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O Ensino Híbrido consiste numa abordagem educacional que propõe a integração entre a aprendizagem online e a
educação presencial. Para mais informações acerca do tema ver: CHRISTENSEN, Clayton; HORN, Michael B.;
STAKER, Heather. Ensino híbrido: uma inovação disruptiva? Uma introdução à teoria dos híbridos.
Traduzido por Fundação Lemann e Instituto Península, 2013 e FREITAS, Eric Rodrigues de. Tecnologia, Inovação
e Ensino de História: o ensino híbrido e suas possibilidades. Rio de Janeiro, 2016, 97 f. Dissertação de Mestrado.
Programa de Pós Graduação em Ensino de História. Universidade Federal Fluminense.
jogos de digitais ou de tabuleiro, oficina de análise de documentos históricos, debates e estudos do
meio.
Moran (2018) aponta que as metodologias ativas também podem ser desenvolvidas por
meio de história e jogos. A esse respeito, explica:
Desde sempre, uma das formas mais eficientes de aprendizagem é a que acontece
por meio de histórias contadas (narrativas) e histórias em ação (histórias vividas e
compartilhadas). (...) É importante utilizar narrativas, histórias, simulações,
imersões e contos de fantasia sempre que possível, com ou sem recursos
tecnológicos (por exemplo, tribunal de júri. (MORAN, 2018, p. 20 e 21)

Concordamos com Moran quanto ao potencial da imaginação e das narrativas na aprendizagem,


sobretudo no que tange às proposições dos métodos ativos. No entanto, é importante que no ensino
de História, o uso de narrativas leve em consideração os apontamentos que Bittencourt (2018) faz:
A utilização de uma história narrativa no ensino decorre de determinada concepção
histórica e não pode se limitar a despertar o interesse pelo passado nos alunos. A
narrativa histórica é o ponto inicial, e a partir dela existe a possibilidade da
compreensão dos acontecimentos por meio das ações dos sujeitos.
(BITTENCOURT, 2018, p. 128)

Dessa forma, o emprego da narrativa nas aulas de História deve ser o princípio de um
trabalho que visa possibilitar o distanciamento das reduções maniqueístas, o aprofundamento e a
complexificação dos temas trabalhados em aula. Sob esse ponto de vista, acreditamos que a
imaginação histórica, que conforme observa Pereira (2020) não se trata de uma operação ingênua
de aproximação do passado, pode ser associada ao método dialético e utilizada com o intuito de
possibilitar a construção do pensamento crítico em História. O tribunal de júri, apontado por Moran
(2018) como um método ativo que se embasa na narrativa é um exemplo de prática em que o
elemento da imaginação pode ser utilizado como uma forma de dar profundidade aos
acontecimentos históricos.
Em 2019, desenvolvemos junto às três turmas de nono do ensino fundamental II da Escola
Villare, entidade privada de São Caetano do Sul (SP), a proposta pedagógica do júri simulado de
personagens históricos. As turmas eram compostas por cerca de 27 alunos e a carga horária da
disciplina de História perfazia 1 hora e 30 minutos semanalmente.
A atividade foi estruturada em quatro etapas: problematização, pesquisa, montagem dos
casos e simulação do júri e transcorreu durante quatro semanas do terceiro trimestre. A escolha
dos réus se fez a partir de uma seleção de personagens relacionados aos temas históricos
trabalhados na série.
A primeira etapa da proposta consistiu na organização dos grupos, na distribuição de papéis
(promotoria, defesa, testemunhas e jurados) e na localização do problema de pesquisa: defender e
acusar o personagem histórico sorteado para a sala. Nesta etapa da atividade, deu-se início a um
processo de estranhamento, uma vez que, o olhar dos alunos foi lançado para um outro lugar, o do
argumento oposto. Com isso, viabilizou-se a oportunidade de enxergar os personagens históricos
em outro lugar, diferente daquele que ocupam nas narrativas tradicionais.
Na segunda fase, o problema de pesquisa foi aprofundado por meio da aquisição dos
conhecimentos teóricos necessários para a montagem dos casos. Nesse estágio da atividade, os
alunos pesquisaram sobre a história do réu, suas ações políticas, sociais, econômicas a fim de
construir argumentos positivos e também negativos sobre o sujeito histórico investigado. Em meio
a pesquisa, foram também escolhidas testemunhas de defesa e de acusação. Para tanto, os alunos
tomaram como base a pesquisa realizada e selecionaram, entre os dados coletados, sujeitos
individuais ou coletivos que pudessem argumentar a respeito do réu.
No estágio de análise - terceira fase ou montagem do caso - os alunos examinaram os dados
coletados e a partir disso produziram os argumentos de culpa e de inocência a respeito do réu. A
partir dessas informações procederam na elaboração da estratégia de defesa e de acusação, que
compreendeu a montagem de perguntas, provas e do argumento final. Os questionamentos
suscitados nesta etapa da proposta foram fundamentais para que os alunos refletissem sobre a
complexidade dos sujeitos e dos temas históricos, e, sobretudo para que percebessem que há muitas
variáveis em torno da culpa ou da inocência de um personagem histórico. Essa percepção foi
importante para que discutíssemos sobre representações as maniqueístas que muitas vezes é
construída pela ficção histórica.
Outro ponto a se destacar acerca dessa fase da atividade, é o de que a montagem das
estratégias de defesa e de acusação estavam condicionadas ao respeito à Declaração Universal de
Direitos Humanos. Acreditamos que este condicionamento foi importante, a fim de reforçar o
respeito aos direitos humanos como um valor transversal e imprescindível, e que precisava ser
respeitado pelos alunos no momento da construção de seus argumentos. Sendo assim, eles não
poderiam argumentar a inocência de um personagem acusado de genocídio pela estratégia de
culpar as vítimas sob argumentos racistas ou xenófobos, por exemplo.
O último momento da atividade, a simulação do júri, correspondeu à síntese de todo
pensamento construído ao longo da atividade proposta e foi o momento no qual os estudantes
puderam colocar em prática a estratégia elaborada, os argumentos formulados, apresentar as
provas construídas e interrogar o réu e a testemunha. Na prática em questão, houve a encenação
do papel de réu que foi feita voluntariamente por um docente, familiarizado ao teatro, da equipe
da instituição. A encenação dos personagens, no entanto, não é uma obrigatoriedade dessa prática,
uma vez que o elemento motriz, a imaginação, é transversal a todo o processo. Acreditamos que a
encenação é uma prática que pode proporcionar mais envolvimento, mas que depende de outros
fatores, tais como a personalidade e o estilo do professor e dos alunos.

4. Considerações Finais
A prática do júri simulado, desenvolvida em 2019, produziu excelentes resultados no que
tange ao engajamento dos alunos, uma vez que se tratava de uma prática pouco convencional nas
aulas de História e, por isso, aderiram prontamente. Todavia, acreditamos que o ganho maior tenha
sido o acadêmico, no sentido de que foi notável durante todo o processo, que as pesquisas e
discussões realizadas, encaminhavam os alunos para um lugar de conflito. Acostumados que
estavam com respostas simples às indagações históricas, serem lançados à tarefa de defender ou
acusar Getúlio Vargas, por exemplo, os colocou em uma situação de conflito que permitiu ampliar
as suas percepções, tanto sobre o período histórico em questão, quanto sobre os limites das
dicotomias do líder bom ou mau.
A reflexão a posteriori, permitiu que olhássemos para um elemento que talvez deva ser
melhor planejado acerca dessa atividade, o cuidado com a relativização histórica. Em um país
polarizado e cada vez mais lesionado pelo relativismo histórico, é preciso que proposições como
essa, não deem força ao modus operandi do revisionismo que, ao inverter os valores, transforma
o algoz em vítima.

Referências
ANTONIO, Rosa Maria. Teoria Histórico-Cultural e Pedagogia Histórico-Crítica: o desafio
do método dialético na didática. Maringá, 2008. Secretaria de Estado da Educação.
Superintendência da Educação. Programa de Desenvolvimento Educacional-PDE. IES:
Universidade Estadual de Maringá.
BITTENCOURT, Circe Maria F. Ensino de História: fundamentos e métodos. 2. ed. São Paulo:
Cortez, 2008.
CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa.
Teoria & Educação. 2, 1990.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 71 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.
_____________. Extensão ou Comunicação? 8 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
LOWENTHAL, David. Como conhecemos o passado. Projeto História. São Paulo, 17, p.
63-201, 1998.
PEREIRA, Nilton Mullet. O que pode a imaginação na aprendizagem histórica? Clio: Revista
de Pesquisa Histórica, Recife. vol. 38, Jan-Jun, 2020. Disponível em:
https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaclio/article/viewFile/243163/36229. Acesso em: 02 nov.
2020.
MORAN, José. Metodologias ativas para uma aprendizagem mais profunda. IN. BACICH,
Lilian; MORAN, José (orgs). Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma
abordagem teórico-prática. Porto Alegre: Penso, 2018. pp.4
VALENTE, José; ALMEIDA, Maria Elisabeth B.; GERALDINI, Alexandra F. S. Metodologias
Ativas: das concepções às práticas em distintos níveis de ensino. Revista Diálogo Educacional.
Curitiba, v. 17, n. 52, 2017. Disponível em:
https://periodicos.pucpr.br/index.php/dialogoeducacional/article/view/9900. Acesso em
05/06/2020.

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