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Contribuições de Lev S.

Vygotsky para a
Aprendizagem

Conteudista: Prof.ª Ana Alice Reis Pieretti


Revisão Textual: Esp. Camila Colombo dos Santos
Revisão Técnica: Prof. Me. Bruno Pinheiro Ribeiro

Objetivos da Unidade:

Estudar os fundamentos do pensamento de Lev Semyonovich Vygotsky;

Compreender como se estruturam os processos de aprendizagem, segundo Lev


Semyonovich Vygotsky;

Observar como agem os elementos constituintes dos processos de


aprendizagem, segundo Lev Semyonovich Vygotsky;

Refletir sobre a intersecção entre a Psicologia e a Educação, segundo Lev


Semyonovich Vygotsky.

ʪ Contextualização

ʪ Material Teórico
ʪ Material Complementar

ʪ Referências
TEMA 1 de 4

ʪ Contextualização

As concepções de Lev Semyonovich Vygotsky são fundamentais para uma compreensão mais
complexa dos processos educacionais, tendo em vista que sua teoria leva em conta as dinâmicas
sociais e psicológicas no interior dos processos de aprendizagem. Sendo assim, Vygotsky nos
oferece ferramentas importantes para as práticas e as reflexões pedagógicas atuais,
dinamizando-as a partir de múltiplos elementos.
TEMA 2 de 4

ʪ Material Teórico

As Bases do Pensamento de Lev Semyonovich Vygotsky


Lev Semyonovich Vygotsky é um dos nomes mais importantes da história da Psicologia
Moderna. Com a influência decisiva do marxismo, Vygotsky embasou-se no materialismo
histórico-dialético para produzir sua epistemologia da Psicologia.
Figura 1 – Lev Semyonovich Vygotsky
Fonte: novaescola.org.br

O ponto central da perspectiva de Vygotsky é que o desenvolvimento psicológico dos seres não
se dá de maneira exclusivamente individual, como se fosse um acúmulo restrito às
transformações internas e particulares. Vygotsky acredita que o desenvolvimento é:

“[...] um complexo processo dialético, caracterizado pela periodicidade,

irregularidade no desenvolvimento das diferentes funções, metamorfose ou


transformação qualitativa de uma forma em outra, entrelaçamento de fatores
externos e internos e processos adaptativos.”

- VYGOTSKY, 1991, p. 83

Essa maneira de perceber o desenvolvimento como irregular atenta para o fato de que Vygotsky
acredita que as transformações e o desenvolvimento psicológico não são lineares. Com isso, ele
também aponta para questões do próprio desenvolvimento dos estudos da Psicologia. Vygotsky
aposta numa nova abordagem, na qual a análise crítica dos processos constitutivos da pesquisa
da Psicologia até então possa ser estabelecida. Ou seja, para Vygotsky, a análise histórica é
fundamental para determinar os rumos da pesquisa psicológica.

Nesse processo de investigação histórica, Vygotsky não dissocia a história do indivíduo da


história da cultura; para ele, é justamente a inter-relação entre esses dois elementos que pode
sustentar o pensamento científico. A produção epistemológica se dá, então, de maneira
dialética, assumindo que o movimento entre as instâncias individuais e coletivas é que forja as
bases psicológicas.
Nesse sentido, pode-se depreender que as estruturas de comportamento não são, por um lado,
ressonâncias exclusivas de um processo natural de evolução dos indivíduos e nem são puro
reflexo das experiências sociais. A Psicologia se manifesta como relação entre essas duas
esferas, e o estudo desse movimento se constitui como importante base de pesquisa para
Vygotsky, como destacado na sequência:

“O ponto central do método materialista-histórico e materialista-dialético é que

todos os fenômenos devem ser estudados como processos em movimento e


mudança. A tarefa do pesquisador é reconstruir a origem e o curso do
desenvolvimento do comportamento e da consciência. Todo fenômeno tem sua
história e essa história é caracterizada por mudanças qualitativas e quantitativas.”

- VYGOSTKY apud JOBIM; SOUZA, 1994, p. 124

Outro ponto de ênfase inicial para a perspectiva epistemológica de Vygotsky é que seu
pensamento não destaca comportamento e consciência. Segundo Jobim e Souza (1994), o
objetivo de Vygotsky era destituir a irreconciliável separação entre o ramo da Psicologia com
características de ciência natural, que explicaria elementos sensoriais e reflexos, e o ramo da
Psicologia com características de ciência mental, que explicaria as propriedades dos processos
psicológicos superiores. Como o trabalho de Vygotsky se assenta no materialismo histórico-
dialético, sua intenção é a de entender a dinâmica psicológica entre a consciência e o
comportamento, perceber seu movimento.

Um elemento importante desse processo dialético material e histórico que Vygotsky se


empenhará em estudar é a organização dos sistemas de signos. Vygotsky recupera algumas
noções de Friedrich Engels sobre trabalho humano e instrumentos, noções que atestam para o
fato de que a humanidade utiliza instrumentos para o trabalho, e que este transforma a natureza
e a própria humanidade que investe seu tempo na ação de trabalhar. Há, portanto, uma mediação
realizada por meio de instrumentos na relação entre a humanidade e o ambiente no qual ela está
inserida. 

Os sistemas de signos – que organizam a linguagem, a escrita, os números, as artes etc. – são
criados pela sociedade ao longo da história e, assim como os sistemas de instrumentos, também
são mediadores de intervenção na realidade e operam o desenvolvimento cultural das
sociedades que constroem esses sistemas. Contudo, para Vygotsky, há uma diferença
fundamental entre os sistemas de signos e os sistemas de instrumentos; no primeiro, a ação se
dirige às instâncias psicológicas dos indivíduos, afetando, assim, o seu comportamento; já no
segundo caso, a ação se destina à transformação do objeto no qual o instrumento, por meio da
ação humana, age.

Dentro desse sistema de signos que a sociedade produz ao longo de sua história, e que, portanto,
está em movimento constante, Vygotsky se concentra nos estudos da linguagem e em suas
consequências para o desenvolvimento das chamadas estruturas psicológicas superiores
(consciência) da criança. A visão de Vygotsky sobre o materialismo histórico-dialético é
sofisticada, e, diga-se de passagem, é uma boa legatária de Karl Marx nesse sentido. Para o autor
russo, as experiências sócio-históricas não estão sedimentadas somente nas criações
materiais, essas experiências também se sedimentam nas formas verbais que transmitem
conteúdos e, portanto, viabilizam a comunicação entre seres humanos.

Nesse sentido, Vygotsky acredita que há uma interiorização de conteúdos determinados pelas
transformações históricas e pelas organizações culturais, e que a linguagem é um meio de
manifestação desses conteúdos. Sendo assim, para Vygotsky, há uma semelhança entre a
natureza social e a psicológica dos indivíduos, não sendo possível analisá-las em separado.
Sobre esse processo, Jobim e Souza (1994) assim o descrevem:

“De acordo com Vygotsky, do desenvolvimento cultural da criança, toda função

aparece duas vezes: primeiro em nível social e, mais tarde, em nível individual.
Esse processo de internalização, quer dizer, de transformação, de um processo
interpessoal em processo intrapessoal, implica a utilização de signos e supõe uma
evolução complexa em que ocorre uma série de transformações qualitativas da
consciência da criança. Dessa forma, estudar a constituição da consciência na
infância nas se resume em analisar o mundo interno em si mesmo, mas sim em
resgatar o reflexo do mundo externo no mundo interno, ou seja, a interação da
criança com a realidade.”

- JOBIM; SOUZA, 1994, p. 125-126

Como se observa nas palavras citadas anteriormente, Vygotsky tenta compreender o movimento
que compõe a estrutura psicológica a partir das interações dos indivíduos com os signos
organizados socialmente pela cultura, manifestados pela linguagem, por exemplo, e por suas
respectivas internalizações. E, nesse processo, Vygotsky destaca a infância como momento em
que consegue se estabelecer, ou seja, momento em que a consciência se forma não por mero
desenvolvimento individual, mas pela relação com as dinâmicas sociais, com o mundo externo a
ela mesma, com os signos que apreende a partir da convivência em sociedade.

Vygotsky também avança consideravelmente nos estudos sobre fala e pensamento. Em sua
abordagem, a linguagem não é um mero reflexo do pensamento, um fluxo inevitável das
organizações intelectuais, e a fala também não é uma reprodução fidedigna dos processos
mentais. Há no pensamento uma estrutura e a sua transposição para a fala se dá de maneira
complexa, que tem a linguagem como mediador decisivo. E como a linguagem não se constitui
como instrumento exclusivo do sujeito, ou seja, como ela é fruto de elaborações sociais, a
organização da fala também está em constante tensão com as dinâmicas sociais.

Nesse processo de transição do pensamento para a fala, Vygotsky percebe, também, que o
pensamento não tem um equivalente imediato na fala, por isso essa passagem precisa ser
mediada pelo significado. Nesse sentido, as palavras que usamos aos nos expressarmos não
correspondem exatamente ao que nos passa no pensamento, e, ao mesmo tempo, elas também
não são recebidas pelo ouvinte com total identificação do significado proferido. Isso cria
subtextos, sentidos ocultos. Essa dificuldade de comunicação também ocorre porque, na fala,
incorporamos elementos afetivos, emoções, intenções, desejos etc. Isso faz com que as palavras
também derivem significados a partir da forma como elas são ditas e, ao mesmo tempo, elas
também são interpretadas por quem as ouve, de acordo com vários elementos do ouvinte.

As propostas de Vygotsky têm uma influência importante para a teoria do conhecimento, suas
bases epistemológicas apontam para a necessidade de estudos psicológicos em vínculo com as
transformações sócio-históricas, passam, também, pela importância dos processos de
incorporação de signos das crianças e levam-nos a refletir sobre as estruturas da linguagem,
levando em consideração os múltiplos sentidos que uma palavra pode alcançar, sentidos esses
que estão contidos no movimento entre o verbal e o extraverbal.
Figura 2 – SCANAVINO, Emilio. Presenza
Fonte: Wikimedia Commons
Os Níveis das Zonas de Desenvolvimento Cognitivo e a
Aprendizagem
Inicialmente é importante apontar que, para Vygotsky (1991), o aprendizado começa a ocorrer
antes do período escolar, ou seja, o processo que acontece nessa instituição já possui alguma
história prévia. Esse processo de ensino e aprendizagem dentro da escola deve ser combinado
com o desenvolvimento da criança, ou seja, é necessário conhecer em que ponto do
desenvolvimento esse aluno se encontra e adequar o ensino de acordo com essa realidade.

Para o autor, o desenvolvimento humano não pode ser compreendido sem levar em
consideração o contexto histórico-cultural no qual o indivíduo está inserido. Outro diferencial
da proposta de Vygotsky é que seu foco é a compreensão dos mecanismos de desenvolvimento,
e não apenas dos produtos desse processo (MARTINS, 1997).

Neste tópico, serão abordados os conceitos de zona de desenvolvimento real, potencial e


proximal, definições criadas por Vygotsky para tratar do desenvolvimento humano.

Nível de Desenvolvimento Real


O nível de desenvolvimento real trata do nível de desenvolvimento das funções mentais infantis,
funções essas que são estabelecidas após a finalização dos ciclos de desenvolvimento. Os testes
utilizados para determinar a idade mental da criança normalmente consideram, quase
exclusivamente, o nível de desenvolvimento real (VYGOSTKY, 1991), por exemplo, os testes
realizados por Piaget sobre conservação da matéria, que mostram o quanto a criança já se
desenvolveu. Um exemplo disso é o teste do vasilhame com água. Um vasilhame é apresentado
para a criança, e a água é passada para outro vasilhame com formato diferente. Dependendo do
nível de desenvolvimento da criança, ela não consegue identificar que a matéria (água) foi
conservada, apesar de estar em outro formato.

Outra questão levantada pelo autor é que o desenvolvimento real é a capacidade da criança de
agir de maneira independente (OLIVEIRA, 1993), ou seja, a ação feita pela criança com auxílio de
outros já não faz parte do que consiste no desenvolvimento real, sendo, então, desenvolvimento
potencial.
O desenvolvimento real, portanto, consiste em todas as atividades realizadas pela criança sem
auxílio de outros, ou seja, demonstra aquilo que a criança já aprendeu, habilidades que já
adquiriu, como quando a criança já aprendeu a amarrar os sapatos sozinha, sem precisar mais
de dicas e ajuda de outras pessoas. A seguir, abordaremos sobre o desenvolvimento potencial,
que diz respeito aos comportamentos que o sujeito precisa de ajuda para executar.

Nível de Desenvolvimento Potencial


O desenvolvimento potencial será determinado pela solução de problemas com auxílio de
outros, como professores, pais, familiares, amigos mais velhos etc. (VYGOTSKY, 1991). É
importante considerar esse nível de desenvolvimento, pois, em alguns momentos, a criança não
é capaz de fazer algumas tarefas sozinha, apenas se tiver auxílio de outros por meio de dicas,
instruções etc. (OLIVEIRA, 1993). Por exemplo, se a criança precisa de ajuda para escrever seu
nome, pode-se considerar que essa habilidade ainda se encontra na zona de desenvolvimento
potencial.

Pode-se afirmar que o outro conseguiria alterar o desempenho de uma pessoa e, na teoria de
Vygotsky, essa interferência é essencial por duas principais razões:

Representa um momento do desenvolvimento, de forma que


não é em qualquer momento que a criança consegue se
beneficiar da ajuda do outro, ou seja, para que a criança peça
auxílio do outro, é necessário que sua habilidade de pedir ajuda
esteja desenvolvida;

A interação social é extremamente importante para a construção das funções


psicológicas humanas, no sentido de que essas funções se desenvolverão a partir da
relação com o outro.

Essa influência ocorre de maneira que: “[...] o desenvolvimento individual se dá num ambiente
social determinado e a relação com o outro, nas diversas esferas e níveis de atividade humana, é
essencial para o processo de construção do ser psicológico individual” (OLIVEIRA, 1993, p. 60).
Mais uma vez, nessa citação, fica claro que, para Vygotsky, a presença e a interação com o outro
são essenciais para o desenvolvimento humano.

Assim, o desenvolvimento potencial é fundamental para as habilidades que o sujeito ainda não
aprendeu a fazer de forma independente. Além disso, o autor também falou sobre a zona de
desenvolvimento proximal para tratar sobre o desenvolvimento das pessoas, o que será
abordado a seguir.

A Zona de Desenvolvimento Proximal


A zona de desenvolvimento proximal foi um conceito desenvolvido por Vygotsky para explicar
questões do aprendizado escolar e é definida como a distância entre o desenvolvimento real e o
desenvolvimento potencial. Essa zona vai definir as funções que ainda não amadureceram, ou
seja, que estão em processo de maturação (VYGOTSKY, 1991). Por exemplo, se a criança já sabe
escrever e se consegue escrever sozinha ou apenas com ajuda. Ainda é importante apontar que a
zona de desenvolvimento proximal é dinâmica e está em constante mudança (OLIVEIRA, 1993).

O diagrama ilustra a zona de desenvolvimento proximal como sendo a distância entre a zona de
desenvolvimento real e a de desenvolvimento potencial. Essa definição fornece aos psicólogos e
aos educadores um instrumento para compreender o curso do desenvolvimento, permitindo o
entendimento tanto dos processos mentais maturados como daqueles que ainda estão em
maturação (VYGOTSKY, 1991).

Segundo Vygotsky (1991), os processos de desenvolvimento e aprendizagem não são


coincidentes, de forma que, enquanto o aprendizado acontece primeiro, e de forma mais
acelerada, o desenvolvimento ocorre de forma mais lenta, sendo as zonas de desenvolvimento
proximal um resultado dessa sequenciação: de primeiro haver a aprendizagem para então
ocorrer o desenvolvimento.

Na obra “Pensamento e Linguagem”, Vygotsky (1989) também aborda a relação entre a


extensão da zona de desenvolvimento proximal e a aprendizagem, de forma que, quanto maior
ela for, maior será o aproveitamento escolar da criança. Isso pode ser observado quando se
compara uma criança no começo e no final de ano, considerando aquilo que ela já sabia, aquilo
que aprendeu a fazer com ajuda dos professores e as habilidades que consegue realizar sozinha.
Neste tópico, foram abordados os conceitos de zona de desenvolvimento real, enquanto
habilidade que a criança já consegue realizar de maneira independente; zona de
desenvolvimento potencial, que trata das habilidades nas quais a criança necessita da ajuda do
outro para realizar; e a zona de desenvolvimento proximal, que é entendida como a “distância”
entre as duas primeiras zonas. Ressaltou-se, também, a importância do outro na educação da
criança, principalmente no nível de desenvolvimento potencial.

Assim, a visão que Vygotsky tem em relação ao desenvolvimento humano leva em consideração
não apenas aquilo que o sujeito já consegue apresentar, como também as habilidades que
precisa do outro para executar, vendo o desenvolvimento como algo dinâmico, e não estático.
Considerando a importância do outro para o autor, é possível afirmar que um outro bastante
relevante para o desenvolvimento é o professor, que terá sua importância na aprendizagem dos
alunos abordada no tópico seguinte.
Figura 3 – FORG, Gunther. Untitled (Cansons)
Fonte: Wikimedia Commons

O Papel do Professor no Aprendizado


A noção de zona de desenvolvimento proximal, apresentada anteriormente, aponta para a
importância das relações sociais para o desenvolvimento do indivíduo. O organismo não
consegue se desenvolver completamente sem o suporte de outros organismos de sua espécie
(OLIVEIRA, 1993).

A implicação dos conceitos de zonas de desenvolvimento real, potencial e proximal na escola é


que essa instituição teria um papel muito importante na construção psicológica e na formação
do ser adulto.

Porém, para Vygotsky, esse papel só será desempenhado de modo adequado, quando, a partir do
conhecimento do nível de desenvolvimento dos alunos, a escola direcionar seu ensino para as
habilidades que a criança ainda precisa desenvolver (OLIVEIRA, 1993).

Segundo Martins (1997, p. 121):

“É fundamental destacarmos que importante no processo interativo não é a figura

do professor ou do aluno, mas é o campo interativo criado. A interação está entre


as pessoas e é neste espaço hipotético que acontecem as transformações e se
estabelece o que consideramos fundamental neste processo: as ações partilhadas,
onde a construção do conhecimento se dá de forma conjunta. O importante é
perceber que tanto o papel do professor como o do aluno são olhados não como
momentos de ações isoladas, mas como momentos convergentes entre si, e que
todo o desencadear de discussões e de trocas colabora para que se alcancem os
objetivos traçados nos planejamentos de cada série ou curso.”

Na citação, fica claro que, para a teoria de Vygotsky, o campo de interação entre o aluno e o
professor é fundamental, de modo que é nessa interação que as transformações necessárias
para o processo de ensino e aprendizagem ocorrem.

Neste tópico, será abordado o papel do professor enquanto mediador entre o sujeito (estudante)
e os objetos do mundo. Além disso, também será abordado sobre qual a atuação do professor no
desenvolvimento do aluno, pela zona de desenvolvimento proximal.

Mediação do Processo de Ensino e Aprendizagem


Inicialmente, é necessário definir que a mediação é o elemento intermediário em uma relação,
ou seja, configura-se como a introdução de um elo entre organismo e meio.

Ao longo do desenvolvimento do ser humano, as relações mediadas vão sobrepor-se às diretas,


de maneira que a forma de o homem lidar com o mundo é mediada, e não direta (OLIVEIRA,
1993). Um exemplo de uma relação direta seria o sujeito abrir uma porta e ter como resultado ela
aberta. Nesse caso, a relação seria mediada se esse mesmo sujeito solicitasse que outra pessoa
abrisse a porta para ele.

No processo de ensino e aprendizagem, os conceitos científicos são adquiridos por meio da


mediação cultural dos professores e dos colegas. Os conceitos adquiridos passarão, então, a ser
mediadores da aprendizagem de novos conhecimentos (MARTINS, 1997). Um exemplo é a
linguagem; a partir do momento que um sujeito aprende a ler, ele pode utilizar da leitura para
aprender outros conceitos.

Assim, a mediação é importante na constituição e no desenvolvimento das funções psicológicas


superiores, que são aquelas que caracterizam o comportamento consciente do ser humano.
Além disso, é um elemento essencial na relação do sujeito com seu ambiente, permitindo que o
processo de ensino-aprendizagem ocorra, sendo o professor essencial nesse sentido. A seguir,
veremos a atuação do professor como mediador na zona de desenvolvimento proximal.

Atuação do Professor na Zona de Desenvolvimento Proximal


No ambiente escolar, o aprendizado é um dos principais objetivos. Nesse contexto, o professor
ocupa o papel de provocar avanços na zona de desenvolvimento proximal dos alunos, de
maneira que o único bom ensino é aquele que se antecipa ao desenvolvimento (OLIVEIRA, 1993).

O trabalho do professor com a zona de desenvolvimento proximal deve ser pensado levando em
consideração o processo de aprendizagem do aluno, assim como o contexto no qual ele está
inserido. É preciso também se atentar para a complexidade da mediação da escola e dos outros
colegas (CAVALCANTI, 2005).

Sobre tal assunto, Marques (2007, p. 1-2) afirma que:

“No fundo, a ZDP é uma verdadeira janela de oportunidade para a aprendizagem,

sendo necessário que o professor a prepare e conceba e ponha em prática tarefas


de ensino e aprendizagem que potenciem essa janela. Os instrumentos principais
que o professor pode usar, no sentido de potenciar a janela de oportunidade (a
ZDP), são a linguagem e o contexto cultural, os quais são considerados por
Vygotsky como as mais importantes ferramentas ao serviço da aprendizagem e do
desenvolvimento. Para além dessas ferramentas, o professor deve assumir-se
como mediador entre a criança e os objetos e entre as crianças e os pares. Se o
professor propõe tarefas que estão para além da zona de desenvolvimento
proximal, é quase certo que a criança não vai entender a tarefa, não vai ser capaz
de a realizar ou vai concretizá-la incorretamente.”
Nessa citação, o autor aborda que as principais ferramentas para potencializar a aprendizagem
do aluno são a linguagem e o contexto cultural, sendo considerados também importantes para o
desenvolvimento do sujeito. Por exemplo, o professor pode se utilizar do contexto em que a
criança está inserida para ensinar sobre cálculos básicos da Matemática, como ensiná-la a
calcular o troco. Além disso, o autor ainda destaca a importância do professor no seu papel de
mediador entre o aluno e o conhecimento.

É possível observar que Vygotsky não apresenta claramente mecanismos práticos de atuação do
professor em relação à zona de desenvolvimento proximal, apesar de abordar, de maneira geral,
que o professor deve fornecer colaboração, orientação e assistência.

Assim, o foco do autor está no sistema social em que a criança passa pelo processo de ensino e
aprendizagem (ZANELLA, 1994).

Neste tópico, foi abordada a mediação como elemento essencial para a relação do sujeito com o
ambiente e no processo de ensino e aprendizagem, tendo o professor um papel muito
importante nesse sentido. Além disso, o professor também atua diretamente na zona de
desenvolvimento proximal, podendo permitir que o sujeito se desenvolva da melhor forma
possível. Vimos, assim, uma das questões centrais em Vygotsky, que é levar em consideração
não apenas a relação do sujeito com o ambiente de maneira física e direta, como também ter em
vista as relações indiretas, chamadas de mediadas, importantes para o desenvolvimento das
funções psicológicas superiores, as quais serão tratadas no tópico seguinte.

A Aprendizagem das Funções Psicológicas Superiores


As funções psicológicas superiores são embasadas nas características biológicas da espécie
humana, assim como desenvolvidas ao longo da história de vida dos representantes da espécie.
É a partir da mediação da relação do indivíduo com o mundo, por meio dos instrumentos e dos
signos, que as relações entre as funções psicológicas (superiores e elementares) vão surgir e se
desenvolver.
Neste tópico, serão abordadas três funções psicológicas superiores: a percepção, a atenção e a
memória. A percepção e a atenção também se baseiam na Biologia e passam pelo processo de
mediação da linguagem. Outra função psicológica superior é a memória, que permite a
memorização de fatos de maneira deliberada.
Figura 4 – ARIKHA, Avigdor. Leaves
Fonte: Wikimedia Commons

Desenvolvimento da Percepção
Na perspectiva de Vygotsky (1991), a percepção consiste inicialmente na estruturação do campo
visual para resolução de problemas, porém vai se tornando um processo cada vez mais distante
do que é observado nos animais e serve de base para os processos psicológicos superiores. Os
principais processos envolvidos na percepção são a mediação simbólica e a origem sociocultural
dos processos psicológicos superiores (OLIVEIRA, 1993).

A percepção é uma das operações mais afetadas pela relação entre o uso de instrumentos e a fala.
As crianças inicialmente possuem uma percepção “natural” semelhante à de alguns animais, ou
seja, ela é definida basicamente pelo aparato sensorial humano. Contudo, essa função não se
desenvolve de maneira contínua e direta dessa percepção animal – os animais não conseguem
modificar o campo sensorial de maneira voluntária –, de maneira que a percepção se desenvolve
conjuntamente com a linguagem humana (OLIVEIRA, 1993; VYGOTSKY, 1991).

Nessa perspectiva, é possível compreender, então, que a percepção inicia por meio das
estruturas biológicas, e, com o desenvolvimento inicial da linguagem, ela passa a interpretar o
mundo também pela fala. No período de rotulação, no qual a criança utiliza da linguagem para
identificar os objetos, a percepção passa a ser controlada pelos atributos físicos isolados para
objetos e eventos rotulados em conformidade com a cultura – chamando uma bola por esse
nome num contexto que fale português brasileiro, por exemplo.

Depois do período de rotulação, os processos relacionados à fala adquirem uma nova função,
que consiste na percepção verbalizada. Esse novo estágio vai ser fundamental para o
desenvolvimento da percepção cognitiva. Esse desenvolvimento da percepção humana afasta-a
consideravelmente do que é observado nos animais (OLIVEIRA, 1993; VYGOSTSKY, 1991).

Assim, é possível conceber que a percepção humana é a percepção de objetos reais, que consiste
em entender o mundo não simplesmente constituído de cores e formas, mas que essas cores e
formas possuem um significado (VYGOTSKY, 1991).

Portanto, é necessário compreender que a percepção parte de uma base biológica definida pelo
aparato sensorial humano, mas, quando passa a ser mediada pela linguagem, adquire
significado, de maneira que a criança começa a perceber os objetos ao seu redor além dos
atributos físicos isolados, mas também compreende a relação cultural deles. Outra função
psicológica superior importante é a atenção, que tem como uma das funções a organização do
campo visual e será tratada a seguir.

Desenvolvimento da Atenção
A atenção tem como função primordial organizar o campo visioespacial e se baseia,
inicialmente, nos mecanismos fisiológicos, que vão sendo submetidos a processos de mediação
ao longo da vida dos sujeitos.

O organismo entra em contato com diversos estímulos, porém, juntamente com a atividade do
sujeito, ocorre uma seleção dessas informações para interação, o que permite uma ação
organizada do sujeito (OLIVEIRA, 1993). Essa função psicológica é importante para embasar o
uso de instrumentos (VYGOTSKY, 1991). Um exemplo no qual a atenção é importante na
educação é como a criança vai atentar-se ao professor em vez de observar as outras diversas
situações que estão ocorrendo no momento, como crianças conversando, brincando etc.

É importante apontar que as espécies nascem com alguns mecanismos de atenção, como:
atenção para determinados barulhos e sons, para mudanças de iluminação, temperatura etc.
Porém, com o decorrer do desenvolvimento, o indivíduo é capaz de dirigir sua atenção para
objetos que forem relevantes. A relevância das informações vai depender da ação que o indivíduo
estiver desempenhando e do significado atribuído por ele (OLIVEIRA, 1993). Por exemplo, uma
pessoa consegue dirigir sua atenção para uma conversa específica em um restaurante lotado
com outras pessoas conversando.

Uma das diferenças entre a inteligência prática das crianças e dos animais é que as crianças são
capazes de reconstruir sua percepção e, com o domínio da linguagem, vão adquirindo domínio
sobre sua atenção. Esse domínio tem como consequência uma reorganização da percepção, de
maneira que o campo de atenção da criança engloba uma série de campos perceptivos
(VYGOTSKY, 1991). Assim, é possível notar, como já foi dito anteriormente, que o
desenvolvimento da percepção vai servir de base para outras funções psicológicas superiores,
nesse caso, a atenção.

Contudo, mesmo com o desenvolvimento do controle voluntário sobre a atenção, os


mecanismos involuntários ainda continuam presentes no ser humano, ou seja, as pessoas ainda
se atentam para barulhos excessivos e repentinos. Mas, mesmo nesse caso, o mecanismo de
atenção involuntária pode apresentar um significado para o sujeito (OLIVEIRA, 1993). A atenção,
então, é uma função essencial para a sobrevivência da espécie, à medida que um animal
consegue se atentar para o barulho de seu predador em uma floresta com outros barulhos de
animais. Além disso, a partir do desenvolvimento da linguagem nos seres humanos, a atenção
passa a ser controlada de maneira voluntária, permitindo que os sujeitos consigam se atentar
para estímulos essenciais para sua aprendizagem. Outro processo psicológico superior essencial
para o ensino é a memória, que será tratada no tópico seguinte.

Domínio do Processo de Memória


Inicialmente é importante apontar que existem dois tipos fundamentais de memória.

A primeira a ser desenvolvida, predominante no período anterior à leitura, é a memória natural,


que está mais próxima da percepção, de maneira que surge como consequência da influência
dos estímulos sobre os seres humanos (VYGOTSKY, 1991).

A memória natural é parecida com a presente nos animais, em que há o registro involuntário de
experiências, de modo que estas serão acumuladas para uso futuro (OLIVEIRA, 1993). Um
exemplo é uma situação em que o indivíduo come uma determinada comida e passa mal. Essa
experiência é registrada para uso futuro, no qual o sujeito pode reencontrar esse alimento e não
vai consumi-lo novamente.

Porém, essa memória natural não é a única presente no ser humano, pois há outro tipo de
memória: a mediada. A memória mediada também tem relação com o acúmulo de informações,
mas o que a diferencia é a ação voluntária do indivíduo, que utiliza de elementos de mediação
para auxiliar sua lembrança (VYGOTSKY, 1991; OLIVEIRA, 1993). Essa memória é utilizada
quando, por exemplo, uma pessoa quer lembrar o telefone de outra e utiliza cadernetas ou o
próprio celular para registrar a informação.

Assim, segundo Oliveira (1993, p. 77), “A memória mediada permite ao indivíduo controlar seu
comportamento, por meio da utilização de instrumentos e signos que provoquem a lembrança
do conteúdo a ser recuperado, de forma deliberada”.

Mesmo ações simples já modificam a estrutura psicológica da memória. Essa modificação


estende a memória para além das estruturas fisiológicas e permite a incorporação de signos.
Essa incorporação é uma característica dos seres humanos e permite diferenciar as funções
elementares das funções superiores. As funções elementares são totalmente determinadas pela
estimulação ambiental, já as funções superiores têm, como principal característica, a
estimulação autogerada (VYGOTSKY, 1991), como no exemplo da anotação do telefone na
caderneta, ou seja, o próprio sujeito gerou essa estimulação para lembrar de um número.

As funções elementares podem ser geradas por um objeto presente no ambiente, enquanto a
estimulação ambiental pode ser gerada, nesse exemplo, pela memória desse objeto.

Seguindo o desenvolvimento, a memória vai tornando-se diferente e assumindo outro papel na


atividade cognitiva, de maneira que, nas fases iniciais da infância, ocupa o papel de uma das
funções psicológicas centrais a partir da qual se desenvolvem as outras funções. A memória vai
ser uma das características definitivas dos primeiros anos do desenvolvimento cognitivo
(VYGOTSKY, 1991).

Na adolescência, o processo de lembrar está ligado ao pensamento e à lógica, de forma que a


memória fica reduzida a encontrar relações lógicas, e isso mostra como esse e outros processos
psicológicos superiores vão sendo modificados ao longo do desenvolvimento do ser humano.

Neste tópico, foram abordadas as funções psicológicas superiores e a maneira como elas se
desenvolvem ao longo da vida do ser humano, partindo de uma base biológica, que consiste no
aparato fisiológico humano, passando a serem mediadas e modificadas pela linguagem. É
importante entender como Vygotsky vê esses conceitos e como sua visão se diferencia por
considerar o aparato biológico desenvolvido pela espécie e também a influência sociocultural na
estruturação dessas funções.
TEMA 3 de 4

ʪ Material Complementar

Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta


Unidade:

  Vídeos  

Teoria Histórico-cultural de Vygotsky e a Prática Educativa 

Psicologia da Educação - Teoria histórico-cultural de Vygotsky e a …


Educação e Linguagem: Lev Vygotsky – Desenvolvimento da
Linguagem 

D04 Educação e Linguagem: Lev Vigotski - Desenvolvimento da lin…

Vygotsky e a Teoria Histórico-cultural: Ensinar como um


Processo Social 

Vygotsky e a Teoria Histórico-Cultural: Ensinar como um processo …


Contribuições de Piaget e Vygotsky para a Educação  

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ʪ Referências

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