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TEMPOS E NARRATIVAS NO ENSINO DE HISTÓRIA: experiências e práticas docentes na

construção de sentidos.
Renato Coelho Barbosa de Luna Freire
Doutorando PPGHS/UERJ; Professor Educação Básica SME/FME Niterói, RJ e SEEDUC/RJ.

Esta comunicação apresenta recorte de pesquisa de doutoramento que acompanhou as práticas de


dois professores da Rede Municipal de Ensino, nos anos 2017 e 2018. Diretamente, nas
observações de aulas; e indiretamente, através de entrevistas. Valorizando o protagonismo dos
atores sociais (LAPETIT, 2001), procuramos compreender as práticas articulatórias discursivas
pelas estratégias e ações dos docentes que procuram criar sentidos ao ensino. A narrativa
histórica escolar é assumida como recurso epistemológico que procura produzir saberes e
divulgá-los (GABRIEL, 2015; ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2016), motivo pelo qual, para tornar
o saber inteligível, mobilizam diferentes regimes de temporalidades, produzindo um saber, ao
mesmo tempo autoral e coletivo (MATTOS, 2006). Aproximando a didática da história da teoria
da história (RÜSEN, 2010), afirmamos que os professores de história mobilizam diferentes
saberes em sua relativa autonomia no fazer pedagógico (TARDIF, 2014), visando tornar o saber
escolar em evidência (HARTOG, 2013).

Palavras-chave: ensino de história – saberes docentes – aula.

Esta reflexão contemplou as observações das práticas dos professores batizados


ficticiamente Antônio e Laís, propondo como questão central conhecer, num contexto restrito
com possibilidades de extensão para outros contextos, como os professores de história criam e
recriam sentidos para a dimensão escolar do saber histórico. Escolhemos problematizar o ensino
de história para, em seguida, apresentarmos as estratégias e práticas desenvolvidas pelos dois
professores selecionados para concluirmos com algumas considerações.

Ensino de História e produção de saberes


O pensamento rüseniano foi apropriado como ponto de partida para apresentarmos uma
concepção para o ensino de história, localizado como uma das dimensões do pensamento
histórico (RÜSEN, 2010). Para o historiador alemão, a teoria da história é a matriz
epistemológica deste saber, onde se conectam e inter-relacionam as dimensões da história, a
saber: didática, historiografia e seu uso público, seja veiculado pelo suporte midiático ou
institucionalmente organizado, como museus, espaços públicos, etc.
Nesta concepção, a didática da história se distancia dos aspectos exclusivamente
relacionados aos métodos e técnicas de ensino, aproximando-se das questões pertinentes à
constituição do saber histórico, mas não se limitando à historiografia. Se por um lado, a
existência da disciplina escolar na grade de ensino não garante as aprendizagens, por outro,
valorizar demasiadamente os aspectos científicos distancia a história da sua função social
educativa (RÜSEN, 2011).
Para o autor, o conhecimento histórico tem a função de promover a consciência histórica
dos sujeitos, entendendo ser a capacidade humana de dar sentidos ao tempo, de modo a servir de
orientação temporal para a vida prática dos indivíduos. Como a consciência histórica é de difícil
mensuração, já que se trata de aspectos subjetivos, o caminho para o seu reconhecimento
cientificamente conduzido é investigá-la através das competências narrativas, que são contextos
da linguagem pelas quais os referenciais temporais são formalizados, ganhando sentidos e
compreensão, além de organizar o enredo histórico, fornecendo garantias da realização das
aprendizagens (RÜSEN, 2011).
Vale pontuar que a história compreendida como ações e intenções humanas não se limita
às suas práticas articulatórias discursivas, mas se vale da concretude da existência humana. A
narrativa histórica é assumida como recurso epistemológico que procura produzir saberes e
divulgá-los (GABRIEL, 2015; ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2016), motivo pelo qual, para tornar
o saber inteligível, fornece sentidos e significados ao contexto social, não se confundindo com
uma narrativa meramente ficcional. Temporalidades e narrativas se apresentam como recursos
que possibilitam colocar os sentidos de história em evidência (HARTOG, 2013), possibilitando
“fazer ver” as escolhas assumidas pelos professores em suas operações históricas.
Temporalidades e narrativas escolares como conceitos operatórios

Os passados que circulam nas aulas de história são representados por narrativas
conduzidas por suportes materiais e imateriais (ROCHA, 2014). O tempo é elemento estruturante
do saber histórico e expresso por diferentes maneiras de narrar, já que toda narrativa trás em si
uma noção de temporalidade, que por sua vez, somente ganha significado ao ser narrado
(GABRIEL, 2015). Ainda que o tempo seja categoria fundamental para a construção do
conhecimento histórico, a tendência é que seja naturalizado nas práticas dos professores, não
sendo objeto de problematizações explicitamente enunciadas.
O tempo histórico é uma criação dos historiadores, mas a tendência nas práticas escolares
é que, por demandas dos textos curriculares, sua problematização se limite ao 6° ano do ensino
fundamental, onde trabalho do historiador é apresentado considerando a metodologia de pesquisa
científica do historiador e que, num olhar generalista, os anos seguintes não retomam as
elaborações temporais, naturalizando os regimes de temporalidades dos objetos de estudos
subsequentes.
Enquanto a história acadêmica se vale de rigorosa metodologia para controle científico
explicitando recortes temporais precisos, a história escolar não possui metodologia que garanta
aos alunos “pensar historicamente” (PALTI, 2000), motivo pelo qual se vale de diferentes
referências de temporalidades e modelos explicativos como formas para geração de
inteligibilidades (KNAUSS, 2005). Ao aproximarmos a didática da teoria da história
potencializamos as possibilidades de renovação das práticas de ensino nas negociações para as
produções de sentidos na dimensão escolar da história. Apostamos na desnaturalização do tempo
como caminho para atualizar os métodos pelos quais os objetos de conhecimento são elaborados
e reelaborados em sala de aula.
A observação direta das práticas docentes revelou a complexidade do campo de pesquisa
do ensino de história. É na aula, entendida como o núcleo do processo de aprendizagens onde os
saberes ganham sentidos por um processo tenso de seleção, elaboração, adaptação, traduções,
significação. O professor, sujeito responsável pela negociação e produção de sentidos
(MONTEIRO, 2007) possui autonomia relativa em seu saber-fazer profissional, mobilizando e
interagindo diferentes saberes, formados por diferentes vozes para construir narrativas dirigidas
aos estudantes para que possam se apropriar da aula em forma de aprendizagens.
Os professores desenvolvem diferentes narrativas que, elaboradas na interrelação dos
diferentes saberes, apresentam-se aos estudantes como um texto, indo além da escrita
(MATTOS, 2006). A aula como acontecimento único que não se repete é encarada como
atividade cultural e o próprio produto desta atividade, perdendo-se em sua efemeridade. Ao
retomarmos a aula como texto possibilita perceber o protagonismo do professor que mobiliza
diferentes saberes, como o saber científico, o saber desenvolvido em sua prática profissional e o
saber cultural acumulado em sua experiência de vida, dialogando tensamente na configuração
dos saberes docentes utilizados em seu exercício profissional (TARDIF, 2014).
Estes saberes entram em constantes negociações e, através dos fluxos de sentidos que
circulam em constantes trocas, são mobilizados para criarem inteligibilidades nas narrativas
escolares (GABRIEL & MORAES, 2014). A seleção do que será ensinado e como será ensinado
passa por disputas pela universalização do saber, alcançando a prática da sala de aula que tem no
professor a decisão sobre os saberes que circularão e suas estratégias de negociações junto aos
estudantes para produzir sentidos, visando tornar o objeto do saber “ensinável”.
A aposta na desnaturalização às complexas relações entre as temporalidades e os
conteúdos de história veiculados pelas narrativas requer a compreensão da criação de
inteligibilidades aos objetos de estudos históricos escolares, relacionando o tempo enquanto
categoria indispensável para a formulação do conhecimento histórico. O professor, em seu saber-
fazer, mobiliza diferentes temporalidades, motivo pela qual as narrativas escolares são
produzidas de maneira autoral, já que considera as interrelações de saberes que o professor
seleciona autenticamente, considerando as subjetividades pessoais, bem como o público para o
qual se dirige. É também construção coletiva ao trazer outros autores em diferentes materiais,
bem como direcionada ao público escolar, em que se objetiva explicitamente produzir
aprendizagens. No processo de negociação, os estudantes são considerados e para eles o texto
aula é direcionando, ou seja, dado a ler.

Saberes Docentes: negociação e criação de sentidos para o ensino de história


Em texto provocativo, Bernard Lepetit (2001) chamou atenção para a constante
especialização do conhecimento histórico que levava ao “eclipsamento” dos sujeitos na história.
As macroanálises debruçadas na longa duração somadas às observações sociais coletivas haviam
retirado dos estudos históricos as práticas dos sujeitos em seus contextos sociais. O autor propôs
o redimensionamento na escala de análise como caminho para valorizar o protagonismo dos
agentes sociais, sem significar retornos na exaltação dos personagens históricos, mas
compreender as complexas trajetórias dos sujeitos plasmadas em suas historicidades.
Ao lançarmos foco na análise sobre as práticas docentes, observadas no movimento
dinâmico do acontecimento, intencionamos reconhecer o protagonismo dos atores sociais,
limitados em suas ações pelas possibilidades históricas, diante das escolhas realizadas no
“presente em movimento” (ROUSSO, 2016). Por outro lado, toda história é, de alguma forma,
uma história do tempo presente, já que os passados são presentificados, questionados pelo
historiador enquanto um indivíduo do seu tempo (BLOCH, 2001).
Diante da limitação textual, selecionamos duas passagens de dois professores, de nomes
fictícios Antônio e Laís, redimensionando a análise à atuação dos sujeitos em suas práticas
profissionais. O primeiro recorte diz respeito à seleção de conteúdos que circulam nas aulas, ou
seja, como os saberes são selecionados pelos professores para serem narrados e ser apreendido
como objeto de conhecimento escolar. Já o segundo recorte, refere-se à produção de sentidos
pelas escolhas e práticas que visam tornar um conteúdo escolar de história em saber apreendido.
O que cotejamos são as enunciações dos professores em entrevistas e as observações
diretas das aulas para compreender as relações entre a reflexão sobre o próprio fazer pedagógico
e a prática realizada em sala de aula para compreender as ações e realizações sobre o ensino de
história. Nossa hipótese é que os professores estabelecem diferentes relações temporais para que
o ensino de história tenha sentido aos estudantes. Ao serem perguntados sobre o processo de
seleção de conteúdos, os dois professores seguiram a mesma direção, conforme visto no recorte
da entrevista do professor Antônio:

A partir do currículo escolar, seguindo uma sequência realmente temporal... Eu creio


que – parece, né, tradicional demais – mas a questão das causas e consequências. Para
explicar a Formação do Estado Nacional eu tenho que mostrar que o fortalecimento do
poder real veio a partir de guerras, entre outras coisas em função das guerras... e daí
você tem de lá, desde as Cruzadas, a Guerra de Reconquista e a Guerra dos Cem Anos
tem a construção do fortalecimento real entorno das guerras. Então mostrar essas
guerras é uma das formas para explicar a Formação dos Estados Nacionais Europeus.
Entrevistador: Você coloca um peso de importância nesses conteúdos...
Professor: Sim.
Entrevistador: Você coloca peso de importância nesses conteúdos... pela importância
na história e na historiografia, você trabalha esses conteúdos em sala de aula?
Professor: Sim. Conteúdos que são fundamentais para se entender um outro conteúdo
que se está explicando você vai, na realidade, numa sequência de causas e
consequências. Realmente eu vou trabalhando assim.
Entrevistador: E aí você toma essa decisão...
Professor: ...a partir do currículo escolar. O currículo é realmente uma sequência
temporal de história: você fala dos Estados Nacionais pra depois falar da... primeiro se
forma os Estados Nacionais absolutistas para depois virem as revoluções burguesas...
pra depois vir a dissolução...a contestação ao modelo do Estado Nacional. Então a
sequência lógica é o do próprio currículo que é temporal e a sequência, né, desses
eventos e aí os elementos históricos são importantes para se explicar os grandes
eventos.

Segundo o professor, o saber histórico é constituído de uma narrativa, já que o


“conteúdo” foi apresentado encadeado por outros eventos históricos para que se ganhe um
sentido de processo histórico que, para ele, é gerado pelas “causas e consequências”. O conteúdo
ganhou sentido de “histórico” quando inserido numa sequência lógica de acontecimentos
pretéritos. Refletindo na relação temporal de Reinhart Koselleck (2006), podemos dizer que o
espaço de experiência d os acontecimentos humanos está estreitamente ligado com o horizonte
de expectativas pré-determinado, de maneira a não abrir possibilidades para outras ações
humanas, tornando o estudo da história numa relação temporal teleológica, já antecipando a ação
de sua causa final. A mesma pergunta foi feita para a professora Laís, que entregou como
resposta:

De um modo geral assim... como é que eu seleciono? Eu parto, eu busco aquilo que...
eu não sei dizer não... é tão intuitivo... pra mim passou a ser tão intuitivo é uma coisa
tão assim, né? eu tento fazer, o que eu tento fazer é correlacionar as coisas...
Independência do Brasil veio relacionada com a vinda da corte portuguesa né, que tem
a ver com a questão das invasões napoleônicas e “tal”, “não sei quê”, né... não dá
para fugir desse contexto essa... e aí eu claro, eu vou procurar falar que na questão eu
vou tentar mostrar que essa Independência é uma Independência muito relativa, que foi
condicionada uma série de coisas, que foi uma Independência... comparar com as
outras independências da América onde houve de fato a elite local se indispondo,
brigando, guerreando mesmo contra a metrópole e aqui não foi tão esse o caso que
quem fez a independência era um português e que a gente continuou com uma
monarquia enquanto que todos os outros países, todas as outras ex-colônias se
tornaram repúblicas e tal.. essa é a minha preocupação maior: mostrar as
peculiaridades dessa nossa formação e, ao mesmo tempo, também é uma coisa inédita a
colônia que virou sede da metrópole essas coisas assim né? (risos) que só no Brasil
mesmo.. tem coisas que (risos)... eu procuro mostrar dessa maneira... eu escolho esses
temas assim. Eu não vou muito pelo factual não, pela aquela sequencia “isso, aquilo e
tal”... não deixo de citar um José Bonifácio, não deixo de citar assim, mas o que eu
busco é o geral, quer dizer, são as causas e os efeitos e o que isso significa em relação
aos outros. Acho que essa questão de comparar é uma forma boa de aprender. Não
comparar no sentido de dar mais valor ou menos valor, não é isso. Mas o resto da
América se deu dessa maneira, pode-se dizer, no Brasil foi dessa maneira e tal...
enfim...

Assim como na fala do professor Antônio, percebemos na enunciação da professora Laís


uma complicação entre currículo e conteúdo. Da mesma forma, a professora realizou a
construção de uma narrativa para configurar o conteúdo, dando sentido na relação com outros
saberes, seguido do recurso da explicação. O conteúdo ganhou sentido quando inserido num
contexto de linguagem, na intenção de ser caracterizado como “saber escolar”, construído na
relação da narrativa enquanto elemento constituidor da prática docente de história. Nesse viés,
ensinar história é elaborar uma narrativa que esteja em um contexto relacional com outros
saberes, encadeando um processo histórico que ganhou sentido de “causa e efeito”.
Ao serem perguntados sobre o processo de produção de sentidos, os dois professores
responderam trabalhar na lógica temporal da história tradicional, entendida através de um
processo histórico apresentado numa linearidade temporal, não abrindo possibilidades para
outras narrativas históricas. As justificativas para o desenvolvimento do trabalho neste modelo
operatório ocorreram na crença de facilitar a produção de sentidos diante de uma extensão de
conteúdos reservados ao longo do calendário escolar. Como apontado por Caimi (2006), os
professores procuram dar conta de uma extensa temporalidade na crença de imprimirem
qualidade ao trabalho pedagógico e, para alcançar tal objetivo, otimizam o tempo em sala de aula
com atividades pouco envolventes e reforçando o aspecto disciplinar para que o objetivo possa
ser alcançado.
Porém, ao observarmos as práticas dos professores diretamente na sala de aula,
percebemos que, ao contrário da exposição de um processo histórico linear focado nas relações
entre os acontecimentos de maneira com que o campo de experiência e o horizonte de
expectativas se distanciassem ao ponto de quase uma anulação (KOSELLECK, 2006),
registramos a construção de diferentes regimes de temporalidades, de modo que diferentes
saberes se interrelacionaram para elaborarem as narrativas escolares.
Ambos os professores recorreram ao recurso da explicação, ao recurso da analogia, na
intenção de tornar o estranhamento em algo familiar, como estratégia de criar sentido e viabilizar
aprendizagens a partir de acontecimentos do tempo presente, tornando possível de observação do
estudante. As referências mobilizadas partiram das experimentações sociais tanto do professor
quanto do aluno, como também de saberes que circulam pelos suportes midiáticos e de acesso
aos estudantes. Também os professores lançaram mãos ao recurso da ficção, procurando levar os
estudantes a se colocarem em determinado contexto histórico pelo uso da imaginação. No
fragmento da aula do professor Antônio, percebemos como o recurso midiático foi mobilizado
para criar sentido ao saber escolar, do tema de aula sobre o Antigo Regime.

Trecho: Esses indivíduos faziam parte do povo, incluindo os burgueses. Quem eram os
burgueses? Nós falamos aula passada. Eram os comerciantes, donos de manufaturas.
Tem também a diferença entre alta, média e baixa burguesia. Vamos dar um exemplo.
Eike Batista. Está preso, tudo o mais, mas é dono de mineradoras, empresas... ele é o
quê? Da alta burguesia. Agora, a dona da lojinha aqui da frente que fechou? Ela é tão
burguesa como o Eike Batista, o que difere é que ela não é rica como o Eike. O cara
que trabalha na lojinha é burguês?
Alunos: Não!
Professor: Não, ele é trabalhador assalariado que recebe um salário da dona da loja. A
burguesia quer ter privilégios da nobreza, por isso é a classe revolucionária. Na
próxima aula veremos como a burguesia vai lutar pelo poder político. Vocês estão
vendo na televisão como um monte de empresários está sendo presos?
Alunos: Sim!
Professor: Então, eles se juntaram aos políticos do governo para obter privilégios, mas
fizeram isso de forma errada.

O contexto do tempo presente em que as informações chegaram através das mídias


massivas foram mobilizadas para a criação de analogia, na ânsia de fornecer sentidos ao
entendimento de “burguesia”, enquanto um grupo social contextualizado nos conteúdos
escolares. Já a professora Laís, recorreu ao recurso audiovisual. Foram projetados a abertura da
série televisa The Big Bang Theory, trecho da série televisiva The Simpson e por fim, trecho do
filme “2001, uma odisseia no espaço”, do diretor Stanley Kubrick e lançado em 1968. A seleção
do que circula em sala de aula é uma escolha do professor que se direciona dialogicamente aos
estudantes para que se atinjam determinados objetivos durante as aulas. Assim, os trechos de
audiovisuais selecionados dialogam entre si, procurando criar uma inteligibilidade, de maneira
que relacionou diferentes saberes na construção do conhecimento escolar. Consideramos ainda
os dois primeiros materiais projetados que possuíam familiaridade aos estudantes.
Os saberes experienciais, saberes científico e os saberes midiáticos foram mobilizados
tomando a experiência de vida dos próprios sujeitos que serviram para relacionar aos objetos do
conhecimento escolar. A professora Laís, ao projetar recursos audiovisuais, negociou sentidos
para que se criem possibilidades de aprendizagens, uma vez que contou com a participação dos
estudantes pelo entretenimento, diversificação da prática de sala de aula através de uma atividade
diferenciada da rotina escolar, além do reconhecimento de dois materiais projetados, atraindo
pela familiaridade e se direcionando dialogicamente ao aluno, reconhecendo sua participação na
aula.

Considerações Finais

Ao aproximarmos a didática escolar da teoria da história conforme proposto por Rüsen


(2010) é possível compreendermos o ensino de história sob a ótica da própria constituição
epistemológica do conhecimento histórico, levando-nos apostar como caminho fértil para
compreender as complexas produções, negociações e fixações de sentidos envolvidas no
processo de ensino e aprendizagens que foram observadas diretamente na sala de aula, onde os
professores protagonizaram as práticas que concretizaram o ensino oficial da disciplina. Trazer o
protagonismo aos professores foi reconhecê-los como sujeitos falantes que assumem um lugar de
enunciação.
Analisando as práticas articulatórias discursivas dos professores através de entrevistas e
desenvolvimento das atividades profissionais reconhecemos a importância da categoria tempo
para a constituição do conhecimento histórico e o recurso da narrativa como organizador e
divulgador do saber, sendo entendido como atividade epistemológica e de comunicação deste
mesmo saber (REVEL, 2010). A partir das competências narrativas, podemos compreender os
significados investidos na história pelos professores, de modo a divulgar concepções do saber
que, pelas aprendizagens, circularão no conjunto dos alunos, servindo de repertório que servirá
como ferramenta de orientação temporal na vida prática dos sujeitos.
O protagonismo docente, em seu saber-fazer colocado em evidência é revelador no
caminho de percebemos como os professores criam e negociam sentidos para viabilizar as
aprendizagens. Ao compararmos as enunciações produzidas durante o contexto das entrevistas e
suas práticas em sala de aula, constatamos que os professores desenvolvem narrativas autorais,
textos de historiografia escolar para além da escrita, criando sentidos para os passados das
sociedades considerando as temporalidades. Ao desnaturalizarmos o recurso da narrativa e a
categoria tempo na constituição dos saberes históricos escolar colocamos em evidência as
estratégias assumidas pelos professores que nos levam a indicar pontos para refletir sobre o
ensino de história sem, contudo, desejar enquadrar e universalizar práticas.
O primeiro ponto indica a necessidade de desnaturalização da narrativa histórica e do
tempo histórico, aproximando da teoria da história de forma a se apropriar dos debates
historiográficos e potencializar seus usos na prática escolar de produção de saberes. O segundo
ponto recai sobre a desnaturalização do currículo e dos saberes que circulam nas aulas,
conscientes da formação científica, social e política do estudante pela via da contribuição da
história na formação dos sujeitos.
O terceiro ponto diz respeito aos múltiplos saberes que o professor mobiliza e que
dialogam entre si. O que se propõe é a não hierarquização entre os saberes, não os colocando em
disputas hegemônicas, mas horizontalizá-los de modo a reconhecer suas importâncias na
constituição de saberes. É na prática, em seu saber-fazer que o professor mobiliza diferentes
saberes que, ao contrário de rivalizarem e tencionarem, é possível colocá-los em relações
dialógicas para a criação de sentidos (FARIAS, 2021).
Assim, acreditamos que as propostas apresentadas não procuraram realizar
“milagrosamente” o sucesso das práticas de ensinar história, mas serem observadas como um dos
múltiplos caminhos para refletir e construir uma prática que receba sentidos nas aprendizagens,
de modo que a história, em sua dimensão escolar, cumpra a sua função de orientação temporal
em nossas vidas.
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