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Adriana Alves Fernandes Costa

Francisco Evangelista
Guilherme do Vai Toledo Prado
(Organizadores)

Narrativas que nos transformam:


o que contam os educandos?
Copyright © dos autores Sumário
Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser
reproduzida, transmitida ou arquivada desde que levados em conta
os direitos dos autores. Apresentação 7

Adriana Alves Fernandes Costa; Francisco Evangelista; Guilherme


Prefácio 9
do Val Toledo Prado [Orgs.] João Wanderley Geraldi

Narrativas que nos transformam: o que contam os Pipoquinhas - Papo de Criança: saberes e 21
educandos? São Carlos: Pedro & João Editores, 2017. 240p.
sabores das narrativas pedagógicas
ISBN. 978-85-7993-402-5 Juliana Terra
Cristiane da Silva Antonio
1. Narrativas de estudantes. 2. trabalho docente. 3.
Guilherme do Val Toledo Prado
Linguagem e ensino. 4. Atitude de escuta. 5. Autores. 1.
Título.
Os saberes das crianças ensinam à professora: 39
CDD-370
achados valiosos da docência
Capa: Hélio Márcio Pajeú, sobre foto de Adriana A. F. Costa Tamara Abrão Pina Lopretti
Editores: Pedro Amaro de Moura Brito & João Rodrigo de Moura Ana Maria Falcão de Aragão
Brito
Conselho Científico da Pedro & João Editores: Narrativas da Infância: crianças que nos 71
Augusto Ponzio (Bari/Itália); João Wanderley Geraldi
(trans)formam
(Unicamp/Brasil); Nair F. Gurgel do Amaral (UNIR/Brasil); Maria
Isabel de Moura (UFSCar/Brasil); Maria da Piedade Resende da Patrícia Sanches Bodine
Costa (UFSCar/Brasil); Rogério Drago (UFES/Brasil). Roseane Daminelli Gomes
Rúbia Cristina Cruz

Imagens da docência: pensar a formação 99


reflexiva do professor a partir das narrativas
dos alunos
Pedro & João Editores Ana Maria Falcão de Aragão
www.pedroejoaoeditores.com.br
13568-878 - São Carlos - SP
Luciana Haddad Ferreira
2017 Marissol Prezotto
Escritos (auto)biográficos de estudantes do 125 Apresentação
Curso de Pedagogia: potencialidades e
reflexões
Regina de Fatima de Jesus
Inês Ferreira de Souza Bragança Este livro contém uma coletânea de textos que
abordam essencialmente o que podemos investigar e
Narrativas e fotografias na Educação de Jovens 153 aprender a partir do que nos contam os educandos.
e Adultos: o que os educandos nos contam Nossa intenção foi convidar, para a tessitura do
sobre a escola tema, professores pesquisadores que têm relação com
Adriana Alves Fernandes Costa a temática, a fim de discutir as narrativas dos
Fabrícia Vellasquez Paiva estudantes que se encontram nos diferentes segmentos
educacionais: Educação Infantil, Ensino Fundamental,
Formação do Educador e Formação do 171 Educação de Jovens e Adultos e Educação Superior.
Educando: Vozes que se cruzam na Acreditamos ser importante reunir conversas
Investigação Narrativa e Educação sobre as vozes dos educandos, principalmente porque
Sociocomunitária os textos que aqui estão se constituem como diálogos
Lídia Maria Soares Bizo produzidos com eles.
Elisete Soave Vianna Assim, intencionamos potencializar o
Francisco Evangelista compartilhamento das narrativas estudantis, pois
sabemos que uma escuta atenta com/sobre/a partir
Identidades, memórias, vivencias: da 207 delas potencializa a constituição da docência a favor
identidade docente nos discursos de formação da discência.
da UFRRJ
Érica Rodrigues Marins Perim Adriana Alves Fernandes Costa
Fabrícia Vellasquez Paiva Francisco Evangelista
Guilherme do Val Toledo Prado
Sobre os autores 237
Imagens da docência: pensar a formação reflexiva do
professor a partir das narrativas dos alunos

Ana Maria Falcão de Aragão


Luciana Haddad Ferreira
Marissol Prezotto

Não posso ser professor se não percebo cada vez


melhor que, por não ser neutra, minha prática
exige de mim uma definição. Uma tomada de
posição. Decisão. Ruptura. Exige de mim que
escolha entre isto e aquilo. Sou professor da
esperança que me anima apesar de tudo. Sou
professor a favor da boniteza que dela some se
não cuido do saber que devo ensinar. (FREIRE,
1997, p. 35)

Ser professor. Exercer a docência com


profissionalismo e sensibilidade. Manter-se em
diálogo com as teorias, ao mesmo tempo em que
conectado com as minúcias do cotidiano. Conhecer
cada aluno, saber de suas singularidades e reconhecer
no grupo a força da coletividade. Experimentar a
solidão e a parceria que o ofício propicia, diariamente.
Mesmo utilizando termos cuidadosamente
escolhidos, sabemos que a docência é muito mais do que
somos capazes de descrever. Ser professor extrapola
todas as palavras, pois o sentido de nossas ações reside
na experiência da docência, nas imagens que cada
professor constrói ao assumir para si tal tarefa. É afeto e
cognição, sensibilidade e razão, tese e antítese.

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A docência não se encerra em um conceito, pois, Kramer (2004) argumenta, ao dizer da ambivalência,
como os compreendemos, conceitos são unidades de que, sendo formada por todos esses sentidos, a imagem
sentido que se encerram em si, servindo a comporta simultaneamente isto e aquilo, e aqui reside
determinada concepção cultural, social, histórica e seu elemento libertador e positivo. Tal afirmação nos
teórica. Ao falar do ofício do professor, sabemos dizer mostra que as tensões estão presentes em nosso
de uma atuação tão engajada socialmente, tão cotidiano e também nas imagens que formamos a partir
compromissada com a produção de novos saberes e das experiências, e que é possível e necessário aprender
teorias, tão vincadamente unida à cultura, que é a conviver com o diferente. As novas percepções não
preciso mais do que um conceito para que possamos anulam ou sobressaem às anteriormente existentes, mas
compreender sensivelmente nossos propósitos. É as ampliam e aprofundam.
preciso viver a docência para saber dela. Tornar-se A imagem, por si só, é subsidiária de concepções
professor na sala de aula, em contato com os dilemas e interativas, interculturais e interdisciplinares. Elas
surpresas do cotidiano, faz com que sejamos capazes comportam formas e deformações possíveis,
de ressignificar as experiências e ideias que temos apreendidas através da experiência. Como coloca
sobre nossa função, ampliando uma grande unidade Duarte Jr (2011) em entrevista, o professor, sendo
de sentidos táteis, palatáveis, visuais, olfativos e capaz de construir tais significações, poderá mais
sonoros que compõem nosso ser-professor. facilmente auxiliar outras pessoas no aprendizado de
Preferimos ficar com as imagens ao invés dos construir múltiplos simbolismos, atividade que
conceitos. As imagens carregam, como afirma Benjamin envolve percepção, subjetividade e compromisso.
(1994), possibilidades de compreensão da realidade. São Nutrindo a concepção de imagens como amplas
reuniões de sentido que se mostram ambivalentes, pois possibilidades de sentido, constatamos que as
comportam as muitas possibilidades vividas e experiências dos docentes com seus alunos
experienciadas pelos sujeitos. Assim, aprendemos que a contribuem para a formação das imagens que estes
docência comporta uma variedade de sentidos que são constroem a respeito de seu ofício. Tais representações
controversos, mas ainda assim complementares. Pode simbólicas são ampliadas e modificadas de acordo
ser sabedoria de ensinar e aprender com os alunos, de com as reflexões desencadeadas pelo vivido. Desse
questionar as relações vividas e levar o outro a conhecer modo, fica nítida a responsabilidade dos espaços
a realidade de modo crítico e reflexivo, como também formativos em oferecer possibilidades aos professores
pode ser ignorância. Comporta a figura do profissional de passarem por experiências sensíveis que tragam
que reproduz a ideologia dominante, ao passo que outros possíveis sentidos para a docência, colocando
também mobiliza comportamentos de resistência. suas referências em questão e tornando clara a tensão

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e as ambivalências existentes nas imagens que O que fazemos neste capítulo, então, é justamente
carregam e alimentam. reafirmar, a partir de nossas práticas, a importância de
Ao mesmo tempo em que a formação docente discutirmos e compartilharmos reflexões acerca do
pode estar pautada na experiência cotidiana e na próprio trabalho, pois este movimento permite que os
percepção estética da própria prática, sabemos que saberes sejam elaborados no campo interpessoal
apenas a vivência em sala de aula não basta para que (VIGOTSKt 1995) e depois sejam intemalizados.
o professor amplie seu conhecimento e se coloque em Trazemos aqui três leituras possíveis do que os alunos
atitude formativa. Mais do que isso, é fundamental nos dizem com suas narrativas, que, em diálogo com
olhar para as imagens de docência e ter elementos as teorias que nos constituem, revelam-se formativas.
para refletir a partir delas e do vivido. Faz-se Vale esclarecer, antes de apresentar nossas
necessário oferecer condições e propostas formativas análises, dois aspectos que nos são muito caros.
nas quais os professores possam munir-se das Primeiro, defendemos a ideia de que a
experiências práticas e perceber, a partir delas, os reflexividade, mais do que um processo, é um princípio
saberes que as constituem, localizando também sua que move e que fundamenta toda a ação do professor.
dimensão estética. Não há mais por que defender a formação do
Pensando especialmente na dimensão sensível da professor reflexivo como algo indissociado de seu
formação profissionat observamos que a imagem que o desenvolvimento profissional. A reflexividade está
professor tem da docência é alterada, ao longo de sua encarnada na forma de o professor olhar, decidir,
carreira, por diversos fatores. Dentre eles, pelas avaliar, solucionar, questionar o que acontece
experiências que vive na escola. Além de aprimorar suas cotidianamente.
práticas e ampliar seus saberes acerca dos conteúdos a Em segundo lugar, vale esclarecer o que chamamos
serem ensinados, percebemos que há algo nas de narrativas dos alunos. Tomamos aqui os registros
experiências vivenciadas coletivamente no espaço da produzidos pelos educandos, em espaço e tempo de
escola que promove a transformação de todos os formação (seja na sala de aula ou em momentos de
envolvidos. atividade entre as aulas), que retratam suas percepções
Assim, escolhemos olhar, neste momento, para o das aulas, da relação que estabelecem com os conteúdos
impacto das narrativas, tecidas pelos alunos, na escolares e, especialmente, de como se veem em meio ao
formação dos professores. Poderiam os relatos dos processo educativo. Consideramos como narrativas as
educandos oferecer um importante excedente de visão produções que foram criadas pelos alunos com o
aos professores? Que imagem da docência é objetivo de narrar suas experiências de aula. Muitas
construída a partir destas narrativas? vezes, os recursos utilizados para a narrativa são verbais,

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como textos escritos ou depoimentos audiogravados. memonas, relembro que a literatura sempre esteve
Especialmente nos recortes aqui apresentados, presente e foi disparadora das escritas, ora feitas por
utilizaremos narrativas verbais. Entretanto, como mim, em meus registros pessoais ou compartilhados
apresentado por Ferreira (2014), não desprezamos o forte com os alunos, ora feitas pelos próprios alunos.
potencial narrativo das imagens visuais, bem como de Como professora fui me apropriando dessas
outras formas expressivas que também contam, de um narrativas para, a partir delas e com elas, apre(e)nder
modo próprio, como os alunos se apropriam daquilo a ler o mundo à medida que vivia com os alunos na
vivido em sala de aula. Assim, também são modos de escola e fora dela. Pelas palavras fui abrindo
narrar: cantar (e criar canções), dramatizar (e criar horizontes que antes não percebia ou não dava valor.
performances), desenhar (e pintar, produzir gravuras ou Não tem como não retomar algumas narrativas dos
esculturas), fotografar (e escolher o enquadramento, a alunos de oito anos, de uma escola da rede particular
pose e o recorte fotográfico). de ensino de uma cidade do interior de São Paulo,
para olhar para o meu jeito de ser professora.
Um caminho percorrido: uma parada nas narrativas
do Ensino fundamental1 2 Você é a melhor professora que eu já tive!
Você só fica brava quando é preciso e não
por qualquer coisinha. Você é alegre e isso
Como professora das séries iniciais, venho
torna a sua aula alegre também! (L.,2016)
percorrendo um caminho onde as narrativas escritas,
audiogravadas e fotográficas estão presentes a cada Você é a melhor professora que já tive até
instante no cotidiano da sala de aula e da escola, e que agora. Tudo que você fez por mim ocupa
vem compondo um diálogo para a minha formação quase todo o meu coração. Nunca irei
docente, que não está desvinculada do ser pessoal e esquecer desse ano e o que mais me marcou
profissional, uma vez que somos todos juntos e foi quando ganhei seu primeiro abraço.
misturados. (G.B., 2015)
Você deve estar se perguntando se sempre foi
assim. Professora desde a época do Magistério com uso O distanciamento provocado pelas narrativas
do registro por obrigação, as palavras foram produzidas, escrita e imagem, possibilita ler de outro
organizando e potencializando as reflexões desde que modo o que não está posto ou perceber as sutilezas de
entrei no curso de Pedagogia. Ao voltar-me para minhas pequenos atos, gestos, palavras, fazendo que o olhar, a
sensibilidade e o trabalho ganhem dimensões
diferentes, possibilitando um resultado mais
12 Narrativa de Marissol Prezotto.

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significativo para meus pares e para mim mesma, alegrias presentes. Uma alegria que permite ao aluno e
como sujeito que sou em constante processo de ao professor a construção de uma relação sem falsas
formação. aparências, que busquem sentidos que contribuem
De acordo com Certeau (1994), ao me reportar à para crescimento pessoal e profissional de ambos
prática cotidiana, posso fornecer histórias para uma (SNYDERS, 1993). Viver a alegria na escola é ter
narratividade que usualmente é povoada de um saber responsabilidades e incômodos partilhados que nos
não sabido. Na tentativa de investigação para levem para diferentes caminhos de uma escola outra,
compreender o que estava pensando em determinados onde outros aspectos revelados nas falas dos alunos
fragmentos do meu fazer ou do outro, talvez tenha são essenciais no trabalho docente: a afetividade e a
acesso a um conhecimento que até então era, para escuta sensível (PREZOTTO, 2015).
mim, desconhecido ou não percebido. A afetividade faz com que o professor vivencie a
sua singularidade e a multiplicidade de si mesmo, já
Este 'fazer cognitivo' não viria acompanhado de uma que está experimentando, vivenciando outras
autoconsciência que lhe desse um domínio por meio de
possibilidades de ações e pensamentos, saindo da sua
uma reduplicação ou 'reflexão' interna. Entre a prática
zona de conforto para que, de fato, seu processo de
e a teoria, esse conhecimento ocupa uma 'terceira'
posição, não discursiva mas primitiva. Acha-se formação seja constituído/permeado de mais vozes,
recolhido, originário, como uma /fonte' daquilo que se mais vínculos entre as pessoas com as quais está
diferencia e se elucida mais tarde. (CERTEAU, 1994, p. convivendo diretamente e, assim, perceber que o
143) Outro se faz presente no seu trabalho individual,
podendo se tornar um trabalho coletivo.
E, nesse ir e vir entre o que se vive, o que se Esse processo formativo não nega a existência do
registra, o que se lê nas narrativas dos outros, vou Outro ou de outras visões presentes, mas fortalece o
percebendo e podendo evidenciar marcas da minha indivíduo que respeita as diferenças.
ação docente de que nem sempre nos damos conta. É nessa partilha que o professor abre seu olhar
L. traz um aspecto importante para mim que, para o mundo e se desvela de si mesmo para que a
acredito, ela tenha captado tão bem em suas palavras reflexão ocorra de maneira efetiva sobre si mesmo e o
"Você só fica brava quando é preciso e não por trabalho que desenvolve na sala de aula e na
qualquer coisinha. Você é alegre e isso torna a sua aula escola/sociedade em que atua.
alegre e também!" Já a escuta sensível faz com que, de fato,
A escola precisa ser um local de preparação para possamos conhecer o Outro na sua totalidade
o futuro, mas também precisa garantir ao aluno humana, pois estamos nos aproximando e conhecendo

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a multiplicidade da pessoa que está conosco: seus Contar um conto e aumentar um ponto: narrativas no
medos, suas angústias, seus desejos, suas dores, suas Ensino Médio13
alegrias, suas frustrações, seus princípios, suas ideias ...
Para que a escuta sensível ocorra, é necessário que Das experiências vividas como professora, trago,
haja uma parada no tempo presente e que o sujeito se na narrativa aqui apresentada, um recorte significativo
disponha a conhecer sensivelmente o que está sendo e impactante em minha formação. Pedagoga por
expresso pelo Outro e que, nas entrelinhas do que está graduação, professora de crianças pequenas por
sendo colocado, junto aos gestos, olhares, emoções, vá opção, deparei-me com o desafio de trabalhar com
constituindo esse ato de ouvir sem julgamentos e com alunos de Ensino Médio. Além de ocupar o papel de
delicadeza. Orientadora Educacional, caberia a mim realizar a
É nesse encontro de palavras, de princípios e de interlocução direta com os alunos em aulas destinadas
reflexão que as narrativas vão potencializando em a discutir especificamente questões de convivência.
cada um de nós um jeito de ser docente, de re.pensar e Passado o estranhamento inicial, já esperado pela
re.direcionar as ações presentes e futuras diante do grande diferença de idade, linguagem, postura e
que vivemos, pois somos incompletos perante o atitude dos alunos mais velhos, fui percebendo que
Outro, como nos coloca Manoel de Barros (2016): havia algo de comum na docência, independente da
faixa etária: meu desejo de estar com os alunos, em
A maior riqueza do homem diálogo e parceria, bem como o deles em saber mais e
é a sua incompletude.
buscar caminhos. Sim, mesmo os adolescentes, já
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito.
desacreditados por alguns professores por
aparentarem pouco envolvimento e interesse pela
Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas, escola, estavam ali, à espera de novas experiências.
que puxa válvulas, que olha o relógio, Era preciso promover o encontro entre aquilo que me
que compra pão às 6 horas da tarde, mobilizava e o que eles desejavam.
que vai lá fora, que aponta lápis, Entre erros e acertos, fui encontrando meu lugar
que vê a uva etc. etc. como professora orientadora, buscando acolher as
inquietações e contribuir para as reflexões que
Perdoai
vivenciávamos juntos. Dentre as estratégias que se
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas. mostraram potentes nesse espaço, eu percebia que o

13 Narrativa de Luciana Haddad Ferreira.

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uso da escrita narrativa se destacava como elemento realmente saber o que acontece por aí. Tem que
diferenciado. A cada aula, eu pedia que os alunos estudar, mas não tem importância se você sabe aquilo,
escrevessem um registro de suas próprias reflexões, desde que você faça bem as provas. Nem importa se a
narrando como se percebiam em relação às nossas pessoa está sofrendo de amor, se tem dor física, de usar
conversas. Diante do papel, na relativa solidão das aparelho, é uma droga. É como se o tempo estivesse
palavras grafadas, os alunos demonstravam mais parado, e quando soltam, avança direto pro dia em que
liberdade para se expor e refletir sobre o que viviam. você já vai fazer o vestibular.
Hoje fiquei pensativo, com a conversa sobre gênero, a
Aos poucos, essas reflexões narradas voltavam a
questão da igualdade, justiça e tal. Eu realmente
aparecer nos diálogos e nas rodas de conversa que
reproduzi várias vezes coisas que nem concordo, mas
vivenciávamos, como uma retomada importante.
do mesmo jeito que esperam de mim bons resultados,
Eram situações em que os adolescentes se davam o pessoal espera que não seja você o sem graça. Ou eu
conta que refletiam na prática sobre o que vivem e a espero, sei lá. Mas faz um tempo que não me dobro
partir daquilo que vivem, num processo intenso de mais à provocação dos outros, sigo meu caminho de
reflexão-ação, tal como posto por Schon (2000) e boas e trato as pessoas do jeito que eu gostaria de ser
Alarcão (2010). tratado. Todo mundo. Até porque eu quero ser um
Destaco, dentre as escritas dos alunos, uma das adulto legal. Daí a gente começa a conversar aqui na
narrativas de Francisco: aula e percebe que olha tanto lá na frente que não
consegue cuidar das relações no dia-a-dia. É sério isso.
Difícil também, pois como eu disse no começo, é uma
Acho difícil escrever sobre o que conversamos, narrar
mistura de sentimentos que eu nem sei ainda
meu sentimento (como diz a professora). É difícil
organizar.
porque às vezes eu sinto várias coisas misturadas, não
sei organizar o que quero dizer. O que eu queria era
poder fazer as coisas que eu gosto, sem ninguém ficar A escrita do aluno deixa transparecer elementos
me cobrando para eu ser melhor do que posso ser. que mobilizam minha ação docente e que me fizeram,
Desde que eu entrei no primeiro ano as pessoas olham desde o dia que iniciei o trabalho com essas turmas,
para mim e já perguntam o que eu vou fazer no uma professora diferente. Se, ao trabalhar com
vestibular, se estou estudando bastante para isso. É um crianças, eu aprendia a me sensibilizar com as nuances
saco. Mas também é necessário, porque eu sei que e percepções características do universo infantil,
realmente esta fase da minha vida exige de mim muito descobrindo uma nova perspectiva para o mundo, os
empenho, tenho que estudar. Mas parece que a gente
adolescentes me brindavam com o choque de
deixa de lado a vida de hoje, sabe? Tem que ler jornal,
realidade, denunciando o conflito entre o que somos e
mas só porque cai atualidades nas provas. Não é pra

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o que esperam que sejamos, a vida que acontece e o expectativas postas nos ajudava a olhar para nossas
desejo pelo futuro. próprias expectativas.
Francisco me mostrava que vivia todos os dias o Em decorrência dos registros narrativos, passei a
embate entre dois mundos distintos: aquele que perceber a importância das memórias para a produção
idealizara e o que insistia em existir ao seu redor. Com de novos saberes e para a significação daquilo que é
ele e com os outros alunos que me sinalizavam esse vivido no cotidiano da escola, pois nossas lembranças
descompasso de tempos e espaços, fui aprendendo a são carregadas de sentidos, contextos, marcas do
importância de ajustar as expectativas e permitir que tempo e do espaço que se atualizam no momento
nossos alunos sejam eles mesmos, diminuindo a presente.
preocupação com o que deveriam ser, já tão presente
em nossa sociedade. O essencial na descoberta do passado é assinalar sua
Aprendi também que é sempre tempo de importância para o presente daquele que o descobre. A
reafirmar nossa história como perspectiva exploração do passado, na prática historiográfica de
fundamental para a compreensão do momento Benjamin, é indissociável da reflexão sobre o próprio
presente. (... ) A descoberta do passado não se resume
presente e para sermos capazes de vislumbrar,
na importância do passado enquanto tal, mas no
conscientemente, as projeções para o futuro. A
significado desse passado para aquele que o
narrativa de Francisco me ensinava também com reencontra. Subjacente a essa maneira como o passado
aquilo que não era dito, com o silêncio vazio sobre ressurge está à impossibilidade dele retornar tal qual
suas memórias. A partir daquilo que ele escrevia (e foi um dia. (GATTI, 2002 p.14)
que eu acolhia com minha leitura), conversávamos
sobre as histórias de vida de outras pessoas, fossem O encontro entre narrativas tornava possível viver
parentes próximos, fossem personalidades relevantes novo momento de descobertas e estesia. Cada conto,
para os alunos, até sentimo-nos à vontade para um novo ponto - talvez contraponto - permitia a
partilhar nossas próprias histórias. Ao ouvir e ampliação do olhar de todos.
conhecer mais sobre outras trajetórias de vida, os
alunos se apropriavam de experiências narradas e as Narrar de um jeito que foi sendo composto por
tomavam para si. Não o faziam como quem apenas tantos outros: narrativa da professora Ensino
recebe uma nova informação, mas como alguém que Superior14

percebe, na narrativa do outro, algo em comum com


sua história. Em nossas rodas de conversa,
compreendíamos que o jeito do outro lidar com as 14 Narrativa de Ana Maria Falcão de Aragão.

112 113
Apesar de estar na docência universitária há de um registro poético referente à aula anterior. Uma
quase 30 anos e já ter tido experiências que me ou duas pessoas eram incumbidas de produzir um
transformaram pessoal e profissionalmente, gostaria registro que expressasse a síntese da aula passada,
de destacar a disciplina oferecida aos alunos trazendo a essência do que foi vivido, usando recursos
ingressantes em Pedagogia, no primeiro semestre do expressivos verbais ou não verbais.
ano de 2015. A partir do indicado na ementa da EP 107 Poderiam ser criados textos livres, apresentações
(Introdução à Pedagogia - Organização do Trabalho orais, danças e cantos coletivos, mesclando poesia com
Pedagógico), planejamos as aulas orientadas pela descrições textuais, música e teatro. Era importante,
importância de os alunos terem sido recém-aprovados ainda, que esta produção fosse realizada de modo que
no processo seletivo do vestibular e muitos deles tivesse algum registro concreto que pudesse ser
terem por volta de 18 anos, o que significava a entrada levado por cada aluno como marca do encontro.
na Universidade, mas, também, a saída de casa. Meus Assim, ao final do curso, todos os alunos teriam, além
objetivos, então, eram: Discutir acerca do conceito de dos seus próprios relatos pessoais, os registros
ciência; Discutir acerca da educação como ponto de poéticos elaborados pelos colegas, que eram postados
partida e de chegada das instituições educativas; e, semanalmente no site da disciplina contido no Ensino
finalmente, Discutir acerca da docência, seus limites e Aberto, com oportunidade de visualização e
possibilidades. Para satisfazer a esses objetivos, comentários de todo o grupo. Assim, os registros
trabalhamos com três unidades: A entrada na deveriam buscar carregar a essência das ideias sem
universidade: expectativas e possibilidades; Relações perdê-las de vista (afinal, um dos objetivos do registro
interpessoais na escola; e O início da docência. era possibilitar aos alunos o movimento de rememorar
Animada com a ideia de ter meus alunos de o vivido), mas também sem deixar de lado as emoções
graduação e de pós-graduação por perto (graças ao suscitadas, o exercício da sensibilidade e o olhar
PED - Programa de Estágio em Docência - e ao PAD - estético para o trabalho (pois outro objetivo da
Programa de Apoio Didático - e outros voluntários do proposta era exercitar a capacidade simbólica e
nosso Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação registrar as percepções estéticas do encontro, para
Continuada - GEPEC), e embalados por uma além dos saberes teóricos).
discussão que havíamos realizado no Grupo acerca da Esse modo de registrar não diz "a verdade" sobre
importância dos registros, produzida por Ferreira o encontro anterior, mas traz uma leitura possível do
(2014) em sua Tese de Doutorado, sugerimos aos 52 que foi vivenciado. Os estudantes aprendem a compor
estudantes que fizessem, individualmente, os registros sínteses e, principalmente, a acolher as narrativas
poéticos de cada uma das aulas. A ideia era a produção

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simbólicas dos encontros com atitude sensível e um forte abraço! Ele disse, ao final, que foi assim que
perceptiva. se sentiu na aula anterior: acolhido e respeitado por
Para que houvesse clareza do que significava todos nós! Foi muito prazeroso!
descrever a atividade, mas, principalmente, expressar Nessa segunda aula, ainda fizemos uma atividade
reflexões, sentimentos e emoções, fizemos uma chamada "Autorretrato", que, inicialmente, fora
atividade em classe de registrar poeticamente a planejada para que nós três (a PED, a PAD e eu) nos
audiência de um filme de desenho animado, de curta- apresentássemos para a classe. Diferentemente de um
metragem. Foi um registro poético coletivo. currículo resumido, nossa apresentação teve um
Foi impressionante o que vimos no retorno dos imbricamento das dimensões profissionais e pessoais,
alunos! Na aula seguinte, tivemos registros poéticos sendo assim exibidas aos alunos.
escritos da aula, mas também recebemos duas Para exemplificar como foi minha apresentação,
atividades diferenciadas realizadas pelos estudantes. exibo, aqui, meu autorretrato:
Uma delas foi a produção de um vídeo de
aproximadamente quatro minutos sobre o que um Tenho 55 anos. Nasci em Fortaleza (CE) e a
nordestinidade me constitui: adoro tudo do Nordeste!!!
grupo de cinco estudantes gostaria de destacar da aula
Sou a 3ª. filha de uma família de 4 mulheres: somos
anterior. O vídeo era intitulado "A menina que não
fortes e corajosas e ousadas, pois minha mãe ficou
sabia sorrir", realizado, inicialmente, em preto e viúva aos 39 anos e, com 4 filhas pequenas, ou se
branco e mudo. Tratava de uma pessoa que era triste, virava, ou se virava!!! Sou divorciada, tendo sido
pois não tinha amigos. A partir do meio do enredo, e, casada por 28 anos. Tenho uma filha, Bia, de 23 anos,
especialmente, ao encontrar amigos, o filme ganhou que faz Geografia aqui na Unicamp. Tenho um novo
cores e música, expressando o prazer de terem companheiro, o Tarcizo, que transformou a minha
encontrado pessoas com características tão humanas vida: o olhar dele melhora o meu (como diz a música do
quanto havia no nosso grupo. Arnaldo Antunes). Trabalho em escolas há mais de 34
O outro registro poético foi feito por um anos e essa é a minha vida profissional: é lá que gosto
de estar! Atuando com formação de professores.
estudante que já se formou em outro curso de
Desenvolvi projetos interessantes em escolas e vou ter
graduação na Unicamp, tendo, agora, ingressado em
oportunidade de contar muitos deles a vocês. Fiz
Pedagogia. Ele, do fundo da classe, levantou a mão Psicologia na PUC de Campinas, me formei em 1981.
pedindo para mostrar o seu registro e, ao ser Fui professora lá por 14 anos e, desde o ano 2000 sou
convidado a vir até a frente da classe, me solicitou que docente aqui na Unicamp. Fiz Mestrado, Doutorado,
eu ficasse bem no meio dos alunos de pé, com os Pós-doutorado e Livre-docência. Faço parte do GEPEC,
braços abertos. Ele veio do fundo da classe e me deu aqui da FE. Adoro ser professora!!! Talvez este seja o

116 117
último semestre de minha docência na Unicamp, pois vitórias que cada um dos alunos divulgava no grande
descobri que posso me aposentar a partir de junho! círculo que fizemos na sala de aula. Foram narrativas
acompanhadas de muitas risadas e alegrias, mas
Ao final de nossas apresentações, a partir de uma também de choros e angústias próprias e solidárias.
discussão acerca de experiência e formação estética, Jorge Larrosa (2015, p.18), filósofo espanhol, nos diz:
solicitamos que os alunos produzissem seu "Experiência é tudo aquilo que nos toca, nos passa e
autorretrato da forma como quisessem, tendo sido nos transforma". Essa foi, sim, uma experiência
disponibilizados alguns materiais (lápis de cor, vivenciada por todos nós desse grupo de alunos e
canetinhas, papéis variados, retalhos de tecidos e fitas, professores na sala de aula. Inesquecível e marcante.
colas, tesouras, revistas etc.) para sua realização. Foi Para sempre!!!
um momento lúdico, de brincadeiras e angústias, Claro que cuidamos para que as discussões
quando alguns alunos diziam que não sabiam o que ficassem restritas ao que era trazido e expresso pelos
dizer de si. Fomos orientando e, inicialmente, estudantes. Ali não era o lugar, nem nossa a função de
havíamos pensado em dividir a classe em cinco buscar qualquer interpretação, a não ser receber e
grupos de dez alunos para que eles pudessem acolher o dito, o não dito e o emocionado.
divulgar para o grupo menor sua produção, pois a A partir da segunda aula, os alunos apresentaram,
classe, formada por 52 estudantes, era muito grande. como foi combinado, voluntariamente seus registros
Entretanto, não foi isso que ocorreu. Como poéticos, em filmes, poesias e narrativas. O critério de
ingressantes que eram, os alunos solicitaram que cada apresentação foi sempre o do desejo de compartilhar
um pudesse contar do seu autorretrato para o grupo com o grupo. Tivemos momentos especiais, com
todo, a partir de desenhos, linhas do tempo, escritas quatro ou cinco apresentações, em que percebemos as
narrativas e também musicas, que foram transformações de todos nós a cada aula. Observando
acompanhadas com um violão trazido por um de alunos que não apresentaram seus registros,
meus alunos de pós-graduação, que também sugerimos, delicadamente, via e-mail, que o fizessem e
acompanha as discussões da disciplina que poderíamos auxiliar no que fosse preciso,
voluntariamente. garantindo, assim, uma aprendizagem de
Foram tomadas quase duas aulas de apresentação apresentação oral que também colabora com sua
dos Autorretratos, o que alterou, definitiva e formação pessoal e profissional.
transformadoramente, a relação estabelecida pelo Além dos registros poéticos, combinamos com o
grupo entre si e conosco. Foram relatos de infância, de grupo outra estratégia que era a de que, a cada aula,
adolescência, de superação, de saudade, de sucessos e quatro alunos trouxesse um livro de história para que

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fosse lido e apresentado à classe. Ao final da Ser professora tem sido, para mim, um enorme
apresentação, todos os arquivos eram guardados para exercício de prazer e de tradução, quando busco levar
que, ao final do semestre, todos os alunos recebessem aos meus alunos os elementos com os quais eles
um CD com todos os livros divulgados e digitalizados possam construir uma percepção que vá além da
e com a sua respectiva proposta de trabalho com seus descrição, mas que envolva análise e, principalmente,
futuros estudantes de educação infantil ou de ensino atitudes adequadas diante de determinado fenômeno.
fundamental. Essa também foi uma atividade Acredito que fui extremamente feliz em poder
discutida com os alunos, quando apresentamos um compartilhar com meus estudantes esse percurso de
livro de histórias e fizemos, coletivamente, a discussão prazer e tradução.
acerca das possibilidades que teríamos ao utilizar Tivemos, os alunos e eu, juntos, uma deliciosa
aquela produção com os alunos. expenencia encontrada e encantada, uma vida
A cada semana, então, quatro livros eram tremida, quebrando cristalizações antigas e, agora,
digitalizados e apresentados e, muitas vezes, a partir interrompidas, desfalecidas, uma vida cantada,
do que trazem de proposta, fazíamos uma discussão sentida, emocionada, partilhada, narrativa, vivida e
teórica acerca dos fundamentos daquilo que foi expressada por cada um que foi dialogando e
sugerido, experienciando, na prática, o que vimos compondo outros jeitos de narrar que aqui se fez um
discutindo sobre reflexividade: a indissociação e a pouco presente.
interconstitutividade entre teoria e prática.
Foram 15 aulas com essa turma. O que temos de Conclusão
(guar)dados são textos e discussões riquíssimas que
nos emocionaram e nos alimentaram semanalmente. Fechamos com um balanço geral de como nossas
Tudo isso produziu em mim um grande dilema, com três percepções se entrelaçam. Reforçamos a narrativa
as "aulas de segunda-feira" para esse grupo, pois tive, como importante elemento da formação profissional
semanalmente, as "crises de terças-feiras", ficando docente e enfatizamos o aluno como agente de
sempre em dúvida em relação à minha aposentadoria. transformação da escola e das relações interpessoais,
Hoje, apesar de ter tempo e direito a ela, decidi produtor de conhecimento para sua própria formação
ficar mais um pouco na Universidade, ministrando e dos demais envolvidos no processo educativo, como
aulas para a graduação e pós-graduação e orientando os professores.
meus alunos de iniciação científica, mestrado, Ao promover o encontro entre as lembranças das
doutorado e pós-doutorado. Tenho um imenso prazer situações vividas e nossas expenencias atuais,
em ser professora! rememoramos e alteramos os sentidos por elas

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provocados, atentando às emoções passadas e também próprio ofício. Ao narrar-se, o aluno coloca aos pares e
ao que é ressignificado no momento presente. à sociedade suas construções particulares,
Percebemos que, ao socializar nossas narrativas, compartilhando o conhecimento elaborado,
assumimos compromisso ético e estético com a socializando suas dúvidas e buscando alternativas nas
formação profissional docente: reafirmamos a narrativas de seus pares. Nesse âmbito, narrar deixa
importância de compartilhar os saberes advindos do transparecer não só o que se sabe, mas também o
chão da escola, firmamos que nós, professores, vazio, as lacunas e a incompletude do ser. É um
produzimos conhecimento e contribuímos para a compromisso individual, enquanto registro de uma
ampliação das teorias educacionais a partir da reflexão experiência única, mas com o mundo, uma vez que
da prática e, ainda, mostramos que é possível e aprende com os outros e a partilha dessa vivência
desejável promover o encontro entre o afeto e a modifica o modo como outros sujeitos podem escolher
cognição por meio das práticas narrativas. Por elas, lidar com situações semelhantes. A memória
podemos avançar reflexivamente nas teorias e, ao desencadeia as narrativas a partir do entrecruzamento
mesmo tempo, mantermo-nos sensíveis e com ampla de espaços, tempos e vozes: passado-presente-futuro.
percepção no cotidiano. Assim, formar narradores traz à tona que a
Isso ocorre porque a narrativa contribui com o reflexividade é, sim, um princípio de trabalho que
desenvolvimento do próprio narrador e da indissocia, mesmo que impiedosamente, teoria e
comunidade que acolhe suas memórias e as toma prática.
como experiências compartilhadas. Assim, ao dizer de
si e de suas práticas, o professor encontra outros
novos sentidos para sua atuação, pela própria
trajetória rememorada e pela interlocução com os Referências
outros que com ele dialogam. Ao narrar, percebe os
caminhos escolhidos, avalia suas decisões e tece ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em uma escola
reflexões acerca dos pontos levantados em suas reflexiva. São Paulo: Cortez, 2010.
próprias memórias. BARROS, Manoel de. Disponível em: <https://pensador.
uol.com.br/frase/MjkzMzA4/>. Acesso em 28 out. 2016.
Do mesmo modo, ao tomar as narrativas dos
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política:
alunos como elemento formativo profissional,
ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras
consideramos os educandos e suas percepções das
escolhidas 1. São Paulo: Brasiliense, 1994. (publicação
relações educativas como determinantes para a original em 1985).
percepção e sensibilização do professor com seu

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CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: 1. Artes de Escritos (auto)biográficos de estudantes do Curso de
fazer. Rio de Janeiro: Petrópolis, Editora Vozes, 1994. Pedagogia: potencialidades e reflexões
DUARTE JR. João-Francisco. Entrevista com João-Francisco
Duarte Jr. IN: A arte e a Educação. Juazeiro: Fonte Viva,
2011. Entrevistador: M. Antunes. Regina de Fatima de Jesus
FERREIRA, Luciana Haddad. Educação Estética e prática Inês Ferreira de Souza Bragança
docente: exercício de sensibilidade e formação. Tese
(Doutorado em Educação). Campinas: Faculdade de
Educação/ Unicamp, 2014. Sou griot. Meu nome é Djeli Mamadu
GA TTI, Bernadete Angelina. A construção da pesquisa em Kuyatê, filho de Bintu Kuyatê e de Djeli
Educação no Brasil. Brasília: Editora Plano, 2002. Kedian Kuyatê, Mestre na arte de falar.
KRAMER, Sonia. Professores de Educação Infantil e mudança: Desde tempos imemoriais estão os kuyatês
reflexões a partir de Bakhtin. In: Cadernos de Pesquisa, v. 34, a serviço dos príncipes Keita do Mandinga:
n. 122, p. 497-515, maio/ago. 2004. somos os sacos de palavras, somos o
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PREZOTTO, Marissol. O trabalho docente apresenta qualquer segredo para nós; sem
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Artes Médicas Sul, 2000 (publicação original em 1987). despojada de qualquer mentira; é a palavra
SNYDERS, Georges. Alunos felizes: reflexão sobre a de meu pai; é a palavra do pai de meu pai.
alegria na escola a partir de textos literários. RJ: Paz e Eu vos transmitirei a palavra de meu pai tal
Terra, 1993. como a recebi (NIANE, 1982, p. 11-12).
VIGOTSKI, Lev Semenovich. Obras escolhidas: Vol. 3.
Madrid: Visor, 1995. (publicação original em 1931). Para começar a conversa

Trabalhamos com diversas licenciaturas, na


Faculdade de Formação de Professores da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(FFP/UERJ), e fazemos parte do Núcleo Vozes da

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