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Relações entre Psicologia e Educação

Conteudistas: Prof. Me. Pascoal Ferrari e Prof.ª Dra. Rosana Tosi Costa


Revisão Textual: Esp. Camila Colombo dos Santos
Revisão Técnica: Prof. Me. Bruno Pinheiro Ribeiro

Objetivos da Unidade:

Observar os processos relacionais entre Psicologia e Educação;

Compreender a importância da Psicologia para a formulação de dinâmicas


educacionais;

Perceber as implicações da Psicologia em algumas áreas educativas como:


Educação Infantil, Necessidades Educativas Especiais (NEEs) e o processo de
alfabetização;

Re etir sobre as estruturas psicopedagógicas.

ʪ Contextualização

ʪ Material Teórico

ʪ Material Complementar
ʪ Referências

QUESTION B AN KS
1/4

ʪ Contextualização

Qual é a relevância da Psicologia para os processos educacionais? Essa é uma pergunta


fundamental que, ao longo da Unidade, será debatida em vários ancos. Longe de ser
exaurido, esse questionamento serve como estímulo para re exões teóricas sobre esse
imbricamento entre Psicologia e Educação, bem como para a produção de possibilidades
práticas, de ações no interior das múltiplas instâncias educacionais.
2/4

ʪ Material Teórico

A Importância da Psicologia para a Educação


Como podemos notar, estamos nos referindo à Psicologia como ciência e, não àquela que vem
do senso comum, do uso cotidiano do que chamamos de Psicologia. Estamos aqui nos
referindo a um conhecimento sistemático, que tem seu início ao do nal do século XIX,
quando delimita seu objeto e seu campo de estudo, uma ciência que investiga o
desenvolvimento e o comportamento humano e suas correlações com o ambiente em que
vivemos, considerando a história que vivemos. Uma ciência que compreende o homem como
um ser biológico, psicológico, social e acumulador de experiência, criando, assim, uma visão
mais total do homem.

Além do processo de ensino-aprendizagem, a Psicologia como ciência pode, também,


contribuir para uma melhor compreensão do fenômeno educacional quando ampliamos nosso
objeto de estudo e focamos as relações humanas. Partindo da premissa de que aprendemos
com o outro e que as interações com o ambiente que nos cerca in uenciam a nossa
aprendizagem, encontraremos na escola um espaço que propicia as relações humanas.

A escola é lugar privilegiado de relacionamentos e interações. Na escola, temos nossos


amigos, lá brincamos, conversamos, fazemos novos vínculos com professores, com as
pessoas que lá trabalham ou com os colegas da turma.

Quando focamos as relações humanas, não podemos deixar de considerar a afetividade


pertinente às relações entre as pessoas. Os vínculos que criamos com outras pessoas são
carregados de afetividade, de sentimentos e de signi cados particulares que vamos
construindo à medida que convivemos com as pessoas frequentadoras da escola.
Como podemos notar, a Psicologia pode contribuir com a Educação de maneira sistemática,
exercendo um importante papel nesta. Davis e Oliveira (1994) argumentam sobre o tema e
podem ajudar a nossa re exão:

“O papel da Psicologia é investigar as modi cações que ocorrem nos processos

envolvidos na relação do indivíduo com o mundo (cognitivos, emocionais,


afetivos etc.), analisando os seus mecanismos básicos. Para realizar sua
proposta, a psicologia interage com outras ciências tais como a Medicina, a
Biologia, a Filoso a, a Genética, a Antropologia, a Sociologia, além da Pedagogia.”

- DAVIS; OLIVEIRA, 1994, p. 17

As autoras demonstram a importância de um olhar plural sobre a Educação. Apontam para um


entendimento mais completo e complexo sobre o fenômeno da Educação, entendendo os
indivíduos dos pontos de vista cognitivo, emocional e afetivo, objetos de estudo da Psicologia.

A Psicologia, enquanto ciência, abre espaço para o estudo da Educação, da Psicologia da


Educação, da Psicopedagogia e da Psicologia do Desenvolvimento, essas são áreas de
conhecimento que convergem seus interesses e investigações para os processos de ensino-
aprendizagem ou tudo que se relaciona às problemáticas educativa e escolar. A aprendizagem
é um fenômeno fundamental para a sociedade, tanto que criamos espaços e contextos
especi camente educativos, que chamamos de escola, para tornar a Educação mais e ciente e
e caz.
Figura 1 – TAEUBER-ARP, Sophie. Moving Circles
Fonte: Wikimedia Commons

A Psicologia e a Formação de Professores


Ensinar sempre causou curiosidade entre os educadores/professores. Parece haver uma
espécie de mistério quanto ao fato de levar/orientar alguém a apreender conhecimentos e
saberes relacionados à sobrevivência tanto física quanto mental e social.

O fantástico parece estar na situação de assumir uma postura de poder sobre o outro,
conduzindo-o para o que nos parece correto e lógico. É transformar e mudar o percurso de
vida de sujeitos postos em nossas mãos (pensem em educadores como um todo, incluindo
pais).
Portanto, intervir na existência de outro(s), pela via do ensinar, con gura-se como um ato de
muita responsabilidade e compromisso. O poder contido nessa ação altera vidas para o bem ou
para o mal, tornando o nosso próprio existir confortável ou desconfortável conforme o que
objetivarmos enquanto educadores.

É certo que a educação não nos serve como panaceia, porém é um dos grandes movimentos
da humanidade para formar um ser que seja compatível com o tempo e o espaço vividos e para
planejar elementos do futuro.

Sendo assim, nada mais justo que pensarmos em um lugar para educar e formar pessoas
coerentes para o ensinar nesse lugar. Surge a perspectiva da escola e dos professores.
Considerando o exposto, já imaginou o quanto o professor, dentro da escola, é “poderoso”
(liderança) na formação de pessoas para o mundo?

Abramovich (1994) relata o quanto o professor que é inconsciente de sua ação pode fazer
“coisas” no ato de ensinar que “levem” o aluno a organizar-se como pessoa (personalidade)
para seu aperfeiçoamento ou total destruição. Enfatiza que ensinar parece ser um ato confuso
em que não se tem clareza sobre “passar” certezas pessoais ou arriscar para que os alunos
encontrem as suas verdades.

“Formar cabeças feitas ou abrir cabeças pro que der e vier? Passar minhas

certezas ou arriscar que os alunos escorreguem, caiam e achem a sua resposta, o


seu caminho? Talvez, até oposto ao meu. [...] Complicado tudo isso. É onde mais
me debato. Cada mergulho e cada volta à tona pra respirar me trazem novas
perguntas. Novas dúvidas. Novas incertezas.”

- ABRAMOVICH, 1994, p. 84
Então, para ser professor, há a necessidade de consciência pro ssional e pessoal. Saber que é
um líder poderoso, “fazedor” de cabeças e, muito mais, organizador de vidas em um contexto
de existências (tempo e espaço determinados), agindo para que o movimento do mundo
assuma características de qualidade ou de um mesmismo sem sabor e meramente impositivo
e destruidor.

Enfatiza Abramovich:

“Chega deste vai levando... Chega de botar a culpa nos outros e lavar as minhas

mãos. Está na hora de crescer. Crescer como professora. Como pessoa. Como
pessoa-professora. Assumir as minhas responsabilidades nisto tudo que está aí.
Parar de me achar uma vítima. Sou vítima sou carrasco. Sou decapitada e
decapito. Sou mandada e mando. Ensino e sou ensinada. Aprendo com os meus
alunos e desaprendo com outros professores. Sou cutucada por alguns
professores e desanimada por um montão de alunos. Tudo acontecendo junto. Ao
mesmo tempo. Tenho que parar de me lamentar. Tomar uma atitude. Depende de
mim. A escolha é minha. Só minha.”

- ABRAMOVICH, 1994, p. 90

Pelo que foi exposto até o momento, é possível a rmar, para começar a conversar sobre a
formação de professores, que o ato educativo não é tarefa fácil. É, pois, um trabalho árduo que
exige do pro ssional re exão constante para tomada de decisões e organização de atos
gestores do que se pretende enquanto ação deliberada sobre outros. Na proposição de Paulo
Freire (ilustre educador brasileiro), é decidir “politicamente” entre o libertar (emancipar) e o
escravizar pessoas pelo ato educativo na ação pro ssional do professor. A escolha é do
próprio sujeito que se colocou à disposição de SER PROFESSOR.
Não se trata de imposições, porém, de informações para que a pessoa se conscientize do seu
campo de atuação e referencie seus atos reconhecendo-os como úteis à formação de outras
pessoas para responder, com qualidade, aos desígnios no contexto vivencial em que se
encontra.

Educar é um ato necessário para a adaptação do ser humano no mundo de cultura e também
para humanizá-lo. Não basta impor conhecimentos sem que haja neles sentido e signi cado
para que possamos ser “homens do mundo”; convivendo e comungando harmônica e
interativamente dos prazeres de saber, ser e fazer (L. S. Vygotsky).

E o que a Psicologia tem a ver com tudo isso? 


Na Educação, a Psicologia, enquanto ciência, visa orientar o futuro educador para que se torne
consciente de seu poder de liderança na transformação do sujeito e do mundo. Assim, não é
fazer de qualquer jeito; é fazer tendo a real noção do que se deseja como interventor do
mundo.

A Psicologia está em um curso de formação de professores para fazê-lo(a) entender-se como


indivíduo que in uencia e que é in uenciado, além de auxiliar na compreensão de como essa
relação repercute no movimento da coletividade e da pessoa a ser formada.

Não se trata de terapia, mas de fornecer elementos para que o futuro pro ssional encontre a
sua identidade pro ssional e se assuma como corresponsável pelos resultados da ação
educativa no mundo. Trata-se da nossa IDENTIDADE PEDAGÓGICA.

Nessa perspectiva, é fundamental responder com lógica às questões: que tipo de professor(a)
sou eu? O que quero? Formar quem? Para quê? Que mundo? Em que tempo? Em qual cultura?
Que sujeito estou ajudando a formar? Qual sujeito encontrarei no futuro?

Então, a Psicologia está bastante relacionada ao fornecimento de conteúdos muito mais


ligados ao autoconhecimento pro ssional do que aos conteúdos que versam sobre o aluno e
tantas outras “coisas” ligadas ao ato de ensinar. Por isso, a Psicologia compõe os
fundamentos da Educação, completando e sendo complementada por disciplinas como
Didática, Metodologias, Filoso a, Sociologia e outras. 

Nosso foco é: uma vez que o pro ssional de Educação – professor – seja conscientizado pelos
conteúdos diversos da ciência Psicologia, os demais conteúdos terão maiores sentidos e
signi cados na atuação educativa. Sabendo sobre o EU, há maiores chances de compreender e
intervir sobre os outros. É o sujeito consciente orientando a formação de outros sujeitos
conscientes. O real vislumbrado exatamente como é e em condições de nos percebermos
como parceiros cooperadores para mudanças qualitativas nos planos individual e coletivo
(interação constante entre indivíduo e objeto).

Então: Formar Professores. Que Professores? Que formação?


Flores (2003) destaca que a maneira de se enfatizar a formação de professores está
diretamente ligada a determinadas concepções que se têm do papel do docente, da escola e do
currículo em determinada sociedade. Assim, ensinar implica levar à aquisição de atitudes,
valores, conhecimentos, técnicas e, também, requer um processo re exivo e crítico sobre o
que signi ca ser professor, os propósitos e os valores relacionados à própria ação e ao que se
impõe nas políticas públicas de Educação. É, então, não o só “fazer” ou desenvolver
conteúdos impostos por diretrizes curriculares, mas tomar decisões, emitir pareceres
fundamentados, justi car e reconhecer as próprias ações, ler e interpretar ocorrências do
contexto educacional/escolar em que atua agindo coerente e logicamente, com o propósito
sendo sempre o de conduzir/orientar o ensino para o aprender.

Se pretendemos formar professores para um bom desempenho pro ssional, ainda ressalta a
autora, é então necessário promover novas atitudes em tais professores em formação, pois,
além de aprenderem conteúdos, processos de pesquisa, re exão e fazeres metodológicos, é
essencial pôr em discussão o que signi ca ser professor em um tempo de desa os no qual
sociedade e escola são cada vez mais exigentes para responder às imposições das sociedades
local e mundial. 

Tornar-se professor trata-se de um processo complexo e multidimensional que abrange


inúmeras facetas, desde motivações individuais até imposições sociopolíticas e culturais.
A mesma autora estabelece quatro elementos básicos para contextualizar a formação do
professor. Con ra-os a seguir.

Contexto político: enquadramento legal para formar


professores; ênfases nacionais e regionais e normatização de
leis educacionais;

Contexto curricular: papel do professor; papel de aluno; compreensão do que é


ensinar e aprender; matrizes curriculares (conteúdos propostos para as
disciplinas especí cas) e noções de políticas para formar sujeitos;

Contexto de investigação: aprender a ensinar; aperfeiçoamento e desenvolvimento


pro ssional; constante re exão sobre a prática educativa (conscientização);
socialização pro ssional (trocas entre parceiros de pro ssão);

Contexto prático: condições de trabalho; interação com as instituições


educacionais; aquisição de cultura e estruturação de liderança; organização de
papéis e tarefas; oportunizar aprendizagens (formação ao longo do tempo).
Figura 2 – SEURAT, Georges. Woman Seated by an Easel
Fonte: Wikimedia Commons
Dessa forma, percebe-se a responsabilidade de ser professor e de formar o professor. É
fundamental a manutenção da ligação com o real e o plano consciente sem perder o foco de
que ser pro ssional da educação exige constante investigação, reconhecendo desa os da
sociedade de informação, potencialidades de cada instituição e de si mesmo em contextos
direcionados por valores e propósitos políticos. É preciso superar uma formação técnica que é,
em grande parte, gerenciada por modelos racionalistas, formais, com preocupação no
diplomar para práticas sem sentido e inválidas para a transformação.

A Psicologia e a Educação Infantil


Dentre as modalidades de ensino, para a Educação Infantil, a Psicologia faz uma contribuição
especial. A Psicologia do Desenvolvimento é uma área de conhecimento da Psicologia que
investiga a respeito dos desenvolvimentos motor, cognitivo e afetivo da criança. Essa
investigação permite um entendimento melhor acerca das fases do desenvolvimento infantil e
uma melhor compreensão sobre a aprendizagem e como ela se concretiza.

Vejamos o que Davis e Oliveira (1994) argumentam sobre as pretensões da Psicologia do


Desenvolvimento:

“A Psicologia do desenvolvimento pretende estudar como nascem e como se

desenvolvem as funções psicológicas que distinguem o homem de outras


espécies. Ela estuda a evolução da capacidade perceptual e motora, das funções
intelectuais, da sociabilidade e da afetividade do ser humano. Descreve como
essas capacidades se modi cam e busca explicar tais modi cações. Por
intermédio da Psicologia do Desenvolvimento é possível constatar que as
manifestações complexas das atividades psíquicas no adulto são frutos de uma
longa caminhada. Daí a importância desta disciplina para a Pedagogia: subsidiar a
organização das condições para a aprendizagem infantil, de modo que se possa
ativar, na criança, processos internos de desenvolvimento, os quais, por sua vez,
serão transformados em aquisições individuais.”

- DAVIS; OLIVEIRA, 1994, p. 17

As autoras nos oferecem a dimensão da importância da Psicologia do Desenvolvimento para a


Educação Infantil. Essa ciência construiu e sistematizou conhecimentos fundamentais sobre
as fases do desenvolvimento humano, permitindo, dessa forma, uma maior adequação das
atividades pedagógicas realizadas nessa modalidade de ensino. Conhecendo melhor o
desenvolvimento infantil, a escola poderá planejar, de forma mais ajustada, as sequências
didáticas aplicadas à sala de aula.

Alguns pensadores foram basilares na sistematização de teorias que fundamentaram essa área
do conhecimento, isto é, desenvolveram, abriram o horizonte a respeito do conhecimento que
tínhamos da criança e de como ela aprende. Podemos destacar três: Jean Piaget (1896-1980),
Henri Wallon (1879-1962) e Lev Vygotsky (1896-1934). As ideias deles nos zeram ver a
criança de forma mais completa e complexa. Esses estudiosos demostraram que a criança
passa por etapas em seu desenvolvimento e que essas etapas devem ser respeitadas. Esses
pensadores ampliaram nossa visão sobre os indivíduos e sobre como aprendem ou como
constroem conhecimento. Aprendemos in uenciados por fatores genéticos, cognitivos,
afetivos e sociais

A Psicologia e as Necessidades Educativas Especiais


(NEE)
Com inúmeros estudos e pesquisas a respeito das síndromes e das necessidades especiais que
crianças podem apresentar, a Psicologia contribui muito com a Educação mais inclusiva, no
sentido de reunir conhecimento acerca desses fenômenos, oferecendo pistas e re exões para
os encaminhamentos educativos mais adequados à realidade de cada criança. A Psicologia
fornece subsídios para o desenvolvimento e a elaboração do planejamento curricular de uma
educação formal que inclua essas crianças no universo escolar.
São inúmeras as Necessidades Educativas Especiais (NEEs), podemos pensar em necessidades
cognitivas em relação a crianças intelectualmente superiores ou mais lentas em sua
aprendizagem, necessidades sensoriais como di culdades auditivas ou visuais, desajustes
comportamentais advindos de distúrbios emocionais ou afetivos, síndromes e distúrbios
genéticos, como autismo, dislexia etc. Ou, ainda, di culdades múltiplas. Certamente, todas as
crianças têm direito à educação de qualidade.

O papel do professor é fundamental no trato com alunos que possuem NEEs, é um trabalho
personalizado, pois cada criança tem formas especí cas de aprender. Além de atuar como
propositor de sequências didáticas, o professor deverá desenvolver processos de avaliação
pedagógica, a m de saber quais serão as próximas sequências a serem aplicadas para o pleno
desenvolvimento da criança com NEEs.

De fato, é um grande desa o para o professor o trabalho com crianças com necessidades
especiais. A Psicologia com foco de estudos nessa área poderá trazer subsídios para um trato
mais humanizado com essas crianças; todavia, rea rmamos o direito de todas as crianças
participarem do sistema educacional de forma plena.

Os avanços observados em relação ao atendimento das NEEs pelas escolas se concretizam,


uma vez que estas são determinadas, em primeiro lugar, por documentos internacionais,
como a Declaração de Salamanca (1994), e pela legislação educacional vigente, que garante
direitos básicos, como a inclusão desses alunos no sistema educacional e, em segundo lugar,
pelas novas concepções psicológicas e pedagógicas que compreendem que a aprendizagem
favorece o desenvolvimento dos indivíduos. Com essa nova visão sobre os limites de
aprendizagem de pessoas com NEEs, a escola pode redimensionar esses limites, ampliando-
os e criando novos horizontes. A escola, como espaço de aprendizagem, é de fundamental
importância para o desenvolvimento cognitivo/afetivo desses indivíduos.

O professor, munido do conhecimento construído por esse foco de estudo da Psicologia,


acerca das NEEs, pode melhor atuar em sua pro ssão. A formação do professor é fator
essencial para a melhoria do entendimento dessa questão e da atuação com ela.

A Psicologia e o Processo de Alfabetização


Na maioria das vezes, pensamos que alfabetizar tem ligação com apresentar aos sujeitos, que
estão no processo de ler e escrever, letras e números e fazê-los unir, por justaposição, cada
uma das letras e cada um dos números – em um ato mecânico de redação e operações
matemáticas.

No entanto, um dos maiores educadores brasileiros – Paulo Freire – defendeu a ideia de que
ler e escrever, a alfabetização, pressupõe orientar o sujeito que aprende pela via das letras e
dos números, para passar de um nível de pensamento ingênuo para um nível superior de
consciência crítica, ou seja, da escravidão para a emancipação mental. A alfabetização, para o
autor, representa o adquirir de capacidades de re exão crítica sobre toda a realidade
vivenciada, construindo maneiras coerentes e lógicas de agir no mundo, com o mundo e para
o mundo (FREIRE, 1998). Viver sem razão transforma-se em viver de forma consciente, livre
e politicamente organizada (alfabetização política).

Sendo assim, o sujeito busca constantemente relações mais consistentes, percebendo-se


como homem que cria a sua história junto a outros homens em um processo ativo e
transformador.
Figura 3 – PORTINARI, Candido. Grupo de meninas
brincando
Fonte: obviousmag.org
O processo educacional constitui-se, então, como campo favorável e fértil para essa
alfabetização emancipatória promovendo e provocando contínua re exão sobre a realidade
social. Nesse processo, a rma Freire (1998), o diálogo torna-se fundamental como troca de
experiências.

Nessas relações dialógicas, o papel do professor é fundamental, pois é ele que “anima” e
gerencia todo o debate entre os sujeitos do campo educacional escolar. O professor, pela via
do seu conteúdo (matéria), é que vai garantir relações saudáveis no enfrentamento e na
resolução de problemas considerados fundamentais para o processo de conscientização da
realidade e da formação crítica do sujeito.

No contexto, o papel da Psicologia é fomentar mecanismos de compreensão dessa natureza


complexa do processo de alfabetização. É a busca por apreender o movimento interativo entre
sujeitos que aprendem e objetos a serem aprendidos.

São muitas e longas pesquisas psicológicas que visam descrever todo o percurso constituído
pelo ser humano desde os primeiros rabiscos até a mais complexa elaboração de hipóteses
relacionadas ao mundo que é vivenciado.

Assim, compreender quais elementos estão presentes no processo de aquisição e construção


de saberes almeja instrumentalizá-lo para que venha a facilitar todas as intervenções na
conscientização de alunos e de si; sistematizando um caminhar suave para a transposição de
uma visão ingênua para a absoluta criticidade.

A Psicopedagogia
A Psicopedagogia surgiu como área de conhecimento a partir da demanda prática de
atendimento a crianças com di culdades de aprendizagem. Uma das questões importantes
para a compreensão epistemológica da Psicopedagogia é a sua dinâmica transdisciplinar. Ela é
produto de uma interface que converge múltiplas áreas do conhecimento e as elabora tendo
em vista a compreensão dos processos de aprendizagem. No entanto, é importante salientar
que ela não é um mero re exo das disciplinas as quais ela toma como referência, sobretudo a
Psicologia e a Pedagogia. 

Como defende Bossa (2007, p. 19), “a psicopedagogia enquanto produção de um


conhecimento cientí co nasceu da necessidade de uma melhor compreensão do processo de
aprendizagem, não basta como aplicação da psicologia à pedagogia”. Sendo assim, sua
perspectiva epistemológica se relaciona com outras in uências conceituais, por vezes,
fazendo-se valer de conceitos importantes dessas disciplinas; contudo, sua perspectiva não é
a de simplesmente somar conceitos e experiências, e sim constituir um campo que consiga
avançar nos estudos sobre o objeto em questão, o processo de aprendizagem.

O art. 1º da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp) de ne seus termos assim:  

“A Psicopedagogia é um campo de conhecimento e ação interdisciplinar em

Educação e Saúde com diferentes sujeitos e sistemas, quer sejam pessoas,


grupos, instituições e comunidades. Ocupa-se do processo de aprendizagem
considerando os sujeitos e sistemas, a família, a escola, a sociedade e o contexto
social, histórico e cultural. Utiliza instrumentos e procedimentos próprios,
fundamentados em referenciais teóricos distintos, que convergem para o
entendimento dos sujeitos e sistemas que aprendem e sua forma de aprender.”

- ABPP, 2019, n. p.

Nesse ambiente transdisciplinar da Saúde e da Educação, a Psicopedagogia se orienta


fundamentalmente, segundo Golbert (apud BOSSA, 2007), por dois parâmetros: o preventivo e
o terapêutico. Na dinâmica preventiva, a educação é o pilar fundamental. É por meio dos
processos educativos que o processo de aprendizado deve ser entendido, e tal enfoque não se
limita às escolas, ele se espraia pelas famílias, comunidades, instituições etc. Ou seja, a
dimensão educacional, que procura compreender e melhorar os processos de aprendizado, é
ampla, tentando se espalhar pelo corpo social como um todo. O parâmetro terapêutico se
concentra no estudo, na análise e na elaboração de métodos de diagnóstico e tratamento das
di culdades de aprendizado, tendo o trabalho clínico como grande agente.

Além das questões da validação de campo, dada a sua conjugação transdisciplinar, a


Psicopedagogia também enfrenta, desde a sua fundação e no interior de seu desenvolvimento,
o problema de de nição de seu objeto. Se sabemos que a Psicopedagogia debruça seus
interesses sobre os processos de aprendizagem, é necessário que algumas perguntas sejam
feitas, como: o que é aprendizagem? Como se aprende? O que é uma di culdade de
aprendizagem? Como lidar com di culdades de aprendizagem? Como se educa? Quais são as
instâncias de prevenção e tratamento? E tantas outras perguntas que a teoria e a prática
psicopedagógica tentam responder.

Nos primórdios da Psicopedagogia, o trabalho concentrava-se mais detidamente nos


processos de reeducação, nos quais a aprendizagem era medida de acordo com a capacidade
de realização de determinados padrões, que, quando não cumpridos, eram tratados como
dé cits. Nessa perspectiva, a Psicopedagogia insidia para ultrapassar os dé cits e atingir os
padrões. O objeto da Psicopedagogia era então o “não aprendizado”, ou seja, o sujeito que não
aprendia e deveria aprender. Nessa linha epistemológica, buscava-se estabelecer uma norma
que pudesse servir de corte para determinar a capacidade e gerar um padrão, a m de garantir
uma uniformidade entre as crianças.  

Num momento posterior, por in uência de outras áreas do conhecimento, sobretudo da


Psicologia Genética e da Psicanálise, a Psicopedagogia passou a conceber o “não aprendizado”
de uma outra maneira. Essa nova forma começou a considerar a singularidade dos sujeitos
envolvidos nos processos de aprendizagem. Sendo assim, as características individuais das
crianças, bem como suas histórias e seus contextos socioculturais, passaram a ser levados em
conta para a compreensão do processo de aprendizagem. O foco agora deixa de ser no “não
aprendizado” e passa a ser no sujeito “aprendendo”. 

Depois dessa transição epistemológica, a Psicopedagogia passou a entender a aprendizagem


como parte de uma dinâmica afetiva e intelectual que faz parte da constituição do sujeito.
Constituição essa que dinamiza o meio no qual ele está inserido e, ao mesmo tempo, é
dinamizada por esse meio. Com isso, a aprendizagem tem relação intrínseca com os
processos sociais e culturais, com as relações familiares, com as amizades, com as
convivências das mais variadas e com características físicas e biológicas do sujeito. São esses
elementos em conjunto e em relação que tecem os processos de aprendizagem para essa nova
concepção psicopedagógica.

Nessa perspectiva, as di culdades de aprendizagem não são percebidas como irredutíveis, ao


contrário, elas são passíveis de soluções. O foco dessa linha epistemológica é a aposta no
desenvolvimento dos processos de aprendizagem do sujeito, isto é, nessa dinâmica de
aprendizagem, o intuito não é de nir a aprendizagem como parâmetro de um grupo
determinado de sujeitos nem de determinadas práticas especí cas, sua intenção é evidenciar
que o aprender é possível mesmo diante das di culdades.  
Figura 4 – SHENDEL, Mira. Sem título
Fonte: Wikimedia Commons

Práticas Psicopedagógicas
No ambiente escolar, de acordo com Cavichia (2000), o trabalho da Psicopedagogia pode ser o
de assessor ou coordenador pedagógico. Na assessoria, cabe a interlocução com educadores e
a re exão de suas práticas pedagógicas. Na coordenação, se faz necessário orientar os
educadores em relação ao trabalho com as crianças, de modo que as identidades pro ssionais
e pessoais possam ser esclarecidas. 

Assim como no trabalho clínico, o trabalho institucional prevê a interdisciplinaridade, de


forma que as avaliações sobre os processos de aprendizagem possam ser mais completas e
complexas, gerando mais qualidade nos métodos de trabalho.

Como dito anteriormente, o trabalho institucional se destaca como preventivo, e, para Bossa
(2007), existem três níveis de prevenção. O primeiro deles trabalha com questões didático-
metodológicas e é direcionado aos educadores e ao aconselhamento da família. O seu objetivo
é mitigar os problemas de aprendizagem, evitando que eles se desenvolvam e cresçam em
tamanho e complexidade. No segundo nível, são realizados diagnósticos e depois são
propostas intervenções para que os transtornos instalados possam diminuir. O terceiro nível
consiste na tentativa de eliminação desses transtornos, e, embora seja uma instância com
forte caráter clínico, a prevenção nas instituições é muito importante para que esse transtorno
não se reestabeleça ou mesmo que novos transtornos apareçam.  

A escola é o ambiente onde acontece, ou deveria acontecer, a parte mais substancial do


processo de aprendizagem do sujeito e, apesar de ainda não conseguir trabalhar
dinamicamente com as necessidades preventivas, ela deve ser um espaço de prática e
desenvolvimento metodológico e didático para a Psicopedagogia, bem como um objeto de
estudo importante para o desenvolvimento e o aprimoramento dos processos de
aprendizagem na sociedade.
3/4

ʪ Material Complementar

Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados


nesta Unidade:

  Vídeos  

Entenda: Qual a Função do Psicopedagogo? 

Entenda: Qual a função do psicopedagogo?


Psicologia da Educação – Apresentação e Introdução da
Disciplina 

Psicologia da Educação - Apresentação e introdução da disciplina

  Leitura  

Psicologia e Educação: Novas Perspectivas para a Educação


Brasileira

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ACESSE

A Formação Docente: entre a Regulação e a Emancipação 

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ACESSE
4/4

ʪ Referências

ABRAMOVICH, F. Que raio de professora sou eu? São Paulo: Scipione, 1994.

BARBOSA, L. M. S. A epistemologia da psicopedagogia: reconhecendo seu fundamento, seu


valor social e seu campo de ação. Comemorando os 15 anos da ABPp – Paraná Sul, 2006. In:
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BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. de L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de


psicologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

BOSSA, N. A. A psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. Rio Grande do Sul:


Artmed, 2007. 

CAVICCHIA, D. C. Psicopedagogia na instituição educativa: a creche e a pré-escola. In: SISTO,


F. F. et al. (Org.). Atuação psicopedagógica e aprendizagem escolar. 5. ed. Petrópolis: Vozes,
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DAVIS, C.; OLIVEIRA, Z. Psicologia na educação. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1994.

FLORES, M. A. Dilemas e Desa os na formação de professores. In: MORAES, M. C.; PACHECO,


J. A.; EVANGELISTA, M. O. (Org.). Formação de professores: perspectivas educacionais e
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FREIRE, P. Conscientização: teoria e prática da libertação. São Paulo: Moraes, 1979.


________. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.

________. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

LEITE, S. A. S.; COLELLO, S. M. G. Alfabetização e letramento: pontos e contrapontos. São


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Sites Visitados
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOPEDAGOGIA. Disponível em:
<https://www.abpp.com.br/>. Acesso em: 20/02/2020.

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